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1
PATRICIA KOLLING
A RECEPÇÃO DAS INFORMAÇÕES JORNALÍSTICAS
AMBIENTAIS DO PROGRAMA GLOBO RURAL:
OS SENTIDOS PRODUZIDOS POR AGRICULTORES FAMILIARES DO
MUNICÍPIO DE SANTA ROSA (RS)
Dissertação apresentada como requisito
para obtenção do título de Mestre no
Programa de Pós-Graduação em
Comunicação e Informação da Universidade
Federal do Rio Grande do Sul
Orientadora: Profa Dra. Ilza Tourinho Girardi
Porto Alegre,
2006
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2
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
FACULDADE DE BIBLIOTECONOMIA E COMUNICAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO E INFORMAÇÃO
A Comissão Examinadora, abaixo assinada, aprova a Dissertação “A Recepção das
Informações Jornalísticas Ambientais do Programa Globo Rural: os sentidos
produzidos por agricultores familiares do município de Santa Rosa (RS), elaborada
por Patrícia Kolling, como requisito parcial para obtenção do Grau de Mestre em
Comunicação e Informação.
Comissão Examinadora:
Profa. Dra. JIANI BONIN – PPG/ UNISINOS
Prof. Dr. FÁBIO SOUZA DA CRUZ - UCPEL.
Prof. Dr. VALDIR MORIGI – PPGCOM / UFRGS
3
AGRADECIMENTOS
Agradeço a Deus por ter me dado força e coragem para lutar até o fim.
A minha orientadora, Ilza Maria Tourinho, que muito mais que me mostrar os
caminhos a seguir na minha dissertação, plantou no meu coração novas sementes
de amor ao meio ambiente.
A minha mãe e ao meu pai, os grandes mestres da minha vida, que sempre me
apoiaram com muito amor e carinho, dando-me força e esperança.
Ao meu irmão Fábio, que rompeu fronteiras e foi muito mais longe em busca de seu
sonho, durante este período.
Ao meu namorado, Paulo Ricardo Barbosa, que um dia alimentou o sonho e hoje
colhe ao meu lado a conquista, fortalecendo-me nas lágrimas e vitórias.
A minha tia Vera, que abriu as portas da sua casa e coração para que eu pudesse
me abrigar.
Ao meus amigos: Alessandra Dezordi, Carine Massierer, Diógenes Vedoy,
Leandro Brixius, que foram meus alicerces e portos seguros nesta cidade grande,
bem como a Daiana Andrade, a Giovana Cervi e a tia Cleci Tonel de quem não
esqueci nem um minuto.
As famílias de agricultores da comunidade Lajeado Tigre, que me receberam em
suas casas de braços abertos e sem medir esforços destinaram todo tempo
necessário para responder minhas entrevistas e prestar todas as informações
necessárias. Vocês, Ezequiel, Graciele, Verônica e Celso Müller, Reni e Sélio
Demschinski e Sirlei e Valmir Taborda, Simone, Silmara, Maria e Célio Klützke
são a essência deste trabalho.
4
Aos técnicos da Emater/RS-Ascar Municipal de Santa Rosa, Celso Fanfa e
Fábio Scalco, que me auxiliaram na escolha da comunidade e dos agricultores.
A Emater/RS-Ascar por ter despertado em mim o interesse em estudar este tema.
Aos meus colegas de mestrado, pela amizade e parceria que foi das salas de aula
ao pico da Cordilheira dos Andes.
Aos professores Valdir Morigi, Christa Berger, Denise Cogo, Ana Carolina
Escosteguy, Luiz Jesus Galindo Cáceres, Nilda Jacks, Maria Helena Weber,
Sônia Caregnato e Onésimo Cardoso, que com seus conhecimentos me ajudaram
a construir esta dissertação.
Aos técnicos administrativos e secretários do PPGCOM que com sorrisos e
disposição souberam sempre me auxiliar nos momentos burocráticos.
À direção e professores do PPGCOM por terem me dado a oportunidade de
ascender mais este dregau na minha vida acadêmica.
Aos professores desta banca Jiani Bonin, Valdir Morigi e Fábio Souza da Cruz
que com serenidade avaliaram o meu trabalho.
5
AMARRA TEU ARADO A UMA ESTRELA
Se os frutos produzidos pela terra
Ainda não são
Tão doces e polpudos quanto as peras
Da tua ilusão
Amarra o teu arado a uma estrela
E os tempos darão
Safras e safras de sonhos
Quilos e quilos de amor
Noutros planetas risonhos
Outras espécies de dor
Se os campos cultivados neste mundo
São duros demais
E os solos assolados pela guerra
Não produzem a paz
Amarra o teu arado a uma estrela
E aí tu serás
O lavrador louco dos astros
O camponês solto nos céus
E quanto mais longe a terra
Tanto mais longe de Deus
6
RESUMO
Com o objetivo de verificar os sentidos produzidos sobre o meio ambiente por
agricultores familiares do município de Santa Rosa, a partir do programa de televisão
Globo Rural, este trabalho busca compreender o processo de comunicação
articulado a partir das mediações. Trata-se de um estudo de três famílias de
agricultores de uma comunidade rural, em seu cotidiano e ambiente social, através
de uma estratégia multimetodógica e qualitativa de investigação, com realização de
entrevistas, discussões de grupo e observações participantes. O referencial teórico
apresenta a conceituação e contextualização da agricultura familiar, que se alicerça
em relações com a família, trabalho e terra. Frijot Capra e David Goddmann
mostram a complexidade do sistema ambiental e sua relação com a agricultura. No
desenvolvimento da comunicação rural no Brasil, uma retomada histórica permite
identificar o Globo Rural como programa de jornalismo, de informação e difusão de
tecnologias para o agricultor. Constituindo-se como um estudo de recepção, são
Martin-Barbero, Guilhermo Orozco e Maria Imacollatta Vassalo Lopes, que
subsidiam teoricamente este espaço, influenciado pelas mediações - uma espécie
de estrutura incrustada nas práticas sociais dos sujeitos e no cotidiano das pessoas.
As mediações estudadas neste trabalho foram: o cotidiano familiar, a posição social
de classe, as mediações situacionais e institucionais. A partir da pesquisa empírica,
algumas considerações podem ser traçadas. No seu cotidiano, os agricultores, no
intenso vínculo com os recursos naturais, desenvolvem a consciência da importância
da preservação do meio ambiente. O desejo de proteger o meio ambiente confronta-
se, porém, com a resistência dos insetos, a baixa fertilidade do solo, as doenças nos
animais, as exigências de produtividade e lucratividade, ou seja, com as
determinações do sistema moderno, capitalista e competitivo de desenvolvimento da
agricultura. Manifestam sentimentos de incapacidade de agir frente aos danos
ambientais que afetam a natureza atualmente, tentam também isentar-se das
responsabilidades por esses danos. Por serem agricultores em pequenas áreas, têm
a convicção de que os danos causados ao meio ambiente por suas atividades são
significativamente inferiores aos causados pelos grandes proprietários. No cotidiano
dessas famílias, o trabalho é prioridade e à televisão é destinado o espaço das
horas vagas, principalmente como fonte de informação e conhecimento. Assistir ao
Globo Rural é alternativa para aprenderem mais e aplicarem novas técnicas à
propriedade.
Palavras-chave: Recepção, Programa Globo Rural, Agricultores Familiares e Meio
Ambiente
7
ABSTRACT
Within the main goal of checking the produced sense about the environment of
agriculture families of Santa Rosa city from Globo Rural television, this paper
searches to understand the communication process articulated from mediations. It
shows a study with three agriculture families of an agricultural community in its daily
social environment, through a multi marketing and quality strategy of investigation,
realizing group interviews, discussions and observing the participants. The theoretical
referential presents the concept and contextualizing of agricultural family, which
enhance the relations with family, land and work. Frijot Capra e David Goddmann
shows the complexity of an environmental system and its relation with agriculture. In
the development of agricultural communication in Brazil a historical retaken allows to
identify the “Globo Rural” as a journalistic program of information and technology
diffusion to the agriculturists. Constituted as reception study are Martin – Barbero,
Guilhermo Orozco e Maria Imacollatta Vassalo Lopes that subsidize theoretical this
space, influenced by mediations –a sort of incrusted structure of social practices of
citizens at the daily of the people. The mediations studied on this paper were: family
daily, social status of the segments, the institutional and situational as well. From the
empiric research some of the considerations could be traced. At the agricultural daily,
the agriculturists develop the importance of environment preservation awareness.
The desire of protecting the environment it is collated, however, with the insect
resistance, low fertility of the ground, the animal disease, the productivity demands
and profits, or either, the capitalist and competitive agriculture development. They
reveal incapacity feelings of acting front of the environmental damages that affect
nature lately trying to acquit themselves and run away from the responsibilities of
those damages. For being agriculturists on small areas they have the conviction that
the damages to the environment caused by their activities are extremely inferiors
than the ones caused by great proprietors. At the daily of these families, the work is a
priority and to the television it is given the free time, mainly as source of information
and knowledge. Watching “Globo Rural” it is an alternative to learn more and to apply
new techniques to the property.
Key words: Reception, Globo Rural Television, Agriculture Families and
Environment
8
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 – Áreas e porcentagem dos estabelecimentos familiares no
Brasil ..........................................................................................................................35
Quadro 2 – Condição de posse de terra dos agricultores de Santa Rosa...............119
Quadro 3 – Estrutura fundiária de Santa Rosa........................................................119
Quadro 4 – Estrutura e características das famílias pesquisadas..........................171
Quadro 5 – Anúncios publicitários veiculados em cada.. bloco comercial
dos programas assistidos........................................................................................192
9
LISTA DE FIGURAS
Figura 01 – Santa Rosa: localizada na região noroeste do Estado do Rio
Grande do Sul.........................................................................................................120
Figura 02- Cidade é conhecida como capital nacional da soja................................120
Figura 03 – Produção de hortigranjeiros é alternativa viável para
agricultores da região...............................................................................................120
Figura 04 – Comunidade Lajeado Tigre: localizada a leste do município de
Santa Rosa, à margem esquerda da BR 472..........................................................126
Figura 05 – Comunidade em que moram as famílias pesquisadas.........................126
Figura 06 – Agricultores confeccionam manualmente as vassouras.......................127
Figura 07 - Vassouras de palha são o principal produto produzido na
comunidade Lajeado Tigre .....................................................................................127
Figura 08 – Sorgo vassoura é a matéria prima utilizada neste artesanato..............127
Figura 09 - Família Müller: Ezequiel, Graciele, Verônica e Celso............................135
Figura 10 - Casa simples e aconchegante é a sede da propriedade
de cinco hectares....................................................................................................135
Figura 11 – Parreira e pomar são fontes de produção de frutas para a família.......136
Figura 12 –Na horta, verduras e legumes sem agrotóxicos.....................................136
Figura 13 - Vacas leiteiras são cuidadas com carinho por Verônica.......................136
Figura 14 –Frangos e suínos são fontes de proteína na propriedade.....................136
Figura 15 –Familia Demschinski: Valmir, Sirlei, Lucas, Reni e Sélio.......................148
Figura 16 – Casa da Família Demschinski...............................................................148
Figura 17 – Sélio trata os peixes: fonte de lucratividade na Semana Santa..........149
Figura 18– Valmir dedica-se à confecção das vassouras........................................150
10
Figura 19– Vacas leiteiras garantem renda mensal ................................................150
Figura 20 –Sélio e Reni Demschinski.......................................................................158
Figura 21 – Galpão guarda utensílios e lembranças do passado............................158
Figura 22 – Família Klützke: Simone, Silmara, Maria, Carlise e Célio.....................161
Figura 23 – Açudes da propriedade são fonte de renda.........................................163
Figura 24 – Célio prepara alimentação dos animais................................................163
Figura 25 –Lavouras de soja, milho e sorgo-vassoura ocupam área
principal da propriedade..........................................................................................163
Figura 26 – Logomarca programa Globo Rural........................................................173
Figura 27 – Stúdio de apresentação do Programa...................................................173
Figura 28 –Audiência ao programa na casa da Família Müller................................259
Figura 29 –Televisão em cores ocupa espaço em estante nova.............................259
Figura 30 –Audiência ao programa na casa da Família Demschinski.....................261
Figura 31 –Televisão em cores ocupa espaço na estante junto a enfeites.............261
Figura 32 –Audiência ao programa na casa da Família Klützke..............................263
11
SUMÁRIO
PREÂMBULO: ENTENDENDO E EXPLICANDO OS PORQUÊS............................15
1 INTRODUÇÃO........................................................................................................19
2 AGRICULTURA FAMILIAR: MARCADA POR MUDANÇAS.................................28
2.1 CONCEITO DE AGRICULTURA FAMILIAR........................................................33
2.2 A FAMÍLIA RURAL : Unidade de análise.............................................................42
3 O COMPLEXO VÍNCULO ENTRE AGRICULTURA E MEIO AMBIENTE.............48
4 A COMUNICAÇÃO NO MEIO RURAL BRASILEIRO............................................55
4.1 A COMUNICAÇÃO RURAL NA MÍDIA.................................................................59
4.2 O PROGRAMA GLOBO RURAL: Jornalismo para o agricultor
brasileiro.....................................................................................................................62
4.3 JORNALISMO: Função social de informar a sociedade......................................70
4.4 TELEVISÃO INTEGRADA AO COTIDIANO........................................................75
5 A RECEPÇÃO.........................................................................................................80
5.1 CARACTERIZANDO O SUJEITO RECEPTOR ATIVO.......................................84
5.2 PERSPECTIVA TEÓRICA DAS MEDIAÇÕES....................................................87
5.2.1 As mediações nesta pesquisa.......................................................................89
5.3 OS ESTUDOS DE RECEPÇÃO NO MEIO RURAL.............................................94
5.4 CULTURAS HíBRIDAS......................................................................................105
6 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS.............................................................111
7 COMUNIDADE E FAMíLIAS PESQUISADAS.....................................................118
7.1 SANTA ROSA E SUAS CARACTERÍSTICAS...................................................118
7.1.1 História do município marcada pela miscigenação étnica
e pela prática de atividades agropecuárias.......................................................122
7.1.2 Características geográficas do município..................................................124
12
7.2 A COMUNIDADE LAJEADO TIGRE: Sede da Pesquisa ..................................125
7.2.1 Questionário exploratório apresenta alguns dados sobre a
comunidade............................................................................................................129
7.3 AS FAMÍLIAS.....................................................................................................133
7.3.1 Família Müller.................................................................................................133
7.3.1.1 A casa e a produção.....................................................................................134
7.3.1.2 O meio ambiente..........................................................................................138
7.3.1.3 Recordando o passado, comparando o presente........................................141
7.3.1.4 O dia-a-dia....................................................................................................144
7.3.2 Família Demschinski.....................................................................................146
7.3.2.1 A casa e a produção.....................................................................................147
7.3.2.2 O meio ambiente..........................................................................................152
7.3.2.3 Recordando o passado, comparando o presente........................................155
7.3.2.4 O dia-a-dia....................................................................................................157
7.3.3 Família Klützke..............................................................................................160
7.3.3.1 A casa e a produção.....................................................................................162
7.3.3.2 O meio ambiente..........................................................................................165
7.3.3.3 Recordando o passado, comparando o presente.......................................167
7.3.3.4 O dia-a-dia....................................................................................................169
8 OS PROGRAMAS GLOBO RURAL ASSISTIDOS..............................................172
8.1 PROGRAMA 1....................................................................................................172
8.2 PROGRAMA 2....................................................................................................176
8.3 PROGRAMA 3....................................................................................................183
8.4 ANÚNCIOS PUBLICITÁRIOS APRESENTADOS DURANTE O PROGRAMA.191
9. OS SENTIDOS PRODUZIDOS............................................................................195
13
9.1 AS MEDIAÇÕES DO COTIDIANO FAMILIAR E O TRABALHO NA
PRODUÇÃO DE SENTIDOS..................................................................................195
9.1.1 A televisão e o Globo Rural no cotidiano das famílias..............................197
9.1.2 Cotidiano, meio ambiente e informações...................................................201
9.1.3 Uso de agrotóxicos e de alternativas naturais no cotidiano dos
agricultores.............................................................................................................204
9.1.3.1 Comerciais de produtos químicos................................................................212
9.1.4 Agricultura ecológica e sementes transgênicas no cotidiano de
trabalho dos agricultores......................................................................................214
9.1.5 As condições climáticas e períodos de estiagem na vida dos
agricultores............................................................................................................218
9.1.6 A consciência ambiental dos agricultores e as dificuldades de
preservação no cotidiano......................................................................................221
9.2 MEDIAÇÃO POSIÇÃO SOCIAL DE CLASSE....................................................232
9.2.1 A posição e lugar social do agricultor familiar...........................................233
9.2.1.1 Os períodos de estiagem relacionados à destruição do meio ambiente......240
9.2.2 Os sentimentos e sentidos ambientais dos agricultores sobre
grandes projetos implantados pelo governo......................................................242
9.2.3 Agricultores em posição de quem não tem estudo e conhecimento.....246
9.2.4 As matrizes culturais determinando o lugar ou posição social
ocupada pelos agricultores...................................................................................247
9.2.4.1 A alimentação e a saúde das famílias rurais considerando o cotidiano
e os costumes herdados.........................................................................................248
9.2.4.2 Doenças, “pragas” e poluição de ontem e de hoje......................................252
9.2.4.3 A tradição do trabalho e os valores morais determinam prioridades
14
frente a formas de lazer e na audiência televisiva..................................................255
9.3 MEDIAÇÃO SITUACIONAL...............................................................................258
9.3.1 O dia de audiência ao Globo Rural..............................................................264
9.3.2 A credibilidade ao Globo Rural....................................................................269
9.4 MEDIAÇÃO INSTITUCIONAL............................................................................270
9.4.1 Cooperativas Agropecuárias oferecem informações e insumos.............271
9.4.2 Emater/RS-Ascar: relação de confiabilidade..............................................273
9.4.3 Televisão e rádio: fontes de informação.....................................................274
9.4.4 Conversas diárias na família e rede de sociabilidade...............................275
10 CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................................279
REFERÊNCIAS........................................................................................................291
15
PREÂMBULO: ENTENDENDO E EXPLICANDO OS PORQUÊS
Durante todo o mestrado, questionei-me inúmeras vezes sobre o meu
interesse em pesquisar o meio rural e procurei explicações para este desejo de
estudar e compreender um espaço, com o qual tenho um contato bastante restrito.
Quando produzi o pré-projeto para a seleção do mestrado, trabalhava na Associação
Riograndense de Empreendimentos de Assistência Técnica e Extensão Rural/
Associação Sulina de Crédito e Assistência Rural (Emater/RS-Ascar), no município
de Santa Rosa. Durante o mestrado, com a não obtenção de uma licença para fazer
o curso, tive que me afastar da empresa. Minha vontade de entender as formas de
pensar dos agricultores do interior do município de Santa Rosa, Rio Grande do Sul
(minha cidade natal), porém, não diminuiu. Talvez até tenha aumentado - tanto que
futuramente pretendo continuar pesquisando o assunto em uma tese de doutorado.
Após muitas reflexões, descobri nas vivências da minha infância, nos valores
herdados das gerações passadas e no contato com o meio rural, transmitido pelas
origens rurais de meus pais e avós maternos, os sentidos para o meu interesse em
estudar este espaço.
Só morei no meio rural nos primeiros meses da minha vida, antes de
completar um ano idade. Uma vivência de que não me recordo, mas que talvez
tenha plantado no meu inconsciente o gosto pelo cheiro da terra e da natureza, as
lembranças do silêncio das madrugadas e do cantar das aves ao amanhecer.
Enquanto meu contato foi restrito, os meus avós maternos tiveram sua essência e
sua vida construída nesse meio e, até hoje, é da atividade agropecuária que tiram
seu sustento.
16
Foi meu avô e minha avó Dezordi que despertaram em mim a paixão por
estas coisas rurais. O velho Nercy Dezordi é um homem difícil de descrever: um
homem muito trabalhador, - o dia que parar morre - ético, correto e que tem na
natureza a sua vida. Recordo-me, desde a infância, deste homem trazendo com
orgulho para nós, os netos, as mais belas e saborosas frutas produzidas no quintal
da propriedade. Que delícia! E o leite, tirado das vacas da fazenda, que o velho
Dezordi, até hoje, distribui para toda a família. Sem esquecer das mandiocas, os
milhos, as batatas, produzidos, com muito carinho, por suas mãos calejadas.
Lembro-me também da horta que ele, com a ajuda da minha avó, sempre manteve.
Ali, havia rúcula, alface, repolho, cenoura, beterraba. “Tudo natural, sem veneno”,
dizia meu avô, com orgulho. E minha avó, Ondina - a pessoa mais bondosa e
dedicada aos outros que já conheci – sempre adorou lidar na horta, arrancar um pé
aqui, outro ali, tirar uma abóbora, recolher um chá. Recordo dela também
descascando figos e laranjas para fazer a verdadeira “chimia” - como os
descendentes de alemães da região noroeste do Estado chamam - um tipo de geléia
muito saborosa feita com pedaços de frutas. Falo em um passado, misturado com
presente, pois hoje meus avós residem no Mato Grosso, e mesmo ainda
dependendo do meio rural e produzindo muitos produtos para o sustento da família,
moram distantes de mim. Dessa forma, as lembranças mais próximas e marcantes
no meu coração são aquelas que ficaram da infância, época em que moravam aqui,
pertinho, e o contato era freqüente.
Como esquecer dos finais de semana que íamos lá “pra fora”, ou seja, para
uma das propriedades rurais que o Dezordi tinha na região, que chamávamos de
“granja do vô” e “olaria”. Era hora de comer fruta no pé, sujar os pés na terra, de ir
olhar o gado, de acordar com o canto das aves, de se assustar com alguns bichos
17
que na cidade não havia, de comer milho verde, de fazer caldo de cana, de ajudar a
fazer melado, de correr atrás das galinhas. Não há, sinceramente, como apagar
essas lembranças do coração. Não há dúvidas de que a essência do meu desejo de
entender o meio rural está nos meus avós maternos, que me ensinaram a amar e
respeitar a natureza e o espaço rural, e de que é no meu sangue e nas tenras
lembranças da minha infância que estão os alicerces para este trabalho.
Por ironia do destino, melhor dizendo, por ação divina, após cursar jornalismo,
acabei voltando a Santa Rosa. Logo que cheguei, o interesse pelo meio rural
começou a me despertar atenção. Como uma região dependente economicamente
do setor agropecuário e com grande número de agricultores não tinha nenhum jornal
específico para este segmento? Com espírito aventureiro de jornalista recém
formada, criei, juntamente com um sócio- meu namorado - um jornal para este
público. Força da Terra se chamava o jornal, e era isto que representava, pois
visitamos todos os recantos rurais da região, ouvindo o que agricultores e
agricultoras tinham a dizer. Um jornal que financeiramente representou para mim um
grande prejuízo (atuei muito como jornalista e pouco como administradora), mas que
me ofertou vivências únicas e ricas no meio rural. Foi através desse jornal que tive
as minhas primeiras experiências no papel de jornalista, junto aos agricultores. Uma
posição diferente daquela de neta, que só tinha a admirar e aproveitar, mas uma
experiência de profissional responsável, que tinha a função de levar a voz e a força
dos agricultores para os vários recantos do Brasil e a missão de informá-los sobre o
que acontecia no mundo. Uma experiência que não tem preço, pelo conhecimento
adquirido.
O jornal me abriu as portas para que ingressasse na assessoria de imprensa
da Emater/RS-Ascar. Ali, novamente, outra posição, outro missão, outro trabalho.
18
Uma posição reconhecida com respeito pelos agricultores, no exercício de uma
atividade gratificante, e que me permitiu conhecer e valorizar cada vez mais o
mundo rural. Trabalhei na empresa em um tempo em que se incentivava os
agricultores a produzirem ecologicamente, sem o uso de agrotóxicos e fertilizantes
solúveis, com mais qualidade de vida e menor dependência de empresas externas.
Entendi nesse trabalho que a vida no campo está diretamente ligada e dependente
do meio ambiente, como também que o trabalho rural não é fácil, mas, sofrido e
muitas vezes desestimulante.
O trabalho de jornalista não me foi suficiente, quis pesquisar para entender
melhor os pensamentos, ações e sentidos desses agricultores, pois sempre me
perguntei: será que os agricultores compreendem as mensagens que nós,
jornalistas, tentamos transmitir a eles? O mestrado me permitiu desenvolver este
trabalho e compreender melhor o cotidiano destes agricultores e os sentidos que
produzem, integrados ao meio ambiente e a sua vida familiar.
19
1 INTRODUÇÃO
O meio rural brasileiro passou nas últimas décadas por uma série de
transformações econômicas, sociais, culturais e ambientais. Com a modernização da
agricultura, a partir da década de 40, o sistema tradicional de produção,
caracterizado pela policultura
1
, em pequenas propriedades e com mão-de-obra
familiar, foi substituído por uma agricultura moderna, baseada na monocultura
2
e no
uso intensivo de máquinas, implementos
3
, equipamentos e insumos
4
industriais.
A modernização e tecnificação da agricultura, que no Estado do Rio Grande
do Sul fortaleceu-se com a chegada da soja e do trigo, introduziu os agricultores no
universo da produção capitalista, que visava ao aumento da produtividade e da
lucratividade dos produtos agrícolas. Foram favorecidos, nesse processo, os
agricultores com maior disponibilidade de terras e recursos financeiros, enquanto
que os pequenos produtores, já nas primeiras crises, com quedas de preços e
frustrações de safras, ficaram descapitalizados e empobrecidos. Muitos tiveram que
abandonar ou vender suas terras e migrar para as cidades - provocando um intenso
êxodo rural - e/ou mudar-se para outras regiões do país. Os agricultores que
permaneceram buscaram alternativas para a sobrevivência da família.
Foi recuperando métodos antigos e diversificando a produção, através do
cultivo de frutas, criação de aves, produção de leite e da agroindustrialização
5
, que
estes pequenos agricultores tiveram condições de permanecer no campo. Constitui-
1
Policultura – modalidade de agricultura que utiliza atividades diversificadas e exercidas simultaneamente, envolvendo o
cultivo de plantas e/ou criações (COSTA, 2003, p. 320).
2
Monocultura – Cultivo de uma só planta que exclui outros tipos de exploração da terra. Como agroecossistema, é
extremamente simplificado, instável e vulnerável à competição e ao parasitismo (COSTA, 2003, p. 272).
3
Implemento - apetrecho , usado no campo, acoplado a uma maquina que o traciona (COSTA, 2003, p. 214).
4
Insumos – conjunto de fatores de produção que um bem de consumo necessita para ser produzido. Em agricultora tais
fatores são representados pelas sementes, fertilizantes e produtos utilizados para o controle de insetos, fungos e doenças
(COSTA, 2003, p. 218).
5
Agroindustrialização – criação de agroindústrias – conjunto de atividades industriais voltadas para a produção de insumos
agrícolas ou para a transformação de produtos originários do campo (COSTA, 2003, p. 18)
20
se, assim, um grupo de agricultores, que se convenciona denominar nesta pesquisa
de agricultores familiares
6
.
Além dos prejuízos econômicos e sociais, a modernização agrícola levou à
exploração excessiva dos recursos naturais e à intensa degradação do meio
ambiente. A civilização técnico-industrial criou um sistema de cultura e utilização da
terra que ultrapassa o equilíbrio durável da natureza, ou seja, que vai além dos
limites sustentáveis dos recursos naturais. A monocultura e o uso de técnicas para o
aumento da produtividade provocaram a simplificação do sistema vivo,
fragmentando ciclos biológicos e rompendo com a diversidade, que na natureza é
sinônimo de estabilidade.
Este mesmo meio ambiente, que sofre os efeitos de uma exploração
agropecuária excessiva, contínua sendo a maior fonte de recursos para a produção
de alimentos. As máquinas são auxiliares do homem, mas são os fatores da
natureza (clima, solo, ciclos produtivos, sementes, animais, variedades genéticas) as
bases do processo agropecuário. Considerando esses aspectos, que fazem da
agricultura a atividade produtiva que mais depende e se aproxima da natureza, os
agricultores sentem diretamente os efeitos do desequilíbrio ambiental, com solos
sem fertilidade, águas poluídas e alimentos contaminados por agrotóxicos. Assim, a
agricultura, o meio ambiente e o homem estão diretamente interligados e
interdependentes.
Foi através de sistemas de comunicação que os processos de difusão
tecnológica ganharam expressão no meio rural, persuadindo e transformando
pensamentos e ações dos agricultores. A comunicação rural, compreendida, como
aquela existente entre as organizações formais e a população rural, teve início no
Brasil por volta de 1940, com o serviço de extensão rural. Ao longo de sua trajetória,
6
Agricultores familiares – este termo será explicado e conceituado no capítulo seguinte.
21
a comunicação rural, alinhada à perspectiva funcionalista, preocupou-se, através do
difusionismo, em divulgar novas tecnologias na tentativa de modernizar a agricultura.
A eletrificação rural proporcionou a chegada da televisão nos lares dos agricultores e
despertou a atenção dos meios de comunicação. A partir da década de 70,
emissoras de televisão e rádio e editoras de revistas e jornais começaram a se
interessar pelos agricultores como público alvo para seus produtos.
Em 1979, a Rede Brasil Sul de Comunicações (RBS), na época TV Gaúcha,
afiliada da Rede Globo criou o programa Campo e Lavoura e, em 1980, foi ao ar, em
rede nacional, pela Rede Globo, o Programa Globo Rural. Estes produtos dos meios
de comunicação, que têm o apoio publicitário de grandes empresas de máquinas,
agroquímicos, fertilizantes, sementes e equipamentos agrícolas, buscam destacar
principalmente a importância que a modernização do setor agropecuário tem
conquistado nos últimos anos. São fontes de informação da população rural, como
também de difusão de novas tecnologias. O rádio e a televisão são os meios com
maior expressão entre os agricultores, pois podem ser facilmente acessados, sem a
necessidade de se realizar a assinatura e/ou depender da distribuição de material
impresso, bastante restrito no meio rural. Muitas vezes, são a única forma de contato
do agricultor com o mundo externo, gerando sentidos e influências significantes na
vida da família rural.
Na recepção das informações, transmitidas tanto pelos meios de
comunicação como por outras fontes, o público rural manifesta algumas
particularidades, principalmente por ser atuante em uma atividade complexa e
diretamente ligada ao meio ambiente. Além disso, fatores como o contexto social e
histórico, as características do cotidiano, o relacionamento familiar, as instituições
que agem no meio rural e os constantes processos de mudanças por que passaram
22
os agricultores nos últimos anos também influenciam no processamento das
informações apresentadas pelos meios de comunicação.
Os sentidos produzidos na recepção, espaço da comunicação escolhido
para a realização deste estudo, não são homogêneos diferem-se entre famílias,
pessoas e comunidades. A relação com a mídia é multilateral e multidimensional, em
que os produtores das informações, como receptores, participam com um repertório
de informações, discursos, vivências, histórias passadas e presentes. Também
interferem no processo de recepção a cultura e os costumes de cada um, as demais
instituições da sociedade, o cotidiano e a situação de recepção. A recepção das
informações é, então, constituída por múltiplas mediações, que são estruturas que
estão incrustadas nas práticas sociais e no cotidiano da vida das pessoas.
Tais características despertaram a curiosidade e o interesse de pesquisar e
entender o processo de recepção e é, neste contexto, que se insere a problemática
deste trabalho, que consiste nas seguintes questões: Quais os sentidos produzidos
pelos agricultores familiares do município de Santa Rosa sobre o meio ambiente, a
partir da recepção do programa de televisão Globo Rural? Como as mediações
interferem no processo de produção desses sentidos?
O trabalho tem como objetivo geral compreender quais os sentidos
produzidos sobre o meio ambiente pelos agricultores familiares a partir de
informações apresentadas no programa televisivo Globo Rural.
Os objetivos específicos são os seguintes:
a) Verificar os usos feitos pelos agricultores das informações ambientais
veiculadas pelo programa Globo Rural.
23
b) Identificar como as mediações do cotidiano familiar, posição social de
classe, institucional e situacional participam no processo de produção de
sentidos sobre o meio ambiente.
c) Analisar como os agricultores percebem a relação entre as práticas
agropecuárias apresentadas pelo programa Globo Rural e a degradação
do meio ambiente.
d) Identificar quais os motivos que levam os agricultores a assistirem o
programa Globo Rural.
Escolhi como público a ser pesquisado três famílias da comunidade rural
Lajeado Tigre, do município de Santa Rosa, noroeste do Rio Grande do Sul, por
caracterizarem-se pela prática de uma agricultura familiar, em minifúndios
7
, com
produção em pequena escala e mão-de-obra familiar.
O programa Globo Rural foi eleito para este estudo por apresentar quase que
exclusivamente informações ligadas ao setor primário, que de uma forma ou outra
trazem embutidas em seu conteúdo o aspecto ambiental. O Globo Rural foi o
programa agropecuário mais citado pelas famílias rurais em pesquisa exploratória
realizada anteriormente. Ele é transmitido aos domingos, a partir das 8 horas,
horário em que as famílias já acordaram, ordenharam os animais e, no caso desta
pesquisa, estão disponíveis para a ele assistir.
A importância deste trabalho se justifica por diversos aspectos. O primeiro
deles está relacionado ao fato de que os agricultores familiares representam um
grupo expressivo no Rio Grande do Sul e que suas atividades produtivas são
responsáveis pela produção da maior parte dos alimentos que vão para a mesa da
7
Minifúndio - pequena propriedade rural na qual são quase sempre praticadas culturas de subsistência e de baixo padrão
tecnológico. Corresponde, via de regra, a um imóvel cuja área é inferior a um módulo. Módulo rural é unidade de medida
agrária que corresponde a uma área agricultável em que uma família, de força de trabalho equivalente a quatro pessoas pode
subsistir e progredir, dispondo de razoável tecnologia local. As dimensões do módulo variam de acordo com a região do Brasil.
(COSTA, 2003, p. 269).
24
população gaúcha. Nas últimas décadas, a população rural deixou de estar isolada
em distantes comunidades, para ter acesso à informação e a modernas tecnologias.
Apesar de restrito - se comparado com o acesso que a população urbana possui aos
meios de comunicação - sem dúvida alguma, a mídia junto a outras instituições,
como extensão rural e cooperativas, tem influenciado significativamente na
informação, conhecimento e formação de opinião dos agricultores. Esta população
rural vive a particularidade da vida e do trabalho em família e, apesar da baixa
escolaridade, são pessoas com um imenso conhecimento herdado dos
antepassados e construído através das complexas atividades da vivência diária.
Essas características, como já foi colocado anteriormente, fazem da população de
agricultores familiares um grupo singular, que manifesta características particulares
no processo de recepção, e torna-os fontes interessantes de informação.
A população rural é consumidora de produtos agropecuários, de alimentos,
roupas e de produtos de comunicação. Para atender as suas demandas é
necessário conhecer suas necessidades, comportamentos, atitudes e os sentidos
que produzem. Assim, para que a divulgação de informações jornalísticas,
campanhas publicitárias e de conscientização sobre a importância da preservação
ambiental tenham seus objetivos alcançados, sendo compreendidas e incorporadas
pelos receptores, é fundamental que seus produtores entendam as particularidades
do processo de decodificação das mensagens e o contexto do processo de
recepção. Por isso a necessidade de entender a forma de pensar e agir de quem
vive no meio rural.
O aspecto ambiental, diretamente relacionado à vida e ao contexto dos
agricultores, é debatido intensamente na sociedade atual, principalmente pelos
grandes desastres ambientais que têm acontecido em todo o mundo. As atividades
25
agropecuárias são consideradas, muitas vezes, as principais responsáveis por esses
desequilíbrios, e os agricultores são alvo de muitos programas de preservação
ambiental. O discurso de muitas instituições que interagem no meio rural, como a
Emater/RS-Ascar, as cooperativas, as escolas e também os meios de comunicação
incorporam a temática ambiental. Estes, apesar de, geralmente, não analisarem com
profundidade os temas relacionados ao meio ambiente, destinam um espaço
expressivo ao assunto.
Diante dessa situação, como o agricultor - colocado, muitas vezes,
injustamente, como culpado pelos danos ambientais, e ao mesmo tempo
dependente dos recursos naturais para sobreviver - se posiciona? A maioria das
pesquisas de comunicação voltadas para as questões ambientais estão
empenhadas em analisar projetos, programas ou veículos de comunicação, porém
não buscam conhecer as percepções do receptor sobre o meio ambiente e suas
dificuldades cotidianas.
Essas observações e reflexões, que me acompanham desde o tempo em
que trabalhava como jornalista na Emater/RS-Ascar de Santa Rosa, aumentaram
meu interesse em buscar argumentos no receptor, vinculando a questão rural à
ambiental. Acredito que este trabalho poderá servir como balisador para muitas
outras pesquisas na área de comunicação relacionadas ao meio ambiente, como
também poderá ser utilizado como fonte de informação por programas de
preservação ambiental, realizados por instituições públicas e privadas ou
organizações não governamentais. Espero poder apresentar subsídios que auxiliem
a melhorar a qualidade dos programas e cadernos dos meios de comunicação,
voltados ao meio rural, bem como da publicidade, tendo em vista os interesses e
necessidades do público receptor e não somente dos emissores.
26
No campo acadêmico busco suprir uma lacuna deixada pelos estudos de
recepção realizados junto à população do meio rural, com a recuperação, em
profundidade, dos sentidos produzidos sobre o meio ambiente. São diversos os
estudos de recepção realizados junto à população rural - principalmente de
telenovelas e programas jornalísticos – porém, nenhum prioriza, como este, a
recepção das informações ambientais, tão interligadas a vida dos agricultores.
A dissertação está estruturada em 10 capítulos. No primeiro, apresento a
contextualização histórica e social do ambiente da pesquisa, como também o
problema, os objetivos e a justificativa do trabalho. O segundo capítulo recupera a
história e o contexto de desenvolvimento da agricultura no Brasil e no mundo e
conceitua a agricultura familiar. O terceiro trata da complexidade dos sistemas
ambientais e seus vínculos com a agricultura. O quarto capítulo aborda o
desenvolvimento da comunicação no meio rural, como também as características do
Programa Globo Rural e do gênero jornalístico na função de informar os agricultores.
As características da audiência televisiva, incrustada nas praticas cotidianas, são
também nele examinadas. O quinto apresenta o processo de recepção das
informações, mostrando o receptor como um sujeito ativo, que interage com as
mensagens num processo de negociação de sentidos. Neste capitulo, destaco as
mediações estudadas na pesquisa, como também mapeio alguns estudos de
recepção da televisão realizados no meio rural. Dois trabalhos são citados, em
especial pelas contribuições que trouxeram a esta pesquisa e pelas lacunas que
indicam a necessidade de outros estudos. No sexto capítulo, estão os
procedimentos metodológicos utilizados na pesquisa empírica. O sétimo caracteriza
o município, a comunidade e as famílias que constituem a amostra analisada. O
oitavo apresenta resumidamente os programas Globo Rural assistidos com os
27
agricultores, como também os anúncios publicitários veiculados nos intervalos
comerciais. O nono capítulo, que considero o mais importante, traz os resultados da
pesquisa empírica realizada com os agricultores, apresentando os sentidos
produzidos mediados pelo cotidiano familiar, posição social de classe, situação de
recepção e instituições participantes. No décimo estão as considerações finais.
28
2 AGRICULTURA FAMILIAR: MARCADA POR MUDANÇAS
A atual agricultura familiar é herdeira de características da colonização do Rio
Grande do Sul, por isso a necessidade de recuperar a história para sua
contextualização. Foi com a chegada dos imigrantes europeus, principalmente
alemães, a partir de 1824, e dos italianos, em 1875, que a agricultura começou a ter
expressão no Rio Grande do Sul (BRUM, 1988). Os imigrantes primeiro instalaram-
se na região serrana e depois migraram também para as regiões do Alto Uruguai e
Missões, localizadas no noroeste do Estado. A agricultura desenvolvida por essas
famílias, base da atual agricultura familiar, tinha como características principais: a
pequena propriedade que, com a partilha por hectares entre herdeiros, deu origem
aos minifúndios; a prática da policultura, com o cultivo de relativa variedade de
produtos e criação de animais, destinados ao abastecimento da família e o
excedente à comercialização; a utilização dos recursos naturais, ou seja, da
fertilidade natural do solo; e o uso de mão-de-obra direta dos membros da família.
A pequena extensão de terras das propriedades e a existência de famílias
numerosas - que devido à partilha de herança tornavam as propriedades ainda
menores - forçaram uma exploração excessiva do solo, o que provocou rápido
esgotamento da fertilidade natural, chegando em muitos casos à quase exaustão
(BRUM, 1988). Esses fatores, acrescidos da contínua transferência de renda dos
agricultores para os comerciantes e industriais, através das diferenças nos preços
dos produtos – preços baixos para os produtos agrícolas que o agricultor vendia e
preços elevados para bens que a família rural adquiria no comércio – levaram à
estagnação e declínio da agricultura tradicional
8
, a partir da década de 50.
8
Brum (1988) conceitua a agricultura tradicional como atividade que se baseava na utilização intensa dos recursos naturais e
da mão-de-obra direta (família). A produção era diversificada, com objetivo primeiro de oferecer a alimentação da família,
sendo o excedente destinado a comercialização. Era praticada em pequenas propriedades, os instrumentos de trabalho eram
29
Paralelamente ao estrangulamento da agricultura tradicional, fortalecia-se a
nível mundial um intenso processo de modernização da agricultura, que através da
tecnificação e mecanização das práticas agrícolas, buscava aumentar a
produtividade e a lucratividade no setor primário (BRUM, 1988). A modernização da
agricultura, que teve grandes influências no Brasil e especialmente, no Estado do
Rio Grande do Sul e se intensificou a partir do final da Segunda Guerra Mundial
(1939-1945), estava integrada a todo um processo de modernização econômica,
fortalecimento do capitalismo monopolista internacional, aumento do poder das
empresas multi e transnacionais, avanços tecnológicos e científicos. Com a
agricultura moderna intensificou-se o uso de máquinas, implementos, equipamentos
e insumos e instituiu-se a monocultura. A busca pelo desenvolvimento rural,
integrado à chamada Revolução Verde, introduziu, através de um processo de
extensão agrícola, novas e modernas tecnologias de plantio, cultivo e colheita.
Fortaleceram-se no campo a empresa rural e as relações capitalistas e,
conseqüentemente, modificaram-se as relações sociais na produção, o que implicou
numa maior integração do produtor e da produção no mercado e nas racionalidades
do lucro
9
.
No Rio Grande do Sul, o processo de modernização da agricultura se
configura principalmente a partir da década de 40, com a introdução do trigo, e na
década de 60, com a soja. Para o cultivo da soja e do trigo o Estado fornecia apoio,
simples (manual ou a tração animal), as técnicas de preparação do solo, cultivo e colheita eram fruto da experiência,
transmitida de uma geração a outra, aperfeiçoadas lentamente. A sabedoria da vida e do trabalho tinham grande valor. Na fase
da agricultura tradicional a economia apresentava elevado grau de integração local, tanto em nível de município como em nível
de distrito, povoado e região. Os instrumentos utilizados na agricultura e outros bens eram produzidos em serrarias, olarias,
marcenarias das próprias localidades. Assim como a produção agrícola era beneficiada em vistas ao consumo, em moinhos,
engenhos e indústrias caseiras locais (BRUM, 1988).
9
Brum (1988) ressalta que com a modernização da agricultura acontece no campo a chamada industrialização da agricultura,
sendo esta uma atividade empresarial e um importante mercado para máquinas e insumos modernos produzidos pela indústria.
Estreitam-se os laços com indústria e também com o setor financeiro. A agricultura moderna é intensamente dependente do
uso do petróleo, como fonte de energia básica, da utilização intensiva de instrumentos mecânicos sofisticados e do uso de
insumos químicos. As tecnologias modernas permitem a expansão das áreas produtivas, fazendo com que terras antes
consideradas improdutivas, com a deposição de fertilizantes, tornem-se zonas altamente produtivas (BRUM, 1988).
30
através de pesquisas e industrialização, destinava crédito fácil com juros baixos e a
garantia de preços estáveis. Isso porque, de acordo com Argemiro Jacob Brum
(1988), o mundo estava começando a demandar esses produtos na sua
alimentação, e o país estava interessado na exportação. Além disso, as condições
regionais, de clima e solo, eram favoráveis à produção dos novos produtos e havia
grandes interesses das cooperações transnacionais em expandir no Brasil o
mercado de insumos, máquinas e equipamentos agrícolas.
Para os agricultores, conforme Brum (1988, p. 76) “mais forçados pelas
circunstâncias do que por opção própria”, a alternativa era abrir mão da policultura e
das técnicas tradicionais de produção para dedicar-se à soja e ao trigo, cultivados
com técnicas modernas. Os agricultores estavam descapitalizados, as terras
estavam sem fertilidade e esgotadas, a produção agrícola estava em declínio, os
preços pagos aos produtos eram baixos e o governo não oferecia apoio à agricultura
diversificada e em pequena escala (BRUM, 1988). Através do cultivo da soja e do
trigo, o agricultor poderia ter acesso a créditos e assim adquirir máquinas e
implementos agrícolas modernos, como também calcário e adubos para
recuperação das terras. Assim, os pequenos e médios produtores ingressaram na
produção modernizada, integrando um mercado amplo e competitivo sobre o qual
não tinham nenhum poder de decisão (BRUM, 1988).
A combinação entre soja e trigo, sendo uma cultivada no verão e outra no
inverno, teve expansão acelerada nas regiões do Planalto, Missões e Noroeste do
Rio Grande do Sul. Entre 1968 e 1981, houve um incremento de 1.075% na área
cultivada e de 2.188% na quantidade de soja produzida.
A realização de uma agricultura moderna e produtiva, baseada no binômio
soja e trigo, que parecia perfeita e lucrativa para todos, não tardou a enfrentar as
31
primeiras crises, já no final dos anos 70. A queda mundial no preço dos produtos
primários e a elevação dos preços dos produtos industrializados, dos combustíveis e
dos insumos agrícolas, aumentando o custo de produção, desestabilizaram a
economia regional. Também se elevaram os juros bancários e os preços dos artigos
de consumo. Além disso, diversas frustrações de safras, devido a variações
climáticas, atingiram as lavouras gaúchas de soja e trigo a partir de 1978.
Muitas unidades de produção familiar não conseguiram adaptar-se à
economia de produção em alta escala e superar as dificuldades das crises, entrando
em processo de endividamento, como observa Ademar Ribeiro Romeiro (1998,
p.170):
As unidades de produção familiar não conseguiram acumular um
capital suplementar além do estritamente necessário para cobrir as
amortizações. Deste modo tendiam a se endividar
progressivamente, tanto mais por serem obrigados a comprar cada
vez mais insumos e equipamentos modernos para sobreviver.
Nesse contexto, os agricultores que não conseguiram incorporar o progresso
técnico, adequar-se às economias de escala na produção ou que não conseguiram
superar as crises, principalmente aqueles com pequenas áreas e pouco capital,
viram-se obrigados a abandonar e/ou vender suas terras e migrar para as cidades
ou outras regiões, como o Centro-Oeste do país. Paralelamente, fortaleceu-se um
processo de concentração de terras nas mãos dos produtores mais capitalizados,
que com recursos financeiros conseguiram enfrentar as crises e adquirir terras dos
agricultores endividados, fortalecendo a empresa rural e as relações de produção
moderna (BRUM, 1988).
Os pequenos agricultores que permaneceram no meio rural, empobrecidos e
descapitalizados, tentaram manter a sobrevivência da família, integrando técnicas
modernas e tradicionais e diversificando a produção. Alternativas de produção, como
32
o leite, os suínos, a fruticultura, as aves, a agroindustrialização, começaram a se
fortalecer entre esses pequenos produtores. A maioria deles não abriu mão
totalmente do cultivo da soja e do trigo, mas integrou outros produtos agrícolas e
atividades (até não-agrícolas) à propriedade. Sérgio Schneider (1999) caracteriza
esse processo de pluriatividade na agricultura, que redefiniu a produção das
pequenas propriedades rurais e alterou a estratégias de reprodução das famílias
rurais, mediante a crescente participação de fontes de rendas não-agrícolas (como
turismo, artesanato, comércio, prestação de serviços) nas unidades familiares.
Através da diversificação das propriedades, o agricultor não deixou, porém,
de estar submisso ao capital, aos interesses da indústria e dependente do mercado
(ROMEIRO, 1998). O agricultor precisou especializar-se e buscar apoio técnico para
modernizar a produção e atender aos padrões exigidos pelo mercado consumidor,
pois é com a comercialização dos produtos que ele garantiria a sobrevivência da
família. A organização da produção passou a ser imposta de fora, alteraram-se as
relações de trabalho nas propriedades: a divisão do trabalho se aprofundou, as
operações se padronizaram e a produção passou a ser regida por normas bem
definidas. Romeiro (1998, p. 173) justifica a situação:
A extração crescente da mais-valia através da manipulação dos
preços só é possível se o produtor modernizar a produção seguindo
um padrão tecnológico que convém ao capital, não apenas porque
aumenta a produtividade, mas porque aliena o produtor do controle
do processo de trabalho, tal como acontece com o operário
industrial.
Nesse caso, a única diferença do operário industrial é que na agricultura o
produtor não depende dos meios de trabalho, mas da fixação desses meios em uma
determinada produção. Na verdade, observa Romeiro (1998), o único poder que
permanece nas mãos dos agricultores é o de determinar, no ciclo de
33
desenvolvimento da matéria viva, o momento preciso e a maneira correta de intervir.
Poder este ameaçado pelos avanços recentes na área da biotecnologia, que abrem
perspectivas de controle total da natureza e a submissão completa do agricultor
(ROMEIRO, 1998). As biotecnologias começam a provocar nos últimos anos uma
nova revolução no meio rural, marcando, no dizer de Goddmann et al. (1990), o
avanço generalizado na manipulação industrial da natureza.
2.1 CONCEITO DE AGRICULTURA FAMILIAR
Após contextualizar histórica e socialmente o grupo de agricultores, que nesta
pesquisa convenciona-se chamar de agricultores familiares (referidos em outras
bibliografias também como camponeses ou colonos), busco conceituar o grupo.
Nesta pesquisa, utilizasse como base a conceituação empregada pelo Projeto de
Cooperação Técnica do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
(INCRA) e da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação
(FAO) (2000), que, a partir de um estudo, com base nos dados do Censo
Agropecuário do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 1995/96,
caracteriza a agricultura familiar diferenciando-a da agricultura patronal. Um conceito
difícil de ser elaborado, segundo Projeto de Cooperação Técnica INCRA/FAO
(2000), devido à complexidade do universo agrário, tanto em função da grande
diversidade da paisagem agrária (meio físico, ambiente, variáveis econômicas etc.),
como em virtude da existência de diferentes tipos de agricultores, os quais têm
interesses particulares, estratégias próprias de sobrevivência e de produção e que,
portanto, respondem de maneira diferenciada a desafios e restrições semelhantes.
O Projeto caracteriza os agricultores familiares a partir de suas relações
sociais de produção, o que implica superar a tendência freqüente nas análises
34
sobre o tema de atribuir um limite máximo de área ou de valor de produção à
unidade familiar associando-a, equivocadamente, à “pequena produção”. O universo
familiar é caracterizado, então, pelos estabelecimentos que atendem,
simultaneamente, às seguintes condições: a direção dos trabalhos do
estabelecimento é exercida pelo produtor e o trabalho familiar é superior ao trabalho
contratado.
Adicionalmente, foi estabelecida uma área máxima regional como limite
superior para a área total dos estabelecimentos familiares
10
. Tal limite teve por fim
evitar eventuais distorções que decorreriam da inclusão de grandes latifúndios no
universo de unidades familiares, ainda que, do ponto de vista conceitual, a
agricultura familiar não seja definida a partir do tamanho do estabelecimento, cuja
extensão máxima é determinada pelo que a família pode explorar com base em seu
próprio trabalho associado à tecnologia de que dispõe.
No Brasil, a área média dos estabelecimentos familiares é muito inferior à dos
patronais (INSTITUTO NACIONAL..., 2000). A área média dos estabelecimentos
familiares no Brasil é de 26 hectares, enquanto que a patronal é de 433 hectares. A
área dos estabelecimentos, tanto familiares como patronais, tem apresentando
variações entre as regiões brasileiras, relacionadas ao processo histórico de
ocupação da terra. Enquanto a área média dos estabelecimentos familiares do
Nordeste é de 16,6 hectares, no Centro-Oeste é de 84,5 hectares e na, região Sul, é
de 21 hectares. No Brasil (conforme tabela 1) 40% dos estabelecimentos familiares
possuem menos de 5 hectares, outros 30% possuem entre 5 e 20 hectares, e 17%
10
A área máxima regional foi obtida da seguinte forma: foram consideradas as áreas dos módulos fiscais municipais, segundo
a tabela do INCRA. Calculou-se a área de um módulo médio ponderado, segundo o número de municípios em que incide de
cada área de módulo fiscal municipal, para cada unidade da federação. A partir desse “módulo médio ponderado estadual”, foi
calculado um módulo médio para cada grande região do país. O “módulo médio regional” foi multiplicado por 15 para
determinação da área máxima regional, com o que se procurou estabelecer uma aproximação com o que dispõe a legislação,
tendo em vista que o limite máximo legal da média propriedade é de 15 módulos fiscais. A área máxima na região sul é 280,5
hectares (INSTITUTO NACIONAL...., 2000, p. 12).
35
possuem entre 20 e 50 hectares. De 50 a 100 hectares são 7% dos
estabelecimentos e os agricultores familiares com área maior que 100 hectares e
menor que a área máxima regional são representados por 6 % dos estabelecimentos
- mas ocupam 44,7% de toda a área da agricultura familiar brasileira. Considerando
esses números, 87% dos estabelecimentos familiares possuem menos de 50
hectares. Na região Sul, 91% dos estabelecimentos familiares possuem menos de
50 hectares (INSTITUTO DE NACIONAL..., 2000).
Tabela 1 – Áreas e porcentagem dos estabelecimentos familiares no Brasil.
Área em
hectares*
Menos de 5 De 5 a 20 De 20 a 50 De 50 a 100 Mais de 100
%
40% 30% 17% 7% 6%
*A área média dos estabelecimentos familiares no Brasil é de 26 hectares
Fonte Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária,2000
A partir do conceito acima apresentado e das características dos agricultores
do Rio Grande do Sul, foco deste estudo, considera-se como agricultores familiares
aqueles que mantêm unidades de produção em que o produtor exerce a direção dos
trabalhos e a mão-de-obra é, durante a maior parte do ano, exercida pelos membros
da família. Os agricultores familiares desenvolvem suas atividades produtivas
freqüentemente em minifúndios, que no Rio Grande do Sul são áreas inferiores a 50
hectares.
Por trás desse conceito técnico e economicista de agricultura familiar estão
muitos outros aspectos sociais, culturais e históricos que caracterizam esse campo.
Particularidades relacionadas à família - como proprietária dos meios de produção -
ao trabalho na terra, às modalidades de produção, aos valores e tradições, às
relações comunitárias e à interação e inserção na sociedade, precisam ser
36
consideradas ao se definir a agricultura familiar. E é sobre esses aspectos sociais
que farei um breve apanhado a partir de agora.
Antes de tudo, é preciso lembrar que se constitui atualmente uma agricultura
familiar que integra os modelos tradicionais de produção, a lógica de produção
mercantil. Características como: a pluriatividade, a multifuncionalidade de tarefas, a
centralidade e a agregação da mulher ao formato moral e econômico da família e do
trabalho, as associações informais entre parentes e vizinhos, as produções
alternativas, envolvendo sociabilidades e reciprocidades coletivas e/ou grupais,
manifestam estratégias e racionalidades internas e adaptativas frente e em razão do
impacto das transformações globalizantes do mercado, da cultura urbana e das
redefinições industriais em termos de tempos, espacialidades e correlações de
forças entre os atores sociais envolvidos.
A racionalidade moderno técnico-econômica produtivista entra em conflito
com as formas e processos relacionais e organizativos internos, com uma espécie
de modelar original, tradicional e constitutivo do ethos histórico e social, que luta
para encontrar espaços funcionais. De acordo com João Carlos Tedesco (1999, p.
13):
Moderno e tradicional não se excluem total e necessariamente.
Muitas análises demonstram que a racionalidade moderna não
serve de valor heurístico para todos os pressupostos dos vínculos
mercantis. Variantes do capital industrial, voltadas para o meio rural
se servem e dinamizam supostos culturais, tais como a organização
do trabalho, a propriedade da terra, hierarquização e domínios
familiares, saber-fazer, seus processos de transmissão e o desejo
de permanência enquanto agricultor
Maria Nazareth Baudel Wanderley (1999, p.22 ) justifica isso dizendo:
A agricultura familiar que se reproduz nas sociedades modernas
deve adaptar-se a um contexto socioeconômico próprio dessas
37
sociedades, as quais a obrigam a realizar modificações importantes
em sua forma de produzir em suas vidas sociais tradicionais. Essas
transformações do chamado agricultor familiar moderno, no entanto,
não produzem uma ruptura total e definitiva com as formas
anteriores, gestando antes um agricultor portador de uma tradição
camponesa, o que lhe permite precisamente, adaptar-se as novas
exigências da sociedade.
Esses aspectos definem os agricultores familiares como uma categoria social,
diferente do antigo camponês tradicional, por assumir uma condição de produtor
moderno que busca a viabilidade social e econômica. Schneider (2003) confirma
essa posição, dizendo que o que define o agricultor familiar moderno é o fato de
estar inserido em uma sociedade na qual predominam relações capitalistas de
produção e de troca. Assim, aquilo que era, antes de tudo um modo de vida,
converteu-se em uma profissão, numa forma de trabalho, evidencia Ricardo
Abramovay (1992). A agricultura familiar, porém, não se opõe ao capitalismo, mas se
torna uma de suas características mais salientes, pois é interessante para o capital
manter agricultores produzindo uma diversidade de alimentos de qualidade e com
baixos preços, para abastecer os centros consumidores locais, como também que
ofereçam mão-de-obra sazonalmente. Assim, por um lado, o capitalismo busca
conservar a pratica da agricultura familiar, enquanto, por outro lado, configura-se
como uma lógica seletiva e excludente, marginalizando aqueles que não têm
condições de acompanhar, nem em partes, as exigências do modelo produtivista.
Vale lembrar também que os agricultores, desde o período colonial, sempre
buscaram alternativas econômicas que os integrassem positivamente à economia
local e regional, e até hoje procuram produzir produtos comercializáveis
(WANDERLEY, 1999). Junto ao interesse mercantil, está a produção para o
autoconsumo, pois é natural que, dispondo dos meios de produção, mesmo que em
condições precárias e insuficientes, o agricultor procure, antes de qualquer coisa,
38
assegurar o consumo alimentar da sua família. A experiência e o envolvimento
nessa dupla face da atividade produtiva gerou um saber especifico, que pode ser
transmitido através das gerações sucessivas e que serviu de base para o
enfrentamento da precariedade e da instabilidade neste espaço. É esse saber que
fundamenta a complementação e articulação entre atividade mercantil e de
subsistência, efetuada sobre a base de uma divisão do trabalho interno ou da prática
do princípio da alternatividade – produtos que podiam ser tanto auto-consumidos
como vendidos.
Agricultura familiar é um conceito genérico, que incorpora uma diversidade de
situações específicas e particulares, mas que acima de tudo se funda sobre a
relação entre família, trabalho e propriedade (terra). A agricultura familiar é aquela
em que a família, ao mesmo tempo em que é proprietária dos meios de produção,
assume o trabalho no estabelecimento produtivo, ou seja, aquela em que a gestão, a
propriedade e maior parte do trabalho vem de indivíduos que mantêm entre si laços
de sangue ou casamento. O fato de uma estrutura produtiva associar família-
produção-trabalho não é mero detalhe, mas tem conseqüências fundamentais para a
forma como ela age econômica e socialmente. O trabalho é então organizado com
base nas relações de parentesco e de gênero, porque é a família que trabalha.
Assim, as relações de trabalho são também as relações familiares.
O estabelecimento familiar precisa ser pensado, então, como um espaço de
convívio, produção e consumo e que constitui uma organização social bem adaptada
às condições técnicas da produção agrícola. Essa adequação diz respeito à
qualidade e à quantidade do trabalho que está associado ao sistema de diversidade
de culturas e criações. É um trabalho intensivo que só os membros da família se
39
dispõem a aceitar, uma multiplicidade de tarefas que requer muita leveza na
organização do trabalho e também uma diversidade de competências.
É visível que com a modernização da agricultura a família, enquanto unidade
moral, de consangüinidade e de trabalho, esteja se flexibilizando e se abrindo; que
haja uma tendência à individualização e à fragmentação espacial de membros, que
a hierarquização e a transmissão patrimonial estejam se redefinindo, porém nem
tudo é o fim, nem tudo é linear e evolutivo no sentido de romper com o já vivido e
concebido, destaca Wanderley (1999).
Outra característica do trabalho, importante de ser abordada, é a sua relação
com os recursos naturais e o vínculo com a terra. Pode-se dizer que os organismos
vivos realizam partes significativas do trabalho, como também definem os ritmos de
ciclos de trabalho. Além disso, o contato com a terra, a propriedade (sua simbologia)
é muito mais do que meio de produção, um capital: é sua história, sua cultura. “Essa
concepção mística de amor à terra é bem diferente da concepção de terra como
espaço de produção do agricultor urbanizado, moderno e tecnificado” (TEDESCO,
1995, p. 41). A relação entre meio ambiente e práticas agropecuárias será abordada
com profundidade no capítulo seguinte.
Os agricultores familiares possuem uma relativa autonomia demográfica,
social e econômica. Essa autonomia é relativa, mas determina que a linha de
conduta do agricultor não deve ser ditada pelo exterior. Só o agricultor pode apreciar
as circunstâncias que sua ação deverá levar em conta. Ele é o único que pode impor
a si mesmo a responsabilidade e a disciplina. Ou seja, ele possui uma relativa
autonomia na forma de gestão da força de trabalho e do processo produtivo que se
articula com o sistema dominante econômico. Configura-se então a integração
40
parcial aos mercados, a flexibilização entre consumo e venda, a flutuação de preços
e a dependência relativa aos fatores comerciais.
A autonomia econômica se expressa pela capacidade de prover a
subsistência do grupo familiar em dois níveis complementares: a subsistência
imediata, isto é, o atendimento às necessidades do grupo doméstico, e a reprodução
da família pelas gerações subseqüentes (WANDERLEY, 1999). Assim, destaca-se
que para além da garantia da sobrevivência no presente, as relações no interior da
família de agricultores, têm como referência o horizonte das gerações, isto é, um
projeto para o futuro. Todos os investimentos e o trabalho têm como objetivo ser
transmitidos para as gerações seguintes, garantindo a estas condições de
sobrevivência. Na busca das perspectivas futuras e do enfrentamento do presente, o
agricultor recorre ao passado, que lhe permite construir um saber tradicional,
transmissível aos filhos, e justificar as decisões referentes à alocação dos recursos,
especialmente do trabalho familiar, bem como a maneira como deverá definir no
tempo o consumo da família. Nesse contexto, Tedesco (1995) ressalta que o
conhecimento empírico adquirido pelos agricultores durante muitos anos, fruto da
transmissão oral e da observação, legitima a resistência frente às técnicas.
A atual sociedade rural é herdeira de uma sociabilidade específica que
ultrapassava os laços familiares e de parentesco, o que permitia defini-la como uma
sociedade de interconhecimento, na qual cada um conhecia todos os demais e
conhecia todos os aspectos da personalidade do outro. De uma comunidade de
interconhecimento tradicional, passou-se para uma coletividade diferenciada,
próxima do urbano, com uma dimensão espacial permanente, mas mais
determinante que na cidade. Os laços de solidariedade, amizade e vizinhança,
mantidos pelas comunidades rurais também se enfraqueceram com a
41
competitividade do sistema capitalista e, hoje, muitas das relações sociais que no
passado fortaleciam o ambiente rural não mais existem.
Nessa perspectiva, Wanderley (1999) destaca que os agricultores familiares
modernos enfrentam novos desafios com as armas que possuem e que aprenderam
a usar ao longo do tempo. A conservação e transmissão de um patrimônio sócio-
cultural, constituindo um modelo original, exerce um papel fundamental na
manutenção e no modo de funcionamento da agricultura familiar. Acima de tudo,
pode-se concluir que as dimensões importantes das lutas dos agricultores estão
centradas no esforço para constituir um território familiar, um lugar de vida e
trabalho, capaz de guardar a memória da família e de reproduzi-la para as gerações
futuras.
Para encerrar este capítulo, apresento alguns números que mostram a
importância dos agricultores familiares no Brasil e, principalmente, na região sul,
onde a agricultura familiar ocupa 90,5% de todos os estabelecimentos. São 907.635
agricultores familiares, ocupando 43,8% da área e produzindo 57,1% do Valor Bruto
da Produção regional. (INSTITUTO NACIONAL...2000). A região Sul detém 21,9%
dos estabelecimentos familiares (a segunda região em número de estabelecimentos
familiares, sendo que o Nordeste desponta por sediar 49,7% dos estabelecimentos),
que ocupam 18% da área de agricultura familiar do Brasil e são responsáveis por
47,3% do Valor Bruto da Produção da agricultura familiar brasileira.
Nas Regiões Noroeste e Missões do Rio Grande do Sul, área deste estudo, o
número de pequenos estabelecimentos caracterizados pela agricultura familiar é
maior que a média do Estado. A média de área das propriedades rurais nessas
regiões é de 30 hectares (ASSOCIAÇÃO RIOGRANDENSE..., 2003). Dados
demonstram que 38,6% das propriedades têm menos de 10 hectares, 31,8% têm
42
entre 10 e 20 hectares, 20,6% entre 20 e 50 hectares, e apenas 9% têm mais de 51
hectares. As atividades produtivas principais estão centradas na produção de soja,
milho, trigo e leite para comercialização, e de produtos vegetais e animais para
subsistência familiar. Segundo apontam as Orientações de Planejamento da
Emater/RS-Ascar (ASSOCIAÇÃO RIOGRANDENSE...,2003), o trabalho nas
propriedades da região caracteriza-se pelo restrito uso de maquinários,
prevalecendo o trabalho manual. As famílias vivem em condições de baixa qualidade
de vida, descapitalização, dependendo constantemente de créditos financeiros
externos.
2.2 A FAMÍLIA RURAL: Unidade de Análise
A família, para Ana Uribe (1993), constitui-se como um espaço social
especializado na construção de sentidos, de modos de fazer, sentir e perceber a
vida e, sobretudo, como o principal mediador estrutural entre o indivíduo e a
sociedade. A composição deste espaço social tem a ver necessariamente com o
comportamento dos membros que o integram, com a posição que cada um deles
tem no grupo e com as relações geradas no interior e exterior do grupo.
A família é, também, segundo Roger Silverstone (1996) e outras pesquisas já
realizadas, a unidade social em que se produz a maior parte do consumo dos meios
de comunicação, e ela que é tomada como unidade básica do consumo da televisão.
Por isso, é a família a unidade básica escolhida para este estudo. As relações entre
televisão e família, porém, precisam ser pensadas como uma trama de interações
complexas, intersectadas por diferenças internas à família e por influxos externos.
Para compreendê-la, conceitualmente e em suas relações, buscaram-se subsídios
no artigo “Desenho Teórico-Metodológico para estudar a mediação do cotidiano
43
familiar na recepção”, de Jiani Bonin (2005). Nesse, ela apresenta a
contextualização da estrutura familiar, satisfatória para este estudo, tendo como
base os autores: Guadarrama, Gonzáles e Silverstone.
De acordo com Bonin (2005), focalizar a família como unidade de estudo
exige abandonar a perspectiva simplista de somar a analise de seus membros, pois
esta unidade tem características que transcendem as qualidades dos indivíduos que
o compõem. Muitas propriedades que se pensa como características pessoais dos
membros são geradas e mediadas pela organização familiar.
A família é pensada como sistema social, um sistema aberto que está em
processo de mudança contínua. Diz Bonin (2005, p. 7):
Recebe influxos do seu exterior, nas relações que mantém com o
contexto imediato e com o contexto social maior que a envolve, e
ainda do interior, relacionada à evolução de seus próprios
subsistemas, que exercem função configuradora de suas
especialidades.
As famílias estruturam-se em hierarquias, com diferentes níveis de
autoridade, e estabelecem regras gerais para reger a sua organização e
funcionamento. Tanto as regras, que governam a família e determinam que os
indivíduos se comportem de modo organizado e repetitivo, como as estruturas
hierárquicas são relevantes também no momento de audiência televisiva e nas
práticas de recepção. Por isso, alerta Bonin, citando Guadarrama (1998), nas
relações com a TV é muito importante observar e analisar simultaneamente regras,
posição hierárquica, contexto e horários, que além de influenciarem diretamente nos
momentos e sentidos produzidos pela TV, podem, numa configuração contextual e
de posições/poder diferenciados e/ou mudança de posição hierárquica de membros
do grupo, sofrer alterações e rupturas. Essas relações, então entre regras,
44
hierarquias e audiência televisiva em uma família são móveis e interligadas,
podendo sofrer freqüentes mudanças, alterando assim sentidos e percepções.
Explica Bonin (2005) ainda que a família diferencia-se e desempenha suas
funções através de subsistemas. Os indivíduos são subsistemas dentro do grupo
familiar. Assim como, teoricamente, pode-se reconhecer os subsistemas conjugal
(formado pelo casal), parental (formado por pais e filhos) e fraterno (formado por
irmãos), podem formar-se subsistemas de relações também baseados em fatores
sexuais e geracionais, entre outros. Cada indivíduo pertence a diferentes
subsistemas, nos quais possui diferentes níveis de poder e aprende habilidades
diferenciadas. Esses subsistemas, nas relações com a televisão e os outros meios
de comunicação presentes na casa, mantêm processos de conformação,
aglutinamento, desligamento e negociação, relacionados aos exercícios de poder,
ao contexto e às relações rotineiras. Esses elementos, em conjunto, permitem
compreender como se configuram as relações familiares com certos programas
televisivos.
Outro aspecto é que as famílias passam por distintos estágios ou ciclos de
vida, nos quais vão gerando condições claramente diferenciais, que exigem de cada
integrante normas de interação, regras e rotinas distintas. A existência desses ciclos
de vida determina que o desenvolvimento da família tem um caráter circular e não
linear. Destaca-se ainda que, nessas famílias, as relações não se restringem ao
núcleo pai e filhos, mas estendem-se também aos avós e outros parentes. Explica
Bonin (2005, p.8):
As famílias são sistemas multigeracionais e tem sua continuidade
garantida pelo fato de que, ao mesmo tempo, as pessoas são filhos
numa família de origem e fundadores de suas próprias famílias de
procriação. O ponto central é que os sistemas familiares apresentam
em seu interior um conjunto de tarefas que estão em constante
45
revisão e manifestam diferente intensidade e conteúdo em função
das fases que cada um descreve ao longo de sua existência
multigeracional.
No decorrer dos ciclos de vida da família, a estrutura e as dinâmicas
relacionais podem sofrer alterações. Isso é muito evidente nas famílias de
agricultores, sendo que muitos aspectos modificaram-se com as mudanças
geracionais. As pessoas mais velhas das famílias, por exemplo, são portadores de
valores muito rígidos, são exigentes nas questões de respeito e trabalho e
mantenedores de costumes tradicionais, como também demonstram pouco interesse
pela televisão, se comparados às gerações mais jovens, dos filhos e netos, que
encontram na televisão um meio de lazer e entretenimento. As estruturas, as regras,
a hierarquia, as relações se modificam e também a forma e os sentidos produzidos
pela televisão. Isso cria em muitas famílias conflitos de valores e opiniões.
As famílias organizam rotinas de trabalho, de lazer, de convívio, que dão
estrutura e forma à vida cotidiana. As práticas de consumo da televisão situam-se
nesse ordenamento das rotinas familiares. Segundo Silverstone (1996), essas
rotinas traduzem o paradigma familiar e organizam sua vida, e mesmo que
diferenças e conflitos possam existir entre os membros de uma mesma família, estes
compartilham pressupostos essenciais sobre o mundo. Bonin, citando Maria
Imacollata Lopes (2002, p.137), coloca que esses aspectos fazem parte de um
conceito de cultura familiar “responsável por dotar os membros de uma matriz de
identidade e reconhecimento, o que não exclui ser também lócus de crises e
tensões”. Essa cultura se constrói na interação do grupo familiar, do contexto vivido,
das experiências passadas, valores herdados e muitos outros fatores.
46
A cultura familiar é também administrada por uma caracterização do tempo e
do espaço, apresentando especificidades com relação a esses aspectos. Bonin
destaca que na vida dos agricultores, por ela nominados de camponeses, a
temporalidade familiar se modula pelo trabalho, de base majoritariamente familiar e
diretamente ligada aos ciclos produtivos das plantas. A cultura temporal, de acordo
com Silverstone (1996), pode ser definida baseando-se nos pontos de orientação e
programação familiar. A orientação diz respeito aos pontos de referência temporal
que a família usa para definir seus assuntos (passado, presente e futuro) e pode
expressar-se no mobiliário da casa, nas relações que os membros da família
mantêm com parentes, no consumo da TV e também na economia familiar. A
programação diz respeito à organização e ao manejo do tempo dentro da família e
se expressa nas rotinas familiares, onde a família é o mais importante.
Quanto a espacialidade, destaca-se que relações familiares não se inscrevem
apenas na casa, como em outros segmentos sociais, mas se estendem ao espaço
da unidade familiar (propriedade rural). Na cultura espacial, a casa e também a
unidade e/ou propriedade familiar são muito mais que um espaço físico, mas
expressam uma constelação de elementos imbricados. Esse espaço expressa um
estilo de vida, que exprime o habitus de classe e é nesse espaço que estão situados
a televisão e os demais meios de comunicação. “O espaço familiar e sua
constituição expressam a inserção da família no campo social e suas possibilidades
de acesso aos bens materiais” (BONIN, 2005, p. 11).
O espaço familiar é um lugar. Os lugares são espaços construídos com
relações, investidos de significação. São objetos de apego emocional, de sentimento
de pertença. É um espaço construído através de relações sociais, internas e
externas e que se modifica tanto no que se refere a sua forma quanto a sua
47
importância (SILVERSTONE, 1996). Assim, pode-se afirmar que a casa está
diretamente relacionada à identidade, pois pensando a casa como espaço familiar, a
espacialidade familiar é um cenário de ação e interação, no qual a pessoa
desenvolve, conserva e modifica a sua identidade e resgata a memória. Como o
espaço e seus objetos agem sobre as pessoas, estas também agem sobre o
espaço, modificando-o e deixando suas marcas.
Existem ainda dois aspectos importantes da família a serem destacados, que
são as marcas da memória familiar e as competências culturais da família. Ao se
falar em memória familiar, é preciso considerar a seleção que a memória coletiva do
grupo, conformada pelos pontos de vista das memórias individuais, faz dos fatos que
marcaram a vida da família e dos seus membros. Isso é importante considerar, pois
a televisão opera com dramas e ações da vida cotidiana do grupo, criando conflitos,
ligações e percepções distintas.
As competências culturais, destacadas por Bonin (2005), citando Martin-
Barbero, precisam ser consideradas ao se estudar a relação entre televisão e
família. As competências culturais referem-se às diversas modalidades de capital
cultural configuradas na trajetória da família e membros, que possibilitam
compreender como estes se conectam com a televisão e os programas
agropecuários. Essa dimensão requer ser pensada nos termos de uma história
cultural familiar, aprendendo as trajetórias da relação com diversas modalidades de
cultura: letrada, oral, musical, tecnológica, midiática nas suas rupturas e
continuidades.
48
3 O COMPLEXO VÍNCULO ENTRE AGRICULTURA E MEIO AMBIENTE
Apesar dos processos de modernização e tecnificação da agricultura, sua
prática e produtividade continuam a depender em elevado grau dos recursos
naturais. E mesmo que os acervos biológico e mecânico estejam reduzindo os
fatores terra e trabalho, os fatores natureza, cultura alimentar e ciclos produtivos
(clima, espaço, tempo e variedades genéticas) continuarão sendo a base do
processo produtivo (GOODMANN et al., 1990). Isso porque, mesmo que as
máquinas e tecnologias confiram ao processo de produção agrícola um caráter
industrial, não são elas que produzem o leite, o soja, as frutas, “[...]elas (as
máquinas) funcionam como auxiliares do homem”(TEDESCO, 1995,p. 35).
No processo de produção agrícola sempre intervêm forças naturais que o
condicionam e até mesmo o determinam. José Graziano da Silva (1999, p. 28)
explica por que essa dependência.
A agricultura não consegue isolar-se das condições atmosféricas e
climáticas. A agricultura se assenta na forma mais primitiva de
conversão energética, a fotossíntese que depende da iluminação
solar. [...] É então nesta interação entre o ciclo biológico e as leis da
natureza que o progresso técnico se assenta, e tem especificidades
em cada região.
Goddmann e outros (1990, p.1) completa dizendo que não há alternativa
industrial à transformação biológica da energia solar em alimento, ao tempo
biológico de crescimento das plantas e à gestação dos animais, enquanto espaço de
atividade baseada na terra. Isso faz com que os avanços técnicos tenham que
respeitar alguns limites da natureza, pois, diferentemente dos setores artesanais, a
agricultura não poderia ser diretamente transformada em um ramo de produção
industrial.
49
Na agricultura, a continuidade dos processos biológicos impõe que haja um
tempo para plantar, outro para crescer e outro tempo para colher (SILVA, 1999).
Assim, a seqüência de tarefas (plantar, colher) é determinada pelo ciclo produtivo,
sua ordem não pode ser alterada e nem a sua realização ser simultânea. Essa
continuidade do processo biológico dificulta a divisão do trabalho no interior do ciclo
produtivo, não permitindo que diferentes operários se especializem em determinada
atividade específica, máquina ou ferramenta. Isso explica por que a agricultura,
muitas vezes, não possa ir além da cooperação simples e tenha limites no aumento
da produtividade, pois na divisão do trabalho, a especialização do operário numa
determinada operação é um dos fatores mais importantes para a elevação da
produtividade (SILVA, 1999).
Outra conseqüência da dependência da agricultura dos processos biológicos,
observa o mesmo autor, é a dissociação entre o período da produção e o tempo do
trabalho. Na agricultura, existem tempos de não trabalho, como, por exemplo, o da
germinação das sementes. Isso faz com que os períodos de produção na agricultura
sejam definidos pelas leis da natureza, diferentemente do que ocorre na indústria em
que é resultado do somatório dos tempos parciais de trabalho. O progresso técnico
pode aumentar os tempos de não trabalho, mas o tempo de desenvolvimento dos
processos biológicos dificilmente consegue ser reduzido, dissociando-se cada vez
mais o tempo da produção do tempo do trabalho (SILVA, 1999). Como o tempo de
rotação do capital é o tempo de produção propriamente dito, quanto menor
velocidade de rotação de capital, limitado pela natureza, menor será a taxa de lucro
obtido por esse determinado capital.
Porém, lentamente, alguns elementos discretos do processo de produção têm
sido conquistados pelas indústrias. Como destaca Goddmann e outros (1999, p.1):
50
Primeiro, com a substituição, na semeadura, da mão pela máquina,
do cavalo pelo trator e depois com a influência no ciclo das plantas,
a partir das sementes híbridas e dos insumos. Mais recentes são as
biotecnologias, que marcam o avanço generalizado na manipulação
industrial da natureza.
Apesar das limitações impostas pela natureza, o processo de modernização
das atividades agropecuárias pela civilização técnico-industrial, segundo João Carlos
Tedesco (1995), instituiu um sistema de cultura e exploração da terra que ultrapassa
o equilíbrio ambiental. “Um sistema que vai além dos limites da natureza e que
rompeu com a racionalidade da agricultura” (TEDESCO, 1995, p.35). A
modernização e o aumento da produtividade, com a exploração excessiva e ilimitada
dos recursos naturais, tornaram-se, porém, insustentáveis para o meio ambiente.
Como explica José Eli da Veiga (2003), a exploração agrícola sem controle no
sul do Brasil trouxe muitos prejuízos. Tanto a devastação das matas, quanto os
obtusos modos de manejo do solo, estimulados pela busca de produtividade,
facilitaram os processos erosivos. Conforme o autor (2003, p. 203):
Solos erodidos exigem mais fertilizantes, que nem sempre suprem
de modo adequado as necessidades nutricionais das plantas,
tornando-as por isso mais suscetíveis ao ataque de pragas e
doenças. Isso levou os agricultores a aplicarem doses crescentes de
venenos, que também eliminam os inimigos naturais das pragas,
facilitando – principalmente em plantações especializadas – a
proliferação de insetos, ácaros, fungos e bactérias. Como esses
agrotóxicos não conseguem eliminar toda a população de uma
praga, os indivíduos sobreviventes se tornam cada vez mais
resistentes.
Institui-se assim um círculo vicioso em que é necessário aplicar cada vez
maior quantidade de produtos químicos, o que encarece a produção e diminui os
lucros do agricultor. Esse se torna um dos principais impactos negativos da chamada
agricultura moderna nos agrossistemas da Mata Atlântica e das Florestas e Campos
51
Meridionais. São também danos ambientais graves: a poluição dos rios e solos por
produtos químicos e dejetos de animais, o assoreamento dos rios devido à erosão, a
poluição atmosférica causada pela queima de canaviais e matas, com a emissão de
gases que prejudicam o sistema respiratório de todos os seres vivos e contribuem
para o efeito estufa, a redução da biodiversidade e a contaminação dos alimentos
por agrotóxicos. É neste ambiente degradado, sem diversificação e desequilibrado,
que as atividades agropecuárias hoje se desenvolvem. Frifjot Capra (2002, p. 157)
justifica dizendo que a busca de um desenvolvimento econômico contínuo e não
diferenciado é claramente insustentável, “pois a expansão ilimitada num planeta
finito só pode levar a catástrofe”.
Para pensar e entender as relações entre a agricultura, o meio ambiente e o
homem, busquei as explicações do físico Frifjot Capra (2002) que afirma que a
sociedade é um sistema, uma rede complexa, em que todos os seres estão
interligados e interdependentes. Todos os seres estão inseridos nos processos
cíclicos da natureza e deles dependem para viver. “Não existe nenhum organismo
individual que viva no isolamento” observa o físico (2002, p. 23). Animais dependem
da fotossíntese das plantas, as plantas do dióxido de carbono dos animais e do
nitrogênio fixado pelas bactérias em suas raízes, e todos juntos regulam a biosfera e
mantêm as condições necessárias para a preservação da vida. Assim, todo
organismo – animal, planta, microrganismo ou ser humano – é um todo integrado,
um sistema vivo. Constitui-se um sistema, uma rede e/ou uma teia em que se
reconhece o valor intrínseco do todos os seres vivos, sendo o homem apenas um
dos filamentos desta teia da vida. As redes constituem o padrão básico de
organização de todos os sistemas vivos. Como diz Capra (2003, p. 22): “Onde existe
vida existem redes”.
52
Para a constituição e manutenção dessas redes, todos os sistemas vivos
compartilham de propriedades e princípios de organização comuns. “No meio
ambiente a auto-organização dos sistemas é princípio básico da vida. Ao longo de
mais de três milhões de anos de evolução os sistemas se organizam de modo a
maximizarem sua sustentabilidade” (CAPRA, 2003, p. 22). Assim, as ações do
homem podem interferir diretamente na organização e sustentabilidade dos sistemas
vivos, desequilibrando toda a teia da vida.
Na mesma perspectiva do pensamento sistêmico, Edgar Morin (2003),
justifica o desequilíbrio que existe entre agricultura, meio ambiente e o homem,
observando que as relações do homem com a natureza não podem ser concebidas
de forma redutora e nem de forma separada. Morin (2003, p. 159) evidencia: “é
preciso pensar no todo, é preciso pensar no global, mas não um global fragmentado,
mas associando os elementos do global numa articulação organizadora e complexa”.
Para o autor, a sociedade precisa ser pensada dentro do paradigma da
complexidade, que liga o que está separado e compartimentado, respeita o diverso,
ao mesmo tempo em que reconhece o uno. “É preciso buscar sempre a relação de
inseparabilidade de inter-retro-ação entre todo o fenômeno e seu contexto, e de todo
contexto com o contexto planetário” (MORIN, 2003, p. 159).
Através das técnicas economicistas agrícolas, o homem, porém, não respeita
essa complexidade e, pelo contrário, atua na simplificação do ecossistema original
rompendo com a diversidade, que na natureza é sinônimo de estabilidade
(ROMEIRO, 1998). O sistema complexo do meio ambiente é simplificado ao extremo
como, por exemplo, através da introdução da monocultura, que provoca profundo
desequilíbrio, tanto do ponto de vista da cobertura vegetal (infestações de pragas),
como daquele da atividade física, química e biológica. A rotação de culturas seria
53
uma forma de evitar essa simplificação extrema e manter a estabilidade do
ecossistema agrícola, porém as técnicas modernas repousam cada vez mais na
capacidade de moldar parte do solo, para, em seguida, refazê-la com uma
diversidade de meios mecânicos e químicos (ROMEIRO, 1998). Assim, o agricultor
precisa intervir permanentemente no meio ambiente para mantê-lo estável, pois
quanto mais simplificado – não diversificado - for um determinado ecossistema,
maior a necessidade de fontes exógenas para manter o seu equilíbrio. Em vez de se
recorrer às leis da natureza, buscam-se cada vez mais técnicas mecânicas e
químicas, que agravam os prejuízos e problemas ambientais. Intensifica-se a
poluição por pesticidas, os solos tornam-se mais pobres, insetos tornam-se pragas,
essas tornam-se resistentes; ou seja, o desequilíbrio da natureza é cada vez maior e
nem com o uso de equipamentos e produtos modernos está sendo revertido.
Capra (2002) destaca como uma das justificativas para o fenômeno do
desequilíbrio as diferenças entre as redes que se constituem na natureza e as redes
do sistema capitalista. As redes dos seres vivos na natureza são cooperativas,
enquanto que nas redes do capitalismo impera a competitividade. No dizer de Capra
(2002, p. 163):
[....]há uma diferença crucial entre as redes ecológicas da natureza
e as redes empresariais da sociedade humana. Num ecossistema
nenhum ser é excluído da rede, todas as espécies contribuem para
a sustentabilidade do todo. Já no mundo humano, da riqueza e do
poder, muitos segmentos da população são excluídos das redes
globais e se tornam insignificantes do ponto de vista econômico.
Por sua vez, Morin (2003) observa que a interpretação economicista da
história esquece a incidência das estruturas e fenômenos não econômicos, ignora os
indivíduos, os acidentes, as paixões e a loucura humana. “Ela (interpretação
54
economicista) julga perceber a natureza profunda da realidade numa concepção que
a torna cega à natureza complexa da realidade” (MORIN, 2003, p. 125).
Os autores citados permitem refletir e entender porque a busca desenfreada
da Humanidade pelo desenvolvimento, pela modernização e pelo crescimento
econômico e agropecuário, favorecem o aumento dos problemas de degradação
ambiental. Os sistemas vivos formam redes complexas, com relações de
interdependência e capacidade de auto-organização. Assim, a simplificação da
biodiversidade da natureza, e a fragmentação e a desconexão entre os elementos
que integram a teia da vida levam inevitavelmente ao desequilíbrio e a danos
ambientais graves e muitas vezes irreparáveis.
55
4 A COMUNICAÇÃO NO MEIO RURAL BRASILEIRO
A comunicação rural é, por Juan Diaz Bordenave (1993, p. 13), considerada
como importante fator de desenvolvimento.
É concebida como fluxo de dupla via, programado e sistemático, de
mensagens informativas, motivacionais e cognoscitivas,
intercambiadas pelos diversos setores sociais envolvidos, com o fim
de facilitar sua ação recíproca e fazer mais consciente, organizada e
efetiva a participação no desenvolvimento rural
Maria Salette Tauk Santos (1997) considera como comunicação rural as
interações comunicacionais estabelecidas entre uma organização e as populações
rurais de contextos populares, com objetivo de viabilizar as políticas de
desenvolvimento local. Esses conceitos de comunicação rural descrevem uma
comunicação que se alicerça entre instituições externas e internas do meio rural e as
populações que vivem nesses espaços. Porém não se pode esquecer que no
ambiente rural existem muitos outros fluxos informais de comunicação, dos
agricultores entre si, com vizinhos, parentes e/ou amigos da própria comunidade, de
outras comunidades, da cidade, de outras regiões do Estado e país.
Com o objetivo de iniciar um processo de comunicação rural no Brasil, as
primeiras iniciativas, em termos de políticas governamentais de informação agrícola
aconteceram no final do século XIX e início do século XX (FELIPPI, 2000). Há
registros do Boletim da Agricultura, publicado em São Paulo, em 1900 e da
distribuição de 415.250 publicações, nesse mesmo estado, em 1917. Em 1938, o
governo federal criou o Serviço de Publicidade Agrícola, ligado ao Ministério da
Agricultura (BORDENAVE, 1988).
56
Mas foi a partir da década de 1940 que a comunicação e a informação rural
passaram realmente a ganhar destaque no Brasil. O Ministério da Agricultura
possuía, nas décadas de 40 e 50, o Serviço de Informação Agrícola (SIA), que
desenvolveu um programa de informação, usando vários meios para difusão das
notícias e dos conhecimentos técnicos. Na década de 50, a tarefa do SIA, de
promover a orientação e informação na área rural, passou para a extensão rural,
com a criação da Associação Brasileira de Crédito e Assistência Rural (ABCAR).
“Neste momento a Comunicação Rural, praticada pelos meios de comunicação de
massa, passa a ser vista como uma atividade acessória ao contato pessoal dos
extensionistas”, observa João Gonçalves (2004, p. 26). Em 1974 a ABCAR, uma
entidade de direito civil, foi substituída pela Empresa Brasileira de Assistência
Técnica e Extensão Rural (EMBRATER), órgão vinculado ao Ministério da
Agricultura, com unidades nos Estados, chamadas de Empresas de Assistência
Técnica e Extensão Rural (EMATERes), vinculadas às Secretarias de Agricultura.
Maria Salette Tauk Santos e Ângelo Brás Fernandes Callou (1993) destacam
que a comunicação rural, ao longo de sua trajetória, junto ao sistema de extensão
rural no país, assumiu uma função marcadamente funcionalista. Copiando modelos
estrangeiros, via Universidades de Wisconsin e Michigan, a comunicação rural fez
com que predominasse o difusionismo, que buscava divulgar novas tecnologias para
o meio rural (SANTOS e CALLOU, 1988). O modelo difusionista tinha como objetivo
fundamental reduzir o tempo entre o lançamento de uma inovação pelos centros de
pesquisa e a sua adoção generalizada, buscando a máxima rapidez na difusão das
técnicas modernas (BORDENAVE, 1988). Os extensionistas eram orientados a
utilizarem os meios massivos e levarem a mensagem da modernização ao campo,
considerado atrasado. Essa tendência torna-se mais evidente durante o período
57
ditatorial, pós 1964, quando o Estado volta-se, quase que exclusivamente, para os
médios e grandes proprietários, por terem maior potencialidade de absorver
tecnologias e de atuar como agentes da modernização da agricultura brasileira. A
difusão de tecnologias agrícolas, via empresas governamentais no país, contribuiu
mais para a penetração do capitalismo no campo que para uma ação transformadora
do produtor rural.
A crença de que a modernização era a única solução ao progresso
econômico e social não convenceu apenas o governo, mas todos os segmentos da
sociedade, igrejas e organizações. Tanto que, nas décadas de 60 e 70, as
organizações não-governamentais, financiadas com recursos de agências cristãs e
não cristas do primeiro mundo, esforçaram-se para dar aos pequenos agricultores
possibilidades de acesso às modernizações, das quais eles estavam excluídos.
Vários modelos voltados à modernização da agricultura, como o dos Pacotes
e da Inovação Induzida pelo Mercado, atrelados a sistemas de comunicação,
efetivaram-se no Brasil (FELIPPI, 2000). A comunicação, utilizando-se
primeiramente de meios de comunicação de abrangência nacional e depois também
os meios regionais e locais, foi elemento fundamental para que os modelos de
modernização e difusão tecnológica ganhassem expressão no meio rural. Walmir de
Albuquerque Barbosa (1993) destaca que nesse período a comunicação se colocou
a serviço da ampliação do volume de produção de outras mercadorias - além dos
produtos oriundos do meio rural -, que são objetos de difusão tecnológica
necessários para uma agricultura mecanizada e de feição moderna. O autor
complementa dizendo (1993, p. 57):
A aplicação de técnicas de comunicação para ampliar as
potencialidades da difusão tecnológica não tem limites. [...] Não se
trata apenas de invadir persuadindo, mas de transformar, moldar em
58
outras formas e formar aqueles que a ela se submetem. Com isto, o
uso das técnicas de comunicação adquire uma funcionalidade
relevante para a expansão do capital, que precisa delas e, portanto
vai ajustá-las às realidades mais díspares.
Passada a euforia das experiências dos modelos modernizantes, que
coincidiram com o final do milagre econômico, verificados os avanços dos estudos
agrários e as seqüelas deixadas no campo, as concepções e ações da comunicação
com o homem do meio rural tenderam a se modificar. O marco referencial de um
novo projeto de comunicação rural foi o livro de Paulo Freire, “Comunicação ou
Extensão?”, que tem como preocupação o caráter autoritário e invasor das
mensagens levadas para o homem do campo pelos serviços de extensão rural.
Freire propõe que se estabeleça um processo interativo, permitindo dessa maneira a
geração do conhecimento pelo próprio homem rural no contexto da sua realidade
concreta. As instituições, como igreja, organizações não-governamentais e extensão
rural, partiram para o desenvolvimento de novos projetos e de um trabalho de
comunicação dentro de uma pedagogia participante e libertadora (SANTOS e
CALLOU, 1993). A nova metodologia de comunicação recomendava programar,
executar e avaliar ações com a participação da população organizada de
agricultores.
“A tendência foi se generalizando, e a Embrater assumiu também como
proposta a opção por um trabalho participativo no qual prevalecia a organização
social econômica dos pequenos produtores” (SANTOS e CALLOU, 1993, p. 128).
Nos anos 80 e 90, criaram-se no Brasil centros e instituições com a finalidade de
capacitar agricultores através de uma ação voltada para o conteúdo sócio-político e
evangelizador dos projetos no contexto popular. A Igreja investiu em projetos como a
59
Pastoral da Terra, e surgiram Organizações Não-Governamentais (ONGs) que
partiram para o desenvolvimento de práticas de comunicação participativas.
O projeto de comunicação participativa, na prática, porém, não se efetivou tão
eficazmente como previa a teoria. Até porque, segundo Santos e Callou (1988),
faltaram mecanismos adequados e pessoas capacitadas para o exercício de uma
comunicação realmente participativa. Os autores consideram o risco de muitos dos
processos instalados como participativos estarem servindo para reedição de um
funcionalismo manipulativo e opressor.
4.1 A COMUNICAÇAO RURAL NA MÍDIA
Paralelamente à comunicação rural realizada pelas ONGs, igrejas e extensão
rural, com o crescimento e modernização da agricultura e a chegada das
tecnologias, da luz elétrica e da televisão ao meio rural, os meios de comunicação
também começaram a se interessar pelo público rural, como nova fatia de mercado.
Os crescimentos da produtividade e da produção agropecuários aumentaram os
rendimentos dos produtores, que passaram a consumir produtos até então
disponíveis só nas cidades. Entre os novos produtos de consumo estavam a
informação e o entretenimento.
As primeiras iniciativas da grande mídia na produção de televisão de
conteúdos vinculados ao meio rural foram os programas de entretenimento, com a
valorização da música sertaneja. Em 1960, a TV Cultura levou ao ar o programa
“Cidade Sertaneja”, que posteriormente passou a ser exibido pela TV Record, com o
nome de “Canta Viola”. De 1965 a 1969, a TV Paulista exibiu o programa “Tarde
Sertaneja” e, em 1968, a TV Tupi promoveu o primeiro festival de música sertaneja.
60
Em 1974, a TV Gazeta começou a produzir o “Show da Viola” e o “Canta Brasil”
(GONÇALVES, 2004).
Os programas jornalísticos, voltados para o meio rural, somente surgiram na
década de 70. O pioneiro foi o “Novos Horizontes”, produzido pela Coordenadoria de
Assistência Técnica Integral (CATI), da Secretaria de Agricultura de São Paulo,
veiculado semanalmente na Rede Tupi de Televisão e, posteriormente, na TV Globo
de Bauru, São Paulo. Em 1979, a Rede Brasil Sul de Comunicações (RBS), na
época TV Gaúcha, afiliada da Rede Globo no Rio Grande do Sul, lançou o programa
semanal Campo e Lavoura. Em 1980, a Rede Globo criou o programa Globo Rural,
primeiro programa de abrangência nacional. Na TV por assinatura, a RBS, em 1996,
criou o Canal Rural, pioneiro no Brasil, nos sistemas Net e Sky. Em seguida, a
concorrente Direct TV, lançou o programa Agrossat (GONÇALVES, 2004).
Outras mídias também se interessam pelo segmento rural. Em 1944, o
jornalista gaúcho, Arthur Fabião Carneiro, criou, em Porto Alegre, a Revista A
Granja, vinculada inicialmente à Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul
(Farsul). A Granja foi a primeira revista rural do país, e ainda hoje é editada
mensalmente. As Organizações Globo, a partir do programa de TV, criaram em
1985, a revista Globo Rural, a primeira a quebrar a hegemonia de vendas da Editora
Abril, que na época liderava o mercado em todos os segmentos de revistas
(FELIPPI, 2000). Hoje, as revistas para o segmento rural são produtos de diversas
editoras: a Editora Visão tem a Revista Dirigente Rural, e a Editora Três produz a
Revista Dinheiro Rural. Nos jornais, o segmento rural tem destaque em suplementos
e cadernos semanais. O Estado de São Paulo mantém, desde 1955, o Suplemento
Agrícola, publicado todas as quartas-feiras; a Folha de São Paulo veicula todas as
terças-feiras a seção AgroFolha; a Gazeta do Povo de Curitiba circula todas as
61
quintas-feiras com seu Caderno Rural, e o jornal Zero Hora encarta todas as sextas-
feiras o caderno Campo e Lavoura (OLIVEIRA, 1989). A RBS tem ainda um site na
internet com informações rurais e uma equipe de jornalistas e editores
especializados em produzir material agropecuário, para todos os veículos de
comunicação da Rede.
O rádio também ampliou o seu espaço para o meio rural com o crescimento
do número de emissoras no país e o aumento da audiência. Embora a utilização
desse veículo para o meio rural seja mais antiga, foi a partir da época de 1950/60
que as emissoras começam a demonstrar uma preocupação mais sistemática com a
transmissão de programas e mensagens específicas para o meio rural.
Multiplicaram-se os programas caipiras e os programas destinados à informação
agrícola (OLIVEIRA, 1989). Como exemplo, o programa Porteira Aberta, dirigido por
Moacir Franco e patrocinado pelo Banco do Brasil, reproduzido em dezenas de
emissoras com objetivo de divulgar o crédito rural. Com abrangência estadual, surge
a Rádio Fecotrigo, da Federação das Cooperativas de Trigo do Rio Grande do Sul.
Em 1980, foi criada a Rádio Guarani Rural de Belo Horizonte, pelo governo do
Estado de Minas Gerais. Em 1999, a RBS funda a Rádio Rural AM, que hoje conta
com uma rede espalhada por todo país e é chamada Rede Rural Sat.
Simultaneamente ao surgimento desses programas, assiste-se a um verdadeiro
dilúvio publicitário dirigido para o meio rural. “Tanto os milagrosos remédios
anunciados pelo Zé Bettio (Rádio Record), quanto as mais sofisticadas tecnologias
destinadas à produção agrícola dividem pacificamente espaço publicitário nos meios
massivos” destaca Oliveira (1989, p.153). Assim, aos poucos vai configurando-se o
cenário da comunicação rural na mídia.
62
4.2 O PROGRAMA GLOBO RURAL: Jornalismo para o agricultor brasileiro.
O Programa Globo Rural, produzido pelas Organizações Globo de
Jornalismo, foi ao ar pela primeira vez em 6 de janeiro de 1980. Inicialmente, era
transmitido aos domingos, com trinta minutos de duração, mas já a partir do
domingo, de 3 de agosto do mesmo ano, passou a ter uma hora de duração. Hoje, o
programa é apresentado pela Rede Globo aos domingos, das 8 às 9 da manhã, e de
segunda a sexta-feira, às 6h30min, com duração de 30 minutos. O programa tem a
forma de um telejornal e, segundo entrevista concedida pelo seu diretor, Humberto
Pereira, a Valdir de Castro Oliveira (1989)
11
atinge cerca de 10 milhões de pessoas
em todo o país.
O investimento para criar o Programa Globo Rural ocorreu quando uma
pesquisa das Centrais Globo constatou a existência – principalmente no Estado de
São Paulo – de 4 milhões de aparelhos receptores de televisão no meio rural e a
presença de mais de 300 potenciais anunciantes de adubos e implementos agrícolas
(OLIVEIRA, 1989). Época em que as fronteiras agrícolas do Brasil se expandiam
devido à ampliação do cultivo de grãos e as crescentes exportações, principalmente,
de soja e de laranja. Na mesma época, tem-se a expansão da eletrificação rural,
assim como do sinal de televisão, de tal forma que o homem do campo passou a ser
uma parcela considerável de telespectadores. A nova agricultura no cerrado foi o
tema da primeira reportagem do Globo Rural (GONÇALVES, 2005).
O diretor do Programa Humberto Pereira (2005)
12
destaca como público alvo
do Globo Rural todos os agricultores brasileiros que têm televisão em casa, no
vizinho ou no salão da comunidade, independente se pequeno, médio ou grande
11
PEREIRA, Humberto. Revista Veja n
o
37 – 20/08/86, p. 133, apud OLIVEIRA, 1989, p.154
12
PEREIRA, Humberto. Humberto Pereira: entrevista concedida por telefone [julho 2005]. Entrevistadora: Patrícia Kolling, 2005
63
produtor. O Programa também atrai a atenção do público urbano. Gonçalves (2005)
justifica a boa audiência também nos centros urbanos ao fato de que o cidadão
urbano, estressado com a vida tumultuada que leva, tem buscado no campo, na
relação com a terra e com povo, momentos de tranqüilidade. Há ainda o saudosismo
dos muitos ex-agricultores ou filhos de agricultores e um grande número de escolas
urbanas cujos professores recomendam o programa como material didático, devido
ao conteúdo das reportagens e à forma como os assuntos são abordados, ilustrados
e discutidos.
Segundo informações disponíveis no site do programa na internet, o Globo
Rural busca documentar as atividades agropecuárias, mostrando o agricultor em sua
cultura, suas tradições, sua paisagem e suas aspirações (GLOBO RURAL, 2005). “O
principal objetivo do programa, desde a sua fundação, é incluir o universo rural na
televisão. Não falar só para o agricultor, mas dar voz ao agricultor, aos seus
costumes, atividades, manifestações culturais”, confirma Pereira (2005). O Globo
Rural faz jornalismo para o agricultor brasileiro e não um programa sobre agricultura
e pecuária. Pereira (apud BORELLI,1988, p. 6)
13
diz:
O nosso programa é um programa que abriga tecnologia, que abriga
problemas de ordem agronômica, biológica, mas também de ordem
econômica, social e cultural [...] trata de problemas que dizem
respeito ao homem que trabalha na agricultura e não à atividade
apenas técnico-agrícola ou do seu negócio.
O diretor observa que depois que o Globo Rural foi ao ar pela primeira vez, o
agricultor passou a ver-se a si mesmo na televisão, como personagem principal de
um programa jornalístico. O Programa é um espaço de informação, participação e
reclamação do agricultor. Pereira acredita que a televisão seja o veículo de
13
PEREIRA, Humberto. Humberto Pereira: entrevista concedida ao editor- assistente da Revista Brasileira de Comunicação,
Dario Luiz Borelli, apud BORELLI, 1988
64
comunicação mais apropriado para levar informação ao agricultor que está,
normalmente, longe das bancas de jornais e assinaturas de revistas. “A televisão
permite o acesso em qualquer lugar e a qualquer hora” (PEREIRA, 2005).
O artigo.”O Folclore na mídia de massa: Globo Rural e aspectos folclóricos do
homem do campo”, produzido por Elizabeth Moraes Gonçalves (2005), baseado em
uma pesquisa realizada pela Universidade Metodista de São Paulo intitulada: “O
Rural na Televisão: Uma análise do discurso rural construído pelo programa
televisivo Globo Rural”, confirma o caráter informativo do programa, que tem
contribuído para a divulgação da ciência no que se refere ao contexto ruralista,
colaborando para a formação do cidadão do campo e a construção de conhecimento
na área. Torna-se, assim, também um meio de educação da população rural.
O Programa apresenta notícias e reportagens de todo o Brasil e inclusive de
outros países da América Latina. Pereira (apud BORELLI, 1988, p. 9) destaca isso:
Nós vamos a cada rincão deste Brasil, vamos a cada Estado, a cada
região. Nessas reportagens quem fala é o agricultor, é o técnico, é o
fazendeiro, é o bóia-fria daquela região. [...] O Programa Globo
Rural tem dentro de si todos os sotaques do Brasil. Quem entra no
programa é o Brasil todo.
A pesquisa destacada acima apresenta algumas considerações interessantes
sobre a imagem do homem do campo, constituída pelo programa. Gonçalves (2005,
p.3) evidencia que:
Os episódios do Programa Globo Rural, como produtos
comunicacionais mercadológicos, exibidos em mídia de massa,
apóia-se na tradição do homem do campo e constrói uma imagem
saudosista que se contrapõe à do homem de negócio no campo,
resultante das atividades do agronegócio. Assim, o programa coloca
lado-a-lado as inovações da tecnologia no campo e a religiosidade,
a culinária de fogão de lenha, a música de viola, entre outros.
65
A presença do homem do campo no programa é constante, porém enquanto o
médio e o grande produtor, já envolvidos pelo agronegócio, apresentam-se sempre
bem trajados, quase em um estilo country, conforme a moda determina, o pequeno
agricultor, aquele da atividade de subsistência, ainda conserva o estereótipo
“caipira’. Embora tenha sido preparado para a realização da reportagem, esse
homem do campo veste roupas muito rústicas, geralmente tem uma camiseta ou um
boné com propaganda de produtos ou de candidatos políticos; tem uma aparência
que denota nenhum cuidado com dentes, pele, cabelo ou qualquer efeito estético; a
postura é de submissão em relação ao repórter e principalmente em relação à
presença de uma autoridade ou especialista. Sua linguagem apresenta muitos erros
em relação a linguagem culta, o que poderia caracterizá-la, como um discurso
acrático, aquele que está fora do poder, influenciado pelo senso comum, popular,
diferenciando-se da fala dos demais envolvidos na reportagem, cujo discurso
denomina-se encrático, aquele que se enuncia a partir dos múltiplos aparelhos
estatais ou da comunicação de massa(GONÇALVES, 2005). O autor (2005, p. 10)
afirma que:
Na visão do Globo Rural o homem do campo é aquele que precisa
aprender com o cientista, com a Universidade, com o especialista;
sua vivência não o credencia e não o leva ao sucesso esperado. O
agronegócio, a cada dia vai tomando conta do cenário do campo e
vai transformando o agricultor ou pecuarista em um homem de
negócio, ficando ao pequeno agricultor o estereótipo do caipira,
daquele que fala errado, que se veste mal, mas que tem uma
sapiência natural, resultado da sua vivência no campo, e, por isso
deve ser protegido. O programa televisivo registra altos índices de
audiência, pois, mostra imagens fascinantes de um lugar e de uma
forma de se viver sem stress, deixa explícita sua preocupação em
solucionar os problemas apresentados por este homem rural, em
buscar as informações nas fontes mais credenciadas, enfim, de
protegê-lo do “inimigo”.
66
Gonçalves (2005) conclui que o Programa Globo Rural mostra, por um lado, a
tecnologia aplicada às atividades do campo, que juntamente com os avanços
científicos das pesquisas realizadas, deu origem a um novo produtor rural, ligado ao
agronegócio. Por outro lado, apresenta a imagem do “caipira” desprotegido,
caracterizado por um saber de tradição, uma imagem arraigada ao imaginário
coletivo.
Para que a comunicação com o agricultor seja eficiente, o Programa Globo
Rural busca os elementos fundamentais da comunicação de televisão, evitando a
utilização de adjetivos e apresentando uma linguagem linear, em ordem direta e com
palavras bem pronunciadas (BORELLI, 1988). O Programa apresenta, porém,
alguns diferenciais, por exemplo: o ritmo das mensagens é mais lento e pausado –
cada linha de texto do programa é lido em 2 segundos e meio, enquanto em outros
programas o tempo de leitura é de 2 segundos - e sem maiores sofisticações na
linguagem. Utiliza-se com freqüência microfones de lapela, que resultam em maior
desinibição e informalidade, permitindo também a captação de sons ambientes
(OLIVEIRA, 1988). O programa apresenta muitas reportagens e/ou matérias
jornalísticas mais extensas, com mais informações e detalhes que as produzidas
para outros telejornais da Rede Globo. A qualidade de produção e imagem segue,
porém, os mesmos padrões dos demais programas. A qualidade técnica da
produção é apontada como forte elemento de atração e de fidelidade do público a
que se destina o Programa (GONÇALVES, 2005). Pereira, citado por Borelli, (1988,
p. 15) destaca, porém, que na produção das matérias “o conhecimento da realidade
rural é fundamental”. Os repórteres, se não oriundos do interior, mostram uma
identificação com o homem do campo e com as questões que a ele se referem. Os
cenários e as músicas do programa também são ambientadas ao meio rural.
67
Aspectos folclóricos, tanto da culinária, da dança, dos costumes do homem da terra
são intensamente abordados pelo programa (GONÇALVES, 2005).
Uma das características do Globo Rural é abrir espaço para a participação
dos telespectadores através da seção de cartas (BORELLI, 1988). A produção do
programa recebe certa de 70 cartas por dia, de todo o Brasil. Todas elas são
respondidas pelo correio e muitas são respondidas na televisão, através de
entrevistas e/ou reportagens in loco com técnicos ligados às instituições estatais de
ensino, pesquisa e extensão rural (PEREIRA, 2005). É o único programa que possui
uma seção de cartas com respostas via próprio programa, e que fornece o seu
endereço (OLIVEIRA, 1988). O telespectador também pode participar do programa
sugerindo pautas e assuntos para reportagens. Outro espaço de participação é
através das entrevistas e depoimentos dos agricultores em frente às câmeras. “É
quando a equipe vai a campo, e o agricultor fala ao microfone” (PEREIRA, 2005).
Através de lideranças, principalmente representantes de Cooperativas e Sindicatos,
os agricultores também marcam presença no Programa.
O Globo Rural de domingo é dividido em quatro e/ou cinco blocos. Um deles é
destinado às respostas das cartas e à apresentação de matérias sugeridas por
agricultores. Os eventos e feiras realizados no país e os preços dos produtos
agropecuários ocupam espaço fixo no programa. Existe também a seção das
notícias da semana. O restante do programa é constituído por matérias e
reportagens que abordam variadas temáticas relacionadas ao meio rural. Em
algumas edições do programa são apresentadas matérias especiais, que ocupam as
vezes mais do que um bloco. Durante o programa, há, normalmente, a apresentação
de uma receita, produzida em cenários rurais, com ingredientes típicos desse meio e
freqüentemente resgatando costumes antigos. Apesar de ter quadros definidos e
68
permanentes como as Sessões de Cartas, Notícias da Semana, Eventos e
Exposições e Preços dos Produtos, o programa não tem uma programação
estanque. Por exemplo, em alguns programas as cartas dos telespectadores são
respondidas no primeiro bloco, em outros, são respondidas no segundo ou terceiro
blocos. São patrocinadoras do Globo Rural empresas ligadas aos setores industrial,
comercial e financeiro agropecuário (OLIVEIRA, 1989).
O Programa Rural, além de transmitir informações de enfoque rural pela
televisão, possui também um site (http://globoruraltv.globo.com), que recebe de 4 a 5
mil acessos por mês e um newsletter ( jornal eletrônico), enviado diariamente por e-
mail.
Sobre o meio ambiente, Humberto Pereira (2005) observa que muitos dos
problemas ambientais, vivenciados atualmente, estão ligados ao meio rural. “A
maioria das águas que abastecem as grandes cidades nascem nas propriedades
rurais. O meio ambiente está nas mãos dos agricultores. Não há nada que tenha
mais intimidade com o agricultor que o meio ambiente”. Por isso temas como a
conservação do solo já são antigos e fazem parte das pautas do programa Globo
Rural constantemente. “O Globo Rural está sempre fazendo reportagens sobre
mananciais de água, conservação do solo, produção de alimentos. O tema
ambiental faz parte dos conteúdos, desde o início do programa” (PEREIRA, 2005).
Apesar do interesse da mídia no segmento rural e dos diferenciais do
Programa, Oliveira (1989) acredita que os discursos nos programas rurais não se
diferem da prática urbana. “O rural aparece apenas a partir de alguns resquícios da
cultura rural, cujo objetivo é mais dar uma tonalidade rural do que efetivamente
promover uma valorização cultural do meio” (OLIVEIRA, 1989, p. 155). Isso porque,
justifica o autor, a produção discursiva da indústria cultural para o meio rural tem
69
como fonte matricial exatamente as características e tendências da agricultura em
sua crescente importância no processo de acumulação capitalista. Ou seja, são
produtos comerciais de informação e entretenimento, inseridos na lógica do
mercado, patrocinados por grandes empresas ligadas ao setor agropecuário, com o
objetivo atender as demandas do público consumidor (OLIVEIRA, 1989).
Frente à observação, Pereira citado por Borelli (1988, p. 11) evidencia, como
já foi colocado anteriormente, o caráter informativo do Globo Rural: “Estamos dando
ao pequeno, médio e até mesmo ao grande agricultor o insumo fundamental que a
sociedade urbana tem chamado de informação”. O diretor ressalta também que se
vive atualmente numa sociedade capitalista, em uma economia de mercado, por isso
o Globo Rural tenta através da informação auxiliar o agricultor a plantar, colher e
vender da melhor forma possível, tentando evitar que ele perca parte do seu lucro
para atravessadores e/ou no uso de técnicas erradas.
Assim, apesar de inseridos na lógica capitalista de produção, acredita-se que
o Globo Rural, como também outros programas agropecuários, contribuem para o
aumento quantitativo e qualitativo da oferta de informações e conhecimentos para os
diversos segmentos da população rural, como também contribui para a aproximação
entre a cidade e o campo. São produções em que o leitor ou telespectador pode
participar através de cartas e e-mails, através de sugestões de pautas e também das
matérias jornalísticas. É uma participação restrita e que não permite a configuração
de uma comunicação rural efetiva, com fluxo de dupla via, como conceitua
Bordenave (1993). Mesmo assim, constitui-se como um espaço de participação do
público rural, atendendo a muitos de seus interesses.
70
4.3 JORNALISMO: Função social de informar a sociedade
O Globo Rural é um programa jornalístico de televisão, e isso lhe atribui
características e funções próprias do gênero.
O jornalismo tem como principal função informar a sociedade, apresentando
através de notícias, reportagens, editoriais, artigos e outros gêneros, representações
dos fatos que acontecem no mundo. O jornalismo se constitui por um emissor
falando a um grande número de receptores, que formam um conjunto disperso e
não-identificado. Satisfazer os interesses e demandas deste público receptor é então
o principal objetivo do jornalismo. Essa função ou serviço social de utilidade pública
do jornalismo é fundamental para que a sociedade tenha acesso a informação, que
é hoje produto essencial para que o homem tenha condições de viver em sociedade.
É também um meio de ampliar conhecimentos sobre os fatos que acontecem no
mundo e sobre aspectos do seu cotidiano.
As notícias e informações difundidas pelo jornalismo devem reunir como
critérios básicos: o interesse público, importância, atualidade e veracidade (JUAREZ
BAHIA, 1990). Isso porque são quatro as características fundamentais do jornalismo:
atualidade, periodicidade, difusão e universalidade.
Com todas essas características, o jornalismo exerce na sociedade um
expressivo poder de influenciar, constituindo opiniões e pensamentos, ou seja,
configurando-se como um dos formadores da opinião pública.
Christa Berger (2003) justifica o poder do jornalismo evidenciando que este
faz parte do campo simbólico, que tem o poder de fazer crer, e é nisto que consiste
sua superioridade. Seu capital é a credibilidade, que tem a ver com persuasão, pois
no diálogo com o leitor, valem os “efeitos de verdade” que são cuidadosamente
71
construídos para servirem de comprovação, através de argumentos de autoridades,
testemunhas e provas. Esse valor de credibilidade é conquistado também pelo fato
de o jornalismo apresentar à sociedade informações que representam a realidade,
ou seja, trabalhar com o real, com o acontecido de fato, transmitindo a sensação de
veracidade - de estar transmitindo a verdade. Dificilmente é questionada a verdade
e/ou a validade de uma noticia apresentada por um programa de jornalismo, pois
mesmo que as notícias sejam representações, elas estão alicerçadas em fatos reais.
Clareza, concisão, objetividade e precisão são também características
importantes para que as notícias e informações atendam o interesse de ser
informado, do leitor, telespectador ou ouvinte. Para Eugênio Bucci (2000), a melhor
objetividade no jornalismo é uma justa, transparente e equilibrada apresentação da
intersubjetividade. Essa não pede isenção total – pede equilíbrio, sem excesso de
frieza com também sem excesso de emoção, pois ambas atrapalham a difusão da
informação de qualidade.
Lembra-se, porém, que a prática do jornalismo constitui-se uma atividade
empresarial. As notícias, reportagens, artigos são produtos à venda em jornais,
rádios e televisões. Configura-se um jogo de interesses e poder, entre jornalistas,
com o objetivo de informar, e os donos das empresas de comunicação, com o
objetivo de obter lucro. Nesse contexto, é importante que a função social do
jornalismo de informar a sociedade seja mantida. Como destaca Bucci (2000, p.30):
Ao jornalismo cabe perseguir a verdade dos fatos para bem informar
o público e cumprir a sua função social, antes de ser negócio,
sempre com a objetividade e o equilíbrio que alicerçam uma boa
reportagem. É verdade que a atividade jornalística se converteu em
um mercado, mas, atenção, esse mercado é conseqüência, é
fundamento e não razão de ser da imprensa
72
Ele acrescenta ainda que é do direito fundamental a que corresponde a
imprensa - o direito à informação – que resulta a ética que deveria reger jornalistas e
empresas de comunicação e também os vínculos que ambos estabelecem com suas
fontes, com o público e, sobretudo, com o poder econômico, político e estatal.
Entre as atividades de jornalismo desenvolvidas, destaca-se o jornalismo na
televisão, que possui uma vantagem a mais do que o realizado por outros meios de
comunicação. A televisão é o único meio de comunicação de massa que mobiliza
dois dos sentidos humanos ao mesmo tempo: a audição e a visão. A visão permite
ao homem estabelecer a maior parte das relações com o mundo. É através do olho-
no-olho que se estabelece a verdade e a credibilidade entre as pessoas. Na
audiência televisiva, esse sentido tem grande importância, porque a imagem é
prioridade, e muitas vezes, é a própria notícia. O telespectador é seduzido através
do olho e passa a acreditar naquilo que vê na tela. Explica Pedro Maciel (1995,
p.16):
É uma relação quase mágica que o olhar estabelece entre o fato
que é mostrado na tela da televisão e o telespectador que recebe a
informação. A simples existência de imagens captadas pelas
equipes de reportagem e entregues ao telespectador em casa é
suficiente para atestar o caráter de verdade da noticia. O ver
televisão é muito mais poderoso do que o contar de outros veículos
de comunicação. O telespectador pode duvidar do que lê num jornal,
ou ouve no rádio, mas dificilmente vai deixar de acreditar no que ele
próprio viu.
É claro que nesse universo de imagens o texto é imprescindível para dar
sentido a informação. Texto e imagem precisam se completar um ao outro. Mas,
mesmo assim, Maciel destaca que sempre a imagem será mais forte que a palavra,
é ela que permanece gravada no cérebro do telespectador depois que a notícia foi
esquecida.
73
Mas não é somente o fato de trabalhar com a imagem que garante à televisão
a supremacia sobre os demais meios comunicação. Outras características desse
meio precisam ser respeitadas para que as informações por ela apresentadas sejam
eficientes. Maciel (1995) destaca que as principais características indicam que a
televisão é um veículo massivo, intimista, dispersivo e seletivo.
A televisão atinge a grande massa da população brasileira, o que faz com que
seja o principal veículo de informação da sociedade brasileira. Apesar do público
massivo, conforme Maciel (1995), citando o ex-diretor da Central Globo de
Jornalismo, Armando Nogueira, a mensagem precisa ser enviada para apenas uma
– e para cada uma – das pessoas que estão assistindo. O telespectador é único e é
a pessoa a quem o jornalista precisa convencer quando fala ou mostra algum
acontecimento que considera importante. Só se dirigindo a essa pessoa em
particular é que o jornalista vai conseguir transmitir com exatidão e clareza o que
quer contar a milhões de telespectadores que assistem ao programa ou telejornal.
A televisão é um veículo intimista, ou seja, que conquista a cumplicidade do
telespectador e que, por isso, exige uma linguagem conversada, de quem conta
confidências. Essa característica de veículo essencialmente oral, aliada ao uso de
enquadramentos fechados, que enriquecem os detalhes, valorizam os gestos e
despertam a emoção, faz com que os sentimentos do telespectador sejam
mobilizados com facilidade (MACIEL, 1995). Por isso quanto mais coloquial for a
mensagem de televisão, mais ela vai conseguir tocar os sentimentos do
telespectador. Destaca-se que o jornalista precisa valorizar a diversidade cultural do
telespectador brasileiro e ser entendido por todos.
A televisão é, por outro lado, um veículo dispersivo, pois o telespectador
normalmente está em casa dividindo a atenção entre a televisão e os diversos
74
apelos comuns do dia-a-dia doméstico. Para prender, então, a atenção das pessoas
a televisão emprega um ritmo ágil e nervoso, com a utilização de vinhetas,
convocações sonoras e músicas que a cada momento chamam o telespectador a
olhar para a tela. Outra forma de seduzir é através do equilíbrio entre a informação e
a emoção, procurando sempre conquistar o envolvimento do telespectador. A
dispersividade da televisão, porém reflete na quase impossibilidade de fazer análises
profundas sobre qualquer assunto. “O espetáculo televisão torna o veículo
superficial, exige dele um ritmo constante para fixar a atenção do
telespectador”(MACIEL, 1995, p. 21).
A última característica apontada pelo autor é que a televisão é um veículo
seletivo, ou seja, o ritmo da televisão faz com que o veículo disponha de pouco
tempo para tratar assuntos diários. Os programas jornalísticos da televisão precisam
fazer seleções rigorosas dos assuntos que tratam, mostrando somente o que é
realmente importante. E mesmo nesse caso concentra a informação em um tempo
muito curto.
Essas características da televisão estabelecem alguns padrões que os
jornalistas precisam seguir para conseguir um bom entendimento do telespectador.
Entre esses padrões estão a construção de frases objetivas e diretas, usando
palavras simples e comuns na língua falada. Ou seja, é preciso usar uma linguagem
coloquial, direta, clara e objetiva, capaz de ser entendida pela ampla maioria de
telespectadores.
O poder da televisão na sociedade atual é também influenciado pelas
características tecnológicas e de produção do meio. A televisão possui a capacidade
de mediar a apresentação da realidade ao sujeito receptor, ou seja, realiza a
naturalização da significação da realidade. Essa naturalização acontece de quatro
75
maneiras principais. Através da criação das notícias (que numa televisão comercial
são manufaturadas, com a finalidade de vender a informação), da presencialidade
do receptor (que faz o receptor sentir-se parte dos acontecimentos que se oferecem
na televisão e frente à realidade, e não de uma representação desta), da construção
da verossimilhança (aparência de verdade, através da alta fidelidade na
representação e transmissão de signos e significados) e da apelação emotiva da
televisão (televisão tem grande facilidade de incidir sobre o afetivo e o emocional)
(MORLEY, 1996).
Com essas características a televisão configura-se como meio massivo de
comunicação com interesses comerciais e capitalistas. As emissoras de televisão
possuem modernas e caras estruturas de produção e, como em qualquer empresa,
seus produtos (programas) são mercadorias à venda. Atender as demandas de
informação e entretenimento do público são estratégias de lucratividade, pois quanto
maior a audiência, maior o número de empresas interessadas em anunciar na
televisão. Assim, as emissoras de televisão, além de serem um meio de informação
e influências sociais, culturais, políticas e econômicas, constituem-se como
empresas competitivas e lucrativas.
4.4 TELEVISAO INTEGRADA AO COTIDIANO
A televisão é, entre as diferentes tecnologias de informação e comunicação,
um dos meios que mais ocupa tempo e espaço na vida doméstica. É um referente
único de intercambio social e significação da vida diária. É um meio de informação e
também de distração e entretenimento de fácil acesso. A televisão permite às
pessoas terem contatos com o mundo externo, presenciar acontecimentos em
lugares distantes, receber mensagens de diferentes tipos, sem nem sair de casa
76
(MORLEY, 1996). Através dela é possível ver filmes do cinema, ouvir rádio, saber o
que foi notícia nos jornais, ver exposições e atuar de muitas outras formas junto às
novas tecnologias. Por isso, considera Orozco Gómez (1990, p. 9) que a televisão
pode ser classificada como um super meio.
Na medida em que a televisão propõe uma série de significações e
sentidos, legitima discursos, propaga informações, inclui e exclui
sujeitos e acontecimentos, estimula emoções, provoca reações
afetivas, induz ao consumo, motiva a tomar determinadas posições
intelectuais, dissemina opiniões e serve como fonte de
aprendizagem e objeto de polêmica e de juízo, a uma vez que
compete com as tradicionais instituições sociais, como a família e a
escola, a televisão se instaura no novo milênio como a grande
industria cultural do futuro
.
Devido à intensa penetração da televisão na sociedade, atualmente, como
evidencia Scanell (apud MORLEY e STONE, 1993), ver televisão é um ato que está
incrustado na gama de práticas cotidianas e, ao mesmo tempo, é uma ação
parcialmente constitutiva dessas práticas. Assim, estudar a televisão é também
estudar o cotidiano e vice-versa. Se a televisão e o cotidiano estão integrados, é
importante destacar que o espaço da recepção é também o espaço do cotidiano, um
espaço que na atual vida moderna, fragmentada e descentrada, tem um papel muito
importante na produção incessante do tecido social.
Na concepção de Mauro Wilton de Sousa (1986), o cotidiano se configura no
espaço “de compreensão dos processos simbólicos e das relações de poder que aí
se imbricam. Para esse autor (1986,p.96):
O cotidiano é hoje redescoberto como momento de análise do dado
social na complexidade que esse mesmo social envolve, a
perspectiva de que o cotidiano possa ser o espaço onde os
processos simbólicos são elaborados e reelaborados em si mesmo
e a partir das relações que tem com outros processos simbólicos,
faz do cotidiano, como tal, o espaço mesmo de compreensão do
processo simbólico e das relações de poder que aí se imbricam.
77
A vida cotidiana pode ser compreendida como a vida de todo dia, dos
mesmos gestos e ritmos. É ir à escola, ao trabalho, à igreja, ler o jornal, assistir
televisão, etc. No pensamento de Agnes Heller (1989), a vida cotidiana é a vida do
homem inteiro, não existindo homem sem cotidiano e cotidianidade. Segundo essa
autora (1989, p. 18), “(...) o homem participa da vida cotidiana com todos os
aspectos de sua individualidade, de sua personalidade.
O cotidiano é o espaço de reconhecimento social, e como destaca Martin-
Barbero (2002, p. 59), “é preciso resgatar esse viver cotidiano como espaço de
produção de conhecimentos e como produção e espaço de troca de sensibilidades,
ou seja, recuperar o sentido comum das pessoas”.
Stuart Hall (1997, p. 42) destaca que essas ações cotidianas, apesar de
automáticas, não são instintivas no sentido usual.
Cada movimento que fizemos é normalmente guiado por um
conjunto de normas e conhecimentos culturais. Uma vez que não
damos muita atenção consciente as nossas ações – nossas ações
foram institucionalizadas, sedimentadas naquilo que em nossa
cultura é tido como certo, o nosso habitus – podemos relutar em
falar em significado.
Para complementar, ele diz que os significados e valores dessas condutas,
práticas humanas, ações físicas e fins estão inscritos na cultura de cada um de nós.
Morley e Stone (1993), citando Michel De Certeau, observam que a atividade de
assistir televisão segue também uma perspectiva baseada em regras e/ou normas,
ou seja, é pautada, ou parte da vida cotidiana.
Neste espaço de audiência televisiva cotidiana, segundo Morley e Stone
(1993), é a família a unidade básica do consumo da televisão, pois é no cenário
doméstico que a maioria das mensagens televisivas são recebidas. As famílias
78
interatuam com a televisão e fazem uso dela em suas vidas cotidianas, porém é
preciso lembrar que a televisão é apenas uma atividade, entre tantas outras,
desenvolvidas no cotidiano familiar. Aspectos familiares, a religiosidade, a origem
étnica, as relações de gênero, o nível educacional, a valorização e dinâmica do
trabalho, os princípios éticos e morais familiares são influentes no processo de
recepção da televisão. Por isso a televisão tem que ser estudada dentro do amplo
contexto de práticas domésticas, cotidianas e/ou familiares, considerando a
variedade de formas em que se organiza esse espaço, nas diferentes culturas.
Morley (1998a, p. 294) diz:
É preciso prestar a atenção às semelhanças e diferenças entre
familiares, e compreender o lugar que ocupam seus membros na
sociedade e cultura em geral, sendo que a etnia, classe, ideologia e
poder definem as realidades materiais da vida cotidiana.
Interesses, objetivos distintos e aspectos relacionados à idade e ao gênero,
entre os membros da família, repercutem na recepção e assimilação das mensagens
televisivas. Assim, como os diferentes graus de atenção que o telespectador
dispensa a televisão, também influenciam nos sentidos apropriados, ou seja, o
receptor pode sentar em frente ao aparelho e destinar a ele toda a atenção, como
também pode, ao mesmo tempo em que assiste ao programa desenvolver, outras
atividades (MORLEY, 1998a).
Nesse processo de negociação, diferentes instituições sociais interatuam com
a televisão e o resultado final e o impacto da televisão estão mediados pela ação
implícita ou explícita da escola, da família e de outras instituições e grupos. Segundo
Orozco Gómez (1990), a TV e seu impacto nos distintos setores, processos e
relações sociais não é um fenômeno técnico que só se aborda profissionalmente,
mas é um fenômeno político-cultural que envolve diversos interesses de classes e
79
requer os engajamentos de diversas forças sociais para ser estudado. Conclui,
assim, Orozco Gómez (1991) que o significado de uma mensagem televisiva
responde a uma intencionalidade global da programação, às apropriações
individuais dos receptores e também às posições sócio-culturais.
80
5 A RECEPÇÃO
Para estudar a comunicação, optou-se pelo espaço da recepção que,
segundo Jesús Martin-Barbero (2003), é o espaço da produção de sentidos das
comunicações. Não é somente uma etapa no interior do processo de comunicação,
um momento separável em termos de disciplinas, de metodologia. “É uma espécie
de um outro lugar, o de rever e repensar o processo inteiro da comunicação, da
produção à recepção, em nossos países, em nossas culturas e em nossa sociedade”
(MARTIN-BARBERO, 2002, p. 42). Maria Imacollata Vassalo Lopes (2000) observa
que o estudo do processo de recepção é uma perspectiva de investigação que tenta
superar a investigação fragmentadora e, portanto, redutora do processo de
comunicação em áreas autônomas de análise: da produção, da mensagem, do meio
e da audiência, integrando todas as áreas em um só estudo. Os estudos de
recepção buscam recuperar a vida, a iniciativa, a criatividade dos sujeitos; como
também a complexidade da vida cotidiana, como espaço de produção de sentidos e
das diversas formas de relações com os meios. Estudar a produção/recepção de
complexos efeitos de sentidos é compreender a comunicação a partir do lugar que
os interlocutores ocupam na trama das relações sociais e em função do horizonte
ideológico-cultural de que são portadores em virtude de sua situação ou posição de
classe (MARTIN-BARBERO, 2002). O espaço da recepção, por ser interativo entre
receptor, meio e mensagem e um espaço de negociação de sentidos, constitui-se
como complexo e contraditório em sua prática comum (OROZCO GÓMEZ, 1993).
Com base nas reflexões de John B. Thompson (1995), pode-se afirmar que a
produção de sentidos corresponde à fase de reelaboração das mensagens
recebidas pela mídia por parte do receptor a partir das condições concretas de vida,
81
de seus próprios referenciais e de sua relação com o contexto macrossocial.
Conforme o autor (1995, p. 406):
Ao receber as mensagens, as pessoas empregam convenções de
vários tipos, que as possibilitam decodificar e tornar compreensivas
as mensagens, e nesse processo, elas também podem avalia-las,
aceita-las ou rejeita-las, tomar posições diante delas etc (...) Ao
procurar analisar o significado das mensagens, da maneira como
são recebidas e interpretadas, estamos tentando, entre outras
coisas, reconstruir o sentido que esses receptores lhes dão e
examinar as atitudes que tomam, explícita ou implicitamente diante
dessas.
Considerando esses aspectos, Simone Maria Rocha (2004) observa que um
estudo de recepção precisa compreender as particularidades e especificidades que
tomam parte no processo de apropriação e produção dos sentidos das mensagens
veiculadas pela mídia. Para essa compreensão, que busca entender as ações do
individuo a partir do contexto em que ele está inserido, é preciso realizar um estudo
da constituição do seu contexto macro e micro-social. É necessário conhecer os
hábitos de consumo dos meios, os contextos sócio-históricos dos receptores, os
valores e regras do mundo social dos indivíduos, os aspectos técnicos da recepção.
Assim, será possível entender que sentidos os receptores atribuem às mensagens e
como as incorporam às demais esferas de suas vidas, pois, como argumenta
Veneza Ronsini (1993), só é possível compreender os mecanismos de apropriação
do massivo articulando o contexto social global de produção com os contextos micro
e macrossocial dos receptores.
Essa perspectiva integradora e compreensiva dos estudos de recepção
concretiza-se a partir do entendimento de que todo processo de comunicação é
articulado a partir das mediações. Mediação, a partir de conceito elaborado por
Martin-Barbero, apresentado por Guilhermo Orozco Gómez (1993, p.33): “pode ser
82
entendida como a instância cultural, de onde o receptor produz e se apropria do
significado e do sentido”. É uma espécie de estrutura incrustada nas práticas sociais
dos sujeitos e no cotidiano das pessoas. Relacionadas às práticas comunicativas, as
mediações podem ser entendidas como um processo estruturante que configura e
reconfigura, tanto a interação dos receptores com os meios, como a criação pelos
receptores de sentidos a esta interação. O espaço de mediação é o lugar onde se
produzem os sentidos dos processos comunicativos, sendo a mediação um
componente ativo e estruturante dos mesmos. É o lugar onde é possível
compreender a interação entre o espaço da produção e da recepção, mostrando que
o que se produz na televisão e em outros meios não responde unicamente a
requerimentos do sistema industrial e aos estratagemas comerciais, mas também a
exigências que vêm da trama cultural e dos modos de ver (OROZCO GÓMEZ,
1993). As mediações se originam em diversas fontes: cultura, política, economia,
classe social, idade, condições de contexto, instituições, rotinas do cotidiano, como
também na mente do sujeito, nas suas emoções, experiências, vivências passadas.
O espaço da mediação promove a articulação entre os processos de produção de
sentido em torno dos meios de comunicação e outras práticas cotidianas de
significação. Por isso, para se estudar a recepção dos meios a partir das mediações
é necessário tomar a cultura como um espaço de reflexão para a comunicação. Para
Martin-Barbero (2003, p. 299), pensar a comunicação a partir da cultura é deixar de
pensá-la a partir das disciplinas e dos meios.
Significa romper com a segurança proporcionada pela redução da
problemática da comunicação às novas tecnologias. É preciso
redefinir sentidos da cultura e da política, no qual a comunicação
não participe apenas a título temático e quantitativo, mas também
qualitativo [...] É fundamental a compreensão da sua natureza
comunicativa. Isso é seu caráter de processo produtor de
significações e não mera circulação de informações.
83
Outro aspecto a ser destacado, de acordo com as observações de Orozco
Gómez (1993), é que a recepção é um processo e não um momento, ou seja, não se
reduz ao momento de estar à frente da televisão, mas transcorre ao longo do
processo que conjuga as múltiplas mediações, ou seja, antes, durante e depois do
momento ao que se assiste à televisão. “O sentido primeiro, apropriado pelo receptor
é levado a outros cenários em que ele costumeiramente atua e a mensagem é
reapropriada, produzindo novos sentidos” (OROZCO GÓMEZ, 1991, p.55).
Configura-se um processo de negociação de significados e sentidos que,
segundo Stuart Hall (2003) contém, uma mistura de elementos de adaptação e
oposição, conferindo visão privilegiada às definições dominantes dos
acontecimentos, mas reservando o direito de fazer uma aplicação negociadas as
condições locais e suas próprias corporativas. Quando os significados iniciais
pretendidos pelos meios de comunicação resultam em um significado final, Hall
(apud OROZCO GÓMEZ, 1990) fala em um significado hegemônico. Porém, um
significado também pode ser contestado e rechaçado pelos receptores, pois os
significados propostos pelas instituições, enfrentam o repertório do receptor, que
quanto maior (maior educação, maiores vivências), possibilita maiores condições de
ressignificar os sentidos, que tendem a ser hegemônicos e contrapor significados
alternativos. Existe uma interação polissêmica dos receptores com as mensagens e
o meio televisivo e com sua própria cultura. Interação não linear e nem transparente,
às vezes complementar, outras resistentes, no qual navega o entendimento dos
significados da vida cotidiana.A lógica da situação negociada é sustentada por suas
relações diferenciais e desiguais com os discursos e lógicas de poder.
Assim, a recepção é um contexto complexo e multidimensional, em que, ao
mesmo tempo em que as pessoas vivem o seu cotidiano, se inscrevem em relações
84
de poder estruturais e históricas, que extrapolam as práticas cotidianas. “A recepção
não é um processo redutível ao psicológico e ao cotidiano, apesar de ancorar-se
nessas esferas, mas é profundamente cultural e político”, alerta Lopes (2000, p.119).
Isto é, os processos de recepção devem ser vistos como parte integrante das
práticas culturais que articulam processos tanto subjetivos como objetivos, tanto
micro (ambiente imediato controlado pelo sujeito) como macro (estrutura social que
escapa ao seu controle). Dessa forma um conjunto de pressupostos que formam
uma teoria compreensiva dos estudos de recepção, em que a produção e a
reprodução social do sentido, envolvida nos processos culturais, não é somente uma
questão de significação, mas também uma questão de poder. Dessa forma, um
estudo de recepção não pode ser isolado, mas é preciso entender a recepção
levando em conta o contexto dos meios de comunicação, das mensagens e dos
receptores.
5.1 CARACTERIZANDO O SUJEITO RECEPTOR ATIVO
Nos estudos de recepção, o sujeito receptor é peça fundamental, pois é
através dos sentidos produzidos por ele que é possível compreender o processo de
comunicação, com as suas diversas mediações. Esse sujeito receptor não é passivo
diante do que os meios de comunicação apresentam, pois não os enfrenta com a
mente vazia, mas como um sujeito situado social, cultural e historicamente. Como
ressalta Martin-Barbero (2003), o sujeito receptor não é apenas um decodificador
das mensagens apresentadas pelos meios de comunicação, mas também produtor
de novos significados. Os sentidos e novos significados produzidos dependem do
repertório do receptor. “Este repertório é o conjunto de informações e experiências
passadas vividas pelo sujeito, assim como o conjunto de outros significados”
85
(OROZCO GÓMEZ, 1990, p. 69). Os sentidos criados pelo receptor também
dependem das interações dos sujeitos com as várias instituições e seus discursos.
Lembra Orozco Gómez (1991) que a televisão (meios de comunicação) é apenas
uma instituição, que constrói e difunde seus próprios sentidos, negociados com as
demais instituições.
É necessário pensar, também, que quando se refere aos receptores o que
está em jogo não são os sentidos e características individuais, mas coletivas. O
autor (1991, p. 58) destaca:
Por esta razão os receptores não são como indivíduos isolados,
ainda que respondam individualmente ao que vêem na TV, mas
como membros de segmentos da audiência agrupados segundo
características socioeconômicas, culturais, de idade, sexo, étnicas e
geográficas.
Apesar de ativo diante da mídia, como apresenta Hall (1996), na atual
sociedade contemporânea, o sujeito vive a multiplicidade de posições, atua com
muitos códigos e diversas identidades. As identidades na modernidade são produto
de várias histórias e culturas interconectadas, pertencem a um e, ao mesmo tempo,
a vários 'lugares'. Essas distintas posições e descentramento do sujeito fazem com
que o ato de acessar os meios de comunicação e utilizá-los nem sempre seja um ato
racional e consciente. Diz Escosteguy (2001, p.11):
Pois, se considerarmos o sujeito como racional e consciente em
todos os seus atos está se dizendo que é uma audiência que sabe o
que faz, logo escolhe o que vê. Se for assim, os estudos culturais -
ou melhor, uma versão deles - correm o risco de dar sustentação as
teses, por exemplo, da televisão brasileira de que é a audiência que
exige a programação que está aí e que qualquer tentativa da
sociedade em delimitar alguns princípios éticos e morais, é pura
censura.
86
Desse modo, o sujeito parecerá agir, muitas vezes como um sujeito unificado,
e não fraturado em distintas posições, o que poderia levá-lo a assumir
posicionamentos contraditórios. Hall observa (apud ESCOSTEGUY, 2001) que o
sujeito precisa ser considerado por apresentar um inconsciente, o que faz dele um
sujeito nem sempre transparente. Para o autor (apud ESCOSTEGUY, 2001, p. 10):
Quando ele se torna um sujeito com um inconsciente no qual a
textualidade também envolve a resposta prazeirosa ou o consumo
prazeiroso do texto, é muito difícil saber, empiricamente, como você
vai descobri-lo de alguma maneira identificável
comportamentalmente, observacionalmente. Um dos problemas
desse último desenvolvimento da teoria crítica é que ela amplia
nosso entendimento do quanto realmente é complexo o significado e
de quantos lugares diferentes de determinação estão envolvidos
[nos processos culturais].
Não se pode esquecer, porém, que os sentidos contidos na mensagem e a
sua estrutura também interferem nas significações criadas pelo receptor. Segundo
David Morley (1998b, p. 422):
As audiências não vêem somente o que querem ver, já que a
mensagem não é simplesmente uma janela aberta para o mundo,
mas é uma construção. Ainda que a mensagem não seja um objeto
com significado real, leva em si mecanismos significadores que
estimulam certos significados, incluso um significado privilegiado, e
suprimem os demais: se trata das <conclusões diretrizes>
codificadas na mensagem. A mensagem é capaz de distintas
interpretações segundo o contexto que tem lugar sua associação.
A partir das observações, pode-se destacar que a autonomia do sujeito
receptor é relativa, sendo que o meio de comunicação e a mensagem exercem
também poderes significativos no processo de produção de sentidos.
87
5.2 PERSPECTIVA TEÓRICA DAS MEDIAÇÕES
Buscando tornar o conceito de mediações mais concreto Orozco Gómez
trabalhou na construção de uma tipologia de mediações. Lopes (2000) apresenta o
conjunto de mediações proposto por Orozco Gómez:
# Mediações individuais: São aquelas que provêm de nossa individualidade
como sujeitos cognocentes e comunicativos. “são esquemas mentais mediante os
quais as pessoas percebem, prestam atenção, assimilam, processam, avaliam,
memorizam ou inclusive se expressam” (LOPES, 2000, p.129). Segundo Orozco
Gómez (1993), todas as mediações individuais devem estar dentro de meios
culturais concretos. Para ele constituem fontes de mediações individuais: a
subjetividade, a idade, o gênero, a origem étnica, a posição social de classe. “Ser
homem ou mulher tem implicações no gosto por determinados gêneros televisivos,
nos horários de ver televisão e até mesmo na forma de apropriar-se do que foi visto”
(BONIN, 1996, p. 16). Assim, também a etnia pode delimitar a ênfase a certas
destrezas e habilidades que influem nos gostos, na maneira de ver televisão e, ou,
de apropriar-se dos conteúdos televisivos, e o estrato sócio-econômico ou posição
de classe, que define o lugar do receptor na estrutura social, tem influência na forma
do receptor expor-se à programação televisiva, no acesso a outros bens culturais, na
legitimidade dada a determinados meios e gêneros televisivos (BONIN, 1996).
Apesar de Orozco Gómez vislumbrar estas como mediações individuais, pode-se
identificar nelas características do contexto social em que os indivíduos estão
inseridos. São mediações que expressam aspectos individuais, determinados por
88
características coletivas do grupo, por isso algumas destas fontes, poderiam
constituir um novo grupo de mediações, nominado de mediação social.
# Mediações institucionais: a produção de significados resulta também da
participação do indivíduo nas diversas instituições: família, escola, empresa,
comunidade, vizinhança. Cada instituição tem espaço próprio e é produtora de
sentidos e significados. As diferentes instituições podem, quanto a seus objetivos e
influências, se complementarem e se reforçarem em algumas ocasiões ou podem se
contradizer e/ou conflituarem.
# Mediações situacionais: dizem respeito à situação, espaços e modos de
recepção. São os diferentes cenários em que se desenvolve a interação (OROZCO
GÓMEZ, 1993).
# Mediações video-tecnológicas: são as distintas linguagens, tecnologias e
gêneros de cada meio comunicação. O uso da tecnologia, da imagem, da
verossimilhança, do sentido da presencialidade e da emoção na produção televisiva
permitem a esse meio mediar a apresentação da realidade ao sujeito receptor, ou
seja, naturalizar a significação da realidade.
As mediações mencionadas agem conjuntamente na recepção da televisão,
determinando sentidos e influências. Constata, então, Orozco Gómez (1993) que a
recepção é mediada por diversos elementos provenientes do próprio sujeito
receptor, das diversas instituições sociais onde interatua, da situação de recepção e
das características próprias do televisor, como meio técnico e instituição cultural,
produtor de sentidos e significados. A relação entre os meios e o público nunca é
direta e unilateral, mas multidimensional e multilateral, com a presença de múltiplas
mediações.
89
5.2.1 As mediações nesta pesquisa.
Utilizando como base a tipologia das mediações de Orozco Gómez, mas
superando-a em alguns aspectos, com o objetivo resolver a problemática deste
trabalho, busquei construir uma metodologia específica para esta pesquisa.
Considerando os lugares de estudo, o público pesquisado, seu contexto e história,
como também os objetivos, problemas e os questionamentos a serem respondidos
na pesquisa, escolheu-se como mediações a serem estudadas: o cotidiano familiar,
a posição social de classe, as mediações situacionais e institucionais. Destaca-se
que o propósito central é mostrar como essas mediações, cada uma com sua
especificidade, convergem no processo de recepção, tomado como locus de
construção de sentido e não de sua mera reprodução. A seguir, conceituo
teoricamente cada uma destas mediações.
O estudo da mediação do cotidiano familiar se torna fundamental, na
medida em que, o foco desta análise recai no âmbito familiar, onde o processo de
recepção se inicia e onde são geradas as primeiras apropriações e negociações com
os conteúdos recebidos. É no âmbito familiar que a cotidianidade doméstica, a do
trabalho, a da cidadania e a da mundialidade podem ser desvendadas e
confrontadas/complementadas/comparadas com uma perspectiva analítica estrutural
e conjuntural do entorno social. Para pensar esta mediação, de acordo com Bonin
(2005), é necessário deslocar a análise para o cotidiano e para as práticas que aí
têm lugar, focalizando a partir de espaço específico, a família, observando-as em
sua articulação com a recepção.
Nesta pesquisa foi fundamental escolher a família como mediação, pois é ela
a unidade básica da audiência televisiva e, no caso dos agricultores, é também a
90
unidade básica da produção e do trabalho agropecuário. A dinâmica familiar é base
para entender as diferentes apropriações/construções de sentido sobre a televisão,
já que o espaço/tempo das rotinas diárias cotidianas são o cenário imediato onde se
dá a situação de assistência da televisão. É também no espaço familiar que as
informações transmitidas pela televisão são, pela primeira vez, debatidas e
incorporadas. É a partir de decisões e ações da família que muitas práticas,
apresentadas pela televisão, seja para a produção agropecuária ou sobrevivência
familiar, são implantadas e ou rejeitadas.
Como cotidiano entende-se, baseado em Lopes (2000) como microespaço
complexo, e não apenas como espaço de reprodução e alienação.O cotidiano é
marcado por muitas atividades que são hierarquizadas de acordo com a importância
que têm para a família. Por exemplo, para os agricultores o trabalho é prioridade,
frente às atividades de lazer e audiência televisiva.
A mediação da posição social de classe, configurada como uma mediação
de âmbito contextual, realiza-se através de diferentes habitus e estilos de vida.
Como habitus, Lopes (2000) citando Bourdieu, define o lugar básico de produção e
reprodução de distinção social, e, portanto, da diversidade de sentidos. O habitus
corresponde a um conjunto de bens e propriedades unidos entre eles por uma
afinidade de estilo. É produto de condicionamentos sociais associados à posição
correspondente. Habitus também corresponde a sistemas duráveis que são
construídos ao longo da trajetória do sujeito, na sua condição de classe e que
integrando todas as experiências passadas funciona como matriz de percepções, de
apreciações e de ações. Dessa forma, o conceito de posição social de classe
representa as diferenças sociais que se expressam em habitus (LOPES, 2000).
91
Para Bonin (2004), a posição social de classe é tomada como mediação que
permite articular as diferenças nas lógicas dos usos, reconhecendo que ela não
esgota a explicação dessas diferenças, que expressam também competências
culturais que a atravessam (MARTIN-BARBERO,2003). Inseridos na mediação da
posição social de classe, encontramos muitos aspectos culturais, proveniente de
esquemas mentais, repertórios e conhecimentos dos sujeitos pesquisados, que
podemos caracterizar como matrizes culturais. São aspectos sociais e culturais que
influenciam na forma como o sujeito conhece e operacionaliza com os esquemas
mentais na posição social em que está inserido. Talvez pudesse ser denominada,
como Orozco Gómez (1991) já fez, referência como uma mediação cultural,
lembrando que todo telespectador é produto e membro de uma cultura que permeia
as relações sociais e também a interação com a televisão.
Uma das matrizes culturais presente na vida dos agricultores é a dedicação
ao trabalho. Também são marcantes no aspecto cultural, as características da
alimentação, os cuidados com a saúde e as atividades de lazer; bem como as
práticas religiosas, as crenças e valores morais e educacionais herdados dos
antepassados. Entre esses valores estão as relações de solidariedade, amizade e
espírito cooperativo com os vizinhos e parentes, fatores que também influenciam nos
sentidos criados pelos agricultores.
A modernização da agricultura e as práticas capitalistas impuseram nas
pequenas propriedades novas práticas e formas de organizar as atividades
produtivas, calcadas na racionalidade técnica. Essas novas técnicas se confrontam
com as práticas e comportamentos tradicionais presentes no repertório sócio-cultural
destes pequenos produtores. Configura-se então um confronto, em que elementos
da cultura popular resistem, e em outros casos se mesclam ou se submetem às
92
culturas dominantes do capital e da modernidade. Nesta pesquisa busco então
identificar como está configurada a perspectiva ambiental neste confronto de
práticas agropecuárias tradicionais e modernas.
A mediação situacional está relacionada com a situação em que a recepção
se processa, como afirma Orozco Gómez (1996, p. 118): “Não é o mesmo ver um
filme no cinema, do que vê-lo na TV. Não é o mesmo vê-lo acompanhado ou
sozinho. Não é o mesmo ver o mesmo filme pela TV sozinho que acompanhado pelo
resto da família. É outra a interação (...)”.
Existe diferença também, e interferem nos sentidos produzidos, os receptores
assistirem a um programa dedicando lhe toda a atenção e/ou desenvolvendo
atividades paralelas, assistirem ao programa de televisão em pé, sentados ou
deitados, assistirem sozinhos ou com mais pessoas, de trocarem opiniões sobre o
programa ou permanecerem calados.
Outro aspecto em que as mediações situacionais produzem influências é
quanto aos objetivos dos receptores, que, às vezes, ao conectar a TV, só querem
distração, outras querem informação. Como também ao seu estado de ânimo e
disposição, sendo que em alguns momentos estão cansados em frente à TV, em
outros não.
A mediação institucional está ligada diretamente às instituições sociais de
que os sujeitos receptores participam, interatuam, intercambiam e produzem
sentidos e significados, ou seja, se comunicam. Como destaca Orozco Gómez
(1991), as mensagens de cada instituição social são inter-relacionadas pelo sujeito,
a partir da sua participação simultânea em várias instituições. A programação
televisiva às vezes serve de insumo da comunicação em outras instituições, em
outras, também a suprime. Por exemplo, ao estar em frente à televisão, reduz-se o
93
tempo de conversação com os amigos na rua ou com os filhos e a esposa em casa.
Por outro lado, o que ocorreu ontem na televisão pode ser tema de uma conversa
entre vizinhos.
Cada instituição social, como igreja, escola, clube social, tem um espaço
próprio e é produtora de sentidos e significados. Esses nem sempre são os mesmos,
variando de acordo com os objetivos e funções de cada instituição, seus vínculos
históricos, suas relações econômicas e políticas, níveis de credibilidade e
legitimidade.
Orozco Gómez (1991, p.36) destaca ainda que cada instituição social utiliza
diferentes mecanismos para significar e fazer valer suas próprias significações.
Por exemplo, a família apela ao carinho e a autoridade moral. Os
vizinhos e os grupos de amigos empregam o recurso da amizade,
da fidelidade e da coesão de grupo para reforçar suas próprias
significações. A escola e o trabalho recorrem ao prestigio, a
disciplina ou a autoridade. A religião apela para a fé, o castigo, ao
premio, etc. A televisão tem também vários mecanismos para fazer
valer suas propostas e assim mediar a interação social do sujeito.
Assim, a influência das instituições sociais constitui-se em uma mediação
importante no processo de recepção televisiva. As diversas mediações institucionais
podem ser anteriores, simultâneas ou posteriores ao tempo que se está à frente da
televisão. Muito do que o receptor traz e leva é resultado da interação e
aprendizagem anterior em outras instituições sociais e muito do que leva a estas
outras instituições é sacado da televisão, negociado talvez e apropriado e
reapropriado uma ou várias vezes. A televisão é, então, apenas uma das instituições
presentes na vida dos receptores produzindo sentidos que interagem com as demais
instituições.
94
5.3 OS ESTUDOS DE RECEPÇÃO NO MEIO RURAL
Os estudos de recepção e/ou análise de recepção têm se tornado nos últimos
anos objeto de investigação de muitos pesquisadores. A América Latina destaca-se
pela proliferação dessas pesquisas, em que a recepção é entendida como um
conjunto de interações de formas e conteúdos entre os diversos segmentos da
audiência e dos meios. Interações condicionadas histórico-cultural e socialmente e
que estão mediadas por distintos âmbitos. Os estudos de recepção possuem
enfoques qualitativos, freqüentemente realizados através da combinação de
ferramentas metodológicas que vão desde entrevistas, histórias de vida, grupos de
discussão, até ferramentas de outras disciplinas sócio-culturais, que captam os usos
sociais que os diferentes segmentos fazem dos diversos gêneros de comunicação.
No Brasil, segundo Orozco Gómez (2001), os estudos de recepção tiveram
maior destaque a partir da década de 90. Muitos dos trabalhos desenvolvidos no
país centram-se no estudo dos processos de educação de jovens e crianças, a partir
da televisão. As influências das telenovelas na formação das identidades de
diversos segmentos da audiência também são temas de muitas pesquisas.
Há também uma quantidade significativa de trabalhos de recepção com
pessoas ligadas ao meio rural. Dentre eles, buscou-se mapear alguns trabalhos que
valorizam as mediações como processo de análise e que têm a televisão como meio
de comunicação.Também procurou-se apresentar neste capitulo uma síntese de
dois trabalhos de recepção realizados com agricultores familiares nos estados de
Santa Catarina e Pernambuco, recuperando as contribuições destes para esta
pesquisa.
Um dos primeiros trabalhos identificados enfocando o meio rural foi em 1987,
a dissertação de mestrado de Osvaldo Trigueiro, com o título “A TV Globo em duas
95
comunidades Rurais da Paraíba”, com o objetivo de conhecer o universo sócio-
cultural dos receptores, produzida na Universidade Federal de Pernambuco, Recife.
Em 1988, Arim Soares do Bem desenvolveu a dissertação de mestrado “Telenovela
e doméstica: da catarse ao distanciamento”, que analisava o papel da telenovela no
espaço e cotidiano de domésticas de origem rural (ESCOSTEGUY e JACKS, 2004).
Na década de 90, os trabalhos com interesses na recepção de informação no
meio rural tornaram-se mais expressivos. Veneza Veloso Mayora Ronsini (1993)
pesquisou o “Cotidiano Rural e Recepção da Televisão: o caso de Três Barras”, na
sua dissertação de mestrado. A pesquisa foi realizada com um grupo de mulheres
moradoras da comunidade Três Barras, área rural do município de Santa Maria, Rio
Grande do Sul. A novela em estudo era Pedra sobre Pedra, da Rede Globo. O
enfoque principal foi revelar o universo feminino e sua relação com a TV,
considerando a recepção direta da mensagem televisiva, o funcionamento da cultura
e o papel das instituições no cotidiano das receptoras. A dissertação proporcionou
também confrontar o discurso das receptoras, acerca do rural e do urbano, com o
discurso apresentado pela telenovela.
Em 1996 destaca-se o trabalho de mestrado de Jiani Bonin (1996) que
estudou as “Mediações na recepção de TV: O Campo e Lavoura em Rio Fortuna –
Santa Catarina”. A pesquisa, desenvolvida através do Curso de Mestrado em
Extensão Rural, da Universidade Federal de Viçosa, analisou as percepções dos
pequenos produtores da comunidade em relação às mensagens veiculadas pelo
programa Campo e Lavoura, evidenciando as mediações participantes do processo
de recepção.
Esta pesquisa serviu como base para realização do meu trabalho. Muitas das
percepções levantadas por Bonin constituíram-se referencial teórico e foram
96
reafirmadas em minha dissertação, como, por exemplo, as mediações do cotidiano,
situacional e das instituições que interagem no processo de recepção da televisão
pelas famílias rurais. Um dos primeiros aspectos destacados no trabalho de Bonin
que foi norteador da minha pesquisa e por ela reafirmado, foi a hierarquização do
trabalho na vida dos agricultores. Como a autora (1996, p. 138)diz:
O trabalho ocupa lugar central na hierarquia de importância das
atividades na rotina diária dos pequenos produtores entrevistados.
As demais atividades são estruturadas em função do trabalho,
incluindo-se o consumo de televisão. A rotina de trabalho delimita os
espaços vagos nos quais a audiência à televisão é inserida.
Nas épocas do ano em que a quantidade de trabalho na propriedade rural é
muito grande, como plantio e colheita, o tempo destinado à audiência televisiva é
reduzido, enquanto que em períodos de menor trabalho os agricultores destinam
mais tempo à televisão.
A família é o espaço primordial onde a recepção da televisão se efetiva. Na
mediação situacional, esse aspecto é destacado por Bonin, que evidencia ainda que
a audiência televisiva na maioria das vezes é coletiva, havendo a mediação familiar
e a negociação de sentidos, durante e também após o programa. A presença
marcante da família no estudo de Bonin (1996), que buscou explorar tanto as
famílias, como os agricultores individualmente, foi fundamental para que em minha
pesquisa optasse pelas famílias como unidade de interesse. Num ambiente onde o
convívio diário, o trabalho e à audiência a televisão são prioritariamente familiares,
ficaria falho um estudo de recepção que não considerasse todo este complexo
contexto. Outro aspecto que veio a se confirmar na minha dissertação é que as
conversas sobre o programa também se materializam com amigos, vizinhos e
parentes, e que os assuntos normalmente em pauta são aqueles ligados
97
diretamente ao dia-a-dia e as atividades produtivas dos agricultores, como os preços
dos produtos agrícolas e previsões de chuva, e também aqueles que expressam
novidades.
O trabalho de Bonin aprofundou-se nos aspectos da mediação
videotecnológica, mostrando como os aspectos relacionados com os recursos
eletrônicos do meio televisivo, como também das instituições que estão na produção
do programa refletem nos sentidos produzidos pelo agricultor. Este aspecto não será
neste trabalho aprofundado, pois optou-se em identificar nos sentidos expressos
pelo agricultor as influências desses fatores. Bonin também pesquisou com
profundidade as instituições que mediam a recepção do Campo e Lavoura. As
principais destacadas por ela foram: a Empresa de Pesquisa Agropecuária e Difusão
de Tecnologia de Santa Catarina S. A.(Epagri), as indústrias fumageiras e a igreja.
Em minha pesquisa, também encontrei muitas instituições com as quais os
agricultores se relacionam no seu cotidiano e que influenciam diretamente nos
sentidos propostos pela televisão, negociando-os, modificando-os e ou reafirmando-
os, porém detive-me em ouvir do agricultor quais os sentidos e influências que
produzem, sem resgatar nas próprias instituições estes sentidos.
Um dos aspectos pouco explorado por Bonin foi a questão do meio ambiente
na televisão e na vida dos agricultores e foi nessa brecha que inseri minha pesquisa.
Apesar de superficialmente, Bonin deixou expresso em seu trabalho que a adoção
de algumas práticas de conservação dos recursos naturais pelos agricultores, como
a realização do cultivo mínimo (plantio direto), são influenciadas por muitos fatores,
como orientações técnicas repassadas por instituições, experiências e vivências
sociais e culturais, e também pela televisão. Diz Bonin (1996, p. 127):
98
Os significados contrários à validade da técnica do cultivo mínimo
que transitavam no grupo constituíam mediações de competição aos
sentidos propostos pelo “Campo e Lavoura”, pela EPAGRI e pelas
agroindústrias. O julgamento de não validade da técnica por alguns
pequenos produtores integrantes do time tinha relação com a
dificuldade de aceitação cultural da mesma. No repertório cultural
dos pequenos produtores, uma prática consolidada na condução
das culturas era a “limpeza” da lavoura de ervas daninhas. É difícil
para muitos agricultores aceitarem que a cultura teria uma boa
produção num terreno “sujo”. Neste caso a cultura, enquanto
práticas consolidadas no domínio dos saberes dos pequenos
produtores, mediou a interpretação da nova técnica.
O apoio dos técnicos da Epagri e das indústrias a técnicas agropecuárias de
preservação do meio ambiente, como de cultivo mínimo (plantio direto), produção de
terraços e realização da adubação verde, apresentadas pelo programa Campo e
Lavoura, é determinante para que os agricultores as adotem. O fato de serem
técnicas que auxiliam na preservação ambiental não é o fator mais importante para
os agricultores na sua adoção. O fato de facilitarem o trabalho, serem recomendadas
pelos técnicos e trazerem vantagens financeiras são os principais estimulantes da
sua aplicação.
As instituições mediadoras, a partir de questionamento da pesquisadora,
também manifestaram opiniões sobre a questão ambiental, algumas se apoiando e
outras se opondo, porém todas demonstrando preocupação com a danificação do
meio ambiente. Em relação aos agrotóxicos, por exemplo, as agroindústrias
fumageiras, a Epagri e o “Campo e Lavoura” preconizam medidas de segurança
para a sua utilização, como o uso de equipamento de segurança individual, a
construção de armário de agrotóxicos, mas não questionam o uso em si. No caso da
agroindústria fumageira, o processo produtivo preconizado para a cultura de fumo
está assentado no uso de tais produtos. Já na Igreja, a utilização dos agrotóxicos é
questionada pelo pároco.
99
Destaca-se que o trabalho de Bonin escolheu como programa a ser estudado
o Campo e Lavoura, um programa estadual, produzido pela Rede Brasil Sul e pela
empresa de extensão rural do Estado de Santa Catarina. Esse programa foi
escolhido para estudo, pois foi identificado como o preferencial pelos agricultores,
que também assistem ao Globo Rural. A dissertação apresenta um comparativo,
com uma série de fatores que determinam porque os agricultores preferem o Campo
e Lavoura ao Globo Rural. O fato de ser regionalizado, trazer informações locais e
estar vinculado a instituições, como Epagri e as agroindústrias – integrantes do
cotidiano dos agricultores – permitem uma identificação maior do programa com a
realidade e o cotidiano dos agricultores. Consciente de que talvez seria mais
interessante estudar o Campo Lavoura, por ser mais voltado ao cotidiano e ao local
dos agricultores familiares do Rio Grande do Sul, tive que optar pelo Globo Rural,
que tem uma abrangência mais ampla, devido ao horário de veiculação atualmente.
Enquanto este é transmitido a partir das 8 horas, o Campo e Lavoura vai ao ar às 6
da manhã, inviabilizando a audiência tanto para os agricultores, como para a
realização da pesquisa. Na época da realização da pesquisa de Bonin, o programa
Campo e Lavoura era transmitido mais tarde. Ambos os programas são, porém,
fonte de informações aos agricultores e apresentam em seu conteúdo questões
ambientais, viabilizando a pesquisa. Além disso, pode-se dizer que um programa
intersede como mediação do outro.
Quanto à credibilidade das informações repassadas, a pesquisa de Bonin
aponta que muitos agricultores questionam a veracidade de informações vistas no
“Campo e Lavoura”. As dúvidas em relação à veracidade de informações emergem a
partir da contradição entre conteúdos vistos e o repertório de conhecimentos e
valores culturais dos agricultores; da percepção de recursos empregados na
100
construção das mensagens e de contradições entre o discurso e a ação das
instituições produtoras.
Tais concepções, práticas e valores presentes na cultura dos agricultores,
evidentes também na minha pesquisa, demonstram que os significados não se
circunscrevem a noções conformadas pela racionalidade técnica, privilegiada no
programa. Representam momentos de resistência da cultura subalterna em questão
frente às concepções hegemônicas difundidas no programa e nas relações com as
agroindústrias e a Epagri. Evidenciam que o processo de construção da hegemonia
que perpassa a relação programa-receptor é conflitivo, repleto de jogos de poderes
e negociações de sentidos.
Seguindo no mapeamento dos trabalhos de recepção desenvolvidos junto ao
meio rural, lembro a pesquisa desenvolvida em 1997, por Janea Kessler, na
dissertação de mestrado: “Mais do que feijão com arroz: consumo, publicidade e
cultura no meio rural”, na Universidade Metodista de São Paulo. O trabalho buscou
identificar quais e como alguns bens são consumidos em uma comunidade de
habitantes do meio rural e entender o papel da publicidade como mediação nesse
processo, como sua relação com o contexto sócio-econômico e cultural no qual as
mensagens circulam.
No mesmo ano, Margareth Queiroz Bartholo fez a pesquisa: “Recepção: a
seleção da informação no meio da floresta”. Ela buscou identificar primeiramente o
perfil dos moradores de duas comunidades rurais, levantando aspectos sobre o
processo de comunicação (a que meios tem acesso, a que assistem, com que
freqüência) e como as informações que recebem são incorporadas ao seu dia-a-dia,
o que é aceito e rejeitado pelos agricultores. Soraia Rodrigues Costa pesquisou, no
Mestrado em Extensão Rural, na Universidade de Viçosa, Minas Gerais, a
101
“Recepção de telenovelas: um estudo de caso em Serra da Saudade – Minas
Gerais” (JACKS, 2002).
Comparando a relação entre o meio rural e o urbano, existem também
algumas pesquisas. Maria de Fátima Faila Elias pesquisou: “O adolescente diante da
telenovela: uma análise das vivências rurais e urbanas de cidade de Piracicaba”
(JACKS, 2002). Gislene Silva (2000) teve como tema da sua pesquisa de doutorado:
“O imaginário rural do leitor urbano: o sonho mítico da casa no campo”.
Como pesquisa de doutorado, em 2001, Jiani Bonin (2004) apresentou a tese:
“Identidade étnica e telenovela”. A pesquisa tratou da recepção da telenovela Suave
Veneno por famílias camponesas de origem alemã e italiana de Urubici (SC).
Na Universidade Federal Rural de Pernambuco, diversos trabalhos enfocam a
temática rural. Destacam-se como estudo de recepção os seguintes:
“Representação Simbólico de o Rei do Gado entre os assentados do Engenho
Pitanga: um estudo de caso”, desenvolvido por César Luiz Barbosa Sampaio (1998);
"O Domingão do Faustão e a religiosidade Popular: Televisão e Mediações
Culturais- o Caso do Sítio Logradouro- Bezerros- PE – produzido por Norberta de
Melo Silva (1999) e “Rainha do Lar Versus Mulher Independente- As representações
sociais de casamento e trabalho elaboradas por mulheres a partir da recepção de
telenovela” de Raldiany Pereira dos Santos (2000). (UNIVERSIDADE FEDERAL
RURAL DE PERNAMBUCO, 2005).
O trabalho desenvolvido na Universidade Federal Rural de Pernambuco, que
mais se identifica com a minha pesquisa é a dissertação de Marta Rocha
Nascimento (1999), “Globo Rural e o cotidiano em Sapucaia: Estudo de recepção
do programa Globo Rural pelos pequenos produtores de Sapucaia, Pernambuco”.
Esse trabalho pretendia compreender como se estabelecem as relações entre a
102
cultura massiva/hegemônica representada pelo programa Globo Rural e as culturas
populares representadas pelos pequenos produtores rurais de Sapucaia, Bom
Jardim, Pernambuco. Objetivou analisar os usos que os produtores fazem da
proposta do Globo Rural, na sua realidade cotidiana. O trabalho destaca que as
mediações culturais exercem uma “influência” fundamental nos “usos” que os
produtores fazem das mensagens do programa. “As mediações culturais dão o
suporte para os “usos” que a audiência faz das mensagens hegemônicas/massivas.
Nesse sentido, as mediações se configuram no pano de fundo onde os receptores
constroem os seus significados” (NASCIMENTO, 1999, p.276).
A partir das analises da mediação individual/cognoscitiva, Nascimento
aponta a ambivalência cultural presente nas representações sociais que os
pequenos produtores de Sapucaia fazem da mensagem do Globo Rural. Sobre o
assunto, a pesquisadora (1999, p. 285) diz:
Num primeiro momento, eles acreditam que o Globo Rural lhes
pertence, pois foi feito para eles, uma vez que traz informações
sobre o universo rural (no qual estão inseridos), e lhes dá a base
identitária para que se sintam membros de uma comunidade rural
nacional, público para o qual o programa está diretamente voltado.
Num segundo momento, eles afirmam que o programa foi feito para
outro grupo de produtores rurais, no qual eles não se enquadram.
Essa concepção se apresenta na hora de incorporar a proposta do
programa, na qual está embutida o consumo de bens e serviços
“modernos” que estão, na maioria das vezes, fora do alcance
desses produtores. Nesse sentido eles desenvolvem a percepção
de que o programa está voltado para os grandes produtores ou
pelo menos para um produtor que se não for o “grande” tenha maior
poder aquisitivo do que eles. Essa percepção os faz questionar se o
problema não se deve ao fato deles “serem pequenos demais?!.
A ambivalência presente nas representações sociais sobre o Globo Rural, por
sua vez, é influenciada pelo contexto no qual esses produtores se acham presentes.
Nesse sentido, através da análise da mediação contextual ou de referência, o
103
trabalho destaca que o gênero e a ocupação são fatores intervenientes no processo
de elaboração das representações sobre o programa e conseqüentemente sobre os
“usos” que os pequenos produtores fazem das mensagens do Globo Rural. As
mulheres, na cultura do meio rural nordestino, não assistem ao programa da mesma
forma que os homens - do começo ao fim, pois desempenham tarefas paralelas,
tarefas essas atribuídas pelo gênero (afazeres domésticos, cuidar das crianças etc.).
Por outro lado, os homens têm maior nível intelectual e demonstraram ter mais
facilidade de compreender as mensagens do programa. As mulheres, no entanto,
desenvolvem a percepção do programa como sendo uma atividade dos homens,
uma vez que, segundo elas, são eles que decidem o que fazer na produção, apesar
de serem sempre chamadas para assisti-lo quando aparece algo “diferente”,
“inusitado”, “curioso”. Na minha pesquisa, apesar das diferenças de gênero, homens
e mulheres têm nível intelectual semelhante e as mulheres assistem ao programa
com muito interesse, sendo que a opinião das mulheres é muito influente nas
atividades produtivas rurais da região.
As mediações situacionais e contextuais apresentadas por Nascimento,
contêm muitos aspectos semelhantes a minha pesquisa, que serão apresentados
em capítulo seguinte.
A mediação videotecnológica mostrou que o Globo Rural faz a combinação de
duas linguagens: a jornalística, uma vez que adota o gênero jornalístico e a
linguagem didática nos moldes da Extensão Rural, via modelo Difusionista-
Modernizador, potencializando a sua proposta. Adoção do gênero jornalístico suscita
credibilidade, confiabilidade. A linguagem didática, por sua vez, contempla a
“compreensão” dos pequenos produtores rurais - que geralmente têm um nível
econômico e educacional limitado, encontram-se excluídos da maioria das políticas
104
de crédito, o que se configura no perfil de milhares de produtores rurais do
Nordeste. Essas conclusões contribuem para a melhor compreensão do programa
em estudo.
Nascimento traz uma completa análise sobre a interação entre o hegemônico
e a cultura subalterna. O Globo Rural não foi considerado, neste estudo, como um
produto hegemônico, que deveria ser aceito passivamente pelas culturas populares,
ou seja, deveria ser consumido. O autor partiu da noção de hegemonia/consenso e
não de dominação. O estudo também considera que, objetivando “participar” da
ordem massiva/hegemônica de “modernização”, as culturas populares desenvolvem
a capacidade de reconversão de seus códigos que pode ser intencional ou
espontânea. As estratégias de reconversão mostram que a hibridização interessa
tanto às culturas hegemônicas quanto às culturas populares que querem apropriar-
se dos benefícios da modernidade. No entanto, o processo de reconversão não deve
ser percebido como linear, nem mecânico, na medida em que sofre “influência” das
percepções, expectativas e aspirações de vida das culturas populares. Nascimento
conclui que (1999, p. 290):
Os pequenos produtores de Sapucaia, de forma não linear,
reconvertem os seus códigos intencionalmente, pois desejam se
inserir na lógica da modernização proposta pelo sistema
massivo/hegemônico. As expectativas de consumo desses
produtores são compatíveis com a proposta do Globo Rural. Por
isso emprestam o seu consenso ao assistir e apreciar o programa,
apesar de em muitos casos serem capazes de identificar que o
programa não está voltado diretamente para eles.
O trabalho também elegeu o Programa Nacional de Fortalecimento da
Agricultura Familiar (PRONAF) como mediação institucional. Ao contrário do que
Nascimento acreditava, a pesquisa demonstrou que o Pronaf serve para reforçar a
proposta do Globo Rural, e ao mesmo tempo, ser reforçada por ela, na medida em
105
que as propostas de ambas estão na mesma direção de construir a “modernização”
via consumo. A proposta do Pronaf de inserir os pequenos produtores rurais na
lógica do “negócio agrícola” fica apenas no plano do discurso, na prática, ela não se
materializa.
O trabalho de Nascimento contribui com muitos aspectos que são base para
minha pesquisa e, como já em Bonin (1995), deixa os aspectos ambientais em
aberto para serem pesquisados.
5. 4 CULTURAS HÍBRIDAS
O estudo da recepção, a partir dos aspectos anteriormente mencionados, está
inserido na instância cultural, por isso considera-se importante fazer uma reflexão
sobre este tema. Como conceito de cultura utiliza-se a caracterização de Raymond
Williams (1993, apud ESCOSTEGUY, 2003, p. 54) que considera a cultura como
algo usual, ordinário das sociedades e das mentes humanas. A cultura como
descrição de uma determinada maneira de viver, que expressa certos sentidos e
valores, tanto nas artes e na aprendizagem, como nas instituições e no
comportamento usual e ordinário. Assim, a cultura é vista como prática cotidiana,
não significando apenas a sabedoria recebida ou a experiência passiva, mas
também um grande número de intervenções ativas, que podem tanto mudar a
história como transmitir o passado. A cultura, nessa visão dos estudos culturais, é
entendida como prática, formada por sujeitos que agem, produzem e criam. “É
produção de sentido, vivência, é a experiência dos sujeitos em determinados
contextos. Dessa maneira, o estudo da cultura torna-se o estudo de quase todos os
sentidos produzidos pela atividade humana” (WILLIAMS apud ESCOSTEGUY, 2003,
p. 54). A cultura diz respeito a todas as práticas e instituições dedicadas à
106
administração, renovação e reestruturação dos sentidos. A cultura está, então,
diretamente ligada às vivências das pessoas pesquisadas e aos sentidos produzidos
pela comunicação.
A cultura, como descrita, que valoriza a todas as manifestações e formas
culturais tem sido influenciada significativamente, no último século, pelas inovações
tecnológicas, pelas migrações, pela urbanização e a expansão da mídia. Barreiras
rígidas e definidas, que anteriormente separavam espaços culturais distintos,
atenuaram-se, propiciando a integração e o inter-relacionamento de espaços,
costumes e modos de vida. Como, por exemplo, integrando as fronteiras entre o
meio rural e urbano. Antigamente, o meio rural era visto como local com a natureza
preservada, com uma vida pacata, onde os modos tradicionais de vida e produção
se mantinham distantes das tecnologias. A cidade era o espaço da modernidade,
das construções, dos carros, das máquinas, da vida agitada. Hoje, esses espaços,
assim constituídos, estão apenas no imaginário das pessoas. As diferenças foram se
atenuando e além das características originais, novos costumes, tradições e hábitos
de vida foram incorporados. No meio rural, encontram-se a tecnologia e a
modernidade, enquanto na cidade muitos costumes antigos, como a cura através
das plantas, são recuperados. Como destaca Hall (1997, p. 19), o local que ainda se
considera como meio rural resulta em um mix cultural ou sincretismo. “Pode não ser
a obliteração do velho pelo novo, mas a criação de algumas alternativas híbridas,
sintetizando elementos de ambas, mas não redutíveis a nenhuma delas”.
Esse fenômeno, que promove a articulação de aspectos tradicionais e
modernos e a integração entre diferentes manifestações culturais é, por Nestor
Garcia-Canclini (1997), caracterizado como hibridação cultural. O termo foi criado
para repensar a heterogeneidade da América Latina como um continente formado
107
por países onde coexistem múltiplas lógicas de desenvolvimento. E serve também
para caracterizar as transformações que vêm ocorrendo no meio rural, integrando o
tradicional ao moderno, o ultrapassado à tecnologia, o rural ao urbano.
Esse processo começa a se configurar na América Latina com a urbanização,
que se fortalece a partir dos anos 40. As cidades, que no início do século passado
concentravam 10% das populações, hoje, abrigam de 60 a 70% das pessoas. No
Brasil, entre as décadas de 40 a 80, inverteu-se a proporção da população
rural/urbana. Hoje, 80% dos brasileiros vivem nas consideradas zonas urbanas
(SILVA, 2004). Passa-se de uma sociedade dispersa em milhares de comunidades
tradicionais locais e homogêneas, com pouca comunicação, para uma trama
majoritariamente urbana, em que se dispõe de uma oferta simbólica heterogênea,
renovada por uma constante interação do local com as redes nacionais e
transnacionais de comunicação. Por outro lado, as antigas comunidades rurais,
isoladas e tradicionais, passam a ter acesso às novas tecnologias, aos meios de
comunicação, à informação, como também maior contato com o mundo externo e
com as inovações. Por isso, como define Castells (apud GARCIA-CANCLINI, 1997),
a “sociedade urbana” não se opõe taxativamente ao mundo rural, e o predomínio
das relações secundárias sobre as primárias e da heterogeneidade sobre a
homogeneidade não é atribuível unicamente à concentração das grandes cidades.
A hibridação e/ou integração cultural, conforme Garcia-Canclini (1997) não é,
porém, um processo pacífico e tranqüilo, mas configura-se como um jogo de
poderes e influências. São interações entre o hegemônico e subalterno em cenários
de luta, mas também em espaços onde uns e outros dramatizam as experiências de
alteridade e do reconhecimento. Essas lutas configuram-se como lutas inconscientes
de conservação do tradicional nas práticas cotidianas. São relações de poder que se
108
entrelaçam, e cada uma consegue uma eficácia que não conseguiria sozinha. O que
dá a eficácia é a obliqüidade que estabelece sua trama, sem mais poder discernir
onde acaba e onde começam as diferentes forças de poder.
Essa é uma nova forma de introduzir a dimensão histórica nos processos de
comunicação, não mais como aquela história de progresso, de desenvolvimento
unificado, mas como essa heterogênea pluralidade articulada em cada país, em
cada região. Para que haja um estudo das comunicações dentro dessa perspectiva,
é fundamental que se considere o processo de comunicação, e não somente o
momento. A cultura deve ser interpretada em relação ao sistema de produção
(ESCOSTEGUY, 2003). Isso faz com que os estudos de comunicação, que
anteriormente levavam em consideração somente o produto final, passem a
considerar o processo da produção ao consumo. O conceito de cultura leva em
conta as materializações do produto. Isso é importante, porque as condições de
produção, os sujeitos produtores, receptores e sentidos variam de acordo com o
contexto.
Ao abordar os cenários de lutas entre cultura hegemônica e cultura
subalterna, ou popular, como prefere chamar Garcia-Canclini, vale uma
conceituação teórica destes termos.
O conceito de hegemonia elaborado por Gramsci tornou possível pensar o
processo de dominação social não mais como uma imposição a partir do exterior e
sem sujeitos, mas como um processo em que a classe dominante hegemoniza na
medida em que representa interesses que as classes subalternas também
reconhecem de alguma maneira como seus. Hegemonia refere-se à capacidade de
organizar e manter a coesão social, o que implica além da coerção, o consenso. Isso
significa que não há hegemonia, mas que ela se faz, se desfaz e se refaz
109
permanentemente num processo vivido, feito não só de força, mas de sentido, de
apropriação de sentido pelo poder, de sedução e cumplicidade. Nessa concepção, a
cultura ganha uma nova espessura enquanto um campo estratégico de luta, por ser
um espaço articulador de conflitos.
A construção da hegemonia é um processo conflitivo justamente porque numa
sociedade de classes não existe uma cultura única. Como lembra Lopes (1990), a
diversidade de situações objetivas produz campos de representação diferenciados,
onde coexistem basicamente a cultura hegemônica e as culturas subalternas. A
autora (1990, p. 54):
Numa sociedade de classes, a diversidade de situações objetivas
produz um complexo campo de representações onde coexistem
culturas não somente diferentes, mas desniveladas basicamente em
dois planos, a cultura hegemônica e as culturas subalternas,
conectadas com a divisão de classes e conseqüente distribuição
diferenciada do poder e da fruição da cultura.
A constituição das culturas populares, termo considerado mais adequado, por
Garcia-Canclini, que cultura das classes subalternas, relaciona-se a um processo de
apropriação desigual dos bens econômicos e culturais da sociedade por parte dos
setores subalternos e pela compreensão, reprodução e transformação, real e
simbólica, das condições gerais e específicas do trabalho e da vida. Ou seja, as
culturas populares são constituídas a partir do influxo de práticas através do qual o
sistema organiza a vida de seus membros e de formas e práticas que as classes
subalternas criam para si, “mediante as quais concebem e expressam o seu lugar
subordinado na produção, circulação e consumo”. O aporte gramsciano permite a
afirmação das culturas populares como modo de existência de competências
culturais diferentes das hegemônicas.
110
Decorre dessa concepção que, apesar das distinções, os espaços entre a
cultura hegemônica e popular são interpenetrados e, desse modo, é importante
perceber os resultados ambivalentes que produz a mescla entre ambas. Conforme
Escosteguy (2003, p. 56):
[...] não existe um confronto bipolar e rígido entre as diferentes
culturas. Na prática o que acontece é um sutil jogo de intercâmbios
entre elas. Elas não são vistas como exteriores entre si mas
comportando cruzamentos, transações, intersecções. Em
determinados momentos a cultura popular resiste e impugna a
cultura hegemônica, em outros reproduz a concepção de mundo e
de vida das classes hegemônicas.
Martin-Barbero (1997) alerta então que é necessário não interpretar
rigidamente a oposição hegemônica e popular, que nem se organizam na forma de
enfrentamento. Mas é preciso prestar atenção à trama: nem toda assimilação do
hegemônico significa submissão, nem toda a recusa é resistência e nem tudo que
vem do hegemônico são valores da classe dominante. É preciso conhecer a
integração entre hegemônico e popular e os resultados deste processo.
111
6 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
Para a realização da pesquisa empírica selecionei três famílias de agricultores
moradores da comunidade rural, Lajeado Tigre, no município de Santa Rosa, região
noroeste do Rio Grande do Sul. As famílias foram escolhidas por caracterizarem-se
como agricultores familiares, com núcleo familiar constituído, integrando várias
gerações, e por, de acordo com questionário exploratório realizado anteriormente,
serem telespectadores do programa Globo Rural. As famílias selecionadas foram:
1. Família Muller: formada pelo casal Celso Breno, 46 anos, e Verônica,
49 anos, e pelos filhos Ezequiel, 13 anos, e Graciele, 10 anos.
2. Família Demschinski: formada por Sélio, 57 anos; Reni Lucila, 59
anos, Sirlei, 35 anos, Valmir, 39 anos, e Lucas, 4 anos.
3. Família Klützke: integrada por Célio, 43 anos, Maria, 40 anos,
Silmara, 16 anos, Simone, 18 anos, Ademir Zollmann e Carlise, 1
ano.
Para atingir os objetivos propostos, com enfoque nas múltiplas mediações,
optei por uma estratégia multimetodologica, que buscou a combinação convergente
e a integração de diversos métodos, com orientações distintas. Entre os métodos
aplicados estiveram: entrevista individual e em grupo, observação participante e
grupo de discussão. Dados qualitativos e quantitativos foram obtidos, e uma riqueza
de sentidos e significados sobre o meio ambiente e a televisão foram recuperados
junto aos agricultores.
A combinação desses diversos métodos permitiu que cada mediação pudesse
ser explorada e saturada por dados empíricos de variadas angulações, permitindo
uma verdadeira e aprofundada pesquisa de recepção. Baseado em afirmações de
112
Lopes (2000), tem-se a consciência de que os dados colhidos e apresentados pelo
investigador são uma construção realizada com os instrumentos teóricos e
conceituais, como também através dos instrumentos técnicos que escolhe. Assim,
pode-se afirmar que a pluralidade de métodos técnicos aplicados foi fundamental
para que pudesse captar sob variados ângulos e enquadramentos os diversos
sentidos.
É preciso lembrar que o sujeito é fragmentado em seus discursos e
manifesta-se de formas diferenciadas diante de situações diferentes. “As pessoas
dizem e fazem coisas diferentes em situações distintas” destacam Taylor e Bogdan
(1987, p.107). O discurso depende das circunstâncias, ou seja, do entorno físico e
social em que acontece o ato, da imagem dos interlocutores, da identidade destes,
dos acontecimentos que precederam o ato de enunciação, da imagem que um faz
do outro.
Trabalhando sobre essa perspectiva, é evidente que na aplicação dos
métodos houve redundância e repetição de dados, mas também em muitos
momentos o sentido de um mesmo dado foi sendo completado, informações foram
se reafirmando ou se opondo, e novos sentidos se revelando, tornando a pesquisa
mais aprofundada e completa.
A pesquisa iniciou com a aplicação de um questionário de levantamento das
características econômicas, sociais, culturais e ambientais das famílias e das
propriedades rurais pesquisadas. Os questionários foram respondidos com a
participação de um ou vários integrantes da família e permitiram a definição do perfil
e da estrutura de cada família participante da pesquisa. Na seqüência, foi realizada
uma entrevista individual com cada pessoa da família, com perguntas abertas e
fechadas, para conhecimento da sua rotina diária, aspectos da sua história de vida,
113
hábitos de consumo dos meios de comunicação, características da audiência ao
Programa Globo Rural e recebimento de informações sobre o meio ambiente. Para a
realização dessas entrevistas, no período de 20 de outubro de 2005 a 10 de
novembro de 2005, foram realizadas de 2 a 3 visitas a cada propriedade. Foram
momentos muito importantes de aproximação com as famílias e de intimidade com
as suas realidades cotidianas, sendo que, além dos momentos formais das
entrevistas, pude participar nessas visitas de bate-papos e conversas na roda de
chimarrão.
O levantamento realizado através das entrevistas iniciais foi importante para
compreender o contexto em que estão inseridos os entrevistados, seus hábitos
cotidianos e de convivência familiar. Como constata Stuart Hall (1996, p. 68):“Todos
nós falamos e escrevemos desde um lugar e um tempo particular, desde uma
história e uma cultura que nos são específicas. O que dizemos está sempre em um
contexto posicionado”. As práticas de representação implicam sempre em posições
de onde se fala e onde se escreve, ou seja, as posições de enunciação.
Após concluídas as entrevistas iniciais, foi realizado um domingo de audiência
ao Programa Globo Rural em cada residência e com todos os integrantes da família,
entre os dias 6 e 20 de novembro de 2005. A escolha do dia de audiência ao
programa em cada família, foi de acordo com a minha disponibilidade e dos
entrevistados. Foi escolhido o Globo Rural para ser pesquisado por ser um programa
agropecuário de televisão, que apresenta quase que exclusivamente informações
ligadas ao setor primário, que de uma forma ou outra trazem embutidas em seu
conteúdo o aspecto ambiental. Além disso, foi o programa agropecuário mais citado
pelas famílias rurais na pesquisa exploratória realizada. Outro aspecto decisivo na
escolha do programa foi o seu horário de transmissão, que é aos domingos a partir
114
das 8 horas da manhã, horário em que as famílias já acordaram, ordenharam os
animais e estão disponíveis para assistir a ele. O horário também possibilitou o meu
deslocamento até as propriedades rurais para assistir ao programa, juntamente com
as famílias.
No dia de audiência ao programa duas técnicas de pesquisa foram aplicadas:
a observação participante e o grupo de discussão.
A observação participante teve como objetivos identificar, in loco, como é a
recepção direta das mensagens ambientais transmitidas pela televisão, Através da
presença no local e horário da transmissão do programa foi possível levantar as
características físicas e estruturais do local e as interações dos participantes entre si
e com a televisão. A observação participante foi na verdade uma ferramenta de uso
constante em todas as visitas, desde a chegada até a saída da casa dos
agricultores, com a realização de anotações de detalhes considerados importantes,
como gestos, ações e opiniões manifestadas.
Após o final do programa, foi organizado em cada família um grupo de
discussão com a presença de todos os que assistiram ao programa. O grupo de
discussão é uma ferramenta que permite a produção de discursos, a reprodução de
sentidos, a interpretação de informações, a construção de identidades através da
conversação (SIERRA, 1998). Orozco Gómez (1996) define grupo de discussão
como uma entrevista múltipla, onde é importante captar tanto as opiniões individuais,
como os consensos do grupo. O discurso do grupo se produz a partir de discursos
individuais que se chocam, se escutam e são usados pelos mesmos participantes
em forma cruzada, contrastada e enfrentada (ALZAGA, 1998). Através dos grupos
de discussão, foi possível identificar as perspectivas e opiniões do grupo social,
como também confrontar idéias, pensamentos e chegar a consensos entre os
115
integrantes da família, além de perceber as relações hierárquicas presentes na
família. Trata-se de uma busca de consensos e dissensos, de desvelar desejos e
necessidades, expor crenças e informações pré-constituídas na mente do individuo,
provenientes da aprendizagem do cotidiano, das vivências e experiências. “Dentro
do jogo discursivo e interativo se contrastam representações sociais e individuais,
que encontram seu referente na realidade social” (ALZAGA, 1998, p. 82).
O próximo passo da pesquisa foi a realização de uma entrevista individual
com cada membro da família em um dia da semana seguinte ao domingo de
audiência ao Globo Rural. A entrevista procurou recuperar os sentidos que cada
agricultor produziu de cada uma das matérias a que assistiu, tentando reavivar na
sua memória os assuntos apresentados no Programa e as representações criadas.
Buscou-se recuperar o discurso de cada pessoa sobre a temática ambiental, os
sentidos produzidos na recepção da televisão, como também as mediações que
intercedem neste processo e suas relações com os aspectos sociais, culturais,
produtivos e cotidianos. Tentou-se recuperar as conversas que os agricultores
tiveram durante a semana sobre os assuntos do Programa, e se essas interações
modificaram alguns dos sentidos produzidos. Foram levantados aspectos da
subjetividade de cada pessoa, pois diferentemente dos grupos de discussão,
realizados anteriormente, essas entrevistas foram centradas no sujeito individual e
no seu discurso.
De acordo com Sierra (1998, p. 283), “Toda entrevista é um processo
dinâmico e multifuncional atravessado pelo contexto social de uma vida complexa e
aberta continuamente às transformações”. As entrevistas têm como principal força,
segundo com Horage Newcomb (1993, p. 126), a capacidade de recorrer às
múltiplas perspectivas de um tema determinado, tratando-os com profundidade. As
116
múltiplas entrevistas realizadas com cada agricultor permitiram incrementar a
informação, reafirmar alguns pontos de vista e até revelar pensamentos que em
outros momentos eles tentaram omitir.
Isso porque a entrevista, que é um intercâmbio verbal entre duas ou mais
pessoas, é um tipo de situação em que a pessoa entrevistada apresenta
compreensões do mundo e sobre o modo como nele atua, que podem não condizer
com a forma como ela age ou como iria se expressar em outra situação. “É possível
que haja uma discrepância entre o que dizem e o que realmente fazem”, diz
Deustscher (1973, apud TAYLOR e BOGDAN, 1987, p.106). Um dos motivos de isso
acontecer é o fato de os entrevistados ficarem pensando nos interesses do
entrevistador, o que ele veio fazer em sua casa e o que deseja ouvir. Nos grupos de
discussão, além do entrevistador, existem outras pessoas que interferem nas
respostas emitidas. Considerando esse aspecto, a tendência é que as pessoas
apresentem um padrão de respostas, socialmente desejáveis e moralmente corretas,
para que se tenha delas uma boa impressão. Como nas diversas ferramentas
aplicadas, os sujeitos pesquisados ocuparam distintas posições, permitindo-me
comparar os discursos e as práticas cotidianas do pesquisado e assim chegar a uma
investigação mais precisa, percebendo as lacunas e diferenças entre o que as
pessoas dizem e o que fazem ou pensam.
Durante todo o período da pesquisa, participei de algumas das atividades da
família, como rodas de chimarrão, almoços e passeios pela propriedade,
conhecendo um pouco da sua dinâmica de vida e trabalho, realizando conversas
informais com os membros da família e observando aspectos relevantes da vida
cotidiana. Através dos processos de observação e convivência com as famílias tive a
oportunidade de conhecer um pouco do contexto em que vivem as famílias, como
117
são suas rotinas de trabalho, as relações familiares e de poder, verificar como é a
participação da televisão e do meio ambiente no seu dia-a-dia e como as mediações
perpassam o processo de recepção. Nas visitas, foram produzidas fotografias das
propriedades e das famílias, posteriormente reveladas e entregues de presente aos
entrevistados, como forma de reconhecimento pelas informações prestadas.
Também como forma de retribuição, no dia de audiência ao programa levei para as
famílias uma porção de doces e bolos produzidos em minha casa, pois em muitas
ocasiões foram me ofertadas pelos agricultores frutas e outros produtos da
propriedade. Através dessas ações e interações tentei durante a investigação,
desenvolver um bom relacionamento com os entrevistados, criando laços de
confiabilidade e facilitando a minha aceitação. Porém, sei que apesar de toda a
convivência, o comportamento dos entrevistados, diante da minha presença, não era
totalmente natural e provavelmente em muitas respostas fornecidas consideravam a
minha presença e a posição ocupada por eles, como entrevistados.
Analisar o programa Globo Rural não foi objetivo deste trabalho, mas entendo
que para a contextualização e entendimento dos sentidos produzidos pelos
agricultores seria preciso apresentar um panorama dos programas. Cada um dos
programas assistidos foram descritos, não de forma literal, mas permitindo a
identificação das partes e sessões do mesmo, como também os assuntos
apresentados e a abordagem da questão ambiental em cada matéria e reportagem.
Foram também identificados os anúncios publicitários de implementos e insumos
agropecuários apresentados durante o programa. Embora tais anúncios não sejam
objeto deste estudo, considero importante mencioná-los, pois fazem parte do
contexto em que as informações jornalísticas sobre o meio ambiente foram
transmitidas e recebidas.
118
7 COMUNIDADE E FAMÍLIAS PESQUISADAS
7.1 SANTA ROSA E SUAS CARACTERÍSTICAS
O município de Santa Rosa está situado na região noroeste do Estado do Rio
Grande do Sul (conforme Figura 1), no extremo meridional do Brasil, distante 40 Km
da divisa com a Argentina, e a 495 Km da capital do Estado, Porto Alegre. Santa
Rosa, com uma área de 490Km², está a 275 metros acima do nível do mar,
ocupando na latitude a posição 27
o
50´00” e na longitude a posição 54
o
20´00”.
(SANTA ROSA, PREFEITURA MUNICIPAL, 2006).
Santa Rosa limita-se a norte com os municípios de Tuparendi e Tucunduva,
ao sul, com Ubiretama, Salgado Filho e Giruá, a leste com Três de Maio e a oeste
com Cândido Godói e Santo Cristo.
A população estimada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística -
IBGE (INSTITUTO BRASILEIRO..., 2006) é 69.232 habitantes. Em 2000, de acordo
com Censo Demográfico, a população era de 65.016, desses 9066 moravam na
área rural - 4.546 homens e 4.520 mulheres - e 55.950 residiam na área urbana
(INSTITUTO BRASILEIRO...,2006). O meio rural de Santa Rosa é dividido em 52
comunidades (FANFA, 2006)
14
.O Censo Agropecuário de 1996 indica a existência
de: 1921 produtores rurais em condições de proprietários, 81 como arrendatários
15
,
76 parceiros
16
, 34 ocupantes, conforme apresentado no quadro a seguir
(INSTITUTO BRASILEIRO...,2006).
14
FANFA, Celso. Técnico-agrícola da Emater/RS-Ascar Municipal de Santa Rosa. Entrevista concedida a pesquisadora no dia
04 de janeiro de 2006
15
Arrendatário - Pessoa que realiza arrendamento – transferência de direito de uso da terra por tempo fixado, feita pelo
proprietário, que recebe por ela um pagamento de arrendatário (COSTA, 2003, p.40).
16
Parceiro – que mantém relação de parceria – exploração da terra de forma conjunta por dois ou mais indivíduos, parceiros
(COSTA, 2003, p.299).
119
Quadro 2 – Condição de posse de terra dos agricultores de Santa Rosa.
Município Proprietário Arrendatário Parceiro Ocupante
Santa Rosa 1921 81 76 34
Fonte:Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2006
Na estrutura fundiária de Santa Rosa, (conforme quadro abaixo) predominam
as pequenas propriedades, sendo que a maior faixa de produtores trabalha em
áreas entre 5 e 20 hectares. A média da área das propriedades é de 15 hectares.
Quadro 3 – Estrutura fundiária de Santa Rosa.
Área/ hectare
Menos
de 1
1 a
2
2 a
5
5 a
10
10 a
20
20 a
50
50 a
100
100 a
200
200
a
500
Sem
área
Número de
Produtores
27 54 282 463 713 456 78 30 8 1
Fonte:Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2006
A economia do município tem na agricultura, na indústria e no comércio suas
maiores fontes de renda. Na agricultura, destaca-se a produção de soja, trigo e
milho. A cidade entitula-se como Terra da Soja, por ter sido uma das primeiras e
principais produtoras de soja do país (Figura 2). Nos últimos anos, a produção de
hortigranjeiros tem se expandido no município, praticamente atendendo à demanda
da população local. Esses produtos são comercializados pelos próprios agricultores,
no Mercado Público Municipal, localizado no centro da cidade (Figura 3). Na
pecuária, destacam-se a criação de suínos e bovinos, e a produção de leite. Santa
Rosa é líder de uma região que se transformou, ao longo dos anos, na maior bacia
leiteira do Rio Grande do Sul.
120
121
O comércio no município é variado, oferecendo produtos principalmente nos
ramos de vestuário, alimentação e de máquinas e implementos agrícolas. Na
indústria, destacam-se as produções destinadas à execução de atividades
agropecuárias. Santa Rosa é sede de uma unidade de produção industrial da
empresa de colheitadeiras, máquinas e implementos agrícolas AGCO, que
juntamente com a unidade fabril da John Deere, localizada no município vizinho de
Horizontina, produz 60% das máquinas agrícolas do gênero do país. Integradas à
essas grandes indústrias, muitas outras pequenas metalúrgicas completam o ciclo
de produção, transformando a região num reconhecido pólo metal mecânico
agrícola. O município também opera na industrialização de produtos frigoríficos e
laticínios, de erva-mate, enlatados, conservas e nos ramos da construção civil, do
setor moveleiro e de confecções. Um dos aspectos importantes para o
desenvolvimento do comércio e da indústria no município é o fato de este estar
localizado estrategicamente no centro do Mercosul (Mercado Comum do Sul).
O município é reconhecido também pela realização de eventos sociais,
econômicos e culturais, promovendo de dois em dois anos a Feira Nacional da Soja
(Fenasoja), e, anualmente, o Encontro Estadual de Hortigranjeiros e o Musicanto
(Festival de Músicas da América Latina).Além de eventos menores como: Festa
Campeira, Festa do Leitão no Rolete e Oktoberfest.
No turismo, Santa Rosa destaca-se por integrar a Rota do Rio Uruguai, região
que surpreende pela beleza natural do Rio Uruguai, margeado de mata nativa,
habitada por animais silvestres. Os espaços naturais são oportunidades para o
desenvolvimento de atividades de turismo rural e ecológico. Santa Rosa orgulha-se
por ser terra natal da apresentadora Xuxa Meneghel, oferecendo aos visitantes
oportunidades de passeios pela rua, casa e memorial da Rainha dos Baixinhos.
122
O Produto Interno Bruto (PIB) de Santa Rosa em 2003, segundo IBGE (2006),
foi de 876 milhões e 230 mil reais. Desse valor, 15,75% provêm da produção da
extração animal e vegetal, ou seja, da produção agropecuária; 56% da indústria,
30% do comércio e 11% de serviços (SECRETARIA MUNICIPAL DE
AGROPECUARIA, 2006
17
).
7.1.1 História do município marcada pela miscigenação étnica e pela prática de
atividades agropecuárias.
Santa Rosa, chamada pelos primeiros moradores de Colônia Santa Rosa,
emancipou-se no dia 1º de julho de 1931, com a assinatura de um decreto pelo
interventor do Estado, general José Antônio Flores da Cunha.
A Colônia Santa Rosa foi criada para assentar famílias que ocupavam as
terras próximas ao rio Santo Cristo e, mais tarde, foi povoada pelos funcionários da
Comissão de Terras. Mas foi a chegada dos imigrantes alemães e italianos, vindos
das Colônias Velhas, seguidos pelos russos, poloneses e várias outras etnias, que
impulsionaram o crescimento e desenvolvimento da Colônia Santa Rosa. A
miscigenação étnica, proveniente da colonização da região, por descendentes de
europeus, africanos e outros povos, fez do município um espaço de intensa e rica
integração de culturas, costumes e tradições (SANTA ROSA, 2006).
A agricultura foi a principal fonte de riqueza no início da colonização da
região. As terras, ainda inexploradas e com alta fertilidade,
18
garantiam índices
17
SECRETARIA MUNICIAL DE AGROPECUÁRIA. Informações fornecidas por técnico da Secretaria Municipal de
Agropecuária, por telefone, no dia 10 de janeiro de 2006
18
Fertilidade - capacidade de produção de um solo em face de suas características químicas, físicas e biológicas e da atuação
de certos fatores do meio (COSTA, 2003, p. 168).
123
elevados de produtividade
19
e eram exatamente esses solos produtivos que atraíam
os novos colonizadores.
No início da colonização, os principais produtos cultivados eram: trigo, milho,
feijão, batata, inglesa, mandioca, cana, fumo, arroz, alfafa e, em menor escala,
batata doce, amendoim, lentilha, fava
20
e algodão. As lavouras eram cultivadas com
ferramentas manuais com o objetivo principal de garantir a alimentação para as
famílias. Na década de 50, foram introduzidas na região as primeiras sementes de
soja, fazendo com que muitos agricultores abandonassem a policultura de
subsistência, para dedicar-se à monocultura da soja para comercialização. Áreas de
cobertura florestal foram desmatadas e em muitas propriedades até as hortas foram
extintas para dar lugar ao cultivo da leguminosa. Com o tempo, a prática intensiva da
monocultura, que parecia vantajosa e lucrativa, desencadeou um intenso processo
de empobrecimento do solo, assoreamento dos rios, proliferação de insetos. Além
disso, as variações climáticas, a falta de políticas governamentais e os baixos preços
pagos pelo produto, em algumas épocas, levaram ao desenvolvimento de uma
intensa crise na agricultura local, com o empobrecimento e endividamento dos
agricultores e intenso êxodo rural.
Na tentativa de reverter a atual situação de dificuldade na agricultura, uma
das alternativas encontradas foi a diversificação das atividades na área rural, através
da produção de leite, frutas, hortigranjeiros, vassouras e também da
agroindustrialização dos produtos, agregando valores.
19
Produtividade – capacidade de uma espécie animal ou vegetal de produzir num determinado meio em condições ótimas
(COSTA, 2003, p. 328).
20
Fava – leguminosa trepadeira, ou de porte anão, originária da Guatemala (COSTA, 2003, p. 166).
124
7.1.2 Características geográficas do município.
O município de Santa Rosa está localizado na porção oeste do Planalto
Meridional, apresentando uma topografia sem acidentes geográficos notáveis, com
exceção de alguns vales trabalhados pela erosão. Nos cortes das pedreiras, de
onde são retiradas pedras para construções e calçamentos, pode-se observar o
espesso perfil das rochas basálticas. Essas rochas também são encontradas nos
leitos dos rios, com degraus que formam as cascatas e cachoeiras, como as
existentes nos rios Santo Cristo e Santa Rosa (SANTA ROSA, 2006).
O clima do município é do tipo subtropical
21
úmido, com verões quentes e
invernos frios e chuvosos. As estações do ano são diferenciadas, apresentando
temperatura entre 25ºC e 40ºC no verão e entre 0ºC e 20ºC no inverno. A
temperatura média anual fica em torno de 20ºC.
Os rios do município fazem parte da Bacia Hidrográfica
22
do Rio Uruguai, que
é a maior do Estado do Rio Grande do Sul. Os principais são: o Santa Rosa e o
Santo Cristo, utilizados para o abastecimento de água da cidade e a produção de
energia elétrica. Atualmente, um dos grandes problemas que aflige a região é a
poluição das águas dos rios, que ocorre principalmente devido ao desmatamento
nas suas margens, a erosão e os depósitos de lixos, esgotos e detritos, realizados
pelas indústrias e população em geral.
A vegetação original do Município era formada por mata subcaducifólia
23
subtropical entremeada por áreas de campo. Hoje, essa vegetação encontra-se em
sua quase totalidade substituída por diversas culturas agrícolas.
21
Subtropical - clima que se acha nas proximidades dos trópicos, sendo as condições ambientais semelhantes às tropicais,
mas atenuadas. (GOULART, 1991, p. 156).
22
Bacia Hidrográfica – área com características próprias, drenadas por um rio e seus afluentes. As bordas que a delimitam são
chamadas de divisores de águas (COSTA, 2003, p.49).
23
Mata subcaducifólia – referente a caducifólio, vegetal que perde as folhas no inverno (GOULART, 1991, p.32).
125
O solo do Município de Santa Rosa apresenta terras roxas e argilosas, próprias para
a agricultura.
7.2 A COMUNIDADE LAJEADO TIGRE: Sede da Pesquisa
A comunidade Lajeado Tigre, localidade em que moram as famílias
integrantes desta pesquisa, está localizada a leste do município de Santa Rosa, à
margem esquerda da BR 472, em direção ao município de Três de Maio. Segundo o
técnico-agrícola do escritório municipal da Emater/RS-Ascar de Santa Rosa, Celso
Fanfa, moram na comunidade cerca de 40 famílias, formadas por 3 a 4 pessoas
cada uma delas (Figuras 4 e 5).
O principal produto agropecuário produzido pelas famílias da comunidade são
as vassouras de palha (Figura 6). As famílias plantam e colhem a matéria-prima,
sorgo vassoura
24
(Figura 7), produzem artesanalmente as vassouras (Figura 8) e
comercializam nas diretamente a consumidores de Santa Rosa e região e/ou a
intermediários.
Também são produzidos na comunidade: soja, milho e leite. A produção de
vassouras de palha diferencia esta comunidade das demais do município, que se
dedicam exclusivamente à soja, trigo, milho e leite.
As propriedades da comunidade ocupam em média uma área de 3,5
hectares. A água consumida pelas famílias é proveniente de poço artesiano
25
e
distribuída através de uma caixa e rede de água.
24
Sorgo – planta anual da família das gramíneas de porte ereto, produtora de grãos e forrageira, originária da África Tropical.
A planta tem resistência a seca e alguns dos seus cultivares são utilizados na confecção de vassouras (sorgo-vassoura
)
(COSTA, 2003, p.380).
25
Poço artesiano – poço perfurado de pequeno diâmetro que atinge um aqüífero confinado e cuja água jorra naturalmente na
superfície (COSTA, 2003, p.318).
126
127
128
A maioria das famílias tem sistema de saneamento básico implantado pela
Emater/RS-Ascar. O relevo da comunidade em 70% das áreas possui declividade
entre 12 e 15% e em 30% das áreas entre 12 e 35%, sendo estas últimas impróprias
para agricultura. Quanto aos tipos de solo na comunidade, informa o técnico Fanfa
(2006), 70% é de um solo com muitas pedras, em fase de transformação, com
produtividade razoável e exigência de conservação, 20% é de solo com coloração
avermelhada, profundo e alta produtividade e 10% é um solo com afloramento de
rocha e impróprio para agricultura. A cobertura florestal, considerando a mata ciliar,
atualmente é de 9% (FANFA, 2006).
Na sede da comunidade, existe a Igreja Brasil para Cristo, utilizada também
para a realização de cursos e reuniões. Os agricultores participantes das igrejas
evangélica e católica freqüentam as atividades religiosas na comunidade vizinha de
Bela União, que é sede também da maioria das atividades sociais. Lajeado Tigre
não possui clube social e nem escola, sendo que os estudantes freqüentam as aulas
na escola da comunidade de Esquina Candeia e/ou na sede urbana do município.
Uma escola desativada da comunidade é utilizada para a realização de reuniões e
cursos.
As propriedades da comunidade Lajeado Tigre são interligadas por estradas
de chão (sem asfalto e/ou calçamento). Linhas de ônibus, em horários específicos
passam por algumas das estradas do interior da comunidade, permitindo o
transporte das crianças e jovens à escola, e dos agricultores até a área urbana.
Ônibus para o centro das cidades de Santa Rosa e Três de Maio passam também,
com mais freqüência na BR 472, que margeia a comunidade. Não existem na
comunidade lojas, empresas comerciais, indústrias e nem serviços médicos,
129
hospitalares ou odontológicos. Para ter acesso a esses os moradores recorrem às
comunidades vizinhas ou ao centro da cidade.
7.2.1 Questionário exploratório apresenta alguns dados sobre a comunidade
Para conhecer previamente o perfil sócio-econômico e cultural das famílias de
agricultores pesquisadas, seus hábitos de consumo dos produtos midiáticos e a
relação estabelecida por estes com o meio ambiente e a mídia, realizei uma
pesquisa exploratória com 30 agricultores da comunidade Lajeado Tigre e das
vizinhas KM 10 e Lajeado Guabiroba. A pesquisa foi realizada no mês de novembro
de 2004, antes da entrega do projeto de qualificação, através da aplicação de um
questionário, com 15 homens e 15 mulheres. Todos os entrevistados
caracterizaram-se como agricultores familiares, com pequenas extensões de terra e
constante utilização da mão-de-obra familiar para produção. Dos entrevistados, 20%
(6 pessoas) tem menos de 5 hectares de terra, 40% (12 pessoas) possuem de 6 a
10 hectares, 23% (7 pessoas) tem entre 11 e 15 hectares e apenas 17% (5
pessoas) tem de 15 a 29 hectares. A partir desses dados, pude comprovar o dito
anterior, de que as áreas da comunidade correspondem a minifúndios, sendo que
60% dos entrevistados vivem e trabalham em áreas menores que 10 hectares.
Baseados nos dados destas entrevistas pode-se configurar o perfil da comunidade.
O nível de escolaridade dos entrevistados é consideravelmente baixo,
principalmente entre as pessoas com idade mais elevada. Duas pessoas (6%) são
analfabetas, vinte e duas (74%) pessoas cursaram até a 5 ou 6
a
séries do Ensino
Fundamental, duas (6%) concluíram o Ensino Fundamental e quatro (14%) tem o
Ensino Médio completo ou incompleto. A idade configura-se como elevada. Dos 30
130
entrevistados, 67% (20 pessoas) têm entre 41 e 70 anos, 23% (7 pessoas) de 21 a
40 anos e, 10% (3 pessoas) menos de 20 anos. As origens étnicas predominantes
são a alemã e a italiana.
As respostas apontaram que o meio de comunicação mais presente na vida
dos agricultores é o rádio. Em segundo lugar, está a televisão, veículo escolhido
para este estudo por apresentar programas específicos para o meio rural, nos quais
os aspectos ambientais podem ser recuperados com maior facilidade. As emissoras
de TV mais assistidas são a Globo e a RBS/TV, sendo que em muitas residências
essas são as únicas emissoras disponíveis, devido à distância das antenas
transmissoras e falta de antena parabólica. As pessoas têm dificuldade de informar
precisamente o tempo que permanecem assistindo televisão durante o dia. A partir
das entrevistas, calcula-se, porém, que a média de tempo que as pessoas dedicam
a assistir diariamente a televisão é de uma a duas horas, geralmente à noite. O
pouco tempo destinado à audiência televisiva é, segundo os entrevistados, devido
ao excesso de trabalho no campo. Em dias de chuva, os agricultores possuem mais
tempo para assistir televisão, pois não têm condições de desenvolver trabalhos na
lavoura. Muitos entrevistados destacaram, principalmente as mulheres, que
costumam fazer outras atividades, especialmente serviços domésticos, durante os
momentos que estão olhando e/ou ouvindo a televisão.
As novelas são os programas mais assistidos pelos agricultores. Em segundo
lugar, foram apontados o Jornal Nacional, o RBS Notícias e o Jornal do Almoço. Nos
finais de semana, foram indicados alguns programas de entretenimento e os
programas agropecuários - Campo Lavoura e Globo Rural. Muitos agricultores
ressaltaram técnicas que aprenderam nesses programas e estão aplicando nas suas
131
propriedades. O programa Globo Rural é assistido por todas as famílias
pesquisadas, sendo que algumas famílias assistem-no esporadicamente.
Um diagnóstico rural realizado pelos extensionistas do escritório municipal da
Emater/RS-Ascar de Santa Rosa nestas comunidades permitiu constatar, por
depoimentos dos próprios agricultores, as mudanças históricas, sociais, culturais e
econômicas ocorridas nas comunidades nos últimos anos (ASSOCIAÇÃO
RIOGRANDENSE...,2004). Segundo o diagnóstico, por volta de 1940, 90% da área
era coberta por florestas e existiam diversos tipos de animais silvestres (como veado
e porco do mato). As águas dos rios não eram poluídas, sendo utilizadas pelas
famílias para lavar roupas e tomar banho. Para o consumo diário (beber e preparar
alimentos), a água era proveniente de vertentes disponíveis nas comunidades. O
solo era lavrado
26
manualmente e com tração animal, a adubação era orgânica
27
e
as sementes produzidas nas próprias propriedades. Segundo os agricultores, o meio
ambiente não estava poluído. Agrotóxicos e fertilizantes solúveis não eram
utilizados, e o lixo transformava-se em adubo orgânico. De acordo com o
diagnóstico, atualmente, apenas 5 a 8% das áreas das comunidades possuem
cobertura florestal, as águas dos rios estão contaminadas por agrotóxicos e resíduos
de fertilizantes solúveis. Além disso, a quantidade de água disponível em vertentes e
rios diminuiu, e os peixes estão escassos. Há grande quantidade de lixo depositado
em rios e nas restritas áreas de mata. 30% das lavouras são preparadas
manualmente, o restante com maquinário.
No aspecto econômico, o diagnóstico destaca que nos anos 1930/ 40 a
produção era muito diversificada. Os produtos alimentícios eram produzidos
26
Lavrado – lavrar – preparar a terra para cultivar (GOULART, 2003, p.102).
27
Adubação orgânica – aplicação de fertilizantes orgânicos nos solos e águas e diretamente nas plantas de forma eventual.
São fertilizantes orgânicos, normalmente utilizados, os estercos de animais, restos e partes de frutas, folhas e plantas, como
também restos de alimentos orgânicos. Eles atuam como corretivos e a pratica melhora de modo especial as propriedades do
meio. A matéria orgânica enriquece as águas para a criação de organismos diversos e, nos solos, corrige a estrutura deles e
aumenta a capacidade de retenção de água e da adsorção
(COSTA, 2003, p. 12).
132
principalmente para a subsistência da família, sem o uso de agrotóxicos, e
transformados nas propriedades. O excedente era produto de trocas entre as
famílias das comunidades ou comercializado. Somente eram adquiridos fora das
comunidades os produtos que não podiam ser produzidos, como açúcares, café, sal,
tecidos, querosene. Nos anos de 1950, foram introduzidas nas comunidades as
primeiras sementes de sorgo vassoura, trazidas por Paulino Tabile, de Ijuí. As
sementes foram disseminadas nas comunidades e hoje o cultivo do sorgo vassoura
como matéria-prima e a produção artesanal das vassouras de palha,
comercializadas em toda região, é a principal fonte de renda das famílias.
O diagnóstico evidencia que atualmente os agricultores necessitam de
financiamentos para aquisição de insumos e para a implantação das lavouras. No
processo de cultivo os agricultores integram práticas manuais e mecanizadas. Com
exceção da vassoura e dos produtos para consumo, os demais produtos não são
transformados nas propriedades. A soja e o milho são comercializados in natura
28
para as cooperativas. Utilizam-se grandes quantidades de adubos solúveis
29
e
inseticidas
30
, fungicidas
31
e herbicidas
32
na produção, elevando os custos das
lavouras. Antigamente, as relações sociais entre as famílias eram mais solidárias
e amigáveis. Os vizinhos se visitavam mais, tinham mais tempo para o lazer e
trabalhavam todos juntos (ASSOCIAÇÃO RIOGRANDENSE , 2004).
A partir dessas informações coletadas pelo questionário exploratório e
diagnóstico, selecionei três famílias das entrevistadas, para serem fontes desta
pesquisa. As famílias serão apresentadas a seguir.
28
In natura – não industrializado
29
Adubos solúveis – produzidos a partir do petróleo tornados solúveis na água (COSTA, 2003,p. 12).
30
Inseticida – substância química letal aos insetos (COSTA, 2003,p. 218).
31
Fungicida – substâncias químicas letais aos fungos e esporos (COSTA, 2003,p. 181).
32
Herbicida – agrotóxicos utilizados para matar plantas. Podem ser seletivos ou não, geralmente são aplicados sobre plantas
ou diretamente sobre o solo (COSTA, 2003,p. 203).
133
7.3 FAMÍLIAS
7.3.1 Família Muller
Esta foi a primeira família que visitei na comunidade. Ela é formada por seu
Celso Breno Müller (46 anos), dona Verônica Klützke (49 anos) e as crianças
Ezequiel Klützke (13 anos )(filho somente de Verônica) e Graciele Klützke Müller (10
anos) (Figura 9). Os Müller souberam muito bem, com simplicidade, amizade e
disposição, transformar as tensões e expectativas dos primeiros encontros em
momentos agradáveis e produtivos. Junto a eles tive a oportunidade de degustar um
saboroso almoço em um dia de entrevistas.
O encontro entre Celso e Verônica aconteceu há 11 anos, quando ele veio, da
cidade vizinha de Novo Machado, morar em Santa Rosa. Eles não são casados
oficialmente, mas vivem juntos há 10 anos. Verônica sempre morou na comunidade
Lajeado Tigre, foi criada pelo pai e pela avó - a mãe faleceu quando ela tinha
apenas oito meses. Celso e Verônica são descendentes de famílias de imigrantes
alemães, mas somente ela entende e fala o idioma dos antepassados. As conversas
em alemão são com vizinhos e amigos, pois, infelizmente, lamenta Verônica, os
filhos não aprenderam o idioma.
Verônica Klützke estudou até a 5
a
série do Ensino Fundamental. Celso
somente até a 2
a
série, apresentando grandes dificuldades para ler e escrever.
Graciele e Ezequiel estão estudando, respectivamente, na 4
a
e 7
a
séries do Ensino
Fundamental. A família participa da Igreja Evangélica Pentencostal – Brasil para
Cristo. São sócios da Cooperativa Mista São Luiz e do Sindicato dos Trabalhadores
Rurais. Verônica participa também do grupo de mulheres da Emater/RS-Ascar.
134
7.3.1.1 A casa e a produção
Uma casa de madeira dividida em dois quartos, uma sala, cozinha e banheiro
abriga a família Müller (Figura 10). A casa é rodeada de flores, árvores frutíferas e
de um parreiral
33
(Figura 11). Ao lado da casa está a horta (Figura 12) Em frente,
uma área coberta acolhe a família na hora do chimarrão e do descanso. Nos fundos,
um pequeno galpão
34
é utilizado para guardar os equipamentos e as vassouras e
ocupado pela família para a realização de trabalhos manuais.
Ao lado do galpão está a pequena pocilga
35
de madeira, o galinheiro
36
e a
estrebaria
37
(Fig. 13 e 14).O espaço destinado à lavoura está localizado em frente e
ao lado da casa. Um pequeno riacho, cercado por uma área florestal de
preservação, faz a divisa da propriedade.
A área total da propriedade é de 5 hectares. Três são utilizados para a
produção agropecuária. O restante é ocupado pelas construções, pelo rio e
cobertura florestal. Fora da propriedade, mais um hectare é arrendado para o plantio
de sorgo-vassoura, utilizado na confecção das vassouras de palha, principal fonte de
renda da família, há oito anos.
(As vassouras) dão comida para todos. As sementes são dadas
para os animais. E as vassouras vendidas dão renda para nós.
Vende uma dúzia paga o rancho, vende outra paga a luz (Celso
Müller
38
).
33
Parreiral – nome dado ao conjunto de árvores de videira, produtoras de uva (COSTA, 2003, p. 416).
34
Galpão – construção simples de madeira, normalmente com grandes aberturas, chão de terra.
35
Pocilga: curral de porcos – instalação e/ou abrigo rústico onde são mantidos os porcos (COSTA, 2003, p. 318).
36
Galinheiro – instalação para aves coberta. (COSTA, 2003, p. 185).
37
Estrebaria – o local pelos agricultores chamado de estrebaria desempenha na verdade a função de um estábulo que uma
instalação coberta funcional, usada na criação de várias espécies de animais, particularmente bovinos de leite. Instalação
oferece abrigo e possibilita que sejam praticadas com eficiência a ordenha, a suplementação alimentar, higiene dos animais,
etc. Como os agricultores denominam este lugar, que as vacas permanecem durante a noite e são ordenhadas de estrebaria,
optamos por usar esta nomenclatura.
38
MÜLLER, Celso. Agricultor. Entrevista concedida à pesquisadora em novembro de 2005.
135
136
137
O milho é cultivado para alimentar os animais e a soja, que excepcionalmente
no ano de 2005, devido à estiagem, não foi cultivada, é vendida às Cooperativas
Agropecuárias. Para o consumo da família é produzido: mandioca, feijão, ovos,
carne, batata doce, abóbora, verduras, frutas, leite, galinha, melado e sabão.
O casal realiza a maior parte do trabalho na propriedade. Ezequiel auxilia em
algumas atividades, como a confeccionar vassouras. Na época da colheita do sorgo
vassoura, normalmente, há a necessidade contratar funcionários ou “trocar
serviços”
39
com os vizinhos.
A renda da família depende da produção e da época do ano, variando entre
R$ 200 e 500,00 mensais. Do governo, a família recebe como auxilio o valor de uma
bolsa família por filho que freqüenta a escola.
Os serviços de plantio e colheita são realizados manualmente, com o uso de
apenas alguns equipamentos. Maquinários, como trator, pulverizador e semeadeira,
quando necessários, são alugados de vizinhos. A ordenha
40
dos animais é manual.
Parte das sementes utilizadas são selecionadas e compradas no comércio,
outra parte é produzida pelo agricultor. As análises do solo
41
são realizadas
freqüentemente, pois é critério exigido para obtenção de crédito bancário. Já as
aplicações de calcário
42
são esporádicas, sendo que a última foi há seis anos. A
adubação
43
é orgânica, com aplicação de esterco de porco e frango, e com adubos
minerais
44
. O uso de fungicidas e inseticidas é evitado pela família, mas os
39
Trocar serviço é o termo utilizado por eles para dizer que num dia o vizinho trabalha na sua lavoura e para pagar em outro
dia, quando o vizinho precisa, ele trabalha na lavoura do vizinho.
40
Ordenha – extração de leite manual ou mecânica em fêmeas de animais domésticos (COSTA, 2003, p. 290).
41
Análise de solo – estudo de um solo a partir de amostras, tido como representativas, para determinar os conteúdos em
nutrientes e suas necessidades nas plantas(COSTA, 2003, p. 28).
42
Calcário – rochas, resíduos industriais ou outros materiais, constituídos principalmente de carbonato de cálcio e magnésio. O
uso na agricultura visa á correção da acidez e à melhoria das condições físicas do solo. (COSTA, 2003, p. 70).
43
Adubação – Operação que consiste na aplicação de corretivos ou fertilizantes aos solos, águas ou diretamente as plantas. A
prática visa o aumento de produtividade, mas deve paralelamente considerar a manutenção e melhoria das condições do meio,
tanto em aspectos físico-químicos como nos de ordem biológica. (COSTA, 2003, p. 11).
44
Adubos minerais - Os adubos minerais (obtidos por síntese, transformações industriais ou originários de rochas) podem ser
classificados em adubos minerais solúveis (os chamados adubos químicos) e adubos minerais pouco solúveis. Os primeiros
estão representados tanto pelos nitrogenados (sais de amônio, de uréia, por exemplo), como os fosforados ou ainda pelos
potássicos. Entre os adubos pouco solúveis encontram-se os fosfatos naturais e pós de rochas, como granito, basalto,
138
herbicidas (chamado por eles de secante) são indispensáveis para controlar os
inços
45
. O plantio é direto
46
.
Para alimentação da família existem na propriedade três bois, duas vacas e
dois terneiros, seis suínos e alguns frangos. Os bovinos são criados, durante o dia,
soltos nas pastagens
47
, e à noite, recolhidos à estrebaria. A alimentação é à base de
forrageiras
48
, milhos e sal mineral. São vacinados, e para evitar carrapatos
49
e
vermes, recebem um medicamento, chamado de Ivomec. Para combater doenças
corriqueiras, como dor de barriga e diarréia nos animais, a família recorre a chás de
goiaba, pitangueira, pêssego e hortelã. Quando o problema é dificuldade de urinar o
recomendado são folhas de orelha de tigre. Os suínos são criados presos em uma
pocilga de madeira. A alimentação é a base de milho, mandioca, pasto verde e
“lavagem”
50
e com freqüência eles recebem aplicação de vermicidas
51
. Os frangos
são criados soltos e alimentados com milho, trigo e outros grãos.
7.3.1.2 O meio ambiente
A água consumida pela família é proveniente de um poço artesiano da
comunidade. Os animais e o banheiro são abastecidos com águas de vertentes
existentes na propriedade – água que não é mais consumida pela família, pois eles
têm consciência que ela pode estar contaminada por agrotóxicos. Na propriedade da
pegmatitos, micas. Todos esses últimos esses últimos são degradados progressivamente nos solos e utilizados pelas plantas
de acordo com suas necessidades. Ao contrário dos adubos industriais, solúveis, não afetam a qualidade biológica dos
produtos agrícolas e não acarretam os graves problemas de poluição dos solos e das águas que os adubos solúveis vem
ocasionando (COSTA, 2003, p. 12).
45
Inços – expressão de uso em algumas regiões para designar ervas invasoras, como picão, podendo ser daninhas, ou seja,
prejudiciais, como não ao homem (COSTA, 2003, p.214).
46
Plantio direto – sistema de cultivo sem o revolvimento do solo. Nele, a semeadura é feita em sulcos ou covas abertas num
terreno coberto de palha (COSTA, 2003, p. 316).
47
Pastagem – área onde existem plantas forrageiras e na qual o gado se alimenta. Podem ser naturais ou cultivadas,
temporárias ou permanentes (COSTA, 2003, p. 300).
48
Forrageiras - plantas utilizadas na alimentação de um herbívoro (COSTA, 2003, p.176).
49
Carrapatos – ácaros das famílias dos ixodídeos e argasídeos que são sérios parasitas dos animais domésticos (COSTA,
2003, p.82).
50
Lavagem refere-se a restos de comidas, como abóbora, mandioca e verduras, utilizados para alimentar os suínos.
51
Vermicidas – qualquer agente que mata vermes
139
família Muller, encontra-se uma das nascentes do Rio Tigre, área cercada por um
capoeirão
52
.
Para que a produtividade na terra declivosa da propriedade seja satisfatória,
Celso explica que precisa aplicar técnicas adequadas de contenção da erosão. As
curvas de nível
53
, o plantio direto e a adubação verde
54
, - com o plantio de aveia
e/ou avica, plantas que mantém o solo coberto na entressafra e incorporam
nutrientes - são algumas das técnicas utilizadas. A adubação verde, de acordo com
o produtor, precisa ser realizada com uma planta de família diferente da cultura
principal.
Olha, dá resultado. A soja sempre dava (produzia) bem. Terra mais
fofa. (Celso Müller)
Celso considera importante a implantação, na comunidade, de um projeto de
microbacias hidrográficas
55
, para nivelar as áreas e auxiliar no combate a erosão.
Por sorte ou equilíbrio ambiental, segundo diz Celso, a presença de pragas
56
nas lavouras da propriedade, ainda não é problema grave. Eles evitam ao máximo o
uso de agrotóxicos.
Não é por qualquer bichinho que precisa passar veneno. Eles
querem viver um pouco também. Estraga a saúde das
pessoas.(Celso Müller)
52
Capoeirão – vegetação secundária, de árvores em desenvolvimento, que sucede à de matas que foram sujeitas ao corte
(COSTA, 2003, p. 77).
53
Curva de nível - É uma abstração geométrica que une todos os pontos que possuem o mesmo nível. Linha imaginária sobre
a terra que reúne pontos situados numa mesma cota. O mesmo que isoípsa (COSTA, 2003, p. 117).
54
Adubação Verde – incorporação ao solo de plantas de cultivo geralmente leguminosas. As raízes destas plantas tornam o
solo mais arejado e promovem, quando em sua decomposição, extraordinário aumento da microvida nele existente. Grandes
quantidades de nitrogênio retirado do ar existente no solo, e fixado por intermédio de bactérias nas raízes daquelas plantas,
são ainda incorporadas (COSTA, 2003, p. 12).
55
Microbacia hidrográficas – bacia hidrográfica de proporções reduzidas. Por constituir uma unidade física de características
próprias demanda planejamento conservacionista dos solos e das águas em sua área total (COSTA, 2003, p.266).
56
Pragas - super população de um determinado inseto, ácaro ou até planta. Parasita ou predador de plantas e animais
domésticos ou seus produtos. Funciona na natureza como indicador de desequilíbrio ambiental, representando assim um efeito
e não causa, podendo desta forma ser evitado. É uma denominação vinculada ao paradigma da agricultura moderna (COSTA,
2003, p. 325).
140
Alternativas biológicas e naturais são utilizadas. Para combater a lagarta da
soja é aplicado o baculovírus
57
, e para o cascudo do feijão a alternativa é a cinza.
A família, porém, não está imune aos efeitos nocivos da grande quantidade
de agrotóxicos utilizados na comunidade. O produto mais tóxico e nocivo, segundo
os Müller, é o 2,4-D
58
, que aplicado pelos vizinhos espalha-se a longas distâncias,
causando ferrugem nas parreiras e enrugamento nas árvores. Para Verônica, um
dos principais incômodos é o cheiro forte que esses produtos deixam no ar. Com
freqüência, ficam sabendo de pessoas que tiveram doenças e intoxicações em
virtude dos agrotóxicos, principalmente pela aplicação dos produtos sem os
equipamentos adequados. Celso afirma que durante a aplicação desses produtos
faz sempre o uso dos equipamentos necessários, pois sabe dos males que aqueles
podem causar à saúde das pessoas, provocando inclusive câncer.
Esses dias fui lavar a máquina de veneno e senti queimar o braço.
(Celso Müller)
As embalagens de agrotóxicos utilizadas pela família são guardadas no
galpão, isso porque, segundo eles, não vale a pena devolver à Cooperativa, devido
à pequena quantidade.
Do lixo doméstico, o orgânico
59
é depositado na horta, e o lixo seco
60
é
incinerado Na área da comunidade onde eles moram não passa caminhão de
recolhimento de lixo. Os dejetos do vaso sanitário são direcionados à fossa séptica
61
e as águas da pia da cozinha passam por uma caixa de gordura e depois junto às
57
Baculovirus Anticarsia – espécie de vírus que fornece um inseticida biológico, de ação específica, usado com sucesso no
combate a lagarta da soja – mariposa que ataca, em fase de larva, lavouras de soja (COSTA, 2003, p. 49).
58
2,4- D – Acido Diclorofenoxiacético –herbicida proibido no Brasil. Junto com o 2,4,5-T resulta no famoso “agente laranja” –
utilizado como desfoliante das florestas vietnamitas (WIKIPEDIA. Disponível em:http.//pt.wikipedia.org/wiki/2,4-D Acesso em:31
de maio de 2005).
59
Lixo orgânico – resíduos compostáveis (COSTA, 2003, p. 244).
60
Lixo seco – componentes do lixo que podem ser recicláveis ou não (COSTA, 2003, p. 244).
61
Fossa séptica - câmara subterrânea feita em alvenaria ou cimento para onde afluem os esgotos de uma habitação, prédio ou
conjunto deles. O material é digerido por bactérias e o líquido efluente é encaminhado para o sumidouro (COSTA, 2003, p.177)
141
águas do tanque e do chuveiro são filtradas por um sumidouro de pedras. As fezes
dos animais são utilizadas como adubo na lavoura e horta. Praticamente não
existem mais na comunidade práticas de desmatamento, isso porque as áreas de
cobertura florestal são raras.
7.3.1.3 Recordando o passado, comparando o presente.
Recordando o passado, o casal lembra que antigamente os principais
produtos cultivados eram: milho, soja, trigo, batata e mandioca. Alguns desses
produtos, porém, já não produzem mais como antigamente, um exemplo é a batata.
Antigamente plantava e colhia, hoje batatinha não dá mais.
(Verônica Klützke
62
).
Ela não sabe dizer o porquê dessa queda na produtividade, mas desconfia
que seja devido ao surgimento dos transgênicos, que, segundo ela, modificaram
muitas coisas na natureza. As sementes também são diferentes, para Celso Müller,
“são mais precoces e produzem mais rápido”. No passado, tudo era plantado e
colhido manualmente, com o uso da força dos bois, da enxada e da ceifadeira
63
. Era
necessário lavrar e envergar a terra antes de plantar – técnicas em desuso
atualmente com a realização do plantio direto.
A vida também era bem diferente. Para ir a escola não havia
transporte, tinha que ir a pé e de chinelo. Hoje as crianças usam
tênis e tem ônibus na porta de casa.O que aprendia na escola
também era diferente. Hoje, se for ensinar a filha, não consigo, não
sei. (Verônica Klützke)
62
KLÜTZKE, Verônica. Agricultora. Entrevista concedida à pesquisadora em novembro de 2005
63
Ceifadeira – implemento ou máquina agrícola usado no corte baixo de certos cultivos (COSTA, 2003, p. 88)
142
Para curar as doenças que surgiam na família eram utilizados vários tipos de
plantas medicinais. Lembra Celso Müller que alguns desses chás ainda são
utilizados, outros, porém, estão esquecidos. Lamenta o agricultor que, hoje, diante
de qualquer dor, as pessoas logo procuram os postos de saúde e compram
remédios. Eles recordam também que na natureza anos atrás “tinha muito mais
mato”
64
.
As roças eram só cantinhos. O resto era virado em mato (Celso
Müller).
Esse cenário começou a mudar com a empolgação do plantio da soja, que
estimulou a todos os agricultores a destruírem os matos, as árvores frutíferas e
hortas para transformar tudo em lavouras de soja.
Vinha estas máquinas esteira
65
e tirava os matos. Tirava as lenhas e
colocava fogo. Ficava a semana queimando. A gente já era um
pouco mais criado e dizia: “um dia vai faltar essa lenha”. Hoje estou
sentindo que aquela destruição foi muito tarde trancada. A gente já
está notando, que agora não tem mais mato. E a natureza tá mais
fraca. (Celso Müller)
Conta ele que quando o pai faleceu, na pequena área de terra que herdou,
trabalhou muito, carregando pedras e cortando árvores, para transformar em lavoura
de soja. Lamenta que até o laranjal que tinha na propriedade ele destruiu.
Coisa que não deveria ter feito. Tinha que ter deixado. Hoje não
acha mais essa laranja antiga que nós tinha. (Celso Müller)
Ele não sabia, porém, os perigos do desmatamento.
64
Mato – refere-se á cobertura florestal. Porém, manteve-se o termo mato, pois é este termo que freqüentemente os
agricultores referem-se (COSTA, 2003, p. 258).
65
Máquina Esteira – tipo de máquina que tem um rolo na frente, usado para que derrubar árvores e demais arbustos.
143
Ouvia que o fulano estava com uma máquina destruindo o mato e
fazendo lavoura. A gente era pobre, não tinha condições. Fiz tudo
meio a muque, a boi. O vizinho que tinha um pouco mais colocava a
esteira. Hoje este vizinho lá está comprando lenha. Destruíram a
propriedade deles. Nós temos ainda um capoeiral. (Celso Müller)
Naquela época a terra também era diferente.
A terra era mais nova, a roça era nova, com palha, não muito
mexida. Não precisava usar adubo para produzir. Hoje, se planta
sem adubo, não colhe nada (Celso Müller).
A quantidade de peixes nos rios era grande e se podia pescar à vontade.
Verônica lamenta que hoje por causa dos venenos existem peixes somente nos
açudes. Se a quantidade de peixes diminuiu, a de insetos e pequenos animais que
atacam as lavouras, frutas e flores aumentou muito.
Antigamente não tinha essas coisas. Era mais natural (Verônica
Klützke).
A televisão chegou com a luz elétrica, há uns 20 anos. Verônica teve acesso
à TV na casa do irmão, com quem morava. Celso assistiu pela primeira vez na casa
de um vizinho. Disse que não teve interesse de comprar um aparelho logo, porque
viu muitos amigos, “gurizada de classe, perdidos nisso. Eles não se interessavam
em trabalhar para ficar olhando TV”. Faz apenas cinco meses que comprou seu
primeiro aparelho de televisão, até então tinha em casa um aparelho com imagem
em preto e branco, presente da irmã.
O rádio faz parte da vida da família há mais tempo. “Sempre tinha”, dizem
Celso e Verônica. Atualmente, o rádio é o principal veículo de informação da família,
mas eles esclarecem que ouvem rádio e assistem televisão somente nos momentos
de folga do trabalho.
144
É necessário determinar hora para assistir televisão e hora para
fazer outras coisas. (Celso Müller)
Muitas informações e orientações chegam à família através de instituições de
que participam, como o Sindicato dos Trabalhadores Rurais e a Emater/RS-Ascar.
Eles acreditam que essas instituições facilitam a vida no meio rural, pois através
delas têm acesso a documentos, CPF, bloco de produtor rural, financiamentos e
outros auxílios.
7.3.1.4 O dia-a-dia
Verônica e Ezequiel são os primeiros a acordar e levantar na casa, por volta
de 5h20min. Enquanto Ezequiel faz a higiene pessoal e se veste para ir a escola,
Verônica faz fogo no fogão a lenha e prepara o café-da-manhã para o menino. Por
volta de seis horas ele sai de casa em direção à parada de ônibus. As aulas, na
escola da comunidade vizinha, iniciam às 7h30min e terminam ao meio dia.
Ligar o rádio é uma das primeiras coisas que Verônica faz pela manhã. Ela
gosta de ouvir os programas das cooperativas agropecuárias da região, que trazem
as notícias regionais e os preços dos produtos agropecuários.
Depois que o filho sai, Verônica tem a tarefa de ir à estrebaria ordenhar as
vacas. Leite tirado, ela volta pra dentro de casa, faz o chimarrão e toma alguns
mates com o marido, que levantou por volta das seis horas. Logo depois, eles
tomam café e iniciam as lidas
66
da propriedade. Celso trata as criações e depois vai
para a roça lavrar ou carpir, depende da época do ano e do serviço a fazer.
Verônica, se necessário, acompanha-o na lavoura, cuida da horta ou ainda reserva a
66
Lida – Ato de lidar, trabalhar com esforço, labuta.
145
manhã para lavar roupas. O trabalho na roça estende-se até por volta de 11 ou
11h30min, dependendo da intensidade do sol. Ao voltar para casa, Verônica dedica-
se ao preparo do almoço.
A menina Graciele levanta por volta de 10 horas. Durante a manhã, assiste
televisão, principalmente os programas do Sítio do Pica Pau Amarelo e da Xuxa, ou
ouve música. Às vezes, ajuda a tratar as galinhas e outras vezes vai brincar com um
amiguinho na casa vizinha. A menina almoça por volta de 11h30min e logo sai para
ir à escola. Os pais almoçam ao de meio-dia, e Ezequiel, por volta de 13h15min,
quando chega. Durante a refeição, algumas vezes está o rádio ligado, em outras a
televisão e, em alguns dias, nenhum dos dois.
À tarde, o casal Müller costuma descansar um pouco antes de voltar ao
trabalho. Segundo Celso “sempre há o que fazer, seja no galpão, no arvoredo ou
nos animais”. Verônica dedica o inicio da tarde para lavar roupas, se esse serviço
não foi feito pela manhã. No meio da tarde, eles voltam para a roça e, à tardinha, é
necessário cortar o pasto para os animais, ordenhar as vacas, arrumar a lenha.
Ezequiel, às vezes auxilia, nessas tarefas. No final da tarde, ele e a irmã costumam
assistir às novelas da Globo, principalmente a das dezoito horas, Alma Gêmea
67
e a
das dezenove, Bang–Bang. Em época de horário de verão, o serviço na propriedade
se estende até mais tarde.Quando retorna para casa, Verônica faz fogo no fogão a
lenha novamente. Como diz: “a gente não costuma utilizar o gás, então a gente faz
fogo no fogão a lenha todos os dias”. Ela toma banho, arruma a janta e toma alguns
mates com o marido. Todos jantam e o casal assiste às noticias na televisão. Nessa
época do ano, assistem somente ao Jornal Nacional, pois, quando eles entram, o
RBS Noticias - programa jornalístico local das dezenove horas - já foi apresentado.
Por volta de vinte e uma ou vinte e duas horas, Celso recolhe-se para repousar.
67
Novelas que estavam sendo apresentadas pela Rede Globo durante o período das entrevistas.
146
Verônica limpa a louça da janta, conversa um pouco e logo vai dormir também.
Reclama que com o horário de verão dorme mais tarde, mas tem que levantar no
mesmo horário pela manhã. As crianças também vão dormir por volta das vinte e
duas horas.
As saídas da propriedade são normalmente para vender vassouras na cidade,
trabalho realizado freqüentemente por Verônica. Celso, alguns dias por semana,
trabalha áreas de terra arrendadas. As visitas aos amigos e vizinhos são mais
comuns nos finais de semana.
Em família, eles costumam conversar e ter uma boa convivência, apesar de
algumas vezes, pais e filhos terem opiniões e pensamentos divergentes. Os
conselhos dos pais aos filhos são freqüentes. “Às vezes as crianças querem de um
jeito e a gente diz que não tem que ser assim. Tem mais experiência. Mas eles têm
que teimar”, evidencia Verônica Klützke.
7.3.2 Família Demschinski
A família Demschinski tem o senhor Sélio (57 anos) como patriarca. Um
homem com conhecimento, vivência e com expressiva influência opinativa junto à
família e à comunidade. Ao seu lado está Reni Lucila Demschinski (59 anos), uma
mulher serena e com um sorriso cativante. A filha do casal é Sirlei Taborda, que tem
35 anos, e é casada com Valmir Taborda, 39 anos. O encanto da família é o filho e
neto Lucas, de 4 anos (Figura 15).
Sélio e Reni são descendentes de imigrantes alemães, e o idioma alemão faz
parte do repertório da família, inclusive do neto. Os pais de Sélio, antes de vir a
Santa Rosa, moravam na região de Ijuí. Os pais de Reni vieram de São Sebastião
do Caí e Santa Maria.
147
Selio Demschinski estudou até a 5
a
série do Ensino Fundamental, Reni
somente até a 4
a
série, Sirlei manteve a escolaridade da mãe, freqüentando a escola
até a 4
a
série, e Valmir parou de estudar na 3
a
série.
Eles participam da Igreja Evangélica Brasil para Cristo. São sócios do
Sindicato dos Trabalhadores Rurais e da Cooperativa Mista São Luiz. Sirlei também
participa do Grupo de Mulheres da Emater/RS-Ascar e de cursos que acontecem na
comunidade.
É a única família participante da pesquisa que assina e lê jornais. Eles têm
acesso semanalmente aos jornais: Gazeta Regional, de Santa Rosa, e Cooperjornal,
de Três de Maio.
7.3.2.1 A casa e a propriedade
A propriedade da família Demschinski é a maior de todas as visitadas. São 18
hectares, sendo 10 ocupados para a produção agropecuária. Uma estrada de terra e
cascalho conduz os visitantes até a casa da família, que é grande e conservada com
muito capricho (Figura 16). O arvoredo e as flores ao redor da casa garantem
sombra e beleza ao ambiente. Ao lado da casa da família, mora – em residência
separada - a mãe de Sélio, a “vó”, como chamam. Nos fundos da casa, estão o
galpão, a estrebaria, a pocilga e os açudes (Figura 17). Logo depois há uma área de
mato e corre uma pequena sanga.
A família produz vassouras, soja, milho, trigo, leite, peixes, carne bovina
(Figuras 18 e 19). As vassouras são vendidas a intermediários, os grãos para a
Cooperativa, o leite para a indústria e a carne e peixes aos consumidores.
148
149
150
151
Para o consumo da família produzem também: carne suína, de frango e bovina,
ovos, mandioca, feijão, batata doce, verduras, frutas e leite.
Todos os membros da família auxiliam no trabalho da propriedade. A renda
mensal varia entre 200 e 300 reais. A aposentadoria de Reni, no valor de um salário
mínimo, completa o orçamento. A família possui praticamente todos os
equipamentos necessários para o cultivo: trator, grade
68
, semeadeira, pulverizador.
Somente o trabalho de colheita mecanizada é realizado por terceiros. A ordenha das
vacas é manual. Sélio reclama que a ‘modernidade’ tem encarecido os custos de
produção e que os investimentos em tecnologia nem sempre são possíveis, “senão
não sobra nada de lucro para o agricultor”.
A família utiliza sementes selecionadas de soja, trigo ou milho. As sementes
de vassoura são próprias. Realizam com freqüência a analise e correção do solo. A
adubação orgânica é realizada com esterco e com o cultivo de plantas de
cobertura
69
de solo, como ervilhaca e aveia. A adubação solúvel completa a
fertilidade do solo. Fungicidas, inseticidas e herbicidas são necessários para
controlar doenças, inços e insetos. Para combater a lagarta da soja, é usado
baculovírus. Sélio acredita que o governo, através da Empresa Brasileira de
Pesquisa Agropecuária (Embrapa), deveria pesquisar e desenvolver novos e
alternativos métodos de controle natural para insetos, como o cascudo e o fede-
fede. O plantio é direto e mecanizado. A capina é química. Parte da colheita é
mecanizada e outra é manual.
Atualmente, a propriedade abriga onze bovinos, sendo quatro vacas. A
alimentação deles é com pastagem, milho e sal mineral. A reprodução é realizada
68
Grade – implemento usado na gradeaçao (COSTA, 2003, p. 194).
69
Planta de Cobertura – planta utilizada no recobrimento dos solos visando o seu enriquecimento ou a sua proteção contra os
agentes da erosão. Também empregada na redução ou eliminação de capinas (COSTA, 2003, p. 315).
152
através da inseminação artificial
70
. Os animais são vacinados e recebem remédios
para vermes. Alguns métodos naturais são utilizados, como, por exemplo, para abrir
o apetite dos animais e combater a diarréia é usada erva carqueja. A erva de
chimarrão oferecida junto com sal mineral deixa o pêlo dos animais mais bonito e
liso. A criação de suínos conta atualmente com nove animais, criados presos em
uma pocilga de cimento e alimentados com verduras, mandioca, soja e milho Os
suínos recebem, freqüentemente, remédio contra vermes, e um vermicida caseiro,
produzido com folhas de chuchu e leite. É a alternativa natural utilizada nos suínos.
Os frangos são criados soltos com milho e ração, e, para evitar doenças, às vezes,
recebem uma mistura caseira de alho com água ou milho.
7.3.2 2 O Meio Ambiente
Na propriedade da família Demschinski também não há projeto de microbacia.
A água que a família consome é proveniente do poço artesiano que abastece a
comunidade. Os animais bebem água em uma vertente. A família acredita que a
água consumida seja de boa qualidade, porém tem consciência de que muitos poços
e vertentes da região estão com as águas contaminadas. Sirlei Taborda, confirma a
informação, recordando de um dia em que faltou água do poço artesiano e eles
tiveram que tomar a água das fontes da propriedade, ela ficou doente.
Parece que a água da gente não tem mais gosto. É uma água, mas
não é mais natural. A gente acostumou com a outra. Muito veneno.
(Sirlei Taborda
71
).
70
Inseminação artificial – introdução de sêmen no aparelho genital feminino mediante instrumentos adequados.( COSTA, 2003,
p. 218).
71
TABORDA, Sirlei. Agricultura. Entrevista concedida a pesquisadora em novembro de 2005.
153
Sélio Demschinski lamenta que a cada ano, para controlar insetos e inços,
está sendo necessário utilizar venenos mais fortes e tóxicos. Responsabiliza pela
situação o tipo de agricultura desenvolvida atualmente e a busca do progresso. O
cheiro forte dos agrotóxicos, devido à grande quantidade aplicada na comunidade,
pode ser sentido com intensidade na propriedade. Sélio diz já estar acostumado com
o cheiro, mas para Sirlei o veneno faz mal.
Dá muita dor de cabeça. (Sirlei Taborda)
Reni não admite, inicialmente, que a quantidade de veneno utilizada na
comunidade seja grande, porém no decorrer da conversa acaba assumindo que o
uso do veneno é inevitável, “por causa do bicharedo que tem aí” e que seu uso pode
causar danos à saúde. Na horta da família ela destaca que não costuma utilizar
veneno.
Quando vejo que tem um bichinho trepando eu vou lá e mato
mesmo. Daí eu sei que as coisas ficam natural. Isso já vem desde a
minha finada mãe, que também ía na horta matar os bichinhos com
a mão.(Reni Demschinski
72
)
As embalagens dos agrotóxicos utilizados na propriedade são devolvidas no
local da compra. Os equipamentos para aplicação do veneno são utilizados
dependendo do tipo de produto aplicado.
A erosão na propriedade, que é bastante declivosa, é controlada com o
plantio direto e com adubação verde. Valmir Taborda explica que, no passado,
quando o plantio não era direto - a terra era lavrada antes do plantio e não havia
cobertura de palha sobre ela – com as chuvas, grande quantidade de terra era
72
DEMSCHISNKI, Reni. Agricultura. Entrevista concedida a pesquisadora em novembro de 2005.
154
transportada pelas águas para os rios, causando erosão e assoreamento. Hoje, a
palha impede o transporte da terra e permite o acúmulo de água limpa sob a terra,
com absorção lenta.
Por outro lado, o fato de não revolver a terra para o plantio e o acúmulo de
palha sob o solo favorece o desenvolvimento de algumas pragas, como o coró no
milho e na aveia, exigindo a aplicação de agrotóxicos.
Só que com o sistema de plantio direto, o problema é a palha, por
isso tem que usar cada vez mais veneno. Com o plantio direto
diminui a erosão, mas aumentou a quantidade de veneno utilizada.
Sem veneno não tem como produzir. (Sélio Demschinski
73
)
Com relação ao desmatamento, confirmando o que as outras famílias já
falaram, não acontece mais na região, primeiro, porque não existe mais cobertura
florestal, e, segundo, porque as leis que proíbem o corte das árvores estão muito
rígidas.
Das leis do jeito que está, quem desmatou, desmatou, quem não
desmatou não desmata mais. (Selio Demschinski)
Ele não concorda com as determinações e burocracias legais, pois acredita
que desestimulam os agricultores a plantarem árvores. “Desta forma ninguém se
interessa em reflorestar”, concluiu.
O lixo seco é incinerado ou enterrado, e o orgânico depositado na horta. Sélio
considera o lixo um problema mundial que se agravou com o surgimento das
embalagens descartáveis. Sirlei também ressalta que o problema do lixo é sério e
que vários alertas já foram passados pela extensionista da Emater/RS-Ascar sobre o
assunto.
73
DEMSCHINKI, Sélio. Agricultor. Entrevista concedida a pesquisadora em novembro de 2005.
155
7.3.2.3 Recordando o passado, comparando o presente.
Sélio recorda o tempo difícil em que os pais chegaram na região.
Tudo ainda era mato, foi preciso força de vontade e muito trabalho,
para derrubar - a machado e serrote - as árvores, construir as casas
e organizar as lavouras. (Sélio Demschinski)
Na época eram cultivados produtos, principalmente, para alimentação da
família e dos animais, como: feijão, mandioca, batata, abóbora, milho. Para
comercialização, cultivava-se soja, trigo e fumo. A madeira era extraída e
comercializada. A carne não possuía valor comercial, mas a banha
74
era vendida em
toda a região. Na época, a escala de produção era muito inferior aos dias atuais.
Plantava-se para a subsistência. Um pouco para o moinho, para o
sal [...] Não tinha a ganância que tem hoje [...] Se conseguia
comprar uma lata de sal, estava resolvido o problema. Hoje precisa
trabalhar cada vez mais para pagar luz, água, para manter um carro
e pagar isso e aquilo. (Sélio Demschinski)
O preparo da terra, plantio, capina e colheita eram manuais, com o uso de
bois, cavalos, enxadas, foices. Na Figura 21, alguns utensílios daquela época. A
terra era lavrada e envergada antes do plantio.
Se trabalhava muito mais. Hoje pega um trator e num instante está
pronto. (Sélio Demschinski)
Para o agricultor, o trabalho era mais difícil, porém, as pessoas se ajudavam
mais, eram mais unidas, companheiras e solidárias. O casal (Figura 20) relembra as
trocas de produtos que eram realizadas com vizinhos e parentes, “o que um
produzia e o outro não, nós trocávamos”.
74
Banha – gordura animal.
156
Lamentam que hoje muitos dos vínculos de amizade e de diálogo entre as
pessoas estejam rompidos.
Os próprios de meios de comunicação fazem isso, rompem esse
vínculo. Se acostuma a ficar vendo a televisão. Tu vai num vizinho,
daí ele diz “eu não posso perder essa novela”. Daí você fica quieto,
ninguém conversa. Uma vez não era isso ai. (Sélio Demschinski)
A televisão, recordam Sélio e Reni, surgiu na década de 60, mas só quem
tinha alto poder aquisitivo tinha condições de adquirir um aparelho. O rádio também
não era um produto acessível a todos. Sélio lembra que tinha uns 13 ou 14 anos
quando o pai comprou o primeiro rádio. A grande atração, na época, era o Programa
“O Grande Rodeio Curinga”, transmitido no domingo à noite. O programa era ouvido
e comentado por todos. Outros programas das rádios de São Paulo, em que duplas,
como Jacó e Jacozinho, tocavam ao vivo, também faziam sucesso.
Não chamava de show, mas de circo. A gente gostava muito disso
ai. Hoje não dá mais nem para escutar o rádio, a música não é mais
a mesma. (Sélio Demschinski)
Reni demonstra grande alegria ao recordar a chegada do rádio na sua casa,
quando tinha 9 anos. “Era uma novidade”, diz ela. Lembra que o pai ouvia as
noticias pela manhã e ao meio dia. À tarde, um programa, chamado “Hora Alemã”,
apresentado no idioma alemão, prendia a atenção de todos. O programa, no período
da ditadura militar, foi proibido. Quando isso aconteceu, para Reni o rádio perdeu
parte do seu encanto. Na época da sua juventude gostava muito de escutar
programas musicais, que apresentavam bandas da região.
Sobre o meio ambiente, Sélio é categórico ao dizer que está muito diferente
de antigamente, mas conforma-se com a convicção de que se a sociedade quer
progresso e desenvolvimento é necessário transformar o meio ambiente.
157
Se quisermos progresso tem haver plantação, tem que modernizar.
Então o negócio do meio ambiente, no meu ponto de vista vai ser
cada vez mais prejudicado. (Sélio Demschinski)
Ele recorda que, nas décadas de 60 e 70, com a modernização da agricultura
e introdução da soja na região, existiam financiamentos governamentais para
desmatar, para plantar e para usar venenos.
Havia financiamento do governo para derrubar os matos e
transformar em lavoura. [...] E o cara era obrigado a pegar este
veneno, se tinha praga ou não.(Sélio Demschinski)
O agricultor recorda que na época eram instruídos a lavrar e/ou mexer a terra,
- como dizem os agricultores - antes do plantio, técnica hoje combatida pelo sistema
de plantio direto, por ser geradora de processos de erosão.
Até os bancos para financiar exigiam isto. Hoje falam ao contrário de
novo, que não deve mexer na terra. Uma vez falam uma coisa e
depois outra. (Sélio Demschinski)
Dona Reni, questionada sobre a questão das diferenças ambientais no
passado e hoje disse:“acho que não mudou muito”.
7.3.2.4 O dia-a-dia
Na família Demschinski, todos acordam por volta de seis ou seis e meia da
manhã. Antes mesmo de levantar, Sélio atualiza-se ouvindo um Programa de
Noticias da Rádio Gaúcha. As mulheres, a primeira coisa que fazem é ir a estrebaria
ordenhar as vacas. Enquanto isso, Sélio prepara o chimarrão e as espera para,
juntos, tomarem mate.
158
159
Todos tomam café da manhã e, logo depois, cada um vai desenvolver suas
tarefas e/ou serviços diários. Sélio trata os peixes e as vacas. Valmir trabalha na
roça. Sirlei lava roupas e cuida do filho. Dona Reni faz algumas atividades na horta e
ao redor da casa. Para a roça, Reni diz que não vai mais, “o sol está muito quente,
faz mal para mim, que já tô com a uma idade avançada”. Pela manhã acompanham
no rádio o Programa do Zelindo Cancian
75
(Rádio Noroeste). Para fazer o almoço,
Reni e Sirlei se revezam e se ajudam e, depois do almoço, são elas que lavam a
louça e limpam a cozinha. À tarde, a família sesteia um pouco, toma chimarrão e,
enquanto descansa, escuta, às vezes, o Programa de Rádio “Ô De Casa”
76
. Eles só
reiniciam o serviço quando o calor do sol está mais ameno. À tarde, Sirlei costuma ir
ao galpão confeccionar vassouras. A vó Reni fica com a função de cuidar do neto.
Sélio sempre tem alguma atividade na roça ou no galpão. Valmir faz o trabalho mais
difícil da roça. No final da tarde, Sirlei corta o pasto para os animais e ordenha as
vacas novamente.O horário de entrar para casa é quando escurece. Sirlei precisa
ainda passar o leite, dar banho no filho, tomar banho e preparar a janta, que é
servida por volta das vinte e uma horas. Quando tem tempo e disposição assistem
às noticias na televisão, atividade que agora no horário de verão fica prejudicada,
porque quando eles entram em casa o noticiário já passou. Acompanham as notícias
na TV, às vezes, pela manhã e ao meio dia e não costumam assistir novelas. Após a
janta, então conversam um pouco e vão dormir por volta de vinte e duas horas.
A convivência na família é harmônica e de muito diálogo. Normalmente
concordam nas idéias e decisões sobre o trabalho. Reni acredita que somente uma
família unida consegue caminhar para frente. Percebe-se pela convivência que tive
que as opiniões e determinações de Sélio são as que prevalecem na família.
75
Programa Zelindo Cancian – um programa assistencialista transmitido pela rádio Noroeste, de Santa Rosa
76
Programa “Ô De Casa” - Programa popular de música, informações de utilidades publicas e também repasse de recados
entre ouvintes, transmitido também pela rádio Noroeste.
160
7.3.3 Família Klützke
Esta família é marcada pela presença feminina: são quatro mulheres e dois
homens. O patriarca da família é Célio Klützke, 43 anos, irmão de Verônica Klützke,
integrante da primeira família pesquisada. Ele é casado com Maria Klützke, 40 anos,
uma mulher com um sorriso cativante e muita disposição para a vida. As filhas do
casal são Simone e Silmara, respectivamente com 18 e 16 anos, moças com origens
rurais, mas que sonham com a vida na cidade (Figura 22). Simone é casada com
Ademir Zollmann, que mora com a família. O jovem casal tem uma filha, a pequena
Carlise, de um ano e meio de idade e, durante as entrevistas, os três já estavam
com data marcada e casa alugada para mudar-se para a cidade. Ademir trabalha em
um posto de gasolina e deseja morar mais próximo ao emprego.
Célio é natural da comunidade Lajeado Tigre, onde nasceu e sempre morou.
Maria nasceu na comunidade Nossa Senhora de Lurdes, na cidade vizinha de Três
de Maio, onde residiu até a sua juventude, quando foi trabalhar como empregada
doméstica na cidade. Quando casou, retornou ao meio rural, de onde não pensa em
sair. Célio tem origens germânicas, mas fala e entende muito pouco do idioma
alemão. Maria é de origem brasileira.
Célio Klützke estudou até a 5
a
série do Ensino Fundamental, Maria parou de
estudar na 4
a
série, e Silmara cursa atualmente o 1
o
Ano do Ensino Médio na Escola
de Cruzeiro, em Santa Rosa. Simone, por sua vez, participa das aulas e provas do
Supletivo – Ensino de Jovens e Adultos (EJA), para concluir o Ensino Médio.
161
162
A família freqüenta a Igreja Evangélica de Confissão Luterana do Brasil,
localizada na comunidade vizinha de Bela União. São sócios da Cooperativa Mista
São Luiz e do Sindicato dos Trabalhadores Rurais.
Participam como associados das atividades do Clube Social de Bela União e
Maria freqüenta semanalmente as atividades do grupo de mulheres do Clube,
chamado OASE. Juntas, mãe e filhas também freqüentam as reuniões e cursos
promovidos pela Emater/RS-Ascar.
Célio participa do Grupo da Água, no qual ocupa o cargo de fiscal e também é
integrante de uma Cooperativa de Peixes.
7.3.3.1 A casa e a produção
Uma estrada rodeada de árvores dos dois lados forma o corredor de entrada
que leva à casa da família Klützke. A casa da família é antiga, foi construída pelos
pais de Célio, quando ainda se utilizava barro entre os tijolos, em vez de cimento.
Nos fundos estão os três açudes de criação de peixe (Figura 23), a pocilga, a
estrebaria (Figura 24) e o galinheiro. A área de lavoura está localizada na parte da
frente e laterais da casa (Figura 25).
A horta está no lado esquerdo, e muitas árvores frutíferas e de sombra
rodeiam a casa. Pela propriedade, corre o Rio Tigre, cercado por uma rala mata
ciliar.
A propriedade da família Klützke ocupa uma área de 3,8 hectares. Em torno
de 2,5 hectares são destinados à lavoura e às criações de animais, e o restante é
ocupado pela moradia, construções, cobertura florestal e pelo rio. Outros três
hectares, em propriedades vizinhas, são arrendados para plantio.
163
164
As vassouras são a principal fonte de renda da família. A soja é cultivada uma
pequena área para Célio poder obter financiamentos do governo. Célio ressalta que
a soja, comercializada nas Cooperativas, oferece retorno financeiro inferior às
vassouras, que são vendidas diretamente aos consumidores.
Os Klützke também produzem leite, entregue diariamente à industria, e criam
peixes que são vendidos, na Semana Santa, aos consumidores. A carne bovina que
não é consumida pela família é comercializada. Para sua alimentação produzem:
milho, carne, ovos, abóbora, batata doce, verduras e frutas.
A maior parte do trabalho da propriedade é realizado pelo próprio casal. As
filhas auxiliam em alguns serviços, como ordenhar as vacas. Na época da colheita
do sorgo vassoura, devido à grande quantidade de trabalho, é necessário contratar
um ou dois funcionários. Em contrapartida, para aumentar a renda, Célio, alguns
dias por semana, trabalha como empregado em lavouras vizinhas. A renda famíliar
varia de acordo com a produção de vassouras e leite, estabelecendo na média dos
R$ 300,00. Eles recebem também o valor de uma bolsa família de R$ 50,00.
Na propriedade, os trabalhos de plantio, pulverização e colheita são
realizados por terceiros. As atividades manuais são desenvolvidas pela família com
alguns equipamentos próprios. A produção de silagem
77
é feita com uma ensiladeira
elétrica e a ordenha dos animais é manual. As sementes de milho e soja são
selecionadas, e as de sorgo vassoura são próprias. São realizadas com freqüência
análises de solo e aplicações de calcário. A adubação é orgânica, com esterco de
gado e também através do cultivo de plantas de adubação verde. Também há o uso
de adubos solúveis, inseticidas e fungicidas.
77
Silagem – produto do processo de ensilagem usada na alimentação do gado. Procedimento de conservação de forragem
verde para uso futuro, mantendo-a suculenta e palpável para os animais. Se baseia na férmentação do material por bactérias
que transformam os carboidratos em ácidos orgânicos e as proteínas em aminoácidos. (COSTA, 2003, p. 373).
165
Para controlar a lagarta da soja, quando ela aparece, é aplicado o
baculovírus. O plantio é direto, e a colheita é parte manual e parte com máquinas.
Para combater os inços recorrem a herbicidas, porém nem sempre o maquinário
tercerizado está disponível no momento necessário e os agricultores têm que
recorrer a enxada, “antes que o inço tome conta” (Célio Klützke).
Para o sustento da família, eles possuem onze bovinos que fornecem leite e
carne. Os animais são alimentados com pastagens naturais, ração, silagem e sal
mineral. São vacinados e recebem doses de vermicidas. Além de produtos químicos,
para combater os vermes, a família também oferece aos animais folhas de
bananeira, uma técnica simples e natural, que, segundo Maria, apesar de ter efeito
mais lento que os remédios químicos, é muito eficiente. Os suínos são criados
presos, alimentados com milho e ração concentrada e recebem doses de vermicidas
freqüentemente. Os frangos também são criados presos e se alimentam de milho,
ração e sobras da mesa da família.
7.3.3.2 O meio ambiente
O meio ambiente na propriedade faz parte do contexto da produção. A erosão
é praticamente zero, principalmente devido ao plantio direto e ao uso da adubação
verde. Por outro lado, falar em pragas e insetos é ver expressão de desespero no
rosto dos agricultores.
Eu não sei quanto tempo ainda vai ir com estes bichos. Está ficando
muito sério. (Célio Klützke
78
)
78
KLÜTZKE, Celso. Agricultor. Entrevista concedida à pesquisadora em novembro de 2005
166
A praga que mais preocupa atualmente é o coró, que ataca principalmente as
lavouras de milho e por se desenvolver no solo, junto à raiz das plantas, é difícil de
ser combatido.
Na tentativa de eliminar essas “pragas”, o uso de agrotóxicos se torna
inevitável na propriedade. O cheiro forte desses produtos pode ser sentido com
intensidade na propriedade da família, - localizada em uma baixada - principalmente
em algumas épocas do ano e em dias com expectativas de chuva. Consciente dos
malefícios dos agrotóxicos à saúde, Célio costuma usar na sua aplicação os
equipamentos básicos de segurança recomendados. As embalagens dos produtos
são lavadas no próprio local da aplicação, sendo a água da lavagem despejada
dentro do pulverizador, e depois devolvida no local da compra.
As águas consumidas pela família provêm do poço artesiano da comunidade.
Os animais bebem água de uma vertente e do rio Tigre, que corre na propriedade e
que, atualmente, com a realização do plantio direto, tem novamente águas claras e
limpas.
As matas estão concentradas na encosta dos rios. A família reclama, porém,
de que a legislação que proíbe o corte das árvores, muitas vezes, dificulta o
reflorestamento.
Os agricultores estão com medo destas leis, e em vez de plantar
árvores, estão até arrancando as mudas que nascem, porque depois
que crescem não podem mais ser cortadas. (Célio Klützke)
Devido a esses fatores, o desmatamento na comunidade está bastante
controlado e alguns animais silvestres, como o jacu, podem ser encontrados.
Os esgotos da propriedade vão para um poço negro. O lixo orgânico é
depositado na horta, e o lixo seco, como plásticos, é incinerado. A falta de um
167
sistema de recolhimento de lixo seco na comunidade é uma das reclamações de
Maria.
A fezes dos animais são utilizadas para adubar as lavouras e os açudes.
Célio tem inclusive a pocilga dos suínos construída em cima do açude. Esta prática é
hoje ambientalmente condenada. Porém, o agricultor alega a necessidade de
adubação dos açudes com esterco.
É preciso adubar a água para conseguir produzir. Senão não dá
lucro. E se eu não usar o esterco vou ter comprar uréia, o que
encarece a produção. (Célio Klützke
)
Ele explica que, antes do abate, os peixes são colocados em um tanque com
água limpa para purificação.
7.3.3.3 Recordando o passado, comparando o presente.
Lembrando as formas de produção da sua infância e adolescência, Maria diz
que eram bem diferentes que hoje.
Naquela época não tinha veneno, tinha que carpir toda a lavoura, as
pedras o pai sempre juntava de carroça. Agora é tudo de trator.
(Maria Klützke
79
)
Refletindo sobre o assunto, Célio destaca que era mais difícil o trabalho,
porque era manual, mas era mais rentável.
Tinha pouco, mas fazia bastante. Plantava sem adubo e dava as
plantas. Colhia pouco e tinha renda. Hoje tem que colher bastante e
ainda ganha pouco. Antigamente colhia 200 sacos de soja e
comprava terra, hoje não dá nem para viver. (Celso Klützke)
79
KLÜTZKE, Maria. Agricultora. Entrevista concedida a pesquisadora em novembro de 2005.
168
Na época, plantava-se milho, mandioca, soja, trigo.
Cada um plantava para ter a farinha, não era tanto para vender, mas
para ficar mesmo. (Maria Klützke)
A criação de porcos, principalmente para fornecer banha, também era uma
atividade importante no passado.
Sobre o meio ambiente, Celso Klützke diz que a erosão era um problema
sério, pois não se realizava o plantio direto. Por outro lado, não havia necessidade
de usar agrotóxicos e nem adubos.
[...]porque a maioria era roça nova. Abria o mato e plantava. Até que
não dava mais, daí abria outro pedaço para plantar e deixava o
pedaço antigo criar mato de novo. (Celso Klützke)
Não havia tanto lixo como hoje, não era tão quente, que as águas
eram mais limpas. Todos tinham poços, vertentes e a gente nunca
ouviu falar que era contaminada. (Maria Klützke)
Maria recorda também que não havia luz elétrica. Usavam lampiões a gás
para iluminar a casa. Para conservar a carne, quando carneavam um animal, faziam
charque ou fritavam a carne e a guardavam em latas de banha.
A falta de luz elétrica também impossibilitava o acesso à televisão, que Maria
só veio conhecer quando tinha quinze anos, e foi morar com uma tia viúva, no
interior de Santa Rosa, comunidade onde a luz elétrica já existia. Maria destaca que
antigamente havia programas melhores na televisão. Cita como exemplo o programa
Os Trapalhões, que segundo ela todo mundo podia assistir junto.
Hoje tem muita coisa que não precisava ter na televisão. (Maria
Klützke)
169
O rádio era a pilha, por isso somente era ligado para a audiência de
programas que apresentavam assuntos importantes, principalmente as notícias.
7.3.3.4 O dia-a-dia
Na casa da família Klützke, a primeira pessoa a levantar é Silmara, por volta
das 5 horas da manhã. Ela sai cedo para tomar o ônibus que a leva até o colégio na
cidade de Santa Rosa. Maria e Célio despertam em torno de seis e meia. Após a
higiene pessoal, a primeira tarefa é esquentar a chaleira d´água e fazer o chimarrão.
Tomam uns mates e o café-da-manhã, enquanto ouvem no rádio as noticias do dia ,
e saem para o trabalho. Maria é quem ordenha as vacas. Ela também corta e
transporta pasto para os animais, trata os terneiros, os peixes, os porcos e os pintos.
Se sobra, tempo auxilia o marido nas atividades da roça ou faz algum serviço ao
redor da casa. Simone levanta às sete horas. Ajuda a mãe a ordenhar as vacas e
depois volta para casa para cuidar da filha pequena, que levanta por volta de nove
horas. Ela normalmente faz o serviço da casa: lava roupa, limpa a casa e faz o
almoço. O rádio fica ligado praticamente o dia todo na casa. Maria liga-o para ouvir
as noticias e preços, e as filhas mantêm-no sintonizado nas emissoras musicais.
Ao meio dia, a família almoça, com exceção de Silmara que chega da escola
por volta de 12h40min, e as mulheres lavam a louça e limpam a cozinha. Todos
descansam um pouco e logo vão procurar algum serviço para fazer. A atividade a
ser desenvolvida depende da época do ano. Às vezes, é necessário ir para a roça
carpir, outras vezes para colher, e em outras épocas ficar no galpão confeccionando
as vassouras. As criações dos animais, segundo Maria, exigem cuidados constantes
durante todo ano. Todos da família se revezam ajudando. Simone, porém, só vai
170
para a roça se a irmã ou a mãe ficam cuidando da sua filhinha. O marido de Simone
trabalha em um Posto de Gasolina da manhã até por volta de 22 horas. Célio realiza
trabalhos, às vezes, na propriedade, outras, nas áreas arrendadas, e algumas horas
são dedicadas ao trabalho de empregado nas terras dos vizinhos. À tardinha, as
meninas gostam de assistir às novelas da Globo. Porém, por volta de dezenove
horas precisam ajudar a mãe a tirar o leite das vacas. Às vintes horas, todos se
recolhem. Após o banho, tomam alguns mates e jantam. Célio vai dormir por volta
das vinte e uma hora. Maria fica um pouco mais com as filhas. Elas terminam de
lavar a louça, assistem à novela das 21 horas da Rede Globo e vão dormir. Somente
Simone fica acordada até mais tarde aguardando o esposo chegar.
As saídas da propriedade são, durante a semana, para vender vassouras
e/ou comprar alguma coisa na cidade. Às vezes, nos finais de semana, saem para
passear. Participam de almoços e festas na comunidade vizinha de Bela União. As
meninas, de vez em quando, freqüentam alguns bailes. Outros passeios são
realizados à casa da mãe da Maria ou a parentes do Célio.
O convívio familiar é de muito diálogo e conversa. Apesar de divergirem em
algumas opiniões, costumam sempre conversar. “A gente nunca faz nada sem
conversar, desde comprar uma coisa, uma roupa, a gente senta e conversa” (Maria
Klützke). A maneira de pensar sobre alguns assuntos é diferente entre pais e filhas.
Os pais algumas vezes cedem, outras não, diante das solicitações das filhas, mas
procuram sempre compreender a posição do outro Por exemplo, a filha mais nova
desejava colocar um piercing, mas os pais não permitiram “Ela vai no colégio vê as
coisas e também quer” justifica a mãe.
A seguir apresento um quadro (4) resumido da estrutura das três famílias.
171
QUADRO 4 – Estrutura e características das famílias pesquisadas.
FAMÍLIA NOME IDADE POSIÇÃO
FAMILIAR
ESCOLARIDADE ATIVIDADE
PRINCIPAL
Celso Breno
Müller
46 Pai 2
a
série do
Ensino
Fundamental
Agricultor
Verônica
Klützke
49 anos Mãe 5
a
série do
Ensino
Fundamental
Agricultora
Ezequiel
Klützke
13 anos Filho 7
a
série do
Ensino
Fundamental
Estudante
MÜLLER
Graciele
Klützke
Müller
10 anos Filha 4
a
série do
Ensino
Fundamental
Estudante
Sélio
Demschinski
57 anos Pai/avô 5
a
série do
Ensino
Fundamental
Agricultor
Reni Lucila
Demschinski
59 anos Mãe/avó 4
a
série do
Ensino
Fundamental
Agricultora
Sirlei
Taborda
35 anos Filha/mãe 4
a
série do
Ensino
Fundamental
Agricultora
Valmir
Taborda
39 anos Genro/pai 3
a
série do
Ensino
Fundamental
Agricultor
DEMSCHINSKI
Lucas
Demschinski
Taborda
4 anos Neto/filho Não alfabetizado -o-
Célio
Klützke
43 anos Pai/ Avô 5
a
série do
Ensino
Fundamental
Agricultor
Maria
Klützke
40 anos Mãe/ Avó 4
a
série do
Ensino
Fundamental
Agricultora
Silmara
Klützke
16 anos Filha 1
o
Ano Ensino
Médio
Estudante
Simone
Klützke
Zollmann
18 anos Filha/Mãe 3
o
Ano do Ensino
Médio
Estudante
Ademir
Zollmann
- o - Genro/ Pai -o- Frentista
posto
KLÜTZKE
Carlise 1 ano Filha/ neta Não alfabetizado - o -
Fonte: Entrevistas realizadas
172
8 PROGRAMAS GLOBO RURAL ASSISTIDOS
Neste capítulo, faço a descrição dos programas assistidos, apresentando
resumidamente as matérias veiculadas e buscando recuperar os enfoques
ambientais destacados por repórteres e entrevistados. Também apresento a relação
dos anúncios publicitários veiculados durante o programa, conforme já justificado no
capítulo 6. As Figuras 26 e 27 apresentam a logomarca e o cenário de apresentação
do programa.
8.1 PROGRAMA 1
O programa 1 foi apresentado no dia 06 de novembro de 2005. Seus
apresentadores foram Nelson Araújo e Helen Martins. As chamadas iniciais do
programa referiram-se, principalmente, a casos de doenças em animais, ou
transmitidas por estes, que se manifestaram durante a semana em todo país, como
febre maculosa
80
, febre aftosa
81
e gripe asiática
82
.
A primeira matéria foi sobre um chip eletrônico que pode auxiliar criadores de
gado a obterem informações detalhadas sobre cada animal do rebanho.Com a
introdução do chip eletrônico de identificação, desenvolvido pela Embrapa, no
estômago, orelha ou umbigo do animal, torna-se fácil monitorar o desenvolvimento
do animal, do nascimento até o abate.
80
Febre maculosa – doença causada por carrapatos em humanos (Conceito da pesquisadora baseado em informações
apresentadas no Programa Globo Rural).
81
Febre aftosa – doença febril aguda, provocada por vírus e que ataca animais de cascos fendidos, tais como bovinos,
bubalinos, suínos, ovinos e caprinos. Caracteriza-se pela formação de vesículas na boca, causando insalivação e nos pés,
dificultando o caminhar ou até impossibilitando o animal de se por em pé. A doença ainda que usualmente não seja mortal
provoca perda de peso e afeta também a produção de leite. Eventualmente pode ser transmitida ao ser humano. A profilaxia
recomenda vacinações no caso brasileiro (COSTA, 2003, p. 166).
82
Gripe asiática – doença viral que se manifesta em aves (Conceito elaborado pela pesquisadora).
173
174
Tais informações são acompanhadas através de um computador, que pode
ser conectado ao Sistema Nacional de Rastreamento Bovino (SISBOV), para
garantir a exigência de rastreabilidade
83
. A matéria ensinou como introduzir o chip
nos animais e como fazer a coleta de informações no campo.
O segundo bloco do programa apresentou as perspectivas otimistas do
governo brasileiro para a próxima safra de grãos, com a divulgação dos dados
obtidos no primeiro levantamento de campo, feito pela Companhia Nacional de
Abastecimento (Conab). A matéria destacou, através de gráficos, que a área
plantada de todas as culturas pode ter uma redução de até 5,7%. Mesmo assim, a
Conab estima que a produção pode chegar a 124,9 milhões de toneladas. O
aumento é de 10% e, se for confirmado, vai significar um novo recorde para a safra
de grãos.
Os destaques da semana no campo, apresentados como notas cobertas,
deste programa foram:
# Início da piracema no Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. A pesca na bacia
do Rio Paraguai está proibida durante o período de reprodução dos peixes.
# No Paraná, o excesso de chuva prejudica as lavouras de feijão e atrasa o
plantio da soja. No norte do Estado, é o ataque de pombas que compromete o
desenvolvimento das plantações de soja.
# A colheita de trigo no Rio Grande do Sul começa com preço baixo e
retração no mercado. A safra gaúcha deve ser 20% menor que a anterior.
83
Rastreamento – processo pelo qual um bovino ou bubalino tem registradas todas as informações a seu respeito, que vão
desde o nascimento, sexo, transferência de propriedade, até alimentação, manejo, inclusive tratos sanitários (COSTA, 2003,
p.345).
175
# Febre Maculosa. A Fundação Osvaldo Cruz confirmou dois casos em
Itaipava, região serrana do Rio de Janeiro. A doença é transmitida pelo carrapato.
Duas pessoas morreram.
# Maranhão registrou maior número de queimadas em outubro, com 11 mil e
200 focos. O dobro do ano passado.
# Na Bahia, um incêndio no parque da Chapada Diamantina destruiu 15 mil
hectares de mata foram perdidos.
# Três filhotes de onça parda escaparam da queimada de um canavial em
Mato Grosso do Sul. Os animais estão sendo tratados em um Centro de Reabilitação
de Animais Silvestres em Campo Grande.
No quadro seguinte, o programa apresentou os preços do boi gordo e de
outros produtos em vários estados do Brasil. Na seqüência, matéria sobre a segunda
etapa da campanha de vacinação contra febre aftosa no país, que destacou a falta
de vacinas em alguns Estados, como Piauí e Sergipe. Faltam vacinas nas lojas e
laboratórios, e os criadores estão preocupados. O Sergipe precisa vacinar cerca de
850 mil animais, mas recebeu apenas 270 mil doses de vacina.
Continuando a falar da aftosa, o apresentador informou que o número de
focos de febre aftosa em Mato Grosso do Sul aumentou para 21 na semana. O
Globo Rural visitou o município de Japorã, o mais afetado pela doença, e mostrou as
dificuldades que estão sendo enfrentadas por agricultores, comerciantes,
governantes e população em geral.
Nas estradas do meio rural, o único movimento era das máquinas da agência
de defesa animal do Estado, que cruzavam as estradas em direção às propriedades
dos assentamentos rurais. No assentamento Savana, vivem cerca de 212 famílias,
dez lotes têm animais com febre aftosa. Os lotes com animais doentes estão
176
interditados. Os abates iniciariam na próxima semana. A equipe do Globo Rural foi
ao encontro de agricultores como, dona Catarina Souza, separada, e mãe de quatro
filhos, que está preocupada e com medo de perder o gado. O rebanho dela, que tem
34 cabeças, está cercado pelo vírus da febre aftosa. Ela garante que em todas as
fazendas da região os animais foram vacinados.
O Programa mostrou que na escola rural do Assentamento foi montada uma
unidade para cadastrar os assentados que vivem da venda do leite, que terão direito
a uma ajuda do governo até que a área seja liberada para o comércio novamente.
No terceiro bloco, o programa destacou os eventos, cursos e seminários da
semana e respondeu às cartas enviadas pelos telespectadores. A primeira resposta
foi ao agricultor Laércio Luiz da Silva, de São José do Rio Pardo, São Paulo, que
escreveu querendo saber como exterminar os pulgões
84
da horta
85
, que atacam
principalmente os pés de couve. A reposta foi dada pela repórter em uma horta
comunitária no município de Jandira, no Estado de São Paulo, através de entrevista
com o técnico Marcos Furlan. O técnico iniciou destacando que os vários tipos de
pulgões que existem tornaram-se talvez a principal praga de culturas como o repolho
e a couve. Ele falou dos prejuízos que o inseto pode causar. Para evitar o pulgão
recomendou a implantação e manutenção correta da horta. Solo ácido ou
desbalanceado, com excesso de algum nutriente, favorece a proliferação do pulgão
na planta, alertou o técnico. Para combater o pulgão, quando a planta já está
infestada, o Programa repassou uma receita de uma calda produzida com 150
gramas de fumo de corda ralado, uma colher de sabão ralado - para facilitar a
fixação na planta-, uma colher de álcool - para potencializar o uso do fumo – e água.
O Programa ensinou como fazer a calda e pulverizar as plantas.
84
Pulgão – inseto da ordem dos homópteros, da família dos afídídeos. Tem grande importância agrícola, pois como inseto
sugador e fitófago, não somente suga a seiva dos vegetais nos quais introduz substancias tóxicas, mas pode ainda transmitir
viroses (COSTA, 2003, p. 332).
85
Horta – local destinado ao cultivo de hortaliças (GOULART, 1991, p. 93).
177
A segunda carta respondida veio de Sabugueiro, Santa Catarina, escrita por
Antonio Cuchi, que buscava auxílio para resolver o problema do crescimento
exagerado dos cascos de algumas das cabras da sua criação. O veterinário
Sebastião Faria Junior explicou que o crescimento do casco ocorre devido ao
confinamento. Por isso é serviço de rotina fazer o casqueamento
86
a cada mês e
meio ou dois meses no máximo. Ele ensinou, no programa, como o agricultor pode
fazer o corte dos cascos.
No último bloco, o destaque foi uma matéria sobre a produção de flores
tropicais. Segundo o Globo Rural, o comércio internacional de flores movimenta
nove bilhões de dólares por ano, mas a participação do Brasil nesse mercado de
exportação não chega a 0,3%. A produção de flores tropicais é o ramo mais novo
desse negócio e que ainda tem muito espaço pra crescer nas regiões de
características tropicais – com umidade, muita luz e calor – como o nordeste do
Brasil. O Programa mostrou diversos tipos de flores e repassou muitas informações
sobre elas. As flores, belas e duradouras, fazem sucesso nas floriculturas e entre os
decoradores de eventos. O mercado é garantido dentro e fora do país, por isso os
cultivos começam a se espalhar. Hoje, já existem plantios em todos os Estados do
Nordeste, em alguns Estados do norte e no Centro-Oeste. Pernambuco está entre
os maiores produtores de flor tropical do Brasil. O Globo Rural mostrou plantações e
entrevistou produtores sobre o manejo, os custos e as vantagens do cultivo de
flores. Entre as exigências estão: adubação adequada, irrigação, água farta e de
boa qualidade e flores padronizadas e de qualidade.
86
Casqueamento – corte do excesso de casco dos animais (Conceito elaborado pela pesquisadora baseado em informações
do Programa Globo Rural)
178
8.2 PROGRAMA 2
O programa 2 foi assistido no dia 13 de novembro de 2005, apresentado por
Nelson Araújo e Helen Martins. As chamadas iniciais do programa, nas vozes do
apresentador e de repórteres, destacaram o desperdício de dinheiro público na
implantação do Projeto Jaíba, margens do Rio São Francisco, norte de Minas
Gerais, que era para ser um megaprojeto de irrigação e hoje tem a maioria dos lotes
abandonados. Também foi destacado o preparo de uma calda com as folhas de Nin
- capaz de controlar mais de 120 tipos de insetos - e os abates em Eldorado,
primeiro município a apresentar foco de febre aftosa no Mato Grosso do Sul.
A primeira matéria do Programa foi sobre a seca no Piauí e na região de
Minas Gerais, próximo ao rio São Francisco. O apresentador iniciou a matéria
referindo-se aos agricultores da região, de uma forma simples e clara, como se
estivesse conversando com eles.
Bom dia, seu José Inácio, cidadão de Alagoinha, Piauí, lugar onde a
seca está secando quase tudo. Seu José Inácio com apenas três
palavras foi certeiro no que disse diante do caminhão pipa: Água é
vida. Ele bem sabe que ali mesmo ao redor dele, por falta de água o
gado está morrendo e os poços secando. (Nelson Araújo,
apresentador)
Na seqüência, a matéria trouxe um panorama da situação no Piauí. Noventa e
um municípios já decretaram situação de emergência por causa da seca. Há dez
meses não chove na região. Barragens e açudes secaram. Os animais começaram a
morrer de sede e fome.
O drama na fazenda do criador Antônio Nunes foi apresentado pelo
programa. Imagens mostraram uma vaca que não conseguia se levantar, devido à
179
fraqueza causada pela falta de água e alimento. No lugar onde ela deitou, o
agricultor improvisou uma cobertura para protegê-la do sol forte.
Cerca de 900 mil pessoas sofrem com a estiagem no Piauí. Nem as
cisternas
87
resistem. Como mostrou o repórter, até uma cisterna com capacidade
para 7 mil litros de água há dois meses está completamente vazia. Na semana da
produção da matéria, o Exército começou a fazer a distribuição de água. A
chegada do carro pipa foi motivo de comemoração para a população, e de disputa
pela água.
No quadro Noticias da Semana, o Globo Rural, destacou:
# Iniciou a colheita de pêssego no Rio Grande do Sul, maior produtor
nacional. Os agricultores estão preocupados porque este ano o clima prejudicou o
desenvolvimento dos frutos.
# Problemas nas exportações de produtos agrícolas, por causa da greve dos
fiscais agropecuários. 95% dos técnicos estão parados em todo o país.
# Produtores de nêspera em São Paulo estão satisfeitos com a safra, a
produtividade foi tanta que acabou afetando o preço.
A segunda matéria apresentou a primeira estimativa do Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE), divulgada naquela semana, para a próxima safra de
grãos: 126 milhões de toneladas. Como na semana anterior foi previsto pela Conab,
os números apontam para uma colheita recorde. A repórter ressaltou também a
diferença do preço do dólar neste ano, que está com valor baixo, em relação ao ano
passado, durante o período de plantio, e da redução significativa nos preços dos
insumos.
87
Cisterna – reservatório que acumula águas de chuva e de uso especialmente indicado pra condições do semiárido
nordestino (COSTA, 2003, p. 94).
180
Em seguida, o programa apresentou o quadro de preços do boi gordo em
cidades do Brasil.
O abate de animais por causa da febre aftosa foi o assunto da matéria
seguinte. A apresentadora iniciou, ressaltando que acabaram os abates na cidade
de Eldorado, Mato Grosso do Sul, e que o trabalho se concentra agora na fronteira
com o Paraguai.
Quatro mil animais já foram sacrificados nos municípios de Eldorado e
Japorã. No segundo município, a repórter destacou as dificuldades diplomáticas,
pois muitas propriedades interditadas fazem fronteiras com o Paraguai, e seus
arredores não estão podendo ser fiscalizados. Um acordo de ação conjunta foi
fixado entre os dois países no combate à febre aftosa.
A matéria mostrou a decepção das famílias que tiveram os animais
sacrificados e receberam uma indenização de R$ 430,00 por cabeça. Um grupo
ministerial visitou os municípios afetados e anunciou medidas de apoio
O segundo bloco iniciou com a divulgação dos eventos e cursos que
acontecem em diversas cidades do país e com as respostas às cartas dos
telespectadores. A primeira resposta foi ao agricultor José Benício, de Jaboatã,
Pernambuco, que fez uma série de perguntas sobre uma árvore chamada Nin,
utilizada para controlar diversos tipos de pragas. O Nin é uma planta de origem
indiana, que pode ser aproveitada na farmacologia, na produção de inseticidas,
ornamentação, recuperação de áreas degradadas, reposição florestal. A árvore, de
porte grande e que oferece muita sombra, tem potencial para controle de mais de
120 tipos de insetos, devido a 156 substâncias de sua composição. No milho, ela
combate a lagarta do cartucho; no feijão, a mosca branca e, no arroz, o grupo dos
percevejos. A matéria ensinou como preparar e aplicar uma calda com folhas de Nin,
181
mostrando o processo de preparação. No final da matéria, a repórter ofereceu o
endereço da Embrapa para mais informações.
A segunda pergunta foi sobre uma flor diferente e bonita enviada ao programa
por Ruth Steidle, de Rolândia, no Paraná. Ela perguntou sobre os perigos da planta.
O agrônomo Chukichi Kurozawa, consultor do Globo Rural, explicou que essa planta
é chamada de flor-de-pau, rosa-de-pau ou ipoméia-do-ceilão. A planta é mesmo
vigorosa e foi considerada invasora, mas não causa grandes problemas.
A terceira pergunta foi do agricultor João Roberto Rodrigues, Rio de Janeiro.
que está preocupado porque as suas codornas pararam de repente, por um
período, de pôr ovos. O programa ensinou como fazer uma ração balanceada para
aves em época de postura, mostrando todos os nutrientes necessários. Ao final da
sessão de cartas, o endereço do programa foi colocado à disposição dos
telespectadores. Para encerrar o bloco, mais alguns eventos e exposições da
semana foram apresentados.
No terceiro bloco, a matéria principal foi sobre o Projeto Jaíba, um grande
projeto de irrigação, implantado no norte de Minas Gerais, que utiliza águas do Rio
São Francisco. Localizado na margem direita nos municípios de Jaiba e Matias
Cardoso, no norte de Minas, divisa com a Bahia, foi planejado na década de 70,
para ser o maior perímetro irrigado da América Latina. Uma parceria do governo de
Minas com o governo federal, que já consumiu mais de 1 bilhão de reais
O repórter Ivaci Matias explicou como deveria funcionar o sistema de
captação de água, com capacidade para irrigar os 66 mil hectares do projeto.
Lamentou, porém, que até hoje somente uma das nove bombas existentes no canal
está funcionando, irrigando apenas 10% da área. A ambição inicial do projeto era
produzir 2 milhões e 300 mil toneladas de alimentos por ano, principalmente frutas. A
182
produção hoje não passa de 60 mil toneladas. Através de computação gráfica o
Globo Rural mostrou que o projeto foi divido em quatro glebas
88
, mas apenas uma
foi ocupada, com 1800 lotes
89
destinados à agricultura familiar, e 400 lotes para
médios e grandes produtores. 230 Km de canais de cimento foram construídos para
levar a água do Rio São Francisco a esses lotes, mas atualmente pouco mais da
metade dos agricultores está usando a água disponível. Nos lotes pequenos, os
agricultores usam a irrigação por aspersão
90
, que além de gastar muito mais água
que os sistemas modernos - por gotejamento
91
- opera com equipamentos
sucateados. Também falta manutenção e limpeza nos canais. Idealizado para ser
um projeto modelo, o Jaiba vive hoje uma das maiores crises da sua história, muitos
lotes foram abandonados, e os produtores que ficaram estão endividados e
desanimados. 90% dos agricultores têm dívidas nos bancos e assim não conseguem
credito para plantar.
O programa entrevistou agricultores e mostrou famílias com dificuldades para
sobreviver. Os produtores de frutas, como mamão, manga e morango enfrentam
dificuldades no transporte e na comercialização, pela distância dos mercados
consumidores. Produtores, grandes e pequenos, que vieram de outras regiões do
país para explorar o potencial da região reclamam da falta de capitais financeiros
atualmente, de apoio e de políticas agrícolas adequadas, a serem implantadas pelo
governo brasileiro para a continuidade da implementação do projeto. Muitos estão
tendo que vender lotes e implementos para conseguir pagar a implantação das
lavouras.
88
Gleba – porção de terra (COSTA, 2003, p. 192).
89
Lote – fração delimitada de uma gleba (COSTA, 2003, p. 245).
90
Aspersão – sistema de irrigação pelo qual a água é aplicada no solo ou nas plantas de maneira uniforme, como forma de
uma chuva artificial (COSTA, 2003, p.420).
91
Irrigação por gotejamento – modelo de irrigação localizada com uso econômico da água e no qual o solo é o meio de
propagação do liquido (COSTA, 2003, p. 221).
183
Atualmente, para os pequenos agricultores, uma das atividades mais
lucrativas é a produção de sementes de verduras e hortaliças encomendadas por
empresas do sul do país. O produtor Eujácio de Brito obtém um valor médio de 6 mil
reais, colhendo sementes de abóbora, em meio hectare. Com esse valor, consegue
pagar as despesas e ter algum lucro, mas lamenta o abandono do projeto. Diz que
está sozinho, já que grande parte dos seus vizinhos foi embora.
Hoje, são mais de 300 lotes abandonados no Jaíba, e muitos outros em
situação de grande pobreza. Até mesmo em frente ao canal, onde há fartura de
água, existem famílias vivendo na miséria. Por falta de ter como investir nas terras,
muitos pequenos produtores trabalham como empregados, arrendam pequenas
áreas e/ou criam umas poucas cabeças de gado.
Os agricultores aguardam providências do governo para revitalização do
projeto. Uma visita do Ministro Ciro Gomes trouxe promessas e esperança. O
ministro destacou a inauguração das estradas, da água potável nas casas e o
convênio assinado com a Rural Minas e Emater como ações já realizadas. A matéria
mostrou que o convênio com a Emater já está produzindo frutos. A instituição está
auxiliando na organização social e articulação entre os produtores e promovendo
cursos de panificação e artesanato com fibra de bananeira, garantindo renda extra.
Os produtores de leite criaram uma associação e já conseguiram comprar um tanque
de resfriamento para armazenar o leite que, além de melhorar a qualidade, evita que
o leite estrague até a chegada do caminhão.
8.3 PROGRAMA 3
184
O Programa 3 foi assistido no dia 20 de novembro de 2005. Seus
apresentadores foram Nelson Araújo e Priscila Brandão. As chamadas iniciais deram
continuidade à matéria do programa anterior, destacando os projetos de
reflorestamento e irrigação fracassados, que deixaram rastros de destruição no rio
São Francisco, como também o assoreamento e a morte das veredas
92
e dos
principais afluentes do rio, no norte de Minas Gerais. A polêmica sobre a
transposição do São Francisco também foi manchete, junto ao projeto de lei que
autoriza a construção de usinas de açúcar e álcool no Pantanal.
A primeira matéria foi sobre uma pesquisa que está sendo realizada pela
Embrapa, para o desenvolvimento de uma nova variedade de batata-doce rica em
vitamina A – batata que possui uma coloração alaranjada por dentro. A matéria
recordou o programa Globo Rural do dia 9 de outubro, em que o pesquisador
solicitou aos telespectadores que enviassem unidades dessas batatas para a
Embrapa.
A matéria mostrou detalhes da pesquisa, com imagens do plantio realizado na
estufa e das atividades nos laboratórios e no campo. A Embrapa acredita que daqui
a um ano a nova variedade de batata-doce alaranjada estará disponível para os
agricultores. Os telespectadores que enviaram as amostras estão cadastrados e vão
receber o material gratuitamente.
Na seqüência do programa, veio a sessão de respostas a cartas. João
Alvarez de Araújo, de Crisópolis, Bahia, queria saber se bezerro que tem o chifre
retirado cresce mais ou menos que animal com chifre. A resposta foi dada pelo
veterinário e pecuarista Nelson Berquó, de Aruanã, Goiás, que disse que a retirada
do chifre não tem nenhuma influência no crescimento dos animais. Com chifre ou
92
Vereda – nascente e curso de água bordejado por buritis, particularmente na região do São Francisco ( COSTA, 2003, p.
414).
185
sem chifre, o crescimento é o mesmo. O veterinário explicou no programa os
motivos para a retirada dos chifres, atividade chamada de mochação, e quais os
passos devem ser seguidos para a realização desse procedimento.
O apresentador dispôs o endereço do programa para que telespectadores
enviem cartas com perguntas e sugestões. Na seqüência, notas divulgam cursos e
eventos da semana.
O segundo bloco iniciou com uma matéria sobre o baixo preço pago aos
produtores, pelo leite, que está em média 18% menor que em novembro do ano
passado. O programa mostra a situação de dois produtores, um do Rio Grande do
Sul e outro, de Goiás.
O preço está baixo porque a produção de leite no Brasil não pára de crescer.
O aumento nas importações do leite também contribuiu para a formação do quadro
atual: mais oferta, preço menor. Conforme a matéria, o governou liberou R$ 50
milhões para a estocagem do leite. Apesar do anúncio da liberação ter sido feito em
setembro, só agora o dinheiro começa a sair.
Na seqüência, o programa apresentou o quadro de preços do boi gordo e os
seguintes destaques da semana:
# Apesar da aftosa, o Brasil mantém a posição de maior exportador mundial
de carne bovina. A cadeia produtiva espera atingir um novo recorde de 3 bilhões de
dólares este ano.
# Mais uma vez o frango bateu recorde de exportação. O país vendeu em
outubro, 259 mil toneladas.
# Os criadores de suínos reclamam dos prejuízos causados pela febre aftosa.
No Rio Grande do Sul e Santa Catarina, a grande oferta do produto fez o preço do
quilo vivo nas granjas despencar.
186
# Produtores rurais de municípios atingidos pela febre aftosa bloquearam
duas rodovias em Mato Grosso do Sul. Eles querem a liberação da entrada no
Paraná para o trânsito de produtos de origem vegetal.
# Agricultores gaúchos estão recebendo a segunda parcela da bolsa
estiagem. O auxilio é pago aos produtores que tiveram perdas com a última seca.
# Começou a colheita do feijão das águas no Paraná. As chuvas nos meses
de setembro e outubro prejudicaram a safra.
# No Ceará a colheita é do caju. A contratação de mão-de-obra anima os
trabalhadores no norte do Estado.
A matéria seguinte referiu-se ao projeto de implantação de usinas de álcool e
açúcar na borda do Pantanal. A apresentadora iniciou ressaltando a morte, no
domingo anterior, do ambientalista Francisco Anselmo de Barros, o Francelmo. Ele
pôs fogo no próprio corpo em protesto contra o projeto de lei que autoriza a
instalação das usinas.
O programa mostrou imagens aéreas da área, conhecida como Vale do
Taboco, que, pelo projeto de lei, poderia abrigar as usinas de álcool e açúcar. A
região engloba 33 municípios, muitos ao lado do Pantanal. O Estado do Mato
Grosso do Sul é banhado por duas bacias hidrográficas; a leste, a do Paraná e a
oeste a do Paraguai. No meio das duas, fica uma faixa de terras mais alta e é nessa
área com altitudes superiores a 230 metros que o governo do estado quer autorizar
a implantação das usinas. Essas informações foram acompanhadas por imagens de
mapas de delimitam a região.
O Globo Rural evidenciou as divergências entre autoridades da região e
ambientalistas sobre o projeto. O prefeito de Coxim, Moacir Khol, por exemplo, apóia
187
a idéia de ter usinas na região, sendo que serão gerados mais de 2 mil empregos
diretos na região.
A grande preocupação dos ambientalistas é a instalação das usinas de
açúcar e álcool em uma bacia hidrográfica. Em caso de acidente, o vinhoto - resíduo
líquido da produção de açúcar e álcool - se espalharia rapidamente por cursos
d’água, podendo provocar escassez de oxigênio e a morte generalizada da vida
aquática.
A matéria também apresentou as divergências entre a ministra do Meio
Ambiente, Marina Silva, e o governador do estado, Zeca do PT.
O terceiro bloco iniciou com os eventos e exposições da semana em todo o
Brasil. A matéria seguinte foi sobre o assoreamento do Rio São Francisco, que se
acentuou na década de 70 com projetos de cultivo de eucalipto incentivados pelo
governo. O assoreamento é um dos problemas mais sérios do rio São Francisco. Na
matéria, apareceu a cidade de Januária, na margem esquerda do Rio São Francisco,
no norte de Minas, região intermediária entre a nascente e a foz do rio, que, no
passado, tinha sua vida concentrada no porto, onde vapores atracavam carregados
de gente e mercadorias. Hoje, as águas do rio não chegam mais ao porto da cidade.
Em seu lugar ancorou um gigantesco banco de areia e terra, fazendo o leito do São
Francisco mudar de direção. Agora o rio passa ao lado, afastando-se de Januária.
Os moradores dão depoimentos recordando o passado. “Isto aqui era água,
muita água [...] Isso aqui é um absurdo, não é esse o Rio São Francisco. Ele perdeu
50, 60% de água” (Manuel, morador).
As águas só não diminuíram mais ainda até agora porque a vazão do rio é
controlada pelas barragens das hidrelétricas construídas no leito, mas, na época de
seca, até barcos pequenos precisam tomar cuidado para não encalhar.
188
O morador Manuel destaca que a areia do assoreamento vem das cabeceiras
dos afluentes do rio.
Eles estão secando e a erosão está vindo das cabeceiras e vai
depositando essa grande impureza, esse absurdo de areia, pau,
folhas de árvore, colocando tudo no São Francisco. Não vai demorar
muitos anos pra gente ver o São Francisco falecido. Se não cuidar
imediatamente, mas espero em Deus que os mandantes possam
enxergar que se esse rio morrer, antes dele, já morreu muita gente.
(Manuel, morador).
O Globo Rural subiu em direção às cabeceiras dos afluentes do médio São
Francisco para ver de perto a origem do problema. O rio Pardo é um dos principais
afluentes do São Francisco. Muitos bancos de areia se formam nas curvas desse rio
em toda a sua extensão de 150 Km e suas águas têm tom barrento. Outros
cinqüenta e três afluentes já secaram.
Quando chove, a enxurrada arrasta milhões de toneladas de areia para o
leito do São Francisco. Isso acontece por causa do desmatamento indiscriminado na
bacia do rio, que não poupou nem as veredas - lugares úmidos povoados pela
palmeira buriti, onde nascem a maioria dos rios-, destacou o repórter Ivaci Matias.
Um gráfico computadorizado apresentado pelo Programa mostrou que,
quando a mata existia, funcionava como se fosse uma esponja que armazenava a
água da chuva no solo, por entre as raízes, fazendo com que escorresse lentamente
para os rios. Sem a proteção da vegetação, a chuva lava a camada superficial do
solo e carrega tudo para os rios. Foi o que aconteceu em Januária, onde no final da
década de 70, o desmatamento para o plantio de eucalipto atingiu um milhão de
hectares. O projeto tinha incentivos fiscais do governo federal, mas devido ao solo
arenoso e impróprio para essa atividade, não funcionou, e as áreas hoje estão
abandonadas. O assoreamento está entupindo o lugar onde antes havia muita água,
e a areia está sufocando e encobrindo plantas e árvores.
189
O Ministério Público está levantando os nomes das empresas que
desmataram e intimando-as a fazer um reajuste de conduta, visando à recuperação
da área.
Mas o problema social da região só foi agravado com o desmatamento e
abandono das áreas. Sem alternativa para viver, muitos moradores dessas áreas
passaram a queimar o que restou da floresta para a produção de carvão, tornando
também complicado o trabalho de fiscalização do desmatamento ilegal e queima de
carvão.
Em uma vila de Januária, percebeu-se a conscientização da população e o
interesse de parar de trabalhar com o carvão, tanto por causa do dano ambiental e a
saúde, como pela falta de retorno financeiro. Novas atividades como a reativação
dos engenhos de cana de açúcar e a produção de mel começam a fazer parte da
vida da região e a despertar novas esperanças.
No último bloco do programa, foram apresentadas mais informações sobre a
situação do Rio São Francisco, mostrando como um outro grande projeto, o Pró-
Várzeas
93
, dos anos 80, contribuiu para a degradação do rio. O Pró-Várzeas tinha
como objetivo drenar as várzeas para o plantio de lavouras. A meta era produzir 20
milhões de toneladas de arroz irrigado por ano. Dez anos depois, os pioneiros do
Pró-Várzeas anunciaram a falência do projeto devido ao alto custo operacional.
O projeto também é responsável pelo desastre ambiental causado pela
drenagem das veredas, mudança de cursos de rios e soterramento de milhares de
nascentes. A morte das várzeas provocou uma destruição em cascata
Em virtude disso, por incrível que pareça, a menos de 20 quilômetros da
margem do São Francisco, já existem comunidades coletando água da chuva para
93
Várzeas – tipo de floresta que ocorre na região amazônica. Depressão próxima as margens de rios sujeito a alagamento
(COSTA, 2003, p. 412) .
190
matar a sede. É o que acontece na vila de Mocambinhos, que leva o nome do riacho
que abastecia o local, e que hoje não existe mais. Hoje são mais de 50 riachos
mortos na região de Januária. Moradores falam da tristeza de ver os rios morrendo.
O Programa mostrou um protesto organizado pelos moradores da região para
lembrar os rios mortos. Os manifestantes também distribuíram panfletos contra o
projeto de transposição do São Francisco. Um dos temores da população que vive
na bacia do São Francisco é que a água, hoje já escassa, não seja suficiente para
matar a sede, irrigar as terras e produzir energia elétrica para Minas e mais oito
estados do Nordeste.
O projeto de transposição, como mostrou o Globo Rural através de um
esquema computadorizado, prevê a captação de 26 metros cúbicos de água por
segundo e a construção de dois canais de concreto, que juntos somam 620
quilômetros com nove estações de bombeamento. O custo da obra é estimado em
R$ 4,5 bilhões. Os canais seriam construídos entre as hidrelétricas de Sobradinho e
Paulo Afonso, em Pernambuco. O Programa mostrou detalhes da obra, localizando
os espaços e regiões beneficiadas. A licença prévia concedida pelo Ibama ao projeto
de transposição do rio São Francisco foi suspensa pela justiça da Bahia. A decisão
atende a uma ação civil pública que pede a realização de estudos de impacto
ambiental na bacia do rio e autorização do Congresso Nacional antes da realização
da obra.
O projeto enfrenta ainda a oposição do Comitê Hidrográfico da Bacia do São
Francisco, que, pela lei das águas, teria que aprovar o plano diretor do rio. O comitê
defende o uso prioritário da água dentro da própria bacia.
No governo, quem está batalhando pela aprovação do projeto é o ministro da
Integração Nacional, Ciro Gomes. Ele discorda da percepção de que o Rio São
191
Francisco está doente, e que precisa ser cuidado internamente antes de oferecer
água a outras regiões.
Esse é um argumento, desculpe, picareta. A chance verdadeira do
rio agora entrar num processo sério de revitalização é essa.
(Ministro Ciro Gomes)
Para encerrar, o programa mostrou atividades da população em
comemoração ao dia de São Francisco de Assis, com ações como coleta de lixos no
rio, e procissão.
8.4 ANÚNCIOS PUBLICITÁRIOS APRESENTADOS DURANTE OS PROGRAMAS
Embora este seja um estudo de recepção a partir das informações
jornalísticas sobre o meio ambiente, considero importante dar um panorama dos
anúncios publicitários apresentados, principalmente porque a maioria deles faz
referência a produtos agropecuários e equipamentos agrícolas. De forma geral,
esses produtos agem diretamente no meio ambiente, controlando insetos,
aumentando a fertilidade do solo, eliminando fungos e, conseqüentemente,
desequilibrando-o. A seguir, através de um quadro, mostro os anúncios veiculados
em cada bloco comercial de cada programa. Na seqüência
apresento resumidamente o conteúdo
d
os anúncios publicitários de produtos agropecuários e equipamentos agrícolas, ou
seja, daqueles voltados diretamente às atividades produtivas do meio rural, como
também os respectivos nomes das empresas e/ou marca que os produzem.
192
Programas
/Blocos
Programa 1 Programa 2 Programa 3
Bloco 1
#Sessão Temperatura
Máxima – Filme
# Fungicida Prori Xtra–
Syngenta
# Invermectina Ouro Fino
# Loja de Tintas Sul Cores –
da região.
# Programa Fantástico
# Sessão Temperatura
Máxima – Filme
# Programa Amigos da
Escola
# Inseticida Multicultura
Engeo Pleno –– Syngenta.
# Reforma de Pneus Vipal.
# Programa Fantástico
# Sessão Temperatura
Máxima – Filme
# Fungicida Priori Xtra –
Syngenta
# Trator New Holland
# Colostro Ouro Fino
# Programa Fantástico
Bloco 2
# Fungicida Ópera – Basf
# Programa Auto Esporte
# Colostro Ouro Fino
# Novela Belíssima – Globo
# Fungicida Ópera – Basf
# Programa Auto Esporte
# Invermectina Ouro Fino
# Sul Cores – loja de tintas
da região.
# Programa Domingão do
Faustão.
# Fungicida Ópera – Basf
# Programa Auto Esporte
# Invermectina Ouro Fino
# Festa das Flores – Três
de Maio
# Sttalion Piretróide
# Novela Belíssima.
Bloco 3
# Programa Esporte
Espetacular
# Stallion – Piretróide
# Palestra com Ana Amélia
Lemos, em Horizontina, na
semana seguinte.
# Vestibular de Universidade
do Noroeste do Estado do
RS (Unijuí)
# Inseticida Multicultura
Engeo Plena – Syngenta
# Reforma de Pneus Vipal
# CD de música gaúcha do
Grupo Talagaço
# Prefeitura Municipal de
Passo Fundo
# Universidade de Santa
Cruz do Sul
# Olina - medicamento
# Unisuper – rede de
supermercados da região.
# Programa Esporte
Espetacular
# Colostro Ouro Fino
# Obras nas estradas e
região Celeiro
# Feirão de Caminhões
Novos e Usados – Veísa, na
Fenamilho.
# Fungicida Priori Xtra –
Syngenta.
# Jornal Zero Hora - RBS
# Novela Belí
ssima
# Programa Esporte
Espetacular
#Inseticida Multicultura
Engeo Pleno – Syngenta
# Programa Educacional
de Resistência a Drogas e
Violência - Brigada Militar
# Reforma de Pneus Vipal
# Stallion – Piretróide
# Trator New Holland
# Programa Tele
Domingo.
193
A seguir descrevo resumidamente o enfoque e conteúdo de cada um dos
comerciais de produtos e serviços agropecuários apresentados:
Fungicida Priori Xtra – Syngenta - O comercial apresenta depoimentos de
agricultores satisfeitos com o uso do fungicida Priori Extra. O produto controla
ferrugem e doenças da soja.
Invermectina Ouro Fino - Produto contra carrapatos, bernes
94
, sarnas,
vermes. Segundo o comercial, o produto tem longa ação, age por muito mais tempo,
aumenta a produtividade e a qualidade do rebanho e prolonga os lucros.
Fungicida Ópera – BASF - Agricultores garantem que com duas aplicações
a produtividade melhora. Eles aparecem apresentando resultados de alta
produtividade alcançados nas suas lavouras. O comercial apresenta um enfoque
constante na melhora da produtividade e na confiança da palavra.
Trator New Holland – Apresenta imagens do trator e suas características.
Além disso, traz o barulho do motor e mostra diversos tipos de produtos, como sacos
de sementes, fardos de silagem e caixas de frutas e legumes sendo descarregados,
deixando a impressão de que o trator New Holland faz todos os serviços.
Colostro
95
Ouro Fino –Apresenta o Colostro como um colosso de sucessos.
Mostra a fábrica e destaca a avançada tecnologia utilizada na sua produção, o que
garante ao produto eficácia e segurança até contra os parasitas mais resistentes. O
94
Berne – afecção na pele de várias espécies de animais domésticos e eventualmente do homem, causada pela larva
Dermatobia hominis L. (Jr.) Ocasiona sérios prejuízos como a desvalorização do couro, além de prejudicar o crescimento e
produção dos animais (COSTA, 2003, p.55).
95
Colostro – leite produzido nos 3 a 4 primeiros dias após a parição. Através dele a cria recebe a sua primeira carga de
anticorpos, bem como as primeiras porções de vitaminas A e D. Neste caso, é um produto industrial que realiza essas funções.
(COSTA, 2003, p.101).
194
rebanho fica limpo e protegido de moscas, carrapatos e bernes por muito mais
tempo. O produto, devido a sua eficiência, garante tranqüilidade ao produtor.
Stallion – Piretróide
96
- Dow AgroSciense – O comercial destaca que todo mundo
está comemorando os resultados de Stallion, o piretróide de última geração - menos
as pragas.
Engeo Pleno – Inseticida Multicultura da Syngenta. -Destaca o produto
como nova estrela da Syngenta e o inicio de um novo tempo. Um inseticida
multicultura de ação diferenciada, mais eficaz para quem quer uma lavoura saudável
produzindo safra da melhor qualidade.
Reforma de Pneus Vipal _ Destaca a Vipal como líder na reforma e reparo de
pneus, garantindo pneus de qualidade na hora da colheita, do transporte, da viagem
e também na economia.
Destaco que em todos os comerciais aparecem pessoas, a maioria
representando agricultores felizes, satisfeitos, reunidos em família e comemorando a
lucratividade alcançada no campo. Com freqüência, são apresentadas imagens de
lavouras e criações de animais com ótima aparência e qualidade. Na promessa dos
produtos, estão a qualidade, a produtividade e a economia. E também é muito
evidente a confiança no produto e na palavra de quem produz.
96
Piretróide – agrotóxico de propriedades inseticidas que contém compostos sintéticos de estrutura semelhante à piretrina,
facilmente absorvido pelas vias respiratórias, cutânea e pelo trato digestivo (COSTA, 2003, p. 312).
195
9 OS SENTIDOS PRODUZIDOS A PARTIR DAS MEDIAÇÕES
Este capítulo apresenta os resultados da parte empírica da pesquisa, ou seja,
do estudo de recepção realizado junto a três famílias de agricultores do município de
Santa Rosa. Apresenta os sentidos produzidos pelos agricultores sobre o meio
ambiente a partir do Programa de televisão Globo Rural, através das mediações que
interferem nestas construções.
A partir de orientações teóricas e buscando alcançar os objetivos desta
pesquisa escolhi como mediações a serem estudadas: o cotidiano familiar, a posição
social de classe, as mediações situacionais e institucionais. Mostrar como essas
mediações, cada uma com sua especificidade, convergem no processo de recepção,
tomado como locus de construção de sentido, é o objetivo deste capítulo.
9.1 AS MEDIAÇÕES DO COTIDIANO FAMILIAR E O TRABALHO NA PRODUÇÃO
DE SENTIDOS.
A mediação do cotidiano familiar foi a mais presente nas entrevistas
realizadas com os agricultores, por isso foi a primeira que escolhi para abordar.
Considera-se como cotidiano familiar o lugar de constituição e expressão da cultura
familiar, conformada pelo habitus de classe e pelas hibridações culturais. O cotidiano
familiar é uma dimensão explorada analiticamente para mostrar como as práticas
cotidianas relacionam-se com a recepção da televisão, conferindo-lhe novos
sentidos ou influenciando na maneira que esses sentidos são lidos, isto é,
entendidos e apreendidos. Os diferentes modos de ler estão ligados às tradições,
preocupações e expectativas da vida diária, que se tenta apreender a partir da
196
cultura da família, nas suas expressões culturais e simbólicas e que se traduz seja
em condições socioeconômicas e de habitação, seja em trajetórias e marcas da
história da família (Lopes, 2002).
No cotidiano familiar dos agricultores, o trabalho é uma prioridade. A
organização da produção, com base no trabalho familiar, conforma um
entrelaçamento entre as relações familiares e o mundo do trabalho, que ganham um
espaço privilegiado no cotidiano dos agricultores familiares e na conformação da sua
visão de mundo. A dedicação ao trabalho é uma característica herdada dos
antepassados (imigrantes) que tiveram que trabalhar muito para garantir a
sobrevivência da família no novo país. Uma particularidade do trabalho, que os
difere dos trabalhadores da cidade, é o trabalho em família, integrando e reunindo a
maioria dos membros do núcleo familiar. O trabalho tem uma dimensão muito
importante no cotidiano dessas famílias, pois é a partir dele que as demais
atividades se estruturam. Ele que determina os espaços vagos, onde o consumo da
televisão é inserido.
Ligado diretamente ao trabalho e às atividades produtivas desenvolvidas
pelos agricultores, estão o meio ambiente e os recursos naturais, que fazem parte do
cotidiano destas famílias. De uma forma geral, toda a atividade agropecuária
depende dos recursos naturais para se desenvolver, por isso ao estudar o cotidiano
familiar, o trabalho e a televisão estou diretamente entendendo também as relações
e sentidos desses com o meio ambiente.
197
9.1.1 A televisão e o Globo Rural no cotidiano das famílias
Como se pode verificar na descrição do dia-a-dia das famílias, realizada no
capítulo sete, a rotina diária inicia cedo, por volta de 6 horas da manhã. Isso porque
o trabalho na lavoura e junto aos animais, que é prioridade para os agricultores,
precisa ser realizado preferencialmente bem cedo. Esse fator da rotina diária
inviabiliza o acesso à televisão pela manhã. Nesse período do dia, as famílias dão
preferência ao rádio, que lhes possibilita acompanhar as noticias da região e os
preços dos produtos agropecuários, apresentados em programas produzidos pelas
Cooperativas Agropecuárias da região e pelo Sindicato dos Trabalhadores Rurais,
enquanto tomam café e chimarrão. Nas casas das famílias Demschinski e Klützke, o
rádio permanece ligado durante todo dia, com alternância entre emissoras e
programas de notícias, músicas e entretenimento.
A audiência à televisão é preferencialmente no final da tarde e à noite. Nas
casas das famílias Müller e Klützke, o aparelho é ligado no final da tarde para a
audiência das telenovelas. Nos Demschinski, só na hora dos telejornais a televisão é
ligada. As três famílias, às vezes, pela manhã e ao meio dia, acompanham as
notícias. São as crianças e jovens que mostram maior interesse e disponibilidade de
tempo para assistir televisão, tendo como preferência as telenovelas e programas de
entretenimento. Os adultos, principalmente os homens, mostram maior interesse em
assistir programas de notícias e informações, por isso o Jornal Nacional tem a
audiência de todos. Outro programa que as famílias gostam de assistir é o RBS
Notícias (programa de jornalismo local), apresentado pela Rede Brasil Sul, às 19
horas. Na época do ano em que foram realizadas as entrevistas (outubro e
novembro), porém, estava em vigor o horário de verão, período em que escurece
198
após as 20 horas, permitindo aos agricultores trabalharem até mais tarde. Assim,
quando voltam para casa o RBS Notícias já foi transmitido, impossibilitando a sua
audiência. Nas casas dos Müller e dos Demschinski, após o Jornal Nacional, a
televisão é desligada, e os integrantes da família conversam um pouco e logo se
recolhem para dormir. Na família Klützke, as mulheres assistem à telenovela da
Globo, das 21 horas e, logo após, vão dormir, ficando acordada somente a filha mais
velha que aguarda a chegada do esposo. O fato de terem que acordar cedo e de
realizarem um trabalho exaustivo durante o dia, que os deixa cansados, é
determinante para que os agricultores não permaneçam até muito tarde em frente à
TV. Em dias de chuva, por não poderem realizar serviços externos, muitas vezes os
agricultores recorrem a ela como passatempo, aumentando o tempo de audiência
televisa. Em contrapartida, em épocas de plantio, colheita e/ou produção de
vassouras, ou seja, épocas de excessivo serviço na propriedade, o tempo destinado
à televisão tende a diminuir. Nos finais de semana, as famílias, algumas vezes,
assistem a programas de entretenimento. A rotina relatada acima confirma que o
trabalho é fator determinante na audiência televisiva. Os agricultores assistem à
televisão nos tempos livres do trabalho, não oferecendo prioridade a esse meio de
comunicação na rotina diária.
As gerações mais jovens têm, porém, uma percepção distinta da relação
trabalho e televisão, pois buscam na televisão uma forma de entretenimento e
destinam um tempo maior da sua rotina diária para a ela assistir.
A freqüência de audiência ao Programa Globo Rural varia de uma família para
outra e também entre os integrantes da mesma família. Em todas as casas, é
somente aos domingos que se assiste ao programa. Durante a semana, o horário de
transmissão e também a grande quantidade de trabalho inviabilizam a audiência.
199
Os Demschinski assistem ao Programa praticamente todos os domingos,
porém é somente quando os assuntos apresentados são “interessantes” para eles,
ou seja, têm relação com as atividades do seu dia-a-dia que eles permanecem
durante todo o programa em frente à televisão. Todos na família gostam de assistir
ao Programa Globo Rural aos domingos, pois através dele aprendem coisas novas.
Nos domingos, quando dá tempo assiste. É bonito assistir. Porque a
gente vê muita coisa, aprende muita coisa. (Valmir Taborda
97
)
Reni gosta de assistir ao programa porque fala das coisas da “colônia”
98
, e as
matérias sobre o gado são as que mais lhe interessam. Sirlei gosta de ver no Globo
Rural os animais, as plantas e as verduras. Assuntos diferentes e interessantes,
como a produção de salame com carne de javali e uma matéria sobre criação de
cabritos chamaram a sua atenção nos programas. Sélio gosta de saber das
novidades e dos resultados de pesquisas. Valmir admira as matérias que
apresentam informações sobre o gado.
Muitas vezes, porém, o trabalho e as responsabilidades dificultam a
audiência. Valmir, por exemplo, lamenta que o programa seja transmitido no horário
em que ele precisa cortar e carregar pasto para os animais. Necessita, então,
levantar mais cedo para antecipar o serviço ou não consegue assistir ao programa.
Tem aquela hora que a gente tem que ir buscar um pasto, sempre é
de manhã, e a gente pega pasto porque é mais fresco.(Valmir
Taborda)
Reni nem sempre consegue se dedicar ao programa, pois em alguns
domingos auxilia a irmã nos cuidados com o pai, que está doente.
97
TABORDA, Valmir. Agricultor. Entrevista concedida em novembro de 2005.
98
Colônia – forma como os agricultores chamam o local onde vivem. Refere-se a uma pequena área de terra.
200
Na casa dos Müller, a audiência é esporádica, preferencialmente quando são
apresentadas matérias sobre assuntos que chamam a atenção da família, como a
criação de animais e as plantações. Gostam da assistir ao Globo Rural porque fala
sobre o agricultor e porque apresenta informações interessantes, que eles
desconhecem.
É bom para a gente aprender a fazer. (Verônica Klützke)
Acontece também de algumas pessoas da família assistirem ao programa e
outras, não, por exemplo, no dia de audiência ao programa com a família, o pai,
Celso, não pôde assistir, pois foi chamado a auxiliar um vizinho no transporte de um
animal.
Na família Klützke, é normalmente o casal que assiste ao programa, quando
“o serviço permite”. As filhas somente assistem ao programa nos dias em que
acordam mais cedo e a televisão está ligada apresentando assuntos de seu
interesse. O casal gosta de assistir porque o programa mostra lugares e modos de
vida diferentes, como também modos de produção e de criação desconhecidos.
Maria recorda de uma matéria que assistiu sobre uma família que utilizava cupim
99
de formiga para fazer fogo e fritar carne.
Aquilo me chamou a atenção porque eu nunca tinha visto uma coisa
assim. Nunca pensei que estes cupins de formiga dessem para
fazer alguma coisa. (Maria Klützke)
99
Cupim – refere-se a ninho de formiga, formigueiro. (Conceito elaborado pela pesquisadora a partir informações passadas por
agricultores).
201
As citações anteriores demonstram que as famílias gostam de assistir ao
programa, principalmente para aprender coisas novas. O interesse, porém, é maior
por assuntos que estão diretamente interligados ao dia-a-dia. O agricultor Sélio
Demschinski, por exemplo, lamenta que o programa Globo Rural apresenta muitas
informações direcionadas ao norte do país e que não podem ser efetivadas na
região.
O mais importante é o que está junto, o que está perto, para tirar
proveito disso. (Sélio Demschinski)
Algumas práticas e atividades transmitidas pelo programa são incorporadas
ao cotidiano das famílias. Os Demschinski aprenderam utilizar urina de vaca diluída
para combater insetos na horta. Sirlei já produziu uma receita de sabão que o
programa apresentou.
Os Klützke aprenderam a utilizar folha de bananeira para evitar vermes em
bovinos e suínos. “Ajuda, só que tem que tratar durante tempo” (Maria Klützke). Ela
lembra que esse método é natural, por isso demora mais para fazer efeito.
Algumas das técnicas incorporadas às atividades produtivas precisam ser
adaptadas à realidade regional. A experiência do trabalho agropecuário permite
muitas vezes, aos agricultores, prever a eficácia ou não da técnica, e o tempo que
essa irá levar para produzir efeitos.
9.1.2 Cotidiano, meio ambiente e informações
As principais fontes de informações sobre o meio ambiente dos agricultores
são o rádio e a televisão.Os agricultores não citaram nenhum programa especifico,
apresentado pela televisão, sobre o meio ambiente, mas como lembra Maria Klützke,
202
com freqüência aparecem matérias sobre o assunto no Jornal Nacional e nas
sextas-feiras, à noite, no Programa Globo Repórter. O Programa da Xuxa também
foi citado por apresentar, ás vezes, alertas sobre a preservação ambiental. No rádio,
Maria Klützke recorda de um programa apresentado no sábado pela manhã na
Rádio Noroeste (rádio local) que fala sobre o assunto. Sirlei Taborda também
destaca que no Programa de Rádio do Zelindo Cancian (transmitido todas as
manhãs pela rádio Noroeste) são freqüentes os alertas para que as pessoas não
joguem lixo nas estradas. A família Demschinski tem também acesso a jornais com
informações sobre o meio ambiente.
Os estudantes entrevistados recebem muitas informações na escola. Ezequiel
Klützke participa inclusive de um projeto de reflorestamento e preservação de alguns
rios da região.
A Emater/RS-Ascar é a instituição que mais conscientiza os agricultores da
importância de adotar práticas que não degradem o meio ambiente. Valmir Taborda
lembra que os técnicos da Emater/RS-Ascar repassam orientações sobre o
problema da água, e Sirlei Taborda recorda que a extensionista da empresa alerta
para o perigo da destruição da mata ciliar na encosta dos rios.
Uma área em que a questão ambiental influencia diretamente é a piscicultura.
Célio Klützke integra a Cooperativa do Peixe, que tem a participação da Emater/RS-
Ascar, da Prefeitura e outras entidades. A Cooperativa realiza reuniões freqüentes
para o repasse de informações sobre as leis e exigências ambientais para a
construção de açudes e criação de peixes.
A abordagem ambiental realizada pelo Programa Globo Rural é, de uma
forma geral, percebida pelos agricultores.
203
Falar sobre meio ambiente o Globo Rural e toda imprensa fala, mas
nem tudo que é falado é cumprido.(Sélio Demschinski)
A seca e a erosão são, segundo os Klützke, as principais temáticas
ambientais enfocadas pelo Globo Rural. Célio Klützke, porém, lamenta que apesar
do programa divulgar intensamente os danos causados ao meio ambiente,
apresenta poucas matérias de incentivo à preservação e que mostrem punições aos
destruidores do meio ambiente.
Para Ezequiel Muller, o programa alerta sobre a questão ambiental,
destacando principalmente a importância de reflorestar as encostas e nascentes dos
rios. Celso Müller percebe que o programa fala sobre como cuidar da natureza e
sobre a destruição ambiental. Já Verônica afirma que o Programa não falava muito
sobre meio ambiente, e que só mais recentemente o assunto tem se tornado pauta.
As temáticas ambientais que mais despertam atenção dos agricultores, nos
meios de comunicação e no cotidiano, são: a escassez e poluição das águas e o
desmatamento. Acredita-se que esses problemas chamam mais atenção dos
agricultores por serem vivenciados também na comunidade e estarem diretamente
ligados ao seu cotidiano.
Para a família Klützke, a poluição e a escassez das águas é o tema mais
preocupante e presente nos noticiários. Maria receia a falta de água.
Hoje não falta água na região, mas, se não cuidar, um dia pode
faltar. (Maria Klützke)
O desmatamento é outro tema abordado pela família. Segundo Maria, não há
muito mais o que desmatar na comunidade, e a lei que determina que nas encostas
dos rios é necessário manter a mata ciliar não costuma ser cumprida na sua
204
totalidade. Maria explica que devido às pequenas áreas das propriedades, torna-se
inviável aos agricultores destinarem um espaço para preservação da mata.
A família Müller reforça que os alertas para preservar a natureza,
principalmente para evitar o desmatamento e reflorestar a beira dos rios, são
freqüentes nos meios de comunicação e através de técnicos de instituições.
Nos rios não se deve jogar lixo e é preciso plantar árvores nas suas
beiras. A mulher (extensionista) da Emater/RS disse que os rios
secam porque hoje não tem mais mato na beira dos rios. (Verônica
Klützke)
Constata-se, assim, a partir dessas percepções, que os sentidos que eles
produzem estão diretamente voltados ao cotidiano e à realidade local.
9.1.3 Uso de agrotóxicos e de alternativas naturais no cotidiano dos
agricultores
O uso de agrotóxicos e de alternativas naturais na produção, práticas que
integram o cotidiano dos agricultores, foram assuntos abordados nas entrevistas.Os
agricultores entrevistados já incorporaram o uso de agrotóxicos e produtos químicos
às atividades agropecuárias diárias. Segundo eles, o uso desses produtos é
praticamente indispensável para a conquista de alta produtividade e o combate a
insetos e doenças nas lavouras e animais. Mesmo assim, sempre que possível,
recorrem a técnicas naturais caseiras de controle, principalmente nas hortas, em
pequenas áreas e em animais domésticos. Consideram as alternativas naturais mais
baratas e menos prejudiciais à saúde, porém com efeitos limitados e resultados mais
lentos que os agrotóxicos, remédios e produtos químicos.
205
O Programa 1, assistido na casa da família Müller, apresentou a receita de
uma calda caseira produzida com fumo, álcool e sabão, para o combate a pulgões
na horta. Verônica Klützke, que demonstrou bastante interesse na matéria, já havia
utilizado essa calda, porém, sem o uso do sabão, por isso acredita que não tenha
obtido bons resultados. Ela considera o uso da calda uma técnica simples e barata.
Porém, a resistência dos insetos aos produtos naturais e os interesses comerciais
das empresas vendedoras de produtos químicos, estimulando os agricultores a usá-
los são muitas vezes empecilhos ao uso de produtos caseiros.
A gente também passava bastante coisa assim. Mas hoje em dia
eles querem que compre o veneno, quase ninguém ocupa estas
coisas simples. Até o finado pai botava creolina com cinza no feijão
para estes pulgões. Hoje em dia estas coisas não combate mais,
senão for o veneno. Não sei se os bichos são mais fortes ou o que.
São mais acostumados com o veneno. (Verônica Klützke)
A expressão da agricultora demonstra que a prática de utilizar produtos
caseiros e naturais foi herdada de gerações passadas. Felizmente, nesta família, os
jovens têm consciência dos benefícios desses produtos. Ezequiel Klützke tem uma
percepção semelhante à da mãe sobre a calda para pulgões.
Acho que é bom. É natural. Os bichinhos já estão acostumados com
o veneno. É veneno para tudo que é lado. Não faz mais efeito
quase. [A calda] só demora mais para agir, mas é bom. (Ezequiel
Klützke
100
)
O uso de medicamentos naturais também é freqüente nos animais. Quando
os bovinos apresentam dor de barriga e diarréia, a receita de Verônica é chá de
folha de hortelã, goiaba, pitanga e/ou pêssego.
100
KLÜTZKE, Ezequiel. Estudante e filho de agricultor. Entrevista concedida em novembro de 2005.
206
Era para ir comprar uma injeção, mas a gente fez chá e ajudou.
Para que estar gastando? Claro que se não ia melhorar era obrigado
a procurar outros recursos, senão ia perder o gado. Mas melhorou.
(Verônica Klützke)
No programa 2, assistido na casa da Família Demschinski, uma das matérias
foi sobre uma árvore medicinal, chamada Nin, utilizada para a produção de uma
calda natural que combate 120 tipos de insetos. As opiniões da família sobre a
eficiência e a possibilidade de utilização da planta foram variadas. Sélio Demschinski
comentou o seguinte:
Até que é importante, só que para nós não adianta, não tem aqui na
região [....] Se fosse realmente funcionar a própria secretaria da
Agricultura deveria se interessar e expandir isso ai, levar ao
conhecimento da população. (Sélio Demschinski)
Reni Demschinski disse que desconhece a planta, “mas se tivesse aqui a
gente poderia aproveitar”. Ao contrário de Sélio, ela acredita que, como mostraram
na televisão, a árvore deve ser eficiente no combate aos insetos. Valmir Taborda
pensa que “para a natureza é bom, porque é remédio medicinal”. Sirlei Taborda
também mostrou interesse em conseguir uma muda da planta, em obter mais
informações sobre ela ou ainda em saber se existe alguma outra planta com as
mesmas propriedades na região. Deve recorrer à extensionista da Emater/RS-Ascar
para saber mais. “Para a natureza, acho que é bom né, a gente devia de fazer”,
destaca Sirlei Taborda.
A partir das opiniões, percebe-se que todos na família acharam a planta
interessante e importante, porém enquanto alguns mostraram motivação para obter
mais informações sobre ela e talvez até conseguir uma muda ou semente, outros
não demonstraram grandes interesses, justificando que ela não existe na região.
207
Isso demonstra a motivação e a vontade de conquistar novas alternativas dos
integrantes mais jovens, em contrapartida da acomodação, falta de estímulos e/ou
receio a novas experiências dos mais velhos, o que pode ser justificado pelas
inúmeras experiências negativas que vivenciaram ao longo da vida.
Os agricultores têm consciência dos malefícios dos agrotóxicos para a sua
saúde, para os consumidores dos seus produtos e para o equilíbrio ambiental.
Também sabem, pela experiência no cotidiano, que os efeitos desses produtos não
se restringem somente aos locais onde são aplicados.
O veneno brabo mata tudo as plantas, como as uvas. Este 2,4-D
como dizem, veneno forte, vem pelo ar, prejudica as plantas, frutas,
até as flores e a horta. Tudo fica feio por causa do veneno.(Verônica
Klützke)
Passa para matar uma coisa e acaba matando outra que não era
para ser. Assim também para uma planta não faz nada, mas para
outra quase mata. Principalmente as parreiras, uvas. Mas aquele
2,4-D que agora é proibido, que faz bastante estrago no parreiral.
[...]Tu vê assim esses pés de cinamomo, quase não existe mais
neste lugar, onde passa veneno, principalmente quando passavam
aquele 2,4-D bastante, terminou. E as mudas também, e plantas
ficam enrrugadas, nem que passa longe, isso vem. Na horta
também fica tudo mais feio, se passa perto. (Maria Klützke
)
As abelhas também têm sido vitimas da aplicação de venenos na soja. No dia
da audiência ao Programa na família Klützke, uma matéria que abordava
superficialmente o método de criação de abelhas, suscitou o comentário de que
muitos enxames de abelha estão morrendo na região, neste ano, devido à aplicação
de um veneno para formiga, junto ao herbicida da soja.
Esses aspectos reforçam a opinião de Valmir Taborda de que toda a natureza
sofre com a aplicação de produtos e venenos fortes. Mas, para ele, são os
mananciais de água os mais prejudicados.
208
Silmara e Simone Klützke também destacam os prejuízos que os produtos
químicos podem causar ao meio ambiente.
Tá matando a própria vida. Elimina uns tipos de bichos e insetos
aparecem outros.(Simone Klützke
101
)
O uso de adubos químicos no solo é também questionado por Sélio
Demschinski
Hoje só se fala em veneno para o meio ambiente. Mas será que o
próprio adubo não prejudica o meio ambiente? (Sélio Demschinski)
Ele lembra que antigamente não existia tanta contaminação, e que as terras
possuíam todos os nutrientes necessários.
Depois começou a usar os químicos e eles não param. Quando tem
uma chuvarada vão para os rios. (Sélio Demschinski)
Lamenta o fato de que a cada ano insetos e doenças tornam-se mais
resistentes aos produtos químicos usados, o que faz com que cada vez seja
necessário utilizar produtos mais tóxicos e mais fortes para combatê-los.
Isso aí vai continuar, não adianta esperar mudar. Se continuar a
agricultura do jeito que está, cada ano que passa nós vamos ter que
usar mais veneno e mais fortes. E se a evolução continuar assim
não tem como. Desenvolvimento e progresso têm suas
conseqüências. [...] Mas, mesmo que a gente não usar, os vizinhos
usam e o veneno se espalha. (Sélio Demschinski)
Quanto aos herbicidas, chamados por eles de secante, usados principalmente
na soja, as opiniões divergem. Celso Müller acredita que a ação dos herbicidas não
101
KLÜTZKE, Simone. Agricultora. Entrevista concedida em novembro de 2005.
209
se restringe às lavouras, mas influencia também nas águas e nas coberturas
florestais. “Seca tudo”, diz ele. O agricultor acredita até que a aplicação do herbicida
“round-up” for realizada sem o uso de máscaras e dos equipamentos adequados, “a
pessoa vai secando também”. O secante pode também causar doenças graves
como câncer, acredita Celso Müller. Já Verônica Klützke, comparando aos
agrotóxicos fortes, como o 2,4-D, citado anteriormente, acredita que os herbicidas
atualmente são menos nocivos para o meio ambiente Para ela, o herbicida age
somente secando os inços da lavoura.
É importante destacar, porém, que apesar dos efeitos nocivos dos herbicidas,
eles facilitam muito o trabalho dos agricultores, excluindo a necessidade de capina
manual e, dependendo do grau de infestação de inços na lavoura, o seu uso torna-
se imprescindível, na situação da agricultura moderna.
Nos agricultores, que trabalham diretamente com os produtos, existe o perigo
das intoxicações - principalmente se estes forem aplicados sem os equipamentos
adequados - e do desenvolvimento de doenças em longo prazo.
Prejuízo? Isto sempre tem. A pessoa também, nem se seja um
veneno mais fraco ou mais forte a pessoa vai se contaminando até
chegar uma certa quantidade de veneno no corpo e começa a fazer
mal. Não é que vai fazer logo mal. (Célio Klützke)
Sélio Demschinski acredita que o uso de produtos químicos influencia
negativamente na sociedade, inclusive na sexualidade, no desenvolvimento dos
hormônios e desejos sexuais das pessoas. A percepção de Sélio está correta
porque estudos iniciados na década de 90 comprovam que certas substâncias
presentes nos agrotóxicos imitam o hormônio feminino, estrogênio. Tais hormônios
artificiais provocam desordens no sistema endócrino dos animais, inclusive dos
210
humanos. Entre diversos problemas detectados pelos cientistas, um deles é a falta
de libido.
Sélio também destacou que muitas intoxicações por venenos só acontecem
por falta de cuidados na hora da aplicação.
Silmara Klützke tem uma percepção distinta dos demais agricultores, pois
acredita que para as pessoas, os agrotóxicos não causam danos.
Senão eles não iam fazer, porque senão como uma pessoa vai lidar
com aquilo. Se faz mal para a saúde como a pessoa vai passar na
vaca? (
Silmara Klützke
102
)
Acredita-se que esta percepção de Silmara seja devido à falta de
conhecimento e contato com os produtos.
Reni Demschinski, em uma primeira conversa, destaca que os agrotóxicos
têm efeitos somente sobre as áreas onde são aplicados, não repercutindo em outras
regiões, nem causando danos ao meio ambiente. Em conversa posterior, porém,
admite que é necessário dar banho nas vacas após a aplicação dos produtos, que
os homens precisam usar máscaras e roupas adequadas, e que o clima precisa ser
favorável no momento da aplicação. Essas controvérsias na fala de Reni nos fazem
pensar que, num primeiro momento, frente à pesquisadora, ela não quis demonstrar
que as aplicações de agrotóxicos realizadas na propriedade possam prejudicar a
saúde das pessoas e o meio ambiente, porém, na seqüência da conversa, acabou
revelando algumas de suas preocupações quanto aos perigos e danos que esses
produtos podem causar.
Para amenizar os efeitos nocivos em áreas distantes, Ezequiel Klützke
destaca que os inseticidas e herbicidas não devem ser aplicados em dias de vento.
102
KLÜTZKE, Silmara. Estudante e filha de agricultores. Entrevista concedida em novembro de 2005.
211
Valmir Taborda confirma dizendo que o “segredo para evitar danos” está em saber
aplicar os produtos.
Precisa ser aplicado em dia sem vento. As pessoas que aplicam
necessitam usar máscaras e roupas adequadas para estarem
protegidas.(Valmir Taborda)
Nos animais bovinos, o uso de remédios químicos contra vermes, carrapatos
e outras doenças exige cuidados no momento do consumo e comercialização do
leite e da carne. Sirlei Taborda lembra que quando são aplicados remédios nas
vacas é necessário respeitar um período de carência para comercializar o leite.
Daí tem que usar o leite em casa. A gente dá para os cachorros.
(Sirlei Taborda)
Senão respeitarem os prazos e comercializarem os produtos com resíduos de
remédios, os agricultores são multados pela indústria. Na casa dos Klützke, para
evitar prejuízos financeiros, os remédios são aplicados na época em que as vacas
estão amamentando os terneiros. O leite e a carne também não podem, durante o
prazo de carência, serem consumidos pelos agricultores, pois como Maria Klützke
evidencia, o consumidor pode torna-se resistente a antibióticos.
Se um dia ficar doente e precisar usar antibiótico, este não faz mais
efeito, porque o da criação é muito mais forte. (Maria Klützke)
Os prazos de carência de cada produto são informados pelo transportador de
leite e variam de acordo com o produto, de 48 horas a 45 dias.
212
9.1.3.1 Comerciais de produtos químicos
Durante os intervalos comerciais dos três programas foram apresentados
anúncios publicitários de variados produtos químicos para o controle de parasitas e
doenças nos animais, de insetos, fungos e inços nas lavouras. Mesmo os comerciais
publicitários não sendo objeto de analise desta pesquisa, considero importante fazer
uma referencia a estes, pois repercutem no contexto da recepção.
Os anúncios publicitários e os produtos apresentados produziram sentidos
diferentes nos agricultores, tanto com relação à credibilidade da televisão, como a
eficiência dos produtos e seus danos ambientais. De maneira geral, foram os
produtos veterinários, destinados ao controle de parasitas e doenças nos animais,
que mais chamaram a atenção dos agricultores.
Mesmo que tentem resistir ao uso desses produtos, devido principalmente ao
alto custo, em alguns casos sua utilização é inevitável.
Quase não tem como não investir, porque um terneiro que cria
verme, para de se alimentar, tem que fazer controle. (Célio Klützke)
Quando uma vaca está doente e para prevenir carrapatos estes
remédios são importantes. (Sirlei Taborda)
Célio Klützke, a partir dos comerciais apresentados, comemora que
atualmente estejam sendo criados produtos com menor tempo de carência para
controlar bernes e carrapatos nos animais. Acredita que esses novos produtos não
sejam “tão fortes”, quanto os antigos, que tinham efeitos durante longo prazo (até 60
dias) e chegavam a exigir carência de até 21 dias. Os novos produtos exigem um
período de carência na média de 48 horas, alguns deles nem exigem. Frente a isso,
os agricultores destacam que até pouco tempo atrás eles usavam esses produtos
sem saber que precisam tomar esses cuidados. “as pessoas usavam e não sabiam
213
da carência” (Célio Klützke). Esse aspecto preocupa os agricultores, pois durante
muitos anos eles utilizaram os produtos sem saber dos prejuízos que poderiam
causar.
Além de não terem, em muitos casos, alternativa ao uso dos produtos, os
agricultores destacam que ao assistirem televisão é impossível não olharem os
comerciais.
Queira ou não queira, tem que ver as propagandas. Os caras
querem vender o peixe deles. Querem vender. (Sélio Demschinski)
Quanto à eficácia dos produtos as opiniões variam de acordo com o tipo de
produto e a percepção de cada agricultor. Sélio diz: “Muitas vezes é bom, mas
outras vezes não faz o efeito que aparece na propaganda”. Valmir Taborda também
afirma que “uns são bons e eficientes e outros, não”. Para Maria Klützke, em alguns
produtos vale a pena investir, pois produzem bons resultados. Silmara e Simone
demonstram não ter muito conhecimento sobre a eficácia dos produtos químicos.
“Pode ser que vai dar certo para uns e para outros não” (Silmara Klützke). Já, Reni
Demchinski acredita que os produtos agropecuários anunciados na televisão são
eficientes e valem o investimento.
Essas afirmações dos agricultores demonstram que nem todos os produtos
apresentados na televisão atendem satisfatoriamente aos propósitos de eficácia
anunciados. Os agricultores não sabem com exatidão diagnosticar todos os efeitos,
ora dizendo que não são nocivos, ora destacando a necessidade de usar
equipamentos para aplicação, ora ressaltando a importância do uso para a obtenção
de uma produtividade satisfatória e ora dizendo que não são eficazes como promete
o comercial.
214
Uma ressalva realizada por Sélio Demschinski é que muitas vezes, quando os
produtos não produzem os resultados esperados, são os agricultores os
responsabilizados.
Muitas vezes senão faz o efeito, daí vem a desculpa que não foi
bem aplicado, coisa assim. (Sélio Demschinski)
Porém, o apelo publicitário de que esses produtos são saudáveis e auxiliam o
meio ambiente não convence os agricultores.
Podem ajudar a combater, mas saudáveis acho que não são. Tudo
que é veneno é prejudicial. (Maria Klützke
)
Os agricultores sabem, de uma forma geral, diferenciar o que é informação
jornalística e o que é publicidade, quando essa se apresenta em forma de anúncio,
junto ao bloco comercial. Em algumas ocasiões, porém, a publicidade está
sutilmente inserida nas informações jornalísticas, passando despercebida, mas
gerando influencias. Mesmo conscientes do interesse de venda dos anúncios
publicitários, os agricultores não estão totalmente imunes ao seu poder de
persuasão, absorvendo parte das informações apresentadas. Porém, antes de
adquirir qualquer produto apresentado nos comerciais, eles buscam outras fontes de
referencias e informações sobre a eficácia dos mesmos.
9.1.4 Agricultura ecológica e sementes transgênicas no cotidiano de trabalho dos
agricultores
Nenhum dos programas assistidos abordou a temática da agricultura
ecológica. Mesmo assim, questionei os agricultores sobre a viabilidade desse modo
215
de produção. A partir das respostas, conclui que a maioria dos agricultores gostaria
de produzir sem utilizar tantos venenos e produtos químicos, mas acham que isso
atualmente é muito difícil.
Quase impossível produzir sem veneno. As sementes crioulas estão
extintas. (Sélio Demschinski)
Eu não acredito [que é possível produzir ecologicamente]. Pode ser,
mas eu não acredito. Claro, nas hortas a gente [não usa veneno,
opta por alternativas como fumo, adubo], mas assim é difícil.(Reni
Demschinski)
Já Valmir Taborda, que reside na mesma casa do casal Demschinski, seus
sogros, tem uma opinião diferente. Ele pensa que é possível produzir
ecologicamente e cita o exemplo de alguns agricultores associados da Cooperativa
Tritícola de Três de Maio (Cotrimaio) que produzem soja orgânica, ou seja, sem o
uso de produtos químicos, e recebem um valor mais elevado pelos produtos.
É mais saudável. Tem diferença de preço. Planta sem veneno
ganha mais[...] Só que dá mais serviço, só enxada, plantam sem
adubo, só com esterco orgânico. É para pouca área, daí não dá para
plantar muito, tem que ser pouco. (Valmir Taborda)
Ele não deixa claro se seria possível realizar esse tipo de agricultura na
propriedade em que mora, porém, evidencia a dificuldade pelo aumento da mão-de-
obra braçal. Sirlei diz categoricamente que a implantação de uma agricultura
ecológica seria possível na propriedade, mostrando preocupação quanto ao futuro:
“porque senão vai acabar se usando cada vez mais veneno” (Sirlei Taborda).
Maria Klützke é realista ao dizer que mesmo que alguns aspectos da
produção sejam naturais, o uso de alguns produtos é inevitável.
216
Eu não vou dizer totalmente natural, mas sem adubo químico, pode
pegar assim como esterco de galinha para fazer adubação. Mas
para controlar outra coisa, como esses bichinhos que vem nas
verduras têm que passar alguma coisa, isso não fica assim. (Maria
Klützke)
Célio Klützke concorda com a esposa ao dizer que alguns produtos precisam
ser utilizados, “para que a natureza dê conta de produzir”. Pensa também que
projetos de agricultura ecológica somente tornam-se viáveis com a maior valorização
dos produtos na comercialização.
Se eu vou plantar com adubo vou tirar 60 sacos por hectare. Se eu
vou plantar assim vou tirar 20. Tem que valer bem o produto para
recompensar. Hoje em dia não é fácil. As pessoas não querem
comer o veneno, mas pagar por um produto, bem mais, as vezes
não tem condições. (Célio Klützke)
Silmara e Simone não sabem afirmar com certeza se projetos de agricultura
ecológica dariam certo.
Sei lá se é possível. Se antes era, se antes tinha, agora também
pode. Pode demorar um pouco, mas ia ser muito melhor. Mesmo pra
gente, que passa se intoxicando do veneno. (Simone Klützke)
O plantio de sementes transgênicas também não integrou a pauta de matérias
dos programas assistidos, mas devido à proximidade desse tema do dia-a-dia dos
agricultores e da questão ambiental, resolvi questioná-los sobre o assunto.
Percebeu-se que para os agricultores as sementes e plantas transgênicas são uma
alternativa interessante, principalmente porque a maioria das lavouras da região
estão infestadas por grande quantidade de inços, já resistentes a muitos tipos de
agrotóxicos, o que exige dos agricultores altos investimentos em herbicidas e/ou o
exaustivo trabalho na capina manual.
217
Ezequiel Klützke transmite isso ao dizer que neste ano a família não vai
cultivar soja, mas, no próximo, provavelmente a opção será pelas sementes
transgênicas.
As roças estão inçadas. Vamos plantar transgênico para matar o
inço senão judia muito as plantas. E carpi agora não dá, sol muito
quente. (Ezequiel Klützke)
Por um lado é bom o transgênico. Nós estamos aqui sentados,
senão ia estar carpindo. Por outro está destruindo. (Celso Müller)
Não precisa mais arrancar os inços a muque. É só passar veneno
que inço não vem. (Sirlei Taborda)
Os transgênicos representam uma evolução, são uma mão na
roda.(Sélio Demschinski)
Valmir Taborda destaca que como a cada ano há mais inços nas lavouras é
necessário contratar mais pessoas para carpir. Com o transgênico, esse serviço não
é necessário. Ele acredita que com o uso das sementes transgênicas diminui a
quantidade de agrotóxicos utilizados.
Com o uso dos transgênicos diminuíram as aplicações de veneno.
Agora aplica só uma variedade. Antes passava veneno pior que
round-up. (Valmir Taborda)
Neste sentido os transgênicos vêm em benefício do meio ambiente,
por diminuir a quantidade de veneno aplicado. No (plantio)
convencional era enterrado o veneno na terra e não controlava,
cada ano tinha que estar investindo mais. Com o transgênico, se
controlar bem em um ano ou dois você limpa a lavoura, daí não
precisa mais, ou se usar usa menos. (Célio Klützke)
Apesar de olhar a técnica com bons olhos, os agricultores não sabem precisar
efeitos e prejuízos a longo prazo. Entretanto é possível perceber que eles
absorveram o discurso da multinacional Monsanto, produtora da soja transgênica
218
Rondup ready, que deve ser plantada juntamente com a aplicação do herbicida que
tem o mesmo nome.
Agora é só veneno e transgênico. (Verônica Klützke)
Aí eu acho que é questão de esperar. Isso com o tempo. Tem que
andar, se nós ficar parado vamos perder para os outros países.
(Sélio Demschinski)
As percepções sobre o uso das sementes transgênicas deixam evidente que,
em curto prazo, estas representam para os agricultores redução da jornada de
trabalho e dos custos financeiros. Porém, estes, por desinformação, e também por
falta de pesquisas sobre o assunto, não conhecem os efeitos dessas sementes na
natureza a longo prazo. Quanto ao uso de agrotóxicos nas lavouras de transgênicos,
eles têm a falsa impressão e/ou informação de que a quantidade de produto utilizada
é menor e que as aplicações irão combater os inços definitivamente, reduzindo ainda
mais as aplicações nos próximos plantios. Essas opiniões fortalecem a falta de
esclarecimento sobre o assunto e/ou as influências das informações transmitidas
pelas empresas produtoras e comercializadoras das sementes.
9.1.5 As condições climáticas e períodos de estiagem na vida dos agricultores
As condições climáticas são determinantes na vida do agricultor, sendo que
períodos de chuva em excesso, de seca, calor ou frio influenciam diretamente na
produtividade da lavoura e da criação. Destaca-se que os períodos de estiagem,
seca ou escassez de chuvas, são a principal dificuldade climática enfrentada pelos
agricultores da região nos últimos anos, tornando-se parte do seu cotidiano e rotina.
Neste espaço, serão abordados os sentidos sobre a seca que entendo serem
219
mediados pelo cotidiano, sendo os demais sentidos serão destacados no capítulo
seguinte, da mediação da posição social.
No ano de 2005, a região Noroeste do Rio Grande do Sul sofreu umas das
mais graves estiagens dos últimos anos, causando grandes perdas nas lavouras,
diminuição da produção leiteira, falta de água para os animais e para o consumo e
escassez até de produtos de subsistência. A seca para os agricultores representa,
então, período de crise e falta de recursos financeiros, como também de
desequilíbrio ambiental.
Quando tava seca, tu olhava para os matos, se colocava fogo ia
queimar mesmo. Com a seca é fácil de queimar essas coisas.
(Verônica Klützke).
A seca judiou das plantas, daí não teve alimento para as pombas,
então elas atacaram as plantações. Na seca as árvores quase
secaram, pegava fogo fácil. (Ezequiel Klützke)
Assim, diante de matérias que apresentam períodos de seca em diferentes
Estados do Brasil, o principal sentimento mantido pelos agricultores é de tristeza, de
desalento e decepção diante da perda dos produtos e dos animais e da falta de
água.
Porque não tem água, né. Sem pasto. Está perecendo o gado.
Fome dói. Sede também dói. Decerto não tem jeito, porque a gente
caminha, caminha, tá com sede e é difícil de encontrar água... Falta
água, falta tudo, né? Sem água não se faz nada, né? Não se vive.
(Reni Demschinski)
A filha de Reni, Sirlei, tem o mesmo sentimento, ao assistir matérias sobre a
seca no Piauí, comenta: “Dá dó de ver assim o gado”. A matéria do Globo Rural
torna-se objeto de comparação da realidade em uma conversa de Sirlei com a avó,
220
que mora na casa ao lado. Lembra Sirlei que a avó comentou: “Nós ainda temos que
agradecer a Deus que tem água”.
Para os agricultores, os períodos de estiagem que atingem o Rio Grande do
Sul não são tão severos como em outros estados. Mesmo assim, muitas vezes
esses períodos representam perda de toda a produção que garantiria a
sobrevivência da família naquele ano e que permitiram aos agricultores pagarem os
investimentos realizados na lavoura.
As mudanças climáticas, enfrentadas pelos agricultores em seu cotidiano,
interferem muito nos sentidos produzidos com relação às expectativas para as
próximas safras. Dessa forma, diante das matérias apresentadas nos dois primeiros
programas com as perspectivas de uma safra recorde no próximo ano, os
agricultores são críticos e demonstram certa desconfiança, sendo que não têm
convicção de que as condições de chuva e temperatura serão satisfatórias para o
desenvolvimento das lavouras.
Se dá uma seca novamente daí o soja não vai dar. Se o tempo
colaborar, tudo depende do tempo. (Verônica Klützke
)
Pensam que é muito cedo para fazer previsões.
A recém é época de plantio, não sabem nem o quanto vai ser
plantado e já estão prevendo milhões de toneladas. Eu não
concordo. Todos os anos falam em super safra e depois frustram..
(Sélio Demschinski)
Todos esperam que as condições climáticas permitam uma boa safra, porém
enquanto alguns fazem previsões otimistas, outros pensam que a frustração de safra
do ano anterior pode repetir-se. Os números positivos apresentados nos programas
Globo Rural até colocam em dúvida as perspectivas dos agricultores, mas não
221
modificam suas convicções. Sélio Demschinski, por exemplo, não acredita que o
clima estará favorável para uma ‘super safra’.
Todos esperam uma colheita boa, nós também. Agora senão chove,
não colhe. Tudo depende da chuva. Alguns prevêem uma ‘super
safra’, enquanto outros dizem que vai dar uma seca muito forte
neste ano novamente. (Reni Demschinski)
Ela, Reni, mostra-se confusa, sem saber o que pensar. Sirlei e Valmir também
não sabem se as previsões de ‘super safra’ vão se confirmar.
Não sei, se o tempo ajudar. Ano passado também falavam, falavam e
deu seca. Não dá para dizer que vai dar e não dá. Então, vamos ver,
né. Só Deus sabe. Se vai colher, é uma loteria. (Sirlei Taborda)
Tudo depende do clima. Plantado foi, depende agora do tempo.
Tomara que melhore, senão não vai ser fácil. Senão der uma safra
boa, e o preço ainda não ajudar, pior ainda.(Valmir Taborda)
Os agricultores, apesar de terem expectativas de uma safra positiva, mostram
certa preocupação e colocam o futuro nas “mãos de Deus”. Valmir Taborda, por
exemplo, no dia da realização de uma das entrevistas destacou que já estava
faltando chuva para a soja. As sementes haviam sido plantadas há poucos dias e
estavam necessitando de água para germinar. Para a sorte de Valmir e de todos os
outros agricultores, as chuvas aconteceram ainda durante o período de entrevistas e
foram satisfatórias durante toda safra, garantindo uma boa colheita.
9.1.6 A consciência ambiental dos agricultores e as dificuldades de
preservação no cotidiano
Diversas temáticas apresentadas no Programa Globo Rural despertaram nos
agricultores sentidos de preservação ambiental. Um dos assuntos abordados no
222
programa 1 foi a piracema, tema que faz parte da rotina e da consciência dos
agricultores, pois sabem que, se pescarem em época de piracema, estarão
impedindo os peixes de se reproduzirem e crescerem e, conseqüentemente,
extinguindo-os dos rios.
Nesses riozinhos que vai pescar aí, pega um peixe e está cheio de
ovo. Se tirar esses como vai reproduzir? (Verônica Klützke)
Senão deixar os peixes se reproduzirem não vai ter peixes, se
deixar eles se reproduzirem na próxima vez vai ter mais peixes, o
dobro. (Ezequiel Klützke
)
Os agricultores aproveitaram o assunto para contar e relembrar as pescarias
que realizam.
Outro aspecto que os agricultores destacam conscientemente é a
necessidade da realização da rotação de culturas nas lavouras. Ao ver no programa
1 uma área dedicada somente ao cultivo de flores, logo ressaltam que é necessário
alterar as plantas na lavoura para que haja maior produtividade.
[A plantação só de flores] É negativo né, porque tira todos os
nutrientes do solo, chupa todos os mesmos nutrientes. Vem outra
planta já diversifica. Planta vassoura daí cria aquela palha. Isso aduba,
daí quando planta soja dá melhor (Ezequiel Klützke)
Se tu vai plantar sempre a mesma variedade, ela não dá direito. Se tu
muda a planta de um lugar para o outro ela vem mais viçosa. Nós
plantamos num ano vassoura e no outro soja ou milho. Mudamos
sempre. A planta vem melhor. (Verônica Klützke).
A matéria sobre o cultivo de flores, no programa 1, mesmo sem destacar
aspectos como desmatamento e uso das águas, produziu em Ezequiel Klützke
percepções interessantes sobre o meio ambiente.
223
Tiram bastante água do rio. Às vezes o rio passa no meio do mato e
eles tem que abrir, desmatar para buscar água. Desmata para
plantar flor. Com o desmatamento e a erosão o rio vai alargando
mais e ficando mais baixo. (Ezequiel Klützke)
O assoreamento dos rios e a poluição das águas, problemas também
presentes no cotidiano dos agricultores, foram apresentados nos Programas 2 e 3.
Os sentidos produzidos a partir das matérias alicerçam-se em fatos locais e
experiências vividas, produzindo formas diferentes de pensar entre os agricultores.
Simone e Silmara Klützke demonstram surpresa diante da degradação do Rio
São Francisco, apresentada pela televisão.
Um rio tão grande, enorme mesmo, tá diminuindo, enchendo de
areia, sumindo tudo, como o caso das árvores desaparecendo,
sumindo na areia. Muitas nascentes do rio estão secando. Um
pouco é por causa do desmatamento, eu acho. Com o tempo um rio
daquele tamanho pode ainda desaparecer. (Simone Klützke)
Para Reni Demscnhisnki, o assoreamento é um fenômeno natural. “A própria
chuva, água, leva as terras para os rios”. Em contrapartida, à opinião de Reni, para a
maioria dos agricultores, a erosão e o assoreamento no Rio São Francisco são
problemas relacionados ao desmatamento nas encostas do rio. Esse é o sentido que
o programa evidencia.
. Sem árvores na beira dos rios não tem como segurar a terra. (Valmir
Taborda)
Pelo que pode ver, foi por causa do desmatamento que o rio ficou
assim. Por não cuidar, que o rio foi secando. (Maria Klützke)
Se tivesse mais árvores ia ter mais sombra no solo e ia ser melhor.
(Silmara Klutzke)
Quando tinha mato, a água absorvia. (Simone Klützke)
A manutenção da mata ciliar, segundo os agricultores, evita que fenômenos
de assoreamento aconteçam em rios da comunidade.
224
Porque sempre nas beiras dos rios está cheio de mato. Lá (na
região do São Francisco) eles derrubam até na barranca do rio.
(Valmir Taborda)
Aqui este riozinho, senão tivesse muitas vezes as árvores, ia toda a
terra para dentro dele, assim como tem mato, fica tudo na beirada.
Não entra no rio. (Maria Klützke)
Célio Klützke justifica o assoreamento no rio São Francisco dizendo:
Um dos motivos [do assoreamento] é que lá é só areia, daí favorece
o deslocamento para dentro do rio. (Célio Klützke)
Porém, ele sabe, por experiência, que o solo, quando exposto, sem
vegetação, está sujeito à erosão e à perda de produtividade. Dessa forma é a
erosão causada pela pratica do plantio convencional e o tipo de solo da região os
principais responsáveis pelo assoreamento.
Agora com o plantio direto conseguimos segurar a terra. Corre água
branca no rio. Quanto que antigamente que lavava a terra, as
chuvas levavam terra e tudo. (Célio Klützke)
O plantio direto é então também uma forma de evitar a erosão e manter os
rios limpos e conservados. Essa prática há alguns anos tornou-se obrigatória entre
os agricultores da região.
O problema é a chuva. Se no momento que chove não tiver uma
palha em cima para amortecer a terra vai embora. (Sélio
Demschinski)
Antigamente todas as curvas eram colocadas nas estradas e como
era convencional terminava nos rios e estradas. Quando vinha uma
chuva a terra e o veneno ia tudo para os rios. Daí não existia mais
peixes. Com o plantio direto o veneno não vai direto para os rios. O
veneno fica em cima das plantas e daí eu acho que está
melhorando. (Célio Klützke)
225
Porém, não é em todas as áreas de encostas de rios que a mata ciliar é
preservada, e o plantio direto é uma prática recente que veio amenizar o problema
da erosão, mas não soluciona-lo por completo, por isso o assoreamento e a redução
da quantidade de água nos rios são ainda problemas vivenciados na localidade.
O sol vai ficando mais seco, a água vai secando cada vez mais. No
ano passado e retrasado o rio [que passa na propriedade] estava
bem cheio, agora, este ano, ele ficou bem pequeno de água.
(Silmara Klützke)
Era bem maior, também já tá, coitadinho, sumindo.(Simone Klützke)
Por exemplo, uma sanguinha que tinha que encheu quase de terra,
terminou. Tinha uma cascatinha, agora está só um riozinho. (Sirlei
Taborda)
Nessa mesma matéria sobre o assoreamento do Rio São Francisco,
apareceram alguns afluentes e vertentes do rio que estão secando e
desaparecendo. Para Célio Klützke, porém, as vertentes não secam, mas mudam de
lugar.
Pelo que a gente conhece, vertente se a pessoa fecha em um lugar,
ela vai criar um outro canal e em algum lugar vai estourar. Lá
(referindo ao São Francisco) não sei se ela pode ter estourado em
outro lugar. (Célio Klützke)
Quanto aos rios, Célio acredita que seja difícil que eles sequem
definitivamente, sendo que mesmo que em período de estiagem eles tenham sua
quantidade de água reduzida, quando volta a chover, o rio retoma o seu fluxo
normal. Acredita que a redução da quantidade de água está diretamente relacionada
à falta de chuva. Esse sentido produzido pelo agricultor é diferente do apresentado
pela televisão, mostrando a influência do cotidiano e das crenças de cada pessoa.
226
Por outro lado, esse sentido pode ser uma forma do agricultor “mascarar” os
problemas ambientais, mostrando que eles não são tão graves quanto parecem.
Também relacionada à questão da preservação das águas, uma matéria
apresentada no Programa 2, sobre projetos de irrigação de lavouras nas encostas
do Rio São Francisco, despertou discussão sobre a viabilidade econômica e
ambiental.
Sélio Demschinski pensa que, quando projetos semelhantes a esses são
criados, é preciso anteriormente analisar a viabilidade econômica, diagnosticando se
vale à pena aos agricultores investirem. Além disso, é preciso analisar se existe
água suficiente para a implantação de um projeto de irrigação, e se este não irá
causar danos ambientais.
Se não tem água, não adianta ter projeto de irrigação. (Sélio
Demschinski)
Os agricultores mostram opiniões divergentes sobre a implantação de
projetos de irrigação e seus benefícios. Taborda pensa que quem planta com
irrigação sempre produz bem, porque está caindo água sempre em cima e que para
a natureza projetos de irrigação são positivos “pois a água está indo para a terra”.
Ele acredita que na região teria água suficiente para um projeto de irrigação e cita
uma área de 100 hectares irrigada no município vizinho de Três de Maio.
Já Sirlei Taborda recorda que há alguns anos, quando a Cargil, empresa
produtora de sementes, possuía um projeto de irrigação próximo à comunidade, o rio
Tigre, que passa pela propriedade, estava com sua quantidade de água
significativamente reduzida. Por isso ela não tem convicção se um projeto de
irrigação instalado aqui na região seria viável para o meio ambiente.
227
Enfocando a relação entre o econômico e o ambiental, o programa 3
apresentou uma matéria sobre a construção de usinas de álcool em uma área do
pantanal mato-grossense. O projeto prevê a criação de muitos empregos, mas
também poderá gerar graves danos ao meio ambiente. A família Klützke, que
comentou sobre esta matéria, é unânime em dizer que deveriam ser encontradas
alternativas que evitassem os danos ao meio ambiente.
Eles tinham que fazer um outro jeito para este resíduo não cair no
rio. Fazer sei lá, tipo um açude assim. É um projeto importante
porque gera empregos, e isso é o que mais precisa. No entanto que
cuidem do rio, preservem o rio. Um meio de preservar deve
ter.(Maria Klützke)
Eles destacam que é importante que as medidas de precaução sejam
tomadas com antecedência.
Tem que ser antes né, porque depois que está estragado, daí não
tem solução. (Maria Klützke
).
Assim, o projeto é positivo por um lado e, negativo por outro.
Se for pelo dinheiro sim, mas se vai mesmo destruir a natureza acho
que não né. Daí não vale. (Simone Klützke)
O projeto é bom porque vai gerar empregos para as pessoas, mas
por outro é ruim, porque vai sujar o rio. (Silmara Klützke)
Como mostram as citações acima, a partir das matérias apresentadas pelo
programa Globo Rural todos, os entrevistados têm consciência da importância de
preservar o meio ambiente e interesse em preservá-lo. Porém, muitas barreiras do
cotidiano, tanto no momento da produção, como também econômicas e legais
dificultam as ações benéficas ao meio ambiente. A seguir, demonstrarei alguns
228
desses conflitos entre os interesses econômicos, comerciais e ambientais
vivenciados pelas famílias de agricultores no seu cotidiano.
Para Sélio Demschinski, preservar é obrigação de cada um, mas para que
isso realmente possa acontecer ele acredita que seria necessário realizar
modificações nas leis. Pensa que tanto o agricultor, como também o Brasil, deveriam
ser indenizados para preservar as suas matas.
Só proibindo as queimadas de mato, ninguém vai se interessar em
reflorestar. É preciso remunerar as pessoas para reflorestar. (Sélio
Demschinski)
Célio Klützke tem uma percepção semelhante. Ele destaca que são as
exigências legais que muitas vezes impossibilitam os agricultores de destinar uma
área da propriedade para reflorestamento durante um período, isso porque as leis
proíbem que as árvores sejam cortadas no futuro.
Recorda de um amigo, proprietário de um terreno em um bairro da cidade,
que há alguns anos, plantou árvores para produção de madeira, com a intenção de
obter renda. Quando quis extrair a madeira e construir no terreno, foi impedido pelo
rigor das leis, que proíbem a derrubada das árvores.
Até hoje estão as árvores grandes lá, talvez nunca vai poder
derrubar os pinus. Uma coisa dessas assusta as pessoas. Se ele
tivesse construído, mas ele plantou. Agora está condenada aquela
terra para o resto da vida. [...]Hoje, tu vai plantar uma árvore e
depois não pode derrubar. Incentivo de plantar não tem mais. Se
fosse mais liberado o pessoal ia plantar mais. Mesmo para a lenha,
se a gente derrubar uma arvorezinha e alguém vê e o Ibama souber
pode ser preso. Até mesmo para cortar árvores seca é difícil, é
necessário obter licenças e gastar com burocracias. (Célio Klützke)
229
Dentro dos limites econômicos e sociais muitas ações são desenvolvidas
pelos agricultores na busca da melhoria e preservação do meio ambiente, mostrando
conscientização.
Valmir acredita que preservar a natureza é importante, pois:
São os muitos lixos jogados nos rios e a poluição é grande. Se
conservar aquilo que tem ai já está bom. Faz bem para a saúde da
gente. (Valmir Taborda)
Sobre preservação, Sirlei ouve falar desde o tempo que freqüentava a escola.
Acha importante preservar o meio ambiente.
Como um passarinho, se Deus deixou tem que deixar. (Sirlei
Taborda)
Ela contribui com a natureza, não matando os animais e não derrubando
árvores. Reni Demschinski e Maria Klützke falam em preservação pensando no
futuro, nas crianças.
É preciso cuidar da água, do sol, do ar, porque as pessoas precisam
destes elementos para sobreviver. (Reni Demschinski)
Cada um deveria preservar um pouco, senão as crianças que vem
agora não vão chegar a conhecer uma árvore. A gente está vendo
que tudo está ficando com veneno, por isso a gente diz que todo
cuidado é pouco. Com a água também a gente tem que cuidar,
porque senão vai ficar sem ela. (Maria Klützke)
Simone Klützke, que se sente parte do meio ambiente porque “tudo na nossa
sobrevivência é tirado da natureza”, mostrou a importância de preservar recordando
230
uma parte do programa 3, que apresentou um avô lamentando que o rio que
passava em frente a sua casa não existe mais, e que o seu neto não teve
oportunidade de conhecê-lo. Destacou também a questão das águas e dos efeitos
nocivos da destruição da camada de ozônio.
Água, água, o que tem é quase poluída. Que nem o rio, antigamente
não era. Falava em tomar água dos rios, em dar para as vacas.
Agora estas águas estão poluídas.(Simone Klützke)
Desde ir no sol, aumentaram as doenças de câncer. Na sombra
quem tem pele clara já fica [...]. (Simone Klützke)
Como importante atividade de preservação ambiental, Simone destacou a
devolução das embalagens de agrotóxicos nos locais de compra. Silmara, por sua
vez, sabe que, se não preservar, no futuro não terá água potável para o consumo da
população. O problema já é sentido, sendo que no verão cada vez falta mais água.
Porém, assume que não tem muito cuidado com a água
:
Quando lavo roupa deixo a torneira aberta, meu pai está sempre me
xingando. (Silmara Klützke)
Silmara acredita que o programa 3, que mostrou a degradação no Rio São Francisco
é uma forma de influenciar e estimular a preservação ambiental, “só por mostrar o
rio que está secando”.
A família Klützke, para evitar danos ao meio ambiente, realiza ações como:
não jogar lixos nos rios e em locais desapropriados e realizar o plantio direto,
evitando que a chuva cause erosão, transportando grandes quantidades de terra e
venenos para os rios. O plantio direto, como destaca Célio, apesar de ser positivo
por um lado para o meio ambiente, por outro, favorece a proliferação de pragas e
231
inços nas lavouras e, conseqüentemente, torna-se necessário aumentar a
quantidade de agrotóxicos aplicados. Ele também lamenta que mesmo que as
pessoas estejam conscientes da importância de preservar o meio ambiente e utilizar
menos agrotóxicos, não há como voltar a produzir como antigamente, sem o uso de
produtos químicos.
Celso Müller acredita que é importante reflorestar, pois onde há mais mato, a
natureza não enfraquece e se conserva melhor. Celso Muller demonstra
preocupação também com relação aos métodos modernos de produção e os danos
que podem causar ao meio ambiente.
No futuro destacam que vai ser pouca enxada e muito veneno. Esta
piazada não vai para a enxada. Vão terminar com a natureza. (Celso
Müller)
Verônica pensa que “se não for conservado, daqui a algum tempo não vai
haver mais”.
Um pouco a gente faz ainda. Não desmata, planta umas árvores,
nós ao redor da casa plantamos arvores bastante. (Verônica
Klützke)
Ela ressalta a importância de cuidar para que a água da chuva não “lave” as
terras, o que provoca erosão. Aproveitando o assunto contaram algumas
experiências negativas que tiveram na propriedade por causa da erosão, o que foi
determinante para o desenvolvimento do plantio direto.
Ezequiel destaca que se sente parte da natureza, “a gente vive da natureza,
né”. Por isso ele considera importante manter os matos, cuidar do ar e das águas.
Destaca estar envolvido em atividades de preservação na Escola.
232
Esses dias eu tava recolhendo lixo e recolhi um galão desse
[mostrou com os braços] tamanho de veneno. Já estava velho de
tanto tempo que tava dentro do rio. Daí tiramos fotos do lixo
recolhido e colocamos o galão bem na frente. (Ezequiel. Klützke)
Graciele concorda com a família, dizendo:
Se não cuidar fica tudo sujo, e depois não vai ter mais bicho,
borboleta, pássaros e plantas. (Graciele Klützke)
Dessa forma, o interesse em preservar integra o cotidiano das famílias, porém
as ações efetivas muitas vezes são dificultadas pelas exigências de produtividade,
pelo desequilíbrio ambiental e pela falta de incentivo e informação para a
preservação.
9.2 MEDIAÇÃO POSIÇÃO SOCIAL DE CLASSE
A mediação da posição social de classe, conforme Lopes (2000), não se
confunde com o extrato-econômico, mas define-se como princípio estrutural de
articulação da sociedade, como a posição que os entrevistados ocupam na
sociedade. É uma mediação que se expressa através de diferentes habitus e estilos
de vida, ou seja, em diferenças sociais. É a mediação que permite a diferenciação
dos grupos na sociedade.
A posição social de classe escolhida como extrato desta pesquisa é a dos
agricultores familiares. Um grupo caracterizado por especificidades na organização
da produção, nas relações familiares e circunstâncias históricas e sociais, como já
explicado em capítulo anterior. A especificidade fundamental é a organização da
produção com base no trabalho familiar, considerando a inserção da unidade de
233
agricultura familiar no mercado e os acessos às modalidades de capital cultural e
social. Assim, a mediação da posição social incluiu tanto as percepções e
apreciações resultantes da posição econômica ocupada pelo agricultor no atual
sistema capitalista, como a posição cultural e a posição deste agricultor frente aos
danos e à preservação ambiental.
Destaca-se que a mediação da posição e/ou condição social de classe é
vivenciada no espaço doméstico, ou seja, no espaço do cotidiano, integradas as
relações de trabalho e família, por isso em alguns aspectos torna-se difícil distingui-
la e/ou separá-la da mediação do cotidiano, apresentada anteriormente. Vou, porém,
nesta mediação tentar considerar principalmente as posições econômica, social e
cultural que o agricultor ocupa na sociedade, como também a sua integração nas
estruturas sociais rurais no instante em que produz sentidos sobre o meio ambiente.
9.2.1 A posição e o lugar social do agricultor familiar
Os agricultores integrantes desta pesquisa ocupam na sociedade a posição
de classe e/ou lugar social de agricultores familiares, caracterizados pelo
desenvolvimento de atividades agropecuárias em pequenas áreas de terra, com
produção em pequena escala e mão-de-obra familiar. Atualmente, também inseridos
no mercado competitivo da produção capitalista, pois, como destaca Wanderley
citado por Bonin (2004), o agricultor familiar transformou-se em um trabalhador para
o capital, embora ainda guarde certas especificidades que o diferenciam do
trabalhador assalariado. De acordo com Graziano da Silva, citado por Bonin (2004),
o processo de subordinação do trabalho do agricultor ao capital é parte do processo
de proletarização do agricultor. Essa posição, de agricultor familiar inserido no
234
sistema de produção capitalista, é reconhecida pelos entrevistados e determinadora
de muitos dos sentidos produzidos.
Em alguns momentos a posição de agricultor familiar é colocada pelos
entrevistados como negativa, ou seja, uma posição que enfrenta muitas dificuldades
e obstáculos. Para os entrevistados, ser agricultor em uma pequena área de terra
significa não ter condições e recursos financeiros para ampliar a produção,
mecanizar a atividade, mudar de ramo de produção, obter melhores preços para
seus produtos e ter acesso a mais qualidade de vida. É perceptível também que os
agricultores entrevistados, na maioria das vezes, colocam-se em uma posição de
inferioridade e incapacidade econômica, social e cultural, frente aos grandes
produtores, aos moradores da cidade e às pessoas com maior nível educacional.
Nos sentidos produzidos sobre o meio ambiente, mediados pela posição social, os
agricultores também transmitem em muitos momentos sentimentos de incapacidade
de agir frente aos danos ambientais que afetam a natureza atualmente e de revolta
as punições injustas, por ações que não comentam.
No Programa 1, uma matéria sobre a produção de flores para exportação
suscitou alguns desses aspectos. Questionados sobre a possibilidade de implantar
na região projeto semelhante ao apresentado na televisão, os agricultores
levantaram dificuldades como: alto custo para implantação de um sistema de cultivo
de flores, indisponibilidade de mão-de-obra, clima inadequado, escassez de água e
falta de uma estrutura de consumidores e mercado organizada para adquirir a
produção. A partir dessa matéria, os agricultores apresentaram também consciência
sobre a necessidade de o pequeno produtor investir na diversificação.
Quem tem bastante terra, tem áreas grandes só de soja, planta uma
coisa só, mas é bastante hectares. Quem tem pouca terra divide um
pouco, tem pouca coisa. (Verônica Klützke)
235
A família Demschinski, frente à matéria apresentada no Programa 2, sobre os
agricultores assentados pelo projeto Jaíba, nas imediações do Rio São Francisco,
diferencia as condições vivenciadas pelos pequenos produtores familiares das
possibilidades oferecidas aos grandes produtores. O Programa mostrou que tanto
pequenos quanto grandes produtores estão enfrentando dificuldades pelo abandono
do projeto Jaíba, porém na visão de Sélio Demschinski, somente os pequenos
produtores, estavam sem condições de produzir e abandonando suas propriedade.
As informações apresentadas pelo programa não alteraram as convicções e opiniões
de Sélio. Para ele, o grande produtor sempre é beneficiado.
No São Francisco há lotes grandes, médios e pequenos. Mas nos
lotes grandes não se viu que estes caras faliram, só nos pequenos.
Então é triste a realidade no nosso país é esta. Onde há condições,
onde pode produzir, com facilidade, está nas mãos dos grandes. O
verdadeiro necessitado não tem. (Sélio Demschinski)
Dentro dessa posição, ele acredita que no futuro o pequeno produtor irá
desaparecer.
Não tem condições de continuar. Com esta remuneração é inviável,
ele vai acabar indo para a cidade. (Sélio Demschinski)
Um dos sentidos marcantes apresentados pelos entrevistados, a partir das
matérias do Programa Globo Rural, é a percepção de que, por serem agricultores
em pequenas áreas de terra, os danos ao meio ambiente causados pelas suas
atividades são consideravelmente inferiores àqueles causados pelos detentores de
grandes extensões de terra e com produção em alta escala. Acredita-se que essa
236
seja uma forma de isentar-se da responsabilidade pelos problemas ambientais que
afetam a sociedade atualmente.
O negócio do desmatamento que se fala muito lá para cima, vai ver
é os grandes pecuaristas que derrubam todo o mato. Não
lentamente como aqui, como os pequenos, que tem dez hectares e
derrubam um neste ano, outro no outro, vai levar tempo para ir
desmatando. Eles desmatam em grande quantia, em uma pegada, e
aí sem pensar. Claro que é uma terra diferente da nossa, é areia,
quando vê acaba dando mais erosão, vira um deserto muito mais
rápido. (Selio Demschinski)
No cumprimento e execução das leis, segundo eles, também existe
diferenciação entre pequenos e grandes produtores.
A lei diz que ninguém pode derrubar. O pequeno não pode, mas o
grande pode. Os grandes burlam as leis, sempre estoura no mais
fraco. Comparo as leis a uma teia de aranha. Os pequenos
mosquitos ficam presos, mas os grandes besouros arrebentam a
teia e vão embora. (Sélio Demschinski)
Até que em cima dos grandes, que põe 2 a 3 esteiras eles vão e
multam. Só que eles muitas vezes nem pagam aquelas multas. Ou
pagam a multa e quando o fiscal vai embora eles continuam. Esse é
um pequeno, vai fazer o que? Se vai pagar uma multa não tem
dinheiro para pagar, vai fazer o que? Vai acabar indo preso por
causa de uma arvorezinha.(Célio Klützke)
Por realizarem uma atividade diretamente ligada ao meio ambiente, os
agricultores são muitas vezes considerados pela sociedade como os principais
causadores de danos ambientais. Esse julgamento é considerado injusto pelos
entrevistados, por três principais motivos. O primeiro deles é porque quando são
criados grandes projetos por parte do governo, muitas vezes, os danos ambientais
não são previstos, sendo considerados apenas os aspectos econômicos. O segundo
está relacionado às industrias, que não são responsabilizadas pelos prejuízos que
causam, e o terceiro é que a população urbana, apesar de ser geradora de grandes
237
quantidades de dejetos e promotora de muitos danos ambientais, é freqüentemente
isenta de culpas.
Muitas vezes é só os pequenos que falam em desmatamento. Para
fazer grandes projetos não se pede para ninguém e daí se deu
problema ninguém fala. (Sélio Demschinski)
Outra coisa que sou contra é que o agricultor sempre leva a culpa.
No nosso município foi proibido o veneno 2,4-D. Mas se eu quero
comprar eu compro e uso. O que deve ser proibido é a fabricação e
não o consumo. Porque sempre culpam o consumo, mas este não
tem estudo para saber. Deve começar lá na fábrica. (Sélio
Demschinski)
Se fala muito dos efeitos do veneno nas pessoas. Não dá para dizer
que hoje seja só o problema do veneno, hoje tem outras poluições,
dos carros, avião. Coisas que estão andando no ar que a gente nem
vê. (Sélio Demschinski)
Dentro dessa percepção, para Sélio Demschinski, um dos fatores
determinantes para o desequilíbrio ambiental é o crescimento populacional, que
aumenta as necessidades de alimentação, de espaço, de uso de bens naturais,
como também a produção de dejetos. Na mesma linha de pensamento, Célio
Klützke acredita que principal fonte de contaminação das águas é a população da
cidade, em especial pelos poços negros construídos nessas regiões.
Uma grande revolta dos agricultores é contra as leis que impedem a
derrubada de árvores e contra o fato de a sociedade somente enxergar as ações
negativas que desenvolvem, e não as positivas.
Se a gente planta todos os dias árvores e passar gente aqui,
ninguém fala, agora se derrubar todo mundo vê e denuncia e daí
vem multa. Hoje se é para plantar umas árvores, tu vai arrancar fora,
não deixar nascer. (Celso Müller)
238
As pessoas têm medo de plantar. Hoje se cortar uma árvore e
alguém te denunciar vai preso, se fosse mais liberado a coisa, não
tão severo, ia ter muito mais plantio. (Célio Klützke)
Considerando esse aspecto, Célio Klützke alega que muitas atitudes de
preservação e recuperação ambiental não podem ser tomadas pela família, por
causa do rigor das leis. Assim não há como destinar uma área para reflorestamento,
pois se no futuro necessitar deste espaço para a produção agropecuária ou
construção de alguma benfeitoria, dificilmente conseguirão autorização para utilizar.
Ele ressalta que aquelas pessoas, como seu sogro, que durante anos
conservaram áreas com cobertura florestal, pensando em um dia poder desmatar,
para dispor de uma roça nova, com terra fértil e capacidade de produção sem o uso
de produtos químicos, “hoje, infelizmente, não podem utilizar as terras que
conservaram”.
O agricultor acredita que as determinações das leis e instituições ambientais
estão atrapalhando o desenvolvimento.
Se eu vou querer fazer um açude, eu tenho que pedir autorização
para a Fepam. Daí eles vão dizer que eu não posso ou posso usar
só uma parte da água. Isso para o desenvolvimento é uma roubada.
(Sélio Demschinski)
Para o agricultor não há como conter o desenvolvimento - que
conseqüentemente leva a muitas ações de destruição ambiental - por isso as
expectativas para a preservação ambiental no futuro não são positivas. Acredita que
a situação de poluição, uso de produtos químicos, aumento da quantidade de lixos
deverá piorar cada vez mais.
Os danos ambientais são em alguns momentos justificados pelos agricultores,
como sendo fenômenos da própria natureza, ocasionados pelo tipo de solo, água
239
e/ou planta. Por exemplo, o assoreamento do Rio São Francisco, o agricultor Sélio
Demschinski justifica dizendo:
Lá a terra e muito arenosa, é totalmente diferente daqui, que lá tem
mais facilidade de erosão, por isso é necessário manter as matas
ciliares. (Sélio Demschinski)
Segundo os agricultores, as características e diferenças de tipo de solo,
produção, clima do norte e do sul do país, tornam-se determinantes para que na
região os processos de erosão e assoreamento não sejam tão graves quanto em
outras regiões.
Assim, a posição de auto-defesa dos agricultores mostrando que eles não são
os únicos responsáveis é um sentido também muito presente nas suas
manifestações.
Mas na teoria é uma coisa, na prática é outra. Os venenos estão aí
no mercado e o colono está aí para trabalhar e usar e não para
pesquisar se é bom ou não. (Sélio Demschinski)
As profecias divinas também são citadas para justificar a destruição
ambiental.
Essas coisas do meio ambiente, com toda esta evolução, nós não
vamos poder evitar, porque em primeiro lugar é uma coisa que está
previsto na sagrada escritura: nos últimos tempos a natureza ia ser
modificada. Nós estamos na era da evolução, porque se isso não
acontecesse a própria escritura estaria mentindo, falhando com a
verdade. Eu não acredito. (Sélio Demschinski)
Apesar de muitas justificativas para o desequilíbrio ambiental, alguns
destacam que na posição de produtores de vassouras têm condições de produzir
sem usar tantos agrotóxicos e produtos químicos.
240
Nós somos só vassoura. Evitamos usar veneno. Eu não coloco
quando não precisa. Mas o vizinho é só veneno. Usa muito veneno
na vassoura. Ele [o vizinho] usa veneno em cima de veneno. (Celso
Müller)
Essa percepção demonstra que em alguns casos é uma decisão de cada
produtor utilizar ou não os agrotóxicos, pois enquanto um agricultor produz com
menor quantidade de produtos, outros necessitam (vizinhos) maior quantidade. O
fato da intensidade de insetos, inços e pragas variar de uma propriedade para outra,
devido ao desequilíbrio ambiental diferenciado, deve ser fator influenciador na
quantidade de produtos utilizados.
9.2.1.1 Os períodos de estiagem relacionados à destruição do meio ambiente.
Os períodos de estiagem ou falta de chuvas, assunto apresentado em todos
os Programas Globo Rural, integram o cotidiano e despertam grande interesse dos
agricultores. Tornou-se difícil identificar com precisão se é a mediação do cotidiano
ou a da posição social que intermedia esses sentidos. Assim, optei por colocar neste
espaço os sentidos e falas que não estão diretamente relacionadas às dinâmicas do
cotidiano dos agricultores, mas que representam percepções dos agricultores de
fatos e acontecimentos.
Um dos aspectos intensamente destacados pelos agricultores é sobre os
fatores causadores dos períodos de seca. Alguns sentidos identificam-se com as
percepções apresentadas no programa, outros, porém, não concordam em plenitude
com o que o Programa diz.
Para Célio e Maria Klützke, não existe uma relação causal entre o
desmatamento realizado na região antigamente e os períodos de seca que hoje se
manifestam. Isso porque, quando os pais deles chegaram na região e a cobertura
241
florestal era expressiva, já existiam períodos de seca, que inclusive deixaram os
agricultores sem sementes de milho.
Sempre existiu seca, desde antigamente. (Maria Klützke)
Só que sei lá se é desmatamento que começa a seca. Acho que é a
natureza. Hora é seca em um lugar e depois chove de novo. Único
que pode prejudicar é as queimadas, as fumaças, os gases. Isso de
repente pode influenciar. Na seca ou no sol que esquenta demais.
(Célio Klützke)
Os integrantes da família Demschinski têm a mesma percepção.
[A seca] Falam que é por falta de mato, eu não concordo. Porque
essas coisas sempre existiram e vão continuar existindo, talvez não
com tanta freqüência, mas acho que o maior problema é a poluição,
os carros e aviões poluindo. Existe mais poluição química. (Sélio
Demschinski)
Esse sentido é reforçado por Sélio Demschinski diante de uma matéria que
mostrou, no programa 2, o assoreamento do Rio São Francisco e períodos de seca
em regiões como a Amazônia, que possuem ainda ampla cobertura vegetal.
A Amazônia é puro mato, como tem seca lá? Pelo menos dizem que
é o pulmão do mundo. Em locais com muito mato, também falta
água. (Sélio Demschinski)
Outra matéria apresentada no Programa 2 sobre os efeitos da seca no Estado
do Piauí despertou na família Demschinski muitos comentários. Sélio reforçou a
idéia de que no Piauí os períodos de secas sempre aconteceram, porém admitiu que
talvez atualmente estejam mais prolongados. Pensa também que as pessoas que
moram lá (no Piauí) já estão acostumadas com a seca e a falta de água, que as
plantas são mais resistentes, os poços mais profundos e com mais água.
Como mostram as citações, Sélio é enfático em defender, em diversas partes
das entrevistas, a posição de que a seca sempre existiu, e que o desmatamento não
tem influência sobre ela. Essa percepção influencia inclusive os demais moradores
242
da comunidade e da família, que também foram fontes desta pesquisa. Isso fica
evidente quando alguns entrevistados manifestam opinião igual e até com as
mesmas palavras de Sélio. Essas posições, acredito, são uma forma encontrada
pelos agricultores para isentarem-se das responsabilidades pelos períodos de seca
– tão temidos por eles atualmente-, pois foram seus antepassados, agricultores
também, que desmataram a região.
Esse sentido, porém, não é unânime e nem o único produzido. Verônica
Klützke, por exemplo, vê uma relação direta entre os intensos e freqüentes períodos
de estiagem e o desmatamento, como também com a proliferação de insetos. O filho
Ezequiel pensa da mesma maneira.
Muito desmatamento. Se fosse deixar assim mais matas nativas,
não seria tão seco. [...] Senão der o desmatamento os bichos tem
onde se guardar, agora se eles desmatam e vem a seca os bichos
saem procurar lugar para eles se conservar mais fresco. São bichos
da natureza, né. (Verônica Klützke)
Pode-se perceber que as opiniões divergem sobre este assunto.
9.2.2 Os sentimentos e sentidos ambientais dos agricultores sobre grandes
projetos implantados pelo governo
O descrédito dos agricultores quanto a projetos governamentais e os
sentimentos de terem sido “abandonados” ou usados como “cobaias” é muito
evidenciado pelos agricultores. São inúmeros os projetos implantados pelo governo,
tanto na região, como vistos pela televisão, que não obtiveram os resultados
esperados e/ou foram abandonados, causando danos ambientais e econômicos.
Matérias apresentadas nos programas 2 e 3, por exemplo, mostraram projetos de
aproveitamento das terras das encostas do Rio São Francisco para a produção
243
agropecuária, que fracassaram, prejudicando tanto os agricultores como o meio
ambiente. Os agricultores acreditam que esses projetos não consideraram os
interesses do agricultor, os prejuízos que estes poderiam vir a enfrentar, a
viabilidade e os riscos econômicos, geográficos e climáticos da produção, o
potencial do mercado consumidor e os danos que poderiam causar ao meio
ambiente.
Diante da matéria apresentada no Programa 2, sobre o Projeto Jaíba, no Rio
São Francisco, Sélio Demschinski recordou de um projeto de incentivo ao plantio de
alcachofra e pepino que iniciou alguns anos atrás no município vizinho de Tuparendi.
O projeto despertou atenção e investimentos de muitos agricultores, porém devido a
problemas climáticos e geográficos, a produção não se adaptou à região como o
previsto. Os altos custos e a baixa produtividade não ofereceram o retorno financeiro
esperado, fazendo com que os agricultores desistissem da atividade.
Muitas vezes é feito um projeto sem pensar a fundo, se vai dar
resultado, se vai dar lucro, se vai durar. Uma coisa de política.
Projetos que na hora parecem à salvação da pátria, mas no final
acabam em nada. (Sélio Demschinski)
Célio Klützke acredita que muitos problemas nesses projetos acontecem
porque são desenvolvidos por pessoas que não vivenciam a realidade rural. Esse
sentido foi apresentado após uma manifestação da Ministra do Meio Ambiente,
Marina Silva, sobre a implantação de usinas de álcool no Pantanal.
Muitas vezes é uma pessoa estudada, mas da cidade. Tem pouco
conhecimento do interior. Daí aprovam um projeto que não é muito
favorável. Talvez às vezes para o meio ambiente é, mas para as
firmas, pros colonos não é. (Célio Klützke
)
244
Por isso, antes da implantação de projetos alternativos de produção, Sélio
destaca a necessidade da realização de pesquisas de mercado, estudando a
viabilidade e o potencial consumidor. É consciente ao pensar que nem todos os
agricultores podem ingressar na mesma atividade, pois com o excesso de produção
a tendência é o preço cair.
A implantação desses projetos também precisa considerar os aspectos e
danos ambientais. Esses sentidos ficaram evidentes após a última matéria do
Programa 3, sobre o projeto de transposição do Rio São Francisco, que mostrou
argumentos contra e a favor das transposição. Sobre a viabilidade ambiental desse
projeto as opiniões dos agricultores divergem, mas a maioria manifesta um certo
receio quanto aos resultados e danos que o projeto pode vir ocasionar.
Eu não sei. Levar para outros lugares, daí termina logo o rio mesmo,
porque já que ele está assim, ficando pouco, e levar para outras
regiões daí que vai terminar. (Maria Klützke)
Eu não concordo, porque mesmo o rio já está diminuindo e vai
diminuir muito mais. Vai saber se vai dar certo. Que dinheiro vão
gastar lá e vai saber se vai dar certo. (Simone Klützke)
Eu não sei se vale à pena, não sei se vai dar certo. Eu acho que
pode acabar a água. Ele está pequenininho. Está cada vez
diminuindo mais. (Silmara Klützke)
Já Célio Klützke pensa nas pessoas beneficiadas com acesso à água. Não
acredita que o rio será prejudicado.
Mas eles falam que pode até secar o rio, faltar água. Daí o governo
fala em tanta porcentagem só de água. Para o meu ponto de vista
não prejudica muito o rio. Eles falam em 10% da água, nem isso, ia
ser desviado. (Célio Klützke)
O agricultor, porém, não deixa de ter algum receio quanto ao meio ambiente.
245
Para o meio ambiente é ruim, só que a maioria[...] Sempre tem
alguma solução só que os grandes não se preocupam com isso. A
maioria pensa no lucro. (Célio Klützke)
Os agricultores têm consciência de que depois que os danos ambientais são
causados é difícil repará-los e recuperá-los. Assim, a partir de matéria do programa
3, que destaca que as empresas responsáveis pelo desmatamento das margens do
São Francisco e pelos danos causados a este, estão tendo o dever de recuperar e
reflorestar as áreas degradadas, as perspectivas não são otimistas. Os sentidos
produzidos por essa matéria divergem, mas nenhum dos agricultores demonstra
total confiança na recuperação.
Quem quer consegue. Só se não quer mesmo fazer. Porque antes
tinha o mato, tinha as árvores. Falta deles mesmo, vontade de fazer.
(Maria Klützke)
Muito pouco elas [empresas] vão fazer. (Célio Klützke)
Eu acho que é meio impossível [reflorestar] tudo que eles
derrubaram. ( Silmara Klützke)
Tentar não custa né, mas se vai resolver.(Simone Klützke
)
Outro aspecto que Sélio Desmschinski destaca é a necessidade da
participação e apoio da Emater/RS-Ascar e de outras instituições, do início ao final
do desenvolvimento dos projetos, evitando que os mesmos sejam criados e depois
abandonados durante a implantação, deixando seus participantes sem apoio e
amparo.
Muitas vezes quando o cara [o agricultor] está mudando, o cara [o
técnico] tira o corpo fora e o agricultor se virá como pagar as contas.
(Sélio Demschinski)
246
Estas percepções justificam o receio que os agricultores possuem quanto a
novos projetos de produção a serem implantados.
9.2.3 Agricultores em posição de quem não tem estudo e conhecimento.
Durante as entrevistas fui freqüentemente questionada pelos agricultores do
porque escolhi eles para serem meus entrevistados. Em diversos momentos, eles
colocaram-se em posição de pessoas sem conhecimento, com pouco estudo, por
isso não compreendiam meu interesse em envolvê-los em minha pesquisa.
Eu sou um cara burro assim. Me criei no interior. (Sélio Demschinki)
O agricultor que sempre leva a culpa. O agricultor não tem acesso
aos meios de comunicação, não tem cultura, então é muito fácil
botar a culpa nele. (Sélio Demschinski)
Este mesmo agricultor é uma pessoa com conhecimento, vivencias e
experiências adquiridas ao longo da vida. É um agricultor com acesso a jornal e que
está sempre em busca de obter mais informações junto ao rádio e à televisão. Uma
pessoa muito falante e que gosta de demonstrar seus conhecimentos. De uma
maneira geral, os agricultores entrevistados têm pouco estudo, mas muitos
conhecimentos produzidos pela experiência do dia-a-dia.
Por exemplo, algumas matérias abordaram a questão dos baixos preços dos
produtos agrícolas. Este aspecto foi rapidamente justificado e contextualizado pelos
agricultores.
Um pouco é por causa da exportação, importam de outros países e
tem muita produção. Daí muitas vezes é o colono que paga. Agora
acho que o governo liberou um dinheiro para estocar [leite], mas até
que vai melhorar o preço deve demorar. (Célio Klützke)
247
Ao contrário, o governo brasileiro quando da uma super safra o
preço cai, quando está faltando produto o preço sobe, daí o governo
importa e estes preços se tornam bem mais baratos que produzir
aqui. [...] Se manter a agricultura neste sistema vai falir. Porque o
que se compra é em dólar e ou real e o que se vende é em centavo
ou real. (Sélio Demschinski)
Outro aspecto que percebi e foi por alguns destacado é uma certa dificuldade
de entendimento das informações transmitidas pela televisão. A agricultora Verônica
Klützke, por exemplo, disse que tem dificuldade de entender muitas das informações
repassadas pela televisão. Mesmo quando vê as novelas, às vezes, não entende o
que está sendo dito. Isso faz com que ela perca o interesse pela televisão.
Não há como diagnosticar se essa dificuldade é devido à falta de atenção, se
é por falta de familiaridade com a televisão ou se é porque já tinham um
conhecimento sobre o assunto que diverge do apresentado pela televisão, e assim
tendem a ignorar o que vêem. Por exemplo, no programa 2, em uma matéria, que
respondia a uma carta de um telescpectador, sobre uma flor de pau, o repórter
afirmou que esta flor não é venenosa. Mesmo assim, após assistir a matéria Reni
Demschinski ressaltou que antigamente tinha em casa esta flor e que a família ficou
sabendo que a planta era venenosa, então, cortaram-na fora. Reni não discordou do
programa, mas entendeu que ele repassou a mesma informação que ela já possuía.
Destaca-se que essa dificuldade de compreensão da TV se manifesta
principalmente nas pessoas de média e elevada idades.
9.2.4 As matrizes culturais determinando o lugar ou posição social ocupada
pelos agricultores
É preciso ressaltar que a posição/ lugar social ocupado pelos agricultores é
influenciado por uma série de aspectos culturais, que Martin-Barbero chama de
248
matrizes culturais, constituídas por influências, ensinamentos, conhecimentos,
experiências e heranças passadas. São práticas, tradições, costumes transmitidos
de geração em geração que influenciam diretamente nos sentidos produzidos pelos
agricultores. Estão inseridas nas mediações das matrizes culturais todos os
aspectos morais, religiosos e culturais que influenciam na forma de pensar e agir dos
agricultores. Iria inicialmente fazer das matrizes culturais uma mediação distinta,
mas durante a elaboração do trabalho percebi que ela está inserida em todas as
demais, principalmente como determinante da posição social dos agricultores, que é
resultado da integração das matrizes e costumes culturais herdados e da atual forma
de vida. Muitos desses aspectos não estão diretamente relacionados ao meio
ambiente, mas são importantes para que se possa entender melhor a forma de
pensar dessas famílias e seus contextos.
9.2.4.1 A alimentação e a saúde das famílias rurais considerando o cotidiano e os
costumes herdados
Um aspecto ressaltado pelas famílias é a questão da alimentação e saúde,
que é marcada por uma herança cultural muito forte. A alimentação dos agricultores,
pelo que se pôde perceber através de conversas e de um almoço, é simples,
normalmente composta de arroz e feijão, carne e por um ou mais tipos de
carboidratos como massa, batata ou mandioca, e alguns legumes e verduras. A
maioria dos produtos são produzidos na propriedade e é com orgulho que eles
expressam, isso, dizendo que não precisam comprar no supermercado. As frutas
consumidas também são normalmente oriundas do pomar da propriedade, e
produtos como pães, bolos, bolachas, geléias, produzidos pelas agricultoras. Existe
249
uma certa resistência das agricultoras em modificar o tipo de alimentação e a forma
de preparo dos alimentos. Porém muitos produtos industrializados, adquiridos em
supermercados, como refrigerantes e sorvetes, foram incorporados à alimentação
das famílias esporadicamente. Nas casas das famílias Müller e Klützke, onde
existem crianças e jovens, mesmo muitas vezes contrários às inovações, os pais
agricultores demonstram-se mais abertos e tendo que aceitar as mudanças, tanto na
alimentação como nos padrões de comportamento.
A resistência a substituir o tipo de alimentação não é somente na mesa dos
agricultores, mas também na hora de tratar os animais. A matéria apresentada no
programa 1, sobre o monitoramento de animais através de chips, por mostrar
animais sendo criados confinados, despertou comentários sobre a alimentação e a
carne desses animais. Para os agricultores por serem alimentados com ração, terem
um crescimento mais rápido e induzido, os animais não produzem uma carne
saborosa como a de animais criados soltos, em pastagens. Verônica compara a
outros animais:
Mesma coisa as galinhas, compradas é uma coisa, porque cresce
ligeiro. Da colônia a carne é mais avermelhada. Essas galinhas que
tu compra, esses branco. Eu não gosto de comer aquilo, não é boa
como as da gente. (Verônica Klützke)
Na alimentação, tanto das pessoas como dos animais, valorizam muito as
informações repassadas por especialistas e pelos seus antepassados (pais e avós).
Valmir Taborda, diante da matéria do Programa 2, sobre criação de codornas,
destaca que os ovos de codornas têm muitas vitaminas.
É medicinal o ovo de codorna, vale por dois de galinha, pela
vitamina que tem. (Valmir Taborda)
250
Sirlei recorda que foi um médico de Três de Maio que recomendou o consumo
de ovos de codorna, principalmente por crianças com anemia, pelas suas
propriedades medicinais.
Na manutenção da saúde e bem estar das famílias os, métodos naturais de
prevenção e cura de doenças são integrados a remédios, adquiridos em farmácias,
ou seja, as três famílias, com freqüência, recorrem a chás e produtos naturais para
curar e prevenir doenças e dores, costumes herdados dos pais e avós. Mas também
não deixam, quando necessário, de consultar médicos e adquirir remédios em
farmácias. Entre as pessoas de idade mais elevada, percebe-se maior resistência à
utilização de novos e modernos produtos. Eles lamentam que hoje em dia, diante de
qualquer doença simples, as pessoas recorram emergencialmente a hospitais e
postos de saúde.
Hoje as pessoas pegaram o costume que a mínima coisa vai para o
posto, toma remédio, tudo é químico. Se tu tinha uma coisinha fazia
remédio em casa. (Celso Muller)
Numa roda de galpão, na casa da família Müller, os comentários sobre o
assunto foram valorosos. Juntamente com um casal de vizinhos, Verônica e Celso
recordaram chás, folhas e frutas utilizadas antigamente. Verônica lembrou de uma
flor que nasce e cresce fixa a pedaços de madeira podre, muito eficiente no controle
de hemorragias.
É um santo remédio. A mãe sempre fazia. (Verônica Klützke)
Outra planta citada foi a cobrina
103
.
103
Cobrina – Planta medicinal
251
Falaram da cobrina, por no álcool, inclusive para câncer. Toda
capoeirada pode ser chá, usavam pessoal antigo. (Celso Müller)
Por outro lado, eles sabem que atualmente, devido à grande quantidade de
agrotóxicos utilizados nas lavouras, não é toda folha ou planta colhida em qualquer
lugar que pode ser utilizada como chá medicinal. Ou seja, têm consciência de que
plantas, terra e água podem estar contaminadas.
Uma vez o cara tava com dor de barriga ía em qualquer barranco e
arrancava e fazia um chá. E melhorava. Hoje se fizer isso é capaz
de morrer logo, porque por todo lado que olhar é só veneno. (Sélio
Demschinski)
Se hoje se cortar na roça tem que correr para o hospital, porque a
terra é puro veneno. (Celso Müller)
Recordam de uma recomendação da extensionista da Emater/RS-Ascar,
Neida Frölich, para que a flores da marcela
104
, não sejam colhidas nas lavouras, por
causa da poluição por agrotóxicos, e nem na beira das estradas, devido a poluição
causada por veículos. De acordo com Neida, a planta dever ser cultivada na horta da
família, lugar em que não se utiliza agrotóxicos.
Tais aspectos acima demonstram o hibridismo cultural que se configura na
comunidade pesquisada. Um hibridismo que se caracteriza pela integração entre as
diferentes culturas, provenientes da colonização da região por diversas etnias. Como
também pela integração entre costumes e ensinamentos antigos, repassados pelos
antepassados, e as formas de vida moderna, difundidas pela mídia e pelas
tecnologias e entre as características antigamente estereotipadas, como rurais e
urbanas. Nesse universo, ora os agricultores mostram resistência, ora aceitação ao
104
Marcela e/ou macela - planta medicinal utilizada para problemas estomacais
252
novo, constituindo um ambiente de integração e hibridismo entre os “novos” e os
“velhos” costumes, entre diversas culturas e modos de vida urbano e rural.
9.2.4.2 Doenças, “pragas” e poluição de ontem e de hoje
Os agricultores vivem em uma sociedade que passou por profundas
mudanças nas últimas décadas. Tais mudanças geraram o desequilíbrio do meio
ambiente, que, por sua vez, provocou, entre outros efeitos, a proliferação de insetos
e doenças. Diante desse cenário, os agricultores demonstram perplexidade,
freqüentemente remetendo e comparando a tempos antigos. Os agricultores, na
maioria das vezes, não sabem diagnosticar o porquê de tantas doenças e insetos
atualmente, mas com freqüência manifestam algumas suspeitas.
Segundo Verônica Klützke, antigamente, não havia tantas doenças que
atacavam as plantas e os animais. Como exemplo de uma doença recente, ela cita a
gripe do frango. A maior surpresa para ela, porém, foi saber pela televisão que o
carrapato, que atacava somente os animais pode também fazer mal as pessoas,
como mostrou uma matéria no programa 1. Para Verônica, estas novas doenças
estão relacionadas à degradação do meio ambiente.
A ferrugem asiática, apresentada no programa 2, é também uma doença
nova, que está atacando plantações e surpreendendo os agricultores. Sirlei Taborda
diz que a ferrugem deixa as folhas das plantas enrugadas e amarelas.
É uma doença nova, uma doença que nunca surgiu. Deve ser
causada por um fungo, bactéria. Ela vai enfraquecendo a planta.
Perde a produção senão for tratada. (Sélio Demschinski)
253
Ao contrário dessas doenças, que são recentes, a aftosa – que se manifesta
normalmente em bovinos e suínos - é uma doença antiga e que desperta polêmica
atualmente entre os agricultores. O assunto esteve nos Programas 1 e 2. O casal
Demschinski recorda que essa doença existe há muitos anos.
É uma febre que dá no gado, da ferida nos cascos, vira uma
bicheira. Existia antes de nós e vai continuar existindo. (Reni
Demschinski)
Reni conta que antigamente tratavam a doença colocando os animais dentro
da água – banhados e córregos – e oferecendo aos animais, através de uma
garrafa, chá com analgésico - melhoral e/ou fontol - para baixar a febre.
Os animais não eram sacrificados e normalmente melhoravam.
(Reni Demschinski)
A agricultora manifesta muita tristeza ao ver matérias que mostram os
animais sendo mortos.
Isso não tem explicação, animais morrendo e as pessoas paradas
do lado, não podendo fazer nada. Isso é triste. (Reni Demschinski)
Sélio deixa os sentimentos de lado e acredita que a aftosa é uma doença que
se manifesta também em animais silvestres, por isso para combatê-la seria
necessário vacinar e/ou sacrificar todos os animais. Para ele, a aftosa não é uma
doença contagiosa, por isso não deve fazer mal ao homem.
Sobre a vacinação, Sélio desconfia da eficácia das vacinas que estão sendo
aplicadas. Segundo ele pois antigamente o gado não inchava ao receber as vacinas,
como hoje. Também acredita que em cada animal deveria ser utilizada uma seringa
254
descartável, para evitar o contágio. Percebe-se uma contradição do agricultor sobre
a doença, pois ora esta não é contagiosa não havendo perigo de transmissão aos
homens, ora pode ser transmitida pela seringa aos demais animais.
De uma forma geral, os agricultores não sabem identificar com certeza as
causas das doenças e pragas, mas apresentam algumas suspeitas. Valmir Taborda
também acredita que a aftosa seja transmitida por meio de garças que voam de um
lugar para o outro e sentam nos bovinos para catar carrapatos. Por isso, as medidas
sanitárias, de lavagem de pneus e rodas de carros e caminhões, tomadas
atualmente não são eficientes no controle da doença.
Essas observações são particulares dos agricultores e demonstram uma
posição própria, que não corresponde aquilo que a televisão apresenta e, em alguns
momentos, até discorda dos sentidos apresentados pela mídia.
Outro assunto polêmico levantado por Sélio Demschinski é sobre a poluição
do ar e as queimadas.
Uns anos atrás já se falava em poluição, mas me lembro que
quando fazia queimada, acho que até purificava o ar. Se tu queimar
uma madeira, capoeira, é uma fumaça que não é prejudicial, agora
hoje as fumaças são químicas, do avião, do petróleo, gases enfim.
Acho que tem bem mais poluentes que na época que se fazia
queimadas. (Sélio Demschinski)
Ele acredita também que as queimadas podem, em vez de empobrecer,
melhorar a produtividade do solo. Nem sempre, segundo ele, a palha sobre o solo é
a melhor alternativa para aumentar o índice de matéria orgânica e a produtividade.
Para Sélio, se sobre uma área de “terra fraca” for permanecer uma camada de palha
durante muito tempo, nem sempre a produtividade aumentará; em contrapartida se
255
na mesma área for realizada a queima da matéria orgânica, o resultado será
positivo. Ele cita o exemplo de uma área coberta por capim elefante
105
.
Mas se pegar a mesma palha e na época certa, colocar fogo, a
própria cinza. Ele [o capim elefante] vai crescer[...] vai vir vigoroso.
Isso são coisas da natureza. Pode dizer, que colocar fogo não deve,
mas tem casos que é necessário, desenvolve bem mais rápido, do
que às vezes deixar só a palha. (Sélio Demschinski)
Essas observações demonstram que os agricultores possuem uma série de
informações equivocadas. Não há, porém, como determinar se isso é porque a
atividade produtiva em alguma ocasião produziu esses resultados, justificando essa
crença, ou se as informações foram repassadas erroneamente, por algum
profissional ou ainda de uma pessoa para outra. Destaca-se que os agricultores têm
grande resistência a mudar de opiniões e acreditar em novas informações.
9.2.4.3 A tradição do trabalho e os valores morais determinam prioridades frente a
formas de lazer e a audiência televisiva
A dedicação ao trabalho como prioridade frente a todas as demais atividades
é um costume herdado dos antepassados imigrantes. Com a modernização da
agricultura, o trabalho que era manual foi mecanizado, a produção tornou-se
dependente de equipamentos e insumos externos, o sistema capitalista inseriu a
produção agrícola em um ambiente competitivo. Porém o costume dos agricultores
de trabalhar e esforçar-se para produzir não se modificou. Diante disso, Sélio,
Demschisnki destaca que alguns costumes da sociedade atual não estão corretos.
Sélio que desde muito jovem já auxiliava o pai no trabalho na lavoura, pensa que as
pessoas precisam aprender a trabalhar enquanto são jovens,
105
Capim elefante – planta forrageira utilizada para alimentação dos animais
256
Hoje o jovem não pode trabalhar até 16 anos. Mas, senão aprender
a trabalhar enquanto é pequeno não vai aprender mais, vai ficar que
nem um burro. Depois de velho não aprende mais. Sobra muito
tempo para os caras formar grupos, companhias. Há estas
condições favoráveis. Tem que trabalhar para ocupar o tempo.
(Sélio Demschinski)
A relação entre tempo e trabalho também mudou. Os agricultores dizem que
atualmente falta tempo para passear e visitar os amigos, devido à grande
quantidade de trabalho que possuem. No atual mundo capitalista competitivo,
apesar do trabalho ter sido mecanizado e assim ficado mais fácil e rápido, os
agricultores precisam obter maior produtividade e lucratividade, o que exige que
trabalhem mais.
Ultimamente os colonos se visitam pouco. (Célio Klützke)
Tinha mais tempo para se visitar, passear. Ia de carroça, a cavalo
ou de a pé. Hoje não da mais tempo para nada. Senta na frente da
TV e não vai mais passear. (Sélio Demschinski
)
Mas não é somente o trabalho que dificulta a vida social dos agricultores. O
acesso aos meios de comunicação, principalmente a televisão, é um fator influente
no convívio entre as pessoas e laços familiares, como destacou o agricultor.
Antigamente ia visitar os parentes, era uma alegria, chegava lá, hoje
cada um fica em casa, assistindo TV. (Sélio Demschinski)
Os pais, em diversos momentos, durante as entrevistas, manifestaram certa
resistência ao ato de assistir televisão e aos tipos de programas existentes.
Quando tem uma criança não dá para assistir qualquer coisa. Se tu
quer que leva a criança como é para ser. O que ele (o neto) gosta
de assistir é Xuxa, Ana Maria Braga, Isso que ele gosta de assistir.
Daí eu deixo e a gente dá uma olhada. Mas novela não. Daí eu
deixo ele assistir aquilo que eu acho que ele pode assistir. O que eu
257
acho que ele não pode eu não deixo ele ver. Eu acho que é melhor
que daí a criança obedece, senão ele vê uma coisa na televisão e
acha que não é assim. (Reni Demschinski)
Uns tempos atrás tinham coisas melhores na televisão. Tinha Os
Trapalhões. Podia todo mundo sentar e assistir junto. Agora tem
muita coisa que não precisava ter na televisão. (Maria Klützke)
Mas algumas coisas não dá cultura, não é importante, por causa das
crianças. Há umas coisas que não devia (passar na TV), mas enfim,
a escola ensina, já nasce aprendendo essas coisas. (Celso Müller)
Sélio Demschinski destacou até que muitos programas deveriam ser
censurados, principalmente aqueles sobre violência, drogas e sexo. Ele também
censura o comportamento da juventude atualmente e questiona-se sobre o futuro da
sociedade. Refere-se a acidentes automobilísticos causados por jovens e à falta de
respeito desta parcela da população.
Mas eu fico analisando assim a juventude de hoje. Eu não sei como
é vai ser o futuro. (citou comportamento de atitudes dos jovens). Eu
não sei como é a sociedade que a gente vai ter. Olhando assim
essa situação eu não sei como vai ficar. (Sélio Demschinski)
Nas famílias, Sélio diz que muitas coisas também mudaram.
Os filhos não são mais criados como antigamente, em que os pais
criavam, educavam e se preciso davam umas palmadas. Hoje os
pais não podem mais corrigir os filhos e nem exigir que eles
trabalhem. A juventude de hoje sabe tudo, sabe dirigir, sabe
informática, só não sabe respeitar. (Sélio Demschinski)
Antigamente saia toda família junto, de a pé ou carroça. Hoje os
filhos têm um programa, o outro tem outro, não saem mais junto.
Mesma coisa as roupas. Eu quero isso, aquilo, um sapato. Na época
não, o pai ía no bolicho, venda, comprava uma fazenda, quando
olhava era toda a família com o mesmo tipo de tecido. Hoje a coisa
mudou. Desde as crianças, cada um tem os seus programas,
querem salgadinho, querem tudo. Mas sem chocolate, sem chipes
[salgadinhos], dá para viver, é tudo supérfluo. Hoje só querem
comer, comer, daí quando estão com treze catorze anos tem um
monte de problema de saúde. Antes, chegava perto do natal tinha
258
que trabalhar para ganhar presente, hoje não tem mais alegria, é
chocolate para todo lado, as crianças escolhem o brinquedo. Na
época via o que ganhava e se contentava. Na época brincava com
sabugo, porongo, essas coisas assim. (Sélio Demschinski)
9.3 MEDIAÇÃO SITUACIONAL
A mediação situacional corresponde aos cenários em que acontece a
recepção e são estes os cenários, das casas e famílias dos agricultores, que
apresento. Aspectos como: quem assiste à televisão, como assiste (sentado, deitado
ou em pé), se conversa durante os programas, serão destacados. Essa mediação é
também a oportunidade de descrever o momento de audiência ao programa Globo
Rural nos domingos pela manhã, na casa dos entrevistados.
Um aspecto importante é que nenhuma das três famílias participantes da
pesquisa possui antena parabólica, por isso somente os programas transmitidos pela
transmissora RBS/TV podem ser sintonizados e assistidos.
Na casa dos Müller, primeira família visitada, existem duas televisões, uma
colorida na sala e outra com imagem em preto e branco no quarto do filho. A
televisão da sala, comprada recentemente, está posicionada em uma estante nova e
bonita e tem em frente dois sofás com capacidade para acomodar de 4 a 5 pessoas
(Figuras 28 e 29). Entre a sala e a cozinha não existe divisória, o que possibilita que
a televisão seja assistida e ouvida também da cozinha. A televisão é ligada pela
manhã, por Graciele, para a audiência de programas infantis. No final do dia, as
crianças ligam a TV para assistir às telenovelas da Globo e, mais tarde, os pais
acompanham o Jornal Nacional.
259
260
O Globo Rural é assistido esporadicamente aos domingos quando tem algum
assunto de interesse dos integrantes da família. Ficam sabendo das pautas do
programa através das chamadas apresentados durante a programação semanal da
Globo. Nas entrevistas declararam que no momento em que assistem ao Globo
Rural, a família não costuma conversar, no máximo, faz alguns comentários. No dia
de audiência ao programa percebeu-se que a atenção é total quando a matéria
apresentada pela TV é de interesse deles. Quando o tema não desperta atenção
mostram desinteresse, realizando outras atividades e/ou mantendo conversas
paralelas.
Se o assunto é importante, também trocam opiniões com vizinhos e amigos.
Outros programas, como as telenovelas, assistidas pelas crianças, são mais
comentados com os amigos.
As crianças e o pai costumam assistir tanto o Globo Rural, como outros
programas, sentados em frente à TV. Ezequiel, às vezes, assiste deitado. Já
Verônica diz que se tem algum serviço a fazer, integra a audiência televisiva às
atividades.
Na família Demschinski, a televisão a cores, única da casa, está localizada na
sala em uma estante, com vários adereços em volta (Figura 30). Em frente à
televisão, dois sofás e várias cadeiras podem acomodar as pessoas (Figura 31). Na
casa, não existe parede que separa a sala e a cozinha, sendo que a mesa das
refeições está localizada em local que permite audiência televisiva. A família não
costuma assistir televisão durante o dia, e são os programas jornalísticos que atraem
a atenção de todos.
261
262
O Programa Globo Rural, quando possível, é assistido por toda família. Os
familiares dizem não conversam durante o programa, pois destacam que é
necessário prestar atenção para não perder as informações, porém as vezes alguns
comentários são emitidos. Depois da transmissão, quando estão tomando
chimarrão, trocam idéias e falam dos assuntos interessantes que o programa
apresentou.
Na casa da família Klützke, existem duas televisões, sendo que somente
uma, a em preto e branco, está funcionando. A televisão está localizada na cozinha
sobre um armário e para assistir a programação os familiares se acomodam em
cadeiras (Figura 32). As filhas costumam ligar a televisão no final da tarde, por volta
de 17 horas, para assistir às novelas Malhação e Alma Gêmea. A televisão
permanece ligada até por volta da meia noite, mas somente Simone fica assistindo
enquanto aguarda o marido voltar do trabalho. Célio costuma assistir ao Jornal
Nacional, e Maria acompanha também com as filhas a telenovela das vinte e uma
horas da Globo.
Na família Klützke, o Globo Rural é normalmente assistido pelo casal, aos
domingos, quando há tempo disponível. As filhas o assistem raramente, somente
nos dias em que acordam mais cedo, e o programa apresenta assuntos que lhes
interessam. As conversas durante e após o programa acontecem se este apresenta
alguma novidade e/ou assunto interessante.
Se a gente sai ou chega alguém e teve algo importante a gente
comenta. (Maria Klützke)
Outros programas, como as telenovelas, são mais comentados com amigos e
colegas.
263
264
A forma de assistir à televisão depende do interesse no programa e também
das atividades que há a realizar. As mulheres, muitas vezes, assistem televisão
preparando o café, almoço ou jantar, ou realizando outra atividade de limpeza da
casa.
Geralmente (assiste) assim fazendo alguma coisa. Só mesmo à
noite que senta e toma chimarrão ou depois da janta. (Maria
Klützke)
9.3.1 O dia de audiência ao Globo Rural
Os dias de audiência ao programa Globo Rural foram para mim de muita
expectativa, e sentimentos de receio e curiosidade por não poder prever o que
nesse dia aconteceria, quais as reações e informações que obteria de cada família.
Cada domingo de audiência ao programa foi um novo desafio na pesquisa.
Felizmente, em todas as casas que cheguei fui muito bem recebida, os familiares me
aguardavam para assistir ao programa e todos levaram muito a sério esta atividade.
Cada domingo foi repleto de momentos únicos e inéditos, sendo que em cada casa
um fato diferente marcou a audiência No dia da audiência, levei a cada família uma
porção de doces e/ou bolo, preparados na minha casa, como forma de
agradecimento e retribuição, pois em todas as ocasiões me acolheram como amiga
da família, empenharam-se em me ajudar, e, após as entrevistas, saí levando
produtos da propriedade, como pêssegos, alho e outros.
No primeiro domingo de audiência, na casa da família Müller, 6 de novembro
de 2005, já de chegada, deparei-me com um fato inesperado: o pai da família, Celso
Müller, tinha saído para auxiliar um vizinho a transportar alguns porcos e não poderia
265
assistir conosco ao programa. Decidi então, por falta de alternativa – falta de outra
data para realizar a audiência - que assistiria ao programa com Verônica, Ezequiel e
Graciele. Um dos sofás da casa foi destinado a mim, o outro ocupado pelas
crianças. A mãe sentou em uma cadeira ao lado da mesa e atrás de todos nós.
Quando cheguei, ainda não havia iniciado o programa Globo Rural, mas todos
já me aguardavam posicionados em frente à televisão, que transmitia o programa
Pequenas Empresas, Grandes Negócios. Nesse momento, até o início do programa,
Ezequiel e Verônica emitiram vários comentários sobre aspectos e assuntos
relacionados ao meio ambiente, que tinham assistido na televisão durante a
semana. Verônica lembrou de uma matéria que assistiu sobre recolhimento e
reciclagem de lixo e comentou que jamais pensou que o lixo poderia dar renda para
alguém um dia. Ezequiel destacou os temporais que tinham acontecido em Porto
Alegre, o efeito estufa e também diversos outros fenômenos que estavam
acontecendo, como secas, chuvaradas, temporais. “Tá acontecendo tanto coisa”,
disse o menino. Ele também recordou uma matéria que viu na televisão sobre
compostagem
106
com restos de lixos. Esses comentários, acredito, serem em virtude
de terem conhecimento de que o assunto, foco da minha pesquisa, é o meio
ambiente. Percebeu-se, que após as primeiras entrevistas, que os agricultores
passaram a prestar mais atenção em noticias sobre meio ambiente e puderam
demonstrar novos conhecimentos a respeito.
Durante o programa, alguns comentários demonstrando conhecimentos que
já possuíam e pontos de vistas sobre alguns assuntos foram emitidos pelos
telespectadores. Em contrapartida, diante de assuntos que não despertavam grande
interesse - principalmente aqueles que se referiam a aspectos distantes da realidade
106
Compostagem – processo biológico de transformação de resíduos orgânicos (restos de lixo, culturas, dejetos de animais,
etc ) em substancias humificadas (húmos), de características próprias.(COSTA, 2005, p.103) .
266
local - ou que apresentavam muitos dados, a falta de atenção e dispersão foram
evidentes. Em certo momento, Ezequiel interessava-se mais em fazer comentários
sobre o gruir dos patos embaixo da casa, do que prestar atenção ao programa.
Graciele também mostrou desinteresse se recostando aos poucos e quase
cochilando no sofá. Mas também partiu de Ezequiel a decisão de ir fora da casa
prender o fio da antena da televisão na janela para melhorar a imagem. Diante do
problema, ressaltaram a falta de uma antena parabólica, o que não garante boa
imagem para a televisão.
Um outro momento interessante da audiência foi o reconhecimento dos
telespectadores com as imagens e fatos que apareceram na televisão. Ao ver uma
mulher ordenhando uma vaca, Verônica compara-se dizendo que é assim, com as
duas mãos, que gosta de ordenhar os animais. Na seqüência, em uma matéria sobre
a aftosa, a tristeza se manifesta ao ver os animais sendo sacrificados. “Da dó de
ver”, diz Verônica Klützke.
Na casa da família Demschinski, a audiência ao programa ocorreu no dia 13
de novembro. Quando cheguei, a família já me aguardava. Valmir já tinha realizado
as atividades no campo e estava de volta em casa para assistir conosco ao
programa. Os homens sentaram em cadeiras ao redor da mesa de refeições, Reni e
Sirlei sentaram em outras cadeiras distribuídas pela sala. Para mim destinaram a
cadeira mais confortável. Num dos sofás, permaneceu deitado durante o programa o
menino Lucas.
Durante a audiência do programa, os integrantes da família conversaram
muito pouco, mas com freqüência tinham expressões de credibilidade e/ou
desconfiança diante das informações apresentadas. Por exemplo, quando uma
matéria apresentou previsão de uma colheita recorde para a próxima safra e
267
expectativa de queda do dólar, Sélio Demschinski e Valmir Taborda demonstraram
uma expressão de dúvida diante das informações transmitidas. A maioria dos
comentários sobre o programa foram realizados durante os intervalos comerciais.
Sélio praticamente monopolizou os comentários durante e a após o programa. O
agricultor é muito crítico com relação aos fatos apresentados pela televisão. Por
exemplo, diante de uma matéria sobre a seca no estado do Piauí, ele comentou que
esse fenômeno climático é utilizado, muitas vezes, como forma de manter os votos
dos políticos. Também reclamou que o Programa Globo Rural traz muitas
informações que não se aplicam aqui na região, que se restringem a plantas e
atividades do norte e centro do país. O agricultor tenta sempre expressar
conhecimentos extras, além dos que a matéria apresenta. Esses fatores mostram a
influência de Sélio como chefe da família, o que inibe a manifestação das demais
pessoas, e/ou faz com que as suas opiniões não sejam divergentes das de Sélio.
Mesmo estimulados a falar, os demais membros da família não costumavam
manifestar opiniões e, se declaravam algo, normalmente era para confirmar aquilo
que o pai já havia dito. Esse comportamento também fez com que os demais
membros mostrassem desinteresse pelo programa e pela conversa. Sirlei, por
exemplo, estava mais interessada em brincar e conversar com o filho do que
participar do grupo de discussão pós-programa. Após o final do programa,
permaneci na casa durante mais de uma hora, conversando e conhecendo melhor o
trabalho desenvolvido por eles.
A audiência na casa da família Klützke foi no dia 20 de novembro. Todos
sentamo-nos em cadeiras em volta da televisão, na cozinha. Quando cheguei, o
Globo Rural ainda não havia começado e a televisão apresentava o programa
Pequenas Empresas, Grandes Negócios. Aproveitei o tempo antes de iniciar o
268
Programa, perguntando a Célio como estava a lavoura de soja, recém plantada. O
agricultor mostrou pessimismo, apontando expectativa de seca para a safra 2006.
Na ocasião contou, de uma nova semente de soja transgênica, criada pela
Monsanto, resistente à seca. Porém mostrou não acreditar muito nessa tecnologia.
Durante o programa, alguns comentários, principalmente com relação a
assuntos ligados diretamente ao cotidiano, foram emitidos. A primeira matéria do
Programa foi sobre uma pesquisa da Embrapa sobre um tipo de batata-doce de cor
alaranjada, com mais vitaminas. Logo a família comentou que conhecia e tinha na
propriedade aquele tipo de batata. A matéria seguinte, sobre o baixo preço pago
pelo leite, prendeu a atenção de todos e produziu expressões de desalento e falta de
alternativas para melhora da situação. Da metade do programa em diante, Célio
demonstrou desinteresse: foi tomar remédios e depois solicitou à esposa que
preparasse o café. Após a refeição, foi dar uma volta no pátio. No retorno assistiu
parte do programa da porta de casa. Neste momento, eram apresentadas matérias
sobre as usinas de álcool a serem instaladas no pantanal mato-grossense e sobre o
assoreamento e transposição do Rio São Francisco. Cheguei a pensar que o
agricultor tivesse se incomodado com a situação ou com receio de que eu fizesse
algum questionamento sobre a questão ambiental diante das matérias. Notei, porém,
que este agricultor é muito tímido, permanecendo calado durante a maioria do
tempo. Ao retornar à cozinha para assistir ao programa, sentado, Célio expressou
comentários sobre os agricultores da região que foram embora para o Piauí e lá
recebem incentivos para desmatar, enquanto aqui os agricultores são punidos por
realizar a mesma prática. Falou também sobre a seca e do receio de que o nosso
estado também vire “nordeste”, com áreas desertificadas e falta de água constante.
Justificou dizendo: “Para mim é a natureza”.
269
No último bloco, Célio parecia estar ausente do que passava na TV, foi lá
para fora e na seqüência atendeu um vizinho que chegou para buscar um pedaço de
carne. O resto da família permanecia sentada assistindo, porém a neta era o centro
das atenções. Brincávamos e falávamos com ela, dedicando pouco interesse ao
programa. No grupo de discussão, Célio não esteve presente. Logo depois, fomos
todos visitar a propriedade e fazer algumas fotos. Tive então a oportunidade de
trocar comentários e opiniões com o agricultor.
9.3.2 A credibilidade ao Globo Rural
A credibilidade destinada à televisão e ao Programa Globo Rural varia de
agricultor para agricultor. Nenhum deles disse não acreditar no que a televisão
apresenta, mas enquanto alguns pensam que tudo que a televisão mostra
corresponde à verdade, outros expressam que acreditam parcialmente na TV.
Abaixo alguns depoimentos que mostram a opinião dos agricultores sobre a
verdade na televisão, especialmente no programa Globo Rural. A credibilidade é
maior quando algum agricultor ou técnico de instituição reconhecida apresenta a
informação.
Se o agricultor está falando no Programa Globo Rural é porque é
verdade.(Ezequiel Klützke)
Se passou é porque é verdade, tem que acreditar. (Sirlei Taborda)
Se o cara está produzindo, é porque é verdade.(Valmir Taborda)
Simone e Silmara também acrescentam que, se eles (os repórteres) vão atrás
para pesquisar, deve ser verdade o que aparece na TV.
270
Outros agricultores já percebem no programa Globo Rural, como na televisão
em geral, aspectos que evidenciam que nem tudo é na realidade como a televisão
apresenta.
Algumas coisas que apresentadas não podem dar certo.(Verônica
Klützke)
Às vezes eles prevêem chuva na televisão e não chove.(Graciele
Klützke)
A televisão mostra muita coisa, mas não dá para acreditar em tudo.
Porque às vezes a realidade é uma, mas muitas vezes as pessoas
só querem aparecer. Eu analiso sempre.(Sélio Demschisnki)
Muitas coisas pode até ser realmente, mas outras coisas não são
bem assim. Por exemplo, quando mostra algumas colheitas no
programa. Nem sempre dá tanto lucro assim. Dizem que a soja da
60 sacos por hectare, mas vão no pedaço mais bonito e colhem um
metro quadrado e fazem o cálculo. (Maria Klützke)
As declarações mostram o espírito crítico e conhecimento dos agricultores.
9.4 MEDIAÇÃO INSTITUCIONAL
Além da família, já abordada anteriormente na mediação do cotidiano familiar,
outras instituições, em que os agricultores participam, também interferem no
processo de recepção e na produção de sentidos e significados sobre o meio
ambiente e o Programa Globo Rural. A partir das entrevistas realizadas,
diagnostiquei que as instituições com as quais os agricultores mais interatuam são: a
Igreja, a Emater/RS-Ascar, as Cooperativas Agropecuárias, o Sindicato dos
Trabalhadores Rurais, os diversos meios de comunicação. Mesmo não se
constituindo como uma instituição, os amigos e parentes, são redes de sociabilidade
que interferem nos sentidos produzidos. As informações recebidas pela televisão
271
são, pelos agricultores, levadas a essas instituições, tanto para a troca de idéias em
conversas informais, como também para ampliar conhecimentos e informações. As
influências e ações dessas instituições sobre as informações apresentadas pela
televisão variam em intensidade e sentido, ora reforçando, ora contestando o que a
televisão apresentou. A interferência nos sentidos produzidos pelos agricultores
processa-se pelo que aconteceu antes, durante e após os programas assistidos e
variam de uma instituição para outra. Algumas dessas influências acontecem
também através dos meios de comunicação como, por exemplo, através dos
programas de rádio semanais produzidos pelas Cooperativas, pelo Sindicato e pela
Emater/RS-Ascar. Desse modo, essa mediação mostra que a televisão é apenas
uma das instituições que produzem sentidos sobre o meio ambiente, e que esses
sentidos e significados são negociados com outras instituições. Destaca-se que para
captar essas mediações e suas conexões não acompanhei as pessoas nesses
cenários e/ou instituições, mas captei-as através da internalização de seus valores
expressos no cotidiano familiar e nas entrevistas.
9.4.1 Cooperativas Agropecuárias oferecem informações e insumos
As Cooperativas Agropecuárias são as empresas da região das quais os
agricultores são sócios e junto às quais, normalmente, compram insumos, vendem
produtos e recebem assistência técnica. Antes de adquirir produtos para aplicar na
lavoura e tratar os animais, além das informações que recebem de amigos e
vizinhos, procuram normalmente orientações de técnicos dessas empresas.
272
Reforça Sélio Demschinski que os técnicos das Cooperativas são as pessoas
mais capacitadas para indicar os produtos adequados para a propriedade e
produção, pois conhecem normalmente o agricultor e suas atividades.
A gente vai na Cooperativa e daí é informado se compra este ou
aquele [produto]. (Sélio Demschinski)
A família Klützke recorre também muitas vezes aos técnicos das Cooperativas
para saber o que comprar.
Além de indicar aos agricultores os produtos que devem utilizar, são as
Cooperativas e, principalmente, a indústria, que os informam sobre os prazos de
carência dos agrotóxicos e remédios, evitando que eles vendam seus produtos com
resíduos químicos. Informação importante porque os prazos de carência não são
informados nas embalagens e/ou bulas dos produtos e remédios utilizados.
A partir dos depoimentos, pode-se destacar que apesar das informações
repassadas pelos técnicos serem muito importantes para os agricultores, eles
também mantêm certa desconfiança, pois sabem que aqueles têm o objetivo de
vender os produtos e obter lucros.
Geralmente vai nas cooperativas e pergunta pros técnicos, mas as
vezes tu não pode confiar neles. As vezes tu fala com uma pessoa,
como este homem que saiu daqui – o vizinho – e sabe uma coisa
melhor que o técnico. Tipo os técnicos das Cooperativas querem
vender os produtos. Se vai sempre atrás da conversa dos técnicos,
os custos tornam-se muito altos. As vezes nem ajuda, faz mal a
planta, prejudica a gente. Se usa uma coisa mais simples não
combate tão ligeiro, mas ajuda. (Verônica Klützke).
Percebe-se que no momento de adquirir produtos para a lavoura, além das
orientações técnicas, muitos outros fatores influenciam.
273
9.4.2 Emater/RS- Ascar: relação de confiabilidade
A Emater/RS-Ascar (Associação Sulina de Assistência Técnica e Extensão
Rural do RS) desenvolve junto aos agricultores um intenso trabalho de assistência
técnica e extensão rural, oferecendo-lhes apoio, auxílio e orientação nas áreas de
produção agropecuária, saneamento básico, qualidade de vida, lazer, meio ambiente
e outros.
Para as mulheres, a Emater/RS-Ascar, através principalmente das
extensionistas de bem-estar social, repassa orientações sobre saúde, higiene,
alimentação e também organiza cursos de produção de alimentos, produtos de
higiene e artesanato.
A credibilidade das informações repassadas pela empresa de extensão rural
dificilmente é questionada pelos agricultores. Existe uma intensa e antiga relação de
confiabilidade dos agricultores com a Emater/RS-Ascar, tanto que aquilo que
técnicos e extensionistas dessa empresa dizem é tido como certo. É a eles que os
agricultores recorrem para esclarecer dúvidas e buscar orientações - são as fontes
de informação que permitem aos agricultores ampliarem seus conhecimentos sobre
as atividades rurais.
Após a audiência ao Programa, quando questionado sobre onde iria buscar
mais informações sobre assuntos que despertaram dúvidas, Valmir Taborda foi
enfático ao dizer que se precisasse saber de alguma coisa e/ou pedir
esclarecimentos, iria falar com um técnico da Emater/RS-Ascar. A esposa pensa da
mesma forma.
É importante, porque o que a gente não sabe eles ensinam. (Sirlei
Taborda)
274
Ela recorda de uma receita de sabão caseiro que aprendeu no Programa
Globo Rural, ressaltando, porém, antes de colocar em prática o que aprendeu, pediu
algumas dicas sobre a receita com a extensionista da Emater/RS-Ascar. Ou seja, a
confiabilidade nos técnicos da Emater/RS-Ascar é maior do que a conferida a
televisão, fazendo com eles tenham influência significativa sobre os sentidos
produzidos. Em muitas citações dos agricultores apresentadas nas mediações do
cotidiano familiar e posição social pode-se perceber a influência dessa instituição.
9.4.3 Televisão e rádio: fontes de informação
Destaca-se que a televisão e o rádio são fontes de informação constantes das
famílias de agricultores, por isso têm influências significativas sobre os sentidos
produzidos. O rádio é o principal responsável pelas noticias e informações locais,
enquanto que muitos fatos, acontecimentos e atividades realizados em regiões
distantes do Brasil, e até de fora do país, chegam aos agricultores quase que
exclusivamente pela televisão.
Um dos programas mais ouvidos, principalmente pelas mulheres, é o
programa do apresentador Zelindo Cancian, transmitido pela Rádio Noroeste, de
Santa Rosa, todas as manhãs. É um programa assistencialista, que, muitas vezes,
apresenta alertas e informações sobre problemas e atividades relacionadas à
agricultura e ao meio ambiente.
Os preços e a situação dos produtos agrícolas no mercado é um assunto que
está diretamente relacionado ao cotidiano e à sobrevivência dos agricultores, por
isso desperta a atenção de todos. Diante desse assunto, na família Klützke, houve a
reclamação de que a televisão costuma dar maior enfoque para muitos temas, como
275
preços baixos, falta de produtos e desperdício, quando há protestos e manifestações
ou polêmicas envolvendo os temas, como.
Quando dá crise daí aparece bastante, quando os colonos fazem
protesto daí os repórteres vem noticiar. (Célio Klüzke)
Essas manifestações mostram insatisfação dos agricultores, transmitindo uma
sensação de que a televisão mostra esses assuntos somente quando existem
mobilizações e polêmicas, mas não buscam alternativas para tentar reverter e
melhorar a situação de dificuldade vivenciada pelos agricultores.
A televisão é também fonte importante de informação sobre atividades,
projetos e problemas ambientais que acontecem em regiões distantes, do país e no
exterior. Entre essas noticias estão os grandes desastres em santuários ecológicos,
como Amazônia e rio São Francisco. Esse enfoque da televisão desenvolve nos
agricultores a percepção de que os grandes problemas ambientais estão distantes, e
o que acontece na região possui pequeno impacto frente ao que a televisão
apresenta.
9.4.4 Conversas diárias na família e rede de sociabilidade
A família mesmo que já intensamente abordada na mediação do cotidiano
familiar, não pode deixar de ser considerada como instituição, pois durante a
semana seguinte à apresentação do programa é ela a principal fonte de mediação
dos assuntos apresentados no programa. A maioria dos comentários sobre o Globo
Rural aconteceram entre os integrantes das famílias, pois é com essas pessoas que
os agricultores passam a maior parte do seu tempo. Muitas vezes, são as únicas
276
pessoas com quem os agricultores têm contatos e conversam durante a semana.
Célio Klützke destaca que os agricultores atualmente não dispõem mais de tempo
para sair e passear, ficando restritos ao ambiente familiar e a esporádicas reuniões e
atividades sociais.
Em casa assim, não saímos em parte nenhuma. (Maria Klützke)
Na família Klützke, as conversas envolveram a mãe, Maria, e as filhas,
Silmara e Simone, falando sobre aspectos de destruição do Rio São Francisco. Elas
falaram sobre o tamanho do rio, a grande quantidade de água que este possuía e
mostraram perplexidade frente ao estado de degradação em que se encontra.
Com a mãe eu comentei. Esse foi o que eu mais comentei. Do rio,
do tamanho do rio, que esta diminuindo. Da água né. (Simone
Klützke)
Sirlei Taborda mantém conversas constantes com a avó e o primo, que
moram na casa ao lado. Os bate-papos são fontes de informação e credibilidade.
Para Sirlei, que o que a avó pensa e diz são indícios de informação séria e
verdadeira, influenciando significativamente na forma de Sirlei agir e pensar. Por
exemplo, sobre a matéria da seca no Piauí, a opinião da avó consola Sirlei de que a
situação vivenciada na região é melhor que em outros estados.
Assim com a vó, a gente comentou: que acha difícil assim, porque
ontem não choveu. Tava tirando leite e a vó ainda disse, nós ainda
temos que agradecer a Deus que tem água. (Sirlei Taborda)
277
Além do convívio familiar, os entrevistados costumam participar de algumas
atividades sociais e de lazer, como cultos, reuniões, visitas e rodas de chimarrão.
Nestes espaços conversam, com amigos e parentes, que constituem uma rede de
sociabilidade, sobre os assuntos vistos na televisão e no Globo Rural.Nessas
conversas os principais assuntos comentados do Programa são aqueles que trazem
novidades e/ou fatos novos, desconhecidos dos agricultores. Verônica Klützke
lembra a conversa que teve com três famílias da comunidade, naquela semana,
após a audiência ao Globo Rural, sobre assuntos como: os chips eletrônicos
implantados no gado, a calda produzida para controlar pulgões na horta e a febre
maculosa, doença causada pelo carrapato, nas pessoas.
Eu falei com três famílias sobre o programa, que a gente nunca
ouviu falar sobre estas coisas novas. Nós comentemos como pode
muitas coisas que a gente nem sabia, como que eles usam no
gado.[...]Comentamos dos pulgões. E também aquela do carrapato.
A gente fala né, que a planta tá bonita, daí se entra um bichinho o
que você faz. A gente comenta tudo isso.[...]Sobre o carrapato? Nós
só falamos assim que nós não sabia como pode dar doenças nas
pessoas do carrapato. Ninguém sabia o porque [...]Sobre o plantio
não foi (comentado). Foi mais sobre aquela outra parte. É que o
plantio todo mundo planta, daí já não é tão necessário. Coisa nova
prá gente, a gente comenta mais. (Verônica Klützke)
Apesar de rotineiros, muitas vezes temas que afetam o cotidiano dos
agricultores, como preços de produtos e os prejuízos dos períodos de seca, também
se tornam pauta nos bate-papos. Reni e Sélio Demschinski, por exemplo,
comentaram conversas que tiveram sobre a seca e das perspectivas de colheita.
Uns falam que vai dar super safra, outros que vai dar seca. Daí a
gente fica trocando idéias. (Reni Demschinski)
Isso aí a gente sempre comenta, são muito apressados fazer saldo.
[Conversa] com vizinhos, conhecidos. (Sélio Demschinski)
278
Reni conversou sobre o assunto após o culto, momento nos domingos pela
manhã, que ela aproveita para trocar idéias e conversar com os amigos. Essas
conversas informais com amigos e parentes em algumas vezes são somente trocas
de idéias e comentários, em outras, porém, representam a apresentação de pontos
de vistas distintos sobre assuntos abordados pelo programa Globo Rural e sobre o
meio ambiente, influenciando os sentidos produzidos.
Nós só comentamos assim que deu no programa, mais nós não
falamos.[...]. Só ficamos pensando, mas ninguém falou que podia
ser diferente, que não está certo. Todo mundo mais ou menos a
mesma coisa. (Verônica Klützke)
Na hora de comprar produtos agropecuários para aplicar nos animais ou na
lavoura, os amigos e vizinhos também influenciam.
Às vezes a gente escuta. Às vezes o outro fala [...]. A maioria do
produto não é fácil. A gente escuta na televisão e não sabe se é
bom ou é ruim. Daí o primeiro vizinho que usa e acha bom fala.
(Célio Klützke)
A Igreja, como destacado anteriormente, é uma instituição que exerce
significativa influência sobre os sentidos produzidos pelos agricultores. Porém, não
encontramos nas entrevistas muitas referências a ela na produção de significados
sobre o meio ambiente e o Programa Globo Rural. Por isso, optei por incluir as
influências da igreja junto às mediações do cotidiano e da posição social.
279
10 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Conhecer pessoas e a sua forma de pensar foi a maior riqueza que este
trabalho pôde trazer. Sentir em cada família, muito mais do que uma unidade de
laços de parentesco, mas um ambiente de convivência e união e captar nos sentidos
apresentados por cada pessoa o reflexo de um contexto histórico, social e cultural
tornaram as reflexões deste trabalho amplas e complexas.
Construir “A recepção das informações jornalísticas ambientais do Programa
Globo Rural: os sentidos produzidos por agricultores familiares do município de
Santa Rosa (RS)”, foi satisfatório e engrandecedor, mas também complexo e
questionador. Muitas reflexões surgiram, muitos contextos se constituíram, muitos
sentidos foram descobertos. Para encerrar este trabalho traço algumas
considerações finais e faço amarrações entre teoria e prática, que permitem a
constituição de um panorama geral de tudo que foi apresentado.
Com o objetivo de verificar quais os sentidos produzidos sobre o meio
ambiente pelos agricultores familiares, considerando as mediações que perpassam
este processo, constituí um referencial teórico de contextualização do
desenvolvimento da agricultura familiar e seus vínculos com o meio ambiente, da
comunicação rural e do espaço da recepção e das mediações. A pesquisa empírica
foi realizada com as famílias de agricultores Müller, Demschinski e Klützke, da
comunidade Lajeado Tigre, município de Santa Rosa (RS). Para obtenção das
informações utilizei-me de uma estratégia multimetodológica com a realização de
entrevistas, discussões de grupo e observação participante.
Os agricultores pesquisados, que se caracterizam pelo trabalho em família,
pela pequena extensão de terra e pela prática da policultura de subsistência,
280
integram o grupo conceituado teoricamente como agricultores familiares. Um grupo
que se alicerça no fortalecimento das relações entre família, terra e trabalho, e que
possui um extenso vínculo com o meio ambiente e dependência cotidiana dos
recursos naturais. As profundas mudanças sociais, culturais, econômicas e,
principalmente, ambientais que o meio rural passou nos últimos anos, devido ao
processo de modernização da agricultura, são sentidas diretamente na comunidade
pesquisada. De um sistema ambiental complexo e equilibrado, que garantia a
sustentação da família rural, passaram a viver em um ambiente que necessita de
fontes exógenas para produzir, para “combater” insetos e para adequar-se as regras
do sistema capitalista.
Estes aspectos fazem com que as 12 pessoas pesquisadas, com diversas
idades e de ambos sexos, apesar da baixa escolaridade, apresentem uma
surpreendente consciência da importância da preservação ambiental. É nas práticas
do dia-a-dia que eles percebem que as águas estão poluídas, que os rios não têm
mais peixes como antigamente, que a erosão acabou com a fertilidade do solo, que
os insetos e doenças estão dizimando as lavouras e plantações, que é preciso usar
cada vez mais agrotóxicos para produzir, e que isso faz mal para a saúde e o meio
ambiente. Para os entrevistados, tudo isso é conseqüência do progresso e da
modernização, de que acreditam não ter como escapar. O uso de produtos químicos
nesse modelo agrícola é indispensável para a conquista de produtividade e
lucratividade. Apresenta-se neste cenário os complexos vínculos entre a agricultura
e meio ambiente, efetivando um processo de desequilíbrio em decorrência da
simplificação do sistema ambiental.
Com o desejo de preservar os recursos naturais, sabendo que eles são fontes
de energia para a produção, algumas práticas como o plantio direto, o uso de
281
adubação verde, as curvas de nível, a rotação de culturas, os cuidados com o lixo e
rios, a manutenção das matas, estão incorporadas ao cotidiano dos agricultores.
Quando possível, recorrem a alternativas naturais – que são mais baratas e não
prejudicam a saúde e o meio ambiente. Na horta, por exemplo, na qual são
cultivadas verduras e legumes para o consumo da família, o veneno não é utilizado.
Tais constatações me levam a acreditar que esses agricultores estejam vivendo uma
complexa encruzilhada: em que a busca de produtividade e lucro para viver
confronta-se com os cuidados com a saúde e o meio ambiente; em que o desejo de
usar produtos alternativos e naturais inviabiliza-se diante da resistência de insetos e
doenças e do risco de perder o que foi plantado; em que destruição dos recursos
naturais (solo, água, ar), provocada pela tecnologia produtivista, choca-se com a
necessidade destes recursos para a produção; em que o comodismo que muitas
tecnologias oferecem contrapõe-se ao trabalho braçal penoso; e em que alguns
ensinamentos e costumes herdados dos antepassados – mais voltados para o
equilíbrio natural - opõem-se às novas técnicas modernas transmitidas por
profissionais da área e pela televisão. Há interesse em preservar, em cultivar sem o
uso de produtos químicos, porém o apelo das empresas multinacionais é envolvente
e manipulador, o sistema ambiental está em desequilíbrio e o desenvolvimento atual
exige maior produção e visa à lucratividade. Para Sélio Demschinski, é quase
impossível atualmente produzir sem veneno, devido à degradação ambiental. Já o
agricultor Célio Klützke lembrou a necessidade de resultado econômico dizendo “se
utilizar o adubo solúvel colhe 60 sacos de produto por hectare, se não utilizar a
produtividade cai para 20 sacos”. Os agricultores anseiam por recompensa
financeira imediata, para que a preservação ambiental torne-se viável. Essa
recompensa, porém, não vem logo, sendo que a mudança de método, trará de início
282
uma perda em função do ecossistema desequilibrado. Neste desejo de obter
resultados a curto prazo, o agricultor muitas vezes também não percebe os danos
que está causando ao meio ambiente, que normalmente leva muitos anos para
mostrar prejuízos. Nas opiniões sobre as sementes transgênicas, isso fica evidente,
pois eles são unânimes em pensar que esta é uma alternativa interessante e de
efeito rápido no combate aos inços nas lavouras, diminuição dos custos de
implantação da lavoura e redução da carga de trabalho. Quanto a efeitos futuros,
eles não sabem precisar conseqüências. É visível, neste assunto, a falta de
informação dos agricultores, pois são ludibriados pelas propagandas das
multinacionais. Por outro lado, seria um contra-senso pensar que eles achariam ruim
uma semente que, em curto prazo, aumenta a lucratividade, diminui o trabalho e que
de imediato não traz danos nem às pessoas e nem ao meio ambiente.
Esta encruzilhada e/ou paradoxo vivenciado pelos agricultores alicerça-se na
constituição da sociedade contemporânea, em que o sujeito vive a multiplicidade de
posições, atua com muitos códigos e diversas identidades, produto de várias
histórias e culturas interconectadas. Estas distintas posições e descentramento do
sujeito, dão origem a um ser fragmentado em seus discursos, que se manifesta de
formas diferenciadas diante das situações. As pessoas dizem e fazem coisas
diferentes quando as posições variam e assim podem assumir posicionamentos
contraditórios. As diversas entrevistas e contatos mantidos com os agricultores
permitiram diagnosticar alguns posicionamentos contraditórios. Ora dizem, por
exemplo, que os venenos não causam prejuízos à saúde e ao meio ambiente, em
outra afirmam que na horta, local que produzem para consumo próprio, não
costumam utilizar produtos químicos. Oposições fruto da encruzilhada em que
283
vivem, como também da intenção de transmitir à pesquisadora uma imagem positiva
de suas ações ambientais e opções tecnológicas.
No cotidiano dessas famílias – lugar de constituição e expressão da cultura
familiar - o trabalho é prioridade. Os agricultores levantam cedo e só param quando
concluem o serviço. À televisão é destinado o espaço das horas vagas,
principalmente como fonte de informação e conhecimento. Para os mais jovens ela
representa também entretenimento e lazer. A assistência à televisão segue uma
perspectiva baseada em regras e/ou normas da vida cotidiana, é um ato que está
incrustado na gama de práticas cotidianas, como também é constituidor destas
práticas. Destaca-se, que em alguns momentos os agricultores podem adiar ou
adiantar algum serviço para assistir a televisão, mas sempre o trabalho estará em
primeiro plano.
O Globo Rural é assistido esporadicamente aos domingos, “quando dá
tempo”, como dizem os agricultores. O horário de transmissão, 8 horas, é um dos
empecilhos, pois serviços, como ordenhar os animais, são realizados nesse horário.
Aprender é o principal objetivo ao ver o Globo Rural, por isso são aqueles assuntos
mais próximos ao cotidiano que mais despertam a atenção. Algumas práticas
apresentadas pelo programa, principalmente alternativas naturais, como uso de
urina de vaca para combater insetos, e folha de bananeira para vermes, são
incorporadas pelas famílias. Reforça-se, então, o papel informativo e educativo do
Programa Globo Rural e da televisão junto aos agricultores. Isso sem perder o
caráter de produto da industria cultural que a televisão possui, com suas influencias
e poder de persuasão.
Confirmando o que o diretor do programa Globo Rural disse, os agricultores
destacam que o meio ambiente integra as pautas do Programa. Esses, porém,
284
lamentam a falta de incentivos à preservação, de punições aos infratores e da não
efetivação de ações concretas por parte dos governos. São os problemas como a
escassez e poluição das águas, o desmatamento e a erosão que despertam maior
atenção dos agricultores e produzem opiniões diversas. Os sentidos produzidos,
além da influência do programa, são frutos da experiência cotidiana. Por exemplo,
são muitos os rios da região que estão assoreados, e os períodos de estiagem são
freqüentes, causando graves prejuízos para a agricultura e dificuldades para a vida
doméstica.
A recuperação do viver cotidiano das famílias, como espaço de produção de
conhecimentos, de compreensão dos processos simbólicos e de relações de poder,
tornou-se essencial para o entendimento dos vínculos do agricultor com o meio
ambiente e a televisão. Lembro, porém, que as ações cotidianas apesar de
automáticas, não são instintivas no seu sentido usual. Cada movimento é guiado por
uma por um conjunto de normas e conhecimentos culturais. Os valores e
significados das condutas e práticas humanas estão inscritos na cultura de cada um,
assim os agricultores trazem em suas falas e opiniões marcas de sua cultura, de sua
história, de seus antepassados, de seus objetivos e sonhos. Por exemplo, a
valorização do trabalho como prioridade é um valor herdado dos antepassados
imigrantes, que ao chegarem na nova terra precisaram trabalhar muito; o receio
diante de grandes projetos implantados pelo governo é fruto da experiência de vida
que já os permitiu vivenciar muitos destes projetos sendo fracassados, assim
também o fato de colocarem as mudanças climáticas “nas mãos de Deus” e de
responsabilizarem a rigidez da legislação atual pela falta de áreas reflorestadas, são
formas isentarem-se das responsabilidades pelos danos ambientais.
285
Ao assistir televisão, o agricultor constitui-se como um sujeito receptor
produtor de sentidos. Os sentidos produzidos dependem do seu repertório - conjunto
de informações e experiências vividas pelo sujeito – por isso, nem tudo que a
televisão apresenta é tido como verdade. Para eles o noticiário nem sempre acerta a
previsão do tempo, a produtividade de um certo produto não corresponde à
realidade e algumas técnicas apresentadas não se adaptam a região. Eles analisam
as fontes de informação e observam se elas condizem com a realidade em que
vivem. Vêem com muita cautela as informações sobre produtos agropecuários
apresentados pelos anúncios publicitários. Para eles, alguns produtos são eficazes,
enquanto outros, não. E na maioria das vezes, as informações, repassadas por
vizinhos e técnicos, influenciam mais na hora da compra do que os comerciais de
televisão. Configura-se então um processo de negociação de sentidos, ou seja, uma
interação polissêmica dos receptores com as mensagens, o meio televisivo e sua
própria cultura.
A mediação da posição social determina o lugar que os entrevistados ocupam
na sociedade, que se expressa em diferenças sociais. Nesta pesquisa, a posição
social corresponde à de agricultores familiares inseridos no sistema capitalista de
produção, que é colocada pela maioria dos entrevistados como negativa, com muitas
dificuldades e obstáculos. Ser agricultor em uma pequena área de terra significa não
ter condições e recursos financeiros para ampliar a produção, mecanizar a atividade,
mudar de ramo de produção, obter melhores preços para seus produtos e ter acesso
a mais qualidade de vida, é ocupar um lugar subordinado no sistema capitalista. É
perceptível também que se colocam em uma posição de inferioridade e
incapacidade econômica, social e cultural, frente aos grandes produtores, aos
moradores da cidade e às pessoas com maior nível educacional. Este sentimento de
286
inferioridade é fruto do processo de exclusão social, cultural e econômica imposta
pelo sistema capitalista a quem não tem condições de adaptar-se a todas as
modernizações. Com relação ao meio ambiente, manifestam sentimentos de
incapacidade de agir frente aos danos ambientais que afetam a natureza atualmente
e, por serem agricultores em pequenas áreas, têm também a percepção de que os
danos causados ao meio ambiente por suas atividades são significativamente
inferiores àqueles causados pelos proprietários de grandes extensões de terra. Diz
Sélio Demschinski “o negócio do desmatamento que se fala muito lá para cima, vai
ver é os grandes pecuaristas, que derrubam todo mato. Não lentamente como aqui,
como os pequenos, que tem dez hectares e derrubam um neste ano, outro no outro”.
Além da responsabilidade pelos danos ambientais, os grandes produtores são
normalmente favorecidos pelas leis e projetos governamentais, segundo os
entrevistados. “A lei diz que não pode derrubar. O pequeno não pode, mas o grande
pode. Os grandes burlam as leis, sempre estoura no mais fraco”, evidencia Sélio
Demschinski. Os agricultores demonstram revolta por serem responsabilizados por
muitos danos ambientais e receberem punições injustas, por ações que não
cometem. Na visão dos agricultores, a população urbana é também responsável por
muitos danos ao meio ambiente.
Grandes projetos propostos pelo governo geram desconfiança entre os
agricultores, pois foram muitos já os projetos implantados pelo governo, tanto na
região, como vistos pela televisão, que não obtiveram os resultados esperados e/ou
foram abandonados durante a implantação, causando danos ambientais e
econômicos. A falta de respeito aos interesses dos agricultores e dos consumidores,
de conhecimento da realidade rural, de análise dos riscos ambientais e das
características das regiões são responsáveis por esses fracassos, apontam os
287
agricultores. Experiências passadas justificam o receio que manifestaram diante de
projetos como a implantação de usinas de álcool no pantanal e a transposição do
Rio São Francisco, apresentados pelo Globo Rural. Tanto o dano ambiental, como o
financeiro são preocupações. “Eu não concordo, porque mesmo o rio já está
diminuindo e vai diminuir muito mais. Que dinheiro vão gastar lá, vai saber se vai dar
certo”, diz Simone Klützke sobre a transposição do Rio São Francisco. Eles sabem
que depois que os danos ambientais forem concretizados fica difícil recuperar.
Os agricultores constantemente colocam-se em posição de pessoas de pouco
estudo e conhecimento. Porém, pude perceber que são detentores de um vasto
conhecimento adquirido no cotidiano e herdado de gerações passadas. O saber
transmitido por antepassados, para eles, tem grande valor, tanto na produção
agropecuária, como na alimentação, cuidados com a saúde e educação das
pessoas. Há uma resistência em aceitar novos tipos de alimentos e hábitos, como ir
ao médico e comprar remédios, e alguns comportamentos e atitudes transmitidos
pela mídia e incorporados pelas gerações mais jovens. A população mais idosa é
herdeira de uma sociedade conservadora, de rígidos padrões morais, em que o
trabalho, a educação e o respeito são prioridade. Nesse sentido, os agricultores
convivem em um universo que integra os conhecimentos que herdaram dos
antepassados e as tecnologias do mundo atual, constituindo um verdadeiro
hibridismo cultural. Um processo que gera conflitos entre as gerações nas famílias e
diferentes formas de pensar e agir. Os agricultores sabem que não podem fechar-se
à modernização, mas também não abrem mão totalmente daquilo que aprenderam,
configurando um processo integrado de resistência e aceitação. Assim, quando
possível utilizam-se de alternativas naturais para o combate de insetos e doenças,
como a aplicação de urina de vaca e de cinza na lavoura e horta, em outros
288
momentos, porém precisam recorrer a fortes herbicidas e inseticidas para controlar
os inços e insetos na lavoura.
O aspecto econômico da produção, não pode ser esquecido, pois eles
precisam garantir a sobrevivência da família. Os agricultores pesquisados, diferentes
de outros na região, além do cultivo da soja, do milho e do trigo, dedicam-se à
produção de vassouras de palha, que oferece maior lucratividade. Eles lamentam,
porém, não poderem se dedicar exclusivamente às vassouras, pela falta de incentivo
governamental, ou seja, a lavoura de vassoura não pode ser financiada e nem
segurada – o que, às vezes, é fundamental para a implantação da plantação e
garantia de remuneração em caso de seca. Outro contra-senso é que nas lavouras
financiadas com recursos do governo os agricultores não podem utilizar sementes
próprias. Os agricultores têm que comprar as sementes, assim como os adubos e os
agrotóxicos, que integram um grande pacote tecnológico financiado, aumentando o
custo da produção e a dependência. Os agricultores estão inseridos, pelo sistema
capitalista de produção, em uma situação sem alternativas e sem outra perspectiva
tecnológica. As relações econômicas e políticas de poder prevalecem.
A mediação situacional apresentou os cenários de audiência da televisão. É
na sala ou cozinha da casa que a TV está localizada, normalmente em uma estante
cercada de enfeites. Ao redor, cadeiras ou sofás são dispostos para que os
familiares possam acomodar-se. Quando os assuntos apresentados pela televisão
despertam interesse dos agricultores, principalmente aqueles relacionados ao
cotidiano, eles sentam em frente a TV e prestam atenção. Quando, porém, os
assuntos não despertam seu interesse costumam conversar ou fazer outras
atividades durante o programa. O gosto pelos programas e a concentração ao
assistir televisão varia de acordo com as pessoas, e interfere diretamente nos
289
sentidos produzidos. Como outras pesquisas de recepção já apontaram, as
mulheres, com freqüência, costumam assistir televisão enquanto realizam atividades
domésticas, como lavar louça ou preparar o jantar. Nos dias de audiência aos
programas Globo Rural, muitos fatos marcaram a audiência. Cada família tem suas
particularidades, estruturas e hierarquias, com diferentes níveis de autoridade,
estabelecendo regras que regem a sua organização e funcionamento, como também
a audiência televisiva e os sentidos produzidos. Por exemplo, enquanto na família
Demschinski, foi o pai Sélio que mais interagiu e emitiu opiniões, mostrando sua
superioridade hierárquica; na família Klütkze, o pai Célio manteve-se calado, dando
mais espaço para a esposa falar. Os jovens mostram maior interesse e gosto pela
televisão e absorvem com mais facilidade o que é apresentado. Já as pessoas mais
velhas são mais críticas diante das informações transmitidas pela televisão, em
virtude da sua experiência de vida e conhecimentos adquiridos.
As interferências institucionais estão presentes nos sentidos produzidos, ora
reforçando-os, ora opondo-se ao que a televisão apresenta. Os integrantes da
família são as pessoas com quem os agricultores mais interagem e trocam idéias,
sendo que em muitas semanas são as únicas pessoas com que convivem, por não
saírem da propriedade. A rede de sociabilidade dos entrevistados estende-se
também aos grupos de amigos e parentes, que normalmente encontram em
reuniões, cursos, cultos e rodas de chimarrão. São as matérias relacionadas ao
cotidiano e aquelas que apresentam novidades as mais comentadas nas conversas
informais. Nos assuntos técnicos estão presentes também às influências dos
técnicos das cooperativas agropecuárias e dos extensionistas da Emater/RS-Ascar,
que vêm reforçar ou não o que a televisão diz. Para o repasse de informações
ambientais, os técnicos e extensionistas da Emater/RS-Ascar são fontes de
290
credibilidade. Já os técnicos das cooperativas agropecuárias influenciam no
momento de aquisição de produtos agropecuários. Outros meios de comunicação,
principalmente o rádio, são também fontes de informação e sentidos.
Enfim, pode se dizer que todas estas instituições - família, Cooperativas,
Emater/RS-Asccar, Igreja - interferem nos sentidos apresentados pela televisão, mas
é, principalmente, nas atividades do cotidiano, alicerçadas pelo trabalho, pela família
e pelo contato com a terra e o meio ambiente, e nos cenários de recepção da
televisão, que esses sentidos se constituem.
O ambiente e a posição histórica, social e cultural em que estão inseridos os
agricultores torna-se pano de fundo para justificar todos os sentidos e opiniões que
produzem. Por isso, foi tão importante interagir e conviver com essas famílias para
entender a complexidade dos sentidos construídos e captados. No entanto, ao
encerrar este trabalho, percebo que muitos outros sentidos, relações e
considerações podem ser produzidos a partir das entrevistas realizadas. Na
grandeza e riqueza das informações obtidas, optei por alguns caminhos e aspectos
para analisar, mas outras possibilidades se abrem para análise em futuros trabalhos.
291
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