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ADARLY ROSANA MOREIRA GOES
CUIDADORES (AS) DE PORTADORES DE TRANSTORNOS
MENTAIS E A FAMÍLIA NO CONTEXTO DA
DESINSTITUCIONALIZAÇÃO
Londrina
2007
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ADARLY ROSANA MOREIRA GOES
CUIDADORES (AS) DE PORTADORES DE TRANSTORNOS
MENTAIS E A FAMÍLIA NO CONTEXTO DA
DESINSTITUCIONALIZAÇÃO
Dissertação apresentada ao programa de Pós-
Graduação em Serviço Social e Política Social,
Mestrado, da Universidade Estadual de Londrina
como requisito parcial para a obtenção do título de
Mestre.
Orientadora: Drª Cássia M. Carloto.
Londrina
2007
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ii
ADARLY ROSANA MOREIRA GOES
CUIDADORES (AS) DE PORTADORES DE TRANSTORNOS
MENTAIS E A FAMÍLIA NO CONTEXTO DA
DESINSTITUCIONALIZAÇÃO
Dissertação aprovada como requisito para a
obtenção do grau de Mestre no Programa de
Pós Graduação em Serviço Social e Política
Social da Universidade Estadual de
Londrina, pela seguinte banca examinadora:
BANCA EXAMINADORA:
_________________________________________
Profª. Drª. em Serviço Social Cássia M. Carloto
_________________________________________
Prof. Dra. em Serviço Social Maria Angela Paulilo
_________________________________________
Prof. Dra. em Enfermagem Angélica P. Waidman
Aprovada em 14/03/2007
iii
AGRADECIMENTOS
À Deus, ser superior, responsável pelo magnífico dom da vida, da capacidade
intelectual que permite o desenvolvimento de sentimentos de indignação a cerca da
crescente desigualdade entre seres que habitam este planeta e, nos mobiliza agir e
sonhar com um mundo melhor para todos e todas.
Ao meu amado e querido Denílson, companheiro de todas as horas, generoso nas
críticas e nas demonstrações de atenção, carinho e amor, parceiro nesta conquista.
A minha maravilhosa Giovana, luz da minha vida, que sofreu comigo, aprendeu a
compreender e superar minha ausência, esforço que valorizou esta conquista e nos
uniu ainda mais, redundou num amadurecimento mútuo de mãe e filha.
A minha generosa mãe, que não mede esforços para me auxiliar na busca de meus
objetivos e no meu aprimoramento intelectual.
Aos queridos Seu Góes, Dona Odete e Angélica, seres abençoados que me
fortalece em todas as minhas caminhadas.
A professora Dra. Cássia Maria Carloto, minha grande admiração pelos
direcionamentos, pela partilha do saber, pelo exemplo de profissionalismo.
A professora Me. Lúcia Helena, por acreditar superação de minhas limitações mais
do que eu própria e, hoje ver concretizar um sonho e imaginar muitas oportunidades.
Aos cuidadores/as entrevistados pela disponibilidade, confiança, generosidade e
simplicidade de seus depoimentos, pessoas especiais que compreenderam a
importância de partilhar suas vivências e refletir sobre elas.
Aos Portadores de Transtornos Mentais com os quais convivo profissionalmente e
tento aprender diariamente o significado da tolerância e das limitações pessoais.
iv
Aos meus colegas de profissão, que partilharam e partilham comigo anos de
convivência profissional, construíram comigo uma história e estarão sempre na
minha memória e no meu coração.
Ao Dr. Joel, pelas palavras de incentivo, pelos ensinamentos, pelo otimismo e pela
confiança, a quem tenho um enorme respeito e admiração.
Aos meus generosos e inesquecíveis colegas de turma do Mestrado, Janaína,
Valdir, Rosa, Denise, Ceiça e Elmides meu carinho e minha saudade.
A todos que não mencionei, mas que estiveram comigo e contribuíram para o
alcance desta conquista, minha gratidão.
v
Aos meus dois lindos amores:
Denílson e Giovana.
vi
“Parece-me bastante ridículo
lastimar um ser que se acha no
seu estado normal. Considerareis
deplorável o fato do homem não
ter asas para voar como os
pássaros, ou quatro pés como os
quadrúpedes, ou a fronte armada
de chifres como o touro?
Lamentareis a sorte de um belo
cavalo, pelo fato de não ter
aprendido gramática ou de não
comer bem? Deplorareis um touro,
pelo fato de não ser adestrado
na palestra? Portanto, assim
como o cavalo não é infeliz por
ignorar a gramática, assim
também não o é o louco, pois a
loucura é natural no homem”.
(Elogio à Loucura de Erasmo de Rotterdam)
vii
viii
GOES, Adarly Rosana Moreira. Cuidadores (as) de portadores de transtornos
mentais e a família no contexto da desinstitucionalização. 2007. Dissertação
(Mestrado Política Social e Serviço Social) – Universidade Estadual de Londrina,
Londrina.
RESUMO
A Reforma Psiquiátrica tem como enfoque a modificação no atendimento ao portador
de transtorno mental - PTM, propondo como sustentáculos a desinstitucionalização,
o atendimento multiprofissional e o engajamento familiar. O presente estudo,
pautado nestes novos paradigmas, em que as relações familiares se evidenciam
como protagonistas deste processo, objetiva conhecer e analisar o papel, atribuições
e responsabilidades do cuidador/a de PTM e o rebatimento em seu cotidiano. O
espaço de pesquisa é Hospital Regional Vale do Ivaí, localizado em Jandaia do Sul -
PR, instituição filantrópica de atendimento às pessoas com patologias mentais e
alcoolistas. Os sujeitos da pesquisa são familiares que acompanham PTM com
diagnóstico de esquizofrenia há no mínimo cinco anos, por ser este o transtorno
gerador de maior dependência de cuidados. Para a coleta de dados, foram
realizadas entrevistas com 8 (oito) cuidadores, quando da presença dos mesmos em
visitas ao familiar PTM internado. As entrevistas semi-estruturadas nortearam a
análise de dados em três eixos: A família que cuida; o cotidiano relacionado ao
portador de transtorno mental; e o cuidado e o suporte.
PALAVRAS-CHAVE: Cuidador/a, Transtorno Mental, Reforma Psiquiátrica.
ix
GOES, Adarly Rosana Moreira. Care Giver of carriers of mental upheavals and the
family in the context of the desinstitucionalization. 2007. Dissertation (Mastering in
Social Politics and Social Service) - State University of Londrina, Londrina.
ABSTRACT
The Psychiatric Reformation has its focus the modification in the attendance to the
carrier of mental upheaval - CMU, considering as its basis the desinstitutionalization,
the multiprofessional attendance and the familiar enrollment. The present research,
based in these new paradigms, where the familiar relations get evidenced as
protagonists of this process, objectives to know and to analyze the function,
attributions and responsibilities of the care givers of the CMU and the reflexes in its
daily life. The researching space is the Regional Hospital Vale do Ivaí, located in
Jandaia do Sul - PR, a philanthropic institution of attendance to the people with
mental and alcooholic diseases. The subjects of the research are the family members
that have been following the CMU with schizophrenia diagnosis at least for five years,
for this disease being the biggest dependence of cares. For the collection of data, 8
(eight) care givers of the CMU were interviewed, when they went to the Hospital to
visit their CMU relative interned. The half-structuralized interviews had guided the
analysis of data in three ways: The family who takes care; the daily life related the
carrier of mental troubles; e the care and the standing by.
KEY WORDS: Care Giver, Mental Upheaval, Mental Reformation
x
GOES, Adarly Rosana Moreira. Cuidadores (as) de portadores de transtornos
mentais e a família no contexto da desinstitucionalização. 2007. Dissertação
(Mestrado Política Social e Serviço Social) – Universidade Estadual de Londrina,
Londrina.
RESUMEN
La Reforma Psiquiátrica tiene como enfoque la modificación en la atención al
portador de trastorno mental – PTM, proponiendo como sustentáculos la
desinstitucionalización, la atención multiprofesional y el aferramiento familiar. El
presente estudio, pautado en estos nuevos paradigmas, en los que las relaciones
familiares se evidencian como protagonistas de este proceso, objetiva conocer y
analizar el papel, atribuciones y responsabilidades del cuidador/a de PTM y el
rebatimiento en su cotidiano. El espacio de investigación es el Hospital Regional
Vale del Ivaí, ubicado en Jandaia del Sur – Paraná, institución filantrópica de
atención a personas con patologías mentales y alcoholistas. Los sujetos de la
investigación son familiares que acompañan el PTM con diagnóstico de
esquizofrenia desde hace por lo menos cinco años, por ser éste el trastorno
generador de mayor dependencia de cuidados. Para la colecta de datos, fueron
realizadas entrevistas con 8 (ocho) cuidadores, cuando en visitas al familiar PTM
internado. Las entrevistas semi-estructuradas nortearon el análisis de datos en tres
ejes: La familia que cuida; cotidiano relacionado al portador de trastorno mental; y el
cuidado y soporte.
PALABRAS-CLAVE: Cuidador/a, Trastorno Mental, Reforma Psiquiátrica.
xi
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS
CAPs: Caixa de Pensão e Aposentadoria
CAPS: Centro de Atenção Psicossocial
CID: Código Internacional de Doenças
CEBs: Comunidades Eclesiais de Base
COSAM: Coordenação de Saúde Mental
DINSAM: Divisão Nacional de Saúde Mental do Ministério da Saúde
INPS: Instituto Nacional de Previdência Social
HR: Hospital Regional
PNASH: Programa Nacional de Avaliação dos Serviços Hospitalares
PTM: Portador de Transtorno Mental
MS: Ministério da Saúde
MTSM: Movimento dos Trabalhadores de Saúde Mental
NAPS: Núcleos de Atenção Psicossocial
OMS: Organização Mundial de Saúde
SNAS: Secretaria Nacional de Assistência à Saúde
SUS: Sistema Único de Saúde
UEL: Universidade Estadual de Londrina
xii
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 – Diagnóstico de esquizofrenia pelo DSM IV (1994) – Características
essenciais..................................................................................................................69
Quadro 2 – Coleta de dados – abril – Diagnósticos das Patologias Mentais de ambos
os sexos ....................................................................................................................71
Quadro 3 – Coleta de Dados – 01 à 15 de Maio – Portadores de Transtornos
mentais......................................................................................................................75
Quadro 4 – Coleta de dados – 01 à 15 maio – Sujeitos da Pesquisa .......................76
xiii
SUMÁRIO
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1.1. DOENÇA MENTAL NO CONTEXTO BRASILEIRO ...........................................................28
1.2. A ANTIPSIQUIATRIA....................................................................................................34
1.3. NO BRASIL..................................................................................................................38
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2.1. O CUIDADO DOMICILIAR ............................................................................................61
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3.1. PERFIL DOS PORTADORES DE TRANSTORNOS MENTAIS ..............................................70
3.2. PERFIL DOS SUJEITOS DA PESQUISA ............................................................................75
3.3. ANÁLISE DAS ENTREVISTAS........................................................................................78
3.3.1. A Família que Cuida...............................................................................................78
3.3.2. Cotidiano Relacionado ao Portador de Transtorno Mental ...................................89
3.4.3. O Cuidado e o Suporte .........................................................................................102
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APÊNDICE A.....................................................................................................................127
APÊNDICE B.....................................................................................................................128
INTRODUÇÃO
O interesse pelo tema Saúde Mental relacionado ao universo dos
cuidadores, foi se construindo a partir da nossa experiência profissional acumulada
como Assistente Social há mais de uma década em Hospital Psiquiátrico, que atua
no tratamento terapêutico pela via da internação aos portadores de transtornos
mentais e alcoolistas.
O foco privilegiado de intervenção do Serviço Social nesta instituição
é a família dos pacientes na qualidade de cuidadores principais, o que nos permitiu
vivenciar, ao longo deste tempo junto a estes familiares, a problemática da loucura e
a repercussão desta em suas vidas. Permitiu, também, refletir os limites da ação
profissional no contexto das instituições psiquiátricas enquanto prática
emancipadora e, o quanto os limites da socialização dos saberes psiquiátricos
continuam a manter a população excluída à mercê de serviços de saúde mental
fundamentalmente verticalizados e autoritários.
Recentemente, na década de 1990, a Saúde Mental ganha novos
contornos operacionalizando as modificações dos paradigmas psiquiátricos, através
da Reforma Psiquiátrica. Neste contexto, o atendimento às pessoas com sofrimento
psíquico tem se constituído em uma multiplicidade de alternativas pautada na
desinstitucionalização, que, em linhas gerais, pretende garantir enfoque humanizado
ao atendimento, propondo o fim aos tratamentos que privilegiam o isolamento social
e o resgate e reconhecimento da cidadania destas pessoas.
A desinstitucionalização propõe também, no âmbito da legislação
que a fundamenta, um novo significado para o papel da família, como protagonista
deste processo, capaz de contribuir no estabelecimento de efetiva cidadania dos
portadores de transtornos mentais. Em nosso entendimento, no momento da
operacionalização, tais atribuições designadas ao grupo familiar, transformam-se
num fardo demasiadamente pesado que tem sobrecarregado principalmente as
representantes do sexo feminino, por serem estas as responsáveis históricas pelo
cuidado.
As resignificações do papel da família propostas pelas políticas
sociais de modo geral, e particularmente na saúde mental, nos trazem inquietudes e,
15
nesta pesquisa, dão contorno ao objetivo proposto de conhecer e analisar o papel,
atribuições e responsabilidades do cuidador/a de PTM e o rebatimento em seu
cotidiano.
Com vistas à construção desta pesquisa, partimos do entendimento
defendido por vários cientistas, dentre os quais destacamos Minayo (1998) e
Chizzotti (2003), quando afirmam que as ciências humanas e sociais, têm sua
especialidade – o estudo do comportamento humano e social – que fazem delas
ciências específicas, com metodologia própria. Assim, afirmam tais autores que não
é apropriado seguir os mesmos paradigmas de outras ciências naturais, onde
modelos estritamente experimentais podem conduzir a generalizações errôneas em
ciências humanas.
Minayo (1998) faz referência a este aspecto dando destaque à
metodologia, validando aquela que:
[...] não só contempla a fase de exploração de campo (escolha do
espaço da pesquisa, escolha do grupo de pesquisa,
estabelecimento dos critérios de amostragem e construção de
estratégicas para entrada em campo) como a definição de
instrumentos e procedimentos para análise dos dados. (1998, p.43).
Desta forma, para obtenção dos dados empíricos, utilizamos
procedimentos de caráter quanti-qualitativos, por compreendermos que os dados
objetivos se relacionam de maneira dinâmica com os aspectos subjetivos das
mediações e correlações sociais, vindo a constituir a riqueza do processo de
conhecimento.
Consideramos, também, importante que os procedimentos
qualitativos propiciem o envolvimento não apenas do pesquisador, conforme ressalta
Chizzotti (2003), mas de todas as pessoas que participam da pesquisa e
concretamente são reconhecidas como sujeitos que elaboram conhecimentos,
reflexões e produzem práticas adequadas aos problemas que identificam.
Diante disto, o campo de pesquisa escolhido foi o Hospital Regional
Vale do Ivaí, no qual exerço a função Assistente Social desde o ano de 1993,
compondo junto com 02 colegas o setor de Serviço Social e integrando a Equipe
Técnica composta por 25 profissionais da área da saúde: 5 psicólogas, 1 terapeuta
ocupacional; 6 enfermeiros; 1 pedagoga; 1 professor de educação física; 1
nutricionista; 1 dentista; 1 médico clínico e 5 psiquiatras.
16
Este hospital tem caráter filantrópico, está localizado na cidade de
Jandaia do Sul – PR, vinculado à 16ª Regional de Saúde de Apucarana e se dedica
exclusivamente ao atendimento à saúde mental, conveniado ao Sistema Único de
Saúde – SUS. Desenvolve tratamento aos portadores de transtornos mentais e
alcoolistas, por meio de internações e de acompanhamento ambulatorial a pacientes
novos e egressos.
Fundado em 1976, vem ao longo dos anos atendendo à demanda
quantitativa da região do Vale do Ivaí, composta por 45 municípios, que buscam
tratamento quanto aos diferentes diagnósticos de transtornos mentais e de
alcoolismo.
Inicialmente, realizamos um mapeamento dos pacientes internados
no dia 20 de março de 2006, num total de 270, em busca da obtenção de
informações gerais e os principais diagnósticos acerca das pessoas atendidas.
De posse destas informações, realizamos a coleta de dados nos
prontuários dos 270 pacientes internados, o que possibilitou traçar um perfil pessoal
e familiar, além do histórico das internações.
Esta coleta de dados, aliada aos conhecimentos acumulados através
de nossa experiência profissional, permitiu compreender que os pacientes com
diagnóstico de esquizofrenia, além de se constituírem quantitativamente em número
mais expressivo, 42,69 %, formam o maior universo de reinternações e demandam
maior dependência de cuidados, fato este que auxiliou na definição dos sujeitos.
Repetimos a coleta de dados nos prontuários, trinta dias após a
primeira, com vistas a verificar se haveria modificações significativas no perfil dos
usuários do serviço. O número total neste segundo momento resultou 267 pacientes
internados. Avaliamos que a variação dos mesmos dados não se configurou
significativa. Optamos por descartar os prontuários que obtiveram alta neste
período, e, a partir disto, coletamos os dados para compor o perfil dos pacientes
neste estudo.
A partir desta etapa, definimos como critérios para seleção dos
sujeitos da pesquisa: cuidadores de ambos os sexos que acompanham e cuidam de
portador de transtorno mental, com diagnóstico da CID – 10, f.20 – esquizofrenia, e
seus quadros derivados. Em complementaridade ao critério de seleção, tais
portadores dos quadros esquizofrênicos deveriam ainda apresentar como histórico,
pelo menos cinco anos do desenvolvimento da primeira crise; além de terem no
17
mínino 5 (cinco) reinternações neste Hospital. Isto, em função do comprometimento
mental deste transtorno e sua conseqüente exigência de cuidado e supervisão
cotidiana a ser realizada por terceiros – os cuidadores.
Definimos também que partiríamos dos pacientes reinternados na
primeira quinzena de maio, o que permitiria a realização das entrevistas durante as
visitas, já que os pacientes, após a internação, mantêm média de 60 dias de
internação.
A partir destes critérios, identificamos 17 (dezessete) cuidadores/as.
Partindo de registros dos internamentos anteriores, foi possível identificar os
familiares que mantiveram visitas semanais ao PTM e dentre estes, elegemos uma
amostra inicial de 10 (dez) familiares – cuidadores/as. Decidimos inicialmente entre 5
(cinco) do sexo masculino e 5 (cinco) do sexo feminino.
Concomitantemente, o referencial bibliográfico apreendido,
possibilitou a formulação do roteiro semi-estruturado de entrevista, que foi pré-
testado, revelando a necessidade de acréscimo de novas questões. As entrevistas-
testes e todas as demais foram realizadas nos momentos de visitas dos portadores
de transtornos mentais, nas dependências do próprio Hospital. Desta forma, foi
possível programar as entrevistas antecipadamente e criar um clima amistoso, com
os devidos esclarecimentos sobre os objetivos e finalidades tanto do instrumento de
coleta de dados, do termo de consentimento livre e esclarecido, como do trabalho
em si.
Houve da parte dos entrevistados completa adesão na participação
da pesquisa, com apresentação e assinatura dos sujeitos no termo de
esclarecimento/consentimento.
As entrevistas foram gravadas com o consentimento dos
entrevistados.
Após a realização das 7 primeiras entrevistas, os dados foram
transcritos e, ao constatar a repetição nos conteúdos das entrevistas, decidimos
realizar apenas mais uma, já anteriormente marcada, e finalizar em 8 o número total
de entrevistas da amostra.
A análise das entrevistas foi organizada em três eixos: A família que
cuida; o cotidiano relacionado ao portador de transtorno mental; o cuidado e o
suporte.
O estudo está distribuído em três capítulos:
18
O primeiro capítulo traz considerações sobre a história da doença
mental e a evolução dos saberes psiquiátricos, que culminaram no recente processo
de desinstitucionalização pautado na descentralização dos serviços, e o
engajamento familiar como terapêutica assistencial.
O segundo capítulo aborda o engajamento da família como pilar das
políticas públicas, a complexidade da dinâmica familiar quando há portador de
transtorno mental compondo o grupo e a sua dependência de cuidados. Aborda,
também, a figura do cuidador e as construções sociais de gênero nessa trajetória.
No terceiro capítulo, são apresentadas as características da
patologia esquizofrenia, o perfil dos portadores de transtornos mentais e dos seus
respectivos cuidadores, que compõem os sujeitos da pesquisa, além de apresentar a
análise dos dados coletados durante as entrevistas.
Por último, serão apresentadas algumas considerações sobre a
investigação realizada, tanto no que tange à pesquisa bibliográfica, como também
sobre nossas reflexões em relação às entrevistas efetivadas com os cuidadores dos
PTMs, para, finalmente, tecermos algumas sugestões com respeito à
operacionalização da desinstitucionalização conforme se configura a Reforma
Psiquiátrica.
CAPÍTULO I
1. ABORDAGEM HISTÓRICA DO FENÔMENO DA LOUCURA,
CONCEITOS E FORMAS DE TRATAMENTO
O processo de desinstitucionalização dos portadores de transtornos
mentais (PTMs), propostos nos dias atuais decorrente da Reforma Psiquiátrica
pretende, além de superar o isolamento manicomial, diversificar as possibilidades de
assistência e visam, concomitantemente, transformar as representações e imagens
sociais construídas acerca da loucura, dos manicômios e da sociedade com ambos.
Este é um movimento contemporâneo que encerra objetivos árduos
e desafiadores: a reintegração dos portadores de transtornos mentais na sociedade
como cidadãos; o reconhecimento de sua especificidade enquanto sujeito; a
retomada de sua vida familiar e produtiva; além da restituição de seus direitos tão
lesados ao longo do tempo.
Marsíglia (1987), já acenava, por ocasião de debates promovidos no
II Congresso de Trabalhadores de Saúde Mental de São Paulo, no período pré-
Constituinte de 1988, para as desafiadoras dificuldades e entraves a serem
transpostos na constituição mais geral da cidadania brasileira, destacando as
particularidades da questão da doença mental como um processo mais
obstaculizado ainda:
[...] o avanço da cidadania dos doentes mentais não ocorrerá se não
houver um avanço como um todo, da cidadania de todos os
segmentos da população. Entretanto, também não lhe será suficiente
o avanço, porque os doentes mentais estão numa situação
específica na sociedade, o que demandará uma luta específica para
que seus direitos venham a ser admitidos e respeitados. (p. 14).
Compreender e refletir a Reforma Psiquiátrica neste enfoque
transformador, que a legislação já tornou realidade, significa vivenciar na sua
concretude operacional todas estas ressalvas, limitações e complexidades, que não
se limitam a questões da cidadania, inclusão social e solidariedade exclusiva aos
20
portadores de transtornos mentais, mas também do meio social que se constitui no
âmbito familiar e comunitário.
Na direção desta reflexão, partiremos da retrospectiva da evolução
da assistência psiquiátrica para contextualizar o que foi esta conquista das pessoas
com sofrimento psíquico, de seus familiares e dos trabalhadores da saúde mental.
Conforme destacam diversos autores, as patologias mentais são
denominadas através do termo loucura, dentre os quais destacamos Rosa (2003),
Costa e Tundis (2001), que entendem que o termo está relacionado aos processos
de construção sócio-históricos e culturais, e suas formas de assistência e
enfretamento.
Resende (2001) identifica a loucura, fazendo referência ao escritos
de Erasmo de Rotterdan, datados de 1509:
[...] com as paixões e o comportamento sensato com o raciocínio, dá
a entender que aquela é inata ao homem e este último imposto de
fora, não necessariamente em nome da razão, já que não se pode
entender como razoável o fato dos homens se infligirem tanto mal.
Além disso, o próprio comportamento sensato e racional pode deixar
de sê-lo se ocorre fora do contexto. (p.19).
A compreensão da manifestação da loucura inclui também, o
aspecto sociológico lembrado por Lévi-Strauss, (apud COSTA e TUNDIS, 2001), no
qual a saúde mental individual está articulada com a participação na vida social,
suas representações simbólicas, que num determinado momento se dissocia do
grupo.
Os primeiros relatos sobre a loucura datam das chamadas
sociedades primitivas, na qual, este fenômeno não se apresentava expressivo em
termos numéricos, posto que tais populações eram numericamente reduzidas e o
tempo de vida das pessoas também. (RESENDE, 2001).
Seguindo o pensamento do mesmo autor, a antiguidade remete a
loucura às pessoas que falavam de modo incompreensível ou apresentavam
comportamentos desviantes do convencional, sendo associadas aos possuidores de
poderes divinos e sendo tratada como questão privada, determinada pelos costumes
da época.
Neste contexto místico e religioso, as questões das doenças mentais
permaneceram centralizadas no interior do grupo doméstico, que administrava o
21
controle sobre o louco. Os tratamentos médicos desta época se limitavam às
famílias mais abastadas, que podiam manter seus doentes sob supervisão de
escravos, ou os mantinham trancados e confinados em porões conforme a noção
terapêutica do período.
Já os pobres viviam pelas ruas e pelos mercados, mantinham-se
pela caridade alheia, ou de pequenos serviços. Por vezes eram ridicularizados,
tornando-se vítimas de zombaria e agressões, o que significa que a tolerância para
com os mesmos se dava de modo relativo.
Por outro lado, a loucura, não raro, era percebida como liberdade de
criação nas artes e na literatura:
Tanto o trabalho agrícola de subsistência como o artesanato para o
consumo imediato ou troca nos restritos mercados da época,
atividades nas quais se assentava a economia das sociedades pré-
capitalistas, tinham em comum serem capazes de acomodar largas
variações individuais e de ‘respeitar’ o tempo e o ritmo psíquico de
cada trabalhador. (BEZERRA, 2001, p.22).
Marsiglia (1987) esclarece que o conceito de cidadania apareceu já
nesta época:
O cidadão era o individuo pleno de direitos, porque era proprietário
dos meios de produção. O escravo não era cidadão, não tinha
direitos e nem mesmo era considerado ser humano: era apenas
instrumento de trabalho.(p.14).
O final do feudalismo, no século XV, trouxe de roldão alterações
profundas na organização societal da época, decorrentes da luta para que os servos
pudessem libertar-se dos compromissos dos senhores feudais; o cercamento das
propriedades, a dispersão dos dependentes feudais e a modificação no tamanho da
terra, desencadearam desespero e caos estendidos ao conjunto da população
(BEZERRA, 2001):
[...] foi necessário descartar um sentimento ainda profundamente
arraigado, próprio tanto do homem rural quanto do urbano, de que a
liberdade individual é incompatível com a subordinação a um
processo de trabalho estritamente vigiado e totalmente racionalizado
que até aquele momento só era conhecido nos presídios e nas casas
de correção. (p. 23).
22
Neste mesmo período, Resende (2001) destaca que o contexto
Europeu é marcado com a expansão do Mercantilismo, acarretando modificações
nas formas de produção e organização do trabalho. O advento da manufatura inicial,
forma rudimentar de divisão social do trabalho, trouxe também uma nova
racionalidade às relações sociais modificando definitivamente a subjetividade do
trabalho, valorizando o individualismo, bem como alterando a compreensão do
fenômeno da loucura.
Intrínseco ao movimento de transição, os indivíduos resistentes ao
novo modelo de produção da vida material que se impunha, ou os que
apresentavam comportamentos desviantes, não mais aceitos, passam a ser vistos
como desqualificados do ponto de vista moral, improdutivos e perigosos.
Neste contexto, ainda segundo o citado autor, não somente os
loucos, mas também prostitutas, mendigos e vagabundos, aqueles que de algum
modo não se enquadravam na visão de homem produtor de trabalho e
obstaculizavam o novo ordenamento econômico e político-social em construção,
tornavam–se alvos de práticas de repulsa, segregação, perseguições e punições.
Foucault (1988) destaca que no século XVII foram criados, em toda
Europa, estabelecimentos de internação:
[...] que não são simplesmente destinados a receber loucos, mas
toda série de indivíduos bem diferentes uns dos outros, pelo menos
segundo nossos critérios de percepção: encerram-se os inválidos
pobres, os velhos na miséria, os mendigos, os desempregados
opiniáticos, os portadores de doenças venéreas, libertinos de toda
espécie, pessoas a quem a família ou o poder real querem evitar um
castigo público, pais de família dissipadores, eclesiásticos em
infração, em resumo todos aqueles que, em relação à ordem da
razão, da moral e da sociedade, dão mostras de “alteração”. (p.78).
Acrescenta ainda que, além dos novos estabelecimentos, para tanto
são reutilizados, como asilos, antigos leprosários desocupados, tais como Bicêtre,
La Salpêtrière, Saint-Lazare e Charenton, que após o controle da lepra, no final da
Idade Media, se adequariam aos modelos destas novas instituições, que não tinham
vocação médica alguma:
O internamento que o louco, juntamente com muitos outros, recebe
na época clássica não em questão a relação da loucura com a
doença, mas, as relações da sociedade consigo própria, com o que
ela reconhece ou não na conduta dos indivíduos. (p. 79).
23
Desta forma, sob a aparência religiosa e curativa, esses asilos se
tornam apenas uma instância de segregação e exclusão do louco, onde
permaneciam esquecidos ou submetidos a tratamentos brutais, que nada tinham de
terapêuticos ou pedagógicos, os quais Resende (2001, p. 25) detalha:
Ainda inspirados nos princípios da medicina galênica, segundo os
quais a doença resultava do desequilíbrio entre os quatro humores
do corpo, os tratamentos destinavam-se a livrar os doentes de seus
maus humores, sangrando-os até a ponto de levá-los à síncope, ou
purgando-os várias vezes por dia até que de seus intestinos nada
mais saísse senão água rala e muco.
Amarante (2006), em artigo recente se reporta à obra de Machado
de Assis “O Alienista” para ilustrar os dispositivos de poder intrínsecos ao saber
psiquiátrico daquela época:
Machado questiona a idéia de ciência como produtora de verdade e
sua pretensão de se apresentar como um saber neutro e
desinteressado; denuncia a função da psiquiatria na construção do
ideal de normalidade e de sociedade, bem como a relação entre a
psiquiatria e ordem pública. (Revista Mente & Cérebro. set/ 2006).
Costa (1987, apud WAIDMAN 2004), refere que ao final do século
XVIII, após longos anos desaparecidos e silenciados no interior destes
estabelecimentos, os loucos e a loucura ressurgem a partir da ação de estudos de
figuras de destaque no campo da psiquiatria, como Philippe Pinel (na França),
Daniel Tuke (na Inglaterra), Dorothea Dix (EUA) e Chiaruggi (Itália), que lutaram em
nome desses homens humilhados, marginalizados e torturados.
Em 1793, com a nomeação do médico Pinel para Bicêtre, na França,
acontece o primeiro marco na assistência destinada ao louco. A loucura ganhava
status de doença e criava-se um espaço de tratamento de caráter terapêutico e
higienista, fundamentado basicamente na idéia da reeducação. Este tratamento
consistia de um regime rígido que implicava em relações de autoridade e disciplina,
ficando conhecido como tratamento moral.
Esta intervenção terapêutica, atribuída a Pinel, segundo Resende
(2001), permitiu então separar os loucos, cujos comportamentos se exteriorizavam
dos demais desajustados que habitavam as instituições e abrigos da época. Sendo
estes últimos, ao longo do tempo, libertos, reeducados e incorporados ao convívio
24
social e ao sistema produtivo em consolidação da época. Dê outro lado, aqueles
incapacitados para o trabalho foram mantidos recolhidos, agora sob o legitimo
cuidado psiquiátrico.
Assim, no século XIX, com a instituição da prática asilar e do
tratamento moral, a loucura permitiu uma construção legitima de saber e poder sobre
a desrazão e o desatino, constituindo-se na alienação mental, criando condições de
emergência da psiquiatria.
Spricigo (2001) argumenta que o conhecimento gerado sobre a
alienação decorre da observação sistemática e possibilita descrever e classificar
tudo aquilo que, no entendimento do alienista, é estranho ao padrão moral. Sob a
crença de observador neutro, determina o que é normal e o que é patológico e, com
isso, promove a passagem da loucura para a alienação mental.
A medicalização da loucura, no século XIX, é outro fator que
segundo Castel (1991 apud BARROS, 1996):
[...] implica na definição, através da instituição médica. De um novo
status jurídico, social e civil do louco: o alienado, que a lei de 30 de
junho de 1838 fixará, por mais de um século, num completo estado
de minoridade social. (p.12).
Segundo o mesmo autor, aprovada pelo parlamento francês, esta foi
a primeira lei européia sobre alienados que reforçou os aspectos de periculosidade e
de ordem pública que ainda hoje envolvem a psiquiatria.
Acerca deste aspecto, Rosa (2003, p. 45) afirma que “a burguesia
equacionou o problema político que representava a loucura delegando mandato à
psiquiatria, que deslocou o problema essencialmente político que ela representava
para a alçada técnica”.
Posteriormente, os saberes no campo da psiquiatria foram se
desenvolvendo, acumulando e assimilando novas explorações empíricas
correlacionadas com método e pesquisa, junto com o progresso de bacteriologia e
da anatomia patológica, além do desenvolvimento da neurologia, permitindo
questionar as bases pouco científicas do tratamento moral. (RESENDE, 2001).
Retomando o pensamento de Rosa (2003), podemos compreender
que os insucessos do alienismo trouxeram à tona uma crise teórica das explicações
morais sobre a incurabilidade e a cronicidade da doença mental, surgindo em
25
contrapartida estudos anátomo-patológicos da Medicina que, apesar de se tornarem
hegemônicos, passaram a coexistir de forma tensa com as explicações morais.
Do ponto de vista psiquiátrico, Fink (1923, p. 85) destaca que os
avanços da medicina do fim do século XIX, deram origem à psiquiatria moderna,
com a identificação, pelos neuropsiquiatras europeus, de distúrbios mentais
separados e, destacavam nesta época três enfermidades mentais dominando “a
cena clínica: neurosífilis, descrita como demência paralítica, demência praecox
(esquizofrenia hoje) e insanidade maníaco-depressiva (depressão maior e distúrbio
bipolar hoje)”.
Tais descobertas reforçaram o questionamento médico a respeito do
saber alienista e do asilo como espaço de atuação, transformando a doença mental
em sinônimo de dano cerebral, ainda desconsiderando os aspectos psicossociais.
Sonenreich (1996), afirma que foi há pouco mais de cem anos que
as doenças mentais começaram a ser sistematizadas a partir dos estudos
organicistas de Kraepelin, psiquiatra alemão que viveu no século XIX. Trata-se do
segundo grande marco na história da assistência psiquiátrica.
Barros (1996) refere à Kraepelin como responsável em buscar
estruturar uma nosografia ao classificar as doenças psiquiátricas, utilizando
metodologia semelhante à usada na medicina geral. Nesta concepção a doença
mental é vista e tratada a partir do modelo orgânico e biológico tradicional, onde a
cura sintomática constitui-se o objetivo maior, moldado por modelos institucionais.
A orientação Kraepeliana, de acordo com Waidman (2004, p.45):
[...] teve grande aceitação devido ter sido formulada sobre uma
classificação de sintomas da doença mental que se divide em dois
grandes grupos: os das psicoses maníaco-depressivas e os da
demência precoce, e reunia todas as formas catatônicas,
hebefrênicas alucinatórias e delirantes. Em função da valorização
das causas organicistas surgem diversas formas de tratamento
como, por exemplo, o choque insulínico, a eletroconvulsoterapia
(eletrochoque) e posteriormente os psicofármacos.
O psicanalista e psiquiatra Jurandir Freire Costa (1987), avalia que
este discurso organicista da psiquiatria, continua sendo o discurso estratégico que
tem prevalecido quando se debate a loucura nos tempos atuais e tece sua avaliação
crítica do mesmo, ao afirmar que:
26
[...] surge como o mais conservador, mais reacionário, o mais
massacrante. (...) tem claramente como local de sua produção o
asilo, procura seguir a regra ou pelo menos a tradição científica do
pensamento médico, e tem como objeto o corpo sem cadáver. (...) O
objetivo é o reconhecimento desse discurso pelos pares médicos,
verdadeiros interlocutores do organicismo. (p. 48 e 49).
Desta forma, o discurso organicista, seguindo o raciocínio do
psicanalista citado desde o seu surgimento com Kraepelin, tem sido utilizado pela
psiquiatria na pretensão de legitimar-se diante do restante da comunidade médica,
para tanto pretendia se desligar da neurologia para se tornar uma especialidade
autônoma.
A partir de 1890, Freud passa a desenvolver sua teoria do
inconsciente e, segundo Fenili (1999), suas contribuições revolucionaram conceitos
ortodoxos sobre a mente. Freud propunha novas técnicas de exploração, valorizava
o método científico para a compreensão do psiquismo e chamava a atenção para o
comportamento humano. “Utiliza a hipnose, a transferência, formula a teoria da
libido. Dirige sua atenção ao dinamismo entre a personalidade e o meio ambiente.”
(p.23).
Fink (1923) descreve que até o início do século XX:
[...] nenhum tratamento eficaz era conhecido. Os cuidadores dos
doentes mentais comumente recorriam a correntes, correntes de
contenção, banhos frios e quentes e isolamento. Morfina, brometos,
barbitúricos e hidrato de cloral mantinham pacientes sonolentos,
porém ajudavam pouco a curar sua enfermidade. Os doentes
mentais, que eram perigosos para si mesmos ou para outros, eram
internados em grandes hospitais mantidos pelo Estado, cuidados por
superintendentes com autoridade total para tratar os internos. (p.85).
Somando-se a isso, ainda no século XX, Dractu (1996) destaca a
complexidade da avaliação diagnóstica em psiquiatria, onde o profissional médico
não dispunha de exames laboratoriais e investigações e se fundamentava na história
e na avaliação clínica do doente, além do exame mental, para proposições de
terapêuticas.
Sobre este aspecto Saggese (2001, p. 23), esclarece que:
Esse amálgama entre a psicopatologia clínica e as concepções
organicistas de fundo, que constitui o conceito de esquizofrenia,
tenderia a ganhar dimensões gigantescas, absorvendo um conjunto
de estados mórbidos que eram considerados isoladamente: formas
27
delirantes crônicas, antes ligadas à paranóia, confusões alucinatórias
agudas as amências, psicoses histéricas (...). Esse crescimento
desmesurado deve ser atribuído à mudança de critério diagnóstico,
que deixou de basear-se na evolução, como em Kraepelin, para
fundar-se na psicopatologia.
Até aqui, percebemos que os estudos de Costa (1987, apud
SADIGURSKY 1997), complementam a nossa compreensão acerca do discurso
estratégico da psiquiatria sobre a loucura, fundamentada em três correntes:
[...] a organicista, a preventivista e a psicoterápica. Para a primeira, o
local de produção seria o asilo, com ênfase na causa orgânica da
doença mental legitimada pela classe médica. A segunda corrente
reduz os indivíduos á massa, e recolhe os indivíduos de raça inferior,
de cor, que perambulam pelas ruas, são improdutivos e inaptos
sociais, que através da prevenção e respaldo pelo Estado, decreta a
periculosidade do doente mental. A terceira surge com a medicina
mental privada através das psicoterapias, em consultórios ao alcance
da família de classe média. (p. 08).
Desta forma, como pudemos observar, o transtorno mental
historicamente esteve engajado naturalmente na dinâmica social das civilizações
antigas. Posteriormente, passou, então, a ser associado à idéia de problema social
decorrente da modificação do modelo de organização econômica com a passagem
do regime feudal para a economia de mercado do sistema capitalista e do
mercantilismo dela decorrente.
A nova ordem capitalista em construção prevê a intensificação do
individualismo, o necessário controle social da força produtiva, onde o trabalho
passa a ser caracterizado como fonte de valor, transformando toda a organização e
a produção da vida social.
Desta maneira, no contexto do movimento de implementação e
desenvolvimento da ordem capitalista, a administração da loucura, torna-se parte
tendenciosa no processo de redefinição do Estado, enquanto mediador de interesse
entre capital e trabalho, no qual, os atores indesejáveis são marginalizados,
segregados e excluídos num determinado período, sem assistência ou tratamento.
Nos dizeres de Scliar (2003, p. 187-188):
Porque esta associação entre loucura e modernidade? A primeira
razão é, como já foi dito, a diminuição da tolerância. Que resulta de
uma conjuntura socioeconômica. Uma nova ética surge então, a ética
do trabalho, da produção; aqueles que não trabalham como os
28
loucos, não podem ficar vagando nas ruas – agora que as cidades
crescem cada vez mais – dando mau exemplo. Ou estão na lavoura,
na oficina (e mais tarde nas gigantescas fábricas) ou estão no
hospício. A sociedade se homogeneíza cada vez mais. O diferente é
ameaçador: esta é também a época da caça as bruxas e da
Inquisição. Uma dura realidade se afirma numa realidade que nega
os mitos e as fantasias que, no passando, se associavam e se
confundia com a doença mental, o que presenciamos, no dizer de
Max Weber, é um verdadeiro desencantamento do mundo. As
ilusões que se desfazem dão lugar à melancolia, ou, para usar um
termo mais recente, a depressão.
Observamos que o movimento de transformação da concepção do
louco até a definição do portador de transtorno mental, não se deu, ao longo dos
séculos, de forma linear. Houve, em períodos distintos, surgimento de vozes e ações
que denunciam, colocam em “xeque” e reivindicam descortinar o paradigma
psiquiátrico. Porém, esta aspiração, apesar de persistir na substituição de formas de
tratamento, insistia em procurar a cura das doenças mentais e continuou
segregando e encarcerando os portadores de transtornos mentais nas instituições
pelo mundo afora.
1.1. DOENÇA MENTAL NO CONTEXTO BRASILEIRO
Como na Europa, a loucura aqui no Brasil também gozou de
liberdade, e passou por período de aceitação que Resende (2001) situa
cronologicamente como o período da vigência da sociedade rural pré-capitalista,
sendo considerada fenômeno natural e integrada aos costumes e à vida social da
época.
A literatura da época faz referência à loucura, à mendicância e à
pobreza indistintamente, como parte das cidades e vilarejos em construção, sendo
assistida de forma caritativa pela própria população, desde que não apresentassem
agressividade em seus comportamentos. Eram por vezes recolhidos em prisões, por
curto espaço de tempo, quando exibiam comportamentos indesejáveis. (RESENDE,
2001).
Segundo Spricigo (2001), a prática médica, à época do Brasil
colônia, se reduzia a evitar a morte, não se configurando preocupação do Estado,
29
deliberada pelas ordens religiosas tanto a assistência, como também, as instituições
de ensino superior na área da saúde.
Resende (2001) refere que nos séculos XVI e XVII, apesar de pouco
povoadas, cidades como o Rio de Janeiro contavam com as Santas Casas de
Misericórdia e outras instituições de caridade que abrigavam doentes pobres, velhos,
órfãos e mendigos, mas não contavam com loucos em sua variada clientela. Os
portadores de transtornos mentais ficavam então a cargo de seus familiares que os
isolavam em cômodos específicos de suas casas. Caso apresentassem
comportamentos agressivos ou de agitação eram mantidos amarrados.
Segundo Costa (2001), tal como ocorria na Europa, também no
Brasil, até o final do século XVII, tendo ainda baixa concentração populacional, os
loucos gozavam de certa tolerância social e relativa liberdade. Porém, entre as
conseqüências da Revolução Industrial Européia – a qual o Brasil, apesar de não
estar envolvido diretamente, sofreu impacto – percebe-se um crescimento da
concentração populacional nas vilas e cidades e um aumento significativo de
desempregados, desocupados e loucos nas ruas, passando a preocupar as
autoridades.
Marsiglia (1987) faz referência ao modo restrito que as questões de
cidadania brasileira foram abordadas no período imperial:
[...] tratava-se de uma sociedade baseada, de um lado, no trabalho
escravo e, por isso excluía uma grande parcela da população dos
chamados direitos civis (e evidentemente excluía de todos os outros
direitos); por outro lado, uma sociedade em que os direitos os direitos
políticos foram assegurados apenas a uma parte dos grandes
proprietários dos meios de produção, excluindo também grande parte
de pequenos e médios proprietários. E ainda, do ponto de vista dos
direitos sociais, tivemos durante o período imperial um Estado que
propiciou certa proteção apenas aos servidores públicos militares.
(p.17).
Em nosso país neste período, posto que a perturbação da paz
social, a desordem, e o crescente número de desocupados tornam-se obstáculos à
consolidação do modelo burguês em franca expansão, tais elementos perturbadores
foram recolhidos aos porões das Santas Casas de Misericórdia, onde a assistência
se realizava de modo precário. Segundo o autor supracitado, até a metade do século
XIX, os doentes mentais não se beneficiaram de assistência médica específica.
30
Foram, num primeiro momento, removidos do espaço urbano e amontoados nos
porões das Santas Casas.
Marsíglia (1987) destaca um aspecto interessante, neste contexto:
[...] nenhum outro grupo da sociedade (a não ser os servidores
militares) conseguiu obter a garantia de assistência pelo Estado, o
grupo dos doentes mentais mereceu uma lei; a justificativa para tal
fato pode ser encontrada no interesse de manter esse grupo
afastado do convívio social. (p.18).
De acordo com Resende (2001), o marco inicial da assistência
psiquiátrica no Brasil foi a construção do Hospício de D.Pedro II na cidade do Rio de
Janeiro, então capital do Império, inaugurado em 05/12/1852 pelo próprio Imperador,
com capacidade inicial de 350 leitos que, embora iniciando com 144 doentes, atinge
em pouco mais de um ano a lotação completa.
Asilos que, uma vez abertos, se viam, em curto espaço de tempo,
assoberbados pela demanda, justificando o clamor por mais verbas e
mais hospitais. Esta foi uma tendência constante ao longo de toda a
história da assistência psiquiátrica até os tempos recentes.
(RESENDE, 2001, p.37).
Waidman (2004) destaca que apesar da implantação de um hospital
específico de internação e a evolução do status de doentes mentais, os portadores
de transtornos mentais continuavam a receber tratamento precário, centrado nos
moldes de exclusão, segregação e confinamento.
Assim, para a mesma autora, a criação do Hospício D. Pedro II:
[...] atingiu pelo menos dois alvos: o esvaziamento dos porões das
santas casas de misericórdia e a celebração do regime imperial, que
estava saindo de um período conturbado, com a sucessão de
regências instáveis, e entrando num período de esperanças, relativas
à maioridade do Imperador Dom Pedro II. (p.54 e 55).
Em janeiro de 1881 o Hospício Dom Pedro II, face às críticas
médicas aos hospícios confiados aos religiosos, que impunham obstáculos de ordem
institucional e jurídica divergindo da proposta de tratamento moral, foi desanexado
da Santa Casa, vindo a tornar-se Hospital Nacional de Alienados. (BARROS, 1996).
Segundo Resende (2001, p.40):
31
Pode-se argumentar e interpretar (e não sem razão) que tais
denúncias, por partirem de membros da classe médica,
representavam movimentos na direção de afirmar a hegemonia de
um poder e reivindicar a exclusividade de um saber sobre assuntos
de saúde e doença mental e a tutela sobre a pessoa do louco.
O Estado assume o controle destas instituições, nomeia para a
gerência o médico psiquiatra Teixeira Brandão, mais tarde eleito deputado. Esta
representação médica à frente da direção do Hospital de Alienados, em detrimento
das freiras, representou avanço e desenvolvimento para área da psiquiatria.
Segundo Fenili (1999), em 1881 foi criada a disciplina clínica psiquiátrica na
Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro; “os médicos firmam seus direitos sobre o
hospício e começam a lecionar doenças nervosas e mentais”. (p. 26),
Ainda segundo a mesma autora, fazendo referência ao pensamento
de Teixeira Brandão (1993), os hospícios tinham com finalidade:
[...] atender duas funções complementares, que seriam: proteger o
louco dentro de um espaço que lhe seria próprio e que assumiria aos
poucos as especificidades da tecnologia manicomial e, da mesma
forma, proteger a sociedade desses loucos que ameaçavam a
segurança pública. (FENILLI, 1999, p.27).
Desta forma, fica evidenciado que o modelo de assistência ao
doente mental se tornara um modelo asilar, segregador, com grande carga de
preconceito, sob o engodo da proteção e da periculosidade e sempre respaldado na
legislação que garantiu sua legitimação encoberta pela classe médica e com a
aceitação de toda a sociedade.
Em 1903, Teixeira Brandão que agora, segundo Barros (1996, p.
84), exerce mandato de deputado, aprova a primeira lei dos alienados:
Esta lei faz do hospício o único lugar apto a receber loucos,
subordina sua internação ao parecer médico, estabelece a guarda
provisória dos bens do alienado, determina a declaração dos loucos
que estão sendo tratados em domicílio, regulamenta a posição
central da psiquiatria no interior do hospício (...). Esta lei faz do
psiquiatra a maior autoridade sobre a loucura nacional publicamente
reconhecido. (APUD MACHADO, 1978).
No mesmo ano, o Hospital Nacional de Alienados passa a ser
dirigido por Juliano Moreira, período que, segundo Resende (2001), Oswaldo Cruz
assumia a direção dos serviços de Saúde Pública. Juntos, os médicos têm a
32
incumbência de sanear a cidade, removendo “os focos de infecção que eram os
cortiços, os focos de desordem que eram os sem trabalho, maltrapilhos a infestar as
cercanias do porto e as ruas do centro da cidade”. (p.45).
Os serviços de saúde pública, neste período, vinculavam-se ao
Ministério da Justiça e Negócios Interiores, adotando o modelo das campanhas
sanitárias:
[...] destinado a combater as endemias urbanas e, posteriormente,
as rurais. Este modelo teve inspiração militar e consistia na
interposição de barreiras que quebrassem a relação
agente/hospedeiro, adotando ainda um estilo repressivo de
intervenção médica, tanto nos indivíduos como na sociedade como
um todo. (CARVALHO, MARTIN e, CORDONI JR. 2001, p. 28).
O Código Civil de 1916 e a lei de 1919 estabeleceram, segundo
Sadigusrski (1997, apud MARSIGLIA, 1987), a possibilidade dos doentes mentais
serem declarados incapacitados para exercer atos da vida civil, tornando-os
passíveis de interdição e não aceitos como testemunhas. Esta lei determinou, ainda,
que todos devessem ser representados por pais ou tutores, seus atos jurídicos
poderiam ser anulados, além de que, aqueles que apresentassem comportamentos
inconvenientes seriam recolhidos aos hospícios.
Marsiglia (1987) destaca que:
Percebe-se, por essa legislação, uma série de tentativas de controlar
esse grupo, que é considerado “prejudical” ao conjunto da
população. Assim na Primeira República, tivemos um Estado que
nada fez para assegurar os direitos sociais, mas já um Estado
bastante interventor nas questões relativas ao doente. (p.21).
Apesar de teoricamente os asilos terem sido idealizados como
instrumentos de tratamento e capazes de corrigir anormalidades, Waidman (2004),
afirma que:
Durante 40 anos, entre o final do século XIX e início do século XX, os
hospitais psiquiátricos, no Brasil, serviram apenas para excluir,
abrigar, alimentar e vestir o portador de transtorno mental. (p.57 e
58).
Neste período, a principal característica da política de saúde, visava
dar continuidade ao sanitarismo campanhista. Surgem no país, as caixas de
aposentadorias e pensões, (CAPs), com a lei Elói Chaves. Segundo Carvalho,
33
Martin e Cordoni Jr. (2001), as CAPs, são os primeiros embriões do modelo médico
assistencial que se consolidará na década de 1960, cuja as principais características
eram:
[...] concessão de benefícios pecuniários (aposentadorias e
pensões) e prestação de serviços (assistência médica e
farmacêutica) aos empregados e seus dependentes. Eram
organizadas por empresas, e administradas e financiadas pelos
empregados e empregadores. (p.29).
Junto com as mudanças profundas que ocorrem no país,
decorrentes da Revolução de 1930, o Estado se caracteriza, segundo os autores
supracitados, por desenvolver um papel fortemente interventor sobre a sociedade na
direção de viabilizar o projeto político-econômico: a industrialização.
No ano de 1930 foi criado o Ministério de Educação e Saúde, mas
apesar direcionar as ações coletivas de saúde, a assistência à população sem
vínculo formal de trabalho continuou a ser prestada pelas entidades de caridades.
Desta forma, o aumento da população acometida pelos transtornos
mentais e a falta de tratamentos eficazes permitiram o desenvolvimento da ciência
com muitas intervenções experimentais. A década de trinta foi marcada pelas
chamadas lobotomias e pelas terapias de choque, as quais, afirma Waidman (2004),
deram aos psiquiatras a sensação de que encontraram a cura dos transtornos
mentais, acarretando, consequentemente, poder à medicina psiquiátrica e um
aumento de inúmeras e gigantescas instituições psiquiátricas.
Amarante (2003) retrata bem este aspecto na realidade da época:
Considerando a extensão do Brasil, assistimos a uma proliferação de
macrocolônias de alienados por todos os cantos do território
nacional, quase todas criadas pelos psiquiatras Juliano Moreira e
Adauto Botelho, diretores nacionais de assistência psiquiátrica entre
1910 e 1930, e 1930 e 1940, respectivamente. Em quase todos os
estados existem ou existiram manicômios com o nome de um ou de
outro, quando não de ambos. A colônia do Juqueri, em São Paulo, foi
a maior de todas, chegando a abrigar 16 mil internos. (REVISTA
MENTE & CÉREBRO/ SET.2006).
Freire (1987) também faz referência aos passos largos na direção da
legitimação psiquiátrica, ocorrida na década de trinta, sob o enfoque da
modernidade:
34
[...] uma tríplice estratégia discursiva e prática que tem muito pouco a
ver com as necessidades das pessoas que nós atendemos e muito a
ver com interesses de grupos, com interesses corporativos dos
diversos tipos de profissionais que trabalham na área.
Em 1934, segundo Sadigusrski (1997, apud MARSIGLIA, 1987), foi
promulgada a segunda Lei Federal nº. 24.559, com foco direcionado mais na
prevenção do que na cura dos portadores de transtornos mentais, criando a Divisão
de Assistência ao Doente Mental. Com este novo dispositivo legal, estabeleceu-se a
obrigatoriedade ao Estado em promover proteção, tratamento e fiscalização nos
serviços psiquiátricos, que passou a incluir entre as psicopatias os toxicômanos e os
alcoólatras.
Segundo Waidman (2003, p. 58-59):
Foi neste momento que se iniciou um movimento de eugenia, que,
segundo Costa (1989), foi marcado pelo antiliberalismo, moralismo,
racismo e xenofobia, e neste momento cabia a psiquiatria eugenista
coibir a propagação de raças inferiores, elevando assim a qualidade
racial das gerações futuras.
Podemos afirmar até aqui, neste nosso estudo, que a assistência
psiquiátrica no Brasil, reservadas as particularidades da nossa história geral,
constrói-se tal como no resto do mundo, em que o louco se vê embrenhado nos
aparatos de isolamento que se apresentam como dispositivos para gerenciá-lo.
Este modelo será profundamente questionado, principalmente após
a segunda guerra mundial, a partir do surgimento de um novo paradigma que na
história da psiquiatria ficará conhecido como antipsiquiatria e sobre o qual
discorreremos a seguir.
1.2. A ANTIPSIQUIATRIA
Na década de 1940, após a Segunda Guerra Mundial considerada
pelos historiadores como um grande marco histórico do Século XX, do ponto de vista
que “finda uma era de revoluções e tensões sociais radicais, em que a regra era
mais a luta que a paz entre as classes transformada em política”. (HOBSBAWM,
2004, p. 141), avolumam-se críticas às formas de tratamento oferecido ao fenômeno
35
da loucura, ora sendo questionado seu papel e sua natureza, ora o saber
psiquiátrico como um todo.
Segundo Spricigo (2001, p. 30), em decorrência destes
questionamentos se consolidam diversas alternativas de assistência ao portador de
transtorno mental, tais como: Psicoterapia instituicional e a comunidade terapêutica,
que são reformulações intra-institucionais, a Psiquiatria de Setor e a Psiquiatria
Comunitária ou Preventiva que vão além dos muros hospitalares.
Bezerra (2001) revela que dentre estes movimentos da psiquiatria,
salvo particularidades e divergência de autores, todos apresentam em comum o
repúdio aos paradigmas psiquiátricos tradicionais, trazendo proposições novas no
atendimento médico do fenômeno da loucura.
A baixa resolutividade e os questionamentos à psiquiatria tradicional,
de acordo com Waidman (2004), permitiram o florescimento e desenvolvimento da
antipsiquiatria, que se caracterizou pela crítica mais contundente à psiquiatria como
instrumento de repressão, segregação e controle social.
Este movimento, segundo os estudos desta autora, iniciou-se na
Grã-Bretanha, após a Segunda Guerra Mundial, tendo como precursor Ronald D.
Laing, David Cooper e Aeron Esterson, que permitiram colocar em dúvida o modelo
médico de psiquiatria que concebe a loucura como doença sóciogenética.
Permitiram, também, expor as deficiências das instituições psiquiátricas e suas
deformações, objetivando a modificação na assistência e propondo definitivamente o
fim do manicômio/asilo.
Assim, Vasconcelos (2002) explicita:
A partir dos anos 60, tivemos propostas mais radicais,
predominantemente desconstrucionistas, que questionavam o próprio
saber psiquiátrico como um todo e seu mandato social em relação à
loucura, como nas experiências do movimento antipisiquiátrico, e que
acabaram mostrando um caráter romântico e voluntarista.
(p. 38).
Segundo Barros (1996), surge na França a partir de 1960, dentro
desta proposta de propor alternativas para a assistência aos portadores de
transtornos mentais, a Psiquiatria de Setor, tornando-se política oficial, naquele país.
Esta se pautava basicamente na divisão geográfica da população para a qual se
constituía uma equipe médico-social responsável pela assistência. Neste contexto, o
36
hospital não foi extinto, mas utilizado apenas em último recurso e articulado com
estruturas psiquiátricas externas como ambulatórios e hospital-dia.
Nos Estados Unidos, em 1963, o Governo de Kennedy pautou a
política de assistência psiquiátrica, na adoção de princípios preventivistas e da ação
comunitária, relacionada com a política social da época que, segundo Barros (1996),
baseava-se no posicionamento de superação da pobreza. Este modelo se constituiu
na transformação da prática de atenção à saúde:
O advento desse novo modelo assistencial permitiu uma
racionalização dos serviços psiquiátricos, desenvolvendo a
assistência ambulatorial, criando modalidades alternativas de
atenção e finalmente reforçou a necessidade de extensão do acesso
ao atendimento médico e social para todos os segmentos da
população. (BARROS, 1996, p.28).
Na Itália, ainda segundo o mesmo autor, por volta do início da
década de 60, desenvolve-se a chamada Psiquiatria Democrática, da qual Franco
Basaglia é o nome mais expressivo, iniciando o trabalho de humanização no
manicômio de Gorizia. O modelo da psiquiatria italiana era o da comunidade
terapêutica que procurava abandonar a violência como recurso, eliminando as
práticas repressivas do cotidiano institucional, que influenciaria a proposta brasileira
de política de saúde mental nos tempos atuais:
[...] a experiência Franco Basaglia e seus companheiros
questionaram, propuseram a superação do modelo inicial e
colocaram em discussão as relações de tutela e custódia, argüindo o
fundamento da periculosidade social contido no saber psiquiátrico.
(p.31).
Waidman (2004) afirma que:
Franco Basaglia foi quem ergueu a principal bandeira e lutou contra
os modelos de assistência psiquiátrica existente até então. Por isso
após a aprovação da Lei 180, que reorganizou a assistência ao
portador de doença mental na Itália, costumava dizer que se passava
da era da ‘instituição negada a da instituição inventada’. Esta
instituição inventada teve o nome de Centro da Saúde Mental –
CSM.
(p.51).
Para Barros (1996), a equipe de Gorizia buscou introduzir novas
relações entre terapeuta-paciente e instituição-paciente, e a valorizar as
37
necessidades reais dos pacientes, considerando as contradições e interesses dos
diversos atores envolvidos, objetivando “colocar em crise a ligação da psiquiatria
com a ordem pública e a ruptura do conceito de periculosidade contido na noção de
doença mental”. (p.31).
Caracterizando o processo de desinstitucionalizar, Kinoshita (1987)
recorre à citação do próprio Basaglia:
Emblematicamente, Basaglia dizia que “a psiquiatria sempre colocou
o homem entre parênteses e se preocupou com a ‘doença’; é hora de
colocarmos a ‘doença’ entre parênteses e nos preocuparmos com o
Homem”. (78).
Spricigo (2001) ressalta outro aspecto do discurso de Baságlia sobre
a desinstitucionalização:
No dizer de Baságlia (1985), é colocar o louco na praça para, a partir
daí encontrar um novo lugar que não seja uma nova forma de
exclusão. Para tanto, é necessário construir outros saberes e
práticas que não sejam as de objetivar o doente através da sua
doença. Nesta perspectiva, é preciso desinstitucionalizar o
paradigma que dá sustentação à instituição psiquiátrica (aparatos
científicos, legislativos, de códigos de referência e de relação de
poder que se estruturam em torno do objeto “doença”). (
p. 63).
Em decorrência deste contundente processo de mudança de
paradigma, outras experiências foram construídas, principalmente no norte da Itália,
relacionadas a modificações no tratamento asilar, como em Trieste, em 1971, com o
fechamento completo daquele manicômio e a articulação de um determinado tipo de
assistência territorial. ”Esse processo foi posteriormente teorizado e passou a ser
conhecido como desinstitucionalização”. (BARROS, 1996, p.32).
Kinoshita (1987) explicita que a desinstitucionalização significa um
processo social complexo e, tentando uma aproximação, diria que é:
[...] desmontagem de aparatos externos e internalizados, é
“descontrução” de modelos e valores racionalísticos-cartesianos; é
transformação das relações de poderes codificados e cristalizados. É
fundamentalmente um trabalho prático que, a começar pelo
manicômio, desmonta a solução institucional existente para
desmontar o problema! Transformam-se os modos pelos quais são
tratadas as pessoas para transformar o seu sofrimento; a terapia não
é a perseguição eterna atrás de uma solução-cura, mas um conjunto
complexo, também cotidiano e elementar, de estratégias indiretas e
38
mediatizadas, através de um processo crítico sobre os modos de ser
da própria ação terapêutica. (p.79).
O modelo italiano foi o que mais influenciou o debate da
antipsiquiatria no Brasil e estará presente nas propostas do movimento de
trabalhadores de saúde mental (MTSM), que surge na década de 1970 e que terá
um papel fundamental na formulação de proposta de atenção à saúde mental no
país.
Com o abrandamento da censura nos últimos anos do regime militar,
questões como liberdade, participação, condições de vida e de trabalho, retornam
como pauta prioritária e organizativa dos movimentos sociais, iniciativas estudantis,
de trabalhadores ou ligadas à Igreja (CEBs) que se rearticulam.
É importante lembrar que estes espaços de discussão, apresentam-
se mediados por ações que permitem a ocupação de espaços de poder e de
deliberação, tornando possíveis a construção e a reconstrução de novas formas de
análises sociais, culturais e econômicas na direção do alargamento da cidadania
brasileira. (DAGNINO, 1994).
Costa-Rosa, Luzio e Yasui (2003), ressaltam que no bojo das
discussões do sistema político, o pluralismo e o anseio de liberdade do campo das
idéias incluem, também, a produção e a organização do pensamento crítico na área
da saúde. A dimensão social presente na produção das enfermidades, passa a ter
visibilidade dentro da Medicina Integral, da Medicina Preventiva e Comunitária.
Ganha força neste contexto, o movimento pela Reforma Psiquiátrica
no Brasil, sobre a qual faremos algumas considerações a seguir.
1.3. NO BRASIL
Como já destacamos, o contexto da década de 1970 se constitui sob
o escopo das manifestações populares, dentre as quais emergem as primeiras
manifestações e questionamentos acerca da política de assistência psiquiátrica da
época, nos estados do Sudeste (Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais), onde se
concentram as maiores redes de serviços de assistência psiquiátricas do país.
39
Tais manifestações deram origem ao Movimento de Trabalhadores
de Saúde Mental (MTSM), que busca chamar a atenção sobre a insatisfação
daqueles que trabalham no setor e as precárias condições do Centro Psiquiátrico
Pedro II, com a realização de Congressos que, desde 1979 na sua primeira edição,
deram ênfase a:
[...] várias questões que concorrem para a situação na qual se
encontram os serviços de assistência ao doente mental: salariais,
qualificação e formação dos recursos humanos; quantidade
insuficiente de pessoal, relações autoritárias da instituição com suas
estruturas hierarquizadas e as modalidades terapêuticas
empregadas. (SPRICIGO, 2001, p.58).
O psiquiatra Paulo Amarante, protagonizou este momento histórico
na construção da Reforma Psiquiátrica e relata que:
Em 1978, eu e mais dois colegas plantonistas do Centro Psiquiátrico
Pedro II, no Engenho de Dentro, decidimos denunciar uma série de
violações aos direitos humanos das pessoas lá internadas. Como se
tratou de uma denúncia escrita, registrada em documento oficial, a
resposta foi imediata e violenta, como era comum naqueles tempos.
Além de nós três, foram demitidos mais 263 profissionais que
ousaram nos defender ou que confirmaram nossas denúncias.
Nasceu aí o movimento de trabalhadores da saúde mental que, dez
anos mais tarde, transformou-se no movimento de luta
antimanicomial, ainda hoje o mais importante movimento social pela
reforma psiquiátrica e pela extinção dos manicômios. (REVISTA
MENTE & CÉREBRO/ SET 2006).
O MTSM, mobilizado na modificação da assistência psiquiátrica
precária, que até aquele momento vinha se realizando, promoveu a visita de
lideranças mundiais ligadas à área da psiquiatria, como a do italiano Franco
Basaglia. O visitante trouxe na bagagem a Lei 180, recém aprovada naquele país,
que fecha a porta de entrada dos hospitais psiquiátricos, ou seja, o texto da lei
proibindo a recuperação e a construção de novos manicômios. (VASCONCELOS
2002).
Segundo o mesmo autor estes fatos, acumulados ao final da década
de 70 e início dos anos 80, inspiraram o MTSM do Brasil a denunciar a indústria da
loucura nos hospitais privados e conveniados ao INAMPS; reivindicar melhores
condições de trabalho nestas instituições; propor a substituição do modelo vigente e
40
a expansão os serviços ambulatoriais em saúde mental, mesmo sem especificar,
naquele momento como, na prática, funcionaria.
Segundo Rosa (2003), apesar de avanços significativos nas políticas
de saúde mental, este período foi marcado com movimentos de desarticulação
política de modo geral, quando, também, o processo de modificação e
implementação do atendimento ao portador de transtorno mental enfrenta um
período crítico. O MTSM passa por reavaliações dentro do emaranhado da
burocracia, e se dá conta das limitações dos objetivos táticos de luta e
transformação do sistema de saúde mental e, para tanto, vê a necessidade de
engajamento de outras forças políticas fora do aparelho de Estado, tais como os
movimentos populares e a opinião pública em geral.
Draibe (1997) destaca, particularmente, que a década de 80, foi
marcada por um alto grau de centralização de mecanismos de políticas públicas a
custas de lobbies e comportamentos corporativistas:
Às vésperas das turbulências dos anos 80, os países latinos-
americanos mostravam, sem exceção, nas armações e mecanismos
de regulação dos seus sistemas de proteção social, as seguintes
características, bastante referidas pela literatura: alto grau de
centralização; débeis capacidades regulatórias e de implementação
das políticas nos níveis subnacionais de governo; comportamentos
fortemente cooporativistas por parte dos corpos profissionais ligados
aos grandes subsistemas de políticas; e finalmente a fraca tradição
participativa da sociedade na implementação e operação de
programas. (p. 04).
Nas questões referentes à psiquiatria, Amarante (2006), lembra as
estratégias utilizadas pelo o setor privado como grande gerenciador da oferta de
serviços, impondo limitações aos discursos mudancistas, com táticas clientelistas
que privilegiam interesses:
Ainda em 1989, o deputado federal Paulo Delgado apresentou o
projeto de lei de sua autoria (3657/89), cuja justificativa fazia menção
explícita à lei italiana 180. Tudo levava a crer que o projeto seria
aprovado num piscar de olhos, mas não foi. As associações dos
proprietários de hospitais perceberam o risco que a lei representava
para seus negócios milionários e organizaram lobbies em Brasília.
Além disso, alarmaram os parentes dos internos (em geral tão
carentes e desassistidos quanto a maioria da população), fazendo-os
crer que os pacientes seriam devolvidos - da noite para dia - caso o
projeto de lei fosse aprovado. (REVISTA MENTE E CÉREBRO/ SET
2006).
41
Nogueira (1998) justifica que a ampliação dos espaços
democráticos, que permitem o avanço de idéias progressistas, compõe-se em
processo laborioso, onde espaços de mediações criados constituem como espaço
político aberto e frouxo, cabendo tanto as respostas clientelistas às demandas
sociais para fins eleitorais e autolegitimação burocrática, quanto os programas de
impacto de inspiração tecnocrática:
Com a democratização, a questão social assume urgência, a
concepção aviltada de cidadania que prevalece na cultura política
brasileira mostra sua incrível capacidade de entravar políticas
inovadoras. Os instituídos reformadores tropeçam tanto na lerdeza
das burocracias e na disfuncionalidade dos mecanismos disponíveis
quanto, e, sobretudo, nas pressões de lobbies que se interpõem
entre os decisores e a população. (p.27).
Neste cenário de efervescência política, em que os segmentos
majoritários da sociedade brasileira clamam pela ampliação dos direitos do cidadão,
da proximidade de encerramento do ciclo ditatorial e, diante da eminente
convocação da Assembléia Constituinte, destaca-se o Movimento da Reforma
Sanitária. Este Movimento teve papel decisivo, após a VIII Conferência Nacional de
Saúde, realizada em 1986, ajudando a modelar a nova política de Saúde no Brasil,
além de se constituir num processo de transformação estrutural. (AMARANTE,
2003).
Esta conferência se configura como marco na Saúde Pública, não só
pela renovação e ampliação que trouxe ao conceito de saúde que, acatando
orientações da OMS (Organização Mundial da Saúde), redefinindo-o como bem
estar físico e mental, para o conceito que até então se mantinha restrito à ausência
de doença; mas também, pela grande repercussão e pressão popular (contou com
cerca de 5.000 pessoas), e pela dimensão estratégica, pois, após o relatório final ser
levado a Assembléia Nacional Constituinte em 1987, tornou-se instrumento para a
construção de viabilidade política e social do Sistema Único de Saúde (SUS).
De acordo com Carvalho, Martin e Cordoni Jr. (2001, p.39):
[...] na VIII Conferência, definiu os “princípios finalísticos” da
Reforma: participação, eqüidade, descentralização, integralidade e
universalização (Comissão Nacional de Reforma Sanitária, 1987). A
participação pressupõe a inclusão representativa da população a
inclusão representativa da população e de trabalhadores de saúde
no processo decisório e no controle dos serviços. A descentralização
contém a idéia de multiplicação dos centros de poder e irá se realizar
42
principalmente através da municipalização. A universalidade significa
a igualdade de serviço. E, por fim a integralidade aponta a superação
da dicotomia serviços preventivos versus curativos e para a atuação
em outras áreas além da assistência individual: a área da prevenção
de doenças e a promoção da saúde, extrapolando, inclusive o setor
saúde.
Esta Conferência serviu de base para a elaboração do texto
Constitucional de 1988 e das leis 8.080 e 8.142, ambas de 1990, quando segmentos
básicos da área de saúde (prestadores de serviços privados, governo, trabalhadores
e usuários) conquistaram o direito e o dever de, juntos, consolidarem a política social
através de proposições, definições e avaliações que se operacionalizam no SUS
(Sistema Único de Saúde).
Neste ínterim, o MTSM se rearticula e se inspira no modelo proposto
por Basaglia, através da bandeira ‘Por uma Sociedade sem Manicômios’, lutando
pela implantação de serviços efetivamente substitutivos ao hospital psiquiátrico
convencional. Lançam oficialmente, em 1989, através do Projeto de Lei Paulo
Delgado, dispositivos que visam à extinção e a substituição gradativa dos
manicômios, proíbem a construção de novas instituições e leitos psiquiátricos
manicomiais e iniciam a instauração de recursos alternativos de atendimento na
comunidade. (Vasconcelos, 2002).
As denúncias das precárias condições de atendimento das
instituições asilares e dos hospitais psiquiátricos, tanto públicos como privados,
incluindo denúncias de morte, ganharam manchetes em jornais, revistas e televisão
e contribuíram de forma definitiva para o aquecimento do movimento de
desinstitucionalização. É o nascimento do Movimento de Reforma Psiquiátrica no
Brasil.
No bojo do debate da reestruturação da política de Saúde no Brasil,
tendo como base as diretrizes referendadas pelo movimento da Reforma Sanitária,
segundo Amarante (2003, nota de rodapé p.47), realiza-se a I Conferência Nacional
de Saúde Mental em Brasília, no ano de 1987, considerado o grande disparador do
movimento da Reforma Psiquiátrica.
Naquela ocasião os trabalhadores de saúde mental, usuários e
familiares reivindicavam alterações no modelo de atenção vigente, Spricigo (2001)
revela que:
43
[...] o setor da saúde mental espelha as contradições da forma da
organização social brasileira, onde o Estado capitalista procura
estabelecer políticas sociais que o legitime, sem responder às
necessidades sentidas na área social, pautando-se mais em ações
de contenção e controle das insatisfações populares do que na
transformação dos serviços, visando o atendimento das reais
necessidades assistenciais. (p.61).
Vale ressaltar também que a década de 1990 foi marcada por
movimentos, em toda América Latina, a favor da desinstitucionalização, destacando
a Conferência de Caracas, realizada em 14 de novembro de 1990, da qual o Brasil
também fez parte. Segundo Sadigursky (1997, apud MARSIGLIA, 1987) seu relatório
final concluiu que o hospital psiquiátrico é prejudicial porque além de isolar o doente
de seu meio, ainda gera maior incapacidade social, fator este que cria condições
desfavoráveis para a sua recuperação, pondo em perigo os direitos humanos e civis
do paciente e ainda consome grande parte dos recursos financeiros.
Segundo a Legislação em Saúde Mental (2004, p.12), a Declaração
de Caracas definiu:
1. Que a reestruturação da assistência psiquiátrica ligada ao
Atendimento Primário da Saúde, no quadro dos Sistemas locais de
Saúde, permite a promoção de modelos alternativos, centrados na
comunidade e dentro de suas redes sociais;
2. Que a reestruturação da assistência psiquiátrica na região implica
em revisão crítica do papel hegemônico e centralizador do hospital
na prestação de serviços;
3. que os recursos, cuidados e tratamentos dados devem:
a) salvaguardar, invariavelmente, a dignidade pessoal e os direitos
humanos e civis;
b) estar baseados em critérios racionais e tecnicamente adequados;
c) propiciar a permanência do enfermo em seu meio comunitário;
4. Que a legislação dos países deve ajustar-se de modo que:
a) assegurem o respeito aos direitos humanos e civis dos doentes
mentais;
b) promovam a organização de serviços comunitários de saúde
mental que garantam seu cumprimento;
5. Que a capacitação dos recursos humanos em Saúde Mental e
Psiquiatria devem fazer-se apontando para um modelo, cujo eixo
passa pelo serviço de saúde comunitária e propicia a internação
psiquiátrica nos hospitais gerais, de acordo com os princípios que
regem e fundamentam essa reestruturação.
Fortalecendo o novo modelo de assistência em saúde mental,
implementam-se as primeiras experiências na cidade de Santos, no Estado de São
Paulo, os chamados Núcleos de Atenção Psicossocial (NAPS). Na capital de São
44
Paulo são implantados outros exemplos, tais como os chamados serviços
residenciais terapêuticos vinculados aos CAPS, NAPS (Centros ou Núcleos de
Atenção Psicossocial), os ambulatórios especializados, leitos psiquiátricos em
hospitais gerais, hospitais-dia, residências terapêuticas, etc.
A partir de 1991, portarias são publicadas através da Secretária
Nacional de Assistência à Saúde em direção à modificação da assistência e da
melhoria da atenção às pessoas portadoras de transtornos mentais; tais como,
diversificar os métodos e técnicas terapêuticas e compatibilizar os procedimentos
das ações de saúde mental.
Resumidamente, as Portarias SNAS nº 189 de novembro de 1991,
vieram disciplinar as internações em hospitais psiquiátricos, hospitais gerais e
hospitais-dia, e os atendimentos dos Núcleos e Centros de Atenção Psicossocial. A
Portaria nº 224, de janeiro de 1992, trouxe diretriz e normas para o atendimento
ambulatorial nas unidades básicas de saúde, centros de saúde e ambulatórios,
assim como para o atendimento hospitalar, inclusive sobre os recursos humanos
necessários. E, por fim, a portaria de nº 407 de junho de 1992, disciplina as
internações em Psiquiatria III, determinando a composição do pessoal técnico,
pessoal auxiliar, além da estrutura e do funcionamento. (LEGISLAÇÃO EM SAÚDE
MENTAL, 2004).
De acordo com Waidman (2004, p. 64) os NAPS e CAPS, permitem
a ampliação da assistência ao portador de transtorno mental disciplinando:
atendimento individual (medicamentoso, psicoterápico e,
orientação);
atendimento grupal (psicoterapia, grupo operativo, atendimento
em oficinas terapêuticas, atividades socioterápicas);
visitas domiciliares;
atendimento à famílias;
atividades comunitárias enfocando a integração do doente mental
na comunidade e sua reinserção social.
Como resultados posteriores e imediatos, segundo MS/COSAM
(1996 apud SOUZA 2000), os leitos psiquiátricos cadastrados no Sistema Único de
Saúde (SUS) foram reduzidos de 85.000 em 1991, (75% contratados em hospitais
privados), para cerca de 68.000 (cerca de 80% privados e 20 % públicos) em abril de
1996.
45
O enfoque psicossocial da política de saúde mental se avoluma e
direciona a partir de 1992, principalmente através de propostas apresentadas por
ocasião da realização da II Conferência Nacional de Saúde Mental. Esta
Conferência se constitui como forma mais concreta do processo de desospitalização,
ou seja, a desarticulação do modelo hospitalocêntrico.
A proposta da modificação do atendimento, diminuindo leitos e
abrindo novas alternativas de assistência aos portadores de transtornos mentais,
permitiu segundo Bezerra (2001, p.137), dar visibilidade à desigualdade do tipo de
tratamento existente até este momento:
Enquanto para a elite existem divãs, os consultórios, a relação
terapeuta-cliente personalizada, as técnicas mais variadas. Para a
maioria da população nada mais resta que a internação ou as
“consultas” de cinco minutos em ambulatórios que mal merecem este
nome, onde as filas, o descaso, a falta de condições materiais
transforma o que deveria ser um ato terapêutico num mecânico e
interminável ritual de prescrição de remédios e cronificação de
sofrimento.
Neste contexto de desinstitucionalização, publicações de Portarias e
Resoluções do Conselho Nacional de Saúde, foram paulatinamente introduzindo
modificações na regulamentação e no atendimento ao portador de transtorno
mental. Deu-se ênfase ao tratamento comunitário, ou seja, à utilização do aparato
hospitalar como último recurso, ao atendimento multiprofissional e ao engajamento
familiar, que vão se tornar seus sustentáculos na gestão e operacionalização do
novo modelo de atenção à saúde mental.
Tais modificações impostas pela Legislação refletiram também, na
readequação das formas de realização da assistência psiquiátrica no interior das
próprias instituições hospitalares, que se viram forçadas a buscar aperfeiçoar o
atendimento tradicional prestado para sobreviver como parte desta nova lógica de
valorização da pessoa enferma em detrimento da sua patologia.
A partir da publicação das primeiras portarias de regulamentação e
reordenamento do sistema psiquiátrico, em meados de 1991, o Hospital Regional
Vale do Ivaí (HR) paulatinamente foi se mobilizando na realização das modificações
impostas, principalmente com relação à valorização do trabalho multiprofissional,
capacitação e adequação do aparato hospitalar nos moldes do processo de
desisnstitucionalização.
46
Temos vivenciado profissionalmente desde 1993, este esforço no
Hospital Regional Vale do Ivaí (HR), especialmente nos últimos anos, profundas
modificações introduzidas nesta direção, que têm se constituído na perspectiva de
modernização dos aparatos hospitalares e na edificação de novas práticas
institucionais mais adequadas ao novo modelo da saúde mental em construção.
A partir de 2001, as instituições psiquiátricas têm passado
anualmente por um processo de avaliação conduzido pelo Ministério da Saúde de
acompanhamento e monitoramento. Estas instituições são visitadas por diversos
técnicos da área da saúde, que, seguindo um roteiro pré-estabelecido a partir do
PNASH (Plano Nacional de Assistência de Saúde Hospitalar) vistoriam as
instalações físicas e sanitárias.
Este processo de avaliação, em nossa opinião, tem se constituído
num importante instrumento de modificações objetivas e subjetivas no interior destas
instituições que orbitavam estritamente no conhecimento da medicina psiquiátrica. A
partir destas vistorias, se visibilizou e valorizou a condução de planos terapêuticos
mais individualizados permitindo uma interface com outras disciplinas, além da
medicina, ressaltando os aspectos psicossociais das patologias mentais.
Desta forma, as visitas do PNASH, têm contribuído numa sensível
melhoria da qualidade dos serviços hospitalares psiquiátricos, com investimento de
recursos humanos, aprimoramento técnico e científico e a construção do
atendimento multiprofissional comprometido, verificável através da análise
documental de contratos trabalhistas, projeto terapêutico interdisciplinar, prontuários,
livros de reuniões e registros de diversos programas internos.
Ainda na busca da melhoria da qualidade do atendimento, as
vistorias anuais, buscam também verificar a satisfação dos usuários dos serviços,
realizando entrevistas com parte da população internada, determinada
aleatoriamente, além de verificar a utilização adequada dos critérios de internação
(voluntária, involuntária e compulsória) e também detectar e coibir abusos.
Nesta direção, o HR paulatinamente, reestruturou suas instalações
físicas, buscou adequar o número de leitos de acordo com o espaço físico exigido,
eliminou aparatos de isolamento, ampliou espaços onde havia restrições de acesso
dos portadores de transtornos mentais. Estas readequações do espaço físico
possibilitaram espaços mais amplos de circulação e, por conseguinte, permitiu a
diversificação de atividades terapêuticas, tais como implantação de oficinas de
47
culinária, marcenaria, além de atividades físicas, recreativas, educacionais e
culturais.
Concomitantemente foram implementadas também, ações
direcionadas ao engajamento da comunidade hospitalar no processo educativo e de
capacitação voltado para a melhoria e humanização das terapêuticas institucionais.
Neste sentido foram incluídos além dos funcionários diretamente engajados no
trabalho com o PTM, os funcionários dos setores indiretos, como limpeza, cozinha,
manutenção e administração na busca de modificar a ideação coletiva destes sobre
as pessoas que são cuidadas por eles.
Na ultima década, no referido hospital, não foi aberto nenhum novo
leito e, foram abolidos, definitivamente, procedimentos de eletrochoque, e
instrumentos de contenção, tais como: lençóis de força, faixas, quartos fortes sendo,
por conseqüência, eliminado todo aparato instrumental que fizeram do ambiente
hospitalar psiquiátrico um local historicamente temido e ameaçador. Tais
procedimentos provocaram enorme diminuição das práticas autoritárias e violentas
tidas como comuns e corriqueiras neste tipo de instituição, e mais, permitiram
suscitar, em substituição a estas, outras terapias mais condizentes com a realização
de um cuidado digno.
Ainda nesta direção de ampliação do caráter de humanização do
tratamento hospitalar, o novo modelo terapêutico implantado desde 2005 no HR,
prioriza o engajamento multidisciplinar voltado para o aspecto do desenvolvimento
da autonomia dos PTMs, priorizando atividades direcionadas ao auto-cuidado.
Perseguindo este objetivo, foram intensificadas atividades fora dos muros do referido
hospital, tais como passeios diários, compras no comércio local, participação em
eventos na comunidade, tais como: visitação a feiras de artesanatos, incentivo
licenças terapêuticas, além de comemoração de datas especiais com familiares e
comunidade, tanto no interior como fora do ambiente hospitalar, etc.
Desta forma, fica evidenciado que também no interior dos hospitais,
há compromisso e esforço (reconhecidamente movido pela imposição da Legislação)
na construção de um modelo terapêutico mais adequado, que não se resume
apenas à modernização de instalações, mas que procura se adequar e se manter
figurando como parte integrante do processo de desinstitucionalização.
Conforme afirma o Presidente da Associação Brasileira de
Psiquiatria, Josimar França (2006), é um equivoco adotar um discurso de que a
48
internação psiquiátrica não é um procedimento adequado dentro do programa de
saúde mental. Segundo ele, a psiquiatria precisa de internações e atendimentos em
centros especializados tanto como a ortopedia e a cardiologia.
Desta forma, as instituições hospitalares estão buscando, mesmo na
contramão do movimento antimanicomial, superar o estigma de instituições
obsoletas, ineficientes e cronificadoras, e se fortalecer enquanto equipamento
criterioso, qualificado, necessário e integrante da Política de Atenção à Saúde
Mental, que por sua vez, está submetida aos princípios constitucionais de
descentralização, universalidade, eqüidade, controle social, etc.
Conforme a Sra. Lydia Nogueira Moreno, Presidente da Associação
de Familiares de Doentes Mentais/RJ, em depoimento recente no III Simpósio
Internacional de Depressão e Transtorno Bipolar do Humor (2006), enfatizou que os
direitos humanos não servem para os doentes mentais. Ela se referia à dificuldade
de disponibilizar leito psiquiátrico para doentes em estado crítico, afirmando que
somente quem tem um PTM em casa sabe como é difícil conviver com ele.
Fica claro que, é necessário ser criterioso e estar atento a
complexidade do problema de quem está na linha de frente do atendimento aos
portadores de transtornos mentais, sejam os trabalhadores da saúde mental ou
familiares, quando percebem que em situações agudas, a internação é
imprescindível como instrumento de proteção e recuperação tanto ao PTM, quanto
aos demais do conjunto social de convívio.
Ainda sobre a II Conferência Nacional de Saúde Mental, a Comissão
Nacional de Reforma Psiquiátrica apresenta como comentário à Resolução nº. 93 de
2 de dezembro de 1993:
Acatando Recomendação contida no relatório Final da II Conferência
Nacional de Saúde Mental, o plenário do Conselho Nacional de
Saúde cria comissão específica para assessorá-lo, entendendo ser a
Reforma Psiquiátrica processo complexo e prioritário, devendo, para
tanto, incorporar na formulação das suas diretrizes os diversos atores
sociais envolvidos nesta empreitada. (...) a Comissão tem
representado usuários, familiares, gestores, prestadores de serviço e
associação de profissionais de saúde. (LEGISLAÇÃO EM SAÚDE
MENTAL, 2004, p.320).
Atualmente o que regulamenta a atenção psiquiátrica no Brasil é a
Lei nº 10.216, de 06 de abril de 2001, que dispõe sobre a proteção e os direitos das
pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em
49
saúde mental. O Parágrafo Único e incisos do Art. 2º do Referido Diploma Legal
prescreve que:
Parágrafo Único. São direitos da pessoa portadora de transtorno
mental:
I. ter acesso ao melhor tratamento do sistema de saúde,
consentâneo às suas necessidades;
II. ser tratada com humanidade e respeito e no interesse exclusivo de
beneficiar sua saúde, visando alcançar sua recuperação pela
inserção na família, no trabalho e na comunidade;
III. ser protegida contra qualquer forma de abuso e exploração;
IV. ter garantia de sigilo nas informações prestadas;
V. ter direito à presença médica, em qualquer tempo, para esclarecer
a necessidade ou não de sua hospitalização involuntária;
VI. ter livre acesso aos meios de comunicação disponíveis;
VII. receber o maior número de informações à respeito de sua
doença e de seu tratamento;
VIII. ser tratada em ambiente terapêutico pelos meios menos
invasivos possíveis:
IX. ser tratada preferencialmente, em serviços comunitários de saúde
mental. (LEGISLAÇÃO EM SAÚDE MENTAL, 2004, P. 17).
Em seu art. 3º, reitera que,
É responsabilidade do Estado no desenvolvimento da política de
saúde mental, a assistência e a promoção de ações de saúde aos
portadores de transtornos mentais, com a devida participação da
sociedade e da família, a qual será prestada em estabelecimento de
saúde mental, assim entendidas as instituições ou unidades que
ofereçam assistência em saúde aos portadores de transtornos
mentais. (p. 17).
Diante do exposto, compreendemos que as modificações propostas
pela Reforma Psiquiátrica, vêm sendo construídas e influenciadas por movimentos
sociais, nos quais fatores histórico-político-sociais delineiam e aprimoram novos
conceitos de diversas áreas, com ênfase nas questões relacionadas à cidadania.
Assim, podemos afirmar que os atores engajados neste processo
objetivam descentralizar atendimento das grandes instituições, que mantêm uma
concentração geográfica de recursos físicos e humanos, tornando a oferta destes
serviços mais democratizada e acessível, conseqüentemente, trazendo ao usuário
um atendimento mais apropriado, no qual não seja a pessoa doente a adaptar-se ao
modelo institucional.
Entendemos que este processo de luta pela humanização da
assistência aos portadores de transtornos mentais tem agregado novos conceitos
50
tanto relacionados à evolução científica dos saberes específicos da área da Saúde e
da Psiquiatria, quanto às contribuições e incorporações de conhecimentos
específicos, dentre quais podemos citar o Direito e a Sociologia.
Desta forma, a desinstitucionalização, para Rotelli (1989) e Barros
(1993), significa:
[...] superar o aparato manicomial através da desconstrução lenta e
gradual de todos os preceitos do hospital psiquiátrico, criação de
novos serviços, com lógica inversa à de exclusão, internamento e
opressão típicos dos hospitais psiquiátricos. (SADIGURSKY, 1997,
apud
MARSIGLIA, 1987, p. 18).
Amarante (2003) descreve como positivo o momento atual do
processo de desisntitucionalização brasileiro, considerando com um grande avanço
o fato de, atualmente, o país contar com quase mil centros de serviços de saúde
mental abertos, sendo regionalizados e com equipes multidisciplinares, além de
envolver diversos setores sociais e não apenas o setor da saúde.
Contudo, a forma de implementação das alterações na assistência
aos portadores de transtornos mentais, compõe-se de multifatores e complexidades
que exigem uma análise criteriosa e aprofundada. Dentre os quais podemos
enumerar: os fatores conjunturais decorrentes do modelo sócio-econômico; a
desmobilização geral da população após a Constituição de 1988; alguns desvios de
ordem administrativo-operacional na sua implementação; etc. Estes fatos vêm
impondo limites e podem estar incorrendo num processo de macular a proposta da
Reforma. Destacamos neste ínterim, o isolamento de como são tratadas as questões
da saúde mental, do contexto mais geral da Política de Saúde.
Amarante (2006) aponta na direção de que, apesar de todos os
problemas e limitações existentes, é no SUS que os médicos e todos os
profissionais do setor de saúde, ainda podem realizar as possibilidades reais da
saúde em nosso país. Completa ainda, que isto ocorre seja porque o SUS é o
mercado mais promissor nessa área, ou, porque é o mais democrático e inclusivo
sistema público de saúde do mundo.
O fato do conhecimento psiquiátrico bem como sua especificidade,
ter sido constituído e mantido no domínio exclusivo da psiquiatria, descolado do
restante das ações de saúde, não tem contribuído na implantação da
desinstitucionalização nos moldes da Lei da Reforma.
51
As ações de Atenção Básica, que atualmente vêm sendo
desenvolvidas através dos PSFs (Programas de Saúde da Família), explicitam bem
este contexto de entraves que vem sofrendo a Reforma Psiquiátrica na passagem da
Legislação à operacionalização. São notórias as dificuldades destas equipes em
lidar com questões específicas que circundam os sintomas psiquiátricos, onde, em
muitas ocasiões, a compreensão da desinstitucionalização da proposta da Reforma
Psiquiátrica é ignorada pelo próprio SUS (Sistema Único de Saúde), restringindo a
ação terapêutica destas equipes ao encaminhamento para internação.
Lydia Nogueira, da Associação de Familiares de Doentes
Mentais/RJ (2006), apontou uma outra situação no SUS, referente ao fato dos
hospitais gerais não possuírem psiquiatras em seus plantões. Segundo ela, os
médicos de outras especialidades não estão preparados para receber um PTM na
emergência, sendo contratados para não internar e as famílias só conseguem
solução com juízes de plantão.
Esta desarticulação da Política de Saúde Mental parte do próprio
Sistema de Saúde e a limitação no aprofundamento das questões dos transtornos
mentais chega, por vezes, a caracterizar desassistência, onde a abordagem
psiquiátrica do atendimento fica dividida entre o judiciário e a medicina geral,
perdendo o foco do processo de recuperação e ressocialização.
Desta forma, fica evidenciado que o SUS tem investido muito pouco
na capacitação das equipes na direção da compreensão das particularidades e da
especificidade psiquiátrica. Precarizando o atendimento, do ponto de vista de que
cronicidade e incurabilidade dos quadros psiquiátricos não são encaradas como
aspecto natural da patologia, como é o caso das doenças coronianas ou diabetes.
Assim, esbarram no despreparo das equipes de saúde da Atenção Básica que não
são capacitados no manejo e controle de situações que envolvem crises comicionais
dos portadores de transtornos mentais.
Se por um lado, as equipes de saúde pública estão de certa forma
despreparadas para acolher, implementar e dar suporte aos tratamentos alternativos
decorrentes da Reforma Psiquiátrica, faz-se uma idéia de como esse processo tem
se dado no interior das comunidades e mais especificamente dentro do grupo
familiar vulnerabilizado pela complexidade dos transtorno mental.
Este fato evidencia nas dificuldades que grupo familiar se vê
obrigado a enfrentar em decorrência dos quadros psicóticos dos transtornos mentais
52
severos, objeto desta pesquisa, nos quais há, por vezes, apenas reversão parcial
dos sintomas. Como no caso dos quadros de esquizofrenia, que acometem pessoas
na fase mais produtiva da vida e as tornam requisitadoras de cuidados e de
acompanhamentos nas fases mais longas da vida, durante a maturidade e a velhice,
como ressalta Vallada (1996, p. 126):
A esquizofrenia é a doença que mais desperta interesse em
psiquiatria. (...) indivíduos são acometidos já na adolescência ou no
início da fase adulta, tornando-se parcial ou completamente
inválidos, improdutivos e dependentes de familiares e da sociedade
como um todo.
Como já discorrido, o engajamento familiar torna-se peça
fundamental no processo de desinstitucionalização, tendendo a figurar na agenda de
pesquisadores de diversas áreas, dentre os quais podemos destacar Waidman
(2004), Rosa (2003), Góes (2005), que direcionam seus estudos para este
protagonismo.
A proposta da Reforma Psiquiátrica, tal como prescrita na legislação,
traz em si aspectos calcados na legítima defesa de inclusão dos portadores de
transtornos mentais, na qual o grupo familiar deveria tornar-se sujeito deste
processo. Porém, nesta nossa trajetória profissional de acompanhamento da
convivência familiar com portadores de transtornos mentais, observamos uma
realidade bem diferente, em que a família aparece reduzida à condição de objeto,
mero receptor da política de saúde mental pronta e acabada, a qual tem que
adaptar-se.
Desta forma, fica evidenciado o quanto a operacionalização da
desisntitucionalização psiquiátrica esbarra em outros inúmeros obstáculos
conjunturais, dentre os já enumerados: o modelo econômico-social e cultural
adotado em nosso país nas últimas décadas, pautado no neoliberalismo de mínimos
sociais que emperra o processo, impõe limitações, chegando até desvirtuar o foco
da inclusão; a flexibilização do mercado de trabalho que limita o investimento e o
aprofundamento teórico dos profissionais da saúde como um todo, fato este que tem
limitado o engajamento e comprometimento profissional com a proposta da Reforma;
e a questão das Políticas Públicas que, de modo geral estão calcadas no enfoque
familiarista, que neste aspecto, a Reforma Psiquiátrica não foge a regra, busca
transferir para a família o maior ônus da prestação da assistência ao PTM.
53
No escopo de aprofundar neste último aspecto, daremos destaque
no próximo capítulo à modificação do modelo tradicional de família, a redução dos
grupos familiares, a divisão sexual do trabalho, e como se organiza o cuidado
domiciliar aos portadores de transtornos mentais.
CAPITULO II
2. A FAMÍLIA TRANSFORMADA EM PROTAGONISTA E A/O
CUIDADOR/A
O meio familiar se constituiu historicamente como parte importante
na evolução do pensamento acerca do louco e da loucura, recortado por
responsabilidades que compõem o universo de convivência e de provimento de
cuidados. Neste processo, ora sendo culpabilizado como agente causal do
transtorno mental, ora sendo absolvido, evidenciado como aliado, capaz de
mediatizar mudança, ressurge, na passagem do século XXI, como componente da
proposta da desinstitucionalização, como protagonista.
Conforme já citado no capitulo anterior, à época pré-capitalista, as
atividades inerentes aos cuidados com pessoas portadoras de transtornos mentais,
ficavam a cargo das famílias e eram consideradas como responsabilidade
doméstica. Assim como os demais que necessitavam de cuidados: crianças, velhos
e doentes.
Nos moldes tradicionais, de acordo com Wanderley (1998, p. 09):
[...] o convívio ampliado e extenso, e, sobretudo, a dedicação mais
intensiva das mulheres às atividades domésticas, possibilitavam que
os cuidados especiais com idosos, por exemplo, fossem mais
facilmente divididos entre a esposa, filhas, noras, as cunhadas, tias,
irmãs, etc.
O processo de urbanização e a crescente demanda por mão de
obra, decorrente do sistema monetarista advindo da industrialização, são apontados
por Wanderley (1998), como os dois grandes movimentos que levaram dificuldades
ou impossibilidade na manutenção dos cuidados no espaço familiar.
O contexto familiar, em nosso entendimento, além de ser um lugar
em que se estrutura a proteção, expressa os valores sociais, morais, culturais e
religiosos da sociedade em que se operacionalizam, estão conectados aos
54
diferentes mecanismos estruturais de reprodução da vida social, que vão se
compondo historicamente.
Segundo Rosa (2003), por volta do século XVII, o modelo de família
conjugal moderna se construiu, de forma heterogênea e gradual, em diferentes
contextos sócio-históricos, e se caracterizava:
[...] pela livre escolha amorosa do par conjugal, centralidade na
infância, no casal, na intimidade, no triangulo edipiano e na
reprodução interna da divisão sexual do trabalho em que ao homem
compete o espaço público, da rua, do trabalho e da política, e, a
mulher, associa-se o mundo da esfera privada, dos cuidados com a
casa, da prole. Essa divisão ressignifica as atividade realizadas em
cada lugar social. (p. 49).
Esta perspectiva tornar-se-á determinante na organização das
sociedades ocidentais modernas, na qual estudos como os de Izquierdo (1990), dão
conta de que os papéis sociais dos membros familiares, na sua dinâmica, carregam
uma visão secular pautada na diferença biológica entre os sexos. Esta diferença,
racionalmente, ao longo do tempo, construiu-se pela diferença palpável e física do
corpo e, também, pela função da fêmea e do macho na reprodução da espécie.
Em nossa sociedade historicamente patriarcal, na qual o poder
masculino, representado pelo mundo público estabelece e valoriza somente aquilo
que tem relação com as atividades dos homens, as relações hierarquizam-se entre
os sexos, formando um círculo vicioso, compondo um universo de dominação do
masculino sobre o feminino, descrito por Carrasco (2002, p. 18):
Sabe-se que, em qualquer sociedade, o grupo dominante (definido
por raça, sexo, etnia, etc.) define e impõe seus valores e sua
concepção de mundo: constrói estruturas sociais, estabelece as
relações sociais e de poder, elabora o conhecimento e desenha os
símbolos e a utilização da linguagem. Mas, além disso, tais valores
tendem a assumir a categoria de universais, com o que se invisibiliza
o resto. As sociedades patriarcais não têm sido exceção à norma
geral.
Ideologicamente o senso comum reforça este modelo familiar ao
associar o cuidado com a casa, com os filhos, ou com idosos à função natural da
mulher, alia-se à teoria do patriarcado no controle de sua sexualidade e, por
conseguinte, de sua capacidade reprodutiva.
55
Mioto (2004, p. 53) relaciona esta perspectiva com os papéis típicos
de uma concepção funcional de família:
[..] em que a mulher-mãe é responsável pelo cuidado e educação
dos filhos e o homem-pai pelo provimento e exercício de autoridade
familiar. Assim o desempenho dessas funções está fortemente
vinculado a julgamentos morais, principalmente em relação à figura
materna.
Para Carrasco (2002), a divisão sexual do trabalho em apenas duas
esferas veio a constituir–se uma verdadeira ditadura, a qual chama atenção para o
fato de que esta interpretação faz com que as diferenças e as particularidades se
tornem obscurecidas, comprometendo assim a relação de complementaridade e
dependência das esferas:
Nessa rígida dualidade, somente o mundo do público desfruta do
reconhecimento social. A atividade ou participação na denominada
esfera privada, destinada ás mulheres, fica relegada ao limbo do
invisível, o que lhe nega toda a possibilidade de valorização social.
(p.15).
Assim, o trabalho feminino foi sendo construído no contexto da
família descaracterizada como tal, transformado em não-trabalho, feito por amor,
gratuitamente, sem visibilidade social, associado à reprodução social do grupo
familiar, característica que vai ser cristalizada como face comum de várias culturas,
e têm se transformado em objeto de estudos frequentemente.
O trabalho doméstico está intrinsecamente relacionado com
aspectos múltiplos, relacionados tanto na análise sobre a família e os papéis
conjugais, além de estudos sobre a economia informal e também as transferências
entre economia mercantil e não mercantil. Desta maneira, faz-se necessário
apreendê-lo e buscar superá-lo como um conjunto de tarefas realizadas no terreno
familiar, realizado essencialmente pelas mulheres e de forma gratuita.
Desta forma, é importante ressaltar que a sociedade industrial
moderna redefiniu não só as relações de classes, mas, também, as relações de
gênero, como se pode observar na constituição familiar conjugal moderna, onde a
concepção de família pode ser definida de diversas formas.
Segundo Brochei (1990, apud CARRASCO, 2002), baseando-se na
função econômica capitalista moderna, de valorização da produção de valores de
56
uso em detrimento produção social, a análise sobre a família deve mover-se do
plano das construções ideológicas tradicionais, para a concretude da organização da
vida social atual, sendo capaz de suprir necessidades fisiológicas e psicológicas dos
seres humanos.
Retomando a trajetória da compreensão do papel da familiar na
assistência destinada especificamente aos portadores de transtornos mentais, Rosa
(2003), avalia que, intrínseca ao projeto burguês em ascendência, a psiquiatria,
revestida de saberes por intermédio de sua autoridade e disciplina médica, imposta
através do tratamento moral, implementa uma abordagem pedagógica na relação da
família com o louco (alienado).
Na perspectiva alienista, de acordo com a mesma autora, o
distanciamento entre ambos é justificado cientificamente como forma de tratamento
sob duas argumentações: a família estaria sob ameaça de alienação; e que ela
própria seria a propiciadora de alienação. Ou seja, “a origem da alienação provinha
da estrutura familiar e tinha uma causalidade moral”. (p.50).
Acerca deste aspecto, a mesma autora descreve que:
Tendo por preocupação principal a educação fornecida pelos pais, o
discurso psiquiátrico alienista visa constituir uma nova moral para
regular as relações familiares e os relacionamentos amorosos,
exatamente porque a causa da alienação se situa no desregramento
moral. (ROSA, 2003, p.51).
Desta forma, a psiquiatria cumprindo seu mandato de competência
para intervir nas questões sociais da loucura, encaminha o louco ao lugar
privilegiado da assistência, aos hospícios, conjugação de uma prática médica e
pedagógica que se encarregavam da sua cura, assistência e custódia. Nesta
perspectiva, a família foi excluída do tratamento, sendo colocada num papel passivo,
ficando no aguardo do regresso do doente mental, à mercê dos resultados do saber
psiquiátrico. (SILVA FILHO, 2001).
Posteriormente, o esgotamento do alienismo, a relação da família
com o portador de transtorno mental e desta com instituição asilar, resistiram e
permaneceram quase inalteradas. O hospital permaneceu visto como lugar de
cuidados médicos, e a família ficando restrita ao papel de encaminhar, fornecer
informações e visitar o portador de transtorno mental. (ROSA, 2003).
57
Recentemente, o acirramento de críticas a respeito das estruturas
asilares, bem como a conquista e ampliação de direitos humanos, civis, econômicos
e sociais, contribuíram significativamente para a tendência de valorização do espaço
domiciliar, em detrimento da prática institucionalizada.
A este aspecto, somam-se outros, muito bem lembrados por
Wanderley (1998, p.8), ao afirmar que, a partir dos anos 60, os crescentes custos
econômicos e sociais e a baixa efetividade na recuperação levaram
questionamentos à prática e desenvolvimento de grandes instituições.
Este contexto permite a movimentação dos paradigmas psiquiátricos
em diferentes contextos sociais e históricos e o surgimento de alternativas de
assistência ao portador de transtorno mental, além de redimensionar, também, a
relação do portador de transtorno mental com a sua família, tanto no plano teórico
como no prático.
Vasconcelos (2002, p. 38) conjuga da mesma opinião e explicita
que:
A partir dos anos 60, tivemos propostas mais radicais,
predominantemente desconstrucionistas, que questionavam o próprio
saber psiquiátrico como um todo e seu mandato social em relação à
loucura, como nas experiências do movimento antipisiquiátrico, e que
acabaram mostrando um caráter romântico e voluntarista.
A função social do cuidado no espaço doméstico passa, então, a ser
redimensionada em sua concretude, ultrapassando os limites privados e ganhando
novos espaços de discussão, agora na esfera pública.
Segundo Wanderley (1998), isto se dá em decorrência:
[...] das recentes tendências de mudanças na própria estrutura
familiar, que tem no papel da mulher o seu eixo estruturador. Os
novos contornos que os arranjos familiares vão adquirindo, resultam,
ainda, da crescente inserção da mulher no mercado de trabalho.
(p.9)
Desta forma, os âmbitos familiares e comunitários são reconstruídos
ideologicamente como espaço privilegiado de prestação de cuidados, dando origem
as políticas sociais de cunho familiarista, que atingem também, as de políticas de
saúde mental:
58
Desde a crise econômica mundial dos fins dos anos de 1970, a
família vem sendo redescoberta como um importante agente privado
de proteção social. Em vista disso, quase todas as agendas
governamentais prevêem, de uma forma ou de outra, medidas de
apoio familiar (...) (PEREIRA 2004, p. 26),
Dentre as diversas escolas que propõem alterações no modelo de
atendimento aos portadores de transtornos mentais, destacamos à apreendida na
tradição basagliana.
Segundo (Rosa 2003), a família está:
[...] no cerne das condições de reprodução social do portador de
transtorno mental, à medida que é vista como sujeito que procura
reconstruir relações cotidianas, criar novos sentidos, manter e
fortalecer laços de sociabilidade. (p. 67).
Wanderley (1998) destaca que:
No Brasil, com a recente emergência política de questões
relacionadas à responsabilidade pública por muitas das dimensões
da vida das pessoas dependentes (geralmente idosos e pessoas
portadoras e deficiência) ou, em situação de dependência
temporária, a problemática dos cuidados no domicílio também
aparece como território fértil para a discussão do reconhecimento da
sua dimensão social e publica.
Assim, no processo de desisntitucionalização e reinserção social,
Waidman (2004), destaca dois aspectos fundamentais:
O primeiro é relativo à desmistificação da doença e da pessoa com
transtorno mental pela família e comunidade; o segundo, ao contexto
no qual ele está envolvido - a família e o meio social que o cerca -
garantindo-lhe uma assistência adequada, como espaço para
socialização, valorização e recuperação de suas potencialidades e
reabertura da comunicação na família, o que pode trazer motivo para
sua existência. (p.2).
Vasconcelos (2002, p. 259), acredita na valorização da família neste
contexto de ampliação do modelo de assistência ao portador de transtorno mental e
explicita que:
[...] mais que um receptor de intervenções por parte dos profissionais
torna-se um agente ativo no próprio processo de apoio psicossocial,
no desenvolvimento de projetos e no planejamento e avaliação dos
próprios serviços, vindo a interferir, inclusive, na própria política de
assistência psiquiátrica.
59
Desta forma, fica evidente que a inclusão do grupo familiar nos
projetos terapêuticos dos serviços de saúde mental, oriundos da Reforma
Psiquiátrica Brasileira, tem se pautado, ao menos teoricamente, nos princípios da
psiquiatria democrática italiana, na qual, a desconstrução-reconstrução dos saberes
ultrapassa a explicação causal, linear, e propõe recolocar no debate a
heterogeneidade do transtorno mental.
Assim, não podemos nos furtar em considerar a relação entre a
família e o Estado, que se constitui historicamente dentre vários aspectos, como um
universo de prestação de serviços, por vezes, caracterizados como ambivalentes ou
contraditórios voltados para normatização, proteção e direitos de cidadania.
Mioto (2004, p.48) faz referência a duas linhas de interpretação de
contemporâneas acerca desta relação:
A primeira tende a olhar a família numa perspectiva de perda de
funções, de perda de autonomia e da própria capacidade de ação.
Em contrapartida vê um Estado cada vez mais intrusivo, cada vez
mais regulador da vida privada. A segunda, (...) tem indicado que a
invasão do Estado na família tem se realizado através não de uma
redução de função, mas ao contrário, de uma sobrecarga de funções.
Seguindo o raciocínio da mesma autora, estas interpretações têm a
visão comum de que o Estado é o agente mais importante na formulação de normas
e regras às quais a família se vincula. Tendo em seu papel de elaborador,
financiador e gestor de uma ação governamental de âmbito universal, estabelece
normas jurídicas, econômicas, sociais e culturais, criando uma racionalidade técnica,
fundamentada em critérios duais de eficiência, ou seja, é bom ou é ruim, justo ou
injusto, afastando-se dos critérios valorativos, éticos.
Desta forma, o Brasil tendo optado nas últimas décadas do século
XX, pelo projeto ideo-político neo-liberal de ajuste estrutural para enfrentar a crise,
projeto este fundamentalmente voltado para lógica do mercado, agrega, na
formulação da políticas públicas, critérios cada vez mais na tecnologia que dá certo,
ou não dá certo, dá lucro ou não dá lucro.
Neste contexto, Carrasco (2002) ressalta a funcionalidade do papel
do Estado no sistema capitalista:
60
Vale lembrar que o Estado regula o funcionamento do mercado de
trabalho e desenvolve programas de proteção social supostamente
para cobrir necessidades não satisfeitas pelo mercado. Desta forma,
participa diretamente na determinação da situação social que
ocupam as pessoas e da estruturação das desigualdades sociais,
incluídas as de sexo. Por isso a suposta neutralidade do Estado com
relação a configuração dos diferentes grupos sociais é apenas uma
miragem. (
p. 21-22).
Pereira (2004) pactua do mesmo pensamento e complementa que:
Sabe-se que a instituição familiar sempre fez parte integral dos
arranjos de proteção social brasileiros. (...) Esta tendência tornou-se
mais pronunciada e legitimada com a extensão para o Brasil da
concepção conservadora, encampada pelo ideário neo-liberal (...) de
que a sociedade e a família deveriam partilhar com o Estado
responsabilidades antes das alçadas dos poderes públicos.(
p. 29-
30).
As modificações no atendimento à saúde mental também seguem as
regras deste contexto, conforme destaca Vasconcelos (2002):
[...] políticas neoliberias de desinvestimentos em políticas sociais
públicas em geral induzem a processos de desospitalização, já que a
manutenção das instituições psiquiátricas convencionais constitui
custo elevado para o Estado. (
p.21).
Mioto (2004) afirma que a construção histórica das políticas sociais
brasileiras vem sendo composta permeada pela ideologia de que:
[...] as famílias, independentemente de suas condições objetivas de
vida e das próprias vicissitudes da convivência familiar, devem ser
capazes de proteger e cuidar de seus membros. Essa crença pode
ser considerada, justamente um dos pilares da construção dos
processos de assistência às famílias.
(p.51).
Há, portanto, uma tendência nestas políticas que nos leva a ter uma
imagem de família homogênea e padronizada, idealizada no modelo burguês, sem
considerar aspectos como os que Mioto (2004) destaca como, por exemplo, as
modificações e os re-arranjos formulados, tanto de natureza política como sócio-
cultural, decorrentes das grandes transformações que ocorreram nos últimos
cinqüenta anos no âmbito familiar.
As políticas de saúde mental, na urgência de reverter o quadro de
exclusão em que vive a grande maioria dos portadores de transtornos mentais,
61
compõem-se revitalizando seus aspectos solidaristas, ou do dever moral,
cristalizados culturalmente como responsabilidade do mundo doméstico,
fundamentado no comprometimento imposto pelos laços de parentesco. Isto é:
[...] a família ainda se constitui como pilar importante na organização
social, a partir da divisão de tarefas e responsabilidades entre
gêneros e gerações. Na raiz disso está a ideologia de que as
necessidades das pessoas têm um primeiro lugar satisfação que é a
na família. (MIOTO, 2004, p. 15).
Desta forma, a problematização do cuidado domiciliar requer uma
análise criteriosa, de deciframento e compreensão aprofundada, de como tem sido
apresentada a co-participação do cuidador na operacionalização dos novos
paradigmas oriundos da desinstitucionalização. Faz-se necessário o resgate da
função política do cuidador, reconhecimento da sua dimensão social e pública neste
processo, para não nos deixarmos levar por discursos reducionistas de humanização
do tratamento psiquiátrico.
Para a efetivação da superação do modelo hospitalocêntrico, não há
como desconectar disponibilidade de recursos públicos, que dê suporte e amparo
para que o cuidado se realize na família de forma benéfica para o portador de
transtorno mental e que, ao mesmo tempo, não venha causar prejuízos aos direitos
individuais daqueles que se tornam os responsáveis pelo cuidado.
2.1. O CUIDADO DOMICILIAR
A reinserção social do portador de transtorno mental intrínseca ao
movimento de desinstitucionalização, tem sido revelada por Bandeira (1993), com
diversas dificuldades de operacionalização, dentre as quais podemos citar:
dificuldades financeiras, moradia inadequada, falta de acompanhamento médico
freqüente e contínuo, interrupção do tratamento medicamentoso e a ausência de
suporte social satisfatório das pessoas do ambiente natural do paciente, entre
outros, sendo este último aspecto, parte integrante deste nosso estudo.
Estas dificuldades convergem, segundo a mesma autora, para um
perfil parcialmente homogêneo de pacientes que freqüentam as emergências
psiquiátricas, tanto no Brasil como nos países pioneiros desta nova tendência. Fatos
62
estes que contribuem no aumento da taxa de readmissões ao ambiente hospitalar,
chamada de “porta giratória” que:
Em alguns hospitais, a taxa de re-hospitalização atinge de 55, até
75% do total de admissões (...) as readmissões atingem 35 a 50%
dos pacientes no primeiro ano após sua alta, chegando a 70% dos
pacientes no segundo ano. (BANDEIRA, 1993, p. 493).
Desta forma, neste contexto os fatores psicossoais, dentre os quais
destacamos o suporte familiar, tornam-se cada vez mais contundentes no processo
de superação do paradigma psiquiátrico, e direcionam a elucidação de novos
dispositivos alternativos de tratamento aos PTMs, conforme afirma Rosa (2003):
Contemporaneamente, a inclusão do grupo familiar nos projetos
terapêuticos dos serviços de saúde mental; a assunção de sua
condição de parceira e co-responsável dos serviços e a exigência de
construção de uma nova pedagogia institucional em sua abordagem
atravessam a construção de uma nova relação entre o louco e a
sociedade.
(p.139).
O cuidado domiciliar, compondo-se como um elemento de
sustentação ao tratamento fora do ambiente hospitalar, carece ser aprofundado e
compreendido em sua complexidade objetiva e subjetiva, onde a figura responsável
pelo cuidado ganha novo contorno e visibilidade, permitindo a emergência de
espaços de discussão e reconhecimento da sua dimensão social e pública neste
processo.
De acordo com Wanderley (1998):
Nos países desenvolvidos, a atividade de cuidar ganha nova
visibilidade, tornando-se cada vez mais área de atuação das políticas
públicas. Inglaterra, Espanha, Portugal, Estados Unidos e Canadá,
dentre outros, desenvolvem programas de atendimento domiciliar a
diferentes segmentos da população, em substituição às grandes
instituições do passado. (
p. 09).
No Brasil, na opinião da mesma autora, a problemática do cuidado
domiciliar tem sido elaborada a partir de discussões recentes, decorrentes da
emergência política, que aponta a responsabilidade pública de muitas das
dimensões da vida das pessoas dependentes.
Segundo Pereira (2000), a literatura e a produção científica sobre
cuidadores domiciliares ainda é escassa. Os trabalhos nesta área têm se voltado
63
principalmente para a geriatria, aos pacientes acometidos por acidente vascular
cerebral (AVC), e aos doentes de AIDS. Desta forma, considerando a escassez de
literatura relacionada especificadamente ao cuidado ao portador de transtorno
mental, partiremos de publicações que abordam o cuidado domiciliar de forma
global.
Ainda com base na mesma autora, há inúmeras definições sobre
cuidador, relacionadas ao grau de parentesco, ao estilo ou freqüência da
participação, ao tipo de cuidado dispensado, definidos também pela prestação
eventual ou continuada por longos períodos, etc.
Optamos, neste estudo, por uma definição ampla citada por
Costenaro & Lacerda (2002):
O cuidador é todo aquele que vivencia o ato de cuidar e expressa
esta experiência em diferentes momentos e situações, pode realizar-
se com diferentes pessoas em ocasiões distintas de suas vidas.
(p.17).
Assim, o cuidador adquire a condição de “principal pessoa
responsável pela assistência ao paciente durante o curso da doença e a mais
intimamente envolvida no cuidados do mesmo”. (PEREIRA, 2000, P. 26).
O Guia para cuidadores e familiares, da Faculdade de Psicologia da
Universidade Autônoma de Madrid (1997) esclarece a emergência do cuidador a
partir do meio familiar:
En la mayor parte de las familias, un único miembro de ésta asume la
mayor parte de la responsabilidad del cuidado (...) El parentesco es
un factor muy importante para comprender y entender los
sentimientos y la experiencia que viven los cuidadores.
(p. 18 e19).
Sobre este aspecto Rosa (2003) complementa que:
Prestar cuidados às pessoas enfermas traduz uma das obrigações
do código de direitos e deveres entre os integrantes da família
consangüínea. Mesmo que redunde, em algum ganho ou prejuízo
econômico, prover cuidado, figura como uma das atividades
inerentes a tarefas familiares ou domésticas que, da perspectiva do
grupo familiar, foram ‘naturalizadas’ como próprias da família.
(p.
277).
64
Desta forma, o cuidado é direcionado ao grupo familiar e assumido
pelo sexo feminino, por estar constituído histórica e socialmente que à mulher são
direcionadas as responsabilidades da esfera privada. São atribuições que
automaticamente são associadas ao papel da mulher na divisão sexual do trabalho.
Aspecto este muito bem caracterizado por Wanderley (1998) ao
afirmar que:
[...] a mulher se evidencia como a ‘grande cuidadora’ (seja ela mãe,
esposa ou filha). É a ela que cultural e socialmente é atribuído este
papel: primeiro cuida dos filhos, depois do marido, e posteriormente
dos velhos e doentes.
(p.15).
A mesma compreensão é referenciada no citado Guia Espanhol
(1998):
Normalmente, esta responsabilidad recae en mujeres: esposas, hijas
e nueras. Hasta tal punto es así que ocho de cada diez personas que
están cuidando a un familiar mayor en nuestro país son mujeres
entre 45 y 65 años de edad.
(p. 18).
Esta referência segue enumerando diversas justificativas para a
prestação solidária de cuidados no grupo familiar, no qual as pessoas que cuidam
de um familiar, em situação de enfermidade, afirmam tratar-se de um dever moral,
devendo ser entendido como uma responsabilidade social do grupo, ou seja, norma
social a ser respeitada. Há outras motivações para prestação deste tipo de cuidado.
Como:
- Por motivación altruista, es decir, para mantener el bienestar de
nuestro familiar porque se entienden y comparten sus necesidades
- Por reciprocidad, ya que antes nos cuidaron ellos
- Por la gratitud que muestra la persona cuidada
- Por sentimientos de culpa del pasado
- Por evitar la censura de la familia, amigos en casa.
(p.18).
Pereira (2000) afirma que:
A atividade de cuidar exige do cuidador que se coloque objetiva e
subjetivamente no seu cotidiano de forma inteira. Este cotidiano o
absorve de forma total. A construção de sua nova identidade como
cuidador ocorre no processo de cuidar. Este cuidador é um ser em
construção que se altera diariamente em função do paciente. (p.37).
65
O envolvimento emocional oriundo da convivência e a complexidade
da dinâmica familiar com a presença do portador de transtorno mental, impõe novos
papéis e novos contratos sociais aos seus membros que, além de originar mudanças
objetivas em seu cotidiano, transforma também diversas relações de caráter
subjetivo, onde os contatos interpessoais sofrem abalos e passam por re-
elaborações e re-significações.
Bandeira (1993) destaca que há ambientes familiares, com alto grau
de emotividade negativa, como desencadeantes de recidivas hospitalares,
decorrente de comportamentos agressivos, ofensivos e acusatórios tanto por parte
do portador de transtorno mental, como hostilidade e críticas dirigidas ao paciente,
advindas dos demais membros do grupo familiar.
Waidman (2004) lembra que:
Apesar de nem todos os portadores de transtornos mentais
apresentarem comportamentos agressivos, o que marca a família e a
deixa apreensiva é, sem dúvida esta situação.
(p. 30).
Assim, vários autores, como Bandeira, (1993), Rosa (2003),
Vasconcelos (2002), associam a re-internação como um modo de oxigenar o
ambiente familiar sobrecarregado emocional e materialmente, principalmente os
descritos como aqueles que apresentam diagnósticos mais graves, tais como a
esquizofrenia ou outras psicoses, ou distúrbios graves de personalidade.
Acerca deste aspecto Mendes (apud Wanderley 1998), muito bem
elucida que:
No âmbito institucional, a atividade de cuidar é regulada por relações
objetivas e contratuais e os cuidados se dão em situações objetivas,
pré-estabelecidas, já reguladas e normatizadas. Nos hospitais ou nos
grandes centros asilares, por exemplo, os espaços físicos já são
definidos e as rotinas diárias estabelecidas com funções
determinadas. No ambiente doméstico está situação não está dada,
terá de ser reconstruída e internalizada na dinâmica familiar nas
rotinas domésticas, assimilação de novas tarefas acrescentadas no
cotidiano. (
p.17).
A presença de uma pessoa com sofrimento mental provoca uma
radical modificação no cotidiano familiar do ponto de vista objetivo, que requisita
vigilância constante de todos os membros acerca de objetos corriqueiros do
66
ambiente doméstico, tais como: tesoura, talheres que precisam manter-se fora do
alcance nos momentos de crises comicionais.
Mas, são as modificações subjetivas que demandam mais empenho
dos membros que compõem o grupo familiar, havendo a necessidade de
incorporação de novas percepções e conhecimentos, que não estão dadas, terão
que ser construídas e apreendidas na dinâmica de interação entre os membros do
grupo.
Deste modo, a emergência de um transtorno mental dentro do grupo
familiar é gerador de muita ansiedade e tensão, pois a invisibilidade da doença, a
intensificação dos sintomas e a impresivibilidade dos comportamentos não permitem
a manutenção da rotina habitual.
Além destes aspectos, há que se ressaltar a exigência, não só do
cuidador/a, mas do grupo familiar como um todo, em ter alguma base no âmbito
entendimento técnico instrumental para contribuir no processo de recuperação do
portador de transtorno mental. Levando em consideração que os conhecimentos da
especialidade psiquiátrica não são de fácil compreensão, pois estão carregados de
múltiplas definições, seja sobre saúde mental, sobre distúrbio, transtorno ou
sofrimento mental, esse entendimento se torna mais difícil à medida em que o nível
de escolaridade seja baixo, tornando esse processo ainda mais complexo.
Estes aspectos da complexidade das definições do campo da
psiquiatria/saúde mental foram muito bem caracterizados por Kolb (apud,
WAIDMAN, 2004) ao lembrar que:
[...] não existem limites fixos entre saúde e doença; que talvez o
critério de doença /transtorno mental seja representado, em grande
parte, pelo grau de comportamento diferente dos padronizados. (p.
79).
E também por Venâncio (2003), recordando que:
A Organização Mundial de Saúde (OMS) prefere falar em transtorno
mental e não em doença mental, já que a causa é quase sempre
desconhecida e o curso do transtorno e o seu tratamento são
incertos (...) acredita-se que os transtornos sejam multifocais, ou
seja, não tem uma única causa, mas são resultantes de uma série de
fatores (pessoais, familiares, sociais, hereditários, etc.).
(p.54).
67
Desta forma, a convivência com distúrbio mental se configura num
contexto de incompreensibilidade, o que leva muitas pessoas a associá-lo com
problemas espirituais, vindo a comprometer o papel auxiliar, enquanto cuidador, do
processo terapêutico. Fatos estes que corroboram na racionalização de alternativas
elaboradas no senso comum, como forma de enfrentamento da complexidade da
enfermidade mental, refletindo na manutenção do preconceito e estigmatização.
O enfrentamento do transtorno mental interpretado como doença
crônica episódica, segundo Waidman (2004), requer uma flexibilidade maior quando
comparadas á outras patologias, pois permite uma gama enorme de exacerbação da
doença. Isto faz com que os cuidadores convivam diariamente numa contínua
incerteza, geradora de tensão: quando ocorrera a próxima crise, e, como se dará:
Isto acontece porque geralmente os sinais e sintomas dos
transtornos mentais, mudam o comportamento da pessoa, levando a
família a desacreditá-la, principalmente pelo medo de seu
comportamento, já que a alguns deles põem em risco sua integridade
física e moral. (p.74).
Assim, podemos afirmar que o cuidado, quando relacionado com a
dependência e acompanhamentos demandados pela cronicidade, associados aos
limites da compreensão social dos distúrbios psiquiátricos, são geradores de
emoções contraditórias e conflituosas, em que a presença do portador de transtorno
mental pode se transformar em “fardo emocional” reconhecidamente pesado.
(BANDEIRA, 1993).
O cotidiano do cuidador se caracteriza no entendimento de Pereira
(2000), pela dependência das necessidades do outro, construída a partir do espaço
doméstico e de uma relação afetiva anterior permeada de sentimentos compostos,
mediados pela moral, pela cultura e pela sociedade.
Desta maneira, o encargo do cuidado vai sendo reconstruído no
interior do espaço doméstico, de modo voluntário, improvisado e precarizado. Com o
agravante de que as dificuldades da implementação não são apenas de ordem
econômica, recaem também sob o aspecto da ressocialização, já que a realidade do
PTM é carregada de complexidades.
Novas tarefas têm sido acrescentadas ao cotidiano do cuidador,
para os quais ele não tem recebido informação, capacitação, apoio ou treinamento,
o que compromete sua compreensão e o processo de reabilitação da pessoa
68
doente, bem como o convívio saudável do grupo familiar. Desta maneira, fica
evidenciado, que faltam aos serviços e políticas que reconheçam que o efetivo
investimento na reabilitação psicossocial da pessoa com sofrimento psíquico, passa
pelo atendimento do grupo no qual ela se insere. Apenas a implantação de
mudanças técnicas e fragmentadas não é suficiente para por fim a anos de
isolamento e muito menos capaz de reconstruir vidas.
Com intuito de compreender empiricamente como a
operacionalização da desinstitucionalização e o papel dos/as cuidadores/as neste
contexto tem sido concretizada no âmbito da convivência com PTM, iniciaremos o
terceiro capítulo, com a apresentação do perfil dos portadores de transtornos
mentais e seus respectivos cuidadores, que se constituem nos sujeitos da pesquisa.
Apresentaremos ainda na seqüência deste capítulo a análise das entrevistas.
CAPÍTULO III
3. ANÁLISE DOS DADOS
Antes de iniciarmos este item, faz-se necessária uma breve
consideração sobre aspectos gerais relacionados ao objeto deste estudo: a
patologia esquizofrenia.
Nos quadros esquizofrênicos, a pessoa doente apresenta distúrbios
nos relacionamentos, comprometimento na autonomia e desempenho sócio-
econômico aquém do esperado. De acordo com estudos e pesquisa da OMS
(Organização Mundial da Saúde) a versão atualizada e publicada em 1994, na
Classificação Internacional das Doenças (CID-10) aponta suas principais
características:
Quadro 1 – Diagnóstico de esquizofrenia pelo DSM IV (1994) – Características
essenciais
A. SINTOMAS CARACTERÍSTICOS – Presença de pelo menos dois subitens abaixo durante um
considerável de tempo do período de 1 mês:
(1) Delírios
(2) Alucinações
(3) Discurso desorganizado (por exemplo, com descarrilhamento ou incoerência)
(4) Comportamento profundamente desorganizado ou catatônico
(5) Sintomas negativos, como, por exemplo, embotamento afetivo, alogia ou avolição
B. DECLÍNIO EM RELAÇÃO AO NÍVEL DE FUNCIONAMENTO OU PRÉ-MÓRBIDO
Em áreas como trabalho, relações sociais, cuidados pessoais
C. DURAÇÃO DA DOENÇA CONTINUAMENTE POR PELO MENOS 6 MESES – PELO MENOS 1
MÊS COM SINTOMAS REFERIDOS EM A E SINTOMAS PRODRÔMICOS OU RESIDUAIS
CARACTERIZADO POR:
(1) Sintomas negativos ou
(2) Formas atenuadas de dois ou mais sintomas de A, como experiências perceptuais anormais,
idéias incomuns, bizarras
70
D. AUSÊNCIA DE SINAIS MAIORES DE DISTÚRBIO AFETIVO OU ESQUIZOAFETIVO
E. AUSÊNCIA DE FATORES ORGÂNICOS DEFINIDOS CAUSANDO OS SINTOMAS
Fonte: Manual de Psiquiatria, 1996.
Completando o conceito da esquizofrenia, segundo o referenciado
Manual de Psiquiatria, esta doença se constitui num:
Distúrbio bastante freqüente, afetando cerca de 1% da população
geral em diferentes culturas [...] indivíduos são acometidos já na
adolescência ou no início da fase adulta, tornando-se parcial ou
completamente inválidos, improdutivos e dependentes de familiares e
da sociedade como um todo. (VALADA, 1996, p.126).
Na busca de terapêuticas mais eficazes para os quadros da
esquizofrenia, o desenvolvimento da ciência se direciona em três principais áreas de
pesquisa, apontadas por Kaplan (1997): os avanços de imagens cerebrais, as
pesquisas significativas em drogas psicoativas atípicas que possam ser mais
efetivas na redução dos sintomas negativos da esquizofrenia, além do aumento do
interesse pelos fatores psicossociais que afetam tais indivíduos, principalmente
aqueles que interfiram no início, na recaída e no resultado do tratamento.
A seguir iniciaremos a análise dos dados colhidos no campo
sistematizados em 3 tópicos:
1. Perfil dos portadores de transtornos mentais
2. Perfil dos sujeitos da pesquisa
3. Análise das entrevistas
3.1. PERFIL DOS PORTADORES DE TRANSTORNOS MENTAIS
Os portadores de transtornos mentais atendidos no Hospital
Regional Vale do Ivaí em Jandaia do Sul - PR, originam-se da Região do Vale do
Ivaí, que agrega 45 municípios. A cidade de Jandaia do Sul vincula-se, juntamente
com 17 destes municípios, à 16ª Regional de Saúde, com sede no município de
Apucarana – Pr.
71
Nesta região, a atividade econômica predominante é agricultura,
porém, seus municípios se caracterizam de forma bastante heterogênea, tanto no
tamanho, quanto em número de habitantes. Distam de Jandaia do Sul, localização
do Hospital Regional, desde poucos quilômetros como Apucarana que está a 20 km;
até a distância de 350 km como é o caso da cidade de Mato Rico, a mais afastada.
Atendendo portadores de transtornos mentais desde a segunda
metade da década de 1970, esta instituição filantrópica já chegou a atender um
número de 350 pacientes internados. Atualmente trabalha com capacidade máxima
de 270 pacientes, utilizando para tanto apenas recursos do Sistema Único de Saúde
– SUS.
A população atendida compõe um universo com vários tipos de
patologias mentais, de acordo com CID – 10, apresentadas no quadro abaixo,
divididas em três alas de internação, sendo uma especificamente para atendimentos
do sexo feminino com capacidade de 60 leitos, e duas alas para internação de
masculinos.
Quadro 2 – Coleta de dados – abril – Diagnósticos das Patologias Mentais de ambos
os sexos
C I D - Gráfico 1
50
49
39
27
18
14
10
8
6
55
4
33333
2
0
10
20
30
40
50
60
f 06 9
f 20 0
f 10 5
f 20 5
f 06 8
f 20 6
f 20 3
f 20 8
f 06 2
f 02 8
f 31 1
f 31 2
f 06 3
f 10 2
f 20 1
f 20 9
f 23 2
f 31 6
Fonte: Hospital Regional Vale do Ivaí. 2006.
72
De acordo com o gráfico acima, pode-se verificar que o diagnóstico
mais freqüente entre as patologias mentais atendidas no Hospital Regional está
relacionado à patologia esquizofrenia, que corresponde na CID-10, f20, e suas
variáveis: f20.0, f20.5, f20.6, f20.3, f20.8, f20.1 e f20.9, totalizando 114 dos 267
internamentos, num percentual de 42,69%.
Os diagnósticos da CID-10, os f06.9, f06.8, f06.2, f06.3, que se
configuraram em 28,83 % do total se referem a transtornos oriundos de causas
orgânicas, compondo-se de 77 pacientes.
O número de pessoas internadas neste período com diagnósticos de
alcoolismo da CID -10: f10.5 e f10.2 formaram 42 pacientes do (15,73%). Cabe
ressaltar que nesta Instituição não há programa de atendimento, nem pacientes
internados com diagnóstico de uso abusivo de outras drogas psicoativas.
Houve também a constatação de que cerca de 7%, 19 (dezenove)
pacientes internados, estão divididos em 4 (quatro) patologias: f23.2 (transtorno
psicótico agudo tipo esquizofrênico; f31.1 (transtorno afetivo bipolar, episódio atual
maníaco sem sintomas psicóticos); f31.2 (transtorno afetivo bipolar, episódio atual
maníaco com sintomas psicóticos) e 31.6 (transtorno afetivo bipolar, episódio atual
misto), além de outros 15 (quinze) cada um com diagnóstico correspondente,
totalizando 5,61%, que neste nosso estudo não se configuraram num dado
relevante.
Desta forma, dentre o total de 267 (duzentos sessenta e sete)
prontuários verificados, de ambos os sexos, a faixa etária dos portadores de
transtornos mentais, permanecem entre 18 e 68 anos, sendo que a maioria deles se
encontra na faixa dos 40 anos, correspondendo a 60,57%.
Outro dado levantado acerca do perfil dos pacientes, refere-se ao
número de reinternações que eles apresentaram nesta instituição desde o início de
suas atividades, há exatos 31 (trinta e um) anos. Verificamos pacientes com o
número expressivo de reinternações, ou seja, com número igual ou maior há 50
(cinqüenta) reinternamentos. 7 (sete) pacientes se encontravam nesta situação,
dentre estes, 5 (cinco) com diagnóstico referente à esquizofrenia.
Foi possível constatar, no período estudado, que dentre os 267
(duzentos sessenta e sete) pacientes, 20,22 %, ou seja, 54 (cinqüenta quatro)
destes haviam sido internados pela primeira vez. Dentre este total de 54 pessoas
que passaram a desenvolver quadros de patologias mentais, e tiveram como
73
indicação atendimento psiquiátrico pela via da internação, 11 (onze) pessoas tiveram
como diagnóstico da CID-10, f 20 – esquizofrenia, só no mês de abril.
Conforme já foi citado, o tempo médio que os pacientes
permanecem internados é de 2 (dois) meses. Apenas nos diagnósticos do
alcoolismo, de ambos os sexos, o tratamento determina o prazo de internamento em
quatro semanas, período de duração do programa de recuperação.
Dentre os 267 (duzentos sessenta e sete) prontuários estudados,
pudemos verificar uma grande variação de tempo, em que o paciente permanece
fora do ambiente hospitalar, principalmente em função das particularidades das
patologias, tendo aqueles que retornam com poucos dias após alta e também casos
em que o paciente chega a permanecer por 10 ou 13 anos sem necessidade de
nova internação.
As reinternações referentes aos quadros de f.20 (Esquizofrenia), que
são objetos deste estudo, informaram que dentre os 103 mapeados com
reinternações anteriores, 11,92% não conseguiram sequer passar um mês fora do
ambiente hospitalar, 48,60% permaneceram menos de 1 ano, 39,48 % pacientes
mais de 1 ano sem voltar à instituição para internação. Desta forma, podemos
concluir que, nestes períodos, os pacientes permaneceram sob cuidados exclusivos
de seus familiares.
Ainda sobre a freqüência de reinternações, nossa experiência
profissional permite acrescentar outros motivos que colaboram para o retorno rápido
dos pacientes ao ambiente de tratamento hospitalar: não comparecimento às
consultas ambulatoriais, o que provoca o abandono da medicação; suporte familiar
insuficiente; distância entre os serviços ambulatoriais, falta de medicamentos na
saúde pública; desinformação sobre os transtornos mentais; fatores sócio-culturais e
econômicos.
As informações coletadas nos prontuários das pacientes do sexo
feminino trouxeram pouca variação quanto aos dados gerais, apenas destacando
que a quantidade de leitos femininos corresponde a 22,47% do total de leitos
disponíveis no referenciado Hospital, fato este determinado pela demanda da região.
Desta forma, do total de 267 (duzentos setenta e sete) pacientes, a
ala feminina tem capacidade média de internação de 70 (setenta) pacientes, estando
nesta data com 60 (sessenta) leitos ocupados. Dentre estas, havia 5 (cinco)
alcoolistas mulheres, as quais participam do programa de recuperação junto com o
74
grupo masculino. A grande maioria das internas é, portanto, portadora de transtornos
mentais, correspondendo ao total de 91,6%.
O diagnóstico mais freqüente encontrado entre as 60 (sessenta)
mulheres internadas no mês de abril, está relacionado aos quadros de esquizofrenia.
Elas somam 28 (vinte oito) pacientes, 46,66 % do total dos diagnósticos. A faixa
etária mais significativa encontrada, tal qual o dado masculino, fica em torno dos 40
anos, sendo de 21 anos a idade da mais nova, e de 63 anos a mais idosa.
Dentre as 60 (sessenta) pacientes que se encontravam internadas,
19 (dezenove) estavam ali pela primeira vez. Sendo que dentre as 19 (dezenove), as
portadoras de esquizofrenia compuseram um total de 3 (três).
De posse deste retrato momentâneo de toda a população internada
no hospital referenciado, foi possível a definição da amostra dos sujeitos da
pesquisa, que partiu originariamente do quadro de portadores de transtornos
mentais:
Quadro 3 – Coleta de Dados – 01 à 15 de Maio – Portadores de Transtornos
mentais
paciente idade sexo diag inter
período s/
internar
procedência provimento
A 35 M f 20.0 17 5 meses Arapongas não possui
B 30 M f 20.8 5 1ano e 1 mês São Pedro Ivaí não possui
C 21 M f 20.8 5 4 meses Ivaiporã não possui
D 30 M f 20.0 53 1 mês Apucarana bpc
E 45 F f 20.3 5 13 anos Borrazópolis aposentadoria
F 47 M f 20.0 32 1 ano Arapongas não possui
G 39 F f 20.6 11 9 meses Apucarana não possui
H 22 M f 20.3 5 1 ano Apucarana não possui
Fonte: Hospital Regional Vale do Ivaí. 2006.
Utilizando os critérios pré-estabelecidos, já expostos, a amostra dos
sujeitos da pesquisa corresponde aos familiares dos portadores de transtornos
mentais enumerados neste quadro. Configuram–se 8 (oito) pacientes, sendo 6 (seis)
do sexo masculino e 2 (dois) do sexo feminino, com idade variando entre 21 a 47
anos, todos com diagnóstico de quadros esquizofrênicos.
75
Apesar de estes pacientes comporem quadros diagnósticos muito
parecidos, apresentam uma trajetória de freqüência de reinternação que varia de 5 a
53 vezes, seja em função do comprometimento da patologia, seja pelo tempo em
que ocorreu o primeiro internamento.
Estes dados apontaram que 50% dos sujeitos conseguiram
permanecer mais de 1 (um) ano com o quadro estabilizado, sem, portanto, a
necessidade de retorno ao ambiente hospitalar. No caso do sujeito E, o tempo foi
muito maior, chegou a 13 (treze) anos. E há também os sujeitos, A, C e D que
mantém um histórico de reinternações mais freqüente, retornando ao ambiente
hospitalar em 5 (cinco), 4 (quatro) e 1 (um) mês respectivamente.
Os pacientes mapeados residem nas cidades próximas da
localização do Hospital referenciado, sendo 1 da cidade de Ivaiporã, a mais distante,
cerca de 100 km; 03 (três) da cidade de mais próxima, Apucarana; 02 (dois) de
Arapongas; 01 (um) de Borrazópolis, e outro de São Pedro do Ivaí.
Apesar do comprometimento mental decorrente dos quadros da
esquizofrenia já enumerados, podemos verificar que apenas 02 (dois), entre os 08
(oito) sujeitos recebem benefícios que garantem renda, sendo 1 (um) oriundo da
Previdência Social, e outro através da LOAS (Lei Orgânica da Assistência Social).
Os 06 (seis) restantes não possuem qualquer provimento monetário formal.
3.2. PERFIL DOS SUJEITOS DA PESQUISA
Utilizando os critérios descritos no item anterior, os sujeitos da
pesquisa foram selecionados e compuseram-se de pessoas que mantêm com os
referidos PTMs, além do grau de parentesco, uma relação de afetividade intensa,
percebida durante os diversos contatos decorrentes da experiência profissional, que,
durante as entrevistas realizadas, foi verbalizada.
Dentre os entrevistados, muitos se emocionaram, explicitando
sentimentos de tristeza, preocupação com o futuro, bem como o aprendizado que
carregam com a convivência, decorrente de uma vida ao lado de um familiar com
diagnóstico complexo, que permanece, em pleno século XXI, apenas mantendo
controle dos sintomas, não tendo possibilidade de superação.
76
A dedicação, a presteza e o acompanhamento dos cuidadores,
sujeitos da pesquisa, sobressaíram-se em relação aos relatos de desconforto
emocional que eles sentem no momento das manifestações da enfermidade.
Momentos estes cercados de tensão e imprevisibilidade em que os episódios de
agressividade, inquietação ou de indiferença, decorrentes das características destes
quadros, tornam-se geradores de sentimentos ambíguos de medo, culpa, revolta ou
raiva.
Passada a crise, o que permanece são sentimentos positivos de
amor, de paciência, de compaixão, aspectos estes descritos por Boff (2003), que
caracterizam o cuidado como amplo e complexo, e representado pela atitude de
envolvimento afetivo-emocional, de preocupação, que vão muito além da atitude de
realização de tarefas e ocupação temporal da pessoa responsável pelo cuidado.
Foram eleitos para este estudo, 8 (oito) sujeitos da pesquisa
definidos pelo grau de parentesco como: 5 (cinco) mães, 2 (dois) esposos e 1 (um)
irmão, que se tornaram cuidadores/as principais de pessoas portadoras do
transtorno mental, segundo CID-10, f20 - esquizofrenia, e ilustra o seguinte quadro
correspondente à amostra dos pacientes internados na 1ª quinzena de maio,
apresentado no quadro do item anterior.
Quadro 4 – Coleta de dados – 01 à 15 maio – Sujeitos da Pesquisa
sujeitos idade sexo parentesco
companhia
familiar ocupação escolaridade
renda
individual
renda
familiar Provimento
A 62 f mãe só com PTM não tem 4ª série 1 sal 1 sal Aposentadoria
B 62 f mãe só com PTM não tem 2ª série 1 sal 2 sal Aposentadoria
C 50 f mãe só com PTM não tem analfabeta R$ 100,00 R$140,00
Auxílio de
terceiros
+bolsa fam
D 55 f mãe PTM + 1 filho não tem 4ª série não tem 2 sal salário + bpc
E 50 m marido
PTM + 2
filhos agricultor 2ª série 1 sal 3 sal Salário
F 49 m irmão só com PTM não tem 2 ª série 1 sal 1 sal Pensão
G 55 m marido
PTM + 4
filhos pedreiro 4ª série 2,5 sal 2,5 sal Salário
H 57 f mãe
PTM + 1 filha
e sobrinha não tem analfabeta não tem 1,5 sal Salário
Fonte: Hospital Regional Vale do Ivaí. (2006).
77
Podemos observar que os sujeitos encontram-se na faixa etária de
49 a 62 anos, fase da maturidade, quando as escolhas anteriores estão
determinando o modo de vida atual. Desta forma, 50% aparecem se aproximando do
inicio da fase de envelhecimento, ou seja, numa idade em que menos de 10 anos os
separam do que a legislação considera pessoa idosa e, portanto, estão prestes a
passar de produtoras a demandatárias de cuidados.
Os sujeitos estão divididos em 5 (cinco) do sexo feminino, todas
mães de respectivos PTMs e, 3 (três) do sexo masculino, sendo dois maridos e um
irmão de PTMs. A composição familiar que prevalece está composta por arranjos
restritos e diversificados, que na maioria dos nossos entrevistados, cerca de 60%,
compõem-se da mãe, representada como elemento central, e filhos. Em 3 dos 8
grupos, a família se restringe apenas à mãe e ao PTM. Há ainda 1(um) grupo
domiciliar composto pelo irmão e o portador, compondo juntos 50 % do total.
Com relação à rede familiar atual dos sujeitos entrevistados, 75%
não refletem o modelo tradicional de família, ou seja, apenas 25% dos cuidadores
mantêm relação conjugal estável, sendo todos do sexo masculino.
Desta forma, verificamos que as 5 (cinco) cuidadoras entrevistadas
do sexo feminino não contam com a presença e apoio da figura masculina no papel
tradicional no grupo doméstico.
A escolaridade dos sujeitos deste estudo mostra que a totalidade
freqüentou apenas as primeiras séries do ensino fundamental, sendo que 4 (quatro)
abandonaram a vida escolar na 2ª série, 3 (três), chegaram a 4ª série, e 2 (duas)
são analfabetas.
Apenas 2 (dois) sujeitos entrevistados afirmaram que possuem
atividades produtivas remuneradas. Destes, todos são do sexo masculino. Os outros
6 (seis) entrevistados, 1 (um) do sexo masculino e as cuidadoras do sexo feminino,
afirmaram que atualmente permanecem apenas ligados a ocupações voltadas aos
serviços domésticos em seus próprios lares, ou com eventual prestação destes
serviços a terceiros, (lavagem de roupas, diárias domésticas, etc.).
Com relação ao provimento econômico, os dados apresentados no
quadro quatro, mostram que: 2 (dois) possuem renda decorrente de atividades
produtivas autônomas, 1 (um) pensionista, 2 (duas) aposentadas, 1 (um) recebe
auxílio mensal no valor de R$100,00 da filha, e também R$ 40,00 do Programa
Bolsa-Família, e 2 (duas) não possuem qualquer renda individual.
78
Pode-se observar que nestes grupos familiares, os recursos
econômicos se somam e se misturam em prol de todos seus membros. Os sujeitos
identificados como A, F e G, representando 37,5% dos grupos familiares estudados,
dependem do provimento apenas do cuidador/a. Nos lares de B e E, há uma
somatória de recursos, tanto do portador, do cuidador/a e de outros membros. Já o
sujeito H conta apenas com renda da irmã do portador. E há ainda a situação do
sujeito C, que aponta maior vulnerabilidade econômica, sendo que o único recurso
formal é oriundo do programa Bolsa-família.
3.3. ANÁLISE DAS ENTREVISTAS
3.3.1. A Família que Cuida
É preciso enfatizar que a vulnerabilidade das famílias e dos seus
membros, tem se tornado, no cenário mundial, tema de destaque com maior
visibilidade e repercussão. Segundo Guimarães e Almeida (2005), esta valorização
vem ocorrendo a partir da década de 1990, quando a Organização das Nações
Unidas (ONU) institui o Ano Internacional da Família, chamando a atenção para
políticas públicas que possibilitasse elevá-la como núcleo central de estudos.
Na conjuntura brasileira, neste período, este tema também passa a
figurar na agenda dos pesquisadores, guiado como uma alternativa de
enfrentamento aos diversos assombros problemas do modelo econômico, e de re-
ordenamento do sistema produtivo. Sob influência do ideário neoliberal, que se
consolida neste período principalmente de racionalização econômica, reestruturação
produtiva que aumenta o desemprego e redução de custos na área social,
agravando as vulnerabilidades das famílias. Outro aspecto desta década está
relacionado ao fato de que juntos, comunidade e família têm sido eleitas pelas
Políticas Públicas de modo geral, sujeitos no processo de construção e
implementação de alternativas plurais de atenção. Na área da saúde este enfoque
tem se concretizado através de ações de internação domiciliar, cuidador domiciliar,
agentes comunitários de saúde e outras.
79
Vários autores têm demonstrado interesse e preocupação com o
contorno familiarista das Políticas Públicas de modo geral e buscam trazer à tona as
contradições destas práticas, destacando que apesar de assumirem, nos discursos
de tais políticas, o rompimento com as clássicas definições de família, continua a
fazê-lo, ou seja, apesar de contemporaneamente o grupo familiar ser definido como:
“conjunto de pessoas que se acham unidas por laços consangüíneos, afetivos e ou
de solidariedade” continuam na realidade, dando sinais de desconsideração destas
novas feições da família. (PNAS, 2004, p. 34).
Mais especificamente, nas políticas de atenção à saúde mental, a
família passou a ser incorporada, através da lei n.º 10.216 de 2001, como grande
eixo sustentador do processo da Reforma Psiquiátrica, visando implementação dos
serviços alternativos, bem como a superação dos tratamentos institucionalizados,
baseados no isolamento e exclusão: a desinstitucionalização, conforme já citamos.
Porém, apesar da unidade familiar se tornar, através da legislação,
espaço privilegiado da consecução dos direitos de cidadania dos portadores de
transtornos mentais, tem provocado novas discussões e críticas no âmbito da sua
operacionalização. Isto, na nossa leitura, tem permitido dar visibilidade ao contorno
histórico da face nebulosa da função do Estado e da sua parcialidade com as
classes dominantes, que muito mais se empenha na concessão de benesses, do
que articula estratégias na lógica da concretização dos direitos sociais e humanos da
maioria da população.
Nesta perspectiva, é possível verificar empiricamente que a Política
de Saúde Mental voltada à desinstitucionalização, tem servido de combustível nesta
direção. Têm exposto um Estado se apropriando do discurso estratégico de
humanização da saúde mental forjando mecanismos diversificados de assistência e
deixando à mostra a tendência de transferir a responsabilidade pública relativa à
saúde mental e ao bem–estar não só do PTM, como também de seus cuidadores/as
domiciliares, para eles próprios.
No momento da operacionalização da desinstitucionalização, a
singularidade da fragilidade familiar face a realidade complexa dos transtornos
mentais graves são secundarizadas, tanto quanto as nuances das modificações
contemporâneas por que têm passado as famílias de modo geral, seja na sua
composição, na sua estrutura, ou na forma que articula o enfretamento da
sobrevivência neste contexto de precariedade econômico-social.
80
Relacionado com a importância do enfoque contemporâneo de
definição dos grupos familiares na definição das Políticas Públicas, podemos citar
Mioto (2004), quando enfatiza que o trabalho com famílias continua se pautando em:
Concepções estereotipadas de família e de papéis familiares,
configurando um modelo de família-padrão, com uma expectativa
muito grande quanto ao papel de um bom pai e de uma boa mãe,
ainda que afirmando a crença numa diversidade familiar e o
rompimento com uma forma única. (p.15).
Em nosso estudo, percebemos essa diversidade na composição dos
grupos familiares, confirmando as modificações dos modelos tradicionais e
chamando atenção para a confirmação empírica do fato de que a figura paterna não
corresponde mais ao elemento central.
A antropóloga Andréa Butto (1998), aponta como esta tendência é
marcante em nosso país:
Na organização interna das famílias ainda predomina o casal com ou
sem filhos, apesar de a última década estar marcada pelo aumento
das famílias ‘monoparentais’ (grupos formados por mãe ou pai com
filhos). Apesar do predomínio, houve uma diminuição relativa das
famílias constituídas por casal com filhos; as taxas anuais de
crescimento deste grupo foram, na década de 1980, as mais baixas
da história (2,8%). As famílias monoparentais, por outro lado,
conheceram nas últimas décadas, uma taxa média de crescimento
de 5% ao ano. (p.72).
Este aspecto apareceu na configuração dos grupos familiares
estudados, nos quais apenas duas famílias se mantêm nesta composição
tradicional, ou seja, apenas 25 % se encaixam no modelo em que há a figura
masculina mantendo o papel de provedor, sendo o responsável por todo grupo,
inclusive assumindo o cuidado com a pessoa enferma. Nestes dois casos o PTM é a
esposa e os casais têm filhos morando no mesmo domicílio ou em cidade próxima.
Desta forma, cabe a primeira constatação: a família brasileira
mudou, o Estado através dos discursos formais reconhece e faz referência acerca
desta mudança. Porém, na concretude da operacionalização da Reforma
Psiquiátrica nesta modificação, conforme temos observado, este aspecto não tem
sido levado em conta e estão na verdade recaindo num grupo familiar diminuto e
precarizado com a particularidade de conter PTM.
81
Há uma desconsideração tanto dos aspectos gerais
contemporâneos das famílias como um todo, bem como dos específicos da família
de portador de transtorno mental, principalmente nas camadas mais empobrecidas
que dependem dos serviços públicos de assistência psiquiátrica.
Nestes grupos familiares são significativos fatores como a ausência
da figura masculina; a diminuição do tamanho médio do grupo familiar; o
distanciamento que os transtornos mentais provocam entre seus membros, impondo
a responsabilidade pelo cuidado quase que exclusivamente numa única pessoa; a
conseqüente e duradoura sobrecarga feminina; envelhecimento do cuidador/a e sua
conseqüente necessidade de cuidados; etc.
Observa-se que a Legislação da Saúde Mental promove o resgate
da importância familiar e explicita que a família do portador de transtorno mental é
chamada a ser coadjuvante do novo modelo, pressupondo um grupo estruturado
onde haveria divisão do cuidado, bem como do ônus e da manutenção do PTM
neste mesmo grupo. Parte-se na verdade do engodo da ideologia burguesa de que
na grande maioria dos lares brasileiros, ainda convivam juntos o pai provedor, a mãe
rainha do lar e cuidadora, e filhos, onde permaneceria segundo Vasconcelos (2002),
uma rígida divisão sexual de papéis e tarefas.
Neste estudo, a realidade familiar do PTM se configurou diferente,
marcadamente desigual e centralizada na figura das mães-cuidadoras. Em 75% dos
grupos estudados, retrataram a realidade da família do PTM reduzida à mãe, sendo
esta responsável solitária por todo o ônus da enfermidade. Apesar de haver em
alguns destes lares a presença eventuais de irmãos, os quais as mães não os
consideraram agentes de divisão de cuidados ou de responsabilidades.
Desta forma, neste estudo o rebatimento e o redirecionamento da
operacionalização da desinstitucionalização, tem recaído sobre a figura materna
individualmente, identificada nestes grupos familiares como única responsável pelo
cuidado. Este fato é revelador na manutenção secular da responsabilidade pela
esfera doméstica.
Dentre os 25 % que se encaixaram no modelo tradicional de família,
configuram-se em cuidadores do sexo masculino representando a figura do cônjuge
e apresentando uma realidade de cuidado domiciliar diferente das mães-cuidadoras.
Estes afirmaram que contam, ainda que de modo insatisfatório, com apoio nas
tarefas que complementam o cuidado, tanto de pessoas do próprio grupo familiar,
82
quanto de parentes que não convivem no mesmo domicílio. As tarefas consideradas
específicas do espaço privado são, por vezes, dividas com as mães, irmãs, com os
filhos, conforme a verbalização dos entrevistados:
Tinha uma irmã que cozinhava para mim, né... porque ela [a
paciente] abandonou..., eu ia pra roça e ela [a irmã] tomava conta
dela pra mim né! (sujeito E).
Ela tem medo dele [do filho mais velho] sim... ele é estouradão... Pra
vim aqui mesmo ele pressionou uma hora lá... (sujeito E).
(...) é melhor por causa dos filhos... meu filho é muito pequeno e fica
na mão da mais velha... ela que ajuda cuidar... (sujeito G).
Outro aspecto que nos chamou a atenção, quanto à divisão de
tarefas relativas ao cuidado ao PTM do sexo feminino, está relacionado ao aspecto
de que nestas situações a tarefa do cuidador se torna amenizada pelo auxílio de
parentes que não convivem no mesmo domicílio. Podendo se estender, até mesmo
com a ajuda da própria portadora de transtorno mental, conforme a explicitação do
Sujeito E e G:
Cuidava bem... mesmo quando estava ruim da cabeça... cuidava
mais ou menos..., nunca maltratou...(sujeito E).
(...) ela [a PTM] cuida direitinho... até quando não tá muito boa...
(sujeito G).
(...) que não tinha necessidade dela ficar assim presa muito tempo...
precisava cuidar da família, de mim... (sujeito G).
Assim, fica evidenciado como está cristalizado no imaginário social
que o espaço da casa, do doméstico e a responsabilidade dos cuidados continuam
sendo entendidos como obrigação feminina, que a mulher assume até mesmo
quando se encontra adoentada ou impossibilitada de exercê-lo. E o quanto a
política de saúde mental, não foge do contexto mais geral das políticas públicas,
continuando pautado na divisão sexual do trabalho e reforçando a dicotomia do
público e do privado.
Segundo Rosa (2003), isto se deve ao fato de que a mulher se torna
socialmente pressionada a assumir o encargo do cuidado como desejo intrínseco da
maternidade, associado à identidade feminina que, segundo o imaginário coletivo,
83
nasceu para exercer este papel e que, mesmo tendo possibilidade e autonomia de
renúncia a ele, raramente o faz.
Desta forma, segundo afirmam Lyra et al. (2005, p.86), qualquer
discussão sobre o cuidado é remetida imediatamente ao que chamam de “universo
feminino”, incentivado e cobrado pela educação formal e familiar. Utilizam-se da
contribuição de Carvalho (1999) para sugerir como alternativa de modificação desta
articulação rígida, que seria transformar o conceito de cuidado, num conceito
descritivo, em oposição à visão essencialista. Apenas com esta modificação,
segundo a autora, seria possível favorecer a inserção masculina nos espaços de
cuidado, bem como a quebra da lógica da divisão sexual do trabalho.
Por outro lado, o cuidado proveniente da família é, a princípio, o
melhor que se pode oferecer a qualquer pessoa enferma, pois são calcadas em
relações de afetividade, lealdade e dedicação que, no momento do acometimento da
enfermidade, são fundamentais como fonte de apoio e ajuda em direção à
reabilitação e recuperação. Este pensamento está baseado, segundo Elsen (2004),
na promoção da vida e objetiva impulsionar, potencializar, qualificar a vida de um
dos membros da família, assim como a do próprio grupo familiar.
Em decorrência do aspecto particular das patologias psiquiátricas
graves, como os quadros de esquizofrenia, na qual a prioridade não é a preservação
da vida, expõem de modo geral, o grupo familiar à necessidade de
comprometimento muito mais prolongado temporalmente. Este fato acarreta
amortecimento gradativo na mobilização do grupo familiar, em que os seus membros
vão aos poucos retomando suas vidas e o cuidado vai sendo direcionado a único
membro que toma para si a maior parte da responsabilidade.
Com relação à expectativa dos papéis sociais, quando o PTM é do
sexo masculino, há uma maior compreensão manifestada por parte do grupo,
referente à tradicional associação masculina com o provimento.
Foi-nos possível constatar este fato, dentre os PTM do sexo
masculino deste estudo, apenas um tem fonte de provimento próprio, advinda do
Benefício de Prestação Continuada. Desta forma, a questão relacionada ao seu
provimento econômico, também acaba sendo assumido pelas respectivas mães,
como mais um encargo natural a elas atribuída. Conforme apareceu nos seguintes
depoimentos:
84
(...) por enquanto a gente passa só com minha aposentadoria...
(sujeito A)
Então ...até agora que eu me aposentei, a gente vive uma vidinha
mais ou menos, mas um dinheirinho que a gente junta é a conta de
... é conta de fazer um pagamento... pago luz, mercado, aluguel... é
essas coisas assim que a gente tem que fazer... (sujeito B)
Fica mandando eu comprar as coisas para ele... fica
insistindo...(sujeito C).
Verificamos as atividades exercidas no espaço doméstico, apesar
de concretamente dar sustentabilidade ao público, permanecem desprovidas de
reconhecimento, ou seja, não consideradas como trabalho, e impedindo a inclusão
das mulheres, enquanto grupo feminino, a patamares civilizados garantia de direitos.
Na realidade familiar estudada, fica evidenciado que o processo de
exclusão aos patamares mínimos de cidadania estão afetando duplamente a maioria
dos grupos domiciliares de PTMs, 6 dos 8 grupos, compõem-se de arranjos
diversificados, Os grupos familiares são compostos de número reduzido de
membros, onde a família destes portadores de transtorno mental se reduz em outro
membro apenas. Assim, a exclusão se concretiza através da marginalização da
pessoa enferma e, também, pela não inserção das cuidadoras-mães nas atividades
que se configuram como públicas.
Ilustrando esta afirmação, identificamos na pesquisa um grupo
familiar composto apenas de membros masculinos, como é o caso de um irmão
cuidando de um PTM. Neste caso, o que nos chamou a atenção foi o fato de
verificarmos o quanto está arraigada culturalmente a divisão sexual do trabalho. O
entrevistado contou que cuida do PTM, mas recebe auxílio de pessoas da rede de
parentesco que não convivem no mesmo domicílio, no caso irmãs, no que se refere
principalmente aos serviços domésticos:
(...) elas [irmãs] de vez em quando vão lá... lava a roupa...mas eu
que limpo a casa, faço comida... cuido dele a maior parte. (sujeito F).
Outro aspecto revelado no estudo referente à composição familiar dá
conta que em 5, dos 8 grupos familiares citados, há ausência da figura masculina,
havendo uma reorganização no meio familiar, onde a mulher torna-se o elemento
agregador que permanece mantendo a família e os filhos.
85
Através de estudos e análise de pesquisas, Vitale (2002), constata
que em nosso país estas composições familiares onde está subtraída a figura
masculina têm crescido significativamente nas últimas décadas. Segundo este autor,
dados do Censo de 2000 informam que as famílias comandadas por mulheres
correspondem a 11,1 milhões, ou seja, a cada quatro famílias uma é chefiada por
mulheres.
Estas composições implicam nas mães acumulando funções a uma
vida já sobrecarregada pelas necessidades individuais impostas socialmente, seja
no plano material ou no plano da saúde física e emocional, sendo levadas a
assumirem também o papel de provedoras. Além de todas estas responsabilidades,
quando há a presença de PTM no grupo, soma-se a responsabilidade do cuidado ao
mesmo, sem afastar o comprometimento com os serviços domésticos.
Conforme destaca Butto (1998), este fato se dá pela ampliação das
funções das mulheres na vida doméstica, em detrimento da correspondente redução
das funções dos homens, situação que contradiz os padrões sociais tradicionais que
orientam a divisão sexual do trabalho.
Esta situação ficou clara nas falas dos seguintes sujeitos:
Eu não deixo faltar leite, pão, bolo.. .(sujeito D).
(...) tinha que correr atrás, pegar, cuidar... acho que ele (o irmão) se
cansou... (sujeito A).
(...) cuido da roupa... limpo o lugar onde ele vive...( sujeito A).
O que trouxe de lá pra mim?... tá sempre cobrando...! (sujeito A).
Os modos de vida em família na atualidade apesar de sofrerem
transformações num tempo histórico e social, são apontados por Szymanski (2002),
como capaz de criar novas articulações de gênero e gerações, elaborando novos
códigos. Segundo ela, estes códigos, porém, podem ser também mantidos por
geração em famílias que são submetidas a condições adversas de pobreza e
miséria.
Assim, fica evidente que a implementação do processo de
desinstitucionalização, ao buscar integrar a família neste contexto que visa a
ressocialização, não pode se furtar em considerar as condições em que estas
famílias vivem, ou seja, é imprescindível relacionar as diferenças de classes
86
articuladas as de gênero, como categorias determinantes de vulnerabilidades que
limitam a execução do cuidado, face as necessidades demandadas pelos PTMs.
Diferindo do grupo de cuidadores do sexo masculino citado, as
entrevistadas do sexo feminino afirmaram que estão sozinhas no desempenho das
atividades do cuidado neste momento de suas vidas. Destacaram não contar com
apoio de outros membros do grupo que residem no mesmo domicílio, como filhos,
irmãos e, muito menos, do PTM:
Sou sozinha para cuidar dele, eu e Deus... (sujeito B).
(...) mandava fazer limonada toda hora... e toda hora lavando as
vasilhas... (sujeito C).
Eu que cuido... tudo...tudo... pode ver o tempo que está aqui... é só
eu!! (sujeito D).
Fica evidenciado que os cuidadores/as são diuturnamente expostos
a diversas situações que fazem emergir emoções e sentimentos contraditórios, ora
positivos, ora negativos como no depoimento da mãe-cuidadora H, que ressalta o
sentimento oriundo do amor materno que a faz sentir-se gratificada em ajudá-lo e,
também, sentir-se cumpridora de seu dever:
(...) apesar que ele e meu filho, e eu vou amar ele do mesmo jeito...
Fico pensando na vida dele daqui para frente...
Mas, o cuidado prolongado face á realidade cotidiana dos
cuidadores de PTM graves, perpassadas de sobressaltos, estresses e tensões
redundam freqüentemente na exposição de sentimentos negativos, como
sentimentos de impotência frente a estes quadros, sentimentos de culpa pelo
desenvolvimento da enfermidade, preocupação e tristeza:
Eu estava trabalhando se não fosse a doença dele... Se eu não
tenho nada na vida... não foi por minha culpa, foi porque Deus não
quis! (...) As outras minhas irmãs vivem com os maridos... só eu que
levo esta vida... Não tive sorte... (sujeito D).
Para Rosa (2003), há vários processos que envolvem a relação do
PTM como sua família, sendo que para parcelas significativas o enfermo psiquiátrico
significa um peso pela exigência que impõe em termos de cuidados.
Desta forma, torna-se possível perceber que o impacto que vai
sendo acumulado ao longo da vida das mães-cuidadoras de portadores de
87
esquizofrenia, não lhes é favorável, pois compromete a sua individualidade presente
e futura. A dedicação exclusiva anos a fio, limitada ao espaço privado, como
produtoras de cuidados, imprimem marcas e acarretam repercussões econômicas e
sociais que, com o eminente envelhecimento, tende a tornar a situação da cuidadora
ainda mais vulnerabilizado.
Carrasco (2002) avalia que a experiência cotidiana das mulheres em
busca da sobrevivência na atual organização social, vem submetendo-as à prática
constante de passar de um emprego a outro, tomar decisões numa negociação
contínua, como responsáveis pelos outros e como trabalhadoras assalariadas, bem
como, fazer escolhas às quais os homens não estão obrigados.
Saraceno (1995) aborda com muita propriedade o quadro de
comprometimento da posição feminina na divisão do trabalho, que redunda no
posterior sistema de garantias sociais, afirmando que as escolhas e os investimentos
das mulheres no início da vida adulta são geradores de conseqüências não apenas
no curto e médio prazo, mas também na idade avançada.
As entrevistadas demonstraram também, suas preocupações com o
aspecto limitante do envelhecimento, que fazem parte do seu cotidiano presente,
citando situações de fragilidade física, fazendo menção à necessidade de serem
também cuidadas, no futuro:
Então tem vezes que eu fico muito preocupada ... eu sei que de uma
hora para outra eu... vou ter um enfarte... (...) e eu não consigo
serviço porque estou muito velha... bem se conseguisse, eu
trabalhava.(sujeito A).
aí deste tempo para cá... fui ficando com a diabetes atacada... sinto
muita canseira...então eu não agüento mais nada...nada...nada...
Até para ir consultar, no postinho lá perto de casa, o médico tem que
ir lá em casa... porque eu quase morro para subiu até lá...(sujeito D).
Além da percepção da fragilidade e da limitação física, impostas
pelos aspectos naturais do processo de envelhecimento, existe, segundo os
depoimentos das mães entrevistadas, uma preocupação constante ligada a quem na
família assumirá e como desempenhará o seu papel de cuidadora na vida do
paciente esquizofrênico.
E você [o irmão] não me abandona o C [paciente]. (sujeito A).
As irmãs podiam cuidar... mas outras pessoas não cuidam direito...
(sujeito B).
88
(...) penso bastante coisa... se chegar um dia morrer... Tudo isso
passa pela cabeça de gente... a minha filha cuida dele se precisar...
ela até falou... (sujeito C).
Estes depoimentos das mães-cuidadoras, nos levam a refletir quão
cristalizada está a vinculação do cuidado à responsabilidade doméstica, sendo
valorizada a partir da afetividade e desconectada das questões sócio-culturais. A
própria instrumentalização técnica para a realização do cuidado não fizeram parte da
visão dos entrevistados, como também não, mecanismos públicos de apoio ou
programas de cuidados domiciliares.
Já nos depoimentos dos cuidadores do sexo masculino, esta
preocupação com o futuro dos seus PTMs, não se caracterizou tão contundente:
(...) se não fosse eu, eles tinha que se virar né...de um jeito ou de
outro eles tinha que cuidar dele...por enquanto eu estou aí... não sei
até quando vou agüentar...(sujeito F).
A gente tem cuidar né! O que vou fazer né... já está com nós lá... até
agora.. tenho que levar em frente né! Fazer o que pode né! Tem hora
que olho para ela, acho que é uma coitada...tenho dó... não tem
ninguém por ela.... é sozinha! (sujeito E).
Toda essa diversidade dos grupos familiares tem nos levado
perguntar a quem concretamente a Legislação quer referir-se como o aliado nas
terapêuticas psicossociais de PTM quando propõe a família partícipe?
O Estado enquanto propositor e elaborador de Políticas Sociais,
fundamentalmente toma como base os conceitos familiares lineares e tradicionais,
sendo que para tanto, apropria-se dos discursos de humanização da assistência ao
transtorno mental.
Face às particularidades dos portadores de transtornos mentais
graves, pudemos perceber que a convivência enquanto grupo familiar acaba ao
longo do tempo, restringindo-se ao cuidador/a e à pessoa enferma, trazendo reflexos
e conseqüências na vida de ambos. Tais aspectos serão aprofundados no próximo
item.
89
3.3.2. Cotidiano Relacionado ao Portador de Transtorno Mental
O convívio com o esquizofrênico, é particularmente complexo em
função da alteração dos estados conscientes e também pela imprevisibilidade das
crises da pessoa enferma.
Conforme estudo realizado por Goes (2004), a prestação de
cuidados cotidianos a uma pessoa que sofre de esquizofrenia, confunde-se com as
tarefas relacionadas à reprodução das pessoas no ambiente doméstico, associando
o significado de cuidar ao ato de providenciar a sobrevivência física, revelando o
lado prático do cuidado: a alimentação, vestuário e medicação. Porém, há que se
ressaltar que a presença do PTM no ambiente doméstico, determina significativas
modificações na rotina de execução destas tarefas.
Carrasco (2002) lembra que as características dos tempos de
cuidados diretos são mais rígidas no sentido de que não podem ser agrupados, e
muitos deles exigem horários e jornadas bastante fixos, apresentando,
conseqüentemente, maiores dificuldades de combinação com outras atividades.
Fatos estes que impedem, por exemplo, que os responsáveis pelo cuidado
assumam atividades produtivas, principalmente no mercado formal de trabalho.
Assim, embora o cotidiano dos cuidadores de várias enfermidades
pareçam homogeneizados, Rosa (2003) destaca que as diferentes formas de
manifestação dos transtornos mentais trazem uma experiência de convívio bastante
heterogênea, em função de suas particularidades. Estes cuidadores/as domiciliares
têm vivenciado, além do acréscimo de rotina doméstica, de lavar, passar, limpar e
cozinhar, o desconforto de realizar tais tarefas condicionadas à dependência das
singularidades dos estados psíquicos do PTM, na forma de executá-los.
Nas entrevistas o sujeitos expuseram estas particularidades:
Tem vezes que eu chamo para comer ele acha ruim... fala que vai
quando quiser... aí eu deixo quieto, né! Aí quando ele quer ele
volta... “agora eu quero almoçar”... é assim... (sujeito A)
Aí eu largo tudo... as vezes já aconteceu de eu ficar assim lá atrás da
casa (...). Se ele tiver ruim tenho que ficar lá fora... (sujeito B)
Estava fazendo o serviço e ele agarrava e ficava assim me levando
pela casa inteira; de um canto para outro! (sujeito D)
90
Teve uma época que tocou aprender a fazer comida, lavar roupa...
tinha época que não adiantava...ela não fazia e não deixava ninguém
fazer... jogava as panelas.. (sujeito E).
Desta forma, fica claro que o cuidador organiza o gerenciamento das
atividades domésticas, guiado pelas experiências vividas, pelo acúmulo dos
conhecimentos e orientações recebidas acerca de alternativas de condução do dia a
dia, concomitantemente administrando e manejando os comportamentos
decorrentes destes estados psíquicos.
Os sujeitos F, H, e I explicitaram bem esta subordinação do cuidador
aos momentos de crise do PTM, como estratégia de convívio no grupo familiar. Esta
subordinação sendo utilizada muito mais como modo de não agravar ainda mais a
situação, do que uma estratégia consciente e terapêutica de controle.
... só quando ela fica assim mesmo... aí é bravo... aí eu deixo... deixo
ela quieta, pressionar é pior, ahh é pior ! (sujeito F)
Fazia nada... deixava... não tinha jeito, senão tinha que ficar brigando
com ela... (sujeito H).
(...) ele gosta de ficar muito deitado... quando ele está deitado eu
fico um pouco mais livre, mais tranqüilo (sujeito I).
Este aspecto da subordinação, apesar de ter sido mencionado nas
entrevistas dos sujeitos do sexo masculino, está na maioria das vezes, vinculado às
relações de gênero e o papel atribuído ao feminino, principalmente das mães que
põem a satisfação dos filhos em primeiro lugar. Sendo as mães, consideradas de
modo geral, as grandes cuidadoras, não há como dissociar, no imaginário social, a
ação condicionante do provimento de cuidado, com o aspecto da obrigação e da
renúncia que põe a individualidade delas em segundo plano.
Cuidar está de tal forma arraigada ao exercício da maternagem, que
significa para as mães muito mais que proteger, maternar, educar, mas também, ter
responsabilidade por toda a existência, a ponto de tornar o espaço do cuidado
domiciliar, num espaço reconhecidamente seguro para elas, dando sentido à sua
existência.
Rosa (2003) aponta para a construção do “mito do amor materno”,
descrita por Badinter (1985), como processo de socialização das mulheres que
cultural e ideologicamente internalizam qualidades psicológicas e relacionais nas
91
quais tendem a se encaixar de tal forma, que não se permitem dividir tarefas, ou
delegar o encargo, comprometendo até sua individualidade.
Nas afirmações das seguintes entrevistadas, pudemos reconhecer
estas representações da dimensão materna, quando relatam dificuldade para se
afastarem dos PTM, sequer por períodos curtos, apesar de reconhecerem o cansaço
ocasionado pelas atividades de cuidados solitários e ininterruptos.
(...) por que ele é caçula... ele está sente junto de mim né... a gente
sente falta dele lá..., eu tenho duas meninas (...) em São Paulo e eu
tinha muita vontade de passear na casa delas, e por causa dele
assim eu não posso ir, não posso largar ele... (sujeito B)
A minha filha cuida dele se precisar... ela até falou... se eu quiser
visitar o tio em SP... ‘vai eu dou um jeito com ele. .. eu olho... faço
comida para ele...’ Mas eu disse: - Não dá! Não dá pra deixar ele e
sair não dá... (sujeito D).
É oportuno ressaltar que a relação afetiva construída entre seres
que cuidam e são cuidados por anos a fio, criam laços entre ambos,
independentemente de qual gênero humano se refira. Mas, ideologicamente, são
apenas as relações de mães e filhos que mantêm carga de subjetividade intrínseca
capaz de comprometer a individualidade do cuidador, que neste particular se refere
especificamente ao gênero feminino.
Este aspecto evidenciou a vinculação das características femininas
com o cuidado e com a esfera doméstica, pois os cuidadores do sexo masculino
entrevistados, afirmaram que apesar de terem a suas vidas profissionais de certa
forma afetada, mantiveram-se vinculados às atividades produtivas. Este
acontecimento pode estar relacionado ao fato de os cuidadores masculinos terem
recebido auxílios de terceiros e, muito provavelmente, pelos sentimentos
internalizados de pertencer, enquanto grupo masculino, à esfera produtiva.
Já as mães neste estudo, afirmaram que sempre trabalharam muito
para criar os filhos em atividades marcadamente precarizadas e subalternizadas,
ligadas aos serviços domésticos, enumeradas por elas: lavagem de roupas, limpeza
de domicílios, e também atividades na lavoura em época de colheita de café,
algodão, cana, etc. Contaram que carregavam consigo os filhos pequenos e o PTM,
ou, os deixavam sob responsabilidade dos irmãos mais novos, ou ainda sozinhos:
92
Agora ele tem 22 anos... desde pequeno ele ia comigo na roça... eu
sempre trabalhei pra fora... de empregada... e ele ficava em casa ...
(sujeito B).
(...) eu trancava a porta com cadeado e ele dormia... como tem sono
pesado, e é difícil de acordar, eu levava a chave...(sujeito C).
Porque eu labutei com minha vida criei meus filhos... trabalhava de
doméstica... Deixava eles por conta. (sujeito E).
A cuidadora D, foi a única que informou uma realidade diferente,
mantinha atividade de prestação de serviços, como proprietária de tinturaria, da qual
se viu obrigada a abrir mão, face a enfermidade do filho:
Trabalhava antes... eu tinha tinturaria...,
Eu estava trabalhando se não fosse a doença dele...
A superproteção é outra construção subjetiva arraigada ao exercício
da maternagem que, quando relacionado aos transtornos mentais, transforma-se em
elemento que em nada contribui no estímulo à autonomia do portador de transtorno
mental.
Rosa (2003) afirma que esta, muitas vezes, é perpassada por outra
de desqualificação que somadas tendem a culminar num processo de invalidação do
ritmo e do tempo próprio do PTM. Assim, sua singularidade não é considerada e o
PTM tende a ser percebido como diferente e rotulado de forma negativa.
A apreensão da realidade construída e cristalizada através dos
ensinamentos passados pelas gerações anteriores, acrescida de situações
experimentadas pelos cuidadores/as anteriormente, geram códigos de
comportamentos e atitudes no sentido de não causar contrariedade ao PTM, como
forma de não estimular o desencadeamento das crises. Diante disto, as mães vão
assumindo o cuidado diário, relacionando-o com a capacidade de ter paciência,
trazendo reproduzidas características que circulam ideologicamente no meio social
como femininas respaldadas nas diferenças biológicas, que recolocam atos de
renúncia e sacrifício da individualidade em prol do grupo familiar.
Atitudes comportamentais com este enfoque foram verbalizadas pela
entrevistada C:
Eu que visto ele... coitadinho, porque não pode trabalhar...
93
Se tradicionalmente as mães têm a tendência de assumirem para si
a responsabilidade do cuidado dos filhos saudáveis, quando a realidade vivenciada
apresenta um filho portador de enfermidade então, a responsabilidade se multiplica
a ponto de que muitas vezes, na ânsia de protegê-los, acabam reforçando a
negação das capacidades dos mesmos.
A nossa vivência profissional voltada para questões familiares dos
PTMs, permitem-nos observar que estes fatos podem tornar, por vezes, inócuo o
esforço das equipes de saúde mental quando trabalham o estímulo e o engajamento
de responsabilidades mínimas do PTM na rotina doméstica. Desta forma, as mães,
em algumas situações, tendem a não dar continuidade destes estímulos no
domicílio, antecipando e poupando o PTM, o que não contribui na sua consciência
de pertencimento e valorização no grupo domiciliar, e nem ao menos alivia, ainda
que minimamente, a sobrecarga do cuidado delas.
Rosa (2003) revela que a superproteção pode ser compreendida
como desdobramento dos sentimentos de culpa ou de medo, que levam os
familiares a infantilização do PTM, referindo-se a ele com qualificativos no
diminutivo. Segundo ela, como conseqüência, há tendência da família impedir o PTM
de trabalhar, sobretudo em atividades que consistam em carregar peso ou tomar sol
na cabeça.
Tem-nos sido possível também, perceber nesta nossa trajetória
profissional, o quanto os cuidadores/as são submetidos a um turbilhão de emoções
contraditórias em relação à pessoa cuidada. Principalmente nas situações de
estresse, ocasionada pela internação hospitalar na primeira vez, ou quando o
paciente é trazido para internação ludibriado e se agita no momento que lhe é
imposta a internação.
Os serviços de internação, por sua vez, impõem o afastamento
temporariamente do PTM do seu meio, num processo em que a família é
secundarizada e mantida à margem das terapêuticas. Diante disto, os familiares
podem manifestar sentimentos ambíguos de preocupação, contrariedade,
indiferença, ou alivio, pois a hospitalização pode significar também refúgio e
descanso.
Dentre estas relações vivenciadas pelas mães cuidadoras, face ao
seu enfermo, aquelas que se evidenciam como as mais intensas se transformam,
segundo a autora citada, como sendo passíveis de se tornarem ações de
94
cristalização e preconceito da vulnerabilidade do portador de transtorno mental. Ou
seja, ao invés de contribuir de forma positiva na terapêutica, tende a colocar o PTM
num lugar fixo e imutável de louco, incapaz e dependente.
Esta conduta das mães frente ao cuidado se limita ao aspecto
restrito definido por Mayeroff (1971, apud WALDOW, 2004), como cuidado natural, o
qual se consolida apenas movido no sentimento e comportamento tido como natural
dentre os seres humanos, pautado no ato de cuidar, confortar ou assistir tão
somente.
Porém, estes autores, atribuem também, um outro significado mais
amplo ao cuidado domiciliar, considerado como sendo um processo, que provoca
através do estreito relacionamento, uma profunda e qualitativa transformação mútua,
compondo o que eles chamam de cuidado autêntico. Nesta dimensão, a qualidade
principal esta em ajudar o outro a ir além, ou seja, o outro é ajudado a cuidar do seu
próprio ser.
Contudo, no contexto estudado, ficou evidente que prevalece o
significado reduzido do cuidado natural, que privilegia a dedicação ampla
desenvolvida pelos responsáveis pelos PTMs na esfera doméstica, seja nos
aspectos do suporte material, econômico ou social, que leva os cuidadores/as a uma
carga intensa de trabalho, sem horário definido seja para o início, ou para o fim da
jornada diária.
As cuidadoras B e C entrevistadas relataram uma rotina de demanda
constante dos PTMs, em termos de cuidados, fazendo referência à necessidade de
se manterem alertas em período integral devido às características das alterações de
comportamentos apresentados pelos seus familiares portadores de esquizofrenia:
[...] e você ficar em casa sozinha é um perigo.. É perigoso ele fazer
qualquer coisa!
Ficava deitado fumando, jogando cinza no chão, depois jogava as
bitucas assim atrás da cama... ainda bem que ele apagava... senão
já imaginou..!!?
A cuidadora D considerou o episódio de violência vivenciado como
grande motivador para manter-se atenta às atitudes de seu enfermo:
Ele tem uma força que Deus me livre... Eu tava ajudando ele tomar
banho... ele me pegou pelo pescoço...
95
Já nos depoimentos das entrevistadas A e E prevaleceram relatos
de preocupação constante com a imprevisibilidade dos comportamentos da
sintomatologia dos quadros psiquiátricos, ocasionando sensação de insegurança:
não posso chegar perto dele... e pegar conversar com ele assim... aí
ele fala... sai para lá... me deixa sozinho!
a irmã tem medo dele, porque uma vez ele quebrou o vidro do quarto
da menina dela... depois disto ela ficou com medo
Este compromisso ininterrupto e solitário desempenhado pelo
cuidador/a, permeado de sobressaltos constituiu também argumentos relatados pela
cuidadora F, na sua trajetória de responsabilidade e de supervisão aos PTMs, que
pode ser considerada próxima da vigilância intermitente, na tentativa de, maioria das
vezes, protegê-los.
Tenho medo... tenho que esconder tudo em minha casa...
faca...tesoura... as vezes ele quer fazer a barba eu não deixo... se
corta tudo, então eu que faço a barba dele...
Tudo tem ficar junto com ele... dependendo de onde ele esta... eu
fico por perto... ele gosta de ficar muito deitado... ... fico atrás dele o
dia inteiro... (sujeito F).
Também os cuidadores do sexo masculino relataram esta realidade
de intranqüilidade vivida diariamente e episódios de agressividade das PTMs.
(...) ela teve uma crise... eles que trouxeram aqui desta vez, disseram
que ela agitou lá, brigou, eles pegaram e trouxeram aqui... não tinha
outro jeito. (sujeito G).
(...) ela pôs até a faca no pescoço pra se matar... pra não vir, eu ia
para roça e ficava pensando nela lá sozinha... falando isso...
Abandonava o serviço... não tinha jeito, né? Não ficava sossegado...
tinha que ir em casa ver o que estava acontecendo...( sujeito E).
Costenaro & Lacerda (2002) ressaltam que até mesmo os
cuidadores profissionais que são preparados para esta tarefa muitas vezes, sentem-
se ameaçados, frente algumas situações. Logo, os responsáveis pelo cuidado
domiciliar também sofrem e sentem-se, numa grande maioria de situações, abalados
emocionalmente, psiquicamente e, conseqüentemente, fisicamente.
Alguns cuidadores, de ambos os sexos, expuseram a necessidade
que percebem na determinação de limites aos portadores de transtornos mentais,
96
como uma estratégia de convívio. Afirmaram que compartilhar o cotidiano com o
esquizofrênico requer muita paciência, relatando situações que os abalaram e nas
quais foram enérgicos. Deixando transparecer as características humanas dos
cuidadores frente a episódios que fogem do controle:
Ele me respeita... eu falo duro com ele...comigo ele me obedece bem
até! (sujeito F).
(...) mas, umas vassouradas nas pernas dele eu dei... pra ele pegar
medo... porque a gente não pode deixar ele dominar a gente não!
Meu pequeno (o filho mais novo) falou assim: Onde já se viu você
bater na mãe! (sujeito D).
Outro fato complicador na relação cotidiana do cuidador/a com o
PTMs, percebido durante o nosso acompanhamento profissional, e referenciado aqui
pelo autor Vallada (1996), é que a grande maioria dos transtornos mentais acomete
os indivíduos no início da fase adulta. Sendo esta fase do desenvolvimento humano,
considerada fase que sugere certo grau de autonomia e gerenciamento de vida, na
qual o indivíduo não necessita mais ser cuidado, portanto, sendo capaz de
experienciar sentimentos de liberdade e independência.
Para os pais de filhos saudáveis, a idade adulta deles significa
sentimento de ter cumprido sua tarefa de cuidar, portanto liberados da missão do
exercício e desta responsabilidade. Já para os cuidadores/as de PTMs face ao
desenvolvimento dos quadros esquizofrênicos graves, não se torna possível
concretizar tal missão.
Porém, tanto o PTM, quanto do cuidador/a, sofrem ao se depararem
com características do desenvolvimento da esquizofrenia, principalmente com uma
abruta modificação na trajetória de suas vidas que esta enfermidade ameaça
demandar, para ambos. Há também, o aspecto da possibilidade de cronificação dos
sintomas característicos da esquizofrenia, podendo transformar os cuidados e as
conseqüências da enfermidade num tempo demasiadamente prolongado e até
definir-se indeterminado, delineando necessidade de interrupção de planos, restrição
de possibilidades e conseqüente necessidade de revisão e redirecionamentos
destas trajetórias.
Neste estudo ficou evidenciado quanto o produto da vida das mães
cuidadoras foram afetadas, tanto ou mais que os seus próprios filhos enfermos,
97
ressaltando o aspecto lembrado por Waldow (2004), quando define que o cuidado se
constrói e se desenvolve num processo de comprometimento relacional.
Estes aspectos podem ser verificados através da referência que as
cuidadoras A, B e D fizeram sobre seus sentimentos de sofrimento, produzidos pelo
inconformismo que vivenciaram ocasionados pelo impacto do conhecimento do
diagnóstico e, também, do prognóstico referente da enfermidade de seus filhos:
Porque naquele tempo eu era muito revoltada... eu chorava muito...
eu achava que a doença dele tinha cura... eu não conformava porque
ele era uma pessoa sã, boa. Ficou muito agressivo... queria bater,
queria matar... xingava de palavrão, aí eu não conformava com
aquilo... eu reclamava e as pessoas me tratavam mal e ai eu
brigava....
(...) e ai foi crescendo e ficando pior né !... E daí a gente sempre
levando junto ao médico... dando remédio... mas nunca o remédio
me devolveu como ele era...
(...) ele chegava a cada dia mais violento.... não queria deixar eu
entrar dentro de casa... Foi desta vez que eu vi... e fui se
conformando que... por que eu vou fazer o que?
Os maridos-cuidadores também foram enfáticos ao afirmarem as
dificuldades em compreender, aceitar e lidar com as limitações e tendência da
cronificação dos sintomas da esquizofrenia:
(...) ela era pessoa normal de repente ela ficou assim, né! Danou a
pegar as coisas...sair de casa assim... ... a gente não esperava uma
coisa daquela, né... a médica passou remédio, mas ela tomou só uns
3 ou 4 dias e não quis tomar mais.. daí piorou...( sujeito E).
(...) no começo da doença dela eu desesperei, era médico
particular... era corrida de táxi... era exames... eletro da cabeça,
endoscopia... tomografia, paguei tudo do meu bolso... porque eu
desesperei no começo... não sabia, como tratar dessas coisas.
(sujeito G).
Desta forma, evidencia-se que as experiências cotidianas
vivenciadas pelos cuidadores/as de PTMs graves são circundadas de preocupação,
de sobressaltos e de cansaço, às quais, em virtude da tendência da cronicidade dos
sintomas desta enfermidade, levam os cuidadores a sentirem-se impotentes e
buscarem o conformismo de terem uma longa e desgastante existência atrelada ao
enfermo.
98
É neste particular que o cuidador/a de portador de transtorno mental,
vivencia uma realidade diferentemente dos cuidadores de outras enfermidades. Os
cuidadores/as de pacientes de uma doença crônico-degenerativa, por exemplo,
vivenciam o curso da doença associado ao sofrimento físico, uma proximidade física
intensa ocasionada pelas tarefas diárias como a locomoção do paciente, tirar e
colocar da cama, e também a convivência sob ameaça e tensão premente do
falecimento do seu familiar, pondo fim a relação de cuidados.
Nos cuidados específicos aos pacientes esquizofrênicos, os
sentimentos vivenciados pelo cuidador/a possuem características próprias, onde há
menor contato físico ocasionado pelas características de isolamento próprios desta
patologia, e, também, o aspecto de que a prioridade não é a preservação da vida,
não havendo eminente risco de morte.
Na relação entre o cuidador/a e a pessoa cuidada o aspecto do
sofrimento psíquico, por vezes, não é compreendido, ou até mesmo não é percebido
pelo cuidador/a, dificultando a inter-relação e contribuindo na emergência de
conflitos. O cuidado dirigido aos pacientes esquizofrênicos crônicos, conforme já
citamos, não permite aos cuidadores/as visualizarem um fim para árdua e solitária
tarefa, podendo perdurar além da existência de cuidador/a.
Townsend (1989, apud PEREIRA, 2000), refere que estudos sobre o
tempo de duração do cuidado revelam que quanto maior a duração do cuidado, pior
a qualidade de vida do cuidador/a face ao envolvimento afetivo e à limitação de
recursos físicos, psicológicos e financeiros.
Este aspecto particular foi verbalizado pelos cuidadores
entrevistados E e G, respectivamente, ambos do sexo masculino que explicitaram o
quanto o seu dia-a-dia envolvido por períodos indefinidos de tempo, por anos a fio
no relacionamento familiar com a pessoa esquizofrênica compromete e vulnerabiliza
a sua saúde física e emocional.
Irritação... fico muito irritado, agitado... então eu não tenho assim, a
saúde boa para cuidar dele..
(...) com esse problema dela aí eu tô ficando doente também...
desgaste do problema da mulher..., assim de preocupação...com os
filhos, financeiros... com o trabalho, com ela se preocupo...com tanta
coisa, que eu estava entrando em depressão... tomei remédio um
ano... de tratamento, e agora esta revoltando por causa da
preocupação, cansaço... em casa, cabeça, o trabalho... preocupação
com criança, com ela...estou esgotando de novo.
99
Rosa (2003) faz referência aos vários aspectos da vida do
cuidador/a que no exercício de sua tarefa podem ser afetados e comprometer o
produto da atenção que dedicam, destacando o quanto o sono e sua qualidade
estão relacionados à saúde mental da pessoa responsável pelo cuidado. As mães
cuidadoras relataram ter aspectos de sua saúde afetados, associando tais situações
de adoecimento ao cotidiano sobrecarregado e ao estresse que sofrem:
(...) porque tem noite que eu não durmo... eu passo a noite inteirinha
sem dormir! Pensando nele... não fico sossegada não...por causa
dele.(sujeito H)
Trabalhava antes... eu tinha tinturaria..., sabe?... mas aí acabou com
tudo, acabou com tudo...aí deste tempo para cá... fui ficando com a
diabetes atacada... sinto muita canseira...então eu não agüento mais
nada...nada... (sujeito D).
Diante disto, percebe-se que a individualidade e liberdade dos
responsáveis pelos cuidados diretos aos PTMs, perdem o significado, confundem-se
e dependem do estado psíquico do enfermo. A tendência ao isolamento próprio da
sintomatologia deste transtorno mental, limita também o alargamento relacional do
cuidador/a, provocando um confinamento, tanto do enfermo, quanto do seu
respectivo responsável pelo cuidado, dentro dos limites domésticos.
A autora citada refere que esta tendência de isolamento do grupo
doméstico do PTM como um todo, está de certa forma relacionada ao sentimento
dos cuidadores/as que se sentem responsáveis pelo controle social dos PTM,
principalmente no tocante às atitudes comportamentais de acordo com as normas
sociais.
O Sujeito F relatou sentir-se, por vezes, constrangido diante dos
vizinhos:
Fica irritado demais... ele xinga muito... não xinga a gente... ele está
assim... começa a xingar a sombra dele... faz besteira... grita, grita
alto mesmo... a vizinhança tudo escuta...
Já a mães-cuidadoras, também destacaram situações de
descontrole comportamental de seus enfermos ultrapassando o espaço doméstico,
causando-lhe estresse e preocupação:
(...) ele fica insuportável... porque se ele falasse e brigasse sozinho,
ou comigo, brigasse, discutisse, discutisse, e aí ele parasse,
100
esquecesse, deixasse passar, amanhã ... ou daqui 2 horas...quantas
horas fosse... aí tudo bem...mas ele continua direto! (sujeito A).
Os outros brigava com ele na rua e depois ele ficava dizendo que ia
matar os outros... ficava muito na rua...(sujeito C).
Podemos acrescentar outros fatores que determinam a reclusão ao
espaço doméstico do cuidador/a, aos que aqui já foram apontados, como a
necessidade da supervisão constante do PTM, e a preocupação que sentem quando
se afastam do espaço doméstico, mesmo que por curtos períodos, no qual o PTM
permanece em seu interior sozinho. Desta forma, conforme já foi-nos possível
verificar em estudo anterior, Goes (2004), a participação social se faz de modo
limitado, restrita à amplitude da rede de parentesco, à vizinhança e atividades de
cunho religioso.
O comprometimento da liberdade dos cuidadores/as decorrente dos
longos anos dedicados à viabilização da manutenção dos quadros de estabilidade
psiquiátrica dos seus PTMs, restringe de tal modo sua capacidade relacional sendo
capaz até de constituir um processo de embotamento da capacidade intelectual dos
cuidadores, reforçando os construtos sócio-culturais de dicotomia entre o público e o
privado, além de comprometer a capacidade de reflexão crítica que os leve a alterar
este estado de coisas.
Observamos nos dizeres dos sujeitos B e D o quanto isto ocorre,
quando relataram algumas situações:
(...) porque vai indo a gente fica com a mente também... meio fraca
de tanto pelejar, menina! E assim... é uma coisa mais triste... tem
vezes que me dá tontura também...porque eu vou guardando aquilo
na mente, na mente, né!... as mães ficam até ruim, também, né!!
Se ele gostasse, eu saía com ele... mas não vai de jeito nenhum...
saí domingo entra segunda eu estou la dentro... vc pode ir lá... eu
estou dentro de casa... As vezes eu sento com ele lá no sol... ele fica
falando só tonteira para mim... eu só fico ouvindo né?... Se puxar
assunto... ele já se irrita... eu fico quieta, só ouvindo...
Cabe lembrar que os cuidadores/as enfrentam cotidianamente mais
um desafio na concretização do cuidado, decorrente do fato de que os PTMs de
modo geral, e em particular os esquizofrênicos, quase nunca se reconhecem como
uma pessoa “doente”. Este aspecto foi descrito por Vasconcelos (2002), como
decorrente do fato de que os transtornos mentais têm origem multifatorial e são
101
identificados principalmente pelos sintomas. Assim é difícil aos cuidadores/as
conduzi-los na direção da adesão e compromisso ao tratamento, convencendo-os a
freqüentar as consultas ambulatorias, fazerem uso da medicação, evitarem bebidas
alcoólicas, etc.
(...) se ele tiver agitado a gente coloca o remédio na boca dele...
sabe o que ele faz? Joga tudo fora... Joga até na gente... (sujeito B)
(...) eu tenho que arrumar outro modo para ele melhorar... mas eu
cuido como posso... quando o remédio está ficando pouco eu já vou
lá... marco o médico... pego a receita... as vezes ele nem não vai lá!
Eu pego remédio no posto... (sujeito C)
Ele não quis tomar remédio... ficou bem, bem mesmo sem nada de
remédio. Ele falava:
“- não tô louco!”,
Eu concordava e dizia para ele que é pra controlar... pra dormir
bem... mas não adiantou, não tomou de jeito nenhum...(sujeito H).
Desta maneira, podemos afirmar que os dados empíricos desta
pesquisa, se assemelham com o produto dos estudos de Vasconcelos (2002),
quando apontam que transtorno mental traz para a família uma sobrecarga
emocional, em decorrência deste convívio com uma pessoa que não se considera
enfermo, o que costuma gerar conflitos e tensões. Muitas vezes, na necessidade de
convencer o PTM de sua enfermidade, os cuidadores/as lançam mão de
expedientes persuasivos e até repressivos, para serem ouvidos.
Desta forma, pudemos resgatar como aspectos principais deste eixo
de análise que o cotidiano do grupo revelou-se centralizado no estado psíquico do
PTM, impondo sua manutenção dentro do espaço doméstico, agregando outros
aspectos de vulnerabilidade psicológica tais como sentimentos negativos e
conflitivos.
No dia-a-dia do cuidador/a não há rotina pré-estabelecida, esta se
constrói baseada em função dos estados psíquicos do PTM, o que vulnerabiliza os
compromissos individuais do seu cuidador/a.
De outro lado, os cuidadores masculinos conseguem manter
menores patamares relacionais de proteção com os PTMs, o que lhes permite certo
distanciamento, possibilitando a preservação dos aspectos produtivos de suas vidas
individuais e consequentemente patamares mínimos de cidadania.
Já para as mães cuidadoras, o fato do cuidado domiciliar se tornar
uma experiência duradoura limita de tal forma a possibilidade da cuidadora fazer ou
102
findar projetos, isolando-a no interior do espaço doméstico e restringindo-lhe
possibilidades de emancipação e de proteção social.
3.4.3. O Cuidado e o Suporte
Wanderley (1998) refere que histórica e culturalmente a atividade de
cuidar, apoiar e acompanhar um membro familiar enfermo, em qualquer que seja a
fase da vida ou dependência, tende a ser vista pela sociedade como um problema
individual e doméstico, tal como a busca de meios para executá-lo tende
naturalmente se restringir também dentro deste espaço.
Desta forma, também o cuidado domiciliar ao PTMs encerra a
tendência de estar desconectado da vida social, tornando-se invisibilizado pelo
mundo público e permanece circunscrito pela ausência de programas de
atendimento domiciliar e serviços de suporte familiar. Assim as ações que compõem
tal tarefa tendem a ser realizadas de forma individualizada, intuitiva, limitada e
precarizada, mantendo-se na forma identificada por Noddings (1984, apud
WALDOW, 2004) de cuidado natural, sinônimo restrito de ajudar e assistir.
As características deste contexto foram identificadas nos
depoimentos dos entrevistados quando expuseram que tomam conta dos seus
enfermos realizando o cuidado com a alimentação, higiene e supervisão da
medicação, apontado-o apenas como um prolongamento de suas atividades
domésticas diárias:
Faço comida... cuido da roupa... limpo o lugar onde ele vive... é
limpinho lá... limpo todos os dias...(sujeito A).
Eu cuido dele do jeito que eu posso... quando eu não posso dar um
jeito, eu tenho que arrumar outro modo para ele melhorar... mas eu
cuido como posso... quando o remédio está ficando pouco eu já vou
lá... marco o médico... (sujeito C).
Diante disto, pode-se afirmar que os cuidadores/as de PTMs
entrevistados, realizam o cuidado cotidiano restrito aos limites do espaço doméstico,
circundado de mínimos e frágeis conhecimentos, ou instrumentos que pouco
contribuem para as necessidades demandadas pelas pessoas com sofrimento
psíquico, e, muito sobrecarregam o responsável pelo cuidado, seja pela quantidade
de trabalho que desempenha ou pelo estresse que desencadeia.
103
Estes aspectos nos foram sendo relatados pelos familiares não
somente por ocasião desta pesquisa, mas em momentos nos quais acompanhavam
o PTM, na internação, ou durante as visitas que realizavam, e nos levaram a
constatar o quanto a operacionalização da desinstitucionalização, ao menos neste
contexto, constitui-se um notório hiato a partir da proposta original.
A proposta de desinstitucionalização articulada no final da década de
1970, pelo MTSM (Movimento dos Trabalhadores de Saúde Mental) e a sua
transformação em lei a partir de 2001, enfatizava a necessidade da substituição do
modelo asilar de atendimento aos transtornos mentais. De certa forma, este objetivo
tem sido mantido potencializado e em movimento de construção, basicamente,
através da criação de serviços de atendimento psiquiátrico em substituição aos
tratamentos institucionalizados.
Porém, a Lei da Reforma Psiquiátrica e o processo de
desinstitucionalização não se resumem a só isto. Conforme já afirmamos, os atores
que articularam este movimento perseguiram desafios amplos e complexos como
alteração dos paradigmas tradicionais, não apenas aqueles restritos à comunidade
psiquiátrica, mas aqueles que envolvem e rebatem na sociedade como um todo.
No bojo da discussão e das denúncias de tratamentos sub-humanos
e violentos, aos quais os PTMs estavam sendo submetidos nas instituições asilares,
emergiram questões éticas como o reconhecimento das diversidades dos seres
humanos, a transformação do estigma social da loucura e a legitimação dos direitos
de cidadania das pessoas com sofrimento psíquico.
Contudo, os recentes relatos dos familiares nos levaram a perceber
que, efetivamente, entre os princípios fundamentais da desinstitucionalização e a
sua execução em termos operacionais, abre-se uma enorme lacuna. Neste contexto,
chama a atenção o reducionismo e a limitação que vem sofrendo a implantação do
novo modelo na região referenciada.
Estes fatos põem-nos alerta sobre os aspectos contraditórios do
processo de desinstitucionalização, principalmente aqueles que contextualizam a
nossa dinâmica profissional, enquanto Assistente Social, referentes aos reflexos
causados no meio familiar, especialmente para o mundo feminino, face à realização
do cuidado ao PTM no domicílio.
Nesta perspectiva, visualizamos diversos pontos nesta pesquisa,
que caracterizam esta situação de distanciamento entre a proposta da
104
desinstitucionalização e a sua operacionalização. No nosso entendimento, estes
fatos se caracterizam como um desafio na articulação de objetivos intermediários,
que possam rearticular uma ponte de junção em torno do objetivo de humanização e
de melhoria na qualidade do atendimento desinstitucionalizado ao PTM, contudo
sem sobrecarregar o cotidiano particular do cuidador/a já sufocado de demandas.
Dentre estes, o primeiro ponto que destacaremos se refere à
centralidade do foco das ações do processo de desinstitucionalização estar sendo
mantido direcionado exclusivamente ao modelo de assistência à pessoa com
sofrimento psiquiátrico. Não promovendo alargamento destas ações na direção da
reflexão, da capacitação, da divulgação, do envolvimento, ou de atenção aos demais
sujeitos, componentes diretos dos recursos humanos de provimento de cuidados do
PTM desinstitucionalizado.
Se levarmos em conta que as características das patologias
psiquiátricas, seus tratamentos e seus limites prognósticos foram construídos
cultural e historicamente, com diversas interpretações e que até hoje permanecem
constituindo um universo de conhecimentos específicos, incompreensíveis e
místicos para o senso comum. Perceberemos que a ausência de programas de
envolvimento familiar e comunitário, acerca do processo de desinstitucionalização,
evidencia um espaço vazio na desmistificação cultural e na compreensão dos
fenômenos psiquiátricos à luz científica e se constituem num entrave na modificação
do paradigma da loucura e de seu tratamento.
Compreender as nuances das recentes concepções de
saúde/doença, e principalmente relacioná-las com a subjetividade dos quadros
psiquiátricos, não se constitui tarefa fácil, nem para os profissionais de saúde, que
convivem no mundo público, e, ainda menos, com os cuidadores/as que apenas
contam com a experiência que vivenciam como o PTM, solitariamente no interior de
seus lares. Neste contexto, a compreensão das patologias psiquiátricas permanece
na perspectiva restrita de doença, não inseridas no modelo saúde biopsicosocial
fundamentais à compreensão e articulação da desinstitucionalização e,
transformam-se num obstáculo enorme a ser transposto, tanto para o PTM, quanto
ao seu cuidador/a, fadado a, amadora e solitariamente, permanecer dentro dos
limites da esfera privada.
Esta deficitária instrumentalização que padece os cuidadores/as
domiciliares de PTMs graves, como os esquizofrênicos, pode ser de ordem objetiva
105
como: provimento econômico do portador e/ou do cuidador/a, acesso fácil a meios
de transporte, serviços de atendimentos psiquiátricos ininterruptos, espaço
doméstico adequado que permita manter objetos corriqueiros do lar, mas de risco
como perfuro-cortantes, protegidos, etc.
Mas, é no aspecto de ordem subjetiva que se evidencia a maior e a
mais comprometedora ausência em termos de instrumentalização. Vasconcelos
(2002), considerada que este aspecto se constitui em dificuldades de convívio e da
realização do cuidado ao PTM, tornando visível a importância e, também, a
inexistência de intervenções públicas ao modelo psicoeducativo, que consiste em
esclarecimentos sobre a doença e seus sintomas.
Neste sentido, em nosso entendimento o processo de
desinstitucionalização necessita rever e resgatar o desafio de ampliação,
diversificação e difusão dos serviços alternativos de saúde mental que ultrapasse a
pessoa com sofrimento psiquiátrico, e privilegiem ações de apoio e de preparação
dos cuidadores-familiares, afinal, são sobre eles, (especialmente sobre elas – as
mães) que recai o ônus de socorrer e controlar o PTMs em crise e a qualquer hora.
Vasconcelos (2002) lembra que na construção do processo de
desinstitucionalização, a família passou a ser compreendida mais como agente ativo
no processo de construção das ações de apoio psicossocial, do que como uma mera
receptora de intervenção. Porém essa gama de responsabilidade está sendo
dirigida ao meio familiar despreparado e vulnerabilizado e tem se mostrado um
empecilho na aceleração do processo.
Amarante (2006) enquanto partícipe na elaboração da Reforma
Psiquiátrica, lembra que o grande mérito deste processo brasileiro está no fato de
que, em vez de tratar de doenças, tratar de sujeitos concretos, pessoas reais. Lida,
portanto, com questões de cidadania, de inclusão social, de solidariedade e, por
isso, não é um processo do qual participam apenas profissionais da saúde, mas
também muitos outros atores sociais.
A ausência de ações que privilegiam este objetivo constitui, de fato,
em prejuízo, reduzindo muito a efetividade do cuidado domiciliar. Uma prova disto
são os cuidadores/as entrevistados nesta pesquisa, que não estão sendo
preparados e nem capacitados para o exercício efetivo de sua função cuidadora e
em virtude disto demonstraram não estarem conseguindo concretamente manter o
PTMs afastados das reinternações. Neste ínterim, a falta de capacitação para os
106
agentes cuidadores, acaba constituindo-se num entrave na operacionalização da
desinstitucionalização, além de, em certas situações, trazer caos à vida do
cuidadores/as.
O segundo ponto de obstacularização operacional da proposta da
desinstitucionalização que identificamos, refere-se à limitação das ações, das
estruturas físicas, e da tendência de padronização da assistência dos serviços
alternativos aos PTMs, reproduzindo as formas de atendimentos convencionais.
Estes aspectos tornam-se passíveis de serem visualizados na região
da 16ª Regional de Saúde de Apucarana, que agrega 17 municípios e onde está
localizado o objeto desta pesquisa, Hospital Regional Vale do Ivaí, na cidade de
Jandaia do Sul, Pr.
Nesta Regional de Saúde, as ações da desinstitucionalização
psiquiátrica se resumem à formulação de 02 (dois) CAPS (Centro de Apoio
Psicossocial). O primeiro serviço se localiza na cidade de Cambira, há 10 km, de
Apucarana, viabilizado por meio de consórcio intermunicipal e inaugurado em
meados de 2004. O segundo serviço se caracteriza como CAPS AD (Centro de
Apoio Psicossocial – Álcool e Drogas), funcionando desde agosto de 2006. Há,
também, atendimento especializado em psiquiatria na Sede da Regional, onde atua
apenas um médico nesta especialidade.
Dentre estes serviços, o CAPS de Cambira se caracteriza como a
única alternativa de atendimento psiquiátrico a PTMs, baseado no novo modelo de
política pública de atenção à Saúde Mental. Este serviço credenciado no SUS
(Sistema Único de Saúde) para atendimento de uma população de 325.897
habitantes que compõem a clientela da Regional de Saúde citada, disponibilizando
horário de atendimento das 8 às 17hs. Tendo equipe multiprofissional formada de 01
(um) médico psiquiatra, 01 profissional de enfermagem, 01 (um) psicólogo, 01 (um)
assistente social, 01 (um) fisioterapeuta e 01 (um) pedagogo.
O atendimento prestado segundo informações repassadas pela 16ª
Regional de Saúde consiste em consultas ambulatoriais e terapia ocupacional. Este
serviço ainda não desenvolve nenhum programa ou atividades de apoio extensivas à
família ou à comunidade.
Se tomarmos por base que a implantação dos CAPS figura como
equipamento estratégico da ampliação do acesso em saúde mental, principalmente
porque significa atendimento aos PTMs que estão deixando de ser atendidos no
107
serviço hospitalar especializado pela redução de vagas, percebemos o quanto há
necessidade de ampliação do número destes serviços na região referenciada.
Esta situação se aproxima da avaliação feita recentemente por
Canton Filho (2006) a respeito da implantação do CAPS em todo o Brasil, que dá
conta que há 18 (dezoito) cidades com mais de 200 mil habitantes e 70 (setenta)
cidades com mais de 1000 mil habitantes, que não têm CAPS. Destacando também,
que apesar deste não ser o único, configura como serviço básico no processo de
Reforma Psiquiátrica.
Difere muito da situação descrita por Amarante (2006), quando
define a desinstitucionalização brasileira como um grande avanço, apontado que o
país conta com quase mil serviços de saúde mental abertos, regionalizados, com
equipes multidisciplinares, envolvendo vários setores sociais e não apenas o setor
da saúde.
No contexto aqui apresentado, percebemos que os serviços
alternativos estão em fase de implantação ou funcionando de forma muito limitada
do ponto de vista de estrutura física, horário de atendimento, pessoal especializado.
Ou seja, as estruturas municipais de assistência aos PTMs estão sendo implantadas
dentro da lógica do que é possível e não do que é necessário, seguindo dois
aspectos principais: as históricas políticas públicas focalizadas e desarticuladas e os
ditames neoliberais de restrição de investimentos nas questões sociais.
Fato este que o especialista em Direito Social, Laurindo Dias
Minhoto (2006), destacou recentemente por ocasião do 8º Congresso Brasileiro de
Saúde Coletiva em meados de agosto de 2006, descrito como sendo o entrechoque
da proteção da saúde e a hora histórica de sua efetivação, dando ênfase que
historicamente neste país a racionalidade econômica se sobrepõe às de cunho
jurídico e sanitário.
A fragilidade do atendimento do CAPS - Cambira apareceu nos
depoimentos dos entrevistados relacionados e ilustraram situações negativas que
vivenciaram quando necessitaram buscar atendimento psiquiátrico e optaram pelo
novo modelo alternativo, tentando manter seu familiar PTM, mesmo em crise, longe
da internação hospitalar.
Conforme o relato da cuidadora A, podemos verificar que o serviço
alternativo tem se limitado à realização de consultas ambulatoriais com indicação de
medicação e atividades terapêutica:
108
(...) a consulta no CAPS mais atrapalhou, né...disse que lá era bom...
mas não foi bom, nada... complicou mais ainda... A Dra de lá disse
que se ele não tomasse o remédio, ia ter que internar... e foi o que
aconteceu... não tomou mesmo e teve de internar...
Conforme já afirmamos no eixo anterior desta dissertação, o PTM de
modo geral, especificamente o esquizofrênico, em sua grande maioria é avesso à
medicação, não se considera portador de patologia, o que torna inócuo este tipo de
procedimento:
Ele fica ruim de repente... e quando tá bom... não quer saber de
médico, consulta,... não gosta nem tomar remédio (...).(sujeito H).
Mesmo quando há aceitação da medicação por parte do PTM, as
condições de administração dos sintomas nos serviços alternativos parece muito
fragilizada, principalmente nos casos dos PTMs de esquizofrenia, em que as crises
de agitação são repentinas e corriqueiras. A intervenção da equipe de saúde mental
nestes momentos é determinante tanto na assistência e proteção dos mesmos,
como das pessoas em torno. Esta situação apareceu relatada no depoimento do
cuidador G:
Ehhh, aí ela aceita o remédio, vai na consulta... Ela estava fazendo
tratamento no Caps, estava vindo todo dia, direitinho... a ambulância
pega ela e traz todo dia...Aihh, ela teve uma crise... eles que
trouxeram aqui desta vez, disseram que ela agitou lá, brigou, eles
pegaram e trouxeram aqui... não tinha outro jeito!
As atividades terapêuticas, de modo geral, apesar de figurarem no
modelo psicoeducativo como coadjuvantes na sustentação no controle dos
sintomas, segundo os cuidadores/as entrevistados no serviço alternativo citado, não
têm seu funcionamento constituído como suficiente.
Alguns dos sujeitos entrevistados mencionaram aspectos que
podem estar comprometendo o desempenho do CAPS referenciado como, por
exemplo, a distância entre seus domicílios e a cidade onde se localiza o serviço, a
restrição de horários de funcionamento, e as atividades terapêuticas que não se
mostraram atraentes havendo controle dos sintomas apenas temporariamente.
Estes fatos apareceram no relato feito pelo cuidador E:
(...) dê lá a ambulância trazia... o postinho mandava trazer... veio
umas três vezes, lá... já faz tempo... depois não quis vim mais e nem
tomar o remédio... Mas trazer todo dia... é difícil...longe demais!
109
Na elaboração da proposta muito se discutiu a necessidade de
implantar serviços alternativos que garantissem diversificação de formas de
assistência e tratamento psiquiátrico, substituindo a lógica de adequar o PTM ao
modelo único, massificado e institucionalizado. O modelo proposto se fundamentou
em indicar a necessidade de criar formas plurais de atendimento, levando-se em
conta as particularidades dos indivíduos e de quadros, além da diversidade das
patologias.
Fica evidente diante do que foi exposto até aqui, que os
investimentos na saúde mental, na lógica do conjunto de mudanças amplas, deixam
transparecer que ainda não têm conseguido implantar, nem esta dinâmica em seus
dispositivos já em funcionamento e nem mesmo estruturar os demais dispositivos
alternativos, tais como atendimento 24 horas, residências terapêuticas, hospital dia,
leitos em hospital gerais, etc.
O psiquiatra Walmor Piccinini (2006) tem descrito severas críticas à
Lei da Reforma, afirmando que a mesma não se baseia em evidencias cientificas e
sim em interpretações filosóficas. Enfatiza, também, que o momento atual tem
mostrado um enorme retrocesso onde as pessoas pobres estão tendo muitas
dificuldades em acessar os serviços de saúde mental. Segundo ele, alguns
conseguem ser beneficiados pelos CAPS desde que enlouqueçam no horário de
expediente do mesmo.
Amarante (2006), também tem demonstrado sua preocupação com
esta questão, enfatizando em artigo recente, que a política nacional de saúde mental
corre muitos riscos, entre os quais o de reduzir o processo de reforma psiquiátrica a
uma mera mudança de modelo assistencial.
Esta preocupação é compartilhada, também, entre os trabalhadores
e os diversos atores que cotidianamente interagem com a Saúde Mental, e
especialmente entre os familiares, pois nos momentos de crises comicionais de seus
parentes com sofrimento psíquico, percebem e sofrem com a fragilidade da
alternativa disponível de assistência, que impõe restrição ou limitação de apoio e
socorro.
Conforme já apontamos, a legislação prevê vários dispositivos de
diversificação do modelo de assistência psiquiátrica, além das estruturas municipais
de atendimento psicossocial, os CAPS. Dentre estes dispositivos está a destinação
110
de leitos em hospitais gerais para atendimento ao PTM no momento da agudização
dos sintomas, ou seja, articulação da rede de atenção à saúde.
Em nossa experiência profissional no interior do hospital psiquiátrico,
vivenciamos situações que nos permitem afirmar que existe uma série de
dificuldades em acionar a rede e disponibilizar estes leitos no âmbito desta Regional
de Saúde. Em diversas ocasiões que tivemos necessidade de transferir um PTM
para realização de procedimentos ou exames em hospitais gerais, percebemos
resistências, despreparo das equipes de saúde no atendimento às patologias
mentais, e argumentação da falta de estrutura física para receber PTMs graves.
A cuidadora C relatou ter vivido uma situação semelhante que
exemplifica a dificuldade de atendimento das patologias mentais no contexto atual,
conjuntamente com as patologias clínicas:
Eu [mãe] disse:
- Deixa ele ficar aqui até amanhã, para mim poder dormir mais
sossegada...
Ele [o médico de plantão] falou:
- mas aqui ele não pode ficar por que ele pega mexer com paciente
lá, né! Ele arranca até o soro! (sujeito 2).
Contudo os entraves para disponibilização destes leitos dão mostra
da falta de integração dos serviços de saúde do Sistema Único de Saúde (SUS)
correspondendo neste estudo, ao terceiro ponto que delimitamos como obstáculo na
operacionalização da desinstitucionalização tal como foi idealizada.
Neste contexto, podemos verificar que para os PTMS adentrarem no
SUS, (Sistema Único de Saúde), está existindo mais de uma porta de entrada para o
Sistema. Fato que ficou evidenciado através do depoimento da cuidadora A que
afirmou que nos momentos de crise de seu enfermo, entram em contato diretamente
com a unidade de internação, onde obtém por parte daquele serviço autorização
para internação. Dirigindo-se posteriormente, ao serviço de transporte do seu
respectivo município onde solicita veículo para transportá-lo até o hospital conforme
relata:
É eu digo que arrumei a vaga... e que não precisa ser ambulância,
pode ser qualquer carro para levar meu filho...senão eu perco a
vaga... que ele está muito malcriado e agressivo... e sumindo para
rua (...).
111
Este fato revela empiricamente as dificuldades enfrentadas pelo
SUS, as quais a médica e deputada federal Jandira Feghali mencionou também, no
8º Congresso Brasileiro de Saúde Coletiva (2006), dizendo que não é fácil
estabelecer uma estrutura deste porte, que busca atingir a todos, sem limitações
formais, diante de tanta complexidade e desigualdade.
Em outro depoimento, a mãe-cuidadora H conta que ao dirigir-se ao
Pronto Atendimento Municipal à procura de atendimento psiquiátrico para o filho foi
orientada a continuar fazendo o tratamento na unidade de internação:
Uma vez... fui no PAM... eles perguntaram se trazia no CAPS de C,
falei que não. Eles mandaram eu procurar aqui, mesmo...
Diante desta informação, podemos afirmar que no contexto atual da
nossa região, o entendimento, a compreensão e a divulgação dos princípios da
desinstitucionalização, principalmente com relação ao referencial que a originaram
não figuram na agenda dos trabalhadores dos serviços básicos de saúde. Os
profissionais que atuam diretamente com a população, permanecendo à margem do
processo, como estão, não contribuem com as modificações profundas e tão
necessárias na direção de afirmação de direitos de cidadania dos PTMs,
constituindo-se no quarto ponto que destacamos.
Na realidade desta pesquisa, verificamos o quanto tem sido limitada
e comprometedora a falta de preparo dos serviços das Unidades Básicas de Saúde,
em orientar e esclarecer e encaminhar os familiares de PTMs aos serviços
alternativos.
Dentre os 08 (oito) familiares entrevistados, 03 (três) afirmaram que
nunca ouviram falar no modelo alternativo da desinstitucionalização. 05 (cinco)
afirmaram que foram orientados a respeito. Contudo, estes 05 (cinco) que estão
informados, deixaram transparecer durante a entrevista, que a informação que
detêm se apresenta de forma descontextualizada e reduzida.
Foram unânimes em apontar que sabem da existência do CAPS, e
que a sua função primária é evitar a internação dos PTMs, local para o enfermo
passar o dia e voltar para casa. Porém, apenas 02 (dois) cuidadores afirmaram
terem optado por utilizar aquele serviço, ambos do sexo masculino:
Lá não interna... passa o dia e volta pra casa, né!
112
Dê lá a ambulância trazia... o postinho mandava trazer... veio umas
três vezes, lá... já faz tempo... depois não quis vim mais!
É melhor, né!... As vezes ela fica internada aí esse tempão... vai para
casa e volta a ficar ruim... (sujeito 5).
Ela estava fazendo tratamento no CAPS, estava vindo todo dia,
direitinho... a ambulância pega ela e traz todo dia...(sujeito 7).
Dentre os 03 (três) entrevistados que desconheciam a proposta,
após afirmarem não ter sequer ouvido falar disto, foi-lhes explicado resumidamente
do que se trata objetivamente o processo de desinstitucionalização, procurando
contextualizar histórica e culturalmente a proposta enquanto instrumento de inclusão
dos PTMs aos direitos de cidadania.
Os sujeitos após obterem estas informações, relataram suas
impressões:
sujeito A: Olha... eu acho que está certo! Só que tem vez que a gente
não consegue controlar... se não conseguir internar?! ...porque o C
mesmo, ele fica insuportável!
sujeito C::
Se internasse ele lá, (referindo-se a cidade de origem), seria bom,
por que eu podia ir lá ver ele todo os dias, porque aí (Hospital
Regional) é difícil né... tenho que vir nesta distância... venho de
ambulância... tem que ir lá ver se tem lugar no carro...
sujeito G:
Ahhh, acho que ia ser mais complicado... falar que vai para hospital,
ele não quer de jeito nenhum...
Após refletir sobre estes depoimentos dados pelos cuidadores/as
citados no estudo, verificamos que a experiência solitária de vários anos de
acompanhamento ao PTM, sem nenhum programa público de apoio, cristalizou no
imaginário destas pessoas que a solução dos quadros psiquiátricos se resume à
internação, e vêem inicialmente com certa desconfiança e insegurança a
substituição deste procedimento terapêutico.
Alguns cuidadores/as com este entendimento, explicitaram que a
internação continua a ser a alternativa mais concreta que conhecem de atendimento
especializado, a recorrer nos momentos de crise, mesmo em localidades em que já
se encontram instalados outros serviços alternativos de assistência psiquiátrica:
Eu por meu gosto eu não tiro ele daqui não... o único lugar que ele se
deu foi aqui... (sujeito D).
113
A particular trajetória do MTSM foi construída baseada na
necessidade de engajamento de forças políticas sociais, tais como os movimentos
populares e a opinião pública em geral, posteriormente, foi decisivo para concretizar
a Reforma Psiquiátrica. A sustentação, aprimoramento e a montagem dos novos
serviços de assistência psiquiátrica carecem ser referendados por profissionais
comprometidos com os novos paradigmas, para tanto é fundamental compreender
todo o processo.
Com base nestes ensinamentos fica evidenciado que a manutenção
e fortalecimento das conquistas sociais de modo geral, após serem legitimadas no
campo do direito, em processos que foram tão arduamente conquistadas carecem
ser diuturnamente vigiados e reforçados para se manterem consolidados e,
principalmente, para servirem de sustentáculos para novos avanços do campo do
direito a posteriori.
Desta forma, o PTM estaria recebendo tratamento de acordo com
sua singular necessidade, onde o tratamento hospitalar também precisa e pode
figurar como um aparato necessário em certas ocasiões e circunstâncias,
principalmente quando se trata de esquizofrênicos graves.
Eu acho que neste hospital ele é bem cuidado. E ele também gosta!
Ele fala... leva eu mãe, ao menos lá eu estou quietinho, lá, to
sossegado, mãe! Ele fala assim para mim! (sujeito D).
A despeito do avanço nas discussões na área da saúde mental, o
engajamento de todos os outros atores relacionados com a matéria, principalmente
dos trabalhadores de saúde, precisam estar preparados para redirecionar o
atendimento, reduzindo gradativamente a hegemonia do modelo hospitalocêntrico, e
construindo formas alternativas, porém, concretas de assistência psiquiátrica em seu
lugar.
Desta forma, percebe-se que a operacionalização do novo modelo
de assistência aos PTMs na realidade estudada, tem se constituído apresentando
esta face fragilizada, não desenvolvendo ações que permitam alargar e propagar as
suas propostas. Não tem implantado ações no sentido de ampliar a discussão sobre
os transtornos mentais, de somar adeptos e simpatizantes seja no nível do universo
da saúde, seja entre os próprios familiares, seja entre os educadores ou entre
demais formadores de opinião na sociedade.
114
O quinto aspecto que identificamos como entrave na concretização
da desinstitucionalização em conformidade com os princípios que a originou está
relacionado ao atual período da história brasileira que tem sido marcado com a
diminuição dos investimentos públicos em infra-estrutura física e social.
Neste contexto, podemos verificar que o processo de
desinstitucionalização tem se dado como as demais Políticas Públicas, pelo alto,
sem atingir de forma mais contundente os objetivos que a originou: modificar o
modelo assistencial hospitalar/asilar segregador e implementar serviços na lógica da
universalização, da inclusão, da qualidade do atendimento e do envolvimento de
toda a sociedade no processo.
É preciso estar atendo às artimanhas do Estado na utilização do
discurso humanitário do MSTM de defesa da assistência psiquiátrica fundamentada
na substituição do tratamento institucionalizado, transportando a responsabilidade e
o ônus para o grupo familiar, sem, em contrapartida, implementar serviços que lhe
garantam condições para tal.
Conforme afirma Carrasco (2002), as organizações e instituições
sociais e a sociedade em geral seguem sem considerar que o cuidado com a vida
humana seja uma responsabilidade social e política. Este fato se evidenciou neste
estudo, no qual as famílias dependem dos serviços públicos de saúde e, sem
nenhum serviço de base de apoio e suporte social aos cuidadores/as, vão
construindo-o com esforço e dedicação voluntária do responsável principal pelo
cuidado, orientados através da intuição e suposição ou do produto gerado da
experiência acumulada.
Assim, neste último eixo de análise das entrevistas, verificamos que
o cuidado ao PTMs dos grupos familiares estudados tem enfrentado um
distanciamento da proposta que originou o processo de desinstitucionalização,
dentre os quais destacamos: centralidade do foco das ações do processo de
desinstitucionalização estar se pautando exclusivamente na desarticulação do
sistema hospitalar/asilar, ou seja, no modelo de assistência ao PTM, desta forma
não instrumentaliza os familiares e responsáveis nem objetiva e nem
subjetivamente; morosidade em colocar em funcionamento os serviços alternativos;
tendência de reprodução e padronização nos novos serviços na mesma lógica das
instituições psiquiátricas tradicionais. Além disso, o processo tem sofrido também
com a racionalidade econômica de recursos destinados à saúde e com dificuldades
115
operacionais do SUS, de engajamento da saúde mental na articulação da rede de
saúde como um todo.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nosso estudo mostrou que a compreensão dos transtornos mentais
foi identificada, a princípio, como parte integrante da vida social, tolerada até
meados do séc. XV, passando pelo grande encarceramento relatado por Foucault a
partir de Pinel, no XVIII, que, através da racionalidade da época, justificava que o
portador podia ficar compulsoriamente internado em manicômio. Tal entendimento
determinava uma longa prisão sem previsão de soltura, com a família
desempenhando um papel passivo no tratamento, limitada a dar informações sobre
a história do paciente e esperar o seu retorno, sendo muitas vezes, culpabilizada
pela doença de seu familiar.
Este tipo de assistência prevaleceu até a segunda metade do século
XX com ênfase na periculosidade, incurabilidade e no tratamento institucionalizado,
mantendo o PTM sob tutela do saber psiquiátrico. Estes paradigmas voltaram a ser
novamente questionados, primeiramente nos países em reconstrução da Segunda
Guerra, pela sua ineficiência e segregação, pela retomada dos princípios
humanitários, e também, posteriormente, pela evolução técnico-científica de
diversas áreas afins da medicina psiquiátrica. Surge assim a antipsiquiatria, e, a
partir desta, as propostas de reforma psiquiátrica que têm como eixo fundamental a
desinstitucionalização.
O desenho do processo de Reforma Psiquiátrica Brasileira
construída no bojo do movimento pela redemocratização, se constituiu num
processo ético e legítimo de mobilização de diversos atores, pelo resgate da
condição de cidadão da pessoa com sofrimento psiquiátrico, delineando o
reordenamento da assistência aos PTMs.
Este reordenamento está embasado na articulação de formas
alternativas que privilegiem o atendimento psiquiátrico fora do espaço institucional,
no qual o portador, como cidadão, tenha o direito de ser tratado em ambiente digno,
acolhedor, multiprofissional, aberto e comunitário, que privilegie assistência nos
momentos de crise, fundamentalmente baseada na singularidade dos seus
sintomas.
117
Neste contexto, a função da família também é redimensionada,
chamada a desempenhar um papel ativo e importante na recuperação e
ressocialização do/a portador/a de transtorno mental. Ganha destaque e importância
o papel do/a cuidador/a domiciliar, centrado na maioria das vezes, na figura das
mulheres que compõem a rede familiar, principalmente as mães.
Apesar de o mundo contemporâneo apresentar avanço tecnológico e
científico que permitiram a emancipação feminina e seu engajamento de forma
significativa no mundo público, as mulheres têm vivenciado um cotidiano
sobrecarregado com a secular manutenção sectária das esferas públicas e privadas.
As referências até o momento comentadas, permitiram lançar um
foco de luz nas reflexões que objetivaram a proposta desta pesquisa, qual seja,
conhecer e analisar o papel, atribuições e responsabilidades do cuidador/a de PTM
e o rebatimento em seu cotidiano, face à desinstitucionalização pela via da Reforma
Psiquiátrica.
Procurando alargar o entendimento das práticas
desinstitucionalizadas, o cuidado domiciliar ganha uma nova conotação. Ao conceito
de cuidado natural, são agregados aspectos de dimensão ética e moral, tais como:
receptividade, reciprocidade e conectividade, que implicam na sua própria
valorização e redefinição. (WALDOW, 2004).
Tais aspectos vêm de encontro à proposta transformadora da Saúde
Mental, de unir esforços entre os diversos atores em prol do alargamento da
assistência psiquiátrica, principalmente no que tange à sua conseqüente
contextualização de suscitar alternativas concretas para realização dos cuidados
domiciliares em outra lógica, que permita manter o PTM em tratamento terapêutico,
seguro e adequado no domicílio, evitando reinternações.
A partir da análise dos dados coletados em nossa pesquisa e da
experiência profissional, pudemos verificar o quanto a Reforma Psiquiátrica ainda
apresenta entraves no processo de operacionalização, principalmente quando
relacionada à compreensão do cuidado na concepção descrita por Mayeroff (apud
WALDOW 2004), que associa o aspecto ético da característica de ajudar a pessoa
enferma a crescer e a se realizar.
Foi-nos possível verificar ao longo deste estudo no âmbito da 16ª
Regional de Saúde, foco de nossa pesquisa empírica, que a ênfase do processo de
desinstitucionalização e a prioridade dada até o presente momento, têm se
118
restringido à estruturação do ambiente e das instalações físicas, secundarizando os
objetivos macros que originaram e compuseram todo o processo da Reforma
Psiquiátrica.
Os depoimentos mostraram que as características das patologias
esquizofrênicas, denominadas quadros graves dentre os transtornos mentais,
delineiam particularidades na psiquiatria que requerem articulação diferenciada
dentro do novo modelo de atendimento psiquiátrico. Porém, na implantação dos
serviços alternativos, estas particularidades estão sendo ignoradas, o que tem
definido um cotidiano de insegurança aos cuidadores/as e também para os próprios
PTMs, que no presente momento possuem no tratamento institucionalizado,
resultado prático de apoio e suporte, principalmente nos momentos de crise.
A desarticulação radical dos aparatos de assistência institucionais,
constitui-se para os cuidadores/as, perda do espaço de oxigenação e de tempo na
retomada do cuidado desgastante ao PTMs, tão importantes na complexidade desta
convivência, sendo que no novo modelo, não se cogita alternativas que viabilizem
formas que proporcionem aos cuidadores/as, descanso e o revigoramento
necessários à manutenção de sua saúde física e mental. Desta forma, torna-se
notório o quanto este novo modelo empurra, indistintamente, a responsabilidade
sobre PTMs para os grupos familiares reduzidos e fragilizados que, nos casos da
esquizofrenia, resumem-se à figura materna.
Estas fragilidades se evidenciaram na nossa pesquisa sob diversos
aspectos marcados pela condição de gênero e classe, dentre as quais enumeramos
as questões relativas ao provimento econômico, à diminuta rede familiar doméstica,
constituindo-se basicamente no PTM e cuidador/a, a baixa escolaridade dos seus
membros, a idade avançada da responsável na maioria dos grupos, além do
convívio conflituoso e desgastante face aos sintomas graves do PTMs.
As vulnerabilidades dos sujeitos se compuseram dentre as
entrevistadas, como obstáculos contundentes, que limitam as ações dos
cuidadores/as dentro desta perspectiva de agregar-se de forma ativa neste processo
complexo de modificação do paradigma psiquiátrico.
O comprometimento do cotidiano pessoal das cuidadoras estudadas
está de tal forma atrelado à responsabilização do gênero feminino que as mesmas
seguem solitárias no exercício diário, reproduzindo linearmente as formas do
cuidado natural aos seus PTMs. Desta forma, a articulação rígida deste cuidado
119
específico e desgastante, e a feminilidade, não oferecem espaço sequer para as
cuidadoras imaginarem ou planejarem projetos pessoais.
A vivência da cuidadora restritiva e prolongada ao espaço doméstico
com o PTM desprovido de mínima racionalidade, impõe-lhe uma rotina insalubre que
pode vir a constituir-se num fator de comprometimento na construção de sua
subjetividade, pois esta depende de múltiplas dimensões oriundas das relações
sociais e familiares.
Portanto, no conjunto, a Reforma muito pouco tem alterado a rotina
subjugada das mães cuidadoras estudadas, pela razão de que os serviços
institucionais permanecem funcionando de forma paralela ao novo modelo.
Conforme apuramos, a não incorporação ao processo de desinstitucionalização de
ações paralelas de apoio, e a falta de capacitação e de instrumentalização dos
grupos familiares acabam reduzindo, tanto os PTMs quanto os cuidadores/as, a
meros objetos do processo.
Verificamos também, que as ações de operacionalização do modelo
alternativo, se mantém focadas apenas na instituição dos CAPS (Centro de Atenção
Psicossocial). Não se observa iniciativas de democratização da informação que, de
fato, promovam o engajamento dos cuidadores/as, sejam eles funcionários dos
serviços alternativos, funcionários do sistema básico de saúde como um todo, bem
como os familiares e a comunidade, como sujeitos capazes de colaborar no
processo social da modificação da atenção em saúde mental. Destacamos também
neste ínterim, a falta de articulação das ações em rede entre os CAPS, os hospitais
psiquiátricos e as unidades de atenção básica.
O processo, a nosso ver, sofre no momento da sua
operacionalização, severos reducionismos que fragilizam a qualidade dos serviços
desinstitucionalizados prestados, transferindo para os grupos familiares, voltada à
figura materna, a responsabilidade maior sobre os PTMs, sem ações de suporte,
deixando visível a falta de investimento por parte do Estado, em ações que
permitam viabilizar os objetivos da proposta da Reforma Psiquiátrica, principalmente
no que se refere a reinserção do portador como cidadão.
Assim, podemos afirmar ao concluir esta dissertação, que a
formulação de uma legislação específica, possibilitou um passo adiante no âmbito
da saúde mental, porém o processo de gestão e operacionalização têm enfrentado
diversos entraves que dificultam a sua consolidação. Conforme refere Broscheti
120
(2004), não basta garantir direitos em leis, é preciso assegurar condições políticas,
materiais e institucionais necessárias, para que os direitos se consolidem como
parte do cotidiano da vida social.
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A
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127
APÊNDICE A
- INSTRUMENTO DE PESQUISA - ROTEIRO DE ENTREVISTA
PESQUISA: Cuidadores/as de Portadores de Transtornos Mentais e a Família no
Contexto da Desinstitucionalização
Pesquisadora Responsável: Assistente Social - Adarly Rosana M. Góes
Sujeitos da Pesquisa: Familiares cuidadores/as que acompanham portadores de
transtornos mentais, com diagnóstico de esquizofrenia, em tratamento hospitalar no
Hospital Regional Vale do Ivaí – Jandaia do Sul, PR.
Entrevista nº________
1. Desde quando você cuida do PTM?
2. Como tem sido sua vida neste período?
3. Como é cuidar de uma pessoa PTM?
4. Quais as principais dificuldades?
5. Como é a sua rotina diária de cuidador/a com o PTM/
6. Qual o tempo diário envolvido ao cuidado?
7. Percebe mudança na forma de atendimento atual?
8. Conhece ou ouviu falar da Reforma Psiquiátrica?
9. O que acha da proposta? O PTM deve ser cuidado pela família?
10. O que acha do papel da família no cuidado?
11. Como se sente atualmente?
12. O que gostaria de fazer ou ter feito?
13. Deixou de fazer algo em função do cuidado?
128
APÊNDICE B
- Termo de Consentimento Livre e Esclarecido / Resolução 196/96.
Eu ________________________________________________________________,
Concordo em participar da pesquisa: Cuidadores/as de Portadores de Transtornos
Mentais e a Família no Contexto da Desinstitucionalização que fará parte da Tese de
Dissertação do Curso de Mestrado em Serviço Social ano 2007. Esclarecemos que
esta pesquisa tem como objetivo conhecer e analisar o papel, atribuições e
responsabilidades do cuidador/a de PTM e o rebatimento em seu cotidiano.
A sua identidade será preservada e você poderá desistir dessa contribuição a
qualquer momento, comunicando a pesquisadora. Poderá ter acesso a qualquer
informação sobre a pesquisa através do telefone (43) 3251-4536, ou (43) 9937 7753,
falar com Adarly. Os resultados da pesquisa estarão disponíveis nos arquivos da
pesquisadora e no conteúdo da Dissertação coordenado pelo Depto de Serviço
Social da UEL – sob responsabilidade da prof.ª Dr.ª Cássia Maria Carloto.
Departamento de Serviço Social – telefone (43) 3371-4245.
_______________________________________
Assinatura do Entrevistado
Aluna: Adarly Rosana Moreira Góes
Orientadora: Prof.ª Drª Cássia Maria Carloto.
Instituição: Universidade Estadual de Londrina
Curso: Serviço Social/ 2006.
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