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nossa! Não sei como... depois de adulta, não, mas quando criança, nossa! Mentia
tudo. Mentia que minha irmã tinha nascido, mentia que a minha mãe estava
grávida, e, na verdade, na época, não estava mais, inventava mil histórias, tanto
para fugir da... Minha mãe falava: “Tem lição?” [Eu:] “Não, não tem.” Lá tinha um
formulário que dava a nota de 1 a 100% de rendimento da escola no dia. Eu tinha
que levar essa ficha para a minha mãe. Eu sempre levava com 3%, 5%, nunca
com 50 para cima, que era o esperado. E eu mentia. Minha mãe: “Trouxe a
ficha?” [Eu:] “Não, esqueci.” Ou: ”Trouxe, está no carro. Tirei 100% hoje.” Era
sempre 3 ou 2%. Mentia que estava passando mal. Chegou na quarta série,
mudaram-me de escola, porque achavam que a escola era o problema, mas, na
verdade, não era. Eu estava desde pequena naquela escola. Eu era o problema.
Nesse tempo, eu tinha uma amiga de quem eu gostava muito, a Lúcia, que é
minha amiga até hoje, a melhor amiga que eu tenho. Ela estudava comigo numa
outra escola particular, aqui em Araras. Nessa escola, eu entrei de uma forma
diferente, mas como eu já tinha esse jeito agressivo – eu já tinha esse jeito todo
assim de fazer tudo de qualquer jeito, eu era relaxada com meu material – a
professora começou a perceber, sem diagnosticar o problema, mas começou a
rotular novamente. Só que eu também dava motivo, eu tenho essa culpa também,
nesse ponto, porque eu escrevia no quadro: “Professora Célia, eu odeio você.
Vai...” Pode falar palavrão? Eu falava para ela: [e diz o palavrão]. Isso não é uma
coisa normal em uma criança de dez anos. Sendo que a minha família nunca fez
isso, ninguém nunca me ensinou. Eu apanhava do meu pai quando eu falava
essas coisas em casa, mas eu falava. Não estava nem aí. Fui crescendo assim.
Chegou na época da quinta série, eu fiquei internada no hospital. Eu tive prova de
Matemática. Vomitei muito naquela noite, que seria a da prova, mas porque eu
era uma péssima aluna, eu não prestava atenção, não freqüentava, não fazia
lição, não entregava a lição no dia. Mas houve uma vez, nessa mesma fase, que
a professora de Geografia disse que eu não tinha feito a cópia que ela pediu.
Minha amiga também não tinha feito. Eu estava sentada na minha carteira e ela lá
na frente com a menina que não entregou a dela e [a menina] falou: ”Professora,
eu fiz uma parte, a outra eu esqueci no carro da minha mãe.” Naquela época era
fichário já, na quinta série. E ela deixou uma folha no carro da mãe. Mas eu sei
que a Cristina não fez aquilo lá, ela não fez, eu conheço a Cristina. Eu sei como