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SILVIA REGINA PINCERATO PETRILLI
A PRÁTICA REFLEXIVA NA FORMAÇÃO DOCENTE:
IMPLICAÇÕES NA FORMAÇÃO INICIAL E
CONTINUADA
PUC-CAMPINAS
2006
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SILVIA REGINA PINCERATO PETRILLI
A PRÁTICA REFLEXIVA NA FORMAÇÃO DOCENTE:
IMPLICAÇÕES NA FORMAÇÃO INICIAL E
CONTINUADA
Dissertação apresentada como exigência parcial para
obtenção do título de Mestre em Educação, junto ao
Programa de Pós-Graduação em Educação na área
de Ensino Superior do Centro de Ciências Sociais
Aplicadas da Pontifícia Universidade Católica de
Campinas, sob a orientação da Professora Dra. Dulce
Maria Pompêo de Camargo
PUC-CAMPINAS
2006
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Ficha Catalográfica
Elaborada pelo Sistema de Bibliotecas e
Informação - SBI - PUC-Campinas
t.370.71 Petrilli, Silvia Regina Pincerato.
P495p. A prática reflexiva na formação docente: implicações na formação inicial
e continuada / Silvia Regina Pincerato Petrilli. - Campinas: PUC-
Campinas, 2006.
136p.
Orientador: Dulce Maria Pompêo de Camargo.
Dissertação (mestrado) - Pontifícia Universidade Católica de Campinas, Centro
de Ciências Sociais Aplicadas, Pós-Graduação em Educação.
Inclui anexos e bibliografia.
1.Professores - Formação. 2. Prática de ensino. 3. Política e educação. 4.
Sociologia educacional. 5. Ideologia e educação. I. Leme, Dulce M. Pompêo C.
(Dulce Maria Pompêo de Camargo). II. Pontifícia Universidade Católica de
Campinas. Centro de Ciências Sociais Aplicadas. Pós-Graduação em Educação.
III. Título.
22.ed. CDD – t370.71
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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE CAMPINAS
CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
Autora: PETRILLI, Silvia Regina Pincerato.
Título: “A PRÁTICA REFLEXIVA NA FORMAÇÃO DOCENTE: IMPLICAÇÕES
NA FORMAÇÃO INICIAL E CONTINUADA”.
Orientadora: Profa. Dra. Dulce Maria Pompêo de Camargo
Dissertação de Mestrado em Educação.
Este exemplar corresponde à redação final da Dissertação de
Mestrado em Educação da PUC-Campinas, e aprovado pela
Banca Examinadora.
Data: 21/06/2006.
BANCA EXAMINADORA
_______________________________________
Profa. Dra. Dulce Maria Pompêo de Camargo
___________________________________________
Profa. Dra. Corinta Maria Grisolia Geraldi
_______________________________________
Profa. Dra. Maria Eugênia de L.M.Castanho
5
Dedicamos este trabalho...
...Às professoras que construíram
a experiência em parte registrada aqui, personagens anônimos
que diariamente fazem, constroem a História da Educação em nosso país,
que acreditam naquilo que fazem, que não perderam a esperança,
que acreditam na escola e que têm
compromisso com uma educação de qualidade.
6
AGRADECIMENTOS
À professora Dulce, pela feliz oportunidade de aprender. Pela confiança
que tanto dedicou a mim e a todos os seus alunos e orientandos. Pela
alegria, bom humor com que sempre conduziu suas aulas e também pela
seriedade diante dos desafios de se construírem conhecimentos, tão
complexos para nós iniciantes na pesquisa.
Aos professores Maria Eugênia, Balzan, Mara, Noronha, pelas leituras e
reflexões que nos ajudaram a ver e a entender melhor o nosso papel de
educador, a educação como um todo e também a ampliar criticamente a
nossa visão de mundo.
Ao Heder, companheiro de todos os momentos, pelo apoio, compreensão,
e paciência.
A minha família pela essência, pelos valores a que nos fez estar sempre
atentos, cuidadosos, curiosos e determinados para enfrentar os desafios
impostos pela vida e pela profissão.
A todas as pessoas amigas encontradas na PUC e que participaram deste
processo de construção de pesquisa no mestrado.
Às amigas e companheiras de trabalho da Secretaria Municipal de
Educação de Birigui que, pacientes, entenderam minhas ausências e
administraram com muito sucesso os imprevistos do dia-a-dia.
À Silvia Cristina, uma amiga especial, pela escuta paciente, pelas trocas e
orientações, alguém que sempre tem algo que nos inspira e nos dá
segurança.
Às professoras da pesquisa e do grupo de estudo de HTPC, com a minha
mais profunda admiração, por compartilhar suas emoções, suas
conquistas, dificuldades e, acima de tudo, pelo respeito.
Aos funcionários da Pós-graduação da PUC, que sempre se mostraram
solícitos e atentos às necessidades dos alunos.
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“Trago dentro do meu coração,
Como num cofre que se não pode fechar de cheio.
Todos os lugares onde estive,
Todos os portos a que cheguei,
Todas as paisagens que vi através de janelas ou vigias,
Ou de tombadilhos, sonhando,
E tudo isso, que é tanto, é pouco para o que quero.”
(Pessoa, Fernando. O Eu profundo e os outros Eus. 1980)
8
RESUMO
PETRILLI, Silvia Regina Pincerato. A prática reflexiva na formação docente:
implicações na formação inicial e continuada. Dissertação de Mestrado em
Educação. PUC-Campinas, 2006, 138p. Orientadora: Profa. Dra. Dulce Maria
Pompêo de Camargo.
A presente pesquisa, desenvolvida no Laboratório de Ensino, Sociedade e Cultura
(LESC) e inserido na Linha de Pesquisa Universidade, Docência e Formação de
Professores faz um estudo crítico sobre a formação docente partindo da ampla
disseminação e apropriação dos conceitos de professor e prática reflexiva. Busca pelo
ser professora no exercício da profissão no interior de um grupo de formação
continuada em serviço de professoras da Educação Infantil, procurando compreender o
papel da formação continuada, o que aprendem no dia-a-dia do processo formador e a
importância da Universidade no processo de formação. Uma pesquisa participante que
optou pela reconstituição das histórias da formação docente por meio da escrita dos
memoriais, revelando que, ao longo do exercício da sua profissão, as professoras vão
construindo representações a partir da relação afeto-trabalho num espaço único e ao
mesmo tempo público marcado pela condição feminina, regido pelas relações sociais,
legais e regimentais. A análise, nos permitiu compreender que, as transformações das
práticas docentes só se efetivarão a medida em que os professores ampliarem e
tomarem consciência da sua própria prática, envolvida num complexo mecanismo
político, social, cultural, que, direta ou indiretamente interferem na sua atividade
docente. Políticas de formação inicial e continuada que escondem seus reais
interesses, não revelando que, o que está em jogo, é a adequação das instituições
sociais às características do processo de produção do capital, que desconsidera seus
reais personagens e contextos históricos.
Palavras chave: Formação Docente; prática reflexiva; realidade educacional
9
ABSTRACT
______________________________________________________________________________
PETRILLI, Silvia Regina Pincerato. The reflexive attitude in the teaching formation
process: the initial and constant formation policies. Dissertação de mestrado em
Educação. PUC-Campinas, 2006, 138p. Orientadora: Profª Dra. Dulce Maria Pompêo
de Camargo.
This current research, developed at the Teaching, Society and Culture Laboratory
(LESC) and inserted into the university’s research’s line, graduation and formation of
teachers, brings a critical study about the teacher’s formation, starting from the wide
dissemination and appropriation of the teacher’s concepts and the reflexive attitude. It
also talks about being a teacher in a group of constant formation at primary schools,
trying to understand the role of this constant formation, what the teachers learn day-by-
day during the teaching formation process and the importance of the university in this
formation process. It’s an experiment which opted for the reconstitution of the stories
about the teaching formation, through the writing of memorials, revealing that,
throughout the exercise of their profession, the teachers have been behaving influenced
by the affection-work atmosphere in a single scenery but at the same time it is marked
by the feminine behaviour and ruled by the social, legal and regimental relations. This
analysis allowed us to understand that the changes of the teachers’ attitudes will only be
accomplished when the teachers extend and get conscious about their own actions,
involved in a complex political, social and cultural mechanism which, direct or indirectly,
can interfere on their professional life. It also showed us that the initial and constant
formation policies hide its real interests because they don’t reveal that, what is really
important, is the adequacy of the social institutions to the features of the making-money
process which disrespect its real characters and historical contexts.
KEY WORDS: Teaching formation; reflexive attitude; educational reality.
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Lista das abreviações
ADI Auxiliar do Desenvolvimento Infantil
CEFAM Centro de Formação e Aperfeiçoamento do Magistério
CEI Centro de Educação Infantil
EMEI Escola Municipal de Educação Infantil
EMEF Escola Municipal de Ensino Fundamental
FUNDEF Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental
e de Valorização do Magistério
HTPC Horário de Trabalho Pedagógico Coletivo
MOBRAL Movimento Brasileiro de Alfabetização
PCN em Ação Parâmetros Curriculares Nacionais
RCNEI Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil
UNESP Universidade Estadual de São Paulo
11
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ..... ........................................................................................................ 12
PARTE I
Formação Docente: reflexões acerca do contexto atual ........................................ 16
1. Formação Docente, Desenvolvimento Profissional e Inovação................................. 17
2. Ensino e Pesquisa: surgimento de um novo paradigma.............................................24
3. Formação Docente e Prática Reflexiva: interesses políticos e ideológicos na
interpretação do conceito........................................................................................... 30
PARTE II
Trajetória de uma História: vidas que se entrelaçam.............................................. 44
1. Contextos da Docência.............................................................................................. 45
2. Configuração do processo de constituição do trabalho: o caminho da pesquisa...... 56
PARTE III
Personagens, Políticas e Descontinuidades..............................................................70
1. Fios e tramas... Textos e contextos... Histórias e memórias.......................................71
2. Descontinuidades... Marcas e representações na docência ......................................85
CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................................................... 93
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.............................................................................. 98
ANEXOS.......................................................................................................................103
Anexo I: Registros do Coordenador.............................................................................104
Anexo II: Memórias de Professores.............................................................................109
Anexo III: Escolas Municipais.......................................................................................135
Anexo IV: Organograma da Estrutura Funcional..........................................................137
12
INTRODUÇÃO
Esta pesquisa traz o estudo de uma experiência de trabalho, resultante do
acompanhamento de uma investigação em um grupo de estudos de formação
continuada, em serviço de professores da Educação Infantil na Rede Municipal de
Ensino, em Birigui, uma cidade de aproximadamente cem mil habitantes, situada na
região noroeste do Estado de São Paulo. Os encontros desse grupo, aos quais
chamamos de Hora de Trabalho Pedagógico Coletivo (HTPC), acontecem todas as
terças-feiras, por um período de duas horas, quando os professores se reúnem para
estudar temas relacionados ao trabalho docente.
Nesses estudos, ao tentarmos estabelecer relações entre os estudos
desenvolvidos no grupo de HTPC e a prática desenvolvida em sala de aula, nem
sempre percebemos as tão esperadas transformações pedagógicas que a todo
momento discutimos no grupo e ouvimos nos meios de comunicação e de informação.
A reflexão aparece como elemento principal no processo de transformação da prática
pedagógica e em oposição ao modelo da racionalidade técnica que concebe o exercício
profissional docente como uma atividade meramente instrumental, voltada para a
solução de problemas por meio da aplicação de teorias, métodos e técnicas prontas,
bastando a sua aplicação. Contudo sabemos que a prática pedagógica é marcada por
grande complexidade, exigindo do professor mais do que soluções prontas, simplistas,
produzidas fora de contextos.
Assim, os estudos sobre a prática e a formação docente nos levaram a
questionar quem é o professor que atua na Educação Infantil. Quais saberes mobilizam
seu trabalho em sala de aula? Quais teorias sustentam sua prática? Quais os níveis de
relações entre a formação inicial e as práticas pedagógicas?
13
Tais reflexões, na verdade, apontam para a importância da formação inicial e
continuada dos educadores, iniciada nos cursos de formação acadêmica e seguindo
por toda a sua vida profissional. Uma formação que, na verdade, põe em discussão a
própria realidade, a partir da identidade historicamente construída, que possibilita
perceber as diferenças entre os discursos e os programas de ação, que trabalha com
elementos teóricos e práticos relativos à questão do ensino e da aprendizagem e que,
acima de tudo, valoriza a docência como uma atividade intelectual, crítica e criativa.
Em cada época, vivemos questões próprias, repletas de valores, princípios,
dificuldades, dúvidas e impasses que precisam ser refletidos, superados e
ressignificados, não de forma ingênua, mas, diante das transformações da
modernidade, de forma cada vez mais teórica, pois a escola é, por excelência, lugar de
construção de conhecimento, de contradições que, ao mesmo tempo, se identificam
nessa busca por uma sociedade qualitativamente melhor.
Dessa forma, esta pesquisa tem como objetivo principal compreender o papel da
formação continuada; a identidade docente; o que os professores aprendem no dia-a-
dia do processo formador e a importância da Universidade nesse processo.
As razões da pesquisa centram-se nos sujeitos pesquisados e em suas
trajetórias, entrelaçadas, a partir do momento em que compartilham sua paixão pelo
educar em uma mesma instituição, em que comunicam sentimentos vividos e
experienciados ao longo da sua carreira profissional e que, de certa forma, num
movimento de mão dupla, aprendem e ensinam a ser professor.
Nesse processo de participação dos sujeitos, contrói-se uma compreensão
daquilo que fazemos, partindo do contexto em que atuamos, das pessoas com as quais
trabalhamos, acreditando na dinâmica essencial do trabalho, como atividade
fundamental para a construção da realidade social e atividade transformadora, que se
apropria das práticas sociais, produzidas em uma realidade sóciocultural que, ano a
ano, é produzida e reproduzida às outras gerações.
Nas palavras de Ezpeleta e Rockwel (1989), as tramas, que é preciso conhecer,
constituem, simultaneamente, o ponto de partida e o conteúdo real de novas
alternativas tanto pedagógicas quanto políticas. Trata-se de conteúdo que buscamos
desvendar em uma trama histórica de existências documentadas e não documentadas
14
que se entrecruzam num processo de constituição da escola real, que aí está, cheia de
conflitos, representações e conquistas
Para alcançar os objetivos da pesquisa, optamos por percorrer o caminho
proposto no método histórico-dialético, por possibilitar a descoberta da realidade
histórica concreta, pensada e compreendida em seus mais diversos e contraditórios
aspectos, permitindo, assim, entender o professor como sujeito histórico, que exerce o
trabalho docente em uma dada realidade. Optamos, assim, por uma pesquisa que
pretende interpretar a realidade de “outro” modo, procurando constituí-la com uma
linguagem crítica da realidade educacional (EZPELETA E ROCKWELL, 1989). Tal
metodologia permite estabelecer uma relação de cumplicidade, de amizade, de
autonomia, de confiança no cenário em que se encontram pesquisadora e pesquisados,
favorecendo a troca de experiências, conhecimentos e elevação da capacidade crítica
entre as partes envolvidas, aproximando-os da realidade e da concepção de que todos
são portadores de conhecimentos e experiências.
Para dar voz aos personagens centrais desta pesquisa, optamos pela escrita
dos memoriais, num exercício de recuperação das histórias do grupo de professoras no
processo de formação docente, reconstrução da história não documentada, assim
como escreveu Ezpeleta e Rockwel (1989), aquela que é viva e que dá sentido à
escola e à formação docente.
Como escrever? O que escrever? Um processo de formação que compreende o
fazer pedagógico em serviço, no início da carreira e, com ele, as pessoas importantes
que marcaram, positiva ou negativamente, o planejamento pedagógico, o ambiente, o
grupo; a formação no ensino superior: o porquê do curso de pedagogia, as
aprendizagens significativas, a relação teoria e prática e, por fim, os espaços
destinados à formação continuada nos dias atuais: como são realizados e a sua
importância para o fazer pedagógico.
O trabalho está dividido em 3 partes. A primeira busca a compreensão do
conceito de professor reflexivo e de formação docente, temas que deram origem à
pesquisa, procurando fazer uma apresentação da origem dos conceitos e uma
análise crítica da sua ampla disseminação e adoção. Procuramos, ainda, analisar as
raízes fundamentais dos conceitos, de modo a compreender os diversos
15
posicionamentos apropriados por diversos autores, pesquisadores e reformadores
educacionais com perspectivas claramente divergentes.
A segunda parte traz, inicialmente, um histórico do contexto da docência,
buscando pelo ser professor e pesquisador num movimento que alimenta e que, ao
mesmo tempo, mistura-se entre objeto e sujeito. Procuramos, ainda, deixar descritas
as condições metodológicas, como forma de valorizar o processo vivido nessa busca
por encontrar um caminho na pesquisa qualitativa, que foi o das histórias dos
professores, construídas ao longo da história da Educação Infantil no município da
pesquisa.
Na terceira parte, fazemos uma análise das histórias das professoras, em um
espaço marcado pela condição feminina, procurando tecer considerações críticas sobre
a realidade educacional dos programas de formação docente. Incluímos nesse debate,
além das experiências vividas antes do início da carreira, durante a formação inicial e
depois no exercício da docência, as inconstantes e insensíveis políticas públicas, que
desconsideram os contextos da origem dos seus professores e as dificuldades por eles
vivenciadas.
Nesta pesquisa, falamos de sujeitos e os deixamos falar. Um estudo carregado
de subjetividades, que sai em defesa do professor, da profissão docente, num
movimento de construção da identidade profissional, alicerçada na articulação entre
formação inicial e continuada.
16
PARTE I
FORMAÇÃO DOCENTE:
REFLEXÕES ACERCA DO CONTEXTO ATUAL
17
1
FORMAÇÃO DOCENTE, DESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL E INOVAÇÃO
Compreender a formação docente, a partir da prática reflexiva, abriu caminhos
para desenvolvermos um estudo científico no campo da Universidade, da Docência e
da Formação de Professores.
A necessidade de investigar a prática reflexiva na formação docente nasceu da
própria prática como coordenadora de um grupo de estudos de formação continuada
em serviço dos professores da Educação Infantil na Rede Municipal de Ensino na
cidade de Birigui, interior do Estado de São Paulo.
Nesse grupo de estudos, temos vivenciado inúmeras situações que nos fizeram
refletir a respeito da formação docente inicial e continuada; relação teoria e prática e
ainda metodologias e processos de formação de professores.
Acompanhando a prática desenvolvida em sala de aula e procurando estabelecer
relações com os estudos desenvolvidos no grupo, percebemos que, nem sempre,
acontecem as tão esperadas transformações pedagógicas que, a todo momento,
discutimos no grupo e ouvimos nos meios de comunicação e de informação.
Os estudos no grupo de formação continuada têm a prática como fonte de
conhecimento. Por meio da experimentação e da reflexão, os professores - junto a seu
grupo - podem demonstrar, questionar, aconselhar, exercer o espírito crítico. Aprender
a fazer fazendo, através do desenvolvimento da sensibilidade crítica e criativa,
elementos fundamentais na formação docente tão divulgados nos estudos e pesquisas
educacionais.
O ponto de apoio teórico inicial do processo de formação está centrado na idéia
de professor reflexivo e prática reflexiva. Ao fazer o movimento de indagar e produzir
18
respostas, cada professor, no seu grupo, percebe a si mesmo e as ações que realiza,
dessa forma, pode avaliar e, conseqüentemente, modificar a sua prática pedagógica.
No entanto estes estudos, embora tenham uma grande importância para a
formação docente e para a prática pedagógica, não garantem o rompimento de práticas
meramente instrumentais ou técnicas pautadas em modelos prontos, advindos de fora,
de outros contextos utilizados pelos professores no dia-a-dia da sua prática em sala de
aula.
Essa reflexão nos fez buscar respostas ligadas à identidade profissional: quem é
o professor que atua na Educação Infantil? Quais saberes mobilizam seu trabalho em
sala de aula? Quais teorias sustentam sua prática? Quais os níveis de relações entre a
formação inicial e as práticas pedagógicas?
Esses questionamentos deram origem à presente pesquisa que, após analisar e
fazer um estudo teórico, partindo de uma dada realidade, propõe uma formação
docente que valorize a docência como atividade intelectual, crítica e reflexiva.
A fim de mostrar como se deram essas indagações, necessário se fez
compreender o processo formativo que, de alguma forma, é resultado de um
determinado tempo e espaço.
O desafio está lançado. Desafio de transformar em palavras toda uma história,
que entende a escola não por ela mesma, com finalidade em si, mas uma escola que
estabelece e mantém uma relação geral com a sociedade. História de um professor
envolvido num movimento de interação (que faz e ao mesmo tempo se faz), integrado
historicamente dentro de um tempo, de um espaço e envolvido nas circunstâncias
específicas que o produziram.
Memórias pessoais
1
Inicia-se este estudo com o relato de meu próprio processo de formação, que
começou com a minha carreira docente como professora de Educação Infantil na Rede
Municipal de Ensino, no dia 12 de abril do ano de 1994. Tempos de muitas novidades e
desafios, pois acabara de sair do curso de magistério e, de imediato, deparei-me com
uma sala de aula contendo 20 crianças de 6 anos, localizada dentro de uma creche
1
Relato de memórias pessoais, por isso redigido na primeira pessoa do singular.
19
municipal. Minha experiência profissional, até então, se limitava à administração
financeira, portanto não relacionada à docência.
Lembro-me, como se fosse hoje, do meu primeiro dia de aula. Preparei um plano
para a minha primeira experiência como professora, nunca havia entrado em uma
classe de educação infantil. Foi uma experiência muito difícil, as crianças não me
ouviam, parecia que não falávamos a mesma linguagem, dificultando a nossa
comunicação.
Aos poucos, fui aprendendo a conhecer as crianças, compreendendo de onde
vinham, conhecendo suas famílias e o ambiente em que passavam o dia todo. Busquei
também conhecer o seu desenvolvimento cognitivo, emocional, como aprendiam, para,
assim, poder organizar e planejar melhor a minha atuação.
Muitas pessoas, nesse período, foram especiais para mim, pois me ensinaram,
na prática, ser professora: amigas professoras me socorreram com atividades, diário,
caderneta, músicas, brincadeiras, apontando-me caminhos.
Naquela época, ficava atenta a tudo que se passava ao meu redor, aprendia nos
momentos de estudos no grupo, ouvindo as experiências daquelas que há muito tempo
exerciam a sua profissão e que eram consideradas as melhores professoras. Percebia
uma diferença muito grande entre as professoras que trabalhavam nos parques e
aquelas que trabalhavam em creches, é como se as primeiras soubessem mais que as
outras e, por isso, eram mais valorizadas. Não concordava com isso e sempre quis
desmistificar essa idéia de que professor que atuava em creche sabia ou fazia menos.
Lembro-me de que, nas reuniões pedagógicas, fazíamos um grande círculo, e as
coordenadoras pedagógicas ditavam o planejamento anual para todas nós professoras.
Como eu era recém-chegada à rede, ouvia e escrevia, não sabia bem o porquê, mas
copiava tudo. Perguntava-me sempre, de onde elas conseguiam tirar todas aquelas
informações. Tinha muita curiosidade em saber para poder pensar melhor sobre tudo
aquilo que não compreendia. Não me contentava em receber as coisas prontas, não
me contentava em fazer sem um porquê, então saía à procura de informações que
dessem conta das minhas questões que pediam respostas e das dúvidas advindas da
prática de sala de aula. Nessas reuniões, também me lembro de que o clima, às vezes,
20
era de muita tensão. Recebíamos notícias que nem sempre eram do agrado de todas,
e que, ao final, geravam descontentamentos em meio a tantas discussões.
Mais ou menos por volta dos anos entre 1994 e 1998, conhecemos a proposta
construtivista de ensino e aprendizagem e, com ela, as leituras de Coll (1996), Ferreiro
(1986) , Kamii (1991), Piaget (1978), Vygotsky (1984), entre outros, trazidos pelas
coordenadoras que fizeram alguns cursos em uma escola particular de São Paulo, tida
como referência desse movimento. Eram propostas inovadoras que colocavam em
xeque nossas práticas de sala de aula e que desafiavam todas nós a buscar as tão
propagadas transformações. Junto a essas propostas de mudanças da prática docente,
recebemos: o Referencial Curricular Nacional para Educação Infantil (RCNEI), que foi
a diretriz, na rede municipal, e que também tinha o mesmo referencial teórico e
metodológico da proposta construtivista; os cursos promovidos pelo MEC que, a cada
seis meses, trazia suas equipes para promoverem encontros entre os professores da
rede municipal. Lembro-me muito bem das apresentações de vídeos da “TV Escola”, da
série “Menino, quem foi teu mestre?” e da outra série, “Por de trás das letras”,
organizada por Telma Weisz e Governo Estadual de São Paulo, no ano de 1992.
Nessas propostas com vídeos, assistíamos a várias produções relativas à alfabetização
e a outros temas ligados à Educação Infantil e às aprendizagens iniciais. Tudo dentro
do contexto de sala de aula, onde o professor é o mediador entre a criança, o
conhecimento e a aprendizagem. Era lindo de se ver a facilidade com que as crianças
aprendiam e as interferências do professor na instalação dos conflitos no processo de
construção das aprendizagens. Tudo parecia muito fácil e compreensível, era só
querer, buscar e transformar. Voltávamos para a sala de aula recarregadas de novas
energias, acreditando que dali para frente tudo seria diferente.
Foram muitas leituras e reflexões que, quando trazidas para a sala de aula,
apresentavam sua complexidade, pois se transformavam em situações reais que, às
vezes, não compreendíamos.
Algumas atitudes aprendidas no passado, hoje, se repetem com outra
característica, outra roupagem, mas que, na sua essência, possuem as mesmas raízes
fundantes de outrora. Foi exatamente como professora na Educação Infantil que
21
aprendi a gostar da escola e a procurar contribuir para torná-la melhor para a educação
e formação das crianças.
No ano de 2001, ao ser convidada a exercer o cargo de coordenadora
pedagógica, descobri a importância da formação dos professores. Mais um desafio me
era posto e me levava a buscar o melhor, como sempre em minha profissão. Não
queria dar continuidade a tudo aquilo em que não acreditava como professora.
Acreditava que os professores tinham que pensar mais sobre a sua realidade, seus
alunos para, então, promover um ensino mais real, diversificado e qualitativamente
melhor. Queria estar mais perto do dia-a-dia da sala de aula e junto ao professor.
Na ocasião, tive muito receio de enfrentar um grupo de professores tão crítico,
tão exigente. Recordava-me das intermináveis discussões nas reuniões pedagógicas,
nas reuniões de HTPC, quando os professores diziam ser contrários às idéias advindas
da equipe administrativa e pedagógica. Uma marca muito particular nos professores da
Escola Municipal de Educação Infantil (EMEI) é que, devido à convivência de muitos
anos na rede, estes conseguiram construir laços muito estreitos de
amizade/cumplicidade que, de certa forma, os fortalecem no grupo. Enfrentar esses
professores era um desafio muito grande para o coordenador que atuaria junto ao
grupo. Digo junto ao grupo, pois acredito que o coordenador pedagógico é um parceiro
do professor e deve estar junto a ele e não à frente – desmistificando a idéia de poder,
de ser contra o professor. Essa é uma relação até então muito conflituosa, porque, no
seu processo histórico, foi construída a idéia de que o coordenador, o diretor ou todo
aquele que estava hierarquicamente acima do professor, estava contra ele e não junto
a ele.
Assim, queria estar junto às professoras
2
, construir uma relação de confiança e
reciprocidade, mas como? Por onde começar?
O caminho era construir um espaço de educação continuada na escola, que
estimulasse o processo de desenvolvimento profissional dos professores e que, ao
mesmo tempo, desmistificasse a idéia de formação ligada às práticas prontas, voltadas
para a solução de problemas por meio da aplicação de teorias, métodos e técnicas
2
A Rede Municipal de Educação Infantil tem o seu corpo docente formado apenas por professoras.
22
únicas, fora de contextos, ou seja, meramente instrumentais. Outra certeza, era
desmistificar a idéia de formação baseada no treinamento, na reciclagem, na
capacitação com receitas prontas, modelos, que, na verdade, acreditamos que exercem
apenas uma função curativa, remediadora e imediatista, dando a idéia de completar
alguém, de torná-lo capaz, perfeito, como se fosse um processo que ocorre de fora
para dentro, imposto e não construído.
Foi então que buscamos o curso: Observação e Registro, Parceria e Projetos:
elementos práticos para a formação de competências docentes, em São Paulo, no
mesmo centro de referência em formação docente
3
, pois acreditávamos ser o melhor.
Nesse curso, descobrimos a chave para alguns dos nossos problemas ou dúvidas
acerca da formação continuada em serviço das professoras da Educação Infantil.
Conhecemos o trabalho desenvolvido por Zabalza (1994) sobre os registros na
formação docente; as pesquisas de Schön (1992) sobre a reflexão na ação proposta
pelos três movimentos de pensar sobre a prática; as críticas de Alarcão (1996) sobre o
processo de formação continuada, enfim, muitos conhecimentos que nos despertaram
para muitos outros questionamentos e possibilidades que perfeitamente se encaixavam
àquilo que tanto buscávamos. Sabíamos da importância de uma prática reflexiva na
formação das professoras, porém havia muitas dificuldades quanto ao desenvolvimento
dos trabalhos. Os problemas práticos desafiavam-nos de tal modo que tínhamos
muitas dificuldades em fazer uma reflexão que se tornasse de fato uma práxis de
ensino; não conseguíamos articular aquilo que pensávamos com o que realmente
fazíamos .
Após esses estudos, efetivamente, iniciou-se uma outra fase, onde percebemos
claramente a real importância de uma metodologia que direcionasse para o
desenvolvimento das competências tão importantes hoje nos programas de formação
de professores e que possibilitam a aquisição de um pensamento e de uma prática
reflexiva.
3
Centro de Estudos e Pesquisas Escola da Vila, tida como referência na prática construtivista, localizado
na cidade de São Paulo. Para esse local, todos os anos a Secretaria Municipal de Educação mandava
coordenadores e diretores da Educação Infantil e do Ensino Fundamental para receberem formação
sobre a prática de ensino e o desenvolvimento infantil.
23
Organizamos uma proposta de formação distribuída em diferentes espaços:
HTPC; atendimento individual às professoras; Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN)
em Ação; jornada de educação; observação in loco e, depois de tudo bem organizado,
lançamos a proposta de projetos de trabalho, com base nas quais o professor, dentro
da escola em que atua, com experiências vividas em sala de aula, poderia organizar
seus conhecimentos escolares. Ao final, foram apresentados à rede em forma de
seminários. Esses projetos deram origem a inúmeros debates reflexivos e estudos
acerca da identidade desse profissional (como se constitui o seu eu pessoal e
profissional), suas experiências e representações no enfrentamento de situações
complexas e inéditas e, conseqüentemente, da formação docente. Juntamente a esses
debates, inicia-se mais uma série de questionamentos a respeito de assumirmos uma
postura prática reflexiva que possa ser elemento base na formação do professor.
Qual a necessidade de os professores refletirem sobre a sua prática
pedagógica? O que essa reflexão tem a ver com seu processo formador? Como é ser
um profissional reflexivo?
Essas questões se colocaram a partir do momento em que percebemos, após
inúmeros estudos e reflexões, que as situações apresentadas eram as mesmas por nós
conhecidas (organizadas dentro de uma perspectiva extremamente técnica e
autoritária, onde o professor é quem transmite o conhecimento), só que agora com
outra roupagem mais moderna e organizada.
Como então efetivar as tão propagadas mudanças? Onde estamos errando?
24
2
ENSINO E PESQUISA:
SURGIMENTO DE UM NOVO PARADIGMA
Em 2004, participando do Grupo de Pesquisa Laboratório de Ensino, Sociedade
e Cultura – LESC
4
- , na PUC de Campinas, tivemos a possibilidade de desenvolver um
estudo sobre a formação docente, os limites e as possibilidades nos contextos atuais.
Esses estudos nos fizeram refletir criticamente sobre a natureza social e histórica
da atuação docentes, das instituições, das implicações e dos valores e significados
ideológicos.
A partir desses estudos, começamos a construir, dar corpo a este projeto,
tentando compreender as falsas ilusões produzidas pela sociedade capitalista onde o
ensino tem se pautado no obsessivo discurso educativo de mudança, conceito este
muito explorado, porém pouco compreendido e que, na prática, revela suas dimensões:
professores que mais se parecem com malabaristas do ensino, ocupando o palco
central, fazendo, refazendo, criando e recriando sua prática pedagógica a partir de
antigas propostas com outra roupagem; especialistas
5
que orientam, que têm a
intenção de transformar a postura dos professores, acompanhando os
encaminhamentos de sala de aula, reuniões, como no atendimento às necessidades e
dificuldades e que, todavia, também estão em conflito, produzindo dúvidas e mais
4
Coordenado pela professora Dra. Dulce Maria Pompêo de Camargo
5
Consideramos especialistas os profissionais responsáveis pelo apoio pedagógico direto aos docentes.
Ex: Coordenadores pedagógicos, diretores de escola, supervisores de ensino ou supervisores
pedagógicos.
25
dúvidas diante de tantas incertezas e, por fim, a escola como o lugar de tensões, de
angústias, de interesses que se misturam, se confundem e se fragmentam diante dos
discursos de inovação.
Todos esses conflitos organizacionais, sociais e profissionais, gerados
aparentemente pela modernidade, têm sua origem a partir da adesão ou da resistência
à mudança, já que mudar significa inovar – sinônimo de tornar-se melhor – estar
atualizado com as novas exigências educacionais. Nesse sentido, optar pela mudança
significa, em última instância, comprometer-se com a melhora da qualidade do ensino,
enquanto que resistir significa assumir uma postura conservadora ou até mesmo
retrógrada - não se levando em conta, todavia, os motivos considerados para decidir
por uma ou outra posição.
Vivemos numa sociedade em que as informações são rapidamente veiculadas e,
em conseqüência disso, nem sempre conseguimos lidar com esse montante de novas
informações que se entrecruzam com novas idéias e problemas nos impondo desafios a
todo o momento.
Nesta era da comunicação, de informações globalizadas e de produção
acelerada de conhecimento, o professor assume o papel não mais de único transmissor
de conhecimento, pois ensinar não é apenas transmitir conhecimento, mas criar
possibilidades para a sua construção ou produção. O aluno também deixa de ser
somente um receptáculo de informações para aprender a administrar e relacionar
informações, transformando-as em conhecimento.
A aula, local de busca, de vivências, no atual contexto, deixa de ser o único lugar
formal do manejo do conhecimento diante das novas configurações sociais. Ao serem
chamados para as mudanças, os professores, acreditando estarem inovando, apenas
mudam a aparência das suas aulas: informática na escola; francês, inglês e espanhol;
projetos de artes que são apresentados à comunidade; rotina diversificada; recreação e
jogos, enfim, uma série de atividades inovadoras, mas que mantêm, na sua gênese, os
mesmos princípios voltados para o modelo da racionalidade técnica.
A escola, diante das exigências a que é exposta, só consegue pensar e agir
estando atualizada com os estereótipos ditados pela moda. Na perspectiva da
sociedade do conhecimento, tem a função de preparar os indivíduos para que saibam
26
buscar autonomamente e construir seu próprio conhecimento diante das possibilidades
do mundo moderno.
Podemos ver essa concepção muito claramente no discurso da professora
portuguesa Isabel Alarcão, em uma conferência realizada no Brasil: “Alunos,
professores e escola face à sociedade da informação”, em Curitiba-PR.
Nesta sociedade exige-se a preparação para a mudança, para o incerto, para o
difícil, para viver noutras circunstâncias e noutros países. Mas também para a
permanente interação, contextualização e colaboração. A capacidade de
continuar a aprender autonomamente emerge como fundamental. As noções de
sujeito, diálogo e conhecimento ativo e ativável encontram-se na base dos atuais
paradigmas de formação e de investigação (ALARCÃO, 2002, p.15).
Ao apontar que, para atuarmos nesta sociedade, é preciso preparar para a
mudança, para o incerto, para o difícil, para viver em outras circunstâncias, a autora
apresenta uma visão globalizada e nos dá a impressão de não levar em consideração a
pessoa, a história, os contextos políticos, sociais e culturais. Devemos, pois, ter o
cuidado para não transformar a educação em uma busca constante de um
conhecimento que descaracteriza o que é particular, individual, e que não personaliza e
dá ao indivíduo uma visão global.
Compreendemos as angústias vividas pelos professores ao serem chamados a
tomar rápidas decisões; a avaliar o próprio trabalho e também ver seu trabalho
avaliado; a refletir sobre a prática; a registrar o seu dia-a-dia escrevendo, descrevendo
situações, processos, causas e defeitos; a investigar; a comparar; interpretar a
realidade; a levantar hipóteses e planejar as próximas aulas num processo contínuo de
aprendizagem, já que neste novo cenário educacional, a formação se apresenta num
sentido contínuo de aprendizagem. Todas essas inovações são apresentadas e
propostas aos professores como uma possibilidade na resolução de alguns dos muitos
problemas de sala de aula, devendo estar sempre dispostos a abandonar velhos
paradigmas, pois a sociedade mudou e com ela a educação.
No relatório Delors (1998), preparado para a UNESCO, também encontramos o
discurso inovador nas diretrizes para a educação mundial para o século XXI, em que, a
todo momento, somos convidados a mudar, a nos adaptar aos ideários pedagógicos
27
contemporâneos de Duarte (2001): aprender a conhecer; aprender a fazer; aprender a
viver juntos e aprender a ser:
Não basta, de fato, que cada um acumule no começo da vida uma determinada
quantidade de conhecimento de que possa abastecer-se indefinidamente. É,
antes, necessário estar à altura de aproveitar e explorar, do começo ao fim da
vida, todas as ocasiões de atualizar, aprofundar e enriquecer estes primeiros
conhecimentos, e de adaptar a um mundo de mudança. Para poder dar resposta
ao conjunto das suas missões, a educação deve organizar-se em torno de quatro
aprendizagens fundamentais que, ao longo de toda a vida, serão de algum modo
para cada indivíduo, os pilares do conhecimento: aprender a conhecer, isto é,
adquirir os instrumentos de compreensão; aprender a fazer, para poder agir
sobre o meio envolvente; aprender a viver juntos, a fim de participar e cooperar
com outros em todas as atividades humanas; finalmente aprender a ser, via
essencial que integra as três precedentes. É claro que essas quatro vias do
saber constituem apenas uma, dado que existem entre elas múltiplos pontos de
contato, de relacionamento e de permuta (DELORS, 1998, p. 89-90).
Ainda citando o Relatório para a UNESCO, da Comissão Internacional sobre
Educação para o século XXI, apontamos outro trecho onde as mudanças são
explicitadas diante da necessidade de se olhar para o lado humano da educação, nos
dando a clara impressão de uma visão ingênua, romântica, porém não real.
Exatamente para poder criar esta nova sociedade, a imaginação humana deve
ser capaz de se adiantar aos avanços tecnológicos, se quisermos evitar o
aumento do desemprego, a exclusão social ou as desigualdades de
desenvolvimento. Por todas essas razões parece impor-se, cada vez mais, o
conceito de educação ao longo de toda a vida, dada as vantagens que oferece
em matéria de flexibilidade, diversidade e acessibilidade no tempo e no espaço.
É a idéia de educação permanente que deve ser repensada e ampliada. É que,
além das necessárias adaptações relacionadas com as alterações da vida
profissional, ela deve ser encarada como uma construção contínua da pessoa
humana, dos seus saberes e aptidões, da sua capacidade de discernir e agir
(DELORS, 1998, p.18-19).
Outro ponto que também merece destaque nas duas citações que utilizamos do
relatório Jacques Delors, preparado para a UNESCO, é a banalização da capacidade
de aprendizagem, dos conhecimentos da formação inicial, como se, por meio da
imaginação, pudéssemos antever, ou melhor, nos preparar para possíveis mudanças,
conjugando a idéia de busca pelo conhecimento produzido por outros e não por nós
próprios. Dentro desse processo de pesquisa, de busca por conhecimentos socialmente
28
produzidos por outros, não se produz a autonomia intelectual tão propagada nos meios
educacionais, uma vez que, diante de tão aceleradas transformações, não sobra tempo
para que seja desenvolvido o senso crítico numa formação intelectual produtora de
conhecimentos, capaz de alterar as coisas, de introduzir algo novo, de propor soluções
aos velhos problemas e de encontrar novas formas de atuar nesta sociedade.
Mas será que há tempo para a compreensão crítica de tantas e aceleradas
informações, para que sejamos capazes de efetivar mudanças? Certamente não, se
continuarmos no mecanismo de exaustivos esforços, tentando dar conta de tudo que
nos é apresentado. Não há possibilidade, pois esse mecanismo frenético nos remete à
ação impensada. Aquela que apenas nos causa o cansaço, a frustração por não
conseguirmos acompanhar o tempo externo, pois estamos voltados a questões práticas
e urgentes.
É evidente que não queremos, com isso, ir no sentido contrário da idéia de
mudança. Propomos resistir à idéia de transformar a escola em empresa do mundo
econômico e tomar o cuidado – em nome da inovação, da adequação aos tempos
modernos – em não unificar / massificar todos os personagens envolvidos nessa
discussão, pois, conforme Paulo Freire (1986), estes são seres únicos, enraizados e
repletos de historicidade e que merecem ser ouvidos e compreendidos para que,
efetivamente, sejam agentes produtores de reais transformações:
A partir das relações do homem com a realidade, resultantes de estar com ela e
de estar nela, pelos atos de criação, recriação e decisão, vai ele dinamizando o
seu mundo. Vai dominando a realidade. Vai humanizando-a. Vai acrescentando a
ela algo de que ele mesmo é o fazedor. (...) E, na medida em que cria, recria e
decide, vão se conformando as épocas históricas. É também criando, recriando e
decidindo que o homem deve participar destas épocas (p. 43).
O que percebemos nesse contexto é que, cada vez menos, os professores são
ouvidos ou chamados para discutir, refletir ou decidir sobre questões que lhes são
importantes, também em nome das aceleradas exigências do mundo moderno. Quando
são concretizadas as mudanças, o que lhes chega são apenas as resoluções,
pareceres, em forma de decisões pensadas e discutidas por outros que as interpretam.
29
Daí, então, a necessidade de refletirmos sobre a necessidade de uma formação
docente dentro de uma prática puramente crítica, pensada pelos próprios atores e a
partir de questões que lhes são próprias, pois, assim, estarão se integrando às
demandas inovadoras da época.
Acompanhando um grupo de formação continuada em serviço, podemos
perceber com que impacto os discursos inovadores atingem os docentes ao se sentirem
pressionados, demonstrando na suas falas as angústias diante do descompasso entre
o que ditam os discursos e a realidade de sala de aula. Dizem não entender o porquê
de tantas mudanças, ou ainda, o fato de que, nos últimos tempos, mudar se tornou a
palavra mais ouvida e praticada por elas no cotidiano escolar.
Na verdade, essas angústias imobilizam os professores diante das situações
conflituosas da sala de aula. Para Paulo Freire (2002), educar é construir, para libertar
o ser humano das cadeias do determinismo neoliberal, reconhecendo que a história é
um tempo de possibilidade, um ensinar certo, um ato comunicante, co-participado,
refletido criticamente através de uma curiosidade inquietante, indagadora, que procura
esclarecimento, que nos move e acrescenta a ele o que fazemos.
Nesse processo complexo de mudanças e de resistências ao novo, citamos
Castanho (1995), segundo a qual, mudar – inovar não é fácil, porque o novo tem que
nascer do velho. É justamente esse nascer refletido, pensado a partir de um contexto
socialmente construído, pela herança genética, social, cultural e histórica que dá
identidade, autonomia diante da responsabilidade de atuação e que traz reais
possibilidades de inovações na escola como instituição construtora do conhecimento.
Em cada época, vivemos questões próprias, repletas de valores, princípios,
dificuldades, dúvidas e impasses que precisam ser refletidos, superados e
ressignificados, não de forma ingênua, como já nos referimos, mas sim, diante da
evolução dos tempos modernos, de forma cada vez mais intelectual, pois a escola é,
por excelência, lugar de construção de conhecimento, de contradições que, ao mesmo
tempo, se identificam nesta busca por uma sociedade qualitativamente melhor.
30
3
FORMAÇÃO DOCENTE E PRÁTICA REFLEXIVA: INTERESSES POLÍTICOS E
IDEOLÓGICOS NA INTERPRETAÇÃO DO CONCEITO
Nos últimos anos, diante dos inúmeros debates e pesquisas, percebemos
claramente o clima de tensão que afetou e afeta os professores e sua formação ao
serem chamados ou responsabilizados pelas urgentes transformações na educação.
Os temas mais comuns trazidos para o debate são: competências; identidade; reflexão;
racionalismo técnico; saberes práticos e teóricos; sistema educacional; reformas,
enfim, estudos que falam da pessoa e da formação inicial e continuada de docentes
nos contextos educacionais da atualidade.
Sem medo de errar, a reflexão é o elemento central nesses estudos, debates e
pesquisas que tentam, a todo momento, mostrar a importância do fazer docente
relacionado à ação de buscar novos caminhos para antigas questões difíceis do fazer
docente, e uma possibilidade de aproximar teoria e prática dentro de uma proposta de
formação para a reflexão. Afirmam, ainda, que o professor precisa conhecer essa nova
realidade, entendê-la para poder nela atuar, traduzindo este esforço de reconhecer-se e
transformar-se num processo de formação contínuo ao longo da sua carreira
profissional.
A sociedade, nesse contexto neoliberal, traz a idéia de competição e
competitividade a todas as relações sociais. Relacionam o homem, os fatos, os
sentimentos e pensamentos a novos métodos de formação e de informação em
31
processos contínuos e permanentes, onde tudo tem um preço, inclusive a educação
que, a cada dia, se vê mais desacreditada.
Em meio a esse cenário, surge a necessidade de um novo profissional para
atender às demandas de uma nova escola. Será que estamos presenciando o emergir
de um novo paradigma educacional?
A década de 90, chamada década da educação, demarca questões importantes
sobre a formação docente, em que as preocupações com a pesquisa e com a prática
dos professores tornam-se mais explícitas. A formação continuada articulada às
experiências de vida dos professores torna-se objeto de interesses nas pesquisas. Há
toda uma nova recomposição do cenário educacional, representando o aprofundamento
das políticas neoliberais. A educação e a formação de professores ganham, nesse
contexto, importância para a realização das reformas educativas.
Com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei no. 9.394/96),
efetiva-se a descentralização financeira, passando para encargo dos Municípios o
Ensino Fundamental e, dos Estados o Ensino Médio. Nesse contexto de transição,
muitas são as ações promovidas pelas reformas:
Educação para Todos, Plano Decenal, Parâmetros Curriculares Nacionais,
diretrizes curriculares nacionais para a educação básica, para a educação
superior, para a educação infantil, educação de jovens e adultos, educação
profissional e tecnológica, avaliação do SAEB – Sistema Nacional de Avaliação
da Educação Básica – Exame Nacional de Cursos (Provão), ENEM – Exame
Nacional do Ensino Médio – descentralização, FUNDEF – Fundo de Manutenção
e desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério – Lei
da Autonomia Universitária, novos parâmetros para as IES, são medidas que
objetivam adequar o Brasil à nova ordem, bases para a reforma educativa que
tem na avaliação a chave-mestra que abre caminho para todas as políticas: de
formação, de financiamento, de descentralização e gestão de recursos
(FREITAS, 2002).
Em meio a tantas mudanças, com as quais se articula toda a sociedade
capitalista, a qualidade da educação é tida como a meta do governo para a educação
no Brasil, de forma a considerar que a formação profissional é o único caminho que
leva à obtenção da qualificação desejada.
32
Como conseqüência, vemos uma enorme expansão dos Institutos Superiores de
Educação
6
com a finalidade específica de formar professores para a educação básica,
especialistas dos Cursos de Pedagogia e do Curso Normal Superior, responsável pela
formação de professores de 1
a
. a 4
a
. série e Educação Infantil.
Juntamente a essa expansão, observamos uma acelerada busca por títulos por
parte dos docentes a fim de se adequarem às novas exigências legais apontadas na
Legislação quanto à formação docente:
A formação inicial em nível superior é fundamental, uma vez que possibilita que a
profissionalização se inicie após uma formação em nível médio, considerada
básica e direito de todos. Entretanto, não se pode desconsiderar que uma
formação em nível superior não é, por si só, garantia de qualidade. É consenso
que nenhuma formação inicial, mesmo em nível superior, é suficiente para o
desenvolvimento profissional, o que torna indispensável a criação de sistemas de
formação continuada e permanente para todos os professores (BRASIL, 1999, p.
17).
Para efeito de análise, retomamos o trecho acima como forma de elucidar a
dimensão dessas transformações e sua repercussão para a formação docente no
âmbito municipal, uma vez que, a partir de agora, os municípios são responsáveis pela
elaboração do plano de carreira e, com este, a valorização ou delineamento da
formação docente inicial e continuada.
Com isso, há uma grande oferta de cursos de curta duração e ou a oferta de
formação inicial com procedência duvidosa e, ainda, de forma acelerada aos
professores que financiam a sua própria formação, a educação vira objeto de consumo,
alimentando os interesses das políticas educacionais neoliberais, tornando-se um fácil
elemento e um grande facilitador do processo de acúmulo de capital.
Essa busca pela qualificação, ou melhor dizendo, pela titulação tornou-se um
discutível mecanismo de formação docente e, como escrevemos anteriormente, um
importante e lucrativo meio para as instituições privadas.
Será que estamos vivendo um processo de aceleradas transformações que
resultam na formação ou na deformação dos profissionais do magistério?
6
O Decreto 2.032 de agosto de 1997 estabelece que as Instituições de Ensino Superior podem assumir
diferentes formatos: Universidades, Centros Universitários, Faculdades Integradas, Faculdades e
Institutos Superiores ou Escolas Superiores.
33
Os discursos reformadores, que elevam o patamar das exigências requeridas
dos professores, em diferentes frentes, trabalham, de fato, no sentido de valorizar a
profissão docente tão desgastada e desacreditada diante da sociedade de forma geral?
Essas são perguntas, com base nas primeiras descobertas que este estudo
proporcionou, certamente, nos levam a muitas outras que representarão uma certa
relevância para o entendimento e o apontamento de propostas reais de formação para
sujeitos também reais.
Assim, em meio a tantas diretrizes, a formação continuada em serviço surge
como uma possibilidade de formação permanente, como processo prolongado pela vida
toda, em contínuo desenvolvimento, como um dos importantes espaços formativos,
materializado pela atual política educacional e que, de certa forma, traduz em um direito
e em uma possibilidade de agregar uma valorização ao salário e à carreira docente.
Continuidade da formação profissional, proporcionando novas reflexões sobre a
ação profissional e novos meios para desenvolver e aprimorar o trabalho
pedagógico; um processo de construção permanente do conhecimento e
desenvolvimento profissional, a partir da formação inicial e vista como uma
proposta mais ampla, de hominização, na qual o homem integral, omnilateral,
produzindo-se a si mesmo, também se produz em interação com o coletivo
(ANFOPE, 1998).
Esse espaço coletivo tem sido motivo de inúmeras discussões que permeiam o
debate nacional e internacional diante da crise educacional brasileira que, na verdade,
é apenas uma das várias vertentes de uma problemática (política, social e econômica)
mais ampla.
Em meio a esse cenário de transformações, é divulgada a falsa ilusão de que as
tão almejadas transformações, que rompem com antigas concepções de que o
professor é um mero técnico e de que ensinar é algo simples, só dependem da boa
vontade e de treinamento. A intensificação dos debates em favor da qualidade da
educação escolar, nos meios de comunicação e de informação, tem o objetivo de
acelerar o processo de transformação diante da opinião pública, tornando-o, aos olhos
do governo, um fato.
À medida que são implementadas as políticas educacionais, baseadas em
estudos para além das críticas ao tecnicismo, começamos a reconhecer a
34
complexidade da prática pedagógica, sinalizando para a importância de uma formação
pautada na prática concreta e material desenvolvida em sala de aula. Buscam-se novos
enfoques e paradigmas a fim de se compreender a prática docente, os saberes
pedagógicos e epistemológicos relativos aos conteúdos ensinados e aprendidos nas
escolas e até então pouco valorizados.
Segundo Geraldi (1998), os estudos que valorizam a importância da escrita
reflexiva sobre a realidade escolar com o objetivo de compreendê-la; a necessidade de
associar ensino e pesquisa na formação inicial; o respeito aos saberes docentes
produzidos no local de trabalho e a necessidade de construir caminhos coletivos na
escola, trazidos pelos autores da coletânea organizada por Nóvoa (1995)
7
, são
preocupações importantes que devem ser consideradas no processo de formação
docente, como também legitima, de alguma forma, as intuições e os estudos
desenvolvidos no Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Educação Continuada
(GEPEC)
8
.
Nesse contexto, os temas: prática reflexiva, ensino reflexivo surgem como a
chave que vai dar conta de corrigir as deformações criticadas na racionalidade técnica
e, com isso, a formação docente ganha os debates em vários estudos e pesquisas em
vários países.
Assim, ao pesquisarmos as origens dos conceitos de formação docente e
prática reflexiva, observamos que os estudos de Schön (1992) tiveram maior peso na
difusão e na apropriação do conceito reflexão-na-ação, definindo-o como o processo
mediante o qual os professores aprendem a partir da análise e interpretação da sua
própria atividade, conduzindo-os à criação de um conhecimento específico, no qual
denomina de tácito e pessoal, ligado à ação, que se manifesta espontaneamente no
desempenho das suas ações.
7
NÓVOA, A .(coord). Os professores e a Sua Formação. Lisboa: Dom Quixote, 1995. Esse livro traz
uma coletânea de textos de autores estrangeiros que desejam contribuir para um debate teórico sobre a
formação de professores.
8
GEPEC: Grupo de Estudos e Pesquisas sobre a Educação Continuada coordenado por Corinta Maria
Grisolia Geraldi e Guilherme do Val Toledo do Prado, na UNICAMP.
35
Schön (1983), desenvolvendo estudos sobre a formação do arquiteto,
fundamentados na teoria de indagação de Dewey
9
e observando a prática profissional
que interaja com a teoria e a prática, em um ensino reflexivo, baseado no processo de
reflexão-na-ação, destaca que o modelo da racionalidade técnica não dá conta das
zonas indeterminadas da prática que são caracterizadas pela complexidade, incerteza,
instabilidade, singularidade e conflito de valores. Destaca, ainda, que o saber-fazer,
teórico e prático, que deve ter o profissional é que permite agir em realidades
complexas e particulares que são caracterizadas por essas zonas de indefinição e que
exigem a reflexão-na-ação – um diálogo reflexivo – com a realidade apresentada.
Dessa forma, Schön (1983) valoriza a experiência e a reflexão sobre essa
experiência, pois o conhecimento é construído na ação e não antes dela como propõe
o modelo da racionalidade técnica ao apresentar primeiro a ciência, depois a sua
aplicação e, por último, o estágio, pressupondo que os alunos irão aplicar o
conhecimento adquirido no seu processo de formação.
Assim, há uma forte valorização dos conhecimentos práticos dos professores,
ponto de partida e de chegada dos inúmeros estudos e pesquisas sobre a formação
docente.
Alarcão (1996), em seus estudos sobre a formação reflexiva de professores,
aponta que para Schön, esse conhecimento na ação pressupõe regras, valores,
estratégias que fazem parte das teorias ligadas à ação docente, portanto, pessoais e
dinâmicas que resultam numa reformulação da própria ação. Escreve, ainda, que a
reflexão pode ocorrer simultaneamente à ação ou retrospectivamente. Assim, reflexão-
na-ação é processo mediante o qual os professores práticos aprendem, na ação, a
partir da análise e interpretação, levando à compreensão do problema concreto,
provocando a reestruturação da própria ação; reflexão-sobre-a-ação é o refletir após a
ação, sobre o quê e o com de suas ações reconstruídas mentalmente para analisá-las
retrospectivamente, sobretudo, quando estas assumem uma forma inesperada;
reflexão-sobre-a-reflexão-na-ação é processo intencional na medida em que o
9
John Dewey (1859-1952) foi um filósofo, psicólogo e educador norte-americano que influenciou, de
forma determinante o pensamento pedagógico contemporâneo. O enfoque que dava à pedagogia era
voltado aos aspectos da prática como fonte de conhecimento, por meio da reflexão e experimentação.
http://bvgf.fgf.org.br/portugues/obra/artigos_imprensa/ainda_dewey.html.
36
profissional é levado a reconstruir mentalmente a ação anterior, levando-o a progredir
no seu desenvolvimento e a construir sua forma pessoal de conhecer. Esse processo
também se torna importante, pois ajuda a determinar ações futuras, compreender
problemas, descobrir novas soluções.
Esses estudos abrem perspectivas para a valorização da pesquisa na prática
docente, uma prática refletida, investigativa, que possibilita responder às situações
novas, dando sustentação para o aparecimento de mais um conceito: o de professor
pesquisador.
Se, por um lado, esses conceitos têm sido bastante discutidos e valorizados nos
debates e pesquisas educacionais, por outro, têm gerado apropriações mal
compreendidas que, na prática, revelam suas contradições.
No Brasil, dois importantes grupos de estudos e pesquisa em duas
Universidades
10
acolhem o conceito de professor reflexivo com o objetivo de
compreendê-los com base na investigação, no aprofundamento e na análise crítica,
apontando limites e possibilidades para a fecundidade de uma perspectiva teórica para
a formação de professores.
O eixo articulador desses grupos centra-se na necessidade de se ler criticamente
a realidade por meio de uma análise mais sistemática, atentando para os contextos
políticos, sociais, econômicos e culturais em que foram produzidos; para a
complexidade da prática pedagógica; para a complexidade do processo de apropriação
e produção dos saberes docentes e, consequentemente, para os processos de
formação de professores.
Para Pimenta (2002):
A centralidade colocada nos professores traduziu-se na valorização do seu
pensar, do seu sentir, de suas crenças e seus valores como aspectos
importantes para se compreender o seu fazer, não apenas de sala de aula, pois
os professores não se limitam a executar currículos, senão que também os
elaboram, os defendem, os re-interpretam. Daí a prioridade de se realizar
pesquisas para se compreender o exercício da docência, os processos de
construção da identidade docente, de sua profissionalidade, o desenvolvimento
10
GEPEC: Grupo de Estudos e Pesquisas sobre a Educação Continuada coordenado por Corinta Maria
Grisolia Geraldi e Guilherme do Val Toledo do Prado, na UNICAMP , e na Universidade de São Paulo
(USP), sob a coordenação da professora Selma Garrido Pimenta e do professor Evandro Ghedin.
37
da profissionalização, as condições em que trabalham, de status e de liderança
(p. 36).
Com a disseminação e a apropriação do conceito de professor reflexivo, amplia-
se também a análise crítica a partir das idéias de Schön (1992) e, com isso, começa-se
a pensar todas as dimensões organizativas da escola: currículo necessário à formação
de professores reflexivos e pesquisadores; local de formação; condições de exercício
de uma prática profissional reflexiva; processos de formação; projeto pedagógico;
trabalho coletivo; autonomia; identidade profissional e pessoal; histórias de vida; novas
tecnologias na sociedade da comunicação e da informação etc., trazidos e divulgados
por meio dos textos de autores da Espanha, Portugal, França, Estados Unidos e
Inglaterra e ainda com as freqüentes vindas de educadores portugueses convidados
pelas Universidades brasileiras, associações científicas, governos e escolas
particulares.
Segundo estudos desenvolvidos por Pimenta (2002):
(...) no solo que acolheu as colaborações dos pesquisadores estrangeiros, pode-
se apontar o seguinte: a valorização da escola e de seus profissionais nos
processos de democratização da sociedade brasileira; a contribuição do saber
escolar na formação da
cidadania; sua apropriação como processo de maior
igualdade social e inserção crítica no mundo (e daí: que saberes? que escola?);
a organização da escola, os currículos, os espaços e os tempos de ensinar e
aprender; o projeto político e pedagógico; a democratização interna da escola; o
trabalho coletivo; as condições de trabalho e de estudos (de reflexão), de
planejamento; a jornada remunerada, os salários, a importância dos professores
nesse processo, as responsabilidades da universidade, dos sindicatos, dos
governos nesse processo; a escola como espaço de formação contínua, os
alunos: quem são? de onde vêem? o que querem da escola? (de suas
representações); dos professores: quem são? como se vêem na profissão? Da
profissão: profissão? E as transformações sociais, políticas, econômicas, do
mundo do trabalho e da sociedade da informação: como ficam a escola e os
professores? (p.35).
O conceito encontrou solo fértil em função do momento histórico, político e social
em que foram facilmente disseminados: pesquisa e prática não conjugavam o mesmo
verbo; não se possibilitava a reflexão dos professores e nem a dos alunos; Ensino
Normal era apenas uma habilitação profissionalizante; grande influência da ditadura
38
militar; pesquisas distantes da realidade escolar; baixos salários; grande movimentação
sindical etc.
Dessa forma, podemos compreender como as temáticas inovadoras foram
facilmente configuradas em nosso país, através da colaboração dos pesquisadores
estrangeiros, numa tentativa de valorizar a escola, o professor e, consequentemente, a
formação docente como um todo e como uma nova possibilidade.
Mas será que essa valorização não pode ser feita levando em consideração
personagens reais em contextos e prática também reais?
Será que estamos falando da mesma prática, aquela proposta pelos autores da
reforma e aquela realizada nas salas de aula brasileira? Será que esta mesma prática
resultante de um tempo e inserida num espaço cheio de diferentes representações e
valores que se contradizem e que estão presentes na atual sociedade poderá
transformar-se, segundo as diretrizes, para a formação docente? Analisando pelo lado
do professor, será que suas vozes, seus conhecimentos e representações foram
levados em consideração nesse processo de reforma, já que ouvir o que pensam, o que
fazem e como fazem é de extrema importância, conforme apontam as pesquisas?
No contexto brasileiro, nos últimos vinte anos mais ou menos, as políticas
educacionais centraram esforços nas questões da escola e da formação do professor,
em meio a um cenário em que transformar era necessário, e viraram a varinha mágica
para se resolverem os problemas da educação, considerando que o professor está mal
formado.
A sensação que temos é a de que aderimos completamente a uma moda,
incorrendo em um equívoco político, ideológico, histórico e teórico, se considerarmos a
quantidade de estudos e pesquisas divulgados sobre a importância da reflexão na
profissão docente no país. Parece até que acreditamos que a formação do professor é
a escola quem faz, conforme determina o paradigma idealista, não levando em
consideração a nossa realidade, nossos contextos e personagens, mas sim divulgando
estudos, pesquisas e propostas para pessoas como forma concreta de transformação.
Um princípio completamente idealista, se pensarmos que a formação de professores e
o professor reflexivo resolvem os problemas educacionais.
39
Independentemente do paradigma, entendemos que os professores, nas
escolas, são reflexivos, pois a educação e, com ela, a escola e os professores são
personagens reais, pensantes, envolvidos em uma prática social, histórica, concreta e
diretamente associada a uma prática política, que transmite modelos, que forma e que
se forma ao mesmo tempo. Escola e professores que dependem diretamente uns dos
outros ou são diretamente afetados por forças políticas e sociais.
Dentro dessa linha de raciocínio, quais são as condições docentes de trabalho?
Quem são esses sujeitos? Quais condições que têm dentro da escola? Como ser
reflexivo com 40 horas semanais de trabalho? O que pensam sobre a importância da
leitura e da escrita, sobre os seus registros, sobre suas reais condições de trabalho?
Certamente, esses questionamentos não foram levados em consideração na
teoria proposta por Schon (1992), divulgada por muitos e, consequentemente, mal
compreendida por outros.
Será que estamos problematizando os conceitos realmente importantes em
nosso cenário educacional? As políticas para a formação docente, ao assumirem a
meta de transformar a realidade a partir da reflexão – como se os professores não
fossem reflexivos – promulgam a falsa ilusão de que os professores não sabem nada,
ou fazem tudo errado, desqualificando suas práticas, não valorizando sua história de
vida e de profissão.
Dessa forma, entender a cultura escolar
11
, seus personagens, relações e
conflitos se faz necessário nesse momento, pois não podemos pensar em transformar o
cenário educacional e, com ele, o professor e suas práticas sem antes localizá-los
historicamente, levando em consideração que estes são os principais envolvidos nesse
processo.
Se voltarmos a Marx, encontraremos uma categoria fundamental chamada
trabalho como princípio educativo que, neste momento, nos obriga a fazer uma análise
mais detalhada dos mais variados elementos que envolvem a prática educativa.
11
Entendemos cultura escolar nas palavras de Dominique (2001, p.10) como o conjunto de normas que
definem conhecimentos a ensinar e condutas a inculcar, e um conjunto de práticas que permitem a
transmissão desses conhecimentos e a incorporação desses comportamentos, normas e práticas
coordenadas a finalidades que podem variar segundo épocas.
40
Certamente Marx não formulou uma teoria, com princípios metodológicos e
diretrizes, para a educação. Sua preocupação era o estudo das relações sócio-
econômicas e políticas e seu desenvolvimento no processo histórico.
Mas então, qual a sua importância para a educação?
A compreensão vem a partir da concepção de que a educação está intimamente
relacionada com a perspectiva sócio-econômica. Para ele, a humanização da
sociedade e pela sociedade se dá através do trabalho. Por isso, o ser humano, portanto
biológico e social, está sempre em movimento, em processo de transformação, e tem
o seu lugar num dado momento histórico.
O que isso tem a ver com a educação?
Para compreender essa perspectiva educação/trabalho, partimos do princípio de
que o homem produz a sua existência baseada no trabalho, isto é, em um processo
produtivo e reprodutivo dentro da sociedade.
A história da educação brasileira tem sido marcada fortemente pelas reformas
educacionais, pelos inúmeros debates pedagógicos e apolíticos, pela idéia de uma
escola universal para todos, materializada nas intenções de quem as idealizou, que,
acima de tudo, neste início de século, está desacreditada, o que percebemos é um
grande esforço para recuperar o seu prestígio através dos discursos de melhoraria de
sua qualidade e, com isso, fortalecer os debates sobre a formação de professores e
sobre a prática pedagógica.
Essa escola, histórica e erroneamente concebida com base na idéia de que o
país é grande, e de que nele podem conviver como iguais ricos, pobres, industriais,
industriários, foi construída a partir de duas perspectivas: a primeira voltada para uma
formação técnica, marcada pela instrumentação necessária para o exercício de uma
dada profissão, e outra, mais intelectual, que trabalha com o conhecimento de
excelência. Nesse contexto de duplas intenções, promove-se a falsa idéia de que há
oportunidades para todos, bastando o esforço de cada um para atingi-lo. Por outro
lado, também, possibilitando o acesso de uma grande parcela da população à escola,
não se discutindo que tipo de ensino nela é oferecido.
41
Como resultado dessa interpretação histórica do processo educacional
12
, faz-se
a separação do trabalho braçal e intelectual e, com isso, indiretamente:
(...) esvazia-se o trabalho intelectual de seu conteúdo duro, disciplinado,
muscular e nervoso. O estudo perde o sentido de trabalho e a disciplina externa é
considerada negativa. Aula e estudo não são propriamente trabalhos; estudar
não é jornada de trabalho, é antes um não-trabalho. Assim, ter um emprego de
dia e estudar à noite não representa propriamente uma dupla jornada de
trabalho, quando, na verdade, o estudo sério para quem está empregado é um
segundo trabalho ainda mais duro: com isso, no momento em que o mundo do
trabalho entra na escola, o rigor científico se afasta dela (NOSELLA, 1998, p.52).
Nesse sentido, também se constrói a idéia de que estudar não demanda esforço,
busca-se a titulação sem esforço, uma formação de faz-de-conta, segundo a qual um
ensina e um outro paga, mas não aprende. Implementa-se, assim, o mercado de
títulos, o que configura a escola como um lugar de relações mais amenas, íntimas,
familiares, uma extensão da casa, desfigurando de vez a função de escola como lugar
de construção de conhecimento.
Onde fica a relação ensino-aprendizagem? O conhecer, o explicar, o
compartilhar, o construir, o avaliar, nesse processo?
Como o aluno terá condições de concorrer aos caminhos da Universidade?
Aquela tida por excelência e não aquela que oferece titulação e falso compromisso de
acesso ao mercado de trabalho por meio do seu discurso de formação por
competências.
Perguntamos, então, o trabalho como princípio educativo forma ou deforma os
professores? Será que estes são vilões ou vítimas de um processo que, por um lado,
valoriza a cultura escolar e, por outro, a obtenção de títulos e não uma formação que
faz sentido na prática?
Ao desfigurar a lógica do trabalho intelectual, a primeira vítima desse processo foi
o mestre, o professor. Este profissional do trabalho perdeu a referência precisa
do que exatamente deve saber, de como deve ensinar e avaliar. Assim, perdeu a
essência de sua identidade profissional. O populismo confundiu mestre-escola
com um vago assistente social; confundiu a escola com melancólicos cursos
noturnos que distribuem diplomas; confundiu alfabetização orgânica com abstrata
iniciação técnica no uso do alfabeto (NOSELLA, 1998, p. 61).
12
Não separando o social, o político e o econômico.
42
O questionamento que fazemos é se seremos capazes de compreender a escola
dentro de todo o complexo emaranhado chamado sociedade, trazendo para a
atualidade uma construção teórica pensada entre o universal e o particular, entre
sujeitos e objetos, entre teoria e prática.
O autor acima, ao buscar em Gramsci (1975) uma outra interpretação, salienta a
importância da escola articulada com o trabalho, que centra a teoria social na idéia de
liberdade concreta, universal e historicamente construída na liberdade, gestada pelo
trabalho e universalizada pela luta política.
Assim, essa idéia de liberdade, resultante do amor a um processo de produção
viva, latente, de muito trabalho, de luta diária e até de sofrimento, tem muito a ver com
o ser professor, no sentido real do seu trabalho na escola com os alunos, com as
famílias, com a direção, e também com o contexto social em que vive. Um trabalho
que, ao mesmo tempo, se dá entre as diretrizes científicas, filosóficas e ferramentas
técnicas.
(...) o trabalho é a própria oficina-escola que forja o homem na prática produtiva,
projetando, se estendendo e concretizando vários outros tipos de escolas de
cultura, de política para melhor adaptar esse homem ao novo tipo de prática
produtiva necessária naquele momento histórico (NOSELLA, 1992, p. 127).
Portanto essa idéia de liberdade apresentada busca construir uma relação que
valoriza o professor como um trabalhador que se dedica todos os dias à escola, aos
seus alunos, dentro e fora dela, e que, acima de tudo, é um ser humano, com
aspirações, criatividade, afetividade, intelectualidade e concepções próprias
construídas ao longo da sua vida. Um professor que se faz e se re-faz todo dia, dentro
de um complexo cenário político, econômico, social e que constrói a escola que aí
está, a partir de uma cultura escolar marcada pelo real por meio das suas práticas,
também reais, como produto de um momento concreto e histórico.
Nesse processo de libertação da escola através do trabalho, é fundamental que
tenhamos a consciência de que é com esse mesmo trabalho que devemos recuperar o
sentido real da escola. É preciso dar significativa valorização ao fazer docente, num
processo que, ao mesmo tempo em que o distingue como particular e único, o
43
caracteriza e o identifica como um processo mais universal. É preciso compreender
o movimento histórico entre o universal e o particular que está implicitamente
relacionado à técnica e à ciência, entre a história e a filosofia. É necessário
compreender a formação do professor, as suas práticas, com base na história pensada
e refletida. Cada professor, ao tratar de sua prática docente, deve pensá-la a partir da
elaboração histórica de sua própria vivência e não a partir das teorias estabelecidas.
Nessa perspectiva histórica, este estudo não tem a intenção de criticar, mas, a
de defender a luta por uma escola integradora, procurando encontrar caminhos,
anunciar propostas, com base em sujeitos, contextos e problemas reais. Percebemos
que as estratégias que apregoam a reprodução de pensamentos com efeitos
apocalípticos, como o de que, para inovar é preciso somente refletir sobre a ação,
sobre a reflexão na ação, para, assim, estarmos ou entrarmos em consonância com
nossas próprias teorias, desqualificam ainda mais o professor e sua prática, não
levando em consideração os personagens e os contextos em que estão inseridos.
Essas estratégias reafirmam o que Arroyo (1999) aponta como um estilo próprio
das políticas oficiais para a educação no Brasil, ou seja, acreditar que:
a inovação só pode vir do alto, de fora das instituições escolares, feita e pensada
para elas e para seus profissionais, para que estes troquem por novos, como
trocam de camisa ou blusa, velhas fórmulas, currículos, processos e práticas (p.
134).
Na verdade, precisamos compreender que a implementação de mudanças
educacionais não acontece apenas pela aplicação de uma nova legislação ou de uma
fórmula mágica pronta para ser utilizada. É preciso que haja uma consonância entre
políticas públicas, especificidade e a história de cada uma das redes públicas a ser
levada em consideração no momento em que são definidas e implementadas
mudanças oficiais. Para que as mudanças não ocorram apenas de cima para baixo, é
necessário o comprometimento
13
dos professores e das comunidades com a
formulação das políticas públicas, discutindo, unindo esforços, para a implementação
de mudanças no sistema educacional.
13
Comprometimento entendido como um ato de estar no mundo; saber-se nele; ter consciência do
mundo em que se vive para agir; um sujeito histórico e concreto (FREIRE, 1987).
44
PARTE II
TRAJETÓRIA DE UMA HISTÓRIA:
VIDAS QUE SE ENTRELAÇAM
45
1
CONTEXTOS DA DOCÊNCIA
Feliz o pesquisador que se pode amparar em testemunhos vivos
e reconstituir comportamentos e sensibilidades de uma época!
O que se dá se o pesquisador for atento às tensões implícitas,
aos subentendidos, ao que foi só surgindo
e encoberto pelo medo...
(BOSI, E. O tempo vivo da memória: ensaios de psicologia social, 2003.)
Buscar o passado no presente através das memórias dos docentes representa
um esforço muito grande de atenção do pesquisador para com o conteúdo expresso
nos registros. Além da fundamentação teórica, metodologia, capacidade de reflexão e
análise, é preciso haver habilidade profissional e ética ao invadir a vida, a história do
outro, para poder conferir, assim, o rigor e o compromisso exigidos pela ciência.
Falar do processo de formação é resgatar a história dos próprios professores,
por meio da escrita dos memoriais, numa relação entre pesquisador e pesquisados,
assumindo-nos como sujeito e objeto num processo de autoria compartilhada. Estamos
falando de nós próprios, de nossa própria prática e de nossa própria teoria a partir da
elaboração da nossa realidade. Realidade esta apresentada neste estudo com base
nas experiências e construções vividas ao longo da história da Educação Infantil no
município de Birigui
14
, onde foi realizada a pesquisa.
14
A cidade de Birigui conta com aproximadamente 120 mil habitantes e se localiza na região noroeste
do Estado de são Paulo, a 490 km da cidade de Campinas-SP. É uma cidade basicamente industrial,
conhecida como a Capital Nacional do Calçado Infantil. Possui um grande número de escolas públicas
municipais, estaduais e particulares, incluindo 3 faculdades particulares com cursos voltados
predominantemente a Ciências da Computação, Administração de Empresas e Ciências Exatas e
Humanas.
46
A história aqui apresentada começa na década de 80, onde surgem as primeiras
Instituições de Educação Infantil no município. Época marcada por movimentos políticos
e econômicos na luta pela democratização no país e pelo combate às desigualdades
sociais, propiciando o movimento de democratização da educação pública, refletido na
Constituição Federal de 1988, que reconhece a educação em creches e pré-escolas
como um direito da criança e um dever do Estado.
No município de Birigui, começam a ser implantadas as primeiras Instituições de
Educação Infantil. No ano de 1982, o Departamento de Divisão Municipal de Educação
da Prefeitura Municipal firmou convênio com o Mobral, para, assim, criarem o
atendimento a crianças de 4 a 6 anos de idade. Foram abertas inicialmente 10 salas,
atendendo aproximadamente 300 crianças. Em 1987, é inaugurada a primeira creche
municipal atendendo crianças de 0 a 6 anos de idade e administrada pelo
Departamento de Assistência Social do Município.
Diante do perfil econômico e industrial da cidade e das condições limitantes das
famílias operárias, de baixa renda, há uma acelerada procura por vagas, demandando
a necessidade da implantação da pré-escola no município. O poder público, através
da Lei municipal 2326, em 1985, oficializa o funcionamento de novas escolas de
Educação Infantil (pré-escolas) que funcionam em prédios municipais, casas alugadas
e outros prédios cedidos por entidades de bairros, distribuídas nos diversos bairros da
cidade e sob a coordenação da Divisão Municipal de Educação
15
. Esta Lei, na verdade,
cria a Escola Municipal de Educação Infantil, cujas classes são instaladas em parques
infantis, em locais de comprovada densidade populacional na faixa etária de 4 a 6 anos
de idade.
Começam a se configurar no município dois cenários: um, que atende crianças
de 4 a 6 anos, funcionando em espaços ociosos e disponíveis na comunidade, com
profissionais com formação específica no magistério, atuando em precárias condições
de trabalho, e um outro, que atende crianças de 0 a 6 anos, em prédios construídos
especificamente para atender crianças nessa idade com materiais e equipamentos,
porém com pessoal sem a formação específica.
15
Departamento de Divisão Municipal de Educação compreendia somente a Educação Infantil na época.
Com a reestruturação, passou a se chamar Secretaria Municipal de Educação e Cultura e compreende a
Educação Infantil na creche e pré-escola, o Ensino Fundamental e ainda Educação de Jovens e Adultos.
47
A cada ano, cresce a demanda por vagas, crescendo também o número de
Instituições em creches e pré-escolas. Professoras de Educação Infantil são
contratadas para trabalhar com crianças de 4
a 6 anos nas salas de pré-escola que
estão dentro das creches municipais. Dessa forma, é criado dentro de cada Creche
uma EMEI, que representa uma unidade escolar
16
, com um nome, sendo administrada
por uma diretora e uma outra coordenadora, que não as da creche, uma vez que uma é
independente da outra. Nessas unidades, há uma sala de aula que funciona no período
da manhã com as crianças de 6 anos e no período da tarde, com as crianças de 5 anos
matriculadas na creche. Em cada período há uma professora para trabalhar com as
crianças e que recebe orientações pedagógicas da coordenadora pedagógica da EMEI.
No período inverso ao da sala de aula, as crianças ficam com uma babá que trabalha
atividades de caráter recreativo, lúdico. Esta babá, é orientada pela Auxiliar de
Desenvolvimento Infantil (ADI) e também pela coordenadora que trabalham na
creche
17
. Dois cenários dentro de um só, que ano a ano, vão delimitando seus espaços
e razões de existir.
A contratação dos professores, até então, foi realizada através de exame de
seleção, organizado pela própria Prefeitura. Apenas em 1989, os professores prestam
concurso público para se efetivarem, no cargo de professores de pré-escola.
A década de 90 traz consigo grandes transformações. Em 1990 com o Estatuto
da Criança e do Adolescente, ratifica-se o dever do Estado em assegurar o atendimento
em creches e pré-escolas a crianças de 0 a 6 anos. Em 1993, foi implementado o
regime estatutário para o funcionalismo público municipal e, com ele, a aprovação do
estatuto para o magistério em 1994 que começa a reorganizar a categoria com uma
proposta de vencimentos e salários. Uma grande conquista dos professores que
passam a ter um aumento de salário e a trabalhar por uma jornada semanal
remunerada de 30 horas divididas em: 20 horas em atividades com alunos; 2 horas
de trabalho pedagógico em HTPC e 8 horas de trabalho pedagógico em local de livre
escolha.
16
Consultar Anexo III – Unidades Escolares e Funcionamento
17
Consultar Anexo IV - organograma da Secretaria Municipal de Educação
48
Em 1996 com a LDB, fica determinado que todas as instituições de Educação
Infantil estejam inseridas no Sistema de Ensino e ainda aponta a sua importância ao
defini-la como a primeira etapa da Educação Básica e um direito de toda criança de 0 a
6 anos, embora não tenha colocado como ensino obrigatório, como no caso das
crianças a partir dos 7 anos no Ensino Fundamental.
No que compreende as mudanças no cenário político e educacional no
município, nos anos de 1993 a 2001, destacamos, que foram anos decisivos para a
estruturação da carreira docente. Vivenciamos as inseguranças com as transformações
pós LDB; promulgação do Estatuto com o Plano de Carreira, de Vencimentos e salários
do Magistério Publico Municipal
18
, determinando todo um plano de reestruturação e
reorganização da carreira docente, onde a partir de então, os professores da Educação
Infantil passam a trabalhar por 32 horas divididas em: 25 horas em atividades com
alunos, 2 horas de trabalho pedagógico coletivo em HTPC, 2 horas destinadas ao
atendimento a pais na escola e 3 horas de trabalho pedagógico em local de livre
escolha.
A rede municipal que atendia somente crianças de 0 a 6 anos em creches e pré-
escolas, a partir do ano de 1999, ampliou o seu atendimento para as primeiras séries
do Ensino Fundamental, com o processo de municipalização das Escolas Estaduais
19
.
Nesse processo de ampliação do atendimento, há também o fator econômico que é de
suma importância, pois os recursos financeiros, antes destinados à Educação Infantil,
agora são divididos entre o Ensino Fundamental e a Educação Infantil em creches e
pré-escolas. Através do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino
Fundamental e de Valorização do Magistério (FUNDEF) que foi criado pela Emenda
Constitucional nº 14, de setembro de 1996 e regulamentada pela Lei 9.424, de 24 de
dezembro de 1996 e pelo Decreto nº 2.264, de junho de 1997, alterou a Constituição
Federal e determinou , a partir de 1997, a obrigatoriedade da aplicação de 25% dos
recursos resultantes da receita de impostos e transferências na educação, sendo que
18
Lei complementar no. 3 de 17 de julho de 2001, que dispõe sobre o Estatuto, Plano de Carreira,
vencimentos e salários do Magistério Público do Município de Birigui. Esta Lei abrange os profissionais
que exercem atividades de docência e os especialistas de educação, que oferecem suporte pedagógico
direto a tais atividades, aos quais cabem as atribuições de ministrar, planejar, inspecionar, supervisionar,
orientar e administrar a Educação Básica, a Educação de Jovens e Adultos e Educação Especial.
49
não menos de 60% deverão ser destinados ao Ensino Fundamental. Sua implantação,
em nível nacional, ocorreu a partir de 1º de janeiro de 1998 FUNDEF.
No município, foi um período de muita insegurança e incertezas para os
professores da Educação Infantil, pois a partir desse momento, os recursos financeiros
antes destinados à manutenção da Educação Infantil, estariam agora priorizando o
Ensino Fundamental. Período também de continuidades e descontinuidades nas
mudanças de governo municipal com perdas salariais, greves, desencontros,
insatisfações e medos.
Com a implementação do Ensino Fundamental no município, a crescente
demanda por vagas na Educação Infantil e os poucos recursos destinados a esta
primeira etapa da Educação Básica, as novas escolas de Educação Infantil começam a
funcionar dentro das escolas de Ensino Fundamental, no mesmo sistema das Creches
Municipais
20
.
A grande procura por vagas na Educação Infantil, resultante do oferecimento de
novas oportunidades de trabalho no mercado industrial interno e, ainda faz com que,
diariamente, a cidade receba famílias advindas das mais diferentes localidades do
Brasil. Com isso, faz-se necessário expandir o número de vagas e, consequentemente,
de salas de aula na Educação Infantil.
Até o ano 2000, as professoras da Educação Infantil recebiam orientação de
uma coordenadora pedagógica e sua atuação limitava-se apenas na coordenação dos
HTPCs e das Reuniões Pedagógicas, pois não havia condições de uma só
coordenadora acompanhar o desenvolvimento pedagógico nas 20 escolas espalhadas
pela cidade. Assim, diante dessa realidade, no ano de 2001, a rede municipal de
Educação Infantil é divida em 3 setores, passando a partir de então, a contar com 3
coordenadoras pedagógicas
21
para trabalhar junto aos professores nas escolas,
permanecendo com apenas uma diretora.
19
Criação do Ensino Fundamental no município através da Lei 3524 de 20 de novembro de 1997 e
institui a municipalização das Escolas Estaduais.
20
A Unidade de Educação Infantil funciona na EMEF com uma outra direção e coordenação, que não a
da EMEF onde ela está instalada.
21
A indicação do coordenador pedagógico é feita pelo Diretor, com referendo dos docentes e nomeação
pelo Chefe do Poder Executivo. A escolha do coordenador pedagógico é feita entre os pares da
Unidade escolar (Escola Municipal de Educação Infantil), conforme consta no artigo 7
o
. e parágrafo único
da Lei complementar 3 de 17 de julho de 2001.
50
Dessa forma, no ano de 2003, a rede municipal de Educação Infantil contava
com 108 salas de aulas, distribuídas em 23 parques
22
, sendo que 21 salas funcionando
em 7 Creches Municipais, 4 salas funcionando em 2 Instituições Filantrópicas, 38 salas
dentro de Escolas Municipais de Ensino Fundamental (EMEF), 12 salas em Centros
Comunitários e as demais em casas alugadas distribuídas pela cidade, atendendo um
total de 2451 crianças em diferentes níveis sócio-econômico e cultural.
Com a expansão da rede, uma série de dificuldades vai se instalando e gerando
problemas no gerenciamento de tantas unidades escolares: 1) a distância da diretora
da Educação Infantil que não atua diretamente na escola, mas sim num prédio central
onde todo o serviço é centralizado
23
; 2) divergências na administração de conflitos entre
a equipe pedagógica/administrativa da Educação Infantil e a outra Instituição onde a
mesma está instalada, já que tanto as creches quanto as EMEFs contam com
estruturas pedagógico-administrativa independente; 3) coordenadoras pedagógicas em
número de 03 que se organizam em setores, cada uma com aproximadamente 35
professores e que também não estão no dia-a-dia da sala de aula, mas sim em
períodos freqüentes; 4) Professores que trabalham sozinhos na escola (sem o
coordenador e o diretor) e, portanto, assumem toda a responsabilidade da atuação
escolar; 5) estrutura física das escolas que não atende às necessidades de
desenvolvimento infantil e de prestação dos serviços educacionais.
Estes problemas pessoais, organizacionais e operacionais dão início, no ano de
2004, a um processo que dá autonomia pedagógico-administrativa as EMEFs de
estarem administrando as EMEIs que se encontram dentro das escolas de Ensino
Fundamental. Nessa nova configuração, os professores da Educação Infantil com sede
nos Parques que funcionam dentro das Escolas de Ensino Fundamental, estão sob as
orientações e sob a coordenação da equipe pedagógico / administrativa da EMEF. Esse
processo, ainda está em fase de experimentação e, foi uma alternativa de se tentar
equacionar as dificuldades .
22
Consultar Anexo III – Unidades escolares e funcionamento
23
Neste prédio, funciona toda a parte administrativa e pedagógica das escolas de Educação Infantil
Municipal (reuniões entre diretora e coordenadoras no planejamento e orientação dos trabalhos,
orientações individuais a professores, etc.).
51
Como podemos observar, a composição desse cenário é bastante complexa e,
ainda mais para a Educação Infantil em se tratando de estrutura física, administrativa e
pedagógica.
Na tentativa de encontrar caminhos, a equipe pedagógica
24
organizou desde o
ano de 2002, uma proposta de formação, distribuída em diversos espaços formativos:
HTPC semanal; horário de atendimento individual aos professores (realizado no horário
destinado a atendimento a pais); reuniões pedagógicas bimestrais e observação in loco.
Espaços onde o professor e o coordenador desenvolvem estudos sobre a sua prática e
a sua formação. Com esta proposta de formação, com os estudos realizados nos
grupos e as contradições vividas e observadas na prática, surgem os questionamentos
que dão origem a este projeto. Questões que devem considerar o processo histórico da
Educação Infantil Municipal, nas suas mais diferentes fases, marcada pela
continuidade e descontinuidade de processos políticos que a cada 4 anos se vê diante
de mudanças de governo e de administração pública e, de Leis que direcionam a vida
e a carreira docente, construindo e re-construindo cenários.
Ainda no ano de 2002, o Poder Executivo Municipal estabeleceu um
convênio entre a Universidade Estadual Paulista “Julio de Mesquita Filho” (UNESP) de
Marília-Sp e a Prefeitura Municipal de Birigui, a fim de juntos, promoverem a formação
de professores e demais especialistas da educação
25
que não tinham a habilitação
exigida no parágrafo 4
o
. do artigo 87 das disposições transitórias da Lei 9394/96. Para
ingressar no curso de Pedagogia Cidadã
26
, os professores tiveram que fazer uma prova
organizada pela UNESP de Marília-SP, pois assim, os aprovados, estariam aptos a
participarem do programa de formação em nível superior.
Quanto aos espaços de formação continuada na rede, são distribuídos em:
estudos de HTPC, (um tempo previsto na jornada de trabalho); 30 horas de estudos
previstos em calendário escolar que normalmente ocorre em julho antes das férias
24
Três coordenadoras pedagógicas e uma diretora da Educação Infantil que coordenam e administram
as 23 escolas no município.
25
Coordenadoras e Auxiliares de Desenvolvimento Infantil que atuam nas Creches Municipais, hoje
chamadas de Centro de Educação Infantil (CEI).
26
O Projeto Pedagogia Cidadã é uma proposta institucional, elaborada a partir de solicitação da Pró-
Reitoria de Graduação da Unesp, e refere-se ao desenvolvimento de curso de formação em nível
superior para professores em exercício na Educação Infantil e nas primeiras séries do Ensino
Fundamental, ligados, preferencialmente, às redes públicas de ensino municipal.
52
escolares chamado de Jornada da Educação. Este espaço é um momento de
divulgação de novas idéias, aspectos importantes do trabalho distribuídos em oficinas e
palestras e que posteriormente são analisados (em HTPC) sobre suas possibilidades,
necessidades e importância para a prática escolar. Contamos ainda com os PCN em
Ação que são desenvolvidos nos espaços de estudos do HTPC, também em blocos de
30 horas.
Todos estes espaços de formação, além de priorizarem a construção de
conhecimento sobre a prática pedagógica e sobre a profissão docente, se constituem
em incentivo salarial
27
para os professores que deles participam. São valorizados
também, no Plano de Carreira, aqueles professores que buscam atualização ou cursos
de aperfeiçoamento externos à Instituição.
Quanto aos títulos, vale ressaltar que, para a progressão funcional são
considerados: certificados de graduação em nível superior; especialização lato sensu;
título de mestre e doutor; certificados de cursos de aperfeiçoamento e/ou
especialização, na área de educação, com duração mínima de 180 horas e cursos de
extensão cultural, na área de educação, com duração mínima de 30 horas.
Podemos observar neste percurso de constituição da Educação Infantil no
município de Birigui, a grande influência das políticas públicas direcionadas à
educação, que também são frutos dos processos de industrialização, urbanização,
inserção da mulher no trabalho e dos movimentos sociais.
Por outro lado, observamos uma maior organização da profissionalização
docente, com a valorização e reestruturação da carreira do magistério num processo
que busca a partir da reorganização da carreira estimular investimentos pessoais.
Certamente, observamos os avanços legais apontando na direção de uma
escola de Educação Infantil de qualidade, porém, não podemos negar que há uma
indefinição, de competências, de recursos e prioridades na construção de uma Política
Nacional de Educação Infantil (KISHIMOTO, 2000).
27
Previsto no Capítulo X, artigo 41, parágrafo III que dispõem sobre a Progressão funcional, no Estatuto,
Plano de Carreira, Vencimentos e Salários do Magistério Público do Município de Birigui. Progressão
esta considerada como um conjunto de possibilidades disponibilizadas aos integrantes do Magistério
Público Municipal, que asseguram sua valorização profissional mediante a avaliação de indicadores de
assiduidade, atualização e desempenho.
53
O ano de 2005 traz consigo mais um dado importante de se considerar na
composição do cenário de constituição da Educação Infantil diante das políticas
públicas destinadas à educação. Trata-se da Lei 1114/2005 que torna obrigatória a
matrícula das crianças a partir dos seis anos de idade no Ensino Fundamental, pela
alteração dos artigos 6
o
, 32 e 87 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
(Lei 9394/1996). Com isso, a Educação Infantil estabelecida no município e os
professores, passam por mais um momento de efervescência, de mudanças e
redimensionamento. Novamente a incerteza, a insegurança e o medo tomam conta da
profissão docente na Educação Infantil. Será o fim da Educação Infantil? O que faremos
agora? Para onde iremos com o fechamento das salas de pré-escola? Quais
motivações políticas fundamentam a tomada de decisão acerca da inserção de
crianças com seis anos no Ensino Fundamental? Estas dúvidas, de maneira geral,
tomam conta do dia-a-dia do professor ao se ver diante de mudanças tão bruscas que,
de alguma forma, interferem na sua carreira e na sua prática pedagógica. Prática
pedagógica que deve ser respeitada diante das especificidades e histórias construídas
na rede publica municipal e que nos levam a compreender a formação docente para
além das temáticas de professor e prática reflexiva.
Assim, entre a existência documentada, observada nos documentos legais que
compõem o cenário da profissão e da formação docente e a não documentada
observada na realidade do dia-a-dia das práticas de formação, vamos percebendo no
terreno educacional, o por que da realidade se apresentar da forma como ela realmente
é, no sentido de compreender a construção da prática pedagógica num contexto não
somente prático, técnico, pessoal, mas também, repleto de intencionalidades políticas.
Um espaço de trabalho político e técnico, repleto de intenções e representações que
ora nos propomos analisar, procurando compreender a história acumulada da
existência das Escolas Municipais de Educação Infantil no município onde se realiza a
pesquisa.
Esse movimento de integração das dimensões pessoais, políticas, sociais,
culturais, éticas do ser professor são muito importantes de serem considerados pois,
certamente, nos levam a perceber que conhecemos bem pouco dessa realidade.
54
Professor não é, certamente, apenas aquele que ensina em determinada área
específica, professor é também aquele que atua na instituição social, política e
cultural, que é a escola, participando (consciente ou inconscientemente, de
maneira competente ou não) das lutas políticas que se travam nela e por ela, e
das experiências sociais e culturais que se desenvolvem no contexto escolar -
lutas e experiências que ensinam tanto quanto (ou mais do quê?) as áreas
específicas em que ensinam (SOARES, 2002, p.92)
A compreensão caminha no sentido de conhecer que:
(...) nas escolas, a atuação dos professores não se restringe apenas ao ensino.
Eles são também sujeitos das lutas sociais por melhores condições de vida, isto
é, sujeitos que acabam por construir uma identidade coletiva reconhecida tanto
localmente como externamente, por intermédio daqueles que, de uma forma ou
de outra, conhecem o trabalho que desenvolvem. Uma identidade, portanto, não
como consenso, mas como lugar de muitos conflitos, de reivindicações que lhes
permitem construir o “ser e estar” na sociedade (CAMARGO, 2000, p. 221).
Nesta perspectiva, é importante que consideremos no processo de formação
docente, as diversas dimensões que compõem o ser professor, de forma que este
perceba a ação educativa escolar na sua totalidade. Totalidade que considera as
experiências acumuladas em seu processo formador, que sofrem impactos culturais, ao
mesmo tempo em que apresentam uma imensa capacidade de criar e recuperar idéias
e modos de vida (CAMARGO, 2000 ).
Não podemos, portanto, perder de vista a memória cultural individual e coletiva
(gestos, posturas, hábitos e silêncio) do ser professor, da profissão docente, a fim de
percebermos nas práticas atuais, referenciais do passado, sentimentos de
continuidade, preservação no sentido histórico, social e cultural.
Ao considerarmos a formação docente como processo continuo, devemos
também ter em mente que as transformações que tanto almejamos, não vão acontecer
de um momento para outro. Desfazer as heranças do passado, é um processo longo e
lento se nos atentarmos que a profissão de professor primário até a bem pouco tempo,
foi pensada como uma vocação, religiosa e leiga.
Seria necessário também entender como esta figura subalterna
progressivamente tornou-se autônoma e definida nas competências de uma
profissão muito diferente daquela do professor secundário. O professor primário
não ministra um curso magistral, mas seu papel é fazer as crianças trabalhar,
circular entre as carteiras para verificar como se desenvolvem as atividades de
cada grupo (quando deve, por exemplo, dar aula em uma classe multiseriada),
55
mandar um aluno para a lousa para a correção, constantemente dar conselhos
ou ordens a fim de administrar a sucessão de exercícios (DOMINIQUE, 2001,
p.32).
Retomar as memórias da própria história da formação docente, nos faz ver a
diversidade de concepções diante de um mesmo objeto como uma alternativa válida e
promissora (CAMARGO, 2000).
Nesta perspectiva, compreendemos a importância de conhecermos as origens
do processo, para assim, organizarmos uma proposta de formação que, realmente,
considere as práticas culturais como ponto de partida no sentido de superar as
dificuldades e os entraves que nos são colocados no dia-a-dia das práticas escolares.
Uma ação prática de formação que trabalhe com os profissionais da educação de forma
consciente na transmissão de saberes e de saber fazer, não no sentido de persuadi-los
ou convencê-los, mas sim, de levá-los a analise crítica, mediante o uso da razão, da
reflexão para que adquiram condições próprias de desempenhar a profissão docente.
56
2
CONFIGURAÇÃO DO PROCESSO DE CONSTITUIÇÃO DO TRABALHO: O
CAMINHO DA PESQUISA
(...) uma história, ou mil histórias de vida jamais substituirão
um conceito ou uma teoria da História.
Depoimentos colhidos, por mais ricos que sejam,
não podem tomar lugar de uma teoria totalizante que elucide
um processo social, uma revolução política.
(...) o depoimento oral ou escrito necessita de esforço,
de sistematização e claras coordenadas interpretativas.
(BOSI, E. O tempo vivo da memória: ensaios de psicologia social, 2003)
É preciso ter clareza do complexo contexto histórico-cultural no qual as questões
desta pesquisa foram engendradas, é preciso conhecer as razões e os problemas
nacionais que as motivaram e que explicam o fato de os interlocutores agirem ou
serem como são.
Compreendemos que a busca de explicações verdadeiras para o que ocorre no
real não vai se dar através do estabelecimento de relações causais ou relações de
analogias, mas sim no desvelamento do real aparente para se chegar ao real concreto
(PÁDUA, 2000):
A ciência é ao mesmo tempo a revelação do mundo e a revelação do homem
como ser social, levando em conta o papel da cultura e do trabalho que, em
cada momento histórico, apresentam a possibilidade de expansão e aquisição de
conhecimentos, pretendendo ultrapassar o nível da “descrição” dos fenômenos
isolados, para chegar a sínteses explicativas; estas sínteses, por sua vez,
sugerem novas relações, novas buscas, novas sínteses, que realimentam o
processo do conhecimento (p. 22-3).
Esse conhecimento é imprescindível para a construção cultural de uma
sociedade, portanto, social e histórico, que pode nos guiar como ferramenta central
57
para intervir e transformar a realidade. Ao seu lado coloca-se a Educação escolar que
é o veículo que o transporta para ser produzido e reproduzido.
A escola, como representante da vontade estatal (Bourdieu, 1998), por meio de
um emaranhado de leis, resoluções, portarias e regulamentos burocráticos
estabelecidos no seu interior, tenta controlar os ritmos de aprendizagem, tempos, enfim
a organização do trabalho, transformando, muitas vezes, o educador em mero executor
de normas e exigências.
Nesse sentido, Ezpeleta & Rockwell (1989) assinalam:
A escola é, na teoria tradicional, uma instituição ou um aparelho do Estado.
Tanto na versão positivista (Durkheim) como nas versões críticas (Althusser,
Bourdieu), sua pertença ao Estado transforma-a automaticamente em
representante unívoca da vontade estatal. A escola tem uma história
documentada, geralmente escrita a partir do poder estatal, a qual destaca sua
existência homogênea. Coexiste, contudo, com esta história e existência
documentada, outra história e existência, não documentada, através da qual a
escola toma forma material, ganha vida. Nesta história, a determinação e
presença estatal se entrecruzam com as determinações e presença civis de
variadas características. A homogeneidade documentada decompõe-se em
múltiplas realidades cotidianas. Nesta história não documentada, nesta dimensão
cotidiana, os trabalhadores, os alunos e os pais se apropriam dos subsídios e
das prescrições estatais e constroem a escola (p.12-13).
Neste sentido, o presente trabalho constrói uma compreensão daquilo que
fazemos, partindo do contexto em que atuamos, das pessoas com as quais
trabalhamos, acreditando na dinâmica essencial do trabalho, este entendido como
atividade fundamental e transformadora, que se apropria das práticas sociais,
produzidas em uma realidade sóciocultural que, ano a ano, é produzida e reproduzida
às outras gerações.
Nas palavras de Ezpeleta e Rockwel (1989), as tramas constituem,
simultaneamente, o ponto de partida e o conteúdo real de novas alternativas tanto
pedagógicas quanto políticas. Conteúdo que buscamos desvendar em uma trama
histórica de existências documentadas e não documentadas que se entrecruzam num
processo de constituição da escola real, que aí está, cheia de conflitos, representações
e conquistas.
58
A partir desses pressupostos, qual o caminho metodológico a percorrer? Um
caminho que fale de sujeitos historicamente construídos a partir de uma dada realidade,
que integre, ao mesmo tempo, referencial teórico e dados empíricos, o particular e
universal, o objeto e o sujeito? Como identificar processos reais onde estão sendo
engendrados o trabalho político e técnico?
Diante desses questionamentos, percebemos o grande desafio que este estudo
nos propõe a fim de apreender o que é essencial, de conhecer a realidade educacional
(EZPELETA E ROCKWEL, 1989), trazendo uma perspectiva teórica pensada a partir de
uma dada realidade para uma formação que valorize a docência como uma atividade
intelectual, crítica e reflexiva.
Nessa perspectiva, a escolha metodológica da pesquisa centrou-se no método
histórico-dialético, como caminho para interpretar a realidade educacional aparente,
possibilitando, através do movimento de ida e de volta do pensamento, descobrir a
realidade histórica concreta, pensada e compreendida como processo formador em
seus mais diversos e contraditórios aspectos. Assim, nesse processo de construção
metodológica, pensa-se a realidade assim como ela é, dinâmica, complexa, aceitando
as contradições, as tensões sociais, culturais e políticas e se reconhece a escola com
um espaço repleto de produções de formas culturais, de conhecimento e de relações
humanas, como local de construção de conhecimento e, portanto, de formação dos
professores e, dentro dela, os HTPCs como o espaço privilegiado de reflexão coletiva
sobre a prática docente.
Nesse caminhar metodológico, optamos pela pesquisa em que os sujeitos
participam efetivamente junto à pesquisadora, por pretendermos entender a realidade
educacional com uma linguagem mais crítica (EZPELETA E ROCKWELL, 1989). Tal
metodologia permite estabelecer uma relação de cumplicidade, de amizade, de
autonomia, de confiança no cenário em que se encontram pesquisadora e pesquisados.
Essa relação de proximidade da pesquisadora como agente e não somente como
observadora favorece a troca de experiências, conhecimentos e elevação da
capacidade crítica entre as partes envolvidas, aproximando-os da realidade e da
concepção de que todos são portadores de conhecimentos e experiências.
59
Essa opção parte do princípio de que pesquisadora e pesquisados são sujeitos e
agentes de transformação, que desenvolvem a sua prática em uma realidade dinâmica,
complexa, em um permanente movimento dialético entre objetividade e subjetividade.
Parte-se de um conhecimento entendido como construção cultural de uma sociedade,
portanto social e histórico, imprescindível para a nossa existência e que nos guia
como ferramenta central para intervir na realidade.
Para dar voz aos personagens centrais desta pesquisa, optamos pela escrita
dos memoriais, num exercício de recuperação das histórias do grupo de professoras no
processo de formação docente, de reconstrução da história não documentada, assim
como escreveu Ezpeleta e Rockwel (1989), aquela que é viva e que dá sentido à
escola e à formação docente.
Essa proposta de trabalho com as memórias dos docentes era uma intenção de
trabalho antiga que buscamos recuperar nos encontros de HTPC, por acreditarmos
que, ao tratarmos do trabalho docente, podemos refletir, conhecer, repensar e construir
significados hoje, confrontados às experiências vividas no passado.
Dessa forma, valorizamos o professor como sujeito ativo na sua história e na
história da educação, promovida pelo movimento de refletir sobre a educação inscrita
no cotidiano da Educação Infantil municipal desde a sua concepção.
Essa análise parte dos questionamentos ligados à identidade profissional dos
professores da Educação Infantil no município da pesquisa: Quem é você, professor?
Quais saberes mobilizam seu trabalho em sala de aula? Quais teorias sustentam a sua
prática? Quais os níveis de relações entre a formação inicial e continuada e as práticas
pedagógicas? A partir dessas questões levantadas, pretendemos compreender o papel
da formação inicial e continuada; a identidade docente; o que os professores aprendem
no dia-a-dia do processo formador; e o papel da Universidade hoje, na tentativa de
encontrar elementos que contribuam para uma análise crítica da realidade educacional,
dos programas de formação docente.
60
Quando as memórias narram a história da formação.
Contar uma história sempre foi a arte de contá-la de novo,
e ela se perde quando as histórias não são mais conservadas.
Ela se perde porque ninguém mais fia ou tece enquanto ouve a história.
(BENJAMIM, W. O narrador, 1987)
A história é feita com o tempo, com a experiência do homem, com suas histórias,
com suas memórias. Contar uma história, fazendo com que esta seja preservada do
esquecimento e criando possibilidades para que possa ser contada novamente e de
outras formas, isso é peculiar dos professores que, por si mesmos, são historiadores,
produtores de histórias, produtores de memória.
Muito se fala em transformações, em mudanças na educação, porém sabemos
que a profissionalização do magistério, pela qual tanto lutamos, não acontecerá de uma
hora para outra, como num passe de mágica, ou ainda, com receitas prontas sugeridas
pelas tendências da moda. Precisamos é de investimentos na melhoria das condições
de trabalho e da formação profissional dos educadores em um processo de
transformação das idéias, da cultura escolar, das práticas cristalizadas, de
reconhecimento da sua identidade, das suas práticas e das suas possibilidades.
Atualmente nos deparamos com uma crescente difusão de referenciais teóricos
que apontam para utilização de memoriais, acompanhados de prática investigativa
como metodologia presente na maioria das dissertações, teses e pesquisas,
principalmente, na área de formação de professores. Relacionam memórias
educacionais às questões ligadas à história, à sociologia, à psicologia e têm nos
depoimentos orais ou nos registros escritos, um importante meio de recuperar
experiências vividas, aquisições intelectuais e a forma como isso influenciou a vida de
cada um.
61
Muitos desses estudos, conforme aponta Kenski (1995, p. 102-3), são baseados
em depoimentos orais:
de pessoas que viveram épocas, procurando recuperar memórias de
antigos mestres, ex-alunos, a fim de caracterizar relações sociais
existentes em uma determinada instituição como as experiências dos
Ginásios Vocacionais, Centros de Ciência, ou ainda as influencias
deixadas por experiências educativas;
voltados para as relações entre memória e ensino, onde a ênfase recai
sobre determinadas teorias de ensino e com elas experiências
diferenciadas de alfabetização, relações em sala de aula, estudos do
meio, experiências em laboratório, trabalhos interdisciplinares, etc.
sobre a pessoa do pesquisador, cujo resgate da memória mostrará a sua
trajetória pessoal, suas experiências, aquisições intelectuais e a forma
como influenciaram sua vida
de professores em exercício, relacionando suas vivências à sua própria
prática docente. Estes estudos, ainda incipientes no Brasil, se diferem dos
outros, pois partem do princípio de que a memória é algo (um movimento,
um processo, uma energia) existente na interioridade dos indivíduos, dos
grupos sociais e resultado das relações desses indivíduos com a cultura,
que orienta seus atos e suas escolhas no percurso de suas histórias de
vida.
Cunha (1998), em seus estudos sobre as narrativas como explicitadoras e
como produtoras de conhecimento, ressalta a importância das narrativas escritas, uma
vez que elas são mais disciplinadoras do discurso e, muitas vezes, devido à linguagem
escrita, liberam, com maior força, a compreensão de suas expressões.
Um obstáculo, entretanto, que se apresenta, é a dificuldade com a escrita, pois,
no dia-a-dia do processo de formação em serviço, o que mais ouvimos dos professores
ao serem chamados a registrar sua prática é que suas idéias somem quando pegam o
papel, que não têm tempo para registrar suas idéias, que é muito difícil escrever,
pensar e escrever, enfim não se sentem devidamente habilitados para isso.
Como então propor, nos estudos do grupo, que os mesmos registrem o seu
cotidiano de professor, suas memórias, lembranças e retomadas de passagens do
trabalho caídas no esquecimento se há tantas dificuldades e resistências quanto ao ato
de escrever? Como fazê-los viver um processo profundamente pedagógico, como
aponta Cunha (1998), por meio da escrita dos memoriais, que permita o desvendar de
elementos do seu próprio eu, da sua própria prática, se, até então, nunca haviam sido
estimulados a se expressar de forma organizada e sistemática?
62
Escrever sobre si, sobre a sua prática, sobre o seu dia-a-dia na escola é um
processo cultural pautado no medo de se revelar, de mostrar suas deficiências, de
competir, de medir, que, de certa forma, acaba no individualismo muito acentuado nos
dias de hoje. Além disso, as pessoas alegam que não têm tempo para parar, refletir e
escrever, pois estão sempre correndo, à procura de mais tempo. Por outro lado, essa
falta de tempo alimenta interesses outros estimulados pelo processo neoliberal de
produção sem reflexão, que impede que vejamos o mundo como ele realmente é. Um
processo que leva o sujeito a ações impensadas, tornando-se uma vítima fácil do
próprio sistema do mundo do trabalho, do capital.
O professor é tratado como se não tivera vida própria, como se não tivera corpo,
uma linguagem, uma história ou uma interioridade. Sua biografia pessoal foi
esquecida, assim como as diferentes maneiras com as quais expressa a si
mesmo através da linguagem, dos horizontes que percebe, as perspectivas com
as quais olha o mundo (GREENNE,
1995, p.84).
Dessa forma, compete à escola proporcionar aos professores em processo de
formação momentos em que possam, de fato, refletir sobre a sua própria ação. Uma
ação que compreende o diálogo entre a prática vivida na sua complexidade dentro e
fora da sala de aula e as construções teóricas formuladas nessa e sobre essas
vivências (CUNHA, 1998). Uma reflexão sobre a prática, que não fique sobre ela
mesma, que não tenha uma finalidade em si, mas que contextualize, que estabeleça
conexões entre o universal, o particular, o individual e que faça compreender o sujeito
na sua concretude diante das diferenças dos momentos históricos.
Definido o instrumento técnico-metodológico na coleta de dados, optamos pela
escrita dos memoriais e, como estes podem ser úteis no processo de formação
docente, partimos para a sua realização nos encontros de HTPC.
Iniciamos o trabalho com as memórias, assistindo ao Filme de André Klotzel:
Memórias Póstumas, uma adaptação do romance: Memórias Póstumas de Brás Cubas,
de Machado de Assis, um dos maiores clássicos da literatura brasileira que:
Após a sua morte em 1869, Brás Cubas disposto a se distrair um pouco na
eternidade, decide narrar suas memórias e revisitar os fatos marcantes de sua
vida. Os personagens criados por Machado de Assis entram e saem de cena
conforme os pensamentos de Brás Cubas. A ironia é uma das marcas da sua
63
obra e um narrador divertido que despeja suas observações críticas e certeiras
sobre a sociedade de maneira despreocupada e eloqüente. A estrutura do texto
tem uma lógica narrativa surpreendente e inovadora. A seqüência da obra não é
determinada pela cronologia dos fatos, mas pelo encadeamento de reflexões do
personagem. Uma lembrança puxa a outra e o narrador Brás Cubas, que
prometera contar determinada história, comenta todos os outros fatos que a
envolve, para retomar o tema anunciado muitos capítulos depois. A aparente falta
de coerência da narrativa, permeada por longas digressões, dissimula uma forte
coerência interna, oferecendo ao leitor todas as informações para conhecer a
visão de mundo de um homem que passou pela vida sem realização nenhuma,
apenas ao sabor de seus desejos (LUSA FILMES, 2001).
No encontro da semana seguinte, retomamos a idéia central do filme (resgate
das memórias), procurando traçar um paralelo entre ontem e hoje, permanências e
mudanças. Também foram apresentadas imagens da vida de Carlos Drummond de
Andrade, assim, reunimos as histórias desses personagens com as histórias vividas
pelas professoras do grupo, num movimento de ida e de volta entre o passado e o
presente.
Como Brás Cubas, no filme Memórias Póstumas, em pleno ano de 2005, as
professoras da Escola Municipal de Educação Infantil de Birigui escrevem suas
histórias, re-visitando os fatos mais marcantes de suas práticas que constituíram a sua
profissão, a sua vida.
Procuramos desvelar como nos tornamos professoras, o início da carreira, as
experiências e sensações vividas, as dificuldades, as conquistas e aprendizagens,
procurando trazer para o presente momentos significativos que marcaram a nossa vida
e a nossa prática: início da carreira; o nosso primeiro dia de aula; a nossa primeira
escola; motivações pessoais e profissionais; a equipe e o pedagógico; autonomias e
modelos etc. A princípio estavam tímidas, meio caladas, chegando até a dizer que falar
de memórias era um assunto fúnebre, chato, porém, ao se perceberem parte de uma
história coletiva, os acontecimentos do passado começaram a fluir como se o tempo
deixasse de existir, como se as lembranças brotassem de forma viva.
Na medida em que o encontro foi se desenvolvendo, os professores
recordavam-se das suas histórias, das características e dos sentidos dados por cada
um às suas experiências, revelando inúmeras vivências que afloravam de forma
bastante latente em cada um dos personagens, fazendo com que enxergassem o
64
passado com os olhos do presente, por meio de um olhar agora mais crítico e, assim,
diante da sua história, conhecendo melhor a história que os fez.
Esse primeiro momento foi muito significativo, pois, a partir dele, começamos a
perceber como a identidade de cada uma foi configurada, como o eu e o nós foram
constituídos na história da Educação Infantil Municipal, o porquê das coisas que
fazemos, o que nos era exigido no passado enquanto prática pedagógica e que hoje,
ao fazermos, somos repreendidas, nossas relações com colegas de profissão, nossa
relação com a administração da escola. Passamos a nos compreender diante da
história da educação, a identificar pontos ou práticas que temos em comum, que
permanecem através dos tempos e outras que já não fazemos mais, que deixamos para
trás, inscritas na história da Educação Infantil.
Nesse sentido, Catani (2000) aponta que:
Falar de si serve a uma função mais importante na medida que muitas questões
podem ser rearticuladas, incidentes antigos podem ser retomados e reavaliados,
detectando-se outras razões que também possam explicá-los. O falar de si pode
restaurar o sentimento de domínio de sua própria vida, da mesma forma que
pode recuperar a integralidade de sua personalidade. Para começar a construir
sua história, as professoras têm necessidade de um catalisador que as ajude
nessa tarefa. A história de vida permite um olhar sob outra perspectiva, além de
contextualizar o momento presente, dando um sentido novo ao caminho já
percorrido pelas professoras (p.40).
Todas as experiências da profissão, discutidas no grupo, ajudaram a compor a
primeira parte do memorial que foi construído através das lembranças resgatadas e
socializadas no grupo e, por fim, cristalizadas através da palavra escrita, pensada, que
recupera o passado, agora vivido e também pensado.
Escrever é só começar!
Quando? Como? Quem?
Medo, olhares que procuram
outros aflitos como os meus.
Começar? Quem?
Por que a fala acontece naturalmente
quando falamos de nós, da nossa
história vivida e de tudo aquilo que
de uma forma ou de outra marcou
a nossa vida, a nossa formação?
E a escrita, por que assusta tanto?
Começar, quando?
Quem vai querer dar o primeiro passo?
65
Quem é que vai fazer dos erros, acertos?
Das falas, fatos? Dos atos, retratos?
Retratos de histórias vividas em palavras pensadas e registradas?
Quem? Quem vai querer dar o primeiro passo?
(VIDAS NO PAPEL, 2005)
28
O segundo encontro, foi iniciado com a leitura do texto Vidas no Papel
29
, a fim
de abordarmos o porquê de tanto medo da escrita, medo de colocar no papel a nossa
história. Um texto que divertiu, que questionou, que procurou levantar questões e que,
ao mesmo tempo, deu início às discussões da nossa segunda parte na elaboração da
escrita dos memoriais sobre a profissão docente, mais propriamente a formação no
Ensino Superior.
O nosso objeto de estudo e de discussão agora era a formação no Ensino
Superior, as aprendizagens por nós conquistadas, a relação teoria e prática
desenvolvida em seu processo de formação e o porquê da Pedagogia, já que todas as
professoras têm essa formação. Ao centro, em uma mesa, estavam certificados de
cursos de Pedagogia, livros, fotos da colação de grau e de momentos vividos enquanto
alunas no curso de graduação, trazidas pelo grupo como elementos detonadores, que
fizeram emergir as lembranças da formação no Ensino Superior.
As lembranças da formação em Pedagogia, vividas no passado e trazidas para a
compreensão no presente, possibilitaram alguns encadeamentos de discussões
referentes à docência em um espaço essencialmente feminino, no qual pudemos
observar o entrecruzamento de valores, práticas e comportamentos pertencentes ao
universo feminino; a questão de classe social como fator determinante para o ingresso
na docência e a descoberta de que somos produtos de um tempo e de um espaço,
principalmente no que se refere às determinações legais ou implementações políticas
que são impostas de cima para baixo, determinando os rumos da educação, da escola
e da formação docente.
Assim como nos outros momentos, no terceiro e último encontro da construção
das memórias da formação docente, iniciamos o debate procurando trazer à tona as
práticas pedagógicas desenvolvidas hoje na Instituição, os espaços destinados à
28
VIDAS NO PAPEL, 2005 texto produzido pela autora e socializado com o grupo no segundo encontro.
66
formação em serviço e a relação teoria e prática desenvolvida nesse processo de
formação continuada em serviço. Para tanto, utilizamos como recursos
desencadeadores os registros dos projetos desenvolvidos na rede, fotos que marcaram
acontecimentos importantes, diários do professor, certificados de cursos de extensão
cultural, registros da coordenadora com a atuação e fatos marcantes da prática
pedagógica etc. Nesse encontro, além de percebermos a importância dos estudos
promovidos nos diferentes espaços de formação desenvolvidos hoje na rede,
percebemos que as idéias sobre as concepções de práticas docentes não se formam a
partir do momento em que entramos em contato com as teorias pedagógicas, mas sim
do momento que essas teorias são trazidas ou construídas nos contextos históricos
individuais de cada uma de nós. É importante ressaltar que, ao falarmos na relação
teoria, nem sempre o seu entendimento acontece de forma linear, uma vez que a
compreensão das relações teoria e prática envolve todo um discurso pedagógico,
dando origem aos mal-entendidos que marcam a atuação docente. Observa-se,
também, no contexto da cultura escolar o fato da supervalorização da teoria em
relação à prática, tratando a teoria como produto a ser consumido e o professor e sua
prática como consumidores desse produto.
Essa busca por tornar visível, por trazer para o presente os processos vividos, a
representação da profissão, através das memórias dos docentes, não significa apenas
o ato de contar à pesquisadora sua história ou as histórias vividas pelos professores do
município da pesquisa, através de suas lembranças e, com elas, as origens de sua
forma de atuação. Na verdade, trata-se de uma pesquisa que se utiliza das memórias
das práticas docentes, e vai muito além de conhecer o individual de cada professor em
seu processo formador. Buscamos encontrar, na memória coletiva de um determinado
grupo de professores da Educação Infantil, em uma determinada cidade do interior do
Estado de São Paulo, pontos comuns, especificidades das práticas do grupo,
qualidades, pontos que mereçam maior atenção, tendo em vista a melhoria da
qualidade do ensino.
29
Este texto foi produzido diante da recusa de algumas professoras em estar registrando sua história.
Percebemos o medo diante de revelar-se, de deixar impresso marcas que de alguma forma, falam de
pessoas, de fatos, de sentimentos vividos e que marcaram a vida.
67
Portanto o objetivo que nos propusemos alcançar com esta metodologia foi o
de construir uma perspectiva teórico-prática, pensada a partir de uma dada realidade
para uma formação docente que valorize a docência como atividade intelectual, crítica e
reflexiva e, com ela, compreender a importância da formação continuada; a identidade
docente; o que se aprende no dia-a-dia do processo formador e a importância da
Universidade na formação docente.
Com efeito, este processo de investigação que se utiliza das memórias
docentes a fim de coletar dados que dão vida à pesquisa também se transforma em
um processo de ensino a partir do momento em que promove a reflexão sobre as
lembranças, sobre o passado muitas vezes esquecido, as contradições vividas no
processo histórico e os significados atribuídos pelos professores, podendo levá-los ou
não à compreensão das repercussões em sua vida profissional e na superação de
problemas, reformulação de concepções pessoais sobre sua maneira de ensinar etc.
Nesse sentido, Cunha (1998) aponta que estudos como este:
são oportunidades ímpares de integrar investigação e formação no mesmo
processo que se caracteriza, fundamentalmente, pela intencionalidade de realizar
uma reconfiguração de saberes, onde teoria e prática, realidade e intenção,
sujeito e objeto se tornem uma só possibilidade (p.46).
Sabemos, sem dúvida, que, na prática formativa construída no grupo de HTPC, a
todo momento, buscamos, conforme Kenski (1995):
(...) que o professor tome consciência da origem de sua própria prática e da
forma como considera o seu trabalho, sua relação com o ensino e os próprios
alunos. O retorno ao passado pode esclarecer, por exemplo, as suas simpatias e
aversões, suas crenças e preconceitos em relação ao conteúdo da matéria que
leciona ou ao grupo de alunos que ensina (p.106).
Os memoriais se configuram em uma pesquisa histórica que reconta, a partir dos
seus próprios personagens, a história da Educação Infantil no Município de Birigui.
Assim, a implicação dessa metodologia de recuperação das histórias de vida nos
faz refletir que esta proposta de coleta de dados não se restringe simplesmente a uma
técnica de pesquisa, vai além, fala de pessoas, de sentimentos de vida ou de morte,
de contextos sociais, políticos, econômicos e culturais.
68
Um outro procedimento importante e que está relacionado à ética na
manipulação das produções escritas é o compromisso entre pesquisadora e
professoras de que suas produções escritas serão entregues para a releitura dos
conteúdos e devida autorização para constar na pesquisa, e com suas identidades
preservadas, adotando nomes fictícios.
O grupo de estudos de HTPC conta, no seu total ,com 25 professoras divididas
em 5 EMEIs.
No início da pesquisa, foram selecionadas 10 professoras, obedecendo aos
seguintes critérios: idade (a mais nova e a mais velha); tempo de serviço na Educação
Infantil (a recém-chegada à rede e a mais antiga); formação e títulos. É importante
apontar que, dentre as professoras escolhidas, uma apenas não possuía formação
superior; uma estava cursando pedagogia quando esta pesquisa se iniciou, porém, já
havia concluído quando escreveu o memorial; as demais, além de pedagogia, possuem
a pós-graduação lato sensu; a experiência na Educação Infantil varia de 2 a 23 anos, e
a idade, de 29 a 56 anos.
Um outro ponto também importante para se destacar é que, para os estudos
iniciais da pesquisa, foram coletadas informações nos registros da coordenadora
pedagógica. Esses registros
30
são provenientes dos estudos realizados no grupo de
HTPC que se realizam semanalmente.
No trabalho de recuperação das memórias docentes, das 10 professoras
selecionadas no início da pesquisa, uma se afastou por motivo de licença gestante,
outra foi indicada para atuar na coordenação pedagógica em uma escola do Ensino
Fundamental, mas, como outra foi incluída posteriormente na pesquisa em função de
despertar a nossa atenção durante a leitura das suas memórias no decorrer do
processo de recuperação das memórias do grupo, ficaram 9 professoras.
É importante observar que, na composição deste estudo, utilizamos documentos
legais internos da Secretaria Municipal de Educação
31
e outros externos que legitimam
e organizam a carreira e a profissão docente em nosso país, como forma de mapear o
30
A sistematização dos dados coletados encontram-se no Anexo I desta pesquisa.
31
Lei complementar no. 3 de 17 de julho de 2001, que dispõe sobre o Estatuto, Plano de Carreira,
vencimentos e salários do Magistério Público do Município de Birigui.
69
cenário das políticas de formação docente em um município do interior do Estado de
São Paulo, local da pesquisa.
Nas palavras de Ezpeleta e Rockewell (1989), uma existência documentada
coexiste com outra história e existência, a não documentada, através da qual a escola
toma forma material e ganha vida nas palavras escritas dos memoriais:
Nesta história, a determinação e presença estatal se entrecruza com as
determinações e presenças civis de variadas características. A homogeneidade
documentada decompõe-se em múltiplas realidades cotidianas. Nesta história
não-documentada, nesta dimensão cotidiana, os trabalhadores, os alunos e os
pais se apropriam dos subsídios e das prescrições estatais e constroem a escola.
(p. 13).
Na verdade, a interpretação desse conteúdo documentado e não documentado,
que concebemos como vivo, latente, quer perceber a dinâmica contextual e histórica
dos fatos e não apenas a sua caracterização e sistematização lógica.
70
PARTE III
PERSONAGENS, POLÍTICAS E DESCONTINUIDADES
71
1
FIOS E TRAMAS... TEXTOS E CONTEXTOS...
HISTÓRIAS E MEMÓRIAS.
Tornei-me professora por não ter a coragem de enfrentar os meus pais,
principalmente a minha mãe que não gostava que eu estudasse. Ela achava que
mulher não precisava estudar além da 4
a
. série, pois era educada para casar, ter
filhos, construir família... Queria fazer psicologia em outra cidade... Não tive
coragem de enfrentá-la... Terminando o magistério, fui dar aula na Educação
Infantil Municipal (CRISLEI).
Tornei-me professora por vocação. Desde criança gostava de dar aulas e
também gostava de crianças. Um outro fator que influenciou foi o fato de ser uma
profissão que se trabalha meio período. Era dona de casa, mãe e, assim,
conciliava a profissão e o ser esposa/mãe/mulher (MARILENA).
Assim começa a história da constituição de professoras, mulheres, mães, um
espaço marcado pela condição feminina, pelas formas de enfrentar os desafios, de
aprender os caminhos possíveis, que determinam modos de ser e de estar no mundo,
portanto, construções de pertencimentos históricos e culturais. Nas palavras de Catani
(2000):
Esse pertencimento constrói uma história de vida que define sua forma específica
de ser e estar no mundo, constituído pelas maneiras de enfrentar os desafios, de
aprender os caminhos possíveis, descobrir os atalhos ocultos, que formam o
conjunto das suas experiências pessoais (p.34).
A condição feminina apontada nos registros das memórias das professoras nos
leva a compreender melhor a identidade docente forjada a partir das múltiplas
determinações formativas, ou seja, das relações familiares, das classes sociais, das
características relativas à condição de gênero.
Por meio das memórias das professoras, pode ser desvelada uma trajetória que
tem sua origem na infância, seguindo pela adolescência, chegando até a fase adulta.
72
Meninas, mulheres, esposas, mães, professoras. Diferentes papéis que se misturam, se
confundem e, por fim, caracterizam o ser e o fazer na docência. Docência como um
saber fazer que é fabricado, transmitido como realidade e que, nos tempos atuais, é
desconsiderado em função das novas exigências educacionais, da nova ordem social
injusta, intolerante, que tenta transformar pessoas, profissionais e suas práticas a partir
de discursos hegemônicos endeusados pelo mercado.
Década de 80... movimentos políticos e sociais... combate às desigualdades...
democratização da escola pública... o mercado se abre para o trabalho feminino.
Assim começa a história de uma Instituição Educativa, criada para atender
crianças de 4 a 6 anos de idade em parceria com o Movimento Brasileiro de
Alfabetização (MOBRAL)
32
. Uma cidade do interior do Estado de São Paulo com perfil
industrial, famílias operárias, de baixa renda, ávidas por vagas em creches e pré-
escolas.
Dois mundos distintos que um dia se encontram para, juntos, construírem uma
outra história. Uma história contada por suas atoras, mulheres e professoras. Cada uma
colaborando para tecer, numa trama complexa, as suas vidas. Compreendê-las, requer
cuidado, sensibilidade, análise atenta às múltiplas relações de pertencimento que não
pode ser entendido de forma fragmentada (VASCONCELOS, 2000).
As histórias nos convidam para outras reflexões tecidas no cotidiano das Escolas
Municipais de Educação Infantil, com características próprias, derivadas das diferentes
representações que cada uma construiu ao longo das suas vivências e práticas
docentes.
Analisar suas histórias, é reviver suas emoções, vividas não sem duras penas ao
longo de anos de experiência no magistério, ao longo de suas vidas de mulheres.
Assim, foi sendo construído também o ensino na infância, a partir das vivências
das mulheres professoras que, por um lado pensam em conteúdos a ensinar, técnicas a
32
Programa criado em 1970 pelo governo federal com objetivo de erradicar o analfabetismo do Brasil em
dez anos. O Mobral propunha a alfabetização funcional de jovens e adultos, visando a "conduzir a pessoa
humana a adquirir técnicas de leitura, escrita e cálculo como meio de integrá-la a sua comunidade,
permitindo melhores condições de vida". O programa foi extinto em 1985 e substituído pelo Projeto
Educar. In: MENEZES, Ebenezer Takuno de; SANTOS, Thais Helena dos. Mobral (Movimento
Brasileiro de Alfabetização) (verbete). Dicionário Interativo da Educação Brasileira EducaBrasil.
SãoPaulo: Midiamix Editora, http: //www. educabrasil. com.br/ eb/dic/dicionario.asp?id=130, acesso em
24/maio/2006.
73
desenvolver, saberes a transmitir e, por outro lado, a relação professora-criança,
inscrita no interior da sala de aula. Um misto entre o educar e o cuidar, o que de certa
forma, deprecia a profissão docente, sentida pelas professoras, principalmente, quando,
justificam a sua opção pelo magistério. Ensino feito para mulheres, fragmentado,
mecanizado, descontextualizado culturalmente, de formação moralista, técnica, mais
sensível ao comportamento do que ao raciocínio.
Tornei-me professora por vocação. Desde criança gostava de dar aulas e
também gostava de crianças. Um outro fator que influenciou foi o fato de ser uma
profissão que se trabalha meio período. Era dona de casa, mãe e, assim,
conciliava a profissão e o ser esposa/mãe/mulher (MARILENA).
A vida escolar, vivida e recordada pelas professoras, no início da carreira na
instituição, nos mostra que o fazer diário na profissão é repleto de emoções,
sentimentos, afetos, calor humano, amizade, aceitação, pertencimento, repulsa,
discriminação. Esses elementos, ligados à pessoa, à identidade, não são considerados
por não fazerem parte dos saberes técnicos exigidos na atuação pedagógica, mas
são fundamentalmente importantes no processo de constituição do ser e do fazer na
docência.
Assim, a concepção do magistério como uma extensão da maternidade, bem
como o desenho da profissão como um exercício de doação e amor, como uma
atividade que exigia uma entrega, não constituiu-la como a grande alternativa
(LOURO, 2000, p. 80).
Na verdade, trata-se de uma proposta de formação baseada na vocação para o
magistério, que não precisa de uma formação profissional, sólida e competente.
O ritmo acelerado das transformações sociais fez com que este ideal de
professora, de profissão, fosse aos poucos se configurando em outras bases. Agora
não mais uma profissão fundada apenas em princípios vocacionais, mas também, em
cima de pressupostos teóricos e técnicos necessários às exigências atuais, de uma
sociedade mais ágil, dinâmica e suscetível às transformações.
Há que se considerar, neste novo cenário, uma formação voltada para o
desvelamento, para a compreensão dos modos individuais de agir profissionalmente,
74
que constrói a escola enraizada em uma história de vida e de formação que, ao
mesmo tempo é particular, única e geral.
A maioria das histórias de vida registradas nos memoriais aponta para a
importância das relações afetivas no cotidiano escolar como instrumento formador que
a lógica instrumental não dá conta de captar, pois o que está em jogo na profissão
docente é a técnica.
Uma alegria foi ter ingressado no magistério, e uma decepção foi ter sido tão mal
recebida na Educação Infantil. Acredito que tenha sido em função de ter sido
babá. (...) não tinha experiência em sala de aula, os grupos de professoras
constituídos naquela época eram fechados, porém, encontrei a professora Dayse
que trabalhava na mesma escola e, que me deu muitas orientações sobre o fazer
na Educação Infantil (SÔNIA).
Foi um ano muito difícil (...), não tínhamos uma coordenação, passamos então a
procurar pessoas mais experientes, mais antigas na profissão para poder
aprender a parte pedagógica. Fomos bem recebidas pelas professoras que nos
acolheram e nos instruíram. Eram tempos difíceis, não tínhamos quase que
material nenhum para trabalhar, tudo o que comprávamos para a sala de aula,
mandávamos embrulhar para presente para depois podermos utilizar o papel em
sala de aula (NILDA).
Naquela época era muito difícil iniciar a carreira, faltava conhecimento,
experiência, materiais para trabalhar e também tinha muita insegurança. Porém o
nosso grupo de professoras naquela época era bem unido e tinha muita coragem
e vontade de vencer – que foi o que prevaleceu. Através das nossas reuniões
mensais, eram feitas as trocas de experiências com exposição das atividades e
conversa sobre todos os problemas (ELENICE).
O início da minha carreira foi marcado por uma sensação muito gostosa, pois
estava realizando um sonho e tinha a certeza de que iria durar por muito tempo.
Quando houve a seleção do concurso e fui chamada para participar do primeiro
treinamento durante 15 dias em período integral juntamente com as outras
professoras da rede, não me continha de tanta alegria. Foi maravilhoso, pois
éramos analisadas e avaliadas durante o curso, também recebi bastantes
elogios, e então percebi que tinha chegado a hora de pôr tudo o que sabia em
prática e realizar o meu grande sonho de “ser professora”.Tinha atingido um
grande objetivo (MARILENA).
Os registros escritos nos memoriais nos fazem observar o quanto as
experiências vividas no início da carreira são importantes, pois se constituem em uma
75
trama social, tecida a partir da relação afeto / trabalho. Tais experiências, como
processo formador, são configuradas em um cenário único e, ao mesmo tempo, público,
regido pelas relações sociais, legais e regimentais.
O mergulhar no cotidiano nos permite observar o quanto esse espaço é
marcado pelas inconstantes e insensíveis políticas públicas, que desconsideram os
contextos da origem dos seus professores, as dificuldades por eles vivenciadas no
inicio de suas carreiras. Tais políticas teimam em ignorar a história, as particularidades
locais, os caminhos percorridos, a opção inicial pelo magistério, a identificação com
práticas e pessoas do convívio profissional.
A opção pelo trabalho com memórias docentes é uma oportunidade de resgatar
histórias por vezes silenciadas, de dar voz a personagens anônimos que diariamente
fazem, constroem a História da Educação em nosso país. São professores que
acreditam naquilo que fazem, que não perderam a esperança, que acreditam na escola
e que têm compromisso com uma educação de qualidade. Histórias recuperadas que
favorecem o redimensionamento da vida dos professores, das experiências de
formação, das trajetórias profissionais que, a partir das práticas atuais, buscam novos
modos de conduzir o ensino.
A necessidade da formação em nível superior vem a partir do momento em que
é promulgada a LDB 9.394/96 e, com ela, a busca pela certificação como forma de se
adequar às novas exigências legais, desconsiderando a necessidade de uma formação
multidisciplinar sólida, comprometida com a pesquisa e com a investigação.
A formação no ensino superior veio da necessidade de regularizar a minha
situação na rede e também dar seguimento a minha formação como educadora
(SÔNIA).
Assim, continuei minha caminhada como professora na educação infantil
municipal até o dia que nos chegou a notícia de que os professores tinham que
ter ensino superior, a famosa pedagogia! Busquei então a formação pedagógica
com muito sacrifício porque já estava com 48 anos e enfrentar um curso superior
não era nada fácil e além do mais, meu segundo marido não queria deixar. A
solução foi buscar uma faculdade que não me exigisse a presença de todos os
dias. Fui em busca de um diploma! (VANDA)
Fiz pedagogia nessa mesma época apenas para ter um curso superior. Apenas
para dizer, “sou pedagoga” (não me esquecendo do sonho de ser psicóloga).
76
Fazia em uma faculdade onde tínhamos que freqüentar uma vez por mês, e, ao
final do último ano, engravidei do meu primeiro filho, o que dificultou um pouco o
término do curso. Terminei a pedagogia em 1989 com um filho nos braços e
penso que não aprendi muito, pois todas as provas eram com consultas. A
pedagogia não influenciou em nada a minha aprendizagem teórica; prática eu
adquiri na escola, com os alunos e os muitos cursos de pequena duração que fiz
com muito sucesso (CRISLEI).
A lógica mercantil das políticas educacionais de formação vem se firmando e
confirmando sob duas bases. Uma voltada para a formação daqueles que, por suas
condições materiais, de existência, não terão possibilidade de se superarem em sua
formação teórica, pois, socialmente, fazem parte daqueles profissionais que estão
voltados para o trabalho (uma grande maioria). Esses profissionais buscam uma
formação oferecida em Instituições de procedência duvidosa, com freqüência nos finais
de semana, quinzenal ou mensal. E outra, voltada para a formação que oferece
condições de compreender, organizar, supervisionar, avaliar o processo pedagógico e o
trabalho dos professores nas instituições escolares.
Novamente nos deparamos com a categoria trabalho que, hoje, submete os
professores diariamente a desafios teóricos de qualidade diferenciada, obrigando-os a
freqüentar cursos de qualidade duvidosa e, em grande parte, pagos por eles mesmos.
Ao retomarmos essa categoria e a relação teoria e prática na formação do
educador, logicamente estamos compreendendo as determinações postas pelas
políticas neoliberais para uma sociedade cada vez mais complexa e dinâmica em suas
descobertas e transformações.
Esta análise nos faz compreender os discursos prescritivos no universo
pedagógico ao apontar as novas descobertas da ciência, traduzidas em teorias prontas
para serem ministradas pelos professores em sala de aula. Um grande equívoco, se
considerarmos que, ao invés de alimentar a reflexão e a construção de conhecimento,
sobre o trabalho dos professores e sua formação, estimulam cada vez mais as tensões,
as insatisfações, o desânimo e a falta de estímulo no desempenho da profissão.
Assim sendo, os problemas da prática não são decorrentes, unicamente ou
necessariamente, de uma falta de fundamentação teórica como certos discursos
pretendem impor, mas sim contradições originadas na própria prática. No âmbito
da cultura escolar institucionalizada, contudo, esta visão não tem prevalecido. O
conhecimento teórico acabou por ser sobrevalorizado em relação ao
77
conhecimento que procede da prática, separando-se e dicotomizando-se em
relação a esta. Esse tipo de compreensão e de valorização é que, ao nosso ver,
gera ambigüidades a que estamos nos referindo, e que dão origem às práticas
pedagógicas que as caracterizam (CATANI, 2000, p, 36).
Dessa forma, compreende-se o porquê da relação teoria e prática como algo
externo à escola, construído por profissionais formados dentro de uma concepção
formal, pesquisadora, investigativa, acadêmica, em universidades tidas por excelência.
Nessa perspectiva, àqueles que trabalham na escola, envolvidos no contexto da
cultura escolar que supervaloriza a teoria em detrimento da prática, cabe apenas
consumir o produto realizado por outros. Com isso, na escola, os professores, diante
dos problemas de difícil solução, acabam por desacreditar das teorias, por essas não
darem o suporte metodológico de que necessitam.
Relação teoria e prática desenvolvida na Instituição em meu processo de
formação no Ensino Superior? O que ficou é que a teoria é uma coisa e a prática
é outra. A educação mudou muito, mas a mudança ainda não chegou às
Universidades (NILDA).
Acredito que foi razoável, pois penso que as teorias se completam com a prática,
ela é norteadora do nosso trabalho, no entanto, é preciso pensar sobre elas, pois
algumas não traduzem a realidade (SÔNIA).
Terminei a Pedagogia em 1989 com um filho nos braços e penso que não
aprendi muito (...). A pedagogia não influenciou em nada a minha aprendizagem
teórica, a prática eu adquiri na escola, com os alunos e os muitos cursos de
pequena duração que fiz com muito sucesso (CRISLEI).
Aprendemos quase nada, pois os professores pouco explicavam, apenas
aplicavam provas. Significativos foram os esforços no sentido de concluí-lo:
pagamento das mensalidades que eram altas diante do que recebíamos pelo
nosso trabalho (LUCIA).
Por outro lado, a professora Roberta, que não cursou o Ensino Superior nos
finais de semana, mas sim diariamente, observa que o curso de Pedagogia não
acrescentou tanto quanto esperava para a sua formação. Seu depoimento confirma a
política de expansão dos institutos superiores de educação em nosso país,
fundamentada no caráter técnico instrumental, nem sempre sintonizado com as
práticas desenvolvidas na escola.
78
Na verdade, o curso não foi tão significativo como eu esperava que fosse em
relação à aprendizagem. Acredito que aprendi muito mais nesses anos dentro da
Prefeitura através dos cursos que nos foram proporcionados, do que na apropria
faculdade. Lembro-me de uma professora que trabalhou bastante a questão da
aprendizagem em leitura e escrita de forma muito acessível, onde consegui fazer
uma relação muito próxima com o que eu estava trabalhando em sala de aula
com meus alunos.
Os conceitos passados sobre Piaget, Vygotsky, Emilia Ferreiro, foram muito
superficiais, enfim, acredito que nem mesmo os próprios professores tinham a
noção exata da importância de um saber mais aprofundado, ou não sabiam
mesmo como transmiti-lo . Confesso que não me lembro de ter modificado em
nenhum momento a minha prática em função do que aprendi na faculdade.
Sentia-me apta a prestar um concurso, mas não que esses conhecimentos
teóricos chegassem a ser inovadores para a minha prática (ROBERTA).
Este estudo tem nos dado pistas para repensarmos a formação docente, como
uma prática social, como uma atividade intelectual, a partir do entrelaçamento das
histórias dos sujeitos envolvidos, do diálogo entre diferentes experiências de ensino.
Um trabalho que considera a relação dialética, reflexiva, no sentido de buscar a
compreensão dos conteúdos teóricos, a partir da realidade das práticas educacionais e
não as desconsiderando no sentido de desqualificá-las em nome das imposições e do
predomínio da supervalorização dos conhecimentos teóricos na atualidade.
Este trabalho, com as memórias dos docentes, tem propiciado a percepção da
formação docente com o trabalho escolar, com as relações que vão estabelecendo com
as colegas ao longo da carreira, com a administração, e que, acima de tudo, tem
proporcionado uma compreensão mais ampla dos processos formadores nos quais
somos envolvidos e que nem sempre são desvelados com a devida clareza.
Tais fatos são reveladores e têm um peso significativo a partir do momento que
compreendemos as articulações do processo de globalização e competitividade
internacional, traduzidas no campo do trabalho produtivo, no nosso caso, a escola.
Esse espaço que absorve com muita rapidez os discursos atuais de transformação e
que, ao mesmo tempo, não sabe como administrar o sentimento de impotência, de
desmotivação, de descrença e de desesperança a que são submetidos os profissionais
da educação.
79
Nesse sentido, é importante também considerarmos a angústia, o sofrimento
daqueles que, diante da impossibilidade da formação em nível superior, sentem-se
excluídos, menosprezados e, até mesmo, incapazes de continuar desempenhando
suas funções.
Logo que me formei no magistério, tive muita vontade de cursar uma faculdade,
mas as condições econômicas/financeiras, não me permitiam. Sempre pensava
quando meus filhos crescerem mais, eu vou entrar na faculdade”, mas tem um
ditado que diz filho criado, trabalho dobrado. Conclusão, eu fui ficando em último
plano. Tive momentos de muita angústia e tristezas por não ter um curso
superior, e ainda mais, quando alguém tocava no assunto, sentia muita
vergonha. Pensava que o curso superior eleva a auto-estima dos educadores e
dá condições de adquirir conhecimentos importantes para o exercício da
profissão, confere competência e qualidade ao nosso fazer, sem contar com a
melhoria no salário que também é muito importante (ELENICE).
Em 1978, quando exercia o cargo de professora na APAE, tentei buscar a
formação em pedagogia, mas, por infelicidade, o dinheiro que eu ganhava como
professora não era suficiente para pagar os estudos. As despesas também
ficavam ainda maiores com o transporte que era necessário, pois não tinha
faculdade aqui na cidade. Por este motivo não consegui cursar o ensino superior
e buscar a formação pedagógica. Os anos foram se passando e quando a
oportunidade novamente apareceu, a hora não era mais minha, era a vez das
minhas filhas. Quando elas terminaram, pensei ser tarde demais para mim. Com
isso, sofri muitas humilhações que me feriram muito, que marcaram o meu eu
mais profundo. As pessoas a nossa volta costumam fazer críticas sem ao menos
saber o porquê! (MARILENA)
Relatos como esses nos levam a criticar as políticas educacionais que
responsabilizam individualmente os professores pelo seu desenvolvimento profissional
e pela qualificação exigida, afastando-os do sentido de pertencimento à categoria
docente .
Antes pertencentes a uma categoria profissional, possuidores de uma
qualificação pelo qual lhes eram atribuídos determinadas tarefas e funções no
desempenho, ao qual era atribuído um valor pelo salário / remuneração, os
trabalhadores e agora os professores se defrontam com uma nova realidade: a
de disputar individualmente pela formação e competir com seus pares pelos
espaços e tempos dos direitos anteriormente garantidos pelo conteúdo da
formação profissional (FREITAS, 2002).
80
Por outro lado, é possível sentir, nas palavras escritas no memorial da professora
Elenice, sua alegria, seu orgulho, seu sentimento de conquista possibilitado pela
oportunidade de cursar a Pedagogia Cidadã.
A formação no ensino superior surgiu com a oportunidade de cursar a Pedagogia
Cidadã promovida pela Secretaria de Educação Municipal em parceria com a
UNESP-SP no ano de 2002. Tive muito medo na época, me sentia insegura,
porém tive o apoio e incentivo de muitas pessoas (...): “agora você vai fazer a
faculdade sim”. Mais um compromisso assumido!
(...) Hoje após terminar o curso de pedagogia - que foi muito cansativo e exigiu
muito de nós (dedicação, trabalho e paciência) - agradeço as pessoas que me
auxiliaram nos estudos, trabalhos e pesquisas realizados, pois valeu a pena.
Por certo, cabe destacar que, nesse momento, não temos a pretensão de
analisar o programa de formação em nível superior Pedagogia Cidadã, organizado pela
Unesp-SP e terceirizado pela Prefeitura Municipal, como forma de atender a uma
demanda específica desencadeada pelas determinações legais das políticas para a
educação no Brasil. A idéia é de compreender como o processo contínuo de formação
docente tem contribuído para um melhor desempenho da prática pedagógica das
professoras na escola.
Tramas, fios e enredos que nos ajudam a tecer o contexto da formação docente,
a identidade dos professores, o que aprendem no dia-a-dia do processo formador e a
importância da Universidade na sua formação. Ao ignorar suas vozes, suas vidas, sua
angústia, é ignorada a memória individual e coletiva de sujeitos no âmago das relações
do trabalho e da produção em uma sociedade que se mostra e que se enxerga, por
meio de mudanças, num movimento de agir e omitir.
As histórias de vida da formação docente escritas nos memoriais têm nos
mostrado as influências deixadas por acontecimentos, vivências marcantes do passado
sobre a prática pedagógica das professoras: sentimentos vividos nas experiências;
representações; escolhas pessoais e profissionais; relações no grupo; crises;
mudanças; rupturas; sucessos e fracassos.
Nessa caminhada, a formação continuada em serviço realizada no lócus do
próprio trabalho cotidiano tem se configurado num espaço de aprendizagens
significativas, conforme podemos ver nos registros das professoras:
81
Hoje vejo que a minha prática na educação infantil a cada dia é melhorada, pois
aprendo muito com meus alunos, tento fazer o melhor, procurando, a partir das
vivências, respeitar as diferenças, conhecer o que eles têm a me dizer, o que
sabem sobre as coisas do mundo. Penso que muito ainda tenho que aprender,
mas estou no caminho certo, diante dos resultados positivos que a cada final de
ano avalio, vejo.Os espaços destinados a formação continuada na rede, me
auxiliam muito, pois tirou a venda que havia em nossos olhos, tirou o mofo, o
ranço, de uma educação limitada. As conquistas que vejo não são minhas
somente, mas de todo um grupo que dia-a-dia vai aprendendo sempre
respeitando o tempo de cada um (NILDA).
Muito aprendemos também com a diversidade no grupo de estudos, pois esta
relação também é muito boa. É uma constante troca de experiências vividas em
sala de aula que são trazidas para o grupo, onde cada um tem sempre algo a
acrescentar que contribui para a aprendermos mais e mais a arte de ensinar o
melhor para nossos alunos (VANDA).
Os espaços destinados à formação continuada na instituição são muito
importantes para nós e acredito que devem ser ampliados, pois os
conhecimentos novos adquiridos nos dão capacidade de trabalho e uma base
mais sólida, segura e respeitada (ELENICE).
Trata-se de um espaço construído coletivamente, compartilhado, que é dividido
com os colegas da profissão e, ao mesmo tempo, tem a colaboração do grupo, o
respeito às individualidades e a mediação da coordenadora pedagógica.
Quando a mudança vem com auxílio, sugestões e principalmente respaldada
pela segurança de quem as promove, nos sentimos aptas a irmos ao seu
encontro, por acreditar que somos seres mutáveis e capazes. Mas, é preciso
pensar que temos dois tipos de mudança: aquela que vem com a moda e as que
são realmente conscientes, com a real intenção de melhorar a nossa realidade.
Acredito que toda transformação só acontece quando há consciência, baseada
em estudos, discutida, num movimento dinâmico e constante (ROBERTA).
Ao mesmo tempo em que percebemos nesse coletivo de ações e de relações a
segurança, o respaldo, o compartilhamento para ‘tentar fazer diferente’, vemos também
sentimentos de insegurança quanto à prática pedagógica, o medo da rejeição, a
discriminação em não ser aceito por parte daquelas que há muito atuam na instituição.
Esta relação com a cultura é, portanto, uma relação neurótica, em que o
indivíduo renuncia a uma suposta individualidade, ao seu comportamento
original, para adotar comportamentos e padrões valorizados e aceitos pelo grupo
82
social. Os comportamentos indesejáveis são reprimidos em favor daqueles que
possam garantir um sentimento de identificação, uma gratificação afetiva de ser
igual para ser aceito, pode ser uma das necessidades psíquicas que leva o
indivíduo, ainda que de forma inconsciente, à busca de seus modelos de
comportamento social e, em nosso caso específico, ao comportamento mais
adequado, nas práticas de seus antigos professores. Repete-se, aqui, o
comportamento mimético encontrado nos sujeitos diante de uma situação
totalmente nova (KENSKI, 1995, P. 111).
A autora coloca que a necessidade de pertencimento, de se apresentar uma
resposta adequada às exigências culturais e sociais, aos poucos vai se transformando
em práticas, em formas personalizadas de se ensinar, acrescidas de fatores como
conhecimento teórico e metodológico, relacionamentos pessoais, desenvolvimento nas
diferentes fases da vida, sucessos e fracassos, visões de mundo (de escola, de aluno,
de professor), opções políticas, situação econômica, enfim, sua história pessoal e
profissional.
No trabalho coletivo, o grupo confere um fator determinante na construção das
práticas pedagógicas, onde as recordações conferem autoria individual e coletiva,
histórica, têm uma data, um espaço repleto de personagens que, juntos, imprimem e
constroem as práticas que vemos hoje.
Ainda falando da importância do grupo, não podemos deixar de apontar que,
como espaço coletivo de formação, muitas vezes, o desabafo do professor, a
resistência a determinadas orientações institucionais ou mudanças na legislação,
também se transformam em situações de ensino e aprendizagem, a partir do momento
em que as professoras se identificam e se apropriam desse discurso.
Nesse jogo de interações, de resistências, de lutas, de construção e
transformação, a dimensão cotidiana vai se construindo, implicando uma releitura das
categorias gramscianas de sociedade civil e sociedade política, interpretadas como
formas de relação historicamente construídas e presentes na escola (EZPELETA &
ROCKWELL, 1989).
Freitas (2002) aponta que esse espaço de construção, de práticas, de relações,
de particularidades, inserido dentro de um contexto maior, também sofre as influências
da materialização de uma política global para a profissionalização da educação,
articulada à formação inicial e às condições de trabalho, salário e carreira.
83
Continuidade da formação profissional, proporcionando novas reflexões sobre a
ação profissional e novos meios para desenvolver e aprimorar o trabalho
pedagógico: um processo de construção permanente do conhecimento e
desenvolvimento profissional, a partir da formação inicial e vista como uma
proposta mais ampla, de hominização, na qual o homem integral, omnilateral,
produzindo-se a si mesmo, também se produz em interação com o coletivo
(ANFOPE, 1998).
Mas nem sempre um espaço de formação continuada é materializado na forma
de um direito na carreira docente e, acima de tudo, um espaço possibilitador da
articulação dialética entre os aspectos técnicos, científicos, político-sociais,
psicopedagógicos, ideológicos e ético-culturais.
Nesse sentido, verificamos o quanto as políticas atuais têm reduzido as
possibilidades de uma formação continuada que integre, ao mesmo tempo, valores da
cultura humana, relações do homem com o homem e trabalho como necessidade e
organização instrumental /técnica para o exercício profissional.
Em decorrência do processo educacional, pode não se constituir em um espaço
de busca por qualificação e formação docente para o aprimoramento das condições do
exercício profissional, e sim, exatamente o contrário do que apregoam os atuais
discursos e propostas para a educação. Ao mesmo tempo em que apontam para a
importância da qualificação profissional para atuação nessa nova e globalizada
sociedade, não levam em consideração a pessoa, suas relações, a história, os
contextos políticos, sociais e culturais. Preocupam-se apenas com a dimensão do ser
humano quanto ao intelecto, habilidades e competências.
Para Marx (1983), o homem forma seus próprios sentidos, sua sensibilidade,
suas relações sociais num processo dialético, integrando, trabalho e relações com
outros homens na comunicação de idéias, sentimentos e práticas. Um processo integral
e ao mesmo tempo universal.
Assim, as palavras da professora Roberta nos apresentam a formação
continuada em serviço como um espaço de possibilidades de transformação da prática
pedagógica:
Só é possível um crescimento, quando nos baseamos em estudos que
promovam encontros nossos com nossa própria atuação e encontros com a
84
atuação do outro, onde descobrimos que em algumas situações estamos além e
em outras podemos estar aquém.
Consideramos, aqui, crescimento como o que considera o outro, seus saberes,
não somente como resultado de uma formação profissional ou exercício da docência,
mas também no sentido de um ser humano integrado a um contexto maior, a uma
sociedade que participa, que luta, que se emociona e que aprende ao longo de sua
vida, dentro e fora da escola.
Embora esteja muito forte em nós a questão objetiva, técnica e instrumental da
prática pedagógica, não podemos desconsiderar a essência do ser humano, sua
sensibilidade, a beleza e o amor, como dimensões que também compõem o processo
de formação. Um processo cultural, dialético e conflituoso, permeado por exigências e
valores de uma sociedade, que são traduzidos em práticas, em saberes, assimilados,
produzidos e reproduzidos.
85
2
DESCONTINUIDADES... MARCAS E REPRESENTAÇÕES NA DOCÊNCIA
Chegamos à reta final da pesquisa. É hora de analisar os caminhos percorridos,
de fazer as sínteses necessárias e provisórias, uma vez que acreditamos nas diferentes
formas de se ver e interpretar a realidade, produto de relações e práticas culturais de
sujeitos envolvidos em uma trama histórica, política, econômica, social e cultural.
Buscar nas palavras docentes as descontinuidades, as marcas e representações
a partir das suas narrativas, acerca de si mesmos e de seus contextos de trabalho nos
aproximou das dinâmicas contraditórias e fragmentadas em que estão inseridos.
Como nos apontam Ezpeleta e Rockwel (1989), os professores são sujeitos
envolvidos em uma trama burocrática, política, econômica, moral, pessoal, profissional,
técnica, repleta de interesses, que nem sempre são revelados e que, nos contextos da
vida real, estabelecem conexões, mediações, apresentando as suas contradições com
os fatos que constituem a questão da formação docente em nosso país. Conteúdos que
buscamos desvendar em uma trama histórica de existências documentadas e não
documentadas que se entrecruzaram num processo de constituição da escola real, que
aí está, cheia de conflitos, representações e conquistas.
Professores que vão construindo sentidos à sua própria existência, dando forma
às suas ações, a partir das suas sensibilidades, suas relações sociais num processo
dialético, integrando trabalho e relações com outros homens na comunicação de
idéias, sentimentos e práticas. Um processo integral e ao mesmo tempo universal.
A elaboração de uma síntese mais orgânica, coerente, que contemple as
múltiplas determinações que envolvem e explicam a formação continuada do professor
faz-se necessária a partir da compreensão das tendências históricas e da
institucionalização do sistema educativo na qual os sujeitos estão envolvidos.
Ressaltamos, neste momento, a importância das experiências vividas pelos
professores antes, durante e depois dos cursos de formação profissional. Experiências
86
escolares anteriores que imprimiram marcas em sua formação e, consequentemente,
em sua prática, representações e conceitos que levam consigo e que o ajudam a
compor o seu fazer docente no dia-a-dia de suas vivências escolares.
Ao buscarmos, nas vozes dos professores, suas experiências e representações
obtidas nos processos de formação inicial, mais especificamente no curso de
pedagogia,
33
percebemos, nas marcas deixadas nas escritas dos memoriais, inúmeras
contradições, deformações, enganos e desencantos entre teoria e prática, práticas
locais, contextos e interesses mundiais, práticas culturais e expectativas profissionais,
que nos encaminham para sínteses e, ao mesmo tempo, ampliam nossas reflexões.
Enganos com a formação no ensino superior, desencanto ao perceber que este nada
acrescentou para o seu profissional, configurando apenas a obtenção de um título que
os coloca, de certa forma, em conformidade com as determinações legais a que são
submetidos.
Dar conta de compreender esta complexa trama, por certo, é uma tarefa
desafiante e, ao mesmo tempo, instigadora de novas questões. Falamos em novas
questões ao percebermos que, com a crescente e precária expansão das vagas nas
escolas de Educação Infantil, automaticamente é ampliada a oferta de formação em
instituições particulares para a formação dos professores.
Nesse sentido, políticas de formação profissional para a educação básica (LDB)
prevêem a formação dos quadros docentes em nível superior, ampliando a oferta em
instituições particulares e públicas, não considerando a qualidade dessa formação. E,
ainda, para agilizar essa formação, a mesma lei cria uma nova modalidade de curso
normal superior
34
, motivo de muitas polêmicas em relação ao curso de pedagogia,
criando impasses: A quem cabe, na prática, a formação docente? Qual então o projeto
pedagógico do curso de pedagogia? Gestão, administração, supervisão escolar ou uma
formação ligada ao trabalho pedagógico, voltado para as ações docentes?
Em meio a este cenário de interesses e incertezas, novamente trazemos para o
debate as questões ligadas ao capital, imposto pelos contextos neoliberais, que abalam
33
Todos os sujeitos envolvidos na pesquisa têm a referida formação com exceção de uma professora.
34
No momento, não é nosso objeto de discussão.
87
a autonomia da Universidade pública e seu compromisso com a sociedade
35
. Uma
Universidade que entendemos como o locus privilegiado para a formação de
professores, um espaço para o desenvolvimento de pesquisas, de recuperação de
conteúdos historicamente construídos, que possibilita o exercício crítico da ação
profissional, científico sobre as dimensões estéticas, éticas, políticas, econômicas e
culturais. Um espaço inserido dentro de uma sociedade, que enfrenta dificuldades
diante das restrições orçamentárias, com diferentes composições e interesses;
dificuldades quanto aos espaços físicos; concepções; ensino, extensão e pesquisa;
falta de recursos humanos; lutas pelo poder; resistências, enfim, uma série de
problemas que têm causado mais desconforto e insegurança que constância em seus
objetivos. Em contrapartida, também é beneficiada com a ampliação das ofertas de
trabalho nas instituições particulares. Um espaço, por excelência autônomo, marcado
pela pluralidade e pela diversidade, características primeiras da cultura universitária,
pública e integradora, compromissada com a liberdade, com a verdade, com a
qualidade, que se inquieta, se inconforma e produz criticamente o conhecimento. Por
outro lado, também envolvida nas contradições ao garantir seu emprego em instituições
particulares nos atuais contextos de ampliação dos cursos de formação docente.
Assim, as políticas de formação docente vão dando forma, configurando
caminhos, construindo concepções, responsabilizando pessoas, podendo reafirmar
que:
(...) o aprimoramento da escola e a educação de nossas crianças, jovens e
adultos se encontram comprometidos pelo desenvolvimento de diretrizes legais
que privilegiam o aligeiramento e o rebaixamento da formação com cursos de
menor carga horária em relação àquelas profissões mais valorizadas
socialmente; privilegiam a formação descomprometida com a pesquisa, a
investigação e a formação multidisciplinar sólida ao deslocar a formação da
universidade e, em seu interior, das faculdades/centros de educação e cursos de
pedagogia para os institutos superiores de educação e cursos normais superiores
em instituições isoladas; privilegiam processos de avaliação de desempenho e de
competências vinculadas ao saber fazer e ao como fazer em vez de processos
que tomam o campo da educação em sua totalidade, com seu status
epistemológico próprio, retirando a formação de professores do campo da
educação para o campo exclusivo da prática (FREITAS 2002).
35
Elevados financiamentos (de empresas particulares) na produção da pesquisa tecnológica e científica;
produção e comercialização do conhecimento que não é disponibilizado socialmente, pois é produto da
propriedade privada que paga ; fonte de lucro e acúmulo de capital.
88
Os estudos desta pesquisa nos fizeram compreender melhor a dinâmica das
políticas de formação docente e as construções históricas empreendidas no processo
de valorização do magistério, permitindo, assim, que, a partir das contradições dos
processos educativos, retomemos, nas palavras de Freitas (2002), a questão dos
projetos históricos e do futuro que queremos construir hoje, para pensarmos a
formação profissional dos professores, seja ela inicial ou continuada.
Formação docente entendida como um espaço dinâmico e contínuo que deve ser
trabalhado a partir da consciência histórica, da compreensão de uma memória coletiva
na constituição do grupo, ao mesmo tempo individual e coletivo, que acredita na
possibilidade de aperfeiçoamento profissional, que inquieta e acomoda, que busca a
mudança quando necessária. É justamente essa consciência crítica, gestada a partir do
seu próprio fazer profissional, crítico e criativo que faz com que o refletir sobre
processos passados, sobre os programas de formação, sobre as referências
bibliográficas, métodos, técnicas utilizadas nos diferentes contextos, possam
reconstituir ou não em novas práticas, vividas e pensadas, a partir do reconhecimento
das diferenças, compreendendo, assim, os limites, as possibilidades e impossibilidades
das teorias e interferências exteriores.
Assim, explorar e reconhecer os potenciais internos, particulares, as boas
experiências, faz-nos também reconhecer-nos no outro, trazendo-nos a questão do
pertencimento a um processo contextualizado, com modelos, teorias, formas
particulares de ser, aproximando-nos e, ao mesmo tempo, distanciando-nos para
buscar novas possibilidades. É o novo, nascido do velho, pensado, vivido, sentido,
repleto de valores que devem ser considerados, pois configuram alguns
comportamentos e valores culturais que, quando trabalhados nos grupos , no caso da
pesquisa, dos grupos de estudos de HTPC e no convívio escolar, entram em contato
com outros comportamentos, valores e práticas, resultando num encontro de culturas,
fazendo com que, em contato com o outro, cada professor, aos poucos, vá
ressignificando a sua própria prática.
Sujeitos que acabam por construir uma identidade coletiva reconhecida tanto
localmente como externamente, por intermédio daqueles que, de uma forma ou
89
de outra, conhecem o trabalho que desenvolvem. Uma identidade, portanto, não
como consenso, mas como um lugar de muitos conflitos, de reivindicações que
lhes permitem construir o “ser e estar” na sociedade (CAMARGO, 2000, p. 221).
Nesse sentido, essa construção teórica, nas palavras de Ezpeleta e Rockwel
(1989), aos poucos, vai juntando as inúmeras peças de uma trama, que é preciso
conhecer, porque constitui, simultaneamente, o ponto de partida e o conteúdo real de
novas alternativas tanto pedagógicas quanto políticas.
Ainda, no que diz respeito às políticas públicas, devemos estar atentos para o
fato de que, embora nos últimos anos, os debates sobre a formação continuada em
serviço tenham se configurado em um espaço privilegiado para se construirem práticas
e, assim, melhorar a qualidade do ensino, dotando os professores de competências
básicas para o exercício da profissão, é na formação inicial que deve haver os maiores
investimentos.
Conforme vimos, com a valorização dos espaços de formação continuada na
escola, passou-se a investir cada vez menos em uma formação inicial construída em
bases teóricas sólidas, que visam à formação ampla, crítica, política e capaz de
conduzir projetos inovadores na educação. Um movimento de intenções contraditórias
que acabam por delegar à formação continuada em serviço a responsabilidade de uma
formação que dê condições para que o professor, na escola, interprete e reaja às novas
demandas sociais, aprendendo a pesquisar, analisar, interpretar, problematizar,
investigar, construir sínteses, posicionando-se eticamente frente aos conflitos atuais e,
ainda, comunicando seus conhecimentos, escrevendo e refletindo sobre suas ações,
para, assim, transformar a sua prática.
Podemos perceber claramente, no cenário da pesquisa, os desencantos dos
professores ao se verem pressionados a mudar, a buscar o novo, a teoria e até mesmo
uma formação, ou melhor, um título para se adequarem às determinações legais
impostas pelas políticas públicas de formação docente. Professores que saem a busca
de títulos em instituições de procedência duvidosa, não percebendo os enganos e as
contradições desse mecanismo no qual estão envolvidos e que, certamente, os levarão
a um tipo enganoso de formação profissional.
90
Com todos os agravantes que envolvem essa complexa trama, podemos
perceber nos memoriais das docentes que, embora tenham sido vítimas desse
processo de interesses políticos, o espaço de formação continuada em serviço,
desenvolvido na Rede Municipal de Ensino no Município de Birigui, do qual fazem
parte, é importante para o aprimoramento do seu trabalho, sem, contudo, deixarem de
perceber que dificilmente poderão, nesse espaço, substituir os ensinamentos da
formação inicial.
Nas palavras de Santos (1998):
(...) é importante salientar a necessidade da formação em serviço como forma de
aprimoramento do trabalho docente, mas é preciso entender que ela não poderá
substituir a formação inicial. Quando isso ocorre, ao invés da qualificação do
docente, assiste-se a um processo de desqualificação, que opera de forma sutil,
pois, sob o manto de programas formadores, prepara-se um docente pronto a
cumprir tarefas e adotar soluções das quais ele desconhece o alcance e o
impacto educacional (p. 135).
Assim, em meio a este cenário de mudanças e permanências, percebemos e
compreendemos as angústias vividas pelos professores, o seu desconforto, os medos e
as inseguranças diante do novo, do incerto, do difícil, que diariamente são convocados
a buscar. Um cenário político, descontínuo, onde as forças condutoras e produtoras de
movimento acabam ressignificando a vida e as práticas escolares por meio de reformas
educativas induzidas externamente, sob a predominância da ordem econômica,
forças internas e externas de certa forma autoritárias, que não consideram a voz e as
práticas dos sujeitos envolvidos.
Esse é um processo descontínuo que afeta as condições de trabalho docente,
pois são chamados ou até mesmo convocados a seguirem tendências teóricas; a
mudarem suas concepções de escola, de ensino-aprendizagem; a assumirem novas
posturas, a utilizarem novos materiais, num acelerado processo que, sem mais nem
menos, torna-se obsoleto, sem sentido e, por fim, ultrapassado. Uma estrutura que se
monta e, daí a algum tempo, desmonta-se para novamente se apoiar em outros
pressupostos mais atuais. Um ir e vir que gera desconforto, insatisfação, desencanto
com a profissão e até mesmo a incompreensão que leva à perda da sua identidade
91
profissional, num processo de tensões sociais, de ideologias contraditórias e repletas
de lutas e interesses outros que não a melhoria da qualidade do ensino.
Collares (1999) completa que programas de formação continuada ou projetos:
(...) exemplificam mecanismos de construção de uma descontinuidade que
mantém as mesmas perspectivas. Poderíamos fazer a síntese desses programas
dizendo que, como a “educação continuada” atende a planos de governo e não a
políticas assumidas pelos profissionais do ensino, cada mudança de governo
representa um recomeçar do “zero”, negando-se a história que, no entanto, está
lá – na escola, na sala de aula, nos saberes do professor. O essencial dessa
descontinuidade é o eterno recomeçar, como se passado pudesse ser anulado;
repetição constante do “novo” para manter a eternidade das relações – de poder
– atuais (p. 216).
Nesse sentido, devemos conhecer a história, seus complexos mecanismos de
descontinuidades e continuísmos das políticas educacionais para, assim, construirmos
mais certezas quanto ao nosso lugar no espaço e na história, num processo de
reconhecimento, de pertencimento e autoconhecimento. Um espaço que reconhece as
práticas culturais nele construídas, junto aos alunos e colegas de profissão, num
entrelaçamento de saberes e fazeres que vão configurando a prática pedagógica viva e
vivida, onde romper com o passado nem sempre é necessário.
Nessa concepção, conhecer o novo nem sempre é sinônimo de mudança de
rupturas, mas sim de compreensão e valorização histórica do lugar de onde se fala,
como sujeito que concebe o novo a partir das práticas e experiências vividas,
construídas no seu processo formador.
Freitas (2003), em seus estudos sobre a formação docente, aponta que:
Este momento é propício para recuperarmos nossas concepções histórias de
formação de educadores, avançando para novas formas de organização e
desenvolvimento dos espaços de formação de professores para um novo tempo
e uma nova escola fundados em um projeto histórico social emancipador.
As discussões nos contextos da formação docente são tantas que, em
determinados momentos, são priorizados os debates sobre o social e o cultural. Em
outros, os fatores políticos são a tônica acalorada dos debates que perpassam pela
ética na educação, deixando-nos a certeza da precariedade do sistema educacional
brasileiro.
92
Nesse contexto de diversidades e adversidades, é necessário que aceitemos as
diferenças, que consideremos as sujetividades, a diferença cultural e, acima de tudo,
que possamos produzir conhecimentos que venham a enriquecer ou transformar as
práticas educacionais construídas ao longo de nossa história.
93
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Vida tecida
Um tecido fiz
de vida:
fios subindo,
fios descendo.
Um tecido fiz
de vida:
fios atados,
fios cortados.
Um bordado fiz
no tecido da vida:
Linhas grossas, linhas finas,
Cores claras, cores minhas.
Uma vida tecida,
Bordada, quase rendada.
Relevos de altos e baixos,
Formas de todo jeito,
Que trago aqui no peito.
E agora, trabalho pronto,
Até aquele ponto,
Que não tinha lugar,
Deu um jeito de se encaixar,
Fez textura sem par.
(STEFANI, Rosaly. Leitura: que espaço é esse? 1997)
Tecer vida, tarefa de todas nós... recuperar histórias vivas, vividas e sentidas é o
que fizemos e o que nos fez refletir, conhecer, repensar e construir significados hoje,
confrontados às experiências de um passado que também é vivo, vivido, portanto deve
ser respeitado.
94
Valorizar vidas é respeitar o trabalho pedagógico do professor como sujeito ativo
na sua história e na história da educação, promovida pelo movimento de refletir sobre a
educação inscrita num cotidiano escolar desde a sua concepção.
Este estudo crítico, questionador procurou conhecer a realidade educacional,
trazendo uma perspectiva teórica pensada a partir de uma dada realidade para uma
formação que valorize a docência como uma atividade intelectual, crítica, criativa e
reflexiva, seja ela uma formação inicial ou continuada.
Uma pesquisa que descobriu que as transformações das práticas docentes só se
efetivarão à medida que os professores ampliarem, tomarem consciência da sua própria
prática, aquela desenvolvida em sala de aula e daquelas desenvolvidas na escola como
um todo, compreendendo as práticas dos sistemas de ensino e das políticas públicas,
que direta ou indiretamente interferem na atividade docente. Políticas de formação
docente inicial e continuada que escondem seus reais interesses, que não revelam que
o que está em jogo é a adequação das instituições sociais às características do
processo de produção do capital, que desconsidera seus reais personagens e
contextos históricos.
Nesse sentido, ainda questionamos até que ponto nossas especificidades foram
levadas em consideração, na perspectiva das reformas educacionais oficiais, sobretudo
na formação docente.
Como explicar a difusão de diversas e frustrantes soluções que não atingiram os
resultados esperados, aumentando ainda mais a distância entre a teoria e a prática,
entre os contextos reais e os planos ideais, entre as diferentes histórias, culturas e
posições geograficamente diferentes se considerarmos os estudos que deram origem a
esta pesquisa?
Consideramos que os problemas da educação brasileira e, com ela, possíveis
modelos e soluções para a formação docente inicial ou continuada, com base em
estudos e propostas desenvolvidas em outros contextos, sem que se tenha informação
completa e atualizada sobre seu funcionamento e resultados, é certamente um grande
equívoco em que não devemos incorrer. É necessário conhecer melhor, conhecer de
perto esses processos no sentido de tomar consciência das suas reais repercussões na
prática, a que interesses políticos e econômicos atendem, se consideram seus
95
personagens e contextos como ponto de partida e de chegada. Compreender as
contradições entre real e ideal, neste contexto de duplos sentidos é uma tarefa um tanto
complexa, porém necessária diante das muitas responsabilidades que as reformas
educacionais vêm colocando aos profissionais da educação.
Assim, olhar para o caminho percorrido faz-nos ver, hoje, um pouco da história
da educação brasileira, construída com base no dia-a-dia das experiências escolares,
como produtores em meio a políticas educacionais que ditam suas condutas.
Apresentamos memórias carregadas de emoção, em uma pesquisa preocupada
com a realidade e a complexidade do cotidiano escolar, e que visitou diferentes
espaços, com olhares atentos, sempre respeitando o outro, o lugar do outro na sua
história particular dentro de um contexto mais amplo para, assim, defender o trabalho
docente como possibilidade de pensar a educação e com ela a formação. Acreditamos
nas possibilidades de formação e de transformação do cotidiano escolar, na
proposição de políticas menos autoritárias que, de fato, acreditem nos profissionais que
diariamente fazem a educação em nosso país.
Por meio desta pesquisa, estabelecemos o diálogo com as práticas em
contextos reais, buscamos pensar a formação dentro de um processo único e ao
mesmo tempo global e progressivo de mudança, considerando a cultura escolar e com
ela suas práticas, personagens, símbolos, trabalhando no sentido de integrar à
formação docente as dimensões técnicas, científicas, políticas, sociais, ideológicas,
éticas e culturais .
Outra questão importante a registrar é que, a partir da recuperação das
memórias das professoras no grupo de estudo de HTPC, pudemos recuperar a história
da Educação Infantil local, as experiências vividas pelas professoras no exercício da
docência, proporcionando a compreensão das suas representações, das práticas
escolares e, principalmente, dos condicionantes históricos que as determinaram. Trata-
se de memórias docentes repletas de emoções que, ao serem socializadas no grupo,
trouxeram à tona uma real possibilidade de se fazer pesquisa educacional
preocupada com o ser docente, com o fazer docente e consequentemente, com a
formação docente.
96
Este importante processo de construção de conhecimentos contribuiu para a
formação desta pesquisadora que, ao percorrer diferentes tempos e espaços, levantou
novos questionamentos que poderão ser respondidos em futuros estudos e pesquisas.
Questionamentos relacionados à formação docente no contexto das reformas
educacionais e sua abrangência internacional; às circunstâncias atuais nas quais as
reformas neoliberais têm causado tantos impactos, principalmente na educação, na
escola e na formação docente. Reformas educativas que interferem na vida das escolas
e de seus professores, sem ao menos considerar suas concepções, práticas e
contextos. Assim, confrontar de que forma as reformas educacionais oficiais têm
atingido ou contribuído para a profissionalização do educador se faz necessário,
lembrando que essa profissionalização supõe valorização dos professores, condições
adequadas de exercício, carreira e o desenvolvimento de políticas salariais.
Acreditamos e defendemos uma formação que garanta o acesso ao mais alto
nível de escolaridade, concreta para o momento histórico, que dê condições para que
os educadores compreendam a sua realidade com consciência crítica, permitindo que
estes busquem, experimentem conceitos e saibam lidar com eles, argumentem
conectando idéias e interfiram na sua realidade, transformando as condições da sua
escola, da educação e da sociedade como um todo.
O nosso desafio é o de discutir a formação docente a partir de uma concepção
sócio-histórica e pensar propostas mais concretas para a formação docente, colocando
em movimento concepções e práticas de educação diante do aligeiramento, da
fragilização e degradação da formação e da profissão docente impostos pelas políticas
atuais.
97
Mãos dadas
Não serei o poeta de um mundo caduco.
Também não cantarei o mundo futuro.
Estou preso à vida e olho meus companheiros.
Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças.
Entre eles, considero a enorme realidade.
O presente é tão grande, não nos afastemos.
Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas.
Não serei o cantor de uma mulher, de uma história,
Não direi os suspiros ao anoitecer, a paisagem vista da janela,
Não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida,
Não fugirei para as ilhas e nem serei raptado por serafins.
O tempo é a minha matéria, o tempo presente,
os homens presentes,
a vida presente.
(DRUMMOND, C. de A. Mãos dadas. 1998)
98
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103
ANEXOS
104
ANEXO I
REGISTROS DO COORDENADOR
105
Registros do coordenador na observação do grupo
....................................................................................................................................
A identidade e as concepções docentes: estudos realizados em reuniões semanais
de HTPC (horário de trabalho pedagógico coletivo) no ano de 2002 junto aos
professores da Educação Infantil da Rede Municipal de Ensino.
QUADRO I:
Professor
observado
Dia: 20/08/2002
Questão 1: Professor, quem é
você?
Dia: 24/09/2002
Questão 2:A partir de
que momento o
professor passa a ser
inovador?
Dia: 1/10/2002
Questão 3: Por que não
registramos nossa
prática?
Elenice
“Hoje sou melhor do que fui ontem.
Antigamente nos reuníamos para o
planejamento, onde uma ditava a
seqüência de atividades e as outras
copiavam. O que uma fazia, todas
tinham que fazer também. Agora
não, temos mais autonomia sobre o
que queremos e fazemos”.
“É fazer diferente do
que fazíamos no
passado. Inovar é
trabalhar em conjunto, é
saber o que cada
criança sabe, o que
você vai planejar”.
“Escrever é muito difícil,
exige competências que
não temos”.
Irani
“Assumimos vários papéis em
nossa vida e sabemos que não
podemos misturá-los, mas é muito
difícil!”
“Somos ansiosas e
queremos mudar tudo
de uma só vez”.
“Penso que não gostamos,
porque quando éramos
criança, tínhamos medo
de errar e
consequentemente de
escrever”
Lucia
“Dá tempo para a gente pensar!”
“Eu não entendo o
porque tanta mudança.
Cada hora é uma coisa
diferente. É só
exigências. Não dá para
parar com as
inovações?”
“Quando pego no papel,
as idéias somem. O
registro individual não faz
parte do meu cotidiano.
Não temos tempo para
isso”
Marilena
“Sou uma das professoras mais
antiga da rede, porém estou sempre
aberta a mudanças”.
“Inovação é a palavra
mais ouvida por todas
nós nos últimos
tempos”.
“Como vou prestar
atenção e escrever ao
mesmo tempo? É muito
difícil!”
Nilda
“Hoje vemos o quanto mudamos.
Trabalhamos projetos; refletimos no
grupo de estudo e na roda da
conversa com as crianças; partimos
do que eles sabem, respeitando o
seu desenvolvimento”.
“Professor, é professor o tempo
inteiro. Não se desliga nem nas
horas de lazer”.
“A partir do momento
em que não se recusa a
mudar, que
compreende a
importância de sempre
buscar coisas novas,
que atendam às
necessidades das
crianças”.
“Se você mandar eu fazer
qualquer atividade, faço
com o maior prazer, mas
não me mande escrever!
Não faço nada que não
tenha vontade”
Roberta
“Sinto que a cada dia precisamos
mais aprofundar nossos
conhecimentos teóricos e práticos
para podermos encontrar saídas”.
“A partir do momento
que nos deparamos
com situações difíceis,
que exige de nós uma
tomada de atitude. Não
podemos nos
“Falta o hábito, porém hoje
percebo a grande
importância desse ato.
Devemos cultivar o
hábito”.
106
amedrontar e sim tomar
coragem e iniciativa
para buscar novos
caminhos”.
Vanda
“Sou uma professora dedicada
àquilo que faço, pois gosto muito de
ser professora”.
“Silvia, por que a teoria
na prática é tão
diferente? Aqui falando,
parece tudo fácil!”
“Não temos tempo para
isso. É muita cobrança.”
Crislei
“É difícil pois os filhos, a família, nos
cobram muito e a escola por sua
vez também”.
“Muita coisa já mudou
em nossa sala de aula”.
“Registrar para quê?
Quem vai ler?”
Sônia
“Hoje percebo a importância de
construirmos significados sobre o
nosso percurso. A história da nossa
trajetória, não nos deixando levar
pelas pressões do cotidiano.
Devemos priorizar e viver
intensamente nossas prioridades”.
“Inovamos a todo o
momento!”
“Hoje reconheço a
importância dos registros
na preservação da nossa
história. Preciso de
orientações, pois tenho
dificuldade”.
Continuação
Professor
observado
Dia: 12/03/2003
Questão : Como você se tornou professora?
Dia: 19/03/2003
Questão: O que o professor faz que
um leigo não poderia fazer?
Elenice
“Me tornei professora porque desde muito
pequena, gostava de ver e admirar uma
professora dando aula. Pensava que essa era a
profissão mais importante, pois ajudava a construir
um país melhor. Hoje percebo o quanto é difícil
ser professor e quanta responsabilidade exige.
Mas, mesmo assim, é gratificante”.
“O professor conhece cada um de
seus alunos, o caminho da
aprendizagem, conhece as etapas do
desenvolvimento, os avanços e as
dificuldades de cada um. Planeja,
orienta, coisas que um leigo não faz”.
Irani
“Não tinha condições de fazer faculdade, então,
fugi do colegial e fui para o magistério pois já saia
com diploma. No início não tinha a consciência
profissional que tenho agora e ainda mais que
estou agora cursando pedagogia”.
“O que diferencia o professor de um
leigo é a sua formação e autonomia”.
Lucia
“Sempre gostei de criança e ser professora era o
meu sonho”.
“Avaliar o aluno. Um leigo não pode
fazer”.
Marilena
“Era meu sonho e da minha família me tornar
professora, então optei pelo magistério”.
“O que o professor faz em sala de
aula, qualquer um pode fazer”.
Nilda
“Meu pai achava que as 3 filhas dele tinham que
ser professora. Mulher naquela época não saia da
cidade para estudar. Me lembro que até prestei o
vestibular para agronomia que era a minha
paixão”.
“Um professore precisa conhecer as
fases do desenvolvimento infantil”.
Roberta
“Quando estava na 8
a
. série, tinha um professor
que nos orientou para que fizéssemos CEFAM.
Assim me tornei professora”.
“Ser professor é ter método, é ter
postura profissional, é investigar”.
Vanda
“Com muito esforço e vontade, me formei
professora depois de casada e com 3 filhos
pequenos. Desde criança sonhava em ser
professora. Casei muito jovem e tive que parar de
estudar. Só depois de 11 anos que voltei para
“As pessoas às vezes pensam que dar
aula para criança é só brincar. Mas
nós sabemos que ser professora
envolve uma série de conhecimentos
que um leigo não tem. Mas eu ainda
107
realizar o meu sonho”. acho que o mais importante é o amor à
profissão. A alegria que temos ao ver
nossos alunos caminhando é
maravilhoso”.
Crislei
“Quando estava no 1
o
. colegial, fiz um teste de
aptidão e o resultado foi relacionado a educação,
então resolvi fazer magistério. Sempre gostei
muito de crianças e de estudar, então ir a escola
foi sempre muito bom”.
“Um professor, aplica conhecimentos
teóricos sempre respeitando a
individualidade de cada aluno e agindo
dentro dos padrões pedagógicos,
coisas que um leigo não faz”.
Sônia
“Queria ser assistente social e por falta de dinheiro
para cursar a faculdade, optei pelo magistério. Fui
babá até que prestei o concurso para professor e
passei”.
“Ser professor não é a mesma coisa
que um ‘dador de aulas’. Um leigo faz
por fazer ou melhor, sem saber o que
está fazendo. Já o professor não. Ele
precisa de um objetivo, de um
método,fazer interferências, avaliar”.
108
Identificação do grupo de formação continuada na
Educação Infantil
....................................................................................................................................
FormaçãoProfessora Idade
Magistério Pedagogia Pós-grad.
Lato
Sensu
Anos na
profissão
Aline* 29 anos X X X
8 anos de
magistério e
2 anos na
Educação
Infantil
Roberta 30 anos CEFAM X X 10 anos
Lucia 39 anos X X X 18 anos
Crislei 39 anos X X X 19 anos
Tânia*** 40 anos X X X 13 anos
Sônia 44 anos X X 10 anos
Irani** 45 anos X X X 15 anos
Nilda 45 anos X X 16 anos
Vanda 51 anos X X X 19 anos
Elenice 52 anos X X 19 anos
Marilena 56 anos X 23 anos
* A professora Aline se afastou por motivo de licença gestante
** A professora Irani está afastada da Educação Infantil (foi convidada para exercer a função de
coordenadora pedagógica em uma escola no Ensino Fundamental)
*** A professora Tânia foi inserida posteriormente
109
ANEXO II
MEMÓRIAS DE PROFESSORES
110
MEMÓRIAS DE PROFESSORES
ROBERTA
A princípio, quando eu estava cursando a oitava série na escola Vivente Felício
Primo, não tinha a menor idéia do que eu faria. Acreditava que o meu percurso natural
seria fazer colegial e, então somente ai eu decidiria. Mas, felizmente, passou pelo meu
caminho um professor chamado Ailton, que comentou a respeito do CEFAM de
Araçatuba. O que me chamou atenção em sua fala foi a questão do salário que o
Estado pagava para os estudantes do CEFAM, porém tínhamos que passar por uma
seleção.
Apenas eu e uma amiga nos interessamos pelo curso e então nos preparamos
para tal seleção, e fizemos a inscrição. Passamos por um mini-vestibular, como
chamavam a prova na época, que por sinal achei muito difícil, mas ao final
conseguimos passar. Após a classificação, passamos por uma entrevista com a
coordenadora da escola, onde tudo transcorreu bem.
Talvez já existisse em mim uma certa vontade de ser professora, pelo fato de ser
a profissão de minha mãe, mas ainda não havia se manifestado. Mas, confesso que eu
não poderia ter feito escolha melhor, tanto em relação a maravilha que foi o meu curso
de formação, quanto ao que vivo hoje enquanto professora. Meus professores estavam
à frente de quaisquer outros que atuavam no magistério: as idéias eram inovadoras,
enfim, muito do que faço hoje é resultado dos ensinamentos aprendidos no CEFAM.
Logo que terminei o curso, já prestei concurso público na prefeitura e onde me
efetivei, começando a atuar na EMEI Parque Pedacinho do Céu que ficava dentro de
uma creche.
Quando entrei pela primeira vez nesta escola, senti uma frieza muito grande por
parte das funcionárias, que por ser uma creche, eram tratadas como babás e, como eu
já tinha ouvido falar dessa creche de maneira negativa, achei que seria “a salvadora da
pátria”.
Aconteceu um fato no meu primeiro dia de aula que só comentei com meus
familiares. Um aluno, que já havia se mostrado desafiador em sala de aula, resolveu me
desafiar de uma forma que hoje, acaba sendo cômico. Na hora do café da manhã, ele
me ofereceu um pão, aceitei e agradeci, pois não podia me desfazer de tal atitude.
111
Comi um pedacinho, e neste momento percebi que começaram a rir, desconfiei, abri o
pão e vi que tinham colocado nada mais, nada menos do que um grilo dentro.
Foi um ano tenebroso! Achava-me péssima e na verdade eu guardava todo esse
desespero para mim.
Neste início de trajetória, só consigo me lembrar de uma professora que
trabalhava comigo e que tinha muitos ideais e conceitos bem próximos aos meus. Foi
uma pessoa que me marcou positivamente. A supervisora na época, talvez tenha me
marcado negativamente, pois em suas visitas ficava com má impressão do meu
trabalho. Mas tudo isso faz parte do início, portanto não tenho mágoas.
O que consigo lembrar no que tange ao coletivo neste início de carreira, é das
reuniões que realizávamos entre nós, professoras do período da manhã, que
aconteciam geralmente na casa de uma professora, onde preparávamos as aulas
semanais ou da quinzena. Eu não concordava muito em trabalhar as mesmas
atividades de uma maneira uniforme, sendo que cada turma apresentava aspectos
diferentes, mas como eu ainda não tinha argumentos que tenho hoje, acabava
aceitando.
Havia apenas uma coordenadora pedagógica que atuava no HTPC e, como não
trabalhávamos com projetos, como acontece hoje, realizávamos leituras mais soltas e
não consigo me lembrar de uma orientação mais individualizada como também temos
hoje.
Os planejamentos eram bem diferentes, sem sentido, onde pouco me lembro de
ter realmente atuado na elaboração dos planos de ensino.
Contávamos com apenas uma psicóloga e uma fonoaudióloga que nos
passavam orientações nos HTPCs e em reuniões, mas pouco sentia de retorno em
seus atendimentos. Não era um trabalho tão organizado e efetivo como acontece
agora.
Quando ainda esta cursando o magistério no CEFAM, os professores
comentavam muito sobre o curso de pedagogia, como algo que nos levaria a estudar a
educação, os sistemas de ensino, enfim, de ter uma visão mais ampla sobre o
magistério em geral, além de comentarem também sobre a possibilidade de nos
tornarmos diretores de escola.
112
Esse ideal de atuar na direção de uma escola, deve ter feito parte da intenção de
muitas pessoas, como fez parte de mim, mas acabou sendo um pouco abafado no
decorrer da minha trajetória. Houve também a vontade de me tornar proprietária de
escola, algo que acabou se concretizando, mas acredito que eu não estava tão
preparada como estou hoje.
Apesar de muitas pessoas de minha convivência terem tentado mudar meus
planos de cursar pedagogia, por acreditarem que não daria futuro em se tratando de
remuneração, mesmo assim investi e fui cursar na cidade de Penápolis-SP.
Na verdade, o curso não foi tão significativo como eu esperava que fosse em
relação à aprendizagem. Acredito que aprendi muito mais nesses anos dentro da
Prefeitura através dos cursos que nos foram proporcionados, do que na apropria
faculdade. Lembro-me de uma professora que trabalhou bastante a questão da
aprendizagem em leitura e escrita de forma muito acessível, onde consegui fazer uma
relação muito próxima com o que eu estava trabalhando em sala de aula com meus
alunos.
Os conceitos passados sobre Piaget, Vygotsky, Emilia Ferreiro, foram muito
superficiais, enfim, acredito que nem mesmo os próprios professores tinham a noção
exata da importância de um saber mais aprofundado, ou não sabiam mesmo como
transmiti-lo.
Confesso que não me lembro de ter modificado em nenhum momento a minha
prática em função do que aprendi na faculdade. Sentia-me apta a prestar um concurso,
mas não que esses conhecimentos teóricos chegassem a ser inovadores para a minha
prática.
Repito que conquistei autonomia e segurança na minha formação continuada em
serviço depois da faculdade.
Minha dedicação em relação ao trabalho, sempre esteve acima de qualquer
outra coisa e me sinto bem por agir assim e, por conta dessa dedicação, sempre
procurei fazer os meus alunos felizes, trabalhando com o que lhes dessem prazer, com
o que os ajudassem a se desenvolverem em todos os sentidos. Porém, ainda falta
muito estudo para que eu tenha um posicionamento mais fundamentado sobre o meu
trabalho.
113
Procuro aplicar ao máximo aquilo que aprendo nos cursos, congressos e outros.
penso que cresci muito desde que iniciei minha carreira na prefeitura, ou seja, realizo
tudo com muito mais segurança e poder de argumentação.
Estou muito mais cautelosa no preparo das minhas aulas, onde procuro
contemplar de maneira mais harmônica os vários eixos, me dedicando com mais
lucidez em relação à leitura e a escrita, à matemática, ao movimento, às artes, enfim,
com a ajuda dos projetos que determinam uma linha a ser seguida, penso que a minha
prática mudou, onde tenho muito mais constância naquilo que acredito que tenha que
se transformar em rotina diária. Estou ouvindo com muito mais atenção as falas dos
meus alunos e traduzindo essas falas em atividades que lhes proporcionem maiores
clarezas sobre alguns assuntos, enfim, minha prática de ensino está hoje baseada
numa troca muito mais intensa.
Acredito que os espaços de formação em serviço na rede deram uma guinada de
quase 360
o
. Estamos encontrando uma linha de pensamento que até então não
tínhamos. Posso afirmar que esses espaços já me fizeram refletir muito sobre a minha
prática e, com certeza, mudanças aconteceram. São momentos extremamente
importantes, apesar de às vezes reclamarmos pelo nosso cansaço ou por outros
motivos que nos surgem.
Todo início de ano por exemplo é marcado por muita expectativa, principalmente
pelo medo de que mudanças possam acontecer e entrar em choque com a nossa
capacidade de atuação diante das novas exigências. Justamente pelas intenções e
desejos que já nos tomam de início, muitas vezes nos dá a impressão que o tempo
pode ser curto demais para darmos conta das exigências. Este ano, nos deparamos
com a execução do adendo da proposta pedagógica para o ano de 2005, que nos anos
anteriores era feito pela equipe administrativa/pedagógica. Coisa nova! Complexo
demais por termos que pensar em questões tão amplas, que saem fora dos domínios
da sala de aula. O desafio foi total. Naquele momento, do encontro com o novo, não
sabia se seria capaz ou não de executá-lo. Na verdade, agi mais como um escriba, pois
eu estava pela primeira vez reunida com um grupo de professores da escola onde
comecei a atuar. Sugeri algumas idéias que acredito terem sido úteis. Consegui ter
uma noção do que a escola havia desenvolvido justamente no momento de descrever
114
as ações, os aspectos positivos e negativos, as razões de tais resultados. Com o auxilio
da coordenadora pedagógica tudo foi transcorrendo bem e o que me parecia chato, se
transformou em reflexão e aprendizagem. Este ano a elaboração do plano de ensino foi
de fato significativo, pois atuamos nele do começo ao fim. O fato de termos que pensar
em nossa criança real e buscarmos respaldo nos RCNEI, não apenas como copistas,
mas com consciência, deu-nos a certeza de que iremos utilizá-lo durante o ano e não
(como nos anos anteriores) deixá-lo na gaveta. Quando a mudança vem com auxilio,
sugestões e principalmente respaldada pela segurança de quem as promove, nos
sentimos aptas a irmos ao seu encontro, por acreditar que somos seres mutáveis e
capazes. Mas, é preciso pensar que temos dois tipos de mudança: aquela que vem
com a moda e as que são realmente conscientes, com a real intenção de melhorar a
nossa realidade. Acredito que toda transformação só acontece quando há consciência,
baseada em estudos, discutida, num movimento dinâmico e constante.
Só é possível um crescimento, quando nos baseamos em estudos que
promovam encontros nossos com nossa própria atuação e encontros com a atuação do
outro, onde descobrimos que em algumas situações estamos além e em outras
podemos estar aquém.
115
LUCIA
Inicialmente, tornar-me professora foi a conquista de um grande sonho que com
muito esforço e sacrifício consegui realizar. Na época cursei o magistério e fiz a
especialização em pré-escola, realizando um sonho. Fiz inscrição na prefeitura na
busca por iniciar uma carreira, que após entrevista, fui aprovada. Isso aconteceu no
ano de 1986. Não me lembro da entrevista, mas lembro que estudei, me preparei para
o concurso.
Iniciar foi maravilhoso, pois comecei no Bairro Toselar com a amiga Juceli, que
na época foi uma colega de trabalho da qual tenho ótimas lembranças dos momentos e
das dificuldades que vencemos.
Planejar as atividades pedagógicas no início era aos finais de semana onde se
reunia amigas da nossa escola e de outras mais para refletir, recordar e preparar as
atividades.
A equipe pedagógica quase não existia e havia a diretora que ficava muito
distante da nossa sala de aula. Nos encontrávamos nas reuniões pedagógicas onde
eram passados os avisos e comunicados.
Chegando a necessidade do certificado de pedagogia devido às exigências da
Lei, procuramos um curso de final de semana e ainda com grande sacrifício. Os
conhecimentos adquiridos foram muito poucos. Aprendemos quase nada, pois os
professores pouco explicavam, apenas aplicavam a prova. Significativos foram os
esforços no sentido de conclui-lo: pagamento das mensalidades que eram altas diante
do que recebíamos pelo nosso trabalho.
A relação teoria e prática cresceu muito ao longo do nosso processo de
formação, devido à comunicação e à informação hoje presente. Ao realizarmos os
estágios em sala de aula, junto ao professor, podemos compreender as dificuldades de
ser professor, que nos ajudaram a construir novos conhecimentos.
Procuro a cada dia rever minha prática e postura em minha escola, seja com as
colegas, com os pais ou com alunos, procurando fazer o melhor e da melhor forma
possível . Procuro buscar novos conhecimentos e práticas de ensino junto a minha
coordenadora pedagógica que nos ajuda e nos orienta em nosso trabalho. Penso que a
116
cada dia construímos mais conhecimentos e percebo grandes avanços na educação
infantil desde o dia que comecei a exercer esta profissão. Essas conquistas se devem
aos cursos de aperfeiçoamento oferecido aos professores da rede e, ainda, como disse
anteriormente, pela orientação e apoio da coordenadora que trabalha junto ao
professor.
A formação continuada tem sido realizada com muito sucesso na minha
instituição, pois tem proporcionado ao professor o que se tem de melhor na educação
infantil com palestras, jornadas de educação, cursos de atualização e aperfeiçoamento.
Tem sido um caminhar junto, onde a teoria está sempre aliada à prática. Tudo o que
estudamos e discutimos, procuramos estar levando para a sala de aula, para nossos
alunos o que possibilita a abertura de novos horizontes e a construção de novos
conhecimentos .
117
CRISLEI
Tornei-me professora por não ter a coragem de enfrentar os meus pais,
principalmente a minha mãe que não gostava que eu estudasse. Ela achava que
mulher não precisava estudar além da 4
a
. série, pois era educada para me casar, ter
filhos, constituir família e principalmente ser casada com um bom partido e morar no
sítio. Lutei muito para continuar estudando depois da 4
a
. série primária. Minha mãe
ainda achava que mulher ia para a escola para ficar paquerando, enfim, mulher que
não prestava.
Quando estava no 1
o
colegial, fiz teste de aptidão e o resultado foi: professora;
psicóloga; assistente social; áreas ligadas à educação.
Para fazer o magistério não precisava do colegial e daí ficou fácil concluir o
curso. Naquela época namorava um rapaz que a minha mãe adorava, não tive coragem
de enfrentá-la, desafiando-a a me deixar cursar psicologia em outra cidade e muito
menos abandonar o namoro sério. O casamento certamente estaria próximo, pois já
tinha completado 2 anos de namoro.
Em 1984, terminei o magistério, continuei o namoro, morava no sítio e vivia a
vidinha pacata. Tinha uma prima, que havia pegado aulas no Mobral e me indicou o
local das inscrições. Fiz as provas para o ingresso, demorando mais ou menos 2
meses para ser chamada para a entrevista que, por sinal, passei em primeiro lugar.
Lembro-me até hoje do dia em que veio no sítio a chamada para a entrevista.
Para minha decepção, minha mãe não queria que eu fosse, mais uma vez, bati o
pé e fui! Para minha felicidade, peguei uma sala de aula (minha para o ano todo) no
Parque Pequeno Príncipe. Quando cheguei à sala de aula, confesso que senti muito
medo, insegurança, pois tinha nas mãos um plano de aula que mais parecia um bicho
de 7 cabeças. Foi muito difícil, sozinha, sem experiência, mal tinha saído do magistério
e os olhares curiosos das crianças famintas por aprender, me assustava ainda mais.
No início vinha todo o dia do sítio, deixava uma bicicleta na casa de minha tia,
pegava a bicicleta e ia para a escola, assim, foram 4 meses.
No início do ano de 1986 fui para o Parque Narizinho, só que agora vinha de
carro do sítio. Rezávamos muito, pois não sabíamos dirigir direito, o carro afogava, ora
deixava no posto Silvares e ia o resto de bicicleta.
118
Neste ano, aconteceram vários problemas que me levaram a ser demitida pela
Diretora. Pedi a ela uma chance para por o diário de classe em dia, pois estava
atrasado um mês, e no dia marcado levei-o para ela, prometendo que não iria se
arrepender de ter me dado essa oportunidade. No final do ano, fizemos uma exposição
onde é o Plaza Hotel, foi aonde ela veio até mim e disse:”Você deu uma guinada de
200 graus”. Daí para frente, fui muito elogiada, me casei e passei a ser muito respeitada
e valorizada por ela. Todo final de ano dizia que eu era a melhor professora do Jardim II
e me colocava para ditar as atividades daquela turma para o grupo de professoras.
Fiquei no Parque Narizinho por 8 anos, gostei muito desse período: tive alunos
maravilhosos que produziam coisas lindas, eram obedientes, filhos de pais dedicados
que valorizavam o trabalho do professor, chegando até a me aplaudirem em uma
reunião de pais. Mas, tinha o desejo de conhecer uma escola que brilhava muito aos
olhos de todos. Esta escola naquela época fazia grandes shows no encerramento do
ano letivo, era o acontecimento do ano e, assim, todos os pais queriam que seus filhos
estudassem lá, pois eles eram sabidos e inteligentes e mereciam uma boa escola. Foi
uma grande decepção, pois os alunos eram filhinhos de papai, não tinham disciplina,
não tinham capricho. E o pior de tudo é que a diretora agora, achava que eu havia
regredido, que os alunos não produziam o capricho que ela tanto valorizava.
Os anos foram se passando e fui me acostumando com a clientela, me
adequando àquela realidade. Sofri também, pois tinha outro emprego, e era
discriminada por não ter todo o tempo livre como as outras. Como elas estavam
enganadas a meu respeito, sempre fui dedicada aos meus alunos, aos pais e
competente quanto ao meu trabalho. Quando estava grávida, muitas calúnias sofri , por
uma parte de uma professora. A direção e a coordenação um dia disseram para mim:
“Você tem que mudar, é muito mãezona!”.
Tudo o que faço é simplesmente por amor a profissão e as crianças. Quanto à
condição de ser mãezona, tentei mudar, mas não consegui. Este ano completo 20 anos
de magistério, 20 anos de lutas, sacrifícios e principalmente de amor e dedicação a
uma profissão tão cobrada, massacrada por uma sociedade que discrimina aqueles que
não são iguais.
119
No inicio do meu casamento, tive dupla jornada de trabalho, também oferecida
pela diretora da época, por achar que eu era uma boa professora.
Fiz pedagogia nessa mesma época, apenas para ter um curso superior. Apenas
para dizer, “sou pedagoga” (não me esquecendo do sonho de ser psicóloga). Fazia em
uma faculdade onde tínhamos que freqüentar uma vez por mês, e, ao final do último
ano, engravidei do meu primeiro filho, o que dificultou um pouco o término do curso.
Terminei a pedagogia em 1989 com um filho nos braços e penso que não aprendi
muito, pois todas as provas eram com consultas. A pedagogia não influenciou em nada
a minha aprendizagem teórica; prática, eu adquiri na escola, com os alunos e os muitos
cursos de pequena duração que fiz com muito sucesso.
Hoje vejo a prática de ensino como dirigir uma casa, conciliando atividades para
cada dia, observando os resultados positivos e negativos de uma maneira crítica
construtiva e principalmente respeitando o potencial de cada um com muito carinho e
amor.
Procuro trabalhar a teoria e a prática como uma artista, mãe, professora, avó,
médica e psicóloga.
120
SÔNIA
Ao terminar o magistério, prestei o concurso público para babá a fim de exercer a
função com crianças de 0 a 6 anos nas creches municipais. Ao passar no concurso,
trabalhei por 7 anos, sempre prestando novos concursos, almejando ser professora na
Educação Infantil. Na quarta tentativa, passei no concurso público e, depois de algum
tempo, fui chamada para ingressar na Escola Municipal de Educação Infantil Parque
Pedacinho do Céu, local onde ingressei anteriormente trabalhava como babá.
Uma alegria foi ter ingressado no magistério, e uma decepção foi ter sido tão mal
recebida na Educação Infantil. Acredito que tenha sido em função de ter sido babá.
No início da minha carreira foi muito difícil, não tinha experiência em sala de
aula, os grupos de professoras constituídos naquela época eram bastantes fechados,
porém anjos existem, e foi um desses que encontrei, uma professora que trabalhava
na mesma escola, e que me deu muitas orientações sobre o fazer na Educação Infantil.
No coletivo escolar, não fui muito bem aceita, acredito que foi pelo fato de ter
sido babá, o preconceito era evidente, porém, no ano de 1994, a coordenadora
pedagógica estava sempre disposta a me auxiliar, aprendi muito com ela.
Uma coisa que sempre me incomodou na rede, é a disputa que se tem entre os
profissionais da educação. É muito clara a disputa por ser a melhor.
A formação no ensino superior veio da necessidade de regularizar a minha
situação na rede (após a LDB) e, também, dar seguimento a minha formação como
educadora.
No início do curso, pensei em desistir, por achar que não iria conseguir
compreender os conteúdos, pois fazia 18 anos que havia terminado o magistério,
porém, com muito esforço, consegui terminar e, digo que foi com muitos êxitos, que
aprendi a ser mais reflexiva e mais receptiva às novas propostas de trabalho.
O que foi mais significativo para mim é que não devo jamais subestimar os meus
conhecimentos achando que não sou capaz de enfrentar desafios, mas após o curso,
percebo que me sinto muito mais determinada em me lançar a coisas novas. Hoje vejo
que conquistei um espaço importante na rede, respeitam o meu trabalho. Essa
conquista também devo aos meus alunos que confiam em mim e colocam desafios a
serem superados.
121
A relação teoria e prática desenvolvida no meu processo de formação no Ensino
Superior acredito que foi razoável, pois penso que as teorias se completam com a
prática, ela é norteadora do nosso trabalho, no entanto é preciso pensar sobre elas,
pois algumas não traduzem a realidade.
Acredito que apesar das inúmeras dificuldades (integração família escola, sala
numerosa, falta de materiais para trabalhar e, as limitações de conhecimento), a minha
prática de ensino na instituição onde atuo, é muito significativa e faz a diferença na
realidade dos meus alunos. Percebo que ainda há muito por fazer, por melhorar. Aquilo
que faço com meus alunos, é o que de fato acredito estar fazendo de melhor.
Observando a prática em outras redes de ensino, percebo o quanto somos
privilegiadas por ter uma Secretaria de Educação que se preocupa com a formação dos
professores, trazendo profissionais, cursos que são de grande importância na melhoria
da qualidade do ensino. Todos os ensinamentos que aprendo, procuro estar
desenvolvendo com meus alunos.
A relação teoria e prática no meu dia-a-dia é um grande nó em nossa profissão.
Nessa relação conflituosa, as que são claras para o meu entendimento, procuro trazer
para a minha sala de aula, as que fogem do meu entendimento, busco orientações e
esclarecimentos junto à coordenadora pedagógica, em livros, na internet, nas amigas
professoras do grupo de estudos..
122
NILDA
Queria ser agrônoma, mas meu pai queria que as três filhas dele fossem
professoras. Para ele, ser professora era motivo de orgulho e sinônimo de status social.
Ele de certa forma tinha razão, pois hoje adoro a minha profissão.
No meu primeiro dia de aula fiquei apavorada, pois me dei conta de que não
sabia de nada. Então resolvi fechar a porta da sala de aula e aprender com as minhas
crianças, com suas necessidades.
Foi um ano muito difícil, pois comecei na EMEI Parque Pedacinho do Céu, dentro
da creche e lá havia muita gente no comando, pois esta creche atendia em média 500
crianças. Todos mandavam, e ninguém se preocupava com os professores que ali
trabalhavam ou com as crianças, havia muita interferência política. Festas imensas
preparadas para adultos e não para as crianças. Sofremos muito, não tínhamos uma
coordenação, passamos então a procurar pessoas mais experientes, mais antigas na
profissão para poder aprender a parte pedagógica. Fomos bem recebidas pelas
professoras Marciana, Lânia que nos acolheram e nos instruíram. Eram tempos difíceis,
não tínhamos quase que material nenhum para trabalhar, tudo o que comprávamos
para a sala de aula, mandávamos embrulhar para presente para depois podermos
utilizar o papel em sala de aula.
Tínhamos um diário de classe, uma pasta de atividades, caderneta, um caderno
de objetivos e um caderno para o semanário.
Um dia nossa supervisora, que era também diretora, chegou na minha sala de
aula e me pediu o diário de classe.
Eu fiquei nervosa, perdida, com medo e entreguei o semanário para a
supervisora. Ela não me disse nada, não me explicou nada e no outro dia fui chamada
na Secretaria de Educação para assinar uma carta de advertência. Passado algum
tempo, ela entendeu a minha situação de inexperiência, me chamou e rasgou a
advertência.
Tínhamos reuniões todos os fins de semana (na casa de amigas) para poder
aprender e por em prática o pedagógico. As atividades eram iguais para toda a rede e
ai daquela que saísse fora do combinado.
123
Os dias tinham cheiro de humanidade, cheiro de creche, até os puns eram
iguais, pois todos comiam a mesma comida. Na hora do banho, o cheiro de creme
dental se misturava com o cheiro do shampoo, do sabonete e da cozinha, que no final
resultava em um cheiro muito particular... o de creche!
Não estava preparada para aquela realidade, mas aprendi aos trancos e
barrancos, com muitas lágrimas e noites sem dormir.
Tudo o que pensava fazer para melhorar o cenário, era barrada. Não desisti, lutei
contra tudo, por acreditar que podia ser diferente, briguei. Meu maior desafio era de
mostrar que aquelas crianças eram seres humanos e tinham sentimentos, eram
diferentes umas das outras, pois cada uma vinha de uma realidade diferente. Lembro-
me um dia em que, ao dar uma atividade sobre animais de penas e pelos, percebi que
eles não conheciam animais, pois não tinham vivência, não conheciam. Perguntei-me
então como podia dar aquele tipo de proposta? Todos achavam que eu era louca ou
que queria me aparecer, pois não queria seguir os modelos propostos como por
exemplo: terra marrom, árvores verdes, flores amarelas ou vermelhas, etc. O
pedagógico, era o que as professoras mais velhas da rede decidiam ser mais
importante: as etapas e os modelos (organizados em pastas e cadernos), que a diretora
passava. O planejamento, era sempre o mesmo todos os anos, cópia da cópia. Eu
sempre dava um jeito de driblar e trabalhar segundo meus princípios. Sempre gostei de
sentar no chão para trabalhar, subir nas árvores e apanhar frutas para as crianças,
dançava junto com eles, saía para conhecer coisas novas. Até o meu jeito de vestir
incomodava, diziam que professor tem que ter modos tem que ser modelo. Lembro-me
também que quando um professor não trabalhava de acordo com os modelos, ele era
mandado para um outro grupo (aquele que julgavam ser o melhor) para aprender a
trabalhar.
No magistério, sempre fui movida pelo amor à profissão que escolhi, a motivação
vinha da minha busca por encontrar respostas colocada pelos desafios que o dia-a-dia
me impunha, por acreditar no sonho, e também, por não decepcionar aqueles que em
mim acreditavam, da maneira como sou.
A formação no ensino superior veio a partir das exigências impostas pela LDB. A
pressão da administração que naquela época dizia “não percam tempo, vão fazer a
124
pedagogia”, com isso, o grupo sentiu a urgência diante da necessidade de ter o ensino
superior. Fomos estudar fora da cidade, também com o mesmo grupo de trabalho.
Hoje me arrependo, devia ter pensado melhor e procurado uma faculdade que fosse
mais bem conceituada, que realmente se preocupasse com a nossa formação.
Não sei o que aprendi ou o que foi mais significativo para a minha formação
profissional. Hoje, vejo que naquela instituição, a prática era arcaica, faziam com os
alunos aquilo que nós não devemos seguir como modelos. Buscamos apenas o
diploma.
Relação teoria e prática desenvolvida na instituição em meu processo de
formação no Ensino Superior? O que ficou é que teoria é uma coisa e prática é outra.
A educação mudou muito, mas a mudança ainda não chegou às Universidades.
Hoje vejo que a minha prática na Educação Infantil a cada dia é melhorada, pois
aprendo muito com meus alunos, tento fazer o melhor, procurando a partir das
vivências, respeitar as diferenças, conhecer o que eles têm a me dizer, o que sabem
sobre as coisas do mundo. Penso que muito ainda tenho que aprender, mas estou no
caminho certo, diante dos resultados positivos que a cada final de ano avalio, vejo.
Os espaços destinados a formação continuada na rede, me auxiliam muito, pois
tirou a venda que havia em nossos olhos, tirou o mofo, o ranço, de uma educação
limitada. As conquistas que vejo não são minhas somente, mas de todo um grupo que
dia-a-dia vai aprendendo sempre respeitando o tempo de cada um.
Teoria e prática hoje andam juntas, pois de nada adianta uma prática que não
caminha ao lado da teoria, como relacionar teoria se não for através da prática?
125
VANDA
Após a minha separação no ano de 1980, voltei a estudar novamente com o
propósito de ser professora, pois havia parado de estudar para me casar e daí vieram
os filhos e eu não pude mais estudar.
Fiz então o magistério e me formei no ano de 1984, no mesmo ano abriram as
inscrições para professores da Educação infantil na rede municipal de educação, foi
quando tive a oportunidade de participar do concurso. Fiz um curso na cidade de
Buritama-SP por 15 dias e fiquei aguardando ser chamada. No ano seguinte, mal tinha
guardado o diploma, fui convidada para dar aulas no curso supletivo do 1
o
. ano e daí
não mais deixei a docência.
No meu primeiro dia de aula tremia de cima em baixo porque não eram crianças
no curso de supletivo, mas sim adultos, idosos querendo aprender a ler e a escrever.
Lembro-me que quando cheguei na sala de aula ouvi “outra professora”... Era dia
7 de março do ano de 1985 e já haviam passado naquela classe duas professoras
antes de mim desde o início das aulas. Apresentei-me e conversamos sobre os
motivos pelos quais os outros professores foram obrigados a saírem. Com esforço e
dedicação, superei a ansiedade, ensinava e aprendia com eles as lições de vida de
cada um. Lembro-me também que quando chegou o final do ano, foi realizado um
exame para serem aprovados para as series seguintes. Comemoramos as conquistas
com direito até de amigo secreto. Infelizmente, o Mobral foi extinto no ano de 1986 e
junto a sua extinção, foi mudada a nossa diretora e coordenadora pedagógica. Nesse
mesmo ano assumi uma classe de Jardim II no Parque Narizinho por 3 meses, quase
no final do ano. A professora dessa classe havia sido mandada embora e, foi nessa
época que conheci a professora Elenice e Marciana. Passamos então a nos reunir
para estudar, trocar experiências e planejar as atividades. Quanto à equipe pedagógica
da época, era só cobranças, que iam desde a arrumação dos armários dos professores
(elas abriam tudo para fiscalizar) até as lembrancinhas feitas para as festas
comemorativas que tinham que ser iguaizinhas. Trabalhávamos com muito medo,
porque quando chegava a supervisão era tudo olhado: caderno por caderno; caderneta;
diário; limpeza da sala; armários; etc.
126
Uma vez estava substituindo uma professora na escola da Vila Xavier - que
funcionava no fundo da igreja Nossa Senhora Aparecida – a diretora chegou e
mandou que os alunos desenhassem as formas geométricas pedidas por ela na lousa
para ver se realmente a professora havia ensinado e depois mandou que os alunos
formassem colunas no pátio fora da sala de aula. Logo em seguida pediu para que os
mesmos dessem passos para a direita, passos para a esquerda... Nós temendo que as
crianças não soubessem, amarrávamos barbantes no braço direito das crianças para
que elas não se esquecessem de qual era o seu lado direito.
No início do ano, se a classe não completasse a quantidade desejada de alunos
para permanecer com a classe aberta, os professores tinham que bater de casa em
casa pelas ruas do bairro em busca de alunos com medo de não ficarmos sem classe
para dar aulas.
O nosso amigo Danelutti (fotógrafo), foi pela primeira vez na escola no ano de
1988 tirar fotos das crianças com um carro todo velho da marca Opala. Colocava um
pano atrás do aluno, no meio do pátio e tirava fotos, assim como hoje, só que agora
todo equipado com recursos tecnológicos.
Quanto ao progresso da Educação Infantil, veio a partir da mudança da direção e
da supervisão, pois estas davam um pouco mais de autonomia fazendo-nos sentir mais
seguras, pois que tínhamos alguém em quem confiar. Este período foi muito rico em
aprendizagens, pois organizavam encontros para se discutir sobre matemática, história,
brincadeiras e que, ao final, organizávamos ricos materiais didáticos para trabalhar
com o aluno em sala de aula.
Em outro período (não me lembro bem a época) , elegemos duas professoras da
rede para que fossem à cidade de São Paulo buscarem conhecimentos na Escola da
Vila, que na época era um Centro de Estudos tido como grande referência na
Educação Infantil e, dali para cá, não mais paramos de buscar novos conhecimentos.
Assim, continuei minha caminhada como professora na Educação Infantil
municipal até o dia que nos chegou a notícia de que os professores tinham que ter
Ensino Superior, a famosa pedagogia!
Busquei então a formação pedagógica com muito sacrifício, porque já estava
com 48 anos e enfrentar um curso superior não era nada fácil e além do mais, meu
127
segundo marido não queria deixar. A solução foi buscar uma faculdade que não me
exigisse a presença de todos os dias. Fui em busca de um diploma!
O que aprendi é como conhecer melhor uma criança, seu relacionamento, suas
dificuldades na aprendizagem, a conhecer as funções vitais, as partes do cérebro e seu
funcionamento e as interferências na aprendizagem. Antes eu achava que quando
uma criança não aprendia, era só encaminhar para a psicóloga que ela resolveria o
problema. Percebi que não é bem assim.
Quanto à relação teoria e prática, muitas coisas aprendi. Aprendi por exemplo a
trabalhar com grupos diferentes, trabalhar individualmente, a estimular a criatividade e a
curiosidade, a vencer os preconceitos, buscar assuntos novos, transformar a sala em
laboratório de pesquisa, desenvolver a capacidade de ouvir e falar na hora certa.
A minha prática de ensino hoje nessa mesma instituição, é mais autônoma,
tenho mais segurança e procuro buscar o melhor para que os alunos saiam preparados
para uma nova etapa de suas vidas.
Os espaços destinados a formação continuada são muito bons, pois estão
sempre buscando novos conhecimentos, procurando trazer o melhor para nós. Muito
aprendemos também com a diversidade no grupo de estudos, pois esta relação
também é muito boa. É uma constante troca de experiências vividas em sala de aula
que são trazidas para o grupo, onde cada um tem sempre algo a acrescentar que
contribui para a aprendermos mais e mais a arte de ensinar o melhor para nossos
alunos.
A relação teoria e prática hoje é trabalhada da melhor forma possível, sempre
respeitando as necessidades de cada um, como também as nossas Trabalhamos para
levar ao aluno a conquistar conhecimentos, buscando aprimorar métodos que vão
surgindo e, procurando fazer com que os alunos pouco a pouco vão vencendo etapas
impostas no seu desenvolvimento.
Nos preocupamos em fazer de nossos alunos, cidadãos críticos.
128
ELENICE
Tornei-me professora com muita dificuldade. Como era a filha mais velha na
minha família, precisava ajudar no orçamento, então fui trabalhar.
Não tive muito tempo para brincar, assim como as crianças de hoje, pois muito
cedo comecei a trabalhar. Vivia no sítio e até os 8 anos de idade, trabalhava na roça.
Estudava na escola rural de manhã e à tarde ia para o trabalho ajudar o meu pai.
Quando mudamos para a cidade, já estava com 9 anos, então estudei até a 4
a
.
série e não mais dei prosseguimento aos meus estudos.
Só retornei para a escola quando tinha 15 anos de idade, só que agora estudar à
noite era um desafio, pois tinha que trabalhar diariamente. Na Escola Estadual Prof.
Stélio Machado Loureiro, estudei até a 8
a
. série e depois fui fazer o magistério no
Instituto Noroeste que naquela época era de graça.
Em 1975 me formei professora e em 1976 fui para a cidade de Penápolis-SP
fazer aperfeiçoamento na Educação Infantil, que também não foi fácil, pois tinha que
viajar.
Em 1982 participei de um treinamento para professores da Educação Infantil
promovido naquela época pelo Mobral, onde selecionaram 10 professoras e entre elas
eu.
No início foram abertas 10 salas de aula e então começamos a trabalhar em
maio de 1982. A minha primeira escola como professora, foi o Lar Nossa Senhora das
Graças no bairro Santo Antonio, um dos mais antigos da cidade. Este período foi muito
bom e de muito crescimento.
Naquela época era muito difícil iniciar a carreira, faltava conhecimento,
experiência, materiais para trabalhar e também tinha muita insegurança. Porém o nosso
grupo de professoras, naquela época, era bem unido e tinha muita coragem e vontade
de vencer, que foi o que prevaleceu. Através das nossas reuniões mensais, era feita a
troca de experiências com exposição das atividades e conversa sobre todos os
problemas. A profissão de educadora é gratificante pelos resultados que obtemos ao
final de cada ano letivo. As precárias condições físicas das nossas escolas, e que
certamente não acompanha o nosso desenvolvimento profissional, é um dos grandes
129
problemas que nos acompanham na Educação Infantil Municipal desde o seu início até
os dias de hoje.
A cada ano de trabalho, crescemos e aprendemos mais em sala de aula e
também nos espaços destinados a formação continuada em serviço: HTPC, Reunião
Pedagógica, PCN em Ação, espaços onde tomamos conhecimento das transformações
políticas, econômicas, sociais e culturais que acontecem em nossa sociedade e uma
grande conquista para nós professoras.
Todas as educadoras envolvidas no processo de ensino e aprendizagem se
esforçam e acreditam na sua capacidade e competência para atuar cada vez mais, com
mais responsabilidade e confiança.
A formação no ensino superior surgiu com a oportunidade de cursar a Pedagogia
Cidadã promovida pela Secretaria de Educação Municipal de Birigui em parceria com a
UNESP-SP no ano de 2002. Tive muito medo na época, me sentia insegura, porém
tive o apoio e incentivo de muitas pessoas, entre elas a minha diretora que me
disse:”agora você vai fazer a faculdade sim”. Mais um compromisso assumido!
Logo que me formei no magistério, tive muita vontade de cursar uma faculdade,
mas as condições econômicas/financeiras, não me permitiam. Sempre pensava
“quando meus filhos crescerem mais, eu vou entrar na faculdade”, mas tem um ditado
que diz filho criado, trabalho dobrado. Conclusão, eu fui ficando em último plano. Tive
momentos de muita angústia e tristezas por não ter um curso superior, e ainda mais,
quando alguém tocava no assunto, sentia muita vergonha. Pensava que o curso
superior eleva a auto-estima dos educadores e dá condições de adquirir conhecimentos
importantes para o exercício da profissão, confere competência e qualidade ao nosso
fazer, sem contar com a melhoria no salário que também é muito importante.
Hoje após terminar o curso de pedagogia - que foi muito cansativo e exigiu muito
de nós (dedicação, trabalho e paciência) - agradeço as pessoas que me auxiliaram nos
estudos, trabalhos e pesquisas realizados, pois valeu a pena. Aprendi através de
leituras de textos atualizados que o professor deve ser pesquisador, observador,
atuante e comprometido com a educação de qualidade, sempre buscando subsídios
que auxilie na sua prática diária, respeitando os alunos e respectivamente a sua
família.
130
Teoria e prática em nossa profissão, caminham juntas. Devemos conhecer o
diferente para poder ensinar, tudo o que aprendemos (teoria e prática) nos fazem colher
frutos mais saudáveis.
Com isso, a prática de ensino na instituição onde atuo, a cada dia é melhor.
Percebo que a cada dia aprendemos mais, observando, tirando conclusões que
resultam em grandes lições de vida e de profissão. Todas as experiências adquiridas
acrescentam novos discernimentos necessários para que possamos reavaliar e refletir
sobre a vida, sobre a profissão e sempre na busca de novos conhecimentos..
Hoje trabalhando no Jardim I com crianças de 4 anos, observando suas atitudes,
falas, comportamentos, respostas que têm para tudo e conversando com colegas,
trocando idéias, percebo que muito ainda temos a aprender.
Os espaços destinados a formação continuada na instituição são muito
importantes para nós e acredito que devem ser ampliados, pois os conhecimentos
novos adquiridos nos dão capacidade de trabalho e uma base mais sólida, segura e
respeitada.
A teoria e a prática na minha compreensão caminham juntas, pois sem os
conhecimentos teóricos, fica difícil o professor ser modelo e referência para seus
alunos.
É na Educação Infantil que os alunos adquirem as bases de sua formação
pessoal e autoconfiança em si mesmo para continuar prosseguindo nos estudos.
Como as mudanças ocorrem simultaneamente e a escola é o reflexo da
sociedade, compete ao professor/educador, possibilitar aos seus alunos condições de
se adaptarem a esse contexto e se desenvolverem harmonicamente para a vida social
incluindo valores, conceitos morais e atitudes positivas.
131
MARILENA
Tornei-me professora por vocação. Desde criança gostava de dar aulas e
também gostava de crianças. Um outro fator que influenciou foi o fato de ser uma
profissão que se trabalha meio período. Era dona de casa, mãe e assim conciliava a
profissão e o ser esposa/mãe/mulher
O início da minha carreira foi marcado por uma sensação muito gostosa, pois
estava realizando um sonho e tinha a certeza de que iria durar por muito tempo.
Quando houve a seleção do concurso e fui chamada para participar do primeiro
treinamento durante 15 dias em período integral juntamente com as outras professoras
da rede, não me continha de tanta alegria. Foi maravilhoso, pois éramos analisadas e
avaliadas durante o curso, também recebi bastantes elogios, e então percebi que tinha
chegado a hora de pôr tudo o que sabia em prática e realizar então o meu grande
sonho de “ser professora”.Tinha atingido um grande objetivo.
Começar na Educação Infantil foi enfrentar dia-a-dia dificuldades, pois a
condição física dos prédios era precária, assim como a precariedade dos materiais
para efetivar o planejamento. Chegava a ponto de ter que comprar material para poder
trabalhar, e olha que o nosso salário na época era miserável, mas o que nos mantinha
na profissão era o amor. Tivemos também momentos agradáveis vividos pelo grupo de
professoras ao trocarmos experiências, planejarmos nossas ações – estávamos no
mesmo barco. Buscávamos informações, conhecimento em outros profissionais até de
outras cidades se quiséssemos melhorar em nossa profissão. Muitos foram os esforços
e as recompensas também foram muitas, valorizadas pela equipe pedagógica que nos
empurrava para frente.
Um dos meus maiores desencantos, anos mais tarde, foi quando a diretora na
época, sem me consultar quis me transferir para uma sala de reforço escolar. Não
queria isso para mim, não gostava do lugar para onde ia, fui então em busca dos meus
direitos, e na época recebi o apoio do Sr. Prefeito. A diretora não se conformando com
minha atitude, me excluiu do quadro dos docentes da EMEI, tentei não deixar me
abater com as coisas que estavam acontecendo, uni forças e com o apoio de amigas
que me deram materiais e possibilidades para trabalhar. No ano seguinte, a então
132
diretora foi destituída do cargo, voltando as duas anteriores que me convidaram a voltar
para as atividades do grupo e onde permaneço até os dias de hoje.
Em 1978 quando exercia o cargo de professora na APAE de Birigui, tentei buscar
a formação em pedagogia, mas por infelicidade, o dinheiro que eu ganhava como
professora não era suficiente para pagar os estudos. As despesas também ficavam
ainda maiores com o transporte que era necessário, pois não tinha faculdade aqui na
cidade. Por este motivo não consegui cursar o ensino superior e buscar a formação
pedagógica. Os anos foram se passando e quando a oportunidade novamente
apareceu, a hora não era mais minha, era a vez das minhas filhas. Quando elas
terminaram, pensei ser tarde demais para mim. Com isso, sofri muitas humilhações que
me feriram muito, que marcaram o meu eu mais profundo. As pessoas a nossa volta
costumam fazer críticas sem ao menos saber o porquê!
Hoje na escola onde atuo, procuro desenvolver o meu trabalho seguindo aquilo
que tenho segurança, aquilo que sei fazer e que acredito ser o certo. Procuro
desenvolver meu trabalho a partir das minhas experiências vividas e quando tenho
dificuldades, dúvidas, graças a Deus temos onde procurar as respostas junto a nossa
coordenadora pedagógica.
Quanto aos espaços destinados a nossa formação continuada, penso que têm
dado uma atenção especial, nos proporcionando cursos para aprimoramento da prática
pedagógica, servindo como guia, ajudando na reflexão que juntas fazemos a partir dos
conteúdos propostos. Uma reflexão, uma troca de conhecimentos que colocamos em
prática, sempre respeitando a diversidade cultural de cada um.
Quanto à relação teoria e prática, acho que há uma troca de informações onde
cada professor constrói e trabalha a partir dos seus conhecimentos e vivências de sala
de aula.
Uma recompensa que vejo em ser professora, é o olhar e o carinho que recebo
todos os dias dos meus alunos e é isso que me enche de força e me faz crescer,
unindo o que gosto de fazer e me dá prazer ao tão esperado salário que contribui no
sustento da minha família.
133
TÂNIA
No último bimestre do 1
o
. colegial, era necessário fazer uma escolha: magistério
ou secundário. Foi aplicado um teste vocacional e meu perfil se encaixava melhor na
área humana, resolvi seguir pelo caminho do magistério.
O início da carreira na Educação Municipal foi um tanto diferente do que estava
acostumada, uma vez que eu já lecionava na Educação Infantil de um colégio
particular.
Desde o início fui bem acolhida, pois já conhecia algumas professoras e
agradeço a elas o apoio.
Cheguei na Instituição em uma hora muito boa, no ano de 1992, o grupo estava
em busca de mudanças, de conhecimentos e eu pude aproveitar aquele momento e,
também contribuir com minhas experiências adquiridas na prática com crianças em uma
escola particular da cidade.
Os grupos de estudo foram formados e, algumas vezes, nos reuníamos à noite,
na Secretaria de Educação, orientadas pela professora Márcia, a fim de tentar
compreender a proposta construtivista trazida por ela da Escola da Vila (centro de
referência desse movimento) em São Paulo-SP.
Tudo era muito complexo e, de uma certa forma, começa a cair por terra
atividades pré-determinadas. Em nossa realidade, as coisas eram diferentes, pois todas
as EMEIs trabalhavam as mesmas atividades (recortes, punção, labirinto, calcado, etc.)
desenvolvidas no grupo.
Os grupos começam a se fechar e gera uma certa competitividade que tende a
aumentar com a criação dos setores e apresentação de projetos, isso por volta do ano
de 2002.
Minha primeira escolha no ensino superior seria em Psicologia, porém resolvi
fazer Pedagogia, orientada pela professora do magistério, com a finalidade de
complementar meus estudos e também porque era a melhor opção na época.
Aprendi, desde o início, que logo estaríamos num mercado de trabalho, onde
cada um teria que lutar por seu espaço, onde o individualismo fala mais alto e que ao
mesmo tempo é necessário ter disciplina e perseverança para não ser corrompida nos
seus valores, no seu eu e simplesmente deixar de existir.
134
A teoria e a prática em algum lugar acabam se encontrando, não foi passado
receitas, mas alguns bons momentos de troca e dedicação, de professores
apaixonados pela profissão, pelo ser humano.
Um livro bastante importante para mim nessa época, foi Pedagogia do oprimido
de Paulo Freire, pois ele coloca a situação do oprimido que passa a ser o opressor.
Hoje vejo a minha prática pedagógica mais segura em função do tempo de
trabalho, dos conhecimentos adquiridos e da autonomia adquirida pelos Parques.
Autonomia dada que possibilita cada escola desenvolver a sua proposta de acordo com
sua realidade.
A conscientização da importância da Educação Infantil onde a criança deve viver
experiências prazerosas, levou-nos a valorizar a formação continuada, onde uma gama
de conhecimentos favorecem nossa formação profissional e pessoal.
Assim, a prática e a teoria se fundem, a partir do momento que conseguimos
transferir esses conhecimentos para a nossa realidade. Nem tudo é utópico, o que
temos que fazer é estar atentos ao nosso meio e, às necessidades da nossa clientela.
135
ANEXO III
ESCOLAS MUNICIPAIS
136
Escola Municipal de Educação Infantil: unidades
escolares e funcionamento
............................................................................................................................................................
Unidade escolar Localização / Funcionamento
1. Emei Parque Boneca de Pano
Prédio residencial
2. Emei Parque Borboleta Azul
Creche Bella Clarck Soares
3. Emei Parque Caracol Encantado
Creche Ana Souto Trevisan -
Dona Nica
4. Emei Parque Chapeuzinho Vermelho
Prédio residencial
5. Emei Parque Emilia
Prédio próprio
6. Emei Parque Gasparzinho
Creche Dona Josefina *
7. Emei Parque Mickey I
Creche Lar Nossa Senhora das
Graças **
8. Emei Parque Mickey II
Prédio próprio
9. Emei Parque Monteiro Lobato
Emef Professor Sebastião Vasquez
Calçadas
10. Emei Parque Narizinho
Centro Comunitário da Pista de
Atletismo
11. Emei Parque Pato Donald I
Emef Professora Ruth Pintão Lot
12. Emei Parque Pato Donald II
Creche Maria Bruder Camargo
13. Emei Parque Pedacinho do Céu
Creche Dona Dionísia Miragaia
Carmine ***
14. Emei Parque Pedrinho
Emef Professora Terezinha
Bombonati
15. Emei Parque Pequena Sereia
Creche Rotary
16. Emei Parque Pequeno Príncipe
Centro Comunitário do Bairro
Cohab III
17. Emei Parque Peter Pan
Creche Enriqueta Terence
18. Emei Parque Pimentinha
Prédio residencial
19. Emei Parque Rei Leão
Emef Professora Adelina Pacitti
20. Emei Parque Sapeca
Prédio residencial
21. Emei Parque Tio Patinhas
Emef Professora Dirce Spínola
Najas
22. Emei Parque Turma da Mônica
Emef Professora Leonor Chain
Cury
23. Emei Parque Ursinho Pimpão
Creche Fátima Hamud Nakad
*A Creche Dona Josefina é mantida pela Igreja Batista. A EMEI que lá funciona é em sistema de parceria com a
Prefeitura
** O funcionamento da EMEI na Creche Lar Nossa Senhora das Graças, também é em sistema de parceria com a
Prefeitura
***A Creche Dionísia Miragaia Carmine é chamada de Super Creche por ser considerada a maior da América
Latina. Um complexo que atende aproximadamente 500 crianças (de 0 a 6 anos) distribuídas em 5 núcleos de
aproximadamente 100 crianças
.
137
ANEXO IV
ORGANOGRAMA DA ESTRUTURA FUNCIONAL
138
ORGANOGRAMA DA SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO
SECRETÁRIO DA EDUCAÇÃO
SUPERVISÃO
DEPARTAMENTO DE
PRÉ
-
ESCOLA
-
DEPARTAMENTO DE
EMEF
1. EMEI Parque Boneca de Pano
2. EMEI Parque Chapeuzinho
Vermelho
3. EMEI Parque Emília
4. EMEI Parque Gasparzinho
5. EMEI Parque Mickey I
6. EMEI Parque Mickey II
7. EMEI Parque Narizinho
8. EMEI Parque Pequeno Príncipe
9. EMEI Parque Pimentinha
10. EMEI Parque Sapeca
DEPARTAMENTO DE
CRECHE
1. CEI Ana Souto Trevisan e
EMEI P.Caracol Encantado
2. CEI Bella Clark Soares e
EMEI P.Borboleta Azul
3. CEI Dionísia M.Carmine e
EMEI P. Pedacinho do Céu
4. CEI D.Enriqueta Terence e
EMEI P. Peter Pan
5. CEI Fátima H. Nakad e
EMEI P. Ursinho Pimpão
6. CEI D.Maria B.Camargo e
EMEI P.Pato Donald II
7. CEI Rotary e EMEI P.
Pequena Sereia
1. EMEF Professora Adelina B. dos
Santos Pacitti e EMEI Parque Rei
Leão
2. EMEF Professora Dirce Spinola
Najas e EMEI Parque Tio Patinhas
3. EMEF Dr. Gama
4. EMEF Professora Geni Leite
5. EMEF Professora Izabel Branco
6. EMEF Professor José S.Vasquez
Calçada e EMEI Parque Monteiro
Lobato
7. EMEF Professora Lucinda A P
A
raújo
8. EMEF Professora Leonor Chain
Cury e EMEI Turma da Mônica
9. EMEF Roberto Clark
10. EMEF Professora Ruth Pintão Lot
e EMEI Parque Pato Donald I
11. EMEF Professora Teresinha
Bombonati e EMEI Parque Pedrinho
139
ORGANOGRAMA DO DEPARTAMENTO DE PRÉ-ESCOLA /
COORDENAÇÃO PEDAGÓGICA 2004
DEPARTAMENTO DE PRÉ-
ESCOLA
COORDENAÇÃO
SETOR 1
COORDENAÇÃO
SETOR II
COORDENAÇÃO
SETOR III
1. CEI Ana Souto Trevisan e
EMEI P.Caracol Encantado
2. CEI D.Maria B.Camargo e
EMEI P.Pato Donald II
3. CEI Rotary e EMEI P.
Pequena Sereia
4. EMEI Parque Boneca de
Pano
5. EMEI Parque Emília
6. EMEI Parque Pimentinha
1. CEI D.Enriqueta Terence e
EMEI P. Peter Pan
2. CEI Fátima H. Nakad e
EMEI P. Ursinho Pimpão
3. EMEI Parque Gasparzinho
4. EMEI Parque Mickey II
5. EMEI Parque Narizinho
6. EMEI Parque Sapeca
1. CEI Bella Clark Soares e
EMEI P.Borboleta Azul
2. CEI Dionísia M.Carmine e
EMEI P. Pedacinho do Céu
3. EMEI Parque Chapeuzinho
Vermelho
4. EMEI Parque Mickey I
5. EMEI Parque Pequeno
Príncipe
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