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LUIZ SAMUEL TABACOW
CONTRIBUIÇÕES DA NEUROCIÊNCIA
COGNITIVA PARA A FORMAÇÃO DE
PROFESSORES E PEDAGOGOS
PUC-CAMPINAS
2006
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LUIZ SAMUEL TABACOW
CONTRIBUIÇÕES DA NEUROCIÊNCIA
COGNITIVA PARA A FORMAÇÃO DE
PROFESSORES E PEDAGOGOS
Dissertação apresentada como exigência
para obtenção do Título de Mestre em
Educação, ao Programa de Pós-
Graduação na área de Ensino Superior do
Centro de Ciências Sociais Aplicadas da
Pontifícia Universidade Católica de
Campinas.
Orientador: Prof. Dr. Jairo de Araujo Lopes.
PUC-CAMPINAS
2006
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Ficha Catalográfica
Elaborada pelo Sistema de Bibliotecas e
Informação - SBI - PUC-Campinas
t370.71 Tabacow, Luiz Samuel.
T112c Contribuições da neurociência cognitiva para a formação de professores e
pedagogos / Luiz Samuel Tabacow. – Campinas: PUC-Campinas, 2006.
266p.
Orientador: Jairo de Araujo Lopes.
Dissertação (mestrado) – Pontifícia Universidade Católica de Campinas, Centro
de Ciências Sociais Aplicadas, Pós-Graduação em Educação.
Inclui anexos e bibliografia.
1. Professores - Formação. 2. Neurociência cognitiva. 3. Ensino. 4. Aprendi-
zagem. I. Lopes, Jairo de Araujo. II. Pontifícia Universidade Católica de Campinas.
Centro de Ciências Sociais Aplicadas. Pós-Graduação em Educação. III. Título.
22ed. CDD – t370.71
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE CAMPINAS
CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
Autor (a): TABACOW, Luiz Samuel
Título: “CONTRIBUIÇÕES DA NEUROCIÊNCIA COGNITIVA PARA A FORMAÇÃO DE
PROFESSORES E PEDAGOGOS”
Orientadora: Prof. Dr. Jairo de Araujo Lopes
Dissertação de Mestrado em Educação
Este exemplar corresponde à redação final da
Dissertação de Mestrado em Educação da PUC-
Campinas, e aprovada pela Banca Examinadora.
Data: 29/05/2006.
BANCA EXAMINADORA
________________________________________
Prof. Dr. Jairo de Araujo Lopes
________________________________________
Profa. Dra. Maria AIves de Toledo Bruns
________________________________________
Prof. Dr. João Baptista de Almeida Junior
AGRADECIMENTOS
Iniciei este curso de mestrado como um médico com um certo grau de arrogância e
termino-o como um eterno estudante que aprendeu a valorizar a muito citada e pouco exercitada
palavra humildade. Hoje compreendo perfeitamente o significado da frase “Sei que nada sei”.
Obrigado a todos que me encaminharam a essa conscientização, assim como
àqueles que alteraram de diferentes formas seus cotidianos.
Obrigado à Profa. Dra. Maria Cesarina Gandara Barbosa Santos (Mari Gândara) e à
Profa. Dra. Miriam Pascoal pelo incentivo, apesar de minha idade, para iniciar um curso de
mestrado; e também àqueles que me proporcionaram a oportunidade de fazê-lo.
Minha eterna gratidão ao meu orientador, Prof. Dr. Jairo de Araujo Lopes.
Samuel
RESUMO
TABACOW, Luiz Samuel. Contribuições da Neurociência Cognitiva para a Formação
de Professores e Pedagogos. Campinas, 2006. 266p. Dissertação (Mestrado) – Curso
de Pós-Graduação em Educação, Pontifícia Universidade Católica de Campinas.
Campinas, 2006.
Este trabalho, inserido na linha de Pesquisa, Universidade, Docência e Formação de
Professores, constitui-se num estudo de produção teórica de pesquisadores de
ensino/aprendizagem que relevam o papel do cérebro no referido processo. Partiu-se da
problemática levantada por estudiosos da área, e publicada em jornais e revistas, de que
o processo de ensino/aprendizagem, no Brasil, mostra-se deficiente, haja vista o
desempenho de estudantes brasileiros em testes nacionais e internacionais.
Considerando os avanços sobre o funcionamento do cérebro, o objetivo desse trabalho é
o de investigar a necessidade da incorporação de estudos relacionados à Neurociência
Cognitiva na área educacional, em cursos de formação de professores e de pedagogos,
como contribuição para a melhoria do processo de aprendizagem na educação básica.
Para tal, fez-se uso de estudos de pesquisas recentes relacionadas a processos
cerebrais e cognitivos da mente considerados ou não no contexto da formação inicial ou
continuada de professores. A trajetória metodológica, dado o caráter investigativo do
assunto, abarcou uma pesquisa qualitativa em que os seis entrevistados são professores
universitários com algum envolvimento em estudos no campo da Neurociência Cognitiva.
A análise das entrevistas trouxe contribuições para que se entenda melhor o sujeito
cognoscente em seu processo de construção do conhecimento, processo esse que deve
também ser considerado pelos promotores da educação formal.
Palavras-chave: formação de professores, neurociência cognitiva, processo de
ensino/aprendizagem.
RESUMEN
TABACOW, Luiz Samuel. Contribuciones de la Neurociencia Cognitiva para la Formación
de Profesores y Pedagogos. Campinas, 2006. 266p. Disertación (Maestría) Curso de
Postgrado en Educación, Pontificia Universidad Católica de Campinas. Campinas, 2006.
Este trabajo, inserido en la linea de Investigación, Universidad, Docencia y formación de
profesores, se constituye en un estudio de producción teórica de investigadores de
enseñanza y aprendizaje que revelan la función del cerebro referiéndose al proceso. El
punto de partida de la problemática planteada por los estudiosos del área y publicada en
períodicos y revistas, de que el proceso de enseñanza y aprendizaje en el Brasil se
encuentra deficiente, por lo visto en el rendimiento de los estudiantes brasileños, en
pruebas nacionales e internacionales. Reflexionando en los avanzos sobre el
funcionamiento del cerebro, el objetivo de este estudio es la investigación de la
necesidad de añadir estudios relacionados a la Neurociencia Cognitiva en el área de
educación , en cursos de capacitación de profesores y de pedagogos, como
contribución para la mejoría del referido proceso de aprendizaje en la educación básica.
Por lo tanto, se ha hecho el uso de estudios de investigaciones recientes
relacionadas a los procesos cerebrales y cognitivos de la mente considerados o no en el
contexto de la formación inicial o en el proseguir de los profesores. La trayectoria
metodológica , dado el carácter investigativo del tema , abarcó una investigación
cualitativa en que los seis entrevistados son profesores universitarios involucrados de
alguna manera en los estudios del campo de la Neurociencia Cognitiva. El análisis de
las entrevistas dieron contribuciones para que se entienda mejor el sujeto cogniciente en
el proceso de la construcción del conocimiento , éste que también debe ser considerado
por los promotores de la educación formal.
Palabras clave: capacitación , Neurociencia Cognitiva, proceso de enseñanza y
aprendizaje.
ABSTRACT
Tabacow, Luiz Samuel. Contributions of the Cognitive Neuroscience for Teacher and
Pedagogue Formation. Campinas, 2006, 266p. Dissertation ( Master’s Degree) - Pos-
graduation - Education, Pontifícia Universidade Católica de Campinas. Campinas, 2006.
This work , inserted in the Research line, University , Teaching and Teacher’s Formation,
consists of a study of theoretical production of teaching/learning researchers that reveal
the role of the brain in the referred process. It arouse from the discussion raised
by field
studious and published in newspapers and magazines that the teaching / learning process
in Brazil reveals itself as defective concerning the performance of Brazilian students in
national and international tests. Taking into account the advance of the studies about the
brain behavior, the goal of this paper is to search into the necessity of incorporating the
studies related to the Cognitive Neuroscience to the educational field, in teaching and
pedagogue formation courses as a contribution for the improvement of the learning
process in basic education. For this were used recent research studies related to brain
and cognitive mind processes considered or not in the context of initial or continued
teachers formation. The methodological tragetory, given the investigative character of the
subject , embraced a qualitative research in which six interviewees are professors with
some kind of involvement in the Cognitive Neuroscience field. The analysis of the
interviews brought contributions for a better understanding of the cognoscent subject in
the process of knowledge construction, process which must also be considered by the
formal education promoters.
Key words: Teachers Formation, Cognitive Neuroscience, Teaching / Learning process.
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO .............................................................................................. 08
2. TEORIAS DA APRENDIZAGEM E OS ESTUDOS DA MENTE. .................. 17
2.1. A Concepção Genético-Cognitiva ....................................................... 18
2.2. A Concepção Sócio-Cultural ............................................................... 34
2.3. Contribuições da Neuropsicologia ....................................................... 46
2.4. Comentários Complementares ............................................................ 54
3. O ADVENTO DA NEUROCIÊNCIA COGNITIVA ......................................... 57
3.1. Breve Histórico .................................................................................... 58
3.2. Definição de Neurociência Cognitiva ................................................... 67
4. PROCESSOS SUPERIORES DA MENTE: CONTRIBUIÇÕES DO
CÉREBRO.................................................................................................... 83
4.1. Memória ............................................................................................... 84
4.2. O Cérebro Exercitado .......................................................................... 104
4.3. O Raciocínio ........................................................................................ 108
4.3.1. O Raciocínio Dedutivo................................................................ 111
4.3.2. O Raciocínio Indutivo ................................................................. 121
4.4. Inteligência .......................................................................................... 130
5. TRAJETÓRIA METODOLÓGICA ................................................................. 186
6. NEUROCIÊNCIA COGNITIVA E APRENDIZAGEM:
UMA INSERÇÃO POR OPINIÕES E TEORIAS............................................ 198
7. CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................................... 220
8. BIBLIOGRAFIA ............................................................................................. 229
9. ANEXOS ....................................................................................................... 241
1. INTRODUÇÃO
12
Não raro, o termo avaliação desperta atenção dos educadores, uma
vez que muitas experiências relacionadas ao tema guardam lembranças um tanto
quanto marcantes, sejam elas agradáveis ou, ao contrário, lembranças que
despertam sensações extremamente ruins e desconfortáveis.
Tamanha é a relevância do tema que o assunto tem sido objeto de
disciplina no meio acadêmico e rendido páginas a fio de discussões teóricas.
Que a avaliação está presente e faz parte do cotidiano escolar, bem
como do processo de ensino aprendizagem, não se discute. O que se discute,
porém, é a clareza do ato de avaliar para os sujeitos envolvidos no processo
avaliativo.
Logo, o que se teme ou se condena não é a avaliação em si, mas, sim,
as maneiras pelas quais, via de regra, se procede a avaliação.
Percebemos que a avaliação escolar, seja pelo instrumento, seja pelo
professor, quer seja pelo momento em que se verifica, muitas vezes está
relacionada a episódios de injustiças e humilhação, que acabam por reforçar uma
atitude autoritária e arbitrária do professor.
Numa platéia de aprendentes, a simples verbalização do termo por
parte do ensinante, normalmente provoca uma pausa generalizada e uma
atenção pormenorizada que resulta em anotações cuidadosas por parte dos
alunos.
Pelo professor autoritário, pode ser utilizada como uma arma contra a
indisciplina e a apatia. Para o aluno exitoso, como forma de subjugar seus
colegas menos afortunados.
Ainda hoje, encontramos na avaliação uma verdadeira prática seletiva
onde se determina quem está aceito e quem se exclui, legado da escola jesuítica,
13
passando pela comeniana, entre outras da modernidade,como bem assenta
Luckesi (2003):
A prática (avaliativa) que conhecemos é herdeira dessa época
(modernidade), do momento histórico da cristalização da
sociedade burguesa, que se constituiu pela exclusão e
marginalização de grande parte dos elementos da sociedade.
(LUCHESI, 2003, p. 22 )
Entretanto, sabemos que a avaliação da aprendizagem pode ser
considerada como um momento privilegiado de estudo, tempo para o professor
verificar os resultados obtidos e redirecionar seu planejamento, sua prática, uma
vez que a avaliação também está a serviço do professor para orientar sua prática
docente, pois para ensinar é preciso entender como o outro aprende.
Quando falamos em avaliação da aprendizagem, há que se atentar
para o fato de que na pós-modernidade, como acentua Castanho (2000), o foco
do planejamento escolar transfere-se do ensino para o processo de ensino-
aprendizagem, conquistando, esta última, lugar de destaque.
O trabalho, em tela, busca verificar como a avaliação da aprendizagem
escolar tem sido tratada pelas instituições escolares, docentes, discentes e a
sociedade e, especialmente, na instituição pesquisada.
A realização do presente trabalho deve-se `a intenção de se realizar
uma investigação a respeito dos processos avaliativos de uma escola a fim de se
compreender e, quem sabe, de modificar um dos componentes que perfazem a
triste iniqüidade social em que vivemos.
O objetivo deste trabalho é também o de verificarmos como a história
de vida dos entrevistados e suas experiências escolares com a avaliação, seja
como aluno ou como professor, influenciam sua visão e prática docente no que
tange à avaliação.
14
Além disso, pretendemos refletir como o processo avaliativo tem–se
modificado ao longo da história da educação, bem como quais as funções da
avaliação de acordo com as várias faces que pode assumir.
Para isso, foram entrevistados professores que lecionam no período
matutino e vespertino e o coordenador do Ensino Fundamental I que atua em uma
escola da rede privada, atendendo escolares desde o início da Educação Infantil
até o Fundamental II. A escola está situada numa comunidade de nível
econômico A e B na cidade de Sorocaba-SP.
A escolha se deu em virtude da conveniência em termos de localização
e pelo fato de que acreditamos poder contribuir positivamente para o processo
avaliativo da referida instituição, para com os professores que nela atuam e para
com os alunos matriculados.
A delimitação desta população deu-se em virtude de ser a primeira
etapa escolar em que surgem as provas como instrumento avaliativo. Ainda, é
nesta etapa escolar que ocorre a veiculação de valores, normas e regras a serem
incorporadas pelos alunos, o lúdico fica relegado ao plano do esquecimento e o
aluno começa a formular sua auto-imagem, de acordo com o que vê refletido de
seus colegas e professores.
Uma vez que acreditamos que o homem modifica o mundo em que vive
através de sua ação e conseqüentemente é modificado por este mundo,
realizamos uma pesquisa qualitativa com enfoque crítico-participativo com visão
estrutural (TRIVIÑOS, 1987), tendo como fonte a história oral coletada por
entrevista estruturada para registrar testemunhos, versões e interpretações sobre
a história em suas múltiplas dimensões, dados esses que, depois de transcritos,
foram analisados na perspectiva já mencionada, para levantarmos os resultados.
15
Durante todo o Ensino Fundamental I, o professor é visto pelo aluno
como um exemplo a ser seguido e sua opinião é de extrema consideração para o
aprendiz. Assim, todo e qualquer parecer do professor em relação ao aluno, toma
proporções determinantes para a formação da auto-estima do estudante.
Outro motivo foi o fato de que neste segmento educacional, há os
professores polivalentes, a quem compete com exclusividade, avaliar a
aprendizagem do aluno.
No capítulo 2, em “O que os professores têm a dizer”, estabelecemos
uma relação entre experiência e prática do professor, de forma que possamos
verificar como a vivência do professor, em seus tempos de escola, pôde
influenciar sua prática avaliativa.
No capítulo “Avaliação da aprendizagem: espaço, tempo e legislação”,
encontramos uma reflexão de como a avaliação se desenvolveu no último século,
bem como o tratamento concedido pela legislação nacional. Com base em
diversos autores e relatos dos entrevistados, sugerimos alguns conceitos de
avaliação.
Avaliação no contexto escolar: um caso, presente no capítulo 4, trata
dos depoimentos por meio dos quais buscamos reconstruir o dia-a-dia da escola e
a avaliação que ali se processa.
As implicações da formação do professor no processo de avaliação da
aprendizagem aborda a questão da inexistência da terminalidade da formação do
professor e a importância da prática reflexiva.
2. TEORIAS DA APRENDIZAGEM E OS
ESTUDOS DA MENTE
18
Este capítulo pretende fazer menção a duas teorias do
desenvolvimento cognitivo: a teoria de Jean Piaget (1896 – 1980) e a de Lev
Vygotsky (1896-1934) que, desaparecido prematuramente aos 38 anos de idade,
teve sua obra continuada por dois discípulos e colaboradores – Alexandre
Romanovich Luria (1902-1977) e Alexei Nikolaievich Leontiev (1904-1979).
2.1. A Concepção Genético-Cognitiva
Segundo Moreira (1999), Piaget foi, talvez, o maior expoente da
cognição humana. Seus estudos, com enfoque construtivista, foram responsáveis
pelo declínio do Behaviorismo. Essa influência é tão grande que se chega a
confundir Piaget com construtivismo, isto é, que sua teoria é a teoria
construtivista.
Delval (1998), afirma que os conhecimentos do desenvolvimento da
criança, hoje difundidos nos meios educacionais, devem-se principalmente a
Piaget, que nos anos 1920 iniciou suas pesquisas com um grupo de
colaboradores cada vez maior.
Piaget considerava que a aquisição do conhecimento é um processo e
como tal deveria ser estudado em seu devir de maneira histórica. Não se
contentava em saber sobre a possibilidade da aquisição do conhecimento, mas
também como ele muda e evolui. Por isso, define sua epistemologia genética
como a disciplina que estuda os mecanismos e processos mediante os quais se
passa de “estados de menor conhecimento aos estados de conhecimento
19
avançado”, e cujo critério é o de sua menor ou maior proximidade ao
conhecimento científico. O termo genético aqui aplicado refere-se, portanto, não
só à evolução da cognição de um modo geral no tempo e no espaço, mas
sobretudo à evolução dos seres humanos desde o nascimento até a adolescência
(PIAGET, 1971, p.8). O termo genético, embora lembre gene, aqui tem o sentido
de gênese (como é formado o conhecimento), envolvendo a dimensão biológica
do sujeito.
Moreira (1999, p.106), lembra que “A teoria de Piaget é uma teoria de
desenvolvimento mental e não de aprendizagem”, embora sua aplicação no
ensino/ aprendizagem seja um consenso para os estudiosos dos processos
cognitivos.
O biólogo suíço, tornado psicólogo mais tarde, ingressou pela primeira
vez no campo do desenvolvimento cognitivo quando trabalhava no laboratório
picométrico de Alfred Binet. Ficou intrigado com as respostas dadas pelas
crianças a determinados testes – as respostas erradas. Interessou-se em saber
por que a inteligência dessas crianças estava falhando.
Piaget admitia que, para entender a inteligência, a investigação deve
ser dupla. Além de observar o desempenho de uma pessoa (aqui concordava
com Binet) dever-se-ia considerar também por que essa pessoa assim se
desempenhava, incluindo os tipos de pensamento subjacentes às ações da
mesma (aqui discordava de Binet) (STERNBERG, 2000a).
Por meio de observações de crianças (inclusive de seus próprios filhos)
e principalmente mediante a investigação de seus próprios erros, ele concluiu que
os sistemas lógicos das crianças e dos adultos diferem em espécie e sua meta foi
a de determinar o desenvolvimento desses sistemas lógicos.
20
À época do início de suas pesquisas, o pensamento psicológico sobre
o desenvolvimento cognitivo das crianças era dominado pelas perspectivas da
maturação biológica – que dava ênfase quase total ao componente “natureza” no
desenvolvimento – e da aprendizagem ambiental, a qual dava ênfase quase
exclusiva ao componente “experiência”. Piaget enfocou a interação entre as
capacidades de maturação natural da criança e suas interações com o ambiente
(PIAGET, 2003a, p.44).
Para ele, no processo de aquisição de novos conhecimentos, o sujeito
é um organismo ativo que seleciona as informações que lhe chegam do mundo
exterior, filtrando-as e dando-lhes sentido (PIAGET, 1971). Conhecer, em sua
concepção, é atuar diante da realidade modificando-a por meio de ações. No
sentido piagetiano, atuar não significa necessariamente realizar movimentos e
ações externas. Esse seria o caso de crianças pequenas que precisam manipular
a realidade que as envolve, para entendê-la. Na maioria dos casos, essa
atividade é interna, mental, ainda que possa se basear em objetos físicos.
Quando se conta, compara, classifica, embora haja imobilidade do sujeito, ele
está ativo mentalmente. Para explicar como se organizam as múltiplas ações que
um organismo pode exercer, Piaget introduz o conceito de esquemas de ação:
“São as unidades mais básicas do intelecto. Elas agem como modelos que
organizam nossas interações com o ambiente como os desenhos de um arquiteto
ou as plantas de um construtor” (HUFFMAN e cols, 2003, p.339). Ou como dizia
Piaget (1983, p.76): “Chamamos esquema de uma ação à estrutura geral desta
ação, conservando-se no decurso destas repetições, consolidando-se pelo
exercício e aplicando-se a situações que variam em função das modificações do
meio”; ou “Um esquema é a estrutura ou a organização das ações, as quais se
21
transferem ou generalizam no momento da repetição da ação, em circunstâncias
semelhantes ou análogas”. (PIAGET e INHELDER, 2003, p.16).
Os primeiros esquemas de que o sujeito dispõe são esquemas
reflexos, ações pautadas que se ativam automaticamente diante de determinados
estímulos, como o reflexo de sucção. Pouco a pouco, sobre esta base inata e
reflexa, vão aparecendo outros esquemas de ação no sentido restrito, porém a
partir de certo momento, passam a ser esquemas representativos – as ações são
representadas mentalmente e não executadas de forma externa. Assim, a criança
vai formulando as teorias sobre como os mundos físico e social funcionam.
(PIAGET, 1971).
Ao encontrar um novo objeto ou evento, a criança tenta assimilá-lo, ou
seja, compreendê-lo em termos de um esquema preexistente. Se a nova
experiência não se encaixa com um esquema existente, a criança modifica o
esquema e, deste modo, amplia sua teoria do mundo. A esse processo Piaget
denominou acomodação, “que é fonte de mudanças e sujeita o organismo a
coações sucessivas do meio” (PIAGET, 2003b, p.359). Para Piaget “só há
aprendizagem quando há acomodação, ou seja, uma reestruturação da estrutura
cognitiva (esquemas de assimilação existentes) do indivíduo, que resulta em
novos esquemas de assimilação” (MOREIRA, 1999, p.102). Mas a mente sendo
uma estrutura cognitiva, tende a funcionar em equilíbrio, aumentando
permanentemente seu grau de organização interna e de adaptação ao meio.
Quando esse equilíbrio é rompido por experiências não assimiláveis, a mente se
reestrutura (acomodação), a fim de construir novos esquemas de assimilação e
atingir novo equilíbrio. Piaget denominou esse processo como reequilibrador de
equilibração majorante, que é o fator preponderante na evolução, no
desenvolvimento mental, no aumento de conhecimento (aprendizagem) da
criança.
Segundo Moreira (1999, p.103):
É pelo processo de equilibração majorante que o comportamento
humano é totalmente construído em interação com o meio físico e
sócio-cultural; o comportamento humano (motor, verbal e mental)
não tem, portanto, segundo Piaget, padrões prévios hereditários.
A equilibração está presente em todos os períodos e estágios do
desenvolvimento cognitivo e é, na verdade, responsável por ele. Esses três
conceitos são o “núcleo duro” da teoria de Piaget e neles encontra-se o seu
construtivismo (assimilação, acomodação e equilibração).
De acordo com Piaget, todas as crianças passam por quatro estágios
cognitivos mais ou menos na mesma idade, independentemente da cultura em
que vivem. Nenhum estágio pode ser omitido, uma vez que as habilidades
adquiridas em estágios anteriores são essenciais para o domínio em estágios
posteriores.
22
Tabela 1. Os quatro estágios de desenvolvimento cognitivo de Piaget.
Fonte: Huffman e cols (2003).
23
No estágio sensório-motor a criança explora o mundo e desenvolve
seus esquemas principalmente por meio de seus sentidos e atividades motoras.
Vai do nascimento até o período de “linguagem significativa” (acima de 2 anos).
Um conceito adquirido durante esse estágio é o de permanência do objeto: o
esquema de um objeto está presente na mente e, mesmo que a criança não o
veja, sabe de sua existência. Aos quatro meses, crianças que brincam com um
objeto que será depois escondido, agem como se ele jamais estivesse existido.
Em contraste, um bebê com 10 meses procura ativamente um objeto que foi
escondido embaixo de um pano ou por trás de uma tela. “Ele tem a consciência
de que o objeto continua existindo, mesmo quando não está visível”. (PIAGET e
INHELDER, 2003, p.20).
No estágio pré-operacional, a linguagem progride significativamente e a
criança começa a pensar simbolicamente – a usar símbolos, tais como palavras,
para representar conceitos. Mas o pensamento ainda é limitado e a criança não
consegue fazer operações ou processos mentais reversíveis. Por exemplo, se
perguntarmos a uma criança nesse estágio se ela tem um irmão, ela responderá
que sim. E se perguntarmos se esse irmão tem um irmão, ela dirá que não.
(PIAGET, 1971). Neste estágio, a criança também é egocêntrica, isto é, não
consegue distinguir entre suas próprias perspectivas e as de outros; não
consegue entender que há pontos de vista diferentes dos seus. Além disso, ela é
animística, acreditando que todas as coisas estão vivas, têm motivos, sentimentos
e intenções como por exemplo: “as nuvens ANDAM muito devagar porque não
têm pés nem pernas” (PIAGET, 1990, p.320) e “o sabonete afunda na banheira
porque está cansado”. (HUFFMAN e cols, 2003, p.341).
24
No estágio operacional concreto, há a emergência de muitas
habilidades importantes de raciocínio e a descentração progressiva em relação à
perspectiva egocêntrica que caracterizava a criança até então. O pensamento da
criança, agora mais organizado, possui características de uma lógica de
operações reversíveis. Ela pode, por exemplo, combinar classes elementares
para formar uma classe superior (A + A’ = B) e dada a classe superior, diferenciar
suas classes componentes (B – A = A’ ou B – A’ = A). (PIAGET, 1971).
A criança recorre a objetos e acontecimentos concretos, presentes no
momento. Para antecipar o ausente, ela tem de partir do concreto. Não é capaz
de operar com hipóteses.
O período de operações formais caracteriza-se pela capacidade de
raciocinar com hipóteses verbais e não apenas com objetos concretos. É o
pensamento proposicional, por meio do qual o adolescente, ao raciocinar,
manipula proposições. O ponto de partida é a operação concreta, porém o
adolescente transcende esse estágio: formula os resultados das operações
concretas sob a forma de proposições e continua a operar mentalmente com ele.
Neste estágio, o real é subordinado ao possível, contrariamente à fase anterior e
o adolescente torna-se capaz de fazer raciocínios hipotético-dedutivos. Por meio
de dedução lógica, passa a buscar hipóteses gerais que possam explicar fatos
observáveis que tenham ocorrido. Manipular construtos mentais e reconhecer
relações entre esses construtos é a característica básica desse período que
prolonga-se até a idade adulta. (MOREIRA, 1999).
Não existe pesquisador que negue o impacto do pensamento de Piaget
no campo da cognição. Até hoje suas idéias são temas de estudo. Mas estudos
recentes sugerem que Piaget possa ter subestimado as habilidades infantis e
influências genéticas e culturais dos sujeitos.
Em uma série bem conhecida de estudos, Meltzoff e Moore (1977,
1985, 1994) descobriram que recém-nascidos são capazes de imitar expressões
faciais tais como: protusão da língua, abertura da boca e franzir os lábios.
Figura 1. Imitação do bebê. Quando um adulto exibe uma
expressão facial a bebês, estes, mesmo quando muito
jovens, respondem com uma expressão semelhante. Isso é
uma verdadeira imitação ou simplesmente um reflexo?
Fonte: Huffman e cols (2003).
Wood (1996) cita a pesquisadora Susan Isaacs que, em 1936 em sua
escola maternal em Maltinghouse, Cambridge, verificou que as crianças
apresentam claros indícios de pensamento racional. Suas observações e
interpretações do que eles significavam para a teoria de Piaget anteciparam
muitas discussões contemporâneas sobre o desenvolvimento infantil. Muitos são
os pesquisadores atuais que acreditam que Piaget subestimou ou interpretou mal
a natureza do pensamento infantil.
Quando se pede uma tarefa a uma criança é necessário que o
experimentador comunique a natureza dessa tarefa e que a criança compreenda
25
26
a comunicação. Em outras palavras, as perguntas feitas às crianças precisam
estar em sintonia com o contexto cultural das mesmas a fim de serem
assimiladas. Os termos usados pelo experimentador devem fazer parte do
cotidiano da criança e a tarefa deve fazer sentido para ela. Assim, o
desenvolvimento lingüístico, linguagem e pensamento estarão interligados nas
tarefas exigidas e, muitas vezes, respostas erradas não significam
necessariamente uma incapacidade de raciocinar com lógica.
Wood (1996, p.226-227) cita que há estudos da capacidade
comunicativa das crianças em idade pré-escolar que também podem ser
interpretados como prova da não-existência de um estágio de egocentrismo (a
criança não consegue “ver” o ponto de vista de outro) universal. Um deles é o de
Robinson e Robinson (1981) que usaram as amostras de linguagem coligidas por
Gordon Wells e seus colegas em Bristol. Eles notaram que o julgamento de
crianças pré-escolares em determinar o ponto de vista de outros, dependia muito
das vivências comunicativas com seus pais. Por exemplo, se a criança faz uma
pergunta ambígua à mãe, essa pode reagir de duas maneiras: ou fazendo uma
pergunta ou fazendo uma afirmação.
1. “Qual...?”, ou “você quer dizer A ou B?” (pergunta)
2. “Não entendi. Não sei se você quer que eu faça A ou B.” (afirmação)
As crianças, cujas mães faziam afirmações acerca de suas perguntas,
tinham mais facilidade para entender o ponto de vista de outros.
Os Robinsons puseram crianças de pré-escola para participar de jogos
comunicativos, ou seja, quando as crianças faziam descrições incompletas ou
ambíguas, suas professoras ou respondiam às crianças com perguntas ou com
27
um comunicado explícito. Na verdade, eram dois grupos separados. Depois de
algumas sessões de ensino, pediu-se às crianças de cada um dos grupos que
ouvissem duas outras pessoas jogando um jogo de comunicação semelhante e
explicassem por que os ouvintes, às vezes, deparavam-se com problemas. As
crianças pertencentes ao grupo a quem, durante o jogo, se havia falado
explicitamente sobre o caráter inadequado de suas mensagens tinham menos
probabilidade que as crianças do outro grupo de pôr a culpa no ouvinte. Esse
estudo não implica, necessariamente, que um fenômeno é a causa do outro. É
possível que crianças lingüisticamente mais precoces exijam de seus pais
maneiras mais refinadas de se comunicarem que outras crianças.
Donaldson e cols (1978) em Edimburgo realizaram uma tarefa para
crianças pré-operatórias. Verificaram que quando no problema apresentado, os
personagens fazem parte da vivência dessas crianças e elas entendem a tarefa,
elas não são egocêntricas nem limitadas a um conceito subjetivo de espaço.
(WOOD, 1996, p.90)
Figura 2. Pede-se à criança que mostre onde um
boneco poderia esconder-se de modo a não ser
visto pelos policiais.
Fonte: Wood (1996).
Flavell e cols (1999), após extensos estudos em cognição, assim se
manifestam a respeito da teoria de Piaget quando relacionada aos estágios:
A teoria de Piaget, entretanto, não faz afirmações apenas gerais,
mas muito fortes e específicas a respeito da preponderância dos
estágios da cognição em bebês, e estas afirmações não têm se
sustentado em pesquisas recentes. Existem simplesmente muitos
exemplos de competência mais precoce do que a esperada
1
,
muitas discrepâncias no nível de desempenho em tarefas
diferentes, em muitos aspectos do desenvolvimento que não
parecem depender dos processos construtivos de ação sobre o
mundo com os quais Piaget definiu seus estágios
2
. Repetindo
nosso argumento anterior – a versão de Piaget tem precisão
descritiva e importância histórica suficientes para merecer uma
discussão continuada. Mas a teoria como um todo parece ter uma
sobrevivência improvável. (FLAVELL e cols, 1999, p.64)
1
imitar gestos.
2
maturação cerebral.
28
29
Em relação à equilibração, há a seguinte citação:
O modelo de equilibração de Piaget foi objeto de uma série de
críticas (Bryant, 1990; Chapman, 1990; Flavell, 1971a;
Zimmerman e Bloom, 1983). Mesmo que ele faça sentido para
algumas aquisições cognitivas, não está de modo algum claro que
plicados em termos de
Tampouco está claro,
mesmo que admitamos que a equilibração está ocorrendo, que
Segundo T
com ratos machos e
percorrer um labirin om desempenho no
mesmo teste), sugerem que a capacidade de aprendizagem também é
determinada por componentes genéticos. No que é denominado cruzamento
seletivo, ele cruzou machos e fêmeas “brilhantes” num grupo e machos e fêmeas
“estúpidos” em outro grupo. Após algumas gerações, obtiveram-se linhagens
“brilhantes” e linhagens “estúpidas”, segundo o diagrama (Gráfico 1):
todos os avanços cognitivos possam ser ex
uma seqüência de conflito-requilibração.
realmente explicamos tudo. Ao contrário, pode-se argumentar que
partes do processo de equilibração (Como a criança chega a
perceber o conflito? Por que ela o resolve desta maneira?)
necessitam de explicação. No mínimo o modelo parece ser
incompleto, ele proporciona um referencial geral para
conceitualizarmos a mudança cognitiva, mas deixa muito a ser
explicado.
(FLAVELL e cols, 1999, p.282)
hompson, 1945 (in ATKINSON e cols, 2002, p.84), estudos
fêmeas “estúpidos” (que tiveram um baixo desempenho para
to) e “brilhantes” (que tiveram um b
30
dm
cognitivam nte cilitaria suas
compreen es, seus raciocínios, suas ap
videntemente, esse tipo de estudo não pode ser aplicado aos seres
humanos.
elação dos genes com
determina
Gráfico 1. Herança de Aprendizagem em Ratos no Labirinto.
Média de erros de ratos “brilhantes” (linha inferior) e
“estúpidos” (linha superior) cruzados seletivamente pela
capacidade de percorrer um labirinto.
Fonte: Atkinson e cols (2002).
A ite-se, pois, que seres humanos possam ser diferenciados
de outros, devido a um caráter hereditário que fae
rendizagens.
E
Seria antiético. Mas Zuckerman (1995), estudando traços de
personalidade, Gianoulakis, Krishnan e Thavrendajil (1996), estudando traços
comportamentais específicos, sugerem a forte r
dos comportamentos. No entanto, é necessário ter cautela para afirmar
que um determinado comportamento tem base genética. Por exemplo, “afirmou-
se certa vez, que um gene para o receptor D2 para a dopamina ocorria somente
em indivíduos com alcoolismo severo e que, portanto, era uma base genética
para o alcoolismo”. Estudos mais recentes deste gene, contudo, indicam que ele
também ocorre em indivíduos que buscam outros tipos de prazer e pode estar
ligado ao abuso de drogas, à obesidade, ao jogo compulsivo e a outras formas de
comportamento compulsivo. (Blum, Cull, Braverman e Comings, 1996).
(ATKINSON e cols, 2002, p.84)
Uma reportagem
3
, com o título “Cientista localiza genes da
inteligência”, enfocando o trabalho do geneticista Edoardo Boncinelli, relata que o
mesmo descobriu dois genes o EMX
1,
cuja função era desconhecida e o EMX
2
que regula a multiplicação dos neurônios até a idade de 4/5 anos. O autor afirma
que os ge
de inteligências.
de culturas não-alfabetizadas geralmente não estão preparadas
homens Kpelle
4
são fazendeiros de arroz.
te. Não deitei
oa.
nse no que ouviu.
der por você ser um Kpelle.
nes não podem determinar a inteligência, mas podem determinar a
estupidez.
Os fatores culturais também afetam a cognição. Sternberg (1992,
p.196) relata um estudo em que a autora sugere que a alfabetização pode ser a
variável crítica ao invés de outras diferenças culturais, embora estas sejam
diferenciais
Sylvia Scribner (1977) e seus colegas mostraram que as pessoas
para jogar o “jogo” de fazer deduções em um ambiente de
laboratório. O seguinte diálogo ilustra o desempenho de um
desses indivíduos não aptos a participar do jogo. O sujeito
recebeu o seguinte problema para a dedução.
Todos os
O Sr. Smith não é um fazendeiro de arroz.
Ele é um dos homens Kpelle?
O sujeito era, ele próprio, um membro Kpelle (um grupo que vive
no estado africano da Libéria), mas como o diálogo seguinte
mostra, ele não estava preparado para jogar o jogo do
experimentador.
Sujeito (S): Eu não conheço o homem pessoalmen
os olhos sobre o homem em pess
Experimentador (E): Apenas pe
(S): Se eu tivesse conhecido em pessoa, eu responderia a
pergunta, mas já que não o conheço pessoalmente, não
posso responder a pergunta.
(E): Tente respon
(S): Se você ouve uma pergunta sobre uma pessoa que você
31
4
Grupo africano da Libéri .
3
O Estado de S. Paulo, 04 mar. 1996, GERAL. p.A13.
a
32
ece a
ifícil
dedução, seria um engano presumir que é incapaz de um
está bastante claro, a partir do
de fazer uma dedução e, além disso,
a dedução do mesmo tipo que interessa ao experimentador. O
odas as deduções que posso fazer são sobre os indivíduos que
r que não pode fazer a dedução
olicitada pelo experimentador.
Luria (in VYGOTSKY e cols, 1998) re
estudo com mulheres
Mas o a
omportamento supostamente determinado por genes. Por exemplo, entre
gêmeos u
r um comportamento
semelhant
que o organismo
conhece, pode responder. Mas se você não conh
pessoa, ao ouvir uma pergunta sobre ela, fica d
responder.
Embora o membro Kpelle não esteja preparado para fazer a
argumento subjacente às observações do sujeito pode ser
parafraseado como segue:
pensamento racional. Na verdade,
diálogo, que ele é capaz
um
T
conheço.
Não conheço o Sr. Smith.
Portanto, não posso fazer uma dedução sobre o Sr. Smith.
Parece que o sujeito Kpelle pode fazer deduções se estas forem
realmente exigidas pelo contexto, mas não pode ou não desejará
fazê-las de outra forma. Assim, ele faz uma dedução (exigida pela
situação) para explicar po
s
latou achados similares em um
não-alfabetizadas do Uzbequistão.
mbiente é também importante na exteriorização de um
c
nivitelíneos (idênticos) se um deles apresenta um comportamento anti-
social a probabilidade de o outro irmão apresenta
e é de 50% e, entre gêmeos fraternos (não-idênticos), essa taxa é de
20% (RUTTER e cols in ATKINSON e cols, 2002). Mas estudos sugerem que
esse transtorno para ser manifesto, é necessário que o meio seja propício, por
exemplo, ter pais negligentes e hostis (CADORET e CAIN, 1980; CLONINGER e
GOTTEMAN, 1987, RUTTER, QUINTON e HILL, 1990, idem).
Gonçalves e cols (2004) fizeram um estudo para estabelecer uma
aproximação dos conceitos piagetianos com os avanços da neurociência,
procurando confirmar a compreensão do processo de construção das estruturas
mentais. Para Piaget, a inteligência resulta das trocas
33
estabelece
e curto prazo restringe essa expressão” (FLAVEL e cols, 1999,
p.17). Alé
com o meio. É um fenômeno adaptativo que implica a existência de
mecanismos funcionais assimilativos tanto quanto a de outros sistemas orgânicos.
Nessa troca, o sujeito transforma o meio e seu mecanismo é operatório. Assim,
agindo no cérebro do sujeito, as redes neuronais são modificadas, podendo
aumentar o número de sinapses dos neurônios componentes. Modificando as
redes neuronais, a mente é modificada, manifestando-se, dessa forma, o
desenvolvimento cognitivo.
Os neopiagetianos, termo criado para se referir a um grupo de
pesquisadores teóricos que concordam com a teoria de Piaget, adotam muitas
noções de outras correntes, particularmente as do processamento de
informações.
Robbie Case, um desses representantes (1985, 1992), acredita que as
crianças expressam um conceito por intermédio de “processos, como a memória,
a atenção e as estratégias em um ambiente específico, e sua capacidade limitada
de memória d
m de concordar com os quatro estágios sugeridos por Piaget, Case
(1985-1992) sustenta que uma das principais mudanças no desenvolvimento está
na capacidade de uma criança reunir “esquemas mentais” – planos para resolver
diferentes tipos de problemas. A capacidade para manipular essas
representações internas, aumenta na medida em que aumenta a capacidade de
processamento de informações das crianças.
Sternberg (2000a) escreve que Case (1992) sugeriu dois tipos de
processos pelos quais o desenvolvimento cognitivo é alcançado: 1. a
intercoordenação e 2. consolidação e automização.
34
.
sse modo, esses recursos
para outro
ky era formado em Direito e foi
professor de Literatura e Psicologia. Fez também curso de Medicina.
Pela intercoordenação a criança usa ativamente os recursos de
atenção para formar novas estruturas cognitivas, durante tarefas tais como a
exploração do ambiente e a resolução de problemas
Pela consolidação e automização são envolvidos dois processos
específicos implicando a redução de recursos de atenção necessários para
desempenhar uma determinada tarefa, liberando, de
s processos cognitivos. Na consolidação, a criança integra as múltiplas
estruturas existentes em um todo unificado. Na automização – para o adulto, o
termo usado é automatização pela maioria dos psicólogos – a repetida prática de
procedimentos pela criança reduz a quantidade de esforço consciente, necessário
para a realização desses procedimentos, transformando-os de processos
controlados em processos automáticos. O ponto crucial da mudança evolutiva em
todos os domínios – manipular os sentimentos de outras pessoas, contar
histórias, julgar a inteligência em outros – é a coordenação de duas unidades para
formar um conceito novo de ordem superior.
Case (1992) exemplifica, assim, como a Neurociência Cognitiva pode
complementar a teoria de Piaget e auxiliar os professores.
2.2. A Concepção Sócio-Cultural
Moreira (1999), relata que Vygots
35
1970 e 1980
e ainda é
particular o suporte dos adultos e suas orientações no
desenvolv
njunta, na qual as crianças são
guiadas em direção a habilidades e corpos de conhecimentos inseridos em sua
Segundo Sternberg (2000a), enquanto Piaget dominava na Psicologia
dos anos 1960 e 1970, Vygotsky era redescoberto nos fins dos anos
influente nos dias de hoje, sendo considerado o maior estudioso do
desenvolvimento cognitivo depois do psicólogo suiço. Segundo Van Der Veer e
Valsiner (1999, p.30) esta defasagem deve-se, possivelmente, “à crescente
pressão ideológica, à desintegração de seus grupos de colaboradores e às
traições pessoais que ocorreram no fim de sua vida”. Enquanto Piaget
considerava que o desenvolvimento cognitivo originava-se “de dentro para fora”
(maturação biológica), Vygotsky postulava que o desenvolvimento cognitivo
ocorre “de fora para dentro” (internalização, a absorção do conhecimento
proveniente do contexto). Assim, para Vygotsky, a influência do fator social e
histórico-cultural no desenvolvimento cognitivo era mais significativo do que o
fator biológico.
Vygotsky focaliza a importância do contexto social na mudança
cognitiva, em
imento cognitivo das crianças. O importante a ressaltar é que, em sua
visão, a criança e a sociedade não são unidades separadas. A criança, no
contexto social, é uma unidade de estudo irredutível. O pensamento é sempre
social, em um certo sentido. Os contextos formam dois níveis gerais: 1. um distal
e molar, que foca o momento sócio-histórico-cultural no qual a criança existe; 2. o
nível sócio-cultural que está mais próximo da mente da criança, em seu ambiente
social e físico imediato (FLAVELL e cols, 1999).
Na visão de Vygotsky, o desenvolvimento cognitivo não é uma
construção individual, mas uma construção co
36
cultura. Es
pessoas intercambiando informações. (O par, ou díade, é o menor
bém um certo grau
es, ou
ento ativo (embora não
ambos os participantes
Portanto,
meio de estágios de
meio social, o que é peculiar a todo ser humano.
sociais em funções mentais. Não é por meio do desenvolvimento
OREIRA, 1999, p.110)
Para Vyg
pensamento e compo
Andler (1990) define os processos cognitivos superiores, como aqueles
exclusivos
rtilhados entre humanos e animais, tais
como a pe
sa é uma diferença da teoria de desenvolvimento cognitivo de Piaget
que, embora fale sobre a contribuição da experiência social, a imagem dominante
que passa seus escritos é a da criança autônoma que autoconstrói o
conhecimento por meio de suas trocas ativas com o ambiente.
Mas o que é interação social? Segundo Garton:
Uma definição de interação social implica um mínimo de duas
microcosmo de interação social.) Implica tam
de reciprocidade e bidirecionalidade entre os participant
seja, a interação social supõe envolvim
necessariamente no mesmo nível) de
desse intercâmbio, trazendo a eles diferentes experiências e
conhecimentos, tanto em termos qualitativos como quantitativos.
(GARTON apud MOREIRA, 1999, p.112)
para Vygotsky, o desenvolvimento cognitivo não se dá por
desenvolvimento, mas, sim, pela interação da criança com o
Para ele, desenvolvimento cognitivo é a conversão de relações
cognitivo que o indivíduo se torna capaz de socializar, é na
socialização que se dá o desenvolvimento dos processos mentais
superiores. (DRISCOLL, apud M
otsky, processos mentais superiores seriam a linguagem,
rtamento volitivo.
de espécie humana, tais como o raciocínio e a linguagem; processos
cognitivos inferiores seriam aqueles pa
rcepção e a motricidade. (SERSON, 2001)
Esses processos cognitivos superiores eram, segundo Van Der Veer e
Valsiner (1999), denominados por Vygotsky de funções psicológicas superiores e
37
5
Segundo Vygotsky (1931) Janet entende que as funções psicológicas aparecem duas vezes na
vida de um sujeito: primeiro, como uma função interpessoal depois, como uma função intrapessoal
(Der Veer e Valsiner, 1999). Aprende-se a compreender a si próprio, a partir da compreensão do
outro (idem).
ral. É com a internalização de sistemas de signos produzidos
culturalmente que se dá o desenvolvimento cognitivo (VYGOTSKY, 1988). A
combinação de uso de instrumentos e signos é característica essencialmente do
ser humano e permite o desenvolvimento de funções mentais ou processos
baseando-
possível ao longo das vias de seu desenvolvimento cultural, quer
omínio de meios culturais externos (fala,
e aperfeiçoamento interno das
Esta conv
indireta, isto é, mediada por instrumentos e signos que reconstroem internamente,
uma opera
os quais modificam e influenciam seu desenvolvimento
sócio-cultu
se na lei de Janet
5
, de que as funções psicológicas aparecem duas
vezes na vida de um sujeito, fê-lo concluir:
O desenvolvimento de funções psicológicas superiores só é
prossiga pela linha do d
escrita, aritmética) ou pela linha d
próprias funções psicológicas (elaboração de atenção voluntária,
memória lógica, pensamento abstrato, formação de conceitos,
liberdade de vontade etc). (VAN VEER e VALSINER, 1999, p.84-
85)
ersão de relações sociais em funções mentais superiores é
ção externa. Instrumento é algo que pode ser usado para fazer alguma
coisa e um signo é algo que significa alguma coisa. Há três tipos de signos:
1. indicadores, que são aqueles que têm uma relação de causa e efeito com
aquilo que significam (fumaça indica fogo); 2. icônicos, que são imagens ou
desenhos daquilo que significam; 3. simbólicos, que são os que têm uma relação
abstrata com o que significam. As palavras, por exemplo, são signos lingüísticos,
os números são signos matemáticos; a linguagem escrita e falada e a matemática
são sistemas de signos.
Para Vygotsky, as sociedades criam instrumentos e sistemas de signos
ao longo da história com
38
ica), e, por
uma fase i
mesmo (interação social), o ato de apontar começa a ter
significado para ela.
o tão diferentes uma da outra, que a natureza dos
meios por elas utilizados não pode ser a mesma. (VIGOTSKI,
(internalização) dos signos é fundamental para o
desenvolvimento hum
as funções e significado são
o a descrição do apontar ilustra, o processo de internalização
onsiste numa série de transformações. (VIGOTSKI, 1998, p.74-
significados já compartilhados socialmente. Este é o teor fundamental da
psicológicos superiores. Esse desenvolvimento das funções mentais superiores
passa, necessariamente, por uma fase externa, uma vez que cada uma delas é,
antes, uma função social, entre pessoas (interpessoal, interpsicológ
nterna, em nível individual (intrapessoal, intrapsicológica).
Quando uma criança aponta um objeto no sentido de pegá-lo e um
adulto lhe entrega o
A função do instrumento é servir como um condutor da influência
humana sobre o objeto da atividade; ele é orientado
externamente; deve necessariamente levar a mudanças nos
objetos. Constitui um meio pelo qual a atividade humana externa é
dirigida para o controle e domínio da natureza. O signo, por outro
lado, não modifica em nada o objeto da operação psicológica.
Constitui um meio da atividade interna dirigido para o controle do
próprio indivíduo; o signo é orientado internamente. Essas
atividades sã
1998, p.72)
Começa a captar o significado socialmente compartilhado, de apontar.
Ela começa a aprender o que significa apontar. Começa a internalizar o signo.
Essa reconstrução interna
ano.
O movimento de pegar transforma-se no ato de apontar. Como
conseqüência dessa mudança, o próprio movimento é, então,
fisicamente simplificado, e o que resulta é a forma de apontar que
podemos chamar de um verdadeiro gesto. De fato, ele só se torna
um gesto verdadeiro após manifestar objetivamente para os
outros todas as funções do apontar, e ser entendido também
pelos outros como tal gesto. Su
criados, a princípio, por uma situação objetiva, e depois pelas
pessoas que circundam a criança.
Com
c
75)
Os signos são internalizados quando o ser humano capta os
39
interação social – a pessoa pode captar significados e certificar-se de que os
mesmos são aqueles compartilhados socialmente para os signos em questão.
O apontar torna-se um gesto para os outros. A tentativa
malsucedida da criança engendra uma reação, não do objeto que
ela procura, mas de uma outra pessoa. Conseqüentemente, o
significado primário daquele movimento malsucedido de pegar é
estabelecido por outros. Somente mais tarde, quando a criança
pode associar o seu movimento à situação objetiva como um todo,
é que ela, de fato, começa a compreender esse movimento como
um gesto de apontar. Nesse momento, ocorre uma mudança
naquela função do movimento: de um movimento orientado pelo
objeto, torna-se um movimento dirigido para uma outra pessoa,
um meio de estabelecer relações. (VIGOTSKI, 1998, p.74)
Vygotsky considera a linguagem como o sistema de signos mais
importante para o desenvolvimento cognitivo da criança. Por meio da linguagem,
a criança consegue desvincular-se de contextos concretos imediatos e quando
dominar a linguagem abstrata seu pensamento conceitual e proposicional será
flexibilizado.
Na formação de conceitos, a criança aprende, por meio de adultos, por
exemplo, que tal animal é um “cachorro” e tal objeto é um “copo”. Assim, associa
o nome desses conceitos a um animal ou objeto específico. Mas, com encontros
sucessivos com outros “cachorros” e “copos”, a criança aprende a abstrair,
compreendendo que todos os animais com determinadas características são
denominados “cachorros” e que objetos com determinadas características são
chamadas de “copos”. Isto representa o fato de os signos lingüísticos que
representam tais animais e objetos terem sido internalizados. Os conceitos, então,
foram formados.
O momento de maior significado no curso do desenvolvimento
intelectual, que dá origem às formas puramente humanas de
inteligência prática e abstrata, acontece quando a fala e a
atividade prática, então duas linhas completamente independentes
de desenvolvimento, convergem.
Embora o uso de instrumentos pela criança durante o período pré-
verbal seja comparável àquele dos macacos antropóides, assim
40
que a fala e o uso de signos são incorporados a qualquer ação,
esta se transforma e se organiza ao longo de linhas inteiramente
novas. Realiza-se, assim, o uso de instrumentos especificamente
humano, indo além do uso possível de instrumentos, mais
limitado, pelos animais superiores.
Antes de controlar o próprio comportamento, a criança aprende a
controlar o ambiente com a ajuda da fala. Isto produz novas
relações com o ambiente, além de uma nova organização do
próprio comportamento. A criação dessas formas
caracteristicamente humanas de comportamento produz, mais
tarde, o intelecto, e constitui a base do trabalho produtivo: a forma
especificamente humana do uso de instrumentos. (VYGOTSKY,
1998, p.33).
A inteligência prática acima citada refere-se ao uso de instrumentos, e
a inteligência abstrata à utilização de signos e sistemas de signos. A inteligência
prática e a fala desenvolvem–se separadamente nas primeiras fases da vida da
criança.
Embora a inteligência prática e o uso de signos possam operar
independentemente em crianças pequenas, a unidade dialética
desses sistemas no adulto humano constitui a verdadeira
essência no comportamento humano complexo. (VYGOTSKY,
1998, p. 32).
Ao contrário de Piaget, para Vygotsky a fala egocêntrica não reflete um
pensamento egocêntrico, mas faz parte juntamente com a ação, de uma função
psicológica com a finalidade de solucionar um problema em questão. As crianças
não ficam simplesmente falando; essa fala está organizando suas ações.
“Quanto mais complexa a ação exigida pela situação e menos direta a solução,
maior importância a fala adquire na operação como um todo. Às vezes, a fala
adquire uma importância tão vital que, se não for permitido seu uso, as crianças
pequenas não são capazes de resolver a situação” (VYGOTSKY, 1998, p.34).
Portanto, para Vygotsky, o desenvolvimento da linguagem no indivíduo
se dá nesta ordem: fala social (comunicação com outros) Æ fala egocêntrica
41
(linguagem mediando ações) Æ fala interna (descontextualização, abstração que
leva à conceitualização de objetos e eventos do mundo real).
Essa internalização de instrumentos e signos em contextos de
interação satisfaz a exigência para o desenvolvimento das funções mentais
superiores. Diz-se, então, que houve aprendizagem e esta deve estar na zona de
desenvolvimento proximal da pessoa. Essa zona pode ser definida “como a
diferença existente entre o nível do que a pessoa é capaz de fazer com a ajuda
dos outros e o nível das tarefas que pode fazer de maneira independente” (COLL
e cols, 2000, p.260). O primeiro desses níveis, Vygotsky chama de nível de
desenvolvimento potencial (possibilidade de expansão de potencialidade) e o
segundo, de nível de desenvolvimento real (desenvolvimento já realizado).
Esta zona define as funções que ainda não amadureceram, mas que
estão no processo de maturação. É uma medida do potencial de aprendizagem.
Representa a região onde o desenvolvimento cognitivo ocorre. Está
constantemente mudando. Logo é nesta zona que deverá ocorrer a interação
social. Mas deve-se entender que esta zona tem limites; a criança deve basear-se
naquilo que já compreende. O desenvolvimento cognitivo acontece de modo
gradual.
Flavell (1999, p.21), cita um estudo de Freund (1990), que é transcrito
integralmente abaixo:
Como um exemplo recente da abordagem contextual,
consideremos um estudo (Freund, 1990) no qual crianças de 3 e 5
anos ajudaram uma boneca a levar a mobília para sua nova casa.
Esta tarefa envolvia essencialmente uma classificação, pois a
mobília da casa de bonecas tinha que ser dividida entre as peças.
Foi dito às crianças que colocassem as coisas nas peças certas.
Por exemplo, uma criança podia colocar o fogão, o refrigerador,
uma pia, uma mesa e cadeiras em um quarto e chamá-lo de
cozinha. Elas criaram outras peças do mesmo jeito. Após as
crianças terem executado a tarefa sozinhas (nível atual de
funcionamento), metade delas interagiu com suas mães em um
42
nível fácil e um mais difícil da tarefa. Essas duas versões diferiam
quanto ao número de peças e itens a serem divididos. As mães
foram instruídas a ajudar seus filhos, mas não ensiná-los. A outra
metade das crianças trabalhou nas mesmas tarefas sozinha, mas
ao fim de cada tarefa o experimentador corrigia os erros enquanto
as crianças observavam. Por último, todas as crianças realizaram
a tarefa mais uma vez sozinhas. Aquelas que interagiram com
suas mães tiveram um desempenho de nível mais avançado na
última tentativa do que as que tinham praticado sozinhas, embora
estas tivessem observado a solução correta no final, feita pelo
experimentador. Além disso, as mães ajustaram seu
comportamento ao nível cognitivo da criança. Elas davam mais
conteúdo específico concreto (por exemplo, “Aquele fogão vai na
cozinha”) para as crianças de 3 anos do que para as de 5 anos.
Estas recebiam uma ajuda mais genérica, como manter em mente
o objetivo da tarefa e planejá-la (por exemplo, “Vamos fazer o
quarto e depois a cozinha”). Tais estímulos genéricos também
tenderam a ser mais usados na versão fácil do que na difícil,
presumivelmente porque as mães pensaram que até mesmo as
crianças de 3 anos poderiam usá-los na versão mais fácil. As
mães também falaram mais na versão difícil. Portanto, os
resultados demonstram que as mães deram a seus filhos tanta
responsabilidade quanto achavam que eles poderiam administrar,
dadas a sua idade e a dificuldade da tarefa. Cada mãe determinou
a natureza da participação de seu filho na atividade, de modo a
maximizar seu trânsito pela zona de desenvolvimento proximal.
Além disso, as mães, às vezes, valiam-se de sua história em
comum com a criança, como quando diziam: “Onde nós
colocamos o refrigerador lá em casa?
Na metodologia experimental de Vygotsky, o sujeito tinha ampla
liberdade de ação para soluções de tarefas ao invés de serem rigidamente
controladas. Para esse pesquisador, “interessava o que as crianças faziam, não
as soluções às quais poderiam, eventualmente, chegar” (MOREIRA, 1999, p.117).
Basicamente emprega três técnicas em sua pesquisa com crianças.
1. Introdução de obstáculos que perturbam o andamento da solução
da tarefa (ex.: no estudo da fala egocêntrica solicitar a cooperação
de crianças que falam línguas diferentes).
2. Fornecimento de recursos externos, que podiam ser usados de
diversas maneiras.
3. Solicitação de problemas além das capacidades das crianças.
43
O comum dessas técnicas é a ênfase nos processos e não nos
produtos. É nesta interação social que a internalização de instrumentos e signos
propicia a aprendizagem, que é “a condição para o desenvolvimento dessas
funções, desde que se situe precisamente na zona de desenvolvimento potencial
do sujeito” (RIVIÈRE 1987, in MOREIRA, 1999, p.117).
Por isso, destaca Vygotsky:
A instrução somente é boa quando vai adiante do
desenvolvimento, quando desperta e traz à vida aquelas funções
que estão em processo de maturação ou na zona de
desenvolvimento próximo. É justamente assim que a instrução
desempenha um papel extremamente importante no
desenvolvimento (in COLL e cols, 1996, p.95).
A esse respeito (desenvolvimento e aprendizagem) são apresentadas
duas figuras mostrando outra diferença de pensamento entre Vygotsky e Piaget
(COLL e cols, 1996, p.94).
E
D
D-R
F
Figura 3. E Piaget: A aprendizagem segue-se ao desenvolvimento.
F Vygotsky: o desenvolvimento segue-se à aprendizagem.
Fonte: Coll e cols (1996).
Para Vygotsky, o desenvolvimento segue-se à aprendizagem que cria a
área de desenvolvimento potencial com a ajuda da mediação social e
instrumental. O desenvolvimento e a aprendizagem estão relacionados desde o
44
nascimento da criança. A elaboração de conceitos por elas, é um processo longo
e desenvolvido cotidianamente em suas observações práticas (experimentações,
orientações por adultos ou crianças mais velhas) e de sua cultura (conceitos,
valores, idéias).
As idéias de Vygotsky foram incorporadas por vários pesquisadores.
Coll e cols (2000, p.183), citam a proposta de Bruner e cols (1976)
conhecida como a metáfora do “andaime”, que insiste no caráter, ao mesmo
tempo, necessário e transitório das ajudas dadas pelos professores a seus alunos
em sala de aula a fim de construírem seus conhecimentos.
Figura 4. Estrutura básica dos ambientes educativos que correspondem à metáfora
do “andaime”. Fonte: Coll e cols (2000).
As ajudas são necessárias, pois, sem elas o conhecimento dificilmente
seria construído e transitórias, porque as ajudas (o andaime) devem ser retiradas
à medida que o aprendiz assume mais autonomia e controle.
45
A idéia de andaime serviu de base para algumas propostas de
metodologia didática, como a de Palincsar e Brown (1984, p.184).
Esse modelo, delineado para ensinar aos alunos quatro
estratégias básicas na compreensão de textos – formular
predisposições, propor-se perguntas sobre o texto, esclarecer
dúvidas e resumi-lo – focaliza o caráter ativo dos alunos, que se
realiza na discussão sobre o fragmento que se tenta
compreender. Essa discussão é dirigida alternadamente pelos
diversos participantes, sendo que cada um começa apresentando
uma pergunta, e os outros deverão responder, solicitar
esclarecimentos sobre as dúvidas que lhe aparecem, resumir o
texto tratado e suscitar as predições dos seus companheiros
sobre o fragmento posterior. Se é um aluno quem conduz a
discussão, o professor intervém, proporcionando ajuda aos
diferentes participantes.
No modelo de ensino recíproco, o professor assume algumas
tarefas essências; não é um participante comum. De imediato,
oferece um modelo complexo aos alunos, que vêem como ele
atua para resolver determinados problemas. Em segundo lugar,
ajuda a manter os objetivos da tarefa, centrando a discussão no
texto e assegurando o uso e a aplicação das estratégias que tenta
ensinar. Finalmente, supervisiona e corrige os alunos que dirigem
a discussão em um processo enfocado para fazê-los assumir a
responsabilidade total e o controle correspondente. Explicação,
demonstração e modelos, participação ativa e orientada, correção,
traspasso progressivo da competência etc., aparecem aqui como
chaves do ensino em uma perspectiva construtivista, que tem na
construção conjunta entre professor e aluno dirigido à autonomia
do aluno – o seu eixo principal.
Rego (1996, p.79) cita a seguinte idéia de Vygotsky:
O desenvolvimento dos processos, que finalmente resultam na
formação de conceitos, começa na fase mais precoce da infância,
mas as funções intelectuais que, numa combinação específica
formam a base psicológica do processo de formação de conceitos
amadurece, se configura e se desenvolve somente na puberdade.
Ensinar conceitos para crianças diretamente, apenas definido-os é
“cair” num verbalismo vazio, uma repetição de palavras pela criança, semelhante
a um papagaio que simula um conhecimento dos conceitos correspondentes, mas
que, na realidade, segundo Oliveira, oculta um vácuo” (idem, p.78).
Vygotsky não chegou a formular uma concepção estruturada do
desenvolvimento humano a partir do qual pudéssemos interpretar
o processo de construção psicológica do nascimento até a idade
46
adulta... Oferece-nos dados e reflexões de pesquisa sobre vários
aspectos do conhecimento. (OLIVEIRA, 1995, p. 56)
O lingüista William Frawley (2000) escreveu um livro, em que o autor
defende a tese de que a teoria sociocultural de Vygotsky e a ciência cognitiva
computacional padrão têm interesses comuns e o que falta para uma, seria
completado pela outra.
2.3. Contribuições da Neuropsicologia
Após a prematura morte de Vygotsky em 1934, dois grandes
colaboradores seus, Alexander Romanovich Luria e Alexei Nikolaievich Leontiev
continuaram sua obra. Denominavam-se a si mesmos como sendo a Troika,
(LURIA, 1992). Troika em russo, quer dizer Trio.
Luria, embuído de ideais socialistas, ingressou no departamento de
ciências sociais da Universidade de Kazan, um grande centro comercial situado
sobre o rio Volga, a sudeste de Moscou. Esse fato causou uma tensão entre Luria
e seu pai, o médico Roman Albertovich.
Foi talvez para acalmar seu pai que Alexander Romanovich tenha
mantido ligação com escolas de medicina e com a psicologia
médica ao longo dos vinte anos que se passaram entre o
momento que entrou na Universidade e seu comprometimento em
tempo integral com a medicina, após a morte de Vygotsky em
1934.
6
(in LURIA, 1992, p.204).
Luria, assim como Vygotsky, lia em alemão, inglês e francês. “Era um
6
Nesta edição do livro de Luria “A construção da mente” (1992) a introdução e epílogo foram
escritos por um colaborador norte-americano desconhecido.
47
escritor prolífico” (in LURIA, 1992, p.209). Entre 1920 e 1930, influenciou-se pelo
pensamento de Freud e pelo movimento psicanalista, pois estava envolvido com
pacientes no Hospital Psiquiátrico de Kazan. Tentou fazer uma conciliação do
pensamento de Freud com o pensamento marxista e foi criticado por vários
pensadores da época, inclusive Vygotsky (VAN DER VEER e VALSINER, 1999).
Certa vez, a um interlocutor que lhe perguntou generalidades sobre seus
trabalhos, deu a entender que: “As fases antigas de seu trabalho eram tratadas
como aberrações da juventude, quase como acidente em sua história pessoal”
(apud. LURIA, 1992, p.199)
Luria é considerado um dos maiores estudiosos das bases biológicas
do funcionamento psicológico.
A neuropsicologia é uma área interdisciplinar que envolve as
disciplinas de neurologia, psiquiatria, fonoaudiologia, lingüística e
outras correlatas e que tem como objetivo estudar as interrelações
entre as funções psicológicas humanas e sua base biológica.
(OLI-VEIRA, 1995, p.83)
Em 1937, entrou na Primeira Escola Médica de Moscou, como interno
do Instituto de Neurocirurgia: “esses anos foram os mais frutíferos de minha vida”
(LURIA, 1992, p.136). Nessa mesma época, desenvolvia métodos psicológicos
para as lesões cerebrais localizadas. Estava imerso nesse trabalho em tempo
integral.
Luria, assim como Vygotsky, considerava que o funcionamento
psicológico básico estava ligado ao meio sociocultural onde o sujeito vivia, assim
como ao nível de sua organização cerebral.
Em relação ao meio sociocultural juntamente com Vygotsky, idealizou
um trabalho de campo, no qual seriam comparados dois grupos de camponeses:
um grupo com alto grau de analfabetismo e outro mais escolarizado. Nessa
época, o meio rural estava sendo modificado pela instalação de fazendas
coletivas, mecanização da agricultura e escolarização da população. Portanto, um
grupo era analfabeto vivendo isoladamente e outro, num processo de
escolarização variado vivendo em uma comunidade. Antes de começarem o
trabalho propriamente dito, conviveram com os moradores da região estudada
(Usbequistão e Quirquistão, na Ásia central). A metodologia usada por Luria é
extremamente contemporânea: a imersão do pesquisador no contexto da
pesquisa, a entrevista longa e não estruturada e a intervenção do entrevistador
para provocar comportamentos relevantes (OLIVEIRA, 1995). “Tentamos
estabelecer relações de amizade, de modo que as sessões experimentais
parecessem naturais e nunca ameaçadoras”, afirmava Luria (1992, p.67). As
tarefas apresentadas aos camponeses na forma de experimentos, envolviam:
percepção, abstração e generalização, dedução e inferência.
1. Percepção
1 2 5 6
3 4 7
1.1. Quando eram apresentadas as figuras abaixo, para sua
identificação, as mulheres iletradas, habitantes de vilarejos remotos, tipicamente
forneceriam a seguinte lista de nomes. (LURIA, 1992)
1. um prato
2. uma tenda
3. um bracelete
4. contas
5. um espelho
48
6. um relógio
7. um suporte para chaleira
À medida que os sujeitos se alfabetizavam e a administração de
fazendas coletivas ia crescendo, suas respostas já atingiam um nível abstrato,
como classificar em triângulos, círculos ou quadrados. Além disso, também
aumentava o grau de “semelhança” ou igualdade das figuras geométricas. Em
outras palavras, os camponeses mais tradicionais, (iletrados) viam a semelhança
de modo concreto, comparando as figuras de acordo com a realidade de seu
cotidiano. Assim e eram semelhantes por serem considerados
“armações de janelas”; e eram ambos relógios, mas
, e
não apresentavam qualquer semelhança (Luria, 1992).
Com este resultado Luria critica “os colegas” da Gestalt que
consideravam que os estímulos por eles apresentados gerariam leis universais da
percepção. Sujeitos escolarizados, instruídos aprenderam a colocar, por exemplo,
as figuras e na classe abstrata dos círculos. Quando estas figuras foram
apresentadas a um analfabeto, mesmo afirmando que elas são semelhantes, o
homem retrucou “Não podem ser semelhantes... porque a primeira é uma moeda
e a segunda uma lua” (idem, p.70). Em ambos os casos a classificação não
retrata qualquer “lei universal de percepção”, mas, sim, que a percepção por
categorias é desenvolvida e transmitida historicamente.
1.2. Os mesmos resultados obtidos anteriormente eram confirmados
quando se apresentavam aos sujeitos pesquisados, fios de lã coloridos. Os
menos letrados rotularam os fios (ou peças) de lã pelos nomes dos objetos de seu
ambiente que tinham a mesma cor. Por exemplo: “a cor da grama na primavera”,
“a cor das amoreiras no verão”, “a cor das ervilhas novas” (LURIA, 1992, p. 71).
49
50
2. Abstração e generalização
Sujeitos iletrados e não-instruídos tendem a categorizar os objetos de
acordo com a sua realidade prática. Vários testes propostos a camponeses,
levaram Luria e sua equipe a esta conclusão. Por exemplo, mostraram a Rakmat,
um camponês iletrado de 31 anos, morador de um distrito distante, desenhos de
um martelo, um machado, um serrote e uma tora (LURIA, 1992, p. 74) e pediram-
lhe que agrupasse os objetos semelhantes. “Todos eles o são” respondeu o
aldeão. De nada adianta o machado, o serrote ou o martelo se não houver
madeira. Logo os quatro são semelhantes. Mas à medida que os sujeitos se
escolarizam, recebem uma instrução, participam das discussões coletivas de
assuntos sociais vitais, aprendem a fazer uso da linguagem (novas idéias e novas
experiências) de modo que as palavras tornem-se o principal agente de abstração
e generalização, eles começam a usar a categorização para representar idéias
sobre a realidade concreta. Os processos de abstração e generalização são
processos produzidos pelo ambiente cultural (LURIA, 1992).
3. Deduções e inferências
Os clássicos do marxismo entendem que o fenômeno mais importante
da história humana é a transição da consciência sensorial para a consciência
racional (idem). Luria e seus colaboradores, baseados nos testes anteriores,
concluíram que os silogismos que agora iriam aplicar em seus sujeitos estudados,
deveriam ser divididos em dois grupos: um tipo deveria ser baseado nas práticas
diárias dos entrevistados, apenas com uma mudança de certas particularidades a
que se aplicava. Por exemplo: (ibidem)
“O algodão cresce bem nos lugares quentes e secos.
A Inglaterra é úmida e fria.
51
Pode o algodão crescer lá, ou não.”
Com muita relutância, os indivíduos, apesar de saberem que o algodão
necessita de um lugar quente e seco para ser produzido, diziam: “De suas
palavras, o algodão não deve crescer lá se é frio e úmido...” (LURIA, 1992, p.82).
Um outro indagado com o mesmo problema respondeu: “Só fui até a terra de
Kashgar. Não conheço nada além disso”.
O segundo tipo de silogismo incluía material não familiar ao sujeito, de
modo que suas inferências só pudessem ser puramente teóricas. Por exemplo:
“No extremo norte, onde há neve, todos os ursos são brancos.
Novaya Zemlya fica no extremo norte.
De que cor são os ursos lá?”
As respostas foram do mesmo tipo: não conheço a região, nunca fui lá,
só posso responder o que sei ou conheço. Mas um jovem Uzbek falou
voluntariamente: “De suas palavras, quer dizer que os ursos lá são brancos”.
Os entrevistados, na opinião de Luria, revelaram muita inteligência
prática e o processo de seus raciocínios e dedução são baseados em seus
cotidianos que domina as respostas dos sujeitos iletrados. Embora as respostas
não satisfizessem aparentemente as leis da lógica, na verdade, elas tinham
lógica. Por exemplo:
Todas as deduções que posso fazer são sobre locais e ursos que conheço.
Não conheço Novaya Zemlya.
Portanto, não posso fazer uma dedução da cor dos ursos de lá.
Como nas outras pesquisas, quando os entrevistados eram instruídos,
os silogismos eram interpretados e respondidos como qualquer pesquisador
também responderia.
52
Além destes três experimentos, foram feitos também outros, de
resolução de problemas e raciocínio, imaginação e fantasia e de como os
entrevistados se auto-avaliavam em termos de personalidade.
Em todos os casos constatamos que mudanças nas formas de
atividade prática, e especialmente aquela reorganização da
atividade baseada na educação formal, produziram mudanças
qualitativas nos processos de pensamento dos indivíduos
estudados. Além disso, fomos capazes de definir que mudanças
básicas na organização do pensamento podem ocorrer num
tempo relativamente curto quando existem mudanças
suficientemente radicais nas circunstâncias sócio-históricas, como
aquelas que ocorreram após a Revolução de 1917. (LURIA, 1992,
p.84-85)
Esse comentário ilustra a certeza de Luria de que a educação formal
influencia o modo do sujeito pensar, sentir e agir.
Luria também estudou o desenvolvimento mental em gêmeos
monozigóticos (idênticos) e heterozigóticos (fraternos) no início da década de
1930, no Instituto Médico-Genético de Moscou. Pôde, assim, estudar a influência
genética e sócio-cultural no desenvolvimento de crianças e adolescentes
pesquisadas.
Em meados da década de 20, Vygotsky sugeriu, pela primeira vez, que
“uma investigação de lesões cerebrais localizadas poderia se constituir num
caminho para análise da estrutura cerebral e de desenvolvimento dos processos
psicológicos superiores” (
LURIA, 1992, p.126). Luria, então, empenhou-se nesses
estudos e, entre 1937 e 1941, considerou-os, no campo da neuropsicologia, como
seus primeiros trabalhos mais sérios.
A Segunda Guerra Mundial foi um desastre para todos os participantes,
mas propiciou inúmeros pacientes para os estudos em que, principalmente Luria,
estava interessado: qual a lesão cerebral e como reabilitar as funções perdidas?
Seus trabalhos foram muito vastos e prolíficos graças ao conhecimento de vários
53
campos, como: neurofisiologia, anatomia, psiquiatria, psicanálise, psicologia e
lingüística. A Neurociência Cognitiva beneficiou-se de seus trabalhos.
Oliveira assim se expressa a respeito de Luria:
...foi quem se dedicou mais intensamente ao estudo das funções
psicológicas relacionadas ao sistema nervoso central, tornando-se
conhecido como um dos mais importantes neuropsicólogos do
mundo.
(OLIVEIRA, 1995, p.83)
Os trabalhos de Vygotsky relacionando lesões cerebrais, perturbações
da linguagem e funções psicológicas em condições normais e anormais fizeram
com que Luria o considerasse como predecessor da Neuropsicologia (
OLIVEIRA,
1995
).
Segundo Churchland (2004), a Neuropsicologia é a disciplina que tenta
compreender e explicar os fenômenos psicológicos em termos das atividades
neuroquímicas, neurofisiológicas e neurofuncionais do cérebro.
Alexei Nikolaievich Leontiev completava a “troika”. Como falava, além
de russo, apenas o francês, ficou incumbido pelos parceiros da pesquisa de
títulos franceses. Seu campo era também a Neuropsicologia.
Sendo muito influenciado pelo marxismo, seus estudos da cultura e da
personalidade humana foram baseados no materialismo dialético e histórico.
Sobre a hominização afirma que “são as leis sócio-históricas que dirigem o
desenvolvimento do homem, depois que este se libertou da dependência anterior
das leis biológicas” (PADILHA, 2000). Com isto quer dizer que o homem é um ser
biologicamente cultural.
Executou um extenso estudo do psiquismo revisando a evolução
animal na escala filogenética, desde animais mais simples até o homem,
concluindo que o desenvolvimento da consciência humana é fruto do
54
desenvolvimento histórico. Enquanto nos homens a consciência é um ato
intencional, nos animais é um reflexo psíquico (LEONTIEV, 1978). Citando Marx
(idem, p.19): “a consciência é bem um produto histórico desde o início”. A relação
dos homens com a natureza era mediatizada pelas suas relações de trabalho
com outros homens. Enquanto nos animais os sons emitidos por eles estão
relacionados com um instinto, nos homens os sons (linguagem) passam a ter um
significado numa relação de trabalho. Assim, palavras começam a surgir, depois o
pensamento e a consciência.
“No mundo animal, as leis gerais que governam as leis do
desenvolvimento psíquico são as da evolução biológica; quando se chega ao
homem, o psiquismo submete-se às leis do desenvolvimento histórico” (ibidem,
p.68). Leontiev justifica o desenvolvimento psíquico como sendo o resultado da
evolução do cérebro na escala filogenética.
Segundo Rego (1995, p.29), “apesar de Leontiev ter produzido menos
e de ter alcançado menor repercussão do que Luria no Ocidente, trouxe
importantes colaborações à obra iniciada por Vygotsky”.
2.4. Comentários Complementares
Os pesquisadores acima citados, Piaget, Vygotsky, Luria e Leontiev
representam uma corrente de enfoques teóricos ao ensino/aprendizagem
denominada Cognitivista, em que a idéia-chave é o construtivismo e o
conhecimento é construído (MOREIRA, 1999).
55
Além desses representantes do construtivismo, a teoria da
Aprendizagem Significativa de David Ausubel, psiquiatra de formação, mas
dedicado à psicologia-educacional, não poderá ser esquecida.
Para Ausubel (1968, 1978, 1980), toda nova informação a respeito de
um assunto aprendido, ancora-se em estruturas cognitivas relevantes
anteriormente desenvolvidas e nessa interação entre a âncora (subsunçores) e a
nova informação, desenvolve-se uma nova estrutura desse conhecimento.
Segundo Moreira (1999, p.153):
Ausubel vê o armazenamento de informações no cérebro humano
como sendo organizado, formando uma hierarquia conceitual, na
qual elementos mais específicos do conhecimento são ligados (e
assimilados) a conceitos mais gerais, mais inclusivos. Estrutura
cognitiva significa, portanto, uma estrutura hierárquica de
conceitos que são representações de experiências sensoriais do
indivíduo.
Percebe-se, assim, que Ausubel concorda com a teoria do
processamento de informações e que estão nas redes neuronais, os subsídios da
mente pensante: as redes neurais estão para o cérebro, assim como os
subsunçores estão para a mente.
Machado (2002, p.138) expressa seu pensamento referente à
construção do conhecimento, tornando mais significativa a explicação de Ausubel:
o compreender é apreender o significado;
o apreender o significado de um objeto ou de um
acontecimento é vê-lo em suas relações com outros objetos
ou acontecimentos;
o os significados constituem, pois, feixes de relações;
o as relações entretecem-se, articulam-se em teias, em redes,
construídas social e individualmente e em permanente estado
de atualização;
o em ambos os níveis – individual e social – a idéia de conhecer
assemelha-se à de enredar.
Outro enfoque teórico que deve ser mencionado é o Humanismo, uma
teoria de aprendizagem que enfatiza a pessoa cuja idéia-chave é a de que
56
pensamentos, sentimentos e ações estão integrados. Seu maior representante é
o psicólogo-clínico Carl Rogers. Segundo Moreira (1999), como sua teoria de
aprendizagem integra sempre as dimensões cognitiva, afetiva e psicomotora do
aprendiz, sua teoria é também chamada de significante e refere-se mais à pessoa
e não apenas ao seu cognitivo como na aprendizagem significativa de Ausubel.
3. O ADVENTO DA NEUROCIÊNCIA COGNITIVA
Neste capítulo serão abordados alguns itens como um breve histórico,
a definição de Neurociência Cognitiva, assim como a importância do cérebro na
cognição, na formação de memórias e na compreensão do mundo. Além disso,
serão citados alguns danos acarretados para pessoas portadoras de
determinadas lesões cerebrais.
3.1. Breve Histórico
No século XVIII, antes da invenção do microscópio composto, era
crença que o sistema nervoso funcionasse como uma glândula, uma idéia que
remontava ao médico grego Galeno. Esse médico acreditava que os nervos
conduziam fluidos secretados pelo sistema nervoso e pela medula espinhal para a
periferia do corpo. Somente no final do século XIX, é que o sistema nervoso
tornou-se tema de uma ciência específica. Os responsáveis por isso foram
Camillo Golgi e Santiago Ramón y Cajal que fizeram descrições detalhadas das
células nervosas (KANDEL e cols, 2003). Golgi desenvolveu uma maneira de
corar os neurônios com sais de prata, visualizando no microscópio sua estrutura:
um corpo celular e ramificações dentríticas de um lado e um axônio em forma de
cabo do outro.
Ramón y Cajal conseguiu corar os neurônios separadamente, usando
as técnicas de Golgi. Cajal desenvolveu alguns conceitos-chave e muitas das
evidências de que os neurônios individuais são os elementos fundamentais do
sistema nervoso (doutrina do neurônio).
58
O embriologista norte-americano Ross Harrison complementou a
doutrina do neurônio quando demonstrou que os dendritos e axônios crescem
para fora do corpo celular, mesmo em culturas de tecidos, em que cada neurônio
é isolado dos outros. (idem)
O médico e fisiologista italiano Luigi Galvani descobriu que células
nervosas produzem eletricidade, assim como os músculos vivos. A eletrofisiologia
teve um desenvolvimento com a descoberta do trabalho de três fisiologistas
alemães no século XIX – Emil DuBois, Reymond, Johannes Müller e Herman Von
Helmholtz – que conseguiram mostrar que a atividade elétrica de uma célula
nervosa afeta a atividade de uma célula adjacente de maneira previsível
(KANDEL e cols, 2003).
No fim do século XIX, Claude Bernard, na França, Paul Ehrlich, na
Alemanha e John Langley, na Inglaterra, demonstraram que as drogas não
interagem arbitrariamente com células, mas unem-se a receptores específicos,
bem localizados na superfície da membrana celular. Essa descoberta tornou-se o
sustentáculo do importantíssimo estudo da base química da comunicação entre
células nervosas (idem).
No final do século XVIII, Fraz Joseph Gall, médico e neuroanatomista
alemão, tentou aproximar os conceitos psicológicos no estudo do comportamento,
propondo três idéias radicais (ibidem).
1. Todo comportamento emana do cérebro.
2. Determinadas regiões do córtex cerebral controlam
funções específicas. O cérebro não era um órgão
único, mas dividido em pelo menos três órgãos (mais
59
tarde foram adicionados outros) cada um
correspondendo a uma faculdade mental específica.
Figura 5. Este mapa, baseado em um desenho do
século XIX, pretende mostrar 35 faculdades
intelectuais e emocionais em áreas distintas do crânio
e do córtex cerebral subjacente.
Fonte: Kandel e cols (2003).
3. O centro de cada função mental cresce com o uso, tal
como um músculo cresce com o exercício. Cada centro
crescendo, faria uma pressão no crânio e esse também
incharia, criando um padrão de saliências e sulcos,
indicando quais regiões do encéfalo foram mais
desenvolvidas. Sua psicologia, baseada nessas
saliências, correlacionadas com as personalidades das
pessoas, ficou conhecida como frenologia (KANDEL e
cols, 2003).
60
Em 1823, o fisiologista francês Pierre Flowrens, por meio de
experimentos, refutou a teoria de Gall escrevendo: “Todas as percepções, todas
as volições ocupam o mesmo lugar nesses órgãos (cerebrais). A faculdade de
perceber, de conceber, de meramente desejar constitui, portanto, uma faculdade
em essência única” (KANDEL e cols, 2003, p.7).
Flowrens tentou isolar as contribuições de cada “órgão cerebral” para o
comportamento. Com isto, concluiu que não há uma área específica para dado
comportamento, mas todas as regiões do cérebro, principalmente os hemisférios
do lobo frontal, participam de cada operação mental. Para ele, qualquer parte de
um hemisfério é capaz de realizar todas as funções do hemisfério. Logo, um dano
nessas partes, afetaria todas as funções superiores.
Em meados do século XIX, o neurologista britânico J. Hughlings
Jackson, com seus estudos sobre epilepsia focal, mostrou que diferentes funções
motoras e sensórias podem estar localizadas em diferentes partes do córtex
cerebral. Esses estudos foram aperfeiçoados pelo fisiologista inglês Charles
Sherrington e Ramón y Cajal e culminaram na visão da função encefálica
denominada conexionismo celular, isto é, os neurônios individuais são as
unidades sinalizadoras no sistema nervoso.
Em 1861, o neurofilogista francês Pierre Paul Broca descreveu um
paciente chamado Leborgne, que entendia a linguagem, mas não conseguia falar,
apesar de poder emitir palavras isoladas, cantar e assobiar. O exame post-
mortem do encéfalo do paciente mostrou uma lesão na região posterior do lobo
frontal (atualmente denominada área de Broca). Carter (2003) cita como caso
clássico de Broca um homem chamado Tan. Tudo que lhe perguntavam, fosse
61
seu nome, a rua em que morava, a data em que nasceu e assim por diante,
sempre respondia Tan, embora entendesse perfeitamente bem o discurso.
Em 1870, Gustav Fritsh e Eduard Hitzig demonstraram que,
estimulando eletricamente uma área do cérebro de um cão, movimentos
descontínuos poderiam ser produzidos, como por exemplo, mexer a pata. Esta
região facilmente reconhecível estava no giro pré-central do córtex pré-motor
contralateral ao membro. (o hemisfério esquerdo controla a parte direita do corpo
e o hemisfério direito controla a parte esquerda do corpo). Para melhor
visualização e entendimento, o anexo B apresenta uma figura, em que aparece a
estrutura mencionada.
Em 1876, Karl Wernicke, aos 26 anos, com base nos estudos de
Broca, Fritsch e Hitzig, publica um artigo, hoje clássico: ”O Complexo Sintomático
da Afasia: Um Estudo Psicológico com Bases Anatômicas” (KANDEL, 2003, p.11).
Nele, Wernicke descreve uma outra afasia, ou seja, perda da linguagem.
Enquanto os pacientes de Broca não falavam (exceto poucas palavras, sem
concatenação) os pacientes de Wernicke não conseguiam entender a linguagem
e exames post-mortem mostraram uma lesão na parte posterior do lobo temporal,
onde ele junta-se aos lobos parietal e occipital.
62
Figura 6. Áreas envolvidas na linguagem. A área de Wernicke processa a
entrada de informações auditivas para a linguagem e é importante para o
entendimento do discurso. Situa-se perto do córtex auditivo primário e do giro
angular, que combina a aferência auditiva com as informações vindas de outros
sentidos. A área de Broca controla a produção do discurso inteligível. Situa-se
perto da região motora que controla os movimentos da boca e da língua que
formam as palavras. A área de Wernicke comunica-se com a área de Broca por
uma via bidirecional, parte da qual é composta pelo fascículo arqueado.
(Adaptado de Geschwind, 1979.)
Fonte: Kandel (2003).
Esse foi o primeiro modelo coerente para a organização da linguagem.
De acordo com ele, os estágios iniciais do processamento das palavras faladas
ou escritas ocorrem em áreas sensoriais específicas do córtex, especializadas em
informações auditiva ou visual. Essas informações são, então, conduzidas a uma
área de associação denominada giro angular. Aqui as palavras escritas ou faladas
são transformadas em representações neurais comuns, partilhadas tanto pela fala
como pela escrita. A partir do giro angular, essa representação é enviada à área
de Wernicke, onde é reconhecida como linguagem e associada ao significado.
Sem essa associação a pessoa é incapaz de compreender a linguagem. Daí, a
representação neural comum é direcionada à área de Broca, onde é transformada
a partir de uma representação sensorial em representação motora, que pode
63
potencialmente levar à linguagem escrita ou falada. (KANDEL, 2003). Quando a
representação sensória não pode ser transformada em representação motora, a
pessoa é incapaz de expressar a linguagem, tanto em sua forma escrita como
falada. Quando a lesão é apenas na via nervosa que liga a área de Wernicke à de
Broca, aparece um terceiro tipo de afasia denominada de afasia de condução: as
pessoas, apesar de compreenderem o que ouvem e lêem e falarem sem
problemas motores, não conseguem articular coerentemente seus pensamentos,
omitindo partes ou toda uma palavra ou substituindo sons de maneira incorreta.
Essas pessoas, Wernicke previu (KANDEL, 2003), têm a noção de seus próprios
erros, mas são incapazes de expressarem-se corretamente. (anexo C)
No início do século XX, surge na Alemanha uma escola liderada pelo
anatomista Korbinian Brodman. Essa escola procurou distinguir diferentes áreas
funcionais do córtex com base nas diferenciações das estruturas celulares e na
organização característica dessas células em camadas. Usando esse método
citoarquitetônico, Brodman distinguiu 52 áreas anatômica e funcionalmente
diferentes no córtex cerebral humano. (anexo D)
No final de 1930, Edgar Adrian, na Inglaterra e Wade Marshall e Philip
Bard, nos Estados Unidos, comprovaram que estímulos aplicados sobre a
superfície corporal (no caso de um gato) geravam atividades elétricas em áreas
específicas do córtex cerebral descritas por Brodman.
No final de 1950, Wilder Penfield usou pequenos eletrodos para
estimular o córtex cerebral de pacientes que, em neurocirurgias, estavam
despertos. Conseguiu confirmar as áreas descritas por Broca e Wernicke. Pedia
aos pacientes que nomeassem objetos ou usassem a linguagem de formas
variadas. Se a área era crítica para a linguagem, o estímulo elétrico bloqueava a
64
habilidade do paciente de nomear objetos. Essa interferência é conhecida como
interrupção afásica (SPRINGER e DEUTSCH, 1998). Mais recentemente, George
Ojemann chegou aos mesmos resultados e descobriu outras áreas essenciais
para a linguagem, indicando que as redes neurais para a linguagem são maiores
do que aquelas delimitadas por Broca e Wernicke. (anexo E – figura 6)
O procedimento para a demarcação desses pontos é o seguinte: o
paciente é colocado sob uma tenda, de modo que não veja o cirurgião e que não
seja visto por ele. Junto ao paciente, dentro da tenda, existe um observador que
mostra uma série de desenhos ao paciente e pede-lhe que identifique cada um
deles. Enquanto isso, o neurocirurgião percorre o córtex cerebral com um eletrodo
estimulante. Cada vez que há uma interferência na capacidade de nomear, o
cirurgião coloca um pequeno quadrado de papel esterilizado nos pontos
estimulados. (anexo E – figura 7)
Na metade da década de 1970, Alfonso Cramazza e Edgar Zurif
(KANDEL e cols, 2003) mostraram que, a área de Wernicke tem sub-divisões
modulares. Uma lesão na região temporofrontal da área de Wernicke resultava
em falha no processo léxico, uma incapacidade de compreender o significado das
palavras. Lesões na região temporoparietal da mesma área resultava em falhas
no processo sintático, ou seja, na habilidade de entender a relação entre as
palavras de uma frase.
Em 1988, Michael Posner, Marcus Raichle e seus colegas descobriram
que as informações aferentes, que culminam com a produção e compreensão de
linguagem são processadas por mais de uma via (KANDEL e cols, 2003). (anexo
F)
65
Assim como a linguagem apresenta evidências anatômicas
convincentes, as características afetivas e traços de personalidade são também
anatomicamente definidos. Embora ainda não estejam mapeados de maneira
precisa como as funções motoras, sensoriais e cognitivas, a localização do afeto
(emoções) foi demonstrada de maneira contundente (KANDEL e cols, 2003).
Danos na área temporal direita, correspondente à área de Wernicke na
região temporal esquerda, levam a distúrbios na compressão da qualidade
emocional da linguagem, como por exemplo, perceber, pelo tom de voz, se uma
pessoa está descrevendo um fato alegre ou triste.
Danos no córtex cerebral direito correspondente à área de Broca
podem fazer com que a pessoa fale monotonalmente, seja incapaz de uma
comunicação não-verbal efetiva e que não tenha expressões faciais emocionais e
gestos (LUNDY-EKMAN, 2004).
Morris e cols (1996); Shimoda e Robinson (1999) relatam que lesões
no córtex pré-frontal tendem a produzir depressão com gravidade não-usual.
(LUNDY-EKMAN, 2004). As lesões pré-frontais direitas estão freqüentemente
associadas com euforia ou indiferença.
Burton e Labar (1999), (idem), relatam que pessoas com a retirada do
lobo temporal esquerdo sentem-se mais deprimidas; pessoas com a retirada do
lobo temporal direito, sentem-se mais felizes.
Os modelos de funções localizadas demoraram para serem aceitas
porque é imensamente difícil demonstrar quais componentes de uma operação
mental têm seu correlato neural. Somente durante a década de 1990, com a
convergência da psicologia cognitiva moderna e das neurociências, percebeu-se
que todas as funções mentais são divididas em sub-funções.
66
No início da década de 1980, Shosaku e seus colaboradores (KANDEL
e cols, 1997) especificaram qual a seqüência de bases produzidas por genes para
facilitar a condução da corrente elétrica em um neurônio.
A atenção sobre a Biologia Molecular mostrou, assim, sua importância
nos processos mentais.
Outro campo bastante ligado aos estudos do cérebro é o da Psicologia
Cognitiva: “trata do modo como as pessoas percebem, aprendem, recordam e
pensam sobre a informação” (STERNBERG, 2000a, p.22). Assim, a Psicologia
Cognitiva preocupa-se não apenas com a descrição e definição de entrada e
saída para um dado comportamento, mas também com a análise do processo
pelo qual a informação sensória é transformada em percepção e ação, ou seja,
com a avaliação de como um estímulo leva a uma resposta comportamental
particular. Foi com esse pensamento que, em 1960, não foi difícil para os
fundadores da psicologia cognitiva – Frederick Bartlett, Edwin Tolman, George
Miller, Noam Chomsky, Ulric Neisser, Herbert Simon e outros – convencerem a
comunidade científica da estreiteza do comportamentalismo (KANDEL e cols,
2003). Esse enfoque científico, desde a entrada da informação, das operações
complexas mentais, do seu uso na memória e de sua saída – a ação – caracteriza
o que é chamado de processamento da informação (idem).
3.2. Definição de Neurociência Cognitiva
67
Uma boa conceituação deste campo de investigação é apresentada
pela professora de fisioterapia Laurie Lundy–Ekman (2004) que ressalta os
estudos e pesquisas nos campos de pensamento, aprendizagem e memória.
Outra conceituação é a de Gazzaniga e Heatherton (2005, p.55): “A
base desse campo é que o cérebro possibilita a mente e permite atividades
cognitivas como o pensamento, a linguagem e a memória.”
Porém, a conceituação mais ampla, destacando o caráter
interdisciplinar da Neurociência Cognitiva, é a de Kandel que a considera como:
Uma combinação de métodos de uma variedade de campos –
biologia celular, neurociências de sistemas, neuroimagem,
psicologia cognitiva, neurologia comportamental e ciência
computacional – deram origem a uma abordagem funcional do
encéfalo denominada neurociência cognitiva. (KANDEL e cols,
2003, p.382)
Segundo o autor, a Neurociência atual é a Neurociência Cognitiva, “um
misto de neurofisiologia, anatomia, biologia desenvolvimentista, biologia celular e
molecular e psicologia cognitiva.”
(KANDEL e cols, 2003, p.1165)
Segundo Mora (2004, p.129), os estudos de Kandel (1998),
neurobiólogo e psiquiatra, Prêmio Nobel de Fisiologia e Medicina de 2000,
baseiam-se essencialmente em cinco princípios:
1. Todos os processos mentais, inclusive os mais complexos,
derivam de operações do cérebro.
2. Os genes e seus produtos, as proteínas, são determinantes
importantes dos padrões de interconexões entre os neurônios
cerebrais e dos detalhes do seu funcionamento (como corolário,
se indicaria que um dos componentes que contribuem para o
desenvolvimento dos transtornos mentais mais graves é genético).
3. Da mesma forma que as combinações de genes contribuem
para a conduta (incluindo a conduta social), reciprocamente a
conduta e os fatores sociais podem exercer suas ações sobre o
cérebro, modificando a expressão dos genes e, em conseqüência,
alterando as funções dos neurônios e seus circuitos.
68
4. As modificações da expressão gênica, produzidas pela
aprendizagem, originam novos padrões de conexões neuronais.
5. De tal modo a psicoterapia é eficaz para produzir mudanças de
longo prazo na conduta dos pacientes, fazendo isso
provavelmente por meio da aprendizagem, que isso deve provocar
alterações na expressão dos genes que alteram a força das
conexões sinápticas e modificações neuronais estruturais, as
quais, por sua vez, mudam os padrões anatômicos das
interconexões neuronais dos cérebro.
Vale a pena comentar rapidamente alguns itens. O dois e o três
ressaltam a importância das interações das dimensões biológicas e culturais dos
sujeitos.
O três e o quatro referem-se ao fato de que a genética não é fator
preponderante no comportamento dos sujeitos. Se determinados genes facilitam
comportamentos sociais inadequados, pelo esforço do aprendizado podem-se
mudar esses comportamentos por meio de alterações sinápticas, ou seja,
alteram-se a anatomia, a fisiologia e a neuroquímica entre os neurônios que se
interligam.
A Neurociência existe há mais de um século. Mas, a partir de 1950, o
interesse pelo cérebro aumentou devido ao aparecimento do computador, cujo
funcionamento foi idealizado com base no funcionamento do cérebro, mais
especificamente em suas células, os neurônios. Imaginou-se que ambos,
computadores e cérebros, seriam dois sistemas de processamento de
informações. A partir de então, os estudiosos do assunto começaram a utilizar o
computador simulando estados mentais; acreditavam, e ainda acreditam, que
poderemos vir a conhecer os segredos da mente a partir dessas simulações.
Mora (2004, p.28) cita seis argumentos de Edelman e Tononi (2000) de
que o computador mais sofisticado não pode ser comparado ao cérebro, embora
69
o funcionamento deste tenha idealizado o funcionamento daquele. Um
computador é distinto do cérebro.
Primeiro:
As centenas de milhões de conexões que compõem a estrutura
conectiva íntima do cérebro não são conexões exatas; “se
indagarmos se as conexões são idênticas em quaisquer dos
cérebros de tamanho semelhante, como ocorreria nos
computadores de construção similar, a resposta é não”.
Segundo:
Cada cérebro é único no momento em que suas conexões e seu
funcionamento representam a história do seu desenvolvimento
individual e a experiência ao longo de seu ciclo vital, uma vez que
durante este último há mudanças freqüentes, inclusive cotidianas,
nessas conexões cerebrais “de um dia para o outro […] essa
variabilidade individual intrínseca ao sistema não é ‘ruído’ ou
‘erro’, mas afeta a maneira como o sistema funciona. […] Máquina
alguma, no momento atual, incorpora tal diversidade individual
como uma característica central de seu projeto”.
Terceiro:
Nos sinais que um cérebro recebe e processa, são descobertas
características únicas para o cérebro. “O mundo não se apresenta
ao cérebro como uma fita magnética de computador que contém
uma série de sinais claros e inequívocos. Ao contrário, o cérebro é
capaz de categorizar e classificar os padrões de uma enorme
série de sinais variáveis […] a capacidade do sistema nervoso de
realizar uma categorização perceptiva de diferentes tipos de sinais
para a visão, som etc., dividindo-os em classes ou tipos
coerentes sem um código pré-especificado, é certamente especial
e continua incomparável ao modo como um computador faria
isso”.
Quarto:
O cérebro tem muitas conexões que, partindo de certos núcleos,
estabelecem ligações difusas em grandes áreas, que o alertam e
o capacitam a distinguir os processos importantes do meio
ambiente, reforçando as sinapses nesses processos; “sistemas
com essas propriedades cruciais não são encontrados nas
máquinas projetadas pelo homem, mesmo que sua importância
para a aprendizagem e as condutas adaptativas esteja bem
documentadas”.
Quinto:
“Se considerarmos a dinâmica neural (isto é, a maneira como os
padrões de atividade do cérebro se modificam ao longo do
tempo), a característica especial mais impressionante dos
70
cérebros dos vertebrados superiores é a existência de um
processo que denominamos reentradas, […] é o constante e
recorrente intercâmbio de sinais em paralelo entre áreas
reciprocamente interconectadas do cérebro, um intercâmbio que
coordena constantemente uma atividade dessas áreas, tanto no
espaço como no tempo […] uma característica impressionante
dessas reentradas é a sincronização ampliada da atividade de
diferentes grupos de neurônios ativos distribuídos entre muitas
áreas especializadas diferentes do cérebro”. Isso tudo está
ausente, no mesmo grau, em qualquer computador.
Sexto:
Esta característica relaciona-se com a anterior. Edelman e Tononi
salientam: ”Evidentemente, se nos perguntassem por uma
característica singular dos cérebros superiores, diríamos que é o
fenômeno das reentradas. Não há objeto ou máquina no universo
que diferencie tão completamente o cérebro humano como os
circuitos de reentradas. Esses sistemas reentrantes são
maciçamente paralelos a um grau inimaginável em nossas redes
de comunicação (artificiais). Em todo caso, as redes
computacionais de comunicação, diferentemente dos cérebros,
trabalham com sinais de codificação prévia e, em sua maior parte,
com sinais precisos, que não admitem mais que uma
interpretação”.
Além disso, determinadas lesões cerebrais chamaram a atenção de
psicólogos em geral, principalmente dos cognitivistas, para o novo
comportamento das pessoas com essas determinadas lesões em determinadas
áreas do cérebro.
Em 1953, um homem com 27 anos de idade, cujas iniciais são H.M.,
teve partes de seu cérebro removidas, com o intuito de aliviar uma epilepsia
intratável. Este paciente foi acompanhado por Brenda Milner e pelo cirurgião
William Beecher Scoville. Após a operação, H.M. parecia normal em quase todos
os aspectos. Ele tinha percepção do mundo à sua volta, mantinha uma conversa
normal e teve um desempenho tão bom em testes de inteligência quanto antes da
operação. Mas algo terrível aconteceu: H.M. não conseguia lembrar-se de suas
experiências diárias assim que aconteciam. Não se lembrava de conversas tidas
minutos antes. Esquecia-se de que já tinha almoçado assim que o prato era
71
retirado de sua frente. Levou quase um ano para aprender seus caminhos dentro
da nova casa. Encontrou-se mensalmente com Milner durante vários anos e, em
todas as vezes, comportava-se como se nunca a tivesse visto. (KANDEL e cols,
2003); (SCHACTER, 2003)
Damásio (1996) descreve o caso de Phineas P. Gage, de 25 anos,
capataz de construção civil da Estrada de Ferro Rutland e Burlington, na Nova
Inglaterra, em 1848.
Com o propósito de construir um túnel, explosivos foram colocados em
buracos feitos manualmente com ferramentas. Gage estava fazendo um deles,
usando uma barra de ferro de cerca de um metro de comprimento e três
centímetros de diâmetro, com uma ponta de meio centímetro de diâmetro e um
bico pontiagudo de 21 centímetros; seu peso era aproximadamente seis quilos.
Essa foi a descrição dada pelo médico que o atendeu na época do acidente,
Henry J. Bigelow. Após ter feito o buraco, colocou nele pólvora e um rastilho.
Antes de seu ajudante introduzir areia, Gage distraiu-se e começou a calcar a
pólvora diretamente com a barra de ferro. Nisto, houve uma faísca e logo em
seguida uma forte explosão. A barra penetrou seu rosto e saiu pelo crânio.
Miraculosamente, Gage não morreu, mas sua vida mudaria para sempre. De bom
amigo, cidadão respeitoso e trabalhador, mente equilibrada, homem de negócios
astuto e inteligente, passou a ter comportamentos totalmente opostos. Passou a
perder amigos e as mulheres mantinham-se afastadas dele devido ao seu
linguajar vulgar. Não podia ser contrariado, pois alterava-se facilmente. Foi
despedido do emprego e faleceu em 21 de maio de 1861, com 38 anos ganhando
a vida apresentando-se em espetáculos (tipos circenses) como uma “aberração”.
72
73
Mais de cem anos após a morte de Gage, a esposa de Damásio,
Hanna Damásio, teve a oportunidade de estudar por meio de fotografias o crânio
e a fatídica barra que estavam no Warren Medical Museum de Harvard Medical
School, em Boston.
De posse de fotos, medidas e descrição da lesão, Hanna Damásio
recriou o cérebro e a parte lesada de Gage em um computador.
A
B
D
C
Figura 7.
A. máscara mortuária de Phineas Gage mostrando a lesão maciça no crânio.
B. C e D. reconstrução da posição do bastão que transpassou o lobo frontal do cérebro de
Gage.
B. vista frontal.
C. vista lateral do hemisfério esquerdo.
D. orte lateral mostrando o hemisfério direito.
c
Fonte: Damásio (1996).
No anexo G podem-se observar os planos de corte para melhor
visualizar o interior do cérebro.
Assim, pode-se afirmar concretamente que a lesão seletiva dessa área
do cérebro privou Gage de sua capacidade de planejar o futuro, de se conduzir de
acordo com regras sociais que tinha previamente aprendido e de decidir sobre o
curso de ações que poderiam vir a ser mais vantajosas para sua sobrevivência.
Além disso, levanta-se a hipótese de que a moralidade e a
responsabilidade pelas ações de um sujeito estariam literalmente arraigadas na
carne e poderiam ser retiradas sem a remoção da pessoa inteira.
No caso de H.M., percebe-se um sujeito que não consegue aprender
conscientemente, e no de Gage, o de um sujeito que desaprendeu certas
competências pessoais e sociais. Isso leva a crer que a mente e o aprendizado
têm muito a ver com o cérebro, pois ambos tiveram lesões cerebrais específicas:
houve perda de neurônios.
Embora H. M. possa ter sido prejudicado em sua memória declarativa
(consciente), sua memória não-declarativa (não-consciente) manteve-se intacta.
Foram elaboradas figuras que ilustram as perdas de substância cerebral e seu
aprendizado não-consciente progressivo. (anexos H e I)
Na década de 1990, o estudo do cérebro foi incrementado com as
chamadas neuroimagens, com as quais é possível acompanhar, em tempo real, o
processo neuronal de um sujeito que está sendo testado.
São também chamadas varreduras e as mais utilizadas são:
1. Imagem por Ressonância Magnética (IRM): também chamada de
Ressonância Magnética Nuclear. Esse teste faz com que as
74
Figura 8. Afasia de Broca. Esquerda: Reconstrução tridimensional da imagem de
uma lesão (um infarto no opérculo frontal esquerdo, área escura e acinzentada)
obtida com a ressonância magnética de um paciente com afasia de Broca. Direita:
Secção coronal desse mesmo encéfalo obtida no plano definido pela prancha azul.
O encéfalo está sendo visto pela frente, com o hemisfério esquerdo na metade direita
da imagem. O infarto é visível na área escura.
Fonte: Kandel e cols (2003).
partículas atômicas nos tecidos corporais alinhem-se pelo
magnetismo e sejam bombardeadas por ondas de rádio. As
partículas emitem sinais de rádio que diferem de acordo com o tipo
de tecido que estiver presente. Um sistema de software, chamado
tomografia computadorizada, converte essas informações em uma
imagem tridimensional de qualquer parte do corpo. Uma varredura
cerebral desse tipo é muito parecida com uma imagem de raio X de
cor cinza, com diferentes tipos de tecido claramente delineados.
75
Figura 9. Afasia de Wernicke.
Esquerda: Reconstrução tridimensional da imagem de uma lesão obtida com
ressonância magnética em um paciente com afasia de Wernicke. A região do infarto
inclui uma grande porção do lobo temporal, bem como da substância branca
subjacente. Lesões grandes e profundas são comuns nos casos mais graves.
Direita: Secção coronal desse mesmo encéfalo obtida no plano definido pela
prancha azul. O encéfalo está sendo visto pela frente, com o hemisfério esquerdo na
metade direita da imagem. O infarto é visível na área escura.
Fonte: Kandel e cols ( 2003).
Figura 10. O exercício muda a representação cortical.
Nota-se, à direita, uma área cerebral maior do sujeito que exercitou seus dedos.
Fonte: Kandel (2003).
2. Imagem por Ressonância Magnética funcional (IRMf): elabora essa
imagem anatômica básica com adição de áreas de maior atividade
cerebral. Baseia-se na quantidade de glicose levada pelo sangue à
área que está sendo ativada no cérebro. Sua desvantagem é ser
muito cara.
76
A Memória de codificação
C D
B Memória de acesso
C D
D Hemisfério esquerdo
C Hemisfério direito
Figura 11. Codificação e Acesso de Memórias no Cérebro.
A Atividade no córtex frontal esquerdo é particularmente associada a processos
de codificação. Indivíduos tentando memorizar palavras.
B Atividade no córtex frontal direito está associada ao acesso a informação
memorizada. Vê-se também a ativação de uma segunda região posterior no lobo
parietal.
Fonte: Kandel e cols (2003).
3. Tomografia por Emissão de Posítrons (elétrons com carga positiva)
(PET, em inglês): baseia-se também na atividade cerebral mais
intensa. As imagens são mais nítidas, mas com resolução fina
diminuída em relação à IRMf. Porém, sua desvantagem está em
exigir uma injeção de material radiativo na circulação sanguínea do
sujeito a ser testado. Embora a taxa de material radiativo seja
mínima por varredura, só é permitida uma aplicação por ano (12
imagens).
77
Este tipo de imagem subsidiou a visualização de alguns processos
cerebrais e, assim, o entendimento de certas dificuldades de aprendizagem
devido à falta de funcionamento de certas partes do cérebro. Existe um tipo de
dislexia em que as pessoas não conseguem processar sons rápidos. Paula Tallal
e Michael Merzenich (1997), criaram programas de computador que exercitam os
cérebros de crianças a registrarem mudanças rápidas em fonemas na fala normal.
Elas jogavam num computador pessoal por mais de três horas por dia, cinco dias
por semana, durante quatro semanas. Nos jogos iniciais o ritmo da fala era lento
com os sons prolongados, tornando-os mais fáceis de serem entendidos. Após
quatro semanas as crianças estavam aptas a processarem a fala num ritmo
normal (RATEY, 2002).
A figura 12 mostra cérebros normais e a falta de conexões neurais em
cérebros de disléxicos.
78
Hemisfério esquerdo
Tarefa de rima
Tarefa de memória
com letras
Pacientes com dislexia
do desenvolvimento
V
oluntários normais
Figura 12. Áreas com alteração significativa da atividade, medida por meio da perfusão,
quando os voluntários realizavam dois testes de linguagem. As áreas ativadas estão
superpostas em uma projeção lateral do hemisfério dominante esquerdo, com o lobo frontal
situado à esquerda. As duas imagens à esquerda representam os resultados de voluntários
normais e as duas imagens à direita representam os resultados de pacientes com dislexia do
desenvolvimento.
Tarefa de memória: As duas imagens superiores ilustram a atividade associada à lembrança de
uma curta lista de letras. No voluntário normal, uma extensa área envolvendo o córtex frontal
inferior esquerdo, o córtex temporal superior e o córtex parietal inferior encontra-se ativada. Nos
pacientes disléxicos apenas os córtices parietal inferior e temporal superior estão ativados.
Tarefa de rima: Durante uma tarefa de rima (imagens inferiores) que envolve quase que
exclusivamente a fala interior e não requer memória fonológica, os córtices frontal inferior e
temporal superior encontram-se ativados em indivíduos normais, mas apenas o córtex frontal
inferior fica ativado nos pacientes disléxicos. Dessa forma, os pacientes disléxicos são capazes
de ativar cada componente da memória de trabalho verbal separadamente, mas ao contrário
das pessoas normais, a atividade integrada entre as estruturas pré e pós -centrais parece estar
defeituosa. (Cortesia de R. FRACKOWIACK.)
Fonte: Kandel e cols (2003).
Os neurônios são células cerebrais responsáveis pela construção do
conhecimento. Constam de um corpo no qual se encontram as estruturas
necessárias de uma célula e duas ramificações, denominadas axônios e
dendritos. Os axônios transmitem um sinal e os dendritos o recebem. Dessa
maneira, quando dois ou mais neurônios estão “conversando”, as informações de
um deles seguem pelo seu axônio e caminham em direção ao dendrito de
79
outro(s). Essa conexão, denominada sinapse, também pode ser feita entre o
axônio de um neurônio e o corpo celular de outro(s). Mas esse axônio, na maioria
das sinapses, nunca toca o dendrito de outro neurônio. Entre eles existe um
pequeno espaço denominado fenda sináptica. Como pode, então, uma
informação passar de um neurônio a outro? A informação é transmitida como
impulso elétrico até o terminal do axônio, no qual essa informação elétrica é
transformada em informação química pelos chamados neurotransmissores que,
atravessando a fenda sináptica, encontram-se com receptores no dendrito do
outro neurônio, encaixando-se como chave e fechadura. Esses receptores, no
outro neurônio, encarregam-se de que a mensagem seja recebida e passada a
outros neurônios. Esse mecanismo que foi descrito, na verdade, envolve milhões
e até bilhões de neurônios e trilhões de sinapses. Resta ser lembrado que a
mensagem, para ser transmitida de um para outro(s) neurônio(s), precisa chegar
com uma “intensidade” mínima (limiar de excitação). (mais informações nos
anexos J e K)
Para Churchland (2004), a Neurociência acarretou para a filosofia da
mente o seguinte problema: se nossos pensamentos, nossos estados mentais
são resultados da comunicação entre neurônios que dependem de substâncias
químicas, o que vem a ser mente e consciência? Essa discussão teórica extrapola
os objetivos deste trabalho.
Notam-se, pelas figuras anteriores, que dependendo da atividade
mental, neurônios de uma mesma região, área ou local estão em intensa
atividade, assim como neurônios de outras regiões, áreas ou locais podendo estar
também em interligação com aqueles primeiros.
80
Essas imagens fortaleceram o pensamento dos cientistas interessados
em processamento da informação, que concebem as memórias do mundo
interligadas entre si, formando uma rede de significados, necessários ao
conhecimento. Por exemplo, quando pensamos em vaca, lembramo-nos também
de boi, de leite, de bezerro etc. (GAZZANIGA e HEATHERTON, 2005). Essa é a
metáfora do conhecimento como uma rede, em que os nós representam uma
palavra ou um conceito, ligados entre si por fios. (Lembram neurônios e suas
interligações)
Machado (2002) citando Hofstadter (1989) oferece-nos a seguinte
figura que representa, didaticamente, uma rede de conhecimentos em que os nós
e suas ramificações lembram neurônios interligando-se:
81
82
Figura 13. Metáfora do Conhecimento Formando uma Rede.
Fonte: Machado (2002).
4. PROCESSOS SUPERIORES DA MENTE:
CONTRIBUIÇÕES DO CÉREBRO
O objetivo deste capítulo é abordar a memória como um processo
fundamental dos mecanismos psicológicos. Os conhecimentos e os
procedimentos adquiridos, são nela conservados e posteriormente evocados,
para resolverem problemas ou meras recordações. Para que essas memórias se
consolidem é necessário o uso delas ao largo de um intervalo de tempo. Quando
esse período de tempo é muito grande, além de ocasionar mudanças fisiológicas
no cérebro, como no do físico alemão Einstein, p.105-106 provocam, também,
mudanças anatômicas. O raciocínio seria a integração dessas memórias nas
soluções de problemas.
4.1. Memória
Para Izquierdo (2002, p.9):
Memória é a aquisição, a formação, a conservação e a invocação
de informações. A aquisição é também chamada de
aprendizagem: só se ‘grava’ aquilo que foi aprendido. A evocação
é também chamada de recordação, lembrança, recuperação. Só
lembramos aquilo que gravamos, aquilo que é aprendido.
Sternberg (2000a, p.204) define memória como: “o meio pelo qual você
recorre às suas experiências passadas a fim de usar essas informações no
presente”.
Essas definições são utilizadas por aqueles que se interessam,
pesquisam e tentam compreender a inteligência humana em termos de processos
mentais que contribuem para o desempenho em tarefas cognitivas. Esse campo
84
de pesquisa é denominado de processamento de informação ou teorias cognitivas
da inteligência (STERNBERG, 1992).
Tradicionalmente, os pesquisadores de memória têm proposto pelo
menos três sistemas distintos de memória. Uma dessas propostas é de Atkinson
e Schiffrin, em 1968 (HUFFMAN e cols, 2003), com a distinção entre memória
sensorial (MS), memória de curto prazo (MCP) e memória de longo prazo (MLP).
A informação é obtida por meio de nossos órgãos sensoriais e então passa para a
memória de curto prazo (MCP.), que pode aí ser mantida, esquecida ou
transferida para a memória de longo prazo (MLP). Estando armazenada na MLP,
ela poderá ser requisitada e transferida para a MCP, para ser utilizada sempre
que necessária.
Memória
Sensorial
Memória de
Curto Prazo
Memória de
Longo Prazo
Re
p
eti
ç
ão
Armazenamento
Sele
ç
ão
Recu
p
era
ç
ão
Esquecimento
Esquecimento
Esquecimento
Figura 14. Modelo de memórias de Atkinson e Schiffrin.
Fonte: Huffman e cols (2003).
A memória de curto prazo seleciona a informação na qual a pessoa
está focando sua atenção; caso contrário a informação será descartada, pois
existe um número máximo de informações que ela pode armazenar.
Gardner (1995a, p.103) cita um artigo de George Miller na revista
Psychological Review em 1956 – “The Magical Number Seven, Plus or Minus
Two: Some Limits on Our Capacity for Processing Information” [O Mágico Número
Sete, Mais ou Menos Dois: Algumas Limitações da Nossa Capacidade de
85
Processar Informações]. Após pesquisar esse assunto, Miller determinou que
nossa capacidade de memorizar itens que nos são apresentados rapidamente
varia de cinco a nove (7
+ 2). O teste envolvia números ou letras ou palavras, mas
a quantidade de itens que eram guardados estava sempre nesse intervalo.
Hermann Ebbinghaus, que iniciou o estudo experimental da memória
em 1885, relatou resultados que indicavam que seu próprio limite era de 7 itens
(ATKINSON e cols, 2002).
O número 7
+ 2 foi confirmado por psicólogos que apresentavam aos
sujeitos estudados itens não-relacionados (números, letras ou palavras), pedindo-
lhes que recordassem os itens em ordem. Como os itens são apresentados
rapidamente, as pessoas não tinham tempo de relacioná-los com informações
armazenadas na memória de longo prazo. Logo, essa capacidade de recordação
reflete apenas a capacidade de armazenamento da memória de curto prazo do
indivíduo. Quando é possível para uma pessoa perceber o estímulo e relacioná-lo
com o conteúdo armazenado na MLP, o desempenho da tarefa pode mudar
substancialmente. Dada a seguinte ordem de letras ETNEMADAMIXORPA, é
difícil reproduzi-la em apenas alguns segundos de exposição. Mas, se for
percebido nos arquivos da MLP que sua ordem inversa é APROXIMADAMENTE,
o número de itens que devem ser mantidos na memória de trabalho foi diminuído
de 15 para 1. Assim, se a MLP, onde são armazenados os conhecimentos das
palavras, for usado para uma recodificação, ou seja, recodificar material novo em
unidades maiores e armazenar essas informações na memória de trabalho,
estaremos aumentando a capacidade da memória de trabalho. Então a
capacidade da memória de trabalho é melhor expressada como 7
+ 2 chunks, ou
unidades (ATKINSON e cols, 2002).
86
No laboratório de Anders Ericsson e William Chase (1982), dois
estudantes de Carnegie-Mellon University conseguiram aumentar a capacidade
de memória da série típica de 7 dígitos para mais de 80, após praticarem mais de
200 horas. Em outra sessão de teste, o estudante, Dario Donatelli, ouviu o
pesquisador ler um dígito por segundo numa voz monótona:
“15185937655021158416658506120948856867
72731418186105462974801294974965928” e foi capaz de repeti-lo. Quando lhe
perguntaram como fazia isso, ele respondeu que usava uma estratégia sofisticada
de agrupar os números. Como Donatelli era corredor de cross-country, agrupava
os números em uma única unidade que lhe era significativa nos tempos de
percurso. Por exemplo, os quatro primeiros números eram associados a um
tempo de classe mundial para 3 milhas, que para ele era uma única unidade. Os
quatro seguintes eram associados a um outro tempo de percurso, e assim por
diante. Como estavam arquivados em sua MLP, inúmeros tempos de percurso,
ele facilmente conseguia recodificar a maioria dos grupos de quatro dígitos, de
modo que conseguiu recodificar a maioria dos grupos de quatro dígitos e expandir
sua extensão de memória de 7 para até 106 digitos. Cada unidade na memória de
operação de Donatelli, tinha aproximadamente 15 dígitos. Gordon Bower e seus
colegas (1969) demonstraram os benefícios da organização hierárquica de
palavras casuais ou agrupadas em categorias. A recordação era duas ou três
vezes melhor.
Tais resultados demonstram os benefícios de organizar o que
você estuda... de dispensar uma atenção especial as descrições
de capítulos, títulos e sub-títulos e parágrafos de resumo. Se você
é capaz de dominar os conceitos de um capítulo com sua
organização geral, deve se sair muito bem num teste de memória.
Fazer anotações de aulas e textos de uma forma esquemática –
um tipo de organização hierárquica – também pode ser eficiente.
(MYERS, 1999, p.197)
87
Essa idéia de armazenamento tem predominado entre os estudiosos
da memória que ilustram-na com a seguinte metáfora: Imagine-se um caminhão
de mudanças chegando a uma casa com um grande pátio (memória de curto
prazo) e num determinado local desse pátio começam a descarregar os utensílios
que estão sendo mudados (memória de trabalho). Daí cada peça da mudança
será levada para um determinado cômodo da casa (memória de longo prazo):
coisas dos quartos, coisas da cozinha, coisas da sala de jantar, e assim por
diante.
Sternberg (2000a) cita vários psicólogos que têm uma visão diferente
da de Atkinson-Shiffrin. Uma perspectiva alternativa é a memória de trabalho, que
é definida “como a parte da memória de longo prazo, mas que também abrange a
memória de curto prazo. Para esses psicólogos, a memória de trabalho comporta
apenas a porção ativada mais recente da memória de longo prazo e transfere
esses elementos ativados para dentro e para fora de um breve e temporário
armazenamento de memória. Para esses pesquisadores, uma metáfora para o
modelo de memória de trabalho.
Poderia ser uma agência de produção de multimídia, a qual
continuamente gera e manipula sons e imagens, coordenando a
integração de sinais e sons em arranjos significativos. Depois que
as imagens, os sons e outras informações são armazenadas,
ainda são disponíveis para reformatação e reintegração em novos
meios, quando novas demandas e novas informações tornam-se
acessíveis. (STERNBERG, 2000a, p.214).
Lent (2004) apresenta essa visão e a amplia por meio da figura 15,
mostrando desde os estímulos sensoriais até o processo final de pensamento
e/ou comportamento:
88
Figura 15. As múltiplas relações entre a memória operacional, os demais
tipos de memória, o pensamento e o comportamento.
Fonte: Lent (2004).
Sternberg (2000a) faz um quadro comparativo entre essas duas
concepções: uma mais estática e outra mais dinâmica.
89
90
Quadro 1.
Perspectivas Tradicionais Versus Não-Tradicionais de Memória.
Desde que Richard Atkinson e Richard Shiffrin propuseram, primeiramente, seu modelo de
a dos três armazenamentos (o qual pode ser considerado uma concepção tradicional de
memória), foram sugeridos vários outros modelos. Fonte: Sternberg (2000a).
memóri
PERSPECTIVA TRADICIONAL PERSPECTIVA ALTERNATIVA
DOS TRÊS ARMAZENAMENTOS DE MEMÓRIA
Terminologia: Memória de trabalho é outra denominação Memória de trabalho (memória ativa)
definição de para a memória de curto prazo, que é parte da memória de longo prazo que
armazenamentos distinta da memória de longo prazo. abrange todo conhecimento de fatos
de memória e de procedimentos que tenha sido
recentemente ativado na memória,
inclusive a breve e transitória memória
de curto prazo e seus conteúdos.
Metáfora para A memória de curto prazo pode ser As memórias de curto prazo, de trabalho
imaginar imaginada como distinta da memória e de longo prazo podem ser imaginadas
as relações longo prazo, talvez situada ao seu com esferas concêntricas encaixadas,
lado ou ligada hierarquicamente a ela. nas quais a memória de trabalho contém
apenas a porção ativada mais recentemente
da memória de longo prazo, e a memória de
curto prazo contém somente uma porção muito
pequena e transitória da memória de trabalho.
Metáfora para a A informação transfere-se diretamente A informação permanece dentro da memória
transferên ia da da memória de longo prazo para a de de longo prazo; quando ativada, a informação
c
o
informaçã curto prazo e depois volta, jamais transfere-se para a memória de trabalho
estando em ambos os locais especializada da memória de longo prazo, a
simultaneamente. qual transferirá ativamente para dentro e fora
do armazenamento da memória de curto
prazo, nela contido.
Ênfase distinção entre memórias de longo Papel de ativação na transferência da
prazo e de curto prazo informação para a memória de trabalho e
papel da memória de trabalho nos processos
de memória.
Exemplos de esquisadores que sustentam esta perspectiva: Cantor& Engle, 1993; Engle, 1994; Engle, Cantor & Carullo, 1992.
p
Alan Baddeley (1992, 1998), psicólogo britânico, sugeriu um modelo
integrativo de memória, que sintetiza o modelo de memória de trabalho com a
estrutura dos níveis de tratamento. Para ele, há pelo menos três componentes
para a memória de trabalho: o armazenamento visual breve e temporário, o
armazenamento verbal igualmente temporário e o que ele chamou de controle
executivo.
O componente visual armazena imagens e posições de objetos no
ambiente. O verbal armazena os sons mais do que seus
significados. Isso é diferente de um armazenamento de longo
prazo, no qual as palavras são armazenadas semanticamente de
acordo com seus significados. Então, as palavras necessitam de
um processamento, integrando seus significados e seus sons,
antes de serem transferidas para a memória de longo prazo. É o
controle executivo que coordena a informação da memória com
base nos reservatórios verbais e visuais de curto prazo e integra-
os aos processos de pensamento como tomadas de decisão e
raciocínio. (in
HUFFMAN e cols, 2003, p.239).
Gazzaniga e Heatherton (2005) representam este conceito por meio da
figura 16.
Figura 16. O sistema de memória de trabalho desenvolvido por Baddeley. Ele
inclui a executiva central, a alça fonológica e o bloco de notas visuoespacial.
Fonte: Gazzaniga e Heatherton (2005).
Segundo Neisser (1967), “A informação sensorial é temporária.
Imagens visuais duram cerca de ¼ a ½ segundo. O som dura um pouco mais, em
torno de 4 segundos.” (in ATKINSON e cols, 2002, p.294).
91
A codificação fonológica é usada quando repetimos várias vezes um
item, como um número telefônico (ensaio). É comum codificarmos números, letras
ou palavras.
De acordo com Haber (1969) a codificação visual é usada quando é
difícil descrever o que está focalizado em nossa atenção. Apesar de a imagem
durar pouquíssimos segundos na memória de adultos, crianças pequenas
conseguem retê-la por alguns minutos e oferecer uma grande riqueza de
detalhes. (in Atkinson e cols, 2002). Essas crianças parecem estar lendo os
detalhes diretamente de uma imagem eidética (ou fotográfica).
Smith, Jonides e Kollppe, 1996 (in ATKINSON e cols, 2002) fizeram um
estudo da codificação fonológica e visual, em que os sujeitos tinham que
identificar a identidade de uma letra (codificação fonológica) em seqüência ou a
posição dessa letra na seqüência (codificação visual). Nesse trabalho, ficou
confirmado que existiam sistemas separados de codificação para a memória de
trabalho. Essa consiste em duas reservas (ou buffers): uma localizada no
hemisfério esquerdo, responsável pela codificação fonológica; outra, no
hemisfério direito, responsável pela codificação visual. Este experimento foi
visualizado por intermédio de neuroimagens (TEP), que mostravam maior
ativação no hemisfério esquerdo (identidade das letras) ou maior atividade no
hemisfério direito (posição das letras).
Lent (2004) mostra a localização desses componentes no cérebro,
conforme a Figura 17:
92
Figura 17. Lesões no córtex cerebral provocam diferentes déficits da memória
operacional, evidenciando os seus componentes: visuo-espacial (no hemisfério direito,
em laranja e amarelo), fonológico (no hemisfério esquerdo em azul) e executivo (em
verde nos dois hemisférios).
Fonte: Lent (2004)
Embora possa haver diferenças nas interpretações, há um consenso
de que a memória de trabalho “é uma forma temporária e ativa de memória para
informações que ora estão sendo processadas cognitivamente”. (STERNBERG,
2000a, p.194)
O estudioso cita, ainda, que Craik e Lockhart (1972) e Craik e Tulving
(1975) elaboraram uma visão mais radical que denominaram de níveis de
tratamento (NDT; LOP, no original, the levels of processing). Ao contrário de
armazenamento em três níveis, para esses pesquisadores há, teoricamente, um
nível infinito de tratamento das informações a serem codificadas, e o nível no qual
a informação é armazenada dependerá, em grande parte, de como ela é
codificada. Quanto mais profundo for o nível de tratamento, mais alta a
possibilidade de recuperação desse item. O russo P.I. Zinchenko, 1962; 1981
(STERNBERG, 2000a) obteve resultados similares nos quais as palavras que
93
eram logicamente (p. ex. taxionomicamente) relacionadas, eram evocadas mais
facilmente do que palavras concretamente relacionadas; cachorro e animal eram
mais lembrados do que cachorro e perna. As palavras não-relacionadas eram as
menos relembradas. Alguns estudos contrariam essa concepção ao realizarem
pesquisas e determinarem que, sob certas condições do contexto, informações de
níveis menos profundos eram mais lembrados do que informações de níveis mais
profundos: rimas (nível acústico) eram mais lembradas do que o significado da
palavra (nível semântico).
Morris, Bransford e Franks, 1977 (in STERNBERG, 2000a, p.216)
sugeriram “que a seqüência dos níveis de codificação pode não ser tão
importante quanto a comparação entre o tipo de elaboração da codificação e o
tipo exigido para a recuperação”. Isso significa que o sujeito, ao estudar um
assunto, deve fazê-lo de várias maneiras e não apenas de uma só: além de ler o
assunto, fazer uma ficha e um mapa mental, por exemplo. Além disso, fazer
perguntas significativas sobre o assunto. Para responder às questões elaboradas
é necessário fazer-se um estudo elaborado do assunto.
Segundo Izquierdo (2002) os psicólogos norte-americanos erram ao
confundir memória de trabalho e memória de curta duração. Embora a duração da
memória de trabalho seja de, no máximo, 1 a 3 minutos, sua função não é a de
formar arquivos, mas, sim, a de analisar informações que chegam
constantemente no cérebro e compará-las com as existentes nas demais
memórias declarativas (conscientes) e procedurais (não-conscientes) de curta e
longa duração. A memória de trabalho praticamente não tem conseqüências
bioquímicas, assim como ocupa outras e,struturas neurais (o córtex pré-frontal).
94
Izquierdo e cols (1999); Mc Gaugh, 2000 (in IZQUIERDO, 2002)
afirmam que a memória de curta duração estende-se desde os primeiros
segundos ou minutos seguintes ao aprendizado, até 3 a 6 horas, que é o tempo
que a memória de longo prazo leva para ser efetivamente construída. As bases
da memória de curto prazo são essencialmente bioquímicas.
A memória de longo prazo possui grande capacidade de
armazenamento e pode variar de dias até décadas ou mesmo para sempre. Suas
bases são bioquímicas e farmacológicas. (IZQUIERDO, 2002)
Squire e Kandel (2003) consideram que a memória de longo prazo
pode ser consciente (declarativa ou explícita) e não-consciente (não-declarativa
ou implícita) conforme a figura 18.
Declarativa
Não-Declarativa
Memória
Semântica
Episódica
Habilidades
Procedurais
Priming
Associativa
Não-Associativa
Figura 18. Classificação da memória em declarativa e não-declarativa.
Fonte: Squire e Kandel (2003).
Os autores apresentam explicações sobre os conceitos presentes:
Memória declarativa: diz-se daquela com a qual é fácil relatar um
fato.
Semântica: quando o sujeito rememora, por exemplo, uma festa.
95
Episódica: quando o sujeito rememora lembranças relacionadas
consigo mesmo.
Memória não-declarativa: diz-se daquela com a qual é difícil relatar
um fato.
Habilidades procedurais (de procedimento): atos motores, como
nadar, andar de bicicleta. É difícil alguém relatar como aprendeu a
nadar ou andar de bicicleta.
Priming: palavra que não existe uma boa tradução em português.
É a lembrança de algo ou seu significado, por meio de uma
“dica”. Por exemplo, ao serem projetadas várias figuras e
dentre elas, a de um touro, ao projetarem-se apenas os chifres
desse touro, muito provavelmente o sujeito testado lembrar-
se-á do animal. Se forem projetadas várias palavras e, dentre
elas, a palavra DISSERTAÇÃO, ao projetar-se apenas DISS... o
sujeito estudado lembrar-se-á da palavra toda.
Associativa: relacionada a estímulos e respostas.
Condicionamento clássico: associação de dois estímulos
provocam uma resposta. Exemplo: um cão saliva vendo um
pedaço de carne.
Condicionamento operante (ou instrumental): associação de
um estímulo com uma provável resposta; associar uma reação
96
e suas conseqüências. Exemplo: sujeito ganha um prêmio por
ir bem numa prova.
Não-associativa: relacionada com a forma com que um organismo
reage a um determinado estímulo.
Habituação: o organismo aprende sobre as propriedades de
um estímulo benigno. Por exemplo: desviar a atenção do “tic-
tac” de um relógio. Diminui sua reação.
Sensibilização: o organismo aprende as propriedades de um
estímulo nocivo ou ameaçador. Exemplo: uma pessoa
sobressaltada pelo disparo de uma arma de fogo
provavelmente reagirá de maneira intensa a qualquer ruído
por um período de alguns minutos após o estampido.
Aumenta sua reação a estímulos semelhantes.
Há várias décadas que os neurocientistas tentam descobrir onde as
memórias estão localizadas no cérebro. Karl Lasheley, em 1950 (in MYERS,
1999), treinou ratos para encontrarem a saída de um labirinto e depois cortou
pedaços de seus córtex e retestou sua memória do labirinto, esperando encontrar
o sítio da memória. Mas, qualquer que fosse a parte do córtex removida, os ratos
conservavam pelo menos uma memória parcial da solução do labirinto. A
conclusão de Lasheley foi a de que a memória não está situada em qualquer
ponto único e específico.
Ralph Gerard, 1953 (in MYERS, 1999) treinou hamster para virarem à
direita ou à esquerda para conseguirem comida. Sua pesquisa baseava-se no fato
de verificar se a memória estava ligada à atividade elétrica do cérebro. Se isto
fosse verdade, baixar a temperatura do corpo dos hamsters até que cessasse a
97
atividade elétrica, faria com que eles posteriormente não se lembrassem para que
lado virariam. Mas o hamsters lembraram-se.
Outros neurocientistas estão começando a estudar a memória pelo
estudo das mudanças que ocorrem no interior e entre os neurônios. As memórias
começam como impulsos que são conduzidos pelos circuitos do cérebro
deixando, de alguma forma, vestígios neuronais permanentes. Essas mudanças
ocorrem no nível das sinapses, pontos em que as células nervosas se comunicam
umas com as outras por meio de neurotransmissores. A aprendizagem, como foi
mencionado anteriormente, tem início quando dois ou mais neurônios conectam-
se e a estimulação desses neurônios faz com que outras conexões se formem.
Segundo Squire e Kandel (2003, p.1227) a “Aprendizagem é o
processo através do qual nós adquirimos conhecimento sobre o mundo, enquanto
memória é o processo pelo qual o conhecimento é codificado, retido e
posteriormente recuperado”.
Duas terminações de células nervosas,
com só uma conexão...
... são estimuladas e desenvolvem um
outro ponto de contato.
Formação da memória é
registrada pela 1ª vez
Fonte: Folha de São Paulo - 18/nov/1999 (CIÊNCIA - p. 1-1)
Dessa a importância
que a Neurociênc
forma, pelas definições acima, compreende-se
ia Cognitiva atribui à memória.
Figura 19. Formação da memória é registrada pela primeira vez.
Fonte: Folha de S. Paulo, 18 nov. 1999, CIÊNCIAS.
98
Quanto maior o exercício do pensamento de um conhecimento
adquirido, maior será a possibilidade de recuperá-lo na memória e expandi-lo,
pois, ou o número de neurônios que se interligam para formar esse conhecimento
aumentam, ou as relações sinápticas entre eles se fortalecem, uma vez que
aumenta a quantidade de neurotransmissores entre esses neurônios
(STERNBERG, 2000a)
Desde o nascimento, um organismo começa a aprender; com isto os
bilhões de neurônios humanos começam a conectar-se de modo a garantir a
sobrevivência do sujeito. É o que Greenfield (2000) mostra por meio da figura 20.
(ver também anexo L)
Figura 20.
Fonte: Greenfield (2000).
99
Segundo Izquierdo (2002), a memória de longa duração leva tempo
para ser consolidada e, nas primeiras horas, após a aquisição, são lábeis, isto é,
são transitórias, instáveis, e suscetíveis à interferência por inúmeros fatores,
incluindo desde traumatismos, drogas ou até outras memórias. Sua consolidação
demora seis horas ou mais.
Se as memórias de longa duração são lábeis, elas devem ser
exercitadas para termos a certeza de suas consolidações.
“A prática leva à perfeição”. Quando Squire e Kandel (2003, p.144)
fazem essa afirmação, estão se referindo à consolidação de uma memória de
longo prazo.
Para eles, a memória de longo prazo precisa ser exercitada:
Embora tipicamente formemos memórias de longa duração após
treinamentos repetidos a intervalos separados, novas
informações, às vezes, fixam-se de modo firme na mente após
uma única exposição. Esse aprendizado após uma única
exposição é particularmente desenvolvido em alguns raros
indivíduos dotados de memória excepcional. (SQUIRE e KANDEL,
2003, p.156)
Kandel e Schwartz (in MYERS, 1999), por sua vez, observaram que
durante o aprendizado do caramujo Aplysia, as ligações sinápticas entre os
neurônios responsáveis pela retração de sua guelra ficam alteradas quando ela
recebe um jato de água e logo após um choque elétrico. Após este
condicionamento, o caramujo libera mais do transmissor serotonina em
determinadas sinapses e estas tornam-se mais eficientes na transmissão de
sinais. Diz-se então que ocorreu a aprendizagem (no caso, o simples fato de jogar
água na guelra da Aplysia, faz com que ela a retraia). O mesmo ocorre com seres
humanos, como é o caso de um soldado com neurose de guerra, que fica
sobressaltado ao ouvir um graveto estalando. O neurônio emissor precisa agora
100
de menos impulso para liberar seu neurotransmissor e os pontos receptores
podem aumentar. Esse fortalecimento prolongado do disparo neuronal é
denominado de potenciação de longo prazo (PLP).
O aumento da eficiência sináptica torna mais eficientes os
circuitos neuronais. Em experimentos, a estimulação rápida de
determinadas conexões do circuito da memória tem aumentado a
sensibilidade por horas ou mesmo semanas. (O neurônio emissor
agora precisa de menos impulso para liberar seu
neurotransmissor, e os pontos receptores podem aumentar.) Esse
fortalecimento prolongado do disparo neuronal potencial, chamado
de potencialização
de longo prazo (PLP), proporciona uma base
neuronal para as associações da aprendizagem e da lembrança.
(MYERS, 1999, p.201)
Embora não se possa comprovar em laboratórios esse processo em
seres humanos, existem fortes evidências de sua existência.
Com a prática, desenvolve-se a chamada Potenciação de Longo Prazo
(PLP), que segundo Ratey (2002, p.214-215) tem o seguinte mecanismo:
Toda a nova experiência faz com que a estimulação neurônica
seja fortalecida através de algumas sinapses e enfraquecimento
por meio de outras. O padrão de mudança representa uma
memória inicial da experiência. No entanto, o padrão não tardará
em desaparecer se a sua permanência não for assegurada pela
PLP, que é o mecanismo celular que acusa o fortalecimento da
conexão mútua entre sinapses ao codificar um evento, um
estímulo ou idéia como uma série de conexões. Quando um
estímulo é recebido, a PLP abre um novo caminho ao longo de
uma série de neurônios, tornando mais fácil para mensagens
subseqüentes trafegarem pelo mesmo caminho. Quanto mais o
caminho é reativado, mais permanente se torna a mensagem – o
novo conhecimento.
Percebe-se, assim, que a repetição de uma atividade faz com que as
ligações de uma rede vão ficando cada vez mais fortes e mais neurônios são
envolvidos nessa atividade. Talvez tenha sido assim com Einstein que, quando
não estava dormindo, pensava exaustivamente na Física (talvez sonhasse com
ela).
101
Vasconcellos (2002, p.54) cita um aluno chamado Tiago, da 4ª série,
que ao ser solicitado para desenvolver o tema “Se eu fosse professor”, entre
outras afirmações disse: “Daria lição de casa para exercitar a lição dada na sala
de aula”.
Para Tiago assim se expressar, provavelmente seu professor não
passasse lição de casa e talvez assim agisse por acreditar que tal lição só
servisse para que seus alunos (e inclusive Tiago) reproduzissem o que foi dado
em sala de aula. Mas, o professor poderia preparar exercícios que, além de
promoverem a PLP do(s) assunto(s) visto(s) em sala de aula, poderiam também
fazer os alunos pensarem, criarem e raciocinarem.
Como diz Ratey (2002, p.208): “Só podemos nos conhecer porque
podemos recordar. A memória é a força centrípeta que agrega aprendizagem,
entendimento e consciência”.
Imaginemos um sujeito desenvolvendo uma pesquisa numa biblioteca.
Ele necessitará de livros para extrair informações e reordená-las. Mas o que faria
se a biblioteca estivesse vazia? “Se a memória de longo prazo não está bem
provida de informações, a aquisição e a síntese de novos conhecimentos tornam-
se uma dificuldade”. (LIEURY, 1997, p.71)
A memória ficou mal-vista devido aos nemonistas do século XIX, cujo
objetivo era aprender de cor listas de datas históricas ou de nomes de reis e ao
behaviorismo, para quem a memória era associada essencialmente a uma série
de associações condicionadas pelo exercício. A memória torna-se, assim,
sinônimo de “aprender de cor”. “O termo memória é banido em beneficio do termo
aprendizagem” (idem, p.80).
102
O mesmo Lieury (1997) também comenta que o desprestígio da
memória ocorreu também pela orientação de pesquisas que privilegiam a
inteligência no sucesso social, principalmente escolar. Duas foram essas
orientações: a de Piaget que acreditava que aprimorando estruturas mentais do
tipo lógico-matemáticas, as estruturas operatórias, as aquisições para várias
outras habilidades mentais estariam garantidas. Certos métodos destinados a
remediar o fracasso escolar estão baseados em raciocínio lógico, esperando, com
isso, ter um avanço no conjunto de aquisições. A segunda foi a concepção que a
inteligência é um fator geral: o célebre fator g, interpretado freqüentemente como
uma capacidade de raciocínio. Segundo essa perspectiva os melhores
instrumentos para medir a inteligência seriam os testes de raciocínio. Poderia
assim, ser previsto o êxito escolar e profissional dos sujeitos.
A memória não-declarativa (não-consciente ou implícita) também
merece atenção. Pois, como comenta Kandel a respeito de memórias e
aprendizagem.
Muitos comportamentos importantes são aprendidos. Na verdade,
nós somos quem somos, em grande parte, devido ao que
aprendemos e ao que lembramos. Nós aprendemos habilidades
motoras que nos permitem ter domínio sobre nosso ambiente e
aprendemos idiomas que nos permitem comunicar o que
aprendemos, portanto, transmitindo culturas que podem ser
mantidas por gerações. Mas, nem toda aprendizagem é benéfica.
A aprendizagem também gera comportamentos disfuncionais e
esses comportamentos podem, em casos extremos, constituir
alterações psicológicas. Portanto, o estudo da aprendizagem é
essencial para se entender distúrbios do comportamento, bem
como o comportamento normal, uma vez que o que é aprendido
pode ser esquecido. Quando a psicoterapia é bem-sucedida no
tratamento de distúrbios do comportamento, isso geralmente
ocorre em razão da criação de um ambiente no qual a pessoa
possa aprender a modificar seus padrões de comportamento.
(KANDEL e cols, 2003, p. 1227)
Como é possível perceber, a palavra memória teve seu significado
distorcido, principalmente quando se processa a aprendizagem na qual ela
103
desempenha papel fundamental, quer de modo consciente ou não-consciente.
Criar memórias, principalmente no âmbito escolar, é um processo que pode ser
muito laborioso (como aprender Matemática) ou um processo muito rápido (como
detestar a Matemática por não gostar do professor). Nestes casos parece que as
“más memórias” são mais rapidamente construídas, mantidas e evocadas.
4.2. O Cérebro Exercitado
Kandel e cols (2003) apresentam, figura 21, duas imagens de
ressonância magnética funcional em duas pessoas. Uma exercitou seus dedos da
mão em movimentos rápidos durante três semanas, todos os dias, em cerca de
10 a 20 minutos. O sujeito controle não exercitou seus dedos.
Nota-se que a região ativada no sujeito que movimentou os dedos é
maior do que a da pessoa que não fez os exercícios. Esse aumento denota uma
mudança na representação cortical com a seqüência motora aprendida, a qual
persistiu por vários meses.
104
Figura 21. O exercício muda a representação cortical.
Nota-se à direita uma área cerebral maior do sujeito que exercitou seus dedos.
Fonte: Kandel e cols (2003).
Houzel (2002) cita o patologista americano Thomas Harvey que fez a
necrópsia de Einstein em 1955. Com o consentimento do filho do necropsiado, o
médico fotografou, pesou e mediu o cérebro de Einstein e cortou-o em 240
pedacinhos que ficaram conservados no escritório de Harvey. Em 1999, esse
cientista e duas pesquisadoras refizeram as medidas desse cérebro, por meio das
fotos tiradas em 1955. Os estudiosos concluíram que esse cérebro era pequeno
para um homem de seu tamanho e mais arredondado do que o normal. Mas, o
que chamou mais a atenção no cérebro de Einstein, foi o fato de que a região
envolvida na cognição visuoespacial, na manipulação de figuras tridimensionais,
na ideação matemática e na visualização do movimento estava “deformada”,
sugerindo um aumento dessa região que, possivelmente, teria sido provocado
pelo aumento de interconexões entre neurônios. A título de curiosidade, essa
parte “deformada” encontrava-se no limite do lobo parietal inferior esquerdo.
Einstein costumava dizer que seu pensamento não era em forma de palavras,
mas sim de imagens.
105
E D
Figura 22. Fotos do cérebro de Einstein. A fissura de Sylvius (nas setas) possui um
curso ascendente exagerado em relação aos cérebros normais.
E Hemisfério esquerdo.
D Hemisfério direito.
Fonte: Kolb e Whishaw (2002).
Nos cérebros normais a fissura de Sylvius é praticamente horizontal.
Compare com a de Einstein que é praticamente vertical.
E
D
Figura 23. Cérebro normal. Percebe-se que a fissura de Sylvius é praticamente
horizontal com leve inclinação.
E Hemisfério esquerdo.
D Hemisfério direito.
Fonte: Kolb e Whishaw (2002).
É esse contínuo exercício que, aumentando as conexões neuronais e
por conseguinte consolidando as memórias de longo prazo, permite às pessoas
terem um acesso mais rápido às informações já obtidas, organizadas e
apreendidas na forma de conhecimento e que são a base para novas
106
informações, que, devidamente analisadas, organizadas e apreendidas, ampliarão
os conhecimentos.
Steven Pinker, em uma entrevista à revista Veja (13/01/1999, p.7-9),
afirma que “uma pessoa para ser reconhecida como gênio, uma pessoa
excepcionalmente dotada, precisa desenvolver seu talento em pelo menos dez
anos de treinamento obsessivo”.
Para Gardner:
Num raro exemplo de concordância entre cientistas sociais, os
estudiosos da criatividade costumam afirmar que são necessários
cerca de dez anos para se dominar uma área e outros dez anos
para que sejam produzidos trabalhos suficientemente criativos
para modificá-la. A mestria exige milhares de horas de trabalho
naquela área específica – para a resolução de problemas
matemáticos, a execução ao violino de uma passagem musical
difícil, a manutenção de um diário ou para a pesquisa num
laboratório de Biologia ou Química. Este trabalho, envolvendo
uma ou mais inteligências, é cognitivo no sentido mais estrito do
termo. (GARDNER e cols, 2000, p.148)
Os cientistas sociais anteriormente citados, numa linguagem de
Neurociência, diriam: para desenvolver a(s) inteligência(s) é necessário exercitar
o cérebro, isto é, aumentar ou fortalecer as conexões neurais.
Esse exercício cerebral em uma disciplina escolar pode ajudar os
alunos em outras disciplinas, por meio do desenvolvimento da memória de longo
prazo.
Em uma pesquisa feita, Lieury (1997), avaliando o vocabulário de
alunos de 5ª e 6ª séries na França, concluiu que o exercício para aumentar o
vocabulário de palavras técnicas ou novas que apareciam nos livros ou nas falas
dos professores nessas séries (em todas as disciplinas) facilitava o aprendizado
de todas essas disciplinas e, quanto maior o conhecimento de palavras novas,
maiores eram as notas dos alunos, como mostra o gráfico 2.
107
Gráfico 2. Aumento de vocabulário e sua relação com a média de
notas de alunos de 5ª e 6ª séries.
Fonte: Lieury (1997),
4.3. O Raciocínio
A produção e a aquisição do conhecimento, na atualidade, são
muitíssimo diferentes de épocas passadas e o processo acumulativo do saber
torna-se praticamente impossível.
Greco faz a seguinte referência:
Flávio de Carvalho, em “Ciência aguarda dilúvio de informações”,
o Estado de S. Paulo, de 25.3.1990, afirma que Dante Alighieri, o
principal poeta italiano ao final da Idade Média, tinha, no ano
1300, uma biblioteca com praticamente todo o conhecimento da
época: 1338 volumes. Quase três séculos depois, Sir Isaac
108
Newton, o criador das principais leis da Física, não poderia jactar-
se de conhecer tudo, como Dante. A biblioteca de Oxford já tinha
25 mil livros.
A acumulação de conhecimentos está agora atingindo uma faixa
em que as taxas podem ser comparadas a uma hiperinflação. A
maior biblioteca do mundo, a do Congresso norte-americano, tem
perto de 93 milhões de livros. Achar uma informação nesse mar
de conhecimento é difícil, mas nada se compara ao problema
criado com os dados estritamente científicos. A era espacial,
desde a sonda Pioneer, já acumulou um total de 6 trilhões de
bytes (uma “palavra” de computador, compreende 8 bits, a
unidade da informação), o equivalente ao dobro do volume de
informações da biblioteca do Congresso.
Mas para o Centro de Dados Científicos Espaciais da Nasa, a
agência espacial norte-americana, isso não passa de um pequeno
alagamento. A enchente começa com o funcionamento do
telescópio espacial Hubble, lançado em maio de 1990, que está
multiplicando por 15 o volume do banco de dados da Nasa. Em
1995, quando começará a funcionar a bateria do satélite EOS
(Earth Observing System), explodirá o maremoto. Esse sistema
vai produzir trilhões de bytes num ritmo quase diário. A Nasa,
alarmada, está pedindo verba de 3,2 milhões de dólares para
desenvolver programas de computador, com a função de garimpar
e achar dados de interesse nesse oceano. (GRECO, 1994, p.63)
Para os alunos que freqüentam uma escola, seja qual for o ciclo, quais
seriam os “dados de interesse” a ser-lhes ensinados?
Gardner escreve:
Foi dito, só em parte como gracejo, que o poeta e educador
britânico Matthew Arnold (1822-1888) foi o ultimo homem (sic) no
mundo a saber tudo. Seja como for, dificilmente existe hoje uma
disciplina escolar onde o conhecimento básico não aumenta a
taxas essencialmente geométricas. Por estimativas
conservadoras, o montante de informação disponível duplica de
poucos em poucos anos; ouvi recentemente uma afirmação no
sentido de que a soma de informação no mundo dobra a cada 80
dias! E mesmo que esses números sejam em grande parte
desprovidos de significado (no fim das contas, a desinformação
conta como informação? O que é que, de qualquer modo, conta
como informação?), a realidade que eles tentam quantificar torna
mais difícil determinar que “verdade” merece ser estudada e o que
merece ser conhecido. (GARDNER, 1999, p.59)
O conhecimento, a compreensão, a menos que a ciência o admita,
somente serão consumados por meio das informações externas ou internas aos
sujeitos aprendentes. Esse processo superior da mente, que analisa as
109
informações externas e as sintetiza inteiramente em nossos cérebros, denomina-
se pensamento. Talvez fosse mais produtivo pensar em modos de desenvolver os
pensamentos dos alunos, ao invés de preocupar-se apenas com informações que
comporão os conteúdos curriculares. Se assim for, a preocupação deveria ser
com as informações que levam os alunos ao exercício dos mais diversos
pensamentos.
O pensamento desenvolve-se por meio de imagens e/ou proposições.
Einstein dizia que:
Os termos da linguagem, conforme são escritos e falados, não
parecem desempenhar um papel em meus mecanismos de
pensamento. As entidades físicas que parecem servir como
elementos de pensamento são determinados sinais e imagens
mais ou menos claros que podem ser voluntariamente
reproduzidos ou combinados... Os elementos supra mencionados
são, no meu caso, do tipo visual e alguns do tipo muscular.
(GARDNER,1994, p.148)
Nesta parte do trabalho o interesse é focado no pensamento
proposicional, também denominado de raciocínio.
Segundo Wason e Johnson-Laird (1972) “o raciocínio é um pertence no
processo de tirar conclusões a partir dos princípios e evidências, passando do
que já é conhecido a inferir uma nova conclusão ou a avaliar uma conclusão
proposta.” (in STERNBERG, 2000a, p.349)
O raciocínio é utilizado quando se deseja fazer um julgamento ou
tomar-se uma decisão.
A influência de Platão e Aristóteles está presente quando classifica-se
o raciocínio em dois tipos: o raciocínio dedutivo e o raciocínio indutivo
(STERNBERG, 2000a).
110
4.3.1. Raciocínio Dedutivo
Baseia-se em proposições lógicas, que são basicamente uma asserção
que pode ser verdadeira ou falsa. Logo, a validade dedutiva não é igual a
verdade. É possível chegar-se a conclusões dedutivamente válidas, sem que elas
sejam necessariamente verdadeiras; poderão, inclusive, ser incorretas.
Ex.: Os mestrandos em educação são poliglotas.
João é um mestrando em educação.
Portanto: João é poliglota
.
Embora este silogismo seja dedutivamente válido, poderá não ser
verdadeiro. Pode ser que nem todos os mestrandos em educação sejam
poliglotas.
Raciocínio condicional
É um dos principais tipos de raciocínio dedutivo, no qual o raciocinador
deve tirar uma conclusão baseada numa proposição se então.
Ex.: Se você é um mestrando, então você é um estudante.
João é um mestrando.
Portanto: João é um estudante.
Esta série de proposições e sua conclusão constituem um argumento
do tipo “Se p, então q.p. Portanto q”. (“pÆq.p.: q”), denomina-se de argumento
modus ponens – o argumentador confirma o antecedente (João é um
mestrando).
111
Mas, a proposição anterior poderia ser:
Se você é um mestrando, então você é um estudante.
João não é um estudante.
Portanto: João não é um mestrando.
Este tipo de argumento é do tipo “Se p, então q Não q. Portanto, não
p”(“pÆq.¬q.:¬p”) denomina-se modus tollens – o argumentador nega o
conseqüente (João não é um estudante).
Sternberg (2000a) faz um quadro (quadro 2) elucidativo a respeito
desses argumentos, mostrando as condições racionais na qual uma conclusão
racional pode ser conseguida, mas também outras condições em que tal
conclusão não pode ser alcançada.
Quadro 2. Raciocínio Condicional: Inferências Dedutivamente Válidas e Falácias Dedutivas
Dois tipos de proposições condicionais levam a deduções válidas e duas outras levam a
falácias dedutivas. Fonte: Sternberg (2000a).
TIPO DE ARGUMENTO
PROPOSIÇÃO
CONDICIONAL
CONDIÇÃO
EXISTENTE
INFERÊNCIA
Modus ponens
p q
Se você é mãe, então
Você tem um filho.
p
Você é mãe.
q
Portanto, você
tem um filho.
Interferências dedutivamente
válidas
Modus tollens
p q
Se você é mãe, então
Você tem um filho.
¬q
Você não tem
um filho.
¬p
Portanto, você
não é mãe.
Negação do
antecedente
p q
Se você é mãe, então
Você tem um filho.
¬p
Você não é mãe.
¬q
Portanto, você
não tem um
filho.
Falácias dedutivas
Afirmação do
Conseqüente
p q
Se você é mãe, então
Você tem um filho.
q
Você tem um filho.
p
Portanto, você é
mãe.
A negação da regra – negação do antecedente ou afirmação do
conseqüente – leva a uma falácia. Em ambos os exemplos acima, o
argumentador poderia estar se dirigindo ao pai (do filho).
112
Wason e Johnson-Laird (1972) (in STERNBERG, 1992, p.203) fizeram
testes com adultos com relação a tarefas de inferências que as crianças já
deveriam ter dominado no estágio de operações formais e que os adultos, em sua
maioria, deixam de acertar. Exemplo de um desses testes:
Você recebe um pacote de cartões especiais e verifica que cada
cartão tem uma letra de um lado e um número de outro lado. O
experimentador toma do pacote quatro cartões ao acaso e o resto
da experiência está relacionado apenas a esses cartões. Eles são
distribuídos em sua frente sobre a mesa, por ex.: E, K, 2 e 7. O
experimentador então afirma uma regra geral: Se um cartão tem
uma vogal em um lado, então tem um número par no outro lado.
Sua tarefa é decidir que cartões você necessita virar a fim de
descobrir se a regra é verdadeira ou falsa. Você pode decidir virar
todos os quatros cartões, mas esta seleção não seria econômica:
você deve escolher apenas aqueles cartões que necessitam ser
virados. Similarmente, você não deve se preocupar com a ordem
na qual vira os cartões: imagine que você vá virá-los em um só
momento.
K
2
7
E
Os autores consideram-no difícil e sua solução é dada virando-se as
cartas E (a maioria das pessoas a escolheu) e a carta 7, pois se virada e
apresentar uma vogal, invalida a regra. Virar a carta K é perda de tempo, pois a
regra não fala em consoante. Se virar a carta 2 e houver uma vogal do outro lado
convalida a regra, mas se houver uma consoante não a invalida. A regra afirmada
não implica que se houver um número par de um lado, então terá uma vogal em
seu outro lado.
Estabelecendo um quadro para este raciocínio condicional, teríamos o
seguinte:
113
Quadro 3. Raciocínio Condicional: Inferências Dedutivamente Válidas e Falácias Dedutivas
Dois tipos de proposições condicionais levam a deduções válidas e duas outras levam a
falácias dedutivas. Fonte: Sternberg (2000a).
PROPOSIÇÃO BASEADA NO QUE
SE MOSTRA NA FACE DA CARTA
TESTE
TIPO DE RACIOCÍNIO
p
Uma dada carta tem uma vogal em um
lado (E).
q
A carta tem um
número par no outro
lado?
Baseado no
modus ponens
¬q
Uma dada carta não tem um número
par em um lado. Isto é, uma dada
carta tem um número ímpar em um
lado (7)
¬p
A carta não tem uma
vogal no outro lado?
Isto é, a carta tem
uma consoante no
outro lado?
Baseado no
modus tollens
Inferências
dedutivamente
válidas
¬p
Uma dada carta não tem uma vogal
num lado. Isto é, uma dada carta tem
uma consoante em um lado (“B”,C”,
“D”)
¬q
A carta não tem um
número par no outro
lado? Isto é, a carta
tem um número
ímpar no outro lado?
Baseado na
negação do
antecedente
q
Uma dada carta tem um número ímpar
em um lado (7)
p
A carta tem uma vogal
no outro lado?
Baseado na
afirmação do
conseqüente
Falácias
dedutivas
Atkinson e cols (2002, p.351) comentam que menos de 10% dos
entrevistados escolheram a carta com o número 7. “As regras lógicas não captam
todos os aspectos do raciocínio dedutivo e estas regras são disparadas pela
forma lógica das proposições.”
Atkinson (idem) comenta outro problema testado por Griggs e Cox
(1982).
“Se uma pessoa está bebendo cerveja, ela deve ter mais de 19 anos”
22
16
Coca-cola
Cerveja
114
Desta vez a maioria das pessoas viraram as cartas certas: “Cerveja” e
“16”. Conclui-se, assim, que o conteúdo das proposições afeta o raciocínio. Ao
que parece as pessoas usam regras menos abstratas e mais relacionadas ao
cotidiano chamadas regras práticas. No caso acima, é acionada a denominada
regra da permissão, que afirma que: “Para que uma determinada ação seja
realizada, muitas vezes, uma pré-condição precisa ser satisfeita”. Uma vez
ativada, a regra levaria as pessoas a procurar falhas na condição pré-
estabelecida – ter menos de 19 anos – o que, por sua vez, leva-as a escolher a
carta “16”. No problema de cartas “vogais” e “números pares”, não havia motivo
para que os raciocinadores escolhessem a carta “7”. ”Assim, o conteúdo do
problema afeta a ativação ou não de uma regra prática, o que, por sua vez, afeta
a correção do raciocínio” (CHENG, HOLYOAK, NISBELT e OLIER, 1986, in
ATKINSON, 2002, p.352).
Schön (2000) diz que existe um padrão de preposições “se...então” em
qualquer conversão de situações indeterminadas para situações determinadas. O
sujeito, de posse de dados existentes, manipula-os de modo a atingir o fim
desejado. O autor defende a idéia de que em todo ensino/aprendizagem o
instrutor (professor) deve fazer uma reflexão-na-ação juntamente com o neófito.
Sternberg (2000a) comenta que a maioria das pessoas, desde a escola
primária, tem pouca dificuldade em reconhecer e aplicar o modus ponens, embora
algumas reconhecem espontaneamente a necessidade de aplicar o modus
tollens. Outras, não reconhecem as falácias lógicas de negar o antecedente ou
afirmar o conseqüente, ao menos quando tais falácias sejam aplicadas a
problemas de raciocínio abstrato (BRAINE e O’BRIEN, 1991; RIPS, 1988/ 1994;
RUMAIN, CONNEL e BRAINE, 1983).
115
Cosmides (in STERNBERG, 2000a) faz uma abordagem
completamente diferente do raciocínio condicional. Ela sugere uma concepção
evolutiva da cognição em que as habilidades de pensamento forneceriam uma
vantagem naturalmente seletiva para os humanos e que durante as trocas sociais
seriam desenvolvidos esquemas que facilitariam a capacidade de coletar
informações importantes de nossa experiência e de organizar essas informações
em estruturas significativas. Assim, duas inferências foram importantes nesse
processo: as relacionadas ao custo-benefício e as que ajudam a detectar quando
o sujeito está sendo enganado. Cosmides realizou nove experimentos e
comparou o resultado do desempenho de seus sujeitos testados, com o
desempenho dos sujeitos nos testes de Wason, bem como o desempenho
daqueles sujeitos testados em tarefas que exigem permissão. Todos os
resultados mostraram a confirmação do raciocínio dedutivo relacionado com a
teoria da troca social, em vez das predições baseadas em esquemas ligados a
permissões.
Raciocínio Silogístico
É outro tipo importante de raciocínio dedutivo, em que um argumento é
formado por duas premissas que permitem a obtenção de uma conclusão. Esse
argumento é denominado silogismo e que abarca uma premissa maior, uma
premissa menor e uma conclusão. “Lamentavelmente, às vezes, a conclusão
pode ser que nenhuma conclusão pode ser alcançada com base nas duas
premissas dadas”. (ATKINSON e cols, 2002, p.351).
116
Dois tipos de silogismo são os mais importantes: silogismos lineares e
silogismos categóricos. “Em silogismo linear, a relação entre os termos é linear,
envolvendo uma comparação quantitativa ou qualitativa, na qual cada termo
mostra ou mais ou menos de um atributo ou quantidade particular”
(STERNBERG, 2000a, p.353). Existe uma relação específica entre dois itens e
pelo menos um item é comum a ambas as premissas. O primeiro termo é
denominado sujeito na premissa maior; o termo central comum às duas premissas
é denominado termo central e o segundo termo da premissa menor é denominado
predicado. A tarefa do silogismo linear é determinar a relação entre dois itens que
não aparecem na mesma premissa.
Considere-se o seguinte exemplo:
Os mestrandos de educação são mais altos do que os de filosofia.
Os mestrandos de filosofia são mais altos do que os de matemática.
Qual dos três grupos é o mais alto?
Tabela 2. Relação entre os mestrando de uma área e suas alturas. Fonte: Sternberg, (2000a).
PRIMEIRO TERMO (ITEM) RELAÇÃO LINEAR
SEGUNDO TERMO
(ITEM)
Premissa A
Os mestrandos de educação
São mais altos do que
Os de filosofia
Premissa B
Os mestrandos de filosofia
São mais altos do que
Os de física
Conclusão
Os mestrandos de educação
São os mais altos dos
três
Embora a conclusão acima seja dedutivamente válida, não quer dizer
que ela seja necessariamente verdadeira.
Alguns investigadores como De Soto, London e Handel (1965);
Huttenlocher (1968) (in STERNBERG, 2000a), teorizam que na resolução deste
tipo de silogismo, os sujeitos imaginam um continuum (sic) vertical em que, em
117
primeiro lugar, aparecem os mestrandos de educação, mais abaixo os
mestrandos de filosofia e em terceiro lugar os mestrandos de física. Representam
o problema em imagens espaciais.
Mestrandos de educação
Mestrandos de filosofia
Mestrandos de física
Outros como Clark (1969) (idem), pensam que os solucionadores
desse tipo de silogismo, não usam absolutamente imagens, mas combinam
proposições semânticas.
Sternberg (1980), baseado em listagens dos modelos, concluiu que
inicialmente os sujeitos combinam proposições e depois formam imagens
mentais. Mas Sternberg (2000a) admite que nenhum dos três modelos é correto,
pois todos eles representam uma média dos sujeitos testados e pode haver
estratégias diferentes para cada indivíduo; alguns preferem usar uma estratégia
mais imaginal, enquanto outros podem usar uma estratégia mais proposicional. A
única certeza seria obtida examinando cada sujeito testado.
O Silogismo categórico é, talvez, o tipo silogismo mais conhecido. Ele
compreende uma premissa maior, uma menor e uma conclusão. As premissas
declaram alguma coisa sobre a condição de membros categóricos dos termos.
Cada termo representa todos, nenhum ou alguns dos membros de uma
determinada classe ou categoria. Cada premissa contém dois termos, um dos
quais deve ser o termo central, comum a ambas as premissas. O primeiro e o
segundo termos de cada premissa estão ligados pela condição dos termos como
118
membros categóricos – um termo é um membro da classe indicada pelo outro
termo. Considere-se o exemplo dado por Sternberg (2000a) e seus comentários:
Todos os pianistas são atletas.
Todos os psicólogos cognitivos são pianistas.
Portanto: Todos os psicólogos cognitivos são atletas.
A conclusão é falsa, pois afirmar que todos A são B é diferente de
afirmar que todos os B são A. Por exemplo, todo cachorro é quadrúpede, mas
nem todo quadrúpede é cachorro. Logo, a conclusão é falsa porque as premissas
também o são.
Gardner (1995b), citando Johnson-Laird, mostra um outro exemplo:
Dadas as seguintes premissas:
Todos os banqueiros são atletas.
Nenhum conselheiro é banqueiro.
Qual a única conclusão que não envolve nenhum risco?
Johnson-Laird diz que é dificílimo resolver este silogismo e afirma que
a única resposta é: Alguns dos atletas não são conselheiros.
Johnson-Laird é o autor da “Teoria dos Modelos Mentais” (1983) e o
seu uso de silogismo é no sentido de argumentar que nosso raciocínio é muito
mais dirigido ao princípio semântico fundamental que governa qualquer inferência
do que à lógica. Segundo ele, um modelo mental é uma representação interna da
informação, que corresponde analogamente a tudo que estiver sendo
representado. Argumenta também que as pessoas em seus cotidianos, não fazem
inferências usando as regras formais da lógica (GARDNER, 1995b).
119
Sternberg (2000a), comentando a respeito de modelos mentais, cita
uma pesquisa de Johnson-Laird e Steedman em que foi solicitado a sujeitos que
descrevessem suas conclusões e modelos mentais para o silogismo:
Todos os artistas são apicultores.
Alguns apicultores são talentosos.
“Eu pensei em todos os pequenos (...) artistas na sala e imaginei que
todos eles tinham chapéus de apicultores”, disse uma pessoa.
Existem argumentos que demandam muitos modelos mentais para ser
inferido uma conclusão lógica, o que os torna de difícil resolução por requerer
grandes demandas colocadas na memória de trabalho. (JOHNSON-LAIRD e
STEEDMAN, in STERNBERG, 2000a)
Myers (1999) aponta para a tendenciosidade em favor da confirmação,
baseada nas convicções dos sujeitos, levando-os a um possível erro silogístico,
como mostram os exemplos abaixo.
1. Alguns comunistas são jogadores de golfe.
Todos os jogadores de golfe são capitalistas.
Portanto: Alguns comunistas são capitalistas.
2. Os defensores da democracia acreditam na liberdade de expressão.
Os ditadores não acreditam na democracia.
Portanto: Os ditadores não acreditam na liberdade de expressão.
3. Pardais têm penas.
Galinhas não são pardais.
Portanto: Galinhas não têm penas.
120
A primeira conclusão é válida, e muitas pessoas têm dificuldade para
aceitá-la. A segunda e a terceira conclusões são inválidas e mostram bem a
tendenciosidade em favor da confirmação: percebemos com mais facilidade o
ilógico das conclusões que vão contra nossas convicções do que aquelas que
concordam com nossas convicções.
4.3.2. Raciocínio Indutivo
O raciocínio indutivo não segue regras lógicas, não sendo portanto
dedutivamente válidos; mas são indutivamente fortes, significando que se as
premissas forem verdadeiras, é improvável que a conclusão seja falsa.
(ATKINSON e cols, 2002)
Ex.: João é médico especializado em ginecologia.
João está trabalhando em um hospital.
Portanto: João é um dos ginecologistas.
O raciocínio indutivo é considerado pelos lógicos como probabilístico,
pois é apoiado por duas teorias de probabilidade.
4.3.2.1. Regra de Taxa de Base
Quantos mais membros existem em uma classe (ou quanto maior for a
taxa de base da classe) maior é a probabilidade de que algo pertence a essa
classe.
121
Ex.: João é médico especializado em ginecologia.
João é filiado à Associação dos Ginecologistas.
João está trabalhando em um hospital.
Portanto: João é um dos ginecologistas.
Aumenta-se a taxa de base ao acrescentar-se “João é filiado à
Associação dos Ginecologistas”.
4.3.2.2. Regra da Conjunção
A probabilidade de uma proposição não pode ser menor do que a
probabilidade daquela proposição combinada com outra proposição.
Ex.: João é médico especializado em ginecologia.
João está trabalhando em um hospital.
Portanto: João é um dos ginecologistas e recebe um ótimo salário
mensal.
A indução, sendo probabilística, apenas informa a possibilidade do
evento ser correto. Nos exemplos acima, as conclusões poderão estar incorretas,
pois João poderá trabalhar nesse hospital como administrador. A força indutiva,
portanto, é uma questão de probabilidades, não de certezas (ATKINSON e cols,
2002).
Quando se utiliza o raciocínio indutivo é muito comum fazer uso da
heurística.
“A heurística constitui-se de regras práticas de procedimento ou
suposições desenvolvidas com base na experiência com problemas
semelhantes”. (HUFFMAN e cols, 2003, p.277). Embora ela funcione na maioria
122
das vezes, não garante uma solução para uma tarefa. Huffman (idem), entre as
várias heurísticas, cita três:
1. Análise direcionada ao objetivo final
Neste caso, analisam-se os dados do problema e tenta-se imaginar
quais os meios utilizados para chegar-se ao objetivo final. Se for um problema
matemático, após identificarem-se os dados disponíveis, deixa-se claro que os
procedimentos matemáticos são necessários para obter-se a resposta. Numa
viagem aérea, pelo procedimento de conhecer as rotas entre os lugares
relacionados, pode-se escolher a menor.
2. Trabalhar ao contrário
É a heurística mais usada em problemas complexos, tais como prova
matemática. Quando um mágico tira um coelho de uma cartola, pensa-se que
esse coelho já estava na cartola quando do início da mágica. Procura-se, então,
um compartimento falso nessa cartola.
3. Criar sub-objetivos
Neste caso sub-objetivos são criados para obter-se o resultado final.
Para ser diplomado em Curso Superior é necessário, antes, passar pelos Ensinos
Fundamental e Médio. Outro exemplo é o problema desenvolvido por
Bartlelt (1958) (HUFFMAN e cols, 2003) o qual pede quanto vale a soma de
DONALD + GERALD = ROBERT, sendo dados que D = 5 e cada letra tem um
valor único variando de zero a nove.
DONALD
+ GERALD_
ROBERT
RESPOSTA: 72397
0
123
Myers (1999, p.220), cita a heurística da representatividade,
identificada por Amos Tversky e Daniel Kahneman (1974), que é “julgar a
probabilidade de coisas em termos de quão bem representam protótipos
específicos”. Considere o seguinte problema apresentado por Myers a um sujeito:
Um estranho fala sobre uma pessoa que é baixa magra e gosta de
ler poesias e depois lhe pede para adivinhar se é mais provável
que essa pessoa seja um professor de literatura clássica numa
tradicional universidade americana da Ivy League ou um motorista
de caminhão. Qual seria o melhor palpite? (Adaptado de NISBETT
e ROSS, 1980).
O respondente, como a tendência da maioria das pessoas, foi de
optar pelo professor de literatura. Mas, após algumas reflexões como o
número possível de professores de literatura da referida universidade e o
número possível de choferes de caminhão etc, Myers e seu sujeito chegaram
à conclusão de que a probabilidade de haver mais choferes de caminhão do
que professores de literatura era aproximadamente de 50:1. Esse exemplo
mostra como nosso pensamento pode falhar quando usamos a heurística da
representatividade (como acontece com qualquer processo heurístico usado).
Atkinson e cols (2002), mostram outro exemplo da heurística da
representatividade. Em um experimento, um grupo de participantes foi
informado de que um grupo de psicólogos havia entrevistado 100 pessoas,
sendo que 30 eram engenheiros e 70, advogados. Aos participantes foram
dadas algumas descrições prototípicas de engenheiro, por exemplo: José não
se interessa por política e dedica seu tempo livre a inventar máquinas, e
outras neutras, por exemplo: José possui um grande potencial e promete ser
um bom profissional. Como era esperado, esse grupo considerou a descrição
prototípica mais provável de ser a de um engenheiro.
124
A outro grupo foram dadas as mesmas informações, mas a
quantidade estava trocada: 70 engenheiros e 30 advogados. As avaliações
foram as mesmas do outro grupo. Em ambos os grupos a descrição neutra
tinha a chance de 50% de ser um engenheiro, conforme suas considerações.
Mas, isso não é lógico, pois a descrição neutra teria maior possibilidade de
estar na profissão com taxa de base mais elevada. Ambos os participantes
ignoraram esta regra.
Sternberg (2000a, p.365), a respeito de trabalhos executados por
Osherson e cols (1990) cita a heurística da similaridade: “dois fatores
aumentarão a probabilidade de que elas induzam uma declaração concludente
sobre uma categoria”. Por exemplo:
Os pardais comem fleagles.
Os gansos comem fleagles.
Portanto: Os falcões comem fleagles.
O Primeiro fator é o alto grau de similaridade entre as categorias
das premissas e a categoria da conclusão. O segundo fator é o alto grau de
similaridade entre a categoria das premissas e os membros da categoria
inclusiva do nível mais inferior (a mais baixa numa hierarquia), a qual inclui
tanto as premissas quanto a conclusão. É mais fácil induzir que “as aves
comem feagles” do que os “animais comem feagles”. Num nível hierárquico,
aves estão em níveis inferiores as dos animais. “A utilização da heurística da
similaridade pode induzir ao erro até mesmo os especialistas” (ATKINSON e
cols, 2002, p.353)
125
Myers (1999) comenta que duas tendências de cognição também
podem afetar o raciocínio: 1. a tendenciosidade em favor da confirmação e 2.
a fixação.
1. A tendência em favor da confirmação foi demonstrada por Peter
Wason (1960). Temos a tendência de procurar informações que apóiem
nossas convicções do que procurar informações que possam contestar esses
valores.
Apresentou a estudantes a seqüência de três números 2 – 4 – 6 e
pediu-lhes que adivinhassem a regra que usara para planejar a série. Antes de
apresentarem suas respostas, os estudantes geraram seus próprios conjuntos
de três números e, a cada vez, Wason lhes dizia se estavam ou não de acordo
com a sua regra. Depois de realizarem testes suficientes para terem certeza
de que haviam descoberto a regra, os estudantes deveriam revelá-la.
Os resultados obtidos mostraram que os sujeitos raramente
estavam certos, mas nunca em dúvida. Os estudantes estavam convencidos
de que a seqüência era de números pares (6, 8, 10...100, 102, 104), quando a
regra pensada por Wason era simples: quaisquer três números ascendentes.
Em momento algum procuraram provas que estivessem errados, o que
confirma a tendenciosidade em favor da confirmação. Myers (1999) cita
trabalhos de Klaymam e Há (1987), Skov e Sherman (1986), que também
verificaram essa tendenciosidade.
2. A fixação é a tendência de repetir soluções que deram certo no
passado. Ela pode interferir na descoberta de novas soluções. Isto pode ser
mostrado com o problema abaixo.
126
Suponha-se que se tenha uma jarra de 21 copos, uma jarra de 127
copos e uma jarra de 3 copos. Usando as três jarras como você poderá medir
exatamente 100 copos de água? Resolva também os outros problemas
apresentados na tabela.
Tabela 3. A fixação pode interferir na descoberta de novas soluções.
Fonte: Myers (1999).
18
18
15 39 3
15 39 3
7
7
20
20
23 49 3
23 49 3
6
6
29
29
20 57 4
20 57 4
5
5
23
23
7 42 6
7 42 6
4
4
5
5
18 43 10
18 43 10
3
3
22
22
14 46 5
14 46 5
2
2
100
100
21 127 3
21 127 3
1
1
Água a ser
Água a ser
medida
medida
Tamanho da
Tamanho da
Jarra
Jarra
A B C
A B C
Problema
Problema
Fonte: Introdução à Psicologia - David Myers – p.218
As pessoas, ao resolverem os dois primeiros problemas, começaram a
perceber que existe uma regra: B - A – 2C = quantidade desejada de água. Essa
regra serve para os sete problemas. Mas a fixação pode impedir que o sujeito
perceba que o exercício seis também seja resolvido por A-C e o exercício sete por
A+C.
A fixação aumenta com o estresse e a tensão, prejudicando o
pensamento flexível e racional. Myers (1999), cita Csikszentmihalyi (1990) ao
descrever um fato ocorrido a um pára-quedista na guerra da Coréia. Sendo o
último a receber um pára-quedas, o sargento avisou-o que o equipamento era
127
para canhotos, logo o cordão para abri-lo ficava do lado esquerdo. Este soldado
morreu porque seu pára-quedas não se abriu. Ao verificarem o corpo ao ser
resgatado, as pessoas notaram que suas roupas estavam rasgadas no lado
direito, onde normalmente (para ele que era destro) ficava o cordão para abrir o
pára-quedas. Até seu peito estava todo ferido e sua mão direita ensangüentada. E
o cordão estava a poucos centímetros do lado esquerdo. Aparentemente intacto.
Recentemente, foi proposta uma perspectiva alternativa sobre o
raciocínio. Steven Sloman (in STERNBERG, 2000a) baseado em dados
empíricos, sugere que as pessoas têm dois sistemas complementares de
raciocínio.
1. Um sistema associativo – envolvendo operações mentais baseadas
nas similaridades observadas e nas contigüidades temporais (tendência que as
coisas ocorram juntas no tempo). Este sistema detectaria rapidamente tendências
e padrões gerais e compararia os padrões observados com os padrões
armazenados na memória. A evidência do raciocínio associativo inclui o uso da
heurística da representatividade, os efeitos dos vieses das crenças no raciocínio
silogístico e o raciocínio condicional.
2. Um sistema fundamentado em regras que envolve manipulações
baseadas nas relações entre os símbolos. Geralmente exigem procedimentos
deliberados e trabalhosos para alcançar conclusões. A evidência desse raciocínio
inclui o reconhecimento de argumentos lógicos, reconhecimento de categorizar os
aspectos definidores de coisas, apesar da similaridade nos aspectos típicos e
reconhecimento de improbabilidades.
Necessitamos responder imediata e facilmente às situações
cotidianas baseadas nas similaridades observadas e nas
contigüidades temporais; contudo, também precisamos de um
meio para avaliar nossas respostas mais deliberadamente.
(
SLOMAN apud. STERNBERG, 2000a, p.365)
128
Sloman sugere que seus dois sistemas podem ser conceituados dentro
de um sistema conexionista. O sistema associativo seria representado por
ativação e inibição de padrões e o sistema fundamentado em regras seria
representado como um sistema de regras de produção. Além disso, de acordo
com Holland e cols (1986, in STERNBERG, 2000a), por meio do raciocínio
indutivo, baseado em nossas observações e experiências, geramos uma
hierarquia de regras até um nível superior de abstração. Assim, são formados os
esquemas de raciocínio dedutivo).
Um modelo alternativo conexionista foi proposto por Rips (1994),
segundo Sternberg (2000a, p.366):
O raciocínio dedutivo ocorre quando um dado padrão de ativação
em conjunto de nós (por ex.: os associados a uma determinada
premissa ou a um conjunto de premissas) transmite ou produz um
determinado tipo de padrão de ativação, num segundo conjunto
de nós.
Sternberg (idem) completa:
Similarmente um modelo conexionista de raciocínio indutivo pode
envolver a ativação repetida de uma série de padrões similares
entre várias circunstâncias. Esta ativação repetida pode, então,
reforçar as ligações entre os nós ativados, levando à
generalização ou à abstração do padrão, para uma variedade de
circunstâncias.
Percebemos, assim, que vários tipos de raciocínios são regidos por
regras e dependem da memória.
129
4.4. Inteligência
Platão escreveu, há mais de dois mil anos, em seu livro “A República”,
que “não há duas pessoas que nasçam exatamente iguais; cada uma difere da
outra em dons materiais, uma sendo adequada para uma ocupação, a segunda
para outra coisa” (MYERS, 1999, p.235). Como herdeiras ocidentais de Platão,
(no individualismo) as pessoas ponderam como e por que os sujeitos diferem.
Para facilidade e compreensão desse processo superior da mente
apresentaremos uma sinopse do texto a ser desenvolvido.
1. Origens dos Testes de Inteligência
2. Os Princípios de Construção de Testes de Inteligência
3. As Abordagens da Inteligência
¾ Analítico Fatorial
Modelo de Spearman (ou modelo do fator g)
Modelo das Capacidades Mentais Primárias de
Thurstone
Modelo da Estrutura – do – Intelecto de Guilford
Modelo Hierárquico de Cattel
Modelo Hierárquico de Carrol
¾ Abordagem em Função do Processamento de Informação
Nettelbeck: tempo de inspeção
Jensen: tempo de reação de escolha
130
Hunt: velocidade de acesso léxico e velocidade de
pensamento simultâneo
Sternberg: a teoria componencial e as tarefas complexas
Resolução de problemas complexos
¾ Abordagem Fisiológica: as Bases Biológicas da Inteligência
¾ Abordagem Contextual da Inteligência
¾ Abordagem em Função das Concepções Integrativas da
Inteligência
Gardner: as Múltiplas Inteligências
Sternberg: a Teoria Triárquica
1. As Origens dos Testes de Inteligência
As primeiras tentativas de estudar a inteligência partiram de um primo
ilustre de Charles Darwin, Sir Francis Galton (1822-1911) no final do século XIX.
Nascido em berço esplêndido, Galton acreditava na superioridade do homem
branco em relação às mulheres, aos pobres e às outras raças. Acreditava,
também, que as capacidades individuais, assim como a altura que tende a
permanecer numa determinada família, eram frutos da hereditariedade. Decidido
a quantificar a superioridade humana, tentou medir a capacidade mental inata.
Em 1869, escreveu o livro “Hereditary Genius”, em que aventou a hipótese de que
a inteligência estava relacionada ao tamanho e forma da cabeça. Experimentou
131
suas idéias na Exposição Internacional de Londres, em 1884, e mais de dez mil
pessoas foram avaliadas, mediante um pagamento em dinheiro, quanto aos seus
“poderes intelectuais” (Myers, 1999, p.236).
Segundo Gazzaniga e Heatherton (2005), os testes de Galton
baseavam-se em definições operacionais que vinculavam a inteligência à
velocidade das respostas neurais e à sensibilidade dos sistemas
sensorial/perceptivo – quanto mais rápidas as respostas e mais agudas as
percepções, mais inteligentes seriam os sujeitos testados. De acordo com Myers
(1999), embora tenha falhado em inventar medidas simples de capacidade mental
geral, Galton era um pesquisador inovador e criou algumas técnicas estatísticas
que são usadas até hoje. Além disso, foi o primeiro proponente de que se pode
medir quantitativamente as habilidades mentais das pessoas.
Segundo Sternberg (2000a), Galton acreditava que a inteligência
estava relacionada profundamente com capacidades psicofísicas, tais como
perceber pequenas diferenças de pesos de objetos; notar as ligeiras diferenças
entre notas musicais (altura do som) e testes de força física.
O moderno teste de inteligência começou quando o pioneiro psicólogo
francês Alfred Binet (1857-1911) conseguiu, com sucesso, aplicar as idéias de
Galton de medir as habilidades intelectuais. Encarregado pelo Ministro da
Educação da França de verificar quais crianças matriculadas em escolas
francesas necessitavam de atenção e instrução extras, Binet “criou um teste para
medir o vocabulário, a memória, a habilidade com números, e assim por diante,
das crianças – a Escala de Inteligência Binet–Simon” (GAZZANIGA e
HEATHERTON, 2005, p.266). Juntamente com seu colaborador Théodosius
Simon (1916) planejaram medir a inteligência como uma função da capacidade de
132
aprender dentro de um ambiente acadêmico. Ao contrário de Galton, que
valorizava as habilidades psicofísicas das pessoas testadas, assim como suas
sensibilidades e até a força física, na visão de Binet, o julgamento era a
explicação para a inteligência (STERNBERG, 2000a).
Para Binet e Simon, o pensamento inteligente – julgamento mental –
compreende três elementos distintos (idem):
1. Direção: envolve saber o que tem que ser feito e como fazê-lo;
2. Adaptação: refere-se a habituar uma estratégia para realizar uma
tarefa e monitorizar a mesma durante sua aplicação;
3. Crítica: é a capacidade de criticar seus próprios pensamentos e
ações.
De acordo com as noções contemporâneas de inteligência, a direção e
a adaptação são bem coerentes e a crítica parece ser previdente, dada a atual
valorização dos processos metacognitivos como um aspecto-chave da inteligência
(ibidem). Binet esperava que seu teste fosse usado para melhorar a educação
das crianças, mas também temia que pudesse ser usado para rotular as crianças
e limitar suas oportunidades.
Lewis Terman (1877–1956), professor da Stanford University, fez uma
revisão no teste de Binet, adaptando alguns dos itens originais, acrescentando
outros; além disso, definiu novas normas de idade (as normas desenvolvidas para
as crianças francesas não funcionavam com as crianças americanas) e aumentou
a amplitude mais alta de adolescentes para “adultos superiores” (MYERS, 1999,
p.237). Essa revisão conserva até hoje o nome dado por Terman: Stanford–Binet.
133
Eis alguns exemplos de tipos de questões que podem aparecer num
teste de inteligência de Stanford–Binet, em cada uma das principais áreas de
conteúdos dos testes.
Quadro 4. Exemplos de questões do teste Stanford-Binet. Fonte: Sternberg (2000a).
Quadro 4. Exemplos de questões do teste Stanford-Binet.
Fonte: Sternberg (2000a).
Na época em que foi criado, o psicólogo alemão William Stern projetou,
para esses testes, o conhecido quociente de inteligência, ou QI, que é o resultado
da idade mental de um sujeito dividida por sua idade cronológica e multiplicada
por 100 para evitar o decimal. Assim, Stern poderia comparar crianças com
idades diferentes, ao contrário de Binet e Simon, que só comparavam crianças da
mesma idade.
134
Matematicamente, o QI pode ser representado pela seguinte
expressão:
idade mental
.
X 100
idade cronológica
QI =
Desta forma, uma criança com a mesma idade mental e cronológica
tem um QI de 100. Mas uma criança de 8 anos, que responde a perguntas como
uma típica criança de 12 anos, teria um QI de 150.
12
.
X 100
8
QI =
Essa fórmula funciona bem com crianças, mas não com adultos
(MYERS, 1999). Supondo que um sujeito médio de 20 anos saia-se tão bem
quanto uma pessoa de 40 anos, não se pode crer que o jovem tenha o dobro da
inteligência do mais velho ou que este tenha apenas metade da inteligência do
jovem.
Atualmente, os testes de inteligência baseiam-se em comparar o
sujeito testado em relação à média de idade de outros sujeitos também testados.
Huffman e cols (2003) dão o exemplo de um indivíduo testado comparando-o com
a média nacional de outros sujeitos com a mesma idade ou idades semelhantes.
O resultado é uma curva que apresenta desvios de QI. No caso, supondo que a
média dos QI seja 100 e cada desvio-padrão seja de 16 pontos, se a criança
pontuar um desvio padrão abaixo da média, ela teria um desvio de QI equivalente
a 84. Caso ela pontuasse, por exemplo, duas unidades de desvio padrão-acima
da média no Stanford-Binet, ela receberia um desvio de QI equivalente a 132.
Note-se que mais 68% das pessoas que se submetem aos testes estão dentro da
faixa da normalidade.
135
Gráfico 3. A distribuição de escores no teste de inteligência de Stanford-Binet.
Observe que mais de dois terços das pessoas que se submetem ao teste,
68,26%, têm um QI dentro da faixa de normalidade.
Fonte: Huffman e cols (2003).
Embora não se aplique mais qualquer quociente de inteligência, o
termo QI ainda perdura no vocabulário cotidiano como uma expressão abreviada
para pontuação no teste de inteligência.
Myers (1999, p.237) comenta que Terman partilhava com Galton da
crença que inteligência possa ser mensurada. Era simpático ao movimento
eugênico e lamentava a procriação de certos grupos étnicos. Acreditava que a
medição de inteligência, em última análise, “resultaria na diminuição da
reprodução dos débeis mentais e na eliminação de uma enorme quantidade de
crimes, indigência e ineficiência industrial”. Desenvolveu, para o governo dos
Estados Unidos, novos testes para avaliar um milhão e setecentos mil recrutas na
Primeira Guerra Mundial e emigrantes recém-chegados, em 1913. Esses estudos
concluíram que 83% dos judeus, 80% dos húngaros, 79% dos italianos e 87% dos
russos eram “débeis mentais”. O resultado foi que, em 1924, uma lei de imigração
reduziu para menos de um quinto as cotas de imigrantes do sul e leste da Europa
em relação aos imigrantes do norte e oeste da Europa.
136
O teste de inteligência mais usado, hoje, é chamado Escala Wechsler.
Foi criado pelo psicólogo David Wechsler que, aos seis anos, figurava entre
aqueles imigrantes do leste europeu tidos supostamente como débeis mentais
(MYERS, 1999). Consta de três testes separados.
1. Escala Wechsler de Inteligência para Pré-escola e Primário
(Wechsler Preschool and Primary Scale of Intelligence – WPPSI)
para idades de três a seis anos;
2. Escala Wechsler de Inteligência para Crianças – Terceira Edição
(Wechsler Intelligence Scale for Children – Third Edition – WISC-III),
para idades de cinco a quinze anos;
3. Escala de Inteligência para Adultos – Revisada (Adult Intelligence
Scale – Revised – WAIS–R), para adultos.
Huffman (2003) dá um exemplo real de WISC-III com seus dez
subtestes separados, agrupados em categorias verbais e de desempenho.
137
Quadro 5. Subtestes do WISC-III. Fonte: Huffman (2003).
Os subtestes verbais são semelhantes aos itens do Stanford-Binet, e
os itens de desempenho são planejados para medir a maioria das habilidades
não-verbais.
Enquanto o Stanford-Binet (acima de 6 ou 7 anos) enfoca as
habilidades verbais dos sujeitos testados, o Wechsler mede tanto as habilidades
verbais quanto as não verbais. Desse modo, o Wechsler tem maior importância
pelo fato de orientar o examinador quando a pessoa testada for mal, por exemplo,
nos subtestes verbais, e for bem nos subtestes de desempenho. Isso pode estar
indicando uma deficiência em leitura ou a falta dela que, nesse caso, deverá ser
exercitada (ATKINSON e cols, 2002).
Sternberg (2000a) dá um exemplo de teste para a Escala de
Inteligência para Adultos Wechsler.
138
Quadro 6. Exemplo de teste para a Escala de Inteligência para Adultos Wechsler.
Fonte: Sternberg (2000a).
As escalas Stanford-Binet e Wechsler são periodicamente
repadronizadas, a fim de manter a média perto de 100, pois o desempenho por
parte das pessoas vem melhorando ao longo dos anos, sugerindo que estão
139
ficando mais inteligentes. Myers (1999) cita, por exemplo, que se uma pessoa
tiver hoje escore médio de 100, há 70 anos teria ficado numa faixa de escore
médio de 76.
As escalas Stanford-Binet e Wechsler medem a capacidade individual;
assim, a sessão de medição é feita entre um testador experiente e seu testando
(ATKINSON e cols, 2002).
Por ser um procedimento muito caro, tem sido substituído nos Estados
Unidos pelos chamados Testes SAT (Scholastic Assessment Test) e o ACT
(American College Test), em que um grupo de estudantes, com lápis e papel,
respondem às questões feitas por um único examinador (idem). Em 1994, o teste
SAT sofreu uma modificação, valorizando habilidades mais sofisticadas de leitura,
escrita e matemática (ibidem). Existem, a partir de então, questões discursivas
nos testes SAT.
Gazzaniga e Heatherton (2005), referem-se ao QI como o infame
quociente de inteligência. Podem-se entender melhor seus sentimentos relendo
um trecho de Landers (1986):
Depois de testarem Larry e seis outras crianças afro-americanas,
as autoridades escolares da Califórnia matricularam-nos em
turmas especiais para alunos com retardo mental. Os pais e a San
Francisco Bay Área Black Psychology Association não ficaram
convencidos do julgamento dos psicólogos.
Desconfiaram de que os testes haviam sido preconceituosos.
Em 1979, o juiz Robert Peckham, da Justiça Federal, concordou
com essa opinião. Os testes de inteligência, decidiu ele, são
“preconceituosos em termos raciais e culturais, têm um impacto
discriminatório sobre as crianças negras, e não foram legalizados
com o propósito de jogá-las em becos sem saída educacionais,
isoladas, em turmas estigmatizadas” (Opton, 1979). Em 1986, o
juiz Peckham reiterou sua total proibição ao uso de testes de QI
na Califórnia “como parte de avaliações... classificando alunos
negros para uma educação especial”.
(LANDERS, apud MYERS,
1999, p.235)
140
2. Princípios de Construção de Testes de Inteligência
Há, atualmente, uma tradição, entre os educadores e psicólogos, em
usar os testes de inteligência, desde que esses testes satisfaçam a três critérios
(HUFFMAN e cols, 2003): padronização, fidedignidade e validade.
1. Padronização
Em primeiro lugar, deve-se aplicar o teste a milhares de pessoas e
classificá-las como estando dentro de uma média, acima dela ou abaixo dela. A
maioria dos testes encontrados em revistas populares não é padronizada e, por
conseguinte, não tem a precisão para determinar se um dado comportamento é
ou não normal (se está dentro da normalidade).
Em segundo lugar, os procedimentos também devem seguir
determinado padrão: as pessoas que se submetem aos testes devem ter as
mesmas explicações e questões idênticas. As regras devem ser as mais claras
possíveis e devem ser especificadas em um manual de procedimentos que,
inclusive, especifica os procedimentos de avaliação. Desta forma, quaisquer
diferenças nos escores dos respondentes serão atribuídas somente às diferenças
nas suas habilidades ou características do que está sendo avaliado.
2. Fidedignidade
Todo teste deve mostrar uma estabilidade ao longo do tempo. A
medida desta estabilidade é a fidedignidade. Essa fidedignidade é geralmente
141
baseada num teste-reteste em um momento posterior ou no método de dividir o
teste em duas partes.
O teste-reteste é aplicado totalmente a uma pessoa algum tempo após
a primeira aplicação. Se o teste for fidedigno, na retestagem os resultados obtidos
deverão ser semelhantes.
No método de dividir ao meio, em duas partes equivalentes, o
examinador aplica parte do teste em um determinado dia e a outra metade alguns
dias depois. Se as duas metades apresentam resultados semelhantes, o teste é
considerado fidedigno. Esse método permite ao examinador impedir que o sujeito
testado faça correção de seus erros num primeiro teste.
Um teste fidedigno, ou pelo menos relativamente fidedigno, deverá
mostrar os mesmos resultados para uma pessoa testada, num prazo de tempo
entre 45 dias, ou seja, se obtiver um resultado 90, o mesmo deverá ser obtido 30
dias depois.
3. Validade
Se o teste mede realmente o que ele se propõe a medir, diz-se que é
um teste válido. Há vários tipos de validade, mas a mais importante é a validade
de critério, que é a precisão com que os resultados de um teste podem predizer
outra variável de interesse. Essa correlação é chamada de coeficiente de
validade.
Se um teste não é válido, ele é inútil, mesmo que seja padronizado e
fidedigno. Se, por exemplo, for aplicado um teste de sensibilidade em alguém, é
fácil padronizá-lo (as instruções especificam os pontos exatos no corpo para
aplicar o agente do teste), assim como pode ser fidedigno (os resultados obtidos
142
num teste e num teste-reteste são semelhantes). Mas, certamente, ele não será
válido para predizer as notas que esse alguém terá na escola. Não há correlação
entre o resultado do teste e a predição das notas escolares. Portanto, não será
válido.
O teste Stanfor-Binet tem uma correlação de .70 a .82 (alta) com as
habilidades acadêmicas, assim como o teste Wechsler (HUFFMAN e cols, 2003).
Myers (1999) argumenta que os testes de aptidão geral, como os já
citados acima, têm um poder de previsão nas primeiras séries do ensino
fundamental (.60), mas enfraquece à medida que os alunos avançam de série,
sendo muito baixa em nível de pós-graduação (.30). Em outras palavras, a
validade dos testes em prever as habilidades acadêmicas – notas –decresce com
o nível acadêmico dos alunos.
Segundo os estudos de Humphreys e Davey, em 1988, (idem) com
crianças abaixo de 3 anos, os testes de inteligência predizem as aptidões futuras
dessas crianças apenas numa base mínima, exceto se essas crianças forem
extremamente prejudicadas ou muito precoces.
Aos 3 anos, no entanto, os testes de inteligência possibilitam predizer
seus escores na adolescência e vida adulta. Adolescentes que têm escores
elevados começaram a ler cedo. Van Tassel-Baska (1983) pesquisou os pais de
187 adolescentes das 7ª e 8ª séries que eram cobiçados por universidades, que
obtiveram pontuações superiores a de alunos que terminavam o ensino médio;
num teste de aptidão, mais da metade desses alunos precoces começaram a ler
aos 4 anos e 80% já liam aos 5 anos (MYERS, 1999).
Francis Galton, em 1827, escreveu uma carta para sua irmã (idem):
“Minha cara Adele, tenho 4 anos e posso ler qualquer livro em inglês. Posso dizer
143
todos os substantivos e adjetivos e verbos latinos, além de 52 versos de poesia
latina”. (apud MYERS, 1999, p.245)
Gazzaniga e Heatherton (2005) criticam a visão estreita daqueles que
definem inteligência em termos de QI, embora esse teste possa predizer, de
forma satisfatória, como alguém vai se desempenhar em uma escola. Inteligência
depende do “background” (sic) das pessoas em termos de cultura, educação e
classe sócio-econômica.
Segundo Myers (1999, p.237):
A inteligência é um dos conceitos controvertidos da psicologia.
Embora os psicólogos em geral concordem que a inteligência é
um conceito, não uma coisa concreta, eles debatem questões que
envolvem o assunto: devemos considerar a inteligência como
culturalmente definida ou livre da cultura? Como uma aptidão ou
como muitas? Como ligada a rapidez cognitiva? Como avaliável
em termos neurológicos?
Embora os psicólogos não concordem entre si com o significado de
inteligência, concordam plenamente que ela não é uma “coisa” real como a altura
e peso de uma pessoa. Myers (idem) comenta que tentaram reificar o QI quando
dizem, por exemplo, que o QI de uma pessoa é 130. Reificar (ou coisificar) é
inventar um conceito e depois convencer aos outros que tal coisa realmente
existe no mundo. Ter QI de 130 não significa algo que uma pessoa possui, mas
uma pontuação obtida por ela, certa vez, num teste específico.
O estudo mais famoso sobre os conceitos de especialistas sobre o
comportamento inteligente foi realizado em 1921, pelos editores do Journal of
Educacional Psychology, em um simpósio denominado “Inteligência e sua
Medição”. Quatorze especialistas deram suas opiniões sobre a natureza da
inteligência (STERNBERG, 1992, p.118).
144
1. E. L. Thorndike: a capacidade de dar respostas verdadeiras ou
factuais.
2. L. M. Terman: a capacidade para realizar o pensamento
abstrato.
3. S. S. Calvin: a capacidade para aprender a adaptar-se ao
ambiente.
4. R. Pintner: a capacidade para se adaptar a situações
relativamente novas na vida.
5. V.A.C. Henmon: a capacidade para conhecer e possuir
conhecimento.
6. J. Peterson: um mecanismo biológico pelo qual os efeitos de
uma complexidade de estímulos unem-se, influenciando no
comportamento do indivíduo.
7. L. L. Thurstone: a capacidade para inibir uma adaptação
instintiva, para redefini-la à luz de experiências de
ensaio e erro imaginariamente experimentadas, e
para transformar, essa adaptação instintiva modificada, em
um comportamento manifesto, beneficiando o indivíduo
como um animal social.
8. H. Woodrow: a capacidade para adquirir habilidades.
9. W. F. Dearborn: a capacidade para aprender ou beneficiar-se
da experiência.
Apesar das respostas variadas, dois temas eram comuns a várias
delas. A inteligência é: 1 – a capacidade de aprender com a experiência e 2 – a
capacidade de adaptar-se às mudanças do ambiente.
Sessenta e cinco anos após esse simpósio, 24 especialistas foram
convidados para darem sua opinião sobre a natureza da inteligência. Mais uma
vez, os especialistas ressaltaram o aprendizado com a experiência e a adaptação
ao ambiente. (STERNBERG, 2000b).
O pesquisador C. A. Dweck (1990, 1991), analisando como as crianças
definem inteligência, concluiu que elas dividem-se em dois grupos (STERNBERG,
2000b). No grupo 1, estão as que são adeptas da chamada teoria existencial, e
acreditam que a inteligência é uma entidade mais ou menos fixa e que cada
145
pessoa possui uma certa quantidade. Para essas crianças, ser inteligente é ser
esperto, dando respostas corretas às perguntas e tomando cuidado para não
errar. Este tipo de pensamento pode levar as crianças a deixarem de aprender
por temerem o erro, não assumindo assim tarefas desafiadoras. No grupo 2,
estão as crianças que adotam a teoria incremental e acreditam que, à medida que
a pessoa aprende, sua inteligência aumenta. Assim, as pessoas precisam
aprender o máximo que puderem e cometer erros faz parte do processo de
aprendizagem (idem).
Sternberg (1992) cita os estudos de S. R. Yussen e P. Kane (ainda no
prelo) referentes as crianças com 7 , 9 e 12 anos. As crianças mais velhas
caracterizavam cada vez mais a inteligência como uma qualidade que se
desenvolve, se internaliza e é mais especifica.
Atualmente, especialistas como Amos Tversky e Daniel Kahneman,
(1971, 1972, 1990, 1993, in STERNBERG, 2000a) dão ênfase à metacognição –
a compreensão e o controle que as pessoas têm de seus processos de raciocínio
envolvidos, por exemplo, na solução de problemas e na tomada de decisões;
outros como, Stephen Ceci e Daniel Wagner (STERNBERG, 2000a), enfatizam o
contexto cultural em que é analisada uma atitude inteligente.
3. As Abordagens da Inteligência
146
Nos estudos sobre inteligência, os diversos pesquisadores usam
diferentes abordagens, conforme suas preferências e opiniões. Serão citadas as
seguintes abordagens:
Analítico-fatorial.
Em função do processamento da informação.
Fisiológicas: as bases biológicas da inteligência.
Contextual da inteligência.
Em função das concepções integrativas da inteligência.
¾ A Abordagem Analítico-Fatorial
Uma abordagem da inteligência é compreendê-la em função da
análise fatorial, uma técnica estatística que procura identificar as
fontes latentes das diferenças individuais no desempenho nos
testes. Alguns dos principais modelos analítico-fatoriais da mente
são o modelo do fator g, de Spearman, o modelo das capacidades
mentais primárias, de Thurstone, o modelo da estrutura-do-
intelecto (SOI, de structure-of-intelect), de Guilford, e os modelos
hierárquicos de Cattell e de Carroll, entre outros. (STERNBERG,
2000a, p.427)
Modelo do Fator g de Spearman
Charles Spearman (1863-1945) admitia que as pessoas possuem
habilidades que as destacam. Mas notou que aquelas que têm alta pontuação
num fator, como inteligência verbal, marcam mais que a média em outros fatores,
como habilidade espacial e de raciocínio. Acreditava que existia algo que subjazia
a todo comportamento inteligente. Esse aspecto, ele denominou de fator g
(MYERS, 1999).
147
Lubinski e Dawais (1992) (in HUFFMAN e cols, 2003), comentam que
testes padronizados começaram a ser aplicados nas forças armadas, escolas e
mercado de trabalho para medir a chamada inteligência geral.
Sternberg (2000b) não concorda com a idéia do fator geral de
inteligência. Argumenta que os testes podem avaliar muitas coisas diferentes e
sugere, como exemplo, que em subtestes de vocabulário, semelhanças verbais,
problemas de aritmética, conclusão de imagens etc, é exigida uma variedade de
habilidades, como ler as instruções, compreendê-las, respondê-las por escrito,
trabalhar com rapidez e outras. Cita ainda o psicólogo britânico Godfrey Thomson,
que acredita que g nada mais é que o elo entre várias habilidades subjacentes à
inteligência.
Myers (1999, p.239) faz uma comparação elucidativa entre habilidades
mentais e habilidades físicas. “O atletismo não é uma coisa, mas muitas”. A
habilidade de correr depressa é distinta de força bruta, que é diferente da
patinação no gelo. Acontece que, às vezes, uma habilidade correlaciona-se com
outra, como correr muito e arremessar certeiramente uma bola em uma cesta.
Nesse caso, haveria uma habilidade desportiva geral. Myers aceita, então, no
máximo um pequeno fator de inteligência geral.
O Modelo das Capacidades Mentais Primárias, de Thurstone
Louis Thurstone (1887-1955) concebia a inteligência não apenas como
um único fator, mas com sete, que ele identificou como as capacidades mentais
primárias (1938). Sternberg (2000a) informa-nos quais são elas:
148
o Compreensão verbal – medida por meio de testes de
vocabulário.
o Fluência verbal – medida por testes de tempo limitado que
exigem que o tomador do teste pense em tantas palavras
quantas possíveis que comecem com uma dada letra.
o Raciocínio indutivo – medido por testes como tarefas de
completar analogias e séries numéricas.
o Visualização espacial – medida por testes que exigem
rotação mental de figuras de objetos.
o Número – medido por testes de cálculos e por resolução
de problemas matemáticos simples.
o Memória – medida por testes de evocação de palavras e
imagens.
o Rapidez perceptiva – medida por testes que exigem que o
tomador do teste reconheça pequenas diferenças ou
risque-as em fileiras variadas.
Sternberg (2000b) critica a trivialidade de decorar palavras e a pouca
profundidade no fator rapidez.
O Modelo da Estrutura-do-Intelecto de Guildford
J. P. Guildford (1967,1982) inclui até 150 fatores (STERNBERG, 1992).
149
Segundo esse autor, cada tarefa mental compreende três componentes
e cada um destes com suas espécies ou tipos:
o Componente operação: cognição, memória, produção
convergente, produção divergente e avaliação.
o Componente conteúdo: visual, auditivo, simbólico, semântico,
e comportamental.
o Componente produto: unidades, classes, relacionamentos,
sistemas, transformações e implicações. Como as subdivisões
são independentes, são multiplicações (5X5X6) resulta em
150 diferentes capacidades mentais.
Figura 24. O teórico cúbico Guildford supunha a
estrutura do intelecto como sendo a de um cubo, formada
por 150 cubos menores.
Fonte: Sternberg (2000a).
150
Modelo Hierárquico de Cattel
Raymond Cattell (1971) propôs que a inteligência pode ser composta
por dois fatores: (GAZZANIGA e HEATHERTON, 2005)
o Inteligência fluida: a capacidade de compreender
relações entre novos problemas, isto é, ausência de
experiência prática com eles.
o Inteligência cristalizada: refere-se ao conhecimento já
adquirido pela experiência.
A vantagem deste modelo é avaliar a inteligência independentemente
do contexto ou da cultura (idem).
Modelo Hierárquico de Carrol
Jack Carrol (1993) propôs um modelo hierárquico baseado em seus
estudos entre 1927 e 1987. Analisou mais de 130.000 pessoas de diversas
posições sociais e de diversos países. Obteve mais de 460 conjuntos de dados.
(STERNBERG, 2000a). Sua hierarquia compreende três extratos:
o Extrato I: inclui muitas capacidades específicas
(ex.:soletração, rapidez de raciocínio).
o Extrato II: abrange várias capacidades gerais: inteligência
fluida, inteligência cristalizada, a memória, a percepção
visual, a percepção auditiva, a rapidez de respostas,
tanto triviais como acuradas.
151
o Extrato III: uma inteligência geral separada, muito
semelhante ao fator geral de Spearman. Este modelo
pode ser representado pela figura abaixo.
Figura 25. Modelo hierárquico de Carrol.
Fonte: Sternberg (2000a).
¾ Abordagem em Função do Processamento da Informação
Uma abordagem alternativa da inteligência é compreendê-la em função
do processamento da informação. Os teóricos do processamento da informação
procuraram compreender a inteligência em função de constructos como o tempo
de inspeção, o tempo de reação para a escolha, a velocidade de acesso léxico, a
capacidade para dividir a atenção com sucesso, os componentes do raciocínio e
da resolução de problemas e a resolução de problemas complexos que podem
ser simulados por computadores.
Segundo Sternberg (1992, p.26):
As teorias de processamento de informação ou teorias cognitivas
da inteligência tentam compreender a inteligência humana em
termos dos processos mentais que contribuem para o
desempenho de tarefas cognitivas. Uma diferença fundamental
entre elas é o nível enfatizado do funcionamento cognitivo ao
tentarem explicar a inteligência.
152
Nettelbeck: Tempo de inspeção
Ted Nettelbeck e cols (1987, 1976, 1992) realizaram testes
relacionando estímulos visuais, rapidez e armazenamento na memória de curto
prazo, como um indicador de inteligência (STERNBERG, 2000a).
Numa tela de computador colocaram uma figura composta por duas
linhas verticais paralelas de comprimentos diferentes que são alinhadas no topo
por uma barra horizontal. Esta figura é denominada estímulo-alvo e irá aparecer
perto de um ponto que o examinador muda de posição na tela do computador. A
linha menor pode aparecer do lado direito ou esquerdo do ponto indicador. Após
uma rápida apresentação, surge a máscara visual que são duas linhas paralelas
mais largas e mais longas do que as duas linhas do estímulo-alvo. O testado
deverá apertar um botão esquerdo ou direito de um teclado conectado ao
computador.
Figura 26. Exemplo de teste Nettelbeck.
Fonte: Sternberg (2000a).
A variável-chave é a duração de tempo em que aparece o estímulo-
alvo, não a rapidez de pressionar-se o botão. A duração de tempo para a
153
apresentação do estímulo-alvo, após o qual o respondente ainda tem acerto de
90%, Nettelbeck denominou de tempo de inspeção. Descobriu que tempos de
inspeção mais curtos relacionam-se com escores altos em testes de inteligência,
como por exemplo, no Wais, entre diferentes populações de sujeitos.
Jensen: Tempo de Reação de Escolha
Figura 27. Aparato de Jensen para medir o tempo
de reação para a escolha, Jensen usava um aparato
como o aqui apresentado.
Fonte: Sternberg (2000a).
Arthur Jensen (1979) propôs que a inteligência pode ser compreendida
em termos da velocidade neuronal. Colocavam um sujeito defronte a um aparato
contendo diversas luzes e um botão sob cada uma delas. Com o dedo no botão
de segurança, o respondente deveria apertar o botão sob a luz que acendia, tão
rapidamente quanto pudesse. O tempo decorrido desde que a luz se acende até o
momento em que o sujeito tira o dedo do botão-segurança denominou de “tempo
de reação”. Sujeitos com QI mais altos têm o tempo de reação menor, isto é, são
mais rápidos. O tempo gasto desde que o indivíduo tira o dedo do botão-
154
segurança e aperta o botão sob a luz, Jensen denominou de “tempo de
movimento”; alguns estudos mostraram que quanto menor este tempo, maior era
o QI dos respondentes. Foi sugerido, recentemente por Bors, MacLeod e Forrin
(1993) (in STERNBERG, 2000a), que o tempo da reação pode ser influenciado
pela eficiência de perscrutação visual das pessoas e por sua maior atenção.
Hunt: Velocidade de Acesso Léxico e velocidade de Processamento
Simultâneo
Earl Hunt (1983) descobriu que as pontuações de inteligência verbal
são previsíveis pela rapidez com que as pessoas recuperam informações da
memória de longo prazo.
Em seus testes aparecem palavras ortograficamente semelhantes
SINK e WINK ou letras com os mesmos nomes como exemplo, A e a (MYERS,
1999).
Aqueles que prontamente reconhecem que as palavras são diferentes
ou que o par de letras tem o mesmo nome, têm capacidade verbal mais alta.
Estudantes com baixa capacidade verbal levam mais tempo para obterem o
acesso à informação léxica (STERNBERG, 2000a).
Earl Hunt e Mary Lansman (1982) observaram que os estudantes que
têm a capacidade de dividir sua atenção, como exemplo, resolver um problema de
matemática e apertar um botão ao ouvir um som, são mais inteligentes (idem).
155
Sternberg: A Teoria Componencial e as Tarefas Complexas
Robert J. Sternberg (1984, 1977) usou abordagens exclusivamente
cognitivas para estudar o processamento de informações em tarefas mais
complexas, tais como: analogia, problemas seriados e silogismos (STERNBERG,
2000a). Sua idéia era usar os testes tradicionais de inteligência e isolar os
componentes da inteligência – os processos e as estratégias mentais usados na
realização dessas tarefas, “tais como traduzir um input sensorial em uma
representação mental, transformar uma representação conceitual em outra ou
traduzir uma representação conceitual num output motor” (idem, p.409). Tarefas
de analogia e similares parecem seguir diversos processos componentes como
mostra a figura 28:
Figura 28. Análise componencial de um problema analógico.
Na resolução de um problema analógico, o solucionador do problema deve, primeiramente,
codificar o problema: A está para B assim como C está para D. O solucionador do problema
deve, então, inferir a relação entre A e B. A seguir, deve mapear a relação entre A e B para a
relação entre C e cada uma das soluções possíveis para a analogia. Finalmente, o
solucionador do problema deve aplicar a relação para selecionar qual das soluções possíveis
é a solução correta para o mesmo. Fonte: Sternberg (2000a)
Considerando a analogia: ADVOGADO: CLIENTE:: MÉDICO: (a.
PACIENTE b. MEDICINA), ou seja, o advogado está para o cliente assim como
o médico está para o paciente. Para Sternberg, a solução desta analogia segue
os seguintes passos:
156
o Codificar cada termo do problema, recorrendo à sua
memória de longo prazo.
o Inferir a relação entre advogado e cliente (que o primeiro
fornece serviços profissionais ao segundo).
o Mapear a relação na primeira metade da analogia para a
segunda metade da mesma, observando que esta ultima
envolverá a mesma relação.
o Aplicar a relação inferida à parte final da analogia
levando a resposta apropriada (PACIENTE).
Segundo Sternberg (2000a), o estudo desses componentes do
processamento da informação revela mais do que apenas a velocidade.
Descobriu que os sujeitos tidos como inteligentes em testes convencionais, levam
mais tempo durante o planejamento global – codificando o problema e formulando
uma estratégia geral para solucionar o problema – mas levam menos tempo para
o planejamento local formando e implementando estratégias para os detalhes de
tarefa.
As pessoas mais brilhantes podem levar mais tempo para fazer
algo do que as menos brilhantes levariam, quando for vantajoso
levar mais tempo. Por exemplo, a pessoa mais brilhante pode
despender um tempo pesquisando e planejando para escrever um
trabalho de conclusão, mas menos tempo na sua redação
propriamente dita. (STERNBERG, 2000a, p.410)
Esses diferenciais na alocação do tempo também foram mostrados em
outras tarefas como, por exemplo, na resolução de problemas de física, como
observaram Larbin, Mc Dermott, Simon e Simon (1980) e Sternberg (1979, 1985)
(idem).
157
Resolução de Problemas Complexos
Herbert Simon (1976) dedicou-se ao estudo do processo de informação
inteligente de pessoas envolvidas na resolução de problemas complexos, tais
como problemas de xadrez. Juntamente com Allen Newell (1972) criou
simulações computadorizadas que deveriam resolver problemas complexos,
envolvendo derivações lógicas. A idéia era compreender a inteligência por meio
da resolução de problemas altamente complexos, cujos tempos de resolução
eram da ordem de minutos e não de segundos. Simon estava particularmente
interessado nos limites impostos pela memória de trabalho e em como as
pessoas inteligentes organizam e seqüenciam os processos mentais que usam ao
solucionar problemas. Assim, exatamente como os programas computadorizados
mais artificialmente inteligentes podem ser planejados para executar vários
procedimentos com mais eficiência, os humanos mais inteligentes seriam capazes
de coordenar sua manipulação dos procedimentos mentais mais eficientes
(STERNBERG, 2000a).
Simon e Newell, juntamente com outros associados, conseguiram criar
um programa de computador que simula a mente humana em relação à memória
de trabalho e à memória de longo prazo. Conseguiriam desenvolver uma máquina
com uma memória formidavelmente grande e com um programa de alto nível, isto
é, com processos de resolução de problemas com muita similaridade ao
pensamento humano. Dos 52 primeiros teoremas do capítulo 2 do Princípia
Mathematica de Bertrand Russell e Alfred North Whitehead, o Logic Theorist
(programa de computador) conseguiu provar 38 deles (GARDNER, 1995). Metade
das provas foi realizada em menos de um minuto cada; a maioria dos restantes
158
levou de 1 a 5 minutos; alguns levaram de 15 a 45 minutos. Havia uma forte
relação entre o número de itens de expressão lógica e a duração das provas
(idem). Uma das provas de um dos teoremas era mais elegante do que a tentativa
de Russell e Whitehead de cinqüenta anos atrás. Quando Simon que conhecia
Russell e comunicou a ele a respeito dessa “elegância”, Russell ficou encantado
com a tirada irônica (ibidem, p.162).
¾ Abordagem Fisiológica: as Bases Biológicas da Inteligência
Uma terceira abordagem é a do modelo biológico, que usa meios
progressivamente sofisticados para visualizar o cérebro quando ele está
empenhado em comportamentos inteligentes. Resultados preliminares sugerem
que a velocidade de condução neural pode desempenhar um papel na
inteligência. Especialmente intrigantes são os resultados sugerindo que a
eficiência e a especialização neural das funções cerebrais podem ser influentes
no processamento cognitivo da inteligência.
O tamanho do cérebro parece não ser fator na determinação da
inteligência. Alguns mamíferos, como os golfinhos e as baleias, têm cérebros
maiores que os seres humanos. Mas se tomarmos como parâmetro o tamanho do
corpo, os cérebros humanos serão maiores que desses mamíferos. Mesmo
assim, a afirmação não é consistente, pois o cérebro dos homens é maior que o
das mulheres e essas são tão inteligentes quanto os homens. (HUFFMAN e cols,
2003).
159
Não há quem duvide, hoje em dia, que o cérebro é o órgão responsável
pelo desempenho cognitivo. Daí vem o conceito de eficiência cerebral – a relação
entre a velocidade cognitiva e a inteligência (idem).
Richard Haier (1992), da Universidade da Califórnia, e colaboradores,
realizaram estudos com pessoas ativas cognitivamente e tomadas de tomografia
com emissão de pósitrons (TEP). Esse processo mede a quantidade de atividade
cerebral pelo registro da quantidade de glicose radioativa usada em diferentes
partes do cérebro. Haier e seus colaboradores descobriram que áreas de cérebro
envolvidas na solução de problemas mostram menos atividade em pessoas com
inteligência elevada do que naquelas com baixa inteligência para as mesmas
tarefas de solução de problemas (HUFFMAN e cols, 2003).
Além disso, descobriram também que a eficiência cerebral aumenta
com a aprendizagem de uma tarefa complexa, que envolva manipulações
visuoespaciais (como jogos em computadores). Como resultados da prática, as
pessoas mais inteligentes mostram o metabolismo da glicose não apenas em
geral mais baixo, mas também especificamente localizado. As mais sabidas usam
menos glicose na maioria de suas áreas cerebrais, mas em áreas selecionadas
como, por exemplo, em tarefas manuais, o consumo de glicose é maior
(STERNBERG, 2000a).
Assim, as pessoas inteligentes parecem ter aprendido a usar seus
cérebros mais eficientemente, gastando menos glicose.
Uma outra possibilidade é denominada poda neuronal. Segundo
Huttenlocher (HUFFMAN e cols, 2003), o número de sinapses no cérebro
aumenta até os 5 anos de idade e, então, começa a diminuir significativamente
até os primeiros anos da adolescência. Alguns pesquisadores acreditam que a
160
poda neuronal é necessária funcionalmente para o desenvolvimento normal do
cérebro. Falhas nesse processo resultam em muitas conexões redundantes que
organizariam o cérebro de forma anormal, podendo haver retardo mental.
Chagani, Phelps e Mazziota, em 1987 (idem) confirmaram a poda
neuronal por meio da tomografia por emissão de pósitrons (TEP). Pode-se inferir
que se a poda é necessária para um funcionamento normal do cérebro, uma
super-poda (acima do normal) poderia produzir um desenvolvimento intelectual
acima da média.
Haier, 1993 (ibidem) sugere que certas pessoas, mesmo as minus-
dotadas, que apresentam determinadas habilidades, não outras, podem ter sido
expostas a uma super-poda restrita a uma determinada área cerebral.
Não se sabe qual o mecanismo responsável pela super-poda.
¾ Abordagem Contextual da Inteligência
Uma quarta abordagem para compreender-se a inteligência (baseada
num modelo antropológico) é a abordagem contextual, segundo a qual a
inteligência é considerada como inteira ou parcialmente determinada pelos
valores culturais. Os teóricos contextuais diferem na medida em que acreditam
que a sua significação difere de uma cultura para outra. O que é considerado
como um comportamento inteligente é, em alguma extensão, culturalmente
relativo: o mesmo comportamento que é considerado inteligente em uma cultura
pode ser ininteligente em outra. É difícil – talvez impossível – criar um teste de
inteligência que seja livre da cultura – isto é, igualmente satisfatório para
161
membros de diferentes culturas –, pois os membros de diferentes culturas têm
diferentes concepções sobre o que constitui um comportamento inteligente.
Os adeptos dessa abordagem acreditam que a inteligência não é
apenas produto da hereditariedade, mas é também fruto da cultura de suas
origens, desde familiar até social.
Seymour Sarason e Jonh Doris, 1979 (STERNBERG, 2000a)
forneceram um estudo que estabelece uma relação mais próxima entre
inteligência e cultura. Rastrearam os QI de uma população de emigrantes
italianos no século XX. A primeira geração de crianças desses imigrantes mostrou
um QI médio de 87 (médio-inferior; variação 76-100). As atuais gerações mostram
um QI levemente acima do normal. Mesmo os partidários da hereditariedade, não
atribuem a ela esse acréscimo de QI em tão poucas gerações.
A cultura, portanto, tem sua influência na formação da inteligência. A
dificuldade está em formular testes para medi-la, pois o que é inteligente em uma
cultura, pode ser estúpido para outra. Um exemplo pode ser os membros da tribo
Kpelle, na África (citado na p. 31).
Mas existem pesquisadores que, com muita criatividade e esforço,
planejam testes relevantes às culturas. Um desses pesquisadores é Daniel
Wagner, 1978 (STERNBERG, 2000a) que descobriu que um teste de memória
dependia do conteúdo a ser evocado. Os comerciantes marroquinos de tapetes,
por exemplo, não tinham dificuldade em evocar os padrões visuais complexos de
tapetes orientais em fotos preto-e-branco. Os ocidentais já tinham dificuldade na
evocação de tais reconhecimentos. Wagner sugeriu que talvez as pessoas usem
de metamemória (reflexão sobre os próprios processos de memória,
particularmente com uma perspectiva para melhorar a memória, tal como na
162
transferência de nova informação para a memória de longo prazo, pela sua
repetição) que pode variar de cultura para cultura. Os ocidentais talvez tivessem
dificuldade de relembrar as fotos dos tapetes, não por falha na formação da
memória, mas, sim, por falta de hábito em reconhecer tapetes.
Sternberg (2000a) cita outros pesquisadores que descobriram os
efeitos contextuais no desempenho de crianças e adultos em várias tarefas.
Stephen Ceci (1994), sugere que existem três contextos que podem influenciar as
pessoas na resolução de uma tarefa: 1. contexto social – em que uma tarefa, por
exemplo, é considerada masculina ou feminina. Garotos de 14 anos
desempenhavam-se mal em uma tarefa, quando era expressa como uma tarefa
de assar bolinhos, mas a realizam bem quando era estruturada como uma tarefa
de carregar baterias; 2. contexto mental – uma tarefa visuoespacial envolve, por
exemplo, comprar uma casa ou assaltá-la. Schliemann e Magalhães (1990)
verificaram que empregadas domésticas brasileiras não tinham dificuldade com o
raciocínio relacionado com proporções, quando hipoteticamente compravam
alimentos, mas tinham grande dificuldade em raciocinar se a tarefa hipotética era
comprar ervas medicinais; 3. contexto físico – a tarefa, por exemplo, é feita na
praia ou no laboratório. Carraher, Carraher e Schliemann (1985) verificaram que
crianças brasileiras, que trabalhavam como vendedoras ambulantes, não tinham
dificuldade em fazer trocos. Mas em sala de aula tinham dificuldade em realizar
cálculos aritméticos semelhantes.
¾ Abordagem em Função das Concepções Integrativas da Inteligência
163
Uma quinta abordagem para compreender-se a inteligência está
baseada num modelo de sistemas. A teoria de inteligências múltiplas, de Gardner
(1994), especifica que a inteligência não é um constructo unitário, mas, mais
exatamente, que há inteligências múltiplas, cada uma relativamente independente
das outras. A teoria triárquica da inteligência humana, de Sternberg (1985a;
1988c), concebe a inteligência em função dos componentes do processamento da
informação, os quais são aplicados à experiência para satisfazer às funções de
adaptação ao ambiente, de moldagem do ambiente e de seleção de novos
ambientes.
Gardner: As múltiplas Inteligências
Gardner (1994) postula que, na verdade, não temos apenas uma
inteligência, mas várias. Teoria arrojada e polêmica foi abraçada por muitas
escolas em várias partes do mundo, desde então. O grande mérito dessa teoria
foi, na opinião de muitos, o de pelo menos, diminuir a valorização do sujeito
apenas por ele possuir um QI normal ou acima do normal; em outras palavras,
esse tipo de teste mede, até certo ponto, a tranqüilidade com que um sujeito pode
encarar sua vida acadêmica e até conseguir empregabilidade. Mas, é só; ele não
traz qualidade de vida para ninguém.
Gardner também critica escolas visitadas por ele que dizem estar
“trabalhando com inteligências múltiplas”. Nas palavras de Mindy Kornhaber,
estudiosa das múltiplas inteligências e colega de Gardner: “Falar em inteligências
164
múltiplas é uma maneira de dizer que você está fazendo uma coisa nova, para
não precisar realmente fazer nada de novo”. (GARDNER, 1999, p.174-175).
Gardner (2000, p.47) define inteligência como “um potencial
biopsicológico para processar informações que pode ser ativado num cenário
cultural para solucionar problemas ou criar produtos que sejam valorizados numa
cultura”.
Gardner (2000) baseou-se em diversos critérios para desenvolver sua
teoria. Esses critérios podem ser agrupados em termos de suas raízes
disciplinares.
1. Critérios Oriundos das Ciências Biológicas.
o O potencial de isolamento de uma lesão.
Há lesões cerebrais que destroem apenas um tipo de
inteligência, poupando outras. É o caso, por exemplo, de
lesão cerebral em centros de fala.
o Uma história evolutiva e plausibilidade evolutiva.
Para Gardner, cada uma das inteligências por ele
classificada está inserida na evolução dos seres
humanos. Os hominídeos deveriam ter uma grande
capacidade espacial para orientarem-se em diversos
terrenos, pintarem seus conhecimentos nas paredes das
cavernas etc. A sugestão é que parece haver uma
“pressão” adaptativa e assim evolução. Existe hoje uma
“pressão” adaptativa ao computador, que certamente
ampliará algum ou alguns tipos de inteligência.
165
2. Critérios oriundos da Análise lógica.
o Uma operação ou conjunto de operações centrais
identificável.
A análise sugere, por exemplo, que a inteligência
lingüística inclui operações envolvendo o léxico, a sintaxe
e a semântica.
o Susceptibilidade à codificação num sistema de símbolos.
Como exemplo, temos as diferentes línguas, diferentes
linguagens gráficas usadas por arquitetos, desenhistas
etc.
3. Critérios advindos da Psicologia do Desenvolvimento.
o Uma história do desenvolvimento distinta, juntamente com
um conjunto definível de desempenhos “acabados”.
Todas as pessoas que conseguem ser notadas por um
tipo de inteligência, provavelmente não nasceram com
ela, mas desenvolveram-na ao longo do tempo e, além
disso, seguiram caminhos distintos, pois para ser músico
é necessário exercitar-se diferentemente de um
matemático, de um orador ou de um médico.
o A existência de sábios idiotas (savants), prodígios e
outras pessoas excepcionais.
Os savants são aqueles que apresentam uma capacidade
espantosa de uma inteligência ou parte dela, mas
são deficientes nas outras inteligências.
166
Sacks (1995, p.209), relata um desses casos: (Ver anexo O, Figura 30)
Quando Chris Marris, um jovem professor, veio para Queen-smill
em 1982, ficou pasmo com os desenhos de Stephen. Vinha dando
aulas para crianças deficientes havia nove anos, mas nada do que
tinha visto o preparara para Stephen. “Fiquei assombrado com
este menininho, que sentava no seu próprio canto da sala e ficava
desenhando”, ele me disse. “Stephen costumava desenhar e
desenhar e desenhar e desenhar – a escola o chamava de ‘o
desenhista’. E eram quase desenhos de adultos, como a catedral
de St. Paul, a Tower Bridge e outras atrações de Londres,
tremendamente detalhadas, enquanto outras crianças da sua
idade desenhavam apenas figuras desenxabidas. Foi a
sofisticação de seus desenhos, seu domínio da linha e da
perspectiva que me espantaram – e tudo isso já estava lá quando
ele tinha sete anos.
4. Critérios oriundos da pesquisa em psicologia tradicional.
o Apoio de tarefas psicológicas experimentais.
Uma inteligência pode interferir com outra como, por
exemplo, a dificuldade de conversar enquanto se
resolve um problema de matemática. Neste caso, duas
inteligências estão competindo. Por outro lado, as
pessoas não têm dificuldade de caminhar,
conversando. Isto faz os cientistas pensarem que
essas atividades usam capacidades mentais e
cerebrais diferentes.
o Apoio de descobertas psicométricas.
Apesar de Gardner ter um justo preconceito em relação
à psicometria, esta comprova sua teoria, revelando a
fraca correlação entre as inteligências espaciais e
lingüísticas ou a independência das inteligências intra e
interpessoais em relação aos testes de inteligência
tradicionais.
167
Gardner (2000) comenta que houve críticas quanto aos critérios
usados, talvez por tê-los tirado de “modo forçado”
7
de várias disciplinas, ficando,
assim, fora das áreas de especialização desses críticos. Mas comenta, também,
que se fosse definir hoje os critérios a serem usados, daria muito mais ênfase à
relevância das provas transculturais.
Gardner (2005, p.50-51) já admite uma outra inteligência que ele
denominou de existencial que se refere ao pensamento de quem somos, para
onde vamos, qual o sentido desta vida e reflexões afins.
Sua principal hesitação em afirmar que existe uma nova
inteligência é que ainda não temos evidências convincentes de
que o pensamento existencial ocorre em centros neurais ou
cerebrais dedicados a ele... Lembrando um clássico de Fellini,
faço uma alusão a 8 1/2 inteligências.
Um quadro nomeando, definindo e localizando no cérebro as
inteligências de Gardner, pode ser visto abaixo, adaptado de Armstrong (2001).
7
Grifo do autor dessa dissertação.
168
Quadro 7. Definições e localizações das inteligências de Gardner. Fonte: Armstrong (2001).
Inteligência Definição Sistemas Neurológicos
(Área de base)
Lingüística
Capacidade de usar as palavras de forma efetiva,
por meio da escrita (manipulação da sintaxe e da
semântica) ou oralmente (retórica, mnemônica,
explicação e metalinguagem).
Lobos frontal e temporal
esquerdo (por exemplo,
áreas de Broca, de
Wernicke).
Lógico-
Matemática
Capacidade de usar números e raciocinar
utilizando padrões de relacionamentos lógicos,
afirmações e proposições (se-então, causa-efeito),
funções e outras abstrações relacionadas.
Lobo parietal esquerdo,
hemisfério direito.
Espacial
Capacidade de perceber com precisão o mundo
visuo-espacial e de realizar transformações sobre
essas percepções. Inclui a capacidade de
visualizar, representar graficamente idéias visuais
e espaciais e de orientar-se apropriadamente
dentro de uma matriz espacial.
Regiões posteriores do
hemisfério direito.
Corporal-
Cinestésica
Perícia no uso do corpo todo para expressar idéias
e sentimentos e facilidade no uso das mãos para
produzir ou transformar coisas. Inclui as
habilidades físicas específicas de coordenação,
destreza, força, flexibilidade e velocidade, assim
como capacidades proprioceptivas, táteis e
hápticas.
Cerebelo, gânglios basais,
córtex motor.
Musical
Capacidade de perceber, discriminar, transformar
e expressar formas musicais.
Lobo temporal direito.
Interpessoal
Capacidade de perceber e fazer distinções no
humor, intenções, motivações e sentimentos das
outras pessoas, bem com a capacidade de
responder efetivamente a estes sinais de maneira
pragmática.
Lobos frontais, lobo
temporal (especialmente o
hemisfério direito), sistema
límbico.
Intrapessoal
Autoconhecimento e a capacidade de agir
adaptativamente com base nesse conhecimento.
Inclui uma imagem precisa de si mesmo (das
próprias forças e limitações), consciência dos
estados de humor, intenções, motivações,
temperamento e desejos; e a capacidade de
autodisciplina, auto-entendimento e auto-estima.
Lobos frontais, lobos
parietais e sistema
límbico.
Naturalista
Perícia no reconhecimento e classificação das
numerosas espécies a fauna e a flora - do meio
ambiente do indivíduo.
Áreas do lobo parietal
esquerdo são importantes
para distinguir entre seres
vivos e inanimados.
Gardner (2005, p.41) defende a idéia que cada inteligência representa
uma forma distinta de representação mental.
Informalmente podemos pensar em cada pessoa – ou em sua
mente/cérebro – como um conjunto de computadores. Quando o
computador recebe informações em um formato apropriado, ele
169
faz seu trabalho e esse trabalho é pôr em ação uma inteligência
especifica.
Depreende-se, então, que uma mudança mental envolve uma mudança
de representação mental, pois:
A maioria das representações mentais não nos é dada no
nascimento nem fica congelada no momento que nos é dada…
são construídas ao longo do tempo… e podem ser reformadas,
reformuladas, reconstruídas, transformadas, combinadas,
alteradas e destruídas. (GARDNER, 2005, p.41)
Essas representações mentais são importantíssimas no caso de duas
inteligências, consideradas por Gardner como as inteligência intra e interpessoal.
Como já apresentada no quadro 7, a inteligência intrapessoal diz respeito ao
conhecimento de si próprio e a inteligência interpessoal diz respeito ao
relacionamento com terceiros. Daniel Goleman (1996) escreveu o livro
Inteligência Emocional em que descreve uma série de qualidades que têm a ver
com conhecimentos de emoções, sensibilidade para os estados emocionais
próprios e de terceiros e controle das emoções.
Gardner (2000, p.89) assim se expressa em relação a Goleman:
Esta caracterização encaixa-se perfeitamente com minha noção
de inteligência emocional como se isso acarretasse um conjunto
de comportamentos recomendados –
empatia, consideração ou
esforço para que uma família ou comunidade funcione melhor –
ele abandona o âmbito da inteligência, num sentido estritamente
acadêmico e entra nas esferas distintas dos valores e da política
social.
A diferença entre ambos é, pois, acadêmica. Em outras palavras,
Gardner não acredita que ser emocionalmente inteligente seja usar essas
habilidades para fins socialmente desejáveis (idem).
O termo inteligência emocional foi empregado pela primeira vez por
Peter Salovey e Jonh Mayer e assim definido:
A inteligência emocional envolve a capacidade de perceber
acuradamente, de avaliar e de expressar emoções; a capacidade
170
de perceber e/ou gerar sentimentos quando eles facilitam o
pensamento; a capacidade de controlar emoções para promover
crescimento emocional e intelectual. (SALOVEY e SLUYTER,
1999, p.23)
Embora a definição possa transmitir que inteligência emocional envolva
apenas o sujeito em questão, os autores do termo acrescentam (
SALOVEY e
SLUYTER, 1999, p.38
): “Como temos argumentado, usar as emoções como base
para o pensamento e pensar com as próprias emoções pode estar relacionado
com competências sociais e no comportamento adequado importante”. Percebe-
se que Salovey e Mayer já pensaram em inteligência emocional tendo finalidades
sociais.
Carolyn Saarni (in BAR-ON e PARKER, 2002) prefere usar o termo
competência emocional, que envolve a noção da pessoa saber administrar suas
emoções de forma eficaz, a qual é crítica para seu crescimento nas interações
interpessoais, assim como uma resilência adaptativa de situações estressantes
futuras.
Anastasiou e Alves (2004) citam Luiz Carlos Osório (2003) que define
inteligência relacional composta da inteligência intrapessoal (autoreconhecimento
emocional, controle emocional e automotivação) e a inteligência interpessoal
(reconhecer emoções em outras pessoas e saber relacionar-se com elas).
Anastasiou e Alves (idem, p.76) aconselham os professores
universitários a ensinarem seus alunos a trabalharem em grupo, pois neste caso é
preciso que cada membro respeite não só as idiossincrasias de outros, mas
também suas emoções. Afirma também que essa postura exige autonomia e
maturidade, “algo a ser construído paulatinamente com os alunos universitários,
uma vez que não trazem esses atributos do ensino médio”.
171
Mas, se esses alunos não adquiriram essas habilidades ou
competências sociais no ensino médio, provavelmente não as desenvolveram no
ensino fundamental e talvez nem na educação infantil e, de acordo com uma
reportagem (Folha de S. Paulo, 27 jan. 2004), essas habilidades ou competências
têm uma época propícia para serem desenvolvidas, época essa denominada de
“janela de oportunidades”. No caso de convivência social, a idade propícia para o
controle emocional será o intervalo que vai do primeiro ano de vida aos seis anos
de idade, sendo que para as Habilidades Sociais a época propícia inicia-se aos
quatro anos e prolonga-se até os 8 anos, conforme o gráfico 4.
172
Gráfico 4. Tempo de aprender
Períodos decisivos* para o desenvolvimento do cérebro.
*O período decisivo não significa que a criança deixará de aprender essas habilidades
depois dessa idade. Apenas indica, segundo os estudos, quando o cérebro da criança está
mais propício a desenvolver determinadas habilidades.
**Capacidade de responder de forma positiva a novas experiências.
***A criança entende, por exemplo, que o número 3 representa um grupo de três objetos.
****Capacidade de se relacionar positivamente com colegas da mesma idade.
***** A criança entende, por exemplo, que 5 é maior que 4, que é maior que 3, e assim por
diante.
[Fontes: Banco Mundial, Margaret McCain e J. Fraser Mustard (“Reversing the Real Brain
Drain: Early Years Study”) Gillian Doherty.
(“Zero to Six:The Basis for School Readiness”) e Sharon Begley (artigo “Your Child’s Brain”,
publicado na revista “Newsweek”)]
Fonte: Folha de S. São Paulo [SINAPSE], 27 jan. 2004.
Podemos citar um caso referente à inteligência lingüística. Segundo
Gazzaniga e Heatherton (2005) em 1970, uma menina conhecida como Genie,
entrou com sua mãe em busca de ajuda em um órgão de assistência pública em
Los Angeles.
173
Foi diagnosticada como autista. Após detalhado exame verificaram que
a menininha era uma adolescente de 13 anos, medindo apenas 1,35m e pesando
menos de 30kg. Seu estado físico denotava abusos e maus tratos por seus pais
que eram mentalmente doentes. Ela não conseguia saltar, pular ou fazer qualquer
coisa que exigisse a total extensão de seus membros.
Os cientistas interessaram-se pelo caso dessa garota, pois ela fora
privada da linguagem normal desde a mais tenra idade e era mantida num
minúsculo quarto escuro, amarrada a uma cadeira e confinada em um berço à
noite. Fora espancada, mal-alimentada e isolada do mundo. Fora criada,
essencialmente, sem nenhuma estimulação. Falava apenas algumas palavras
como “pare” ou “não mais”, compreendia algumas palavras, mas era incapaz de
formar a mais simples frase. Não aprendera a linguagem.
Após quatro anos de intensivo ensino, Genie adquiriu um grande
vocabulário e aprendeu a falar, mas suas habilidades de linguagem eram
semelhantes às de uma criança de cinco anos. Conseguia combinar palavras
para expressar suas idéias semanticamente. Mas sua capacidade de utilizar a
gramática adulta deixava muito a desejar; tanto na produção como na
compreensão. Não compreendia a voz passiva, as frases continuavam
telegráficas e sua sintaxe era falha.
Essa trágica história é uma clara demonstração que um fator relativo à
organização do seu cérebro depende de fatores biológicos inatos que contribuem
para a linguagem da nossa espécie. Em vez de as funções de linguagem
ocorrerem no hemisfério esquerdo de Genie, pareciam ocorrer principalmente no
hemisfério direito, porque seu perfil de linguagem apresentava semelhanças
notáveis com os padrões gramaticais de pacientes cuja linguagem foi retomada
174
pelo hemisfério direito, depois de o esquerdo ter sido removido cirurgicamente por
razões médicas. O hemisfério direito nem sempre é tão bom quanto o esquerdo
no processamento da linguagem. Assim, o caso da Genie sugeriu que a
exposição à linguagem no início da vida é essencial para desenvolver a
especialização normal do hemisfério esquerdo para a linguagem e, portanto, para
o desenvolvimento normal da linguagem. (ver quadro da página 132)
A idéia de que existem períodos de tempo biologicamente
determinados em que a criança precisa ser exposta à linguagem a
fim de atingir um desenvolvimento cerebral normal foi inicialmente
chamada de “hipótese do período crítico“ por Eric Lenneberg
(1967). A teoria afirma que os inputs ambientais são importantes,
mas a biologia determina quando o organismo precisa receber
determinado input a fim de poder usá-lo. (GAZZANIGA e
HEATHERTON, 2005, p.364)
Esse período crítico observado por Lenneberg, hoje é denominado de
“períodos sensíveis”, para refletir o fato de que a natureza permite que alguns
aspectos de desenvolvimento ocorram depois de 12 anos (Lenneberg havia fixado
o “período crítico” em 12 anos). (ver anexo O, Figura 31)
As representações mentais são socialmente importantes, pois elas são
formadas pelas memórias nas sinapses (Ver gráfico 4.) . Mudar o comportamento
significa mudar as representações mentais, o que significa mudar as memórias
nas sinapses. Em outros termos, mudar significa fazer novas conexões sinápticas.
Mas, às vezes, isso é muito difícil, pois as ligações sinápticas estão muito fortes
pela sua contínua solicitação. E no caso de hábitos, os comportamentos são
regidos pela memória implícita (não-consciente).
Segundo Goleman, Boyatis e Mckee (2002, p.104), deve-se cuidar para
que as crianças não desenvolvam hábitos socialmente inadequados, pois se
esses pertencerem à esfera emocional da atividade mental, será difícil revertê-los,
pois a área que os comanda é denominada límbica e:
175
Quando uma conexão límbica estabelece um padrão nervoso, é
necessária outra conexão límbica para revertê-la. Mas, na escala
da evolução, o cérebro límbico é muito antigo, tem maior
dificuldade para aprender e exige muita prática para desenvolver
competências emocionais.
Messick (1992), Scarr (1985), citados por Atkinson e cols (2002),
criticam a teoria de Gardner ao afirmarem que a elevada capacidade em qualquer
uma das inteligências, geralmente está relacionada com elevada capacidade nas
outras. Nenhuma capacidade intelectual específica seria totalmente distinta das
outras.
Anderson, 1992 (in ATKINSON e cols, 2002) afirma que as múltiplas
inteligências são mal definidas: ora são um comportamento, ora são um processo
cognitivo, ora são uma estrutura cerebral.
Sternberg: a Teoria Triárquica
Segundo Sternberg (2000a) a inteligência é governada por três
aspectos que funcionam simultaneamente e estão relacionados com: 1 – o
mundo interno da pessoa; 2 – a experiência; 3 – o mundo externo.
Segundo Robert Sternberg, a inteligência compreende capacidades
analíticas, criativas e práticas. No pensamento analítico, tentamos resolver
problemas conhecidos, usando estratégias que manipulem os elementos de um
problema ou as relações entre os elementos (por ex., comparar, analisar); no
pensamento criativo, tentamos resolver novos tipos de problemas que nos exijam
ponderar o problema e seus elementos em uma nova maneira (p. ex., inventar,
176
planejar); no pensamento prático, tentamos resolver problemas que apliquem o
que sabemos aos contextos cotidianos (por ex., aplicar, usar).
Figura 29. A teoria Triárquica da Inteligência.
Fonte: Sternberg (2000a)
“Criar”
“Inventar”
“Planejar”
“Analisar”
“Comparar”
“Avaliar”
“Aplicar”
“Usar”
“Utilizar”
PRÁTICO
CRIATIVOANALÍTICO
1. Como a Inteligência relaciona-se com o mundo interno
Sternberg subdividiu o aspecto interno da inteligência em três grandes
componentes que são altamente interdependentes: 1. os metacomponentes, que
são processos executivos, isto é, metacognitivos, como planejar, monitorar e
avaliar a resolução de problemas; 2. componentes de desempenho, que
executam estratégias de resolução de problemas e implementam os comandos
dos metacomponentes e 3. componentes da aquisição do conhecimento, que
codificam, combinam e comparam a informação durante a resolução de
problemas. São os processos usados para aprender como resolver problemas,
em primeiro lugar.
Ao elaborar-se uma redação, por exemplo, os metacomponentes são
utilizados para decidir o assunto, planejar o trabalho, monitorar a redação e
avaliar o quanto seu produto irá satisfazer seus objetivos finais. Os componentes
177
da aquisição do conhecimento são utilizados para pesquisar a fim de aprender
sobre o assunto ou para aprofundá-lo. Os componentes de desempenho agem
simultaneamente. Pode-se, por exemplo, na fase de pesquisa, decidir alterar a
ênfase de determinamos aspectos do assunto, por falta de informações.
2. Como a inteligência relaciona-se com a experiência
Segundo Sternberg (2000a) diferenças de experiência afetam a
capacidade de resolver problemas. Uma pessoa que nunca encontrou um
determinado conceito anteriormente, como uma fórmula de Física ou problema de
analogia, terá mais dificuldade para aplicar aquele conceito do que alguém que
tem experiência em seu uso.
Portanto, a experiência de um sujeito com uma tarefa ou um problema,
situa-se em um continuum que vai do completamente novo até o completamente
automático - ou seja, totalmente familiar como resultado de longa experiência.
Quando um processo de solução de tarefas ou problemas é automatizado, o
processo mental consciente exige pouco esforço consciente para determinar os
passos sucessivos até a solução final.
Em outras palavras, é o que afirma Perrenoud, citando um pensamento
seu:
No estágio de sua gênese, uma competência passa por
raciocínios explícitos, decisões conscientes, inferências e
hesitações, ensaios e erros. Esse funcionamento pode
automatizar-se gradativamente e constituir-se, por sua vez, em um
esquema complexo, em um novo componente estável desse
‘inconsciente prático’ do qual fala Jean Piaget. (PERRENOUD,
1999, p.24-25)
178
Ou citando Jean-Yves Rochex que mostra como esses encadeamentos
sucessivos funcionam (idem):
Somente após terem sido aprendidos e serem formados e
exercitados como uma ação submetida à sua própria meta é que
os modos operatórios podem entrar em ações mais complexas,
servir metas mais amplas, das quais se tornam meios. Ao
‘rotinizarem-se’ e automatizarem-se, as ações tornam-se
operações, savoir-faire e hábitos, saindo da esfera dos processos
conscientizados, porém, ao mesmo tempo, suscetíveis de
tornarem-se novamente o objeto de processos conscientes, em
particular quando a ação na qual entram tais operações e savoir-
faire ‘rotinizados’ depara-se com dificuldades ou obstáculos
imprevistos. O domínio dos procedimentos operatórios, a
transformação da ação em operações e savoir-faire rotinizados,
ampliando o campo dos possíveis, permitem o desenvolvimento
da atividade, e o sujeito torna-se, então, apto para traçar novas
metas, de um grau superior. Assim, a meta da ação inicial torna-
se uma das condições, um dos meios requeridos pela realização
dessas novas metas. (ROCHEX, 1995)
Tarefas intelectualmente estimulantes são aquelas que desafiam e
exigem sem serem esmagadoras, que desestimulam. Sternberg (2000a, p.417)
citando Vygotsky diz:
Aprendemos ao máximo quando nos são dadas tarefas cognitivas
que sejam otimamente desafiadoras – não tão difíceis que nos
assoberbem, mas não tão fáceis que não precisemos estender
nossas habilidades ou expandir nosso conhecimento, a fim de
completar as tarefas.
3. Como a inteligência relaciona-se com o mundo externo
A teoria triárquica também propõe que os vários componentes da
inteligência sejam aplicadas à experiência, a fim de satisfazer três funções nos
contextos do mundo real, as quais serão explicadas, considerando-se uma
pessoa que ingresse na faculdade pela primeira vez: 1. Adaptar-se ao novo
ambiente, tentando imaginar as regras para ser bem sucedido no novo ambiente;
179
2. Moldar o ambiente, tal como decidindo que disciplinas cursar e quais atividades
seguir ou até tentar moldar o comportamento das pessoas que a cercam; 3.
Selecionar um outro ambiente, como transferir-se para outra universidade se for
incapaz de adaptar-se ou moldar o ambiente.
Sternberg (2000b, p.106) inventa uma história hilária para exemplificar
as diferenças entre inteligências acadêmica, prática e criativa:
Dois garotos estão andando em uma floresta. São bem diferentes.
O professor do primeiro o considera inteligente, assim como seus
pais e, como resultado, ele mesmo se considera inteligente. Ele
tem boas pontuações em testes, boas notas e outras credenciais
registradas no documento que o levará a uma vida acadêmica
bem-sucedida. Poucas pessoas consideram o segundo garoto
inteligente. Suas pontuações não são nada demais, suas notas
não são tão boas e suas demais credenciais são, em geral,
fronteiriças. No máximo, as pessoas o chamariam de esperto ou
arguto. Os dois caminham juntos pela floresta até que se deparam
com um problema – um urso pardo, enorme e furioso, que parece
estar com fome, indo na direção deles. O primeiro garoto,
calculando que o urso pardo os alcançará em 17,3 segundos,
entra em pânico. E, neste estado, ele olha para o segundo garoto,
que calmamente tira suas botas de caminhada e coloca seus tênis
de corrida.
O primeiro garoto diz para o segundo:
- Você deve estar louco. Não há chance de conseguirmos correr
mais do que esse urso!
O segundo responde:
- É verdade. Mas tudo o que preciso fazer é correr mais do que
você.
Ambos são inteligentes, mas de maneira diferente. O primeiro
rapidamente analisou o problema, mas isso era o máximo que sua inteligência
permitia. O segundo, não apenas localizou o problema, mas chegou a uma
solução criativa e prática.
A inteligência bem-sucedida é mais eficaz quando equilibra seus
aspectos prático, analítico e de criatividade. É mais importante
saber quando e como utilizar esses aspectos da inteligência bem-
sucedida do que apenas possui-los. As pessoas com inteligência
bem-sucedida não apenas possuem as capacidades, mas
refletem sobre quando e como utilizar essas capacidades com
eficácia. (STERNBERG, 2000b, p.107)
180
Myers (1999, p.217) cita dois exemplos de criatividade:
Johnny Appleton, de 10 anos, resolveu um problema que frustrava
os operários de uma obra através do insight: como salvar um
filhote de pardal que caíra num buraco estreito, de um metro de
profundidade, em uma parede de cimento. A solução de Johnny:
despejar areia devagar, dando ao passarinho tempo suficiente
para ficar de pé na areia sempre subindo (Ruchlis, 1990). Um
problema mais difícil, o “Último Teorema de Fermat”, atormentou
Andrew Wiles, matemático de Princeton. Depois de sete anos de
progresso, mas ainda aquém da prova esquiva, ele “viu num
relance” uma solução “simples e elegante” (Cipra, 1995). Esse
insight, que Wiles recorda como uma “revelação maravilhosa”,
resolveu um problema que frustrara mentes brilhantes por 350
anos.
Huffman e cols (2003, p.276) citam outro exemplo.
Há muitos anos, em Los Angeles, uma jamanta de tração de 3,6 m
de altura tentou passar sob uma ponte de 3,48 m de altura. Como
você pode imaginar, o caminhão ficou entalado, incapaz de
mover-se para adiante ou voltar, causando um enorme
congestionamento. Após horas de ação enérgica, puxando ou
empurrando o equipamento, policiais e demais trabalhadores
estavam aturdidos. Nesse momento, um garotinho apareceu e
disse: “Por que vocês não tiram um pouco de ar dos pneus?” Essa
era uma sugestão simples, criativa – e que deu certo.
A teoria de Gardner, diz que temos não apenas uma inteligência
(aquela medida pelo QI), mas múltiplas e que são independentes entre si.
Sternberg teoriza que a inteligência apresenta-se subdividida em três
componentes que interagem continuamente entre si.
Esses modelos influenciaram muitos pesquisadores que
desenvolveram modelos baseados em Gardner e Sternberg integrando as
inteligências acadêmicas, as inteligências do dia-a-dia (prática e criativa), a
personalidade e o estado físico.
Um desses modelos é o de Greenspan e Driscoll (CARNEIRO in DEL
PRETTE e DEL PRETTE, 2003, p.137) que é mostrado na figura 30.
181
182
Competência
pessoal
Figura 30. Modelo de Competência Pessoal de Greenspan e Driscoll.
Fonte: Carneiro in Del Prette e Del Prette (2003).
Tempera-
mento
Competência
física
Competência
afetiva
Competência
cotidiana
Competência
acadêmica
Competên-
cia
Caráter
Inteligência
Social
Inteligência
Prática
Inteligência
Conceitual
Linguagem
Competência
Social
Competência
Intelectual
Competên-
c
ia
Neste modelo há uma classificação taxonômica em que a competência
pessoal subdivide-se em quatro componentes: competência física, competência
afetiva, competência cotidiana e competência acadêmica. Cada um desses quatro
componentes subdivide-se em dois subcomponentes. A competência física
subdivide-se em competência orgânica e motora: a competência afetiva em
temperamento e caráter: a competência do dia-a-dia em inteligência social e
inteligência prática e a competência acadêmica em inteligência conceitual e
linguagem.
A competência orgânica e motora refere-se ao funcionamento dos
diversos componentes corporais, como visão, audição, coração etc., assim como
tamanho, força, mobilidade e coordenação. É a competência física.
A competência afetiva é composta pelo temperamento (refere-se ao
aspecto da personalidade biologicamente mediados como atenção-distração,
tranqüilidade-agitação) e pelo caráter (refere-se aos aspectos da personalidade
mediados pelo ambiente como expansivo x tímido, social x anti-social).
Inicialmente foi denominada de competência emocional.
A competência cotidiana diz respeito ao ambiente e convívio com
outras pessoas e à capacidade de resolver problemas com elas, caso surjam. A
inteligência prática capacita a pessoa a resolver problemas mecânicos, técnicos
ou físicos nos espaços por ela ocupados. A inteligência social é a capacidade de
raciocinar para encontrar soluções em impasses interpessoais.
A competência acadêmica refere-se às capacidades que devem ser
desenvolvidas para haver sucesso na escola. A inteligência conceitual capacita os
alunos a resolver problemas em ambientes escolares. A linguagem seria a
capacidade de compreender e ser parte do processo de comunicação.
Note-se, neste modelo, que a inteligência social é o elo entre
competência acadêmica e competência social.
Topping, Bremer e Holmes (2002) (in DEL PRETTE e DEL PRETTE,
2003, p.136) definem competência social como “a posse e o uso da capacidade
de integrar pensamento, sentimento e comportamento para realizar tarefas e
resultados sociais valorizados no contexto e na cultura em que o indivíduo está
inserido”.
A competência social sem ênfase nos processos cognitivos é um
comportamento isolado e denominado habilidade social e reflete o que Spitz
(1988) denominou de abordagem centralizada na “aprendizagem” em contraste
com uma abordagem centralizada no “pensamento”. Percebe-se, pois, que
competência social não é sinônimo de habilidade social. Ela é hierarquicamente
superior.
183
Esse modelo procura visualizar a pessoa como um todo, isto é,
levando-se em conta suas dimensões de pensar, sentir e agir. De fato, a maioria
dos modelos não dão ênfase alguma à inteligência social nem ao que se refere
aos aspectos cognitivos nem aos da personalidade.
Além disso, ele tem uma similaridade com a Taxonomia de Objetivos
Educacionais de Benjamin S. Bloom. Segundo Rodrigues Jr. (1994) a idéia de
Bloom era a de que um sujeito deveria ser visto como a somatória de suas
facetas cognitivas, afetivas e psicomotora.
Psicomotor
Cognitivo
Afetivo
Figura 31. A formação do ser humano, segundo a visão de Benjamin S. Bloom.
Fonte: Rodrigues Jr. (1994).
Por exemplo, quando alguém aprende a executar uma composição
musical, realizar uma reação química, arremessar um dardo, ou ainda interpretar
um texto dramático, os três domínios estão presentes na aprendizagem
(Rodrigues Jr, 1994).
Pode-se observar, portanto, a preocupação dos pesquisadores para
desvendar o enigma inteligência. Mas, como foi dito no início, este trabalho tem a
184
preocupação de provocar uma reflexão sobre os assuntos tratados e suas
relações com ensino/aprendizagem, formação de professores e respectivas
grades curriculares. Tudo leva a crer que inteligência é desenvolvida e para tal é
conveniente o conhecimento e a compreensão de processos cérebro/ mentais
intervenientes, como por exemplo, que o início de uma inteligência está na
relação entre neurônios de um cérebro. Em seguida, providenciar que estas
ligações tornem-se fortes, duradouras por meio de tarefas que exercitem a
percepção, a atenção, o raciocínio, o pensamento em geral e qualidades exigidas
numa relação social. A Neurociência Cognitiva é um instrumento de enorme valia
em que os Psicólogos Cognitivos estão dando suas contribuições.
Mas as contribuições dos professores e educadores, poderão ser
maiores ainda. O professor romeno Reuven Feuerstein, em uma reportagem à
revista Isto É, de 10/08/1994, p.5 diz que: “inteligência se aprende e que qualquer
pessoa pode aumentar sua capacidade intelectual e mesmo crianças deficientes
são capazes de se tornar normais”.
185
5. TRAJETÓRIA METODOLÓGICA
187
Diante das pesquisas e procedimentos na área da Neurociência
Cognitiva que envolvem conceitos como memória, raciocínio e inteligência –
apresentados no capítulo anterior – e que também são utilizados na área
educacional, particularmente pela psicologia da educação (conforme cap. 1), e da
hipótese de que os resultados de tais pesquisas, por algum motivo, não são
incorporados devidamente na escola, o objetivo do presente trabalho é verificar
como pesquisadores da Neurociência Cognitiva vêem a relação de seus estudos
com a educação e de que forma os resultados obtidos podem contribuir para a
formação de professores.
Pela natureza da investigação, tem-se caracterizada uma pesquisa
qualitativa, em que os sujeitos são professores universitários com algum
envolvimento com estudos no campo da Neurociência Cognitiva. Assim, pensou-
se em selecionar pesquisadores tanto da área de ciências biológicas, da área de
ciências humanas e da área de ciência exatas. O objetivo de tal procedimento
deve-se ao desejo do pesquisador em verificar se, embora estudiosos do mesmo
campo, os pequisadores utilizavam-se da mesma linguagem, dos mesmos
métodos e tinham o mesmo foco de investigação dentro da Neurociência
Cognitiva; além disso, se os estudos convergiam para práticas pedagógicas de
um modo geral. Utilizaram-se dois procedimentos de coleta de informações: o
inquérito por questionário e a entrevista. Em ambos os casos, partiu-se de uma
série de questionamentos que poderiam fornecer mais dados a respeito do sujeito
e a sua visão diante de seu objeto de estudo da relação Neurociência Cognitiva –
formação de professores. A opção pelo procedimento foi decidido com cada
sujeito.
As perguntas feitas aos sujeitos pesquisados foram as seguintes:
188
1) “Qual a relação de seu campo de estudo ou pesquisa com a
Neurociência Cognitiva?
2) O que futuros professores devem saber sobre Neurociência
Cognitiva?
3) Como, no seu modo de ver, este conhecimento pode contribuir
para que a escola promova uma melhor aprendizagem dos conteúdos escolares?
4) Há necessidade de incorporar no currículo das
Licenciaturas/Pedagogia estudos de itens específicos sobre a Neurociência
Cognitiva? Em caso negativo, por quê? Em caso positivo, de que forma? Seria
uma nova disciplina? Neste caso, que efeito surtiria na formação do professor
como um todo? Caso não seja na forma de disciplina, que outra forma?
A escolha dos sujeitos baseou-se não só pelo envolvimento com os
estudos, mas também pela projeção em termos de publicações e por
pertencerem a centros que se dedicam à investigação na Neurociência Cognitiva.
Quando do contato com Izquierdo foi-lhe pedido uma entrevista
pessoal, enquanto que os demais sugeriram que as perguntas e respostas
fossem enviadas via e-mail.
Dos oito professores solicitados (acordados por eles via telefone),
apenas três enviaram suas respostas (Dornelles, Britto e Dalmaz). Nesse
primeiro momento, porém não foi possível obter as respostas dos demais em
tempo hábil para inseri-las nesse trabalho.
189
A seguir, contactamos via telefone a Profa. Dra. Maria Cândida Soares
Del-Masso e o Prof. Dr. Jayme Antunes Maciel Jr, pedindo-lhes uma entrevista
pessoal. Prontamente concordaram.
5.1. Caracterização dos Respondentes
Os dados aqui apresentados foram obtidos no Currículo Lattes.
Os respondentes e que autorizaram a divulgação e citação de seus
nomes foram: Prof. Dr. Ivan Antônio Izquierdo, Profa. Beatriz Vargas Dornelles,
Prof. Dr. Luiz Roberto Giorgetti de Britto, Profa. Dra. Carla Dalmaz, Profa. Dra.
Maria Cândida Soares Del-Masso e Prof. Dr. Jayme Antunes Maciel Jr.
PROF. DR. IVAN ANTÔNIO IZQUIERDO
A primeira pessoa a ser contatada foi o prof. Ivan Antônio Izquierdo da
UFRGS. O contato foi estabelecido em 27/04/2005 por meio de um e-mail, no
qual foram apresentados os objetivos da pesquisa e o pedido para responder as
quatro perguntas, o que imediatamente foi aceito. Marcou-se um encontro em
12/05/2005 em Porto Alegre, onde ocorreu a entrevista e foram gravadas as
respostas para posterior transcrição.
190
Sua participação foi solicitada pelo fato de seus estudos sobre
memória serem reconhecidos internacionalmente e de alguns de seus livros
serem mencionados na bibliografia desta dissertação.
Graduou-se em Medicina em 1961, na Universidade de Buenos Aires
(U.B.A.), Argentina, apresentando uma dissertação na área da Farmacologia.
Em 1962, na U.B.A., obteve o título de Doutor.
Em 1964, terminou um Pós-Doutorado na University of Califórnia, Los
Angeles, U.C.L.A., Estados Unidos.
Lecionou na U.B.A., na Universidade Nacional de Córdoba, U.N.C.
Argentina, onde também foi chefe do Departamento de Farmacologia e
pesquisador da Neurofarmacologia da Memória e Neurofisiologia da Epilepsia; na
Escola Paulista de Medicina, também sendo chefe do Departamento de Fisiologia
e Biofísica e pesquisador; na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do
Sul (PUCRS) onde atualmente desenvolve pesquisas sobre os mecanismos da
Memória, na Faculdade de Medicina, Instituto de Ciências Biomédicas Centro de
Memória. É professor titular na Universidade Federal do Rio Grande do Sul
(UFRGS), como colaborador após sua aposentadoria.
Sua produção bibliográfica é vastíssima, assim como seus artigos em
periódicos. Publicou ou organizou vários livros, participou em várias coletâneas,
além de escrever textos em jornais ou revistas.
Orientou algumas dezenas de mestrandos e doutorandos.
Sua linha de pesquisa foca os mecanismos da memória.
191
PROFA. DRA. BEATRIZ VARGAS DORNELLES
Dornelles foi contactada via telefone e prontificou-se a responder as
perguntas via e-mail.
A solicitação deveu-se à sua consultoria, supervisão técnica da
tradução para o português do livro “Psicologia Cognitiva”, de Robert J. Sternberg,
muito citado neste trabalho, além de ser professora adjunta da Faculdade de
Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), pertencendo
ao departamento de Bioquímica.
Formou-se em Pedagogia na UFRGS em 1980. Em 1986, obteve o
título de mestre em Pedagogia na UFRGS e em 1996, o título de doutora, na
Universidade de São Paulo. Em 2001, fez uma extensão universitária em
Educação, na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Além de ser
professora-adjunta, tem participado de projetos de pesquisa e sua linha de
pesquisa é relacionada à psicopedagogia, sistemas de ensino/aprendizagem e
educação em saúde. Participa também de um Programa de Atendimento a
Crianças com Déficit de Atenção e Hiperatividade no Hospital das Clínicas.
Apresentou trabalhos em cerca de 14 eventos, nacionais e
internacionais, sendo o mais recente em Barcelona, 2005.
Além de obras publicadas, escreveu capítulos em inúmeros livros e
textos em jornais e revistas científicas.
Orientadora de mestrandos e doutorandos, participou de inúmeras
bancas examinadoras de dissertação e teses de doutorado. Participa também de
bancas de comissões julgadoras e eventos educacionais.
192
PROF. DR. LUIZ ROBERTO GIORGETTI DE BRITTO
Britto foi contactado via telefone e prontificou-se a responder as
perguntas via e-mail.
Sua solicitação deveu-se ao fato de ter feito a revisão científica do livro
“Princípios da Neurociência”, mencionado muitas vezes nesta dissertação.
Graduou-se em Ciências Biomédicas, na Universidade Federal de São
Paulo (UNIFESP), em 1970. Entre 1973 e 1975, especializou-se em
Neurofisiologia na Universita degli Studi-Pisa, U.D.S.P., Itália. Obteve o título de
Mestre em Fisiologia e Biofísica, na Universidade Estadual de Campinas
(UNICAMP), em 1978.
Tornou-se Doutor em Ciências (Fisiologia Humana) pela Universidade
de São Paulo, em 1981. Nos anos 1986 e 1987, fez pós-doutorado em
Neurofisiologia na University of Carlifornia, San Diego, UCSD, Estados Unidos,
como bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo
(FAPESP). Como bolsista do Banco Interamericano de Desenvolvimento, BID,
Estados Unidos, fez outro pós-doutorado na mesma universidade. É livre-docente
pela Universidade de São Paulo, desde 1985, no Instituto de Ciências
Biomédicas, Departamento de Fisiologia e Biofísica, onde é chefe de
departamento.
Lecionou Neurofisiologia em diversas universidades brasileiras e
norte-americanas.
Recebeu: o prêmio Oswaldo Cruz, pela Faculdade de Medicina da
USP nos anos 1983 e 1985; o Troféu Fumagalli, oferecido pela Secretaria
193
Municipal de Ciência e Tecnologia, em 1998; o International Research Scholar,
da Research to Prevent Blindness Foundation, New York , em 1993,.
Participou de inúmeros eventos apresentando mais de uma centena
de trabalhos, possui dezenas de artigos em periódicos e capítulos em alguns
livros. Vários foram seus orientados em mestrado e doutorado.
Sua linha de pesquisa envolve a neurobiologia celular, neurofisiologia
da visão e comunicação neural.
PROFA. DRA. CARLA DALMAZ
Dalmaz foi contactada via telefone e prontificou-se a responder as
perguntas via e-mail.
Sua solicitação deve-se a ser tradutora do livro “Memória: da mente às
moléculas”, Squire e Kandel (2003).
Graduou-se em Farmácia, na UFRGS, em 1981. Adquiriu o título de
Mestre em Ciências Biológicas (Bioquímica), pela UFRGS, em 1984. Obteve o
título de doutora pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), em 1989, como
bolsista da coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
(CAPES); obteve um pós-doutorado na University of California Berkeley, U.C.
BERKELEY, Estados Unidos na área de Farmacologia. É professora-adjunta IV
na UFRGS.
Sua linha de pesquisa envolve a neurofarmacologia da memória. Tem
dezenas de trabalhos em eventos, artigos publicados em periódicos, capítulo em
livros publicados e várias orientações concluídas em mestrado e doutorado.
194
PROFA. DRA. MARIA CÂNDIDA SOARES DEL-MASSO
A indicação de Del-Masso foi uma sugestão da Profa. Maria Alves, que
compunha a banca de qualificação deste trabalho.
Maria Cândida graduou-se em Serviço Social pela Faculdade de Serviço
Social de Bauru, em 1980. Obteve o título de mestre em Rehabilitation
Administration Services Program no Rehabilitation Institute-Southern Illinois
University at Carbondale, SIU, Estados Unidos, em 1984.
Em 1993, obteve o título de mestre em Educação Especial (Educação do
Indivíduo Especial) pela Universidade Federal de São Carlos e, em 2000, doutorou-
se em Educação pela Universidade de São Paulo (USP).
É Professora Assistente Doutora na Universidade Estadual Paulista Júlio
de Mesquita Filho (UNESP). Participa de projetos de pesquisa como: Dificuldades
no Processo de Alfabetização: A Escrita Manual em Foco, no Instituto de Biociência
de Rio Claro e outros mais.
Escreveu vários livros, artigos em jornais, assim como em livros
publicados/ organizados e revistas, além de ter apresentado dezenas de trabalhos
em eventos; sua produção técnica é, pois, da mais variada.
É orientadora de mestrandos e participante em bancas examinadoras de
mestrado e doutorado.
Suas linhas de pesquisa envolvem a Filosofia da Mente e Ciência
Cognitiva; Ciência Cognitiva e Auto-Organização; Profissionalização do Deficiente
Envelhecimento Humano e Reabilitação Profissional.
195
PROF. DR. JAYME ANTUNES MACIEL JR
Maciel foi contatado via telefone e prontificou-se a responder as
perguntas pessoalmente e fazer correções via e-mail.
A solicitação deveu-se à sua intensa atividade na área da
neuropsicologia. Atualmente é Livre Docente, Professor Associado de Neurologia
da Faculdade de Ciências Médicas da UNICAMP, aposentado.
Formou-se em Medicina na UFSC, no ano de 1973. No período de
02/01/1974 a 14/07/1979, fez formação em Neurologia Clínica no Centre
Hospitalier Universitaire de Estrasburgo, França, onde desenvolveu atividades de
Assistente Estrangeiro da Faculte de Médecine, Université Louis Pasteur. Nesse
período, fez curso de Mestrado em Lingüística na Faculte de Lettres, Université
Louis Pasteur IV e doutorado em Medicina (área de concentração em Neurologia).
Ao retornar ao Brasil, em 1979, foi admitido como Professor Assistente
Doutor no Departamento de Neurologia da Faculdade de Ciências Médicas,
UNICAMP, tendo obtido o título de Doutor em 1984, de Livre Docente em 2000 e
Professor Associado em 2001. Foi fundador da Unidade de Neuropsicologia do
HC-UNICAMP em 1981, responsável pela Disciplina de Neuropsicologia na Pós-
Graduação da FCM, até a aposentadoria. Fundou as Sociedades Brasileira e
Latino Americana de Neuropsicologia, onde exerceu funções de Presidência e
membro do Comitê executivo. Publicou vários trabalhos em revistas nacionais e
internacionais (alguns com até 600 citações) e apresentou inúmeros trabalhos em
Congressos nacionais e internacionais. Foi responsável pela “Science Lecture” no
Congresso Europeu de Cefaléia, em Corfu, Grécia (1998), e no “Head and Pain
Disorders” em Pavia, Itália (1999).Além disso, escreveu 20 capítulos de livros
196
nacionais e um internacional, foi orientador e co-orientador de várias teses e
monografias, algumas delas com estudantes de universidades estrangeiras.
Participou ainda de inúmeras bancas examinadoras de dissertação e teses de
doutorado e de bancas de comissões julgadoras e eventos educacionais. Foi
autor de um livro e co-editor do segundo volume do Tratado de Clínica Médica (3
vols, 6000 pp) em 2006.
Na vida universitária desempenhou todas as tarefas, de chefe de
clínica a chefe de departamento, e Assessor Técnico da Pró-Reitora de
Graduação na gestão do Prof. Dr. Paulo Renato Souza. Foi assessor do
Ministério da Saúde (medicamentos) e da Comissão sobre Morte Cerebral. É
revisor de revistas nacionais e internacionais.
Participou de vários programas de TV locais e em São Paulo sobre
temas variados de neurologia e neuropsicologia e escreveu textos em jornais e
revistas de divulgação leiga.
Sua linha de pesquisa foca os processos corticais superiores.
Desse modo, conseguimos seis respondentes representantes das
áreas de ciências biológicas e ciências humanas assim categorizados.
Ciências Biológicas
Prof. Dr. Iván António Izquierdo – Medicina
Prof. Dr. Jayme Antunes Maciel Jr – Medicina
Prof. Dr. Luiz Roberto Giorgetti de Britto – Ciências Biomédicas
Profa. Dra. Carla Dalmaz – Farmácia
197
Ciências Humanas
Profa. Dra. Beatriz Vargas Dornelles – Pedagogia
Profa. Dra. Maria Cândida Soares Del-Masso – Serviço Social
6. NEUROCIÊNCIA COGNITIVA E APRENDIZAGEM:
UMA INSERÇÃO POR OPINIÕES E TEORIAS
O objetivo deste capítulo, mais do que colher opiniões dos
especialistas apresentados anteriormente, é o de verificar se as aproximações
teóricas desses profissionais – que embora estudem o mesmo objeto possuem
interesses de pesquisa nem sempre tão próximos – contribuem para a formulação
de uma linha de procedimentos em relação a ações educativas que beneficiem a
construção do conhecimento. Em nossa transcrição, nem sempre as respostas
desejadas às perguntas estavam na mesma ordem. Foi necessário um recorte
das transcrições para direcioná-las ao teor das perguntas.
Mesmo sabendo da limitação inerente ao trabalho, pela amplitude de
questões que envolvem o tema, é importante ressaltarmos que após a quarta
entrevista, ficamos inquietos quanto à questão da importância que os
entrevistados davam à memória na relação ensino/aprendizagem e na construção
do conhecimento, já que não especificaram o tempo a ser disponibilizado por
aqueles que desejam apreender o significado das informações que, num processo
de raciocínio, os conduziria ao conhecimento de determinado assunto. Essa
observação instigou-nos a uma pequena alteração do plano inicial: aos dois
últimos entrevistados foi feita uma quinta pergunta, cujas respostas valorizaram
nossa análise:
5) Em Neurociência Cognitiva, memória é definida como a codificação,
a retenção e a evocação do conhecimento que temos do mundo
(KANDEL, 2003). Em sua opinião o aprendizado que se dá apenas na
sala de aula é bastante para que seja desenvolvida a memória de
longo prazo dos alunos ou é também necessária a sedimentação
199
dessas memórias em suas casas ou bibliotecas? Em caso positivo,
quanto tempo?
Além disso, reformulamos a primeira pergunta para Maciel e Del-
Masso:
1) Qual a importância que o(a) senhor(a) atribui à Neurociência
Cognitiva?
O uso de entrevista na pesquisa qualitativa abre a oportunidade de
buscar mais informações que venham enriquecer as análises, aproximando-nos
dos objetivos da pesquisa.
Dada essa informação, faremos um estudo de cada questão
apresentada aos entrevistados.
Importância Atribuída à Neurociência Cognitiva
A Neurociência Cognitiva foi apropriada por muitos pesquisadores e
estudiosos de várias áreas e dentro destas, de variadas disciplinas; eram
esperados, por parte dos respondentes, enfoques diferentes conforme suas
especificidades e interesses em relação às perguntas a eles dirigidas.
Passaremos, então, à posição dos respondentes.
“É uma referência para meus estudos interdisciplinares em Psicopedagogia”
(DORNELES)
200
“Meu campo de estudo é justamente a Neurociência Cognitiva” (IZQUIERDO
)
São respostas objetivas para a questão proposta, simplesmente
confirmando o interesse pelo tema em suas áreas específicas.
“Ela é de fundamental importância principalmente no processo de
desenvolvimento da aprendizagem. É a maneira como o cérebro produz cognição e
comportamento.” (DEL-MASSO)
“A Neurociência Cognitiva interpreta as redes neurais tanto na sua função
integradora como na sua função linear paralela” (MACIEL)
Os respondentes acima já apresentam o interesse em ressaltar a
natureza do cérebro no processamento de informações, em particular
apresentando o conhecimento como uma construção não linear e própria de cada
indivíduo.
“A importância da Neurociência Cognitiva, está no estudo dos efeitos do
estresse crônico em ratos, sobre parâmetros comportamentais e neuroquímicos”
(DALMAZ)
A posição do respondente ratifica muito do que se afirma hoje em
Neurociência Cognitiva, principalmente o que diz a respeito à química cerebral,
conhecimento que foi determinado em pesquisas laboratoriais com animais,
principalmente com os ratos. Como exemplo, temos os estudos de Kandel e cols
201
(2003). Supõe-se que fenômenos muito semelhantes ocorram com os seres
humanos.
“Nas escolas é conveniente manter os alunos num nível de alerta
determinado, pois esse pode influenciar na formação de memórias e sua posterior
evocação. Se os alunos estiverem abaixo desse nível, a memória não se faz
adequadamente ou não se evoca adequadamente. Mas se a pessoa estiver acima desse
nível, ela fica estressada, tendo assim dificuldade para aprender”. (IZQUIERDO)
Izquierdo apresenta um aspecto importante do tratamento da
informação para a formação da memória – a motivação ou como expressa, o
estado de alerta. Essa posição do entrevistado remete-nos às recomendações de
algumas abordagens do processo ensino/aprendizagem no que diz respeito ao
oferecimento de ambientes ou atividades que instiguem o aluno a investigar o
objeto de estudo.
Observamos que Izquierdo reforça a sua concordância com os estudos
de Myers (1998); Sternberg (2000a); Gazzaniga e Heatherton (2005), já
apresentados anteriormente.
“Nosso campo de estudo é a comunicação celular entre neurônios que é a
base das funções cognitivas do sistema nervoso; embora nossa pesquisa contribua para
a compreensão dos processos cognitivos, ela não se envolve com a análise desses
processos”. (BRITTO)
O campo de estudo de Britto, é o da neuroeletrofisiologia, isto é, o
estudo dos estímulos elétricos que desencadeiam as sinapses entre os neurônios.
202
Admite-se que este seja o início da aprendizagem de um futuro conhecimento.
Mas nesse campo não há a preocupação com a análise dos processos cognitivos
decorrentes.
Observamos que há uma convergência entre os entrevistados que
entendem a Neurociência Cognitiva como o campo que estuda a cognição e o
comportamento em sua origem, quer sejam considerados socialmente aceitos ou
inadequados.
Dalmaz e Izquierdo aproximam-se quanto à importância que dão ao
estresse, explicitamente. Implicitamente há uma concordância entre eles: é nas
sinapses que estão as memórias de nossos conhecimentos e comportamentos.
Neurociência Cognitiva e Formação de Professores
Em relação aos conhecimentos de Neurociência Cognitiva e o que
futuros professores devem desenvolver, também houve a concordância dos seis
entrevistados no que concerne ao cérebro como o órgão que origina a cognição.
“Conhecer bem o funcionamento neurológico infantil e que possam
compreender como as diferentes patologias podem interferir nos processos de
aprendizagem” (DORNELES)
Dorneles está se referindo a fatores que possam interferir na
percepção, atenção, concentração e memória, como é o caso de deficiência
visual, deficiência auditiva, déficit de atenção e hiperatividade, dificuldade na
203
formação de sinapses e ação inadequada de neurotransmissores. Autores como
Gazzaniga e Heatherton (2005); Atkinson e cols (2002); Myers (1998); Sternberg
(2000a) e Huffman (2003) ressaltam a importância da atenção, percepção e
memória, que são básicos a todos os processos de aprendizagem.
Ao contrário de Dorneles que está preocupada com eventuais
patologias ou deficiências, Del-Masso preocupa-se com a postura do professor
que precisa primeiro conhecer seus alunos para depois ensiná-los.
“O professor deve saber o que é cognição, o que é comportamento e a sua
relação com o que é aprendizagem, o que é memória, o que é atenção, o que é
percepção, o que é representação mental, o que é ação. Assim poderá refletir sobre sua
postura em sala de aula, para melhor aprendizagem por parte de seus alunos”. (DEL-
MASSO)
Essa reflexão sobre a postura do professor em sala de aula remete-nos
ao pensamento de Schön (2000).
Maciel reforça a importância do cérebro como a origem da cognição, as
influências dos estados emocionais e motivacionais na aprendizagem e afirma
que o aprendizado depende de conhecimentos anteriores armazenados nas redes
neurais da pessoa que deseja conhecer mais.
“É fundamental que os professores conheçam como o cérebro organiza os
conhecimentos e as estruturas cerebrais que sustentam esses conhecimentos. O
segundo passo é reconhecer que não há cognição sem cérebro, senão voltaríamos aos
anos 50. É bom lembrarmo-nos também que todos os estímulos, vindos do exterior,
204
sofrem um processo de análise, infelizmente não é formatado pelo cérebro, tais quais
esses estímulos foram emitidos. Todas as vezes que somos estimulados, e aí em
particular a questão do conhecimento, existe a interveniência de nosso arcabouço mental
que nós já temos abrigado no cérebro. Há também as influências relacionadas às
emoções e à motivação que facilitam ou dificultam o aprendizado”. (MACIEL)
Maciel também está concordando com Del-Masso, no sentido de que o
professor deve saber o que seu aluno já conhece a respeito de um determinado
assunto, como ensinava Ausubel. Também explica sua idéia de que o cérebro
trabalha linear e paralelamente, quando diz que as emões, a motivação, podem
influir positiva ou negativamente na aprendizagem.
Izquierdo tem as mesmas convicções que Maciel quando se refere às
emoções que certamente são intervenientes na aprendizagem.
“Vivemos constantemente num estado de emoção, que pode ser grande ou
pequeno: mais alegres, mais tristes, mais animados ou menos animados. Esses estados
são regrados por meio de sistemas específicos do cérebro e, hoje em dia, há
medicamentos que tratam desses sistemas específicos, como por exemplo, a síndrome
do déficit de atenção, a esquizofrenia e mesmo o autismo. Esses sistemas são fibras
nervosas provenientes de núcleos localizados na base do cérebro e conectados com
partes nobres do cérebro, como o hipocampo, no lobo temporal, que é o principal ator na
formação de memórias. Em relação às memórias, conhecemos, nestes últimos anos, em
boa parte graças ao trabalho em nossos laboratórios, as bases moleculares de suas
formações e seus armazenamentos que são estruturais. Sabemos mais sobre a extinção
– parece ser a substituição de uma resposta por outra. Por exemplo, deve-se ensinar aos
alunos extinguir certas memórias, como ficar colocando o dedo no nariz ou a pessoa que
bate nos outros. De alguma forma, deve-se coibir esses tipos de comportamentos, que
205
além de se expressar no momento, deverá mais tarde manifestar-se em aprendizados
profundamente ruins, socialmente ruins”. (IZQUIERDO)
Izquierdo vai mais além do posicionamento de Maciel ao citar o papel
das emoções nas condutas sociais, onde a memória implícita (inconsciente)
levará a pessoa a comportamentos nem sempre socialmente aceitáveis. É o caso,
por exemplo, de agressões físicas ou verbais que, muitas vezes, causam até
maior dano psicológico que físico. E estas memórias são de difícil extinção, pois
as áreas responsáveis por elas – o sistema límbico – são muito antigas e têm
poucas possibilidades de mudança. É aqui que entra em ação o lobo frontal
(razão) procurando modular o sistema límbico (emoções). Esse conhecimento
estimulou psicólogos comportamentais a desenvolverem a chamada Terapia
Cognitiva Comportamental. A memória é, pois, fundamental tanto na esfera
cognitiva quanto na esfera emocional, gerando, assim, os comportamentos.
Kandel e cols (2003); Goleman e cols (2002), insistem nesse fundamento.
“A Neurociência Cognitiva explica o desenvolvimento do encéfalo, fatores que
afetam a memória e o aprendizado; como as drogas psicoativas agem em determinadas
disfunções cerebrais como no caso de distúrbio de atenção e hiperatividade, quais seus
mecanismos de ação e seus efeitos a longo prazo”. (DALMAZ)
Dalmaz reforça a importância da memória, assim como o fizeram Del-
Masso, Maciel e Izquierdo. Mas preocupa-se também com o estudo de drogas
que possam intervir positivamente em casos de disfunção cerebral.
No cotidiano da escola, não poucas vezes algumas atitudes do aluno
são diagnosticadas como desmotivação, cansaço, desinteresse, quando, na
206
verdade, tais atitudes podem ser causadas por uma disfunção do cérebro que
altera um comportamento desejado para a aprendizagem.
“Os professores devem saber da existência da Neurociência Cognitiva, pois
muitos profissionais da área da educação a desconhecem. É preciso disseminar mais o
conhecimento dessa área, que é uma das fronteiras do conhecimento no século XXI”.
(BRITTO)
Britto acha imprescindível aos professores conhecerem o
funcionamento do cérebro desde a formação de memórias até a formação do
conhecimento.
Essa afirmação é idêntica a de Lieury (1997).
Contribuições da Neurociência Cognitiva para o Processo
Ensino/Aprendizagem
Ao serem indagados sobre como a Neurociência Cognitiva pode
contribuir para que a escola promova uma melhor aprendizagem dos conteúdos
escolares, todos os respondentes foram de opinião que, conhecendo-se como o
cérebro funciona, como ele relaciona-se com o aprendizado e o conhecimento, a
função escolar poderá ser mais eficiente.
“Conhecendo fatores que possam afetar o aprendizado ou a memória,
podem-se evitar aqueles fatores prejudiciais a ela” (DALMAZ)
.
207
Dalmaz fornece uma contribuição importante aos professores no
sentido de que esses devem evitar, por exemplo, o excesso de estresse nos
alunos que é um fator que afeta a memória e o aprendizado. Também fornece
elementos para conscientizá-los de que o uso de drogas pode afetar os
neurônios, por exemplo.
“Compreendendo melhor os processos de funcionamento neurológico, os
professores compreenderão por que algumas crianças não aprendem e buscarão
recursos de ensino para estas crianças” (DORNELES).
Obviamente, o professor deve estar atento às atitudes do aluno frente à
aprendizagem. Não cabe a ele aprofundar nos estudos científicos, mas perceber
distúrbios que possam sugerir um diagnóstico por meio dos recursos da ciência.
Hoje, as neuroimagens, por exemplo, mostram claramente que a dislexia é uma
disfunção cerebral provocada pela falta de sinapses entre neurônios. Programas
desenvolvidos por profissionais e exercitados adequadamente pelos portadores
dessa disfunção podem atenuar o problema, minimizando-o ou mesmo corrigindo-
o, como mostrou Tallal e Merzenich (in RATEY, 2002).
“Se o professor entende como o cérebro produz cognição, conhecimento,
saberá como facilitar a questão da aprendizagem. Assim, o professor que está ensinando
um conteúdo, por exemplo, de física, buscará uma informação do cotidiano para
exemplificar esse conteúdo. Para o aluno aprender, ele tem que entender o que o
professor está falando. E para chegar ao aluno, o professor deverá rever sua prática”.
(DEL-MASSO)
208
Del-Masso nos diz que o professor deve contextualizar o objeto de
estudo, mostrar aos alunos, por exemplo, a aplicação prática de um ensinamento.
Também podemos inferir que o professor deve usar a mesma terminologia dos
alunos num primeiro momento e verificar o quanto eles já conhecem desse
assunto. Em termos cerebrais, diríamos que o professor deve procurar saber o
quanto de memória sobre o assunto está armazenada nas sinapses envolvidas ou
em termos mentais, quais os esquemas (PIAGET) ou signos (VYGOTSKY) ou
subsunçores (AUSUBEl) ou modelos mentais (LAIRD-JOHNSON), que os alunos
desenvolveram sobre o assunto discutido.
“Não se trata apenas de um modo de ver, mas sim de fazer uma síntese, um
estudo da arte dos conhecimentos relativos à Neurociência Cognitiva e sua contribuição
ao ensino/aprendizado. Atualmente, a escola diferencia seus alunos baseada em
conceitos da Psicologia Clássica que tem duas vertentes. Uma delas puramente
comportamental seleciona os alunos mais comportados daqueles menos comportados
(behaviorismo). A outra separa os alunos através do desempenho nos chamados testes
de inteligência. Ambas não foram satisfatórias em resolver os problemas de
ensino/aprendizagem e acabaram por estigmatizar os alunos. Mas a partir do momento
que o professor conhece as relações entre cérebro e cognição e a importância dessa
relação na relação seguinte, que é ensino/aprendizado, ele pode ter uma visão mais
adequada do aluno, pois é fundamental para o ensino/aprendizado lembrar-se das
dimensões sociais e biológicas dos alunos. Não menos importante é o fato de o professor
não levar em conta o conteúdo dos alunos, o que se torna uma relação predatória, pois
se perdem indivíduos de altíssima competência e criatividade porque, pura e
simplesmente, o sistema de seleção acaba sendo viciado”. (MACIEL)
209
Maciel comenta que não é um mero ponto de vista que a Neurociência
Cognitiva possa contribuir para uma melhor aprendizagem dos conteúdos
escolares. É um fato concreto pois, conhecendo-se os alunos em suas dimensões
biológicas e sociais, os professores podem se utilizar de práticas em que a
relação professor/aluno sejam otimizadas e que estimulem a aprendizagem por
parte dos alunos. Na fala de Maciel encontramos, por parte da Neurociência
Cognitiva, ou mais precisamente do neurologista que pesquisa atentamente os
distúrbios do cérebro, uma necessária aproximação com as teorias da
aprendizagem ou, pelo menos, uma referência a elas, fornecendo-lhes elementos
para compreensão de fenômenos endógenos relativos ao aprendiz. Não temos
certeza, no entanto, se há preocupação de boa parte dos teóricos da
aprendizagem em buscar apoio nas bases teóricas da Neurociência Cognitiva.
Essa visão de Maciel envolve as idéias de Bloom (in RODRIGUES,
1994); Goleman e cols (2002); Huffman e cols (2003); Myers (1998); Atkinson e
cols (2002) e Sternberg (2000b).
Izquierdo mantém-se firme em seu quadro teórico, apresentando a
emoção como condição/componente essencial para a ocorrência da
aprendizagem.
“O professor melhorará seu desempenho sabendo como o cérebro funciona
para fazer a memória, para modulá-la através dos seus estudos emocionais. Esta
modulação é feita por vias nervosas, através de hormônios. Por exemplo, pessoas com
idade entre dez e dezoito anos têm picos de produção de testosterona, que quando forem
altos excitam o aluno e o deixam desatento. Quando os picos são baixos deixam o aluno
210
sem impulsividade, sem interesse em nada. O professor deve, então, aumentar ou
diminuir o grau de tolerância com o desejo que os alunos aprendam”. (IZQUIERDO)
Izquierdo complementa a explicação de Maciel, de Dorneles e de
Dalmaz, através de um exemplo. Devemos também nos lembrar de que as
emoções têm um papel importante na cognição e, às vezes, de forma negativa. É
muito comum jovens da 6ª série dizerem que não gostam, por exemplo, de
matemática, quando na verdade o problema pode ter sido desencadeado por um
professor de anos anteriores. É a memória implícita (inconsciente) em ação e que
é de difícil extinção. Mas o inverso também é verdadeiro: gostar do professor e
também acabar gostando da matéria.
Sob esse aspecto é importante o conceito de inteligência relacional de
Osório, 2003 (in ANASTASIOU e ALVES, 2004).
“O aprendizado escolar depende de processos cognitivos. Assim, o
conhecimento deles e dos mecanismos envolvidos no próprio aprendizado, que é o
objetivo maior da escola, é fundamental para o estabelecimento de estratégias e
metodologias de ensino moderno e eficiente”. (BRITTO)
Poderíamos afirmar que nessa resposta de Britto estão implícitas as
respostas dos demais respondentes.
Neurociência Cognitiva e Matriz Curricular de Cursos de
Licenciatura
211
Em relação à inserção de itens específicos de Neurociência Cognitiva
na matriz curricular nas Licenciaturas/Pedagogia, houve concordância geral.
“Penso que os estudos da área poderiam ser incluídos em diferentes
disciplinas no desenrolar do currículo, especialmente nas disciplinas ligadas aos
processos de aprendizagem” (DORNELES)
“Sim. Mas talvez se for incorporada com o nome de Neurociência Cognitiva,
poderá causar estranheza em muitas pessoas e mesmo resistências. Uma possibilidade
é incorporar seus conteúdos em outras disciplinas. Se isso não for possível, que se
disponibilizem cursos de extensão, de aprimoramento ou especialização que trabalhem
com essa temática, para o professor entender um pouco sobre esse universo contextual
e o quanto é importante para subsidiar o seu cotidiano de sala de aula”. (DEL-MASSO)
Del-Masso tem razão em levantar a hipótese de que possa haver
resistências contrárias à inclusão desses conhecimentos, devido ao não
conhecimento do assunto e à estranheza quanto ao conteúdo que remete à área
de biologia, parecendo não haver conexão com a área de humanas. Nesse caso,
basta a lembrança da informação de que os seres humanos devem ser vistos
tanto em suas esferas biológicas e culturais. Quando se estuda a construção do
conhecimento por meio dos mecanismos cerebrais que nos remetem à metáfora
de rede (Machado, 2002), e, conseqüentemente a uma interdisciplinaridade, a
proposta de uma disciplina para estudar o tema, segundo os entrevistados, seria
incoerente.
212
Maciel, no entanto, discorda em relação ao ponto de partida para a
compreensão de fenômenos no campo da Neurociência Cognitiva.
“Eu diria que a resposta é positiva no seu absoluto e a estratégia no seu início
poderia ser a introdução de uma disciplina e depois formar grupos de interação
multidisciplinar numa primeira instância e evoluindo para a interdisciplinar numa segunda
instância dentro dessa estratégia, a partir do momento em que as pessoas comecem a
manipular os mesmos conceitos e a terem também uma semântica desses conceitos,
também parecida.” (MACIEL)
Maciel propõe a sua inclusão, inicialmente como disciplina isolada
evoluindo para a interdisciplinaridade num continuum, conforme defende uma
corrente francesa de estudos interdisciplinares, defendida por Michaud, Da Matta,
Guattari (citados por POMBO, 2003). Mas o importante em sua fala é a referência
que faz à manipulação desses conceitos por todos assim como a terminologia a
ser usada.
Izquierdo parece crer na utopia em relação a essa questão.
“Sim, eu acho que sim. Pelo menos de uma forma elementar, digamos no
mesmo nível que estou usando agora; talvez explicitando mais os nomes dos hormônios,
os nomes das áreas nervosas envolvidas. Isso é necessário, pois vai ajudar os
professores a entenderem o que acontece na relação com seus alunos. Poderia ser
incluída numa outra disciplina. Poderia ser também uma disciplina própria, mas em
muitos lugares do Brasil, assim como do mundo, vai ser impossível porque os centros
que formam pedagogos, por exemplo, nem sempre têm condições humanas, o pessoal
213
capaz de dar aulas desse tipo ou, na biblioteca, alguém que saiba indicar que livros usar”.
(IZQUIERDO)
Izquierdo levanta a dificuldade de colocar em ação o desenvolvimento
de tal curso, pois haverá lugares em que o contingente humano para tal, será
precário.
“Sim. A forma deve ficar a cargo das respectivas confissões de carreira, se
em forma de disciplina, de seminários específicos ou de outros modos. Os professores
com conhecimentos relacionados à Neurociência Cognitiva estariam mais habilitados a
perceber as formas de aprendizado de seus estudantes e a compreender eventuais
dificuldades”. (DALMAZ)
Embora todos os respondentes concordem que a inclusão da
Neurociência Cognitiva seja necessária, dentro de uma única disciplina ou
fazendo parte de outras, Britto é mais específico: dentro de uma disciplina.
Tempo de Estudo e Formação da Memória
Como explicitado anteriormente, a questão relativa ao tempo a ser
reservado pelos alunos para estudar um determinado assunto, depois da aula, foi
apresentada para apenas dois sujeitos.
214
“Não acho que o aprendizado se dê em apenas em sala de aula. Para que a
memória de longo prazo seja desenvolvida é necessário que o aluno discuta o assunto
com seus amigos, familiares, revendo seus conteúdos até mesmo sozinho. O
aprendizado é dinâmico, acontece o tempo todo. Quando juntamos informações que
temos hoje com a compreensão do mesmo assunto que tivemos no passado, emerge
uma nova memória. Isso é construção do conhecimento”. (DEL-MASSO)
O fato de que o conhecimento inicia-se com a formação de memórias e
que essas devem ser fortalecidas (PLP) foi amplamente exposto nesse trabalho
por meio de estudos citados por Lieury (1997); Kandel e cols (2003); Squire e
Kandel (2003); Ratey (2002); Myers (1999); Gardner (2000) e Khalsa (1997).
Outro ponto extremamente importante da memória é a noção do
esquecimento, pois informações que não são significativas, nós as descartamos.
Essa também é a opinião de Izquierdo.
Del-Masso não especifica por quanto tempo o aluno deve exercitar
suas sinapses para desenvolver as memórias de longo prazo de um determinado
assunto. Mas deixa claro que esse exercício deve ser feito e deve ser
significativo.
“A sua pergunta é muito oportuna, particularmente quando você transita no
meio dos professores. Existe um erro de interpretação conceitual dos professores que
tentam rechaçar os mecanismos de memorização como se eles fossem separados dos
mecanismos de aprendizagem. Ora, em Neurociência Cognitiva não é assim que
funciona. O aprendizado se dá através de recursos mnemônicos, ou seja, os famosos
mecanismos de repetição, de decoração. As famosas decorebas são recursos
mnemônicos que facilitam a manutenção dos mecanismos de memorização. Quanto ao
215
número horas que um indivíduo deve reservar para assimilar determinado assunto, deve
ser o máximo possível, lembrando que os alunos que lêem mais, têm maior
conhecimento de assuntos e assim mais facilidade para aprender novos conhecimentos
ou aprofundá-los” (MACIEL)
Maciel já é mais pontual quanto ao número de horas necessárias à
formação e armazenagem de novos conhecimentos: o máximo possível,
dependendo de conhecimentos anteriormente armazenados nas memórias.
“A prática leva à perfeição” (SQUIRE e KANDEL, 2003).
Em Síntese
Na nossa trajetória metodológica, explicitamos o critério de escolha dos
sujeitos, seis profissionais de cinco formações iniciais diferentes – dois médicos,
um biomédico, uma farmacêutica, uma pedagoga, e uma assistente social – que
em suas trajetórias profissionais tiveram o mesmo campo de interesse de
pesquisa, mostrando assim que a Neurociência Cognitiva é uma área
interdisciplinar.
Desta forma, o ponto principal da pesquisa não era ressaltar a
importância das pesquisas em Neurociências Cognitiva, pois teríamos como
resposta o óbvio, o que foi demonstrado pelas posições defendidas em seus
campos de conhecimento; desejávamos, sim, buscar contribuições das pesquisas
desse campo no contexto da educação escolar. Sentíamos, sim, a carência desse
216
tema no contexto da formação de professores, tendo em vista a importância
destes profissionais na constituição de aspectos mentais de um indivíduo por
parte da escola, mesmo reconhecendo que a instituição escolar não é a única
responsável por esses aspectos, mas é a única que apresenta uma estrutura
organizacional que possibilita observações, estudos e ações mais planejadas
para o desenvolvimento da mente.
Fizemos um recorte das falas de alguns sujeitos para direcionar o
trabalho a seus objetivos, mas os relatos suscitaram a exploração de mais pontos
importantes da Neurociência Cognitiva.
Assim, como era de se esperar, todos os respondentes concordaram
com a necessidade da inclusão de conhecimentos da Neurociência Cognitiva nos
cursos de Formação de Professores / Pedagogos, embora tivessem idéias
complementares de como esses conhecimentos poderiam ser incluídos em tais
currículos. Sentimos que esses posicionamentos levam-nos a pensar na formação
que os educadores devem ter para, em sala de aula ou em outros ambientes de
aprendizagem – como os relacionados à informática, aos sistemas de informação,
aos materiais manipulativos, às simulações, aos jogos, aos estudos de campo,
por exemplo – promoverem atividades que desenvolvam a mente humana na fase
de grande potencialidade do aluno: a infância e a adolescência.
A contribuição dos respondentes foi também no sentido de nos
alertarem para o fato de que os processos cerebrais são fundamentais para uma
melhor compreensão da cognição, da emoção, da motivação e do comportamento
em geral. São aspectos mais abrangentes que reforçam as teorias de
aprendizagem que citamos no Capítulo 1 – Teorias da Aprendizagem e os
Estudos da Mente, principalmente as que levam em consideração os aspectos
217
bio-psico-sociais do aprendiz. Assim, os depoimentos coletados revelam que
mecanismos biológicos, químicos e físicos comprovados por imagens
possibilitadas pela tecnologia são ancoradouros para as teorias da aprendizagem
elaboradas a partir de atitudes demonstradas pelo indivíduo.
Cabe também ressaltar a importância dada à constituição da memória
no ato de aprender. A memória foi realçada por Dalmaz, Del-Masso, Maciel e
Izquierdo explicitamente. Brito e Dornelles referiram-se ao fato de que a memória,
juntamente com a percepção e a atenção, constituem as bases da cognição, de
acordo com o que revelam as pesquisas da Neurociência Cognitiva. Neste
sentido, há um caminho a percorrer, já que, nas últimas décadas, em
contraposição ao ensino dito “tradicional”, reforçou-se a idéia de que o processo
de memorização não acarreta a aprendizagem, sem ressaltar a contribuição da
memória na articulação dos conceitos e fatos para a constituição do raciocínio e
da inteligência.
Assim, em decorrência das reflexões sobre as posições dos
respondentes e do vasto referencial hoje disponível, cabe-nos posicionarmos
favoráveis à presença de discussões sobre Neurociência Cognitiva nos cursos de
formação de professores e, principalmente, em espaços de debate entre os
formadores de professores. Isto implica uma revisão dos projetos pedagógicos
dos cursos de licenciatura e de pedagogia, e de linhas de pesquisa na área da
educação para a incorporação de elementos novos que contribuem para a
formação de mentes à busca de solução de grandes e complexos problemas que
afetam a humanidade – objetivo da ciência.
Cumpre-nos ainda ressaltar que, das contribuições dos estudos e dos
depoimentos, implicitamente encontra-se a necessidade de se pensar que, para o
218
desenvolvimento de algumas inteligências, a relação professor/aluno deve ser
revista, constituindo um estudo à parte.
219
7. CONSIDERAÇÕES FINAIS
221
A Neurociência Cognitiva tem sido apontada por muitos – a exemplo de
Kandel, Gazzaniga, Lundy-Ekman, Sternberg, Mora, citados no capítulo 2 – como
o conhecimento que revolucionará os processos educacionais. Mas essa
concepção deve ser vista com uma parcimônia, pois, provavelmente, ela não
substituirá as várias correntes de ensino/aprendizagem desenvolvidas durante o
século XX. Ela deve ser vista como mais um subsídio para análise de tais teorias,
como um atributo provocador de uma reflexão sobre ensino/aprendizagem à luz
dos processos cerebrais que originam a cognição e o comportamento. Por outro
lado, como uma ciência que está em seu nascedouro, ainda faz mais perguntas
do que oferece respostas. Em muitos casos, descreve as fases da cognição em
níveis neurais e mentais, mas ainda não explica seus mecanismos intrínsecos.
Devemos, pois, ter cautela, ao pensar que ela se inclina a resolver todos os
problemas educacionais. Cabe-nos alertar, também, para o fato de que o uso
dessa ciência só será eficaz, se for aplicado com o devido conhecimento do
funcionamento do cérebro; pois, caso contrário, corremos o risco de que
pesquisas futuras concluam que a Neurociência Cognitiva também não conseguiu
resolver os problemas escolares e sociais, como aconteceu com algumas teorias
que foram mal interpretadas e conseqüentemente mal aplicadas. Não devemos,
no entanto, deixar de reconhecer a contribuição que cada estudo vem oferecendo,
de forma cumulativa, para os avanços das teorias da aprendizagem vivenciadas
em nossas escolas, assim como não podemos cair na tentação de querer adaptar
simplesmente a Neurociência Cognitiva às teorias já existentes, pois certos
conceitos devem ser revistos.
É o caso, por exemplo, dos estudos relativos à memória, a base de
todos os processos cognitivos e comportamentais que nos levarão ao
222
conhecimento. Hoje, entendemos que a partir das memórias das informações nas
redes neurais é que desenvolveremos os esquemas mentais (Piaget) ou os
modelos mentais (Johnson-Laird) ou os subsunçores (Ausubel) ou os signos
(Vygotsky).
Também entendemos que as informações memorizadas têm que ser
entrelaçadas, enredadas para levar-nos ao conhecimento e que esse processo de
pensamento ativo é o raciocínio. O conhecimento passa a ser constituído por uma
nova rede neural no processo de aprofundamento de um assunto ou para a
obtenção de novos conhecimentos.
Portanto, temos razões para considerar que informações não
selecionadas e enredadas devidamente, fenômeno que entendemos por
raciocínio, não nos levarão à constituição de um sistema que denominamos
conhecimento. Assim, não podemos raciocinar sem um devido conjunto de
informações; a relação de poucas ou indevidas informações remete-nos fácil e
levianamente ao estabelecimento de pré-conceito ou ao que costumeiramente é
denominado “conhecimento em nível do senso comum”. Passa a ser, então, de
grande importância, o estudo da aquisição e retenção das informações como
parte importante e integrante da aprendizagem escolar para a constituição do
conhecimento.
Algumas pessoas poderão achar que a Neurociência Cognitiva remete
o ensino/aprendizagem ao condicionamento clássico de Pavlov ou ao
behaviorismo de Watson e Skinner, pois usa os termos: comportamento,
condicionamento e automatização. A Neurociência Cognitiva preocupa-se com as
funções mentais que advêm do cérebro, ao passo que nos estudos de Pavlov e
223
Skinner não havia preocupação com os processos mentais produzidos entre um
estímulo e uma resposta.
Os neurocientistas atuais criticam tais pensamentos e comprovam, na
prática, os enganos do behaviorismo. Não é pelo fato de duas escolas de
pensamento apropriarem-se de processos cerebrais que necessariamente sejam
iguais, a mesma coisa.
Quando falamos, não pensamos nas letras ou nas sílabas que irão
formar nossas palavras. Não pensamos nem nessas palavras. Elas são
pronunciadas automaticamente por nós, em nossas conversas ou escritos.
Retomamos, então, o início deste trabalho e questionamos as
colocações obtidas por estudantes brasileiros no teste Pisa (p.6) fazendo pelo
menos quatro indagações: em que pesem os inúmeros fatores relacionados à
aprendizagem, mas que não vêm ao caso neste estudo, estão nossos alunos
potencializando suas memórias de longo prazo referentes às informações
escolares?” “Estão nossos alunos sendo incentivados/motivados a raciocinar?”
“Estão nossos alunos aprendendo a raciocinar?” “Estão nossos alunos
aprendendo a construir conhecimentos?” Sugerimos que estas questões possam
ser alvo de uma pesquisa acadêmica, pois envolvem outros conceitos como, por
exemplo, prontidão, motivação, aptidão e habilidade.
Mas no espaço de promoção de ensino e da aprendizagem formais, a
motivação para aquisição, tessitura e encadeamento das informações é algo
essencial. Não somente o aluno que aprende deve estar motivado, mas também o
professor, aquele que o ensina, ou melhor, que intermedeia o processo de
construção do conhecimento. Temos, pois, nesse cenário, dois tipos de sujeitos
que devem interagir, dois seres providos de individualidades, cada qual com sua
224
história de vida, seu objetivo no espaço escolar. Mas o ator principal desse
cenário é o professor, que não poucas vezes tem que representar vários papéis,
além dos relacionados à construção do conhecimento, conforme ocorrem as
transformações políticas, econômicas e tecnológicas, com reflexos no campo
social e familiar. Trata-se de um fenômeno presente no mundo ocidental, em que
as famílias estão delegando à escola, a socialização primária de seus filhos, ou
seja, a difícil tarefa de educá-los. Ensinar e cobrar posturas sócio-emocionais
adequadas para relacionamentos sociais passaram a ser responsabilidades da
escola e, por conseguinte, dos professores. Estudos como os realizados na
província de Málaga, Espanha, mostram o estresse causado pelas políticas e
transformações educacionais sobre os professores, desde os anos 1982 até
1989, onde o absenteísmo foi justificado com atestados médicos (Esteve, 1999).
No entanto, promover a construção do conhecimento é papel imutável
da escola e, por conseqüência, do professor. Esse processo, porém, não ocorre
sem conhecimento dos mecanismos para o desenvolvimento da memória e do
raciocínio. Cabe indagarmos se a formação de futuros professores, pedagogos ou
educadores de um modo geral concorre para isso. As atuais diretrizes curriculares
levam em consideração estudos do ser humano, particularmente relacionadas ao
cérebro na constituição do conhecimento para que esses futuros educadores
possam detectar, corrigir ou fazer encaminhamentos necessários para os
possíveis distúrbios de aprendizagem com os quais se defrontarão em sua
trajetória profissional? Acreditamos que não. Os estudos dos teóricos e dos
pesquisadores que se posicionaram neste trabalho levam-nos a essa afirmação.
Contudo, se ocorreu a inquietação do leitor frente ao tema, já atingimos
parte do nosso objetivo. Mas como pesquisador diante das evidências surgidas no
225
decorrer dos estudos e entrevistas, a inquietação nos leva a sugerir a presença
da Neurociência Cognitiva nos conhecimentos desenvolvidos nesses referidos
cursos, onde professores e pedagogos poderão aplicar princípios e
procedimentos em suas práticas, procurando tornar a sala de aula mais
direcionada às finalidades da educação formal nas mais diversas tendências
educacionais, além de mais agradável para eles e para os alunos, na esperança
que estes se sintam motivados à aquisição dos conhecimentos necessários para
uma vida profissional produtiva e cidadã.
Caso a sugestão seja aceita por instâncias definidoras de políticas
educacionais, cabe indagarmos de que forma seria acatada: como uma nova
disciplina ou fazendo parte de outras? Pensamos que antes dessa decisão seria
aconselhável pensar nos formadores de professores para a abordagem desses
conhecimentos. Como já explicitamos, a Neurociência Cognitiva é a reunião de
várias disciplinas que, às vezes, são constituídas por outras. Com isso, queremos
dizer que os olhares dos estudiosos dessa ciência cognitiva dirigem-se a variadas
direções e o foco de atenção de cada um pode ser muitíssimo diferente, embora
as bases sejam as mesmas. Por exemplo, o foco de um neurofisiologista é
diferente do foco do filósofo da mente. Qual seria, então, o foco a ser dado ao
educador? Estariam os profissionais do campo da Neurociência Cognitiva aptos a
desenvolverem os conceitos básicos na área da educação? Até que ponto esses
profissionais sabem a respeito do que é educar? Dados esses argumentos
teríamos que escolher entre preparar esses profissionais do campo da
Neurociência Cognitiva para a área da educação ou desenvolver esses
conhecimentos com professores da área da educação, em cursos de extensão
sob a forma de seminários interdisciplinares, em que as trocas de conhecimentos,
226
conceitos e terminologias fossem apreendidos por todos? Assim, teríamos os
profissionais para desenvolverem os conceitos e aplicações práticas dos
conhecimentos adquiridos?
Recordemos, então, as opiniões de nossos entrevistados a respeito da
inclusão das Neurociências Cognitivas nos currículos dos cursos de formação de
professores/ pedagogos.
Maciel: defende que poder-se-ia começar com introdução de uma
disciplina e depois formar grupos de interação multidisciplinar. A partir do
momento em que as pessoas comecem a manipular os mesmos conceitos e a
terem também semânticas parecidas, passariam a uma instância, a da
interdisciplinaridade.
Izquierdo: argumenta que poderia ser uma disciplina própria, mas que
talvez fosse inviável em muitos lugares do Brasil (assim como em outras partes
do mundo) devido à falta de contingente humano em alguns centros formadores
de professores/ pedagogos que dominem o assunto; ou mesmo bibliotecárias que
possam indicar que livros usar. Poder-se-ia então, incluí-la em outra disciplina.
Dornelles: diz que os estudos desse campo poderiam ser incluídos em
várias disciplinas.
Britto: acha interessante incorporar itens da Neurociência Cognitiva em
uma disciplina já existente.
Dalmaz: sugere que a introdução desse campo nos cursos de
formação de professores e pedagogos deve ficar a cargo das respectivas
comissões de carreiras seja em forma de disciplina, de seminários específicos ou
de outro modo.
227
Del-Masso: acredita que se esta disciplina for incorporada com o nome
de Neurociência Cognitiva, poderá, talvez, causar estranheza em muitas pessoas
e até mesmos resistências por parte delas. Se não houver possibilidade de
incorporar essa disciplina especifica, outras disciplinas devem incorporar os
conteúdos que venham ao encontro da Neurociência Cognitiva. Se isso também
não for possível que se criem cursos de extensão de aprimoramento, de
aperfeiçoamento, de especialização que trabalhem com os conceitos dessa
temática.
Hoje prevalece a política da escola inclusiva, um grande desafio para
profissionais que não tiveram uma formação adequada para trabalhar com os
diversos casos que fogem da normalidade. Por exemplo, no caso da dislexia,
como já foi mencionado, o empecilho no aprendizado do aluno está na falta de
sinapses. Portanto, a ação do professor ou da escola seria a de se basear em
trabalhos já realizados com pessoas que sofrem desse distúrbio e procurar criar
novos recursos pedagógicos que minimizem ou corrijam essa falha o máximo
possível. Outro exemplo, é o caso de portadores de Síndrome de Down, nos
quais o aprendizado é mais lento, mas possível, desde que sejam aplicadas
técnicas didáticas apropriadas como o faz o psicólogo romeno Fuerstein (p.185).
Em ambos os exemplos, deve-se fazer uma reflexão apurada0 no sentido de
fazermos inclusão desses alunos ou de colocá-los em classes separadas. Sabe-
se que as crianças com a Síndrome de Down, que são estimuladas
apropriadamente desde o nascimento, quando incluídas em classes com alunos
que têm seus aparatos neurológicos hígidos, saem-se perfeitamente bem; apenas
são mais lentas para aprender e precisam se esforçar mais. Quando elas têm
228
consciência de seu problema e motivação suficiente para vencê-lo, conseguem
aprender.
Acreditamos não ser demais reafirmarmos nossa intenção ao realizar
este trabalho, que é a de trazer aos meios educacionais informações que, apesar
de estarem sendo divulgadas em jornais e revistas científicas, devem ser vistas,
também, do ponto de vista acadêmico pelos formadores de professores e
pedagogos. Não estamos propondo que se deixem de lado as teorias até então
utilizadas, mas que venham somar a essas. É também uma proposta de mudança
nas matrizes curriculares dos referidos cursos de formação. Temos plena
convicção de que esses novos educadores terão uma outra percepção do que
seja ensino/aprendizagem num contexto de educação de massa. Países como a
Coréia, por exemplo, nos dão provas de que vale a pena investir na educação de
um povo, principalmente de crianças e jovens. Há muitos anos ouvimos dizer que
o Brasil é um país do futuro. Mas o futuro é uma utopia no sentido de atingir
plenamente os anseios de uma geração ou de um momento histórico. Mas cada
conquista é um legado para futuras gerações.
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240
9. ANEXOS
ANEXO A - COMPARAÇÃO EDUCACIONAL ENTRE PAÍSES
REALIZADO PELA OCDE
Tabela 1. Classificação do Brasil entre os países avaliados em Matemática, Leitura e Ciências.
Fonte: Veja, 15 dez 2004, ed. 1884, ano 37, n.50.
241
ANEXO B - O GIRO PRÉ-CENTRAL DO CÓRTEX MOTOR
Figura 1. A área em verde representa o córtex motor
responsável pelos movimentos do corpo.
Fonte: Kandel e cols (2003).
242
ANEXO C - PESSOAS COM DIFICULDADES NA FALA E AS RESPECTIVAS
LESÕES NO CÉREBRO
Figura 3. Os pacientes com lesão da área
de Wernicke apresentam distúrbios de
compreensão da fala.
Fonte: Lent (2004)
Figura 2. Os pacientes com lesão da área de
Broca apresentam distúrbios de expressão da
fala. Fonte: Lent (2004)
Figura 4 . Os pacientes com lesão do feixe arqueado
apresentam deficiências na repetição de frases.
Fonte: Lent (2004)
243
ANEXO D - O CÉREBRO SEGUNDO A CLASSIFICAÇÃO DE BRODMAN
Figura 5. Divisão do cérebro em 52 áreas anatômicas e funcionalmente
diferentes no córtex cerebral humano.
Fonte: Kandel e cols (2003).
244
ANEXO E - OUTRAS ÁREAS ESSENCIAIS PARA A MEMÓRIA
Figura 6. Pontos na superfície do hemisfério esquerdo, onde uma estimulação elétrica
resultou em interferência na fala. A interferência inclui interrupção total da fala, hesitação,
pronúncia indistinta, repetição de palavras e incapacidade de nomear. [Penfield e Roberts,
Speech and Brain Mechanisms, Fig. VII-3, p.122, (Princeton, N.J.: Princeton University Press,
1959 ). Reimpressão permitida por Princeton University Press.]
Fonte: Spinger e Deutsch (1988).
Figura 7. À esquerda a paciente imediatamente antes da cirurgia com anestésico no couro
cabeludo; À direita: a superfície exposta de seu córtex. As etiquetas com números denotam
localizações eletricamente estimuladas.
Fonte: Gazzaniga e Heatherton (2005).
245
ANEXO F - REGIÕES ESPECÍFICAS DO CÓRTEX ENVOLVIDAS COM O
RECONHECIMENTO DA PALAVRA FALADA OU ESCRITA PODEM SER
IDENTIFICADAS PELA TOMOGRAFIA POR EMISSÃO DE PÓSITRONS (TEP)
B
A
D
C
Figura 8. As quatro imagens do cérebro humano aqui mostradas são do córtex do hemisfério
esquerdo de indivíduos normais e as cores vermelho e amarelo representam atividades
razoavelmente elevadas.
A Olhando palavras.
B Ouvindo palavras.
C Pronunciando palavras.
D Pensando em palavras.
Fonte: Kandel e cols
(
2003
)
.
246
ANEXO G - MANEIRAS DE VISUALIZAR O INTERIOR DO CÉREBRO ANEXO G - MANEIRAS DE VISUALIZAR O INTERIOR DO CÉREBRO
Nosso sistema de recepção de informação é nosso cérebro, palavra
que designa o tecido encontrado dentro do crânio. (GAZZANIGA e
HEATHERTON, 2005)
Nosso sistema de recepção de informação é nosso cérebro, palavra
que designa o tecido encontrado dentro do crânio. (GAZZANIGA e
HEATHERTON, 2005)
Para os anatomistas visualizarem o interior do cérebro, costuma-se
cortá-lo em determinadas direções, que são definidas por planos, segundo
convenções.
Para os anatomistas visualizarem o interior do cérebro, costuma-se
cortá-lo em determinadas direções, que são definidas por planos, segundo
convenções.
A
B B
C C
Figura 9. Planos de corte.
Fonte: Kandel e cols (2003).
Figura 10. Planos e cortes do encéfalo.
Fonte: Lundy-Ekman (2004)
247
ANEXO H - HEMISFÉRIOS E LOBOS DO CÉREBRO
Figura 11. O cérebro tem dois hemisférios: o esquerdo e o direito
e cada um quatro lobos: frontal, parietal, temporal e occipital.
Fonte: Kolb e Whishaw (2002).
248
ANEXO I - AS LESÕES NO CÉREBRO DE H.M. E SEU APRENDIZADO
NÃO CONSCIENTE
Figura 12. Lesão no lobo temporal e a retenção da memória.
A. A extensão longitudinal da lesão do lobo temporal do paciente H.M. em uma vista
ventral do encéfalo.
B. Cortes coronais mostrando a extensão estimada das áreas de remoção cirúrgica no
encéfalo do paciente H.M. A ressecção cirúrgica foi bilateral, realizada em procedimento
único. O lado direito, intacto é mostrado aqui para ilustrar as estruturas que foram
removidas. (Modificado de Milner, 1966.)
C. Imagem de ressonância magnética (MRI) de uma secção parassagital do lado
esquerdo do encéfalo do paciente H.M. A barra de calibração no lado direito do painel
indica 1 cm de aumento. A porção removida do lobo temporal anterior está indicada por
um asterisco. A porção remanescente da parte intraventricular da formação hipocampal
está indicada por uma seta aberta.
Aproximadamente 2 cm de formação hipocampal intacta é visível bilateralmente. Note
também a intensa degeneração cerebelar, que pode ser vista pelos grandes espaços
entre as folhas cerebelares. (De Corkin et al., 1997.)
Kandel e cols (2003).
(Ver também anexo M)
249
250
Figura 13. H.M. tinha de traçar a figura de uma estrela enquanto
observava em um espelho. Essa é uma tarefa difícil, mas H.M. melhorou
com o passar do tempo. Entretanto, ele não tinha nenhuma consciência
de ter realizado a tarefa antes.
Fonte: Gazzaniga e Heatherton (2005).
Gráfico 1. H.M. melhorou progressivamente com o passar do tempo, embora não tivesse
a consciência desse aprendizado. Fonte: Gazzaniga e Heatherton (
2005).
ANEXO J - A SUBSTÂNCIA CINZENTA E A SUBSTÂNCIA BRANCA
Figura 14. Corte coronal do cérebro revelando as
substâncias cinzenta e branca. A substância branca é
constituída de axônios circundados por grande
quantidade de mielina. A substância cinzenta é
constituída principalmente de corpos celulares
neuronais. Fonte: Lundy-Ekman (2004).
A substância cinzenta ou córtex é a camada mais externa do cérebro e
é composta por seis camadas de células (neocórtex) denominadas neurônios.
Sua espessura varia de 1,5mm a 3,0mm. (KOLB e WHISHAW, 2002)
Figura 15. O neurônio.
Fonte: Myers (1999).
251
Cada neurônio é formado por um corpo e prolongamentos fibrosos,
distinguindo-os em dois tipos: os dendritos que recebem as informações e os
axônios que as distribui. Geralmente os dendritos são mais curtos que os axônios,
que, às vezes, podem ser muito longos. Normalmente existem, em um neurônio,
um axônio e muitos dendritos.
A substância branca é formada por células de sustentação
denominadas células gliais. Essas podem ser pequenas e denominadas de
micróglia (ex.: astrócito) e podem ser maiores e chamadas de macróglia (ex.:
oligodendrócitos e células de Schuvann).
Segundo Araque e cols, 1999 (in LUNDY-EKMAN, 2004) os astrócitos
têm um papel na sinalização celular, isto é, na passagem do influxo nervoso de
um neurônio para outro. Os astrócitos formam uma conexão entre neurônios e
capilares, fornecendo nutrientes. (KOLB e WHISHAM, 2002)
Os oligodendrócitos e as células de Schuvann são os responsáveis
pela mielinização de um axônio, isto é, recobrem os axônios com uma camada
protetora que facilita a passagem do influxo nervoso. Essa camada é denominada
bainha de mielina.
252
Figura 16. Pés terminais de astrócitos. Os astrócitos
formam uma conexão entre neurônios e capilares,
fornecendo nutrientes.
Fonte: Lundy-Ekman (2004).
253
Figura 17. Mielinação. Os oligodendrócitos fornecem
as bainhas de mielina no sistema nervoso central.
Fonte: Lundy-Ekman (2004).
ANEXO K - OS PROCESSOS ELETROQUÍMICOS NOS NEURÔNIOS
A membrana que reveste um neurônio é semi-permeável, isto é,
existem substâncias que passam facilmente por essa membrana e outras, que só
o fazem quando passagens especiais na membrana estão abertas. Essas
passagens, chamadas “canal de íons”, são moléculas de proteínas em forma de
rosca que formam poros através da membrana celular. Cada canal iônico é
seletivo, isto é, permite que apenas um tipo de íons passe por ele quando aberto.
Figura 18. A membrana celular é seletivamente permeável. Os íons
podem entrar no neurônio quando os canais de íons estão abertos, mas são
bloqueados quando os canais de íons estão fechados. Os canais são
especializados para íons específicos. Assim, o canal de Na
+
controla apenas
a passagem de Na
+
.
Fonte: Gazzaniga e Heatherton (2005).
254
Figura 19. Pressão eletrostática, difusão e a bomba de sódio-potássio
operam para manter o fluxo de K
+
E Na
+
para dentro e para fora do
neurônio. Em resultado desses processos, existe uma maior quantidade
de potássio dentro do neurônio e de sódio fora do neurônio, o que
contribui para o potencial da membrana em repouso.
Fonte: Gazzaniga e Heatherton (2005).
Tanto no interior do neurônio quanto no meio externo ao seu redor
existem íons livres (átomos com carga elétrica) e quando o neurônio está em
repouso (não está transmitindo informações) existe uma bomba natural que
mantém os íons em seus sítios naturais. Por exemplo, se o íon sódio (Na
+
) entra
no neurônio, a bomba de íons transporta-o para fora e se o íon potássio (K
+
) sai
do neurônio, ele é bombeado para dentro. Como cargas elétricas “geram” um
potencial, percebe-se que na membrana há um potencial elétrico interno a ela e
outro externo. A função da bomba de íons é manter o interior do neurônio mais
negativo que o exterior. Diz-se, então, que a membrana está polarizada (em
repouso).
255
Figura 20. Fonte: Lundy-Ekman (2004).
Quando o neurônio é estimulado, a diferença de potencial entre os dois
lados da membrana é reduzida. Se essa queda de voltagem é grande o bastante,
os canais de Na
+
abrem-se brevemente no ponto estimulado e íons Na
+
entram
em grande quantidade na célula. Esse processo é denominado despolarização.
Figura 21. Fonte: Lundy-Ekman (2004).
256
Canais vizinhos detectam a queda de voltagem e abrem-se, fazendo
com que a área adjacente se despolarize e assim sucessivamente. Essa
despolarização contínua ao longo do neurônio, denomina-se potencial de ação e
é assim que um estímulo é propagado ao longo do neurônio. O estímulo inicial
deve ser forte o suficiente para vencer o limiar de excitação do neurônio e
desencadear o potencial de ação.
Figura 22. Propagação do potencial de ação. A, Uma
corrente despolarizante se dissemina passivamente axônio
abaixo, fazendo o interior do axônio tornar-se mais positivo
do que quando a membrana está em repouso. B, Na
membrana adjacente os canais de Na
+
se abrem quando a
corrente despolarizante atinge o nível limiar, causando a
despolarização rápida da membrana. C, É gerado um
potencial de ação e a corrente despolarizante continua a
propagar-se axônio abaixo.
Fonte: Lundy-Ekman (2004).
257
Quando essa propagação chega ao extremo do axônio, ela deverá ser
passada a outro neurônio (sinapse). Mas os neurônios não se comunicam
diretamente entre eles, há um espaço denominado fenda sináptica. As
substâncias químicas que levam a mensagem elétrica de um neurônio para
outro(s), são denominadas neurotransmissores. Segundo Atkinson e cols (2002,
p.60), “mais de 70 neurotransmissores já foram identificados e outros, certamente,
serão descobertos”.
Figura 23. Fonte: Lundy-Ekman (2004).
A membrana pós-sináptica contém receptores com moléculas
especializadas visando à fixação de neurotransmissores específicos. Quando um
neurotransmissor se une ao receptor, esse último muda de forma e essa nova
configuração pode abrir canais iônicos na membrana pós-sináptica e desencadear
alterações na atividade da célula pós-sináptica (ativação de mensageiros
intracelulares associados ao receptor de membrana). A quantidade de
neurotransmissor liberada pelo terminal pré-sináptico está diretamente
258
relacionada ao número total de potenciais de ação que chegam ao terminal por
unidade de tempo (LUNDY-EKMAN, 2004). Quanto maior foi o estímulo que
chega ao terminal pré-sináptico (por exemplo: vários neurônios excitando um
neurônio pré-sináptico, gerando vários potenciais de ação que se somam) maior
será a quantidade de neurotransmissor liberada pela célula pré-sináptica. O
mesmo acontece quando o estímulo ao neurônio pré-sináptico é mais longo (por
exemplo: repetição do estímulo) e mais potenciais de ação são disparados.
Muitos são os neurotransmissores, mas alguns são mais importantes,
pois têm ação na aprendizagem e no desenvolvimento. Um deles é o glutamato
que age como o principal transmissor excitatório rápido do sistema nervoso
central (MELDRUM, 2000 in LUNDY-EKMAN, 2004). O glutamato provoca a
mudança neuronal que ocorre durante o aprendizado e no desenvolvimento.
Quando o glutamato é liberado no neurônio pré-sináptico e chega no
neurônio pós-sináptico, seu receptor pode ser do tipo NMDA (N - metil - D -
aspartato) que foi considerado importante em alterações duradouras nas sinapses
(TRIST, 2000 in idem). A potenciação prolongada (um aumento prolongado no
tamanho da resposta pós-sináptica a um dado estímulo) é um mecanismo
passível de alterações neurais durante o desenvolvimento e aprendizado.
Figura 24. Fonte: Lundy-Ekman (2004).
259
A potenciação prolongada (PP) é iniciada pelos receptores NMDA (não
mostrado). Observa-se que após 60 minutos houve uma alteração sináptica que
se mantém. Agora são duas sinapses. “Alterações duradouras, incluindo a síntese
de novas proteínas e o estabelecimento de novas conexões sinápticas, acarretam
uma resposta mantida e a memória de estímulos específicos”. (LUNDY-EKMAN,
2004, p.64).
Segundo Khalsa:
Graças à potenciação a longo prazo, ou PLP, todas as vezes que
você vê ou pensa sobre uma informação, em particular, ela se
torna mais fácil de lembrar biologicamente da próxima vez que
você voltar a ficar exposto a ela. A repetição da exposição, não só
intensifica sua memória como a aumenta exponencialmente. Em
outras palavras, se você vê a mesma informação cinco vezes, não
ficará apenas mais cinco vezes propenso a se lembrar dela; ficará
cerca de 20 vezes mais... Depois que você pensou 10 vezes a
mesma coisa, ativando as mesmas sinapses, esse pensamento,
literalmente, navega através delas.
(KHALSA, 1997, p.153)
A potenciação prolongada foi descoberta em 1973 e Izquierdo (2002,
p.36) denomina-a de potenciação de longa duração e “consiste no aumento
persistente da resposta dos neurônios à breve estimulação repetitiva de um
axônio ou conjunto de axônios que fazem sinapses com ela.”
Quando o estímulo se extingue, o Na
+
volta ao exterior do neurônio e o
K
+
volta ao interior, por meio das bombas de íons. Esse fenômeno é denominado
hiperpolarização e, por instantes, o potencial de repouso da célula fica um pouco
mais negativo que o potencial de repouso. A membrana celular retorna ao
potencial de repouso com o fechamento de todos os canais de membrana.
Com a finalidade de mostrar a seqüência de informações sensoriais
locais e de ação na transmissão de informações sensoriais, Lundy-Ekman (2004)
elaborou os seguintes esquemas:
260
Seqüência de eventos após a
estimulação de um receptor sensorial.
É mostrado o fluxo de informações
através da interação entre potenciais
sinápticos. Um potencial do receptor é
gerado pela alteração mecânica
(distensão) do terminal receptor. Um
potencial de ação se propaga da
periferia para a medula espinhal ao
longo do axônio do neurônio sensorial.
A liberação de transmissores químicos
na sinapse com o segundo neurônio
gera um potencial sináptico no
segundo neurônio. Caso o segundo
neurônio receba estímulos suficientes,
é gerado um potencial de ação nesse
segundo neurônio. O potencial de
ação se propaga ao longo do axônio.
Quando esse potencial de ação chega
ao terminal axônico, o transmissor
químico é liberado pelo terminal. O
transmissor se liga, então, a
receptores na membrana do terceiro
neurônio e a abertura dos canais de
membrana gera um potencial
sináptico.
1. Deformação de um receptor periférico para pressão.
2. Potencial do receptor na terminação sensorial.
3. Potencial de ação no axônio sensorial.
4. Liberação do transmissor pelo terminal pré-sináptico
do neurônio sensorial.
5. Ligação do receptor a um receptor com portal
ligante na membrana celular pós-sináptica.
6. Potencial sináptico na membrana pós-sináptica.
Figura 25. Fonte: Lundy-Ekman (2004).
261
ANEXO L - AUMENTO DE ATIVIDADE CEREBRAL
Figura 26. Imagem de PET acompanhando o crescimento de um mesmo paciente, na
idade de 01 até 12 meses, feitas pelo Instituto Crump/ UCLA/ EUA.
Fonte: Arquivos Brasileiros de Psiquiatria, Neurologia e Medicina Legal. Volume 97,
número 4, Out.-Nov.-Dez. de 2003.
Figura 27. Com a ressonância magnética funcional, os neurocientistas verificaram que
95% do volume do cérebro são alcançados até os 5 anos. Os outros 5% são formados
até os 35 anos.
Fonte: Gary Goldstein, presidente Do INSTITUTO Kennedy Krieger, de pesquisas
neurológicas do Hospital Johns Hopkins. In VEJA, ed.1865, ano 37, n.31 , 4 ago. 2004.
262
ANEXO M - OUTRAS ESTRUTURAS NO INTERIOR DO CÉREBRO
Figura 28. Outra visualização do hipocampo. Notar
também a amígdala que é relacionada com as emoções.
Fonte: Kolb e Whishaw, 2002).
263
ANEXO N - MÉTODO MNEMÔNICO PARA LEMBRAR-SE DOS
LOBOS CEREBRAIS
Figura 29. Com a mão direita, fechada em um punho, podem-
se representar as posições dos lobos do hemisfério esquerdo
do cérebro.
Fonte: Kolb e Whishaw (2002).
264
ANEXO O - DOIS PERSONAGENS CITADOS
Figura 30. O savant artístico – Stephen Wiltshire.
Fonte: Gazzaniga e Heatherton (2005)
Figura 31. Genie, uma jovem mulher, em 1971
Fonte: Gazzaniga e Heatherton (2005)
265
ANEXO P - PRÊMIO NOBEL DE MEDICINA E NEUROFISIOLOGIA DE 2000
Figura 32. Eric Kandel.
Fonte: Folha de S. Paulo, 07/05/2006.
266
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