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RÁDIO – UM VEÍCULO SUB-UTILIZADO?...
CONVERSANDO SOBRE ASPECTOS DA
COMUNICAÇÃO RADIOFÔNICA NO RIO DE JANEIRO
Fernando Antônio Mansur Barbosa
Tese submetida ao corpo docente da Escola de
Comunicação da Universidade Federal do Rio de
Janeiro - UFRJ, como parte dos requisitos
necessários para a obtenção do grau de Doutor em
Comunicação e Cultura.
Orientadora: Ilana Strozenberg
Prof.
a
Dr.
a
Rio de Janeiro
2004
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Folha de Aprovação
RÁDIO UM VEÍCULO SUB-UTILIZADO?... CONVERSANDO SOBRE
ASPECTOS DA COMUNICAÇÃO RADIOFÔNICA NO RIO DE JANEIRO
Fernando Antônio Mansur Barbosa
Tese submetida ao corpo docente da Escola de Comunicação da Universidade
Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do
grau de Doutor.
Aprovada por:
Prof.________________________ - Prof.
a
Dr.
a
Ilana Strozenberg
Prof.________________________ - Prof.
Dr. José Amaral Argolo
Prof.________________________ - Prof.ª Dr.ª Ivana Bentes Oliveira
Prof.________________________ - Prof.ª Dr.ª Sonia Virgínia Moreira
Prof.________________________ - Prof. Dr. Carlos A. de C. Moreno
Rio de Janeiro
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2004
Barbosa, Fernando Antônio Mansur.
Rádio – Um veículo sub-utilizado?... Conversando sobre aspectos
da comunicação radiofônica no Rio de Janeiro / Fernando Antônio
Mansur Barbosa – Rio de Janeiro, 2004.
312 f.: il.
Tese (Doutorado em Comunicação e Cultura ) – Universidade
Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, Escola de Comunicação – ECO,
2004
Orientadora:
Ilana Strozenberg
1. Rádio. 2. Comunicação radiofônica.- Rio de Janeiro
3.Comunicadores 4. Indústria Cultural. I. STROZENBERG,
Ilana. (Orient.). II. Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Escola de Comunicação. III. Doutor em Comunicação e Cultura
14
DEDICATÓRIA
Ao Dr. J. Moreira, psicólogo e membro da Sociedade Teosófica no
Brasil; aos meus pais, Aldair Carneiro Barbosa e Amalin Mansur Barbosa;
ao irmão Mauro Roberto Mansur Barbosa e
à amiga-irmã Odete Rangel.
Este trabalho significa também uma homenagem
à D. Lilá, minha professora primária, e ao
professor e radialista Luiz Carlos Saroldi.
15
AGRADECIMENTOS
Agradeço à Prof.
a
Dr.
a
Ilana Strozenberg, pela
orientação calma, segura e atenciosa/generosa.
Ao Prof. Dr Aluízio Ramos Trinta, pelo estímulo
para fazer o Doutorado.
Aos professores Geraldo Vespar, Hugo Mello e
Paulo Vaz pela valiosa colaboração na elaboração do
projeto para o Doutorado.
E muito obrigado a todas as fontes nas quais bebi
para escrever as linhas que se seguem e a todos os
colegas que nos antecederam.
“O que é a palavra? É um vento que passa.
Quem pode encadeá-la? A escrita”
-Al Qalqashandi, século 15 – adaptado-
"A música, dentre as artes, é a mais misteriosa.
Como podem os sons invocar emoções tão fortes,
alegrias e tristezas, lembranças de momentos
especiais ou dolorosos, paixões passadas e
esperanças futuras, patriotismo, ódio, ternura?
16
A música fala diretamente ao inconsciente, criando
ressonâncias emotivas que são únicas. É bem
verdade que um poema ou um quadro também
afetam pessoas de modo diferente. Mas a mensagem
é mais concreta, mais direta. Existe algo de
imponderável na música, um apelo primordial, algo
que antecede palavras ou imagens."
- Marcelo Gleiser -
Qual foi a origem do rádio? Que ela não é recente,
isto é certo. O rádio existiu muito antes de ter sido
inventado. Ele existia sempre que havia vozes
invisíveis: no vento, no trovão, no sonho. Ao ouvir a
história em retrospecto, verificamos que ele era o
sistema de comunicação original através do qual os
deuses falavam com a humanidade.
- Murray Schafer-
Momentos, sementes,
pessoas, tons, tempos diferentes,
unindo gerações, corações, sons,
ouvindo a vida seguindo sempre em frente...
RESUMO
Esta tese pretende traçar aspectos da história da comunicação radiofônica
na cidade do Rio de Janeiro e mostrar as raízes e o crescimento do veículo a partir do
relato de alguns personagens importantes que ajudaram a implantá-lo e a desenvolvê-lo
no país. Aborda o surgimento e a expansão das emissoras em freqüência modulada, o
declínio da AMs comerciais, a ocupação do dial de ondas médias por emissoras ditas
religiosas, registrando ainda a importância do fenômeno das rádios livres ou
comunitárias na discussão do quadro atual do rádio, este trabalho investiga a influência
17
do chamado “Jabá”- execução de músicas mediante pagamento nas programações
radiofônicas, além de apresentar sugestões e novas perspectivas para o veículo com o
advento do rádio digital, levantando questões sobre uma suposta sub-utilização do meio
mais democrático de comunicação no Brasil.
Duas linhas principais foram seguidas:
- A discussão do dio como meio de comunicação com características
próprias, situando- no contexto brasileiro.
- A perspectiva histórica sobre o modo como esse veículo vem sendo
utilizado no Brasil, enfocando a mudança gradativa de ênfase da dimensão política para
a econômica, no quadro da lógica da Indústria Cultural.
A tese privilegia, nessa interpretação, a visão dos comunicadores
enquanto figuras definidoras na produção e difusão das mensagens radiofônicas, e
procura resgatar alguns nomes importantes, mas esquecidos.
ABSTRACT
The present thesis aims at both describing aspects of the broadcast
communication history in Rio de Janeiro city and showing its roots and development as
a medium. It is based on the narration of some important characters that helped not only
to root the radio but also to develop it in the country. It reports the creation and
expansion of modulated frequency broadcasting stations, the decay of AM commercial
stations, the occupation of medium waves on radio dial by allegedly religious
18
broadcasting stations, and it also registers the importance of the phenomenal free radio
stations or community radio stations, In the discussion of the radio present situation, this
work investigates the influence of the so-called “jabá” songs played under payment
conditions in the broadcasting programs. Besides that, it presents suggestions and
prospects for the medium considering the digital radio existence, and it also arouses
discussions about an alleged under usage of the most popular and democratic
communication medium in Brazil.
Two main lines were followed:
- The discussion of radio in the Brazilian context as a communication
medium with its peculiar characteristics.
- A historical perspective about how such vehicle has been used in Brazil,
focusing the gradual change of emphasis from an education and political dimension to
an economical one, considering the cultural industry background.
With such interpretation, the present thesis privileges(puts into evidence)
the perspective of communicators as defining characters in the production and
broadcasting of radio messages. It also tries to redeem some important, but forgotten
names.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO........................................................................................................11
2 RÁDIO CARACTERÍSTICAS E POTENCIAL COMO VEÍCULO DE
COMUNICAÇÃO.........................................................................................................26
2.1 – Rádio é imagem?..................................................................................................26
2.2 – A imagem do Rádio..............................................................................................33
2.2.1 – Flashes de Rec
ortagem........................................................................................45
2.3 – A voz do Rádio – O que é um bom comunicador? ...........................................53
2.4 – "Acabaram de ouvir..." César Ladeira, "o maior locutor do Brasil".............69
19
2.4.1 – Conversando com Renata Fronzi. .......................................................................75
2.4.2 – Rádio Mayrink Veiga – de palco a palanque.......................................................77
3 PRIMÓRDIOS DO RÁDIO FINS EDUCATIVOS E
POLÍTICOS..................82
3.1 – Roquette-Pinto – O pai do Rádio e nosso primeiro comunicador..........
....
......82
3.2 – A Era Vargas, a Era do Rádio................................................................
..............
.88
3.2.1 – Oswaldo Aranha tece alianças.............................................................................90
3.2.2 – O Rádio e a integração nacional..........................................................................94
3.3 – Leonel Brizola e a Rede da Legalidade.............................................................103
4 O DIO COMO EMPRESA NO CONTEXTO DA INDÚSTRIA CULTURAL
BRASILEIRA..............................................................................................................113
4.1 – Luiz Carlos Saroldi – Passeando com ele pelas histórias do dial
.....
...............113
4.2 – O Sucesso da Rádio Cidade – "Fazendo escola em FM"
.....
............................139
4.3 – Ouvindo ouvintes ............................................................................
......
..............143
4.4 – Anna Khoury – Pioneira do Rádio FM no Brasil.......................
......
................151
4.5 – José Carlos Araújo – O narrador esportivo entre o AM o FM......................162
4.6 – As Gravadoras e os espaços no Rádio – Entrevista com Roberto Menescal179
4.6.1 – Pausa para ouvir Tinhorão.................................................................................187
4.6.2 – O preço do sucesso – Quanto custa tocar no rádio............................................191
4.6.3 – Repercussões da entrevista sobre o "jabá".........................................................197
4.6.4 – Chacrinha inverte a lógica das gravadoras........................................................198
5 O QUE É UMA RÁDIO COMERCIAL BEM ADMINISTRADA...................205
6 CONCLUSÃO - RÁDIO-REFLEXÕES
.............................................................216
7 REFERÊNCIAS.....................................................................................................226
8
ANEXOS..............................................................................
...................................238
20
1- INTRODUÇÃO
Peço licença para falar inicialmente um pouco sobre minha própria
experiência com o rádio. Primeiro como ouvinte, depois como profissional, depois
ainda como estudioso. E sempre como um admirador envolvido.
Por que se ouve rádio? Para quê? Como? Onde?
O pensamento parece uma coisa à toa
mas como é que a gente voa
21
quando começa a pensar?
1
2
Ouço rádio desde quando nem me lembro. Criança ainda, certa noite ouvi a
Rádio Sociedade de Ponte Nova – MG – transmitir um incêndio que estava acontecendo
na cidade. Não dormi aquela noite, tamanha a emoção que senti ao ouvir as descrições
do locutor-repórter sobre o fato.
A rua onde eu morava era uma ladeira. Na mesma cidade dos cantores João
Bosco e Tunai, do craque Reinaldo do Atlético Mineiro, do político Milton Campos,
dos locutores José Cunha, Paulo Lopes, do jornalista Zuenir Ventura e muitos outros.
as ladeiras eram diferentes. As rádios, as mesmas. A local e as paulistas, cariocas e
as da capital mineira.
A dio de Ponte Nova tinha uma programação recheada de programas de
auditório. Jota da Luz, Jarbas Barbosa... Vozes possantes, graves. A vizinha, Maria,
sabia as músicas de cor, e as cantava diretamente do palco improvisado no quarto de
passar roupa. Toda a vizinhança gostava de ouvir a voz bonita de Maria desfiar sucessos
de outra Maria, a Ângela. Acho que nunca a aplaudimos pra valer. E ela bem que
merecia.
Os rádios ficavam ligados em várias casas. Mesmo quando nós, a meninada,
estávamos jogando bola, meus ouvidos não desgrudavam do som que nos vinha pelas
janelas. Quando a música me agradava, eu abandonava a pelada, subia correndo as
escadas de minha casa e ligava o rádio, ainda a tempo de ouvir os últimos acordes.
Como aquela criança gostava de sica! Parece que eu entre meus amigos gostava
tanto assim. Tinha o JoHugo, que era cantor, dos bons. Conquistava muitas meninas
com sua bela voz e seu jeito de tocar violão e de cantar. Paciente, tentou me ensinar a
cantar com ele, a fazer alguns contracantos, mas não prossegui. Meu lugar era outro.
Alguns cantores famosos costumavam dar shows na cidade. Não pude
assistir Ângela Maria cantar no Cine Vitória, numa matinê. Acho que eu não tinha
1
Optou-se no presente trabalho pelo uso do nome artístico de autores das músicas nas citações
bibliográficas. No lugar das datas, frequentemente desconhecidas, indica-se o título da composição.
2
LUPISCÍNIO. Felicidade
22
idade, ou dinheiro para o ingresso. João Bosco tinha, e foi. E anos mais tarde fez uma
música em homenagem a ela, Miss Suéter, parceria com Aldir Blanc. Roberto Carlos eu
vi. No Cine Palmeiras. O Calhambeque era o sucesso do momento. É difícil descrever o
que eu senti nos dois momentos: do lado de fora do Cine Vitória e do lado de dentro do
Cine Palmeiras. Muitas emoções! Como viria a cantar o rei.
Eu gostava muito de rádio. Mais do que gostar, idolatrava. Um dia ganhei
um brinde no programa de Edu Guimarães, no quadro "Não diga sim, não diga não". O
ouvinte era entrevistado por telefone e não podia dizer nem sim, nem não. Suando frio,
consegui realizar a façanha. que não tive coragem de ir buscar o prêmio. Não me
achava ainda preparado para entrar naquela espécie de templo.
Gostava muito, demais, de futebol. Criança, ia a todos os jogos dominicais
do Primeiro de Maio e do Pontenovense. Chegava cedo aos estádios, por volta de uma
da tarde. O jogo principal começava às 15 e 30; a preliminar, às 13. Almoçava às
pressas e saía correndo subindo morros, vencendo distâncias, coração a mil. Sem
dinheiro, ficava esperando que alguma alma boa colocasse aquela criança para dentro. A
espera costumava ser longa. Normalmente conseguir entrar faltando 15 minutos para
terminar o jogo principal, quando os portões eram abertos. Às vezes tentávamos entrar
através de manilhas por onde corriam as águas das chuvas, ou pulando o muro. Se nos
vissem, éramos colocados para fora. Nunca fomos presos por essas infrações. Coisas de
criança. Ficávamos com fome e sede, mas tudo valia a pena para nossas almas
pequenas.
A primeira vez que entrei num estúdio de rádio, de verdade já que na
imaginação estive em muitos foi num domingo, depois da missa das nove e meia na
matriz de São Sebastião. A missa de nove e meia era das crianças, celebrada pelo padre
Rafael. Muito bravo, de colocar mulher com vestido sem manga para fora da igreja,
falando alto para todo mundo ouvir. A emissora de rádio ficava ao lado da igreja, numa
pracinha. Prendi a respiração, subi as escadas e... entrei finalmente naquele mundo
mágico, encantado, desconhecido. Era tudo diferente do que pensava. Um grande salão,
que servia de auditório. À esquerda, o recepcionista, o escritório; à direita, dois
23
"aquários": um para o operador de som, outro para o locutor. No meio, o microfone do
apresentador de programas de auditório. Ninguém sabia o que eu sentia. Nem eu. Eu
devia ter uns dez anos de idade. Estava ainda no Grupo Escolar senador Antônio
Martins.
Minha primeira professora no curso primário foi Dona Lilá, mãe de João
Bosco e Tunai. D. Lilá me colocava para declamar poesias e ler discursos. Não sei como
ela percebeu algo em mim naquela época. Havia na sala um aluno de classe social
mais elevada e pressões para que ele fosse o orador da turma na formatura de quarta
série. D. Lilá preferiu agir democraticamente e fez uma eleição com toda a turma.
Ganhei. Pedi ao dr. Mário Clímaco para escrever o discurso. "Neste momento de
profunda emoção, ainda com a voz embargada..." Desta frase eu não esqueci. Fui ao
dicionário ver o significado de embargada. Se que uma criança conseguiria
pronunciar aquelas palavras? João Bosco foi cantar na formatura. Meu discurso viria
antes. Subi ao palco. A voz de fato ficou embargada e o pude continuar. Saí de cena,
fui para trás do palco, João Bosco e D. Lilá me incentivaram, voltei, discursei, fui
aplaudido e abraçado. Não me lembro de ter dado algum autógrafo, nem de brincadeira.
Acho que ali estava começando algo, por causa de D. Lilá.
Nossos destinos parecem ter muitas de suas linhas traçadas; é interessante
encontrar as pessoas que vão nos ajudando a desenrolar o nosso novelo de vida.
Antes do primeiro emprego em rádio, meus pais já me colocavam para
trabalhar na Casa Glória durante as férias. Era a maior loja de tecidos da cidade, vizinha
e concorrente das Casas Pernambucas. Queriam manter a minha mente ocupada. Minha
função era a de vendedor, mas fazia também trabalhos de office-boy. Não ganhava
comissão pelas vendas e sim uma gratificação semanal. Acho que a experiência deve ter
me ajudado na comunicação com as pessoas.
Entrei para a ZYR 2 Rádio Sociedade de Ponte Nova 780 khz em 1968,
com 16 anos de idade mas continuei Casa Glória. Não exigiam 'dedicação exclusiva'.
No dia do teste, durante o jantar, minha mãe receava, meu pai incentivava e fui eu
tentar. Passei. Deveria trabalhar à noite. De 18 às 22 horas, quando a estação saía do ar.
24
Minha mãe consentiu, desde que eu chegasse em casa às 22 horas e quinze minutos.
Impreterivelmente. Assim foi.
Época da Jovem Guarda, Roberto, Erasmo, Wanderley Cardoso, Jerry
Adriani, Golden Boys, Leno e Lílian, Renato e seus Blue Caps, Wanderléa, Agnaldo
Timóteo... Foram os primeiros artistas que toquei e anunciei. Que sonho!
O locutor fazia quase tudo. Lia anúncios, programava as músicas, redigia,
produzia...
Aos poucos idealizei um programa baseado nos meus ídolos do rádio na
época: Hélio Ribeiro, de São Paulo, Haroldo de Andrade, do Rio, Aldair Pinto, de Belo
Horizonte... Tentava imitá-los. Fui me tornando popular na cidade. Os diretores foram
percebendo que eu tinha jeito para a coisa e disponibilidade. Era menor de idade e
assinaram minha carteira depois de minha mãe conversar com o gerente, Arlindo Reis.
Em pouco tempo já me utilizavam para tudo: para transmitir bailes de
debutantes, entrevistar políticos que visitavam a cidade, até churrasco em casa de
pessoas influentes, com direito à banda de sica, nós transmitíamos. Quando a banda
parava de tocar, eu entrevistava os comensais. Interesses políticos dos donos. Recebia
pouco, mas ganhava experiência.
Em 1969, fui cursar o terceiro ano científico em Belo Horizonte. Todos
diziam que eu seria famoso também. Não foi isso que aconteceu. Tive de começar
tudo de novo. Trabalhei em Nova Lima, pertinho de Belo Horizonte, na rádio
Aurilândia. Meu horário era pequeno, apenas de 9 da manhã às 6 da tarde. Almoçava no
ar. Tocava músicas bem grandes para dar tempo de mastigar sem muita pressa. Saía
correndo, pegava o ônibus para B.H., pois as aulas no colégio começam às 19 horas.
Outra experiência muito rica. Nessa dio o locutor também era o operador, ou seja, ele
mesmo falava e colocava as músicas. Sistema que viria a ser implantado no rádio FM na
década de 70.
25
A paixão pela música me levou a viajar com os conjuntos musicais da
cidade, quando iam animar bailes nas cidades vizinhas. Nos bailes, dançava um pouco,
mas ficava a maior parte do tempo vendo e ouvindo os conjuntos tocarem.
1970. Retorno a Ponte Nova. Presto vestibular na Faculdade de Ciências
Humanas recém aberta. Faço Letras. Português-inglês. Passo a dar aulas de inglês no
colégio. Retorno ao rádio, agora como locutor esportivo. Repórter de campo
inicialmente, depois locutor-chefe da equipe de esportes. Narrava os jogos, preparava e
apresentava os programas esportivos. Agora entrava de graça em todos os jogos, e às
vezes colocava algumas crianças para dentro do estádio. Novas experiências. Dentro da
sala de aula e dentro dos campos. Cometíamos muitas gafes, nos dois setores.
Estávamos aprendendo, como acontece até hoje.
1972. Formatura. Luiz Raimundo, secretário da faculdade, ouve o tal do
destino? que a rádio Nacional do Rio de Janeiro está abrindo testes para locutores
com nível universitário. Resolvo tentar. Pego o trem de ferro. José Cunha, narrador
esportivo da TV Tupi me hospeda gentilmente. Leva-me à Rádio Nacional; faço o teste
naquele estúdio enorme – hoje derrubado onde aconteciam os memoráveis programas
de auditório. Dois locutores foram aprovados eu e Laíza Willington. Em janeiro de
1973 fomos contratados.
Tinha vários programas já montados na minha cabeça. Só esperava a chance
de colocá-los no ar. Sabia que podia, mas fingia uma certa modéstia. O que me custou
caro. Numa manhã fui chamado à sala do superintendente, Oduvaldo Cozzi, glória do
rádio. Ele parecia estar gostando do meu trabalho e perguntou se eu poderia fazer mais.
Minha resposta foi hesitante e ele, me esculhambando, colocou-me para fora da sala,
decepcionado. Mas não perdi o emprego. Lia noticiários e propagandas. Foi nesta
época que aconteceu o golpe militar no Chile. Li uma das edições especiais. Meu pai
ouviu em Ponte Nova e comentou depois comigo orgulhoso. Mal sabia como eu sofria
para ler programas noticiosos longos. Eu ainda não tinha a, digamos, embocadura
adequada para aquele tipo de locução, não sabia dosar a respiração nem controlar a
emoção. O que fazer? Ainda não tinha a resposta.
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Morava atrás da Rádio Nacional, Ladeira Felipe Néri. Logo fui fazer teste
na Rádio Federal, em Niterói, que pertencia ao grupo Manchete. Passei no teste e
acumulei os dois empregos. Tentei a Rádio Tupi (tudo AM) e fui durante algum tempo
apresentador de noticiários. Três empregos. Em 1974, foi a vez de experimentar a JB.
No primeiro teste o passei depois me disseram que a direção não aprovou meu
"layout" na época: cabelos grandes, barba e sandália. na segunda tentativa me dei
bem. Deixei as outras emissoras. A JB exigia exclusividade. Eliakim Araújo era o chefe
dos locutores. Um locutor primoroso, ao lado de outros igualmente notáveis. Novas
emoções. O rapaz do interior estava agora ao lado de novos ídolos e numa empresa onde
jamais sonhara botar os pés. O Jornal do Brasil estava no auge, ou pelo menos num bom
momento; mudara para a sede nova na Avenida Brasil, 500. A rádio ficava no sétimo
andar. Fazia um horário de estúdio de quatro horas, anunciando músicas e lendo notas
de utilidade pública. Em alguns meses fui convidado para ler os noticiários dos finais de
semana, os famosos "O Jornal do Brasil Informa", com 15 minutos de duração. Fiquei
encarregado das edições de 18:30 e meia-noite e meia. Que suplício aqueles 15 minutos.
Sofria antes, durante e depois deles. O que fazer? Haveria algo? Como conseguir ter a
'embocadura' adequada, como dosar a respiração, como controlar a emoção?...
O departamento de radiojornalismo da JB era um dos mais conceituados do
Brasil, e durante aquela época, ditadura militar, realizava um trabalho de resistência de
alto nível, sob o comando da jornalista e escritora Ana Maria Machado. Todos queriam
trabalhar na JB. Dava status. A equipe de jornalistas era uma referência. Eu pouco lia
jornal. Nada sabia do mundo. Começava uma nova aventura. Os novos colegas do
jornalismo tiveram muita paciência comigo.
Acho que dava muita sorte. Célio Alzer me convidou para apresentar o
programa Jazz e Blues que ele produzia. A JB fazia um disco anualmente, com os
principais acontecimentos do ano. De um deles eu participei.
1976. Carlos Townsend, parente dos proprietários da empresa, recém
chegado de um curso de rádio nos Estados Unidos, convidou-me para ser o apresentador
27
de um programa musical semanal que ele iria produzir aos sábados. fomos nós, e o
nosso destino.
Um ano depois, Carlos Townsend se tornaria o coordenador da Rádio
Cidade FM, a emissora que provocaria uma espécie de nova revolução no rádio. Creio
que essa nossa proximidade favoreceria meu ingresso em sua equipe de locutores.
Anúncios de testes. Centenas compareceram. Ficamos, por ordem de entrada
no ar: Jaguar, eu, Eládio Sandoval, Romilson Luis, Ivan Romero. Cada um trabalhava
quatro horas por dia, com direito a uma folga semanal. A rádio abria às seis e fechava às
duas da madrugada. Havia dois 'folguistas', Sérgio Luiz e Paulo Roberto. Pedi para ficar
com o horário de 10 às duas, porque na época eu não queria perder nenhum jogo da
chamada "máquina" tricolor, sob a batuta do então presidente Francisco Horta.
Curioso: dos sete locutores, nenhum era carioca. Sandoval vinha de Goiás,
Jaguar de Alagoas, Ivan de Petrópolis, Sérgio, Paulo e Romilson de Niterói, eu de
Minas. Vamos conversar sobre isso mais detalhadamente. Tudo que havíamos
aprendido nas cidades do "interior" e que até então estava represado em nós, pôde vir à
tona.
Todos tínhamos experiência em rádios AM. Havia muito poucas FMs. E as
que existiam, tinham, a maioria, a programação gravada ou de música ambiente ou
clássica. Não havia comunicadores. O rádio FM era ouvido principalmente em
consultórios médicos ou dentários, em elevadores. . . O FM ainda não havia sido
descoberto de fato.
A dio Cidade foi um estouro. Seu sucesso foi imediato e surpreendeu a
todos pela magnitude. Influenciou todo o mercado radiofônico do país; a indústria
eletrônica foi incrementada para atender a demanda por novos aparelhos contendo a
faixa de FM; as gravadoras reestruturam seus casts e conceitos para atender às
solicitações das novas programações musicais que despontavam. O departamento
comercial da rádio não dava conta dos pedidos de inserções comerciais. Os locutores-
28
apresentadores, capitaneados e incentivados, digamos assim, pela irreverência e
espontaneidade de Eládio Sandoval, começavam a criar suas marcas próprias de atuação
e a estabelecer, cada um, elos fortes com 'seus' ouvintes.
A primeira transmissão foi no dia primeiro de maio de 1977. No fim desse
ano, a equipe gravou, improvisadamente, uma musiquinha de natal, composta por
Romilson e Sandoval, que fez muito sucesso entre os ouvintes. A partir daí, essas
gravações tornaram-se obrigatórias e a repercussão delas aumentava
extraordinariamente. A repercussão foi tanta que gravadoras começaram a disputá-las.
Discos então foram gravados profissionalmente com A Turma da Cidade. Um conjunto
musical, os Famks, especializado em bailes, gravaria conosco uma dessas músicas de
natal e fim de ano, e mudaria o nome para Roupa Nova.
Estas mensagens natalinas fizeram um sucesso enorme, e a hoje são
lembradas por ouvintes daquela época: "Estou aqui prá dizer que o natal chegou..." Era
um rap americano, adaptado pela dupla Romilson-Sandoval.
Os shows de aniversário da Rádio Cidade lotavam o Maracanazinho, o
Canecão, o Cassino Bangu, a praia do Arpoador...
Alguns cantores, cantoras, grupos musicais, passaram a ter seus discos
produzidos com uma outra 'roupagem', a fim de adaptarem-se ao estilo da nova rádio,
considerado dinâmico, arrojado, alegre e descontraído, e alienado por outros.
1977 estava dentro do período de governo do General Ernesto Geisel, de
abertura "lenta, gradual e segura", conforme se dizia na ocasião.
A dio Cidade pôde existir também por conta desta descompressão do
regime militar. Mas ainda recebíamos ordens do DOPS – Departamento de Ordem
Política e Social – proibindo a divulgação de certas informações. As notícias vinham da
redação da JB, no sexto andar. No sétimo funcionavam os estúdios da Cidade, JB-AM e
JB-FM.
29
Interrompendo por ora essa narrativa, e retornando à situação pessoal, decidi
voltar a estudar. Conheci o professor Guilherme Sias numa aula fora da Universidade.
Pedi-lhe informações sobre o curso de jornalismo da Escola de Comunicação, onde
lecionava. Sugeriu que eu tentasse o Mestrado, pois eu o teria, segundo ele, muita
paciência para encarar uma nova graduação. Veio dele um outro toque do destino.
Então, no início dos anos 80, entro para a UFRJ como aluno. Dos trabalhos escritos
durante o curso, dois viraram livros: No ar, o sucesso da Cidade, e O Sucesso Continua.
A tese de mestrado deu seqüência à temática, surgindo assim Radiografia: do AM
Histórico ao FM Histérico.
Permaneci na Rádio Cidade por dez anos, portanto até 1987, quando fui para
a FM-105, rádio administrada também pelo Grupo JB. O convite veio da seguinte
forma: "Queremos que você seja o Haroldo de Andrade do FM". A comparação me
lisonjeou e estimulou. Mas surgiu a dúvida, reforçada por colegas: "Você vai sair da
Cidade, que é uma rádio de elite, para uma emissora que vai ter uma programação
popular?" Levei a dúvida ao analista. Uma pergunta dele esclareceu tudo e facilitou a
decisão: "Existe alguma diferença entre os microfones das duas emissoras?" Não havia.
E foi uma experiência também muito rica, que durou até 1991.
Depois da 105, retornei à JB-AM, para apresentar um grande noticiário
matinal ao lado de Márcio Seixas. Agora já não tremia tanto, não sofria tanto quanto
antes. Descobrira, em outro momento de muita sorte, a psicoterapia. Na análise com o
dr. José Moreira começava o desbravamento interno com suas dores e alegrias comuns
a todos que se aventuram nessa maravilhosa viagem de autoconhecimento. O tratamento
me ajudava em todos os aspectos, principalmente no emocional. E ajuda ahoje. E foi
com o Dr. Moreira que apresentei, de 1992 ao ano 2000, o programa Psicologia e
Teosofia, que ia ao ar pela Rádio Imprensa FM. Outra experiência rara e valiosíssima.
Quanto ao aprimoramento técnico do uso da voz, tive a felicidade de
conhecer a dra. Carolina de Freitas, fonoaudióloga que me ensinou a "colocar" a voz, a
respirar corretamente, a adquirir aquela "embocadura" com que eu tanto sonhara. Ufa!
Dra. Carolina mostrava que "do mesmo modo que a emoção influencia na voz, a voz
30
também influencia na emoção. Existe um ditado que diz: Acredita mais na minha voz
do que naquilo que estou dizendo."
A análise e o tratamento fonoaudiológico foram/são fundamentais para mim
e penso que seus benefícios deveriam chegar a mais brasileiros.
Continuando meu périplo por emissoras cariocas, em abril de 1991, além da
JB fui contratado para a Rádio Tupi-AM. Ganhei um programa diário, de 16 às 18
horas: Programa Fernando Mansur. No rádio AM popular, a ênfase é no apresentador,
diferentemente do FM.
Este programa, de curta permanência no ar foi de janeiro a agosto teve
uma importância capital na minha carreira radiofônica. Foi um divisor de águas. O
programa não era simplesmente apresentado por mim, era, de certa forma, "meu", pela
primeira vez na carreira. Cuidava também da produção e convidava artistas que não
estavam nas paradas de sucesso e nos listões das rádios. Outra vez a terapia foi
fundamental numa mudança tão decisiva, com o Dr. Moreira me orientando em todos os
sentidos, sugerindo nomes e propostas. Fui adquirindo consciência sobre a importância
daquela oportunidade de dar uma guinada na vida profissional. O tipo de rádio e de
programação exigia que eu tivesse uma postura mais amadurecida e propósitos mais
"sérios", comprometidos com algo que pudesse ser útil para mim, para a rádio, para os
convidados e os ouvintes. A luta comigo mesmo era diária, pois tinha de, primeiro, me
transformar, a fim de aceitar a mudança e transmiti-la com credibilidade para o ouvinte.
Diariamente entrevistava políticos, religiosos, professores, médicos, advogados e
artistas como Jamelão, Miltinho, Luiz Vieira, Emílio Santiago, Sivuca, Tito Madi,
Silvio César, D. Ivone Lara, Neguinho da Beija Flor, Noca da Portela, Dicró, As Gatas,
Helena de Lima, Emilinha Borba, Carlos José, D. Zica, D. Neuma... Ah, apresentava
aos sábados a História das Escolas de Samba, com convidados das agremiações.
Ninguém entendia o que estava acontecendo. Para dizer a verdade, nem eu entendia. Era
muita transformação em pouco tempo. Como o tocava as músicas que constavam do
listão da rádio, era chamado com freqüência ao gabinete do gerente. O diretor chegou a
dizer que se "aquilo" desse certo ele rasgaria sua carteira de radialista. Divulgadores de
31
gravadoras pressionavam para eu tocar certas músicas e o tocar outras. A pressão
aumentava, mesmo com o sucesso inesperado do programa. O 'ibope' subiu, mas o
diretor não tocou mais no assunto da carteira que seria rasgada. Fui chamado novamente
à direção e informado de que não pretendiam ter na emissora 'uma nova Cidinha
Campos', rebelde e independente.
Em agosto de 1992 fui demitido. Agradeci a todos da rádio por tudo que
aprendi ali. E foi muito. Talvez eu próprio ainda não estivesse preparado para o que
houve, daí o término prematuro do programa. sei que a experiência me enriqueceu
profundamente.
Fiquei desempregado por um ano, gravando comerciais que apareciam
eventualmente.
Foi que me informaram sobre um concurso para professor da
Universidade Federal de Juiz de Fora. Prioridade para quem tivesse Mestrado. Mãos
à(s) obra(s). Preparei-me mas não passei. E agora? Noutro momento de muita sorte,
uma amiga me fala de novo concurso, agora para a UFRJ. Felizmente sou um dos
aprovados, contratado em novembro de 1992.
Outra fase tem início. Hora de aprender, hora de ensinar. Simultaneamente.
Novo ciclo começa. Trazer para a faculdade a experiência profissional; levar para o
rádio o embasamento acadêmico. Como aprendemos sendo professores! Em cada
semestre, novas e variadas experiências, que transcendem o espaço exíguo de uma sala
e as carências físicas da instituição. Novo sentido para a existência.
Final de 2002. Como na canção, 'Assim se passaram dez anos'. O professor
Aluízio Trinta, sempre muito atencioso, me pergunta: "Quando é que vai fazer o
Doutorado! Aproveita que a hora é essa!"
Suas palavras foram um estímulo e uma luz, e aqui estamos desenrolando
mais um pedaço dessas mal ou bem traçadas linhas de nossa vida.
32
Vamos ver o que as próximas páginas nos reservam e o que cabe a nós
deflagrar.
Aumenta o rádio,
Me dê a mão...
3
Apresento-me como um Mestre de Cerimônias – um MC. Foi assim que me
senti ao escrever este trabalho. Alguém apresentando um programa de rádio, um
documentário, recebendo convidados para falar de suas experiências, para contar suas
histórias. Pensei em trazer muitos outros convidados que fizeram ou que fazem a
história do rádiomas não foi possível. Entendi que só poderia contar um pedacinho da
história, relatar alguns aspectos dela, ouvir algumas pessoas, pesquisar e escolher
caminhos a seguir, segundo alguns critérios. Em verdade, como já disseram, "o caminho
se faz ao caminhar". Escolhi uma trilha ao dar o primeiro passo, porém a trilha foi me
levando por conta própria, e às vezes me limitei a percorrê-la e a observar o que ela me
reservara, a partir das observações da orientadora.
Tenho alguma experiência como profissional de rádio comecei a carreira
em 1968. o trabalho de professor universitário, iniciado em 1992, é um estímulo
permanente ao estudo, à busca, ao questionamento, à leitura.
O convívio com os colegas professores e com os alunos é fonte constante de
inquietação e aprimoramento.
Esta tese é o encontro destes dois veios: o trabalho no rádio e na faculdade
de comunicação.
"Uma tese não se termina, abandona-se", confidenciou-me um colega
prestes a defender a sua e depois de ouvir esta máxima de seu orientador. Ao "encerrar"
a minha, certifico-me de que ele tem razão.
3
CARLOS; CARLOS . Mesmo que seja eu.
33
A sensação que tenho é a de que aprendi muito sobre dio com os livros
que li e com as pessoas que entrevistei. As entrevistas, principalmente, foram
riquíssimas, no meu entender. Ao terminar de lê-las após a transcrição observava
meu contentamento, ficava de fato emocionado e saía a meditar sobre seu conteúdo
durante muitas caminhadas. Se mais pessoas eu entrevistasse, mais histórias importantes
eu poderia apresentar. Mas com o material que recolhi, penso que pude construir um
painel alentador.
Foquei minha atenção em pessoas, em suas histórias de vida e a relação
delas com o rádio. Acho que quanto mais o leitor conhecer e gostar de rádio mais ele
poderá curtir as próximas páginas. E também criticá-las, apontar falhas, ajudar a corrigi-
las, mostrar lacunas, ajudar a preenchê-las e dar sugestões.
Gostaria que, se possível, você lesse este trabalho como se fosse aquele
programa de rádio de que falei, um documentário. Que tentasse imaginar um nome para
a emissora, seu prefixo, suas vinhetas; que imaginasse a voz dos locutores, dos
entrevistados, que pensasse em músicas que ajudassem a compor o programa e que
também se recordasse dos programas de rádio que marcaram sua vida.
A quem se dispuser a seguir-me desejo boa viagem!
Vamos!
[Técnica de som: prefixo da emissora]
[Locutor:] E para começar, com vocês... Abelardo Barbosa... falando de
seu programa Cassino do Chacrinha.
[Técnica: soltar prefixo da Discoteca do Chacrinha; cair para BG depois de
10 segundos; entrar com depoimento do Chacrinha; deixar a música de fundo]
O que eu queria com meu programa de rádio era acordar o
ouvinte, dar a ele a chance de poder ver e se sentir em um
cassino de verdade. Com os olhos o ouvinte via o palco; com os
ouvidos não ouvia a música como o vozerio, o ruído dos
34
cristais dos copos, com o olfato cheirava os charutos dos
bacanas e os perfumes das mulheres; com o paladar saboreava o
uísque e o champanhe que os freqüentadores consumiam à
vontade; com o tato enlaçava sua pequena e saía dançando na
pista. Eu conseguia mais do que ser ouvido. Transmitia
imagens
.
4
[Locutor: José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o famoso Boni da TV
Globo, fala sobre a primeira vez que ouviu o programa do Velho Guerreiro.]
[Técnica: gravação com a fala do Boni]
A primeira vez que ouvi Chacrinha foi em 1950, no rádio. ele
apresentava o Cassino e era tão genial que conseguia transmitir
imagens, permitindo que os ouvintes "vissem" os cabelos da
Teresinha balançando, os garçons circulando, o burburinho das
conversas, como se estivessem dentro de um cassino de
verdade. Essa genialidade ele levou para a televisão
.
5
[Técnica: sobe fundo musical. Fade out.]
4
BARBOSA e RITO, 1996, p.179.
5
Ibidem, p. 9.
35
2- RÁDIO CARACTERÍSTICAS E POTENCIAL COMO VEÍCULO DE
COMUNICAÇÃO
2.1 – Rádio é imagem?
Linda, que a tela é tão linda
E é mais linda ainda na imaginação
Linda, que a tela é tão linda
E assim será sempre
Na nossa paixão
6
Converso com uma amiga sobre a rádio que ela ouvia na infância: Rádio
Nacional-AM, Rio de Janeiro. O que mais a impressionava eram as novelas, "a
dramaturgia através do rádio". Abro o 'microfone' para ela:
6
HIME. Cinema Brasil
36
"Eu ficava imaginando como era Jerônimo, o Herói do Sertão. A
sonoplastia me encantava. A porta que rangia, o barulho da cadeira de balanço... Você
cria a sua novela com os personagens desenhados por você na sua imaginação.
"
Rute [é o nome desta amiga] se empolga com suas lembranças:
"Eu via
os cavalos chegando... são sensações inesquecíveis. O rádio era o
ícone. Ele nos trazia notícias, nos colocava em contato com o mundo. Ele me preenchia.
A família toda em torno do rádio."
Mas seria diferente da televisão?—pergunto.
"Sim. Frente à televisão ficamos muito passivos. Dá sono."
Rute arremata:
"Para quem ouviu novelas no rádio, as da televisão são um xarope."Marco
Aurélio Bagno, editor de imagens da TV Globo, não gosta da comparação. Acha que
cada veículo tem características próprias e que o faz sentido compará-los. Bagno
trabalha em televisão desde a década de 60: Excelsior, Rio, Continental, Globo... Adora
rádio. "No rádio cada um monta[va] o seu cenário na cabeça. Rádio é imagem. Se um
locutor diz 'está acontecendo um incêndio na rua tal' eu imediatamente imagino um
grande incêndio, vejo o fogo e tudo". Revela que ahoje tem uma loura dentro de sua
cabeça: "Tula de Linhares, personagem de uma novela da Rádio Nacional, década de
50." Bagno explica que Tula era a antagonista da mocinha. "A mocinha, na minha
imaginação, era morena, recatada. Já a 'bandida', Tula, era exuberante, loura, farta
[enche a boca para descrevê-la] para os padrões anos 50". Imaginação!
"Mas não foi o rádio que 'descobriu' a imaginação. O livro veio muito antes,
e, ao lermos, nossa imaginação também vai longe", nos lembra o amigo televisivo, que
acrescenta: "A vantagem do rádio em relação ao livro é a sonoplastia. No livro quem faz
37
a emoção é sua mente. No dio, é a voz do locutor com a sonoplastia que criam todo o
ambiente. Mesmo na TV a sonoplastia é fundamental."
E qual seria a "imagem" do rádio?
Marco Aurélio fica alguns segundos pensativo... E conclui: "Nunca ouvi ou
li nada criticando o rádio como veículo, como criticam a televisão. Critica-se a
programação radiofônica, mas não o rádio. O rádio, como veículo, tem uma imagem
simpática, é bem visto."
Entretanto, mesmo contando com essa imagem positiva o rádio não é
ouvido por muita gente, é até discriminado, e recebe apenas 5 por cento de toda a verba
publicitária nacional. Por quê? No decorrer do trabalho, nossos entrevistados nos
ajudarão a obter algumas respostas.
Obrigado, Bagno e Rute. Uma colega, [Marcelle], me presenteia com um
capítulo de um Caderno sobre rádio, editado pela CIESPAL, com a colaboração da
Rádio Nederland, da Holanda. O título é sugestivo: "Radio: La Mayor Pantalla del
Mundo" ["Rádio: A Maior Tela do Mundo"]. Já no primeiro parágrafo lemos o seguinte:
Orson Welles comentava com alguém que apregoava as
qualidades da televisão: "Ah, mas no rádio a tela é muito
maior!" Eis o primeiro e máximo fato que se deve ter em
mente antes de se aventurar no mundo do som. Rádio é uma
arte visual.
7
Na seqüência, Ouro Alves cita um livro canadense, intitulado "L'Ecriture
Radio-Télé", onde encontrou esta passagem:
Sem vida, já se falou do rádio como um teatro para cegos.
Mas que o escritor não esqueça que o trabalho de um produtor
de rádio é, precisamente, colocar imagens em um texto, ainda
7
ALVES, p. 43.
38
que sejam mentais. Seria então mais justo dizer que o rádio é
um teatro para videntes
.
8
Vamos dar voz agora a um autor alemão.
9
Talvez alguns de meus leitores mais idosos se lembrem de
como o rádio começou nos anos 20; como a pessoa se sentava
diante do pequeno receptor de cristal (ele ainda não tinha tubos,
isso sem falar em transistores, com seus fones de ouvido). O
radiouvinte se deliciava quando
conseguia identificar música como música, apesar de todos
os ruídos e interferências da estática. E, quando conseguia
sintonizar uma estação estrangeira, isso era ainda mais
extasiante: trechos de conversação em italiano ou espanhol... A
minha experiência auditiva começou desta forma. Era como
uma enorme aventura, uma expedição para países distantes.
Uma expedição auditiva!
10
Para os mais curiosos informamos que Nada Brahma significa "o mundo é
som", e é baseado em filosofias orientais. O autor, pelo que nos informa a contracapa de
seu livro, "dedicou toda sua vida profissional à música, com uma longa e destacada
carreira como crítico de jazz e produtor de discos, concertos e programas de rádio." Mas
deixemos que Berendt continue.
Na manhã seguinte eu falava de minha experiência enquanto
tomava café, com a voz trêmula de emoção. "Quando você fala,
parece um rádio", dizia meu pai. Houve toda uma geração, e
Stefan Zweig escreveu sobre ela, que "viveu" o mundo através
do rádio, através da audição num estado que Zweig
denominou de "embriaguez". É bom termos isso presente, pois
8
Ibidem, p. 9.
9
BERENDT, 1983, p. 282.
10
Ibidem, p. 177.
39
assim podemos avaliar o quanto nossa sensibilidade auditiva
vem sofrendo desde então.
11
O leitor se lembra de Fritjof Capra? O autor de 'O Tao da Física' e 'Ponto
de Mutação', entre outros? É dele o prefácio do livro que estamos citando.
Para o autor, a compreensão de que o mundo é som tem
implicações profundas, não para a ciência e a filosofia, mas
também para a nossa vida cotidiana e para a sociedade. Ele
argumenta que, alguns séculos, nossa cultura ocidental vem
dando ênfase exagerada à visão em detrimento da audição.
Portanto, a nossa atual mudança de paradigma inclui, segundo
Berendt, uma modificação essencial dessa ênfase, da visão para
a audição. (...) Ele mostra que essa modificação 'dos olhos para
os ouvidos' coincide com a mudança dos valores masculinos
para os femininos, que tem sido associada à nossa
transformação cultural -ou seja, da análise para a síntese, do
conhecimento racional para a sabedoria intuitiva, do domínio e
da agressividade para a não-violência e a paz.
12
Estas citações nos levam a pensar na importância do rádio de uma outra
forma, também muito profunda e pouco observada, pelo menos aonde sabemos. Por
isso vamos continuar ouvindo o radialista alemão.
De acordo com o que descrevemos e analisamos, o rádio tem
sua importância. Se, como afirmou Marshall McLuhan, "o meio
é a mensagem", a verdadeira mensagem do rádio é ouçam! E é
isso que o pessoal do rádio faz: em tudo o que apresentamos,
conclamamos constantemente as pessoas para que abram seus
ouvidos, que percebam o mundo através da audição.
13
11
Idem
12
Ibidem, p.13.
13
Ibidem, p.176.
40
McLuhan também afirma que o canal da audição é intrinsecamente mais
rico do que o da visão. Para o pensador canadense, a invenção da escrita violou a
multiplicidade sensitiva e forçou os homens a se concentrarem na visão, em detrimento
de todos os outros canais sensórios.
14
Já o autor alemão levanta uma tese polêmica:
A transição que se deu do rádio para a televisão, vivida pela
nossa geração ou pela geração de nossos pais, é um retrocesso;
é como se a humanidade, tendo atingido um estado de
economia agrícola, tivesse voltado à vida nômade.
15
Por que o senhor escolheu esta comparação?
Escolhi intencionalmente esta comparação irônica, e tenho
bons motivos. Diz-se que os olhos estão "em constante
movimento" como se procurassem uma presa, agindo como os
nômades. Nada de parecido pode ser dito sobre os ouvidos.
Uma pessoa pode ter "olhos penetrantes", mas não pode ter
"ouvidos penetrantes" (...). [Mas pode ter ouvidos aguçados.]
O símbolo máximo da acuidade visual é a águia. do alto ela
espia a presa e, em certo instante, sente por antecipação o prazer
de nela cravar as presas e de despedaçá-la com o bico. (...) Mas
este fato não é singular para a águia. Nem quanto ao olho.
É algo singular também para o homem. não é por acaso que a
águia é vista como símbolo nacional ou encontrada nas armas e
brasões de grandes Estados e cidades.
16
E quais seriam, na visão de Berendt, as características do ouvido?
14
MILLER, 1973, p. 11
15
BERENDT, 1983, p.177.
16
Idem.
41
Segundo ele “sempre que qualidades descritivas ou não descritivas são
atribuídas ao ouvido, elas buscam sua origem em palavras que significam
"receptividade" e "abertura".
17
Pense na forma do ouvido e tente compará-lo com algum outro órgão.
“O ouvido se parece com uma concha, com a qual também é comparado o
órgão sexual feminino. Ambos recebem. São "receptivos". (...)A dimensão do olho é
mais masculina; a do ouvido é mais feminina.”
18
O que tem isso a ver com a situação atual do mundo ocidental? Existiriam
diferenças de comportamento entre os que priorizam a visão em detrimento da audição?
Para o autor de NADA BRAHMA sim.
A pessoa que entre todos os sentidos der um lugar de destaque
ao ouvido, tornando-se alguém predominantemente atento e
ouvinte, será muito menos agressiva do que uma pessoa para
quem o enfoque do mundo é acima de tudo determinado pelo
sentido da visão. É por isso que a cultura televisiva moderna é
um solo fértil para a agressividade
.
19
Berendt considera que "o rádio e a imprensa escrita também podem
estimular a agressividade. Mas pessoas que dão importância máxima ao sentido da visão
rendem-se mais facilmente ante os apelos da agressividade".
20
Ele cita resultados de pesquisas realizadas por psicólogos sobre certas
particularidades masculinas e femininas, desde a infância até a idade adulta, e busca
exemplos na filosofia chinesa para corroborar sua tese.
17
Ibidem, p.178.
18
Idem.
19
Idem.
20
Idem.
42
É interessante observar que na tradição chinesa os Ouvidos
sejam yin e os olhos yang. Yin é mais feminino, yang é mais
masculino. Como símbolo, o yin-yang chinês mostra que ambos
atuam juntos, que se pertencem mutuamente. (...) Do ponto de
vista chinês, os ocidentais modernos são considerados pessoas
que se deixam levar excessivamente pelo yang.
21
Não pretendemos nos enveredar por essa senda, mas achamos que poderia
ser do interesse de alguns conhecer esse ponto de vista.
Tanto o dio como a televisão ou o cinema como é mostrado diariamente
podem ser utilizados das formas mais diversas, os propósitos e qualidade das
produções e transmissões é que estabelecem a diferença. A professora Ilana Strozenberg
(ECO-UFRJ) observa que o uso que se faz do som e da imagem não é determinado
necessariamente pela natureza do modo de comunicação e dos sentidos, mas da maneira
como são apropriados e que não devemos nos esquecer das articulações entre som e
imagem, a imagem não prescinde do som.
E se destacamos o potencial do rádio é porque este é o material de nossa
pesquisa e também como uma espécie de alerta aos radialistas: o poder do rádio nunca
deveria ser subestimado e é justamente devido à sua fascinante potencialidade que o
senso de responsabilidade em seu uso precisaria vir em primeiro lugar.
Perguntaríamos: a ênfase moderna no visual seria um dos motivos para a
diminuição da importância do rádio em relação a outros veículos, como a televisão? Ou
estariam faltando mais atrativos ao rádio, mais produção, mais diversidade de
programação? As Webrádios poderiam vir a suprir essa deficiência atual do veículo,
oferecendo mais e variadas opções para os "ouvintes" que o se satisfazem com as
programações oferecidas pelas estações convencionais? As emissoras
comunitárias/"piratas" e universitárias pesarão nessa balança?
21
Ibidem, p.180.
43
Pelo menos no concorridíssimo mercado de São Paulo, as FMs ditas piratas
estão dizendo "presente". Da redação da Folha de São Paulo, Laura Mattos dá as
informações.
As FMs ilegais atingiram o surpreendente quarto lugar de
audiência na Grande São Paulo. Somadas, têm, em média, mais
de 130 mil ouvintes por minuto, de acordo com o último
relatório do Ibope (dezembro de 2003). Batizadas na pesquisa
de "outras FM", essas estações possuem mais do que o triplo de
ouvintes da noticiosa CBN FM (37,4 mil), cinco vezes o ibope
da roqueira Kiss (24,4 mil) e 15 vezes o da clássica Cultura FM
(8,4 mil).
22
2.2 – A imagem do rádio
Por que o rádio vem perdendo prestígio, apesar de sua grande audiência?
Em alguns horários [parte da manhã e da tarde] o rádio tem mais audiência do que a TV.
Ouçamos/Vejamos o que diz uma pesquisa do GPR Grupo dos
Profissionais do Rádio apresentada em junho de 2003. Título do material: AS DEZ
VANTAGENS DO RÁDIO.
As pessoas passam mais tempo ouvindo rádio do que vendo TV.
1 – O rádio chega onde a TV não vai.
2 – O rádio está em 99% das casas, enquanto a TV está em 75%.
3 – O horário nobre do rádio dura 12 horas, o da TV dura só 3.
5 – Só o rádio acompanha o consumidor no verão.
6 – Um produção de alto nível no rádio custa 95% menos.
7 – Seu comercial de rádio pode mudar em menos de uma hora.
8 – O rádio é imbatível durante o horário comercial.
9 – O consumidor passa 17% mais tempo com o rádio que com a
22
MATTOS, 2004, p. E 2.
44
TV.
10 – Anunciar no rádio custa 15 vezes menos.
Com todas essas vantagens, o rádio não é ouvido por milhões de pessoas,
que ainda não o descobriram, ou que tentaram ouvir alguns programas mas não
gostaram da programação, mantendo o aparelho desligado. Como tornar o dio mais
conhecido e mais audível por ouvintes mais exigentes?
A professora Ivana Bentes, da Escola de Comunicação da UFRJ, nos
pergunta "qual é a imagem social do rádio?. O rádio atualmente sofre algum tipo de
preconceito por parte das elites? O rádio estaria relacionado, em termos de audiência,
mais aos porteiros e empregadas domésticas do que propriamente aos donos da casa?"
Se for feita uma pesquisa, ainda que informal, na(s) Escola(s) de
Comunicação, a probabilidade é de que a maioria dos alunos e dos professores responda
que não tem o hábito de ouvir rádio.
Costumo fazer essa pergunta nas aulas de radiojornalismo. Numa turma de
40, digamos, apenas 4 ouvem rádio... de vez em quando. "Mais no carro", dizem.
Por quê?
"Lá em casa meus pais não costumam escutar rádio; então eu cresci sem
prestar atenção nele. Tem um aparelho três em um na sala; ouvimos CD, ligamos a TV,
temos vídeo, DVD, mas naquele botãozinho do rádio ninguém nunca mexe." (Em linhas
gerais, foi o que uma aluna respondeu.)
Depois do advento e crescimento da televisão, o rádio foi ficando para trás,
em termos sociais. E nas classes mais altas emissoras como a MEC FM
predominantemente clássicas – são eventualmente sintonizadas.
45
Em muitos lares brasileiros de classe dia ou média-alta, os filhos dos
"patrões" aprenderam/aprendem a ouvir rádio com as empregadas. Quantas crianças não
ouviram Jerônimo, o Herói do Sertão de "carona"? Jerônimo, as novelas da Nacional, o
Incrível, Fantástico, Extraordinário... e mais recentemente, os programas da Globo AM
e da Tupi?
Até pouco tempo acontecia algo semelhante com relação à televisão: os
donos da casa diziam que não assistiam às novelas. Viam porque as empregadas
estavam assistindo e eles estavam passando por ali na hora...
Hoje a TV popular é socialmente mais aceita. Todos os meios de
comunicação comentam a programação das principais emissoras. Entretanto, raramente
falam do rádio nos outros veículos. Com tudo isso, radialistas do Brasil inteiro são
eleitos para cargos públicos. Para ficar no estado do Rio de Janeiro, Garotinho e
Rosinha Matheus são oriundos do dio, eleitos pelo que se convencionou chamar de
"povão", que é o público do rádio, principalmente do AM.
Você sabe quantas pessoas sintonizam a Rádio MEC FM, considerada de
elite? E quantas ouvem a FM O Dia, a mais popular, tocando samba, pagode e funk?
Entre as 23 emissoras do dial FM carioca, a MEC ocupa o 21.º lugar (Ipobe
Nov/03 a Jan/04. Pesquisa de 06 às 19h), com uma média de 6 mil ouvintes. A FM O
Dia é a primeira colocada no "ranking geral", com 270 mil ouvintes por minuto. O
segundo lugar é de uma emissora evangélica, a Melodia, com dia de 170 mil
ouvintes. Já o público da católica Catedral é de aproximadamente 20 mil fiéis.
A JB FM é a número um entre as chamadas emissoras adultas-
contemporâneas. Tem 75 mil ouvintes.
O primeiro lugar entre as rádios "jovens" é da Cidade – 58 mil.
46
Vale lembrar que a MEC subsiste porque é uma rádio pública. Emissoras
comerciais especializadas em música erudita não resistiram no Rio de Janeiro: por falta
de patrocinadores. O exemplo mais recente (1999) foi o da Opus 90, transformada em
MPB FM porque a conta não saía do vermelho, como nos relatou rio Reis, diretor do
Grupo O Dia de Comunicação. rio vai nos responder, mais à frente neste trabalho, o
que é uma rádio bem administrada.
Como se pode constatar, é o rádio popular que tem mais audiência.
Não é por acaso que entre os maiores anunciantes do rádio estão os
supermercados. Assim como as Casas Sendas, o Guanabara cresceu utilizando a
programação radiofônica. O comunicador Antônio Carlos, da Rádio Globo AM é o seu
"garoto propaganda".
O Magri-diet remédio para emagrecimento é outro anunciante forte que
usa bem a característica imediatista do rádio. O locutor faz a propaganda do
medicamento e dá o telefone da firma vendedora para que os ouvintes entrem em
contato na hora. O retorno é imediato.
23
E quanto às 21 emissoras que transmitem em Amplitude Modulada ou
Ondas Médias?
A mais ouvida seria a Globo, 220 mil ouvintes; em segundo lugar a Tupi,
com 170 mil. (Fonte: Ibope - Nov 03/Jan 04. Pesquisa de 06 às 19h.) Nesta pesquisa,
como vimos acima, a FM O Dia aparece com 270 mil ouvintes, primeiro lugar geral.
Estes números indicam uma outra tendência do rádio: a audiência está migrando para o
Freqüência Modulada, devido tanto à melhor qualidade de som, quanto à cópia de
programas do AM pelas FMs (falaremos disto mais tarde). O ouvinte das AMs é mais
velho e não está se renovando; os jovens ouvem AM principalmente por causa das
transmissões esportivas. (O locutor esportivo José Carlos Araújo o verdadeiro
"garotinho" é um de nossos entrevistados nesta tese.) A CBN AM, de acordo com o
23
Vide entrevista com Eduardo Andrews no Anexo 2
47
Ibope, tem um público de 27 mil pessoas no Rio de Janeiro; entre 45 estações de AM e
FM, "a rádio que toca notícia" é a décima terceira colocada. A antes gloriosa Nacional
é ouvida por aproximadamente 3 mil aficionados enquanto a MEC AM é acompanhada
por 1 mil e 200. As demais emissoras em AM têm programações de caráter religioso
ouvintes que variam entre 500 e 6 mil.
E como se comportará a audiência quando for implantado o rádio digital, em
que o som de AM e FM equivalerá em qualidade?
Voltando às salas de aula universitárias, o rádio não desperta, inicialmente,
muito interesse da parte dos alunos. E há motivos práticos para isso, como já vimos. Um
dos principais: o salário geralmente é inferior ao de outros meios. Na parte jornalística,
a CBN vem contribuindo para dar status à atividade radiofônica. E mesmo com pouca
audiência, a MEC é garantia natural de boa qualidade de programação, o que agrega
valor ao veículo.
Com relação ao interesse de professores e alunos em realizar pesquisas
sobre dio, é ainda incipiente. Esta parece ser uma tendência mundial. Ouçamos, como
exemplo, o depoimento de Murray Schafer, compositor, musicólogo e radialista
canadense.
Em The Tuning of the world, chamei atenção para a pobreza da
crítica que lida com este rico e potente ambiente sonoro
contemporâneo. O que precisamos é de um estudo da
transmissão radiofônica em termos de semiótica, de semântica,
de retórica, de rítmica e de forma. Um bom programa de rádio
merece a mesma atenção que um bom livro ou um bom filme. E
o formato da programação deve ser tão interessante para o
sociólogo ou para o antropólogo quanto o formato da própria
vida. com uma análise do rádio, uma crítica séria da
radiodifusão poderia se iniciar, e com ela, sérias mudanças.
24
24
SCHAFER, 1997, p. 33.
48
É um desafio para todos nós do meio acadêmico.
Comprei um rádio muito bom
À prestação
Levei-o para o morro
E instalei-o no meu próprio barracão
E toda tardinha
Quando eu chego para jantar
Logo ponho o rádio para tocar
E a vizinhança pouco a pouco
Vai chegando
E vai-se aglomerando o povaréu
Lá no portão
Mas quem eu queria não vem nunca
Por não gostar de música
E não ter coração
Acabo é perdendo a paciência
Estou cansado, cansado de esperar
Eu vou vender meu rádio a qualquer um
Por qualquer preço
Só pra não me amofinar...
25
E qual seria a imagem do Rádio no meio publicitário?
Para ouvir respostas nesse sentido conversamos com Giovani Marangoni,
sócio-fundador da agência de publicidade Elipse Comunicação de Marketing, onde é o
diretor de atendimento. Formou-se na PUC em 1991 com especialização em publicidade
e propaganda. Tem 35 anos e durante quinze atuou em pequenas, médias e grandes
agências, "em todas as situações". Entrevistei-o no dia 7 de outubro de 2003. Ele
forneceu dados muito interessantes que demonstram a força do rádio e o que ele chamou
de "miopia" dos radialistas e das agências de publicidade. Sua agência tem a conta de
duas emissoras: a FM O Dia, atualmente a maior audiência do Brasil, de acordo com o
25
MARTINS. Meu rádio e meu mulato.
49
Ibope-Jan./04, e a MPB FM, segundo lugar no segmento denominado adulto-
contemporâneo, atrás da JB e à frente da Antena 1 e Globo FM.
Marangoni também é professor a ESPM (Escola Superior de Propaganda e
Marketing), onde leciona Redação Publicitária e Produção de Som. Ele conta que "havia
na ESPM uma lacuna muito grande na discussão da produção de áudio estou falando
da questão de rádio muito especificamente. Estou procurando despertar nos alunos e na
escola o interesse pelo veículo".
Pergunto como e quando ele começou a se interessar por rádio. A resposta
me surpreende.
- É até uma história contigo, de que obviamente você não vai se lembrar.
Venho de uma família de sicos, sou músico, meus avós tocavam violão, meus tios
tocavam em bailes, e moravam em uma cidade do interior chamada Cachoeiro do
Itapemirim, no Espírito Santo. No auge da dio Cidade, entre 1977 e 1981, durante
um certo período eu fiz um programa mensal na terra de Roberto Carlos...
- ...na Tribuna FM, que tinha umas vinhetas muito legais, inclusive, com o
Boca Livre [cantarola a vinheta – risos]. Isso eu era bem menino. Eu ficava super ligado
naquilo. No programa que você fazia tinha uma espécie de karaokê por telefone, e eu
consegui, cara! Uma dia consegui ligar e cantar Menina Veneno ao telefone... (risos)
E foi minha primeira execução pública... Eu devia ter por volta de uns treze ou catorze
anos, e contigo no ar. Eu falei "preciso contar essa história pro Fernando um dia". Pois
é, cara, aí me apaixonei por rádio, fui estudar música, Comunicação e entrei para a
publicidade.
Marangoni afirma que sua carreira de publicitário tem um tempo muito
mais longo ligado à produção de fonogramas, por um entendimento claro da
importância do rádio, "um veículo que oferece um custo-benefício importantíssimo para
as grandes, médias e pequenas verbas de comunicação."
50
Novamente ouvimos alguém falar das vantagens do rádio. Então por que as
agências não o programam tanto quanto supostamente deveriam?
- Praticamente penso que o totem da televisão é muito grande. A forma de
venda que se faz passa pela questão do custo por mil, quanto custa um espectador em
cada veículo? E algumas situações na televisão onde você tem audiências absurdas.
Um ponto de audiência de televisão hoje significa algo em torno de 150 mil
telespectadores.
Você poderia fazer um comparativo com o rádio?
- Vamos pegar a FM O Dia, que tem a maior audiência de rádio no Brasil,
algo em torno de 250, 270 mil ouvintes por minuto. Se você pensar num programa de
televisão que tenha uma audiência fraca numa Bandeirantes, CNT, Rede TV --, você
consegue trabalhar com uma compra de mídia bastante barata. Caro é Globo, Record,
SBT... E existe uma vantagem (e essa vantagem aí pode estar entre aspas ou com um
ponto de interrogação) da televisão pelo fato de você ter imagem em movimento, com o
áudio. Isso te uma possibilidade de impacto maior, você está impactando o cara pela
visão e pela audição.
O rádio teria perdido prestígio depois da televisão?
Marangoni considera que entre os publicitários existe uma glamourização
da televisão, do cinema, dos prêmios que são dados às melhores peças, da visibilidade
que se consegue.
Recorda ainda que em 2001 ele ganhou o prêmio Apple Brasil, como
professor de Criatividade. Seus alunos produziram um vídeo sobre um tema social para
uma ONG mundial. Ao conversar com os representantes da Apple perguntou por que
não havia uma categoria de áudio. A resposta foi: "Olha, estrategicamente as
plataformas de produção gráfica e de imagens o o nosso principal interesse de
vendas". E sobre a perda de prestígio?...
51
- Acho que a palavra "prestígio" é um pouco forte demais. tem auma
discussão histórica de quanto pintou a televisão. As análises diziam "acabou o dio;
agora tenho uma caixinha de onde sai som e imagem, eu não preciso de uma de onde sai
som". Acho que ali a força, o prestígio do rádio começou a ficar claro. Tem aquela
coisa de acompanhar as pessoas no carro, na rua, seja onde elas estiverem, de uma
velocidade na informação, no timing da informação, de uma proximidade maior, de uma
interatividade maior. Ou seja, eu não colocaria a palavra "prestígio".
Pergunto se falta o Rádio se profissionalizar mais? Na visão da agência, o
rádio é um veículo sub-utilizado?
Giovani acha que sim. E explica:
- Como agência eu sou um consumidor do produto rádio. Sou a agência e
preciso programar os meus clientes para essa ou aquela estação. que a gente recebe
muito poucos contatos das rádio [contatos são os que fazem a ligação rádio-agência]. Os
contatos ainda estão num nível que, eu diria, muito superficiais, de procurar saber "se
tem alguma coisa", "se não tem alguma coisa"... Algumas rádios não têm contato
nenhum.
Nosso entrevistado considera que o rádio seria um bom produto para se
vender, mas que não é bem vendido. "Acho que o público está 'vendido' ou
'comprado', o público-ouvinte está lá, mas o rádio está ausente", complementa.
Por gostar de Rádio, prestar serviço a duas emissoras e conhecer suas
possibilidades, Marangoni diz que tenta, sempre que pode, "vendê-lo" aos clientes. Seu
próximo relato também é muito esclarecedor.
- Estive em São Paulo, visitando um cliente (por uma questão de ética não
vou citar o nome). Falávamos sobre uma campanha para o Rio de Janeiro. Ele tinha uma
agência em São Paulo, onde ele faz a dia nacional dele, mas ele tem uma grande
52
atuação comercial no Rio e queria alguém que estudasse as possibilidade de dia do
Rio de uma maneira mais clara, mais profunda. A gente pensou e falou sobre o dio. E
aí, ele nos mostrou uma pesquisa realizada com os consumidores dele falando sobre
tudo. Desde hábitos de consumo, hábitos de diversão... E em um determinado momento
entrava-se no quesito rádio. Estava lá: dos cem por cento dos consumidores, noventa
por cento tinham o bito de ouvir rádio. Por isso volto a dizer que não pra falar em
"prestígio". Quem define esse prestígio é o público. O que há é uma miopia acontecendo
no mercado.
Vou repetir essa última frase em letras garrafais: "O QUE É UMA
MIOPIA ACONTECENDO NO MERCADO".
Ou seja, todos nós, envolvidos com rádio, somos ou estamos um tanto
quanto míopes.
Ouvimos de nosso entrevistado outros casos de anúncios bem sucedidos
veiculados no Rádio. E acreditamos que qualquer outra agência de publicidade teria
histórias semelhantes de sucesso para contar.
Então perguntamos: um departamento de Marketing bem estruturado nas
emissoras poderia funcionar como óculos corretores? Marangoni responde
positivamente.
- Eu conversava com o Mário Reis [Diretor do SISTEMA O DIA DE
RÁDIO], e ele me contava que poucos, seis, sete anos atrás, os departamentos de
marketing ainda não haviam chegado às rádios. Então eu acho que tem uma lacuna
muito importante. Eu tenho me aproximado muito do rádio também por ser diretor de
atendimento de uma agência que atende a duas emissoras importantes. Isso me essa
obrigatoriedade.
Lembramos ao amigo leitor que Mário Reis será entrevistado no final
desta tese.
53
Para concluir, Giovani Marangoni sua receita para diminuir a miopia
existente no mercado: a glamourização do rádio. Sugere que se criem prêmios mais
sérios para a produção de rádio, a criação ou aprimoramento dos departamentos de
marketing das emissoras e de seus profissionais, produção de materiais impressos
específicos para 'vender' a emissora para as agências de propaganda. As rádios
precisariam, segundo Giovani, estar presentes nas agências de propaganda de uma
maneira nova, não como há quinze, vinte anos atrás, porque, para ele, o mercado
mudou, a interatividade mudou: "A história é outra. Com isso também o caráter de
invasão da publicidade se aguçou. É tanto impacto que você recebe de propaganda que
você acaba ligando o automático."
E arremata:
- As rádios precisam sim, ter um acesso mais criativo, uma presença mais
real, porque, bicho, venda é lembrança. Tem um trecho daquele filme "O Silêncio dos
Inocentes", em que o Anthony Hopkins diz uma frase enigmática, que diz o seguinte:
"Você só cobiça o que você vê".
Nossa entrevista termina com Marangoni falando de seu amor pelo dio:
"Pra mim é uma companhia inseparável." Lembra da intimidade que o rádio propicia:
"As possibilidades de ações de promoção e de merchandising que você pode fazer no
rádio são interessantíssimas. Você pode estar com canais de internet e de telefone
ligados o tempo inteiro." Mostra que toda a tônica do rádio ainda é a da participação dos
locutores ao vivo "e isso tem que ser muito bem explorado, porque, como te disse,
não usa quem não quer". Ou não sabe. Enfatiza os custos mais baixos das produções
radiofônica. Recordo aqui o comentário da professora Ivana Bentes "a imagem é cara, o
som é barato". Giovani cita que para se fazer um filme considerado top para televisão,
"você tem de filmar em película, dispor de uma verba de produção que pode chegar a
100, 150 mil reais". um fonograma também top, bem produzido, "com um quinteto
de cordas, por exemplo, hoje você consegue fazer com dez mil". Lamenta, contudo, a
falta de espontaneidade vigente hoje em grande parte das programações radiofônicas:
54
- Às vezes o programador tem o lançamento nacional da gravadora Warner,
tem que tocar e a gente perde a oportunidade de ouvir um outro fulano aqui, que faz
um som super legal, super interessante, e está tocando ali no barzinho. Seria tão bacana
que algumas outras pessoas pudessem ter acesso àquilo também.
Agradecemos muito a sua participação, Giovani Marangoni, e sugerimos
que, se você puder, continue sintonizado em nossa emissora. Num dos próximos
quadros deste programa/tese vamos conversar com um representante das gravadoras de
discos, o também músico e compositor como você, Roberto Menescal. Entre outros
temas, ele falará sobre o chamado "jabá", o pagamento que as gravadoras fazem às
rádios para executarem suas músicas. Isso poderia estar contribuindo para tirar do rádio
a emoção e a espontaneidade a que você se referiu acima.
E para quem acabou de ligar o rádio, repetimos que acabamos de conversar
com o publicitário e professor da ESPM Giovani Marangoni, sócio-fundador da Elipse
Comunicação de Marketing. Sua agência atende às contas de duas importantes
emissoras de rádio cariocas. Marangoni mostrou como se atualmente a relação entre
o dio e as Agências de Propaganda, destacou as inúmeras possibilidades do veículo,
sua grande audiência, registrando ao mesmo tempo sua sub-utilização, devido tanto à
falta de profissionalismo de grande parte das emissoras quanto ao que ele denominou
"miopia" de seus colegas da área de propaganda. Entretanto, não deixou de apresentar
ótimas sugestões para que o rádio, tão prestigiado pelo público quase todo mundo
ouve dio aumente sua participação no bolo das verbas usadas para publicidade no
Brasil, que é hoje de apenas 5 por cento. Marangoni repetiu que o rádio precisa mostrar
mais a sua cara, aparecer mais, fazer-se mais presente. Como se diz em propaganda:
"Quem não anuncia, se esconde".
Amigo-ouvinte, fique ligado. Voltamos logo depois dos comerciais com
"Flashes de Rec
ortagem", o que os jornais andam publicando sobre rádio.
55
2.2.1 – Flashes de recortagem
Rec
ortagem é a palavra que inventei para clipping.
Há alguns anos venho recortando notícias publicadas em alguns jornais
onde aparece a palavra "rádio". Tenho centenas de recortes onde o rádio é citado de
alguma maneira. A maioria dos leitores não deve se dar conta da freqüência com que o
rádio é mencionado nas páginas dos diários. Porém, praticamente não existem colunas
falando especificamente de programas radiofônicos, com críticas, comentários ou
sugestões. No máximo, dão a programação de algumas emissoras pertencentes ao
mesmo grupo de comunicação a que pertence aquele jornal. É possível constatar que A
Folha de São Paulo lembrando que o grupo Folhas não possui concessões de rádio - é
o diário que mais fala de rádio. Tem inclusive uma coluna semanal às quartas-feiras -
intitulada Outra Freqüência, de responsabilidade da jornalista Laura Mattos, citada
por nós. matérias muito interessantes. Cito várias delas nesta tese. Sua coluna de
08.10.03., por exemplo, tem como título "Geração internet aprende com o rádio" e na
semana da criança Mattos "apresenta três projetos que diminuem a distância entre os
estudantes de hoje e esse aparelho que chegou ao Brasil nos anos 20".
26
O primeiro
projeto citado é o da Editora Ática, que escolheu o rádio para estimular a leitura em
alunos da quinta à oitava série. A coleção Quero Ler vem com um CD com a simulação
de uma rádio rock. O outro projeto é desenvolvido por um colégio particular de São
Paulo. No curso especial A Era do dio, os alunos da segunda rie aprenderiam "a
história do veículo e sua importância para a comunicação de massa." Teriam
oportunidade de ouvir as vozes de Carmen Miranda e Emilinha Borba, trechos de
radionovelas e de narrações esportivas marcantes. E o terceiro projeto noticiado por
Laura Mattos é o Educom.radio, "cujo objetivo é usar estações internas de rádio como
instrumento de apoio pedagógico". Este projeto faria parte da Quarta Cúpula Mundial
de Mídia para Crianças e Adolescentes, em abril de 2004, no Rio de Janeiro. Haveria
representantes (12 a 18 anos) de vários países, que mostrariam experiências com
veículos de comunicação. Esta perspectiva, por tudo que representa, é muito
significativo.
26
MATTOS, 2003b, p. E 2.
56
Outro recorte da coluna da Folha aponta para a importância do rádio na
divulgação da cultura nacional e regional:
Sim. Apesar da programação padronizada, do besteirol, da
proliferação de emissoras religiosas e do jabá [execução paga
de músicas], o que comemorar. Duas rádios brasileiras serão
citadas como bom exemplo num estudo latino-americano sobre
o meio.
Trata-se de um extenso levantamento realizado por duas
entidades internacionais: a Associação Latino-Americana de
Educação Radiofônica e a Associação Mundial de Rádios
Comunitárias.
O objetivo dos 18 pesquisadores [que visitaram 15 países]
envolvidos no projeto foi traçar um mapa de estações voltadas à
cidadania e à valorização da cultura regional. No Brasil, a Rádio
Pioneira de Teresina (PI) e a Rádio Favela, de Belo Horizonte
(MG), foram contempladas com as melhores avaliações.
27
A dio Favela virou até filme: Uma Onda no Ar [2002], em que o
cineasta Helvécio Rattón mostra a impressionante história dessa premiada rádio
comunitária mineira: sua criação, funcionamento, crescimento, as inúmeras prisões dos
fundadores, até o reconhecimento mundial de seu valor, ao receber prêmio do Unicef e
autorização para funcionar. A Favela foi fundada por Misael dos Santos e amigos na
década de 80, na região do Aglomerado da Serra, em Belo Horizonte.
No Brasil, o rádio nasceu voltado para a educação, numa época em que a
palavra "cidadania" não estava em voga. Seu principal implantador no país, Edgard
Roquette-Pinto, "era um defensor da necessidade de transmitir educação e cultura aos
brasileiros espalhados por todas as regiões do país. Por essa razão, a primeira missão do
27
MATTOS, 2003 i, p. E 2.
57
rádio no Brasil foi, basicamente educativa",
28
como nos lembra a professora e
pesquisadora Sonia Virgínia Moreira.
E apesar de todos os avanços tecnológicos, o rádio, por seu baixo custo e
longo alcance, poderia e deveria ser usado para ajudar a diminuir nossos índices de
analfabetismo. Um título oportuno para uma campanha governamental nesse sentido
seria "Fome Zero, Educação Dez".
Na época que Roquette-Pinto implantou o rádio no Brasil (1923), 70 por
cento dos brasileiros eram analfabetos. Hoje [2003] pesquisas do IBGE falam em 15
milhões de iletrados. Outros milhões são analfabetos funcionais, sabem assinar o nome.
Vivemos num país onde "mais de 95 milhões de brasileiros moram em casas não
adequadas—ou seja, não são totalmente atendidas por sistema de abastecimento de
água, coleta de esgoto e lixo ou abrigam mais de duas pessoas por dormitório."
29
O emprego de tecnologia deveria se adequar às condições do lugar onde é
implantada. Que utilidade pode ter, num primeiro momento, colocar computadores em
regiões onde sequer existe luz elétrica ou linha telefônica. No Brasil o rádio educativo –
no sentido mais amplo – poderia ser utilizado em larga escala, com bastante êxito.
Por que não o é? Desconhecimento de suas potencialidades, como vimos
pouco? Seus custos mais baixos implicariam comissões menores, o que poderia
desestimular os investidores, que conseguiriam lucros maiores com tecnologias mais
caras? Esta lógica também poderia estar sendo obedecida em outros setores? Uma
agência de publicidade, por exemplo, ganha em dia 20 por cento da verba da
publicidade que ela veicula. Naturalmente, por questões até de sobrevivência, ela vai
preferir fazer anúncios mais caros para jornais, revistas e televisões.
Como dissemos, a Folha de São Paulo é um dos jornais que mais dá notícias
sobre rádio. Foi manchete na primeira página do dia 06.10.03: "PT vincula concessões
28
MOREIRA, 1991, p. 15.
29
Folha de São Paulo. 1ª página, 2003.
58
de rádio ao Fome Zero. Governo dará emissoras comunitárias a municípios atendidos
pelo programa." A nota esclarece que o governo de Luiz Inácio Lula da Silva "vai
contemplar municípios atendidos pelo Fome Zero, (...) em sua primeira distribuição de
rádios comunitárias, informa Laura Mattos."
30
Segundo a jornalista, o pacote vai
atender a 600 cidades e é o Ministério das Comunicações que concederá as habilitações.
Laura também informa que existem atualmente [2003] no Brasil mais de duas mil
emissoras comunitárias regularizadas e que o número das sem autorização deve chegar
perto de 15 mil, e que as pressões sobre elas estão maiores agora do que na era F.H.C.
Embora não seja nosso propósito discutir aqui a importância das rádios
Comunitárias, é evidente seu crescimento no país, sintoma, talvez, da sub-utilização das
emissoras comerciais. Estas, estruturadas, como tudo no sistema capitalista, para dar
lucro, com suas programações cada vez mais segmentadas, não estão preocupadas com
os interesses de pobres e analfabetos, mesmo que sejam consumidores. Entre as
comunitárias, ou rádios livres, ou piratas, que a maioria não possui licença para
funcionar, algumas são muito boas, fazendo jus ao nome, outras apenas servem a
interesses sectários ou escusos. Com tudo isso, há potencialidades, necessidades e
criatividade demais para caber somente nas programações das emissoras comerciais
pouco mais de três mil estações. Daí a explosão dos meios alternativos.
Nova matéria da Folha de S.P. que inclui o rádio foi publicada no dia
21.09.03. "Governo quer dar estímulo para a mídia do interior".
31
Mostra que o governo
Lula quer estimular rádios e jornais do interior do Brasil, mas o que preocupa o ministro
Luiz Gushiken (Comunicação de Governo e Gestão Estratégica) é a dificuldade de
aferição da tiragem e audiência desses veículos. A idéia do ministro é que associações
de jornais locais, juntamente com universidades, possam criar mecanismos para suprir
essa falta.
Outras declarações de Gushiken citadas nesta reportagem da Folha:
30
MATTOS, 2003e, p. A 1 e A 4.
31
F R, Folha de São Paulo, 21/09/2003, p. A 6.
59
As rádios e os jornais do interior são uma fonte geradora de
cultura. É estratégico estimular a mídia regional, porque a
tendência da mídia, com o avanço da tecnologia, é padronizar
para reduzir custos. Ao longo do tempo, você sufoca essa
capacidade geradora de cultura no interior do país.(...)São
milhares de jornais e de rádios. Eu tenho pensado muito nisso.
Não é o governo que pode anunciar. As empresas privadas
também terão interesse, desde que fique claro o tipo de veículo
e qual é o seu público.
32
Em agosto de 2003 foi aprovado na Câmara dos Deputados projeto de lei
que obriga as TVs a veicular programas regionais. O projeto é de autoria de Jandira
Feghali (PC do B-RJ). As dios também serão obrigados a transmitir uma cota de
músicas e noticiários regionais. "O projeto estabelece que 20 por cento da programação
de AMs e FMs tenham 'caráter nacional' e a metade, 10 por cento', regional".
33
A deputada quer garantir um aspecto brasileiro no dial, principalmente
musical. Ela sabe que no rádio, o "jornalismo regional acontece naturalmente. As
estações não existem sem a notícia local. Mas é importante garantir a presença de
música brasileira."
34
A ABERT (Associação de Emissoras de dio e Televisão) é
totalmente contrária às cotas e defende a auto-regulamentação do setor. A ABERT
congrega 2.874 emissoras de rádio e 319 de televisão.
A música brasileira é reverenciada no mundo todo e considerada um de
nossos principais "produtos de exportação". E o rádio é o seu principal divulgador.
Naturalmente. É dito por aqui que brasileiro não vive sem rádio, e muito menos sem
música. Nossos principais colonizadores, latu sensu, portugueses, índios e africanos, são
povos musicais. Eles moldaram nossa cultura de forma indelével, por isso a música
pulsa na alma brasileira e é vital para nossa sobrevivência material e espiritual.
Escute essa canção que é pra tocar no rádio
32
Idem.
33
MATTOS, 2003f, p. E 2.
34
Idem.
60
No rádio do seu coração
Você me sintoniza
E a gente então se liga nesta estação
35
Sintonizemos agora o livro O Canto do Pajé, de outro magnífico contador de
estórias, Hermínio Bello de Carvalho, para ouvir o maestro Villa-Lobos falar da
musicalidade brasileira:
Cada homem que eu encontro no Brasil representa uma forma
estética na concepção musical. (...)Ninguém percebe que o país
mais musical que existe sobre a terra deixa passar, vagamente,
indiferentemente, essa música tão pura, música da alma, música
do coração.
36
Até na Índia sabem disso. É o que nos conta o pesquisador-visitante
Maurício Ribeiro, no livro Tesouros da Índia.
No ashram de Aurobindo, quando procurava algo para trazer para o Brasil,
um mestre me sugeriu algumas fitas gravadas em vez de textos e observou
distraidamente: "Em seu país, no atual estágio de desenvolvimento, vocês precisam de
música."
37
A televisão brasileira (1950) nasceu praticamente do rádio, e os dois meios
de comunicação ajudaram, 'para o bem ou para o mal' a unificar a nação. Este fato é
mencionado, estudado e discutido em muitos livros especializados. Mas agora vamos
mostrar dois comentários informais, a esse respeito, de dois de nossos mais simpáticos
imortais: Carlos Heitor Cony e Antonio Olinto.
Cony tem a palavra:
35
MOREIRA. Sintonia.
36
CARVALHO, 1988, p. 82.
61
O gaúcho não é brasileiro nato: é brasileiro por escolha, por
vontade e por luta. Não compreenderemos a personalidade
humana e política de Getúlio Vargas sem antes retrocedermos à
história do antigo Continente de São Pedro, esquecido e
desprezado pelo Império e hostilizado pela incipiente
República. Getúlio Vargas consolidou a integração do gaúcho
na comunidade brasileira.
38
Cony descreve alguns tipos tradicionais gaúchos, vestidos à caráter:
"bombachas, lenço ao pescoço, tudo. Inclusive dois baitas revólveres na cintura," para
chegar ao ponto que nos interessa neste etapa do trabalho.
- E os jovens?
Bem, a juventude já não se reconhecia mais naqueles tipos
estranhos que dia a dia diminuíam, presos mais a um exotismo
folclórico que propriamente a uma necessidade. Pensavam os
jovens em outras coisas, estudavam, ouviam rádio, compravam
discos do momento, Roberto Carlos estava fazendo pela
integração nacional muito mais do que o duque de Caxias, o
Pacificador
.
39
o artigo de Antonio Olinto foi publicado na Tribuna da Imprensa, do
legendário Hélio Fernandes. Olinto comenta o livro Sobre Cultura e Mídia, do
jornalista Roberto M. Moura, e toca no nosso assunto.
O livro penetra num mundo novo, o da música e da literatura
haverem conquistado novos meios de comunicação que atingem
um público numeroso e diversificado. Primeiro foi o cinema.
Quase no fim do século XVIII iniciou ele um domínio sobre a
cultura de uma época. Nos cem anos seguintes, o rádio e a
televisão ampliariam o âmbito de uma influência que só tende a
aumentar. No Brasil, inclusive, o rádio e a televisão influíram
37
RIBEIRO, 2003, p.36.
38
CONY, 2003, p. E 10
62
na unificação da língua falada pelo povo, a ponto de eliminar,
para o bem ou para o mal, os diversos modos regionais de usar a
língua portuguesa, tanto na pronúncia como no vocabulário. As
gírias se unificaram e, de modo geral, são hoje compreendidas
por brasileiros de qualquer posição geográfica
.
40
O dio age assim, de maneira efetiva e simples, como quase tudo que é
popular.
A palavra escrita continua vigorosa no Brasil. E a palavra falada? Vamos
ouvir o que disse o jornalista Hélio Fernandes em sua coluna na Tribuna da Imprensa.
Ele assiste muito à TV Senado e verificou que “Constatação melancólica, lamentável
mas irreparável: não na Câmara ou no Senado um parlamentar que seja ouvido com
atenção e interesse. Eu, que conheci grandes oradores, choro a morte da palavra.”
41
Este pode ser um dos efeitos da excessiva exposição às imagens a que todos
estamos sujeitos diariamente. Podemos estar perdendo, sem perceber, nossas
capacidades oratórias. Os próprios locutores-apresentadores são orientados a falar
pouco, que as programações são eminentemente musicais (pelo menos nas FMs). Em
emissoras AM, como a Globo e a Tupi do Rio, os comunicadores conversam mais
com o ouvinte e isto é até uma obrigação. Na CBN-AM, "a rádio que toca notícia", não
entra música, a não ser a das repetidas vinhetas, prefixos e fundos musicais. atuam
profissionais talentosos, como Sidney Resende, mas nem todos os apresentadores ou
âncoras são propriamente radialistas, são jornalistas exercitando a linguagem
radiofônica.
2.3 – A voz do rádio – O que é um bom comunicador?
Como vamos usar expressões como Yin e Yang neste capítulo, explicamos o
que elas significam de acordo com os conhecimentos milenares chineses:
39
Idem.
40
OLINTO, 2003, p. 6.
41
FERNANDES, 2003, p. 9.
63
- YIN – feminino, contrátil, conservador, receptivo, cooperativo,
intuitivo, sintético.
- YANG masculino, expansivo, exigente, agressivo, competitivo,
racional, analítico.
42
Vimos em tópico anterior que a dimensão do olho seria mais masculina e a
do ouvido mais feminina, [independentemente de sexo] "tanto no sentido literal como
no figurado".
43
Vejamos estes resultados "estatisticamente comprovados" de
estudos de psicólogos norte-americanos sobre diferenças sexuais em recém-nascidos.
Os bebês do sexo masculino reagem mais a estímulos visuais,
ao passo que as menininhas reagem com maior facilidade a
estímulos recebidos através dos ouvidos. (...). Essa diferença
entre os sexos permanece mesmo na vida adulta de homens e
mulheres. É por isso que as mães se comunicam com muito
mais facilidade com as filhinhas, quando emitem sons e imitam
os sons emitidos pelo bebê; ao passo que atraem a atenção dos
meninos fazendo movimentos com as mãos e os objetos. (...) A
palavra "estatística" é importante, pois é claro que meninos e
meninas reagem tanto a estímulos sonoros como a estímulos
visuais.
44
Os locutores [e locutoras] "emitem sons/palavras", tocam músicas, tentando
chamar a atenção de seus "bebês-ouvintes" de ambos os sexos. Pesquisas recentes
demonstram que a voz feminina, quando utilizada adequadamente, tem um poder de
persuasão, de envolvimento, de convencimento, muito maior do que a masculina. Não é
por acaso que as fitas de espera ao telefone o gravadas com vozes de mulheres. Para
ficar num exemplo famoso: de quem é a voz que transmite as informações dos vôos no
Aeroporto Internacional Antônio Carlos Jobim? De Íris Letieri. A mulher não é mais
utilizada no rádio como locutora por questões de preconceito. A Rádio Fluminense FM
42
CAPRA, 1982, p.36.
43
Ibidem, p.179.
44
Idem.
64
inovou nesse aspecto. Criada na década de 80, utilizava vozes femininas. O campo
profissional para as locutoras ampliou-se a partir daí.
O dio, na fraseologia de McLuhan, é um "meio quente", envolvente, que
enfeita-se de sons, ruídos, vinhetas, prefixos, palavras, músicas, para cativar, seduzir a
audiência. As pessoas parecem não poder prescindir do "calor" do rádio, de sua atenção,
de sua companhia; querem ouvir uma voz amiga, próxima, ainda que não conheça seu
emissor pessoalmente. Isso fica por conta da imaginação do ouvinte. A voz é carregada
de sentidos, de significados. A boa qualidade de som é fundamental, mas não é a parte
técnica que mais importa no rádio. Tanto que, apesar de todas as novas tecnologias, o
rádio continua presente na vida das pessoas: seja através do rádio de pilha, ou do rádio
do carro, nos consultórios, elevadores, casas comerciais, nos walkmans usados nas
caminhadas, nos ônibus... É certo que o aparelho de rádio não ocupa mais o lugar de
honra da sala de visitas, ou de jantar, em torno do qual a família se reunia, cada um
viajando em sua própria imaginação. Entretanto, na maioria dos lares brasileiros há mais
de um aparelho de rádio; hoje ele não essó na sala, mas espalhou-se por quartos,
cozinhas e banheiros.
Quando dissemos "mas cada um viajando com sua própria imaginação" é
porque o rádio é individual, pessoal, ainda que muitos possam ouvi-lo no mesmo lugar,
ao mesmo tempo. A imaginação é subjetiva, intransferível.
Nossa imaginação é capaz de improvisar sobre a forma básica
das coisas, dando-lhe nosso próprio toque subjetivo. Este
mundo subjetivo conta, em seu nível mais básico, com imagens
primordiais que vão desde níveis glandulares e ganglionares até
a região do inconsciente. Quando um escritor se senta para
escrever, inevitavelmente está entrando neste mundo onde a
matéria prima é a que constitui a essência dos sonhos.
45
45
ALVES, p.11.
65
Não é somente a tecnologia que definiria o dio, mas sua relação com os
ouvintes, através, principalmente, dos comunicadores, o meio principal. Parodiando
McLuhan, diríamos que o mensageiro é a mensagem.
Quando alguém no rádio ou em qualquer parte produz uma
frase, uma imagem, um som, um movimento, está de fato
seguindo leis inerentes à natureza, a nosso próprio corpo ou a
nossa psique. Desenvolver a capacidade de interpretar estes
elementos, em nós mesmos, é a primeira tarefa à mão, se
alguém deseja poder criar algo de relevância para uma
audiência.
46
O rádio é um meio, em geral, mais leve, aconchegante, que usa a primeira
pessoa do singular. Cada ouvinte se sente único, cada um entende que o comunicador
está falando com ele. É preciso estabelecer uma certa intimidade com o ouvinte – maior
ou menor, de acordo com o tipo de programa. Pouca gente liga o rádio exclusivamente
para ouvir música. O ouvinte quer mais, quer companhia.
Nós, os "civilizados", estamos perdendo a capacidade de ver,
cheirar, saborear, tocar e, sobretudo, de escutar. (...) A tarefa
consiste em resgatar nossos sentidos do caos. Em minha
opinião, a emoção humana é o melhor caminho para se tentar
isso e consegui-lo
.
47
A voz precisa transmitir emoção outra das características consideradas
basicamente femininas. Usamos 'femininas' no sentido de uma característica yin,
referente ao princípio feminino da natureza, presente nos dois sexos, porém mais
desenvolvido nas mulheres. nas transmissões esportivas, por exemplo, predomina um
tipo de vibração considerada mais masculina, yang.
46
Idem.
47
Idem.
66
Enquanto as emissoras de Freqüência Modulada tinham suas programações
gravadas, frias, sem emoção, pouca audiência conseguiam. a partir da década de 70,
mais propriamente a partir de 1977, com o surgimento da dio Cidade, toda ao vivo e
"em cores", com locutores conversando com o público, é que as FMs deslancharam no
Rio de Janeiro, e depois no Brasil todo. Mas retomemos McLuhan.
A capacidade de um meio qualquer de se
comunicar depende do número de canais sensórios que ele
chame a atuarem, quando esteja operando adequadamente.
Quanto maior o número de sentidos em pauta, melhor a
possibilidade de transmitir uma cópia fiel do estado mental de
uma pessoa
.
48
As FMs mantiveram a música como foco, mas introduziram a emoção, a
proximidade, o calor, o afeto, de maneira descontraída e alegre. Tudo isso através da
palavra falada.
McLuhan acredita que a palavra falada preencha esses
requisitos mais completamente que qualquer outro meio.
Defende essa opinião apoiando-se em dois motivos diferentes.
Por um lado, lembra-nos McLuhan de que, embora o falar se
destine a ser ouvido, a ele usualmente se recorre em situações
que chamam à cena os demais sentidos. Quando desejamos
esclarecer o sentido do que dizemos, apelamos automaticamente
para expressões faciais e gestos de mão. (...) Por esse motivo, a
palavra falada ativa todo o aparelho sensório humano e, assim,
acentua a acuidade com que a menagem falada reproduz o
estado mental a que supostamente corresponde.
49
É oportuno notar que as conclusões de McLuhan são semelhantes àquelas
ensinadas pela filosofia chinesa do yin-yang que vimos há pouco.
48
MILLER, 1973, p.11.
49
Idem.
67
Afirma, por outro lado, McLuhan que o canal da audição é
intrinsecamente mais rico ou, como ele expressa, "mais quente"
do que, digamos, o da visão. Como conseqüência, ainda que não
existissem outras vias sensórias acompanhando o uso da fala,
aquele que ouve continuaria a receber mensagem mais rica,
mais quente do que a que lhe chegaria exclusivamente através
dos olhos
.
50
É no poder da linguagem falada que reside a força da imaginação. O
comunicador de dio lida com esse poder e essa força o tempo todo, ainda que não
tenha completa consciência de seus efeitos.
Em entrevista ao programa de auditório Palco MPB, na Rádio MPB-FM
(RJ), o cantor, compositor e ministro da Cultura Gilberto Gil comentou que o rádio é
um "cochichador":
Entre os números musicais, Gil conversou com o apresentador
Fernando Mansur. Elogiou o formato do projeto uma
iniciativa muito interessante, que proporciona esse encontro
direto do artista com o público" – e falou sobre a relação afetiva
que mantém com o rádio: "O rádio comunica de forma íntima.
Quem cresceu ouvindo rádio, como eu, sabe que ele tem um
cochicho mágico."
51
Essa é pra tocar no rádio
Essa é pra vencer o tédio
Quando pintar
Essa é um santo remédio
Pro mau humor
Essa é pro chofer de táxi
Não cochilar
Essa é pro ouvinte
Do interior
50
Idem.
51
MAZZINI, 2003, p. 5.
68
Essa é pra tocar no rádio
Essa é pra sair de casa
Pra trabalhar
Essa é pro rapaz da loja
Transar melhor
Essa é pra depois do almoço
Moço do bar
Essa é pra moça dengosa
Fazer amor
Essa é pra tocar no rádio [bis]
52
Nosso poder de imaginação es diminuindo? O padrão de qualidade dos
meios de comunicação, em geral, vem decrescendo? Os gostos estariam sendo cada vez
mais uniformizados, segmentados, condicionados pelos interesses do mercado de
consumo? Como o rádio tradicional poderia ser mais útil e companheiro nesse momento
em que o virtual ganha espaço e conquista milhões de adeptos?
A violência está empurrando muita gente para atrás de grades e de muros:
Hoje, os pais minimamente responsáveis têm medo de deixar
seus filhos saírem sozinhos à rua; e a vida das crianças e
adolescentes sofre de um novo tipo de claustrofobia, transitando
entre paredes fechadas de apartamentos, escolas, clubes e
shoppings. A realidade virtual surgiu como uma alternativa a
esse realismo perigoso e estanque; e a maior vítima, a
imaginação, perde, cada vez mais lugar.
53
O Grupo dos Profissionais do dio criado para "vender" o veículo para
as agências de publicidade e para a sociedade em geral poderia criar uma campanha
em que esse handicap fosse evidenciado. Algo assim "Não perca a imaginação: ouça
mais rádio". Ou uma brincadeira à la Chacrinha: "Alô, seu João! Perdeu a imaginação?
52
GIL. Essa é pra tocar no rádio.
53
GONÇALVES, 2004, p.4.
69
O dio é a solução." "Alô, Teresinhaaa! Você ouve rádio no carro, na sala ou na
cozinha?"
Mas para justificar a campanha, o rádio precisará ter uma programação
suficientemente atraente.
muito tempo que creio que o rádio é mágico. A televisão
não é ruim, mas o rádio é mágico. Se a televisão tivesse sido
inventada antes, a chegada da radiodifusão teria feito as pessoas
pensarem: Que maravilhoso que é o rádio! É como a televisão,
só que nem é preciso olhar!
54
Longe de casa
Há mais de uma semana
Milhas e milhas distante do meu amor...
Eu saio de noite
Andando sozinho
Eu vou entrando em qualquer barra
Eu faço o meu caminho
O rádio toca uma canção
Que me faz lembrar você
Eu fico louco de emoção
E já não sei o que vou fazer
Estou a dois passos do paraíso...
Bye-bye, baby, bye-bye [bis]
"A Rádio Atividade leva até vocês
mais um programa da séria série
'Dedique uma canção a quem você ama' "
55
54
DEL BIANCO e MOREIRA, 2001, p.232.
70
O que faz de alguém um bom comunicador?
Você, leitor, considera-se um bom falante? Acha que se comunica de forma
correta? E em termos profissionais, quem você considera um bom comunicador, um
bom locutor? O brasileiro fala bem, comunica-se bem?
É sobre isso o nosso bate-papo com a Dra. Jane Celeste, professora ensina
técnicas de expressão oral a atores e fonoaudióloga, [entrevistei-a em seu consultório
no dia 08/10/2003].
Pedimos inicialmente que ela nos explicasse o que seria falar bem.
- Falar bem é, principalmente, a pessoa se comunicar. A pessoa pode não
ter uma boa voz, pode não ter uma articulação perfeita, mas se ela consegue se
comunicar, para mim isso é falar bem. É lógico que estou falando dentro de uma
linguagem espontânea, entre pessoas que não usam a voz profissionalmente.
- E o que é falar bem em termos profissionais?
- Falar bem no uso profissional envolve uma série de outros
mecanismos. Você precisa primeiro ter conhecimento do assunto para poder expor suas
idéias com clareza, dentro de uma organização do pensamento lógico. Você deve poder
articular bem as palavras, mas essa articulação deve ser uma coisa bem natural para que
não haja nenhuma sofisticação, nem preciosismo na maneira de falar. Você tem de usar
a sua fala da maneira mais natural possível e perceber as palavras, a imagem de cada
palavra, para que as pessoas possam captar o que está além daquilo, o extralingüístico.
Você usou aquela palavra, mas o que espor trás daquela palavra? Qual é o subtexto,
qual é o sentimento ou a emoção, ou a sensação que por trás daquela palavra? Isso
depende da maneira com que você vai falar. É muito importante que o profissional da
voz tenha essa percepção de como ele fala, de como ele usa as palavras, do que é que
está por trás daquelas palavras, o que ele quer dizer com aquelas palavras. Se ele está
reproduzindo um texto de um outro autor, o que o autor quis dizer? o que ele quer dizer?
55
MESQUITA e BARRETO. A dois passos do paraíso
71
porque ele [locutor] vai complementar, vai acrescentar, enriquecer aquilo que o autor
disse.
- O brasileiro fala bem?
- Dentro dessa perspectiva inicial que eu coloquei, acho que ele fala bem,
porque o brasileiro é muito comunicativo. Se ele comunica bem, acho que ele fala bem.
- O que caracterizaria um bom locutor?
- Um bom locutor é aquele que consegue envolver mais o público alvo
que ele se propõe a atingir. Às vezes ele pode até ter uma pronúncia sofisticada, uma
linguagem também sofisticada, mas consegue envolver as pessoas, porque ele não
precisa, para ser um bom locutor, se igualar necessariamente àquele público-alvo que
está lá embaixo. O locutor não precisa colocar seu vocabulário muito embaixo. Ele pode
ter uma linguagem mediana, mesmo que haja palavras desconhecidas do público, mas se
ele consegue envolver as pessoas, para mim esse é um bom locutor.
- A também fonoaudióloga, Glorinha Beutenmüller, ensina que "falar é
dar um abraço sonoro" e que para isso é preciso, antes de tudo, gostar de gente. Outra
profissional do ramo, Maria Carolina de Freitas, sugere o seguinte: "Acredita mais na
minha voz do que naquilo que estou dizendo". É a nossa voz que indica se estamos
sendo sinceros ou não, certo?
- Com certeza. A sinceridade é super importante, você acreditar naquilo
que está falando, porque acreditando, você faz com que as pessoas também acreditem
naquilo. Uma outra coisa importante é quando o locutor se coloca por inteiro naquilo
que faz. Ele está ali verdadeiramente, acreditando no que está comunicando, e com o
corpo inteiro. E no caso de um programa de auditório, ele a pessoa, ouve a pessoa,
valoriza quem está ali, valoriza o ser humano. Isso faz dele também um bom
comunicador, porque ele consegue ter essa magia da comunicação, que é esse
envolvimento, ele consegue dar o "abraço sonoro".
- Com relação aos negros, é senso comum que os negros têm uma voz
muito bela e possante. Isso, fisiologicamente, é comprovado?
72
- Sim, nós temos pesquisas sobre a voz do negro. É uma coisa recente.
Negros, de uma forma geral, têm uma boca maior; então eles têm as pregas vocais
também mais espessas. Isso tudo influencia na maneira de falar, no timbre, ou seja, a
qualidade natural da voz. A qualidade vocal depende muito de quê? Do tamanho da
laringe, do tamanho das pregas vocais, do biótipo do indivíduo, do tamanho da face, das
arcadas dentárias, seios nasais e paranasais. Isso tudo vai influenciar diretamente na
qualidade vocal. O negro tem essa característica da boca maior, formando essa caixa
de ressonância, e as pregas vocais também são diferenciadas, então a voz dele é
realmente específica.
Pegando esse gancho que a Dra. Jane nos dá com sua resposta, perguntamos
ao professor e radialista Luiz Carlos Saroldi (teremos um capítulo dedicado a ele neste
trabalho) quem são nossos melhores locutores e como nossas origens africanas
poderiam ter influenciado a sua/nossa forma de comunicação.
Primeiramente ele responde que nossos comunicadores são muitos e muito
bons. Acha que existe no rádio também essa vocação latina da conversa, da fala, da
tradição oral: "Isso é muito brasileiro, é cubano também o rádio falado cresceu muito
em Cuba, as novelas começaram em Cuba." Lembro que Brasil e Cuba têm histórias
parecidas: escravos africanos ajudaram a construir os dois países. Saroldi vai buscar na
memória a resposta para a segunda parte da pergunta que lhe fiz.
A voz do parágrafo seguinte é dele.
- Até hoje o rádio é muito usado na África. E nós temos esse lastro comum
de tendência à oralidade. Temos aquelas pretas velhas, que contavam estórias. Eu ainda
peguei isso com uma empregada "preta velha" que contava estória à noite pra gente,
histórias de fantasmas e outras coisas mais. Essa tradição também existe muito no
Nordeste. Em todo lugar que você vai e tem uma praça, tem um cara vendendo remédio
e contando estórias enormes. Têm os vendedores de cordel, os cantadores. A cultura
popular passa muito pela oralidade. Quando você pega o rádio, é muito fácil você
transplantar essa vocação, botar pra fora essa vocação diante do microfone, até porque
73
estimula a imaginação. você não os rostos das pessoas, então você projeta essas
caras. Você sabe que tem alguém te ouvindo e que você precisa se comunicar com essa
pessoa, sem saber se são mil, três mil, um milhão, tanto faz. Desde que você imagina
uma cara, tenha uma idéia de que uma pessoa está te ouvindo, você está falando pra ela.
Isso desperta a capacidade de fabular, de contar histórias. O narrador de rádio é, no
fundo, um contador de histórias, ele vem do contador de histórias.
Pergunto quem ele consideraria o melhor locutor/comunicador do Brasil.
- No Brasil é difícil destacar alguém melhor. É claro que existiram em todas
as épocas grandes nomes que se destacaram nisso. Agora mesmo [2003] esfazendo
cem anos de nascido o Paulo Roberto – médico, radialista, produtor de rádio, mas
excepcional narrador, excepcional contador de histórias. Tem o Almirante, que fez
um curso de contabilidade na época e de repente vai pro rádio e passa a ser um narrador,
contador de histórias, passa a usar os outros elementos do rádio também a música, a
piada, o intérprete, o ator. O som enriquece isso e transforma toda uma obra. Isso é
formidável e você isso no locutor, no cara que cria com você uma empatia e que
realmente aproxima você do veículo, leva você pro veículo. O locutor identifica, até, o
veículo. As grandes vozes sempre identificaram, cada uma, umadio. Por isso é que os
diretores procuravam sempre vozes parecidas com o padrão ou de um César Ladeira, ou
de um Jorge "Majestade".
Mama África
A minha mãe é mãe solteira
E tem de fazer mamadeira
Todo dia
Além de trabalhar como empacotadeira
Nas Casas Bahia
56
Recorramos à Mãe África para ouvir um pouco de sua sabedoria milenar.
56
CÉSAR. Mama África.
74
Na África, cada ancião que morre é uma biblioteca que se
queima. A frase do malinês Amadou Hampâté Bâ, expressa a
importância da transmissão oral no continente e a sensação de
ouvir um sábio africano relatar suas experiências: é como se
vários livros se abrissem, com uma profusão de detalhes, para
dar voz às histórias e às tradições locais.
57
Os africanos precisam treinar os ouvidos desde cedo.
“Desde a infância, éramos treinados a observar, olhar e escutar
com tanta atenção que todo acontecimento se inscrevia em
nossa memória como cera virgem", diz o etnólogo, filósofo e
historiador [Hampâté Bâ] em "Amkoullel, o Menino Fula".
58
Gilberto Freyre, no clássico Casa-Grande e Senzala, entre tantas outras
coisas, fala da influência africana no linguajar português.
Os padres-mestres e os capelães de engenho, que, depois da
saída dos jesuítas, tornaram-se os principais responsáveis pela
educação dos meninos brasileiros, tentaram reagir contra a onda
absorvente da influência negra, subindo das senzalas às casas-
grandes.
59
Segundo Freyre, os padres se indignavam quando ouviam as "'meninas
galantes' dizerem 'mandá', 'buscá', 'comê', 'me espere', 'ti faço', 'cadê ele'".
60
Sucedeu, porém, que a língua portuguesa nem se entregou de
todo à corrupção das senzalas, no sentido de maior
espontaneidade de expressão, nem se conservou acalafetada nas
salas de aula das casas-grandes sob olhar duro dos padres-
57
FARAH, 2003, p. E 3.
58
Idem.
59
FREYRE,1992, p.334.
60
Idem.
75
mestres. A nossa língua nacional resulta da interpenetração das
duas tendências
.
61
E aos pouquinhos, devagarinho, africanamente, o Brasil foi aprendendo a
falar brasileiro.
O Português do Brasil, ligando as casas-grandes às senzalas, os
escravos aos senhores, as mucamas aos sinhô-moços,
enriqueceu-se de uma variedade de antagonismos que falta ao
Português da Europa. Um exemplo, e dos mais expressivos, que
nos ocorre, é o caso dos pronomes. Temos no Brasil dois modos
de colocar pronomes, enquanto o português admite um o
"modo duro e imperativo": diga-me, faça-me, espere-me. Sem
desprezar o modo português, criamos um novo, inteiramente
nosso, caracteristicamente brasileiro: me diga, me faça, me
espere. Modo bom, doce, um pedido. E servimo-nos dos dois.
62
O dio foi o primeiro meio de comunicação a aumentar essa aproximação
dos falares brasileiros. A Rádio Nacional aproximou nossos sotaques, de Norte a Sul.
Antes o nortista não entendia o gaúcho e vice-versa. Aos poucos, os locutores foram
mudando o pronome de lugar. Freyre:
O Brasil pode-se dizer que atingiu esse ponto: o fato de
dizermos "me diga, e não apenas "diga-me", é dos mais
significativos. Como é o de empregarmos palavras africanas
com a naturalidade com que empregamos as portuguesas. Sem
aspas, nem grifo.
63
Os brasileirinhos, os "baixinhos" brancos aprenderam a falar com
61
Idem.
62
Ibidem. p. 334.
63
Ibidem. p. 335.
76
A figura boa da ama negra que, nos tempos patriarcais, criava o
menino lhe dando de mamar, que lhe embalava a rede ou o
berço, que lhe ensinava as primeiras palavras de português
errado, o primeiro "padre-nosso", a primeira "ave-maria". (...).E
com "o negro velho, contador de histórias."
64
Num de seus poemas, Manuel Bandeira exalta Irene, "Irene preta, Irene
bela, Irene sempre de bom humor". Noutro, ele fala da "Língua errada do povo, língua
certa do povo, que nós o que fazemos não é senão macaquear a sintaxe lusíada." O
próprio estilo de Gilberto Freyre parece permeado de africanidades, de oralidades. A
leitura flui, rica, rtil, miscigenada. Como se ele conversasse conosco de um quintal
frutífero, aureolado por influências negras, indígenas, mouras, lusitanas... E esquecesse
o microfone aberto, o coração aberto, e fizesse assim, "distraidamente" o Brasil ouvir o
Brasil. A primeira edição de Casa-grande e Senzala saiu em 1933. Dez anos depois da
primeira dio brasileira ser oficialmente inaugurada: Rádio Sociedade do Rio de
Janeiro.
A sociologia da evolução se preocupa com a atuação do rádio
no processo social por exemplo, em saber qual o futuro do
rádio em relação ao lazer. (...) Infelizmente, esse tipo de estudo
é feito na França e na Alemanha. Existe ainda a sociologia
dos produtores e que procura estudar as relações entre as
intenções e a formação cultural das pessoas que fazem rádio.
Outra tendência é o estudo baseado na psicologia dos povos.
Nos Estados Unidos, os estudiosos chegaram à conclusão de
que as emissões de rádio seriam cordiais e teriam um tom
familiar porque a psicologia do país sugeriria isso. Nesse
terreno, pode-se pensar em termos de Brasil, pois temos uma
certa tradição de país hospitaleiro, familiar. É possível que um
estudo dessa ordem se adaptasse às nossas condições. Já na
64
Idem.
77
França, a linguagem seria crítica, em oposição à Inglaterra,
onde se constata o mito da objetividade, da neutralidade.
65
Depois dos comentários acima, do jornalista Armando Strozenberg,
passemos rapidamente a batuta para o maestro Julio Medaglia, cicerone no Rio de
Janeiro, em 1976, de uma equipe de radialistas alemães. O maestro conta que eles
vieram dar palestras sobre o rádio-teatro produzido na Alemanha e conhecer o que
estava sendo feito aqui.
Em vez de realizar uma "conferência", preferimos acionar os
botões de um receptor e deixar a platéia ouvir um variado
programa de rádio previamente produzido, parte gravado, parte
ao vivo, ao longo do qual se oferecia aos presentes uma idéia
genérica de nossa radiofonia, de seus memoráveis momentos,
do passado aos dias atuais.
66
Segundo Medaglia, os alemães ficaram "estarrecidos" com o que ouviram.
Pediram cópia do programa para levá-lo para a Alemanha, mostrá-lo aos colegas e
analisá-lo com maior atenção. E concluíram que "Em verdade, o rádio que se começa a
fazer agora na Europa, e que poderíamos chamar de um rádio moderno e criativo, é o
que vocês fazem aqui no Brasil há cinqüenta anos..."
67
Querendo mais, os profissionais da rádio alemã pediram ao nosso maestro,
por sinal pouco ortodoxo, que lhes desse informações sobre a música brasileira
contemporânea. Medaglia diz o que fez:
Os convidei a ouvirem uma ópera, a mais brasileira e original
ópera que eles jamais haviam conhecido. Fiz com que ouvissem
a irradiação de um FLA-FLU pela Rádio Globo. Tão grande era
a variação "melódica" da narrativa, tão diversificadas eram as
inflexões dramáticas das situações abordadas, tão diferentes
65
STROZENBERG, 1976.
66
MEDAGLIA, 1979, p.3.
67
Idem.
78
eram os timbres e as "interpretações" dos cinco locutores, tão
rica era a orquestração de efeitos sonoros realizados
eletronicamente pelos operadores de estúdio, tão intenso era o
pathos do discurso, que os alemães acompanharam o evento do
começo ao fim com a postura e deslumbramento de quem está
apreciando um espetáculo "artístico" e não a transmissão de um
fato
.
68
Nossos somos as cantoras do rádio
Levamos a vida a cantar
De noite embalamos teu sono
De manhã nós vamos te acordar
Nós somos as cantoras do rádio
Nossas canções cruzando o espaço azul
Vão reunindo num grande abraço
Corações de norte a sul(...)
69
2.4- “Acabaram de ouvir...”
70
, César Ladeira, "o maior locutor do Brasil"
"Acabaram de ouvir..." é o título de um livro raro, conseguido por
intermédio de outros dois colegas, Renato Ladeira e Betina, filho e neta de César
Ladeira "'Speaker' da PRAR Rádio Record de São Paulo", conforme aparece na capa.
O livro é um documento histórico, pouquíssimo conhecido e, consequentemente,
raramente mencionado. Resolvi, por isso, citar diversos trechos dele, a fim de mostrar a
visão de um grande profissional sobre os primórdios do dio no Brasil, permitindo que
os novos amantes e estudiosos do veículo tenham acesso às próprias palavras de sar
Ladeira.
68
Idem.
69
BABO, BARRO e RIBEIRO. Cantoras de rádio.
70
LADEIRA, 1933, p.120.
79
O livro começa com uma citação de Alcantara Machado [Alcantara, sem o
acento circunflexo].
O rádio? Um amigo ideal. Um amigo, que nos visita, quando
nos apetece ouvi-lo; e desaparece instantaneamente, quando
começa a enfastiar-nos; e não fica zangado, quando, à primeira
tolice que profere, lhe tapamos a boca.
14. XII. 31.
Alcantara Machado.
O subtítulo do livro é "Reportagem numa estação de rádio, com
caricaturas de BELMONTE."
Ladeira justifica a obra:
Um "speaker" não escreve: fala. Um "speaker" reporter fala o
que não escreve, mas escreve o que não pode falar ao
microfone. É esta a razão deste livro. Literatura? Deus nos
livre... Apenas uma reportagem, que poderia ser destacada em
pequenas reportagens. Impressões íntimas, opiniões sinceras,
curiosidades e indiscreções de um "speaker" ousado que, antes
mesmo da televisão, caricaturiza com a ajuda mágica dos
bonecos de Belmonte, um pouco da vida agitada dos estudios.
Um esforço bem intencionado para o Enrobustecimento desse
gigante que caminha nesta Terra a passos meúdos o rádio. E
nada mais.
71
A fim de manter a atmosfera dos anos 30, deixamos a grafia original.
Muitos livros contam a história do dio no Brasil, mas nenhum, através da "voz" e da
pena de César Ladeira.
80
O radio no Brasil começou a engatinhar os seus passos em São
Paulo. Nos outros estados, essa coisa de ouvir uma música
distante e uma voz lá-de-longe, dentro de uma caixa de madeira
era invenção do diabo. Essa maravilha do século joga pelos
ares a melodia atrevida de um novo samba e a novidade
palpitante de uma "ultima hora" de sensação. Essa incrivel
maquina que fala, léva dentro dos ambientes familiares e dos
bares barulhentos a voz regia de Francisco Alves e a noticia
nova de que o Graf Zeppelin irá voar pela primeira vez em céos
Piratininganos...
72
Ladeira descreve o frisson provocado pelo surgimento do rádio.
Essa invenção do momento monopoliza o mundo, atualmente.
Está no seu momento. É o veículo fácil e modo de
propagandas comerciais e de oratórias políticas. Meio
inteligente de vulgarizar melodias bonitas. Avenida aberta para
o transito rápido das vozes que cantam bem e das vozes que
sabem falar. Maneira inteligente de fabricar celebridades
oportunas: o rei do samba, o mais querido "speaker", o melhor
remedio para os calos
.
73
O leitor que conheceu a voz de sar Ladeira pode imaginá-lo fazendo
esta narração sobre os primórdios do rádio.
O rádio, de uma utilidade espantosa, tão espantosa e tão util,
começou a engantinhar os seus passos com uma incerteza
infantil. Gramofonizou-se. Tornou-se, a princípio, detentor de
uma monotonia irritante. Uma voz sem espinha dorsal soletrava
com a mesma solenidade nasal, nomes de autores celebres e
remédios especificos.
74
71
Ibidem, p. 10.
72
Ibidem, p. 23.
73
Ibidem, p. 24.
74
Idem.
81
Lembrando ao leitor que estamos mantendo a grafia original. Além de
muitas palavras sem acento, é interessante observar que remedio, na citação de número
20, não leva acento, mas remédios, na citação 21, sim. Mas prossigamos ouvindo o
locutor oficial da Revolução Constitucionalista de 1932. César descreve como era o
ambiente radiofônico na época.
O ambiente era de teia-de-aranha. Necessitava-se higiene, ar,
luz. Muito flit. Muita coisa nova que havia passado
despercebida á mentalidade de casaca que dirigia as
"broadcastings" existentes. Finalmente, pouco a pouco,
modificaram-se as coisas. Os colarinhos duros protestaram, mas
os ouvintes começaram a gostar. E os aparelhos começaram a
ser vendidos em maior escala...
75
Ladeira escreve que a Rádio Record (fundada em 1925) revolucionou a
radiofonia brasileira depois de uma década de transmissões. Conta no livro que as
estações de São Paulo eram verdadeiras empresas, onde trabalhavam centenas de
pessoas: "Speakers, uma orquestra completa, cantores, dalilógrafos, um grupo regional
especializado, técnicos, corretores de anúncios, chefes de departamentos especiais, tudo
o que caracteriza uma organização perfeita". (p. 78) No Rio de Janeiro existiam a
Rádio Sociedade (1923, hoje MEC), Rádio Club do Brasil (1924, Rádio Mundial);
posteriormente vieram a Rádio Educadora (1926, Tamoio) e a Mayrink Veiga, em 1927,
hoje extinta. Mas, segundo Ladeira, a "revolução" vinha mesmo de São Paulo.
Revolucionando completamente as antigas normas de
irradiação, apareceu a PRAR inovando, lançando coisas novas,
interessando os radio-ouvintes pela vida dos estúdios, criando
artistas e conjuntos especializados, iniciando um genero
desconhecido de programação, repartindo-a em quartos-de-
hora, apresentando um "speaker" que não falava com se e
anunciava de maneira diferente um tango e uma noticia de
75
Ibidem, p. 26.
82
falecimento. A Record merece, sem favor e indiscutivelmente,
esse titulo de renovadora da "broadcasting" brasileira.
76
Pelo que nos conta César Ladeira, o movimento constitucionalista de São
Paulo (1932) serviu para divulgar as rádios paulistas para os cariocas.
Na ansia de conhecer noticias de S. Paulo, os possuidores de
aparelhos de radio deixaram, durante os meses da campanha
revolucionaria, os programas da "Mayrink Veiga", da
"Philipps", do "Radio-Club", etc., para ouvir as audições da
"broadcasting" bandeirante. Voltando depois as estações
cariocas, perceberam uma sensível diferença. Isso repercutiu,
naturalmente, nas sociedades transmissoras. E todas élas
trataram de imitar os processos das estações paulistas e,
especialmente, da "Record", que logo se popularizou pela
novidade dos seus métodos de transmissão e pela superioridade
incontestavel do seu "speaker".
77
E o "incontestável" talento do "speaker" César Ladeira, nascido em
Campinas em 1910, passaria pouco tempo depois a figurar entre as atrações do dio
carioca.
Para corroborar sua opinião a respeito da superioridade radiofônica paulista
no início da década de 30, Ladeira transcreve crônica de um jornalista carioca,
publicada em uma revista, "A Platéa", logo após o movimento constitucionalista.
Os apaixonados pelos assuntos de radio observam agora, no
Rio, como que uma verdadeira revolução na maneira por que as
diversas estações transmissoras da cidade organizam os seus
programas diarios. Rompendo os seus métodos rotineiros, todas
procuram lançar inovações interessantes, seduzindo o ouvinte
por meio de processos modernos de apresentação dos números
76
Idem.
77
Ibidem, p.28.
83
musicais, no modo de compôr os anuncios, na propria dicção
dos "speakers".
78
E como era a "dicção" dos locutores cariocas naquela época? É muito
curiosa a descrição de Ladeira sobre o modo de falar dos "speakers" do Rio antigo.
Antigamente, os "speakers" cariocas rivalisavam com as
declamadoras pelo tom irritante da voz. Era um falar arrastado,
monótono, sem cambiantes, que enervava o ouvido mais
paciente. Adivinhava-se uma preguiça de funcionario publico
aposentado no personagem desconhecido que se colocava em
frente aos microfones. Desconhecia-se quase o valor das
inflexões, que traduzem as diversas tonalidades da palavra. A
noticia da morte de Santos Dumont era anunciada no mesmo
tom com que se proclamava o valor de uma nova marca de
sabonete. A voz não se alterava quer recitando as cotações do
cambio quer chamando a atenção para um samba que ia ser
lançado. E a mais moderna das profissões, aquela que mais
exige um sentido dinamico, uma vivacidade intensa, um poder
de expressão verbal muito acima da vulgaridade, estava
paradoxalmente reduzida a um recitativo de menino acanhado
diante do inspetôr escolar.
79
Esse trecho nos faz lembrar que sar Ladeira foi um dos locutores que
ensinou os brasileiros a falar no rádio, um pioneiro na "mais moderna das profissões".
Hoje, se conhece no Rio esse modo moderno de falar ao
microfone que S. Paulo instituiu no país. A voz dos "speakers"
passou a ser vibrante, rapida, sem irritantes cicios, sem a
preguiça de outros tempos. A prosodia é agora plastica,
mutavel, exprimindo alegria, tristeza, movimento, novidade,
desespero, humorismo, de acordo com o sentido intimo do que
se irradia. As transmissões no "estilo Record" estão em moda.
78
Ibidem, p. 27.
84
Registra-se, assim, uma verdadeira revolução na esféra sonora
do rádio
.
80
Esta revolução se transferiria, a partir de 1933, para o Rio de Janeiro, mais
precisamente para a Rádio Mayrink Veiga, com a chegada de César Ladeira. É o que
nos conta o pesquisador e crítico musical José Ramos Tinhorão.
Tinhorão diz “A PRA-9, a Rádio Mayrink Veiga, a partir de 1933, havia se
transformado de fato na emissora mais popular do Rio de Janeiro, principalmente após a
contratação do locutor César Ladeira.”
81
Quem terá sido o maior locutor do rádio brasileiro? César Ladeira? Heron
Domingues? Jorge "Majestade"? Renato Murce responde.
César Ladeira: Um nome lendário do Rádio brasileiro. Toda a
geração passada ouviu-o. Foi considerado em sua época o
melhor locutor que o rádio teve. Mesmo as gerações de hoje
sabem disso... A voz de César, além do timbre especial que
possuía, era emitida com calor e convicção. Dominava a
todos.
82
2. 4.1 – Conversando com Renata Fronzi
83
- Dona Renata, a senhora concorda com o Renato Murce?
- Ah, claro. Para mim ele foi o maior locutor do Brasil. sar foi meu
amigo, professor, amante, tudo. Eu o conheci aqui no Rio de Janeiro, no Teatrinho
Jardel, em de abril de 1949 - quando ele estava na Rádio Nacional - namoramos
um pouquinho e no dia 4 de outubro do mesmo ano nos casamos.
79
Ibidem, p. 28.
80
Ibidem, p. 29.
81
TINHORÃO apud NASCIMENTO, 1996.
82
MURCE, 1976, p.165.
83
Renata Fronzi é atriz e esposa de César Ladeira
85
- Ele gostava do Rio?
- Amava o Rio e o Rádio. César criou muitas coisas no rádio. Criou o
teatro no rádio, o Teatro pelos Ares. Pegava os cantores na esquina e os levava para
cantar na Mayrink. Fez isso com Carmen [Miranda], Aurora [Miranda], Chico Alves,
com muita gente. Todos aqueles a quem ele deu apelidos, ele contratou. Acho que o
primeiro programa educativo foi ele também que fez: chamava-se Biblioteca do Ar; lia
poesias, falava dos escritores, dos poetas... Tudo isso se espalhou depois pelo Brasil.
- Chegou a fazer programas de auditório?
- Acho que um só, junto com Daise Lúcidi... mas não me lembro bem;
depois você pergunta pra Daise. O tempo passa e a memória às vezes falha.
D. Renata nos fala que César Ladeira, um dos maiores radialistas do Brasil
de todos os tempos, ganhava muito pouco.
- Ele ganhava muito mal na Nacional; numa época passou até a fazer um
programa extra na Mayrink, mesmo trabalhando na Nacional. Com o tempo foi ficando
desgostoso.
- Quando foi isso?
- na década de 60... 1968... O salário era muito baixo... Um dia ele foi
com um amigo pedir que o diretor da Nacional na época, Saint Clair Lopes, lhes
concedesse a aposentaria e que eles pudessem continuar trabalhando depois. O diretor
disse que não. Isso deixou César muito magoado... ficou doente... e morreu disso.
[1969] Mas a vida é assim mesmo, não é?
Renata Fronzi, uma de nossas grandes atrizes do cinema, teatro e da
televisão, nunca trabalhou em rádio. Foi estrela das revistas de Walter Pinto e Carlos
Machado; dos filmes produzidos nos estúdios da Atlântida e da Herbert Richers, ao lado
de Ankito, Grande Otelo e Oscarito; na TV Record integrou o elenco da Família Trapo,
juntamente com Jô Soares, Ronald Golias, Zeloni, Cidinha Campos e Ricardo Corte
86
Real, e na Globo participa de novelas e mini- séries (Pão, pão, beijo, beijo, Memorial de
Maria Moura...). Renata conta que César chegou a trabalhar pouco tempo na TV, "acho
que lia um noticiário", mas que não deu certo. Antes de terminarmos nossa conversa, ela
fala de outro momento muito delicado na vida profissional do marido.
- Já no final, ele lia a crônica de Genolino Amado (irmão do Jorge) e vinha
logo pra casa. Eu o ficava ouvindo pelo rádio. Um dia ele não leu a crônica. Fiquei
muito assustada. Depois de algum tempo Victor Costa me telefona dizendo para não me
preocupar, que não tinha acontecido nada com o César, que ele estava muito bem. O que
aconteceu é que ele tinha sido ameaçado de morte por alguém de um partido político
contrário aos textos que eram lidos. Mas César não tinha nada com isso, lia. Victor
Costa colocou policiais para tomar conta do César, ele foi um pai para eles todos.
Depois que Victor foi para São Paulo, César ficou muito desgostoso.
- Para terminar, a senhora poderia nos falar dos seus filhos? Eles nunca
quiseram trabalhar no rádio?
- Não, não, nunca. O César [Filho] mora em São Paulo; fez faculdade de
teatro; é ator, produtor, publicitário. O Renato é músico, compositor, também
publicitário. Mora no Rio. Os dois são maravilhosos, puxaram o pai que tiveram.
Pesarosa mas realista, D. Renata revela o valor da aposentaria a que César
Ladeira fez jus por tudo que fez pelo rádio.
- Recebo menos de 400 reais por mês. É uma vergonha! ... E pergunte
depois à Daise quem foi junto com César pedir a aposentaria.
Nem só de histórias alegres é feita o rádio. Contam que na sala de trabalho
de Almirante Henrique Foreis Domingues (1908-1980) "a maior patente do rádio"
havia uma placa com os dizeres: "Rádio só é diversão para quem ouve".
2.4.2 – Rádio Mayrink Veiga – de palco a palanque
87
Com sua dissertação apresentada ao Curso de Mestrado da UNI-RIO
PRA-9 dio Mayrink Veiga: Um lapso de memória na história do rádio brasileiro ,
Márcio dos Santos Nascimento procura reparar essa falha.
Não existe nenhum livro tratando especificamente da história da Mayrink
Veiga, inaugurada em 20 de janeiro de 1926.
Sem os alicerces plantados pela Mayrink, talvez a Nacional não tivesse
feito o sucesso que fez. O que a Nacional realizou a partir da década de 40, a Mayrink
desenvolveu na cada de 30. E o que Márcio reclama é desta parte da história não
receber a devida ênfase nos livros sobre o assunto.
A Rádio Nacional nos seus primeiros anos de existência (ou
seja, de 1936 até 1941) teve uma participação bastante modesta
no cenário radiofônico e somente a partir daí, após a gestão de
Gilson Amado (sic) [Gilberto de Andrade], por volta de 1942, é
que alcançaria uma ascensão vertiginosa, dando início aos seus
dias de glória. Abre-se um parêntese aqui para justificar a
digressão em torno do debate da participação efetiva da Rádio
Nacional no cenário radiofônico brasileiro, que a história do
rádio no Brasil parece estar sendo contada a partir daí, quando
na verdade à Rádio Mayrink Veiga devem-se as primeiras
experiências de radioteatro, radionovela, e o início do rádio
cívico- político com Gilson Amado. Nos palcos da dio
Mayrink Veiga é que surgiram os grandes programas
humorísticos e de variedades, alguns dos quais seriam
transportados mais tarde para a TV
.
84
Na dissertação, p. 111, é reproduzida, entre outras, uma fotografia
publicada na revista Fatos e Fotos em 29.09.67 com a seguinte legenda: "Eles foram os
ídolos mais famosos do dio na década de 30, a época de ouro do radialismo
84
NASCIMENTO, 1996, p.83.
88
nacional". Os ídolos em questão eram Ari Barroso, Orlando Silva, Carmen Miranda,
César Ladeira e Francisco Alves.
Alguns outros astros e estrelas que fizeram parte do elenco da Mayrink
Veiga: Chico Anísio, Paulo Gracindo, Ademar Casé, Dorival Caymmi, Almirante,
Jararaca e Ratinho, Antônio Maria, Haroldo Barbosa, Sérgio Porto, Lamartine Babo,
Pixinguinha, Carlos Galhardo, Sílvio Caldas, Aracy de Almeida, Ângela Maria, Elizete
Cardoso...
A Rádio Mayrink Veiga, conhecida inicialmente como Rádio
Sociedade Mayrink Veiga, PRA-K, e o "microfone dos astros",
ditava o tom da cultura popular nas décadas de 30 e início da
década de 40, quando dos seus programas de auditório, de seu
broadcasting refinadíssimo, dos seus concorridos programas de
humorismo e radioteatro.
85
O sociólogo Orlando Miranda comenta o impacto do rádio sobre a
sociedade brasileira nessa época.
O impacto do rádio sobre a sociedade brasileira a partir de
meados da década de 30 foi muito mais profundo do que aquele
que a televisão viria a produzir anos depois. (...) As classes
médias urbanas, principalmente ouvintes de rádio, passariam a
se considerar parte integrante do universo simbólico
representado pela nação. Pelo rádio o indivíduo encontra a
nação, de forma idílica; o a nação ela própria, mas a imagem
que dela se está formando.
86
Em 8 de março de 1940, o Governo de Getúlio Vargas instituiu o decreto-
lei 2073, criando as Empresas Incorporadas ao Patrimônio da União. Para
Nascimento, com essa medida o rádio iria mudar outra vez.
85
Ibidem, p. 82.
89
A Rádio Nacional seria utilizada como instrumento de
afirmação do regime, iniciando a série de transferências da
Rádio Mayrink Veiga, procurando monopolizar a audiência. Em
1942, quase todo o Elenco de Grandes Astros e Estrelas da
Mayrink Veiga estavam na Nacional, como Lamartine Babo,
Almirante, Ari Barroso
.
87
A partir daí, e durante muitos anos, o Brasil inteiro ficaria em sintonia com
a Rádio Nacional. Uma verdadeira revolução no rádio – por que não? – mundial.
Os pesquisadores Luiz Carlos Saroldi e Sonia Virgínia Moreira escreveram
no imprescindível 'Rádio Nacional – O Brasil em Sintonia':
Orientação. Filosofia. Personalidade. As palavras empregadas
para resumir o fenômeno da antiga Rádio Nacional roçam a
realidade, mas não traduzem o alcance e a profundidade do fato,
capaz de ultrapassar os limites de atuação de uma emissora de
rádio para se enraizar nos hábitos, na linguagem, na música e na
cultura de seu país. Pelas antenas da PRE 8 o Brasil fez ouvir
a sua voz e através dela descobriu sua identidade.
88
A Rádio Mayrink Veiga foi fechada em julho de 1965, pelo Governo
Castelo Branco. Motivos políticos.
A jornalista Regina Barreiros comentou a decisão em artigo no JB: “É
um castigo: Foi ali que funcionou de 1962 a 1964, a "Emissora líder da Cadeia da
Legalidade", instrumento de alcance nacional do então Deputado Federal Leonel
Brizola.”
89
86
MIRANDA, apud NASCIMENTO, 1996, p. 72.
87
NASCIMENTO, 1996, p. 93.
88
SAROLDI e MOREIRA, 1984, p. 97.
89
BARREIROS, 1986, apud NASCIMENTO, 1996, p. 129.
90
Antes, em 1961, Leonel Brizola defendera através da Rádio Farroupilha de
Porto Alegre, a posse do cunhado João Goulart, após a renúncia de Jânio Quadros. Foi a
chamada "Rede da Legalidade", da qual falaremos daqui a pouco com mais detalhes, no
capítulo dedicado a Leonel Brizola.
Em episódios como o protagonizado por Brizola e o de 1932, com a
Revolução Constitucionalista, evidenciava-se "de fato, o poder de mobilização do rádio,
e os grupos de poder passaram a concentrar atenção especial às emissoras de rádio".
90
No livro Rádio Nacional, o Brasil em Sintonia, os autores explicam que
depois da experiência da Rede da Legalidade o governo federal passaria a desestimular
o rádio em ondas médias, de longo alcance, e a ampliar a distribuição de concessões de
FM, de alcance menor, a partir do final da década de 70. Por quê?
Na verdade, seria o medo de que se repitam indesejados
empregos de emissoras AM, conforme aconteceu em duas
ocasiões, pelo menos: na formação da Rede da Legalidade, em
1961, (...) e alguns anos depois na mobilização popular
esboçada pelo mesmo Brizola através da Mayrink Veiga com
vistas à formação dos "grupos dos 11", às vésperas do 31 de
março de 1964. Para conjurar riscos como estes, reais ou
Imaginários, promove-se a exemplo do que fizeram os
Aliados na Alemanha após 1945 a onda FM, a 'faixa da
alegria'
.
91
Ligue o rádio e ouça a minha voz
Tô cantando pra você voltar
Não importa qual a estação
Meu coração quer te encontrar
Ligue o rádio e aumente o som
Não importa a hora e nem lugar
Ligue o rádio e preste atenção
90
NASCIMENTO, 1996, p.133.
91
SAROLDI e MOREIRA, 1984, p.96.
91
Nossa canção já vai tocar
92
3- PRIMÓRDIOS DO RÁDIO – FINS EDUCATIVOS E POLÍTICOS
O que é mió no mundo / nesse mundo o que é mais?
O que é mió no mundo / me diga se for capaz
Será que não é o rádio / esse bicho falador
Leva e traz a notícia / na boca do locutor
Ou será que não vai ser / a tar da televisão
Entra pro dentro de casa / num dá nem satisfação
Insinando nos programa / os camin da predição
O que é mió no mundo / me diga se for capaz...
Ou será que não vai ser / o tar do computador
Inventado no estrangeiro / que nem praga se espaiô...
Antonce escuita seu moço / porque agora eu vou dizer
Nada de mió terá que / saber ler e escrever
Nada de pió conheço / do que ser anarfabeto
Sem saber a diferença / do errado do que é certo
92
PEZINHO, ALDINO, ART MOLEKE. Ligue o rádio.
92
Tudo que no mundo inxiste / como acabo de espricar
Tem a sua serventia / não há mesmo o que negá
Resumindo a cantoria / que fiz com dedicação
Digo com sabedoria / repito, como lição
A mió coisa que inxiste / no mundo é a iducação
93
3.1 – Roquette-Pinto – O pai do rádio e nosso primeiro comunicador
"Eu apenas vi que para a minha terra, para o meu povo, o
rádio era uma força nova, uma alavanca nova de
progresso." (Edgard Roquette-Pinto.)
Edgard Roquette-Pinto era um idealista, com um coração do tamanho do
Brasil. Podemos dizer que foi o primeiro comunicador do Rádio brasileiro. Sonhava em
ver o Rádio ensinando aos brasileiros desde noções básicas de educação e higiene, a
informações mais eruditas de vida e de mundo. Informação, educação, entretenimento.
A atuação de Roquette-Pinto como um intelectual entusiasta da
popularização do conhecimento através de livros, jornais e
revistas ganhou um novo e surpreendente impulso com a
introdução do rádio no Brasil [1923]. Em um de seus livros,
intitulado Seixos Rolados, Roquette Pinto afirmava: "nós que
assistimos à aurora do rádio sentimos o que deveriam ter
sentido alguns dos que conseguiram possuir e ler os primeiros
livros. Que abalo no mundo moral! Que meio para transformar
o homem, em poucos minutos, se o empregar com boa vontade,
alma e coração"
94
O inesquecível educador Anísio Teixeira seguiu as pegadas do mestre e
criou, em 1933, a Rádio Escola Municipal do Distrito Federal. No livro O Rádio no
Brasil, Sonia Virgínia cita um artigo de José Silvério Baia Horta (Histórico do rádio
93
MOREIRA ; WALTER. Indagações de um analfabeto.
94
MOREIRA, 2000, p.16.
93
educativo no Brasil) em que o autor declara que a Rádio Escola inaugurou uma nova
fase na radiodifusão brasileira:
Preocupada em manter o contato com os alunos, a estação
distribuía folhetos e esquemas das lições que eram enviados
antes das aulas radiofônicas, pelo correio, às pessoas inscritas.
Os alunos, por sua vez, enviavam à emissora trabalhos
relacionados com os assuntos das aulas e mantinham contato
com a emissora por carta, telefone e até mesmo visitas
.
95
Foi um sucesso na época. Outros exemplos se seguiram. Mas em 1936, uma
emissora tornou-se oficialmente educativa. Com dificuldades financeiras para manter a
Rádio Sociedade do Rio de Janeiro, Roquette a doa ao Ministério da Educação e
Cultura, "mediante a promessa (por parte do ministro Gustavo Capanema) de que os
seus ideais ao fundar a emissora seriam preservados pelo governo brasileiro. Iniciava-
se, assim, o sistema de Rádios Educativas no Brasil".
96
Roquette-Pinto era antropólogo, etnólogo e escritor, defensor dos índios e
da formação racial brasileira. Ensinava que aspectos negativos do nosso povo deviam-se
não as raças que o compunham, mas às péssimas condições de vida da maioria dos
brasileiros.
Cândido Mariano da Silva Rondon, mais tarde Marechal, nasceu no estado
de Mato Grosso, em 1895. Realizou seguidas expedições ao Norte do Brasil,
desbravando-o, eletrificando-o, implantando os telégrafos. E pedindo licença aos índios
para invadir suas terra. É de Rondon a máxima: Morrer se preciso for; matar nunca.”
Não adimitia matar índios; sabia que os brancos eram os invasores.
95
Ibidem, p.18.
96
Ibidem, p.17.
94
Segundo Matos "no Brasil, assinala-se em 5 de maio o Dia da
Comunicação, em homenagem a Rondon."
97
. Miranda diz que "Rondon tem na sola dos
pés o mais longo caminho jamais percorrido".
98
Em 1890, inicia Rondon como Tenente, a caminhada gloriosa
através das matas, como ajudante do Major Gomes Carneiro,
chefe da construção de linhas telegráficas, ligando Araguaia de
Goiás, a Cuiabá, em Mato Grosso, com cerca de 600 km. de
extensão. (...) Um ano depois de passar na capital da República,
como professor, volta Rondon ao seio das matas, no meio dos
índios, nos pantanais, a fim de fazer telegraficamente a ligação
com as fronteiras: seis longos e penosos anos... Nesse trabalho,
percorreu 1.746 km. por terra construindo linhas telegráficas,
fazendo estudos de Botânica, Zoologia e Mineralogia. Estava
assim concluída a ligação com as Fronteiras.
99
Em 1907, Rondon recebe nova missão do presidente Afonso Pena: Ligação
com a Amazônia. Cobre um percurso de 1.297 quilômetros por terra. Ele não pára. 1912
– Em plena marcha na selva, recebe telegrama comunicando sua promoção a coronel.
Um biógrafo de Roquette, Roberto Ruiz, indaga se "a epopéia desse notável
Rondon teria tão grande repercussão, seria sua figura tão venerada e respeitada, não
tivesse ele a seu lado, na quarta e decisiva expedição, a de 1912, o sertanista-cientista
Roquette."
100
Ruiz observa que:
A pena e o estudo paciente de Roquette-Pinto, a ânsia por
recolher e registrar, fizeram da obra de Rondon um monumento.
(...). Uma obra de pioneiro, de bandeirante intrépido, comparada
por Theodore Roosevelt, já então ex-presidente dos Estados
97
MATOS apud COUTINHO,1975, p.119.
98
MIRANDA,1996, p. 44.
99
Idem.
100
RUIZ apud MATHEUS, 1984, p. 8.
95
Unidos, aos maiores feitos do mundo neste século [século XX].
(...) Rondon vai pesquisador; volta herói.
101
Roquette-Pinto foi uma espécie de alto-falante de Rondon, irradiando-o
para o mundo, mesmo antes do rádio.
O físico alemão Albert Einstein, em sua visita ao Brasil na década de 1920,
revelou que uma das personalidades que mais o impressionaram foi o Marechal
Rondon. O pesquisador do Museu de Astronomia, Alfredo Tolmasquim, contou o fato
numa entrevista ao JB.
"Uma das personalidades que mais impressionaram Albert
Einstein é o Marechal Rondon, que conhece através de filmes",
conta Tomasquim. "Ele gostou tanto do que viu que, dias depois
de seu retorno para a Alemanha, escreve uma carta ao
presidente do comitê Nobel norueguês, indicando Rondon para
Prêmio Nobel da Paz."
102
Roquette-Pinto estava ao lado de Rondon em 1912. Foi aí que nasceu o
interesse dele por rádio. Esta história é narrada pela filha de Roquette, Vera Regina, em
artigo na Revista USP, edição comemorativa pelos 80 anos do Rádio no Brasil.
Segundo suas [de Roquette] próprias palavras em palestra
pronunciada no Dia do Radioamador de 1944, foi em 1912, a
bordo de um velho navio do Loide, o Ladário, que o levava para
Mato Grosso, na expedição cujo relato seria sua obra científica
e literária mais importante Rondônia, que Roquette-Pinto
travou conhecimento com o rádio, através de um transmissor de
centelha. Foi nesse mesmo ano, em pleno sertão de Mato
Grosso, que Roquette Pinto aprendeu os primeiros sinais do
alfabeto Morse com um funcionário dos Telégrafos que
acompanhava o general [sic] Rondon em sua missão
101
Idem.
102
TOMASQUIM apud Jornal do Brasil,1995. p. 13.
96
desbravadora de unir os pontos mais distantes do Brasil por esse
meio de comunicação.
103
É com esse espírito e com gente desse quilate que começa a gestação do
rádio no País.
Em seu artigo para a Revista USP, Vera Regina afirma que caberá a
Roquette, "para sempre, o rito de ter sido o primeiro a reconhecer e proclamar: 'No
Brasil, o rádio e o cinema têm que ser a escola dos que não têm escola'."
104
A televisão
ainda engatinhava, mas Roquette enxergava nela um outro poderoso veículo transmissor
de educação. Escutemos o eco de suas últimas esperanças, que nos chegam por sua
filha.
Roquette-Pinto estava muito doente quando a televisão foi
inaugurada no Brasil. Eu era uma adolescente e fui visitá-lo.
Naquela época poucos tinham televisão, mas ele tinha uma
enorme no seu quarto e, apontando para a TV, disse: "Olha,
minha querida, que belo meio para educar nosso povo".
105
Comovente. Roquette morreu em 1954.
Foi no ano de 1800 / Mais de 84, bem me lembro
25 do mês, digo, setembro / Que se deu o maior dos
nascimentos
Cá no Rio, cidade dos eventos / Edgar, o Roquette-Pinto
Quando o Brasil estava precisando / Que o povo pudesse
conversar
Cada qual sem sair do seu lugar / Nas distâncias do som alto-
falando
O menino freqüentando as escolas do país
Com seus sonhos transcendentes / Por um mundo mais feliz
Estudou, foi cientista / Exímio naturalista / Patrimônio de raiz...
103
ROQUETTE-PINTO, 2002, p. 10.
104
Ibidem, p. 15.
97
Hoje no dia do rádio, eu comento
Centenário do grande nascimento
Do Roquette-Pinto
Irmão que se mudou
Em 54 viajou
Para as ondas etéreas do vento.
106
3.2 – A Era Vargas, A Era do Rádio
Ele disse muito bem
"O povo de quem fui escravo
não será mais escravo de ninguém"(...)
107
108
Marechal Rondon, Roquette-Pinto, Getúlio Vargas... Sobre este tripé,
lançou-se a pedra fundamental das comunicações no Brasil. Dia 5 de maio comemora-se
o Dia das Comunicações, em homenagem a Cândido Rondon; Roquette é o pai do nosso
Rádio, e Getúlio seu patrono. Sem a política de Vargas provavelmente o veículo não
teria a dimensão que teve, nem teria se expandido naqueles moldes bem brasileiros e
surpreendentemente vastos. O Estado cumpriu o seu papel. Utilizou-se da Rádio
Nacional para propaganda política, mas em contrapartida nos legou um dos exemplos
mais espetaculares de programação radiofônica que o mundo já viu ou ouviu.
Daqui a pouco, o professor e radialista Luiz Carlos Saroldi vai nos falar,
entre muitas outras coisas, da surpresa dos funcionários da Nacional quando o diretor
Gilberto de Andrade garantiu-lhes após a Rádio ter-se tornado estatal que a partir de
então teriam toda a liberdade para criar.
105
ROQUETTE-PINTO, 2002-2003, p. 15.
106
HELENA apud PONTES, 2003, p. 66.
107
FERREIRA. Ele disse.
108
Música em homenagem a Getúlio Vargas, baseada em sua Carta Testamento.
98
1940: Vargas estatiza a Rádio Nacional do Rio de Janeiro. 1941. Pearl
Harbor. Os Estados Unidos entram na guerra. O Brasil opta pelos Aliados. Vigora a
chamada política de boa vizinhança, Tio Sam chega ao Brasil e, com ele, acontece a
penetração cultural americana, montada, como se fosse, num cavalo de Tróia.
Para sermos mais exatos, a chegada visível de Tio Sam ao
Brasil aconteceu mesmo no início dos anos 40, em condições
e propósitos muito bem definidos. A presença econômica,
menos visível, era bem anterior e certas manifestações culturais,
como o cinema de Hollywood, inculcavam valores e
ampliavam mercados no Brasil. Mas a década de 40 é notável
pela presença cultural maciça dos Estados Unidos, entendendo-
se cultura no sentido amplo dos padrões de comportamento, da
substância dos veículos de comunicação social, das expressões
artísticas e dos modelos de conhecimento técnico e saber
científico.
109
Vende-se também no Brasil o american way of life [o estilo de vida
americano]. Em 1940, o presidente Franklin Roosevelt, cria o Birô Interamericano,
"organismo destinado a coordenar os esforços dos Estados Unidos no plano das relações
econômicas e culturais com a América Latina."
110
Nelson Rockfeller é o chefe. Para
Sonia Virgínia, a estatização da dio Nacional e a chegada de representantes do Bi
ao Brasil foram fatores decisivos para as mudanças ocorridas no rádio brasileiro
naquele período. Produtos Made in USA inundam o país. Agências de publicidade,
empresas, revistas, refrigerantes, idéias, pessoas, patrocínios, influências. Getúlio ao
mesmo tempo em que prega o nacionalismo estatizante, abre o mercado radiofônico
para os anunciantes norte-americanos.
Compositores brasileiros são cronistas da época. O compositor Assis
Valente – em Brasil Pandeiro – escreveu estes versos:
O Tio Sam está querendo conhecer a nossa batucada,
109
MOURA, 1984, p.8.
99
Anda dizendo que o molho da baiana melhorou seu prato...
Eu quero ver, eu quero ver o Tio Sam tocar pandeiro
Para o mundo sambar...
111
Estes, em Chiclete com Banana, são de autoria de Gordurinha e Almira
Castilho:
Só ponho be-bop no meu samba
Quando o Tio Sam pegar no tamborim,
Quando ele pegar no pandeiro e no zabumba,
Quando ele entender que o samba não é rumba.
Então eu vou misturar Miami com Copacabana,
Chiclete eu misturo com banana,
E o meu samba vai ficar assim...
112
"Atrações de sucesso no rádio, consumo garantido dos produtos", lembra a
pesquisadora Sonia Virgínia.
Com base nessa premissa, os anunciantes estrangeiros mudaram
o curso da programação do rádio comercial brasileiro: os
programas eram criados a partir da relação cada vez mais sólida
entre emissora e anunciante. Os artistas começam a ser
contratados... e o rádio no País vive a sua fase de ouro rico e
influenciador dos hábitos e costumes de milhões de fascinados
ouvintes.
113
Muitos artistas e radialistas brasileiros também foram conhecer e/ou
trabalhar nos Estados Unidos por conta da política de boa vizinhança. Porém "o
110
MOREIRA, 2000, p. 24.
111
VALENTE. Brasil Pandeiro
112
GORDURINHA E CASTILHO. Chiclete com Banana.
113
MOREIRA, 2000, p.25.
100
número de americanos que vieram ao Brasil durante a guerra era infinitamente superior
aos brasileiros que iam aos Estados Unidos"
114
, relembra o historiador Gerson Moura.
Em 1942, já estávamos inundados de jornalistas, radialistas,
editores, professores, cientistas, escritores, músicos, diplomatas,
empresários, técnicos, estudantes, pesquisadores de mercado
oriundos do norte o que levou o ministro Oswaldo Aranha à
tirada bem humorada de que "mais uma missão de boa vontade
e declaramos guerra aos Estados Unidos!"
.
115
3.2.1 – Oswaldo Aranha tece alianças
(...)
Para todo operário do Brasil
Ele disse uma frase que conforta
"Quando a fome bater na vossa porta
O meu nome é capaz de vos unir"(...)
116
117
Oswaldo Aranha era, na ocasião, nosso ministro das Relações Exteriores e
"o chanceler aproveitava todas as oportunidades para esforços de relações públicas nos
Estados Unidos. Sua principal iniciativa nesse sentido foi um contrato com Drew
Pearson [jornalista, radialista], com quem mantinha correspondência periódica."
118
A coluna de Pearson aparecia em mais de 600 jornais e Aranha
o usava como veículo para colocar perante leitores americanos
seu ponto de vista [favorável aos Aliados na guerra]... Pearson
tinha um programa de rádio e, em março, sugeriu que o governo
brasileiro o patrocinasse. Aranha achava atraente a idéia, mas a
falta de verba impedia um entendimento... Aranha conseguiu
persuadir Lourival Fontes, o diretor do DIP [Departamento de
Imprensa e Propaganda], e o Departamento Nacional do Café a
114
MOURA, 1985, p.49.
115
Idem..
116
FERREIRA. Ele disse.
117
Ver a A carta Testamento de Vargas no Anexo 7.
118
HILTON, 1994, p.344.
101
contribuírem com um total de US$ 30.000,00 para financiar um
programa de notícias semanal, durante treze semanas. No início
de setembro [1940] o contrato foi formalizado.
119
Ainda não havíamos lido sobre esta passagem nos livros brasileiros sobre
rádio. Talvez poucos pesquisadores a conheçam.
Lembramos que Oswaldo Aranha foi embaixador nos Estados Unidos entre
1934-1936. Tornou-se chanceler em 1937. Era um servidor fiel de Getúlio Vargas,
embora tivessem tido inúmeras divergências.
Aranha e o presidente Roosevelt mantinham excelentes relações pessoais,
como ficamos sabendo na biografia escrita pelo brazilianista Stanley Hilton, e isto
muito ajudou no aparo de arestas entre as políticas externas norte-americana e brasileira.
Ao assumir a direção da embaixada em Washington, Aranha
era partidário de estreitar relações com os Estados Unidos
por causa do peso daquele país na economia do brasil e, em
vista do ambiente internacional tumultuado, por motivos
estratégicos. Mas seu contato de primeira mão com a sociedade
americana seria uma experiência inesperadamente forte, do
ponto de vista intelectual e político. Fascinado, mergulhar-se-ia
no estudo das instituições, cultura e história do país,
viajaria de uma extremidade dele à outra, examinaria o
funcionamento do sistema político, tornar-se-ia dedicado
admirador e amigo de Franklin Roosevelt e a conseqüência
seria que manter um relacionamento especial com os Estados
Unidos assumiria, para Aranha, as dimensões de credo
religioso.
120
Daí o empenho do então chanceler para divulgar aos americanos as boas
intenções brasileiras.
119
Idem.
120
Ibidem, p.187.
102
O programa de rádio estreou no dia 29 de setembro de 1940. Chamava-se
Brazil Goodwill Program [Programa Brasileiro de Boa Vontade). Segundo Hilton,
"entrou no ar em estações afiliadas com a National Broadcasting Company em sete
cidades, incluindo Washington, Nova York, Boston, Pittsburgh, Detroit e Chicago".
121
A idéia original do jornalista era fazer propaganda apenas do
café, mas Aranha por telefone lhe explicara que queria que
noticiasse a "boa vontade do Brasil em geral". Pearson
conseguira que Roosevelt lhe enviasse breve mensagem
congratulatória, que foi lida durante o programa, e o locutor no
final da sessão despediu-se em português, sem dúvida com um
sotaque daqueles, dizendo "boa noite e muitas felicidades".
122
Outro fato curioso é que o Departamento Nacional do Café, um dos
patrocinadores, preparou "um panfleto intitulado Trip to Brazil (Viagem ao Brasil) que,
a partir do segundo programa, era oferecido de graça aos ouvintes interessados; em
menos de dois meses, o DNC recebeu 12.000 pedidos."
123
O programa fazia sucesso e atendia aos interesses brasileiros, tanto que o contrato
foi renovado em janeiro de 1941. Hilton escreve que "quando o programa de Pearson
voltou ao ar em fins daquele mês, dezoito estações participavam, o que permitia a
transmissão de uma costa à outra, e mais trinta estações haviam se prontificado a
transmiti-lo.'
124
Pela leitura desta biografia aprende-se muito sobre o quanto a habilidade política e
diplomática do gaúcho Oswaldo Aranha foram fundamentais para o Brasil num período
extremamente delicado da história mundial. Inclui-se nisso a construção da Siderúrgica
de Volta Redonda.
121
Ibidem, p. 345.
122
Idem.
123
Idem.
124
Idem.
103
Aranha, em quaisquer circunstâncias, era sensível por motivos
estratégicos à opinião pública americana em relação ao Brasil.
Na atmosfera incerta e confusa de 1940, entretanto, tinha
um motivo adicional para se preocupar: críticas ou comentários
inconvenientes pela imprensa dos Estados Unidos dificultavam
sua posição face ao Catete e ao alto comando militar em um
momento em que lhe parecia imprescindível que o
relacionamento especial com Washington produzisse resultados
concretos para contrabalançar a influência alemã. Era por isso
que se empenhava tanto nesse período, por exemplo, para
conseguir a assistência do governo Roosevelt ao projeto da
implantação da grande siderurgia em Volta Redonda.
125
Bom saber que o rádio cumpriu seu papel no desfecho desta "Blitzkrieg".
Muitos achavam que Oswaldo Aranha seria o sucessor de Getúlio no Palácio do
Catete. Mas Getúlio não gostava de pensar nisso, preferindo ter o amigo como o auxiliar
preferido, "pau pra todo obra", o que voltaria a acontecer a partir de 1950, no segundo
mandato presidencial de Vargas, quando Aranha ocupou os ministérios do Trabalho e
da Fazenda, também em momentos cruciais. Saiu-se, como sempre, muito bem.
O brasileiro, ao que parece, ainda não foi apresentado devidamente a Oswaldo
Aranha Não muita divulgação sobre esse personagem, pelo menos sobre sua relação
com o dio e a comunicação. A biografia que estamos citando recupera a história de
um homem que dos anos 20 até o final da década de 50, esteve no centro do poder
político do Brasil, desde a chamada Era Vargas até os anos JK. Ao terminar a leitura da
obra temos uma pequena noção do tamanho dessa lacuna histórica. Como se vê, não é
o rádio, mas tudo no Brasil parece ser sub-utilizado, principalmente nossas reservas
morais e de talento, em todas as áreas.
Muito se repete que o Brasil, ou o brasileiro, não tem memória. Tem sim. que
as lembranças são evocadas de acordo com os interesses de alguns grupos dominantes, e
125
Ibidem, p.346.
104
narradas segundo sua ótica. Como escreveu George Orwell no clássico "1984": "Quem
controla o passado, controla o futuro. Quem controla o presente, controla o passado."
126
3.2.2 – O Rádio e a integração nacional
(...)
Meus amigos por certo vão sentir que na hora precisa estou
presente sou o guia eterno dessa gente com o meu sangue o
direito eu defendi(...)
127
Difícil dimensionar toda a importância da Era Vargas para a expansão do rádio no
Brasil. Ainda mais quando, outra vez, tentam destruir todo seu legado. O Brasil
beneficia-se de tudo de bom que o estadista implementou, porém a simples menção de
seu nome assusta boa parte dos chamados "formadores de opinião".
Na eleição de 1950 quase nenhum órgão de comunicação dava cobertura às
viagens de Getúlio, e o silêncio permaneceu após a vitória para a presidência. Daí a
sugestão para que Samuel Wainer criasse seu próprio jornal, o Última Hora, em 1951, e
que revolucionou a imprensa brasileira, trazendo cores, colunas e cadernos novos ao
jornalismo. Foi a primeira vez também que a Zona Norte chegou às páginas sociais.
Wainer é outro quase esquecido. O "profeta", como era chamado por Vargas, era
inimigo do ditador na época do Estado Novo, para tornar-se anos depois, praticamente,
o porta voz do presidente democraticamente eleito. Não perdoaram seu sucesso e o do
jornal e fizeram tudo, principalmente Carlos Lacerda e Assis Chateaubriand,
concorrentes enciumados, para destruí-lo. Três obras, no mínimo, ajudam-nos a
esclarecer esse período: Minha Razão de Viver, de Samuel Wainer, Editora Record;
Chatô, o Rei do Brasil, de Fernando Morais, Cia. das Letras; e a Biografia de Carlos
Lacerda, em dois volumes, de John Foster Dulles, da Nova Fronteira. O jornalista José
Augusto também tentou decifrar uma série de enigmas que envolvem a esfinge Getúlio
em A Era Vargas, três volumes, Editora Casa Jorge.
Mas voltando ao rádio.
126
ORWELL, 1985, p. 277.
105
Getúlio usou o rádio para se comunicar com as massas
desfavorecidas, e o fez com enorme eficiência e repercussão.
Além disso, o Governo Vargas enxergou no rádio um oportuno
fator de integração nacional. Era a primeira mídia na cultura
ocidental a ter acesso direto e imediato aos lares das pessoas,
acompanhando-as em vários momentos ao longo do dia e da
noite. A família se reunia em torno do rádio ligado na sala. O
rádio era o centro gerador de modas e sonhos. Por tudo isso, e
pelo que significou em nossa cultura, como canal da paixão do
povo brasileiro, as décadas de 1930 e 1940 (e parte da de 1950)
foram, substancialmente, a Era do Rádio.
128
Por isso Era Vargas é sinônimo de Era do Rádio, mesmo com a decretação, em
novembro de 1937, do Estado Novo, "que implantou uma ditadura com um forte
esquema de censura, afetando o setor do rádio, que se retraiu para, logo em seguida,
continuar seu processo de crescimento."
129
Desde o início de seu governo, o presidente Getúlio Vargas
demonstrou preocupações no sentido de estabelecer
regulamentação específica para os diversos setores de produção
cultural. Decretos (...) regulamentavam, de forma detalhada, o
funcionamento técnico e profissional do setor radiofônico. A
principal contribuição da legislação para o desenvolvimento do
setor foi a liberação de transmissão de propaganda comercial.
Para evitar os excessos, o governo exigia que o tempo dedicado
aos textos comerciais não ultrapassasse o limite de 10% do total
da programação. Esse era o incentivo comercial necessário para
a criação de novas emissoras de rádio
.
130
127
FERREIRA. Ele disse.
128
ALBIN, 2003, p.81.
129
CALABRE, 2002, p.19.
130
Idem.
106
A liberação da propaganda: esse é um dos motivos do sucesso da Rádio Nacional,
que, mesmo sendo estatal, aceitava publicidade. O gaúcho Vargas sabia jogar, e
demonstrou ter "jogo de cintura" como poucos. Talvez por isso tenha recebido a alcunha
de "o pai dos pobres e a mãe dos ricos". Não fosse sua habilidade, não teria implantado
as leis trabalhistas, o voto secreto, Volta Redonda, Petrobras, a lei referente ao
subsolo... Esta lei foi considerada outra jogada de mestre: o que fosse descoberto
debaixo do solo pertenceria ao Estado brasileiro e não ao proprietário das terras. Os
satélites funcionavam muito bem naquela época, para detectar com precisão nossas
riquezas. Sabendo do que dispúnhamos, empresas estrangeiras, usando testas de ferro
brasileiros, compravam "inocentemente" grandes extensões agrárias, onde depois, "por
acaso", descobriam metais preciosos, minérios raros etc.
131
Durante quase todo período do Estado Novo (1937-1945), a produção cultural
ficou sob o controle do DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda - criado em
1939). Mesmo assim, segundo Lia Calabre, "criou-se uma política de valorização e
elaboração de estratégias para o setor cultural que extrapolavam os níveis puramente
políticos. Ao organizar e regulamentar o funcionamento das emissoras de rádio, o
governo reservava para si uma fatia desse setor."
132
Nascia o embrião da Voz do Brasil, que vai ao ar de segunda-feira a sábado, às
19 horas, motivo de reclamação, ahoje, dos proprietários de emissoras de rádio,
que sua retransmissão é obrigatória. Mas os políticos defendem a permanência do
programa, sob a alegação de que é a única hora em que a maioria deles pode conversar
com o Brasil todo.
Já na legislação de 1932 estava prevista a irradiação de um
programa nacional que deveria ser retransmitido por todas
as emissoras do país a Hora Nacional. Ao tentar
implementar a irradiação do programa, o governo
encontrou a resistência por parte de diversas emissoras,
131
Vide RIBEIRO, 2001.
132
CALABRE, 2002, p. 20.
107
especialmente as paulistas, que preferiam manter-se fora
do ar a transmitir o programa oficial.
133
1932 é o ano da chamada "Revolução Constitucionalista", quando os paulistas
não queriam nem ver, muito menos ouvir, Vargas.
Havia ainda problemas técnicos: os transmissores da maioria das rádios tinham
pouca potência, dificultando o processo de retransmissão do programa oficial.
em 1939, com a criação do DIP, é que o programa do governo começou a ser
irradiado para o país inteiro.
Através de sua Divisão de Rádio, o DIP tomou para si a tarefa
de organizar e produzir a Hora do Brasil. Cabia, ainda, à mesma
divisão censurar os programas irradiados pelas diversas
emissoras. Apesar das interferências da censura, as emissoras de
rádio foram se desenvolvendo, tornando-se altamente
populares.
134
Com a derrubada do Estado Novo, o Marechal Eurico Gaspar Dutra, apoiado por
Vargas, é eleito presidente. Depois de Dutra, o retrato do velho (Vargas) é colocado de
novo nas paredes de lares e repartições públicas brasileiros. Para Sonia Virgínia
Moreira, o retorno de Vargas ao poder voltou a estimular a produção radiofônica.
O retorno de Getúlio Vargas [eleito em 1950] ao poder
representou nova injeção de ânimo (e de investimentos) para o
sistema oficial de radiodifusão. Sob o comando de Victor Costa,
a Rádio Nacional colocou seus microfones, mais uma vez,
à disposição do Presidente que havia contribuído para a
consagração da emissora como líder de audiência.
135
133
Idem.
134
Idem.
135
MOREIRA, 1998, p. 44.
108
Quando Getúlio morre, em 1954, Victor Costa passa o cargo de diretor geral da
emissora para Heron Domingues, o mais famoso locutor do Repórter Esso.
Heron Domingues (...) assegurou que ali se encerrava "uma era
do rádio brasileiro". O radialista sem dúvida se referia à morte
de Getúlio Vargas e à ausência, dali em diante, de um dirigente
que como nenhum outro havia usado o rádio para fazer política.
Assim como Roosevelt nos Estados Unidos, Vargas pode ser
considerado o "Presidente do rádio" no Brasil. Heron
Domingues sabia que nas décadas seguintes o rádio teria que se
adaptar à concorrência de um novo meio – a televisão.
136
(...)
Ele disse com toda consciência
"Com o povo eu deixo minha resistência,
O meu sangue é uma remissão
A todos que fizeram reação
Eu desejo um futuro cheio de glória
Minha morte é bandeira da vitória
Deixo a vida para entrar na história
E ao ódio eu respondo com o perdão."
137
138
O rádio teria que se adaptar não à televisão, como, 10 anos depois, a uma nova
conjuntura estabelecida pelo regime militar. Aliás, comentaristas políticos insinuam que
com sua morte Getúlio teria retardado o golpe em dez anos.
A partir de 1964, com a ascensão ao poder dos militares, temos a volta da censura.
que, diferentemente do que aconteceu sob Vargas, a maioria das vozes se calou. A
começar por aquelas da Rádio Nacional, símbolo do período getulista. Locutores,
radioatores, músicos, funcionários foram delatados e perseguidos, páginas obscuras de
nossa história.
136
Idem, p. 46.
137
FERREIRA. Ele disse.
138
Ver a Carta Testamento de Getúlio Vargas no Anexo 7
109
Em conversa com o radialista e pesquisador Luiz Carlos Saroldi, perguntei-lhe
sobre a importância de Getúlio Vargas para o rádio no Brasil. Eis a resposta de Saroldi:
A questão do Getúlio acho muito delicada e acho bom falar.
Depois do Roquette Pinto, não houve nenhuma outra pessoa,
creio eu, que tivesse acreditado tanto na importância do rádio
quanto Getúlio Vargas. Ele viu também o lado político, que
talvez o Roquette não tenha visto. O Roquette viu o lado da
educação pelo ar, porque ele tinha acompanhado o Marechal
Rondon, tinha vivido com os índios do Planalto Central, sabia
das dimensões desse país e sabia que uma coisa que chegasse
pelo ar em um aparelhinho podia fazer muito por esse país. E
tentou fazer. E o Getúlio percebeu também que o rádio podia
ser um veículo político de integração nacional. Tanto que
quando o Roquette quer doar a Rádio Sociedade do Rio de
Janeiro, em 1936, a primeira idéia que Getúlio tem é passá-la
para o Departamento de Divulgação Cultural e Política do
Governo que não era o DIP ainda. O DIP [Departamento de
Imprensa e Propaganda] vem em 39. o Roquette não quis,
porque não queria política na rádio. Ele aceita então passar para
o Ministério da Educação, para fazer cultura e não ter nem
política nem religião, que era a filosofia do Roquette. Você
que Getúlio aceita até uma coisa que ele não queria. Mas ele
começa a ver que a guerra está se aproximando, que todos os
países têm uma rádio oficial forte, que chega em Ondas Curtas,
que ultrapassa fronteiras, que alcança os vizinhos, que está
servindo à propaganda política do nazismo, do fascismo, que a
BBC [em Londres] está se armando também, que a RAI [na
Itália] vai começar a operar, a Radio France também está
montando sua equipe, a Voz da América em Washington...
Então Vargas pensou 'O Brasil precisa de uma rádio, que possa
projetar em Ondas Curtas essas realizações brasileiras do
Estado Novo'. Aí, o Lourival Fontes, que era o homem da
informação dele e que depois vai ser o diretor do DIP e que já
110
era diretor desse serviço, começa a defender essa idéia. E no
nosso livro sobre a Rádio Nacional – o Brasil em Sintonia – tem
uma entrevista com o Lourival em que ele diz isso pela primeira
vez claramente, que o Brasil, como todos os países da Europa,
precisava ter uma rádio de alcance nacional, que cobrisse todos
os pontos do país e que multiplicasse a possibilidade de alcance
cultural e político. Isso vai acontecer na década de 40, quando
Getúlio encampa a Rádio Nacional, que tinha até o nome
certo – Nacional que era particular. Ele encampa e vai usá-
la com outro caráter que não o da Rádio MEC. Ela não seria
uma rádio oficial, que não poderia ter publicidade. Ela podia ter
publicidade, e com isso podia angariar verbas para sua própria
manutenção e seu próprio desenvolvimento. Era por isso que o
Assis Chateaubriand [dono dos Diários Associados] brigava,
xingava o Getúlio, porque achava que fazia uma concorrência
desleal a ele. Podia até ser, mas foi para fazer aquilo que se
chamou de 'fenômeno da Rádio Nacional'. Uma rádio que
chegava a todos os pontos do país, unificava até a fala
brasileira, coisa de que na época não se tinha noção. O cara do
Norte não entendia o cara do Sul. O rádio teve esse mérito, além
de divulgar os feitos do governo, os fatos, as novas leis
trabalhistas que estavam sendo implementadas, como a carteira
de trabalho, o contrato de trabalho, o horário de trabalho, a
regulamentação do trabalho da mulher e da criança. O rádio
difundia tudo isso em primeira mão. Quando o Getúlio lançou o
Estado Novo, isso foi feito pelo rádio. No dia seguinte os
jornais deram, mas antes deu no rádio. Então ele passou a usar o
rádio mesmo. Em um reveillon ele usou o rádio para
cumprimentar a população. Vemos que essa preocupação ia
além dessas festas todas em São Januário, com as crianças
cantando e o maestro Villa-Lobos regendo, e os discursos de
primeiro de maio que ele fazia ao microfone. O slogan
'Trabalhadores do Brasil', a saudação que ele usava para abrir
cada discurso, é de alguém realmente ligado no novo meio de
comunicação que era o rádio. Ele acreditou nisso e investiu na
111
Rádio Nacional, e soube escolher bem a pessoa a quem entregar
essa missão: Gilberto de Andrade. Eu acho isso muito
importante, porque quando os militares, depois de 1964, foram
fazer a Radiobrás, meteram os pés pelas mãos e não fizeram um
décimo do que fez a Rádio Nacional antiga, a não ser pela
Rádio da Amazônia, que cobriu aquele território. Mas acho que
eles não tiveram a experiência, o talento, por exemplo, que o
Gilberto de Andrade teve. Por isso ele foi chamado pelo Getúlio
e soube escolher um projeto, desenvolvê-lo e colocá-lo no ar.
Tudo isso o cara tem de saber! Tanto é que quando o Gilberto
assumiu a Rádio Nacional, foi logo dizendo aos funcionários:
'Não se preocupem, a rádio não vai acabar, nem vai se tornar
uma emissora de funcionários públicos, vai ser diferente isso
aqui. Vocês vão continuar ganhando salários modestos, mas vão
ter prestígio e o ter a oportunidade de fazer coisas novas que
vocês nunca fizeram, porque não havia condições, não havia
dinheiro, e agora vamos ter condições de fazer'. começaram
os grandes programas, as grandes séries, as contratações.
Começou tudo aquilo porque os anunciantes começaram a
fazer fila para anunciar nos programas da rádio, e ela se
distanciou das outras. Mas pelo menos ela começou a funcionar
como uma espécie de trem, puxando as composições que
tentavam se igualar ou pelo menos chegar perto daquele padrão.
Então você via uma rádio lá de Pernambuco, da Paraíba, do Rio
Grande do Sul, tentando fazer a melhor rádio possível, porque
estavam ouvindo a Rádio Nacional. Isso eu acho que faltou
depois, os dirigentes [militares] começaram a ver pequeno, ou
começaram a ver desmedidamente grande. Multiplicam o
número de estações, criam a faixa FM, aumentam o número de
concessões, dão rádio para todo mundo, em todo canto, nenhum
município pode ficar sem rádio. Isso é importante, mas não é só
isso. Era preciso saber fazer, preparar pessoas, tudo isso. O que
surgiu de espontâneo, mais recentemente, foram as rádios
comunitárias. que o governo regulamentou mal, não se
adaptou, não regulamentou direito, está essa briga toda. Houve
112
também a invasão da mídia religiosa nas emissoras
comunitárias, usando as rádios para fazer proselitismo religioso.
E o jogo ficou embaralhado, como está hoje. Mas pode ser
uma saída.
139
A fala do professor Saroldi, um de nossos mais importantes pesquisadores
radiofônicos, indica claramente a relevância do período getulista para a história do rádio
no Brasil, enfatizando a dimensão política que o veículo assumiu na época.
Esse uso do meio radiofônico como arma política de alcance nacional
também se evidencia de forma clara através da ação de Leonel Brizola, tido como
"herdeiro" de Getúlio.
Abordar navios mercantes
Invadir, pilhar, tomar o que é nosso
Pirataria nas ondas do rádio
Havia alguma coisa errada com o rei
Preparar a nossa invasão
E fazer justiça com as próprias mãos
Disputar em cada freqüência
Um espaço nosso nessa decadência
Canções de guerra, quem sabe canções do mar
Canções de amor ao que vai vingar
Toquem o meu coração, façam a revolução
Está no ar nas ondas do rádio...
No underground repousa o repúdio
E deve despertar (oh!)
140
3.3. Leonel Brizola e a "Rede da Legalidade"
139
SAROLDI. Entrevista em 20 out 2003.
140
SCHIAVON e RICARDO. Rádio Pirata.
113
Leonel Brizola soube usar o rádio em momentos cruciais da vida política
brasileira. A chamada Rede da Legalidade (ou Cadeia da Legalidade, ou Rede
Radiofônica da Legalidade) tornou-se um símbolo de resistência no país. Com um
microfone ligado nos porões do Palácio Piratini, em Porto Alegre, Brizola então
governador do Rio Grande do Sul mobilizou o Brasil e países vizinhos para a garantia
de posse do cunhado João Goulart, vice-presidente de Jânio Quadros, quando este
renunciou em agosto de 1961. Jango encontrava-se em viagem oficial à China quando o
presidente renunciou. Houve ameaça de golpe militares e grupos políticos não
queriam que o vice-presidente, eleito pelo voto direto, assumisse: era considerado
esquerdista demais para os padrões da época. Daí a relevância do gesto histórico de
Brizola.
A dio Guaíba, do grupo Caldas Junior, foi a primeira emissora a
transmitir a voz de Brizola nesse movimento legalista. No livro Rádio Palanque, Sônia
Virgínia Moreira, reproduz uma versão resumida da cronologia da Rede da Legalidade,
"narrada pelo jornalista gaúcho Norberto da Silveira, que participou das
transmissões..."
141
Poucos sabem é que a resistência poderia provocar a explosão do palácio-
sede do governo gaúcho. Este acontecimento é narrado em detalhes pelo piloto da FAB
e escritor, o mineiro Oswaldo França Júnior. Seu depoimento está no livro de Geneton
Moraes Neto, Dossiê Brasil, que mostra documentos secretos dos governos da Grã-
Bretanha e dos Estados Unidos sobre o nosso país.
Logo depois da renúncia de Jânio Quadros, em 1961, Brizola
fez a Cadeia da Legalidade através das emissoras de rádio e se
entrincheirou no Palácio do Governo, em Porto Alegre. O
comandante do meu esquadrão nos reuniu e disse: "Acabamos
de receber uma ordem para silenciar Brizola. Vamos tentar
convencê-lo a parar com esse movimento de rebeldia. Se ele
não parar com essa campanha, vamos bombardear o Palácio e
as torres de transmissão da rádio que ele vem usando para fazer
141
MOREIRA, 1998, p. 57.
114
a Cadeia da Legalidade. Vamos fazer tudo às seis da manhã.
Vamos tentar dissuadir Brizola até essa hora. Se não
conseguirmos, vamos bombardear."
142
O que salvou o governador Brizola, segundo França Júnior, foi a obediência
à hierarquia militar.
O militarismo tem dois alicerces básicos: a disciplina e a
hierarquia. Você não pode mexer nesses dois alicerces. Toda a
carreira, todos os valores, todo o futuro do militar é garantido
em cima desses dois suportes. (...) Nós nos perguntávamos ali:
por que o Estado-Maior que não fica acima do presidente da
República pode determinar que um vice-presidente não pode
assumir? Então, uma incoerência interna na hora de
obedecer a uma ordem assim. Por quê? Porque aquela ordem,
em principio, já quebrava a hierarquia, a base do sentimento
militar.
143
E a ordem não foi obedecida. Brizola foi salvo pelo pessoal de apoio da
Base Aérea de Porto Alegre. França Júnior conta que se não fosse esse pessoal, que
impediu a decolagem dos aviões, eles teriam decolado e destruído o palácio com
bombas, foguetes e canhões: "Eu digo: a gente ia pulverizar tudo! O armamento que
iríamos usar o era para intimidar (...) Não tenha dúvida! Isso forçosamente teria
desencadeado um problema seriíssimo no Brasil."
144
Leonel Brizola continuou a usar o rádio depois que veio para o Rio de
Janeiro eleger-se deputado, em 1962.
Com Jango (e o PTB) na Presidência voltou à cena política a
voz de Leonel Brizola. Sobre a sua campanha para deputado
federal pela Guanabara, registrou a Revista do Rádio (n.º 680,
142
NETO, 1997, p. 88.
143
Ibidem, p. 89.
144
Ibidem, p. 91.
115
agosto de 1962): "Um gaúcho fêz-se a grande sensação do rádio
e da TV no Rio, no período eleitoral Leonel de Moura
Brizola. Falando uma linguagem flamante, típica dos gaúchos,
Brizola levantou uma bandeira, contagiando a muitos pelo seu
entusiasmo e os princípios que defende. (...)" Brizola foi eleito
deputado com 245 mil votos uma vitória estupenda, fora dos
padrões da época.
145
A pesquisadora e professora Sonia Virgínia conta no seu Rádio Palanque
que "durante o segundo semestre de 1962, revistas especializadas em rádio publicaram
artigos e notas revelando que, apesar dos desmentidos, a propriedade da Mayrink Veiga
havia sido transferida para o então candidato a deputado Leonel Brizola."
146
Uma outra
corrente defendia e tentava provar que Brizola "apenas alugava regularmente horários
na programação da Mayrink Veiga para veicular seus discursos".
147
Logo depois do golpe de 64, Brizola foge para o Uruguai. E o
rádio volta a ser utilizado por ele, de acordo com documentos
confidenciais elaborados pela Embaixada britânica que no dia
13 de maio [de 1964] manda um aviso a Londres sobre as
prováveis intenções de Leonel Brizola:
O Sr. Brizola, cujo paradeiro era desconhecido desde a
Revolução, chegou a Montevidéu. O que se diz é que ele tem
tentado organizar um movimento de guerrilha no Rio Grande do
Sul. Fez um ou dois pronunciamentos através de estações de
rádio clandestinas.
148
Brizola, que "salvou" Jango usando o rádio, teve seu mandato de
Governador do estado do Rio de Janeiro salvo por uma emissora carioca: a Rádio Jornal
do Brasil-AM. A JB desvendou o chamado Caso Proconsult, em que esta empresa de
consultoria e computação, em parceria com a Rede Globo de Televisão, dava ao
candidato Moreira Franco a liderança na contagem dos votos. Repórteres da JB,
145
MOREIRA, 1998, p. 63.
146
Idem.
147
Idem.
116
posicionados nas salas de apuração, mostraram o contrário e Leonel Brizola pôde
vencer as eleições de 1982, em sua volta do exílio, quase completamente anistiado.
Mas como teria nascido o interesse de Brizola pelo rádio? Para tentar
entender isso melhor, vamos conhecer um pouco da biografia do parlamentar gaúcho.
Leonel de Moura Brizola nasceu a 22 de janeiro de 1922, em Cruzinha,
distrito de Passo Fundo e depois de Carazinho, Rio Grande do Sul. Seus pais eram
pequenos agricultores. O pai morreu quando um ano depois do nascimento de Leonel.
Em 1933, com 11 anos, o menino havia mudado três vezes de cidade, em busca de
melhores condições de estudo e de vida. A irmã mais velha, Francisca, conduzia os
primeiros passos do irmão – com os pés descalços, já que Brizola calçou sapatos aos
10 anos de idade. O reverendo Isidoro, da igreja Protestante, "foi o substituto do pai,
assassinado quando ele ainda o sabia nem falar e ensinou-lhe desde os Evangelhos,
na versão protestante, até, com enorme paciência e humor, como espremer sem exagero
o tubo de pasta de dentes".
149
Talvez tenha sido com o pastor que Brizola também tenha aprendido a arte
da oratória, que soube, e ainda sabe, manejar tão bem.
Em 1936, com 14 anos de idade, Leonel muda-se de Carazinho para Porto
Alegre, levando uma carta de recomendação do prefeito da cidadezinha.
Exagerando ou não, Leonel Brizola dirá na idade adulta que
por milagre não se tornou em Porto Alegre um pequeno
marginal. Em Porto Alegre, recém-chegado aos 14 anos, em
1936, Leonel Brizola trabalharia inicialmente como engraxate e
carregador de malas. Quem diria que apenas dez anos depois ele
estaria numa campanha política e, estudante pobre, seria eleito
148
NETO, 1997, p. 113.
149
RIBEIRO, 2001, p. 315.
117
pela primeira vez para uma série de mandatos populares cujo
exercício marcaria de tal forma a história de nosso tempo?
150
No Instituto Técnico de Viamão, hoje Escola Técnica de Agricultura,
Brizola conseguiu seu primeiro diploma, de técnico agrícola, em 1939, com 17 anos de
idade. Enquanto trabalhava como jardineiro no Departamento de Parques e Jardins da
Prefeitura de Porto Alegre, fez o curso supletivo do Colégio Estadual Júlio de Castilhos.
Em 1945 é aprovado no vestibular e entra para a Escola de Engenharia.
O jovem Brizola era, em 1945, aos 23 anos, um vitorioso
aluno da Escola de Engenharia, morando por conta própria
numa pensão em Porto Alegre, vestido de terno (sempre o
mesmo, porque era o único) e gravata e capaz de mandar
dinheiro, todo mês, para a mãe viúva no interior.
151
O moço Brizola posicionava-se contra o Estado Novo e emocionava-se com
o fim da guerra. Queria atuar politicamente e sonhava colaborar para a mudança do país.
Procura um partido político para se filiar e encontra o PTB, fundado por Vargas. Filia-se
em 1945.
No ano seguinte Leonel Brizola é lançado candidato a deputado estadual
pela Ala dos Estudantes. Surpreendentemente vence e a partir daí não pára mais.
Deputado, prefeito de Porto Alegre, governador do Rio Grande do Sul, deputado federal
no Rio de Janeiro, exilado político, anistiado, governador do estado do Rio por duas
vezes, presidente do PDT, presidente da Internacional Socialista, militante ininterrupto,
"ainda bem que Brizola está aí, firme e forte".
As palavras entre aspas compõem o título do artigo do jornalista e político
Pedro Porfírio sobre o líder que ele admira. Porfírio destaca a coerência das posições de
Brizola e de como construiu sua estrada, as pedras que encontrou no caminho e as que
lhe são até hoje arremessadas. O passado pobre do menino descalço pode ajudar a
150
Idem.
151
Ibidem, p. 316.
118
entender por que o governador construiu os CIEPs, idéia antiga do educador Anísio
Teixeira.
Ele bem que tentou mostrar o caminho das pedras, que
aprendeu da longa vivência, da distância percorrida. Era tão
simples a receita que não quiseram como remédio. Jogar tudo
na educação? O quê? r os negrinhos na escola o dia todo,
prepará-los para disputar com dignidade o lugar ao sol? Isso era
demais para todo tipo de elite. O saber sempre teve um preço,
não podia ser disponibilizado assim, ao alcance da plebe
ignara
.
152
"Mais escolas ou cadeias?" é o título do artigo do jornalista Antonio
Caetano na Tribuna da Imprensa, edição de 17 de novembro de 2003. Ele parece fazer
um mea culpa em relação a Brizola:
Nunca votei em Brizola, mas uma coisa me faz às vezes
lamentar não tê-lo feito: Brizola foi o único político que, nos
últimos 20 anos, criou um programa de educação de massas. Os
Cieps podiam ter mil defeitos, mas bastava-lhes o mérito de
buscar uma solução de emergência para um problema que
vinte anos parecia gravíssimo: a educação pública. A idéia de
colocar as crianças de oito da manhã às seis da noite em uma
escola em que elas receberiam comida, tratamento médico e
conhecimento era a óbvia quimera erguida em concreto
armado...
153
Mas o projeto dos Cieps foram praticamente à falência.
Nada, ou muito pouco, foi aproveitado. Ninguém pensou em
corrigir seus defeitos e aprimorar suas qualidades. A hipótese de
que o sucesso dos Cieps seria o caminho aberto para levar
Brizola à presidência da República foi suficiente para que
152
PORFÍRIO, 2003, p. 13.
153
CAETANO, 2003.
119
destruíssem o projeto, o único projeto, repito, de educação de
massas criado nos últimos vinte anos no Brasil. Tivesse
vingado, o País hoje seria certamente outro.
154
E o ministro da Educação (de janeiro/03 a janeiro/04) do governo Lula,
Cristovam Buarque, talvez não precisasse reiterar, ao rejeitar a redução da maioridade
penal de 18 para 16 anos que "A elite brasileira quer resolver a violência diminuindo a
idade com que as crianças vão para a cadeia em vez de aumentar a idade com que elas
saem da escola".
155
Mas quando o rádio deve ter entrado na vida do menino Leonel? O
pesquisador Luiz Carlos Saroldi recorda que quando Brizola tinha dez anos de idade,
em 1932, estava acontecendo a chamada Revolução Constitucionalista em São Paulo.
César Ladeira comandava, pela dio Record, a locução a favor dos paulistas. Getúlio
contra atacava do Rio através das ondas da Rádio Phillips, na época a emissora carioca
mais bem aparelhada. No Sul, o reverendo Isidoro devia acompanhar as transmissões,
com o menino Leonel por perto. (Abrindo um parêntese para lembrar que foi um padre
gaúcho, Landell de Moura, antes mesmo de Guglielmo Marconi [1894], que inventou o
rádio no Brasil. Ele precisou ir para os Estados Unidos tentar patentear seu invento.
Aqui quase o excomungaram. No final, Marconi ficou com as loas ocidentais. Digo
ocidentais, porque em outros países, na mesma época, outros cientistas fizeram a mesma
"descoberta".) Saroldi raciocina que as transmissões da Rádio Nacional também devem
ter despertado e aguçado o interesse do jovem político gaúcho. Todo ano, no dia
primeiro de maio, diretamente do Estádio de São Januário, noutro Rio, o de Janeiro,
Vargas proferia as mântricas palavras: "Trabalhadores do Brasil..." Que efeitos
produziam elas nos brasileiros em geral e em Brizola? Mas todos podiam claramente
constatar o efetivo e eficiente uso político do dio no Brasil e no mundo, naquele
período e nos anos de Guerra Fria que se sucederiam. A Voz da América, transmitindo
diretamente de Washington, a BBC de Londres, a Rádio Moscou, a Rádio Nacional do
Rio de Janeiro...
154
Idem.
120
Segundo o neozelandês Bruce Barber "Os poderosos discursos de
propaganda de Churchill, Hitler, Roosevelt e Stalin representam de forma paradigmática
as propensões doutrinárias do rádio".
156
O uso do rádio por líderes políticos do mundo
também é destacado na obra brasileira Rádio Palanque.
Na Alemanha, no início dos anos 30, Joseph Goebbels, mentor
e executor das técnicas nazistas de propaganda, encontrou no
rádio o meio ideal de propagação ideológica.[...] Os discursos
mais famosos do Primeiro-Ministro Winston Churchill durante
a guerra foram lidos no microfone da BBC. [...] Entrou para a
história o Appel (Chamado) de 22 de junho de 1940 do General
De Gaulle quando, da Inglaterra, ele conclamou pelo rádio o
povo francês a resistir e lutar contra o nazismo. [...]Nos anos 40
e 50, na Argentina, Juan Domingo Perón fez do rádio
instrumento de propaganda política. [...]Na década de 50, o
rádio foi instrumento de resistência política em Cuba, usada
pela guerrilha comandada por Fidel Castro. [...]Vargas foi o
primeiro político brasileiro a perceber a capacidade de alcance
do rádio em um País com a dimensão do Brasil.
157
Além de acompanhar atentamente as transmissões que chegavam a Porto
Alegre, Leonel Brizola possivelmente imaginava utilizar, um dia, o rádio para suas
pregações. Assim que a ocasião surgiu e as circunstâncias o exigiram, ele não perdeu a
oportunidade.
Domingo, 27 de agosto de 1961: O governador Leonel Brizola
requisita a Rádio Guaíba, que passa a funcionar na sala de
imprensa do Palácio Piratini, durante todo o dia,
ininterruptamente, fornecendo a todo momento notícias sobre a
crise que abala o País. O clima é de tensão. Por ordem do
Ministério da Guerra, são fechadas as rádios Gaúcha e
Farroupilha e lacrados os seus transmissores.
155
BUARQUE apud Folha de São Paulo. 18 nov. 2003, p. C1.
156
BARBER, 1997, p. 48.
121
[DEZ DIAS DEPOIS] Terça-feira, 5 de setembro de 1961: ...
o restabelecimento das linhas aéreas em todo o País. João
Goulart embarca para Brasília às 17h36, sendo recebido na
capital federal às 20h20 com todas as honras de primeiro
mandatário da nação. À zero hora, o governador Brizola encerra
a Rede Nacional da Legalidade.
158
Esses foram "Os Dez Dias que Abalaram o Brasil", no entender de Saroldi.
E é o sugestivo título de um artigo que ele escreveu sobre a Rede da Legalidade, ainda
inédito [pelo menos até dezembro/2003].
Quarenta e dois anos depois do episódio, a coluna Painel da Folha de São
Paulo publica: "Brizola retornará hoje pela primeira vez aos porões do Palácio Piratini,
RS, de onde comandou a Cadeia da Legalidade em 1961, na defesa da posse de Jango.
Será homenageado pelo governador Germano Rigotto."
159
Voltando ao Saroldi, ele fala e escreve sobre muitas coisas. Chegou a hora
de registrar a sua própria participação na construção da história do rádio no Brasil.
157
MOREIRA, 1998, p. 12.
158
NOBERTO Apud MOREIRA, 1998, p. 58.
122
4- O RÁDIO COMO EMPRESA NO CONTEXTO DA INDÚSTRIA CULTURAL
BRASILEIRA
4.1 - Luiz Carlos Saroldi – Passeando com ele pelas histórias do dial
Quando eu soltar a minha voz
Por favor, entenda
Que, palavra por palavra,
Eis aqui uma pessoa se entregando
Coração na boca, peito aberto,
Vou sangrando
São as lutas dessa nossa vida
Que eu estou cantando...
160
Saroldi estudou teatro, filosofia, publicidade, rádio, e trabalha com tudo
isso. É professor universitário. Em 2001, ao completar 70 anos de idade, foi obrigado a
se aposentar. Seus alunos e colegas da Escola de Comunicação da UFRJ tentaram de
159
Folha de São Paulo. 18 set 2003, p. A 4.
160
GONZAGUINHA. Sangrando.
123
todos os modos trazê-lo de volta, porque sabem do valor de seu conhecimento e da
competência em transmiti-lo. Mas leis são leis e o Brasil, em todas as áreas, sub-utiliza
seus melhores valores, sendo por isso mesmo, ele próprio, sub-utilizado.
Conheci Luiz Carlos Saroldi quando trabalhávamos no Sistema Jornal do
Brasil de Rádio. Ele na JB-AM e eu na Cidade-FM. Sempre admirei seu trabalho, mas
agora tenho uma noção melhor do que ele representa para a Comunicação no nosso
país.
Conversamos um pouco [três horas aproximadamente, nos dias 13 e 20 de
outubro de 2003] sobre sua carreira e como surgiu seu interesse pelo rádio. As duas
histórias de Saroldi e do dio se misturam, se entremesclam naturalmente. Achei
conveniente transcrever trechos da entrevista, para que todos pudessem compartilhar as
vivências deste - entre muitas outras coisas-, exímio contador de casos. Vamos viajar
com ele – como se fosse de trem, para apreciar melhor as paisagens -, desde a década de
30 até hoje, passando por muitas estações. Numa delas, por exemplo, vamos ter a
oportunidade de ler passagens sobre os primórdios do Rádio e os caminhos que este
veio a trilhar depois, transformando-se cada vez mais em empresa da Indústria Cultural.
Noutra parte, saberemos da trajetória do próprio Saroldi, sua passagem marcante pela
JB-AM e suas opiniões sobre o FM. Ouviremos ainda relatos sobre a relação imprensa-
rádio e aspectos do projeto bem sucedido da Rádio Nacional.
Pediria a compreensão dos professores e demais leitores para a minha opção
de "diagramar" a entrevista como segue. Poderei fazer algumas intervenções, mas
deixarei que o professor Luiz Carlos Saroldi fale livremente na maior parte do tempo.
Comentário do aluno que transcreveu a entrevista para mim: "Puxa, o
professor Saroldi é uma verdadeira enciclopédia do rádio!"
Uma coisa é ler a letra de uma música, outra é ouvir a música. O mesmo se
dá com relação às palavras de Luiz Carlos Saroldi. Uma coisa é ler o que ele diz – o que
é ótimo. Outra bem diferente e ainda melhor é ouvi-lo
com suas diferentes
124
entonações, inflexões, lances de humor, erudição e irreverência. Por que Saroldi o
escreve mais livros? É por existir ainda esta lacuna que transcrevo boa parte de seu
depoimento. São tantas coisas, que deixamos o restante da entrevista para os Anexos.
161
O interesse pelo rádio
Eu me interessei assim muito espontaneamente. Tenho a impressão de que
toda família ouvia rádio na década de 30, então devia ter sempre um rádio ligado em
casa. Era aquela fase da descoberta, de implantação do rádio, com a proliferação de
novas emissoras e, no Rio, com a Mayrink Veiga como líder de audiência. Então é
aquela fase já com o César Ladeira apresentando Carmen Miranda e o Bando da Lua, o
Garoto, Alvarenga e Ranchinho, o rádio-teatro com peças inteiras, o Teatro pelos Ares,
que começou na Mayrink, ficou um tempão, era um grande sucesso.
Passeando pelo dial
Eu passeava muito por todas as rádios: Cruzeiro do Sul, Rádio Clube do
Brasil, dirigida pelo Renato Murce, que tinha um elenco pequeno, porque não tinham
grandes verbas publicitárias, então tinham uma dio modesta, mas era assim um
pequeno Exército de Brancaleone do dio, que funcionava muito bem com o Lauro
Borges, Castro Barbosa, PRK 30 e outras coisas mais. Programas de calouros,
programas humorísticos do próprio Renato Murce, as Piadas do Manduca...
Isso era na dio Clube do Brasil, que ficava ali no Cineac Trianon, na
Avenida Rio Branco, defronte à Caixa Econômica. Onde é hoje a Caixa Econômica era
o Café Nice, e defronte ficava o edificiozinho do Cineac Trianon, que tinha bem
instalada a Rádio Clube.
Eu ficava mudando de estação e sempre que surgia uma eu me ligava.
161
Conforme foi dito na Introdução, o autor desta tese se coloca na posição de um apresentador. Por isso
é dado ao depoimento seguinte valor de texto, sem aspas ou recuo. Nosso trabalho nesta entrevista foi a
125
Imaginação e criatividade
Isso mexeu muito com minha imaginação, porque o rádio era falado
também, não era só música, contava histórias, tinha programas para criança, tinha
programa para velho, tinha tudo. Todas as faixas etárias eram disputadas pelas rádios. E
tinha muita criatividade, porque todos aqueles produtores e diretores artísticos,
principalmente, naquela época vinham com experiência ou de teatro, ou de jornal
mesmo, mas eles pensavam no veículo. Como no caso de Gilberto de Andrade, que
era um advogado, procurador do Tribunal de Segurança Nacional, que vivia n'A Noite,
escrevia comentários sobre rádio, fundou dois jornais sobre rádio... Hoje, o diretor-
artístico de rádio, essa figura que agora é o coordenador, o administrador, geralmente é
um jornalista que vai ocupar o cargo, ou um economista, que dirige a rádio sem saber
quase nada de comunicação e nada de rádio hoje isso é o mais comum, pelo que a
gente sabe.
A Rádio Nacional não 'colou' imediatamente
A Rádio Nacional quando surge em 36, vem com toda força, como se fosse
derrubar a Mayrink, mas ela teve vários problemas como localização de antena, um
lugar inadequado, e então isso não se confirmou logo. Houve uma festa muito boa,
promoção do jornal A Noite... Tinha o Orlando Silva no elenco, a Marília Batista e uma
porção de gente mais. O Celso Guimarães fazia a locução da dio, o Saint-Clair Lopes
e o Aurélio de Andrade que foi, digamos assim, a voz padrão da Rádio Nacional e ficou
lá a vida inteira.
Era um padrão muito bonito, muito promissor, mas a dio Nacional não
'colou' imediatamente. Isso em 1936. Ainda era do jornal A Noite. Mas tudo aquilo
mobilizava, mexia com os ouvintes, porque era sempre uma nova rádio surgindo.
Eu, garoto...
edição dos depoimentos e a organização dos temas. O depoimento é intercalado por títulos/frases em
126
Eu me lembro que, garoto, com doze, treze anos, tinha um caderninho
onde anotava as rádios novas que surgiam, os programas, as pessoas que estavam na
rádio, os horários dos programas. Então, eu passeava muito pelo dial procurando
aqueles horários, aquelas pessoas. Eu não ficava na Rádio Nacional, embora fosse a
rádio mais importante depois de 1940. ela realmente deslancha com o Gilberto de
Andrade, diretor, e com o apoio de Getúlio Vargas que luta pela sua [da Nacional]
incorporação ao Patrimônio da União. Então, ela deslancha e corrige todos os defeitos
técnicos que tinha, mudando os transmissores de lugar, instalando ondas curtas,
montando um auditório... Isso em 1942. Em dois anos o Gilberto de Andrade faz tudo
isso. E aí a rádio supera a Mayrink Veiga.
Gilberto de Andrade e a Nacional
Ele analisava, escrevia, fazia crítica mesmo, do que acontecia no rádio.
Quando ele foi chamado pelo Getúlio e aceitou dirigir a Nacional ele chegou com um
projeto bem definido, bem amadurecido, e, principalmente, estimulou a equipe que ele
tinha – o Almirante, o José Mauro, diretor-artístico, e outros – a produzir mais, a
inventar mais coisas, trazer idéias novas. Com isso, a rádio, em curto prazo, se afirmou.
Gilberto também montou um Departamento de Estatística para levantar quais os artistas
e quais os programas que tinham a maior audiência, a maior preferência dos ouvintes,
porque como isso ele orientava a publicidade dele, os contatos de publicidade que iam
procurar anunciantes para aqueles horários mais valorizados.
Pesquisas por cartas
Tudo era feito por cartas. Então, ele levantava toda correspondência da
rádio. Qual o artista que mais recebia cartas, qual tinha mais pedidos de fotografias, por
exemplo. Com isso, ele montava um departamento de divulgação da dio Nacional
coisa com que as outras emissoras o se preocupavam, a o ser a Mayrink, onde o
César Ladeira tinha introduzido isso também, até mesmo montando uma revistinha PRA
9, que só divulgava as coisas da rádio, evidentemente, mas era muito bem feitinha.
negrito.
127
Departamento de Divulgação
Aí, o Gilberto de Andrade implanta também na Nacional o Departamento
de Divulgação, editando semanalmente uma revistinha eu tenho várias aqui para
mostrar com a programação da rádio e, evidentemente, chamando a atenção na capa
para o novo artista contratado, para uma nova audição, um novo programa daquela
semana. E essa revistinha passou a ser um veículo, distribuída gratuitamente, da Rádio
Nacional. Então, foi se criando uma mídia impressa em torno do rádio. E Gilberto,
quando lançou as ondas curtas, por exemplo—eram quatro emissoras de ondas curtas na
Rádio Nacional: [uma em português] uma em francês, uma em inglês e uma em
espanhol—ele teve a preocupação de fazer um boletim também mostrando um serviço
desse tipo. Eu conhecia a revistinha na época, porque em casa a gente pegava a
revista. Não sei se ela vinha no jornal ou se era procurada em algum ponto...
A IMPRENSA E O RÁDIO
Os jornais da época abriam espaço para o rádio. Todos descobriram que o
rádio não era apenas aquela "máquina de ignorantes e analfabetos". No começo os
homens de jornal achavam que seria um veículo desprezível porque era papo, não
tinha a perenidade da folha impressa, do registro jornalístico. O jornal vinha em
primeiro lugar. Depois é que eles abriram os olhos
O Rádio vira empresa na década de 30
Com a década de 30 já avançada, os empresários abriram os olhos e
começaram a comprar ou pedir concessão de emissoras de dio. No começo eles não
ligavam. As rádios eram educadoras, clubes de sócios, eram mantidas pelos sócios ou
por uma firma, como por exemplo, a Casa Mayrink Veiga, que era uma firma de
aparelhos elétricos e eletrônicos trabalhava com discos e essas coisas e que então
resolveu montar uma rádio.
128
Surge uma rádio atrás da outra
Em 1935 surge a Tupi. Todas eram compradas por empresas jornalísticas.
Em um período muito curto se implanta a dio Jornal do Brasil, a Rádio Tupi, com
uma diferença de um mês de uma para a outra, e mais a Rádio Nacional em 36. Logo
depois O Globo começa a pensar em ter uma rádio. Quando a dio Transmissora é
oferecida ao Ademar Casé por cinqüenta contos, o doutor Roberto Marinho foi lá, levou
o dinheiro e pegou a dio Transmissora, e transformou em Rádio Globo. Foi a
primeira rádio do Sistema Globo. E era uma emissora como as outras, eclética, fazia um
pouquinho de tudo, tinha orquestra até de tango, tinha músicos, um conjunto vocal,
tinha uma transmissão esportiva... Depois levaram o Almirante para também, para
tentar fazer uns programas, e ele viu que não tinha um grande cast, que o dava para
competir com a Rádio Nacional. Então, ele começa a propor outras coisas e a Globo
encontra seu caminho.
A Globo competia, mas não estava nem entre as primeiras. A primeira era a
Nacional, a segunda era a Tupi, com uma diferença grande para a Nacional, e as outras
ficavam lá atrás – a Rádio Clube, a Cruzeiro do Sul. Algumas buscaram segmentações.
Por exemplo, a Rádio Cruzeiro do Sul era pequenininha também, mas tinha
um apresentador popular, o Waldeck Magalhães, que dizia poemas no ar, cantava
tangos e fazia também rádio-teatro. Eu cheguei a participar, fazer teste e tal. A Rádio
Cruzeiro era na Cinelândia.
A Rádio Clube, do Renato Murce, era muito bem dirigida e competitiva. Em
certos horários ela ganhava da Nacional, como com o PRK 30 e com As Piadas do
Manduca. Tanto é que a Nacional depois levou o Murce para lá. Levou esses programas
para lá, e mais A Alma do Sertão, um programa típico do Renato Murce, que falava de
coisas do interior, poemas do Catulo [da Paixão Cearense], músicas do interior. O Papel
Carbono, também, que tinha começado na Rádio Clube e ele levou para a Nacional e
ficou com ele até o fim da vida.
129
Havia assim as rádios menores. A Tamoio, por exemplo, teve uma fase
muito interessante em que ela fez programas matinais com coisas do sertão, no estilo do
Murce, mas programas diários. Tinha o do Norte, Luiz Gonzaga... O Luiz Vieira
também passou por lá. Era interessante e também fazia uma linha de rádio religiosa.
Tinha no fim da tarde o Júlio Louzada, a Oração da Ave Maria, Pausa para Meditação,
que era um programa de cartas, consultas, pensamentos. Depois começaram a fazer até
novelas religiosas, sobre santos, do Anselmo Domingos, que era dono da Revista do
Rádio. Foi muito interessante essa fase...
Eu sabia mais ou menos de tudo pelos jornais e revistas da época
Eu acompanhava tudo, me informava pelos jornais e revistas da época.
Jornais e revistas tinham colunas sobre rádio. Cada um tinha a sua. Algumas menos
sérias, só informativas, que diziam "fulano de tal foi contratado pela rádio tal", "fulano
vai excursionar", "fulano está lançando um sucesso agora e no programa tal ele vai
cantar isso".
Mas outras colunas tinham críticos. O Diário de Notícias, que era matutino,
tinha Dona Magdala da Gama Oliveira, que era uma figura, era pedagoga ou
musicóloga, que escrevia metendo o pau nas coisas populares. Tanto que o Haroldo
Barbosa e o Janet de Almeida fizeram um samba pra ela "Pra que discutir com
madame". Esse samba é pra ela, porque ela dizia que tudo era ruim, que esse negócio de
samba...
Madame diz que a raça não melhora
Que a vida piora, por causa do samba
Madame diz que o samba tem pecado
Que o samba coitado devia acabar
Madame diz que o samba tem cachaça
Mistura de raça, mistura de cor
Madame diz que o samba é democrata
É música barata sem nenhum valor
130
Vamos acabar com o samba
Madame não gosta que ninguém sambe
Vive dizendo que samba é vexame
Pra que discutir com madame
No carnaval que vem também concorro
Meu bloco de ouro vai cantar ópera
E na avenida entre meu aperto
Vocês vão ver gente cantando concerto
Madame tem um parafuso a menos
Só fala veneno, meu Deus que horror
O samba brasileiro democrata
Brasileiro na batata é que tem valor
162
Colunas sobre rádio
O Globo, mais adiante, nos anos 50, bota Henrique Pongetti, que era
cronista, para fazer uma coluna de rádio chamada "O ouvinte desconhecido", tinha a
assinatura do "ouvinte desconhecido". Ele pegava as coisas do rádio, criticava,
comentava e era assim muito arguto, nesse sentido. Sempre estava muito atualizado e
então realmente comentava as coisas, ia em cima dos fatos, e foi uma coluna muito
prestigiada, dava muito ibope, dava prestígio para quem era comentado. Havia outros
espaços na imprensa da época. Esses, para mim, eram os principais.
Toda a imprensa dava atenção ao rádio. Por fim eles perceberam que o rádio
se tornou um assunto tão popular principalmente com os programas de auditório, de
calouros, depois com novelas, a partir de 41, com o sucesso de "Em busca da felicidade"
– que eles não podiam mais negar a importância do rádio.
RÁDIO – O VEÍCULO MAIS POPULAR
162
BARBOSA e ALMEIDA. Pra que discutir com madame.
131
Todo mundo ouvia rádio. Você passava em certas ruas no dia de certos
programas e você tinha casas, muito mais casas do que apartamentos, e passava pelas
ruas e ouvia rias rádios transmitindo o mesmo programa e então você ia pegando
trechos da novela ou do programa à medida que ia caminhando.
Um exemplo: depois que o PRK 30 foi para a Nacional, o programa que o
substituiu na Mayrink, o Edifício Balança mas não cai, com o Max Nunes e Paulo
Gracindo, era um negócio que todo mundo ouvia. Então, em qualquer lugar que você
fosse tinha um rádio ligado tocando uma coisa dessas. Era realmente o veículo mais
popular.
Os acontecimentos políticos mais importantes passaram a ser acompanhados
pelo rádio. Durante a guerra, com o Repórter Esso... a guerra foi acompanhada pelo
rádio e por aqueles jornais da tela, no cinema... porque tanto a França quanto os Estados
e a BBC de Londres faziam isso, tinham um jornal que era programado junto com os
filmes e trazia coisas da guerra. Mas fora isso e os jornais impressos, onde você tinha
informação quente, da mudança dos fronts, dos acontecimentos da guerra, era pelo
rádio. E depois que o Brasil entra na guerra, tem aqueles programas dedicados aos
pracinhas, com mensagens dos pracinhas. Surgem músicas, a Canção do
Expedicionário, essa coisa toda. E também as ondas curtas começam a facilitar, a entrar,
a trazer programas que chegam em Ondas Médias, como por exemplo, os sucessos dos
Estados Unidos, o Your Hit Parade, que Luiz Jatobá apresentava diretamente dos EUA.
O Orson Welles, que tinha estado aqui em 42, voltou para os Estados
Unidos em seguida e transmite programas para o Brasil. Carmen Miranda e o Bando da
Lua, que estavam lá, participam do programa do Welles. Havia todo esse lado, de o
rádio estar presente nos acontecimentos da época, acontecimentos políticos e culturais.
O rádio tinha prestígio. Em casa o grande presente era realmente o rádio e
depois os radinhos nos outros quartos, todos de válvula, ligados na tomada. O filme A
Era do Rádio, do Woody Allen, é muito fiel a essa coisa, à maneira americana, mas no
Brasil era a mesma coisa.
132
[Senhores leitores, neste ponto o autor deste trabalho faz uma intervenção.
Pausa para nossos comerciais. O passageiro pode aproveitar a pausa para tomar um
copo d'água, fazer um lanche... O trem parte de novo em dez minutos.
Senhores passageiros, Agora vamos acompanhar nosso entrevistado em seu
périplo até chegar à JB. Embora ele seja o personagem central da narrativa, os
ambientes descritos, as pessoas com quem se relacionou, o tipo de rádio que se fazia, a
situação política vivida pelo país, tudo contribui para compor um quadro rico em
detalhes e colorido de informações úteis para o pesquisador.
Saroldi é também um homem de teatro... Mas tocou o terceiro sinal. E um
novo ato vai começar. Devolvemos a palavra a Luiz Carlos Saroldi.]
Embora gostasse muito de rádio, eu não pensava em rádio. comecei a me
entusiasmar muito com o teatro, que descobri na época do colégio, no científico. Então
comecei a fazer teatro e foi bom para mim, me desinibiu, me deu uma certa facilidade
de expressão. Cheguei a excursionar pelo Brasil, me tornei profissional, mas eu já
estava na faculdade. Fiz Filosofia na Faculdade do Distrito Federal, hoje UERJ, mas
tinha um teatro que eu fazia paralelamente e por isso eu fiquei, mas não deu dinheiro
assim... houve dívidas. Mambembamos pelo Brasil, daqui até a Paraíba, imagina, tem
muita estrada! voltei para a faculdade, comecei a fazer teatro universitário e me
lembrei do rádio, que continuava a ser um negócio tentador. Eu gostava, continuava
gostando de rádio, ouvia rádio. E comecei a pensar em fazer rádio.
Década de 50
era década de 50. Aconteceu por acaso. Havia uma promoção do
Chiclete Adams, em um programa que ele patrocinava na Rádio Nacional e quem
produzia era o Mário Faccini, que era cunhado do Almirante e professor de História. Ele
escrevia um programa que tinha algo a ver com a História. O patrocinador resolveu
fazer uma promoção entre os colégios, chamando jovens para participar como rádio-
133
atores nessa série. E foram para o Lafayete, o Instituto Lafayete, onde eu estudava e
onde sabiam que existia um grupo de teatro. O contato dos Chicletes Adams era o
locutor, que depois foi para a Globo e que na época era contato... Daqui a pouco eu me
lembro do nome dele. [Hilton Gomes era o nome do locutor.] Ele foi lá e selecionou um
pessoal para participar e fui selecionado para ir participar do programa pelo Instituto
Lafayete. Fui, depois me chamaram para um outro e também participei. Foi muito
marcante porque pude ver a Nacional funcionando por dentro eo da platéia. Pude ver
o Restier Júnior dirigindo um ensaio, porque tudo era ao vivo. Ele era um velho ator de
teatro que foi seduzido pelo rádio e que o Victor Costa levou para ser diretor de
programas de dio-teatro. Ele nos ensaiou, de paletó e gravata, aquela coisa toda, com
disciplina, com horário e tudo, e depois fomos ao ar.
Isso me deu a medida do que era o mercado de trabalho no rádio. Aquele
pessoal todo, orquestra passando, músicos entrando no estúdio enquanto o outro estúdio
estava no ar. Você tinha o rádio-teatro, contra-regra circulando dentro da emissora,
chamando as pessoas. E foi aí que comecei a procurar uma brecha no rádio, mas não foi
fácil não.
Teste na Rádio Jornal do Brasil
Depois fiz um teste na JB, para locutor. Mas a Rádio Jornal do Brasil tinha
aquele estilo muito empostado. Era aquela coisa grave, todo mundo tinha aquele
vozeirão. Eu cheguei e me colocaram para abrir a rádio, de seis horas da manhã até às
nove, dez horas. Eu peguei, mas sem nenhum compromisso. Nessa época isso foi em
52 o doutor Nascimento Brito estava chegando na rádio como assistente de direção,
não tinha nem posto de comando, na verdade. Quem mandava na JB, tentando fazer
uma reformulação, era o Osvaldo Éboli, que era o Vadeco do Bando da Lua. Ele tinha
ido para os Estados Unidos e depois voltou. E começou a fazer várias coisas aqui, entre
elas ser diretor da JB. Era uma figura ótima.
Mas depois de duas semanas eu não agüentava mais aquele negócio de abrir
rádio e falar naquele tom chato, e aquelas coisas todas escritas naquele tom meio
134
pernóstico, meio empolado. O radiojornalismo ainda não era moderno, era um
jornalismo tirado do jornal. Vinha o jornal para sua mão, todo recortado, o chamado
Gilete Press, um negócio meio chato. Pedi para sair.
Aulas de rádio
Tempos depois houve um curso de rádio na MEC e resolvi me inscrever.
Estava na faculdade e fiz esse curso. Foi muito interessante. Era um curso para
professores, gente de teatro e advogados. Eles juntaram três categorias em uma e
deram uma noção boa de rádio. Os nossos professores eram ótimos. De português era o
José Oiticica, um anarquista, velho catedrático do Pedro Segundo, e que me deu umas
lenga-lenga, um negócio que uso até hoje para dar aula, bem interessante. Tinha uma
tradutora seríssima da época, Geni Segall... Não me lembro de todos, mas eles
convidaram profissionais de outras emissoras para participar. Então, além dos
profissionais da Rádio MEC, Paulo Santos e outros, também vinha o César Ladeira para
dar uma aula de locução e narração. Depois fazíamos gravações de textos, aulas práticas
e por aí afora. Produtores iam falar do seu trabalho. Era um curso abrangente, foi longo,
mas não me trouxe nenhuma oportunidade de trabalho imediata. Mais tarde, um locutor
que tinha sido da própria Rádio MEC, o Ivan Meira, que era produtor também, foi para
a JB, que mais uma vez estava tentando se modernizar com outra direção e aí já era o
Dr. Brito dirigindo.
Não estava claro ainda o caminho da rádio, quando alguém inventou um
programa que era a radiofonização de contos aos bados à noite. Formaram um elenco
de gente boa e barata. E fui eu! Isso durou alguns meses, deu uma certa audiência.
Mas isso também parou. Era uma pena, porque dava um cachezinho semanal.
Mayrink, Tamoio... O périplo continua
Tentei a Mayrink, na redação, mas não houve possibilidade; tentei a
Tamoio, "Música, exclusivamente música", fiz um teste e também não passei. Isso é
135
1958, 59, por aí. Humberto Reis era assistente do José Mauro, ele é que tratava da
primeira seleção e era difícil de conversar...
Finalmente...
De repente fui surpreendido, porque a JB tinha mudado realmente, tinha
encontrado um caminho, ou pelo menos achava que tinha. O novo diretor era o Kozinski
de Cavalcante, que era redator, jornalista, e tinha trabalhado na Rádio Eldorado. O
Nascimento Brito, que era nessa altura o diretor da rádio, não mais assistente de direção,
começou a trocar idéias com o Kozinski, buscando caminhos novos. Foram feitas várias
modificações. Kozinski teve o trabalho de desfazer o que estava feito, formar a equipe e
mexer em lugares "dolorosos", tirar pessoas que tinham seus "padrinhos", suas
sensibilidades. Contratou o Dimas José, que era bacharel do disco da Rádio Tamoio;
levou o Fernando Veiga, que era da Rádio Eldorado, e depois foi o Nei Hamilton,
também locutor da Eldorado. Foi formada uma pequena equipe de locutores e de
selecionadores, programadores musicais. Então o Dimas me chama, porque o Kozinski
tinha uma idéia e não conseguia alguém para realizar. Era um programa de música
erudita, que ele queria fazer como se fosse ao vivo. Queria fazer a simulação de um
concerto, mas tinha que ter um texto. Um texto apresentando o regente, e tinha de ter
um prólogo para justificar os aplausos, o clima e tal. Conversamos e ele me expôs a
idéia. Fui para casa e pensei no negócio. Era um programa sobre Shakespeare, Romeu e
Julieta, um balé sobre Romeu e Julieta, ou alguma coisa semelhante. Fiz o troço e ele
aprovou. "Vem pra cá. Você pode?" Disse "posso". Fiz mais dois ou três programas e
ele decidiu botar no ar. Estudamos a sonoplastia com o Elmo Rocha. O programa ia ao
meio-dia, menos quando havia transmissão do Jóquei Clube, porque não ia dar certo,
Shakespeare e primeiro páreo...
Contratado... e com três cargos: redator, programador musical e
assistente de direção. Mas aí houve troca de diretor.
Como o Kozinski mexeu com muita gente, acabaram mexendo com ele.
Chegou aos ouvidos da condessa Pereira Carneiro [dona do JB] que ele era um
136
perseguidor, que era implacável, que estava desmontando os herdeiros do conde e as
pessoas de quem o conde gostava. Caiu o Kozinski e entrou o Reinaldo Jardim.
Novas mudanças na JB
Foi uma mudança bem mais fácil. Primeiro, porque o Reinaldo conhecia
muito bem a casa. Tinha sido de lá, fazia o suplemento literário do JB também no rádio,
tinha sido redator da rádio, gostava de rádio, era poeta e tinha excelentes idéias. E
depois porque soltava a gente para trabalhar em conjunto. Ele fazia reuniões, saíam
idéias, ele jogava idéias, a gente discutia e trabalhava em conjunto. Havia a equipe de
programadores e na produção praticamente era eu, fora o pessoal da música erudita com
o Antônio Hernandez e o Edino Krieger.
"Música também é notícia"
O Reinaldo Jardim lançou a idéia de um programa chamada "Música
Também é Notícia", que era destacar alguma coisa sobre um disco um fato, um
acontecimento, ligado a um disco, que pudesse ser ilustrado; podia ser também uma
notícia sobre um filme que tivesse música.
Que músicas tocavam na JB?
Se você disser que eu desafino amor
Saiba que isso em mim provoca imensa dor
Só privilegiados têm ouvido igual ao seu
Eu possuo apenas o que Deus me deu...
163
Entrei em 1959 para a rádio e saí em 62. Esse período coincide exatamente com
o aparecimento da Bossa Nova. E nós tínhamos aquela preocupação com a qualidade
sonora dos discos – o acabamento, a roupagem da música popular, tanto nacional
137
quanto internacional. Tínhamos poucas produções nessa linha com grandes orquestras,
tipo Radamés Gnattali, Léo Peracchi... Havia pouca "vestimenta musical" desse tipo, era
mais comum ver conjunto regional ou pequenos conjuntos e a direção queria mais
qualidade na gravação. E por isso a gente tinha dificuldade de trabalhar com brasileiros.
Os discos eram long plays, mas os 78 rotações também funcionaram por algum tempo.
Às vezes era preciso repetir muitas músicas por falta de material. Mas começa a
surgir a Bossa Nova, chamando a atenção para o Desafinado, o Chega de Saudade. E
começamos a fazer reuniões. O Jardim promovia reuniões pra gente discutir a Bossa
Nova, se o caminho era aquele, se valia a pena apoiar... E chegamos à conclusão de que
valia a pena apoiar porque era uma novidade que estava buscando uma outra roupagem
e que tinha qualidade.
_____________________________________________________________________
163
JOBIM e MENDONÇA. Desafinado.
Chega de saudade
A realidade é que sem ele não há paz, não há beleza
É só tristeza e a melancolia que não sai de mim
Não sai de mim, não sai...
164
Os Noticiários
O JBI (O Jornal do Brasil Informa) existia, mas o Reinaldo inventou o
Repórter JB e o JB Notícias, de meia em meia hora. Inventou também essa notícia não
tão compartimentada, e sim mais dentro da programação.
"Pergunte ao João"
164
JOBIM e MORAES. Chega de saudade.
138
Outro programa lançado por Jardim foi "Pergunte ao João", apresentando
por Jorge da Silva, conhecido como Majestade, e que foi marcante. O pesquisador João
Evangelista colaborava em jornais fazendo perguntas e respostas, curiosidades, e um dia
o Reinaldo o levou para a dio para fazer um programa chamado "Pergunte ao João".
Era um programa também diário, de onze ao meio-dia. Os ouvintes escreviam, choviam
cartas. O João era o João Evangelista, mas quem fazia o João no ar era o Majestade,
servido por uma locutora no começo era a Anita Taranto e depois foi a Maravilha
Rodrigues. Esse Evangelista era meio obsessivo, workaholic, produzia muito e fazia
questão da qualidade do programa, porque manter um programa de perguntas e
respostas no ar, tinha o precedente de "Seu Criado, Obrigado", da Rádio Nacional,
que o Lourival Marques produzia, Paulo Roberto apresentava, e que era mais ou menos
a mesma idéia de responder perguntas dos ouvintes. Chegou até a ser editado um
livrinho do "Pergunte ao João".
Audiência
O Reinaldo desconfiava do Ibope e para medir a audiência inventou um
assobiador, um "garoto assobiador". Era um cantor de coro, que assobiava muito bem.
O negócio funcionava assim: a programação escolhia uma música, digamos "Chega de
Saudade", e cada dia o rapaz assobiava um trechinho da música em três horários
diferentes. Entrava o intervalo comercial e depois o locutor fazia a chamada: "Se você
ouviu o garoto assobiador, escreva para a JB, dizendo o horário em que ele passou por
aqui no dia tal, e ganhe discos de brinde." Choviam cartas. Aquele estúdio sinfônico
chegava a ter uma montanha, uma pirâmide de cartas com as respostas corretas. Era
muito interessante, foi uma bolação muito boa. o Reinaldo começou a brigar com o
Ibope, porque a JB não saía do quinto lugar.
Eu me lembro bem da JB em quarto, quinto lugar. As primeiras eram a
Nacional, Tamoio, Tupi, Globo. A Mayrink ainda tinha muita audiência, porque havia
os programas humorísticos e também o Brizola chegando com os programas políticos.
139
1961, Jânio, renúncia do nio, Jango... O Jornal do Brasil Informa era
ouvidíssimo, as lojas de discos do centro da cidade sintonizavam a JB e colocavam o
som bem alto, porque era aquela fase das agitações...
A rádio tinha muito prestígio e uma audiência seleta, e isso dava um
faturamento ótimo para a rádio. Os principais bancos anunciavam na emissora. Tenho a
impressão de que mesmo estando em quarto lugar, devíamos ser um dos primeiros em
faturamento. Fora o prestígio que a rádio dava ao Jornal do Brasil, ajudava a vender o
jornal e também dava prestígio político. O JBI, por exemplo, tinha um prestígio imenso,
sem dúvida nenhuma.
Mas em 62 eu saio de lá e soube que tinha um lugar na Standard
Propaganda, na função de redator. Eu também mexia com texto e resolvi fazer um teste.
Passei. Fizeram uma proposta que cobria meu salário na JB, e fui. Eu queria me
valorizar. Depois de um certo tempo, aquela rotina começou a me incomodar, já estava
ficando chato, repetitivo... Mas houve a campanha do plebiscito Parlamentarismo ou
Presidencialismo? – na época do Jango. Participei, foi ótimo.
ESTAÇÃO 1964 – PARADA OBRIGATÓRIA
A época era muito política, muito agitada. Depois de 64 larguei a
propaganda e fiquei de freelancer, fazendo várias coisas e depois voltei a fazer rádio,
quando o Célio Alzer, que estava na MEC fazendo o Projeto Minerva, me ofereceu
dividir com ele uma parte do trabalho, que era muito. Eram programas educacionais,
com rádio teatro, essa coisa toda. Depois, a própria Rádio MEC me propôs fazer um
programa sobre adaptação de contos. Peguei e fiz a série "Quem conta um conto".
Foram trinta e tantos contos.
Década de 70
140
Fiz televisão, na TV Rio, numa fase péssima, no Berro d'Água, aquele
edifício onde hoje é um Brizolão, em Ipanema. Foi quando o Fernando Veiga, na época
diretor-artístico, me propôs voltar para a JB. peguei o programa "Noturno", com o
Simon Khoury e o Alberto Carlos de Carvalho. Dividíamos a produção. Outro produtor
era o jornalista Antônio Chrisóstomo, que também era apresentador. Quando o
Chrisóstomo saiu, Simon assumiu totalmente o programa.
Noturno, outro marco do rádio
O Noturno começou em 72, com o Simon Khoury e o Eliakim Araújo.
Parece que o programa começou por acaso. O Milton Nascimento foi na rádio, eles
resolveram entrevistar e botar no ar, à noite. Então surgiu o Noturno, e veio a idéia de
fazer a semana inteira. O programa entrevistava personalidades de áreas diversas,
tocava música, informava, atendia pedidos musicais dos ouvintes, tudo com muito bom
gosto.
O Simon Khoury fazia também o "Especial JB", uma entrevista com um
grande nome da música, ilustrada com músicas. Durava uma hora. Era uma espécie de
biografia de um artista, que deu margem de novo ao papo mais solto no rádio. Mas
como era gravado, se houvesse alguma inconveniência, o censor podia cortar. Eu me
lembro que quando Simon fez o Chico Buarque, os censores foram para ouvir, para
verem se havia alguma coisa demais, uma palavra de ordem qualquer. Os programas
desse tipo realmente devolveram a conversa, alguns programas de comunicadores
também trouxeram isso de volta, mais companhia sim.
Quando o Simon saiu da rádio, o Eliakim o substituiu. que o Eliakim
apresentava os noticiários matinais e tinha de gravar o Noturno de manhã, e estava
ficando difícil.
O Fernando Veiga então me chamou para fazer as férias do Eliakim e ver se
dava certo. Aos poucos fui me soltando e Veiga aprovou a idéia. Isso foi em 75, 76. E
fiquei até o Noturno sair do ar, na década de 90, com a venda da JB-AM para a LBV
141
(Legião da Boa Vontade) com uma interrupção por volta de 81, 82, com aquela idéia do
All News que não deu certo.
165
Volta o apresentador: 1977 Rádio Cidade FM O Trem da Alegria vai
partir. Luiz Carlos Saroldi acompanhou de perto o surgimento e a evolução da Rádio
Cidade, que também pertencia ao Grupo JB. Aqui, Saroldi destaca a importância da
rádio para atrair novos ouvintes, a partir de uma linguagem mais solta de seus locutores,
porém critica o excesso de americanismo da programação musical. Saroldi, é com você
de novo.
Acompanhei todo aquele processo de seleção do Carlos Townsend, o
primeiro coordenador da Rádio Cidade, aquelas idéias e tal. Ele indo procurar vocês,
gente nova, cada um de um lugar do Brasil, e conseguindo harmonizar essas pessoas,
entregar o espaço, o microfone para vocês viajarem; achei isso muito legal, pela
importância da fala, que pega esse lado da oralidade, da companhia. Apenas senti a
música brasileira desprestigiada, porque a novidade era importada, músicas do gênero
discothèque, que eram o forte da programação, a música dançante. Mas toda ela era
estrangeira, o padrão era estrangeiro, em que a música brasileira não se encaixava, e o
Carlos tinha dificuldade de programar música brasileira. Mas eu gostava muito da idéia.
Gostava muito do gênero descontraído, aquela possibilidade dos locutores improvisarem
em cima do texto, da notícia, de não precisarem seguir rigidamente o texto.
Descontração na comunicação
Gostava muito das passagens de horário [na troca dos locutores], o tom
jovial; eu achava muito bom porque o que predominava na faixa FM [Freqüência
Modulada] era a "casaca", aquele tom encasacado, grave, porque supostamente o FM
era uma faixa pra gente rica, com sintonizadores modernos, em que o som estéreo e de
alta fidelidade se destacava. E mesmo naqueles sintonizadores que tinham AM
[Amplitude Modulada], o som era horroroso. Havia uma disparidade muito grande entre
o som do AM e do FM. E o FM começou valorizando a música, por causa disso
165
A JB pretendia ser uma rádio só de notícias, como hoje é a CBN.
142
mesmo. Então, tinha pouca conversa, poucos anúncios, e uma programação musical dita
sofisticada. Era o que predominava até então: a JB, a Tupi, eu me lembro que iam na
mesma linha da música ambiente, a chamada música de elevador, de consultório. Eu
achava aquilo meio chato. Depois a JB-AM começou a transferir a música erudita para
o FM, à noite. Os "Clássicos em FM" que era um negócio meio rebuscado, mas de
grande qualidade, uma das melhores coisas do rádio no gênero. Mas eu achava pobre o
que tinha em FM, eu ouvia muito pouco FM.
E quando entra a Rádio Cidade...
E quando entra a Cidade eu comecei a perceber que o Townsend estava
buscando outra coisa, e aquelas reuniões que ele fazia com vocês eram do lado de minha
sala, então passava o som todo das reuniões: eram cobranças, sugestões, troca de idéias,
orientações... Eu achava isso muito bom porque pensava que o rádio tinha que ser feito
assim. E era uma equipe pequena, mas muito entrosada por causa disso. Achei que isso
era muito bonito, funcionava muito bem, era um negócio que o rádio estava precisando,
digamos assim. Achava que aquilo podia ser aplicado também ao Noturno, eu já estava
fazendo isso, uma tentativa de brincar e de soltar a linguagem.
A gente brincava com carta dos ouvintes, uma coisa que nunca havia sido
feita na Rádio JB, era um tabu, mas eles o tiveram coragem de me pedir para não
fazer, me deram essa liberdade, com carta branca, e eu aproveitei (risos).
Quando ouvi o que vocês estavam fazendo, comecei a ver que vocês
queriam pegar uma faixa de público que estava afastada do rádio. Um público mais
jovem, mais ligado nas coisas da moda, do momento. Comecei a perceber que a rádio,
desse jeito, iria acontecer, e aconteceu.
E isso abriu um filão para o rádio, na programação de rádio. E vimos
surgirem as imitadoras. De uma hora para outra alastrou-se pelo Brasil o padrão, o
formato Rádio Cidade. Isso eu acho que foi muito positivo. Essa virada, o alcance de
atrair para o rádio uma geração que estava desligada dele, achei muito positivo.
143
Lamento que não tenham sabido manter isso, ampliar isso. Porque começou a haver
deturpações hoje vemos programas de humor que beiram a baixaria no rádio e muitas
outras soluções artificiais. Isso eu lastimo, houve essa perda de investimento em talentos
no rádio. Talvez o último a fazer isso tenha sido o Carlos Townsend, na Rádio Cidade.
Ele fez toda a equipe da rádio buscar isso, uma unidade de padrão na apresentação.
PRÓXIMA ESTAÇÃO: O RÁDIO HOJE. DESEMBARQUE
PORTÃO 3.2
Amigo leitor, na seqüência, vamos conhecer as opiniões de Saroldi sobre o
rádio que se faz hoje, o que ele pensa do crescimento da mídia religiosa e como a
censura e os governos militares brasileiros influíram nos rumos do meio radiofônico. O
pesquisador afirma ainda que as FMs foram uma jogada política dos militares. Saroldi:
Depois do "estouro" da Cidade ficou tudo muito disperso, muito solto, sem
continuidade, sem produção, em praticamente todas as rádios, no Rio pelo menos. Hoje
em dia a gente vê tudo mais ou menos pasteurizado, ainda mais na faixa AM, que sofreu
decadência total. Você salva a CBN, talvez a Rádio MEC, que tenta fazer alguma coisa,
mas não sei se o produto final é bom, a Globo, que está meio perdida, superada em
alguns horários pela Tupi...
A culpa é de quem?
Acho que o grande culpado é o governo. O governo começou a pensar em
certas coisas. Por exemplo, tinha havido a censura em 64, que prejudicou o rádio. Você
não podia improvisar no ar, não podia citar certos nomes porque podia ser subversão. O
DOPS tinha um gravador chamado de "dedo duro", que gravava a programação de todas
as rádios o dia inteiro; a fita tinha de ser guardada durante alguns dias, para os censores,
se quisessem, poderem verificar o que tinha sido dito na rádio e a que horas. Isso tolheu
muito o rádio.
A Censura. Sorria, você pode estar sendo filmado
144
A censura bateu exatamente no nervo do rádio, que é a palavra, a fala
espontânea, que é a conversa.
Os militares e o rádio FM
Os militares resolveram se dar conta disso depois, e começaram a propor o
rádio FM. Foram eles que trouxeram o FM, que abriram o FM que era uma faixa de
rádio que fazia sucesso no exterior. Convenceram os fabricantes de aparelhos eletro-
eletrônicos a produzir aparelhos que captassem a faixa FM, porque os aparelhos
captavam AM e Ondas Curtas. Então tiveram de introduzir nos aparelhos a faixa de
rádio FM.
Alienação
O FM entra como a faixa da alegria, como era chamada na Alemanha, que
eles instituíram na Alemanha para matar o passado do rádio em AM, que tinha sido um
rádio político, demagógico, usado pelo Nazismo. Eu cito isso no livro sobre a dio
Nacional. E aqui eles fizeram a mesma coisa. Incentivaram, foram lançados
equipamentos grandes, e depois começaram a lançar os aparelhos pequenos de rádio
os dio de pilha com faixa FM. Isso veio popularizar, foi crescendo a audiência em
FM. Mas um rádio sem compromisso, um rádio sem falar muito em política, sem falar
em coisas sérias. Falar banalidades, fazer brincadeiras. Isso mais ou menos ficou no
rádio em FM. Com exceção das tentativas de fazer jornalismo do nosso colega Sidney
Resende. Ele tentou fazer jornalismo na Rádio Panorama-FM, mas não deu certo,
depois vai fazer isso na CBN. Em São Paulo, por exemplo, a CBN trabalha em duas
faixas: em Ondas dias e em FM, mas só. Na Alemanha, você tem rádio-teatro em
FM, tem jornalismo, tem tudo, é uma tradição alemã, européia, que tinha acabado
durante o nazismo. Recomeçou a produção no rádio alemão [Saroldi teve peças suas
radiofonizadas e premiadas em rádios alemãs], a FM deixando de ser apenas aquela
faixa da alegria, que não deve tratar de assuntos muito sérios o que é uma bobagem.
Em qualquer faixa você pode tratar de assuntos sérios, não nenhuma proibição a
145
respeito disso, tem que falar mais. A diferença é essa. Mas aqui parece que ainda
existe um tabu...
A paixão não tem nada a ver com a vontade
Quando bate é o alarme de um louco desejo
Não dá pra controlar, não dá
Não dá pra planejar
Eu ligo o rádio
E blá, blá, blá, blá, blá, blá...
166
Para você falar mais é preciso ter embasamento, ser criativo... Mas eles
quiseram vender a idéia de que o rádio FM ficava para a música e o rádio AM para a
palavra. Você se lembra que eles falavam isso? O rádio falado vai ser só em AM, o
comunicador, o repórter... Acabou a censura, pelo menos a oficial. Acontece que no
meio desse processo todo entrou a política das concessões em que os políticos de
repente descobriram que era um ótimo negócio ter uma concessão de dio FM, porque
o AM é caro na manutenção e na instalação e o rádio FM é muito mais barato. Você
pode fazer tudo com uma pequena equipe. E depois surgiram os mais espertos que
vendem a programação musical. Se você o quiser ter programação musical, você
compra. São Redes de Rádio que vem, então você economiza. Com isso, esses políticos
perceberam que ter uma emissora de rádio era ter um público na mão, ter um eleitorado
na mão, e começaram a pleitear uma concessão. Hoje você tem um número absurdo de
congressistas – um quarto ou um quinto do Congresso – que tem emissoras de rádio.
Além disso, também entrou a mídia religiosa na jogada. As rádios
pentecostais, evangélicas e a igreja católica também entraram no rádio. Você pega a
faixa AM hoje aqui no Rio de Janeiro e, entre vinte rádios, você tem algumas ilhas
não religiosas, que são a Tupi, a Globo, a CBN e a MEC... E o que interessa às igrejas
não é o rádio. É um serviço de alto falantes amplificado, ampliado, que tem um alcance
quadriplicado. E interessa ao pastor falar dia e noite, fazer milagre dia e noite, porque
tem o seu rebanho, os seus fiéis, tem os seus contribuintes, o seu zimo não precisa
146
da audiência do Ibope, não precisa de anunciante. O anunciante é a própria igreja
chamando os fiéis a pagarem o dízimo.
Pai, afasta de mim este cálice, pai
Afasta de mim este cálice, pai
De vinho tinto de sangue...
167
O rádio estaria sendo sub-utilizado?
Acho que o termo "sub-utilizado" é bem empregado. É sub-utilizado sim.
Apesar disso, o dio é sempre útil. Ele consegue ser útil porque é tão democrático, não
custa nada para você ouvir além da compra do receptor e das pilhas. É democrático,
você procura, rastreia o que você quiser, o que lhe interessar. Às vezes nada lhe
interessa. Mas ele consegue fazer alguma prestação de serviços além de lhe dar
companhia, que ele continua dando. Ele oferece entretenimento, toca música, embora a
parte musical seja a mais prejudicada de todas, hoje em dia, principalmente na faixa
AM, sem a menor dúvida.
Não posso mais viver assim ao seu ladinho
Por isso colo meu ouvido no radinho
De pilha
Pra te sintonizar
Sozinha
Numa ilha...
168
Quando uma catástrofe qualquer, uma crise qualquer, a primeira coisa
que você faz é ligar o rádio. E também, quando falta luz, é o radinho de pilha que você
liga. Todo mundo corre pro radinho. E os próprios ouvintes telefonam para dar alguma
informação. Então, essa utilidade do rádio, esse espírito democrático do dio, é um
166
BRANDÃO, PAES e LOBÃO. Rádio Blá.
167
BUARQUE e GIL. Cálice.
147
negócio tão entranhado nele, tão próprio dele, que consegue abrir brechas onde não tem,
para ser útil, fazer companhia, servir. Essa vocação do rádio acaba prevalecendo.
Uma mina abandonada
Mas isso não acontece no Brasil. O cineasta Orson Welles, em longa
entrevista a Peter Bogdanovich [também cineasta] que saiu em livro, fala muito do rádio
que ele fez. Diz que a melhor coisa que ele fez foi rádio, que fazer rádio é a melhor
coisa depois de cantar no banheiro. E aí o entrevistador pergunta: "E o rádio de hoje?".
E ele responde: "O rádio de hoje é uma mina abandonada". Coloquei isso
num artigo que escrevi para a USP
169
e acho que ele tem toda razão.
A desculpa é sempre a economia, por isso o fazem. A outra desculpa é
que o ouvinte o quer mais tanta qualidade, o ouvinte quer a banalização, porque foi
habituado pela televisão ao banal; as pessoas estão disputando na linha do banal. Hoje,
na televisão, isso é que predomina. Infelizmente o rádio também ficou nessa: o
comunicador, a programação musical, esporte, notícia e mais nada. Mas acho que o
grande culpado é o governo, que não tratou com seriedade a questão das concessões, de
exigências, até, para o rádio. exigem tempo para colocar mensagens do governo,
mensagens institucionais, mas o governo não normatizou e o procurou estimular a
produção radiofônica. Aliás, nem nas rádios deles. Vocêa que ponto chegou a Rádio
Nacional. Esperamos que ela saia dessa situação.
Hoje fala-se muito em escassez de água no mundo. Imagine como o dio
poderia ser utilizado para alertar a população, para ensiná-la a poupar água. Seriam três
mil e tantas estações [fora as milhares de comunitárias] ensinando cidadania à maioria
do povo brasileiro. A educação brasileira... quanto poderia ser feito! A alfabetização
nunca foi feita efetivamente pelo rádio. Tivemos algumas tentativas, mas não houve
continuidade. O Orson Welles tem razão, o rádio é uma mina abandonada.
168
BARMARCK, BELLOTO, FROMER, MELLO e PESSOA. Sonífera Ilha
148
FIM DA LINHA - UMA SALVA DE PALMAS PARA NOSSO
MOTORNEIRO
- Você é um emérito contador de histórias, não é Saroldi?
- Pelo visto... (risos)
Esse cara tem a língua solta /Os meus versos ele musicou
Tava em casa / Vitamina pronta
Ouvi no rádio /Minha carta de amor...
170
4.2 – O Sucesso da Rádio Cidade – "Fazendo escola em FM"
'ouvimos' rias menções sobre a Rádio Cidade em capítulos anteriores.
O que vem a seguir pode ajudar o leitor a entender melhor a gênese de seu sucesso, pelo
menos em linhas gerais. Outras informações podem ser obtidas no livro/monografia que
escrevemos sobre o tema.
"As emissoras de FM ainda não perceberam que freqüência modulada é
apenas um rádio com melhor qualidade de som, sem por isso deixar de ser rádio".
171
Estou aqui prá dizer
Que o natal chegou.
É tempo de amizade,
De muita animação,
Taí a alegria que você tanto esperou.
E a Turma da Cidade
169
SAROLDI, 2002-2003. O rádio e a música. Revista USP, São Paulo, n. 56, p. 48-61.
170
BROWN e REIS. E.C.T.
171
MEDAGLIA, 1979, p. 4.
149
Está sempre com você.
Alegria, o papo, a música e muita informação.
Alô Ivan, Paulo Roberto, Sérgio Luiz e Sandoval,
Chegou Mansur, Jaguar e Romilson do final.
172
Este foi o primeiro time da Rádio Cidade, que estreou em primeiro de maio
de 1977. Carlos Townsend foi o primeiro cnico, digo, coordenador artístico.
Townsend deixou a rádio em 1978, sendo substituído por Cléver Pereira. Alberto
Carlos de Carvalho tinha a responsabilidade da programação musical. O
superintendente era o jornalista Carlos Lemos e o departamento comercial era
comandado por José Grossi. Não havia propriamente um departamento de jornalismo.
As notícias eram redigidas pelos profissionais da dio JB. O departamento de
promoção, ou de marketing, um dos alicerces das FMs a partir da década de 80, ainda
era incipiente, mas viria a ter destaque logo em seguida.
As FMs existentes tocavam, em geral, a chamada música-ambiente, com
grandes orquestras. O locutor apenas anunciava as músicas e lia eventualmente notícias.
Não havia improviso. Outras emissoras, como a Nacional, especializada em música
popular brasileira e a Eldo-Pop, que pertencia ao Sistema Globo e tocava o rock da
época, ou o que era chamado de música progressiva (tipo Pink Floyd, Genesis,
Emerson, Lake and Palmer...) tinham suas programações gravadas e o locutor
praticamente anunciava o que havia sido tocado. Nenhum improviso nem maiores
diálogos com o ouvinte.
O regime político vigente era o militar. Como mencionamos, o general-
presidente Ernesto Geisel decretara a "distensão lenta, gradual e segura". A censura
começava a arrefecer e uma rádio mais "solta" já podia ir ao ar.
Duas emissoras musicais em AM dominavam a cena radiofônica: Tamoio e
Mundial. À noite, com a melhor propagação das transmissões, era possível captá-las em
quase todo o país. Marcaram época.
150
A Rádio Cidade, segundo Townsend, foi um pouco filha dessas duas
emissoras. Com uma diferença que ele gostaria de marcar: a locução. Na Tamoio e na
Mundial os locutores o podiam sair do script, só liam o que estava escrito, "valia o
escrito", como no jogo. Ao dar liberdade aos locutores da Cidade, todos tirariam a sorte
grande, porque o sucesso foi imediato e, creio, "pegou todo mundo de surpresa". Este,
aliás, é o título de um trabalho de mestrado que escrevi e que virou livro: "No ar, o
sucesso da Cidade – A que pegou todo mundo de surpresa". Rio de Janeiro, Editora JB,
1984. Continua sendo uma das poucas publicações sobre a faixa de FM no Brasil. Nessa
pequena obra, procuramos descrever os vários departamentos da emissora e como
atuaram para que a Cidade se tornasse o sucesso que foi, modificando todo o formato
radiofônico em FM vigente então, estimulando centenas de novas concessões de rádio,
incentivando a indústria eletro eletrônica, que os aparelhos de rádio não possuíam a
faixa FM, e modificando a linguagem dos locutores. A "linguagem" mais descontraída
da Cidade influenciou a maioria dos profissionais de rádio e TV da época, em geral
muito formais, "encasacados", e trouxe para o veículo um número bem expressivo de
ouvintes novos, gente que não ligava rádio. A Cidade foi um marco em FM. Hoje, vinte
e tantos anos depois, parece que milhares, ou milhões de pessoas, continuam sem ouvir
rádio, ou perderam o bito de fazê-lo, devido a uma programação que muitos
consideram pobre, repetitiva, sem maiores atrativos, sem grandes produções, sem
surpresas. Salvo raras exceções.
É impressionante como até hoje os ouvintes da Cidade ainda se lembram de
suas "músicas de Natal e Ano Novo" – a letra da principal delas abriu este capítulo. Era
uma sica americana, Rapper's Delight, estilo rap, do grupo Sugar Hill Gang, cuja
adaptação foi feita por Eládio Sandoval e Romilson Luiz. O sucesso foi tanto que
acabou saindo em disco. Isso ocorreu em 1978. A partir daí, todo ano a rádio criava ou
adaptava músicas para a ocasião. A Cidade tornou-se fundo musical das festas de natal e
ano novo dos lares de parcela significativa da população carioca. Tudo regado a
brincadeiras espirituosas e "alto astral". Parecia haver sinceridade nas "brincadeiras"
porque estabeleceu-se uma empatia imediata com o público.
172
LUIZ e SANDOVAL. Mensagem de natal
151
O time parecia mesmo um time, pela integração do grupo de locutores
era composto por (por ordem de horário): Jaguar (6 às dez da manhã); Fernando Mansur
(10 ás 14h); Eládio Sandoval (14 às 18h); Romilson Luiz (18 às 22h); Ivan Romero (22
às 2 da madrugada). Dois outros locutores cobriam as férias e/ou folgas semanais:
Sérgio Luiz e Paulo Roberto. Aos poucos, a equipe de locutores também foi se
modificando, com novos colegas chegando.
Eládio Sandoval foi uma espécie de "detonador" do fenômeno. Um gênio do
improviso e da irreverência, muito criativo e surpreendente. É dele o slogan "fazendo
escola em FM". Ao lado de Romilson Luiz criaram "novelas" memoráveis, músicas
marcantes e passagens de horário hilariantes. Em 1982, eles se transferiram para a
Antena 1-FM. Estavam tão identificados com a Cidade e a Cidade com eles, que os
ouvintes achavam que continuavam ouvindo a Cidade. As duas emissoras são vizinhas
no dial. 102,9 e 103,7 respectivamente. O trabalho dos demais comunicadores também
foi muito bem recebido, cada um com sua marca própria.
Os primeiros quatro anos da Rádio Cidade foram os principais. Liderança
absoluta. Tudo era novidade. O público, a indústria eletrônica, as agências de
publicidade, as gravadoras, os artistas, o rádio em geral, tudo passou, de algum modo,
por um processo de reformulação nesse período.
Mas a Cidade era acusada também de ser uma emissora alienada,
americanizada, usada para ampliar a difusão da música americana no Brasil. De fato,
quando se lembra da Rádio Cidade em seus primórdios, pensa-se imediatamente nas
"músicas" de natal e fim de ano, nas brincadeiras dos locutores, em músicas estrangeiras
e principalmente na chamada Disco Music, tocada nas Discotecas e em filmes como
Saturday Night Fever, com John Travolta. A Cidade lançou e propagou a moda no Rio
de Janeiro e as Discotecas espalharam-se pelo Brasil afora.
A programação era mais de sessenta por cento composta de músicas
estrangeiras. As brasileiras tocadas eram de artistas consagrados como Chico Buarque,
152
Milton Nascimento, Ivan Lins, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Gal Costa, Maria
Bethânia, Jorge Ben... e de "novatos" como João Bosco, Djavan, Beto Guedes, 14 Bis,
A Cor do Som, Boca Livre, Lulu Santos, Oswaldo Montenegro, Roupa Nova...
Os shows de aniversário, por exemplo, promovidos pela rádio lotavam
praias, Canecão, Maracanazinho, Cassino Bangu, onde quer que fossem realizados.
A Cidade pertencia ao Sistema JB de Rádio. O principal grupo rival, Globo,
acostumado a lideranças, não admitia ficar em desvantagem nas pesquisas e preparou a
98-FM para desbancar a "inimiga". E conseguiu. O FM estava se popularizando
rapidamente, o aparelho barateara, não era privilégio da elite, os ouvintes dos subúrbios
cariocas, altamente populosos e acostumados com a Mundial-AM também do Sistema
Globo – foram se transferindo para a 98 e, com o tempo, deram a ela a liderança entre as
FMs do Rio de Janeiro (por volta de 1984). A Cidade tentou recuperar a posição,
mudando de formato seguidas vezes, mas nunca mais conseguiu. Os tempos eram
outros. E as circunstâncias também.
A 98 perderia o primeiro lugar em 1998, quando "estourou" a FM-O Dia,
100,5, com uma programação ainda mais popular, calcada em sambas e pagodes, e uma
linguagem "jovem" dos locutores. o deixa de parecer ironia o ano em que a FM-O
Dia despontou terminar em 98.
4.3 – Ouvindo ouvintes
Todo profissional que passou pela Cidade dos primeiros tempos certamente
tem mil histórias para contar sobre as experiências que viveu no seu setor de atuação.
Para ilustrar este ponto, selecionei dois ouvintes, como amostra do 'espírito' da época.
Mensagem enviada por correio eletrônico, em 10 de outubro de 2003, à
Rádio MPB-FM, onde trabalhamos agora [2004]. O nome da ouvinte é Sherezade S.
153
Comentários: Querido Mansur, gosto muito de te ouvir e de
saber que você ainda continua fazendo um trabalho de
qualidade. Eu te ouvia sempre pela manhã, quando ia para a
faculdade, e olha que se vão longos anos (1980). Na época
você trabalhava na Rádio Cidade. Eu ia para a faculdade, bem
cedinho e ouvindo vocês. Às vezes, a brincadeira era tanta e tão
engraçada, que eu começava a rir e a conversar com vocês.
que eu estava dirigindo, e as pessoas que me olhavam, na rua ou
de algum ônibus que parava junto ao carro em algum sinal, não
entendiam nada. Pensavam que eu era maluca! Rindo sozinha.
Mal sabiam que vocês estavam fazendo muita palhaçada. Era
muito divertido, tenho saudade daquele tempo... Que inocência.
Como era mais simples e bonita a nossa vida, não é mesmo?
Um abraço afetuoso. Parabéns. Tudo de bom. Sherezade.
Conheci Ângela Gurgel Valente, em 2001, no consultório médico onde ela
trabalha. Ao preencher minha ficha perguntou se eu era o Mansur da Rádio Cidade.
Começamos a conversar e ela manifestou um carinho muito grande pela emissora. Pedi
então a ela um depoimento sobre a rádio. Trechos da conversa que tivemos por telefone
em 20/10/2003:
- Ângela, você parece ter um carinho muito grande pela Rádio Cidade.
- Tenho sim. Acho que ela foi revolucionária. Na época [1977] em tinha
20 anos. Casei, engravidei... Recebíamos muita gente em casa e ficávamos ouvindo a
rádio. Aqueles "jingles" da Rádio Cidade eram maravilhosos, muito divertidos; as
musiquinhas de natal que vocês cantavam, o Piu-piu de Marapendi [esta foi com o
Sandoval e Romilson na vizinha Antena 1], o bom humor... Tinha uma novelinha com
um marciano, "Flash Gordon, o Herói do Sertão"... era muito engraçado. A rádio era
leve. É todo um contexto: a cidade, a música, o rádio, os casais jovens, a praia...
- E antes da Cidade, o que você ouvia?
- A Tamoio-AM. Eu era adolescente, tinha 15 anos. A Tamoio era
moderninha para a época [partes das cadas de 60 e 70]. Ouvia a Tamoio. o
154
existia comunicação do locutor, era basicamente música [seu slogan era "Música,
Exclusivamente Música"]. Na época disputavam a Tamoio e a Mundial. Depois a
Mundial ficou mais moderna que a Tamoio, acho. Meu namorado tinha um fusquinha e
só ficava ligado na Tamoio.
- Seus amigos também ouviam rádio?
- Sim. Levávamos o radinho para a praia. Naquela época não tinha
walkman, headphone. O aparelho de rádio tinha uns dez centímetros; nós o
colocávamos num montinho de areia, sobre a toalha. Era um barato!
- Você se lembra de outra emissora?
- A Rádio Relógio... "Você sabia?... Você sabia por que a cobra não pisca?
Porque não tem pálpebra." [Risos]. "Galeria Silvestre, a galeria que ilumina o seu lar." E
com cinco anos eu já ouvia a Nacional. [Cantarola:]
Quem passar pelo sertão
Vai ouvir alguém chamar
Jerônimo, o Herói do Sertão.
173
Tinha o Moleque Saci, o Anjo... As Pílulas de Vida do Dr. Ross:
Pequeninas, mas resolvem. Ficávamos todos em volta do rádio.
- E os estudos?
- Nós líamos muito, fazíamos jogos de conhecimentos gerais, e o rádio ao
fundo. quando criança eu achava estranho aquela caixa com som; ficava olhando para
ver quem estava falando por trás. Imaginação... Quem leu Monteiro Lobato estava
acostumado a viajar na imaginação. As Reinações de Narizinho, A Geografia de Dona
Benta... A gente poder sonhar, criar... isso é muito importante. Passei para a minha filha
os livros de Monteiro Lobato. (...) Lembro que todo mundo levava rádio para o
Maracanã; acompanhar a locução do jogo era muito importante.
155
- Você chegou a conhecer um estúdio de rádio?
- Em 1962 fui a Petrópolis minha atinha morrido e fui assistir a um
programa de auditório. Tinha calouros, os anúncios... eu tinha dez anos. Foi a Rádio
Imperial. Fiquei maravilhada.
- E hoje, você costuma ouvir rádio?
- Menos. No consultório, ouço. O sistema de som do edifício fica
sintonizado na JB-FM. ... É incrível... Para terminar eu queria falar uma coisa: Getúlio
morreu em 1954. Eu tinha dois anos. Eu juro que me lembro do locutor anunciando a
morte dele. Eu morava no Leblon; estava atrás da porta da cozinha e ouvi. Meu avô foi
um dos fundadores da Bolsa de Valores do Rio; ele usava sempre uma gravata preta;
quando Getúlio morreu ele pôs uma vermelha. Não sei por quê, mas eu me lembro até
hoje do locutor anunciando que Getúlio tinha morrido. Você acredita?...
Claro que sim. Mas agora vamos mudar de estação para conversar com uma
ouvinte da Rádio MEC.
A propósito, que sugestões você, leitor, daria aos dirigentes da Rádio MEC
a fim de aprimorar sua programação e atrair mais ouvintes? Como tornar uma emissora
especializada em música clássica mais ouvida? Como utilizar de maneira mais criativa
as dios do governo, que estão, em geral, abandonadas? De que forma rádios
comunitárias poderiam atuar como educativas, funcionando inclusive como cursinhos
pré vestibulares?
Algumas respostas para essas perguntas eu ouvi de Larissa Coelho da
Graça, funcionária pública, na época prestando serviços na CPM Centro de Produção
Multimídia, na Escola de Comunicação da UFRJ. Numa conversa no departamento de
ensino, ela me perguntou a matéria que eu lecionava. Ao saber que era rádio, passou a
discorrer sobre o tema. Depois de dois minutos de conversa, percebi que seria melhor
pegar papel, caneta e anotar as sugestões da Larissa, verdadeiras aulas de cidadania. Foi
o que fiz. Algumas delas estão aqui. Minhas intervenções, apenas para facilitar a leitura,
aparecem entre colchetes. Ouçamos o que Larissa sugere.
173
Tema de abertura do seriado Jerônimo, o Herói do Sertão, levado ao ar durante anos pelas ondas da
156
pensou numa dio voltada para o vestibular? Para estudantes de baixa
renda? As notícias seriam aquilo que cai no vestibular... ou em concursos públicos, para
o público do segundo grau.
Poderia haver gincanas de conhecimento mais pontos dão direito à bolsa
de estudo. [Assim como havia os Jogos da Primavera, idealizados pelo jornalista Mário
Filho, com disputas esportivas entre os colégios do Rio de Janeiro, poderiam ser criados
os Jogos Culturais entre colégios, com gincanas culturais, etc. A rádio faria toda a
divulgação. Entre os próprios alunos poderiam ser escolhidos locutores.]
A dio daria a programação cultural gratuita da cidade, os cursos
gratuitos... Cursos de línguas pelo rádio, usando músicas também, traduções... Poderiam
ser feitos acordos com consulados, embaixadas... Será que eles não bancariam cursos no
rádio, que é muito mais barato?
Histórias dos países, um quadro 'viajando pelo mundo', mostrando as
tradições musicais, filosóficas, históricas de cada país. Histórias pequenas, de 15
minutos... Convidar historiadores para serem entrevistados pelos alunos; professores de
outras áreas também. Estimular o garoto pobre a continuar estudando.
Telecurso Grau é muito bom, mas é preciso ter o Canal Futura. O rádio,
não, você pode sair de casa ouvindo, pegar o ônibus, ir para o trabalho e continuar
ouvindo. As dios públicas poderiam ser usadas para isso. As rádios do governo estão
abandonadas.
O governo precisar voltar a investir no rádio. tantos projetos
estupidamente baratos, com possibilidade enorme de reprodução do conhecimento. Por
que o governo atual não implementa esses projetos. A falta de criatividade do governo
me impressiona.
Rádio Nacional. Desconhecemos a autoria.
157
As rádios poderiam ser usadas para estimular o turismo interno, falar dos
lugares turísticos pelo dio. As pessoas precisam ser ensinadas a olhar, a aprender.
Sabe por que as casas antigamente eram cada uma de uma cor? Porque as pessoas o
sabiam ler. Então diziam: rua tal, casa amarela, de porta branca.
Promover festivais de música e de poesia entre a garotada. Fazer um
concurso de redações. Usar o rap como instrumento, ou outros ritmos de que a garotada
goste.
Contar a história do Brasil através de músicas. Vamos falar da ditadura?...
Vamos ouvir Geraldo Vandré, Chico Buarque, Apesar de você...
Hoje você é quem manda
Falou, tá falado, não tem discussão
A minha gente hoje anda
Falando de lado e olhando pro chão
174
Os sambas-enredo, como nos ensinam! Jamais esqueci da Inconfidência
Mineira, porque aprendi com aquele samba-enredo (cantarola):
Joaquim José
da Silva Xavier,
morreu no dia 21 de abril
pela independência do Brasil.
Foi traído,
mas não traiu jamais
a Inconfidência de Minas Gerais
175
Os sambas-enredo já eram uma aula.
174
BUARQUE. Apesar de você
175
PENTEADO, SILVA e VIOLA. Exaltação a Tiradentes.
158
[Aqui, interrompo Larissa para citar o colunista Roberto M. Moura falando
de alguns compositores.]
É indispensável lembrar do trabalho igualmente genial de
autores como Silas de Oliveira, Mano Décio da Viola, Martinho
da Vila, Didi, Geraldo Babão, David Correia e obras-primas
como 'Exaltação a Palmares', "História do carnaval carioca',
'Chico rei', do Salgueiro, 'Sublime pergaminho', da Unidos de
Lucas, 'Os Sertões', da Em Cima da Hora, 'Lendas e mistérios
da Amazônia', da Portela, 'O mundo encantado de Monteiro
Lobato' e '100 anos de abolição', da Mangueira, 'Kizomba a
festa da raça', da Vila Isabel, 'Domingo' e hoje', da União da
Ilha, enfim, uma lista interminável de sambas que, lembrando
Getúlio e Padeirinho, saíram da pista para entrar na história.
176
[Larissa é filha de jornalista. Ela costuma ouvir as rádios MPB e JB FM.
O pai ouve a Rádio MEC. O filho, de 17 anos, prefere a Cidade. Ele acha a
MEC chata. Não as músicas, mas a forma de falar dos locutores; os textos são
considerados longos e a voz monótona. "Mãe, os locutores falam com voz de sono. Eles
treinam para isso?"]
O microfone contunua aberto para nossa entrevistada:
Os locutores deveriam transmitir as informações de maneira jovial, como se
estivessem apresentando um programa de rock, dar informações pertinentes para o
público leigo, coisas relevantes sobre a sica, curiosidades sobre a música, sobre a
importância social, mostrar o lado humano da música e não se é maior ou menor.
Informações novas com referências que o público leigo conheça, senão a informação se
perde. Explicar a música para ajudar as pessoas na interpretação da sinfonia. Se a gente
não souber para onde olhar, o que olhar, a gente se perde...
176
MOURA, 2003, p. 6.
159
[A série Concertos para a Juventude, apresentada eventualmente no Teatro
Municipal é bem didática. O teatro fica lotado pela maioria leiga, que se encanta com a
música e pelas explicações simples do maestro. Os motoristas de táxi poderiam ser
grandes divulgadores da programação da MEC. Alguns deixam o rádio sintonizado na
emissora, para deleite dos passageiros, geralmente apressados, suados e presos em
engarrafamentos. Aliás, o rádio em geral deveria pensar em programações especiais
para quem está no trânsito. A MEC poderia ter também horário especial para peças
ligeiras, mais conhecidas do grande público. Conforme disse o filho da Larissa: " A
gente ouve música clássica o tempo todo e nem se conta. Elas estão em comerciais
da TV, em desenhos animados, nos Concertos Vinólia..." ]
Falta um programa para crianças. Havia um na Rádio Imprensa, em 1987,
para ninar crianças. Muitas mães eu inclusive colocavam os filhos para dormir
ouvindo esse programa, que era às 20 horas. [O educador Zuca tem um programa na
MEC chamado Rádio Maluca, para crianças.]
Quando criança, eu ouvia histórias de Julio Verne no rádio. Nossa
empregada ouvia muito rádio, ouvia muito radionovela. Eu acabava ouvindo junto com
ela. Fiquei fascinada pela sonoplastia artesanal do rádio.
Os artifícios lúdicos permitidos pelo rádio conseguiram
provocar de tal modo o espírito brasileiro, e fizeram
canalizar para sio grande quantidade de talentos e idéias
inspiradas em seus próprios recursos, que transformaram o
nosso dio num verdadeiro e grande happening popular.
E aqui chegamos ao ponto mais importante para a
compreensão desse veículo em nosso país. No Brasil,
rádio é uma forma de cultura popular. E a "cultura" de
nosso rádio é o próprio rádio. É o seu código funcional,
sua linguagem, sua forma... Como poucos, e
verdadeiramente, o radialista brasileiro se deu conta de
que operar com o som engenhosa e criativamente é a
160
maneira mais viva, direta e rica em possibilidades que
existe de jogar com a imaginação das pessoas. E sabe,
também, que a imaginação vai bem mais longe que a
imagem.
177
Me lembrei de "A Hora da Estrela" de Clarice Lispector. A personagem
Macabéia ouve a Rádio Relógio... "Você sabia....?" e reproduz o que ouve.
A TV, quando transmite futebol, mostra a bola. O rádio mostra tudo. A
TV direciona seu olhar, o dio também, mas ele deixa seu olhar livre para perscrutar
outras coisas.
Mas é preciso mostrar. Se o mostrar a pessoa fica sem saber. Sem
informação a gente não sabe o que está vendo. Veja, por exemplo, essa árvore fora.
Todo mundo passa por ela e uma árvore. Ninguém sabe que é uma seringueira,
que foi ela que sustentou a economia brasileira durante um certo período. Ela tem
história, mas se não te contarem, você não vai saber.
[Pergunto à Larissa como ela aprendeu a se interessar por tudo isso.]
Meu pai me ensinou a pensar o mundo.
[Parabéns. E colocamos uma última observação dela em letras garrafais:]
NENHUM MEIO DE COMUNICAÇÃO TEM TANTAS
POSSIBILIDADES NÃO EXPLORADAS QUANTO O RÁDIO.
4.4 - Anna Khoury – Pioneira do Rádio FM no Brasil
Os sonhos mais lindos, sonhei
177
MEDAGLIA, 1979, p. 5.
161
De quimeras mil, um castelo ergui
E no teu olhar, tonto de emoção
Com sofreguidão mil venturas previ...
178
Anna Khoury não foi locutora, mas empresária, e segundo seus cinco
filhos tinha o dom da palavra. Filha de libaneses, amiga de presidentes da República,
artista plástica, musicista, feminista, empreendedora, foi uma pioneira. Fundou a dio
Eldorado AM, em 1949, e implantou o FM no Brasil com a Rádio Imprensa, em 1955.
Por isso ela faz parte desta tese. Possivelmente a Sra. Khoury é a única mulher no
mundo a fundar emissoras de rádio.
Geralmente pouco mais de duas linhas são dedicadas a ela nos livros sobre
nossa história radiofônica. É citada como a fundadora da dio Imprensa, a primeira
FM brasileira, mas sem maiores dados.
Para sabermos mais a respeito de Anna Khoury contamos com a
colaboração de Eunice Khoury e Simon Khoury, filhos dela e também radialistas
conceituados. Eunice apresentou durante 20 anos pela Rádio Imprensa os programas "O
melhor da canção francesa" e "Linha Europa". No "Linha Europa" eram mostradas
músicas de rios países, além de entrevistas com representantes do mundo inteiro. No
ano 2000, Eunice foi homenageada pelo governo da França e recebeu prêmio em Paris
pelos dois programas. O irmão Simon Khoury é ator, produtor musical, escritor, um dos
criadores e apresentadores do programa Noturno na Rádio JM-AM, na década de 70 [já
citado por Luiz Carlos Saroldi em páginas anteriores]. Guarda um rico acervo sobre
suas passagens pelo rádio e é, ele próprio, um acervo inesgotável de histórias
interessantíssimas sobre muita gente e muitas emissoras.
Simon e Eunice relembram a Sra. Khoury com profundo carinho,
admiração e respeito – não só pela mãe zelosa que foi, mas pela profissional exemplar e
mulher linda, sedutora e requintada, como gostam de enfatizar.
178
LOUZADA. Fascinação
162
Vamos apresentar, na seqüência, depoimentos dos dois filhos. O estilo
poético de Eunice – ela é autora de vários livros – permeia sua forma de falar, enquanto
em Simon é o humor que predomina. Primeiro as damas.
Tendo nascido no Rio, em 1913, Anna Khoury (Anna Yazigi
Bez Merege, de solteira) buscava, em menina, uma estrela. Era
linda. Os pais a educavam para que fosse 'dona de casa'. Não
queriam que estudasse, pois 'mulher tem de ser do lar'. Mamãe
fugia para aprender. Jovem, cada vez mais linda, ficava presa,
praticamente trancada em casa, para que não fosse vista
.
Eunice relata que, para estudar, Anna teve de fugir de casa. A irmã lhe
escondia os sapatos para que não pudesse ir à escola, pois na época o adágio que
predominava era "mulher honrada não sai de casa nem para estudar". Com tudo isso,
conseguiu passar pelo Colégio Santos Anjos, em seguida o Sant'Ana do Paraná e,
finalmente, o Des Oiseaux, em São Paulo. Mais tarde, teve aulas particulares de francês,
inglês, árabe, italiano e espanhol.
O futuro marido de Anna e pai de Eunice, Michel Khoury, nascera no
Líbano, em 1898 e participara da guerra de 1914, conforme conta a filha:
Desertou. Veio para o Brasil à procura da mãe, que vivia na Bahia. Seu
desejo era o de, após a guerra, levá-la para a França ou para o Líbano, onde deixara
numerosa família, mas a senhora Cecília Khoury recusou-se a partir, estava por demais
enraizada neste país.
Após haver reencontrado a mãe, agora o sonho era o de encontrar uma
esposa.
O encontro de Michel e Anna aconteceu em São Paulo. Michel era ourives,
conhecido como o "Rei do Ouro" na Bahia. Indo a São Paulo a negócios, tinha
apresentação para a família de Nagibe Bez Merege. Foi quando conheceu Anna.
163
Casaram-se em abril de 1935.
Papai abriu uma fábrica de prata no Rio: a "Prataria Brasileira".
Adquiriu renome como prateiro. Suas peças eram assinadas
"MK" (Michel Khoury).
Mamãe dera-lhe cinco filhos. Tarefa cumprida, chegara a hora
de perseguir os sonhos dourados.
Eunice conta que a mãe sempre foi altruísta. Quando o pai [de Anna]
morre, recebe a herança e começa a ajudar os menos favorecidos oferecendo-lhes cestas
básicas, em geral, e presentes para as crianças nas festas de Páscoa, Natal, etc. e pensa
construir um grande hospital. Para a realização deste sonho consulta o Presidente da
República, o marechal Eurico Gaspar Dutra e sua esposa, Dona Santinha, que aplaudem
a idéia, tendo ainda o apoio do cardeal Dom Jaime de Barros mara. Pelos relatos da
filha, D. Anna circulava livremente pelos corredores dos poderes. Ela e o marido
conheciam muita gente importante. As amizades lhe abririam portas no Brasil e no
exterior, facilitando-lhe a aquisição de canais de rádio.
Nasce a idéia de ter uma rádio
Mamãe visitou todas as estações de rádio e a imprensa em geral,
concluindo que necessitaria de muito dinheiro para realizar uma
boa propaganda que a ajudasse a recolher meios para construir o
hospital. À época, o rádio atraía o público. Pensou que o melhor
seria utilizar esta via, mas verificou que sairia mais caro do que
se utilizasse os jornais. Era preciso ter ela mesma o meio de
divulgação e pensou em comprar uma emissora.
A filha diz que D. Anna gostava de rádio – "Com que prazer ouvia
rádio!" Mas isto não lhe bastava. Então foi procurar informações sob como fazer
para fundar sua própria estação.
- A senhora deve adquirir um canal – disseram-lhe.
164
- Onde posso adquirir canais? – insistiu.
- Só falando com o presidente da República.
- E por queo? – ponderou tranqüila, certa de que não seria difícil
falar com o amigo da família e Chefe da Nação, o marechal Dutra.
E foi Anna a levar presentes em prata na visita ao presidente e senhora,
dona Santinha.
Eunice explica que o presidente teve boa vontade mas
Não havia mais um canal de rádio disponível no Brasil e
eram poucos os que a Convenção de Genebra, no pós guerra,
cedera ao Brasil. Nosso país dispensara sua participação na
reunião internacional de Atlanta, onde foram distribuídas as
bandas de freqüência para transmissão de rádio em ondas curtas
[de longo alcance].
É quando dona Anna resolve procurar o ministro da Guerra e o diretor dos
Correios e Telégrafos, general Raul de Albuquerque, que poderiam ajudá-la a obter
meios de conseguir um canal.
- Não há mais canais disponíveis no Brasil, dona Anna.
- Onde então posso consegui-los fora daqui?
- Em países da América do Sul informaram. Existem países com
canais sem uso e disponíveis na América do Sul: Paraguai e Bolívia, por exemplo.
E lá se foi Anna Khoury com empenho, coragem, cartas de recomendação e
presentes. Visita os países, seus presidentes, os braços cheios de pratarias para as
respectivas mães e esposas; bandejas, samovares, castiçais de prata, peças da fábrica do
marido. Em sua bagagem pessoal, levava ainda, segundo os filhos, muita beleza e
capacidade de convencimento.
165
Eunice nos passa um folheto explicando qual era a situação das rádios na
época na América do Sul.
O acordo de radiodifusão sul-americano destinava um
determinado números de canais exclusivos de uso de freqüência
para cada país no continente. Canal exclusivo significava que a
freqüência utilizada por determinado país, além da potência de
transmissão de 100 quilowatts, que teoricamente cobria todo o
continente, não podia ser usada por outra nação.
A divisão, de acordo com a importância política de cada país, ficou assim:
Argentina .......... 7 canais
Bolívia .......... 1 canal
Brasil .......... 7 canais
Chile .......... 4 canais
Paraguai .......... 1 canal
Uruguai .......... 7 canais
Naquele tempo pós Segunda Guerra transmissores de rádio eram caros,
importados e de difícil aquisição. A Bolívia e o Paraguai não tinham ainda conseguido
instalar as emissoras a que tinham direito.
Dona Anna Khoury, vislumbrou a possibilidade de compartilhar as
freqüências de Paraguai e Bolívia, mediante a redução da potência de transmissão para
20 quilowatts, que permitiria a utilização de um mesmo canal em dois países sem
interferências. A freqüência de 500 kilohertz, ou kilociclos, utilizada no Rio de Janeiro,
não interferiria na emissora boliviana de freqüência igual. O mesmo acordo foi
conseguido com o Paraguai, cujo canal foi utilizado pela Rádio Eldorado de São Paulo.
Mas não foram estes dois canais que a empresária brasileira conseguiu.
Trouxe outros para o Brasil, vendidos posteriormente.
166
A Rádio Eldorado vai nascer "O mínimo de palavras. O máximo de
prazer."
Na volta ao Brasil, há todo um processo burocrático a cumprir.
Aqui, segundo Eunice, começam a surgir problemas. Grupos empresariais e
políticos influentes correm aos países que pretendem ceder os canais, a fim de obtê-los
antes de Anna Khoury. Mas o presidente Dutra garante-lhe o obtido com a assinatura do
processo.
Lembro-me do dia da inauguração da Rádio Eldorado do Rio de
Janeiro: 24 de maio de 1949. Em casa, mamãe rezava, agradecia
a Deus. Estava ao lado do aparelho uma radiovitrola, como
chamávamos. Muito comovida, ouvia o próprio discurso de
abertura, previamente gravado. A voz, belíssima, grave, naquele
momento carregada de emoção. Os olhos marejados de
lágrimas.
Em seguida soou a Ave Maria, de Schubert, primeira melodia
emitida pela nova emissora.
A partir daquela data, todos os dias, às dezoito horas, a Rádio Eldorado
espalhava pela cidade a Ave Maria de Schubert. Muitos ligavam o rádio apenas para
ouvi-la. Programas como o até hoje lembrado "Um piano ao cair da tarde" passaram a
ser transmitidos. A Eldorado começava a escrever sua história de cultura e bom gosto. O
slogan da emissora era "O mínimo de palavras, o máximo de prazer".
Mas dona Anna não consegue manter a emissora por muito tempo. Eunice
explica o motivo: de novo, empresários e políticos influentes tentam e conseguem
derrubá-la.
Não tomou cuidado com alguns sócios que, após um incêndio
nas instalações da rádio, tido como criminoso, aumentaram sua
[deles] participação em ações da empresa. Minha mãe estava
167
internada no hospital nessa ocasião, prestes a fazer uma
operação cirúrgica delicada. Mesmo assim os sócios
ameaçaram-na:
- Ou a senhora compra as ações por cinqüenta (não me recordo
cinqüenta o quê) ou nos vende por dez, senão nós vamos abrir
concordata.
Foi que tudo ruiu. Ela foi compelida a vender grande parte
das ações, assinando-as quando doente.
Das cinzas nasce a primeira FM no Brasil
Como uma Fênix renascida das cinzas, "ei-la a inaugurar em 1955 a
primeira emissora FM do Brasil: a dio Imprensa, homenagem à imprensa brasileira.
Na nova empresa a Ave Maria também se fez presente, diariamente, às seis e às dezoito
horas, até ser arrendada a outra rádio [a Jovem Pan], em 29 de dezembro de 2000."
Dona Anna Khoury ficou viúva em 1989 e faleceu no dia 29 de janeiro de
1994.
É considerada pioneira no mundo como a organizadora, criadora e
diretora-presidente de uma emissora de rádio. Primeira e única mulher nesse tipo de
empreendimento. "Outras há, viúvas ou filhas de organizadores, a terem nas mãos uma
emissora herdada, mas não fundada e organizada por elas, surgidas do nada, com lutas e
sacrifícios, como aconteceu com mamãe", conclui a filha orgulhosa e emocionada.
Antes de passar a palvra ao irmão Simon Khoury.
Simon é irreverente, bem-humorado, brincalhão. Tocou em pontos e citou
nomes importantes para a compreensão desta história, não mencionados pela irmã.
O depoimento de Simon ajuda a compor o ambiente em que sua família
vivia, o círculo de amizade dos pais, os jogos de interesse e as relações de poder, em
que os mais fortes costumam vencer. Dá-nos também um esboço do que foi a Rádio
Eldorado AM, sua programação e importância, além de narrar episódios sobre a
fundação da Imprensa FM e o que ela significou para a expansão do meio radiofônico
168
brasileiro, provocando inicialmente incredulidade e desdém por parte de empresários da
época.
Os próximos parágrafos são declaraçõpes de Simon Khoury. Comentários
meus virão em colchetes.
179
O que eu me lembro... Porque mamãe, de repente, ela se cansou de ser
aquela esposa fidelíssima, porque papai não cumpriu nada do que havia prometido.
Então quando mamãe teve o quinto filho, ela resolveu: 'Bom, eu vou conseguir o meu
ideal agora'. Ela sempre teve a tendência a se aproximar do melhor. Sempre foi muito
pragmática. Sempre fez muito sucesso, era muito bonita, sabia vender, sabia negociar.
Conseguia convencer as pessoas; sempre foi muito ambiciosa, no sentido de querer o
melhor... Eu, por exemplo, não fui batizado logo, aos onze anos, porque ela queria o
melhor padrinho e o melhor era Dom Jaime de Barros Câmara, que era arcebispo. A
Eunice também tem um padrinho que é um general; outro irmão foi batizado pelo
Mascarenhas de Morais...
Tancredo Neves e a família Khoury
Quem foi muito legal com ela foram duas pessoas, principalmente
Tancredo Neves, que abriu todas as portas para ela conseguir os canais do exterior,
porque existe uma lei internacional de rádio que cada país pode ter um mero
limitado de estações de alta potência, de 100 quilowatts, porque senão uma interfere na
outra. Os países pobres não têm como colocar estas rádios no ar, então eles cedem para
um outro país. Então mamãe conseguiu canais da Bolívia e do Paraguai, entre outros.
Quem foi que deu a mão para mamãe e a conduziu? Tancredo Neves é uma pessoa
maravilhosa, que uma vez por mês almoçava com mamãe e que era o presidente da
República, o Eurico Gaspar Dutra. Papai recebia ele de pijamas. Ele vinha a de
Ipanema até aqui [Copacabana]. E mamãe com vergonha porque papai estava de
pijamas. O presidente adorava as brincadeiras de papai e os jogos, 'O que é, o que é?...
179
Como foi dito na Introdução o autor se coloca na posição de um apresentador. Por isso, é dado ao
depoimento valor de texto sem aspas ou recuo. Nosso trabalho aqui foi a edição dos depoimentos e a
organização dos temas.
169
qual a diferença, marechal, entre um gato e um copo de leite? ... Jogue os dois na
parede, o que miar é gato'. Essas besteiras. Papai fazia mágica e mamãe morrendo de
vergonha. Mamãe então fez a Eldorado, porque ela queria uma rádio de categoria, para
as classes A e B, nada de modismos, mas algo que fosse importante de cada país.
Quando fundou a Eldorado colocou no ar o slogan dela com o Gilberto Martins: 'O
mínimo de palavras e o máximo de prazer' para os ouvintes. Era uma rádio assim:
George Melachrino, Henry Mancini, André Kostelanetz, La Paloma, grandes músicos,
grandes orquestras... O que tinha de melhor na Itália eles botavam, o que tinha de
melhor no Brasil eles tocavam. Quer dizer, sucessos que conquistavam o mundo. Tudo
que fosse característico de cada país... Então você a importância cultural do que ela
fazia. E a rádio pegou de maneira tal que ela só perdia para a dio Nacional, que tinha
aquele escrete fabuloso, e a Eldorado vinha em segundo lugar.
[Aqui, Simon detalhes sobre a derrubada que a mãe teria sofrido. E cita
nomes]
Para a rádio poder crescer, mamãe recebeu uma proposta do grupo do
Alfredo Mesquita, do jornal Estado de São Paulo. E ela cometeu um grande erro pela
ingenuidade dela. Para fazer a dio, em São Paulo, ela teve que ceder metade das
ações. Ela tinha que ficar com a metade mais uma. O que este rapaz, o Mesquita, fez,
em São Paulo? Deu 25 por cento das ações para o Herbert Levy. Eles começaram a
contratar, a rádio foi um sucesso lá em São Paulo, e houve um momento de decisão: ou
mamãe conseguiria algo em torno de 18 mil dólares muito dinheiro na época – ou ela
sairia da sociedade recebendo 9 mil dólares. Ela conseguiu seis. Papai ajudou, ela se
mexeu, mas acabou perdendo a rádio para esse grupo. Ficou muito frustrada.
Anna Khoury – Vislumbrando o futuro do Rádio
Mamãe viajou para os Estados Unidos, para a Europa e descobriu que o
futuro do rádio era a freqüência modulada. Voltou toda encantada e procurou o
Nascimento Brito [do Jornal do Brasil]. Ele achou que ela era uma visionária. Procurou
Roberto Marinho: 'Dona Anna, a senhora não sabe... a senhora está pensando muito
170
alto, o mundo o é assim.' Ela disse: 'Ah, é! Ninguém quer!?' e formou a primeiro
rádio da América Latina de freqüência modulada. Ela me deu a rádio para dirigir e achei
que seria uma opção de música instrumental. E fizemos uma rádio assim. Mamãe
criou aquela coisa de música ambiente: 'Vamos colocar em clubes, restaurantes...' Nós
cedíamos os aparelhos, quase ninguém tinha aparelhos...
[Simon nos passa um texto com informações técnicas sobre esse processo
inicial de funcionamento da Rádio Imprensa.]
Na década de 50, a onda de FM era utilizada apenas para ligar o estúdio aos
transmissores de rádio, como se fosse uma linha telefônica privativa. (...) A Rádio
Imprensa FM surgiu também com o primeiro transmissor construído no Brasil, devido
a dificuldades de importação. E a própria emissora teve de iniciar a primeira indústria
de rádios receptores de FM.
O mercado publicitário era forte mas para FM era quase inexistente, uma
vez que não havia ouvintes. Aí nasceu a música ambiente em FM. Os receptores
fabricados eram locados a clientes que ouviam música no ambiente de trabalho. A idéia
foi bem aceita pelo mercado e até 1976 a transmissão da Rádio Imprensa era
exclusivamente musical, sem qualquer locução. Com o 'boom' das FMs, outras
emissoras começaram a surgir, 20 anos após a inauguração da Rádio Imprensa FM. [A
Imprensa contratou locutores e passou também a vender horários. Qualquer pessoa
obedecendo as normas da empresa poderia 'comprar' um horário na emissora e fazer
seu próprio programa.]
A Rádio Imprensa, então, novamente pioneira, passou a retransmitir na
mesma onda com dois canais, um para livre recepção do público, 102,1,
[atualmente/2004 arrendado para a Jovem Pan] e outro codificado destinado somente
aos clientes assinantes da música ambiente.
[Simon lamenta o esquecimento a que Anna Khoury foi relegada.]
171
Tanto é quando mamãe faleceu, a imprensa não sei se porque
era uma mulher ou porque a rádio não estava na mão de um
grupo poderoso – nenhum jornal noticiou a morte dela, que foi a
pioneira na freqüência modulada no Brasil e que conseguiu
canais internacionais de rádio para nosso país... Um ou outro
jornalista escreveu alguma coisa simpática, mas o
acontecimento passou totalmente despercebido.
A omissão poderia ter sido proposital? E por que até hoje o nome de Anna
Khoury permanece praticamente escondido? Será porque o ela o fazia parte das
famílias que sempre dominaram os meios de comunicação no país? Guardadas as
devidas diferenças e proporções, parece que foi o que aconteceu com o jornalista
Samuel Wainer. Fez um jornal, Última Hora, que revolucionou a imprensa brasileira.
Mas, por ser amigo de presidentes da república Vargas, Juscelino, Jango e não
pertencer aos grupos dominantes da imprensa, Wainer foi derrubado e mantido
cuidadosamente no esquecimento. Sua biografia (ver referências bibliográficas) é
imprescindível para a compreensão de como as coisas funcionavam, e ainda funcionam,
nos bastidores do poder.
[Técnica de som: Tocar trecho de Ave Maria de Schubert; fundir com Smile
de Charles Chaplin.]
Smile, though your heart is aching
Smile, even though it's breaking
Though there are clouds in the sky
You'll get by...
If you smile through your fears and sorrows
Smile and maybe tomorrow
You'll see the sun come shining through for you.
180
180
CHAPLIN. Smile
172
4.5 – José Carlos Araújo – O narrador esportivo entre o AM e o FM
Domingo, eu vou ao Maracanã
Vou torcer pro time que sou fã
Vou levar foguetes e bandeira
Não vai ser de brincadeira
Ele vai ser campeão
Não quero cadeira numerada
Vou ficar na arquibancada
Pra sentir mais emoção
Porque meu time bota pra ferver
E o nome dele são vocês que vão dizer
(Ô, ô, ô...)
181
- "JOSÉ CARLOS ARAÚJO!!!" [vinheta da Rádio Globo AM)
- "SOU EU!!!"
José Carlos Araújo é o locutor esportivo der de audiência no Brasil. É o
"verdadeiro garotinho". Possui uma locução ágil, coloquial, vibrante, carregada de
emoção. É um dos responsáveis por você "ver o jogo ouvindo a Rádio Globo", tal o
colorido e precisão de suas descrições.
José Carlos também publicitário, professor de geografia e quase se tornou
diplomata. Ama o rádio como poucos e transmite enorme contentamento ao palestrar
sobre o veículo nas escolas, faculdades e em seminários sobre rádio para os quais
freqüentemente é convidado. É culto, educado e muito atencioso para com seus
interlocutores.
Vamos conversar com ele agora e conhecer detalhes da trajetória do
comunicador e sua visão de rádio.
181
NEGUINHO DA BEIJA-FLOR. O campeão.
173
José Carlos vai falar de suas principais referências na profissão; destacará a
importância de Carlos Palut para sua formação considera-o o melhor repórter que
viu atuar. Teremos assim oportunidade de saber mais sobre aquele que implantou a
reportagem externa no rádio e cujo valor ainda não foi devidamente registrado em
nossas pesquisas.
O "Garotinho" como José Carlos é chamado ressaltará a importância do
comunicador e da emoção nas transmissões radiofônicos e criticará o momento atual,
que, segundo ele, estaria carente destas características fundamentais para o sucesso do
veículo. Os militares, segundo o narrador esportivo, tinham plena consciência do valor e
alcance do rádio, o que parece não existir hoje em grande parte dos empresários e
radialistas em geral. José Carlos não vai deixar de tecer também comentários sobre o
AM, onde atua vendo no jornalismo a chance de seu ressurgimento –, e ainda revela
que esteve a um passo de entrar numa emissora FM, com um projeto especial para as
transmissões esportivas, o que ainda poderá vir a ocorrer.
Ouvir José Carlos é ter a certeza de que se ouve um amante verdadeiro do
rádio, que vibra com o que faz, e é mais uma aula bastante enriquecedora que temos a
oportunidade de assistir, valiosa principalmente para os que sonham em seguir a
profissão de radialista.
A seguir, trechos da entrevista que nos ele deu [15-09-2003]. Ilustramos
seus depoimentos com trechos de música e expressões/frases/bordões usados pelo
"Garotinho" nas transmissões esportivas. Como ele nasceu, embora não pareça, em
1940, e começou a trabalhar com 14 anos, ouvir suas histórias nos a chance de
conhecer um pouco mais da história do dio. Aliás, você vai perceber a memória
prodigiosa que possui José Carlos Araújo. Minhas intervenções virão entre colchetes.
182
A VOCAÇÃO
182
Como foi dito na Introdução o autor se coloca na posição de um apresentador. Por isso, é dado ao
depoimento valor de texto sem aspas ou recuo. Frases/bordões usados por JCA virão em negrito e os
títulos entre assuntos em caixa alta.
174
Sou do tempo em que entrava para o rádio quem tinha vocação. Com seis
anos de idade ganhei meu primeiro time de botão que era o meu brinquedo favorito
e com 10, 12 anos eu já transmitia jogo de botão.
Meu pai queria que eu fosse diplomata, minha mãe queria que eu fosse
médico e o que eu queria mesmo era trabalhar em rádio, falar, animar. O meu objetivo
era ser animador de auditório. Eu queria ser um comunicador. Aí com 14 anos entrei
para a Rádio Roquette Pinto, onde havia um programa chamado "Bandeirantes no Ar",
dedicado apenas a estudantes que tinham vocação para o rádio. Eu ia pra com o
uniforme do Pedro Segundo, porque estudei 7 anos no Pedro II, ali na rua Marechal
Floriano. Nessa época eu fazia também um programa na Rádio Nacional, chamado
"Clube Juvenil Toddy", que era patrocinado pela Toddy e ia ao ar às quintas-feiras, às
16:30. Eu era o locutor estudantil, lia o texto da Toddy isso com 14 para 15 anos. A
professora que coordenava isso era a Maria de Lurdes Alves, que dava aulas no Instituto
de Educação. Ela tinha um programa na Roquette Pinto gerenciando vocações, talentos
jovens, e na Rádio Nacional.
O TESTE COM CARLOS PALUT, O MAIOR REPÓRTER QUE
CONHECI
[Para os estudantes de jornalismo que não tinham ouvido falar do Palut, foi
ele que fez a programação deixar os estúdios e ir para a rua. 'Escutem' esta citação:]
De acordo com alguns autores, a reportagem volante é
institucionalizada a partir da experiência dos Comandos
Continental, da emissora Continental, do Rio de Janeiro.
Fundada em 31 de julho de 1948, a emissora possibilitou que o
rádio se aproximasse ainda mais dos ouvintes. O marco desta
mudança é atribuído à equipe liderada por Gagliano Netto,
como superintendente e Carlos Palut, como chefe de
reportagem. Com boletins de trânsito, com pesquisas de preço
nas feiras livres e transmissões ao vivo do carnaval, de
175
catástrofes e de enchentes, o rádio passou a ser referência do
que ocorria na cidade.
183
[José Carlos vai dizer mais à frente que hoje o radiojornalismo faz
exatamente o contrário: fica preso à internet e não sai do estúdio. Mas passemos a bola
pra ele.]
Eu com 15, 16 anos, o Carlos Palut, que foi o maior repórter de dio que
conheci, fez um teste comigo. Como foi o teste? Ele me trancou num estúdio e disse
assim "Transmite aí um incêndio de uma casa de comércio". Eu me lembrei de um
incêndio de uma casa de tintas na rua Visconde de Inhaúma, que eu, quando saía do
Pedro II, vi. E naquela época a Rádio Continental tinha os carros Dodge, o "Comandos
Continental com os carros Dodge que não podem parar nem falhar" [por isso o nome
de reportagem volante]. E o repórter saía do carro pressionando uma motorola; ele
falava o tempo todo e depois tinha que dar um tempo para recarregar a bateria, e era
assim que se fazia. [Carlos Palut foi quem introduziu a reportagem externa no rádio e
depois na TV.] Lembrando-me desse cenário, no estúdio, comecei a narrar: "Nesse
momento são 14 horas e 30 minutos. Aqui na Visconde de Inhaúma, quase esquina com
a Uruguaiana, um violento incêndio está acontecendo. A Polícia Militar já cercou a
área".
"Chamando o Amarelinho da Globo: Alberto Brandão."
Com três minutos o Palut mandou eu parar. E fui contratado. Isso foi em
1955, eu tinha 15 anos.. Passei a ganhar um tempo um cachê diário. Ou seja, eu
trabalhava, passava na contabilidade e recebia cem cruzeiros, o que dava no final do
mês três mil. O salário de menor de idade era mil e duzentos. Eu, filho de pai e mãe
pobres, estudante de escolas do governo nunca estudei em colégio pago, e depois fiz
UERJ aí eu disse: é a grande chance de levantar a minha pipa. Comecei a comprar
umas roupinhas melhores, uns sapatos melhores, e ajudava em casa com a feira, com as
compras de fim de mês. Assim começou a minha carreira.
183
BRAGANÇA; KLÖCKNER, 2001, p. 160.
176
Mas eu queria mesmo era ser locutor esportivo. Num domingo à tarde,
trabalhando na Continental, como repórter, e na Metropolitana, como locutor comercial
– fui tentar um emprego na locução esportiva da Continental. Procurei o Waldir Amaral,
que era chefe de esportes da Continental, mas ele argumentou que o meu gerente não
podia abrir o de mim, o Palut também não, que eu tinha futuro, que estavam
investindo em mim e que eu ainda era um garoto que ainda nem havia servido o
Exército.
Depois dessa recusa fui fazer um concurso para ser locutor da Rádio
Difusora do Cairo [Egito]. Eram três mil dólares. Passei. Corri atrás de um cara que era
meu padrinho, meu amigo, meu irmão até hoje, Haroldo de Andrade. O Haroldo estava
na Metropolitana, indo para a Globo para fazer com o Roberto Muniz o "Alvorada
Globo", às quatro ou cinco da manhã depois vinha o Luiz de Carvalho, que era o
horário nobre, às nove da manhã. Cheguei para o Haroldo e expliquei: "Haroldo, estou
com uma dúvida violenta. Aconteceu isso, isso e isso... eu quero falar sobre esportes em
microfone e ninguém está deixando. Com o Palut, só transmito eventos, e tem muitos
repórteres na minha frente Saulo Gomes, Paulo Caringi, Milton de Souza, Ewerton
Correa, Walter Bruno..." todos eles eram repórteres na minha frente. Havia um esquema
de rodízio para cobrir os eventos, para ir pra rua. O plantão era assim: uma sala simples,
todos os repórteres, que nem emergência de hospital sai um carro, sai o repórter da
vez. O desenho do radiojornalismo era diferente do que é hoje. A gente fazia dio de
fora para dentro, quando hoje o radiojornalismo é mais na base de dentro para fora, o
que tira a criatividade, só o esporte é que faz de fora para dentro, pode ver. Hoje é tudo
na redação, com computador... as FMs deitam e rolam com isso.
[Peço para que José Carlos nos um exemplo de como Palut atuava. Ele
então se recorda de uma transmissão do repórter no dia da morte de Getúlio Vargas. O
parágrafo contém sugestões importantes para os novos jornalistas e chefes de redação, e
um alerta: Estão faltando emoção e talento no Rádio.]
177
O Carlos Palut era um repórter de voz muito clara, muito microfônica,
pequenina, e que falava pausadamente e muito explicado. Trabalhava a emoção como
ninguém. Eu me lembro que quando eu tinha 14 anos, dentro da Rádio Continental
meu pai era chefe da contabilidade e eu circulava por lá com a farda do Pedro II
morreu Getúlio. Foi mais ou menos na hora do almoço que o Repórter Esso deu a
notícia em edição extraordinária. o Palut entra no estúdio e começa a falar o
operador de áudio era o Luiz Carlos de Morais, o Gaúcho e a porta estava aberta.
Palut começa assim: "Morreu Getúlio, Getúlio morreu". Muito monossilábico, mas
trabalhando a emoção. A porta do estúdio estava aberta, porque não tinha ar
condicionado, e o operador, Gaúcho, de sacanagem, falou assim: "E agora, José?" Ele
pegou esse gancho e disse: "E agora, José? Você, porteiro de um prédio, você que tem a
sua carteira assinada graças a ele; você que lutou a vida toda para ter seus direitos, as
garantias trabalhistas..." e foi por aí. Olha, ele era de uma inteligência, de uma
velocidade de raciocínio como jamais vi num profissional de dio. Tanto que se eu
parar de transmitir futebol, quero ser rádio-repórter, o comunicador de eventos que as
rádios o têm, ou seja, houve um grande incêndio eu vou comandar. Monto um
esquema: hospitais, trânsito, polícia, e vou comandar do local. No rádio tem lugar para
isso, mas não se faz mais porque falta talento.
Essa falta de talento é que está fazendo com que o rádio seja mais de dentro
para fora, porque é mais fácil, é mais barato, mas muito pobre. Você o FM hoje
limitado ao computador, limitado ao noticiário do computador. Até trânsito é assim.
Quando muito colocam um repórter na CET-Rio com aqueles monitores. É disso que
sinto falta no rádio: de emoção. E é disso que o rádio carece hoje. A emoção a gente
trabalha no futebol o máximo que puder.
"Você no volante, obrigado pela carona que você me dá no seu carro."
APRENDENDO COM O PALUT QUE JORNALISMO É DE FORA
PARA DENTRO
178
Aprendi com o Palut que jornalismo é de fora para dentro. Aprendi com ele
a organizar uma transmissão – você faz o giro dos postos, organizadamente, pelo
relógio: 15, 30, 45, hora cheia, e começa, nesse desenho a fazer a chamada geral de
todos os postos Hospitais, Polícia, Bombeiros, etc. Aí comecei a fazer carnaval assim
e vibrar.
Mas eu queria era futebol. Então fui pedir emprego ao Orlando Batista, da
Rádio Mauá. Ele me deu uma esnobada, disse que eu tinha condições de ser um
profissional do esporte, mas não me deu chance.fui atrás da Mayrink Veiga. O Isaac
Zaltman era assistente do Jair de Taumaturgo, que era o diretor-artístico da rádio,
em1960... A Mayrink foi fechada em 64. Passei no teste, mas era para ser locutor de
meia-noite às três da manhã. Meu pai não deixou, disse que eu era novo para trabalhar
nesse horário, perguntou como eu ia estudar de dia, etc. Realmente era uma barra
pesada, mas eu queria pegar.
Quando chegou em 1962, saí da Continental. Já estava trabalhando de frila
[freelancer] com o Palut em outras rádios; ele comprava o horário e fazia carnaval...
[José Carlos diz que Palut encerrou a carreira na década de 60 e morreu
dez anos depois (não soube precisar a data). Lamenta que depois dele não houve uma
nova escola de rádio-repórteres, "porque nenhuma rádio deu oportunidade", e se
reconhece como um dos filhos do Palut.]
Sou um filho do Palut. Na televisão mesmo, para fazer carnaval, até hoje os
comunicadores do carnaval são os homens do futebol, do dio. Os melhores, quem
são? Fernando Vanucci, Eliakim Araújo... Depois que passaram a colocar os
apresentadores de telejornal, perdeu-se aquele molho que o Vanucci dava nas
transmissões: "alô, você!", "vem o aviãozinho na área", aquele molho que a galera
gosta.
ELDORADO, TAMOIO, UERJ...
179
[Como você está acompanhando, antes de entrar de fato em campo o
"Garotinho" passa por salas de aula, estúdios diversos, lendo notícias, anunciando
óperas, e tendo como ouvinte gente importante como dona Sara Kubitschek. Ah! José
Carlos quase seguiu a carreira de diplomata, mas o Maracanã acabou vibrando mais alto
que o Itamaraty].
Em 1962 procurei a Rádio Eldorado (550 kilohertz) que era uma rádio
musical, do top da Tamoio, que era líder do segmento em AM - "Música,
Exclusivamente Música" -, tinha o programa "Música na Passarela" que era o destaque
da Tamoio, com o Humberto Reis. Na Eldorado tinha o Orlando de Souza, que era o
ícone dos locutores. foi ele quem fez o teste comigo e me aprovou. Resultado: topei um
horário eu estava fazendo faculdade de geografia na UERJ e topei um horário
perigosíssimo, de folguista, cada dia num horário. A Rádio Eldorado, que ficava na
Presidente Vargas, pertencia ao jornal Estado de São Paulo, da família Mesquita.
Comecei fazendo folgas e com dois meses eu já tinha um horário fixo para mim. Foi
quando consegui conciliar melhor a rádio com a faculdade, pois no início foi um sufoco
violento. Peguei o horário do programa "Um piano ao cair da tarde". Olha só, meu
redator era o Sérgio Viotti, um dos locutores era o Nei Hamilton que era o top da
Tamoio, foi para a Eldorado e mais tarde para a JB, e o Orlando de Souza que era a voz
padrão.
METAL NA VOZ
Embora garoto em transição eu tinha muito metal na voz. Em razão disso fiz
também o "Tardes esportivas dos Tecidos Bangu". E tinha um programa de jazz que eu
fazia também, era o locutor, e a redação do José Fernandes um talento extraordinário.
gente de talento. Tinha ainda nessa época um programa chamado "Ópera Completa"
e o "Concertos H. Stern. Um dos ouvintes era a dona Sara, mulher de Juscelino
Kubitschek. E tive de aprender italiano para apresentar esses programas. O meu
consultor era o Jorge da Silva, o Majestade. Telefonava para ele, humildemente. Ele me
tirava as dúvidas e fui fazer um cursinho rápido de italiano, para poder conhecer árias.
180
Aprendi que a primeira frase da ária é o título dela então quando eu tinha dúvidas eu
colocava o áudio para poder sacar a pronúncia.
Até que a Rádio Globo comprou a Eldorado em 1963.
"Apite comigo, galera!!! 40 jogados, 5 por jogar."
QUASE DIPLOMATA
Mas eu queria lembrar uma coisa da dio Eldorado. Eu estava fazendo o
curso Rio Branco para ser diplomata. Meu pai insistia e decidi fazer. No concurso de
títulos no Rio Branco, oficial da reserva valia 40 pontos. Como eu estava terminando a
faculdade, pensei em fazer o C.P.O.R. Fiz o estágio no Regimento Sampaio, na Vila
Militar e saí segundo tenente. Nesse ínterim, o gerente da Rádio Eldorado não queria me
dar licença para fazer o estágio, e disse pra mim: "Você só vai ser liberado se conseguir
trazer para cá um profissional do seu nível, responsável, pontual." Pensei, "e agora?" O
Eliakim Araújo é meu colega de infância e trabalhou comigo na Continental. Pedi ao
Eliakim para me substituir, mas ele disse que não queria mais saber de rádio, estava no
Banco do Brasil. Mas acabou aceitando. Fez para mim os três meses em que fiquei na
tropa. Quando voltei, o Orlando de Souza já havia levado ele para a JB. Acabei sendo o
responsável pela volta do Eliakim ao rádio.
"RÁDIO GLOBOOO – Música, esporte e notícia!"
Mas como eu estava falando, a Globo comprou a Eldorado em 63. Uma
vez, um operador de áudio, que abria a rádio comigo, faltou, e fiquei fazendo tudo
sozinho operando o som e falando. Vi que tinha alguém atrás de mim, de terno
branco, me vendo trabalhar. Pensei que fosse alguma autoridade. Na verdade, era o Luiz
Brunini [diretor da Rádio Globo]. Ele deixou eu falar no ar durante uns vinte minutos,
sem trocar uma palavra comigo. Quando coloquei no ar o "Jornal da Pirelli", que
entrava de São Paulo, me dirigi a ele. Ele disse que queria me cumprimentar. Contei
rapidamente minha história e falei que meu sonho era trabalhar em esportes. Ele disse
181
que tinha ido porque a Globo havia comprado a Eldorado e estava conhecendo a
empresa para ver como funcionava. Havia chegado cedo sem avisar ninguém. Eu tinha
21 anos nesse tempo.
Permaneci então na Eldorado, em 63, ficando como plantão na Rádio
Globo, ganhando cachê. A que em 64 pintou uma vaga e entrei como repórter. Fui
repórter, locutor, fiz jogos pequenos, fui contato de publicidade...
E um detalhe curioso: quem me levou para o rádio esportivo, na Globo, foi
o Celso Garcia "o garoto do placar" que era locutor da equipe de Waldir Amaral e
que foi quem levou o Zico para o Flamengo. Ele se orgulha disso até hoje. Então, a
minha história foi muito difícil, mas fiquei cutucando, cutucando, até conseguir.
Fiquei na Rádio Globo catorze anos. Saí durante sete anos porque fui para a
Rádio Nacional, em 1977, onde montei uma equipe. Em 1984, o Paulo sar Ferreira,
então diretor-geral da Globo, me chamou para voltar, me informando que o Waldir
Amaral tinha sido demitido e que o Jorge Cury, o Kléber Leite e o João Saldanha
estavam acertando a ida para a Rádio JB. Eles iriam deixá-lo na mão. Então ele me
perguntou se eu topava voltar. Acertamos, voltei e estou na Globo direto desde 84. A
Globo é a empresa que me deu todas as oportunidades no esporte. Comecei como
plantão, rádio-escuta, para poder começar da base no rádio esportivo.
Segundo Borelli Filho, a transformação da transmissão
esportiva em "show", com o aproveitamento de vinhetas, efeitos
sonoros e bordões, muito se deve a Waldir Amaral, na Rádio
Globo, que teria dado ao rádio "uma partitura musical do
futebol" e substituído a "pintura sem moldura", centrada no
locutor, pelo espetáculo de equipe que é hoje.
184
"GAROTINHO" SOFRE INFLUÊNCIA DO RÁDIO FM "JOVEM"
184
FILHO, 1979, p. 20.
182
[Aqui vamos saber como a linguagem da Rádio Cidade influenciou nas
transmissões do "garotinho" e sobre seus planos para transmitir futebol numa emissora
de freqüência modulada, caso surja uma "FM falada". José Carlos vai enfatizar a falta
que fazem ao dio locutores/comunicadores com personalidade, os quais ele classifica
como "formadores de opinião" e não meros repetidores. Declara que, como muitas
empresas optam por economizar em qualidade, contratando até bons profissionais, mas
sem as características mencionadas, acaba havendo um empobrecimento gradativo das
transmissões e programações repetitivas. As empresas, em geral, preferem, segundo
J.C., profissionais medianos, mais baratos e mais facilmente substituíveis.]
Quando fui para a Rádio Nacional, em 77, o meu projeto era baseado
naquilo que estava acontecendo no FM, que era uma nova comunicação no rádio. Era o
advento da Rádio Cidade. Meu objetivo era fazer um rádio mais jovem, uma linguagem
mais coloquial, sem os artifícios dos "erres" e dos "ésses" e mais direto, com mais
participação do torcedor. Comecei a usar o telefone ao vivo no rádio esportivo, o que
ninguém fazia. Ao mesmo tempo, comecei a usar os repórteres como ponta atrás do gol,
porque o Waldir Amaral usava locutores. e passei a usar também a cobertura
jornalística da cidade: Souza Aguiar, polícia, trânsito... porque o radiojornalismo, que é
a prestação de serviço, jamais vai morrer, pela velocidade que permite o veículo
radiofônico em relação à televisão. As pessoas que hoje estão dirigindo rádio não
sentem isso.
FUTEBOL EM FM
Eu queria fazer futebol em FM, ia fazer na 98-FM [do Sistema Globo], não
me permitiram. Depois quase fechei com a Transamérica, em São Paulo, para tomar
conta aqui no Rio. Eu queria explorar a qualidade do estéreo e fazer um rádio-esportivo-
revista, ou seja, com um colunista falando quem tem as pernas mais bonitas, um
astrólogo analisando o mapa astral dos dois treinadores naquele dia, eu comandando
uma programação musical uma hora antes de começar o jogo, de dentro do Maracanã,
com a galera participando, pedindo... um negócio diferenciado e não a simples
183
transmissão do AM no FM. Repetir a programação do AM no FM fica um pouco
estranho, porque é um produto velho, velhaco.
O FM HOJE – SEM MUITA PERSONALIDADE
Você tem no dial quatro segmentos de FM: as rádios religiosas, as
pauleiras, as jovens e as lights, onde eu incluiria a MEC-FM. Está faltando coragem
para o radiodifusor lançar uma FM falada. E nessa FM falada se encaixaria o futebol do
meu projeto. Seria uma rádio de prestação de serviço, mas a equipe seria constituída por
formadores de opinião, porque o empresário passou a contratar os comunicadores de
FM sem muita personalidade, ou seja, sem identificação com o público. A partir do
momento que a sua voz é identificável, você vai ser um formador de opinião, de acordo
com sua postura ao microfone, e isso vai te valorizar, mas vai encarecer para o
empresário. Essa é a visão que tenho, por isso estou propenso o como empregado,
mas como arrendatário ou como sócio – a levar adiante esse projeto numa FM.
"Vai mais, vai mais, garotinho..."
O rádio está muito copiado, muito igual. Você pega um comunicador da
Cidade, da Transamérica e da Jovem Pan FM, e não sabe fazer a diferença entre eles.
Quando você, Mansur, pega o microfone na MPB-FM, no auditório, a gente sabe que
não é o César de Alencar, é o Mansur, que está fazendo um programa ao vivo, de
auditório. Aquele estilo de rádio que o Saroldi [Luiz Carlos Saroldi] fazia na JB, que eu
me amarrava. Ouço tudo de rádio. Se você me perguntar, cada dia eu ouço uma rádio
diferente. Sei de todos os horários, de tudo o que se passa, porque amo o rádio. faço
televisão para vender, para fortalecer a minha imagem no rádio.
A partir do momento que o FM colocar os formadores de opinião no
microfone, não vai haver essa oscilação na audiência – não está havendo agora porque a
FM O DIA assumiu a liderança com um modismo musical e se manteve. Mas a partir do
momento que pintar um outro ritmo e uma outra rádio se dedicar a ele, corre o risco da
FM O DIA perder essa fidelidade, que o ouvinte do FM não tem.
184
Acho a MPB-FM uma rádio excepcional. Às vezes o índice de audiência
dela não corresponde à qualidade que ela tem. Acho até que é por falta de formadores
de opinião. Se você resgatasse Eládio Sandoval, Romilson Luiz, Paulo Martins,
Mansur... Aquilo ali na Rádio Cidade, naquele momento, foram os comunicadores que
marcaram, que se fixaram naqueles horários e ganharam credibilidade por serem
formadores de opinião. Você não forma um cara com um, dois, três anos. Você é o que
é ao longo dos anos de sua carreira. Essa é a minha visão do rádio em si.
"E agora, a Opinião da Galera."
Aprendi com um professor de geografia, que foi o maior publicitário que eu
conheci, chamado Hugo Vaz...morreu ele foi da Alcântara Machado, da Caio, e me
ajudou muito no início da carreira no departamento comercial. Ele dizia assim: "José
Carlos, para você atingir o ouvinte de classe C, D, E, você tem que ser AA." De início,
não entendi. Mas com o tempo percebi que você tem que ser mais inteligente que o
ouvinte, para você atingir as classes A, B, C, D, E... O segredo da comunicação é você
ter uma linguagem única para todos os segmentos sócio-econômicos. O futebol e o
jornalismo te permitem isso. O rádio FM não permite pela segmentação, porque você
está ali chancelado, "eu sou jovem" ou "eu estou dedicado a quem tem mais de 40
anos", pela emissora em que você está trabalhando. No radiojornalismo e no rádio
esportivo você tem condições de usar essa linguagem. O cara da Comlurb, que es
fazendo a faxina, o gari, me trata com a mesma intimidade que um executivo quando
encontra comigo na Avenida Rio Branco, no centro financeiro do Rio. Porque o futebol
permite isso e o jornalismo também.
[Muito se discute sobre o presente e o futuro do rádio AM. José Carlos
acredita que o jornalismo pode ajudar na recuperação de audiência do AM. Ressalta,
porém, que o radiojornalismo, como o da CBN, anda muito burocrático, sem emoção, e
dá sugestões para virar o jogo, evocando novamente os ensinamentos do "pai", Palut.]
185
O grande filão da recuperação do rádio AM, para mim, é o radiojornalismo.
A CBN... você pode questionar: mas a CBN é uma dio que faz jornalismo? Faz, mas
na minha maneira de ver, sem emoção. Algumas vezes fica muito JB-AM, numa linha
só, o tem volta, não interage. Eu faria na CBN uma Continental de hoje. Cobriríamos
qualquer acontecimento importante... "O presidente Lula chegou em tal lugar...", a
passeata, o protesto, o povão participando por telefone, na janela da Avenida Atlântica,
"o secretário de segurança entrou aqui e foi vaiado..." porque você teria que mobilizar
moradores dos locais, fazendo uma cobertura do início ao fim, paralela àquela que você
está fazendo e com opinião. Para isso é preciso ter o quê? Ter consciência da força do
rádio.
Eu sou jornalista, sou professor, sou publicitário, mas, acima de tudo, sou
radialista, que é o que eu gosto de fazer, e nessa área do radiojornalismo.
"No país da bola, Rádio Globo e Rádio CBN a dobradinha forte no
esporte."
[Assim como Luiz Carlos Saroldi, José Carlos Araújo também enfatiza que
os militares sabiam da força do rádio. Por isso procuraram cercear sua liberdade logo
que assumiram o poder. O narrador esportivo dá exemplos de como isso aconteceu.]
A ditadura conhecia a força do rádio. quando entrei no prédio da Globo, em
primeiro de abril de 64 – eu iria estrear como repórter, estava vindo da Eldorado, iria ser
meu primeiro jogo, Fluminense e Bangu, que não houve vi as tropas dos fuzileiros
navais, comandadas pelo almirante Aragão, invadindo a Globo. Aquilo ali me mostrou
que a preocupação deles não era o jornal, era a rádio, porque a rádio, no momento em
que eles fechassem o jornal, a dio, que ficava no quarto andar, faria uma mobilização
através do microfone, colocando o povo na rua. O jornal não. Ele precisaria ainda ira
para a rotativa e tal. Eles tinham noção, tanto que a Rádio Globo divulgou uma notícia,
na época do Costa e Silva, dizendo que o Costa e Silva já estava morto, que ele estava
sentado numa cadeira e o fotografaram com um cobertorzinho e a mulher ao lado dele...
E aquela notícia havia sido divulgada Voz do Brasil. Quando nós demos no Repórter
186
Esso de 20:25, com o Roberto Figueiredo, veio uma ordem do comandante do Primeiro
Exército para fechar a Rádio Globo. E fechou, sem dizer quando reabriria. Como é que
uma notícia, divulgada na Voz do Brasil, repetida igualmente no Repórter Esso, poderia
provocar uma punição a uma emissora de rádio? tinha uma explicação: a Voz do Brasil
tinha um índice muito grande de rádios desligados. o Repórter Esso era uma
referência jornalística.
O pessoal de rádio, hoje, parece desconhecer a força que o rádio tem.
"Golão, golão, golão!!!"
Este foi o depoimento de José Carlos Araújo. Quantas reflexões ele nos
propõe! Cada leitor pode tirar as suas próprias conclusões e apresentar sugestões. As
minhas são as seguintes: todo profissional de rádio deveria levar em conta o que José
Carlos acabou de dizer. Empresários mais corajosos poderiam colocar em prática
algumas de suas propostas. Creio que a sub-utilização do veículo diminuiria em muitos
aspectos. E são sugestões que ele desculpe a redundância "de graça". O mesmo
vale para as considerações feitas por outros aqui entrevistados. E que os novos
profissionais leiam mais sobre a história do rádio e/ou conversem com pessoas
experientes. Elas têm muito o que contar e ensinar. Valeu, "Garotinho"!
Enquanto isso... Três meses após esta nossa entrevista ser feita, a jornalista
Laura Mattos à sua coluna na Folha de São Paulo o seguinte título: "O Segredo da
sobrevivência das AMs", corroborando declarações feitas por nosso entrevistado.
Trechos:
O número impressiona: a rádio Bandeirantes AM fatura, em
média, 60 por cento a mais do que a Band FM, uma das maiores
audiências do dial de São Paulo. O resultado comprova um
aspecto interessante do mercado: os grandes anunciantes, apesar
do crescimento das FMs musicais, continuam depositando
muitas fichas no radiojornalismo. Estações especializadas em
notícia contam com ouvintes de maior poder aquisitivo, o que,
187
obviamente, atrai a publicidade. (...) E não foi só a Bandeirantes
que cresceu em 2003. O mercado registra recuperação em várias
emissoras noticiosas, inclusive fora do eixo rio-SP, como a
Gaúcha AM, no Rio Grande do Sul.
185
A colunista informa ainda que a Bandeirantes tenta obter uma concessão de
FM para retransmitir a programação da AM método com o qual José Carlos Araújo
não concorda – como fez a CBN ("a rádio que toca notícias") em São Paulo.
A solução das outras principais concorrentes (Eldorado e Jovem
Pan), que "emprestaram" parte do horário matutino de suas FMs
para o noticiário da AM, não é por ora cogitada pela
Bandeirantes.
186
Lembrete para quem está pensando em adquirir uma FM paulistana. No
momento o preço pode chegar a 15 milhões de dólares. O que comprova que uma rádio
bem administrada pode ser fonte de muito lucro. Há, porém, um outro aspecto: como é
que se permite vender algo concedido, pelo qual, a princípio, o proprietário nada pagou,
que o rádio é uma concessão pública, que, inclusive, pode ser retomada pelo
governo? Mas é isso que muitas vezes acontece. E todos sabem disso.
Chamada de capa do jornal Meio & Mensagem especial rádio de
setembro de 2003:
AM – FM – PENDENDO PARA O FM
(As siglas AM e FM aparecem entre um ponteiro pendendo para o lado do
FM.)
Logo embaixo vem esta informação:
185
MATTOS, 2003d, p. E 2.
186
Idem.
188
"Ao adotar conteúdos tradicionalmente veiculados no AM como
noticiário farto, serviços e futebol o FM vale-se também da sua melhor qualidade de
transmissão para conquistar ouvintes."
187
O título do editorial de Roberto Perrone é "O que é bom a gente copia", e
termina assim:
Tudo isso, aliado ao fato de as emissoras possuírem uma
qualidade de transmissão bastante superior ao AM, desembocou
num ganho de audiência significativo para o FM. o é à toa
que nos grandes centros urbanos, como São Paulo, Rio, Porto
Alegre e Belo Horizonte, as FMs vivem espremidas no dial.
Pena que toda essa movimentação ainda não tenha reflexos na
participação do meio no bolo publicitário, que continua nos
históricos 5 por cento. Está mais do que na hora de vencer esta
barreira
.
188
4.6 – As gravadoras e os espaços no Rádio – Entrevista com Roberto Menescal
Dia de luz
Festa de sol
E o barquinho a deslizar
No macio azul do mar...
189
Roberto Menescal é um dos fundadores do movimento musical chamado de
Bossa Nova. É compositor de centenas de canções, em parceria principalmente com o
letrista Ronaldo Bôscoli. Foi diretor artístico e depois gerente geral de uma das
principais multinacionais do disco, a Polygram, de onde saiu em 1985, e hoje possui sua
própria gravadora, a Albatroz.
187
Jornal Meio & Mensagem – Especial-Rádio.- 8 set. 2003.
188
Idem. P. 3. Editorial de Roberto Perrone.
189
BÔSCOLI e MENESCAL. O barquinho
189
Nossa conversa [no dia 03/12/2003] se deu no estúdio da Albatroz,
localizado numa aprazível ilha da Barra da Tijuca. Claro: o músico e empresário é um
amante da natureza e possui uma admirável coleção de bromélias.
Pedi que ele contasse um pouco de sua história, tendo sempre o rádio como
pano de fundo, ou como fundo musical. Seus relatos contribuem para esclarecer certos
aspectos da evolução do rádio e sua situação atual no Rio de Janeiro.
Primeiro, Menescal fala do rádio intimista, pessoal, como companhia;
depois é o compositor que fala mais alto: ligava o rádio na esperança de ouvir suas
composições musicais tocando; em seguida seu interesse se amplia: é o só o do
compositor mas principalmente o do produtor musical, que quer ouvir seus contratados
em evidência no dial. Finalmente forja-se o executivo de uma poderosa gravadora
multinacional disputando mercado com as concorrentes igualmente poderosas. É
quando vem à tona a questão do "jabá", hoje tão em evidência, que é pagar para que as
rádios toquem suas músicas. Nesse momento, Menescal diz que se decepciona. A partir
daí adquire consciência de que seu trabalho passa a ser secundário, quase dispensável,
pois é o dinheiro que dará as cartas e determinará as canções que o povo irá cantar. Pula
do barco e cria sua própria gravadora. Conta que não ouve mais rádio e que mandou
tirar até o aparelho do carro. Vive feliz, produzindo discos (de Emílio Santiago,
Oswaldo Montenegro, Leila Pinheiro, Nana Caymmi, Wanda Sá...), compondo,
cantando, viajando pelo mundo a 'vender' um de nossos mais valiosos 'produtos' de
exportação: a música –, levando amigos em seu 'barquinho", um banquinho e um
violão.
Sobre as FMs, Roberto faz críticas à Rádio Cidade e às suas cópias, às quais
responsabiliza por uma americanização da moderna música brasileira, que a maioria
dos coordenadores foi estudar em Los Angeles e teria voltado com a "cabeça feita".
Emissoras citadas em outros capítulos aparecerão novamente aqui
Tamoio, Eldorado, JB, Cidade..., sob um outro enfoque, mostrando a diversidade dos
190
pontos de 'vista', ou melhor, de 'audição' (como podemos ver, até na escrita o visual quer
se sobrepor ao auditivo).
Os leitores terão revelações surpreendentes, entremeadas com trilha sonora
de sucessos da bossa nova e outros. Ficará clara a importância do rádio em quase todos
os episódios da vida de Roberto Menescal e, por extensão, da indústria fonográfica
brasileira.
Meus comentários virão entre colchetes. Vale para esta parte do trabalho, a
mesma nota explicativa usada para as entrevistas com Luiz Carlos Saroldi, Simon
Khoury e José Carlos Araújo.
O RÁDIO COMO COMPANHIA
Tenho uma lembrança grande de rádio dos meus treze anos em diante. Ou
seja, na hora em que comecei a descobrir garotas na vida. Porque garotas significavam
músicas, filmes da Metro, significavam dança. Então eu tinha que estudar porque
sempre fui meio ruim de estudo, mas botava sempre a rádio, era minha companhia. Na
verdade então era ali que eu passava meu tempo. Se eu ficasse olhando para o livro,
ia demorar muito e a rádio me levava, me transportava...
A primeira rádio que eu me lembro era a Tamoio, mas o sei se era aquela
que eu ouvia nos meus treze anos... Mas tinha um programa de sica americana,
um de música só brasileira. E eu ficava ouvindo e de repente me via dançando. Algumas
vezes eu me trancava e dançava mesmo, como se tivesse alguém comigo ali na rádio.
Foi muito uma companhia para mim e começou a me mostrar coisas. O rádio começou a
me dar informações. Eu chegava na minha turma cantarolando as canções que ouvia
no rádio ("Brurumm, neurastênico...", cantarola; eu tocava um acordeãozinho. A
rádio me mostrou a música de Luiz Gonzaga (cantarola), "Vai boiadeiro, que a noite
vem..." Então essas coisas foram ficando na minha cabeça. Depois eu passei a ouvir
programas de jazz, no final da tarde, mas também não lembro o nome, sou ruim de
lembrar detalhes. Mas tinha aquela hora de jazz e eu não perdia um. Também depois um
191
pouco de música clássica, estava tentando me interessar. Aí já ouvia a rádio mais
dedicada ao clássico. Depois comecei a ter o rádio como referência do que tocava.
Só me lembro muito vagamente
Correndo você vinha
Quando de repente
Seu sorriso que era muito branco
Me encontrou
Só me lembro muito vagamente
Que depois andamos
Mil estrelas só nós dois contamos
E o vento soprou de manhã mil canções...
190
"A MÚSICA É A PONTE DO TEMPO"
Quando comecei a compor, isso nos anos de 58, 57, a gente ficava
procurando o que é que tocava. Começaram a aparecer as músicas do Jobim, Lúcio
Alves, Dick Farney, e a gente ficava ali procurando, "Ih, a música nova do Lúcio!" e o
Dick, "Todos nós temos na vida um caso..." (cantarola), e o rádio foi muito legal ali
porque teve uma hora em que a qualidade aparecia muito no dio, a música de
qualidade. As primeiras músicas do Jobim, "Foi a noite, foi o mar, eu sei", com Silvinha
Telles, tocavam no rádio. E aí informavam a música, o autor e o cantor.
Eu me lembro até de uma frase agora me veio uma frase bacana da
Tamoio. Acho fantástica esta frase: "A música é a ponte do tempo". e a música tem isso,
ela te transporta no tempo. Você ouve alguma coisa e pensa, "humm, que época bacana,
houve isso...!" E frase dita com aquela voz... Guardei muito esta frase.
O COMPOSITOR E O RÁDIO
190
BÔSCOLI e MENESCAL.Vagamente.
192
Pouco depois o rádio significou a informação de se as minhas músicas
estavam tocando ou não. Eu ficava ali, principalmente na Rádio JB. Puxa! Foi quando
meu pai ouviu pela primeira vez uma música minha tocando, e ele querendo que eu não
fosse músico. De repente eu vi ele tremer quando ouviu meu nome, e ficou com aquele
jornal parado, pensando, "Será que é ele mesmo?", e foi comentar com a minha mãe.
Mas para mim aquela coisa de fazer uma música e depois ela vir de fora para você era
fantástico.
Rio que mora no mar
Sorrio pro meu Rio que tem no seu mar
Lindas flores que nascem morenas
Em jardins de sol...
191
Os primeiros caras que gravaram as minhas músicas foram Os Cariocas,
Silvinha Telles, Maysa, Lúcio Alves, e muitos outros. A JB dava prêmios aos melhores
compositores do ano, e ganhei dois prêmios: melhor compositor e melhor obra do ano.
Para mim isso significou muito. Ganhei um talvez em 62 e outro em 64. Aquilo para
mim foi a glória. O Tom Jobim chegando pra mim e dizendo, "Parabéns, que bacana!".
O dio ali foi muito importante. Foi quando eu fiz O Barquinho, Rio, Nós e o Mar,
Vagamente, um conjunto de obras. Fui feliz naquele ano. Eu e o Ronaldo [Bôscoli]
tivemos três músicas como as mais executadas do ano. Deu até pra comprar um
fusquinha com o dinheiro que recebi da sociedade arrecadadora de direitos autorais.
Você vê como foi importante o rádio aí.
O PRODUTOR MUSICAL E O RÁDIO
Depois fui para a gravadora. Procurava tocar nossas coisas no rádio,
levando as músicas, fazendo aquele trabalho junto a uma rádio, e eu vivia ligado. Era
uma coisa da profissão. Quando eu estava na Polygram eu tinha de ouvir rádio o tempo
todo. Isso foi em 1968. Em 68 fui como produtor contratado e em 70 tornei-me diretor
artístico. começou, "será que esse disco vai tocar? tocando na dio tal? Deixa eu
ver na outra..." Era aquela paranóia, ia passando de dio em rádio para ver o que é que
193
estava tocando – Tamoio, Mundial, JB, depois a 98-FM... Pegava as play lists [a
programação diária das emissoras] para ver se nossas sicas estavam programadas...
Quando eu saí da Polygram na década de 80, a primeira coisa que fiz foi tirar o rádio do
carro. Ficou aquele buraco. Eu não podia ficar a vida inteira preso àquilo. Mas teve uma
passagem muito importante, acho que em 74, com a entrada da Nacional FM.
A RÁDIO NACIONAL FM – REVELAÇÕES INÉDITAS
Prepare seu coração
Pras coisas que eu vou contar...
192
[Dou pausa no gravador. A história que Roberto Menescal vai contar agora
é também muito esclarecedora e acho que poucos a conhecem. Ele chegou, digamos
assim, a "trabalhar" em rádio, programando a Nacional FM e ajudando-a a chegar ao
primeiro lugar de audiência no Rio de Janeiro na década de 70. Esse sucesso, segundo
Menescal, incomodou muita gente: do rádio como meio, da rádio Nacional e das
próprias gravadoras. A música brasileira não poderia vir em primeiro lugar. Vou apertar
o play do gravador para que o próprio entrevistado conte esse caso.]
Pedro Paulo Lomba era o presidente da Radiobras empresa que reúne as
emissoras de rádio pertencentes à União. Ele marcou um almoço comigo e falou:
"Roberto, você está bem na Polygram?" E eu disse: "Estou ótimo", porque eu adorava a
gravadora. "Há possibilidade de você sair de e vir trabalhar com a gente?" E eu,
"Não, não há. Nada me tira da Polygram". E ele explicou: "É que eu queria inovar um
pouco na rádio, mas eu queria inovar com gente que não é de dio, mas que esteja no
meio."
Achei estranha a proposta e perguntei por quê. Ele disse, que não estou
satisfeito com a Rádio Nacional FM, acho que falta alguma coisa e eu queria te
perguntar o seguinte: você pensaria na rádio ou me ajudaria?" Eu respondi "é meu
interesse que esteja funcionando um negócio legal". Ele propôs que marcássemos um
191
BÔSCOLI e MENESCAL. Rio.
194
outro almoço e que eu pensasse o que faria com a dio. E eu comecei a ouvir a rádio
direto e no outro almoço eu disse:
O RÁDIO ENTRE A MÚSICA BRASILEIRA E AS PRESSÕES
ESTRANGEIRAS
"Eu vou te falar intuitivamente: a Rádio Nacional FM eu faria com
música brasileira". E ele disse "Mas tudo?" e eu disse "tudo". E ele argumentou "Mas
não pode uma rádio tocar só música brasileira".
[Lembro-me de que na programação da Rádio Cidade, e de outras
emissoras, era "proibido" emendar/juntar duas músicas brasileiras, ou seja, não era
permitido tocar duas músicas brasileiras seguidas. Argumentavam que a programação
"perdia a dinâmica" quando isso acontecia. Então emendavam-se duas ou três músicas
estrangeiras leia-se músicas americanas e inglesas. Como as rádios o obrigadas, por
lei, a tocar 50 por cento de músicas brasileiras, estas eram deslocadas para a madrugada,
horários de menor audiência. que, pelo que vamos ouvir agora, a música brasileira é
a campeã de vendas, com mais de 75 por cento do mercado. Volta Menescal.]
Eu falei "Pedro, acho que você não tem informação. Você sabe como é que
é o mercado de música? Qual é a vendagem, o 'mix'? E ele "Não, imagino que deve
vender muito mais música internacional do que brasileira". "Ao contrário: hoje o 'mix'
do mercado é de 75 por cento de música brasileira e 25 por cento de música
internacional". Ele ficou assustado, "Como?! Na rádio é o contrário."
E eu disse que então tinha alguma coisa errada. "Pense bem, se você olhar
esse 'mix', que é o real, que é o verdadeiro, essa é a verdade da venda, do cara que vai à
loja e compra o disco, então o certo seria a rádio ter pelo menos 75 por cento de música
brasileira. Agora, dentro desse universo, numa rádio chamada Nacional FM, eu faria
100 por cento com músicas do Brasil." Ele perguntou se eu faria um piloto [esboço de
192
BARROS e VANDRÉ. Disparada.
195
programação] pra ele. "Claro, me os dados todos que eu faço." E fiz uma semana de
Rádio Nacional.
"A RÁDIO NACIONAL FM EM PRIMEIRO LUGAR?! – ISSO NÃO
PODE"
E a Nacional foi para o primeiro lugar você se lembra disso? Putz!
ele o Pedro Paulo falou, "Roberto, o tem transa?" E me levou para Brasília, onde
eram as reuniões da Radiobras. Ele pediu, "Pelo menos de quinze em quinze dias você
vai a Brasília para as reuniões da dio". O Midani [André Midani, que foi um dos
principais executivos de gravadoras no Brasil. Trabalhou na EMI-Odeon, Polygram e
Warner, chefe de Menescal na época] dava força. E fiquei fazendo essa coisa, peruando
na programação, fiquei como o cara que dava palpites na programação.
Mas tive dentro da rádio uma pressão inacreditável para não fazer aquilo.
Mas a rádio estava em primeiro lugar, tem lá os dados. Foi um negócio sério! E todas as
outras gravadoras começaram a pressionar a rádio, todas lá em cima. Como?! com
música brasileira?! Isso o pode continuar! Os próprios programadores diziam "Não
pode fazer com música brasileira". "Mas em primeiro!" "Mas não pode, o vai
durar em primeiro só com isso". E aí, depois de alguns meses, a rádio abandonou esse
caminho. Pra mim foi uma coisa muito interessante.
[Para encerrar a primeira parte de nosso valioso papo pergunto ao
Menescal se o sucesso da Rádio Cidade, com suas sucedâneas, atrapalhou a música
brasileira. Sua resposta fala por si mesma.]
OS PÉS NO BRASIL – A CABEÇA EM LOS ANGELES
O que me pareceu é que o dono do jornal ou da rádio de repente pegava o
filho, que não queria mais estudar, e mandava ele estudar rádio em Los Angeles. Todo
mundo foi estudar rádio em Los Angeles. E as rádios passaram a ter o formato de Los
Angeles. Todo mundo voltou com aquela cabeça e as rádios FMs ficaram todas com o
196
mesmo formato. Eu lembro que fui pra Los Angeles nessa época e parecia que eu estava
ouvindo a Rádio Cidade, eu ia para Curitiba e era a mesma coisa.
Acho que os filhos dos donos das dios foram todos estudar no mesmo
lugar e a FM ficou muito Los Angeles, contrariando novamente aquele percentual das
vendas de disco. Tocava muito mais música estrangeira do que nacional, mas a nacional
continuava vendendo muito mais.
E outra coisa, o lançamento de música internacional era muito maior do que
o de música nacional, porque é claro você produzia no Brasil mas recebia discos do
mundo inteiro. Recebia tudo de graça e lançava muito mais. Entretanto a venda era
muito maior de música nacional, e parece que continua sendo. E o mix de que eu falei
não é chute não, era 75 por cento de música nacional. E a rádio contrariava e botava ao
contrário, 75 por cento de música estrangeira e 25 de nacional.
Com isso a música brasileira perdeu um pouco a sua originalidade, como
uma coisa diferente do que se fazia no mundo inteiro. Ela começou a ganhar a forma de
Los Angeles também. Djavan, Ivan Lins, Lulu Santos, Gilberto Gil... Então as pessoas
das gravadoras começaram a achar, pa, que bom que nossos artistas estão fazendo
esse tipo de música, é muito mais interessante pra nós do que o Luiz Gonzaga". A
nossa música ficou universal e perdeu um pouco da sua originalidade. É uma música
que se escuta e tanto faz se é brasileira ou não, não tem importância.
Mas agora está uma coisa mais interessante. A busca da garotada por suas
raízes. Você o forró, o samba de raiz, com a garotada, os estudantes, uma coisa bem
brasileira que está rolando por aí. O chorinho nunca esteve tão bem. Acho que isso pode
ser muito saudável para uma música que vem por aí e que a gente não sabe como vai
ser.
[Nova pausa no gravador para ouvirmos o historiador e crítico musical,
José Ramos Tinhorão. Roberto Menescal volta depois dele para nos falar sobre a
questão que o tirou da gravadora: o chamado "jabá".]
197
4.6.1 – Pausa para ouvir Tinhorão
Ê ô ô vida de gado
Povo marcado, ê
Povo feliz...
193
Corte para o réveillon de 2003. Na Avenida Atlântica o sistema de som
reproduz, o dia inteiro, a programação de uma emissora FM. Noto que nenhum samba é
tocado. Exemplos de músicas executadas: Don't worry, be happy, com um músico
norte-americano; Rio de Janeiro, com Barry White; músicas de Djavan, Gilberto Gil,
exatamente o tipo de som a que Roberto Menescal acabou de se referir.
Essa espécie de vergonha da própria realidade, desenvolvendo-
se principalmente entre as camadas de classe média com caráter
de autêntico complexo de subdesenvolvimento, conduz, assim,
a uma progressiva perda ou desestruturação da identidade
cultural, o que desemboca no ridículo de, ao procurarem tais
consumidores colonizados apresentar-se como modernos,
conseguirem aparecer como estrangeiros dentro do seu próprio
país
.
194
Parece-nos oportuno citar aqui algumas reflexões do pesquisador e crítico
musical José Ramos Tinhorão. Na Introdução de seu polêmico, profundo e instigante
História Social da Música Popular Brasileira, Tinhorão mostra como se a construção
de nosso gosto musical, entre outros.
Como os fatos historiados no livro demonstram, essa
diversidade cultural é normalmente simplificada através da
divisão da cultura em apenas dois planos: o da cultura das elites
detentoras do poder político-econômico e das diretrizes para os
meios de comunicação que é a cultura do dominador e a
193
Ramalho. Admirável Gado Novo.
194
TINHORÃO, 1998, p. 13.
198
cultura das camadas mais baixas do povo urbano e das áreas
rurais, sem poder de decisão política – que é a cultura do
dominado.
195
O historiador explica como isso se daria num país como o Brasil.
Acontece que nas nações em que a capacidade de decisão
econômica não pertence inteiramente aos detentores políticos
do Poder, como é o caso de países de economia capitalista
dependente – e entre eles o Brasil em estudo –, a própria cultura
dominante revela-se uma cultura dominada.
196
As linhas seguintes de Tinhorão parecem explicar e esclarecer o tipo de
programação de grande parte das FMs brasileiras, para nos atermos somente ao rádio.
Em resultado, a cultura das camadas pobres acaba sendo
submetida a uma dupla dominação: em primeiro lugar, porque
se situa em posição de desvantagem em relação à cultura das
elites dirigentes do país; e, em segundo lugar, porque esta
cultura dominante não é sequer nacional, mas importada e, por
isso mesmo, dominada.
197
Pelo estilo do autor, percebe-se que o livro foi editado primeiramente em
Portugal, só depois saindo no Brasil. Tinhorão, apesar de toda a riqueza de suas
pesquisas, é de certa forma execrado pela maior parte dos chamados "formadores de
opinião" brasileiros. Por que será? Músicos, jornalistas, estudantes, ninguém gosta de
Tinhorão. Ele é acitado ao lado de cobras e ervas daninhas na música Querelas do
Brasil, de Maurício Tapajós e Aldir Blanc, e que Elis Regina imortalizou. Aquela que
diz que
195
Ibidem, p. 10.
196
Idem.
197
Idem.
199
O Brazil não conhece o Brasil,
O Brazil tá matando o Brasil...
Tinhorão, urutu, sucuri, olerê
U-jobim sabiá, bentevi, olará
Do Brasil SOS ao Brasil ...
198
Mas o que Tinhorão se propõe defender em suas obras é o Brasil com s,
ainda que seja acusado de radical. Seus escritos nos ajudam a pensar, repensar e
questionar nossos gostos, atitudes e opiniões. Podemos discordar dele, mas um exame
isento de suas idéias obriga-nos a pensar e a ampliar nossa visão de Brasil, do problema
da cultura e da forma política de sua condução. Quanto a isso, vejamos outros tópicos.
O que os fatos historiados no presente livro parecem
demonstrar, pois, tomando o problema da música popular
urbana como tema, é que as possibilidades de
representatividade da cultura brasileira, dentro do próprio país,
se ligam diretamente à realidade de um estado de dominação
que resulta – até por herança colonial – do atrelamento do
Brasil a um tipo de proposta de desenvolvimento que o torna
necessariamente caudatário de decisões que escapam aos seus
dirigentes. Tal fato é claramente comprovado no presente livro
quando se demonstra que o colonialismo cultural, no campo das
várias músicas brasileiras, se revela sob a forma da dominação
econômica nos meios de comunicação e da indústria do lazer,
com o objetivo capitalista estrito de obtenção de lucro.
199
Tive um programa na Rádio Tupi AM, em 1991. Programa Fernando
Mansur, de 16 às 18 horas, de segunda à sexta. Quem já ouviu a Tupi sabe como é a
programação. Tentei mudá-la durante meu horário. Passei a levar convidados de todas
198
TAPAJÓS e BLANC. Querelas do Brasil.
199
TINHORÃO, 1998, p. 11.
200
as áreas para o meu programa. Entrevistava jornalistas, radialistas, músicos, cantores,
compositores, escritores, políticos, médicos, representantes de órgãos públicos, gente
que presta serviços à cidade, personalidades em geral. Fui substituindo aos poucos
certos quadros que eu considerava apelativos. Quanto à programação musical,
abandonei a play list (aquele listão oficial de músicas tocadas em todos os horários).
Que artistas eram entrevistados? Jamelão, Miltinho, Nelson Ned, Jair Rodrigues,
Sivuca, Silvio sar, Alcione, Emílio Santiago, Tito Madi, Luiz Vieira, Neguinho da
Beija Flor, Dicró, Marisa Gata Mansa, Dona Ivone Lara... Gente desse porte. E quase
todos sem gravadora. Com o passar dos dias, a resposta dos ouvintes surpreendeu a
todos. O programa começava a fazer sucesso e a ameaçar uma série de ximas tidas
como verdadeiras. O programa era popular mas não vulgar. Explorava a riqueza eo a
miséria, diversificava em vez de restringir. Mostrava a todos nós de dentro da
emissora e aos próprios convidados uma nova abordagem, uma outra forma de se
fazer rádio, de tratar os convidados e os ouvintes. Dava espaço/tempo para os
convidados falarem de si, de seu trabalho, de sua visão de vida e de mundo. Conforme
expliquei na introdução dessa tese, fui estimulado a fazer essas mudanças pelo Dr. J.
Moreira. Ele sabia do que estava falando. E a partir dessa experiência, curta porém
intensíssima, minha visão de rádio mudou completamente. É lógico que as coações
intensificavam-se depois de cada programa. Pressões internas e externas. Pessoas de
gravadoras começaram a me sondar, querendo entender o que estava se passando, se eu
estava recebendo dinheiro, coisas assim.
Resisti até ser demitido seis meses depois. Penso que as pressões sobre o
diretor-presidente da rádio devem ter sido muito fortes também. Ele me segurou
enquanto pôde. Hoje, após sessões de análise, leituras de livros como os de José Ramos
Tinhorão, conversas, depois desta tese, da entrevista com o Menescal, entendo melhor o
porquê das "derrubadas" na Rádio Tupi: era toda uma ordem de coisas que estava sendo
ameaçada, interesses sendo contrariados. O programa estava derrubando mitos, tabus,
estava mostrando para todos, e principalmente para mim, que nós ainda desconhecemos
muitas das possibilidades do rádio, que por isso o rádio é um veículo sub utilizado. E
isso não é uma crítica, é antes uma auto-crítica, e, antes de tudo, uma constatação.
201
Não é à toa que comunicadores como Adelzon Alves um de nossos mais
importantes radialistas e produtores musicais estão fora das rádios comerciais.
Adelzon tem programas sobre culturas brasileiras – músicas feitas de norte a sul do país
– na Rádio MEC AM.
4.6.2 – O Preço do Sucesso - Quanto custa tocar no rádio
Nesse show não entra menor
Um homem censurou, tava de mau humor
Não tinha dormido bem porque não levantou
Pense como ia ser bom
Se nós fizesse um som que ultrapassasse
A barreira das AM, FM e dos elevador...
200
Antes de voltarmos com Roberto Menescal, leiamos este outro trecho do
História Social da MPB:
Ora, como a divulgação das produções musicais, para além das
salas ou comunidades regionais em que são ouvidas, depende da
divulgação pelos meios de comunicação, principalmente o rádio
e a televisão, é a ocupação desses espaços que permite a
universalização de sons musicais por todo o território do país, e,
em certa medida, também por todas as classes sociais. Acontece
que, como tais canais de divulgação pertencem a empresários
que dividem os espaços em tempo, que é vendido conforme
determinados preços o segundo ou o minuto, será esse custo
econômico das horas de veiculação das músicas que irá
determinar quais, dentre todos os gêneros ou estilos produzidos
– no país ou no estrangeiro –, os que vão ser ouvidos.
201
[Preferimos manter as próprias palavras do entrevistado, porque seu
linguajar na descrição dos acontecimentos é bem peculiar. Em seguida, teremos as
200
RAIMUNDOS. A mais pedida.
201
TINHORÃO, 1998, p. 12.
202
declarações de André Midani, à Folha de São Paulo sobre o mesmo assunto. Por favor,
Menescal, o microfone novamente é seu.]
Foi em 1978, 79, que começou um negócio que me chateou profundamente:
Foi o jabá [pagar para tocar. Jabá, segundo o dicionário, é corruptela de jabaculê,
gorjeta, dinheiro]. A Polygram estava em primeiro lugar disparada no mercado de venda
de discos e execução de rádio. De repente começa a cair e vem a informação: "Tem que
entrar no jabá". E eu dizia "não entro, porque a gente está fazendo um trabalho de base e
se entrar não tem razão de eu estar aqui e de outros estarem". Mas nós fomos caindo,
caindo... nós que estávamos com 25, 26 por cento do mercado fomos para onze por
cento. E foi a pressão até do departamento comercial: "Nós temos que entrar, é uma
realidade, é a realidade do mercado". E eu disse "putz, então eu o quero transar assim
não, me põe pra fora da companhia, numa boa..." Eles falaram que não e coisa e tal e
eu decidi:
bom, eu entro. Então quero uma verba pra ser primeiro lugar disparado e
quero eu transar com os caras. Eles reagiram, "Não, Roberto, você não tem cabeça pra
isso, deixa com a gente..." Insisti "não, eu quero pelo menos a primeira transa cara a
cara com eles."
Olhos nos olhos
Quero ver o que você diz...
202
E comecei a encontrar com vários deles não vamos falar nomes aqui.
Chegavam e diziam "Ô, Roberto, que prazer, você por aqui." E eu dizia "Olha, vamos
conversar bacana, mas o negócio é o seguinte: quanto custa o primeiro lugar?" E o cara
dizia: "Não, Roberto, o que é isso?..." "Não. Vamos falar objetivamente. Quanto custa?
Eu quero estar em primeiro lugar com 30 por cento do mercado". o cara falava "Lá
dentro da rádio tem uns problemas, a gente quase não ganha e tal..." "Tudo bem, cara,
meu problema é colocar a Polygram em primeiro lugar". "Talvez uma verba de três mil
reais" – estou chutando – "por mês, talvez a gente possa... é pra ajudar a garotada... com
202
BUARQUE. Olhos nos olhos.
203
três mil a gente bota vocês brigando com o primeiro lugar." Eu propus "legal. Seis
mil resolvem?" "Ah, aí é mole!"
VALE O ESCRITO
- "Agora, é o seguinte: você assina um compromisso comigo."
- "Ah, não posso".
- "Então, tudo bem. Você fica com o teu carinha que te paga
mil".
você pensa: o cara que ganha mil e eu oferecendo seis. Todos eles
assinaram comigo. Todos, todos. Nunca entreguei ninguém. Mas é negócio, é negócio.
Eu não quero que a gravadora amanhã olhe alguém e diga de repente "esse cara pegou
seis mil e tal..." Não. Todos eles com recibo, todo mês. Imagina a loucura que esses
caras fizeram. Depois a turma da televisão também assinou. Todo mundo dizendo,
"cara, não mostra isso a ninguém". Eu afirmava "não vou mostrar, que nós temos um
compromisso firmado".
Depois de um tempo isso me cansou e falei pro pessoal da gravadora "eu
não quero mais, tá tudo na mão de vocês, vocês resolvam".
[Nesse ponto, e para completar a entrevista, Menescal afirma que
compreendeu a inutilidade de sua função de produtor musical. Constatou que tudo tinha
virado mercado, que bastaria pagar para tocar, pouco importando a qualidade artística.
Um grupo chamado Los Angeles (que ironia!) passaria a tocar mais que um Chico
Buarque.]
Deixa em paz meu coração
Que ele é um poço até aqui de mágoa
E qualquer desatenção, faça não,
204
Pode ser a gota d'água
203
Isso me chateou muito. E depois o que aconteceu: a gravadora Sony vinha
e pagava um pouco mais que a gente. Então chegou uma hora, em 1982, 83, que pensei
que eu não tinha mais que estar nisso, porque o meu trabalho não queria dizer mais
nada, o que valia era quem pagava mais. Fiquei mais um tempinho na gravadora, um
pouco mais do que deveria, e saí, e não fez diferença nenhuma eu estar lá dentro ou não,
porque aí virou mercado, quem paga mais e acabou-se.
Eu vim de uma função que era fazer música legal, boa e vendável na medida
do possível. Mas principalmente tentar vender um Chico Buarque, um Caetano. s
tivemos juntos Gal Costa, Bethânia, Caetano, Gil, Ivan Lins, Chico Buarque, Jorge Ben,
Erasmo Carlos, Mutantes, Elis... Em 1975 fizemos uma foto com todo esse nosso elenco
e os executivos principais, para uma peça publicitária, aquela página do meio da revista
Manchete, e o texto dizia assim: "Só nos falta o Roberto". Quanto a gente consegue
isso, essa mercadoria passa a o ter mais valor, o Trio Los Angeles de repente tava
vendendo mais disco, tocando mais que o Chico Buarque. Eu falei "eu não tenho mais
“função nesse tipo de jogo".
Nossos sinceros agradecimentos a Roberto Menescal.
Se eu tocar no seu radinho
Choro até o fim, só pra rimar com inho
Pois se eu ganhar "din din" cê vai gostar de mim
Se eu tocar no seu radinho
Por favor, seu locutor,
Ao menos uma vez, melhor se fossem três
Toca o nosso som aí que tu me faz feliz
203
BUARQUE. Gota d'água.
205
Se não tocar eu quebro o seu nariz
- Só assim preu tocar no seu radinho...
204
Sob o som dos Raimundos, outra citação "pauleira" do Tinhorão.
E isso porque, como dentre os muitos tipos de música existentes
apenas os produzidos pelos grupos econômicos capazes de
pagar sua divulgação pelo rádio e pela televisão serão dados a
conhecer ao público e, por nenhuma coincidência, tais grupos
econômicos são sempre as grandes fábricas de disco
multinacionais, resulta daí que os únicos tipos de música
passíveis de chegar aos ouvidos das maiorias serão os de
escolha dessas mesmas empresas internacionais.
205
Na edição de 21 de maio de 2003, a Folha de São Paulo publicou entrevista
com André Midani, assinada pelos jornalistas Pedro Alexandre Sanches e Laura Mattos.
Trechos dela:
"O jabá existe." Pela primeira vez, uma das figuras centrais da
indústria do disco no Brasil explicita a história do pagamento
clandestino feito por gravadoras para emplacar sucessos
musicais em emissoras de rádio e televisão. (...)
- Quais eram as regras?
- Eram lamentáveis, porque não eram profissionais. Vim do
México em 55, onde o jabá rolava com grande despudor. Mas
lá, pelo menos, havia uma regra: toco cinco vezes por dia, lhe
pago tanto. No Brasil, a indústria perdeu muito rapidamente o
controle sobre o que tocava. Pagava e não sabia se ia tocar.
Hoje, não estou muito a par...
206
Como estaria a situação hoje? E o que dizem os envolvidos? Continuamos
citando a matéria da Folha.
204
RODOLFO. A mais pedida.
205
TINHORÃO, 1998, p. 12.
206
A rádio Jovem Pan e representantes da extinta gravadora Abril
Music (citadas por Midani no esquema de pagamento para
execução de sicas) defendem que atualmente os acordo não
configuram mais jabá, e sim "projetos de marketing".
A diferença, segundo eles, é que hoje a negociação é feita às
claras e com nota fiscal.
"Esse assunto de jabá é uma história velha do rádio, que
mudou muito tempo. hoje, trocaria a palavra jabá por
projetos de marketing, até porque essa verba tem nota fiscal,
pagamento de impostos, contratos", diz o proprietário da Jovem
Pan, Antonio Augusto Amaral de Carvalho Filho, o Tutinha.
"Assim como a gravadora paga para fazer videoclubes, brindes
e colocar artistas novos na TV, por que não pagar as rádios, que
são os veículos que fazem os artistas acontecerem?", questiona
Tutinha.
Pela Abril Music, o ex-diretor financeiro Eduardo Assumpção
também rebate a validade do termo "jabá".
"Esse nome não é bem-vindo pela indústria, apesar de
largamente utilizado. O que as gravadoras fazem é
promoção."
207
4.6.3 – Repercussões da entrevista sobre o "Jabá"
Roberto M. Moura, professor, pesquisador e crítico musical, foi talvez o
único jornalista a repercutir as declarações de André Midani. Fez mais: reproduziu toda
a entrevista publicada pela Folha em sua coluna semanal na Tribuna da Imprensa. E
teceu comentários:
As relações entre a indústria cultural e os meios eletrônicos de
comunicação são podres. (...) Enquanto o governo, qualquer
governo, não tiver disposição para peitar TV e rádio, o País será
206
MATTOS; SANCHES
,
2003, p. E1.
207
MOURA, 2003, p. 6
207
incapaz de produzir qualquer mudança qualitativa importante.
Perdão, leitor, se a coluna se repete – é que a realidade se repete
também. Ademais, a entrevista de André Midani põe em letra
de forma o que sempre se soube, sepultando definitivamente a
velha ingenuidade de que Gugu, Faustão e Raul Gil tocam
aquelas músicas porque "é isso que o povo quer"
.
208
4.6.4 – Chacrinha inverte a lógica das gravadoras
Ô Terezinha, ô Terezinha
É um sucesso a Discoteca do Chacrinha...
209
Mas essa história de corrupção não vem de hoje. Em entrevista ao Pasquim
- novembro de 1969 – Chacrinha já abria o jogo, revelando fatos ocorridos com ele já na
década de 40. As declarações a seguir foram republicadas na biografia do Velho
Guerreiro escrita por Florinda Barbosa e Lucia Rito.
Tudo na vida é um jogo de interesses. Em 1942 ou 43, eu fui o
primeiro disc-jóquei a ser prostituído. Eu fui prostituído pelos
irmãos Vitale, pelo Vicente Vitale por intermédio do Benedito
Lacerda, que era compadre do Herivelto Martins. Na época, o
Trio de Ouro estava em grande evidência, o Lacerda também, e
foi ele quem me levou ao Vitale. A intenção era que eu tocasse
apenas músicas editadas pela Vitale, em troca de dinheiro, é
claro. Hoje os disc-jóqueis não pedem mais dinheiro. Está todo
mundo rico, mas sei que todos já pediram. E eu, se fosse diretor
de uma rádio, cobraria das fábricas para tocar os discos que elas
tivessem interesse em tocar. Através dos divulgadores as
fábricas economizam milhões em propaganda. Todo mundo
cobra de um jeito ou de outro. Tocando um disco e pedindo
depois para o artista se apresentar em shows, por exemplo
.
210
208
Idem
209
Prefixo do programa do Chacrinha na TV
208
Tramita desde o dia 21 de maio/2003 no Congresso Nacional uma proposta
para criminalizar o chamado jábá. Quem é contra e quem está a favor do projeto do
deputado Fernando Ferro (PT-PE)? Vamos pinçar opiniões de artistas e empresários
tiradas de reportagem da Folha de São Paulo
"Gil apóia projeto de criminalização do jabá; rádios se opõem."
GILBERTO GIL, cantor, compositor e ministro da Cultura do governo Lula.
"Sou contra o jabá. As rádios podem comercializar seus intervalos, mas
negociar o tempo destinado à veiculação de arte são outros quinhentos." diz LENINE,
cantor e compositor.
NETO diz “[O jabá] é uma das saídas que as rádios foram buscar em razão
da crise no mercado publicitário. E os políticos, em vez de pensar em um modo de pôr
mais dinheiro no setor, pensam em tirá-lo.”
211
212
Do lado das gravadoras, o presidente da Som Livre, ligada à Rede Globo,
disse que "o jabá acabará em breve, pois os custos das gravadoras e a redução dos
mercados limitarão esse expediente no futuro."
213
A reclamação das gravadoras o parece ser contra a corrupção e se o
corrompido é porque existe o corruptor, como mostrou Chacrinha –, e sim contra o que
Midani chamou de "tormenta jabazeira" provocada pela hoje extinta Abril Music que
teria, segundo o executivo, inflacionado o mercado, ajudando a desestabilizar as outras
companhias de discos.
... A Abril Music entra no mercado, paga o que tiver de pagar
para poder tocar e desestabiliza as outras companhias. O
prejuízo da Abril foi de milhões de reais em cinco anos. A sede
210
BARBOSA; RITO,1996, p. 27.
211
NETO apud MATTOS; SANCHES, 2003a, p. E 1.
212
Antônio Rosa Neto, presidente do GPR – Grupo dos Profissionais do Rádio.
209
de ter sucesso imediatamente fez com que a companhia fosse
uma grande catalizadora da tormenta jabazeira.
214
É LUCRO SÓ
houve época em que a sede de lucro não era tão grande por parte das
gravadoras? Midani diz que sim. E sua resposta contribui para explicar o caótico quadro
atual em que se encontram as gravadoras e, por extensão, todo o mercado artístico.
- Midani, como eram as relações entre os presidentes
das companhias de discos e as matrizes das
multinacionais?
- Nos anos [70] em que trabalhei na Philips, uma vez
por ano ia à Holanda e dizia: "o ano foi assim". Quando
muito a cada três meses a gente mandava um relatório. As
companhias naquela época eram uma brincadeira gostosa
do dono de cada conglomerado.
- E quando começou a degringolar?
- Começou a degringolar (meados dos anos 80)
quando as companhias de discos e seus conglomerados
foram comprados por megainvestidores que tinham suas
ações no mercado de Wall Street. Paulatinamente, a
indústria fonográfica, que era talvez uma indústria de
relações públicas, de imagem, passou a ser um centro de
lucro completo.
- As cobranças se intensificaram?
- Cada vez mais. Cada vez mais Wall Street ficava
mais nervosa quanto aos resultados. Primeiro semestrais,
depois trimestrais, depois mensais. Se desse uma variação,
por pequena que fosse, as ações já ficavam nervosas. A
partir dali a ordem foi: "dá lucro e já". Instalou-se uma
213
MATTOS; SANCHES, 2003c, p E 2.
210
pressão sobre os dirigentes locais, daqui e do resto do
mundo, cada vez mais feroz. O cara que essentado aqui
recebe telefonemas a cada três dias: "Como é que está esta
semana? Não quero saber, eu quero os números."
215
Junte-se a isso a questão do MP 3, que possibilita baixar músicas pelo
computador, e a pirataria de CDs, para termos um vislumbre da situação por que passam
as gravadoras e seus contratados, ou ex-contratados. Segundo Roberto Menescal, o
Brasil ficaria chocado se fosse publicada e divulgada abertamente uma lista com os
nomes dos artistas que estão sem gravadora hoje no país.
LOBÃO BUSCA SAÍDAS
Chove lá fora
E aqui faz tanto frio
Me chama, me chama, me chama...
216
É possível encontrar saídas para a crise? Crise é uma palavra ligada à
oportunidade, pelo menos no ideograma chinês. Lobão tem se revelado um dos artistas
brasileiros que mais vem se movimentando e buscando soluções alternativas no meio
das cíclicas turbulências tupiniquins. Seu Cd "A Vida é Doce", lançado em 1999,
vendeu 100 mil cópias em bancas de jornais. Em novembro de 2003 lançou a revista
"Outra Coisa" que, de dois em dois meses pretende colocar um artista novo no mercado.
Nas entrevistas que concede, Lobão solta o verbo, procurando esclarecer o grande
público sobre como as coisas funcionam. Perguntado pelo jornalista Christian Caselli,
da Tribuna da Imprensa [24-11-2003] sobre a melhor maneira de fomentar uma música
independente poderosa no Brasil de hoje, o cantor respondeu que "as cenas o fortes
em todo lugar do Brasil, mas as pessoas estão ilhadas, crescendo verticalmente sem
conseguir aumentar horizontalmente. Porque para uma cena existir tem que ter rádio."
217
214
MOURA, 2003
a, p. 6.
215
Idem.
216
LOBÃO. Me chama.
217
CASELLI, 2003.
211
(...) que a partir de 1988, na época que o Sarney conseguiu
um ano a mais de mandato, qual foi a moeda utilizada pelo
governo? Foram cedidas 1750 concessões de rádio e televisão.
Por exemplo, sabe quantas repetidoras tem a Jovem Pan? (...) E
o que aconteceu a partir daí foi que o jabá se centralizou.
218
E quem são os donos das emissoras de dio no Brasil? Até pouco tempo
seria quase impossível descobrir. Agora não:
Uma nova ferramenta tem tudo para ser valiosa [não só] neste
ano de eleições municipais: a lista de sócios e diretores de todas
as rádios comerciais do país, divulgada recentemente pelo site
do Ministério das Comunicações. Com as informações
disponíveis, a idéia de traçar um mapa das ligações entre
políticos e emissoras não parece mais tão impossível. (...)
Segundo a assessoria do ministro das Comunicações [Miro
Teixeira], a lista com coordenadores das rádios comunitárias
entra na Internet em janeiro [de 2004]. Bom,
que esse
segmento também não está livre das "ligações perigosas"
com políticos.
219
Mas voltando ao depoimento de Lobão, por conta de sua postura
independente, ele denuncia nessa entrevista que está exilado há 14 anos do rádio.
Quem é que vai pagar por isso
Eu não quero mais nenhuma chance
Eu não quero mais revanche
220
Sou o típico cara censurado. Quando toco, é no flash-back [as
músicas antigas que fizeram sucesso]. Eu sou o rei do flash-
back, o que é a coisa mais cruel que pode acontecer com o
artista no rádio. é pior do que não tocar. Você vira uma
218
Idem.
219
MATTOS, 2003j, p. E2.
212
antigüidade, uma peça de museu, obsoleto, inofensivo. Você
fica morto. E eu não tenho direito a veicular as minhas idéias
atuais. E é o rádio que faz existir a história da música.
221
uma série de novas gravadoras nacionais se estabelecendo no mercado,
algumas relativamente poderosas, como a Biscoito Fino, Indie Records, Natascha
Records, Deck Produções, MPb, Rob Digital; artistas consagrados como Milton
Nascimento e Maria Bethânia criaram seus próprios selos, assim como a Rádio MEC,
que lançou discos preciosos de artistas como Hermeto Paschoal, Paulo Moura, Carlos
Malta e Paulo César Feital. O compositor Feital enxerga com bons olhos as mudanças
que ocorrem no cenário musical brasileiro: "É a primeira vez que vejo em 20 anos a
possibilidade de renovação na música popular" ... acrescentando que "todo artista de
se tornar um empresário de si mesmo".
222
Pessoas do meio artístico asseguram que acabou a era dos contratos
milionários. Isso para os raros que ainda teriam essa chance. Cantores populares e de
prestígio como Emilinha Borba, uma das rainhas do rádio, e Agnaldo Timóteo, que
chegou a ser o deputado mais votado no Rio de Janeiro, optaram ou foram obrigados a
optar por produzir os próprios CDs e a vendê-los na rua. Timóteo, por exemplo,
estaciona um carro de som em pontos movimentados da cidade Praça Saens Peña,
Largo da Carioca, Avenida Atlântica coloca uma mesinha, de preferência sob uma
árvore, e autografa seus discos, hoje [dezembro/2003] vendidos a 10 reais. Parece que
cada vez mais o artista, além de ser seu próprio empresário, terá de ir aonde o povo
está, como na canção de Milton Nascimento e Fernando Brant.
Todo artista tem de ir
Aonde o povo está
Se foi assim
Assim será...
223
220
LOBÃO. Revanche.
221
CASELLI, 2003, p. 6.
222
MACIEL, 2003, p. 6.
223
NASCIMENTO e BRANT. Nos bailes da vida.
213
São os artistas-mascates, cada um montando sua própria quitanda, no
dizer da arquiteta Lina Bo Bardi, criadora do MASP, ao se referir, numa entrevista, à
independência necessária à criação artística.
224
Atualmente é muito mais fácil e barato gravar um disco. Existem numerosos
estúdios excelentes, o custo do CD é baixo, muita solidariedade entre sicos e
cantores, a maioria sem trabalho permanente... Contudo falta o principal: a distribuição,
os pontos de venda e tocar nas rádios.
Artistas importantes poderiam criar associações para reivindicar do governo
concessões de dio, ainda que comunitárias. As dios públicas também poderiam se
aliar nesse projeto de difusão da música brasileira marginalizada. O Brasil é um dos
maiores produtores de música do mundo; nenhum país tem a diversidade musical que
possuímos. Entretanto a maior parte dessa produção não escoa, não ecoa pelas
programações radiofônicas.
Outra opção interessante e viável seria a criação ou ampliação de redes de
rádios universitárias. Quanta coisa poderia acontecer a partir daí?!
As rádios comerciais são um negócio, como outro qualquer, dizem. E são
normalmente fechadas a experimentações, novidades... André Midani considera o
veículo extremamente conservador.
Quando surgiu o rock dos anos 80, o rádio estava absolutamente
fechado a esse tipo de música. O rádio é um sistema
eminentemente conservador. Quando lançamos a Bossa Nova, o
rádio achou que era um absurdo, o mesmo aconteceu com a
Tropicália. O homem do rádio não a música pelo que ela é,
224
MACIEL, 2003, p. 6.
214
o anunciante, que vai tirar sua publicidade se a dio baixar
de audiência
.
225
Por isso grandes mudanças costumam vir de pequenas emissoras, em busca
de soluções criativas. Depois que o modelo faz sucesso, procura-se mantê-lo. Como? É
o que vamos tentar saber agora, ouvindo Mário Reis
226
.
5- O QUE É UMA RÁDIO COMERCIAL BEM ADMINISTRADA?
Fiz uma canção de brincadeira
Foi a primeira pro meu amor
Não imaginei dessa maneira
A turma inteira apaixonou...
Felicidade eu te contar
No rádio vai tocar
A canção que eu fiz
Pra te ver feliz
Pra gente se amar
227
225
MOURA, 2003, p. 6.
226
Mário Reis, superintendente do Sistema O Dia de Rádio.
227
WAGUINHO. No rádio vai tocar.
215
Mário Reis entrou para o Sistema Jornal do Brasil em 1977, para trabalhar
no departamento financeiro. Foi auxiliar administrativo, analista, auxiliar de analista,
analista financeiro e em 83 foi para o setor de rádio, como assistente da diretoria.
Cuidava da parte de mestas, organizando contratos e implantando a Rádio Cidade pelo
Brasil. Durante a implantação da Cidade passou a ser o gerente de desenvolvimento e
controle de toda a rede. Rodava todas as praças fechando contratos. Pelo fato de
trabalhar numa empresa de comunicação, Mário diz que acabou aprendendo marketing
na prática, no dia a dia, no contato com agências de publicidade, com clientes... Foi aí
que se desligou de vez da área financeira e entrou para o marketing das rádios JB e
Cidade. Ficou um tempo como gerente de marketing até que o JB pegou as emissoras
pertencentes ao jornal O Dia para administrar – a RPC e a FM O Dia. Isso já no final de
1997. Depois entrou a Rádio Opus 90, especializada em música clássica, no lugar da
RPC. A Opus ocupava a freqüência 90,3 e a FM O Dia, 100,5. A Opus 90, segundo
Mário Reis, era uma rádio muito segmentada, que não deu a resposta que o grupo
esperava, em termos de resultado financeiro, e o formato foi mudado, transformando-se
na MPB FM, que se consolidou no mercado tocando música brasileira. a FM O
Dia é primeiro lugar de audiência desde 1998, ano de sua implantação. É a maior
audiência de rádio no Brasil, chegando a computar 500 mil ouvintes por minuto em
alguns horários, e média geral de 270 mil.
Mário fala de muita coisa: desde fluxo de caixa (por onde começou) até a
relação das gravadoras com o rádio, passando por sua visão do veículo e a importância
de cada departamento para o êxito de uma emissora. Ou seja, oferece quase que uma
receita para se ter uma dio bem administrada, cada resposta sua podendo ser
considerada um ingrediente. Agora, a dosagem e o tempero empregados para se
conseguir o bom gosto final dependerão sempre do cozinheiro chefe e sua equipe.
Nosso entrevistado aponta o que considera as perspectivas para o meio
radiofônico ao abordar o dio na internet, em andamento, e o rádio digital iminente,
mostrando-se otimista e super confiante nas possibilidades do meio que tão bem
administra. Perguntado sobre uma possível sub-utilização do rádio, sua resposta nos
216
surpreendeu. Disse que é sub-utilizado sim, mas pelos ouvintes e anunciantes, que não
tiram do veículo todas as vantagens oferecidas.
Lembramos que Mário Reis veio da área financeira, passou pelo marketing e
chegou ao topo, como diretor-geral do SISTEMA O DIA DE RÁDIO. Esses
conhecimentos em diferentes setores certamente o ajudaram, e o ajudam, a entender
uma estação radiofônica como um todo, podendo opinar sobre tudo. Aliás, uma carência
que ele julgava ter não entendia de programação musical –, vem sendo sanada desde
que uma concorrente (a dio Mania, precocemente desaparecida) contratou, em 2000,
a maioria dos funcionários importantes da FM O Dia. Tendo de agir muito rapidamente,
viu-se obrigado a aprender também sobre programação, para suprir uma falta, se
necessário.
Foi para falar sobre tudo isso que Mário Reis nos recebeu cordialmente em
sua sala, no sétimo andar do prédio que abriga o Grupo O Dia de Comunicação, na rua
Riachuelo, 359.
Consideramos que as informações a seguir podem ser muito úteis para
estudantes e profissionais. Editamos nossa conversa e colocamos os melhores
momentos no formato de entrevista, achando que não seria necessária mais nenhuma
intervenção de nossa parte.
Agradecemos antecipadamente ao Mário e desejamos ao leitor uma boa
recepção.
- Mário, quando você ouviu rádio pela primeira vez?
- Me lembro da minha infância, na casa do meu avô. Ele ouvia muito
rádio. Naquela época o AM era mais comum. Dois programas me marcaram muito: O
Incrível, Fantástico, Extraordinário, do Almirante, na Tupi, e o Pergunte ao João, na
JB. Mas eu pegava carona com o meu avô. Ouvinte mesmo, por opção, de pegar o
rádio e sintonizar, foi mais na adolescência, na época do ginásio, com o 60 minutos de
música contemporânea, na JB. Você escutava o Deep Purple, Led Zeppelin, Pink
217
Floyd. Ouvia muito a Mundial, oito-meia-zero, Show dos Bairros, Oduvaldo Silva...Isso
antes do surgimento da Rádio Cidade FM em 77, ano em que entrei para o JB. Entrei
em março e a Cidade foi inaugurada em primeiro de maio. Para mim o rádio se divide
em duas fases: antes da Cidade e depois da Cidade. Acho que aí houve a grande
revolução, e daí para a frente passei a ouvir mais, acho que toda a população passou a
ouvir mais FM. E para mim rádio passou a ser não lazer como também trabalho. Eu
não era ainda funcionário da rádio, era do jornal, do setor financeiro. Mas eu já
acompanhava os números da rádio. Daí vem um pouquinho da minha experiência com
os números de uma rádio, que é o orçamento, o fluxo de caixa...
- O que é o fluxo de caixa?
- É uma ferramenta normal, dentro da área financeira, onde você
administra o caixa da sua empresa, a entrada de receitas e o pagamento das despesas...
Foi muito engraçado porque a Rádio Cidade foi lançada em maio de 77, com uma tabela
de preços, e três meses depois a tabela duplicava, triplicava, porque o número de
anunciantes querendo veicular na dio era muito grande. Então é o marco de uma
mudança muito grande. E aquilo, na época, foi um choque para a gente, porque foi um
retorno muito rápido, muito imediato. Como qualquer lançamento de um novo produto,
de uma nova marca, você tem um tempo de maturação até obter o retorno. No caso da
Rádio Cidade, não. Foi um tiro muito certeiro. Eu vi isso duas vezes: com a Cidade,
atrás, e agora, recentemente, com a FM O Dia, com este novo formato, que também
foi uma resposta de Ibope e de faturamento muito rápida. Em quatro meses a gente
conseguiu a liderança no ranking carioca, superando a 98 FM que era líder há 14 anos [a
Cidade foi líder de 77 a 83 aproximadamente]. E é até um fato engraçado, porque
aquele ano era o ano de 98, não é? Então a campanha da dio 98 naquele ano era "O
ano da 98". E ela perdeu a liderança justamente ali para a FM O Dia, uma emissora
nova que saiu de sétimo lugar para o primeiro em apenas quatro meses. Em abril de 99
recebi o convite para assumir a superintendências das rádios aqui do jornal O Dia e me
desliguei do JB.
- Qual é a sua visão de rádio?
218
- Rádio é apaixonante. A partir do momento que você começa a conhecer
rádio, ver as diversas possibilidades do veículo, acho que não consegue mais se desligar.
São diversas possibilidades que você têm dentro do rádio, de criação, de lançar novos
produtos, de testar novos produtos, e de uma maneira barata, digamos assim, comparada
às outras mídias. Imagina numa mídia impressa, você lançar uma revista, a dificuldade
que tem para implantar; ou até de criar um comercial para a televisão. Votem toda
uma produção que envolve inúmeros recursos. No rádio é muito simples: você tem uma
boa idéia, um redator, uma boa locução e um bom sonoplasta, e você cria um belíssimo
comercial com custo praticamente zero. É muito interessante isso. E é um veículo que te
acompanha a qualquer lugar. o tem outro veículo que vai substituir, nunca. Você está
dirigindo seu carro, você está ouvindo rádio; você está correndo no calçadão,
caminhando, você está ouvindo rádio; você está tomando banho, esouvindo rádio. o
rádio te acompanha em qualquer lugar, sem atrapalhar sua atividade. Você pode estar no
computador, trabalhando, concentrado, mas o rádio está ali, te acompanhando, dando
notícias a qualquer momento, te atualizando de uma maneira geral.
- E o que é uma rádio bem administrada?
- Bom, acho que qualquer empresa bem administrada é aquela auto-
sustentável. O que acontece com várias dios é que, por serem de grupos de
comunicação, a empresa mãe – que é o jornal ou a televisão – acaba sustentando a rádio.
Então, existem muitas empresas de rádio que não vivem do seu próprio resultado
financeiro. Por isso acho que uma rádio bem administrada, independente da
classificação dela, é a que se sustenta. Através do seu faturamento ela consegue cobrir
todos os seus custos. No caso de rádio popular, como a FM O Dia, a colocação é
fundamental. Eu vejo assim: se você não é líder, dificilmente a rádio vai conseguir se
sustentar com tranqüilidade. O mercado está difícil para todo mundo, mas se você não
tem o volume de audiência, a liderança, é difícil de você sustentar as suas despesas,
porque o mercado anunciante compra muito audiência, compra a cobertura que a sua
rádio está dando. Uma dio bem administrada precisa ter um departamento comercial
que saiba entender o problema do seu anunciante. O rádio te permite isso: levar
soluções para cada anunciante, especificamente. Vamos até ele, ouvir o problema dele,
saber sua necessidade e desenvolver um produto específico para ele. Acho que é por aí:
219
você precisa ter uma estrutura enxuta, uma área de produção e promoção criativa, uma
boa equipe de operadores, de sonoplastas, para poder estar produzindo a sua
comunicação muito bem, uma parte técnica perfeita, bons locutores e uma área
comercial eficiente. Daí é simples, não tem muita dificuldade.
- E qual é o peso de cada departamento?
- Todos são importantes. Você não consegue viver sem uma destas partes.
Mas eu lhe digo que a plástica da rádio é a coisa mais importante, é o teu produto, é o
resultado da soma de todas as partes.
- E como você avalia o departamento de jornalismo?
- O jornalismo em rádio sempre foi muito importante. Trabalhei na JB
AM, que para mim foi uma escola, porque era a rádio mais importante do Brasil naquela
época. O AM, principalmente à noite, era muito importante, porque pegava no Brasil
inteiro. A gente recebia cartas do Brasil todo. Foi uma rádio muito importante no
período da apuração das eleições, no escândalo da Proconsult, na época do Brizola
[1982]. Foi a apuração paralela que a rádio fazia que pegou a fraude. Trabalhei
exatamente na apuração paralela da JB durante anos. Você podia ver a importância
mesmo do que era umadio jornalística naquela época, como uma prestação de
serviços de uma maneira geral. Você acorda de manhã, liga o rádio e tem as últimas
informações. Você pega a informação no momento em que o fato acontece, acabou de
apurar a informação ou você está no local onde está acontecendo aquele evento e está
transmitindo na mesma hora, em tempo real o que esocorrendo. O que acontece hoje
em dia é que o jornalismo no rádio começa a concorrer com outras ferramentas. No
passado o rádio tinha essa velocidade. Hoje você tem internet, até a própria televisão
que transmite até uma guerra ao vivo. Então você divide com outras mídias. Mas acho
fundamental o rádio ter esse papel que o ouvinte espera dele: ter uma informação em
primeira mão. O rádio ainda é o principal veículo para desempenhar essa função.
- Você considera o rádio um veículo sub-utilizado, sub-aproveitado?
- Acho que sim. É sub-aproveitado por diversos consumidores. É sub-
aproveitado pelo ouvinte, no momento em que você tem um veículo à sua disposição,
220
com todas as facilidades e às vezes você não tem um rádio ao seu lado 24 horas por dia
ou em alguns ambientes. Você vai a um escritório e a pessoa não está com o rádio
ligado. Ele poderia estar contribuindo, não só com lazer e com música, mas com
informação. Então o veículo está sendo sub aproveitado ali. Pelo lado do anunciante,
também é sub aproveitado. Talvez por o ter o glamour da televisão, por não ter a
imagem... O mercado publicitário destina apenas 5 por cento da sua verba para o rádio,
enquanto o rádio tem mais audiência que a televisão durante todo o dia. perde a
partir das seis horas da tarde. Às sete horas da noite, a entrada da Agência Nacional
derruba o rádio. A pessoa desliga o rádio e vai para a televisão. Pelo radialista, acho que
não é sub utilizado não. O homem de rádio sabe aproveitar bem todas as ferramentas
que o veículo tem e as explora bem. Não consigo imaginar alguma ferramenta que não
tenha sido explorada pelo rádio. Até porque, se conseguisse descobrir isso eu ia explorar
também, o iria perder essa oportunidade [risos]. Mas o rádio é uma grande
ferramenta. Vejo isso aqui, no jornal. Às vezes dizem: "Vamos fazer uma campanha...
mas não tem Rede Globo!" E eu digo: "Você tem a FM O Dia. É a nossa Rede Globo."
A gente tem mais audiência que a TV Globo durante o dia inteiro, perdemos à noite.
E se você estudar a audiência de cada rádio, vai sempre achar ali, dentro do seu
segmento, do seu público, uma rádio que fale exatamente com o público que lhe
interessa, e a um custo mais barato do que qualquer outra mídia. Em determinados
horários a FM O Dia tem 500 mil ouvintes por minuto. No Brasil não tem nenhuma
rádio com essa audiência, ou mesmo televisão, nesse horário diurno. Então, acho que o
rádio é sub-utilizado dessa maneira.
- O rádio tem feito campanhas de esclarecimento junto aos anunciantes?
- Sim, esse é um esforço que o rádio vem fazendo, agora através do GPR
Grupo dos Profissionais do Rádio tanto no Rio quanto em São Paulo. O GPR está
começando a fazer este trabalho, de mostrar a força do rádio, não de uma emissora
isolada, mas do meio rádio como um todo. Vem sendo feitas apresentações em agências,
em faculdades, mostrando ao público mais jovem a importância do rádio, não só como
mercado de trabalho, mas como meio de comunicação, mostrando as possibilidades do
rádio. Isso vem melhorando a imagem, digamos assim, do rádio. O rádio teve um
momento de muita importância no mundo todo, depois teve uma queda com a entrada
221
da televisão. Muita gente achou até que o rádio iria morrer com a chegada da TV. Mas
taí o rádio se renovando a cada dia, e hoje acho que ele está passando por um novo
momento, de profissionalização até, tanto na área técnica, quanto administrativa,
comercial... vem melhorando a mão de obra e com isso valorizando o meio. E o GPR
tem ajudado muito. O próprio proprietário de rádio, o acionista, passaram o rádio para a
mão de profissionais, em vez de quererem fazer uma rádio para atender o seu gosto
pessoal. Isso acontecia muito no passado. Tinha a rádio do doutor Brito [Nascimento
Brito, do JB], não é? O doutor Brito gostava de ouvir música clássica e queria uma rádio
assim. Isso mudou. Hoje em dia o rádio está nas os de profissionais, que são
cobrados por resultados. A concorrência está muito maior, por isso está havendo uma
melhoria na qualidade e quem ganha é o ouvinte. Temos rádios excelentes. Cada uma
no seu segmento, que é outra tendência do mercado, a segmentação. Acredito muito na
segmentação do rádio.
A fase de ouro do rádio pôde existir porque este veículo
concentrava a massa de investimento publicitário disponível na
época. Com o deslocamento da verba publicitária para a
televisão, sua exploração comercial teve que levar em conta
novos fatores de mercado, caminhando para a especialização
das emissoras e a formação de redes. Este processo de
especialização não é exclusivo do rádio, ele atende uma
imposição, mais geral da indústria cultural que tem necessidade
de responder à demanda de um mercado onde existem faixas
econômicas diferenciadas a serem exploradas. As empresas
radiofônicas procuram, desta forma, oferecer uma programação
unificada, e específica para um determinado tipo de blico,
dando assim maiores opções para o anunciante. Trata-se,
portanto, de um sistema que trabalha associado às análises de
audiência, pois elas são as únicas garantias, para o cliente, que a
emissora realmente atinge determinada camada ou público
.
228
- Que critérios você usa para contratar sua equipe?
228
ORTIZ, 2001, p. 132.
222
- No rádio você acaba trabalhando com as pessoas que já estão no
mercado. Você o tem muita formação de profissionais para o rádio. Então,
geralmente, você identifica dentro dos profissionais do meio aquele que tem mais
talento, que tem mais afinidade com aquele tipo de veículo e você acaba lapidando
aquela pessoa para aquela função específica. A equipe precisa estar afinada. A gente
tem uma afinidade muito grande com toda a equipe. Não têm estrelas dentro da sua
programação, um querendo brilhar mais do que o outro. Não tem isso, todo mundo tem
a mesma direção, tem uma espinha dorsal, tem uma meta traçada e você tem que seguir
aquilo ali. Temos nosso objetivo lá na frente e vamos perseguindo-o, sempre
aprimorando a programação da rádio e aperfeiçoando as pessoas que trabalham
conosco. E dando liberdade sempre, liberdade de criação, de expressão, tanto para os
comunicadores quanto para a equipe de produção que cria os novos quadros para a
rádio. trabalho sempre conversando muito com a equipe e dando esta liberdade. Acho
que o profissional de rádio vai crescendo naturalmente, com essa liberdade, tendo essa
confiança. É assim que vou montando nossa equipe.
- As faculdades de comunicação têm colaborado nesse processo de
profissionalização que você citou?
- Digo que sim. Tenho percebido isso pelo grupo de estagiários que a rádio
tem aproveitado. Se você for ver a equipe de promoção, desde o coordenador até os
assistentes, todos eles entraram como estagiários e fizeram carreira dentro da rádio. Se
você pegar a produção, também não é diferente. Ou seja, a mão de obra que está numa
rádio hoje é de pessoas que saíram recentemente da faculdade. Então este é um bom
sinal de que estão formando bons profissionais ou pelo menos que a gente está
selecionando bem os profissionais, porque a gente está vendo isso na prática, aqui
dentro. É uma turma nova. Eventualmente, você acaba perdendo algumas dessas
pessoas para a televisão, para a gravadora, porque o rádio é sempre uma grande escola,
abre possibilidades para vários estudantes, que vão crescendo, o espaço fica pequeno e
acabam indo embora. Mas acredito que as faculdades estão contribuindo para formar
uma boa turma para as rádios.
- Como andam hoje as relações gravadoras-rádios?
223
- Olha tem um lado bom e um lado ssimo, que é a falência do mercado
fonográfico devido à pirataria, ao MP3, baixando música pela internet sem custo
nenhum. Este é o grande problema. É ssimo para as gravadoras. Acho que tem que
haver uma solução técnica, porque senão vai acabar matando mesmo o mercado
fonográfico. Por outro lado, quando eu digo que também é bom, é porque várias rádios
viveram durante muito tempo dependentes de gravadoras. Isso engessava um pouco as
emissoras. Ficava todo mundo tocando aquelas determinadas músicas. Porque o rádio
teve um momento muito difícil e as gravadoras estavam com muito dinheiro. Então
eram grandes promoções, grandes campanhas, grandes anunciantes, porque o rádio é o
veículo natural da gravadora. A gravadora vende música, o rádio executa a música. Para
você estourar um sucesso tem que ser através do rádio, não tem outro veículo. A
televisão pode ter a música na novela mas vai tocar uma vez na novela, uma vez por dia.
Então o veículo natural para a gravadora são as rádios, grandes investimentos no rádio.
E quando digo que isso é ruim mas é bom, é porque hoje vejo as rádios sobrevivendo,
faturando, sem a dependência das gravadoras. Claro que a gente perdeu um grande
anunciante, ninguém está aqui para desperdiçar nenhum anunciante, quanto mais as
grandes gravadoras. Por outro lado, você que surgiram outras alternativas e hoje a
gravadora não é mais o principal anunciante de rádio. As emissoras estão aprendendo a
sobreviver, a buscar outros caminhos.
- Rádio e internet – já há reflexos na audiência?
- Não. Não acho que a internet vai concorrer com o rádio. Ela pode até
concorrer em algum momento, com as rádios virtuais. O rádio é muito regional. Não
conheço uma pessoa, dentro da área de atuação de uma rádio, que deixe de ouvir pelo
rádio para ouvir pela internet. A não ser que eu esteja no escritório, não tenha aparelho
de dio, então abro o site, coloco o áudio e continuo trabalhando. Mas quando eu for
pesquisado pelo Ibope, não vão me perguntar se ouvi rádio pela internet, ouvi a rádio
tal, não importa o aparelho que liguei. Fora isso você passa a ter o ouvinte que o
acompanha fora de sua cidade. No caso das rádios aqui do jornal O Dia, temos
diariamente ouvintes ligando da Finlândia, do Japão, Peru, Estados Unidos, Ceará,
Minas Gerais, São Paulo, Europa, de diversos pontos do planeta. Isso é muito bacana. A
internet trouxe essa possibilidade de o rádio sair daquela área de atuação dele e passar a
224
falar com o mundo inteiro [como acontecia em grande escala, e ainda acontece um
pouco, com as transmissões em ondas curtas e médias]. Mas não surgiu ainda nenhuma
rádio virtual que roubasse audiência das dios comerciais. Inclusive gosto muito dessa
ferramenta, acho que ela pode divulgar, cada vez mais, as emissoras de rádio, dando um
universo maior para elas.
- E o dio digital, perspectivas de ser implantado no Brasil na próxima
década?
- Acho fundamental que isso aconteça. O rádio precisa se renovar com a
digitalização, com o AM digital, justamente para o dio não morrer. É aquela coisa da
Fênix, renascer, renovar-se das cinzas. O rádio, como falei, teve um momento muito
difícil, hoje em dia está se renovando e com essas novas tendências acho que teremos
uma nova era do rádio. A gente vai ter que se adaptar, a concorrência vai ficar muito
maior, o sinal vai melhorar como um todo, mas acho que isso vai ajudar o rádio. Não
previsão de quando o rádio digital será implantado, mas acho que em cinco anos
[2008] vamos ter uma mudança grande no rádio, nessa parte de digitalização.
- Como você vê as AMs hoje?
- Espero muito que com esta questão da digitalização, o AM volte a ter a
importância que teve no passado, como tiveram a JB, a Mundial, que foi um marco.
Hoje temos a questão dos evangélicos tomando conta. Acho que tem de haver emissoras
religiosas, tudo bem. Mas você pega o AM, hoje em dia, e a maioria das emissoras é
religiosa. Poucas o as emissoras, em mais de vinte, que não são ligadas à religião.
Você tem a Globo, que sempre foi muito importante, a Tupi, que agora está na
liderança, tem a CBN, focada na informação, e mais nada. Tirando essas três emissoras
você praticamente tem evangélicas. Então, tenho para mim que, com a digitalização,
com a melhora do sinal, você vai ter o AM com a mesma qualidade que o FM tem
atualmente. E o FM vai passar a ter a qualidade que um CD tem. vai melhorar muito a
questão da recepção do sinal. Com isso, acredito que as rádios AMs vão poder retomar
a importância que já tiveram no passado. Acredito muito nisso
229
.
229
Ver entrevista com Andrews, Anexo 2, para novas opiniões sobre adminitração radiofônica moderna.
225
Alô, tem alguém ligado aí
Na rádio a me ouvir?
Se houver me dê um sinal
Alô, procura-se alguém
Que queira ser meu bem
Se houver me dê um sinal...
230
6- CONCLUSÃO – RÁDIO-REFLEXÕES
Começamos este trabalho falando do rádio AM e terminamos com o Mário
Reis demonstrando sua confiança na retomada da importância desta faixa de
transmissão.
Evidentemente, eu poderia editar a entrevista dele de outra forma. Mas ao
ler essas últimas frases senti que dariam um bom fechamento. Mário demonstra com
elas a fé no rádio de uma maneira geral, não importa se AM, FM, Ondas Curtas, Digital,
Webrádios, etc. nesse meio de comunicação e esperança no que de vir e no que já
pode estar sendo gestado por seus amantes pelo mundo afora.
226
As possibilidades do rádio são infinitas. Todos enfatizam que é um meio de
comunicação barato, se comparado aos outros. É simples. Bastam alguns poucos
equipamentos para que sua voz chegue aos ouvidos de alguém.
Roquette-Pinto dizia que "o rádio é o jornal de quem não sabe ler; é o
mestre de quem não pode ir à escola; é o divertimento gratuito do pobre; é o animador
de novas esperanças; o consolador dos enfermos; o guia dos os, desde que o realizam
com espírito altruísta e elevado." [Copiado de placa de bronze na entrada da Rádio
MEC.]
Na Inglaterra não sei se em outros países também existem rádios em
hospitais, com programação voltada para os enfermos, tocando em cada quarto.
Quantas rádios comunitárias existem no Brasil, voltadas para a educação
não só a formal, mas aquela dirigida à cidadania, a esclarecimentos básicos sobre
higiene, prevenção de doenças, etc.?
Um estúdio de rádio instalado na Febem de Tatuapé SP é a
nova esperança de educadores na recuperação de jovens
infratores. Com um radialista e um sonoplasta, o grupo tem
aulas de gravação, edição e mixagem. Fora a parte técnica,
passa por um processo de discussão de pautas para a produção
de programas. É nessa etapa que educadores e psicólogos
pretendem reforçar debates sobre cidadania. "Para criar uma
programação de rádio, os jovens desenvolvem a capacidade de
ponderação, raciocínio lógico, consciência crítica. Percebem
que, para serem ouvidos, também têm de ouvir", dizem.
231
O músico Robertinho Silva, considerado um dos melhores bateristas do
mundo, conta que aprendeu bateria ouvindo dio: "Colocava o dio bem alto e
230
TAVARES, SHANDY e LINS. Alô (tem alguém ligado aí).
231
MATTOS, 2003h, p. E2
227
acompanhava as músicas". Ele contou essa história durante o programa "Parede 800",
na Rádio MEC AM (20-12-2003).
O rádio costuma ser o fundo musical de nossas tarefas cotidianas. É o único
veículo que soma tempo à vida das pessoas. Você ouve o rádio fazendo outras coisas.
Esta é considerada uma das vantagens do veículo e um de seus maiores trunfos.
Hoje, o rádio parece ter uma função de companhia incrível,
perceptível sobretudo em pessoas que ficam sozinhas em casa.
Outro ponto importante no caminho do desenvolvimento de
uma sociedade de massas, como está sendo o nosso, é a
utilização do rádio como pano de fundo sonoro, puramente
ambiental. O aumento crescente do consumo de automóvel
levou à ampliação do uso do rádio pela classe A, que estava
abandonando esse veículo.
232
A propósito, nos Estados Unidos, o rádio ganha de CD e celular, no carro.
O rádio ainda é o acessório preferido de motoristas e
passageiros de carro. (...) A constatação foi feita por uma
detalhada pesquisa norte-americana sobre os hábitos daqueles
que passam horas e horas no trânsito. Segundo o levantamento,
a audiência de rádio nos carros vem crescendo nos últimos
cinco anos e hoje já representa 34 por cento do total de ouvintes
nos Estados Unidos na Grande São Paulo, segundo o Ibope,
gira em torno de 8 por cento.
233
Permanecendo com exemplos dos Estados Unidos, vejamos a importância
do rádio durante o apagão acontecido em Nova York em agosto de 2003.
Saí para a rua e percebi que pequenas comunidades estavam se
formando em torno de funções variadas. Em frente ao prédio,
232
STROZENBERG, 1976.
233
MATTOS, 2003c, p. E2.
228
um rapaz ligou o rádio do carro no volume máximo. As pessoas
começaram a se reunir em torno do carro. O rapaz se tornou o
mestre de cerimônias, o condutor de uma orquestra. E o rádio
falava de enormes congestionamentos.
234
Enquanto isso no Brasil, o velho radinho de pilha vira herói.
Radinho de pilha vira 'ouro' no caos de Florianópolis.
No caos de Florianópolis que passou mais de três dias sem
energia elétrica e com problemas na telefonia e no fornecimento
de água--,o velho radinho de pilha acabou virando herói. Diante
do apagão que assolou a cidade na semana passada, AMs e FMs
transformaram-se no principal meio de comunicação entre as
autoridades e a população. Sem ter como ligar a TV, moradores
e turistas da ilha catarinense correram a lojas e camelôs atrás de
Walkmans e radinhos portáteis.
235
O rádio é democrático e tem ouvintes exigentes, como o engenheiro de
som, José Cláudio "Formiga" que quer um rádio "que não seja apenas fundo musical.
Quero parar para ouvir dio, quero uma programação que me faça parar para ouvi-la."
(Palestra no auditório da Rádio MEC – dia 26-11-03 – durante seminário em que se
discutiu o futuro das Rádios MEC AM e FM.) Nessa mesma palestra, Formiga mostrou
um CD de demonstração da Motorola, com uma transmissão tradicional de AM, com
vários ruídos, e a mesma transmissão com um som puro após a utilização de um chip da
Motorola para tirar ruídos na recepção. Esse sistema poderá anteceder o rádio digital,
pelo seu baixo custo, algo em torno de poucos dólares. O engenheiro lembrou contudo a
frase do autor de A Era Digital, N. Negroponte: "O importante não é a tecnologia, é o
conteúdo". Formiga (grande criador de efeitos sonoros para o rádio, o mais famoso
deles sendo o "Brasiiilll" utilizado pela TV Globo nos jogos da seleção brasileira, na
voz de Edmo Zarif) enfatizou que o dio nos faz pensar sem ter imagem. Rádio exige
produção, imaginação, "exige que eu aumente o volume do aparelho. Faz-se pouco
rádio hoje e muitos desligam o rádio por falta de opção", desabafou.
234
DIAS, 2003, p. 2
229
Roda mundo, roda gigante
Roda moinho, roda pião
O tempo rodou num instante
Nas voltas do meu coração...
236
2004. Começa o ano 81 do rádio no Brasil se tomarmos como marco a
Rádio Sociedade do Rio de Janeiro.
Duas notícias – entre várias outras – demonstram como sua presença é
permanente na memória do brasileiro e como vai se projetando através das décadas,
pelas mãos e mentes de seus admiradores.
Um documentário em longa metragem sobre a história da Rádio Nacional
está sendo rodado com produção do jornalista e diretor de TV Nelson Hoineff. O
filme vai mostrar a decadência da emissora que agora está sendo reformada com
verbas da Petrobras e se concentrar na época em que foi vedete da chamada era de
ouro do rádio, quando definiu modelos de produção cultural vigentes até hoje.
237
O outro acontecimento é o lançamento do livro "No Ar: PRK 30!"
acompanhado de dois CDs com gravações desse que foi/é considerado o mais criativo
programa de humor da história do rádio fruto do talento de Castro Barbosa e Lauro
Borges. O autor da obra é Paulo Perdigão, que hoje trabalha na TV Globo.
238
O rádio é uma escola – em todos os sentidos.
235
MATTOS, 2003g, p. E2.
236
BUARQUE. Roda Viva.
237
MATTOS, 2003
a, p. E2.
238
MOURA, 2003c, p. 6
230
Os dramaturgos Janete Clair e Dias Gomes que se tornaram dois dos
principais autores televisivos – atribuíam a habilidade artesanal de ambos à longa
prática de escrever e adaptar textos para o rádio.
239
O mais democrático meio de comunicação pode variar da mais simples
rádio comunitária a o mais sofisticado estúdio computadorizado de uma grande
emissora. No rádio cabem todos os estilos.
A evolução do rádio no país mostra como a criatividade do profissional
brasileiro tornou o veículo exemplo de excelência para o mundo durante um longo
período.
Assim como a música e o futebol, nosso rádio também é uma preferência
nacional e referência mundial. As rádios "comunitárias" ou "livres" (legais ou ilegais)
espalham-se como campos de pelada no éter.
Assim como músicos brasileiros costumavam ser perseguidos e presos por
vadiagem quando apanhados com seus instrumentos transitando pelas ruas, rádios o
fechadas diariamente. Para ficarmos nos bons exemplos, tomemos os casos da Rádio
Favela de Belo Horizonte e da Novos Rumos de Queimados, que depois de terem seus
transmissores lacrados e seus fundadores presos várias vezes, conseguiram impor-se
pela solidez de suas propostas, ganhando reconhecimento até internacional. Em vários
outros estados do Brasil há exemplos semelhantes.
Falamos atrás do prêmio recebido pela mineira Favela FM,
"principalmente pela capacidade de integrar os moradores 'do morro' aos 'do asfalto'."
240
Parece caber aqui uma advertência, bem séria, cantada por Wilson das Neves,
considerado um dos melhores bateristas do Brasil. "O dia em que o morro descer e não
for carnaval" é uma parceria dele e Paulo César Pinheiro, poeta, autor de mais de mil e
quinhentas músicas, sendo novecentas já gravadas. Trechos da letra:
O dia em que o morro descer e não for carnaval
239
MEDAGLIA, 1979, p. 6.
231
Ninguém vai ficar pra assistir o desfile final
Na entrada a rajada de fogos, pra quem nunca viu,
Vai ser de escopeta, metralha, granada e fuzil
(É a guerra civil)
(...)
O tema do enredo vai ser a Cidade Partida
No dia em que o couro comer na avenida
Se o morro descer e não for carnaval.
(...)
Ninguém sabe a força desse pessoal
Melhor é o Poder devolver pra esse povo a alegria
Senão todo mundo vai sambar no dia
Em que o morro descer e não for carnaval.
241
E se essas palavras forem proféticas? E se quando não der mais pra segurar,
não for mais o coração que vai explodir, como naquela canção do Gonzaguinha? E
se esse processo já estiver em andamento?
As rádios "oficiais", digamos assim, comerciais ou públicas, estão um
tanto burocratizadas, às vezes repetitivas, com as mesmas poucas músicas dos mesmos
poucos artistas revezando-se durante a programação diária como "jingles" de
propaganda. E muitos ouvintes querem ser surpreendidos positivamente quando ouvem
rádio.
Com tudo isso, nosso veículo vive hoje mais uma fase de "alta" definição
com a implantação iminente da técnica digital.
Com essa nova tecnologia à disposição, pouco importase a transmissão
for em AM, FM, Ondas Curtas, via satélite... O som será o mesmo: límpido, puro,
possante. A diferença será marcada primordialmente pelo nível dos profissionais de
cada emissora e a qualidade da programação oferecida aos ouvintes.
240
MATTOS, 2003 l, p. E2.
241
DAS NEVES; PINHEIRO. No dia em que o morro descer e não for carnaval.
232
Em todo lugar, a radiodifusão ampla está cedendo lugar para
uma radiodifusão tacanha. Os técnicos também asseguram que
as limitações de 500-1600 quilohertz [dial do AM] e 88-108
megahertz [dial do FM] em breve serão abolidas, possibilitando
a existência de centenas e finalmente milhares de novos canais
de rádio, fragmentando a audiência em uma miríade de grupos
de interesses especiais. Quando este desenvolvimento se der a
conhecer, o rádio precisará se tornar um meio de comunicação
de respostas rápidas e "cibernético", fazendo com que os
ouvintes fiquem mais ativamente envolvidos.
242
A que distância nos encontramos dessa realidade que parece estar próxima?
E como o rádio feito no Brasil sempre foi uma referência mundial, não poderemos
perder esse bonde (agora supersônico) da história.
vimos também que o nosso rádio hoje mesmo com seus defeitos
possui mais audiência do que a televisão, durante a maior parte do tempo.
O veículo profissionaliza-se cada vez mais a fim de concorrer com os outros
meios, cada vez mais numerosos e sofisticados.
As redes de dio amadurecem como alternativa para maior faturamento
comercial, no momento em que é colocado no mercado um aparelhinho que funciona
como um sistema eletrônico de veiculação, chamado RadioControl. Traduzindo: um
sinal eletrônico é inserido na mensagem a ser executada (um comercial, por exemplo).
A cada execução, o sinal é enviado a um computador central da empresa. Na seqüência,
são transmitidos às agências de publicidade e aos anunciantes, por meio da Internet,
relatórios com as características da mensagem, o nome da emissora que efetuou a
veiculação e, por fim, a data e horário em que a peça foi ao ar.
243
Agora o cliente terá
certeza de que seu anúncio foi veiculado ou não. Com isso o veículo ganha mais
credibilidade.
242
SCHAFER, 1997, p. 35.
243
LANYI, 1999, p. 76.
233
Mas mesmo contando com tantas parafernálias modernas e com toda a
audiência que possui, uma parcela significativa da população não ouve rádio, o rádio
ainda não faz parte de seus hábitos diários, mesmo que existam aparelhos em casa ou no
carro.
O que fazer para conquistar essa audiência?
Está aí colocado mais um desafio para os profissionais do meio.
Algumas sugestões – além do trabalho profícuo realizado pelo GPR, o
Grupo dos Profissionais do dio, mencionado: reler a história do rádio; reestudá-la;
relembrar os momentos marcantes da nossa radiofonia; adaptar alguns desses exemplos
à realidade atual; buscar novas opções; realizar oficinas e cursos de rádio, com pessoal
experiente, a fim de formar novos profissionais qualificados. Tem muita gente com
muita experiência e conhecimento querendo transmitir suas vivências, só esperando um
convite.
O rádio precisa voltar a ser moda nacional e a ser mais estudado nas
universidades. E se todos os estilos cabem no rádio, e se cada brasileiro é um
comunicador nato - um repentista, um camelô, um contador de histórias e se as ondas
do ar são livres, o que está faltando para que essa comunicação se realize e/ou se amplie
criativamente? Porque, como ensinou o Velho Guerreiro, "Quem não se comunica, se
trumbica".
E mesmo com todas as televisões, celulares e Internets, o pequeno e
poderoso radinho de pilha, continua sendo nosso velho herói de estimação, a caixinha
mágica de onde irradiam-se pitadas de realidade e poções de sonho para (quase) todos
os gostos e necessidades.
E por falar em sonho, noutro dia tive um.
234
Uma menina me entregava um livrinho sobre rádio, quase um pergaminho,
bem antigo... Parecia conter informações raras, semi desaparecidas. Eu o olhava com
interesse e olhos arregalados, certo de que dali poderiam vir as explicações que estamos
buscando e as sugestões esperadas.
Como acordei em seguida, não pude saber de seu conteúdo, e se um dia ele
chegar às minhas mãos prometo passá-lo adiante. Mas será uma outra história.
Enquanto isso, quem souber e puder que conte outra.
- Locutor – "Acabamos de apresentar pela Rádio Eco..."
- Técnica Entra com a faixa 4 CD de Milton Nascimento Rádio
Experiência e toca até o final. [caixa alta para destacar o encerramento].
CARÍSSIMOS OUVINTES, OBRIGADO
PELA ATENÇÃO A MIM TÃO DISPENSADA
NOSSA PROGRAMAÇÃO SE ENCERRA AGORA
MAS DE TEIMOSA VOLTA AMANHÃ
PLATÉIA DE MEUS SONHOS TÃO AMADA
O CANTO É O CHAMADO PRA VIVER
QUANDO O SHOW TERMINAR
LEVEM PRA CASA
NÃO DEIXEM QUE ELE MORRA POR AQUI
EU QUERO ALEGRIA EM CADA VOZ
QUE A ANTIGA ESPERA TENHA A SUA VEZ
E O SONHO QUE CARREGO EM MINHAS COSTAS
É O LAÇO DE UNIÃO ENTRE VOCÊS.
NÓS...
244
"Em muitas concepções tradicionais africanas,
instrumentos musicais se assemelham aos seres humanos:
possuem fala e transmitem mensagens. Instrumentos
235
musicais muitas vezes substituem a voz humana, podendo
até mesmo manifestar uma fala divina."
245
Gratidão profunda aos nossos antecessores.
[Técnica – fade in Cantoras do Rádio – roda até o final]
Canto pelos espaços afora...
Nossas canções cruzando o espaço azul
Vão reunindo num grande abraço
Corações de norte a sul
Canto e sou feliz só assim
Agora peço que cantes
Um pouquinho para mim
246
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HIME, F.; HIME, J. Cinema Brasil.
JOBIM,; A.C.; MENDONÇA, N. Desafinado.
JOBIM,; A.C.; MORAES, V.de. Chega de Saudade .
LINS, G.; SHANDY, L.; TAVARES, H. Alô (tem alguém ligado aí).
LOBÃO. Me chama.
LOUZADA, A. Fascinação.
LUIZ, R.; SANDOVAL, C. Mensagem de natal
MARTINS, H. Meu rádio e meu mulato.
MOREIRA, M.; WALTER, Z. Indagações de um analfabeto.
MOREIRA, M. Sintonia.
NEGUINHO DA BEIJA-FLOR. O campeão.
PENTEADO; SILVA, E; VIOLA, M.D.da. Exaltação a Tiradentes.
PESSOA, C.; BARMACK, C.; MELLO, B.; FROMER, M.; BELLOTTO, T. Sonífera
Ilha.
RAIMUNDOS. A mais pedida.
RAMALHO, Z. Admirável gado novo.
RICARDO, P.; SCHIAVON, L. Rádio Pirata.
RODRIGUES, L. Felicidade.
TUNAI; NASCIMENTO. Certas Canções.
VALENTE, A. Brasil Pandeiro.
VENTURINI, F.; VERCILO, J. Fênix.
VERCILO, J. Que nem maré.
VILHENA, B.; LOBÃO. Revanche.
WAGUINHO. No rádio vai tocar.
246
ENTREVISTAS
- ADRIANA RIEMER locutora-apresentadora (FM O DIA) e promotora de
eventos.
- EDUARDO ANDREWS – coordenador artístico (Sistema Globo de Rádio)
- EUNICE KHOURY – diretora-proprietária da Rádio Imprensa FM
- GIOVANI MARANGONI – publicitário (Elipse comunicação e marketing)
- JANE CELESTE GUBERFAIN – fonoaudióloga
- JOÃO RODRIGUES ex-operador de áudio (atualmente coordenador de pós-
produção da TV Globo)
- JORGE VERCILO – cantor e compositor.
- JOSÉ CARLOS ARAÚJO – Locutor esportivo
- LUIZ CARLOS SAROLDI – professor e radialista
- MÁRIO REIS – diretor do Sistema O DIA de Rádio
- ROBERTO MENESCAL músico, compositor, produtor, proprietário de
gravadora.
- SIMON KHOURY locutor-apresentador, diretor-proprietário da Rádio Imprensa
FM.
247
Programas de televisão
CONEXÃO ROBERTO D'ÁVILA – entrevista com André Midani. 07-12-2003.
OBSERVATÓRIO DA IMPRENSA – especial sobre os 80 anos da Rádio MEC. 23-12-
2003.
ANEXOS
248
ANEXO 1
Fernando Mansur entrevista Luís Carlos Saroldi – 20-10-2003
249
Segunda Parte da Entrevista
O professor e radialista Luiz Carlos Saroldi (ver capítulo referente a ele na
tese) narra em detalhes o que foi a Rede da Legalidade, devidamente mencionada nesta
tese. Mas aqui a narrativa é bem mais completa. Chegamos quase a ver o filme desta
história que Saroldi considera "o clímax da utilização do rádio no sentido político", o
período de 61 a 64.
Ainda teremos histórias sobre a época de ouro da Rádio Nacional, sobre a
"Política da Boa Vizinhança" que marcou as relações Brasil-Estados Unidos durante a
Segunda Guerra, e como isso influenciou no desenvolvimento de nosso rádio.
Saroldi destacará também relevância de um nome pouco conhecido
atualmente: José Mauro. Entre outras coisas, as modificações que ele introduziu na
Tamoio modernizaram o veículo rádio e deram-lhe fôlego novo após a chegada da
televisão, além de ser o embrião para o sucesso da Rádio Mundial e, posteriormente, da
Cidade FM.
Nossa entrevista termina com o professor avaliando o momento atual do
rádio e apontando saídas.
Para os estudantes, locutores, produtores, programadores... é um maná. Bom
apetite. Acompanhe e confira.
(Obs. Devido a uma falha técnica, os primeiros segundos da entrevista não
foram gravados.)
Saroldi: ... porque se agrava fora, a partir de 1933, com a ascensão do
nazismo, na Alemanha, se agrava o quadro de uma guerra mundial, em processo; as
forças nazistas, de um lado, unidas com as fascistas e que depois se ligam com o Japão e
a coisa pega fogo. E o Hitler em cima, usando o rádio também como meio de difusão
250
dos ideários nazistas, que eram reconquistar aquelas terras perdidas na Primeira Guerra
Mundial. Bom, o Getúlio entende isso e se volta muito para a idéia de o Brasil ter uma
rádio. E vai ter isso em 36, com a Rádio Nacional. Em 36 não, em 40. Porque em 36
entra a rádio Nacional, mas em 40, quando a guerra se define (se declara) realmente
que ele encampa, em março de 40. A guerra começou oficialmente em novembro de 39
e ele, em março de 40, encampa a Rádio Nacional. Mas antes disso havia um órgão
voltado para a difusão cultural e política do governo, que era entregue ao Lourival
Fontes, que depois (em 39) vai ser também o diretor do DIP (Departamento de Imprensa
e Propaganda).
Mansur: Surge também a Voz do Brasil.
S: Surge a Voz do Brasil em 34. Então eu acho que Getúlio teve esta visão
do rádio. E quem herdou também muito isso, de certa maneira, foi o Brizola. Também
gaúcho e que acompanhou, naturalmente garoto, tudo isso acontecendo, viu esta
utilização do rádio e quando se candidatou a prefeito, nos anos 50 eu acho, em Porto
Alegre, ele usou muito o rádio: discursos, inaugurações, comentários... Ele passou a
usar muito bem o microfone e depois quando foi candidato ao governo do Rio Grande
do Sul, também usou muito o rádio e foi eleito.
M: Em 1959, não é?
S: Exatamente. Depois você deve ter acompanhado ou sabido desta Rede da
Legalidade que ele monta, quando naquela renúncia do Jânio, em 61, no dia 25 de
agosto, Dia do Soldado, o Jânio Quadros, com apenas sete meses de governo, eleito por
uma maioria absoluta, vindo de um partido pequeno, o Partido Democrático Cristão, e
apoiado pela UDN (Lacerda e todos os outros) ganhou a eleição. Mas ganhou com um
vice do partido oposto. o partido do Getúlio, o PTB, e que foi o João Goulart. Uma
espécie de afilhado do Getúlio Vargas. Bom, o Jango não tinha o mesmo talento para
usar o rádio nem para outras coisas, mas o Brizola tinha. Então quando o Jango estava
viajando, nesse momento da renúncia do Jânio Quadros, que acontece de manhã,
durante as homenagens do Dia do Soldado, em Brasília, ele apresenta uma carta que o
ministro dele leva para o congresso. E, ao contrário do que dizem que ele esperava, esta
carta é aceita. Carta de renúncia. Os militares formam logo uma junta tríplice para tomar
251
o poder, já que o vice presidente, que seria o herdeiro natural, não estava no país. Estava
na China, logo o pior lugar que ele podia encontrar para referendar sua posse. Eles então
vetam a entrada do Jango e tomam posse. Assumem o poder. O Brizola, no governo do
Rio Grande do Sul, se rebela contra isso achando uma usurpação e o congresso decreta
o parlamentarismo. Não, o parlamentarismo foi depois. Nesse momento eles
simplesmente vetaram a posse do Jango. O Brizola, dentro do Palácio Piratini, resolve
se manifestar contra. O primeiro manifesto, divulgado pelas dios principais de Porto
Alegre: Farroupilha, Gaúcha, Difusora... e a Guaíba não divulga esta manifestação do
Brizola contra a junta militar. A Guaíba é exatamente uma emissora local, de uma
família local, dona de um jornal chamado Correio do Povo, tradicional, e que tinha
montado uma rádio bastante moderna, bem diferente das outras e que se baseava um
pouco na rádio Eldorado, de São Paulo e do Rio, e na rádio JB, pela pesquisa musical e
pelo tipo de jornalismo.
M: A família Caldas...
S: Caldas Júnior. Então o Terceiro Exército, do general Machado Lopes, vai
lá, a mando da Junta Militar e retira os cristais destas três emissoras que divulgaram
aquele documento. Não fazem isso na Guaíba porque a Guaíba o tinha divulgado o
manifesto brizolista. O Brizola, muito vivo, resolve baixar um
pedido/documento/decreto requisitando os transmissores da dio Guaíba para dentro
do palácio Piratini, na Praça da Matriz, em Porto Alegre, para no porão instalar uma
emissora, que seria a emissora a favor da legalidade. No começo era tudo improvisado,
ele fala o tempo todo. Tem um locutor, que veio da dio Guaíba, para ajudar, com o
operador de som Holmes de Aquino também. Ele ajudava a montar e transferir os
equipamentos lá para dentro, e tudo passou a funcionar imediatamente. Mas ainda existe
uma expectativa, ninguém sabe bem para onde vai aquilo.
A emissora tinha ondas médias e duas ondas curtas funcionando. Então o
Brizola passa a fazer discursos e isso começa a chamar atenção de outras emissoras do
Brasil; e ele começa a propor que entrassem em cadeia. E algumas começam a entrar
efetivamente por todo o estado do Rio Grande do Sul e vão somando. Isso a partir do
dia 27 de agosto. Dia 25 tinha sido a renúncia do Jânio e dois dias depois ele bota no ar
252
essa rádio e começa esta campanha no dia 27. Isso vai até o dia 5 de setembro. E vai
crescendo. Por quê? Porque logo depois, um locutor que fazia o Repórter Esso da Rádio
Farroupilha, locutor exclusivo do Repórter Esso, Lauro Hagenann, que foi depois
presidente do Sindicato dos Radialistas de Porto Alegre e que era uma pessoa muito
conceituada, muito séria, foi eleito vereador também. Ele vai para e voluntariamente
se põe ao dispor do Brizola, ocupando o microfone para dar um descanso para o outro.
Os radialistas profissionais de Porto Alegre começam também a aderir, assim como os
jornalistas. Então, dentro do Palácio Piratini, no porão, se instala uma sala de imprensa e
a rádio. Começam a fluir para jornalistas de todo o Brasil e do exterior, porque o
pessoal do Uruguai e da Argentina, que estavam vivendo as mesmas pressões que o
Brasil, naquele momento, década de 60, estavam atentos e começam a se transferir para
Porto Alegre para cobrir os acontecimentos para ver qual seria o desfecho daquele fato.
Então, nesse período, o rádio vai ser realmente um veículo fundamental, vai ser o
veículo de mobilização. Daí a pouco são 104 emissoras funcionando, em cadeia, nesta
Rede da Legalidade.
M: O Rio transmitia através da...
S: O Rio o transmitia, porque o governo estava muito presente em
Brasília e no Rio, muito presente, e havia reação. Eu tenho a impressão que não
transmitia. Você tinha que captar as ondas curtas. Eu me lembro que o Elmo Rocha
[operador de áudio], por exemplo na dio JB, ligou um [gravador de rolo]ampex. Ele
declara naquele programa dos 50 anos da Rádio JB, que começou a gravar tudo que ele
ouvia e pegava no ar.
Continuando, então o general Machado Lopes, comandante do Terceiro
Exército, diz o à primeira investida do Brizola para assumir a posição dele com
relação aquele fato do impedimento, inconstitucional, da posse do vice presidente da
República, eleito pelo voto direto. O general Machado Lopes disse que não, que ele era
um soldado e que iria ficar fiel ao governo central. E se isola do Brizola. E o Brizola
começa a movimentar um voluntariado, ao mesmo tempo que ele tem a Brigada
Estadual Militar equivalente a nossa Polícia Militar, que tem uma tradição guerreira no
Rio Grande do Sul, participando daquelas famosas revoluções gaúchas. Então, o
253
governador tem aquela força e isola a ilha onde estão os transmissores da Rádio Guaíba
para impedir a entrada dos militares que iriam tirar a rádio do ar. Mas o governo central,
a junta militar, também não dorme de touca: está disposta a tudo, até mesmo
bombardear o Piratini. Isso é falado e levantado, armam uma tentativa, mas ela é
desarmada pelos próprios militares da Aeronáutica, inclusive os soldados, que na
manutenção dos aviões criam problemas e os aviões não decolam. Enquanto isso o
Jango está vindo da China e vai até Montevidéu; depois de Montevidéu é que ele vai
chegar a Porto Alegre. Então ele vem pelo Rio Grande do Sul, realmente, e aí o
congresso negocia com os militares aquela solução do parlamentarismo, a implantação
do parlamentarismo com o Jango. Aceitam o Jango se o Jango aceitar a limitação dos
seus poderes, saindo do presidencialismo, para o qual ele foi eleito, para o
parlamentarismo. O Brizola é contra isso, mas o Jango aceita. O Brizola não tem outra
coisa a fazer senão também recebê-lo. O general Machado Lopes, que antes estava
contra, resolve apoiar o Brizola, que sente o clamor, sente toda mobilização, sente a
pressão popular, em torno da posse do Jango e ele vem e adere ao governo do estado do
Rio Grande do Sul. Então há uma confraternização e aquele perigo do Terceiro Exército
se confrontar com as forças da Brigada desaparece. Isso vai durar até a vinda do Jango,
que vai tomar posse em Brasília. Mas pelo menos é recebido no Palácio, discursa, diz
que vai aceitar e tal. No dia 5 de setembro, à noite, o Brizola desmonta a Rede da
Legalidade. Então esse período é como se fosse o clímax da utilização do rádio no
sentido de mobilização política. E foram dez dias em que realmente tudo ficou no ar,
com tudo chegando à população através das ondas. Houve um suspense em torno disso:
será que o Jango aceita ou não aceita? A solução vai ser essa ou não? Aqui no Rio
também estava muito agitado.
M: Você acompanhou, de alguma maneira, esse desenrolar?
S: Acompanhei, porque eu estava trabalhando na Rádio JB. Então, toda a
cobertura da Rádio JB era muito boa, jornalismo, JBI, repórteres intermediários...
E a movimentação popular estava toda ela na Cinelândia, naquele centro da
cidade, Avenida Rio Branco, Cinelândia, eu cheguei a ir várias vezes para lá ver bomba,
gás lacrimogêneo explodindo para afastar o pessoal. E o governo do Rio era o Lacerda,
254
que era totalmente contra tudo isso. Então, os três anos que se seguem, do governo
parlamentarista até 1964, de 61 a 64, são de grande utilização do rádio com intuitos
políticos.
O Brizola depois vem para o Rio passar a usar - dizem que se tornou sócio,
ou alguém por ele -, da Rádio Mayrink Veiga, que se atinha a uma tradição de
programas políticos, e ele então começa, mais perto de 64, a pregar a formação do
Grupo dos 11.
M: Que grupo foi esse?
S: Leonel Brizola achava que os brasileiros deviam se unir em grupos de 11
pessoas, que corresponde a uma companhia na formação militar, que iriam se manter
em contato, para caso houvesse uma necessidade de uma mobilização popular
estarem mais ou menos preparados. Isso ele divulgava. Recebia os comunicados,
recebia as pessoas dizendo "eu formei o grupo dos 11 com fulano, ciclano, beltrano"
esses nomes todos ficavam e depois foram perseguidos porque achavam que era a
formação de uma força paramilitar. Não era porque não havia nem preparação para isso,
nem condições de fazer isso. Mas, enfim, havia uma intenção de mobilizar a população.
M: E como foi a vinda do Brizola para o Rio?
S: Ele vem para e ganha uma eleição de deputado mais votado... Ele sai
do Rio Grande no meio desse processo, se transfere para o Rio, depois uma eleição
que ele concorre e é o deputado federal mais votado. Então ele iria para Brasília. É
exatamente isso.
Por outro lado havia uma reação ao Jango, grupos contrários às reformas de
base que o Jango propunha: a reforma agrária principalmente, depois a reforma urbana,
que era o negócio de apartamentos fechados que ele iria obrigar proprietários a alugar
mais barato. Claro que a população urbana carioca passou a ser área de manobra de
todas aquelas entidades que estavam infiltradas em várias siglas: IBADE (Instituto
Brasileiro de ão Democrática), o IPES e a CAMDE (Campanha da Mulher
Democrática) que era aquela que se dirigia às senhoras donas de casa e à Igreja, e que
255
propôs aquela passeata de "Ouro para o bem do Brasil". Então todas essas novidades
estavam ligadas, claro, a influências de fora. Tinha dinheiro, tinha gente muito
importante capitaneando essa ão. Filmetes eram feitos. Vários filmetes foram jogados
em cinema, televisão, além de spots de rádio e aprogramas de rádio. O IBADE fazia
programas de rádio que eram distribuídos assim, gratuitamente, para emissoras, como
atração, dizendo que faziam uma campanha democrática. Mas no fundo eram contra
todas as propostas do Jango. Houve gente muito importante: a Denise Assis fez um livro
sobre as produções cinematográficas disso, que tinham roteiros até do Rubem Fonseca.
Então procura esse livro da Denise de Assis sobre isso. O Rubem Fonseca trabalhava no
IBADE, pessoa de confiança.
Então, há toda essa mobilização dos dois lados e tudo passando pelo rádio.
Porque apesar da televisão ter começado em 1950, ela ainda o tinha a velocidade de
botar no ar a qualquer momento, qualquer matéria. Porque era uma grande equipe para
se mobilizar, ainda usavam película para filmar e não VT, não havia câmera digital, não
havia toda esta facilidade portátil de informação rápida pela televisão. Então havia os
debates. Tinha um programa, na TV Rio se o me engano, domingo à noite, que era
um jornalista da Tribuna da Imprensa que fazia, competente até, que levava os
candidatos todos. Eu ouvi todos os programas dele. Levava o Fernando Ferrari, levava o
Brizola, levava o próprio Jango. Então havia os programas de debate, mas o jornalismo
não tinha a mesma rapidez, a mesma eficiência que tem hoje em dia. E o dio supria
isso. O rádio permitia isso, com muito maior facilidade. Então, esse período todo era um
período de grande efervescência radiofônica. Apesar da televisão estar fazendo 13 ou
14 anos de inaugurada no Rio e em São Paulo, ela ainda engatinhava. Algumas
emissoras voltadas para a linha de shows, outras voltadas mais para esportes, a Globo
ainda não se firmara como essa grande emissora hegemônica que é hoje. Então, esses
três anos vão ser realmente dessa efervescência.
M: De 61 a 64?
S: De 61 a 64. E tudo isso começa com a Rede da Legalidade. Essa Rede da
Legalidade, montada pelo Brizola, faz girar o jogo político nacional e internacional,
porque a intenção desses grupos era fazer aquilo que não conseguiram em 54: derrubar
256
o Getúlio e implantar um governo de direita, alinhado com os EUA. Sem mexer em
remessa de lucros, coisa que o Getúlio tinha feito, tinha fundado a Petrobras, a
Eletrobras, todas essas coisas de estatização de fontes fundamentais para a riqueza
nacional. Eles não queriam nada disso, o [Carlos] Lacerda o queria nada disso, então
tudo que ele pregava era contra isso. Todos esses programas, todas estas campanhas,
toda esta utilização vai ser de uma mobilização tal que vai ser, digamos, muito útil a
para o amadurecimento político dos brasileiros. Mas que tudo isso vai parar em 64,
porque vem a censura total, o do rádio como da imprensa. Principalmente o rádio,
que vive da palavra, vive da instantaneidade, da rapidez, esse é o que vai sofrer mais.
Claro que todos aqueles jornais de esquerda tiveram vida breve. Não resistiram também
ao bloqueio econômico: ameaças de não comprar os produtos daquelas firmas que
patrocinavam ou botavam anúncios naqueles jornais de esquerda. Então, tudo isso tem
muito o centro no rádio. Tanto que você sente que logo depois os militares começam a
se preocupar com o rádio porque tinha sido baixada a censura. Implantaram o chamado
"dedo duro", aquele gravador que ficava gravando 24 horas por dia, em marcha bem
lenta; assim os censores podiam verificar se a rádio tinha dado algum tipo de
informação contra os interesses deles. Se tivesse, a emissora poderia ser punida.
Então o rádio, daí em diante, vai ser muito mutilado na sua capacidade de
informar, na sua presença. Começam a surgir soluções: os comunicadores, a "Faixa da
Alegria" na FM, que é uma concessão do governo, um estímulo do governo militar para
que as empresas fabricantes de aparelhos de rádio instalassem mais uma faixa, que era a
faixa FM, que antes funcionava como link, uma ligação entre o estúdio e o
transmissor.
Já estava assim na Europa, principalmente na Alemanha. Os governos
ocidentais que entraram na Alemanha, resolveram isso: limitar o uso do rádio de ondas
médias e curtas, porque permitia que as transmissões ultrapassassem fronteiras dos
estados e dos países vizinhos, como os nazistas tinham feito para fazer propaganda.
Então eles implantam rádio em FM e todas as províncias alemãs vão ter, cada uma, a
sua emissora. E a posse das antenas e do transmissor fica aos cuidados dos Correios e
Telégrafos e o da própria emissora. O governo tem sempre acesso a isso, se quiser.
257
No Brasil não fazem tanto assim, mas implantam a FM, que herda o mesmo caráter de
uma faixa alegre, alienada, divertida, muito mais musical, apolítica... E isso foi tão bem
implantado que no começo se falava muito que a faixa FM era musical, por causa do
som estereofônico, da alta fidelidade, da qualidade sonora, e a faixa AM deveria ficar
para o jornalismo: o rádio falado. Mas naquela época eles queriam uma rádio falada que
falasse de outras coisas e não de política. Tudo menos política. E isso, claro, que afetou
a linguagem do rádio bastante.
M: O Brizola, então, gostava muito de rádio, você citou. Quando ele voltou
para o Brasil, depois do exílio, ele tinha um programa também na JB. E foi a Rádio JB
que ajudou na eleição dele para governador do Rio, ao revelar a armação do Instituto
Proconsult junto com a TV Globo, não foi?
S: Foi, desmascarando aquela farsa do Proconsult, que era uma armação. E
houve um alerta até do Homero Sanchez, que trabalhava na Rede Globo. Era um dos
cabeças da Rede Globo. Homem da pesquisa, que pesquisava os personagens das
novelas e dizia ao autor "o pode matar este personagem porque ele tem muito
sucesso, vai perder Ibope. Então estimula este personagem, aumenta, mais peso a
este personagem". Esse Homero Sanchez também se interessou por política, fez a
pesquisa dele e viu que o Brizola ia ganhar do Moreira Franco. E de repente começou a
perceber que havia uma armação naquilo tudo. E alertou o Brizola também. A Globo
dava os resultados apurados pela Proconsult, e nestes Moreira Franco estava na frente.
Mas a JB, como fazia sua pesquisa própria e era no mesmo prédio, na Avenida Brasil
a Proconsult estava funcionando na época – e os caras dessa empresa estavam por lá,
os responsáveis por isso, e discordavam dos resultados que a JB estava dando: Brizola
na frente. A coisa foi pegando fogo até que se desmascarou. Então Brizola tinha esta
no dio. Tanto que depois ele passou a fazer um programa pela JB, quando ele voltou,
já no segundo governo dele, acho que em 89... coincide com o governo Collor.
M: O programa chamava-se "Fala Governador", é isso?
S: "Fala Governador", era isso mesmo. Então é isso. Acho que o importante
nessa coisa toda é que nessa utilização do rádio politicamente, esse capítulo da Rede da
Legalidade é altamente expressivo. Ele ilustra muito bem como isso pode virar um país.
258
Pode virar uma decisão de governo imposta, de repente, contra a vontade popular. E
utilizando bem o rádio a população consegue virar. Porque ali os militares começaram a
tremer e começaram a aceitar uma composição com o Jango, deixaram de ser tão
radicais. E alguém inventou a fórmula do parlamentarismo.
O Rádio e a "Política da Boa Vizinhança"
M: Vamos voltar um pouquinho no tempo: a Segunda Grande Guerra, a
Política da Boa Vizinhança, aquele biinter americano e a ida dos artistas brasileiros,
locutores, entre outros, para os Estados Unidos. Os locutores iam fazer alguma
especialização ou só conhecer o rádio na América?
S: A Política da Boa Vizinhança visava unir as Américas fazendo frente a
expansão do nazismo. Havia aquele negócio da Quinta Coluna, da espionagem,
mobilização de pontos, no Brasil, para informar a trajetória dos navios que estavam
sendo torpedeados pelos alemães, no começo da guerra. Havia uma preocupação e por
isso eles [Estados Unidos] botaram o programa Repórter Esso em Havana, no Brasil e
em outros países da América. Precisavam armar uma rede de informação contra a
expansão do nazifascismo. Mas junto com aquilo houve a preocupação do governo
Roosevelt de integrar o Nelson Rockfeller, que dirigia esse birô e foi quem decidiu
trazer ao Brasil o Orson Welles que escrevia até discurso para o Roosevelt e era amigo
dele e dirigia teatro, naquele Movimento Federal de Teatros. O Orson Welles que tinha
acabado de dirigir o "Cidadão Kane" é convidado para vir para e filmar sobre o
Brasil. E ele vem. Antes de terminar o filme ele deixou as ordens e se mandou para
cá. O filme estréia e parece que ele acompanha na primeira projeção. Chega aqui e
se deslumbra, começa a descobrir o samba, bebida, as mulheres. Se apaixona pela Linda
Batista e por aí a fora. Tem todo uma história, e ele começa a fazer filmagens que iriam
resultar no filme "Tudo é Verdade", sobre o Brasil. E acaba sendo editado depois da
morte dele, pela filha dele e um assistente. O Orson Welles também era um homem de
rádio. Aqui ele ainda grava coisas. Tem até um capítulo em que ele pede socorro ao
Haroldo Barbosa, Na rádio Nacional, para gravar de madrugada, que era o único horário
silencioso na rádio, um trecho com a voz dele, uma narração, para o filme "Soberba".
Ele então grava de madrugada com o Haroldo Barbosa, depois que a dio sai do ar.
259
Saía às duas horas da manhã ou uma hora da manhã. Ele queria silêncio absoluto e o
Haroldo disse que só naquela hora. Então ele se integra com os homens de rádio.
Haroldo Barbosa acaba trabalhando com ele, também vai trabalhar junto com ele. O
Ghiaroni, que falava inglês, também vai para ser assessor nas filmagens. Então Welles
se integra muito com o pessoal de música e chega a gravar programas aqui no Brasil
para a NBC, acho. Programas para os Estados Unidos, contando detalhes da estada dele
no Brasil. E quando ele volta para os Estados Unidos, ele faz a mesma coisa de para
cá. O conjunto Bando da Lua, que es presente, com a Carmen Miranda na
Broadway, participa dos programas do Orson, contando coisas do Brasil... O Aloysio de
Oliveira conta isso no livro dele.
Acho que no bojo disso vem esta necessidade da presença de locutores
brasileiros e ondas de rádio brasileiras para participar, o do serviço brasileiro
que é instalado depois na [Rádio] Voz da América, como daqueles filme das grandes
companhias cinematográficas. Havia os Jornais da Tela, que passavam no cinema antes
dos filmes. A Metro contratou o [locutor]Luís Jatobá, que ia fazer no dio Your Hit
Parade focalizando os artistas em ascensão, o Sinatra cantando com a orquestra do
Tommy Dorsey... e o Jatobá apresentava aquilo muito bem e era retransmitido por
rádios brasileiras. Também passou a ser locutor dos Jornais da Tela da Metro. Tinha um
outro locutor, que estava ligado à dio Nacional, Pinto Tameirão, tinha uma voz
excepcional que também foi para os Estados Unidos, em 42 ou em 41. Ele vai também
para e depois volta aqui de férias e participa de um programa na Rádio Nacional já
com aquela voz, aquela impostação divulgada pelo cinema, pelos Jornais da Tela. E
outros também.
M: Tinha o Ramos...?
S: Ramos Calhelha, que era também um locutor excepcional, que também
participava de programas de ondas curtas e participava de jornais. A BBC também faz o
seu Jornal da Tela e tem uma personalidade que era produtor lá e era violinista chamado
Aimberê, da BBC. A apresentação dele era sempre: "De Londres para o Brasil na voz de
Aimberê, da BBC" daí veio o nome do jornal. E tinha na França também, mas eu não
me lembro quem fazia este programa.
260
Estes serviços latino americanos instalados por essas grandes emissoras, em
vários países, também começaram a abrir espaço para locutores e redatores brasileiros.
Fernando Lobo é chamado depois, ele já era produtor aqui quando aparece a proposta de
ir para a Voz da América e ele vai, e claro, ganha dinheiro com isso. Viam o rádio
americano, viam como eram feitas essas coisas lá, aprendiam algumas coisas e depois
voltavam. Outros ficaram. O Aurélio de Andrade, da Rádio Nacional, também vai para
a BBC e fica por algum tempo, durante a guerra, uns três ou quatro anos. O Antônio
Callado, jornalista e escritor, também trabalha na BBC, apresentando boletins
noticiosos. E muitos outros. Então, este trabalho de integração é fruto da Segunda
Guerra Mundial e, claro, abriu uma porta que depois passou a ser comum. Tanto que
muitos artistas, mesmo não sendo convidados, resolvem ir lá para ver os Estados Unidos
e o rádio americano. Me lembro do Celso Guimarães, importante figura da Rádio
Nacional, numas férias, ele apresenta uma licença, ou coisa semelhante e vai para os
EUA. Na volta, escreve um livro. Não me lembro o título agora, mas é um livro falando
muito bem dos EUA e maravilhado com a pujança e o adiantamento do rádio
americano. O Haroldo Barbosa também depois resolve visitar os EUA. Ele está
interessado em montar um negócio de disco no Brasil e o Aloysio de Oliveira fala desta
visita no livro dele "De banda para a lua". Conta que recebeu o Haroldo Barbosa e que
até tinha uma preocupação porque o Haroldo era mais para mulato. E diante de todo
aquele preconceito de cor nos Estados Unidos, que o Aloysio conhecia muito bem, ele
ficou preocupado, porque ele ia levar o Haroldo para conhecer o Walt Disney e outros.
E tinha medo de como isso iria repercutir. Mas foi bem, não houve problema maior,
não. Ele conseguiu conciliar tudo isso direitinho. E o Haroldo volta com idéias do que
iria fazer. Então isso, de certa maneira, foi positivo. Mas também houve distorções.
Distorções de cópias de programas americanos. De ouvir as coisas e querer
transplantar para o rádio brasileiro. Isso também acontecia através das agências
publicitárias que também entram nesse momento. A McCann Erickson entra neste
momento, a Standard Propaganda, que é brasileira mas também é introdutora da
radionovela, através do Gilberto Martins, que propõe a transmissão de uma novela
cubana, introduzida por ele. E a Em Busca da Felicidade que é um sucesso em 1941.
261
A guerra tinha começado havia pouco e o Brasil estava entrando na guerra.
Então este intercâmbio se acelera, mas compreende-se porque havia toda a mobilização
da Segunda Guerra Mundial. Tinha que criar uma barreira. E você vê que o Walt Disney
também é mobilizado por isso e faz aqueles filmes: Três Caballeros, onde uma figura é
o Carioca, do desenho animado, o outro é um Cubanito e o terceiro é o Pancho, o
argentino. Então o "Alô Amigos" é o filme que é voltado para as Américas, para a união
das Américas contra o nazifascismo. Ainda mais que o Brasil era importantíssimo nisso
porque tinha uma colônia alemã, no Rio Grande do Sul, de quase um milhão e 800 mil
súditos da Alemanha, fora os italianos. Então, havia uma preocupação muito grande
com isso. Eram pessoas que ficavam voltadas para os seus hábitos e seus costumes
germânicos nacionais. o falavam nem português. Podiam sobreviver sem falar
português perfeitamente. E esses também aderiram muito ao integralismo, nos anos 30.
Em 35 é a Intentona Comunista, que é logo dominada, e em 38 os integralistas se
entusiasmam com as suas passeatas, com seus desfiles, com o seu guarda roupa e tentam
tomar o Palácio Guanabara, onde estava o Getúlio Vargas e são rechaçados. E aqui
havia grande número de alemães, e italianos também, que se entusiasmavam com aquela
mobilização uniformizada de um partido que se identificava com o nazifascismo.
M: Agora, o Getúlio Vargas, mesmo com a censura e perseguições no seu
governo, conseguiu capitalizar muito bem tudo isso, em prol do desenvolvimento do
país e do próprio desenvolvimento do rádio brasileiro, o é? Como é que a Nacional
conseguiu ser tão eficiente assim?
S: É. O que mais me espanta, Mansur, é que ele encampa a Rádio Nacional
num momento em que estávamos num estado de exceção. O Estado Novo tinha sido
decretado. por Getúlio. em 37. A Nacional tinha começado em 36. Três anos depois,
assim que se define o mundo em guerra, os dois lados do mundo em guerra, o Getúlio
encampa a Rádio Nacional. Para começar, encampou a rádio certa pelo nome.
tinha o nome correto para ser uma rádio que servisse ao país inteiro. Em segundo lugar,
era de uma empresa falida, que estava comprometida com empréstimos do governo, e
ele então podia pegar jornal, revista e rádio. E a rádio se tornou o filé mignon disso,
porque o jornal foi diminuindo de importância, foi perdendo espaço, O Globo foi
subindo, outros jornais foram subindo como o Correio da Manhã e o jornal A Noite, do
262
grupo ao qual pertencia a Rádio Nacional, foi caindo. Mas o mais impressionante para
mim, o que me fez me interessar pela Rádio Nacional é a pergunta seguinte: Como é
que num regime de exceção se cria uma instituição, uma rádio tão bem pensada e
democraticamente pensada? Porque o Gilberto de Andrade chega lá, toma posse como
diretor e a primeira coisa que ele faz é chamar os funcionários mais conceituados e dizer
que eles se acalmem, porque agora eles vão poder produzir muito mais. Vão ganhar
mais, vão ter prestígio, vão se valorizar profissionalmente. Porque a rádio não vai ser
uma rádio quadrada, oficial, no sentido de burocrática, que é o que eles pensavam que
fosse. Ou pensavam até que a rádio fosse terminar. Mas não. Ele tranqüiliza o pessoal e
cria uma administração democrática, porque divide a rádio em setores, em
departamentos: departamento de rádio teatro, Vítor Costa; departamento artístico, com
fulano de tal, bota o José Mauro que todos indicam e ele tem 23 anos e tinha uma
bela cabeça. Todos indicam este cara, que já estava ali como diretor artístico e é
referendado. E o Almirante começa a produzir tudo que tem vontade. Começa a
contratar mais gente. O Radamés Gnattali escolhe a orquestra. Com o tempo vem a
novela, em 41. Logo em 41 a experiência da novela, que é um negocio que já vem
patrocinado pela Standard Propaganda. E é um sucesso tão grande que eles o tem
outra novela para botar no ar, botam outra cubana. Começam a expandir e disseram:
"Não, mas precisa de alguém que escreva novela brasileira". Começam a procurar e
tem no elenco da Rádio Nacional um cara que é radiator, Amaral Gurgel, mas que
escrevia para teatro, que escrevia para rádio e que resolveu começar a escrever novelas.
Vão buscar o Oduvaldo Vianna, que era um homem de teatro, que vai também escrever
novela. Eles começam a crescer em todos os sentidos e em todos os gêneros. Primeiro
na variedade de gêneros, porque antes existiu o rádio teatro, peça inteira, peça de teatro
adaptada, o Teatro pelos Ares, na Rádio Mayrink Veiga, e o Teatro em Casa, pela Rádio
Nacional. Um competindo com o outro. Mas ainda tudo meio amadorístico,
improvisando locutor como radiator e aos poucos vão contratando gente nova. todos
os gêneros vão se definindo. Os grandes musicais começam a ser produzidos, porque o
Zé Mauro é vidrado em cinema e o Haroldo Barbosa também. Era discotecário-chefe da
discoteca da Rádio Nacional e que começa a pegar as grandes novidades norte
americanas, ouvindo rádio em ondas curtas, importando discos e começa a fazer letras,
porque o governo do Getúlio não quer ou, pelo menos, não tem interesse em fazer
263
música na versão original, porque o povo não entende inglês nem espanhol. Então
começa a fazer versões e o Haroldo Barbosa se torna um craque nisso, porque faz três,
quatro versões por semana, dos grandes sucessos americanos e latino americanos. Cuba
está no auge da produção musical. Então tinha muito o que produzir. Os cantores
também começam a descobrir que aquilo ali é um filão. A musica fez sucesso no cinema
"Sempre no meu coração", "Always in my heart", e eles, claro, já colocam uma letra em
português e aparece gente para cantar. Primeiro, ao vivo, na rádio, e em seguida na
gravadora. Levar para a gravadora e lançar. E é um sucesso maior do que a versão
original.
M: Começa a ser incentivada também a produção nacional, dos cantores,
compositores?...
S: Exatamente. Começa-se a valorizar a produção nacional. Até mesmo a
vestimenta da música brasileira começa a mudar ali. Porque antes cada rádio tinha um
pianista e um conjunto regional: flauta, clarinete ou violino, dois violões, cavaquinho e
pandeiro. Era isso o regional que a rádio tinha. Por quê? Porque ensaiava rápido, tirava
o tom cantarolando, num instante, e eles já podiam ir para o ar dentro de dez minutos. E
o conjunto vocal, que vinha ensaiado de casa, vinha vestido de casa, estava pronto
para chegar ali e não precisava nem ensaiar, que já vinha ensaiado de casa. Então todas
as rádios tinham o seu conjunto vocal. Porque era uma força de trabalho muito ágil e a
barata. Eram 4 ou 5 pessoas, mas era barato. E o regional também, porque tinham
muitos músicos para formar conjuntos regionais. Então essas gravações são com
regionais ou depois com Pixinguinha e o Radamés que começam a formar conjuntos,
"Diabos do Céu" entre eles.
E cada gravadora começa a montar a sua orquestra também. Mas por quê?
Porque a Rádio Nacional estava fazendo isso. E a Tupi começa a fazer também porque o
Chateaubriand não quer ficar atrás. Então ele começa também a formar orquestra:
contratar seu maestro, os arranjadores, que era um negócio trabalhoso, tinha que ter um
arquivo para as partituras, tinha que ter tempo para o cara fazer manualmente todos
aqueles arranjos. O Radamés fazia nove no começo, depois passou para sete arranjos,
por semana, para o Um Milhão de Melodias. Músicas, duas tradicionais, do Ernesto
Nazareth, do Zequinha de Abreu e dois sucessos nacionais, dois americanos e duas
264
outras de algum outro lugar. Era um negócio planejado, que tinha uma vida inteligente.
A produção do Um Milhão de Melodias não dava prejuízo, pois a Coca Cola pagava.
Mobilizava-se uma orquestra toda, até com harpa, dentro. Os ensaios que tinham que
fazer para tudo sair perfeito. O elenco, que era da casa, o vinha ninguém de fora e
muitas vezes usando aquelas formações próprias do Um Milhão de Melodias, como por
exemplo, o Trio Melodia: Paulo Tabajós, Nuno Roland e Albertino Fortuna, cantando
em trio; as Três Marias: três cantoras que se juntavam também e cantavam. Então isso
dava novas roupagens, novos arranjos, coisas inéditas, que ninguém tinha. E isso podia
ser ouvido em todo Brasil, porque era tudo em português, não havia problema nenhum
de interferência de língua.
M: E a Rádio Nacional pegava no Brasil todo?
S: Pegava. Até em ondas médias. E logo depois, em 42, uma das primeiras
coisas do Gilberto de Andrade foi mudar o parque de transmissores da Nacional, as
antenas, e mudar as ondas curtas, colocando as três estações de ondas curtas.
M: Toda a geração de artistas, cantores, compositores, que veio depois
ouviu a Nacional...
S: Claro. E ao mesmo tempo isto também projetava a imagem e o prestígio
desses artistas por todo o Brasil. Então quando a Atlântida começa a fazer as
chanchadas, começa a abrir espaço para os cantores do rádio. Aí você Luís Gonzaga,
primeiro de summer, depois de chapéu de cangaceiro. Você Pedro Raimundo com
roupa de gaúcho, coisa que você via no auditório da dio Nacional. E a Atlântida
começa a levar esse pessoal, Bob Nelson fantasiado de vaqueiro... Então estas figuras
vão se transferir também para o cinema. O rádio também vai pegar carona, dando a
imagem das pessoas que você só conhecia pelo ar.
M: E isso ajuda também.
S: A Atlântida ajudou também, sem dúvida. E aquelas primeiras, antes da
Atlântida mesmo, aqueles primeiros filmes do Wallace Downey (um americano
radicado no Brasil) "Alô, alô ,Carnaval", "Alô, alô, Brasil", que são dos anos 30
(1935/36). As histórias não tinham a menor importância, eram feitas pelo João de Barro
265
e o Alberto Ribeiro. Faziam umas historinhas que eram sempre um talento novo
querendo montar um espetáculo. o tinha como, então iam buscar recursos, buscar
patrocínio, descobrir um cassino em outro lugar para se apresentar.
M: O "Alô, alô, Carnaval" é que tem o sucesso "Nós somos as cantoras do
rádio..."?
S: É. Teve "Alô, alô Brasil" que se perdeu, que era o primeiro eu acho,
vem o "Alô, alô Carnaval". Era isso mesmo. Então é isso, o Getúlio teve esta
preocupação. O Gilberto de Andrade, tenho a impressão que nestes três anos que distam
entre o Estado Novo e a encampação da Rádio Nacional, deu tempo do Gilberto de
Andrade, que era um observador de dio, tinha estado presente na inauguração da
Rádio Nacional, que escrevia para A Noite e que era procurador do Tribunal de
Segurança Nacional, estabelecido em 37, ele amadureceu um projeto. Porque o é
possível que ele tenha chegado assim tão inspirado e que tudo desse certo.
M: Qual era a formação dele?
S: Ele era poeta, advogado e jornalista. E chega aqui no Rio com um
passado, na política, em Pernambuco ou Alagoas. Acho que era Alagoas. Ele já chega
com uma certa experiência política, mas chega aqui e vai fazer jornalismo. Vai escrever
nas revistas do teatro. Aquelas revistas tipo Caras. Numa das revistas "Sempre
Sorrindo" ele faz um quadro plagiando Getúlio. Então ele tinha alguma ligação, tanto
que ele é selecionado para isso e eu tenho a impressão que ele foi chamado pelo
Lourival Fontes ou pelo Getúlio para ocupar o espaço da Rádio Nacional com este
projeto. Porque realmente é um negócio muito rápido.
M: Há similares no mundo desse crescimento e valorização do rádio, como
aconteceu no Brasil?
S: Em Cuba, por exemplo, o rádio também foi um sucesso absoluto. E tem a
ver com a nossa formação latina, que é uma tradição oral: o contador de histórias, o
cantador. Então o dio em Cuba também teve um desenvolvimento muito rápido. A
música cubana teve um desenvolvimento nos anos 30/40 absoluto. Ou era sucesso
americano ou era cubano. E os americanos chamaram o pessoal de Cuba, porque eles
viajavam muito, se apresentavam muito naqueles cassinos americanos tocando rumba,
266
chá chá chá, merengue, mambo, salsa e aquela coisa toda. Esse filme Buena Vista
Social Club tem gente ali que vem daquela época. O Compay Segundo era Dundu. Eram
dois cantores: Os compays, Os compadres. Ele era o segundo porque o primeiro morreu.
Ele adotou o nome e ficou.
M: E com a revolução socialista os americanos tiram Cuba do circuito, não
é?
S: Exatamente. E até mesmo com o vinil eles têm dificuldade. Os cubanos
têm que destruir discos de vinil para fabricar outros discos novos. Então é uma
dificuldade enorme para Cuba entrar no mercado discográfico. Porque as portas se
fecham e tem as gravadoras deles. E realmente toda a música sofreu com isso,
fora aqueles talentos que migraram, os que foram embora para os EUA. Então muita
gente fica esquecida. Muita gente fica sem sobreviver. Fazendo música ao vivo mas sem
gravar. Então a música cubana realmente teve uma importância enorme, tanto que no
Brasil você tem o Ruy Rei na Rádio Nacional, que faz o modelo cubano: monta uma
orquestra de metais e usa roupas cubanas, aquelas camisas de manga e canta em
espanhol. Então ele faz o gênero, difunde o mambo, difunde tudo aquilo que era sucesso
em Cuba. no original. Mas às vezes também sai e faz as suas coisas em português e
também faz sucesso.
M: O bolero está aí também?
S: Está. O bolero vem por aí também. Não sei bem a trajetória do bolero
mas também vem por aí. São grandes nomes. Depois todos eles transitam pelas
gravadoras americanas. Multinacionais. E continua esse eco ainda de sucesso. Mas,
claro, depois de Fidel, depois de 59/60 isso tudo começa a estremecer, o tráfego de
americanos para Cuba é dificultado. Os cassinos são tomados...
M: Saroldi, você faloupouco do Haroldo Barbosa, produtor, compositor,
que era mulato, que o Aloysio de Oliveira se preocupou com isso ao levá-lo para os
Estados Unidos, temendo alguma reação racista. Então me lembrei: havia locutores ou
atores negros no rádio do Brasil? Ou atrizes, ou locutoras?...
267
S: Havia sim. O Haroldo Barbosa era mulato, ele não era negro realmente.
Mas não era o único. Tinha o Chocolate, que era humorista, Grande Otelo, ator negro.
Atrizes eu não me lembro. Talvez porque muitas delas tivessem vindo do teatro e o
teatro não tivesse muita abertura para os atores negros, a não ser teatro de revista.
M: Locutores?
S: Bom, Majestade, Jorge da Silva, era quase preto. Não era negro.
M: Ele já era desta época?
S: Um pouquinho adiante. Na rádio Nacional, por exemplo, eu não me
lembro de um negro locutor. Mas tem um livro sobre o negro no rádio que deve ter...
M: Este é sobre São Paulo... ("Cor, Profissão e Mobilidade O negro e o
rádio de São Paulo". Ver referências bibliográficas.)
S: É, é o rádio de São Paulo, exatamente, que aparece mais, não sei por
que razão. Em Porto Alegre também não me lembro. Realmente você tem razão. De
grandes nomes não me lembro mais.
M: Locutora, também nenhuma?
S: Teve aquela que se torna cantora depois, que era locutora da rádio MEC e
da rádio Eldorado... Maria d'Aparecida, que depois deixa o Brasil, vai para França e
se torna cantora lírica. Ela estudava canto. E é selecionada pelo Gilberto Martins
[diretor da Mayrink Veiga e depois da Eldorado; não confundir com Gilberto de
Andrade] para ser uma das locutoras da rádio Eldorado. E ela faz carreira e, se o
me engano, também trabalhou ou se aproximou da dio Nacional e depois vai para a
França e faz carreira lá. De vez em quando está cantando, participando de alguma
evento. Ultimamente não tenho ouvido falar nela. Mas era negra mesmo. Agora, de
outros locutores eu não me lembro.
JOSÉ MAURO E A TRANSIÇÃO PARA O RÁDIO MODERNO
268
M: Saroldi, e o José Mauro? Você poderia falar um pouco dele, depois da
Nacional? Foi ele que criou na Tamoio o projeto "Música exclusivamente música"? Foi
um sucesso extraordinário, não foi?
S: O Mauro sai da Nacional quando o Getúlio é deposto, de 45 para 46.
Então o Chateaubriand resolve levar o Gilberto de Andrade para a Rádio Tupi/Tamoio.
a ele uma participação nos lucros na Tupi e na Tamoio e ele começa a tentar levar
gente da Nacional para lá. Vai levar o maestro Carioca, Haroldo Barbosa, que deixa a
Nacional e vai seguir a vida dele, leva o Mauro e leva o Paulo Tapajós, além de
outras pessoas de menor importância.
M: O Ari Barroso?...
S: Ari Barroso o, ele era da Tupi. Então, esse núcleo vai ficar em torno
do Almirante, que vai também para a Tupi. Este será um núcleo de produção, com o
Almirante assumindo a direção artística, para tentar competir com a rádio Nacional. O
maestro Carioca monta uma orquestra também. É bom lembrar, agora me ocorreu, que o
José Mauro é irmão do Humberto Mauro, do cinema, que colaborou com Roquette-
Pinto no INCE (Instituto Nacional do Cinema Educativo) e o pessoal de Volta Grande,
em Minas Gerais. Então a família é mineira. E o Mauro chega aqui no Rio e, não
sei como, vai trabalhar na A Noite, como redator. Depois, quando é fundada a Rádio
Nacional, ele se entusiasma e quer trabalhar na Rádio Nacional, como redator. Então ele
começa como redator da Rádio Nacional, de anúncios e coisas assim. Se empolga tanto
com o rádio que logo começa a demonstrar talento. Numa oportunidade, todo mundo lá,
as melhores cabeças, os que davam palpites na Rádio Nacional, na administração,
sugerem que ele seja o diretor artístico, com o Almirante à frente.
Em 46, na Tamoio, que pertencia aos Diários Associados, ele vai dar uma
mexida geral no rádio, porque o Chateaubriand sempre teve aquela mágoa, trauma da
Rádio Nacional ser líder de audiência e não conseguir derrubá-la, nem ao Getúlio.
Chatô conseguiu impedir a TV Nacional, depois com JK. Ele então contrata o Gilberto
de Andrade que se demitiu da Rádio Nacional por perseguições, incompatibilidade e tal.
as condições para o Gilberto de Andrade levar este pessoal. Ele começa levando,
mas não pode levar muita gente porque o dinheiro não dá. Ele sabe que ali com o
Chateaubriand o terreno é meio pantanoso, difícil de receber o salário no fim do mês.
269
Mas alguns vão com ele, como, por exemplo o Zé Mauro e o Almirante, que vão ser os
dois braços: o direito e o esquerdo dele.
M: Quem fica na Nacional no lugar do Gilberto de Andrade? O Victor
Costa?
S: Não, entra o pai da Tonia Carrero, um tal Porto Carrero, professor
Porto Carrero, que entra e persegue o Paulo Tapajós. Fica sabendo que o Paulo Tapajós
foi conversar com o Gilberto de Andrade e fecha a porta dele e cria uma rie de
restrições meio chatas. O Paulo Tapajós se aborrece e vai mesmo para a Tupi. Fica
algum tempo, não dá para ficar muito, e volta para a Rádio Nacional depois, com outro
diretor. Então vai o maestro Carioca, que monta uma orquestra pulsante e popular. O
Almirante se torna diretor artístico e o Zé Mauro produtor da casa. Produz vários
programas. Depois ele toma conta da Rádio Tamoio uns tempos e posteriormente é
chamado pelo Gilberto Martins para a rádio Eldorado para ser produtor também. E ele
vai. E a Rádio Eldorado já é um modelo mais moderno de rádio. Até premida pelas
circunstâncias, não podia manter um grande elenco, porque o estúdio em construção
pegou fogo, [ver capítulo sobre Anna Khoury] e ele então tem que trabalhar com pouca
gente onde estavam os transmissores. Com isso, a rádio fica compacta, mas é um
modelo que serve para o rádio que está em transição para o rádio moderno. O Mauro
produz rios programas assim. "Contos Musicais" é um desses programas em que ele
escreve uma história e ilustra com discos. E conta histórias fabulosas com isso. Por
exemplo, um negro americano que é condenado a morrer na cadeira elétrica e na sua
última noite os outros negros na prisão se despedem dele cantando Negro Spirituals.
Então ele ouve, da sua cela, as canções que os caras estão cantando. Então o José Mauro
vai botando discos com Negro Spirituals na história e tem um narrador. Fernando
Veiga [depois diretor da JB] chegou a ser narrador deste programa também, um sucesso.
Mauro o elogiava. E era um programa de narração de texto e ilustração musical.
Portanto, econômico e moderno. E surgem outros nesta linha que ele vai fazendo. Lança
também um programa de testes, de coisa de memória, de perguntas e respostas pelo ar.
Também era um sucesso na rádio Eldorado.
270
Depois o Chateaubriand chama ele para cuidar da Rádio Tamoio,
procurando também uma feição moderna parecida com a da rádio Eldorado. Nasce daí a
versão dele de trabalhar com os discos, que ele conhecia muito bem, pois junto com o
Haroldo Barbosa era rato de discoteca, ele ouvia tudo, eles iam ao cinema ouvir os
musicais e depois tiravam a música de e faziam arranjos. Então ele pega a Rádio
Tamoio e desmonta o que havia. Era um rádio popular, no sentido de rádio ao vivo com
música sertaneja de manhã, novelas religiosas à tarde, o Júlio Louzada com sua famosa
Pausa para Meditação, que era um sucesso na Rádio Tamoio. Mas era uma rádio
segmentada, pequena.
Mauro então resolve mudar totalmente a rádio. Cria um sistema "Música
exclusivamente música", que tem no centro um grupo de programadores, de homens do
disco, que ele chama de "bacharéis do disco". Ele cria uma porção de bossas. Cria todas
as bossas possíveis para fazer isso render. Então ele cria as músicas coloridas, "música
ciclâmen...", teve uma música verde que todo mundo lembra até hoje. Cria um
programa infantil "Cirandinha" se não me engano, cria um programa de música cubana
que o [locutor] Nei Hamilton apresentava que é "Tesouro das Antigas" no fim da tarde,
que só toca mambo, bolero...
Então o José Mauro cria a programação em torno destes bacharéis do disco,
que são até motivos de outdoor, com Jair Amorim, Dimas José, Ney Hamilton e outros
nomes. Bacharéis eram os programadores, que nunca tiveram tanta ênfase no rádio. E a
rádio toda funcionava, porque não tinha mais música ao vivo, ele eliminou
completamente a música ao vivo, na década de 50. Entrada da televisão, competição da
televisão com o rádio e ele então monta esta rádio econômica, com locutores. Tinha
um ou dois programas de textos, como por exemplo este "Tesouro das Antigas" e o
"Ciranda Cirandinha" que o Dimas fazia. Tinha uma legenda. Era texto legenda.
M: Texto legenda eram textos curtinhas?
S: É, coisas curtinhas, identificando e tocando para frente. Mauro então
modifica o panorama, porque era econômico, ainda mais econômico que a rádio
Eldorado, que ainda tinha os produtores e os escritores. Ele não tem. Ele vai direto
271
para esse pessoal. E ele bolava as coisas, mexia na programação. Os programadores
faziam a programação, ele via a de cada um para ver onde havia repetições demasiadas,
onde é que faltava um molho e tacava uma música que levantava a programação.
Então era um cara esperto, cuidadoso, capaz de fazer jingles, fazer spots, chamadas,
sufixos, prefixos, dar nomes...
O Mauro até pouco tempo estava vivo. Ele voltou para Volta Grande, se
afastou do rádio. Me lembro que quando escrevi com a Sonia Virgínia o livro da Rádio
Nacional, a entrevista com ele foi pelo telefone. Porque ele vinha ao Rio, ficava dois,
três dias e voltava para porque ele fazia muita ginástica: nadava 500 metros por dia,
corria outros tantos. pouco tempo saiu na revista da Abert [Associação brasileira de
emissoras de dio e televisão] uma visita dele a uma rádio de São Paulo, ele inteirão
com oitenta e tantos anos, quase noventa. Volta e meia conversávamos, falávamos,
tirávamos dúvidas. Ele foi uma figura muito importante, porque ele foi um homem que
descobriu o rádio praticamente andando. Pegou andando, pegou no tranco. Vindo do
jornal, como redator, com alguma habilidade para escrever, que de repente descobre o
rádio. E junto com o Almirante e o Paulo Roberto está fazendo um rádio moderno,
com um texto é moderno. Então ele desenvolveu vários estilos e pegou aquele momento
privilegiado da mudança da dio Nacional, com o Gilberto de Andrade. O Gilberto de
Andrade confia nele também e não o destitui, quando na época do seu casamento.
estava com 25 anos, ia se casar, e ficava com medo de perder o emprego. O Gilberto de
Andrade aceita a sugestão dos outros para que ele continue como diretor artístico e ele
continua até 1945 quando vai para a Tupi. Então ele era um homem de rádio completo,
um cara com uma grande visão, sacou aquele modelo da Rádio Tamoio, que não sei de
onde ele tirou, "Música exclusivamente música"... podia ser talvez dos Estados Unidos,
não sei. Mas ele sacou. Tinha um programa disk jockey que era o Jair Amorim que
fazia, em que ele apresentava os discos novos e comentava. (Jair Amorim foi autor de
inúmeros sucessos musicais ao lado do parceiro Evaldo Gouveia; ele era também bom
locutor e bacharel do disco. A Tamoio era uma rádio muito inteligente.
M: Foi um sucesso, não é? Você falou que chegou até o primeiro lugar?
272
S: Foi um sucesso. Ela chegou perto, ameaçou a Rádio Nacional, não sei se
chegou a ultrapassar. Talvez tenha até chegado a ultrapassar, mas eu não lembro.
M: E a partir daí que surge a Mundial, não é?
S: É, mas é a Mundial do Reinaldo Jardim, que era da JB [ver capítulo
sobre Luiz Carlos Saroldi nesta tese], onde cria o esquema Música e Informação..
Depois ele se aborrece por qualquer razão e é chamado para a dio Mundial e ele
faz um modelo avançado para competir com a Tamoio e a Rádio Eldorado. Mas é
muito complexo o que ele faz, muito trabalho de gravações, entre outras coisas e o
modelo não vinga. Dura algum tempo e depois ele também sai da Mundial, muda de
ramo e de destino. É quando ela deixa de ser a Rádio Clube do Brasil e passa a ser
Rádio Mundial, com o Reinaldo Jardim. Depois ela continua com esse nome
fazendo um rádio musical mais modesto do que o modelo pretendido pelo Reinaldo
Jardim. Talvez faltasse a ele até equipe, mas ele lança nesse momento, na Mundial, pelo
menos, o Big Boy, que era professor de geografia, gostava de rádio, propõe a ele fazer
um programa no estilo americano, ele aceita e lança o cara.
M: Aí já é uma outra mudança no rádio, não é? É o rádio mais musical.
S: É, é o rádio musical, o rádio do disk jockey, com pouca produção,
mas alguma produção ainda. Já na Rádio Mundial isso vai diminuir mais. Vão ter alguns
programas marcantes, mas são só de locução.
M: vai ter o quadro jornalístico "J. Carlos, o repórter que fareja a
notícia", o Jorge Majestade vai para lá... Tem o programa Show dos Bairros com o
Oduvaldo Silva... Alguma produção, como você falou, mas com tudo escrito para o
locutor ler, não havia improvisos...
S: Exatamente. O Show dos Bairros com Oduvaldo, logo mais adiante, mas
que dura muito tempo. Aquela coisa do telefone, participação do ouvinte pelo telefone.
Aí que começa o uso do telefone.
M: Mas na Tamoio já tinha que ter telefone, porque os ouvintes votavam na
música colorida.
273
S: É. Tinha uma parada musical que você votava por telefone. E a própria
JB teve uma parada que o Fernando Veiga fazia, que eu não me lembro se as pessoas
votavam. Mas você tem razão, havia sim. Na Tamoio havia um negócio deste tipo.
Mas o ouvinte o entrava no ar. Os votos eram computados. Até porque o Mauro
não ia se arriscar a botar ouvinte no ar, para falar mais do que deveria. Ainda mais ao
vivo.
M: Saroldi, além das aulas que vodá, das viagens em conferências pelo
Brasil, dos artigos e livros que escreve, das inúmeras entrevistas que concede, o que
mais você anda fazendo?...
S: Estou MEC, estou na presidência em licença da Sociedade dos Amigos
da Rádio MEC. E foi uma coisa que nasceu da observação exatamente disso, da
alienação do ouvinte, com relação ao próprio rádio. Ao veículo que ele ama, que lhe faz
companhia, que lhe informa, que lhe tudo de graça. Rádio tem estas virtudes: de ser
democrático, não te cobrar nada e a qualquer hora do dia ou da noite espara falar
com você. Então fizemos esta sociedade, que nunca foi tentada: uma sociedade de
amigos. E que é uma tentativa do ouvinte ser mais participativo. Não ser apenas um cara
que sintoniza e desliga. E que se cala quando a rádio sai do ar ou é vendida.
O RÁDIO HOJE - PERSPECTIVAS
M: Como você vê o momento atual do rádio? E as perspectivas?...
S: o rádio vai sempre inventar soluções. E ao mesmo tempo, o que é que
surgiu de mais importante? A rebelião das ondas, das pessoas que querem ter acesso aos
rádios e fazer o rádio à sua maneira, independente desse dio que é imposto. Então
surgiram as rádios piratas, as rádios comunitárias. E me parece que o modelo ideal é a
rádio comunitária. Mas que o governo alentou o mais que pôde e depois cedeu às
pressões dos proprietários de emissoras. Os concessionários de emissoras, através dos
seus órgãos de classe, pressionaram para cortar as possibilidades de faturamento dessas
rádios comunitárias. A pouca potência dos transmissores, o alcance reduzido e uma
série de restrições também vão tornar estas dios comunitárias frágeis, vão fragilizar
estas dios comunitárias. Se você não pode ter o apoio cultural da farmácia local ou da
274
tinturaria local, da padaria do seu vizinho... Porque, por exemplo, o anunciante Brahma
ou Coca Cola não pode... Então isso tudo tem que ser visto e repensado. Mas como no
Brasil tem tanta coisa para repensar, tanta coisa para decidir... Há 40 anos eu ouço falar
em reforma agrária. Tinha o primeiro projeto de reforma agrária parado no congresso
anos e anos. Depois os militares fizeram o INCRA. Inventaram soluções, abriram a
Transamazônica para botar gente lá, e nada... Chove vira um lamaçal. Tudo isso
fantasia. E como o Brasil está cheio de fantasias... Evidentemente que o governo e os
políticos resolveram o caso deles. Cada um tem a sua concessão, tem a sua dio. Na
época de eleição o candidato fala mais no ar, aparece mais e lembra aos eleitores que
está ali. Com isso conquista votos. Por outro lado, apoia o governo federal em troca de...
como foi no caso do Sarney, que deu mil emissoras, mil concessões de FM. O Fernando
Henrique, depois, deu rádios culturais. Deu rádios universitárias, culturais, para
entidades de amigos, testas de ferro, políticos, parentes... emissoras que deveriam ser
rádios culturais, que deveriam ser dios educativas e não vão ser. Porque na hora de
botar no ar, o cara não vai saber fazer, não vai pagar para alguém que saiba ir lá e fazer.
Eles o querem isso. Querem um rádio econômico, pautado em certo modelo, certo
parâmetro, competitivo acerto ponto. Ou você faz música brasileira ou você vai para
o rock. O modelo de rádio jovem também se perdeu, esta estrutura. O Brasil hoje
não é tão jovem, é de uma faixa de idosos, uma faixa mais velha. Então isso tudo está
mudando também. Aquele modelo da Rádio Cidade, que foi imitado em todo Brasil,
não é suficiente. não resolve tudo. Você tem que buscar outros modelos.
Principalmente no dio participativo, de educação, de conversa com o público. E o é
isso que aparece. Por quê? Porque custa dinheiro, tem que haver um investimento, tem
que fazer pesquisa, tem que amadurecer uma equipe para fazer isso direito. Então fica
tudo assim com medo de se mexer, baseado em certos modelos que deram certo, até
certo ponto. "Foram aceitos, então vamos convivendo." Enquanto estiver dando lucro,
muito bem. No momento que passar a dar prejuízo... No ano passado, por exemplo, eu
fiz o levantamento e entre as FMs, das vinte, nove tinham mudado de nome. De nome e
de donos, provavelmente. E de feição. Quer dizer: você mudar tanto assim, é porque
está tudo mal. Se estivesse bem não ia mudar, não é? Bom, então eu continuo achando
que quando o governo não considerar o rádio uma coisa séria, como Getúlio considerou,
não vai adiantar. Vai ser sempre esta fantasia.
275
M: Mais uma vez, muito obrigado ao professor Saroldi.
M: Para saber mais sobre rádio em geral e a Rádio Nacional em particular,
remetemos o leitor ao livro Rádio Nacional O Brasil em Sintonia, de Luiz Carlos
Saroldi e Sonia Virgínia Moreira (ver bibliografia). Está no prelo (2004) uma nova
edição, revista e ampliada sobre a história da emissora que tinha em seu elenco: nove
diretores, 240 funcionários administrativos, dez maestros, 33 locutores, 124 músicos, 55
radiatores, 39 radiatrizes, 52 cantores, 44 cantoras, 18 produtores, um fotógrafo, cinco
repórteres, 24 redatores, quatro secretários de redação e milhões de ouvintes.
Pastilhas Valda,
Pastilhas Valda,
Emilinha é a maior!
Pastilhas Valda,
Pastilhas Valda,
Marlene é a maior!
...
P.S. Zé Mauro morreu em 30 de abril de 2004.
ANEXO 2
Fernando Mansur entrevistando Eduardo Andrews – 16-10-2003
Eduardo Andrews foi locutor, estudante de engenharia, ator, coordenador
artístico, ou "diretor de programação", de inúmeras rádios: Cidade, JB, Transamérica,
276
FM O Dia, 98 FM... Na época de nossa entrevista não estava vinculado a nenhuma
emissora. Eduardo participou de viradas importantes do rádio moderno e gentilmente
aceitou nos receber para relatar um pouco de sua longa e profícua experiência.
Mansur: Eduardo então, inicialmente, como é que você se interessou pelo
rádio?
Eduardo: Eu lembro, com 7 anos de idade, eu ouvindo rádio, aquele dio
de válvula antigo, eu ficava imaginando o que é que tinha ali dentro para fazer aquilo
tudo, eu ficava olhando as peças de dentro do rádio, achando que era dali que saía.
Então sempre rádio para mim foi um "mágico" mesmo. E eu fui cada vez mais ouvinte
do rádio, mas sempre tendo uma visão muito de direção de programação de rádio.
Sempre almejei isso. Com 11 anos de idade eu brincava, eu tinha uma rádio brega e uma
rádio chic. A rádio brega, mais ou menos baseada na Rádio Globo AM, na época, e a
chic baseada na JB AM. Ficava brincando disso, já fazia tabela de locutor, fazia nome
de programas, com 11 anos de idade. Quer dizer: tabela de locutor eu faço 40
anos. Mas eu fazia tabela mesmo: dava férias para o locutor, contratava outro, tudo na
minha imaginação. Então fui querendo gravar isso, começar a fazer pilotos dessa rádio,
que eu imaginava. E como não tinha locutor, então eu mesmo fazia. Foi quando eu vi:
"De repente, eu faço até melhor que alguns que estão no ar, nas rádios". Isso já com 14
ou 15 anos. Já comecei a achar que servia para locução. Usei a locução com um pretexto
para entrar no rádio. A idéia era essa: vou fazer a locução para entrar no rádio. E
entrei. No primeiro teste eu tinha 17 anos; depois proibiram menores de trabalhar em
rádio. Um ano depois fiz 18 anos e acabei entrando na mesma rádio, que foi a Rádio
Carioca e depois continuei. Mas a locução foi todo um pretexto, em 1968, para fazer
realmente o que eu faço que é direção de programação, vamos chamar assim.
M: E depois da Rádio Carioca?
E: Na época eu também estudava engenharia. Fiz muitas rádios, locução em
quase todas, mas a última que eu fiz somente como locutor mesmo foi a JB AM que era
um sonho para mim como locução. Depois resolvi que continuaria se fosse
coordenando. Foi uma época que eu passei a fazer teatro, fiquei três anos fazendo teatro,
277
nos anos 70, e voltei em 77 (ano que começou a Rádio Cidade), como coordenador da
Rádio Guanabara AM, que é da Rede Bandeirantes. A partir daí segui direto, trocando
uma rádio atrás da outra, sempre como coordenador.
M: Você foi coordenar a Guanabara em 77, ano de inauguração da Cidade.
Qual a sua visão do rádio nessa época?
E: Foi um acontecimento o surgimento da dio Cidade, abriu o caminho
para o FM, que tinha uma programação quase que só de músicas orquestradas, era uma
rádio de fundo, que nunca podia ser igual a AM, nunca podia ter uma programação
dinâmica e tal. Quando surgiu a Rádio Cidade, desbancou isso tudo e foi um grande
estouro. Na época, para mim, a história foi diferente porque eu estava entrando como
coordenador de uma rádio, de uma rádio AM, uma rádio pequena, eu vinha do teatro,
eram anos 70, eu tinha um outro ideal, eu gostava de rock e de MPB. MPB, na época,
era uma coisa totalmente de vanguarda, alternativa: Ramalho, Fagner, tudo isso não
existia, eles eram todos de fita. A gente tocava as músicas deles em fitas. Ramalho
ninguém tinha, a gente tinha, era uma fita de rolo que a gente tocava, quase que
rodava na mão, porque a rádio era "meio perereca". A rádio era uma bandeira, então eu
era o próprio "anti Rádio Cidade", nessa época. Engraçado que anos depois eu fui
coordenador da rádio, fui gerente de programação, fui coordenador por duas vezes da
Rádio Cidade do Rio e uma vez da Rádio Cidade de São Paulo. Quer dizer, tive um
envolvimento tremendo com a rádio, mas no fundo isso sempre me incomodou por
causa daquela visão, quando eu era mais jovem, aquela coisa alternativa, "anti Rádio
Cidade"...
M: Você considerava a rádio alienada?
E: É, umas coisas de copiar do americano, fazer aquele padrão da rádio
americana... eu achava que talvez faltasse mais comunicação mesmo, eu achava uma
coisa meio quina, que faltava mais verdades de comunicação, achava um pouco fria.
Mas reconheço o sucesso estrondoso que foi. Eu é que era radical. Até me chamaram
para fazer teste de locução, eu fiquei muito balançado, mas acabei não indo, pela minha
bandeira. Era como se eu fosse do PSTU e de repente o PT me chamasse para fazer um
teste lá e eu diria "não, não, eu sou radical".
278
M: E na Rádio Transamérica, como foi?
E: Depois desta fase toda de várias rádios em AM, eu fui para a Rádio
Cidade. A primeira rádio FM em que trabalhei foi a Rádio Cidade de São Paulo, que era
uma rádio pop. Antes da Rádio Cidade de São Paulo eu acabei tendo um contato com a
89 FM de São Paulo. Perdão, estou confundindo tudo. Apaga essa parte. Na verdade
este meu lado Rock and Roll sempre me incomodava muito em relação à Rádio Cidade
de São Paulo, que também tinha tendência pop. Eu achava que podia ter um misto disso.
A Fluminense FM era um estouro aqui no Rio. Com o Rock in Rio I, ela tinha estourado
com o rock e com uma programação completamente alternativa: ela não repetia música,
com aquele esquema que eu achava que podia ser feito com o rock ou pelo menos com
o pop-rock. Foi essa a idéia da Transamérica, na parte musical. Na parte de
comunicação, nos anos 80, foi quando teve aquela grande liberação: o fim da censura,
os militares estavam indo embora, as pessoas estavam abusando mais... Ainda era
regime militar, mas estava se abusando mais, as pessoas eram mais ousadas e a
Transamérica foi um pouco isso. Um pouco dessa linguagem jovem querendo falar o
que era proibido. A dio até abusava um pouco. Na época o humor seguia mais ou
menos a linha do Planeta Diário, que estava conosco, um humor mais irreverente e
crítico. Às vezes a gente ia um pouco fundo demais na brincadeira. Lembro que uma
vez eu fui chamado no DENTEL [Departamento Nacional de Telecomunicações], por
uma senhora que era diretora do DENTEL. Ela ficava no alto de um praticável, numa
mesa enorme e eu ficava embaixo numa cadeira pequena enquanto ela me inquiria: "Por
que é que o locutor tinha feito aquela brincadeira?". Na verdade era uma música do Léo
Jaime, e o [locutor] Carlos Alberto substituía o "thururururu" que tinha na música por
"olha o garotão do peru grandão". Fui chamado no DENTEL para explicar isso. Era até
meio de mau gosto a brincadeira, mas fazia parte da época. Aquela coisa de extravasar,
as pessoas perdiam um pouco o medidor. Mas fui chamado ao DENTEL para esclarecer
isso e com a maior cara de pau eu disse que era uma promoção da dio e que o garotão
que levasse o maior peru ia ganhar um prêmio. A gente fez por escrito esta defesa e
fizemos a promoção: "O garotão que levasse o maior peru até a rádio"... e realmente
apareceram 4 perus. A rádio ficou fedendo semanas. Mas a Transamérica era isso: um
rompimento.
279
M: Uma mistura da Cidade com a Fluminense?
E: Isso, e com a linguagem dos anos 80. Muito humor, muita irreverência,
muita brincadeira e até de abusar um pouco mais. Brincar com os limites do que é
proibido, uma coisa que se fazia muito na época. "Agora pode?" Mas aonde pode?"
Então ela brincou muito com isso. Foi entre 85 e 86. Por isso ela foi um grande sucesso.
Uma programação jovem e qualificada, como classificam hoje em dia; ela chegou ao
segundo lugar de audiência. Na época ela perdia para a 98 FM que era a rádio
popular naquele momento. E a rádio não era só pop, havia uma programação rock, com
essa linguagem toda. Mas foi todo um momento. O Planeta Diário, depois Casseta e
Planeta, que também rompeu com muita coisa no humor da televisão; veio com uma
nova linguagem, foi todo um conjunto. Grupos como o U2 eram tidos como radicais,
grupos de rock... Engraçado que hoje em dia são quase "água comúcar". Tem música
até romântica do U2, mas na época, U2 tocava na Fluminense. E a Transamérica
começou a escolher faixas do U2 e tocar regularmente como músicas que as outras
rádios de pop tocavam, de sucesso , e as músicas começaram a estourar no Brasil. O
RPM foi um grande estouro, muito em função da Transamérica. A gente pegou bastante
esta bandeira do rock nacional e isso também trouxe sucesso para o rádio. O Ultraje a
Rigor tinha a ver com isso e abriu uma nova linguagem para o rádio poder ser mais
irreverente.
M: E sua passagem para a FM O Dia? Foi um salto muito grande? E antes
de chegar até lá?
E: Em 1989 eu tive uma fase na JB FM, onde trabalhei várias vezes e dentro
dela eu também variei muito entre dio Cidade, a 89 de São Paulo. Participei da
mudança da JB FM, que era uma rádio totalmente orquestrada e com músicas clássicas
à noite. Passamos a fazer a rádio com 50% de música brasileira e internacional,
trabalhando muito a MPB e seus novos nomes. A rádio também passou a liderar esse
segmento adulto, qualificado, com essa programação e ainda lidera até hoje.
Desbravamos esta coisa de lançar o novo, na música brasileira . Acho que a JB teve um
papel muito forte, pois lançou muita gente que hoje está estourada como Adriana
Calcanhoto e outros que não vem ao caso citar. A JB foi muito importante. A Cidade foi
280
quase uma herança da Transamérica. Como a Cidade acabou perdendo em audiência
para a Transamérica, acabamos indo para e "transamericando" um pouco a Cidade e
ela acabou ganhando a posição da Transamérica.
Depois saí da Cidade e, quando voltei para lá, tivemos uma fase mais rock
and roll. E nesse momento o JB [proprietário da JB e da Cidade] se juntou com O DIA,
que tinha a Rádio RPC, na freqüência 100,5 e a FM O Dia, 90,3. Trocamos a posição
das duas no dial. A FM O Dia passou para 100,5, mais central, com um novo estilo de
programação. Era uma coisa que estava clara na minha cabeça, fazer uma rádio
jovem e qualificada e fazer uma rádio adulta. Eu via muito claro uma rádio só com axé e
pagode. Porque na época era um estouro axé e o pagode estava despontando. Aqui no
Rio isso tinha que estourar. Tinha uma amiga, Sônia Freitas, coordenadora da RPC, cuja
audiência tinha caído depois da decadência do funk, e eu dizia pra ela: "Faça isso,
coloca axé e pagode", mas ela hesitava. Com a junção do JB com O Dia eu acabei
assumindo a FM O Dia, após estar um ano com a idéia na cabeça. Então fizemos o
projeto. Tive a idéia de usar o slogan "A dio da Alegria"; seria uma programação
para cima, era verão, nós íamos entrar com a programação no início de dezembro e
acreditávamos muito nela. o acreditávamos no primeiro lugar, mas na primeira
semana ficamos espantados. No primeiro domingo que eu andei na praia de
Copacabana, todos os quiosques estavam na FM O Dia e todo mundo chegava na rádio
falando isso. Acho que foi um dos maiores fenômenos. Depois da Rádio Cidade, a FM
O Dia foi o maior fenômeno, em velocidade. Todo mundo comentava. Então fizemos
um show na praia de Botafogo. Todos os pagodeiros foram, porque estávamos
levantando a bandeira do pagode; então a turma do samba toda apoiou a rádio. Foi um
grande show. Quando estávamos montando os equipamentos vimos uma multidão vindo
pelo Aterro, a pé. Confesso que fiquei completamente assustado, com medo de ser
responsável por um momento de acidente pois foi um público completamente
inesperado. Foram 300 mil pessoas na Praia de Botafogo e eu tremia, rezando para o
show acabar em paz, sem acontecer nada. O público chegou ameaçar empurrar e quem
segurou foi o Anderson, do Molejo, num discurso maravilhoso que ele fez para o povo.
Ele segurou a massa.
281
M: Você se lembra do que ele falou?
E: Ele falou que se fosse o U2 que estivesse estariam todos quietos.
Porém era o Anderson, que era igual a eles, vindo do morro igual ao público. Ele usou
um tom que todo mundo ficou mais calmo até o final do show. Ele foi de uma liderança
e de uma força impressionante. Aquilo tudo era um movimento, na verdade. Era uma
explosão. Aquilo tudo estava para explodir e ninguém percebia.
M: A Rádio Tropical FM, que havia "estourado" antes, ajudou de alguma
maneira?
E: A Tropical havia parado com aquilo. Ela estava meio perdida. Acho
que ela estava com a programação comprometida. Tinha saído um pouco do samba.
Mas a Tropical no passado tinha mostrado isso. Sem dúvida foi uma inspiração.
Dizíamos que se a Tropical, no passado, que o era uma moda jovem, era segundo
lugar no Rio, imagine agora, que é moda. Ou seja, o adulto aprova a FM O Dia, porque
o samba é aprovado pelo adulto. A garotada era moda, na época, e ainda tinha o axé
relacionado à alegria. Acabou pegando o blico em geral, até um blico de zona sul
por causa da moda do pagode e do axé. Foi uma explosão.
M: E a comunicação dos locutores?
E: Também houve uma mudança, porque o rádio popular também tinha um
certo padrão, tipo rádio de sucesso. O padrão 98 de locução: mais certinha e mais
enquadrada. A idéia era fazer uma rádio popular mais jovem com o pagode e o axé,
então por que não poderia ter uma comunicação jovem, como a Rádio Cidade e a
Transamérica? Por que teria de ser aquela locução tradicional?
Tinha gente que ligava para e dizia: "Essa rádio nunca vai a lugar
nenhum sem tocar Zezé di Camargo e Luciano." Nós não éramos nem contra, mas
tínhamos que ter uma linha específica para aquele público. E a FM O Dia ficou com
uma coisa jovem. Mesmo uma pessoa mais velha se sentia jovem em estar ouvindo
aquela rádio.
282
M: Fazendo um retrospecto, quando você coordenava a Transamérica e ela
passou a Cidade, que era concorrente direta, você foi contratado pela Cidade. Depois
você foi dirigir a FM O Dia e ela "estourou", desbancando a liderança da 98. Então a 98
te chamou e você se mudou para o Sistema Globo?
E: É. Fui para o Sistema Globo e tive dois desafios: a Globo FM e a 98. A
98 tem mais a ver com a FM O Dia, que eu estava falando. Durante esta estória da FM
O Dia, a 98 se desesperou. Ela estava treze anos em primeiro lugar. Havia perdido
certo momento para a 105, que você participava, mas sempre recuperava. Perdeu várias
vezes para a 105, mas nunca durante muito tempo. Apenas meses. Então ela ficou
totalmente abalada, pois tinha um padrão completamente estabelecido, um tipo de
locução, um formato de programação musical, que eles aprenderam com os primeiros
que a dirigiram e todo mundo repetia. E agora, o que eles fariam? Ficaram perdidos e
resolveram adotar a pior solução de todas: imitar a FM O Dia. Isso afundou bem a 98 e
empurrou mais para cima a FM O Dia que teve uma audiência record, chegando a ter a
maior audiência do Brasil.
Então, quando eu fui para a 98, era um desafio tremendo. Eu havia criado
um monstro e teria que brigar contra o monstro. E estava completamente apaixonado
pela FM O Dia. Foi uns dez meses, mas fiquei completamente envolvido com o pagode;
roqueiro que eu era, cantava todos os pagodes. Virei um pagodeiro de primeira. Saí de
e fui justamente para aquela concorrente que eu dizia que era um horror. Agora teria
que fazer ao contrário. Realmente era muito difícil, como continua sendo. O problema
continua.
A gente resolveu apostar na personalidade da 98, quer dizer, recuperar a
personalidade da 98, em vários aspectos e explorar a audiência feminina, que ela não
tinha perdido totalmente. Estava perdendo, imitando a FM O Dia. Quem gostava da 98
estava indo para a Nativa, que era mais feminina. Então, resolvemos apostar mais no
feminino. Estando dentro da Globo, supostamente teria todas as facilidades. Poderíamos
entrevistar os artistas da TV Globo, no Projac, investir nesta área. Então desenhamos
uma programação voltada para a mulher, neste aspecto, tudo que envolvia novela. Nós
acreditamos na [locutora] Mônika Venerábile, que estava em São Paulo, e realmente ela
283
deu muito certo. Ela é um grande sucesso. A 98 não é líder, mas ela é líder no horário
dela, de manhã, com este esquema de novelas, fofocas... Enfim, a gente fez este desenho
da rádio, a rádio cresceu muito principalmente dentro deste ambiente que a gente queria.
E ainda teve um fator que ajudou demais, que foi o surgimento da Rádio
Mania, uma rádio que contratou e deu sociedade para o gerente da FM O Dia da época,
João Carlos. O João levou toda a equipe da FM O Dia para a Mania e fez uma
programação exatamente parecida com a da FM O Dia para concorrer com ela.
Realmente abalou completamente a FM O Dia. Ele não conseguiu grandes resultados, a
rádio chegou no ximo ao quarto lugar, mas conseguiu abalar a liderança da FM O
Dia. Dividiu com ela. A FM O Dia conseguiu segurar, pelo menos, o segundo lugar.
Com isso, a gente recuperou a liderança para a 98 novamente e a FM O Dia passou
para segundo lugar. Mas isso não durou muito, o tempo em que a Mania estava forte,
entre seis e oito meses. A Rádio Mania acabou se perdendo e então a FM O Dia
recuperou os ouvintes dela., recuperou a liderança e está líder novamente, com uma
distância até bem razoável da 98.
M: Eduardo, a parte administrativa como é? O que o diretor artístico pensa?
As relações com as gravadoras, estas coisas de bastidores?
E: Administrativo mesmo, no sentido literal, eu tive um contato agora com
o Sistema Globo, coisa que eu nunca tinha tido antes. Eu trabalhava com a parte de
programação, com os artistas; eu ficava reclamando que o tinha dinheiro, pedia para
contratar mais locutores e não tinha dinheiro.Mas o Sistema Globo tem uma
transparência muito grande da administração para todos os gerentes. Todos os gerentes
acompanham, participam do orçamento e dos resultados, até ganhando alguma coisa
quando os resultados são positivos, mas acompanham estes resultados, que é realmente
muito interessante. O rádio é um negócio. É uma coisa que a gente não pode esquecer.
Nós da programação, programadores e também o artista, esquecemos isso. É bom
entender isso. Saber exatamente de onde pode vir o melhor retorno. O que se pode
fazer? Muitas vezes uma pessoa assume uma rádio e vai fazer aquela rádio que sempre
sonhou fazer, achando que todo mundo vai querer ouvir a rádio que ele gostaria de
ouvir. Acho que tem que haver uma visão empresarial maior. Primeiro: o que você
284
pretende? Você quer um determinado resultado financeiro? Onde você teria mais
facilidade? Que tipo de público? Define o público, o alvo, e procura-se como agradar e
conquistar aquele público. Tocando música? Falando? Tocando que tipo de música?
Falando o quê? Enfim, ter esta visão para desenhar o lado artístico. Primeiro a visão
empresarial e a visão administrativa também. Na verdade estamos à mercê dos patrões.
O patrão tem o dinheiro e ele investe na empresa que você trabalha. Então ele quer ter
um retorno bom, do mesmo jeito se ele aplicasse na Bolsa de Valores. E esta é uma
visão que o Sistema Globo me passou, que eu acho muito interessante. Fica mais
realista. Não se pode ficar sonhando com uma rádio mirabolante, super bem equipada,
com os melhores profissionais... o, você tem que ser realista. o retorno? Fecha.
E a partir disso você vai ter a visão administrativa do lado artístico: da organização, da
programação, se você tem uma verba específica, se vai poder pagar tanto para os
locutores, se você vai poder ter tantos locutores, poder pagar tanto para os operadores,
ter tantos operadores, enfim, definir a capacidade de pessoal que você tem dentro de
uma rádio. A Rádio Mania eu acho um exemplo negativo, pois foi uma rádio que surgiu
num deslumbramento: "vamos fazer uma rádio, vamos ser primeiro lugar, faturar
muito... é fácil: pega todo mundo da rádio que está em primeiro lugar, bota aqui, paga o
dobro do salário para todo mundo e pronto". Esqueceu que a outra continua no ar, que
também tem uma marca forte e também vai botar bons profissionais no ar. Se o ouvinte
está lá, ela tem mais chance de ganhar. Por que o ouvinte vai sair? Eles acabaram
contratando muita gente, ficaram com uma rádio inchada, com salários acima do
mercado. Foi interessante, na época, para quem viveu. Mas todos que trabalharam, na
época, se arrependem de ter ido para lá. Todos sem exceção, porque passaram
dificuldades depois. O mercado não tem esta abertura para você ir para outros lugares, o
mercado se fechou um pouco para eles também, até pelo que aconteceu. Senti que
algumas empresas se fecharam para estas pessoas.
O pessoal é a parte mais cara rádio. O maior custo do rádio. Então você tem
que administrar isso. Outra coisa que eu aprendi de positivo no Sistema Globo foi isso.
Quando eu cheguei na 98 eu vim da FM O Dia, que era uma festa de gente: estagiários,
muita gente, promoções na programação, estávamos acostumados com aquilo que era
uma herança da JB, que é uma empresa de que tenho muitas saudades. Trabalhei cinco
285
vezes na JB. Mas de que adianta a coisa ter sido boa, se administrativamente deu no
que deu? Todo mundo é responsável. Temos que ficar tristes pelo que aconteceu com a
JB e o deixar acontecer em outras. Até sacudir o patrão. Eu brigo muito com patrão,
com chefe, com diretor, por isso que estou desempregado, porque não pode deixar
acontecer isso. As rádios não podem fechar.
Quando eu cheguei na 98 fiquei espantado: "Nossa, a 98 é isso?" "São só
essas pessoas?" Depois eu trabalhei anos e reduziu-se pela metade as pessoas. Vai se
enxugando e a dio fica no ar. Você passa sufoco, mas é a maneira de dar o tal retorno
para o patrão e a dio ficar no ar e ter bons resultados. Tem que ser assim. Não adianta
delirar muito. As vezes tem certos exageros, quando se começa a cortar muito o artístico
e a perder no resultado. Evidente que se você tinha três produtores pensando e passa a
ter um, o resultado não pode ser o mesmo. Então você tem dar uma nivelada por baixo,
a rádio musical tem que tocar mais música, falar menos, porque falar é mais caro. Eu
gosto muito do rádio musical. A maior defesa da rádio musical é o preço, mas o rádio
falado, com certeza, dá mais audiência.
M: O que você quer dizer por rádio falado?
E: É a Rádio Globo AM, a Rádio Tupi AM, onde aquela comunicação tem
muita informação, tem a companhia do comunicador, diferente do rádio musical.
com certeza o retorno é maior. Eu trabalho muito com a mescla, mas também pelo
preço, pelo custo. A 98, por exemplo, na parte da manhã é uma mescla. Nesse horário
da Mônika, ela toca música, entrevista artistas, três minutinhos, depois toca mais três
músicas, entra o Leão Lobo e conta uma fofoca, depois ela um resumo da novela,
enfim, só tem ingredientes do rádio AM, da Rádio Globo, da Rádio Tupi, mas em gotas.
Chega a dar este efeito, colore a programação musical e chega a oferecer esta
companhia, esta informação que eu citei.
M: A dio FM 105 (criada em 1987), dirigida por Luiz Augusto Biasi, foi
a pioneira nesta mescla?
E: Foi. Ou até foi um pouco antes com a Manchete AM, que foi um pouco o
modelo para a 105. A Manchete teve esta necessidade de fazer um AM mais barato. Foi
286
a primeira mescla de música com fala. A Manchete era um aspecto interessante dessa
mistura da música com a fala. Na época existia rádios tipo Tupi, Globo que dominavam
o AM, e dios totalmente musicais, como Mundial e Tamoio. Primeiro lugar Globo,
segundo Tupi, terceiro Mundial e quarto Tamoio. As duas faladas em primeiro e logo
depois vinham as duas musicais. E para lançar a Manchete AM a idéia era pegar alguma
coisa diferente, mas não dava para disputar com a Mundial e a Tamoio, muito menos
teríamos recursos para disputar com a Globo e com a Tupi, porque os comunicadores
eram caros, havia a estrutura de jornalismo que também era cara. Então tentamos
aproveitar esta brecha para fazer um meio termo. Eu era defensor do musical mas
achava que podia ter este colorido. A Manchete tinha a revista Amiga que era muito
sucesso. Aquela revista me inspirava "Rádio Amiga" e briguei muito para o nome da
rádio ser "Amiga". Todos adoraram e em vários momentos chegaram a pensar em
mudar o nome. No final ela tinha o slogan: "Manchete AM, a sua rádio amiga." Eles
não usaram o nome amiga porque eles tinham um sócio na revista e tinham medo do
que o sócio poderia fazer. Mas a idéia era fazer a dio amiga: música, fofoca, receita,
novela, entrevista. A Lucia Leme era da revista Amiga, a gente colocou ela na rádio, ela
tinha um prestígio enorme, coisa que a 98 não consegue, de jeito nenhum, hoje em dia,
mas ela ligava para a maquiagem da Rede Globo, no Jardim Botânico e falava meia
hora com o Tony Ramos ou com a Fernanda Montenegro. Parecia que alguém pegou
uma linha cruzada com alguém batendo papo com eles. Era primeiro lugar de audiência.
Ganhava da Globo e da Tupi, naquele horário.
A parte musical também tinha um aspecto curioso. Havia um preconceito
muito grande com os chamados bregas, os cantores românticos. Era uma coisa
impressionante. A Rádio Globo, Tupi tocavam Ramalho, Fagner... ninguém mais
tocava os cantores populares. E meu parceiro Luiz Carlos Paladino, tinha um amor pelo
brega e reclamava que ninguém tocava. Ele defendia muito. Então pensamos em
experimentar: Gilliard, Fernando Mendes, José Augusto.... A Rádio Carioca e a própria
Rádio Manchete tinham programa do Roberto Carlos, com uma audiência tremenda,
uma hora de Roberto Carlos. Então não dava para a gente fazer mais programa do
Roberto Carlos, porque senão era demais. tinha umas 4 horas de Roberto Carlos, por
dia. Pensamos: "quem gosta de Roberto Carlos, gosta de quê?" Pensamos então em
287
pegar o segundo time, de românticos, estilo Roberto Carlos. Foi quando começamos a
colocar José Augusto, Fernando Mendes, Gilliard e depois ainda fomos mais fundo
com Amado Batista e outros artistas mais populares. Foi um estouro. A rádio, logo no
início, pegou o terceiro lugar, passou a Tamoio e a Mundial. Na época tinha o Alberto
Brizola na nossa equipe. A Mundial mudou por causa disso. Levou o Brizola de volta,
botou lá o Clube do Amor, com o Brizola, que era coisa da Manchete AM, para
justamente ter alguma coisa falada, além do musical. E o Brizola lia aqueles
pensamentos e aquelas poesias na Manchete, e na Mundial nunca deixaram ele fazer.
Ele era locutor da Mundial antes. Então levaram ele para de volta e deixaram ele
fazer, deram um programa para ele, Clube dos Namorados, onde ele fazia estas
bobagens todas, de pensamentos... Com isso a Mundial roubou, de novo, os ouvintes
nossos e recuperou o terceiro lugar.
M: Quer dizer que a fala é fundamental?
E: Pois é. É um detalhe, mas esse envolvimento, cria uma personalidade.
Por exemplo, a Rádio Cidade (1977), a personalidade dela estava na música? Não. Está
na comunicação. O quê vocês fizeram? Falaram um pouco mais. E ninguém fazia isso.
Antes era tudo limitado. Você tinha um jeito meio "cantadinho" para anunciar o cantor,
a "musiquinha", dava a hora e seguia. Poder falar alguma coisa, comentar, foi uma
grande inovação. O diferencial foi a comunicação, não a música. Uma dio musical
em que a grande inovação dela foi a comunicação.
M: Você participou de rios momentos de mudança e possibilitou muitas
delas. Você tem alguma idéia de rádio para hoje? Como é que você o rádio hoje? E
qual sua visão de AM e FM hoje, empresariamente falando e artisticamente?
E: Em relação a AM, eu tive na dio Globo e a grande discussão é em
relação ao futuro da AM e o futuro da Rádio Globo. Sempre se falava em colocar a
Rádio Globo também em FM para garantir o futuro dela. Eu achava que era um
desperdício esta passagem porque os ouvintes da Globo AM vão até lá. Como no caso
da CBN. Se a gente usasse um canal de FM para colocar a Globo AM, estaríamos
perdendo uma rádio, pois não iam aumentar tanto a quantidade de ouvintes na soma do
AM e FM da Globo. O ouvinte quer aquilo que está lá. É tão forte aquilo que as pessoas
288
vão para . A dio falada não precisa tanto de qualidade se som. De repente este
público mais jovem poderia ser despertado para este tipo de rádio, mas não exatamente
pelo que se faz na Globo e na Tupi. Acho que se pode ter rádio falado na FM. Acho que
o tem por ser caro. A vantagem da FM é ser barata. Sustentar uma rádio, como a
Rádio Globo, é muito difícil. Eles cada vez cortam mais. Inventaram a Rede Globo
Brasil, tentando tudo para cortar os custos da rádio porque é muito caro. É muito caro
mesmo uma Rádio Globo. Ela fatura muito, mas é tão cara que as vezes não se paga.
Tem meses que não se paga, com todo faturamento que tem. Então passar para o FM
não ia solucionar o problema dela, não teria mais audiência e nem faturar mais por
causa disso. A sobrevivência deste tipo de rádio é muito difícil, por causa deste custo. O
público jovem está se acostumando com um tipo de rádio mais musical e o cobra esta
rádio mais comunicação que o público acima de 50 está mais acostumado, como da
Globo. Então, acho muito difícil ter este tipo de rádio. Nos Estados Unidos os primeiros
lugares em FM são falados. São rádios de notícias e esportes. Existe uma rádio de
esporte em Nova Iorque que estava disputando o primeiro lugar e é uma rádio de
esporte e notícias. É uma coisa impressionante. Mas eles têm patrocínio, eles têm a
verba para fazer o rádio falado. Acho que é uma questão cultural esta questão da
rádio estar em AM ou FM, evidentemente que técnica, mas talvez a rádio musical o
ficasse em AM, como não ficou, mas esta rádio falada não tem tanto problema. que
está lá, deixe ficar. Mas acho que tende a morrer se continuar assim. Porque os ouvintes
vão morrer. Estas rádios neste estilo não têm renovação. É muito complicado.
M: E as rádios religiosas, incomodam? Como é visto este fenômeno, numa
administração?
E: Acho que incomoda a classe porque é uma rádio que não obedece as leis
trabalhistas. Independente do estilo, as pessoas são profissionais. Se eles o da igreja
ou o, mas se estão falando lá, são locutores e radialistas. E o sindicato faz muito
pouco por isso. até conversei com pessoas do sindicato e não nenhuma atitude
contra isso. A administração deles é muito ruim, o que eu acho um aspecto negativo.
Agora, quanto a concorrência com as outras rádio, nem tanto. Eles também são ruins
comercialmente: tem problemas de credibilidade, preconceitos com as rádios religiosas.
A Melodia chegou a primeiro lugar no Rio e não faturou muito, por preconceito dos
289
patrocinadores. São pessoas como qualquer outras, são consumidores... Mas tem um
preconceito grande. Talvez por serem ruins administrativamente também e não passam
credibilidade. Mas se as pessoas querem ouvir... É a mesma coisa do rádio, tem que ter.
Ruim é este aspecto administrativo.
M: Você tem idéia de uma programação nova? Uma idéia nova para o
rádio?
E: Não. Acho que você sempre tem que pensar na rádio que você tem para
trabalhar, no momento... Cada coisa é diferente, não tem rádio ideal. Eu tenho uma idéia
mas seria no estilo adulto, de flashback.
M: Como seria a comunicação?
E: Seria mais musical. Em cima da música, da força do flashback. Fizemos
uma pesquisa na 98 e isto ficou tão escancarado e na verdade ninguém está explorando
bem isto hoje em dia. É impressionante. E é uma coisa que pode ser popular, com cara
de chic. Um pouco do que a JB FM está fazendo, disfarçadamente ela tem uma
programação quase do Dimes, internacional, o Dimes é um programa da 98 de flashback
tradicional e mescla com músicas de MPB com músicas de sucesso, alguma coisa
nova... Ela mantém uma imagem muito boa, que a JB tem, do próprio jornal, lançadora
do MPB e agora com uma programação bem fácil e acessível de sucessos água com
açúcar internacionais. Ela acaba tendo audiência com qualificação, que é o ideal para o
faturamento. Ela deve estar faturando muito e bem e está distante das concorrentes.
M: Produção no rádio? O rádio bem antigo ele tinha produções
extraordinárias, nas cadas de 40 e 50. Hoje você sente falta disso? Você acha que o
rádio sente falta disso?
E: Acho que essa mescla do falado com o musical é um pouco a volta disso.
Chagamos ao extremo da rádio musical, a Tamoio era "a música, exclusivamente
música". Isso foi o auge da música. Depois começaram a ver que poderia ter um
colorido. Com o tempo, esta criatividade vai crescendo. O rádio não precisava seguir
estes formatos que tem. Isto me incomoda um pouco. Por que a coisa não se solta? Por
que tem que seguir esta forminha? "Você vai tocar quatro sicas, modo de quatro,
290
modo de três músicas..." Ninguém faz alguma coisa nova. Às vezes eu vou em debates
em faculdades e vejo todo mundo discutir em cima do que existe. Digo a eles que são
gigantes e eles que tem que romper com isso. Não pegar a forma do que existe e
substituir algumas coisas. Acaba igual. A produção teria que ser criatividade. No rádio
você pode levar um dia inteiro para produzir um minuto e pode levar um minuto para
produzir um dia inteiro. Se você tiver uma programação musical num software você
roda em um minuto. Então em um minuto você roda o dia inteiro. Mas você também
pode passar um dia inteiro para pensar em um minuto. E as vezes esse um minuto é
fundamental. Tem que haver muito criatividade em cima daquele minuto ali.
M: Esta frase é sua?
E: Não, eu a peguei no caminho. Mas é verdade, eu a uso muito.
M: As rádios comunitárias, como são vistas?
E: É a chance da pessoa começar, um radialista... É a chance também de
uma programação específica, para uma determinado tipo de público ou para uma
determinada área. É bom para o dio que pode ser formadora de rádio, mas é perigoso
no aspecto do controle. Começam a fazer comercial. Tem rádios comunitárias que
faturam comercial. Como é esta concorrência? Porque entra o outro aspecto que é o
sindicato. A mesma história das rádios religiosas: todo mundo trabalha de graça,
ninguém recebe, mas o dono coloca comercial e ganha algum e concorre com os outros,
com todo mundo trabalhando de graça. Tem o aspecto legal (bom) e o legal (jurídico).
Como é que alguém que quer fazer rádio hoje em dia pode começar? As rádios
comunitárias proporcionam isso. E romper com essas formas, esses formatinhos de
rádio. vi coisas interessantes, mas nada muito criativo. Mas ouvi rádio favela. É
engraçado. Eles rompem com o formato um pouco. Mas também tem: "passamos a
apresentar"; "acabamos de apresentar", ninguém rompe com esta estrutura. E as dios
comunitárias seriam a chance. Inventar uma maluquice qualquer, fazer uma rádio
maluca, mas as pessoas acabam seguindo um padrão também.
M: E a sub utilização do veículo rádio? Como você vê isso? Se é um fato?
291
E: Com certeza. No aspecto comercial, a credibilidade no rádio não é muito
forte, apesar do resultado ser muito bom. Não se consegue vender o rádio como ele
merece. Primeiro, o cliente, em geral, não acredita na programação do rádio, não tem
como comprovar esta credibilidade da programação. E existe um preconceito pelas
agências, aquela coisa antiga, que já não retorno. O dio não prêmios para os
publicitários de criatividade, como a televisão dá... Mesmo no estudante de
comunicação, o dio é visto como um segundo plano. Dei aula uma vez em uma
universidade e vi as pessoas que requisitavam Rádio TV não sabiam nada e não queriam
nem saber de dio. Tudo era TV. Você não no rádio, tanta gente interessada em
trabalhar no rádio, como havia antigamente. Hoje o se mais isso, principalmente
entre universitários e jovens. Isso é um erro, porque o dio é ouvido por todo mundo,
todo mundo ouve rádio.
M: É uma escola também.
E: Pois é, e como veículo mesmo é tão importante como o computador, a
internet, o rádio tem a sua característica, a sua força, aquela coisa de trabalhar o dia a
dia.
M: A questão dos anúncios...
E: Pois é. E um exemplo disso são certos anunciantes que existem no rádio,
que trabalham no dia a dia em uma comunicação direta com o ouvinte e medem na hora
o retorno. Tem tipos de anunciantes, como o regime de emagrecer Magri Diet que
trabalha no rádio. Faz aquela promoção na hora, muda o texto, o retorno que na
hora. No texto seguinte ele já é capaz de mexer. E é um cliente absolutamente de rádio,
não anuncia em nenhum outro veículo. Vive disso e tem um grande retorno. Anuncia
em várias rádios e tem uma resposta. Outro tipo de cliente que trabalha no dia a dia é o
supermercado. O rádio trabalha de manhã, fica no ouvido da dona de casa e fica falando
o preço dos produtos, fica buzinando no ouvido e quando a dona de casa sai na rua e vai
ao supermercado. Grandes supermercados foram feitos exclusivamente pelo rádio.
Alguns até especificamente por comunicadores, como a Sendas, através do Haroldo de
Andrade, o Guanabara que é um supermercado que explodiu agora e a rede cresce cada
vez mais, em cima, especificamente do Antônio Carlos. Agora também anuncia na
292
televisão, mas ainda usando a voz do Antônio Carlos, do rádio. Mas quando cresceu
se anunciava no rádio. Há vários exemplos de supermercados que são fortíssimos para o
rádio. E o fato da agilidade, de poder alterar a campanha na hora. Não deu retorno,
vamos mudar agora. Muda o texto. O rádio esta agilidade e que não é muito usada.
Participei de várias reuniões para tentar melhor este caminho mas é complicado. Queria
dar até o exemplo do Sistema Globo de dio, em cima desta falta de credibilidade, o
Sistema Globo lançou um projeto chamado "Falha Zero", onde tinha uma auditoria, que
a Globo contratava, para comprovar que os comerciais foram rodados, foram ao ar e
tinha uma medição própria através do sistema de rádio informatizado que era
comprovado por esta auditoria externa, de credibilidade. Se houvesse qualquer falha,
seria pago em dobro. Ou em comercial, caso a campanha continuasse ele ganharia dois
comerciais no lugar de um ou devolvia o dinheiro no caso da campanha encerrar ali. No
caso, um mercado fez uma campanha de uma semana e errou no último dia. Então a
rádio devolvia, em dobro, o valor daquele espaço que não foi ao ar como fora
programado. Isso passa credibilidade, mas são fatores um pouco isolados do Sistema
Globo. Outras rádios não fazem. O dio como um todo ainda não tem esta
credibilidade, mas é o que se procura conquistar para melhorar, porque o rádio é um
veículo forte. Nos Estados Unidos o rádio tem uma força tremenda.
ANEXO 3
Fernando Mansur entrevista João Rodrigues – 18-09-2003
João Rodrigues foi operador de som de diversas emissoras de rádio. Foi com
ele que o locutor e apresentador Big Boy fez seu primeiro programa na Mundial. João
vai contar como isso aconteceu, além de buscar na memória outros casos pitorescos que
sua longa experiência acumulou.
293
Hoje, nosso entrevistado trabalha na Rede Globo de Televisão, na
Coordenação de Pós Produção.
Com ele, nós saímos do estúdio de locução para curtir um pouco a emoção
de operar uma mesa de som. Na era dos computadores, o leitor vai ouvir falar de LPs,
discos de 78, 45 e 33 rotações, acetatos... e sentir a emoção que era o operador abrir o
microfone e... ver/ouvir tudo ir pelos ares.
E se recordar é viver...
Mansur: Bom, nós vamos conversar, então, com João Rodrigues, que hoje
trabalha na TV Globo e que durante muitos anos trabalhou no rádio. João, como você
começou em rádio? Como você entrou para o rádio?
João Rodrigues: Comecei em dio em 1960, na Rádio Guanabara. A gente
conseguia emprego naquela época quando tinha uma reforma na rádio. São Paulo
assumiu a Rádio Guanabara e ela voltou a transmitir futebol de novo depois de uns
anos. Quem foi ser o diretor geral da rádio foi o Edson Leite, que era de o Paulo,
da Bandeirantes. Ele trouxe com ele o Oduvaldo Cozzi, Jorge Curi e Doalcei Bueno de
Camargo [todos locutores esportivos consagrados]. Isso em 1960, na dio Guanabara,
cuja freqüência era de 1360 AM. Acho que hoje, nessa freqüência, é a Rádio
Bandeirantes. Ela ficava na 13 de Maio, no último andar. Ocupava um andar inteiro. Era
uma rádio imensa, porque rádio, naquela época, era grande. Para você ter uma idéia nós
tínhamos dois lados: o lado A e o lado B. Do lado A tinha um estúdio grande, onde se
faziam os programas ao vivo de disc jockey como o do José Messias, que hoje está na
Nacional... Ele me chamava de João Caixadópolis... José Messias... e outros programas
mais, que eu não me lembro. Fernando Solera veio de São Paulo...
M: Tinha boa audiência a rádio?
JR: A rádio tinha boa audiência. O problema da dio era transmissor, que
era pequeno e, na época, a rádio não tinha ondas curtas. Naqueles tempos influenciava
muito ondas curtas em rádio, porque todo mundo ouvia fora do Rio de Janeiro. Então,
294
era uma rádio local, mas ela chegou a brigar com a Rádio Globo. Na época, eram as
duas que disputavam a audiência em futebol. Isso era impressionante porque a Rádio
Guanabara era uma rádio com uma potência muito pequenininha. Entrava mal, em
alguns lugares. Mas tinha uma equipe muito forte, tanto de jornalismo quanto de
futebol. O Vitorino Vieira, que morreu pouco tempo transmitia futebol na TV
Bandeirantes. Silvio Luiz também. Quer dizer, a Guanabara tinha uma equipe esportiva
muito grande mesmo e era o forte dela, porque o forte da Rádio Bandeirantes naquela
época, em São Paulo, era o esporte e o Edson Leite veio para cá com essa filosofia.
E eu comecei a trabalhar na rádio nessa época, em 1960, como operador de
som. O operador de som, naquela época... havia uma central técnica... a mesa de som...
os jingles ali eram em 78 rotações, as "bolachinhas" que a gente chamava, acetato de 78
rotações e tinha o LP que tinha 33 (rotações). Então, volta e meia, um operador soltava
o LP em 78, soltava o 78 em 33 porque você tinha de trocar a rotação no prato (onde o
disco rodava), tinha que fazer força e o prato tinha que estar parado. Você tinha que
desligar, trocar a velocidade do prato, colocar o disco em cima... Tinham dois pick ups,
um para 33 rotações e outro para 78. A rádio funcionava numa dinâmica muito grande
porque você tinha que colocar tudo no ponto (no ponto onde a música ou o comercial
começam, para não deixar "buraco" no ar). Quando tocava um jingle de 30 segundos,
você tinha que colocar um outro no ponto, se fosse emendar, ou então, pôr a próxima
música. E não podia ter buraco. Era uma norma. Você acabava com um jingle, entrava
com o locutor anunciando a música, etc.
O Eugênio Martelotti, considerado um dos melhores operadores de rádio
naquela época, dividia o horário comigo. Nós fazíamos o "Varig é Dona da Noite", com
Astor Gaspar. Era um programa que, na época, dava um impacto porque tinha uma
espécie de despertador: "A Varig acorda você". Então, você podia ficar ouvindo o
programa e na hora que você quisesse acordar, a às oito horas da manhã, a gente
acordava você. O ouvinte ligava para a rádio, dava o nome, o telefone e dizia a que
horas queria acordar. Para atender os ouvintes era uma pessoa só. Depois, chegou uma
época que tinha que ter dois, três naquele serviço. Até a gente da técnica ficava
acordando as pessoas. Às vezes, a gente levava até bronca, porque os ouvintes ligavam
295
para dando o telefone de outras pessoas, numa espécie de trote. Teve um caso de um
dos funcionários que trabalhavam nesse serviço ter sido jurado de morte por uma pessoa
que foi acordada. A confusão foi tanta que envolveu até a direção da rádio. Mas tinha
tudo escrito. As coisas eram mimeografadas. Antigamente não era xerox, era
mimeógrafo. Esse serviço começava às 4 da manhã... Tinha que ser tudo super
organizado. Que funcionário fazia isso? Ninguém fazia não. Naquela época s
fazíamos tudo. Hoje em dia... Vim de dio, venho desse tempo, então, aqui na Globo,
eu faço tudo.
M: O pessoal de rádio, pelo menos os mais antigos, tem essa capacidade...
JR: É, sei lá, s fazemos tudo. Um exemplo: o cara estava na mesa do
telefone, que era uma PABX, pediu ao Astor Gaspar, que era o locutor, para não ir
embora porque tinham várias outras pessoas para atender e o Astor ficava e ia para o
outro ramal atender.
A gente fazia tudo e a programação tinha de sair perfeita... Eu sou orgulhoso
de mim mesmo porque recebi um elogio do rio Luiz (na época diretor da Rádio
Globo) quando eu fui para a Mundial...
M: Em que ano você foi para Mundial?
JR: Fui quando a Globo comprou a Mundial, por volta de 65, 66... Uma
pessoa que era chefe de operações aqui (TV Globo) foi ser diretor técnico lá. Diretor de
operações, na verdade. Ele precisava de dois operadores e queria trabalhar com as
pessoas que ele conhecia. Eu já trabalhava em televisão, TV Excelcior...
Ele me perguntou se eu tinha operado áudio e se queria topar essa. Eu
estava precisando trabalhar em outra coisa além da TV, porque naquela época nós
trabalhávamos em dois lugares. Hoje em dia é que o pessoa de televisão trabalha em um
lugar só.
Mas voltando um pouquinho, na Excelsior eu fiquei até o início de 65.
Porque quando foi em outubro de 64 esse menino saiu chamado para montar a TV
296
Globo. Ele acertou a demissão dele e falou que queria que eu fosse para com ele,
porque a gente tinha montado a TV Excelsior juntos. Como eu o tinha ajudado muito, e
ele iria fazer o mesmo novamente na Globo, ele queria que eu fosse para com ele.
Quando foi em janeiro de 65, ele disse que estava precisando de mim lá (na Globo). Um
mês depois saí da Excelsior.
Comecei na TV Globo em fevereiro de 65 e estou aqui até hoje. Quando foi
no ano seguinte... eu trabalhava aqui à noite, na Excelsior eu também trabalhava à noite
por causa da programação que era mais pesada nesse horário porque tudo era ao vivo.
Nessa época, eu estava precisando de um outro emprego - até porque eu tinha casado.
apareceu esse negócio de eu ir para a Mundial. Fui para a Mundial, porque a Globo
tinha acabado de comprar a Mundial. A Mundial ficava ali na Rio Branco, onde tinha o
Cineac Trianom, em frente ao prédio da Caixa Econômica. Eu fiquei ali trabalhando uns
dois meses. Mas a programação da Mundial ainda não tinha mudado. Continuava aquela
programaçãozinha e tal... aí nós fomos para a Avenida Presidente Vargas, quase esquina
com a Rio Branco, onde tinha a Rádio Relógio Federal. A dio Relógio ficava no
décimo oitavo andar e a Rádio Eldorado no vigésimo. Aí, dividiram metade para a
Eldorado e metade para a Mundial. Fizeram outro estudiozinho. A Mundial ficou com
um estúdio de locutor e a técnica, mais um outro estúdio para gravação. E a Eldorado,
como era só programação ao vivo, ficou com a outra técnica e o outro estúdio. Ali, o
Humberto Reis (locutor e diretor de programação) começou. Era o Humberto Reis e o
Reinaldo Jardim (ver Luiz Carlos Saroldi). Eles faziam um programa de 30 minutos de
"música jovem" que era o estilo de programação na Mundial. O Humberto Reis e o
Reinaldo Jardim faziam um programa que eles chamavam... não era pacote mas era
como se fosse um pacote... como é que começava... começava assim: "Aqui quem fala é
fulano de tal" vamos supor: o programa era de música brasileira, dependendo do gênero
da música brasileira... vamos dizer... música romântica. pegava um artista daqueles
que falava: "Aqui fala Elizeth Cardoso, apresentando: a Mundial é show musical".
emendava seis ou sete músicas só de Elizeth, uma atrás da outra. Podiam fazer o mesmo
com o Chico Buarque. Chico Buarque. Então o Chico falava: "Aqui quem está
falando é Chico Buarque, apresentando: a Mundial é show musical". Aí tinha um
297
programa de meia hora com músicas do Chico Buarque. Do Gil, com músicas do
Gil, e assim por diante.
A parte de rock, Beatles, já era com o Big Boy, que entrava no ar chamando
essas músicas. Entravam músicas exclusivas de um cantor. Mas isso o rendeu muito,
porque acho que ficava frio...
O quê aconteceu? Eles resolveram fazer isso ao vivo, com locutor
apresentando as músicas. Foi que surgiu com o Big Boy, com o Monsieur Limá, que
também era um menino que era discotecário, DJ, e outros mais. O Big Boy fazia dois
programas. Fazia o "Ritmos de Boate", às 20h, que eram as músicas que ele tocava nas
boates, porque ele também era programador de boate. Ele trabalhava para umas duas ou
três boates. Esse programa o Big Boy gravava. Entrava o prefixo, ele falava "Ritmos de
boate. Vamos ouvir agora o fulano de tal com a música tal". as "cabeças" (as falas)
do Big Boy. E os discos vinham todos à parte. Aquela montoeira de discos que o
operador ia soltando na hora. E eu fazia um programa do Big Boy às 15h.
A coisa mais engraçada do Big Boy é que ele era um cara baixinho,
gordinho, garoto jovem de 20 e poucos anos, muito mido. Para dar bom dia ou pedir
alguma coisa era aquela timidez. Era muito humilde. Ele trabalhava muito com os
discos dele, que eram tudo 45 rotações e os operadores odiavam trabalhar com aqueles
45, porque já tínhamos o 33, o 78 e apareceu ainda o maldito 45, que não tocava
naqueles pratos. O 45 tinha um buracão e era tocado num prato que era ao lado. Você
tinha que pôr um adaptador... e aquilo pulava toda hora. Era um problema sério. Aí,
instalaram um outro prato que tinha 78, 45 e 33. Tinha 3 posições na alavanca no
prato. Aí ficou mais fácil.
O Humberto Reis me chamou um dia na sala dele e disse: "João, hoje nós
vamos começar com o programa Big Boy às 15h, e eu queria que você fizesse".
Perguntei como seria. Ele me disse que seria um programa bem alegre, com fundo
musical. E quem iria fazer era o Big Boy. fui conversar com o Big Boy, dar umas
coordenadas para ele... porque ele não tinha muita noção de rádio, ele fazia programas
298
gravados... A gente, quando abria o microfone para o locutor, abria sempre antes da
música acabar. Era o tempo do locutor respirar e falar, para não dar buraco. Eu coloquei
um fone nele e expliquei: "Olha, você fica com o fone, pois você vai ver que quando eu
abrir o microfone vai sumir o som das caixas e ficar no fone, e você vai continuar
ouvindo a música. Quando a música acabar, você começa a falar." "Ah, bom", ele
disse. Mas ele queria também falar no meio da música, porque tinha que fazer uns
comentários no meio da música...
HELLO, CRAZY PEOPLE!... AQUI FALA BIG BOY
Aí, entrou o prefixo dele. Eu abri o microfone e levei um susto. Ele, que era
super tímido, entrou na maior empolgação, com o astral em cima... Aí, tocou a
primeira música... ele disse: "Eu tenho que falar..." porque tinha aquele negócio... as
músicas exclusivas, a Mundial colocava uma vinheta para caracterizar a exclusividade e
outra rádio não gravar...
Aí, entrou uma música lá, era tudo disco exclusivo, tudo disco importado, e
ele... "quero pôr um "Big Boy" no meio da música, mas queria com eco". Eco, hoje em
dia, você aperta um botãozinho na mesa e tem eco. Naquela época, o. A gente, para
fazer eco, tinha que pôr um gravador para gravar e pegar o retorno do gravador.ele...
"Big Boy".. até o Humberto Reis correu lá. Então começamos a pôr fundos: pessoa
gritando, lataria, barulho, tiro, etc.. Aque um dia, o diretor comercial, que era o cara
que vinha da época do Zarur (Alziro Zarur, antigo dono da Mundial), todo de paletó e
gravata, chegou para o diretor geral da rádio e disse: "Olha, o programa desse Big Boy é
muita gritaria, muita confusão, isso não condiz com a dio Mundial. A Mundial tem
um passado, e fica esse Big Boy, esse cabeludo lá, com aquele maluco do João na
técnica, uma confusão tremenda e tal..." Na hora estava tocando um tremendo rock,
uma gritaria danada. Quando acabou a música, para enganar o cara, entramos com uma
musiquinha, uma valsa. Tinha um disquinho que tinha uma valsa de um conjunto
inglês. usava aquilo do cara [cantarola os acordes da valsa]. No fim da valsinha,
entrava uma gritaria tremenda. O cara levou um susto. Quase caiu da cadeira. O cara
299
olhou... "Está vendo?" Desligou o rádio. "Deixa isso para lá". E a loucura continuou
no estúdio.
M: E o ouvinte? Vocês tinham resposta logo do ouvinte?
JR: O telefone não parava de tocar. Era impressionante. O programa tinha
uma audiência fabulosa. E aos bados tinha o Cavern Club, com música dos
Beatles. Aí, o Big Boy podia receber as pessoas. Porque em rádio era proibida a a
entrada de pessoas na época da ditadura... em determinados programas... Mas aos
sábados foi permitido entrar algumas pessoas... o estúdio lotava.
Depois a Rádio Mundial foi transferida... saiu a diretoria e entrou a diretoria
da dio Globo... s fomos para o jornal O Globo, no prédio do jornal O Globo, na
Irineu Marinho, terceiro andar. Aí, o Mário Luiz mudou toda a programação da rádio. A
rádio ficou sob a responsabilidade do Mário Luiz. Nessa altura, o Big Boy era às 18h,
antes da Voz do Brasil. Mas aí, já não tinha mais aquela confusão toda, aquela gritaria.
Depois que passou para às 18h o Mário Luiz pediu para ser um programa sóbrio. Era o
Big Boy que falava e comentava as músicas, mas não tinha mais aquela coisa toda.
OITO-MEIA-ZERO – A MUNDIAL É SHOW MUSICAL
A Mundial não existe mais. Na freqüência 860 funciona hoje a CBN, "a
rádio que toca notícia".
300
ANEXO 4
Fernando Mansur entrevista Adriana Riemer – 08-10-2003
Antes de ser locutora, Adriana estudou comunicação fez publicidade
além de trabalhar como modelo e atriz. Já passou por várias emissoras do Rio de Janeiro
Antena 1, Cidade, RPC, Transamérica e a dos Estados Unidos, onde morou e
atuou um tempo.
301
Revela que se inspirou "na mulherada da Fluminense FM para se tornar
locutora" e que gosta quando o rádio usa o poder do comunicador, transmitindo aquele
"algo mais".
Considera as partes comercial e promocional do dio ainda muito
convencionais e explica como consegue mudar tanto de estilo, que atuou em
emissoras com características bem distintas de apresentação. Explica que não é fácil, e
que numa dessas mudanças chegou a sofrer uma "fenda vocal".
Na década de 90, quando participou de um vídeo sobre a história do Rádio
no Brasil, Adriana conta que pôde descobrir que o rádio não é uma coisa jovem "como a
gente imagina" e que existiram "radialistas maravilhosos". Por isso acha que uma das
missões que tem agora é resgatar a memória deste meio de comunicação.
Hoje Adriana possui uma firma promotora de eventos e é apresentadora da
Rádio FM O Dia, a líder do mercado carioca.
Como nasceu e se desenvolveu o fascínio pelo rádio é o que ela vai nos
relatar agora.
Mansur: Adriana, primeiro eu gostaria que você nos dissesse como você
entrou para o rádio?
Adriana: Pois é, eu nunca pensei em entrar em rádio. Eu estava fazendo
faculdade de comunicação, fazia publicidade, e trabalhava como atriz, como modelo.
Estava correndo atrás e fazendo estágio numa agência de publicidade. Sempre ouvi
rádio, sempre fui apaixonada por rádio, mas como ouvinte. Me recordo de ouvir um
pouquinho de nada de “Big Boy”, mas me lembro que na minha casa não tinha aparelho
de rádio em uma determinada época, e eu saía de casa e ia até o carro da minha mãe
para ligar o rádio FM e ficar ouvindo a Cidade. É uma coisa que marcou muito a minha
adolescência.
302
Uma vez eu participei de uma gincana que a Rádio Cidade fez na Lagoa, a
minha escola inteira participou, e ainda teve mais outra coisa: quando, nos anos 70,
havia aquela moda de patins, a Rádio Cidade comemorou um aniversário no Canecão, e
eu estava lá. Não foi exatamente por causa da Rádio Cidade, mas quando cheguei lá,
encontrei os meus ídolos todos no palco e isso marcou realmente a idéia de “rádio”
mesmo. Existem pessoas por trás do microfone, existem pessoas ali dentro daquele
aparelhinho, trabalhando. E foi aí que eu passei a achar bacana a profissão de radialista.
Eu estava estagiando em uma agência de publicidade, que era a Salles, e, um
dia, eu estava meio chateada porque um comercial que eu fiz o tinha sido aprovado,
(eu estava na criação) e resolvi voltar para casa. Peguei meu carro (porque eu era
modelo e tinha um carro novo) e fui-me embora. Então o que aconteceu? Eu liguei o
rádio, chateada da vida, eu ouvia a Rádio Cidade. Estava tocando um comercial e
mudei [de estação] para a Antena Um e dei de cara com o Sandoval [Eládio Sandoval,
que da Cidade transferira-se para a Antena Um, junto com o Romilson Luiz] dizendo
“Estamos contratando uma locutora. Você, que quer ser locutora, venha aqui na Antena
Um”. Eu desviei o caminho e fui para a Antena Um. Chegando lá, preenchi uma ficha,
o Sandoval me recebeu, e tinha um monte de mulheres, uma fila enorme de pessoas que
sabiam daquilo, locutoras da [rádio] Roquete Pinto, outras meninas que estavam
começando também. E eu fui ficando, isso era em 83, e hoje estamos fazendo vinte anos
de rádio (risos). Passou rápido, né?(risos). Então fui fazendo essa seleção, o Romilson
Luis me deu uma grande força e o Sandoval também. Quer dizer, eu tive contato com o
Romilson e o Sandoval através da Antena Um. Logo depois entrou o Jaguar [que
também pertencera à primeira equipe da Rádio Cidade], que foi um grande mestre
também, me acompanhando.
Eu entrei na Antena Um de meia-noite às três e comecei a fazer um
programa como se fosse meio-dia. Foi o máximo, era o Clube da Insônia”. Fiquei dois
anos, um ano e pouquinho e acabei indo para a Transamérica, que também foi uma
rádio rock’n’roll, a primeira dos anos oitenta, fora a Fluminense. A Fluminense também
marcou muito. A Fluminense veio antes, eu era ouvinte da Fluminense e essa foi até
uma das razões pelas quais eu pensei “Ah, se a mulherada da Fluminense está
303
arrebentando, eu também posso”. Eu era de todas as meninas da Fluminense. Eu
fiquei muito feliz quando a Fluminense tentou voltar recentemente, mas não
conseguiram, estão ainda... Então é isso, foi assim que eu entrei em rádio: por acaso.
M: Você tem alguma lembrança das primeiras vezes que você ouviu rádio,
dos seus sentimentos com relação ao rádio?
A: Eu ouvia a Rádio Mundial... Eu estava na casa do meu pai e queria ouvir
uma música chamada Goodbye Yellow Brick Road, que eu nem sabia dizer o nome
direito, mas eu liguei para a Rádio Mundial como ouvinte para ouvir uma música e o
atendente, quando eu disse olha, meu nome é Adriana” (como se estivesse lá) “eu
queria ouvir aquela música do Elton John, que tem um nome enorme mas eu não sei
falar”. Então o rapaz falou “Tudo bem Adriana, pode deixar que essa música que você
pediu vai tocar”. E tocou. Nossa!... era como se ele tivesse falado comigo no ar. Foi
realmente muito emocionante...Mundial...
M: O dio hoje em dia é sub-utilizado, de alguma maneira? Você acha que
nós poderíamos utilizar melhor suas características, o seu poder? Eu gostaria que você
falasse um pouco sobre isso.
A: Eu gosto quando o dio usa o poder do comunicador. È verdade que
nem sempre o comunicador tem responsabilidade para passar a mensagem, mas muitas
vezes tem. A maioria dos comunicadores que estão no ar teria condições de passar um
“algo mais”. Eu acho uma pena porque que, principalmente em FM, eu sempre tive esse
problema. “Tá falando muito, bota a música logo, tem que tocar mais música, pára a
entrevista”. Muitas vezes é assim. Se você está com um entrevistado e quer ir um pouco
mais adiante, não pode, tem que botar música. É o formato comercial. A gente se sente
um pouco amarrado com isso. Sinto que a parte de promoções, por exemplo aqui na FM
O Dia, ela é muito boa, mas ainda é um pouco convencional. A parte de promoções, de
comercial, ainda é muito convencional. Eu acho que dava para a gente fazer a parte
comercial de uma maneira que o ouvinte não sentisse tanto “ah, agora é o comercial”. É
uma coisa que dava pra ser trabalhada de uma forma diferente. Usar testemunhal ou
música, uma coisa mais subjetiva. Como na televisão, onde se faz o merchandising.
304
Você nem sente, mas está ali. Isso eu acho uma forma mais interessante. É estudar e
repensar, mas aí tem que parar tudo, não é?
M: E a sua experiência fora do Brasil como foi? Você trabalhou em
outros países...
A: Eu trabalhei nos Estados Unidos. Foi bem engraçado, porque eu
trabalhava na RPC aqui no Brasil e levei uma gravação minha, na RPC, falando em
português e levei uma carta de recomendação de várias gravadoras. Quem escreveu o
texto foi ao Walter Clark. E varias gravadoras me recomendando também. Com isso
eu fui a uma rádio grande em Monterey e me apresentei e consegui trabalhar com
promoção. Virei locutora de promoção. Três meses depois, uma das pessoas virou vice-
presidente de outra rádio uma dio pequena que mudou o formato e me carregou
junto. Então comecei a fazer locução de sábado das dez da noite às duas da madrugada
num programa chamado Hot Mix. Minha chefe, que estava grávida, começou a ficar
“muito grávida” e me passou o horário dela, que era de meio dia às três da tarde o
melhor horário possível. Então eu passei dois anos fazendo esse horário. É muito
diferente sim, porque não adianta dominar só a língua, você tem que dominar a cultura e
muitas vezes eu paguei mico... Por exemplo, se você disser que um homem é um “gato”
em inglês, você está dizendo que ele é gay. É totalmente diferente, a cultura é diferente
mesmo. Mas foi um barato. Foi muito legal. Nós pegamos o primeiro lugar na área de
Monterey, que o pessoal chama de Monterey Bay Area, que é a área toda que cobre San
José, Santa Cruz, na Califórnia.
M: Você poderia dar alguns exemplos do seu contato com o ouvinte, coisas
marcantes da sua relação com o ouvinte?
A: O ouvinte é um barato, né. Eu adoro. Você tem desde pessoas que me
seguem mais de dez anos... Tem uma menina, por exemplo, que era minha ouvinte
quando criança, ela vinha, tirava foto e tudo mais, lá na Rádio Cidade. Ela foi crescendo
e aparece em todo aniversário meu. Ela vem com o mesmo bolo - um bolo de frutas que
eu adoro - e, quando ela casou eu consegui para ela uma versão de Monte Castelo, da
Legião Urbana, com o Jerry Adriani, uma versão mais lentinha. Ela entrou na Igreja
305
com essa música, me agradeceu horrores. Hoje em dia ela é casada, trabalha e é minha
fornecedora de produtos Avon (risos).
Tem os malucos também. Lá no estacionamento da dio Cidade [Av.
Brasil, 500] já teve uma voando em cima de mim dizendo que ia me matar. Tem sempre
umas coisas esquisitas.
Normalmente as mulheres têm muita empatia comigo. Os homens me tratam
naquele esquema assim e aí, como é que é, beleza?” mas as mulheres elas sentem
muita empatia. Eu acho que é também por causa do cabelo vermelho “ai, eu quero ter
esse cabelo”, essa coisa toda. muita empatia. E principalmente, não sei se é coisa
minha, mas eu adoro, aquelas com mais de cinqüenta, as mais vovós. Eu adoro.
M: E a sua passagem por várias rádios de estilos diferentes? O que isso
exigiu de você?
A: É muito cansativo. Na própria Rádio Cidade mesmo, quando eu entrei
era rock, depois virou dance, virou rock de novo, aí ficou um pouquinho mais
popular, aí ficou um pouquinho mais radical. A Transamérica era rock. Depois eu
trabalhei na Transamérica com dance. Nos Estados Unidos era totalmente R&B [Rythm
& Blues], não tinha nada a ver com o que eu fazia aqui no Brasil. Depois, quando eu
vim para a Nova FM, que foi rápido, mas foi uma delícia, era uma coisa bem popular
mesmo, foi uma gostosura. Depois virou MPB FM. Aliás, isso foi de um dia para o
outro. Quando virou de Nova para MPB, eu estava no ar. Era um domingo de manhã e o
Julio Biar [coordenador] falou “vou mudar” e eu disse “então bom” e mudei
totalmente o tom. Foi muito divertido até que teve uma hora em que o Renan [Renan
Miranda, diretor] precisou de mim na FM O Dia e também foi muito legal. [MPB FM e
FM O DIA pertencem ao mesmo GRUPO O DIA DE COMUNICAÇÃO.]
Agora, o que aconteceu foi o seguinte: quando saí da MPB, que era uma
locução, uma modulação mais sóbria, light, e passei para a FM O Dia, dividindo horário
com o Fernando Cabeção, o que aconteceu? Uma fenda vocal, porque forcei tanto a
voz para aumentar o ritmo e me igualar, que acabei perdendo a voz, comecei a ficar
306
afônica com muita freqüência. Quando fui ver estava com uma fenda vocal, que eu
tratei.
A rádio me pagou um fonoaudiólogo, foram maravilhosos. Então essas
mudanças afetam sim. Elas estressam e elas cansam, mas ao mesmo tempo o
deliciosas porque é anti-estresse, é uma beleza. Eu me sinto bem camaleônica.
M: Depois da Rádio Cidade, ou antes, você tinha alguma noção da história
do rádio, das primeiras rádios como Mayrink Veiga, Nacional, Mundial, Tamoio, JB?
De que maneira isso faz parte da sua formação?
A: Olha, eu tenho muito carinho por essas rádios que vieram antes. Tenho
até um vídeo (depois vou te emprestar), que o Banco do Brasil fez sobre rádio no
Brasil. Vai da primeira dio até 1990, e tive a honra de participar falando do final dos
anos 90. Eles foram e filmaram um pouquinho. Mas aparece tudo de rádio. Eu vi o
vídeo e fiquei encantada com a história que as pessoas tinham pra contar, pessoas que
não estão mais aqui. Então a gente o Chacrinha contando a história dele no rádio, e
outros radialistas, de quem agora eu não estou me lembrando os nomes.
A gente que rádio o é uma coisa jovem, o é uma coisa moderna
como a gente imagina. Existiram radialistas maravilhosos e disso a gente não tem
noção. E isso a gente tem que resgatar. Uma das missões que eu tenho agora é resgatar a
memória do rádio. A gente tende a esquecer, mas o pode. Grandes comunicadores, a
gente tem que manter essas pessoas na nossa memória, inclusive o Big Boy de quem eu
era super fã quando criancinha. Minha tia adorava e eu acabava ouvindo também.
M: Como é que você vê o presente do rádio e as perspectivas?
A: O presente do rádio, eu sinto que está bem popular. O rádio para classes
A e B, como a Cidade e a Transamérica, eu não o sinto bem, não. Acho que no futuro, o
rádio tende a ficar cada vez mais popular, com algumas rádios mais segmentadas. E tem
outra coisa que eu queria colocar: dio é local. Estou sempre dizendo isso para todo
mundo. Não adianta colocar uma rádio de o Paulo no Rio de Janeiro, uma rádio de
Brasília no Rio de Janeiro. A Voz do Brasil nunca vai ter audiência por causa dessas
307
coisas. É uma rádio que não fala o que as pessoas estão querendo ouvir ali naquele
momento. Não é uma coisa tão pessoa a pessoa, como é o trabalho que a gente faz aqui.
Acho que no futuro a rádio vai voltar a ser local, as pessoas vão voltar a entender isso
melhor. É uma grande esperança que tenho. Estou falando de rádios como a Jovem Pan,
ou como a Transamérica, onde trabalhei com tanto carinho, e que hoje em dia são redes
e o que elas têm no Rio de Janeiro é muito pequeno. Espero que cresça a parte do Rio de
janeiro e que volte a ser a força que ela era. Se bem que o, o é? Depois tira
audiência da FM O Dia...(risos). Mas é isso...
ANEXO 5
Fernando Mansur entrevista Ricardo Gama – 17-09-2003
Ricardo Gama é o principal locutor da Rádio FM O Dia. Seu horário, de 15
às 19h, é líder de audiência, chegando a obter picos de 400, 500 mil ouvintes por
minuto, segundo pesquisas do Ibope (Nov/03-Jan/04). Diz que com esses números, se
trabalhasse na TV já estaria rico.
308
Ricardo é de Barra Mansa, interior do Rio de Janeiro. Conta aqui como veio
trabalhar na capital, as dios que ouvia e os locutores que o influenciaram, além de
deixar bem claro seu amor e fascínio pelo veículo que lhe deu fama e a tranqüilidade
financeira que buscava.
Mansur: Ricardo Gama... 17 de setembro de 2003... Ricardo, por favor, o
microfone é seu.
Ricardo Gama: Bom, mestre, a minha história com o rádio é meio
esquisita. Eu não sei... Acho que nasci querendo ser locutor. Por exemplo, desde
pequeno... tem fotos da época do Jardim de Infância onde eu apareço com microfone
eu não podia ver um que ficava doido. Fui crescendo... família católica... Na Igreja que
a gente freqüentava em Barra Mansa, o padre sempre convocava duas pessoas para
participar da leitura da missa, e sempre estava eu, ao lado do meu pai, disposto a
participar. Sempre adorei isso. Nunca tive problema de estar de frente para a igreja
lotada e estar lendo. Era algo que eu fazia naturalmente.
Quando eu tinha uns 13 anos, montaram a primeira FM de Barra Mansa.
que eu morava num prédio onde já havia uma rádio AM no primeiro andar. Então, já era
costume meu chegar do colégio, deixar a mochila em casa e ficar o dia inteiro na rádio
no meio dos operadores. Todo mundo me conhecia. Quando essa rádio FM surgiu, eu
era fascinado por rádio, mesmo tendo que estudar e trabalhar. O fascínio era aquela
coisa de interior mesmo. Na época, não consegui entrar na tal FM por causa da pouca
idade. Enfim, depois de muita batalha... Muita gente que trabalhava nessa rádio AM foi
trabalhar na FM. Como o pessoal me conhecia, consegui uma vaga de programador e
ali fui me misturando, sempre dentro do estúdio com o pessoal e os locutores da época.
Ali fui me apaixonando cada vez mais aque, um dia, por uma fatalidade - havia duas
pessoas doentes na rádio e não tinha quem fizesse o horário - o gerente da rádio
resolveu me dar uma oportunidade, pois ele gostava muito de mim, conhecia a minha
história e sabia que eu era louco por isso. Desde esse dia, eu não saí mais. Isso foi em
1982, 1983, se não me engano.
309
Trabalhei cerca de 18 anos nessa rádio e nesse período eu sempre vinha ao
Rio. O curioso é que todos que me conheciam diziam que o interior não era o meu
lugar. O próprio gerente da rádio dizia que a minha cabeça tinha encostado no teto.
Eu já tinha uma linguagem diferente, queria coisas diferentes do que as pessoas estavam
acostumadas a fazer no interior. E foi quando eu descobri Fernando Mansur, Jaguar,
Cacá, Cristovão... (locutores da Cidade FM de diferentes épocas). Eu vim conhecendo
essa galera ao longo dos anos em que trabalhei em Barra Mansa. Cada vez que eu vinha
ao Rio ficava mais louco ainda. Pô! Quem não conheceu a Rádio Cidade no tempo de
Fernando Mansur, Eládio Sandoval, não sabe nada de rádio.
Quando eu vi a Rádio Cidade pela primeira vez... Nossa! Eu voltei para
Barra Mansa e acho que eu nem dormi aquele dia. Voltei para casa nas nuvens. E aí, eu
não parei de pensar mais nisso. Eu sabia que tinha que trabalhar no Rio de Janeiro e que
isso ia acontecer. Durante vários anos tentei muitos testes. Muitas vezes vim ao Rio na
Cidade, na 98 FM, na Mundial, na Transamérica e nunca arrumei nada. fazia testes e
testes, mas nada. Sabe como é. Se você não tem uma pessoa, um conhecimento, não
entra nunca. Enfim, as pessoas não levam a sério.
Um belo dia, estava eu em Barra Mansa, na mesma rádio... Eu tenho muito
essa coisa de raízes. Trabalhei dezoito anos nessa primeira emissora e estou aqui (FM
O Dia) há dez. E eu estou em Barra Mansa até hoje, porque eu faço um programa nos
finais de semana. Bem, num belo dia, a Sônia Freitas, que era coordenadora da Rádio
RPC na época, numa viagem a São Paulo... Ela tinha o bito de levar o walkman, e na
viagem, sempre que ela passava pelas cidades, ela ia sintonizando as rádios e me ouviu.
Ela ligou para a rádio e... aí, nem precisou de teste, não precisou de nada. Ela me ouviu
e falou: "Nossa! Você é o cara que eu estou procurando. O que você está fazendo em
Barra Mansa?" Respondi que estava lá porque nunca ninguém me quis no Rio.
M: Ela já te conhecia?
R: Não, o sabia quem eu era. Ela voltou para o Rio e procurou saber com
os contatos dela quem eu era. O engraçado é que eu não levei a sério. Quando ela me
310
ligou dizendo quem era e o que ela queria, virei e disse" Valeu! Tudo bem! Obrigado!
Daqui a pouco, o Papai Noel vai me ligar, o coelhinho da Páscoa, a cegonha..." Ela
disse: "Eu tô falando sério com você". Eu disse: "Eu aqui trabalhando e você me
enchendo o saco". Aí, ela fez o seguinte: disse que iria deixar um telefone comigo e
pediu para eu ligar e marcar uma hora com a secretária dela. Quando liguei, era.
Imagina a minha cara quando eu encontrei com ela. Ela até brincou dizendo que não
queria mais falar comigo. Enfim, entrei na RPC, que depois acabou, virou FM O Dia e
eu continuei. Fui o único que continuou. E aqui estou eu. Apaixonado pelo rádio. fiz
Televisão algumas vezes, mas a minha grande paixão mesmo é o rádio. O rádio é
fantástico.
M: Por q?
R: Porque o rádio mexe com a imaginação das pessoas de uma forma
diferente... O cara não este vendo. Tem certas coisas que você pode fazer no rádio
que na televisão você não pode fazer. Tem certas caretas, certas... Eu sou um cara que
gesticulo muito, me mexo muito, coisas que na televisão, dependendo do que você está
fazendo, não é possível fazer. É preciso ter uma postura diferente. O rádio é algo meio
mágico. Você vê que eu trabalho com as luzes apagadas... Eu sou um cara muito
envolvido com o que eu faço. Dizem que ao longo dos anos você vai ficando de saco
cheio. Esse não é o meu caso. Quanto mais o tempo passa, quanto mais rádio eu faço,
mais gosto, mais tento procurar alguma coisa diferente. Não gosto de ficar me
repetindo... Acho que é uma coisa que já vem no meu sangue.
M: Ricardo, o que chamava sua atenção quando você ouvia aquelas
locutores que você disse que admirava?
R: A postura. A maneira de falar que era completamente diferente da
locução que as pessoas faziam no interior. Embora, eu não seja um cara estudado, não
tenho nem o segundo grau completo, por vários motivos... E o rádio no interior pagava
muito pouco. Então eu tinha que trabalhar em outra coisa durante o dia e em rádio à
noite.
311
Eu ajudava meu pai no posto que era dele. Eu era gerente do posto. Ao
mesmo tempo que queria ajudar meu pai, eu queria fazer uma coisa que eu gostava
também. Então, o tinha jeito. Eu tinha que estar no posto às 6h, trabalhava o dia todo
e a única hora que eu tinha livre era à noite. Ou eu ia estudar ou ia fazer rádio. Por
amor, eu preferi fazer rádio. Mas ao mesmo tempo eu dizia: "Não posso ser um cara
burro. Para trabalhar no rádio eu tenho que ser um cara que, pelo menos saiba falar. Não
posso cometer erros de português". A rádio em que trabalho hoje (FM O Dia) toca
música nacional, mas na rádio de Barra Mansa, onde continuo até hoje, toca também
música internacional. E eu sempre tive essa preocupação. Como é que eu vou falar um
nome de música errado? Não posso. Vai ficar feio. Existem professores que escutam...
eu sempre tive essa preocupação. Embora nunca tenha estudando inglês, jamais "paguei
um mico" desses.
Então, o que me chamava atenção nos caras, nos locutores que eu ouvia,
era exatamente isso. A postura, a maneira de falar, a maneira de se apresentarem era
completamente diferente, com todos os recursos que eles tinham na época, enfim,
mas era muito diferente. Era outra cabeça, uma cabeça de cidade grande. Aí, eu fiquei
fascinado: "Nossa!" Você não tem noção da primeira vez que eu te encontrei, que você
me deu um livro seu autografado. Eu falei: "O cara escreve livro". Isso funcionou na
minha cabeça muito legal... de não ser um daqueles... porque tem gente que trabalhou
comigo e está lá até hoje no interior e não arrumou nada na vida. Está lá perdido, vamos
dizer assim. E eu não queria isso para mim. Meu pai sempre me dizia que esse é um
mercado muito difícil - e é realmente - ele tinha razão. É muito competitivo. É um
mercado onde existe muita inveja, existe muito mau caratismo e para vencer nele, você
tem que ser bom. Você não pode ser mais um. Se você for mais um você está ferrado.
Você não vai arrumar nada na vida.
M: E a história anterior do rádio, os primórdios, você se interessou em
conhecer?
R: Não. Até porque o meu dia a dia é um corre-corre, estou envolvido com
outras coisas. Eu meio que parei um pouquinho. Estou mais ligado no que eu faço hoje.
O momento que estou vivendo hoje na rádio. Por ser o maior horário e a
312
responsabilidade que eu tenho é muito grande, então estou muito envolvido com isso.
Todo tempo que eu tiver à toa você pode ter certeza que eu vou estar gastando com o
que eu posso fazer aqui para melhorar.
M: Você considera o rádio um veículo sub utilizado? Você acha que o rádio
está sendo utilizado com todo seu potencial? O que você acha que pode melhorar?
R: Acho que ainda é pouco explorado em certas coisas, porque,
infelizmente, o rádio não é levado a rio como deveria. Às vezes, o cara de uma
agência de publicidade tem uma verba e prefere gastar zilhões em um canal de TV e
deixa sempre a menor fatia do bolo para o rádio. A nossa profissão é o desvalorizada
que tem certas coisas que se fazem na TV e que poderiam ser feitas o bem no rádio.
não o são porque nosso meio não é valorizado. O cara vai lá, paga zilhões para o
apresentador de TV fazer aquilo, mas na hora dele pagar para o rádio é sempre menos.
As pessoas não levam a gente a sério, o profissional em si, os números de audiência que
você dá. Por exemplo, você pega um cara como eu, que tem os números que tenho na
FM O Dia hoje e coloca na TV... Com a numeração que tenho aqui, na TV eu estava
rico.
Nesse horário agora chegamos a ter quase 500 mil ouvintes por minuto. Na
realidade, era para eu estar rico, mas quem mexe com publicidade não consegue
enxergar isso.
M: Por quê?
R: Não sei. Acho que um pouco por culpa dos profissionais, que nem
sempre são o profissionais quanto deveriam. Por causa das falcatruas que rolam, por
causa dos companheiros que a gente tem, a desunião que rola. Basta você se destacar
um pouquinho que as pessoas... Elas não conseguem enxergar o valor que você tem, o
porquê de você ter chegado onde chegou. Não. Querem o teu lugar. "Se ele tem eu
também quero". Mas ninguém pára para ver o que você tem para oferecer, se você tem o
carinho das pessoas, se você tem audiência... Não querem saber disso. Se você está bem
313
querem o seu lugar e acho que isso atrapalha um pouco o rádio. As pessoas não são
unidas.
Se a classe fosse unida, se as pessoas brigassem... mas não. São sempre os
primeiros a aceitar qualquer proposta. Por exemplo, você vai gravar um comercial e
cobra mil reais para fazê-lo, você vai encontrar no mesmo lugar dez interessados a fazer
por cem. Então, você acaba sendo preterido porque, para quem vai pagar, locutor é tudo
a mesma coisa. Isso, na realidade, é uma grande sacanagem. aconteceu várias vezes
isso. As pessoas do meio não estão preocupadas em somar, em unir. Cada um quer o seu
e o resto que se dane. Assim, fica difícil.
Nós também não temos um empresário, um cara para atuar neste meio. É
sempre você que negocia e fica difícil. Você fica aberto a este tipo de coisa. Como
tem muito picareta também... acho que é por isso que o rádio ainda perde. As pessoas
tinham que se profissionalizar mais, respeitar mais o trabalho, cumprir horários e uma
série de outras coisas. Tem os que o ganham bem e se irritam com isso, fazem de
qualquer jeito e vão passar a vida toda fazendo de qualquer jeito. Um dia, também
ganhei pouco. Quando cheguei no Rio para trabalhar na RPC, o que ganhava mal dava
para comer. Mas eu sabia que não ia ser mais um na multidão. Um dia ia achar o meu
lugar. E lutei por isso. Hoje tenho casa própria, tenho carro, moto... posso o ser
milionário, mas tenho a vida estabilizada e isso é maravilhoso. Acho que todos
poderiam conseguir isso se houvesse por parte deles um envolvimento maior, um
empenho maior.
M: Você começou a trabalhar no interior. Você acha que faz alguma
diferença para o locutor essa formação mais interiorana?
R: Acho que faz, porque quando a gente chega aqui na capital a gente se
deslumbra. Tudo é muito grande. Tudo é sensacional. E você acaba levando isto para o
seu trabalho. Eu me lembro da primeira vez que abri a boca para falar "Boa noite, Rio".
Quando desliguei o microfone eu falei: "Gente..." Sabe, acostumado à Barra Mansa,
cidade pequenininha. Eu pensei: "Cara, eu falei 'Boa noite Rio'. Pô, tem noção de quanta
gente está me ouvindo?" Então, na realidade, você acaba trazendo isso para seu
314
trabalho. Passa a fazer aquilo com grandiosidade.. Cada vez que eu dava uma volta pela
cidade, aquele deslumbramento eu acabava trazendo para meu trabalho. Até esta
preocupação de conhecer a cidade eu tive ao chegar aqui, pois eu queria ter noção
também dos locais dos quais eu falava no ar e fui me arriscando por aí.
M: E como você vê o comunicador na rádio? Qual o valor do comunicador?
R: Se ele for um bom comunicador, é 50% do caminho. Não adianta a
música. Ninguém liga o rádio para ficar ouvindo música. Se você tiver uma
mensagem legal para levar para o cara... Sou conhecido por ser muito positivo, muito
alto astral, então, 50% é meu e 50% é da programação.
Agora nem todos os locutores têm uma personalidade e, às vezes, acho que
é isso que falta. Tem pessoas que se prendem, que vêm muito na minha carona e o
adianta. Cada um com seu cada um. Eu sou eu mesmo. Isso que eu faço no ar sou eu.
Você é você. Penso que quando um locutor tem personalidade ele faz a diferença.
M: Por que a Rádio FM O Dia faz sucesso?
R: Porque foi a primeira rádio popular do Rio de Janeiro com uma
linguagem jovem. Normalmente as rádios populares, até aparecer a FM O Dia, tinham a
obrigação de ser brega. E essa coisa de ser brega saiu de moda. Hoje em dia, o que é
brega e o que não é? Cada um tem seu estilo, cada um anda do jeito que quer, usa o que
quer e faz o que quer. Então, as rádios que tinham um conceito brega ficaram para trás.
Soaram como coisa velha. Na realidade, a FM O Dia, quando apareceu, teve um grande
boom por isso. Uma rádio popular com linguagem jovem, para cima, alegre... sem ser
aquela coisa arrastada que a gente ouviu durante anos. Então, essa é a grande diferença.
E todo mundo se amarrou: "Caramba, que rádio maneira!" E ficou até hoje. E a
audiência é de A a Z. Vem as vovós aqui que me trazem bolo, me trazem caixa de
bombom, ficam amarradonas , assim como as menininhas de 17 anos. E a rádio, mesmo
sendo popular, consegue abranger de A a Z. Basta você olhar o IBOPE e olhar a
classificação AB da rádio. É excelente. É maior que as rádios que se dizem número 1 do
público jovem de classe AB.
315
M: Você faria alguma correlação entre aquele sucesso da Rádio Cidade e o
sucesso da Rádio FM O Dia?
R: A Rádio Cidade também foi uma coisa nova. É o que eu já disse ao longo
da entrevista para você. Está faltando novidade. A FM O Dia reina absoluta porque foi a
novidade que apareceu. A gente procura sempre estar reciclando as coisas que estão
acontecendo. A gente procura não se repetir. Enquanto não aparecer alguém com uma
proposta nova, não adianta querer fazer igual a gente faz. Enquanto não aparecer
alguém com uma proposta nova a gente vai reinar absoluto. Não tem jeito.
M: Que recado você daria para as pessoas que estudam comunicação?
R: Que para você vencer é preciso se empenhar ao ximo. Eles têm a
vantagem de ter estudo, que com certeza, faz muita falta. Eu sofri com muita coisa, tive
que me virar com muita coisa que quem estuda aprende ao longo dos estudos. Digo a
eles que não sejam mais um no meio da multidão. Esta é a mensagem que meu pai me
deixou. Eu trago vivo isso comigo sempre. Não seja nunca mais um no meio da
multidão. Procure sempre se destacar, procure sempre fazer a diferença. Se você for
mais um, você vai passar a vida toda como mais um, e quando se é mais um você não
significa nada, você fica perdido, jogado.
M: E sobre a história do rádio no Brasil, os primórdios, você já se
interessou em conhecer?
R: Não. Até porque o meu dia a dia é um corre-corre, estou envolvido com
outras coisas. Eu meio que parei um pouquinho. Estou mais ligado no que eu faço hoje.
O momento que estou vivendo hoje na rádio. Por ser o maior horário e a
responsabilidade que eu tenho é muito grande, então estou muito envolvido com isso.
Todo tempo que eu tiver à toa você pode ter certeza que eu vou estar gastando com o
que eu posso fazer aqui para melhorar.
316
ANEXO 6
Fernando Mansur entrevista Jorge Vercilo – 26-11-2003
A saudade bateu
Foi que nem maré
Quando vem de repente de tarde
Invade, transborda esse bem-me-quer
317
A saudade é que nem maré
247
OS NOVOS CANTORES DO RÁDIO
Que Nem Maré, Mona Lisa, Homem-Aranha, Final Feliz... Certamente você
ouviu músicas de Jorge Vercilo tocando no rádio. Ele foi um dos cantores mais
executados nas estações brasileiras em 2003.
O próprio cantor e compositor diz que deve seu sucesso ao rádio, e é grato
por isso: "O rádio sempre foi o sol pra mim, foi o veículo principal pra mim".
Nesta conversa Vercilo fala de sua época de adolescente, quando
acompanhava o irmão discotecário nos bailes; ouviu muito Stevie Wonder e "MPB" nos
bailes e nas rádios, além de estudar comunicação.
Como tudo isso contribuiu para forjar seu estilo é o que vamos ficar sabendo
agora.
Com vocês...
Mansur: Jorge, inicialmente muito obrigado por nos conceder esse
depoimento. Eu gostaria de saber como você começou a ouvir rádio.
Vercilo: De uma forma subliminar. Meu irmão era discotecário, sempre
com um bom gosto pra MPB, pra música norte americana, naquela época dos anos 70,
80. A música sempre foi um pano de fundo muito agradável na minha vida. As rádios
viviam um dilema que era “musica estrangeira versus música nacional”. Isso no final da
década de 70 e início da de 80. Mas eu começo a me lembrar mais das coisas na década
de oitenta, que marcou a minha adolescência. Tinha a Rádio cidade, a famosa Rádio
247
VERCILO, J. Que nem maré.
318
Cidade de que você participou com grande destaque, o Jaguar e tantos outros. E aquela
fusão musical tava ali no início da minha vida, do meu registro. Era uma fusão de
discoteca, da música pop norte americana, a música negra, disco, funk, R & B [Rythm
& Blues] e a música popular brasileira que vinha mostrando o trabalho de tantos
artistas revelados havia poucos anos, nos festivais. Alceu Valença, Caetano, Gil,
Djavan, Milton Nascimento, Simone, Elis Regina e tantos outros dessa família
brasileira.
Eu comecei a me envolver com a MPB e ela deixou de ser um pano de
fundo e passou a ficar em primeiro plano na minha vida. Por isso eu me considero um
filho da MPB e ao mesmo tempo tive aquela influência da música norte americana. E
tudo isso se deve ao rádio. Isso pra mim, que trago como prioridade na minha carreira a
música, o som. Então a rádio é muito importante, porque ela traz o som.
Eu tava contando pra você que no início da minha carreira eu tive várias
músicas em novela, mas a minha antiga gravadora não conseguia divulgar nem o meu
nome nem o meu trabalho. Mesmo tocando em novela eu nunca tive tanto êxito na
minha carreira como quando eu fui recebido com as minhas músicas pelas rádios,
quando eu comecei a tocar nas rádios e as minhas músicas começaram a ser anunciadas,
primeiro no Nordeste e depois aqui no Rio.
Então o rádio sempre foi o sol, foi o veículo principal pra mim e ainda por
cima acho que ele não desgasta. A minha presença em uma rádio não desgasta como em
uma televisão, mas ao mesmo tempo faz uma manutenção. A própria rádio faz uma
manutenção da sua música dia a dia, tocando e vai estabelecendo um relacionamento do
público ouvinte com o que você faz, com o som você cria, com a sua voz. Isso é muito
importante tanto pra mim quanto pra toda uma geração, aliás várias gerações da música
mundial. Eu fui sempre apaixonado por dio e fiz faculdade de comunicação social e
participei de alguns laboratórios e queria me formar em radialismo. Mas como a minha
turma era a primeira da faculdade Pinheiro Guimarães e os laboratórios de rádio ainda
não estavam prontos, acabei me formando em jornalismo. Mas eu sempre fui
apaixonado por rádio.
319
M: E a apresentação no dio, a comunicação, isso te chama atenção
também ou é mais a música?
V: As duas coisas. Eu me lembro na década de oitenta e noventa, de um
momento em que existiu uma qualidade muito grande dentro daquilo que a gente acha
bom aqui no Brasil a nível de música, existiu uma qualidade na programação. Nós
passamos um momento muito difícil, com a qualidade da música nivelada muito por
baixo. Mas agora acho que desde o ano 2000 a qualidade vem melhorando. Quando falo
isso, eu falo em um aspecto geral: desde as dios populares, rádio jovem, rádio para
adulto contemporâneo, todos os segmentos. Você ouve hoje em dia os grupos de samba
que ficaram, foram grupos mais harmoniosos, mais melodiosos. Você pode notar essa
tendência em todos os segmentos. E em relação à apresentação, eu noto que nós
tivemos várias fases. Aquela fase mesmo da Rádio Cidade aqui no Brasil, na minha
memória, foi o marco da informalidade, da espontaneidade dos radialistas, aquela coisa
disco, do DJ, que na verdade não se chamava DJ antes, era o discotecário. E o meu
irmão dava festas e botava Stevie Wonder, George Benson, Michael Jackson, Earth
Wind & Fire, Lionel Richie e tantos outros assim... E hoje em dia eu noto também uma
tendência é claro que em cada rádio segmentada é diferente mas essa coisa da
espontaneidade cada vez mais. Os programas onde os apresentadores fazem piadas,
brincam, gozam com a cara do entrevistado, isso cada vez mais comum. A gente
vivendo um momento assim muito comum nas fatias populares e jovens das rádios e
mesmo nas rádios adulto-contemporâneas existe essa tendência à informalidade, à
espontaneidade. É interessante observar esses movimentos.
M: E como você isso de suas músicas serem tocadas em todas as rádios,
em todos os segmentos?
V: Eu me considero um privilegiado. A minha música, no início, quando eu
comecei a procurar as gravadoras, era tida como uma música difícil anticomercial e era
a mesma música que eu faço hoje em dia. É claro que você evolui, você amadurece, eu
tenho muito a aprender, mas eu fazia a mesma música. E por uma sorte da minha parte
talvez, apor questões da globalização também, acho que existem algumas harmonias,
algumas tendências nas dissonâncias das melodias que acabaram sendo assimiladas pelo
320
povo também. E penso que conseguindo fazer uma música, acho que a minha música
está conseguindo ser assimilada por um universo muito amplo de segmentos. As rádios
adulto-contemporâneas [JB, MPB, Globo FM, Antena 1] tocam músicas como Homem
Aranha, Fênix, agora Mona Lisa, Final Feliz, tanto quanto as rádios jovens. Até porque
partiu de mim essa coisa de fazer um remix da música, que é uma maneira de você, sem
violar a sua obra, freqüentar outros meios como discotecas, como rádios jovens, o que
me agrada muito.
Isso nasceu desde a época em que eu ouvia meu irmão que era discotecário e
ouvia o Gilberto Gil cantando Palco tanto na Nacional FM quanto na Rádio Cidade. Os
meus ídolos me ensinaram que dentro da música, um dos fatores do talento é conseguir
fazer algo de boa qualidade que seja assimilado também e que se mostre interessante
aos olhos e aos ouvidos dos jovens. Isso também faz parte de ter talento. Isso ficou
muito gravado na minha consciência e na minha inconsciência. É isso.
Sinto que a maior parte de minhas músicas permanece no universo adulto-
contemporâneo mas algumas delas transbordam para o universo jovem e pro universo
até popular também. Acho que isso é bom porque a gente acaba levando cultura ao
povo. Eu acho que a MPB, em uma época, no final dos anos 90, na década de 90, ela se
distanciou do povo. Não foi o povo que se distanciou da MPB. A MPB se distanciou
do povo, através de atitudes e posturas de artistas e quem sou eu pra julgar se isso é
certo ou errado. Artistas grandes deixaram de ir a programas populares de televisão,
ficaram muito fechados, tiveram uma postura muito hermética. É verdade que alguns
deles não tiveram oportunidade, outros deliberadamente deixaram de ir e então penso
que houve um afastamento. Eu sentindo que hoje em dia isso mudando porque os
artistas estão mais próximos. As pessoas que fazem essa dita MPB estão se permitindo
chegar com mais naturalidade, com mais facilidade aos veículos de comunicação tanto
adulto-contemporâneo quanto jovem, quanto popular.
M: Só pra terminar, o seu primeiro disco saiu quando?
V: Em 94, O Encontro das águas.
321
M: Você disse que você próprio ia às dios. Você pode contar um
pouquinho sobre isso?
V: Sim, sim. Eu ficava "caitituando", esse é um termo muito antigo usado
no meio musical e radiofônico. Não é nem da minha época, mas eu ouvia as pessoas
falarem “Roberto Carlos caitituou muito disco nas rádios”... E eu vinha pras dios pra
divulgar o meu disco, pra falar com os programadores, pra vender o meu peixe,
convencê-los de que eles o iam se arrepender de tocar a minha música. Vinha muito
aqui na MPB FM, e as pessoas viam isso. Os próprios divulgadores das gravadoras me
encontravam e quando a minha carreira começou a crescer dentro da EMI, nessa nova
fase, ficou em torno de mim uma aura muito positiva das pessoas falando “pô, esse cara
merece, eu já vi esse cara ralando muito”, os próprios radialistas e eu coloco isso nas
minhas entrevistas. Outro dia me fizeram uma entrevista, eu acho que foi pro jornal O
Globo, e me perguntaram por que é que a imprensa... eu não sei bem... era uma coisa de
a imprensa me cobrando uma postura de que agora eu não me lembro bem. E eu disse
“eu não devo nada a vocês, porque os responsáveis por eu estar aqui hoje dando uma
entrevista primeiro é o meu esforço, a minha música e depois os radialistas.” Os
radialistas apostaram na minha música. A imprensa não apostou. E não nenhuma
mágoa. Eu apenas fui um artista revelado pela música, pelo som. A minha própria
música me levou. Não foi a imprensa que ficou me incensando, eu nunca fui e acho que
ainda não sou o queridinho da imprensa. Mas isso aí é uma característica, é uma
constatação. Não existe nenhuma mágoa, nada disso. Eu tenho orgulho de ser um
queridinho do som, do rádio, porque o meu negócio é música, é palavra, é sonoridade.
Coisa pequenina,
Centelha divina,
Renasceu das cinzas
Onde foi ruína
Pássaro ferido
Hoje é paraíso
Luz da minha vida,
Pedra de alquimia
Tudo o que eu queria
322
Renascer das cinzas
248
ANEXO 7
A CARTA TESTAMENTO DE GETÚLIO VARGAS
- Mais uma vez as forças e os interesses contra o povo coordenaram-se e
novamente se desencadeiam contra mim.
248
VENTURINI, F.; VERCILO, J. Fênix.
323
- o me acusam, insultam, não me combatem, caluniam, e não me dão o
direito de defesa. Precisam sufocar a minha voz e impedir a minha ão, para que eu
não continue a defender, como sempre defendi, o povo e principalmente os humildes.
Sigo o destino que me é imposto. Depois de decênios de domínio e espoliação dos
grupos econômicos e financeiros internacionais, fiz-me chefe de uma revolução e venci.
Iniciei o trabalho de libertação e instaurei o regime de liberdade social. Tive de
renunciar. Voltei ao governo nos braços do povo. A campanha subterrânea dos grupos
internacionais aliou-se à dos grupos nacionais, revoltados contra o regime de garantia
do trabalho. A Lei de Lucros Extraordinários foi detida no congresso. Contra a justiça
da revisão do salário mínimo se desencadearam os ódios. Quis criar a liberdade
nacional, potencialização das nossas riquezas através da Petrobrás; mal começa esta a
funcionar, a onda de agitação se avoluma. A Eletrobrás foi obstaculada até o desespero.
Não querem que o trabalhador seja livre. Não querem que o povo seja independente.
- Assumi o governo dentro da espiral inflacionária que destruía os valores
do trabalho. Os lucros das empresas estrangeiras alcançavam até 500 por cento ao ano.
Nas declarações de valores do que importávamos existiam fraudes constatadas de mais
de 100 milhões de dólares por ano. Veio a crise do café, valorizou-se o nosso principal
produto. Tentamos defender seu preço e a resposta foi violenta pressão sobre a nossa
economia, a ponto de sermos obrigados a ceder.
- Tenho lutado mês a mês, dia a dia, hora a hora, resistindo a uma pressão
constante, incessante, tudo suportando em silêncio, tudo esquecendo, renunciando a
mim mesmo para defender o povo, que agora se queda desamparado. Nada mais vos
posso dar a não ser o meu sangue. Se as aves de rapina querem o sangue de alguém,
querem continuar sugando o povo brasileiro, eu ofereço em holocausto a minha vida.
escolho este meio de estar sempre convosco. Quando vos humilharem, sentireis minha
alma sofrendo ao vosso lado. Quando a fome bater à vossa porta, sentireis em vosso
peito a energia para a luta por vós e vossos filhos. Quando vos vilipendiarem, sentireis
no meu pensamento a força para a reação. Meu sacrifício vos manterá unidos e meu
nome será vossa bandeira de luta. Cada gota de meu sangue será uma chama imortal na
vossa consciência e manterá a vibração sagrada para a resistência. Ao ódio respondo
324
com o perdão. E aos que pensam que me derrotaram respondo com a minha vitória. Era
escravo do povo e hoje me liberto para a vida eterna. Mas esse povo de quem fui
escravo não mais será escravo de ninguém. Meu sacrifício ficará para sempre em sua
alma e meu sangue será o preço do seu resgate.
- Lutei contra a espoliação do Brasil. Lutei contra a espoliação do povo.
Tenho lutado de peito aberto. O ódio, as infâmias, a calúnia não abateram meu ânimo.
Eu vos dei a minha vida. agora ofereço a minha morte. Nada receio. Serenamente dou o
primeiro passo no caminho da eternidade e saio da vida para entrar na História.
249
249
Apud RIBEIRO, 2001, p. 238.
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