80
que permeou o pensamento de quase todo mundo (...) Todas as coisas
– não só as coisas vivas – possuíam dois tipos de propriedade:
propriedades essenciais, sem as quais não seriam o tipo especial de
coisas que eram, e as propriedades acidentais, que estava livres para
variar dentro do tipo (...) Essências eram definitivas, e portanto eternas,
imutáveis e ou-tudo-ou-nada. Uma coisa não podia ser mais ou menos
prata, quase ouro ou semimamífero” (1998, p. 37)
Essa necessidade de sistematizar o conhecimento, revelando a identidade e as
diferenças entre as coisas, aponta pra uma progressiva desvalorização da
semelhança como critério de ordenação de mundo. Até o século XVI, como
lembra Foucault, presenciamos a semelhança como parâmetro de construção
de saber – semelhança que, na sua infinidade, vai culminar, em fins do referido
século, em uma espécie de projeto enciclopédico para reconstituir a ordem do
mundo. Se há uma infinidade de semelhanças, é preciso agrupá-las.
Esta mesma similitude cai em descrédito, por volta do século XVII, à medida
que “a linguagem rompe seu velho parentesco com as coisas” (Foucault,
1992a, p. 64). A analogia
35
levada às últimas conseqüências, na tentativa de
tornar visível os parentescos e as semelhanças nas relações, é considerada,
nos séculos XVII e XVIII, um sinal do erro e da loucura. Se Descartes desconfia
da validade destas semelhanças precipitadas, na ausência de um método,
Bacon, por sua vez, como empirista, afirma que as similitudes confundem o
entendimento porque são como ídolos – “cintilam diante dos olhos,
desvanecem-se quando nos aproximamos, mas se recompõem imediatamente,
um pouco mais longe” (apud Foucault, 1992a, p. 66).
35
Segundo Foucault, há quatro tipos de similitude: a convenientia, a aemulatio, a analogia e a
simpatia. No primeiro caso, há mais uma vizinhança do que, exatamente, uma similitude –
“semelhança do lugar, do local onde a natureza colocou as duas coisas, similitude, pois, de
propriedades (...) a vizinhança não é uma relação exterior entre as coisas, mas o signo de um
parentesco ao menos obscuro” (1992a, p.34). No caso da aemulatio, a similitude não depende
da proximidade física, já que “por ela, as coisas dispersas através do mundo se correspondem”
(p. 35). A analogia, por sua vez, reúne características das duas anteriores na questão da
semelhança – “as similitudes que executa não são aquelas visíveis, maciças, das próprias
coisas; basta serem as semelhanças mais sutis das relações. Assim alijada, pode tramar (...)
um número indefinido de parentescos” (p. 37). Por fim, a simpatia “não se contenta em brotar
de um único contato e em percorrer os espaços; suscita o movimento das coisas no mundo e
provoca a aproximação das mais distantes” (p.39). Voltaremos, oportunamente, à analogia e à
simpatia quando falarmos da lógica do data mining. Sobre a analogia, vale lembrar que Peirce
chega a considerá-la um quarto tipo de raciocínio, concluindo depois que ela reúne elementos
da indução e da retrodução (CP 1.65).