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COMUNICAÇÃO MEDIADA POR COMPUTADOR
ambientes virtuais imersivos na história dos dispositivos de produção de imagem
Luciana Ferreira de Almeida
Tese de Doutorado apresentada ao Programa de
Pós Graduação em Comunicação e Cultura,
Escola de Comunicação da Universidade Federal
do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos
necessários à obtenção do Título de Doutor em
Comunicação e Cultura.
Orientador: Prof. Dr. Paulo Roberto Gibaldi Vaz
Rio de Janeiro
Março de 2004
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COMUNICAÇÃO MEDIADA POR COMPUTADOR
ambientes virtuais imersivos na história dos dispositivos de produção de imagem
Luciana Ferreira de Almeida
Orientador: Prof. Dr. Paulo Roberto Gibaldi Vaz
Tese de Doutorado submetida ao Programa de Pós Graduação em Comunicação e Cultura,
Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, como parte dos
requisitos necessários à obtenção do Título de Doutor em Comunicação e Cultura.
Aprovada por:
_______________________________________
Presidente, Prof. Dr. Paulo Roberto Gibaldi Vaz
_______________________________________
Prof. Dr. André de Souza Parente
_______________________________________
Prof. Dr. Katia Valéria Maciel Toledo
_______________________________________
Prof. Dr. Luiz Alberto Oliveira
_______________________________________
Prof. Dr. Erick Felinto
Rio de Janeiro
Março de 2004
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Almeida, Luciana Ferreira de.
Comunicação Mediada por Computador: ambientes virtuais
imersivos na história dos dispositivos de produção de imagem
/Luciana Ferreira de Almeida. Rio de Janeiro: UFRJ/ECO, 2004.
ix, 112p, 21 Il.
Tese Universidade Federal do Rio de Janeiro, ECO.
1. Ambientes Virtuais Imersivos. 2. Comunicação Mediada por
Computador. 3. Tese (Doutorado - UFRJ/ECO). I. Título.
iv
Agradecimentos
Agradeço imensamente ao meu orientador, Paulo Vaz, fundamental não só durante
o trabalho de escrita da tese como também na elaboração dos caminhos da própria pesquisa,
durante todo o doutorado;
À Fernanda Bruno, Luiz Alberto Oliveira, Adriana de Souza e Silva, Henrique
Antoun, Vinícius Pereira e demais pesquisadores do CiberIDEA Núcleo de Pesquisa em
Tecnologia, Cultura e Subjetividade da Escola de Comunicação da UFRJ pelo estudo e
discussão de temas que são a base desta tese;
A André Parente, Katia Maciel e demais pesquisadores do N-Imagem Núcleo de
Tecnologia da Imagem da Escola de Comunicação da UFRJ com quem desenvolvi o
gosto pela pesquisa;
A Luc Courchesne, Alain Findeli e demais professores da Pós-graduação em Design
e Complexidade da Universidade de Montreal e aos os pesquisadores e artistas da
Sociedade de Artes Tecnológicas de Montreal, que me acolheram com tanta simpatia e
solicitude;
À Coordenação da Pós-graduação em Comunicação e Cultura da Escola de
Comunicação da UFRJ, que sempre deu todas as condições e apoio para o desenvolvimento
deste trabalho;
Ao CNPq, pela bolsa de doutorado que permitiu minha dedicação à pesquisa; e
finalmente à CAPES, pela bolsa de estágio de doutorando no exterior, que permitiu a
reformulação e ampliação desta pesquisa, o que não teria sido possível de outro modo.
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COMUNICAÇÃO MEDIADA POR COMPUTADOR
ambientes virtuais imersivos na história dos dispositivos de produção de imagem
Luciana Ferreira de Almeida
Orientador: Prof. Dr. Paulo Roberto Gibaldi Vaz
Resumo da Tese de Doutorado submetida ao Programa de Pós Graduação em Comunicação
e Cultura, Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ,
como parte dos requisitos necessários à obtenção do Título de Doutor em Comunicação e
Cultura.
A pesquisa procura identificar nos ambientes virtuais imersivos características gerais da
Comunicação Mediada por Computador, destacando seu papel de artefato tecnológico
transformador do pensamento contemporâneo. Para classificar e conceituar estes
dispositivos é necessário enquadrá-los em uma história das técnicas de produção de
imagem em paralelo a um história do conceito de representação. O conhecimento científico
e a tecnologia produzem artefatos que por sua vez também modificam o pensamento e a
produção científica e tecnológica da época em que são desenvolvidos - relação bastante
evidente no caso da Computação Mediada por Computador. Esta relação circular entre
objeto técnico e pensamento também pode ser destacada em outros momentos históricos: a
Idade Clássica (modelo da Câmara Obscura) e a Modernidade (modelo do Panorama).
Estes modelos, assim como o objeto contemporâneo desta pesquisa (os Ambientes Virtuais
Imersivos), trazem à tona a relação entre representação e realidade e influenciam o
pensamento que os gerou. Podemos assim identificar a imagem técnica como uma metáfora
das imagens mentais de cada época, explicitando a articulação entre imagem e imaginário.
Através desses dispositivos de produção de imagem, o que está em jogo é a posição do
indivíduo no mundo - o que o sujeito conhece e de que modo conhece.
Palavras-chave: Comunicação Mediada por Computador; Imersão; Ambientes Virtuais.
Rio de Janeiro
Março de 2004
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COMUNICAÇÃO MEDIADA POR COMPUTADOR
ambientes virtuais imersivos na história dos dispositivos de produção de imagem
Luciana Ferreira de Almeida
Orientador: Prof. Dr. Paulo Roberto Gibaldi Vaz
Abstract da Tese de Doutorado submetida ao Programa de Pós Graduação em Comunicação
e Cultura, Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ,
como parte dos requisitos necessários à obtenção do Título de Doutor em Comunicação e
Cultura.
Devices are fragments among a major group of signifiers which, while helping to build a
culture, are also a reflex of its intellectual production, operating circularly. Physically
surrounding the observer and showing an image by which one is involved, an immersive
apparatus offers a new space where the individual can develop original forms of presence.
The whole immersive device can be seen as a laboratory for spatial experiencing, a
generator of new references for the immersed subject. With the intention of clarifying the
relationship between technical apparatuses and the ages that use them as symbols, I analyze
three sample devices: the camara obscura as the symbolic device of the classical age -
XVII and XVIII centuries; the panorama as the symbolic apparatus of the modern age -
XIX century and first half of the XX century; and the virtual environment as a construction
and one of the constructors of the contemporary age. Through the investigation of
essentially contemporary characteristics of immersive devices I intend to discuss the larger
field of Computer Mediated Communication.
Key-words: Computer Mediated Communication; Immersion; Virtual Environments.
Rio de Janeiro
Março de 2004
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Lista de ilustrações
Figura 1: Altar de Ayala
Figura 2: Crucificação, de Antonello da Messina
Figura 3: Perspective (lâmina 30), de Jean V. de Vries
Figuras 4 e 5: o Astrônomo e o Geógrafo, de Vermeer
Figura 6: câmara escura
Figura 7: esquema de um panorama
Figura 8: plataforma e paisagem do panorama de Scheveningen
Figura 9: Moving Panorama
Figura 10: Kaiser Panorama
Figura 11: Mareorama
Figura 12: Cineorama
Figura 13: tela e plataforma de observação
Figura 14: sala de letras e usuário do primeiro grupo
Figura 15: simulador de vôo
Figura 16: CAVE
Figura 17: The World Generator/The Engine of Desire
Figura 18: sala de tele-imersão
Figura 19: Panoscope 360°
Figura 20: Osmose
Figura 21: protótipo do Visorama
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Sumário
Introdução ---------------------------------------------------------------------------------------------- 1
Capítulo 1: O espaço clássico e a câmara escura ----------------------------------------------- 7
1.1 O espaço aristotélico ----------------------------------------------------------------------------- 8
1.2 A imagem Renascentista ----------------------------------------------------------------------- 11
1.3 O espaço clássico -------------------------------------------------------------------------------- 15
1.4 O dispositivo da câmara escura ---------------------------------------------------------------- 21
1.5 A decadência do modelo da câmara escura -------------------------------------------------- 24
Capítulo 2: O espaço moderno e o panorama ------------------------------------------------- 25
2.1 A estrutura do panorama ----------------------------------------------------------------------- 26
2.2 O espetáculo da imersão ------------------------------------------------------------------------ 29
2.2.1 Exposições Universais --------------------------------------------------------------- 29
2.2.2 Variações ------------------------------------------------------------------------------ 31
2.3 O desejo de totalid ade -------------------------------------------------------------------------- 36
2.4 Arte e simulação --------------------------------------------------------------------------------- 42
Capítulo 3: A camada digital ---------------------------------------------------------------------- 46
3.1 A imagem digital ------------------------------------------------------------------------------- 47
3.2 Interface Gráfica --------------------------------------------------------------------------------- 49
3.3 A imagem circundante ------------------------------------------------------------------------- 52
3.4 Ambientes virtuais imersivos ------------------------------------------------------------------ 56
ix
3.5 Experiências -------------------------------------------------------------------------------------- 59
3.5 1 Simulador de vôo --------------------------------------------------------------------- 59
3.5.2 CAVE ---------------------------------------------------------------------------------- 61
3.5.3 The World Generator/The Engine of Desire -------------------------------------- 64
3.5.4 Tele-immersion ----------------------------------------------------------------------- 66
3.5.5 Panoscope 360° ----------------------------------------------------------------------- 69
3.5.6 Osmose -------------------------------------------------------------------------------- 72
3.5.7 Visorama ------------------------------------------------------------------------------ 75
3.6 O novo receptor e o espaço múltiplo --------------------------------------------------------- 78
Capítulo 4: Novas estratégias de espacialidade ----------------------------------------------- 80
4.1 O novo estatuto do receptor -------------------------------------------------------------------- 80
4.1.1 Ação e sentido ------------------------------------------------------------------------ 80
4.1.2 Ação e cognição ---------------------------------------------------------------------- 86
4.2 A multiplicidade do espaço -------------------------------------------------------------------- 90
4.2.1 A experiência subjetiva de espaço ------------------------------------------------- 90
4.2.2 Distância e mediação ---------------------------------------------------------------- 95
4.2.3 A potência do espaço digital -------------------------------------------------------- 96
4.3 O virtual como abertura -------------------------------------------------------------------------99
Conclusão ------------------------------------------------------------------------------------------- 102
Bibliografia ------------------------------------------------------------------------------------------105
x
Introdução
Este trabalho discute a Comunicação Mediada por Computador (CMC) através
da análise dos ambientes virtuais imersivos. Para classificar e conceituar estes
dispositivos, pretendemos enquadrá-los em uma história das técnicas de produção de
imagem em paralelo a um história do conceito de representação. Acreditamos que a
conceituação do ambiente virtual imersivo e a discussão de sua relevância para o campo
da Comunicação dependem do estabelecimento de uma relação com o modo como o
pensamento pensa o seu ser, especialmente no que diz respeito à definição de conteúdos
mentais (representação) e sua capacidade para o verdadeiro.
O conhecimento científico e a tecnologia produzem artefatos que por sua vez
também modificam o pensamento e a produção científica e tecnológica da época em que
são desenvolvidos - relação bastante evidente no caso da Computação Mediada por
Computador. Esta relação circular entre objeto técnico e pensamento também pode ser
destacada no caso da Câmara Escura (Idade Clássica) e do Panorama (Modernidade) já
que os dois, assim como os ambientes virtuais, trazem à tona a relação entre imagem
mental e imagem técnica e influenciam o modo como o pensamento pensa a si mesmo.
Podemos encarar as imagens técnicas como uma metáfora das imagens mentais
de cada época, sendo portanto objetos que também afetam a relação entre sujeito e
mundo. Através desses dispositivos de produção de imagem, o que está em jogo é a
posição do indivíduo no espaço - o que o sujeito conhece e de que modo conhece. Dito
de outro modo, os dispositivos técnicos de produção de imagem afetam o modo como
se concebe o que é uma representação e o que é a verdade.
xi
Estamos seguindo aqui um conceito proposto por Serres para se pensar uma
historicidade do pensamento através dos objetos técnicos que ele produz: o
transcendental objetivo. Ao apresentar o conceito, Serres estabelece um relação entre o
modo como se pensa o movimento e os motores inventados sucessivamente pela Idade
Clássica, Modernidade e Contemporaneidade: a máquina de ponto fixo - alavancas, por
exemplo a máquina termodinâmica e a máquina informacional. Seguindo essa
intuição propomos que o modo como o pensamento se pensa depende das imagens que
ele pode produzir, portanto estudando a imagem técnica podemos imaginar como o
homem concebe a verdade.
Os ambientes virtuais imersivos foram escolhidos como objeto de estudo por
radicalizarem características mais gerais da CMC nas tentativas de produção de novas
linguagens e estratégias de comunicação. Através de seu estudo pretende-se fazer uma
investigação não só de suas principais singularidades como também do próprio estatuto
da imagem no mundo contemporâneo - outra preocupação da Comunicação. Já há uma
bibliografia anterior que trata da história dos dispositivos escolhidos - a câmara escura
(Crary) e o panorama (Comment e Oettermann). O que pretendemos aqui é incluir nesta
história os ambientes virtuais imersivos.
Para evidenciar características singulares da CMC pretendemos, em primeiro
lugar, apresentar uma história de dispositivos que podem ser encarados como metáforas
de suas épocas, começando pela câmara escura em relação à idade clássica. No primeiro
capítulo trataremos da passagem do mundo simbólico ao clássico - séculos XVII e
XVIII segundo a periodização proposta por Foucault e adotada por Crary - a partir da
crise do cosmos e da descoberta de um espaço infinito sem centro ou sentido.
xii
De um espaço fechado, hierarquizado e assimétrico ordenado por um Deus
onipotente que dá unidade e sentido ao mundo passa-se, na idade clássica, a um espaço
infinito e homogêneo em constante mudança, onde a cada lugar, instante e indivíduo
tem-se um mundo diferente. O problema do perspectivismo de como descobrir a
verdade num espaço que é relativo é resolvido pela representação: a verdade única do
mundo pode ser descoberta através da análise das representações que o sujeito faz deste
espaço.
Para se distanciar do mundo o sujeito deve se distanciar de suas representações,
analisando-as, e sua principal estratégia é a introspecção; o sujeito do conhecimento
aquele que conhece sua capacidade de conhecer vê o mundo (internalizado na forma
de representação) de fora, com os olhos da alma. A câmara escura é o objeto técnico
que explicita esta estratégia e será o primeiro aparato a ser investigado em nossa história
do conceito de representação articulada a dispositivos de produção de imagem.
Os temas discutidos serão principalmente os conceitos de representação e
perspectiva, porque se por um lado são necessários para possibilitar a invenção e
difusão da câmara escura como dispositivo de produção de imagem, por outro lado
também têm sua validade atestada pelo aparato. A relação entre a câmara escura, o
mapa e o quadro também será discutida para enriquecer a articulação entre
representação e realidade representada. O tema da totalidade, que permeia as três épocas
e dispositivos, se apresenta na idade clássica através do ponto de vista percebido como
centro de configuração, de onde se apreende o infinito através de um olho destacado do
corpo. Os autores mais importantes para o desenvolvimento desta argumentação são
Crary, Serres e Koyré.
xiii
O panorama arquitetônico é o dispositivo a ser investigado no segundo capítulo,
em relação à modernidade (século XIX e primeira metade do século XX). Num
contexto em que olho da alma se torna olho de carne e o homem é determinado por seu
corpo e história, o panorama envolve fisicamente seu observador, apresentando uma
imagem pela qual ele está cercado, e inclui seu corpo (sensível) no processo de
percepção da imagem. O corpo do observador é ali o lugar do engano: todo dispositivo
é voltado para simular um outro espaço lançando mão de grande número de estímulos
sensoriais. A confusão entre realidade e representação, problema moderno trazido pelos
meios de comunicação de massa, é o primeiro objetivo e base de toda estrutura do
panorama.
O dispositivo ainda simula a visão total de um espaço visto do alto. De acordo
com o modelo de apreensão proposto no panorama, é o olhar global e dominante que
atesta a verdade do mundo, remetendo-nos novamente ao tema da totalidade (que mais
tarde, no caso dos ambientes virtuais, será discutido a partir da interatividade). O
panorama é o objeto técnico que, ao lado do panóptico, explicita a estratégia moderna
da visão do todo: nele não há extra-campo. É um dispositivo pedagógico que ensina
tanto o que vale a pena ver no mundo quanto como ver o mundo. Os autores
fundamentais para esta discussão sobre o panorama como dispositivo de produção de
imagem característico da modernidade são Foucault, Comment e Oettermann.
Na análise do ambiente virtual imersivo em sua relação com o pensamento
contemporâneo, os temas destacados serão os da ação do sujeito e da multiplicidade do
espaço, além do tema principal da representação que conduz toda a pesquisa. No
terceiro capítulo apresentaremos uma breve análise das bases do ambiente virtual
imersivo a imagem digital, a interface gráfica e a imagem circundante e
xiv
descreveremos experiências de ambientes para apontar algumas de suas características
predominantes.
A Comunicação Mediada por Computador (CMC) é um tema decisivo para o
campo da Comunicação já que altera vários de seus conceitos e transforma antigas
relações. A investigação do ambiente virtual imersivo em sua relação com o
pensamento contemporâneo é pertinente a partir do momento em que evidencia
características gerais da CMC de modo muito mais radical. A crise na distância entre
representação e realidade representada pode ser demonstrada na Internet no caso da
presença à distância. Uma visita virtual a uma exposição, por exemplo, é uma das
formas da exposição - não se confundindo em nenhum momento com uma reportagem
sobre o assunto. No caso de um ambiente virtual imersivo esta crise é acentuada por não
haver necessidade de um referente externo físico: a imagem é a realidade. Outra
característica da CMC que pode ser encontrada na Internet é a crise na distância entre o
produtor e o receptor da informação; na rede o jornalista é aquele que filtra a
informação através de seleção e organização, e o receptor tem um papel cada vez mais
ativo também na seleção de informações, vindas das mais diversas fontes. Mais uma vez
o ambiente virtual radicaliza esta característica quando se apresenta como um campo de
elementos que deve ser configurado pelo sujeito imerso para gerar sentido.
O tema da interatividade será investigado a partir da configuração final e do
sentido de um ambiente definido pelo espectador/usuário (Seaman), o que evidencia a
crise da distância entre o produtor da imagem e seu consumidor. Esta nova relação entre
emissor e receptor é uma característica contemporânea mais geral que pode ser
percebida na Comunicação Mediada por Computador e é intensificada no ambiente
virtual imersivo.
xv
No quarto e último capítulo discutiremos em primeiro lugar a ação do sujeito
como fundamental em sua relação com o espaço digital e com o mundo, produtora de
sentido e de conhecimento. Uma totalidade contemporânea - individual e subjetiva -
também seria resultado dessa ação.
Os temas da construção - a partir da articulação entre representação, simulação e
espaço virtual (Lévy, Guattari) - e da presença no ambiente virtual imersivo - que é
discutida a partir da noção de níveis de presença (Weissberg) - serão destacados na
análise da crise da distância entre representação e realidade representada. Uma nova
crise da representação não é percebida de forma negativa porque garante tanto a
multiplicidade da experiência quanto a multiplicidade do espaço. Não só o mundo pode
ser apreendido individualmente como também a presença do sujeito nas vários camadas
de espaço se dá em níveis. Neste contexto não há diferença relevante entre os espaços
físico e digital, já que os dois são ao mesmo tempo mundo e informação e sua relação
com o sujeito se dá através da experimentação - dessa vez com o corpo inteiro e
integrado ao espaço, sem distância.
Em suma, um aparato imersivo oferece um novo espaço onde o indivíduo
desenvolve modos originais de presença: funciona como um laboratório de
experimentação do espaço, gerador de um novo universo de referências para o sujeito
imerso. Pretendemos nesta pesquisa, ao estudar o ambiente virtual imersivo como
objeto-teste da contemporaneidade, discutir algumas destas novas relações entre sujeito
e um mundo cada dia mais condicionado pela tecnologia.
xvi
Capítulo 1: O espaço clássico e a câmara escura
No início do século XVII houve uma grande mudança conhecida como o
surgimento do sujeito do conhecimento, quando a filosofia passou a encarar o homem
como ponto de partida para seus questionamentos no lugar da natureza ou de Deus.
Pode-se definir o sujeito do conhecimento como portador de uma consciência que
conhece sua capacidade de conhecer - posicionando-se como um observador externo, o
homem era capaz de analisar e compreender a si próprio (consciência reflexiva). Todas
as coisas exteriores ao homem também poderiam ser conhecidas integralmente, desde
que fossem consideradas como representações - idéias ou conceitos formulados pelo
sujeito do conhecimento.
Assim, a natureza e a sociedade poderiam ser inteiramente conhecidas pelo
sujeito porque seriam racionais em si mesmas; a realidade como um todo era concebida
como um sistema racional de mecanismos físicos com uma estrutura inteligível em si
mesma. A afirmação de Galileu de que o livro do mundo é escrito em caracteres
matemáticos exemplifica claramente o pensamento da época. A representação baseada
em estruturas matemáticas - gerando não só idéias como também imagens científicas,
aplicadas em forma de cartas celestes, mapas e quadros pintados de acordo com regras
rígidas da perspectiva - apresentava-se como um meio mais adequado para se conhecer
o mundo exterior não só porque o organizava e classificava como também porque
descartava as interferências não-racionais dos sentidos.
Pretendemos neste capítulo narrar a passagem do espaço aristotélico para o
clássico destacando o modelo da câmara escura como exemplar da nova relação entre
homem e mundo, baseada na representação.
xvii
1.1 O espaço aristotélico
O espaço que tem como base a física de Aristóteles é assimétrico e simbólico.
Assimétrico porque o universo é hierarquizado segundo a permanência, sendo mais
perfeita a condição de repouso; simbólico porque, baseado em marcas que estão no
mundo, o homem busca extrair das coisas terrestres as formas permanentes.
O conceito de lugar em Aristóteles é o de envolvente de um corpo, ou seja, o
lugar é um atributo do próprio corpo. Já que Aristóteles não aceita a possibilidade do
infinito em ato - para ele não há a possibilidade de um recuo ao infinito - deve haver um
lugar de todos os lugares que não está em lugar nenhum. O espaço, portanto, é centrado
e finito.
Aquilo que Platão havia colocado como separação entre dois mundos,
Aristóteles reencontra como cisão num único mundo. Sua conhecida formulação de que
o tempo é a medida do movimento segundo o antes e o depois, nos indica que em sua
física a experiência do tempo está subordinada à observação do movimento. Assim a
diferença existencialmente decisiva entre passado imutável e futuro incerto e aberto a
ação humana é reduzida pela subordinação do tempo ao movimento - o que
inevitavelmente nos leva a divisões entre essência e acidente, permanente e mutável.
A assimetria do universo aristotélico começa por uma divisão do espaço em dois
mundos de naturezas diferentes: o mundo sublunar, terrestre, mutável, imperfeito, e o
mundo superlunar da perfeição celeste, espaço permanente, morada dos anjos. Esse
mundo celeste é composto por castas que giram com os planetas - como cascas de
cebola transparentes com os planetas incrustados nelas - e depois das castas há a esfera
das estrelas fixas. Os movimentos celestes são perpétuos e circulares, já que o círculo é
xviii
a figura que mais se aproxima da perfeição e o movimento cíclico é o que mais se
aproxima da imobilidade.
No mundo sublunar, ao contrário do mundo celeste onde o movimento é
espontâneo e perpétuo, todo movimento é uma perturbação de um corpo e todo corpo
tem seu lugar natural e seu objetivo é permanecer nesse lugar ou retornar a ele. Os
movimentos terrestres são considerados aberrantes porque não são perfeitos - circulares
- nem perpétuos ou espontâneos; são sempre causados por forças externas que obrigam
os corpos a se deslocarem de seus lugares naturais. Por isso uma pedra, quando jogada
para o alto, procura voltar para a terra e quando já está na superfície da terra, seu lugar
natural, lá permanece. A própria terra está imóvel no centro do universo fechado e
esférico porque não pode se mover: se ela se movesse teria que se dirigir para seu lugar
natural - que ou não existe ou é onde a terra já está.
A assimetria do espaço aristotélico está portanto não só em sua configuração
centrada na terra cercada por castas circulares e estrelas fixas, mas principalmente nas
leis de diferentes naturezas que regem os mundos sublunar e supralunar. Estes dois
mundos se relacionam no entanto de forma bastante próxima, sendo um o reflexo
imperfeito do outro.
A concepção de um espaço cujo maior valor é a permanência se reflete nas ações
dos indivíduos, que buscam descobrir seu próprio lugar natural e ali permanecer. O
mundo supralunar serve como referência da perfeição e da verdade e cabe ao indivíduo
descobrir no mundo terrestre as equivalências que podem existir entre os dois.
A idéia, em Aristóteles, era a forma da matéria e não conteúdo intrapsíquico.
Pensar era abstrair a idéia como forma específica permanente e válida para todos os
seres de uma espécie presente em todos os entes. É por isso que o espaço aristotélico
xix
é também simbólico: a relação do homem com o real não passa pela representação, mas
sim pela analogia; a semelhança organiza e faz a ponte entre os mundos sublunar e
supralunar.
Temos neste espaço simbólico um Deus infinito, eterno e onipotente que
transcende ao mundo, finito no espaço e no tempo. Deus, primeiro motor imóvel, é o ser
originário que dá a ordem inteira das coisas que constituem o mundo - sua unidade,
ligação e finalidade - criando e dando sentido a tudo o que há. Um bom exemplo da
concepção de mundo deste período é a pintura. Este dispositivo de totalização é
simbólico porque o que totaliza o mundo é o olhar de Deus - o ponto de vista para se
observar a totalidade é o de Deus.
A pintura a seguir é um detalhe de um altar com cenas da vida de Cristo pintado
no século XIV.
Figura 1: Altar de Ayala
xx
O tema religioso é o mais recorrente da pintura medieval. Mesmo quando as
cenas mostram o mundo físico as figuras geralmente são apresentadas em atitudes
simbólicas ou hierárquicas. A hierarquia é demonstrada pelo quadro muitas vezes
verticalizado e as figuras são dimensionadas de acordo com sua importância - numa
santa ceia medieval, por exemplo, o tamanho do Cristo poderia ser o dobro do dos
apóstolos.
Grande parte da produção do período em vez de apresentar apenas uma cena
aglutina diversas cenas de uma sucessiva ação cronológica dispostas lado a lado no que
costumamos identificar como um único ambiente - o espaço da pintura medieval não
tem em si uma unidade temporal ou integridade necessária. Figuras numa mesma
pintura podem ser apresentadas de diferentes pontos de vista, já que o importante é seu
simbolismo e não sua semelhança com o mundo físico. O espaço da pintura medieval
não precisa ser tridimensional, homogêneo ou contínuo, não precisa ter volume ou
atributos materiais, afinal só existe em função dos corpos que aparecem na cena.
1.2 A imagem Renascentista
O período de transição da Idade Média para a Idade Clássica é longo e as
transformações na concepção de espaço são acompanhadas por importantes mudanças
na produção de imagens picturais no mesmo período. O mapa é um dos elementos que
mais destaca a transição do mundo simbólico ao representacional e o quadro, a partir da
introdução da perspectiva, reafirma e expande essa transição.
No espaço medieval Deus está presente no mundo físico. Os mapas medievais
são simbólicos, neles não há proporção geográfica objetiva - lugares mais importantes
são maiores e nos mapas estão assinalados igualmente Roma, Jerusalém, o
xxi
mediterrâneo, o paraíso e o purgatório. A experiência da navegação começa a organizar
o espaço de outro modo, já que se faz necessária a sistematização da orientação. A partir
da introdução da bússola pode-se selecionar uma direção no espaço e classificar as
outras direções em relação à primeira; com o astrolábio sabe-se se o navio está mais
para o norte ou para o sul.
O espaço começa a ser medido, mesmo de modo impreciso, através de cordas
com nós sendo jogadas ao mar. As expedições são registradas em mapas e passam a
formar novos tipos de mapas, agora com uma orientação (norte-sul), gradação (latitude)
e proporção geométrica. Através do uso das coordenadas o espaço vai sendo
geometrizado, neutralizado, uniformizado. O mapa vai se tornando aos poucos uma
tradução do mundo físico, substituindo gradativamente o modelo simbólico de mapa
medieval.
No Renascimento a pintura também vai se transformando. O tema religioso
ainda é predominante, mas os personagens e as cenas têm cada vez mais proximidade
com o mundo físico. A própria perspectiva, introduzida nesse período, tem como
condição de possibilidade a concepção de um espaço geometrizado e homogêneo, e não
simbólico.
Comentando o quadro de Antonello da Messina, Fayga OSTROWER aponta a
nova noção do que é o espaço no Renascimento e de como essa mudança se relaciona
com a produção de imagens do período.
"Aqui temos a razão por que a perspectiva só pôde vir a ser elaborada no
Renascimento e não na Idade Média. Só o poderia ser a partir do momento
em que a existência física do homem passasse a ser considerada um valor
positivo de vida. Antes, na Idade Média, não se cogitaria de dar ao espaço
xxii
uma forma de perspectiva, pois o espaço, assim como o tempo, era
considerado imutável e atributo da essência divina. (...) Nesse quadro de
Antonello da Messina, o artista sequer faz uma exceção à figura da
Virgem. Seu tamanho (menor que o de São João) não é influenciado por
questões hierárquicas, éticas ou mitológicas, devendo-se unicamente à
posição que ela ocupa no espaço". (OSTROWER, pp.92, 3)
Figura 2: Crucificação, de Antonello da Messina
xxiii
Com a perspectiva a posição do observador em relação ao quadro é posta em
evidência. É em função dele - a partir de sua posição, à altura de seus olhos - que o
horizonte da imagem é estabelecido e que toda a cena é construída. As grandes
transformações na produção de imagens neste período, e a introdução da perspectiva em
particular, antecipam em vários aspectos a mudança na concepção do que é o espaço
elaborada na passagem do século XVI ao XVII. A produção de imagens no
Renascimento é uma das mais importantes formas de elaboração da imagem mental do
que viria a ser o espaço clássico.
Figura 3: Perspective (lâmina 30), de Jean V. de Vries
xxiv
1.3 O espaço clássico
Podemos apontar duas mudanças fundamentais na passagem da concepção de
espaço aristotélico para o clássico: a transição do mundo fechado ao universo infinito e
a diluição do espaço assimétrico e simbólico num universo homogêneo e sistematizado.
O espaço infinito é pensado inicialmente a partir do conceito de inércia - um
corpo permanece em seu movimento a não ser que uma força aja sobre ele. O cosmos
medieval tem portando que se abrir para acolher esse movimento incessante. A
discussão sobre o universo infinito é marcada em princípio pelo modelo medieval de
mundo; se Deus já era infinito, agora também estava presente num espaço físico infinito
e não mais fechado. KOYRÉ destaca um texto de Thomas Digges, escrito em 1576:
"A seguir, ele (Digges) substitui o conhecido diagrama copernicano do
mundo por outro, no qual as estrelas se acham dispostas em toda a página,
tanto acima como abaixo da linha com a qual Copérnico representou a
ultima sphera mundi. O texto que Digges acrescenta a esse diagrama é
curiosíssimo. Em minha opinião, ele expressa a hesitação e a incerteza de
um espírito - dos mais ousados, aliás - que se por um lado não só aceitava a
concepção de mundo de Copérnico, mas ia até além dela, por outro lado
ainda estava dominado pela concepção - ou imagem - religiosa de um céu
situado no espaço. Thomas Digges começa por nos dizer que "O orbe das
estrelas fixas se estende esfericamente na altitude infinitamente para o alto
e [é] por conseqüência imóvel". Entretanto ele acrescenta que esse orbe é
"o palácio da felicidade, adornado de inumeráveis luzeiros gloriosos,
resplendendo perpetuamente e ultrapassando de longe em excelência nosso
xxv
Sol, tanto em quantidade quanto em qualidade". E que ele é "a corte do
grande Deus, a habitação dos eleitos e dos anjos celestes".". (KOYRÉ,
pp.43, 4)
Mas se o mundo pode ter a mesma dimensão que Deus, pode também não
apenas ser infinito no espaço e no tempo, mas ser ele mesmo criador. No espaço infinito
o mundo pode, ele mesmo, gerar sua constante mudança. O universo infinito e
homogêneo - cuja nova figura é uma caixa expandida indefinidamente que pode conter
corpos ou não vai substituindo assim a concepção medieval do espaço onde a Terra
se encontra imóvel no centro de um universo fechado, esférico, denso, assimétrico e
simbólico; onde a permanência é um dos valores mais importantes e o repouso dos
corpos em seus lugares naturais tem natureza diferente do movimento que os perturba.
Pensar, porém, num universo infinito é tarefa das mais angustiantes. O
infinitamente grande e o infinitamente pequeno retiram do homem a possibilidade de
conhecer e organizar seu mundo: por mais que se pense a imensidão, diante do infinito
ela é insignificante; por outro lado a menor partícula que se pode imaginar é ainda um
vasto universo. Ao comentar o horror de vagar "nessa imensidão a qual são negados
todo o limite, todo centro e todo o lugar determinado", SERRES (1990) aponta esta
angústia como decorrência da "...posição do homem frente ao espetáculo de um mundo
aberto e sem limite no tempo e no espaço, de um mundo privado de centro e sentido,
onde o destino não é mais que errância e o homem este viajante extraviado que perdeu
para sempre seu lugar e sua casa". Quando Pascal pergunta "Que é um homem dentro
do infinito?" sua resposta também remete à relação do homem com os dois infinitos
como incapacidade de conhecer. Diz ele:
xxvi
"Afinal, que é o homem dentro da natureza? Nada em relação ao infinito;
tudo em relação ao nada; um ponto intermediário entre tudo e nada.
Infinitamente incapaz de compreender os extremos, tanto o fim das coisas
como o seu princípio permanecem ocultos num segredo impenetrável, e é-
lhe igualmente impossível ver o nada de onde saiu e o infinito que o
envolve". (PASCAL, p.52)
O infinito ainda apresenta mais dois problemas para o homem em sua busca pela
verdade. O primeiro é a descoberta do “bom” lugar a partir do qual deve-se olhar o
mundo já que para um mesmo indivíduo, de acordo com a perspectiva escolhida, a
cada momento e lugar há um mundo diferente. O segundo problema também é um
desdobramento da questão do referencial: se para diferentes indivíduos, há diferentes
perspectivas e diferentes mundos, como saber qual é a verdadeira descrição do objeto e
qual é a falsa? Como saber quem detém a verdade (se para quem está no navio é o porto
que se move)? Em suma, como conciliar verdades universais com um mundo formado
por múltiplos pontos de vista?
Serres faz uma identificação de centro com finitude: uma balança com os braços
infinitos não têm ponto de apoio, um sólido infinitamente grande teria um centro de
gravidade indeterminado, um movimento sobre uma circunferência infinita não seria
centrado, seria um movimento retilíneo. O universo infinito é assim um universo sem
centro.
Ao retirar a terra do centro do mundo e dispô-la entre os planetas Copérnico
certamente promoveu uma revolução na história do espaço, destruindo a oposição
qualitativa entre o domínio celeste e a região sublunar (KOYRÉ, p.38). Michel
xxvii
SERRES (1990), no entanto, afirma que a revolução de Copérnico não é tão importante
para a época se comparada à questão do centro. Ao transferir o privilégio de um lugar a
outro (da terra para o sol), Copérnico teria tomado uma decisão segunda em relação à
questão fundamental que a precede, a da existência mesma e da possibilidade desse
privilégio. Antes da questão "qual é o centro do mundo?" deveríamos perguntar "o
mundo tem um centro ou não?"
Serres aponta Kepler como sendo mais significativo que Copérnico porque sua
primeira teoria do mundo - que introduziu as configurações cônicas em lugar das órbitas
circulares da tradição - fez com que ele tratasse do problema do centro antes de toda
decisão sobre sua especificação. As órbitas circulares, símbolo da ordem geométrica de
um mundo perfeito (no sentido grego, um mundo fechado, finito, esférico), são
substituídas pelas orbitas elípticas, nas quais o centro sempre é duplo - embora sol seja
o centro do mundo ele é excêntrico, ou excentrado. A partir do momento em que não
existe mais um único centro, eles podem ser dois ou milhares.
Com o telescópio descobre-se um outro centro de movimento em Júpiter e suas
luas - os centros agora são múltiplos e relativos aos seus componentes; o universo não
tem pontos singulares. O telescópio também permite a confirmação da existência de
crateras na lua, o que faz Galileu admitir a imperfeição dos astros e propor a aplicação
das mesmas leis em todo o universo, que se torna homogêneo - sem centro e sem
lugares privilegiados.
No espaço clássico o movimento pode ser decomposto, não dependendo de um
corpo mas sim das circunstâncias - ele pode ser cedido, transmitido ou mantido, não
sendo mais governado por sua extinção mas sim por sua manutenção. O movimento é
também relativo ao observador: se uma pedra é jogada do alto de um mastro de um
xxviii
navio em movimento, para um observador posicionado ao pé deste mastro a pedra só
terá se deslocado para baixo. Para um observador posicionado em terra firme, no
entanto, a pedra terá se deslocado para baixo e para o lado, percorrendo a mesma
distância que o navio. Mais uma vez nos deparamos com o problema do perspectivismo:
se em cada momento e de cada lugar o mundo é diferente, como se posicionar? Como
escolher, entre infinitas possibilidades, o melhor ponto de vista? Como saber onde está a
verdade?
O ponto privilegiado da idade clássica é o ponto de observação, o topo do cone
de onde o homem pode ver o mundo. Assim, a geometria do cone substitui a geometria
da esfera. A partir da geometria do cone o acontecimento decisivo reside, segundo
Serres, na transferência do ponto privilegiado do centro da configuração ao ponto de
vista de onde essa configuração é observada - e esse ponto de vista não é um lugar
natural do mundo, mas um ponto arbitrariamente escolhido pelo homem.
A solução encontrada na Idade Clássica para o problema do perspectivismo é a
representação, entendida como conteúdo intrapsíquico. Assim, tudo aquilo de que o
sujeito tem consciência é, indubitável (enquanto pensamento do qual ele tem
consciência), embora possa não ter contrapartida na realidade. Ou seja, qualquer idéia,
vista como ato de pensamento, é indubitável. A própria definição de representação
implica distancia entre o que o sujeito pensa e o conteúdo pensado. Se o conteúdo
pensado depende do mundo, o sujeito vê o mundo (internalizado na forma de
representação) de fora, distante daquilo que representa. A estratégia da consciência
reflexiva é a de um teatro cartesiano onde o sujeito é simultaneamente a cena e a
audiência.
xxix
A verdade do mundo não pode estar na relação do homem com o espaço porque
sua percepção será sempre relativa. De dentro do mundo, com seu corpo, o homem
jamais poderá conhecer a verdade. Mas o sujeito do conhecimento - posicionando-se
como um observador externo - pode representar o mundo e analisar tanto as
representações quanto a si mesmo analisando as representações. Seu pensamento se
situa no exterior das representações e portanto o sujeito pode conhecer - de fora, sem a
ameaça do duplo infinito ou da multiplicidade de pontos de vista - a verdade do mundo.
Essa solução é assim resumida por Pascal: “Junco pensante não é no espaço que devo
buscar minha dignidade, mas na ordenação de meu pensamento. Não terei mais
possuindo terras; pelo espaço, o universo me compreende e me traga como um ponto;
pelo pensamento, eu o compreendo”. (PASCAL, 1984, p.124).
Figuras 4 e 5: o Astrônomo e o Geógrafo, de Vermeer
xxx
As figuras do Astrônomo e do Geógrafo evidenciam essa situação do mundo
exterior conhecido não por um exame direto dos sentidos, mas através de sua
representação. A sala sombria - remetendo à câmara escura, segundo Crary - é o lugar
dentro do qual uma projeção ordenada do mundo se torna disponível para a inspeção da
mente. O que vemos é um sujeito sem corpo cuja relação com a realidade se dá através
da representação; conhecer é estar fora do mundo.
1.4 O dispositivo da câmara escura
A câmara escura é um aparato exemplar da idade clássica por reproduzir e ajudar
a compor o sistema de pensamento da época. Pode-se destacar em primeiro lugar sua
função: ajudar o pintor a captar "o mundo como ele é", em todos os detalhes. Através da
projeção da imagem do mundo na tela, a câmara escura atesta a validade do quadro
como uma janela. Se com a perspectiva a imagem já era uma projeção matemática da
cena tridimensional sobre a superfície da tela - uma representação racional, portanto -
com a câmara escura a verdade do mundo pode se revelar de modo muito mais eficaz,
reduzindo a incômoda interferência dos sentidos humanos. Jonathan CRARY comenta
que
“A câmara escura, com sua abertura monocular, era um término
mais perfeito para um cone de visão, uma encarnação mais perfeita de um
ponto único, do que o estranho corpo binocular do sujeito humano. A
câmara, em certo sentido, era uma metáfora para a possibilidade mais
racional de um observador dentro da desordem crescente do mundo”.
(CRARY, 1990, p.53)
xxxi
Figura 6: câmara escura
Pode-se destacar em segundo lugar a forma de operação da câmara escura como
motivo para este ser um dispositivo exemplar de sua época. Com ela, a posição do
homem é a de um observador externo que recebe passivamente a imagem verdadeira do
mundo a paisagem projetada na tela; a câmara escura separa o observador do mundo
que o cerca e traduz essa paisagem em uma representação. E o sujeito, exterior ao
mundo e a seu próprio corpo, analisa a representação e compreende a realidade.
xxxii
Quando se fala no lugar do observador e em ponto de vista na idade clássica, o
que está em jogo é o lugar do olho da alma, destacado de um observador. Crary (1990),
menciona uma descrição da câmara escura na qual Descartes recomenda o uso do olho
de uma pessoa morta ou mesmo um olho não humano como lente para o dispositivo.
Esta separação radical que promove um olho transparente (sem nervos, sem impulsos
óticos, sem cérebro) em detrimento do observador, permite que o sujeito escape das
confusões dos sentidos e posiciona o conhecimento humano num plano puramente
objetivo.
A câmara escura é um excelente dispositivo técnico para pensar a relação do
indivíduo clássico com a totalidade. Sua estrutura de funcionamento marca esta nova
reflexividade de um sujeito que simultaneamente representa o mundo e analisa estas
representações. Este sujeito que analisa é universal, é o eu cartesiano: qualquer um em
qualquer momento e lugar. Com a câmara escura o mundo, que ameaçava se multiplicar
pela sua infinitude e pelo relativismo, é totalizado na forma da representação.
Esta situação só pode se dar nesta época: antes não faria sentido representar o
mundo material, já que o espaço era uma organização simbólica determinada por Deus e
a totalidade se dava através desse olhar. Depois da idade clássica o homem não pode
mais se colocar fora do mundo para observá-lo; o sujeito moderno é formado pela
história e não tem isenção para analisar o mundo; tampouco pode perceber a realidade
ignorando seu corpo - seus sentidos, seu cérebro, processos visuais, processos
inconscientes.
xxxiii
1.5 A decadência do modelo da câmara escura
Crary (1990) aponta vários estudos sobre a visão, realizados no início do século
XIX, que constataram que a percepção visual não tem nenhuma ligação necessária com
um referente externo. A persistência retiniana por exemplo - presença da sensação na
ausência do estímulo - que antes era considerada uma ilusão de ótica, depois de estudos
de Goethe passou a ser percebida como “verdade” ótica. Era uma demonstração
empírica da autonomia da visão, uma demonstração de uma experiência ótica que era
produzida pelo sujeito, não havendo necessidade de um mundo verdadeiro.
Crary ainda destaca a instituição de um ponto de vista subjetivo do observador
como uma revolução no processo de visão que teria acontecido ainda no início do
século XIX, e apresenta os estudos citados para reforçar sua tese. O autor indica ainda
vários dispositivos óticos da época (zootrópio, taumatrópio, fenakistoscópio,
praxinoscópio e outros) como exemplos de aparatos que não “funcionam” sem contar
com um observador, já que os efeitos são finalizados em seu cérebro. O estereoscópio é
apontado como um dos mais importantes aparatos óticos da época já que parte da visão
binocular humana para chegar no dispositivo.
O modelo da câmara escura, no qual o observador passivo apenas recebia
informações provenientes do “mundo verdadeiro”, estava se deteriorando. Após
diversos estudos como estes passou-se a admitir que o mundo era apreendido
individualmente e que a participação do homem era fundamental como parte do
processo de percepção da imagem. Um dos aspectos mais importantes desta mudança
no estatuto do espectador foi o destaque dado à sua experiência física e sensória, antes
ignorada como parte do processo de percepção.
xxxiv
Capítulo 2: O espaço moderno
O panorama é um dispositivo essencialmente moderno que teve seu ápice na
segunda metade do século XIX, impulsionado pelas grandes Exposições Universais. Ao
contrário da câmara escura o panorama funda toda sua estrutura nas sensações do
espectador, apresentando-se como técnica exemplar da passagem do Homem de
Princípios ao Homem Sensível (COMMENT, 1993). O panorama é um dispositivo
imersivo que cerca o espectador e usa seus sentidos para convencê-lo de que se encontra
no lugar apresentado pela imagem.
O panorama arquitetônico, desenvolvido no final do século XVIII, foi o primeiro
dispositivo de imersão sensória de que se tem notícia. Diferenciando-se do que se
entende hoje por panorama - uma imagem plana e alongada apresentada com freqüência
em fotografias de paisagens naturais - o termo foi inventado para designar um
dispositivo complexo composto não só por uma imagem circular como também por toda
uma estrutura especialmente planejada para tornar possível a imersão do sujeito num
espaço simulado. É importante frisar que simulação deve ser entendida aqui como a
tentativa de “fazer parecer real o que não é
1
”.
A própria palavra panorama, que pode ser traduzida como “vista da totalidade”
ou “visão total”, não existia antes do dispositivo; seu sentido foi ampliado durante o
século XIX para nomear pinturas de paisagens em longo formato; grandes extensões de
paisagens naturais; e por último para se referir a uma ampla exposição sobre um assunto
específico. O sentido da palavra foi ampliado graças à enorme popularidade do
1
Como informa Weissberg ao comentar a ilusão apresentada por técnicas como a perspectiva e o trompe-l’oeil. Em
WEISSBERG, J.L. Real e Virtual. In: PARENTE, 1993.
xxxv
dispositivo, que acabou por se tornar uma das expressões mais importantes de um
fenômeno maior, mais vasto, que percorreu todo o século: posicionando o sujeito no
centro da estrutura de forma que a imagem se oferecesse a ele sob o modo de um olhar
contínuo que abarca todo o horizonte de uma só vez, o panorama, tal como o panóptico
e os planos arquiteturais modernos, recorria ao círculo para afirmar uma simbologia do
poder, da ordem e do controle; placé au centre des rayons, rien n’échappe à la
surveillance
2
”.
Figura 7: esquema de um panorama
2.1 A estrutura do panorama
Patenteado por Robert Barker em 1787, o dispositivo apresenta uma pintura
circular disposta em uma rotunda de forma a envolver os espectadores que a
contemplam a partir de uma plataforma central. De acordo com seu inventor, a
finalidade do panorama era fazer com que os observadores pudessem se sentir
verdadeiramente no local apresentado pela pintura, geralmente um ponto alto de onde se
2
COMMENT, 1993. p.95.
xxxvi
pudesse observar uma paisagem natural ou uma cidade. Para que uma imagem pictural
se passasse por realidade era necessário, em primeiro lugar, que se rompesse com a
idéia do quadro: as bordas do panorama não podiam ser percebidas; não havia um
exterior à pintura que se pudesse enxergar, nem interrupções na imagem; o panorama
era construído de forma que nenhum elemento estranho à paisagem apresentada pudesse
perturbar o campo de visão do espectador. Para chegar a este resultado a estrutura
cilíndrica era complementada por um toldo sobre a plataforma, no formato de um
gigantesco guarda-sol, graças ao qual o telhado era escondido. Como o teto era feito de
vidro, permitia a passagem da luz do dia - que parecia vir da paisagem pintada já que
era lançada primeiro sobre a tela para depois ser refletida e chegar ao espectador.
Assim o guarda-sol desempenhava duas funções importantes: manter o
espectador na penumbra para que ele recebesse apenas a luz “vinda da paisagem” e
esconder o alto da tela para que ele não visse as bordas do panorama. O caminho
utilizado para chegar à plataforma central passava por um corredor subterrâneo com
pouca iluminação; o corredor terminava em uma escada que levava diretamente à
plataforma, não interrompendo portanto a ilusão da paisagem com portas ou outro tipo
de passagem no meio da pintura. Por ter pouca iluminação o corredor fazia com que os
olhos do espectador se acostumassem com a escuridão e se surpreendessem com uma
paisagem em plena luz do dia ao chegar na plataforma. Esta estrutura complexa do
panorama tinha como ponto de partida o sujeito imerso. Seu formato, que envolvia o
observador numa esfera de imagem e cenografia cuidadosamente construída, só pode
ser pensado a partir do momento em que o homem se posicionou por inteiro no mundo -
com seu corpo, sentidos e emoções.
xxxvii
Figura 8: plataforma e paisagem do panorama de Scheveningen
Como a existência de uma borda inferior na pintura seria um elemento contrário
ao efeito ilusório do panorama, em seu lugar havia uma curva no plano inclinado da
plataforma central, na base da tela. Esta solução, porém, estava longe de ser suficiente,
de acordo com as anotações de Eugène Chevreul. A partir destas observações o oficial
Jean-Charles Langlois criou um fosso entre a plataforma e a tela, que a partir do último
terço do século XIX passaria a ser preenchido com objetos tridimensionais. Com a
criação deste fosso o lugar do espectador passou a se prolongar indefinidamente na
pintura. Sem a percepção da moldura portanto, escondida pelo guarda-sol na parte de
cima e pelo fosso na parte de baixo, rompe-se com a idéia de um quadro, o extra-campo
xxxviii
desaparece e o único espaço que se percebe é o apresentado pelo panorama, onde o
sujeito estará imerso.
2.2 O espetáculo da imersão
Para que se possa formar uma idéia mais próxima do que era um panorama é
importante destacar seu processo de produção e exibição. O fato de Barker ter
patenteado o panorama informa, logo de início, sua intenção de implementá-lo
sobretudo como um dispositivo de entretenimento de massa. Sem um grande público -
pagante - o panorama não sobreviveria por muito tempo, já que necessitava de pesados
investimentos relacionados ao trabalho artístico propriamente dito e à construção das
rotundas que abrigavam as telas.
2.2.1 Exposições Universais
Somente após a Revolução Industrial a vida das pessoas se tornou estritamente
dividida em duas categorias; as horas gastas no trabalho para se ganhar a vida e o tempo
livre gasto na regeneração do trabalhador para um novo turno. Toda a vida pessoal do
indivíduo tinha que caber dentro da segunda categoria, incluindo as formas de
entretenimento e recreação. Com a crescente distinção entre as horas de trabalho e as
horas de lazer, as feiras por toda a Europa, que eram um misto de negócios e prazer, se
especializaram cada vez mais em diversão. Nos anos posteriores à Exposição francesa
de 1876, o entretenimento passou a estar intimamente ligado à idéia das Exposições
Universais.
“A exemplo de outros objetos de consumo - publicações, pipocas, cigarros,
comidas típicas - que ajudavam a financiar a montagem do espetáculo, a fotografia
xxxix
passou a ser um dos suvenires mais populares deste centro de divertimento de massa em
que se converteram as Exposições Universais”. (TURAZZI, 1995, p. 69)
Centro de divertimento sim, mas nunca deixando de lado seu forte caráter
pedagógico e a exaltação à tecnologia; a própria fotografia mencionada na citação pode
ser encarada como um suvenir e como uma novidade tecnológica ao mesmo tempo,
assim como um panorama pode ser percebido como entretenimento e como dispositivo
pedagógico.
O historiador de arte Stephan OETTERMANN estima que de 1870 à virada do
século, pelo menos cem milhões de espectadores tenham visitado panoramas em todo o
mundo, o que o permite afirmar que o panorama foi o primeiro meio imagético de
comunicação de massa. Isso se deve em grande parte às Exposições Universais, onde os
panoramas eram expostos ao lado de produtos industriais, matérias primas, invenções
científicas e as mais variadas formas de entretenimento. O caráter "educacional" das
Exposições Universais era explicitado em sua montagem baseada em valores modernos:
freqüentemente os produtos industriais e invenções eram expostos seguindo uma lógica
de comparações entre o passado e presente, a barbárie e a civilização, o atraso e o
progresso. Certamente o panorama era um dos instrumentos utilizados para reforçar esta
lógica, não só pelo espaço apresentado com maior freqüência pela imagem do panorama
- a grande metrópole, síntese da modernidade do século XIX - como também pelo
dispositivo tecnológico cada vez mais avançado em que a rotunda tinha se
transformado.
xl
2.2.2 Variações
O Moving Panorama foi uma variação importante do panorama clássico, não
tanto pelo tipo de imagem apresentada, que continuava a ser pictural, mas sobretudo
pela introdução do movimento na imagem. Nesta variação do panorama, inventada por
volta de 1830, uma imagem plana (não perspectivada, não imersiva) se desloca diante
do espectador. O que acontece, nesse caso, é a imersão do observador em um espaço
que mistura imagem, movimento e cenografia. O espectador “embarcava” numa
estrutura que simulava um trem ou barco e assistia a uma viagem por meio de uma
grande imagem pintada que desfilava do lado de fora das janelas. Estima-se que
algumas dessas pinturas podiam chegar a três ou quatro mil milhas de comprimento,
proporcionando uma “viagem” de horas de duração.
Figura 9: Moving Panorama
Mais tarde o Moving Panorama passou a ser realizado com imagens
cinematográficas tomadas das janelas de trens ou barcos. Este dispositivo era também
chamado de panorama americano por sua imensa popularidade nos Estados Unidos,
onde satisfazia o desejo do público de conhecer seu próprio país. Só sobre o Mississipi
xli
foram feitos 6 moving panoramas, e o caminho mais explorado era em direção ao Oeste.
O Pleorama, variação do panorama americano, foi exibido pela primeira vez em 1831.
Num cenário que simulava um barco, os visitantes se sentavam entre dois
panoramas horizontais que se moviam ao mesmo tempo. A invenção não teve um longo
alcance por causa dos complexos mecanismos necessários, e a idéia de apresentar duas
imagens só foi retomada no final do século XIX. Alguns Moving Panoramas ficaram
mais conhecidos, como aqueles apresentados na Exposição Universal de 1900. O Trans-
Siberian Express, patrocinado pela Compagnie Internationale des Wagons-Lits,
simulava uma viagem de trem durante cinqüenta minutos. Os espectadores eram
instalados em três luxuosos vagões e através das janelas podiam contemplar a paisagem
que desfilava de modo muito mais “realista” graças a um dispositivo engenhoso: os
quatro planos sucessivos da paisagem corriam em velocidades diferentes.
Mais tarde, já com o cinema, o moving panorama teve uma versão que se
parecia com um trem fantasma, só que feito com um trem de verdade - nas laterais do
túnel percorrido pelo trem, eram projetadas imagens de paisagens. A partir daí Georges
Hale desenvolveu o Hale's Tour numa sala de projeção: a fachada do edifício lembrava
a de uma estação de trem, os empregados usavam uniformes e as "viagens" aconteciam
em salas que imitavam vagões - no fundo das quais eram projetadas imagens tomadas
das traseiras de trens.
Os dispositivos imersivos geralmente apresentavam uma estrutura gigantesca
que envolvia por completo o observador; assim ele não poderia ver nada além do espaço
simulado. A novidade do Kaiser Panorama era a de, ao invés de envolver o espectador
com a imagem, aproximá-la de seus olhos.
xlii
Figura 10: Kaiser Panorama
Com o campo de visão limitado pela lente, como num binóculo, o observador ali
também não poderia perceber nada além da imagem apresentada pelo dispositivo. Era
um novo modo de imersão que se desenvolvia e que ainda contava com o auxílio
precioso da estereoscopia, que introduzia a imagem em três dimensões. Este modelo é
usado até hoje nos dispositivos de realidade virtual, que mudaram o tipo de imagem
apresentada (agora digital) mas ainda mantém visores estereoscópicos e limitam o
campo de visão do usuário aproximando os mini-monitores de seus olhos.
Na Exposição Universal de 1900 foi apresentado Mareorama, um panorama que
simulava uma viagem de navio. Sua plataforma era disfarçada em navio transatlântico,
com 70 metros de comprimento e capacidade para acolher até 700 pessoas.
xliii
Figura 11: Mareorama
Em 1892 o panorama Le Vengeur já havia implementado o movimento da
plataforma usando máquinas hidráulicas que permitiam simular o movimento de um
navio - o que aprofundava a imersão do observador através do estímulo cinético. A
partir desta idéia, a plataforma do Mareorama também foi construída sobre um
complexo sistema de suspensão que simulava o balanço das ondas. Nas extremidades do
casco foram instalados motivos de decoração para mascarar os cilindros a partir dos
quais eram desenroladas as duas gigantescas telas (medindo 750 metros de
comprimento e quinze de altura cada uma) que apresentavam a paisagem aos viajantes.
Enquanto a paisagem passava, atores executavam as manobras de navegação, o sistema
de ventilação propagava os odores marinhos graças a ventiladores gigantescos
xliv
acoplados a filtros com algas e a luz era alterada criando o efeito do cair da noite ao
final da viagem.
Figura 12: Cineorama
Na Exposição Universal de 1900, em Paris, foi apresentado ao público um
panorama singular, o Cineorama. O dispositivo, patenteado por Grimoin-Sanson em
1897, foi o primeiro panorama cinematográfico imersivo existente. O cinema imersivo
que conhecemos hoje é descendente direto desta invenção que lotou as sessões exibidas
na última Exposição Universal do século XIX. O Cineorama era um dispositivo
formado por um prédio circular de 100 metros de circunferência. Suas paredes brancas
serviam de tela contínua onde eram projetadas as imagens de dez projetores compondo
uma imagem de 360
o
que parecia única. O centro da sala era ocupado por uma imensa
cesta de balão munida de acessórios habituais: âncora, cordas, contrapeso, escada. O
xlv
teto era coberto por uma cortina imitando um envelope de aeróstato. Sob a cesta eram
fixados os dez aparelhos sincronizados que, uma vez obscurecida a sala, projetavam
vistas de uma viagem de balão. Há duas grandes novidades apresentadas neste
dispositivo. A primeira e mais óbvia é o fato da imagem ser cinematográfica,
aumentando assim o realismo do dispositivo. A segunda é a confirmação de que o
emprego do movimento, já experimentado no moving panorama, fortalecia a simulação
de uma ação.
2.3 O desejo de totalidade
Como se pode perceber a descrição do panorama e suas variações não é a de
uma experiência de arte tradicional; o sujeito não se posiciona fora da imagem para
poder analisá-la racionalmente. Ao contrário, o observador é mergulhado no centro de
um espaço que é apreendido por ele através de todos os seus sentidos, ao mesmo tempo.
O espectador do panorama é necessariamente o sujeito moderno; o que ele vê, vê com
seu corpo. Seus "olhos de carne" se diferenciam do olho-lente transparente da câmara
escura.
Na modernidade a verdade do mundo só pode ser percebida por um sujeito
falho, cujo corpo pode ser enganado. O panorama e suas variações, como o Mareorama
por exemplo - que usa toda a forma de estímulo sensorial possível para envolver o
espectador em sua simulação - são dispositivos baseados na ilusão e no engano do
corpo. Paradoxalmente o mesmo panorama que engana também resolve este problema
de duas formas.
A primeira é a experiência do laboratório; o relevante é separado do irrelevante
numa relação de purificação e aperfeiçoamento do mundo. Num panorama de paisagem,
xlvi
sempre vista do alto, o lugar ideal era escolhido e apresentado sob condições ideais,
como num laboratório que atende vários requisitos para analisar um objeto destacado de
seu meio. O espectador não precisa, por exemplo, se empenhar para subir uma
montanha ou temer o mau tempo. Desta forma a experiência do sublime (ou do
horizonte) era permanentemente acessível a quem se dispusesse a experimentá-la.
Oettermann afirma que mais que simplesmente a reprodução estética de um fenômeno
natural, o panorama foi um substituto da paisagem natural e um simulador, um aparato
para ensinar às pessoas como vê-la.
A segunda forma de resolver o engano dos sentidos diante do mundo diz
respeito à experiência da totalidade: a vigilância, o "ver de cima", a visão total, são
instrumentos ordenadores do espaço e o sonho moderno da totalidade é inteiramente
explícito no panorama. Grande parte do público das rotundas não busca fruição estética,
mas sim a ilusão bem mais preciosa de um domínio sobre o mundo, sobre o espaço
coletivo; no panorama a cidade se dá como uma configuração estável ordenada em
torno do espectador.
Alguns panoramas apresentavam a própria cidade na qual se encontravam,
funcionando também como uma compensação pela perda de sua visibilidade após o
crescimento desordenado causado pela revolução industrial; o indivíduo se remetia
assim a uma situação imaginária que a realidade não lhe permite mais viver. Isto
acontecia sobretudo em Londres e Paris, as verdadeiras metrópoles da época que
conheceram uma formidável expansão demográfica e territorial (nas cidades menores,
de dimensões ainda modestas, os habitantes conheciam bem o suficiente o local onde
moravam e preferiam pagar para conhecer outros lugares do que para ver sua própria
cidade duplicada).
xlvii
Os temas dos panoramas eram basicamente metrópoles nascentes, cidades
históricas e lugares exóticos ou paisagens sublimes. Apresentando a metrópole nascente
(principalmente Paris e Londres) o panorama assume uma função de propaganda da
cidade moderna, construída pela determinação do homem. Muitas vezes estes
panoramas eram apresentados nas mesmas cidades que retratavam, duplicando-as.
COMMENT, em seu livro Le XIX
e
Siècle des Panoramas, afirma que através da
adoção de um ponto de vista dominante, sempre a partir do alto de uma fábrica ou outra
construção simbólica, o panorama permitia que o observador se reapropriasse de sua
cidade - recém expandida, da qual ele conhece apenas fragmentos - e encontrasse no
panorama sua totalidade. Tomando para si uma posição central, o observador formava
uma nova imagem da cidade, reorganizando-a em sua mente e tornando-a novamente
visível.
Ao apresentar como tema cidades com cenas históricas o panorama difunde uma
visão da história que é aquela dos grandes heróis e eventos; ao optar por trazer lugares
exóticos, como por exemplo o Rio de Janeiro, o dispositivo permite o olhar que exalta a
política colonialista européia sobre o desconhecido. Não há como não identificar o
discurso moderno no panorama porque sua estrutura essencial o determina. O
dispositivo está profundamente ligado ao sujeito histórico, cuja determinação tem o
poder de transformar o mundo. Ao colocar o sujeito no centro de uma plataforma de
observação de onde ele pode ver, do alto, a totalidade do espaço que o cerca, o
panorama não apenas reflete como também ajuda a construir o discurso moderno.
xlviii
Figura 13: tela e plataforma de observação
A “visão total” é uma questão essencialmente moderna, que pode ser
encontrada no panorama, no panóptico e na própria organização do espaço urbano.
BAUMAN (1999) aponta como um dos principais problemas encontrados pelo Estado
moderno a diversidade de medidas e padrões do território, o que dificultava a aplicação
de um tratamento uniforme a um número maior de súditos (exigindo de todos os
mesmos tributos ou impostos). A maneira encontrada para neutralizar o impacto da
variedade foi a imposição de medidas padrão obrigatórias. Assim, as práticas locais
foram substituídas por práticas administrativas nas quais o Estado era o único ponto de
referência universal.
xlix
Em resumo, um aspecto decisivo do processo modernizador foi a veemente
reorganização do espaço para torná-lo transparente e legível - para o Estado. Bauman
menciona um estudo de Michel Crozier sobre o fenômeno burocrático, que aponta a
ligação existente entre o poder e a certeza: em qualquer coletividade organizada a
posição dominante pertence àquelas unidades que tornam sua própria situação opaca
para os outros, ao mesmo tempo que mantém a situação dos outros clara para si; no caso
do Estado moderno são impostas regras estritas e rigorosas de conduta para a massa
(tornando-a constante, regular e previsível) enquanto que o Estado se cerca de um
gigantesco aparato burocrático.
Esta questão do controle visual pode ser claramente percebida em outros
dispositivos modernos além do panorama, sendo o panóptico o que mais se destaca
como uma espécie de símbolo da sociedade moderna. Em 1787 - o mesmo ano da
patente do panorama - Jeremy Bentham iniciou a divulgação de seu projeto de um novo
tipo de prisão. O panóptico foi projetado como uma construção cilíndrica de celas
unitárias com uma torre de observação no centro.
A partir da torre os guardas da prisão poderiam ver o interior de todas as celas
sem no entanto serem vistos pelos prisioneiros. A característica principal do panóptico
era um esquema de iluminação complexo e altamente funcional: um padrão de janelas
cuidadosamente desenhado assegurava que as celas seriam constantemente iluminadas
enquanto os guardas permaneceriam invisíveis na escuridão. O escritório do diretor da
prisão ficaria dentro da torre dos guardas, de modo que ele também permanecesse fora
do campo de visão. Através de uma série de fendas nas paredes de seu escritório ele
poderia vigiar não só os prisioneiros mas também os guardas que os vigiavam,
formando uma total hierarquia do controle visual.
l
A idéia original do panóptico veio do irmão mais novo de Jeremy Bentham,
Samuel Bentham, que no entanto pretendia usar este tipo de estrutura para construir
fábricas em forma de panóptico, presumindo que o empregado constantemente vigiado
seria mais eficiente. Prisioneiros, trabalhadores numa fábrica, soldados, alunos; quem
quer que seja interno do panóptico deve estar permanentemente visível. Não se tem
certeza se o termo panorama surgiu a partir de panóptico, mas sabe-se que o nome
original do invento de Barker era la nature à coup d’oeil e por volta de 1792, quando
Barker apresentou o novo nome, Bentham já estava divulgando sua idéia de panóptico
na imprensa há cinco anos. A questão, no entanto, não é tanto a de estabelecer as
influências, mas a de registrar a invenção, numa mesma época, de diferentes
dispositivos regidos por um mesmo princípio do controle através do olhar. Dispositivos
que posicionavam o sujeito num lugar central de forma que o espaço circundante se
oferecesse a ele em sua totalidade de uma só vez.
Um outro exemplo do desejo de totalidade moderno é a enciclopédia. Numa
carta comentada por OETTERMANN Alexander von Humboldt expressava seu desejo
de escrever um livro que englobasse todos os assuntos. Humboldt chegou a realizar
parte da idéia em seu livro de quatro volumes Cosmos: a sketch of a physical
description of the universe, publicado entre 1845 e 1862. Não é surpresa que panoramas
tenham sido recomendados no livro como úteis materiais ilustrativos. A descrição de
Humboldt nos remete ao espaço heterotópico moderno, identificado por Foucault: local
que é a marca do desejo da reunião de todos os lugares num só lugar (como exemplo de
espaços heterotópicos encontramos o jardim zoológico - onde estão reunidos animais de
vários locais diferentes - e a biblioteca, que reúne obras de épocas e lugares diversos). O
sonho moderno de totalidade é o responsável por espaços e projetos como os descritos.
li
A extraordinária passagem da palavra panorama de um termo técnico para um conceito
amplamente aplicado, é uma das melhores demonstrações de que a experiência
panorâmica não era limitada apenas à paisagem.
2.4 Arte e simulação
Em seu estudo sobre atenção, espetáculo e modernidade, Crary afirma que a
cultura do espetáculo não é essencialmente visual mas sim constituída de outras
temporalidades e estados cognitivos, como por exemplo o do transe. O autor estaca dois
tipos diferenciados de atenção: uma típica em dispositivos da indústria cultural e outra a
do sujeito diante da arte. Nos dispositivos de entretenimento a atenção deveria ser
sempre total e hipnótica - trata-se de eliminar todo extra-campo possível e tornar o
sujeito passivo. Na arte a condição de metáfora da obra garantiria sua distância da
realidade e a atenção reflexiva do observador.
Segundo a lógica da representação um quadro deve ser completado pelo
observador - já que a tela é percebida como um recorte da realidade, cabe ao espectador
imaginar a continuação da imagem exterior a esse recorte. O panorama, no entanto, não
obedece a esta lógica porque pretende simular um espaço no modo do entretenimento.
Para a produção de um panorama a primeira providência a ser tomada era a escolha do
ponto de vista por parte do panoramista. Esta escolha era fundamental porque o pintor
deveria reproduzir a paisagem fielmente, sem retirar ou acrescentar elementos por
razões estéticas - se o objetivo era fazer com que o observador se sentisse realmente no
lugar apresentado pela imagem (substituindo este lugar), o panorama deveria ser
exatamente igual a seu modelo. A pintura de um panorama era uma construção
minuciosa, na maioria das vezes envolvendo grandes equipes e diversas etapas de
lii
produção - do mini-panorama para corrigir as distorções da perspectiva circular aos
cuidados com objetos cenográficos para complementar a ambientação -, tudo em nome
da ilusão total. Quando se começou a perceber o panorama como um simulador, passou-
se a exigir deste dispositivo uma estrutura inteiramente voltada para a substituição total
de um lugar físico.
O panorama era encarado por alguns de seus críticos como um quadro
gigantesco, uma enorme obra de arte em vez de um dispositivo de entretenimento. De
acordo com este ponto de vista um de seus principais defeitos era exatamente a
imposição da ilusão por parte de sua estrutura. Este seria um movimento do espectador,
que ao observar a pintura deveria sentir-se convidado a completá-la com sua
imaginação.
Quando os critérios de julgamento, porém, eram os de um dispositivo de
entretenimento e se baseavam nas sensações do visitante, a ilusão era então bem vinda e
a crítica era inversa: a ilusão não seria completa o suficiente. Este tipo de crítica
demonstra a existência de uma outra tendência que já começava a perceber o panorama
como um simulador. Esta questão está presente num comentário feito em 1800 sobre o
Panorama de Rome Depuis le Mont Palatin, instalado em Berlim: nenhuma brisa vinha
refrescar as ruínas onde o visitante estava, o calor de Roma era imenso e ele resolveu
voltar rapidamente a Berlim.
Aqui está bem apresentada a ambigüidade do panorama: a partir do momento em
que não se inscreve mais em uma lógica clássica que demanda sua completude pelo
espectador através de um jogo imaginário, o dispositivo se vê obrigado a suprir uma
totalidade de estímulos de ordem tátil, visual, auditiva e olfativa. Por isso o panorama
liii
clássico, como foi patenteado por Barker, não cessou de aperfeiçoar seu dispositivo e
seus meios durante todo o século XIX.
Comment identifica, ainda no século XVIII, uma passagem do Homem de
Princípios para o Homem Sensível. A concepção clássica da beleza fundada em uma
série de regras teria sido contestada e deixada de lado em favor de uma concepção
fundada nos sentimentos e sensações do sujeito. Como exemplo das sensações do
espectador como critério de julgamento, Comment indica a intrusão imaginária no
espaço pictural de um quadro. Nesta situação a pintura era negada como detalhe e como
moldura e esta “entrada” no quadro era percebida como uma experiência. Para que o
observador entrasse no espaço pictural e se sentisse no meio da paisagem, seria
necessário limitar seu campo de visão de modo que ele não pudesse perceber as bordas
do quadro; o extra-campo era necessariamente excluído.
Este artifício teria os mesmos princípios do panorama - de possibilitar que o
observador se sentisse lá - porém com uma grande diferença: com esta técnica a
sensação de estar no espaço representado pela pintura se dá sem que o observador, em
nenhum momento, deixe de ter consciência de que se trata de um artifício que ele
mesmo aplica em busca de uma ilusão de presença, enquanto que no caso do panorama
o objetivo é, como já foi dito, o de apagar toda a consciência do visitante imerso e
alcançar uma ilusão total. Os promotores do panoramismo insistem neste ponto: todo o
elemento comparativo deve ser totalmente suprimido ou lembrará ao espectador a
natureza ilusória da representação e não permitirá, por conseqüência a “impressão de
estar realmente no lugar” prometida por Barker em sua patente. Os quadros, por maiores
que sejam, são contornados por uma moldura que desde o início avisa que se trata de
liv
uma obra de arte. O panorama, por seu dispositivo, vai produzir o lugar totalizado de
uma imagem sem exterior.
O panorama pode ser encarado como um dispositivo-modelo da modernidade, já
que reflete e compõe ao mesmo tempo o repertório de temas característicos deste
período. A concepção do espaço moderno é objeto de experiência no panorama:
experiência de um espaço de vigilância onde nada é inacessível ao olhar; de um espaço
pedagógico que ensina como perceber o mundo purificado e aperfeiçoado; de um
dispositivo de entretenimento total, de transe e de simulação.
lv
Capítulo 3: A camada digital
Duas das principais características da Comunicação Mediada por Computador
(CMC), reconhecidas por diversos autores, são sua forma interativa e seus elementos
multimídia. No interior da Teoria da Comunicação estas características apontam dois
problemas fundamentais: a relação entre o emissor e o receptor da informação e a
relação entre representação e a realidade representada.
Se o primeiro problema - a relação entre o emissor e o receptor - for analisado
no âmbito da arte, sua forma será a da relação entre o artista e o espectador da obra. É
importante lembrar que alguns dos ambientes virtuais imersivos foram escolhidos por,
sendo espaços de arte, ousarem nas tentativas de produção de novas linguagens e
estratégias de comunicação. Neste caso, o que o ambiente virtual imersivo faz é
radicalizar uma característica geral da CMC: a crise da distância entre os pólos produtor
e receptor. O espectador/usuário é responsável não só pelo sentido da obra como
também por sua configuração final, definida através da interatividade. Esta situação do
receptor como agente de uma transformação efetiva da materialidade da obra, o
transforma em seu co-autor.
O segundo problema da Teoria da Comunicação que é evidenciado no caso dos
ambientes virtuais imersivos é a relação entre representação e realidade. Se uma das
características mais reconhecidas da CMC é a pluralidade e heterogeneidade dos
elementos de mídia utilizados em suas peças, no caso dos ambientes virtuais esta
estrutura multimídia é muito mais efetiva; quando o indivíduo está imerso no ambiente,
totalmente cercado por imagens, sons e estímulos cinéticos, aquela passa a ser sua
experiência de mundo. O ambiente imersivo não funciona como uma representação, ele
lvi
é percebido como um ambiente dotado de uma realidade tão palpável (visível e audível)
quanto outros ambientes físicos. Os ambientes virtuais imersivos evidenciam deste
modo a crise na distância entre a representação e a realidade representada -
característica mais geral da CMC.
Neste capítulo apresentaremos um panorama da Comunicação Mediada por
Computador ressaltando três fatores fundamentais para o desenvolvimento dos
ambientes virtuais imersivos: a imagem digital, primeira condição de possibilidade de
intervenção do usuário na forma final do espaço; a interface gráfica, facilitadora da
manipulação direta das representações pelo usuário de modo intuitivo; e finalmente a
própria imagem imersiva que, ao circundar o usuário, permite a utilização de sua
inteligência corporal para experimentar o espaço oferecido. Em seguida apresentaremos
algumas experiências de ambientes virtuais imersivos ressaltando algumas de suas
características essencialmente contemporâneas que permitem repensar problemas da
Teoria da Comunicação.
3.1 A imagem digital
A imagem digital, por ser construída com base em modelos matemáticos - e por
não ser fixa em nenhum suporte material - pode ser modificada em tempo real. O
observador então passa a poder agir sobre o sistema e dele obter uma resposta imediata,
como acontece em seu cotidiano; assim o sujeito que antes era observador se torna
usuário, participante, ator; ele pode interagir. Com o alto grau de interatividade que a
imagem digital permite, o estatuto do homem frente à imagem muda radicalmente, não
só porque ele deixa de ser observador para se tornar participante como também porque
lvii
esta condição de participante o converte em co-autor da imagem, já que o resultado
apresentado é definido por sua intervenção.
Um receptor de informações nunca é passivo já que mesmo que não possa
interferir na estruturação da mensagem ele a decodifica e interpreta de modo sempre
singular, de acordo com sua própria “rede” de articulações. André Parente aponta a
questão da apreensão singular da informação num sistema linear. Diz ele:
“Ler é perigrinar em um espaço ou sistema imposto (análogo aos
espaços urbanos, aos supermercados). Análises recentes mostram que toda
leitura modifica seu objeto e que (como Borges já dizia) uma literatura
difere de outra menos pelo seu texto do que pela forma como é lida. Se
então um livro é um efeito, uma construção do leitor, devemos focalizar a
operação própria do leitor, que não toma o lugar do autor. O leitor lê no
texto algo que difere da intenção do autor. Ele desloca o texto de sua
origem, acessória ou perdida. Ele combina os fragmentos e os rearticula no
espaço que organiza suas capacidades de produção em uma pluralidade
indefinida de significações”. (PARENTE, A 1999; p.90).
O que se quer destacar aqui é que além dessa percepção interpretativa do sujeito,
em obras digitais há a possibilidade de que uma ação do usuário modifique o resultado
final. São “obras abertas”, não apenas porque admitem uma multiplicidade de
interpretações, mas sobretudo porque são fisicamente acolhedoras para a imersão
ativa de um explorador e materialmente interpenetradas nas outras obras da rede”.
(LÉVY, P. ,1999;147). Mesmo sem estar em rede a obra que tem como suporte o meio
lviii
digital possibilita a intervenção do usuário em sua forma final - diferente da ação
interpretativa do leitor ou espectador do cinema.
Há hoje dispositivos imersivos que descendem diretamente do panorama, como
é o caso do cinema 360 graus, que continuam sendo dispositivos modernos de imersão.
A imagem final que cerca o espectador é totalmente preparada pelo autor. No caso do
cinema imersivo, por exemplo, o autor monta linearmente fragmentos de imagem
construindo uma narrativa com um sentido determinado por ele. Ao espectador cabe
receber a imagem e interpretá-la; sua interpretação pessoal pode modificar o sentido da
narrativa mas não pode alterar a narrativa em sua forma.
Mesmo dispositivos imersivos digitais não precisam necessariamente permitir
interferências em sua forma final. A situação que nos interessa, no entanto, é
exatamente esta, já que pretendemos ressaltar a ação do usuário sobre o espaço (e assim
sobre si próprio) como característica contemporânea.
3.2 Interface Gráfica
Mesmo com um computador sem a ligação em rede o usuário pode lidar com
espaços "do outro lado da tela do monitor" através do qual ele pode se mover, graças à
interatividade que a imagem digital possibilita. Neste caso estar em frente a um monitor
não significa que a experiência do usuário será igual àquela proporcionada pela
televisão, já que ele participa efetivamente da estruturação da imagem e obtém respostas
imediatas do sistema, percorrendo o ambiente digital.
O termo ambiente digital é apresentado por Janet Murray quando ela trata do
espaço existente "dentro" do computador. De acordo com a autora os ambientes digitais
possuem quatro propriedades essenciais. As duas primeiras dão conta da interatividade:
lix
ambientes digitais são interativos porque funcionam através de procedimentos (ou seja,
o computador tem a habilidade de executar uma série de regras e reconhecer palavras-
chave) e são participativos.
As duas últimas propriedades se referem ao caráter espacial e enciclopédico dos
ambientes digitais. Mídias lineares como livros e filmes podem apresentar um espaço,
seja através de descrição verbal ou de imagem, mas o que Murray destaca é que
somente ambientes digitais podem apresentar um espaço através do qual podemos nos
mover. A qualidade espacial é independente da capacidade do computador de
disponibilizar mapas, fotos ou modelos tridimensionais, e também é independente de
sua função comunicativa de ligar lugares distantes geograficamente. É o processo
interativo de navegação que confere ao computador esta qualidade espacial: segundo
Murray sabemos que estamos em um lugar específico porque quando entramos com
comandos a tela muda de modo apropriado (à nossa ação corresponde uma reação). A
propriedade espacial dos ambientes digitais aumenta portanto a imersividade por tornar
esses espaços exploráveis como o mundo físico.
Quando a interface - ou seja, aquilo que media a interação entre o mundo físico e
o universo da informação digital - estava em seu estágio inicial, com computadores sem
monitor sendo alimentados por cartões perfurados (ou mesmo quando já havia tela e
teclado, mas apresentando somente linhas de programação), então era praticamente
impossível pensar numa qualidade espacial da imagem digital. A percepção dessa
característica só se tornou possível depois do surgimento da interface gráfica.
Em 1968 foi apresentado ao público por Doug Engelbart este novo tipo de
interface que pretendia transformar toda a informação digital em linguagem visual.
Atualmente o padrão de interface utiliza a linguagem visual, e nesses mais de trinta anos
lx
desde sua invenção a idéia do espaço de informação foi se tornando cada vez mais
presente. Os componentes mais importantes apresentados por Engelbart que formariam
o espaço de informação são o mapa de bits (bitmap), o princípio da manipulação direta
e o mouse.
A imagem de um mapa de bits já dá uma dimensão espacial à tela, que passa a
poder ser percebida como um território. Para que o usuário pudesse se relacionar com o
novo espaço, a impressão de estar ele mesmo manipulando os elementos era
fundamental. Com a interface gráfica em vez de digitar comandos o usuário pode
simplesmente apontar algo ou arrastar um elemento para outro ponto da tela, ou seja,
em vez de dar ordens ao computador relativas à realização de determinada tarefa - como
por exemplo "jogue fora o arquivo A" - o usuário parece estar ele mesmo cumprindo a
tarefa ao arrastar um arquivo para a lata de lixo. E arrastar com o mouse, que é na
verdade o representante do usuário nesse espaço de informação: como cada movimento
feito com o mouse é reproduzido na tela a impressão que se tem é de que não há
separação entre o movimento físico e a imagem. O mouse permitiu que o usuário
entrasse naquele mundo e manipulasse seus elementos, funcionando como uma espécie
de mão remota.
Depois da introdução da interface gráfica tarefas complexas que envolviam a
memorização de uma série de comandos foram substituídas por tarefas simples de
percepção visual de ícones familiares, tornando a manipulação da informação quase
intuitiva. Como veremos mais adiante, essa re-representação da informação num modo
gráfico permite a percepção de estruturas e relações entre os elementos que não são de
modo algum evidentes quando a informação é representada no modo texto.
lxi
A idéia de um espaço de informação surgida com a interface gráfica se
fortaleceu com o desenvolvimento da metáfora do desktop, que forneceu profundidade a
esse espaço. Se a tela fosse vista como uma mesa e cada projeto como um papel em
cima desta mesa, então o arquivo com o qual o usuário estivesse trabalhando seria o
papel no topo da pilha. Toda a idéia de imaginar o computador como um ambiente, um
mundo virtual, veio a partir desta inovação aparentemente modesta, mas que revelou
pela primeira vez a profundidade possível neste espaço. Hoje outros tipos de interfaces
gráficas são desenvolvidos, apresentando ambientes digitais tridimensionais como salas
de estar, shoppings e praças.
3.3 A imagem circundante
O pesquisador da NASA Scott Fisher, usa o termo "ambiente virtual" (virtual
environment) para destacar a imersão do participante no espaço que utiliza a imagem
digital: para qualquer lado que olhe o usuário verá este ambiente; qualquer movimento
que faça terá resposta neste ambiente; qualquer som que ouça virá deste ambiente. Sua
interface na maior parte das vezes é feita com a ajuda de capacetes de visualização ou
grandes telas, óculos 3D, luvas de dados e outros aparatos que permitem que o
participante interfira no espaço digital e se sinta cercado por ele.
" O efeito da imersão sensorial, mesmo nos protótipos mais básicos de interface
imersiva, levou muitos que a experimentaram a se referirem à experiência como uma
espécie de " realidade virtual". Preferimos usar o termo "ambiente virtual" para destacar
sua capacidade de envolver completamente um sujeito num espaço simulado com sua
realidade correspondente." (FISHER, "Virtual Interface Environments" In: LAUREL,
1990 p.425).
lxii
A imagem que circunda o usuário é um dos principais fatores de sua sensação de
presença no ambiente virtual não só porque não permite interferências visuais estranhas
ao espaço apresentado como também porque responde aos movimentos habituais do
indivíduo - permitindo que ele use de modo imediato e intuitivo a mesma inteligência
corporal cotidiana do espaço físico no espaço digital.
Num estudo sobre a quantificação da imersão na realidade virtual apresentado
por pesquisadores da Universidade de Virginia, foi feita uma comparação entre a
sensação de imersão com uma interface de monitor fixo - semelhante as apresentadas
até agora - e com uma interface que utiliza capacete de visualização. No artigo os
pesquisadores afirmam que usuários de realidade virtual (a interface com capacete)
desempenham certas tarefas melhor que usuários de dispositivos tradicionais por
construírem modelos mentais espaciais como referência. Esta idéia de um espaço de
informação já existe há tempos - no século seis AC o poeta Simonides construía o que
se chamava de memory palaces, que eram na verdade histórias transformadas em
arquitetura, conceitos abstratos transformados em casas imaginárias. Partindo do
princípio de que a memória visual é muito mais durável que a memória textual, esta
técnica tinha como objetivo fazer com que o indivíduo lembrasse mais facilmente das
informações ao dispô-las em ambientes. A pesquisa sobre quantificação da imersão na
realidade virtual desenvolvida pelos pesquisadores tinha como objetivo exatamente
descobrir em que nível o fato de se sentir imerso - definido como a sensação de “estar
lá” - influi na percepção humana.
Durante o experimento os pesquisadores pediram aos voluntários, metade
usando um monitor fixo e metade usando um capacete de visualização (Virtual
Research Flight Helmet), para encontrar um alvo no meio de cenas altamente
lxiii
camufladas. Em cada repetição havia 50% de chances de o alvo estar presente, e o
objetivo dos voluntários era ou encontrar o alvo rapidamente e comunicar aos
pesquisadores ou afirmar rapidamente que o alvo não estava presente na cena.
No experimento em questão os alvos e camuflagem eram letras: numa das
repetições, por exemplo, o usuário deveria achar um Y em meio a uma camuflagem
composta pelas letras AKMNVWXZ, que cobriam as paredes, teto e chão de uma sala
virtual de 4 metros quadrados.
Figura 14: sala de letras e usuário do primeiro grupo
Os dois grupos de voluntários usavam capacetes de visualização, precaução
tomada para que a imagem observada tivesse a mesma definição. No primeiro grupo, no
entanto, a imagem apresentada não era modificada de acordo com os movimentos da
cabeça do usuário. Para controlar a imagem ele deveria comandar um controle manual,
lxiv
como um joystic, e permanecer com a cabeça parada. Este primeiro grupo, portanto,
deveria agir como se estivesse diante de um monitor fixo. No caso do segundo grupo o
controle da imagem visualizada se dava através dos movimentos da cabeça.
Em cada uma das dez repetições do teste havia 170 letras nas paredes, teto e
chão da sala virtual. Quando havia um alvo na cena, os dois grupos levavam mais ou
menos o mesmo tempo para descobri-lo (os voluntários do segundo grupo percebiam
mais rápido, mas a diferença de tempo não era significativa). Porém, quando o alvo não
estava presente na cena, o grupo usuário do aparato completo de realidade virtual se
manifestava em quase metade do tempo que levava o grupo com o monitor fixo.
A conclusão a que a pesquisa chegou foi a de que um controle da imagem
através de movimentos semelhantes aos cotidianos (correspondência entre o
posicionamento da cabeça e a visão que se tem do lugar) aumenta a imersão do usuário
- ou sua percepção de “estar lá” - e que é exatamente por causa disso que os voluntários
que interagiam naturalmente com o ambiente percebiam rapidamente quando não havia
alvo na cena: “estando lá” podiam se lembrar para onde já tinham olhado e quais os
lugares que faltavam, descartando a necessidade procurar mais de uma vez no mesmo
lugar como faziam os usuários dos monitores fixos, que não moviam a cabeça. Os
pesquisadores acreditam que esta seja a primeira demonstração formal de que a
realidade virtual pode proporcionar uma performance melhor por parte do usuário do
que a apresentação de imagens através de uma interface tradicional.
Mais uma vez a re-representação da informação, agora de forma imersiva,
permite a percepção de relações entre elementos componentes do espaço que não são
percebidas com tanta facilidade quando a informação é representada no modo, por
exemplo, de uma interface gráfica não-imersiva. A questão aqui não é imitar melhor a
lxv
realidade, mas sim aproveitar no espaço digital uma inteligência sensorial que já
funciona cotidianamente no espaço físico que nos envolve.
3.4 Ambientes virtuais imersivos
Podemos perceber nos ambientes virtuais algumas características que os definem
como dispositivos contemporâneos. O destaque dado ao papel do espectador (agora
espectador/usuário/interventor) como principal responsável pela produção de sentido e a
percepção desses espaços como construção - e não representação ou simulação -
equivalente às construções do espaço físico, fazem dos ambientes virtuais imersivos
objetos-teste da contemporaneidade.
A novidade trazida pelo aparecimento do suporte digital em geral é a capacidade
do espectador/usuário de interferir em sua forma de modo tão intenso a ponto de ser o
responsável por seu sentido através da definição de uma configuração final deste
mesmo espaço. Ao tratar de algumas características da obra digital, Arlindo
MACHADO afirma que esta já não é mais a marca de um sujeito (o autor, que fecha e
dá sentido à obra) visto que o sujeito que a realiza é um outro: o leitor-usuário. O
espaço digital se configuraria então como um campo de possíveis, onde o sujeito-
enunciador fornece elementos e o sujeito-atualizador realiza parte de suas
possibilidades. Assim, o usuário pode ser encarado como co-autor de uma obra digital
por contribuir efetivamente para sua formação. Não há neste caso um sentido que é
preexistente à apreensão do usuário; a própria experiência constrói o sentido.
O suporte digital é usado muitas vezes para fazer com que um usuário escolha
entre duas ou três alternativas que o levarão a dez possibilidades de final, parodiando os
livros-jogos impressos e outras formas analógicas com múltiplos desfechos. Este tipo de
lxvi
interatividade, embora popularize uma narrativa mais fragmentada, não é suficiente para
modificar o lugar do usuário como produtor de significado. Já no caso de um ambiente
virtual que permita maior grau de interferência, por exemplo, um sujeito-interventor
passa a existir; ele é aquele que, imerso, remodela através de sua ação um espaço inicial
proposto construindo um sentido muitas vezes não esperado pelo autor. Esse sujeito
imerso num ambiente virtual é chamado por Bill SEAMAN de vuser (viewer/user),
mistura de espectador das imagens com usuário que as modifica.
O que pretendemos apontar aqui é a existência de espaços digitais que permitem
diferentes níveis de intervenção - níveis que determinam também a “qualidade” da
intervenção e que criam, em seus extremos, seus tipos particulares de usuário: o que
atualiza parte das possibilidades oferecidas e o que efetivamente constrói e reconfigura
o espaço digital.
Existem vários tipos de ambiente virtual imersivo, como o sistema da CAVE
(uma sala com grandes imagens projetadas e geralmente o uso de óculos 3D), o
simulador (de veículo, geralmente, utilizado para treino), sistema de espelho (onde o
vuser vê sua imagem digitalizada no meio de um ambiente) e sistemas de realidade
virtual tradicional (onde se usa capacetes com visores estereoscópicos, datagloves,
sistema de feedback force, etc) são alguns deles.
A imagem apresentada pode ser inteiramente digital, pode ser formada por
vários elementos digitalizados trazidos da mídia tradicional, pode reproduzir o mundo
físico ou ser abstrata, ter um grau alto ou baixo de interatividade, ter sua configuração
final determinada por um número reduzido ou amplo de possibilidades, pode ter como
finalidade o treinamento ou a experiência artística, enfim, um ambiente virtual pode se
lxvii
apresentar de diversas formas e a relação de sua imagem com o mundo físico pode se
dar de várias maneiras.
Uma nova linguagem tem sido desenvolvida na construção e exploração de
alguns tipos de ambientes virtuais, abarcando o uso de elementos de mídia e modelos de
interação preexistentes que, recontextualizados no ambiente virtual, têm sua função
totalmente alterada. Para entender a criação desta nova linguagem é necessário encarar
o ambiente virtual como lugar de invenção de novas modalidades cognitivas. Mesmo
construído a partir de referências prévias, o ambiente virtual não deve ser percebido
como tentativa de reduplicação do mundo físico. No caso de um ambiente que utilize a
mídia tradicional como base para a sua construção, seus elementos - como o vídeo, o
filme digitalizado, texto escrito, som ambiente - serão fragmentos componentes de um
espaço imersivo que será percebido como um todo. A função original destes elementos
será totalmente modificada pelo contexto digital, que também redefinirá os modelos de
interação anteriores ao ambiente virtual.
Quando WEISSBERG (1999) descreve o projeto DIVE (Distributed Interactive
Virtual Environment), comenta que seu modelo de interação utiliza a proximidade no
espaço, a posição e a orientação como mecanismos de tratamento de informação
porque os responsáveis pelo projeto acreditam que um sistema que corresponde às
metáforas naturais do mundo físico será utilizado com maior facilidade. Mais uma vez,
não se trata da tentativa de restituição e reduplicação de um espaço físico, mas de
criação de uma nova linguagem e de um novo espaço que aproveitem nossas referências
e facilidaes corporais e sensoriais para aumentar a sensação de presença no espaço
digital.
lxviii
3.5 Experiências
Apresentaremos agora sete ambientes virtuais imersivos para apontar suas
características fundamentais que servirão de base para nossa proposta de classificação
no próximo capítulo. Estes ambientes foram escolhidos em primeiro lugar por sua
variedade: alguns têm uma proposta artística enquanto a de outros é comercial, de
pesquisa científica ou de entretenimento; apresentam imagens digitalizadas de vídeo ou
fotografia e imagens geradas por computador; a imersão se dá através de um cerco de
telas ou da imagem próxima dos olhos; fazem referência ao espaço cotidiano ou
apresentam um outro espaço; são conectados ou não. A oportunidade que tive de
experimentar a maior parte desses ambientes é a outra razão para sua escolha.
Os ambientes virtuais imersivos que servirão de material para nossa análise são
o simulador de vôo da Varig, ambientes em CAVEs, a obra The World Generator/The
Engine of Desire, o projeto Tele-immersion, o Panoscope 360°, Osmose e o projeto
Visorama.
3.5.1 Simulador de vôo
Simuladores de vôo são cópias de cabines de comando, com todos os controles,
nas quais a janela é substituída por uma grande tela onde é exibida a imagem gerada por
computador que responde aos comandos do usuário. Costumam ser usados para
treinamento, embora existam versões mais simples voltadas para entretenimento. A
cabine fica sobre um sistema de suspensão que simula situações de decolagem, vôo e
aterrissagem e reage também ao programa da viagem, que pode incluir turbulência,
ventos, tempestades e outras surpresas.
lxix
Figura 15: simulador de vôo
O simulador de vôo do Centro de Treinamento de Vôo da Varig no Rio de
Janeiro (VFTC - Varig Flight Training Center) é aberto ao público como opção de
entretenimento através do programa Piloto Por Um Dia, no qual uma pessoa sem
experiência prévia de vôo pode comandar o simulador durante uma hora. O principal
atrativo propagandeado são as 350 situações de risco que podem ocorrer isoladas ou
combinadas, transformando o simulador em uma espécie de super videogame.
Paulo VAZ (1999 e 1997) aponta a mudança de uma sociedade disciplinar
regida pela norma a uma sociedade de controle na qual o poder se manifesta através dos
meios de comunicação que alertam os indivíduos dos os riscos que eles correm. De
acordo com Vaz, numa sociedade de indivíduos fragilizados tudo aquilo que dá prazer
implica simultaneamente em riscos, seja de envelhecimento, morte prematura ou
lxx
dependência. Sempre se está sob a ameaça de várias doenças, e o indivíduo tem
consciência disso graças à informação dada pelos meios de comunicação. Ele deve
então explorar seu corpo ao máximo em sua capacidade de provocar sensações, mas ao
mesmo tempo deve ter cuidado para evitar possíveis riscos em suas práticas de prazer.
O indivíduo não precisa mais ser vigiado; agora ele é informado pelos meios de
comunicação sobre aquilo que deve e que não deve fazer, para seu próprio bem. Caso
não se comporte como deve as conseqüências futuras serão terríveis: é desse modo, pela
antecipação de um futuro catastrófico, que o indivíduo define seu presente. Mas como
buscar sensações vigorosas e experiências emocionantes se está proibido (por sua
consciência informada) de se arriscar?
Os simuladores de vôo desempenham um papel duplo: em sua versão de
entretenimento vende emoções fortes sem risco; na forma de treinamento antecipa
vários futuros catastróficos e prepara o piloto para evitar esses futuros.
A própria simulação é uma forma contemporânea de aprendizado e
conhecimento, desenvolvida de modo a explorar melhor as capacidades humanas: afinal
a experimentação pessoal tem mais impacto que o textos, por exemplo. Essa
possibilidade de manipulação da representação é uma característica marcante do meio
digital basta pensar na diferença entre um moving panorama no qual um observador
se encontra e um simulador de vôo que um usuário pilota.
3.5.2 CAVE
Uma CAVE (Cave Automatic Virtual Environment) é um cubo - ou grande parte
dele - onde as paredes são telas de projeção. As imagens projetadas cercam o visitante
lxxi
formando um ambiente digital em três dimensões. Usando óculos 3D o visitante não
percebe a existência das telas e vê somente o ambiente gerado que o cerca.
Figura 16: CAVE
Duas imagens de uma cena tridimensional são geradas, uma para cada olho, e
enviadas a um projetor que as projeta alternadamente a partir da parte de trás das telas.
Óculos estereoscópicos permitem que o usuário perceba uma imagem em três
dimensões a partir destas duas imagens. Estes óculos são conectados a um sistema de
localização e registram a posição do usuário e sua orientação no espaço, informações
lxxii
que são enviadas a um computador que gera a imagem projetada e recalcula esta
imagem baseado cada movimento do usuário.
As CAVEs têm espaço suficiente para abrigar mais de um visitante porém
apenas um dos óculos possui sensores de posicionamento, ou seja, a imagem responde a
apenas uma pessoa. O visitante pode caminhar pelo espaço tridimensional - inclusive
explorando espaços atrás de objetos - ou usar um controle manual para percorrer o
ambiente - e nesse caso é como se estivesse sobre uma plataforma móvel que deslizasse
pelo espaço. A sensação de presença no lugar apresentado é bastante acentuada pelo
movimento, que pode ser extremamente veloz. Alguns espaços com projeção no chão e
no teto do cubo ainda permitem a experiência da queda ou do vôo, funcionando como
uma espécie de laboratório de sensações físicas não usuais.
Os ambientes visitados - nas CAVES da École polytechnique de Montréal e do
Laboratoire de psychophysique et perception visuelle da
Universidade de Montreal - foram um simulador de shopping de dois
andares com imagem fotográfica digitalizada para o estudo de comportamento de idosos
em escadas rolantes; um ambiente lúdico formado por um desenho infantil; uma
catedral semi transparente de vários andares e um espaço de jogo de gosto altamente
duvidoso.
A função da CAVE como simulador tem o mesmo princípio do simulador de
vôo: preparar o usuário para lidar com situações incomuns - assustadoras ou perigosas
na maior parte das vezes. A simulação pode ser usada também para fazer com que o
usuário acostume-se a determinadas situações com as quais não consegue lidar
cotidianamente, como por exemplo reviver com segurança experiências traumáticas.
lxxiii
Uma outra função da CAVE é a educativa. Na tentativa de reviver um passado
histórico, por exemplo, a experiência do espaço pode ser bem mais interessante que o
estudo de textos e fotografias.
A função de dar forma a uma fantasia é uma das mais interessantes na CAVE.
Ambientes lúdicos e de jogos podem ser excelentes oportunidades de explorar o espaço
de diferentes modos, em velocidades variadas, com sensações físicas intensas como a
da queda ou a do vôo.
Independente da função do ambiente - de simulação, educação, jogo,
entretenimento - o que mais chama a atenção numa CAVE é a qualidade multisensorial
do espaço apresentado, principalmente a visão tridimensional estereoscópica, que
contribui intensamente para localizar o usuário no espaço apresentado, e a possibilidade
de movimentação vigorosa no espaço desencadeando reações físicas incomuns.
3.5.3 The World Generator/The Engine of Desire
O projeto de Bill Seaman é o de um ambiente orientado para a construção. Sua
preocupação é com a co-autoria do usuário - através da combinação e recombinação de
elementos disponibilizados no ambiente - gerando significado através da interatividade.
Seaman chama seu participante de vuser (viwer/user), uma mistura de espectador e
usuário que se assemelha muito mais à figura do autor, construtor e visitante de seu
próprio espaço.
lxxiv
Figura 17: The World Generator/The Engine of Desire
Seaman disponibiliza uma série de elementos - loop de vídeo e outras imagens
digitalizadas, objetos 3D gerados por computador, sons, textos e vários aplicativos
executáveis de movimento, cor, tamanho e outros - que podem ser combinados. A
interfaace do ambiente virtual The World Generator/The Engine of Desire oferece ao
vuser uma mesa de controle que permite a geração e exploração do espaço em tempo
real. O vídeo digitalizado funciona como objeto que pode ser manipulado.
Quando um objeto-vídeo é selecionado - cercado por uma esfera que Seaman
chama de Aura - fica disponível para modificações que o vuser coordena a partir da
mesa de controle: podem ser alteradas sua transparência, escala e proporção. A seguir o
vuser pode aplicar comportamentos no objeto-vídeo, que pode levitar, girar em qualquer
lxxv
um dos três eixos, mover-se em espiral, etc. O elemento vídeo pode ser também
aplicado como textura num objeto 3D, ao qual pode-se adicionar som, cor e outras
variáveis. A justaposição de múltiplos objetos no espaço permite um grande número de
configurações estéticas e um mesmo elemento inicial pode tomar as mais variadas
configurações finais.
O conceito de Poética Recombinante (Recombinant Poetics) que Seaman
apresenta diz respeito à manipulação de elementos de mídia com o objetivo de gerar
significado através da interatividade; o sentido do espaço será definido pela ação do
sujeito imerso - não por sua percepção e interpretação de um objeto preexistente. Há
obras de arte que só acontecem a partir da ação de um participante; obras cuja essência
consiste na manipulação de um objeto (o parangolé de Hélio Oiticica; o Bicho de Lígia
Clark) ou instalações que só são obras quando um participante percorre aquele espaço.
Um ambiente digital como este radicaliza essa situação, já que não há um objeto pronto
e a ação do sujeito imerso é condição de possibilidade não somente do "acontecimento"
da experiência artística como também da existência formal do espaço.
Em The World Generator/The Engine of Desire, o campo de possibilidades
oferecido pelo autor determina a capacidade de interatividade do vuser. Isso diz respeito
não só à quantidade de elementos como principalmente ao poder de transformação
desses mesmos elementos, potencializando-os. Se um único elemento pode ser
transformado das mais diversas maneiras e ligado a outros elementos de várias formas
diferentes, sua potência de transformação será muito grande. Uma imagem pode ser de
grande à pequena (incluindo todos os tamanhos intermediários), de lenta a muito veloz,
de translúcida à opaca, pode ser distorcida de vários modos, pode se mover no espaço,
lxxvi
ter suas cores alteradas, ser misturada a outras imagens, ser acompanhada por música ou
vozes; enfim, sua potência de transformação é bastante significativa.
A característica que mais se destaca nesse tipo de ambiente é o estímulo à ação
do sujeito como condição de possibilidade da produção de sentido no espaço e mesmo
produção do próprio espaço.
3.5.4 Tele-immersion
O projeto Tele-immersion (National Tele-immersion Initiative - NTII) é um
ambiente imersivo conectado que tem como base a situação de videoconferência. A
diferença é sua imagem, digitalizada e reconstruída em tempo real. Luvas e sensores
permitem que neste espaço compartilhado o mesmo objeto digital seja manipulado ao
mesmo tempo por dois participantes distantes fisicamente.
Figura 18: sala de tele-imersão
lxxvii
O ambiente reconhece a presença e o movimento tanto dos participantes quanto
de objetos, captura estas imagens e as reconstrói em outros ambientes tele-imersivos,
permitindo que os participantes tenham acesso a modelos de objetos que tem como
referência uma imagem de vídeo. Participam do projeto várias universidades americanas
e a empresa Advanced Network & Services, que tem como cientista chefe Jaron Lanier,
introdutor e um dos principais pesquisadores da Realidade Virtual.
O projeto de Estações Virtuais de Trabalho - VIEW, patrocinado pela NASA
nos anos 80, já é uma tentativa de criar espaços compartilhados. Essas estações são
ambientes onde o usuário interage com painéis de controle apresentados na forma de
imagem digital. Ele pode chamar - literalmente - as janelas de informação, usar a luva
de dados para arrastá-las e depois fixá-las no espaço virtual, e então pode comandar os
painéis de controle como se fossem painéis físicos. A intenção do projeto era criar uma
alternativa mais eficiente em relação a sistemas baseados em hardwere, porque o espaço
de trabalho é genérico: a interface pode ser ajustada para uma tarefa ou treinamento
específico de um usuário, e a qualquer momento pode ser reconfigurada para outra
tarefa. Numa segunda etapa dois protótipos seriam conectados a um ambiente virtual
comum; assim, dois participantes poderiam interagir num ambiente compartilhado.
O projeto de tele-imersão se diferencia dos sistemas mais antigos em dois pontos
principais: o foco do projeto é a comunicação entre os participantes (um dos exemplos
de uso das salas de tele-imersão dados por Jaron Lanier é a reunião de uma família
cujos membros se encontrem geograficamente distantes) e a intenção dos pesquisadores
é usar novas versões da Internet para conectar as salas, multiplicando-as e tornando-as
mais baratas.
lxxviii
Gilbertto PRADO aponta três tipos de telepresença na Internet: o intercâmbio
sincrônico de informação; a ação remota em distintos espaços físicos; e a observação
direta à espaços físicos remotos. Além da presença pela Internet, a situação de
videoconferência é uma das mais conhecidas em telepresença. A particularidade das
salas de tele-imersão é ressaltar sua função de espaço compartilhado. Ao perguntar-se
onde ocorre uma conversa telefônica, SERRES (1990) aponta o espaço virtual como o
espaço compartilhado pelos indivíduos. Nas salas de tele-imersão esse espaço ganha
espessura com a estrutura de um lugar único e a possibilidade de manipulação de um
objeto digital compartilhado.
Num ambiente como esse a presença do participante no espaço construído
merece destaque. A telepresença passa a ser apenas mais uma das muitas formas
possíveis de presença porque neste espaço onde participantes se encontram e
compartilham objetos não existe mais a necessidade de diferenciar a informação do
mundo físico.
3.5.5 Panoscope 360°
O protótipo do Panoscope 360°, desenvolvido por Luc Courchesne em 1999, é o
de uma bolha de imagem que envolve o visitante. No protótipo anterior um disco de
imagem cercava somente a cabeça do visitante, mas no último a tela o envolve por
completo. O formato é o da metade de baixo de uma esfera formada por uma tela na
qual são projetadas imagens de vídeo em forma de disco captadas por uma câmera
adaptada. A distorção da imagem no momento da captura é compensada pelo formato
lxxix
esférico da tela de projeção e a imagem que se vê é a de um espaço físico que cerca o
visitante.
Figura 19: Panoscope 360°
Em seus trabalhos anteriores onde utilizava grandes telas Luc Courchesne já
demonstrava sua preocupação em dar aos participantes a impressão de estar em um
ambiente. Em uma obra imersiva - que ele define como arte experiencial - o público é
visitante do espaço. O autor afirma que há um limiar onde a imagem se torna
experiência de espaço, e que este limiar vai depender da quantidade de imagem
lxxx
oferecida aos olhos: quando tudo o que o visitante pode perceber é imagem, ela se torna
seu ambiente de experimentação. O Panoscope surgiu em 1999 quando após vários
testes Courchesne decidiu fundir as quatro telas que habitualmente cercavam o
espectador em uma única superfície em forma de disco.
O dispositivo do Panoscope é composto por um sistema de gravação de vídeo
com um disco reflexivo na frente da câmera apontada para o alto - o que permite a
gravação de uma imagem distorcida em 360° de seu entorno - um software para a
manipulação da imagem e a tela circular de apresentação. Este dispositivo permite um
amplo repertório de "obras panoscópicas": o primeiro espaço apresentado se chamava
Space by Number (2000) e usava a voz como input - o visitante indicava para onde
queria ir falando em voz alta os números que apareciam em pontos de decisão.
O princípio do primeiro espaço interativo lembra bastante o projeto Aspen
Movie Map - projeto desenvolvido pelo MIT Architeture Machine Group, no final da
década de 70 - diferenciando-se dele a princípio pelos custos incrivelmente mais baixos.
No projeto do MIT imagens cinematográficas da cidade de Aspen (nas quatro estações),
foram tomadas de cima de automóveis - filmando cada rua e cada esquina da cidade -
de helicópteros, aviões e gruas, além de imagens do interior de edifícios. Este mapa
cinematográfico, após ser digitalizado, oferecia ao participante a possibilidade de, ao se
posicionar em frente a uma tela sensível ao toque, dirigir pela cidade fazendo seu
próprio caminho. Em outra configuração - bem mais imersiva - o participante ficava
cercado por telas; cada imagem apresentada correspondendo à posição real da tomada.
Assim, quando o usuário olhava para a esquerda, via a imagem da calçada e casas do
lxxxi
lado esquerdo da rua. O Aspen Movie Map pode ser considerado um mapa ideal
cobrindo o território numa escala de 1:1.
O segundo tipo de utilização do Panoscope é como receptor de imagens
capturadas em tempo real - com a câmera instalada numa praça, por exemplo - numa
experiência de telepresença.
Há ainda a intenção, mais interessante para o nosso estudo, de usar o Panoscope
como uma sala a mais no espaço físico. A sede da Sociedade das Artes Tecnológicas
(SAT) de Montreal, da qual Courchesne é presidente, abriga diversos grupos de estudo,
trabalho, artistas residentes, festas e exposições. O Panoscope seria usado como uma
sala de exposição a mais, por exemplo, ou como duas salas, ou três - ou quantas forem
necessárias - servindo como complemento da sede. Uma espécie de anexo com
dimensões flexíveis.
O espaço digital apresentado por um monitor fixo regular de computador já se
presta a essa ampliação de espaço disponível - o exemplo mais óbvio é o de várias salas
de arquivos condensadas num único computador - mas costumamos pensar nele como
uma espécie de estoque; um pequeno baú sem fundo. No caso de um ambiente imersivo
a característica de espaço complementar (tão válido quanto espacos tradicionais) é
destacada e posta em primeiro plano.
3.5.6 Osmose
Osmose e Éphémère são dois conhecidos ambientes virtuais desenvolvidos pela
artista canadense Char Davies; como Éphémère é uma variação de Osmose vamos nos
ater ao primeiro ambiente. A aparência do dispositivo é o de um aparato de Realidade
Virtual comum, com o capacete que une visor e sensor (HMD - head-mounted display),
lxxxii
mas seu controle é feito por meio de um colete com sensores que captam a inclinação
do corpo e a respiração do visitante - chamado pela artista de imersante. As imagens são
geradas em tempo real a partir do movimento do visitante e formam um mundo
composto por espaços de texto, floresta, mundos subterrâneos e outros mais ou menos
abstratos. O primeiro lugar onde o imersante chega é um espaço cartesiano formado por
um quadriculado em três dimensões. Os outros espaços, mais orgânicos, lembram um
sonho, florestas, abismos.
Figura 20: Osmose
O imersante pode se deslocar para frente e para trás inclinando seu corpo, pode
se deslocar para cima mantendo seu pulmão cheio e para baixo soltando toda a
respiração. A própria autora compara este tipo de controle à experiência do mergulho. O
ambiente apresentado é lúdico, os sons são tranquilizadores e o controle pela respiração,
lxxxiii
após algum tempo, faz com que o imersante sinta sua presença física no espaço
apresentado - a sensação de estar corporalmente no lugar é muito forte já que é a ação
do corpo do visitante, e não somente de sua mão controlando um joystick, que vai
permitir a exploração do ambiente. Davies sugere que o controle pela respiração
resultaria em "atenção aumentada e expansão perceptual".
Oliver GRAU (2003), em sua análise de Osmose, afirma que o inconsciente do
visitante se conecta ao espaço virtual de um modo bem mais intenso do que quando se
usa um joystick ou um mouse porque sua interface técnica utiliza processos físicos
intuitivos. A interface seria assim naturalizada e passaria quase despercebida durante a
imersão.
A sensação de presença em Osmose é reforçada pelo som localizado. O visitante
chega a ser guiado pelo som, que aumenta quando ele se desloca para o lado de onde o
som veio. Se a música ou ruído específico do lugar são decisivos para aumentar a
imersão do visitante, o som localizado contribui ainda mais quando reforça a imagem,
tanto a do grande ambiente quanto a do pequeno evento que acontece ao seu lado. A
arquitetura sonora de Osmose tem como base o espaço apresentado na floresta, por
exemplo, ouve-se sapos e pássaros.
Grau afirma que o fato da interface de Osmose ser multisensorial imagens
envolvendo o visitante; som ambiente e sons localizados; controles de movimento
solicitando o corpo permanentemente faz com que ele se distancie da experiência
artística (distante e reservada) e mergulhe na experiência da imagem. Quanto mais
intensamente o participante estiver envolvido solicitado fisicamente e
emocionalmente - em um ambiente imersivo, menos capacidade de reflexão ele terá.
lxxxiv
Uma distância da obra permitiria ao espectador entender sua organização,
estrutura e função além de privilegiar uma apreciação crítica que inclui a busca por
hipóteses, identificações, recordações e associações. Esta distância, numa obra
tradicional, é evidenciada por uma moldura, por exemplo, ou por outra interface visível
que serviria como indicação de extra-campo. No caso do ambiente imersivo haveria
uma integração quase automática da obra, que em vez de ser encarada como construção
seria percebida como experiência pessoal.
Tanto por causa de sua interface corporal naturalizada quanto pela solicitação
intensa de todos os sentidos do visitante, a situação de imersão em Osmose (que Grau
descreve como um casulo de imagens) mas também nos ambientes virtuais imersivos
em geral imporia profundas limitações na habilidade de distanciamento crítico. Grau
afirma que a dissolução da interface é uma questão política.
Grau não leva em conta dois pontos importantes em sua crítica. O primeiro é que
em Osmose a interface não é inteiramente naturalizada; assim como na experiência do
mergulho a respiração forçada depois de algum tempo faz com que o imersante sinta
seu corpo presente no espaço de forma muito mais intensa do que a cotidiana.
A segunda é que a experiência pessoal de um ambiente lúdico, mesmo que na
forma do transe ou do sonho, não elimina a possibilidade de reflexão posterior e retorno
ao ambiente para outras visitas - sistematização que pode ser pensada como uma relação
contemporânea com a obra de arte imersiva.
E, ainda, a crítica de Grau é a mesma do panorama, de que a falta de extra-
campo faria com que os sentidos fossem enganados e a representação fosse confundida
com a realidade. Esta preocupação, no entanto, é essencialmente moderna. No ambiente
digital importa menos qual tipo de espaço está sendo explorado e muito mais o quanto a
lxxxv
experiência do espaço pode alterar o indivíduo. A questão da interface não aponta para
um problema de proximidade perigosa entre o construído e o natural, mas sim para o
quanto ela permite que o sujeito saia de si e tenha uma outra experiência, de
estranhamento.
3.5.7 Visorama
O Visorama é um projeto que está sendo desenvolvido pelo Núcleo de
Tecnologia da Imagem (N-Imagem), da Escola de Comunicação da UFRJ, em parceria
com o Projeto Visgraf do Instituto de Matemática Pura e Aplicada, órgão do CNPq. A
estrutura do dispositivo se assemelha a uma luneta de observação através da qual o
observador pode ver a paisagem circundante.
Esta imagem, no entanto, é digital. Assim, no caso da instalação do Visorama no
Pão de Açúcar, por exemplo, o observador poderá ver num primeiro momento a
imagem digital da própria paisagem que o cerca fisicamente numa angulação de 360° -
a praia de Copacabana, o Corcovado, centro da cidade e toda a Baía de Guanabara -
como se estivesse olhando através de um telescópio comum.
A imagem panorâmica de 360° apresentada pelo Visorama é gerada a partir de
várias fotografias que são digitalizadas e processadas para formar um único panorama
digital - a imagem muda em sincronia com o movimento circular da luneta. O visor do
dispositivo é estereoscópico, o que permite a percepção da profundidade da imagem, e
seu formato não permite que se veja nada além do espaço simulado, contribuindo para
uma maior imersão do observador. Além disso, no momento em que o usuário acionar o
zoom do Visorama não verá os pontos constitutivos da imagem (no caso, seus pixels)
lxxxvi
graças à ativação de um algoritmo de resolução variável; o observador verá o ponto
escolhido “de perto”, como acontece num telescópio comum.
Figura 21: Visorama
A grande diferença do Visorama para uma luneta é que como a imagem
apresentada é digital, pode ser modificada de modo a permitir experiências que
envolvam novos modos de percepção daquele espaço. O espaço, como envelope, é o
mesmo, mas seu conteúdo muda: o participante vê o mesmo espaço onde se encontra
em vários horários do dia, por exemplo, numa duração de apenas alguns minutos. Ou
pode ver a cidade a partir daquele mesmo local em várias épocas, mesmo quando ainda
não havia cidade ali, antes dos aterros e desmontes de morros, antes da abertura de ruas
e da construção de casas.
Essa imagem de outras épocas - vista daquele mesmo lugar onde o observador se
encontra realmente - contribui para despertá-lo em relação ao mesmo espaço presente.
lxxxvii
O indivíduo é tão acostumado ao lugar que habita que muitas vezes só consegue
enxergá-lo verdadeiramente quando se afasta. E o Visorama pode provocar este
estranhamento ao apresentar o mesmo espaço de um outro modo. O dispositivo pode
também potencializar a mobilidade do olhar do espectador, transportando-o para outros
locais. A partir de um zoom muito intenso no Corcovado, por exemplo, o observador é
teletransportado e passa a observar a paisagem vista de lá.
Através do Visorama, pode-se perceber o espaço urbano como um desenho em
perpétua mutação, e sobretudo como um lugar múltiplo, constituído de diferentes
extratos - ao mesmo tempo geográficos, históricos, artísticos - destacados pela imagem
digital vista através da luneta. O Visorama, deste modo, transforma a cidade do Rio de
Janeiro em informação e ao mesmo tempo se apresenta como um dos elementos que
compõe esta mesma cidade.
Este dispositivo se destaca por sua relação com o espaço físico tradicional. Este
tipo de espaço digital, mesmo envolvendo o visitante em imagem e tendo uma interface
naturalizada ou transparente - já que nosso manejo de telescópios, binóculos e lunetas é
relativamente cotidiano - nos remete imediatamente ao espaço físico tradicional e
modifica a percepção que temos dele.
3.6 O novo receptor e o espaço múltiplo
Podemos encontrar algumas características comuns em vários desses
dispositivos imersivos digitais. Vamos assim destacar duas dessas características
encontradas em nossos exemplos que vão servir de base para uma discussão da relação
entre o ambiente virtual imersivo e a espacialidade contemporânea, a ser realizada no
próximo capítulo.
lxxxviii
A primeira é a importância dada à ação do sujeito, que pode ser percebida
principalmente nos casos do simulador de vôo, nos ambientes em CAVEs, e no The
World Generator/The Engine of Desire; em muitos casos o ambiente só se revela - ou
mesmo só existe - a partir da ação individual. Nesse mesmo movimento podemos
destacar a importância dada ao corpo do participante no desenvolvimento de interfaces
imersivas; a experimentação de um espaço digital é facilitada por uma estrutura
preparada para responder a comandos cotidianos do indivíduo.
A segunda é a multidimensionalidade dos espaços apresentados; os estímulos que
envolvem o visitante são intensos e reforçam a sensação de presença e integração ao
ambiente. A partir dessa situação - notada principalmente a partir do projeto Tele-
immersion e do Panoscope 360° - podemos pensar numa equivalência prática entre o
espaço digital e o físico; quando o dispositivo funciona como um espaço complementar
ou compartilhado não faz muita diferença para o participante estar em um espaço digital,
que este não é percebido como uma simulação que o engana mas sim como mais uma
camada de espaço onde se pode estar. Osmose e o projeto Visorama reforçam e ampliam
esta característica ao apontar o virtual como abertura e espaço de experimentação.
A primeira característica diz respeito a um problema da Teoria da Comunicação
que está sendo repensado a partir do surgimento da Comunicação Mediada por
Computador - a relação entre o emissor e o receptor da informação - e a segunda
característica evidencia outro problema: a relação entre representação e a realidade
representada.
lxxxix
Capítulo 4: Novas estratégias de espacialidade
Procuraremos neste capítulo relacionar os dois problemas da Teoria da
Comunicação apontados no capítulo anterior - relação entre emissor e receptor da
informação e relação entre representação e realidade representada - com uma mudança
nas estratégias de espacialização que vêm se desenhando desde a metade do século XX
e ganhando força principalmente na última década com a utilização massiva do meio
digital.
A apresentação de ambientes virtuais imersivos no capítulo anterior nos levou a
destacar duas características da Comunicação Mediada por Computador que podem nos
servir como indícios da modificação que o conceito de espaço vêm sofrendo na
contemporaneidade: o destaque dado à ação individual do sujeito - que também indica a
validade do corpo como lugar de experimentação - e a sensação de presença do sujeito
imerso, que aponta a noção do espaço digital como complementar e integrado ao espaço
físico.
4.1 O novo estatuto do receptor
Neste ponto discutiremos a nova relação contemporânea entre emissor e receptor,
num cenário onde a ação do sujeito dá sentido ao mundo e é condição de possibilidade de
cognição.
4.1.1 Ação e sentido
Reconhecemos o destaque dado à ação individual do sujeito como uma
característica contemporânea graças à comparação com o período que nos é
xc
imediatamente anterior - a modernidade. A condição do sujeito imerso num panorama
em relação ao espaço simulado que o cerca é absolutamente passiva se comparada à
situação do vuser no The World Generator ou a do usuário de um simulador de vôo, por
exemplo.
Num panorama o observador compartilha aquele espaço com outros visitantes e
admira uma cidade ou paisagem vista do alto; todos podem percorrer a plataforma e
conhecer o mesmo lugar. O sonho da totalidade moderna é experimentado nesse
dispositivo na forma de domínio do espaço através de sua visão total; nada escapa à
vigilância do observador. No entanto sua ação sobre este espaço é unicamente
interpretativa, ou seja, a forma final do lugar contemplado no panorama é independente
da ação do sujeito.
A primeira diferença entre o panorama e um ambiente virtual imersivo - como o
simulador de vôo ou uma CAVE - é o abandono do sonho moderno da totalidade. O
espaço digital é gerado pela ação do indivíduo e se reapresenta a cada comando seu. Ao
contrário da situação de imersão num panorama, a forma final do lugar visitado depende
da ação do sujeito imerso. No mesmo ambiente digital dois usuários podem ter
experiências bastante diferentes gerando espaços distintos através de sua ação; não há
sentido em buscar uma totalidade geral no ambiente para todos os visitantes a única
totalidade possível é a individual.
Num ambiente virtual imersivo o tipo de imagem utilizada - se gerada por
computador ou digitalizada - pode definir a potência da ação individual. Se a imagem de
um parque, por exemplo, é gerada por um modelo matemático o visitante pode escolher
entre milhares de opções de deslocamento para um outro ponto - pode cortar caminho
por cima da grama, ir voando ou simplesmente escolher aparecer em outro lugar,
xci
dependendo apenas das restrições da programação do ambiente. Já num dispositivo
onde o vídeo digitalizado seja usado para formar o próprio ambiente há a necessidade
da gravação prévia de todos os caminhos disponíveis - se estamos em uma encruzilhada
com opção de quatro caminhos, por exemplo, as quatro opções disponíveis devem ter
sido anteriormente preparadas - o que limita bastante a movimentação e a liberdade de
escolha do visitante. A forma final de um ambiente gerado é imprevisível, dependendo
totalmente da ação do indivíduo, enquanto que a de um ambiente formado por imagem
digitalizada é necessariamente prevista - e mesmo neste caso a percepção do espaço é
individual já que o caminho percorrido pode transformar o sentido da experiência.
É importante fazer esta distinção entre ambientes feitos de imagens geradas e
ambientes de imagens digitalizadas porque o que está em jogo é seu nível de potência
de interação, ou seja, a capacidade do ambiente de suportar ações do sujeito imerso. Um
espaço como o do The World Generator, por exemplo, é altamente potente porque tem
uma quantidade grande de elementos com capacidade de se interpenetrar e se
interconectar gerando novos elementos compostos que por sua vez também podem ser
transformados. A formação deste espaço vai depender mais do vuser do que de seu
próprio autor, que não terá como prever todas as suas possibilidades. Trata-se de uma
estrutura dinâmica, onde a produção de significado emerge a partir da relação entre o
universo de referências anterior do vuser e o novo espaço que ele organiza,
configurando e reconfigurando os elementos disponibilizados pelo autor. O que vai
gerar significado é sobretudo o comportamento do vuser em relação a estes elementos.
Enquanto o leitor tradicional interpreta os elementos de uma narrativa - apresentados de
forma linear por um autor - e enquanto um usuário de um hipertexto pretensamente
interativo escolhe entre a e b para chegar a um dos dez finais possíveis - definidos
xcii
também pelo autor - o sujeito imerso em um ambiente virtual gerado por computador
percebe, posiciona, negocia, processa, agencia, organiza e transforma seus elementos.
Nesse caso a quantidade de intervenções que o ambiente suporta é tão elevada que
acaba por modificar a qualidade da relação existente entre o emissor e o receptor de
uma informação. Neste modelo de alto nível de potência de interação quem configura e
define o ambiente e o sentido é um sujeito interventor que também é autor ativo do
espaço.
No ambiente digital gerado por modelo matemático não são mais possíveis o
olhar de cima que tanto caracteriza a modernidade, a visão total do espaço, a
classificação de todas as possibilidades, a inspeção de todas as alternativas. Cada
visitante constrói não só seu universo de sentidos ao percorrer um caminho individual
como também constrói o próprio caminho em sua forma final. E não se trata de uma
imposição - afinal, mesmo em um meio digital pode-se reproduzir um ambiente com
características modernas - mas a escolha contemporânea recai cada vez mais na forma
do labirinto, da visão parcial, míope, sem mapa, do espaço que depende da ação do
indivíduo para existir.
Duas situações percebidas nos ambientes virtuais imersivos podem também ser
notadas de forma mais geral na percepção espacial contemporânea. A primeira é o
abandono do sonho moderno de totalidade e a conseqüente positivação do parcial e a
segunda situação é a nova relação entre percepção e ação, ou entre teoria e prática.
Em seu texto Esperança e Excesso Paulo Vaz aponta a característica
contemporânea do indivíduo ser a medida da informação. Vaz afirma que a era da
informação na verdade é a era do excesso da informação e ressalta a incapacidade do
indivíduo de dar conta da totalidade de dados produzidos sobre qualquer assunto
xciii
específico - seu exemplo é o próprio excesso de informação, assunto de mais de 20.000
sites na Internet em 1998.
Mas como escolher no excesso o que é relevante? Na modernidade quem
seleciona e impõe o relevante - a “boa” informação - é uma autoridade que se baseia em
valores comunitários e decide o que é melhor para “todos” - uma massa uniforme. No
excesso contemporâneo o indivíduo passa a ser a medida da informação: o relevante é
aquilo que o indivíduo precisa, no momento em que ele precisa.
O ideal moderno de selecionar a boa informação para atingir a verdade é
substituído pela constatação pragmática deste modelo de que a verdade é o que é
relevante para o indivíduo. O modo de lidar com o excesso, portanto, é abandonar a
totalidade e encarar o parcial de forma positiva, como nova possibilidade de exploração
do espaço.
Além do abandono do sonho moderno de totalidade, a característica
contemporânea de encarar a ação individual como ponto de partida da produção de
sentido e de espaço também inverte o modelo de um sujeito que percebe a verdade do
mundo e só então age sobre ele. A percepção aqui só se dá a partir da ação, que é
possibilitada por uma mediação técnica: não há uma totalidade anterior dada. Nesta
nova relação entre percepção e ação, ou entre teoria e prática, não é mais necessário que
o indivíduo primeiro tenha uma teoria do mundo para depois poder agir sobre ele. Ao
contrário, somente sua ação é capaz de construir sua verdade - trata-se de um convite à
exploração.
Esta nova relação entre percepção e ação é a base da nossa proposta de
classificação de ambientes virtuais imersivos. A classificação usual de um ambiente por
seus elementos prévios poderia incluir a fonte da imagem apresentada - imagem gerada
xciv
por computador, vídeo, filme ou fotografia digitalizados -; os tipos de input - sensores
de presença, de movimento, de posicionamento, joystick, datagloves, etc.-; e os modos
de visualização - em tela 180 ou 360 graus, imagem próxima do olho, visores 3D - entre
outros elementos. Optamos porém, acreditando que a ação precede a produção de
sentido, por apresentar uma classificação de ambientes virtuais imersivos baseada não
em seus elementos prévios, mas sim na possibilidade de ação do indivíduo. O ambiente
será classificado, portanto, com base no tipo de intervenção que ele suporta e em que
grau.
No que diz respeito à ação do indivíduo, podemos conceituar e classificar os
ambientes virtuais imersivos a partir das seguintes características: Campo de
possibilidades de intervenção; Transformação efetiva do ambiente pela ação do usuário;
e Abertura do sentido às intervenções.
Campo de possibilidades de intervenção: se houver poucos elementos
disponíveis para a intervenção e um número restrito de opções a cada lugar de
intervenção, o autor poderá definir todos os desfechos da obra e fechar seu sentido. A
quantidade de elementos e de possibilidades de modificação destes elementos está
profundamente ligada à interatividade permitida pelo ambiente virtual imersivo. O
suporte digital permite que este tipo de ambiente se diferencie de obras ambientais
anteriores exatamente por suportar um número de opções de transformação
inimaginável em ambientes físicos, e é esta interatividade possibilitada pelo suporte
digital que transforma o antigo receptor em co-autor do ambiente.
Transformação efetiva do ambiente pela ação do usuário: não há
interatividade efetiva num ambiente se vários caminhos levarem sempre aos mesmos
resultados. O suporte digital faz a diferença, novamente, ao permitir que o usuário não
xcv
só decida entre várias opções como também construa este espaço arrastando e alocando
imagens e sons, por exemplo, e transformando estes elementos de forma intuitiva. A
programação do ambiente virtual pode fazer com que seus elementos respondam às
ações do usuário como se fossem objetos físicos reagindo às ações de uma pessoa num
ambiente físico. A partir desta situação podemos pensar inclusive que a diferença entre
estes dois ambientes reside na complexidade da programação, já que o que chamamos
de espontâneo pode ser tanto um movimento programado pelas leis da física quanto um
pensamento restrito pelas possibilidades do nosso cérebro.
Abertura do sentido às intervenções: se as intervenções do usuário não
determinarem o sentido do ambiente, em vez de co-autor da obra ele se tornará um mero
executor de tarefas. Sua ação, modificadora da forma final do ambiente, é a principal
construtora de sua percepção daquele espaço.
4.1.2 Ação e cognição
Quando afirmamos que a percepção do mundo se dá a partir da ação de um
sujeito, não estamos somente propondo uma inversão da ordem deste par (que
tradicionalmente é apresentado como percepção e depois ação). Estamos, além disso,
incluindo o mundo como um dos agentes componentes fundamentais da inteligência
humana.
Na modernidade o corpo e a cultura são percebidos como limitadores da ação
humana e cabe ao sujeito mudar o presente e construir seu futuro purificado e libertador.
Hoje a cultura pode ser percebida como possibilitadora da ação e da inteligência
humanas: o mundo, o meio ambiente, o corpo, a cultura, auxiliam o pensamento.
Vivemos e pensamos graças a um conjunto de artefatos. Ao contrário da visão moderna
xcvi
do mundo como um laboratório, onde o ideal é isolar o objeto de estudo do seu meio
para então analisá-lo, hoje podemos encarar o meio como parte do sistema sujeito-
mundo. Um indivíduo é sempre parte de um sistema, completado por uma coletividade,
uma cultura e seus artefatos técnicos. Segundo Clark, a ciência cognitiva, ao buscar
compreender o traço distintivo do pensamento e razão humanos, deve ampliar seu foco
incluindo não somente o corpo, cérebro e mundo natural como também artefatos
(canetas, papéis, computadores, instituições) com os quais nosso cérebro biológico
aprende e opera. Uma cultura seria, sob este ponto de vista, informação estocada,
organizada e disponibilizada.
Dennett (1997) chama a atenção para o nosso hábito de descarregar tarefas
cognitivas no ambiente. Ao rotular e deixar marcas no mundo, transformamos tarefas
dificílimas de memorização e reconhecimento em uma tarefa perceptiva simples - ler os
nomes das pastas de um arquivo, por exemplo - deixando nossas mentes livres para
outras tarefas.
Clark afirma que porções do mundo exterior frequentemente funcionam como
um tipo de estoque de memória extraneural e cita o exemplo do bartender experiente,
que seleciona e ordena copos de formato distinto de acordo com os pedidos e depois
prepara os drinks na ordem em que foram pedidos. Uma tarefa difícil de memorização -
lembrar quais foram e em que ordem foram pedidas várias bebidas - é assim
transformada em uma tarefa simples de percepção.
A memória de um indivíduo, portanto, está distribuída nesse caso no par sujeito-
meio. De um modo mais amplo podemos dizer que estamos diante de uma
representação distribuída: não pensamos apenas com o cérebro, mas também com o
corpo e com o mundo. Para reforçar sua afirmação de que um indivíduo é sempre parte
xcvii
de um sistema e não deve ser analisado destacado de seu meio, como num laboratório,
Dennett apresenta o exemplo de idosos que quando são retirados de suas casas
mostram-se incapazes de realizar tarefas simples mas que quando voltam conseguem se
sair muito bem nas mesmas tarefas.
“Como eles fazem isso? Durante anos encheram seus meios
ambientes domésticos com marcos ultrafamiliares, gatilhos que acionam
hábitos, lembretes sobre o que fazer, onde encontrar a comida, como
vestir-se, onde está o telefone, e assim por diante. Uma pessoa idosa pode
ser um verdadeiro virtuose da auto-ajuda em um mundo tão intensamente
cheio de conhecimento, a despeito da crescente resistência de seu cérebro a
novos turnos de aquisição de conhecimento da variedade ABC ou
qualquer outra. Retirá-los de suas casas é literalmente separá-los de
grandes partes de suas mentes potencialmente tão devastador como sofrer
uma cirurgia cerebral”. (DENNETT, 1997, pp.125-6)
A integração do par sujeito-mundo, além de se dar através do uso do meio
marcado e rotulado como parte constitutiva da mente humana, é reforçada também pelo
caminho inverso o pensamento nú não existe, pensamos sempre junto com artefatos
técnicos. O uso de tecnologias cognitivas nos permite pensar no que não pensaríamos
sem elas. Sem a escrita, por exemplo - ou o cálculo no papel, como aponta Dennett -
não seríamos capazes de armazenar uma quantidade enorme de dados para depois
pensar com base neles. Além da escrita e do cálculo a informação pode ser representada
graficamente, em mapas e diagramas, por exemplo. Muitas vezes a organização espacial
xcviii
pode modificar a percepção que temos de uma informação conhecida de outro modo,
como no caso a seguir.
“Pense na prática brilhante de fincar alfinetes coloridos em um
mapa para marcar a localização de cada um dos muitos eventos que
estamos tentando entender. Uma epidemia pode ser diagnosticada pelo ato
de ver ver, graças à codificação em cores que todos os casos de um tipo
se alinham no mapa ao lado de uma ou outra característica inconspícua ou
mesmo até aqui inédita a rede de distribuição de água ou o sistema de
esgotos, ou talvez a rota do carteiro”. (DENNETT, p. 130)
A manipulação da representação das mais variadas formas é fundamental como
estratégia de resolução de tarefas complexas. Ao re-representar uma informação temos a
oportunidade também de re-percebê-la. Ao apontar a Interface Gráfica como um bom
exemplo de re-representação da informação, Clark ressalta a facilidade que a mente
humana tem para realizar certas tarefas como reconhecer padrões e manipular objetos
no ambiente arrastar uma pasta com o mouse, por exemplo - e a dificuldade para
realizar outras tarefas como lembrar e executar de uma longa e arbitrária seqüência de
operações.
A manipulação da representação - a ação sobre nosso pensamento tornado objeto
- é fundamental em casos como o da arte abstrata, comentado por Clark. A criação da
obra dependeria de um processo interativo de imaginação, esboço e avaliação - e então
ciclos de novos esboços e reavaliações. O processo de design também é descrito por
Nigel CROSS (In BUCHNAN, R. e MARGOLIN, V.) de forma parecida, como sendo
xcix
de constantes redefinições baseadas em ciclos de esboços e avaliação, ou seja, somente
a partir da ação sobre uma representação é possível definir uma forma final.
Os ambientes virtuais imersivos podem ser encarados como objetos-teste da
contemporaneidade, na medida em que eles ampliam os efeitos cognitivos da estratégia
de resolver tarefas complexas graças a re-representação da informação. No caso da
realidade aumentada para moléculas químicas apresentada em uma CAVE, por
exemplo, o usuário tem a possibilidade de agir sobre a imagem apresentada
experimentando várias soluções de encaixe de uma forma muito mais fácil do que se
aquela mesma informação estivesse representada na forma de texto. Num ambiente
virtual imersivo artístico, a experimentação do espaço e do modo de espacialização no
ambiente - novas velocidades, novas sensações - permite que o visitante descubra uma
nova forma de pensar a si mesmo e ao mundo. Em um ambiente virtual imersivo a
experiência do estranhamento pode ser ampliada em relação à arte não-imersiva por
causa dessa característica contemporânea de experimentação e ação sobre a
representação.
4.2 A multiplicidade do espaço
Neste ponto discutiremos o segundo problema contemporâneo da teoria da
comunicação - a nova relação entre representação e realidade representada - num
cenário onde o espaço é múltiplo e construído indistintamente por objeto e discurso.
4.2.1 A experiência subjetiva de espaço
De acordo com uma visão tradicional de mundo realidade e representação são
facilmente distinguíveis, o espaço é único e deve ser percebido por todos do mesmo
c
modo. Discutiremos neste tópico uma noção contemporânea de espaço - evidenciada
pelos ambientes virtuais imersivos - onde a relação entre sujeito e mundo é múltipla e
individual.
Mesmo uma organização física de objetos pode ser analisada subjetivamente e não
somente em termos de ordem e distância. Bachelet cita o exemplo de uma sala com uma
mesa disposta a um metro à esquerda de uma janela: a caracterização deste espaço se
daria sobretudo em termos de possibilidades oferecidas a alguém que estivesse nesse
ambiente. Se a pessoa quisesse ir até a janela, seria obrigada a contornar a mesa
transformada em um obstáculo. No entanto, o autor afirma que as qualidades objetivas
do espaço subjetivo seriam diferentes, na mesma sala, para um gato que pudesse passar
sem esforço por debaixo da mesa ou saltar por cima dela para chegar à janela.
(BACHELET, p.42) Ou seja, o espaço é individualizado e depende da capacidade de
ação do sujeito em relação à interface do espaço em questão.
A relação entre sujeito e mundo também é individual por ser marcada
afetivamente - podemos estar de diferentes modos no espaço porque sempre o
habitamos com nossas lembranças e expectativas. Uma mesma rua, por exemplo, pode
ser percebida de forma inteiramente diferente por alguém que morou ali durante a
infância e por outra pessoa atrasada para uma entrevista de trabalho. Levando em conta
a importância das marcas afetivas subjetivas não se pode afirmar que há um espaço
único mas sim que há modos de espacialização, como aponta Deleuze ao falar da
viagem. “O que distingue as viagens não é a qualidade objetiva dos lugares, nem a
quantidade mensurável do movimento - nem algo que estaria unicamente no espírito -
mas o modo de espacialização, a maneira de estar no espaço” (DELEUZE,1992 p.188).
ci
A experiência de um ambiente definido pela ação individual do sujeito pode ser um
elemento modificador de sua relação com o espaço.
A percepção de um ambiente é estruturada pela relação das coisas que ele
contém, pelo modo como ele as exibe e por toda a rede de relações anterior do sujeito.
A subjetividade é constituída tanto por elementos externos - como o contexto cultural e
o local onde se habita - quanto pelo modo de apreensão destes elementos, e nesse caso
uma percepção do espaço como uma experiência ativa e individual pode redefinir sua
espacialidade.
Félix GUATTARI (1997) define as construções urbanas como máquinas
enunciadoras que serão, junto com outros fatores, produtoras de subjetividade: o mais
importante não é a estrutura visível e funcional da cidade mas sim o discurso produzido
por edifícios e construções de todos os tipos. Essas máquinas serão então
essencialmente máquinas de sensação, máquinas abstratas que fornecem um discurso
determinado cujo sentido apreendemos imediatamente e globalmente e não pelo
acúmulo de informações distintas. Guattari aponta a existência de tantos espaços
quantos forem os modos de subjetivação, como um "folhado" sincrônico de espaços
heterogêneos: pode-se então estar ao mesmo tempo num espaço rodoviário, num espaço
de devaneio e num espaço musical, por exemplo.
Uma paisagem pode ao mesmo tempo ser percebida por seu caráter estético e
por seu caráter afetivo; não há um espaço neutro, todos eles são permeados por emoções
e vivências pessoais; todos eles são construídos pelas máquinas sociais - máquinas
tecnológicas, de informação e comunicação - que são formadoras de subjetividade.
A experiência de habitar uma cidade é significativa porque a cidade é ao mesmo
tempo objeto e discurso. Os edifícios são narrativas e o espaço da cidade depende dessa
cii
narração. Por outro lado a narração também pode se tornar espaço vivemos
afetivamente filmes, livros, novelas, sites, ambientes virtuais num mundo onde nossa
experiência é cada vez mais marcada pelo contato com representações midiáticas
decisivas. Se não existe um espaço físico “puro”, não discursivo, não mediado, por
outro lado o espaço predominantemente mediado pode afetar tanto quanto (ou até mais
que) um espaço físico. Se o espaço que habitamos é formado por objeto e discurso
sobrepostos, então não é mais necessário insistir numa distinção excludente entre
realidade e representação da realidade.
Para dar conta desta nova experiência de espaço propomos a adoção da noção de
níveis de presença (WEISSBERG, 1999) onde a presença num espaço pode ser
repartida e depende da atenção dirigida para ele. Um indivíduo, portanto, pode se
perceber em uma multiplicidade de espaços num mesmo instante. Um lugar pode ser
percebido segundo vários aspectos - tantos quanto forem os modos de subjetivação,
como aponta Guattari (1997) - pouco importando se este espaço é físico ou se é
discurso, porque é sempre uma junção dos dois. A camada digital faz parte do mundo
contemporâneo tanto quanto a rua onde passamos a infância. A imagem, neste caso, não
precisa representar, não precisa simular; ela pode ser mundo.
Fazem parte das máquinas sociais toda a tecnologia de informação e
comunicação disponível. Os elementos fabricados pela televisão, pelo cinema e agora
por dispositivos digitais, formam a subjetividade humana tanto quanto os componentes
vindos da família, da educação, do meio ambiente, da religião ou da arte. Segundo
Guattari, dispositivos tecnológicos são parte constitutiva do processo de subjetivação e
podem colaborar ou para um movimento em direção à homogeneização universalizante
e reducionista da subjetividade - nivelando por baixo as atividades humanas - ou, ao
ciii
contrário, podem ajudar a enriquecer as relações humanas com o mundo, a partir da
invenção de novos universos de referência trazidos pela singularização de componentes
gerais do campo da tecnologia e comunicação.
A popularização do computador e o conseqüente aumento de experiências
interativas certamente contribuiu para a mudança na espacialidade do sujeito. A ação é
primeira e indissociável da percepção e a imersão hoje se realiza nesse espaço múltiplo
e apreendido individualmente e se dá pela atenção a um lugar, seja ele físico ou digital.
O dispositivo imersivo, ao se apresentar como um campo aberto para
experimentações, colabora para a formação destes novos universos de referência. A
partir do exemplo das construções urbanas como máquinas enunciadoras, pode-se
afirmar que as construções espaciais constantemente reconfiguradas pelo visitante de
um ambiente virtual são experiências de um espaço que vai nos ajudar a compreender e
formar o pensamento contemporâneo e a desenvolver modos originais de presença.
Neste contexto propomos uma classificação dos ambientes virtuais imersivos de
acordo com o grau de aplicação dos estímulos que cercam o visitante. A percepção
que o indivíduo tem do lugar onde está é formada por elementos captados por seus
sentidos. Ao envolver o usuário, os estímulos visual, auditivo, cinético e mesmo
olfativo, contribuem para localizá-lo no ambiente virtual. A multidimensionalidade do
ambiente é um fator decisivo no processo imersivo - quanto mais variáveis forem
introduzidas maior será a sensação de imersão, já que o indivíduo está presente no
espaço que é percebido através de seus sentidos e que responde às suas ações, seja ele
físico ou digital. Imerso, o usuário perceberia o espaço que o envolve como uma
construção tão objetiva (e discursiva) quanto uma cidade, e não como representação
pura ou simulação de mundo.
civ
4.2.2 Distância e mediação
Afirmamos há pouco que podemos estar de muitos modos num mesmo espaço, seja ele
físico ou representacional. Não basta dizer, porém, que podemos experimentar com
igual afetividade o espaço múltiplo do mundo e sua representação porque não existe
uma experiência de mundo pura, imediata - a própria linguagem já é uma mediação,
uma tecnologia. Dennett define a linguagem como interface dos pensamentos. Diz ele:
“De todas as ferramentas mentais que adquirimos no curso do processo de
abastecer nossos cérebros a partir das pilhas de estoque da cultura,
nenhuma é mais importante, é claro, do que as palavras (...) A navegação
no mundo abstrato multidimensional das idéias é simplesmente impossível
sem um amplo estoque de marcos móveis, memorizáveis, que possam ser
compartilhados, criticados, registrados e procurados a partir de diferentes
perspectivas”. (DENNETT, 1997 pp.132-3)
Não só a linguagem, mas todos os artefatos com os quais pensamos funcionam
como estruturas mediadoras porque são condição de possibilidade de nosso próprio
pensamento. Se toda a experiência de mundo é mediada, podemos aproximar cada vez
mais nossa relação com um espaço predominantemente físico daquela com um espaço
predominantemente representacional.
No caso da telepresença, por exemplo, o lugar onde se está é sempre mediado
seja a cabine do dispositivo seja o lugar apresentado na imagem. Se primeiro sustentou-
se que podemos estar num espaço - aqui - de diferentes modos, a hipótese teórica da
mediação generalizada permite dizer que estar ali pode ser parecido com estar aqui. Ou
ainda que o ali se sobrepõe ao aqui.
cv
Weissberg aponta essa equivelência e sobreposição dos espaços ao tratar da
telepresença:
“A “telepresença” não deveria se identificar mais com o par
presença/ausência tal como inaugurado na comunicação telegráfica, que
permanece um transporte de signos da presença mesmo se esta se efetua
quase instantaneamente. Depois do transporte à distância pela escrita (a
missiva, primeiro transporte dos signos de presença), do teletransporte em
tempo real (morse, voz, imagens e sons com o audiovisual), assistimos à
emergência de um outro regime de transporte que não é mais o dos signos
da presença, mas do próprio meio de chegada, este último confundindo-se
com o meio de partida: fenômeno que substitui a lógica da
emissão/recepção pela da divisão corporal de um mesmo sujeito em
diversos lugares simultaneamente. Transportar para um outro lugar supõe
aqui precisamente essa operação de reconstituição, de sínteses de uma
forma de realidade doravante chamada virtual. Da mesma maneira que
“tempo real” designa a quase simultaneidade na emissão e na recepção,
talvez se possa falar aqui de “espaço real” para a invenção de um outro
modo de deslocamento de espaços mais que no espaço, ubiqüidade
tangível, procedendo por geração do ambiente alvo em volta do espaço de
“partida”. (WEISSBERG In: PARENTE, 1993 p.126)
4.2.3 A potência do espaço digital
Se o ali e o aqui podem se sobrepor e se eqüivaler - dividindo o sujeito em
diversos lugares simultaneamente, como afirma Weissberg, sem se importar em
cvi
diferenciar lugar físico de digital - é precisamente porque hoje podemos encarar objetos
como suporte de informação.
Se a informação é independente de seu suporte, então o suporte digital é uma
alternativa válida à informação suportada por objetos físicos, lugares e pessoas e já
que as máquinas universais de tratamento de informação em geral estão em rede então,
admitindo que o mundo é informação, a conexão pode substituir a reunião de objetos
em um único lugar físico assim como a informação digital de presença pode substituir a
mesma informação suportada por um corpo.
Michel Serres, em seu Atlas, aponta a inutilidade de uma acumulação de signos,
bens ou pessoas quando a rede torna possível, em tempo real, qualquer arranjo,
combinação ou associação, e destaca um universal por conexão tomando o lugar do
universal imperialista: se um nó pode conter virtualmente uma rede inteira, então, em
vez da reunião física de toda a informação num local inchado, os objetos (que suportam
a mesma informação) podem estar dispersos. Assim, a acumulação dá lugar à mistura .
Pierre Levy também destaca a mistura num novo universal sem totalidade, que
diferencia-se do universal moderno por não possuir nem centro nem linha diretriz; por
aceitar todos os conteúdos e reorganizar permanentemente a forma da rede. Diz ele:
“... a totalidade ainda permanece no horizonte do mesmo. A cibercultura, por outro lado,
mostra precisamente que existe uma outra forma de instaurar a presença virtual da
humanidade em si mesma (o universal) que não seja por meio da identidade do sentido
(a totalidade)” já que a rede “aceita todos (os conteúdos) pois se contenta em colocar em
contato um ponto qualquer com qualquer outro”. (LÉVY, 1999, p.111)
Para Serres a relação de mistura e conexão que a rede forma cria um espaço
diferente dos pensados anteriormente. É a partir da rede que ele cunha o termo pantopia
cvii
para dar conta dessa reconfiguração do espaço que iguala o físico e o virtual: todos os
lugares num só lugar e cada lugar em todos os lugares. A Internet é o exemplo mais
evidente desta nova espacialização - se o mundo é informação, se a informação é mundo
e se este mundo está em rede, então temos tanto a possibilidade de ter todos os lugares
quanto a de estar em todos os lugares.
O termo pantopia remete tanto à utopia (desejo de um lugar que não esse, um
lugar que se destaca pela diferença) quanto ao espaço heterotópico identificado por
Foucault, que podemos apontar como a marca do desejo da reunião de todos os lugares
num só lugar - como num jardim zoológico, onde estão reunidos animais de vários
lugares diferentes, ou a biblioteca que reúne obras de épocas e lugares diversos. Ao
falar do projeto Visorama André PARENTE indica um novo tipo contemporâneo de
heterotopia que, como a pantopia de Serres, equivale mundo e informação.
"O Visorama nada mais é do que uma heterotopia que, como os museus, as
bibliotecas e as cinematecas concentra, em um único espaço - a memória
do computador - todos os tempos e todas as épocas do espaço urbano
representados através das diversas linguagens e mídias que ele comporta:
imagens fixas e em movimento, sons, textos, mapas. Por um lado o
Visorama transforma o mundo (os espaços periféricos representados) em
informações; por outro lado, ele é o nó de uma vasta rede na qual estas
informações circulam de forma hipertextual. A produção da informação
implica numa dupla operação de redução do mundo em informação e
amplificação da informação que se faz mundo". (PARENTE, 1999, p.100)
cviii
Tanto o espaço heterotópico contemporâneo do Visorama, que sobrepõe lugares
e tempos num único lugar da informação digital, quanto a pantopia de Serres,
introdutora da possibilidade de se fazer presente em todos os lugares, instauram de um
novo tipo de relação com o local.
Relação contemporânea que é evidenciada novamente no tom casual com que
foi apresentada a função de espaço complementar do Panoscope (Cf. exemplo 3.5.5)
que seria utilizado como um anexo ao prédio principal, porém com a vantagem de ter
dimensões flexíveis, servindo como uma nova sala de exposições, ou duas salas, ou três.
O ponto decisivo aqui é que quando a informação equivale ao mundo um ambiente
virtual imersivo é a pura possibilidade de ser qualquer lugar.
4.3 O virtual como abertura
A construção do ambiente digital acontece não só através de intervenções
tecnológicas como também através de práticas discursivas - já que o discurso que se faz
sobre determinado objeto faz parte da percepção que será construída sobre este mesmo
objeto.
Ao tratar da questão do virtual, André Parente (1999) destaca três concepções do
conceito: uma primeira afirma que “o surgimento de uma tecnologia do virtual é capaz de
explicar o fato de a imagem, na cultura contemporânea, ter se tornado auto-referente e,
por isso, ter rompido com os modelos de representação”; uma segunda indica o virtual
tecnológico como “um sintoma e não uma causa das mutações culturais. Para além deste
ou daquele meio (cinema, televisão, vídeo...) as imagens contemporâneas são virtuais,
auto-referentes, ou seja, a imagem pós-moderna é um significante sem referente social” e
finalmente uma terceira concepção aponta o virtual como “uma função da imaginação
cix
criadora, fruto de agenciamentos os mais variados entre a arte, a tecnologia e a ciência,
capazes de criar novas condições de modelagem do sujeito e do mundo” (todas as
citações em PARENTE, 1999, p.14). O virtual, portanto, não se apresenta como um para
além do real, mas se coloca como uma vontade de percepção do real enquanto novo.
De acordo com Parente as primeiras concepções do virtual o encaram como pura
repetição do mesmo e reduzem a imagem ao clichê: não se pode mais distinguir a cópia
do original portanto não há mais original e a imagem só remete a si própria (simulacros
despotencializados); o virtual se apresentaria então como a recriação de um real
recalcado, ou seja, de um real que se confunde com sua representação dominante. Parente
ressalta, no entanto, que o modo como se percebe o virtual é uma questão de escolha do
sujeito, e aponta como opção o simulacro potencializado: neste caso o virtual é encarado
como construção que afirma o real enquanto novo.
Este último modo de interpretar o conceito de virtual dá conta dos dois problemas
da teoria da comunicação discutidos neste capítulo o novo estatuto do receptor e a nova
relação entre representação e realidade representada agora que a informação tornou-se
mundo.
Argumentamos em primeiro lugar que o antigo receptor da informação agora
define, através de sua ação, o sentido de um ambiente virtual imersivo. Mais que isso, ele
só é capaz de conhecer o mundo se estiver integrado a ele - já que esta operação é
distribuída também em seu corpo e cultura, incluindo aí as tecnologias cognitivas. O
conhecimento se dá a partir de sua ação, através da manipulação de imagens mentais
externalizadas. A noção de que o ambiente virtual imersivo é objeto-teste da
contemporaneidade vem desse processo de experimentação do espaço: não se trata
cx
somente de o quanto as ações do sujeito alteram o mundo, mas também de como o
processo mesmo de experimentação do mundo faz com que o sujeito se altere.
A interpretação do virtual como uma vontade de percepção do real enquanto novo
é fundamental para este argumento quando sobrepõe as camadas física e digital num
mesmo sentido em vez de afirmar sua oposição. O processo de experimentação que altera
o espaço e o sujeito independe do estatuto do espaço em questão - se físico ou digital, se
predominantemente objeto ou discurso - já que por princípio este espaço já é múltiplo. O
que está em jogo aqui é a potência deste espaço, as possibilidades que ele oferece, as
experiências que ele permite.
cxi
Conclusão
Procuramos discutir neste trabalho a transformação de alguns conceitos relevantes
para o campo da Comunicação através da análise dos ambientes virtuais imersivos.
Partindo de uma história dos dispositivos de produção de imagem, buscamos apontar
principalmente as modificações pelas quais passaram os conceitos de totalidade e de
representação.
O primeiro capítulo tratou basicamente do surgimento do conceito de
representação (conteúdo intrapsíquico) em resposta ao problema do perspectivismo.
Num universo infinito e homogêneo, sem centro nem sentido, a cada lugar, instante e
indivíduo temos um mundo diferente. Para descobrir a verdade única em um espaço
múltiplo e relativo, o sujeito deve distanciar-se do mundo através da análise de suas
representações. A verdade só é alcançada ao preço da distância - em relação ao mundo e
a seu próprio corpo - e da imobilidade. A estratégia da consciência reflexiva é a de um
teatro cartesiano onde o sujeito é simultaneamente a cena e a audiência e o objeto
técnico que explicita esta estratégia é a câmara escura. A pintura simbólica, dispositivo
de totalização da Idade Média - quando a unidade do mundo era resultado do olhar de
Deus - é substituída na Idade Clássica pelo quadro que é janela para o mundo, captado
ao modo da câmara escura e totalizado pelo sujeito cartesiano que o vê com os olhos da
alma.
No segundo capítulo a discussão sobre a representação passa principalmente
pela simulação da realidade. Quando os olhos da alma se tornam olhos de carne e o
homem é determinado pela história mas também por seu corpo, os meios de
cxii
comunicação de massa trazem o problema da confusão entre representação e realidade
que é a base de toda a estrutura do panorama. Este dispositivo de entretenimento
mergulha o observador num mundo simulado sem extra-campo onde seu olhar apreende
e totaliza o espaço circundante. A verdade moderna permanece sendo distância, tanto do
pensamento em relação às suas representações (imagens mentais) quanto da realidade
em relação às suas representações (imagens técnicas).
No terceiro capítulo nossa principal preocupação foi a de descrever as bases do
ambiente virtual imersivo a imagem digital, a interface gráfica e a imagem
circundante e algumas experiências de ambientes a partir das quais definimos as
características a serem trabalhadas no quarto capítulo.
Neste último capítulo buscamos discutir a transformação de duas relações
importantes para o campo da Comunicação, evidenciadas pela análise anterior dos
ambientes virtuais imersivos: a relação entre emissor e receptor, e a relação entre
representação e realidade representada.
Como parte da nova relação entre emissor e receptor apontamos a ação do sujeito
como necessária para apreender e dar sentido ao mundo. A relação entre indivíduo e
mundo se dá aqui através da experimentação - com o corpo inteiro e integrado ao
espaço, sem uma distância que era fundamental até pouco tempo atrás. A representação
contemporânea é vista como artefato simbólico e o mundo é mediado em qualquer
situação. O pensar é distribuído; pensa-se junto com objeto e cultura. Apresentamos
também as noções de objeto-teste e de re-representação: deve-se manipular para poder
pensar. A representação assim não é mais um conteúdo intrapsíquico mas sim a
externalização do pensamento, tornando-se, na contemporaneidade, representação
distribuída.
cxiii
Esta mudança no conceito de representação não é vista como um perigo, já que
garante tanto a multiplicidade da experiência quanto a multiplicidade do espaço. Se a
representação é distribuída e o mundo é apreendido individualmente, o que vai importar
para o sujeito é sua potência de ação - as oportunidades de abertura que aquele espaço
oferece, o que ele permite -, não importando tanto se o espaço em questão é da ordem
do construído ou natural (aliás, o que é um espaço natural?), se é da ordem do mental,
físico ou digital, se é predominantemente objeto ou discurso. Estando presente num
espaço potente - independente de qual matéria esse mundo seja feito - o sujeito pode
experimentar, e assim transformar o espaço e a si próprio.
A análise dos ambientes virtuais imersivos como intensificadores de
características mais gerais da Comunicação Mediada por Computador e do pensamento
contemporâneo faz parte do nosso esforço em tentar compreender um mundo cada dia
mais condicionado pela tecnologia na verdade o híbrido pensamento-tecnologia-
mundo. Esperamos que esta tese contribua para ressaltar a mudança pela qual estão
passando alguns conceitos do campo da Comunicação, discussão renovada pela
introdução da camada digital em nosso espaço cotidiano.
cxiv
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Agosto e Setembro de 2000.
Visita ao simulador de vôo da Varig. Centro de Treinamento de Vôo da Varig (VFTC -
Varig Flight Training Center). Rio de Janeiro. Abril de 2001.
Visitas ao ambiente virtual imersivo Panoscope 360°, de Luc Courchesne. Montreal,
Quebec, Canada. Janeiro a Agosto de 2003.
Visitas ao ambiente virtual imersivo Osmose, de Char Davies. Montreal, Quebec,
Canada. Janeiro e Junho de 2003.
Visitas à CAVE do Laboratoire de psychophysique et perception visuelle da
Universidade de Montreal . Montreal, Quebec, Canada. Fevereiro de 2003.
Visitas à CAVE da École polytechnique de Montréal da Universidade de Montreal.
Montreal, Quebec, Canada. Maio de 2003.
Visita ao Panorama Cyclorama of Jerusallem With the Crucifixion of Christ, de Paul
Philippoteaux. St. Anne de Beaupré, Quebec, Canada. Julho de 2003.
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