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INTERFACES MÓVEIS DE COMUNICAÇÃO
E SUBJETIVIDADE CONTEMPORÂNEA
de ambientes de multiusuários como espaços (virtuais)
a espaços (híbridos) como ambientes de multiusuários.
ADRIANA ARAUJO DE SOUZA E SILVA
Escola de Comunicação
Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Cultura
Universidade Federal do Rio de Janeiro
Orientador: Professor Doutor Paulo Roberto Gibaldi Vaz
Rio de Janeiro
2004
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ii
INTERFACES MÓVEIS DE COMUNICAÇÃO
E SUBJETIVIDADE CONTEMPORÂNEA
de ambientes de multiusuários como espaços (virtuais)
a espaços (híbridos) como ambientes de multiusuários.
Adriana Araujo de Souza e Silva
Tese submetida ao corpo docente da Escola de Comunicação da Universidade Federal
do Rio de Janeiro - UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do grau de
Doutor.
Aprovada por:
_______________________________________________
Professor Doutor Paulo Roberto Gibaldi Vaz (Orientador)
_______________________________________________
Professora Doutora Fernanda Glória Bruno
_______________________________________________
Professor Doutor Luiz Alberto Rezende de Oliveira
_____________________________________________
Professor Doutor Gilbertto dos Santos Prado
_______________________________________________
Professora Doutora Katia Valeria Maciel Toledo
_______________________________________________
Professor Doutor Henrique Antoun (Suplente)
Rio de Janeiro
2004
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iii
FICHA CATALOGRÁFICA
de Souza e Silva, Adriana Araujo.
Interfaces móveis de comunicação e subjetividade contemporânea:
de ambientes de multiusuários como espaços (virtuais) a espaços
(híbridos) como ambientes de multiusuários./ Adriana Araujo de
Souza e Silva.
Rio de Janeiro: UFRJ/CFCH/ECO, 2004.
xx, 371 f.: il.
Tese (Doutorado em Comunicação e Cultura) – Universidade
Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, Escola de Comunicação,
CFCH, 2004.
Orientador: Paulo Roberto Gibaldi Vaz
1. Espaço híbrido. 2. Tecnologias móveis de comunicação.
3. Comunicação - Tese. I. Vaz, Paulo Roberto Gibaldi (orient.). II.
Universidade Federal do Rio de Janeiro. Escola de Comunicação –
ECO/CFCH. III. Interfaces móveis de comunicação e
subjetividade contemporânea: de ambientes de multiusuários
como espaços (virtuais) a espaços (híbridos) como ambientes de
multiusuários.
iv
À Elizabeth Araujo, minha mãe, que sempre foi
a pessoa mais próxima, mesmo estando longe.
Aos meus queridos avós, Nelly e Evandro.
v
AGRADECIMENTOS
Talvez seja impossível agradecer a todos os que durante esses quatro anos
ajudaram ou contribuíram para o desenvolvimento desta Tese. O espaço limitado apenas
me permite mencionar alguns nomes, embora desejasse incluir todos. Gostaria de
agradecer, em primeiro lugar, ao CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico) e à CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de
Nível Superior) pelas bolsas de Doutorado no país e de estágio de Doutorado no
exterior, respectivamente. Um agradecimento muito especial ao Professor Paulo Vaz,
orientador deste trabalho, que, mesmo à distância, foi sempre uma presença e ajuda
constante em todas os momentos em que precisei, no esclarecimento de dúvidas,
conversas teóricas e no apoio tanto profissional quanto pessoal. Gostaria de agradecer
também a todo o grupo do CiberIDEA, especialmente a Luiz Alberto Oliveira, Fernanda
Bruno, Luciana Ferreira, Fernanda Costa e Silva e Julieta de Souza, por proporcionarem
um instigante ambiente de discussão teórica e o entusiasmo pela a busca de novas
questões.
De igual importância para o desenvolvimento deste trabalho foi o ambiente
acadêmico encontrado na Universidade da Califórnia, Los Angeles (UCLA). É um
privilégio desenvolver uma Tese com dois orientadores. A Professora Victoria Vesna,
que me recebeu em Los Angeles e me apoiou durante todo o meu período no exterior,
também foi fundamental para a definição das principais questões desta Tese: o
desaparecimento das bordas entre o físico e o virtual e a fisicalidade de espaços digitais.
Muito obrigada a todos os professores e artistas que, por meio de conversas ou
entrevistas, também contribuíram para a definição e esclarecimento de minhas questões.
Entre eles, Erkki Huhtamo, Machiko Kusahara, Bill Seaman, Norman Klein, Christian
Möller, Sara Diamond e Benjamin Bratton, responsável pelo (sub) título deste trabalho.
Um agradecimento muitíssimo especial à Professora N. Katherine Hayles, que me
ensinou uma nova forma de escrever e de pensar, e cuja atenção e dedicação apenas
reforçaram minha admiração pela vida acadêmica.
Não poderia esquecer dos alunos do Departamento de Design | Media Arts, que,
através da amizade e de conversas, também foram importantes para a concretização
deste trabalho. Em especial, gostaria de agradecer a Fabian Winkler, amigo sempre
vi
presente e parceiro na instalação database
, meu primeiro trabalho de arte midiática.
Também obrigada a Ashok Sukumaran, Ruth West, Silvia Rigon e Vishal Dar, pelas
conversas e discussões “midiáticas”.
Muito obrigada à Joanne Michiuye, pela revisão do texto em inglês e à Simone
Martins, pela revisão do texto em português.
E, como a vida pessoal não pode ser separada da profissional, gostaria de
agradecer aos amigos de Los Angeles, tão importantes na minha adaptação em um
ambiente completamente novo (“desconhecido e inexplorado”): Gabriela Coutinho,
Ricardo e Ana Lucia Coutinho, Ricardo Merched e Charles Hachtmann.
Em minha família, gostaria de agradecer ao meu irmão, Cláudio de Souza e
Silva, pelas conversas filosóficas. Meu pai, Nelson de Souza e Silva e meu tio,
Edmundo de Souza e Silva, pelo apoio de sempre na vida acadêmica. Um
agradecimento enorme à minha mãe, Elizabeth Greenhalgh de Araujo, que talvez tenha
sido a pessoa mais presente e dedicada durante todo esse tempo em que eu estive
ausente. Acho que essa Tese não teria se realizado sem ela.
Um agradecimento especial ao querido Daniel Sauter, que sempre me apoiou nas
conversas, no incentivo às minhas aspirações profissionais e, principalmente, devido à
alegria diária necessária para a escrita desta Tese.
vii
RESUMO
de Souza e Silva, Adriana. Interfaces móveis de comunicação e subjetividade
contemporânea: de ambientes de multiusuários como espaços (virtuais) a espaços
(híbridos) como ambientes de multiusuários. Orientador: Paulo Roberto Gibaldi Vaz.
Rio de Janeiro : UFRJ/ECO; 2004. Tese (Doutorado em Comunicação e Cultura).
Esta Tese analisa a transição de espaços de sociabilidade e de comunicação do
ciberespaço para os espaços híbridos. As tecnologias móveis de comunicação,
principalmente os telefones celulares, são responsáveis pela produção de novas redes
sociais em um espaço que interconecta o físico e o virtual, devido à mobilidade contínua
de seus usuários. Durante a década passada, os ambientes de multiusuários no
ciberespaço foram encarados como espaços utópicos nos quais os habitantes poderiam
projetar seus imaginários. Além disso, os espaços digitais foram vistos como
essencialmente desconectados dos espaços físicos. Hoje, a conexão constante a espaços
virtuais, possibilitada pelas novas tecnologias de comunicação, transforma a
sociabilidade e a produção do imaginário em espaços urbanos. Esta pesquisa é
materializada através de estudos teóricos e práticos. Em primeiro lugar, desenvolve-se a
análise de literatura sobre o ciberespaço e tecnologias móveis de comunicação, com
ênfase nos conceitos de ‘virtual’, ‘ciberespaço’, ‘imersão’ e ‘híbrido’. Os aspectos
práticos incluem análises de práticas atuais, através de entrevistas com pesquisadores e
artistas, além de um questionário aplicado através da Internet nos Estados Unidos e no
Brasil.
viii
ABSTRACT
de Souza e Silva, Adriana. From multiuser environments as (virtual) spaces to
(hybrid) spaces as multiuser environments Nomadic technology devices and hybrid
communication places. Director: Paulo Roberto Gibaldi Vaz. Rio de Janeiro :
UFRJ/ECO; 2004. Dissertation (Ph.D. in Communications and Culture).
This dissertation addresses how mobile communication technologies, with a
focus on cell phones, have an active role in creating new types of communication and
social networks in a hybrid space formed by the blurring of borders between physical
and digital spaces. It analyzes the transference of social places from cyberspace to
hybrid spaces. Nomadic technology devices are responsible for producing new social
networks in a space that interconnects the physical and the virtual due to their users’
perpetual mobility. During the last decade, multiuser environments in cyberspace have
frequently been regarded as utopian spaces in which users could project their
imagination. Moreover, digital spaces have been considered as essentially disconnected
from physical spaces. Nowadays, the constant connection to virtual spaces, allowed by
new mobile communication technologies, transforms our social spaces, as well as the
projection of our imaginary places in urban spaces. This research is based on theoretical
and practical studies. First, I analyze the existing literature on cyberspace and mobile
technology devices, emphasizing concepts such as virtual, cyberspace, immersion, and
hybrid. Practical aspects include analysis of current practices, via interviews with artists
and scholars and an Internet survey applied in the United States and in Brazil.
ix
LISTA DE SIGLAS, ABREVIATURAS e TRADUÇÕES
1
2G = Sistema Celular de Segunda Geração.
2,5G = Sistema Celular de Segunda Geração e Meia.
3G = Universal Mobile Telecommunication System (Sistema Celular de
Terceira Geração).
CDMA = Code Division Multiple Access.
E-mail = correio eletrônico.
FCC = Federal Communications Commission (Comissão Federal de
Comunicação dos Estados Unidos).
GPS = Global Positioning System (Sistema de Posicionamento Global).
GSM = Global System for Mobile Communication.
GPRS = General Packet Radio Service.
GUI = Graphic User Interface (Interface Gráfica).
HMD = Head Mounted Display (Capacete de Realidade Virtual).
HUD = Head Up Display.
HTML = HyperText Markup Language (Linguagem de Marcação de Hipertexto).
HTTP = HyperText Transfer Protocol (Protocolo de Transferência de Hipertexto).
J2ME = Java 2 Platform Micro Edition.
MMORPG = Massively Multiplayer Online Role Playing Game (Jogo de RPG On-line
de Multiusuários Massivo).
MMS = Multimedia Message Service (Torpedo Multimídia).
MOO = Multi-User Dungeon, Object Oriented (Ambiente de Multiusuários
Orientado a Objetos).
MUD = Multi-User Dungeon, ou Dimension (Ambiente de Multiusuários).
NTD = Nomadic Technology Devices (Tecnologias Nômades, ou Móveis, de
Comunicação).
PARC = Palo Alto Research Center (Centro de Pesquisas da Xerox, em Palo
Alto).
1
Algumas traduções não são literais porque na língua inglesa os nomes originais já terem assumido
significado mais amplo, outras palavras para as quais não existem traduções oficiais, serão utilizadas no
original inglês, com a devida explicação.
x
PDA = Personal Digital Assitant (Assitente Pessoal Digital).
RA = Realidade Aumentada.
RM = Realidade Mista.
RV = Realidade Virtual.
SMS = Short Message Service (Torpedo).
TDMA = Time Division Multiple Access.
VRML = Virtual Reality Modeling Language (Linguagem de Modelagem para
Realidade Virtual).
WML = Website META Language
WWW = World Wide Web
xi
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1
: Guido da Siena (século XIII). © Scala / Art Resource, N.Y. (School of).
Santa Clara repulsa os Sarracenos Localização : Pinacoteca Nazionale, Siena,
Italia.
Figura 2
: Psalter mapa mundi, 1225-1250 d.c. (orientado com o leste no topo). Autor
desconhecido. Localização: Biblioteca Britânica (Add. MS. 28681, fol. 9r).
Disponível em: http://www.henry-davis.com/MAPS/EMwebpages/223.html
.
Acesso em: 29 nov. 2003.
Figura 3
: De Unveiling the Edge of Time, por John Gribbin. © 1992, John Gribbin.
Re-impresso por permissão de Harmony Books, uma divisão de Crown
Publishers, Inc.
Figure 4
: O quadrado semiótico (simplificado) de acordo com N. Katherine Hayles.
(1996, p.9)
Figuras 5 e 6
: Evolved Virtual Creatures e Panspermia. © 1987-2001, Karl Sims, All
rights reserved. Disponível em: http://www.genarts.com/karl/
. Acesso em: 28
nov. 2003.
Figura 7
: database. © 2002, Adriana de Souza e Silva e Fabian Winkler.
Figura 8
: database. © 2002, Adriana de Souza e Silva e Fabian Winkler.
Figura 9
: database. © 2002, Adriana de Souza e Silva e Fabian Winkler.
Figura 10
database. © 2002, Adriana de Souza e Silva e Fabian Winkler.
Figura 11
: database. © 2002, Adriana de Souza e Silva e Fabian Winkler.
Figura 12
: Richard of Holdingham. Hereford Map, Hereford Cathedral, Hereford
(1280s). Disponível em: http://www.dac.neu.edu/english/kakelly/
med/beyond.html
. Acesso em: 17 dez. 2003.
Figuras 13 e 14
: A interface gráfica de Imateriais. © 1999, Itaú Cultural.
Figura 15:
Vídeo de documentação de Hole in Space no ZKM (Alemanha, 2003).
Disponível em: http://www.banquete.org/v2/espagnol/obrasEspagnol/
fichaobra.php?id=10&idioma=em
. Acesso em: 26 jan. 2004.
Figura 16
: Espaços de interação e sociabilidade. © 2004, Adriana de Souza e Silva.
Figura 17
: Definição de realidade mista. (MILGRAM, 1999, p.7)
xii
Figura 18:
Definição de realidade híbrida. © 2004, Adriana de Souza e Silva.
Figura 19
: Foto de tela do vídeo de documentação 110110101. © 2002, Kim Hager,
Namrata Mohanty, Meghan Newell, Dolores Rivera, Adriana de Souza e Silva,
Ashok Sukumaran, and Fabian Winkler.
Figura 20
: Exemplos de padrões de autômatos celulares.
Figura 21
: Evolução da invenção de computadores wearable, de Steve Mann.
Disponível em: http://wearcam.org/
. Acesso em: 28 set. 2003.
Figura 22
: Wristomo. © 2003, NTT DoCoMo, Inc. All Rights Reserved. Disponível
em: http://www.nttdocomo.com/presscenter/pressreleases/press/
pressrelease.html?param[no]=228
. Acesso em: 01 out. 2003.
Figura 23
: Telefone de pulso GPRS da Sansung. © 1995-2003, Samsung, Inc. All
Rights Reserved. Disponível em:
http://www.samsung.com/PressCenter/PressRelease/
images/L_watchphone1.jpg
. Acesso em: 01 out. 2003.
Figura 24
: Dyna-Tac 8000X da Motorola. Disponível em: http://www.buyncell.com/
features/special/martin_cooper/
. Acesso em: 04 out. 2003.
Figuras 25 e 26
: Netsuke e acessórios para telefones celulares. © 2003, Machiko
Kusahara.
Figura 27
: Straps para namorados. © 2003, Machiko Kusahara.
Figura 28
: Porta-telefone celular no Japão. © 2003, Machiko Kusahara.
Figura 29
: Anúncio para a competição de polegares. © 2003, Machiko Kusahara.
Figura 30
: O chão de grafite. © 2003, Ashok Sukumaran.
Figura 31
: A imagem do escaneamento de átomos de grafite com o STM. © PicoLab,
UCLA: Lisa Wesoloski, Shane Dultz e James Gimzewski.
Figura 32
: O Celular que dá Choques. © 2002, Crispin Jones e IDEO.
Figura 33
: O Celular Catapulta. © 2002, Crispin Jones e IDEO.
Figuras 34 e 35
: Blinkenlights. © 2002, Chaos Computer Club.
Figura 36
: Os jogos japoneses para celular com tela de alta resolução. © 1999-2003,
Japanreference.com. Disponível em: http://www.jref.com/forum/
archive/topic/3905-1.html
. Acesso em: 11 out. 2003.
Figura 37
: A interface de TibiaME. © 04 set. 2003, InfoSync World. Disponível em:
http://www.infosyncworld.com/news/n/4030.html
. Acesso em: 08 nov. 2003.
xiii
Figura 38
: The Go Game. © The Go Game. Disponível em:
http://www.thegogame.com
. Acesso em: 16 nov. 2003.
Figura 39
: The Go Game. © The Go Game. Disponível em:
http://www.thegogame.com/brownie/game/how/index.asp
.
Acesso em: 16 nov. 2003.
Figuras 40 e 41
: Supafly: Imagens do website. © It’s Alive. Disponível em:
http://www.itsalive.com
. Acesso em: 17 nov. 2003.
Figura 42
: Can You See Me Now? © Blast Theory e Mixed Reality Lab. Disponível em:
http://www.blasttheory.co.uk/work_cysmn.html
. Acesso em: 17 nov. 2003.
Figura 43:
Resumo do argumento da Tese. © 2004, Adriana de Souza e Silva.
xiv
LISTA DE TABELAS
Tabela 1
: Evolução do telefone pré-pago no Brasil. Fonte: Teleco. Disponível em:
http://www.teleco.com.br/comentario/com11.asp
. Acesso em: 30 set. 2003.
Tabela 2
: Por que telefones celulares são tão populares? © 2003, Adriana de Souza e
Silva.
Tabela 3
: Distribuição de idade dos usuários que responderam à pesquisa. © 2003,
Adriana de Souza e Silva.
Tabela 4
: Resultado da pesquisa do Ibope no Brasil por faixa etária.
Tabela 5
: Onde você não atenderia a uma chamada? © 2003, Adriana de Souza e Silva.
Tabela 6
: Número de respostas por região. © 2003, Adriana de Souza e Silva.
Tabela 7
: Tempo de uso do telefone celular em anos. © 2003, Adriana de Souza e Silva.
Tabela 8
: Vendas de celulares (1.000 unid.) – Brasil e Argentina. Fonte: Teleco.
Disponível em: http://www.teleco.com.br/tutoriais/
tutorialcmovel/pagina_3.asp
. Acesso em: 14 out. 2003.
Tabela 9
: A evolução da tecnologia celular. Fonte: Teleco. Disponível em:
http://www.teleco.com.br/tutoriais/tutorialcmovel/pagina_3.asp
.
Acesso em: 14 out. 2003.
xv
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .................................................................................................................... 1
PARTE I: ambientes de multiusuários como espaços (virtuais) ...................................... 9
1.
DEFININDO O CIBERESPAÇO = CIBERNÉTICA + ESPAÇO.............................................. 9
1.1. O ciberespaço como espaço................................................................................... 11
1.2. A cibernética e a estranha imaterialidade da informação................................. 21
1.3. Um mundo simulado de informação.................................................................... 26
1.4. Interfaces da imaterialidade................................................................................. 31
1.5. database
– o papel de interfaces materiais........................................................... 34
1.5.1. Os bancos de dados e as interfaces........................................................... 37
1.5.2. Uma impressora que lê: tempo real, interioridade e exterioridade........... 40
1.5.3. Apagando a escrita: tempo e mecanismos de memória............................ 45
2.
DEFININDO O VIRTUAL: SIMULAÇÃO, POSSIBILIDADE, POTENCIALIDADE, NÃO-
LUGAR............................................................................................................................. 48
2.1. O virtual como simulação: representação, realidade e espaços públicos......... 49
2.1.1. O virtual como cópia ................................................................................ 51
2.1.2. O virtual como simulação......................................................................... 53
2.1.3. Podemos acreditar na realidade? Descartes e a distinção entre o real e o
imaginário........................................................................................................... 57
2.2. O virtual como possível......................................................................................... 63
2.2.1. O movimento da potência ao ato .............................................................. 63
2.2.2. Os mundos incompossíveis e o melhor de todos os mundos.................... 65
2.2.3. O jogo da vida: todos os possíveis ao mesmo tempo ............................... 67
2.3. O virtual como potência........................................................................................ 69
2.4. O virtual como não-lugar...................................................................................... 71
xvi
3.
AMBIENTES DE MULTIUSUÁRIOS COMO ESPAÇOS (VIRTUAIS).................................. 76
3.1. A Internet como um espaço de sociabilidade...................................................... 78
3.2. MUDs como lugares do imaginário...................................................................... 89
3.2.1. A construção de lugares do imaginário .................................................... 91
3.2.2. A ilusão dos MUDs como lugares de liberdade ....................................... 99
3.3. MUDs como espaços virtuais.............................................................................. 101
3.3.1. MUDs e corpos virtuais.......................................................................... 102
3.3.2. A cidade virtual: de lugares a espaços.................................................... 105
3.3.3. Os MUDs como labirintos: mapeando espaço virtuais .......................... 109
4.
ARTE, INTERFACES GRÁFICAS E ESPAÇOS VIRTUAIS: ESTUDOS DE CASO................ 113
4.1. Arte e mundos virtuais........................................................................................ 113
4.1.1. Quando o jogo encontra a arte................................................................ 114
4.2. Telepresença e espaços virtuais.......................................................................... 124
4.2.1. Experiências artísticas pioneiras usando os telefones como interfaces.. 125
4.2.2. Vídeo, satélites e telepresença................................................................ 128
PARTE II: Espaços (híbridos) como ambientes de multiusuários ............................... 134
5.
DEFININDO ESPAÇOS HÍBRIDOS................................................................................ 134
5.1. Realidade híbrida x realidades virtual, aumentada e mista............................ 138
5.2. Considerações sobre o turista, o viajante e o nômade...................................... 144
5.2.1. O viajante e as rotas................................................................................ 144
5.2.2. Espaços nômades produzidos por tecnologias nômades ........................ 145
5.3. De espaços a lugares: deslocando o sujeito e os espaços de comunicação...... 150
5.3.1. Desconectando espaços e lugares........................................................... 151
5.3.1.1. A ferrovia acelerando deslocamentos...................................... 151
5.3.1.2. 110110101 -- Organic Intelligence: falta comunicação no
espaço urbano ....................................................................................... 154
5.3.1.3. De lugares a espaços: em direção ao espaço digital ................ 160
5.3.2. Reconectando lugares e espaços: em direção ao espaço híbrido............ 162
xvii
6.
INTERFACES DO ESPAÇO HÍBRIDO............................................................................ 165
6.1. Da imaterialidade à materialidade..................................................................... 166
6.2. Computação ubíqua: uma visão pioneira sobre como trazer o digital para
dentro do físico............................................................................................................ 168
6.3. Computadores wearable: carregando o espaço digital..................................... 172
6.4. Tecnologias nômades: combinando mobilidade e comunicação ..................... 177
6.4.1. Sobre algumas características das interfaces móveis ............................. 177
6.4.1.1. Ubiqüidade .............................................................................. 177
6.4.1.2. Wearabilidade ......................................................................... 181
6.4.1.3. Imersividade ............................................................................ 185
6.4.1.4. Presença................................................................................... 188
6.4.1.5. Sociabilidade: criando ambientes de multiusuários ................ 190
6.4.2. Sobre as conseqüências do uso de interfaces móveis............................. 192
6.4.2.1. Mobilidade e imaginação: dobrando contextos....................... 192
6.4.2.2. Mobilidade e espaços: público, privado e (não) controle........ 194
6.4.2.3. Mobilidade e micro-coordenação ............................................ 197
6.4.3. Sobre o desenvolvimento das interfaces móveis .................................... 198
6.4.3.1. De chamadas de emergência a redes sociais ........................... 198
6.4.3.2. De um simples telefone a um aparelho de multimídia, controle
remoto e joystick................................................................................... 201
- SMS (Torpedos).................................................................................. 202
- Posicionamento celular/GPS (Sistema de Posicionamento Global).. 204
- Telefones com câmera........................................................................ 205
- Internet (WAP e I-mode) .................................................................... 206
7.
TRANSFORMANDO A SUBJETIVIDADE: TELEFONES CELULARES E LUGARES .......... 209
7.1. Japão e Finlândia: os países móveis................................................................... 211
7.1.1. Finlândia: kännys como controles remotos, torpedos e produtores de
sociabilidade..................................................................................................... 212
7.1.2. Japão: keitai são parte da vida dos japoneses......................................... 216
7.2. Estados Unidos e Brasil: telefones celulares são apenas telefones.................. 227
xviii
7.2.1. Estados Unidos: por que o país ficou para trás? Fatos históricos........... 227
7.2.2. Brasil: criando uma nova cultura móvel ou apenas seguindo os Estados
Unidos?............................................................................................................. 237
8.
TRANSFORMANDO A EXPERIÊNCIA DE ESPAÇO: ARTE + TECNOLOGIAS MÓVEIS
TRANSFORMANDO ESPAÇOS EM LUGARES
................................................................... 256
8.1. O imaginário invisível: museus, realidade híbrida e nanotecnologia............. 258
8.1.1. nano e LACMALab: desafiando o conceito de museus tradicionais..... 258
8.1.2. A construção dos espaços de museus ..................................................... 259
8.1.2.1. Os museus físicos .................................................................... 259
8.1.2.2. Os museus virtuais................................................................... 260
8.1.2.3. Os museus híbridos.................................................................. 263
8.1.3. A construção de espaços imaginários em nano...................................... 266
8.1.4. Esvaecendo as bordas entre o real e a imaginação: futuros possíveis.... 272
8.2. Arte híbrida e espaços públicos.......................................................................... 274
8.2.1. Telefones celulares, arte e espaços públicos .......................................... 277
8.2.1.1. Social Mobiles: questionando os telefones celulares como
aparelhos de comunicação.................................................................... 278
8.2.1.2. Blinkenlights: o telefone celular como controle remoto......... 280
9.
ESPAÇOS (HÍBRIDOS) COMO AMBIENTES DE MULTIUSUÁRIOS................................ 283
9.1. Jogos e lugares imaginários................................................................................ 285
9.1.1. O que é um jogo?.................................................................................... 285
9.1.2. Gameplay e playability: componentes dos jogos ................................... 287
9.1.3. Viajar, fazer compras e jogar: passeios ao desconhecido?..................... 291
9.2. Jogos móveis e comunidades móveis.................................................................. 296
9.2.1. Definindo os jogos para celular através das interfaces móveis .............. 296
9.2.2. Comunidades móveis: o indivíduo como o nó da rede........................... 302
9.3. Jogos ubíquos: quando o jogo se interpola a vida............................................ 307
9.3.1. Introdução aos jogos ubíquos: Majestic................................................. 307
9.3.2. It’s Alive: o jogo está nas ruas................................................................ 310
xix
9.4. Jogos + Arte: Blast Theory.................................................................................. 318
CONCLUSÃO.................................................................................................................. 321
xx
“Ao mover-se de célula em célula, o usuário estica a célula que está
deixando até que o sinal da próxima célula esteja suficientemente forte
para substituir o anterior. A célula anterior, então, volta à posição
original assim que o usuário se move mais para dentro da próxima célula.
As bordas das células também podem se expandir ou se contrair em
função de mudanças meteorológicas. (…) A maioria das redes, qualquer
que seja sua forma, segue um processo racional, onde cada nó se conecta
a todos os outros. Tais nós são dispostos lógica e controladamente,
refletindo um sistema altamente eficiente. Apesar de também se
comportar deste modo, a rede celular possui excentricidades particulares.
Suas células, em formato amebóide, estão em constante movimento,
quase que como compostos de natureza orgânica, pois elas se conectam à
paisagem terrestre e aos seus frenéticos habitantes. Na tentativa de ser
eficiente, as bordas móveis da rede celular criam zonas de
ambigüidade”.
2
(CATTERALL, In: RABY et al., 2000)
2
Todas as traduções, a menos que mencionado o tradutor, são da autora desta Tese.
“As a person moves from cell to cell, the one they are leaving stretches with them until the next cell’s
signal strength is strong enough to take over. The first cell then springs back into position as the person
moves into the new cell. The cell’s edges may also expand and contract in response to changes in the
weather. (…) Most networks, of whatever form, follow a rational process, where every node connects to
every other node. They are controlled and logical, reflecting a highly efficient system. Although the
cellular network also behaves in this way, it has its own rather curious eccentricities. Its simple amoebic-
like cells are in constant motion, almost organic in nature, as they connect with the terrestrial landscape
and its frenetic inhabitants. In its attempts to be efficient, the cellular network’s shifting boundaries
unintentionally creates zones of ambiguity”.
INTRODUÇÃO
De ambientes de multiusuários como espaço ao espaço como ambiente de
multiusuários significa que comunidades virtuais, definidas pela presença distribuída dos
seus usuários em espaços não-contíguos, migram para espaços híbridos, devido ao uso
de novas interfaces digitais: tecnologias nômades de comunicação. Esta Tese trata de
como as tecnologias móveis, com destaque para os telefones celulares, produzem novas
redes sociais em um espaço híbrido que permeia espaços físicos e digitais, devido à
mobilidade contínua de seus usuários. Deste modo, este trabalho parte do pressuposto de
que toda realidade é mediada e que nossa experiência de espaço depende tanto do
pensamento, quanto da técnica.
Durante a década passada, ambientes de multiusuários no ciberespaço foram
freqüentemente encarados como espaços ideais nos quais os habitantes poderiam
projetar os mais diversos tipos de imaginários. Além disso, os espaços digitais foram
vistos como essencialmente desconectados dos espaços físicos. Hoje, como espaços do
imaginário são redefinidos quando comunidades se formam em espaços híbridos? O que,
de fato, significa um ambiente de multiusuários num espaço que carrega elementos tanto
de espaços digitais, quanto de físicos? A passagem do digital ao híbrido é desenvolvida
por meio da arte e dos jogos, atividades lúdicas que, tradicionalmente, lidam com a
projeção de espaços imaginários. As tecnologias nômades de comunicação influenciam
fortemente tanto a arte midiática (media arts) quanto os jogos ubíquos (pervasive
games), libertando-os de seus espaços tradicionais (o museu e o tabuleiro/monitor) e
expandindo-os para espaços urbanos. Os jogos e a arte também são responsáveis pela
criação de sociabilidade em espaços híbridos, redefinindo os limites entre o real e o
imaginário. O aparecimento dos jogos ubíquos, também conhecidos como jogos
baseados em posicionamento celular (location-based mobile games), é um exemplo
dessa tendência. Outros exemplos surgem com projetos artísticos que intervêm em
espaços públicos. Em resumo, esta pesquisa aponta para o fato de que o digital não pode
ser considerado separado do físico e é elemento essencial para criação de sociabilidade e
imaginários em espaços urbanos.
A primeira parte desta Tese é dedicada à conceitualização do ciberespaço como
um espaço imaterial de informação. A Internet é analisada não apenas como lugar de
2
encontro e sociabilidade, mas também como um espaço em que usuários costumavam
projetar seus desejos libertários, na medida em que a rede digital era considerada um
espaço imaterial, não condicionado às leis da física. Da mesma forma, os ambientes de
multiusuários também representavam projeções de espaços imaginários. Ambientes de
multiusuários na Internet foram considerados espaços de liberdade e espaços potenciais
para o desenvolvimento de novos tipos de sociabilidade. Durante a década de 90, era
comum acreditar que a Internet poderia ser o (não) lugar ideal para o desenvolvimento
de comunidades alternativas, pois usuários acreditavam poder construir novas
identidades e viajar ao redor do mundo sem a necessidade de se mover fisicamente.
Além do mais, a possibilidade de comunicação a distância eliminava medos e angústias
relacionados à comunicação cara-a-cara. Estudos de caso de como a arte e os jogos
foram desenvolvidos em espaços digitais são importantes para analisar os ambientes de
multiusuários como espaços lúdicos e de liberdade. É interessante notar, no entanto, que
sempre houve uma certa tensão entre ambos – jogos não poderiam ser considerados
trabalhos artísticos e vice-versa.
Existem muitas histórias da Internet. A rede de computadores que começou a ser
desenvolvida no final dos anos 60 já foi utilizada para o acesso remoto à informação;
como um meio mais rápido e eficiente de envio de correspondências (e-mails)
1
; como
um meio disponibilizador de informações; como um espaço de fluxos e também como
um lugar de sociabilidade. A intenção deste trabalho não é contar mais uma história da
Internet como um lugar social, muito menos re-criar uma história da rede digital como
fenômeno tecnológico. O interesse é analisar como o conceito de ‘ciberespaço
transformou-se em sinônimo de Internet. Dentro desse contexto, estuda-se como o
conceito foi internalizado pelo sujeito contemporâneo, transformando a rede digital em
um espaço de fluxos imaterial. A definição da Internet como espaço mediado, assim
como o desenvolvimento de diversas interfaces materiais que permitissem a
comunicação com o meio, demonstra a estranheza de se perceber o espaço digital como
entidade imaterial. A análise do desenvolvimento do conceito de ‘ciberespaço’ como
espaço virtual e simulado é também decisiva para a compreensão de sua suposta
imaterialidade, fato que contribuiu para a ilusão da possibilidade de criação da cidade e
do corpo virtuais. Como a idéia de ambientes simulados contribuiu para desconectar os
1
E-mail, ou correio eletrônico, será utilizado nesta Dissertação em sua forma original, na língua inglesa,
e-mail, por se considerar que seja uma palavra já absorvida pela cultura brasileira.
3
conceitos de ‘físico’ e ‘virtual’, acarretando a crença de que os usuários poderiam
desenvolver novos tipos de sociabilidade na Internet?
A segunda parte deste trabalho define espaços híbridos a partir do aparecimento
de interfaces digitais móveis. Além disso, estuda como os telefones celulares, dentro do
contexto de tecnologias nômades de comunicação, são usados em diferentes partes do
mundo: Rio de Janeiro, Los Angeles, Helsinque e Tókio. Telefones celulares são
componentes essenciais de um novo tipo de sociabilidade que ocorre em um espaço
dobrado, que inclui contextos distantes dentro do contexto presente. Os últimos
capítulos são dedicados à arte midiática e aos jogos ubíquos. A arte no século XXI
emprega tecnologias nômades e computação ubíqua para re-definir espaços urbanos e
criar novos ambientes sociais. Um objetivo similar é alcançado pelo uso de telefones
celulares como interfaces em jogos ubíquos, criando um novo conceito de ‘comunidade’
e uma compreensão singular de espaços urbanos. Em resumo, esta pesquisa procura
investigar como o paradigma de “comunidades contidas em espaços não-contíguos”
migra da Internet para espaços físicos, criando uma nova percepção da cidade, assim
como novos modelos comunicacionais entre cidadãos.
O primeiro capítulo define o ciberespaço de acordo com os dois conceitos a
partir dos quais a palavra é composta: ‘cibernética’ e ‘espaço’. Cibernética é a ciência
criada por Norbert Wiener, Claude Shannon e outros acadêmicos durante as
Conferências Macy, na década de 50, responsável por conceitualizar a informação como
entidade imaterial e independente das interfaces materiais que a suportam. Quando
William Gibson (1984) definiu o termo ‘ciberespaço’ para descrever um espaço
informacional, ele se referia claramente à imaterialidade que o conceito originalmente
sugeria. Negando essa tendência, este capítulo trata das interfaces materiais que
possibilitam a conexão com o espaço digital, enfatizando que o ciberespaço é, de fato,
material e que sua percepção é modificada pelas interfaces através das quais o
habitamos. A instalação database
, desenvolvida pela autora, em colaboração com
Fabian Winkler, é um estudo de caso que exemplifica a importância das interfaces
materiais na interação com espaços digitais. database
inverte o significado tradicional
de interfaces digitais, sugerindo uma nova “leitura” das tecnologias computacionais. O
conceito de ‘ciberespaço’, além de descender da cibernética e do conceito de ‘espaço’,
também significa um mundo simulado de informação. A idéia da simulação do espaço
4
físico no espaço “virtual” e “imaterial” dos computadores foi igualmente aplicada a
seres vivos, influenciando nossa percepção do ciberespaço como algo independente do
espaço físico.
Após o surgimento do conceito de ‘ciberespaço’, freqüentemente a palavra
‘virtual’ foi aplicada para descrever mundos simulados construídos através da
tecnologia digital. A idéia de realidade virtual, de fato, surgiu com os simuladores de
vôo nos anos 70.
2
No entanto, à medida que as tecnologias nômades e a computação
ubíqua ganham visibilidade, o virtual não pode mais ser considerado como simulação,
ou como uma imagem numérica. Além disso, para o senso-comum, muitas vezes o
virtual foi considerado como oposto ao real. Na medida em que o conceito de ‘espaço
híbrido’ inclui o conceito de ‘virtual’, é decisivo, também, esclarecer o significado do
virtual. O capítulo 2, Definindo o virtual, apresenta diferentes considerações filosóficas
em relação ao conceito e sua conseqüente relação com o conceito de ciberespaço. Este
segundo capítulo versa sobre o virtual por meio de quatro conceitos principais:
‘simulação’, ‘possibilidade’, ‘potencialidade’ e ‘não-lugar’. Os dois últimos estão
relacionados aos espaços híbridos criados pelas tecnologias nômades.
O terceiro capítulo define os ambientes de multiusuários (MUDs) como espaços
sociais, imaginários e “virtuais”.
3
Os Tiny MUDs (ou MUDs Sociais) são
conceitualizados, a partir da história dos jogos e dos mapas, como lugares de
sociabilidade. Em seguida, uma breve história dos espaços imaginários, como espaços
construídos para além das bordas do espaço físico conhecido, suporta a idéia de que os
ambientes de multiusuários na Internet surgiram como lugares perfeitos para a projeção
do imaginário, uma vez que o espaço físico terrestre fora mapeado. Os MUDs foram
encarados como lugares de liberdade do corpo e dos espaços físicos. No entanto, tais
ambientes nunca desempenharam de fato esse papel, principalmente porque os mundos
virtuais nunca foram desconectados do espaço físico, como se acreditava. Por fim, os
MUDs são analisados como espaços “virtuais”, isto é, como simulações de espaços e do
corpo físico. A análise dos MUDs como espaços ideais de comunicação é desenvolvida
através da idéia originalmente explorada por Manuel Castells (2000, p.442) e,
2
Para uma história detalhada dos simuladores de vôo: GRUPPING, Jos. Flight Simulator History.
Disponível em: http://simflight.com/~fshistory/fsh/versions.htm
. Acesso em: 28 nov. 2003.
3
No sentido do virtual como simulação.
5
posteriormente, por Kevin Kelly
4
(1999), de que os lugares estão perdendo suas
referências materiais e migrando para espaços imateriais de informação, definidos por
redes e conexões. Em todo caso, os autores mencionados também argumentam que o
sujeito sempre habitará lugares e que comunidades continuarão a ser formadas em
espaços físicos. Essa idéia é retomada no capítulo 5, Definindo espaços híbridos,
aos
se argumentar que comunidades são atualmente transferidas de espaços
informacionais/materiais para espaços híbridos.
Por fim, a primeira parte desta Tese termina com estudos de caso de mundos
virtuais que combinam arte e jogos, como é o caso de Imateriais, produzido por Jesus
de Paula Assis, Ricardo Ribemboim, Celso Favaretto, Ricardo Anderáos e Roberto
Moreira, em 1999, pelo Instituto Itaú Cultural. Em seguida, há uma volta ao passado, a
um período anterior a WWW, que busca em experimentos artísticos em telepresença a
semente dos espaços híbridos em um tempo anterior às tecnologias nômades. Essa
busca nos conduz a experimentos pioneiros utilizando telefones como interfaces, assim
como a projetos mediados por satélites, como é o caso de Hole in Space (1980), de Kit
Galloway e Sherrie Rabinowitz.
A segunda parte deste trabalho começa com a definição de espaços híbridos em
oposição aos conceitos de ‘realidade virtual’, ‘realidade aumentada’ e ‘realidade mista’.
Espaços híbridos são definidos pela mistura, ou dissipação das bordas entre espaços
físicos e virtuais. Espaços híbridos são espaços nômades, criados pela mobilidade
constante de usuários que carregam aparelhos portáteis de comunicação continuamente
conectados à Internet. Ao contrário do ciberespaço, no entanto, os espaços híbridos não
podem ser considerados sinônimos de espaços digitais. São espaços criados pela dobra
de contextos distantes dentro de contextos presentes e pela imprevisibilidade contida em
ações derivadas da mobilidade dos usuários, potencialmente sempre conectados, por
espaços físicos. Tais espaços são mais próximos a espaços potenciais do que simulados.
Assim como o ato da viagem, analisado no capítulo 3, os espaços híbridos também são
derivados do movimento pelo espaço físico. Ao contrário do viajante, porém, os
4
KELLY, Kevin. New rules for the new economy. 10 radical strategies for a connected world. New
York : Penguin Books, 1999. 171 p. Disponível em: http://www.kk.org/newrules/
. Acesso em: 06 set.
2003.
6
habitantes de espaços híbridos estão equipados com aparelhos móveis e wearable
5
em
seus percursos diários, perambulando ao redor do mesmo espaço urbano ou território,
em vez de partir em jornadas sem fim. Nesse sentido, a idéia de espaço híbrido é mais
adequada se relacionada ao conceito de ‘espaços nômades’, conforme definido por
Deleuze e Guattari (1997, p.380). Além disso, ‘híbrido’ chama a atenção para o fato de
que o ciberespaço, ou espaço digital, nunca foi desligado do espaço físico. Fatos
históricos contribuíram para esse tipo de pensamento, mas hoje as tecnologias nômades
e a computação ubíqua (ubiquitous ou pervasive computing) mostram que os espaços
digitais podem ser facilmente integrados à vida cotidiana. Não é preciso sair ou se
desconectar do espaço físico para se ter acesso aos espaços digitais. O virtual, nesse
sentido, significa um universo de potencialidades criado pela dobra de contextos
distantes no contexto presente, ocorrendo em espaços e tempos “entre” lugares.
Finalmente, esse capítulo faz o caminho inverso de espaços a lugares: é demonstrado
como os espaços comunicacionais foram deslocados pela emergência de tecnologias
avançadas de transporte, migrando parcialmente para espaços digitais; e como hoje
espaços e lugares são novamente conectados, criando o espaço híbrido.
No capítulo 1, o conceito ‘interfaces da imaterialidade’ foi usado para
denominar interfaces materiais utilizadas para a conexão com espaços digitais. No
capítulo 6, Interfaces do espaço híbrido representam interfaces digitais que medeiam
nossa comunicação com espaços híbridos. Interfaces de espaços híbridos são
tecnologias nômades, wearable e ubíquas. Neste ponto da narrativa, o foco principal
passa a ser os telefones celulares como exemplos de tecnologias móveis que
transformam nossa experiência de espaço e influenciam a sociabilidade em espaços
híbridos. Em seguida, são exploradas possíveis conseqüências do uso de interfaces
nômades, como (1) o re-posicionamento de espaços imaginários, devido à dobra de
contextos distantes dentro do presente contexto e (2) as transformações na experiência
de espaço devido ao esvanecimento das bordas entre o físico e o virtual, o público e o
privado, além da possibilidade de micro e macro-coordenação entre usuários. Por fim,
esse capítulo aponta para futuros desenvolvimentos de interfaces móveis, numa época
em que os telefones celulares não mais serão vistos apenas como telefones portáteis,
5
Wearable significa, literalmente, ‘o que se pode vestir’. O termo também está ligado aos wearable
computers, ou computadores que são acoplados ao corpo e carregados com o usuário. Pela falta de
tradução direta, usarei, nesta Tese, o termo original em inglês.
7
mas também como aparelhos de multimídia, controles remotos, joysticks e,
principalmente, como tecnologias sociais.
O capítulo 7 enfatiza mudanças na percepção do sujeito contemporâneo através
do uso de tecnologias nômades, em função de lugares específicos. O uso de telefones
celulares difere substancialmente em diferentes países no mundo. Em Telefones
celulares e lugares, as culturas “móveis” da Finlândia e do Japão são comparadas aos
estudos de caso representados pelo Brasil e pelos Estados Unidos. O estudo sobre o uso
de telefones celulares nesses países foi desenvolvido principalmente por meio de
entrevistas e matérias de jornais e revistas on-line. Especialmente nos Estados Unidos e
no Brasil, uma pesquisa feita através da Internet foi usada para coletar experiências
individuais e dados sobre como os usuários percebem os telefones celulares como meios
de comunicação. O capítulo também analisa porquê as tecnologias móveis podem ser
consideradas parte das culturas japonesa e finlandesa e o mesmo não acontece no Brasil
e nos Estados Unidos. Os telefones celulares são populares em todos os quatro países,
porém, o uso cultural da interface é completamente diferente. Na Finlândia e no Japão,
os celulares são interfaces sociais.
O capítulo 8 é dedicado à arte midiática e às transformações na experiência da
subjetividade contemporânea através da arte. Os telefones celulares e a computação
ubíqua, quando usados como interfaces artísticas, influenciam a transformação de
espaços físicos, promovendo a sociabilidade e a comunicação em espaços anteriormente
definidos como circulatórios e neutros. Como a arte mediada por tecnologia transforma
os espaços públicos (circulatórios) e os espaços (neutros e impessoais) de museus? A
exposição nano, produzida pela Universidade da Califórnia, Los Angeles (UCLA) em
parceria com o LACMALab (Los Angeles County Museum of Art, Boone Children’s
Gallery), é um exemplo do último caso. O primeiro caso é exemplificado por trabalhos
artísticos que empregam telefones celulares como interfaces e instalações de grande
porte em espaços públicos. Nesse ponto, é interessante perceber que o ostracismo
relacionado a telefones como interfaces artísticas, anteriormente mencionado no
capítulo 4, é reconfigurado no século XXI com a popularização dos telefones celulares,
que se tornam importantes interfaces para o artista. Não é preciso dizer que há uma
diferença substancial entre o telefone com fio e os telefones celulares: os celulares são
8
aparelhos móveis, pessoais, e podem ser transportados em espaços públicos, facilitando
a interação entre os usuários, os espaços públicos e a obra de arte.
Finalmente, o último capítulo trata dos jogos ubíquos. O tema espaços híbridos
como ambientes de multiusuários é, por fim, abordado explicitamente dentro do
contexto dos jogos ubíquos. Em primeiro lugar, os jogos são definidos como espaços de
projeção do imaginário, em alusão a ambientes de multiusuários na Internet, os quais
são descendentes dos jogos de RPG (role-playing games). Além disso, o ato de jogar é
comparado aos movimentos anteriormente analisados do viajante e do turista, atividades
que removem o sujeito do espaço físico, projetando-o em um lugar inexplorado,
desconhecido e inesperado. Além de contribuir para a construção de espaços
imaginários, os jogos também podem ser definidos como atividades virtuais
(potenciais), em que o inesperado está sempre na iminência de emergir. Em seguida, é
estudada a relação entre os jogos e as comunidades móveis, com a intenção de averiguar
de que modo interfaces móveis podem ser usadas para criar novos tipos de jogos que
incluem mobilidade, posicionamento no espaço físico e ubiqüidade. A resposta para tal
questão nos conduz ao estudo dos jogos ubíquos, que podem ser definidos como
atividades constantes, que acontecem no espaço e tempo “entre” outras atividades. O
estudo de caso de Botfighters (guerra de robôs), jogo móvel baseado em
posicionamento celular desenvolvido pela firma sueca It’s Alive, exemplifica o jogo
ubíquo. Por fim, a arte é novamente relacionada aos jogos (agora, ubíquos) através do
trabalho do grupo britânico Blast Theory.
Uma nota final: as fontes usadas para a maioria dos capítulos na segunda parte
desta Tese são provenientes de artigos de jornais e revistas na Internet, além de
entrevistas com pesquisadores, artistas e usuários comuns. Devido à novidade das
tecnologias móveis e dos jogos ubíquos, tais temas ainda não são diretamente abordados
em publicações acadêmicas. Assim, ao passo que cinco ou seis livros sobre esse assunto
constam nas referências bibliográficas, as referências retiradas da Internet somam mais
de 100.
Com o objetivo de conduzir uma pesquisa que não fosse somente especulativa,
mas também contivesse o material mais recente e inédito sobre as tecnologias nômades,
esta Tese faz uma análise histórica, teórica e empírica de um tempo dinâmico que
certamente será encarado no futuro como o início da era móvel.
9
PARTE I: ambientes de multiusuários como espaços (virtuais)
“Ciberespaço. Uma alucinação coletiva experimentada diariamente por bilhões de pessoas, em
todas as nações, por crianças aprendendo conceitos matemáticos… Uma representação gráfica de
informação abstraída dos bancos-de-dados de todos os computadores do sistema humano.
Inimaginável complexidade. Linhas de luz flutuando no não-espaço da mente, conjuntos e
constelações de dados. Como luzes da cidade, retrocedendo…”
1
(GIBSON, 2000, p.67)
1.
DEFININDO O CIBERESPAÇO = CIBERNÉTICA + ESPAÇO
Este capítulo estuda o conceito de ‘ciberespaço’ como responsável pela
compreensão da Internet como um espaço imaterial de informação. O ciberespaço foi
considerado um espaço através do qual não somente era possível acessar informação,
mas também navegar e habitar. Uma breve história da evolução do conceito de ‘espaço’
através da ciência e da arte nos ajudará a entender como espaços nos quais o sujeito
anteriormente projetava o imaginário foram deslocados ao longo da história ocidental.
Historicamente, espaços do imaginário e de liberdade foram representados além das
bordas do espaço físico conhecido – e o mesmo foi válido para o ciberespaço durante os
últimos 20 anos. Um outro lado dessa história é contado no capítulo 3, através de
narrativas de viajantes sobre maravilhas desconhecidas em espaços inexplorados. Para
melhor entender por que os ambientes de multiusuários foram considerados espaços
imaginários (também estudados no capítulo 3), é necessário, primeiramente, analisar a
construção espacial do ciberespaço, assim como o desenvolvimento histórico do próprio
conceito de ‘espaço’. Inicialmente, o termo ‘espaço’ será conceitualizado através de sua
articulação com o pensamento e com a arte. Será discutido como espaços imaginários e
de liberdade foram representados pela arte e pela literatura, emergindo além das bordas
do espaço físico conhecido. Posteriormente, esses espaços de liberdade foram
projetados na Internet, especialmente em ambientes de multiusuários.
1
Todas as traduções, a menos que explicitado, são da autora.
“Cyberspace. A consensual hallucination experienced daily by billions of legitimate operators, in every
nation, by children being taught mathematical concepts... A graphic representation of data abstracted
from the banks of every computer in the human system. Unthinkable complexity. Lines of light ranged in
the nonspace of the mind, clusters and constellations of data. Like city lights, receding...”
10
Nos anos 50, a cibernética definiu informação como uma entidade imaterial, fato
que anos mais tarde influenciou a percepção do espaço de informação como um espaço
imaterial e fluido. Simultaneamente, os computadores foram desenvolvidos para simular
processos vitais e, então, denominados máquinas de simulação, capazes de imitar tanto
a vida quanto o mundo em que vivemos, porém sem a necessidade de um suporte físico.
No próximo capítulo, será discutido como os mundos simulados passaram a ser
considerados “virtuais”, concentrando praticamente no mesmo conceito todas as
características relacionadas à Internet: ‘imaterialidade’, ‘informação’, ‘simulação’ e
‘virtualidade’. Finalmente, este capítulo estuda as interfaces da imaterialidade como
interfaces digitais “estáticas” que contribuíram para desenvolver a percepção da Internet
como um espaço imaterial, simulado e desconectado do espaço físico. O estudo de caso
da instalação database
2
, produzida pela autora em colaboração com Fabian Winkler,
nos chama a atenção para a importância das interfaces materiais na interação com a
tecnologia digital. Como foi possível imaginar que nossa percepção da informação
pudesse ser independente dos suportes materiais que a transmitem e a interpretam?
Nos próximos capítulos, o leitor seguirá a história de como nossa experiência de
espaço é transformada através de interfaces móveis, que deslocam os lugares do
imaginário e contribuem para a re-definição do sujeito contemporâneo. Igualmente, será
mostrado no capítulo 3 como os lugares do imaginário se transformaram devido ao
mapeamento e do próprio deslocamento pelo espaço físico. Quando todo o espaço físico
terrestre foi geograficamente mapeado, o ciberespaço transformou-se nesse lugar de
projeção do imaginário humano, pois o espaço informacional (e, conseqüentemente,
virtual) era considerado não pertencente ao mundo físico e, freqüentemente, não
pertencente ao real. Hoje, devido à emergência de tecnologias nômades de comunicação
e a conseqüente fusão das bordas entre o físico e o digital, como passaremos a
representar nossos espaços imaginários?
2
Para mais informação sobre database, consulte http://users.design.ucla.edu/~silvaad/database. database
é um trabalho premiado, tendo recebido o primeiro prêmio na categoria ‘Novas Mídias’ na exposição de
design digital (Digital Design Exhibit), realizada pela ACADIA (Associação para o Design
Computacional em Arquitetura), em outubro de 2002 (Pomona, Califórnia, Estados Unidos), e sendo
nominado na categoria ‘Arte Digital Interativa’, no Sexto Festival de Artes Midiáticas, em Tókio, Japão
(março de 2003). Além disso, o trabalho foi exibido no Simpósio de Literatura Eletrônica, realizado na
Universidade da Califórnia, Los Angeles, em abril de 2002, e apresentado no Simpósio File (Festival
Internacional de Linguagem Eletrônica), em São Paulo (agosto de 2002), e no Congresso da ACADIA.
database
também foi citado no mais recente livro de N. Katherine Hayles, The Writing Machine (MIT
Press, 2003), e no jornal L.A. Times, em abril de 2002.
11
O termo ‘ciberespaço’ é mais recente do que a Internet como meio tecnológico,
mas foi inventado quase 10 anos antes do surgimento da World Wide Web (WWW) em
1992. Criado por William Gibson para o romance Neuromancer em 1984, a palavra
‘ciberespaço’ representa a conexão de duas palavras: cibernética + espaço.
1.1. O ciberespaço como espaço
O espaço não é apenas dado, mas também construído como conceito, podendo
ser experimentado de diversas maneiras. Ao longo da história da sociedade ocidental,
foi possível habitar diferentes tipos de espaços: ambientes construídos pela cultura e
pela técnica, constituídos como espaços físicos, imaginados, representados e simulados
(ciberespaço). Produzimos espaços, mas o ambiente em que vivemos igualmente nos
produz.
Diferentes percepções e organizações do espaço correspondem a períodos
específicos da história ocidental. Da Idade Média ao século XXI, o modo pelo qual
organizamos nossos espaços é responsável por determinar estruturas sociais e o
desenvolvimento tecnológico, mas estes também determinam como o espaço é
representado através da literatura, da arte e da ficção científica. Hoje, temos acesso a
espaços anteriormente imaginados através de suas representações (textuais ou
imagéticas), indicando como esses lugares foram percebidos no passado.
Muitas vezes encarado como a derradeira representação de nossos espaços
imaginários, o ciberespaço foi também considerado um espaço de simulação. Seguindo
a lógica do simulacro desenvolvida por Jean Baudrillard (1994, p.6), o ciberespaço foi
visto como hiperrealidade, ou seja, como uma representação da realidade mais fiel do
que o próprio real. Simulacros são cópias sem originais. O ciberespaço, nesse sentido,
foi considerado auto-referente, pois incluía sua própria representação. Ao contrário da
pintura tradicional, a imagem digital não se baseia no modelo clássico de representação.
Para Edmond Couchot (1996, p.39-40), a imagem numérica não mais representa o real:
o simula. A lógica figurativa ótica do Renascimento, também chamada de morfogênese
por projeção, requeria a presença de um objeto real, o qual pré-existia à imagem.
Segundo essa lógica, cada ponto na tela deveria corresponder a um ponto específico no
mundo físico. Conseqüentemente, um elo era criado entre a realidade física e sua
12
imagem, pois a imagem era a representação de uma determinada realidade. Couchot
(Ibid., p.40) argumenta que representar significa passar de um ponto num espaço
tridimensional ao seu correspondente no espaço bidimensional.
No ambiente digital, no entanto, nenhum ponto de qualquer objeto físico
corresponde ao pixel. O pixel é a expressão visual, materializada na tela, de um cálculo
feito pelo computador que segue as instruções do programa. Se algo pré-existe ao pixel,
esse algo é o programa, não mais a realidade física. Dessa forma, a imagem digital não
mais representa a realidade: ela a simula. Ao contrário da pintura tradicional e da
fotografia, as quais representam uma visão específica da realidade, as imagens
numéricas modelam o mundo, correspondendo a uma idéia geral do que o mundo pode
ser. Nesse sentido, enquanto a representação corresponde a uma realidade atual, a
simulação corresponde a uma realidade virtual.
3
Assim como as imagens numéricas, as técnicas medievais de representação
também não eram baseadas na lógica figurativa clássica. Prescindindo das regras da
perspectiva linear, os objetos representados eram distribuídos em um espaço plano. A
diferença de tamanho entre os objetos na pintura era relacionada mais a uma estrutura
social hierárquica, do que a convenções de proximidade e distância do observador.
(WERTHEIM, 1999, p.85)
A arte medieval preocupava-se, principalmente, com uma representação
simbólica do mundo, isto é, com a representação de mundo ideal. O espaço da alma era
um espaço real para o homem medieval, geralmente mais autêntico do que o próprio
espaço físico ou, pelo menos, mais digno de representação. No mundo medieval, o
Paraíso, o Purgatório e o Inferno, tão minuciosamente descritos na Divina Comédia de
Dante (ALIGUIERI, 1994), representavam a projeção do imaginário daquela época.
Tais espaços foram descritos como pertencentes a um lugar localizado fora do domínio
do espaço físico conhecido, apesar de apresentarem características físicas realísticas. O
Inferno era dividido em círculos concêntricos que desciam em direção ao centro da
Terra e o Purgatório, representado como uma montanha em algum lugar do hemisfério
sul, também composto por círculos concêntricos que subiam em direção ao Paraíso. É
importante lembrar que, para o homem medieval, o hemisfério sul era tão obscuro e
desconhecido quanto o centro da Terra.
3
Este conceito será desenvolvido no capítulo 2, Definindo o virtual, na parte relacionada ao conceito
deleuziano de virtual, ‘2.3. O virtual como potência’.
13
Diferentemente do Purgatório e do Inferno, a descrição de Dante do Paraíso
continha menos detalhes físicos. “De todas as regiões de depois da vida, o Paraíso é a
única que Dante teve problemas em descrever. Enquanto o Inferno e o Purgatório
apresentavam paisagens bem definidas, o Paraíso é famoso por ser tão nebuloso”,
4
comenta Wertheim. (op. cit., p.64) Dante “construiu” o Paraíso segundo o sistema
geocêntrico de Ptolomeu vigente naquela época. De acordo com Ptolomeu, a Terra era
estática e os nove planetas (nove céus, no poema de Dante) orbitavam ao seu redor:
Lua, Mercúrio, Vênus, Sol, Marte, Júpiter, Saturno, as estrelas fixas e, por fim, os anjos.
No imaginário cristão, o Céu é o máximo lugar espiritual, onde as almas se salvam e
vivem próximas a Deus. Igualmente, na cosmologia de Dante, tanto a alma quanto o
corpo eram libertados no espaço ilimitado do Céu, um lugar fora dos limites do espaço
físico conhecido, os quais representava a salvação eterna (liberdade do sujeito).
O objetivo da religião católica sempre foi a salvação da alma e sua subseqüente
chegada ao Paraíso, ou Céu. No imaginário medieval, a representação deste espaço
espiritual não
era visualmente desconectada do espaço físico. Observando a pintura
medieval, percebemos que o Paraíso também fazia parte do mapa e, conseqüentemente,
do mundo.
Figuras 1 e 2: Duas pinturas medievais. Na primeira, não há proporção entre as figuras
humanas e as construções. Na segunda, o Paraíso faz parte do mapa.
4
“Of all regions of after life, Heaven is the only one Dante had trouble describing. Whereas the Inferno
and the Purgatorio each present a well-defined landscape and imagery, the Paradiso is famous for being
so nebulous”.
14
O conceito aristotélico de “espaço” foi também responsável por guiar a
representação do mundo desde a Antiguidade, influenciando substancialmente as
técnicas medievais de representação. Aristóteles considerava o espaço como o
envolvente de um corpo, fato que priorizava a superfície dos objetos em detrimento do
volume que ocupavam. Daí conclui-se que um objeto menor, mas rugoso, ocuparia mais
espaço do que um outro objeto maior, mas de superfície lisa, pois o primeiro teria uma
área mais abrangente. Essa idéia destacava os objetos individuais em detrimento do
espaço como um todo. Além disso, se não havia espaço sem corpos, também não
poderia existir o espaço vazio. Na verdade, Aristóteles não possuía um conceito para o
‘espaço’, somente para o ‘lugar’. O filósofo concebia o “espaço” como um conjunto de
lugares, sendo o “lugar” a propriedade dos corpos de ocupar uma região conforme sua
natureza. O discriminante desta “naturalidade” era o repouso: ali onde um corpo
repousa, está em seu lugar natural. Se removido deste lugar natural por um agente
externo (o movimento era sempre uma transformação forçada), tenderia
espontaneamente a retornar a ele tão logo este cessasse sua ação perturbadora. Dessa
forma, o lugar era um atributo do sujeito, representando um elemento de sua “forma” e,
portanto, não possuía externalidade, ou seja, o espaço, e também o movimento, não
possuíam autonomia em relação aos corpos. Além disso, a descrição aristotélica das
causas do movimento, assim como sua concepção de “espaço”, é eminentemente
qualitativa. Segundo sua teoria, bastava apreenderem-se as formas dos indivíduos para
que fossem definidas as características de seus movimentos: corpos pesados deveriam
se dirigir à superfície da Terra, enquanto corpos leves, como o fogo, tenderiam a subir
em direção à esfera lunar. O mundo aristotélico era, assim, fechado, finito e estático,
onde apenas os objetos materiais possuíam profundidade, mas não o espaço que
ocupavam. Se o “espaço” de cada objeto correspondia a sua superfície, então não existia
um espaço integrado, que preencheria o espaço entre
os corpos.
A visão de mundo aristotélica teve profundas conseqüências na maneira pela
qual os pintores representavam o mundo na Idade Média. No início do Renascimento,
por exemplo, os artistas eram capazes de representar objetos isolados de acordo com as
regras da perspectiva, mas não o espaço entre eles. Sendo assim, o mesmo quadro
poderia conter objetos representados através de diferentes pontos de vista, como se não
pertencessem ao mesmo ambiente.
15
O espaço foi integrado após a formalização das regras da perspectiva linear no
século XV. No espaço da tela, os objetos, assim como o espaço entre eles, eram
representados tridimensionalmente a partir de um único ponto de vista. A visão do
observador deveria ser o mais próxima possível do real. Na mesma época, os temas
representados “desceram” para o mundo físico, quando o estudo da natureza e dos
homens adquiriu importância. O espaço terrestre ainda era considerado ser organizado
por Deus, mas agora também dependente da construção humana. A mais importante
conseqüência desse deslocamento da hierarquia espacial foi a introdução da perspectiva
na representação artística. A partir das regras da perspectiva linear, os artistas
começaram a pintar o mundo físico tal qual este aparecia ao olho humano. Por
conseguinte, o objetivo do artista não era mais representar um mundo espiritual ideal,
mas um espaço de formas geométricas perfeitas. Apesar da perspectiva linear se
caracterizar por um maior controle sobre o espaço representacional, essa técnica
também foi responsável por “enquadrar” o espaço. A lógica clássica da representação,
segundo Couchot (op. cit., p.41), surge de um modelo perspectivista capaz de
simultaneamente reproduzir o mundo e também produzir uma visão particular desse
mundo, no sentido mais amplo. Sendo representado através de um único ponto de vista,
o espaço artístico renascentista também era delimitado, restringindo os lugares onde o
imaginário poderia ser representado.
A (re)introdução da perspectiva na arte teve grande impacto científico, pois
permitiu a geometrização do mundo sublunar. O trabalho posterior de Galileu teria sido
impossível sem a exploração pioneira de Giotto, Raphael e Leonardo. A
homogeneização do espaço renascentista correspondia à representação de uma parte do
real: o espaço físico. No entanto, o homem renascentista era dualista e acreditava em
duas realidades distintas: o Céu e a Terra. Além disso, era difícil aplicar ao Céu as
mesmas regras matemáticas válidas para a Terra, pois este ainda era considerado um
espaço simbólico, não sujeito às leis terrestres. Posteriormente, Kepler, seguindo as
concepções de Galileu, geometrizou, também, o espaço celeste, propondo, ao contrário
de Ptolomeu, um modelo matemático onde o Sol era o centro e os planetas giravam em
torno. A Terra deixou de ser o centro do universo, para fazer parte dele. A partir de
então, os espaços terrestre e celeste foram integrados e sujeitos às mesmas leis da física,
formando um único espaço homogêneo.
16
A unificação dos espaços terrestre e celeste constituiu a base do conceito
newtoniano de ‘espaço’. Do século XVI ao XX, o espaço foi considerado estático,
imutável e finito, semelhante a uma caixa vazia e fechada. Metaforicamente, o espaço
newtoniano foi freqüentemente comparado a um palco teatral, onde os corpos físicos
seriam os atores (os habitantes do espaço) e o espaço seria o palco. De acordo com esse
modelo, o espaço e a matéria são essencialmente diferentes e as ações dos corpos não
afetam o espaço no qual se encontram. Igualmente, o espaço é neutro e estático e,
portanto, não afeta os corpos que o habitam. Além disso, nesse modelo, o tempo é
considerado um outro elemento, análogo a uma linha reta constituída de uma sucessão
infinita de presentes. Conseqüentemente, o passado seria feito de presentes antigos e o
futuro, de presentes inéditos. A partir de Newton, o tempo tornou-se linear, único e
independente do espaço e da matéria.
Se o mundo de Aristóteles era composto de corpos e o conhecimento desse
mundo era baseado nas formas, o mundo moderno, a partir de Newton, era formado de
espaço, matéria e tempo, e o conhecimento do mundo baseava-se nas forças que
conectavam esses elementos. Os dogmas católicos ainda eram fortemente presentes na
sociedade moderna, apesar da representação do Paraíso como um espaço de liberdade já
estar completamente desconectada da representação física do espaço celeste, agora de
acordo com as leis da física.
Essa percepção espacial do mundo mudou apenas no início do século passado.
Nessa época, Hubble, usando um telescópio, descobriu que o universo estava em
movimento constante. Se as galáxias estavam realmente se afastando de nós, Hubble
concluiu, de acordo com suas observações, que o universo deveria estar se expandido.
Para a ciência, isso significou que o tempo e o espaço não poderiam mais ser
considerados perpétuos, mas adquiriram um estado primordial em algum momento do
passado. Dentro desse contexto, se o espaço era considerado uma estrutura dinâmica,
ele também poderia ser redefinido em função do tempo.
Simultaneamente, as descobertas de Albert Einstein foram decisivas para a
transformação do conceito de ‘espaço’. Com a Teoria da Relatividade Geral, Einstein
descobriu que o espaço e o tempo eram relativos, e que o espaço possuía uma forma: ele
era curvo. Em uma análise simplificada, o espaço moderno poderia ser considerado
como uma caixa vazia e fechada, ao passo que o espaço segundo Einstein se parece com
17
uma vasta membrana. Para melhor explicar sua curvatura, Margareth Wertheim (op. cit.,
p.173) compara o espaço einsteiniano a uma folha de borracha esticada, tal qual uma
cama elástica. Imagine-se jogando uma bola de boliche em direção ao centro da folha: a
folha de borracha deforma devido à depressão causada pela bola. Segundo a Teoria
Geral da Relatividade, isso é o que um corpo sólido, como o Sol, faz com a
“membrana” espaço: ele distorce o espaço-tempo ao redor de si. Os físicos referem-se a
essa distorção como curvatura
.
Figura 3: O espaço-tempo deformado pela matéria.
Quando a gravidade é considerada produto dessa curvatura do espaço,
5
o espaço-
tempo também adquire fisicalidade e não pode mais ser encarado como uma caixa vazia
e neutra. Segundo Einstein (1999, p.128), “de acordo com a Teoria da Relatividade
Geral, o espaço-tempo não tem existência própria em relação ao que o preenche”.
6
Dessa forma, Einstein atribui fisicalidade ao espaço “vazio” e confere realidade a algo
que não é “diretamente sensível” à experiência. Matéria e espaço-tempo passam, assim,
a formar uma estrutura homogênea que se auto-influencia. Metaforicamente, o
comportamento relativista seria como a superfície do mar (mas em três dimensões), na
qual ondas se propagam.
Reaproveitando a metáfora do teatro, é como se agora o cenário fosse elástico e
se transformasse de acordo com a ação dos personagens. O palco também se torna um
personagem e atua sobre os demais. Nesse sentido, a matéria é indissociável do espaço,
provocando deformações e curvaturas neste último. Com a fórmula E=mc
2
, matéria e
5
A gravidade é exemplificada por Wertheim (1999, p. 172) de modo semelhante. Ao jogar uma bola de
bilhar ao longo das bordas do espaço-tempo deformado por um corpo, ela tenderá a fazer movimentos
circulares ao redor da depressão, até cair no buraco. Assim, é a deformação do espaço-tempo que gera a
gravidade, e não mais uma força entre dois corpos sólidos, conforme considerado na física newtoniana.
6
“According to the General Theory of Relativity, space has no independent existence in relation to what
fills it”.
18
movimento são relacionados. Os corpos passam a ser conversíveis em movimento e o
movimento traduz-se em matéria. Quanto ao tempo, este se torna mais uma dimensão
do real, não mais sendo desconectado do espaço e da matéria.
Uma visão geral da evolução do conceito de ‘espaço’ sugere que este mudou de
uma concepção espiritual (influenciada por dogmas religiosos), para uma idéia
humanista (desenvolvida pela ciência). Quando a voz oficial migrou da religião para a
ciência, o espaço físico tornou-se a “totalidade do real”. Curiosamente, no fim do século
XIX e no começo do XX, começaram a surgir teorias sobre o hiperespaço. Numa época
em que o imaginário não mais podia ser projetado dentro das três dimensões do espaço
físico, começou-se a divagar sobre a existência de outras dimensões, as quais não
estariam restritas ao mundo conhecido.
Após Einstein ter desenvolvido a teoria sobre a quarta dimensão, houve o
desenvolvimento de teorias sobre a quinta, sexta, sétima… até onze dimensões do
espaço, dobrando-o em partes minúsculas. A arte e a ficção científica acompanharam
essas descobertas com a esperança de poder representar um novo tipo de espaço: aquele
que não estaria restrito ao espaço físico conhecido, que não estaria delimitado pelas três
dimensões e que, tal qual o espaço celestial de Dante, pudesse ser localizado além da
nossa percepção direta. Herbert George Wells (Apud WERTHEIM, op. cit., p.193),
considerados por muitos o pai da moderna ficção científica, explicou o que poderia ser a
quarta dimensão do espaço: “Assim como um guardanapo bidimensional pode ser
dobrado em três dimensões ao se juntar duas pontas opostas, um espaço tridimensional
também pode ser ‘dobrado’ da mesma forma”.
7
Sendo assim, cada vez que há uma
dobra no espaço, surge potencialmente uma nova dimensão. Por ser de difícil
compreensão, no fim do século XIX muitos autores consideravam a quarta dimensão do
espaço como um lugar de liberdade e redenção.
Ao mesmo tempo em que o espaço físico adquiriu uma nova dimensão, o espaço
representacional artístico perdeu uma. Com o surgimento da arte moderna, os artistas
começaram a abstrair as formas e a gradualmente libertar a imagem dos modelos
clássicos de representação. De acordo com Aristóteles, abstrair significa despojar a
realidade de seus acidentes particulares para chegar ao conceito, que é vazio de
7
“Just as a two-dimensional napkin can be folded within three-dimensional space by bringing together
two distant corners, so too within a four-dimensional space two parts of three-dimensional space can be
‘folded’ together”.
19
acidentes e, portanto, universal. Com o Modernismo, os pintores buscavam representar
o universal e, muitas vezes, nomeavam o universal concreto: a cor é concreta, a forma é
concreta. Segundo Couchot (1996, p.44), o objetivo da arte moderna não era mais
representar
a realidade, mas sim apresentá-la. A arte moderna referia-se a uma realidade
intrínseca à própria arte e não a um espaço físico exterior. O pintor russo Kasimir
Malevich (Apud WERTHEIM, op. cit., p.198), criador do Suprematismo, quando
indagado sobre o significado de seu Quadrado Preto sobre o Branco (1913),
costumava responder que “era uma tentativa desesperada de libertar a arte do lastro da
materialidade”.
8
De um modo semelhante, Mondrian, ao abstrair as formas, procurava
representar um real absoluto, compreendido como o universal, que não estaria restrito
aos detalhes do mundo físico. Mondrian pintava o mundo no plano, enquanto Picasso e
Braque criavam formas multidimensionais. Todos esses pintores, no entanto, tentavam
representar o real para além do que poderia ser visto no espaço tridimensional. Segundo
esses artistas, se as tradicionais três dimensões do espaço não eram mais suficientes para
explicar o mundo em que vivemos, então as regras da perspectiva também não seriam
mais válidas. Conseqüentemente, a arte poderia ser liberada da representação clássica
do mundo físico, pois as técnicas da perspectiva não mais poderiam representar o real.
Podemos notar, aqui, uma elevação do conceito de ‘espaço’. Com Aristóteles, o
espaço era meramente uma subcategoria da realidade. Além disso, não existia o
conceito de ‘espaço’ em si, mas apenas a idéia de ‘lugar’. Em seguida, o espaço dualista
medieval foi geometrizado e o espaço físico terrestre, incorporado ao espaço celestial
simbólico, criando um espaço físico integrado. Com a física newtoniana no século
XVII, o conceito de ‘espaço’ adquiriu significância, uma vez que constituía uma das
três categorias da realidade, junto com a matéria e as forças. Finalmente, no século XX,
o espaço físico visível foi conectado ao espaço invisível das partículas minúsculas, ou o
nano-espaço. A física atômica e a nanotecnologia surgiram como ciências no fim do
século XX e o mundo observou a criação de um espaço dobrado que envolvia tanto o
macro quanto o microcosmo.
De acordo com Margareth Wertheim (1999, p.206), foi um matemático polonês,
Theodr Kaluza, quem primeiro propôs a idéia da quinta dimensão do espaço, que
explicava a minúscula força eletromagnética. Kaluza acreditava que o
8
“A desperate attempt to set art free from materiality”.
20
eletromagnetismo, assim como a gravidade, produzia curvas (ou dobras) em um espaço
multidimensional. Em contraste às macro-dobras produzidas pela gravidade, o
eletromagnetismo era uma dobra microscópica. A teoria de Kaluza nunca foi
completamente comprovada, mas levantou uma questão interessante: quantas dimensões
(ou dobras) do espaço existem?
Por volta de 1980, duas novas forças foram descobertas: a força nuclear fraca e a
força nuclear forte. Hoje em dia, os cientistas acreditam que essas duas forças,
associadas à gravidade e ao eletromagnetismo, constituem o nosso universo. Kaluza
explicou o eletromagnetismo adicionando mais uma dimensão às quatro de Einstein; em
contrapartida, os cientistas contemporâneos descobriram que seria preciso adicionar
mais seis dimensões para explicar as forças nucleares forte e fraca. Por conseguinte, foi
criado um espaço com 11 dimensões: quatro macro (três do espaço e uma do espaço-
tempo) e sete micro. Ainda de acordo com Wertheim (Ibid., p.211), “talvez a
característica mais radical dessa teoria de 11 dimensões seja o fato de que ela explica
não somente as forças, mas também a matéria
como um sub-produto da geometria do
espaço”.
9
Esta teoria recebeu o nome genérico de TOE, ou Teoria do Tudo (Theory of
Everything). A TOE procura aplicar as mesmas leis físicas tanto para o
extraordinariamente grande quanto para o extremamente pequeno, indicando que tudo
pertence ao mesmo espaço integrado. Wertheim (Ibid., 217-222) argumenta que a
inclusão de tudo o que há na categoria do espaço físico abole nossos espaços de
liberdade e de imaginação. Sendo assim, ela aponta o ciberespaço como novo lugar de
projeção dos espaços imaginários contemporâneos.
Exacerbando os sonhos funcionalistas que idealizavam ultrapassar as três
dimensões do espaço material, o ciberespaço foi considerado como um espaço privado
de matéria. Além disso, seguindo o argumento de Couchot (1996, p.42), o espaço de
informação prescindia da realidade externa para a criação da imagem, produzindo um
espaço auto-referente. Tal qual a arte não-representativa, a imagem numérica também
poderia não ter nenhuma analogia com o mundo físico.
9
“Perhaps the most radical feature of this eleven-dimensional vision is the fact that it explains not only
all forces, but matter as well as a by-product of the geometric of space”.
21
1.2. A cibernética e a estranha imaterialidade da informação
William Gibson (2000, p.67) definiu o ciberespaço como uma “alucinação
consensual” acessada quando o usuário se conectava a um computador. Sendo assim, o
ciberespaço era um espaço de dados imaterial, o qual poderia ser habitado ao liberarmo-
nos do peso do corpo físico. Através de implantes neurais, era possível desconectar do
corpo físico e “entrar” em um mundo de informação. Case, o personagem principal da
história, considerava seu corpo como tanta carne que o único lugar em que poderia
sentir-se livre era na imaterialidade do ciberespaço. Nesse sentido, o ciberespaço
possuía duas características principais: (1) era um mundo imaterial; (2) era um espaço
simulado.
A primeira característica está relacionada às origens do conceito de
‘cibernética’, definida durante as Conferências Macy, na década de 50, enquanto a
segunda se baseia na criação de computadores como máquinas de simulação, também
por volta de 50 anos atrás. Gibson, portanto, utilizou dois conceitos ligados à teoria da
informação para criar um espaço imaterial.
O termo ‘cibernética’, proveniente da palavra grega que significa a arte de
governar, ou conduzir (κυβερνητική), foi inventado por Norbert Wiener durante as
Conferências Macy. De acordo com a teoria cibernética, o condutor e o barco (homem e
máquina) são entidades interdependentes. Ambos formam um sistema único, o qual não
pode funcionar sem uma de suas partes. Por um lado, o condutor não seria um condutor
sem o barco para dirigir; por outro lado, o barco precisa ser dirigido por alguém. A
máquina cibernética moderna por excelência foi considerada o carro, encarado como
uma sincronização perfeita entre o homem e a máquina. A cibernética, de acordo com o
Dicionário on-line de cibernética e sistemas (Web dictionary of cybernetics and
systems)
10
(HEYLIGHEN, 1993), é a ciência da comunicação e controle no animal e na
máquina. A teoria foi formulada entre 1943 a 1954, durante os encontros anuais das
Conferências Macy sobre Cibernética, patrocinada pela Fundação Josiah Macy. Norbert
Wiener, John von Neumann e Claude Shannon foram seus mais ilustres participantes.
10
HEYLIGHEN, Francis. Web dictionary of cybernetics and systems. Criado em 8 jul. 1993. Última
atualização em 31 oct. 2002. Disponível em http://pespmc1.vub.ac.be/ASC/indexASC.html
. Acesso em:
31 mai. 2003.
22
Uma das principais preocupações da cibernética é estudar a organização dos
sistemas, o que significa entender como os componentes deste sistema interagem uns
com os outros, além de como esta interação determina e transforma a estrutura do
sistema como um todo. A cibernética investiga a diferença entre as partes e o todo e, o
que é mais importante, é definida sem referência a qualquer forma material. O
desinteresse da cibernética na materialidade a separa de outras ciências que definem seu
domínio empírico através de sujeitos materiais, como a física, a biologia, a sociologia, a
engenharia e a teoria geral dos sistemas.
Assim, as Conferências Macy foram decisivas para a definição da informação
como um meio imaterial, resultando no triunfo da informação sobre a materialidade. A
informação tornou-se, então, uma entidade teórica, contribuindo para a construção das
estruturas (neurais) humanas como fluxos de informação. Devido à cibernética, o
conceito do ‘humano’ também foi re-definido. Os seres humanos deveriam ser
encarados, prioritariamente, como entidades de processamento de informação, como
máquinas inteligentes. Afinal, qual seria a diferença entre um homem e uma máquina,
se ambos poderiam ser vistos como processadores de informação? Claude Shannon
(Apud HAYLES, 1999, p.52) foi o primeiro a definir a informação como “uma função
probabilística sem dimensões, sem materialidade e sem necessária conexão com
sentido”.
11
Seguindo esse ponto de vista, Norbert Wiener (Id.) definiu informação como
uma escolha; mais especificamente, como uma escolha entre mensagens possíveis. De
acordo com Shannon (Ibid., p.32), a quantidade de informação recebida dependia do
nível de imprevisibilidade de uma mensagem: quanto mais inesperada (aleatória) a
mensagem, maior a quantidade de informação. Por outro lado, mensagens
completamente esperadas não transmitiriam nenhuma informação. Por exemplo, se está
um dia ensolarado e eu digo: “Fará sol hoje”, essa frase não representa nenhuma
informação específica. No entanto, se o sol está brilhando e eu digo que irá chover em
poucas horas, estou transmitindo um nível muito maior de informação. Sendo assim, o
nível de informação aumenta à medida que a probabilidade em que o evento ocorra
diminui. Apesar de informação ser geralmente definida como algo que reduz
a
incerteza, ela também depende
da incerteza. Por outro lado, para entender uma
11
“A probability function with no dimensions, no materiality, and no necessary connection with
meaning”.
23
mensagem é preciso que parte de seu conteúdo seja anteriormente conhecido, como por
exemplo a diferença entre um dia ensolarado e um dia chuvoso. Em suma, a informação
ideal deveria ser uma média entre padrão e aleatoriedade.
N. Katherine Hayles (op. cit., p.7-8) define o quadrado semiótico que relaciona a
materialidade à informação como uma função entre presença e ausência (para a
materialidade), e entre padrão e aleatoriedade (para a informação). Ao passo que a
existência de formas materiais depende da interação entre presença e ausência, a
informação trabalha de acordo com padrão e aleatoriedade. Nesse sentido, as formas
materiais podem estar presentes ou ausentes. Por outro lado, “o padrão é como a
presença, no sentido de que o reconhecimento de um padrão é geralmente associado à
percepção da presença. (…) Mas, ao contrário da presença, o padrão não implica a
existência material de um objeto”.
12
Uma matriz, por exemplo, é um padrão. De acordo
com essa perspectiva, aleatoriedade significa a negação de um padrão. Sendo assim,
para entender a imaterialidade do ciberespaço, os termos ‘padrão’ e ‘aleatoriedade’
seriam mais adequados do que ‘presença’ e ‘ausência’.
Figura 4: O quadrado semiótico (simplificado)
de acordo com N. Katherine Hayles.
Nesse sentido, a aleatoriedade diz respeito à entropia e ao caos, enquanto o
padrão relaciona-se à informação e à organização. A máquina cibernética construiu os
seres humanos como padrões de organização e seus corpos como padrões de
12
“Pattern is like presence in that the recognition of pattern is often associated with the perception of
presence. (…) But unlike presence, pattern need not imply the material existence of an object”.
24
informação. Além disso, “existindo no espaço imaterial de simulações computacionais,
o ciberespaço define um regime de representação no qual o padrão é a realidade
essencial e a presença, uma ilusão ótica”.
13
(HAYLES, op. cit., p.36)
A informação é também definida por Shannon (Apud HAYLES, op. cit., p.52)
como algo sem qualquer conexão com o contexto. Seguindo esta idéia, Wiener (Id.)
afirmou que toda informação poderia ser transmitida via um código binário,
independente de seu conteúdo. Hayles (Ibid., p.52) exemplifica da seguinte maneira a
idéia de Wiener:
“Suponhamos que haja 32 cavalos em uma corrida e que queiramos apostar no número três. O
apostador suspeita que a polícia tenha grampeado o telefone e faz um arranjo para que seus
clientes usem um código. (…) Ao receber a ligação, seu programa de voz pergunta se o número
cai entre 1 e 16. Em caso positivo, discamos o número ‘1’; em caso negativo, discamos ‘0’.
Usamos o mesmo código quando o programa de voz pergunta se o número fica entre 1 e 8,
depois entre 1 e 4 e, finalmente, entre 1 e 2. Agora o programa sabe que o número deve ser 3 ou
4, então, diz, ‘se 3, aperte o 1; se 4, aperte o 0’, e um toque final comunica o número. Usando
essas divisões binárias, precisamos de cinco respostas para comunicar nossa escolha”.
14
Sob esse ponto de vista, a informação é considerada como um fluido sem corpo,
como uma entidade imaterial capaz de flutuar de meio em meio sem mudar sua
essência. De acordo com a teoria da informação, nenhuma mensagem é jamais enviada.
O que é enviado é um sinal. Apenas quando a mensagem é codificada em um sinal para
sua transmissão através de um meio, então ela assume forma material. Abstrair a
informação de suas bases materiais significa que seja possível fazê-la flutuar livremente,
sem ser afetada por mudanças no contexto. Dentro dessa lógica, a informação foi vista
como completamente independente das interfaces materiais que (necessariamente) a
suportam e, também, independente do espaço físico através do qual é transmitida.
Hayles (1999, p.16) define três fases principais na história da cibernética,
levando em consideração a organização dos sistemas como puras estruturas
informacionais. A primeira fase, Homeostase, vai de 1945 a 1960 e é baseada em
13
“Existing in the nonmaterial space of computer simulations, cyberspace defines a regime of
representation within which pattern is the essential reality, presence an optical illusion”.
14
“Suppose there are thirty-two horses in a race, and we want to bet on Number 3. The bookie suspects
the police have tapped his telephone, so he has arranged for his clients to use a code. (…) When we call
up, his voice program asks if the number falls in the range of 1 to 16. If it does, we punch the number ‘1’;
if not, the number ‘0’. We use this same code when the voice program asks if the number falls in the
range of 1 to 8, then the range of 1 to 4, and next the range of 1 to 2. Now the program knows that the
number must be either 3 or 4, so it says, ‘if 3, press 1; if 4, press 0,’ and a final tap communicates the
number. Using this binary divisions, we need five responses to communicate our choice”.
25
estruturas de causalidade circular (feedback loops). Alguns artefatos físicos relacionados
a essa fase são o rato eletrônico de Claude Shannon e o termostato de Ross Ashby. Os
termostatos são estruturas físicas que interpretam informação do meio ambiente para
manter a estabilidade externa. O exemplo mais comum de um termostato é um
aquecedor equipado com um termômetro interno que diria, “se a temperatura externa for
maior do que a temperatura programada, desligue; caso contrário, ligue”. Assim, o
aquecedor mantém uma relação circular com o meio ambiente. Uma característica
particular da cibernética é que ela explica tais processos em termos de organização dos
sistemas, isto é, a causalidade circular de feedback loops é levada em consideração nos
processos de regulação do sistema para manter o equilíbrio ou alcançar um determinado
objetivo. Em um sistema homeostático, o homem e a máquina são semelhantes, pois
ambos precisam manter a estabilidade com o ambiente exterior. Tanto o homem quanto
a máquina são vistos como processadores de informação e tendem à homeostase quando
funcionam corretamente. A idéia por trás da cibernética não era tanto pensar nas
máquinas como humanos, mas sim verificar se os humanos poderiam funcionar como
máquinas. Dentro desse contexto, a cibernética procurava descobrir o que conectava
humanos, animais e máquinas como aparelhos de processamento de informação.
As outras duas fases da cibernética, autopoiese e virtualidades, ocorreram
respectivamente de 1960 a 1985, e de 1985 até o presente. Enquanto a segunda fase
preocupava-se com a discussão sobre a organização reflexiva e com a incorporação do
sujeito no sistema, a terceira fase está diretamente relacionada aos conceitos de ‘vida
artificial’, ‘mutações’ e aos ‘sistemas de simulação’. Nesse sentido, todas as três fases
conectam-se diretamente ao futuro desenvolvimento do conceito de ‘ciberespaço’. A
primeira onda cibernética definiu informação como uma entidade imaterial. A segunda
onda questionou se o que vemos do mundo corresponde à realidade externa ou é
somente uma construção interna de nossas mentes, tema também relacionado à dúvida
Cartesiana, que será tratado no próximo capítulo. Finalmente, a terceira fase trata de
computadores como máquinas de simulação.
26
1.3. Um mundo simulado de informação
Ao contrário da estrutura autopoiética circular defendida por Humberto
Maturana e Francisco Varela durante a segunda fase cibernética, a forma que melhor
exemplifica os sistemas de vida artificial é uma espiral, baseada na evolução. Maturana
e Varela (HAYLES, op., cit., p.222) ampliaram a definição dos sistemas vivos de modo
que incluísse, também, os sistemas de vida artificial. A pesquisa sobre a vida artificial
pode ser dividida em dois campos principais: o primeiro não considera a corporeidade e
estuda simulações em realidades virtuais; o segundo campo, para o qual o corpo é de
fato importante, inclui o desenvolvimento de estruturas robóticas e inteligência
artificial. Simulações de realidade virtual são, portanto, importantes componentes na
definição do espaço digital como ambientes imateriais, onde formas descorporificadas
proliferam. A suposição de que o código da vida (isto é, a informação) poderia ser
separado da matéria guiou a maioria dos estudos sobre a criação de vida digital.
Christopher Langton (Apud HAYLES, op. cit., p.231), um dos mais conhecidos
pesquisadores em vida artificial, sugeriu em 1989 que “as principais suposições na área
de vida artificial são que a ‘forma lógica’ de um organismo pode ser separada de suas
bases materiais e que a ‘vida’ é propriedade da forma, não da matéria”.
15
Além disso, ao
afirmar que a pesquisa sobre a vida artificial coloca a vida-como-a-conhecemos
dentro
do panorama mais abrangente da vida-como-ela-poderia-ser
, Langton expandiu o
princípio dos sistemas virtuais para englobar, também, os sistemas vivos. O estudo da
vida artificial tem um papel significante na construção de computadores como máquinas
de simulação.
Em 1970, John Conway inventou o Jogo da Vida (Game of Life), baseado no
estudo de autômatos celulares (cellular automata, CAs) de John von Neumann. Nos
anos 40, von Neumann imaginou uma teoria sistemática que seria matemática e lógica
em sua forma e que contribuiria de modo essencial para o entendimento dos sistemas
naturais (autômatos naturais), assim como para o entendimento dos computadores
analógicos e digitais (autômatos artificiais). Neumann pretendia estudar reprodução de
um modo abstrato, no entanto, a palavra ‘celular’ não possuía um significado biológico,
15
“The principle assumption made in Artificial Life is that the ‘logical form’ of an organism can be
separated from its material basis of construction, and that ‘aliveness’ will be found to be a property of the
former, not the latter”.
27
mas referia-se a espaços adjacentes que formavam um padrão. CAs não foram
inventados, portanto, para serem modelos realísticos da natureza, mas para representar a
reprodução de informação.
Para simular um comportamento de autômato celular, é preciso estabelecer uma
série inicial de regras, invariáveis com o tempo, e colocar um determinado número de
células sobre uma grade n-dimensional. Uma vez estabelecido o estado inicial do
sistema, sua evolução é imprevisível, pois cada célula age apenas de acordo com o
estado de seu vizinho mais próximo, o qual muda com o tempo. A simulação pode,
então, acabar num estado estático ou continuar formando diferentes padrões. O
autômato celular de von Neumann tinha um total de 29 estados e mais de 200 mil
células. Seu trabalho nunca foi simulado, devido a enorme complexidade, porém,
provou a viabilidade da reprodução artificial e deu início ao estudo dos autômatos
celulares.
Três décadas mais tarde, Conway simplificou as idéias de Neumann criando um
padrão onde as células poderiam estar vivas ou mortas (ligadas ou desligadas), com uma
série de regras bastante simples para determinar qual seria o próximo estado do sistema.
O jogo acontece numa grade bidimensional onde cada célula tem oito vizinhos,
adjacentes aos lados e esquinas do quadrado. Enquanto o autômato celular de von
Neumann foi desenvolvido no papel, Conway projetou um modelo que poderia suportar
a computação universal. No Jogo da Vida, se uma célula tem menos de dois vizinhos,
ela morre (solidão); se ela tem mais de três vizinhos, ela também morre
(superpopulação); se uma célula vazia tem três vizinhos vivos, ela nasce (reprodução);
caso contrário (exatamente dois vizinhos vivos), ela continua igual (estaticidade). De
acordo com William Flake (2000, p.246), “essa série de regras contém as propriedades
mais básicas que indicam como criaturas do mundo físico interagem com restrições de
densidade populacional e condições de ‘reprodução’”.
16
Edward Fredkin (1989, p.24), em um estudo sobre autômatos celulares,
observou que, em um nível mais fundamental, o autômato representaria o mundo físico
com a mais perfeita precisão, “porque (…) o universo é um autômato celular, só que em
três dimensões”.
17
Nesse sentido, Fredkin encarava o mundo como pura informação,
16
“This set of rules contains the most basic properties of how real-world creatures interact with the basic
constraints on population density and the conditions for ‘reproduction’”.
17
“Because (…) the universe is a cellular automaton, in three dimensions”.
28
sugerindo que as partículas mais elementares de nosso universo, como os átomos e os
eléctrons, poderiam ser consideradas como nada mais do que padrões ambulantes de
informação. Ao contrário de Margareth Wertheim (1999, p.217), que sugeriu que tudo
está incluído no espaço físico e que ao ciberespaço foi deixado o espaço de informação,
Fredkin (1989, p.26) acreditava que o mundo em que vivemos já é composto de
informação e, portanto, poderia ser simulado como um autômato celular. Ele termina
seu artigo com uma questão de causalidade circular:
“O problema começa com o fato de que a informação tem tipicamente uma base material. A
escrita consiste de tinta, o discurso consiste de ondas de som, mesmo os efêmeros bits e bytes de
um computador baseiam-se na configuração dos elétrons. Se os elétrons, por sua vez, são feitos
de informação, então do que a informação é feita?”
18
E então, arrematando em oposição ao conceito de Shannon, “eu cheguei à
conclusão que a coisa mais concreta no mundo é a informação”.
19
(Ibid., p.27)
Os computadores foram usados para simular a vida, podendo também criar
formas de vida completamente originais. Freqüentemente, artistas e profissionais que
constroem mundos virtuais questionam se os espaços e as criaturas virtuais devem
simular seus correspondentes físicos ou, então, não possuir nenhuma referência na
realidade. Por que deveríamos simplesmente reproduzir criaturas e espaços físicos no
ambiente digital de computadores se existe a possibilidade de experimentar com tipos
completamente novos de espaços e formas de vida? Visto que o ciberespaço foi
considerado como um espaço de dados e porque a informação foi conceituada como
imaterial, os espaços e as vidas digitais poderiam, supostamente, assumir qualquer
forma.
Evolved Virtual Creatures (Criaturas Virtuais Evoluídas), de Karl Sims
(1994), é uma simulação computacional que lida com a evolução darwiniana de
criaturas virtuais em forma de blocos. Agentes vivendo em um ambiente virtual
tridimensional são programados para evoluir por conta própria em função da
competição com outros seres digitais que vivem no mesmo ambiente. Cada ser tem
habilidades distintas, como nadar, voar ou rastejar. Aqueles que sobrevivem podem
reproduzir seu gene virtual originando criaturas com formas diversas, mais adaptadas ao
18
“The problem begins with the fact that information typically has a physical basis. Writing consists of
ink, speech is composed of sound waves; even the computer’s ephemeral bits and bytes are grounded in
configurations of electrons. If the electrons are in turn made of information, then what is the information
made of?”
19
“I’ve come to the conclusion that the most concrete thing in the world is information”.
29
meio.
20
Sims também criou simulações com plantas virtuais que evoluem, como
Panspermia (1990), que usa técnicas de evolução artificial para selecionar entre
formatos de plantas gerados através de mutações aleatórias, até que uma variedade de
estruturas emerge. Tanto no Jogo da Vida quanto nas simulações de Karl Sims, as
criaturas evoluem segundo sua relação com o ambiente simulado em que vivem,
excluindo qualquer relação com o ambiente externo. Simulações simplificam
comportamentos complexos, procurando modelar o mundo real no espaço digital.
Figuras 5 e 6: Evolved Virtual Creatures e Panspermia, de Karl Sims.
Além de simular a vida, os computadores foram criados para simular o ambiente
em que vivemos. De acordo com William Flake (2000, p.5), “um dos primeiros usos dos
computadores foi para simular a evolução de equações complexas”.
21
Algum tempo
depois, os computadores foram usados para simulações meteorológicas, modelos
econômicos e modelos cognitivos do cérebro, como na cibernética e em redes neurais.
Na edição de 23 de janeiro de 1950 da revista Time, Norbert Wiener chamou a atenção
para o fato de que os computadores já possuíam uma extraordinária semelhança com o
cérebro humano, tanto estrutural quanto funcionalmente. No mesmo artigo, alguns
cientistas também concordaram que os computadores poderiam simular o cérebro
humano porque este pensa analisando a informação presente sob a luz de experiências
passadas e é basicamente isso o que as máquinas fazem. Por outro lado, o professor
Aiken (Id.), chefe do Laboratório de Computação em Harvard, nos anos 50, sugeriu que
“as máquinas mostram, de forma rudimentar, quase todos os atributos do pensamento
20
Este trabalho foi exibido em 2002/2003 no ZKM (Zentrum für Kunst und Medientechnologie) em
Karlsruhe, Alemanha, na exposição Future Cinema.
21
“One of the first uses of computers was to simulate the evolution of complicated equations”.
30
humano, com exceção de um: a imaginação”.
22
Curiosamente, algumas décadas mais
tarde, o espaço computacional foi visto como o espaço perfeito onde o sujeito poderia
projetar seu imaginário.
Os computadores nasceram como máquinas de simulação antes mesmo da
invenção da interface gráfica (Graphic User Interface, GUI), que procurava simular, na
tela, o espaço físico da escrivaninha (desktop). A GUI procurava simular a escrivaninha
física e, assim, criar uma relação mais próxima entre os computadores e os seres
humanos.
No entanto, Janet Murray (1997, p.80) afirmou que os computadores começaram
a ser vistos como espaço quando começou a ser possível interagir com eles. Assim, a
interface gráfica não foi a primeira responsável pela visão espacial do ambiente digital;
ela apenas a enfatizou. Por exemplo, Zork, um jogo de computador criado na década de
70 no Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), foi o primeiro jogo de RPG com
apenas uma interface textual. A possibilidade de dar comandos ao computador e de
receber um retorno (feedback) da máquina foi responsável por criar um espaço
completamente novo do outro lado da tela. Devido à interatividade, o usuário realmente
sentia que “pertencia” àquele espaço digital/imaginário. Portanto, a percepção espacial
depende mais de interação do que de gráficos. Com uma interface textual, Zork
simulava um mundo de fantasia, seguindo o modelo dos tradicionais jogos de RPG.
(Ibid., p. 74-79) Porém, enquanto Zork simulava um mundo imaginário, a interface
gráfica (GUI) simulava o espaço físico.
Murray (Ibid., p.83) também define o ciberespaço como um espaço narrativo.
De acordo com N. Katherine Hayles (1999, p.38),
“O ciberespaço é criado ao se transformar uma matriz de dados em uma paisagem na qual
narrativas podem acontecer. Em matemática, ‘matriz’ é um termo técnico que denota dados
arrumados em uma série n-dimensional. (…) Porque a série já é conceitualizada em termos
espaciais, é um pequeno passo para imaginar a matriz como uma paisagem tridimensional”.
23
William Gibson definiu o ciberespaço segundo o conceito de ‘cibernética’, o
qual considerava a informação como algo desconectado da materialidade. No entanto, a
22
“The machines show in rudimentary form at least all the attributes of human thinking except for one:
imagination”.
23
“Cyberspace is created by transforming a data matrix into a landscape in which narratives can
happen. In mathematics, ‘matrix’ is a technical term denoting data that have been arranged into an n-
dimensional array. (...) Because the array is already conceptualized in spatial terms, however, it is a
small step to imagining the matrix as a three-dimensional landscape”.
31
Internet, da qual o ciberespaço se tornou sinônimo, é construída de acordo com
interfaces materiais que nos permitem a comunicação com esse mundo virtual. Tais
interfaces definem o que pode ser o mundo digital.
1.4. Interfaces da imaterialidade
Margareth Morse (1996, p.201) definiu o ciberespaço por meio de três eixos
principais: o primeiro explorava a mistura entre virtualidade e materialidade,
enfatizando a “realidade aumentada de um ciberespaço distribuído no qual alguns de
nós já vivemos”.
24
O segundo relacionava-se a MUDs e MOOs textuais, onde era
possível experimentar movimentos entre diferentes mundos. Finalmente, o terceiro eixo
do ciberespaço dizia respeito às interfaces gráficas que construíam os mundos virtuais.
Segundo ela, este último eixo representava o tipo mais tradicional de mundo virtual, no
qual o ciberespaço era apenas imaterial e dentro do qual se poderia experimentar com
diversas identidades. Ao passo que esse o terceiro eixo inclui os ambientes virtuais
imersivos, o segundo tipo é representado pela criação de comunidades virtuais através
de ambientes de multiusuários, e o primeiro refere-se à realidade mista (mixed reality).
Curiosamente, o único eixo que considera a materialidade do ciberespaço é o primeiro,
onde a conexão com o espaço físico é clara. Geralmente, os sistemas de realidade mista
(incluindo a realidade aumentada e a virtualidade aumentada) são definidos pela
superposição de gráficos ou de sons sobre o espaço físico ou pela adição de informação
do mundo físico em um mundo modelado. (OHTA; TAMURA, 1999, p.6) No entanto,
as formas de presença em um mundo virtual (e, aqui, se trata de presença virtual, que
poderia ser definida como um padrão) são extremamente dependentes dos tipos de
interfaces usados para a conexão com o espaço digital: um capacete de realidade virtual
(HMD) ou um mouse.
Certas interfaces foram decisivas para a construção do espaço digital como
imaterial como, por exemplo, o monitor e os cabos conectados à rede telefônica. O uso
de tais interfaces teve duas conseqüências principais. Primeiro, para se conectar com a
Internet, era preciso se desconectar do mundo físico. Era necessário estar imóvel
no
espaço físico para poder entrar
no domínio digital. Narrativas de ficção científica como
24
“Augmented reality of distributed cyberspace in which some of us already live”.
32
Neuromancer (1984), que contribuíram para a conceitualização do espaço digital,
apresentavam a conexão com o ciberespaço através de implantes neurais, os quais
também requeriam a imobilidade do usuário. Em segundo lugar, a tela como interface
representava uma “barreira” entre espaços físicos e digitais. O design de avatares para
habitar ambientes digitais foi uma conseqüência desse fato, pois a impossibilidade de se
estar fisicamente no ciberespaço criou a necessidade de se representar o sujeito no
domínio digital. Sendo assim, questões relativas ao corpo foram extremamente
relevantes durante o desenvolvimento de ambientes de multiusuários nas últimas duas
décadas. Como representar o corpo físico em espaços digitais?
25
No ciberespaço,
esperava-se que o usuário desconectasse do corpo físico e, então, fosse capaz de “criar”
tantos corpos virtuais quanto fossem necessários. Devido a essa crença, o estudo de
“múltiplas identidadeson-line também ganhou importância na última década. (Cf.
TURKLE, 1995) Porque a presença no ciberespaço era considerada como independente
do espaço físico (material), o virtual, como um espaço simulado, começou a ser
encarado, também, como imaterial. Além disso, porque o físico era, geralmente,
considerado como o domínio do real, o ciberespaço tornou-se um lugar para a
imaginação, isto é, para a prática do irreal. A possibilidade de se criar ambientes de
realidade virtual nos quais o usuário poderia se sentir imerso, mas incapaz de sentir,
contribuiu para a imaterialidade do ciberespaço.
No entanto, como um espaço criado por meio de interfaces materiais poderia ser
considerado imaterial? A conexão com a Internet sempre foi feita através do uso de um
teclado, de um mouse e de uma tela: interfaces materiais. A própria Internet é uma rede
física de computadores, incluindo servidores e roteadores, conectados por cabos e
ondas. Além disso, a maioria dos ambientes imersivos de realidade virtual usa o
capacete de realidade virtual (HMD) como interface física.
A descrição do ciberespaço como uma “alucinação consensual”, criada por
William Gibson (op. cit., p.67), enfatizava o espaço virtual como um espaço mental,
além de um espaço de informação; sendo a informação historicamente definida como
uma entidade imaterial, desconectada de qualquer materialidade. No entanto, de acordo
com N. Katherine Hayles (1999, p.13), “para a informação existir, ela precisa estar
25
Questões sobre o corpo virtual serão tratadas no capítulo 3, seção 3.3.1., MUDs e corpos virtuais.
33
contida em algum meio material”.
26
Sendo assim, não é possível separar a informação
dos artefatos físicos que a suportam e lhe conferem existência. Por exemplo, um livro
jamais seria um livro sem sua interface física. A informação contida no livro precisa
estar fisicamente em algum lugar. Humanos jamais seriam humanos se
fosse possível
separar nossas mentes dos seus “suportes” corporais. Do mesmo modo, o ciberespaço
jamais seria possível sem os computadores e as redes físicas.
Para os usuários que desconhecem os processos materiais envolvidos, a
impressão é de que a informação é predominante sobre a materialidade, pois se
considera geralmente que a informação pode se manifestar em diversos suportes
materiais que se mude sua essência. No entanto, a informação nunca poderia ser
separada dos suportes (ou interfaces) materiais que a carregam, não sendo possível
desconectar a matéria e a informação. A existência de um espaço de informação seria
impossível sem as interfaces materiais que o atualizam.
Em seu mais recente livro, Writing Machines, N. Katherine Hayles (2002)
enfatiza a importância de interfaces materiais ao definir o significado da mensagem. No
campo da literatura eletrônica, ela cria o conceito de ‘tecnotextos’ para descrever os
trabalhos literários que interrogam as interfaces físicas que os produzem, criando loops
reflexivos entre os mundos imaginários da literatura e o aparato material que os
corporifica, conferindo-lhes presença física. (HAYLES, 2002, p.25) Os tecnotextos são
textos eletrônicos que diferem dos hipertextos e dos cibertextos. Os hipertextos podem
ser definidos por pelo menos três características: os múltiplos caminhos de leitura, o
texto entrecortado e algum tipo de mecanismo de conexão para conectar as partes. Os
cibertextos, termo definido por Espen Aarseth (1997, p.1), podem ser considerados
como mais abrangentes do que os hipertextos. Os cibertextos emergiram quando novos
tipos de linguagem de programação, assim como novas possibilidades gráficas, se
tornaram parte da WWW, permitindo o surgimento de uma grande variedade de textos
utilizando estruturas combinatórias. O conceito de ‘cibertexto’ inclui trabalhos
impressos como Cent Mille Milliards, de Raymond Queneau, ficções eletrônicas como
Afternoon, a story, jogos de computador, e mesmo o I Ching. Assim, enquanto os
hipertextos enfatizam os links, os cibertextos incluem uma perspectiva computacional.
Diferentemente, os tecnotextos prestam particular atenção às interações entre a
26
“For information to exist, it must always be instantiated in a medium”.
34
materialidade das tecnologias de inscrição e as inscrições produzidas, lembrando-nos
que nenhum meio pode ser considerado completamente imaterial quando dependente
das interfaces materiais que o produzem.
Assim como os cibertextos representam um aspecto mais amplo dos hipertextos,
os tecnotextos são uma parte mais abrangente dos cibertextos. Os tecnotextos não
incluem apenas textos, mas também trabalhos de arte midiática que lidam com
tecnologia eletrônica. Um exemplo de trabalho artístico que questiona as interfaces
materiais no qual está inscrito, chamando a atenção do usuário para a importância das
interfaces na definição do meio é database
, um aparelho eletrônico de leitura criado
pela autora e pelo artista Fabian Winkler.
1.5. database
– o papel de interfaces materiais
database
interroga a tecnologia sobre a qual está inscrito e, revelando ou
tornando-nos conscientes de suas implicações, nos permite ver exatamente o que
estamos fazendo quando usamos as tecnologias digitais. A instalação lida com a idéia de
que a materialidade da tecnologia deve se tornar visível para evidenciar certas funções
que normalmente não percebemos. Além disso, a inversão da relação entre interfaces e
bancos de dados interroga os ambientes digitais contemporâneos, os quais normalmente
insistem no privilégio dos bancos de dados sobre as interfaces, do código sobre o
material e do virtual (considerado imaterial) sobre o físico. As inversões operadas
através da instalação desafiam estas suposições convencionais.
Figura 7: Vista geral da instalação.
35
database
trabalha com a inversão da funcionalidade de três tecnologias: uma
impressora, uma câmera de vídeo e um banco de dados, levantando questões sobre o
apagamento do texto, o ato de leitura em tempo real (isto é, ouvir a leitura de um texto
impresso), e bancos de dados físicos. Desafiamos a idéia dos bancos de dados como
estruturas digitais e não-lineares, assim como o conceito de impressoras como
equipamentos de saída e gravadores de informação. A instalação lida com as oposições
entre presença e ausência, gravação e apagamento, memória e esquecimento, presente e
tempo contínuo, ler e ouvir – conceitos relacionados à idéia do presente como um tempo
que está sempre passando.
A obra inclui quatro interfaces principais: (1) uma impressora com uma câmera
de vídeo conectada à cabeça de impressão, que filma ao mesmo tempo em que a
impressora imprime; (2) um projetor conectado à câmera de vídeo que projeta o que a
câmera “lê” na parede; (3) folhas de papel impressas com texto; (4) uma tela de
computador que simula uma folha em branco.
À medida que o usuário move o mouse sobre a página digital, os elementos
escondidos se tornam visíveis. Esses elementos são retângulos pretos ou palavras-chave
retiradas do banco de dados. Os primeiros aparecem quando o texto correspondente no
banco de dados não faz parte dos pares de palavras opostas. Em contrapartida, uma
palavra-chave aparece quando esta se refere a alguma outra palavra existente no banco
de dados. Exemplos de palavras-chave são: ‘forgetfulness’ (esquecimento), ‘memory’
(memória), ‘present’ (presente), e ‘past’ (passado). Ao se retirar o mouse dos elementos
selecionados, tanto os retângulos quanto as palavras-chave desaparecem, sendo preciso
clicar sobre elas para que permaneçam na tela. Após clicar em uma palavra-chave, esta
também é substituída por um retângulo preto, que “apaga” a palavra anteriormente
mostrada.
Após alguns cliques, a tela é preenchida com retângulos pretos, os quais
funcionam como comandos para impressora, dirigindo a cabeça de impressão e a
câmera. Os retângulos resultantes de cliques em palavras-chave são especialmente
importantes como instruções, pois o antônimo deste termo aparecerá na projeção ao
mesmo tempo em que a impressora “apagará” a palavra escolhida no papel.
36
A impressora, por sua vez, imprime sobre uma folha de papel previamente
impressa (um banco de dados físico). No entanto, em vez de imprimir texto, ela apaga
(cobre) as palavras que o usuário selecionou previamente na tela com retângulos pretos.
Ao mesmo tempo, a câmera “lê” palavras diversas e as projeta na parede. As palavras
que passam na projeção podem ser consideradas antônimos das palavras anteriormente
selecionadas na tela, mas não antônimos exatos. Por exemplo, o usuário pode ler
perpetually (perpetuamente) na tela e too fast (muito rápido) na parede; ou mesmo
promise (promessa) na tela e past (passado) na parede.
Após algum tempo, o usuário percebe que está acessando, na verdade, um
“banco de dados” de citações que está, originalmente, no papel. As citações são de
autores na literatura e na filosofia que escreveram sobre os tópicos com os quais
estamos lidando: apagamento e memória, presença e ausência, atual e virtual, escrita e
oralidade. Nesse contexto, o papel funciona como um banco de dados físico que, em vez
de ser estruturado em tabelas e categorias, apresenta-se com uma forma textual linear. O
processo de leitura é, então, responsável por criar a desconstrução.
As palavras no papel digital (tela) são simultaneamente comandos para apagar a
mesma palavra no papel físico e projetar seu antônimo na parede. Enquanto a
impressora trabalha, a câmera anexada “lê” o que está escrito no papel em uma fração
de segundos, acompanhando a velocidade da cabeça de impressão. Assim, a câmera
permite a leitura do texto durante seu processo de apagamento.
O conceito deste projeto surgiu de três idéias principais:
O banco de dados físico em uma folha de papel
. Os bancos de dados físicos, que
usam o papel como suporte, são comparados aos bancos de dados digitais, que
usam os computadores como suportes.
A impressora que lê enquanto imprime
. Com a câmera de vídeo, a impressora –
um aparelho de saída – se torna um aparelho de entrada/saída. Além do mais, a
leitura através da câmera pode somente ser realizada em tempo-real.
O apagamento durante o processo de leitura
. O apagamento do texto, isto é, sua
cobertura com tinta preta, modifica o banco de dados, criando novos
significados no texto original.
A impressora faz as palavras desaparecerem, em vez de inscrevê-las; o banco de
dados é materializado como marcas no papel, em vez de em código binário dentro de
37
um computador; o ato de clicar na tela esconde as palavras visíveis, em vez de
estabilizá-las; a câmera “lê” mas não grava; e a projeção mostra palavras opostas
àquelas que o usuário escolheu. Tais inversões criam novas relações sensórias, físicas e
metafísicas entre os usuários e as interfaces. (HAYLES, 2003, p.17)
1.5.1. Os bancos de dados e as interfaces
Os bancos de dados são expressões de nossa cultura contemporânea. De acordo
com Lev Manovich (2001, p.219), eles representam nosso mundo, o qual também
“aparece como uma interminável e não-estruturada coleção de imagens, textos e outros
dados”.
27
Podemos encarar os bancos de dados como formas culturais, pois sua estrutura
é baseada na fragmentação e na não-linearidade, que são fortes conceitos relacionados
ao sujeito contemporâneo. Os computadores foram freqüentemente analisados como
máquinas “não-lineares” para contar histórias (Cf. MURRAY, 1997, p.86), significando
entidades compostas por uma grande quantidade de informação conectada através de
associações significativas.
A estrutura através da qual pedaços de informação são associados por meio de
sentido foi originalmente imaginada por Vannevar Bush, que, após a Segunda Guerra
Mundial, tentava criar uma ordem para a grande quantidade de informação sendo
produzida. O maior problema de então não era como produzir informação (porque a
produção de informação já era incrivelmente rápida), mas sim como acessá-la. Ele,
então, concluiu que conectar esta informação de uma maneira lógica seria muito mais
fácil do que listá-la em ordem alfabética, como faz uma enciclopédia tradicional. Dessa
forma, Bush também criava um novo tipo de narrativa, que prescindia de uma ordem a
priori e a qual era criada pelo sujeito que conectava a informação. Essa estrutura foi
conceitualizada por Ted Nelson nos anos 60 sob o nome de hipertexto
. Criando o
Memex, Bush percebia o mundo como um grande banco de dados e, durante muito
tempo, a importância do banco de dados nos fez pensar que a informação e o código
eram mais importantes do que a materialidade.
A maior contribuição de Bush, no entanto, foi criar um modelo diferente de
interface para acessar a grande quantidade de informação sendo gerada: uma interface
27
“Appears to us as an endless and unstructured collection of images, texts, and other data records”.
38
mais baseada em nosso modo de pensar do que na estrutura hierárquica da enciclopédia.
Sem a interface apropriada, os bancos de dados não teriam sentido. Manovich (op. cit.,
p.37) vê o ambiente digital como um cenário constituído por dois personagens
principais: a interface e o banco de dados. O banco de dados é um conjunto de
elementos subdivididos em categorias, ao passo que a interface é um modo de acessar o
conteúdo deste banco de dados, além de rearranjar seus elementos de forma mais linear
e humana. Dentro desse contexto, diversas interfaces podem ser criadas para acessar o
mesmo banco de dados, sugerindo diferentes “leituras” do mesmo. Assim, o conceito de
‘interface’ torna-se tão importante quanto o conceito de ‘banco de dados’, pois ambos
são interdependentes.
Ao questionar a distinção tradicional entre narrativas e bancos de dados,
database
cria um banco de dados que já é uma narrativa, ou seja, é estruturado de forma
linear (e não em categorias, como ocorre usualmente), mas pode apenas ser acessado de
modo aleatório. O usuário somente tem acesso ao texto da folha de papel através da tela,
onde partes do banco de dados podem ser visualizadas, enfatizando a estrutura
fragmentada do ambiente digital e do modelo hipertextual. Semelhante a um mapa
dobrado, do qual o usuário apenas acessa fragmentos, a tela permite apenas a
visualização de certas partes do banco de dados. Finalmente, quando o usuário segura
em suas mãos o papel impresso, ainda não é possível acessar todo o banco de dados,
porque partes do texto foram “apagadas”. Deste modo, todas as interfaces são
completares e apenas os três meios conjuntamente (tela de computador, vídeo e papel)
podem representar todo o banco de dados.
Em database
, cada interface (tela/impressora, impressora/câmera de vídeo e
papel) representa uma camada diferente de significado que permite ao usuário acessar a
informação por diversas perspectivas. Por exemplo, se o usuário vê uma palavra na tela,
seu oposto pode ser lido na parede, criando uma tensão entre o que é lido na tela do
computador e o que se espera ler na projão. Além disso, outra tensão é criada no
momento em que o papel é impresso, pois tudo o que foi lido anteriormente desaparece:
as palavras lidas na tela são cobertas no processo de impressão e as palavras na projeção
são novamente perdidas em meio ao texto impresso. No final do processo, o banco de
dados é modificado e adquire um outro significado.
39
Figura 8: O banco de dados de database
após o processo de impressão.
Outra oposição importante é a tensão entre os bancos de dados físicos e digitais.
Ao imprimir um banco de dados em uma folha de papel, database
inverte o significado
comum dos bancos de dados como estruturas digitais e olhar de volta ao passado, onde é
possível de se encontrar os antepassados dos bancos dos dados atuais: bibliotecas e
enciclopédias. No entanto, ao contrário de bibliotecas e enciclopédias, que organizam
seus dados em uma estrutura arborescente, o banco de dados de database
é linear, ou
seja, narrativo. Essa inversão alude à comparação que Manovich cria entre
sintagma/paradigma e narrativas/bancos de dados. Segundo Roland Barthes (Apud
MANOVICH, op. cit., p.230), “o sintagma é uma combinação de sinais, que usam o
espaço como suporte”.
28
Se tomarmos o exemplo da língua escrita, o sintagma
representa todos os elementos que escolhemos para criar uma sentença, estruturados em
um pedaço de papel, ao passo que o paradigma representa todas as palavras virtuais que
poderiam estar no papel, mas que não são, de fato, usadas. “Em outras palavras, o banco
de dados de escolhas do qual a narrativa é constituída (o paradigma) é implícito;
enquanto a narrativa atual (o sintagma) é explícita”.
29
(Ibid., p.231) Deleuze (1994,
p.205) argumenta que essa relação também pode ser encarada como a atualização de
estruturas virtuais em uma língua. Por outro lado, Manovich (op., cit., p.231) afirma que
novas mídias invertem essa relação, pois o banco de dados (o paradigma) possui
existência material, ao passo que a narrativa (o sintagma) é desmaterializada. Assim, o
28
“The syntagm is a combination of signs, which has space as a support”.
29
“Put differently, the database of choices from which the narrative is constructed (the paradigm) is
implicit; while the actual narrative (the syntagm) is explicit”.
40
paradigma é atual; o sintagma, virtual. O banco de dados atualizado numa folha de
papel em database
tem, de fato, existência física: o usuário pode segurá-lo em suas
mãos.
Os próximos dois assuntos são relacionados à inversão da funcionalidade das
tecnologias. O primeiro diz respeito ao papel da impressora como um equipamento de
entrada e ao ato de ouvir/ler em tempo real. O segundo lida com o apagamento da
escrita.
1.5.2. Uma impressora que lê: tempo real, interioridade e exterioridade
Figura 9: A impressora de database
.
Devido à câmera de vídeo conectada à cabeça de impressão, a impressora
também funciona como um equipamento de leitura. Por conseguinte, em vez de ser
usada apenas como um aparelho de saída, também funciona como um aparelho de
entrada, semelhante a um scanner, porém sem armazenar informação digital. Um
scanner é um aparelho eletrônico que lê e grava informação, digitalizando documentos
analógicos. Geralmente uma impressora funciona de modo contrário, imprimindo
documentos digitais e gravando-os no papel, gerando, assim, documentos analógicos. A
impressora retira informação do computador, movendo-a do ambiente digital para o
mundo físico.
A impressora de database
trabalha com duas oposições principais: (1) ela não
imprime, mas “apaga” e (2) ela lê, mas não grava (em conjunto com a câmera). Sendo
41
assim, a existência do texto na projeção se torna efêmera, pois desaparece em segundos,
tão logo a impressora move para uma outra linha de texto.
Desta forma, voltamos à mais arcaica oposição entre ler e escrever ou, em outra
perspectiva, entre falar e escrever. A escrita foi inventada como um modo de gravar
informação, tornando possível congelar idéias para o acesso posterior. Nesse contexto,
determinadas interfaces,
30
isto é, os suportes físicos sobre os quais se escreve, foram
decisivos para garantir a permanência da escrita, que adquiria diferentes significados
dependendo da interface utilizada. A escrita tradicional, neste caso, é um exemplo da
importância das interfaces ao transmitir qualquer tipo de informação. Por exemplo,
livros feitos de pergaminho duravam mais do que os que usavam papiro como suporte.
Sendo assim, quanto mais durável a interface, mais duradoura a informação. Ao
contrário das palavras faladas, que são efêmeras e somente existem no exato momento
da fala, a escrita tem uma duração “infinita” (dependendo da interface sobre a qual é
inscrita). Conseqüentemente, a escrita lida com o tempo de modo diferente da fala.
Esta questão é clarificada ao prestarmos atenção na era anterior à invenção da
escrita, ou seja, nas culturas orais e em sua relação com o tempo. Antes da escrita, todo
o conhecimento era transmitido através da fala, exigindo que as histórias fossem
repetidas de geração em geração para serem lembradas. Pierre Lévy (1993, p.76-113),
em As tecnologias da inteligência, mostra como a memória evoluiu desde a oralidade,
quando o ato de contar histórias determinava a sociedade; passando pelo período da
escrita, quando o tempo era entendido linearmente; até a era digital, na qual uma
memória “hipertextual” é construída, ou seja, onde a narrativa ocorre por associação.
No período oral, o tempo era circular e o ato de contar histórias era responsável pela
transmissão do conhecimento. Narradores e contadores de história possuíam um duplo
papel: transmitir e guardar o conhecimento (informação), assim como interpretar esta
mesma informação. Eles eram, concomitantemente, os bancos de dados e as interfaces
daquele tempo.
30
‘Interface’, neste caso, refere-se ao significado expandido da palavra. Este conceito surgiu com a
cultura digital para designar o mediador de uma relação homem-máquina, isto é, um modo de permitir ao
sujeito interagir com computadores. Pouco tempo depois, seu significado estendeu-se para denominar
outros tipos de mediação, denotando quase tudo o que pudesse mediar uma relação comunicacional. Em
outras palavras, o conceito de interface pode ser entendido como um modo de re-representar a informação
de maneira a conectar duas partes distintas.
42
Quando a escrita surgiu, esta relação foi destruída, criando duas partes distintas:
os locais de armazenamento de informação (paredes, pedaços de argila, papiro) e os
indivíduos que liam e interpretavam essa informação. Além disso, a escrita começou a
funcionar como um equipamento de memória a partir do momento em que podia
substituir a memorização. A partir deste momento, tornou-se possível armazenar uma
grande quantidade de informação e recuperá-la posteriormente, organizando-a de um
modo mais linear, o que influenciou, também, a emergência de um pensamento linear,
pois não era mais necessário repetir as narrativas. A leitura linear não somente mudou
nosso modo de pensar, mas também transformou a concepção do tempo; de um tempo
circular, passou-se a encarar o tempo como uma linha reta. O pensamento linear, como
conseqüência da escrita (especialmente a escrita ocidental), foi fortificado com o
advento da imprensa.
Atualmente, é possível sugerir que a era digital transforma novamente nosso
modo de leitura: de um modelo linear a outro conectado. No contexto digital, contar
uma história assume um significado diferente, pois a ordem não é mais determinada
pelo autor, mas sim pelo usuário que decide quais links seguir. Por conseguinte, o papel
do autor (ou seja, do contador de histórias) mudou. Ao contrário do autor moderno, que
escrevia uma história do começo ao fim, o autor hipertextual é aquele que armazena a
informação que pode ser acessada (“lida”) de diferentes maneiras. Semelhanças entre
esta prática e a construção de um banco de dados não
é uma mera coincidência.
Apesar de ainda não se saber como essas mudanças no modo de leitura e
compreensão de narrativas afetará as sociedades, culturas e modos de interagir com o
outro, é possível perceber o impacto histórico da escrita na cultura ocidental e imaginar
o futuro. Desde a emergência da cultura escrita, a sociedade ocidental acompanhou o
surgimento de um outro personagem: o leitor, em oposição ao narrador. De acordo com
Italo Calvino (1981, p.68),
Ouvir alguém ler em voz alta é muito diferente de ler em silêncio. Quando você lê, você pode
parar ou pular frases: você é quem determina o ritmo. Quando outro alguém está lendo, é difícil
fazer com que a atenção coincida com o ritmo de sua leitura: a voz ou é muito rápida ou muito
devagar”.
31
31
“Listening to someone read aloud is very different from reading in silence. When you read, you can
stop or skip sentences: you are the one who sets the pace. When someone else is reading, it is difficult to
make your attention coincide with the tempo of this reading: the voice goes either too fast or too slow”.
43
Em database
, a câmera de vídeo faz o papel daquele que lê, projetand o texto na
parede. Sendo assim, o usuário apenas consegue ler no exato momento em que as
palavras são projetadas, criando uma leitura em tempo-real, análoga ao ato de ouvir uma
história. O “leitor” é forçado a seguir o ritmo da impressora, porque o usuário não pode
ter o texto em suas mãos, sendo o acesso somente possível através da impressora. Nesse
sentido, é possível sugerir que a interface determina nosso modo de leitura. Segundo
Calvino (Id.), “o texto, quando você é o leitor, é algo que está ali, contra o qual você é
obrigado a se chocar; quando alguém o traduz em voz alta, o texto é algo que está e não
está ali, que você não pode tocar”.
32
database combina a concreta atualidade do texto
escrito com ritmo efêmero de uma narrativa oral.
Figura 10: A interface de tela de database
– texto virtual.
O texto do banco de dados está potencialmente na tela,
mas não é atualizável até que o usuário passe o mouse sobre ela.
A relação entre interioridade e exterioridade é representada pela impressora que
funciona simultaneamente como um aparelho de saída (ao imprimir o texto) e como um
aparelho de entrada (ao ler o texto e projetá-lo na parede). Como aparelho de entrada, a
impressora faz o papel do contador de histórias, “narrando” palavras efêmeras. database
subverte o papel da impressora: de um aparelho de gravação para outro de leitura. Ao
“ler” o texto e projetá-lo na parede, é como se a impressora falasse, apenas
possibilitanto a leitura no exato momento em que o texto é projetado. O papel da
impressora, neste caso, é análogo ao do narrador quando lê em voz alta. Assim como se
32
“The text, when you are the reader, is something that is there, against which you are forced to clash;
when someone translates it aloud to you, it is something that is and is not there, that you cannot manage
to touch”.
44
deve seguir o ritmo do contador de histórias ao ouvir um conto, o usuário deve seguir o
passo da impressora na instalação.
Deste modo, database
chama a atenção para o processo de leitura; mais
precisamente para o processo de ouvir um texto escrito. A obra trabalha com o texto
escrito e subverte sua função primária, que é a de armazenar informação, transformando
a permanência em efemeridade. A instalação enfatiza o falado sobre o escrito, a fluida
natureza da linguagem sobre a gravação de informação e, sobretudo, a diferença entre
ler e ouvir. O ato de ouvir, decisivo para as tradições orais, ocorre em tempo-real, ou
seja, no presente, um tempo oposto ao passado e ao futuro, que representam a duração
do tempo. O presente é um momento pontual, sempre escorregando em duas direções: o
passado e o futuro. Devido à efemeridade do presente, os seres humanos vivem em
todos os tempos, menos no presente.
No primeiro conto do Aleph, O Imortal, Borges (1962, p.105-118) conta a
história de um homem em busca da Cidade dos Imortais. Em seu caminho, ele encontra
uma tribo de trogloditas; homens que não sabiam falar, que não dormiam e que comiam
apenas o suficiente para sobreviver. Tais seres viviam em um eterno estado catatônico,
movendo-se o mínimo possível, ou não se movendo de modo algum. O autor, num ato
de compaixão pelos pobres trogloditas, decide ensinar um deles a falar. Um dia, no
entanto, ele descobre que este homem era ninguém menos do que Homero, o poeta
grego, que era, na verdade, um imortal. A partir de então, tudo fica claro: os Imortais
por quem ele estava procurando eram, de fato, os trogloditas. Mas como acreditar que
uma tribo de criaturas tão repugnantes teria exatamente o que todo ser humano parece
desejar: a imortalidade? Borges (Ibid., p.114) explica que “ser imortal é lugar comum;
com exceção do homem, todas as criaturas são imortais, pois elas são ignorantes da
morte; o que é divino, terrível, incompreensível, é saber que se é imortal”.
33
Ter a
consciência da imortalidade implica que o tempo não mais importa, pois este se torna
constante, absoluto, infinito. Sendo assim, todos os imortais vivem no eterno presente,
sem passado ou futuro.
Essa situação implica uma compressão – ou extensão – de todos os tempos em
um: passado, presente e futuro se tornam um tempo único e contínuo. Borges também
descreve os Imortais como seres imóveis, consumidos pelo pensamento, petrificados por
33
“To be immortal is commonplace; except for man, all creatures are immortal, for they are ignorant of
death; what is divine, terrible, incomprehensible, is to know that one is immortal”.
45
sua memória infinita. Assim, os Imortais estavam constantemente perturbados, porque
não conseguiam esquecer, ou seja, não conseguiam apagar a informação que recebiam
durante sua existência.
De acordo com N. Katherine Hayles (2002, p.103),
“sob a luz desta história, os apagamentos criados pela impressora podem ser considerados como
inscrições de mortalidade, marcas não-significantes que paradoxalmente significam a habilidade
de esquecer, uma capacidade que os imortais não possuem”.
34
1.5.3. Apagando a escrita: tempo e mecanismos de memória
Em datab
ase, a impressora “lê” ao mesmo tempo em que cobre o texto. A
mesma disposição de retângulos pretos que o usuário escolheu ao ler o texto na tela é
impressa sobre a página previamente impressa, “apagando-a”. Quando o usuário
finalmente segura a folha de papel em suas mãos, é possível ler tudo, com exceção do
foi previamente lido na tela. Este processo enfatiza a necessidade de leitura em tempo
real: em vez de gravação, apagamento; em vez de presença, ausência; em vez de padrão,
aleatoriedade.
Figura 11: O tempo passa rápido na projeção na parede.
O processo de apagamento sempre foi decisivo para a sobrevivência humana. É
possível pensar o apagamento sob duas perspectivas distintas: o apagamento físico da
escrita e o apagamento da memória, a partir do momento em que se encara tanto a
34
“Seen in the light of this story, the obliterations the printer creates can be read as inscriptions of
mortality, non-signifying marks that paradoxically signify the ability to forget, a capability the immortals
do not have”.
46
memória quanto a escrita como meios de armazenamento de informação. O primeiro
caso é exemplificado pelo palimpsesto. A palavra ‘palimpsesto’ originalmente se refere
a “um pergaminho que foi escrito por cima, ou sobre-escrito duas ou três vezes, o texto
anterior sendo imperfeitamente apagado e permanecendo, então, ainda parcialmente
visível”.
35
Esta prática era muito comum na Idade Média, numa época em que o
pergaminho usado para os manuscritos era bastante caro e era, então, necessário
“reciclar” o material usado. Algumas vezes, porém, o ato de apagamento não era
perfeito, deixando marcas do texto anterior sob a nova escrita. Este processo criava, sem
a intenção, várias camadas de texto na mesma superfície, gerando diversos níveis de
leitura.
O palimpsesto era criado em três etapas: escrever, apagar e escrever novamente.
Em database
, os dois últimos processos estão misturados, pois os atos de apagar e de
sobre-escrever tornam-se um só, de modo que apagar corresponde a re-escrever. O
apagamento do texto impresso já é um novo tipo de escrita, pois, na verdade, o texto
não é apagado, mas sim coberto, produzindo novos significados no banco de dados
físico. O ato de apagar um texto envolve tanto sua presença quanto a ausência, pois o
texto precisa estar lá para ser apagado. Além do mais, esse aparelho eletrônico de leitura
lê e apaga simultaneamente, criando uma situação contraditória, pois ler é o ato de
interpretar a escrita e a escrita é um modo de armazenar informação. Quando o texto é
apagado, sua leitura não é mais possível, eliminando, também, a informação contida na
página.
De acordo com Daniel Dennett (1996, p.134), nosso cérebro é mais poderoso do
que o de outros animais devido a nossa capacidade de extensão do pensamento pelo
ambiente a nossa volta. Dentre todas as ferramentas mentais que usamos para estender
nosso cérebro pelo mundo, nenhuma é mais importante do que a palavra – primeiro,
falada e depois, escrita. Nesse sentido, a escrita foi criada como um modo de estender
nossa memória e, conseqüentemente, de não esquecer (ou apagar) a informação.
Se o ato de escrever libera nosso cérebro da tarefa de lembrar, isso também
significa que a escrita nos permite esquecer. Sendo assim, é o ato de exteriorização da
35
Fonte: Webster’s New World Dictionary and Thesaurus. Fourth Edition. Cleveland, Ohio : IDG
Books Worldwide, Inc., 2000. p.1037. “A parchment that has been written upon or inscribed two or three
times, the previous text or texts having been imperfectly erased and remaining, therefore, still partly
visible”.
47
memória – apagando da memória e escrevendo no papel – que a libera para receber e
gravar mais informação. No conto “Funes, o memorioso”, Borges (1962, p.107) conta a
história de um menino que podia lembrar de tudo. Tendo uma memória infinita, Funes
também não conseguia esquecer. Como ele poderia viver, se “a verdade é que todos nós
vivemos porque conseguimos deixar para trás?”
36
(BORGES, op. cit., p.113) Tudo era
gravado em sua mente: cada detalhe, cada momento. Por isso, Funes não era capaz de
pensar, pois não conseguia abstrair o mundo. Além disso, Funes provavelmente não
tinha consciência do tempo, pois como tudo era igualmente gravado em sua mente, todo
o passado era comprimido em um único tempo presente.
Um presente infinito acarreta uma memória infinita, visto que todas as
experiências são gravadas e nenhuma é apagada. A memória, geralmente, tem um valor
positivo, mas, nesse caso, uma memória infinita só pode ser negativa. A acumulação de
memórias infinitas é quase insuportável e os mortais precisam saber esquecer para
continuar a viver – ou mesmo a pensar.
database
enfatiza a impermanência da escrita, a efemeridade da palavra e a
mudança de significado da informação quando é transportada de um meio a outro. A
automação dos atos de imprimir uma tela de computador ou projetá-la em uma
superfície vertical nos faz facilmente esquecer das mediações tecnológicas que tornam
essas atividades cotidianas possíveis. Um texto na tela não é como o impresso e uma
imagem projetada não é o mesmo que um feixe de luz no scanner. Cada interface (tela,
impressão e projeção) possui sua própria especificidade e cada qual relaciona-se com o
usuário de maneiras sensórias, cognitivas e materiais distintas. database
implica, através
de seu foco na memória e no esquecimento, que a tecnologia é tanto máquina quanto a
encarnação dos pressupostos embutidos em sua forma e função. (HAYLES, 2003, p.19)
Esses pressupostos precisam ser repensados, demandando uma nova consideração da
ideologia através da qual espaços tecnológicos mediados, como o ciberespaço, são
entidades imateriais abstratas.
Finalmente, a instalação quebra a transparência da tecnologia, enfatizando que
as interfaces nunca são neutras e que usar tecnologia é também absorver consciente e
inconscientemente os pressupostos que as corporificam.
36
“The truth is that we all live by leaving behind”.
48
“No centro de Fedora, aquela metrópole de pedras cinzas, existe um prédio de metal com um
globo de cristal em cada quarto. Olhando dentro de cada globo, você vê uma cidade azul, um
modelo de uma Fedora diferente. São formas que a cidade poderia ter tomado caso, por uma ou
outra razão, não tivesse se tornado o que é hoje. Em cada época alguém, olhando para a Fedora
do passado, imaginou como transformá-la na cidade ideal, mas enquanto construía seu modelo
em miniatura, Fedora já não era mais a mesma e o que até ontem fora um futuro possível tornou-
se apenas um brinquedo num globo de vidro”.
1
(CALVINO, 1974, p.32)
2.
DEFININDO O VIRTUAL: SIMULAÇÃO, POSSIBILIDADE, POTENCIALIDADE, NÃO-
LUGAR
O conceito do ‘virtual’ sempre foi relacionado com nossa percepção do real.
Apesar de Deleuze afirmar que o virtual é de fato real – na medida em que pode ser
considerado algo habitando um não-lugar sempre na iminência de atualização – quando
o espaço digital entra em jogo, freqüentemente o conceito tecnológico de virtual foi
encarado como não-real, ou algo que poderia ser confundido com o real. Hoje em dia,
podemos observar a dissipação das fronteiras entre espaços físicos e digitais.
2
O objetivo deste capítulo é esclarecer como o conceito de ‘virtual’ surgiu na
filosofia, de modo a aplicá-lo à hibridização dos espaços físicos e virtuais que emerge
com as tecnologias nômades de comunicação. Sendo assim, o significado do virtual
precisa ser re-definido de modo a englobar, também, o domínio do físico. O conceito de
‘virtual’ nunca foi desconectado da idéia da fisicalidade e sempre representou uma
estreita relação com a realidade atual, a qual faz parte da combinação real/virtual. De
modo a esclarecer o significado de espaços híbridos, é decisivo definir que é o virtual e
identificar como este conceito adquiriu diferentes sentidos ao longo da história do
pensamento. Apesar do objetivo desta Tese não ser fazer uma história filosófica do
conceito de ‘virtual’, sua análise será crítica para elucidar a mistura de bordas entre o
físico e o virtual em espaços híbridos. Este capítulo, portanto, propõe apresentar
1
“In the center of Fedora, that gray stone metropolis, stands a metal building with a crystal globe in
every room. Looking into each globe, you see a blue city, the model of a different Fedora. These are the
forms the city could have taken if, for one reason or another, it had not become what we see today. In
every age someone, looking at Fedora as it was, imagined a way of making it the ideal city, but while he
constructed his miniature model, Fedora was already no longer the same as before, and what had been
until yesterday a possible future became only a toy in a glass globe”.
2
Ou virtuais, no sentido do virtual como simulação.
49
diferentes visões do virtual e indicar como essas perspectivas influenciaram a atual idéia
de virtualidade ligada às tecnologias digitais.
Há, majoritariamente, duas tendências através das quais podemos analisar o
desenvolvimento do conceito de ‘virtual’. A primeira, que começa com Platão e é
posteriormente desenvolvida por Baudrillard, considera o virtual como uma simulação
do real. Sendo uma cópia sem original, a simulação ultrapassa o real, transformando a
realidade num puro simulacro. A segunda tendência tem sua origem no pensamento de
Aristóteles, que interpreta o virtual como um movimento de atualização de uma
realidade em potencial. Mais tarde, Leibniz aplica o comportamento de entidades
singulares ao jogo da vida, escolhendo atualizar mundos compossíveis em uma cadeia
linear. Também será revisado como Deleuze critica a posição de Leibniz, distinguindo
possibilidade e potencialidade, ao definir o virtual como desejo, como força criadora. A
re-criação do real como novo indica o caminho para a inclusão das tecnologias móveis
na fusão entre o físico e o digital.
Em resumo, a história contada nesta Tese vai de simulações a espaços híbridos,
o que significa ir do virtual como uma realidade simulada – que opõe o real à
imaginação, o real à sua representação – ao virtual como o máximo real. Quando a
realidade pode ser vista como uma dobra dentro do domínio do virtual, então o virtual
torna-se potência e força de criação. Sendo assim, a distinção entre o físico e o virtual
não mais importa. Afinal, cada realidade é apenas uma face do real.
2.1. O virtual como simulação: representação, realidade e espaços públicos
Douglas Engelbart foi o primeiro cientista a imaginar os computadores como
ferramentas para a visualização de dados digitais. Desde o tempo em que trabalhava
com radares, ele sabia que qualquer informação digital poderia ser visualizada em uma
tela. Por que não, pensou, conectar o computador a uma tela e usar ambos para resolver
problemas?
3
No início, as idéias de Engelbart foram descartadas, mas, no princípio dos
anos 60, outros pesquisadores começaram a considerá-las, principalmente em um
momento em que as tecnologias de comunicação começavam a se misturar com as
3
Virtual Reality overview. NCSA (National Center for Supercomputing Aplications) e EVL. Copyright
© 1995, The Board of Trustees of the University of Illinois. Última modificação em: 27 nov. 1995.
Disponível em: http://archive.ncsa.uiuc.edu/Cyberia/VETopLevels/VR.Overview.html
. Acesso em: 06
dez. 2003.
50
tecnologias computacionais e gráficas. Essa sinergia deu lugar a computadores mais
amigáveis que, por sua vez, prepararam o terreno para os computadores pessoais, para a
computação gráfica e, mais tarde, para a realidade virtual. O termo ‘realidade virtual’
foi criado por Jaron Lanier, cuja firma VPL Research, fundada em 1983, foi responsável
pela primeira comercialização de produtos de realidade virtual imersiva, como a luva de
dados e o capacete de realidade virtual.
De acordo com Sherry Turkle (1995, p.29-49), a adição de uma tela e de um
mouse ao computador, seguida pela interface gráfica desenvolvida pelos laboratórios da
Xerox (PARC), no início dos anos 80, foram decisivos para indicar a passagem de uma
cultura de cálculos para uma cultura de simulações. Na cultura de cálculos, o código
binário e as linguagens de programação eram usados para interagir com os
computadores; já na cultura de simulações tudo era compreendido através da interface.
Assim, as interfaces foram desenvolvidas para representar o código binário do
computador em uma linguagem que fosse compreensível para os seres humanos. Turkle
(Ibid., p.181) define a realidade virtual como “os espaços metafóricos que surgem
apenas através da interação com o computador, o qual é navegado por meio de
hardwares
4
especiais”.
5
Considerando a história da realidade virtual, Andre Parente (1999, p.28) explica
que:
“a expressão “realidade virtual”surgiu no final dos anos 60 para designar um conjunto de
tecnologias de visualização com a ajuda do computador. O desenvolvimento dessas tecnologias
levou à criação do simulador de vôo que é, para a grande maioria das pessoas, sinônimo de
realidade virtual”.
Da mesma forma, Julian Dibbell (1998, p.51) entende RV (realidade virtual)
como “todas as técnicas já criadas para fazer a ilusão partilhada da representação ganhar
vida de modo mais convincente (…)”.
6
Já Howard Rheingold (1990, p.154) sugeriu que
a realidade virtual não seria “apenas” um meio dentro da realidade física, mas um outro
tipo de realidade.
4
Por hardwares especiais, Turkle quer dizer capacetes de realidade virtual (HMD), goggles (óculos de
realidade virtual), luvas de dados e body suits, ou seja, interfaces materiais.
5
“Metaphorical spaces that arise only through interaction with the computer, which people navigate by
using special hardware”.
6
“Every technique ever devised for making the shared illusion of representation come more convincingly
alive (…)”.
51
“A RV é partilhada e objetivamente presente como o mundo físico, possível de ser construída
como uma obra de arte e tão ilimitada e inofensiva quanto um sonho. Quando a RV se tornar
amplamente disponível, por volta da virada do século, ela não será mais vista como um meio
usado dentro da realidade física, mas sim como uma realidade adicional”.
7
Este pensamento, largamente difundido nos anos 80 e 90, influenciou a visão da
realidade virtual como uma representação da realidade e, também, como algo que
poderia ser melhor do que a própria realidade, tornando-a uma hiperrealidade. Sem um
referente no espaço físico, a realidade virtual foi muitas vezes tomada como substituto
do próprio real.
2.1.1. O virtual como cópia
Na filosofia platônica, as representações são cópias de uma realidade superior,
sendo, assim, inferiores do que seu original. Platão considera a arte e a poesia como
elementos menores, visto que são cópias de cópias. Se o mundo sensível é a cópia de
um mundo ideal, a arte e a poesia são cópias desse mundo sensível, o qual já é, por sua
vez, uma cópia. Dessa forma, a filosofia seria um modo mais “puro” de representação,
pois lida diretamente com o mundo inteligível, ou seja, o mundo dos possíveis, dos
conceitos que podem ser atualizados através de coisas sensíveis.
Platão explica a representação como um reflexo e não diferencia a imagem no
espelho da representação produzida pela arte, poesia, ou teatro, pois todas são, segundo
ele, cópias de um mundo sensível.
“Geralmente diferenciamos uma coisa corpórea de sua sombra, de sua imagem e de seu reflexo.
Sombras e reflexo se referem à própria coisa real. (…) Então, assim como as sombras se referem
a uma coisa sensível, analogamente a coisa sensível se refere à idéia”.
8
(FINK, 1960, p.84)
Eugen Fink (1966, p.97) ainda sugere, segundo Platão, que “os pintores e os
poetas não produzem nada de real, apenas imagens impotentes e, notoriamente, imagens
da realidade ordinária das coisas sensíveis”.
9
Entre a coisa e sua representação há uma
7
“VR is shared and objectively present like the physical world, composable like a work of art, and as
unlimited and harmless as a dream. When VR becomes widely available, around the turn of the century, it
will not be seen as a medium used within physical reality, but rather as an additional reality”.
8
“Wir unterscheiden geläufig ein köperliches Ding selbst von seinem Schatten, von seinem Bild und
seiner Spiegelung. Schatten un Spiegelung verweisen auf das wirkliche Ding selbst, (…). So, wie der
Schatten auf das wirkliche Sinnending verweist, so verweist analog das Sinnending auf die Idee”.
9
“Les peintres e les poètes ne produisent rien de reel, mais seulement des images, des images
impuissantes, et notamment des images de l’ordinaire réalité des choses sensibles”.
52
conexão intrínseca, a qual distingue o objeto real de sua imagem irreal. Fink (Ibid.,
p.87) exemplifica essa idéia através do reflexo de uma árvore na superfície de um lago,
afirmando que uma das características da cópia é exatamente não poder ser confundida
com seu original. Apesar da imagem da árvore ter as mesmas características visuais que
seu original, as mesmas cores e forma, ainda somos capazes de olhar através da
imagem, onde está o lago real. A imagem, então, é a representação de um objeto que
não está, efetivamente, “na água”. Sendo assim, a árvore que vemos no reflexo não é
real – é apenas uma representação de uma árvore real que não está, na verdade, ali. A
cópia é real enquanto cópia, mas irreal enquanto objeto. O real, neste caso, é a
superfície sobre a qual a imagem é projetada: água, tela, ou espelho. Em outras palavras,
a interface é real, mas não o objeto representado sobre ela.
Michel Foucault (1989) trata do mesmo tema em Isto não é um cachimbo, ao
analisar o quadro de Magritte com o mesmo nome. O cachimbo representado na pintura
é obviamente um cachimbo, no entanto, não é um cachimbo real, apenas sua
representação. A imagem de um cachimbo não é um cachimbo. Além disso, a obra é
redundante ao representar um cavalete com a tela dentro da tela onde o cachimbo é
representado. Na tela pintada dentro da tela é possível ler a frase: “Isto não é um
cachimbo”. Fazendo isso, Magritte está sendo duplamente paradoxal: primeiro, ele
nomeia algo que seria óbvio (isto é um cachimbo) e, conseqüentemente, não precisaria
ser nomeado. Em segundo lugar, ele nega o que seria esperado (isto não é um
cachimbo). No entanto, a imagem do cachimbo não seria uma imagem de um cachimbo
se o cachimbo original não existisse.
Igualmente, o reflexo em um espelho ou na água sempre depende de seu
original. A diferença entre a arte e a poesia, e as imagens refletidas, no entanto, é que as
imagens no espelho possuem uma dependência temporal de seu original, ou seja,
somente existem na presença de seus originais. O virtual, neste caso, é visto como uma
realidade representada, que é, para Platão, sempre menos do que o próprio real. O jogo
do virtual em Platão pode ser considerado como o jogo da retórica. Platão acusa a arte e
a poesia de apresentarem o falso como verdadeiro, procurando serem mais verdadeiras
do que a própria realidade. Sendo assim, o modo de “desmascarar” estas falsas
realidades seria diminuindo sua importância na hierarquia dos mundos.
53
Conforme visto no último capítulo, Couchot (1996, p.40) usa o modelo
representacional de Platão para explicar a representação clássica, na qual cada ponto do
quadro corresponde a um ponto no mundo físico. Por outro lado, ele sugere que imagens
as digitais não possuem originais, sendo produtos de cálculos feitos por um computador.
Assim, as imagens digitais são simulações, em vez de representações.
2.1.2. O virtual como simulação
A simulação, segundo Baudrillard (1994, p.1),
“não é mais a de um território, de um ser referencial, ou de uma substância. É a geração através
de modelos de um real sem origem ou realidade: hiperreal. O território não mais precede o mapa,
nem o sobrevive. É, no entanto, o mapa que precede o território – precessão do simulacro – que
engendra o território, e se for preciso retornar à fábula, hoje é o território que se fragmenta
devagar através da extensão do mapa”.
10
Já em 1893, o escritor Lewis Carroll imaginara um mapa 1:1 na história Sylvie
and Bruno concluded:
“– Qual você consideraria o maior mapa possível, que fosse realmente útil?
– Mais ou menos seis polegadas para a milha.
– Só seis polegadas! – Exclamou Mein Herr. – Rapidamente pudemos fazer um de seis jardas
para a milha. Então tentamos cem jardas para a milha. E, então, veio a melhor idéia de todas! Na
verdade, fizemos um mapa do país na escala de uma milha para a milha!
– E vocês realmente o usaram?
– Não foi distribuído, ainda. – Disse Mein Herr – Os fazendeiros objetaram: disseram que tal
mapa cobriria todo o país e que taparia a luz do sol! Então, agora usamos o próprio país como
mapa e eu asseguro que funciona quase tão bem”.
11
10
“Is no longer that of a territory, a referential being, or a substance. It is the generation by models of a
real without origin or reality: a hyperreal. The territory no longer precedes the map, nor does it survive
it. It is nevertheless the map that precedes the territory – precession of simulacra – that engenders the
territory, and if one must return to the fable, today it is the territory whose shreds slowly across the extent
of the map”.
11
“– What do you consider the largest map that would be really useful?
– About six inches to the mile.
– Only six inches! – Exclaimed Mein Herr. – We very soon got six yards to the mile. Then we tried a
hundred yards to the mile. And then came the greatest idea of all! We actually made a map of the country,
on the scale of a mile to the mile!
– Have you used it much? – I enquired.
– It has never been spread out, yet. – Said Mein Herr. – The farmers objected: they said it would cover
the whole country, and shut out the sunlight! So now we use the country itself, as its own map, and I
assure you it does nearly as well”.
54
Quarenta anos depois, o escritor argentino Jorge Luiz Borges (1998, p.325)
escreveu sobre os efeitos que tal mapa teria em um império imaginário:
“...Naquele império, a arte da Cartografia alcançou tal perfeição que o mapa de uma única
província ocupava toda uma cidade e o mapa do império, toda uma província. Com o tempo,
esses mapas desmedidos não mais satisfizeram e os Colégios de Cartógrafos criaram um mapa
do império, que coincidia perfeitamente com o próprio império. Mas as gerações seguintes, com
menos interesse no estudo da cartografia, achavam que esse dilatado mapa era inútil, e não sem
impiedade, o entregaram às inclemências do sol e dos numerosos invernos. Nos desertos do oeste
perduram despedaçadas as ruínas do mapa, habitadas por animais e por mendigos; em todo o
país não há outra relíquia das disciplinas cartográficas…”
12
Recentemente, o escritor italiano Umberto Eco (1994, p.95) imaginou as
instruções para a criação de um mapa 1:1 em How to travel with a salmon (Como
viajar com um salmão). Em “Da impossibilidade de desenhar um mapa do império na
escala um pra um”,
13
Eco apresenta as limitações da incumbência em um detalhado
plano de instruções. Após todas as considerações, Eco conclui que um mapa em escala
real não é uma possibilidade lógica:
“Quando um mapa é instalado sobre todo o território (suspenso ou não), o território do império
tem a característica de ser um território inteiramente coberto pelo mapa. O mapa não leva em
consideração essa característica, que precisaria ser representada em um outro mapa, que
desenhasse o território e mais o mapa inferior. Mas tal processo seria infinito... Dois corolários
se seguem:
1. Todo mapa 1:1 sempre reproduz o território de modo infiel.
2. No momento em que o mapa é realizado, o império se torna irreproduzível”.
14
Ao tornar-se mais do que o original, a cópia o destrói. Assim, a era da simulação
é inaugurada por uma liquidação de todos os referenciais. Na evolução dos processos de
12
“…In that empire, the Cartographer’s art achieved such a degree of perfection that the map of a single
province occupied an entire city, and the map of the empire, an entire province. In time, these vast maps
were no longer sufficient. The guild of cartographers created a map of the empire, which perfectly
coincided with the empire itself. But succeeding generations, with diminished interest in the study of
cartography, believed that this immense map was of no use, and not impiously, they abandoned it to the
inclemency of the sun and of numerous winters. In the deserts of the west ruined fragments of the map
survive, inhabited by animals and beggars; in all the country there is no other relic of the geographical
disciplines…”
13
On the impossibility of drawing a map of the empire on a scale of 1 to 1”.
14
“When the map is installed over all the territory (whether suspended or not), the territory of the empire
has the characteristic of being a territory entirely covered by a map. The map does not take into account
this characteristic, which would have to be presented on another map that depicted the territory plus the
lower map. But such a process would be infinite
Two corollaries follow:
1. Every 1:1 map always reproduces the territory unfaithfully.
2. At the moment the map is realized, the empire becomes irreproducible”.
55
realidade que levam à aparição do simulacro, Baudrillard (op. cit., p.6) determina quatro
fases da imagem. A primeira, correspondente à representação segundo o modelo
platônico, é a reflexão de uma profunda realidade. A segunda, por sua vez, mascara e
desnaturaliza uma profunda realidade. Já a terceira marca a ausência
de uma profunda
realidade, ao passo que a última, o simulacro, não tem relação qualquer com a realidade.
Andre Parente (1999, p.21) sugere que a era do simulacro é considerada negativa por
Baudrillard porque “o simulacro deixa de ser determinado por uma vontade de
afirmação do real enquanto novo (diferença livre) e se torna pura repetição do mesmo
(simulacro despotencializado)”. O assustador do simulacro é justamente seu poder de
transformar o real em sua sombra.
A idéia de simulacro ou da hiperrealidade como algo mais forte do que a
realidade e que, portanto, produz a própria realidade é também desenvolvida por
Umberto Eco em Viagens na hiperrealidade (1990). A hiperrealidade é definida como
aquilo que ultrapassa o real. Se não for possível ter a coisa real, então se fabrica o falso
absoluto ou se produz uma cópia autêntica. Eco descreve a cultura americana como o
mais perfeito modelo da hiperrealidade: a Disneylândia, os museus de cera e Las Vegas
são lugares que fingem ser reais, mas são, na verdade, cópias sem originais. Mais
especificamente, são lugares que pretendem ser mais reais do que a própria realidade.
Por exemplo, se não é possível se ter a Mona Lisa, constrói-se um modelo
tridimensional do quadro e coloca-se em um ambiente com uma atmosfera antiga e sons
do passado, imitando como ela “realmente” era há 500 anos. De acordo com essa lógica,
seria possível acessar o “verdadeiro” e não apenas sua representação.
A hiperrealidade, nesse sentido, significa ir além da realidade, transcendê-la:
chegar perto da realidade e, finalmente, ultrapassá-la. A hiperrealidade americana pode
ser mais bem observada nos locais em que Eco (1990, p.3-12) descreve como
“fortalezas da solidão”, como alusão à morada do Super-Homem, onde ele podia
lembrar de seu passado através de cópias em miniatura de seu planeta natal. Os Estados
Unidos estão cheios de fortalezas da solidão, como os museus de cera, os falsos
castelos, os parques temáticos, os hotéis de Las Vegas e mesmo alguns estranhos
cemitérios. Nesses locais, os visitantes têm, com freqüência, a sensação de estarem
sozinhos, envoltos pela impressão de que suas reações são únicas. Tal fato pode ser
facilmente observado em parques temáticos, como a Disneylândia, pois cada vez que
56
um visitante entra em uma atração, não percebe que, na verdade, há um enorme grupo
atrás de si esperando para passar pelas mesmas experiências.
Eco (1990, p.7) também argumenta que a hiperrealidade é um modo de trazer o
falso passado próximo ao presente real. A sociedade americana gosta de produzir cópias
de um passado que nunca existiu. Essas cópias, por sua vez, precisam ser realísticas,
autênticas e mesmo mais perfeitas do que teriam sido no passado, de modo a fazer essa
volta no tempo o mais “real” possível, criando, então, o falso absoluto
.
O falso absoluto é um modo de alcançar a coisa real
. Dentro dessa lógica, não é
suficiente que a cópia se pareça com o original como ele é hoje, mas sim com o que
teria sido no passado. Visitantes de museus de cera e de falsos castelos encontram,
assim, um passado mágico, onde não há distinção entre o real e o imaginário. Essa
distinção, de qualquer forma, não mais importa. Por exemplo, em Las Vegas, é possível
encontrar, lado-a-lado, o castelo de Aladim e a Torre Eiffel, apresentando a absoluta
irrealidade como presença real: é real o que parece ser real. De acordo com Baudrillard
(1994, p.19), a existência dessa falsa realidade é sempre uma questão de prover o real
através do imaginário. O autor aponta a Disneylândia como modelo perfeito de todas as
ordens do simulacro. A existência “irreal” do parque de diversões não é contrária à
realidade da cidade de Los Angeles, que se localiza nos seus arredores. “A Disneylândia
é apresentada como imaginário para nos fazer acreditar que o resto é real, mas toda Los
Angeles e o resto da América não são mais reais; pertencem à ordem do hiperreal e da
simulação”.
15
(Ibid., p.12)
Não é uma questão de falsa representação da realidade, mas sim de esconder o
fato de que a realidade não mais pode ser considerada real. A cidade, segundo
Baudrillard (Ibid., p.13), tornou-se um cenário. Algo semelhante acontece com meios de
comunicação de massa, como a TV. A televisão não mais apresenta o real, mas o
constrói. Conseqüentemente, um fato pode apenas ser considerado verdadeiro se
aparece na TV. Por outro lado, a presença da TV muitas vezes influencia e determina a
construção de uma dada realidade. Esse tema foi amplamente discutido na área de
comunicação de massa e, até os anos 80, a TV foi considerada o maior responsável pela
dominação do simulacro. Com a emergência de sistemas de realidade virtual,
15
“Disneyland is presented as imaginary in order to make us believe that the rest is real, whereas all of
Los Angeles and the America that surrounds it are no longer real, but belong to the hyperreal order and
to the order of simulation”.
57
especialmente dos ambientes imersivos que poderiam representar a realidade “como se
fossem reais”, os conflitos entre o real e o virtual aumentaram. Conforme analisado no
capítulo anterior, os computadores foram criados como máquinas de simulação do real e
a imagem numérica não possui origem na realidade física. Como realidades simuladas,
os mundos virtuais foram encarados, segundo o legado platônico, como cópias da
realidade. Mais ainda: se as imagens “virtuais” não tinham origem na realidade física,
também foram associadas a espaços não-físicos e imaginários e, conseqüentemente, a
espaços não-reais.
Geralmente, a imaterialidade é comparada ao mental, enquanto a materialidade é
considerada como pertencente ao físico. (Cf. RORTY, 1980, p.20) Sendo assim, a
emergência desse novo espaço virtual, que não era físico, mas que poderia existir fora
de nossas mentes, ergueu novamente a tradicional dúvida de Descartes: “será que a
imagem mental corresponde à realidade?”
2.1.3. Podemos acreditar na realidade? Descartes e a distinção entre o real e o
imaginário
Desde Descartes, fomos acostumados ao dualismo que separa a mente do corpo,
o imaterial do material. Sob esse ponto de vista dualista, a mente e a imaterialidade são
consideradas mais nobres e puras do que a matéria. Tal pensamento reflete a forte
influência dos dogmas católicos na filosofia cartesiana. Por que seria tão melhor fazer o
download da mente para o espaço de informação e se libertar do peso do corpo? De
acordo com o filósofo, se a única verdade inquestionável é que pensamos, então a única
realidade sobre a qual podemos ter certeza é aquela que está dentro de nossas mentes.
Tudo mais poderia ser falso. Assim, Descartes questionou a veracidade da conexão
entre os objetos físicos e suas representações mentais. (RORTY, 1980, p.45) Quão
fortemente esses preconceitos cartesianos influenciaram o desenvolvimento do conceito
de ‘ciberespaço’ na sociedade ocidental?
Nos últimos 50 anos, as simulações computacionais e os sistemas de realidade
virtual criaram outros tipos de realidades que poderiam ser, também, imaginárias, isto é,
que poderiam não existir dentro do mundo físico. A oportunidade de se habitar e de se
interagir com essas realidades alternativas transformou a tradicional distinção entre o
58
real e o imaginário. A partir da era digital, o imaginário passou a ser considerado não
somente o que estava dentro de nossas mentes, mas também os espaços virtuais que
poderiam ser construídos por meio da tecnologia e que compartilhados com outros
indivíduos.
A distinção entre a mente/alma e o corpo é, no entanto, muito mais antiga do que
a dualidade cartesiana. Platão já definira o conceito de ‘idéia’ e o posicionara acima de
qualquer forma material, percepção física, sensação ou mesmo manifestação da
realidade. Contudo, a idéia do conhecimento como representação interna foi
conceitualizada algum tempo depois. Segundo Pierre Vernant (1987, p.20-37), antes de
Santo Agostinho a escrita de autobiografias não era prática comum, pois não havia a
noção de uma vida interior ou de uma consciência de si. A partir dos séculos III e IV,
uma profunda mudança em termos sociais, religiosos e espirituais começou a configurar
um ser humano com vidas interior e exterior. Apesar de os gregos na Antiguidade terem
escrito algumas formas de biografias, é apenas com a autobiografia de Santo Agostinho,
suas Confissões, que a literatura de si emerge.
Ao questionar a ligação entre a imagem mental e a realidade externa, Descartes
criou o conceito psicológico de idéia. O filósofo indagava se a imagem mental
correspondia ao mundo físico ou mesmo se havia de fato um mundo físico (ou se tudo
ao redor não seria somente um produto de nossa imaginação). Portanto, o dualismo
mente/corpo que surgiu com Descartes é substancialmente diferente da separação entre
corpo e alma para os antigos gregos. Descartes contribuiu para a criação do conceito de
‘mente como consciência’, como existência interior, em contraste com o conceito de
‘mente como razão’, vigente na Grécia antiga. Além do mais, nunca houvera um termo
nas tradições gregas e medievais que fosse comparável ao uso que Descartes fez da
palavra ‘idéia’. Igualmente, jamais houvera o conceito da mente humana como um
espaço interno no qual tanto a dor quanto idéias claras e distintas poderiam ser
recuperadas perante um único Olho Interno. (RORTY, op.cit., p.50)
Duvidando de tudo, menos do pensamento, Descartes questionou se nossa
percepção do real corresponde à realidade. Estaríamos conscientes da totalidade do real
à nossa volta? Ou seria o que chamamos de “real” nada mais do que uma simulação do
real? Com poderíamos saber se tudo o que é mental representa o que não é mental? Será
que a mente representa o mundo? (Ibid., p.46) Eugen Fink (1966, p.73) distingue entre o
59
real e o irreal no pensamento platônico. Na verdade, tudo o que não é real passa a ser
real quando representado. “Há um real que contém o irreal como conteúdo semântico.
Por exemplo, a quimera e muitos outros seres fabulosos não existem, mas a produção
literária destes seres existe, ou seja, há uma consciência real sobre um conteúdo
irreal”.
16
Da mesma forma, ao tratar do imaginário criado por artistas, Descartes (Apud
Rorty, op. cit., p.56-57) argumenta que, mesmo se as obras de arte representassem a
pura ficção ou algo absolutamente falso, as cores com as quais tais obras são compostas
são necessariamente reais. Mas Descartes vai além e subverte a lógica platônica ao
questionar como podemos ter certeza de que o mundo sensível é verdadeiramente real.
A possibilidade de se criar uma representação do mundo externo dentro de
nossas mentes, a qual poderia não ter nenhuma conexão com a realidade, contribuiu
fortemente para o desenvolvimento do conceito de ‘ciberespaço como um espaço
mental’, como um lugar que poderia ser desconectado do mundo físico. Richard Rorty
(Ibid., p.20) explica o motivo pelo qual sempre houve confusão entre os conceitos de
‘mental’ e ‘imaterial’. O filósofo argumenta que “o antônimo de ‘mental’ é ‘físico’ e o
antônimo de ‘imaterial’ é ‘material’. ‘Físico’ e ‘material’ parecem ser sinônimos. Como
dois conceitos distintos poderiam ter o mesmo antônimo?”
17
A internalização da realidade ou a dúvida de que a realidade física seja apenas
um produto de nossas mentes, é retomada pela segunda fase da cibernética através da
teoria desenvolvida por Heinz von Föster, Humberto Maturana e Francisco Varela.
Conforme visto no capítulo anterior, a primeira onda cibernética preocupou-se
prioritariamente com os sistemas homeostáticos e, também, com o equilíbrio entre
homens/máquinas e o ambiente que os rodeava. Já a segunda onda cibernética incorpora
o observador dentro do sistema. Von Föster (Apud HAYLES, 1999, p.133) indaga, em
seu artigo “Sobre sistemas auto-organizadores e seus ambientes”,
18
como seria possível
saber se o outro existe. Ele mesmo responde que isso só pode acontecer porque
experimentamos o outro em nossa imaginação. Seguindo um modelo cartesiano, Föster
(Id.) acreditava que, da mesma forma, outras pessoas sabem da nossa existência porque
16
“Il y a un reel qui contient en soi l’irréel en tant que contenu sémantique. La chimère et tant d’autres
êtres fabuleux n’existent pas, mais la production de tels êtres par la fantaisie des poètes existe, c’est-à-
dire il existe une conscience réelle d’un contenu irréel”.
17
“The opposite of ‘mental’ is ‘physical’ and the opposite of ‘immateria’l is’ material’. ‘Physical’ and
‘material’ seem ‘synonymous’. How can two distinct concepts have synonymous opposites?”
18
On Self-Organizing Systems and Their Environments.
60
nos experimentam em suas imaginações. “Se assumo que sou a única realidade, num
dado momento passo a ser a imaginação de um outro alguém, que, por sua vez, assume
que ele é a única realidade”.
19
Criando um sistema reflexivo, von Föster presume que,
se sua imaginação é usada para conceber um outro alguém, então este alguém usa sua
imaginação para concebê-lo. Von Föster emprega o método cartesiano para pensar sobre
a articulação entre real e imaginário, de modo a descrever um sistema cibernético.
Föster, no entanto, não levara em consideração o gênio maligno de Descartes, que faria
toda essa imaginação ser apenas produto de nossas mentes, sem qualquer referência na
realidade externa.
Durante esta segunda fase cibernética, que vai de 1960 a 1985, pesquisadores
começaram a considerar os seres humanos como sistemas fechados de processamento
de informação que poderiam interpretar, mais que representar, o ambiente externo. A
organização reflexiva incorporou o observador no sistema, criando uma
interdependência entre ambos. Em outras palavras, o mundo externo poderia ser apenas
um modelo em nossas mentes e não, necessariamente, corresponder à realidade externa.
Gregory Batenson (Apud HAYLES, 1999, p.78) foi uma figura decisiva na passagem de
sistemas homeostáticos (primeira fase cibernética) para sistemas reflexivos (segunda
fase cibernética). Em 1977, ele escreveu:
“Nunca conhecemos o mundo como tal. Conhecemos apenas o que nossa percepção sensória nos
constrói. Nesse sentido, não conhecemos nada a respeito do mundo. Mas conhecemos algo, e o
que sabemos é o resultado final de processos internos que usamos para construir nosso mundo
interior”.
20
Batenson (Id.) acreditava que o microcosmo do mundo interior era funcional
dentro de um ecossistema mais amplo apenas porque era uma representação apropriada
do macrocosmo. Nesse sentido, somos uma representação não apenas de nós mesmos,
mas também do sistema mais extenso no qual estamos incluídos.
O artigo mais famoso desse período é o clássico texto intitulado “O que o olho
do sapo diz ao cérebro do sapo”.
21
Nesse artigo, Jerome Lettvin, Humberto Maturana,
Warren McCulloch e Walter Pitts (1959) demonstram que “o sistema visual do sapo não
19
“If I assume that I am the sole reality, it turns out that I am the imagination of somebody else, who in
turn assumes that he is the sole reality”.
20
“We never know the world as such. We know only what our sensory perceptions constructs for us. In
this sense, we know nothing about the world. But we know something, and what we know is the end result
of the internal processes we use to construct our inner world”.
21
“What the frog’s eye tells the frog’s brain”.
61
‘representa’ a realidade, mas a ‘constrói’”.
22
(HAYLES, 1999, p.131) Ao estudar a
percepção de cores, os pesquisadores descobriram que não há uma correlação precisa
entre a interpretação do sapo e o ambiente externo. Maturana (Apud HAYLES, op. cit.,,
p.136) concluiu então, que:
“Não é adequado falar de um mundo externo objetivo, pois a própria idéia de um mundo implica
um ambiente pré-existente a sua construção pelo observador. Certamente há algo ‘lá fora’, o
qual, por falta de palavra melhor, chamamos de ‘realidade’. Mas esta realidade apenas se torna
existente para nós e para todas as outras criaturas vivas através de processos interativos
determinados pela organização própria do organismo”.
23
Isso significa que toda realidade (ou o que quer que seja que esteja “lá fora”) é
uma realidade mediada, pois não há um modo imparcial de conhecê-la.
Os autores também descobriram que o sapo caça e escapa prioritariamente
através da visão. Além do mais, o sapo não está preocupado com o mundo estático,
prestando somente atenção a objetos que se movem rapidamente. Eles, então, indagaram
como o sapo poderia abstrair do resto do mundo o que era importante para si. Tendemos
a pensar que os olhos percebem a luz e que a distribuição local de luz nos olhos é
enviada ao cérebro, que, então, faz o resto do processamento. Os autores, no entanto,
descobriram que os próprios olhos detectam certos padrões de luz e suas mudanças,
correspondendo a relações particulares no mundo. O sapo, por sua vez, responde melhor
a objetos pequenos e escuros que entram em seu campo de visão. Essa operação produz
uma resposta de virar-se, pular e comer. Assim, ao perceber o mundo externo, o sapo
constrói sua própria realidade como um sistema fechado. A partir desse momento, os
participantes das Conferências Macy rapidamente estenderam este fenômeno aos seres
humanos, pois não havia razão para crer que o sistema neural do homem pudesse ser
unicamente construído para representar o mundo como este “realmente” era. De acordo
com N. Katherine Hayles (op., cit., p.148),
“a teoria autopoiética, em sua ambição de construir uma esfera autônoma de ação para entidades
auto-referentes, formula uma descrição que, ironicamente, mais bem descreve os indivíduos
22
“The frog’s visual system does not so much ‘represent’ reality as’construct’ it”.
23
“To speak of an objectively existing world is misleading, for the very idea of a world implies a realm
that preexists its construction by an observer. Certainly there’s something ‘out there’, which for lack of a
better term we can call ‘reality’. But it comes into existence for us, and for all living creatures, only
through interactive processes determined solely by the organism’s own organization”.
62
autistas do que as pessoais normais. Para o autista, o meio ambiente é de fato apenas um gerador
de processos que se fecham em si mesmos e deixam o resto do mundo de fora”.
24
Para Maturana (Apud HAYLES, op. cit., p.143), no entanto, a observação não
significava que o observador permaneceria separado do que estava observando; pelo
contrário, o observador poderia apenas observar porque estaria estruturalmente acoplado
ao fenômeno observado. Maturana e Varela chamaram este fenômeno de autopoiesis.
Norbert Wiener (Ibid., p.141) indagou, então, o que aconteceria se um sistema
autopoiético estivesse encapsulado dentro de uma outra unidade autopoiética. Em
resposta, Maturana (Id.) criou o conceito de ‘alopoiesis’, significando um sistema
incluído dentro de outro sistema maior. Portanto, enquanto unidades autopoiéticas
estariam apenas preocupadas em produzir sua própria organização, entidades
alopoiéticas tratariam da organização de um sistema maior. O automóvel pode ser
novamente visto como um importante exemplo cibernético. Conforme mencionado no
capítulo anterior, um carro pode ser considerado uma unidade autopoiética. Porém, se
alguém o dirige, ele funciona de acordo com os comandos do motorista, tornando-se um
sistema alopoiético.
A relação entre interioridade e exterioridade sempre foi decisiva para a teoria
cibernética, assim como para a filosofia e para a ficção científica. A filosofia e a
cibernética encararam essa dialética basicamente como um problema entre o real e o
mental (ou o imaginário). Os nascimentos do ciberespaço e da realidade virtual, porém,
influenciaram a ficção científica na confusão entre o virtual e o mental, o imaginário e o
irreal. Se o ciberespaço, conforme visto, foi construído como um espaço imaterial e
simulado, quando a palavra ‘virtual’ passou a ser aplicada ao domínio informacional, o
termo adquiriu uma clara oposição a material e, conseqüentemente, a físico. O virtual
foi, então, usado como oposto ao real.
Hoje em dia, devido ao surgimento das tecnologias nômades de comunicação, o
conceito de ‘espaço virtual’ deve ser repensado. Inicialmente considerado como
simulação da realidade, ou como uma representação sem originais (de acordo com o
modelo platônico), o espaço virtual pode agora ser definido segundo o modelo
aristotélico/deleuziano que apresenta o virtual como potência. Essa perspectiva não
24
“Autopoietic theory, in its zeal to construct an autonomous sphere of action for self enclose entities,
formulates a description that ironically describes autistic individuals more accurately than it does
normally responsive people. For the autistic person, the environment is indeed merely a trigger for
processes that close on themselves and leave the world outside”.
63
opõe o virtual ao físico, visto que este se torna uma dobra dentro do domínio do virtual.
Se o real pode ser desdobrado em diferentes realidades potenciais, o virtual e o real são,
na verdade, sinônimos e a realidade, ou fisicalidade, torna-se uma das faces do virtual.
Essa perspectiva é esclarecida ao estudarmos a origem do conceito de ‘virtual’ segundo
Aristóteles.
2.2. O virtual como possível
2.2.1. O movimento da potência ao ato
O filósofo grego Aristóteles criara inicialmente o conceito de ‘virtual’ para
pensar sobre o movimento – um movimento que não significava o deslocamento físico
de objetos no espaço, mas sim a mudança de estado de um ser. O conceito é, portanto,
relacionado a mudanças qualitativas, como uma folha verde que se torna amarela ou um
homem ignorante que se torna sábio. O virtual, nesse caso, é a passagem da potência ao
ato (que representa a realização de uma ação e, conseqüentemente, corresponde a um
estado estático no final do processo). Aristóteles, então, incorporou o movimento a cada
ser em particular, contrastando com o que foi posteriormente definido pela física
moderna, onde o movimento é relativo ao observador.
O filósofo começou a pensar sobre os estados potenciais para resolver um
problema anteriormente proposto por Parmênides: como o não-ser poderia gerar o ser?
Aristóteles, assim, tratou de dois aforismas clássicos ligados ao movimento: (1) como o
ser pode surgir do não-ser? e (2) como o mesmo pode se tornar o outro? Para
Parmênides, não havia estado de potência e a passagem do não-ser ao ser implicaria,
necessariamente, a morte do primeiro. Esse ponto de vista originara diversos paradoxos.
O primeiro relacionava-se à concepção do movimento como um nascimento, ou seja, do
nada surge algo. Sob essa perspectiva, seria impossível aprender, pois, ou já se saberia,
ou não se saberia nada, mesmo o que aprender. Em termos abstratos, para Parmênides,
havia apenas o ser (o sábio) ou o não-ser (o ignorante), e o não-ser não poderia gerar o
ser. O segundo paradoxo considerava o vir-a-ser como uma morte: ao torna-se algo,
deixava-se de ser o que se era antes. Assim, Platão costumava dizer que querer tornar
alguém um sábio seria o mesmo que matá-lo. Aristóteles, então, cria um terceiro estado
do ser: o ser em potência. Mesmo sendo ignorante, seria possível tornar-se sábio. O
64
aprendizado era exatamente esse movimento da potência ao ato. Portanto, o virtual
significaria, nesse caso, o processo de transformação no qual um ser tem a potência de
se tornar, mas ainda não o é.
Aristóteles acreditava que objetos na esfera lunar viviam em repouso absoluto,
ao passo que entidades no mundo sublunar possuíam a qualidade do movimento. Dentro
desse contexto, o filósofo distinguia entre a absoluta imobilidade (contrária do
movimento) e o repouso (privação do movimento). Conseqüentemente, se uma entidade
fosse capaz de se “mover”, ela poderia passar de um estado a outro. O ato do vir-a-ser
era uma mudança qualitativa, relacionada a cada ser específico. O problema, então, não
era mais, como entendido por Parmênides, o não-ser se tornar o ser e, por conseguinte,
uma entidade outra, mas como distinguir entre os atributos do sujeito. De acordo com
essa perspectiva, o sujeito permaneceria o mesmo, porém, seus atributos mudariam. Por
exemplo, um triângulo poderia ser eqüilátero, isósceles ou escaleno, e ainda assim ser
um triângulo. O triângulo eqüilátero tem a potência de se tornar isósceles, mas não o é.
Assim, Aristóteles fala de um movimento imaginário, dissociando a unidade do ser
entre sujeito e predicado. Segundo Pierre Aubenque (1962, p.431), “pode se dizer que o
iletrado se torna letrado, mas também que o homem se torna letrado; aquele que se torna
é tanto aquele que era e não será mais, quanto àquele que ainda será, quando aquele que
era não mais será”.
25
Quando o iletrado se torna letrado, o sujeito não deixa de ser um homem. Ao
mesmo tempo, este homem tem em si o potencial para aprender, atualizado quando se
torna letrado. A essência do ser permanece a mesma, independente de seus atributos
acidentais. Aristóteles afirmava que a aquisição de conhecimento, por exemplo,
consistia na atualização de um conhecimento em potência. Se a potencialidade implica
imediatamente uma referência à possibilidade, a possibilidade de atualização
correspondia à possibilidade de tornar-se outro. É essa a diferença entre o ato e a
potência para Aristóteles: enquanto a potência corresponde ao movimento para se
alcançar o ato, o ato é uma potência finalizada, ou um resultado. O virtual, nesse caso, é
o movimento (potencialidade) e o ato é a imobilidade, ou seja, o resultado. A
imobilidade do ato é a imobilidade de um resultado, a qual pressupõe um movimento
anterior.
25
“On peu dire que l’illetré devient lettré, mais aussi que l’homme devient lettré; ce que devient, c’est
aussi bien ce qui était et ne sera plus que ce qui sera encore, lorsque ce qui était ne sera plus”.
65
Conseqüentemente, cada ser poderia ser visto como multiplicidade, pois conteria
em si diversas qualidades potenciais que poderiam ser opostas umas às outras, porém,
deveriam ser atualizadas em momentos diferentes. Os contrários só poderiam co-existir
no estado de potência, não sendo possível haver qualidades opostas atualizadas em um
único sujeito.
Vimos no capítulo anterior que o conceito aristotélico de espaço não
correspondia ao espaço propriamente dito, mas a lugares, que eram representados
através de entidades ou seres particulares. O mesmo acontece com seu conceito de
‘virtual’. O virtual para Aristóteles não era aplicado à realidade como um todo, mas
considerava apenas seres singulares. No século XVII, o filósofo Gottfried Wilhelm
Leibniz usa a idéia aristotélica de potencialidade dos seres e a aplica a mundos
possíveis.
2.2.2. Os mundos incompossíveis e o melhor de todos os mundos
No século XVII, Leibniz cria um mundo composto de diversos mundos, ou
cenários, incompossíveis. Todos são possíveis, apesar de não poderem co-existir uns
com os outros numa dada realidade, uma vez que contêm elementos incompatíveis.
Como em Aristóteles, os contrários não poderiam existir na mesma série de mundos.
Por essa razão, havia uma infinidade de mundos virtuais, mas apenas uma série poderia
seria atualizada de cada vez. No exato momento em que um mundo se tornasse atual,
automaticamente excluiria todas as outras possibilidades incompatíveis. Assim, o tempo
(ou realidade) consistiria em uma cadeia de mundos atualizados compossíveis uns com
os outros. Além do mais, Leibniz argumenta que, apesar de diferentes seqüências de
mundos serem possíveis, a melhor de todas fora escolhida por Deus. Na Teodicéia
(LEIBNIZ, 1934, p.263), o filósofo explica: “Eis aqui as representações, não apenas do
que acontece, mas também de tudo o que é possível. Júpiter refletiu sobre todas elas
antes do começo deste mundo, arranjou todas as possibilidades em mundos e escolheu o
melhor de todos”.
26
26
“Here are representations, not only of what happens, but also of everything that is possible. Jupiter
reviewed them all before the beginning of the existing world, arranged the possibilities into worlds, and
chose the best of them all”.
66
Segundo Deleuze (1991, p.95), a teoria de Leibniz é substancialmente diferente
daquela proposta por Platão.
“Leibniz de modo algum reintroduz uma dualidade que faria do nosso mundo relativo o reflexo
de um mundo absoluto mais profundo; ao contrário, ele faz do nosso mundo relativo o único
mundo existente, mundo que repele os outros mundos possíveis, porque é relativamente ‘o
melhor’. Deus escolhe entre uma infinidade de mundos possíveis, incompossíveis uns com os
outros, e escolhe o melhor ou o que tem mais realidade possível”.
Sendo assim, apenas o encadeamento de mundos compossíveis seria sujeito à
atualização. Leibniz sugere que dois fatos contraditórios são normalmente ambos
possíveis, mas questiona se poderiam existir simultaneamente. Por exemplo, Adão
pecador poderia existir somente no mesmo mundo onde Judas é traidor. Assim, Deleuze
(Ibid., p.94) chama de compossíveis: (1) o conjunto de séries convergentes que
constituem um mundo e (2) o conjunto de mônadas que expressam o mesmo mundo
(Adão pecador, César imperador...). Da mesma forma, ele chama de incompossíveis: (1)
as séries que divergem e então pertencem a dois mundos possíveis e (2) as mônadas que
expressam cada qual um mundo diferente (César imperador e Adão não-pecador).
Apesar de Leibniz encarar o mundo como multiplicidade e generalizar em uma
experiência mais ampla o que Aristóteles confinara a entidades singulares, seu
mecanismo de atualização de mundos possíveis é completamente determinado. Na
Teodicéia, o filósofo afirma que “nem o presente, nem o passado poderiam ser
mudados; eles já são necessários. Mas o futuro, em si próprio sujeito a mudanças, se
torna, por antecipação, fixo e necessário”.
27
(LEIBNIZ, 1934, p.258)
Leibniz exclui a arbitrariedade e a liberdade do jogo do mundo. Freqüentemente,
o filósofo propôs a liberdade humana, mas esta sempre acabava sendo a liberdade de
Deus, pois Deus era quem escolhia os mundos. No jogo barroco, Deus joga, mas
também determina as regras. Mundos possíveis não podem vir à existência se forem
incompossíveis com a série previamente escolhida por Deus. Por isso, Deleuze (1994,
p.211) distingue entre a idéia leibniziana de possibilidade e o conceito de
‘potencialidade’. Tal qual Leibniz, Aristóteles discursara sobre os estados potenciais do
seres, mas sua definição de potência excluía a arbitrariedade e a criação: algo somente
poderia vir-a-ser caso já contivesse em si a potencialidade para fazê-lo. A transformação
27
“Neither the present nor the past could be changed; they are already necessary. But the future, in itself
susceptible of change, becomes, through foreknowledge, fixed and necessary”.
67
nunca era aleatória ou inesperada. Por outro lado, um ato de criação estaria sempre
pronto a emergir, a vir-a-ser. A atualização aristotélica é um ato singular, isto é, uma
vez que algo vá da potência ao ato, o movimento acaba.
2.2.3. O jogo da vida: todos os possíveis ao mesmo tempo
Eugen Fink (1960, p.93) propõe o jogo como símbolo do mundo ao distinguir
entre o conceito platônico de jogo e o jogo como acaso e liberdade. Platão considerava o
teatro como um jogo de aparências, uma mera representação da vida, semelhante à
pintura e à poesia, que representavam o mundo sensível. O jogo platônico era composto
de máscaras e o objetivo final seria a capacidade de distinguir entre o jogo e a vida,
entre o imaginário e o real. Em suma, a finalidade do jogo platônico seria descobrir a
“verdadeira identidade” por trás da máscara – desmascarar. Em oposição às entidades
mentais, que são representações irreais de algo real dentro da mente do sujeito, o jogo
seria uma representação irreal da realidade dentro de espaços físicos. Como uma
atividade burlesca e lúdica, o jogo platônico incluía a representação de papéis e a
construção de novas identidades, as quais poderiam ser diferentes da identidade “real”.
Essa idéia foi usada, como veremos no próximo capítulo, para analisar ambientes de
multiusuários na Internet. Em tais ambientes, o usuário poderia criar avatares como sua
representação no mundo virtual. Entretanto, construir um avatar era como construir uma
outra personalidade, aquela que se gostaria de ter ou que se gostaria de aparentar para o
outro. O problema era, nesse caso: quantas novas identidades poderiam ser criadas? E
como essas identidades poderiam ser distintas da personalidade verdadeira do sujeito?
Sendo assim, a percepção de ambientes de multiusuários como lugares onde seria
possível mascarar a identidade verdadeira do sujeito corresponde a uma crítica
platônica.
De acordo com Fink (1960, p.78), seguindo a lógica de Platão, ao se jogar um
jogo “podemos ser qualquer um, todas as possibilidades estão abertas e temos a ilusão
de liberdade”.
28
Esse argumento explica parcialmente a Internet e especialmente elucida
o porquê de ambientes de multiusuários terem sido considerados lugares de liberdade.
No entanto, como aponta Fink (1966, p.109), essa liberdade é apenas uma ilusão quando
28
“Wir können alles sein, alle Möglichkeiten stehen offen, wir haben die Illusion des freien”.
68
o jogo é somente uma aparência. Como o simulacro, o jogo se torna a potencialidade do
falso.
Para Platão, a realidade do jogo é a realidade da aparência, ou da máscara. Além
do mais, um jogo é a representação de nossa imaginação. Nesse sentido, o filósofo
sugere que a imagem como representação é diferente do jogo como representação
apenas porque este último é um processo, sempre a se tornar, enquanto a primeira é um
produto; já se tornou. No entanto, ambos representam o irreal/imaginação enquadrado
pelo real.
Quando um jogo pode ser considerado mais do que uma ilusão ou uma lúdica
criação de máscaras? De acordo com Fink (Id.), isso ocorre quando o jogo coincide com
a própria vida. Sob essa perspectiva, nossa vida em sua totalidade pode ser encarada
como um jogo, no qual cada um de nós nasce como multiplicidade, com todas as
possibilidades adiante, prontas para vir-a-ser. O virtual é múltiplo. Dentro dessa lógica,
é possível considerar a criança como um ser indeterminado e o idoso como
determinado, pois este já atualizou uma série de mundos possíveis previamente vividos.
Fink (1966, p.80) sugere que somente através do jogo verdadeiro há a possibilidade de
se criar diversos caminhos, escolher novas oportunidades e experimentar a diferentes
direções.
Leibniz também encarou a vida, por vezes, como um jogo real, não apenas um
jogo de aparências. Tal jogo, no entanto, era necessariamente definido por Deus. Em
contraposição, Mallarmé e Nietzsche imaginaram um mundo onde não havia regras para
o jogo, pois este aconteceria por acaso. O lance de dados significava que tudo poderia
acontecer. Segundo Deleuze
(1988, p.104),
“Nietzsche e Mallarmé (...) tratam de um mundo sem princípio, de um mundo que perdeu todos
os seus princípios: por isso, o lance de dados é a potência de afirmar o Acaso, de pensar todo o
acaso, e este, sobretudo, não é um princípio, mas a ausência de todo o princípio”.
Assim, o jogo não é mais determinado e se torna um ato de criação.
Borges (1962, p.19-29) vai além da teoria de Leibniz, em “O jardim dos
caminhos que se bifurcam”. Em vez de aceitar a existência de uma série linear de
mundos, o autor argentino constrói um modelo onde todas as possibilidades são
atualizadas ao mesmo tempo. “Em todos os trabalhos de ficção, cada vez que um
homem se confronta com diversas alternativas, escolhe uma e elimina todas as demais;
69
na ficção de Ts’ui Pên, ele escolhe – simultaneamente – todas elas”.
29
(BORGES, 1962,
p.26).
Deleuze (1988, p.98) afirma que Borges prefere invocar o filósofo chinês a
Leibniz porque o escritor desejaria que Deus trouxesse à existência todos os mundos
incompossíveis ao mesmo tempo, em vez de escolher um, o melhor. Borges encarava o
virtual como múltiplas possibilidades que poderiam coexistir sem regras para serem
atualizadas. Se o filósofo chinês retirou-se para escrever um livro infinito que abarcaria
todas as possibilidades do tempo, as opções do jogo da vida também seriam infinitas.
Além disso, cada vez que uma escolha é feita, há diversos outros mundos
(incom)possíveis lutando para serem atualizados ao mesmo tempo. Borges demonstrou
essa situação quando o personagem principal estava prestes a assassinar Stephen Albert
e sente a “sensação pululante” já experimentada anteriormente. “Parecia que o úmido
jardim que rodeava a casa estava infinitamente saturado de pessoas invisíveis. Essas
pessoas eram Albert e eu (…) em outras dimensões do tempo”.
30
(BORGES, 1962,
p.28)
Por conseguinte, não há mais um sujeito que escolhe entre diversos mundos,
como em Leibniz, mas um sujeito que é assolado por diversos “eus”. Esses “eus”, no
entanto, não são máscaras ou aparências, mas constituem o mesmo sujeito. A
emergência de “eus” possíveis transforma o virtual de algo distante para algo que já está
aqui, pronto para emergir, para ser criado ou para se transformar.
2.3. O virtual como potência
Gilles Deleuze (1994, p.212) considera o virtual como desejo, como força de
criação. Ao encarar o virtual como potência, Deleuze sugere que há na realidade algo
mais além do que vemos, uma vez que o real não inclui toda a sua potência de
realização numa dada realidade. Assim, o real se torna a potência de produzir novas
realidades. Sob esse ponto de vista, o virtual é mais real do que a realidade, em vez de
algo irreal, o que abole a oposição entre real e virtual.
29
“In all fictional works, each time a man is confronted with several alternatives, he chooses one and
eliminates the others; in the fiction of Ts’ui Pên, he chooses – simultaneously – all of them”.
30
“It seemed to me that the humid garden that surrounded the house was infinitely saturated with
invisible persons. Those persons were Albert and I (…) in other dimensions of time”.
70
Explorando esse sentido da virtualidade, Deleuze (Id.) sugere que diferenciar é
criar. Diferenciação é sinônimo de atualização, pois no movimento do virtual ao atual,
uma idéia, ou um conceito, pode potencialmente ser diferenciada em diversos atuais. A
potência de ser atualizado e diferenciado em diversas realidades é o que faz do virtual
uma parte importante do real, em vez de ser oposto a ele. “O virtual é completamente
real não mais do que é virtual”,
31
diz Deleuze. (Ibid., p.208) O virtual está sempre
pronto a emergir, desejando ter existência atual. Deleuze vê o processo de atualização
como atos de diferenciação, gênese ou criação. Nesse sentido, trabalhos artísticos
podem ser vistos como manifestações de idéias, desejos e estruturas potenciais. De
acordo com o filósofo, o ato de criação na arte não ocorre entre dois atuais, mas entre o
virtual e sua atualização.
O movimento do virtual ao atual (atualização) pode ser usado para se pensar
sobre a arte midiática como produtora de virtualidades. Cada obra pode ser encarada
como uma virtualidade diferentemente atualizada por cada observador ou participante.
Assim, as obras interativas e participatórias são, em si próprias, entidades potenciais,
apenas completadas a partir da interação com o usuário. Cada usuário, por sua vez,
atualiza o trabalho de forma diferente, revelando alguns (mas não todos) aspectos de sua
potencialidade.
No entanto, ao contrário de Eugen Fink (1960, p.80), que afirma que cada ser
humano nasce indeterminado (e, portanto, cheio e potencialidades), Deleuze (1994,
p.209) sugere que o virtual é inteiramente determinado. “Quando se diz que trabalhos
artísticos estão imersos na virtualidade, não se está referindo a qualquer determinação
confusa, mas à completa estrutura determinada formada por seus elementos diferenciais
genéticos, seus elementos ‘virtuais’ ou ‘embriônicos’”.
32
Deleuze também distingue entre potência e possível, argumentando que o
possível é oposto ao real, enquanto o virtual é oposto ao atual. Assim, o processo
experimentado pelo possível é uma ‘realização, ao passo que o processo do virtual é
sua ‘atualização’. Além disso, o possível não é real (apesar de poder se tornar real), mas
o virtual possui uma completa realidade por si próprio. Por um lado, o real se parece
31
“The virtual is fully real in so far as it is virtual”.
32
“When it is claimed that works of art are immersed in a virtuality, what is being invoked is not some
confused determination but the completely determined structure formed by its genetic differential
elements, its ‘virtual’ or ‘embryonic’ elements”.
71
com o possível; por outro lado, não há nenhuma similitude entre o atual e o virtual: por
vezes, a atualização responde a um problema não definido previamente. A realização de
uma ação possível elimina seu estado de possibilidade, porém idéias não desaparecem
com suas soluções: são condições indispensáveis sem as quais soluções não existiriam.
Nesse sentido, o virtual em Deleuze é distinto da idéia de representação para
Platão. Segundo o modelo representacional, conceitos são como possibilidade. Em
contrapartida, a virtualidade da idéia deleuziana não tem nada a ver com possibilidade.
Idéias são multiplicidades. O rosto assustado que aparece de repente e olha para o
mundo calmo em O que é a filosofia? (DELEUZE, 1994, p.17) é um exemplo de um
mundo em potência querendo emergir no mundo atual. Nesse sentido, o virtual é
presente em sua ausência, constantemente desejando ser atualizado e diferenciado. A
atualização é, então, um ato genuíno de criação, e não apenas o resultado de uma
possibilidade pré-existente, como acontecia em Leibniz.
O jogo para Deleuze é também um ato de criação. Ver a vida como um jogo
significa que não há distinção entre o real e o virtual. Parafraseando Mallarmé, Deleuze
(1994, p.200) diz: “É o mau jogador que fragmenta o acaso, dividindo-o em diversos
lances. Ao contrário, o bom lance de dados afirma todo o acaso em uma única vez
(...)”.
33
Andre Parente (op. cit., p.14) define o virtual como um desejo de constituir o
real enquanto novo. Dentro desse contexto, Deleuze, Félix Guattari, Pierre Lévy e
também Jean-Louis Weissberg consideram o virtual como uma função da imaginação
criativa, assim como um produto de diferentes articulações entre arte, tecnologia e
ciência. Assim, o virtual é capaz de criar novas condições para modelar o sujeito e o
mundo.
2.4. O virtual como não-lugar
Ainda há uma outra perspectiva filosófica que revê o virtual como um lugar
indeterminado, capaz de conter inúmeros lugares distintos. Foucault (1994, p.364)
define heterotopias como opostas a utopias: ao passo que as últimas são regiões sem
localização física, heterotopias são lugares físicos formados por componentes virtuais.
33
“It is the bad player who repeat only by fragmenting chance and dividing it among several throws. By
contrast, the good throw of the dice affirms all of chance in one throw (…)”.
72
Nesse sentido, as heterotopias trazem intensidades virtuais que ainda não foram
atualizadas, mas que estariam no limite da atualização. “Lugares deste tipo estão fora de
todos os lugares, mesmo sendo possível indicar sua localização na realidade”,
34
argumenta Foucault. (Ibid., p.363) Além do mais, tais lugares são completamente
diferentes das regiões que os refletem e representam.
O filósofo toma o espelho (o arquétipo da representação platônica) como um
exemplo peculiar tanto de utopia quanto de heterotopia. Por um lado, o espelho é uma
utopia porque corresponde a um espaço não-localizável. “No espelho, me vejo onde não
estou, em um espaço irreal, que se abre virtualmente atrás da superfície, estou lá,
onde não estou (...)”
35
(Ibid., p.364) Por outro lado, o espelho é uma heterotopia porque,
de fato, existe na realidade. Curiosamente, há um contra-movimento por onde a imagem
virtual refletida no espelho induz a mudanças no corpo físico. A imagem espelhada tem
o poder de mudar o objeto real, pois, frente ao olhar da imagem, o sujeito redireciona o
olhar para si próprio e reconstitui-se no espaço físico. Assim, o espelho conecta espaços
virtuais e físicos. Eduardo Kac
36
(1993) sugere que o significado da palavra ‘virtual’
pode ser recuperado através da física ótica. Utilizando o espelho como exemplo, o
virtual se torna o lugar onde a imagem está (dentro) do espelho. “Em ótica, ‘virtual’
significa o que está dentro do espelho e além do alcance, enquanto ‘real’ significa o que
está do lado de fora e compartilha nosso espaço corpóreo tridimensional”.
37
Foucault (1994, p.366) descreve diversos tipos de heterotopias. O terceiro tipo é
capaz de justapor em um único lugar real diversos lugares incompatíveis entre si.
Exemplos de tais heterotopias são o teatro, o cinema e o jardim. O Jardim Persa, como
um dos mais antigos exemplos de heterotopias, procurava incluir o mundo todo dentro
de si.
De modo semelhante, Michel Serres (1994, p.145) analisa a Internet como um
lugar de todos os lugares. A Internet é de fato um espaço real, mas, ao contrário de um
jardim, seu local não é determinado. Serres afirma que as concentrações financeiras,
34
“(…) de sortes de lieux qui sont hors de tous lieux, bien que pourtant il soient effectivement
localisables”.
35
“Dan le miroir, je me vois là oú je ne sui pas, dans un espace irréel qui s’ouvre virtuellment derrière la
surface, já sui là-bas, là oú je ne sui pas, (…)”
36
KAC, Eduardo. Telepresence Art. In: KRIESCHE, Richard (ed.). Teleskulptur. Graz, Austria :
Kulturdata, 1993. p. 48-72. Disponível em: http://www.ekac.org/Telepresence.art._94.html
. Acesso em:
18 jan. 2003.
37
“In Optics, ‘virtual’ stands for what is inside the mirror and beyond reach, while ‘real’ stands for that
which is outside and shares our three-dimensional bodily space”.
73
assim como as conversas telefônicas, são virtuais em um duplo sentido. Em primeiro
lugar, porque trazem diversas possibilidades que podem ser atualizadas. Em segundo
lugar, porque ocupam um espaço não definido. O autor, então, conecta o virtual a não-
lugares, em oposição à atualidade do espaço físico. Nesse sentido, podem ser
consideradas atividades virtuais todas aquelas que acontecem em lugares não
específicos, mas possuem a capacidade de modificar o contexto atual. Palen, Salzman e
Youngsten (Apud RHEINGOLD, 2002, p.27) sugerem que “ao falar ao telefone, os
usuários de telefones celulares habitam simultaneamente em dois espaços: o espaço em
que ocupam fisicamente e o espaço virtual da conversa (o espaço conversacional)”.
38
Sendo assim, Serres encara o virtual como o que não existe aqui.
O filósofo aplica a metáfora de um lugar rico (riche lieu) à rede, para descrever
um único lugar que engloba todos os outros. Este único lugar é inflado, análogo ao
planeta, porque contém (virtualmente) tudo. Neste lugar, informação, valores e dados
acumulam e circulam em um único e mesmo movimento. Assim, a rede tem um duplo
papel: transporte e suporte. (SERRES, 1994, p.142) Curiosamente, quando William
Gibson, em 1994, precisou re-definir o ciberespaço, respondeu: “É o lugar em que o
banco guarda seu dinheiro. É também o lugar onde as conversas telefônicas ocorrem”.
39
(In: ROSENBERG, 1994)
Freqüentemente, o ciberespaço também foi considerado como um ‘espaço de
fluxos’. Manuel Castells (2000, p.409) cria uma oposição dialética entre o ‘espaço de
fluxos’ e o ‘espaço de lugares’. Este último corresponde à organização espacial de nossa
experiência cotidiana, ao passo que o primeiro é um conceito criado para nomear uma
nova lógica do espaço, estruturada em redes e fluxos de informação. Castells (Ibid.,
p.417) sugere que o espaço de fluxos, quando aplicado a tradicionais espaços urbanos,
tem o poder de re-configurar a cidade – transformando-a de uma ‘forma’ em um
‘processo’. Assim, as mega-cidades não se formam mais em um lugar, mas são
“constelações descontínuas de fragmentos espaciais, peças funcionais e segmentos
sociais”.
40
(Ibid., p.436) Felix Stalder
41
(ago./sep. 2001), de acordo com o conceito de
Castells, observa que:
38
“When mobile phone users are on the phone, they are simultaneously in two spaces: the space they
physically occupy and the virtual space of the conversation (the conversational space)”.
39
“It’s where the bank keeps your money. It’s also the place where telephone conversations occur”.
40
“Discontinuous constellations of spatial fragments, functional pieces, and social segments”.
74
“O espaço de fluxos é um espaço organizado para, e criado pelo constante movimento de
indivíduos, bens e informação através de longas distâncias. O espaço de fluxos não é tanto
organizado para mover coisas de um ponto a outro, mas para mantê-las em movimento. No
espaço de fluxos, a chegada se torna elusiva, virtualmente indistinguível da partida”.
42
Se considerarmos metrópoles como Los Angeles como representativas de
espaços de circulação, onde cidadãos geralmente não andam nas ruas e preferem carros
e freeways para se deslocarem, é possível argumentar que os espaços públicos urbanos
tornam-se cada vez mais não-lugares.
43
Apesar de Castells afirmar que o espaço de
fluxos não é um espaço não-localizável, os locais se tornaram progressivamente menos
importantes do que fluxos. Um lugar, segundo o autor, é um “local cuja forma, função e
significado estão contidos dentro das bordas da contigüidade física”.
44
(CASTELLS,
op.cit.., p.453) Além disso, apesar de lugares não serem necessariamente comunidades,
podem contribuir para a criação de comunidades. Assim, um lugar pode ser entendido
como um espaço cultural, palco para interações sociais. Especialmente após o advento
de tecnologias avançadas de transporte no século XIX, os cidadãos começaram a
circular cada vez mais rápido através de espaços urbanos, perdendo a capacidade de
comunicação e interação com o outro quando em trânsito.
Com a Internet, ambientes sociais migraram parcialmente para os espaços
digitais. Os ambientes de multiusuários na Internet, por exemplo, podem ser encarados
como lugares onde os indivíduos conversam e interagem uns com os outros, mesmo
quando não compartilham o mesmo espaço físico contíguo. Durante a década passada,
os ambientes on-line foram freqüentemente considerados locais ideais para a
sociabilidade, levando até mesmo alguns teóricos a prever que tais lugares “virtuais”
causariam a desaparição dos espaços sociais públicos na cidade. Hoje em dia, contudo, é
possível observar uma tendência para trazer tais lugares “virtuais” de comunicação
novamente para espaços físicos. Muitas iniciativas artísticas procuram re-configurar os
41
STALDER, Félix. The space of Flows: notes on emergence, characteristics and possible impact on
physical space. In: Proceedings of the 5th international PlaNet congress. Paris, August 26th -
September 1st 2001. Disponível em http://felix.openflows.org/html/space_of_flows.html
. Acesso em 21
jun. 2003.
42
“The space of flows is a space that is organized for, and created by, the constant movement of people,
goods and information over large distances. The space of flows is not so much organized to move things
from one place to another, but to keep them moving around. In the space of flows, arrival becomes
elusive, virtually indistinguishable from departure”.
43
Uma explicação mais detalhada da cidade de Los Angeles como espaço de circulação pode ser lida no
capítulo 5, na parte sobre o trabalho 110101110.
44
“Locale whose form, function, and meaning are self-contained within the boundaries of physical
contiguity”.
75
espaços públicos urbanos, chamando a atenção dos cidadãos e fazendo-os parar quando
em trânsito pela cidade, ou encorajando os visitantes a interagirem uns com os outros
dentro do espaço público de museus.
45
Na primeira década do século XXI, podemos perceber um movimento que vai
do ‘espaço de fluxos’ ao ‘espaço de lugares’. Conseqüentemente, indivíduos não usam
mais os espaços urbanos apenas para circular e ir de um lugar ao outro, mas começam a
desfrutar a ida a lugares públicos como seu destino final. A rede move-se para o mundo
físico, trazendo todas as suas características: ‘conectividade’, ‘descentralização’ e
‘velocidade’. Por que ter o lugar inflado de Serres, se podemos ter o espaço físico em
sua totalidade?
45
Ambos os exemplos serão mencionadas no capítulo 8.
76
3.
AMBIENTES DE MULTIUSUÁRIOS COMO ESPAÇOS (VIRTUAIS)
A história contada nesta Tese analisa o deslocamento da projeção de lugares do
imaginário durante a passagem de espaços virtuais a espaços híbridos. Enquanto os
espaços virtuais estão relacionados ao conceito de ‘ciberespaço’ e da ‘Internet fixa’
como tecnologias de comunicação, os espaços híbridos emergem devido às ‘tecnologias
móveis de comunicação’, especialmente os telefones celulares. Para contar esta história,
trabalhos de arte midiática e jogos (e, quando possível, a convergência de ambos) serão
usados como exemplos de lugares de projeção do imaginário humano, como modelos da
imaginação criativa. O ciberespaço foi considerado lugar do imaginário, sobretudo
devido à estrita relação com os conceitos de ‘virtual’ e de ‘informação’, os quais foram
desenvolvidos como dissociados do ambiente físico. Olhando para o passado, é possível
perceber que lugares onde o ser humano costumava projetar o imaginário geralmente se
localizavam fora do espaço físico conhecido. Assim, o ato da viagem (ação que consiste
em mover-se pelo espaço) e o mapeamento de espaços físicos foram decisivos para
definir a “localização” de espaços imaginários. Uma vez que todo o espaço físico do
planeta foi completamente mapeado, onde poderemos projetar nossos imaginários? O
ciberespaço ocupou este lugar na década passada.
Os MUDs
1
(ambientes de multiusuários) são exemplos de como o imaginário
humano foi projetado no espaço da Internet. Tais ambientes foram considerados lugares
de liberdade, nos quais os usuários poderiam construir novos espaços e novas
identidades. Este capítulo analisa a interconexão entre ambientes de multiusuários,
espaços virtuais e lugares do imaginário.
Os MUDs são como jogos. São, porém, tipos especiais de jogos, por serem
abertos e permeados pela vida “real”. Uma questão freqüente relacionada aos MUDs
sempre foi: “quais são as bordas entre a vida ‘real’ e a vida ‘virtual’?” A segunda parte
desta Tese investiga o que acontece a lugares do imaginário quando jogos e trabalhos de
1
Existem diferentes tipos de ambientes de mutiusuários. Pode-se ler na literatura sobre MUDS, MOOs,
MUSEs, MUSHes, ou MUCKs, dependendo das ações que o programa permite ao usuário (por exemplo,
construir objetos dentro do mundo) ou de como usuários interagem uns com os outros (para socializar, ou
para partir em uma aventura). Nesta Tese, usarei o termo ‘MUD’ de modo geral (especificando o tipo
quando necessário), incluindo mundos virtuais. A razão para isso se deve ao fato de que MUD (MultiUser
Dungeon ou Dimension) foi o primeiro nome deste tipo de programa na Internet. Todos os outros tipos de
ambientes de multiusuários descendem do MUD criado por Roy Trubshaw e Richard Bartle em 1978.
77
arte midiática são trazidos para o espaço sico por meio das tecnologias nômades de
comunicação.
Encontrar as bordas entre o real e o imaginário foi um importante tema em
estudos sobre a realidade virtual. Os sistemas de realidade virtual, gerados por
computadores, invertem a lógica platônica, criando uma representação da realidade que
poderia ser considerada melhor, ou mais perfeita, do que o real. Além disso, os sistemas
de RV simulam a realidade, o que significa que podem, mas não devem, refletir o
mundo físico. Tal crença influenciou a arte e a ficção científica durante as últimas duas
décadas, sempre chamando a atenção para o perigo de se confundir espaços físicos e
virtuais, ou o real e o imaginário. Para Platão, uma cópia não deveria ser confundida
com seu original, pois a cópia não passaria de uma sombra, de uma imagem que poderia
ser parecida com o real, mas de forma alguma seria o perfeito real. Vimos que Platão
considerava o teatro, ou o jogo, também como cópia. O teatro, a pintura e outros tipos
de “arte” foram definidos pelo filósofo como cópias de cópias e, conseqüentemente,
representações irreais da vida.
Os ambientes de multiusuários também são jogos. Apesar de lidarem com
marcação de pontos e um vencedor, os habitantes dos MUDs devem criar personagens
virtuais que os representem no mundo digital. Diferentemente do jogo platônico, no
entanto, os ambientes de multiusuários são jogos virtuais, isto é, não devem representar
a vida, mas simulá-la. Assim, a definição das fronteiras entre o que é o jogo e o que é a
vida real foi sempre uma importante questão em estudos sobre esses ambientes.
Estariam os habitantes dos MUDs apenas representando, ou habitando o mundo virtual
como si mesmos? Quanto de si cada um põe em seu personagem? É realmente possível
criar múltiplas identidades em ambientes virtuais? O que é, de fato, a identidade do
sujeito? O jogador separa o tempo em que está jogando do tempo em que não está
jogando, ou a vida real é apenas mais uma janela na tela do computador? Qual o melhor
ambiente, o MUD ou a vida?
Além dessas questões, a tensão entre o físico e o virtual foi um fator
determinante para o desenvolvimento do conceito de ‘MUDs como ambientes de
multiusuários’. Os MUDs, considerados parte do ciberespaço, também foram definidos
como espaços fluidos e imateriais. Nesse sentido, não apenas o espaço destes mundos
poderia ser construído e reconstruído de acordo com a imaginação do usuário, mas
78
também cada personagem (ou avatar) poderia ser descrito sem as limitações do corpo
material. Conseqüentemente, os MUDs foram considerados lugares onde o sujeito
poderia projetar seu imaginário e se sentir livre do mundo físico.
Como veremos no capítulo 9, trazer esses jogos de multiusuários para o mundo
físico elimina a única característica que separava os MUDs do “jogo da vida”: a
necessidade de escolha de um avatar. Em um MUD, o usuário precisa criar um avatar
que represente a si próprio do outro lado da tela, porque não pode se colocar fisicamente
no espaço virtual do ambiente. Com os jogos móveis baseados em posicionamento
celular, entretanto, o jogador se torna seu próprio avatar. As tecnologias móveis trazem
o jogo para o espaço físico, transformando os espaços urbanos no mapa do jogo. Após o
aparecimento da comunicação sem fio – incluindo todas as suas características:
‘ubiqüidade’, ‘portabilidade’ e ‘mobilidade’ –, somos levados a perguntar: qual era
mesmo a vantagem de se ter um corpo imaterial?
A primeira parte deste capítulo traz a história dos MUDs dentro de uma
perspectiva da história da Internet como um lugar de sociabilidade. A segunda parte
apresenta os MUDs como lugares do imaginário, enfatizando a utopia de se considerá-
los como espaços de liberdade. Finalmente, os ambientes de multiusuários são
analisados como espaços (virtuais), através do corpo imaterial, da cidade virtual e das
características labirínticas de tais ambientes. Esta última parte trata da tentativa
(frustrada) de se mapear tais espaços através de interfaces gráficas.
3.1. A Internet como um espaço de sociabilidade
Em “Cyberspace: first steps”, Michael Benedikt (2000, p.31) define o
ciberespaço por meio de quatro características interconectadas. Em primeiro lugar,
Benedikt vê o ciberespaço como ‘linguagem’, relacionando-o aos MUDs, ambientes
construídos através da linguagem. A segunda característica se refere ao ciberespaço
como um ‘meio de comunicação’ e inclui a Internet na história dos meios de
telecomunicação, como o telefone e, mais recentemente, o telefone celular. A terceira
característica conecta o ciberespaço à ‘arquitetura’. No entanto, como o autor considera
o ciberespaço como um espaço imaterial, a palavra ‘arquitetura’ adquire um significado
79
outro, como formas fluidas que podem ser imaginadas no ciberespaço. Por fim, a última
característica conecta o ciberespaço à ‘matemática’.
Neste ponto, nosso interesse concentra-se nas primeiras três características.
Enquanto a primeira e a terceira contribuem para a construção da idéia do ciberespaço
como um espaço imaterial, a segunda é a que nos levará à conexão com as tecnologias
móveis. Durante as últimas duas décadas, a maioria dos estudos sobre a Internet
concentrou-se quase que exclusivamente na primeira e na terceira características: o
ciberespaço como linguagem e o ciberespaço como lugar imaterial. Hoje em dia, porém,
há uma mudança nessa tendência, incluindo a Internet, de fato, na história das
telecomunicações. Nesse contexto, a Internet não é considerada um lugar independente,
criadora de novos espaços para comunicação desconectados do espaço físico, mas sim
parte das interações sociais que ocorrem em espaços físicos. Benedikt (op. cit., p.38),
como muitos outros autores, considerava o ciberespaço como um espaço de liberdade
não material, um espaço para a imaginação, uma vez que “qualquer” tipo de espaço
poderia ser construído dentro de seus domínios.
Os MUDs são lugares de encontro dentro da Internet que independem de
distâncias geográficas. Os ambientes de multiusuários tornaram-se populares ao
permitirem que diversos usuários se conectassem no mesmo espaço ao mesmo tempo.
Múltiplos usuários também podem acessar o mesmo website simultaneamente, mas um
ambiente de multiusuários é definido apenas quando estes usuários podem perceber a
presença do outro e possuem a capacidade de comunicação sincrônica. Sendo assim, os
temas ‘presença’, ‘atividade’ e ‘identidade’ foram importantes tópicos de estudo durante
a década passada.
2
Os MUDs são espaços virtuais com interfaces textuais, bidimensionais ou
tridimensionais nos quais os usuários (habitantes) devem escolher avatares (a
representação do corpo no mundo virtual) para interagir com os outros. Os usuários
possuem, muitas vezes, a capacidade de construir esse ambiente, que é geralmente uma
representação (literal) do mundo físico. Nesse contexto, os ambientes de multiusuários
podem ser vistos como lugares nos quais os indivíduos conversam e interagem uns com
os outros, mesmo que não compartilham o mesmo espaço físico contíguo. Em suma, os
MUDs são: (1) lugares sociais (espaços usados para comunicação); (2) lugares que
2
Cf. TURKLE, 1995; MURRAY, 1997; RHEINGOLD, 2000; DONATH, 1997.
80
permitem a comunicação entre indivíduos que não habitam o mesmo espaço físico, (3)
lugares que permitem indivíduos se encontrarem em espaços virtuais e (4) lugares que
permitem o encontro no mesmo espaço (virtual), mesmo quando os participantes não
estão, de fato, conversando uns com os outros.
De acordo com a definição de Smith e Kollock (1999, p.7), “os MUDs são
realidades virtuais construídas através de texto que criam um senso de espaço ao
conectar diferentes ‘salas’”.
3
Desde os anos 70, a Internet se desenvolveu como um
espaço “virtual”
4
de sociabilidade, isto é, um não-lugar que permitia a indivíduos se
encontrarem sem a necessidade de compartilhar o mesmo espaço físico. O telefone já
suprira essa necessidade, mas a Internet criou a possibilidade de comunicação
assincrônica via e-mails e fóruns de discussão. A Internet também possibilitou que
muitos usuários se conectassem e se encontrassem ao mesmo tempo
concomitantemente. Mais uma vez, o telefone já permitia as tele-conferências, mas os
ambientes de multiusuários combinaram os jogos aos espaços virtuais, encorajando os
usuários a criar identidades e personagens no “ciberespaço”.
A primeira documentação sobre possíveis interações sociais através de rede foi
uma série de notas escritas por J.C.R. Licklider,
5
do Instituto de Tecnologia de
Massachusetts (MIT), em agosto de 1962, que discutem seu conceito de ‘rede
galáctica’. Licklider
6
anteviu um conjunto de computadores interconectados
globalmente através dos quais qualquer um poderia acessar rapidamente dados e
programas de qualquer parte do mundo. Essencialmente, o conceito era bastante similar
ao que a Internet é hoje. Enquanto trabalhava como chefe do programa de pesquisa em
computação na DARPA
7
, Licklider convenceu seus sucessores, Ivan Sutherland, Bob
Taylor e Lawrence G. Roberts, da importância do conceito de ‘rede’. Mais ou menos na
3
“MUDs are text-based virtual realities that maintain a sense of space by linking different ‘rooms’
together”.
4
É interessante notar que o conceito de virtual aplicado à Internet foi freqüentemente usado para
descrever um não-lugar, um espaço de fluxos, ou um espaço simulado. De qualquer forma, o virtual
tecnológico nunca inclui a potencialidade. Para uma explicação mais detalhada no conceito de virtual
como potência, ver o capítulo 2.
5
LICKLIDER, J.C.R. & CLARK, W. On-Line Man Computer Communication. Agosto 1962.
6
Id.
7
A Agência para Projetos Avançados de Pesquisa (Advanced Research Projects Agency, ARPA) trocou
seu nome para Agência para Projetos Avançados de Pesquisa em Defesa (Defense Advanced Research
Projects Agency, DARPA), em 1971, e então novamente para ARPA em 1993, e de novo para DARPA
em 1996. Referimos nesta Tese à DARPA, a última nomenclatura adotada.
81
mesma época, em julho de 1961, Leonard Kleinrock
8
publicou o primeiro artigo sobre a
teoria de comutação por pacotes. Devido ao seu pioneirismo no campo, o Centro de
Medida de Redes (Network Measurement Center) na Universidade da Califórnia, Los
Angeles (UCLA), foi selecionado para ser o primeiro nó da ARPANET. No início dos
anos 70, a Internet foi criada com o objetivo de compartilhar o acesso remoto a
computadores. O Instituto de Pesquisa de Stanford (SRI) constituiu o segundo nó.
Então, mais dois nós foram adicionados, um na Universidade da Califórnia, Santa
Bárbara (UCSB) e outro na Universidade de Utah, somando um total de quatro nós que
formaram a primeira rede da ARPANET.
9
Até o ano de 1972, no entanto, a rede de computadores era restrita a
universidades e usada prioritariamente para o acesso remoto. A invenção do e-mail,
porém, causou profundas mudanças no uso da rede, transformando-a em um meio de
comunicação que conectava não apenas computadores, mas também indivíduos. O e-
mail, desenvolvido por Ray Tomlinson em 1971, pode ser considerado o primeiro meio
social da Internet, pois permitia a usuários enviar mensagens através da rede para contas
individuais. Já em 1972, o e-mail estava entre os dois aplicativos mais usados na rede (o
outro ainda era o serviço de autenticação remota). Além do mais, o surgimento de listas
de discussão, listservers e de fóruns de discussão permitiu que diversos usuários lessem
as mesmas mensagens enviadas por um, ou por vários membros do grupo, criando um
novo espaço para a comunicação e a sociabilidade. As listas de discussão são sistemas
de comunicação um-todos, onde apenas um usuário pode enviar mensagens a todos os
membros da lista. Os listservers possibilitam a discussão todos-todos ao permitirem que
todos os membros da lista enviem mensagens uns aos outros. O conseqüente
desenvolvimento das listas de discussão e dos listservers levou aos fóruns de discussão
(Bulletin Board Systems, BBS). Os fóruns simulam um quadro virtual onde mensagens
podem ser “fixadas” e a discussão pode começar a partir de qualquer mensagem
previamente postada. Todas as mensagens são enviadas a um site central, hoje em dia
geralmente dentro da WWW, ao qual os usuários precisaram conectar para lê-las.
O surgimento de tecnologias que possibilitavam a comunicação on-line criou um
novo espaço de sociabilidade virtual, gerando entusiasmo entre os usuários e os
8
KLEINROCK, Leonard. Information Flow in Large Communication Nets. RLE Quarterly Progress
Report. Jul. 1961.
9
Fonte: Internet Society (Isoc). Disponível em: http://www.isoc.org/. Acesso em: 17 dez. 2003.
82
pesquisadores, pois tal espaço “abolia” as distâncias geográficas, conectando os
indivíduos através de interesses comuns, e não por distância geográfica. O próximo
capítulo dessa história é a emergência dos ambientes de conversação (chats) on-line e,
finalmente, dos ambientes de multiusuários. É possível assinalar duas linhas evolutivas
para os ambientes de multiusuários. Por um lado, os MUDs são descendentes do
desenvolvimento da Internet como um meio de comunicação, que nasce com o e-mail,
os listservers e os fóruns de discussão. Essa linha evolutiva define os MUDs como
lugares de comunicação sincrônica, em tempo-real. Os e-mails e fóruns apenas
permitem a comunicação assincrônica e, portanto, não proporcionam ao usuário a
sensação de ocupar o “mesmo lugar simultaneamente”. Entretanto, nos MUDs, é
possível compartilhar esse espaço e perceber a presença do outro na rede. Por outro
lado, como mostra Julian Dibbell (1998), os MUDs são descendentes dos mapas. Essa
linha evolutiva se relaciona à história dos jogos como mundos imaginários que podem
ser construídos e habitados. Hoje em dia, os MUDs são basicamente divididos entre
ambientes de aventura e sociais.
O primeiro MUD foi escrito na primavera de 1978 por Roy Trubshaw, um aluno
da Universidade de Essex, na Inglaterra, em MACRO-10 (a linguagem de programação
para computadores DECsystem-10) e, posteriormente, convertido para BCPL. O jogo
era originalmente nada mais do que uma série de salas interconectadas por onde era
possível se mover e conversar. Richard Bartle
10
(1999) que co-escreveu o MUD com
Trubshaw, assinala o quão primitivo era o programa naquele tempo:
“Não havia um objetivo para os jogadores e apenas formas primitivas de comunicação eram
possíveis. Não havia um sistema de marcação de pontos, não havia móveis, caixas e até mesmo
partes da infra-estrutura estavam faltando (por exemplo, duas pessoas num quarto escuro, uma
com uma tocha: a outra ainda não conseguia ver”.
11
Bartle conta que Trubshaw teve duas razões principais para escrever esse
programa. Primeiro, queria criar um jogo de aventuras que fosse multiusuário. Em
segundo lugar, aspirava escrever um interpretador para uma linguagem de definição de
banco de dados. Nesse sentido, a Internet era o lugar perfeito para a criação de tal tipo
de ambiente. Conforme sugerido por Janet Murray (1997, p.71), os ambientes digitais
10
BARTLE, Richard. Early MUD history. 21 jan. 1999. Disponível em:
http://www.mud.co.uk/richard/mudhist.htm
. Acesso em: 16 ago. 2003.
11
“There was no objective for the players, and only primitive communication. There was no point-
scoring system, there were no mobiles, no containers, and even some of the infrastructure was missing
(e.g. two people in a dark room, one with a torch: the other still couldn’t see)”.
83
têm quatro características principais. Eles são: ‘processuais, ‘participatórios’, ‘espaciais’
e ‘enciclopédicos’. Os MUDs englobam quase todas elas. Os ambientes de
multiusuários são processuais porque são, essencialmente, programas de computador,
compostos por um banco de dados de objetos e instruções. Segundo Murray (Ibid.,
p.152),
“A autoria processual significa escrever as regras através das quais o texto aparece, assim como
escrever o próprio texto. Significa escrever as regras para o envolvimento do usuário, isto é, as
condições sob as quais coisas acontecerão em reposta às ações do usuário”.
12
Os MUDs são participatórios porque o usuário é compelido a interagir com o
ambiente e com os outros usuários a sua volta. São espaciais porque o usuário tem a
possibilidade de digitar comandos e de transformar o espaço no qual está imerso.
Finalmente, são enciclopédicos porque são formados por um enorme banco de dados de
informação, que pode ser acessado de diferentes maneiras.
13
Por fim, a primeira razão de Trubshaw para a criação de um MUD foi uma
tentativa de inserção dos tradicionais jogos de RPG no espaço digital. Os jogos de RPG
surgiram nos anos 70 e significam jogos de multiusuários nos quais cada jogador é
compelido a escolher uma identidade e entrar em uma história, que, geralmente, inclui
metáforas medievais. Esses jogos são abertos, ou seja, podem durar anos, sendo objetivo
principal não mais vencer, mas cooperar com outros jogadores.
Julian Dibbell (1998, p.52) associa a ascendência dos MUDs ao
desenvolvimento da cartografia. O autor sugere que, ao analisar um mapa, somos
induzidos a habitar seu território, a visualizarmo-nos dentro do minúsculo espaço
representado. Contudo, apesar dos mapas serem um convite à interação e à imersão, eles
também a frustram, pois não é possível, de fato, penetrar no mapa. Tal pensamento tem
conexões óbvias à idéia do mapa 1:1, desenvolvida por Lewis Carroll, Jorge Luis
Borges, Umberto Eco e Jean Baudrillard, mencionada no capítulo anterior. O desejo de
se construir um mapa que fosse do tamanho do território foi uma tentativa de se
construir uma representação tão perfeita, que seria igual ao próprio território. Assim,
habitar o território seria o mesmo que habitar o mapa. No entanto, como todos os
autores demonstraram, tal mapa também tem o poder de destruir o território e é por isso
12
“Procedural authorship means writing the rules by which the text appears as well as writing the text
themselves. It means writing the rules for the interactor’s involvement, that is, the conditions under which
things will happen in response to the participant’s actions”.
13
O banco de dados, neste caso, é o próprio mundo virtual.
84
que Dibbell argumenta que a tentativa de habitar uma representação é também
frustrante. Representações, ao contrário de simulações, não são feitas para serem
ambientes imersivos.
Curiosamente, o autor indica o desenvolvimento dos primeiros jogos de
tabuleiro logo após o surgimento dos primeiros mapas. Os jogos de tabuleiro resolveram
o problema da interação com o espaço representado ao criar peças do jogo que
supostamente representariam o jogador sobre o tabuleiro. Assim, podemos perceber que
a idéia de representação do sujeito dentro de outro espaço é muito anterior do que a
Internet.
Ao longo dos séculos, tais jogos adquiriram complexidade. Os antigos jogos de
corrida evoluíram para jogos de batalha, como o jogo de Damas e o Xadrez e, muito
tempo depois, para disputas econômicas como Banco Imobiliário. A chegada do
Xadrez na Índia por volta do século VI e o posterior desenvolvimento do jogo asiático
Go requereram cada vez mais táticas e estratégias avançadas. Uma característica
comum a todos esses jogos era a habilidade de simular ações do mundo real no mundo
do imaginário. Como assinala Dibbell (Ibid., p.53), “a tensão entre realidade e
irrealidade sempre foi a fonte de prazer do jogador de jogos de tabuleiro”.
14
Este cenário não mudou muito até o período pós-guerra, no meio do século XX.
Por volta dessa época, influenciada pela Segunda Guerra Mundial, a complexidade dos
jogos aumentou, incluindo mais detalhes e simulando histórias relacionadas a ambientes
de guerra. Tais jogos, modelados de acordo com batalhas famosas, como Waterloo ou
Estalingrado, poderiam durar horas, dias ou mesmo semanas. A mudança significativa,
entretanto, ocorreu em 1973, quando dois veteranos de guerra, Gary Gygax e Dave
Anerson, inventaram um novo tipo de jogo chamado Dungeons and Dragons (D&D).
O D&D diferia dos jogos anteriores principalmente porque não havia competição direta
entre os jogadores. É claro que os jogadores ainda podiam matar uns aos outros, mas,
devido ao formato do jogo, era muito mais interessante cooperar com outros
participantes na busca de uma aventura maior. Assim, o objetivo do jogo não era mais
ganhar, mas apenas jogar.
Cada participante devia escolher um personagem e, mesmo que este personagem
pudesse eventualmente morrer, não era um grande problema criar um outro e continuar
14
“The tension between reality and unreality was always the source of the board-gamer’s delight”.
85
o jogo. O Dungeons and Dragons evoluíu para uma categoria mais ampla chamada
‘jogos de RPG’, os quais poderiam, teoricamente, durar anos. Segundo Julian Dibbell
(Ibid., p.55), o D&D combinava a estrutura interativa de jogos de tabuleiro com a
densidade psicológica de narrativas de ficção, com a diferença de que a história não
possuía um fim definido. As narrativas e os mapas possuem mais em comum do que
normalmente se crê. Mary Fuller e Henry Jenkins (1995, p.68) em um artigo sobre o
jogo de computador Nintendo®, assinalam que os primeiros mapas não eram apenas
representações do território; eles incluíam as rotas de viagem e as marcações do
itinerário ao longo das paradas dos viajantes (as cidades em que o viajante deveria
passar a noite e/ou orar). Os autores sugerem que tais mapas (assim como os jogos
contemporâneos) “concentravam-se nas narrativas específicas que deveriam ser
desenvolvidas sobre esses espaços, como os objetivos a serem buscados e os lugares a
serem visitados (...)”.
15
(Id.) Assim, podemos deduzir que os mapas já eram entidades
narrativas em seus primórdios, perdendo essa característica ao longo dos séculos. Nesse
sentido, o D&D realmente herdou dos mapas as qualidades de penetrar no território e de
construir uma narrativa sobre este território.
Ainda de acordo com Dibbell (op cit., p.55), o D&D pôde administrar o velho
desejo de penetrar no mapa, paradoxalmente, tirando o mapa do jogo. De fato, os
jogadores de RPG nunca têm acesso ao mapa do jogo. Eles podem acessar a descrição
de lugares próximos, mas o mapa completo apresenta-se dobrado, esperando para ser
explorado. O território no D&D é como um labirinto formado na imaginação dos
jogadores. Além disso, ao se eliminar as peças do jogo, o jogador era forçado a colocar-
se psicologicamente dentro do jogo, causando a tão desejada sensação de imersão.
Como resultado, os jogadores de D&D não eram apenas representados no jogo; eram
‘identificados’ com seus personagens.
Com o aparecimento dos computadores pessoais, não foi difícil perceber que as
qualidades narrativas dos PCs eram extremamente compatíveis com o desenvolvimento
de tais jogos, conforme assinalado por Janet Murray (1997, p.213). Quase que
concomitantemente ao surgimento do Dungeons and Dragons, William Crowther, um
explorador de cavernas e programador, criou o que é considerado o primeiro jogo de
computador de aventura: Adventure. Naquela época, Crowther estava envolvido com o
15
“Focused on the specific narrative actions to be performed upon these spaces, purposes to be pursued
and sites to be visited (…)”.
86
D&D e também com a exploração e mapeamento de partes das cavernas Mammoth e
Flint Ridge em Kentucky (EUA). Então, decidiu criar um jogo que seria sua re-criação
imaginária das cavernas, assim como um jogo para seus filhos.
“Minha idéia era fazer um jogo de computador não intimidante para aqueles que não estavam
acostumados com computadores e foi por isso que fiz o jogador dirigir o jogo por meio de
palavras, em vez de comandos estandardizados”,
16
explica Crowther.
Em 1976, o programa inicial foi amplamente expandido por Don Woods,
pesquisador do Laboratório de Inteligência Artificial da Universidade de Stanford.
Influenciados por narrativas como “O senhor dos anéis”, muito popular naquela época,
Woods adicionou mais elementos fantásticos ao jogo, como gnomos e elfos. Além de
várias características do D&D, Woods também incluiu uma inovação peculiar: o mestre
das masmorras, ou seja, aquele que organizava o mundo do D&D, era agora
representado pelo programa de Adventure.
17
Inspirados por Adventure, Dave Lebling, Marc Blank, Tim Anderson e Bruce
Daniels, um grupo de alunos do MIT, escreveram um jogo chamado Zork no inverno de
1977. Apesar de Zork não usar o código de Adventure, foi construído baseado nos
mesmos conceitos labirínticos. No entanto, tanto Zork quanto Adventurepoderiam
ser jogados por um único usuário. Com o desenvolvimento da Internet e a possibilidade
de conectar computadores ao redor do mundo, o próximo passo foi fazer os jogos de
aventura similares ao D&D original, adicionando a característica de multiusuários. O
nome Multi-User Dungeon (ou Dimension), geralmente apenas MUD, foi escolhido
parcialmente como um tributo a Zork, um variante de D&D, que Roy Trubshaw
costumada jogar. Mais tarde, Trubshaw entregou o desenvolvimento posterior de MUD
para Richard Bartle, também um aluno na Universidade de Essex na Inglaterra. O MUD
original permaneceu disponível na rede britânica CompuNet por dois anos até que os
computares DECsystem-10 saíssem de linha.
18
16
ADAMS, Rick. The colossal cave adventure page (A history of “Adventure”). Disponível em:
http://www.rickadams.org/adventure/a_history.html. Acesso em: 16 agosto 2003. “My idea was that it
would be a computer game that would not be intimidating to non-computer people, and that was one of
the reasons why I made it so that the player directs the game with natural language input, instead of more
standardized commands”.
17
Adventure ainda pode ser jogado na Internet através do site: http://www.wurb.com/if/game/game/1.
Acesso em: 17 dez. 2003.
18
Ainda é possível jogar a versão original em http://www.british-legends.com, uma versão para a WWW
convertida por Viktor Toth de BCPL para C/C++. Acesso em 17 dez. 2003.
87
Os primeiros MUDs eram basicamente jogos de aventura, onde os jogadores
deveriam se reunir para partir em alguma missão específica, como matar um dragão ou
encontrar um mago. Além disso, apesar de não ser este o objetivo do jogo, os
personagens estariam sujeitos a morrer, caso os jogadores responsáveis não
“cuidassem” deles. Personagens em MUDs de Aventura passam fome, precisam dormir
e beber.
Quase 10 anos após a invenção do primeiro MUD, em agosto de 1989, Jim
Aspnes, um estudante de pós-graduação da Universidade Carnegie Mellon, nos Estados
Unidos, escreveu em um fim de semana o que ele próprio chamou de Tiny MUD. O
Tiny MUD se parecia com um MUD tradicional por ser um jogo aberto ou sem fim, e
comportar múltiplos usuários. No entanto, o Tiny MUD era essencialmente um
ambiente social, com o qual os jogadores poderiam conectar para conhecer outros
usuários e conversar, em vez de matar dragões e monstros. Tal ambiente preocupava-se
menos com combates e mais com a solução de problemas, a cooperação entre usuários e
as interações sociais entre os visitantes do MUD. Os Tiny MUDs também aboliram o
sistema de magos e deuses, além do modelo hierárquico medieval. O enfoque na
sociabilidade, junto ao fato de que o programa funcionava em uma variedade de
sistemas Unix, ajudou a popularizar os MUDs ao redor do mundo.
Esses “jogos” passaram a ser chamados de ‘MUDs Sociais’, contrastando com
os ‘MUDs de Aventura’. Com a intenção de criar um “jogo” sem fim, Aspnes removeu
de seu MUD as tradicionais estruturas de ranking entre jogadores e os objetivos
específicos que deveriam ser realizados. “Na verdade, o Tiny MUD realmente não tinha
qualquer estrutura – era literalmente qualquer coisa que os jogadores quisessem”,
19
considera Dibbell (op cit,. p.60). Após o primeiro MUD Social, outros tipos de MUDs
foram criados. As siglas MOO, MUSH, MUSE e MUCK nomeiam essencialmente
ambientes de multiusuários sociais, os quais diferem uns dos outros dependendo de
certas permissões relativas a como os usuários podem interagir com o programa e entre
si. Por exemplo, o conceito de ‘MOO’ foi criado por Pavel Curtis, em 1996, para
descrever um modelo de MUD configurável através de uma linguagem de programação
orientada a objetos. MOO significa MUD, Object Oriented, sendo seu representante
mais conhecido o LambdaMOO.
19
“The truth was, TinyMud really had no structure at all – it was literally whatever its players wanted it
to be”.
88
Os MUDs Sociais se tornaram bastante populares, sendo considerados
importantes lugares de sociabilidade. Elizabeth Reid (In: SMITH; KOLLOCK, 1999,
p.125) menciona uma pesquisa desenvolvida no LambdaMOO, na qual 583 usuários
deveriam responder qual atividade lhes tomava a maior parte do tempo quando no
MUD. 57,26% admitiram que atividades sociais eram as mais populares. 14,63%
responderam “explorar” e 14,14%, “construir”. Por último, jogos competitivos e a
solução de enigmas eram prioritários apenas para 6,99% dos habitantes.
Considerando a história dos MUDs dentro da história da Internet, há um
desenvolvimento que vai da troca de mensagens assincrônicas (com e-mails, e-groups e
fóruns de discussão), passando pela troca de mensagens em tempo-real (com chats), até
a troca de mensagens através de personagens fictícios (MUDs). De modo semelhante,
seguindo a evolução dos jogos, há o aumento da complexidade dos jogos de tabuleiro
para incluir táticas e narrativas. Em seguida, vemos o aumento do tempo dedicado ao
jogo, de horas, para semanas e, então, a possibilidade de jogos intermináveis, como os
jogos de RPG. Assim, de ambos os lados é possível perceber uma crescente
sobreposição entre os jogos e a vida. Quando o tempo gasto no jogo é comparável ao
tempo gasto fora do jogo, qual é a atividade mais importante e, além do mais, por que
fazer essa distinção?
Abaixo há um resumo da história recém contada:
89
3.2. MUDs como lugares do imaginário
Os MUDs Sociais são descendentes de jogos, no entanto, para chamá-los de
jogos, é preciso reconsiderar o conceito de ‘jogo’. Os usuários não entram nos MUDs
Sociais para jogar, mas sim para socializar, construir lugares e criar identidades. É
possível perceber aqui uma diferença essencial da definição platônica de jogo, como
algo irreal desconectado da vida real e que mascara a realidade. Certamente, os
“jogadores” (ou melhor, os habitantes) dos MUDs Sociais podem estar representando ou
“construindo” novas identidades, mas não é possível ter certeza sobre isso. Assim, a
questão “qual a fronteira entre o jogo (como uma representação lúdica da vida) e a vida
séria?” nunca foi tão pertinente, exatamente porque não
existem bordas fixas. Nesse
sentido, seria mais adequado sugerir uma definição de jogo próxima àquela sugerida por
Eugen Fink (1966, p.80-81): um jogo que se mistura à vida e que é
a própria vida. A
partir dessa perspectiva, não há mais motivo para indagar se os personagens nos MUDs
Sociais são realmente eles próprios ou se estão apenas criando situações imaginárias.
Mesmo assim, a definição das fronteiras entre a realidade e a imaginação em um
MUD foi um importante tópico de discussão na década passada. Principalmente porque
MUDs são jogados na Internet (para muitos, ciberespaço), a distinção entre o físico e o
90
virtual, também encarada como uma separação entre o real e o imaginário, foi decisiva
para definir o comportamento dos usuários em tais ambientes. Por exemplo, um dos
entrevistados de Sherry Turkle indagou: “por que dar tamanha importância à
personalidade que possui o corpo, quando as personalidades que não possuem corpos
são capazes de passar pelos mais diversos tipos de experiências?”
20
(TURKLE, 1995,
p.14)
O ciberespaço foi considerado um espaço de liberdade principalmente devido a
sua definição como um lugar imaterial e virtual, conceitos relacionados à liberação das
amarras do mundo físico. Os ambientes de multiusuários, como uma importante parte
do ciberespaço, foram vistos como os lugares máximos nos quais os usuários poderiam
exercer suas liberdades, pois era possível “brincar” com a construção do espaço e com a
construção de identidades.
Os MUDs foram considerados como sociedades ideais: lugares sem preconceitos
raciais, diferenças sexuais e onde se poderia praticar sexo seguro. Margareth Wertheim
(1999, p.268) também encara o ciberespaço como um novo lugar para o “espírito”.
Através dos sonhos contemporâneos de ciber-imortalidade e de ciber-ressurreição, ela
argumenta que presenciamos com a tecnologia o surgimento de algo realmente
semelhante à alma medieval cristã. Wertheim sugere que o ciberespaço é diferente do
espaço físico porque não está sujeito às leis da física. “Não importa quantas dimensões
do hiperespaço os físicos adicionem em suas equações, o ciberespaço permanecerá
‘fora’ de todas elas. Com o ciberespaço, descobrimos um ‘lugar’ além do
‘hiperespaço’”.
21
(Ibid., p.228) Através desse argumento, conforme visto no primeiro
capítulo, a autora enfatiza a desconexão entre o físico e o virtual. Além do mais, ela
compara o ciberespaço ao espaço medieval da alma. Assim como o ciberespaço, na
Idade Média também havia um espaço não físico, que existia em paralelo ao mundo
material, mas que não era “contido” nele. O espaço espiritual medieval era uma parte
singular da realidade, separada do espaço físico.
Essa projeção do imaginário geralmente acontece porque nunca aceitamos
habitar apenas um tipo de espaço e, freqüentemente, sonhamos com espaços de
20
“Why grant such superior status to the self that has the body when the selves that don’t have bodies are
able to have different kinds of experiences?”
21
“No matter how many dimensions hyperspace physicists add into their equations, cyberspace will
remain ‘outside’ them all. With cyberspace, we have discovered a ‘place’ beyond hyperspace”.
91
liberdade para o corpo e para a alma. Nos anos 80 e 90, essa projeção de espaços de
liberdade foi transferida para o espaço digital, um espaço imaterial, distante das leis e
restrições do mundo físico. Desde o surgimento do conceito de ‘ciberespaço’, este
espaço digital foi considerado um local em que se poderiam assumir múltiplas
identidades e construir novos lugares para a projeção do imaginário.
3.2.1. A construção de lugares do imaginário
O ato de projetar espaços imaginários (ou interiores) na realidade externa é tão
antigo quanto a raça humana. Ao longo da história, essas projeções de realidades
possíveis foram redefinidas diversas vezes. Apesar de haver numerosas fontes de
realidades imaginadas, geralmente tais espaços foram associados a uma idéia específica:
a existência de realidades distantes e desconhecidas. Em tempos outros, os espaços
imaginários eram majoritariamente projetados fora
dos espaços conhecidos e familiares.
Hoje em dia, porém, tais espaços se movem para dentro
dos espaços conhecidos, que
contêm em si o invisível mundo subatômico, assim como realidades dobradas ou
implicadas.
22
Para melhor compreender por que espaços imaginários migraram para o
ciberespaço e hoje migram novamente para dentro do espaço conhecido, será
interessante brevemente mapear os sucessivos deslocamentos de espaços imaginários do
físico, para o digital e, então para o mundo subatômico. Desde a Antiguidade, o
imaginário foi associado ao desconhecido e projetado fora
do espaço físico já
explorado. Por exemplo, fenômenos naturais tinham causas desconhecidas e, portanto,
os antigos gregos criaram um deus para cada fenômeno natural (o Sol, o Trovão) e os
colocaram em uma montanha distante, o Monte Olimpo. De acordo com Daniel
Boorstin (1989, p.88), todas as altas montanhas foram idolatradas por povos que viviam
em seus arredores. Os gregos tinham certeza de que o Olimpo era a montanha mais alta
do mundo, mas cada povo adorava sua própria montanha: Meru para os indianos,
22
Em inglês, utilizo o termo enfolded’, que significa algo embrulhado em dobras, ou dobrado sobre si
mesmo, tal qual um origami. ‘To enfold something into something else’ também pode significar trazer
algo distante, nesse caso, realidades, para dentro da realidade presente. Pela falta de tradução literal para o
português, usarei a palavra ‘dobra’, ou ‘plica’ e, conseqüentemente, ‘implicar’ para a dobra sobre si
mesmo. O termo ‘plica’ vem do latim correspondente a dobra, ou prega. Com a mesma raiz, temos ‘ex-
plicar’ que seria o mesmo que ‘desdobrar’, ou ‘unfold’.
92
Fujiyama para os japoneses. Muitas civilizações imaginaram e construíram montanhas
artificiais com o objetivo de alcançar territórios desconhecidos, como a Torre de Babel e
as Pirâmides do Egito. Ainda segundo Boorstin (Ibid., p.89), “a Torre de Babel tornou-
se um símbolo do esforço do homem para chegar ao céu, invadir o território dos
deuses”. Tais “montanhas” eram tão especiais porque representavam um território não
explorado e, assim, não faziam parte do espaço físico conhecido. Além das montanhas,
que poderiam ser consideradas acidentes geográficos “extremamente altos” dentro do
espaço físico, o Paraíso e o Inferno também foram incluídos na categoria de espaços do
imaginário, principalmente a partir da Idade Média, conforme visto no capítulo 1. As
descrições desses lugares imaginários, no entanto, eram estritamente compatíveis com o
espaço físico conhecido e familiar daquela época. O Inferno de Dante, por exemplo, era
ricamente descrito com rios, vales e fogos. Boorstin (Ibid., p.94) assinala que a vida no
mundo subterrâneo era simplesmente uma extensão da vida na Terra e, por isso, em
muitas culturas o guerreiro era enterrado junto com seus cavalos, suas armas e suas
mulheres. Nesse contexto, Italo Calvino (1974, p.140) menciona as cidades espelhadas,
como cidades físicas refletidas no mundo dos mortos.
“Assim como Laudomia, cada cidade tem ao seu lado uma outra cidade cujos habitantes são
chamados pelo mesmo nome: é a Laudomia dos mortos, o cemitério. Mas o especial de
Laudomia é não ser apenas dupla, mas tripla; ela contém, em resumo, uma terceira Laudomia, a
cidade dos ainda não nascidos”.
23
São as cidades refletidas, entre outras, as que permitem Marco Polo imaginar e
narrar sobre lugares possíveis, ou virtuais. Além disso, ele relaciona a descrição das
cidades dos ainda não nascidos com as cidades que poderiam ter sido, mas não foram,
as cidades incompletas e contraditórias. Em “cidades & mortos 3”, Calvino se refere à
mesma metáfora para contar sobre Eusápia, a cidade em que seus habitantes
construíram uma cópia idêntica da cidade nos subterrâneos, criando uma cidade dos
mortos. Com o tempo, a Eusápia dos mortos passou a se parecer mais com a Eusápia
original do que a própria Eusápia, e a Eusápia dos vivos passou a copiar sua cópia
subterrânea. No final, os mortos re-constroem a Eusápia superior de acordo com a
imagem de sua cidade. Assim, a Eusápia dos mortos representa a história de uma cidade
que se tornou uma hiperrealidade, pois se tornara melhor ou mais perfeita que seu
23
“Like Laudomia, every city has at its side another city whose inhabitants are called by the same names:
it is the Laudomia of the dead, the cemetery. But Laudomia’s special faculty is that of being not only
double, but triple; it comprehends, in short, a third Laudomia, the city of the unborn”.
93
original. Além disso, Marco Pólo assinala que não havia mais diferença entre os vivos e
os mortos, ou entre o original e sua “cópia”. No final, descobrimos que Cidades
Invisíveis é uma narrativa sobre o virtual. Marco Pólo conecta sua habilidade como
narrador de viagens para contar a Kublai Khan sobre os lugares que teria supostamente
visitado. De qualquer forma, não faz diferença se as cidades são reais ou apenas produto
de sua imaginação. No final, descobre-se que todas as narrativas são, na verdade, sobre
a mesma cidade, Veneza. Não são Venezas atuais, mas Venezas possíveis, em potência,
que poderiam ter existido ou ainda não existem. Calvino, então, combina a viagem, a
imaginação, a virtualidade e os espaços desconhecidos em uma única narrativa.
Durante a Idade Média, muito do imaginário popular era baseado nos contos de
viajantes que visitavam lugares distantes e desconhecidos, geralmente sem localização
geográfica específica e, então, retornavam para narrar suas experiências. Tais lugares se
tornavam fontes do imaginário quando localizados fora do “mundo conhecido”, isto é,
as bordas do Mediterrâneo. Sendo assim, a construção de espaços imaginários sempre
teve uma forte conexão com a definição de fronteiras, ou seja, o que é interior ou
exterior ao espaço conhecido. Aqui, a definição de espaço adquire um significado um
pouco diferente daquele proposto por Castells.
24
Espaço, segundo Michel De Certeau
(Apud FULLER; JENKINS, 1995, p.66), é um lugar em que foi incluída uma narrativa.
“Lugares existem somente de maneira abstrata, como locais em potência para ações
narrativas, como localizações ainda não colonizadas”.
25
Uma vez em contato com
agentes narrativos, lugares se tornam espaços. O homem medieval costumava construir
narrativas sobre lugares distantes pra incluí-los em seus espaços imaginários. Os contos
dos viajantes tinham o dever de transformar lugares não-familiares em espaços
familiares. Suas histórias estão, de acordo com Certeau (Ibid., p.67), majoritariamente
preocupadas com “a relação entre a fronteira, a ponte, isto é, entre um espaço (legítimo)
e sua exterioridade (alienada)”.
26
Castells (2000, p.441) substitui o conceito de
24
Para Castells, como vimos no capítulo 2, um lugar é habitado por pessoas e definido por uma posição
geográfica específica. “Um lugar é um local cuja forma, função e significado são auto-contidos dentro das
bordas da contigüidade física. (CASTELLS, 2000, p.453)
(“A place is a locale whose form, function, and
meaning are self-contained within the boundaries of physical contiguity”.
) Por outro lado, espaço é definido pelo
autor também de modo mais abstrato como “o suporte material de práticas sociais compartilhadas através
do tempo”. (Ibid., p.441)
(“The material suport of time-sharing social practices”.)
25
“Places exist only in the abstract, as potential sites for narrative action, as locations that have not yet
been colonized”.
26
“The relationship between the frontier, and the bridge, that is, between a (legitimate) space and its
(alien) exteriority”.
94
‘narrativa’ pelo de ‘práticas sociais’. Uma vez que um espaço se torna familiar, pode se
tornar o palco para práticas sociais. Nesse sentido, os lugares constituem “estabilidades”
que precisam ser perturbadas para que histórias se desdobrem. Lugares estão sempre lá,
mas ainda não importam como tais. O Novo Mundo, antes da descoberta pelos
europeus, é um exemplo de lugar para Certeau: as terras existiam, eram
geograficamente presentes e funcionavam culturalmente há muito tempo, mas apenas se
tornaram espaços através das ambições e narrativas européias. “Espaços, por outro lado,
são lugares que foram explorados, colonizados. Espaços se tornam o lugar de eventos
narrativos”.
27
(DE CERTEAU, Apud FULLER; JENKINS, op.cit., p.66)
De acordo com Lorraine Daston e Katharine Park (1998, p.60), os livros
medievais de topografia e de viagens “aumentaram o senso de possibilidade de seus
leitores, permitindo-lhes fantasiar sobre mundos alternativos de quase inimaginável
riqueza, papéis sexuais flexíveis e estranhezas e belezas fabulosas”.
28
Podemos perceber
aqui uma correlação com o conceito Leibniziano de virtual, pois os lugares do
imaginário foram construídos como locais possíveis, sem localização geográfica
específica. Tais espaços poderiam estar em qualquer lugar fora
do espaço físico
conhecido e poderiam conter qualquer tipo de criaturas que fossem possíveis de ser
imaginadas. O mundo era criado nas mentes dos leitores.
Os contos de viajantes não eram considerados valiosos porque representavam a
verdade, mas porque estimulavam a imaginação. Italo Calvino começa a narrativa de
Cidades Invisíveis com o seguinte parágrafo:
“Kublai Khan não acredita necessariamente em tudo o que Marco Pólo diz ao descrever as
cidades visitadas durante sua viagem, mas o imperador dos Tártaros continua escutando ao
jovem veneziano com atenção e curiosidade maiores do que as demonstradas por qualquer outro
mensageiro ou explorador seu”.
29
(Id., p.5)
Exatamente porque Pólo representava aquele que vinha de fora, aquele que
vinha de uma terra distante e desconhecida, a veracidade de suas narrativas era
irrelevante, contanto que pudessem alimentar a imaginação do grande Khan. Tais
27
“Spaces, on the other hand, are places that have been acted upon, explored, colonized. Spaces become
the location of narrative events”.
28
“Enlarged their reader’s sense of possibility, allowing them to fantasize about alternative worlds of
barely imaginable wealth, flexible gender roles, fabulous strangeness and beauty”.
29
“Kublai Khan does not necessarily believe everything Marco Polo says when he describes the cities
visited on his expeditions, but the emperor of the Tartars does continue listening to the young Venetian
with greater attention and curiosity than he shows any other messenger or explorer of his”.
95
lugares imaginários, construídos através de contos dos viajantes, podem, assim, ser
considerados espaços mediados. Os espaços imaginários são freqüentemente criados
quando não é possível acessá-los fisicamente. As interfaces de mediação, ocupando um
lugar nas bordas entre o real e o imaginário, são decisivas para a construção desses
espaços imaginados.
Os lugares exteriores ao conhecimento humano poderiam ser considerados
estranhos, porém ainda mais estranhas eram criaturas imaginárias que habitavam tais
lugares. Monstros e bestas de todos os tipos viviam no território da exterioridade. As
bestas eram encaradas com curiosidade e, algumas vezes, medo, mas eram consideradas
maravilhas “positivas”. No entanto, quando trazidas para dentro do espaço conhecido,
tais criaturas não eram mais positivas. Daston e Park (1998, p.50) distinguem entre
indivíduos monstruosos e espécies maravilhosas. Ambos são qualificados como
maravilhas devido à raridade, mas enquanto as últimas eram vistas com curiosidade, os
primeiros demandavam decisões imediatas, pois afetavam a vida dos indivíduos
vivendo em um mundo próximo, dentro das fronteiras do conhecido. Além disso, as
criaturas monstruosas eram geralmente consideradas como miraculosas ou como
portadoras de maus presságios. Dentro deste grupo, poderíamos nomear todo tipo de
seres humanos ou animais deformados devido a causas desconhecidas, mas nascidos
dentro do espaço conhecido, o que os colocava, portanto, dentro da categoria do
“negativo”. Indivíduos monstruosos eram descritos como híbridos de seres humanos e
animais que não representavam uma raça, diferentemente dos centauros, por exemplo.
Eram crianças nascidas com duas cabas, ou gêmeos siameses. Geralmente, maravilhas
viviam além das margens do Mediterrâneo. No entanto, a crença em milagres,
prodígios, presságios e outras formas de comunicação divina, subitamente criou
erupções de maravilhas dentro do curso da vida cotidiana. Assim, o mundo Cristão
medieval foi responsável por tentar trazer os espaços imaginários para dentro do
domínio do espaço físico conhecido. Mitos e maravilhas não seriam mais, portanto,
confinados a uma terra distante. Mesmo assim, tais fatos ainda não eram, de forma
alguma, parte da ordem normal do mundo.
Por outro lado, entre as monstruosidades humanas que viviam fora das margens
do Mediterrâneo, em partes remotas da Terra, havia tribos com pés de dois metros de
comprimento virados para trás, homens com duas cabeças de cachorro e tentáculos, em
96
vez de dedos, que uivavam, em vez de falar, e povos com apenas uma perna. Tais raças
híbridas eram fonte de curiosidade e surpresa, ao invés de medo, povoando os contos
dos viajantes e sendo consideradas partes necessárias dos lugares inexplorados.
Enfim, o homem medieval considerava a área do Mediterrâneo como o centro e
tudo mais como as bordas, as quais eram habitadas por estranhas bestas e maravilhas
desconhecidas, as quais alimentavam o conceito de ‘possível’ vigente naquela época.
Mapas medievais geralmente incluíam o Céu e o Purgatório, que era localizado em uma
montanha, em algum lugar do hemisfério sul. Os lugares imaginários não eram apenas
projetados fora do espaço conhecido, mas também na Terra como um todo. Durante
muitos séculos, grande parte da superfície terrestre ainda era inexplorada, dando maior
espaço à imaginação. Boorstin (1989, p.97) conta que, muito tempo antes de os gregos
finalmente acreditarem em uma Terra esférica, houve muita discussão sobre a
possibilidade de outros formatos. Homero conjeturou sobre a Terra como um disco
circular rodeado pelo rio oceano. Heródoto, no entanto, afirmava que não havia rio
nenhum, mas sim um deserto. A imaginação sobre a Terra ainda vai mais além. Uma
figura Hindu mostra nosso planeta como uma semi-esfera sustentada por quatro
elefantes em pé sobre uma tartaruga gigante que flutuava nas águas do mundo. Séculos
depois, a Europa cristã esqueceu o conhecimento grego e imaginou novamente uma
Terra plana, como um ‘O’ dividido por um rio em forma de ‘T’. Na parte de cima, via-
se a Ásia. A Europa ocupava o lado esquerdo e a África, o lado direito. A mais
conhecida representação dessa visão de mundo é o Mapa de Hereford, mostrado na
figura abaixo. É interessante notar a faixa de terra à direita, que inclui algumas criaturas
maravilhosas e exóticas, como o elefante (com um castelo nas costas), o papagaio, o
camelo, o crocodilo, o unicórnio e o dragão.
97
Figura 12: O mapa de Hereford
À medida que o mundo foi progressivamente mapeado, os espaços do
imaginário foram sucessivamente deslocados. As narrativas de ficção científica ilustram
como os espaços do imaginário se deslocaram da Terra para o espaço sideral. O trabalho
do escritor Edgar Rice Burroughs, criador das histórias de Tarzan, exemplifica essa
tendência. Tarzan pôde ser imaginado porque, no início do século XX, a África ainda
era um território parcialmente inexplorado pelos europeus, servindo de lugar para a
projeção do imaginário. No entanto, assim que o continente foi mapeado, Burroughs
pára com a série do Tarzan e começa a escrever sobre o planeta Vênus. No século XXI,
quase todos os planetas do sistema solar já foram explorados e estamos quase certos de
que não existe vida sensível perto de nós (com a possível exceção da Europa). Sendo
assim, onde os espaços do imaginário são projetados na contemporaneidade?
98
Durante os últimos vinte anos, o ciberespaço foi freqüentemente visto como esse
lugar de projeção do imaginário. O espaço digital representava um lugar localizado fora
das bordas do espaço físico. Nesse contexto, o conceito de ‘imaterialidade’ foi decisivo
para definir o ciberespaço como espaço do imaginário, livre das restrições do mundo
físico, sendo, portanto, possível criar novos lugares e novas identidades; livrar-se do
corpo material e ainda viajar ao redor do mundo com um corpo de informação. Em
contraste à idéia deleuziana do virtual como potência, na retórica do ciberespaço, o
virtual foi freqüentemente visto como simulação: em vez de uma potencialidade
emergente, um espaço imaterial, não-físico e não-real. Muitas obras de ficção científica
produzidas durante as duas últimas décadas contribuíram para a projeção do imaginário
no ciberespaço. A trilogia de William Gibson que inclui Neuromancer (1985), Count
Zero (1986) e Mona Lisa Overdrive (1988) popularizou o nome ‘ciberespaço’. Snow
Crash (1992), de Neal Stephenson, também ajudou a popularizar a idéia de ‘espaços
virtuais’.
Devido ao crescente número de websites e da comercialização do ciberespaço, o
desejo de liberdade não coincidiu com o que a Internet se tornou hoje. Foi possível
atualizar alguns espaços imaginários através da construção de mundos virtuais, mas até
hoje não se pode conectá-los ao mundo físico de modos significativos e flexíveis.
Hoje em dia, é possível perceber a migração de espaços do imaginário do
ciberespaço para o extraordinariamente grande ou para o infinitamente pequeno. A
primeira tendência inclui romances que se passam em outras galáxias, como Guerra
nas Estrelas e Jornada nas Estrelas. Já a segunda possibilidade pode ser observada
em várias histórias de ficção científica sobre nanotecnologia, como The Diamond Age,
de Neal Stephenson (1995). A nanotecnologia, portanto, se tornou o espaço
“desconhecido”, ainda esperando para ser explorado. Essa nova ciência representa algo
que, apesar de estar dentro do espaço físico, é uma dobra do espaço conhecido que não
pode ser vista, apenas sentida.
30
O outro lado dessa projeção do imaginário em espaços
dobrados dentro do espaço conhecido é produzido pelo uso de tecnologias nômades de
comunicação, como veremos na segunda parte desta Tese, principalmente nos capítulos
7 e 9.
30
Mais sobre nanotecnologia como lugar do imaginário pode ser lido no capítulo 8.
99
3.2.2. A ilusão dos MUDs como lugares de liberdade
“A falha da liberdade completa e ideal no ciberespaço foi um fenômeno
prematuro”, sugere Elizabeth Reid. (REID, 1999, p.107). A autora conta que, logo no
início dos anos 70, restrições foram impostas pelo administrador do fórum de discussões
CommuniTree, porque um grupo de adolescentes conectado ao sistema enviara
mensagens obscenas para o fórum.
Paralelamente aos lugares de liberdade imaginados por diversas culturas, sempre
houve também lugares de limite que pudessem justificar a existência dos primeiros. Na
Idade Média, o Inferno e o Purgatório restringiam a ação dos fiéis na Terra. Como pode
ser visto no capítulo 1, durante o Renascimento e a Idade Clássica, a pintura em
perspectivista através da qual o mundo era representado enquadrava a paisagem. Na
Idade Moderna, ao mesmo tempo em que surgiam teorias sobre o hiperespaço, viver em
três dimensões já era considerado como um limite. Durante a última década, o
ciberespaço foi, freqüentemente, encarado como a máxima representação de um espaço
ilimitado.
Kevin Robins (2000, p.77) contradiz essa posição utópica parafraseando
William Gibson e escrevendo que toda a discussão sobre o ciberespaço como um espaço
libertário e desmaterializado é, na verdade, uma “alucinação consensual”. Robins critica
a visão corriqueira através da qual o ciberespaço é imaginado como uma zona de
liberdade ilimitada, “uma referência para a experimentação livre, um ambiente em que
não há barreiras, ou restrição em relação ao quão longe se pode ir”.
31
(PLANT apud
ROBINS, 2000, p.82)
Mesmo representando a projeção de um espaço de liberdade tanto desejado ao
longo da história ocidental, a Internet não correspondeu necessariamente a essa utopia
libertária. Como todo espaço, o digital também possui limites que determinam nosso
modo de interagir com ele. Segundo Lawrence Lessig, se as leis nos limitam no mundo
físico, no ciberespaço, o código é a lei. (LESSIG, 1999) John Maeda, professor do
grupo de Estética Computacional no MIT Media Lab, afirma que os designers estão
errados ao pensar que podem fazer tudo o que quiserem, limitados apenas por suas
31
“A grid reference for free experimentation, an atmosphere in which there are no barriers, no
restrictions on how far it is possible to go”.
100
imaginações. Na verdade, ele diz, somos limitados pela imaginação de um outro
alguém: o programador. (MAEDA apud HALL, 1999)
A forma de um mundo criado por linhas de código é definida por aqueles que o
programam. Mesmo não defendendo um determinismo tecnológico pelo qual seríamos
regulados por programas e programadores, não é possível negar que a representação do
sujeito na Internet é estritamente relacionada com a maneira como esse mundo é
construído: via código.
Um exemplo de código limitando as ações do usuário aparece na transição de
uma interface textual para outra gráfica na construção de MUDs. Os ambientes gráficos
de multiusuários são chamados de mundos virtuais. Em um primeiro momento, somos
tentados a pensar que a introdução de gráficos e imagens revolucionou os padrões de
comunicação na Internet. A possibilidade de se construir espaços tridimensionais
através da linguagem de programação VRML (Linguagem de Modelagem para
Realidade Virtual) contribuiu para a imaginação de um tipo de presença mais natural e
imersiva em ambientes de multiusuários. No entanto, as possibilidades de criação de
personagens por meio de palavras são quase infinitas quando comparadas à escolha
limitada de avatares gráficos pré-definidos. Existe a possibilidade de personalizar os
avatares escolhendo diferentes acessórios e características físicas. Mas, no final, tais
avatares são nada mais do que produtos da imaginação daquele que desenhou o mundo,
ao passo que personagens textuais podem ser descritos das formas pelas quais usuário
os imagina. De acordo com Lawrence Lessig (LESSIG, 1999, p.63), é comum
considerar a comunicação meramente textual uma limitação imposta pelo início da
Internet. Tecnicamente, era, mas essa característica técnica também criou novas
possibilidades para interação na Internet e novos protocolos de comunicação entre
usuários.
Além disso, uma preocupação constante acerca dos mundos gráficos é seu
tamanho digital em bytes. Texturas e salas são construídas do modo mais simples
possível, de maneira a evitar o longo tempo de download. Certamente, esse problema
tende a ser minimizado com a Internet de alta velocidade, mas o ambiente ainda será
restrito ao código de programação. Isso não significa que o texto também não tenha
regras e limites. A capacidade de criação e construção em MUDs textuais requer, pelo
menos, a habilidade de programação ou o conhecimento de programas. Além do mais,
101
os MUDs são baseados em estritas regras sociais, que incluem um sistema de privilégios
que segrega os usuários de acordo com seu status no ambiente. Por exemplo, os
convidados nos MUDs de Aventura não possuem privilégios para criar novos objetos e
modificar os objetos existentes. Da mesma forma, os usuários privilegiados em ambos
os tipos de MUDs não possuem permissão para modificar e controlar os objetos criados
por outros usuários ou mesmo para enviar mensagens remotas a todos os usuários, ações
que requerem o status de mágico ou de deus para serem realizadas. Entretanto, mesmo
um mágico não possui o poder de acessar diretamente o programa ou os arquivos do
sistema, o que apenas pode ser feito por deuses.
Apesar de os MUDs (especialmente os do tipo social) serem alvos de sonhos
libertários, tais sociedades também são altamente hierarquizadas e controladas devido à
presença de deuses e mágicos, que têm o poder de vida e morte sobre os habitantes.
Alguns MUDs Sociais não possuem nem mágicos nem deuses, mas certas formas de
controle ainda são decisivas como formas de organização social. Para entrar em
LambdaMOO como um visitante, por exemplo, é preciso ler o seguinte aviso: “Os
visitantes em LambdaMOO devem ser informados que são responsáveis por suas ações
aqui. Particularmente, os visitantes devem ser informados que qualquer correspondência
ou outra forma de comunicação enviada para personagens individuais aqui podem ser
rastreadas até seu local de origem, de onde se está conectado (...)”.
32
Na verdade,
visitantes em um MUD não podem fazer muito mais do que enviar mensagens para
outros usuários que habitam a mesma sala, enviar mensagens remotas para deuses ou
magos ou, então, interagir com objetos.
3.3. MUDs como espaços virtuais
A construção de mundos virtuais que imitassem o espaço físico foi sempre uma
maneira de enfatizar a distância entre ambos. Havia o mundo “real”, físico, e o mundo
simulado, digital. O mundo digital deveria simular o ambiente físico. A crença nesse
fato explica por que a maioria dos ambientes de multiusuários na Internet foi construída
a partir de metáforas do mundo físico. Os MUDs foram considerados “virtuais” e,
32
“Guests at LambdaMOO are warned that they are accountable for their actions here. In particular,
Guests are warned that any mail or other form of communication sent to individual characters here, may
be traced back to the site from which you are logged in (…)”.
102
portanto, poderiam também ser vistos como mundos “imateriais”. Conseqüentemente,
os usuários poderiam agir “como” se estivessem no mundo físico, mas não exatamente
da mesma forma. Os habitantes de MUDs poderiam brincar com identidades e
modificar o espaço de modo impossível no “mundo material”. Assim, os MUDs (e
também o ciberespaço como um todo) tornaram-se lugares para o imaginário, em vez de
lugares “reais”. Sherry Turkle, em Life on the Screen (1995), escreve sobre sujeitos que
passavam mais tempo nesses ambientes do que no mundo “real”, usando o virtual como
um escape ao real.
3.3.1. MUDs e corpos virtuais
A possibilidade de eliminar os personagens e de aplicar penas que são, por
vezes, cópias de torturas medievais transforma os MUDs em algo muito similar a
ambientes ditatoriais. De acordo com Elizabeth Reid (1999, p.118),
“Ao passo em que os sistemas penais nas nações ocidentais que constituem a coluna vertebral da
Internet (...) pararam de concentrar-se no corpo do condenado como lugar da punição e passaram
a desenvolver práticas mais ‘humanas’ de encarceramento e de reabilitação social, o exercício da
autoridade nos MUDs reviveu as antigas práticas de vergonha e tortura”.
33
Apesar de as formas de punição em MUDs serem estritamente relacionadas a
castigos físicos, pode-se sugerir que tais práticas ocorrem exatamente porque os
usuários consideram sua existência na Internet como descorporificada ou com um corpo
virtual e não-material. Assim, parece pequena a chance de que uma ação virtual tenha,
de fato, uma resposta atual. Esse senso de “desconexão” do espaço físico é o que
garante aos habitantes de mundos virtuais a sensação de liberdade para criar
personalidades que sejam diferentes da VR (vida real). É evidente que palavras também
podem machucar, mas, mesmo na Internet, “os usuários têm sempre a alternativa de
desligar o computador”.
34
(Ibid., p.113)
O aviso na entrada de LambdaMOO conecta, de certa forma, o MUD virtual
com o mundo físico, pois diz aos visitantes que seus endereços de IP podem ser
rastreados e que suas ações no ambiente virtual não são impunes na “vida real”. No
33
“While penal systems in the western nations that form the backbone of the Internet (…) have ceased to
concentrate upon the body of the condemned as the site for punishment, and have instead turned to
‘humane’ incarceration and social rehabilitation, the exercise of authority on MUDs has revived the old
practices of public shaming and torture”.
34
“Users can always resort to the off-switch on their computer”.
103
entanto, veremos que os jogos móveis baseados em posicionamento celular amplificam
essa conexão, pois usuários se tornam seus próprios avatares e as ações tomadas no jogo
podem, de fato ter, conseqüências físicas. Na Internet, porém, a informação que um
jogador obtém sobre os outros consiste apenas em nomes e descrições que o usuário
escolheu anexar ao seu ego virtual. Tudo o que um jogador pode saber sobre os outros é
o que se decide mostrar. Como a informação é, por definição, flexível e sujeita a
mudanças, as descrições e os nomes são também voláteis.
A questão do corpo virtual não está conectada ao fato de se estar presente ou
ausente no ciberespaço. Na Internet, se está de fato lá, mas essa presença é uma
presença distante ou uma tele-presença. Além disso, é preciso haver formas de
representação para o sujeito virtual exatamente porque não se pode estar fisicamente do
outro lado da tela. Se o outro lado da tela é um espaço de informação, o usuário também
deve ser representado nesse espaço como informação: texto ou gráficos. Como habitar
esse espaço de informação? Como ser representado? Como interagir com o outro?
Como vemos os outros e os outros nos vêem? Tais questões foram algumas das quais
fizeram parte do estudo sobre os MUDs durante a última década do século XX.
Margareth Wertheim (1999, p.268) assinala que o ciberespaço foi visto como
um espaço imaterial porque herdou o idealismo do espaço da alma cristã medieval. Da
mesma forma, a separação entre mente e corpo que ocorre no ciberespaço seria uma
herança da visão de mundo católica desenvolvida pelo pensamento cartesiano. A autora
sugere que a idéia de ciber-imortalidade
35
é uma tentativa de revisar a alma medieval
em formato digital.
“A idéia de que a ‘essência’ de uma pessoa pode ser separada de seu corpo e transformada no
efêmero meio de um código computacional é um claro repúdio da visão materialista de que o
homem é feito somente de matéria. Quando se alega que esse sujeito imaterial pode sobreviver à
morte do corpo e ‘viver’ eternamente além do espaço físico e do tempo, estamos de volta no
reino dualista medieval cristão. Mais uma vez, então, vemos no discurso sobre o ciberespaço um
retorno ao dualismo, um retorno à crença de que o homem é um ser bipolar sendo constituído de
um corpo mortal material e de uma ‘essência’ imaterial que é potencialmente imortal”.
36
35
Ciber-imortalidade, de acordo com Wertheim (1999) significa transferir a mente para sempre para o
espaço de informação e se livrar do corpo físico mortal.
36
“The idea that the ‘essence’ of a person can be separated from his or her body and transformed into
the ephemeral media of computer code is a clear repudiation of the materialist view that man is made of
matter alone. When the further claims that this immaterial self can survive the death of the body and ‘live
on’ forever beyond physical space and time, we are back in the realm of medieval Christian dualism.
Once again, then, we see in the discourse about cyberspace a return to dualism, a return to a belief that
104
É claro que, conforme apontado por N. Katherine Hayles (1996, p.6), o corpo
não é simplesmente objeto material, nem apenas padrão de informação, mas ambos ao
mesmo tempo. Os dois não podem ser separados e não há hierarquia entre eles. Vimos,
no capítulo 1, que a física moderna gradualmente aboliu a matéria em função do espaço.
(WERTHEIM, 1999, p.217) Nesse sentido, o corpo, incluído na categoria ‘matéria’, foi
gradualmente sendo desmaterializado em prol de um corpo virtual. Em Neuromancer
(2000), os personagens podiam baixar suas mentes para o ciberespaço, deixando o corpo
para trás. Case, o personagem principal do romance, recebe uma pena logo no início da
narrativa: não poderia mais se conectar ao ciberespaço, ficando preso em seu próprio
corpo. Mas por que seria tão negativo ter um corpo físico? Em Neuromancer, há um
outro personagem, Pov, que é meramente um “ponto de vista”. Pov é completamente
feito de informação, inteiramente livre de seu corpo material. Hoje, no entanto, é
possível perceber que a materialidade no ciberespaço é de fato importante e que grande
parte da interação depende de sensações físicas.
A influência dessa visão dualística do ciberespaço no comportamento dos
jogadores de MUDs é exemplificada através de diversos depoimentos de usuários no
livro de Sherry Turkle (1995): “Minha vida real é exaustiva. Estou sempre me
protegendo. Em MUDs faço algo diferente...”
37
(Id., p.208); “[no MUD] eu vi nela o
que queria ver; a vida real me dava informação demais”
38
(Ibid., p.207), são apenas dois
exemplos, entre muitos, que mostram como os usuários se sentem “diferentes” nos
MUDs porque consideram esse espaço como um elemento virtual que, apesar de real,
aconteceria em paralelo às suas “vidas reais”. Tais jogadores perceberam certa conexão
entre RV (realidade virtual) e VR (vida real), no entanto, como observa Margareth
Wertheim (1999, p.41), o espaço virtual estava fora do espaço físico. Assim, os usuários
tendiam a agir de modo diferente ou, pelo menos, consideravam suas ações com uma
importância diferente. Turkle (1995, p.196) mostra que, freqüentemente, os jogadores
de MUDs usavam seus personagens virtuais para solucionar problemas psicológicos em
suas vidas reais (VR), como um menino que gostava de ajudar os outros no MUD
porque se sentia sozinho na VR ou uma menina que procurava auxiliar outros jogadores
man is bipolar being consisting of a mortal material body and an immaterial ‘essence’ that is potentially
immortal”.
37
“My real life is exhausting that way. I’m always protecting myself. On MUDs I do something else…”
38
“I saw in her what I wanted to see. Real life gave me too much information”.
105
na RV porque carecia de atenção na VR. Certas vezes, tais ações contribuíam para
melhorar seu comportamento na VR, outras, porém, apenas levavam a uma dependência
psicológica do MUD, criando jogadores que passavam mais tempo conectados ao
ambiente virtual do que à VR.
Em todos esses exemplos, podemos perceber a separação entre o espaço
“virtual” dos MUDs e o espaço “real” da vida. Turkle (Ibid., p.205) parece afirmar que
jogadores de fato se escondem atrás de personagens em MUDs, agindo de modo
diferente do que na VR, ao narrar a história de Stewart. Stewart era um jogador de
MUD que repetidamente insistia que não tinha máscaras no MUD, pois estava de fato
representando a si mesmo. No entanto, durante uma entrevista em grupo, explica
Turkle, um outro jogador perguntou a Stewart se ele era casado, ao que ele prontamente
respondeu “sim” e corou, porque não era casado na VR. Mas essa história pode ser
entendida diferentemente. Porque Stewart afirmou ser casado, mesmo tendo casado no
MUD, mostra que de fato ele considerava sua presença no MUD como parte de sua
vida.
Porque o espaço virtual de MUDs foi considerado desconectado do espaço real
da vida e porque não se podia estar fisicamente lá, os personagens e os espaços virtuais
foram criados como representações literais da fisicalidade. Os personagens em MUDs
de Aventura sentem fome, sede e também precisam dormir.
3.3.2. A cidade virtual: de lugares a espaços
Assim como os corpos, as cidades são também entidades materiais. Assim como
o desejo de reconstruir um corpo imaterial no espaço virtual da Internet, o desejo de
construir a cidade virtual foi fortemente associado ao desenvolvimento de ambientes de
multiusuários. Muitos livros foram escritos sobre os espaços virtuais como metáforas da
cidade, como City of bits (Cidade de bits), de William Mitchel (1999), e Inhabiting the
virtual city (Habitando a cidade virtual), de Judith Donath. (1997)
O conceito de ‘cidades como lugares públicos de encontro’ foi criado
concomitantemente à emergência da sociedade grega. A diferença entre as esferas
públicas e privadas está estritamente relacionada à idéia grega de polis, com o
aparecimento das primeiras cidades-estado. Hanna Arendt (Apud de SOUZA, 2002,
106
p.11) define público como oposto ao privado. Privado significa privação, nesse
contexto, privação do exercício da vida política, que acontecia na Agora – o primeiro
lugar público. No fim no Império Romano, a autora mostra a transformação do público
em social. Nesse sentido, os espaços públicos significam lugares onde indivíduos com
interesses privados se encontram, representando o primeiro esvaecimento das fronteiras
entre o público e o privado. De acordo com Julieta de Souza (2002, p.14), “a esfera
pública é, nesse sentido, o lugar onde os assuntos interagem, são mutuamente
modificados pelo contato, adquirem um formato mundano e passam a compor a
‘realidade’ vista e ouvida por todos”. Segundo essa definição, o termo ‘público’
significa o próprio mundo.
Os espaços públicos, assim, originalmente sugeriam espaços onde os indivíduos
podiam interagir uns cons os outros e socializar, representando locais onde comunidades
poderiam ser desenvolvidas. Entretanto, com o surgimento das avançadas tecnologias de
transporte e de comunicação, como o trem e o telégrafo, as cidades se tornaram cada
vez mais lugares de deslocamentos, isto é, os cidadãos começaram a circular cada vez
mais rápido pelo espaço urbano, indo de lugar em lugar, mas sem desfrutar do espaço
“entre” os pontos.
O esquecimento do espaço “entre” é uma característica de sistemas de rede.
Uma rede, segundo a definição de Pierre Rosenstiehl (1998, p.229),
apenas considera
conexões específicas, nunca prestando atenção aos caminhos. O homem-rede pode jogar
com caminhos alternados e “ignorar tranqüilamente que um vôo Paris-Argel sobrevoa o
Mediterrâneo”. O desfrute do espaço “entre” aponta para uma característica da viagem
antes da invenção da ferrovia, a qual acelerou o deslocamento entre os lugares,
“eliminando” a duração da viagem. O que aconteceu, a partir de então, foi a
transformação de lugares urbanos em espaços de deslocamento ou espaços de
circulação, nos quais não há mais comunicação entre os indivíduos quando se movem
por espaços públicos. Após a ferrovia, a comunicação foi definitivamente separada do
transporte. Conforme demonstrado, o ato da viagem foi decisivo para definir os espaços
do imaginário e para a criação de mapas, pois a jornada em si era importante para a
comunicação e para o desenvolvimento da imaginação, não apenas o destino final. A
eliminação do espaço físico da viagem mudou o processo de criação de espaços
imaginários e o modo de comunicação em espaços públicos. Não é surpresa que as
107
comunidades parcialmente se mudaram para o ciberespaço, o qual fora também
desenvolvido como um espaço conectado e uma rede social. A falta de comunicação em
espaços públicos de circulação pode ser considerada como um dos fatores que levaram
os ambientes de multiusuários dos espaços públicos para o espaço virtual da Internet.
Além disso, o desejo de se re-criar a Agora perdida, freqüentemente levou à construção
de representações literais da cidade como um espaço físico. Mesmo sendo espaços
informacionais virtuais, possíveis de serem imaginados de diferentes maneiras, quase
todos os MUDs foram construídos ao redor da metáfora de espaços físicos.
O desejo de conectar ambientes de multiusuários à “vida real” foi um dos fatores
que contribuíram para sua relação com espaços físicos. Mesmo sendo um espaço
informacional e mesmo sendo possível se morar dentro de uma TV,
39
quase todas as
metáforas espaciais presentes na Internet são relacionadas ao espaço físico. Geralmente
nos sentimos mais confortáveis em ambientes familiares e consideramos essa
familiaridade como fator responsável pela promoção de sociabilidade e interação.
A criação de espaços imaginários análogos ao mundo físico não é nova.
Conforme mencionado anteriormente, o Inferno de Dante, o Purgatório e o Paraíso
foram descritos de modo muito similar ao mundo físico. Apesar de serem lugares
simbólicos, foram descritos como as pessoas daquela época percebiam o mundo. Tais
conexões com o espaço físico ajudavam as pessoas a imaginar esses lugares e a se
projetarem neles.
A principal questão por trás da criação dos MUDs, especialmente de mundos
gráficos virtuais, era: “como construir a cidade virtual?” A cidade, nesse caso, sempre
foi o paradigma de um lugar de sociabilidade e de interação. AlphaWorld,
40
por
exemplo, o mundo virtual tridimensional com a maior densidade populacional da
Internet, foi modelado completamente de acordo com uma cidade tradicional. Outros
mundos virtuais 3D, como Habbo Hotel
41
e Cybertown,
42
seguem a mesma regra.
39
Como é o caso do personagem de Julian Dibbell em Lambda MOO. (DIBBELL, 1998, p.42)
40
Disponível em: http://www.activeworlds.com. Acesso em: 17 dez. 2003.
41
Disponível em: http://www.habbohotel.com/habbo/en/. Acesso em: Habbo Hotel ganhou o prêmio
Golden Nica Prix Ars Electronica em 2003. O ambiente de multiusuários é um hotel virtual em que se
pode relaxar e fazer amigos. É criado para adolescentes de 14 a 20 anos. Criado em janeiro de 2001, o
website já tem uma comunidade de quase três milhões de habitantes. Os participantes podem criar
avatares personalidados e animados, conhecidos como Habbo, que podem andar, dançar, comer, beber e
conversar em cafés, restaurantes, piscinas e salas de jogos. As salas para visitantes podem ser adquiridas
de graça e podem ser mobiliadas com uma gama de itens virtuais.
42
Disponível em: http://www.cybertown.com/main_ieframes.html. Acesso em: 17 dez. 2003.
108
Alguns autores, como Donath (1997, p.22), sugeriram transcender a
representação literal de cidades físicas e criar interfaces abstratas que representassem
conversações on-line. Tais tentativas resultaram na criação de Chat Circles
43
(1999),
para a visualização de chats, em colaboração com Fernanda Viegas (Sociable Media
Group, MIT), Visual Who
44
(1995), para a visualização de listas de discussão e Loom,
45
para a visualização de grupos Usenet, entre outros. Donath (1997, p.18) sugere que um
mundo virtual é parecido com o ambiente físico porque ambos são habitados por
milhões de pessoas, em sua maioria estranhos uns aos outros. Ela afirma que, devido à
imensa população de cidades físicas, os laços sociais urbanos são relativamente fracos.
Rodeado por estranhos, o habitante da cidade grande é muito mais anônimo do que o
morador da cidade pequena.
Da mesma forma, os laços em mundos virtuais também podem ser fracos. Há
milhões de pessoas na Internet todos os dias, mas não é possível perceber a presença do
outro on-line. Ambientes de multiusuários são construídos de modo que sua interface
possa representar a presença do outro e criar um ambiente virtual de encontros. Segundo
William Mitchel (1999, p.22), o desenvolvimento da percepção espacial na Internet se
deve apenas à possibilidade de acesso à mesma informação. “Em seu modo mais
simples, espaços compartilhados são criados por mostrar o mesmo texto desenrolando
em múltiplas telas de computadores pessoais”.
46
No entanto, mesmo em ambientes
textuais, era evidente a necessidade de se descrever o espaço virtual como um lugar
físico. Os ambientes on-line, mesmo se conceitualizados como diferentes
da cidade
física, foram construídos como uma comparação
à mesma.
Freqüentemente, tais “cidades on-line” foram descritas e construídas como
lugares que poderiam ser melhores do que a cidade física. Em primeiro lugar, porque se
tornou possível conectar-se a indivíduos devido interesses comuns e não mais devido à
proximidade física. Em segundo lugar, porque muitos problemas da cidade física
podiam ser evitados, pois não precisavam ser representados. Entretanto, o idealismo de
comunidades virtuais era exatamente pensar que estas poderiam ser criadas sem base no
mundo físico, isto é, sem a existência prévia no mundo físico. Muitos “designers de
43
Disponível em: http://chatcircles.media.mit.edu/. Acesso em: 17 dez. 2003.
44
Disponível em: http://smg.media.mit.edu/projects/VisualWho/. Acesso em: 17 dez. 2003.
45
Disponível em: http://web.media.mit.edu/~kkarahal/loom/. Acesso em: 17 dez. 2003.
46
“At their simplest, shared places are created by displaying the same scrolling text on multiple personal
computer screens”.
109
mundos” achavam que qualquer um poderia criar um novo mundo e que esse mundo
seria povoado e cresceria. Além disso, o temor de que a comunicação migraria quase
que completamente para ambientes virtuais e que os indivíduos não mais deixariam suas
casa, porque achariam tudo no ciberespaço, também não se confirmou. A tecnologia
digital está sendo adaptada a aparelhos móveis, trazendo as comunidades e a interação
ao espaço físico.
3.3.3. Os MUDs como labirintos: mapeando espaço virtuais
A rede se tornou quase que sinônimo de labirinto devido a seu modelo
hipertextual. No entanto, não devemos esquecer que os labirintos são originalmente
estruturas físicas que convidam à exploração, fato relacionado à figura do viajante. De
acordo com Rosenstiehl (1988, p.248), a metáfora original do labirinto está associada ao
viajante, aquele que, sem um mapa, explora o território e, então, retorna ao ponto de
partida. O autor assinala a diferença entre o viajante e o arquiteto: o viajante é um ser
errante, que explora o labirinto e o vê como uma estrutura infinita, ao passo que o
arquiteto constrói o labirinto e, portanto, o vê como finito. No entanto, quem realmente
constrói o labirinto é o viajante, não o arquiteto, pois o labirinto não é uma arquitetura,
ou uma rede, mas o próprio espaço que se desdobra perante o viajante.
O labirinto é um convite à exploração do espaço. Nesse sentido, podemos
considerar o espaço viajado durante a Idade Média como um labirinto. O espaço
inexplorado que construía a realidade imaginária era, de fato, a essência do labirinto que
se desdobrava na frente do viajante. Rosenstiehl (Ibid., p.252) argumenta que o viajante
precisa explorar sem um mapa e ler no solo as marcas deixadas por outras passagens.
“Este viajante desprevenido não é topógrafo: não faz o mapa do labirinto”. O labirinto,
então, responde ao desejo de descoberta e descobrir se torna sinônimo da construção do
espaço, pois o espaço somente passa a existir após ser explorado. (Cf. DE CERTEAU,
apud FULLER; JENKINS, 1995, p.66)
A imersividade do ciberespaço se deve a suas características espaciais criadas
pela habilidade de se interagir com o ambiente, através da seqüência de links ou do
percurso de sala em sala. Os MUDs possuem uma estrutura labiríntica, em primeiro
lugar, porque são feitos de salas interconectadas; em segundo lugar, porque não
110
possuem um mapa de exploração do ambiente. Tal mapa jamais seria possível, pois o
território dos MUDs está em constante transformação, sendo perpetuamente construído.
Diferentemente dos jogos de tabuleiro tradicionais, ninguém percorre um MUD
seguindo o mesmo caminho. Assim, a estrutura hipertextual dos MUDs casou
perfeitamente com a organização da Internet.
Julian Dibbell (1998, p.47) exemplifica o problema de se mapear um MUD ao
descrever sua jornada com o objetivo de ver todo o LambdaMOO. O autor estava
procurando por um lugar para construir sua casa e percebeu que, se andasse de sala em
sala, levaria talvez dias para percorrer todo o ambiente, pois não tinha idéia do tamanho
do MOO. Sendo assim, Dibbell decidiu que precisaria se distanciar para poder ver o
MOO como um todo. Ao entrar em uma sala adjacente, encontrou três balões de ar
quente, dentre os quais escolheu um vermelho, e subiu em sua cesta. À medida que
voava no balão, percebeu que o programa do céu não fornecia uma visão coerente do
que estava esperando, como uma seqüência de textos descrevendo as várias paisagens
de LambdaMOO. Ele sobrevoou diversos lugares, “sem qualquer noção se tais locais
estavam conectados uns aos outros, ou mesmo se estavam conectados à topologia maior
do MOO”.
47
(DIBBELL, 1998, p.48)
Dibbell, então, decidiu ir o mais alto possível com o balão e digitou “olhe para
baixo”. A descrição do programa foi a seguinte: “Enquanto você navega, você vê todo o
LambdaMOO espalhado pela paisagem. Mas é difícil reconhecer detalhes de tamanha
altitude”.
48
(Id.) Após essa explicação, Dibbell (Ibid., p.51) percebeu que não era
possível ver um mapa total do MOO, pois a própria essência de ambientes virtuais é um
convite à imaginação do usuário, que deve preencher os detalhes com sua própria
mente.
“Quanto mais eu considerava que a geografia do MOO, além de extremamente caótica, era
também altamente volátil, com regiões randômicas sendo construídas e removidas a todo
instante, me ocorreu que havia de fato um mapa que representasse a largura, o comprimento e a
profundidade do MOO com absoluta confiabilidade – tal mapa era o próprio MOO”.
49
47
“With no sense whatsoever of how any of these places was connected to any other, or even whether
they were connected to the greater topology of the MOO at all”.
48
“As you drift, you see all of LambdaMOO spread out below. It’s hard to pick out details from such a
high altitude, though”.
49
“The more consideration I gave to the equally recalcitrant fact that the MOO’s geography, besides
being a deeply chaotic thing, was a highly volatile one as well, with random regions being built in and
removed all the time, (…) it occurred to me that there was in fact one map that represented the width,
111
Como vimos, o mapa 1:1 não é um mapa possível, mas existe apenas para
destruir o território. Nesse sentido, os MUDs são, de fato, labirintos que convidam à
exploração sem um mapa possível. Remover o mapa é a única possibilidade de se criar
MUDs como espaços imaginários, espaços desconhecidos e inexplorados.
Obviamente, é possível mapear certos fluxos e padrões de informação na
Internet. Afinal, interfaces gráficas são criadas para visualizar informação. Esse
mapeamento é útil para histórias de conversação (como em Chat Circles, por exemplo),
para a representação de fluxos de informação,
50
ou para estatísticas, mas não é possível
mapear um jogo. As tentativas de se mapear os MUDs, por um lado, os aproxima muito
dos mapas físicos e, por outro lado, não conseguem representar um ambiente volátil,
sempre em movimento. A maioria desses mapas é uma representação bidimensional da
estrutura de salas do MUD em um estágio primordial ou estático. Peter Anders e seus
alunos desenvolveram uma primeira tentativa de mapeamento de BayMOO,
51
um MOO
social de interface textual na Universidade de São Francisco. Anders
52
(1996)
argumenta que “se os visitantes podem ‘ver’ a extensão do MUD, talvez se sintam mais
inclinados a explorá-lo”.
53
No entanto, a grande contribuição de MUDs para a imersão
do jogador no espaço virtual foi exatamente a remoção do mapa do jogo. Da mesma
forma, Dodger e Kitchen (2001, p.180) assinalam a dificuldade de se mapear um
ambiente em constante movimento. “A maior parte dessas mudanças não são
planejadas, são o resultado de ações criativas de jogadores individuais, criando uma
estrutura orgânica em evolução constante”.
54
A verdadeira experiência labiríntica também não inclui um mapa, pois o mapa,
ao representar o território, ocupa o espaço anteriormente preenchido pela imaginação. É
por isso que ambientes de multiusuários tridimensionais falharam em representar todas
as potencialidades do que um espaço virtual poderia ser. Da mesma forma, os mundos
virtuais quase nunca se abstiveram de representar a cidade física. Qual a vantagem da
breadth, and depth of the MOO with absolute and unapologetic reliability – and that map was the MOO
itself”.
50
Cf. o website An Atlas of Cyberspace. Disponível em:
http://www.cybergeography.org/atlas/atlas.html. Acesso em: 17 dez. 2003.
51
Disponível em: http://www.baymoo.org:4242/. Acesso em: 17 dez. 2003/
52
ANDERS, Peter. Envisioning cyberspace: the design of online communities. In: Fifth international
conference on cyberspace, June 6-9, 1996. Disponível em: http://www.telefonica.es/fat/eanders.html.
Acesso em: 26 ago. 2003.
53
“If visitors can ‘see’ the extent of the MUD, they might be more inclined to explore it”.
54
“Much of this change is unplanned, the creative outcome of individual actions resulting in an evolving,
organic structure”.
112
visão de satélite de AlphaWorlds (Active Worlds) sobre o programa do céu imaginário
de LambdaMOO?
Talvez a tentativa mais interessante de se mapear um MUD tenha sido a de
Michael Kearns, Charles Lee Isbell Jr. e seus colegas, em um projeto de pesquisa sobre
inteligência artificial nos laboratórios da empresa americana AT&T. Os pesquisadores
criaram um agente, chamado Cobot,
55
que “vive” em LambdaMOO desde junho de
1999. Cobot observa as interações sociais entre os jogadores e mostra as complexas
conexões sociais entre todos os habitantes de LambdaMOO baseado em seus
intercâmbios verbais e não-verbais. Um mapa social é uma estrutura em constante
transformação, que não mapeia o espaço do MOO, mas suas redes sociais
. A
necessidade de se visualizar e mapear o ambiente evidenciou a ineficiência de MUDs
como projeções de espaços do imaginário.
55
Mais sobre Cobot pode ser achado em: http://cobot.research.att.com. Acesso em: 17 dez. 2003.
113
4.
ARTE, INTERFACES GRÁFICAS E ESPAÇOS VIRTUAIS: ESTUDOS DE CASO
4.1. Arte e mundos virtuais
Há uma forte conexão entre processos artísticos e espaços do imaginário. Talvez
seja ingênuo lembrar que artistas sempre tentaram representar espaços imaginados,
expressando uma visão particular do mundo. Essa representação do mundo através da
arte foi uma das principais razões para a “matematização” do espaço terrestre e,
posteriormente, do espaço celeste, levando à unificação de ambos, conforme
exemplificado no capítulo 1. Por um lado, a arte algumas vezes conduz a
desenvolvimentos científicos inesperados. Por outro lado, artistas usam a tecnologia
existente para desafiar seus limites, antevendo novos desenvolvimentos para as
interfaces em uso. Principalmente após o aparecimento das tecnologias digitais, é cada
vez mais evidente que artistas indagam sobre a relação entre espaços físicos e virtuais,
assim como exploram a mudança de nossa percepção do espaço através do uso de
diversas interfaces físicas. No entanto, ao olhar para o passado, para o início de uma
época em que se desenvolvia arte com tecnologias de telecomunicação, também
conhecida como arte da telepresença, é possível perceber o desejo de se conectar
espaços físicos e virtuais já muito antes do aparecimento de tecnologias nômades de
comunicação. O surgimento – e repentina ubiqüidade – da Internet e da realidade virtual
freqüentemente escondeu tais tendências, evidenciando a expansão de um mundo
virtual, o ciberespaço, desenvolvido fora do espaço físico.
Curiosamente, há poucas experiências artísticas que exploram MUDs ou mundos
virtuais. Existem muitos exemplos de mundos virtuais comerciais, como o
anteriormente citado AlphaWorld, além de MOOs desenvolvidos por universidades com
fins educativos, como os criados por Amy Bruckman no Georgia Tech.
1
Talvez a
principal razão para essa lacuna na exploração artística de ambientes de multiusuários
esteja conectada ao fato de que tais espaços são originalmente descendentes de jogos. E
jogos não são, normalmente, considerados como arte. Entretanto, a tecnologia de jogos
1
Conferir http://www.cc.gatech.edu/~asb/ para uma lista completa de projetos de Amy Bruckman.
Acesso em: 17 dez. 2003.
114
eletrônicos inspirou alguns artistas que tentaram adaptá-la para a criação de
experiências estéticas.
A tecnologia de videogames influenciou o desenvolvimento de muitos mundos
virtuais, mas apenas alguns foram trazidos para a Internet. Esses mundos virtuais
herdaram dos primeiros sistemas de realidade virtual a necessidade de se utilizar um
capacete de realidade virtual (HMD) e outras interfaces físicas, tais como a luva de
dados. Alguns exemplos artísticos desses ambientes são Osmose (1995) e Ephémère
(1998), de Char Davies
2
e Placeholder (1992), de Brenda Laurel e Rachel Strickland.
3
Um dos focos deste capítulo são os ambientes gráficos de multiusuários,
4
visto
que tais ambientes foram considerados como sucessores dos MUDs textuais. Este
capítulo é dividido em duas partes. A primeira concentra-se em experiências artísticas,
incluindo ambientes gráficos de multiusuários e na relação entre a arte e os jogos. A
segunda parte procura achar na arte o caminho regresso para a conexão entre os espaços
físicos e virtuais. Aqui, uma rápida análise do início da arte da telepresença nos ajudará
a entender que o desejo de conectar indivíduos através de longas distâncias e de
misturar o virtual ao físico é muito mais antigo do que o “ciberespaço”.
4.1.1. Quando o jogo encontra a arte
Apesar de não ser originalmente um ambiente on-line, Imateriais é um exemplo
singular de experiência artística com o objetivo de criar um mundo virtual 3D através da
tecnologia de jogos. O ambiente foi idealizado por Jesus de Paula Assis, Ricardo
Ribemboim, Celso Favaretto, Ricardo Anderáos e Roberto Moreira para a exposição do
Itaú Cultural que aconteceu em São Paulo em 1999. Tal qual outros jogos gráficos de
multiusuários na Internet, como EverQuest
5
ou Ultima Online,
6
Imateriais tem um
espaço fixo onde o jogo se desenvolve, que é determinado pelo designer do jogo. No
entanto, diferentemente dos jogos de aventura, Imateriais levanta questões teóricas
2
Informação disponível em: http://www.immersence.com. Acesso em: 17 dez. 2003.
3
Informação disponível em: http://www.tauzero.com/Brenda_Laurel/Placeholder/Placeholder.html.
Acesso em: 17 dez. 2003.
4
Uso aqui o termo ‘ambientes gráficos de multiusuários , em vez de ‘mundos virtuais’, como empregado
por Dodge e Kitchin (2001), porque mundos virtuais também podem ser experiências singulares e off-
line.
5
Disponível em: http://www.everquest.com. Acesso em: 10 jan. 2003.
6
Disponível em: http://www.ultimaonline.com. Acesso em: 10 jan. 2003.
115
como a relação entre o físico, o virtual e a materialidade dentro de um ambiente de
multiusuários. Além disso, o ambiente conecta os jogos e a arte de um modo inovador.
Naquela época, os autores enfatizaram o pioneirismo do uso da tecnologia de
videogame para desenvolver um ambiente que não era um jogo, pois prescindia da
competição entre jogadores. A não-competição é exatamente o que define um MUD
Social. Durante a exposição, os autores observaram a reclamação constante das crianças
em relação à ausência de alvos que pudessem matar, como nos jogos tradicionais.
Reclamação semelhante também foi ouvida por Char Davies ao exibir Osmose e
Ephémère. De qualquer forma, construir um jogo de extermínio não era o objetivo de
Imateriais.
Com a intenção de discutir o atual estado do virtual e sua relação com a
materialidade, o Instituto Itaú Cultural desenvolveu uma exposição de arte midiática
com o mesmo nome: Imateriais. O objetivo era re-editar Les Immatèriaux, a exposição
francesa que ocorrera em 1985, no Centro Georges Pompidou, mas agora em um meio
digital. Imateriais é um exemplo de como ambientes de multiusuários foram
considerados espaços (virtuais) e como seus autores desafiaram algumas questões
fundamentais relacionadas a tais ambientes.
O mundo virtual é um ambiente de multiusuários em 3D que explora a relação
entre ver e sentir. Mundos virtuais tridimensionais são espaços visuais, pelos quais os
usuários podem caminhar. As principais interfaces utilizadas para a conexão com tais
lugares são monitores, teclados, mice e, algumas vezes, capacetes de realidade virtual.
Assim, geralmente não há o uso de outros sentidos além da visão. Imateriais desafiou
tal pressuposto, ao criar diversas salas interconectadas, cujos temas eram os cinco
sentidos: paladar, tato, olfato, audição e visão. O objetivo, de acordo com os autores, era
estudar o “impacto de sensações simuladas sobre um corpo simulado”.
7
7
Imateriais em meio virtual. CD-ROM Imateriais (1999).
116
Figuras 13 e 14: A interface gráfica de Imateriais.
Para imergir no mundo virtual, o visitante deveria, em primeiro lugar, passear
pela exposição, cuja finalidade era estimular os sentidos. Por exemplo, havia uma sala
com diversos odores tão diferentes quanto um consultório de dentista ou uma casa
limpa. Havia outra sala com pequenas bolinhas comestíveis de sabores estranhos, além
de outra sala com orifícios através dos quais o visitante poderia introduzir a mão e sentir
o que havia do outro lado. Após toda essa estimulação de sentidos, o visitante
finalmente chegava ao ambiente tridimensional.
Antes de entrar no mundo, porém, cada participante deveria tirar uma fotografia
de seu rosto, a qual seria usada como a face do avatar. Mais uma vez, questões
tradicionais de identidade em mundos virtuais eram provocadas. Os ambientes de
multiusuários foram amplamente estudados como espaços de liberdade, principalmente
porque não havia a necessidade de se identificar e o usuário poderia escolher tantas
identidades quanto quisesse. Em Imateriais, o usuário não podia esconder sua
identidade, pois a fotografia proporcionava uma pista óbvia. O contexto da exposição
criava uma situação ainda mais irônica, pois era possível estar visitando o show com um
amigo (no espaço físico) e, subitamente, encontrá-lo (no espaço virtual). Era possível
saber com quem se estava conversando, mas seu rosto não passaria de uma fotografia
estática.
Os participantes do ambiente de multiusuários podiam conversar uns com os
outros. O som era também localizado espacialmente, o que significava que, se alguém
gritasse, sua voz seria audível mesmo para aqueles que não se encontrassem na mesma
sala. Alguns visitantes contaram que, para encontrar alguém no mundo virtual,
simplesmente gritavam seu nome e perguntavam: “Fulano, onde está você?” O cômico
dessa situação, no entanto, é que o ambiente criava um duplo sentido de espaço, pois o
117
sujeito sendo procurado no mundo virtual poderia estar bem ao seu lado no mundo
físico. Apesar de o avatar possuir uma perspectiva de primeira pessoa, os usuários
podiam ver seu reflexo nos diversos espelhos distribuídos pelo ambiente. Tais espelhos
também funcionavam como amplificadores e duplicadores do espaço, uma vez que ao
aproximar-se de um espelho, tinha-se a sensação de estar encontrando um outro alguém.
Após alguns instantes, descobria-se que a pessoa “do outro lado” era apenas um reflexo
de si próprio.
Outra questão importante em Imateriais, de acordo com os autores, era mostrar
ao visitante que as bordas entre o material e o imaterial estão mais fluidas, porém,
evitando “(1) o otimismo de “tecno-utópicos” (o virtual é preferível ao real para as
relações humanas(...); (2) o pessimismo dos neoluditas (o virtual é o fim das relações
físicas interpessoais (...)”.
8
O que é mais importante, porém, é que Imateriais procurava
levar sensações físicas para o espaço virtual. Numa época em que a maioria dos
designers de mundos virtuais estava preocupada apenas com o espaço virtual em si, os
autores de Imateriais investigavam possíveis conexões entre o físico e o virtual. O
“mundo virtual físico” recebeu mais de doze mil visitantes em um mês e permitia que
25 pessoas pudessem interagir simultaneamente.
A exposição virtual de Imateriais pôde ser visitada na Internet desde a abertura
do show em São Paulo, em agosto de 1999, até maio de 2000. Na Internet, alguns
aspectos do ambiente não puderam ser experimentados de modo completo. O mundo
ainda era de multiusuário, incluindo até 32 usuários ao mesmo tempo. No entanto, os
habitantes não podiam usar a voz para conversar uns com os outros e apenas podiam
escolher avatares pré-definidos, como geralmente acontece em mundos virtuais. O
corpo do avatar era sempre o mesmo, porém, era possível escolher entre uma gama de
olhos, narizes, bocas ou mesmo decidir usar a própria fotografia como o rosto do avatar.
O Instituto Itaú Cultural também lançou uma versão em CD do mundo, parecida com a
versão na Internet, com exceção da característica de multiusuário.
Imateriais foi re-exibido, em 2001, no Museu da Imagem e do Som em São
Paulo. Em 2003, o Itaú Cultural desenvolveu uma nova exposição sobre a história dos
jogos eletrônicos, Game o quê?, na qual o mundo 3D era uma das atrações. Apesar de
Imateriais não ser um jogo de aventura, os autores foram inspirados pela história dos
8
Imateriais em meio virtual. CD-ROM Imateriais (1999)
118
jogos eletrônicos de ação. O estudo de como as interfaces desses jogos evoluíram ao
longo de 30 anos de história facilita a compreensão de como os ambientes de
multiusuários se tornaram lugares gráficos.
Os primeiros videogames invariavelmente incluíam luta, guerra e tiros. Com o
desenvolvimento de interfaces gráficas, alguns deles se modificaram para incluir outros
temas, como jogos de RPG. No entanto, a forte associação com jogos de ação muitas
vezes impediu os jogos de se misturarem com a arte. Considerado o primeiro
videogame, Spacewar!, criado em 1961 no MIT, era composto de pontos
monocromáticos que simulavam um ambiente de espaço sideral. Além de ser o primeiro
jogo eletrônico, era também a primeira simulação computacional a incluir uma
representação gráfica. Onze anos mais tarde, em 1972, Pong foi o primeiro videogame
com distribuição comercial, podendo ser comprado e jogado em casa. Pong foi
inspirado no osciloscópio, um instrumento eletrônico que permite a observação de sinais
elétricos em tubos de raios catódicos, como a TV e as telas de computadores. No Brasil,
foi comercializado com o nome de Telejogo Philco, em 1974, conta Jesus de Paula
Assis.
9
Pong era uma quadra de tênis estilizada. Dois botões controlavam o movimento
de duas barras, com as quais o usuário podia amparar uma bola. O objetivo do jogo era
jogar a bola no campo do adversário, esperando que o outro não conseguisse retorná-la.
Os videogames continuaram a se desenvolver, até que Pac-Man foi lançando em 1980.
Curiosamente, a finalidade do jogo desenvolvido por Moru Iwatani era criar uma
experiência diferente da tradicional ‘atirar/matar’ e um jogo que se parecesse mais com
um desenho animado do que com um videogame. Além disso, Pac-Man criou um
labirinto como o espaço do jogo, que consistia em uma cabeça ambulante que se movia
através do labirinto, comendo pontos e fugindo dos fantasmas que tentavam impedi-la
de explorar o labirinto. A interface do DOS migrou mais tarde para os sistemas
operacionais Windows e Macintosh, sendo encarada como o protótipo do que é hoje
entendido como videogame “clássico”.
Essa história mudou substancialmente por volta de 1992, quando dois eventos
aconteceram simultaneamente: os computadores pessoais se tornaram mais acessíveis e
o jogo do atirador em primeira pessoa, Wolfenstein 3D, foi lançado pela ID Software.
Esse jogo com interface gráfica tridimensional rapidamente excedeu em popularidade o
9
Breve história dos jogos de ação. CD-ROM Imateriais (1999).
119
mais conhecido jogo de DOS daquele tempo, Prince of Persia. Wolfenstein 3D era,
originalmente, um jogo de tabuleiro e a versão eletrônica foi modelada de acordo com
um labirinto em seis aventuras, cada uma das quais com nove níveis de dificuldade. Nos
dois anos seguintes, videogames semelhantes foram criados, como Commander Keen e
Ken’s Labyrinth. A estrutura labiríntica é um dos principais elos entre os jogos de ação
e os jogos de RPG de aventura.
Em 1994, acontece outro passo importante na história dos jogos de ação. Após o
sucesso de Doom, a ID Software lança Doom II. A história é similar a do primeiro
Doom: um jogador solitário está de volta a Terra e encontra o planeta infestado de
alienígenas extraterrestres. O jogador é, então, compelido a lutar contra os inimigos
usando diversos tipos de armas e passando por diferentes níveis de dificuldades. Doom
II melhorou a interface de Wolfenstein 3D, incluindo gráficos mais realísticos. As
sombras eram mais perfeitas, os jogadores de fato “andavam” em vez de deslizarem
pelo chão, e podiam também subir e descer escadas em prédios com vários andares. Os
níveis em Wolfenstein 3D tinham apenas uma camada, o que significa que, apesar de o
representar um ambiente em três dimensões, era apenas possível se mover em duas
direções: esquerda/direita e para frente e para trás. Não se podia pular ou subir escadas.
No entanto, além de todos os fatores acima mencionados, a inovação mais
importante de Doom foi a criação do ambiente de multiusuários. Até quatro jogadores
podiam dividir o espaço do jogo através da Internet ou em uma rede local, podendo,
então, lutar uns contra os outros ou jutar-se contra monstros que certamente
apareceriam. Mais tarde surgiram outros jogos mais avançados graficamente, mas que
seguiam o mesmo estilo, como Quake. Todos eles possuíam duas características em
comum: a regra “veja e atire” e o espaço labiríntico.
Andar através de labirintos é uma característica comum da história dos jogos em
geral e também pertence aos jogos de RPG e MUDs. Por outro lado, a regra “veja e
atire” foi abolida dos jogos de RPG desde o início. Apesar de os jogadores poderem, às
vezes, lutar uns contra os outros, este não era o principal objetivo do jogo. Além disso,
os MUDs Sociais eliminaram completamente a parte de “aventura” do jogo. Seria
ingênuo afirmar que os jogos necessariamente “evoluem” de ambientes de ação para
espaços sociais. É evidente que a característica de multiusuário transforma o ambiente
do jogo em uma experiência mais “social” – em oposição ao ato solitário de jogar. De
120
qualquer forma, esse espaço lúdico de encontros pode ser usado tanto como um
ambiente de conversação, como para seguir a uma aventura ou mesmo para matar
inimigos.
A associação com tiros e matança também contribuiu para a visão dos jogos
como incompatíveis com a arte. Por outro lado, o desenvolvimento de jogos
computacionais é sempre uma questão de se criar ficção e mundos de fantasia,
experiências muito próximas ao trabalho artístico. A edição de 2001 do Prix Ars
Electronica
10
expandiu a categoria ‘Internet’ em dois grupos distintos: Net Vision e Net
Excellence. Ars Electronica é a mais importante competição artística européia e é
significante que o prêmio Golden Nica na categoria Net Vision tenha sido dado a
Banja,
11
um jogo gráfico de multiusuários on-line.
12
Além disso, o segundo trabalho
indicado nesta categoria foi também um jogo: Phantasy Star Online.
13
Entre as
menções honrosas em Net Excellence, é possível também encontrar Austropolis, um
jogo on-line de simulação política, Netbabyworld,
14
um jogo para crianças na Internet, e
Fudkedcompany,
15
igualmente um jogo on-line programado em HTML, com um
website comum.
Dentre esses cinco tipos de jogos, apenas Phantasy Star Online explora uma
interface tridimensional, possuindo algumas semelhanças com jogos tipo “veja e mate”.
Banja, Netbabyworld e Austropoliso ambientes sociais com interfaces
bidimensionais, enquanto Fuckedcompany é um website em HTML com aspectos
políticos. Tais jogos se assemelham aos MUDs porque se configuram como ambientes
sociais dentro de um mundo de jogos.
É notável que o catálogo do Prix Ars Electronica em 2001 apresente Phantasy
Star Online como uma tendência em direção à convergência da Internet e do mundo dos
jogos. Além disso, os editores sugerem que “o mundo dos jogos está absorvendo os
impulsos da Internet: baseando-se em conceitos como colaboração e comunidade, a
10
Disponível em: http://www.aec.at. Acesso em: 17 dez. 2003.
11
Banja também ganhou o EuroPrix 2001, na categoria Ficção e Histórias Interativas.
12
Disponível em: http://www.banja.com. Acesso em: 11 jan. 2004.
13
Disponível em: http://score.sega.com/games/phantasystaronline/dc/opening.shtml. Acesso em: 11 jan.
2004.
14
Disponível em: http://www.netbabyworld.com. Acesso em: 11 jan. 2004.
15
Disponível em: http://www.fuckedcompany.com/. Acesso em: 11 jan. 2004.
121
dimensão dos jogos em rede está, de fato, aumentando assustadoramente”.
16
(LEOPOLDSEDER; SCHÖPF, 2001, p.20) Tal declaração é parcialmente verdadeira.
Apesar de a Internet ter certamente ampliado o significado de ‘comunidade’, permitindo
que um grande número de pessoas se encontrasse sem a necessidade de compartilhar a
mesma localização geográfica, os jogos de RPG, mesmo fora do mundo digital, já eram
baseados em sociabilidade. A novidade, no entanto, é admitir que o mundo dos jogos
pode de fato se misturar ao da arte. “Phantasy Star Online é particularmente admirável
devido à sua interface gráfica luminosa, de outros mundos, que alude a temas de
tecnologia de ponta, ficção cientifica e mundos de fantasia, onde o entretenimento se
mistura com a arte”,
17
assinalam os editores. (Id.) Mesmo assim,o existem muitas
iniciativas que combinam jogos, arte, comunidades, Internet e interfaces
tridimensionais.
As interfaces gráficas tridimensionais possuem algumas características
peculiares relacionadas à representação de ambientes virtuais em rede. Em primeiro
lugar, elas criam um espaço desdobrado, permitindo ao usuário uma visão global do
ambiente virtual. Tal atributo é um tanto paradoxal, se pensarmos que a WWW cresceu
baseada em uma estrutura hipertextual que representa uma visão fragmentada do
espaço, como um mapa dobrado do qual não podemos ver além das dobras (ou do link).
Além do mais, ao habitar um dos nós da rede, é somente possível visualizar outros nós,
mas nunca as bordas. É, portanto, impossível de se traçar um mapa.
Durante o reinado do ciberespaço, na década de 90, acreditava-se que a
integração com o ambiente seria reforçada com a adição de uma outra dimensão às duas
da tela, criando um ambiente tridimensional. De acordo com Dodge e Kitchin (op cit.,
p.195), os mundos gráficos “são talvez a forma mais próxima de interação on-line dos
mundos compartilhados e imersivos de realidade virtual imaginados por escritores
ciberpunks”.
18
A principal diferença desses ambientes para os ambientes bidimensionais
é que a profundidade não é apenas sugerida, mas visível.
16
“The gaming world is picking up impulses from the Net: based on concepts of collaboration and
community, the dimension of networked playing is, indeed, looming large”.
17
Phantasy Star Online is particularly striking because of its luminous, other-worldly graphical
surface, utilizing themes from high tech, science fiction and fantasy worlds, where entertainment merges
into art”.
18
“Are perhaps the closest form of online interaction to the shared, immersive VR worlds envisaged by
cyberpunk writers”.
122
Um exemplo de mundo virtual artístico em três dimensões foi desenvolvido por
Gilbertto Prado, em 2000. Desertesejo
19
representa uma das poucas iniciativas artísticas
para a criação de mundos virtuais na Internet, cujo objetivo não é somar pontos, mas
socializar. Além disso, o principal fim do ambiente é perceber e sentir o espaço virtual,
criando uma experiência onírica e estética.
Uma possível razão para a quase total ausência de ambientes artísticos de
multiusuários está relacionada ao tempo requerido para se participar em tais ambientes.
“Criar uma comunidade” não significa apenas desenhar o espaço; também não significa
desenhar seus habitantes. Interfaces devem ser desenhadas para representar
comunidades já existentes (como as visualizações de listas de discussão e Usenet
propostas por Donath), ou então deve haver uma forte razão para os usuários se
encontrarem (como jogar um jogo, ou construir um lugar). Mesmo assim, participar de
uma comunidade virtual demanda muito tempo. Sherry Turkle (1995) já demonstrou
esse fato escrevendo sobre indivíduos que passavam mais tempo nessas comunidades
virtuais do que fora delas.
Preocupada com o tempo gasto em mundos virtuais e com a progressiva
ausência de tempo no mundo contemporâneo, em 2001 a artista midiática Victoria
Vesna criou n0time,
20
uma comunidade virtual dedicada ao tempo que nenhum de nós
tem. Vesna começou a perceber que dispomos de cada vez menos tempo em nossas
vidas diárias, principalmente devido ao desenvolvimento de várias tarefas ao mesmo
tempo (multitasking), ação possibilitada pelas novas tecnologias. A conexão constante e
o desaparecimento das fronteiras entre as vidas profissional e pessoal, em vez de
criarem a prometida flexibilidade de compromissos e de nos fazer “ganhar” tempo,
funcionam exatamente ao contrário do esperado.
Em n0time, o usuário cria um corpo virtual em poucos passos, mas, obviamente,
não tem tempo para dar atenção a esse corpo. O corpo, então, cresce espontaneamente
na Internet e, quando atinge um tamanho determinado, explode, começando novamente.
Um outro aspecto interessante do projeto é explorar o conceito do que significa um
‘corpo virtual’. O trabalho anterior de Vesna, Bodies Inc.,
21
convidava o usuário a criar
um corpo on-line em VRML, constituído de uma combinação de diferentes tipos de
19
Disponível em: http://www.itaucultural.org.br/desertesejo/home.htm. Acesso em: 24 jan. 2004.
20
Disponível em: http://notime.arts.ucla.edu. Acesso em: 17 dez. 2001.
21
Disponível em: http://bodiesinc.ucla.edu. Acesso em: 17 dez. 2001.
123
cabeças, torsos, braços e pernas, com texturas, tamanhos, sexo e sons personalizados.
Era um avatar que se parecia com um ser humano. n0time desconstrói esse avatar
antropomórfico em um tetraedro composto por conceitos e intervalos. A idéia por trás
do novo corpo virtual é a mesma que também suporta a construção de espaços virtuais:
por que imitar o corpo físico, se o corpo virtual pode assumir qualquer forma?
Além disso, n0time não era apenas uma “comunidade virtual”; o trabalho foi
mostrado como uma instalação física em diversos lugares, incluindo o Instituto de Arte
de São Francisco, o Museu de Arte de Oklahoma e o Colégio de Atlanta de Arte e
Design. A instalação explorava a interação entre espaços físicos e digitais ao permitir
que os visitantes nos museus influenciassem e modificassem os corpos virtuais. Os
visitantes que andavam pela instalação provocavam a réplica dos intervalos do corpo.
Conceitos, então, poderiam ser adicionados ao corpo, mas apenas por aqueles
convidados pelo dono do corpo. Os convites poderiam ser feitos via e-mail e os
conceitos poderiam ser adicionados on-line ou no próprio local da instalação. n0time é
um exemplo de como os espaços digitais podem interagir com os espaços físicos; uma
tendência que apenas aumenta com o aparecimento de tecnologias nômades de
comunicação.
Em uma visão superficial, parece que a interconexão entre os espaços físicos e
digitais é novidade. A Internet tornou-se tão presente em nossa sociedade que há quase
uma amnésia cultural em relação à arte das telecomunicações que precedeu a WWW e
que já explorava tais questões. No entanto, existem diversas experiências artísticas que
abordam a relação entre o físico e o virtual utilizando tecnologias de telecomunicação,
como satélites e câmeras de vídeo, desde o início dos anos 70. A maioria desses
trabalhos, que geralmente incluíam performances e redes sociais com o objetivo de
mostrar que as distâncias geográficas poderiam ser abolidas por meio da tecnologia,
antecipou as interações que posteriormente aconteceriam na WWW. A principal
diferença entre as explorações artísticas de comunicação na Internet e os trabalhos de
telepresença se deve ao fato de que as primeiras necessariamente aconteciam no
“ciberespaço”, enquanto que as últimas ocorriam em espaços físicos. Em todos esses
trabalhos, a idéia era tornar o distante próximo, além de interagir com entidades
ausentes “como se elas estivessem aqui”. O objetivo da telepresença é criar uma rede
124
comunicacional que pode ser considerada ‘virtual’ porque não acontece em nenhum
lugar específico, “entre” o aqui e o lá.
4.2. Telepresença e espaços virtuais
Artistas como Kit Galloway e Sherrie Rabinowits, Douglas Davis, Keith Sonnier
e Roy Ascott, entre outros, são considerados pioneiros na exploração da arte da
telepresença. Lars Rosenberg (Apud WILSON, 2002, p.527), no periódico
Telepresença, define o termo em contraste à realidade virtual: “Muito semelhante à
realidade virtual, através da qual buscamos alcançar a ilusão de presença dentro de uma
simulação computacional, a telepresença procura alcançar a ilusão de presença em uma
localidade distante”.
22
Nesse sentido, telepresença é a habilidade de se modificar a
percepção do espaço: não o espaço virtual longínquo, mas o espaço físico em que se
habita.
É possível distinguir a telepresença de seus correlatos telemática e telerobótica,
argumentando que a telepresença utiliza tecnologias de telecomunicação em geral,
como telefones, satélites ou videofones, para alcançar a sensação de presença à
distância. Stephen Wilson (op. cit., p.526) assinala que “alguns dos primeiros
observadores do telefone ficavam tão abismados com a presença artificial promovida
pela voz descorporificada, que corriam assustados do quarto”.
23
Nesse sentido, o termo
‘telepresença’ precede as tecnologias digitais e as redes computacionais. A telemática
combina a telepresença com computadores e foi um importante campo de exploração
artística após o surgimento da WWW. O termo em si foi cunhado em 1978 e Roy Ascott
foi o primeiro teórico a aplicá-lo à arte, em 1979. Finalmente, a telerobótica combina a
telemática às estruturas robóticas, ocorrendo toda vez que se possa estar presente
através da incorporação em um robô. Um dos exemplos mais famosos de arte
telerobótica é o Telegarden, de Ken Goldberg (1995), consistindo em uma estrutura
robótica que planta sementes e rega plantas em um mini-jardim, manipulável através de
usuários na Internet.
22
“Very similar to virtual reality, in which we strive to achieve the illusion of presence within a computer
simulation, telepresence strives to achieve the illusion of presence at a remote location”.
23
“Some earlier observers of the telephone were so unnerved by the unnatural presence afforded by the
disembodied voice that they ran frightened from the room”.
125
As tecnologias de telecomunicação já eram exploradas artisticamente na
construção de redes sociais, combinando espaços físicos e virtuais, muito antes do
fenômeno das tecnologias nômades. A utopia de se criar “novos mundos” na Internet
temporariamente obscureceu tais experimentos. No entanto, as tecnologias móveis de
comunicação são hoje responsáveis pela criação de um espaço híbrido que sobrepõe o
digital ao físico através da mobilidade
.
Steve Dietz (2001), curador da exposição itinerante Conexões Telemáticas,
ocorrida em 2001,
24
sugere que o primeiro instrumento de telepresença foi o telégrafo
sincrônico criado pelo grego Enéas por volta do ano 350 d.C. Posteriormente, o
telégrafo moderno tinha a capacidade de transmitir mensagens através de grandes
distâncias, acelerando substancialmente o tempo necessário para transmissão de
informação, sendo a primeira tecnologia avançada de telecomunicação que alterou
drasticamente a percepção do tempo e do espaço. Em dezembro de 1868, em um
banquete em Nova Iorque em sua homenagem, Samuel Morse, um dos inventores do
telégrafo elétrico, foi brindado por ter “aniquilado o espaço e o tempo na transmissão da
inteligência”.
25
(STANDAGE, 1999, p.90)
4.2.1. Experiências artísticas pioneiras usando os telefones como interfaces
Após o telégrafo, veio o telefone, e após o telefone, a televisão, os satélites, as
máquinas de fax, as câmeras de vídeo e os videofones. Bem no início de seu
desenvolvimento, alguns artistas começaram a empregar alguns meios de
telecomunicação para a criação de novos projetos. Considerado um dos primeiros a
explorar telepresença, Lázlo Moholy-Nagy utilizou o telefone para encomendar pinturas
em porcelana. O próprio artista descreve a situação:
“Em 1922, eu encomendei de uma fábrica de sinais por telefone cinco pinturas em porcelana
esmaltada. Eu tinha a tabela de cores da fábrica na minha frente e esbocei minhas pinturas em
papel (quadriculado). Do outro lado da linha telefônica, o supervisor da fábrica tinha o mesmo
tipo de papel, no qual ele desenhava as formas na posição correta em que eu ditava. (Era como
jogar xadrez por correspondência) Uma das pinturas foi entregue em três tamanhos diferentes, de
24
Disponível em: http://telematic.walkerart.org/. Acesso em: 12 jan. 2004.
25
“Annihilated both space and time in the transmission of intelligence”.
126
forma que eu pudesse estudar a sutileza das diferenças em cores causadas pela ampliação e
redução da pintura”.
26
(MOHOLY-NAGY Apud KAC, 1997)
Eduardo Kac sugere que ninguém sabe ao certo se a história de Moholy-Nagy é
verdadeira, pois sua mulher afirmou que, na verdade, ela encomendou as pinturas
pessoalmente. No entanto, essa descrição é importante porque evidencia a idéia de que o
artista moderno pode estar subjetivamente distante e pessoalmente ausente da obra.
Stephen Wilson (op. cit., p.489) entretanto, argumenta que o telefone nunca foi
usado por artistas com muito entusiasmo. Uma das razões para tal indiferença pode estar
ligada ao fato de que o telefone sempre foi visto como uma tecnologia “inferior”,
devido à ausência de imagens. Como as práticas tradicionais artísticas sempre foram
prioritariamente visuais, um meio que apenas permitia a transmissão de voz careceria de
algo, necessariamente. Algum tempo depois, com o surgimento da televisão e do vídeo,
o telefone foi rapidamente esquecido como ferramenta artística. Mesmo antes, o rádio já
oferecia a possibilidade de transmissão para muitos (broadcast), ao passo que o telefone
era apenas um meio de comunicação bilateral.
Wilson (Id.) argumenta que “dada a riqueza simbólica e cultural do telefone, é
estranho que artistas não tenham feito mais com a tecnologia”.
27
Provavelmente isso
ocorreu porque os artistas não puderam prever o poder do telefone como uma nova
tecnologia estética. Exemplo de tal fato ocorreu em 1969, quando o Museu de Arte
Contemporânea de Chicago organizou uma exposição chamada Arte por Telefone.
Semelhante ao experimento de Moholy-Nagy, 36 artistas foram convidados a fazer uma
ligação telefônica para o museu e dar instruções aos funcionários acerca de sua obra. O
museu, então, produziu os trabalhos e os expôs. O teste da possibilidade de criação
remota pode ser considerado o primeiro uso do telefone para a produção de arte. Em
todo caso, o telefone não foi explorado como um meio criativo, sendo apenas utilizado,
na maioria das obras, como uma interface remota para a produção de algo que poderia
ter sido feito, por exemplo, se o artista fosse ao museu e conversasse com o curador.
26
KAC, Eduardo. Aspectos da estética das telecomunicações. In: RECTOR, Mônica; NEIVA, Eduardo
(eds.). Comunicação na Era Pós-Moderna. Petrópolis : Editora Vozes, 1997. p. 175-199. Disponível
em: http://www.ekac.org/telecomport.html
. Acesso em: 12 jan. 2004.
27
“Given the symbolic and cultural richness of the telephone, it is strange that artists have not done more
with the technology”.
127
Trabalhos mais recentes que utilizam o telefone incluem as obras desenvolvidas
pelo Disembodied Art Gallery,
28
um grupo britânico que explora a arte conceitual e da
telecomunicação. Por exemplo, em dezembro de 1996, o grupo criou The Answering-
Machine Solution C.D., uma ampla coleção de faixas de 30 segundos que poderiam ser
usadas como mensagens em secretárias eletrônicas. Dentro desse contexto, é
interessante perceber que a idéia por trás da maioria dos projetos artísticos que utilizam
o telefone não é tanto explorar a comunicação sincrônica, mas investigar as
conseqüências da presença gravada ou da voz como uma presença passada. A voz
tornou-se sinônimo de presença com a invenção do telefone, mas essa presença sonora
foi substituída por imagens, tão logo a televisão chegou. A televisão, entretanto, é um
meio de transmissão um-muitos, não permitindo comunicação bilateral.
O desenvolvimento dos videofones procurou combinar a comunicação bilateral
instantânea, que pertencia ao telefone, com as imagens utilizadas pela TV. A falha dos
videofones, contudo, está paradoxalmente conectada ao que era considerada sua maior
vantagem: o emprego de imagens. Gilbertto Prado
29
sugere que os videofones não
foram integrados à vida cotidiana porque requeriam muita preparação estética por parte
do usuário. Porque o aparelho não transmitia apenas a voz, mas era também capaz de
enviar imagens, usuários se preocupavam demais com sua aparência ao telefone. A
preocupação estética não era restrita apenas ao interlocutor, mas influenciava também a
preparação do ambiente ao redor do aparelho: salas especialmente decoradas foram
criadas para acomodar o videofone e impedir que o usuário fosse tomado de surpresa
por uma ligação inesperada. Prado também sugere que a Internet legitimou essa
desejada distância do sujeito físico, ao representar os usuários através de avatares,
fazendo com que os participantes de chats, por exemplo, se sentissem mais à vontade ao
lidar com desconhecidos, sem a necessidade de se identificar. Hoje, esse paradigma
muda. Há um aumento do número de webcams em chats na Internet, além do
aparecimento de telefones celulares equipados com câmeras que permitem o envio
instantâneo de fotografias e vídeos. Será que a familiaridade com esse tipo de tecnologia
transformará a relação entre a comunicação interpessoal e a transmissão de imagens?
28
Disponível em: http://www.dismbody.demon.co.uk/home.html Acesso em: 17 dez. 2003.
29
Em entrevista à autora. (22 mar. 2003)
128
Paradoxalmente, exatamente devido à ausência de imagens, o telefone surgiu
como o meio virtual e descorporificado por excelência. Segundo Stephen Wilson (2002,
p.489),
“A erradicação da distância entre vozes é também a raison d’être do telefone; é a tentativa de se
instalar um completo vácuo, um espaço sem distância, um espaço absoluto em que corpos, sendo
coisas volumosas, não podem ocupar, mas pelo qual vozes descorporificadas podem viajar”.
30
Sob essa perspectiva, o telefone é também um importante meio virtual.
Stephen Wilson também desenvolveu um projeto artístico que utilizava o
telefone, chamado Is Anyone There? (1992), que durou uma semana, em São Francisco
(EUA). No projeto, cinco telefones públicos, conectados a aparelhos de telemarketing,
tocavam nas ruas a cada hora, com o objetivo de envolver qualquer um que atendesse ao
telefone em uma conversa sobre a vida na cidade. As conversas eram, então,
digitalizadas, gravadas e acessíveis posteriormente através de uma instalação que
incluía um banco de dados das chamadas. O objetivo de Wilson era analisar possíveis
diálogos entre computadores e seres humanos, semelhante ao que já ocorrera na Internet
com os agentes Eliza ou Julia, que habitavam ambientes de conversação.
Se é possível perceber quase que uma falta de interesse de artistas ao usar
telefones em seus trabalhos, o mesmo não pode ser aplicado aos satélites e ao vídeo
como meios de telepresença. Há uma longa história sobre a utilização de tais meios para
fins artísticos, desde a década de 70. Tais obras podem ser encaradas como as primeiras
tentativas de criação de um espaço híbrido, muito antes do telefone celular.
4.2.2. Vídeo, satélites e telepresença
O ano de 1977 foi crucial para a arte da telepresença. Foi quando o Documenta
6,
31
uma exposição de arte ocorrida em Kassel, na Alemanha, mostrou a primeira
transmissão ao vivo via satélite feita por artistas. Performances de Nam June Paik,
Joseph Beuys e Douglas Davis foram transmitidas para mais de 25 países. Paik e Beuys
transmitiram de Kassel, mas Douglas Davis fez sua performance de Caracas, na
30
“The eradication of distance between voices is also the raison d’être of the telephone; it is the attempt
to install an anechoic vacuum, a space of no distance, an absolute space which bodies, being voluminous
things, cannot occupy, but through disembodied voices can travel”.
31
Disponível em: http://www.eai.org/eai/tape.jsp?itemID=2723. Acesso em: 17 dez. 2003.
129
Venezuela. O trabalho The Last Nine Minutes, re-editado para a exposição Banquete,
32
no ZKM,
33
em Karlsruhe (Alemanha, 2003), lidava com parâmetros de comunicação
midiática e com a idéia da telepresença que explorava o conceito de ‘distância’. No
mesmo ano, uma colaboração entre os artistas Keith Sonnier e Liza Bear, em Nova
York e São Francisco, resultou em Send/Receive Satellite Network: Phase II, uma
transmissão via satélite bilateral durante quinze horas entre as duas cidades.
Também em 1977, Kit Galloway e Sherrie Rabinowitz organizaram um
espetáculo de dança interativo via satélite envolvendo dançarinos nas costas leste e
oeste dos Estados Unidos. Satellite Arts Project
34
era, de acordo com os autores, “um
espaço sem fronteiras geográficas”.
35
Com esse trabalho, os artistas começaram a
definir o conceito da ‘imagem como um lugar’, demonstrando, pela primeira vez, que
vários artistas performáticos poderiam aparecer e trabalhar em conjunto, na mesma
imagem, mesmo estando em espaços físicos distintos. A partir de tais iniciativas, é
possível perceber que o desejo (concretizado) de encontrar indivíduos no mesmo lugar
“virtual” é mais antigo do que a experiência da rede digital.
Três anos mais tarde, em 1980, os mesmos artistas desenvolveram Hole in
Space,
36
também utilizando satélites. Uma tela de projeção aproximadamente do
tamanho de um ser humano foi colocada em Nova York e uma outra, localizada em Los
Angeles, ambas no meio da rua. A tela de Nova York mostrava Los Angeles e a de Los
Angeles mostrava Nova York, funcionando como “janelas” ou “buracos” para a cidade
oposta. O vídeo de documentação do trabalho é extremamente interessante, mostrando
os transeuntes simultaneamente admirados e incrédulos em relação às telas. Na época,
nenhuma explicação ou crédito foi colocado por perto da obra e muitos cidadãos de fato
pensaram que o que estavam vendo era uma imagem gravada. A maioria não acreditava
que poderia ver a outra cidade em tempo-real. Por outro lado, os indivíduos começaram
a perceber que a instalação poderia ser uma poderosa ferramenta de comunicação em
tempo-real entre as duas cidades. No vídeo de documentação, é possível observar
pessoas acenando umas às outras, marcando encontros e realmente desenvolvendo uma
32
Disponível em: http://www.banquete.org. Acesso em: 27 jan. 2004.
33
Zentrum Für Kunst und Medientechnologie (Centro de Arte e Tecnologias Midiáticas).
34
Disponível em: http://www.ecafe.com/getty/SA/index.html. Acesso em: 17 dez. 2003.
35
Id.“A space with no geographical boundaries”.
36
Disponível em: http://www.ecafe.com/getty/HIS/index.html. Acesso em: 27 jan. 2004.
130
“rede através do espaço virtual criado por satélites”.
37
(Id.) No final, o trabalho revelou-
se um forte aparelho de comunicação entre as duas cidades, transformando a percepção
do espaço físico pelo qual os cidadãos estavam acostumados a passar todos os dias. A
adição de uma nova “camada de espaço” mudou as características do espaço público em
ambas as cidades durante três dias, transformando o espaço de circulação da rua em um
lugar de encontro e comunicação.
Figura 15: Vídeo de documentação de Hole in Space no ZKM (Alemanha, 2003).
Um dos lados da parede apresenta Nova York, e o outro lado, Los Angeles.
Galloway e Rabinowitz procuravam criar redes móveis ao desenvolver arte da
telecomunicação. Com Satellite Arts Project e Hole in Space, os artistas procuravam
conectar indivíduos através de longas distâncias usando tecnologias de
telecomunicação. Hole in Space, por exemplo, criava um espaço virtual no qual a
comunicação ocorria. No entanto, diferentemente dos chats na Internet ou de ambientes
de multiusuários, as intervenções de Galloway e Rabinowitz aconteciam em espaços
públicos. Ao colocar uma tela em Los Angeles e a outra em Nova York, transeuntes
poderiam se encontrar nas ruas para ver e contactar outras pessoas do outro lado da tela.
Nesse caso, o “outro lado da tela” não era um ambiente virtual simulado, mas sim uma
outra cidade, um espaço físico. Mesmo não compartilhando o mesmo espaço físico
contíguo, os participantes da obra se comunicavam em espaços urbanos, influenciando
diretamente todos os outros transeuntes. Galloway e Rabinowitz alegam que sempre
37
Id. “Network through the virtual space created by the satellites”.
131
estiveram interessados em criar um contexto comunicational que conectasse espaços
físicos, em vez de criar um ambiente simulado no qual a comunicação poderia ocorrer,
como é o caso da Internet.
38
No final dos anos 80, os artistas também experimentaram com mundos virtuais
em 3D,
39
mas, de acordo com eles, nada é mais poderoso do que conectar pessoas em
espaços físicos. Por não estarem compatilhando o mesmo espaço contíguo, os
participantes de Hole in Space criavam um ambiente comunicacional misto, que
combinava espaços físicos e um não-lugar virtual onde a troca comunicacional ocorria.
Assim, Hole in Space é significativo, entre outros motivos, porque previu, há mais de
20 anos, o poder da comunicação mediada em espaços públicos.
Outro importante projeto do início dos anos 90 foi Telematic Dreaming, de Paul
Sermon. Em 1992, o artista criou uma “cama virtual” que poderia ser compartilhada por
indivíduos que não se encontravam no mesmo espaço físico. Na verdade, havia duas
camas e a imagem da pessoa ausente projetada na cama presente. Telematic Dreaming
usava uma rede digital telefônica ISDN para conectar interfaces separadas, que
funcionavam como um sistema de vídeo conferência. Uma das cama estava localizada
em um espaço escuro e a outra, colocada em um ambiente iluminado. A cama no claro
possuía uma câmera situada bem em cima dela, que enviava ao vivo a imagem de vídeo
da pessoa que estava deitada através da rede e a projetava na cama que estava no escuro.
Ainda havia uma segunda câmera no quarto escuro, que capturava a imagem virtual das
duas pessoas na cama e a enviava para uma série de monitores que circundavam a
instalação. Ao se olhar para as TVs, parecia que as duas pessoas estavam, na verdade,
compartilhando o mesmo espaço. De acordo com Sermon, “a possibilidade de existir
fora do próprio espaço e tempo do usuário é criada por um perturbador sentimento de
contato físico que é ampliado pelo contexto da cama e causado por uma brusca mudança
dos sentidos no espaço telemático”.
A maioria dos projetos de telepresença utilizando vídeo e satélites se
diferenciam de projetos que empregam telefones devido à transparência da interface. Na
arte com telefone, a interface ‘telefone’ é completamente visível e, algumas vezes, o
sentido final da obra, como é o caso de trabalhos explorando toques telefônicos e
telefones públicos. Por outro lado, o vídeo e os satélites são majoritariamente usados
38
Em conversa no the Electronic Café em Santa Monica, Los Angeles (15 nov. 2003).
39
O Electronic Café virtual foi um dos primeiros “lugares”no ambiente de multiusuários Alpha Worlds.
132
para a transmissão de imagens, as quais, tomando a atenção dos espectadores, esconde a
interface. Tanto em Hole in Space quanto em Telematic Dreaming, os participantes não
estavam preocupados, em um primeiro momento, com o tipo de tecnologia que estava
sendo utilizada para projetar as imagens. Os efeitos de uma janela nova iorquina em
uma rua de Los Angeles, ou de uma pessoa virtual em sua cama eram mais fortes do que
a tecnologia, escondendo o que estava “por trás da imagem”. Hoje, com o surgimento
da tecnologia wearable e do telefones celulares (também considerados wearable), os
telefones se tornam simultaneamente ubíquos e transparentes, principalmente devido à
portabilidade – o que não era o caso há 20 anos atrás.
Um outro motivo pelo qual os telefones não foram amplamente explorados
artisticamente se deve ao fato de que tais tecnologias apenas proporcionavam a
comunicação bilateral. Assim, os artistas, na maioria das vezes, apenas utilizavam os
telefones para fazer e receber chamadas. Talvez esse também tenha sido o motivo do
maior entusiasmo no trabalho com satélites e vídeos, pois tais meios poderiam
proporcionar a comunicação entre muitos indivíduos ao mesmo tempo (como em Hole
in Space). Hoje, esse cenário muda. Além da possibilidade de teleconferência, a
mobilidade dos telefones celulares os transforma em aparelhos sociais coletivos.
Considerando o estado da interface no início dos anos 80, Söke Dinkla (1994)
observa que a situação poderia ser caracterizada pela frase: “Participação x Interação”.
Dinkla define ambientes participatórios como instalações físicas desenvolvidas dentro
de ambientes reativos, os quais são basicamente espaços delimitados que, através de
sensores e de outras interfaces como câmeras de vídeo, são capazes de reagir às ações
do usuário. As obras de Paul Sermon são, em sua maioria, ambientes reativos. Outros
exemplos são Videoplace (1974), de Myron Krueger, e Very Nervous System
(1986/90), de David Rockeby. Por outro lado, ambientes interativos começaram a ser
desenvolvidos com o uso de capacetes de realidade virtual, criando uma situação que
isolava o usuário em um espaço virtual, pelo qual ele poderia se mover e com o qual
podia interagir. Assim, o termo ‘movimento’ passou a não significar mais o
deslocamento do artista performático pelo espaço, como nos ambientes físico-reativos,
mas o movimento da imagem devido à manipulação do joystick ou do mouse. Nesse
sentido, o movimento do participante foi substituído pelo movimento da imagem.
133
A Interação foi dominante durante a maior parte dos anos 90, devido ao amplo
desenvolvimento dos sistemas de realidade virtual que procuravam remover os usuários
do espaço físico e colocá-los dentro de ambientes modelados. No início do século XXI,
no entanto, observamos uma volta ao espaço físico. Diferentemente dos ambientes
reativos, contudo, nos quais havia uma porção delimitada do espaço na qual o
participante podia agir, o aparecimento de tecnologias nômades de comunicação
permite o uso de todo o espaço urbano como uma “superfície reativa”. É como se o
espaço da cidade se tornasse o mapa de si mesmo, um lugar de interação e de contatos à
longa distância, mas sem a necessidade de um espaço restrito.
No mundo virtual de Imateriais, um dos objetivos dos seus criadores era
mostrar aos visitantes que o virtual estava sendo progressivamente assimilado na vida
cotidiana. Isso significava, segundo eles, que “parte cada vez maior dos eventos
cotidianos dá-se no mundo virtual”.
40
Quatro anos mais tarde, em 2003, a mesma frase
pode ser usada com um sentido oposto: o virtual está progressivamente sendo
assimilado pela vida cotidiana porque o virtual se mistura ao físico, incentivando a
comunicação e a mobilidade em espaços físicos. E a principal razão para tal fato é o
desenvolvimento de tecnologias nômades de comunicação.
40
Imateriais em meio virtual. CD-Rom Imateriais (1999).
134
PARTE II: Espaços (híbridos) como ambientes de multiusuários
“É uma jornada por um amplo e inexplorado terreno, que não existe como espaço físico – ou,
nesse caso, como um espaço virtual, simulado – mas sim como uma presença eletrônica invisível
e intangível. No entanto, não é como o ambiente construído existente ao nosso redor há centenas
de anos. Tal terreno possui qualidades e estruturas espaciais, compostas por um sistema de redes
e células e, além disso, é um espaço que possui sua própria vitalidade – um organismo que é a
soma de todas as interações e interconexões que acontecem dentro de si – muito parecido com a
comunidade vivaz, exuberante, que compõe as nossas cidades”.
1
(CATTERALL, In: RABY et
al., 2000)
5.
DEFININDO ESPAÇOS HÍBRIDOS
Um espaço híbrido é definido pela mistura, ou o desaparecimento das bordas
entre espaços físicos e virtuais. Espaços híbridos são espaços nômades, criados pela
constante mobilidade dos usuários que carregam aparelhos portáteis continuamente
conectados à Internet e a outros usuários. Um espaço híbrido é conceitualmente
diferente da realidade mista, da realidade aumentada, da virtualidade aumentada ou da
realidade virtual. A possibilidade de se estar conectado constantemente ao mover-se
pela cidade transforma nossa experiência de espaço. Tal conexão diz respeito tanto às
interações sociais, como a conexões com o espaço de informação, isto é, a Internet. Este
capítulo define realidade híbrida a partir da passagem de interfaces estáticas a interfaces
móveis ou tecnologias nômades de comunicação. Em outras palavras, estuda-se a
passagem do ciberespaço a espaços híbridos.
É importante considerar três pontos ao conceitualizar esta nova percepção
espacial. Em primeiro lugar, é preciso repensar o conceito de ‘virtual’. Conforme
argumentado no capítulo 2, o termo ‘realidade virtual’ baseou-se principalmente na
inversão do conceito platônico que via a realidade física como uma representação
1
“It is a journey into a largely unexplored terrain, which does not exist as physical space – or for that
matter as a virtual, simulated space – but rather as an invisible and intangible electronic presence. Yet it
is not unlike the built environment which has existed all around us for hundreds of years. It has structure
and a spatial quality made up of a system of networks and cells, and, in many ways, it is a space which
has its own vitality – an organism which is the sum of all the interactions and interconnections taking
place within it – much like the living, breathing community which makes up our own cities”.
135
“inferior” do mundo ideal. Ambientes de realidade virtual foram modelados com base
na realidade física. Tais mundos, porém, são modelados através de números e códigos,
não possuindo qualquer original no mundo físico,
2
tornando-se, portanto, simulacros,
cópias sem originais, as quais, de acordo com Jean Baudrillard (1994, p.1-42), podem
ser perigosamente consideradas hiperrealidades ou realidades melhores que a própria
realidade. Em contraposição, o ‘virtual’ contido no híbrido é basicamente parte do real,
ou, parafraseando Gilles Deleuze (1994, p.209), corresponde a realidades potenciais
sempre prontas a emergir. Sendo assim, o virtual se torna o próprio real e a fisicalidade,
uma das manifestações do virtual. Como o virtual não é (e nunca foi) restrito à Internet,
é possível também perceber conexões virtuais em conversas telefônicas: conexões de
telepresença. O virtual, nesse sentido, se aproxima da idéia de Michel Serres (1997,
p.145) de algo que não está aqui ou que acontece em um lugar indeterminado. A
possibilidade de se mover pelo espaço físico interagindo com o outro enquanto em
movimento promove a implicação, ou dobra, de contextos distantes dentro do presente
contexto. De acordo com N. Katherine Hayles, “o contexto está se dobrando, de modo
que não há mais um contexto homogêneo para uma dada área espacial, mas sim bolsos
de diferentes contextos implicados, ou imbricados, sobre si mesmos”.
3
Por exemplo,
alguém falando ao telefone celular é parte do contexto dos indivíduos que compartilham
a mesma área espacial, mas é também parte de um contexto distante, pois está falando
com alguém espacialmente remoto de sua área. Sendo assim, há um contexto criado
pela proximidade espacial de indivíduos e, dentro dele, um outro contexto criado pelo
telefone celular. A implicação de contextos pode também ser percebida com outros
meios de comunicação, como a TV ou telefones com fio, mas a diferença promovida
por tecnologias móveis é precisamente a possibilidade de movimento pelo espaço
.
Quando comparadas à Internet fixa, as tecnologias nômades de comunicação
possibilitam que ações anteriormente apenas desempenhadas em específicos espaços
“privados” (como a casa ou escritórios com computadores desktop conectados à rede)
sejam executadas em espaços públicos urbanos. Os atos de enviar e-mails, acessar a
conta bancária ou checar o tempo, podem agora ser desempenhados em qualquer lugar.
2
Seguindo o modelo clássico de representação proposto por Edmond Couchot. (Cf. COUCHOT, 1996,
p.39)
3
Em entrevista à autora (19 nov. 2002). “Context is becoming enfolded, so that there is no longer a
homogeneous context for a given spatial area, but rather pockets of different contexts in it”.
136
Além do mais, tais tecnologias criam outra percepção do que significa acessar a
Internet. Conforme será mostrado no capítulo 7, Telefones celulares e lugares, os
adolescentes japoneses não consideram estar “entrando na Internet” quando usam seus
I-modes
4
com conexão constante à rede. A Internet móvel (ou qualquer que seja o nome
dessa rede no futuro) está se tornando útil para ações que integram a rede digital e os
espaços físicos.
5
A idéia do ciberespaço como um espaço outro para se habitar ou um lugar que
demandava a desconexão do espaço físico para ser acessado, não existe mais. Os
adolescentes japoneses estão constantemente na Internet e fora dela. Além do mais, o
próprio conceito de ‘ciberespaço’ já não serve mais para descrever a Internet. É também
possível aplicar a idéia da implicação de contextos à Internet móvel. Nesse sentido, não
se distinguirá mais neste trabalho a comunicação que acontece via Internet (móvel), via
voz ou via SMS (Torpedos), já que todas essas ações podem ser executadas através do
uso do mesmo aparelho: um telefone celular. O objetivo é estudar como as tecnologias
móveis de comunicação transformam as maneiras de interagir com os outros através da
criação de um espaço híbrido que combina o físico e o virtual, a voz e a Internet, sons e
imagens.
O segundo ponto a ser considerado em relação às mudanças na experiência de
espaço promovidas por tecnologias nômades está relacionado à história das tecnologias
avançadas de transporte e comunicação, em especial o trem e o telégrafo. Tais
tecnologias foram responsáveis por comprimir o tempo e o espaço, ao acelerar a
comunicação e a mobilidade pelo planeta. O surgimento de tecnologias avançadas de
transporte, no entanto, como a ferrovia, foi responsável por desconectar a comunicação
e o transporte. Devido à alta velocidade, os viajantes de trem não se sentiam como parte
do mundo lá fora. O trem criara um espaço fechado de viagem dentro do espaço físico,
que era desconectado da paisagem ao seu redor. O aparecimento das tecnologias móveis
de comunicação re-conectou o transporte e a comunicação, visto que agora é possível
carregar consigo a tecnologia que permite a comunicação.
4
O I-mode é um “serviço de dados lançado no Japão pela NTT DoCoMo como uma camada sobre o
sistema celular PDC. Inclui diversos serviços multimídia”. Fonte: Teleco. Disponível em:
http://www.teleco.com.br/glossario.asp?termo=I-mode&Submit=OK
. Acesso em: 17 dez. 2003.
5
Um simples exemplo é a compra de refrigerantes em máquinas na Finlândia.
137
Finalmente, um espaço híbrido é produzido quando “lugares” virtuais migram
para espaços híbridos. Com as tecnologias avançadas de transporte e comunicação, as
cidades se tornaram espaços de circulação, e lugares de encontro foram parcialmente
transferidos para a Internet, dentro da qual ambientes de multiusuários foram
considerados como lugares ideais de liberdade do sujeito. Hoje, as tecnologias móveis
trazem esses “ambientes de multiusuários” novamente para os espaços físicos,
modificando o modo como experimentamos os espaços urbanos. No capitulo 8, será
analisado como a arte midiática (arte mediada por tecnologia) é responsável por criar
espaços híbridos, transformando as cidades e os museus em lugares de comunicação e
de sociabilidade. Enfatizar o caminho do virtual ao híbrido não significa que os espaços
urbanos não são mais espaços de circulação. As cidades ainda são processos,
6
mas os
espaços de circulação contemporâneos também incluem a comunicação. Um espaço
híbrido não é definido por fronteiras físicas, mas, mesmo assim, é um “lugar” de
comunicação e sociabilidade. É como se estendêssemos a idéia da cidade como um
processo econômico, conforme definido por Manuel Castells (2000, p.417), para cidade
como um processo comunicacional. Kevin Kelly (1999) previu que “os cidadãos
habitarão lugares, mas cada vez mais a economia habitará o espaço”.
7
Hoje, percebemos
que os cidadãos também habitam espaços: não o espaço virtual de informação
constituído pela Internet, mas os espaços híbridos urbanos.
Esta segunda parte da Tese é dedicada à definição de espaços híbridos através da
arte e dos jogos (ou da combinação de ambos). Enfatizam-se como tecnologias nômades
de comunicação transformam nossa experiência de espaços urbanos, definindo novos
lugares para o imaginário. Alguns lugares de encontro e comunidades que anteriormente
se localizavam na Internet, hoje são transferidos para espaços híbridos. A passagem do
virtual ao híbrido reterritorializa
8
os ambientes de multiusuários em espaços híbridos.
Os ambientes de multiusuários foram definidos como lugares sociais e também como
lugares que permitem a comunicação entre pessoas que não compartilham o mesmo
espaço físico, tornando possível o encontro em espaços virtuais e a habitação do mesmo
6
De acordo com o conceito de ‘espaço de fluxos’ de Manuel Castells. (CASTELLS, 2000, p.407). Veja o
capítulo 2 para maiores detalhes.
7
KELLY, Kevin. New rules for the new economy. 10 radical strategies for a connected world. New
York : Penguin Books, 1999. 171 p. Disponível em: http://www.kk.org/newrules/
. Acesso em: 06 set.
2003. “People will inhabit places, but increasingly the economy inhabits space”.
8
Conceito definido por Deleuze e Guattari em Mil Platôs. (DELEUZE; GUATTARI, 1987)
138
espaço virtual mesmo sem a necessidade de conversação constante entre os usuários.
Tal idéia, que não é exclusivamente relacionada à Internet, pode ser facilmente
transferida para espaços físicos se observarmos, por exemplo, o desenvolvimento dos
jogos móveis baseados em posicionamento celular ou pervasive games.
Neste capítulo, em primeiro lugar, conceitualiza-se a realidade híbrida em
oposição às realidades virtual, aumentada e mista. Em seguida, define-se espaço
nômade em relação ao uso de tecnologias nômades, enfatizando como os espaços do
imaginário são transformados quando se passa da idéia do viajante para a idéia do
nômade. Finalmente, trata-se da transformação de lugares em espaços e, então, em
espaços híbridos. A transição de lugares a espaços se deve ao desenvolvimento das
tecnologias avançadas de transporte e, mais tarde, à Internet, ao passo que o surgimento
do espaço híbrido é associado a tecnologias nômades de comunicação. O seguinte
gráfico representa um resumo do que foi apresentado:
Figura 16
5.1. Realidade híbrida x realidades virtual, aumentada e mista
Freqüentemente, o virtual foi considerado como oposto ao físico, principalmente
porque o ciberespaço foi repetidamente encarado como um espaço imaterial. Um espaço
híbrido é criado quando não se precisa mais sair do espaço físico para entrar em contato
com realidades virtuais (digitais ou potenciais). Os espaços híbridos possuem três
características principais: (1) a dissipação das fronteiras entre os espaços físicos e
139
virtuais, (2) o uso das tecnologias nômades de comunicação e da computação ubíqua
como interfaces e (3) a mobilidade e a comunicação em espaços públicos. Os espaços
híbridos implicam o virtual como potência dentro do espaço físico contíguo, e vice-
versa, esvaecendo as bordas onde o virtual se transforma no atual e o atual desaparece
de novo no virtual. Há uma relação dinâmica pela qual o virtual é atualizado e o atual se
torna, novamente, virtual. Nesse sentido, o espaço híbrido é diferente da realidade
aumentada, que imbrica gráficos ou sons em uma paisagem do mundo real, e da
virtualidade aumentada, que se refere a “aumentar ou melhorar o mundo virtual
produzido por um computador com a adição de informação do mundo real”.
9
(OHTA;
TAMURA, 1999, p.2) Os espaços híbridos também são distintos da realidade mista,
segundo a descrição de Paul Milgram e Herman Colquhoun. (MILGRAN,
COLQUHOUN, In: OHTA; TAMURA, op. cit., p.10). Milgram e Colquhoun sugerem
que a realidade mista ocorre quando “não é evidente se o ambiente original é real ou
virtual”,
10
criando um continuum RV (real-virtual). Contrariamente, a realidade híbrida
não opõe o real e o virtual, mas inclui o virtual dentro do domínio do real. Esse conceito
é também mais associado à mobilidade e movimento no espaço físico, do que a
ambientes modelados por computadores.
Ao contrário dessa posição, os espaços virtuais foram geralmente relacionados a
interfaces estáticas utilizadas para a conexão com a Internet, tais como os computadores
desktop, grandes monitores e o mouse com fio. Era preciso “entrar” na Internet para
“habitar” o espaço virtual e, conseqüentemente, temporariamente deixar o espaço físico
para trás. Hoje, as tecnologias nômades, as interfaces miniaturizadas e os sensores sem
fio estão embutindo essa realidade virtual em espaços públicos – não porque seja
possível se conectar à Internet ao mesmo tempo em que se move pelo espaço, mas
porque tais interfaces re-definem a realidade, proporcionando o aparecimento de
realidades possíveis e distantes dentro do espaço contíguo. A desconexão entre espaços
virtuais e físicos contribuiu para a definição dos conceitos de ‘virtual’ e ‘físico’ como
opostos. Em novas realidades híbridas, o virtual é concebido não mais como oposto ao
físico, mas como uma potencialidade já presente no físico. Nesse sentido, o virtual
representa um aspecto mais amplo da realidade.
9
“Augmenting or enhancing the virtual world produced by a computer with data from the real world”.
10
“It is not obvious whether the primary environment is real or virtual”.
140
Milgram e Colquhoun (In: OHTA; TAMURA, op. cit., p.6) observam que a
literatura contemporânea sobre realidade aumentada a define de três maneiras
diferentes, dependendo da tecnologia usada. Em primeiro lugar, a realidade aumentada
tradicional é alcançada ao se usar qualquer tipo de capacete de realidade virtual (HMD)
ou de um Head Up Display (HUD), um capacete de visualização que possibilita ver
através dos dados projetados, de modo que o usuário vê o mundo “real” com
informação digital superposta. Originalmente, tais capacetes foram usados em
ambientes militares de aviação. Ampliando esse conceito, o segundo significado de
realidade aumentada está associado a “qualquer caso em que um ambiente real é
‘aumentado’ por meio de objetos virtuais (computação gráfica)”.
11
(Id.) Finalmente,
Milgram e Colquhoun (Id.)
sugerem uma terceira classe de RA que engloba os casos
envolvendo qualquer mistura de ambientes reais e virtuais.
Dois aspectos devem ser levados em consideração nessa definição. Primeiro, ela
opõe o real e o virtual, apesar de ser possível ir de um extremo ao outro dentro do
continuum RV. Em segundo lugar, Milgram e Colquhoun (Id.) definem como “real”
aquilo que podemos ver do mundo físico e como “virtual” os ambientes modelados por
computadores. Finalmente, o autor sugere que a primeira e a segunda categorias podem
ser definitivamente chamadas de realidade aumentada, mas é necessário um termo mais
amplo para a definição da terceira.
Assim, Milgram e Colquhoun (In: OHTA; TAMURA, op. cit., p.7) propõem
uma linha representando um continuum RV. De um lado, há o ambiente virtual, um
mundo completamente modelado. Do outro lado, há o ambiente real, que representa um
mundo não-modelado. Os autores argumentam que não há oposição entre o virtual e o
real, porque entre o mundo modelado e o não-modelado há vários níveis de realidade,
que vão da realidade aumentada (uma realidade melhorada com elementos virtuais) até
a virtualidade aumentada (uma virtualidade melhorada com elementos do mundo real).
(Id.) Milgram e Colquhoun (Ibid., p.8), no entanto, restringem sua definição à
informação gráfica; sendo assim, elementos do mundo real dentro de ambientes
modelados corresponderem a fotografias, ao passo que elementos de realidades virtuais
dentro de ambiente não-modelados são imagens geradas por computadores sobrepostas
a fotografias, por exemplo.
11
“Any case in which an otherwise real environment is ‘augmented’ by means of virtual (computer
graphic) objects”.
141
Por fim, o principal problema em se definir a realidade aumentada ou a
virtualidade aumentada depende em se determinar qual é o ambiente original. Essa
decisão, aparentemente simples no início, pode ser extremamente confusa, visto que não
é sempre evidente se o ambiente original é modelado ou não-modelado. Assim,
Milgram e Colquhoun criam um novo termo, ‘realidade mista’, para definir situações
em que não é claro se o ambiente original é “real” ou “virtual” ou quando não há
predominância de elementos “reais” ou “virtuais” no ambiente. A seguinte ilustração
nos ajuda a entender essa idéia:
Figura 17: Definição de ‘realidade mista’ dentro do
contexto do continuum RV, segundo Paul Milgram e Herman Colquhoun.
Os termos ‘realidade aumentada e mista’, no entanto, são geralmente usados
como sinônimos. Ivan Poupyrev
12
(2000), dos Laboratórios ATR MIC no Japão, define
a pesquisa sobre realidade aumentada ou
realidade mista como buscando “desenvolver
tecnologias que permitem a mistura ou sobreposição de objetos virtuais 2D ou 3D
gerados por computadores no mundo físico”.
13
Além disso, nessas definições, o físico é
geralmente descrito como “real”.
12
Augmented and Mixed Reality. ATR media integration & communications research laboratories,
Japan. Última atualização em: 24 abr. 2000. Disponível em:
http://www.mic.atr.co.jp/~poup/research/ar/index.html
. Acesso em: 07 set. 2003.
13
“To develop technologies that allow mixing or overlapping of computer generated 2-D or 3D virtual
objects on the physical world”.
142
As diferentes abordagens no que concerne à definição de realidade mista são
suportadas por Hiroshi Ishii (1999, p.232), do grupo Tangible Media (Mídia Tangível)
do MIT Media Lab. Ishii prevê a computação do desktop migrando em duas direções
principais: sobre nossas peles/corpos e sobre o ambiente físico em que habitamos. A
primeira tendência é associada à definição da computação wearable, ao passo que a
segunda é relacionada à computação ubíqua. O grupo de Ishii procura “preencher a
lacuna entre o ciberespaço e o ambiente físico, tornando a informação digital (bits)
tangível”.
14
(Id., p.233) Nesse sentido, o pesquisador dá uma importância considerável
às interfaces materiais, buscando como trazer os bits “imateriais” dos espaços virtuais
para dentro do mundo físico.
Lev Manovich (2002, p.1-2) recentemente declarou que os anos 90 foram sobre
o virtual, e que é bem possível que esta primeira década de 2000 seja sobre o físico.
Manovich define três modos de se criar um espaço aumentado. O primeiro é através da
vigilância via vídeo, que captura informação do ambiente físico e a adiciona à rede
digital. O segundo, chamado de espaço celular, inverte a situação anterior ao enviar
informação para usuários móveis na rede digital que carregam aparelhos de GPS
(Global Positioning System) e telefones celulares. De modo semelhante, mas em uma
abordagem não personalizada, os monitores e TVs espalhadas pelo espaço público
podem transmitir informação digital visual para transeuntes. Manovich (Ibid., p.4)
define espaço aumentado como o espaço físico transformado em um espaço de dados:
“extraindo-se dados (vigilância) ou aumentando-o com novos dados (espaço celular,
monitores)”.
15
Assim, os fluxos de informação que anteriormente aconteciam no
ciberespaço podem agora ser percebidos como fluxos para dentro e para fora do espaço
físico. São parte desse espaço aumentado todos os tipos de computação ubíqua,
realidade aumentada, interfaces tangíveis, computadores wearable e outras formas de
interfaces, num total de 14 itens que exemplificam a combinação de espaços físicos e
virtuais. Manovich (Ibid., p.7) não opõe o virtual à realidade aumentada. O autor sugere
que se pode pensar sobre a imersão no virtual ou o aumento do físico, dependendo do
tamanho relativo da tela.
14
“Bridge the gap between cyberspace and physical environment by making digital information (bits)
tangible”.
15
“Extracting data from it (surveillance) or augmenting it with data (cellspace, computer displays)”.
143
Existem diversos experimentos que procuram combinar realidade aumentada e
computação ubíqua, além de investigar o uso da realidade mista em espaços ao ar livre.
Da mistura entre realidade mista e mobilidade surge a realidade híbrida. Uma outra
característica importante da realidade híbrida é a comunicação. Sendo assim, a
transferência de ambientes de multiusuários de espaços virtuais para espaços físicos,
adicionada à realidade mista e à mobilidade, cria o conceito de ‘realidade híbrida’. A
ilustração abaixo resume o conceito:
Figura 18: Definição de realidade híbrida.
Um espaço híbrido, portanto, não é restrito ao uso de gráficos para a ampliação
do espaço digital; e nem é associado apenas à superposição de informação digital na
realidade física. Um espaço híbrido é um espaço conceitual, criado pela indistinção das
bordas entre o físico e o virtual, ligado ao uso de tecnologias nômades de comunicação.
Um espaço híbrido não é, porém, construído pela tecnologia. É edificado pela conexão
entre mobilidade e comunicação, e materializado por redes desenvolvidas
simultaneamente nos espaços físicos e virtuais, possibilitando a conexão entre usuários
via tecnologia móvel.
144
5.2. Considerações sobre o turista, o viajante e o nômade
5.2.1. O viajante e as rotas
A idéia de realidade híbrida é estritamente conectada ao aparecimento de um
espaço nômade. O espaço físico já fora mapeado através da ação dos viajantes,
16
que
costumavam partir para lugares distantes e desconhecidos e retornar trazendo consigo
contos fantásticos que alimentavam o imaginário dos que ficavam. Além disso, os
viajantes mapeavam o espaço que percorriam. Ao contrário do turista, o viajante é
aquele que parte sem uma direção fixa, viaja sem mapa e percorre territórios
desconhecidos. Bernardo Bertolucci (1990), no filme O céu que nos protege, diferencia
o turista e o viajante. O turista é aquele que já pensa no retorno no mesmo momento em
que chega, ao passo que o viajante pode nunca retornar. Os pesquisadores finlandeses
Turo-Kimmo Lehtonen e Pasi Mäenpää (1997, p.148) observam que o termo “‘turista’
se refere ao verbo ‘to tour’, que etimologicamente significa viajar ao redor ou fazer uma
jornada circular”.
17
Assim, está implícito que o turista sempre volta. Além do mais, os
mapas são associados ao viajante e ao turista de maneira inversa. Enquanto o turista
carrega um mapa para não se perder, o viajante constrói o mapa de acordo com sua rota.
O ato de viajar sempre foi decisivo para o desenvolvimento cultural humano,
transformando nossa percepção do espaço físico, assim como o conceito de ‘realidade’.
Ao percorrer territórios desconhecidos e mapear o espaço, o viajante contribui para
definir o que pertence à realidade (e habita o espaço físico) e o que pertence ao
imaginário (e habita o espaço mental). Na Idade Média, por exemplo, devido ao mundo
restrito conhecido pelos europeus, monstros e criaturas maravilhosas faziam parte do
imaginário medieval. Era, no entanto, quase impossível de se saber se tais criaturas
existiam de fato ou se eram apenas produtos dos contos de viajantes. (Cf. NEWTON,
1926, p.161) Quando a maior parte do espaço físico terrestre foi mapeada,
principalmente após as Grandes Navegações no século XV, muitas dessas figuras
mitológicas desapareceram, sendo substituídas por outras relações entre o que poderia
ser real e o que poderia ser imaginário.
16
Conferir o capítulo 3, Ambientes de multiusuários como espaços (virtuais), para uma explicação
mais detalhada sobre a relação entre viagem e espaços do imaginário.
17
Tourism refers to the verb to tour, which etymologically means traveling around or making a
circuitous journey”.
145
5.2.2. Espaços nômades produzidos por tecnologias nômades
Comparável ao viajante, o nômade é aquele que está em constante movimento,
indo de lugar a lugar. No entanto, o nômade não possui uma moradia específica e habita
a totalidade do espaço. Tradicionalmente, o viajante foi visto como um valor positivo,
porque pertencia originalmente a um lugar, partindo e voltando para a cidade natal. Ao
contrário, as sociedades nômades são caracterizadas pela mobilidade constante.
Historicamente, o sedentarismo foi encarado como uma evolução cultural, um princípio
de sociedades bem organizadas e um requerimento necessário para a segurança e a
ordem. Por outro lado, o ‘nomadismo’ era um conceito que sugeria julgamentos pré-
definidos: peregrinos, ciganos, sem-teto e refugiados. Hoje em dia, a palavra ‘nômade’
adquire outro significado, visto que a mobilidade, encorajada pela tecnologia,
transforma a relação entre o local e o global, entre lugares e espaços.
Deleuze e Guattari (1987, p.380) definem o nômade em relação à máquina de
guerra e ao espaço liso. O nômade produz a máquina de guerra e ocupa e mantém o
espaço liso. Segundo os autores, a máquina de guerra tem como uma de suas
características ser espacial-geográfica, e está relacionado ao modo como os nômades se
movem através do espaço e como o próprio espaço é redefinido pelo movimento
nômade.
18
O movimento nômade espacial-geográfico pode ser definido de três maneiras
diferentes. A primeira é relacionada aos pontos e trajetórias da rede nômade:
“O nômade tem um território, segue trajetos costumeiros, vai de um ponto a outro, não ignora os
pontos. (...) Mas a questão é diferenciar o que é princípio do que é somente conseqüência na vida
nômade. Em primeiro lugar, ainda que os pontos determinem trajetos, estão estritamente
subordinados aos trajetos que eles determinam, ao contrário do sucede no caso do sedentário”.
19
(Id.)
Assim, há uma clara diferença entre a rede nômade e o mapa do viajante. O
mapa construído pelo viajante é composto de pontos (as cidades) e o objetivo do
viajante é ir de cidade, em cidade, ou de ponto a ponto – mesmo se a próxima cidade
ainda for desconhecida. Por outro lado, o nômade se preocupa com os caminhos, com o
movimento que acontece “entre” os pontos, no entanto, os pontos em si não são tão
18
Os outros dois aspectos são o aritmético ou algébrico e o afectivo. (AXIOMA II, p.380)
19
Da tradução em português por Ana Lucia de Oliveira. São Paulo : Editora 34, 1997. p. 50.
146
importantes. “A vida do nômade é intermezzo. Até os elementos do seu habitat estão
concebidos em função do trajeto que não para de mobilizá-los”. (Id.) Nesse sentido, o
espaço nômade inverte a lógica tradicional da rede, na qual os caminhos desaparecem
em função dos nós (ROSENSTIEHL, 1998, p.229) Os nômades também vão de ponto a
ponto, mas como uma mera conseqüência de sua trajetória.
A segunda característica do movimento nômade opõe a trajetória nômade às
rotas de viajantes. As estradas sedentárias (de viajantes) funcionam como espaços
fechados aos que as percorrem, regulando a comunicação entre as partes, ao passo que a
trajetória nômade funciona de modo contrário: ela distribui os sujeitos num espaço
aberto. Finalmente, o terceiro ponto contrapõe o espaço estriado, como o espaço do
viajante, cercado por paredes e estradas, ao espaço liso do nômade. O nômade, de
acordo com Deleuze e Guattari (op. cit., p.381), ocupa o todo do espaço e é, portanto,
errado definir o nômade através do movimento.
O movimento do nômade deve ser definido em oposição ao movimento do
viajante. O viajante vai de ponto, em ponto. A aceleração do movimento do viajante foi
impulsionada com o aparecimento das tecnologias avançadas de transporte, através das
quais o espaço “entre” foi completamente eliminado, restando apenas os pontos. A
Internet desempenhou façanha parecida, pois, em teoria, aboliu as distâncias
geográficas. Além do mais, apesar de cada website representar apenas um nó da rede, o
internauta não tem noção do caminho que percorreu até conseguir a conexão. A
informação viaja através de servidores e roteadores, escolhendo o melhor caminho a ser
seguido, que é geralmente desconhecido para o internauta comum. Ao ampliar essa
idéia, concentra-se toda a rede de informação em um único ponto inflado (riche lieu),
conforme definido por Serres. De modo semelhante, Paul Virilio (Apud PARENTE,
1999, p.35) afirma que
“a inércia sucederá ao deslocamento contínuo, no dia em que todos os deslocamentos se
concentrarão em um só ponto fixo, em uma imobilidade que não é mais a do não-movimento,
mas a da ubiqüidade potencial, a da mobilidade absoluta que anula seu próprio espaço à força de
o tornar tão transparente”.
147
No entanto, a ubiqüidade não necessariamente substitui a mobilidade, mas a
complementa. De acordo com Leonard Kleinrock
20
(1997),
“o nomadismo é realmente uma transformação revolucionária na história das tecnologias de
informação. O nomadismo é definido como a necessidade de suporte do sistema a uma ampla
gama de capacidades e serviços computacionais e comunicacionais aos nômades, à medida que
eles se movem de lugar a lugar, de forma transparente, integrada e conveniente. Esse novo
paradigma já está se manifestando quando os usuários viajam para diversas localidades
diferentes com laptops, PDAs, telefones celulares e pagers”.
21
A declaração de Kleinrock está exatamente ligada à idéia de que o espaço
“entre” não é mais ignorado, mas ocupado. Não importa onde o nômade se encontra,
terá sempre acesso à informação. Não é a ausência de movimento, mas um modo
diferente de entender o espaço e a mobilidade – em outras palavras, ubiqüidade.
Deleuze e Guattari (op. cit., p.381) afirmam que o nômade não se move porque nunca
parte, visto que se manifesta por uma presença distribuída. Entretanto, isso não significa
que o nômade não se desloque. O nômade híbrido de fato se move através do espaço
físico, mas ocupando esse espaço; são nômades telemáticos. O nômade não se
desterritorializa e reterritorializa novamente, como o viajante. O nômade é o ser
desterritorializado por excelência. “É a terra que se desterritorializa ela mesma, de modo
que o nômade ai encontre um território”.
22
(Id.)
Existem também outras características do espaço nômade que ajudam a definir o
espaço híbrido. Em primeiro lugar, o espaço nômade/liso é um espaço “tátil”, ou
“háptico”. (Ibid., p.492) É muito mais sonoro do que visual. É evidente que o espaço
nômade também pode ser visual, mas esta não é sua característica mais predominante,
ou única, como é o caso do espaço estriado. (Ibid., p.493) Os espaços híbridos são
criados pelo uso de tecnologias nômades, como telefones celulares, que combinam
igualmente voz, imagens e texto. Em segundo lugar, o espaço nômade é localizado e
não-delimitado. O nômade, nesse sentido, representa um local absoluto, manifestado
localmente, mas potencialmente em todos os lugares. O nômade faz o absoluto aparecer
20
KLEINROCK, Leonard. Nomadic’97 conference: What is nomadicity? Copyright © 1997 Technology
Transfer Institute and Nomadix, LLC. All Rights Reserved. Disponível em:
http://www.tticom.com/nomadic/about.htm
. Acesso em: 07 set. 2003.
21
“Nomadicity is truly a revolutionary change in information technology. Nomadicity is defined as the
systems support needed to provide a rich set of computing and communication capabilities and services
to nomads as they move from place to place in a transparent, integrated and convenient form. This new
paradigm is already manifesting itself as users travel to many different locations with laptops, PDAs,
cellular telephones, and pagers”.
22
Da tradução em português por Ana Lucia de Oliveira. São Paulo : Editora 34, 1997. p. 52.
148
em um local particular. Os espaços híbridos também são definidos pela idéia de
virtualidade que está sempre pronta a emergir e aparecer em lugares específicos. “O
acoplamento dos dois, do lugar e do absoluto, não consiste numa globalização ou numa
universalização centradas, orientadas, mas numa sucessão infinita de operações
locais”.
23
(Ibid., p.383)
Espaços híbridos estão inseridos em paisagens urbanas. Certamente, a cidade é
também um espaço estriado, mas, de acordo com Deleuze e Guattari (Ibid., p.500),
“mesmo a cidade mais estriada secreta espaços lisos”.
24
Porque o nômade ocupa o todo
do espaço, ele também não tem a noção de “lar” em um ponto fixo. O “lar”
corresponde, então, ao próprio espaço. Transportando essa relação espacial para a
Internet, a noção de “lar” (home page) como ponto de partida e de chegada para o
internauta teve um papel decisivo na estrutura da rede digital. O ciberespaço, como uma
rede de informação, possui, em teoria, algumas características da máquina de guerra,
como conectividade e descentralização, mas também certos aspectos do aparelho do
estado,
25
como a conexão via interfaces estáticas, a hierarquia e a perspectiva central.
Conforme foi visto na primeira parte desta Tese, o que o ciberespaço se tornou não
correspondeu muito bem ao desejo de associá-lo a um espaço rizomático e liso. Já no
início, era claro que o ciberespaço não era um espaço descentralizado e que os centros,
representados por mecanismos de busca que tinham como função guiar o internauta pela
sua jornada através do espaço de informação, eram, de fato, importantes na Internet.
Finalmente, apesar de o espaço liso ser definido pela visão míope (DELEUZE;
GUATTARI, Ibid., p.493), a tentativa de se criar interfaces tridimensionais estriaram o
espaço em rede, homogeneizando-o. O espaço estriado requer uma visão à distância,
como a visão do mapa, onde se pode ter a percepção do ambiente como um todo. A
visão à distância separa o fundo do primeiro plano, criando um espaço em perspectiva,
com profundidade, e transforma o fundo em uma paisagem puramente visual, que não
pertence ao espaço contíguo. Assim, as características nômades não podem ser bem
aplicadas ao ciberespaço.
23
Ibid., p.55.
24
Ibid., p. 214.
25
Deleuze e Guattari (1987, p.351-423) definem a máquina de guerra em oposição ao aparelho do estado
(espaço liso x espaço estriado).
149
Os aparelhos nômades de comunicação contribuíram para mudar a percepção do
espaço digital e a maneira como nos conectamos à Internet. Em primeiro lugar, elas
reduzem a importância (ou transformam o conceito) de se ter um “lar” ou um centro.
Em segundo lugar, a conexão através de grandes monitores e cabos conectados a
computadores desktop é substituída por interfaces portáteis e sem fio, que literalmente
nos permitem “transportar o espaço digital”. Como conseqüência, a mobilidade, que
fora extremamente importante para o conhecimento do espaço físico, se torna, também,
parte do processo de conexão com o espaço digital e de exploração de espaços híbridos.
No passado, viajar através de distâncias físicas era necessário para se adquirir
conhecimento sobre lugares distantes, assim como para mapear o espaço. Hoje, é
possível se conectar a todos os lugares ao mesmo tempo, de um ponto único, mas que
está sempre em movimento
. De acordo com Leonard Kleinrock
26
(2000), “o acesso à
comunicação sem fio provê o nômade com duas capacidades. Primeiro, possibilita ao
nômade se comunicar de várias localidades (fixas) sem estar diretamente conectado à
rede com fio. Em segundo lugar, permite ao nômade se comunicar enquanto viaja”.
27
O
primeiro caso exemplifica a computação ubíqua, isto é, a capacidade de se estar
conectado à Internet de todos os lugares. O segundo caso acontece através do uso de
tecnologias nômades. As tecnologias móveis de comunicação e a computação ubíqua
transformam o conceito de ‘espaço digital’, assim como a organização do espaço físico.
Sendo assim, contribuem para a criação de um novo espaço híbrido, que mistura o físico
ao digital. Conseqüentemente, a principal questão da última década em relação ao
digital, “como construir espaços virtuais?”, pode agora ser refeita: “como o espaço
físico se re-organiza em função da conexão possibilitada por meios digitais?”
A consciência de que o conceito de ‘espaço digital’ não é mais o mesmo, pois
agora é combinado ao espaço físico, nos conduz a duas questões principais:
(1) Assumindo que o conceito de ‘ciberespaço’ como um espaço mental e
imaginário está ultrapassado, onde é o lugar do imaginário
em um ambiente em que o
físico e o digital co-existem? Como este imaginário é criado pela re-definição do
26
KLEINROCK, Leonard. On some principles of nomadic computing and multi-access communications.
IEEE Communications Magazine, p. 46-50, jul. 2000. Disponível em:
http://www.comsoc.org/~ci/public/2000/jul/index.html
. Acesso em: 08 set. 2003.
27
“The access to wireless communications provides two capabilities to the nomad. First, it allows the
nomad to communicate from various (fixed) locations without being connected directly into the wireline
network. Second, it allows the nomad to communicate while traveling”.
150
conceito de ‘real’ e pela re-organização de espaços físicos? Se o viajante era aquele que
criava espaços imaginários no passado, que tipo de imaginário é criado pelo nômade?
Além disso, se o viajante anteriormente era o que mapeava o espaço físico, será possível
mapear o espaço híbrido sem que este perca suas características?
(2) Como as tecnologias nômades de comunicação influenciam a localização e a
estrutura de espaços urbanos? A produção de arte midiática e dos jogos ubíquos será
analisada como reflexo dessa tendência, influenciando o modo como o sujeito se
comunica e interage em espaços públicos. Esta segunda questão re-conceitualiza o
digital como fator determinante do espaço físico, e não mais como um espaço mental,
ou separado do físico.
5.3. De espaços a lugares: deslocando o sujeito e os espaços de comunicação
O ato de viajar sempre proporcionou maior comunicação entre os povos e
ajudou a mapear o espaço físico. Desde o século XIX, no entanto, com o
desenvolvimento do trem, do automóvel e do avião, deslocar-se pelo espaço tornou-se
cada vez mais rápido. Assim, tecnologias nômades de comunicação começaram a se
desenvolver para suprir as necessidades criadas pela mobilidade. A Internet, uma das
principais tecnologias de comunicação da contemporaneidade, também foi agora
conectada a essa rede móvel.
28
Espaços e lugares foram já foram definidos de diferentes maneiras. Castells
(2000, p.453), por exemplo, define a diferença entre lugares e espaços através de suas
fronteiras: enquanto os lugares têm fronteiras geográficas definidas, os espaços não
possuem fronteiras delimitadas. Além do mais, ao passo que os espaços são conectados
à circulação (de bens, informação, carros, dinheiro), os lugares são associados a pessoas
e às interações entre indivíduos, isto é, à comunicação. Dentro desse contexto, estudar a
mudança de lugares de comunicação do físico ao virtual e, em seguida, ao híbrido, nos
ajuda a compreender a transformação nos padrões de comunicação e de sociabilidade na
sociedade contemporânea, além de esclarecer como os ambientes de multiusuários
podem agora acontecer em espaços híbridos.
28
Não se pretende defender um determinismo tecnológico, ao afirmar que mudanças sociais são apenas
causadas por desenvolvimentos técnicos. Muito pelo contrário: a sociedade muda e, então, a tecnologia se
adapta às novas necessidades. Por outro lado, é também evidente que novas tecnologias influenciam
transformações sociais.
151
5.3.1. Desconectando espaços e lugares
É possível sugerir que antes do advento das tecnologias avançadas de transporte
e comunicação não havia distinção entre lugares e espaços. Apesar de ser possível
identificar lugares imaginários, distantes e desconhecidos, os quais não pertenciam ao
espaço geográfico contíguo, todos esses lugares haviam sido colocados fora do espaço
físico conhecido. Tais lugares contribuíram para a criação do imaginário, mas não
influenciavam ativamente as práticas sociais e culturais em nível local. A sociabilidade
ocorria prioritariamente nas cidades, mas mesmo o espaço “entre” da viagem
proporcionava encontros entre os viajantes, e o conseqüente desenvolvimento de
relações sociais. O ritmo da viagem era relativamente lento, facilitando a construção de
certas formas de relacionamento social entre os indivíduos que viajavam juntos.
5.3.1.1. A ferrovia acelerando deslocamentos
Espaços e lugares começaram a se separar após o advento das tecnologias
avançadas de transporte. Assim como o viajante, o trem e o telégrafo contribuíram para
transformar a percepção do espaço e do tempo, conseqüentemente criando um novo
modo de lidar com a realidade. Ambos surgiram como tecnologias que aceleravam o
tempo, encolhendo o espaço.
Após a chegada da ferrovia, a velocidade se tornou um importante fator na vida
cotidiana. O tempo de viagem entre dois pontos diminuiu substancialmente,
promovendo uma “aniquilação do espaço pelo tempo”.
29
(MARX apud
SCHILVELBUSCH, 1986, p.35) De acordo com Wolfgang Schilvelbusch (Ibid., p.35),
a diminuição do tempo de deslocamento “parecia criar uma geografia nova e reduzida,
mesmo não tendo, de fato, diminuído a distância entre os pontos conectados pelo novo
modo de transporte”.
30
Curiosamente, a ferrovia também expandiu o espaço. A
diminuição do espaço (quer dizer, o encolhimento do tempo de transporte) provocou
uma expansão do espaço do transporte ao incorporar novas áreas à rede de
deslocamentos.
29
“Annihilation of space by time”.
30
“Seemed to create a new, reduced geography, yet it did not actually alter the size of spaces between the
points connected by the new mode of transport”.
152
A ferrovia chegou para substituir a viagem a cavalo e, assim, provocou
mudanças dramáticas na percepção espaço-temporal do viajante. A duração da viagem
não é uma unidade matemática objetiva, mas uma percepção subjetiva do espaço-tempo
dependente da tecnologia de transporte. Daí em diante, o tempo gasto para ir de um
ponto a outro se tornou irrelevante, pois era muito mais rápido do que antes. Por um
lado, a ferrovia incluiu novos espaços que não eram facilmente acessíveis
anteriormente; porém, o fez destruindo o espaço, mais especificamente, o espaço entre
pontos. Segundo Schilvelbusch (Ibid., p.38), “o entre, ou espaço da viagem, que era
possível aproveitar ao se usar o transporte mais lento, desapareceu com as ferrovias. A
ferrovia só conhece pontos de partida e de destino”
31
– ou seja, os nós da rede.
A aniquilação do espaço “entre” também destrói a figura do viajante tradicional.
Os indivíduos acostumados a viajar em trens não poderiam mais ser considerados
“viajantes”, pois o que tradicionalmente definia um viajante era a possibilidade de
interagir com o ambiente e com outros viajantes ao longo do deslocamento. Os
passageiros do trem só possuíam conhecimento de seus destinos, chegando no mesmo
momento em que partiam, intocados pelo espaço atravessado. Ao se viajar de carruagem
ou a cavalo, antes do advento da ferrovia, passava-se um tempo considerável na estrada.
Conseqüentemente, era necessária a interação com o ambiente. Além disso, a
conversação e a sociabilidade entre os viajantes eram propensas a acontecer – não
apenas entre os viajantes que viajavam juntos, mas também com outros que, porventura,
seriam encontrados durante a jornada.
O desenvolvimento da ferrovia transformou a relação entre o viajante (preso no
espaço interior dos trens) e a paisagem (o espaço exterior). Assim, a ferrovia terminou
com a intensidade da viagem e com a conexão com o ambiente, visto que a velocidade
com que o trem procedia através do terreno destruiu a ligação próxima entre o viajante e
o espaço viajado. A separação do espaço viajado devido ao compartimento fechado do
trem e, principalmente, devido à grande velocidade do descolamento, apagou o primeiro
plano, no qual o viajante costuma se inserir, criando uma paisagem panorâmica. A
velocidade da viagem forçou o viajante a ignorar as porções da paisagem que estavam
próximas e a direcionar o olhar a objetos mais distantes, que pareciam passar mais
devagar.
31
“That in-between, or travel space, which it was possible to ‘savor’ while using the slow, (…) form of
transport, disappeared on the railroads. The railroad knows only points of departure and destination”.
153
O viajante de trem experimentou o isolamento não apenas do ambiente ao redor,
mas também dos outros viajantes. Originalmente, o compartimento do trem foi
desenhado semelhante ao compartimento do coche: um espaço em forma de U onde os
viajantes sentavam uns de frente para os outros. Esse arranjo, desenvolvido para
encorajar a conversação ao longo da viagem, teve um efeito oposto nos trens. Os
viajantes de carruagem esperavam desfrutar da companhia uns dos outros durante um
longo tempo, talvez dias, ou mesmo semanas e, portanto, precisavam interagir entre si.
Contrariamente, os viajantes de trem experimentavam, pela primeira vez, uma viagem
rápida e a perda de contato com o ambiente exterior. Assim, não havia mais motivo para
a comunicação. Os assentos no compartimento do trem forçavam os viajantes a uma
relação baseada não mais na necessidade, mas no embaraço. Essa situação, de acordo
com Schilvelbusch (Ibid., p.75), foi responsável pela criação do hábito de leitura nos
compartimentos. Em vez de olhar para a outra pessoa em frente, os passageiros se
sentiam mais confortáveis olhando para um livro ou uma revista. Assim, também
evitavam a experiência “desagradável” da viagem em trens.
A invenção da ferrovia acelerou os deslocamentos sobre o planeta,
transformando as noções vigentes de espaço e de tempo. Conseqüentemente, as
possibilidades de comunicação aumentaram, ao mesmo tempo em que um número cada
vez maior de pessoas tinha a oportunidade de viajar e de conhecer lugares anteriormente
inacessíveis devido às grandes distâncias geográficas. No entanto, a ferrovia foi também
responsável por desconectar a comunicação do transporte. Ao viajar, estava-se isolado
tanto do mundo exterior quando de outras pessoas ao redor.
Com a subseqüente invenção do automóvel, o espaço de circulação e o
deslocamento acelerado criados pela ferrovia migraram para as cidades, aniquilando a
função dos espaços urbanos tradicionais e os isolando indivíduos no interior de seus
carros. 110110101 -- Organic Intelligence é um trabalho desenvolvido por Kim Hager,
Namrata Mohanty, Meghan Newell, Dolores Rivera, Adriana de Souza e Silva, Ashok
Sukumaran e Fabian Winkler, no outono de 2002, que critica as cidades como espaços
de circulação.
154
5.3.1.2. 110110101 -- Organic Intelligence: falta comunicação no espaço
urbano
110110101
32
é um projeto constituído por quatro carros equipados com luzes
infravermelhas e walkie-talkies, que percorrem três freeways de Los Angeles:
Hollywoood Freeway (101), Santa Monica Freeway (10) e Pacific Coast Highway
PCH (1). Formamos um grupo que agia como uma “IO (inteligência orgânica)
consciente”, intervindo ativamente no espaço das freeways. Nossos objetivos eram, em
primeiro lugar, criticar os carros como autômatos celulares
33
– entidades programadas
isoladas – e, em segundo lugar, chamar a atenção para a existência de redes invisíveis
escondidas no espaço urbano. O primeiro objetivo lida com as freeways como (não)
lugares nos quais indivíduos não se comunicam conscientemente, estando isolados no
interior de seus carros. Dentro dessa lógica, o fluxo do trânsito pode ser considerado
análogo a um comportamento autômato, seguindo, de certa forma, regras pré-
determinadas. Nosso grupo, ao contrário de autômatos celulares, subverteu as regras do
trânsito ao criar padrões intencionais que seguiam um protocolo interno de comunicação
do grupo, e não o fluxo do trânsito. Criamos uma rede interna utilizando os walkie-
talkies, que eram invisíveis a outros motoristas, devido ao uso de luzes infravermelhas
que não são visíveis a olho nu. A rede criada pelo infravermelho foi usada como uma
marca e um protocolo de comunicação entre o grupo. Essa ação “oculta” pretendia
expor as muitas conotações possíveis de diversas redes clandestinas no espaço urbano.
32
O website do projeto e o vídeo de documentação estão disponíveis em:
http://users.design.ucla.edu/~silvaad/portfolio/video/110110110/Index.html
. Acesso em: 17 dez. 2004.
33
Para uma explicação mais detalhada sobre autônomos celulares, vide capítulo 1.
155
Figura 19: Foto de tela do vídeo de documentação: 5
th
Street no Centro de Los
Angeles. O lado esquerdo mostra a filmagem noturna com as luzes infravermelhas,
somente visíveis para a câmera. O lado direito mostra a filmagem normal com quatro
carros, como seria visto por qualquer pessoa. A figura geométrica padrão produzida
nesta cena pode ser percebida como:
34
Este projeto foi um experimento sobre redes que pretendia explorar a
comunicação em espaços urbanos. A ação envolveu o uso de um sistema de linguagem
particular ao grupo, luzes infravermelhas e comunicação via rádio com quatro pontos,
estabelecendo uma forma de comunicação urbana dentro das freeways, uma estrutura de
transporte já existente sobre a qual uma rede física de nós móveis foi formada. Criamos
um grupo de identidade oculta, um organismo móvel com protocolos irregulares,
34
Posteriormente, a filmagem normal descartada. O vídeo final mostra apenas a filmagem com o filtro de
infravermelho.
156
somente visíveis para observadores com filtros de infravermelhos. Tornamo-nos uma
comunidade e uma rede invisíveis dentro da cidade de Los Angeles.
O vídeo de documentação foi filmado em pontes sobre as freeways para
proporcionar uma visão aérea do tráfego. As cenas que mostram a comunicação entre os
carros foram filmadas majoritariamente na Santa Monica Freeway (10). As seguintes
pontes foram usadas na filmagem:
Ponte da Rua Vermont sobre a 101.
Ponte sobre das ruas 5
th
-6
th
Street no Centro de Los Angeles, perto da 110.
Ponte da Avenida Lincoln, sobre a 10.
Ponte para pedestres sobre a 1.
Cada carro foi equipado com uma luz infravermelha e um walkie-talkie.
Utilizamos lâmpadas halógenas padrão de quartzo, cobertas com géis infravermelhos,
para criar uma rede invisível. Assim, a luz visível era praticamente toda bloqueada, mas
a luz infravermelha ainda transmitida. Ao mesmo tempo, os walkie-talkies permitiam a
comunicação em tempo real entre os quatro carros, criando uma rede de comunicação
muitos-muitos. Nosso objetivo era formar figuras geométricas, coordenadas pela
comunicação via walkie-talkie, semelhantes àquelas produzidos por autômatos celulares
em uma simulação bidimensional. A idéia, no entanto, era exatamente criticar o
comportamento autômato e não-comunicativo no espaço de circulação urbano. Nossas
figuras, visíveis através do filtro infravermelho, eram conseqüências da comunicação
entre o grupo, ao contrário das figuras aleatórias características de autômatos celulares.
Durante a filmagem, foram usadas duas câmeras acopladas: uma coberta com
um gel infravermelho. Na filmagem através do gel infravermelho, é possível perceber
flashes de luz cada vez que o spot era apontado para a câmera. Colocando as seqüências
filmadas com o filtro infravermelho lado-a-lado à filmagem normal, a rede de
comunicação invisível se torna evidente.
Los Angeles é a cidade dos carros. As freeways representam a rede de
transportes, originalmente símbolos do espaço de fluxos, que conecta e move a cidade.
As freeways foram construídas para permitir que indivíduos fossem de um ponto a outro
muito mais rápido do que o fariam usando as ruas comuns, criando, conseqüentemente,
uma nova camada sobre a rede de transportes já existente, que incluía as ruas, o metrô e,
anteriormente, a ferrovia. Apesar de representarem uma estrutura de transporte e de
157
ligação de pontos, as freeways contribuem para eliminar a comunicação entre
indivíduos, visto que cada um está isolado no interior de seu próprio carro. Tal fato se
torna ainda mais evidente ao lembrarmos da função das antigas rotas de viajantes, que
eram, basicamente, lugares onde indivíduos se encontravam ao ir de um ponto a outro.
Com o desenvolvimento da rede urbana de transportes, os carros se tornaram unidades
autônomas, funcionando como escritórios e também como nós de outras redes de
comunicação, possibilitadas por tecnologias nômades. O projeto 110110101 procurou
encontrar uma conexão entre a cidade e os carros como tecnologias de transporte,
transformando as freeways em novas redes de transporte e de comunicação. O projeto
também procurava chamar a atenção para o problema das freeways como não-lugares,
ou lugares onde faltava comunicação.
As freeways de Los Angeles constituem uma importante rede que corta o espaço
urbano e conecta lugares distantes. Conseqüentemente, têm importante papel na
determinação da comunicação na cidade e dos fluxos urbanos. Redes (de transporte, de
comunicação, digitais, ou físicas) possuem características comuns como qualidade
espacial e conectividade. As redes são sistemas acentrados feitos de nós e caminhos.
Assim, é possível entrar ou sair de uma rede por qualquer um de seus pontos. Além do
mais, seus caminhos não devem ser, necessariamente, completamente percorridos. Tal
fato é verdadeiro tanto para redes digitais, como a Internet, quanto para redes físicas,
como as freeways. Como quase toda rede, as freeways possuem diversas saídas e
entradas, sendo possível acessá-las a partir muitos lugares diferentes. Contrariamente, a
rede ferroviária, que precedeu as freeways, era um sistema centrado: as estações de trem
representavam os pontos de partida e chegada para onde os passageiros deveriam se
dirigir de modo a acessar a rede. Hoje, os aeroportos funcionam da mesma maneira em
relação à rede aérea.
Apesar de redes serem estruturas espaciais, seu significado depende dos lugares
(nós) que conectam. O telégrafo, por exemplo, é uma rede que possibilita a
comunicação através de longas distâncias, eliminando (ou encolhendo) o espaço entre
os pontos. Devido à velocidade do deslocamento, as freeways também conectam lugares
distantes de forma muito eficiente, tornando-se parte do ‘espaço de fluxos’ urbano.
(CASTELLS, 2000, p.442). As freeways são, no entanto, não-lugares, visto que
interações sociais não fazem parte de seu sistema de circulação. Semelhante às
158
ferrovias, as freeways tanto encolhem, como também expandem o espaço, incorporando
novas áreas na rede de transporte, fato fundamental para o desenvolvimento da cidade
de Los Angeles, em particular.
Utilizando o espaço “entre” das freeways, 110110101 buscava resgatar o espaço
da viagem, isto é, procuramos usar as freeways não apenas como meio de chegar a
algum lugar, mas também como um espaço de deslocamentos onde os indivíduos teriam
a possibilidade de conversar e comunicar, assim como interagir com o meio ambiente.
Nosso objetivo era chamar a atenção para a importância dos caminhos, apontando para a
formação de um espaço nômade possibilitado por tecnologias nômades de comunicação.
A intenção era mostrar a possibilidade de usar as redes de transporte e de comunicação
não apenas para conectar indivíduos fisicamente ausentes, mas também para promover a
comunicação entre aqueles que ocupam o mesmo espaço contíguo.
No projeto, o trânsito representa um fluxo e os carros, as unidades independentes
dentro deste fluxo. Ao observar o fluxo do trânsito de uma perspectiva distante, cada
carro parece se comportar como uma unidade (ou célula) independente dentro da
freeway, que se parece com um espaço de fluxos, posto que a visão do exterior não
possui conhecimento de destinos ou origens. Sendo assim, é apenas possível observar o
fluxo do trânsito e a circulação do carros dentro dessa rede de transportes, lembrando o
comportamento de um autômato celular. Ao criticar os carros como entidades
programadas isoladas, assumimos que os motoristas não interagem com o ambiente e
apenas se comportam de acordo com a posição do vizinho (neste caso, do carro) mais
próximo.
Ao não utilizarem as freeways como um espaço de comunicação, devido à
velocidade do deslocamento e à aniquilação do espaço “entre” da viagem, os motoristas
também não estão conscientes de estarem presentes
na freeway. Essa “ausência
psicológica” provoca um comportamento autônomo, pois não é preciso pensar que se
está lá. O ato de dirigir, então, se torna um comportamento “programado”, como o de
autômatos celulares.
159
Figura 20: Exemplos de modelos geométricos formados por
autômatos celulares, semelhantes ao que fizemos na freeway.
Sem consciência de seu papel dentro do espaço de circulação, os motoristas
(representados pelos carros) seguem um comportamento autômato no trânsito. Na
verdade, dirigir se torna quase que uma ação pré-programada. Uma vez que se sabe
dirigir, não é preciso mais pensar sobre as decisões tomadas. O motorista só precisa
prestar atenção ao fluxo do trânsito, se comportando de acordo com os outros carros a
sua volta. No entanto, a aparente interação entre os carros não é um protocolo de
comunicação. Os motoristas apenas seguem uma série de regras de trânsito de modo não
interferir na evolução do fluxo padrão. Desse modo, os carros pertencem a um modelo
de trânsito que, bem como o autômato celular, não precisa de um controle central.
Todas as unidades, porém, agem em conjunto para manter o bom funcionamento do
sistema de circulação.
O que acontece, então, se surgem células conscientes nessa grade, as quais não
seguem uma série de regras pré-determinadas, porque estão conscientes de seu papel no
espaço de circulação? Agindo como um grupo consciente, modificamos o significado
tradicional do espaço da freeway de duas maneiras: primeiro, não utilizando a freeway
como mecanismo de conexão ou como um não-lugar sem significado próprio. Ao
formarmos figuras geométricas e nos comunicarmos uns com os outros, estávamos, na
verdade, transformando a freeway em um espaço ativo, conectando-o, assim, com um
espaço híbrido, no qual a comunicação entre os indivíduos e a interação com o ambiente
acontecem. Estávamos trazendo de volta o espaço “entre”.
35
Em segundo lugar, ao
interagir uns com os outros estávamos tentando chamar a atenção para outros tipos de
35
Uma rápida observação em relação ao termo: “intervir no espaço da freeway”. Evidentemente,
estávamos apenas preocupados em estabelecer protocolos comunicacionais e modificar padrões de
trânsito como metáforas de utilização do espaço “entre”, há tanto tempo esquecido. Na prática porém, o
desfecho foi outro. Tentar agir numa auto-estrada de modo diferente dos padrões dos outros carros,
tentando alinhar quatro carros em alta velocidade mostrou-se extremamente perigoso. A conclusão é que,
para o trânsito “fluir”, são necessárias a colaboração e a ação coletiva entre os motoristas. Um exemplo
do contrário pode ser observado com freqüência nas ruas no Brasil, onde motoristas “espertinhos” tentam
passar na frente dos outros, não respeitando o padrão maior, e a conseqüência é apenas a não circulação
geral.
160
protocolos comunicacionais que acontecem no espaço da freeway, acerca dos quais não
temos conhecimento. Por exemplo, um automóvel pode estar conectado em diversas
direções: com carros parados no trânsito a quilômetros de distância, com câmeras
controladoras do tráfego ou com satélites que auxiliam a navegação. Os motoristas
também podem estar conversando com outros indivíduos que não estão fisicamente
presentes, enviando e-mails ou ouvindo rádio. Por outro lado, em seu lugar físico, um
carro pode apenas interagir com outros carros que estejam a poucos metros de distância.
As redes invisíveis são também redes móveis.
5.3.1.3. De lugares a espaços: em direção ao espaço digital
O aparecimento de freeways como espaços onde falta comunicação é um
sintoma do crescimento das cidades como espaços de circulação. A velocidade cada vez
maior do deslocamento e a impossibilidade de comunicação enquanto em movimento
transformou os espaços urbanos em processos, em vez de lugares. (CASTELLS, 2002,
p.417) Evidentemente, interações locais sempre aconteceram e continuarão a acontecer.
No entanto, ao mesmo tempo em que se temia o crescente isolamento dos indivíduos em
suas casas, escritórios e carros, a Internet ganhava importância como um novo e
alternativo “lugar” para a comunicação. Assim, lugares de interação começavam a ser
criados em meio aos fluxos de informação.
A Internet é também um meio de comunicação, sendo freqüentemente encarada
como a convergência da aceleração e da virtualização dos deslocamentos sobre o
espaço. Mover-se na Internet não significa deslocar-se fisicamente, porém, essa nova
rede ampliou consideravelmente a possibilidade de se conhecer novos lugares e pessoas.
Sendo assim, a Internet foi vista como um ambiente onde era possível mover-se sem
sair do lugar. O sedentarismo, como foi visto, era considerado historicamente um valor
positivo, e sendo assim, a possibilidade de viajar e sociabilizar sem se abandonar a
própria escrivaninha foi, da mesma forma, também encarada de modo otimista. Durante
as últimas duas décadas, desde a invenção do e-mail, a rede de informações tem sido
considerada como sinônimo de um espaço imaterial e a noção de espaço foi
completamente substituída pela de tempo. No século XIX, Morse foi brindado pela
161
“aniquilação do espaço” causada pelo telégrafo elétrico;
36
no século XX, porém, a
Internet alcançou o mesmo objetivo de maneira muito mais eficiente. Ao aniquilar o
espaço físico, a Internet também criou o tempo instantâneo. Não é preciso dizer que
todas essas considerações refletem um pensamento utópico criado ao redor do
ciberespaço ou da Internet. Ao longo desses últimos 20 anos, as conexões em baixa
velocidade nos fizeram conscientes do tempo e da demora. Além do mais, “conhecer”
um lugar pela Internet nunca substituiu seu correspondente físico. É inquestionável, no
entanto, que a Internet, seguindo a história dos meios de comunicação, facilitou a
interação entre indivíduos. A Internet foi além do telefone, permitindo a formação de
comunidade através da comunicação todos-todos. Os ambientes de multiusuários,
construídos metaforicamente como lugares sociais físicos urbanos, atraíram milhares de
pessoas que se sentiam amedrontadas pela aceleração dos espaços de circulação urbanos
ou que procuravam conhecer outros indivíduos além de seus limites geográficos.
Durante a última década, houve uma crença comum de que tais comunidades “virtuais”
cresceriam indefinidamente e que a comunicação migraria, cada vez mais, para o
“ciberespaço”.
Kevin Kelly (1997) discerne lugares de espaços, sugerindo que os espaços não
são limitados pela proximidade, ao passo que os lugares são geograficamente contíguos.
“Mesmo sendo extremamente prósperos e ricos (...), os lugares físicos limitam o número
de conexões que as entidades podem fazer. Uma pessoa em um lugar pode apenas
interagir com um número fixo e pequeno de outras pessoas na mesma localidade”.
37
De acordo com Kelly (Id.), um espaço, diferentemente de um lugar, é um
ambiente criado eletronicamente. Assim, a transferência de jogos para a Internet foi
vista como uma grande vantagem, visto que o jogador em um espaço eletrônico poderia
se comunicar com um enorme número de outros jogadores ao mesmo tempo, muito
mais do que seria possível no espaço físico. O autor, no entanto, conta que algumas
firmas que produziam jogos de multiusuários descobriram que a mínima demora na
comunicação de multiusuários levaria ao fracasso das experiências em tempo-real. “Esta
36
Morse e o telégrafo são mencionados no capítulo 4, Arte, interfaces gráficas e espaços virtuais:
estudos de caso.
37
KELLY, Kevin. New rules for the new economy. 10 radical strategies for a connected world. New
York : Penguin Books, 1999. 171 p. Disponível em: http://www.kk.org/newrules/
. Acesso em: 06 set.
2003. “As rich as physical places are (…), they limit the number of connections that entities can make
within them. A person in a place can only interact with a fixed and rather small number of other people in
the same vicinity”.
162
lacuna notável não faz diferença na transmissão de um pedido de livro, ou em uma
previsão metereológica, mas muito da vida acontece em súbitas e espontâneas respostas
e aquele um oitavo de segundo pode acabar com a intimidade e a espontaneidade”.
38
(Id.) Assim, Kelly declara que uma conseqüência natural desse retardo técnico foi a
permanência da comunicação cara-a-cara, pois esta não pode ser substituída on-line. O
autor prevê que as tecnologias de transporte, como os aviões, se desenvolverão tanto
quanto as tecnologias de comunicação. No entanto, o que acontece quando é possível
combinar o movimento pelo espaço, a comunicação à distância e a interação cara-a-
cara?
5.3.2. Reconectando lugares e espaços: em direção ao espaço híbrido
Kelly (Id.) declara que o significado verdadeiro de um espaço não está
relacionado apenas a sua “virtualidade não-geográfica”, mas à sua habilidade de
absorver conexões e relações. Assim, o conceito de ‘espaço’ não é geográfico, mas
relativo à rede. Conforme visto, as redes são estruturas espaciais, tendo sua existência
guiada pelo número de conexões que contêm. Um espaço híbrido também é um espaço
conectado, constituído por uma rede móvel de pessoas e tecnologias nômades que
operam em espaços físicos não-contíguos. Assim, para integrar esse espaço, um nó (ou
seja, um indivíduo) não precisa compartilhar o mesmo espaço geográfico com os outros
nós da rede móvel. O espaço híbrido é criado pela implicação de lugares diferentes e
descontínuos.
Kelly (Id.) de fato afirma que “lugares ainda importam, e importarão por ainda
muito tempo. No entanto, a nova economia opera em um espaço
, mais do que em um
lugar e, com o tempo, cada vez mais transações econômicas migrarão para este novo
espaço”.
39
Manuel Castells (2000, p.442) possui uma abordagem similar ao definir o
‘espaço de fluxos’ como um espaço de circulação econômica não restrito por fronteiras
geográficas. No entanto, o ‘espaço de fluxos’ de Castells transforma as cidades em
38
“That noticeable gap makes no real difference in the transmission of a book order, or a weather signal,
but enough of life thrives on subtle instantaneous responses that one-eighth of a second kills intimacy and
spontaneity”.
39
“Place still matters, and will for a long time to come. However, the new economy operates in a ‘space
rather than a place, and over time more and more economic transactions will migrate to this new space”.
163
processos, combinando simultaneamente os espaços físicos e virtuais. Na verdade, a
rede invisível que conecta todo o planeta ocorre em ambos os espaços.
Em contraste às teorias modernas, que apostavam na predominância do tempo
sobre o espaço, Castells (Ibid., p.407) propõe um modelo em que o espaço comanda o
tempo. Foi demonstrado que o desenvolvimento anterior de tecnologias avançadas de
transporte e comunicação ajudara a encolher o espaço, encurtando o tempo de viagem.
O modelo de Castells, por outro lado, é baseado em uma rede de fluxos e as redes são,
por definição, espaciais. Uma rede pode existir apenas no espaço. Assim, as redes
podem ser mais bem analisadas como estruturas essenciais de espaços físicos, do que
como formações virtuais.
Castells (Ibid., p.424) também enfatiza a importância de práticas sociais na
definição do espaço da cidade e nega que muitas formas de interações humanas
simplesmente “migrariam” para espaços virtuais. Como exemplo, a possibilidade de
trabalho à distância em grandes metrópoles foi vista no passado como a atividade do
futuro. No entanto, já em 1988, “um importante pesquisador europeu da área de
telecomunicações pôde escrever, sem sombra de dúvida, que ‘há mais pessoas fazendo
pesquisa sobre trabalho à distância do que há, de fato, trabalhadores à distância’”.
40
(CASTELLS, op. cit., p.425) Além disso, problemas de deslocamento nas cidades não
diminuíram, considerando que os cidadãos não precisavam mais estar confinados por
oito horas dentro de um escritório, tornando-se mais móveis. O tempo e os
compromissos se tornaram mais flexíveis. Além do mais, uma maior concentração de
comércio em certas áreas contribuiu para criar mais problemas de trânsito e o
aparecimento do comércio eletrônico em algumas áreas não substituiu, de forma
alguma, os grandes shopping malls e as ruas comerciais. O banco eletrônico também
apenas complementou as agências físicas, em vez de substituí-las. Finalmente, apesar de
o ensino à distância ter sido amplamente incentivado com a Internet, é evidente que o
contato pessoal entre alunos e professores é ainda importante. As técnicas de ensino à
distância estão sendo desenvolvidas com o objetivo melhorar e multiplicar esse contato,
em vez de imergir os alunos em ambientes impessoais e isolados, como seria o caso do
aprendizado a partir de casa. As teleconferências e o aprendizado on-line são criados
para complementar e auxiliar a educação em sala de aula, ampliando as possibilidades
40
“A leading European researcher on telecommuting could write, without the shadow of a joke, that
‘there are more people doing research on telework than there are actual teleworkers”.
164
de aprendizado e o contato entre professores e estudantes. Castells (Ibid., p.428) conclui
argumentando que podemos perceber na cidade “simultaneamente a dispersão espacial e
a concentração via tecnologias de informação”.
41
De fato, a cidade provavelmente nunca desaparecerá, e nem mesmo foi jamais
ameaçada. Apesar de a Internet ter sido considerada como um lugar ideal de
comunicação, as “comunidades virtuais” nunca substituirão a interação cara-a-cara. A
Internet, contudo, inquestionavelmente ampliou nossa mente para a possibilidade de
novas comunidades que não estariam confinadas ao mesmo lugar físico, conhecidas
como ambientes de multiusuários. Hoje, as tecnologias nômades também criam
comunidades não contíguas em espaços físicos. Não é possível comparar tais
comunidades às tradicionais interações cara-a-cara, visto que a comunicação acontece
tanto entre pessoas que compartilham o mesmo local, como também entre indivíduos
que estão em espaços físicos distantes. O aparecimento de comunidades em espaços
híbridos é um fator proporcionado por tecnologias móveis de comunicação. Para se criar
sociabilidade, não é mais preciso compartilhar a mesma vizinhança, nem estar em um
lugar específico conectado à Internet.
Espaços físicos sempre foram espaços sociais. As tecnologias nômades de
comunicação re-inventam espaços urbanos como ambientes de multiusuários. Assim, as
cidades, que já haviam se transformado de lugares em processos, agora se apresentam
como espaços híbridos. A sociabilidade acontecia prioritariamente em espaços físicos
numa época em que a velocidade da viagem e/ou circulação era relativamente baixa,
possibilitando indivíduos a se encontrarem enquanto em movimento. Com o surgimento
da Internet, a comunicação migrou parcialmente para os espaços virtuais, nos quais era
possível experimentar o “tempo instantâneo” quando parado em frente à tela do
computador. Após o aparecimento das tecnologias nômades de comunicação, o
ambiente de multiusuários acontece no espaço híbrido, significando que é agora
possível se comunicar com pessoas que não estão presentes fisicamente, ao mesmo
tempo em que se move pelo espaço físico, que é também habitado por outras pessoas.
Sendo assim, é exatamente a implicação de contextos que cria a experiência de
multiusuários.
41
“Simultaneous spatial dispersion and concentration via information technologies”.
165
“As pessoas vão parar de carregar coisas como laptops (...) Cada vez mais aparelhos vão caber
em seu bolso. As pessoas descobrirão que seus telefones celulares podem suportar vídeo,
funcionar como um Palm Pilot e ser um telefone. É muito mais poderoso do que o que têm em
casa (...) E como chamaremos esses não-telefones? ‘Estamos chamando-os de comunicadores’”.
1
(Jan Uddenfeldt, presidente da Ericsson apud KOSKINEN, 2002, p.115)
6.
INTERFACES DO ESPAÇO HÍBRIDO
Interfaces portáteis transformam nossa experiência de espaço, contribuindo para
a formação de espaços híbridos. Alguns exemplos são PDAs (Personal Digital
Assistants ou Assistentes Pessoais Digitais), palmtops e mesmo laptops. Outras de
tecnologias nômades que podem ser carregadas incluem computadores wearable, os
quais são, também, itens de estilo pessoais. Freqüentemente, os telefones celulares são
considerados tecnologias wearable, pois são carregados muito próximos ao corpo.
Percebendo esse fato, os designers de telefones celulares começaram a produzir
aparelhos menores, mais fáceis de serem “manuseados”. Outra tecnologia relacionada a
aparelhos nômades de comunicação é a computação ubíqua, que preenche o espaço
físico com computadores, tornando-os, então, disponíveis de praticamente todos os
lugares.
Este capítulo estuda as interfaces digitais que nos permitem “habitar” espaços
híbridos. No capítulo 1, foram analisadas as interfaces da imaterialidade, como
interfaces físicas que nos conectam ao “ciberespaço”. Mice, monitores, computadores
desktop e HMDs foram considerados interfaces estáticas que promovem a sensação de
imersão em espaços virtuais. De modo contrário, as interfaces móveis e portáteis estão
embutidas no espaço físico, aumentando a interação entre estes espaços e virtuais. Além
disso, os telefones celulares e outras tecnologias nômades são responsáveis pela
sensação de estarmos sempre conectados
, em contato com espaços digitais.
1
“People are going to stop carrying around things like laptops (…) More and more devices are going to
fit in your pocket. People will discover that their mobile can handle video, work like a Palm Pilot and be
a phone. It’s much more powerful than what they have at home (…) And what will we call these non-
phones? ‘We’re calling them communicators’”.
166
Este capítulo analisa algumas características de interfaces móveis, como
ubiqüidade, weareabilidade
2
e transparência. Além disso, este estudo destaca os
telefones celulares que não são mais apenas telefones celulares, mas incluem SMS
(Torpedos), imagens, vídeo, conexão com a Internet e sistemas de posicionamento
celular. Apesar de não haver muita pesquisa acadêmica sobre as implicações sociais dos
telefones celulares, nesses estudos, os celulares são vistos como aparelhos que
transmitem voz e texto.
3
Sob esse ponto de vista, são meramente telefones móveis ou
terminais móveis de envio de e-mails, através dos quais os usuários coordenam aspectos
da vida cotidiana, com mais “controle” e privacidade sobre suas identidades e
personalidades.
Esta Tese, por outro lado, encara os telefones celulares como aparelhos lúdicos.
Conseqüentemente, os celulares são apresentados não apenas como aparelhos de
negócios, mas também como interfaces usadas nas partes “não-sérias” da vida: na
sociabilidade, na arte e nos jogos. Assim, os celulares provocam o surgimento de novos
lugares do imaginário, criando relações originais entre o real e o imaginário. Após
adquirirem a capacidade de transmitir imagem e vídeo, além de incluir as funções de
GPS (Global Positioning System ou Sistema de Posicionamento Global), os telefones
celulares começaram a fomentar a criação de novos tipos de sociabilidade e o
desenvolvimento de novas percepções de espaços físicos. Novos tipos de sociabilidade
incluem práticas lúdicas, como jogar e a visita a espaços artísticos. Os jogos ubíquos e
as instalações artísticas em espaços públicos re-interpretam os espaços urbanos, criando
espaços do imaginário sobre a o espaço físico da cidade.
4
6.1. Da imaterialidade à materialidade
A primeira década do século XXI observa uma mudança no que era
anteriormente chamado de “ciberespaço”. Em um primeiro momento considerado um
espaço imaterial, construído para a mente humana e desconectado da realidade física,
hoje esse espaço se mistura ao ambiente físico. Principalmente devido ao aparecimento
2
Wearabilidade’ é um neologismo correspondente ao substantivo derivado de wearable, significando,
portanto, algo como vestimenta ou ‘a capacidade de se vestir’.
3
Cf. BROWN; GREEN; HARPER (2002), KATZ (2003), KATZ; AAKHUS (2002), PLANT (2001).
4
Conferir o capítulo 8 para a relação entre instalações em espaços públicos e espaços híbridos, e o
capítulo 9 para jogos ubíquos.
167
de tecnologias móveis de comunicação, da computação ubíqua e de interfaces wearable,
vivemos em uma realidade híbrida que inclui tanto o físico quanto o virtual. O
sentimento de ubiqüidade causado por novas tecnologias digitais transforma e aumenta
o conceito do que o real pode ser.
O surgimento da WWW nos anos 90 proporcionou o aparecimento de um novo
tipo de espaço: um ambiente virtual digital que compartilhava com o físico o status de
realidade, expandindo as maneiras pelas quais poderíamos habitar o mundo, visto que os
espaços virtuais poderiam ser construídos de acordo com nossa imaginação. Habitar
espaços imaginários não é uma novidade na história humana. A arte e a literatura há
muito tempo já preenchem a mente humana com lugares novos e “irreais”. Mesmo
assim, nunca houvera um espaço virtual com o qual se poderia interagir e que usuários
poderiam compartilhar através de diversas interfaces digitais. Além do mais, tornou-se
possível comunicar-se com indivíduos de diferentes lugares em um mesmo espaço
digital, criando um novo significado para a palavra ‘comunidade’.
O ciberespaço, no entanto, foi tradicionalmente considerado um espaço
imaterial, um lugar para a mente, em contraste com a realidade física, habitada pelo
corpo físico. O surgimento desse novo espaço digital, que era visto como não-físico,
mas real, trouxe novamente a tradicional dúvida cartesiana, como foi visto no capítulo
2: “a imagem mental corresponde à realidade?” Ao se colocar o ciberespaço dentro da
mente, enfatizou-se sua desconexão com o espaço físico e criou-se um outro tipo de
realidade – um espaço alternativo para o pensamento, no qual se poderiam criar diversos
tipos de personalidades.
Nos últimos 50 anos, o desenvolvimento de simulações computacionais e da
realidade virtual estimulou a criação de outros tipos de realidade que também poderiam
ser imaginárias, isto é, que não precisavam existir no mundo físico. A oportunidade de
habitar e de interagir com essas realidades alternativas transformou a distinção
tradicional entre o real e o imaginário. Daí em diante, o imaginário não era mais visto
como apenas o que habitava o pensamento, mas também o que constituía espaços
digitais, que poderiam ser construídos através da tecnologia e compartilhados com
outros usuários.
Recentemente, o surgimento de tecnologias nômades de comunicação
possibilitou a conexão constante a ambientes digitais. Tornou-se possível literalmente
168
“carregar” a Internet onde quer que se vá, sentindo como se estivéssemos em todos os
lugares ao mesmo tempo. A mobilidade é uma característica decisiva de espaços
híbridos. Novas tecnologias móveis contribuem para o aparecimento de um novo
conceito de ‘realidade’, que mistura o físico e o digital, posto que o digital não é mais
considerado um “espaço alternativo”. Espaços híbridos fazem parte de nossa vida
cotidiana e são, portanto, necessários para a comunicação e interação humanas. A noção
híbrida de espaço simultaneamente amplia o mundo (criando um novo tipo de realidade
constituída ‘ao mesmo tempo’ do físico e do digital) e condensa o mundo (eliminando a
percepção de distâncias físicas e proporcionando a conexão entre indivíduos de
diferentes lugares).
Desde o fim da década passada, é cada vez mais claro que o físico e o digital
estão firmemente interconectados. O “ciberespaço” não é mais encarado como um
espaço isolado para o pensamento, mas como um espaço misturado ao ambiente físico.
Na verdade, o próprio conceito de ‘ciberespaço’ está ultrapassado, visto que
originalmente significava um mundo de informação que existia à parte do espaço
material. Essa realidade híbrida se torna real parcialmente devido à mudança no modo
como nos conectamos a espaços digitais: dos imaginários implantes neurais e interfaces
estáticas, para tecnologias móveis. Quando o espaço digital se torna contíguo ao espaço
físico, a questão, “deveria simular o real?”, não mais importa, pois ambos os espaços
estão misturados no mesmo ambiente.
6.2. Computação ubíqua: uma visão pioneira sobre como trazer o digital para
dentro do físico
Há mais de dez anos, Mark Weiser
5
(1996), pesquisador dos Laboratórios de
Ciências da Computação, no Centro de Pesquisas da Xerox, em Palo Alto, previu que
estaríamos nos dirigindo a uma terceira era na história dos computadores. A primeira,
chamada de mainframes, é caracterizada por um computador sendo compartilhado por
muitas pessoas. Nessa época, os computadores eram operados majoritariamente por
experts. A segunda fase, na qual estávamos na década passada, foi chamada de era da
computação pessoal; quando usuários e computadores encaravam fixamente uns aos
5
WEISER, Mark. Ubiquitous computing. Última atualização em: 17 mar. 1996. Disponível em:
http://www.ubiq.com/hypertext/weiser/UbiHome.html
. Acesso em: 07 set. 2003.
169
outros. Cada computador pessoal deveria pertencer a apenas uma pessoa. Em seguida,
vem a computação ubíqua, ou a era da ‘tecnologia serena’: quando a tecnologia
retrocede para o plano de fundo de nossas vidas. A relação passa a ser, então, muitos
computadores para uma única pessoa. Assim, a computação ubíqua acontece quando
computadores são embutidos em nossa vida cotidiana, não mais fazendo parte de uma
realidade distante. Nesse sentido, “a computação ubíqua é praticamente o oposto da
realidade virtual. Enquanto a realidade virtual coloca as pessoas dentro de um mundo
gerado por computadores, a computação ubíqua força os computadores a viver aqui fora
no mundo, junto com as pessoas”.
6
(Id.)
Weiser era um visionário, pois, já em 1987, ele e seu grupo do Laboratório de
Eletrônica e Imagem, no PARC da Xerox, começaram a pensar sobre espalhar
computadores ubiqüitariamente pelo ambiente. A idéia era fazer computadores
embutidos no meio ambiente, imperceptíveis. Weiser acreditava que o futuro do design
de interfaces estaria nos levando para uma era de interfaces invisíveis. “A um caminho
menos percorrido, chamo de ‘invisível’; seu ideal mais alto é fazer os computadores tão
embutidos, tão encaixados, tão naturais, que não vamos nem pensar sobre eles”.
7
(Ibid.)
Mas não é esse o objetivo principal de tecnologias computacionais? Desde a sua
invenção, o computador pessoal foi construído com camadas de interfaces (monitor,
disco rígido, teclado, disquete, sistema operacional) que procuravam aproximar o
usuário e a máquina, ao se tornarem transparentes para o usuário. Tais interfaces eram
modos de re-representar o digital para os humanos, em uma linguagem que fosse
compreensível para nós. Quanto mais imperceptível a interface, mais o usuário sentiria
que poderia se comunicar com a máquina.
No entanto, o objetivo das interfaces dos computadores pessoais era fazer a
relação entre um usuário e um computador tão natural, de modo que o usuário poderia
estar imerso no ambiente digital sem, sequer, perceber a desconexão do espaço físico. O
caminho dos mainframes para os PCs corresponde à passagem da cultura de cálculos
para a cultura de simulações. (TURKLE, 1995, p.41) A interface gráfica (GUI)
simultaneamente escondia o código atrás da tela, permitindo uma relação intuitiva com
6
“Ubiquitous computing is roughly the opposite of virtual reality. While virtual reality puts people inside
a computer-generated world, ubiquitous computing forces computers to live out here in the world with
people”.
7
“A less-traveled path I call the ‘invisible’; its highest ideal is to make a computer so imbedded, so
fitting, so natural, that we use it without even thinking about it”.
170
o computador pessoal e também simulava o mundo físico, praticamente dizendo: “Você
não precisa mais da escrivaninha física, porque todas as suas ações podem ser realizadas
na escrivaninha (desktop) virtual”. A passagem dos computadores pessoais para a
tecnologia serena inverte essa relação. Sugerindo que “o mundo não é um desktop”,
8
Mark Weiser
9
(1994) buscava qual seria a metáfora para o computador do futuro.
O maior problema identificado em relação aos PCs era sua óbvia visibilidade:
requeriam uma atenção demasiada. Uma boa tecnologia, segundo Weiser, funciona
como uma ferramenta que, quando propriamente usada, desaparece em função do seu
uso, movendo-se para o plano de fundo da nossa atenção. Weiser defendia o argumento
de que a tecnologia serena seria capaz de mover-se para o primeiro plano e para o plano
de fundo, entre o centro e a periferia de nossa atenção. Por exemplo, “a tinta que
comunica as palavras centrais de um texto também, através da escolha de fonte e layout,
perifericamente dá dicas sobre o tipo do texto”.
10
(Id.) De modo contrário, a tipografia
ruim ou sentenças mal construídas, cansam o leitor sem motivo aparente. Ao falar sobre
transparência e funcionalidade, Weiser provavelmente tinha em mente as regras
funcionalistas que guiaram o desenho de objetos, prédios e páginas durante a maior
parte do século XX. De acordo com os movimentos funcionalistas, a forma do objeto
deveria seguir sua função, fazendo o objeto desaparecer em prol de seu uso. O mesmo,
nesse caso, é válido para a tipografia: a boa tipografia deve “desaparecer” para dar
visibilidade ao sentido do texto.
Mesmo assim, uma tecnologia serena moveria para o primeiro plano de nossa
atenção quando, por exemplo, o usuário precisasse controlar o aparelho. Este
movimento da periferia ao centro de nossa atenção, e vice-versa, criava, segundo
Weiser (Id.), uma relação natural com a tecnologia. Quando a tecnologia está na
periferia, ainda temos consciência de sua existência, sem precisar dedicar-lhe atenção.
Além disso, o pesquisador enfatizou que nem todas as tecnologias devem ser serenas.
Os telefones, por exemplo, requerem nossa total atenção ao tocar. No entanto, como
será discutido em seguida, eles ainda são ubíquos.
8
“The world is not a desktop”.
9
WEISER, Mark. The world is not a desktop. ACM Interactions. Jan. 1994, p. 7-8. Disponível em:
http://www.ubiq.com/hypertext/weiser/ACMInteractions2.html
. Acesso em: 25 ago. 2003.
10
“The ink that communicates the central words of a text also, through choice of font and layout,
peripherally clues us into the genre of the text”.
171
Durante os anos 90, o grupo de Weiser desenvolveu na Xerox alguns protótipos
para os computadores ubíquos do futuro, que incluíam quadros, blocos de notas e
etiquetas digitais. O LiveBoard, entre outras funções, era uma ferramenta de desenho
compartilhada à distância, tendo sido vendido para escolas até o ano de 1998. O
ParcPad mantinha uma conexão constante com a rede digital e era usado para redes de
rádio e redes móveis. Finalmente, o ParcTab podia ser usado com apenas uma mão,
incluindo uma rede infravermelha sensível à localização. Tais aparelhos anteciparam
muitas das funcionalidades tradicionais dos telefones celulares de hoje em dia, como as
redes móveis e os serviços baseados em localização.
Weiser também previu algumas conseqüências para o uso da computação
ubíqua: vigilância e controle. Uma vez que computadores se tornassem invisíveis e
fossem espalhados por toda parte, seria difícil saber quem está controlando o que e
quem está observando o que. N. Katherine Hayles (1996, p.6) observa que, no início dos
anos 90, “empregados do PARC receberam broches interativos que se comunicavam
com sensores no teto, enviando informação sobre a localização dos empregados para
uma rede computacional”.
11
Mecanismos de vigilância ganharam importância,
especialmente no imaginário contemporâneo. Quais são as conseqüências (malignas) de
se trazer computadores para o espaço físico? A paranóia da vigilância também está
associada à miniaturização das interfaces. A transparência pode, portanto, ser
relacionada tanto à ubiqüidade, como às interfaces minúsculas que podem ser colocadas
até mesmo dentro do corpo, controlando os humanos sem sua percepção.
12
Todavia, nos anos 90, os pesquisadores e artistas da Xerox estavam menos
preocupados com a vigilância e pensavam mais em como trazer o mundo digital para
dentro do ambiente físico. Uma questão decisiva naquela época era como representar a
informação digital como pano de fundo do espaço físico. Natalie Jeremijenko, artista em
residência no PARC, criou a Dangling String (Corda Pendurada), uma corda plástica
de aproximadamente 2,5 metros que se dependurava de um motor elétrico montado no
teto. A corda monitorava a atividade da rede, ficando “nervosa” e emitindo sons se o
tráfego estava pesado, e “aquietando-se” quando a atividade diminuía. A Dangling
11
“Employees at the PARC are provided with interactive badge that communicate with sensors in the
ceilings, which in turn signal confirmation about the employees’ locations to a computer network”.
12
O imaginário sobre a nanotecnologia, que será discutido no capítulo 8, lidera hoje em dia esse tipo de
pensamento.
172
String ficava em um canto pouco usado da entrada do Centro de Pesquisas e não
interferia no movimento dos empregados pelo escritório. Por outro lado, era uma
ferramenta importante que permitia visualizar e ouvir a atividade da rede sem a
necessidade de se estar conectado a um computador.
Transformar bits em uma experiência palpável é também o objetivo de Hiroshi
Ishii no Media Lab do MIT. Ishii (1999, p.232) admite que foi inspirado pela visão de
Mark Weiser sobre computação ubíqua. No entanto, ele também aponta que seu grupo
procura algo mais do que apenas tornar os computadores ubíquos; o objetivo é
transformar objetos físicos em interfaces que interajam com ambientes digitais. Ishii
contrapõe a ‘mídia tangível’ à tradicional interface gráfica (GUI), à realidade virtual e à
realidade aumentada, apesar de admitir também ter sido influenciado pela pesquisa em
realidade aumentada. A diferença, porém, é que, ao passo que a realidade aumentada
geralmente superpõe informação gráfica ao espaço físico,
13
o grupo de Ishii cria objetos
“pegáveis” que funcionam como interfaces. As interfaces criadas por seu grupo
pertencem a pelo menos uma das três seguintes categorias: (1) superfícies interativas
entre espaços físicos e virtuais, (2) objetos físicos “pegáveis” que combinam bits e
átomos e (3) mídias ambientes, representadas por interfaces de pano de fundo, como
sons, luz e fluxos de ar. A mídia ambiente, da qual a corda de Jeremijenko é um
exemplo, procura transformar todo o ambiente físico em uma interface.
Ao criar ambientes sensíveis, Ishii desloca a computação do desktop digital para
o mundo físico. Conforme visto no capítulo anterior, o pesquisador do MIT também
assinala outra tendência da relocação computacional: a mudança para nossas
peles/corpos. Esta segunda orientação pode ser representada, em primeiro lugar, por
computadores wearable e, em segundo lugar, pela nanotecnologia, a ciência que
constrói a matéria a partir de suas estruturas básicas.
6.3. Computadores wearable: carregando o espaço digital
Ao passo que a computação ubíqua e os bits tangíveis estão associados à
distribuição de tecnologias computacionais pelo espaço físico, transformando-o em uma
interface, a computação wearable procura adaptar a tecnologia ao corpo, permitindo aos
13
De modo semelhante, a GUI e a realidade virtual criam mundos compostos apenas de informação
gráfica, geralmente desconectando o usuário do espaço físico.
173
computadores moverem-se conosco. O conceito de ‘computadores wearable’ inclui
roupas, vestimentas e acessórios, além de estar relacionado com a identidade e a
personalidade. Computadores wearable possuem muitos pontos em comum com as
interfaces previamente mencionadas, como a transparência (o usuário não deve ser
“perturbado” pela presença do computador), a capacidade de trazer o espaço digital para
dentro da realidade física (o usuário pode estar continuamente conectado) e a
transformação na percepção do espaço físico, ao misturá-lo com dados digitais. Além
disso, computadores wearable também podem ser encarados como ferramentas.
N. Katherine Hayles (1999, p.34) assinala diferentes significados que o termo
‘ferramenta’ adquiriu ao longo dos séculos. No século XIX, principalmente devido à
Revolução Industrial, usar uma ferramenta específica poderia transformar o corpo
fisicamente, por exemplo, quando o lenhador se torna mais forte devido ao uso do
machado. Já no século XX, o ser humano foi transformado de um ‘usuário de
ferramentas’, para um ‘construtor de ferramentas’. Posteriormente, no século XXI, o
aparecimento do pós-humano transforma novamente o significado da palavra
‘ferramenta’, de algo separado do corpo para algo que faz parte do corpo (prótese).
Hayles (Ibid., p.84) conta que, nos anos 70, Gregory Bateson perguntou a seus
alunos de pós-graduação se a bengala de um cego podia ser considerada parte do
homem.
“A maioria dos seus alunos acreditava que os limites do humano são naturalmente definidos pela
superfície da pele. (...) No entanto, os sistemas cibernéticos são constituídos de fluxos de
informação. Sob esse ponto de vista, a bengala e o homem formam um único sistema, pois a
bengala transmite ao homem informações essenciais acerca de seu meio ambiente”.
14
Sendo um mediador importante entre o homem e o mundo, a bengala se torna
uma ferramenta transparente e, assim, parte do homem. O valor da bengala é, então,
definido pela informação extraída do mundo e transmitida para o pensamento do
homem. No século XXI, tais ferramentas estão se tornando cada vez menores,
conectando o sujeito à informação digital. A noção tradicional do ciborgue combina o
mecanismo cibernético com o ser orgânico, criando um ciber-organismo. O ciborgue é
composto de homem e máquina, organismo natural e mecanismo artificial. Hoje, porém,
o desenvolvimento das novas tecnologias indica um caminho para além do ser
14
“Most of his students thought that human boundaries are naturally defined by epidermal surfaces. (…)
However, cybernetic systems are constituted by flows of information. In this viewpoint, cane and man join
in a single system, for the cane funnels to the man essential information about his environment”.
174
cibernético, visto que a junção implícita pelo ciborgue é agora constituída de modos
mais complexos e flexíveis.
15
Conseqüentemente, a palavra ‘junção’ não seja mais,
talvez, a correta metáfora para descrever o aparecimento do organismo híbrido. Esta
nova “estrutura” é mais flexível, mais eclética, além de ser composta de diversos tipos
de interfaces que se tornam ubíquas, invisíveis e wearable. A nanotecnologia, por
exemplo, tem um importante papel na criação de organismos híbridos, visto que esta
ciência antecipa a introdução de nano-partículas invisíveis dentro do corpo físico.
Quando não mais se puder distinguir entre o natural e o artificial, também não será mais
possível localizar a junção que é característica do ciborgue. Hoje, a junção não é mais
visível: pode estar dentro de nossos corpos.
Além disso, as ferramentas são também utilizadas como extensão da mente pelo
ambiente físico, conforme observado por Daniel Dennett (1996, p.134), mencionada no
capítulo 1. Dennett (Ibid., p.146) enfatiza a importância da palavra e da escrita como
extensão da memória.
Assim, enquanto a bengala do cego pode ser considerada como
uma ferramenta que permite o fluxo de informação do meio ambiente para a mente do
homem, as palavras desenvolvem um papel oposto, descarregando no ambiente físico a
informação que está em nossas mentes. Além disso, apesar de as palavras serem
culturalmente as ferramentas mais importantes, os computadores podem também ser
considerados como “ferramentas para o pensamento”. Essas máquinas não são apenas
extensões do pensamento, mas também extensões do mundo físico dentro de nossas
mentes (como partes do corpo ou como extensões de espaços contíguos).
A idéia do ciborgue vem das transformações das interfaces digitais como
próteses anexadas ao corpo humano. O novo ciborgue híbrido observa essas próteses se
tornarem invisíveis, ou indefinidas, o que significa que elas não mais precisam estar
conectadas ao corpo para serem consideradas extensões do sujeito. Os telefones
celulares e outros tipos de tecnologias nômades podem ser considerados como próteses
ou extensões do sujeito?
Apesar de a história dos computadores wearable poder ser traçada desde o início
da segunda era cibernética, com a invenção de um computador analógico para prever o
15
N. Katherine Hayles, em entrevista à autora. (19 nov. 2002)
175
resultado de roletas por Claude Shannon e Ed Thorp,
16
as invenções mais significativas
nesta área começaram a acontecer nos anos 70. Steve Mann
17
(1977), professor da
Universidade de Toronto, Canadá, que desenhou um computador embutido em uma
mochila em 1981, assinala três características principais dos computadores wearable
(ou existenciais). Primeiro, eles devem ser parte da nossa personalidade, em vez de
objetos separados carregados pelo usuário. Em segundo lugar, o aparato deve ser
controlado por quem o usa. Finalmente, esses computadores devem ser constantes, isto
é, não devem nunca ser desligados. Quando não estão em uso, automaticamente se
colocam para dormir, mas estão sempre prontos para se ligarem quando forem
requisitados. A segunda e terceira características estão de acordo com o que Mark
Weiser (1994) descreveu como computadores ubíquos: aparelhos que deveriam sempre
viajar do centro para a periferia da atenção humana, automaticamente ou através do
controle do usuário. O primeiro aspecto, no entanto, exclui as tecnologias nômades de
comunicação da categoria de computadores wearable. Será argumentado, porém, que
esse conceito pode ser mudado para a inclusão de telefones celulares.
Mann (Id.) afirma que os computadores existenciais podem ser usados em todos
os setores da vida, e não apenas em lugares de trabalho, como era o caso dos
computadores desktop. Assim, computadores wearable pertencem, também, ao lado
lúdico da vida, influenciando a interação humana e a percepção do mundo “lá fora”. Ao
poderem ser carregados pelo ambiente, os computadores adquirem maior intimidade
com nossas vidas, pois não há mais a necessidade de se ir até um computador – ele está
sempre conosco.
É interessante notar que os computadores wearable se desenvolveram na mesma
época em que os computadores desktop e à GUI. Apesar de ter sido encarada
incredulamente por programadores no início, a interface gráfica logo se tornou sinônimo
de ‘computador’ e foi considerada como um modo mais natural de se entrar em contato
com o ambiente digital. O poder da interface gráfica em puxar o usuário para dentro do
espaço virtual obscureceu a importância das interfaces materiais usadas para manipulá-
16
Para uma linha do tempo dos computadores wearable, veja
http://www.media.mit.edu/wearables/lizzy/timeline.html
e
http://www.media.mit.edu/wearables/mithril/history/. Acesso em: 17 dez. 2003.
17
MANN, Steve. ‘Smart Clothing’: Wearable Multimedia Computing and ‘Personal Imaging’ to Restore
the Technological Balance Between People and Their Environments. MIT Media Lab, 1996. Última
atualização em; 07 jan. 1998. Disponível em: http://wearcam.org/acm-mm96/acm-mm96.html
. Acesso
em: 07 set. 2003.
176
la, colocando ênfase no espaço informacional. Por outro lado, os computadores
wearable precisavam ser carregados pelo usuário, tornando as interfaces físicas muito
mais visíveis. Ao longo de quase duas décadas, os computadores wearable foram vistos
com estranhamento, pois os aparatos físicos usados para interagir com o usuário não
eram nem um pouco “transparentes”. Os primeiros computadores wearable eram
pesados e desengonçados, requerendo demasiado esforço por parte do usuário. A
produção de interfaces invisíveis e confortáveis foi conseguida principalmente a partir
do final da década de 90. A figura abaixo mostra a evolução de uma das invenções de
Steve Mann: de um estranho capacete a uma interface minúscula e quase que
imperceptível em seu cinto, junto a um computador multimídia em miniatura acoplados
aos seus óculos escuros:
Figura 21: Evolução da invenção do “computador wearable” de Steve Mann.
Os computadores wearable e as interfaces transparentes contribuíram para a
criação de relações mais naturais com a tecnologia, incluindo os computadores na vida
cotidiana sem a necessidade de “percebê-los”. Assim, tornaram-se partes de nossas
vidas e também parte de nossos corpos. A miniaturização das interfaces não é
necessariamente crucial, mas é, certamente, um fator importante para o aparecimento de
aparelhos móveis de comunicação.
177
6.4. Tecnologias nômades: combinando mobilidade e comunicação
6.4.1. Sobre algumas características das interfaces móveis
6.4.1.1. Ubiqüidade
Os telefones celulares e outras tecnologias nômades de comunicação têm
algumas características em comum com os computadores ubíquos e wearable, mas
também se diferenciam em outros aspectos. As tecnologias móveis de comunicação
devem ser pequenas para poderem ser transportadas. Semelhantes aos computadores
wearable, devem ser sem fio para poderem se mover livremente pelo meio ambiente.
Entretanto, os telefones celulares não correspondem à definição de tecnologias
transparentes, segundo Mark Weiser (1996), porque requerem a total atenção do
usuário. Essa característica foi herdada do telefone comum, cujo toque sempre
demandou uma interrupção de qualquer ação anterior para que a chamada fosse
atendida. Conforme observara Marshall McLuhan (Apud PLANT, 2001, p.30), em
Understanding Media, “uma chamada telefônica provoca um senso de expectativa, ou
mesmo de urgência”
18
e, assim, usuários geralmente se sentem compelidos a atender a
um telefonema, mesmo se a chamada não é para eles. Segundo Sadie Plant,
pesquisadora que desenvolveu um relatório sobre o uso social de telefones celulares
para a Motorola, o uso de telefones celulares em público cria uma tensão adicional, pois
apenas a pessoa para quem a chamada é direcionada está em posição de respondê-la. Tal
situação irrita muitas pessoas, que se sentem desconcertadas por essa nova trilha sonora
eletrônica que invade os espaços públicos. Além do mais, muitos indivíduos declaram
que “apenas a noção de que uma chamada pode interferir tende a distrair a atenção dos
presentes”, colocando o telefone celular sempre em uma posição de destaque num
grupo. (Ibid., p.30)
Plant (Ibid., p.31) cria três categorias para a recepção pública de chamadas em
telefones celulares. A primeira, chamada ‘vôo’, é caracterizada pelo usuário deixando o
grupo imediatamente e procurando um lugar isolado para falar com privacidade. A
segunda, ‘suspensão’, descreve receptores que permanecem no mesmo local, mas param
o que quer que estejam fazendo durante a duração da chamada. Por fim, ‘persistência’
18
“An incoming call provokes a sense of expectation, even urgency”.
178
define usuários que tentam ficar em contato com o ambiente ao redor, tentando, dentro
do possível, continuar o que estavam fazendo antes da chamada. Todas as três situações
são caracterizadas por, pelo menos, uma desconexão mínima do contexto contíguo e
pelo medo dos colegas próximos de serem “abandonados” pela pessoa que recebeu a
ligação. Esse paradigma, no entanto, está mudando. Os telefones celulares realmente
tiram os usuários do contexto próximo, mas também ‘trazem pessoas distantes para o
contexto atual’. Esse movimento para dentro e para fora do espaço físico promove
novas formas de sociabilidade e de padrões de comunicação. Além do mais, em locais
como Japão, Finlândia e Suécia, os telefones celulares transformaram substancialmente
o papel dos aparelhos pessoais de comunicação, tornando-os interfaces sociais e
engajando colegas próximos na conversa com amigos distantes, promovendo, portanto,
uma experiência de “multiusuário” mais ampla.
Escutar conversas alheias em espaços públicos é geralmente perturbador para
muitas pessoas. Sendo assim, os telefones celulares foram colocados na “lista negra” de
alguns lugares. Há restrições para o uso de celulares em trens britânicos, japoneses,
suíços e americanos. “Restaurantes em cidades tão diferentes quanto Cairo e Chicago
criaram regras como ‘proibido o uso de telefones celulares’ ou áreas ‘livre de telefones
celulares’ para manter o senso de privacidade e espaço pessoal considerado crucial em
seus ambientes”.
19
(PLANT, op. cit., p.36) É interessante notar, entretanto, que os sinais
de “salas silenciosas” em trens ou outros espaços públicos são apenas encontrados onde
a tecnologia se tornou ubíqua. Por outro lado, a ubiqüidade também proporciona a
familiaridade com a tecnologia. A artista e curadora Sara Diamond
20
observou que, no
metrô e nos ônibus de Londres, os passageiros encaram o telefone celular como parte de
suas vidas. Os cidadãos londrinos, apesar de tradicionalmente considerados
introspectivos, mudaram o modo de lidar com assuntos privados e públicos, visto que
falam abertamente sobre todos os assuntos (pessoais) em lugares públicos, diz
Diamond.
21
Na Grã-Bretanha, uma pesquisa desenvolvida pela Telecom Itália atesta que
1,1% da população admite que tenta ouvir a conversa de outras pessoas ao celular.
(FORTUNATI, In: KATZ; AAKHUS, 2002, p.52) No entanto, a mesma pesquisa
19
“Restaurants in cities as diverse as Cairo and Chicago have introduced ‘no-mobile’ policies or
‘mobile-free’ zones in an attempt to maintain the senses of privacy and personal space which are
considered crucial to their atmosphere”.
20
Em entrevista à autora. (17 abr. 2003).
21
Id.
179
afirma que 21,1% dos cidadãos britânicos dizem sentirem-se perturbados pelo uso
público de telefones celulares, representando a percentagem mais alta da Europa.
22
Da
mesma forma, a maioria dos alemães desaprova o uso de telefones celulares em espaços
públicos. 50,1% pensam “Que show!”, ao ver alguém usando o telefone celular em
público. (Id.) Esta reação está ligada à velha crença de que telefones celulares só devem
ser usados para chamadas de emergência. Como resultado, muitos pensam que se
deveria evitar o uso de telefones em público, a menos que seja extremamente
necessário. Plant (op. cit., p.34) conta que “em 1988, um executivo alemão morreu em
uma briga provocada pelo que foi percebido como o mau uso de seu celular”.
23
O conceito de ‘ubiqüidade’ sozinho não inclui mobilidade, mas os aparelhos
móveis podem ser considerados ubíquos a partir do momento em que podem ser
encontrados e usados em qualquer lugar. Tecnologicamente, a ubiqüidade pode ser
definida como a habilidade de se comunicar a qualquer hora e em qualquer lugar via
aparelhos eletrônicos espalhados pelo meio-ambiente. Idealmente, essa conectividade é
mantida independente da localização ou do movimento da entidade. Essa independência
de localização deve estar disponível em áreas muito grandes para um único meio com
fio, como, por exemplo, um cabo ethernet. Evidentemente, a tecnologia sem fio
proporciona maior ubiqüidade do que é possível com os meios com fio, especialmente
quando se está em movimento. Além do mais, muitos servidores sem fio espalhados
pelo ambiente permitem que o usuário se mova livremente pelo espaço físico, sempre
conectado.
Expandindo a ubiqüidade para além dos aspectos puramente tecnológicos, o
termo significa algo “presente, ou parecendo presente, em todos os lugares ao mesmo
tempo”.
24
Com esse sentido, pode se considerar que os telefones celulares estão se
tornando ubíquos. Estatísticas recentes mostram que, em muitas partes do mundo,
incluindo o Brasil,
25
o número de telefones celulares ultrapassou o de telefones fixos.
Em março de 2004, o país possuía 49,10 milhões de telefones celulares, contra 39,20
22
Baseado neste fato, Crispin Jones, associado à firma IDEO, desenvolveu o trabalho Social Mobiles, que
será analisado no capítulo 8, com o objetivo de criticar as pessoas que se sentem perturbadas por telefones
celulares.
23
“In 1988 a German business man died in a fight provoked by what was perceived to be ill-mannered
use of his mobile”.
24
Fonte: Webster’s New World Dictionary and Thesaurus. Fourth Edition. Cleveland, Ohio : IDG
Books Worldwide, Inc., 2000. p.1550. “Present, or seeming to be present, everywhere at the same time”.
25
Fonte: Teleco. Disponível em: http://www.teleco.com.br/comentario/com01.asp. Acesso em: 17 dez.
2003.
180
milhões de linhas fixas. Além do mais, na América do Sul, 53% da população possui
telefone celular, ao passo que 51% são usuários da Internet fixa.
26
O fato de que, em
2002, existem mais donos de telefones celulares do que usuários de Internet na América
do Sul evidencia uma importante mudança da comunicação fixa para a móvel. Também
é possível prever que quanto mais os telefones celulares forem equipados com a Internet
móvel – com acesso remoto à informação, serviços baseados em posicionamento e
comunicação de multiusuário – mais a comunicação será transferida de espaços
“virtuais” para o espaço híbrido.
A Finlândia possui um dos mais altos índices mundiais de penetração de
telefones celulares: mais de 90% da população possuem um celular.
27
Além disso, em
muitos países onde a Internet fixa e as linhas fixas de telefone não são tão
desenvolvidas, os telefones celulares são geralmente o primeiro computador e o
primeiro telefone de muitos cidadãos. A posse de um telefone celular produz o
sentimento de estarmos “sempre disponíveis” e conectados ao mundo ao redor, mesmo
se os lugares conectados não estiverem próximos geograficamente.
A principal diferença, portanto, das tecnologias nômades de comunicação para
as tecnologias wearable e ubíquas é a possibilidade de comunicação com outros
indivíduos. As tecnologias nômades, especialmente os telefones celulares, não apenas
permitem a conexão com a informação digital, mas também contribuem para a
formação de novas formas de comunidades. Em algumas partes do mundo, como o
Japão e a Finlândia, os telefones celulares não são mais apenas aparelhos bilaterais de
comunicação, que era a principal característica do telefone tradicional. Kasesniemi e
Rautiainen (In: KATZ; AAKHUS, op. cit., p.182) observam que, na Finlândia, onde o
uso de SMS é freqüente, “o receptor da mensagem geralmente não faz idéia do número
de pessoas envolvidas na composição da mensagem e do tempo gasto formulando-a”,
28
porque a mensagem é normalmente apenas enviada com o nome do remetente. Os
pesquisadores finlandeses observam que adolescentes em ônibus e trens neste país têm o
celular nas mãos a maior parte do tempo. Ao receber uma chamada, a conversa
comumente é compartilhada entre o grupo. Além disso, ao escrever mensagens de texto,
26
Fonte: Teleco. Disponível em: http://telecom.br/estatis.asp. Acesso em 17 mai. 2004.
27
Fonte: ITU, 2003. (International Communications Union). Disponível em: http://www.itu.int/ITU-
D/ict/statistics/at_glance/cellular03.pdf. Acesso em: 17 mai. 2004.
28
“The recipient of the message is generally unaware of the number of people involved in composing the
message and the time spent in formulating it”.
181
os adolescentes perguntam a amigos sobre o conteúdo do texto e mostram as mensagens
recebidas para o grupo.
A partir do momento em que se tornam ubíquos, os telefones celulares também
podem ser encarados como ferramentas, pois se mostram tão naturais que seu uso não é
nem mesmo percebido. Acerca do uso do telefone tradicional, Meyrowitz (Apud
COOPER, In: BROWN; GREEN; HARPER, 2002, p.20) comenta: “falar com alguém
ao telefone (...) é tão natural que quase nos esquecemos da intervenção do meio”.
29
Nesse sentido, telefones são, também, transparentes. E o telefone celular, está se
tornando uma interface transparente, como o telefone? Nesse ponto, é preciso distinguir
entre dois significados de ‘transparência’. O primeiro, proposto por Mark Weiser
(1996), corresponde a um aparelho que não requer nossa atenção a todo momento e que
pode ocupar o pano de fundo de nossas vidas. Outro sentido inclui ferramentas que não
aparecem porque são funcionais e seu uso já está embutido na vida cotidiana. Por
exemplo, quando se fala ao telefone, o foco permanece na pessoa que está do outro lado
da linha, e não no telefone em si. Da mesma forma, quando se escreve, o foco está nas
palavras empregadas e não na caneta em si – a menos que se use uma caneta ruim que
falhe na execução de seu papel funcional. Ambos os significados de ‘transparência’
estão conectados, visto que a tecnologia serena deve ser funcional e as ferramentas
devem retroceder para o plano de fundo quando não estiverem sendo usadas.
6.4.1.2. Wearabilidade
Parte das respostas a essas questões se fundamenta na função de telefones
celulares como aparelhos wearable. Diferentemente de computadores wearable, as
tecnologias nômades não são feitas para serem vestidas. No entanto, dentre todas as
tecnologias móveis de comunicação, os telefones celulares são as mais próximas do
corpo, geralmente sendo colocados em bolsos, cintos ou bolsas, tornando-se acessórios
indispensáveis da vida cotidiana. Entretanto, o pesquisador italiano Leopoldina
Fortunati (In: KATZ; AAHKUS, op. cit., p.46) questiona se os telefones celulares são
realmente aparelhos portáteis: “Se olharmos para a fenomenologia de seu uso, sua
29
“Speaking to someone on the telephone (…) is so natural that we almost forget about the intervening
medium”.
182
posição na superfície do corpo é precária e desconfortável”.
30
Fortunati (Ibid., p.47)
argumenta que a dificuldade de encontrar um lugar apropriado para o telefone celular
próximo ao corpo limita sua wearabilidade, pois “a tendência é se livrar do aparelho na
primeira oportunidade e colocá-lo em algum outro lugar”.
31
Por exemplo, é muito
comum deixar os celulares em cima das mesas em restaurantes, bares ou trens. O
impacto dessa “falta de lugar” para o celular foi computada pelo Departamento de
Achados e Perdidos de Londres, que declarou que os telefones celulares substituíram os
guarda-chuvas como os itens mais devolvidos entre abril de 2000 e março de 2001!
32
Estudos sobre o design de telefones celulares procuram torná-los mais wearable
ou adaptar roupas para carregá-los. Fortunati (Id.) também menciona que a Nokia “se
associou com uma loja de moda européia para criar roupas especialmente desenhadas
para incorporar tecnologias móveis de comunicação”.
33
Além disso, a seção de
computação ubíqua (pervasive computing)
34
da IBM explora novas maneiras de fazer a
tecnologia wearable e mantê-la junto ao corpo. Um de seus protótipos inclui um
telefone celular wearable em forma de bijuteria. O aparelho consiste em um par de
brincos, um colar, um relógio e um anel que, à primeira vista, se parecem com bijuteria
comum. O repórter Tom Spring (03 nov. 2000) explica como o “telefone” funciona:
“Ao se receber uma chamada, uma pequena luz começa a piscar no anel. O número da pessoa
que chama aparece no relógio. Responde-se à chamada apertando um botão no relógio. Em
seguida, ouve-se a voz através do brinco, que possui um alto-falante minúsculo embutido. Por
fim, fala-se pelo colar, que é equipado com um minúsculo microfone”.
35
A pesquisa contemporânea sobre moda e tecnologia procura criar novos
aparelhos personalizados que, ao serem embutidos no corpo, permitem o acesso à
30
“If we look at the phenomenology of its use, its position on the surface of the body is both precarious
and uncomfortable”.
31
“The tendency is to free it from its new place at the earliest opportunity and put it somewhere else”.
32
Veja o website Tfl Lost Property Office para outras estatísticas peculiares. Disponível em:
http://www.tfl.gov.uk/tfl/ph_lpo_stats.shtml
. Acesso em: 17 dez. 2003.
33
“Has teamed up with a European fashion house to create clothes specifically designed to incorporate
mobile communication technologies”.
34
Nos Estados Unidos, o termo ‘pervasive computing’ é usado como sinônimo de computação ubíqua,
sendo, hoje, mais popular do que este último. Nesta Tese, utilizarei sempre o termo ‘ubíquo’ porque, além
de não haver tradução literal para esse sentido da palavra ‘pervasive’, em português seu sentido é
geralmente negativo. Para maiores informações sobre a seção de computação ubíqua, veja: http://www-
3.ibm.com/software/pervasive/index.shtml. Acesso em: 17 dez. 2003.
35
“When you get a call, a tiny light starts blinking on your ring. The phone number of the person calling
is displayed on the watch. You answer the phone by pressing a button on your watch. Next, you hear the
call through your earring, which has a tiny speaker embedded in it. You then speak to the necklace, which
has a tiny microphone inside”.
183
informação de qualquer lugar, a qualquer hora.
36
No entanto, se a IBM desenvolve
protótipos, os telefones celulares wearable já existem de fato no Japão e na Europa. O
keitai
37
japonês é certamente mais do que apenas um telefone; é também um objeto
pessoal e faz parte da identidade de muitos jovens adolescentes.
38
Plant (op. cit., p.44)
comenta que “em muitas partes da Ásia do Pacífico, as meninas usam seus celulares
como se fossem bijuterias: em Bangkok, os aparelhos são carregados em bolsinhas de
plástico peludas, usadas como colares”.
39
Recentemente, a NTT DoCoMo, principal
empresa de comunicação móvel no Japão, lançou, em vez de um acessório para “vestir”
telefones, um telefone que se pode vestir: um celular de pulso. Além de ser um telefone
portátil, o Wristomo também vira um aparelho de telefone padrão quando aberto. Como
a maioria dos bons relógios, é à prova d’água. Além do mais, envia e recebe e-mails e é
equipado com um serviço de localização que informa o usuário sobre restaurantes,
meteorologia e transporte, dependendo da posição do usuário. O Wristomo não é
baseado no padrão I-mode de terceira geração
40
(3G), mas, de acordo com o jornalista
Anthony Newman (10 abr. 2003), representa “um importante passo para tornar os PDAs
e os telefones – e sua conectividade – ‘ubíquos’ como os relógios”.
41
Como invenções
tecnológicas nunca aparecem sozinhas, quase que simultaneamente, a Samsung lançou o
primeiro telefone de pulso europeu que utiliza GPRS.
42
O telefone da Samsung é
baseado na tecnologia GSM, o padrão europeu para a comunicação móvel. Medindo
37,8 x 64 x 17,7 mm, o telefone começou a ser vendido na Europa no final de 2003
como o menor telefone/relógio GPRS do mundo no livro Guinness. Tanto o Wristomo
36
O show de Moda e Tecnologia no Siggraph 2003 (em São Diego) explorou tais questões, incluindo uma
jaqueta que dava choques, criada pelo grupo de Computação Wearable do MIT e vestimentas especiais
para acomodar telefones celulares.
37
Keitai é o nome dado ao telefone celular no Japão, que significa, aproximadamente, um telefone
transportável.
38
Para maior informação sobre a cultura do celular no Japão, consultar o capítulo 7, Telefones celulares
e lugares.
39
“In many parts of Pacific Asia, girls wear their mobiles as functional jewelry: in Bangkok they are
carried in fur-edged plastic pouches worn as necklaces”.
40
3G é o sistema celular de terceira geração. “Terceira Geração de sistemas celulares incorporam a
possibilidade de oferecer serviços de dados sem necessidade de estabelecimento de uma conexão
(conexão permanente) e taxas até 2 Mbps. Os principais sistemas são o WCDMA e o CDMA2000 1xEV.
A UIT denomina 3G de IMT-2000”. Disponível em: http://www.teleco.com.br/glossario.asp?termo=3G
.
Acesso em: 10 jan. 2004.
41
“An important step in making PDAs and phones—and their connectivity—‘ubiquitous’ like watches”.
42
GPRS, General Packet Radio Service, é um “sistema que pode ser implantado como uma camada sobre
sistemas GSM e que permite serviços de dados sem a necessidade de estabelecimento de uma conexão. É
considerado um passo intermediário (2,5 G) para a terceira geração de sistemas celulares (3G)”.
Disponível em: http://www.teleco.com.br/glossario.asp?termo=GPRS
. Acesso em: 17 dez. 2003.
184
quanto o telefone de pulso da Samsung representam a tentativa de se fazer a tecnologia
móvel mais wearable e mais disponível, sem se tornar desconfortável. “Com seu
telefone amarrado no pulso, você nunca precisa se preocupar em esquecê-lo”,
43
comenta
Newman (Id.) Ainda é cedo para prever se os telefones celulares se transformarão de
aparelhos de mão em aparelhos de pulso, mas, definitivamente, estão se tornando
acessórios mais personalizados e menores.
Figura 22: O Wristomo da NTT DoCoMo e
Figura 23: O telefone de pulso GPRS da Samsung.
Sara Diamond
44
argumenta que, apesar da preocupação dos fabricantes de
telefones celulares em melhorar seu design, freqüentemente uma ênfase em aspectos
estéticos deixa a funcionalidade em segundo plano. Por exemplo, as antenas internas
são responsáveis pela má qualidade da recepção e os aparelhos menores têm baterias
com menor durabilidade. No entanto, a wearabilidade é decisiva para transformar o
celular em uma interface ubíqua, com todas as características que um aparelho ubíquo
deve ter: transparência, popularidade, onipresença e pervasiveness. Conforme
argumenta Fortunati (op. cit., p.48), “se o Walkman ‘veste’ a orelha, e microchips
permanecem inseridos no corpo por longos períodos, o celular envolve não somente a
orelha, mas também a boca e a voz”.
45
Quando não está sendo usado, o celular
43
“With your phone strapped to your wrist, you never have to worry about leaving it behind”.
44
Em entrevista à autora. (17 abr. 2003)
45
“If the Walkman ‘dresses’ the year, and microchips remain inserted in the body for long periods, the
mobile involves not only the ear, but also the mouth and voice”.
185
geralmente permanece junto ao corpo durante a maior parte do dia. O título do livro de
James Katz sobre telefones celulares, Machines that become us (Máquinas que se
tornam nós) (2003), descreve exatamente aparelhos que, por estarem tão perto do
corpo, se tornam parte do corpo e também da personalidade”.
A maior popularidade dos telefones celulares em relação a outras tecnologias
mades, como laptops e PDAs, se deve à sua fácil portabilidade – e preço,
evidentemente. Conforme a pesquisadora Sadie Plant (op. cit., p.26) nota, os celulares
são especialmente populares no Japão porque as pessoas estão acostumadas a viver em
espaços limitados, “o que as torna relutantes em comprar ou carregar algo tão grande e
pesado como um laptop, mas deliciadas em colocar no bolso um keitai pequeno, leve,
com várias funções”.
46
Mesmo em outras partes do mundo, a partir do momento em
que os celulares começam a adquirir funções que ultrapassam as de um telefone
tradicional, começam a substituir as outras tecnologias nômades de comunicação, visto
que são mais fáceis de carregar e mais baratos.
6.4.1.3. Imersividade
Apesar de os telefones celulares poderem ser facilmente esquecidos, enquanto
estão em uso podem ser realmente demandantes. É comum se ouvir comentários sobre
indivíduos que passam mais tempo falando ao telefone do que interagindo com outros
ao seu redor. Assim, os telefones celulares são freqüentemente considerados meios
anti-sociais. Howard Rheingold (2002, p.xxii) observa que, em trens e ônibus, os
passageiros preferem conversar com alguém que esteja fisicamente ausente do que
com as outras pessoas que estejam no mesmo veículo. No entanto, isso não é
novidade, pois, desde o surgimento dos trens como meios de transporte, a
comunicação dentro do vagão se tornou estranha, criando o hábito de leitura durante a
viagem.
47
(SCHILVELBUSCH, 1986, p.75). Com o desenvolvimento de outros meios
avançados de transporte, como o carro, essa situação não mudou. Os telefones
celulares, no entanto, criam diferentes padrões de comunicação que não eram
possíveis anteriormente como, por exemplo, a implicação de contextos ao se
movimentar pelo espaço. A primeira experiência popular da implicação de contextos
46
“Which makes them reluctant to own or carry something as large and heavy as a laptop, but delighted
to pocket a small, light, multifunctional keitai”.
47
Ver capítulo 5, Definindo Espaços Híbridos, “A ferrovia acelerando os deslocamentos”.
186
ao mover-se pelo espaço pode ser percebida com o Walkman, no princípio dos anos 80
(HOSOKAWA, 1997), mas esses contextos implicados não eram conectados à
comunicação bilateral. O Walkman misturava o contexto presente do ambiente urbano
com uma trilha sonora que não lhe pertencia, sendo particular a quem carregava o
aparelho.
Curiosamente, muitas questões levantadas pelo amplo uso do Walkman como
tecnologia wearable são aplicáveis aos telefones celulares de hoje. Por exemplo,
Hosokava (Ibid., p.7) indagava se o uso do Walkman provocava a perda de contato
com a realidade. Ao caminhar pelo espaço, o ouvinte do Walkman está em um mundo
cujos sons não correspondem ao ambiente que vê. A capacidade de escolher a trilha
sonora do mundo também isola o ouvinte do contato com outras pessoas ao redor,
tornando o ambiente físico um pano de fundo para os pensamentos do ouvinte. De
acordo com Hosokawa (Ibid., p.21),
“O significado prático do Walkman se encontra na distância que ele cria entre a realidade e o
real, a cidade e o urbano e, principalmente, entre o outro e o mesmo. Ele destrói o contexto da
cidade e, ao mesmo tempo, coloca qualquer situação incoerente em contexto”.
48
Devido à capacidade de isolar o usuário de interações com outras pessoas no
espaço público, a tecnologia do Walkman provocou muitas controvérsias. (LICOPPE;
HEURTIN, In: KATZ; AAKHUS, op. cit., p.99). Apesar de os telefones celulares serem
aparelhos de comunicação, muitas vezes também foram encarados como responsáveis
por remover o usuário do ambiente físico, isolando-o do contexto presente. As
diferenças para o Walkman, no entanto, são muitas. Primeiro, telefones celulares são
geralmente usados para interagir com o outro. Em segundo lugar, as interações
proporcionadas pelo celular são inesperadas, ao passo que o Walkman segue um
comportamento constante quando ligado. Além disso, as interações decorrentes do
celular não estão limitadas às chamadas recebidas, mas incluem, também, pessoas
próximas. Por outro lado, as telas dos telefones celulares, mostrando diversos tipos de
jogos, assistência pessoal e a Internet, transformam-no em um aparelho altamente
imersivo.
48
“Die praktische Bedeutung des Walkman besteht in der Distanz, die er zwischen der Wirklichkeit und
dem Realen, der Stadt und dem Urbanen und insbesondere zwischen den Anderen und dem Ich entstehen
lässt. Er zerstört den Kontext des bestehenden Textgefüges der Stadt und stellt gleichzeitig jedwede
zusammenhanglose Situation in einen Kontext”.
187
Machiko Kusahara,
49
professora da Universidade de Waseda, no Japão, conta a
história sobre um sujeito esperando pelo trem no metrô de Tókio. O homem estava tão
imerso na tela de seu telefone que atravessou, sem perceber, a linha de segurança do
metrô, indo em direção aos trilhos, e não percebeu quando o trem chegou, sendo quase
que atropelado. Essa história levanta algumas questões. Em primeiro lugar, é verdade
que a imersividade depende do tamanho da tela? Tecnicamente, sugere Erkki
Huhtamo,
50
professor de arqueologia da mídia na UCLA, a imersão é definida como
uma exclusão do ambiente ao redor, em uma situação na qual o usuário não vê as bordas
que separam o digital do físico. O telefone celular, por sua vez, tem uma borda óbvia
que é definida pela pequena tela. Assim, não é possível aplicar o tradicional conceito de
‘imersão’ ao celular. No entanto, o que é que o telefone celular tem que lhe permite
excluir o ambiente ao redor de maneira tão poderosa?, questiona Huhtamo.
51
Como a
tela do celular pode competir de igual para igual com a paisagem urbana? De acordo
com o teórico Norman Klein,
52
“não há mais a necessidade da tela, porque o mundo real
a nossa volta se tornou a tela”.
53
Klein acredita que, quando as pessoas falam ao
telefone enquanto andam, elas apenas se movem pelo espaço, mas não estão, de fato,
ali. Além do mais, essa presença ausente transforma o espaço físico em um não-lugar,
pois não se interage com ninguém ao redor. Assim, tornamo-nos avatares ambulantes.
Um avatar é a representação do sujeito em um espaço onde ele não está. Essa
perspectiva, diz Klein, “gera uma cultura de tremenda paranóia e isolamento. Quanto
maior a invasão da privacidade espaços públicos, mais nos isolamos do mundo ao
redor”.
54
Existem duas maneiras opostas de se perceber os telefones celulares: uma,
seguindo Klein, os considera como tecnologias que promovem o isolamento. A outra
encara os celulares como tecnologias que incentivam a comunicação. Decidir de que
lado ficar não é tão simples. Muitos dos entrevistados
55
afirmaram que os telefones
celulares conectam indivíduos virtualmente, mas os isola localmente. Segundo Norman
49
Em entrevista à autora. (16 jan. 2003)
50
Em entrevista à autora. (15 dez. 2002).
51
Id.
52
Em entrevista à autora. (08 nov. 2002).
53
“There’s no longer need of the screen, because the real world around us has become the screen”.
54
Id. “Generates a culture of tremendous paranoia and isolation. The more we promote an invasion of
privacy in public spaces, the more we make ourselves isolated from the world around us”.
55
Veja os resultados das entrevistas no próximo capítulo, Telefones celulares e lugares.
188
Klein, as tecnologias nômades de comunicação nos removem do espaço físico ao redor,
projetando nossa presença em espaços virtuais. Em contraposição, em espaços físicos,
somos representados por muitas presenças descorporificadas e distribuídas, como
secretárias eletrônicas. Para Klein, vivemos cada vez mais em espaços virtuais.
Dado esse fato, a segunda questão é: será que a imersão depende realmente de
uma tela? O homem ao telefone em Tókio poderia estar lendo um jornal ou um livro, e o
nível de desconexão do contexto presente ser o mesmo. De modo semelhante, ao se
jogar um jogo, mesmo que a tela seja pequena, como em um Gameboy, a remoção do
meio ambiente também pode ser intensa. Sendo assim, a imersão não depende apenas da
visão, mas também do tato, do olfato e da audição. E, mais do que tudo, a imersão
depende da imaginação. Da mesma forma que o usuário do Walkman “re-inventa” a
trilha sonora da cidade ao substituir os sons originais com a música do Walkman, o
usuário do telefone celular também re-inventa os espaços urbanos, não mais se
desconectando deles, mas conectando de um modo diferente.
De qualquer forma, o que aprendemos sobre tecnologias móveis de comunicação
é que elas simultaneamente transformam nossos padrões comunicacionais e tamm
transformam nossa relação com o espaço. Assim, não há mais sentido em discutir se os
telefones celulares nos removem do espaço físico ou promovem a sociabilidade entre os
usuários que se encontram próximos fisicamente, pois o espaço em que a comunicação
ocorre não é mais físico ou
virtual, mas híbrido. Um espaço híbrido engloba ambas as
partes em um só ambiente, implicando contextos e conectando usuários que se
encontram distantes e
próximos.
6.4.1.4. Presença
As tecnologias nômades também mudam nosso conceito de ‘presença’. A
presença sempre foi um importante conceito em ambientes virtuais, à medida que a
criação de um avatar era requerida para representar o corpo no mundo digital. O avatar é
a interface de um corpo físico ausente. Kenneth Gergen (In: KATZ; AAKHUS, op. cit.,
p.227) exemplifica outros tipos de tecnologia que também têm o poder de nos excluir do
ambiente em que estamos fisicamente, como o Walkman, os livros, as telas de
computadores e os telefones. Para ele, tais tecnologias são responsáveis pela criação de
uma presença ausente, pois, ao se falar ao telefone, por exemplo, “se é absorvido
189
fisicamente por um mundo do além tecnologicamente mediado”.
56
Essa declaração é
parcialmente verdadeira, especialmente em relação aos telefones fixos, mas é também
importante considerar dois tópicos adicionais. Em primeiro lugar, o fato de se estar
ausentemente presente nesse contexto pode significar que se está presentemente ausente
em outro contexto. Fortunati (Apud RHEINGOLD, 2002, p.195) crê que “a dimensão
ambígua de presença/ausência no espaço também significa a re-estruturação do senso de
se pertencer a um lugar”.
57
Assim, o sentimento de se pertencer à rede comunicativa de
alguém não depende mais de um lugar específico ou da presença física, mas do espaço e
da troca de mensagens. Curiosamente, a pesquisadora Mizuko Ito (Apud RHEINGOLD,
op. cit., p.6) observou que as “thumb tribes” (tribos do polegar) de Tókio se consideram
“presentes” em um encontro se estiverem em contato via SMS. “Na medida em que os
colegas participavam da comunicação compartilhada do grupo, parecia que os outros os
consideravam presentes”.
58
Essa presença distribuída possibilita que os usuários
participem fisicamente de um evento social, enquanto se comunicam com outros em
outro evento social, criando uma dupla rede de sociabilidade e a capacidade de se estar
“presente” em ambos os lugares. Conforme mencionado no capítulo 4, algumas
características desse duplo sentido do espaço já podiam ser percebidas em algumas
obras de arte da telepresença e arte telemática, ao explorar o poder das tecnologias de
telecomunicação em nos fazer presentes em lugares em que estamos fisicamente
ausentes. No entanto, nenhum deles incluía mobilidade como a que pode se ter com o
celular.
Em segundo lugar, é necessário considerar uma característica muito peculiar dos
telefones celulares, especialmente nos países escandinavos e no Japão: a comunicação
que acontece em ambientes físicos contíguos. As telas de telefones celulares diferem
das telas de salas de cinema, por exemplo, pelo fato de estarem ‘embutidas’ no
ambiente. Um ambiente completamente separado, similar a uma caixa preta, precisa ser
criado para desconectar o espectador do filme do ambiente ao seu redor.
59
Uma situação
similar é produzida pela TV, que geralmente ocupa um lugar específico dentro da casa.
56
“One is physically absorbed by a technologically mediated world of elsewhere”.
57
“The ambiguous dimension of presence/absence in space also means the restructuring of the sense of
belonging to a place”.
58
“As long as peers participated in the shared communication of the group, they seemed to be considered
by others to be present”.
59
No capítulo 8, discute-se como a mesma situação é criada por ‘cubos brancos’ de museus tradicionais.
190
O objetivo dessas telas é desconectar o espectador do contexto contíguo. Ao se assistir à
TV ou a um filme, geralmente não ocorre nenhuma conversa. Ao contrário, as telas de
telefones celulares estão embutidas no mundo físico, são móveis e viajam anexadas ao
usuário. Apesar de poderem também proporcionar a imersão, freqüentemente tem sido
notado que o uso “compartilhado” dos telefones celulares promove a comunicação e a
interação entre colegas que se encontram no mesmo ambiente físico. Alexandra
Weilenmann e Catrine Larsson (In: BROWN; GREEN; HARPER, op. cit., p.95)
desenvolveram um estudo sobre o uso local e compartilhamento de telefones celulares
na Suécia e concluíram, entre outras coisas, que:
“A comunicação remota, isto é, as chamadas telefônicas que eles (adolescentes) recebem ou
fazem, assim como as mensagens SMS que recebem ou enviam, são contadas no desenrolar da
interação local. Os adolescentes, então, compartilham a comunicação da qual participam com
seus amigos co-presentes”.
60
6.4.1.5. Sociabilidade: criando ambientes de multiusuários
Na interação móvel mencionada acima, não apenas a comunicação como
entidade abstrata é compartilhada, como também o telefone como um meio físico.
Assim, os telefones celulares não podem mais ser considerados objetos “privados”,
apesar de serem fortemente pessoais. Através de diversos exemplos, Weilenmann e
Larsson (Ibid., p.98) mostram que os telefones celulares na Suécia são geralmente
compartilhados para que o grupo todo possa falar com a pessoa remota. “Em vez de
uma pessoa falando e ‘se escondendo’ do grupo, todos os presentes são envolvidos, e
têm a permissão para se envolver na conversação que se desenrola”.
61
Conseqüentemente, o celular se torna um objeto colaborativo para adolescentes, mais do
que um telefone privado. Principalmente proporcionada pelo amplo uso de SMS em
países escandinavos, a comunicação social promovida por telefones celulares é muito
mais do que uma mera comunicação em grupo. A implicação de contextos distantes no
presente contexto e o envolvimento de grupos de pessoas que podem se comunicar em
um ambiente “virtual” re-configuram o espaço físico como um ambiente de
60
“The remote communication, i.e., the phone calls they (teenagers) receive or make, as well as the SMS
messages they receive or send, are accounted for in the ongoing local interaction. Teenagers thus share
the communication they take part in with their co-present friends”.
61
“Instead of one person talking and ‘shielding’ her/himself from the group while doing it, everyone
present involves themselves, and are allowed to involve themselves in the ongoing conversation”.
191
multiusuários, criando comunidades de pessoas que (não) compartilham o mesmo
espaço físico contíguo.
Além disso, nesse novo tipo de ambiente de multiusuários, o corpo físico é, de
fato, importante. Nos capítulos anteriores, discutimos a importância da fisicalidade ao se
conectar com ambientes digitais. A escolha de um avatar correspondia à criação desse
corpo, que era uma representação digital (não-física). Dentro do contexto das
tecnologias nômades, o corpo é decisivo, pois representa a interface física na qual a
tecnologia é “acoplada”.
Mesmo ainda não podendo ser considerados tecnologias wearable, os telefones
celulares são definitivamente encarados como extensões do corpo, principalmente
extensões das mãos. Sadie Plant (op. cit., p.23) mostra que, com exceção dos Estados
Unidos (e do Brasil), onde os celulares são nomeados de acordo com a tecnologia que
os produz, em quase todas as partes do mundo seus nomes estão associados à
mobilidade, mãos e portabilidade. Por exemplo, em francês, é chamado de le portable.
Os finlandeses o nomeiam kännykkä ou känny, o que se refere a uma extensão da mão.
Também na Alemanha, um telefone celular é um handy. Em espanhol, le movil. Plant
ainda acrescenta:
“Em árabe, é algumas vezes chamado de el mobile, mas, geralmente, um telefone sayaar, ou
makhmul (ambos os quais se referem a carregar). (...) Na Tailândia, é um moto. No Japão, é
keitai denwa, um telefone transportável ou simplesmente keitai ou mesmo apenas ke-tai. Na
China, é sho ji, ou ‘máquina de mão’.
62
A passagem do ‘telefone celular’ para um telefone ‘móvel’ ou ‘transportável
com a mão’ evidencia a transformação de um aparelho tecnológico para um acessório
pessoal. A mudança de nomenclatura representa o momento em que a tecnologia não é
mais considerada apenas uma ferramenta, mas se torna parte da personalidade e da
identidade.
62
“In Arabic it is sometimes called el mobile, but often a telephone sayaar, or makhmul (both of which
refer to carrying).… In Thailand it is a moto. In Japan it is keitai denwa, a carried telephone, or simply
keitai, or even just ke-tai. In China it is sho ji, or ‘hand-machine’”.
192
6.4.2. Sobre as conseqüências do uso de interfaces móveis
6.4.2.1. Mobilidade e imaginação: dobrando contextos
Erkki Huhtamo
63
argumenta que, para entender os telefones celulares como
aparelhos culturais, é necessário olhar para os estágios iniciais da tecnologia móvel, o
que inclui a história do som portátil. Mais do que uma história tecnológica, é uma
história da imaginação e de aparelhos imaginários que nunca foram implementados. Os
primeiros aparelhos de som portáteis incluíam, além dos rádios de carro dos anos 40,
rádios de bicicleta, rádios em braceletes, assim como aparelhos híbridos que
combinavam o rádio e câmeras fotográficas no início do século passado. As razões pelas
quais o rádio + câmera fotográfica não teve sucesso ainda não foram esclarecidas, mas é
possível que sua falha se deva à incapacidade de envio das fotografias após terem sido
tiradas. Se a combinação com a câmera não funcionou, por outro lado, os aparelhos de
rádio portáteis se tornaram extremamente populares. A comunicação portátil, no
entanto, até recentemente tinha sido popular apenas na imaginação. Huhtamo
64
também
sugere que visões imaginárias se desenvolvem mais devagar do que a tecnologia em si,
o que significa que, mesmo que novas tecnologias apareçam, as fantasias do presente
ainda permanecerão por um longo período. Por outro lado, as fantasias do passado
podem representar tecnologias que nunca serão implementadas. O relógio de pulso
usado pelo personagem de história em quadrinhos Dick Tracy incluía funções, como a
transmissão de imagem, que estão sendo implementadas somente hoje em dia,
principalmente através dos novos relógios de pulso desenvolvidos pela NTT DoCoMo e
pela Samsung. Outras tecnologias permaneceram populares apenas na ficção, quando,
na realidade, nunca funcionaram realmente, como o videofone. Brown e Green (op. cit.,
p.9) contam que, nos anos 70, a AT&T gastou mais de 500 milhões de dólares para
desenvolver o videofone. No entanto, em 1973, havia apenas 100 assinantes do
aparelho. Sendo assim, de acordo com Huhtamo, não há sincronicidade entre a história
do imaginário sobre a tecnologia e o desenvolvimento tecnológico.
Os telefones celulares transformam os espaços (de circulação urbana) em lugares
(sociais) ao incentivar a comunicação entre os cidadãos que se encontram próximos no
espaço físico, e também ao estender a comunicação para os espaços híbridos. Ambos os
63
Em entrevista à autora. (15 Dec. 2002)
64
Id.
193
casos envolvem a comunicação com indivíduos que não compartilham o mesmo espaço
físico contíguo e ambos os casos transformam nossa percepção do espaço ao implicar
contextos distantes no contexto presente. A implicação de espaços proporcionada por
celulares alimenta a imaginação sobre contextos e mundos distantes. Existem sempre
dois contextos envolvidos numa conversa via telefone ou celular. De acordo com Plant,
(op. cit., p.47), “escutar uma conversa telefônica é ouvir apenas um desses mundos.
Ouvir apenas um dos lados significa não ser completamente admitido, nem
completamente excluído de seus mundos”.
65
Uma jovem professora de Chicago admite
que, porque não podia escutar os dois lados da conversa, freqüentemente se encontrava
imersa em especulações sobre as partes que faltavam no diálogo, numa tentativa de
preencher as lacunas. (Id.) Conforme discutido no capítulo 3, os lugares distantes e
imaginários são responsáveis por incentivar a imaginação. Entretanto, se lugares
distantes foram anteriormente trazidos ao conhecimento comum devido à figura do
viajante, hoje, os usuários de telefones celulares são responsáveis pela implicação de
contextos distantes no contexto presente, criando novos cenários para a imaginação. Ao
contrário dos viajantes, porém, os usuários de telefones celulares não precisam contar
histórias sobre o desconhecido, visto que a própria conversação, ao ser escutada pelo
outro em espaços públicos, já é uma narrativa sobre outros espaços na mente daqueles
que habitam o contexto presente. Além do mais, como o habitante anônimo da cidade
geralmente não sabe nada, ou muito pouco, sobre a pessoa que está do outro lado da
linha, é possível de se imaginar qualquer desdobramento em relação às partes perdidas
do diálogo. Essa situação é diferente, no entanto, quando os usuários envolvidos em
ambos os contextos são os tipos adolescentes anteriormente mencionados. Em tais
circunstâncias, o contexto distante é uma parte presente do contexto próximo.
É possível argumentar que os telefones fixos também implicam contextos
distantes no presente contexto, incentivando a imaginação. Todavia, geralmente esses
telefones (com dos telefones públicos) não são utilizados em espaços públicos, o que
restringe o número de pessoas que podem ouvir a conversa, e fixa o contexto no qual a
conversação acontece. Um telefone residencial, por exemplo, é usado por membros da
família cujos contextos pessoais não são completamente desconhecidos para os outros
membros. Diferentemente, o usuário do telefone celular está geralmente em movimento,
65
“To overhear a conversation is to listen in to one of these worlds. To overhear just one of its sides is to
be neither fully admitted nor completely excluded from its worlds”.
194
de modo que as chamadas são recebidas em contextos completamente diferentes. A
implicação de contextos promovida pelo celular é também proporcionada por uma
tecnologia que está, necessariamente, embutida no ambiente, fazendo parte de outros
contextos. Por exemplo,
“em Tókio, os cidadãos são peritos navegadores de ruas, estações de trem e de metrô
movimentadas, ao mesmo tempo em que não perdem de vista seus keitai. Em Beijing, a nova
moda deve provavelmente incluir algo como andar de bicicleta enquanto se faz e recebe
chamadas ao celular”.
66
(PLANT, op. cit., p.50)
O telefone celular cria uma cultura “entre”.
A questão mais freqüente no início de uma conversa ao celular, “onde você
está?”, não é apenas uma pergunta de cunho prático, mas também uma tentativa de se
“contextualizar” a conversar, ao se tentar se imaginar onde a outra pessoa possa estar.
Esse problema não existia com os telefones fixos, porque o contexto era sempre dado.
Além disso, os telefones fixos são ligados a lugares, não a pessoas. De modo
semelhante, endereços IP na Internet pertencem a servidores, não a usuários. Um
indivíduo pode usar diferentes terminais, mas uma rápida olhada nos números de IP
revela de onde a mensagem foi enviada. Contrariamente, os telefones celulares não
possuem uma localização fixa, descontextualizando a conversa e demandando sua re-
contextualização. Conseqüentemente, ao passo que os telefones fixos e a Internet
conectam indivíduos em um espaço virtual, os telefones celulares trazem esse lugar da
conversação virtual para dentro do espaço físico, criando um ambiente híbrido.
6.4.2.2. Mobilidade e espaços: público, privado e (não) controle
O espaço físico no qual o telefone celular se encontra é sempre uma localização
geográfica desconhecida para aqueles que estão do outro lado da linha. Nunca se sabe
onde o outro lado está. Além disso, o fato de o telefone ter se tornado um item pessoal
representa para os adolescentes geralmente a tão esperada liberdade e independência da
vigilância dos pais. É verdade que muitos pais dão telefones celulares de presente para
seus filhos com a esperança de monitorar suas atividades ou torná-los constantemente
“disponíveis”. No entanto, é sempre possível mentir acerca da localização, e escolher o
66
“In Tokyo, people are expert navigators of busy city streets, railway platforms, and subways while
keeping an eye on their keitai. In Beijing, the new skill is more likely to involve riding a bicycle while
making and taking mobile calls”.
195
momento mais apropriado para atender uma chamada, dependendo do número que
apareça na tela.
A existência de apenas uma linha fixa comum a todos os membros da família em
uma residência capacitava outras pessoas a atenderem chamadas que não eram
necessariamente dirigidas a elas, permitindo um possível “monitoramento” de quem
estava ligando para quem. Era possível se ter uma idéia sobre quem estava do outro lado
da linha e, algumas vezes, escutar a conversa alheia, se o telefone ocupava um lugar
coletivo na casa. “Os telefones celulares não permitem mais tal tipo de vigilância
mútua. Para muitos adolescentes, essa é a tecnologia da liberdade, ao passo que, para
muitos pais, é a tecnologia da perda de controle”.
67
(KIM, In: KATZ; AAKHUS, op.
cit., p.73)
Conseqüentemente, transforma-se a percepção tradicional de espaços públicos e
privados. Muito se tem perguntado se os telefones celulares privatizam os espaços
públicos ou se tornam públicos os espaços privados. Essa dúvida é similar à discussão
sobre a responsabilidade dos celulares em remover o indivíduo do espaço físico: as
bordas perderam o delineamento, e é difícil de definir o que é público e o que é privado,
ou o que é físico e o que é virtual. Será que uma conversa telefônica em um meio de
transporte público torna público o espaço privado de quem está falando? Ou é o usuário
do telefone que privatiza o espaço público do ônibus? Qual é a diferença entre uma
conversa ao telefone celular e uma conversa com o passageiro que está sentando ao seu
lado? É diferente porque a outra pessoa ao celular não está presente fisicamente?
Kenneth Gergen (In: KATZ; AAKHUS, op. cit., p.230) classifica as interfaces
de comunicação em duas categorias: tecnologias monológicas e tecnologias dialógicas.
As primeiras, que incluem a TV, o rádio e o filme, ou seja, meios de transmissão um-
todos (broadcast), trazem o público para dentro do privado. A televisão em uma
residência funciona como uma janela aberta para o mundo, ao inserir vozes exteriores
dentro das circunstâncias cotidianas, mas quase não há a possibilidade de se responder a
essas vozes. Por outro lado, as tecnologias dialógicas incluem o telefone e o telefone
celular. Tais interfaces, segundo Gergen, privatizam os espaços, à medida que a chegada
de vozes exteriores é geralmente apenas disponível para uma pessoa de cada vez.
Gergen (Ibid., p.236) sugere que o aparecimento de tecnologias avançadas de
67
“Mobile phones do not allow this type of mutual surveillance anymore. For many teenagers this is the
technology of freedom, while for many parents it is the technology of losing control”.
196
comunicação, como o telégrafo no século passado, promoveu uma erosão da
comunicação cara-a-cara. Curiosamente, “ao aparecer na vida cultural no início do
século XX, o telefone serviu, primeiramente, como uma extensão das relações cara-a-
cara”.
68
A Internet pode funcionar tanto como uma tecnologia monológica – ao ser
usada para acessar informação – quanto como um meio dialógico – em e-mails, chats e
ambientes de multiusuários. No entanto, a Internet foi raramente encarada como uma
extensão das relações cara-a-cara, devido às possibilidades de re-invenção da
personalidade, e da criação de “múltiplas identidades”. Era mais como se esconder sob a
barreira da interface, do que estender a comunicação “real”.
Os telefones celulares também têm um importante papel ao criarem um espaço
privado para adolescentes no Japão. Como os japoneses estão acostumados a viver em
espaços muito pequenos e a dividir uma linha telefônica com toda a família, a posse de
um telefone celular cria um espaço privado para a comunicação. Rheingold (op. cit.,
p.4) observa que, “no Japão, adicionar linhas para telefones fixos a uma residência é
caro, mas é muito mais barato para os adolescentes terem seus próprios números
pessoais móveis”.
69
Também porque grande parte da comunicação é feita por meio de
texto, os outros membros da família não podem ouvir a conversa. Tal fato explica
parcialmente porque o uso de telefones celulares no Japão é tão popular e o mesmo não
acontece nos Estados Unidos. Neste país, as famílias tendem a viver em casas mais
amplas. Além disso, as linhas fixas são muito baratas e, freqüentemente, uma residência
familiar possui mais de uma linha fixa, permitindo que cada membro da família tenha
sua própria linha telefônica. A privacidade nos Estados Unidos não depende da interface
móvel. A pesquisadora Mizuko Ito (Apud RHEINGOLD, op. cit., p.22) nota que
“os americanos se deslocam entre residências privadas, meios de transporte particulares e,
freqüentemente, escritórios privados, com rápidas incursões no carro para fazer compras no
supermercado ocasionalmente (e não todo dia, como é o caso do Japão), e o uso de espaços
públicos e de restaurantes parece ser uma excursão opcional e não uma necessidade”.
70
68
“When the telephone entered cultural life early in the twentieth century, it primarily served as an
extension of face-to-face relations”.
69
“In Japan, adding wired telephone lines to home is expensive, but it is less expensive for teens to have
their own personal mobile numbers”.
70
“Americans move between private nucleated homes, private transportation, and often private offices
and cubicles as well, with quick forays in the car to shop occasionally (not daily grocery shopping as in
Japan), and use of public space and restaurants has the sense of an optional excursion rather than a
necessity”.
197
No Brasil, especialmente nas classes média e alta, a situação é semelhante. A
maioria das residências familiares tem, pelo menos, uma linha de telefone fixa, as casas
são mais amplas e, geralmente, cada membro da família tem seu próprio quarto.
Apesar de poderem ser usados de maneiras diferentes em diversas partes do
mundo, os telefones celulares causam a dissipação das fronteiras entre os espaços
públicos e privados: ao imbricar o privado no público, ao trazer o público para dentro do
privado ou ao criar ilhas móveis públicas/privadas. Especialmente entre os adolescentes,
os telefones celulares não são apenas instrumentos para a construção de suas
privacidades, mas também reforços de suas identidades sociais. Sadie Plant (op. cit.,
p.45) argumenta que os jovens desprovidos de celulares “podem se sentir – e realmente
são – excluídos das redes sociais as quais seus amigos pertencem”.
71
6.4.2.3. Mobilidade, micro- e macro-coordenação
Outra conseqüência importante do amplo uso de telefones celulares é a
capacidade de micro-coordenação. Micro-coordenação é o resultado de uma série de
ligações ligeiras com o objetivo de marcar encontros, reuniões ou trazer ao
conhecimento da outra parte eventos que acabaram de acontecer. No passado, somente
se estava disponível para a comunicação no escritório, em casa ou perto de algum
telefone fixo. Hoje em dia, com a possibilidade de se estar sempre disponível, marcar e
remarcar encontros se torna fácil. De Gournay (In: KATZ; AAHKUS, op. cit., p.194)
aponta três características da interface móvel: acessibilidade, imediaticidade e
mobilidade.
“Imediaticidade é uma vantagem tanto do telefone celular, quanto do fixo. Acessibilidade é uma
vantagem do telefone celular, mas depende da cooperação do dono, porque, se ele ou ela está
indisponível, o resultado é o mesmo que com um telefone com fio. A mobilidade é
inquestionavelmente a característica distintiva”.
72
A micro-coordenação depende das três características funcionando
conjuntamente. Na Coréia, Shin Dong Kim (Ibid., p.70) atesta que houve uma mudança
no modo como se marcam compromissos. Se, antes, os compromissos eram geralmente
marcados com antecedência, de modo que ambas as partes pudessem organizar seus
71
“Can feel — and really be — excluded from the social networks to which their friends belong”.
72
“Immediacy is an advantage common to both the mobile and the corded telephone. Reachability is an
advantage of the mobile phone but it depends on the cooperation of its owner, because, if he or she is
unavailable, the result is the same as with a corded phone. Mobility is unquestionable the distinguishing
characteristic”.
198
horários, após o telefone celular o tempo de coordenação se tornou muito mais
dinâmico. Kawamura (Apud RHEINGOLD, op. cit., p.5) sugere que “as crianças se
tornaram relaxadas em relação ao tempo e ao espaço. Se você tem um telefone, você
pode chegar atrasado”.
73
A micro-coordenação não apenas afeta a percepção de tempo
do usuário, mas também a percepção de espaços públicos. Em primeiro lugar, o uso de
celulares para a micro-coordenação espalha e diversifica os lugares de encontro. Em
seguida, a micro-coordenação é usada para organizar ajuntamentos instantâneos e “flash
mobs” em lugares específicos da cidade. Finalmente, contribui para o desenvolvimento
de espaços do imaginário sobre o espaço da cidade, como é o caso dos jogos ubíquos.
Rheingold (op. cit., p.157) já enfatizara o poder de telefones celulares na macro-
coordenação de ações políticas, como foi o caso do presidente Estrada em Manila.
Entretanto, um outro fenômeno relacionado à macro-coordenação que está ocorrendo
nos Estados Unidos é chamado de “flash mobs”. O acontecimento consiste em dezenas
ou mesmo centenas de pessoas equipadas com telefones celulares que se juntam
subitamente, executam algum tipo específico de ato inofensivo e, então, prontamente se
dispersam. O jornalista Rob Walker conta que (24 ago. 2003), em agosto de 2003, “uma
multidão se formou na loja Toys ‘R’ Us,
74
nos Times Square, olhou fixamente para um
Tiranossauro Rex de brinquedo, caiu no chão gritando e acenando com as mãos e,
então, se dispersou rapidamente”.
75
Essas ações esdrúxulas estão acontecendo em São
Francisco, Mineápolis, Londres e Berlim, e estão chamando a atenção, em parte por
serem esquisitas, em parte porque são organizadas via telefones celulares, pagers e
websites.
76
6.4.3. Sobre o desenvolvimento das interfaces móveis
6.4.3.1. De chamadas de emergência a redes sociais
Michael Benedikt (2000, p.34) assinala que, até os anos 40, o telefone, hoje
aceito sem a menor sombra de dúvida como um aparelho para a conversação, era
73
“Kids have become loose about time and place. If you have a phone, you can be late”.
74
Toys ‘R’ Us é uma cadeia de loja de brinquedos nos Estados Unidos.
75
“A mob formed at Toys ‘R’ Us in Times Square, stared at an animatronics Tyrannosaurus rex, then fell
to the floor with screams and a waving of hands before quickly dispersing”.
76
“Flash mobs” é apenas um exemplo de coordenação social via telefones celulares. Outros exemplos
serão analisados no capítulo 9.
199
encarado como meramente um tipo diferente de telégrafo. Sendo assim, só era usado
para mensagens importantes e urgentes, sendo desligado logo após o essencial houvesse
sido transmitido. De modo semelhante, os telefones celulares também foram vistos
como aparelhos de “urgência”. Freqüentemente, ouvimos que celulares só eram úteis
para emergências ou mensagens urgentes, sendo esse o motivo pelo qual deveriam ser
permanecer sempre conosco. Com o passar do tempo, contudo, percebemos que os
celulares não apenas se desenvolvem do mesmo modo que as linhas fixas, sendo usados
para longas conversas, mas também se tornam uma mistura de pager (SMS), câmera
digital (telefones com câmera), câmera de vídeo, agenda pessoal (PDA), Internet móvel
(WAP) e controle de jogos.
Como toda nova interface, levará tempo até que os usuários descubram o poder e
o significado do telefone celular como uma tecnologia nômade de comunicação. Nos
primeiros anos de seu desenvolvimento, por exemplo, muitos o encaravam como um
telefone tradicional sem fio, guardando-o em casa, como se fosse um telefone substituto
ou adicional. Leopoldina Fortunati (In: KATZ; AAHKUS, op. cit., p.47) observa que
uma pesquisa da companhia telefônica italiana (Telecom Itália), em 1996 “descobriu
que um em cada cinco usuários nunca tinha usado seu telefone celular fora das quatro
paredes de sua casa”.
77
Tal fato é facilmente compreensível se estudarmos a história de
novos usuários de antigas interfaces e meios de comunicação em seu início. Por
exemplo, Janet Murray (1997, p.66) comenta que o cinema das origens era visto como
uma mistura de teatro e fotografia e foi chamado de photoplay (fotografia + teatro).
Esse conceito influenciou substancialmente a estética dos primeiros filmes, que eram
filmados com uma câmera estática em frente a um palco, onde atores contracenavam.
Muito tempo depois, alternativas de filmagem, como cortes e closes, foram
desenvolvidas, realmente explorando o que a câmera poderia fazer. O desenvolvimento
de interfaces gráficas digitais seguiu um caminho parecido. A maneira como
representamos o espaço na rede e como criamos ambientes digitais sempre teve estrita
conexão com o modo como o espaço “virtual” foi conceitualizado. Durante muitos anos,
a GUI como metáfora do desktop foi sinônimo de espaço virtual e, obviamente, essa
representação influenciou nossa percepção do espaço digital como uma simulação do
espaço físico: uma escrivaninha virtual, um papel virtual e uma ferramenta virtual de
77
“Found that one owner out of five never used their mobile phone outside the fours walls of the house”.
200
apontar. Hoje, no entanto, a pesquisa sobre Interfaces do Usuário, no PARC da Xerox,
procura antever novas técnicas para os humanos interagirem com amplos ambientes de
informação. Os pesquisadores argumentam que
“a interface gráfica (GUI) tradicional força os usuários a usarem janelas, ícones, menus e uma
ferramenta de apontar para interagir com o computador. Interfaces como essas são derivadas,
majoritariamente, do padrão de janelas sobrepostas criado pelo PARC da Xerox há mais de 25
anos e refletem as restrições daquela época, ao passo que os processadores de computadores e
memórias avançaram numa ordem de magnitude de quatro vezes e o entendimento da cognição
humana, da comunicação homem-máquina e da neurociência também avançou”.
78
(User
Interface Research @ PARC, 2001)
Além disso, o conhecimento sobre interfaces digitais também aumentou
consideravelmente, permitindo pesquisadores conceitualizar o espaço de informação e a
desenvolver novos modos de interação humana com espaços digitais. O mesmo é
verdadeiro para o telefone celular. Mesmo não sendo considerado um “substituto para o
telefone sem fio”, algumas funções foram atribuídas ao celular para imbuí-lo de sentido
como uma nova interface. A característica de “aparelho de emergência” é um exemplo.
Falar em público em um telefone celular era considerado como falta de educação e seu
uso era justificado pela resposta a chamadas extremamente urgentes e importantes.
O uso do celular também difere dependendo da idade dos usuários. Uma
pesquisa recente (LING; YTTRI, In: KATZ; AAKHUS, op. cit., p.147) mostra que os
usuários mais velhos ainda dão importância para questões de segurança. Os usuários de
meia-idade focalizam no potencial de coordenação do sistema, como a micro-
coordenação e os telefonemas para marcar compromissos. Finalmente, os usuários mais
jovens são os que têm o perfil mais distinto, utilizando o celular como um meio
expressivo de cunho social. Tais usuários são os que, na verdade, descobrem novos
sentidos para a interface e exploram novas possibilidades de uso. De acordo com Tom
Sandage (Apud RHEINGOLD, op. cit., p.1),
“porque utilizava os mesmos fios, o telefone foi originalmente encarado meramente como um
telégrafo falante, mas acabou se revelando algo completamente novo. O mesmo erro já está
78
Disponível em: http://www2.parc.com/istl/projects/uir/. Acesso em: 10 jan. 2004. “Traditional
Graphical User Interface (GUI) techniques forces users to use Windows, Icons, Menus, and Pointing
device to interact with the computer. User interfaces for these are largely derived from the standard
overlapped-window Xerox PARC model of 25 years ago or before and reflect the constraints of the time,
whereas computer processors and memories have advanced by four orders of magnitude and the
understanding of the human cognition, human-machine communications, and neuroscience have also
advanced”.
201
sendo repetido com a Internet. Muitos esperam que a Internet móvel seja a mesma que sua
versão com fio, apenas móvel, mas estão errados. (...) Ao contrário, a Internet móvel, apesar de
ser baseada na mesma tecnologia que a Internet fixa, será algo diferente e será usada de novas e
inesperadas maneiras”.
79
6.4.3.2. De um simples telefone a um aparelho de multimídia, controle remoto e
joystick
A primeira ligação pública de um telefone celular completou trinta anos. Em
1973, Martin Cooper, pesquisador da Motorola, ligou para um telefone público de um
telefone celular em Nova York. (FONTOURA, 03 abr. 2003) Contudo, o primeiro
modelo de celular autorizado para uso público foi lançado somente dez anos mais tarde,
em 1983. Era o Motorola DynaTAC 8000X. Naquela época, consumidores pagaram até
quatro mil dólares pelo aparelho. Ao observar rapidamente esse antigo modelo, parece
tolo que hoje se discuta sobre a portabilidade dos pequenos celulares no mercado. O
primeiro telefone celular podia ser ‘móvel’, mas não era, definitivamente, facilmente
transportável. O aparelho pesava em torno de um quilo e media 25 cm x 3 cm x 7 cm. A
bateria durava 20 minutos em conversação. Mesmo assim, foi um grande avanço
comparado aos únicos meios de comunicação móveis de então, os rádios de carro, que
existiam desde 1940.
Figura 24: Motorola Dyna-Tac 8000X.
Se os telefones celulares já estão há 20 anos no mercado, por que só se tornaram
realmente populares nos últimos quatro ou cinco anos? A história do desenvolvimento
79
“Because it used the same wires, the telephone was originally seen as merely a speaking telegraph, but
it turned out to be something entirely new. The same mistake is already being repeated with the Internet.
Many people expect the mobile Internet to be the same as the wired version, only mobile, but they are
wrong. (…) Instead, the mobile Internet, although it is based on the same technology as the fixed-line
Internet, will be something different and will be used in new and unexpected ways”.
202
dos telefones celulares, como veremos no capítulo seguinte, é uma história de não-
desenvolvimento. A tecnologia para produzir telefones móveis já existia desde a década
de 40. No entanto, levou 30 anos para a primeira ligação e mais dez anos para a
comercialização dos telefones. Em seguida, 15 anos se passaram até que os telefones
móveis fossem culturalmente assimilados. Desde 1997/1998, a posse de celulares
começou a crescer em todo o mundo. Esse desenvolvimento está, em parte, associado ao
crescimento comercial das mensagens SMS desde 1999. Além disso, o desenvolvimento
do padrão I-mode no Japão em 1998, seguido do lançamento dos primeiros telefones
com câmera, contribuiu para o sucesso do celular. Nesse sentido, o triunfo do telefone
móvel está ligado ao fato de que o aparelho não é mais apenas um telefone. Nos países
em que o celular possui os maiores índices de penetração (na Ásia oriental e nos países
escandinavos), o aparelho não é usado apenas para comunicação via voz. É, também,
mas, na maioria das vezes, o celular é usado para o envio de mensagens SMS, e-mails e
para o acesso de informação pela Internet.
- SMS (Torpedos)
Os Torpedos foram incorporados ao telefone celular desde 1992. A primeira
mensagem, que dizia “Feliz Natal”, foi enviada pelo engenheiro Neil Papworth a seus
colegas da Vodafone, de um PC para um telefone móvel, na rede GSM da Vodafone na
Grã-Bretanha. (BBC News, 03 dez. 2002) No entanto, as mensagens de texto apenas
deslancharam em 1999, quando as companhias de telefone celular permitiram o envio
de mensagem entre diferentes operadoras.
80
Desde então, o SMS tem sido um grande
sucesso, sendo freqüentemente usado como a função mais popular do telefone. Em
2002, 70% dos usuários de telefones celulares já usavam SMS. (Id.) Similar aos antigos
pagers, os Torpedos consistem no envio de curtas mensagens de texto para um outro
telefone celular. Um Torpedo tem, no máximo 160 caracteres ou, mais ou menos, 20
palavras. As vantagens dos Torpedos sobre a comunicação via voz são muitas. Em
primeiro lugar, como o e-mail, não requerem uma resposta instantânea.
81
Além disso,
80
Até muito recentemente, nos Estados Unidos apenas era possível o envio de mensagens para assinantes
da mesma operadora.
81
Essa declaração é parcialmente verdadeira, principalmente se considerarmos os adolescentes em alguns
países da Ásia e da Europa. “Deixar uma mensagem SMS sem resposta é quase que sem exceção
interpretado como falta de educação. (…) Geralmente o tempo limite para se enviar uma resposta varia de
15 a 30 minutos”. (KASESNIEMI; RAUTIAINEN, In: KATZ; AAHKUS, 2002, p.186) “Leaving an
SMS message unanswered is almost without exception interpreted as rudeness.(…) The most often stated
time limit for an acceptable delay for a reply is 15-30 minutes”.
203
permitem que os usuários se comuniquem em silêncio, respeitando as regras de etiqueta
existentes em muitos lugares públicos, onde não se é permitido falar alto. As
desvantagens estão relacionadas à dificuldade de se escrever um texto usando as teclas
do telefone celular, que não possuem qualquer similaridade com um teclado de
computador,
82
e ao curto tamanho da mensagem. A popularidade dos Torpedos em
países escandinavos, como a Finlândia e a Suécia, criou diferentes significados para as
interfaces móveis e novas relações entre os usuários. Além disso, os SMS contribuíram
para transformar os celulares em aparelhos sociais compartilhados, visto que as
mensagens podem ser mostradas para outros colegas e escritas coletivamente.
O desenvolvimento do e-mail na Internet fixa já levantara muitas queses
acerca da volta de uma cultura textual. Originalmente, a comunicação à distância era
suprida por cartas e, em seguida, pelo telégrafo, que utilizavam prioritariamente o texto,
em vez da voz. Com o telefone, a comunicação enfatizou novamente a fala e distanciou-
se do texto. Após a Internet, contudo, os e-mails e as listas de discussão assinalaram de
novo a importância do texto escrito sobre a palavra falada.
83
Os telefones celulares
surgiram como telefones, sendo a voz o principal meio de comunicação entre usuários,
mas rapidamente a comunicação via texto foi incluída. Hoje, em muitos países, o uso de
SMS representa o principal uso do celular. Por exemplo, na Noruega, nos anos de 1999
e 2000, 75% das meninas e 62% dos meninos disseram usar seus telefones para enviar
SMS, contra 56% de meninas e 50% de meninos que o utilizavam mais para telefonar,
ou 11% e 19%, respectivamente, para Internet WAP. (SKOG, In: KATZ; AAHKUS, op.
cit., p.262) Quanto maior o uso de texto nos telefones celulares, menor é a necessidade
de uso do aparelho como um ‘telefone’. (NEWMAN, 29 ago. 2003) No entanto, a maior
desvantagem social do texto é que seu uso, efetivamente, isola ambas as parte. De fato,
pesquisadores afirmam que um dos motivos para o extremo sucesso das mensagens de
82
Experimentos para incorporar o teclado QWERT a tecnologias nômades já estão sendo desenvolvidos.
Muitas opções já estão disponíveis no mercado, como teclados dobráveis que podem ser carregados e
conectados ao palmtop ou ao PDA. A pesquisa sobre computação da NTT DoCoMo procura desenvolver
um teclado wearable que pode ser vestido 24 horas por dia.
(http://www.nttdocomo.com/corebiz/ubiquity/index.html
) O aparelho rastreia o movimento dos dedos e
detecta as teclas que se deseja pressionar em qualquer superfície. Além disso, o Canesta Keyboard
(http://www.canesta.com/products.htm
) é o primeiro teclado projetável do mundo capaz de ser integrado
a qualquer aparelho móvel. Ainda um protótipo, este teclado funciona ao se inserir um chip no aparelho
móvel que projeta o teclado em qualquer superfície. De acordo com a companhia, este teclado “resolve o
‘elo perdido’ com aparelhos móveis e sem fio – a habilidade de se realmente inserir dados”.
83
A instalação database, apresentada no capítulo 1, lida com as tensões entre a fala e a escrita.
204
texto na Finlândia se deve ao fato de que os finlandeses não são muito abertos à
comunicação cara-a-cara.
Os Torpedos, assim como os e-mails, diferem de cartas tradicionais.
Estilisticamente, são muito mais informais. Além disso, demandam o desenvolvimento
de palavras específicas, ou jargões, que se adaptem à velocidade e à imediaticidade das
mensagens. Um menino finlandês disse que, quando seu grupo envia mensagens SMS
entre si, não utilizam espaço entre as palavras (para economizar caracteres). Para saber
onde uma palavra termina ou começa, escrevem uma palavra em caixa alta e a outra em
caixa baixa. Além do mais, abreviam palavras e usam o trema (ü) para representar um
sorriso, porque só requer um caractere, em vez de dois :). (KASESNIEMI;
RAUTIAINEN, Ibid., p.184) A natureza efêmera dos Torpedos pode ser comparada ao
dinamismo dos chats na Internet. “As mensagens de texto são difíceis de serem
capturadas: as mensagens de hoje não existirão amanhã”.
84
(Ibid., p.178). Devido à
limitada memória dos SIM card (cartão de memória dos telefones celulares), as
mensagens de texto funcionam mais ou menos como o discurso oral. Nesse sentido,
diferem da cultura escrita e são mais próximas às conversas cara-a-cara, conversas
telefônicas e chats. Para gravar o que foi dito, muitos adolescentes copiam as
mensagens em cadernos, que, de uma forma ou de outra, têm a mesma função do
arquivo de história dos chats. Também existem cadernos eletrônicos especiais para a
gravação de Torpedos. As mensagens de texto em telefones celulares também são
parecidas com os chats porque cada mensagem requer uma resposta, e assim por diante,
criando um diálogo entre as duas (ou mais) partes.
- Posicionamento celular/GPS (Sistema de Posicionamento Global)
Posicionamento celular é também uma característica extremamente importante
de telefones celulares. Existem dois modos de o celular estar ciente de sua posição. Um
se deve ao sistema de posicionamento celular, que informa a posição do aparelho dentro
de sua célula, e utiliza um sistema de triangulação de ondas de rádio detectadas pelos
celulares. Uma outra maneira, muito mais precisa, é alcançada ao se acoplar um sistema
de GPS ao telefone. Existem aproximadamente dez milhões de aparelhos com GPS nos
Estados Unidos, no Japão e na Coréia do Sul desde outubro de 2001.
85
O sistema,
84
“Text messages are difficult to capture: today’s message will not exist tomorrow”.
85
Segundo John Cunningham, gerente de comunicação e marketing da Qualcomm. Disponível em:
http://www.qualcomm.com/press/pr/releases2003/press1183.html
. Acesso em: 11 out. 2003.
205
conectado a uma constelação de satélites, informa a posição do aparelho com uma
pequena margem de erro. Um telefone celular equipado com GPS ou com sistema de
posicionamento é necessário para o desenvolvimento de serviços como informação
sobre o tempo, restaurantes ou locais que se encontram nas proximidades do usuário.
Outros possíveis usos são as páginas amarelas móveis, serviços para o encontro de
amigos, sistemas de mapeamento pessoal e jogos baseados em posicionamento celular,
ou ubíquos.
A NTT DoCoMo (27 mar. 2003) anunciou, em março de 2003, o primeiro
telefone celular com GPS no Japão. “O telefone permite que usuários determinem sua
localização ao apertar apenas um botão e baixar mapas e informações sobre a área em
que se encontra. A precisão do GPS varia de 10 a 50 metros”.
86
Pelo novo sistema, que
faz parte do padrão I-mode, usuários podem acessar informação sobre meios de
transporte públicos e restaurantes, assim como rotas que ajudem a achar localidades
específicas. Além disso, os usuários também podem achar uns aos outros.
- Telefones com câmera
Outra importante característica adquirida por telefones celulares é a habilidade
de tirar fotografias e criar vídeos. O professor Ilpo Koskinen (2002) conduziu uma
pesquisa na Finlândia sobre os efeitos sociais do uso de telefones com câmera entre
adolescentes. Entre outras coisas, Koskinen (Id., p.21) assinala uma mudança na
motivação de se tirar fotografias. Originalmente, uma fotografia era usada como
substituto da memória. Tirava-se uma foto para não se esquecer da aparência de um
lugar ou de uma pessoa. Hoje, com a fotografia digital móvel, tirar uma foto é um meio
de comentar o presente e de criar sociabilidade. “Em um mundo digital, uma imagem
pode ser respondida com uma outra imagem”.
87
(Ibid., p.33) Através de vários exemplos
nos quais os usuários de telefones celulares tiram fotos de sua vida cotidiana e as
enviam para colegas, com ou sem texto anexado, Koskinem exemplifica a criação de
narrativas visuais, visto que uma foto geralmente nunca vem sozinha, mas em uma série
lógica. Da mesma forma, os amigos geralmente respondem com uma outra imagem,
podendo, também, ser a mesma imagem manipulada. (Ibid., p.32-65)
86
“The phone enables users to determine their location at the mere touch of a button, and download
maps and information about the area. GPS accuracy is within 10-50 meters”.
87
“In a digital world, an image can be responded with another image”.
206
Anteriormente, foi dito que os telefones celulares propiciavam o “controle”
sobre a vida do outro, permitindo que usuários organizassem suas relações interpessoais
espaço e temporalmente. Foram mostrados alguns exemplos em que pesquisadores
enfatizam a micro e macro-coordenação entre usuários de celular, marcando e re-
marcando encontros. No entanto, Koskinen (Ibid., p.77) argumenta que “quando os e-
mails começam a conter imagens, o sentimento de controle torna-se secundário. A
importância do uso do telefone celular passa a ser dada pela sua capacidade de criar
sociabilidade”.
88
Geralmente, essas imagens não são enviadas enquanto se trabalha ou enquanto
se desenvolve qualquer outra atividade “séria”:
“O ímpeto para se estabelecer contato com o outro se deve, normalmente, ao fato de alguém ter
um pouco de tempo e poder se livrar do fluxo atarefado da rotina diária. Nesse sentido, o envio
de mensagens visuais móveis é similar ao uso recreativo de um telefone celular quando, por
exemplo, se espera por um ônibus ou um trem ou quando se está em deslocamento e ‘nada está
acontecendo’”.
89
(Ibid., p.78)
Naturalmente, a habilidade de se enviar e receber fotos é uma característica do
telefone celular com conexão à Internet.
- Internet (WAP e I-mode)
A maioria dos aparelhos de celular no mundo ocidental acessa a Internet via
WAP (Wireless Application Protocol). Com o WAP, informação pode ser transmitida
através da Internet para a maioria das redes sem fio, incluindo as novas redes que
utilizam GPRS e 3G. De qualquer forma, o WAP tem sido visto sem muito entusiasmo
por parte da maioria dos usuários de telefones celular, devido às dificuldades de uso, à
falta de conteúdo e ao preço. Um estudo conduzido na Grã-Bretanha em janeiro de 2000
recrutou 12 usuários para testar a usabilidade do WAP. Entre outras tarefas, os usuários
foram requisitados a localizar o endereço do Colégio Imperial em Londres. Dez entre os
12 usuários usavam a Internet regularmente, dez possuíam um telefone celular, três já
haviam comprado on-line anteriormente e 11 tinham menos de 30 anos. Apesar de sua
familiaridade com o meio, “apenas dois foram capazes de completar a tarefa, e ficaram
88
“When e-mails begin to contain images, this feeling of control is secondary. The significance of mobile
phone use lies rather in its potential for creating sociability”.
89
“The impetus to establish contact with others is often quite simply that one has a bit of time and is able
to free oneself from the flow of busy routines. In this sense, sending mobile visual messages is similar to
the recreational use of a mobile phone while, for instance, waiting for a bus or a train or being on the
way and “nothing happening”.
207
mais de 25 minutos procurando para achar o que queriam”.
90
(HELYAR, In: BROWN;
GREEN; HARPER, op. cit., p.198) A tecnologia WAP na Europa era originalmente
baseada na rede GSM e os usuários eram cobrados de acordo com o tempo de uso. O
longo tempo gasto para a execução de simples tarefas tornou o serviço extremamente
caro. Uma alternativa chegou com a rede GPRS, que cobra dos usuários pela quantidade
de dados baixados. Mesmo assim, o custo ainda é caro e o serviço não se tornou mais
simples.
Além disso, a qualidade dos gráficos e da informação que os usuários podem
acessar via WAP é geralmente frustrante. Koskinen (Ibid., p.113) comenta que o “WAP
foi anunciado como uma ‘Internet móvel’, o que fez usuários e analistas esperarem uma
qualidade de serviço e visual compatível com aquela da WWW”.
91
No entanto, o WAP
consiste em uma interface completamente textual que pode ser mais bem comparada ao
SMS. A quantidade de conteúdo é muito pequena. A menos que um website seja escrito
em WML (Website META Language), um telefone equipado com WAP não pode
acessá-lo. Assim, o número de sites WAP não é muito alto, se comparado à quantidade
de sites para o I-mode no Japão. De acordo com a Mobile Data Association (Associação
de Dados Móveis) (01 set. 2003), os sites WAP são prioritariamente usados para o
download de jogos e toques.
De modo contrário, o I-mode no Japão se tornou extremamente popular devido a
dois motivos principais. Em primeiro lugar, a qualidade dos websites e dos gráficos
mostrados na tela fazem valer a pena navegar. Em segundo lugar, o padrão é baseado na
linguagem cHTML (HTML compacto), que é muito similar a HTML. Assim, torna-se
fácil para os usuários comuns construir sites para o I-mode e trocar informação entre si,
como acontece na WWW. Lidar com o I-mode é muito mais fácil do que com o WAP:
“Antes de acessar um site, os usuários de WAP precisam concordar em pagar cotas extras e até
precisam digitar o endereço da página para navegar por outros sites que não sejam os disponíveis
no portal do provedor. Os telefones com I-mode têm um método de navegação com apenas um
botão, eliminando a necessidade de se digitar um endereço web”.
92
(BATISTA, 30 ago. 2000)
90
“Only two were able to complete the task, and it took them over 25 minutes of searching to find what
they looked for”.
91
“WAP was marketed as a ‘mobile Internet,’ which made users and business analysts expect a visual
quality and service level compatible with that of the World Wide Web”.
92
“Before accessing a site, WAP users must agree to pay extra charges and even type in URLs to browse
through sites other than the service provider’s portal. I-mode phones have a one-button browsing
method, eliminating the need to type in web addresses”.
208
A Internet via PC teve um desenvolvimento similar. No início, a Internet era
meramente textual. Apesar de muitos ambientes de multiusuários ainda funcionarem
com interfaces textuais, a introdução de imagens e gráficos on-line revolucionou e
popularizou o uso da Internet, principalmente porque seu uso se tornou muito mais fácil
do que anteriormente. Com os telefones celulares, muda-se de uma tela pequena, em
preto-e-branco, para telas maiores e coloridas. Em um futuro não tão distante, pode ser
que mesmo as telas maiores não sejam suficientes para mostrar a quantidade de
informação que estará disponível com a quarta geração, 4G. Björn Krylander, executivo
chefe da UbiNetics, uma empresa britânica de telecomunicações, sugeriu em uma
entrevista ao jornal Financial Times (BAXTER et al., 29 out. 2003) que alguma forma
de óculos ou projeção retiniana poderia ser a solução para acomodar o produto de uma
conexão com a Internet que irá variar de 100 megabytes (MB) a um gigabyte (GB) por
segundo nas redes 4G.
93
Conseqüentemente, o componente visual ganhará mais
importância nas redes móveis.
No entanto, tal mudança deve ser lenta. Krynlander (Apud BAXTER et al., 29
out. 2003) também assinala que, quanto mais ubíqua uma tecnologia, mais tempo leva
para que seja substituída por outra, pois os usuários se acostumam com ela. Assim, cada
geração celular tende a ser mais longa do que a anterior. “Enquanto a segunda geração
(GSM) teve uma vida útil de dez a 12 anos, a terceira geração durará de 15 a 18 anos,
adiando a chegada da quarta geração para o ano de 2019”.
94
Junto com capacidades gráficas e o acesso à Internet, essas funções podem
realmente transformar a noção do que é um telefone celular. Além do mais, como previu
McLuhan, não é possível transferir a informação entre meios sem mudar seu
significado. Provavelmente, a Internet móvel terá outro propósito do que a WWW. No
entanto, algo permanece: a capacidade de criar sociabilidade.
93
A conexão mais rápida via modem alcança 56 kilobytes (KB) por segundo. 100 KB equivalem a cem
mil kilobytes.
94
“While 2G (GSM) has had a 10-12 year heyday, 3G will last 15-18 years, taking the arrival of 4G to
2019.”
209
“A personalização e o ajuste são os elementos mais importantes da interface do telefone celular,
dado que os keitai são, no fundo, aparelhos para a expressão da identidade individual. Os
telefones celulares são nada menos que cartões pessoais. Keitais/identidades individuais reagem
de modo preciso a mensagens dirigidas tanto a indivíduos quanto a grupos de indivíduos
específicos ou não específicos”.
1
(SUZUKI, In: RABY et al., 2000)
7.
TRANSFORMANDO A SUBJETIVIDADE: TELEFONES CELULARES E LUGARES
Apesar de os telefones celulares serem tecnologias ubíquas, seu uso é
substancialmente diferente em distintas partes do mundo. Por isso, estudar os celulares
“em geral” não seria nunca um modo adequado de se compreender os aspectos culturais
do meio. Indivíduos em diferentes lugares possuem percepções singulares da interface,
e usam o aparelho de modos bastante diversos. Não é possível comparar, por exemplo, o
uso do celular nos Estados Unidos, onde, para muitos, o aparelho é o terceiro ou quarto
telefone e o segundo ou terceiro computador, com lugares onde as linhas fixas e a
Internet ainda são de difícil acesso, transformando o telefone celular no primeiro
telefone, primeiro computador e primeira conexão com a Internet. Essa é uma das
razões que fazem do telefone celular um meio tão díspar em distintas partes do mundo.
Além do mais, os telefones móveis são majoritariamente encarados como objetos
pessoais e, devido à sua proximidade do corpo, são consideradas partes da
personalidade daquele que os carrega. Tais aparelhos estão repletos de conteúdo cultural
e social, que difere dependendo do lugar onde o telefone é usado. Assim, não há tal
coisa como uma “cultura mundial sobre telefones celulares”.
Este capítulo estuda as relações entre telefones celulares, lugares e seus
habitantes. Em um sentido amplo, analisa o relacionamento do humano com a
tecnologia como fator responsável pela definição de suas personalidades e dos modos de
lidar com o outro e com o mundo. Os celulares são tecnologias de comunicação, que,
muitas vezes, são paradoxalmente considerados aparelhos intrusivos, perturbadores e
promotores do isolamento pessoal. Além disso, muitos usuários desenvolvem relações
1
“Personalization and customization are the most important elements in mobile phone interfacing, given
that keitai are ultimately devices for the expression of individual identity. Mobile phones are nothing less
than ID cards. Individual IDs/keitais react accurately to messages directed either at individuals or
specific or non specific groups of individuals”.
210
emocionais com seus aparelhos. Em um estudo conduzido na Finlândia sobre o
comportamento de crianças e adolescentes em relação ao celular, Virpi Oksman e Pirjo
Rautiainen (In: KATZ, 2003, p.198) descobriram que muitos tendem a humanizar o
aparelho, como se fosse um bichinho de pelúcia ou um amigo virtual. Uma menina de
16 anos contou: “A antena do meu celular quebrou e eu fiquei completamente
desesperada e não sabia o que fazer. Fiquei pensando: ‘Celular, por favor, me desculpe!’
No dia seguinte, saí e comprei uma nova antena”.
2
Atribuir emoções humanas à tecnologia não é novidade, mas o ato adquire novos
significados com o telefone celular porque, conforme visto no capítulo anterior, o
aparelho é guardado próximo ao corpo, acompanhando o usuário aonde quer que ele vá.
Assim, além de ser um pertence pessoal, o celular é também considerado um item
essencial para a vida cotidiana. Essa percepção, no entanto, difere substancialmente de
lugar para lugar.
Nesse estudo, quatro lugares são comparados. Os dois primeiros, Japão e
Finlândia, correspondem a cidades paradigmáticas em relação ao uso do telefone
celular. O aparelho é amplamente usado nesses países, sendo parte da cultura cotidiana.
Os reflexos dessa relação próxima com a tecnologia podem ser percebidos na maneira
como os usuários chamam o telefone celular: keitai, no Japão, e känny, na Finlândia,
significando uma extensão da mão ou o que pode ser carregado. Além do mais, os
cidadãos desses países não usam mais o telefone móvel apenas para falar, mas também
para enviar mensagens, para assistir e produzir filmes, para tirar e enviar fotos e para
comprar produtos em máquinas. Essa diversidade de uso influencia a vida pessoal dos
cidadãos, transformando sua experiência de espaços urbanos, e incentiva o
aparecimento de novos espaços do imaginário.
Os outros dois lugares, Estados Unidos e Brasil, representam estudos de caso
acerca do uso de uma tecnologia que não é tão ubíqua quanto nos dois países
anteriormente mencionados. De todo modo, alguns efeitos sociais já podem ser
percebidos. Como Los Angeles, a cidade dos carros e da circulação, lida com a
tecnologia móvel? Como os habitantes do Rio de Janeiro vêem o uso de telefones
celulares? Será que o celular é ainda considerado apenas mais um telefone, ou já existe
a consciência da hibridização do espaço evidenciada pela dissipação das fronteiras entre
2
“The antenna of my mobile broke, and I freaked out completely and didn’t know if I could do anything
with it. I kept thinking: ‘Mobile, please forgive me!’ The next day I just went out and got a new antenna”.
211
espaços físicos e digitais? Em que lugares o celular é mais usado? Essas questões são
parcialmente respondidas por uma pesquisa desenvolvida através da Internet em ambos
os países entre maio e setembro de 2003.
7.1. Japão e Finlândia: os países móveis
O Japão e a Finlândia podem ser definidos como países paradigmáticos em
relação ao uso dos telefones celulares, porém, o impacto social das tecnologias móveis
difere em alguns aspectos nesses lugares. Muito já foi estudado sobre essas duas
cidades, e não é o objetivo deste capítulo fazer um outro extensivo estudo, no entanto,
os padrões de comportamentos pessoais e dados estatísticos sobre telefones celulares
nesses países são usados como fator de comparação ao uso do telefone celular na
América: Estados Unidos e Brasil.
Tanto o Japão quanto a Finlândia possuem altos índices de penetração de
telefones celulares. No Japão, 62% da população possui um aparelho, ao passo que na
Finlândia esse número chegava a 84,5% em 2002.
3
O pesquisador finlandês Timo
Kopomaa (Apud PURO, In: KATZ; AAHKUS, 2002, p.28) declara que “no centro de
Helsinque, por exemplo, é quase que exceção ver alguém não
usando o telefone
celular”.
4
Apesar de os índices de penetração na Finlândia e no Japão não serem os mais
altos do mundo,
5
esses países desenvolveram modos peculiares de lidar com os
telefones celulares, transformando essencialmente a relação entre o ser humano e a
tecnologia. Ambos representam exemplos únicos de como os celulares transformam
padrões de sociabilidade, criando ambientes de multiusuários em espaços híbridos ao
incluir na comunicação móvel, usuários distantes e colegas próximos.
Características comuns da cultura desenvolvida acerca do celular em ambos os
países são: (1) o envio de SMS, relacionado a regras de bom comportamento social; (2)
a influência na percepção da personalidade individual, relacionada à moda e à
identidade; (3) o desenvolvimento de serviços baseados em posicionamento celular; (4)
3
Fonte: ITU, 2002. (International Telecommunication Union). Disponível em: http://www.itu.int/ITU-
D/ict/statistics/. Acesso em: 01 nov. 2003.
4
“In the center of Helsinki, for example, it is almost exceptional not to see people using mobile phones”.
5
Também de acordo com a ITU, os lugares com mais altos indices de penetração de celulares no mundo
são: Islândia (90.28%), Tailândia (106.45% – significando mais de um celular por habitante), Hong-kong
(92.98%) e Israel (95.45%).
212
o uso de telefones celulares como controle remoto. Outro aspecto comum aos habitantes
dois países, apontado igualmente pelo professor finlandês Erkki Huhtamo e pela
professora japonesa Machiko Kusahara, é a falta de inclinação para as conversas cara-a-
cara, fazendo com que a comunicação via telefone celular seja “mais fácil”.
6
Esse
aspecto não corresponde às realidades do Brasil e dos Estados Unidos, onde os cidadãos
são mais propensos a se engajar numa conversa cara-a-cara. Além do mais, a maior
parte da comunicação via celular no Japão e na Finlândia é feita através de mensagens
de texto, o que não acontece no Brasil e nos EUA.
7.1.1. Finlândia: kännys como controles remotos, torpedos e produtores de
sociabilidade
Erkki Huhtamo menciona fatores econômicos como os responsáveis pelo
precoce desenvolvimento dos telefones móveis na Finlândia. Durante a guerra fria,
apesar de a Finlândia estar politicamente do lado ocidental, grande parte de sua
economia envolvia a antiga União Soviética. Com a queda da cortina de ferro no fim
dos anos 80, o país ficou em uma situação ruim, visto que a competição aumentou e os
preços caíram. Conseqüentemente, o país precisou começar a procurar novos mercados
no ocidente e na Ásia, assim como a se acostumar com a idéia de “competição radical”.
Naquela época, empresas como a Nokia, produtora de borracha até o início dos anos 80,
foram forçadas a desenvolver novos produtos. A Nokia foi uma das empresas pioneiras
a desenvolver telefones celulares na Europa, desde o início dos anos 80.
Em relação ao usuário, Huhtamo sugere que os finlandeses foram surpreendidos
pela maior crise econômica da história do país. Em um momento de incerteza, ter um
telefone celular representava segurança, e a possibilidade de se estar em contato com o
outro. A adoção do padrão europeu GSM permitiu aos finlandeses falar com qualquer
país europeu através de seus telefones celulares. Conseqüentemente, tornou-se fácil
procurar empregos ou estudar em outros países. Finalmente, Erkki acredita que os
finlandeses receberam os celulares de modo tão entusiástico por causa de sua timidez:
conduzir uma conversa através do celular ou enviar uma mensagem de texto era muito
mais fácil do que encontrar pessoas pessoalmente.
6
Em entrevistas à autora, respectivamente em 15 dez. 2002 e 13 jan. 2003. Todas as outras citações de
ambos os professores neste capítulo têm como fonte a mesma entrevista.
213
A pesquisadora Jukka-Peka Puro (In: KATZ; AAHUS, 2002, p.26) argumenta
que possivelmente “os princípios da cultura falada na Finlândia mudarão como
resultado da introdução de tecnologias de comunicação. Se houver uma mudança,
provavelmente será em como o silêncio é entendido na cultura finlandesa”.
7
De acordo
com Puro, os finlandeses admiram o silêncio, e também acreditam que suas habilidades
comunicacionais são pobres. Estar “sempre conectado” transforma a maneiras de os
finlandeses se comunicarem e interagirem com os outros. Além disso, a pesquisadora
nota que, apesar de a maior parte da conversação via telefones celulares ser muito curta,
o número de contatos diário (especialmente para os jovens) é alto, ampliando as redes
sociais dos usuários.
Uma comparação interessante é desenvolvida por Goffman (Ibid., p.27), para
quem o telefone celular pode ser considerado “um novo tipo de palco onde a sociedade
informacional móvel atua”.
8
Nesse sentido, “um telefone celular é, em muitos aspectos,
um lugar onde se pode ir e conversar sobre qualquer assunto. (...) É um palco que se
parece com um café virtual ou um mercado onde os indivíduos encontram uns aos
outros”.
9
(Id.) Como os ambientes de multiusuários na Internet, os telefones celulares
também criam lugares de encontro virtuais. Além disso, esse teatro social também pode
ser encarado como um jogo. Muitos usuários, especialmente nos Estados Unidos e no
Brasil, argumentam que os telefones celulares falham em criar comunidades porque o
espaço virtual móvel no qual a conversa acontece é, na maioria das vezes,
compartilhado por apenas dois usuários. No entanto, principalmente na Finlândia e no
Japão, esse “espaço celular” não é mais apenas um espaço virtual, podendo ser
compartilhado por muitos no espaço físico, incluído aqueles que não possuem um
telefone em suas mãos.
Na Finlândia, os telefones celulares não são apenas “coisa de adolescente”. Em
moradias com duas pessoas, por exemplo, 97% dos cidadãos entre 30 e 49 anos
possuem telefone celular. De modo semelhante, 86% da população entre 50 e 64 anos
também possui celular, o que é ainda uma taxa relativamente alta. A posse de celulares
também ultrapassou o número de PCs nesse país: apenas metade das moradias com
7
“The principles of Finnish speech culture will change as a result of the introduction of communication
technology. If there is a change it may be in how silence is understood within Finnish culture itself”.
8
“A new kind of stage where the mobile information society is acted out”.
9
“A mobile phone is, in many respects, a place where one can go to chat about anything. (…) It is a stage
that resembles a virtual cafeteria or marketplace where people meet each other”.
214
habitantes de menos de 50 anos possuem um PC, e esse número reduz para 35% na
faixa entre os 50 e 64 anos. (Ibid., p.20) Sabendo que o fato de não possuir as duas
tecnologias não
é um problema econômico, é possível sugerir que muitos finlandeses,
de fato, decidiram ter telefones celulares como computadores pessoais. Não é muito
difícil sugerir que, com o crescimento de celulares de segunda geração e meia (2,5G) e
terceira geração (3G), o uso da Internet parcialmente migrará para as interfaces móveis.
Outro fato notável é que muitos jovens estão começando a “cortar o fio”, preferindo
telefones celulares a linhas fixas.
O mais importante, no entanto, é saber que o uso dos celulares na Finlândia não
é mais apenas restrito à voz, sendo comum usar o aparelho como um controle remoto.
“As operadoras de celular permitem que os usuários disquem um código para máquinas
de refrigerantes, cobrando as latas consumidas em sua conta mensal”.
10
(CULLEN, 04
jun. 2001) Além disso, é possível se fazer pagamentos instantâneos em postos de
gasolina e estações de esqui usando o celular. Nesse sentido, os celulares são poderosas
interfaces que podem ser carregadas permanentemente junto ao usuário, sendo
utilizadas para os mais diversos fins.
De todos os possíveis usos do telefone celular na Finlândia, nenhum é mais
popular do que o envio de SMS. O serviço começou no país em 1995 e, em 1998, já era
a forma mais comum de comunicação à distância entre adolescentes. (KASESNIEMI;
RAUTIAINEN, In: KATZ; AAHKUS, op. cit., p.170-171) De acordo com o Ministério
do Transporte e Comunicações da Finlândia, mais de um bilhão de mensagens de texto
foram enviadas no ano de 2000. (Id.) Os Torpedos não são apenas utilizados para a
troca de mensagens entre amigos, mas também para o envio de serviços para o
consumidor como as manchetes do dia, listagens de programas de TV e de filmes,
horóscopo, buscas de endereços, meteorologia e resultados de jogos. De fato, Erkki
Huhtamo afirma que se enviam mais SMS do que e-mails na Finlândia, demonstrando
que a comunicação móvel excede o uso da Internet fixa. Huhtamo também argumenta
que a Internet móvel na Suécia foi desenvolvida antes do que na Finlândia:
conseqüentemente, os finlandeses começaram a usar mais SMS, em vez de e-mails
móveis.
10
“Phone providers allow consumers to dial in a code for vending machines, charging cans of soda to
their phone bills”.
215
Um novo vocabulário derivado da prática de enviar mensagens de texto
evidencia a ubiqüidade da cultura do SMS. Os adolescentes finlandeses não falam sobre
enviar mensagens de texto, mas usam palavras como ‘tekstata’ ou ‘viestailla’, verbos
derivados dos substantivos “texto” e “mensagem”. (Ibid., p.177) Nos Estados Unidos,
algo similar acontece. Os jovens falam sobre texting ou SMSing, em vez de enviar
mensagens de texto.
Kasesniemi e Rautiainen (Ibid., p.181) também enfatizam a leitura e a
composição coletiva de mensagens como fator de sociabilidade entre adolescentes. “O
uso de mensagens de texto vai além da imagem da comunicação móvel como um canal
de comunicação individualista. Isso se deve, em parte, ao modo como os adolescentes
lêem as mensagens uns para os outros”.
11
Ler mensagens em espaços públicos como
bares e cafés serve para criar novas amizades e manter velhas relações. As mensagens
são escritas em grupo, principalmente entre as meninas. Nesse caso, as amigas atuam
geralmente como consultoras, as quais melhoram a qualidade da mensagem, ajudando a
transmitir o máximo de informação em 160 caracteres. Além da leitura e da composição
coletiva de mensagens, a cultura dos Torpedos na Finlândia também inclui a coleção de
mensagens e a circulação de mensagens em corrente. As correntes de mensagens
móveis são parecidas com as antigas correntes enviadas por carta e com as correntes de
hoje através de e-mail: uma mensagem é enviada para muitas outras pessoas, dizendo
que algo de bom irá acontecer se o recipiente repassá-la para um determinado número
de pessoas. De modo contrário, algo ruim deverá acontecer se a corrente for
interrompida. No entanto, diferentemente das antigas correntes por carta e das correntes
de hoje na Internet, as correntes de amanhã serão móveis.
Por ser realizado via telefone celular, o sistema de envio e recepção de
mensagens é muito mais ágil e social, visto que o ato de escrever cartas e e-mails é
tradicionalmente um ato solitário. Além disso, quando a comunicação tradicional entre
um grupo de amigos inclui um telefone celular, a troca também engloba alguém que não
está fisicamente presente, mas é trazido para dentro do contexto contíguo através da voz
e/ou de texto, em tempo-real. Essa comunicação mista que incorpora grupos em espaços
contíguos e não-contíguos cria um espaço híbrido, definido pela comunicação,
mobilidade e pela mistura das fronteiras entre o físico e o virtual.
11
“Text messaging goes against this image of mobile communication as an individualistic communication
channel. This is due, in part, to the way teens read messages to each other”.
216
Uma outra importante característica da tecnologia móvel na Finlândia, que está
se desenvolvendo de modo muito semelhante ao Japão, é o uso de telefones com
câmera. Conforme mencionado no capítulo anterior, o fato de o professor finlandês Ilpo
Koskinen (2002) ter dedicado um livro aos efeitos sociais do uso de imagens móveis
demonstra a importância dessa novidade. Entretanto, como o uso da Internet móvel não
é tão difundido na Finlândia, Koskinen (Id., p.102) nota que, apesar do grupo piloto ter
sido equipado com uma conexão GPRS em seus telefones celulares, a maioria das fotos
tiradas foram visualizadas em PCs. Isso não é o que ocorre no Japão.
7.1.2. Japão: keitai são parte da vida dos japoneses
No Japão, observa o professor Huhtamo, a maneira mais comum de se conectar
à Internet é via telefone celular. Machiko Kusahara contou que, certa vez, reclamou com
seus alunos porque eles não liam os e-mails que ela enviava para a turma até o fim. Um
deles respondeu que eram muito grandes para a tela do celular. É possível, então,
questionar: por que não usar um PC? No entanto, a maioria dos jovens japoneses não
usa mais (ou nunca usaram) PCs para acessar a Internet.
Conforme apontado por Howard Rheingold (2002, p.xi), o Japão desenvolveu
uma das culturas mais interessantes ao redor do telefone celular. O fato de a maioria dos
usuários em Tókio estarem ‘olhando’ para seus telefones, em vez de falando com eles,
mostra que uma nova relação com a tecnologia fora criada. Parcialmente devido aos
investimentos da NTT DoCoMo em tecnologia móvel, do qual o padrão I-mode é um
dos resultados e, parcialmente, porque a cultura japonesa se adapta bem a aparelhos
pequenos e portáteis, a verdade é que os telefones celulares fazem parte da vida dos
japoneses.
A NTT DoCoMo, lançou o serviço comercial de celular em 1979.
12
O padrão I-
mode, introduzido em 1999, é o sistema desenvolvido pela empresa para a Internet
móvel. Apesar de ser ainda mais usado dentro do Japão, o I-mode já existe na Tailândia,
na Alemanha, na Holanda, na Bélgica, na França e na Espanha. O sistema pode
funcionar com telefones de 2G ou 3G. No entanto, mesmo em sistemas de segunda
geração, o I-mode está sempre conectado, desde que o usuário se encontre em uma área
12
Cf. Relatório da ATIP (1998) Disponível em: http://www.cs.arizona.edu/japan/www/atip/public/
atip.reports.98/atip98.081.html
. Acesso em: 14 jan. 2003.
217
em que o sinal do I-mode possa alcançar. Em oposição aos telefones WAP, que
funcionam com um padrão de comutação de circuitos (circuit-switched), o qual requer
uma conexão discada, o I-mode funciona por um padrão de comutação de pacotes
(packet-switched), não necessitando o estabelecimento de uma conexão a cada vez que
se queira acessar a rede.
Com o I-mode,
“usuários enviam e-mails, olham a previsão do tempo, olham resultados de jogos, fazem o
download de toques, jogam jogos, acessam a conta bancária, apostam na bolsa de valores,
compram passagens aéreas e de trem, fazem o download de desenhos animados e de imagens,
procuram por restaurantes e por novos amigos”.
13
(Eurotechnology Japan, 2002)
14
Conforme mencionado no capítulo 6, o I-mode é baseado na linguagem cHTML,
que é muito parecida com o HTML. Assim, os usuários podem facilmente produzir e
transferir conteúdo para a rede do I-mode. A cHTML tem alguns tags que diferem do
HTML, como um link especial, que liga para o número do telefone quando clicado, e
um tag “I-mode only”, que informa às ferramentas de busca que um site específico é
uma página de I-mode. Também é possível visualizar sites de I-mode usando um PC e
um navegador comum, como o Internet Explorer ou o Netscape.
15
Algumas possíveis
razões para o sucesso do I-mode no Japão, de acordo com a empresa Eurotechnology
(Id.), são: (1) a facilidade de se criar conteúdo; (2) os computadores desktop não são tão
comuns em residências no Japão como são nos Estados Unidos e na Europa; (3) o baixo
custo; (4) o alto índice de penetração dos telefones celulares – 60 milhões de assinantes
13
“Users send email, look at the weather forecast, look at sports result, load ringing melodies into their
handsets, play games, do online banking, online stock trading, purchase air tickets and train tickets,
download cartoons and images, look for restaurants and look for new friends”.
14
Disponível em: http://www.eurotechnology.com/imode/faq-gen.html. Acesso em: 18 out. 2003.
15
Alguns exemplos de sites para o I-mode estão disponíveis em: http://www.eurotechnology.com/i/ e
http://www.eu-japan.com/i/
. Accesso em: 01 nov. 2003. No entanto: “(a) no momento, quase todos os
usuários de I-mode são japoneses, portanto, quase todo o conteúdo para o I-mode também está em
japonês. Assim, é necessário um navegador habilitado para a leitura de caracteres japoneses, (b) em
navegadores comuns, não é possível ver os tags somente para I-mode (como os links que ligam para um
telefone diretamente), (c) não é possível ver muitos dos símbolos especiais para o I-mode da NTT
DoCoMo, sendo, geralmente, substituídos por um ponto de interrogação. Sendo assim, ver uma página de
I-mode em um navegador comum para PC lhe dará uma idéia, mas não reproduzirá exatamente o que os
usuários de I-mode vêem em seus telefones”. (Eurotechnology, Japão, 2002)
(“(a) at the moment almost all
I-mode users are Japanese and therefore almost all I-mode content is in Japanese language. Therefore you will need
a Japanese enabled browser, (b) you will not be able to see I-mode-only tags (such as the links which dial a
telephone connection directly from the I-mode handset in Japan), (c) you will not be able to see the many special
DoCoMo I-mode symbols. They will usually be replaced by a question mark. So looking at an I-mode page with an
ordinary PC based browser will give you an idea, but will not exactly reproduce what I-mode users see on their
handsets.”)
218
(62%) em 2002;
16
(5) a conexão constante; (6) o marketing e propaganda eficientes.
Como resultado, o número de usuários da Internet móvel no Japão ultrapassa
substancialmente as outras partes do mundo. Ainda segundo a Eurotechnology, em
2000, 81% dos usuários mundiais da Internet sem fio se encontravam no Japão; 12,5%
na Coréia; 5% na Europa; e apenas 1% nos Estados Unidos.
Os telefones de terceira geração no Japão, como o FOMA (o serviço móvel de
3G da NTT DoCoMo), são capazes de tirar fotografias, produzir vídeos e tirar fotos
estereoscópicas (tridimensionais). Além disso, possuem telas coloridas maiores e com
alta-resolução, baterias mais duráveis e vêm com programas de processamento de texto
e imagens.
17
Esse fato indica que os telefones celulares serão os computadores do
futuro. Um relatório recente da NTT DoCoMo (Jun. 2004) afirma que a velocidade de
processamento do FOMA é comparável aos computadores pessoais de oito anos atrás
que funcionavam com Windows 95. A diferença é que os 200 MHz de velocidade e os
100MB de memória agora cabem em um pequeno aparelho móvel. Uma das
conseqüências é a evidência de que cada vez mais os telefones celulares no Japão não
são apenas aparelhos para a voz, mas também utilizam texto e imagens.
O padrão I-mode no Japão representa um passo além dos navegadores WAP
disponíveis em outras partes do mundo.
18
Semelhante às origens da Internet fixa, os
navegadores WAP de hoje não possuem gráficos ou imagens. Não devemos esquecer,
porém, que, semelhante aos primeiros PCs, as primeiras telas de telefones celulares
também eram monocromáticas. Além disso, é preciso lembrar que, no início dos anos
90, a maioria da informação disponível na Internet era baseada em texto, mas a WWW
de hoje inclui todo tipo de gráficos, vídeos e conteúdo 3D. Será que os navegadores
WAP seguirão o mesmo caminho? Será que estamos caminhando em direção a uma
16
Fonte: ITU, 2002. (International Telecomunications Union). Disponível em: http://www.itu.int/ITU-
D/ict/statistics/ Acesso em: 10 jan. 2004.
17
Atualmente, “há três redes de terceira geração funcionando em paralelo no Japão: a NTT DoCoMo e a
J-Phone/Vodafone operam baseadas no padrão wCDMA, e a KDDI/AU opera uma rede baseada na
tecnologia CDMA 2000-1x. A funcionalidade das três redes é muito semelhante. O Japão foi o primeiro
país do mundo a introduzir a telefonia celular de terceira geração”. (Eurotechnology, 2003). Disponível
em: http://www.eurotechnology.com/imode/faq-3g.html
. Acesso em: 01 nov. 2003. (“there are three
parallel 3G networks in operation in Japan: NTT DoCoMo and J-Phone / Vodafone operate 3G networks based on
the wCDMA standard, while KDDI / AU operates a network based on CDMA 2000-1x technology. Functionality of
these networks is very similar. Japan is the world's first country to introduce 3G.”)
18
No entanto, o mercado de celulares no Japão é fechado. Os telefones celulares japoneses só funcionam
dentro do Japão.
219
cultura móvel visual? O artista e professor Bill Seaman
19
acredita que, no futuro, os
telefones celulares não somente terão telas coloridas maiores, mas também serão
capazes de projetar o conteúdo de suas telas no meio ambiente, embutindo esse
conteúdo digital no espaço físico. Apesar deste futuro ainda estar possivelmente
distante, a presença de gráficos e vídeos nos celulares japoneses já é uma realidade.
Como a maioria dos adolescentes japoneses acessa a Internet através do telefone
celular antes de usar um computador pessoal, “eles não tendem a fazer a frustrante
comparação entre as capacidades da Internet fixa e o serviço móvel de Internet”,
20
sugere Dmitri Ragano. (05 mar. 2002) Além do mais, as operadoras no Japão evitaram
promover os novos serviços como ‘A Internet’; ao contrário, ofereceram funções
específicas para os keitai. Assim, a freqüente comparação entre o WAP e a WWW é
inexistente no Japão em relação ao I-mode.
Como essa nova Internet móvel se desenvolverá? Como irá transformar nossa
percepção do que é a Internet? A referência à Internet móvel já é diferente do modo
como usuários costumavam falar sobre a Internet fixa. A sensação de imersão criada
pelo uso de metáforas espaciais não existe mais. Era comum estar ‘na’ Internet, ‘visitar’
um website ou ‘habitar’ um mundo virtual. Ao falar sobre a Internet móvel, a maioria
dos usuários, fornecedores de conteúdo e pesquisadores destacam o que se ‘faz’ com o
serviço, muito mais do que a imersividade. Rheingold (2002, p.xvi) sugere que “a
Internet móvel, quando realmente chegar, não será apenas uma maneira de fazer as
mesmas coisas enquanto em movimento. Será um modo de fazer coisas que não eram
feitas anteriormente”.
21
Além disso, muitos relatórios sobre a Internet móvel, como o
produzido pela empresa de marketing A.T. Kearney (2003), enfatizam os serviços que
podem ser acessados através do telefone celular de modo a facilitar a vida dos usuários
‘no espaço físico’. Estamos nos distanciando da utopia de se criar mundos virtuais no
ciberespaço. A Internet móvel é encarada como um auxílio para a vida cotidiana,
oferecendo serviços e entretenimento.
Muitas dicas sobre o que pode ser o futuro da Internet móvel já estão
aparecendo, como os serviços baseados em posicionamento celular e os jogos, que são,
19
Em entrevista à autora. (05 fev. 2003)
20
“They aren’t inclined to make the disappointing comparison between the capabilities of the wired Web
and mobile Internet service”.
21
“Mobile Internet, when it really arrives, will not be just a way to do old things while moving. It will be
a way to do things that couldn’t be done before”.
220
muitas vezes, considerados como killer applications
22
da tecnologia móvel. O relatório
da A.T. Kearney
23
(2003, p.8) afirma que os serviços de entretenimento já são
considerados killer applications no Japão, porque “a adoção de serviços de
entretenimento é amplamente encarada como precursora da adoção de outros
serviços”.
24
Entretanto, mesmo sendo capaz de oferecer muitos dos serviços existentes
na WWW, a Internet móvel diferirá do atual “ciberespaço” pelo simples fato de que
seus usuários estarão sempre se movendo pelo espaço físico. Será, então, menos
provável que os usuários dêem importância a tópicos tais como ‘a oposição entre o
virtual e o físico’ ou ‘a percepção da Internet como um lugar imersivo’. A Internet
móvel está embutida no espaço físico. Oferecer uma conexão móvel a jovens que não
tiveram contato prévio com a Internet fixa talvez seja a chave para se descobrir como a
Internet móvel evoluirá. Ragano (05 mar. 2002) sugere que muitas empresas de Internet
– não apenas no Japão – estudaram crianças para entender o potencial para novos
aplicativos.
25
Howard Rheingold (2002, p.6) conta que, na primavera de 2001, os adolescentes
em Tókio tinham duas características principais: “a maioria ainda não era usuário da
Internet através de PCs desktop, e a maioria encarava os keitai tanto como acessório,
quanto como tecnologia”.
26
Os japoneses, especialmente os adolescentes, receberam os
telefones celulares como itens pessoais, transformando-os em componentes de suas
personalidades, além de importantes elementos para a comunicação interpessoal e em
grupo. Como acessórios, os celulares devem ser mostrados e personalizados, tornando-
22
‘Killer application’ é considerado o tipo de serviço mais popular e lucrativo, que será a razão de
existência, nesse caso, dos telefones celulares.
23
O relatório da A .T. Kearney, apesar de ser um interessante documento sobre possíveis usos futuros da
Internet móvel, também não pode ser considerado representativo do uso de telefones celulares,
principalmente no Brasil. Apenas 309 usuários foram entrevistados, número que não é representativo de
40 milhões. No entanto, ao passo que a percentagem pode não ser precisa, as direções apontadas são
representativas.
24
“The adoption of entertainment services is widely credited with driving the adoption of other services”.
25
Vale a pena mencionar que a Microsoft está investindo em tecnologia móvel, estendendo o computador
pessoal. A empresa recentemente anunciou o lançamento de um aparelho móvel que funciona com o
sistema operacional Windows para o primeiro trimestre de 2004. “O telefone é um pouco maior do que a
maioria dos telefones com Internet disponíveis no mercado. Mas vem com uma tela colorida, com um
teclado QWERT dobrável, um tocador de MP3, um navegador Internet Explorer, além de suportar
mensagens multimídia e e-mail”. (BATISTA, 13 out. 2003) Mesmo parecendo com um telefone celular
comum, o Motorola MPx200 da AT&T Wireless é o primeiro telefone celular na América do Norte
equipado com o software Windows Mobile. (“The phone, dubbed Voq, is slightly larger than most Web-
enabled phones on the market. But it comes with a full-color screen, a fold-up QWERTY keyboard, an
MP3 player, an Internet Explorer browser and support for multimedia messaging and e-mail”.)
26
“Most were not already Internet users through desktop PCs, and most viewed keitai as fashion as well
as technology”.
221
se parte da apresentação social de seus donos. No Japão (mais do que em qualquer outro
lugar do mundo), os telefones são vendidos em diferentes estilos e formatos, possuem
diferentes cores para combinar com o quimono ou com qualquer outro tipo de roupa.
Os primeiros modelos de I-mode, conta o repórter Dmitri Ragano, (05 mar.
2000) foram desenhados para caber no bolso da camisa dos executivos, sendo finos,
longos e com telas pequenas. Além disso, os telefones eram, em sua maioria, cinzas e
pretos, visto que deveriam ser ferramentas de comunicação neutras. Algum tempo
depois, quando novos produtores chegaram ao mercado, se depararam com a
necessidade de venderem algo diferente e, então, surgiram os telefones com flip. Para a
surpresa de muitos, esses modelos com flip atraíram rapidamente as meninas, pois
cabiam facilmente nas bolsas de mão. Além disso, a possibilidade de telas maiores
tornou mais fácil a digitação de e-mails. O que aconteceu em seguida foi uma mudança
do público alvo consumidor de telefones celulares: de executivos para adolescentes
(meninas e meninos) e, mais tarde, um público mais variado. Hoje, os modelos com flip
são os mais vendidos no mercado.
Machiko Kusahara conta que os japoneses recuperaram antigos hábitos culturais
devido ao telefone celular. Por exemplo, o Netsuke, um antigo ornamento usado como
contrapeso no cinto dos quimonos, foi substituído por telefones celulares. Como os
quimonos não possuem bolsos, era comum carregar os pertences no Netsuke. Os keitai
de hoje possuem “straps” para serem pendurados no cinto do quimono, imitando o
Netsuke.
Figuras 25 e 26: O antigo Netsuke e os straps para telefones celulares de hoje.
222
Existem diversos tipos de straps para celulares. Alguns tocam e mudam de cor
toda vez que uma chamada é recebida. Os straps podem também ser considerados
objetos sociais e modos de se conectar a outros usuários. Por exemplo, há straps para o
casal, que são vendidos como um par, geralmente dois corações, dois cachorrinhos de
pelúcia ou dois ursinhos. Ao serem colocados juntos, fazem barulhos e mudam de cor.
Abaixo estão alguns exemplos de straps para namorados.
Figura 27: Straps para namorados.
Seguindo essa tendência para a socialização, os aparelhos de conhecimento
interpessoal são também muito comuns no Japão. O Lovegety, por exemplo,
originalmente lançado em 1998, é um aparelho que permite ao usuário disponibilizar
informações sobre si, como preferências pessoais e hobbies. Ao andar pelas ruas, se um
outro Lovegety está por perto, o aparelho emite sons. Caso o outro Lovegety tenha
preferências pessoais parecidas, o aparelho emite alguns sons particulares e muda de
cor. De modo semelhante, o ImaHima, um aplicativo baseado em posicionamento
celular para o padrão I-mode e para a tecnologia WAP, torna móvel o conceito dos
chats na Internet, ao mostrar na tela do telefone amigos ou indivíduos com interesses
semelhantes que se encontrem a um determinado raio de distância do aparelho. Como
um ICQ
27
móvel, cada um precisa concordar em ter sua localização rastreada pelo
27
Disponível em: http://www.icq.com. Acesso em: 17 dez. 2003.
223
ImaHima. Também existe a possibilidade de se contatar um estranho cujo perfil se
pareça com o do usuário, caso se concorde em receber mensagens de um desconhecido.
Entretanto, ao passo que o ICQ mostra na tela do computador os usuários que estão
simultaneamente conectados, o ImaHima conecta usuários que se encontram próximos
no espaço físico.
28
A popularidade desses acessórios, aparelhos e aplicativos no Japão mostra que
tais serviços não são apenas usados para se comunicar com indivíduos distantes, mas
também para socializar com amigos próximos, que compartilham o mesmo espaço
físico, mesmo quando não estão visíveis. Encontrar outros usuários para socializar no
ciberespaço sempre foi uma das mais importantes funções dos ambientes de
multiusuários na Internet. De modo semelhante, os usuários da Internet móvel também
procuram por sociabilidade. A diferença, no entanto, é que as redes móveis ajudam a
encontrar outros indivíduos em espaços públicos
.
Machiko Kusahara sugere que os keitai são tão populares no Japão devido ao
modo de vida dos cidadãos: os japoneses vivem em um espaço apertado, esperando
longamente por transporte público. Assim, um aparelho pequeno, que pode preencher os
espaços “entre” é o meio de comunicação ideal. Kusahara também indica que os
usuários sentem que o telefone celular é parte de suas identidades porque podem
transportá-lo sempre consigo e personalizá-lo. Como conseqüência, a Internet também
se torna wearable e os usuários sentem que estão conectados aos outros constantemente,
aonde quer que vão. Entretanto, em vez de conectar espaços virtuais, como a Internet, os
telefones celulares conectam espaços físicos, transformando os usuários nos nós dessa
rede.
Apesar de sua popularidade, a etiqueta relacionada ao celular requer que o
telefone seja escondido quando não estiver em uso. Sadie Plant (2001, p.44) nota que,
em Tókio, designers de moda responderam a essa necessidade com a produção de
bolsas, jaquetas e calças com bolsos especialmente desenhados para carregar o keitai.
28
O ImaHima ganhou o Prix Ars Electronica na categoria Net Vision / Net Excellence em 2001.
224
Figura 28: Porta-telefone celular no Japão.
Plant (Ibid., p.51) também nota que a ubiqüidade dos telefones celulares
transforma o comportamento dos usuários.
“Foram introduzidas novas posturas, gestos e movimentos corporais ao comportamento
cotidiano, transformando os modos em que o corpo, os dedos, os polegares, as mãos e os olhos
são usados ao fazer e receber chamadas telefônicas ou ao enviar e receber mensagens de texto”.
Exemplos são as “thumb-tribes” de Tókio. (Ibid., p.53) A figura abaixo é um
anúncio para uma “competição do polegar” no Japão. O vencedor seria aquele que
digitasse mais rápido um e-mail no celular usando apenas os polegares.
Figura 29: Anúncio para a “competição de polegares”.
Assim como na Finlândia, os telefones com câmera também mudaram a maneira
de os japoneses usarem os telefones celulares, criando um novo padrão de comunicação
visual móvel. Quase 70% dos celulares no Japão incluem uma câmera. Kusahara
também aponta para o novo gestual que veio com os telefones com câmera: em espaços
225
públicos, usuários não têm mais o telefone próximo ao ouvido, mas o seguram acima de
suas cabeças, com o braço estendido, tentando fotografar o mundo de cima.
Inicialmente lançado pela J-Phone, a concorrente da NTT DoCoMo, em 2000, os
telefones com câmera são vendidos atualmente pelas duas empresas. As câmeras móveis
de hoje tiram fotos de alta-resolução que podem ser automaticamente enviadas a
qualquer um que tenha uma conexão com a Internet e e-mail. Conforme mencionado
anteriormente, essas fotografias funcionam como comentários ou narrativas sobre as
atividades cotidianas, em vez de servirem como mecanismos de meria. Por exemplo,
“uma universitária de 20 anos tira diversas fotos por dia com seu telefone com câmera: uma foto
de seu novo penteado para enviar ao namorado; uma concha enorme que achou na praia; seu
cachorrinho em uma pose bonitinha; ou uma foto de uma vista interessante da escada rolante na
estação que freqüenta. São fotos de momentos do cotidiano, válidas e interessantes apenas para o
próprio fotógrafo ou para os amigos próximos”.
29
(DAISUKE; ITO, 29 ago. 2003)
Uma pesquisa recente, conduzida em dezembro de 2002, mostrou que 42,4% dos
usuários de telefones com câmera tiram fotos de situações do cotidiano. O próximo
assunto mais fotografado é a família (39,9%), em seguida, os amigos (26,4%), então, os
animais de estimação (23,7%) e, por último, as viagens (21,5%). (Id.) O fato de que as
viagens são o assunto menos fotografado é representativo de uma cultura móvel, onde a
imediaticidade conta mais do que as memórias.
Provavelmente, câmeras digitais embutidas em telefones celulares também
criarão novos tipos de imaginários ligados à fotografia. Como mencionado por
Koskinen (2002, p.62), essas fotos tendem a re-narrar a vida cotidiana de um modo
lúdico. Vimo que, no passado, o imaginário era criado através da narrativa de viajantes
sobre espaços distantes e desconhecidos. De modo semelhante, viajar para algum lugar
como turista e documentar a viagem através de fotos era um modo de lembrar do local,
assim como representava a possibilidade de contar aos outros sobre as experiências em
um lugar distante, fora do habitual. Assim, as fotos de viagens alimentavam o
imaginário daqueles que ficavam, que poderiam, então, imaginar como teria sido se
tivessem estado lá. As fotografias tiradas com o celular, por outro lado, narram a vida
29
“One 20-year-old college student snaps several pictures a day with her camera phone: a picture of her
new haircut to send to a boyfriend; a really large shell that she found on a beach; her pet in a cute pose;
or a photo of an interesting view from an escalator at a station that she frequents. These are photos of
everyday moments and events that are newsworthy only to an individual and her intimates”.
226
cotidiana. É evidente que podem também narrar viagens, mas esse não é o seu uso mais
freqüente.
O aparecimento das câmeras digitais já representava uma mudança no modo de
se fotografar. Sem a necessidade de se revelar o filme e sem tempo de espera para ver as
fotos, os usuários ficavam muito mais à vontade para tirar um grande número de fotos,
sabendo da possibilidade de apagá-las ou transferi-las para o computador depois, caso a
memória estivesse cheia. Conseqüentemente, as fotografias não mais documentavam
apenas “ocasiões especiais”, como viagens, aniversários ou festas, mas também
mostravam situações do cotidiano. O celular equipado com câmera fotográfica herda
essa característica das máquinas digitais. A maior inovação, no entanto, é a capacidade
de se enviar as fotos imediatamente por e-mail ou MMS (Multimedia Message Service).
Os telefones com câmera podem ser considerados aparelhos de sociabilidade porque
seus usuários começam a compartilhar suas experiências diárias com amigos e parentes.
Uma fotografia, então, começa a ter o mesmo valor de um e-mail: narrar a vida
cotidiana ou comunicar assuntos imediatos.
O amplo uso das tecnologias móveis indicou para a NTT DoCoMo a
necessidade de investimento em um aspecto mais amplo da mobilidade, que inclui,
também, a ubiqüidade. O Wristomo, o telefone celular de pulso mencionado no último
capítulo, é um dos produtos ubíquos da empresa. Além disso, a empresa está
desenvolvendo o M-zone (um serviço de rede local público sem fio), o @FreeD (um
cartão que oferece conexão contínua à Internet para terminais portáteis) e o C-mode
(um sistema para operar máquinas de refrigerante a partir de telefones celulares). Este
último serviço, similar ao que já existe na Finlândia, possibilitará que usuários de
telefones celulares baixem um código de barras pessoal, que é mostrado na tela do
celular e pode ser lido por um sensor na máquina para a compra de, por exemplo, uma
Coca-Cola. A NTT DoCoMo está atualmente desenvolvendo pesquisa sobre
comunicação celular de quarta geração (4G).
30
30
Para maiores informações sobre a visão do futuro da NTT DoCoMo veja:
http://www.nttdocomo.com/corebiz/ubiquity/
. Acesso em: 16 jan. 2004.
227
7.2. Estados Unidos e Brasil: telefones celulares são apenas telefones
7.2.1. Estados Unidos: por que o país ficou para trás? Fatos históricos.
Enquanto o Japão e a Finlândia exploram novos usos para a interface móvel, a
América (EUA e Brasil) ainda vê o telefone celular como apenas um telefone – porém,
móvel. Muito se tem indagado por que os telefones celulares na América não fazem
parte da vida dos usuários como na Ásia e na Europa. Apesar de quase a metade da
sociedade norte-americana possuir telefones celulares (48,81%)
31
, os telefones móveis
não mudaram substancialmente o estilo de vida dos seus usuários. Alguma
transformação na percepção de tempo e espaço é reconhecida, mas essa alteração é
majoritariamente relacionada ao contato via voz, e não à conexão com a Internet ou ao
envio de mensagens de texto, como é o caso do Japão e da Finlândia. Os americanos de
fato relacionam os telefones celulares a uma transformação na percepção do espaço,
mas não à mudança na percepção do real. Aceitar transformações no domínio do real
inclui uma nova maneira de lidar com a realidade, de encarar espaços do imaginário, e
de criar novos espaços para a sociabilidade e comunicação. Uma moradora de Los
Angeles, de 27 anos, escreveu:
“Não acho que eles (os telefones celulares) alteraram nossa percepção do que é o ‘real’. Eles
foram aceitos da mesma forma que os telefones ou pagers em seu início: como uma ferramenta
necessária à comunicação. Acho, realmente, que eles mudaram nossa percepção do espaço,
particularmente da geografia. Mudamos a maneira como organizamos encontros e viagens, e a
idéia de se estar ‘perdido’ na cidade é muito menos assustadora quando se está armado com um
telefone celular”.
32
Da mesma forma, a maioria dos usuários concordou que os telefones celulares
contribuem para a comunicação, mas não para a formação de comunidades. Esse fato
também é compreensível, à medida que os telefones celulares nos Estados Unidos e no
Brasil são prioritariamente utilizados para a comunicação bilateral. “Creio que contribui
31
Fonte: ITU, 2002. (International Telecommunication Union) Disponível em: http://www.itu.int/ITU-
D/ict/statistics/. Acesso em: 17 dez. 2003.
32
25 entrevistas aleatórias feitas através da Internet foram feitas entre os alunos do Departamento de
Design | Media Arts da UCLA de Maio a Setembro de 2004. Todas as citações sem referência explícita
são provenientes da mesma pesquisa. “I don’t think that they (cell phones) have altered our perception of
what is ‘real’. They have been accepted in the way that telephones or pagers were at their introduction,
as a necessary tool for communication. I do think that they have changed our perception of space,
particularly of geography. We have changed the way that we organize meetings and travel and the idea of
being ‘lost’ in a city is far less daunting when one is armed with a cell phone”.
228
para o contato pessoal, mas não necessariamente desenvolve comunidades. Encaro
‘comunidades’ como uma coleção de pessoas. O telefone celular é intrinsecamente
individualizador”.
33
Isso acontece porque os telefones celulares na América são
definitivamente usados meramente como telefones e, portanto, não produzem diferenças
profundas nas relações interpessoais.
O uso dos telefones celulares nos Estados Unidos difere substancialmente de
outros lugares fora da América, como a Europa Ocidental e a Ásia Oriental, devido a
diversos fatores, incluindo:
(1) A tecnologia celular: ao passo que toda a Europa tem telefones GSM, na
América existiam sistemas diversos, como TDMA,
34
CDMA
35
e AMPS
36
analógico,
que dificilmente se comunicavam uns com os outros. Apenas recentemente, o GSM se
tornou a tecnologia mais usada na América. Uma reportagem da revista on-line
Cellular-news (09 out. 2003) atesta que, entre junho de 2002 e junho de 2003, o GSM
ultrapassou as outras tecnologias sem fio nos Estados Unidos e Canadá, fato que
também ocorreu em outros países da América Latina, nos quais agora a tecnologia GSM
representa a maioria dos telefones celulares (43%). Como o Brasil seguiu o padrão dos
Estados Unidos – e não o da Europa –, o uso e o desenvolvimento dos telefones
celulares em ambos os países são semelhantes.
(2) Até 2002, não era possível enviar mensagens SMS entre as operadoras
concorrentes. Assim, se um usuário tivesse um contrato com a AT&T Wireless, não
poderia enviar uma mensagem para um usuário da T-Mobile, e vice-versa. Além disso,
as mensagens de texto ainda são caras. O plano básico da AT&T Wireless, por exemplo,
cobra dez centavos de dólar para cada Torpedo.
33
“I think it enhances person-to-person contact but not necessarily develops communities. I see
‘communities’ as a collection of people. The cell phone is inherently individualized”.
34
Time Division Multiple Access. “Um método de transmissão digital em que um grande número de
usuários compartilha um mesmo canal, compartilhando slots de tempo. Os sistemas celulares de segunda
geração como o IS 54, IS 136 e o GSM utilizam o TDMA na sua interface com a estação móvel”. Fonte:
Teleco. Disponível em: http://www.teleco.com.br/glossario.asp?termo=TDMA&Submit=OK
. Acesso em:
18 jan. 2004.
35
Code Division Multiple Access. “Método de transmissão digital baseada em spread spectrum. Utilizado
em sistemas celulares de segunda e terceira geração com o IS-95. No CDMA cada ligação recebe um
código que a estação móvel utiliza para identificar qual os sinais no espectro lhe dizem respeito”. Fonte:
Teleco. Disponível em: http://www.teleco.com.br/glossario.asp?termo=CDMA&Submit=OK
. Acesso em:
18 jan. 2004.
36
Advanced Mobile Phone Service. “O AMPS é o sistema celular analógico para a faixa de 800 MHz
adotado nos Estados Unidos e no Brasil. Era o termo usado pelos Laboratórios Bell da ATT na época para
designar a tecnologia celular que desenvolveu.” Fonte: Teleco. Disponível em:
http://www.teleco.com.br/glossario.asp?termo=AMPS&Submit=OK
. Acesso em: 18 jan. 2004.
229
(3) Linhas fixas baratas e disponíveis. Quase todas as residências possuem linhas
fixas com baixos custos de instalação e nenhum custo para chamadas locais.
Conseqüentemente, os telefones celulares foram adquiridos como mais um
telefone.
Além disso, o custo de manutenção de um telefone celular é mais alto e inclui minutos
fixos que se pode falar por mês. “A maioria dos norte-americanos liga seus celulares
quando estão fora de casa e do escritório ou quando não estão acessíveis através de uma
linha fixa. Isso mantêm reduzidos seus minutos sem fio, e as operadoras não ligam
muito para usuários casuais de telefones celulares”.
37
(GeckoBeach, set. 2002) Em
locais onde os telefones fixos não estão disponíveis para grande parte da população, o
crescimento do número de celulares é muito mais rápido. O Japão é um exemplo e o
Brasil, outro.
(4) Os Estados Unidos não adotaram o método CPP (Calling Part Pays). Sendo
assim, o dono do celular deve pagar tanto pelas chamadas que faz, tanto pelas que
recebe, o que torna o uso do celular relativamente caro. O Brasil e outros países, como
Israel, há algum tempo já mudaram o sistema, e hoje o assinante só precisa pagar pelas
chamadas que faz. Nos Estados Unidos, se paga por uma quantidade específica de
minutos de uso. Se o usuário excede esses minutos, o custo por minuto de conversação
aumenta substancialmente. Por exemplo, um plano básico da AT&T Wireless custa
29,99 dólares por mês para 250 minutos de conversa (uma média de 12 centavos de
dólar o minuto). Qualquer minuto adicional custa 45 centavos.
(5) O custo por minuto ainda é alto. Para minimizar o custo, algumas operadoras
oferecem minutos ilimitados durante as noites e fins de semana, assim como nenhum
custo extra para ligações interurbanas. Essa é a única maneira pela qual a comunicação
sem fio pode competir com as linhas fixas, pois ligações interurbanas através de linhas
fixas são cobradas.
(6) Por fim, as histórias política e econômica da telefonia celular americana
mostram o porquê do atraso da incorporação da comunicação móvel na vida cultural e
social. De acordo com Eric Abrahamson (2003, p.33), “a competição na arena
regulamentar e o ritmo lento das mudanças institucionais na FCC (Federal
Communications Commission, Comissão de Comunicação Federal) e na AT&T,
37
“Most North Americans turn their cell phones on when they are out of the house and office, when they
cannot be reached on a landline. This keeps their wireless minutes down and service providers don’t
make a lot on casual users of cell phones”.
230
particularmente, custaram aos Estados Unidos a liderança no desenvolvimento
celular”.
38
A história da telefonia celular é um subproduto do desenvolvimento da
comunicação móvel e sem fio. Conforme comenta Barry Brown (In: BROWN; GREEN;
HARPER, 2002, p.7), o desenvolvimento dos telefones celulares nos Estados Unidos é
uma história do não-desenvolvimento. A tecnologia para a produção de telefones
portáteis já existia desde a década de 40. No entanto, praticamente não houve
investimento ou esforço para desenvolver e implementar a tecnologia, principalmente
porque os investidores e o governo federal não conseguiram prever um uso rentável
para o telefone celular.
É interessante lembrar que os computadores pessoais também passaram por
tempos difíceis até o meio da década de 70. Naquela época, a tecnologia para a
produção de computadores menores e pessoais já estava disponível, mas ninguém
conseguiu prever para que os PCs poderiam ser usados. Steven Johnson (1997, p.48)
conta que, no meio dos anos 70, um engenheiro da Intel convocou uma reunião para
apresentar um projeto que envolvia o desenvolvimento de um computador pessoal. O
engenheiro imaginou um futuro no qual os PCs seriam tão ubíquos quanto as televisões,
os aparelhos de som ou os aspiradores de pó. O custo, naquele tempo, não seria maior
do que dez mil dólares. Apesar de sua apresentação empolgada, o engenheiro não
conseguiu responder a mais básica pergunta: o que os usuários iriam, de fato, “fazer”
com um computador pessoal? De todos os usos possíveis, ele não pôde prever mais do
que guardar receitas em formato digital. Para Johnson, foi como inventar a roda e
mostrar que ótimo aparador de porta se tinha criado.
Após a Segunda Guerra Mundial, a maioria dos investimentos governamentais
foi direcionada para projetos relativos a inteligência artificial, computação gráfica e
armas nucleares, em vez da tecnologia móvel e sem fio. Brown (op. cit., p.7) sugere que
“a história inicial da telefonia celular é um exemplo de como uma tecnologia pode ser
atrasada em favor de outras tecnologias”.
39
Eric Abrahamson (2003, p.8) argumenta
que, desde o desenvolvimento do telégrafo sem fio em 1899, o telefone sem fio poderia,
38
“Competition in the regulatory arena and the slow pace of institutional change at the FCC (Federal
Communications Commission) and AT&T, particularly, had cost the U.S. its lead in cellular
development”.
39
“The early history of the mobile phone gives an example of how a technology can be delayed by
decisions to favor other technologies”.
231
tecnologicamente, ser desenvolvido. No entanto, os inventores do telégrafo falharam em
prever a potencialidade para a transmissão de voz. Até os anos 20, as oportunidades
perdidas e a falta de suporte institucional caracterizaram o desenvolvimento da
comunicação sem fio. Nos anos 30, a Motorola começou a vender rádios para carros,
que são os antecessores diretos dos telefones portáteis. Entretanto, desde os anos 20 o
enorme sucesso do rádio (tecnologia de broadcast) obscureceu as possibilidades de
desenvolvimento para a telefonia (bilateral) sem fio. Ainda segundo Abrahamson,
(Ibid., p.9) “decisões regulamentais que priorizavam o desenvolvimento da indústria de
comunicação de massa (broadcast communication) tornou extremamente difícil para
inovadores experimentar com a telefonia sem fio”.
40
Assim, a maioria das inovações na
comunicação bilateral via rádio foi desenvolvida por indivíduos e instituições de fora da
indústria das comunicações. Essas inovações foram incentivadas pela popularidade de
outra tecnologia: o automóvel.
Na década de 30, os rádios de carro usavam tecnologia FM (frequency
modulation) e eram majoritariamente utilizados pela polícia. O início da Segunda
Guerra Mundial, no entanto, impediu o desenvolvimento adicional desse espectro de
rádio. Durante a Guerra, a Motorola continuou a inovar, criando aparelhos para o que
foi posteriormente chamado de “a primeira guerra móvel”. A empresa desenvolveu
sistemas de rádio para os jipes e tropas, assim como o primeiro rádio embutido em uma
mochila, conhecido como Walkie-Talkie.
Apesar do uso inicial do espectro FM para a comunicação bilateral, após a
Guerra, algumas associações da indústria eletrônica e o Departamento de Estado dos
EUA começaram a pressionar o FCC para priorizar a alocação do espectro de rádio para
os novos meios de comunicação de massa (broadcasting), incluindo a televisão e o
rádio. (Ibid., p.10) Assim, as leis governamentais e a não alocação de freqüências de
rádio para a telefonia sem fio impediram que o telefone celular se desenvolvesse tão
rápido quanto em outros países. Segundo Abrahamson (2003, p.5), existiram quatro
elementos decisivos para a história do (não)desenvolvimento da telefonia celular nos
EUA. A primeira era a AT&T, a maior empresa telefônica nos Estados Unidos, que
tinha, nos anos 70, uma sólida infra-estrutura de fios e cabos, não tendo interesse,
portanto, em desenvolver a comunicação sem fio. A segunda empresa era a Bell
40
“Regulatory decisions that focused on enabling the growth of the broadcasting industry made it
increasingly difficult for innovators to experiment with wireless telephony”.
232
Systems, que produziu o primeiro sistema de telefonia fixa do mundo e estava hesitante
e, por vezes, desinteressada, em relação à tecnologia sem fio. Em terceiro lugar, a FCC,
que desde 1934 controlava e regulava as ondas públicas para o governo federal,
representou a maior obstrução ao desenvolvimento da rádio-telefonia, especialmente do
rádio-celular, atrasando essa tecnologia nos Estados Unidos por, talvez, dez anos. O
último elemento foi a Motorola que, desde os anos 30, desenvolvia rádios sem fio.
Apesar de a maior parte da freqüência de rádio ter sido oferecida às tecnologias
de comunicação de massa (broadcast), no fim dos anos 40, a indústria de aviação
declarou que a comunicação bilateral via rádio era vital para o desenvolvimento dos
serviços de aviação. Ainda preocupada com segurança, devido ao legado da Guerra, a
FCC finalmente alocou algumas freqüências de ondas para o serviço de rádio móvel. No
entanto,
“estudos mostraram que a duração de uma ligação via telefone celular seria três vezes mais longa
do que uma chamada de rádio. (...) O espectro era muito precioso para ser desperdiçado em
conversas sem importância, que poderiam apenas ser pagas pelos muito ricos. Se alguém
realmente precisasse conversar, a Comissão concluiu, poderia esperar até encontrar um
telefone”.
41
(ABRAHAMSON, op. cit., p.14)
Para completar, por volta de 1950, os receptores de televisão eram
extremamente suscetíveis à interferência. Conseqüentemente, a FCC bloqueou a
alocação de freqüências próximas para evitar a interferência, diminuindo ainda mais o
espectro deixado para o rádio móvel. Sendo assim, a pesquisa de comunicação nessa
área foi também extremamente reduzida. Foi apenas em 1964 que a FCC percebeu que
os serviços móveis eram de fato necessários para a economia e decidiu, em 1968, alocar
algumas freqüências de UHF não utilizadas pela TV para o sistema público de rádio
móvel.
Entretanto, o uso de freqüências de rádio para o desenvolvimento de telefonia
móvel ainda representava um problema, porque o número de indivíduos que poderiam
usar a mesma freqüência simultaneamente era muito reduzido. Como uma chamada de
telefone fixo, dois usuários alocariam um espectro específico durante a duração da
conversa e, como as conversas telefônicas demoram mais tempo que as conversas de
41
“Studies showed that the length of a mobile telephone call would be three times as long as a private
radio call. (…) Spectrum was too precious to waste on idle conversation that would be affordable only to
the affluent. If someone really needed to chat, the Commission concluded, they could wait to find a
telephone”.
233
rádio, o sistema estaria restrito a apenas alguns poucos usuário. Conforme explica
Abrahamson (Ibid. p.27), no fim dos anos 60, o sistema público de rádio móvel em
Nova York podia suportar apenas 543 usuários. A solução para esse problema chegou
com a invenção do sistema celular. Proposto originalmente pelo cientista dos
Laboratórios da Bell Systems, D.H. Ring, em 1947, o termo ‘celular’ significa dividir
uma região geográfica em células cobertas pela transmissão de uma antena que aumenta
a capacidade do sistema através da re-utilização das freqüências de rádio. Os usuários
de uma zona determinada enviariam e receberiam sinais para/de um único transmissor
ou estação-base usando uma freqüência particular. Os transmissores de zonas adjacentes
usariam freqüências diferentes para evitar que houvesse interferência entre as chamadas.
O problema seguinte, porém, seria como carregar as chamadas de uma célula para a
outra. Esse problema foi resolvido com a criação do sistema de roaming, o qual designa
uma unidade móvel que entra em um sistema celular do qual não é assinante. Um
usuário está em roaming “quando se move para fora de sua área de mobilidade, mas
dentro da área de cobertura de sua operadora”. (SOUZA; TUDE, 2002 p.3) Dependendo
do plano, o consumidor tem acesso a um conjunto de estações-base que podem cobrir
uma cidade, um estado ou toda a nação.
Após a alocação de um amplo espectro para a comunicação via rádio e a
implementação da tecnologia celular, a AT&T e a Motorola começaram a desenvolver
pesquisa e protótipos para telefones celulares em 1973. Até essa data, 37 anos tinham se
passado desde o primeiro rádio de carro da Motorola. Barry Brown (In: BROWN;
GREEN; HARPER, 2002, p.8) sugere que é tentador culpar o governo federal
americano pelo atraso na implementação dos sistemas de telefone celular. No entanto, o
desenvolvimento da telefonia celular em outros países foi apenas um pouco mais rápido.
“Um atraso mais fundamental (...) se deve à hesitação dos pesquisadores em
desenvolver pesquisa sobre telefonia celular”.
42
(Ibid., p.9) Durante os anos 60 e 70, os
videofones atraíram muito mais a atenção dos pesquisadores do que os telefones
celulares.
Assim, ninguém poderia prever o crescimento bombástico do mercado de
telefones celulares no início da década de 90. No começo dos anos 80, a AT&T previu
que o número total mundial de celulares na virada do século seria em torno de 900 mil,
42
“A more fundamental delay (…) came from the hesitancy of researchers to do cellular telephones
research”.
234
levando em consideração a baixa qualidade dos serviços e o custo substancial das
chamadas naquela época. (Ibid., p.1) Hoje, existem mais de um bilhão de celulares no
mundo todo.
Existem outros fatores específicos de Los Angeles que contam negativamente
para o irrestrito uso de telefones celulares. Ao passo que o uso dos telefones em Tókio é
muito comum “entre” atividades, ou ‘enquanto’ se espera por ônibus e trens, em Los
Angeles não há quase transporte público, assim, a população não está acostumada a
esperar. A maioria usa carros para ir de um lugar a outro, sendo o uso do celular dentro
de carros muito comum. Não existem muitos lugares em que se possa caminhar a pé, o
que torna o uso público de telefones celulares quase que inexistente.
Em relação à interface, os aparelhos handsfree
43
estão se tornando cada vez mais
populares. Nos carros, são quase que uma necessidade. Mesmo nas ruas, parece que os
usuários preferem não precisar segurar o telefone com as mãos: colocam-no no bolso e,
para um observador desavisado, parece que estão andando na rua falando em voz alta
com si próprios. Interface transparente?
“Os telefones celulares fazem apenas com que os usuários pareçam esquizofrênicos, porque você
vê todas essas pessoas andando vigorosamente pelo campus (da UCLA), realmente envolvidos
numa conversa consigo mesmo... ou pelo menos é isso o que você pensa até ver que há um fio
pendurado em suas orelhas. Quer dizer, o que pode ser tão importante que faz você ter que
passar a maior parte dos 20 minutos de intervalo das aulas tendo uma conversa passional com
alguém?”
44
Entre os entrevistados, a mobilidade foi considerado um fator decisivo das
tecnologias nômades. Apesar de ter sido geralmente assinalado que a mobilidade é a
“única” diferença para os telefones fixos (porque os telefones nos EUA, assim como no
Brasil, são usados principalmente para falar), os usuários realmente reconhecem que os
celulares transformam substancialmente o modo como nos comunicamos. “No início,
foi extremamente conveniente quando os telefones normais se tornaram sem fio, porque
43
Pequenos microfones e alto-falantes que, quando acoplados ao telefone, permitem que se fale sem
precisar segurar o aparelho.
44
“Cell phones just make people look schizophrenic because you see all these people walking vigorously
across campus really involved in a conversation with themselves… or at least that’s what you think until
you see that there’s this wire sticking out of their ear. I mean, what’s so damn important that you’ve got
to make the most of your twenty-minute stroll to class by having a heart-to-heart with someone?”
235
você podia carregá-los pelo seu apartamento. Agora você pode carregá-los em qualquer
lugar e é isso o que atrai as pessoas”,
45
sugere uma usuária de 22 anos.
Além da facilidade de comunicação, outro aspecto importante para a
popularidade dos celulares foi considerado a possibilidade de coordenação.
“Os celulares revolucionaram a maneira como organizamos nossos encontros, nos permitindo
sair sem saber ao certo para onde ir. Se eu preciso encontrar alguém em um bar do outro lado da
cidade, mas não sei exatamente qual, posso sair de casa imediatamente, sabendo que poderei
conseguir uma informação mais precisa quando chegar próximo. Não é mais preciso esperar por
um telefonema, ou ‘esperar ao lado do telefone’”.
46
É comum observar, nas ruas de Los Angeles, algo que ainda não acontece no
Brasil: a ubiqüidade de locais de trabalho. Ao ser questionada sobre o motivo da
popularidade dos telefones celulares e tecnologias móveis, uma não-usuária respondeu:
“Antes das tecnologias nômades, geralmente se trabalhava no trabalho ou pelo menos em um
local semelhante a um típico lugar de trabalho. Hoje em dia, é possível ver pessoas digitando nos
cafés, nos aviões, no zoológico, em qualquer lugar que possam conseguir um sinal”.
47
Na verdade, é comum observar usuários até em ônibus com seus laptops abertos,
trabalhando no tempo “entre” um lugar e outro.
Apesar de serem majoritariamente encarados como ferramentas de comunicação,
os telefones celulares ainda são usados com cuidado em situações sociais. Os usuários
estão prioritariamente preocupados em não perturbar o outro ou em não misturar
espaços públicos e privados. Como os celulares são, na maior parte das vezes, usados
para a comunicação verbal, muitos usuários simplesmente desligam o telefone quando
este não deve tocar. Ao contrário, os celulares no Japão e na Finlândia estão sempre
ligados, porque são usados prioritariamente para o envio de mensagens de texto, as
quais, teoricamente, não perturbam o próximo.
Em relação à mudança em nossa percepção do espaço, ao passo que a maioria
dos usuários assinalou o encurtamento das distâncias e a preocupação com o
desaparecimento das bordas entre os espaços públicos e privados, uma usuária percebeu
45
“First, it was really convenient when regular phones became cordless, so that you could carry them
around in your apartment. Now you can carry them anywhere and that’s what attracts people”.
46
“They have revolutionized the way we organize our meetings, by allowing us to travel with uncertain
knowledge. If I am to meet someone at a bar across town, but don’t know exactly which one, I can leave
immediately knowing that I’ll be able to get more accurate information as I get closer. People no longer
have to wait for a call, or ‘wait by the phone’”.
47
“Before nomadic technology, people did their work at work, or at least in an area similar to a typical
workplace. Now people can be seen typing at cafes, on airplanes, at the zoo, anywhere they can get a
signal”.
236
algo singular: “Talvez eles (os telefones celulares) estendam nossa subjetividade para
além de lugares anteriormente fechados e solitários – tais como quartos, elevadores,
carros – para dentro de outros espaços, tanto virtuais, quanto reais”.
48
Assim sendo, os
indivíduos não se sentem solitários quando de posse de um celular, porque podem estar
conectados ao mundo exterior. De modo semelhante, ao participar de um chat na
Internet, também se tem a sensação de não se estar sozinho. O telefone celular hoje
incorpora o papel anteriormente desenvolvido pela tela do computador. A diferença, no
entanto, é que o celular viaja com o usuário, interconectando mais firmemente os
espaços físicos e digitais.
O esvanecimento das bordas entre o físico e o digital foi percebido como algo já
acontecendo. “O WiFi, em particular, aguçou meu apetite pelo acesso ubíquo.
Geralmente desejo que meu laptop esteja conectado à Internet quando estou em
reuniões”.
49
De fato, é muito comum observar indivíduos em palestras olhando para as
telas de seus PDAs e laptops. Podem estar fazendo anotações sobre a palestra, mas
também existe a possibilidade de estarem enviando e recebendo e-mails ou conversando
com outros usuários em chats. Contanto que essa intervenção de contextos distantes não
seja percebida, é socialmente aceita.
Como os telefones celulares são majoritariamente usados para a comunicação
bilateral, a maioria dos usuários não concorda que possam ser usados para a criação de
comunidades, ou mesmo de uma relação de comunicação diferente da conversa normal
telefônica. O desenvolvimento de jogos de multiusuários baseados em posicionamento
celular é ainda recente, e parece que é difícil a conexão entre celulares e comunidades.
Além disso, o acesso à Internet móvel ainda não é popular: a conexão é cara, geralmente
via um navegador WAP e conexão GPRS de comutação de circuitos. Segundo um artigo
da Wired News,
“em 2000, muitos analistas disseram que os populares serviços do I-mode de Internet móvel no
Japão não funcionariam nos Estados Unidos devido a diferenças sociológicas entre as duas
48
“Maybe they (cell phones) extend our subjectivity of previously closed, solitary spaces – like rooms,
elevators, cars – into other spaces, both virtual and real”.
49
“WiFi in particular has whetted my appetite for ubiquitous access. I often wish that my laptop was
connected to the Internet when I am in meetings”.
237
culturas: os americanos seriam muito condicionados a acessar a Internet através de computadores
desktop, que é quase inexistente no Japão”.
50
(BATISTA, 16 out. 2002)
No entanto, o analista Ray Jodoin, da firma de pesquisa de mercado In-
Stat/MDR, sugere que: “os americanos querem (telefones celulares de última geração)
tanto quanto os asiáticos. Infelizmente, eles ainda não tiveram a oportunidade de
comprá-los”.
51
(Id.) O uso de telefones celulares nos EUA não difere substancialmente
do seu uso no Brasil.
7.2.2. Brasil: criando uma nova cultura móvel ou apenas seguindo os Estados
Unidos?
Recentemente, foi publicado que o Brasil é um dos países do mundo onde o
número de telefones celulares cresce mais rapidamente. (PLANT, 2001, p.77) Os outros
países são: Rússia, Romênia, Índia, Venezuela e Chile. Os números também são
impressionantes: mais de 40 milhões de usuários em 2003.
52
No entanto, segundo a
União Internacional de Telecomunicações,
53
em 2002, o índice de penetração celular no
Brasil era apenas 20,06%, número comparável ao da Argentina (17,76%), mas menor
que o do México (25,45%), Paraguai (28,83%), Venezuela (25,55%) e Chile (42,83%).
Além disso, é preciso não esquecer que, social e economicamente, o Brasil é
consideravelmente distinto dos três países anteriormente analisados: Estados Unidos,
Finlândia e Japão. No entanto, o Brasil se torna um caso de estudo interessante devido
ao enorme número de telefones celulares no país, definitivamente o maior da América
Latina.
54
Tais números se tornam ainda mais representativos quando comparados ao uso
da Internet. Como o custo de manutenção do celular é mais barato que no passado,
sendo possível para indivíduos de classes econômicas mais baixas comprar o aparelho,
50
“In 2000, many analysts said the popular I-mode mobile Internet services in Japan wouldn’t take off in
the States because of sociological differences between the two cultures: Americans are too reliant on
desktop computer Internet access, which is almost non-existent in Japan”.
51
“Americans want (high-end cell phones) just as badly as the Asians do. They just, unfortunately,
haven’t had an opportunity to get to them”.
52
Fonte: Teleco. Disponível em: http://www.teleco.com.br/ncel.asp. Acesso em: 18 jan. 2004. O ano de
2003 fechou com 46.373.266 de celulares.
53
Fonte: ITU, 2002. (International Telecommunication Union). Disponível em: http://www.itu.int/ITU-
D/ict/statistics/ Acesso em: 17 dez. 2003.
54
O único país da América Latina com um alto número de celulares que se aproxima do Brasil é o
México, com 26 milhões em 2002. Os outros países estão abaixo de 6.500. Fonte: ITU. (Id.)
238
o número de assinantes de celular já é mais alto que o número de assinantes da Internet
fixa. No ano 2000, 32% dos brasileiros mais ricos estavam on-line, mas apenas 2,1% da
classe média navegava na rede. (HELFT, 09 mai. 2000) Esses números refletem o baixo
índice de penetração do uso da Internet no país: apenas 8% em 2002, somando um total
de 14 milhões de usuários.
55
O número de PCs segue o mesmo modelo. A União
Internacional de Telecomunicações publicou que existem aproximadamente 13 milhões
de computadores pessoais no país, o que representa apenas 7,48% da população.
Quando comparado a 40 milhões de telefones celulares, esse número se torna irrisório.
Mesmo sendo possível argumentar que os PCs podem ser usados por mais de um
usuário, como as linhas de telefones fixos, o próprio nome (computador pessoal) sugere
que cada PC deve pertencer a um usuário. Sendo assim, é válido comparar o número de
telefones celulares e de PCs, ambos como “itens pessoais”. No entanto, os telefones
celulares são ainda mais pessoais do que os PCs. Provavelmente os PCs são mais
compartilhados do que os telefones celulares porque se encontram em lugares
determinados na casa ou no escritório. Os laptops, assim, seriam mais pessoais do que
os computadores desktop, simplesmente porque são portáteis. Seguindo essa lógica, as
tecnologias nômades de comunicação requerem o uso individual do aparelho, mesmo se
forem, eventualmente, emprestadas ou usadas coletivamente.
A análise do crescimento do número de telefones celulares não serviria em nada
se não pudéssemos olhar para o futuro e imaginar o que acontecerá quando todos esses
itens pessoais incluírem a capacidade de conexão com a Internet, e a habilidade de se
enviar e receber dados digitais for estendida para todos aqueles que possuem telefones
celulares. A popularidade da Internet ampliará para além das classes privilegiadas.
Além do mais, o significado da Internet diferirá substancialmente do que é hoje a
Internet fixa. Em primeiro lugar, porque a rede será móvel. Em seguida, porque uma
maior gama de indivíduos, de diferentes classes, terão acesso à rede. Entretanto, os
telefones celulares no Brasil ainda são raramente usados para o acesso à Internet. Como
nos EUA, são prioritariamente usados para falar. Além disso, de modo semelhante aos
Estados Unidos, parece também não haver conexão aparente entre os usuários de
telefones celulares e os usuários de Internet.
55
Fonte: ITU. (Id.)
239
Ao contrário da desconexão da relação com a Internet, o aumento do número de
telefones celulares está extremamente conectado à falta de linhas fixas. Hoje, o número
de telefones celulares já ultrapassa o de telefones fixos. Existem várias razões para a
maior popularidade dos telefones celulares no Brasil em relação aos telefones fixos. Ao
contrário do Japão, onde o tamanho e a portabilidade são aspectos críticos, no Brasil, o
preço é o fator determinante. A introdução dos telefones pré-pagos contribuiu para o
aumento exponencial do número de celulares, representando, hoje, 76,24% do número
total de telefones móveis no país.
56
Com os telefones celulares pré-pagos, o usuário
pode controlar melhor o custo, sendo possível comprar um cartão telefônico por mês e
esperar até o mês seguinte caso o cartão acabe. Além disso, muitos apenas usam o
telefone para receber chamadas, evitando uma conta mensal.
O serviço celular foi introduzido no Brasil em 1991. Os telefones pré-pagos
chegaram ao mercado apenas em 1998. Desde então, praticamente não existe aumento
no número de telefones com assinatura, ao passo que os pré-pagos somam mais de 30
milhões.
Tabela 1: Evolução do telefone pré-pago no Brasil.
A Pesquisa Nacional de Amostra de Domicílios (PNAD 2002), realizada
anualmente pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) mostra que quase
não houve aumento no número de telefones fixos no país durante o ano de 2002.
57
Tal
fato é parcialmente explicado porque a classe economicamente mais abastada já possui
telefones fixos. A mesma pesquisa afirmou que 99,3% do que ganham mais de vinte
56
Fonte: Teleco. Disponível em: http://www.teleco.com.br/ncel.asp. Acesso em: 18 jan. 2004.
57
Fonte: Teleco. Disponível em: http://www.teleco.com.br/comentario/com16.asp. Acesso em: 21 out.
2004.
240
salários mínimos por mês
58
possuem telefone fixo em casa. O mesmo é válido para
97,2% da população com renda mensal entre dez e vinte salários mínimos. No entanto,
apenas metade das residências com renda de dois a três salários mínimos tem um
telefone fixo e esse número apenas diminui à medida que a renda mensal também
abaixa. Por exemplo, entre a população que ganha até um salário mínimo, apenas 18,8%
têm telefone fixo em casa. Ter um telefone fixo significa pagar aproximadamente 35
reais por mês (US$ 10-15), o que representa 15% do salário mínimo brasileiro, e mais
os pulsos adicionais. Dentro desse contexto, comprar um telefone pré-pago se tornou
uma opção mais barata para a classe com menor poder econômico. O número de
residências que possuem apenas telefone celular cresceu em 15% em 2002, em contraste
com o crescimento de 7% do número de telefones fixos.
Esses números também variam dependendo da região. Ao passo que, no Sudeste,
72,6% das residências já possuem telefones fixos, apenas 37,4% da população do
Nordeste tem acesso ao serviço. A taxa é também baixa no interior do país. De acordo
com o jornalista Andrés Velázques, (05 ago. 2002) “a infra-estrutura deficiente e as
dificuldades impostas pela geografia tornam o celular a única opção em muitas áreas (da
América Latina). No Paraguai, por exemplo, existem cinco vezes mais telefones
celulares do que fixos”. Da mesma forma, o aumento do número de celulares na região
Centro-Oeste do Brasil foi o maior do país em 2003 (22,1%), seguido de 20,8% no
Norte e 15,5% no Nordeste, principalmente porque a infra-estrutura de linhas fixas
nessas regiões é ainda precária. Houve pouco crescimento no Sul e no Sudeste, onde os
habitantes já possuem linhas fixas e telefones celulares.
Até recentemente, os telefones fixos no Brasil levavam anos para serem
instalados. Em 1998, a Telebrás foi privatizada, o que contribuiu para o aumento do
número de telefones fixos e a diminuição do tempo de instalação. Hoje em dia, é preciso
esperar por volta de dez dias para se ter um telefone instalado, pagando-se uma taxa de
instalação de aproximadamente R$ 100,00 (por volta de US$ 30,00). Manter uma linha
fixa, no entanto, é caro para a maior parte da população. Como conseqüência, em agosto
de 2003, a Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) publicou que o número de
telefones celulares ultrapassara o de telefones fixos.
58
Em outubro de 2003, o salário mínimo no Brasil é de R$ 240,00 (ou, aproximadamente, US$ 84,00).
241
A partir dos fatos acima mencionados, não é nenhuma surpresa que os usuários
em uma pesquisa conduzida pela Internet para esta Tese entre maio e setembro de 2003
tenham respondido majoritariamente que uma das razões para tamanha popularidade
dos telefones celulares é o baixo preço, em grande parte, associado ao telefone pré-
pago. O questionário consistia em duas partes. A primeira incluía perguntas objetivas
sobre o uso do telefone celular, a saber:
1. Nome:
2. Idade:
3. Sexo:
4. Cidade:
5. Você possui celular?
6. Qual o modelo?
7. Há quanto tempo?
8. Você usa seu celular prioritariamente para: falar, enviar e-mails, enviar
mensagens de texto (SMS), conectar-se à Internet, ou outro?
9. Em que contexto você mais usa o telefone celular: assuntos profissionais ou
assuntos pessoais?
10. Você deixar seu celular sempre ligado? Em caso negativo, quando é
desligado?
11. Onde você mais usa o celular? No carro, na rua, em restaurantes ou bares, na
sua casa, na casa de outras pessoas, no trabalho, ou em outro lugar?
12. Onde você não atenderia a uma chamada?
13. Por quê?
14. Por que você acha que os telefones celulares são tão populares?
A segunda parte da pesquisa era composta de um questionário qualitativo com o
objetivo de descobrir como os usuários estão percebendo a nova tecnologia,
comparando os celulares ao uso da Internet e também a espaços virtuais. As seguintes
perguntas foram feitas:
1. Você acha que as tecnologias nômades de comunicação (como telefones
celulares, PDAs e laptops) transformam nossa experiência de espaço e a
percepção do real? Como?
242
2. Durante a última década, era comum se considerar o ciberespaço como um
lugar imaterial e um espaço para a projeção do imaginário. Hoje, porém, as
tecnologias nômades de comunicação contribuem para trazer esse “mundo
virtual” para perto da realidade física. Como você acha que esse fato pode
influenciar a imaginação das pessoas e contribuir para uma re-definição (ou
mesmo a desaparição) das bordas entre o físico e o virtual?
3. Uma das características do ciberespaço sempre foi o sentimento de imersão
provocado no usuário. Você acha que as tecnologias móveis também promovem
certa “imersão no espaço físico” ou uma maior desconexão deste espaço?
4. Qual será o futuro do design de interfaces, na sua opinião?
5. Você acha que o uso de telefones celulares ajuda a comunicação entre as
pessoas e a formação de comunidades, ou isola ainda mais o indivíduo?
6. Ao habitar o ciberespaço, problemas como a representação do corpo (através
de avatares), a presença e a atividade preocupavam aqueles que criavam
ambientes virtuais. Que problemas e novas perspectivas aparecem com a
emergência de tecnologias móveis de comunicação?
A pesquisa foi conduzida em português, tendo sido respondida por 96 pessoas
em um período de quatro meses no Brasil. Inicialmente, um e-mail foi enviado a um
grupo de pessoas na lista de contatos da autora. Então, aproveitando a possibilidade de
formação de cadeia da Internet, os recipientes foram solicitados a encaminhar a
pesquisa para outros conhecidos. Sendo conduzida através da Internet, a pesquisa
concentrou-se especificamente em indivíduos que são usuários da Internet e que são, ou
não, usuários de telefones celulares. Assim, o grupo piloto e as opiniões mostradas em
seguida não representam o usuário “geral” de celular.
Sabe-se que o número de pessoas que responderam à pesquisa desta Tese não é
representativo do número de usuários de telefones celulares e/ou de Internet nos países
estudados ou mesmo nas cidades especificadas. No entanto, o objetivo era, também,
coletar dados qualitativos acerca da visão do usuário comum sobre o uso do telefone
celular.
59
59
O desejo de desenvolver esta pesquisa surgiu da percepção da falta de pesquisa acadêmica sobre o uso
de telefones celulares. Conforme observado por Anthony Townsend (In: BROWN; GREEN; HARPER,
2002, p.62), “a difusão em massa de tecnologias de comunicação baratas repeliu a atenção acadêmica,
talvez porque pareciam enfadonhas se comparadas ao fantástico e nebuloso mundo do ciberespaço”.
59
De
fato, entre os acadêmicos, é comumente aceito que a pesquisa sobre telecomunicações simplesmente
243
Em relação ao baixo custo do celular, um usuário de 32 anos do Rio de Janeiro
declarou que já descartara seu telefone fixo: “O telefone celular é caro, mas se você tem
um consumo mensal médio e se a operadora oferece planos de pagamento fixos, acho
que vale a pena não manter mais uma linha… principalmente se sua Internet for a
cabo”.
21
12
7
17
22
12
1
6
1
3
2
0
5
10
15
20
25
praticidade
status
necessidade
baixo custo
ubiquidade
mobilidade e
portabilidade
controle
propaganda e
consumismo
individualizacao
independencia
seguranca
Tabela 2: Por que os telefones celulares são tão populares?
(número de respostas entre 96 usuários – alguns usuários indicaram mais de um motivo)
Apesar de os usuários geralmente terem indicado mais de um motivo para a
popularidade dos telefones celulares, a maioria enfatizou a vantagem de ser acessado a
toda hora, em todos os lugares (ubiqüidade). O sentimento de ubiqüidade foi expresso
por respostas como: “torna a comunicação mais fácil”, “é mais fácil localizar e acessar
as pessoas” ou mesmo “imediaticidade”. Um usuário de 26 anos de Matozinhos (em
ignorou os telefones celulares como tecnologias de comunicação, enquanto concentrava-se
prioritariamente na Internet durante a década passada. Na primeira década do século XXI, no entanto, a
importância social e econômica dos telefones celulares é substancial; mundialmente, a quantidade de
celulares já é comparável ao número de aparelhos de televisão. (RICE; KATZ, In: KATZ, 2003, p.91)
Sendo assim, não é mais possível ignorar as conseqüências sociais e econômicas destes aparelhos
nômades de comunicação. Mesmo assim, enquanto nos Estados Unidos e na Europa a pesquisa sobre
telefones celulares está ganhando visibilidade, quase não há estudos sobre esse tópico no Brasil. Com
aproximadamente 174 milhões de habitantes
59
e mais de 40 milhões de telefones celulares,
59
o Brasil não
poderia ser deixado para trás nesta análise, visto que concentra o maior número de terminais da América
Latina.
244
Minas Gerais) enfatizou a “possibilidade de ser encontrado e de encontrar pessoas
independentemente de onde você esteja”. Da mesma forma, nas respostas à quinta
questão na segunda parte do questionário, que indagava se os telefones celulares
promovem comunicação ou isolamento, a maioria dos usuários indicou a comunicação
(46%), em contraste com 7% que declararam que os celulares isolam as pessoas. No
entanto, 13% concordaram que depende, visto que os telefones celulares podem isolar
os indivíduos no espaço físico, mas conectá-los em espaços virtuais. Nesse sentido, os
celulares são encarados basicamente como um outro tipo de telefone, que remove os
usuários do espaço físico próximo e os imerge em um espaço comunicacional sem lugar
definido.
Um dos usuários enfatizou que o celular pode ajudar a comunicação, mas não a
formação de comunidades. “Comunidades ainda só se formam por interesses comuns e
o celular ainda não se presta a isso de forma completa, principalmente por razões
econômicas”. Razões econômicas incluem a interface pobre, a inexistência de telefones
de terceira geração (3G) e a indisponibilidade de serviços avançados para a parte da
população que decide ter um telefone mais barato, sem conta mensal. Conforme foi
visto, esse direcionamento não difere substancialmente da perspectiva norte-americana,
na qual os telefones celulares são majoritariamente usados para a comunicação bilateral.
Nos EUA, os motivos para o uso restrito de telefones celulares não são econômicos,
mas políticos. Essa situação é diferente na Europa e em países asiáticos, principalmente
porque os celulares são usados para diferentes finalidades, em vez de apenas para falar
com uma pessoa que esteja do outro lado da linha.
No entanto, alguns usuários assinalaram exatamente a dependência desse contato
constante como o maior obstáculo em relação ao futuro da comunicação móvel. “Acho
que o maior problema é uma ‘dependência psicológica’ dessas novas tecnologias. As
pessoas simplesmente não conseguem se ‘desplugar’ de seus computadores e
celulares…”, disse um usuário de 22 que vive em Fortaleza. Da mesma forma, uma
outra usuária de 34 anos de Salvador sugeriu que “a ansiedade comunicativa parece ser
o mais grave problema, ou seja, a incapacidade de se desconectar. O indivíduo perde a
capacidade contemplativa em prol de uma ansiedade do novo: das últimas notícias, do
medo do isolamento e da degustação superficial das informações”. Será que as
tecnologias nômades de comunicação trazem apenas velocidade, superficialidade e
245
dependência do contato? As vantagens dos telefones celulares e a necessidade de
contato constante também foram fortemente consideradas por usuários, levando até
algumas reações emocionais como, “Odeio pessoas que vivem com o celular desligado
ou que deixam com as ‘secretárias’”, reclamou um usuário de Belém, de 25 anos.
Em segundo lugar, os usuários responderam que os telefones celulares são
populares porque são práticos e convenientes. Esse tópico incluiu respostas como
“facilitam a vida” e “podemos nos comunicar com a família e com o trabalho para
resolver algo urgente. É realmente cômodo”. Um outro usuário de Manaus, de 24 anos,
sugeriu que os celulares são populares “pela facilidade e funcionalidade com que podem
agilizar muitas coisas, a partir de qualquer lugar. Você pode se deslocar e mesmo assim
resolver questões distantes”.
A mobilidade e a portabilidade são outros fatores importantes para a
popularidade dos telefones celulares. A mobilidade está relacionada com a habilidade de
se mover pelo espaço enquanto se comunica. A portabilidade está associada ao design
do telefone, quando pode ser facilmente transportado. É evidente que essas respostas
também possuem uma relação próxima com a ubiqüidade, mas, conforme analisado no
capítulo 6, a mobilidade não necessariamente significa ubiqüidade. Alguns usuários
estavam apenas enfatizando a possibilidade de se mover com a interface, sem estarem
essencialmente se referindo à conexão ou à disponibilidade. Uma usuária de 31 anos
simplesmente escreveu: “porque dá mobilidade, porque você pode usá-lo enquanto se
locomove”.
Especialmente em grandes metrópoles como o Rio de Janeiro, onde as distâncias
são grandes e onde os habitantes não têm tempo durante a semana para ver a família e
os amigos, o telefone celular é considerado quase que uma necessidade.
“O uso de telefones celulares ajuda a comunicação entre as pessoas, promove a aproximação
pela facilidade de comunicação e, na medida em que deixou de ser luxo para ser necessidade,
devido à correria que o dia-a-dia desencadeia, é um instrumento que acarreta soluções rápidas
para problemas de cunho profissional ou mesmo pessoal”, disse uma menina de 20 anos de Santa
Maria (Rio Grande do Sul).
Uma outra usuária do Rio de Janeiro afirmou que os telefones celulares são
importantes para a comunicação, especialmente para ajudar o outro na comunidade. “Já
livrei uma pessoa de um assalto acionando a polícia imediatamente do celular”.
246
Curiosamente, um número considerável de usuários ainda considera os telefones
celulares com meros aparelhos de status social, conectando sua popularidade a
campanhas de marketing. “Não ter celular hoje é passar vergonha na opinião da
maioria”, disse uma usuária de 30 anos do Rio de Janeiro. Da mesma forma que os
adolescentes no Japão, ter um telefone celular no Brasil algumas vezes determina se o
indivíduo pertence ou não a determinado grupo social. Um adolescente de 18 anos de
Santa Maria (RS) afirmou que os telefones celulares são populares “primeiro porque
conferem status, ou pelo menos conferiam no início… Acredito que seja modismo…
Ter celular já virou pré-requisito ‘to be in’”.
De fato, outra usuária de 31 anos de Niterói (RJ) sugeriu que
“ainda se associa a sua posse (do celular) com um status social. No início dos anos 90, quando
essa tecnologia chegou ao Brasil, era muito difícil conseguir habilitação para uso do aparelho e
só as pessoas que podiam pagar (caro) tinham acesso mais rápido. Daí, acredito que essa idéia
ainda povoa o imaginário popular”.
Em 1990, a Telebrás “requeria dos assinantes um depósito-caução no valor de
20 mil dólares só para habilitar uma linha telefônica”,
60
conta o jornalista Ethevaldo
Siqueira. (04 jul. 2001) Surpreendentemente, mesmo sob essas condições, a operadora
conseguiu vender duas mil assinaturas apenas no Rio de Janeiro. No entanto, parece que
o enfoque no status social tende a desaparecer a partir do momento em que os celulares
começam a se tornar ubíquos.
A maioria dos usuários que responderam ao questionário tinha entre 25 e 32
anos (42%), seguido de 27% entre 16 e 24. Uma pequena parcela tinha entre 33 e 40
anos (12%) e os outros (16%) tinham mais de 41 anos de idade. Uma pesquisa recente
do Ibope
61
(Latin Panel) indicou que a maioria dos usuários de telefones celulares no
Brasil tem entre 16 e 24 anos de idade. Essa faixa representa 30% do número total de
assinantes. Em seguida, uma grande parcela é representada por consumidores entre 25 e
32 anos de idade (21%). As faixas seguintes são: entre 33 e 40 anos (18%), entre 41 e
50 anos (16%) e, finalmente, os maiores de 51 anos, representando 11% do total de
usuários.
60
“Demanded from subscribers a guarantee deposit of U$ 20,000 just to enable a phone line”.
61
Disponível em: http://www.ibope.com.br/latinpanel/ogrupo/empresas/latinpanel/principal.htm. Acesso
em: 15 jan. 2003.
247
<16
2%
16 - 2 4
27%
25-32
42%
33-40
12 %
41-50
8%
>50
9%
<16
16 - 2 4
25-32
33-40
41-50
>50
<16
4%
16 - 2 4
30%
25-32
21%
33-40
18 %
41-50
16 %
>50
11%
<16
16 - 2 4
25-32
33-40
41-50
>50
Tabelas 3 e 4: Distribuição de idade dos usuários que responderam à pesquisa (à
esquerda) e resultado da pesquisa do Ibope no Brasil por faixa etária (à direita).
Diferentemente dos resultados dos Estados Unidos, a maioria desses usuários
(58%) deixa seus celulares ligados o tempo todo. Certamente, esse fato é conectado à
importância do contato constante, considerado como uma das maiores vantagens do
telefone celular entre os usuários. Além disso, o fato de estarem permanentemente
ligados pode indicar que os usuários não distinguem tão estritamente entre suas vidas
privadas e públicas, ou mesmo que usam os celulares prioritariamente para assuntos de
ordem pessoal. De fato, 71% dos usuários indicaram que usam seus telefones, na
maioria das vezes, para assuntos pessoais. Aqueles que afirmaram que desligam o
celular, o fazem normalmente em casa, à noite (em situações onde o telefone fixo está
presente) ou em espaços públicos, como em teatros, em reuniões de trabalho ou em sala
de aula, onde a maioria dos usuários também disse que não atenderia a uma chamada.
248
68
25
8
29
9
2
8
11
6
0
10
20
30
40
50
60
70
80
cin
em
a/teatr
o
tr
aba
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o
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alestra
au
la
c
arro
h
o
spital
m
o
tel
igreja
ou
t
ros
Series1
Tabela 5: Onde você não atenderia a uma chamada?
As razões para não atender a chamadas nesses lugares são, conforme o esperado,
respeito ao outro e/ou a não interrupção de uma ação ou acontecimento anterior. Os
poucos usuários que responderam que não atenderiam a uma chamada ao dirigir se
referiram ao medo de receber uma multa ou ao perigo de falar ao telefone no trânsito.
Alguns usuários indicaram mais de uma razão para não atender a chamadas, mostrando
que, também no Brasil, uma cultura em direção à etiqueta relacionada ao telefone
celular está sendo criada. O aumento no número de indivíduos que possuem telefones
celulares requer o aparecimento de regras culturais, pelas quais os usuários sabem
quando devem ou não devem usar o telefone.
Especialmente porque os celulares são prioritariamente usados para falar, a
consciência de não se usar o telefone em locais específicos é importante para se manter
um ambiente de respeito. Com exceção de um menino de 18 anos que afirmou na
pesquisa pela Internet que usa o celular majoritariamente para enviar SMS, os outros 95
usuários responderam “falar” a essa questão. De fato, o relatório da A. T. Kearney
(2003) declara que apenas 2% dos usuários de telefones celulares no Brasil enviam
SMS regularmente e 8%, de vez em quando. Além disso, 90% dos usuários de telefones
celulares nunca sequer usaram o serviço. Entre os usuários de SMS, metade dos
assinantes até 24 anos usa o serviço mais de uma vez por dia. Os usuários mais velhos
249
nem mesmo usam todos os dias. Se as mensagens de texto ainda não são populares, o
mesmo vale para a Internet móvel. Sendo assim, os telefones celulares comportam-se
como telefones portáteis, tocando em todos os lugares em espaços públicos. Dentro
desse contexto, os usuários têm razão em considerar as chamadas recebidas como
intervenções (por vezes, mal-vindas) no contexto presente.
“Todas as situações descritas acima (igreja, teatro, cinema, durante uma reunião de trabalho, um
workshop, uma palestra) requerem respeito para com outras pessoas e é muito desagradável
quando nossa linha de raciocínio é interrompida pelo som de um telefone celular. Geralmente, ao
terminar a chamada, o usuário do celular fica bastante envergonhado e a outra pessoa que foi
interrompida fica totalmente perdida até tentar colocar o raciocínio novamente em ordem para
prosseguir”, comenta um usuário de 43 anos do Rio de Janeiro.
Entre os 96 usuários que responderam ao questionário, a maioria vivia na região
Sudeste (71) e possuía o telefone celular por mais de dois anos, mas há menos que
quatro anos, o que indica que a grande parte dos usuários adquiriu um aparelho de
celular entre 1999 e 2001. Conforme declarado anteriormente, o número de telefones
celulares cresceu consideravelmente no Brasil após a introdução do telefone pré-pago
em 1998. De acordo com a Anatel, existem mais usuários recentes do que veteranos.
SE
75%
N
2%
S
9%
NE
13%
N/A
1%
menos de
2
22%
2-4
50%
4-6
14%
mais de 6
11%
N/A
3%
Tabelas 6 e 7: Número de respostas por região (esquerda)
e tempo de posse do telefone celular em anos (direita).
Ao serem questionados se os telefones celulares transformam nossa experiência
de espaço, a maioria dos usuários concordou que os telefones móveis transformam
nosso entendimento da geografia, encolhendo as distâncias e aproximando as pessoas.
No entanto, muitos usuários se referiram ao espaço como espaço físico, e não como um
espaço híbrido que combina o físico e o virtual. Aqueles que não concordaram com a
transformação na experiência de espaço, enfatizaram o que também já era claro para o
250
primeiro grupo: “os telefones celulares são, principalmente, extensões do telefone
normal” e “os celulares podem transformar a experiência de espaço, mas não o conceito
de real”.
Um usuário do Rio de Janeiro sugeriu que, com o telefone celular,
“O espaço para se comunicar com alguém passa a ser qualquer espaço, e não somente
determinados locais, como uma cabine telefônica ou onde exista algum aparelho. Situações que
antes não eram possíveis passaram a ser, como, por exemplo, trocar o local de um encontro,
momentos antes de ele acontecer”.
A macro e a micro-coordenação são hoje comuns no cenário brasileiro. Os
indivíduos também, de certa forma, se tornam relaxados em relação ao espaço e o
tempo. E, o que é mais importante, os usuários percebem que os telefones não estão
mais associados a lugares, mas a pessoas. Um usuário de 26 anos, de Salvador, atestou
que “hoje você não liga mais para procurar por alguém, você liga diretamente para a
pessoa”.
Em relação às re-definições de fronteiras entre os espaços físicos e virtuais, é
interessante notar o quão diversas as opiniões podem ser. Existem as mais diferentes
idéias sobre o que é o virtual e, portanto, a questão assume conotações completamente
diferentes. Geralmente, os usuários pensam sobre o virtual como algo desconectado do
espaço físico (o virtual do ciberespaço), mas concordaram que esse espaço iria, mais
cedo ou mais tarde, se aproximar do físico devido às tecnologias nômades.
Quase todos os usuários responderam que os telefones celulares promovem uma
maior conexão com o espaço físico, em vez da remoção deste. Provavelmente porque os
telefones celulares no Brasil são majoritariamente usados para falar, a associação a
conceitos como ‘imersão’ e ‘espaços virtuais’ ainda é muito distante para o usuário
comum. “Com a atual pobre interface dos celulares eu não me sinto como estivesse em
frente a um computador na Internet. Uso celular muito para enviar SMS e falar”, conta
um usuário de 31 anos, do Rio de Janeiro.
Conseqüentemente, somos compelidos a começar a indagar sobre o futuro das
interfaces móveis. As respostas a essa questão incluem perspectivas tão díspares quanto
“convergência”, “interfaces intuitivas e amigáveis”, miniaturização”, “comando de
voz”, “transparência” e “Internet móvel”. Podem existir muitos possíveis futuros
desenvolvimentos para aparelhos móveis; muitos já foram citados. No entanto,
independente das especificidades que serão desenvolvidas, os designers de interfaces
251
precisarão aprender a lidar com mobilidade, personalização, wearabilidade,
transparência e posicionamento celular.
O desenvolvimento da Internet móvel é a grande expectativa para a maioria dos
usuários e produtores. Parece que a tendência hoje é conectar o acesso à informação ao
posicionamento celular e à comunicação todos-todos, como é o caso dos jogos. No
Brasil, ainda não existem serviços de posicionamento celular em 2003. No entanto, já
em 2002, imaginando o futuro desenvolvimento desta área, a Compera, uma empresa
brasileira de Internet móvel, anunciou uma parceria com a LocationNet, empresa líder
mundial no setor de serviços de posicionamento celular. Alguns aplicativos futuros na
lista da empresa são o GoKiss, o GoQuiz e o GoChat. Todos os três produtos têm os
adolescentes como público alvo. Segundo um relatório de imprensa da LocationNet (01
mar. 2002), o “GoKiss é um aplicativo de namoro baseado em posicionamento que
conecta os perfis de usuários com seus pares românticos de acordo com a
proximidade”.
62
Nesse sentido, é muito semelhante ao Lovegety já existente no Japão.
Além disso, o “GoChat funciona como um serviço de mensagens instantâneas baseadas
em posicionamento que permitem aos usuários conversar com outros que estão na
mesma região”
63
(Id.), como o ImaHima. Finalmente, o “GoKiss oferece aos usuários a
habilidade de jogar jogos de adivinhação baseados em posicionamento através de
questões que são enviadas de acordo com a localização do indivíduo”.
64
(Id.) No
entanto, segundo Paulo Henrique Ferreira,
65
porta-voz da Compera, ainda não há espaço
no mercado brasileiro para o investimento em tais serviços. Atualmente, as operadoras
ainda estão batalhando para tornar populares os serviços mais básicos, como SMS e
MMS. Mesmo assim, testes nesse setor já estão em andamento. De acordo com a revista
on-line Cellular-news, (17 out. 2003) a operadora brasileira Oi “conduziu testes bem-
sucedidos para um novo modelo de tecnologia de posicionamento altamente precisa da
Cambridge Positioning Systems (CPS) na região de Recife (Pernambuco)”.
66
62
GoKiss is a location-based dating application that links profiles of people with their romantic match
based on proximity”.
63
GoChat servers as a location-based instant messaging application to allow people to chat with others
in the same locale”.
64
GoQuiz offers users the ability to play location-based trivia games with provided questions based on
their respected location”.
65
Em e-mail à autora. (02 nov. 2003)
66
“Has conducted successful trials of the new Matrix high accuracy location technology from Cambridge
Positioning Systems (CPS), in the Recife region (Pernambuco)”.
252
Os celulares de segunda geração e meia (2,5G) estão no mercado brasileiro
desde 2002, incluindo funções como transmissão de dados por comutação de circuitos
(GPRS), conexão com a Internet (WAP), e-mails, SMS e MMS. O recente relatório da
A. T. Kearney (2003) declarou que 38% dos assinantes de telefones celulares no Brasil
possuem aparelhos com acesso à Internet, mas apenas 31% desse total realmente usam a
Internet via celular.
Algumas inovações podem contribuir para uma maior integração entre os
telefones celulares e a Internet móvel, como a padronização da tecnologia e as telas
coloridas. Conforme mencionado, em 2003, a tecnologia GSM já representa a maior
parte dos telefones celulares no Brasil,
67
mostrando que o país está caminhando em
direção ao sistema europeu. O fato de o Brasil ter decidido seguir o modelo americano
(misturando diferentes tipos de tecnologias móveis não-compatíveis entre si) em vez do
modelo europeu pode ser uma das razões pelas quais o país não possui tanto serviços
celulares como na Europa, aproximando o padrão de uso celular ao dos EUA.
No entanto, diferentemente do comportamento americano e europeu, no Brasil
“há uma atração pelo novo”. (CASTALDELLI, 13 out. 2003) Essa frase também pode
ser entendida como “consumismo”. A pesquisa do Ibope (Latin Panel) afirmou que 42%
dos usuários de telefones celulares substituíram seus aparelhos em menos de um ano.
35% o substituíram entre um e dois anos. Por fim, 18% levam mais de dois anos para
adquirir um novo aparelho. A tabela abaixo indica que, até 2001, no Brasil e na
Argentina, a maioria dos telefones celulares no mercado era o primeiro aparelho dos
usuários. Em 2002, os usuários antigos começaram a substituir os seus telefones. Uma
projeção prevê que a partir de 2004, a maioria dos aparelhos nesses países não mais será
os primeiros celulares dos usuários.
67
A tecnologia GSM foi introduzida no país em junho de 2002.
253
Tabela 8
No Brasil, o download de toques e os telefones multimídia estão se tornando
populares. Um artigo do Jornal do Brasil declara que hoje “praticamente todas as
operadoras oferecem a opção de download de toques musicais e imagens com qualidade
superior aos encontrados na Internet”. (LOPES, 14 jul. 2003) Os toques em formato
MIDI, capazes de simular sons mais complexos, são também populares atualmente nos
Estados Unidos. Desde o início de 2003, é possível ouvir todo tipo de melodia em
espaços públicos, que no fim se descobre ser um celular tocando. Uma das razões para o
download de diferentes toques é a ‘personalização’. Os usuários gostam de diferenciar
seus telefones celulares dos aparelhos de outros usuários, argumentando,
principalmente, que, com os toques personalizados, podem ter certeza de que o celular
que está tocando é realmente o próprio. Além disso, é também comum associar
diferentes toques a contatos específicos na agenda telefônica. “Gosto de diferenciar os
grupos na agenda pelo toque. Quando alguém da minha família liga já sei que é
importante, mas, se é um amigo, eu posso não atender e retornar a ligação depois”, diz
Daniel Gotilla, um estudante carioca de 24 anos. (Id.) Outra razão para a diversidade de
toques é diferenciar os telefones celulares dos telefones comuns. Telefones celulares
tocando em espaços públicos foram freqüentemente encarados com elementos
perturbadores, irritantes e desrespeitosos. Ao se substituir o toque tradicional com
música pop ou outros tipos de sons tão diferentes como um gato miando ou um cachorro
254
latindo, transforma-se o celular em um objeto pessoal apenas acessível ao próprio dono
– ninguém mais saberá que é um telefone tocando. Um celular com um toque não
reconhecível como tal não atrapalha os outros ao tocar.
Também estão começando a aparecer no Brasil os telefones celulares com a
capacidade de fazer o download de jogos e aplicativos. Atentando para a evolução dos
telefones móveis, em 2003 a Vivo, uma das maiores operadoras no Brasil, anunciou o
primeiro serviço MMS usando a tecnologia CDMA na América Latina.
Essa evolução levanta a questão: qual será o uso de aparelhos móveis no futuro?
O desenvolvimento atual dos telefones celulares de fato mostra que os serviços de
posicionamento celular, os jogos e o conteúdo multimídia podem ser o futuro da
tecnologia móvel. A tabela abaixo mostra a evolução da Internet móvel no Brasil.
Enquanto em 2002, os telefones celulares eram majoritariamente utilizados para o envio
de SMS e para a navegação na Internet com a tecnologia WAP, em 2003 os aplicativos
multimídia foram lançados. Tais aplicativos dependiam do aparecimento das telas
coloridas, e incluíam as mensagens com fotografias anexadas e a previsão do tempo.
Finalmente, em 2004 o mercado está esperando pelos aplicativos em Java que permitem
a transmissão de vídeo, música e o download de jogos mais sofisticados.
Tabela 9: A evolução da tecnologia celular.
255
A A. T. Kearney perguntou aos usuários o que estão procurando atualmente na
Internet móvel. No Brasil, 40% dos entrevistados responderam que procuram por
entretenimento como jogos, músicas e toques. Uma parcela menor (33%) procura por
informação estática, como notícias e previsão do tempo, enquanto que 32% desejam se
comunicar com outras pessoas. Por outro lado, no Japão, a maioria dos usuários (62%)
usa a Internet móvel para a comunicação. A situação é semelhante na América do Norte
(25%) e na Europa (14%). O entretenimento ocupa o segundo lugar na América do
Norte (24%) e o terceiro na Europa (11%) e no Japão (32%).
Curiosamente, o desenvolvimento dos jogos ubíquos (ou jogos baseados em
posicionamento celular) é um sucesso na Europa, fato que apenas nos faz imaginar o
que aconteceria se os brasileiros pudessem ter acesso ao mesmo equipamento dos
europeus. Tecnologicamente, o Brasil decidiu seguir o padrão norte-americano, e é por
isso que o uso do telefone celular em ambos os países é tão semelhante. Hoje, com a
padronização das tecnologias na América e na Europa, é possível que novos usos para a
interface móvel sejam criados. No entanto, a nova maneira de lidar com a tecnologia
dependerá mais de aspectos culturais e econômicos, do que da tecnologia em si.
256
“Para a arte moderna, o espaço aumentado pode ser pensado como o passo seguinte na trajetória
de uma parede plana para um espaço 3D. Já há algumas décadas, os artistas lidam com todo o
espaço da galeria; em vez de criarem um objeto que o observador deveria ‘olhar’, os artistas
colocaram o observador ‘dentro’ desse objeto. Hoje, junto com os museus, os artistas possuem
um novo desafio: colocar o usuário dentro de um espaço preenchido com dados dinâmicos e
contextuais, com os quais o usuário pode interagir”.
1
(MANOVICH, 2002, p.22)
8.
TRANSFORMANDO A EXPERIÊNCIA DE ESPAÇO: ARTE + TECNOLOGIAS MÓVEIS
TRANSFORMANDO ESPAÇOS EM LUGARES
Tradicionalmente, o imaginário foi criado por viajantes que partiam para lugares
distantes e desconhecidos e narravam sobre suas (imaginárias) aventuras. No fim do
século XX, o aparecimento de espaços digitais, devido à Internet, proporcionou a
criação de espaços do imaginário que poderiam ser habitados e compartilhados, bem
como modificados por grupos de usuários que se encontravam em “algum lugar” fora
do espaço físico: os ambientes de multiusuários.
Atualmente, onde é o lugar do imaginário quando o espaço digital não pode mais
ser considerado como algo ‘fora’ do espaço físico? A história que se segue nesta Tese
sugere que o imaginário contemporâneo é criado pela implicação de espaços. Existem
basicamente duas tendências principais para a projeção do imaginário da era pós-virtual,
derivada dessa implicação de espaços: uma é relacionada à implicação de contextos
promovida pelos telefones celulares. Nesse caso, os telefones celulares trazem contextos
distantes e desconhecidos para dentro do contexto presente, alimentando a imaginação
de indivíduos que ouvem parte das conversas em espaços públicos. Outro tipo de
imaginário criado por telefones celulares se deve ao desenvolvimento de jogos ubíquos,
que re-interpretam o espaço urbano ao sobrepor uma narrativa imaginária ao espaço
familiar da cidade. A segunda tendência projeta o imaginário dentro do extremamente
pequeno, nos mostrando que pode haver lugares desconhecidos, mesmo dentro do
1
“For modern art, augmented space can be thought as the next step in the trajectory from a flat wall to a
3D space. For a few decades now artists have already dealt with the entire space of a gallery; rather than
creating an object that a viewer would ‘look at’, they placed the viewer ‘inside’ this object. Now, along
with the museums, the artists have a new challenge: placing a user inside a space filled with dynamic,
contextual data with which the user can interact”.
257
conhecido. O estudo das partículas minúsculas, possibilitado pelo aparecimento da
nanotecnologia, implica o pequeno no grande e o desconhecido, dentro do conhecido.
A arte também foi sempre responsável por representar espaços do imaginário,
além de incentivar o desenvolvimento da imaginação no observador/participante. Este
capítulo trata dos dois lados da projeção de espaços imaginários contemporâneos
(tecnologias móveis e nanotecnologia) através da arte. Dessa forma, associam-se as
tecnologias móveis e ubíquas, a arte e a ciência, de modo a definir um novo lugar para
a imaginação em espaços híbridos. Como os espaços híbridos são, principalmente,
ambientes de comunicação e de sociabilidade, este capítulo também trata da influência
da arte midiática na transformação dos espaços (impessoais de circulação) em lugares
(públicos e vívidos de comunicação).
Em primeiro lugar, um estudo de caso da exposição nano explora o poder da
arte mediada pela tecnologia na re-configuração de espaços de museus. Transformando
o espaço do LACMALab
2
durante nove meses,
3
nano exemplifica uma re-estruturação
do espaço dos museus tradicionais por meio de duas tendências distintas. Em primeiro
lugar, a exposição cria um espaço híbrido que conecta o físico e o virtual, convidando
os visitantes a participar e a usar o ambiente do museu de um modo original. No espaço
“entre” que conecta a arte, a tecnologia e a ciência, a exposição privilegia o que sempre
foi uma das principais questões do processo criativo: as fronteiras entre o real e o
imaginário. Essa é a segunda direção, pela qual a ciência das nano-partículas nos mostra
que os espaços do imaginário estão migrando do distante para o invisível, e do digital
para o híbrido.
Existem basicamente duas maneiras pelas quais a arte midiática contribui para a
criação de espaços híbridos. Uma ocorre dentro dos museus; a outra acontece em
espaços públicos. A exposição nano exemplifica o primeiro caso. O segundo caso é
representado por instalações interativas de grande-porte que intervêem em espaços
públicos. Finalmente, este capítulo analisa projetos específicos de arte midiática que
utilizam os telefones celulares como interfaces. Entre todos os possíveis usos e
desenvolvimentos para os telefones celulares, o artista, designer e professor Joachim
2
O LACMALab faz parte do LACMA (Los Angeles County Museum of Art).
3
nano abriu em 14 de dezembro de 2003 e permanecerá no LACMA até 6 de setembro de 2004. Maiores
informações podem ser obtidas no website http://nano.arts.ucla.edu
. Acesso em: 14 de fevereiro de 2004.
258
Sauter
4
considera o celular como uma interface poderosa para fins artísticos. A arte
midiática é um campo potencial que redefine espaços do imaginário e cria espaços
híbridos via interfaces móveis e ubíquas.
8.1. O imaginário invisível: museus, realidade híbrida e nanotecnologia
8.1.1. nano e LACMALab: desafiando o conceito de museus tradicionais
Metaforicamente injetando os visitantes no invisível nano-espaço, nano desafia
o conceito tradicional de um museu através de três ações interconectadas: o aumento do
que seria supostamente invisível; a mistura de espaços físicos e virtuais; e a redefinição
das fronteiras entre o real e o imaginário. Tais desafios, contidos nas principais obras da
exposição, assim como no próprio espaço onde a exposição acontece, são consistentes
com os principais objetivos do diretor do LACMALab, Robert Sain. O LACMALab
procura criar um novo tipo de museu que atraia visitantes de todas as idades,
contratando artistas para criar exposições e construir novos espaços participatórios.
nano é a quarta longa exposição desenvolvida pelo LACMALab, uma unidade
de desenvolvimento de pesquisa do Museu de Arte da Cidade de Los Angeles (Los
Angeles County Museum of Art, LACMA). Segundo Robert Sain, “o LACMALab é
uma nova iniciativa criada para desenvolver, testar e aplicar abordagens experimentais
para envolver o público – particularmente crianças, adolescentes, universitários, pais e
idosos – com a coleção permanente e exposições do museu”.
5
Pela primeira vez, nano cria um conceito geral para todo o espaço. O grupo da
Universidade da Califórnia, Los Angeles (UCLA), que incluía artistas midiáticos e
nano-cientistas liderados pela artista Victoria Vesna e pelo cientista Jim Gimzewski,
junto aos escritores sob a orientação de N. Katherine Hayles, envolvidos na produção
das passagens de texto na galeria e de um livro, criaram a exposição com o objetivo de
produzir uma obra de arte unificada que sugeriria a participação de tudo, incluindo os
visitantes, no mundo nano, o espaço onde a composição do mundo se torna aparente.
Para injetar os visitantes dentro do espaço minúsculo das nano-partículas, as instalações
4
Em conversa com a autora. (23 mai. 2004)
5
SAIN, Robert. Catálogo Geral do LACMALab. “LACMALab is a new initiative designed to develop,
test, and apply experimental approaches to engage the public – particularly children, teens, college
students, parents, and seniors – with the museum’s permanent collection and exhibitions”.
259
que preenchem a galeria lidam com conceitos como ‘escala’, ‘vigilância’, ‘fronteiras’,
‘identidade’, ‘ver por meio do tato’ e o ‘mapeamento de espaços invisíveis’. As
interconexões entre a ciência, a tecnologia, a arte e as ciências humanas são expressas
através da arquitetura do ambiente e das instalações que combinam espaços físicos e
virtuais, transformando a exposição em um espaço híbrido, uma mistura de campos do
real e do imaginário.
A iniciativa do LACMALab reflete uma tendência contemporânea nas áreas da
arte e da museologia que caminha em direção à interatividade, a qual repensa o papel
dos museus, de modo a melhor integrá-los com a arte midiática. Em oposição à
experiência em um museu convencional, não é mais apenas o visitante que é
transformado pelo espaço do museu; o espaço é também modificado pelo visitante.
nano é representativa de iniciativas desenvolvidas por museus de modo a incorporar a
arte midiática em suas galerias, transformando, assim, a relação entre o museu e a
audiência.
8.1.2. A construção dos espaços de museus
8.1.2.1. Os museus físicos
O conceito de um museu tradicional se desenvolveu como um lugar que incluía
a coleção de artefatos de todos os tipos. Essas coleções se originaram com as coletâneas
medievais e renascentistas de objetos raros, que pertenciam inicialmente a
colecionadores privados e foram, posteriormente, doadas a museus públicos. De acordo
com Foucault (1994, p.364), os museus tradicionais podem ser encarados como
heterotopias, pois são espaços que justapõem, em um único lugar físico, diversos
lugares virtuais (ausentes, mas existentes).
6
Assim, o conceito de ‘virtual’ já está
contido na idéia de um museu. Semelhante às bibliotecas, que são coleções de livros de
todos os lugares e tempos, os museus são heterocronias ou heterotopias de tempo. (Ibid.,
p.367) Conseqüentemente, os museus tradicionais, tendo embutidos em si suas origens
como coleções de objetos de diferentes tempos e lugares, incluem a semente do virtual.
Os museus híbridos, que serão analisados em seguida, acentuam e desenvolvem essa
6
Para uma explicação mais detalhada, veja o capítulo 2, Definindo o virtual, na parte “o virtual como
um não-lugar”.
260
implicação ao posicionar o virtual em uma relação dinâmica com o atual, em vez de
como algo fora do espaço físico.
Porque seus artefatos deveriam ser admirados, os museus se constituíram como
ambientes impessoais, neutros e silenciosos. O cubo branco deveria criar um espaço
isolado, desconectado de qualquer aspecto exterior. A expectativa era de que os
visitantes dos museus melhor apreciariam as obras, caso fossem excluídos de qualquer
influência da exterioridade. A realidade do museu, então, deveria ser criada por cada
objeto individual, que era, por sua vez, associado a outros lugares virtuais. As pinturas
tradicionais e objetos de arte deveriam habitar sua própria realidade, a qual não deveria
ser confundida com qualquer outro contexto exterior.
Para alcançar esse estado, uma certa distância entre o observador e o objeto
observado era necessária: era proibido tocar, fotografar e falar alto. Ao andar pelas
galerias do museu, os visitantes criavam suas próprias narrativas, que, geralmente, não
eram compartilhadas com os outros visitantes. Além do mais, o cubo branco não
poderia mudar. Apesar de a percepção da sala poder variar dependendo do tamanho dos
quadros na parede e como os objetos de arte eram dispostos no ambiente, não havia
qualquer interação entre os visitantes e as salas do museu. Também não havia qualquer
conexão entre o movimento dos visitantes e o formato das galerias, isto é, o espaço do
museu nunca era afetado pela presença dos visitantes.
8.1.2.2. Os museus virtuais
O aparecimento da WWW nos anos 90 incentivou o desejo utópico de se criar o
museu ideal: aquele que poderia ser visitado sem se estar fisicamente presente. O museu
virtual representava a possibilidade de acesso constante a obras de arte de qualquer
ponto que tivesse uma conexão com a Internet. O museu tradicional (fixo e imutável)
contribuiu para a fácil transferência dos museus de espaços físicos para digitais. Como o
espaço físico que envolvia as obras não era considerado parte das exposições, por que
não eliminá-lo? Esse pensamento levou ao maior equívoco da década passada, quando
os espaços digitais foram, algumas vezes, considerados substitutos para os ambientes
físicos. Cidades digitais foram desenhadas para criar novos tipos de sociabilidade na
rede, possibilitando que os usuários criassem avatares e desenvolvessem novas
conexões sociais. Conseqüentemente, websites foram encarados como lugares remotos
261
que poderiam ser acessados instantaneamente de qualquer servidor no mundo. O usuário
não precisava mais, portanto, se deslocar pelo espaço físico para alcançar regiões
distantes ou para acessar informação. Por que ir a um lugar específico se se poderia ter
tudo através da rede digital?
De acordo com William Mitchell (1999, p.59), os museus virtuais possuem
vantagens em relação aos museus físicos porque “o material exposto é guardado em
servidores em uma rede e os visitantes podem estar espalhados por locais distantes. O
que importa não é mais o tamanho da galeria, mas a capacidade do servidor e a
velocidade da rede”.
7
Mas será que acessar “informação” sobre um museu substitui o
real sentimento de se entrar dentro de um museu? Certamente não, mas defensores dos
museus virtuais também argumentam que estes poderiam oferecer muito mais
alternativas para a exploração do que um museu tradicional de grande porte. Apesar de
os museus virtuais nunca terem ameaçado a existência dos museus tradicionais, Mitchell
(Ibid., p.60) sugere que “com o desenvolvimento dos museus virtuais, o papel dos
museus atuais mudará; tornando-se cada vez mais lugares para se encontrar os
originais”.
8
Sendo assim, uma obra de arte poderia ser vista on-line, mas iríamos a um
museu para observar a peça original. De acordo com o argumento de Walter Benjamin
em “A obra de arte à época de sua reprodutibilidade técnica” (1990), o museu físico
seria o lugar onde as obras ainda teriam a aura do original, e é por isso que
permaneceriam significantes.
No entanto, se os museus existissem apenas para expor o objeto original, e se a
maioria dos visitantes não se incomodasse em ver a coleção pessoalmente, a mudança
das práticas de observação poderia significar que os objetos de arte representariam
apenas uma quantidade específica de informação. Nesse caso, não importaria que tipo
de suporte fora usado para acessar essa informação: um navegador na Internet, ou uma
tela de pintura. Segundo a definição de Claude Shannon (HAYLES, 1999, p.54) vista no
capítulo 1, a informação é uma entidade imaterial que permanece constante
independente do substrato material que a carrega. Considerando que o conceito de
‘ciberespaço’ é, quase sempre, embasado no desenvolvimento de um espaço de
7
“The exhibit material is kept on servers on a network, and viewers can be scattered at remote locations.
It is not gallery capacity that matters, but server capability and network bandwidth”.
8
“As virtual museums develop, the role of actual museums will shift; they will increasingly be seen as
places for going back to the originals”.
262
informação, os museus virtuais foram, muitas vezes, encarados simplesmente como
bancos de dados de informação que poderiam acumular muito mais do que um museu
físico. Na prática, no entanto, uma rápida pesquisa mostra que os sites de museus são
construídos, em sua maioria, para dar suporte aos museus físicos, sendo úteis para
verificar o horário de funcionamento do museu, algum material da coleção permanente
e das exposições especiais, mas em hipótese alguma substituindo a experiência de se
visitar um museu tradicional.
Roberta Buiani (2003, p.7) assinala algumas iniciativas que procuram criar
“verdadeiros” museus virtuais, ou seja, lugares virtuais que não possuem um original no
espaço físico e que não pretendem suplementar ou simular um museu tradicional.
Alguns exemplos incluem a seção de webart do Walker Art Center (Gallery 9)
9
e o
museu uruguaio El Pais.
10
Enquanto o primeiro inclui projetos desenhados e concebidos
para serem vistos apenas on-line, o segundo contém imagens de quadros e esculturas
físicas, mas que pertencem a colecionadores particulares. Ambos compartilham a
característica comum de mostrar obras de arte que não podem ser contempladas pelo
público comum no mundo físico. Outro exemplo singular é o Museu Virtual do
Canadá,
11
“que inclui em um único lugar elementos de todos os museus canadenses”.
12
(Id., p.8). Nesse sentido, esse museu poderia ser definido como uma heterotopia das
heterotopias, visto que os museus tradicionais já são heterotopias. O MVC é um website
sobre a cultura canadense e, apesar de a maior parte do seu conteúdo poder, de fato, ser
encontrada em museus físicos, não há um único lugar em que o MVC poderia ser
contido. Esses três últimos exemplos diferenciam substancialmente os museus virtuais
dos museus físicos, enfatizanado que, apesar de uma possível complementaridade,
ambos podem ter fins completamente diferentes. Existem obras de webarte produzidas
unicamente para serem vistas através da rede e, nesse caso, não há motivo pelo qual
mostrá-las em um museu físico. Por outro lado, sempre existe uma degradação da
experiência ao se olhar uma pintura tradicional na Internet, e é por isso que a produção
de sites que incluem objetos de arte tradicionais nunca substituirá as coleções físicas.
9
WAC | New Media Initiatives | Gallery 9. Disponível em: http://www.walkerart.org/gallery9/. Acesso
em: 18 jan. 2004.
10
Museo virtual de artes el pais. Disponível em: http://www.elpais.com.uy/muva2/. Acesso em: 18 jan.
2004.
11
Virtual Museum of Canada – Musée virtuel du Canada. Disponível em: http://www.virtualmuseum.ca/.
Acesso em: 18 jan. 2004.
12
“Which unifies under a single roof the resources of all Canadian museums”.
263
Pinturas tradicionais possuem um significado completamente diferente quando
observadas de perto. O efeito da luz na tela, a percepção das pinceladas, e muitas outras
características requerem a presença física do observador para a completa compreensão
da obra.
Sendo assim, os museus virtuais podem ser divididos em duas categorias: uma
complementa os museus físicos e deve ser um guia para as suas coleções; outra não
possui uma ligação direta com um lugar físico e provê o público com obras de arte que,
por estarem dispersas em diferentes locais ou serem criações on-line, não precisam ou
não podem ser exibidas em um único ambiente físico.
Mesmo após o aparecimento dos museus virtuais, a função dos museus físicos
continuou a ser amplamente tradicional, consistindo, ainda, de espaços impessoais,
neutros e silenciosos. Entretanto, com o surgimento da arte midiática, começaram a
emergir algumas indagações sobre qual deveria ser a função e a estrutura de um museu.
A estrutura hipertextual da rede chamou a atenção para modos mais flexíveis de
construção de narrativas através dos museus. Além disso, o aparecimento dos ambientes
de multiusuários mostrou que um espaço interativo e em constante mudança poderia
facilitar e incentivar a comunicação entre os usuários/visitantes. Tais desenvolvimentos
catalisaram uma nova forma de abordagem: “será que esse dinâmico espaço virtual
poderia ser trazido para dentro de um ambiente físico tridimensional?”
8.1.2.3. Os museus híbridos
A tentativa de se adaptar as galerias dos museus para a mostra de webart durante
a década passada já foi um desafio para a maioria dos museus tradicionais. Como lidar
com projeções e caixas pretas, em vez de cubos brancos? Como conectar o ambiente
virtual remoto ao espaço atual? Com o desenvolvimento da arte midiática, novos
desafios eram inevitáveis e muitos museus começaram a averiguar como adaptar seus
espaços para lidar com esse novo tipo de arte.
Ao contrário dos museus virtuais, aqui o desafio começa com as novas interfaces
usadas dentro (ou fora) dos museus, em vez do acesso remoto a um museu. As
tecnologias nômades e as interfaces miniaturizadas, assim como as câmeras e os
sensores que agem em tempo-real no ambiente, estão sendo usados por artistas para
transmitir suas mensagens de modos não mais compatíveis com a antiga separação entre
264
o visitante e o espaço da exposição. As obras de arte estão saindo da parede
bidimensional para habitar o espaço tridimensional, que é, também, transformado pela
ação dos visitantes, diferenciando-as da escultura e das artes plásticas tradicionais.
Além disso, esse novo espaço não é mais desconectado da realidade exterior: traz o
visitante (agora chamado de participante) para dentro da obra de arte, criando novos
espaços participatórios.
Considerando que os museus virtuais não substituíram os museus tradicionais, é
provavelmente verdadeiro que os museus de arte midiática também não o farão. Os
museus tradicionais possivelmente permanecerão como lugares estabelecidos,
construídos para mostrar a arte convencional, como pinturas e esculturas. No entanto, o
aparecimento de novas formas de arte que empregam interfaces digitais, móveis e
ubíquas, demanda a criação de novos tipos de espaços em museus, para aquelas
instituições interessadas em adicioná-las às suas coleções. Essas novas instituições serão
chamadas de museus híbridos. Os museus híbridos possuem duas características
principais: (1) promovem o esvaecimento das bordas entre espaços físicos e digitais
através da presença e da mobilidade dos visitantes; (2) promovem a interação direta e a
comunicação entre visitantes e entre visitantes e o espaço da exposição.
De acordo com Lev Manovich (2002, p.11), “uma trajetória que pode ser traçada
na arte do século XX vai de um objeto bidimensional colocado na parede para o uso de
todo o espaço tridimensional de uma galeria”.
13
No entanto, ele enfatiza que “essa
trajetória não é um desenvolvimento linear, mas consiste de passos adiante e passos para
trás”.
14
A criação de instalações tridimensionais interativas ganhou visibilidade nos anos
60, especialmente com a arte neoconcreta. O artista brasileiro Hélio Oiticica estava
entre aqueles que começaram a experimentar com instalações interativas, antecipando
um movimento da obra que migrava da tela para a vida. Por volta do meio da década de
60, Oiticica abandonara a pintura e a escultura tradicionais para começar a desenvolver
construções mais livres, as quais denominou Parangolés, que eram como capas para
serem vestidas. Apesar de seus trabalhos não empregarem a tecnologia eletrônica,
representaram um passo importante na re-configuração da relação observador/objeto de
arte. “Começando nos anos 70”, escreve Manovich (Ibid., p.11-12), “a instalação cresce
13
“One trajectory which can be traced in the twentieth century art is from a two dimensional object
placed on a wall towards the use of the whole 3D space of a gallery”.
14
“This trajectory is not a linear development; rather, it consists from steps forward and steps back”.
265
em importância para se tornar, nos anos 80, a mais comum prática artística dos nossos
tempos. (...) Finalmente o cubo branco se torna um ‘cubo’ – em vez de uma coleção de
superfícies”.
15
Partindo da premissa que a informação nunca é independente das
interfaces materiais que a transmitem, é possível argumentar que a condição
contemporânea difere das instalações anteriores devido à combinação de espaços físicos
e virtuais, uma mudança acelerada pelas interfaces nômades e pela computação ubíqua,
tornada possível pela crescente miniaturização de hardware inteligente.
As práticas artísticas, assim como as galerias tradicionais de museus, foram
afetadas por essas novas tecnologias. Muitas iniciativas empregam interfaces nômades e
wearable para transformar a experiência de se andar por um museu. O Museu
Wearable, de Flavia Sparacino (MIT), consiste em uma interface que é carregada pelo
visitante, composta de um sistema de áudio e um “olho privado” que personaliza a visita
ao museu. Por exemplo, se o visitante passa um longo tempo em frente a um quadro
específico, o sistema libera informação audiovisual sobre aquele trabalho. Assim, o guia
é diferentemente configurado dependendo de cada visitante. De acordo com Sparacino
(2002, p.2), o objetivo do projeto é criar “um sistema que pode ser personalizado para
criar e modificar dinamicamente os caminhos em um enorme banco de dados de
conteúdo e entregar para o usuário em tempo real, durante sua visita, toda a informação
desejada”.
16
Esse projeto segue a tendência da maioria do conteúdo na Internet durante
os anos 90, que procurava criar espaços privados dentro de espaços públicos. Websites
como os da amazon.com geram informação personalizada para diferentes tipos de
usuários. De modo semelhante, as salas de chat e os e-mails pessoais aumentaram ainda
mais o senso de espaços pessoais dentro do mega-espaço da rede digital. Apesar de
terem influenciado os museus de alguma forma, essas tecnologias “virtuais” não
transformaram o significado fundamental do que um museu poderia ser.
De modo contrário, a nova arte midiática, ao transformar os espaços neutros em
ambientes participatórios, muda o próprio significado do espaço: de um lugar silencioso
para um ambiente ativo, comunicativo e experimental. Nesse contexto, o conceito de
15
“Beginning in the 1970s, installation grows in importance to become in the 1980s the most common
form of artistic practice of our times. (…) Finally the white cube becomes a cube -- rather than just a
collection of surfaces”.
16
“A system which can be personalized to be able to dynamically create and update paths through a
large database of content and deliver to the user in real time during the visit all the information he/she
desires”.
266
‘virtual’ se relaciona aos museus não mais como um website distante que pode ser
acessado remotamente. Um sentido diferente de virtual é construído como uma
potencialidade que pode ser constantemente atualizada. No contexto de um museu, tais
virtualidades são atualizadas pelas ações do usuário em espaços físicos. Virtualidades
são potencialidades sempre desejando emergir, e re-configurar a realidade na qual
aparecem.
Os espaços híbridos trazem lugares de sociabilidade novamente para espaços
públicos urbanos, redefinindo os espaços do imaginário, anteriormente projetados em
espaços digitais. nano combina espaços reais e imaginários, representando o mundo da
nanotecnologia através da arte e da ficção científica. A exposição não apenas dissipa as
bordas entre o que é real e o que pode ser imaginado, mas também redefine os espaços
imaginários ao deslocar sua localização tradicional.
8.1.3. A construção de espaços imaginários em nano
É possível perceber uma mudança no imaginário da ficção científica que vai do
ciberespaço para a nanotecnologia, na medida em que os autores começam a se
interessar em representar o infinitamente pequeno. Em livros como The Diamond Age
(A era do diamante), de Neal Stephenson (1995), e Prey (Presa), de Michael Crichton
(2002), a nanotecnologia se torna um território esperando para ser explorado, mas que
se encontra dentro de espaços conhecidos e habitados. Não é coincidência que ambos os
livros associam a nanotecnologia com a exploração de espaços misteriosos às margens
de cidades ou áreas densamente povoadas; em Prey, é um deserto quase que desabitado,
e em The Diamond Age, o reino subaquático dos Drummers.
17
O fato de esses espaços marginais estarem associados à nanotecnologia indica
que existe a possibilidade de criação do desconhecido, mesmo dentro do conhecido.
Não é mais necessário viajar para terras distantes ou se transportar para dentro do
ciberespaço para encontrar o desconhecido; o imaginário contemporâneo está dobrado
dentro de objetos conhecidos e dos espaços em que habitamos em nossa vida cotidiana.
Essas partículas minúsculas, que não são geralmente compreendidas pelo público
17
Drummer’ também é um termo antigo para ‘mercador viajante’ (traveling salesman). Fonte:
Webster’s New World Dictionary & Thesaurus. Fourth Edition. Cleveland, Ohio : IDG Books
Worldwide, Inc., 2000. 438 p.
267
comum, são invisíveis até mesmo para os cientistas. Um dos mecanismos para se
“visualizar” átomos é com a utilização de um microscópio de tunelamento (Scanning
Tunneling Microscope, STM). Durante a operação do STM, uma corrente de elétrons
flui de uma ponta microscópica que se aproxima de uma superfície de átomos a uma
distância de aproximadamente um nanômetro. O movimento da ponta sobre os átomos e
moléculas é gravado, e os dados podem ser usados para construir uma imagem da
topografia da superfície. Com uma corrente constante, cada átomo em uma superfície
pode ser individualmente identificado e mapeado. Metaforicamente, é como se um cego,
que apenas conhece o mundo através do tato, imaginasse a aparência das superfícies.
Por ser uma ciência relativamente nova e, portanto, pouco compreendida, a
nanotecnologia se tornou uma fonte importante para a projeção do imaginário. Os seres
humanos sempre tiveram dificuldade em tentar entender aquilo que parece não seguir o
curso “normal” da natureza,
18
assim como o que não é visível. A nano-ciência engloba
as duas características, visto que, no nano-mundo, as partículas não são visíveis para o
olho humano e se comportam de modo diferente da matéria em grande escala. nano (a
exposição) alimenta nosso desejo de conhecer lugares imaginários ao representar
padrões moleculares e ao mapear o invisível através de sons e gráficos.
O grupo criador de nano no LACMALab produziu espaços híbridos que
revelam a interconexão entre realidades virtuais e atuais. Em níveis subatômicos, as
partículas aparecem e desaparecem, as fronteiras das superfícies são dinamicamente
instáveis e o observador afeta o que é observado. nano emprega a arte mediada pela
tecnologia para representar o universo de potencialidades descoberto e explorado pela
nanotecnologia. Conectar a nanotecnologia à imaginação não significa que a ciência em
si é imaginária, mas que está relacionada ao modo como o imaginário é projetado em
partes potenciais e inexploradas do real.
nano produz realidades híbridas ao permitir que visitantes remotos usem
avatares físicos (‘Esferas robóticas’), ao misturar a arquitetura física com projeções que
representam espaços “invisíveis” (a grade hexagonal projetada no chão) e ao tratar seres
humanos como partículas quânticas que interferem em espaços não-contíguos (‘Túnel
quântico’). Em suma, a exposição produz realidades híbridas ao combinar espaços
potenciais e atuais.
18
Como foi visto no capítulo 3, bestas e raças bizarras pertenciam a essa categoria na Idade Média.
268
O espaço híbrido começa a se configurar logo que o visitante entra na galeria. A
captura do rosto do visitante, lançando-o em meio a outros rostos projetados na parede
que habitam formas hexagonais, é o primeiro sinal de hibridização. As outras faces na
projeção representam visitantes que estiveram na exposição anteriormente, mas que
podem estar ausentes agora. A mistura de virtualidade e atualidade é reforçada pelas
passagens de texto na parede. “Você é a soma de todos os seus dados”
19
(DELILLO,
2003b, p.141), uma passagem que se encontra perto do conjunto de câmeras que tira a
fotografia inicial, assegura que os organismos humanos são compostos de dados
genéticos/digitais.
Logo em seguida, os ‘Espaços sensórios’ convidam o visitante a entrar no reino
invisível da nanotecnologia, ao criarem a uma sensação imersiva, principalmente
evocada por experiências táteis e auditivas. Espaços táteis também fazem parte da arte
nômade. (DELEUZE; GUATTARI, 1997, p.492) De acordo com Andrew Pellling, um
dos doutorandos em nano-ciência co-responsável pelo som da exposição, nano procura
fazer do som uma experiência tátil. Sendo assim, nos ‘Espaços sensórios’, curtas batidas
de som e palavras emergem e se agrupam, contrastando com longos momentos de
silêncio e som “ambiente”.
Caminhando através do ‘Espaço Sensório’ chega-se na ‘Célula Central’, que lida
com o som de modo semelhante. Sub-woofers
20
são usados para fazer o visitante sentir o
baixo associado ao chão, de modo que a superfície do chão pulsa e responde aos
movimentos dos visitantes e de ‘Esferas robóticas’ que ocupam espaço. A projeção
sobre o chão, análoga a um nano-espaço, é composta de uma grade hexagonal imitando
um conjunto de átomos de grafite. No nano-mundo, todas as partículas influenciam
umas às outras, de modo que o espaço é deformado pela presença de outras partículas
no ambiente – nesse caso, os visitantes e as ‘Esferas robóticas’. O chão se comporta
como uma onda, semelhante ao que acontece no nano-mundo. O comportamento
ondulante revelado pelas visualizações produzidas pelos dados coletados com o STM é
causado por elétrons, que podem se comportar como ondas ou como partículas. Os
elétrons estão dispersos no espaço, e essa nano-dispersão é representada visualmente
semelhante a um oceano. Cada nano-partícula que se aproxima o suficiente de uma
19
You are the sum total of your data”.
20
Parte do som responsável pela produção dos graves.
269
superfície atômica afeta e é afetada por ela. Causando perturbações na projeção sobre o
chão, os visitantes se comportam como átomos experimentando interações quânticas.
Figuras 30 e 31: O chão de grafite e o escaneamento de átomos de grafite com o STM.
A ‘Célula central’ também mistura o espaço arquitetônico atual com
representações potenciais de movimentos celulares. A interação com uma projeção de
Buckyballs
21
inclui um duplo senso de virtual. Estruturas moleculares lembrando a
molécula de carbono buckminsterfullerene C-60 nascem no espaço virtual da parede,
onde os visitantes podem manipulá-las com suas sombras. A obra apenas adquire
significado através da interação como os visitantes. As moléculas podem ser deslocadas
e apertadas de diferentes maneiras, produzindo interações nas quais os visitantes e os
átomos se influenciam mutuamente.
22
A molécula C-60 representada na obra foi descoberta, em 1885, em um
experimento para elucidar a química do carbono em estrelas vermelhas gigantes. Até
então, o carbono era apenas conhecido nas formas de diamante e de grafite. Ao passo
que o diamante tem uma estrutura tetraédrica modificada, a grafite forma uma grade
plana composta por hexágonos. Em oposição, os átomos de carbono da
buckminsterfullerene são conectados através de um pequeno ângulo, criando uma
estrutura fechada que se parece com uma bola de futebol formada por doze pentágonos
e 20 hexágonos. A deformação das Buckyballs na instalação é semelhante ao que
21
Nome dado em homenagem a Buckminster Fuller, que inventou o domo geodésico, o qual possui uma
estrutura similar.
22
Essa instalação foi baseada na obra Zero@wavefunction: nanodreams and nightmares, a primeira
colaboração entre a artista Victoria Vesna e o cientista James Gimzewski. Disponível em:
http://notime.arts.ucla.edu/zerowave
. Acesso em: 18 jan. 2004.
270
acontece quando um STM empurra uma molécula de carbono-60 usando os elétrons
que vêm da ponta microscópica. Os elétrons fluem lentamente através da ponta e, se o
fluxo for monitorado, é possível ver as deformações criadas pela ponta, literalmente
“espetando” a Buckyball. Na projeção, as sombras dos visitantes funcionam como a
ponta do STM que pode deformar e mover uma Buckyball. No entanto, apenas
movimentos lentos e brandos conseguem deslocar as moléculas, indicando que
movimentos rápidos e abruptos (ainda) não fazem efeito em níveis atômicos, quando se
manipula átomos. Ao ressaltar a escala, a obra procura transmitir como os átomos e as
moléculas se comportam nesse invisível nível da realidade.
Finalmente, a ‘Célula central’ é habitada por ‘Esferas robóticas’. Representando
átomos gigantes, essas esferas incorporam participantes virtuais, invertendo o
significado tradicional do avatar digital. A palavra hindu ‘avatar’, amplamente usada
entre a comunidade digital, designa um ser que é a personificação do deus Vishnu. Em
jargão digital, quando alguém escolhe um personagem virtual, essa “criatura” se torna
seu avatar, de modo que um avatar é uma representação digital de um corpo físico. No
caso das ‘Esferas robóticas’, essa relação é invertida, visto que as ‘esferas’ possuem
uma existência atual que responde às ações de indivíduos que não se encontram
fisicamente presentes na ‘Célula central’. A idéia inicial por trás das ‘Esferas robóticas’
era criar um website remoto através do qual elas seriam controladas. Posteriormente, as
interfaces de controle foram dispostas no ‘Espaço de manipulação atômica’, permitindo
que os participantes que se encontravam dentro da exposição pudessem interagir com o
módulo adjacente da ‘Célula central’. Em ambos os casos, a idéia era combinar espaços
remotos e contíguos em um ambiente híbrido, além de possibilitar aos visitantes a
interação com avatares físicos. A manipulação das ‘esferas’ também afeta os visitantes
que se encontram na ‘Célula central’, posto que se sentem compelidos a se mover
quando uma ‘Esfera robótica’ se aproxima. Nesse sentido, os visitantes também
possuem o poder de manipular e afetar outros visitantes dentro do espaço da galeria. A
manipulação remota das ‘Esferas’ foi inspirada no trabalho de Donald Eigler e Erhard
Schwizer, que, em 1989, escreveram ‘IBM’ arrumando individualmente 35 átomos de
xenônio sobre uma superfície de níquel utilizando o STM. A habilidade de influenciar e
re-arrumar remotamente as ‘Esferas’ representa a idéia por trás (do imaginário) da
nanotecnologia em se construir matéria a partir das partículas elementares do universo.
271
A mesma idéia é representada pela ‘Nanomandala’, um outro módulo da
exposição. A instalação trata do processo de construção do universo ao associar grãos
de areia, como metáfora da estrutura básica da vida, a átomos, como os blocos de
construção de nosso universo. A ‘Nanomandala’ também conecta o LACMA Leste, a
parte tradicional do museu onde estava exposta a mandala original construída por
monges budistas para a exposição Circle of Bliss, ao LACMALab, visto que projeta
sobre a areia o trabalho original do museu adjacente. Seguindo o modelo dos museus
tradicionais, os visitantes não podem interagir com ou tocar a mandala exposta no
LACMA Leste. De modo contrário, porém, a ‘Nanomandala’ é um convite à interação,
encorajando os visitantes a brincar com a areia e ressaltando uma das características dos
museus híbridos.
Os espaços híbridos também podem ser entendidos como implicações dinâmicas
de diferentes contextos ou níveis de grandeza, sobre si mesmos, através da tecnologia
digital. Estruturas caleidoscópicas espalhadas pela exposição contribuem para essa
dobra do espaço sobre si mesmo. Ao caminhar por nano, o visitante pode enfiar a
cabeça em buracos hexagonais na parede externa ao módulo principal e contemplar
imagens distorcidas da ‘Célula central’, ao mesmo tempo em que ouve partes de
narrativas de histórias de ficção científica sobre nanotecnologia. Os ‘Caleidoscópios’
jogam com a idéia de se olhar o dentro a partir de fora, criando uma interconexão entre
interioridade e exterioridade.
Por fim, o ‘Túnel quântico’, como os outros módulos da exposição, é baseado na
idéia de potencialidade e possibilidade. A instalação é formada por um “túnel”
composto por um chão espelhado e duas câmeras com microfones, uma em cada ponta
do túnel. Ao segurar a câmera, que fica dentro de um globo em cima de uma estrutura
de metal flexível, o rosto do participante é capturado e transformado em uma nuvem de
partículas, que é projetada na parede. O movimento dos outros visitantes se deslocando
através do túnel causa perturbações nessa imagem, e a troca de partículas entre as
imagens dos visitantes em cada uma das extremidades do túnel. Um túnel quântico é
descrito pela mecânica quântica como a probabilidade de um elétron, ao encontrar uma
barreira de energia, passar através da barreira, em vez de se chocar com ela e voltar.
Existe uma probabilidade finita de que esse fenômeno também aconteça com entidades
de grande porte, como seres humanos, mas essa probabilidade é tão ínfima que não
272
aconteceria durante toda a vida do Universo. O ‘Túnel quântico’ trata os seres humanos
como se fossem elétrons passando de um espaço a outro, capazes de alterar as partículas
adjacentes.
A distinção entre o atual e o virtual desaparece no nano-mundo, posto que os
elétrons não possuem localização física precisa, comportam-se como ondas e partículas
e podem, aparentemente, “pular” de um ponto a outro sem se mover através do espaço
que ocupam. As nano-partículas podem ser consideradas, portanto, entidades
simultaneamente potenciais e atuais, revelando a combinação desses estados em uma
realidade híbrida. Como pode algo ser considerado estritamente potencial ‘ou’ atual no
nano-mundo?
8.1.4. Esvaecendo as bordas entre o real e a imaginação: futuros possíveis
A mistura entre potencialidade e atualidade no nano-mundo, além da falta de
conhecimento básico sobre a nanotecnologia criam um imaginário fértil envolvendo a
nova disciplina. Um pesadelo comum especula que, com a ajuda da nanotecnologia, os
pesquisadores construirão nano-estruturas capazes de se replicar automaticamente como
nano-robôs. O professor da UCLA James Gimzewski (18 jan. 2002), co-responsável
pela criação de nano, conta que, quando trabalhava na IBM,
“um jornal chamado Bild publicou uma matéria de primeira página que dizia: ‘A IBM cria nano-
robôs que podem curar o câncer’, com uma foto deles nadando dentro do corpo humano, e
descrevendo-os como portadores de uma unidade de eliminação do câncer que usaria laser para
explodir as células cancerosas”.
23
Imediatamente, havia pessoas de todas as partes do mundo ligando para a IBM e
perguntando como comprar esses nano-robôs.
A história dos nano-robôs não era verdadeira, mas existem muitos possíveis
desenvolvimentos futuros para a nanotecnologia que podem tem um grande impacto no
nosso futuro. Muitas invenções possíveis procuram desenvolver sensores bioquímicos
que interajam com o ambiente. Por exemplo, janelas que podem esfriar o ambiente caso
esteja muito quente do lado de fora, e roupas que podem aquecer o corpo caso esteja
frio, ou esfriar se estiver calor. Outra possível aplicação imaginada por Gimzewski (Id.)
23
“A newspaper called the Bild printed a front page story saying ‘IBM creates nanobots that can cure
cancer’ with a picture of them swimming inside the human body and describing it as having a cancer-
killing unit that used lasers to ‘blast away’ the cancer cells”.
273
é o uso de bio-detectores em restaurantes “e em muitos lugares públicos, (...) que
detectarão a presença de vírus e diferentes tipos de materiais perigosos”.
24
A
nanotecnologia também pode ser usada para a construção de sistemas de liberação de
medicamentos no corpo de modo inteligente e para a manipulação de estruturas
celulares dentro do corpo humano. A maioria dos sonhos e pesadelos relacionados à
nanotecnologia está conectada à criação de nano-estruturas e máquinas moleculares que
podem entrar no corpo humano para curá-lo ou destruí-lo.
25
Alguns temas favoritos da
ficção científica incluem a criação de aparelhos ubíquos e invasivos de vigilância que
poderiam ser injetados dentro do corpo. O que aconteceria se os sonhos pudessem ser
controlados sem nenhuma interface visível?
Mark Weiser
26
(WEISER; BROWN, 21 dez. 1985), conforme mostrado no
capítulo 6, costumava dizer, na última década, que as interfaces ubíquas poderiam ser
consideradas “naturais” porque sua existência não seria percebida. Quanto menor a
interfade, mais “natural” ela seria. Com a nanotecnologia, algumas interfaces não são
mais perceptíveis ao olho humano e, portanto, se tornarão “naturalmente” partes do
ambiente. Dentro desse contexto, a arte midiática tem um importante papel ao trazer as
inovações tecnológicas contemporâneas ao alcance do público comum. A arte sempre se
preocupou em representar mundos imaginários e, muitas vezes, desafiou os limites da
tecnologia existente, transformando o mundo a sua volta. Iniciativas como nano, assim
como as outras exposições criadas pelo LACMALab e outras instituições experimentais,
fomentam esse tipo de discussão, repensando o papel da arte em relação à tecnologia e
re-definindo as fronteiras entre os espaços reais e imaginários. A dialética, hoje,
acontece entre o atual e o virtual, ambos os quais participam na construção da nossa
realidade. Ao trabalhar com o espaço “entre” que conecta a arte à tecnologia, nano e o
LACMALab criam um espaço híbrido que constrói um novo tipo de museu e alimenta a
aparição de novos espaços do imaginário.
24
“And in any public place, (…) that will detect the presence of viruses and different types of hazardous
material”.
25
Para mais sonhos e pesadelos, visite o site do projeto Zero@wavefunction, disponível em:
http://notime.arts.ucla.edu/zerowave
. Acesso em: 18 jan. 2004.
26
WEISER, Mark; BROWN, John Seely. Designing Calm Technology. Disponível em:
http://www.ubiq.com/weiser/calmtech/calmtech.htm
. Acesso em: 25 ago. 2003.
274
8.2. Arte híbrida e espaços públicos
O evento que aconteceu no LACMA é um exemplo de como os museus
tradicionais começaram a re-pensar seus papéis como museus. Fundamentalmente, isso
acontece porque as obras de arte começaram a mudar e, portanto, alguns museus se
sentiram compelidos a acompanhar essa mudança. A conexão entre a arte, as
tecnologias móveis e a computação ubíqua re-configura a relação entre a obra de arte e
o observador; que não é mais observador, mas participante. Conseqüentemente, não é
mais possível esperar por um visitante quieto e silencioso, pois as próprias obras de arte
requerem a interação com o trabalho e entre os visitantes. Simultaneamente, esses
espaços híbridos começaram a extrapolar o espaço dos museus e a habitar, também, os
espaços urbanos ao ar livre, transformando a maneira como nos relacionamos com a
cidade e com os espaços de circulação.
Até agora, foram mencionados espaços de museus e obras de arte dentro desses
museus que transformam espaços impessoais em lugares participatórios. No entanto, as
cidades também se re-configuram como espaços híbridos e a arte midiática contribui
substancialmente para a transformação de espaços de circulação em lugares de
sociabilidade.
Dentro do pensamento ocidental, o tempo não pode ser revertido, portanto,
afirmar que hoje os ‘lugares’ são valorizados não significa que os espaços urbanos
voltarão a ser o que eram antes do advento das tecnologias avançadas de transporte e de
comunicação. Ao contrário, a circulação e os espaços virtuais estão hoje embutidos na
realidade das cidades. É o conceito de ‘cidade’ que se transforma.
Em vez de transferir a comunicação para os espaços virtuais (que desprezam as
distâncias geográficas), as tecnologias nômades possibilitam a comunicação à distância
enquanto se move pelo espaço urbano. É provável que as tecnologias nômades não
mudem o formato geográfico das cidades, como o fez a ferrovia no século XIX, mas
possivelmente influenciarão o modo como compreendemos as cidades a as navegamos.
A arte midiática extrapola o espaço dos museus, interferindo em espaços públicos e
transformando seu significado tradicional. As obras de arte híbridas re-interpretam os
espaços públicos e/ou usam espaços virtuais para modificar os espaços físicos,
transformando padrões de sociabilidade e de interação humana em áreas específicas.
275
Para exemplificar a realidade aumentada no espaço das cidades, Lev Manovich
(op. cit., p.10) analisa o trabalho da artista canadense Janet Cardiff, que se tornou
famosa por seus passeios sonoros (audio walks) desde 1991. A artista
“cria suas obras seguindo uma trajetória através de algum espaço, narrando um texto que
combina instruções para o usuário (“desça as escadas”, “olhe através da janela”, “atravesse a
porta à direita”), com fragmentos narrativos, efeitos sonoros e outros tipos de informações
acústicas. Para experimentar a obra, o usuário coloca um fone de ouvido conectado a um tocador
de CDs e segue as instruções de Cardiff”.
27
Sem usar aparelhos sofisticados ou computadores wearable, Cardiff desenvolve
uma obra muito semelhante ao Museu Wearable de Flavia Sparacino. Apesar de
Cardiff também ter sido convidada para desenvolver passeios sonoros em museus, a
singularidade de sua obra se deve ao fato de que o passeio guiado acontece em espaços
urbanos. Através de palavras e sons, a artista sobrepõe um outro significado conceitual
ao espaço físico, implicando um contexto diferente dentro do espaço urbano através do
qual o usuário se move. É quase como o efeito do Walkman, mas, dessa vez, o passeio
não depende apenas do usuário, sendo produto de um certo tipo de interação entre o
participante, a artista e o próprio ambiente. O passeio guiado de Cardiff quase cria um
espaço híbrido, exceto pelo fato de que o passeio, como o Walkman, isola o usuário do
contato com outras pessoas, não criando, assim, um ambiente de sociabilidade. O
isolamento do cidadão também está relacionado a crescente velocidade com que se
circula por espaços urbanos.
Ao encarar as cidades como espaços de circulação, seria possível indagar: “por
que os cidadãos parariam em espaços públicos, a menos que algo de extraordinário
aconteça?” As obras do artista mexicano-canadense, Raphael Lozano-Hemmer,
representam, de certa forma, esse “extraordinário” que interfere no espaço urbano,
fazendo com que os indivíduos parem e experimentem os espaços públicos de diferentes
maneiras. Além do mais, suas instalações são bem-sucedidas ao usar espaços virtuais
para transformar o espaço atual da cidade, conectando usuários distantes e ausentes a
transeuntes presentes.
27
“Creates her pieces by following a trajectory through some space and narrating an audio track that
combines instructions to the user (“go down the stairs;” “look into the windown;” go through the door
on the right”) with narrative fragments, sound effects and other aural data. To experience the piece, the
user puts on earphones connected to a CD player, and follows Cardiff’s instructions”.
276
Lozano-Hemmer cria instalações públicas de grande porte que transformam o
comportamento e a percepção de espaços públicos. Vectorial Elevation (Relational
Architecture 4) consistia em 18 holofotes robóticos instalados no topo de prédios ao
redor da Zócalo Plaza na Cidade do México (na primeira versão, em 1999/2000). As
luzes eram controladas remotamente através de um website na Internet. Os usuários
poderiam criar diferentes desenhos em um modelo tridimensional on-line que era, então,
codificado como instruções para o re-posicionamento dos holofotes no espaço físico. O
participante on-line poderia ver o resultado de seu desenho por meio de webcams
instaladas na praça. Esse projeto combinava o espaço digital com o ambiente físico de
um modo não tradicional. Geralmente, o ciberespaço é visto como um lugar onde os
usuários podem entrar e criar novos mundos digitais, os quais não estão contidos em
espaços físicos. Com Vectorial Elevation, no entanto, o espaço digital foi usado para
modificar uma praça física. Igualmente importante foi o modo como os cidadãos
mexicanos reagiram à obra. A Zócalo Plaza já era um importante ponto de referência na
cidade. Vectorial Elevation ampliou seu impacto físico, visto que muitos indivíduos
iam para a praça à noite para observar os feixes luminosos, transformando-a em um
vívido espaço público.
28
A recente Amodal Suspension (Relational Architecture 8) (2003), semelhante a
Vectorial Elevation, também emprega holofotes em um espaço público. No entanto, em
vez de mostrar composições feitas on-line, os holofotes “capturam” mensagens SMS
ainda não lidas enviadas entre os usuários através seus telefones celulares ou através do
website. As mensagens são, então, codificadas em uma seqüência de flashes e expostas
no céu ao redor do Yamaguchi Center for Arts and Media (YCAM), no Japão. Amodal
Suspension é virtual em um duplo sentido: primeiro, porque conecta usuários que não
estão fisicamente presentes; segundo, porque expõe as mensagens de texto antes de sua
atualização, ou seja, quando ainda estão vagando pelo não-lugar do espaço digital.
Assim, a obra se apodera de mensagens virtuais ainda em um estado potencial, antes de
serem lidas e as transforma em entidades físicas.
29
Iniciativas semelhantes vão além de transformar uma única estrutura física ou de
instalações singulares em espaços públicos. Amplos projetos de arte midiática podem
28
Vectorial Elevation ganhou o Golden Nica Prix Ars Electronica em 2000.
29
Outros trabalhos de Lozano-Hemmer estão disponíveis em http://www.lozano-hemmer.com. Acesso
em: 15 de fevereiro de 2004.
277
construir um completo espaço artístico de modo a “reviver” espaços urbanos. Esses
espaços artísticos podem ser considerados como novas formas de museus, construídos
especificamente para acomodar a arte não-tradicional que lida com novas interfaces
digitais. Por exemplo, na região do Ruhr na Alemanha, antigas minas de carvão inativas
estão sendo transformadas em espaços para a exposição de arte midiática. A exposição
Connected Cities (1999)
30
transformou a área em um laboratório temporário, no qual
artistas representavam a situação urbana industrial como uma enorme coleção de
cidades conectadas não apenas através dos sistemas de transporte habituais, mas
também cada vez mais ligadas por linhas invisíveis de comunicação, como as redes e a
mídia digital. Nesse caso, assim como nos exemplos anteriores, é possível observar que
a implicação da arte digital em espaços físicos pode transformar nossa relação com os
espaços públicos.
8.2.1. Telefones celulares, arte e espaços públicos
Ao perceber a importância dos aparelhos nômades de comunicação, alguns
artistas começaram a explorar interconexões entre os telefones celulares, a arte e os
espaços públicos. Um indicativo importante de que a tecnologia está se tornando ubíqua
acontece quando a arte começa a lidar com esses aparelhos, desafiando seus limites e
funções estabelecidas. No entanto, trabalhos artísticos que lidam especificamente com
telefones celulares e relações de sociabilidade ainda são difíceis de serem encontrados.
Durante uma pesquisa de um ano (entre outubro de 2002 e outubro de 2003) e onze
entrevistas com artistas e pesquisadores, poucos puderam indicar trabalhos realmente
interessantes e inovadores nessa área. Os seguintes trabalhos foram identificados por
três motivos: primeiro, porque lidam especificamente com a tecnologia do telefone
celular como uma interface; segundo, porque conectam tecnologias nômades e espaços
públicos e, finalmente, porque representam visões originais de uma interface existente.
30
Informação disponível em: http://www.connected-cities.de/. Acesso em: 18 jan. 2004.
278
8.2.1.1. Social Mobiles: questionando os telefones celulares como aparelhos de
comunicação
Em março de 2003, a Agência para Assuntos Culturais no Japão promoveu o 6
o
Festival de Artes Midiáticas de Tókio. O trabalho vencedor na categoria Arte Digital
Interativa é um projeto peculiar, mais conceitual do que estético, que lida com assuntos
relacionados a telefones celulares como interruptores de conexões sociais. Desenvolvido
por Crispin Jones em parceria com a IDEO, uma empresa londrina de desenho
industrial, Social Mobiles consiste em cinco protótipos de telefones celulares, cada qual
representando uma “característica irritante” do aparelho. Por exemplo, o SoMo1 (O
Celular que dá Choques) libera uma quantidade variável de choque elétrico,
dependendo da altura em que a pessoa fala do outro lado da linha. Conseqüentemente,
as duas partes envolvidas na conversa tendem a falar mais baixo. Jones vai além e
sugere que esse tipo de telefone celular é feito para pessoas “que persistentemente
incomodam os outros com suas conversas intrusivas”.
31
(JONES, 2002)
Figuras 32 e 33: O Celular que dá Choques e o Celular Catapulta.
De modo semelhante, O Celular que Fala (SoMo2) é um telefone que produz
barulhos automáticos, como “huum,” “ahhah,” “sim”, para ser usado em locais onde as
conversas ao celular não são bem-vindas, como em museus ou cinemas. Quando uma
chamada é recebida, o telefone automaticamente “fala” com a outra pessoa sem
31
“Who persistently disturb others with their intrusive conversations.” JONES, Crispin; IDEO. Social
Mobiles. London: Ideo, 2002. Disponível em:
http://www.ideo.com/case_studies/Social_Mobiles/SoMo1-4.html
. Acesso em: 20 set. 2003.
279
necessitar que o usuário converse em voz alta. A conclusão de Jones (Id.): “quando dois
SoMo2 são usados, em ambos os lados de uma conversa, uma nova linguagem poderia
ser criada”.
32
Outro exemplo é O Celular Catapulta (SoMo5). Esse telefone tem um
mecanismo de estilingue que pode ser ativado ao se apontar para uma pessoa que está
falando intrusivamente no telefone em espaços públicos. O telefone, então, emite sons
que perturbam a conversa, invadindo, também, o espaço do outro.
É significativo que o prêmio no Japão tenha sido entregue a um trabalho cujo
objetivo principal seja encorajar a discussão sobre o papel dos celulares em espaços
públicos. Jones indica que “os aparelhos não são realmente soluções; são
intervenções”.
33
(Apud FRAUENFELDER, 24 fev. 2003) O artista testou os protótipos
nas ruas de Londres, criando intervenções em espaços públicos e incentivando a
discussão sobre o uso público de telefones celulares. Matt Hunter, da IDEO, critica os
designers de telefones celulares, argumentando que os fabricantes estão apenas
interessados em tornar os aparelhos menores para facilitar a comunicação, mas não
pensam sobre as implicações de possibilitar a comunicação em toda parte. (Id.) Foi
mencionado, no capítulo 6, o uso extremamente popular de telefones celulares na rede
pública de transportes de Londres e como os cidadãos se sentem perturbados pela falta
de educação em relação ao uso dos aparelhos. Apesar de o papel dos telefones celulares
como meios de comunicação estar mudando, trabalhos como o de Jones são importantes
para trazer a consciência das conseqüências (boas e ruins) do uso de uma tecnologia que
se torna ubíqua. O trabalho de Jones enfatizava o uso de voz no telefone celular, que é
hoje a função menos usada em muitos países. Como foi demonstrado, países como a
Finlândia e a Grã-Bretanha encontraram outros modos de usar seus telefones celulares,
de modo a não perturbar ambientes públicos, através de SMS, Internet e jogos.
A implicação de contextos distantes no contexto presente não é sempre bem-
vinda, especialmente em espaços públicos. Apesar de os usuários, muitas vezes, não se
incomodarem com a inclusão da vida privada alheia em um contexto público, como era
o caso da professora no capítulo 6, o uso bilateral de telefones celulares não cria
ambientes de multiusuários. Conseqüentemente, os padrões de sociabilidade já criados
32
“When two SoMo2 are used, on both sides of a conversation, a new language would emerge”. Id.
Disponível em: http://www.ideo.com/case_studies/Social_Mobiles/SoMo2-4.html
. Acesso em: 21 jan.
2004.
33
“The handsets aren’t really solutions; they are interventions”.
280
por meio do telefone tradicional não são transformados. Os telefones celulares
realmente mudam a sociabilidade em espaços públicos quando não são mais usados
como telefones tradicionais; quando os aparelhos são compartilhados entre amigos,
também trazendo colegas distantes para dentro do contexto presente, e ainda por meio
dos jogos ubíquos. Em ambos os casos, há uma comunidade previamente existente que
é ampliada e desenvolvida através do uso do celular. Semelhante aos ambientes de
multiusuários na Internet, nos quais apenas a construção do espaço virtual não era
suficiente para sustentar uma comunidade, o telefone celular sozinho não cria uma
experiência de multiusuário.
8.2.1.2. Blinkenlights: o telefone celular como controle remoto
Algumas obras exploraram o uso de telefones celulares não apenas como
telefones, mas também como interface de jogos ou controle remotos que intervêm em
espaços públicos. Em 2002, o Chaos Computer Club transformou um prédio de oito
andares na Alexanderplatz, em Berlim, na maior tela interativa do mundo. 144 lâmpadas
foram arrumadas atrás das janelas frontais do prédio, sendo independentemente
controladas de modo a produzir uma matriz monocromática de 18 x 18 pixels. Os
usuários podiam “controlar a fachada do prédio” via telefone celular ou via Internet,
criando animações, jogando Ping Pong ou enviando cartas de amor.
O telefone celular podia ser usado para jogar Ping Pong com o computador,
através da ligação para um número específico. Em um primeiro momento, o usuário
ouvia algumas instruções, como “use o cinco para mover a barra para cima e o oito para
movê-la para baixo”. Se uma segunda pessoa ligasse para o sistema simultaneamente, os
jogadores poderiam jogar entre si. A “pequena” diferença para um jogo de computador
era o tamanho da “tela”: um prédio inteiro no meio da Alexanderplatz.
Um outro uso de Blinkenlights era a possibilidade de se enviar uma mensagem
de amor para outra pessoa. Se, por exemplo, um usuário soubesse que sua namorada
fosse passar pela praça em uma hora específica, poderia criar uma animação usando o
programa “blinkenpaint”, que podia ser baixado pelo website e, então, enviá-la por e-
mail para o grupo de artistas. A animação com a mensagem era, então, colocada no
sistema e o usuário recebia um código de acesso. De posse do código, o usuário ligava
para o sistema, como se fosse jogar Ping Pong e, quando o jogo aparecesse na “tela”,
281
discava código de acesso, que liberava a animação. Um outro modo mais simples de se
criar animações era simplesmente produzindo uma imagem usando caracteres ASCII (0
e 1) em um arquivo de texto. O modelo abaixo, por exemplo, produz um coração
pulsando, ao ser alternado:
@200
000000000000000000
000011100011100000
000111110111110000
000111111111110000
000011111111100000
000000111110000000
000000001000000000
000000000000000000
@800
000011100011100000
000111110111110000
001111111111111000
001111111111111000
000111111111110000
000011111111100000
000000111110000000
000000001000000000
O website do projeto oferecia todo tipo de ferramentas e programas para facilitar
a interação com o sistema, sendo mais um exemplo de como a Internet pode ser usada
para a transformação de espaços públicos. Além disso, o Chaos Computer Club criou
um banco de dados com as melhores animações participantes em uma competição, que
poderiam ser posteriormente baixadas para um computador pessoal. Blinkenlights levou
um grande número de berlinenses à Alexanderplatz. Em setembro de 2002, o projeto foi
exibido em Paris.
282
Figuras 34 e 35: A fachada de Blinkenlights com uma carta de amor
(o coração pulsante) e o jogo de Ping Pong através do celular
A importância desses projetos está na capacidade que têm de transformar o
espaço de circulação das cidades, através dos quais os cidadãos apenas se deslocam,
mas não param, em espaços públicos de sociabilidade. O espaço, então, não é mais
apenas usado para o trânsito, mas se torna um lugar onde a comunicação é desenvolvida
e onde experiências agradáveis ocorrem. Devido à arte midiática, o circulatório ‘espaço
de fluxos’ se torna novamente um ‘espaço de lugares’, visto que as instalações que
intervêm nos espaços públicos convidam os cidadãos a parar e a perceber o espaço
urbano de diferentes maneiras. Assim, o espaço urbano não é mais prioritariamente
usado para a circulação e para o deslocamento; surge, também, o prazer de se ir a
lugares públicos como finalidade única.
Não se pode simplesmente assumir que os telefones celulares incentivam a
comunicação social, desenvolvendo modos de cooperação e não de isolamento. No
entanto, algumas dicas sobre como a tecnologia móvel se desenvolverá provavelmente
virão diretamente de atividades lúdicas, como a arte e os jogos. A criação de espaços
lúdicos também desafia nossa imaginação e promove novos tipos de sociabilidade. Os
jogos ubíquos baseados em posicionamento celular também transformam os espaços
públicos em ambientes de multiusuários.
283
“Bjorn Idren estava deitado, quase dormindo no sofá em frente a sua TV, no mês passado,
quando seu telefone celular começou a bipar várias vezes. Uma ligação? Não. Era um tiroteio
motorizado. “Bjorn, acorda”, gritou sua namorada, Sophia Eriksson, 26. “Alguém está atirando
em você!” Em vez de se esconder em baixo do sofá ou procurar por uma arma, Idren, 28, pegou
seu telefone. Tarde demais: fora atingido por uma bala sem fio”.
1
(KHARIF, 02 jul. 2001)
9.
ESPAÇOS (HÍBRIDOS) COMO AMBIENTES DE MULTIUSUÁRIOS
Bjorn Idren não se feriu: estava participando do jogo baseado em
posicionamento celular Botfighters. Idealizado pela firma sueca It’s Alive, os jogos
baseados em posicionamento celular, mais conhecidos como jogos ubíquos (pervasive
games), são jogados com o auxílio de telefones celulares equipados com SMS e
posicionamento GSM, colocando o usuário em uma forma de ambiente de
multiusuários
2
que se desenrola no espaço físico. O slogan no anúncio de Botfighters,
“A batalha está nas ruas”,
3
descreve um jogo que usa o espaço urbano como o cenário
da ação.
Este capítulo investiga como os jogos baseados em posicionamento celular (ou
jogos ubíquos) misturam espaços físicos e virtuais, transformando nossa percepção de
espaços públicos urbanos. Jogos como Botfighters, Supafly e The Go Game são
descendentes de ambientes de multiusuários que costumavam se localizar on-line.
Comunidades virtuais são tradicionalmente formadas por indivíduos que se encontram
no espaço digital das redes computacionais, mais conhecido como ciberespaço. Durante
a última década, era comum acreditar que a Internet poderia ser o (não) lugar ideal para
a formação de comunidades, na medida em que os usuários acreditavam na
possibilidade de criação de novas identidades, de viajar ao redor do mundo sem se
mover fisicamente e da não necessidade de contato cara-a-cara. Os aparelhos móveis de
comunicação, como os telefones celulares, são responsáveis por mover essas
1
“Bjorn Idren lay fast asleep on the couch in front of his TV last month when his cell phone gave an
ominous series of beeps. An incoming call? Nope. It was a drive-by shooting. “Bjorn, wake up,” shouted
his girlfriend, Sophia Eriksson, 26. “Someone is shooting at you!” Rather than dive under the couch or
reach for a sidearm, Idren, 28, grabbed his phone. Too late. He had taken a wireless bullet”.
2
Os fabricantes se referem a esse tipo de experiência coletiva como MMORPG, ou massively multiplayer
online role-playing game (jogo de RPG on-line de multiusuários maciço).
3
“The battle is on the streets”.
284
comunidades para os espaços físicos. Os celulares não apenas facilitam a comunicação
com indivíduos distantes, através da implicação de espaços virtuais dentro de espaços
físicos, como também proporcionam a interação entre indivíduos que compartilham o
mesmo espaço físico contíguo. Além do mais, o emprego de telefones celulares em
jogos incorpora a característica lúdica dos ambientes de multiusuários tradicionais, ao
trazer o imaginário relacionado a esses “lugares” para os espaços urbanos.
Essa camada lúdica e imaginária que pousa sobre o espaço físico transforma
nossa percepção da cidade, dissipando as bordas entre o que é realidade e o que é
imaginação. Como esses jogos são de multiusuários, também promovem novos tipos de
sociabilidade e de interação entre os usuários. Quais são os efeitos dos jogos de RPG em
espaços físicos? Este capítulo também descreve como os telefones celulares podem ser
usados de outros modos que não são restritos à comunicação bilateral.
O capítulo começa definindo o conceito de ‘jogo’ e seus componentes:
playability’ e ‘gameplay’.
4
A experiência do jogo é comparada às atividades do turista
e do viajante, recapturando o argumento, desenvolvido no capítulo 3, pelo qual os
espaços imaginários são criados em espaços desconhecidos e inexplorados – mesmo se
esses espaços estão dobrados ou sobrepostos no espaço conhecido. Entretanto, quando
os espaços imaginários não se encontram mais fora, porém, dentro do espaço conhecido,
começam a se misturar com a realidade, re-definindo as bordas entre a realidade e o
imaginário. Nesse ponto, é inevitável a lembrança do pensamento de Eugen Fink
(1966), analisado no capítulo 2, pelo qual os jogos podem ser vistos como símbolos da
vida.
Em segundo lugar, são analisados diferentes tipos de jogos para telefones
celulares, questionando que tipos de jogos devem ser desenvolvidos para uma interface
móvel. A ênfase é dada no conceito de ‘comunidade’, que se move da Internet para os
espaços físicos, criando uma nova percepção do local, assim como novos modos de
interação entre os cidadãos.
A terceira parte deste capítulo trata de jogos ubíquos, através do estudo de caso
de Botfighters, o jogo móvel baseado em posicionamento celular da firma sueca It’s
4
A inexistência de tradução literal para os dois conceitos fez com que, nesta Tese, eles ficassem no
original em inglês. Gameplay se refere ao período de tempo em que se joga um jogo, ao passo que
playability está conectado às regras usadas para implementar o jogo. Ambos serão explicados mais
detalhadamente nas páginas seguintes.
285
Alive. Apesar de muito mais simples do que Majestic, Botfighters foi bem-sucedido em
trazer o espaço imaginário do jogo para dentro do ambiente físico, utilizando apenas
telefones celulares, SMS e posicionamento GSM. A empolgação e a maior parte da
narrativa do jogo se encontram, na verdade, na mente dos jogadores.
Finalmente, os dois tópicos estudados nesta Tese são combinados: a arte e os
jogos. Ao lidar com atividades aparentemente opostas, o trabalho do grupo britânico
Blast Theory mostra que as realidades híbridas são também construídas através da fusão
entre a arte e os jogos em ambientes físicos/digitais.
9.1. Jogos e lugares imaginários
9.1.1. O que é um jogo?
Os jogos tradicionais são baseados em uma definição dupla. Em primeiro lugar,
são uma seqüência de ações dentro de uma série de regras e objetivos formais e pré-
definidos. Em segundo lugar, possuem vencedores e perdedores. (JÄRVINEN; HELIÖ;
MÄYRÄ, 2002, p.13-14) De acordo com os pesquisadores Aki Järvinen, Satu Heliö and
Frans Mäyrä, da Universidade de Tampere, na Finlândia, as regras são usadas para
governar o jogo ao longo de sua duração. “As regras tanto permitem, quanto limitam as
escolhas dos jogadores entre as diferentes ações dentro do jogo”.
5
(Id.) Além disso,
afirmam, as definições de ‘ganhar’ e ‘perder’ são traduzidas em pontos ou outros
indicadores qualitativos. Conforme observado nos capítulos 3 e 4, os MUDs Sociais, ou
ambientes de multiusuários on-line, desafiam essa definição. Mesmo sendo
descendentes de jogos de ação e de jogos tradicionais de tabuleiro, os Tiny MUDs não
possuem vencedores ou perdedores. Além disso, apesar de possuírem algumas regras,
essas regras são flexíveis, tendo como finalidade principal a manutenção da coesão
comunitária, em vez da restrição das ações dos usuários.
Os MUDs (tanto os Sociais quanto os de Aventura) também desafiam um outro
aspecto comum aos jogos tradicionais: os jogos geralmente possuem um status outro
quando comparados à realidade. Ainda de acordo com Järvinen, Heliö e Mäyrä (Ibid.,
5
“Rules both allow and confine players to make choices between different actions within the game”.
286
p.14), “os eventos no jogo não afetam os estados das coisas fora dos jogos”.
6
No
entanto, a característica mais importante dos jogos de RPG e ubíquos é exatamente
fundir as bordas entre a realidade e o jogo. Um artigo do Boston Globe (08 mai. 2002)
declara que mais de 40% dos jogadores do jogo de RPG on-line de multiusuários
maciço (MMORPG) EverQuest jogam de 20 a 40 horas por semana. Quando o tempo
de jogo excede o tempo dedicado às outras atividades da “vida real”, por que não
considerar os jogos “reais”? Em outras palavras, qual janela é mais importante: aquela
na tela do computador que imerge o jogador em um ambiente virtual modelado ou a da
vida fora da tela? Será que deveríamos distinguir entre ambas? Os jogos ubíquos são
jogos de RPG de multiusuários (MMRPG), mas sem a tela, que incluem características
tanto dos RPG tradicionais, quanto dos RPG on-line. Os RPG tradicionais também são
jogados fora da tela. Como os ambientes de multiusuários on-line, os jogos ubíquos
conectam indivíduos que não compartilham o mesmo espaço físico contíguo. Como
ambas as experiências on-line e tradicionais, os jogos ubíquos dependem em grande
parte da imaginação dos jogadores. Entretanto, diferentemente de outros tipos de RPG,
os jogos ubíquos necessitam da mobilidade dos jogadores. A comunidade e os espaços
imaginários criados pelo jogo acontecem no espaço híbrido. O objetivo de tais jogos é a
extinção da linha divisória entre a realidade e o imaginário, o virtual e o físico.
Roger Caillois, em Les jeux et les homes (1958, apud Järvinen; Heliö; Mäyrä,
op. cit., p.12) distingue entre o ‘jogo’ (game) e a ‘brincadeira’ (play). Enquanto o jogo
“consiste na necessidade de se encontrar ou de se continuar uma reação que ‘é livre
dentro dos limites estabelecidos pelas regras’”,
7
nas práticas da brincadeira “as regras e
margens são mais frouxas ou não-existentes ou podem mudar espontaneamente
conforme a brincadeira continua”.
8
Nesse sentido, os jogos tradicionais e os jogos de
ação estão associados aos ‘jogos’, enquanto que os jogos de RPG estão mais próximos à
‘brincadeira’.
6
“The events in the game do not affect the states of things outside the game”.
7
“Consists of the need to find or continue at once a response ‘which is free within the limits set by the
rules’”.
8
“The rules and margins are looser or non-existent, or they can be spontaneously changed as the playing
continues”.
287
9.1.2. Gameplay e playability: componentes dos jogos
Järvinen, Heliö e Mäyrä (Ibid., p.17) definem ‘gameplay’ e ‘playability’ como
componentes essenciais de um jogo. ‘Gameplay’ se refere ao período de tempo durante
o qual o usuário joga o jogo. ‘Playability’, por outro lado, está ligado às regras e aos
procedimentos usados para a implementação do jogo. Nesse contexto, ‘playability’ é
“uma coleção de critérios através dos quais se pode avaliar a interação ou o ‘gameplay’
de um produto”.
9
Os MUDs Sociais, por exemplo, estão no limite do que é definido
como um jogo, pois não possuem uma série de regras determinadas que os jogadores
precisam seguir. Ao contrário, essas regras estão sendo constantemente construídas e re-
definidas. Além disso, os MMORPG não possuem um ritmo, ou tempo, como os jogos
digitais tradicionais, nos quais se deve cumprir uma certa missão em um período
determinado. Além disso, não impõem um ritmo ao jogador, mas é o jogador que
determina o ritmo do jogo. Finalmente, os jogos ubíquos não possuem ‘gameplay: o
‘gameplay’ acontece o tempo todo.
Por não separar estritamente a vida dos jogos ou a realidade do imaginário, os
jogos ubíquos também negam algumas outras características comuns aos jogos, como o
tempo dedicado para o ‘gameplay’. “A natureza temporal da experiência do usuário em
jogos digitais é essencialmente o tempo dedicado ao gameplay”,
10
argumentam
Järvinen, Heliö e Mäyrä. (Ibid., p.27) Isso significa que, ao jogar o jogo, o jogador se
dedica completamente a essa atividade, se desconectando de outras partes da vida. Essa
característica, apesar de também pertinente aos jogos não-digitais, corresponde, em um
sentido amplo, à atitude do usuário do computador pessoal. Geralmente, ao usar um PC
para desenvolver algum trabalho no desktop ou para navegar na Internet, o usuário
precisa parar outras atividades no mundo físico e dedicar-se exclusivamente à interação
com o espaço digital do computador.
11
Por outro lado, a própria definição de ‘jogo
ubíquo’ implica que a atividade aconteça simultaneamente
a outras atividades
desenvolvidas no espaço físico. O jogo não tem um tempo de jogo, ou ‘gameplay’,
separado da “vida séria”, mas acontece no tempo “entre”.
12
As pesquisadoras Fiona
9
“A collection of criteria with which to evaluate a product’s gameplay or interaction”.
10
“The temporal nature of the user experience in digital games is essentially the time devoted to
gameplay”.
11
Para maiores detalhes, veja o capítulo 1, Definindo o ciberespaço.
12
Cf. FINK, Eugen (1966), no capítulo 2, Definindo o virtual.
288
Raby, Akira Suzuki e Claire Catterall, do Royal College of Art, em Londres, definem o
espaço “entre” criado por telefones celulares como uma experiência de jogo, ou melhor,
de brincadeira:
“Um espaço ao qual chamamos de “sonho acordado”. Um espaço que começa a fundir a ficção e
a realidade. Um espaço da imaginação, que acontece lá fora, nas ruas da cidade. Um espaço que
usa o movimento e as atividades dos participantes como conteúdo, continuamente alimentando
uma narrativa de ficção, e onde personagens de ficção podem ser introduzidos nas rotinas diárias
dos indivíduos e começar a infectar o espaço real. Onde a informação pode se tornar uma
brincadeira”.
13
(RABY et al., 2000)
Os MMORPG já ofereciam alguma possibilidade de fusão do ‘gameplay’ com a
vida por meio de múltiplas janelas abertas na tela do computador. No contexto do
desktop, uma janela poderia ser usada para a busca na Internet, outra para se controlar a
conta bancária, e outra para jogar o jogo. No entanto, as tecnologias nômades, quando
usadas como a interfaces do jogo, são muito mais poderosas quando se trata de trazer o
jogo para a vida, pois os usuários podem carregá-las por onde quer que vão. Os
videogames digitais e MMORPG ainda são desconectados do espaço físico porque suas
narrativas se desenvolvem dentro do espaço digital da tela do computador. Os jogos
ubíquos, por sua vez, acontecem aqui nesse mundo, transformando nossa percepção do
espaço e criando uma camada imaginária que se funde com a realidade. Por exemplo,
quando um jogador “atira” em outro em Botfighters, é evidente que a bala sem fio não
machucará o jogador, porém, influencia a vida “real” dos jogadores, modificando suas
ações no espaço físico. A citação no início deste capítulo é um exemplo de como a
intervenção do jogo pode fazer com que o jogador literalmente corra para perseguir o
“atirador”. É evidente que os jogadores sabem que estão em um jogo, mas o jogo não
mais possui um ‘gameplay’. O ‘gameplay’ pode acontecer o tempo todo, pois é o jogo
que acessa o jogador, em vez de o jogador acessar o jogo. Järvinen, Heliö e Mäyrä (op.
cit., p.27) sugerem que em um jogo tradicional não há tempo ocioso ou “morto”, isto é,
um período onde nada acontece. Por outro lado, eles observam que outras formas de
entretenimento digital, como os chats, funcionam com uma presença muito forte de
tempo ocioso. Como os chats, os jogos ubíquos também precisam de tempo ocioso, pois
13
“A space we called daydreaming. A space that began to blur fiction and reality. A space of imagination
played out in the city street. A space that used the movement and activities of the participants as content,
continuously feeding back into a fictional narrative, and where fictional creatures could work themselves
into people’s everyday routines and start to infect real space. Where information could become play”.
289
estão misturados com a vida – o jogador é acessado “entre”, em esporádicos intervalos
de tempo.
Finalmente, Järvinen, Heliö e Mäyrä (Id.) apontam quatro componentes da
‘playability’: funcional, estrutural, audiovisual e social. O componente funcional é
relacionado às interfaces físicas usadas para se jogar o jogo como, como exemplo,
controles ou telefones celulares. O componente estrutural é a série de regras do jogo. O
componente audiovisual é constituído pela interface gráfica, no caso de jogos digitais.
Por último, o componente social se refere aos aspectos comunitários do jogo. Nem
sempre todos os jogos possuem todos os componentes. Especialmente os jogos ubíquos
descartam o terceiro aspecto: o componente audiovisual. Devido à enorme popularidade
dos jogos digitais com complexas interfaces 3D, os usuários e produtores de jogos
geralmente consideram o componente audiovisual como um fator essencial para o
desenvolvimento de um bom jogo. Conseqüentemente, porque os telefones celulares
tinham telas pequenas e monocromáticas, foram encarados como interfaces inferiores.
Muitos produtores estão esperando pela terceira geração de telefones com telas
coloridas e gráficos de alta resolução para o lançamento de jogos para celulares. “A
tecnologia atual é certamente básica”, escreve Clare Swatman para a revista on-line
Revolution (10 out. 2001), “muitos dos jogos sendo desenvolvidos atualmente para a
comunidade de jogos sem fio não são muito mais avançados dos que os primeiros
videogames clássicos, como o Pong”.
14
Johanna Hytonen, porta-voz da empresa de
jogos Riot-E, também argumenta que “as possibilidades ainda são limitadas, mas com
3G e GPRS prevemos toda uma nova variedade de produtos chegando e usuários
interagindo uns com os outros”.
15
(Id.) No entanto, será que a aposta em telas coloridas
e na conexão de alta velocidade não procura aproximar as interfaces móveis dos
computadores pessoais, esquecendo das características específicas dos aparelhos
nômades? Se os telefones 4G, com amplas telas projetáveis e óculos de dados chegarão
apenas em 2020 (Cf. BAXTER et al., 29 out. 2003), até então os jogos para celulares
serão jogados na pequena tela, e não há como compará-la, graficamente, a um monitor
convencional de PC.
14
“Many of the games currently being developed for the wireless gaming community aren’t much more
advanced than early video game classics such as Pong”.
15
“The possibilities are still limited, but with 3G and GPRS we foresee a whole new variety of products
coming and people interacting with each other”.
290
Não deveríamos esquecer, no entanto, que o MUD mais popular, LambdaMOO,
nunca precisou de uma interface gráfica para criar um ambiente social e imersivo.
Conforme mencionado no capítulo 3, Julian Dibbell (1998, p.52-53) sugeriu que tirar o
mapa do jogo, ou seja, esconder sua representação física como um território, era o maior
fator de imersão do jogador dentro do jogo. Uma vez escondido o mapa, os jogadores
precisariam re-criar o ambiente dentro de suas imaginações. Da mesma forma, os jogos
ubíquos não possuem representações gráficas. Como esses jogos se desenvolve no
espaço físico, o tabuleiro do jogo corresponde à própria cidade. Será que os jogos
ubíquos correspondem ao antigo desejo de se construir um mapa que é do tamanho do
território? O anseio de produzir tal mapa correspondia à tentativa de se desenhar a
representação perfeita, aquela que se confundiria com o próprio território.
Conseqüentemente, habitar o território seria o mesmo que habitar o mapa. Nos jogos
ubíquos, os jogadores estão, de fato, dentro do mapa: cada jogador representa seu
próprio avatar. Nos jogos on-line tradicionais, os usuários precisam criar avatares para
entrarem no jogo. Os jogos ubíquos invertem essa relação. Os jogadores de Botfighters
precisam ir a um website para criar um robô, que é, então, incorporado pelo usuário no
espaço físico. Sendo assim, o avatar não representa mais o usuário; é o usuário que
representa o avatar.
Como os MUDs textuais, Botfighters é parcialmente jogado através de
mensagens de texto. Assim, grande parte do imaginário do jogo se desenvolve na mente
dos jogadores. Um comercial da It’s Alive mostra um adolescente sentado calmamente
em um café de Estocolmo, quando vê uma bela menina passando na rua. Suspeitando
que ela seja, na verdade, um robô, o adolescente pega seu celular e sai do café
imediatamente. É quando seu telefone bipa diversas vezes, confirmando sua suspeita:
“robô por perto”, lê na tela. O menino, então, se transforma em seu avatar: um robô
empunhando uma arma, e corre atrás do outro robô. A menina, vendo-se perseguida,
atira. Uma batalha sem fio se trava nas ruas. O adolescente, no entanto, é mais rápido,
escapando do alcance do radar do robô feminino. A transformação de adolescente em
robô é a metáfora que conduz a narrativa do jogo, indicando que jogador e avatar são
uma única pessoa. O avatar se comporta de acordo com os movimentos do jogador no
mundo físico, e pode ser alvo de diferentes jogadores, dependendo de sua localização no
espaço urbano.
291
Apesar de não imergirem o jogador em um mundo virtual, como os tradicionais
MMORPG, os jogos ubíquos não acontecem unicamente no espaço físico. A camada
imaginária que representa a narrativa do jogo, ao ser sobreposta aos espaços urbanos,
cria um espaço híbrido através do qual o usuário pode se mover; que possui o formato
da cidade física, mas o conteúdo misto de realidade e imaginário. Os jogos ubíquos são
um outro exemplo de como espaços do imaginário podem ser criados mesmo dentro de
espaços conhecidos,
16
transformando o familiar no estranho.
9.1.3. Viajar, fazer compras e jogar: passeios ao desconhecido?
Os pesquisadores finlandeses Turo-Kimmo Lehtonen e Pasi Mäenpää (1997,
p.146) sugerem que a atividade de fazer compras pode ser comparada ao turismo.
Ambos são experiências de lazer e prazerosas. Além do mais, ambos acontecem fora
das esferas cotidianas de casa e do trabalho. “O que é fascinante sobre ambos”,
sugerem, “é o encontro do novo e do inesperado, e a experiência de se estar ‘em algum
outro lugar’”.
17
No entanto, ao passo que o turista realmente vai “a algum outro lugar”,
o consumidor transforma o espaço familiar em um ambiente novo e inesperado. Usando
o estudo de caso de um shopping mall em Helsinque, Lehtonen e Mäenpää (Ibid., p.147)
propõem que sair para fazer compras significa olhar o ambiente cotidiano com os olhos
de um turista. “Como uma experiência, ir ao shopping significa fazer uma viagem à
‘algum outro lugar’, onde o mundo real é constantemente desafiado pelo mundo
possível”.
18
A diferença da experiência turística, nesse caso, é que o ambiente cotidiano
do consumo geralmente se encontra dentro do espaço urbano familiar e conhecido.
Considerando as características citadas acima, é claro que o consumo e o
turismo também possuem estreita relação com o jogo. Todas as três atividades
acontecem fora dos eventos costumeiros da vida cotidiana e todas correspondem a
algum tipo de “aventura controlada”. Os jogos geralmente representam “uma briga
constante entre as linhas que separam os espaços conhecidos e desconhecidos – a linha
da fronteira – que é onde o jogador encontra criaturas perigosas e selvagens brutais,
16
O primeiro exemplo, discutido no capítulo 8, foi a nanotecnologia.
17
“What is fascinating about both is the encounter of the new and the unexpected and the experience of
being ‘somewhere else’”.
18
“As an experience, going to the mall means having a trip ‘somewhere else,’ where the real world is
constantly challenged by the possible world”.
292
onde lutam pela possessão e pelo controle do mundo de ficção”. (FULLER; JENKINS,
1995, p. 67)
No entanto, os jogos ubíquos estão, na verdade, mais próximos à experiência do
viajante do que do turista. Conforme mostrado no capítulo 5, o viajante procura por
aventuras não-controlada ao explorar o espaço físico, sem destino fixo ou data de
retorno. A experiência dos jogos ubíquos poderia ser considerada, até mesmo, mais
próxima do movimento nômade,
19
porque os jogadores vagam por um território fixo (a
cidade) durante o jogo. De qualquer forma, tanto nas compras, como no turismo
(viagem e nomadismo) e nos jogos ubíquos, “o aspecto central é a experiência de
movimento e a relação especial com o ambiente”. (Ibid., p.147)
Lehtonen e Mäenpää (Ibid., p.153) afirmam que não é fácil distinguir a
brincadeira e os jogos do resto do mundo. Entretanto, de acordo com John Huizinga
(1955), definem a brincadeira (playfulness) como uma característica natural dos seres
humanos e, assim, a base constitutiva da própria cultura. “A brincadeira é uma atividade
livre que se encontra quase que conscientemente fora do âmbito da vida ‘ordinária’
como algo ‘não-sério’, mas, ao mesmo tempo, absorvendo o jogador intensa e
completamente”.
20
(LEHTONEN; MÄENPÄÄ, op. cit., p. 154) Ainda de acordo com os
autores, “essa definição deveria, porém, ser suplementada pela ênfase de Georg
Simmel
21
no fato de que a brincadeira não deveria perder todas as suas conexões com o
‘sério’, se quiser permanecer interessante e não se tornar uma ‘brincadeira vazia’”.
22
(Id.) Conseqüentemente, a brincadeira é considerada uma esfera autônoma e imaginária
dentro da realidade que busca prazer e entretenimento. Lehtonen e Mäenpää (Id.)
consideram o “real” como algo que tem a ver com a seriedade da vida cotidiana.
23
Nesse
sentido, as compras, assim como a brincadeira e os jogos, são atividades prazerosas que
transcendem as rotinas diárias, ocupando, assim, um lugar fora da realidade. Além do
mais, “a diversão de fazer compras está sempre conectada com espaços públicos, tanto
19
Veja também o capítulo 5, Definindo espaços híbridos, na parte “Espaços nômades criados por
tecnologias nômades”.
20
“Play is a free activity standing quite consciously outside the realm of ‘ordinary’ life as being ‘non
serious’, but at the same time absorbing the player intensely and utterly”.
21
SIMMEL, Georg. The metropolis and mental life. In: Kurt H. Wolff (ed.). The sociology of Georg
Simmel. Glencoe, Il: Free Press,1950. p.43)
22
“This definition should, though, be supplemented with Georg Simmel’s emphasis on the fact that play
should not lose all of its connection to the ‘serious’, if it is to remain interesting and not become ‘empty
play’”.
23
Onde Lehtonen e Mäenpää dizem ‘real’, esta Tese entende ‘realidade, pois o real inclui ambos os
conceitos de virtualidade e realidade (que é a atualização do virtual).
293
nas cidades, como em grandes shoppings”.
24
O ato de fazer compras, assim como os
jogos ubíquos, sempre acontecem em espaços públicos.
No entanto, os autores também notam, de acordo com Georg Simmel
25
e Richard
Sennet,
26
que as metrópoles modernas representam ambientes nos quais estranhos se
encontram, mas provavelmente não conversam entre si. Há um certo espaço privado
dentro dos espaços públicos que previnem que estranhos se comuniquem.
Conseqüentemente, algumas vezes esse senso de privacidade em espaços públicos pode
se tornar, na verdade, um sentimento de solidão, pois os cidadãos se tornam, também,
indiferentes uns aos outros. Na medida em que não se comunicam, os cidadãos
observam e fantasiam sobre o comportamento e a personalidade dos outros.
“O espaço público da cidade é um mundo social onde são criadas fantasias sobre os indivíduos
que compartilham a realidade visual, ao mesmo tempo em que possuem mundos privados
interiores de sonhos e de associações particulares de imagens. Eles se abstêm de uma interação
de verdade, mas usam os outros e os sinais que transmitem com fins de contemplação prazerosa
unicamente interior”.
27
(LEHTONEN; MÄENPÄÄ, op. cit., p.155)
Nas metrópoles modernas, quanto mais perto uns dos outros, mais longe os
cidadãos de fato se encontram.
28
Conforme anteriormente descrito nos capítulos 1 e 3, o
ciberespaço foi considerado um lugar mais fácil de comunicação e de encontro entre
estranhos, em comparação a espaços urbanos. Em primeiro lugar, se estaria mais seguro
no espaço virtual da Internet. Segundo, um estranho que ocupasse uma sala de chat não
seria mais estranho do que um indivíduo desconhecido sentado em um café na cidade.
Na verdade, a sala de chat proporcionava uma maior sensação de intimidade, pois havia
sempre um menor risco em se aproximar de um personagem “virtual” do que um
indivíduo “real”.
Apesar de ainda recentes, os jogos ubíquos procuram trazer a comunicação de
volta para espaços urbanos. Usando o telefone celular, é possível, de fato, conversar
com os indivíduos que estão próximos, compartilhando o mesmo espaço físico. “A
24
“The playfulness of shopping is always connected with public spaces both in cities and in large malls”.
25
Op. cit.
26
SENNET, Richard. The fall of public man: on the social psychology of capitalism. New York :
Vintage Books, 1978.
27
“The public city space is a social world of fantasizing individuals who share the seen reality while
having private inner worlds of dreams and private associations of images. They refrain from actual
interaction, but use others and the signs they transmit for purposes of inner-directed pleasurable
contemplation”.
28
A falta de comunicação na cidade de Los Angeles, analisada no capítulo 5, é um exemplo da situação
acima.
294
tecnologia celular pode tanto conectar um jogador com outros usuários que estejam
próximos, através de serviços de posicionamento celular, como os oferecidos pela
CellPoint, como também conectá-lo ao seu amigo que está do outro lado do mundo”,
29
escreveu o jornalista Jörgen Sundgot. (05 dez. 2000) Os telefones celulares podem,
portanto, representar um novo modo de se conhecer pessoas que vivem em um mesmo
ambiente, as quais eram, anteriormente, apenas faces anônimas na cidade. Jogos como
Botfighters são jogos de ação e, mesmo não sendo a comunicação seu objetivo final,
estimulam a formação de comunidades em espaços híbridos. Sven Hålling, o presidente
da empresa, conta:
“Aprendemos, por meio de discussões de grupo, que os jogadores até usam Botfighters para a
comunicação, embora seja um jogo de ação: se você está passando em frente à casa de uma
amiga, pode atirar alguns SMS só para dizer oi, e se ela estiver de bom humor, responderá”.
30
(STEGERS, 08 fev. 2002)
Muito provavelmente, os MMORPG, ou ambientes de multiusuários on-line, não
desaparecerão devido ao aparecimento dos jogos ubíquos. No entanto, os jogos ubíquos
exercem uma função importante quando se trata de transformar a experiência dos
espaços públicos e da subjetividade contemporâneas. Esses jogos não apenas
representam a vida, mas parcialmente coincidem com a própria vida. Segundo Eugen
Fink (1966, p.110), mencionado no capítulo 2, o jogo só pode existir se possuir uma
conexão intrínseca com a vida, em vez de ser encarado como um espaço outro. Nos
atuais jogos ubíquos, é preciso se escolher um avatar no website do jogo. No entanto, na
medida em que o jogador representa seu avatar, e não o contrário, as fronteiras entre
ambos começam a se fundir.
A imprevisibilidade que pertence a esse tipo de jogos também contribui para a
fusão das bordas entre a realidade e o jogo. De acordo com Lehtonen and Mäenpää (op.
cit., p.156), a imprevisibilidade é também uma característica das compras, embutida no
que chamam de ‘sociabilidade de rua’, ou seja, “uma forma pública específica de
sociabilidade, de se estar interessado, mas, ao mesmo tempo, indiferente e anônimo”.
31
29
“Mobile phone technology can connect both a gamer with both other mobile phone users nearby
through cellular positioning services as provided by CellPoint, or with your friend that is halfway across
the globe from you”.
30
“We have learned from focused group discussions that players even use Botfighters for
communication, although it is designed as an action game: if you walk by a friends' house, you can fire a
couple of SMS shots just to say hello, and if she’s in good mood, she’ll react”.
31
“The particular public form of sociality, of being at once both interested and yet indifferent and
anonymous”.
295
Na cidade, não se pode prever quem se irá encontrar ou o que irá acontecer. É
exatamente essa imprevisibilidade contida na atividade das compras que a torna tão
empolgante, como uma experiência lúdica inesperada.
32
“É uma questão de semelhante
expectativa antecipatória como nos jogos de azar: algo pode acontecer. E é essa a
atmosfera básica no jogo das compras”.
33
(Ibid., p.159) Em Botfighters, por exemplo,
nunca se sabe quando uma bala sem fio poderá vir.
Outra característica comum entre as compras e os jogos é que ambos são
produtores, não apenas de espaços do imaginário, como também de subjetividades
imaginárias. “Comprar significa fantasiar sobre si mesmo como sendo um outro. É se
imaginar sendo de um novo modo, na medida em que se empurra o limite da imagem de
si na direção desejada”.
34
(Ibid., p.160) Lehtonen e Mäenpää (Id.) sugerem que
indivíduos comprando são como crianças representando papéis, o que é uma experiência
lúdica em si mesma.
35
Entretanto, se a produção de espaços e personagens imaginários
são características dos jogos em geral, como os jogos para celular diferem de outros
jogos tradicionais e eletrônicos?
32
Os autores também sugerem que “apesar de enfatizarmos a imprevisibilidade como um fator crucial do
ludismo da sociabilidade de rua, é importante notar que esse aspecto de entretenimento da incerteza se
baseia na confiança mútua entre os ‘jogadores’. (...) Se as regras implícitas na sociabilidade de rua não
foram seguidas, os elementos aleatórios, o sentimento de que ‘algo inesperado possa acontecer’, começa a
gerar o medo”. (LEHTONEN; MÄENPÄÄ, 1997, p.161)
(“Even though we emphasize unpredictability as the
key to playful street sociability, it is important to note that this entertainment aspect of uncertainty relies on mutual
trust between the ‘players’. (…) If the implicit rules of street sociability are not followed, the aleatory elements, the
feeling that ‘something unexpected might happen’, starts to generate fear”).
33
“It is a question of a similar anticipatory expectation as in games of chance: something might happen.
And this is the basic mood in the game of shopping”.
34
“Shopping means fantasizing about oneself as someone else. It is imagining oneself being in a new
way, as one pushes the limits of the image of the self in a desired direction”.
35
Os autores também complementam escrevendo que “é sensato assumir que o curso das trajetórias
individuais de construção da personalidade através das compras é altamente previsível, e que as mudanças
ocorridas são pequenas. Mesmo assim, achamos necessário enfatizar que, pertencente ao âmago da
experiência de consumo ideal é a liberdade das amarras da identidade presa à vida cotidiana e uma
tomada de conhecimento do mundo ao redor”. (Ibid., p. 160)
(“It is reasonable to assume that the course of
the individual trajectories of self-building through shopping are highly predictable, and that the changes made are
small. Still, we find it necessary to stress that lying at the core of the ideal shopping experience is the feeling of
freedom from restraints to the self fixed to everyday life and a becoming aware of the open world around”)
.
296
9.2. Jogos móveis e comunidades móveis
9.2.1. Definindo os jogos para celular através das interfaces móveis
Desde que os telefones celulares se tornaram populares, os produtores de
tecnologias móveis e sem fio estão procurando pelo “killer application” para os
aparelhos móveis. Ao passo que muitos apostaram nas compras on-line, em previsões
do tempo e em cartões monetários para se comprar em supermercados e em máquinas, é
cada vez mais claro que os produtores estão acreditando em serviços de entretenimento,
mais especificamente, nos jogos para telefones celulares (mobile games), como a
atividade do futuro. “Eu arriscaria dizer que, em curto prazo, os jogos serão o ‘killer
app’ dos celulares”,
36
declarou Fredrick Diot (BROWN, 01 dez. 2000), consultor da
Data Monitor, no fim de 2000. De fato, o relatório da A. T. Kearnery (2003) afirmou
que os serviços de entretenimento e de comunicação serão os mais procurados ao se
usar a Internet móvel. No entanto, na medida em que a Internet móvel ainda não é
ubíqua, os jogos para celulares exploram outras funções da interface, como SMS e
posicionamento celular.
A aposta em jogos para o celular é baseada no sucesso dos jogos para PC. A
diferença, no entanto, é que os telefones celulares estão sempre com o usuário, sendo
interfaces muito mais ubíquas. Se os computadores pessoais podem apenas ser
acessados em lugares específicos (com exceção dos laptops), os telefones celulares
podem ser usados em toda parte (onde há sinal). Além disso, os celulares são muito
mais baratos que os laptops e, assim, mais acessíveis aos usuários. Muitos indivíduos
não comprariam um videogame especificamente para jogar jogos, mas, se os jogos já
vierem embutidos nos celulares, podem se tornar parte de outras atividades e um modo
de se usar o aparelho “entre” outros afazeres. “A Nintendo relatou ter levado dez anos
para vender cem milhões de Game Boys, ao passo que a indústria celular venderá
aproximadamente 400 milhões de telefones celulares em todo o mundo apenas no ano
de 2001”,
37
escreveu Andrew McLorinan para um relatório de imprensa da Ericsson.
(18 jul. 2001) Além de serem mais baratos e ubíquos, os telefones celulares também
36
“I would dare to say that in the short term, wireless gaming will be the mobile killer app”.
37
“Nintendo reported to have taken 10 years to sell 100 million Game Boys whereas the mobile phone
industry will sell around 400 million mobile phones worldwide in 2001 alone”.
297
podem ser encarados como ótimas plataformas de jogos: são compostos por uma tela
com uma série de teclas que podem ser usadas como diferentes comandos para a
condução do jogo.
No entanto, um erro foi tentar simplesmente transferir os complexos jogos de
PCs para para os aparelhos móveis sem aproveitar as vantagens da nova interface. Ao se
tentar convencer os jogadores hard-core (como os que jogam EverQuest 40 horas por
semana) a migrar para a interface móvel, o único desfecho possível é a frustração.
“Apesar da proliferação dos telefones celulares neste ano, nenhum dos aparelhos é
suficientemente bom para os jogadores sérios”, disse John Smedley, diretor de
operações da Sony Online Entertainment. (BATISTA, 17 out. 2002) Conforme
esperado, tais jogadores acham que as telas dos celulares são muito pequenas e que a
resolução é pobre. Além disso, a velocidade de conexão com a Internet é extremamente
lenta quando comparada aos PCs, levando um tempo enorme para se baixar imagens,
vídeos e sons.
Aqueles que apostam em interfaces gráficas complexas para os jogos de celular
estão empolgados com nos novos aparelhos Java, que suportam jogos que podem ser
baixados pela Internet, escritos na linguagem J2ME (Java 2 Platform Micro Edition),
que inclui gráficos sofisticados. “No Japão (onde os jogos para celular são altamente
populares) 90% dos novos telefones já vêm com telas coloridas”.
38
(MACLORINAN,
18 jun. 2001) Os jogos para celular nesse país são tão populares que obscurecem os
outros serviços para o celular, como o download de músicas. “De todas as aplicações da
Internet sem fio, os consumidores só estão dispostos a pagar por mensagens e jogos”,
39
atestou Eric Goldberg, fundador e presidente da empresa de jogos para celular
Unplugged Games. (KHARIF, 02 jul. 2001) A alta resolução da tela do aparelho é uma
das razões para a popularidade dos jogos para celular no Japão.
Apesar da conexão constante do I-mode, curiosamente, os japoneses preferem
jogar jogos individuais, os quais, uma vez baixados para o celular, não precisam estar
conectados na rede. Esses jogos incluem animais de estimação virtuais que são
alimentados com fotografias, quebra-cabeças e jogos gráficos de alta resolução que
podem ser comparados, qualitativamente, aos jogos da PlayStation One, como Ridge
38
“In Japan (where mobile games are hugely popular) some 90 percent of new phones already have
color screens”.
39
“Of all wireless Internet applications, consumers are only willing to pay for messaging and games”.
298
Racer e SimCity, incluindo ambientes 3D interativos. “Na Ásia, parece haver uma
enorme ênfase em jogos para download e jogos do tipo um-contra-a-máquina, ao passo
que, na Europa, acredito que os jogos de multiusuários se desenvolverão muito mais
rápido”,
40
sugere Sven Hålling. (It’s Alive press release, 13 mar. 2002) Hålling vai além
e declara que “Os EUA ainda não são interessantes” (para o lançamento de MMRPG
para celular) “porque as operadoras não podem cobrar por qualquer coisa, apesar de os
americanos parecerem ser muito mais fascinados por ação e violência do que o Europeu
médio”.
41
Figura 36: Os jogos japoneses para celular com tela de alta resolução.
Apesar da melhora da qualidade da tela, os MMORPG estão sendo transferidos
para os aparelhos móveis muito lentamente. Um dos primeiros foi Gladiator II, lançado
em outubro de 2000 pela operadora Sprint nos EUA. No entanto, de acordo com D. C.
Deninson (08 mai. 2002), do Boston Globe, era um jogo rudimentar, com personagens
mal desenhados. Os telefones europeus, no entanto, permitem jogos com interfaces
gráficas mais sofisticadas. A T-Mobile da Alemanha lançou, em setembro de 2003, o
TibiaME, um MMORPG para o telefone celular. O jogo, de acordo com a operadora,
40
“In Asia there seems to be a lot of focus on downloadable games and one-against-the-machine type of
games, whereas in Europe I believe that multiplayer games will take off much faster”.
41
“The US is still not very interesting since operators cannot charge for anything, although Americans
seem to be much more fascinated about action and violence than the average European”.
299
“permite que centenas de usuários de telefones celulares interajam simultaneamente e
experimentem aventuras em um mundo virtual”.
42
(SUNDGOT, 04 set. 2003) O jogo
contém mais de mil telas, incluindo cidades, florestas, montanhas e cavernas. Os
usuários podem lutar contra 15 criaturas diferentes, como besouros e elfos, além de
poder procurar por mais de 60 itens, como espadas, escudos e poções mágicas. Apesar
de interessante, os MMORPG não adicionam nada à experiência do jogo quando
transferidos para o telefone celular. Apenas possibilitando a interação com outros
usuários no espaço digital, é provavelmente melhor jogar esse tipo de jogo em uma tela
grande, no conforto de casa, e não enquanto em movimento.
Figura 37: A interface de TibiaME.
Uma pesquisa recente
43
sugere que o futuro do jogador móvel não terá o mesmo
perfil que o jogador de PC hard-core. Assim, não há motivo para a simples
transferência dos jogos de PC para os aparelhos celulares, de modo a atrair essa
audiência. Se os jogadores hard-core não migrarão para os telefones celulares, é
possível imaginar que novos tipos de jogadores móveis estão prestes a surgir. Os
jogadores de celular “não são geralmente alcançáveis pelos jogos eletrônicos
tradicionais. A audiência do celular não se considera ‘jogadores’”,
44
aponta o jornalista
David Kushner. (DENINSON, 08 mai. 2002) O relatório da Sociedade de Informação
da Diretoria-Geral da Comissão Européia (2002) sugere que os jogadores casuais
42
“Allows hundreds of mobile phone users to interact simultaneously and experience adventures in a
virtual world”.
43
Relatório da Sociedade de Informação da Diretoria-Geral da Comissão Européia (2002).
44
“Are not ordinarily reached by the traditional electronic games. The cell phone audience does not
consider themselves gamers”.
300
constituirão a maioria do público dos jogos para celular. Os jogadores hard-core
tradicionais (considerados indivíduos que jogam mais de dez horas por semana) serão
apenas atraídos pelos jogos para celular “quando os jogos com gráficos complexos
estiverem disponíveis, permitindo-os ficarem em contato com o universo do jogo o
tempo todo”.
45
(Ibid., p.180) Além disso, a maior parte dos jogadores de celular será
constituída de atuais não-jogadores, que jogarão ocasionalmente, durante o tempo
“entre”. Assim, “os jogos mais populares serão, possivelmente, mais baseados no
gameplay do que em gráficos. Eles também incorporarão a verdadeira natureza dos
telefones celulares: comunicação e localização”.
46
(Ibid., p.179) Os jogos para celular
precisam ser rápidos e simples para poderem ser jogados entre outras atividades.
Entender as capacidades da interface é decisivo para se prever o futuro e criar
conteúdo para o novo meio. “Certamente um telefone celular não pode ser comparado
com um controle moderno de jogos. A chave é usar as características específicas do
telefone, como posicionamento celular”,
47
sugere Jörgen Sundgot, da revista on-line
InfoSync World. (05 dez. 2000) Howard Rheingold (2002, p.xv) também enfatizou o
posicionamento celular como uma característica significativa dos aparelhos móveis:
“Talvez até mais importante do que a evolução para telas coloridas e vídeo seja a presença de
‘consciência de localização’ nos telefones celulares. Cada vez mais, os aparelhos móveis podem
detectar, dentro de poucos metros, onde estão localizados em um continente, em uma vizinhança
ou mesmo dentro de uma sala”.
48
As tecnologias de posicionamento permitem que as operadoras de celulares
localizem os usuários dentro das “células” formadas pela posição de seus telefones em
relação aos transmissores próximos. De acordo com o jornalista da Wired News,
Michael Stroud (08 fev. 2002), nos Estados Unidos essa “capacidade é atualmente
obrigatória para todas as operadoras, de modo a garantir que as equipes de resgate
possam localizar os usuários de telefones celulares que estejam em perigo”.
49
45
“Once complex graphic-based games are available, enabling them to remain in touch with their virtual
gaming universe at all times”.
46
“The most popular games will most likely be based on gameplay rather than on graphics. They will
also incorporate the true nature of the mobile phones: communication and location”.
47
“Certainly a cell phone can’t really be compared to a modern game console. The key is to use the
phone-specific features such as mobile positioning”.
48
“Perhaps even more important than the evolution of color and video screens in telephone displays is
the presence of “location awareness” in mobile telephones. Increasingly, handheld devices can detect,
within a few yards, where they are located on a continent, within a neighborhood, or inside a room”.
49
“Capability is now required for all mobile operators to ensure that rescue workers can locate mobile
users who are in trouble”.
301
No entanto, o posicionamento celular ainda é visto com cautela em muitos
países. Muitos lugares não usam os serviços de posicionamento porque querem evitar a
vigilância e o controle e não pela indisponibilidade da tecnologia. Sven Hålling declara
que muitos países europeus ainda são conservadores em relação aos telefones celulares
com posicionamento celular. (STEGERS, 08 fev. 2002) Por exemplo, na Dinamarca, há
sérias restrições aos serviços de posicionamento para a localização de outras pessoas.
De modo semelhante, na Alemanha, as operadoras parecem achar que há uma lei
semelhante e, portanto, It’s Alive está tendo problemas em lançar Botfighters nos dois
países. Tal atitude é baseada no medo que muitos indivíduos possuem de serem
rastreados e de perderem sua privacidade e segurança. No entanto, Hålling afirma:
“A precisão dos sistemas de localização usados são, no melhor dos casos, mais ou menos várias
centenas de metros em um centro urbano. Seria difícil localizar alguém em uma rua
movimentada com esse nível de precisão. No interior, a precisão pode ser da ordem de
quilômetros. Quando a precisão for melhorada pela utilização de receptores GPS nos aparelhos,
o formato do jogo será adaptado, introduzindo um nível suficiente de imprecisão de modo a
proteger a integridade pessoal”.
50
(FARBER, 11 fev. 2002)
A empresa também dá avisos, como “não diga o seu nome” ou “não seja tão
preciso sobre a sua localização”, para ajudar a preservar a privacidade e a segurança dos
jogadores, se assim o desejarem. Além disso, de modo análogo ao ICQ, os jogadores
sempre têm a opção de bloquear os que querem ficar “muito amigos”. (STROUD, 22
jan. 2003)
Os jogos de multiusuários, ubíquos e em Java são alguns gêneros de
entretenimento oferecidos aos usuários de telefones celulares atualmente. Ao investir
em jogos para celular, os produtores procuram transformar o celular em um aparelho
que vai além da fala. Os jogos móveis, ou mades, se desenvolvidos propriamente,
transformarão o modo como vemos os telefones celulares. “Muitos na indústria estão
esperando que os jogos ajudem a expandir a percepção típica do usuário, de um
aparelho que era prioritariamente usado para a transmissão de voz, para um serviço mais
50
“The accuracy of the location systems used are at best more or less several hundred meters in a city
center. Would be hard to pinpoint your guy in a crowded street with that level of accuracy. On the
country side accuracy may be in the order of kilometers. When accuracy is improved by using GPS
receivers in the handsets, the game design will get adapted by introducing sufficient level of inaccuracy in
order to protect personal integrity”.
302
associado à transmissão de dados”,
51
comentou Dana Thorat, uma analista de pesquisa
das indústrias sem fio e móvel. (DENISON, 05 ago. 2002)
Aceitando que os telefones celulares são aparelhos de comunicação, ao procurar
descobrir quais de suas características podem ser empregadas na construção de um novo
conceito de ‘jogo’, precisamos atentar para sua conexão com comunidades e redes.
9.2.2. Comunidades móveis: o indivíduo como o nó da rede
O que, de fato, significa ser uma comunidade móvel? Howard Rheingold (2002)
descreveu alguns aspectos das comunidades móveis criadas pelo uso de tecnologias
nômades de comunicação. Entre outras características, comunidades móveis são redes
nas quais os nós são constituídos por indivíduos, em vez de máquinas. Além disso, as
redes móveis são, por definição, não-estáticas, isto é, seus caminhos e nós estão
constantemente se movendo e sendo re-configurados em função de uma relação
dinâmica entre os nós (humanos). E, o que é mais importante, as redes móveis
acontecem em espaços físicos, influenciando e transformando diretamente o ambiente
em que vivemos. Estruturalmente, as redes digitais
52
também se configuram no espaço
físico; no entanto, elas conectam computadores como nós dessa rede, ao invés de
indivíduos. Certamente, indivíduos podem usar computadores como interfaces para
entrar na rede e, assim, conectar-se a outras pessoas. No entanto, os nós da rede digital
são essencialmente estáticos. Qualquer mudança em uma rede digital re-configura os
fluxos de informação que através dela passam e re-arranja um espaço digital que é
construído por meio de computadores conectados entre si, mas não re-configura os
espaços públicos no ambiente físico, em tempo-real. As redes móveis, por outro lado,
têm o poder de transformar o ambiente físico que envolve cada nó/usuário, mesmo
quando os usuários não compartilham o mesmo espaço físico contíguo. Ao conectar
lugares distantes, essas redes configuram um espaço híbrido que se move e muda de
51
“Many people in the industry are hoping games will help expand the typical users’ perception of a cell
phone from primarily a voice-oriented unit to more of a voice/data service”.
52
Sabe-se que as redes criadas por telefones celulares também são, tecnologicamente, digitais. Usa-se
aqui, no entanto, o temo rede digital para se referir à rede formada por computadores PC, que constituía,
em grande parte, o que analisamos como ciberespaço, em oposição a redes móveis, caracterizada por
aparelhos móveis de comunicação.
303
formato dependendo do número de usuários conectados e do movimento desses usuários
pelo espaço físico, gerando focos de convergência e de divergência.
A mobilidade adiciona uma importante característica às redes de
telecomunicações, pois permite a coordenação entre os nós da rede. Quando se usa uma
interface estática, fixa-se o usuário em um lugar específico. As interfaces móveis,
porém, permitem que os usuários se aglomerem e dispersem, adicionando novos
significados às redes de telecomunicações e de comunicações à curta distância.
Certas vezes, uma tecnologia simples, como o SMS, é suficiente para a criação
de redes móveis. No capítulo 6, foram mencionados atos de macro-coordenação como
uma das possibilidades de ação das redes móveis através de SMS. Howard Rheingold
(Ibid., p.160) descreveu como os filipinos usaram mensagens de texto para espalhar
rumores, piadas e outras informações que gradualmente destruíram a legitimidade do
presidente Estrada, levando à sua queda. Outro exemplo de comunidade móvel criada
por tecnologias nômades, os “Flash Mobs”, foi também citado no capítulo 6. Os atos de
ajuntamento e as ações coletivas são coordenados por mensagens de texto enviadas
entre o grupo. Sendo assim, as comunidades móveis acontecem no espaço físico e
permitem a coordenação entre seus membros. Esse conceito se adapta muito bem à idéia
de jogos móveis. Dentro desse contexto, ações como os “Flash Mobs” evoluem para
jogos comunitários como The Go Game e Geocashing.
Geocashing
53
não é jogado com o telefone celular: emprega um aparelho de
GPS como a interface do jogo. De acordo com seus criadores, “é um jogo de
entretenimento e aventura para usuários de GPS”.
54
O objetivo do jogo é encontrar
objetos escondidos em lugares estranhos e inacessíveis. O slogan do jogo, em uma clara
comparação à Internet, diz: “Geocashing, o esporte onde você é a ferramenta de
busca”.
55
O primeiro passo para se jogar é ir ao website e descobrir onde os objetos
estão localizados. Em novembro de 2003, objetos podem ser encontrados em mais de
180 países, incluindo o Brasil. O website contém as coordenadas geográficas dos
objetos, que devem ser baixadas para o GPS. As coordenadas informam a exata
localização do objeto na Terra. Jogos como Geocashing se tornaram possíveis quando o
53
Disponível em: http://www.geocashing.com. Acesso em: 17 dez. 2003.
54
Todas as citações relacionadas com Geocashing são provenientes do website do jogo. “Entertainment
adventure game for GPS users”.
55
“Geocashing, the sport where you are the search engine”.
304
governo Clinton removeu a degradação do sinal de GPS, chamada de Disponibilidade
Seleta (Select Availability, SA), em primeiro de maio de 2000, fazendo com que os
aparelhos de GPS se tornassem muito mais precisos, o que passou a permitir localização
de objetos e lugares específicos sobre a superfície do planeta. As regras de Geocashing
são bastante simples, contudo, o jogo é interessante porque se dirige à exploração de
espaços físicos e à conexão de indivíduos com interesses comuns. Além disso, o website
do jogo avisa: “Uma coisa é ver onde um objeto se encontra; uma história
completamente diferente é chegar lá”.
56
De fato, um jogador (que comprou um aparelho
de GPS apenas com o objetivo de jogar o jogo) contou que existem objetos escondidos
nos locais mais excêntricos, como o fundo de um lago ou o cume de uma montanha,
onde apenas mergulhadores ou alpinistas profissionais são capazes de chegar.
As tecnologias nômades possuem uma estreita relação com os espaços físicos e,
conforme visto no capítulo 3, o mapeamento do espaço está fortemente conectado à
mobilidade. Geocashing, na verdade, emprega aparelhos de GPS para mapear territórios
e encontrar “tesouros”, transformando o ambiente físico em que habitamos em um
território inexplorado. A proliferação de lugares do imaginário estava conectada à
atividade dos viajantes, que partiam para lugares desconhecidos e mapeavam novos
territórios. O conhecido conto acerca da busca de tesouros escondidos em ilhas perdidas
está particularmente associado a esse tipo de imaginário, quando se esperava achar
objetos preciosos em lugares inexplorados. A idéia por trás de Geocashing se refere ao
movimento dos viajantes por territórios desconhecidos. O geocasher também precisa
relatar suas descobertas no website do jogo (o centro e, portanto, o espaço conhecido do
jogo). Geocashing usa, de um modo original, uma tecnologia nômade para estimular os
jogadores a partir para lugares desconhecidos, mapear tais espaços e encontrar tesouros
escondidos, de modo análogo ao antigo viajante. A diferença, contudo, é que
Geocashing é jogado dentro do ambiente conhecido. É evidente que um brasileiro pode
tentar achar objetos escondidos em Uganda, mas, geralmente, os objetos/tesouros
podem ser encontrados a não mais de 8 quilômetros de distância de casa, especialmente
nos Estados Unidos. E é realmente empolgante descobrir que há um “tesouro”
misterioso escondido em um lugar que parecia familiar. Esse movimento de transformar
56
“It’s one thing to see where an item is, it’s a totally different story to actually get there”.
305
o familiar em estranho, como a experiência de se fazer compras, é o que constitui a alma
dos jogos nômades.
Uma iniciativa semelhante tem sido desenvolvida por The Go Game.
57
Também
lançado nos EUA em 2003, o jogo, segundo os criadores, “é uma aventura urbana no
espaço aberto, uma experiência alimentada pela tecnologia e baseada na realidade, que
encoraja o jogo árduo e uma visão entusiasmada do estranho, do belo ou do
ligeiramente fora do comum”.
58
Para se participar do jogo, os usuários devem formar
grupos que andam pela cidade em algum tipo de missão coletiva. O centro do jogo,
como em Geocashing, é também um website na Internet, onde os usuários podem se
inscrever, formar grupos e baixar uma série de pistas para seus telefones celulares em
forma de mensagens de texto, que irão auxiliar no cumprimento da missão. Como
Geocashing, The Go Game é também jogado no espaço físico. O website do jogo é
usado como um suporte e um centro para os usuários, mas a ação acontece, na verdade,
nas ruas. Além disso, de modo semelhante a Geocashing, The Go Game procura
transformar o familiar em estranho, criando, assim, o espaço do imaginário que toda
atividade lúdica necessita. “Você será guiado através de uma cidade com a qual apenas
acredita que é familiar”.
59
Os jogos geralmente duram uma tarde e os jogadores recebem telefones
celulares e câmeras digitais para serem usados como interfaces. Steven Johnson (17 fev.
2003) descreve o jogo como:
“Pequenos grupos de pessoas se aglomerando para ler mensagens de texto em telas de telefones
celulares e, então, embarcando em algum tipo de excêntrica atividade de grupo – recuperar uma
mala que foi escondida no topo de uma árvore, persuadir estranhos a vestir roupas insanas – e,
então, se agrupando novamente para olhar seus telefones celulares”.
60
57
Disponível em: http://www.thegogame.com. Acesso em: 17 dez. 2003.
58
Todas as citações sobre The Go Game provêm do website do jogo. “Is an all-out urban adventure
game, a technology-fueled, reality-based experience that encourages hard play and a keen eye for the
weird, the beautiful, or the faintly out-of-the-ordinary”.
59
“You’ll be guided through a city you only think you’re familiar with”.
60
“Small groups of people clustering together to read text off of cell-phone screens, then embarking on
some kind of oddball group activity – retrieving a suitcase that’s been hidden atop a tree, persuading
strangers to try on insane outfits – and then huddling together again to peer at their cell phones”.
306
Figuras 38 e 39: O grupo e a interface de The Go Game.
Jogos como Geocashing e The Go Game possuem a característica comum de
ampliar o ambiente do jogo, que não está mais confinado a um tabuleiro ou a uma tela
de computador. Quando o tabuleiro do jogo se torna o espaço físico em que habitamos,
não há mais a necessidade de avatares ou de qualquer forma de representação do corpo,
pois os usuários já se encontram fisicamente imersos na atividade lúdica. Geralmente,
“para entrar no mundo do jogo ou na história, você entra em um espaço restrito,
separado do mundo real”, afirma Steven Johnson (Id.) “O espaço lúdico não se
confunde com o espaço normal. Mas Go (…) coloniza toda uma cidade como o seu
campo de brincadeira”.
61
Esses jogos se tornam possíveis, entre outras razões, devido ao
aparecimento de interfaces móveis e sem fio, que permitem aos jogadores manter
contato uns com os outros independentemente de suas localizações, além de ajudá-los a
navegar no espaço físico.
Apesar de ampliarem o ambiente do jogo, tanto Geocashing quanto The Go
Game não conseguem transpor as bordas entre os espaços reais e imaginários. É certo
que há alguma sobreposição, mas para se jogar The Go Game, por exemplo, os usuários
se inscrevem em uma missão que dura uma tarde e estão, portanto, conscientes que esse
tempo deve ser inteiramente dedicado ao jogo. De modo análogo, os jogadores de
Geocashing precisam decidir ir em busca do objeto escondido e dedicar um tempo
específico para a tarefa. Esses jogos nômades conseguem transformar a experiência de
espaço, convertendo o familiar no estranho, mas o ‘gameplay’ (o tempo dedicado para o
jogo e a interação com os outros jogadores) ainda é restrito.
Tentando imaginar um novo conceito para os ‘jogos nômades’, It’s Alive
implementou os jogos ubíquos. Sven Hålling sugere que “os jogos para telefones
61
“To enter the world of the game or the story, you enter a confined space, set off from the real world.
Play-space doesn’t overlap with ordinary space. But Go (…) colonizes an entire city for its playing
field”.
307
celulares poderiam ser mais ubíquos e mais integrados à vida cotidiana. Você está
participando de uma aventura quando está andando normalmente nas ruas”.
62
(KHARIF,
02 jul. 2001) Uma das primeiras experiências em jogos ubíquos foi Majestic.
9.3. Jogos ubíquos: quando o jogo se interpola a vida
9.3.1. Introdução aos jogos ubíquos: Majestic
Os jogos ubíquos ampliam o ambiente do jogo porque ocorrem o tempo todo,
em todos os lugares. Além de serem jogados fora dos limites de um tabuleiro ou de uma
tela de computador, esses jogos também podem se manifestar inesperadamente. Assim,
não mais existe o ‘gameplay, ou seja, o jogo nunca pára. Nesse sentido, os jogos
ubíquos estão mais próximos dos Tiny MUDs, analisados no capítulo 3, nos quais não
há limite de tempo para o jogo e onde a narrativa se desenrola ininterruptamente até que
se desconecte da Internet. Mas, como se desconectar de jogos ubíquos, dado que o
espaço do jogo é o mesmo em que vivemos? Os jogos ubíquos procuram “invadir” a
vida do jogador e “compeli-lo” a jogar, mesmo quando está off-line.
Majestic, uma tentativa pioneira, mas frustrada, de se criar um jogo ubíquo, foi
lançado no inverno de 2001, nos Estados Unidos, pela Electronic Arts com enormes
campanhas publicitárias. O jogo foi descrito pela EA como “um poderoso suspense
onde as linhas da realidade são rapidamente dissipadas”.
63
(DODSON, 31 mai. 2001)
Majestic procurava imergir o jogador em uma narrativa por meio de diversos meios de
comunicação, como e-mails, mensagens de texto, mensagens de voz e faxes.
A narrativa do jogo colocava os jogadores no meio de “uma conspiração sinistra
envolvendo agências secretas governamentais e perigosos fugitivos”.
64
(Id.) As
campanhas publicitárias alarmaram que Majestic poderia, na verdade, ligar para o
jogador no meio da noite ou interromper um dia de trabalho normal. Outra propaganda
do jogo alegava que Majestic era “o suspense que se infiltra na sua vida através da
Internet, do telefone e do fax e, então, deixa você a indagar onde o jogo termina e a
62
“Wireless games could be both more ubiquitous and more integrated into daily life. You are walking
around in an adventure when you are out on the streets”.
63
“A powerful suspense thriller where the lines of reality are quickly blurred”.
64
“Sinister conspiracy theory involving covert government agencies and menacing fugitives”.
308
realidade começa”.
65
(HALPIN, 22 jul. 2002). Nesse sentido, Majestic buscava ser o
mais completo jogo ubíquo de todos os tempos. “Os jogos ubíquos não esperam até que
o jogador decida se sentar em frente ao monitor para jogar. Eles telefonam, enviam
faxes ou e-mails para o jogador, demandando a atenção e deixando claro que o jogador
precisa tomar uma decisão imediata para poder ser continuar competindo”.
66
(GUILDFORD, 11 dez. 2002)
Muito foi alardeado sobre Majestic, mas o jogo não funcionou muito bem como
esperado. Muitas razões foram conjecturadas. Em primeiro lugar, a narrativa do jogo
não era complexa o suficiente para fazer os jogadores acreditarem que era, de fato,
verdadeira. O jogo começou com um e-mail da Electronic Arts dizendo que o estúdio
que produzia o jogo, Anim-X, estava pegando fogo e que o jogo tinha sido adiado
indefinidamente. Após a mensagem, um usuário que se inscrevera no jogo, Klint Finley
(01 nov. 2001), conta que tentou entrar no site de Majestic, mas havia uma mensagem
dizendo que o servidor estava fora do ar, com um link para o site do Anim-X. “Se o
servidor estava realmente fora do ar, por que mostrava uma mensagem convencional
com o endereço do site do Anim-X? Além do mais, se os escritórios do Anim-X
estavam pegando fogo, por que o site do Anim-X ainda estava funcionando, mas o site
da Electronic Arts, fora do ar?”,
67
questiona Finley (Id.) O jogador explica que esse
“detalhe não-realista” tornou óbvio que estava jogando um jogo.
Uma segunda razão para o insucesso do jogo talvez se deva às interações não-
realistas com personagens virtuais. O mesmo jogador conta que, logo após ter recebido
uma ligação com uma mensagem pré-gravada avisando que o escritório do Anim-X
tinha queimado por causa de combustível, começou a receber mensagens de “chat
bots”
68
pelo AOL Instant Messenger.
69
“Eu entendo que teria sido muito caro contratar
65
“The suspense thriller that infiltrates your life through the Internet, telephone and fax, then leaves you
guessing where the game ends and reality begins”.
66
“Pervasive games do not wait until the player chooses to sit down at the terminal to play. They phone,
fax or email the player demanding attention and making it clear that the player must take immediate
action to compete successfully”.
67
“If the server was really down, why did it display a custom message with the URL of the Anim-X Web
site? Furthermore, if the Anim-X offices burned down, why was the Anim-X site still up but the Electronic
Arts site down?”
68
Chat bots são agentes que vivem em ambientes de chat e têm a capacidade de interagir com os usuários
através de respostas programáveis. Os mais famosos chat bots são Julia e Eliza.
69
Disponível em: http://www.aim.com/. Acesso em: 23 jan. 2004.
309
atores para fazer todas as ligações e as conversas, mas a interação entre o jogador e os
personagens era muito limitada”,
70
observa Finley. (Id.)
Uma terceira razão assinalada por Philip Guildford (11 dez. 2001) era a
simplicidade do ‘gameplay’. Algumas vezes, segundo ele, os jogadores ficavam
frustrados porque passavam horas tentando completar uma tarefa difícil e acabavam
descobrindo que a missão estava determinada a falhar para manter todo mundo na
mesma narrativa linear. Conseqüentemente, a imprevisibilidade necessária a qualquer
jogo fora completamente removida, tornando-o desinteressante. Em um contexto mais
amplo, Majestic limitava a liberdade dos jogadores, porque as opções de escolha eram
muito restritas.
Além disso, por causa da estrutura pré-definida do jogo, os jogadores não tinham
a liberdade para criar conteúdo e contribuir para o desenrolar da história. A criação de
conteúdo para o jogo é uma característica decisiva dos jogos de multiusuários e ubíquos.
Assim, diz Guildford (Id.), ou os criadores do jogo eram forçados a gastar mais recursos
para desenvolver o jogo ou, então, precisavam limitar o mundo a uma seqüência linear
de episódios. “Com apenas três escritores trabalhando nos novos episódios, a carga de
trabalho deve ter sido exaustiva”,
71
sugere. (Id.)
Uma quarta e mais importante razão apontada por Guildford (Id.) para o
insucesso de Majestic, foi sua incapacidade de criação de comunidades: “Os jogos
ubíquos de multiusuários precisam ser estruturados de modo que o ‘gameplay’ incentive
os jogadores a formar tais comunidades, ao tornar o trabalho em grupo uma estratégia
para se vencer”.
72
O jogador de Majestic, Klint Finley (01 nov. 2001), conta que, de
fato, podia interagir com outros jogadores e adicionar amigos na sua lista de contatos,
mas que isso não era diferente da maioria dos jogos on-line. Além disso, o jogo não
motivava os jogadores a compartilhar informações uns com os outros ou a trabalhar em
colaboração. “Os jogadores eram familiares com jogos de multiusuário não-ubíquos,
como Quake Arena e Counter Strike, nos quais há um tempo para se considerar os
problemas, se encontrar com outros jogadores e praticar como uma equipe, antes de se
70
“I understand that it would’ve been very expensive to hire actors to do all the calls and chatting, but
the interaction between the player and the characters was very limited”.
71
“With just three writers working on the new episodes, the workload must have been overwhelming”.
72
“Pervasive multiplayer games need to be designed so that the ‘gameplay’ pushes players to form such
communities by making team working a winning strategy”.
310
trabalhar coletivamente on-line”,
73
diz Guildford. (11 dez. 2001) A incapacidade de se
criar comunidades prende os jogadores dentro do jogo, não permitindo a extração de
elementos do jogo para dentro da realidade. A não-fusão entre o jogo e a vida condenou
Majestic. Um jogo não pode, evidentemente, se fundir completamente com a vida, caso
contrário, não seria um jogo, mas o que é empolgante nos jogos ubíquos é exatamente a
tênue fronteira entre ambos. A dúvida permanente sobre a veracidade do jogo é o que
intriga nesse tipo de experiência. A incerteza incentiva o jogo. Quando é óbvio que se
está jogando um jogo, a atividade se torna desinteressante.
Os jogos ubíquos podem usar múltiplas interfaces, como faxes, telefones e e-
mails, ou uma única interface, como um telefone celular. Ao passo que Majestic falhou
porque anunciava ser algo extremamente complexo e não conseguiu sustentar sua
propaganda, Botfighters apostou na simplicidade. Muitos produtores têm esperado por
uma tecnologia mais sofisticada para implementar os jogos ubíquos. No entanto, a
compahia sueca It’s Alive mostrou que um bom resultado pode ser alcançado apenas
com telefones celulares equipados com SMS e posicionamento celular. Essas duas
funções são responsáveis por importantes aspectos dos jogos: a comunicação entre os
jogadores e o mapeamento do território. A inclusão de mensagens de texto e de
posicionamento celular nas tecnologias nômades permitiu que os jogadores saíssem para
as ruas e usassem o espaço urbano como o ambiente do jogo. A interface móvel também
eliminou a necessidade de se ter um local específico para a realização do jogo.
9.3.2. It’s Alive: o jogo está nas ruas
Quando Sven Hålling, um antigo executivo da Ericsson, chegou a It’s Alive, uma
pequena empresa sueca de entretenimento, estava determinado a “criar as maiores
experiências de jogos jamais vistas em telefones celulares”.
74
(It’s Alive press release,
10 fev. 2003) Hålling desejava criar jogos que iriam “re-definir a realidade”. (Id.)
A pequena história contada no início deste capítulo, então, continua:
“Após ser pego com seu radar desativado, Idren rapidamente reanimou seu celular e usou o radar
para determinar que seu oponente se encontrava a nove mil pés de distância e estava dirigindo
73
“Players were familiar with non-pervasive multiplayer games such as Quake Arena and Counter
Strike, where there is time to consider problems, meet other players and practice as teams, before
working together online”.
74
“Create the greatest game experiences ever seen on mobile phones”.
311
velozmente. Ele estava fora do alcance de uma bala sem fio e, então, ansioso pela vingança
perfeita, Idren e sua namorada saíram ao encalço. Perseguiram o oponente por uma hora em alta
velocidade na estrada, mas não conseguiram chegar perto o suficiente para puxar o gatilho”.
75
(KHARIF, 02 jul. 2001)
Botfighters é um jogo ubíquo porque é dinâmico, simples e está sempre “ligado”
(a menos que o jogador desligue o celular ou decida estar temporariamente indisponível
para o jogo). Além disso, o jogo acontece no espaço e no tempo “entre”, ou seja, o
jogador pode estar desenvolvendo atividades do dia-a-dia, mas sempre vulnerável a uma
bala sem fio que pode vir quando menos esperar.
Para se entrar no jogo, se vai ao website na Internet e registra-se com um
apelido. Em seguida, o usuário cria um robô, que será seu avatar. O usuário, então, pode
equipá-lo com armas e escudos e sair para as ruas. Logo após, começa a receber
mensagens SMS com missões específicas para matar outros robôs que se encontram na
vizinhança. O telefone celular é a interface que conecta os jogadores entre si e constrói
o ambiente do jogo. O usuário pode enviar uma mensagem “search [apelido do robô]”
que informa sua distância em relação ao referido robô. Se estiver a menos de duzentos
metros, há uma remota chance de que possa atingir seu oponente (com as armas
básicas). “Dependendo da arma com a qual o seu robô está equipado, existem diferentes
possibilidades de ataque”, explica Hålling. (It’s Alive press release, 15 mar. 2001)
“Com as armas padrão, você precisa, basicamente, se encontrar no mesmo quarteirão
em que o seu oponente, mas com um upgrade para o rifle a laser, você pode ser um
franco-atirador e atingir o seu alvo a uma distância de quase uma milha”.
76
(Id.) O envio
do comando “shot [apelido do robô]” produz uma resposta que informa se o tiro
alcançou o alvo. Na maioria das vezes, o usuário que atirou também recebe tiros de
volta do robô atacado. Aquele que tiver o melhor equipamento (armas e escudos),
provavelmente vencerá, a menos que o robô mais fraco fuja e se coloque fora de
alcance. Um tiro bem dado pode causar a morte ou o ferimento do robô inimigo. O
vencedor, então, ganha créditos na forma de “robucks”, que podem ser usados para a
75
“After getting caught with his radar guard down, Idren quickly revived his handset and used the radar
to determine that his opponent was 9,000 feet away and driving of fast. He was out of range for a wireless
bullet, so, hoping to exact revenge, Idren and his girlfriend gave chase. They shadowed Idren’s opponent
for a full hour at high speeds on the highway but couldn’t get close enough to pull the trigger”.
76
“Depending on the weapon your robot is equipped with, you have a different range of attack. With the
default weapon you basically have to be in the same block as your opponent, but if you upgrade to the
Laser Rifle you can be a sniper and hit your target at a distance of almost a mile”.
312
compra de mais armas, escudos e radares para seu robô, tornando-o mais poderoso. Tom
Söderlund (01 nov. 2002), um dos fundadores da It’s Alive, explica que os tiros são mais
precisos quando se está próximo, “de modo que quando dois jogadores se encontram a
menos de meio quilômetro um do outro, uma perseguição geralmente começa”.
77
Apesar de ser possível decidir desligar o telefone ou estar temporariamente
indisponível para procura e tiros, o jogo está sempre acontecendo, como algo no pano
de fundo da realidade. A possibilidade de se desconectar temporariamente do jogo é o
que difere Botfighters de outros jogos ubíquos, como Majestic. A falência de Majestic,
segundo Hålling, se deve ao desejo de tentar fazer o jogo “público demais”. “Se você
está trabalhando em um escritório, não quer que cheguem faxes estranhos para você só
por causa do jogo. O celular é um aparelho muito melhor, pois está sempre com você”,
78
diz Hålling. (Apud STEGERS, 08 fev. 2002) Além disso, Majestic contratara escritores
para criar novos episódios e informação para o usuário, o que tornou a manutenção do
jogo muito dispendiosa. Hålling (Id.) acredita que os jogadores em jogos ubíquos devem
ser capazes de criar conteúdo por si próprios. Como nos MUDs, são os jogadores que
conduzem a aventura.
Segundo o relatório de pesquisa do Laboratório de Hipermídia da Universidade
de Tampere, na Finlândia, o componente audiovisual do jogo não existe em Botfighters.
(JÄRVINEN; HELIÖ; MÄYRA, op. cit., p.45) No entanto, por que Botfighters
careceria de um componente audiovisual, como os tradicionais jogos de PC?
Botfighters é um jogo de multiusuários em tempo real, baseado em SMS, onde o
mundo real é o domínio do jogo”,
79
declara Hålling. (It’s Alive press release, 12 mar.
2002) Assim, o tabuleiro do jogo não precisa ser representado:
80
é a própria cidade.
Ainda segundo Hålling,
“Os jogos ubíquos são jogos de RPG de multiusuários maciços levados para o mundo real. O
mundo do jogo é sobreposto ao mundo real, usando tecnologia de posicionamento celular para
determinar a localização dos jogadores. Assim, quando você está andando numa rua, o
77
“So when two players come within a half kilometer of each other, a chase often ensues”.
78
“If you are working in an office, you don’t want strange faxes coming in for you because of the game.
The mobile is a much better device, because you have it always with you”.
79
Botfighters is an SMS based multiplayer real-time game where the real world is the game arena”.
80
No website, conforme mencionado, há a representação do ambiente do jogo, na qual um jogador pode
ver a posição dos outros oponentes.
313
personagem que representa você no jogo também está se movendo”.
81
(STEGERS, 08 fev.
2002).
Como os MUDs textuais on-line, Botfighters também removeu o mapa do jogo.
Assim, a peça-chave dos jogos ubíquos é algo que muitos outros jogos não conseguem
suprir: a imaginação. “Nós colocamos a aventura por toda parte”, explica Hålling, “mas
a maior parte da empolgação está na sua mente”.
82
(Id.)
No website, os usuários podem equipar seus robôs, ver a posição dos outros
robôs em um mapa dinâmico e também discutir estratégias com outros jogadores em um
fórum. Hålling comenta que a It’s Alive descobriu, através da Telia,
83
que os usuários
incorporaram os aspectos comunitários da Internet, transformando o chat do site em um
fórum para a discussão de táticas de jogo como, por exemplo, “como formar um grupo
para atacar um pobre colega solitário em um parque”.
84
(Wireless Reporter, 21 fev.
2001) Talvez o motivo para ainda usar a Internet fixa nesses jogos seja o precário
desenvolvimento da Internet móvel no presente. Talvez no futuro, quando a Internet
móvel possir mais recursos, tiver mais velocidade de transmissão de dados e melhor
qualidade gráfica, o jogo possa ser desenvolvido por meio de apenas uma interface
móvel. Howard Rheingold (2002, p.19) observou que Botfighters não emprega apenas
telefones celulares, mas também outros tipos de tecnologias nômades e de transporte.
Botfighters (...) requer laptops e telefones celulares, assim como carros. Enquanto
alguns jogadores estavam em seus escritórios ou apartamentos, outros, como ‘o Mob’,
moviam-se por Estocolmo a pé, de metrô e de carro”.
85
Tom Söderlund (It’s Alive press release, 21 nov. 2000) afirma que o aspecto
comunitário é importante em qualquer jogo, no entanto, nos jogos ubíquos baseados em
posicionamento assume uma importância ainda maior, porque há a possibilidade de se
interagir com os jogadores que estão distantes, assim como os colegas que se encontram
na mesma vizinhança. Os telefones celulares como interfaces são poderosos porque se
movem junto com os usuários, conectando, assim, os jogadores entre si e com o espaço
do jogo. Os telefones celulares oferecem possibilidades que nenhuma outra tecnologia
81
“Pervasive games are massively multiplayer role-play games taken to the real world. The game world
is overlaid on the real world, using mobile positioning technology to determine players’ location. So
when you walk down a street, the character representing you in the game is moving too”.
82
“We put the adventure all around you, but most of the excitement is in your mind”.
83
Telia é a operadora sueca que se associou a It’s Alive para lançar o jogo.
84
“How to team up and attack a poor lonely fellow in a park”.
85
Botfighters (…) requires laptops and mobile telephones as well as cars. While some players were in
their offices or apartments, others, like ‘the Mob,’ moved around Stockholm on foot, subway, and car”.
314
pode suprir. “Imagine-se sentado em uma reunião ou sala de aula, quando o seu telefone
bipa e recebe uma mensagem dizendo que seu navio está sendo atacado. Você sabe que
vai ter que se levantar e dizer ‘Desculpa, mas preciso resolver essa parada...’”,
86
sugere
o presidente da Digital Bridges, uma firma britânica de entretenimento móvel.
Botfighters se tornou popular porque emprega tecnologia simples e existente.
Em vez de esperar pela próxima geração de telefones celulares, com conexão de alta
velocidade e telas coloridas maiores, a It’s Alive usou a criatividade para criar um jogo
que seria “disponível para o resto de nós”. Muitos até mesmo se referem ao jogo como
um tipo de “paintball virtual”. No entanto, Botfighters acontece no espaço híbrido; os
tiros podem ser irreais, mas a ação é, de fato, real. “A solução técnica requer a
integração com um website, um serviço de SMS e informação sobre o posicionamento
do telefone celular, o que é consideravelmente menos complexo do que o enorme teatro
requisitado por Majestic”,
87
explica Philip Guildford. (11 dez. 2001) Além disso, o
telefone celular não funciona mais apenas como um telefone, mas é também encarado
como uma “arma” e um “sistema de radar”.
Em novembro de 2000, durante o período de teste, 60 usuários se registraram no
jogo. Não havia taxa de inscrição, mas os usuários precisavam pagar contas mensais
pelas mensagens SMS que mandavam. O jogo foi finalmente comercializado no outono
de 2001. Existem várias razões pelas quais o primeiro jogo baseado em posicionamento
celular foi desenvolvido na Suécia e porque sua receptividade foi tão positiva. A Suécia
é considerada a economia informacional mais avançada do mundo. Em 2001, quando o
uso de SMS ainda estava começando a se tornar popular nos Estados Unidos, os suecos
já digitavam mensagens de texto como parte de suas vidas diárias, assim como na
Finlândia. Além disso, a Suécia, assim como a Finlândia e outros países escandinavos,
possui um alto índice de penetração de telefones celulares: 88%.
88
Na Suécia, como na
Finlândia, os celulares têm sido estudados como aparelhos que formam comunidades.
Segundo Weilenmann e Larsson (In: BROWN; GREEN, 2002, p.99), que
desenvolveram um estudo sobre o uso público de telefones celulares por adolescentes
86
“Imagine sitting in a boardroom or classroom, when your phone beeps and delivers a message telling
you, your ship is under attack. You know that you’re going to stand up and say ‘Excuse me. I have to take
this…’”
87
The technical solution requires the integration of a website, an SMS service and mobile phone
location information, which is considerably less complex than the big platforms required by Majestic”.
88
Fonte: ITU, 2002. (International Telecommunication Union). Disponível em: http://www.itu.int/ITU-
D/ict/statistics/. Acesso em: 17 dez. 2003.
315
nesse país, os atos de emprestar e tomar emprestado os telefones parece já ser natural.
Suas observações “sugerem que o telefone celular é uma fonte de colaboração para os
adolescentes, ao invés de um telefone pessoal”.
89
No fim de 2002, havia sete mil
jogadores de Botfighters registrados na Suécia. (SÖDERLUND, 01 nov. 2002)
Botfighters também foi lançado na Finlândia e na Grã-Bretanha (na primavera
de 2001), na Irlanda (no início de 2002) e, recentemente, na Rússia (em novembro de
2002), onde o número de SMS enviados por semana no jogo chegou a um milhão,
segundo um relatório de imprensa da It’s Alive. (10 fev. 2003) Na Finlândia, o jogo tem
por volta de mil usuários registrados (JÄRVINEN, HELIÖ, AND MÄYRA, op. cit.,
p.46), e, na Grã-Bretanha, 600 jogadores se registraram já durante o período de testes.
Um outro dado interessante sobre Botfighters é que a maioria dos jogadores se encontra
entre 25 e 35 anos, surpreendendo os produtores do jogo, que esperavam um público
alvo de jovens entre 15 e 22 anos. (HÅLLING Apud STEGERS, 08 fev. 2002) Pode-se
sugerir, portanto, que a cultura do telefone celular não mais atinge apenas adolescentes.
Apesar de poder ser considerado um “mero” jogo de ação, Botfighters
transforma a experiência que os usuários têm do espaço em que vivem. Bjorn Idren,
nosso jogador da perseguição de carro, conta que, devido ao jogo,
“às vezes você começa a ir a lugares que não iria de outro modo. Eu me encontrei sentado em
frente ao computador tentando achar um café legal em uma parte desconhecida de Estocolmo
para que eu e minha namorada pudéssemos fazer um piquenique e também destruir um certo
robô”.
90
(Herald Sun, 23 jul. 2001)
Assim, o jogo não apenas transforma o espaço familiar da cidade em estranho, mas
também estimula os usuário a partirem e descobrirem lugares desconhecidos.
Além disso, alguns jogadores realmente levam a sério a transformação do espaço
físico no ambiente do jogo. “Os jogadores mais entusiasmados na Suécia perseguem uns
aos outros pela cidade usando bicicletas e carros”.
91
(NIIRANEN, 29 out. 2001) Há um
motorista de táxi em Estocolmo, conhecido pela alcunha de “Taxi31”, que gasta todo o
seu tempo entre os passageiros atirando em pessoas. Ele tem quatro celulares em seu
táxi e suas contas chegam a quatro mil dólares por mês, de acordo com o jornalista
89
“Suggest that the mobile phone is a collaborative resource for teenagers rather than just a personal
phone”.
90
“Eventually you start to take trips to places you wouldn’t go to otherwise. I found myself sitting on the
Web trying to find a nice café in an unknown part of Stockholm so that me and my girlfriend could have a
picnic and also destroy a certain bot”.
91
“The most enthusiastic players in Sweden followed each other across the city using bikes and cars”.
316
Michael Stroud, da Wired News. (08 fev. 2002) “Ele é maluco”, comenta Hålling, “até
mesmo alardeia no site que já dirigiu 30 quilômetros para fora da cidade para participar
de batalhas”.
92
(Id.) Além disso, Tom Söderlund afirmou que, durante os testes do jogo,
os participantes tomaram iniciativas completamente inesperadas. “Uma menina sentou
em frente ao seu computador e usou o website para localizar quatro alvos. Então, pulou
dentro do carro e fez um “tiroteio sem fio” com seu celular, ao passar pelas vítimas”.
93
(BROWN, 01 dez. 2000)
Niklas Stahre, um engenheiro de 24 anos, morador de Estocolmo, estava entre os
primeiros entusiastas do jogo. Ele conta:
“O que me empolga acerca dos jogos móveis é que você pode interagir com pessoas enquanto
está em movimento. Você pode jogar quando quiser, onde quiser. Você joga contra pessoas reais
e, com Botfighters, você precisa se mover pelo espaço para ganhar vantagem. Tudo isso é muito
empolgante”.
94
(Id.)
Dentro desse contexto, a It’s Alive tira vantagem da mobilidade dos usuários de
um modo completamente novo. Os usuários precisam estar se movendo fisicamente
para poderem jogar. Os jogos ubíquos, como Botfighters, procuram “remover a arena
do jogo do PC e colocá-la sobre o mundo real. Sendo assim, o usuário está, na verdade,
andando pelo mundo do jogo quando está nas ruas, na escola, etc.”
95
(DEVENDRA, 05
abr. 2001) Os jogos ubíquos são exemplos de como os jogos de multiusuários, antes
jogados em espaços virtuais, podem agora acontecer no espaço físico, aproveitando-se
da mobilidade real de seus participantes.
Com o objetivo de atingir também o jovem público feminino, a mesma empresa
prepara o lançamento de Supafly, a primeira novela baseada em posicionamento celular.
Supafly não possui vencedores per se. Os jogadores se dão bem ou mal no ambiente
virtual dependendo se sua conduta é boa ou ruim. Se suas ações são legais ou maliciosas
o suficiente, um artigo pode ser escrito sobre seus personagens no jornal on-line do
jogo. O objetivo final é se tornar famoso e aparecer na televisão.
92
“He’s crazy, he even brags on the website that he’s driven 30 kilometers outside the city to get in
battles”.
93
“One girl sat in front of her PC and used the web site to locate four targets. Then she jumped in her
car and did some mobile ‘shooting’ with her phone as she drove by them”.
94
“What appeals to me about mobile gaming is that you can interact with people while you are on the fly.
You can play it whenever you want, wherever you want. You play against real people, and, with
Botfighters, you have to move around to win an advantage. All of that is pretty exciting”.
95
“The game arena off the PC screen and drape it on top of the real world. So the user is actually
walking around in the game world when she is on the street, in school, etc.”
317
Figuras 40 e 41: Imagens do website de Supafly.
Supafly foi testada na Suécia na primavera de 2002. No final de 2001, o
protótipo do jogo ganhou o grande prêmio “Melhor Aplicativo para Telefone Celular”,
no Primeiro Prêmio Ericsson de Aplicativos para Telefone Celular em Zurique. A It’s
Alive ganhou o prêmio porque “Supafly simplesmente vai além da idéia comum do que
seja um jogo para telefone celular”,
96
segundo relatório da Ericsson. (07 dez. 2001) “A
empresa combina uma ampla estrutura de jogos com serviços comunitários, propaganda
baseada em posicionamento, as interfaces da WWW e móvel”.
97
(Id.)
Para jogar Supafly, o jogador também precisa criar um personagem no site
98
do
jogo, mas, em vez de equipá-lo com armas e escudos, precisa fornecer ao avatar roupas
de marca e sapatos sofisticados. A It’s Alive, na verdade, fez uma parceria com lojas
reais de roupas, de modo que, se o jogador decidir “comprar” qualquer acessório para
seu avatar, pode conseguir descontos reais na loja. Além disso, os usuários também
pagarão para se tornarem membros do Clube Supafly ou para participar em competições
especiais. “O jogo é uma combinação de RPG, lista de amigos, comunidade e serviço de
encontros, procurando atingir o público de 16 a 18 anos”, explica a revista on-line
Radio-Gamer. (11 dez. 2001) Devido às suas muitas facetas, o jogo também pode ser
jogado sem posicionamento celular, apenas para a comunicação com os outros usuários.
“Além de conversar, os jogadores podem fazer uma das 30 ‘ações’ com o sistema de
mensagens de seus telefones celulares, desde enviar um ‘presente de amor’ a alguém até
96
Supafly is just going beyond the common idea of a mobile game”.
97
“They combine comprehensively gaming with community services, location-based add-ons, web and
mobile platforms”.
98
Disponível em: http://www.itsalive.com/supafly/demo. Acesso em: 17 dez. 2003.
318
sussurrar ou gritar”,
99
explica o jornalista Michael Stroud. (22 jan. 2003) Além disso, ao
contrário de Botfighters, os usuários podem usar o posicionamento celular para
realmente encontrar amigos no espaço físico, em vez de apenas atirar.
Com o exemplo de Supafly, é possível sugerir que os jogos baseados em
posicionamento celular desenvolvem de modo análogo aos seus antecessores, os
ambientes de multiusuários on-line. Os jogos de RPG na Internet surgiram como jogos
de aventura, nos quais os jogadores deveriam vencer e, às vezes, matar os outros
participantes, conforme demonstrado no capítulo 3. Em seguida, com a criação dos Tiny
MUDs, tais jogos se tornaram ambientes sociais, nos quais os usuários poderiam se
encontrar e conhecer uns aos outros, sem o objetivo de vencer ou matar. Em Supafly,
como nos MUDs Sociais, a cooperação entre os jogadores é baseada em uma hierarquia
de popularidade. De modo contrário, em Botfighters, como nos MUDs de aventura, a
cooperação é baseada em uma hierarquia de força.
Imaginando o futuro, Sven Hålling acredita que, com as redes 3G, “haverá
diferentes botões e menus para selecionar suas ações e você poderá ter uma tela de radar
no seu celular que informa a posição dos outros jogadores”
100
(STEGERS, 08 fev.
2002), mas a essência dos jogos ubíquos permanecerá a mesma: 24 horas por dia,
intervenções inesperadas e a fusão com a vida.
9.4. Jogos + Arte: Blast Theory
Apesar de os jogos terem sido geralmente encarados como opostos e
incompatíveis com a arte, ambos possuem pontos em comum: devem produzir
experiências prazerosas, criar um mundo lúdico e estimular a imaginação. É por isso
que, de acordo com Eugen Fink (1966, p.76), ambos difeririam da “vida séria”. Segundo
Järvinen, Heliö and Mäyrä (op. cit., p.25), “há um certo prazer nos mundos de faz-de-
conta (seja construídos em formas de ficção, jogos de tabuleiro ou ambientes digitais)
que são separados das regras e tarefas da vida cotidiana”.
101
No entanto, apesar de
99
“Besides chatting, players can also perform one of 30 ‘actions’ with their cell phone’s messaging
system, ranging from sending someone a ‘love gift’ to whispering or shouting”.
100
“There will be different buttons and menus to select your actions, and you might have a radar screen
on your cell phone that tells the position of other players”.
101
“There lies a certain enjoyment in the make-belief worlds (whether constructed in forms of fiction,
board games or digital environments) that are separated from the rules and tasks of ordinary life”.
319
ambos nunca coincidirem completamente, a arte e os jogos são combinados de maneiras
impossíveis anteriormente. No capítulo 4, foi estudado como os jogos poderiam se
fundir com a arte em ambientes virtuais. Atualmente, os jogos se fundem com a arte
também em espaços híbridos.
Blast Theory é um grupo britânico que desenvolve trabalhos em conjunto com o
Laboratório de Realidade Mista da Universidade de Nottingham, na Inglaterra. Seu
trabalho enfatiza o desenvolvimento de jogos que acontecem simultaneamente em
espaços físicos e digitais, integrando e formando comunidades entre jogadores que
andam nas ruas e jogadores on-line. Em seus jogos, uma ação no espaço físico pode
influenciar uma decisão no espaço digital e vice-versa. Sua primeira colaboração, Can
You See Me Now?
102
se parece com o tradicional Pac-Man, porém, jogado no espaço
híbrido. Jogadores de diversas partes do mundo podem jogar on-line contra os membros
da Blast Theory. De acordo com o website do projeto, “rastreados por satélites, os
corredores da Blast Theory aparecem on-line perto de seu jogador em um mapa do
centro da cidade. Nas ruas, computadores de bolso mostrando a posição dos jogadores
on-line auxiliam os corredores a rastreá-lo”.
103
Os corredores estão equipados com
computadores de mão conectados à Internet, aparelhos de GPS e walkie-talkies, para se
comunicarem entre si. Na Internet, até vinte usuários podem estar on-line
simultaneamente. Os jogadores na Internet devem fugir dos jogadores nas ruas para não
serem pegos. Ao capturar um jogador virtual, o jogador que está na rua deve tirar uma
foto do local onde a perseguição terminou, como a fotografia abaixo:
Figura 42: Espaço físico correspondente ao local onde o jogador on-line se
encontrava na simulação digital, no momento em que foi capturado.
102
Disponível em: http://www.blasttheory.co.uk/work_cysmn.html. Acesso em: 17 dez. 2003.
103
“Tracked by satellites, Blast Theory’s runners appear online next to your player on a map of the city
center. On the streets, handheld computers showing the position of online players guide the runners in
tracking you down”.
320
Os corredores das ruas capturam um jogador on-line se estiverem a menos de
cinco metros um do outro. O jogo ocorreu em dias específicos em Sheffield (UK) em
2001, em Roterdam (Holanda) em fevereiro de 2003 e em Oldenburgo (Alemanha) em
julho de 2003.
104
De modo semelhante, sua mais recente colaboração, Uncle Roy All Around
You
105
, coloca os jogadores on-line agindo conjuntamente com os jogadores nas ruas no
bairro de Westminster, em Londres. Os jogadores nas ruas procuram pelo Tio Roy com
a ajuda de computadores de bolso. Por outro lado, os jogadores on-line procuram pelos
jogadores nas ruas e, também, pelo Tio Roy em um modelo virtual do espaço físico
correspondente onde os jogadores estão correndo na rua. Os jogadores on-line e nas ruas
precisam trabalhar em conjunto e têm 60 minutos para completar a tarefa. Os jogadores
nas ruas podem ver os jogadores on-line no mapa de seus computadores de bolso e os
jogadores on-line podem ver os jogadores nas ruas em um mundo virtual modelado de
Westminster. Durante o jogo, os jogadores on-line e nas ruas podem se comunicar
através de voz e mensagens de texto, para pedir auxílio uns aos outros.
A Blast Theory procura estabelecer espaços culturais para as interfaces nômades
através dos jogos. Uma versão futura de tais jogos pretende permitir que o público jogue
nas ruas usando seus próprios telefones celulares. De modo semelhante aos jogos
ubíquos, Can You See Me Now? e Uncle Roy All Around You usam a malha da cidade
e fazem do posicionamento dos jogadores nesse espaço uma característica central do
jogo.
104
Can You See Me Now? foi nominado para o prêmio de Arte Interativa BAFTA em 2002 e ganhou, em
2003, o Golden Nica, Prix Ars Electronica na categoria Arte Interativa.
105
Disponível em: http://www.uncleroyallaroundyou.co.uk/. Acesso em: 17 dez. 2003.
321
CONCLUSÃO
O objetivo dos jogos ubíquos é fazer dos jogos parte da vida. Eugen Fink (1966,
p.122) e Johan Huizinga (1955, p.1) propuseram o oposto: jogar a vida como um jogo.
Huizinga (Id.) argumenta que “a brincadeira é mais velha que a cultura, pois a cultura,
apesar de inadequadamente definida, sempre pressupõe uma sociedade humana e os
animais não precisaram esperar pelo homem para ensiná-los a brincar”.
1
Sob essa
perspectiva, a própria vida pode ser uma experiência prazerosa e não há motivo para
separar estritamente as experiências lúdicas e sérias. No entanto, não importa em que
direção se vá, o que faz ambos suficientemente empolgantes é exatamente a
possibilidade de fusão dos elementos reais e imaginários. Apesar de poder ser encarada
como um jogo, a vida precisa do jogo como uma camada que se sobrepõe, mas não
coincide completamente com seu modelo. Se tudo fosse apenas sério ou se tudo fosse
apenas jogo, não seria estimulante o bastante. É precisamente a possibilidade de se
remover do ordinário que nutre os espaços imaginários e torna a vida mais interessante.
Como Pasi Mäenpää e Turo-Kimo Lehtonen (1997, p.146) descrevem, a experiência das
compras é empolgante porque permite que se saia dos espaços cotidianos da vida séria e
se “viaje” para um espaço novo, imprevisível e inexplorado. As experiências da viagem
e dos jogos possuem o mesmo efeito.
Apesar de a viagem turística contemporânea de fato remover o turista de seu
ambiente ordinário, o foco desta Tese, como mostrado no capítulo 3, se manteve nos
viajantes medievais e nos exploradores, porque tais personagens representam a figura
romântica da “real” experiência de viagem. Por experiência “real” de viagem,
compreende-se a experiência do literal abandono do espaço físico conhecido e a
exploração de novos territórios, ‘mapeando o espaço’ e narrando as descobertas e
desafios experimentados após a volta. As narrativas de viajantes sobre o desconhecido,
quando trazidas novamente para dentro do contexto conhecido, implicavam espaços
distantes e contíguos, através de seu discurso – que poderia ser verdadeiro, mas também
imaginário. Essas narrativas sobre espaços ausentes e possíveis, ao tomarem forma
dentro do espaço atual, foram responsáveis pela criação de novos tipos de imaginários.
1
“Play is older than culture, for culture, however inadequately defined, always presupposes human
society, and animals have not waited for man to teach them their playing”.
322
De modo semelhante, os jogos que surgiram a partir das narrativas de viajantes e
do mapeamento do espaço físico, conforme visto no capítulo 3, representavam, em um
espaço restrito, a projeção e a criação de espaços da imaginação. Os jogos
representavam a exploração imaginária de novos territórios quando todo o espaço físico
do planeta já fora mapeado e, o que era mais importante, foram responsáveis pela
reprodução das experiências de sociabilidade entre os viajantes durante o curso da
jornada. Os melhores exemplos são os jogos de RPG.
Conforme analisado na primeira parte desta Tese, a Internet fora considerada o
lugar ideal para a projeção de espaços do imaginário. Porque a rede digital fora
conceitualmente construída como um espaço desconhecido e imaginário, parecia que
jogos como os de RPG seriam perfeitamente adaptados ao novo meio. Assim, os MUDs
de Aventura e, posteriormente, os MUDs Sociais, apareceram. No entanto, faltava ao
usuário da Internet uma característica muito importante que pertencia ao viajante: a
habilidade de se mover pelo espaço físico. O surgimento de interfaces nômades
representa a chance desses espaços do imaginário serem novamente representados e
construídos em espaços físicos. As tecnologias nômades possuem um papel duplo. Em
primeiro lugar, dão mobilidade aos espaços virtuais, trazendo o imaginário para os
espaços físicos. Em segundo lugar, ao serem usadas para jogos, libertam o jogador do
tabuleiro ou da tela, tornando possível o uso do espaço da cidade como o ambiente do
jogo.
Hoje em dia, quando todo o espaço físico terrestre já foi quase que
completamente mapeado, o uso de tecnologias nômades representa a criação de espaços
da imaginação, mesmo dentro do espaço conhecido. Foram discutidas outras formas de
criação de espaços imaginários e “desconhecidos” como a nanotecnologia, no capítulo
8, e a experiência das compras, no capítulo 9. No entanto, as tecnologias nômades
implicam contextos distantes e contíguos ao criar uma camada do imaginário sobre os
espaços físicos, interpolando ambos, mas não os coincidindo. Coincidir inteiramente a
realidade com os espaços imaginários (ou o espaço físico com sua representação
“imaginária”) seria o mesmo que criar o mapa 1:1, descrito no capítulo 3. Todavia,
como muitos autores já declararam, a concepção de tal mapa não é possível, pois
destruiria o território – e, conseqüentemente, sua representação, junto com o imaginário
contido nela.
323
É a não-coincidência dos espaços reais e representados que alimenta a
imaginação. Espaços imaginários foram criados por viajantes que narravam sobre o
desconhecido dentro da realidade conhecida. Os jogos, também, representam um espaço
desconhecido dentro do conhecido e o mesmo é extensível para os jogos ubíquos. Para
novos imaginários serem criados, devem ter referência na realidade conhecida, mas não
se tornarem iguais a ela.
Finalmente, é importante ressaltar a habilidade das tecnologias nômades em
transformar os espaços físicos em ambientes de multiusuários. O (sub)título desta Tese
é, na verdade, uma metáfora que indica que os lugares de sociabilidade, anteriormente
desenvolvidos na Internet, podem agora ser descobertos em espaços físicos. As
comunidades em espaços físicos eram formadas por indivíduos que, de certa forma,
compartilhavam o mesmo espaço contíguo. As comunidades na Internet foram formadas
independentes da localização física de seus membros. Com o uso de tecnologias
nômades de comunicação, é possível se comunicar com usuários que estão próximos e
distantes. O surgimento de um espaço híbrido inclui características de comunidades
formadas em espaços físico, assim como de ciber-comunidades, configurando um meio
mais amplo de comunicação. O modo mais óbvio de se demonstrar como esses novos
tipos de comunidade podem ser formados é através dos jogos, que são atividades,
geralmente, coletivas. Entretanto, é possível expandir esse conceito para outros aspectos
da vida “não-lúdica”. O capítulo 7 foi parcialmente dedicado à análise de como as
tecnologias nômades (nesse caso, os telefones celulares) podem ser encaradas como
mais do que simples telefones e mais do que aparelhos para a comunicação bilateral.
Apesar de serem tecnologias recentes, os telefones celulares podem se tornar poderosas
ferramentas de comunicação num futuro próximo. Mesmo antes da prevista evolução
tecnológica que incluirá maiores recursos visuais e a conexão com a Internet em alta
velocidade, o poder das tecnologias nômades já pode ser percebido, porque está
intrinsecamente ligado à mobilidade, ou seja, ao fato de que as tecnologias nômades são
interfaces digitais que podem ser transportadas e guardadas sempre junto ao usuário.
Esta Tese tratou da passagem de ambientes de multiusuários como espaços
(virtuais) para espaços (híbridos) como ambientes de multiusuários. Estudaram-se como
os lugares de sociabilidade migram da Internet para os espaços físicos mediados por
324
tecnologias nômades de comunicação, como os telefones celulares. Ao definirem-se
espaços híbridos como ambientes de multiusuários, foi decisivo imaginar novas
possibilidades de desenvolvimento para a interface móvel, considerando-a mais do que
apenas um telefone celular responsável pela comunicação bilateral. Considerar o espaço
físico como um espaço híbrido de multiusuários também implica que as tecnologias
móveis transformam nossa experiência de espaço, configurando usuários ubíquos que
estão, potencialmente, constantemente conectados a espaços digitais e a indivíduos
ausentes. As tecnologias móveis também permitem que os usuários criem novas
conexões com indivíduos que habitam o mesmo espaço contíguo. Porque as tecnologias
nômades criam uma relação mais dinâmica com a Internet, embutindo-a em atividades
cotidianas que acontecem, na maior parte das vezes, do lado de fora, também foi
decisivo analisar por que os espaços digitais foram majoritariamente encarados como
desconectados dos espaços físicos. Concluiu-se que as interfaces materiais que medeiam
nossa interação com espaços digitais são cruciais para a construção e a percepção de tais
espaços. As interfaces nômades criam um espaço híbrido que embute os espaços digitais
e contextos distantes nas mais básicas atividades cotidianas, conectando o virtual ao
físico; por outro lado, as interfaces estáticas, como os computadores desktop e os
grandes monitores, também foram responsáveis por definirem os espaço digitais como
essencialmente desconectados dos espaços físicos.
O aparecimento das interfaces nômades, no entanto, não implica a desaparição
das interfaces gráficas (GUI) e dos espaços simulados. Ao contrário: as interfaces
móveis nos tornam conscientes da importância da fisicalidade ao lidar com os espaços
digitais. Os espaços de simulação continuarão a ter papéis importantes em disciplinas
como a medicina, a engenharia e a arte. Além disso, os ambientes de multiusuários on-
line terão vida longa, como uma forma alternativa de comunicação e de sociabilidade. O
ciberespaço, nesse caso, não acabou. O surgimento de novas interfaces não apaga as
antigas, especialmente se os seus papéis não coincidem completamente. Como a
televisão não substituiu o rádio, as tecnologias móveis também não substituirão os
ambientes simulados na Internet, pelo menos em curto prazo, enquanto os telefones
celulares não tiverem as mesmas qualidades gráficas que monitores, capacetes de
realidade virtual e projetores.
325
Sugerir que a Internet e o computador pessoal permanecerão conosco por mais
tempo não significa afirmar, no entanto, que a metáfora do desktop baseada em janelas
não está antiquada. Conforme mencionado no capítulo 6, o User Interface Group, do
Centro de Pesquisas da Xerox, em Palo Alto, procura por novas técnicas para que
usuários interajam com amplos ambientes informacionais. Conscientes de que a
metáfora do desktop já possui mais de 20 anos, os pesquisadores buscam novos
paradigmas para a visualização de informação.
De qualquer forma, o mérito das tecnologias móveis não está associado à
visualização de informação, mas à interpolação de nova informação no espaço físico no
qual vivemos. Por serem parte de nossa experiência cotidiana, são também chamadas de
tecnologias embutidas (embedded technology). Dentro desse contexto, surgem algumas
questões, tais como:
“Aonde a tecnologia nos levará?”;
“Existirá um aparelho que englobe todas as funções, como comunicação via voz,
transmissão de dados, controle remoto e cartão de crédito?”;
“Será que as tecnologias de comunicação serão mais ubíquas e wearable?”;
“Como a sociedade irá lidar com os crescentes mecanismos de vigilância que
necessariamente se desenvolvem com as tecnologias ubíquas e pervasive?”;
“Como a nossa maneira de experimentar as cidades e a comunicação social se
transformará devido às novas tecnologias?”;
“Como a sociedade descobrirá novos significados para as novas interfaces?”
Como toda pesquisa, esta Tese levantou mais questões do que respostas. Da
mesma forma, este trabalho anseia por desenvolvimentos futuros em relação aos
assuntos arte (midiática) e jogos (ubíquos), conectados a tecnologias móveis. No
entanto, essa exploração será somente possível de se realizar simultaneamente ao
desenvolvimento da própria tecnologia. Conforme observado, novas tecnologias
aparecem, mas a consciência do significado de interfaces específicas só surge após ou
simultaneamente a aceitação e absorção cultural dessas interfaces. A relação dinâmica
entre culturas e interfaces foi estudada no capítulo 7, Telefones celulares e lugares,
onde foi enfatizado como diferentes culturas lidam com a tecnologia móvel. A
comparação do uso do telefone celular no Brasil e nos Estados Unidos com os países
“móveis” da Finlândia e Japão talvez nos indique como os espaços híbridos
326
influenciarão nossas vidas daqui a alguns anos. Por outro lado, não se deve esquecer que
as diferenças culturais podem contribuir para manter o uso da tecnologia em diferentes
lugares substancialmente desigual. É verdade que as sociedades japonesa e finlandesa
não são muito inclinadas à conversação cara-a-cara e é por isso, também, que os
telefones celulares são tão populares nesses países. As sociedades brasileira e americana
são diferentes. No entanto, deve-se considerar essa “inclinação à comunicação” como
um fator positivo que auxiliará a descobrir novos significados para a interface móvel,
especialmente quando a Internet móvel, a fotografia móvel e os serviços baseados em
posicionamento celular sejam amplamente acessíveis. Conforme analisado, certa forma
de transformação na experiência de tempo e espaço, através da micro e da macro-
coordenação, já pode ser sentida na América.
Como, geralmente, as experiências artísticas e lúdicas são aquelas que,
imperceptivelmente, desafiam os limites da tecnologia e prevêem aspectos futuros, as
mudanças tecnológicas foram analisadas através da arte e dos jogos. Baseada na
premissa dos pesquisadores finlandeses, segundo a qual os jogos transformam nossa
experiência de espaço e a subjetividade (JÄRVINEN; HELIÖ; MÄYRÄ, 2002, p.25-
27), esta Tese analisou como as experiências de subjetividade contemporânea, do
espaço e do tempo foram transformadas/influenciadas pelo uso de tecnologias nômades
de comunicação (representadas por telefones celulares). Utilizando obras artísticas e
jogos que empregam tecnologias nômades como interfaces, este trabalho também
procurou conectar a arte e os jogos através de suas características comuns: o uso de
interfaces móveis e ubíquas, a experiência lúdica e o poder de interpolação de espaços
físicos e virtuais. A tabela abaixo sumariza o argumento:
327
Figura 43: Resumo do argumento da Tese.
As experiências apenas relacionadas ao uso de telefones celulares ao transformar
nossa experiência de subjetividade, de tempo e de espaço, foram discutidas no capítulo
7, Telefones celulares e lugares. Em contrapartida, as interfaces estáticas que nos
ligavam ao ciberespaço foram estudadas no capítulo 1. As práticas conectadas à
transformação de nossa percepção do espaço, do tempo e da subjetividade através da
arte midiática foram exemplificadas no capítulo 8, Transformando a experiência de
espaço. Em contraposição, as experiências relacionadas à webarte e à arte da
telepresença foram tratadas no capítulo 4, representando uma época em que já se podia
perceber a semente dos espaços híbridos e algumas tentativas de conexão entre a arte e
os jogos. O capítulo 3, Ambientes de multiusuários como espaços (virtuais), tratou da
construção de identidade em jogos de RPG e MUDs, além de analisar a Internet como
um novo espaço (utópico) para a projeção do imaginário e a abolição das distâncias
geográficas. O capítulo 9, além de estudar como os jogos ubíquos transformam nossa
experiência de espaço e de tempo, foi também dedicado para a conexão entre a arte e os
jogos como espaços lúdicos. Enfim, o objetivo deste trabalho foi demonstrar como a
passagem do ciberespaço para o espaço híbrido influencia e é influenciada pelo
surgimento de tecnologias nômades de comunicação e de práticas lúdicas que usam
328
essas interfaces nômades. Como as práticas lúdicas estão intrinsecamente ligadas à
criação de espaços do imaginário, esta Tese também tratou da redefinição da relação
entre o real e o imaginário provocada pelo aparecimento de espaços híbridos.
Alguns problemas e fatos identificados, fundamentais para a definição das questões
que constituíram esta Tese, foram:
A consciência da fisicalidade dos espaços digitais.
A necessidade de redefinição do conceito de ‘virtual’, da simulação à
potencialidade.
O surgimento de um novo significado para os espaços digitais e,
conseqüentemente, para a Internet.
Uma nova percepção de espaços urbanos, que não é visual, mas conceitual.
A visão de novos padrões de relações de sociabilidade.
A criação de novas interconexões entre arte, jogos, tecnologias móveis e
computão ubíqua.
A maioria destes fatos não foi levantada apenas por mim, mas também por
aqueles que foram entrevistados durante o processo desta pesquisa. Nesse contexto, o
objetivo deste trabalho foi descobrir como os usuários atualmente percebem essas novas
tecnologias e experimentam as mudanças provocadas por elas. Além disso, indagava
como os usuários criam novos usos para novas interfaces. Para o pesquisador, resta
analisar o presente e identificar as sementes futuras.
Algumas conseqüências das mudanças analisadas ao longo desta Tese foram: (1)
a dissipação (blurring) das fronteiras entre os espaços físicos e virtuais, (2) a re-
definição do conceito de ‘virtual’, (3) a re-definição do conceito de ‘espaço físico’ (para
a inclusão de ambientes híbridos) e (4) as mudanças em padrões de sociabilidade e de
comunicação. Finalmente, este trabalho tratou da passagem promovida pelas
tecnologias nômades, de MUDs como espaço ao espaço como MUDs, representando
que o digital nunca foi separado do físico e é um elemento essencial para a criação de
sociabilidade e de novos imaginários em espaços urbanos.
Os espaços virtuais não mais serão considerados como desconectados da
realidade física.
329
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DANTE, Joe. Innerspace. USA, 1987. 120 minutos.
CD-ROMs:
DIETZ, Steve. Telematic connections. The virtual embrace. New York : Independent
Curators International (ICI), 2001.
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Entrevistas:
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Collegium (CaiiA-STAR) (18 mar. 2003)
Prof. Benjamin Bratton – Sci-Arc, Instituto de Arquitetura do Sul da Califórnia (EUA)
(04. dez. 2002)
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Sara Diamond – The Banf Centre (Canadá) (17 abr. 2003)
Prof. N. Katherine Hayles – Departamento de Inglês, Universidade da Califórnia, Los
Angeles (EUA) (19 nov. 2002)
Prof. Erkki Huhtamo – Departmento de Design | Media Arts, Universidade da
Califórnia, Los Angeles (EUA) (15. dez. 2002)
Prof. Norman Klein - CalArts (EUA) (08 nov. 2002)
Prof. Machiko Kusahara – Escola de Letras, Arte e Ciência, Universidade de Waseda,
(Japão) (16. jan. 2003)
Prof. Lev Manovich – Departamento de Artes Visuais, Universidade da Califonia, San
Diego (EUA) (01 fev. 2003)
Prof. Gilbertto Prado – Departamento de Artes Plásticas, Escola de Comunicação e
Artes, Universidade de São Paulo (Brasil) (22 mar. 2003)
Prof. Bill Seaman – Departamento de Mídias Digitais, Rhode Island School of Design
(EUA) (05.fev. 2003)
Prof. Victoria Vesna – Departamento de Design | Media Arts, Universidade da
Califórnia, Los Angeles, chair (EUA) (06.11.2002)
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