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Rubem Braga chega ao Rio, onde se tornaria o maior cronista em atividade no Brasil,
nas décadas de 50 e 60. Capixaba de Cachoeiro do Itapemirim, o cronista Braga
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tem um
estilo próprio, presente na afirmação “a verdade é o instante”, o brevíssimo instante no qual o
artista capta o mistério do vivido, com toda sua complexidade, que, transformado em
palavras, guarda o gosto e a estética do criador.
Assim, com Rubem Braga, a crônica ganha um traço de instantaneidade, na medida
em que o próprio cronista é visto como um “flaneur” que penetra despreocupadamente na
vida boêmia cotidiana das cidades, para captar os “instantes” e transformá-los em palavras. O
“flaneur”, em sua origem francesa, é o boêmio, que faz parte da vida cosmopolita da cidade,
dando-lhe um ar “noir” que cria todo um clima voltado para o efêmero, o instante.
Sá
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tenta representar o cronista na grandiosidade do instante que transforma em texto,
quando afirma:
A pressa de viver desenvolve no cronista uma sensibilidade especial, que o
predispõe a captar com maior intensidade os sinais da vida que diariamente
deixamos escapar. Sua tarefa, então, consiste em ser o nosso porta-voz, o intérprete
aparelhado para nos desenvolver aquilo que a realidade não gratificante sufocou: a
consciência de que o lirismo no mundo de hoje não pode ser a simples expressão de
uma dor de cotovelo, mas acima de tudo um repensar constante pelas vias da
emoção aliada à razão.
Esse lirismo reflexivo é uma das características atribuídas à crônica de Rubem Braga.
Ao explorar a polissemia das palavras, criando ricas figurações, oferece ao leitor múltiplas
possibilidades de leitura, além do prazer do texto criativo, sugestivo, com um toque de ironia
salutar que comunica e faz pensar. Dias
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transcreve, em seu livro, um fragmento da crônica
O telefone, de Braga
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, na qual ele revela sua linguagem lírico-irônica, presente nessa crítica à
nacional e à desumana burocracia das empresas de serviços públicos, que espoliam e
humilham os cidadãos. O texto é dirigido ao “Honrado senhor diretor da Companhia
Telefônica”:
Quem vos escreve é um desses desagradáveis sujeitos chamados assinantes; e
do tipo mais baixo: dos que atingiram essa qualidade depois de uma longa espera na
fila. Não venho, senhor, reclamar nenhuma direito. Li o vosso Regulamento e sei
que não tenho direito a coisa alguma a não ser pagar a conta […] Enfim, senhor, eu
sei tudo; que não tenho direito a nada, que não valho nada, não sou nada. Há dois
dias meu telefone não fala nem ouve, nem toca, nem tuge, nem muge. Isso me
trouxe, é certo, um certo sossego ao lar. Porém amo, senhor, a voz humana; sou
uma dessas criaturas tristes e sonhadoras que passa a vida esperando que de repente
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BRAGA, Rubem. In: SÁ, Jorge de. A crônica. 6ª. ed. São Paulo: Ática, 2002. p. 12.
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SÁ, Jorge de. op. cit. p.18
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DIAS, Ângela. IN: RESENDE, Beatriz. op. cit. p. 61
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BRAGA, Rubem. 200 crônicas escolhidas. 4ª ed. Rio de Janeiro: Record; 1980, p. 18.