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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE PONTA GROSSA
SETOR DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS
MESTRADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS
MARIA FÁTIMA BALESTRIN
A POLÍTICA DA SAÚDE NO MUNICÍPIO DE PONTA GROSSA A PARTIR DA
CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE
PONTA GROSSA
2006
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MARIA FÁTIMA BALESTRIN
A POLÍTICA DA SAÚDE NO MUNICIPIO DE PONTA GROSSA A PARTIR DA
CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE
Dissertação apresentada para obtenção do título de
mestre na Universidade Estadual de Ponta Grossa,
Área de Ciências Sociais Aplicadas.
Orientadora: Profª. Drª. Solange Aparecida Barbosa
de Moraes Barros
PONTA GROSSA
2006
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1
Ficha catalográfica elaborada pelo setor de processos técnicos BICEN/UEPG
Balestrin, Maria Fátima
B184p A política da saúde no município de Ponta Grossa a partir
da constitucionalização do Sistema Único de Saúde. Ponta
Grossa, 2006.
211 f.
Dissertação (mestrado) - Universidade Estadual de Ponta
Grossa - PR.
Orientador: Prof. Dr. Solange Aparecida Barbosa
1 - Sistema único de Saúde - Ponta Grossa – Pr. 2 -
Política de saúde. 3 – Programa saúde da família. I.T
CDD 362.181.62
2
TERMO DE APROVAÇÃO
MARIA FÁTIMA BALESTRIN
“A POLÍTICA DA SAÚDE NO MUNICÍPIO DE PONTA GROSSA A PARTIR DA
CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE”
Dissertação aprovada como requisito parcial para obtenção
do grau de Mestre no Programa de Pós-Graduação em
Ciências Sociais Aplicadas da Universidade Estadual de
Ponta Grossa, pela seguinte banca examinadora:
Orientadora: Profª. Drª. Solange Aparecida Barbosa de Moraes Barros – UEPG
Universidade Estadual de Ponta Grossa
Prof. Dr. João Bosco da Rocha Strozzi – PUC-PR.
Pontifícia Universidade Católica do Paraná
Profª. Drª. Divanir Eulália Naréssi Munhoz - UEPG
Universidade Estadual de Ponta Grossa
3
Dedico este trabalho a
todos aqueles que lutam
por uma sociedade mais
justa, entendendo os
problemas sociais como
problemas profundamente
humanos.
4
AGRADECIMENTOS
A DEUS, força constante de amparo em todos os momentos de
nossa existência;
À minha família, especialmente minha mãe WILMA e meu sobrinho
PAULO HENRIQUE que estiveram mais diretamente ao meu lado
durante o período de estudos;
À amiga DIVANIR, pela amizade e colaboração com informações
que auxiliaram na concretização deste trabalho;
À minha orientadora, profª. SOLANGE, pela contribuição com
seus conhecimentos e sugestões na orientação desta
dissertação; meu carinho especial;
A todos os professores do Mestrado em Ciências Sociais
Aplicadas pela contribuição na minha formação profissional;
Aos amigos MARILISA e NADIM, por lembrarem sempre de mim;
À amiga CRISTIANE, pelo apoio e pela contribuição e incentivo
na elaboração deste trabalho;
Ao ISAIAS, colega de mestrado, pelas informações e pelo apoio;
À MARIA JOSÉ, Secretária do Mestrado em Ciências Sociais, por
estar sempre prestativa a nos atender;
À ERCILIA e JULIETA da Secretaria de Mestrado da UEPG, pela
atenção sempre dedicada aos mestrandos;
Ao ADRIANO e a TERE, do Departamento de Serviço Social que
participam direta e indiretamente da minha vida acadêmica
desde a graduação;
Às amigas MIRIAN, SOELI , ANDRÉIA e ROSICLÉIA da UCP, pela
amizade e pelos momentos de descontração;
Aos acadêmicos do IV Período/2006 do Curso de Serviço Social
da UCP, pela força e pelo carinho.
5
RESUMO
Este trabalho tem por objetivo analisar o processo de constitucionalização do
Sistema Único de Saúde no Município de Ponta Grossa, a partir da administração
municipal imediatamente anterior à constitucionalização dessa política e as
administrações que se seguiram até a atual, compreendendo o período de 1985 a
2005. Trata-se de pesquisa qualitativa, cujos dados da realidade empírica foram
coletados através de entrevista semi-estruturada. Para atingirmos os objetivos,
partimos do percurso histórico do desenvolvimento da ciência médica no sentido de
compreender os conceitos e visões de saúde/doença na história, que determinaram
ou determinam a elaboração e execução da política para o setor. Também
buscamos uma aproximação com política de saúde no Brasil nos diferentes
contextos históricos, do modelo médico assistencial privatista, passando pelo
Movimento de Reforma Sanitária, chegando ao modelo plural instituído com o SUS
em 1988. Como resultado, percebemos a dificuldade de consolidação do SUS
enquanto uma política alicerçada em valores como a universalidade, a integralidade,
a descentralização, a eqüidade e participação da sociedade, em nível de Brasil. No
caso específico do Município de Ponta Grossa, em relação aos princípios do
Sistema Único de Saúde, nas administrações aqui estudadas, percebe-se momentos
de avanços e momentos de retrocessos; ora buscando novas práticas, na tentativa
de ultrapassar o modelo médico-assistencial hegemônico, investindo também na
prevenção e promoção da saúde; ora prevalecendo a visão hospitalocêntrica
advinda com o modelo flexneriano. Nesse sentido, a visão centrada na doença ainda
persiste fortemente entre gestores, profissionais e população em geral; o que
demanda práticas que busquem mudar, progressivamente, a forma de conceber o
processo saúde/doença. Põe-se também a necessidade de fortalecimento dos
principais canais de participação e controle social: os Conselhos de Saúde, para que
os princípios dos SUS sejam efetivados de forma democrática, ou seja, em prol da
sociedade e não de interesses individualistas.
Palavras-chave: Política de Saúde. Sistema Único de Saúde. Programa Saúde da
Família.
6
ABSTRACT
This work has as objective to analyze the process of constitutionalization of Unique
System of Health (SUS) in the Municipality of Ponta Grossa, from the municipal
government immediately previous to the constitutionalization of that policy and the
governments that followed until the current one, corresponding to the period from
1985 to 2005. It’s about qualitative research, whose information of the empirical
reality was collected through the semi-structured interview. To reach the objectives,
we departed from the historical route of medical science development on the purport
to understand the concepts and views of health/illness in the history, which
determined or determine the elaboration and execution of the policy for the sector.
We also search an approximation with health policy in Brazil in the different historical
contexts, from the assistancial medical privatist model, passing by the Sanitary
Reform Movement, reaching to the plural model instituted with SUS in 1988. As
result, we perceive the difficulty of consolidation of SUS being a policy founded on
values as the universality, the integrality, the decentralization, the equity and
participation of society, in Brazil’s level. In the specific case of Municipality of Ponta
Grossa, in relation to the Unique System of Health principles, in the governments
here studied, it perceives moments of advance and moments of retrocession;
sometimes searching new practices, at attempt to exceed the hegemonic
assistancial-medical model, investing also in prevention and promotion of health;
sometimes prevailing the view centered on the hospital resulted from the flexnerian
model. In this purport, the view centered on the illness still persists strongly among
managers, professionals, and population in general; what demands practices that
seek to change, progressively, the form to conceive the process health/illness. There
is also the necessity of strengthenment of the principal canals of participation and
social control: the Health Councils, for the SUS principles being effective in a
democratic form, in other words, in favor of society and not of the individualist
interests.
Keywords: Health Policy. Unique System of Health (SUS). Family’s Health Program.
7
LISTA DE SIGLAS
ABRASCO – Associação Brasileira de Pós Graduação em Saúde Coletiva
ABS – Ações Básicas de Saúde
AIS – Ações Integradas de Saúde
AHI - Autorizações de Internação Hospitalar
APS – Atenção Primária à Saúde
CAP’s – Caixas de Aposentadorias e Pensões
CAPS – Centro de Atenção Psicossocial
CAS – Centro de Atendimento à Saúde
CEBES – Centro Brasileiro de Estudos em Saúde
CIB – Comissão Intergestora Bipartite
CIMS – Comissão Interinstitucional Municipal da Saúde
CNS – Conselho Nacional de Saúde
CONASP – Conselho Consultivo da Administração da Saúde Previdenciária
CONASS – Conselho Nacional de Secretários de Saúde
DATAPREV - Processamento de Dados da Previdência Social (Processamento de
Dados da Previdência Social - no texto)
ENEMEC – Encontro Nacional de Experiências de Medicina Comunitária
ESB – Equipe de Saúde Bucal
ESF – Equipe Saúde da Família
FAM – Fator de Apoio à Municipalização
FAS – Fundo de Apoio ao Desenvolvimento Social
FIOCRUZ - Fundação Oswaldo Cruz
FSESP - Fundação Especial de Saúde Pública
FUNRURAL - Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural.
IAPAS – Instituto de Administração Financeira da Previdência e Assistência Social
IAPs – Institutos de Aposentadorias e Pensões
IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
INAMPS - Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social
INPS - Instituto Nacional de Previdência Social
IPASE – Instituto de Previdência e Assistência aos Servidores do Estado
MOPS – Movimento Popular em Saúde
NEPP – Núcleo de Estudos de Políticas Públicas
NOAS – Normas Operacionais Básicas da Saúde
NOB – Norma Operacional Básica do Sistema Único de Saúde
OMS - Organização Mundial da Saúde
PAB – Piso da Atenção Básica
PACS – Programa de Agentes Comunitários de Saúde
PAS – Programa Agentes de Saúde
PCB – Partido Comunista Brasileiro
PD – Plano Diretor
PIASS – Programa de Interiorização das Ações de Saúde e Saneamento no
Nordeste
PND - Plano Nacional de Desenvolvimento
PNIAM - Programa Nacional de Incentivo ao Aleitamento Materno
PPA - Plano de Pronta Ação
8
PRA - Plano de Racionalização Ambulatorial
PREV-SAÚDE – Programa Nacional de Serviços Básicos de Saúde
PSF – Programa Saúde da Família
REFORSUS – Programa de Recuperação da Capacidade Operativa da Rede do
Sistema de Saúde ou Reforço á Reorganização do Sistema Único de Saúde
SAMU - Serviço de Atendimento Móvel de Urgência
SESP – Serviços Especiais de Saúde
SAI – Sistema de Informações Ambulatoriais
SIH – Sistema de Informações Hospitalares
SILOS – Sistema Local de Saúde
SINPAS - Sistema Nacional de Previdência e Assistência Social
SUDS - Sistema Unificado e Descentralizado de Saúde
SUCAM - Superintendências de Campanhas
SUS – Sistema Único de Saúde
UNICEF - Fundo das Nações Unidas para a Infância
USF – Unidade Saúde da Família
UTI – Unidade de Terapia Intensiva
SUMÁRIO
CONSIDERAÇÕES INICIAIS............................................................... 10
CAPITULO 1 – O DESENVOLVIMENTO HISTÓRICO DA CIÊNCIA
MÉDICA: O PROCESSO SAÚDE-DOENÇA NOS DIFERENTES
CONTEXTOS HISTÓRICOS................................................................
18
1.1 DA ANTIGÜIDADE À IDADE MÉDIA.................................................. 18
1.2 O RENASCIMENTO............................................................................. 24
1.3 A IDADE MODERNA........................................................................... 27
1.3.1 Da Revolução Científica ao Iluminismo................................................
27
1.3.2 A Medicina nos Séculos XIX e XX........................................................
34
CAPITULO 2 – A SAÚDE NUM SISTEMA ÚNICO INTEGRADO....... 49
2.1 A TRAJETÓRIA HISTÓRICA DA SAÚDE NO BRASIL...................... 49
2.1.1
A Saúde do Final do Século XIX até Meados do Século XX...............
49
2.1.2
A Saúde a Partir da Década de 1980...................................................
62
2.2 O SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE (SUS)............................................... 70
2.2.1
A Crise do SUS....................................................................................
73
2.3 PROGRAMAS E PROJETOS EM DESENVOLVIMENTO
PELO MINISTÉRIO DA SAÚDE..........................................................
81
2.4 O PROGRAMA SAÚDE DA FAMÍLIA (PSF)....................................... 85
CAPITULO 3 – A GESTÃO DA POLÍTICA DE SAÚDE NO
MUNICÍPIO DE PONTA GROSSA......................................................
92
3.1 PROCESSO DE COLETA DOS DADOS............................................. 92
3.2 RESPOSTAS DA REALIDADE PESQUISADA.................................. 95
3.2.1
Descentralização Político-
A
dministrativa e Municipalização da
Saúde...................................................................................................
95
3.2.2
A Integralidade no Atendimento em Saúde..........................................
100
3.2.2.1
A Organização do Setor de Saúde.......................................................
101
3.2.2.2
Práticas Preventivas/ Curativas............................................................
119
3.2.2.3
Ampliação da Rede Física/ Terceirização dos serviços.......................
133
3.2.3
Participação Popular............................................................................
140
3.2.3.1
Necessidades em Saúde......................................................................
153
3.2.4
Universalidade de Acesso: Direito do Cidadão....................................
165
3.2.5
Programa Saúde da Família: Estratégia de Consolidação do
Sistema Único de Saúde......................................................................
172
3.2.5.1
Formação Profissional..........................................................................
178
CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................. 186
REFERÊNCIAS.................................................................................... 197
APÊNDICE – Cessão Gratuita de Depoimento/Questionário 206
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Durante séculos o mundo foi dirigido pela tradição, cujos costumes eram
passados de geração a geração. A tradição, então, era a fonte de todo o
conhecimento, de todo o poder, de todo o valor. Toda atividade social era controlada
por usos e costumes, todo poder era recebido pela herança. Mas, com o advento da
Idade Moderna, o tradicionalismo passou a ser fortemente atacado pelo
racionalismo; isso tem início nos séculos XVI e XVII, num período que ficou
conhecido como “Revolução Científica”.
Para entendimento desse período histórico, utilizamo-nos dos autores Capra
(1982), Crema (1989), Mattos (2001), Oliva (1990) e Santos (1999), os quais nos
possibilitaram revisitar a construção do pensamento ocidental a partir de alguns
estudiosos que influenciaram na constituição de uma visão de homem e de mundo
que se tornou dominante nos diferentes campos do conhecimento, a partir do
período histórico que se iniciou com a Idade Moderna,
Com Copérnico (1473-1543) e Galileu Galilei (1564-1642), a noção de um
universo inter-relacionado foi substituída pela noção de mundo como se fosse uma
máquina dividida em partes, onde não se considera a relação de interdependência
entre as mesmas. Posterior a essa linha de pensamento, dois cientistas foram de
extrema evidência: René Descartes (1596-1650) e Isaac Newton (1642-1727) que
vieram concretizar a visão cartesiana e mecanicista do mundo.
Descartes passou a questionar todo o conhecimento que lhe fora transmitido
anteriormente. É a dúvida sistemática, é a negação de todo conhecimento
tradicional. Partindo da constatação que sua própria existência deriva do simples
11
fato de pensar – passou a usar da razão para dirimir as demais dúvidas, e construiu
sua filosofia, o primeiro grande momento do racionalismo.
O método analítico de Descartes é, provavelmente, a sua maior contribuição
à ciência. Tornou-se a essência do moderno pensamento científico e provou ser útil
no desenvolvimento de teorias científicas e na concretização de complexos projetos
tecnológicos, levando à crença de que todos os aspectos dos fenômenos poderiam
ser compreendidos se reduzidos às suas partes constituintes.
Assim, desses cientistas aos da nossa época, foi se estruturando uma visão
de homem e de mundo e um sistema de valores que constitui hoje o cerne da
racionalidade moderna.
Essa excessiva ênfase dada ao método cartesiano levou à fragmentação
característica de nosso pensamento em geral e das disciplinas acadêmicas,
conduzindo à atitude generalizada de reducionismo nas ciências e, dentre elas, as
ciências da saúde, conduzindo a um modelo de atenção centrado no biologismo, no
mecanicismo, no curativismo, na tecnificação do ato médico e na especialização
crescente dos profissionais. Isso, conseqüentemente, se reproduz na formulação de
políticas públicas para o setor, nos modos de gerir estas políticas e nas práticas
profissionais.
No Brasil, essas características do modelo tradicional e hegemônico de
atenção à doença, inspirado no modelo flexneriano, tornou-se, desde o período
histórico agroexportador, o modelo base para a medicina e para as políticas de
saúde, excluindo a grande maioria da população de acesso às mesmas.
Esse modo fragmentado de pensar a realidade começou a entrar em crise
em meados do século XX, quando percebeu-se que os fenômenos – sejam eles
humanos, sociais, culturais, econômicos e políticos – são muito mais complexos do
12
que imaginamos e que, portanto, para compreendê-los na sua essência, não
podemos reduzi-los à suas partes, mas é nas suas relações e interdependências
que percebemos que suas razões de ser são bem mais profundas .
É assim que, por exemplo, o conceito de saúde passou a não ser mais
compreendido como apenas a ausência de doenças e sim como a soma de fatores e
condições que levam o homem a ter melhor qualidade de vida, maior longevidade, o
que trouxe a necessidade de novos modelos de atenção à saúde.
No Brasil, esse modelo centrado na doença só veio a ser contestado em fins
da década de 1970 através dos movimentos sociais, os quais lutavam pela
redemocratização do país e por direitos sociais, momento em que a saúde também
passou a ser objeto de reflexão e reivindicação.
Essa discussão, na sociedade civil organizada, surgiu num movimento que
buscava o reconhecimento da saúde como uma questão de relevância pública,
como direito do cidadão e dever do Estado, ampliando o conceito de saúde para
além do modelo médico-assistencial, atingindo seus propósitos na Constituição
Federal de 1988, com a inserção do direito à saúde e da organização de um Sistema
Único Universal e eqüitativo para atendimento desse setor da vida humana.
O conceito de saúde foi redefinido não apenas em relação à assistência
médica, mas relacionado a múltiplos determinantes e condicionantes; foi
conquistada legalmente a universalidade e a igualdade de acesso à saúde; passou a
ser dever do Estado a promoção, prevenção e recuperação de saúde; passaram a
ser de natureza pública as ações e serviços de saúde, ações estas que deveriam ser
organizadas em rede regionalizada e hierarquizadas, constituindo um sistema único
gratuito, descentralizado e sob controle social – princípios estes que regem o
sistema de saúde na conjuntura atual.
13
Segundo estudiosos da área, como Carvalho (1997), Gerschman (1995) e
Mery (1997), o conceito ampliado de saúde surgiu em meio a amplas discussões do
Movimento Sanitário Brasileiro, nas décadas de 1970/1980, cujas premissas foram
referendadas pelas Conferências Nacionais de Saúde, em especial a VIII
Conferência realizada em 1986, que difere das outras pelo seu caráter democrático
e pela significativa presença de milhares de delegados, representativos de quase
todas as forças sociais interessadas na questão da saúde. Destas propostas
emergiu o Sistema ùnico de Saúde (SUS), como possibilidade de resposta à crise e
à degradação do sistema de saúde, servindo como pano de fundo para o
estabelecimento das novas diretrizes e princípios no âmbito desse setor.
Enquanto projeto, não há como negar o alcance social desse novo modelo
de atenção à saúde; enquanto implantação e ultrapassagem para modelos de
assistência à saúde mais avançados, ocorre, ainda hoje, lentamente e em meio a
contradições e impedimentos, fazendo com que a atenção à saúde continue se
mesclando e se confundindo com a atenção à doença, se tornando distante e se
constituindo num enorme desafio para a sociedade, para os profissionais que atuam
na área da saúde e, em especial, para as políticas públicas de saúde. O que se
evidencia ao longo desses anos, e ainda hoje, é uma dificuldade de ultrapassar o
modelo médico de atenção à doença e um descaso das atitudes do setor público
para se atingir os padrões constitucionais conquistados.
Assim, a Reforma Sanitária Brasileira, instituída pela constitucionalização do
Sistema Único de Saúde, com a Constituição de 1988, é, no pensamento de Minayo
(2001), ao mesmo tempo um discurso e uma prática, uma realização e uma utopia,
entendida como um vir-a-ser, ou seja, como
um conjunto simultâneo de construções imaginárias e reais que passam pelas
subjetividades em busca da objetivação, tem atores, tem propostas e metas,
assim como representa interesses. Por isso, [...] a implantação desse Sistema
14
é um processo complexo de construções e desconstruções de práticas, de
protagonistas e de um novo ethos (MINAYO, 2001, p.21).
Considerando essas questões, o desenvolvimento deste estudo justifica-se,
principalmente, no sentido de realizar uma reflexão sobre como se processam e
acontecem as ações de saúde no Município de Ponta Grossa a partir do momento
em que o Movimento Sanitário tomou visibilidade nacional, ou seja, meados da
década de 1980, compreendendo, antes de tudo, as forças que traçam estratégias
para essas ações.
No presente estudo, observa-se a trajetória de experiências na liderança
comunitária, de profissionais que exerceram suas práticas no setor de saúde no
Município e daqueles profissionais que foram mais além, assumindo cargos de
gestão na política da saúde, sendo que a sistematização teórica dessas
experiências nem sempre ocorre, ficando apenas no âmbito de suas próprias
vivências. Essas práticas expressam o modo de produzir serviços na particular
situação de trabalho experimentada individualmente na liderança comunitária, nas
práticas profissionais e na gestão de políticas públicas.
Dessa forma, o estudo tem como objeto a construção da política de saúde
no Município de Ponta Grossa a partir da constitucionalização do SUS – Sistema
Único de Saúde. E seu objetivo é analisar como se deu o processo de
organização/atendimento do setor de saúde no Município, no momento
imediatamente anterior à constitucionalização do SUS e nas administrações que se
seguiram, até a atual, não só para obter a história da ultrapassagem ou não do
modelo hegemônico, como também para obter as perspectivas dos gestores,
profissionais, líder comunitário acerca do processo de construção da política de
saúde no Município de Ponta Grossa.
Para alcançar este objetivo buscou-se
15
- conhecer o processo histórico da ciência médica e a construção do conceito
de saúde/doença na história;
- refletir sobre a organização do setor de saúde no Município de Ponta
Grossa, a partir do momento em que o Movimento de Reforma Sanitária se
consolidou em nível nacional chegando à VIII Conferência Nacional de Saúde, cujos
princípios estão referendados na Constituição Federal de 1988;
- verificar como a atenção básica – campo priorizado pelo Ministério da
Saúde, desenvolvido pelo PSF como estratégia de viabilização do SUS e como porta
de entrada para o setor de saúde – vem sendo percebida nas diferentes
administrações aqui estudadas;
- compreender como os sujeitos pesquisados percebem os diferentes modos
de produzir saúde e a própria existência objetiva desses modos - assim, o que foi
experimentado no passado e mesmo o que se concebe do presente é externado
enquanto trabalho de reflexão própria;
- compreender se existe dificuldade de se estabelecer políticas de Estado nas
diferentes gestões e em que dimensão essa dificuldade interfere na promoção de
índices favoráveis para a saúde local.
Credita-se à pesquisa qualitativa a característica de ferramenta apropriada
para este estudo, muito embora, compreendamos que dados quantitativos e
qualitativos “não se opõem. Ao contrário, se complementam, pois a realidade
abrangida por eles interage dinamicamente, excluindo qualquer dicotomia”
(MINAYO, 1996, p. 22).
A pesquisa qualitativa
responde a questões muito particulares. Ela se preocupa, nas Ciências
Sociais, com um nível da realidade que não pode ser quantificado. Ou seja,
ela trabalha com o universo dos significados, motivos, aspirações, crenças,
valores e atitudes, o que corresponde a um espaço mais profundo das
16
relações, dos processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos a
operacionalização de variáveis (MINAYO, 1996, p. 21-22).
Para compreendermos o nosso objeto de estudo na realidade empírica,
optamos pela entrevista semi-estruturada no momento da coleta de dados, tendo em
vista ser ela mais do âmbito da pesquisa qualitativa e a necessidade de formulação
de perguntas que nos norteassem no processo de construção desse trabalho. Pois,
“o questionamento é que nos permite ultrapassar a simples descoberta para, através
da criatividade, produzir conhecimento” (MINAYO, 1996, p. 52). A entrevista semi-
estruturada “ao mesmo tempo em que valoriza a presença do investigador, oferece
as perspectivas possíveis para que o informante alcance a liberdade e a
espontaneidade necessária enriquecendo a investigação” (TRIVIÑOS, 1987, p. 146).
As falas dos entrevistados foram gravadas, o que evitou corrermos riscos de
alterações das informações.
Na análise dos dados coletados, que nos subsidiaram na elaboração deste
trabalho, nos utilizamos da proposta de Minayo (1996, p. 77) denominada de
“método hemenêutico dialético”. Tal proposta nos proporciona uma visão mais global
da realidade, busca considerar e destacar os vários aspectos que envolvem o objeto
de estudo, pois diz respeito a dois níveis de interpretação. Um relacionado à
“conjuntura sócio-econômica e política da qual faz parte o grupo a ser estudado; a
história desse grupo e a política a que se relaciona esse grupo” (MINAYO, 1996, p.
77). O outro nível de interpretação “baseia-se no encontro com os fatos surgidos na
investigação [...], as comunicações individuais, as observações de condutas e
costumes, as análises das instituições e as observações de cerimônias e rituais”
(MINAYO, 1996, p. 78).
Nessa perspectiva, os passos para operacionalização de nossas análises
foram a classificação, a ordenação, a explicação e a interpretação dos dados
17
colhidos através das falas dos entrevistados, pois, segundo Minayo (1996, p. 78), “o
dado não existe por si só. Ele é construído a partir de um questionamento que
fazemos sobre ele, com base numa fundamentação teórica”.
Os dados significativos para análise foram identificados no interior das falas
dos sujeitos entrevistados, situados dentro do contexto em que vivenciaram ou
vivenciam tanto o objeto do nosso estudo, como também os determinantes, valores
e situações da realidade que circunda esse mesmo contexto.
Minayo (1996, p. 77) apóia esse entendimento, quando afirma que “essa
compreensão tem, como ponto de partida, o interior da fala. E, como ponto de
chegada, o campo da especificidade histórica e totalizante que produz a fala”.
Vale ressaltar ainda que a teoria tornou-se imprescindível como subsidio
para ler os dados empíricos levantados via objetivos. Para Saviani (1992), sem o
domínio do conhecido não é possível mergulharmos no desconhecido, pois, a
pesquisa supõe incursão pelo desconhecido, por outro lado, o desconhecido só se
torna definido através do confronto com o conhecido.
Assim, para atingirmos os objetivos propostos, buscamos no primeiro
capítulo compreender a evolução histórica da ciência médica e a construção de
conceitos de saúde/doença que influenciaram na consolidação do modelo
hegemônico de atenção à doença. No segundo capítulo, buscamos a questão
histórica da saúde no Brasil e a luta pela ultrapassagem do modelo hegemônico
vigente, bem como a realidade do Sistema Único de Saúde hoje e do Programa
Saúde da Família como estratégia de viabilização do SUS. O terceiro capítulo trata
da articulação dos conhecimentos já produzidos sobre o objeto de estudo com os
dados levantados pela pesquisa empírica que realizamos, nos aproximando, assim,
dos objetivos propostos.
CAPITULO 1
O DESENVOLVIMENTO HISTÓRICO DA CIÊNCIA MÉDICA: O PROCESSO
SAÚDE/DOENÇA NOS DIFERENTES CONTEXTOS HISTÓRICOS
Todos os conhecimentos gerais e particulares acerca
da natureza fisiológica do homem, dos tipos e
discurso patológico, etc., são meros meios para
captar com precisão esse indivíduo em seu
instantâneo ser-assim.
[LUKÁCS]
1.1 DA ANTIGÜIDADE À IDADE MÉDIA
Desde a origem das espécies o homem tem buscado a cura para as
doenças, seja através de rituais mágicos, seja através de remédios, com a finalidade
de alívio do sofrimento humano, o que demonstra que essa é uma característica
instintiva do homem em defesa da vida e que a arte de curar nasceu ao mesmo
tempo mágica e empiricamente.
Entendida como meio de cuidar da saúde, a medicina existe, portanto, desde
o aparecimento do ser humano, mas como ciência e tecnologia seu surgimento é
recente e está indissociavelmente ligado aos tempos modernos.
Nas civilizações helênicas (Grécia) a prática da medicina também esteve
inicialmente ligada ao misticismo, onde se atribuíam poderes curadores a várias
divindades. A medicina científica da Grécia surgiu no interior das primeiras escolas
filosóficas. Entre os filósofos e cientistas que se dedicaram à medicina na Grécia
Antiga foi atribuído ao médico Hipócrates (460–370 a.C.) o início da medicina
científica, por ter sido ele quem sistematizou o saber médico do seu tempo.
Considerado o “pai da medicina”, suas idéias, segundo Branco (2003b), vieram
substituir a crença na superstição pela crença racional sobre a causa das doenças.
Hipócrates já havia ensinado que “a doença não era punição nem castigo enviado
19
pelos deuses, mas apenas algo que precisava ser estudado, como quaisquer outros
fenômenos da natureza” (SOUZA, 2003, p.34).
Hipócrates foi também reconhecido pelo seu interesse no paciente como um
todo, ou seja, entendia que era preciso considerar o ser humano como uma unidade
orgânica que deveria ser observada e tratada como um todo e, também, que essa
unidade orgânica poderia ser influenciada pelo meio ambiente. Ou seja, surge a
concepção de que fatores do ambiente físico poderiam produzir doenças quando
agiam sobre o organismo humano. Portanto, por meio das concepções empíricas
conseguiram criar hipóteses sobre as doenças, em especial sobre as doenças
contagiosas e sobre as epidemias (PORTER, 2002).
Assim, a partir da contribuição de Hipócrates, a medicina grega dos séculos
VI, V e IV a.C. passou a incorporar conceitos racionais e éticos, período histórico em
que surgiram as primeiras escolas com o objetivo de formação profissional do
médico.
Os conhecimentos dos gregos influenciaram as práticas médicas de outros
povos, a exemplo do exercício profissional da medicina romana, que passou a existir
com a chegada dos médicos gregos. O fisiologista Cláudius Galenus (129-199 d.C.),
nascido na Grécia, foi o principal nome da medicina romana; realizou estudos sobre
o esqueleto humano e, pela dissecação de animais (dissecação de pessoas era
proibida na época por motivos religiosos), especialmente de macacos antropóides,
deu continuidade ao estudo da fisiologia. Sua obra lançou as bases da fisiologia
20
experimental
1
(BRANCO, 2003b).
No período histórico denominado de Idade Média (476-1492), em especial
no seu início, a medicina foi cultivada quase que somente nos mosteiros e voltava-
se ao modelo de concepção médica ligada ao pensamento mágico e a conceitos
religiosos, correlacionando as doenças à ação demoníaca, como acontecia nos
primórdios da medicina.
Nesse período, era comum que o médico procurasse curar praticamente
todas as doenças utilizando o recurso da sangria. Este era feito, principalmente,
com a utilização de sangue-sugas. Os conhecimentos avançaram pouco, pois
havia uma forte influência da Igreja Católica que condenava as pesquisas
científicas.
No século VII, em 651, segundo Branco (2003 b), os árabes invadiram a
Pérsia e lá encontraram uma escola que ensinava artes e ciência, dentre elas a
medicina, cujo ensino era baseado na cultura grega a partir das obras de Hipócrates.
Preservaram esta escola traduzindo as obras filosóficas gregas para o árabe.
No início do século XI, essa escola passou a contar com a grande obra de
Avicena (987-1037), filósofo e médico árabe (nascido em Afsana, Pérsia). Sua obra,
conhecida como "O Canon da Medicina", influenciou a medicina ocidental em
escolas da Idade Média cristã até o século XVII. Para Avicena, a Filosofia é a ciência
da verdade. A verdade não pode ser encontrada se não conhecermos a causa, pois
a causa do ser e da permanência de cada coisa é a verdade, porque cada coisa
existe, necessariamente, então os seres existem. A sua mais importante obra é o
1
O experimentalismo, como base de produção de novos conhecimentos, pode ser encontrado como
traço constitutivo da ciência moderna desde o século XIII. Portanto, é preciso não confundir o
experimentalismo renascentista com o experimentalismo contemporâneo, pois, neste, “o completo
domínio dos meios de produção do conhecimento, através da tecnologia sofisticada do laboratório,
está em grande parte assegurado. Mas o traço originário - constitutivo - de basear a validação das
verdades no método de sua produção, está presente na modernidade desde o renascimento
avançado” (LUZ, 1988, p. 23).
21
Livro de cura, enciclopédia composta de 18 volumes, abrangendo metafísica,
matemática, psicologia, física, astronomia e lógica. Outras obras relevantes são: O
Compêndio, onde tratou de todas as ciências exceto a matemática; Era um
muçulmano piedoso, ia à Mesquita para orar e compenetrar-se quando se
encontrava em dificuldade (ISKANDAR, 1999).
Ressalta Dossey (1999) que os persas entendiam que a mente podia
transcender os limites do corpo físico e produzir efeitos no mundo exterior. Avicena
dizia que a imaginação pode influenciar não apenas o próprio corpo, mas também o
de outras pessoas, mesmo distantes, podendo fazer adoecer ou restaurar a saúde.
Ou seja, o que muitos estudiosos buscam hoje: compreender a influência da mente
na cura ou surgimento de doenças.
Uma das características da medicina do povo árabe era o hospital. Porém,
naquele período os hospitais não eram destinados a internações para cura, mas
constituíam um espaço cuja função essencial era de assistência aos pobres,
permitindo-lhes, de acordo com sua crença, a salvação da alma (BRANCO, 2003b).
Os hospitais de hoje, repletos de tecnologia e sofisticação, são produto do final do
século XVIII
2
.
Os hospitais do Mundo Árabe e, conforme salienta Foucault (1979) sobre os
hospitais europeus do período medieval e renascentista, não se constituíam numa
instituição médica, e que a medicina era uma prática não-hospitalar; o pessoal que
atendia os hospitais era caritativo, religioso, leigo, com a função de assegurar a
2
O principal fator de transformação do hospital no século XVIII foi a anulação dos seus efeitos
negativos: as doenças que ele podia suscitar nas pessoas e espalhar pela cidade. Assim, o ajuste de
dois processos deu origem ao hospital médico: deslocamento da intervenção médica para o hospital
e o disciplinamento do espaço hospitalar. No primeiro, o hospital passou a ser um espaço de cura e
de produção de um saber médico; no segundo, o disciplinamento veio transformar as condições em
que eram colocados os doentes (individualizar o doente, um por leito), deslocando o sistema de poder
no interior do hospital, onde o médico passa a ser o responsável pela organização hospitalar e,
também, a organização de um sistema de registro de identificação do doente no leito, diagnóstico do
médico que o recebeu, situação em que saiu e o registro de farmácia (FOUCAULT, 1979).
22
salvação eterna. Nesse sentido, destaca o autor que o hospital da época era
conhecido como um morredouro. Caracterizava-se como uma instituição de
assistência e ao mesmo tempo de exclusão na medida em que recolhia os pobres
doentes para proteger os outros do perigo que aqueles representavam.
No momento em que a Europa feudal iniciou o período de transição ao
renascimento do conhecimento e à racionalidade científica, do feudalismo ao
capitalismo, surgiram as universidades, o que proporcionou uma renovação da
pesquisa médica, até
então obra dos clérigos, passando a contar com influências
externas. Para essas Universidades afluía uma população cosmopolita (pensadores
judeus, árabes e persas) começando a difundir novos conceitos do processo de
adoecer. “A universidade foi instrumento de criação de novo saber que serviria ao
mundo, que surgiu entre o fim do feudalismo dogmático e a consolidação do
liberalismo capitalista” (BUARQUE, 1994, p. 201).
No final da Idade Média, com o crescente número de epidemias que
assolava a Europa, passou-se à percepção da causalidade das doenças por fatores
externos ao indivíduo, que atingiam o organismo humano causando-lhe doenças.
Com isso, a medicina começou a desvincular-se da Igreja, voltando a ser exercida
por leigos.
Admitia-se e aceitava-se, em geral, ser a peste uma doença comunicável.
Essa idéia apoiava-se na observação direta, mas não respondia as questões
relativas à origem e à natureza das epidemias, ou seja, se a peste tinha uma
natureza contagiosa, não sabiam qual era e de onde vinha. As respostas a essas
dúvidas vieram da tradição hipocrática na forma sistematizada por Galeno e
transmitida aos médicos medievais, com ênfase nos fatores físicos do ambiente na
23
causa das doenças. Acreditavam que o ar alterado, caso inalado, em contato com os
humores do corpo, produzia doença (ANDRADE et al., 2001).
O fim do modo de produção feudal na Europa Ocidental foi marcado por um
conjunto de revoluções sociais dirigidas contra as autoridades tradicionais da vida
político-econômica, que acabaram por determinar um novo modo de produção e,
conseqüentemente, um novo modo de viver em sociedade, o capitalismo. As
transformações sociais, políticas e econômicas, criaram espaço para o
desenvolvimento da ciência e para o avanço da medicina. Movidos por uma grande
vontade de descobrir o funcionamento do corpo humano, médicos buscaram explicar
as doenças através de estudos científicos e testes de laboratório. Dilui-se, assim, o
período chamado de Idade Média e entramos no período denominado
Renascimento.
1.2 O RENASCIMENTO
O Renascimento
3
é entendido como um período de transição de épocas (de
feudal para moderna), movimento histórico de rupturas das relações sociais. A
ideologia religiosa até então dominante passou a ser tida como um impedimento
objetivo não apenas do pensamento, da criatividade, mas, também, da ação
humana. “Emerge neste momento da história, em diversos campos da atividade
social, a representação do indivíduo como força criativa independente, como sujeito
de mudança pessoal e social” (LUZ, 1988, p. 17).
3
O Renascimento (séculos XV e XVI) teve início na Itália, Florença, enquanto movimento artístico,
literário, científico, se expandiu por toda a Europa, tendo o século XVI como auge (LUZ, 1988).
24
Há a revalorização do saber greco-romano, onde poetas, filósofos e
escritores da época fugiam dos textos escolásticos
4
retornando às origens ou
traduções dos textos da cultura clássica
5
, sobretudo Platão (neoplatonismo
renascentista) por oposição ao aristotelismo de São Tomás.
Os pensadores do Renascimento queriam, acima de tudo, conhecer,
estudar, aprender, e os textos da cultura clássica foram vistos como portadores de
reflexões e conhecimentos a serem redescobertos. “O pensamento criado pelo
Renascimento originou-se da reflexão sobre os textos da Antigüidade combinada
com os valores culturais herdados da Idade Média” (ABREU, 2006, p. 1).
Apesar de recuperar os valores da cultura clássica, o Renascimento não foi
uma cópia, pois utilizava-se dos mesmos conceitos, porém aplicados de uma nova
maneira a uma nova realidade.
Uma das características mais marcantes do Renascimento foi a valorização
do ser humano. Assim como os gregos, os homens "modernos" valorizavam o
antropocentrismo: "O homem é a medida de todas as coisas". O Humanismo ou
Antropocentrismo, como é chamado com freqüência, colocou a pessoa humana no
centro das reflexões. Não se tratava de opor o homem a Deus, mas sim de valorizar
as pessoas em si, encontrar nelas as qualidades e as virtudes negadas pelo
pensamento católico medieval.
4
Escolástica: nome pelo qual se designa a filosofia medieval “da Escola”, ou seja, tal como era
ensinada nas escolas eclesiásticas e nas universidades européias do século IX ao século XVI.
Apesar da diversidade de seus autores e de suas correntes, “a escolástica caracteriza-se por seu
apego à teologia (seu problema principal sendo conciliar a fé e a razão, ou seja, a Bíblia e Aristóteles
– único filósofo grego reconhecido a princípio), pela importância que nela se atribui ao raciocínio
apresentado em forma (silogismo) e pela leitura dos autores antigos [...]. Pode-se distinguir
cronologicamente uma escolástica primitiva (século IX – século XII) que, só tendo recolhido ecos
vagos de Aristóteles, é influenciada, sobretudo, pelo neoplatonismo e por Santo Agostinho; a
escolástica (século XIII), que redescobre um Aristóteles mais autêntico e completo [...]; a escolástica
tardia, que acabará sendo desacreditada de tanto se sutilizar em discussões abstratas e que cede
lugar á filosofia ‘moderna’, principalmente com Descartes” (DUROZOI, 1993, p. 160).
5
Denominamos cultura clássica o conjunto de obras literárias, filosóficas, históricas e de artes
plásticas produzidas pelos gregos e pelos romanos na Idade Antiga.
25
A invenção da imprensa tornou possível, no campo das ciências médicas, a
tradução e disseminação de textos antigos. Também, o interesse pela pesquisa
produziu considerável impulso na medicina, reforçado pelo nascimento de uma
escola de arte dedicada à investigação anatômica. Nesse aspecto, Leonardo da
Vinci (1452-1519) e Michelangelo (1475-1564) foram grandes estudiosos do corpo
humano e Andréas Vesalius (1514-1564) foi o pioneiro da anatomia científica, uma
das pedras angulares da medicina moderna.
Para Porto (2003), a
publicação, em 1543, do livro De Humani Corporis
Fabrica libri septem (Sete Livros sobre a Estrutura do Corpo Humano), de Vesalius,
marcou o início da técnica médica, pois se baseava na dissecação de cadáveres e
na observação direta da morfologia e das relações que os órgãos mantêm entre si.
Esta obra apresentou a mais apurada descrição do corpo humano até então
realizada e estabeleceu os fundamentos da anatomia moderna.
Entre outros grandes pensadores contemporâneos a Vesalius, surgiu uma
figura bastante controvertida na comunidade médica; o médico, filósofo e alquimista
suíço Paracelso (1493-1541), que acabou por mudar conceitos da medicina
tradicional. Assim é que “descreveu as doenças mentais, incluindo, dentre elas, a
insensatez, a insanidade, a desordem mental, a melancolia, a mania e as mudanças
de caráter” (BRANCO, 2003b, p. 75).
Como a representação renascentista da doença era tida como um mal
externo ao homem, que invade seu organismo para destruí-lo, a medicina passou a
ser a grande aliada do homem nesta guerra e, desta forma, o aliado da medicina
passou a ser cada vez mais o remédio.
Paracelso revolucionou a medicina do seu tempo ao fazer uso da química no
tratamento médico. Em 1530 fez a melhor descrição até então registrada da sífilis e
26
assegurou que a doença podia ser curada com doses de mercúrio pelo uso interno
(o uso externo já era habitual) (LUZ, 1988).
Conforme Porto (2003), estas descobertas constituíram uma contribuição
que pode ser considerada o novo paradigma da medicina, ou seja, a passagem da
medicina de uma arte de curar para uma disciplina das doenças, que se iniciou com
o Renascimento, ou, mais exatamente, a nova racionalidade teve na anatomia, com
Leonardo da Vinci e com Vesalius, um momento inaugural de rupturas com as
concepções místicas do organismo humano.
No entanto, na análise de Branco (2003b), embora a medicina tivesse
avançado em termos científicos, as práticas médicas sofreram um grande retrocesso
em relação ao que Hipócrates havia avançado por ocasião da medicina grega –
entendia que era preciso considerar o ser humano como uma unidade orgânica que
devia ser observada e tratada como um todo
. No renascimento, não cabia ao
médico se envolver com questões que iriam além dos sintomas físicos. A idéia
hegemônica da época estava na consciência secularizada, ou seja, dessacralizada,
da qual se retirou o componente religioso, mental, para considerar apenas a
natureza biológica; o corpo físico como objeto da ciência quando se tratava de
doença. Nesse sentido, essa dicotomia entre mente e corpo veio a empobrecer
progressivamente a relação do médico com o seu paciente.
Nesses termos, embora o rompimento com a visão mística do corpo humano
tenha contribuído para o avanço da medicina científica na cura das doenças, por
outro lado, levou à fragmentação do homem e à gradativa separação entre o campo
da fé (religião) e o da razão (ciência), sinais da racionalidade científica que se iniciou
com o Renascimento e recairá sobre a sociedade moderna determinando profundas
transformações no modo de pensar, sentir e agir do homem, que, no tratamento em
27
saúde, veio prejudicar, em grande parte, a relação médico-paciente e a
desumanização no atendimento em saúde.
1.3 A IDADE MODERNA
1.3.1 Da Revolução Científica ao Iluminismo
O final da renascença foi um período que marcou intensamente o
desenvolvimento da medicina científica
6
. Copérnico (1473-1543), Galileu Galilei
(1564-1642), Francis Bacon (1561-1626), René Descartes (1596-1650) e Isaac
Newton (1642-1727) promoveram uma revolução profunda nos caminhos da ciência
e no modo de pensar do mundo ocidental. Dos cientistas da época aos da ciência
atual, foi se estruturando uma explicação de homem e de mundo, que constitui hoje
o cerne de uma racionalidade que foi avançando com a história e com ela se
complexificando: a razão moderna. Essa explicação de homem e de mundo que
compreende os séculos XVI e XVII foi denominada por estudiosos de Revolução
Científica.
Francis Bacon é considerado o introdutor do empirismo
7
e do método
indutivo
8
. Sua obra principal, o Novum Organom, segundo Oliva (1990), demonstra
6
“A medicina moderna, conhecida como medicina científica ou biomedicina, tem sido praticada e
desenvolvida nos últimos 200 anos no Ocidente. O termo científico é definido como aquilo que é
observável, mensurável, objetivo e, cada vez mais, como o resultado da observação pessoal ou da
prática com alta tecnologia. Este pressuposto tem uma abordagem materialista, tendo em vista que
reduz toda função e disfunção corporal a causas materiais, mecânicas, e faltas estruturais que podem
ser pensadas e estudadas independentemente daqueles que as sofrem” (PORTER, 2002, p.42).
7
“O empirismo opõe-se à tese do racionalismo (segundo a qual o pensamento, a razão, é a
verdadeira fonte de conhecimento) [...]. Na opinião do empirismo, não há qualquer patrimônio a priori
da razão. A consciência cognoscente não tira os seus conteúdos da razão; tira-os exclusivamente da
experiência” (HESSEN, 1978, p. 68).
8
Método Indutivo: “Visa conseguir o conhecimento de fenômenos naturais por indução, isto é, pelo
exame de fatos concretos, particulares, levando à generalizações sobre os mesmos. Exige a
comprovação de hipóteses por meio de observação e de experimentação” (GILES, 1993, p. 102).
28
seu empenho em elaborar um sistema de regras de investigação capaz de criar um
conhecimento com controle instrumental
9
sobre a realidade investigada; “Francis
Bacon estava fortemente convencido de que suas contribuições ao estudo lógico da
inferência indutiva tornariam a descoberta científica independente da ‘acuidade e
força da imaginação’” (OLIVA, 1990, p.16), ou, quando muito, a criatividade e a
imaginação representariam um papel residual no processo e produção de
conhecimento.
Descartes foi o fundador do racionalismo moderno
10
. Seu método analítico
11
é, provavelmente, a sua maior contribuição à ciência. Tornou-se uma característica
essencial do moderno pensamento científico e provou ser extremamente útil no
desenvolvimento de teorias científicas e na concretização de complexos projetos
tecnológicos. Por outro lado, a excessiva ênfase dada ao método cartesiano levou à
fragmentação característica de nosso pensamento em geral e das disciplinas
acadêmicas, conduzindo à atitude generalizada de reducionismo na ciência e na
crença de que todos os aspectos dos fenômenos complexos podem ser
compreendidos se reduzidos às suas partes constituintes.
Isaac Newton deu realidade ao sonho de Descartes, ou seja, veio consolidar
a mecanicista visão cartesiana que caracterizou a Revolução Científica.
Desenvolveu uma completa formulação matemática da concepção mecanicista da
natureza e do mundo, a qual permaneceu como alicerce do pensamento científico
até boa parte do século XX. Em seu tratado, os “Principia” (Princípios Matemáticos
da Filosofia Natural), introduziu a concepção dos métodos representados por Bacon
9
“Tende a defender uma aplicação mecânica do método, não reservando espaço algum à criação
imaginativa no processo de produção de teorias” (aforismo) (OLIVA, 1990, p. 15).
10
“Pode-se distinguir esta forma de racionalismo com o nome de racionalismo imanente, em oposição
ao teológico e ao transcendente” (HESSEN, 1978, p. 66).
11
Consiste em decompor pensamentos e problemas em suas partes componentes e em dispô-las em
sua ordem lógica (MATTOS, 2001).
29
(intuitivo) e Descartes (racional), desenvolvendo uma metodologia que se tornou,
desde então, base para as ciências naturais (MATTOS, 2001).
A teoria newtoniana foi capaz de explicar vários fenômenos relacionados
com a gravidade e, dessa forma, a imagem do mundo como uma máquina perfeita,
que tinha sido introduzida por Descartes, era então considerada um fato
comprovado e Newton se tornou seu símbolo.
É interessante salientar que Newton e Descartes, conforme Crema (1989),
também partiram de uma metafísica. Para Descartes a existência de Deus era
essencial à sua filosofia científica. Apesar de Descartes (pai do racionalismo) ter
como objetivo converter em clareza pura e racional todos os eventos do Universo,
ele mesmo confessa que um sonho profético representou para ele uma revelação
divina e orientadora. Quanto a Newton, sua pesquisa não se restringiu a
experimentos científicos, pois a realidade para ele era um enigma e dedicou-se à
teologia; fez horóscopo, profecia e até escreveu livros sobre estes assuntos. O que
aconteceu, portanto, é que “foram seus discípulos que estreitaram suas visões
originais, desidratando os seus modelos da dimensão transcendente e de reflexão
sobre o essencial” (CREMA,1989, p. 37).
Somente em meados do século XX é que veio à tona a idéia de que o
modelo de ciência formulado, e aceito até então, começaria a ser seriamente
abalado nas três primeiras décadas do século XX, quando as novas descobertas no
campo da física culminaram na teoria da relatividade de Einstein e na teoria
quântica, abalando todos os principais conceitos da divisão do mundo cartesiano e
da mecânica newtoniana.
No século XVII surgiu a preocupação em proceder a observação empírica do
real antes de interpretá-lo pela mente, e John Locke (1632-1704) passou a ser a
30
grande figura representante dessa corrente filosófica (o empirismo) (BRANCO,
2003b).
Em “O Ensaio sobre o Entendimento Humano”, Locke atacou o princípio das
idéias inatas prévias a qualquer experiência, como também todo o pensamento a
priori. “Locke considerava não existir nenhuma verdade autônoma e concebia a
mente como um tipo de papel em branco ou tábula rasa, sua famosa metáfora, onde
todo conhecimento seria gravado a partir da experiência sensível e da reflexão”
(CREMA, 1989. p.37).
Na contramão dessa posição filosófica, surgiu, no século XVII, o judeu
holandês Baruch Spinoza (1632-1677). Seu objetivo maior foi transmitir uma
mensagem libertadora em face de todas as servidões sociais, intelectuais e morais,
para que o homem pudesse ascender do ápice de si mesmo à plenitude da alegria e
do conhecimento, que ele chamava de beatitude. No campo da medicina, segundo
Branco (2003b), Spinoza descreveu o processo das doenças, processo esse hoje
entendido como de origem psicossomática, onde, em seus pensamentos, o
sentimento estava intimamente ligado à origem das doenças.
As idéias de Locke foram desenvolvidas por Hume (1711-1776), que
“defende o princípio fundamental do empirismo, segundo o qual a consciência
cognoscente tira os seus conteúdos, sem exceções, da experiência. Mas, assim
como Locke, reconhece na esfera matemática um conhecimento válido” (HESSE,
1978, p. 72).
Kant (1724-1804), fundador do idealismo moderno, tem o objetivo histórico
de retificar o empirismo cético de Hume. A filosofia de Kant está dominada pela
intenção de mediar entre o racionalismo e o empirismo; atua declarando que a
matéria (sensações) do conhecimento procede da experiência e que a forma
31
procede do pensamento. A forma ordena, organiza, relaciona entre si as sensações
(HESSE, 1978).
No século XIX, segundo Hesse (1978), encontramos o empirismo em John
Stuart Mill (1806-1873), que ultrapassou Locke e Hume, reduzindo também o
conhecimento matemático à experiência, como única base do conhecimento.
Para Luz (1988), a partir do Renascimento se constituiu o objeto “natureza”.
Se o objeto natureza pode ser socialmente considerado desconhecido, a razão pode
ser imaginada como seu instrumento exploratório e desbravador. Trata-se de uma
razão que é, por um lado racionalista (busca ordens lógicas de sentido dos fatos ou
“coisas”) e, por outro, realista (procura reafirmar repetidamente através de
observação sistemática, a existência independente desses eventos ou “fatos” como
fundamento para as ordens de sentido enunciadas). “Durante a modernidade, esta
razão oscilou, na Filosofia natural, sempre dividida entre o postulado da razão como
princípio único ou absoluto do conhecimento, e o da experiência empírica como
critério único do estabelecimento das verdades” (LUZ, 1988, p. 24).
Dessa forma, Luz (1988) cita Locke, Spinoza, Hume, Kant como exemplos
polares dessa oscilação entre o racionalismo e o empirismo. Oscilação esta que
alimentará não apenas a filosofia da ciência, mas as teorias científicas e a prática
científica como método de produção do conhecimento. Isso significa que tanto “o
racionalismo como o empirismo, colaboraram para uma medicina baseada em
evidências matemáticas, experimentais, o que, em última análise, afastou as
emoções do cenário da doença” (BRANCO, 2003b, p. 75).
A partir do final do século XVI, realizaram-se descrições mais sofisticadas
sobre descobertas empíricas e pesquisaram-se de maneira mais precisa o
funcionamento dos órgãos. A invenção/aperfeiçoamento do microscópio abriu à
32
observação áreas até então inacessíveis: estudaram-se tecidos orgânicos e
microorganismos, o que melhorou o conhecimento dos agentes patogênicos, e
assim progressivamente no decorrer dos séculos XVII e XVIII. O que significou um
novo modo de produzir verdades, baseado na operação lógica do raciocínio.
No século XVII, mais ou menos por volta de 1628, com o desenvolvimento
das ciências naturais através do método experimental, surgiram duas correntes do
pensamento médico: “os iatrofísicos, que acreditavam que os fenômenos da vida e
das doenças poderiam ser explicados pela Física, e os iatroquímicos, que buscavam
as mesmas explicações no campo da Química” (BRANCO, 2003b, p. 76). Também,
conforme Branco (2003b), com esse pensamento, tais correntes influenciaram para
a não compreensão da pessoa em-si, ou as explicações do ser-no-mundo, vindo a
empobrecer a relação médico-paciente que “tornou-se dificultada pela postura
adotada pelos médicos: procuravam usar uma atitude pomposa e falavam um latim
complexo e truncado para impressionar os pacientes” (BRANCO, 2003b, p.76).
Assim, para além da atitude “pomposa” adotada por alguns médicos, estava
também a convicção de que conhecer a teoria era suficiente para classificar o
doente em categorias pré-determinadas de doenças, sem necessidade de atentar
para a singularidade de cada caso, ou de cada doente, mas dentro de uma lógica
dedutivo-classificatória.
Ainda, com relação ao desenvolvimento da ciência médica, em 1628, William
Harvey (1578-1657) descreveu a grande circulação do sangue de acordo com
explicações em torno de uma série de imagens mecânicas, como bombas, válvulas,
canais (veias e artérias), num circuito fechado em que o coração funciona como uma
bomba vital.
Da mesma forma, Sartório (1561-1638)
33
mediu durante anos, sistemática e experimentalmente os eventos
fisiológicos. Sua grande ambição foi equacioná-los de acordo com as leis
mecânicas que regem os eventos inorgânicos (da matéria), tendo inventado,
para ajudá-lo, o termômetro clínico (LUZ, 1988, p. 50).
Morgagni (1682-1771) deixou seu legado à Medicina, contribuindo com a
localização e causa das doenças, ao entender que se
pode sistematizar as alterações que atingem os órgãos por ação dos
agentes capazes de causar doenças, ligando a correlação dos sintomas
clínicos com as lesões anatômicas, estabelecendo as bases da anatomia
patológica no século XVIII (LUZ, 1988, p. 50).
No iluminismo
12
, a medicina incluiu entre suas áreas de interesse as
doenças mentais, e Phillipe Pinel (1745-1826), empirista e naturalista, inaugurou
uma clinica de observação e terapêutica do mundo consciente, tomando a
“desrazão” como objeto de um olhar científico, entrando assim para a história da
medicina como o Pai da Psiquiatria Moderna (BRANCO, 2003b).
Em fins do século XVIII, com a Revolução Francesa e a consolidação do
sistema industrial, é que aparecou, pela primeira vez, a concepção de causa social
das doenças, percebendo-se a relação entre as condições de vida e de trabalho e o
aparecimento das doenças, onde a causa dessas deixou de ser natural para
revestir-se de social.
Foi também nesse período – com o programa político dos “direitos do
cidadão”
13
– que surgiu na Europa a medicina social
14
em conseqüência do rápido
12
A revolução intelectual que se efetivou na Europa, especialmente na França, no século XVIII, ficou
conhecida como Iluminismo. Esse movimento representou o auge das transformações culturais
iniciadas no século XIV pelo movimento renascentista.
13
Com a Revolução Francesa e os princípios de Liberdade, Igualdade e Fraternidade e com a
Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, houve a negação da ordem feudal; a palavra
cidadão passou, então, a ser sinônimo de homem livre, portador de direitos e obrigações. Com a
emergência do sistema capitalista deu-se a exploração da mão de obra e conseqüente deteriorização
das condições de vida do trabalhador. Essa condição de cidadão portador de direitos, influenciou a
percepção das condições de exploração e negação dos direitos e, com isso, passou-se a perceber
que as condições de vida, as causas das doenças não são naturais ou apenas biológicas, mas
possuíam determinações sociais.
14
‘Especialidade’ a tematizar as relações entre a doença e a sociedade.
34
processo de industrialização e urbanização, processos esses acompanhados pela
considerável deteriorização das condições de vida da classe trabalhadora, momento
em que “a medicina social passou a tematizar a realidade social fruto do capitalismo,
a fome, a miséria, a exploração e a dominação como ‘origem’, ‘causa’,
‘determinação’ da doença” (LUZ, 1988, p. 93).
Para Foucault (1977), a medicina que nasceu em fins do século XVIII, com o
aparecimento da anatomia patológica, era uma medicina social, e mesmo que a
medicina desse período estivesse ligada a uma economia capitalista, não era
individualista. Diz Foucault (1977, p.80)
que o capitalismo
socializou um primeiro objeto que foi o corpo enquanto força de produção,
força de trabalho. O controle da sociedade sobre os indivíduos não se opera
simplesmente pela consciência ou pela ideologia, mas começa no corpo,
com o corpo. Foi no biológico, no somático, no corporal que, antes de tudo,
investiu a sociedade capitalista. O corpo é uma realidade bio-política. A
medicina é uma estratégia bio-política.
Assim, a partir do final do século XVIII, entramos numa nova era, sem
precedentes, da história da humanidade, não apenas para a ciência médica, mas
para todos os ramos do conhecimento.
1.3.2 A medicina nos séculos XIX e XX
No século XIX, houve um realinhamento do pensamento ocidental em torno
de duas grandes correntes: o positivismo de Augusto Comte (1798-1857) e o
materialismo dialético de Karl Marx (1818-1883).
No materialismo dialético o estudo de um fenômeno demanda compreender
a sua inserção na realidade concreta de que é parte, e não a sua abstração, como
se fosse independente dela. Nessa perspectiva não é a ação isolada de variáveis,
nem o somatório de variáveis que determinam o fenômeno. O fenômeno se constitui
35
e se transforma a partir de múltiplas determinações e, enquanto unidade na
diversidade, também tem influência no todo, ou seja, qualquer fenômeno é parte de
uma totalidade que o contém e determina.
A lógica dialética parte da combinação entre indução e dedução para obter
qualquer conhecimento, negando assim a possibilidade de se restringir o
pensamento ou aos princípios da indução ou aos da dedução. O pensamento
dialético implica um movimento, um processo, em que o concreto observado é
transformado em concreto pensado, ou seja, parte da aparência na busca da
essência do fenômeno. Não produz o real, mas o desvela no movimento, não
apenas como o reflexo fiel trazido à consciência pelos sentidos, mas na relação da
razão com o real.
O materialismo dialético como marco teórico para explicar o processo
saúde-doença tenta romper com a visão positivista, ultrapassando-se o
simples registro das correlações observáveis entre os fatos para buscar a
origem dos processos que determinam o padrão desigual de distribuição da
saúde e da doença nos grupos humanos (BARATA, 1996, p. 41).
A visão positivista não busca as causas mais profundas, a essência dos
fenômenos; pesquisa, de forma indutiva, as leis que os regem, isto é, a relação
constante entre os fenômenos observáveis de sucessão e similitude. O que é
possível conhecer são unicamente os fenômenos e as suas relações lineares de
causa e efeito mais imediatos, não a sua essência, as suas causas íntimas. É a
imaginação que se subordina à observação para permitir o estabelecimento de leis
sem qualquer interferência de especulações metafísicas (COMTE, 1990).
A consciência filosófica das ciências da natureza, que teve no empirismo
baconiano e no racionalismo cartesiano as suas primeiras formulações, condensou-
se no positivismo. Dessa forma, as ciências do homem, para terem o estatuto de
cientificidade, deveriam seguir o mesmo caminho.
36
A partir desse pensamento e com o progresso da anatomia, da fisiologia e
de outras disciplinas, a medicina formou-se, no século XIX, como ciência
experimental e, com o surgimento da bacteriologia ocorrido na metade do século
XIX, a concepção social de medicina teve seu desenvolvimento retardado e
estabeleceu-se, com mais força, a concepção externa, onde partículas são
responsáveis pelo aparecimento de doenças, ou seja, reforça o agente unicausal
15
da doença (BARATA, 2001). A evidência da insuficiência da formulação unicausal da
doença só aconteceria no início do século XX.
Em 1819, Laennec inventou o estetoscópio, abrindo um campo novo para o
reconhecimento das doenças pulmonares e cardíacas; esse instrumento se
transformou no símbolo clínico do médico, talvez por ser um aparelho que marca de
maneira mais concreta a ligação entre o médico e o paciente, quando da consulta
deste por aquele (PORTO, 2003).
Em 1858, com relação às epidemias, Virchow (1821-1902) apontava, de
forma minimizada, para as condições externas como produtoras de doenças,
entendendo que a ação externa só se traduziria em doença onde e quando o
contexto social permitisse que ela aparecesse (BARATA, 2001).
Outro momento especial da evolução da prática médica ainda no século XIX,
destacado por Porto (2003), foi em 1895 quando da descoberta do Raio-X, por
Roentgen (1845-1922). No pensamento de Porto, naquele momento não estava
surgindo apenas um novo método de diagnóstico, mas uma nova vertente que deu
origem a uma seqüência de descobertas – o eletrocardiógrafo, a medicina nuclear, a
ultra-sonografia e muitas outras.
15
Unicausal: para cada doença um agente etiológico deverá ser identificado e combatido, por meio
de vacinas ou produtos químicos (BARATA, 2001).
37
A partir do século XV, Paracelso colocou a química a serviço da medicina,
possibilitando aos outros cientistas nos séculos XVII e XVIII colocar a farmacologia e
a farmacoterapia como ciência, mas foi no século XIX que ocorreu a grande
revolução da ciência e da arte de manipular medicamentos.
Também, a partir dos avanços tecnológicos, os cirurgiões passaram a
conhecer melhor a anatomia humana, bem como, não se pode negar que o médico,
com uma postura positivista (ficando apenas na observação dos fatos), deixou de ter
“poderes” miraculosos. Por outro lado, acabou-se por criar um novo mito, o de que a
ciência – expressa de forma reducionista através da técnica – é capaz, por si só, de
resolver todos os problemas da humanidade como também os problemas existentes
em relação à saúde do homem. Ou, como diria Japiassu (1975 p. 80), “concebida
como ‘mestra’ de toda verdade, a ciência é a benfeitora número um da humanidade,
reclamando para si as direções material, espiritual e moral das sociedades”.
Foi com esse pensamento que, na segunda metade do século XIX e
com o advento do século XX, novas descobertas como a penicilina, exames
laboratoriais sofisticados, especialidades médicas cada vez mais
ramificadas, fizeram com que a medicina perdesse o caráter de ciência
humana para se tornar ciência exata e biológica (SPROESSER JR, 2003, p.
159).
A medicina tecnológica, responsável pelo avanço na identificação das
doenças, no pensamento de Porto, (2003), foi o primeiro passo para a consolidação
da “medicina das doenças”. Para Branco (2003b, p. 77), com esse processo
“acentuou-se a perda progressiva do caráter humanístico no atendimento médico, e
ocorreu a coisificação do paciente, pois, o homem passou a ser visto como mero
objeto a ser estudado e dissecado” (BRANCO, 2003b, p. 77).
Para vários autores, o século XIX foi o marco dessa transformação da perda
do caráter humano no atendimento médico, na medida em que a tecnologia foi
38
colocada a serviço da medicina, dando início ao que hoje se chama “medicina
tecnológica”. Conforme Branco (2003b), o crescente saber médico, que permitia ao
profissional estar informado, instruído a respeito das doenças, e uma gama cada vez
maior de conhecimentos científicos adquiridos através da experiência, afastou os
médicos da vivência humanística.
No início do século XX, nos Estados Unidos, a American Medical Association
encomendou uma pesquisa nacional sobre as escolas de medicina, com o objetivo
de dar a esse ensino uma sólida base científica. Um dos objetivos da pesquisa foi
canalizar as gigantescas verbas de fundações recém-estabelecidas – especialmente
as subsidiadas pelas fundações Carnegire e Rockefeller – para algumas instituições
médicas cuidadosamente selecionadas. O resultado dessa pesquisa foi o Relatório
Flexner, publicado em 1910, que serviu de embasamento decisivo para o ensino da
medicina nos Estados Unidos, fixando rigorosas diretrizes que ainda hoje são
obedecidas (MENDES, 1996).
O modelo flexneriano, como ficou conhecido, tem como características: o
mecanicismo, o biologismo, o individualismo, a especialização, a tecnificação do ato
médico e o curativismo. O mecanicismo, introduzindo a analogia do corpo humano
com a máquina; o biologismo, pressupondo o reconhecimento apenas da natureza
biológica das doenças e das suas causas e conseqüências; o individualismo,
manifestando-se, de um lado, pela instituição do objeto individual da saúde e, de
outro, pela alienação dos indivíduos excluindo, de sua vida, os aspectos sociais; a
especialização, que substitui a globalidade do sujeito pela propriedade do
conhecimento de suas dimensões específicas, resultando: a tecnificação do ato
médico, como nova forma de mediação entre homens, os profissionais e a doença; o
39
curativismo, em que toda ênfase está nos aspectos curativos por prestigiar o
diagnóstico e a terapêutica em detrimento da prevenção (MENDES, 1996).
Com tal modelo retornou-se às concepções multicausais
16
das doenças,
tema dominante no campo da Epidemiologia durante todo o século XX, sem
recuperar o conceito de causa social. Segundo Mery e Queiroz (1993), este modelo
pressupunha o processo saúde-doença como um fenômeno coletivo, porém,
determinado, em última instância, pelo nível individual.
O conceito de ‘consciência sanitária’ permitia compreender como o meio
insalubre atingia os indivíduos. Medicina e saúde pública eram entendidas
como campos distintos; a primeira para curar através da clínica, patologia e
terapêutica, e a segunda para prevenir doenças, prolongar e promover a
saúde através da higiene e da educação sanitária (MERY; QUEIROZ, 1993,
p. 3)
Apesar de multicausalidade admitir a existência de relações de interações
recíprocas entre os múltiplos fatores envolvidos na causa das doenças, os
elementos causadores de dessas são colocados no plano a-histórico, reduzindo a
causa de doenças que atingem o homem à condição natural (BARATA, 2001).
Esse modelo, no entanto, ainda era mecanicista porque, como revela Barata
(2001), há uma simplificação do complexo processo de causa e os fatores são
tomados isoladamente como se não houvesse interação entre eles e, na prática,
apenas o fator de maior peso atua na produção da doença. Nesse sentido, a
16
“No modelo multicausal, a realidade é fragmentada em conjunto de fatores, reduzindo-se o social e
o biológico a ‘fatores de risco’ em uma rede destituída de hierarquia. A abordagem epidemiológica
tradicional isola os fatores, transforma os aspectos da vida social em fatores observáveis para permitir
seu manejo empírico (reificação), e os reduz a condições de variáveis que pode assumir o estatuto de
causas, enquanto as relações probabilísticas que vinculam essas ‘causas’ à doença assumem o
estatuto de leis científicas” (BARATA, 1996, p. 42).
Os Múltiplos determinantes aqui não coincidem
com o conceito da dialética (biológicos, psíquicos, econômicos, social, etc), mas como uma “Relação
mecânica, unidirecional, probabilística, linear” (BARATA, 1996, p. 37).
40
multicausalidade é reduzida a unicausalidade, com a única diferença de serem
admitidas outras causas que não apenas a presença do agente etiológico
17
.
Segundo Barata (2001), essa concepção de multicausalidade esconde as
profundas diferenças de classe resultantes da organização produtiva e permitem
uma atuação limitada com relação aos problemas de saúde. As críticas a esse modo
de perceber e tratar os problemas de saúde se intensificou no final da década de
1960, visando uma reformulação do processo saúde-doença da coletividade
18
e da
concepção de determinação social das doenças em que os conhecimentos
epidemiológicos estão mais próximos dos interesses populares.
Podemos perceber, então, que
no início do século [XX], uma outra ordem de fatores causais passa a ser
agregada ao conceito de multicausalidade: os fatores psíquicos. O
movimento da Medicina integral, nos Estados Unidos, na década de 40, vai
definir o homem como ‘ser bio-psico-social’ [...]. O homem que tem um
corpo biológico também tem funções psíquicas e atributos sociais, tais como
a ocupação, renda, instrução e outros (BARATA, 2001, p.22).
Entre os séculos XIX e XX surgiu, na Alemanha, a Psicologia como ciência,
destacando-se o psicólogo russo Ivan Pavlov (1849-1936) e o psicoterapêuta
austríaco Sigmund Freud (1856-1939). O primeiro se destacou pelos seus estudos
do sistema nervoso central, numa vertente psicofísica que acabou por influenciar
tanto a psicologia quanto a Medicina, através de seus estudos sobre os reflexos
condicionados (BRANCO, 2003b). O segundo, pela psicanálise, cuja repercussão
incidiu principalmente sobre o século XX e levou à reformulação da psiquiatria, da
psicologia e da própria compreensão da natureza humana.
17
Etiologia “pesquisa das causas de uma doença” (DUROZOI, 1992, p.171).
18
“O modo específico pelo qual ocorre no grupo o processo biológico de desgaste e reprodução,
destacando como momento particular a presença de um funcionamento biológico das atividades
cotidianas, isto é o surgimento da doença” (LAURELL apud BARATA, 1996, p. 42).
41
Em 1900, o livro de Freud “Interpretando os Sonhos” foi uma contribuição
fundamental da evolução da prática médica, onde ele “descreveu o mundo
inconsciente e deu as bases para a compreensão dos fenômenos psicodinâmicos,
cujo conhecimento é indispensável para estudar a relação médico-paciente”
(PORTO, 2003, p.12).
Também, em seus estudos, Branco (2003b) diz que Freud percebeu que
existiam muitos fenômenos ainda não compreendidos no espaço relacional entre o
médico e o paciente. Ao demonstrar que as relações humanas podem ser
compreendidas e que todas elas têm uma intencionalidade, Freud estava, de
maneira inequívoca, modificando para sempre os conceitos sobre as relações entre
os médicos e seus pacientes. Isso nos quer dizer que Freud apontava uma forma
diferenciada de compreensão da relação do médico com o seu paciente.
Depois da Segunda Guerra Mundial se iniciou, com a Medicina Ocidental, o
aprofundamento das pesquisas no campo das doenças psicossomáticas
19
.
Conforme Dossey (1999), Jean-Martin Charcot, neurologista francês (século XIX),
estudou as reações histéricas e o efeito da sugestão nas funções orgânicas, e
Freud, seu discípulo, ampliou esta idéia para a influência do inconsciente no
comportamento, mas “isso só se reafirmou quando o fim da Guerra deu força à idéia
de que a mente podia influenciar profundamente o corpo, quando milhares de
soldados de volta ao lar, manifestaram sintomas de um distúrbio conhecido como
‘neurose de guerra’” (DOSSEY, 1999, p. 28).
Um exemplo citado por Dossey (1999) é que os cientistas, na metade do
século XX, demonstraram que ratazanas e ratos confinados em ambientes
submetidos a situações de tensão, desenvolviam ulcerações gastrointestinais,
19
“Psicossomática do grego psyche, que significa hausto, espírito ou alma, e soma, que significa
corpo” (DOSSEY, 1999, p. 28)
42
hipertensão e doenças do coração e, na maioria dos casos, morriam. Os humanos
também sofreriam os mesmos problemas quando submetidos a situações de tensão.
“Em pouco tempo, pois, reconheceu-se a validez do conceito de sinergia corpo-
mente e que o gerenciamento desse dualismo tanto podia gerar efeitos positivos
quanto negativos” (DOSSEY, 1999, p. 28).
Salienta Porto (2003) que entre os psicanalistas seguidores de Freud
destacou-se Michel Balint (1896-1970), pois este, além de criar uma metodologia
para o estudo da relação médico-paciente, desenvolveu o que o autor trata como
alguns “mistérios” que ocorrem nesse contato entre ambos. Suas pesquisas foram
conhecidas em 1957 na Inglaterra e as influências que tiveram seus estudos (da
relação médico-paciente) perduram até hoje.
Para Branco (2003a), Balint foi um médico psicanalista que transcendeu a
psicanálise e também a medicina; seu pensamento não influenciou apenas a
medicina, mas também a psicanálise e a psicologia. Foi responsável pela mudança
do paradigma da relação médico-paciente.
Ou seja, Balint contribuiu para que os médicos passassem a perceber o
paciente em sua totalidade, onde fatores psíquicos, sociais, econômicos e
relacionais podem interferir no surgimento ou agravamento de doenças. Também,
seus estudos contribuíram, em grande medida, para o entendimento da doença
como conseqüência de múltiplos determinantes.
Depois de sua morte, outros discípulos o seguiram; a exemplo do grupo de
Buenos Aires criado na década de 1960 por Luchina, o qual desenvolveu uma
prática médica na área da psiquiatria social cujo objetivo passou a ser não mais o
corpo enfermo, porém, a pessoa, ou o ser social que padece. Essa psiquiatria, ou
psicologia dinâmica, orienta-se para o estudo de fenômenos mentais e tem como
43
eixo fundamental o problema da angústia. Foi um reencontro com um humanismo
diferente, mais científico, que possibilitou examinar e esclarecer o exercício médico,
estabelecendo pautas para tarefas mais eficazes.
Luchina criticou a medicina clássica por promover uma dissociação do
fenômeno doente-doença, desenvolvendo o conhecimento científico da doença
enquanto que o conhecimento do doente não é objeto de estudo na mesma
dimensão, o que provocou a dissociação mente-corpo, pois “os fenômenos do corpo
recebem toda a abordagem científica, com um aval histórico genético das
descobertas médicas [...], em troca, os fenômenos mentais são submetidos a
enfoques apenas pessoais ou empíricos” (MELLO FILHO, 2003, p.41).
Pode-se dizer que o conhecimento que emerge hoje tende a ser um
conhecimento não dualista, um conhecimento que se funda na superação do modelo
de racionalidade científica que se iniciou no século XVI e que em alguns dos seus
traços principais atravessa uma crise. Estamos, pois, a viver um período que se
iniciou com Albert Einstein (1879-1955), constituindo o primeiro rombo no paradigma
da ciência moderna ao relativizar as leis de Newton no domínio da astrofísica.
Assim, foi no final do século XX que o saber da prática médica começou a
relativizar certas “verdades” e a reconhecer a importância de outros instrumentos
teórico-metodológicos, ou de outros saberes tais como a filosofia, a sociologia a
antropologia, que são fundamentais na prática da medicina, discutindo
determinantes como: classe social, gênero, etnia, poder político e cidadania na
produção do conhecimento e dos processos sociais que se fazem presentes na
organização do exercício da prática médica.
Essa crise fez com que, no século XX, surgissem ou se evidenciassem
novas formas de pensar o homem e o mundo. Já abordamos o materialismo
44
dialético de Kal Marx que teve grande influência nas Ciências Sociais; o positivismo
de Augusto Comte que norteou as pesquisas médicas até recentemente. Posterior a
estas correntes surgiu, a Fenomenologia de Husserl que, no plano da assistência à
saúde, tem sido considerada uma postura que pode ampliar a compreensão da
relação médico-paciente ou profissional de saúde-usuário.
A Fenomenologia busca ultrapassar os impasses instalados nas relações
entre filosofia e ciências humanas, subjetividade e objetividade, interioridade e
exterioridade, etc., impasses que derivam do entendimento de como se à ciência
coubesse o objetivo e à filosofia o subjetivo. A fenomenologia assume posição entre
outras correntes que a precederam, em especial o criticismo (privilegia o sujeito) e o
empirismo (privilegia o objeto).
A Fenomenologia parte da noção de intencionalidade da consciência, a partir
da qual não existe fenômeno que não seja para uma consciência e que não há
consciência que não seja consciência de algo; portanto, para toda consciência tem-
se uma maneira de o objeto se apresentar, isto é, as coisas, os objetos, as situações
têm significados diferentes para cada ser singular. Dessa forma, do ponto de vista
da saúde, quem adentra um consultório médico ou uma unidade de saúde não é
apenas um paciente, um usuário, mas um sujeito singular. Portanto, “antes de o
profissional de saúde explicar o que o paciente tem, faz-se necessário perceber que
ele existe” (COSTA, 2003, p. 27). Isso é a base para buscar as características que
individualizam o paciente, como ele tem vivenciado a sua doença que,
provavelmente, difere das doenças dos outros. A relação médico-paciente “é o
encontro com o paciente da doença e não com a doença do paciente, que é
universal” (COSTA, 2003, p. 28).
45
Dessa forma, a fenomenologia valoriza as experiências concretas do homem
não se detendo na experiência do conhecimento, mas considerando também as
experiências de vida. Todavia, a medicina como um todo ainda não tomou para si tal
conhecimento, apenas algumas especialidades o fazem, como por exemplo,
algumas expressões da psiquiatria, da homeopatia – embora esta última o faça sem
explicitar sua orientação dentro de tal denominação. Outras áreas do conhecimento,
como a clínica médica e as clínicas cirúrgicas, muito pouco ou quase nada
usufruíram dessa corrente.
Outro destaque é a Medicina Holística, para a qual as partes são entendidas
a partir da sua relação com o todo. Isso significa que, enquanto examinamos uma
parte, devemos estar conscientes de como as emoções, pensamentos, cultura e
meio ambiente influenciam nas funções do corpo como um todo, ou seja, de como
as diferentes parte se influenciam entre si. A medicina holística desafia a noção de
causa e efeito lineares e recorre à teoria de sistemas para explicação dos fatos. A
abordagem holística dá ênfase à responsabilidade da pessoa em seu processo de
recuperação, baseada no princípio de que o poder de cura encontra-se no indivíduo;
também dá ênfase à saúde física, mental, social e espiritual do terapeuta como
fundamental no resultado da interação médico-paciente. Na medicina holística
podem ser utilizados sistemas alternativos de medicina, Homeopatia
20
,
20
A Homeopatia foi fundada por Hahnemann. Terapêutica que se propõe a tratar a pessoa numa
perspectiva global e integrativa, onde a arte clínica deve ser exercida ao máximo. Para o médico
homeopata o doente é o sujeito da história clínica. A homeopatia encaixa-se mais dentro da Medicina
Quântica do que da Química. Foi reconhecida no Brasil como especialidade médica em 1980 pelo
Conselho Federal de Medicina (DANTAS et al, 2003).
46
Acupuntura
21
, Psicologia Alternativa (ou Psicologia Transpessoal)
22
, entre outras.
Nesse sentido, as terapias alternativas ou complementares, em suas mais
variadas formas, vão assumindo seu lugar complementar e/ou alternativo ao
enfoque localizado da medicina tradicional.
Capra (1982), em seu livro “O ponto de Mutação”, diz que na ciência
holística o universo começa a deixar de ser visto como uma máquina composta por
peças isoladas, e passa cada vez mais a ser comparado como uma totalidade, onde
as partes componentes não têm vida independente do todo, mas, uma boa parcela
da medicina acadêmica teima em desconsiderar a totalidade do ser humano.
O grande desafio é, pois, encontrar o elo entre ciência médica e arte médica,
ou medicina das doenças e medicina dos doentes: um lado busca o desvelamento
científico da doença, que pode ser fragmentada e o outro lado, que considera a
condição humana do paciente, cuja característica fundamental é ver o paciente em
sua individualidade e em sua totalidade.
Quanto ao valor da generalidade e da particularidade para desvendar a
singularidade no diagnóstico médico, utilizamos a reflexão que Munhoz (2004) faz a
partir do pensamento de Georg Lukács, quando este último diz:
Não há dúvida alguma de que o objeto de diagnóstico é o homem
individual [...]. Todos os conhecimentos gerais e particulares acerca da
natureza fisiológica do homem, dos tipos de decurso patológico, etc.,
são meros meios para captar com precisão esse indivíduo em seu
instantâneo ser-assim. Mas as experiências dos últimos decênios mostram
que, quanto mais precisos são os métodos de mediação (aplicações do
21
A Acupuntura se constitui num método de tratamento de doenças mediante aplicação de agulhas
muito finas em regiões definidas da pele. Integra o corpo da medicina tradicional chinesa. No
Ocidente despertou interesse dos médicos americanos em 1972. No Brasil foi reconhecida como
especialidade médica pelo Conselho Federal de Medicina em 1995. Resgata a tradição humanista da
medicina; a história de vida do paciente é fundamental para utilizar os pontos mais indicados e
adequados para o doente. Tem papel importante na prevenção de doenças e promoção da saúde
(DANTAS; SAMPAIO, 2003).
22
Carl Iung que, na década de 1930, a partir da moderna física, compreende a abordagem
determinista e as lacunas deixadas pela teoria freudiana e vai além das fronteiras estabelecidas por
Freud criando a psicologia transpessoal. A psicologia transpessoal é ciência holística que busca
transcender os aspectos pessoais do ser, elevando-o a uma condição espiritual; baseia-se na física
subatômica (WEIL, 1999).
47
geral ao caso singular) que a medicina pode mobilizar, tanto mais
pontual e exato pode resultar o diagnóstico. Enquanto que antigamente
a ‘mirada genial’ do médico (...tinha que basear-se, naturalmente, numa rica
e meditada experiência) desempenhava um papel decisivo, agora o âmbito
dos sintomas precisáveis com exatidão científica é incomparavelmente
maior. Isso não significa, naturalmente, que a soma desses sintomas
resulte ‘por si mesma’; pois, por um lado, o que pode medir-se com
precisão não abarca ainda nem de longe todos os sintomas que podem
interessar objetivamente; e, por outro lado, tampouco é de forma trivial e
evidente a interpretação dos fatos singulares mais exatamente precisados;
etc. A aproximação ao ser-assim único do caso examinado continua sendo
pois uma aproximação [...]. Mas, é evidente que a inserção do maior
número possível de generalidades adianta constantemente o ponto
final da aproximação ao singular, mesmo sem superar-se com isso o
caráter meramente aproximativo (MUNHOZ
, 2004, p. 1).
No campo da saúde, além do desafio de encontrar o elo entre ciência e arte
médica, colocado pela crescente complexificação tecnológica, existem outros que,
independentemente do modelo de saúde adotado, a sociedade contemporânea
acrescenta para a ciência, para a medicina, para a ética e para a cultura, que são
colocados por doenças como a Aids, a longevidade da população, os experimentos
em reprodução humana e a engenharia molecular.
No que se refere às políticas de saúde, as reformas propostas na área, não
só no Brasil, mas em outros países também, ainda que essas políticas sejam
diferenciadas em termos ideológicos, buscam conciliar no discurso e/ou na prática
objetivos contraditórios: a universalização do acesso diante da pressão por mais e
melhor atendimento à saúde; a contenção de gasto público ante o crucial problema
do aumento dos custos da medicina; o ingresso de milhões de usuários a partir da
universalização dos sistemas; a tendência ao crescimento das necessidades e
expectativas das pessoas em relação aos cuidados em saúde.
Além dessas questões até aqui discutidas, Buss e Labra (1995) acrescentam
um outro aspecto em relação à saúde: as tensões geradas pela relação entre
reformas políticas, econômicas e sociais, que têm acontecido em diferentes países e
se tornado um dilema central da atualidade, sobretudo em países como o Brasil, a
48
Argentina e o Chile, recém-saídos de longas ditaduras militares e arrastando uma
pesada dívida social.
Conseqüentemente, o grande desafio que se coloca para as reformas
sociais em geral e a da saúde em especial, é como conduzi-las diante das restrições
impostas pela longa recessão que assola o mundo e, em particular, o nosso
continente. No caso do Brasil, surge a questão de como trabalhar as resistências de
implantar políticas redistributivas sem que se coloque em risco a ordem democrática
reconquistada e referendada na Constituição de 1988.
Estas são implicações que abrangem o campo teórico e prático do sistema
de saúde que, para Buss e Labra (1995), de certa forma, diferencia as principais
correntes no campo de estudos da área: de um lado existem análises que enfatizam
as convergências entre sistemas de saúde; de outro, as que focalizam aspectos
particulares dentro de cada um. E há, ainda, as já discutidas abordagens críticas
totalizantes e holísticas, que têm procurado superar dicotomias, apontando para a
dialética entre as dimensões do universal e do particular e, por extensão, entre as
esferas do coletivo e do individual, do público e do privado, do político e do técnico.
“A tensão entre essas polaridades, enfim, veio a ganhar centralidade com a
politização da própria questão da saúde e a assistência médico-sanitária desde fins
dos anos 60 e 70 em diante” (BUSS; LABRA, 1995, p.13), o que, no caso do Brasil,
será discutido no capítulo seguinte.
49
CAPITULO 2
A SAÚDE NUM SISTEMA ÚNICO INTEGRADO
Imagino que o pior que há na necessidade não é a
privação de alguns apetites ou desejos de sua
natureza transitórios, porém essa escravidão
moral, que submete os homens aos outros
homens.
[MACHADO DE ASSIS]
2.1 A TRAJETÓRIA HISTÓRICA DA SAÚDE NO BRASIL
2.1.1 A Saúde do Final do Século XIX até Meados do Século XX
Em fins do século XIX e início do século XX, as mortais epidemias, que
então surgiram no Brasil, atemorizavam. Companhias de navegação evitavam que
seus navios tocassem em portos nacionais. Se a saúde até então se constituía em
uma arte eminentemente clínica, essa situação começou a mudar o conceito sobre a
salubridade no país, pois passou-se a investir em campanhas de saúde pública.
Esse período da economia, caracterizado pela monocultura cafeeira e
conhecido como agroexportador, exigia do sistema de saúde, sobretudo, uma
política de saneamento dos espaços de circulação das mercadorias exportáveis e a
erradicação/controle das doenças que poderiam prejudicar a exportação. Isso
permitiu o surgimento de laboratórios especializados e a contratação de
investigadores. Depois da proclamação da República (1889), o governo paulista
criou o “Instituto Bacteriológico”, destinado a preparar vacinas e a efetuar
observações nos campos da microbiologia e bacteriologia. O referido instituto foi
transformado mais tarde no conhecido “Instituto Butantã”. Foi nesse momento
histórico que Oswaldo Cruz e seus discípulos empreenderam o saneamento e a
50
extirpação das doenças epidêmicas
23
, constituindo-se, assim, o modelo de saúde
conhecido como “Sanitarismo Campanhista”, que permaneceu hegemônico até
meados da década de 1960.
Nesse modelo, o espaço estatal cresceu e se desenvolveu em campanhas
de saúde pública, cuja concepção de saúde fundamentava-se na teoria dos germes,
onde os problemas da saúde se explicavam por uma relação linear entre agente e
hospedeiro, ou seja, monocausal (MENDES, 1996).
Quanto à assistência à saúde individualizada, ainda na década de 1920 se
iniciava um “ensaio” de previdência e assistência médica corporativa e, a partir da
“Lei Elói Chaves”, foram criadas as Caixas de Aposentadorias e Pensões. As CAPs,
como eram denominadas, se estruturavam por empresas e eram administradas e
financiadas por empresários e trabalhadores. Embora sinalizassem o início da
substituição do modelo campanhista que não correspondia mais às necessidades da
industrialização, as Caixas só atendiam a grupos específicos da população
trabalhadora inserida no mercado formal.
Em 1933 as CAPs foram substituídas pelos Institutos de Aposentadorias e
Pensões (IAPs) em estrutura e funcionamento. As CAPs mantinham representação
paritária das categorias de trabalhadores, os IAPs, por sua vez, eram autarquias,
isto é, estavam sob controle do Estado.
Os IAPs, modelos de pensões vinculadas a gênero ou categoria profissional,
foram organizados de forma a abranger as mesmas categorias em todo o território
nacional. Muitas Caixas de Aposentadorias e Pensões (CAPs) foram transformadas
em IAPs, como foi o caso dos trabalhadores de trapiches e armazéns, que passou a
23
Epidemias: doenças que se apresentam por surtos que irrompem e depois de se extinguem.
Podem ocorrer em um espaço definido desde um surto até uma pandemia. O surto se caracteriza por
uma ocorrência epidêmica restrita a um espaço extremamente limitado: bairro, colégio, quartel,
edifício, etc. A pandemia é uma ocorrência epidêmica causada por uma larga distribuição espacial,
atingindo várias nações. Endemias: são doenças constantes, permanentes.
51
constituir o Instituto de Aposentadorias e Pensões dos Empregados de Transportes
e Cargas (IAPETC). Entre 1933 e 1945 foram criados sete IAPs (Marítimos,
Industriários, Transportadores de Carga, Bancários, Comerciários, Estiva e
Servidores do Estado) (OLIVEIRA, 2006).
De 1930 a 1940, a assistência aos doentes era prestada principalmente nos
centros urbanos por médicos em práticas privadas, estando a assistência hospitalar
concentrada nas Casas de Misericórdia, pertencentes a instituições religiosas e
filantrópicas.
A partir de 1950, quando se formulou a política de substituição das
importações, cujo objetivo era promover a industrialização do país, houve o
deslocamento do pólo dinâmico da economia para os centros urbanos, gerando uma
massa operária que deveria ser atendida com outros objetivos pelo sistema de
saúde: garantir mão-de-obra saudável para a indústria, atuando, agora, sobre o
corpo do trabalhador, mantendo e restaurando sua capacidade produtiva, e não
mais tendo como alvo principal os corredores de circulação das mercadorias
exportáveis.
Dessa forma, enquanto na área pública ainda vigorava o modelo
campanhista de prevenção e tratamento das doenças, começou a se estabelecer
uma rede hospitalar privada que, no final da década de 1950, passou a superar, de
forma significativa, as Casas de Misericórdia e os estabelecimentos públicos
(MINAYO, 2001).
Assim, o que se observava sobre a organização contemporânea do sistema
de saúde no Brasil, foi a separação político-ideológica e institucional entre a
assistência à saúde individual, eminentemente privada, ainda que financiada direta
ou indiretamente pelo Estado, e as ações públicas dirigidas à saúde coletiva.
52
No período que se iniciou em 1964, com o Golpe Militar, houve, no Brasil,
preponderância de uma política internacional modernizadora. Dessa política
decorreu a política econômica, o controle do déficit público e a criação de fundos
específicos não tributários para dar suporte às políticas setoriais (BUSS; LABRA,
1995). Esse período se caracterizava por políticas públicas centralizadoras, onde a
proposta era fazer concessões sociais, ao mesmo tempo em que a política
econômica não proporcionava abertura.
Institucionalmente os IAPs foram substituídos por um único instituto, o INPS
(criado em 1966), o que significou uma uniformização dos benefícios, numa
Previdência Social concentrada e num crescimento da demanda por serviços
médicos em proporções muito superiores à capacidade de atendimento disponível
nos hospitais e ambulatórios dos antigos Institutos de Previdência.
Com a criação do INPS, em 1966, houve um crescimento de
estabelecimentos hospitalares privados conveniados com este órgão.
Vem desse momento histórico a consolidação do modelo hospitalocêntrico
que até hoje domina o mercado de saúde, assim como provoca o imaginário
da população brasileira como sendo o ideal para o tratamento de saúde
(MINAYO, 2001, p.29).
O Decreto-Lei nº 200/67 nomeava o Ministério da Saúde como responsável
pela formulação da política nacional da saúde, porém, os meios para essa
formulação não foram proporcionados, tendo em vista que, em 1967, o orçamento
do Ministério da Saúde correspondia a “3,44% do orçamento da União, e começou a
cair chegando a representar 0,9% em 1974, havendo um acréscimo em 1975 e
depois nova queda, até se constituir no mais baixo item orçamentário da União em
1981” (GERALDES, 1992, p. 5).
Em 1968, foi criado o Plano Nacional de Saúde que procurou cumprir o
Decreto-Lei 200/67, mas que, porém, “privilegiava a prática médica curativa
53
individual, assistencialista e especializada, praticamente abandonando as medidas
de saúde pública, de interesse coletivo, cuja base é a prevenção” (GERALDES,
1992, p. 6).
Ainda, segundo Geraldes (1992), isso aconteceu porque, com a criação do
INPS, a cobertura assistencial, antes executada por profissionais concursados,
passou a ser realizada através da contratação de serviços de terceiros e não por
serviços próprios daquele órgão. A contratação de serviços privados pelo Estado
veio a estimular o crescimento e a expansão do setor privado, fortalecendo o caráter
de lucratividade do setor de saúde, onde a intervenção do Estado, através da
previdência Social, provocou o fortalecimento de um sistema médico e industrial
monopolista, acumulando capital na indústria farmacêutica e dos equipamentos
médicos.
Havia uma diversificada forma de contratações dos serviços do setor privado
pela Previdência Social. Além dos contratos e convênios feitos diretamente com os
prestadores de serviços, inaugurou-se o chamado convênio-empresa; por meio
deste as empresas passaram a responsabilizar-se, direta ou indiretamente, pela
assistência médica a seus empregados. Essa modalidade destinava-se a uma
clientela específica, ou seja, à mão-de-obra das empresas, empregados e um
operariado mais qualificado e com melhor padrão organizativo (BUSS; LABRA,
1995).
Segundo Mendes (1996), o convênio-empresa foi o modo de articulação
entre o Estado e empresariado, que viabilizou o desenvolvimento de um subsistema,
o da “atenção médica supletiva” que viria tornar-se hegemônico na década de 1980.
Em 1974, a Previdência Social alcançou a condição de Ministério, passando
a atingir a população que se encontrava fora do mercado de trabalho. Conforme
54
Geraldes (1992), a partir daí surgiram alguns impasses: a prestação de assistência
médica pelo setor privado é elevada financeiramente; houve a necessidade de
aumento dos serviços para atender a demanda. Para resolver esses problemas,
criou-se inicialmente o Processamento de Dados da Previdência Social
(DATAPREV) para controle de contas do setor privado, que viria a ter importante
papel no controle e na avaliação do setor de saúde; além disso, foram firmados
convênios com outras entidades do setor público como universidades, prefeituras,
governos estaduais, etc.
Entre as medidas de governo em relação à saúde, durante o ano de 1974,
duas especialmente se destacaram: a implantação do Plano de Pronta Ação (PPA),
e a instituição do Fundo de Apoio ao Desenvolvimento Social (FAS).
O PPA, com a finalidade de acalmar as reclamações da população quanto
às filas no INPS, passou a regular os destinos da previdência, o credenciamento dos
médicos, os convênios e sua renovação, as condições para expansão dos serviços e
o seguro-saúde privado (GERALDES, 1992).
Por sua vez, o FAS destinava-se a financiar subsidiadamente o investimento
fixo de setores sociais e a construção de estabelecimentos de saúde, uma vez que a
rede existente era insuficiente para suprir a demanda crescente por assistência
médica, derivada do crescimento da população economicamente ativa e do setor
formal do mercado de trabalho (conseqüência do surto de crescimento econômico).
A maior parte dos recursos do FAS destinados à saúde foi utilizada na ampliação e
modernização da capacidade instalada do setor privado.
Em 1975, com base nas diretrizes do II Plano Nacional de Desenvolvimento
(PND), foi criada a Lei nº 6.229, que institucionalizou o modelo médico-assistencial
privatista, consagrando a dicotomia entre setor público e setor privado, saúde
55
coletiva e assistência previdenciária, ao separar as ações de saúde pública das
ações de atenção à saúde das pessoas.
Pode-se dizer que o “modelo médico-assistencial privatista” vigorou de forma
hegemônica de meados dos anos 1960 até meados dos anos 1980. Esse modelo foi
se introduzindo paralelamente ao modelo campanhista, num movimento crescente
de integração e universalização da Previdência Social: das CAPs (Caixas de
Aposentadoria e Pensões) da década de 20, aos IAPs (Institutos de Aposentadorias
e Pensões) dos anos 1930 a 1960, até o INPS (Instituto Nacional de Previdência
Social) em 1966, se institucionalizando com criação do INAMPS (Instituto Nacional
de Assistência Médica e Previdenciária Social) em 1977.
Também em 1977, foi criado o Sistema Nacional de Previdência e
Assistência Social (SINPAS), com a seguinte estrutura: INPS, para cuidar dos
benefícios; INAMPS, para a assistência médica (englobando o extinto IPASE –
Instituto de Previdência e Assistência aos Servidores do Estado e o FUNRURAL –
Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural); Instituto de Administração Financeira
da Previdência e Assistência Social (IAPAS), para a administração financeira e
patrimonial (GERALDES, 1992).
Assim, o modelo médico-assistencial privatista caracterizava-se por
consumir tecnologias freqüentemente desnecessárias; por visar o lucro das
empresas médicas, propiciando a capitalização da medicina e privilegiando a
produção privada desses serviços; por se basear mais nas doenças do que na
promoção
24
e prevenção da saúde; por privilegiar a prática médica curativa,
individual, assistencialista e especializada, em detrimento da saúde pública; por
24
A definição adotada na carta de Otawa, em 1986, e que tem sido utilizada, é a seguinte: “processo
de ‘capacitar’ (enabling) as pessoas para aumentarem o controle sobre a sua saúde e para melhorar
a qualidade de vida” (ALBUQUERQUE; OLIVEIRA, 1996).
56
excluir a cobertura assistencial de amplos segmentos sociais não cobertos pela
assistência previdenciária; por demonstrar falta de controle público nas ações
desenvolvidas pelo setor privado médico-hospitalar contratado, gerando distorções,
fraudes, desperdícios e custos crescentes. Mostrou-se muito caro e de baixo
impacto na melhoria dos indicadores de saúde em relação aos investimentos
financeiros na saúde. Para Minayo (2001, p.29), “dentre seus efeitos, tal modelo
gerou um tipo de subjetividade médica muito mais comprometida com as
especialidades e, sobretudo, discriminador e excludente”.
Vale acrescentar outra característica predominante deste modelo nesse
período histórico, a que diz respeito aos exames laboratoriais, comumente
chamados de “exames complementares”; onde, na verdade, esses exames, em
muitos casos, eram solicitados como único elemento que diria sobre a saúde do
paciente, não tendo, pois, via-de-regra, a característica complementar de sua
denominação.
O modelo médico-assistencial privatista compunha-se de quatro
subsistemas: a) na base, um subsistema estatal, representado pela rede de serviços
assistenciais do Ministério da Saúde, Secretarias Estaduais e Municipais de Saúde,
em que se exercitavam as ações de atenção primária e seletiva (medicina
simplificada) destinada à cobertura nominal de populações não-integradas
economicamente e algumas campanhas de saúde públicas; b) o subsistema
contratado e conveniado com a Previdência Social, subsistema privado que cobria
os benefícios dessa instituição e setores não atingidos pelas políticas de
“universalização excludente”. Esse subsistema cresceu induzido por políticas de
terceirização da atenção médica que criaram um mercado cativo na área de
Previdência Social, ou seja, através do INAMPS cuidava da atenção médica
57
individual contratada a prestadores privados; c) um terceiro, o subsistema de
atenção médica supletiva, buscava atrair mão-de-obra qualificada das grandes
empresas. Começou a se delinear, aproveitando os incentivos do convenio empresa,
contudo, na década de 1970, este sistema não chegou a atingir uma massa
significativa de beneficiários, vindo, no entanto, a se tornar hegemônico na década
de 1980; d) o subsistema de alta tecnologia, organizado em torno dos hospitais
universitários e alguns hospitais públicos mais equipados em termos tecnológicos
(MENDES, 1996).
Para Buss e Labra (1995), o projeto político do modelo médico-assistencial
privatista correspondeu, no campo da saúde, ao padrão de crescimento da
economia brasileira nos anos de 1970, apoiado na articulação solidária entre o
Estado, as empresas multinacionais e as empresas privadas nacionais, com a nítida
exclusão das classes populares, seja do poder político, seja das benesses
econômicas.
Assim, o modelo médico-assistencial privatista, por determinações
estruturais impostas pela estratégia de desenvolvimento capitalista no país e por
motivações políticas conjunturais, fazia parte de um conjunto de políticas sociais
compensatórias, necessárias para a legitimação política do surto de crescimento
econômico que caracterizou o período denominado de “milagre econômico”.
A partir de 1974, findo o período de expansão econômica, iniciou-se o
processo de transição democrática do regime autoritário (que se consolidou em
1988) para um pacto estruturado na definição de um novo padrão de
desenvolvimento. Este pacto deveria combinar crescimento com distribuição, e
implicava a elaboração de um novo arcabouço jurídico – uma nova constituição – e a
explicitação de um outro padrão de política social.
58
A sociedade brasileira passou a viver num contexto de debates, por parte de
setores de oposição ao Regime Militar, na busca de propostas políticas que se
centravam na redefinição das políticas sociais, entendendo estas como indicadoras
de um processo redistributivo de renda e como caminho para universalização de
benefícios para toda a população (GERSCHMAN, 1995).
Desde antes desse período, o modelo médico-assistencial privatista recebia
críticas de setores contra-hegemônicos (Departamentos de Medicina Preventiva e
Social, movimento sindical, Escolas de Saúde Pública, setores organizados da
sociedade) que defendiam um pensamento crítico da saúde, que viria a se constituir
no denominado Movimento Sanitário Brasileiro, a partir de meados da década de
1970, base político-ideológica que culminaria, mais tarde, com a Reforma Sanitária.
A Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde Coletiva (ABRASCO), criada
em 1979, e o Centro Brasileiro de Estudos em Saúde (CEBES), proporcionaram
importante difusão do pensamento crítico em saúde.
O Movimento Sanitário tratava-se de um grupo restrito de intelectuais,
médicos e lideranças políticas do setor de saúde, provenientes, em sua maioria, do
Partido Comunista Brasileiro (PCB) que exerceu papel importante de oposição ao
Regime Militar, assim como na trajetória política na área da saúde (GERSCHMAN,
1995).
Num contexto de exercício de uma medicina de cunho privado e
mercantilista, o primeiro impulso do Movimento Sanitário difundiu um pensamento
crítico da saúde nas academias, com a criação dos Departamentos de Medicina
Preventiva nas Faculdades de Medicina e da implementação de políticas alternativas
às impostas pelo Regime Militar. Essas mudanças ocorreram através de programas
de extensão universitária (nas Faculdades) ou das Secretarias Municipais de Saúde
59
no interior de alguns Estados, surgindo os primeiros projetos-piloto de medicina
comunitária que desenhou os rumos da política de saúde (GERSCHMAN, 1995).
Dessa forma, muitas experiências começaram a ser realizadas no país,
ligadas às universidades, Igreja, voluntariado dos agentes da pastoral da saúde, dos
militantes dos partidos de esquerda e também dos profissionais da saúde da prática
comunitária. Dessas experiências surgiu a concepção do exercício da medicina
simplificada
25
, da valorização do trabalho auxiliar dos leigos e da participação
comunitária. Uma das experiências foi o Programa de Interiorização das Ações de
Saúde e Saneamento no Nordeste (PIASS), alcançando abrangência nacional em
1979, e o Programa Nacional de Serviços Básicos de Saúde (PREV-SAÚDE). Tais
propostas representavam expressões dos setores críticos alojados no aparelho
estatal, que propunham um sistema de saúde público, descentralizado e de base
municipal, e a expressão nacional do movimento mundial de assistência primária à
saúde, que se gerou na Conferência de Alma-Ata
26
, em 1978.
O PREV-SAÚDE foi um ambicioso projeto conjunto entre o Ministério da
Saúde e o Ministério da Previdência e Assistência Social. “Além de reforçar a
Atenção Primária à Saúde (APS), o Prev-Saúde previa a reorganização do sistema
de saúde, com regionalização, hierarquização, participação da comunidade e
atenção integral”, mas, assim como foi com o PIASS, não saiu do papel (SILVA,
2001, p. 61).
25
As políticas alternativas de saúde através de experiências comunitárias tinham como princípio “a
simplificação dos cuidados de saúde de maneira que estivessem ao alcance da comunidade através
da atenção primária, sem instrumental de alta complexidade e com participação de agentes de saúde
da própria comunidade e a supervisão e adestramento dos profissionais de saúde” (GERSCHMAN,
1995, p.71).
26
Conferência Internacional sobre Cuidados Primários de Saúde, organizada e patrocinada pela
Organização Mundial da Saúde (OMS) e pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF),
realizada na cidade de Alma-Ata, capital da República Soviética do Cazaquistão, de 6 a 12/09/1978.
60
Em 1979, aconteceu a primeira proposta de promover a articulação nacional
do Movimento Popular em Saúde (MOPS), reunindo as diversas experiências locais,
que se expandiam por todo o país de maneira espontânea e também com apoio das
Dioceses locais.
O I ENEMEC (Encontro Nacional de Experiências de Medicina Comunitária)
foi de iniciativa do Instituto Paulista de Promoção Humana de Lins, São Paulo –
instituição pertencente à Diocese local, que desenvolvia, na época, um trabalho de
formação de agentes de saúde em algumas regiões do Estado e do Triângulo
Mineiro – ligado à Diocese de Nova Iguaçu que vinha desenvolvendo um trabalho na
área de saúde desde 1975, e de outras experiências de medicina comunitária em
outras regiões do país.
Naquele momento, a medicina comunitária colocava-se como alternativa ao
Sistema de Saúde, na medida em que o setor público se distanciava da população
devido à crescente privatização da assistência médica. O setor público de saúde se
caracterizava pelo repasse de verbas para o setor privado; pelas filas no
atendimento, devido a ausência de assistência que cobrisse as necessidades mais
prementes da população carente, e pela a tecnificação e medicalização da medicina,
inacessível à população (GERSCHMAN, 1995).
Outros Encontros Nacionais de Experiências de Medicina Comunitária se
sucederam, como o II ENEMEC realizado em Pernambuco em 1980, onde a
presença dos delegados era ainda, em sua maioria, de técnicos ligados às
Universidades ou às Secretarias Estaduais e Municipais. Mas, à medida que o
processo de organização do movimento popular foi crescendo, e os encontros
posteriores começaram a ter, em grande número, representantes dos movimentos
61
populares já articulados organicamente em Federações, Associações de Moradores,
Comissões de Saúde, etc.
Assim, o processo de democratização fez com que se colocassem projetos
diferenciados no legislativo e, nesse sentido, constitui marco importante o I Simpósio
Sobre Política Nacional de Saúde, em Brasília; paralelamente, havia as proposições
do movimento municipalista – já expressas na III Conferência Nacional de Saúde,
em 1963. Essa Conferência, segundo Silva (2001), teve o mérito de pela primeira
vez registrar a intenção de incluir na agenda pública a criação de uma rede
municipal de saúde, intenção bloqueada pelo Golpe Militar de 1964.
A partir da Conferência de Alma-Ata e do clima por ela gerado, o governo
federal, através dos Ministérios da Saúde e Previdência e Assistência Social,
expediu a Portaria Interministerial nº 001/78 de 16 de julho de 1978, que estabelecia
as diretrizes dos Serviços Básicos de Saúde.
Essa portaria tratava de um documento cuja importância estava relacionada
diretamente à abordagem e introdução de aspectos inovadores na organização dos
serviços de saúde no Brasil, na medida em que, entre os diversos aspectos
destacava-se o suporte financeiro em nível federal, a hierarquização dos serviços
com complexidade crescente, a regionalização da rede assistencial, prioridade para
instalação dos serviços básicos de saúde onde se exerciam ações de saúde pública,
descentralização do sistema com a distribuição de coordenação, supervisão da
execução e de avaliação nos três níveis do governo, democratização do sistema
através de órgãos colegiados, inclusive com a participação em nível municipal, de
representantes das comunidades (GERALDES, 1992).
Quanto às normas operacionais, a Portaria Interministerial Nº 001/78
classificava como Ações Básicas de Saúde aquelas cuja tecnologia constasse de
62
procedimentos simples, eficazes e de baixo custo a ser efetuado por pessoal técnico
e auxiliares organizados em equipes de saúde, preferencialmente em regime de
turno integral, devidamente capacitados por cursos de formação e de atualização, ou
então, por treinamentos em serviços. As Ações Básicas de Saúde dividiam-se em
três grupos: saúde, saneamento e técnico administrativo (GERALDES, 1992).
Essa foi uma das tentativas de mudança do modelo de atendimento à saúde
vigente na época, que, no entanto, também não se efetivou na prática.
2.1.2 A Saúde a Partir da Década de 1980
A década de 1980 foi um marco histórico privilegiado para consolidação das
expressões organizadas da sociedade em prol da cidadania. Nos anos de 1983/84
aconteceram as maiores mobilizações em prol de eleições diretas para Presidente
da República, o que significou uma enorme pressão política por parte da sociedade,
levando a negociações entre militares e elites de oposição. A transição negociada
culminou com eleições diretas em 1985, através de um Colégio Eleitoral, no qual foi
eleito Tancredo Neves. Com a morte de Tancredo
27
, assume José Sarney
28
, porém,
a maior garantia para o processo democrático pelo qual lutava a sociedade, estava
na figura de Tancredo Neves, que tinha o apoio da maioria do país.
Para Gerschman (1995), a interrupção desse processo histórico de
mudança, deixou a “Nova República” com uma configuração política bastante
distante da democracia, pois velhos pactos se reafirmaram justificando a
27
Na véspera da posse, Tancredo Neves foi internado no Hospital de Base de Brasília com fortes
dores abdomimais. Depois de sete cirurgias, veio a falecer em 21 de abril, vítima de infecção
generalizada. José Sarney tomou seu lugar interinamente no dia seguinte, em 15 de março de 1985.
28
O governo de José Sarney, fruto da morte de Tancredo Neves, se constituiu, na prática, uma
continuação do governo anterior, devido a toda uma história de ligações políticas com militares.
Segundo estudiosos, a ditadura só acabou, de fato, com a primeira eleição de Fernando Henrique
Cardoso, em 1993, ao do governo atual, de Luiz Inácio Lula da Silva.
63
reapropriação dos espaços institucionais estatais com o slogam “tudo pelo social”.
Por outro lado, forças políticas de oposição lutavam para programar políticas
reformistas diante das desigualdades sociais deixadas pelo regime militar.
Aumentava a dívida com o setor público devido aos compromissos do governo com
as velhas elites políticas, através do preenchimento de cargos na máquina estatal,
funcionando como plataforma eleitoral destes políticos para troca de favores,
reproduzindo políticas clientelistas. Se algumas mudanças aconteciam, na medida
em que alguns representantes de oposição eram chamados para ocuparem cargos,
elas, porém, não significavam transformações substantivas nos vícios estruturais
que marcam o nosso país desde os tempos coloniais, como veremos a seguir, a
trajetória histórica de implementação da Reforma Sanitária Brasileira.
Os primeiros anos da década de 1980 foram marcados pela eclosão da
crise da Previdência Social que se refletiu em três vertentes principais: a crise
ideológica, o PREV-SAÚDE; a crise financeira, e a crise político-institucional, o
CONASP (Conselho Consultivo da Administração da Saúde Previdenciária)
(GERALDES, 1992).
A primeira versão do PREV-SAÚDE foi chamada de PRÓ-SAÚDE e, por
imposição do Ministério da Previdência, passou a se chamar PREV-SAÚDE. Porém,
nenhuma das versões chegou a ser assumida oficialmente. As versões eram alvos
de debate público, eram negadas para, depois, aparecerem modificadas, e assim
seguiram até o início do ano de 1981, quando se extinguiu como projeto.
O projeto reformista do Movimento Sanitário, iniciado em meados da década
de 1970, sustentava-se em uma ampla crítica ao modelo de saúde existente,
baseado no crescimento do setor privado à custa do setor público. Diante desse
contexto, o CONASP colocou como alvo a integração das ações de saúde, mas, na
64
prática desdobrou-se, em vários projetos racionalizadores, sendo, um deles, o Plano
de Racionalização Ambulatorial (PRA), o que levou à proposição das Ações
Integradas de Saúde (AIS), em 1983. Podemos perceber as Ações Integradas de
Saúde como um dos principais momentos da história das propostas reformistas.
Como um programa de atenção médica, a partir do fim do regime autoritário, ou
seja, com o advento da Nova República, apresentou um desenho estratégico de co-
gestão, de desconcentração e de universalização de atenção à saúde.
As AIS desenvolveram-se no interior da Previdência Social e propunham
mudanças na relação entre o setor público/privado, passando a privilegiar o setor
público. Pretendiam alterar o modelo médico-assistencial, promovendo ações
integradas e dando prioridade à assistência ambulatorial, estendendo seus serviços
à coletividade e melhorando sua qualidade. Mesmo se tratando de experiência
parcial, pois seria implantada em apenas alguns estados e municípios, previa, ainda
que de maneira incipiente, a existência de instâncias de participação da população
na gestão dos serviços de saúde, o que constitui uma tentativa de descentralização
do sistema. No entanto, as AIS modificaram-se qualitativamente, propositadamente,
para sustentar o modelo médico-assistencial, o INAMPS.
Também em 1981, realizou-se o III ENEMEC (Encontro Nacional de
Experiências de Medicina Comunitária), em São Paulo, cujo tema principal foi o
relacionamento entre técnicos, profissionais de saúde e a população. O IV
ENEMEC, realizado no mesmo ano, abandonou a medicina comunitária como eixo
temático organizativo do movimento popular em saúde, para constituir-se, ele
próprio, em instâncias de organização política em nível nacional de luta pela
melhoria da saúde, mudando a denominação dos encontros seguintes para
“Encontro Nacional do Movimento Popular em Saúde”.
65
Após a VIII Conferência Nacional de Saúde, em 1986, que trataremos a
seguir, os encontros voltam a ter feição estadual e municipal no processo de
implementação da Reforma Sanitária, sendo substituídos, no âmbito nacional, pelas
Plenárias Nacionais de Saúde.
A VIII Conferência Nacional de Saúde
29
, convocada pelo Ministério da
Saúde, através do decreto Lei nº 91466 de 23/07/85 e realizada em março de 1986,
foi o evento político-sanitário mais importante da década, para o qual confluiu todo o
movimento iniciado desde os anos 1970, vindo a definir o projeto da Reforma
Sanitária Brasileira. Essa conferência diferiu-se das demais, primeiro pelo seu
caráter democrático e pela significativa presença de milhares de delegados,
representativos de quase todas as forças sociais interessadas na questão da saúde;
segundo, pela sua dinâmica processual, que se iniciou por conferências municipais,
depois estaduais até chegar ao âmbito nacional.
O Projeto da Reforma Sanitária se sustentou num conceito de saúde
ampliado, relacionando a saúde às condições gerais de vida, como a moradia,
saneamento, alimentação, condições de trabalho, educação, lazer, ou seja, os
cuidados com a saúde ultrapassam o atendimento à doença para se estenderem à
prevenção e ao melhoramento das condições de vida geradoras de doenças.
Mas, para que essa nova concepção de saúde/doença se efetivasse no
campo da prática seriam necessárias mudanças na política de saúde tais como: a
criação de um sistema único de saúde com predomínio do setor público, a
descentralização do sistema e a hierarquização das unidades de atenção à saúde, a
participação e o controle da população e a readequação financeira do setor.
29
As Conferências foram instituídas como instâncias decisórias da política de saúde pela Lei 379, de
13/01/37, devendo ser convocadas com intervalo máximo de dois anos. Mas, a I Conferência
somente aconteceu em 1942 e as seguintes foram convocadas em intervalos irregulares. Foi na VIII
Conferência que pela primeira vez na história das políticas de saúde, registrou-se a presença de
organismos da sociedade civil e, particularmente, pelos movimentos sociais em saúde.
66
Assim, através da VIII Conferência, a saúde rompeu com o muro que
separava a medicina preventiva da assistência médica curativa e com o INAMPS
(pelo menos no plano ideal), que com sua proposta corporativa foi extinto. Estava
colocado um novo valor, o de que a Reforma Sanitária Brasileira deveria ser feita a
partir da sociedade brasileira. Foi o primeiro momento em que usuários, gestores,
profissionais e servidores estavam juntos, pois, até então, as conferências eram
instâncias internas do Ministério da Saúde.
Essa Conferência teve desdobramento imediato num conjunto de trabalhos
técnicos, desenvolvidos pela Comissão Nacional de Reforma Sanitária e passou,
com seu relatório final, a constituir-se no instrumento que viria influir de forma
determinante em dois processos que se iniciaram em 1987: um no Executivo, a
implantação do Sistema Único e Descentralizado de Saúde – SUDS
30
; e outro no
Congresso Nacional, a elaboração da Nova Constituição (1988), produzindo um
capítulo dedicado à definição da saúde no interior da seguridade social, como direito
universal e dever do Estado (GERALDES, 1992).
No período de implementação entre o SUDS (1987) e o SUS (1990), para
que o SUDS cumprisse seu papel e para que não houvesse retrocesso, contribuíram
forças políticas (governadores, prefeitos, organizações profissionais e dirigentes de
saúde) e movimentos sindicais, populares, instituições acadêmicas. Também,
segundo Silva (2001), nesse período a delegação de responsabilidades, o processo
de descentralização, significava apenas desconcentração de recursos federais para
os Estados.
30
As Ações Integradas de Saúde (AIS), em 1984, e os Sistemas Unificados e Descentralizados de
Saúde (SUDS), 1987, foram programas precursores do SUS e iniciaram a operacionalização de
alguns de seus princípios, como a descentralização e a participação” (CARVALHO, 1997, p. 97).
67
Quanto ao Movimento Popular em Saúde (MOPS), nesse momento histórico
se deu a articulação do movimento a fim de implantar a “Reforma Sanitária”. Este
pode ser considerado o momento de maior complexidade na trajetória dos
movimentos populares em saúde; as diferenças existentes no interior do MOPS
tornaram-se evidentes após a VIII Conferência Nacional de Saúde, momento em que
se buscava a implementação do que fora conquistado legalmente: uma parte do
movimento via a necessidade do Estado de operar modificações nas políticas de
saúde sem implementação de mudanças substantivas no sistema de saúde e, outra
parte, defendia a Reforma Sanitária, mesmo com as dificuldades que a
implementação deste processo comportava. Essa luta passou, então, a travar-se no
terreno dos enfrentamentos políticos das diversas facções da tecnoburocracia do
setor.
As tentativas políticas de transformação do sistema de saúde por parte do
‘Movimento Sanitário’ – com a ocupação dos espaços nos Ministérios da Saúde e
Previdência Social – produziram avanços importantes em prol da Reforma Sanitária,
porém difíceis de serem mantidos no espaço da luta estatal e/ou burocrática. Isso
levou “à relativização dos resultados aprofundando-se as desavenças entre o
movimento sanitário e o MOPS, ao mesmo tempo em que se produziram divisões no
próprio MOPS” (GERSCHMAN, 1995, p. 85).
O SUDS enfrentou enormes dificuldades em sua implantação, dentre elas:
o avanço das burocracias locais e a interferência de políticas clientelistas no
nível municipal, o emperramento dos repasses dos recursos para estados e
municípios, sem que se conseguisse detectar em que lugar estes
desapareciam, e os entraves legais e operacionais no financiamento dos
Conselhos de Saúde que obstaculizaram a participação da população na
gestão das unidades locais (GERSCHMAN, 1995, p. 120).
68
Da mesma forma que a Reforma Sanitária foi apontada como o único
caminho possível para a democratização da saúde e seu usufruto pelo conjunto da
sociedade – especialmente pelas camadas pobres da população – o SUDS foi
apontado, pelas sociedades médicas e outras entidades, como “única saída” para a
situação do sistema público de saúde, mas as denúncias relacionadas com as
dificuldades na implementação da Reforma Sanitária, na sua totalidade, eram pouco
enfáticas e muito mais gerais se comparadas às ações desenvolvidas pelo governo
no emperramento do SUDS.
Em 1988, com a promulgação da Constituição Federal, conforme exposto no
Art. 199, a saúde foi definida como resultante de políticas sociais e econômicas,
como direito de cidadania e dever do Estado, como parte da seguridade social e
cujas ações e serviços devem ser providos por um sistema único de saúde
organizado segundo as seguintes diretrizes: descentralização, comando único em
cada esfera do governo, atendimento integral e participação comunitária. Ao mesmo
tempo, abriu-se espaço para a atuação privada, ou seja, de forma complementar,
autônoma, consagrando a liberdade da iniciativa privada.
Para a efetivação da saúde enquanto direito, no ano de 1988, regulamentou-
se primeiro a Reforma Sanitária na Constituição Nacional e, posteriormente, as
constituições Estaduais e as Leis Orgânicas Municipais estabeleceram os princípios
que norteariam o modelo de atenção e de organização dos recursos de saúde
locais, segundo as diretrizes da Constituição. O sistema descentralizado de saúde
visava, de fato, integrar um único sistema de saúde com cobertura universal,
integralidade das ações, descentralizada, mas com a participação da comunidade
através dos Conselhos Locais de Saúde.
69
Contudo, no final dos anos de 1980 e início dos anos de 1990 são
introduzidas políticas neoliberais que reduzem o papel do Estado, influenciando de
forma decisiva a implantação do SUS.
Segundo Silva (2001), o caráter conservador do então Presidente Collor
impôs dificuldades para a descentralização e democratização da saúde, ao vetar
pontos importantes da Lei Orgânica da Saúde – Lei Federal 8080/90 – como a
participação social, através das Conferências Nacionais de Saúde e dos
Conselhos; a transferência automática de recursos federais para os Estados
e municípios; a formulação de um plano de Carreira, Cargos e Salários para
o pessoal do SUS, Superintendências de Campanhas (SUCAM) e
Fundação Especial de Saúde Pública (FSESP) (SILVA, 2001, p. 138).
Perante o veto do presidente, a Plenária se articulou e conseguiu no
Congresso apresentação de novo projeto de lei, aprovado em 28/12/1990. A nova
Lei, nº 8.142, sancionada na data da aprovação do projeto, dispõe sobre as
realizações das Conferências e Conselhos de Saúde e sobre as transferências
automáticas para Estados e Municípios, tornando obrigatória a criação dos
Conselhos Estaduais/Municipais de Saúde e Fundos da Saúde; a programação
orçamentária; o relatório de gestão local; a contrapartida orçamentária de 10%, e a
formação de uma comissão para a elaboração de Plano de Carreira, Cargos e
Salários. Constituiu-se na vitória do Movimento Sanitário Brasileiro.
Estava criado constitucionalmente o SUS e com ele o modelo de saúde
plural vigente. Para Silva (2001), esse avanço constitui o que alguns pensadores
chamam de “SUS legal”.
A descentralização dos recursos e da gestão foi reafirmada pela publicação,
pelo Ministério da Saúde, em 1993, da Norma Operacional Básica do Sistema Único
de Saúde 01/93 (NOB-SUS/93), que veio inaugurar nova relação do governo federal
com os governos estaduais e municipais.
70
O período mais recente da descentralização tem se caracterizado pelo
Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS) e a proposta do Programa
Saúde da Família (PSF), tema que será abordado no item 3 deste capítulo.
2.2 O SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE (SUS)
Como observamos, o SUS é uma conquista da sociedade brasileira que
tomou forma a partir do movimento de democratização da década de 1980. Ele não
representa uma proposta apresentada por grupos de interesses dentro da cultura
nacional de planos mágicos, mas é algo que vinha sendo discutido amplamente na
sociedade há longo tempo e que em determinado momento, no Congresso Nacional,
adquiriu institucionalidade (MENDES, 1996). Tem como marco histórico mundial a
Conferência de Alma Ata, realizada no Cazaquiestão (Ásia), em 1978, e nacional a
VIII Conferência Nacional de Saúde, em 1986, e as Leis 8.080/90 e 8.142/90.
Antes do SUS, cada município ou Estado organizava a saúde de forma
isolada. A partir da Constituição de 1988, criou-se um sistema único para todo o
país: “As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e
hierarquizada e constituem um sistema único” – artigo 198 (BRASIL, 1988, p.111).
Esse sistema, então, se compõe pela Regionalização, Hierarquização,
Descentralização, Atendimento Integral e Participação da Comunidade.
A Regionalização se constitui na estratégia de hierarquização dos serviços
de saúde e de busca de maior eqüidade. O processo de regionalização deve
contemplar uma lógica de planejamento integrado, compreendendo as noções de
territorialidade, na identificação de prioridades de intervenção e de conformação de
sistemas funcionais de saúde, não necessariamente restritos à abrangência
71
municipal, mas respeitando seus limites como unidade indivisível, de forma a
garantir o acesso dos cidadãos a todas as ações e serviços necessários para a
resolução de seus problemas de saúde, otimizando os recursos disponíveis.
O ordenamento do processo de regionalização em cada Estado é feito pelo
Plano Diretor (PD), elaborado pelos secretários de saúde dos Estados, que deve ser
organizado no sentido de garantir o acesso do cidadão, o mais próximo possível de
sua residência, a um conjunto de ações. Significa que as ações e serviços devem
ser pensados e executados dentro de determinadas regiões a serem definidas
desde o nível municipal (município pode dividir-se em distritos sanitários) passando
pelo nível estadual até o federal. O poder público deve organizar as ações e serviços
de saúde a partir das características epidemiológicas, culturais e geográficas das
regiões delimitadas, decidindo se vai construir postos de saúde, pronto-socorro ou
hospitais, dependendo da necessidade das regiões. O importante é garantir o
acesso da população ao sistema de saúde de maneira fácil e integral (BRASIL,
2002).
Quanto à Hierarquização, além das ações e serviços estarem perto das
pessoas (regionalização), devem estar articulados entre si. Ou seja, quando a
pessoa entra em qualquer unidade de saúde do sistema, esta unidade precisa
solucionar o problema. Quando não têm condições de resolver o problema naquela
unidade, ela tem a responsabilidade de encaminhar a pessoa imediatamente a uma
outra unidade mais especializada, para receber o atendimento necessário, seja ela
pública ou privada, mas, sempre deve haver um esforço para garantir a saúde a
partir de meios próprios, e só recorrer ao privado quando necessário. A iniciativa
privada conveniada ao SUS deve se adaptar às regras do sistema público de saúde.
Isso está na Constituição Federal e na Lei 8.080/90, em seu art. 22: “na prestação
72
de serviços privados a assistência à saúde, serão observados os princípios éticos e
as normas expedidas pelo órgão de direção do Sistema Único de Saúde – SUS
quanto às condições para seu funcionamento” (BRASIL, 1990).
Quanto à Descentralização, uma das preocupações do Movimento Sanitário
Brasileiro foi pensar um sistema que não tivesse suas ações definidas pelo
Ministério da Saúde em Brasília, com base nas idéias de alguns técnicos. Era
preciso dar poder aos municípios para que eles garantissem saúde à sua população
a partir da sua realidade. Conforme o Art. 30, inciso VII, aos Estados e à União cabe
a responsabilidade de cooperação técnica e financiamento (BRASIL, 1988, p. 32).
Quanto à Integralidade, toda pessoa, independente de contribuir com a
Previdência ou não, tem direito ao acesso integral à saúde. Desde as ações de
prevenção até a assistência de alta complexidade, ou de tratamento de doenças.
Nesse sentido, diz a Constituição Federal, em seu artigo 198, inciso II: “atendimento
integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços
assistenciais” (BRASIL, 1988, p. 113). Ou seja, não pode haver indissociabilidade
entre atenção preventiva e atenção curativa.
Quanto à Participação da Comunidade – a primeira experiência de
participação popular no controle social da política de saúde foi garantida pelo
Movimento da Reforma Sanitária, em 1983, com a implementação da Comissão
Interinstitucional Municipal da Saúde (CIMS). “Em 1987, com o SUDS, ampliou-se a
participação popular. Em 1988, os movimentos garantiram a aprovação do SUS na
Constituição, e a participação popular através dos Conselhos de Saúde e das
Conferências de Saúde” (FORUM SUL DE SAÚDE, s/d, p.14).
Assim, com as mudanças políticas e econômicas da década de 1980, se
estabeleceu a relevância pública para todas as ações e serviços de saúde, estatais
73
e privados, configurando-se no atual sistema plural, composto pelo SUS, pelo
sistema de atenção médica supletiva e pelo sistema de desembolso direto, já
descritos no item 1.1. deste capítulo.
No entanto, apesar de se registrar avanços no controle social, na
descentralização dos serviços, especialmente na atenção básica, o desenho
constitucional de legalização do SUS ocorreu/ocorre paralelamente a uma crise
fiscal e política do Estado. Esse quadro de crise do Estado, segundo Mendes (1996),
é determinante do que se convencionou denominar de “universalização excludente”
em que a expansão da universalização do sistema de saúde veio sempre
acompanhada da exclusão de segmentos sociais de camadas médias e do
operariado qualificado.
Nesse aspecto, Antunes (2001) lembra que há SUS e “SUS”, ou seja, há
exemplos no país de honradez e dignidade na organização de sistemas municipais
voltados para a garantia de acesso, qualidade e integralidade da atenção, mas,
também, em boa parte dos municípios brasileiros, existem governantes que, além de
não repassarem recursos do município para o SUS, ainda desviam o que recebem
do Ministério da Saúde, assim como, alguns governos que, apesar da Emenda
Constitucional 29 (institui Responsabilidade Fiscal dos Municípios), ignoram suas
responsabilidades financeiras com o SUS.
2.2.1 A Crise do SUS
A crise do SUS, segundo Mendes (1996), é entendida de modo diferente por
três correntes do pensamento: a Incrementalista, a Racionalista e a Estruturalista.
74
Para os adeptos da corrente do pensamento Incrementalista, a crise do SUS
decorre do baixo nível dos recursos investidos em saúde, explicação que pode
encontrar respaldo em países de renda muito baixa, mas não em países ricos.
Nesse sentido, Mendes (2004) coloca os seguintes dados sobre gastos (per capita)
em saúde no ano de 2001 em alguns países: o Brasil gastou US$ 222,00, o Uruguai
US$ 603,00, a Argentina US$ 679,00, a Itália US$ 1.426 e os Estados Unidos US$
2.763.
Esses dados demonstram o baixo gasto sanitário do Brasil frente a outros
países sul-americanos, sem contar a significativa diferença em relação aos dois
outros países citados (europeu e norte-americano). Ainda, o gasto sanitário
brasileiro é de baixa qualidade, pois a proporção do gasto público em relação ao
gasto total é de apenas 41,6%; nos países que construíram sistemas públicos
universais essa proporção é superior a 70%. (OMS, apud MENDES, 2004, p 2).
Outro indicador da saúde é que
os países pobres têm a seu cargo 90% das doenças que ocorrem no
mundo, mas não têm mais de 10% dos recursos globalmente gastos em
saúde; 1/5 da população mundial não tem qualquer acesso a serviços de
saúde modernos e metade da população mundial não tem acesso a
medicamentos essenciais. Apesar do aumento chocante da desigualdade
entre países pobres e países ricos, apenas 4 destes últimos cumprem sua
obrigação moral de contribuir com 0,7% do PIB para ajuda ao
desenvolvimento (OMS apud SANTOS, 2002, p. 35).
Portanto, para o pensamento incrementalista o dilema do SUS para os
pobres, ou para todos, tem sua origem e solução no financiamento público da saúde.
Para a corrente Racionalista, a crise da saúde deriva da ineficiência interna
do setor e, como conseqüência, canaliza para o controle das irracionalidades
intrínsecas ao setor de saúde. “A racionalização em saúde é a procura sistemática
de formas mais eficientes de produção e da eliminação de consumo desnecessário e
75
a seleção de bens e serviços de maior utilidade para a sociedade” (MENDES, 1996,
p.19).
Assim, o objetivo da racionalização é diminuir custos sem impactos
negativos nos níveis de saúde e aumentando a eficiência, eficácia e efetividade das
ações desenvolvidas. Esta proposta é hegemônica no momento.
Há que ressaltar, no entanto, que essa perspectiva de reforma setorial é
gerada pelo discurso econômico e, por isso, há pouco espaço para o discurso
epidemiológico. Nesses termos, a política sanitária vem reduzindo-se a uma questão
econômica: como produzir uma melhor atenção médica e como distribuí-la.
Para a Corrente Estruturalista, a crise da saúde tem uma determinação
estrutural que decorre da impossibilidade de conciliar, na prática sanitária, o conflito
entre as forças expansivas do sistema de saúde com seus mecanismos de controle.
A dinâmica do sistema de saúde encontra-se pressionada entre os
Mecanismos de Controle e as Forças Expansivas. Estas Forças Expansivas são,
para Mendes (1996), a Densidade/transição demográfica; Acumulação
epidemiológica; Medicalização; Urbanização; Incorporação Tecnológica;
Incrementação da Força de Trabalho; e Corporativismo Empresarial e Profissional,
que descrevemos a seguir.
- Densidade/transição demográfica: vem produzindo mudanças na estrutura
etária da população: a redução das taxas de mortalidade e fecundidade reduz a
proporção de indivíduos menores de 15 anos e aumenta relativamente os maiores
de 65 anos (IBGE, apud JORGE; GOTLIEB, 2000, p.9).
Proporção (%) de habitantes menores de 15 anos e de 65 anos e mais (1940-1996)
Décadas - 15 anos 65 +
1940 42,6 2,4
1960 42,6 2,7
1980 38,2 4,0
1996 31,6 5,4
(Fonte: IBGE, 1997- JORGE; GOTLIEB, 2000).
76
A população brasileira em 1940 era de 41.165.289 habitantes e em 1996
passou para 157.079.573 habitantes. (IBGE, apud JORGE; GOTLIEB, 2000, p.9).
Esse crescimento populacional se acentuou a partir da década de 1940,
quando passou a haver um decréscimo relativamente rápido da mortalidade infantil,
mantendo-se alta a fecundidade que só começou a cair a partir da década de 1970.
A queda da fecundidade foi a maior responsável pela desaceleração do
crescimento populacional: na década de 1970 a proporção era de 5,76 filhos/mulher;
na década de 1980 de 4,35 filhos/mulher e em 1991 de 2,85 filhos/mulher (IBGE,
apud JORGE; GOTLIEB, 2000, p. 9).
Até início da década de 1980, a população brasileira vinha mostrando traços
de uma população predominantemente jovem, resultado de uma longa trajetória de
altos níveis de fecundidade no país.
Se apenas 5,4% da população tinha no mínimo 65 anos, isso soma 8,5
milhões de pessoas (1996) o que representa um número elevado, também sendo
apreciáveis os recursos necessários para assistência médica e reabilitação, em
razão da alta prevalência de doenças crônico-degenerativas (IBGE/1997, apud
JORGE; GOTLIEB, 2000).
- Acumulação epidemiológica: Diz respeito ao surgimento de patologias que
se julgavam controladas, e o aparecimento de novas patologias e doenças
emergentes.
O Brasil é bem o retrato da acumulação epidemiológica, segundo Jorge e
Gotlieb (2000), mais de 50% da mortalidade se deve a doenças do aparelho
circulatório e a causas externas. Permanecem doenças infecciosas e desnutrição,
ressurge a dengue, a tuberculose, o cólera e cresce a AIDS.
77
Porcentagem (%) de óbitos causados por Doenças Infecciosas Parasitárias
ANO 1950 1960 1970 1980 1985 1995
% 36% 26% 16% 9,3% 6,3% 4,3%
População
51.941.767 70.070.457 93.139.037 119.098.992 146.825.475 157.079.573
(JORGE; GOTLIEB, 2000)
Muito embora a porcentagem de óbitos tivesse diminuido ano após anos,
conforme vemos acima, há de se considerar que a população aumentou
consideravelmente, o que significa que, em 1995, ainda morrem em torno de 675
milhões de pessoas vítimas doenças infecciosas e parasitárias.
Segundo Jorge e Gotlieb (2000), os aspectos mais importantes da mudança
no comportamento das doenças infecciosas são: transformações econômicas e
sociais e a influência de novas tecnologias médicas.
- Medicalização: Dá-se mediante rotulação médica a crescentes áreas do
comportamento, convertendo certos problemas em doenças e obscurecendo a
determinação última do processo saúde-doença.
O processo de medicalização tem a ver com uma dupla tendência
convergente: a complexificação da vida cotidiana com a ampliação do
campo dos ‘desvios’ e o desenvolvimento da profissionalização médica que
reforça sua identidade e poder profissional, legitimando a normalização
desses desvios. Daí resulta um processo de medicalização de todos os
padecimentos desumanizando-os, dissocializando-os e convertendo-os em
patologias, e o que é pior, levando à ilusão de que se pode obter saúde
mediante a eliminação de doenças (MENDES, 1996, p.23).
- Urbanização: Tem sido fator determinante da mudança do perfil
epidemiológico e da situação da saúde, especialmente nas grandes cidades. “As
condições de vida nas grandes concentrações urbanas vêm deteriorando-se, seja
pelo resultado da industrialização, seja pela pressão demográfica sobre o meio
ambiente, seja pela existência de graves desigualdades sociais” (MENDES, 1996,
p.23).
78
Proporção (%) da população Urbana e Rural
1940 1950 1960 1970 1980 1991 1996
URBANA 31,2 36,1 45,1 55,9 67,6 75,6 78,4
RURAL 68,8 63,8 54,9 44,1 32,4 24,4 21,6
(JORGE; GOTLIEB, 2000, p. 17)
Essa mobilidade intensificou-se a partir dos anos 1960 devido ao processo
de industrialização do país e conseqüente êxodo rural. As implicações para a saúde
da população migrante mostram-se extremamente desfavoráveis, visto que as
condições de moradia, sob todos os aspectos, são as piores possíveis, geralmente
favelas nas periferias dos grandes centros.
- Incorporação tecnológica: Constitui um dos principais fatores da “inflação
médica”, gerando a tendência do aumento do preço dos serviços médicos acima dos
índices gerais de preços da economia. Em outros setores da economia a tecnologia
é substitutiva de outra, na saúde é cumulativa. Os tomógrafos não substituem os
aparelhos de Raio X, mas somam-se a eles. A tecnologia biomédica difunde-se com
extrema rapidez. Boa parte dessa tecnologia é incorporada sem comprovação de
sua eficácia. Essa singularidade da tecnologia médica permite estabelecer uma lei
para seu uso: se há tecnologia médica ela tende a ser usada (MENDES, 1996).
Isso implica grandes gastos nas políticas públicas de saúde, freqüentemente
injustificados em termos de aquisição dessa tecnologia e com pessoal para
operacionalizá-la – se gasta em equipamentos caros e não se investe em prevenção
– isso explica em parte a crise da saúde sem melhorar o atendimento.
Para Capra (1982, p. 142), “a tecnologia pesada assumiu um papel central
na moderna assistência médica. No início do século, a proporção de pessoal auxiliar
era de cerca de um para cada dois médicos; hoje pode chegar a 15 para cada um”.
E complementa:
1 em cada 5 pacientes admitidos em um típico hospital de pesquisa adquire
uma doença iatrogênica (doenças geradas pelo próprio processo de
79
assistência médica), sendo que metade dos casos são o resultado de
complicações da farmacoterapia, enquanto somente 10% resultam de
procedimentos diagnósticos (CAPRA, 1982, p. 142).
Não somente nos hospitais de pesquisa, mas nos hospitais que prestam
assistência médica, verificam-se casos de pacientes internados, especialmente após
procedimentos cirúrgicos, em que os mesmos adquirem algum tipo de infecção
hospitalar, agravando-se o quadro clínico; também existem casos de uso de
medicamentos compostos por determinadas substâncias que, se ingeridas, causam
efeitos colaterais graves e até à morte.
- Incrementação da Força de Trabalho: Dá-se porque o setor de saúde é
mão-de-obra intensiva, e como conseqüência há uma propensão à expansão da
força de trabalho. Há uma pressão do mercado educacional de saúde pela
incorporação dos profissionais do setor ao sistema de saúde, bem como se cria a
necessidade de profissionais capacitados para operar com os instrumentos da alta
tecnologia.
- Corporativismo Profissional: As corporações empresariais expressas na
indústria da saúde (medicamentos, equipamentos biomédicos, prestadoras,
administradores, seguradoras de serviços de saúde), tendem a pressionar o sistema
para obter mais lucro, independente das necessidades sociais da saúde.
A indústria farmacêutica movimenta anualmente 350 bilhões de dólares. É o
setor da economia que mais investe em pesquisas e as estratégias de marketing
são: distribuição de remédios gratuitamente entre os profissionais da saúde; os
laboratórios subsidiando a ida de médicos a congressos/seminários internacionais
montados especialmente para propaganda de um novo remédio (postura
questionável do ponto de vista ético, uma vez que pode influenciar na relação custo-
benefício na hora de receitar um medicamento) (BUCHALLA, 2002).
80
As corporações profissionais, conforme Mendes (1996), se estruturam em
torno do profissionalismo, especialmente médico. Esse profissionalismo, a que se
refere o autor, está associado à autonomia profissional, expressa na liberdade do
médico de decidir, sem interferências externas, o que deve ser feito, transformando-
se em juiz das próprias ações, o que deriva do monopólio do conhecimento técnico,
ou seja, as corporações transformam-se em grupos de interesses ou de pressão
permanente.
Assim,
dessas forças expansivas resulta que o sistema de saúde passa a ser
prisioneiro de diversos grupos de interesses, o que leva à ausência de
objetivos, à pobreza de resultados sanitários e à impossibilidade de uma
ação eficaz de natureza intersetorial (MENDES, 1996, p.26).
Esta não é uma crise conjuntural, mas uma crise estrutural que só pode ser
resolvida mediante a transformação da prática sanitária vigente. Para Mendes
(1996), as críticas que se fazem ao SUS decorrem de uma análise superficial do
sistema. Na realidade, trata-se de uma crise de serviços de atenção médica, crise
mais agudamente manifesta na desorganização dos hospitais e dos ambulatórios,
em que se misturam filas, atendimento desumanizado, pacientes nos corredores,
mortes desnecessárias, etc.
São problemas que não surgem como conseqüência do SUS, são problemas
históricos, que têm, de um lado, o reflexo da crise do Estado e, de outro, a
expressão localizada da crise universal do modelo flexneriano de atenção médica.
Problemas que se agravam com o momento histórico em que o SUS foi criado, com
a diminuição do seu financiamento no início de sua implantação e com a
incorporação de milhões de brasileiros, resultado da universalização do sistema.
Dessa forma, ao passo que constitucionalmente se propõe um sistema
público universal para todos os brasileiros, na realidade o SUS vai se consolidando
81
como um espaço destinado aos que não têm acesso aos subsistemas privados,
como parte de um sistema segmentado.
2.3 PROGRAMAS E PROJETOS EM DESENVOLVIMENTO PELO MINISTÉRIO
DA SAÚDE
Os principais programas hoje desenvolvidos, conforme publicação do
Ministério da Saúde (BRASIL, 2005), são os a seguir descritos.
- Cidade Saudável – O conceito de “cidade saudável”, originado no Canadá
na década de 1980, serve hoje como parâmetro para nortear projetos de saúde que
vêm se desenvolvendo em diversas partes do mundo. Considera-se que uma
“cidade saudável” deve ter: uma comunidade forte, solidária e construída sobre
bases de justiça social, na qual ocorre alto grau de participação da população nas
decisões do poder público; ambiente favorável à qualidade de vida e saúde,
ambiente limpo e seguro, que satisfaça as necessidades básicas dos cidadãos,
incluindo alimentação, moradia, trabalho, acesso a serviços de qualidade em saúde,
educação e assistência social; vida cultural ativa, sendo promovido o contato com a
herança cultural e a participação da população numa grande variedade de
experiências.
- Banco de leite humano: - É um programa em ação conjunta realizada pela
Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ) e o Programa Nacional de Incentivo ao
Aleitamento Materno (PNIAM), com o objetivo de promover uma expansão quali-
quantitativa dos Bancos de Leite Humano no Brasil.
- Bolsa Alimentação
– O funcionamento do Programa Bolsa-Alimentação
consiste na complementação da renda familiar, com recursos da União, para
melhoria da alimentação e das condições de saúde e nutrição.
82
- Brasil Sorridente – É um programa que engloba diversas ações do
Ministério da Saúde e busca melhorar as condições de saúde bucal da população
brasileira.
- Cartão Nacional de Saúde
– O objetivo do Cartão Nacional de Saúde é
facilitar o atendimento, possibilitando uma identificação mais rápida do paciente, a
marcação de consultas e exames e melhorar o acesso aos medicamentos
fornecidos pela rede do SUS.
- Doe Vida, Doe Órgãos – Estimula a doação de órgãos, tecidos, medula
óssea e sangue que podem salvar vidas. No Brasil, a doação só acontece mediante
consentimento dos familiares.
- Farmácia Popular
– É um programa do Governo Federal para ampliar o
acesso da população aos medicamentos considerados essenciais. A Fundação
Oswaldo Cruz (FIOCRUZ), órgão do Ministério da Saúde e executora do programa,
adquire os medicamentos de laboratórios farmacêuticos públicos ou do setor
privado, quanto necessário, e disponibiliza nas Farmácias Populares a baixo custo.
Um dos objetivos do programa é beneficiar principalmente as pessoas que têm
dificuldade para realizar o tratamento por causa do custo do medicamento.
- HumanizaSUS
– É a proposta de uma nova relação entre usuário, os
profissionais que o atendem e a comunidade. Todos juntos trabalhando para que o
SUS seja mais acolhedor, mais ágil, com locais mais confortáveis. Que atenda bem
a toda comunidade.
- Política Nacional de Alimentação e Nutrição – Tem como propósito garantir
a qualidade dos alimentos colocados para o consumo no país, da promoção de
práticas alimentares saudáveis e da prevenção e controle dos distúrbios nutricionais.
83
- Programa de Volta para Casa – É um programa de reintegração social de
pessoas acometidas de transtornos mentais, egressas de longas internações,
segundo critérios definidos na Lei nº 10.708, de 31 de julho de 2003, que têm como
parte integrante o pagamento do auxílio-reabilitação psicossocial.
- Programa Etnodesenvolvimento das Sociedades Indígenas
- Busca garantir
os direito das populações indígenas, sua integridade territorial e cultural.
- Programa Nacional de Controle do Câncer do Colo do Útero e de Mama -
Viva Mulher – Tem como objetivo principal reduzir, substancialmente, o número de
mortes causadas pelo câncer do colo do útero e de mama, permitindo à mulher um
acesso mais efetivo ao diagnóstico precoce pelo exame Papanicolaou e exame
clínico das mamas, além do tratamento adequado do tumor.
- Programa de Controle do Tabagismo e Outros Fatores de Risco de Câncer
– Programa coordenado e executado em âmbito nacional. Este Programa visa à
prevenção de doenças na população através de ações que estimulem a adoção de
comportamentos e estilos de vida saudáveis e que contribuam para a redução da
incidência e mortalidade por câncer e doenças relacionadas ao tabaco no país. As
ações do Programa são desenvolvidas em parceria pelas três instâncias
governamentais – federal, estadual e municipal – para capacitar e apoiar os 5.561
municípios brasileiros e abrangem as áreas da educação, legislação e economia.
- Projeto Expande
- Desenvolvido juntamente com as Secretarias de
Assistência à Saúde e Secretaria Executiva, ambas do Ministério da Saúde. Tem
como principal objetivo estruturar a integração da assistência oncológica no Brasil a
fim de obter um padrão de alta qualidade na cobertura da população.
- QualiSUS
– Pesquisa realizada pelo Ministério da Saúde, em parceria com
o Conselho Nacional de Secretários de Saúde (CONASS), que revela que as filas
84
nas emergências dos hospitais, o longo tempo de espera para a realização de
exames e cirurgias e a incapacidade das unidades de saúde de acolherem os
pacientes são queixas freqüentes entre os usuários do SUS. De acordo com a
pesquisa, concluída no final de 2003, mais de 90% da população brasileira é usuária
de alguma forma do SUS. O resultado da pesquisa serviu de parâmetro para a
elaboração do QualiSUS, um conjunto de mudanças que visa proporcionar maior
conforto para o usuário, atendimento de acordo com o grau de risco, atenção mais
efetiva pelos profissionais de saúde e menor tempo de permanência no hospital.
- REFORSUS
– O Reforço à Reorganização do Sistema Único de Saúde
investe na recuperação da rede física de saúde do País, que presta serviços ao
SUS.
- SAMU - Serviço de Atendimento Móvel de Urgência
– É a forma pela qual o
Ministério da Saúde tem implementado a assistência pré-hospitalar no âmbito do
SUS. O atendimento pré-hospitalar pode ser definido como a assistência prestada,
em um primeiro nível de atenção, aos portadores de quadros agudos, de natureza
clínica, traumática ou psiquiátrica, quando ocorrem fora do ambiente hospitalar,
podendo acarretar sofrimento, seqüelas ou mesmo a morte.
- Sistema de Informação da Atenção Básica
– Tem a função de monitorar os
indicadores de saúde das populações, a partir de informações dos agentes e das
equipes de Saúde da Família.
- Programa Saúde da Família – O principal propósito do Programa Saúde da
Família é reorganizar a prática da atenção à saúde em novas bases e substituir o
modelo tradicional.
85
2.4. O PROGRAMA SAÚDE DA FAMILIA (PSF)
Entre os programas desenvolvidos hoje pelo Ministério da Saúde citados no
item anterior, damos um espaço de destaque ao PSF, tendo em vista que ele
representa a principal estratégia para o aprimoramento e consolidação do SUS.
Segundo o Ministério da Saúde,
a proposta do PSF vem criar condições para viabilização das diretrizes e
princípios organizacionais do SUS, tais como a integralidade, a eqüidade, a
resolutividade e, em especial, a promoção da humanização do atendimento
em saúde, na medida em que os profissionais se vinculam a uma
determinada comunidade ‘criando e aprofundando laços de compromisso e
co-respondabilidade entre instituições, profissionais e população’ (BRASIL,
2001, p.2).
O Programa Saúde da Família é uma proposta que tem por objetivo
substituir as práticas tradicionais por uma nova forma de atenção nas unidades de
saúde, entendidas como primeiro nível de atenção dentro do setor de saúde. Assim,
o PSF está inserido no primeiro nível de ações dos sistemas locais de saúde,
devendo estar vinculado à rede de serviços de forma que se garanta a atenção
integral aos usuários, assegurando a referência e contra referência para os diversos
níveis do sistema, atendendo, assim, o princípio da integralidade e da
hierarquização do SUS.
Conforme Marques (2005), o PSF foi inspirado em experiências advindas de
outros países cuja Saúde Pública alcançou níveis interessantes de qualidade, com
investimentos em promoção da saúde, como Cuba, Inglaterra e Canadá.
No Brasil, o PSF foi precedido pela criação do Programa Agente de Saúde
(PAS), no Estado do Ceará, em 1987. Em princípio, um programa emergencial para
o período de seca e, dado seu êxito na redução da mortalidade infantil, foi
86
transformado em programa permanente. Essa experiência, além de outras, serviu de
base para a implantação do Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS).
Podemos afirmar, então, que uma das primeiras estratégias propostas para
mudança do modelo médico assistencial, pela Reforma Sanitária Brasileira, foi a
criação do PACS com a perspectiva de prevenção à saúde. O PACS inicialmente
significou
o caminho para resolver a dificuldade de acesso aos serviços e a falta de:
credibilidade na prestação dos serviços públicos de saúde; de informações
sobre cuidados básicos de saúde e de resolutividade na atenção à saúde.
Contribuía para essa situação também a ausência de identificação entre as
comunidades e os serviços de saúde. Os Agentes Comunitários foram
pensados para serem mediadores e articuladores entre o serviço e as
comunidades (LIMA; MOURA, 2002, p. 8).
Diante da realidade brasileira, o PSF adquiriu características próprias e,
atualmente, existe em praticamente todo o país. A estratégia do PSF foi iniciada em
1991, sendo instituído oficialmente, pelo Ministério da Saúde, em janeiro de 1994,
quando foram formadas as primeiras equipes de Saúde da Família, incorporando e
ampliando a atuação dos agentes comunitários.
Em 1995, o Ministério da Saúde propôs o Projeto de Recuperação da
Capacidade Operativa da Rede do Sistema Único de Saúde - REFORSUS
31
, com a
finalidade de estender a cobertura e promover a qualidade da assistência, a
recuperação física da rede e o incremento da capacidade de gestão. Para viabilizar
estes propósitos, o REFORSUS deveria destinar financiamentos às áreas prioritárias
do Ministério da Saúde, e as propostas do PSF de reorientar e organizar as práticas
de atenção à saúde, vem ao encontro dos objetivos do REFORSUS. “O PSF
encontra no REFORSUS a viabilidade de captar recursos para sua expansão,
31
O Objetivo geral do REFORSUS é implementar ações estratégicas destinadas a fortalecer o
desenvolvimento do SUS, de modo a contribuir para a garantia da universalidade, integralidade e
eqüidade no acesso aos bens e serviços de saúde (BRASIL, 1996a).
87
impulsionando as mudanças no modelo assistencial, necessárias ao aprimoramento,
fortalecimento e consolidação do Sistema Único de Saúde” (BRASIL, 1996, p. 3). Ou
seja, o PSF é uma área programática do REFORSUS, servindo como apoio à
melhoria da capacidade e da eficácia do Sistema Único de Saúde (BRASIL, 1996a).
O REFORSUS/PSF apoiaria: financiamentos de readequação física
(reforma, ampliação, conclusão de Unidades Básicas de Saúde); aquisição de
equipamentos para adequação tecnológicas das Unidades de Saúde, com a
finalidade de ampliar sua resolubilidade; implantação de pólos de capacitação
32
,
formação e educação permanente para pessoal de Saúde da Família, e inovações
gerenciais.
O REFORSUS está dirigido a instituições públicas municipais, estaduais e
federais; fundações; autarquias e empresas públicas do setor saúde; instituições
privadas sem fins lucrativos conveniadas ao SUS.
Com a implantação do PSF, as Unidades Básicas de Saúde passaram a ser
Unidades de Saúde da Família, com a proposta de privilegiar a atenção básica,
fazendo a maior parte dos atendimentos na própria unidade e incorporando ações
intersetoriais como educação, saneamento e meio ambiente, no sentido de melhoria
da qualidade de vida da população assistida (BRASIL, 2001).
Os objetivos do PSF são:
Divulgar o conceito de saúde como qualidade de vida e de direito do
cidadão;
Promover a família como núcleo básico da abordagem no atendimento à
saúde da população; num enfoque comunitário;
32
Pólo de capacitação, formação e educação permanente em saúde da família é a articulação de
uma ou mais instituições voltadas para a formação, capacitação e educação permanente de recursos
humanos em saúde, vinculados às universidades ou constituem instituições isoladas de ensino
superior e que se consorciam ou estabelecem convênios com Secretarias de Estado de Saúde e/ou
Secretarias Municipais de Saúde para estabelecerem programas destinados ao pessoal vinculado à
prestação de serviços em saúde da família, no âmbito de um ou mais municípios. É, portanto, uma
rede de instituições comprometidas com a integração ensino/serviços voltados para atender à
demanda de pessoal preparado para a estratégia de Saúde da Família, no âmbito do SUS (BRASIL,
1996).
88
Prestar atendimento básico de saúde, de forma integral, a cada membro
da família, identificando as condições de risco para a saúde do individuo;
Proporcionar atenção integral, oportuna e continua à população, no
domicilio, em ambulatórios e hospitais;
Agendar o atendimento à população, com base na programação
existente, sem descartar a possibilidade de atendimentos eventuais e
domiciliares;
Humanizar o atendimento e estabelecer uma relação interventiva com a
comunidade;
Organizar o acesso ao sistema de saúde;
Ampliar a cobertura e melhorar a qualidade do atendimento no sistema
de saúde;
Promover a supervisão e a atualização profissional para garantir boa
qualidade e eficiência no atendimento;
Levar ao conhecimento da população as causas que provocam as
doenças e os resultados alcançados na sua prevenção e no seu
atendimento;
Incentivar a participação da população no controle do sistema de saúde.
(BRASIL, 2001, p. 7).
Cada ESF é composta, no mínimo, por um médico, um enfermeiro, um
auxiliar de enfermagem e quatro a seis Agentes Comunitários de Saúde (ACS).
Além da equipe mínima, também faz parte das atividades, para cada duas ESF, a
Equipe de Saúde Bucal (ESB), composta por um dentista, um técnico em higiene
dental e um auxiliar de consultório dentário. Outros profissionais, tais como
assistente social e psicólogo, poderão ser incorporados ou formar equipe de apoio,
de acordo com as necessidades e possibilidades locais. A Unidade Saúde da
Família pode, ainda, atuar com uma ou mais equipes, dependendo da concentração
de famílias no território sob sua responsabilidade.
Segundo o Ministério da Saúde,
espera-se, dos integrantes da Saúde da Família, que estejam preparados
para dar solução aos principais problemas de saúde da comunidade,
organizando suas atividades em torno do planejamento de ações, saúde,
promoção e vigilância, trabalho interdisciplinar em equipe e abordagem
integral à família (BRASIL, 2001, p. 73).
O número máximo de ESF (Equipe Saúde da Família) em cada município,
financiadas pelo Ministério da Saúde, nas normas vigentes até 2001, é calculado
dividindo-se o total de habitantes do município por 3.450. Para a implantação da
89
Equipe de Saúde Bucal (ESB), a população a ser coberta por cada equipe é de até
6.900 pessoas, na proporção de uma ESB para cada duas ESF implantadas
(BRASIL, 2001).
Em muitas áreas onde o PSF ainda não foi implantado, os Agentes
Comunitários de Saúde (ACS)
33
estão vinculados às unidades básicas tradicionais e
são capacitados e supervisionados por enfermeiros para o desenvolvimento de
ações de prevenção de doenças e de promoção da saúde. Onde existe o PSF,
recebem treinamento da equipe.
Assim, a implantação do Programa de Agentes Comunitários de Saúde
(PACS), é considerada como uma estratégia transitória para o estabelecimento de
vínculos entre os serviços de saúde e a população. É estimulada até que seja
possível a plena expansão do PSF, no qual os Agentes Comunitários são
gradativamente incorporados (BRASIL, 2001).
O sucesso do Programa não é geral, assim como o controle comunitário
proposto. A adesão dos municípios ao Programa pressupõe a existência de
Conselhos Locais e Municipais de Saúde, os quais os governantes, geralmente,
tentam controlar ao máximo, indicando seus membros e, quando conseguem, estes
Conselhos tornam-se instituições formais com inexpressiva operacionalidade.
Existem situações em que os profissionais também são contratados – muitas vezes
– entre parentes dos governantes ou seus indicados e que nem sempre cumprem as
oito horas previstas. O Ministério da Saúde tem suspendido o repasse de verbas
para algumas prefeituras, devido a irregularidades em sua utilização, “evidenciando
uma cultura política na qual o clientelismo e a utilização do dinheiro público para o
33
O ACS é capacitado para reunir informações de saúde sobre a comunidade onde mora. O requisito
básico é ser morador do bairro, ter bom engajamento na comunidade onde mora. É responsável por
acompanhamento de aproximadamente 150 famílias que vivem no seu território de atuação.
(BRASIL, 2001).
90
benefício de grupos politicamente dominantes continua vigorando” (LIMA; MOURA,
2002, p 11).
Mesmo assim, segundo estudo de Lima e Moura (2002), o Programa tem
dado resultados positivos na redução de índices de mortalidade infantil e de
atendimento primário à população. E Barros (2003, p.126) observa que, em locais
onde os objetivos do Programa são respeitados,
essa reestruturação da atenção primária através do Programa de Agentes
Comunitários de Saúde (PACS) e do Programa Saúde da Família (PSF),
vem operando dentro do SUS uma mudança no modelo assistencial, tanto
pelas alterações nas modalidades de alocação de recursos e formas de
remuneração das ações de saúde, quanto na forma de organização dos
serviços.
Mas, para que essa reestruturação tome forma continua de ampliação e
mudança no modelo de atenção à saúde, é necessário, conforme Barros (2003), que
se cumpram os protocolos de implantação, no que diz respeito às obrigações e
responsabilidades de cada um dos setores envolvidos: Ministério da Saúde,
Secretarias Estaduais e Municipais de Saúde e Profissionais das Equipes do PSF.
Entender o PSF como estratégia de mudança significa repensar práticas,
valores e conhecimentos de todas as pessoas envolvidas no processo de produção
social da saúde. Amplia-se a complexidade das ações a serem desenvolvidas pelos
profissionais de saúde e diminuem os limites e aumentam suas possibilidades de
atuação, requerendo desses profissionais novas habilidades. Não se vai trabalhar
apenas com o usuário dos serviços de saúde, mas com um novo usuário, inserido
na sua comunidade com sua família, seus costumes, sua cultura, seu status social e,
principalmente, sua condição de cidadão.
Dessa forma, a saúde como um direito de cidadania torna-se fundamento
básico da estratégia Saúde da Família. Interagindo com a população, os
profissionais podem desencadear mudanças significativas nas comunidades em que
91
atuam; basta observarem o cotidiano dessas pessoas, entendendo-os como
cidadãos de direitos, e simultaneamente se reportarem à sua condição de
profissionais com uma função social e aos conceitos de saúde e princípios do SUS,
organizando assim seus objetivos. É nessa perspectiva de mudança que deve
existir, fundamentalmente, a implantação do PSF nos municípios, o contrário, ou
seja, persistindo práticas antigas, o PSF não tem razão de ser.
Na tensão entre práticas tradicionais e a possibilidade de práticas
alternativas e inovadoras, que vêm ao encontro dos propósitos constitucionais, é que
buscamos compreender, no próximo capítulo, a partir de uma realidade concreta,
como tem se constituído o processo de implementação do Sistema Único de Saúde
no município de Ponta Grossa.
CAPITULO 3
A GESTÃO DA POLÍTICA DE SAÚDE NO MUNICÍPIO DE PONTA GROSSA
NÃO SE CRIA IGUALDADE POR LEI, ainda que
não se consolide a igualdade sem lei.
[JAIRNILSON SILVA PAIM]
3.1 PROCESSO DE COLETA DOS DADOS
Este capítulo se constitui na reflexão sobre a construção/organização do
setor de saúde no município de Ponta Grossa – Paraná a partir do contexto de
transição democrática, em meados da década de 1980, momento histórico em que o
Movimento Sanitário Brasileiro tomou maior visibilidade nacional, desembocando na
legalização constitucional do SUS. Período este que abrange as últimas seis
administrações municipais (incluindo a atual): 1985 /1988, Prefeito Otto Cunha;
1989/1992, Prefeito Pedro Wosgrau Filho; 1993/1996, Prefeito Paulo Cunha
Nascimento; 1997/2000, Prefeito Jocelito Canto; 2001/2004, Prefeito Péricles de
Holleben Mello e a atual administração iniciada em 2005 tendo novamente como
Prefeito Pedro Wosgrau Filho.
Tal período foi delimitado neste recorte histórico, tendo em vista as
mudanças ocorridas no setor saúde em termos de conjuntura nacional e também por
ser praticamente inexistente estudo em relação ao mesmo no Município de Ponta
Grossa.
Para nos aproximarmos da realidade, no sentido de visualizar a atuação dos
gestores, profissional e líder comunitário em relação ao fenômeno estudado,
elaboramos questões que nos nortearam na entrevista dos mesmos.
93
O questionário é composto por perguntas que se referem à realidade vivida
por esses sujeitos em suas experiências relacionadas à política da saúde do
Município, e como percebem o modelo de atenção à saúde instituído com o SUS.
Destacamos que os entrevistados foram selecionados a partir dos seguintes
critérios:
- Secretários de Saúde das seis administrações Municipais aqui estudadas,
por serem eles os gestores da política de Saúde no Município. Os mesmos foram
denominados S1, S2, S3, S4 e S5. A denominação S6 não aparece tendo em vista
que um dos secretários foi gestor em duas dessas administrações, circunscrevendo-
se na denominação S2.
Esclarecemos ainda que o Secretário de Saúde com denominação S4
(administração municipal 1997/2000), após tomar conhecimento do conteúdo da
entrevista, declarou não estar disponível para conceder a mesma. Também, é
relevante esclarecermos que o Secretário de Saúde S3 (administração 1993/1996)
nos concedeu apenas 15 minutos de entrevista e que, por isso, algumas questões
ficaram sem resposta.
- Quanto ao profissional da área da saúde, foi selecionado aquele que fosse
de nível superior e estivesse presente nas seis administrações atuando no setor de
saúde, ou seja, que acompanhou o processo de construção da Política de Saúde no
Município de Ponta Grossa. Nesse sentido, nossa pesquisa restringiu-se a um
profissional, o qual, por ser servidor público estadual da 3ª Regional de Saúde desde
1982 e por esta instituição trabalhar em parceria com o município,
presenciou/presencia mais diretamente a organização/atendimento do setor. Os
demais profissionais estiveram mais diretamente ligados à organização/atendimento
94
do setor em uma ou outra administração apenas. O profissional selecionado é
Engenheiro Sanitarista e o denominamos de Es.
- Quanto à liderança comunitária, foi entrevistado um líder, cuja escolha
teve como base sua participação na condição de líder comunitário nas seis
administrações. Nas quatro primeiras administrações o mesmo teve participação
ativa nas associações de moradores e, posteriormente, nas duas últimas
administrações (2001/2004 e a atual 2005/2008), na condição de representante dos
Conselhos Locais de Saúde. O líder comunitário está aqui denominado de Lc.
Vale ressaltar, quanto ao profissional e ao líder comunitário escolhidos como
sujeitos da pesquisa, que, além da participação dos mesmos nos momentos
históricos citados, constituíram e constituem sujeitos significativos nas diferentes
gestões, mesmo naquelas com viés ideológico diferente.
95
3.2 RESPOSTAS DA REALIDADE PESQUISADA
3.2.1 Descentralização Político-Administrativa e Municipalização da Saúde
A descentralização da política de saúde é um dos eixos das reformas sociais
que vem se realizando no Brasil e na América Latina a partir da década de 1980,
cujo objetivo é melhorar a eficiência dos serviços e fortalecer o processo de
democratização através da ampliação da eqüidade dessa política.
Na administração 1985/1989, havia um planejamento elaborado, conforme
relata o Secretário de Saúde daquela administração: “
nós queríamos criar três postos de
saúde de grande tamanho, seria um em Uvaranas, um em Oficinas e um em Nova Rússia
34
.
Os postos de periferia, dependendo da necessidade, encaminhariam os indivíduos para estes
três postos maiores. Estes três postos maiores distribuiriam e com isso criaríamos o sistema de
referência e contra-referência
35
. Era o início do que culminou com as Ações Integradas de
Saúde, que era o início da municipalização da saúde”
(S1).
Também relata o Engenheiro Sanitarista que
Na administração de 1985, o
Secretario de Saúde começou a organizar o serviço e justamente nessa época, 85/86/87, foi a
época da implementação das AIS
[Ações Integradas de Saúde], que era o processo de
descentralização do sistema de saúde, onde cada município fazia um convênio com o Estado
para poder desenvolver essas AIS; o que tinha como fundamental, era trabalhar a questão
da Atenção Básica”
(Es).
34
Uvaranas, Oficinas e Nova Rússia são bairros da cidade de Ponta Grossa/PR.
35
Referência é o encaminhamento de um paciente, por exemplo, de uma Unidade Básica de Saúde
para um centro de especialidades com a finalidade de realização de um diagnóstico mais preciso; a
contra-referência é o retorno desse paciente ao local de atendimento anterior com tal diagnóstico
para tratamento.
96
O movimento e as ações em direção às transferências de atribuições e
encargos da esfera federal para os Estados e para os municípios tiveram início em
1983, ainda durante o Regime Militar. Induziu-se, de forma ainda tênue, os primeiros
mecanismos de transferência de recursos da União através do ex-INAMPS para os
municípios por meio da implantação das Ações Integradas de Saúde (AIS).
Assim, as AIS significavam o início da descentralização político-
administrativa do sistema de saúde em Estados e municípios; um programa de
atenção médica que, a partir do fim do regime autoritário, apresentou um desenho
estratégico de co-gestão participativa através dos Conselhos de Saúde, de
desconcentração/descentralização e de universalização do acesso da população à
atenção à saúde.
Nesse aspecto,
municipalizar a gestão é trazer poder e recursos para quem administra em
nível local, perto das necessidades da população, de onde acontecem as
coisas. A realidade está nos Municípios onde o cidadão nasce, vive,
trabalha, contribui, pois Estado e União são abstrações político-
administrativas (BARROS, 2003, p. 65).
A importância da descentralização político-administrativa é reafirmada por
S1: “A União tem uma dificuldade, e o próprio Estado, de se conscientizar das necessidades
locais. É preciso, nesse país, que as pessoas olhem com mais cuidado para isso, que cada
cidade é uma cidade, cada bairro é um bairro. Não adianta mandar carteira escolar para
cidade que está precisando de giz, cada município tem que administrar suas necessidades e
seus recursos. Aqui é mais fácil fiscalizar esses recursos, você tem acesso, você sabe quem são
as pessoas, onde moram”
.
Quanto à descentralização, podemos afirmar que se trata de um conceito
complexo, pois,
97
envolve uma série de aspectos complementares e interdependentes – a
direcionalidade do processo, a condição de meio ou fim e a participação
social – e deve ser sempre analisada a partir de sua associação a um
determinado objeto. Nesse aspecto, a descentralização no sentido da
saúde, em que são abordados temas referentes às políticas sociais, a
administração pública da saúde, e aí a descentralização se traduz como a
transmissão de comando, execução ou, financiamento desta política do
nível central para os níveis intermediários ou locais, com correspondente
autonomia política, financeira e institucional (BARROS, 2003, p. 66-67)
[SIC].
A Reforma Sanitária passou a ter considerável importância em nível
municipal, pois, com a regulamentação do SUS na Constituição de 1988 e Leis
Orgânicas, passou a ocorrer transferência dos serviços para Estados e municípios,
embora o processo tenha permanecido/ainda permaneça incompleto. Isso, de um
lado, pelos empecilhos que o INAMPS e o governo federal opuseram ao processo,
tais como a transferência dos recursos e, principalmente, no que diz respeito ao
financiamento
36
. Assim, a continuidade e o aprofundamento do processo de
municipalização ficaram, em grande parte, no âmbito político de governadores e
prefeitos.
Quanto às barreiras colocadas ao processo de municipalização, diz S1: “
na
época
[gestão 1985/1988] foi feito um levantamento aqui em Ponta Grossa, dos
gastos/custos das casas da saúde; nós conseguimos levantar os custos de todos os hospitais,
demoramos dois anos para fazer isso com os hospitais particulares credenciados, postos de
saúde. Nós fizemos todo o levantamento de quanto se gastava, só não conseguimos saber
quanto gastava o INAMPS na época; esse não nos repassou a quantia, nem de quanto
arrecadava, nem de quanto distribuía. Essa era a perspectiva de municipalizar a saúde; aí
36
“Entende-se por financiamento as diferentes modalidades de provimento de recursos necessários
para o setor de saúde. Podem-se identificar duas modalidades básicas ou ‘puras’ de financiamento –
aporte de recursos públicos ou privados”. O modelo brasileiro de financiamento da saúde combina
várias origens de recursos, sendo que cerca de 2/3 deles são de origem pública (ELIAS, 1996, p. 93).
Reza a Constituição Federal de 1988, em seu Art. 198, Parágrafo Único, que “O Sistema Único de
Saúde será financiado [...] com recursos do orçamento da Seguridade Social, da União, dos Estados,
do Distrito Federal e dos Municípios, além de outras fontes” (BRASIL, 1988).
98
tivemos uma reunião em Pato Branco [Município do Paraná] com o Secretário Estadual de
Saúde e representantes de 28 municípios com um programa de municipalizar a saúde. Nessa
reunião tivemos uma notícia, e eu vou repetir ‘ipsis verbi’, o que ele disse: que ‘o Ministério
da Saúde não tinha a chave do cofre, quem tinha era o Ministério das Finanças’ e que,
portanto, não saberia como financiar a municipalização da saúde”
(S1).
A descentralização de políticas públicas exige uma redistribuição de funções
que supõe alterações no âmbito institucional, financeiro, entre outros, isto é,
mudanças em todo um modo de planejar, executar e de pensar políticas públicas,
vigentes até então.
As políticas públicas
37
, até a década de 1980, caracterizavam-se, primeiro,
pela centralização decisória e financeira na esfera federal, cabendo a Estados e
municípios apenas o papel de executores, quando envolvidos em uma política
específica. Esta centralização favorecia a troca de favores clientelistas entre
governos estaduais e municipais e governo federal, garantindo determinada política
para sua clientela. Segundo, mesmo com a centralização na esfera federal, as
políticas se caracterizam também pela fragmentação institucional, ou seja, o aparato
institucional estatal se dava de forma desordenada por sobreposição de instituições
novas e pré-existentes, sem coordenação das ações dos diversos órgãos, o que
comprometia a eficácia e a efetividade das políticas. Terceiro, cada política social e
cada setor do serviço público era concebido de forma independente dos demais,
sem a articulação das ações entre as diferentes áreas, o que levava ao
comprometimento de determinadas políticas pela inexistência de serviços
complementares.
37
Políticas públicas entendidas como uma linha de ação para satisfação das necessidades sociais.
São caracterizadas por direitos sociais declarados e garantidos em lei. É através delas que são
distribuídos os bens e serviços demandados pela sociedade. Fundamentam-se no direito coletivo e
não no direito individual.
99
Outra característica era a exclusão da sociedade civil na formulação e
implementação das políticas e do controle das ações governamentais. A
implementação dos programas e a alocação dos recursos eram influenciadas pela
relação entre políticos e clientela.
Para Campos (1998, p.2), a descentralização de poder para os municípios
(processo de municipalização) e a instalação de Conselhos e Conferências de
Saúde
estão entre os principais dispositivos sugeridos pelo SUS para alterar o
funcionamento burocrático do Estado. Ainda que para lograr algum grau de
participação popular ou de municipalização haja dificuldades imensas, estas
medidas parecem insuficientes tanto para alcançar os objetivos do SUS,
quanto para diminuir o alto grau de alienação que se constata entre a
maioria dos trabalhadores.
Assim, as políticas públicas são instrumentos de desenvolvimento e o
Estado é uma organização legitima na programação dessas políticas. No entanto, é
evidente que em um país repleto de desigualdades, com interesses privados tão
fortemente incrustados em um Estado que poucas vezes esteve a serviço das
classes populares, a luta pela Reforma Sanitária Brasileira seria longa e penosa e
estava apenas começando. Muito embora tenham sido alcançados grandes avanços
na construção de um sistema de saúde mais democrático, eqüitativo e universal,
existia ainda um longo caminho de luta a percorrer, o que ancora/justifica o exposto
por S1 em relação à administração Municipal de 1985/1988.
100
3.2.2 A Integralidade no Atendimento em Saúde
A integralidade da assistência apareceu com força nos debates desde a
década de 1970, evidenciando a necessidade de atendimento dos problemas de
saúde individuais e coletivos, cuidando da qualidade da saúde e não apenas das
doenças ou situações de risco de vida.
O termo integralidade tem sido utilizado para designar uma das diretrizes
básicas do SUS. Embora o texto constitucional não utilize esse termo, ele se
expressa, no artigo 198, inciso II: “atendimento integral, com prioridade para as
atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais” (BRASIL, 1988).
A garantia da eqüidade de acesso passa pelo conceito de integralidade. Os
programas tradicionais de saúde pública e as ações orientadas para segmentos
específicos da população devem também ser direcionados para o conceito de
integralidade, defendendo-se o fortalecimento do município na gestão de toda
política de saúde. Deste modo, a integralidade deve ser colocada como questão
central e fio condutor para a construção do modelo de atenção à saúde e para a
atuação dos profissionais que a compõem, sem discriminação de qualquer natureza.
A noção de integralidade, incorporada ao sistema de saúde como princípio,
está presente em vários níveis das discussões e das práticas da saúde, ela
apresenta diferentes sentidos para análise. Ela (a integralidade) perpassa pelo
comportamento dos profissionais isoladamente e em equipe, pelas relações dessas
equipes com a rede de serviços como um todo, pela formação dos profissionais,
pelas políticas públicas e por um sistema coletivo preparado para ouvir,
compreender e, a partir disso, atender às demandas e necessidades dos cidadãos.
101
3.2.2.1 A Organização do Setor de Saúde
Um dos sentidos da integralidade relaciona-se mais diretamente com a
organização dos serviços e das práticas de saúde. A organização dos serviços em
saúde vai determinar, em grande parte, a direção das ações, que tanto podem
dissociar medicina curativa de medicina preventiva como podem integrar estes dois
campos de atenção em saúde.
Hoje se critica muito um traço predominante do modelo assistencial: a
assistência médica centrada nos hospitais. Se a assistência médica centrava-se nos
hospitais, também havia uma marcante distinção entre serviços de saúde pública e
serviços assistenciais. A população precisava dirigir-se a diferentes unidades de
saúde conforme suas necessidades dissessem respeito à assistência médica ou às
práticas de saúde pública. Hoje, com a nova política de saúde, espera-se que estas
dimensões sejam desenvolvidas em conjunto.
A primeira administração municipal aqui estudada, 1985-1988, coincide com
o momento histórico em que o Movimento Sanitário Brasileiro toma visibilidade
nacional na luta por reformas no campo da saúde. Ponta Grossa, nesse período,
quanto à organização do setor de saúde, iniciava o processo de implantação das
Ações Integradas de Saúde (AIS) e uma experiência em medicina comunitária
conforme relata o Secretário de Saúde daquela administração:
“tomamos uma atitude
que os chineses tomaram na época que chamavam os ‘médicos de pés descalços’ que iam até à
população. Era um programa voltado à população carente”
(S1).
Sobre esse assunto, Es diz: “
Nessa gestão, de 85 a 88, as AIS foram bem
trabalhadas no município de Ponta Grossa, inclusive com a vinda para o município de uma
equipe de médicos, enfermeiros que começaram a fazer, nas unidades de saúde da época, um
102
trabalho”. Segundo este mesmo profissional, a característica das ações na época era
do “médico trabalhando o dia inteiro no posto, com enfermeiro”, além disso, “já tinha
também uma organização na parte do Serviço Social e de auxiliares de enfermagem nos
postos. Nessa época ainda não tinha os Agentes Comunitários de Saúde, mas já tinha um
trabalho voltado ao atendimento das pessoas, com delimitação de clientela
38
, com população
adscrita
39
já em várias unidades de saúde da cidade”.
Era o principio de uma organização do setor de saúde em nível municipal,
dentro do que vinha propondo o Movimento de Reforma Sanitária e que viria a se
consolidar, ainda no período daquela gestão municipal, na Constituição Federal de
1988 e nas legislações posteriores. Constituía-se como uma organização do setor
de saúde bem próxima, em objetivos, do que é proposto hoje pela política de saúde
via estratégia Saúde da Família.
Na administração seguinte, 1989/1992, já havia sido promulgada a nova
Constituição e, com ela, a institucionalização do SUS e, em seguida, as Leis
8.080/90 e 8.142/90 que regulamentam a operacionalização do sistema de saúde,
abrangendo a definição de saúde/doença preconizada pelo Movimento Sanitário
Brasileiro. Segundo Inojosa e Junqueira (1997), definição esta que se contrapõe ao
modelo de atenção à doença, requerendo consideração de outras políticas como a
educação, habitação, renda e mesmo a política econômica. Uma visão de saúde
e/ou doença como conseqüência de múltiplas determinações.
Assim, essa segunda administração aqui estudada aconteceu no momento
em que toda a luta pela Reforma Sanitária Brasileira, os princípios por ela
38
Delimitação de clientela – como se tem atualmente: “População que reside em uma determinada
área delimitada para cada Agente Comunitário de Saúde” (Es). Entretanto, na fala do Es, no período
citado, não se tem clareza dos critérios utilizados para tal delimitação.
39
População adscrita: “é a população que tem como referência determinada Unidade Básica de
Saúde” (Es).
103
difundidos, tomaram forma no plano legal. Porém, a organização do setor de saúde
seguiu direção diversa da administração anterior, ou seja, não deu continuidade ao
trabalho de saúde comunitária iniciado e tão pouco a implementação das Ações
Integradas de Saúde (AIS), dentro dos propósitos da Reforma Sanitária.
Na administração 1989/1992
“Nós tínhamos que construir uma rede de unidades
de saúde, que foi constituída, e tínhamos que mudar uma série de serviços de atividades
necessitadas. Criamos o Pronto-Socorro Municipal, porque o atendimento na urgência e
emergência era uma das grandes carências da cidade. No próprio complexo do hospital nós
criamos o Centro Municipal de Especialidades, que era outra carência; a cidade era sensível
por um Centro Regional de Especialidades, e havia muita carência em termos de recursos
humanos, criamos o centro municipal para incrementar este atendimento; criamos um
laboratório geral, também dentro do complexo, que incrementou bastante a realização dos
exames complementares e serviços auxiliares de terapia. Montamos na época – era bom e hoje
está desatualizado – o Centro Radiológico nesse complexo e montamos também o Centro de
Atenção à Saúde Mental, Centro Melo Neto que, posteriormente, foi desativado. Tudo isso
fazia parte daquele complexo do Pronto-Socorro. E no próprio Centro de Ação Social uma
série de serviços complementares à saúde e, principalmente, destinados à Assistência Social,
que nos pensamos já na época
(S2).
Como se observa na fala do Secretário de Saúde da Administração
1989/1992, a ênfase na organização do setor de saúde está na reforma, ampliação e
atendimento hospitalar. A criação do Pronto Socorro, do Centro Regional de
Especialidades, do Laboratório, do Centro Radiológico e do Centro de Atenção à
Saúde Mental, são procedimentos, sem dúvida, indispensáveis para o atendimento
104
de urgência/emergência e no auxílio a diagnósticos mais precisos. No entanto, não
são referendados na fala do Secretário S2, programas de saúde preventiva; apenas
refere-se a serviços complementares, em especial, os destinados à assistência
social.
Na administração seguinte, 1993/1996, persiste o modelo de organização da
administração imediatamente anterior, conforme diz o Secretário de Saúde: “
Os
primeiros quatro anos da gestão do
[prefeito] Paulo Cunha Nascimento, o Pronto Socorro
funcionou de modo adequado, tendo sido implantado o serviço de trauma e ortopedia,
inaugurando, portanto, esse tipo de atendimento. As pessoas eram recebidas no saguão de
pré-consulta com o atendimento social e de médico com
pouca
espera. Fazíamos um
atendimento de especialidade na parte dos fundos do hospital onde havia sido uma antiga
maternidade do Hospital São Lucas. Foi construída a Unidade de Saúde Prof. Dr. Mario
Braga de Abreu na Vila Liane, com 1.200 m de área construída, onde a finalidade era fazer
um atendimento de urgência em várias especialidades, retirando esse tipo de atendimento do
Pronto Socorro. Foi construído o Hospital da Criança ‘Prefeito João Vargas de Oliveira’,
com 2.660 metros de área construída, sem verbas do governo federal ou estadual, apenas com
as atitudes do município de Ponta Grossa. Foram aumentadas e recuperadas várias
Unidades de Saúde. Fizemos um esforço muito grande adquirindo medicação da FURP - da
Fundação de Remédios Popular de São Paulo – onde se comprava remédio com preços
significativamente mais baratos, em torno de até 40%, e pudemos colocar medicação com
mais de 80 itens de remédios em todas as Unidades de Saúde. Recrutamos serviços de
Endoscopia, de Radiologia, quando adquirimos dois aparelhos de Raio X e colocamos um no
Hospital da Criança e outro no Pronto Socorro, facilitando os diagnósticos que necessitavam
105
de estudo radiológico, inclusive com estudo de Raio X com contraste no aparelho urinário e
no aparelho digestivo. Foi adquirido o aparelho de ultra-som, onde as gestantes faziam o
acompanhamento da gestação com este tipo de exame. Os exames complementares eram feitos
num laboratório aonde hoje, ou antigamente era a Saúde Pública, com um laboratório
exemplar. Foi criado o serviço de Fisioterapia, também no centro da antiga Saúde Pública. O
relacionamento com os hospitais foi de importância vital, porque pudemos conceder à Santa
Casa a aparelhagem para a UTI, no valor de U$ 100.000, bem como o Hospital Bom Jesus.
Ao Hospital Vicentino foram doados aparelhos em torno de U$ 30.0000, ao Hospital
Evangélico também alguma coisa significativa, proporcional à sua atividade. Para a antiga
Maternidade Santana, nos últimos meses do governo Paulo Cunha Nascimento, foi colocado
algum tipo de incremento econômico ou financeiro. Portanto, nós achamos que foram
atividades que, durante os quatro anos de gestão do Paulo Cunha Nascimento,
impulsionaram o atendimento da saúde em nossa cidade, e atendíamos a região”
(S3 grifo
derivado da ênfase na fala do entrevistado).
Na administração anterior (1989/1992), como já citado, foi criado o Pronto
Socorro Municipal, assim, na administração seguinte, 1993/1996 havia duas
estruturas hospitalares no Município: o Pronto Socorro Municipal e o Hospital da
Criança. Sobre este aspecto, Es destaca:
“mesmo não estando numa forma de gestão
que era da gestão do serviço hospitalar, porque nessa época da implantação do SUS, tinha lá
uma NOB
[Norma Operacional Básica da Saúde] 01/93 ou 96 dizendo qual era a forma
de gestão; então, Ponta Grossa estava na gestão parcial, tinha municípios que estavam na
gestão semiplena que recebiam recursos para fazer a gestão inclusive da assistência
hospitalar. Como Ponta Grossa estava na gestão parcial, ele só recebia no pleno para os
106
hospitais, pelos serviços que ele prestasse, e você sabe que hospital custa muito caro e o que se
remunerava pelo SUS para os hospitais não era suficiente para manter esses hospitais, então,
havia um aporte de recursos muito grande do orçamento do município para estas duas
instituições hospitalares públicas e isso em detrimento da atenção básica. Então, desde essa
época já tinha nitidamente o modelo de assistência implantada no município, era um modelo
hospitalocêntrico que privilegiava esses dois hospitais, e isso permaneceu até os dias de hoje,
a gente vê que grande parte dos recursos – o município continua até hoje na gestão plena da
atenção básica, mas que não é gestor da área hospitalar, mas mantém dois hospitais, e isso
daí traz um custo muito grande financeiro para a manutenção – que poderiam estar sendo
aplicados na atenção básica. Então, o que marcou foi a concentração no atendimento
hospital, sempre”
.
Para os municípios, a NOB SUS nº 01/93 estabeleceu três condições de
gestão: Gestão Incipiente do Sistema Municipal, Gestão Parcial do Sistema
Municipal e Gestão Semiplena do Sistema Municipal.
a) Condição de Gestão Incipiente do Sistema Municipal
– caberia ao
município:
- assumir imediata e progressivamente a responsabilidade sobre a
contratação e autorização do cadastramento de prestadores, programar e autorizar
internações hospitalares e procedimentos ambulatoriais, e controlar e avaliar os
serviços públicos privados;
- demonstrar disposição e condição de assumir o gerenciamento das
unidades ambulatoriais públicas existentes no município, desenvolvendo ações
básicas de saúde, nutrição, educação, vigilância sanitária e epidemiológica e
aquelas ligadas à saúde do trabalhador.
107
Nesta condição o município receberia apenas o recurso correspondente aos
serviços realizados pelas próprias unidades, adicionados aos recursos do Fator de
Apoio à Municipalização (FAM).
b) Condição de Gestão Parcial do Sistema Municipal – caberia ao município
assumir na íntegra as responsabilidades previstas na condição anterior, recebendo,
mensalmente, além dos recursos provenientes da fatura de seus serviços e dos
recursos do FAM, recursos financeiros correspondentes à diferença entre o teto
estabelecido para custeio de todos os serviços de saúde realizados no município e o
gasto efetivamente realizado.
Com relação ao Fundo de Apoio à Municipalização, conforme Carvalho et al
(2001, p. 46), “na prática, porém, esta diferença nunca foi repassada aos municípios
que assumiram esta modalidade de gestão”.
c) Condição de Gestão Semiplena do Sistema Municipal
– caberia ao
município, além das competências descritas na gestão parcial, assumir a completa
responsabilidade sobre a gestão da prestação de serviços: o planejamento,
cadastramento, contratação, controle e pagamento de prestadores ambulatoriais e
hospitalares, públicos e privados. Nesta modalidade, o município receberia
mensalmente um teto financeiro, estabelecido para o município pela CIB
40
e
aprovado pelo Conselho Nacional de Saúde, através de repasse direto do Fundo
Nacional de Saúde para o Fundo Municipal de Saúde.
Na época, esta (a gestão semiplena) foi “a única modalidade que de fato
representou a descentralização com autonomia para os municípios na organização
40
Conforme NOB-SUS 01/96, a Comissão Intergestora Tripartite (CIT) e a Comissão Intergestora
Bipartite (CIB), são instâncias básicas para a viabilização dos propósitos integradores e
harmonizadores, são os fóruns de negociação, integrados pelos gestores municipal, estadual e
federal. Por meio dessas instâncias e dos Conselhos de Saúde, são viabilizados os princípios de
unicidade e de eqüidade (BRASIL, 1996).
108
do sistema de saúde e, ao mesmo tempo, maior responsabilidade com o resultado
de suas ações” (CARVALHO et al, 2001, p. 47).
Apesar dos avanços conseguidos com a NOB nº 01/93,
três quartos dos recursos federais destinados ao custeio da assistência à
saúde ainda eram repassados através do pagamento por produção de
serviços, igualando estados e municípios, sob este aspecto, aos demais
prestadores de serviços (CARVALHO et al, 2001, p. 47).
Para superar limites da descentralização contidos na NOB nº 01/93, surgiu a
NOB-SUS Nº 01/96. As principais mudanças dizem respeito à forma de repasses
financeiros, com transferência regular e automática fundo a fundo, possibilitando
autonomia aos municípios e Estados para gestão descentralizada.
A NOB/96 habilitava os municípios em duas condições: Gestão Plena da
Atenção Básica e Gestão Plena do Sistema Municipal. No processo de habilitação
às condições de gestão estabelecidas na NOB/96, eram considerados os requisitos
já cumpridos para habilitação nos termos da NOB nº 01/93, cabendo ao município ou
ao Estado pleiteante a comprovação do cumprimento dos requisitos introduzidos ou
alterados pela NOB/96, observando os seguintes procedimentos: para que os
municípios habilitados nas condições de gestão incipiente e parcial pudessem
assumir a condição plena da atenção básica definida na NOB/96, deveriam
apresentar a CIB determinados documentos que completam os requisitos para
habilitação.
a) Na Gestão Plena da Atenção Básica
, o município assume as seguintes
responsabilidades:
- gestão e execução da assistência ambulatorial (consulta médica em clínica
geral, pediatria e ginecologia, atendimento de enfermagem e atendimentos básicos
em odontologia), além das ações de vigilância epidemiológica e sanitária;
109
- gestão de todas as unidades básicas de saúde (públicas e privadas)
vinculadas ao SUS;
- autorização das internações hospitalares e procedimentos ambulatoriais
especializados;
- elaboração da programação pactuada e integrada; controle e avaliação da
assistência básica.
b) Na Gestão Plena do Sistema Municipal
as responsabilidades do município
são:
- gestão de todas as ações e serviços de saúde no município (ambulatoriais
e hospitalares);
- gestão de todas as unidades de serviços de saúde (públicas e privadas)
com vínculo ao SUS;
- controle, avaliação, auditoria e o pagamento das ações e serviços de
saúde no município;
- operar o Sistema de Informações Hospitalares (SIH/SUS
41
) e o Sistema de
Informações Ambulatoriais (SIA/SUS
42
);
- elaboração da Programação Pactuada e Integrada (PPI)
43
;
41
Refere-se à Remuneração de Internações Hospitalares, que “consiste no pagamento dos valores
apurados por intermédio do Sistema de Informações Hospitalares do SUS (SIH/SUS), englobando o
conjunto de procedimentos realizados em regime de internação, com base na Autorização de
Internação Hospitalar (AIH), documento este de autorização e fatura de serviços” (BRASIL, 1996,
p.21).
42
Refere-se à Remuneração de Procedimentos Ambulatoriais de Alto Custo/Complexidade, o que
“consiste no pagamento dos valores apurados por intermédio do SIA/SUS, com base na Autorização
de Procedimentos de Alto Custo (APAC), documento este que identifica cada paciente e assegura a
prévia autorização e o registro adequado dos serviços que lhe foram prestados. Compreende
procedimentos ambulatoriais integrantes do SIA/SUS definidos na CIT e formalizados por portaria do
órgão competente do Ministério (SAS/MS)” (BRASIL, 1996, p. 21).
43
A NOB/96 cria a necessidade de realização de uma programação Pactuada e Integrada entre
municípios e com a participação do gestor estadual. A elaboração da PPI deve se dar num processo
ascendente, de base municipal, configurando também a responsabilidade do Estado na busca da
crescente equidade, da qualidade da atenção e na conformação de uma rede regionalizada e
hierarquizada de serviços.
110
- administrar oferta de procedimentos de alto custo/complexidade para os
quais é referência.
A Norma Operacional da Assistência à Saúde – NOAS-SUS 01/02 atualiza
as condições de gestão estabelecidas na NOB-SUS 01/96. A NOAS-SUS 01/02
estabelece o processo de regionalização dos serviços de saúde, cria mecanismos
para o fortalecimento da capacidade de gestão do SUS e procede à atualização dos
critérios de habilitação de estados e municípios. A partir da publicação desta Norma
os municípios poderão habilitar-se em duas condições: Gestão Plena da Atenção
Básica Ampliada
44
e Gestão Plena do Sistema Municipal
45
.
Diz ainda que todos os municípios que vierem a habilitar-se na Gestão Plena
do Sistema Municipal, nos termos da NOAS-SUS 01/02, estarão também habilitados
na Gestão Plena da Atenção Básica Ampliada, cabendo à Secretaria Estadual de
Saúde a gestão do SUS nos municípios não habilitados, enquanto for mantida a
situação de não habilitação.
Segundo Es, o Município de Ponta Grossa se encontrava (e ainda se
encontra) habilitado na Gestão Parcial do Sistema Municipal (NOB 01/93) que
corresponde hoje a Gestão Plena da Atenção Básica (NOB nº 01/96). A
porcentagem do orçamento municipal destinado para a saúde destina-se para
aplicação na atenção básica. Desta forma, como o recebimento dos recursos do
fundo nacional para o atendimento hospitalar era mediante prestação de serviços,
44
A Gestão Plena da Atenção Básica Ampliada (GPABA) se refere à ampliação do acesso e da
qualidade da atenção básica. São definidas como áreas de atuação estratégicas mínimas para
habilitação na condição de GPABA: o controle da tuberculose, a eliminação da hanseníase, o controle
da hipertensão arterial, o controle da diabete mellitus, a saúde da criança, a saúde da mulher e a
saúde bucal (BRASIL, 2002).
45
Segundo a NOAS-SUS 01/02, os municípios que vierem a ser habilitados em Gestão Plena do
Sistema Municipal, estarão também habilitados em Gestão Plena da Atenção Básica Ampliada
(BRASIL, 2002).
111
parte dos recursos do orçamento municipal passava a atender à demanda
hospitalar, ou seja, manutenção dos dois hospitais do Município.
Quanto ao orçamento municipal, a proposta da Emenda Constitucional nº 29
(PEC-29), aprovada em meados do ano 2000, determinava que:
- a União teria que agregar 5% a mais ao orçamento da saúde com base no
repasse de 1999. O reajuste ficaria atrelado à variação nominal do Produto Interno
Bruto;
- os Estados teriam que gastar, no mínimo, 7% dos seus orçamentos com
saúde, sendo que esse percentual deveria chegar a 12% até 2004;
- os municípios comprometeriam 7% dos seus orçamentos com saúde,
chegando a 15%, também em 2004.
A Reforma Sanitária não pode ser pensada sem investimentos necessários à
ampliação da rede pública dos serviços, mas também em recursos humanos para
atender a demanda dessa nova política e na atenção básica. “A Reforma Sanitária é
um processo que passou pelas AIS e SUDS, ainda que não se confundisse com os
mesmos [...] e não se restringe a uma reforma administrativa” (PAIM, 1997, p. 15).
A administração seguinte, 1997/2000, foi do Prefeito Jocelito Canto e, em
relação à organização do setor de saúde, Es relata:
“Na administração do [prefeito]
Jocelito, foi a manutenção dessas unidades [de saúde] funcionando e um investimento
grande no Pronto Socorro, mas ainda se mantendo a rede de postos de saúde, atendendo
minimamente, grande concentração de recursos nos hospitais. Manter a estrutura do
Hospital Municipal, foi a grande bandeira deste
[prefeito] em toda a gestão”.
Naquela administração já existiam os Agentes Comunitários de Saúde
(ACS), mas, segundo o Profissional da área de saúde Es,
“sem recursos”. Isto porque
112
os dois hospitais vinham já consumindo grande parte dos recursos que eram destinados para
a saúde, então, dos 20% do orçamento do município destinado para a saúde se usava metade
desse valor para manter os dois hospitais
[Pronto Socorro Municipal e Hospital da
Criança], então ainda, mesmo com a intenção de reverter o modelo para atenção básica, teve
muita dificuldade por questões financeiras”
(Es).
A seguir, apresentaremos alguns dados de implantação dos ACS/PSF na
Região dos Campos Gerais, no período de 1997 a 1999, que nos permitem
visualizar o Município de Ponta Grossa em relação a outros municípios de pequeno
porte da região.
PACS implantados na Região dos Campos Gerais a partir de junho/1997
REGIONAL MUNICIPIO REGIÃO
URBANA
Nº REGIÃO
RURAL
NUMERO
DE ACS
3 Arapoti 8 7 15
3 Piraí do Sul 5 0 5
3 Ponta Grossa 9 0 9
3 São João do Triunfo 10 2 12
4 Inácio Martins 5 8 13
4 Teixeira Soares 2 6 8
21 Telêmaco Borba 31 - 31
Secretaria de Estado da Saúde -a, 1998 - F\USERS\GPC\SUB-AREA\PACS XLS
Relação dos municípios com ACS Implantados na macro Região Campos Gerais Dez/1998.
REGIONAL MUNICIPIO Nº REGIÃO
URBANA
Nº REGIÃO
RURAL
Nº ACS
3
a
Arapoti 9 9 27
3
a
Castro - - 28
3
a
Ivaí - - 6
3
a
Jaguariaiva - - 30
3
a
Pirai Do Sul 5 0 5
3
a
Ponta Grossa 7 0 204
3
a
São João Do Triunfo - - 12
4
a
Guamiranga - - 9
4
a
Imbituva - - 30
4
a
Mallet - - 12
4
a
Rebouças - - 5
4
a
Teixeira Soares 2 6 13
21
a
Imbau - - 5
21
a
Telêmaco Borba 22 0 40
21
a
Tibagi - - 41
21
a
Ventania - - 6
Secretaria de Estado da Saúde,1998. Curitiba, 1998. F C:\Meus Documentos\Cobertura de ACS
Observação: no quadro acima, onde aparece o traço ( - ) é sem informação.
113
Municípios com Saúde da Família - Região dos Campos Gerais / 1999
REGIONAL MUNICIPIO EQUIPES
3
a
Arapoti 4
3
a
Castro 4
3
a
Ivaí 1
Ponta Grossa 0
4
a
Rebouças 1
21
a
Telêmaco Borba 1
Fonte: Secr. de Estado da Saúde, 1999 C:\Meus Doc\ Cobertura de ACS - por macro xls.
Como podemos perceber através dos dados, o número de ACS para o
Município é inexpressível, o que ancoram a fala de Es quanto à falta de recursos
financeiros para a atenção básica. Recursos que, possivelmente, eram destinados
para suprir a demanda hospitalar.
A quinta administração municipal aqui estudada compreende o período de
2001/2004, do Prefeito Péricles de Holleben Mello. Segundo o Secretário de Saúde
dessa administração, para reorganizar o setor de saúde foi realizada “
Uma análise
diagnóstica do modelo vigente, mostrou a necessidade de mudanças, tendo em vista as
seguintes constatações: 1) das 51 unidades de saúde instaladas, apenas 26 estavam em
operação; 2) demanda de pacientes maior que a oferta de serviços, gerando largas filas de
esperas nas UBS
[Unidades Básicas de Saúde] e áreas de especialidades; 3) insuficiência
de recursos humanos para atender demanda de serviços e/ou para preenchimento dos postos
de trabalho existentes; 4) o modelo de atenção era focado no assistencialismo, sem priorizar a
prevenção, ações educativas, sem análise de diagnóstico epidemiológico da população, sem
mecanismos de controle de qualidade, portanto, era um modelo de ‘medicina curativa’
baseada no atendimento de pacientes em filas de espera sem existir resolutividade dos
problemas, devido à inexistência de programa de saúde focando o paciente; 5) não existia
programa de saúde comunitária (PSF), o que não permitia diagnósticos epidemiológicos por
114
região demográfica; 6) não havia priorização das ações e repasse de recurso municipal aos
programas de atenção primária; 7) mais de 50% dos recursos destinados à saúde eram
destinados ao custeio de atenção secundária e terciária, mostrando desvirtuamento das
atenções que definem a atenção primária como responsabilidade do município, e sua
prioridade; 8) não existia programa de qualificação profissional, para capacitação dos
profissionais de saúde; 9) não existia comprometimento dos profissionais de saúde/servidores
municipais com a comunidade atendida; no caso dos médicos da UBS
[Unidade Básica de
Saúde], a maioria cumpria jornada de trabalho por períodos curtos em várias comunidades;
10) em resumo, a inexistência de programas de saúde transformou os serviços de saúde em
pontos de atendimentos das demandas existentes; a não capacitação profissional e o não
comprometimento dos profissionais de saúde com o resultado, o seu não envolvimento com a
comunidade, acarretaram em baixa resolutividade do sistema, onerando os custos por
desperdício e duplicidade de atendimento”
(S5).
O diagnóstico da organização do setor de saúde, a que se refere S5, levanta
alguns pontos em relação às três administrações anteriores (1989/19921993/1996
1997/2000), entre eles a ênfase na medicina curativa e com esparsas ações em
medicina preventiva ou em atenção básica. Porém, não se pode afirmar, conforme
declara S5, que nas administrações anteriores não existiam profissionais/servidores
comprometidos com a saúde; como também, da mesma forma, não se poderia
afirmar que na sua gestão (2001/2004) todos os profissionais foram comprometidos
com a saúde. O que se pode ter é um engajamento maior de profissionais/servidores
em uma ou outra administração, quando são proporcionadas melhores condições de
trabalho, melhores salários e o reconhecimento de cada especificidade profissional,
na condução de uma política pública.
115
A partir de um diagnóstico da realidade, segundo o Secretário de Saúde S5,
A base das mudanças priorizaram as seguintes diretrizes: atenção básica, com foco nas
ações preventivas, educativas (pré-natal, parto humanizado); implantar programas em
parceria com a União e Estado, como o PSF, inclusive para aporte de recursos financeiros
para seu custeio; garantir o acesso aos serviços, universalizando/democratizando, começando
com a revitalização das UBS e operacionalizando as unidades desativadas; investir em
programas de tratamento e capacitação profissional como cursos/jornadas de enfermagem,
farmacêuticas, etc.”.
Enquanto nas administrações 1989/1992, 1993/1996 e 1997/2000, os
investimentos priorizavam a atenção secundária e terciária, a administração
2001/2004 passou a priorizar a atenção primária (básica). Nesse sentido, se
analisarmos as competências das gestões municipais, anteriormente citadas através
das Normas Operacionais Básicas da Saúde, Ponta Grossa se encontrava (e se
encontra) na modalidade de Gestão Plena da Atenção Básica, isto é, sua
responsabilidade era, e continua sendo, com a atenção primária, ficando o
atendimento de média e alta complexidade para a instância de gestão estadual.
Na administração de 2001 a 2004, a organização do setor de saúde levou a
ações que priorizam a atenção básica e medidas preventivas em saúde. Foram
criadas, no Município de Ponta Grossa, as primeiras equipes do Programa Saúde da
Família, programa este instituído oficialmente pelo Ministério da Saúde em 1994,
quando foram formadas as primeiras equipes Saúde da Família no país.
Conforme o Secretário de Saúde daquela administração (2001/2004), “
Com
relação às deficiências de atenção secundárias e terciárias, onerosas, não havia recursos
municipais suficientes para investimento/custeio destes serviços; buscaram-se parcerias com
116
União/Estado/iniciativa privada para aumentar a oferta de leitos hospitalares, aumentando
o número de leitos de UTI adulto, de 16 para 40; criação da primeira UTI neonatal da
região, com seis leitos. Também em parceria com o governo do Estado, obtivemos recursos
para reforma e ampliação do Pronto Socorro, do Hospital da Criança, das Unidades Básicas
de Saúde, implantação de 15 equipes do PSF e ampliação do mesmo, para implantação do
SAMU
[Serviço de Atendimento Móvel de Urgência]; com recursos federais iniciou-se a
implantação do primeiro CAPS – Centro de Atenção Psicossocial/álcool e droga e recebemos
ambulâncias para o SAMU”
(S5).
Segundo o profissional Es
, “a administração do [prefeito] Péricles, tentou
resgatar o atendimento da rede ambulatorial com a implantação do Programa Saúde da
Família, Agente Comunitário; retomar, porque na administração do
[prefeito] Jocelito já
tinha Agente Comunitário de Saúde, mas sem recursos, porque os dois hospitais vinham já
consumindo grande parte dos recursos que eram destinados para a saúde, então, se buscou os
recursos externos para implantação do Programa Saúde da Família, ampliação do Agente
Comunitário de Saúde, recursos para melhorar a estrutura física dos postos de saúde, que
desde a gestão do
[prefeito] Wosgrau [1989/1992] nunca mais tinha sido feito investimento
em melhoria, em reforma e ampliação dos postos de saúde
”.
Nesses termos, da administração municipal de 1985/1988, que iniciou um
trabalho semelhante ao que veio a se constituir no PSF, antes mesmo da
legalização do SUS, Ponta Grossa só veio a ter novamente um trabalho em saúde
comunitária, com ACS em 1997 e, na administração que se iniciou em 2001, com a
implantação das primeiras Equipes Saúde da Família.
117
A administração atual do Prefeito Pedro Wosgrau Filho teve início em 2005
e, nela, as perspectivas de organização do setor de saúde são: “No planejamento
para esta gestão existe a reforma e ampliação do Pronto-Socorro. O Pronto-Socorro tem que
voltar a ter uma resolutividade. O paciente que entrar no Pronto-Socorro depois da reforma
vai ter a situação resolvida, ele
[o Pronto-Socorro] vai deixar de ser o entreposto que ele é
hoje; vai voltar a ter UTI, e uma série de modificações vão acontecer, vai ter tomografia
computadorizada, e tudo isso vai fazer parte da reforma do Pronto-Socorro. O Hospital da
Criança foi feito no tempo do prefeito Paulo Cunha Nascimento
[administração
1993/1996], ele vai ter Centro Pediátrico vai ter Centro Cirúrgico funcionando e vai ser um
hospital de referência em termos de pediatria para uma região muito grande aqui do Paraná,
Ponta Grossa hoje não tem um hospital de pediatria, já é o único e vai crescer e vai melhorar,
vai ter uma eficiência muito maior; e outros programas virão, os CAS – Centro de
Atendimento á Saúde – que vão controlar 14, 15 unidades de saúde cada um, vão ter
atendimento de urgência/emergência e vão ser referência às unidades de saúde e vão
desafogar o Pronto-Socorro. Então, o Pronto Socorro vai ter condições de funcionar muito
mais como um hospital sem ter que atender a porta porque a porta vai passar para os CAS.
Então, tem todo um sistema de saúde sendo feito e refeito e reorganizado para que a saúde
volte a funcionar em Ponta Grossa”
(S2).
O Secretário de Saúde S2, ao enfatizar uma série de modificações no
Pronto-Socorro Municipal, afirmando que com essas modificações os
usuários/pacientes terão seus problemas resolvidos, expressa um discurso até certo
ponto ideológicamente comprometido. Se analisarmos a crise que a saúde enfrenta
hoje, em nível nacional, em diferentes sentidos: de recursos, de controle, de
118
gerenciamento, de recursos humanos; seria muito otimismo pensar que, a partir de
uma instituição hospitalar que disponibilize serviços de saúde em um sistema de
atendimento universal, os usuários teriam todos os seus problemas resolvidos;
mesmo porque não seriam satisfeitas, no Pronto Socorro Municipal, todas as
necessidades em saúde.
Para alguns pensadores da área, a exemplo de Barbosa (1997, p. 147), os
hospitais públicos brasileiros estão envolvidos em um quadro de crise em que
seus dirigentes tornam-se meros personagens [...] por se verem limitados em
suas práticas cotidianas, ao mesmo tempo em que os obstáculos se repetem
e se acumulam. Enfrentam uma dificuldade em que as ações programadas
são exceções
.
Diz ainda Barbosa (1997) que os hospitais públicos sofrem condicionantes
pelo fato de comporem o quadro do SUS. Um desses condicionantes é a
uniformidade de regras extensivas a todas as organizações, desconsiderando,
muitas vezes, as suas especificidades.
Também, no caso do SUS, as organizações públicas têm o dever de prestar
atendimento, o que não acontece no setor privado, eliminando, assim, a
possibilidade de selecionar clientela e os problemas a atender. Isso leva a entender
que dificilmente as necessidades em saúde da população usuária serão amplamente
satisfeitas e, como diz Barbosa (1997), que as ações programadas serão realizadas
em sua plenitude.
A importância representada pelo Pronto Socorro Municipal à atual
administração, a atenção direcionada a ele atualmente, é também reafirmada no
seguinte depoimento:
“Se você projetar o Pronto-Socorro que existe hoje em relação à
realidade anterior, é um desastre. Na época em que foi construído, por exemplo, não existia
nem ressonância magnética e nem tomografia computadorizada; o Pronto-Socorro não tem
119
ainda, mas devia ter, dentro do planejamento que nós temos agora; a UTI daquela época era,
comparada com a UTI de hoje, uma carroça, mas era o que existia de moderno na época, e a
UTI que existia na época existia também no Pronto-Socorro, hoje não tem nem aquela UTI
velha muito menos uma UTI atualizada; e aí você vê que o Pronto-Socorro que existia
antigamente se transformou num ‘postão’ de saúde, o Pronto-Socorro hoje nem interna gente,
nem resolve problemas. O Pronto-Socorro hoje é um entreposto de pacientes; essa é a
realidade de hoje, naquela época
[1989/1992, administração anterior do Prefeito
Wosgrau] o Pronto-Socorro entrou para resolver urgência e emergência, ao longo do tempo
ele não recebeu atualização, não recebeu investimento, não recebeu manutenção, não cresceu,
ficou parado no tempo e foi transformado num ‘postão’ de saúde, infelizmente, é só um
exemplo da situação”
(S2).
E ainda quanto ao Pronto Socorro, criado na gestão anterior do atual prefeito
(1989/1992), continua a ter atenção especial na administração 2005/2008, tanto que
os investimentos que não são destinados a esta instituição, como a criação dos
CAS, têm, aparentemente, o objetivo de “desafoga-la”, a exemplo de assistência
médica que não se caracteriza em atendimento.
3.2.2.2 Práticas Preventivas/ Curativas
O principio da integralidade, em seu sentido de organização das práticas
corresponde a uma crítica à dissociação entre as práticas de saúde pública e as
práticas assistenciais, entre as práticas preventivas e curativas.
Como vimos anteriormente, o Movimento Sanitário difundiu um pensamento
crítico ao modelo de saúde hegemônico, até então vigente, fazendo com que
120
surgisse em nível nacional, experiências de políticas alternativas que deram origem
à medicina simplificada.
Conforme Gerschman (1995, p.71), as políticas alternativas de saúde,
através de experiências comunitárias das décadas de 1970/1980, tinham, como
princípio,
a simplificação dos cuidados de saúde, de maneira que estivessem ao
alcance da comunidade através da atenção primária, sem instrumental de
alta complexidade e com participação de agentes de saúde da própria
comunidade e a supervisão e adestramento dos profissionais de saúde.
Ponta Grossa, no período que abrange a primeira gestão municipal aqui
estudada (1985-1988), estava inserida nesse contexto maior do movimento nacional
pela saúde em prol de mudanças do modelo de atenção vigente, iniciando no
município uma experiência em medicina comunitária (com os denominados médicos
“de pés descalços” que iam até a comunidade), se integrando num dos princípios
que o Movimento Sanitário Brasileiro vinha propondo: a Integralidade da assistência.
Segundo S1, essa experiência com médicos que tinham “uma formação mais simples,
mais da prática. Esses médicos chineses eram formados de uma maneira mais simples que os
médicos que aqui existiam, com uma melhora que nós fizemos; na época nós contratamos a
Fundação Oswaldo Cruz que veio a Ponta Grossa, às expensas da Prefeitura, prestar
formação a todos os médicos da Secretaria de Saúde que tinham essa intenção. Essa filosofia
hoje culminou com o Programa de Saúde Familiar, quer dizer, nessa época tivemos o embrião
do Programa Saúde da Família aqui”
(S1).
Os médicos “de pés descalços”, também conhecidos como médicos
camponeses, foram profissionais da saúde instituídos pelo governo pós-
revolucionário chinês que organizou a China a partir de 1º de outubro de 1949.
121
O quadro sanitário da população chinesa era lastimável, as condições de
vida eram péssimas, o comércio, exportações de mulheres escravas para
prostituição era uma prática comum, a sífilis atingia índices alarmantes. A
esquistossomose e outras doenças transmitidas pela água assumiam proporções de
grandes endemias, como nos países subdesenvolvidos da África, Terceiro Mundo
(WIKIPÉDIA, 2006).
A formação mais simples, mais da prática dos médicos “de pés descalços” a
que se refere S1, está relacionada ao tempo de formação desses médicos, em
relação às escolas de medicina tradicionais.
A formação do médico camponês, no início da concepção dessa prática de
saúde, durava três anos de teoria e prática, em períodos intercalados. Os
aprendizes residiam, inicialmente por cinco meses, próximos à clínica–escola e, nos
períodos de colheita, voltavam para sua região de origem. Havia uma preferência na
seleção dos candidatos que possuíam níveis mais elevados de instrução formal,
além do conhecimento e participação na política socialista. Lá (na China), não havia
um sistema obrigatório de registro médico, incluindo os formados em escolas de
medicina e os práticos itinerantes que tinham aprendido com médicos das diversas
escolas/clínicas como auxiliares ou em relações “formais” de mestres discípulos
(WIKIPÉDIA, 2006).
No caso de Ponta Grossa, os médicos que aqui exerceram essa prática
vieram do Rio Grande do Sul e tinham a formação integral exigida para o exercício
da profissão. Porém, como a prática dos médicos “de pés descalços” implicava um
preparo maior do profissional para trabalhar nas comunidades, conforme modelo da
experiência chinesa, em que eram selecionados os candidatos que possuíam níveis
mais elevados de instrução formal, além do conhecimento e participação na política
122
socialista, os médicos que participaram do programa em Ponta Grossa, participaram
de cursos preparatórios ministrados pela Fundação Osvaldo Cruz, conforme relata
S1, capacitando-os para trabalhar na comunidade, diretamente com a população.
O Programa de Saúde Comunitária, iniciado naquela administração, tinha
uma perspectiva de atendimento à saúde semelhante ao que, na década de 1990,
veio a se constituir no PSF, “uma estratégia para o aprimoramento e consolidação
do SUS, cujo principal objetivo é reorganização da prática de atenção à saúde”
(BRASIL, 1996, p.2).
No entanto, quanto à saúde preventiva S1, ao se referir aos profissionais
que para cá vieram na sua gestão com o intuito de trabalhar na “saúde familiar” diz:
“Depois, na gestão seguinte, esse trabalho foi interrompido e me parece que até alguns desses
médicos foram embora de Ponta Grossa, não sei o que exatamente aconteceu depois”
.
A referida experiência do modelo chinês, denominada médicos “de pés
descalços”, iniciada no Município de Ponta Grossa, não foi a única. Conforme Lima e
Moura (2002), o Nordeste foi uma das primeiras regiões a implantar um projeto do
PACS (experiência que antecede o PSF), em 1991, por ser considerada a região
mais pobre do país, e deter, nos anos de 1980, uma alta taxa de mortalidade infantil.
Seus fundamentos encontram-se no Movimento Sanitarista e em experiências como
os médicos “de pés descalços”, da China, e similares em Cuba, Canadá e Inglaterra.
Sua lógica baseia-se na prevenção, voltada à informação de noções
básicas de higiene para o atendimento materno infantil e controle através de
registro da população atendida por visitas domiciliares. Posteriormente,
essas funções foram expandidas para prevenção de doenças e promoção
da saúde da comunidade (LIMA; MOURA, 2002, p. 8).
A proposta do SUS na Constituição Federal, promulgada no último ano
dessa administração (1985/1988), consolida o debate sobre a necessidade de um
novo modelo da assistência à saúde em que a medicina comunitária apresentava-se
123
como um modelo alternativo de prestação de serviço de saúde, como condição de
garantir igualdade e universalidade no atendimento, cujas experiências, como vimos,
já estava acontecendo.
Na administração municipal de 1989/1992, no plano de saúde preventiva, o
Secretário de Saúde destaca alguns programas realizados na época e, também,
salienta que alguns destes programas serão retomados na atual administração
(iniciada em 2005): “Montamos uma rede muito grande de saúde preventiva, montamos um
programa de puericultura e um programa de imunização, que foi um dos mais completos do
Brasil, chegamos a atingir 100% do índice vacinal das crianças. Implantamos o programa de
prevenção do câncer ginecológico, implementamos um programa do governo nacional que era
o programa ‘mãe coruja’ que incentivava o aleitamento materno e parto normal; um outro
programa baseado na unidade de produção de alimentos que também foi criado no governo,
na nossa gestão; naquele tempo a Secretaria de Saúde e Ação Social era uma só; nós criamos
um centro de produção de alimento que produzia leite de soja, macarrão, pão, entre outros
produtos; nós criamos o programa de alimentação da gestante; criamos a casa de nutrição
para atender as crianças desnutridas, que naquele tempo houve casos dramáticos de
desnutrição”
(S2).
Nesse sentido, alguns programas, os de caráter preventivo, têm efeitos
positivos para saúde da população. Campos (1997) salienta que programas de
saúde coletiva
46
com enfoque pontual têm demonstrado eficácia, tais como
vacinação, controle de mortalidade infantil ligada à desnutrição, diarréia ou
46
A Saúde Coletiva nasceu nos anos de 1960 no Brasil. Campo do conhecimento que se construiu a
partir de uma crítica à saúde pública tradicional. Uma das premissas básicas da Saúde Coletiva era a
de considerar as práticas em saúde como prática social e, como tal analisá-las. Ao fazê-lo, a Saúde
Coletiva foi reconfigurando o eixo de interpretação da medicina integral: o comportamento dos
médicos (as suas atitudes fragmentárias e reducionistas) (ELIAS, 1996).
124
enfermidades preveníveis por vacinação. O sucesso desses programas, segundo
Campos (1997), é inegável, no entanto, tem levado intelectuais a transformar essas
linhas de trabalho num modelo ideal e não como alternativa para o enfrentamento de
determinado problema, simplificando o processo saúde/doença.
Diz ainda que, mesmo quando a saúde coletiva atribui ao social a
determinação da saúde/doença ela faz com a suposição de que “somente por meio
da eliminação de um fator que originou um perfil de enfermidade, se conseguirá
mudar esse perfil. O que não é verdadeiro, felizmente” (CAMPOS, 1997, p. 117). Na
realidade o que houve foi, por exemplo, mudanças no índice de mortalidade infantil e
da incidência de poliomielite ou de sarampo, mas não houve mudanças de
distribuição de renda nessas comunidades ou municípios onde foram realizadas
essas intervenções pontuais. Para as ações de saúde impactar “nos determinantes
do processo saúde-doença é quase sempre tarefa impossível, mesmo porque esses
determinantes são múltiplos, embora não de peso equivalente” (CAMPOS, 1997, p.
118).
Por outro lado, em outras situações, Campos (1997) destaca que, pensar
ações apenas pela via da integralidade da atenção, tem impedido ações parciais que
poderiam resolver os problemas em questão. Assim, em saúde coletiva, deve-se
priorizar a atenção; é impossível vigiar tudo, é impossível prevenir tudo.
As ações de promoção da saúde não são específicas, produzem efeitos em
múltiplos processos saúde/doença, mas, fora daí, é necessário modelos de
intervenção para cada problema ou para cada grupo homogêneo de problemas.
Campos (1997) exemplifica dizendo que para a dengue é necessário um programa
nacional de controle; dentro dessa lógica não haveria um modelo melhor que o
outro.
125
Estarmos abertos à criação de soluções singulares, sem preconceitos, mas
também sem desconsiderar o estado da arte. Experiências anteriores,
saberes acumulados e as limitações do contexto institucional e político.
Fazer saúde, é a regra básica. O resto, estaria aberto à análise e ao exame
de alternativas. Sempre. (CAMPOS, 1997, p. 122).
Na Administração do prefeito Paulo Cunha Nascimento, que foi de 1993/1996,
o Secretário de Saúde se refere apenas a práticas de caráter curativo e emergencial,
como já vimos em falas anteriores.
Ao falar sobre o modelo flexneriano, diz Paim (1997, p. 21):
Dirigentes, empresários, trabalhadores de saúde, população e mídia
continuam reproduzindo tal paradigma ao reduzir o sistema de saúde a um
conjunto de estabelecimentos de assistência médico-hospitalar, centrados
no diagnóstico e na terapêutica alopática.
Observa-se nessa administração (1993/1996), como também na anterior a
esta, o destaque de uma visão hospitalocêntrica, privilegiando os postos de saúde,
os hospitais, laboratórios e a terceirização dos serviços de saúde, ou seja, a saúde
curativa em detrimento da preventiva.
Com relação à administração 1993/1996, diz o Líder Comunitário:
“O
[Prefeito] Paulo Cunha, por exemplo, ele falava muito em números: ‘não! a saúde melhorou,
o ano passado a gente fazia X número de exames e agora nós fazemos X’, mas sempre
elevando os números, o que eu achava um pouco contraditório, se fazia, por exemplo, 1000
exames e no outro ano fez 3000, você poderia dizer que piorou a saúde e não que melhorou,
pela lógica, mas ele sempre usava números”
(Lc).
No que se refere à administração do Prefeito Péricles de Holleben Mello, o
Secretário de Saúde dessa administração relata: “Ao assumir a gestão, o município
apresentava índice de mortalidade infantil superior a 21/1000 nascidos vivos, índice
superior à média do Estado; através de ações preventivas, como o Programa de Parto
126
Humanizado, incentivo ao aleitamento materno, ações de inclusão de gestantes no Programa
Pré-Natal, em parceria com a iniciativa privada, implantação da primeira UTI Neonatal,
que permitiu a redução deste índice para 13,4/1000 nascidos vivos no final da gestão”
(S5).
Naquela administração (2001/2004), pelo que se observa na fala do
Secretário de Saúde, os programas de saúde preventiva vinham acompanhados de
um processo de avaliação dos resultados, com a finalidade de dimensionar a
resolutividade das ações realizadas.
Estas avaliações também eram realizadas no processo curativo. Conforme
S5, “
Além dos indicadores oficiais (taxas de mortalidade), foram desenvolvidos indicadores
pontuais para análise de desempenho setorizado, por exemplo, para analisar o desempenho
do Hospital da Criança, passou-se a confeccionar análise de medias de permanência
hospitalar/paciente/doença, mortalidade e morbidade dos pacientes internados, taxa de
infecção, reuniões de discussão dos óbitos
[com a equipe envolvida]. No caso desta
instituição
[Hospital da Criança], o aumento da resolutividade reduziu o tempo médio de
permanência hospitalar, e permitiu aumentar a oferta de leitos, que proporcionou aumento
do número de internações em mais de 50%”
(S5).
Na análise do Engenheiro Sanitarista, com relação às práticas em saúde
curativa e preventiva, nas seis últimas administrações do município de Ponta
Grossa, A gente teve andanças pela saúde comunitária em 85, aí em 86 a gente teve uma
desaceleração e muito mais assistência curativa; na gestão do
[Prefeito] Jocelito um pouco
ainda curativa, mas já buscando a assistência preventiva, até por conta do que ocorria no
nível nacional (o nível nacional estava trabalhando na perspectiva da municipalização),
127
então, o município não tinha como não também enveredar por esse caminho, só que sem
recurso; ações muito mais individuais do que coletivas”
(Es).
A NOB-SUS 01/96 estipulava os campos da atenção à saúde, encerrando
todo um conjunto de ações levadas a efeito pelo SUS em todos os níveis de
governo: a) o da assistência, em que as ações eram dirigidas às pessoas, individual
ou coletivamente e que prestava atendimento no âmbito ambulatorial e hospitalar, ou
outros, especialmente no domiciliar; b) o das intervenções ambientais, incluindo as
relações e as condições sanitárias nos ambientes de vida e de trabalho, o controle
de vetores e hospedeiros e a operação de sistema de saneamento ambiental; c) o
das políticas externas ao setor que interferem nos determinantes sociais do
processo saúde/doença, tais como: políticas macroeconômicas, emprego, habitação,
educação, lazer e alimentação. Esta NOB assinalava ainda um conjunto de ações
que configuraram grupos clássicos de atividade na área de saúde pública agregadas
ao campo da assistência e outros ao campo das intervenções ambientais, de que
são partes importantes as atividades de vigilância epidemiológica e de vigilância
sanitária.
O processo de construção do SUS vem sendo, aos poucos, desenvolvido
com base na universalização, integralidade, descentralização e participação popular,
porém, o modelo assistencial ainda predominante é o caracterizado pela política
médica quase que exclusivamente biológica, individualista e hospitalar,
apresentando baixa cobertura e com elevado custo
47
, apesar de sua eficácia técnica
nas respostas pontuais de procedimentos curativos individuais, em especial nos
47
O modelo assistencial tradicional dissocia a medicina curativa da preventiva. Nesse sentido,
direciona as ações para a atenção secundária e terciária que envolve procedimentos de alta
complexidade, atendendo apenas a parcela da população que se encontra doente, com um alto
custo. Essa atenção não é desnecessária, pelo contrário, mas deve estar associada a programas de
prevenção ligados à saúde comunitária que, conseqüentemente tem uma cobertura mais abrangente
com baixo custo, diminuindo o atendimento hospitalar.
128
procedimentos Ambulatoriais de Alto Custo/Complexidade. Tal realidade vem
gerando alto grau de insatisfação para muitos gestores do sistema, para os
profissionais de saúde e para a população usuária dos serviços, tendo em vista a
baixa resolutividade das ações, como por exemplo, em relação a cirurgias eletivas,
horários de atendimento da rede, em que os usuários têm que se deslocar de
madrugada para conseguir atendimento.
Quanto à pergunta sobre quais campos da saúde devem ser priorizados nas
gestões municipais, o Secretário de Saúde da primeira administração aqui estudada,
1985/1988, diz:
“Eu acho que, embora esses departamentos sejam estanques, eles se
entrelaçam. Tem que existir uma política de saneamento básico, medicina preventiva, por nós
não termos esse tipo de saúde bem estruturado, bem organizado; como conseqüência, as
pessoas ficam doentes com mais facilidade e, por nós não termos saneamento básico, a
emergência do atendimento dessas pessoas passa a ser prioridade também. Então, tem que
fazer as duas coisas juntas, penso eu, você tem que melhorar o saneamento básico e a área de
medicina preventiva para, conseqüentemente, conseguir reduzir a medicina curativa, que é a
medicina dos hospitais. Todos nós vamos ter que morrer, independente de qualquer coisa,
mas, se você tiver um bom saneamento básico essas pessoas vão morrer do mesmo jeito, só que
vão ter maior longevidade, vão produzir mais, vão ficar mais tempo com você, com maior
bem-estar, com isso você gera uma redução muito grande dessas pessoas serem hospitalizadas
por saneamento básico, por acidente de trânsito, por acidente de trabalho. Tudo isso engloba
medicina preventiva; é preciso investir nisso”
(S1).
Ainda sobre este aspecto, o Secretário da administração seguinte,
1989/1992 e da atual administração iniciada em 2005 relata:
“Se você for dividir,
129
existem dois tipos de atendimento: a medicina preventiva e medicina curativa, o importante
em investir na medicina preventiva é que você evita uma série de situações, não todas, mas
uma série de situações existe em que você previne que o povo adoeça; não estou pensando na
diminuição de custos (existe também) estou pensando na diminuição de risco da população;
se eu puder evitar que você contraia um câncer, se eu puder evitar que você contraia sarampo,
contraia rubéola pelas vacinas, é melhor para você, você não corre
O
risco que é inerente a
qualquer patologia; por mais barato que possa parecer, as patologias, todas elas, encerram
um risco, e é evidente que é um gasto também; então é melhor para todo mundo, melhor para
o usuário, para a população que não adoece e melhor para o serviço público que gasta menos.
Mas, nem tudo é saúde preventiva, acidente eu não previno, doenças bacterianas eu não
tenho condições de prevenir; diabete, hipertensão, tudo isso não se previne, se trata e tem que
se tratar, aí é medicina curativa e tem que receber a mesma atenção que se dá à medicina
preventiva”
(S2 – grifo derivado da ênfase na fala do entrevistado).
Nesta fala de S2 percebemos o destaque para a medicina preventiva das
patologias/epidemias que são controladas por vacinação.
Para o Secretário de Saúde da administração 2001/2004, a prioridade é
Certamente a saúde comunitária, que aqui denomino de atenção primária ou básica. A falta
de investimento no nível primário é a base do caos atual: demanda excessiva, consumo
desenfreado por serviços, exames, medicamentos, desperdício com ineficiência. Já que os
recursos financeiros disponíveis não são suficientes para melhorar em todos os níveis, o
gestor municipal deve priorizar a atenção básica, porque ela é mais abrangente, atende uma
população maior com o mesmo recurso que se gasta na atenção terciária (hospitalar),
beneficiando um menor número da população”
(S5).
130
Já, para o Secretário de Saúde da administração 1989/1992 e 2005/2008,
pelo seu relato, a atenção básica não tem o tratamento da administração anterior
(2001/2004). Vejamos: “Há quinze anos, não tínhamos uma regionalização administrativa
que existe hoje em termos de SUS; dentro desta regionalização que existe hoje, buscado pelo
pacto feito com o governo do Estado e com o Ministério da Saúde, é um gerenciamento em
atenção básica, então, fundamentalmente pelo que foi pactuado, nos caberia só atendimento
de saúde básica, nós não deveríamos estar gerenciando hospitais, mas, historicamente, nós
somos proprietários, o município é proprietário de dois hospitais, o Pronto-Socorro, ou
Hospital Municipal e o Hospital da Criança”
(S2).
Todavia, foi na gestão anterior deste mesmo Secretário (1989/1992) que
dois hospitais passaram a fazer parte da rede municipal pública de saúde,
contrariando o estabelecido no princípio da Gestão Plena da Atenção Básica.
A NOB-SUS/96 institui Programação Pactuada e Integrada – PPI. Esta
programação envolve as atividades de assistência ambulatorial e hospitalar, de
vigilância sanitária e de epidemiologia e controle de doenças, constituindo um
instrumento essencial de reorganização do modelo de atenção e da gestão do SUS,
de alocação dos recursos e de explicitação do pacto estabelecido entre as três
esferas de governo. Essa programação traduz as responsabilidades de cada
município com a garantia de acesso da população aos serviços de saúde, quer pela
oferta existente no próprio município, quer pelo encaminhamento a outros
municípios, sempre por intermédio de relações entre gestores municipais, mediadas
pelo gestor estadual (BRASIL, 1996).
Assim, percebemos na fala de S2 que, se existem programas no campo da
atenção básica, estes estão sendo efetuados mais pelo que foi pactuado legalmente,
131
como prioridade estipulada pelo Ministério da Saúde, do que como algo que possa
se tornar a porta de entrada para o sistema de saúde no município de Ponta Grossa.
Também, como o próprio Secretário expõe, o município encontra-se na modalidade
de Gestão Plena da Atenção Básica Ampliada (NOAS-SUS/01, discutida adiante) o
que não lhe confere a qualidade de gestor da rede hospitalar. Isso implica que o
município faça investimentos com recursos do Orçamento Municipal, que deveriam
ser direcionado à atenção básica, para manutenção destas duas organizações
hospitalares.
Entendemos que, como existem recursos federais que são repassados aos
municípios, a introdução de recursos estimulou alguns municípios a incorporar
programas que lhes acrescentassem receita financeira. Segundo a legislação
vigente, a partir dos anos de 1990, há um crescimento desses recursos federais
transferidos para os municípios, denominados “fundo a fundo” (Fundo Nacional de
Saúde para Fundos Municipais de Saúde).
Conforme Marques e Mendes (2002), as despesas do Ministério da Saúde
são realizadas de duas formas: pagamento direto aos prestadores de serviços
(relativos a internações hospitalares e atendimento ambulatorial) e transferência aos
Estados e municípios habilitados no SUS. Essas transferências são destinadas para
a alta e média complexidade e para a atenção básica. A atenção básica é financiada
por meio do Piso da Atenção Básica – PAB fixo e variável (por exemplo, os
incentivos para o PSF integram o PAB variável).
O Núcleo de Estudos de Políticas Públicas – NEPP, da Unicamp, realizou
pesquisa com Secretários Municipais de Saúde de diferentes regiões do país e
constatou que “cerca de 80% dos entrevistados concordam que a adoção do PAB
132
reorientou as ações das Secretarias Municipais de Saúde para a Atenção Básica”
(MARQUES; MENDES, 2002, p. 78).
Assim, na prática, a política de incentivos teve sucesso, de modo que
municípios concentrassem suas ações no nível da atenção básica. Embora isso
aconteça não quer dizer que a atenção básica leve à transformação do modelo
assistencial vigente, pois não está livre de contradições.
De um modo geral, com relação à saúde preventiva e curativa, percebemos
uma dissociação entre saúde preventiva e saúde curativa, como dois campos
distintos; mesmo que estes dois campos sejam colocados pelos Secretários em
posição de igualdade, nas ações concretas de alguns deles, essa igualdade não
acontece. Nesse sentido, um dos impedimentos de avanço do SUS, além das
questões político-ideológicas, é o afastamento do princípio central, que é a
Integralidade. Isto é “a indissociabilidade entre prevenção e atenção curativa”
(RODRIGUES NETO, 1997, p. 90).
Sabemos que o Estado passa por uma crise financeira e que a sociedade
brasileira tem apresentado altos índices de desigualdades sociais, elementos estes
que se refletem na saúde da população, porém, esta situação não deve justificar o
esquecimento, ou a protelação da construção de um sistema de saúde em que ainda
prevaleça a atenção à doença nem tão pouco justificar, como veremos no item
seguinte que trata de participação popular, que a população, para alguns, não tem
condições de participar de um Conselho de Saúde e nem de identificar quais são
suas necessidades em saúde.
Considerando a luta histórica que foi o Movimento Sanitário, é inadmissível
ignorar toda essa conquista e persistir numa visão reducionista/organicista da
133
realidade. É bem verdade que no setor público existem muitos empecilhos:
financiamento, burocracia, mas o maior deles ainda é a vontade política.
3.2.2.3 Ampliação da Rede Física/Terceirização dos serviços
Das seis administrações aqui analisadas, três delas deram prioridade à
ampliação da rede física, construção e/ou reforma de Unidades Básicas de Saúde,
compra e reforma de hospitais; também, estas três administrações destacam-se pelo
investimento em medicina de alta tecnologia (inclusive com doações de aparelhos
para hospitais privados), laboratórios e terceirização dos serviços.
Apesar de todo o movimento efervescente de luta pela Reforma Sanitária
Brasileira e a constitucionalização do SUS, em 1988, destacamos, na administração
que compreende o período de 1989/1992, a ênfase na ampliação da rede física de
postos de saúde e hospitais, pela direção dada à organização do setor de saúde.
Segundo o Secretário de Saúde daquela gestão:
“criamos toda uma infra-estrutura
para a saúde”;
ele complementa: “Nós tínhamos que construir uma rede de unidades de
saúde, que foi constituída, e tínhamos que mudar uma série de serviços de atividades
necessitadas”
(S2).
A ampliação da estrutura física de atendimento à saúde da população no
Município de Ponta Grossa também pode ser observada na afirmação de Es:
“Na
administração Wosgrau, ele comprou um hospital que estava fechado, até pela crise da
Previdência, pois o sistema de financiamento foi ficando difícil; estudos já mostravam que
Ponta Grossa tinha excesso de leitos na época, então, o hospital fechou, a administração
134
Wosgrau comprou esse hospital e transformou esse hospital em Pronto Socorro; isso fez com
que Ponta Grossa tivesse duas estruturas hospitalares
.
Quanto ao excesso de leitos explicitados por Es, o Secretário de Saúde da
administração imediatamente anterior (1995/1989) confirma: “naquela época não
existia tanta dificuldade de acesso a hospitais e tanta falta de leito como existe hoje”
(S1).
O que ocorreu, de fato, na administração 1989/1992 foi o investimento na
construção de espaços físicos de serviços de saúde, quando, segundo S2, além da
criação do Pronto Socorro e do Centro de especialidades, “Unidades de Saúde nós
criamos, não sei o número, mas tinha muito poucas, foi uma gestão onde mais se criou
unidades de saúde; nós queríamos fazer uma rede de unidades básicas de saúde, boa parte
das unidades básicas de saúde que existem hoje foi construída no tempo do Prefeito Pedro
Wosgrau; evidentemente que nós deixamos a Prefeitura com cerca de 40 unidades de saúde,
hoje algumas abriram, já fecharam, nós estamos beirando a 50, então, não foram muitas
construídas depois da primeira gestão do Prefeito Wosgrau”
(S2).
Na administração 1993/1996 também houve ampliação da rede física,
quando esta girou em torno da construção, reforma, ampliação de Unidades de
Saúde e construção do Hospital da Criança. “Foram providenciadas várias Unidades de
Saúde. Na parte Norte da cidade foi colocado Unidades de Saúde praticamente em toda esta
região que é muito extensa. Tendo sempre sido solicitado através de vereadores e Associação
de Moradores; pela ‘dificuldade’ encontrada pela população dos bairros para chegar, no
centro da cidade, nas Unidades de Saúde”
(S3).
Com relação a estas duas administrações (1989/1992 e 1993/1996), Es
relata:
“O governo do [prefeito] Wosgrau e do [prefeito] Paulo Cunha, foram governos que
135
expandiram muito a rede física dos postos de saúde, então, esses dois governos foram os
governos em que mais se construíram postos de saúde. Os critérios para construção desses
postos de saúde não foram critérios epidemiológicos, foram mais critérios de demanda política
de vereadores, da própria demanda da população por necessidade de postos de saúde e
também por uma questão geográfica da cidade, que é uma geografia que dificulta muito o
acesso; muitas vezes, a gente vê que tem postos que ficam dois ou três quilômetros um do
outro, mas essa distância tem barreiras geográficas que inviabilizam a população de chegar”.
Com relação à expansão da rede física, o profissional Es diz:
“Eu acho que a
população, de uma maneira geral, foi beneficiada. Porque teve acesso. O que a gente nota é
que para que esta população tivesse acesso, a política estabelecida foi uma política de
terceirizar os serviços. A grande parte dos serviços ofertados à população nessa época, eram
serviços contratados, da mesma forma como o INAMPS contratava; então, embora você
tenha tido o movimento das Ações Integradas de Saúde, a nova Constituição, criando SUS,
o município de Ponta Grossa ainda trabalhava na perspectiva de comprar serviços, e esses
serviços, na sua grande maioria, eram realizados por médicos na forma de credenciamento, de
serviços de apoio diagnósticos, laboratórios também contratados de terceiros. E Ponta
Grossa se comportava muito como prestador de serviços como qualquer outro; não era gestor
da política, era um prestador do SUS, ele recebia para fazer esse serviço”
(Es).
Sendo assim, o município recebia como prestador de serviços da mesma
forma que a rede privada recebia, e não como gestor do SUS. Essa remuneração
por serviços prestados, a que se refere Es,
consiste no pagamento direto aos prestadores estatais ou privados
contratados e conveniados, contra apresentação de faturas, referente a
serviços realizados conforme programação e mediante prévia autorização do
136
gestor, segundo valores fixados em tabelas editadas pelo órgão competente
do Ministério (SAS/MS) (BRASIL, 1996, p. 17).
Ainda, questões de ordem econômica e legal, que limitam a contratação e
remuneração de pessoal da administração pública, têm ultimamente dado origem,
no Sistema Único de Saúde (SUS), a uma forte tendência à terceirização de suas
unidades de saúde, dos hospitais, dos seus serviços e de seus recursos humanos.
Quanto aos hospitais públicos, no caso do Município de Ponta Grossa, este
mantém dois hospitais, não sendo gestor da rede hospitalar. Isso, de um lado,
demanda grandes investimentos para operacionalização dos serviços hospitalares e,
de outro, responsabiliza a prestação de serviços hospitalares pelo consumo de
grande parte dos recursos que seriam destinados à atenção básica. Surge, então, o
questionamento: a terceirização dessas unidades hospitalares não seria a solução
mais viável para que o Município passasse a investir mais na atenção básica através
do Programa Saúde da Família, ampliando o número de equipes e,
conseqüentemente, atingindo maior índice de cobertura populacional?
Embora não seja tema de nosso estudo, vale ressaltar algumas questões
bastante discutidas atualmente sobre esse assunto.
Na implementação do Plano Diretor da Reforma do Estado, foi editada
medida Provisória de nº 1591-1, de 06/11/1997, que estabeleceu critérios para
definir, sob a denominação de organizações sociais, as entidades que, uma vez
autorizadas, estariam aptas a serem parceiras do Estado, na condição de coisa
pública, notadamente na prestação de serviços de saúde pública. Tal medida
provisória foi transformada na Lei nº 9.637, de 15 de maio de 1998 (GONÇALVES,
2006, p. 1).
137
Assim, com a criação da “propriedade pública não estatal” e, diante da
paralisia ou extrema ineficiência de algumas unidades hospitalares do sistema
público, vários Estados e alguns municípios têm sido levados a transferir os serviços
de saúde de unidades hospitalares a organizações sociais em que médicos e outros
profissionais suspendem seus vínculos com a administração pública e organizam-se
em cooperativas de médicos, entidades filantrópicas sem fins lucrativos (ou com fins
lucrativos) etc., que passam a ser responsáveis não só pela prestação terceirizada
dos serviços como também pela própria gerência dessas unidades, sob contrato de
gestão com o gestor público.
Esta situação tem levantado questionamentos quanto à legalidade
constitucional da terceirização ou parceria na prestação dos serviços públicos de
saúde, quanto à transferência de unidades hospitalares públicas para entidades civis
(com ou sem fins lucrativos), quanto á natureza jurídica dos contratos que
transferem a gestão dos serviços de saúde à rede privada e se tais serviços são da
competência exclusiva do Estado.
Para alguns críticos do setor, o governo contrata uma empresa para
administrar os hospitais regionais o que, muitas vezes, é um processo questionável,
pois a empresa contratada passa a utilizar critérios internos da própria empresa para
controlar e remunerar pessoal e adquirir produtos, sendo que esta conta será paga
com recursos públicos, o que, em muitos casos, não diminui os gastos e nem
melhora a qualidade dos serviços prestados.
Outros, ainda, argumentam que os processos de terceirização dos serviços
públicos de saúde estão sendo utilizados para burlar as exigências constitucionais
de concurso público e de licitações.
138
Lembra Barbosa (1997, p. 143) que apenas muito recentemente “a saúde
pública e os sanitaristas em geral, vêm tomar a organização hospitalar enquanto
preocupação a demandar desenvolvimento teórico em saúde com concomitante
pressão para assumi-la profissionalmente” e que grande parte do processo político e
teórico de crítica ao modelo médico-assistencial ao longo do Movimento Sanitário,
iniciado na década de 1970, “chegava a identificar o hospital como uma espécie de
vilão da crise que se alargava”, ou seja, os modelos considerados de sucesso
seriam aqueles que valorizavam a atenção básica. Algumas poucas iniciativas
consideravam a importância do papel do hospital no sistema.
Como vimos anteriormente, o Ministério da Saúde vem publicando, desde
1991, diferentes Normas Operacionais Básicas como medidas para ampliar a
capacidade de gestão dos municípios, buscando que estes superem a condição de
prestadores de serviços do SUS; que além da atenção básica passem a ser
gestores da rede hospitalar.
Para Barbosa (1997, p.144), “o hospital ou o nível de atenção hospitalar é
parte importante deste processo, tanto por ser foco de graves denúncias, quanto
pelo surgimento de referências inovadoras e promissoras em termos de qualidade
assistencial e de gestão”.
Se na atenção básica as dificuldades de implementação do SUS são muitas,
na rede hospitalar elas se ampliam. Mas, tanto numa quanto noutra as propostas de
mudar o quadro que se coloca com o SUS são inovadoras, se resumem em práticas
que demandam, além de financiamento, vontade política, tanto da parte de quem
comanda como de quem executa essa política. Colocar uma proposta como a que
se coloca com o SUS, baseada em valores que demandam uma grande mudança na
139
forma de olhar realidade, tão incrustada em valores advindos do modelo flexneriano,
demanda tempo, paciência e empenho.
Também, embora haja grande consenso quanto às necessidades de
mudanças no modelo assistencial e em sua gestão, são poucas as propostas que
convergem e que possam ser implementadas de forma mais extensiva no setor de
saúde e, no espaço hospitalar público brasileiro. Conseqüentemente, há pouca
clareza ainda sobre o que mudar e para onde mudar.
Com a descentralização político-administrativa, os municípios passam a ser
seus próprios gestores da política municipal de saúde. A Norma Operacional Básica
do SUS NOB-SUS 01/96 tinha por finalidade promover e consolidar o pleno
exercício, por parte do poder público municipal (e do Estado), da função de gestor
da atenção à saúde. Apontava para uma reordenação do modelo de atenção à
saúde ao definir: os papéis de cada esfera de governo; os instrumentos gerenciais
para que cada município e Estado superassem o papel exclusivo de prestadores de
serviços, assumindo o papel de gestores do SUS; os mecanismos de financiamento,
reduzindo de forma progressiva a remuneração por produção de serviços e
ampliando as transferências de fundos; a prática de acompanhamento, controle e
avaliação do SUS, superando mecanismos centrados no faturamento de serviços,
valorizando critérios epidemiológicos e desempenho com qualidade, e os vínculos
de serviços com seus usuários, criando condições para uma efetiva participação e
controle social (BRASIL, 1996).
140
3.2.3 Participação Popular
A participação está estritamente ligada à palavra cidadania. Participar é
exercício da cidadania.
Etimologicamente, cidadania refere-se à condição dos que residem na
cidade; ser cidadão significa ser nascido ou naturalizado numa cidade e estar sujeito
a direitos e deveres desta mesma cidade.
No pensamento de GRAMSCI, cidadania significa:
a condição de cidadão, que se expressa num conjunto de direitos e
deveres perante o Estado. Na ordem democrática, todos os indivíduos
nascidos em um país são, formalmente pelo menos, cidadãos, portadores
de direitos políticos e, nas democracias mais avançadas, de direitos sociais.
[...] a cidadania deve assegurar a cada cidadão, pelo menos
'abstratamente', as condições gerais de se tornar 'governante' (GRAMSCI
apud MOCHCOVITCH, 1988, p. 66).
A cidadania, como modo de viver em sociedade, está calcada em três
princípios: participação, autonomia e crítica/criação (COELHO, 1990).
Quanto à participação, nos aproximando do pensamento de DEMO (1988, p.
18), entendemos que a “participação é conquista para significar que é um processo,
no sentido legitimo do termo: infindável, em constante vir-a-ser, sempre se fazendo”.
A participação é imprescindível na busca da ampliação da cidadania, pois
não implica apenas a inserção do indivíduo num grupo social, mas participação
como um processo contínuo que leva o indivíduo a despertar sua iniciativa na busca
coletiva de melhores condições de vida.
A participação é conquista, isso porque, ainda conforme Demo (1988), à
medida que participamos exercemos a cidadania, conquistamos ou efetivamos
direitos. Ela é também exercício democrático, porque através do voto elegemos ou
não. A participação supõe, pois, poder, porque à medida que delegamos poderes
141
também podemos destituir; assim, “participação não é ausência, superação,
eliminação de poder, mas outra forma de poder” (DEMO, 1988, p. 20.).
A autonomia é a participação consciente na sociedade enquanto indivíduo
inserido nessa sociedade e não enquanto independência individual, mas um
indivíduo com um grau de conscientização capaz de interferir no social para
transformá-lo. “A consciência é a visão de mundo do homem sobre as coisas. Já a
conscientização é o processo de elaboração dessa visão de mundo na qual se
fazem presentes os homens, as coisas e o próprio mundo” (SOUZA, 1987, p. 87).
O pensamento crítico/criativo leva à ampliação da cidadania, pois o saber, o
conhecer já são formas de direitos a partir dos quais o homem pode pensar
criticamente e, conseqüentemente, criar o novo.
Assim, a participação supõe a criação do homem para o enfrentamento dos
desafios sociais, que tanto pode se dar em uma realidade de consumo e usufruto de
bens (ou de denúncia do não uso, não consumo) como em uma realidade de
funções e decisões que caracterizam direitos sociais a serem alcançados.
Durante muito tempo uma grande parcela da população brasileira esteve à
margem do processo de tomada de decisões, mesmo naquilo que diz respeito a
suas necessidades enquanto cidadão. Essa é uma questão histórica ligada a um
sistema de governo patrimonialista que marcou o Brasil desde sua condição de
colônia. Uma das características da sociedade brasileira é a dificuldade que sempre
tiveram nossos governantes em separar o que é público do que é privado, onde o
poder público é exercido e usado como se fosse privado. Destaca Sérgio Buarque
de Holanda, em Raízes do Brasil (1995), que o denominado “homem cordial”
brasileiro é aquele que, na vida pública, não distingue o interesse privado do
interesse coletivo.
142
Podemos perceber esta característica no depoimento do Líder Comunitário:
“A gente percebe muito na Prefeitura, e aqui eu vou dizer, com certeza, todas as
administrações, infelizmente, ainda cometem isso. Chega o grupo que ganhou e então a
Prefeitura passa, de certa forma, a ser desse grupo; entra outro grupo, passa a ser daquele
grupo, então, eu acho que é um pouco ferir a própria democracia, porque democracia é onde
todos dão opinião, discutem, discordam, concordam, mas decidem juntos. Eu penso que hoje
ainda é um pouco a oligarquia, ou seja, grupos mandam dentro da prefeitura. A prefeitura é
de todos, e, às vezes, a gente encontra alguns que aceitam mais, outros menos, uns não
aceitam nada, porque eu aprendi que em termos de democracia é isso, lutar pelos meus
direitos; as pessoas sempre dizem, ‘não adianta, a corda arrebenta sempre do lado mais
fraco’, mas, a gente automaticamente já passa a ser do lado mais fraco, porque você não age
mais. Leonardo Boff fala que ele sonha, que ele luta por uma sociedade que não tenha nem
oprimidos nem opressores, mas uma comunidade onde se respeite, onde tenha o amor pelo
outro, que ninguém queira ser grande para dominar, mas para unir forças, crescer junto;
[existem] diferenças partidárias, diferenças de cor, de raça, de pensamento, mas é aí que
mora a riqueza, você pensa de um jeito, mas quando a gente coloca o nosso pensar, o nosso
agir em benefício de todos, todos nós ganhamos”
(Lc).
A participação da população brasileira no processo de formulação e de
decisão, no controle de políticas públicas, como sabemos, data da década de 1980.
O exercício da cidadania é algo muito recente em nosso país, por isso, a questão da
não participação popular não se constitui apenas por impedimento dos nossos
governantes, mas pela própria população que, de um modo geral, não tem ainda
incorporado o sentido amplo de um termo como cidadania, conforme diz o líder
143
comunitário: “Falando de Associações de Moradores, o Prefeito Paulo [Gestão 1993/1996]
deu continuidade, mas depois as Associações foram conseguindo resolver de certa forma seus
problemas e foram diminuindo aquele impacto, aquele entusiasmo pelo trabalho. Hoje está
quase que parado, um pouco pelo desleixo dos governantes, mas, principalmente, porque as
pessoas conseguiram que a sua rua fosse arrumada, alguma coisa assim e foram deixando
aquela luta que deveria ser uma luta por coisas bem maiores”
(Lc).
Uma das propostas do Movimento Sanitário, na década de 1980, era a
participação da população na tomada de decisões e no destino dos recursos da
saúde, proposta que veio se efetivar com o SUS, através dos Conselhos Municipais
de Saúde.
Os Conselhos de Saúde são, atualmente, o principal espaço de participação
popular; são a expressão institucional de participação da sociedade na organização
da política de saúde. É nesse sentido que o Estado deveria criar condições para
implementação dos princípios do Sistema Único de Saúde como a universalidade,
integralidade, eqüidade, explícitos como direito de cidadania; aproximando-se da
população usuária, absorvendo suas necessidades em saúde. É nesse contexto que
a participação e a descentralização se tornam o principal instrumento da reforma
institucional que se constituiu em luta desde a década de 1980.
O Conselho de Saúde é o órgão ou instância colegiada de caráter
permanente e deliberativo, em cada esfera do governo, integrante da estrutura
básica da Secretaria ou Departamento de Saúde dos Estados e municípios, com
composição, organização e competências fixadas em lei. O Conselho consubstancia
a participação da sociedade organizada na administração do Sistema de Saúde,
propiciando o controle social desse sistema (BRASIL, 1992).
144
A legislação prevê a composição paritária em relação aos outros segmentos.
Desta forma, um Conselho de Saúde deverá ser composto por representantes do
governo, de profissionais da saúde, de prestadores de serviços de saúde e usuários,
sendo o seu presidente eleito entre os membros do Conselho, em reunião plenária.
Recomenda ainda a legislação que o número de Conselheiros não seja inferior a 10
e nem superior a 20 membros.
Nenhum conselheiro deverá ser remunerado por suas atividades, sendo as
mesmas consideradas de relevância pública. Quanto à estrutura do Conselho de
Saúde deverá ter como órgão o Plenário e o Colegiado Pleno (composto pelo
conjunto de conselheiros) e uma Secretaria Executiva com assessoria técnica.
Em Ponta Grossa, a questão da participação popular na saúde ainda é algo
pouco incorporado enquanto prática política, tanto do ponto de vista de alguns
gestores como de uma parcela da população; nesse sentido, na administração
1985/1988
“não existiam ainda os Conselhos de Saúde como tem hoje” (S1).
No entanto, ao ser abordado com relação ao Conselho Municipal de Saúde,
hoje, S1 diz: “O Conselho não resolve, continuam fazendo a mesma coisa, sempre
mandando, seja quem quer que você coloque lá, colocando alguém que não tem conhecimento
do problema, só para dizer que isso aí é democrático! De repente você escolhe aleatoriamente
alguém do bairro, da cidade e coloca no Conselho; esse indivíduo ele tem conhecimento da
situação? Ele é um indivíduo que acompanha? Que se intera, que se envolve? Ele pode até
vir a fazer isso, mas no momento que ele tem que decidir, ele não tem capacidade! Isso é
democracia? Pegar um indivíduo que não conhece nada e dizer que democraticamente ele foi
apontado pela comunidade para fazer parte? Não resolve!”
145
Com relação à participação da população no processo democrático
subentende-se que a competência para participar/decidir é de quem domina o
conhecimento da área “Se você vai fazer uma casa você vai procurar um engenheiro; se
você vai ser operada você procura um médico cirurgião, aquele que você acha que é melhor, de
confiança”
(S1). Poderia se completar da seguinte forma, se você for participar no
setor de saúde, no mínimo, tem que ter formação acadêmica na área da saúde, ou
fazer algum curso na área de gestão.
Hoje, para que a participação da população aconteça de forma mais efetiva
e com propriedade sobre as decisões, entram em cena os programas de
capacitação e de informação à população sobre seus direitos e sobre a política
nacional de saúde. E é preciso entender que a participação da população (assim
como todo o processo de implantação do SUS) é também dificultada pelas
características da cultura brasileira, marcada pelo autoritarismo, clientelismo e
exclusão. A garantia de conquista legal necessita de uma sociedade organizada e
menos frágil, tendo em vista que isso resulta na dificuldade de acesso ao SUS
exatamente por parte dos setores que mais sofrem as conseqüências da pobreza e
exclusão.
A participação da população, numa sociedade democrática, não se restringe
exclusivamente ao setor de saúde, mas da educação, da assistência, da
previdência, etc.
Nesse sentido, concordamos com Munhoz (1996, p.366) quando diz:
É preciso buscar espaços para a participação da população nos programas
institucionais e nas questões sociais mais amplas que lhe dizem respeito,
mas isso sem a ingenuidade de entender o povo como
necessariamente dotado de sabedoria nata e de onisciência para fazer
frente a todos os problemas que o atingem.
146
Ao participar, por exemplo, num Conselho de Saúde, nas tomadas de
decisões da comunidade ou qualquer outra instância de participação, não significa
que o sujeito se constituirá num sujeito autônomo porque “a fala pretensamente
autônoma nem sempre está livre de impregnação pelas intenções do sistema que,
de modo sub-reptício, são inculcadas no povo pelo discurso ideológico” (MUNHOZ,
1996, p. 366).
Também, segundo Munhoz (1996, p. 367), “a participação, no vocabulário do
profissional, precisa sempre ser adjetivada, para ter-se claro como se a concebe e
em qual sentido se a pretende”, ou seja, é necessário que o profissional reflita para
que essa reflexão o leve a adquirir uma tomada de consciência em que o seu
discurso se aproxime de suas ações. “Essa tomada de consciência prepara o
profissional para o enfrentamento das contradições existentes na realidade e em
particular para aquelas potencialmente presentes no comportamento do profissional”
(MUNHOZ, 1996, p. 367).
Apesar do descrédito quanto à eficácia dos Conselhos de Saúde nessa
administração (1985/1988), houve abertura à participação popular. Segundo o Líder
Comunitário,
na administração do [prefeito] Otto, ele até ficou conhecido como o Prefeito
que deu essa abertura para os Movimentos Sociais”
(Lc). Além disso, relata Lc que “a
Associação de Moradores foi
[criada] no Otto Cunha. Ele ficou famoso com uma frase que
ele falou assim ‘ele criou cascavel para morder ele mesmo’, ou seja, ele ajudou a criar as
associações e as associações pegaram tão bem que depois cobravam muito dele, mas ele falou
até de uma maneira assim, não que ele se arrependeu, mas brincando, mas ficou um pouco na
história essa frase que ele falou”
.
147
A participação na administração 1985/1989 não se restringia à população,
conforme o Engenheiro SanitaristaNessa administração eu tive uma participação junto
com esse grupo de profissionais que vieram
[médicos que vieram para trabalhar no
programa de saúde familiar –médicos ‘de pés descalços’] e acabamos trabalhando
junto.
Na época o distrito sanitário de Ponta Grossa tinha uma atividade em parceira com a
Prefeitura”
(Es). Também diz o profissional entrevistado:Na administração seguinte
[1989/1992], foi diminuindo a minha participação pessoal junto com o município; era muito
mais uma função administrativa da Regional de Saúde com o município do que um trabalho
de parceria mesmo, eram atividades específicas da Vigilância Sanitária
(Es).
Quanto ao Secretário de Saúde da administração 1989/1992, ao ser
abordado sobre o Movimento da Reforma Sanitária, afirma: “Não estou lembrado.
Quando eu estava saindo, no último ano
[1992] criou-se o primeiro Conselho Municipal de
Saúde. O primeiro Conselho não tinha a constituição que temos hoje, então, nós não nos
acostumamos naquela época a trabalhar com o Conselho Municipal de Saúde
(S2).
Na administração 1985/1988 ainda não existia o Conselho Municipal de
Saúde; ele foi criado no penúltimo ano da administração 1989/1992, ou seja, em
1991. Mesmo tendo sido criado em 1991, nas administrações seguintes, 1993/1996
e 1997/2000, a função do Conselho Municipal de Saúde não cumpria a sua função
no que diz respeito à tomada de decisões para o setor de saúde, o que significa que
a participação popular, nessas decisões, era praticamente ignorada. Conforme Es,
“O que se nota do Conselho Municipal de Saúde nessa época [da época da sua criação até
2000]
, embora criado por Lei em 1991, [é que ele] tinha sua composição paritária, tinha os
segmentos representativos. A gente via que o Conselho ainda não era induzido a tomar
148
decisões, mas homologar decisão já tomada; o Conselho se reunia para homologar uma decisão
que já tinha sido tomada”
(Es).
Quanto à administração 1997/2000, no que se refere à participação, diz o
Líder Comunitário:
“na época do [prefeito] Jocelito, isso é uma visão minha, se ele dizia
vamos fechar esse posto de saúde, ele fechava; vamos fazer aquilo e ele fazia, assim como se
ele fosse o dono da coisa e não ouvia muito as pessoas”
(Lc).
Em relação à administração seguinte, 2001/2004, assim se pronunciou o
Secretário de Saúde quanto à participação da população: “
O modelo vigente [do
governo anterior] era centralizado na figura do Secretário de Saúde e seus diretores. Com a
criação da autarquia municipal de saúde – Instituto de Saúde de Ponta Grossa –, a gestão
passou a ser realizada na forma de colegiado: criou-se ouvidoria da saúde para auxiliar no
diagnóstico e avaliação de qualidade dos serviços; foi reativada a participação do Conselho
Municipal de Saúde, de modo a permitir que este pudesse ser presidido por qualquer membro
através de eleição entre seus pares, deixando de ser presidido pelo Secretário de Saúde – até
então cargo nato
[a presidência do Conselho], desta forma ‘democratizando’ o Conselho.
Assinala-se que durante este governo, este Conselho sempre foi presidido por membro da
comunidade, e não pelo Secretário de Saúde”
(S5).
Nessa administração (2001/2004), a participação popular começou a tomar
forma no município. Além da atuação do Conselho Municipal de Saúde, presidido
naquela gestão por membros da comunidade e não mais pelo Secretário de Saúde,
foram criados também os Conselhos Locais de Saúde, conforme relada o Líder
Comunitário: “os Conselhos Locais começaram a existir em 2002. Até foi um caso um pouco
engraçado: uma mãe lá na Vila Rubini II, Jardim Paraíso, ficou braba porque não
149
atenderam ela e ela pegou o facão e literalmente deu facãozada na Unidade de Saúde, nos
remédios, em tudo lá. A partir dali foi fechada a Carlos Cavalcanti
[Avenida de acesso à
referida Unidade de Saúde], não passava ninguém, foi chamado a polícia, a rádio, a
televisão, daí nós fomos lá com o Prefeito e naquele mesmo dia foi criada uma Comissão,
inclusive com a ‘mãe do facão’, como ficou conhecida, mais algumas pessoas da comunidade e
o pessoal da Unidade de Saúde, e a partir dali originou-se os Conselhos Locais e estamos até
hoje, temos 26 já constituídos; só em Itaiacoca, que é um distrito enorme, nós temos 7
Conselhos lá, e temos em toda a zona rural e aqui na cidade”
(Lc).
Com relação à importância da participação da comunidade na construção de
uma sociedade justa e democrática, Lc se refere aos governantes: Se os prefeitos, os
administradores, pudessem compreender essa força do trabalho da comunidade; porque eu
penso assim, por exemplo, se uma comunidade tem 1000 pessoas, é muito melhor ele atender
10 pessoas organizadas que tão pedindo em nome das 1000 do que as 1000 pedindo todas
juntas tudo; eu penso que o governante que deixa de fazer isso ele esta perdendo um
instrumento fantástico pra construir a cidade que nós queremos, seja essa ou qualquer outra
cidade, e pra ele, até porque ele vai deixar pra história isso, para carreira política também e
tudo”
(Lc).
Complementa ainda o Líder Comunitário, com relação à participação da
comunidade na administração 2001/2004: O [Prefeito] Péricles, por exemplo, com essa
criação dos Conselhos Locais e tudo, ele deu uma abertura bem maior pra essa questão de
saúde, a questão da gerência das Unidades de Saúde também, que ele colocou. Então, eu
acho que ele deu essa abertura mesmo, e é interessante que os Conselhos Locais de Saúde a
gente viveu com intensidade mesmo. Foram exemplos muito bonitos que a gente teve nos
150
Conselhos Locais, as pessoas entendendo, fizemos Cursos de Capacitação sobre o que era o
SUS, quais eram os direitos do cidadão, quais eram os deveres também. Então, se for falar
em termos de administração e em termos de dar condições de a gente desenvolver esse
trabalho – que a gente acredita no SUS – sem bajulações e sem até levar pra coisa
partidária, a administração do Péricles não tem nem sombra, assim, da diferença das outras,
em termos de liberdade, facilidade de trabalhar, discutir, debater”
(Lc).
Quanto à participação da população na tomada de decisões do setor de
saúde na administração iniciada em 2005, S2 diz
:Hoje, por exemplo, existe o Conselho
Municipal de Saúde que representa um corte transversal na sociedade, representa a opinião
de certo segmento da sociedade e até de prestadores de serviços, mas quando se quer modificar
a saúde, é praticamente impossível que os pensamentos sejam diferentes, porque as soluções
para as carências saltam aos olhos; então, há uma concordância, há uma somatória de
esforços. Eu acho que decisão cabe ao executivo, então, nós buscamos, nós representamos o
executivo com seriedade, nós buscamos essas soluções, mas, embora exista muito mais gente
participando da indicação das soluções, da busca das soluções, é tranqüila, não existe
diferença nenhuma. São tantas as necessidades que o que você fizer está valendo”.
No entanto, entendemos que se a decisão cabe ao executivo, os Conselhos
se constituirão apenas formalidade da lei; assim como se as necessidades são
totais, qualquer ação beneficiaria a todos. Mas, mesmo que as necessidades sejam
totais, ainda assim, cabe a cada comunidade decidir o que é ou não prioridade para
o benefício da grande maioria. Pensar que as “decisões” cabem ao executivo, é uma
atitude arbitrária que nega a participação democrática da comunidade, é negar o
151
controle social, e mais, é reproduzir a concepção de política pública como
concessão do Estado.
Subestimar e subjugar a capacidade da nossa população, depois de toda a
luta histórica que foi o Movimento Sanitário Brasileiro, de decidir, identificar, priorizar
as necessidades da comunidade onde vivem, de participar enquanto conselheiros é,
no mínimo, desconhecer ou ignorar o que preconizam os princípios do SUS. As
necessidades são humanas, são sociais e são históricas e, portanto, é compromisso
e responsabilidade dos gestores e trabalhadores da saúde, proporcionar
mecanismos de informação àqueles que, em uma sociedade desigual, foi-lhes
negado o acesso à educação, à informação e a todos os bens culturais que a
humanidade criou.
Para Carvalho (1997, p. 94),
a ampla disseminação dos Conselhos de Saúde por todo o país são tidas
positivamente em todos os inventários sobre o SUS, como inovações que
‘pegaram’. Entretanto, não é claro seu papel nos futuros desdobramentos
do SUS e da Reforma Sanitária. Aqui, tanto a reflexão teórica quanto o
cálculo político parecem presos a um círculo de giz onde os Conselhos são
tratados ou como heróicos guardiães do SUS, ou como construções fúteis,
de escassa potência política.
Para que os Conselhos cumpram seus objetivos, primeiro é preciso acreditar
neles e, segundo, criar possibilidades para que isso aconteça. Se for competência
apenas do executivo a decisão de mudar ou não a saúde, obviamente que não é
democrática a composição dos Conselhos. Nesse sentido, se há vontade política e
conforme prevê a legislação, primeiro passo é proporcionar aos participantes do
Conselho a capacitação para atuarem como conselheiros. É uma questão de
responsabilidade/compromisso do gestor de política pública criar possibilidades de
levar a população a participar do processo democrático.
152
Nesse sentido, em apenas uma das administrações aqui analisadas, no
processo de organização da política de saúde no Município de Ponta Grossa,
conforme declara Lc, que vivenciou as seis administrações (objeto deste estudo)
como líder comunitário, “na administração do Péricles, a comunidade participou porque ela
foi lembrada, ela foi chamada pra a discussão; então, nesse ponto, assim, foi de verdade
participar”
. E complementa, ainda sobre a participação da comunidade naquela
administração, ao referir-se à condição de cidadãos: “eles participaram, com aquele
espírito, até com aquela quase que uma utopia acreditando que iam ver a saúde melhorar; e
essas pessoas iam em busca disso, de melhorar o SUS para todos”
(Lc).
Quanto à continuidade das atividades dos Conselhos Locais de Saúde,
criados na administração 2001/2004, O Líder Comunitário assim se pronuncia
“nessa
administração [2005], eu acho que ela vai continuar [dar continuidade aos Conselhos
Locais] porque o SUS é uma das coisas mais acompanhadas hoje, tem a questão da
promotoria pública, tem todo esse controle social que acompanha, mas eu estou tendo
dificuldade no trabalho com os Conselhos Locais, porque alguns dentro dessa administração
entendem que isso ai não adianta, que isso aí é mais assim coisa de politicagem, eles não
conseguem entender
[a diferença entre] uma questão político-partidária de uma política de
social, de uma política de saúde. Têm pessoas também com boa vontade, pessoas com uma
visão do controle social, com uma visão da Saúde Pública, como agora nesse novo Conselho
Municipal de Saúde, que começa em 2006 e vai até 2007, então, eu acredito que essa
administração vai ter esse progresso, que também venha trabalhar junto com o controle social
que é a Conferência e o Conselho Municipal de Saúde”
(Lc). Também, com relação ao
Sistema Único de Saúde, diz: “o SUS, ele nunca é uma coisa pronta, tem que sempre estar
153
fazendo, construindo, e a hora que a gente pára de fazer o controle social, com certeza o
SUS pára de crescer e avançar; porque o SUS é reconhecido hoje como melhor programa de
saúde do mundo, com todos os problemas que tem, até, principalmente, pela participação
social mesmo, pelo controle social
(Lc).
Nesse sentido, no que se refere à questão do controle social, Merhy (2004,
p. 3) argumenta:
Na prática, hoje, não podemos dizer que no Brasil o Sistema Único de
Saúde expressa uma prática de controle social efetiva. Na realidade,
podemos relatar experiências, e é isso que nós temos vivido no SUS, temos
vivido de relatos de experiências, mais bem sucedidas, menos bem
sucedidas.
Complementamos este item com mais uma fala do Líder Comunitário: “aquilo
que nós temos como direito, você pode ir para a promotoria pública, você pode denunciar no
Conselho Nacional, então, eu acho que quando você está realmente exercendo seu papel de
cidadão, com dignidade, dentro dos Conselhos Locais ou Conselhos Municipais, das
Conferências, você está, de certa forma, produzindo uma arma muito forte de toda essa
complementação do SUS, consolidação do SUS
” (Lc).
3.2.3 Necessidades em Saúde
A identificação e hierarquização das necessidades em saúde, num regime
democrático, estão diretamente relacionadas ao princípio da participação popular,
pois é através dessa participação que a comunidade, juntamente com os gestores,
identifica suas necessidades e as hierarquiza de acordo com as prioridades e
possibilidades de atendimento.
154
Em relação à primeira administração aqui analisada 1985/1988, o Secretário
de Saúde diz que as necessidades eram identificadas na comunidade e atendidas
pelo programa de saúde comunitária da época, os médicos “de pés descalços”, que
iam até as famílias exercendo uma medicina simplificada (sem procedimentos de
alta complexidade) e de caráter preventivo. “Naquela época não tinha os Conselhos de
Saúde, mas nós nos reuníamos todo o final de semana, todo o Secretariado e o Prefeito, nós
íamos à comunidade, nós buscávamos saber o que a comunidade necessitava”
(S1).
Para o Secretário de Saúde da administração 2001/2004, quando às
necessidades em saúde,“a baixa resolutividade no atendimento primário acarretou em
aumento do número de pacientes com doenças graves, que por sua vez aumentou a demanda
por atendimentos nos níveis secundários e terciários (especialidades e hospitais,
respectivamente). O grande volume de atendimentos prestados no Pronto Socorro Municipal
– pronto atendimento, bem como o exagerado número de exames complementares
realizados/gerados nestes locais – demonstrou claramente a não resolutividade dos
problemas corriqueiros nas UBS
[Unidades Básicas de Saúde]; a população [das UBS]
como alternativa frente à dificuldade de acesso ou à resolutividade nas UBS” (S5).
Segundo o depoimento de S5, a identificação da baixa resolutividade dos
serviços de saúde que vinha acontecendo na gestão anterior, determinou a direção
das ações no atendimento às necessidades em saúde para sua gestão, mas
também, segundo o líder comunitário, o gestor e a administração 2001/2004 iam até
a comunidade para identificar as necessidades locais: “
a administração do [prefeito]
Péricles, vamos dizer que teve defeitos, mas se tinha muito mais vontade a acertar, a gente ia
nas comunidades e dava, assim, aqueles ‘pega’ bonito, mas o Secretario ia, o Prefeito ia, a
155
comunidade se reunia, existia assim um debate importante e sempre saía um resultado
positivo para a comunidade; de certa forma, a administração nunca se escondia, estava junto
na hora que precisasse”
(Lc).
O Secretário de Saúde que atuou na administração 1989/1992 e que está
novamente nesse cargo na atual administração (2005), diz o seguinte sobre a
identificação e hierarquização das necessidades em saúde:
“A identificação é através
dos próprios serviços que nós temos. Lá nos serviços essas necessidades afluem [...] se ouve,
por exemplo, muitas reclamações em relação a falta de leitos, falta de leitos em UTI
(S2).
Se as necessidades de saúde afluem na Unidade de Saúde, isso nos leva a
perceber que não há uma reflexão com a comunidade sobre quais são as
necessidades prioritárias para determinada comunidade; também, podemos
entender que são identificadas apenas as necessidades dos usuários que vão até a
Unidade de Saúde, o que poderia ser o atendimento apenas curativo.
Diz ainda S2:
“as carências são totais. Olha, são tantas as carências que existem
hoje na saúde. Hoje é diferente do que era antigamente. São tantas as necessidades que o que
você fizer está valendo
. Se as necessidades são muitas, há de se identificar
prioridades, o que não significa que essa identificação seja unilateral, que parta do
entendimento das mesmas a partir dos gestores e/ou profissionais apenas, mas que
contemple a participação da comunidade.
Segundo o Líder Comunitário relata, ao referir-se à administração 2001/2004
quanto à importância dos Conselhos Locais para identificação das necessidades e a
partir delas elaborar projetos de intervenção,
“a gente vai nas comunidades, até o
próprio nome já diz, ‘Conselho Local’ para saber, para você conseguir fazer um Projeto ou
alguma coisa de saúde já baseada naqueles que estão vivendo o problema, naqueles que sabem
156
o que está acontecendo na sua comunidade; então, eles, a partir do levantamento do que se
tem ali, do que se necessita, a gente procura fazer o trabalho em saúde”
(Lc).
Nada como a própria comunidade para identificar quais são as suas
necessidades, e no momento em que ela é consultada para isso, se está
proporcionando a sua participação no processo de construção do SUS.
Porém, seria ingenuidade pensar que a identificação das necessidades em
uma comunidade acontece de forma harmoniosa. Concordamos com S2 que as
necessidades em saúde hoje são muitas, e por isso é necessário hierarquizar e
priorizar, o que não justifica que a tomada de decisão esteja centralizada na figura
do Secretário de Saúde. Também é obvio que com necessidades totais, tudo o que
se fizer é válido e, com isso existirão sempre insatisfeitos. Mas a prioridade vai se
definir em projetos que atendam a coletividade e não a individualidade, ou seja,
projetos que beneficiem a maioria da população.
É preciso também ter claro, segundo Munhoz (1996), que dificilmente se
encontrará harmonia de interesses entre os indivíduos dos grupos quanto às suas
necessidades ou solução de seus problemas, pois há também interesses individuais
em jogo, assim como não há interesses comuns de diferentes indivíduos e
interesses imediatos de cada indivíduo. Nesse sentido a autora observa que é um
exemplo disso,
o fato de, mesmo dentre os m e n o s f a v o r e c i d o s, os m e n o s
m a r g i- n a l i z a d o s discriminarem os mais e x c l u í d o s que eles,
o que, apesar de incompatível com os direitos humanos, explica-se em
função dos valores presentes na sociedade e até mesmo da preservação da
vida–objetiva ou imaginariamente ameaçada (MUNHOZ, 1996, p. 367).
Quanto à identificação das necessidades em saúde há ainda outro ponto a
discutir: a população, de um modo geral, também contribui para que práticas
curativas sejam ofertadas em detrimento de práticas preventivas.
157
Nesse sentido, diz S5 (administração 2001/2004): “dentro da ‘cultura’
assistencialista, onde o modelo vigente era o de medicar o paciente baseado nos sintomas e
não através da elaboração do diagnóstico da doença, procurou-se implantar mudanças
progressivas, priorizando as ações na atenção primária com a implantação gradual de equipes
PSF, sem desativar as UBS
[Unidades Básicas de Saúde] existentes; o objetivo era
também vencer a resistência da própria comunidade, habituada ao modelo ‘assistencialista’”.
O diagnóstico baseado em sintomas e não na doença, a que se refere S5, é
um diagnóstico clínico, ou seja, baseado apenas no relato do sintoma pelo paciente,
sem exame laboratorial ou de imagem é utilizado para o diagnóstico.
Conforme artigo da Sociedade Paulista de Psiquiatria Clínica – SPPC (2006),
para o diagnóstico da Doença de Alzheimer, por exemplo, não se exige apenas a
presença de um prejuízo da memória, mas, sobretudo, também de um prejuízo na
linguagem, na capacidade cognitiva, laborativa e social. O que torna difícil o
diagnóstico dessa doença, baseado no quadro clínico, é que esses sintomas não
são exclusivos da Doença de Alzheimer; eles podem estar presentes também em
outros quadros de demência, como por exemplo, na Doença de Parkinson ou,
notadamente, naqueles quadros de origem circulatória, representados pela
arteriosclerose cerebral.
As dificuldades para o diagnóstico, quando este é baseado apenas no
quadro clínico e que, não é exclusivo dessa doença, impedem confirmação da
doença.
Assim, a organização do setor de saúde, com a implantação do novo modelo
de assistência à saúde via Programa Saúde da Família, e entendendo a busca da
população pela saúde curativa em detrimento da preventiva, foram mantidas as
Unidades Básicas de Saúde em funcionamento normal e, paralelamente, implantado
158
o PSF, de forma a levar a comunidade a perceber, progressivamente, a importância
do Programa para a comunidade, através do trabalho das equipes.
A ênfase na doença e não na saúde persiste ainda na visão de grande parte
dos profissionais, gestores e da população. Assim sendo, se as necessidades em
saúde são buscadas na própria comunidade, muitas vezes, a própria população
exige que os investimentos sejam na medicina curativa, não valorizando a medicina
preventiva. O que se reforça novamente aqui é que, por um longo período, foi
disseminado um conceito de saúde como ausência de doenças e a questão do
curativo como prioridade; não se pode esperar, pois, que uma população atrelada a
uma cultura política marcada pelo autoritarismo, pelo clientelismo, pelo paternalismo
político, simplesmente mude a forma de perceber o processo saúde/doença porque
mudou o modelo de atenção, ainda mais que, muitos profissionais e gestores
continuam reproduzindo o modelo hegemônico.
Também, destacamos na fala do Secretário de Saúde (Administração
1989/1992 e 2005/2008) que, segundo ele,
“acontece que o nosso povo também está
muito acostumado com a saúde curativa que não dá muita bola para a saúde preventiva,
porque uma gotinha pingada na boca é ‘porcaria’; não é porcaria! É um mundo maravilhoso
que aquela gota encerra, evita doenças, evita risco, evita transtorno para a própria família de
ter uma criança doente em casa. Na verdade, a população não tem informação, não tem
educação, por exemplo, é inadmissível, em termos de responsabilidade social, as campanhas
de vacinação; na minha ótica, se existe uma responsabilidade social, porque se você é mãe, se
eu sou pai, eu tenho que pegar meu filho e, quando chegar a hora certa levar para vacinar,
porque eu não quero meu filho doente, agora, fazer campanha para levar meu filho? Porque
se você não levar seu filho você é uma mãe irresponsável! Você está querendo mal ao seu
159
filho, não está prestando atenção no seu filho, da mesma forma eu como pai; eu não consigo
admitir uma campanha de ir em casa vacinar, sem a mãe e o filho sair de casa e ir lá no
posto vacinar, era obrigação de multar essas mães e os pais que não utilizam esses recursos
que é disponibilizado pelos serviços públicos. Eu acho que historicamente também o nosso
povo se acostumou com o paternalismo político, clientelismo que foi praticado sobre ele,
tinha que se desacostumar com isso aí e tinha que ter um pouco mais de responsabilidade;
essa conversa de responsabilidade social vai longe”
(S2).
Todavia, se a população não tem educação/informação, e muitos estudiosos
da área preconizam hoje que a base para os cuidados com saúde está na família e
na comunidade, torna-se essencial, portanto, “que a educação da comunidade sobre
como prevenir doenças faça parte de todo e qualquer modelo de atenção primária
de saúde” (BARROS, 2003, p. 97).
Cabe aqui reforçar a importância dos Programas de Capacitação de
Conselheiros, realizados em parcerias com o Estado e Universidades, levando
informação à população sobre a política da saúde e a relação indissociável entre
medicina preventiva e medicina curativa.
Se
S2 entende que a população “não tem informação, não tem educação”, ao
mesmo tempo não coloca a questão como um problema do sistema e sim do
indivíduo, como se o acesso à educação fosse escolha individual e não um
problema de exclusão de uma grande parcela da população brasileira que vive em
uma sociedade onde a desigualdade e a injustiça social prevalecem.
Existem 20,2 milhões de brasileiros com mais de 10 anos que não sabem
ler nem escrever. Segundo o IPEA (1992) a taxa de analfabetismo na faixa
de 10 a 14 anos é de 14% no conjunto do país, variando de 4% para o
Sudeste e 33% no Nordeste; de acordo com dados do IBGE (Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística) 1997, a taxa de analfabetismo para
maiores de 10 anos é 20% (BARRETO, 1999, p.4).
160
Também, existem “40 milhões de brasileiros pobres [...]. Um entre três lares
urbanos é pobre, aumentando a proporção de 50% na área rural (1997) [...]. 31,6
milhões de brasileiros (9 milhões de famílias) sofrem de desnutrição crônica” (IPEA,
apud BARRETO, 1999, p. 3).
Presenciamos hoje o caos da saúde, onde, de um lado, temos alta
tecnologia e especialidades médicas cada vez mais direcionadas e, de outro,
pessoas sem nenhuma fonte de recursos, tanto financeiro como de informação, o
que nos leva a reafirmar o que diz S5
ter saúde não é apenas não possuir doença; ser
saudável também significa ter cultura, educação, ter infra-estrutura ambiental,
salário/renda adequada para o mínimo das necessidades básicas”.
Está no discurso da maioria dos Secretários de Saúde dos Estados e
municípios, defender a medicina preventiva e não mais a curativa que, até ontem,
era foco de atenção, como se isso fosse uma simples mudança de postura do
usuário. As campanhas de informação, de conscientização do governo, destinadas
aos usuários, são de extrema importância para levá-los a se conscientizar; é uma
das formas de informação para a população “desinformada”.
Nos discursos de alguns Secretários de Saúde e de especialistas da área,
parece que o usuário tem a obrigação de aderir à medicina preventiva como uma
nova forma de conduta, sendo que, até “ontem”, o discurso hegemônico era
medicina curativa, como se dependesse do usuário, por si só, iniciar esse novo ciclo
da medicina.
Colocam Lima e Moura (2002) que, no Nordeste, quando da implantação do
PACS, em 1991, um fator central considerado na elaboração do programa (devido a
região ser considerada a mais pobre do país e deter, nos anos de 1980, uma alta
taxa de mortalidade infantil) foi o baixo nível de informação e orientação da
161
população, considerado responsável pelo agravamento da situação. A precariedade
do acesso à informação por parte das comunidades, e principalmente pelas
mulheres, foi avaliada como fator a ser priorizado, visto que muitas doenças
poderiam ser evitadas sem recorrer a socorros médicos, mas simplesmente através
de cuidados caseiros, quando caberia ao Agente Comunitário de Saúde (ACS) levar
essa informação à comunidade.
Portanto, vale ressaltar o pensamento de Heller e Fehér (1998, p. 29) quanto
às necessidades em saúde; os autores se referem a uma “sociedade insatisfeita”,
não no sentido de designar essa “sociedade insatisfeita” como a essência da
modernidade, mas como uma especificidade de nossa época da perspectiva das
necessidades, ou mais particularmente, “da criação, percepção, distribuição e
satisfação das necessidades”. Mas, embora todas as pessoas sejam portadoras de
necessidades ilimitadas, podem ver-se diante de possibilidades e oportunidades
reduzidas em função do contexto, o que tanto pode contribuir para seguir o caminho
desejado, na busca de satisfação dessas necessidades, como pode se tornar um
obstáculo. As esperanças estão impregnadas de contingências, mas nas
experiências concretas estão as limitações das possibilidades. Esse abismo entre
esperança e experiência é motivo de constante insatisfação e descontentamento.
Assim, a sociedade insatisfeita descrita por Heller e Hehér (1998)
caracteriza-se pela expansão de carências e necessidades.
Trazendo essa reflexão para a área da saúde, a relação entre necessidade e
satisfação dessa necessidade é algo complexo, tendo em vista que envolve a
162
articulação do Estado, sociedade civil
48
e sociedade política. O Estado,
historicamente, tem sido entendido como gestor de diferentes interesses de classes.
É a instituição reguladora dos conflitos entre as classes sociais e, como nasceu da
necessidade de conter esses antagonismos, o Estado é a instituição social
legitimadora, o “comitê executivo” da classe dominante a partir da fundação do
Estado moderno e, ao gerir conflitos sociais, tende a privilegiar, historicamente, a
classe dominante. Isso manifesta claramente os processos de universalidade e de
igualdade no acesso à saúde, tendo como propósitos a idéia de justiça social, capaz
de garantir tal direito à sociedade como um todo.
Segundo Campos (2002), estudos identificados na produção científica sobre
o conceito de necessidade em saúde foram categorizados em dois grandes grupos:
necessidade de saúde no âmbito abstrato do conceito e necessidade de saúde no
âmbito operacional do conceito, utilizado na área de Planejamento em Saúde. No
primeiro caso, a satisfação das necessidades em saúde, compreendida como
carências complexas, deve ser apreendida como um direito do cidadão, onde o autor
citado criticou a interpretação da necessidade social como generalidade que
subordina as diferentes necessidades dos indivíduos.
No segundo caso, a necessidade a partir da qual será organizada a
produção de serviços, ou seja, as necessidades apresentadas por aqueles que
organizam a assistência à saúde.
O que se entende com isso é que as necessidades têm se diferenciado
quando se trata de quem demanda a saúde e de quem elabora as políticas para
48
Sociedade Civil, “recobre um amplo leque de experiências, que vão desde as organizações
recreativas, desportivas até as entidades filantrópicas e assistenciais, os diversos grupos de
manifestação cultural, as organizações empresariais, as associações de defesa dos direitos humanos
de maneira geral, incluindo as ONGs e os diferentes movimentos sociais. Nesse sentido, a sociedade
civil configura-se como um amplo e diverso conjunto de experimentações de organização política, que
abriga diferentes objetivos e projetos” (GRUPO DE ESTUDOS SOBRE A CONSTRUÇÃO
DEMOCRÁTICA/IDÉIA, 1998/1999, p. 13-14).
163
atender aos demandatários. As necessidades são históricas, o que significa que não
são naturais e nem finais, pois desigual é a distribuição do consumo dos produtos do
trabalho e, conseqüentemente, as necessidades em saúde no plano individual ou
coletivo.
No Brasil, as práticas de saúde, na maioria dos casos não têm ultrapassado
os limites da satisfação das necessidades existenciais, isto é, aquelas relativas à
manutenção da vida. Mesmo a expressão mais progressista do setor de saúde –
Movimento Sanitário – apesar do avanço em termos legais, não conseguiu constituir
uma proposta na direção da construção do indivíduo, se detendo muito mais no
coletivo. Atender as necessidades em saúde é satisfazer as necessidades atinentes
ao indivíduo coletivo e à conservação da vida e, ao mesmo tempo, ultrapassá-las em
direção à superação da vida cotidiana, no sentido de atender as necessidades
existenciais e as propriamente humanas.
O Brasil está entre os países em que a renda per capita seria suficiente para
garantir o essencial à população, mas a desigualdade na distribuição da renda leva
a privações e a enormes distâncias sociais. Isso se reflete na saúde da população, o
que tem sido mostrado em pesquisas e estudos sobre a relação entre as condições
de saúde e o nível sócio-econômico.
Para romper com esta lógica sanitária,
faz-se necessário reconhecer que a desigualdade no âmbito da saúde é
um sintoma de iniqüidade social – em um sentido mais amplo – possuindo,
outrossim, dispares mecanismos de ‘auto-organização’ nos diferentes
paises (BATISTA; SCHRAMM, 2004, p. 5).
Falam os autores acima citados que reconhecer isto traz implicações
decisivas para a redução das desigualdades sociais em saúde, podendo, também,
se tornar um poderoso estímulo para a formação de diferentes estratégias que visem
164
à redução das injustiças sociais e questionam: mas seria realmente possível a
justiça com igualdade?
Uma sociedade democrática tem por finalidade a realização da justiça social
e pressupõe a prática da igualdade e da liberdade. O princípio da igualdade precede
o da justiça. Sem igualdade não há liberdade, sem liberdade não há justiça social.
Democracia, igualdade e liberdade são valores éticos vinculados à justiça social.
Parte-se do pressuposto de que a saúde da população depende,
genericamente, da dimensão média do consumo de certos bens e serviços de
subsistência, alimento, habitação, assistência à saúde e educação. Qualquer que
seja o conceito de saúde, não se deve deixar de reconhecer que ele está
estritamente relacionado com o modo de o homem produzir seus meios de vida
(trabalho) e satisfazer suas necessidades (consumo), estabelecendo, neste duplo
movimento, as relações que mantém com os outros.
Para S2,
“nos temos um gerenciamento, gerenciamento de especialidade,
gerenciamento de tratamento, sobre internamento hospitalar, gerenciamento hospitalar, e
mesmo na 3ª Regional de Saúde do Estado, se vê, por exemplo, muitas reclamações em
relação à falta de leitos, falta de leitos em UTI e o gerenciamento não é nosso, mas o povo é
nosso, a população é nossa. Isso nos preocupa, e nos temos que trabalhar junto com a 3ª
Regional, com a Secretaria de Estado da Saúde para somar esforços e resolver, porque a
situação caótica em que está a saúde hoje, não é resultado de um programa de hoje, é
resultado de várias administrações anteriores que não investiram, que não prestaram
atenção, que não trataram com a atenção que merecia, o crescimento tanto da população que
está passando a recorrer aos serviços hoje, como principalmente não fizeram com que
houvesse mais investimento e que houvesse crescimento qualitativo e quantitativo nos
165
serviços de saúde. Então, se não tem vaga em hospital é porque não tem espaço físico no
hospital, e por que não tem espaço físico no hospital? Porque não se investiu em aumentar o
espaço físico do hospital, e a cidade não só cresceu, mas o povo, a população empobreceu e
tem muita gente migrando para o SUS”
(S2).
Conforme Antunes (2001), os gestores municipais vêm cada vez mais
vivendo o conflito de não conseguir gerenciar a rede de prestadoras hospitalares e
de serviços complementares, continua a auto-selecionar seus atendimentos e
mandando ao SUS uma conta no fim de cada mês cada vez maior.
A conta da atenção recuperativa e de exames complementares continua a
levar cerca de 80% dos recursos de saúde. Agrava esta conta a
incorporação de novas técnicas e procedimentos de alta complexidade, sem
o devido suporte financeiro para cobrir as despesas. Com apenas 20% para
a atenção básica, os centros de saúde continuam sucateados, feios,
desaparelhados, sem recursos humanos e infraestrutura suficiente para
atender à prática social, lutando para a construção da cidadania no trato à
saúde ou contribuindo para a manutenção da iniqüidade (ANTUNES, 2001,
p 2).
3.2.4 Universalidade de Acesso: Direito do Cidadão
Outra conquista do Movimento Sanitário Brasileiro e que se encontra entre
os princípios e diretrizes da Lei 8.080/90 é a “universalidade de acesso aos serviços
de saúde em todos os níveis de assistência” – Artigo 7º, inciso I (BRASIL, 1990).
Isso implicou o ingresso de milhões de brasileiros no sistema público de saúde.
Nesse sentido, S2, ao falar do setor de saúde hoje, diz:
“são três faixas de
clientes em saúde, de usuários: a primeira faixa é o particular que existia há 15 anos e hoje
em termos estatísticos não existe mais, uma pessoa que passa pela cadeia de consulta até o
internamento e UTI e tudo, é raríssima, em termos estatísticos; raridade não faz estatística,
por quê? Porque esse povo migrou do plano de saúde. Plano de saúde antigamente recebia
166
gente da terceira faixa, que sub-comprava planos de saúde e de muitas empresas que faziam
convênios com UNIMED, CONSAÚDE, que era o que existia na época, para seus
funcionários. Hoje essas empresas estão se retirando porque a situação das empresas também
não está boa e esse povo todo está voltando para a faixa de baixo do SUS. A população
empobreceu e aqueles que compraram planos familiares de saúde, estão deixando de pagar e
vindo para o SUS, então, hoje a população do SUS aumentou bastante e encontrou os
serviços totalmente desestruturados para receber esse aumento. Já era desestruturado para
receber aquela faixa que estava acostumado a atender e, subitamente, começou a aumentar o
número de pessoas que procuram os serviços e o caos se estabeleceu”
.
Vale destacar que a universalidade do acesso divide opiniões entre os que a
entendem como direito de todos e os que discordam, defendendo que o sistema
público deveria ser destinado aos que não podem pagar o acesso aos serviços de
saúde privados.
No tocante a esse tema, o Secretário de Saúde da administração 1985/1988,
que coincide com a constitucionalização do SUS e, conseqüentemente com a
institucionalização da universalidade do acesso, afirma:
“naquela época não existia
tanta dificuldade de acesso a hospitais e tanta falta de leito como existe hoje; então aqueles
indivíduos que tinham melhores condições pagavam e os que não tinham o setor público
atendia, essa era a nossa intenção”
, e complementa dizendo que “O governo não tinha
que se meter em determinados setores da medicina ‘Saúde, direito de todos e dever do
Estado’, vai ao Pronto-Socorro e veja, tem gente que morre estocada nos Pronto-Socorros,
nos ambulatórios da vida. Aí, você já imaginou esse povo que morre sem assistência médica?
Que é um direito! Quem não pode pagar tem que ter o direito, mas o Estado não consegue dar
167
conta. Esse modelo que aí está, nenhum país do mundo consegue dar conta, quem tem
condições de pagar tem que pagar a assistência médico-hospitalar, o Estado não tem como
bancar toda população
(S1).
O que entendemos nessa fala é que muitas pessoas morrem por falta de
atendimento, tendo em vista que quem pode pagar acaba dividindo o acesso com
quem não pode pagar, assim, os últimos ficam sem acesso à saúde pública e
privada.
Dessa forma, o princípio da universalidade de acesso é um dos princípios
que, numa perspectiva neoliberal, deveria ser abolido, ou seja, o sistema público
deveria ser daqueles que não têm condições de acesso a sistemas privados, ou que
estão economicamente fora do mercado.
Tal pensamento elimina o princípio da universalidade, vindo reforçar a visão
incrementalista, discutida no Capítulo II a partir do pensamento de Mendes (1996),
visão que entende que o “dilema” do SUS para os pobres ou para todos os
brasileiros, tem sua origem e solução no financiamento público da saúde.
Esse dilema, segundo Mendes (2004), de “QUAL SUS” queremos construir
se expressa em duas opções: num sistema público de saúde para todos os
brasileiros, modelo público universal (praticado em sociedades com projetos sociais
democráticos); ou como um segmento destinado ao atendimento das camadas
pobres, modelo segmentado.
Destaca ainda Mendes (2004), que os sistemas segmentados são
justificados, tal como se faz no Brasil, pelo argumento de que ao instituírem-se
sistemas privados para quem pode pagar por serviços de saúde, sobrariam mais
recursos públicos para dar melhor atenção aos brasileiros em situação de pobreza.
168
No Brasil, as áreas de excelência do SUS são aquelas penetradas por
setores da “classe média”, como os programas de imunização, de DST/AIDS, de
transplantes e outros. Enquanto isso, os programas destinados às “doenças dos
pobres” são ineficientes, como os de hanseníase e de câncer do colo uterino.
(MENDES, 2004).
A partir dessa realidade destacada acima por Mendes, podemos dizer que,
em parte, segundo estudiosos da área de saúde, excluir do SUS a parcela da
população que pode pagar, tornaria o sistema de saúde bem mais ineficiente, ou um
“sistema pobre para os pobres”, porque essa parcela da população que pode pagar
e, por natureza, mais exigente quanto à qualidade dos serviços, contribui para
melhorar o sistema e para maiores investimentos na área. É o que também destaca
S2. Vejamos: “
hoje nós temos uma população muito maior e pela própria origem, muito mais
crítica em relação ao sistema; eles estavam acostumados com outro tipo de atendimento, e
estão exigindo do SUS o mesmo atendimento que eles tinham em consultório particular ou no
serviço particular, nos serviços dos planos de saúde”
(S2).
Isso mostra que a existência de um sistema público de saúde para os
brasileiros em situação de pobreza, contribuiria para iniqüidade e não para aumentar
a eqüidade do atendimento em saúde.
Para Mendes (2004), a solução do dilema do acesso universal não pode se
restringir ao limite de busca de soluções técnicas, pois envolve uma opção política a
ser feita pelo conjunto da sociedade brasileira que, ao fim, estará decidindo qual
sistema de saúde quer e como será financiado. Então, a questão, nos parece, está
no pensamento de Mendes (2004), sobre quais valores se estruturará a sociedade
brasileira: se em valores individualistas/auto-interessados, o que levará à
169
consolidação do SUS como segmento para pobres, ou se em valores solidaristas, o
que conduzirá o SUS para um sistema público universal.
Ainda quanto à construção do SUS, desde a década de 1990 é de consenso
entre muitos estudiosos que as contradições que o SUS vive se encontram no
descompasso entre sua proposta de uma política universal e os projetos neoliberais
de reforma do Estado que buscam desconfigurar o setor público, focalizando suas
ações para os que não têm acesso a sistemas privados, ou seja, construir um “SUS
pobre para os pobres”.
Nesse sentido, diz Campos (1997), quanto ao financiamento do SUS, que
sem dúvida há falta de recursos, mas engana-se quem acredita que maior aporte de
recursos resolveria o acesso ou a qualidade dos serviços do SUS, o atual modelo de
organização das práticas é inadequado:
especialização crescente [...], desvalorização da clinica e da saúde pública
e hipervalorização de procedimentos diagnósticos ou terapêuticos sem
considerações por todo o processo de cuidados, centralidade do hosrital
que funciona tanto como porta de entrada quanto como linha de saída. Ou
seja, sem modificação do modelo de atenção seria realmente utópico
pensar-se na universalização. Ao prevalecer a lógica medica tradicional a
atenção à saúde seria, realmente, um saco sem fundo. Não haveria dinheiro
que cobrisse o número crescente de intervenções, de atendimento
especializado, etc. a universalização pressupõe alteração do modelo,
portanto. No caso de privatização, a mercantilização da saúde recriaria o
modelo norte-americano, sempre, automaticamente. Ou seja, a receita dos
neoliberais, se implementada, agravaria o problema que quereriam resolver.
Ironia, safada e trágica (CAMPOS, 1997, p. 115-116).
Também, com relação à incapacidade do Estado de suprir gastos com um
sistema universal, desse problema surge outro, conforme aponta S1: “Dessas
conseqüências nasceram outras aberrações: os planos de saúde hoje tiram um pouco do médico
e um pouco do paciente, então isso não pode na área de saúde, isso é um comércio”
.
Quanto ao atendimento em saúde hoje, dentro desse sistema sem aporte
financeiro para atender a população como um todo, emerge uma outra problemática
170
que resulta no prejuízo da relação entre médico e paciente: “os médicos ganham tão
pouco do SUS e a demanda é tão grande que eles têm que atender um grande número de
pacientes, então, o paciente finge que vai ao médico, o médico, por sua vez, finge que atende
e o SUS finge que dá cobertura”
(S1).
É neste cenário que entra a proposta do Programa Saúde da Família
trazendo uma perspectiva de atendimento em saúde mais humanizado, proposta
que será discutida no próximo item.
Vale ressaltar ainda, a questão da burocracia no âmbito da implementação
de uma política pública:
“Nós temos que melhorar bastante, mas é difícil melhorar
subitamente porque nós estamos no serviço público e o serviço público ele não tem agilidade,
porque ele anda b u r o c r a t i c a m e n t e dentro das leis que regem o serviço público, uma
‘bomba’ que no setor particular se faz do dia para a noite, aqui se leva 60 dias. Tem vários
canais, e orçamento, e setor de compras, e setor de suprimento, por onde tem que passar as
compras até que elas ocorram; então, as coisas no serviço público, infelizmente, para se ver a
realidade, elas acontecem muito mais devagar do que aconteceriam no serviço do setor
privado”
(S2).
Relata Rodrigues Neto (1997), ao discutir sobre os destinos dos recursos
públicos, o não controle público sobre as ações e serviços prestados pelos
laboratórios e hospitais privados contratados pelo SUS, que deveriam atuar como se
fossem públicos, absorvendo grande parte desses recursos, destaca ainda que a
ineficiência da gestão pública esteja, em grande parte,
sufocada por regras burocráticas que se sobrepõem ao interesse público
mas também, pelo corporativismo e descompromisso público de amplos
segmentos profissionais (ainda que se deva reconhecer a inexistência de
uma política de real valorização do trabalho) (RODRIGUES NETO, 1997,
p.90).
171
Para o Secretário de Saúde da administração 2001/2004, “Ainda que sob a
ótica social, o projeto SUS seja o maior plano de saúde coletiva do mundo e teoricamente
perfeito, peca nos seguintes aspectos: 1) 85% dos leitos hospitalares do país pertencem à
iniciativa privada, que prestam assistência ao SUS; 2) existe contradição na política de
pagamento/compra de serviços: remunera procedimentos de alto custo como transplantes,
implantação de próteses, tratamento para portadores de HIV e faltam recursos para
atendimentos básicos de baixo custo, como falta de AIHs para hospitais de baixa/média
complexidade; 3) a baixa remuneração dos serviços comprados da rede conveniada está
promovendo sucateamento da rede hospitalar privada, perda de hospitais conveniados – que
estão se descredenciando do SUS, reduzindo a disponibilidade de leitos da rede; o pior é que
o governo depende dos leitos privados para manter a rede assistencial
(S5).
Com relação à consolidação do SUS como um sistema universal ou como
política pública, destacamos as seguintes opiniões: para o Secretário de Saúde da
Administração 2001/2004:
“Em saúde pública, as melhorias na saúde, independente dos
recursos nela investidos, aparecem somente a médio e longo prazo. Desta forma, o êxito nas
ações depende basicamente da manutenção/continuidade dos programas implantados, o que
nem sempre ocorre em virtude da mudança de governo a cada eleição. Talvez a gestão da
saúde pública devesse ser exercida por funcionários de carreira e não por gestores interinos”
(S5).
O Líder Comunitário argumenta: “o que a gente quer é que os administradores –
tanto esses quanto os que virão – conseguissem entender e respeitar o trabalho, que não é um
trabalho para levar o meu nome ou o nome desse ou daquele, mas é um trabalho para elevar o
nome da cidade, porque onde a gente vai, nessas Conferências, Ponta Grossa é tratada como
172
quase que não existe, e é uma cidade que é a quarta do Paraná com 300 mil habitantes. Nas
Conferências você não está sendo você representado, mas sim
[representando] toda a
população, e é isso que a gente sempre defendeu e vai continuar defendendo, porque isso é lei,
todo livro que você lê, um relatório de todas Conferências, é sempre falando isso, o direito do
cidadão, de ter saúde, é um dever do Estado de fazer essa saúde”
(Lc).
3.2.5 Programa Saúde da Família: Estratégia de Consolidação do Sistema Único de
Saúde
O Programa Saúde da Família, colocado em prática por equipes
multiprofissionais, constitui hoje o principal espaço das ações de atenção básica à
saúde desenvolvida no Brasil. As equipes podem garantir à população assistência
básica e orientação sobre os cuidados com a saúde focando a prevenção, promoção
e recuperação da saúde.
Quanto à proposta do médico de família ou o Programa Saúde da Família,
perguntamos aos Secretários de Saúde entrevistados se eles acreditam nessa
proposta?
S1 diz
: “Sim, sem dúvida. Mas ela tem que estar estruturada dentro do contexto.
Ela é uma peça da engrenagem. Não adianta atitudes isoladas do PSF se não investir em
saúde preventiva, se você não aumentar o número de leitos no hospital, se colocar na
periferia o médico de saúde familiar e ele precisar fazer um determinado exame ou
internamento hospitalar e o paciente não tem acesso; aí a única diferença é que com
Programa Saúde da Família o paciente vai morrer com o diagnóstico ou com a suspeita de
diagnóstico, porque pelo menos ele teve acesso ao médico”.
173
Ao perguntarmos para S3 se acreditava na proposta do PSF, ele respondeu:
“Não, isso é demagogia. Pessoas que não têm salário, não têm emprego, não tem casa, não
têm esgoto, não têm água potável não é o médico ou alguém que vai resolver o problema. É,
preciso ter, antes do médico, ter salário, ter emprego, tanto o homem como a mulher, ter
residência, ter casa adequada, pode ser simples, mas que tenha forro, que tenha assoalho, que
tenha piso, que tenha água potável, que tenha esgoto”
.
Pensando dessa forma, não adiantaria ter médico atendendo nos hospitais,
porque, antes de atender de forma digna o indivíduo na saúde teria que eliminar as
desigualdades sociais, no entanto, o próprio sistema de saúde é desigual e
excludente.
O Secretário de Saúde da administração (2001/2004), anterior à atual, que
implantou as primeiras Equipes Saúde da Família no Município de Ponta Grossa,
respondeu a nossa questão dizendo: “Sim, acredito nessa proposta, foi o que motivou
minha permanência no cargo. Sou da opinião de que, se os recursos destinados à saúde
pública são limitados, cada nível de governo deve priorizar suas ações – gestor municipal na
atenção básica, gestor estadual e federal na atenção secundária e terciária. Nossa proposta
de gestão era o fortalecimento da atenção básica”
(S5).
Ainda com relação à implantação do PSF diz:
“O PSF foi implantado em nossa
gestão, através da confecção de projetos submetidos à aprovação em instâncias estadual e
federal; aprovado o projeto promoveu-se a capacitação profissional, a contratação de equipe
multiprofissional e instalação das primeiras equipes em 2002/2003. Como diferencial em
relação ao programa básico do governo federal, nossas equipes dispunham de farmacêuticos,
assistentes sociais e havia projeto futuro de inclusão de fisioterapeuta. Devido às
174
características geográficas de nossa região, a inclusão de profissionais diversos, como os
citados nas equipes do PSF, traria benefícios à comunidade atendida, evitando o seu
deslocamento aos centros de referência. Portanto, além dos recursos federais, o município fez
aporte de recursos próprios para melhorar/elevar o nível de prestação de serviços das equipes
PSF. Paralelamente à implantação do PSF, que promoveu uma nova referência salarial às
diversas categorias, promoveu-se nesta gestão uma importante melhoria salarial
49
nos
prestadores da saúde, em níveis superiores à inflação e perfeitamente adequados ao mercado
de trabalho local, fato comprovado pelo grande número de inscrições nos concursos públicos
realizados durante a gestão”
(S5).
A adesão ao PSF difere de gestor para gestor, conseqüentemente, as
experiências com PSF diferem de município para município, como no caso da
gestão 2001/2004 do Município de Ponta Grossa, quando foram incluídos, além do
médico e do enfermeiro, outros profissionais, como o assistente social e o
farmacêutico para integrar a equipe multiprofissional, o que vem enriquecer o
trabalho da equipe em termos de olhar a realidade.
Também, os resultados do PSF estão sendo evidenciados em muitas
experiências de municípios brasileiros, uma dessas experiências, conforme Barros
(2003) é do município de Camaragibe-PE, que foi um dos municípios ganhadores
dos prêmios para os melhores municípios com implantação do PSF na I Mostra
Nacional de Saúde da Família, promovida pelo Ministério da Saúde em 1999. Esse
município conseguiu resultados significativos com o PSF; lá o Programa foi montado
49
O Programa Saúde da Família, por exigir tempo integral dos profissionais, tem promovido uma
nova referência salarial, ampliando os salários dos profissionais integrantes das equipes. Na
administração 2001/2005 do Município de Ponta Grossa, foi aprovado o Plano de Cargos e Salários
dos Servidores Públicos Municipais, elevando o salário mínimo profissional e instituindo benefícios de
carreira profissional a todos os servidores municipais e não só dos profissionais que compõem a
Equipe Mínima do PSF, mas, também, daqueles que passaram a integrar a equipe naquela gestão
(Farmacêutico e Assistente Social).
175
em três níveis de atenção: “as unidades de saúde do PSF, responsáveis pelo
primeiro nível de atenção, que é a porta de entrada do sistema; no nível secundário,
dos centros de saúde, com atendimento de demanda espontânea e referenciada e
no terceiro nível, os hospitais” (BARROS, 2003, p.113).
Segundo Barros (2003), mesmo que existam experiências de sucesso com o
PSF, ainda existem formas de implantação paralelas ao modelo tradicional; quando
alguns municípios têm um pequeno percentual de cobertura pelo PSF e o restante
pelo modelo tradicional.
Na administração atual 2005/2008 existe a idéia de implantação do PSF em
todas as unidades de Saúde:
Nós temos praticamente a metade das nossas Unidades de
Saúde com PSF e a outra metade são Unidades de Saúde tradicional, e como a Unidade de
Saúde tradicional funciona meio período, se for pegar por questão de horas contratual teria
que fechar à uma hora da tarde, então, é um período grande que a Unidade de Saúde está
fechada e o PSF atende 8 horas e com um alcance social muito maior. O Programa Saúde da
Família é um programa novo, e tenta restaurar o médico de família, não sei se é bem por aí a
coisa, mas é um programa de uma abrangência sanitária muito grande e a nossa idéia, na
atual gestão do Pedro é acabar com todas as Unidades de Saúde e pôr o PSF”
(S2).
Se para S5 “procurou-se implantar mudanças progressivas, priorizando as ações na
atenção primária com a implantação gradual de equipes PSF, sem desativar as UBS
[Unidades Básicas de Saúde] existentes”; para S2 a “idéia, na atual gestão do Pedro é
acabar com todas as unidades de saúde e pôr o PSF”.
Campos (1997, p. 123) destaca que em vinte anos de investimentos na rede
básica, esta
176
nem se transformou em porta de entrada do SUS e nem logrou fazer toda a
saúde coletiva que insinuávamos [...] como fuga para frente, sem exame
franco do relativo insucesso, surge nova receita grandiloqüente: médicos da
família e agentes de saúde supririam todas as falhas da atenção primária à
saúde.
E coloca a questão “por que razão nossas autoridades propõem
mecanismos de ação integral e resolutiva, com responsabilização dos médicos e
auxiliares pelo cuidado integral de certo número de pacientes, apenas para o
programa de médicos da família?” (CAMPOS, 1997, p. 123).
Complementa ainda Campos (1997) que as responsabilidades sobre saúde
pública deveriam ser divididas entre a rede básica e núcleos de saúde coletiva em
cada distrito de saúde, ou seja, mesmo quando as equipes locais interviessem,
deveriam ser apoiadas por grupos de sanitaristas e, alguns desses médicos
deveriam estar a cargo desses sanitaristas (saúde do trabalhador, coordenação de
campanhas para controle de dengue e investigação de um agravo inesperado).
Sem a criação de uma porta de entrada que assegurasse amplo acesso e
acolhida aos problemas de saúde – ou seja, universalidade -; intervenção
personalizada como projetos terapêuticos singulares – eqüidade –; e alta
resolutividade, nunca teremos o SUS socialmente legitimado. Não custa
caro montar um sistema com estas características. Custariam
transformações culturais, organizacionais e de poder. Por exemplo, delegar
às equipes locais, aos médicos de família, ou aos clínicos, pediatras, o
controle sobre as internações e utilização de recursos especializados,
públicos ou contratados. Há saídas, mas há também um imobilismo
assustador em relação à medidas radicais de transformação dos atuais
padrões de funcionamento de atenção básica” (CAMPOS, 1997, p. 123).
Conforme Strozzi (1997), as Equipe Saúde da Família, como estratégia no
atendimento à população em relação às equipes dos postos de atendimento
ambulatorial, têm como diferença que as equipes do PSF fazem visitas domiciliares
para atendimento a um determinado número de famílias onde realizam ações de
promoção, prevenção e também curativas. Para se compreender com essa
estratégia aumenta a eficiência e a eficácia dos serviços ambulatoriais, o autor
subdivide as populações, com relação às doenças, em quatro grupos: O Grupo I é
177
“composto por pessoas que se percebem doentes e que realmente são doentes”; o
Grupo II “é composto por pessoas que se percebem doentes, mas na verdade não
estão”; o Grupo III “é daqueles que realmente estão doentes, mas que não se
percebem assim”; e o Grupo IV “são pessoas que mantêm uma boa qualidade de
vida, seja porque têm capacidade física, seja porque estão devidamente
controladas” (STROZZI, 1999, p. 30-31).
Nesse sentido, segundo Strozzi (1999), quando o serviço de saúde
ambulatorial é ofertado, na maioria das vezes, é voltado para o atendimento às
pessoas do grupo um (pessoas que se percebem e realmente estão doentes) e para
programas, por exemplo, de vacinação abrangendo as pessoas do grupo quatro
(pessoas doentes, mas que não se percebem assim). Entretanto, salienta o autor,
que os serviços de saúde estão abarrotados com pessoas que se percebem
doentes, mas não estão doentes (grupo dois), o que leva a gastos desnecessários
com consultas, exames com resultados negativos, medicamentos que poderiam ser
evitados. Assim, “a ineficiência do atendimento ambulatorial tradicional é, então,
determinada pelo acúmulo desproporcional de pessoas do Grupo II e pela pouca
capacidade de atender pessoas do Grupo III” (STROZZI, 1997, p. 32).
É assim que o atendimento pelas Equipes do Programa Saúde da Família
pode aumentar a eficiência e a eficácia, pois, para Strozzi (1997, p. 32-33), em
primeiro lugar, através das visitas domiciliares, pode identificar esses diferentes
grupos e,
irão orientar estas pessoas que se percebem doentes, mas que não
precisam de atendimento ambulatorial (Grupo II). Com isso haverá uma
redução deste grupo de pessoas no ambulatório, fazendo com que haja
maior dedicação da equipe ambulatorial para atender aqueles do Grupo I.
Isto irá fazer com que os ambulatórios realizem exames complementares
com maior probabilidade de resultados positivos, que os médicos realizem
mais consultas necessárias e que haja melhor relação serviço e usuário,
pela redução do número de pessoas atendidas. Ao mesmo tempo, haverá
maior possibilidade de realização de atividades preventivas com aqueles
do grupo IV.
178
E, em segundo lugar, na reflexão de Strozzi (1997, p. 125), o mais
importante é a identificação das pessoas que estão doentes, mas que não se
percebem assim.
Esta identificação provoca, em um primeiro momento, uma demanda
avassaladora aos serviços ambulatoriais. Porém, à medida que se tornam
diagnosticadas e controladas, estas pessoas se transferem para o Grupo IV e são
acompanhadas pela Equipe Saúde da Família.
3.2.5.1 Formação Profissional
Conforme abordamos no primeiro capítulo, a medicina de alta tecnologia tem
sido praticada em detrimento da medicina preventiva. Isso tem acontecido porque, a
partir do relatório flexner, publicado em 1910, a medicina científica prende-se cada
vez mais à Biologia, tornando-se, progressivamente, mais especializada. Nas
escolas de medicina, os especialistas passaram a substituir os Clínicos Gerais, que
se tornaram modelo para as novas gerações médicas.
Para Merhy (1997, p. 125), temos inúmeros exemplos que mostram a
desumanização dos serviços em relação aos usuários:
a falta de compromisso dos trabalhadores de saúde com o sofrimento dos
usuários; a intensa desigualdade no atendimento dos diferentes estratos
econômico-sociais e o privilegiamento dos cidadãos que podem pagar altos
preços pelos serviços, no acesso ao melhor que se tem no setor.
Tem sido destacado por vários grupos sociais, bem como por estudiosos
interessados no setor, a necessidade de mudanças no modo de trabalhar na área
saúde em todos os níveis de organização. Mas, para mudar o campo da prática, é
necessário mudar o processo de formação, não só do médico, mas de todos os
profissionais que trabalham na área da saúde. Essa passa a ser uma questão
fundamental, pois quem está no cotidiano das instituições de saúde
179
operacionalizando os princípios do SUS é o profissional da saúde, e ele é peça
principal dessa engrenagem para que a “máquina” SUS funcione dentro de seus
propósitos. Tendo em vista que hoje ainda é prioridade a assistência médico-
hospitalar em detrimento das ações de prevenção e promoção da saúde, persiste,
segundo Rodrigues Neto (1997), a divisão do SUS em dois universos: o hospital (de
referência) e a atenção básica (dos distritos sanitários) .
Na verdade, o que está se passando é uma relegação da própria doutrina
da Reforma Sanitária, pelos próprios integrantes do movimento, que, após
a aprovação da base jurídico legal, passaram a tratar apenas do SUS,
esquecendo-se que este é apenas estratégia de um projeto maior de
democratização da saúde, que inclui a questão da intersetorialidade e a
mudança da cultura médica tecnológica vigente que associa qualidade ao
consumo de tecnologia/sofisticada. Isso significa a necessidade de investir
em muitas frentes, inclusive e principalmente, na reorientação do processo
de formação profissional e num trabalho de comunicação social que aponte
na direção de formação da ‘consciência sanitária’. (RODRIGUES NETO,
1997, p. 90-91).
Com a introdução do PSF, a necessidade de uma formação generalista vem
exigir das instituições formadoras uma atenção especial. Algumas universidades
brasileiras já vêm introduzindo disciplinas que contribuem para melhorar a relação
médico-paciente. Souza (2003), professora da disciplina obrigatória de Psicologia
Médica do Curso de Medicina da UFRJ, coloca que é um desafio renovado a cada
semestre pretender um diálogo produtivo com seus alunos. A cada início das aulas
ouve dos alunos frases como “isso é tudo subjetivo”; “os médicos não têm tempo
para ouvir paciente”; “sempre ouvi dizer que a psicologia médica é tudo viagem”; por
outro lado, salienta a professora que no final de cada semestre, na avaliação, não
são raros os alunos que reconhecem o valor da disciplina e sugerem sua
continuidade. (SOUZA, 2003a).
Podemos dizer que o espírito crítico difundido pelo Movimento Sanitário
Brasileiro nesse momento histórico atraiu muitos profissionais para o interesse em
tratar de uma forma diferenciada os fenômenos saúde/doença. Nesse sentido, da
180
gestão 1985/1989, para cá “vieram também profissionais de fora, até em função desse
curso de formação da Fundação Oswaldo Cruz, ou seja, vieram profissionais que partilharam
dessa filosofia e interessados nessa formação”
(S1).
Para o profissional Es,
o [Programa] Saúde da Família, é uma proposta de um
novo paradigma para a saúde, mas, ele não consegue se criar enquanto não se conseguir
mudar a estrutura de formação do profissional de saúde. Porque ainda hoje o profissional de
saúde se forma, não só o médico, mas outros profissionais da área, tendo como perspectiva a
iniciativa privada. Então, a busca por um aperfeiçoamento cada vez maior e, o médico da
família ele é, por princípio, um médico generalista, então isso acaba criando uma dificuldade
de você fixar o profissional, você tem uma rotatividade muito grande de profissionais que
atuam no Saúde da Família, não só aqui, mas no Brasil inteiro, se você pegar municípios que
têm cem, cento e cinqüenta equipes Saúde da Família, como Curitiba, Londrina, eles
conseguem manter esse número de profissionais, mas com rotatividade, porque o profissional
se forma e antes de fazer residência trabalha um pouco, daí resolve o que vai fazer e faz, ou
vai procurar serviço; tem uma competição muito grande salarial de município para
município, o que faz com que haja uma migração muito grande de profissionais de um
município para outro. Nós vivemos isso aqui no município de Ponta Grossa, nós conseguimos
em três anos e meio manter as quinze equipes que foram iniciadas, mas tinha cinco, seis
demissões em média a cada dois semestres e você tinha que fazer concurso, não para ampliar,
mas só para substituir os que saíram, isso é uma grande dificuldade"
(Es).
Nesses termos, um dos problemas enfrentados na implantação do PSF é a
inexistência de profissionais, sobretudo médicos com perfil adequado à prática em
saúde familiar, ou seja, “A existência do mercado inflacionado dos médicos e
181
enfermeiros, que trabalham no Qualis/PSF, e a pouca apropriação do objeto do
Programa Saúde da Família pelos profissionais que se encontram na rede municipal
de saúde” (ALVES SOBRINHO, 2002. p. 38).
A lógica do sistema de saúde brasileiro sempre pôs no seu comando o
superespecialista e o hospital ultra-especializado. O novo farol deve ser a
prevenção, a promoção
50
e a recuperação da saúde das famílias, para que
elas possam ter autonomia e co-responsabilidade no cuidar de sua própria
saúde. É importante mencionar que a atenção básica à saúde não quer
dizer saúde pobre para pobre, não quer dizer apenas o nível primário do
sistema de serviços de saúde, e, sim, uma nova forma de olhar o cidadão
que nos procura, tão complexa quanto a dos outros especialistas, só que
diferente, pois nela a pessoa é vista como um todo, integrada à sua
inserção social e com conhecimento sobre o ambiente. Estimular o auto
cuidado orientado cientificamente como elemento socializador da atenção à
saúde e mesmo como elemento de autonomia do cidadão perante os
profissionais e/ou serviços de saúde, passa a ser uma dimensão
imprescindível da atenção básica. Portanto, a atenção básica precisa
incorporar os profissionais com caráter generalista para superar a
tradicional oferta de serviços definidos a priori por uma lotação de pessoal
padronizada e passar a oferecer as ações segundo os problemas de uma
população determinada (ALVES SOBRINHO, 2002, p. 39-40).
Também, com relação à formação profissional, lembra o Líder Comunitário:
“Numa Conferência Estadual de Saúde que eu fui, um médico do Canadá que veio fazer a
palestra falou que no Brasil a esperança de mudar a saúde é quando começar mudar as
instituições formadoras. Ele falou: ‘as instituições formam o profissional para ganhar da
saúde e não para ganhar saúde’, e hoje, tem especialista do dedinho do pé até o fio de cabelo,
cada um ganha um pouco, é muito mais um comércio mesmo assim do que realmente vê”
(Lc).
Já se foi o tempo em que se imaginava a realidade separada em partes
isoladas, se isso é verdade, os profissionais devem estar preparados para
compreender a relação entre o movimento dessa realidade, a interdependência
entre as diferentes políticas sociais. A Prática Social, entendida como o conjunto de
práticas que se interdeterminam dentro de um todo social dado, abrange, segundo
50
PROMOÇÃO DA SAÚDE – esse modelo assistencial embasa-se na Carta de Otawa durante o I
Congresso Internacional sobre Promoção da Saúde, em 1986, entendendo a paz, a educação, a
habitação, a alimentação, a renda, a conservação da natureza, a justiça social como fundamentais
para a saúde (PAIM, 1997).
182
Paim (1997, p. 14), três dimensões: “teórica (construção de um saber), ideológica
(transformação da consciência) e política (transformação das relações sociais)”.
Assim, as práticas em saúde como prática social “integram um conjunto complexo de
práticas presentes em um processo social. As práticas em saúde constituem,
também, uma prática social, mas retém suas especificidades” (PAIM, 1997, p. 14).
Dessa forma, ao PSF é colocada a responsabilidade de cuidar da saúde das
famílias de forma universal, integral, contínua e, mais do que isso, resolutiva, isso
faz do PSF o caminho capaz de consolidar a Reforma Sanitária, no que diz respeito
à operacionalização de um novo modelo de atenção á saúde. “[...] as unidades
básicas de saúde, sob a estratégia da Saúde da Família, devem ser a porta de
entrada do sistema local de saúde, tal mudança exige a integração entre os vários
níveis de atenção” (SOUZA, 2002, p. 105-106).
Também reafirma Barros (2003, p.114-115):
pensar a implantação do PSF como forma substitutiva da unidade de saúde
atual e como porta de entrada do sistema local de saúde, integrado aos
diferentes níveis de complexidade, parece ser uma das soluções para uma
efetiva utilização do PSF na reorganização do modelo de saúde atualmente
hegemônico [...]
Dessa forma, na implantação do PSF é fundamental, como processo inicial,
que gestores, profissionais de saúde, políticos e a população, compreendam que o
PSF é uma estratégia de organização da Atenção Básica e, conseqüentemente, de
todo o SUS. Os prefeitos têm que estar conscientes que os resultados do PSF não
são imediatos, mas exigem paciência e tempo.
Além dessas questões é relevante destacar que para que haja
transformações na política de saúde e demais políticas sociais, é preciso mudanças
no plano econômico para que seja possível estabelecer modelos assistenciais que
atendam aos princípios colocados com a Reforma Sanitária Brasileira.
183
Também, pensar uma proposta de modelos assistenciais de unidades
básicas de saúde e construção de um sistema local leva, primeiramente, à
discussão sobre o atendimento integral, como princípio da política de saúde e de
modelo assistencial.
A integralidade, no sentido amplo, vai além do atendimento integral e “só
será possível se houver uma equipe multiprofissional em cada unidade e na
coordenação dos SILOS (Sistemas Locais de Saúde). Mais que isso, é preciso
garantir uma atuação e abordagem interdisciplinar ao individuo e à população na
realidade em que se inserem” (CARVALHO, 1979, p. 123). Além disso, a
interdisciplinaridade é condição fundamental para viabilização do conceito de
integralidade, visto que se caracteriza pela intensidade de trocas entre especialista e
pelo grau de integração real das disciplinas. Também, no plano operativo, o conceito
de interdisciplinaridade “tem o significado de romper os núcleos corporativos,
cristalizados nas diferentes profissões e na estrutura hierárquica, demonstrando
também uma reorganização administrativa e de poder totalmente diferente daquelas
tradicionalmente em vigor” (CARVALHO, 1997, p. 123-124).
A construção do conceito de integralidade deve abranger, no plano teórico, a
concepção de homem, de mundo, de sociedade; na prática, a promoção
51
,
prevenção
52
, saúde coletiva
53
, terapêutica
54
e reabilitação
55
. Também, atividades
51
Promoção: Conjunto amplo de ações não específicas que visam aumentar o nível de consciência
sanitária e de cidadania dos indivíduos, bem como contribuir para a melhoria das condições de vida e
saúde.
52
Prevenção: Conjunto de medidas específicas que objetivam evitar doenças ou agravos à saúde.
53
Saúde Coletiva: Conjunto mais geral de ações dirigidas às populações, ao meio-ambiente e à
sociedade englobando todos os tipos de assistência à saúde, com base nas necessidades de saúde
das populações.
54
Terapêuticas: Conjunto de ações especializadas que visam o restabelecimento total ou parcial da
saúde dos indivíduos.
55
Reabilitação: Conjunto de ações que visam à recuperação das faculdades físicas, psíquicas e
sociais lesadas após o processo de adoecimento (CARVALHO, 1979).
184
integradas de ensino e pesquisa; grau de interação entre diversas categorias
profissionais, e vinculação profissional de saúde-usuário (CARVALHO, 1979).
O Líder Comunitário fala da importância do PSF: “O Programa Saúde da
Família, pelo menos a essência dele, é realmente tratar a saúde e não apostar na doença. Na
hora que a comunidade entender o que é o Programa Saúde da Família, a coisa vai caminhar
muito mais. Então, nos Conselhos Locais de Saúde, de certa forma, a gente trabalhava junto
com os Programas Saúde da Família, dizendo para as pessoas da importância dele, porque de
repente as pessoas querem o médico e remédio e, muitas vezes, a situação da doença ou da
saúde, ela está na vida das pessoas. O PSF é realmente pra ouvir o cidadão, o que ele tem ou
não tem, para que os profissionais que atendem vejam que ali na frente dele não está só uma
coisa, mas está um ser humano, até porque hoje tem no SUS o HumanizaSUS que, se você
pensar bem seria quase ridículo que você tem que lembrar que tem que humanizar o próprio
humano, mas no PSF é isso, é atender com humanidade os outros”
(Lc).
Sabemos que operacionalizar o conceito de integralidade e
interdisciplinaridade nos Sistemas Locais de Saúde é ainda um desafio.
Historicamente percebemos a influência do modelo assistencial hospitalocêntrico
(modelo flexneriano) nas práticas profissionais, na elaboração de projetos/políticas
de saúde e no processo de estruturação dos serviços e sistemas de saúde no país
nas ultimas décadas; basta ver historicamente experiências como o PIASS,
PREVSAÚDE, que não chegaram a abalar esse modelo hegemônico.
Assim, o caminho a percorrer para que o PSF, enquanto porta de entrada do
sistema de saúde e como prática instituída para viabilização do SUS, demanda um
processo que compreende mudança na formação profissional, direcionada para uma
prática diferenciada do modelo flexneriano; mudança do imaginário social da
185
população em relação aos novos conceitos e práticas em saúde e
compromisso/vontade política dos dirigentes e profissionais executores da política
de saúde.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao iniciarmos estas considerações, lembramos que já em 1858, Virchow
atribuía o surgimento de doenças a um conjunto de fatores econômicos e
sociais, colocando em dúvida a eficácia de qualquer terapia medicinal que não
levasse em conta esses fatores.
O modelo biomédico ainda predominante contribuiu/contribui, com
certeza, para a adoção de novas relações, propiciando um melhor diagnóstico,
tratamento e acompanhamento do doente, a exemplo de índices de melhoria da
sobrevivência, diminuição da mortalidade infantil, erradicação de determinadas
doenças infecto-contagiosas. Estas são provas da evolução tecnológica da
medicina, mas, questiona-se a adoção de tecnologias de ponta, se elas,
necessariamente, tenham de assumir uma postura excludente ao lidar com o
indivíduo como um todo. Há situações na vida humana, na saúde e na doença,
que nenhum equipamento tecnológico irá substituir: a relação humana.
Hoje, contraditoriamente, a saúde, como ciência humana, tem um
grande desafio: não perder de vista a humanização tão necessária ao
atendimento à saúde. Uma abordagem humanizada vale-se também da
abordagem explicativo-causal da medicina tradicional e vice-versa; são duas
situações que devem complementar-se.
Quanto à visão do processo saúde/doença, as administrações
municipais estudadas, mesmo diante da proposta de reorientação da assistência
à saúde instituída com o Sistema Único de Saúde (SUS), tem prevalecido,
conforme dados coletados na pesquisa, o modelo tradicional, centrado na
187
medicina curativa. Nesse sentido, sabemos que a visão de saúde/doença de
gestores e profissionais contribui, em grande medida, na forma de organização
e na direção das práticas no setor de saúde.
Quanto à organização/atendimento da saúde no Município de Ponta
Grossa a partir da constitucionalização do SUS, fizemos algumas
considerações, com relação às administrações estudadas.
Na administração 1985/1988, a organização do setor de saúde se deu
em torno da saúde comunitária, com a implantação das Ações Integradas de
Saúde (AIS) e com o Programa de Saúde Familiar (tomando emprestado o
modelo chinês dos médicos “de pés descalços”). Quanto à participação da
população no processo de decisão do setor, ainda não havia sido instituído
legalmente os Conselhos de Saúde.
No período da administração 1989/1992, o trabalho iniciado em saúde
comunitária e a implantação das AIS, é interrompido. Passou-se a investir na
medicina hospitalar, privilegiando o atendimento de urgência e emergência, com
a criação do Pronto Socorro Municipal e do Centro Regional de Especialidades,
bem como ampliação e construção de Unidades Básicas de Saúde; pouco
investimento em programas de prevenção e promoção da saúde. No penúltimo
ano dessa administração (1991) foi criado, no Município, o Conselho Municipal
de Saúde, mas, a participação da população no referido Conselho ainda não
acontecia efetivamente.
A administração 1993/1996, mantém o modelo de organização do setor
da administração anterior. Esta administração também amplia a rede física:
criação e ampliação das Unidades Básicas de Saúde, investimentos no Pronto
Socorro Municipal e criação do Hospital da Criança, contemplando o Município
188
com duas organizações hospitalares, mas, também, com pouco investimento na
atenção primária. A participação popular nas decisões do setor continua
inexpressiva, ou seja, o Conselho de Saúde se mantinha, desde a sua criação
(assim como na administração 1997/2000), presidido pelo Secretário Municipal
de Saúde, homologando decisões já tomadas.
Com a administração 1997/2000, foi instituído o Programa Agente
Comunitários de Saúde (PACS) no Município. No entanto, o Programa Saúde da
Família (PSF), criado pelo Ministério da Saúde, em 1991, ainda não foi
implantado em Ponta Grossa. Todavia, alguns municípios de pequeno porte da
Região dos Campos Gerais (como Arapoti, Castro, Ivaí, Rebouças, Telêmaco
Borba) já haviam aderido ao PSF, no ano 1998. Mantém-se a prioridade da
atenção à saúde curativa e a atuação do Conselho de Saúde, como já citado
acima, não contempla a participação efetiva da população.
A organização do setor de saúde mais próxima do que prevê o modelo
assistencial instituído com o SUS, ou seja, em que o Município prioriza a
atenção básica através de campanhas, programas de promoção e prevenção da
saúde, começou a ter visibilidade na administração 2001/2004. No primeiro ano
desta administração, foi implantado o PSF, com progressiva ampliação no
decorrer da administração, somando às equipes básicas (médico e enfermeiro),
o assistente social e o farmacêutico, como também, a ampliação do número de
equipes no Município.
Naquela administração, a participação popular se deu de forma mais
efetiva; foram criados os Conselhos Locais de Saúde em diferentes
comunidades e, também, o Conselho Municipal de Saúde deixou de ser
presidido pelo Secretário Municipal de Saúde, passando a população ser
189
chamada a participar dos Conselhos e implantando Programas de Capacitação
de Conselheiros.
Na administração atual, 2005/2008, a intenção é reinvestir na rede
hospitalar – Pronto Socorro Municipal e Hospital da Criança. Quanto às Equipes
do PSF, estas sofreram alterações, tais como a retirada dos assistentes sociais
e farmacêuticos do PSF, porém, muitos profissionais continuando atuando junto
às equipes básicas. Existe a idéia de colocar o PSF em todas as Unidades
Básicas de Saúde até o final do mandato, sendo justificada esta idéia mais em
função da carga horária dedicada pelos profissionais à população (8 horas
diárias) do que pelas propostas que o programa propõe.
Assim, nas administrações estudadas, quanto à ultrapassagem do
modelo hegemônico de atenção à doença para o modelo de atenção à saúde
instituído com o SUS, podemos dizer que essas estiveram em possibilidades de
avanços em alguns momentos e, em outros, de estagnação ou retrocesso.
Muitas vezes, a adesão a programas propostos pelo Ministério da Saúde na
atenção básica, aconteceu por força da exigência legal. Isso se reflete quando
gestores da saúde, responsáveis mais diretos na implementação da política de
saúde no Município, continuaram a priorizar o campo da saúde médico-
hospitalar, dissociando a medicina preventiva da curativa.
Quanto ao Programa Saúde da Família, enquanto estratégia para
viabilização do SUS e como porta de entrada para o sistema de saúde, muito
embora existam experiências de sucesso em nível nacional, também enfrenta
desafios para sua efetivação enquanto prática.
Dentro da proposta do Ministério da Saúde para o PSF – de
reorganização das práticas do modelo de atenção à saúde através de uma
190
proposta interdisciplinar – seus limites e possibilidades estariam vinculados à
forma de inserção do programa nos sistemas municipais, que tanto pode gerar
resultados mais efetivos para saúde local, como pode servir a tendências
tradicionais, pautadas no modelo flexneriano.
No trabalho em equipe, encontra-se o desafio do trabalho
interdisciplinar, de resgatar a totalidade do homem, de se deparar com um novo
usuário dos serviços de saúde, contextualizado em sua comunidade, com seus
valores, sua cultura e sua condição de cidadão. Esta nova proposta exige
mudanças conjuntas na concepção de saúde/doença, no modelo sanitário e na
prática sanitária.
Trabalhar em equipe, em parceria com o “outro”, se constitui muitas
vezes, num campo de disputa, de hegemonia, e traz em seu bojo muitos
anseios, dúvidas e medo. O médico, outrora, um profissional que buscava a
cura de doenças, torna-se hoje, também, um educador, promotor da saúde em
seu mais amplo aspecto. Assim, nas equipes do PSF, a demanda é por
profissionais que venham responder aos desafios que se impõem e que não
estão concentrados apenas no fenômeno saúde/doença, mas que encontram
seus determinantes no social, no humano, no emocional, no biológico, no
histórico, no místico.
Esta nova realidade demanda alteração no processo de formação
profissional, não só do médico, mas de todos os profissionais que venham a
trabalhar no PSF. Entendemos que, associadas ao paradigma flexneriano
podem estar as barreiras que impedem a troca intersubjetiva entre profissionais,
por sua influência em uma formação profissional voltada para o etnocentrismo.
O etnocentrismo e o conseqüente corporativismo profissional podem dificultar o
191
trabalho conjunto entre diferentes profissões e, mesmo no interior de profissões
da mesma área, como o enfermeiro, o dentista, o médico especialista e o
médico generalista.
Estas barreiras impedem, muitas vezes, a viabilização do princípio da
integralidade, principalmente no que se refere à contra-referência. Ou seja, no
plano da referência, em se tratando da equipe do PSF, há uma maior integração
profissional, devido aos diferentes olhares que a equipe multidisciplinar
proporciona sobre o fenômeno saúde/doença. Todavia, na medida em que se
avança na escala, no plano da contra-referência, esse retorno não acontece.
Isso é conseqüência, em grande parte, dos conflitos, estigmas decorrentes das
diferentes culturas profissionais, mesmo no interior da área de saúde,
impedindo que a contra-referência se efetive e se torne um instrumento de
atendimento ao direito do cidadão, viabilizando o princípio da integralidade.
Nesse sentido, compreende-se que a disseminação de um novo conceito de
saúde/doença, a aceitação de novas práticas e novos investimentos em políticas de
saúde, demanda um processo de incorporação efetiva dos novos conceitos de
saúde pelos profissionais da área, sejam eles planejadores ou executores dessas
políticas.
Assim, a constituição social do SUS, não só em Ponta Grossa, mas em nível
de Brasil, vem se construindo entre acertos e erros, entre avanços e retrocesso no
enfrentamento de vários desafios, apresentando algumas experiências relevantes e
inovadoras, na direção da melhoria e eficácia social da saúde, principalmente na
esfera municipal.
Os impasses para efetivação do SUS podem ser identificados pela
descentralização que vem ocorrendo de modo limitado; o financiamento continua
192
restrito, como também os tipos de fontes disponíveis desses recursos; o controle
social busca abrir caminhos em meio a uma sociedade de um lado não habituada
para ações de cidadania e, de outro, um Estado desacostumado a ter seus atos
controlados pela sociedade.
Entende-se com isso que, nas diferentes formas de organização do Estado,
as políticas sociais públicas estão intimamente vinculadas ao encaminhamento do
projeto de manutenção da ordem econômica. O que percebemos é que essas
políticas continuam mantendo intocadas as relações sociais de exploração do
trabalho e acumulação do capital. E, assim, a política pública para a saúde pode
constituir a rota para reproduzir recursos de saúde que façam frente aos projetos
conservadores e excludentes, que historicamente dominaram a rede de atenção à
saúde no país e no Município de Ponta Grossa. Mas também, a mobilização e a
participação da sociedade civil podem contribuir significativamente para o avanço
qualitativo em direção aos propósitos constantes no âmbito formal.
Existem as políticas de governo, que são tidas pelo Estado como uma
concessão dada à população e existem as políticas tidas como públicas. O SUS vem
se apresentando ora como uma ora como outra. Entendemos que o SUS é uma
política pública, pois foi uma conquista de lutas por amplos segmentos da sociedade
a partir do Movimento de Reforma Sanitária. Por isso, enquanto política pública –
que pretende se efetivar como política governamental – é algo que não pode ficar
apenas nos setores políticos, no plano do Estado, pois como campo social de
conquista da sociedade brasileira, só pode se efetivar na relação entre Estado e a
Sociedade Civil. É nesse aspecto que a participação da população e o controle
social dessa participação – através dos Conselhos, das Conferências e outras
instâncias – deve ser a luta da sociedade para que o SUS se efetive como política
193
de Estado em todo país e no Município de Ponta Grossa.
Todavia, para almejar que o setor da saúde no município de Ponta Grossa
se torne um campo de política de Estado e não de governo, é preciso que se
respeitem os princípios e diretrizes que essa política contém, que não sejam ou
possam vir a ser violados por grupos específicos que estão direcionando uma
política governamental em determinado período da administração municipal.
Para que os princípios do SUS tenham lógica de estabilização, no sentido de
que seus princípios não sejam violados, em qualquer que seja o formato ideológico
de uma determinada administração, o controle social seria o caminho que pode levar
à estabilidade que se ambiciona para o SUS. No entanto, quando se evidencia a
construção do SUS, e isso não só no município de Ponta Grossa, mas também em
nível nacional, percebemos que nem sempre é tão claro o que significa esse
conjunto de diretrizes e nem o significado legal do Conselho de Saúde.
Também, há uma fragilidade de entender o SUS como uma política de
Estado e não de governo. Isto é, o Sistema Único de Saúde ainda não conseguiu se
assentar numa base social que lhe dê sustentabilidade para que possa atravessar
diferentes administrações que, apesar de posições ideológicas distintas, seus
interesses se mantenham firmes quanto à preservação da estabilidade de seus
princípios básicos.
Se os avanços de uma administração municipal não estiverem sustentados
em bases sociais sólidas, no período seguinte podem retroceder ou, então, tomar
outros rumos, reiniciando toda uma trajetória de reimplantação, de reformulações, se
tornando um campo burocrático emperrado; que quando a população começa a se
adaptar à nova organização, inicia uma outra administração. Situação vivenciada no
Município de Ponta Grossa na troca das administrações 1985/1988 para a
194
administração 1989/1992, quando as ações em saúde comunitária, iniciadas
naquela administração, foram interrompidas, para privilegiar ações mais centradas
na medicina curativa. Da mesma forma, na troca da administração 2001/2004 que
privilegiava investimentos em atenção básica ou saúde preventiva, para, na
administração atual 2005/2008, retornar a investimentos na rede hospitalar,
privilegiando a saúde curativa.
Vale ressaltar ainda que a construção social do SUS, dentro do conceito de
atenção à saúde, também demanda mudança no imaginário social, pois, de um
modo geral, a população, em sua subjetividade, atribui um valor muito grande aos
exames laboratoriais, à medicação e aos recursos tecnológicos hoje existentes, não
valorizando práticas que se colocam hoje, como o PSF.
Portanto, a construção do SUS necessita de todo um processo que envolva
a sociedade de um modo geral. Se a participação da sociedade, através do controle
social no processo decisório, como já citamos, é fundamental para dar estabilidade e
efetividade ao SUS, há de se criar todo um caminho para que esse controle social se
dê de forma democrática, ou seja, para que se criem sujeitos autônomos capazes de
interferir no social a fim de transformá-lo. Isso envolve um processo educativo da
população para o exercício democrático.
A participação democrática, na sociedade brasileira, é uma questão recente;
muitas vezes, essa participação se dá em busca de interesses próprios ou de
determinados grupos. A própria questão do controle social não é um processo
maduro, a sociedade ainda não assimilou o controle como uma forma de beneficiar a
todos. O que se faz necessário hoje para exercer esse controle através dos
Conselhos de Saúde, não é dominar conhecimentos sobre o setor, mas identificar,
democraticamente, as necessidades da comunidade e os interesses comuns.
195
Quanto à participação, a questão pedagógica a se trabalhar, é a
ultrapassagem na compreensão da realidade cotidiana e das ações que se realizam
sobre ela. Tal ultrapassagem pode ser trabalhada através de um processo
educativo, cujo objetivo é interferir na dinâmica social da realidade de participação
existente em dada situação social.
Esse processo educativo se expressa através da conscientização,
organização e capacitação continua da população ante a realidade concreta; que
pode ser elaborado, por exemplo, pelos profissionais do PSF e ser divulgado por
diferentes canais de acesso da população, como programas de rádio, palestras nas
comunidades, levando a população, em geral, a identificar um novo conceito sobre o
processo saúde/doença.
Essa questão de buscar estabilidade para o SUS é uma questão cotidiana.
Ou seja, profissionais/cidadãos não precisam, de modo geral, ser, necessariamente,
conselheiros da saúde, líderes comunitários ou gestores da saúde. A militância
começa no seu local de trabalho ou de moradia; não precisam sair dele, porque
acima de tudo são cidadãos e, portanto, usuários dos serviços de saúde. Essa é a
nossa responsabilidade social, de onde estarmos, buscarmos alterar a forma social
de construir vidas, de intervirmos na construção de um sistema mais humano, de
construirmos ação num mundo cheio de necessidades, de intervirmos na construção
da democracia, da justiça social, do sistema de saúde que queremos.
E, particularmente, enquanto profissionais, quando fazemos uma opção
ético-política, optamos por uma determinada lógica para orientar nossos passos nos
desafios frente à sociedade. Essa opção é a que fazemos no cotidiano com os
usuários, com os colegas, com o trabalho que executamos de ato em ato. Porém,
nesse cotidiano profissional, muitas vezes, nos posicionamos como vítima e não
196
como sujeitos políticos na construção do SUS. Jogamos a “peteca” para os gestores,
estes jogam mais para cima e assim por diante. No entanto, a construção se faz na
ação cotidiana, ai está a nossa fragilidade, pois é nesse espaço que construímos
atores, que levamos a informação à população “desinformada”; é nessa relação
diária que se encontram as possibilidades de mudança, que, muitas vezes, passam
despercebidas.
É preciso sempre reafirmar a necessidade de políticas públicas multisetoriais
e de modelos de atenção que assegurem a universalidade, a integralidade e a
eqüidade para garantir o direito à saúde. Essa construção implica a necessidade de
conquistar os elementos imprescindíveis para se alcançar um verdadeiro modelo de
atenção à saúde: vontade política, resolutividade, credibilidade e controle social.
Com base nesses conceitos é que podem ser estabelecidas diretrizes éticas e
políticas para a consolidação e a definição de modelos de atenção à saúde.
Tendo em vista a trajetória traçada na realização desse trabalho,
percebemos o quão complexo se mostra o campo da saúde e, conseqüentemente, a
realização de políticas públicas efetivas para o setor. Assim, ressaltamos que esse
trabalho se constituiu como ponto de partida para a reflexão e para a garantia do
direito à saúde da população, através de políticas públicas, e não como ponto final
de discussão sobre o tema.
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APENDICE
CESSÃO GRATUITA DE DEPOIMENTO
ROTEIRO DAS ENTREVISTAS
207
CESSÃO GRATUITA DE DEPOIMENTO
Pelo presente documento eu, entrevistado (a):______________________________
___________________________________________________________________
Nacionalidade ____________________; profissão___________________________
CPF:____________________________ RG:___________________________
Residente à Rua _____________________________________________ nº ______
Bairro:______________________________ Cidade: ________________________
Declaro ceder a Maria Fátima Balestrin, RG Nº 9028975788 SSP/RS, residente à
Rua Paulo Setúbal, 262, em Ponta Grossa – PR, aluna do Programa de Mestrado
em Ciências Sociais Aplicadas, da Universidade Estadual de Ponta Grossa/PR,
entrevista – que servirá como instrumento de pesquisa para sua Dissertação de
Mestrado – sem quaisquer restrições quanto aos efeitos patrimoniais e financeiros à
plena propriedade e direitos autorais do depoimento, de caráter histórico e
documental, que prestei à mesma.
A pesquisadora citada fica autorizada a utilizar, divulgar e publicar para fins
culturais o mencionado depoimento, no todo ou em parte, editado ou não, bem como
permitir a terceiros o acesso ao mesmo, desde que seja para fins referentes à
pesquisa que trate da temática saúde, com a única ressalva de sua integridade e
indicação de fonte e autor.
Ponta grossa, _____ de, ___________________, de 2005.
_________________________
Assinatura do depoente
208
ROTEIRO DE ENTREVISTA – SECRETÁRIOS DE SAÚDE
I – COM RELAÇÃO À ORGANIZAÇÃO DO SETOR DE SAÚDE,
FUNCIONAMENTO/ESTRUTURA
1. Ao assumir o cargo de Secretário de Saúde, que mudanças foram efetuadas
no setor?
2. Foram criadas novas estruturas para atendimento às necessidades em saúde
ou foram utilizadas as já existente. Identifique-as.
Se sim, essas mudanças foram baseadas em algum Plano de Governo, em
uma análise diagnóstica, epidemiológica, demográfica? (refere-se à modelo
de atenção, recursos humanos, estrutura física das unidades de saúde).
II. QUANTO À PARTICIPAÇÃO POPULAR
1. Na sua gestão do setor de saúde, as tomadas de decisões na área
aconteciam em que nível? Havia a participação da população? De que forma?
III – QUANTO AOS INDICADORES DE SAÚDE
1. O Senhor tem lembranças dos indicadores de saúde (mortalidade infantil,
materna) existentes?
2. Quanto ao coeficiente de resolutividade dos problemas de saúde que
apareciam:
IV – COM RELAÇÃO ÁS NECESSIDADES EM SAÚDE
1. Como elas eram identificadas?
2. Que critérios eram utilizados na hierarquização do atendimento dessas
necessidades?
V – COM RELAÇÃO AOS RECURSOS PARA À SAÚDE
1. Existia um aporte de recursos locais para projetos destinados à saúde? Os
15% do orçamento municipal, regulamentados em lei eram cumprido ou os
recursos eram em sua maioria do governo federal/estadual?
2. Os recursos para saúde haviam sido destinados anteriormente para médio e
longo prazo ou foram conseguidos na sua gestão? Quais?
VI – COM RELAÇÃO À SAÚDE
1. Que campo da saúde o Senhor entende que devam ser priorizados no
momento, ou, de um modo geral, que necessita de um olhar mais atento?
2. Como o Senhor conceituaria saúde?
3. Como o Senhor percebe o SUS enquanto Política Pública?
VII– COM RELAÇÃO AO PSF OU MÉDICO DE FAMÍLIA
1. Quando e como apareceu o PSF em sua gestão?
Se sim, havia uma proposta mais ampla de implementação desse programa, no
sentido de incluir às equipes básicas profissionais de outras áreas, buscando um
trabalho interdisciplinar, ou se reduzia aos incentivos do Governo Federal?
2. Acredita nessa proposta? Por quê?
VIII – Gostaria de acrescentar mais alguma coisa sobre a Política de saúde em
Ponta Grossa ou sobre sua experiência como Secretário de Saúde?
209
ROTEIRO DE ENTREVISTA – PROFISSIONAL DA ÁREA DA SAÚDE
Das Seis administrações desde 1985 à atual, quais delas você trabalhou na área de
saúde, ou se envolveu de outra forma?
I – COM RELAÇÃO À ORGANIZAÇÃO DO SETOR DE SAÚDE,
FUNCIONAMENTO/ESTRUTURA
1. Nas administrações municipais de Ponta Grossa, de 1985 a atual, que
mudanças na organização do setor de saúde o Senhor destacaria: qualidade dos
serviços, política implantada em cada uma delas.
2.Em cada uma dessas gestões, foram criadas novas estruturas para
atendimento às necessidades em saúde ou foram utilizadas as já existentes?
Identifique-as.
II. QUANTO À PARTICIPAÇÃO POPULAR
1. Essas mudanças e as tomadas de decisões na área da saúde aconteceram
em nível da administração ou contaram com a participação do Conselho de
Saúde, da sociedade e de profissionais da área?
III – COM RELAÇÃO ÁS NECESSIDADES EM SAÚDE
1. Como elas eram e são hoje identificadas?
2. Que critérios eram utilizados na hierarquização dessas necessidades?
IV – COM RELAÇÃO AOS RECURSOS PARA A SAÚDE
1. Existiam/existem aportes de recursos locais para projetos destinados à saúde,
da sociedade, governo municipal, ou os recursos são exclusivamente do
governo federal/estadual?
V – COM RELAÇÃO À SAÚDE
1. Que campos da saúde, nessas diferentes gestões foram priorizados: saúde
comunitária/ pública, atendimento hospitalar, clínico? Por quê?
2. Como você conceitua saúde? Onde você identifica esse conceito nas
diferentes gestões?
VI – COM RELAÇÃO AO PSF OU MÉDICO DE FAMÍLIA
1. Quando apareceu nessas diferentes administrações?
2. Acredita nessa proposta?
VII – Gostaria de acrescentar mais alguma coisa sobre a Política de saúde em
Ponta Grossa ou sobre sua experiência na área?
210
ROTEIRO DE ENTREVISTA – LÍDER COMUNITÁRIO
1. Que grupo comunitário o Senhor representa e como representa?
2. Das administrações municipais, desde 1985 até a atual, em quais delas o senhor
tem representado a comunidade?
I – COM RELAÇÃO À ORGANIZAÇÃO DO SETOR DE SAÚDE,
FUNCIONAMENTO/ESTRUTURA
1. Nas administrações municipais de Ponta Grossa, de 1985 a atual, que
mudanças na organização do setor de saúde o Senhor destacaria: qualidade dos
serviços, política implantada em cada uma delas?
2.Em cada uma dessas gestões, foram criadas novas estruturas para
atendimento às necessidades em saúde ou foram utilizadas as já existentes?
Identifique-as.
II. QUANTO À PARTICIPAÇÃO POPULAR
1. Nessa sua experiência, como o Senhor vê a participação da comunidade nas
decisões sobre saúde, Ela tem tido representatividade? Como?
III – COM RELAÇÃO ÁS NECESSIDADES EM SAÚDE
1. Como elas eram e são hoje identificadas?
2. Que critérios eram utilizados na hierarquização dessas necessidades?
IV – COM RELAÇÃO À SAÚDE
1. Que campos da saúde, nessas diferentes gestões foram priorizados: saúde
comunitária/pública, atendimento hospitalar, clínico? Por quê?
2. Como você conceitua saúde? Onde você identifica esse conceito nas
diferentes gestões?
VI – COM RELAÇÃO AO PSF OU MÉDICO DE FAMÍLIA
1. Quando apareceu nessas diferentes administrações?
2. O senhor teve envolvimento com alguma equipe do PSF?
3. Como o Senhor vê esse programa?
4. Na atual gestão, quais as perspectivas para o PSF?
VII – Gostaria de acrescentar mais alguma coisa sobre a Política de saúde em
Ponta Grossa ou sobre sua experiência como líder comunitário?
211
DECLARAÇÃO DE COMPROMISSO ÉTICO
Responsabilizo-me pela redação dessa Dissertação de Mestrado,
atestando que todos os trechos que tenham sido transcritos de outros documentos
(publicados ou não e que não sejam de minha autoria) estão citados entre aspas e
estão identificadas as fontes e as páginas de que foram extraídos (se transcritos
literalmente) ou somente indicadas as fontes (se apenas utilizada a idéia do autor
citado). Declaro, outrossim, ter conhecimento de que posso ser responsabilizada
legalmente caso infrinja tais disposições.
Ponta Grossa, 14 de novembro de 2006.
________________________________
Maria Fátima Balestrin
RA: 304112-03
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