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CARLOS CONSTANTINO
ESTUDO COMPARATIVO ENTRE A TEOLOGIA AFRICANA
E A TEOLOGIA AFRO-AMERICANA
Dissertação apresentada à Faculdade de Teologia da Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul, como requisito
parcial para obtenção do grau de Mestre em Teologia, na Área
de concentração em Teologia Sistemática.
Orientador: Professor Dr. Geraldo Luiz Borges Hackmann
Porto Alegre
2006
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2
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ..........................................................................................................
4
CAPÍTULO I - CONCEITUAÇÃO DE TEOLOGIA AFRICANA E DE
TEOLOGIA AFRO-AMERICANA ...........................................................................
8
1. Pressupostos ...........................................................................................................
8
1.1. O ato de conceituar ............................................................................................... 8
1.2. Conceito do termo Teologia ..................................................................................
9
1.3. Objeto de Teologia ................................................................................................
11
1.4. Fontes de Teologia ................................................................................................
11
1.5. Teologia em contexto ........................................................................................... 12
1.5.1. Teologia contextual radicalmente nova .............................................................
12
1.5.2. Contextualização, algo tradicional .................................................................... 13
1.5.2.1. Fatores externos ..............................................................................................
14
1.5.2.2. Fatores internos .............................................................................................. 16
2. Conceito de Teologia Africana .............................................................................
17
2.1 História do surgimento da Teologia Africana ........................................................
17
2.2. Conceito de Teologia Africana .............................................................................
25
2.3. Fontes de Teologia Africana .................................................................................
25
3. Conceito de Teologia Afro-americana .................................................................
28
3.1. História do surgimento da Teologia Afro-americana ........................................... 28
3.2. Conceito de Teologia Afro-americana ................................................................. 29
3.3. Fontes de Teologia Afro-americana ..................................................................... 30
CAPÍTULO II - AS CARACTERÍSTICAS DA TEOLOGIA AFRICANA E DA
TEOLOGIA AFRO-AMERICANA ............................................................................
35
1. Características de Teologia Africana ...................................................................
35
1.1.Tarefas de Teologia Africana .................................................................................
37
1.2. Desafios à Teologia Africana ............................................................................... 43
1.2.1. Momentos críticos ..............................................................................................
44
1.2.2. As figuras-chave no sistema das crenças africanas ............................................
48
1.2.3. Língua e linguagem ............................................................................................
51
1.2.4. Religião Tradicional Africana (RTA) ................................................................
52
1.2.5. Inculturação ........................................................................................................
55
1.2.6. Libertação .......................................................................................................... 57
1.2.7. Esperança ...........................................................................................................
58
1.2.8. Mulher ................................................................................................................
60
2. Características de Teologia Afro-americana .......................................................
61
2.1. Tarefas de Teologia Afro-americana ....................................................................
62
2.2. Desafios à Teologia Afro-americana ....................................................................
64
2.2.1. Inculturação ....................................................................................................... 64
2.2.2. Libertação .......................................................................................................... 67
2.2.3. Esperança ...........................................................................................................
71
2.2.4. Mulher ............................................................................................................... 74
2.2.5. Sincretismo religioso afro-americano ................................................................
76
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3
CAPÍTULO III - ESTUDO COMPARATIVO ........................................................... 79
1. Semelhanças ...........................................................................................................
79
1.1. Unidade em vínculos invisíveis ............................................................................
79
1.2. Unidade histórica ..................................................................................................
80
1.3. Indignação-perdão ................................................................................................ 81
1.4. Definição .............................................................................................................. 82
1.5. Fontes ................................................................................................................... 83
1.6. Tarefas .................................................................................................................. 84
1.6.1. Inculturação ....................................................................................................... 86
1.6.2. Libertação .......................................................................................................... 87
1.6.3. Esperança ...........................................................................................................
88
1.6.4. Mulher negra ......................................................................................................
90
1.6.5. Compromisso na evangelização ........................................................................ 91
1.6.6. Compromisso sócio-político ..............................................................................
92
2. Diferenças ...............................................................................................................
93
2.1. Contexto ............................................................................................................... 94
2.1.1. Teologia Afro-americana .................................................................................. 94
2.1.2 Teologia Africana .............................................................................................. 97
2.2. Tarefas .................................................................................................................. 98
2.2.1. Teologia Afro-americana ...................................................................................
98
2.2.2. Teologia Africana .............................................................................................. 100
2.3. Desafios ................................................................................................................ 101
2.3.1. Teologia Afro-americana ...................................................................................
101
2.3.2. Teologia Africana .............................................................................................. 102
CONCLUSÃO ............................................................................................................
106
BIBLIOGRAFIA .......................................................................................................
110
ANEXOS ................................................................................................................... 118
4
INTRODUÇÃO
Esta dissertação é um estudo comparativo entre a Teologia Africana e a Teologia
Afro-americana. A primeira está sendo desenvolvida por teólogos cristãos africanos no sul
do deserto do Saara, enquanto a segunda está também sendo elaborada por teólogos
cristãos negros latino-americanos e caribenhos. Assim, este trabalho discute
especificamente os conceitos, as caraterísticas e, por fim, as semelhanças e diferenças de
ambas as teologias. O tema em estudo resulta do desejo de conhecer e aprofundar o
pensamento teológico cristão negro, tanto da África quanto da América Latina e do Caribe.
Esta dissertação tem três capítulos. O primeiro discute, inicialmente, os pressupostos,
os quais funcionam como orientadores no desenvolvimento do trabalho. Neles, se explica o
conceito do termo teologia em seus quatro sentidos, seu objeto e suas fontes tradicionais.
Explica-se, ainda, nos pressupostos, a teologia em contexto, classificação a que pertence
este tema. Na teologia em contexto, enquanto tentativa de compreender a em termos de
um ambiente cultural e tempo, porém, dentro da universalidade e da unidade da Igreja, se
reconhecem aqueles aspetos que, na Igreja particular e na teologia contextual, transcendem
a contextualização. Também se discute os fatores de origem externa e interna da
contextualização, próprios da natureza do cristianismo e da catolicidade da Igreja.
A segunda parte deste capítulo trata especificamente do conceito destas teologias.
Nelas se procura expor a história do seu surgimento, evidenciando-se o acontecimento que
mais contribuiu para esse surgimento. E, sobre este ponto, pode mencionar-se as primeiras
independências de países africanos, as quais vieram fortalecer o amadurecimento da
consciência teológica negra africana, como por exemplo, em Ghana, Nigéria, Camarões,
Congo-Kinshasa e Quénia. Enquanto para a Teologia Afro-americana e caribenha se
apontam, entre vários fatores, a Conferência do Episcopado Latino Americano e Caribenho
de Puebla (1979), aliada à tomada de consciência da própria comunidade negra deste
continente.
Posto isto, depois vai se passar à definição de cada teologia, na qual se procura
demonstrar a ligação e a importância da religião tradicional africana, considerada fundo
cultural da população negra africana para a Teologia Africana e as religiões afro-
americanas e caribenhas, para a Teologia Afro-americana e caribenha. Tudo isso, devido à
5
reconhecida presença, nelas, das Sementes do Verbo. O capítulo termina dando-se
explicação das fontes da Teologia Africana e da Teologia Afro-americana e caribenha que,
para além daquelas tradicionais, se procura provar que situações e realidades, na vida
das populações negras que devem ser consideradas fontes da teologia. Por exemplo, a
escravidão e a religião tradicional africana e as religiões afro-americanas e caribenhas.
O capítulo segundo é dedicado particularmente às caraterísticas da Teologia Africana
e da Teologia Afro-americana e caribenha, porque se acredita que cada uma delas tem algo
que lhe é peculiar. Essas caraterísticas o de natureza cultural, histórica e eclesial
encontrando, assim, sua fundamentação na cultura, na história dos povos a que pertencem
seus teólogos e na própria Igreja. Essas caraterísticas são também fruto de tarefas que
ambas teologias desempenham na sociedade e na Igreja. E, por fim, se pode dizer que
ambas teologias se caracterizam pelos desafios, os quais resultam igualmente de situações
e realidades com que a Igreja se depara na sua missão evangelizadora, que são, por um
lado, de índole cultural e social, por exemplo, a religião tradicional africana, e até histórica
(sincretismo religioso), e por outro, da exigência própria de se realizar uma síntese entre
e cultura. É o caso da inculturação.
O terceiro e o último capítulo aborda o centro da dissertação: estudo comparativo.
Aqui se vai demonstrar as possíveis semelhanças e diferenças da Teologia Africana com a
Teologia Afro-americana e caribenha. Esta similaridade encontra-se na unidade em
vínculos invisíveis, na unidade histórica, indignação-perdão, definição onde se discutirá a
perene importância e ligação da cultura africana e afro-americana e caribenha com ambas
as teologias envolvidas neste estudo; nas fontes, nas tarefas que ambas teologias devem
executar, como a questão de expor o significado da inculturação, da libertação, da
esperança e da situação da mulher negra. Expor ainda que o surgimento de ambas significa
compromisso na evangelização, social e político da população negra. Expor igualmente a
similaridade destas teologias no diálogo com as religiões não-cristãs, sobretudo as religiões
africana e afro-americana e caribenha. Por fim, discutir-se-ão as diferenças entre estas
teologias, resultantes dos contextos acrescidos ao que cada comunidade negra vive em seu
próprio continente.
O nascimento da Teologia Africana está ligado ao desejo de se constituir um
cristianismo africano e com personalidade africana, uma Igreja africana baseada, como é
6
óbvio, em tradições bíblicas, manifestada na África a sul do Saara pela primeira vez,
conforme fontes usadas neste trabalho, por Kimpa Vita, em finais do século XVII e início
do século XVIII, no reino do Congo. Interrompido por mais de dois séculos, aquele desejo
viria a ressurgir com o dossiê Os Padres Negros se interrogam, publicado em 1956,
quando alguns sacerdotes negros, estudantes em Roma, se questionavam sobre o futuro da
Igreja em África, em face da saída de muitos missionários europeus do continente devido à
emancipação política e social das populações africanas. Foi na Faculdade Teológica de
Kinshasa, onde aquele dossiê encontrou seu encaminhamento, mediante a realização de
vários encontros teológicos de consulta, que aconteceu o nascimento da Teologia Africana.
O surgimento da Teologia Afro-americana e caribenha está ligada à Conferência do
Episcopado Latino Americano e Caribenho de Puebla realizada em 1979, que contribuiu
no amadurecimento da consciência negra, embora não se descurem outros acontecimentos
que nortearam este continente, desde 1960. A Conferência de Puebla reconheceu que os
afro-americanos “vivendo segregados e em situações desumanas, podem ser considerados
como os mais pobres dentre os pobres” (cf. Puebla 34). Portanto, de Puebla nasceu esta
reflexão teológica que esamadurecendo, caracterizada, em parte, por integrar elementos
culturais de matrizes africanas. Assim, com este trabalho se pode ter uma visão panorâmica
do pensar teológico negro africano e latino-americano e caribenho. Pensa-se em estar
colaborando no seu desenvolvimento; se acredita em possibilitar às pessoas interessadas,
nela, de conhecer o pensamento teológico destes dois povos negros. Finalmente, com este
trabalho se acredita, ainda, vir a contribuir na evangelização do povo moçambicano, em
particular, e dos povos da África e deste continente, em geral.
A escolha deste tema resulta, primeiro, do desejo profundo de conhecer o
pensamento teológico africano, que até 1997, no Seminário Maior de Teologia, no
Maputo, não se ensinava Teologia Africana; segundo, do desejo de conhecer também o
pensamento teológico negro da América Latina e do Caribe e, por conseguinte, encontrar
as semelhanças e diferenças neles existentes. Mas é preciso explicar que a expressão
Teologia Africana e Teologia Cristã Africana significam, neste trabalho, a mesma coisa:
pensamento teológico cristão elaborado por teólogos negros africanos, como fruto da
síntese entre fé e cultura negra africana. A Teologia Afro-americana e caribenha poderá ser
encontrada, às vezes, escrita somente Teologia Afro-americana, mas significa também a
7
mesma coisa: teologia cristã que está sendo desenvolvida por teólogos negros latino-
americanos e caribenhos. A expressão banto e bantu significam igualmente o mesmo povo
negro africano, mas também presente neste continente; e a expressão Teologia Negra, nesta
dissertação, indica todo o pensamento teológico elaborado pelas comunidades negras sul
africana, latino-americana e caribenha e norte americanas, embora se respeitem suas
particularidades.
Foram usados neste trabalho os métodos histórico, crítico, sintético e comparativo,
social, antropológico e cultural. Como o material consultado e citado provém de autores
que se sentem marcados pela escravidão, colonialismo, e alguns pelo racismo e
discriminação, se poderá achar, freqüentemente, termos que descrevem a amargura do
coração devido a essas situações. Por outro lado, se poderão também encontrar termos
como, injustiças, guerras, conflitos tribais, exclusão e pobreza, fruto daquilo que a maior
parte destes autores vive, hoje, em seus países e continentes. E por fim, se encontrará
palavras que descrevem a alegria de tentar, atualmente, exprimir a cristã em sua própria
língua e cultura. É o caso da inculturação, processo este que, muitas vezes, é, igualmente,
entendido como um reassumir dos valores culturais positivos, tanto por parte das
populações africanas como das populações afro-americanas e caribenhas. Tudo isso poderá
ajudar a entender que as origens da Teologia Africana e da Teologia Afro-americana e
caribenha são, em parte, reações religiosas contra aquilo que no dizer de Gayraud S.
Wilmore e James H. Cone se pode denominar de dominação eclesiástica, política e
econômica do Ocidente.
1
Terminando esta introdução, é importante frisar que esta
dissertação é de caráter literário e vai apenas discutir os conceitos de Teologia Africana e
de Teologia Afro-americana, suas caraterísticas e, por fim, suas semelhanças e diferenças.
1
Cf. WILMORE, Gayraud S. e CONE, James H. Teologia Negra. São Paulo: Paulinas, 1986, p.364.
8
CAPÍTULO I
CONCEITUAÇÃO DE TEOLOGIA AFRICANA E TEOLOGIA AFRO-
AMERICANA
Em qualquer trabalho acadêmico se define, primeiro, o conceito, como são os casos
da Teologia Africana e da Teologia Afro-americana, visto que isso clarifica o assunto em
estudo. É este o primeiro passo a ser feito logo no início de um campo novo de estudo:
definir o objeto em discussão. E como na história de teologia tradicional não se tem registo
da Teologia Africana propriamente dita e muito menos da Teologia Afro-americana, é
indispensável a tarefa de definir o conceito desta nova visão do Cristianismo para quem
quer estudá-la profundamente. Mas para isso é necessário, antes de tudo, esboçar
pressupostos para uma conceituação destas teologias.
1. Pressupostos
Por pressupostos se entende, aqui, o plano necessário que deve ser executado dentro
do esquema do trabalho, mas antes da discussão do próprio tema. Eles vão servir de guia
para o desenvolvimento desta dissertação. Constituem pontos desses pressupostos, o ato
de conceituar, o conceito do termo teologia em seus quatro sentidos, o objeto e as fontes da
teologia e, por fim, teologia em contexto.
1.1. O ato de conceituar
Conceituar alguma coisa é um primeiro passo indispensável para compreendê-la.
Assim, o conceito é uma representação de um objeto pelo pensamento, mediante suas
caraterísticas gerais, e ação de formular uma idéia mediante a palavra.
2
Uma outra definição , conforme Jörg Splett, o conceito é a representação de um objeto
segundo seus traços comuns, procedentes de abstração intelectual de algo geral a vários
2
Cf. FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário Aurélio de Língua Portuguesa. Rio de
Janeiro: Nova Fronteira, 1999, p. 518.
9
objetos. Neste sentido, o conceito se encontra entre a simples visão sensível e uma
contemplação puramente intelectual, cujo sinal lingüístico é a palavra.
3
Destarte, o
conceito implica uma intenção e vive do conjunto de significados, de onde recebe, em
apreciação, uma significação própria. Por fim, diz ainda Splett, o conceito é o primeiro
elemento do pensar, a base a partir da qual se pode construir o pensamento e finalmente a
conclusão.
4
1.2. Conceito de termo Teologia
Falou-se acima que, para se compreender algo, o primeiro passo indispensável é
conceituá-lo. Por isso, é preciso definir o termo teologia em seus quatro sentidos.
1) Sentido amplo do termo teologia: Para Jean-Yves Lacoste, a teologia é discurso pré-
cristão. Ele aparece primeiramente em Platão.
5
Mais tarde, o termo é associado por
Clemente da Alexandria, no Egito, ao discurso cristão. Mas foi com Eusébio de Cesaréia e
com o triunfo do cristianismo contra o paganismo que o termo se tornou cristão.
6
Tornado
cristão, o termo teologia se define pela confissão de cristã, e pode ainda servir para
designar as Escrituras cristãs. Todavia, foi durante os debates trinitários que seu uso se
tornou fundamental, de tal sorte que teologia e teólogos se transformaram qualificativos de
ortodoxia.
7
George Cottier, citando alguns Padres e a tradição de Evágrio, dos Capadócios e de
Dionísio Areopagita, afirma ser a teologia o conhecimento místico.
8
E, a seguir, refere-se a
Santo Agostinho, que entende por teologia o conhecimento de Deus e o modo de falar dele,
conforme os dois sentidos de logos, “razão” e “discurso” sobre a divindade.
9
Com Pedro
Abelardo (1079-1142) o termo receberá um sentido preciso, com sua Teologia Cristã
(1122-1127), que anuncia a teologia científica da escolástica. Entretanto, Tomás de Aquino
usará, por muito tempo, o termo sacra doctrina, para indicar teologia.
10
3
Cf. SPLETT, Jorg. Conceito. In Sacramentum Mundi, tomo I. Barcelona: Herder 1976, p. 847.
4
Idem.
5
Cf. LACOSTE, Jean-Yves. Teologia. In Dicionário Crítico de Teologia. São Paulo: Loyola/Paulinas, 2004,
p. 1707.
6
Idem.
7
Idem.
8
Cf. COTTIER, George. Teologia. In Dicionário de Mística. São Paulo: Loyola, 2003, p. 1005.
9
Idem.
10
Idem, Op. cit. p. 49.
10
2) Sentido estrito da teologia: Para René Latourelle, teologia estritamente dita é a
ciência de Deus, que parte da revelação, através da qual o Deus vivo se a conhecer ao
ser humano e o pode introduzir num conhecimento mais profundo de seu mistério.
11
Quer
dizer, Deus se autocomunica livremente ao ser humano, e esta autocomunicação divina é
captada mediante a reflexão na fé, razão pela qual se pode dizer que a teologia é a ciência
de Deus pela fé. A teologia é inteligência que brota da fé; é a ciência vivida por um espírito
que pensa, reflete e medita e cientificamente elaborada. É a fé em estado de ciência.
Para Santo Anselmo, a teologia é a aplicada à inteligência do seu objeto (fides
quaerens intellectum).
12
Quer dizer, a teologia é a assumindo o discurso da razão para
melhor compreender seu objeto. Para isso, é preciso primeiro acreditar, para depois se
esforçar por compreender aquilo em que mediante a se apreende que é, ao mesmo
tempo, uma penetração de todo o próprio mundo que pode ser compreendido (inteligível).
Em suma, se pode dizer que a teologia representa um esforço constante da Igreja
permanecer em contato com o mundo e seus problemas, suas dúvidas e projetos. Constitui
a teologia uma permuta contínua entre a e a razão, o mundo e Deus, o profano e o
sagrado. Confronta a com os problemas novos que a humanidade enfrenta. Enfim, a
teologia é a razão pela qual ela deve viver na meditação incessante da palavra de Deus, a
fim de apreender-lhe os pontos de inserção no mundo hodierno.
13
3) Sentido objetivo da teologia: Na sua abordagem, Latourelle considera a teologia a
ciência que tem por objeto Deus, o qual pode ser conhecido mediante três formas:
Pela criação e pela luz da razão. Nesta, Deus é conhecido como princípio, causa e
fim do universo. Neste sentido, o ser humano, graças à luz natural da razão, eleva-se ao
conhecimento de Deus pelas criaturas.
Pela palavra e o testemunho de Deus sobre si mesmo, e pela razão esclarecida pela
fé. Aqui, o ser humano conhece os mistérios da vida íntima de Deus através da palavra.
Assim, a divina verdade, que transcende os limites de inteligência humana, desce a ele na
revelação. Aqui, a iniciativa da revelação ao ser humano é de Deus.
A teologia da pátria ou do conhecimento dos eleitos conhece a Deus em sua
11
Cf. LATOURELLE, René. Teologia ciência da salvação. São Paulo: Paulinas, 1981, p. 16.
12
Cf. Santo Anselmo, Proslogion, I, PL 158, 227.
13
Cf. LATOURELLE, René. Op. cit. p.18.
11
essência e pela luz da glória. Destarte, o ser humano encontra o Mistério a descoberto, na
face a face da visão. Assim, o espírito será elevado a ver perfeitamente o que lhe reserva.
Enfim, o ser humano é elevado, pela luz da glória, à visão mesma de Deus.
14
4) Sentido subjetivo de teologia: A teologia é o conhecimento que Deus possui de si
mesmo e do universo criado. Esse conhecimento, comunica-o Deus, por graça, aos seres
humanos.
15
Mediante a se opera o encontro com Deus que se revela ao ser humano
enquanto receptor. Neste encontro, ao revelar-se ao ser humano, Deus o faz
proporcionalmente à condição humana de ser espaço-temporal, individual e social,
composto de corpo e espírito.
16
1.3. Objeto de Teologia
Entende-se, aqui, por objeto o que é conhecido pelo sujeito. Assim, a teologia estuda a
Deus vivo no mistério de sua vida íntima e de seu desígnio de salvação; estuda Deus em
quem as pessoas crêem sob palavra e que se manifesta pelo dom de si mesmo. Mas trata a
teologia também das criaturas, embora as considerando em sua relação a Deus Salvador.
17
A Palavra divina deve ser atualizada para cada geração por uma teologia feita sob medida
para aquela época e espaço, mas conservando o sentido universal da revelação.
18
Esta
revelação é contida no depósito de fé.
1.4. Fontes de Teologia
Para Clodovis Boff, são fontes da teologia a Bíblia, a Sagrada Tradição e o Magistério
da Igreja.
19
Porém, Boff explica que a teologia nasce do coração da fé em Deus, do espírito
humano que por natureza deseja conhecer algo, independentemente da espécie e do lugar
onde estiver. Por isso, para ele, “toda a pessoa humana de que procura entender a razão
daquilo que crê, é, a seu modo e à sua medida, ‘teóloga”.
20
Mas o teólogo, na sua reflexão,
14
Cf. LATOURELLE, René. Op. cit. p. 14-15.
15
Idem, p. 11.
16
Idem, p. 11-12.
17
Idem, p. 23.
18
Idem.
19
Cf. BOFF, Clodovis. Teoria do Método Teológico. Versão didática. São Paulo: Vozes, 1998, p. 28-29.
20
Idem, p. 17.
12
deve levar em conta o contexto no qual ele se encontra, como forma de seguir o exemplo
da encarnação do Verbo que aconteceu em uma determinada cultura, mas sem perder sua
universalidade.
1.5.Teologia em contexto
Compreende-se, neste título, por contexto o esforço intencional em e por um
determinado lugar e tempo; esforço esse que, além disso, é empreendido por aqueles que
pertencem àquele contexto, usando recursos intelectuais e espirituais, aí disponíveis.
21
1.5.1. Teologia contextual radicalmente nova
Jean-Marc Ela chama a este tipo de teologia de teologia debaixo da árvore, porque,
dispensando bibliotecas e escritórios, é elaborada num ambiente fraternal com camponeses
iletrados, que buscam um sentido da Palavra de Deus, nas situações em que, precisamente,
esta Palavra de Deus os reúne.
22
Por isso, para ele, teologia é a reflexão que parte de uma
experiência vivida. Trata-se de extrair a significação atual da Palavra de Deus, da
inteligência histórica que o ser humano tem de si mesmo e do mundo. Neste sentido, a
teologia consiste em interpretar a Revelação no contexto histórico em que o ser humano
toma consciência de si mesmo e de sua situação. Esta função hermenêutica deve ser
respeitada, conclui ele.
23
Assim, fazer teologia em contexto significa entender a cristã
em termos de um ambiente particular e levar em conta a experiência do presente, seja
pessoal ou coletiva, do contexto e de do passado, registrada na Sagrada Escritura e
mantida viva, preservada, defendida na Tradição.
24
Esta particularidade da teologia
significa aquela abertura de integrar, conforme Marcel Chappin, as tantas expressões
particulares
25
, desde que não se contradigam em vel teológico. Neste sentido, o que faz
21
Cf. CHAPPIN, Marcel, Contexto. In René Latourelle-Rino Fisichella, Dizionario di Teologia
Fondamentale . Assisi, 1999, p. 1288.
22
Cf. ELA, Jean-Marc, El grito del hombre africano: Cuestones dirigidas a los cristianos y a los Iglesias de
África. Navarra (Estella): Verbo Divino, 1998, p. 8.
23
Idem, p. 48.
24
Cf .BEVANS, Stephen B. Models of Context Theology. Maryknoll, New York: Orbis Books, 2003, p. 3.
25
Cf. CHAPPIN, Marcel. Op. cit. p. 1293.
13
teologia contextual ser justamente contextual, na visão de Stephen B. Bevans, é o seu
reconhecimento da experiência humana presente, como outro lugar teológico. A teologia
contextual concebe e considera a cultura, história e formas de pensamento contemporâneas
junto com a Sagrada Escritura, Sagrada Tradição e o Magistério da Igreja.
26
Stephen B. Bevans reconhece a complexidade de contexto, visto representar uma
combinação de várias realidades, como as experiências de vida pessoal ou grupos de
pessoas: de sucesso ou fracasso, nascimento, morte, situações que permitem as pessoas
experimentar Deus em suas vidas. Para Stephen, há, também, experiência comunitária, por
exemplo, a escravidão negra e o genocídio no Ruanda e Burundi nos anos de 1990.
27
Na
verdade, o processo de fazer teologia não pode ignorar estas situações e outras semelhantes
que tanto marcaram o fundo do coração humano, sobretudo, o das vítimas.
1.5.2. Contextualização, algo tradicional
Stephen B. Bevans segue a história da teologia na Igreja universal e nota que a
contextualização da teologia é tradicional, porque fazendo estudo da sua história constata
que toda a teologia autêntica é arraigada em contexto particular. Assim, a sua
contextualização é condição indispensável da teologia genuína.
28
Exemplo disso são as
escrituras hebraicas onde há teologias javista, eloísta, sacerdotal, deuteronomista e da
Sabedoria, refletindo tempos, preocupações e culturas diferentes, como Israel mudou da
situação de independência a de vassalo da Assíria, Grécia e Roma.
29
Para Stephan, isso
está também no Novo Testamento em situações diferentes em que foram escritos, cada um
refletindo preocupações de comunidades diferentes. Paulo, Tiago, e as epístolas pastorais
deutero-paulinas, que refletem preocupações diferentes dos escritos paulinos genuínos, são
exemplos.
30
Para Stephen, existem dois tipos de fatores de contextualização da teologia,
ligados a história, correntes intelectuais, mudanças sociais e forças políticos, e aquilo que
26
Cf . BEVANS, Stephen B. Op. cit. p. 5.
27
Idem.
28
Idem.
29
Idem.
30
Idem, p. 7-8.
14
ele designa de imperativo contextual no Cristianismo.
31
Assim, fica explicado que na
elaboração teológica esses fatores não podem ser ignorados.
1.5.2.1. Fatores externos
Por fatores externos se entende, aqui, aquelas situações que emergiram do processo da
evangelização, cuja satisfação exige que a teologia seja contextualizada conforme abaixo.
1) Alguma insatisfação: Para Stephen, os cristãos, atualmente, tanto do Primeiro mundo
como do Terceiro mundo, consideram as abordagens clássicas da teologia que têm se
servido das filosofias clássicas no passado não satisfazer a experiência contemporânea.
32
O
exemplo vem de Jean-Marc Ela, o qual, referindo–se especificamente a África, explica que
a teologia do tempo colonial formou cristãos passivos, que têm sido tratados como
menores de idade, como meninos. E disse mais:
Era difícil que os missionários, ao sair do seminário colonial
33
, ensinassem tudo
aquilo que podia pôr em questão a situação de dependência (...). Desta maneira,
os povos colonizados nunca tiveram em sua história uma visão completa do
Cristianismo. Desprovida de sensibilidade histórica e crítica que permitiria
valorizar o alcance da mensagem da salvação dentro do contexto determinado da
dominação colonial, a Igreja tem mantido a África com golpes de tabus e de
sanções, em lugar de lançar a aventura histórica da salvação, ali donde se revela
o Deus vivo.
34
31
Idem, p. 5.
32
Idem.
33
Entenda-se, aqui, o termo colonial no duplo sentido: colonização política e aquilo que se poderia
denominar por colonização eclesiástica, pois em tempos de colonização todo pessoal missionário era na sua
maioria do país colonizador. A título de exemplo, está Moçambique que, segundo Francisco Miguel Gouveia
Pinto Proença Garcia, - em sua dissertação para a obtenção do grau de doutor em História, no capítulo III,
n.2.1. Igreja Católica - diz que, em Moçambique, todas as missões católicas eram portuguesas e dependentes
exclusivamente do Bispo da diocese. Podiam, no entanto, pertencer ao Arciprestado de uma Ordem religiosa
estrangeira em que os padres na sua maioria ou totalidade, não eram portugueses .(Cf.
site:htt://www.triplov.com/miguel_garcia/moçambique/capítulo3/igreja.htm. Por outro lado, A Ngindu
Mushete afirma ter havido vínculos estreitos entre colonizadores e os missionários, pois em tempos da
colonização, os missionários europeus não souberam nem puderam evitar as ambiguidades de sua própria
situação histórica. Vide: A Ngindu Mushete, Breve história de la teologia en África. In Rosino Gibellini,
Itinerários de la Teologia Africana. Navarra (Estella):Verbo Divino, 2001, p. 18.
34
Cf. ELA, Jean-Marc. Op. cit. p. 49.
15
2) Natureza das abordagens mais antigas: Relativo a isto, Stephen sustenta que a
teologia tradicional, por exemplo, ignora a escravidão negra e torna as populações negras
invisíveis e inaudíveis.
35
Ligado a isso, Jean-Marc Ela defende que o Deus que tem sido
anunciado ao povo africano no tempo colonial é um Deus alheio ao tempo, indiferente aos
acontecimentos políticos, sociais, econômicos e culturais, sem perspetivas de compromisso
inerente a promessa
36
; o Deus das Igrejas cristãs na época da colonização é um Deus da
natureza que ordena a adaptação e a submissão à ordem das coisas. Ele se defende trazendo
à luz um episódio do Concílio Vaticano I (1869-1870), segundo o qual um grupo de Bispos
missionários foi pedir ao Papa para que liberasse os africanos da maldição de Cam, filho de
Noé (cf. Gn 9, 20-27) que pesava sobre eles
37
. Isto estava relacionado com um status
imposto aos colonizados, status que se via justificado por uma teologia popular que
interpretava a condição da raça negra como um castigo de Deus.
38
Três anos depois, em
1873 a Sagrada Congregação para as Indulgências publicou uma oração com
indulgência de 300 dias, concedida por Pio IX com o seguinte teor: ut Deus (...)
auferat malediditionem Chami a cordibus eorum(para que... retire a maldição de Cam
dos seus corações).
39
3) Identidade crescente de Igrejas locais: Este fator desenvolve a teologia
verdadeiramente contextual.
40
Ligado a isto, a Declaração final de Acra, no Ghana, de
1977, destacou que, a teologia africana deve ser uma teologia contextual, isto é, ela deve
corresponder ao contexto da vida e da cultura em que vive o povo e a Teologia Africana e
deve, ao mesmo tempo, realizar a ligação entre dimensão cultural e dimensão
sócioeconômica. Todavia, reconhecendo que a opressão não se encontra somente na
cultura, mas também nas estruturas políticas e econômicas e nos meios de comunicação
dominantes, defende a mesma Declaração que Teologia Africana deve igualmente ser uma
Teologia da Libertação.
41
Para Rosino Gibellini, o acento colocado na libertação por esta
35
Cf. BEVANS, Stephen B. Op. cit. p. 5.
36
Cf. ELA, Jean-Marc. Op. cit. p. 48.
37
Idem. Ver também Rosino Gibellini, em seu livro abaixo, p. 458.
38
Idem.
39
Cf. GIBELLINI, Rosino. A Teologia do Século XX. São Paulo: Loyola, 1998, p. 458.
40
Cf. BEVANS, Stephen B. Op. cit. p. 5.
41
Cf. Final Communiqué da Conferência Pan Africana dos Teólogos do Terceiro Mundo, realizada em
Accra, Ghana, de 17-23 de Dezembro de 1977. In Kofi-Appiah-Kubi e Sergio Torres (editores.). African
Theology en Route. Maryknoll, New: Orbis Books, 1979, p. 189-195.
16
Declaração a vincula às outras teologias do Terceiro Mundo, onde a maioria da população
vive uma pobreza insuportável.
42
1.5.2.2.Fatores internos
As naturezas incarnacional do Cristianismo e sacramental da realidade, a compreensão
da natureza da revelação divina e a catolicidade da Igreja, constituem, para Stephen,
argumentos fortes para uma teologia que toma, com seriedade, a cultura e a mudança
cultural para entender a fé cristã.
43
1) Natureza incarnacional do Cristianismo: Partindo de Jo 3,19: “Deus amou tanto o
mundo que entregou o seu Filho único, para que todo o que nele crê não pereça, mas tenha
a vida eterna”, Stephen afirma que Deus se tornou presente como um homem no meio dos
seres humanos, cujo clímax desse Deus é Emmanuel. A encarnação evidencia a intenção
de Deus se fazer Ele mesmo conhecedor da situação humana.
44
2) Natureza sacramental das realidades: A doutrina da encarnação mostra que Deus se
revela de modo real e concreto na carne de Jesus, na qual o ser humano encontra
completamente Deus. Citando Edward Schillebeeckx, Stephen diz que Jesus é o
sacramento do encontro com Deus.
45
3) Catolicidade da Igreja: Conforme Stephen, o termo católica vem de duas palavras
gregas, kata holos (de acordo com o todo), e significa que tudo abraça. Assim, para ser
qualitativamente católica, a Igreja deve ser receptiva às realizações saudáveis de todas as
raças e culturas. Neste sentido, catolicidade é aquela dimensão da Igreja que garante que
ela preserva no Evangelho inteiro e se esforça por viver e florescer em toda a parte do
mundo e o tem em todo contexto cultural. Por outro lado, catolicidade é a dimensão que
defende, preserva o local, o particular.
46
Resumindo se pode afirmar que a contextualização da teologia está presente no próprio
mistério da encarnação do Verbo, assumindo a condição humana numa determinada
cultura, a judaica. Este processo veio a ser continuado pelos Padres da Igreja. Deste
42
Cf. GIBELLINI, Rosino. Op. cit. p. 451.
43
Cf. BEVANS, Stephen B. Op. cit. p. 11.
44
Idem, p. 14.
45
Idem.
46
Idem.
17
acolhimento nascem várias teologias em contexto, dentre as quais, estão a Feminista, a
Negra, a da Libertação, a Africana, a Asiática e a Afro-americana.
2. Conceito de Teologia Africana
Com o conceito de Teologia Africana e de Teologia Afro-americana e caribenha se
pretende trazer à luz as caraterísticas gerais destas correntes de pensamento teológico
concebido por teólogos negros da África e da América e do Caribe. Por isso, discutindo
sobre a necessidade de conceito de teologia em molde africano, Oscar Bimwenyi-Kweshi,
do Congo-Kinshasa, defende que o teólogo africano que deseje ser intérprete da de suas
comunidades deve recuperar a africanidade, sua visão da vida, da cultura, da sabedoria e
religiosidade, para que lhes esclareça os conteúdos fundamentais a fim de captar as
doutrinas sobre Deus, o ser humano e o universo.
47
Mas isso exige conhecimento da
história e, sobretudo, da história da Teologia Africana.
2.1. História do surgimento de Teologia Africana
A história do surgimento da Teologia Africana está ligada à algumas figuras africanas e
não africanas ao sul do Saara. Assim, para John Parratt, Emílio J. M. Carvalho, Sweetman,
Domingos José Cazombo, uma moça da nobreza do reino do Congo, chamada Kimpa Vita,
em 1700, lançou a semente da Teologia Cristã Africana
48
, porque após o batismo acredita-
se ter sido obrigada a tomar o nome de Beatriz Margarida. Assumindo “o papel de
afirmação de Consciência” do povo oprimido, ela discutia com as missões cristãs
estrangeiras que se haviam esquecido de mostrar a importância da cultura nacional diante
do cristianismo.
49
Para Emílio J. M. Carvalho, Kimpa Vita proclamava uma mensagem
política, revestida de um conteúdo político e religioso cristão e africano ao mesmo tempo
47
Cf. GIBELLINI, Rosino. Op. cit. p. 465.
48
Cf. CAZOMBO, Domingos José. Divindades e gênero feminino: Uma memória de poder e luta da mulher
africana. In LOPEZ, Maricel Mena/NASH, Peter Theodore (orgs.). Abrindo Sulcos: Para uma Teologia Afro-
americana e Caribenha. São Leopoldo: Escola Superior de Teologia, 2003, p. 25-27. Foram citados nesta
obra defendendo Kimpa Vita, Emílio J M Carvalho e Sweetman nas página 26-27.
49
Idem.
18
(...).
50
Enquanto para Sweetman, ela deu ao cristianismo uma personalidade africana. E
acredita ser esse o objetivo fundamental: “estabelecer uma Igreja africana com base nas
tradições bíblicas”.
51
Para John Parratt, Kimpa Vita dizia que Jesus Cristo era negro e os apóstolos eram
também negros. Cristo, ela proclamava, foi Salvador que se identificou com os oprimidos e
lutou contra os colonizadores.
52
Por isso, “Kimpa Vita foi presa em Mbanza Congo,
julgada pelo tribunal eclesiástico composta por padres que a acusaram de heresia
reincidente e feitiçaria, acabando por ser queimada viva a 02 de julho de 1706, com seu
filho no colo”.
53
A idéia de Cristo negro, esboçada por Kimpa Vita, encontrará sua
continuidade em O Deus dos oprimidos, de James H Cone, no qual ele expõe sua visão
sobre a negritude de Cristo.
54
Teologia missionária: Morta Kimpa Vita, os missionários elaboraram, para África, a
teologia missionária, subdividida em Teologia da salvação das almas, da Plantatio
Ecclesiae, e Teologia da adaptação.
Para Óscar Bimwenyi-Kweshi, a Teologia da salvação das almas desenvolvida na escola
missionária de Müsnter, na Alemanha, até o século XX, apresentava o povo negro somente
como selvagens e, por isso, o devia ser convertido e enfrentado com apostolado de espada
e cruz, como nas cruzadas.
55
Superada a teologia acima, iniciou-se, em 1920, a Teologia da Plantatio Ecclesiae
também destinada para a África, procurando edificar a Igreja sobre a suposta “tabula rasa
dos povos africanos; implantava a Igreja tal como esta se realizava historicamente no
Ocidente, com seu método, seu pessoal, e suas obras. Mas sublinhava ser objetivo da
missão a pregação e a conversão dos pecadores, batizados ou não.
56
Diante disso, H. Küng
pensa que a Igreja européia falhou na sua atuação para com outros povos, pois, enquanto se
fez grega entre os gregos, bárbara entre os bárbaros, não fez o mesmo com os árabes,
50
Idem, p. 26.
51
Idem.
52
Cf. PARRATT, John. Reiventing Christianity: African Theology Today. Michigan/Cambridge, United
Kingdom, Published jointly by Wm. B. Berdmans Publishing Company Grand Rapids, 1995, p. 4.
53
Cf. CAZOMBO, Domingos José. Op. cit. p. 27.
54
Cf. CONE, James H. O Deus dos oprimidos. São Paulo: Paulinas, 1985, p. 146-151.
55
Cf. GIBELLINI, Rosino. Op. cit. p. 458.
56
Cf. MUSHETE, A. Ngindu. Breve história de la teologia africana. In Rosino Gibellini. Itinerários de la
Teologia en Africa. Navarra (Estella):Verbo Divino, 2001, p. 24-25.
19
negros, índios e chineses.
57
Para A. Ngindu Mushete esta teologia fez nascer, na África,
comunidades paralisadas, modeladas sobre as européias, sem iniciativas, criatividade e
originalidade, comunidades que rezam com palavras emprestadas, pensam por delegação,
transitando por Roma, Paris, Londres e outras capitais européias.
58
Placide Tempels: Trabalhando no então Congo-belga, atual Congo-Kinshasa, Placide
Tempels publicou, em 1946, sua obra intitulada La Philosophie Bantoue. Tomando como
referência o pensamento banto, ele elaborou uma ontologia baseada no conceito de “força
vital”, conceito este que mais tarde se tornou objeto de muitos debates. Acredita-se que a
partir desta sua obra, Tempels tenha lançado as bases metodológicas da atual filosofia e
Teologia Africanas.
59
Isso ocorreu enquanto se desenvolvia a Teologia da adaptação em
África.
Teologia da Adaptação: Esta teologia resultou da chamada Nouvelle Théologie, e na
seqüência, a teologia moderna, cujo legítimo representante é Karl Rahner, o qual, segundo
Antônio Aparecido da Silva, teria dito:
Terminou a época de uma teologia monolítica (...). Hoje e no futuro, a teologia
será sempre menos uma teologia pronta e acabada, que a Igreja poderia
simplesmente impor a qualquer sociedade e cultura como se a teologia, por ser
reflexão sobre a fé, estivesse livre de qualquer condicionamento social e cultural.
A sociedade e a cultura de hoje necessariamente condicionarão a teologia e a
própria Igreja pluralista de amanhã.
60
Karl Rahner defendia o pluralismo teológico na linha de nouvelle théologie e na visão
de Antônio Aparecido da Silva, estas idéias terão, no mínimo, feito nascer, na África, uma
Teologia da adaptação, começando assim a considerar a realidade cultural condizente com
a cristã.
61
A isto se liga o Dossier Des Prêtres Noirs s´interrogent, a partir do qual, para
Rosino Gibellini, terão emergido os primórdios da exigência de uma Teologia Africana,
57
Idem.
58
Idem, p. 27.
59
Cf. DA SILVA, Antônio Aparecido. Caminhos e Contextos da Teologia Afro-americana. In Luiz Carlos
Susin (org.). O Mar se Abriu: Trinta anos de Teologia na América Latina (SOTER). São Paulo: Loyola,
2003, p. 16-17.
60
Cf. RAHNER, Karl, citado no livro acima, p. 16.
61
Cf. DA SILVA, Antônio Aparecido. Op. cit. p. 16.
20
iniciando-se, deste modo, a delinear-se o problema. O dossiê acima foi assinado, em 1956,
por alguns sacerdotes negros, estudantes em Roma, que no meio do processo político de
descolonização se perguntavam sobre o futuro da Igreja na África.
62
Destas discussões,
conforme Justin Ukpong, surgiu o termo Teologia Cristã Africana”, tentando relacionar a
mensagem cristã à vida e ao pensamento dos povos negros africanos, que respeitasse
valores culturais e experiências de e de vida africanas.
63
Acredita-se que, o mérito da
Teologia da adaptação esteja em traduzir para os africanos um despertar da consciência da
alteridade que constitui um povo, uma cultura, ou seja, um destinatário da mensagem
evangélica. Por outro lado, ela produziu um começo de localização da Igreja na expressão
diferenciada da liturgia e da catequese; manifestou o reconhecimento da humanidade da
população negra. Porém, esta teologia é uma pintura externa que não opera a
transformação que o Evangelho deve realizar no seu encontro com o ser humano, por isso
não atinge o ser profundo do povo africano. É uma teologia que fica nas expressões
culturais sem buscar a intuição profunda que preside a um determinado gesto. Por
conseqüência, corre-se o risco de ver nas culturas africanas uma simples preparação para o
Evangelho, e não como lugar teológico, isto é, lugar onde é possível sentir Deus se
revelando aos seres humanos. Em suma, pode-se dizer que é uma teologia da
superficialidade, que perpetua o sentimento de dominação e de dominados.
Esse reconhecimento da humanidade negra, referido acima, foi, em 1969, manifesto por
Paulo VI, em seu discurso de encerramento do primeiro encontro Pan-Africano de bispos
católicos, em Kampala, Uganda. Aqui, ele disse que, as populações africanas podiam e
deviam ter um cristianismo africano. Segundo Aylward Shorter, a expressão “Cristianismo
Africano” teve grande difusão, a ponto de no segundo Simpósio Episcopal de Toda a
África, o pátio da Universidade de Abidjan, Costa do Marfim, fora decorado com uma
imensa faixa com as palavras: “Vocês podem e devem ter um Cristianismo Africano”.
64
Devido àqueles e outros aspetos negativos da Teologia da adaptação, os bispos da
África e Madagascar, no Sínodo Romano de 1974, com o tema: Evangelização no mundo
62
Cf. GIBELLINI, Rosino. Op. cit. p. 456.
63
Cf. UKPONG, Justin. Literatura teológica da África. CONCILIUM. Petrópolis: Vozes, n. 219, p. 78-79,
1988/5,citado por Antônio Aparecido da Silva, Caminhos e Contextos da Teologia Afro-americana. In Luiz
Carlos Susin (org). Op. cit. p. 17.
64
Cf. Paulo VI, 1969, Closing Discourse to All Africa Symposium, Gaba Pastoral Paper N. 7, p. 50-51 citado
por Aylward Shoeter, African Christian Theology. Maryknoll, New York: Orbis Books, 1975, p. 20.
21
contemporâneo rejeitaram-na através da Declaração Promover a evangelização na co-
responsabilidade, a consideraram completamente desatualizada e em seu lugar se adotou a
Teologia da encarnação, ou seja, da inculturação. Pode-se ler o extrato da declaração:
Nosso pensamento teológico deve permanecer fiel à autêntica Tradição da Igreja,
e ao mesmo tempo, estarmos atentos à vida de nossas comunidades, respeitando
nossas tradições e línguas. Esta é nossa filosofia de vida. (...) os Bispos da África
e Madagascar consideram completamente desatualizada a assim chamada
teologia da adaptação. Em seu lugar adotam a teologia da Encarnação.
65
Esta declaração enfatiza a criatividade, a responsabilidade e a dinâmica da Igreja local,
todavia permanecendo fiel à Tradição universal autêntica e aos laços de unidade no seio da
Igreja universal.
66
Enquanto isso, alguns teólogos africanos procuravam reinterpretar o
Evangelho a moldes africanos. Por isso, em 1963, realizou-se a primeira consulta da
Conferência de Igrejas de Toda a África (CITA). Em 1966, organizou-se uma outra
consulta, visando que os teólogos africanos elaborassem uma teologia para as Igrejas
africanas, esboçando-a do ponto de vista bíblico e da religião tradicional africana.
67
Em
1971, realizou-se mais outra conferência muito significativa, em Dar-es-Salaam, e
debateram-se a identidade e solidariedade negras. Em 1972, foi realizado outro encontro
teológico muito mais importante na universidade de Makerere, em Uganda, a fim de
legitimar, justificar e definir a Teologia Africana. Nela, decidiu-se que para construir uma
Teologia Africana significativa, os teólogos africanos devem dirigir-se para a vida diária
das Igrejas africanas. O consenso foi, conforme E. E. Mshana, de que “qualquer teologia
separada da vida das Igrejas não é teologia de verdade”.
68
Em 1976, foi realizada, em Dar-
es-Salaam, a conferência designada Diálogo Ecumênico de Teólogos do Terceiro Mundo,
65
Cf. La Docummentation catholique, t. 71; n. 1664 (17 nov. 1974), p. 995, citada por Rosino Gibellini. A
Teologia do Século XX. São Paulo: Loyola, 2002, p. 460. Ver ENCHIRIDION del Sinodo dei Vescovi. Vol.
1.de 1965-1988, edição bilingue. Bologna: Dehoniane, 2005, n. 1319-1323. Do original inglês: Our
theological thinking must remain faithful to the authentic tradition of the Church and, at the same time, be
attentive to life of our communities and respectful of our tradictions and languages, that is of our philosophy
of life. (...), the Bishops of Africa and Madagascar consider as being completely out-of-date, the so-called
theology of adaptation. In this stead, they adopt the theology of incarnation
66
Cf. SHORTER, Aylward, African Christian Theology. Maryknoll, New York: Orbis Books, 1975, p. 151.
67
Cf. MUZOREWA, Gwinai H. The Origins And Development of African Theology. Maryknoll, New York:
Orbis Books, 1985, 87-88.
68
Idem.
22
para discutir teologias do Terceiro Mundo. Mas, foi a consulta de Ghana, realizada em
1977, da qual saiu o livro intitulado Teologia Africana em Marcha
69
, considerado o
trabalho mais completo em Teologia Africana até então escrita.
70
Conforme Rosino
Gibellini, esta consulta identificou claramente duas dimensões da Teologia do Terceiro
Mundo, depois retomadas e desenvolvidas: as teologias contextual e da libertação; dela
emergiu a Associação Ecumênica dos Teólogos da África (AETA), a qual funciona como
órgão coordenador dos teólogos africanos e como órgão promotor da Teologia Africana.
71
De 1940, período em que a consciência teológica africana ressurgiu, até hoje, emergiram
muitas expressões teológicas. Por isso, Antônio Aparecido da Silva usa o termo Teologia
Africana no plural, portanto teologias africanas, porque para ele esta “forma plural refere-
se às várias expressões teológicas que surgiram nos contextos diferentes africanos, nas
regiões da América do Norte, do Centro, Caribe e do Sul, onde vivem muitos
sobreviventes da escravidão, do racismo”.
72
Assim, se tem, em África, a Teologia Africana
da Inculturação, a Teologia Africana propriamente dita, a Teologia do Contexto, a
Teologia Africana da Libertação e a Teologia Feminista Africana.
73
Teologia Africana da Inculturação: Desenvolvida, desde 1960, no Congo-Kinshasa,
tem seu suporte eclesiástico no Cardeal Malula e expoentes teólogos, entre os quais podem
citar-se Vicente Mulago, Teodore Tshibangu”.
74
Movida pelo desejo da inculturação, a
Conferência Episcopal do Congo-Kinshasa escreveu, a seu clero, em 1970, o seguinte:
A lei mosaica e seu cortejo de prescrições não foram julgadas necessárias para a
salvação das nações, não obstante as pressões dos judaizantes ( cf. At 15). De
igual maneira, a jovem Igreja africana não pode ser obrigada a assumir os usos e
costumes e as tradições particulares, por mais veneráveis que sejam, da região
que levou o Evangelho até ela.
75
Em Kinshasa os teólogos aprofundaram a tradição estabelecida por Placide Tempels.
Contudo, Mulago substituiu o conceito de “força vital” de Tempels por união vital ou
69
Cf. KUBI, Kofi A. e TORRES, Sérgio. African Theology en Route. Maryknoll: NY: Orbis Books, 1979.
70
Cf. MUZOREWA, Gwinai H. Op cit. p. 87-88.
71
Cf. GIBELLINI, Rosino. Op. cit. p. 451.
72
Cf. DA SILVA, Antônio Aparecido. Op. cit. p. 17.
73
Idem, p. 17-23.
74
Cf. UKPONG, Justin. Op. cit p. 78-79.
75
Cf. GIBELLINI, Rosino. Op. cit. p. 461.
23
participação vital.
76
Por seu lado, Tshibangu discute, sobretudo, a relação entre teologia e
sociedade e o cotidiano da vida do povo.
77
Teologia Africana: Esta tem duas referências, Nigéria e Quênia. Nela, sobressaem John
S. Mbiti (queniano) que discute a abordagem fenomenológica e E. B. Idowu, nigeriano,
que examina minuciosamente a “Teologia Africana” como meio de responder às
necessidades sociais, políticas, espirituais e emocionais dos povos africanos.
78
Esta
corrente aprofunda e faz uma síntese crítica entre a cultura dos povos africanos e a
mensagem cristã, e segue a posição de João Paulo II, segundo a qual “a síntese entre
cultura e não é uma exigência da cultura, mas também da fé, visto que uma que
não se torna cultura é uma não plenamente acolhida, nem inteiramente pensada, nem
fielmente vivida”(cf. Ecclesia in Africa 78).
Teologia do Contexto: O apartheid condicionou e influenciou a reflexão teológica na
África do Sul. Desta situação nasceu a “Teologia do Contexto”, ou seja, a Teologia Negra
elaborada especificamente em situação do racismo, da discriminação; nasceu também o
movimento de “Consciência Negra”, encabeçado por Nelson Mandela. No campo
religioso, estão Desmond Tutu, o autor do Mundo melhor: Sonho de Deus, e Allan Boesak,
Manas Buthelezi, Simon Maimela, Takatso Mofokeng.
79
Esta teologia é caraterizada pela
refutação da universalidade abstrata da tradição escolástica acentuada na evangelização e
suas conseqüências legitimadoras das práticas racistas; é caraterizada pela total indignação
contra o racismo; mostra a necessidade e o papel da teologia como instrumento que
confirma a luta do povo oprimido pelo apartheid”. Por isso, a leitura dos acontecimentos à
luz da é entendida como um Kairós”.
80
Porém, realizadas as eleições multiraciais, em
1994, na África do Sul, terminou oficialmente aquele regime do apartheid, mas ficaram
feridas, cuja cicatrização vai levar tempo. Devido às mudanças políticas, sociais, a
Teologia Negra (black theology) está sendo reformulada, porque, agora, as exigências são
outras.
76
Cf. UKPONG, Justin. Op. cit. p. 18.
77
Cf. DA SILVA, Antônio Aparecido. Op. cit. p. 18.
78
Idem, p. 19.
79
Idem, p. 19. Ler BAHIA GLOBAL: O Despertar da África. Edição histórica África e Diáspora. Ano I,
julho/2006, p. 34 no Encontro dos intelectuais e governos sobre o renascimento africano. Ver Rosino
Gibellini (editor), Itinerarios de la Teologia Africana. Navarra (Estella): Verbo Divino, 2001, p. 35-37.
80
Cf. SUSIN, Luiz Carlos (org.). Op. cit. p. 20-21.
24
Por isso, a reflexão teológica sul-africana está, hoje, virada para a cultura, a unidade
étnica e nacional, respeito pelas diferenças e a consolidação da democracia.
81
Teologia Africana da Libertação: Entre vários teólogos africanos desta corrente
teológica africana, sobressaem Meinrad P. Hebga, Jean-Marc Ela, Engelbert Mveng
(Camarões); Laurenti Magesa (Tanzânia).
82
Esta corrente considera a opressão política e
econômica como problema central que pesa sobre a África.
83
Por isso, para Jean-Marc Ela,
“a Igreja africana deve libertar-se das estruturas de dependência pelas quais está presa
tanto à Igreja ocidental como às estruturas de poder. Diante das ditaduras políticas na
África”, o papel da Igreja deve ser profético.
84
A Teologia Africana da Libertação recusa o
capitalismo e o socialismo europeus, porque direcionados para a instituição, por
conseguinte, contrários ao espírito do socialismo africano, orientado para a pessoa humana.
Foi Mveng quem, movido pela miséria vivida pela maioria da população africana,
introduziu o conceito de “empobrecimento antropológico”, significando que a pobreza
africana é uma questão do “ser” e não de “ter”. Em face disto, a análise marxista não se
conforma à realidade africana.
85
Teologia Feminista Africana: Entre muitas mulheres que pertencem a esta escola
sobressaem Mercy Amba Oduyoye, Teresa Okure (nigerianas), Bette J. Ekeya (queniana),
Justine Kahungu Mbwiti (Congo-Kinshasa) e Rose Zoe-Obianga (camaronesa). Nesta, a
questão central é explicar a identidade da mulher e apontar caminhos para a superação das
opressões diversas a que ela está sujeita, procedentes do machismo, do patriarcalismo e faz
apelo ad extra para a sociedade como um todo, e ad intra para dentro da Igreja.
86
As teólogas feministas africanas fazem pressão para que a mulher esteja também no
centro da vida e da atividade da Igreja. Para isso, buscam fundamento na prática de Jesus
Libertador das mulheres que, preteridas pelas leis judaicas, elevou-as fazendo surgir nova
esperança, indicadora de uma nova compreensão do papel da mulher na Igreja e na
81
Cf. PITYANA, B. Reflexão teológica negra. In ATABAQUE-ASETT. Teologia Afro-americana: II
Consulta Ecumênica de Teologia e Culturas Afro-americana e Caribenha. São Paulo: Paulus, 1997, p. 37-40.
82
Cf. DA SILVA, Antônio Aparecido. Op. cit. p. 20-21.
83
Idem.
84
Idem.
85
Idem, p. 22.
86
Idem.
25
sociedade.
87
Partindo desta breve história da Teologia Africana, se poderá entender melhor
seu conceito, conforme se tenta explicar, abaixo, de modo sucinto.
2.2. Conceito de Teologia Africana
Há várias definições da Teologia Africana de autoria individual, mas quase todas
convergem nesta definição. Assim, por “Teologia Africana se entende uma teologia
baseada na bíblica e que fala à ‘alma’ africana (...). Ela se expressa em categorias de
pensamento que provém da filosofia e da visão do mundo das populações africanas.”
88
Para James H. Cone, “falar sobre a Teologia Africana implica formular claramente um
atitude cristã diante das outras religiões. Deve-se ressaltar que a ênfase é basicamente na
teologia cristã, que poderia ser expressa mediante o pensamento e a cultura africanas”.
89
2.3. Fontes de Teologia Africana
Reunidos em Conferência Pan-Africana em Acra, Ghana, de 17-23 de Dezembro de
1977, os teólogos africanos consideraram a Sagrada Escritura, a Tradição e o Magistério da
Igreja como fontes da Teologia Africana, por acreditarem que a Bíblia não é um livro
sobre o povo de Israel, mas um acontecimento que lhes força para lutarem pela sua
humanidade. Para eles, a Tradição é igualmente digna de apreço e possui autoridade para a
Teologia Africana, visto ser herança da vida e da história da Igreja, desde o tempo de Jesus
Cristo, com longa tradição de estudos, liturgias e experiências.
90
Enfim, o Magistério da
Igreja como a “instância a que se tem confiado a conservação, transmissão e exposição dos
conteúdos da fé, impondo legado ou caso de uma suprema obrigatoriedade”.
91
Em suma, a
Sagrada Escritura, a Tradição
92
e o Magistério da Igreja são princípios e critérios do
87
Idem, p. 23.
88
Cf. Declaração da Conferência de Igrejas de Toda a África (CITA), em sua Assembléia em Lusaka, 1973,
citado por Gabriel M. Setiloane. Teologia Africana: uma introdução. São Paulo: Faculdade de Teologia da
Igreja Metodista (EDITEO), 1992, p. 52. Ver, também, a definição, no livro abaixo, p. 368.
89
Cf. WILMORE, Gayraud S. CONE, James H. Op. cit. p. 368.
90
Idem, p. 402-406.
91
Cf. BEINERT, Wolfgang. Dicionário de Teologia dogmática. Barcelona: Herder, 1990, p. 717-721.
92
No dicionário acima, a Tradição, em sentido teológico, é processo permanente da auto-comunicação de
Deus no acontecimento de Cristo e através do Espírito Santo no meio ambiente da pregação eclesiástica, e é
26
conhecimento teológico na Igreja, onde os teólogos devem, se desejam ser fiéis à sua
função, ter em mente a missão própria do Magistério e com ele cooperar
93
, no seu processo
de elaboração de uma Teologia Cristã Africana.
Antropologia Africana: Para Michael Schmaus, a teologia deve ser antropológica, sem,
contudo, dissolver-se na antropologia.
94
Por isso, a Conferência Pan-africana acima,
seguindo a cosmovisão africana, defendeu que, para os africanos, existe unidade e
continuidade entre o destino das pessoas humanas e o destino do cosmo. Assim, a vitória
da vida humana é também a vitória da vida do cosmo.
95
Em seu livro Cultura Tradicional
Banto, Raul Ruiz de Asúa Altuna explica que, em África, o cosmo é um organismo com
vida sagrada e, manifesta, ao mesmo tempo, as modalidades do ser e da sacralidade. Os
dois mundos interdependentes coincidem na sua essência vital, formam as duas faces do
mesmo e único universo.
96
Em suma, a salvação das pessoas humanas na Teologia Cristã
Africana é a salvação do universo, visto que, no mistério da encarnação, Cristo assumiu a
totalidade do ser humano e a totalidade do cosmo.
97
Retidão: A idéia de retidão importante na Bíblica deve ser, para J.N.K. Mugambi,
integrante à formação da Teologia Cristã Africana. Porque, onde as populações africanas
foram exploradas, distorcidas, prejudicadas e ignoradas, uma Teologia Cristã Africana
deve recordar que a ação correta e o relacionamento honesto entre os seres humanos foi
sempre insistido pelos profetas, e que o fundamento desta insistência é aquele Deus que
deseja retidão em seres humanos, como Ele é reto e santo (cf Lv 19, 1; Mt 5,48).
98
Religião Tradicional Africana: Compreende-se por religião tradicional africana,
segundo Altuna, aquela unidade de crenças, o substrato fundamental, com significado e
finalidade dos cultos, ritos, símbolos e homogeneidade de aspirações, as quais se mostram
semelhantes em toda África negra; aquela religião que a África negra recebeu de seus
por ele um critério epistemológico importante para a teologia. Ela é válida por toda a Igreja e apresenta uma
orientação escatológica.
93
Cf. COLLANTES, Justo. A Católica: Documentos do Magistério da Igreja. Rio de Janeiro/Goiás:
Lumen Christi, 2003, n. 7453.
94
Cf. SCHMAUS, Michael. A Fé da Igreja. Vol. 1. Petrópolis: Vozes, 1976, p. 20.
95
Cf. WILMORE, Gayraud S e CONE, James H. Op. cit. p. 406.
96
Cf. ALTUNA, Raul Ruiz de Asua. A Cultura Tradicional Banto. Luanda: Secretariado Arquidiocesano de
Pastoral, 1985, p. 383.
97
Cf. WILMORE, Gayraud S. e CONE, James H. Op. cit. p. 406.
98
Cf. MUGAMBI, JNK. African Christian Theology. Nairobi: Published by East African Education
Publisher, 1989, p. 13.
27
antepassados e a conserva como fator decisivo da sua cultura; aquele dado original e
específico dos povos negros da África.
99
Para Vicente Mulago, a religião tradicional
africana é o conjunto cultural de idéias, sentimentos e ritos baseados na crença em dois
mundos inseparáveis, o visível e o invisível; crença no caráter comunitário e hierárquico
destes mundos; crença em um Ser supremo, Criador de tudo.
100
Para Gwinyai H.
Muzorewa, a religião tradicional africana é, para a maioria dos teólogos africanos, uma das
principais fontes de sua teologia.
101
Muzorewa diz ser a preocupação destes autores fazer
com que a Teologia Cristã Africana interprete Cristo para os africanos, para que estes se
sintam em “casa” na sua nova fé.
102
Para isso, os teólogos africanos colocarão a
experiência de continuidade entre vida tradicional e a cristã, o que exigirá de certa
forma, a reconciliação entre o cristianismo e a religião tradicional africana, reconciliação
esta que acontecerá após um exame cuidadoso dos elementos envolvidos no desacordo
do passado.
103
João Paulo II defende ser a religião tradicional africana uma preparação ao Evangelho,
visto conter preciosas Semina Verbi capazes de levar, como sucedeu no passado, um
grande número de pessoas a aderir a mensagem de Jesus Cristo, mediante a proclamação
do Evangelho. Por isso, ele pede respeito profundo e estima aos seguidores da religião
tradicional africana, evitando-se qualquer palavra que os magoe. Por fim, o mesmo autor
em tela recomenda que se dê, para o mesmo fim, nas casas de formação sacerdotal e
religiosa, aquilo que ele designa de oportunas elucidações sobre a religião tradicional (cf.
Ecclesia in Africa 67).
Outras realidades africanas: Estas são as experiências das formas culturais de vida e
arte, família alargada, hospitalidade, vida comunitária, que são a expressão de sentimentos
profundos de amor e de carinho.
104
João Paulo II explica que a África é rica em variedade
de valores culturais e de inestimáveis qualidades humanas que pode oferecer às Igrejas e à
humanidade inteira (Ecclesia in Africa, 42-43). Por seu turno, James H.Cone propõe que as
lutas pela transformação dos sistemas econômicos, as lutas contra o racismo, o machismo e
99
Cf. ALTUNA, Raul Ruiz de Asúa. Op. cit. p. 369.
100
Idem.
101
Cf. MUZOREWA, Gwinyani H. Op. cit. p. 7.
102
Idem.
103
Idem.
104
Cf. WILMORE, Gayraud S e CONE, James H. Op. cit. p. 407.
28
outras formas de opressão econômica, política, social, cultural e a experiência da
escravidão negra devem ser encaradas seriamente como fontes da teologia.
105
Assim, a
exigência própria da encarnação deve ser atendida em cada cultura especifica, embora se
mantendo fiel à universalidade da revelação e da salvação. Mas esta exigência própria da
encarnação pode e deve também ser feita entre os afro-americanos através do conceito de
teologia em molde afro-americano.
3. Conceito de Teologia Afro-americana
Na história da teologia tradicional escrita não se tem registo da Teologia Afro-
americana, porque ela é uma nova corrente teológica desenvolvida por afro-descendentes
na América do Sul, América Central e no Caribe.
106
Esta reflexão teológica é, em parte,
fruto da própria caminhada afro-americana porque, “o caminho percorrido pelas
comunidades negras nestes últimos anos produziu reflexões que expressam profundas
sensibilidades teológicas”.
107
Assim, o conceito “Teologia Afro-americana” refere-se ao
povo de origem africana, mas que, por razões históricas, é também americano. Portanto, no
afro-americano estão duas culturas e um contexto: a africana porque é de origem africana,
e americana, à medida que nasce neste continente. Por isso, conhecer a história do
surgimento desta teologia é indispensável para conhecer também o dinamismo desta
corrente teológica.
3.1. História do surgimento de Teologia Afro-americana
A história do surgimento da Teologia Afro-americana está ligada a vários
acontecimentos que nortearam este continente poucos anos depois da Segunda Guerra
Mundial.
Fator sócio-político-econômico: Para isto, podem ser mencionados os regimes militares
ditatoriais emergidos nos anos de 1960 e 1970, os quais provocaram reações em diferentes
105
Cf. DA SILVA, Antônio Aparecido (org.). Existe um pensar teológico negro? São Paulo: Paulinas, 1998,
p. 5.
106
Idem.
107
Idem.
29
setores opositores das sociedades, levando-os a uma união e articulada organização; a
exploração econômica e trabalhista; a negação dos direitos humanos e políticos; as
situações vividas pela população negra em diferentes países latino-americanos e
caribenhos. Estas situações incentivaram a que os movimentos negros também se
organizassem na América Latina e no Caribe e se empenhassem numa reflexão teológica
conjunta.
108
Acrescenta-se a isso, a influência dada aos movimentos negros pelo
Movimento da Negritude
109
, mas especificamente, pela consciência do Pan-africanismo.
110
No campo civil: apontam-se os Congressos Afro-latino-americanos, realizados desde os
anos 70 em diferentes países. No fator eclesial, aponta-se as chamadas Comunidades
Eclesiais de Base (CEBs) e a denominada “Igreja dos Pobres”, assumida em Medellín
(1968) e reafirmada em Puebla (1979). Puebla “aludindo a situação do povos negros,
reconhece a figura de Jesus Cristo sofredor nos rostos dos pobres, inclusive, daqueles que,
assim como os indígenas, estão entre os pobres mais pobres deste continente latino-
americano”.
111
No fator teológico, indica-se o desenvolvimento da Teologia da Libertação.
Enfim, está a Teologia Feminista Afro-americana, expressão feminina desta teologia
3.2. Conceito de Teologia Afro-americana
Partindo da escravidão, das lutas pela busca de liberdade, e hoje, tendo-se consciência
de que a maior parte da população afro-americana sofre a discriminação, que são
conseqüências do racismo anti-população negra e dos condicionamentos impostos por
aquilo que Antônio Aparecido da Silva chama de condição de terceiro-mundista dos países
onde se encontram as populações negras americanas e caribenhas, descendentes dos
sobreviventes da escravidão e de tudo quanto ela significou e continua significando
112
.
Assim, por Teologia Afro-americana este autor entende ser a reflexão teológica que está
sendo elaborada por teólogos cristãos afro-americanos e caribenhos, na qual se procura
108
Cf. DA SILVA, Antônio Aparecido. Op. cit. p. 27.
109
Cf. Segundo Carlos Lopes, A África e sua Diáspora: Em busca de uma nova parceria. BAHIA GLOBAL. O
Despertar da África. Edição histórica. Ano I. Julho/2006, p. 8, Negritude foi um movimento que promovia
uma visão culturalista africana.
110
Cf. Documento de Puebla-Conclusões, 34, citado por Antônio Aparecido da Silva. In Luiz Carlos Susin
(org.). O Mar se Abriu: Trinta anos de Teologia na América Latina. São Paulo: Loyola, 2003, p. 27-28.
111
Cf. DA SILVA, Antônio Aparecido. Op. cit. p. 26.
30
integrar valores culturais de matriz africana como tentativa de inculturar a mensagem cristã
no coração destas populações.
113
Em resumo, e seguindo ainda o autor acima, a Teologia Afro-americana pretende ser
instrumento de incentivo ao acolhimento da criança e da pessoa idosa como membros
importantes na comunidade, e também de reconciliação, de perdão, visto que mais de três
séculos de escravidão, na verdade, deixou marcas, cujo apagamento levará muito tempo.
114
3.3. Fontes de Teologia Afro-americana
Constituem fontes desta teologia, as Sagradas Escrituras, Tradição e o Magistério da
Igreja. Mas para os teólogos afro-americanos e africanos a experiência negra da escraidão
é uma das fontes e ponto de partida da Teologia Afro-americana. Estão incluídas nesta lista
de fontes, as religiões afro-americanas, a criação total, o axé, entendido como energia vital,
a mulher considerada fonte primordial da vida, a experiência e a força históricas da pessoa
negra, a comunidade, a inculturação, Teologia Afro-americana entre indignação e perdão e,
por fim, cultura e criação.
115
Religiões afro-americanas: Compreende-se por religiões afro-americanas os modelos
religiosos reorganizados a partir das tradições de matrizes africanas, embora se possa
encontrar, nelas, especificidade própria do contexto americano e caribenho.
116
Entre alguns
de seus valores, estão a fé num Ser supremo, Criador de tudo quanto existe; a sustentação
de que há dois mundos, o visível e o invisível; a confiança no caráter comunitário e
hierárquico.
117
A espiritualidade destas religiões vai desde o social à interioridade, mediada
por cânticos, gestos, símbolos e silêncio. O mistério divino envolve tudo, portanto, não
havendo separação entre fé e vida, embora se distinga o bem do mal.
118
112
Idem.
113
Cf. DA SILVA, Antônio Aparecido. Elementos e Pressupostos da reflexão teológica a partir das
comunidades negras no Brasil. In ATABAQUE-ASETT. Op. cit. p. 68-70.
114
Idem.
115
Cf. DA SILVA, Antônio Aparecido (org.). Op. cit. p. 82.
116
Idem.
117
Cf. SOARES, Edir. Encontro e Solidariedade: Igreja Católica e Religiões afro-brasileiras no período de
1955-1996. São Paulo: Atabaque, 2000, p. 139.
118
Idem.
31
A criação total: Este elemento vem das tradições culturais africanas, sobretudo Bantu e
Nagô
119
, onde homens e mulheres se correspondem como seres envolvidos por Deus, o
qual criou de uma vez o ser humano juntamente com a natureza. Por isso, o ser humano
faz parte da natureza criada e estabelece com ela uma relação de interação. Tem-se, aqui, o
pensamento de inspiração monoteísta, que contempla ao ser humano como parte da
natureza, mas o considera imagem e semelhança de Deus e que está em cima da natureza.
Por isso, “submetei e dominai a terra” (cf. Gn 1,28; Sl 8,6-8).
120
Esta criação está envolvida
por uma força ou energia vital, o axé.
Axé: Compreende-se por axé a energia vital divina. Assim, tudo o que procede do
Criador tem axé e tudo o que tem a tem vida. Esta vida, que é energia, força e
dinamismo incessante, impregna todo o universo. Portanto, tudo o que procede de Deus, o
Autor da vida, tem vida. E na cultura tradicional africana, a mulher por ser mãe, por
natureza, é considerada fonte da vida.
Mulher, fonte primordial do axé: Ela é fonte por estar capacitada por Deus, para
transportar a vida no seu seio e depois, para em tempo oportuno, “trazê-la” ao mundo. Por
isso, ela foi a primeira, na pessoa de Maria, a receber a notícia do nascimento daquele que
é o Caminho, a Verdade e a Vida. Daquele que veio para dar a vida e a vida em abundância
(cf. Jo 10,10): Jesus de Nazaré, Filho de Deus. Daí de ela ser fonte primordial do axé. Para
Ezequiel Pedro Gwembe, no plano da criação, a mulher está irremediavelmente ligada à
vida, em situações de pecado, o que é o mesmo que dizer, em situação de morte. Quer
dizer, a tarefa primordial da mulher, além de ser esposa, companheira adequada do
homem, ser mãe, é aquela que está destinada a trazer a vida, embora a morte pareça gritar
mais alto.
121
Assim, pelo valor que se à mulher na África negra tradicional, este autor
propõe que se explore profundamente este tema de a mulher estar ligada à vida mediante
os símbolos, mitos e ritos, sobretudo aqueles que estão ligados com a vida.
122
A experiência da escravidão: O povo negro viveu, na diáspora da escravidão, uma
119
O termo Bantu ou Banto que, em diferentes nguas africanas quer dizer pessoa humana, designa o grupo
mais maciço e uniforme, que habita a sul do deserto do Saara. Nagô designa um povo predomina na Nigéria.
120
Cf. BAUCKER, Richer. Ecologia. In Jean-Yves Lacoste. Dicionário Crítico de Teologia. São Paulo:
Loyola/Paulinas, 2003, p. 592-594.
121
Cf. GWEMBE, Ezequiel Pedro. A sabedoria africana. RUMO NOVO. Revista católica de inculturação e
reflexão pastoral. Beira- Moçambique. A no IX, n. 25, p. 38-39, agosto de 1999.
122
Idem.
32
realidade de morte, de quase aniquilamento, mas, conduzido por Deus que escuta o clamor
de seu povo, ressurge para a vida e luta por manter sua dignidade. Daquela experiência
nasceu a negação que atinge seu próprio ser e, hoje, essa negação é feita de modo
disfarçado, sobretudo, no mercado de trabalho. A tulo de exemplo, os afro-brasileiros, na
Campanha de Fraternidade de 1988, escreveram, nas cartilhas dos grupos de base dos
agentes de pastoral negros que, “os trabalhos para negros, são aqueles que sobram ou que
os brancos não querem”.
123
Ligado a essa negação, um artigo sobre o relatório do
Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), intitulado A dimensão
racial da desigualdade, no Brasil, ilustra a realidade vivida pela maioria do povo negro:
Ser negro no Brasil significa ter uma expetativa de vida inferior em cinco anos e
renda média per capita equivalente a 40% da renda obtida por um cidadão
branco. (...) Os negros têm o dobro de chance de serem assassinados, vítimas de
violência, do que os brancos. Os negros estão em situação desfavorável em
relação aos brancos e às médias do conjunto da população, também no que se
refere à representação dos negros nos espaços de decisão político-econômico:
nos poderes Legislativo, Executivo e Judiciário e na elite do mundo do trabalho e
da economia.
124
O artigo não diz que todos os brancos e índios estão em boas condições de vida, mas
mostra a situação gritante em que se encontra a maioria da população negra neste país em
relação a população branca. Nos Estados Unidos da América a situação é a mesma, pois,
em seu artigo Ser negro em Nueva Orleáns, Donato Ndongo-Bidyogo disse o seguinte:
(...). O governo do Estado e a administração federal se omitiram ao ignorarem a
advertência dos técnicos e ao negarem os fundos para a reparação dos diques,
com o pretexto de que tinham de ser economizados. O Katrina arrasou os diques
e a inundação foi inevitável. (...) Se se tiver em conta que 63 por cento dos
habitantes de Nova Orléans são negros, percentagem que chega 98 por cento nos
bairros mais devastados. (...). Puderam escapar do perigo os que dispunham
123
Cf. CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL. CAMPANHA DA FRATERNIDADE DE
1988: Ouvi o Clamor deste povo negro! Cartilha dos grupos de base dos agentes de pastoral negros.
Petrópolis: Vozes, 1987, p. 26.
124
Cf. LUCAS, Jaime. A Dimensão Racial da Desigualdade. CIDADE NOVA. Revista católica. São Paulo:
Cidade Nova, p. 16-17, Janeiro - Fevereiro de 2006.
33
meios –majoritariamente brancos- enquanto que os mortos e danificados são
majoritariamente negros. (...). Ser negro nos Estados Unidos (...) continua sendo
sinônimo de pobre. (...) Continuam funcionando os estereótipos, difundidos
inclusive por algumas estações televisivas, onde se apresentam os saqueadores
brancos como “pobre gente esfomeada”, e os negros como simples “deliqüentes”
contra os quais a polícia deve disparar.
125
Ainda sobre a negação do negro, Conceição Corrêa Chagas referindo-se
especificamente ao Brasil explica que, neste país, a história da criança negra é marcada
pela exclusão e marginalização. Essa experiência, continua ela, começa na vida intra-
uterina, quando a mulher negra grávida é olhada como propagadora da miséria, aquela que
está aumentando a população subdesenvolvida do país.
126
Teologia e comunidade humana: A Teologia Afro-americana se elabora na e pela
comunidade negra e se destina a servir a ela. Ela é dialogal e dialogante, reconhece, em
outras práticas religiosas e expressões de fé, procedimentos teológicos legítimos, porque a
teologia é uma prática de discernimento medida pela graça de Deus e ação sistematizadora
do engenho, capacidade e talento humanos.
127
Está aqui o espírito de tolerância, enquanto
disposição interior de admitir, nos outros, modos de pensar, de agir e sentir diferentes,
fruto de quem se deixa guiar por amor de Cristo e por conseguinte gera boa convivência.
Teologia Afro-americana entre indignação e perdão: No sermão da montanha, Jesus
coloca a permanente necessidade da conversão do coração: a reconciliação com o irmão
antes de apresentar uma oferenda no altar (cf. Mt 5, 23-24), o amor aos inimigos, a oração
pelos perseguidores (cf. Mt 6, 44-46), perdoar do fundo do coração na oração (cf. Mt 6,14-
15), a pureza do coração e a busca do Reino (cf. Mt 6,21-25.33). Tem-se, neste sermão,
125
Cf. BIDYOGO, Donato Ndongo. Ser negro en Nueva Orléans. In MUNDO NEGRO. Madrid, n. 500, p.
13, outubro de 2005. Do original espanhol: (...) el gobierno del Estado como la administración federal
hicieram caso omisso del dictamen de los técnicos y negaron los fondos para la reparación, com el pretexto
de que “habia que ahorrar”. El “Katrina” arrasó los diques, y la inundación fue inevitable. (...) Si tenemos en
cuenta que el 63 por 100 de los habitantes de Nueva. Orleáns son negros, porcentage que llega al 98 por 100
en los barrios más devastados (...). Pudieron escapar del peligro los que disponían de medios
mayoritariamente blancos - , mientras que los mortos y danificados son mayoritariamente negros. (...) Ser
negro en Estados Unidos (...) sigue siendo, igual que siempre, sinónimo de pobre. (...) Siguen funcionando
los estereotipos, difundidos incluso por algunas televiones, donde se presenta a los saqueadores blancos como
“pobre gente hambrienta”, y a los negros como siempre “deliquentes” contra los que a policia debe disparar.
126
Cf. CHAGAS, Conceição Corrêa. Negritude e auto estima. In Vilson Caetano de Sousa Júnior (org.).
Nossas Raízes Africanas. São Paulo: Centro Atabaque de Cultura Negra e Teologia, 2004, p. 24-25.
127
Cf. DA SILVA, Antônio Aparecido. Op. cit. p. 68-70.
34
uma atitude importante para a vida cristã: o discípulo de Jesus deve ter a coragem de dar o
primeiro passo para reconciliação, no sentido de se abrir, deste modo, a perspetiva do
relacionamento para além das fronteiras que os seres humanos costumam construir. É que
amar o inimigo significa entrar em relação concreta com aquela pessoa que também é
amada por Deus, mas que se apresenta como problema na vida de outra pessoa, porque os
conflitos são igualmente uma tarefa do amor, para que o Reino de Deus se materialize na
vida das pessoas humanas. A escravidão negra é o maior escândalo e fator de desequilíbrio
social que perdura ainda hoje, a Teologia Afro-americana segue, por um lado, o
testemunho de protesto e da indignação e, por outro, guia-se pela dimensão de perdão que
a carateriza.
128
Na verdade, é necessário que a Teologia Afro-americana se guie pelo
perdão e reconciliação porque, segundo Karl Rahner, o pecado é o estado em que não se
sabe mais o que se é, visto nele se cortar a comunicação que Deus faz de si mesmo.
129
Criação e cultura: Entende-se, aqui, por cultura, tudo aquilo que o ser humano exprime,
comunica e conserva, em suas obras, no decurso dos tempos as grandes experiências
espirituais e aspirações, para que sirvam ao proveito de muitos e ainda de todo o gênero
humano (cf Lumen Gentium 53). Por isso, a Teologia Afro-americana liga a criação à
cultura por acreditar que tudo o que é visível e invisível é fruto da ação criadora de Deus;
que o ser humano foi criado à imagem e semelhança de Deus razão pela qual merece
respeito incondicional — e lhe foi encarregado que dominasse, no bom sentido, a natureza.
Aqui se radica a atividade humana, donde brota a cultura.
Concluindo, se pode dizer que a Teologia Africana e a Teologia Afro-americana, ambas
se assemelham em fontes tradicionais indispensáveis em teologia cristã e a universalidade
da revelação e da salvação. E as duas correntes teológicas possuem características próprias
de cada uma delas. Mas este assunto se remete à discussão no próximo capítulo.
128
Cf. DA SILVA, Antônio Aparecido. Op. cit. p. 71.
129
Cf. RAHNER, Karl citado por Rowan Williams. O pecado: Os tempos modernos. In Jean-Yves Lacoste.
Dicionário Crítico de Teologia. São Paulo: Paulinas e Loyola, 2004, p. 1369.
35
CAPÍTULO II
CARACTERÍSTICAS DA TEOLOGIA AFRICANA E DA TEOLOGIA AFRO-
AMERICANA
Fez-se saber no capítulo anterior que a Teologia Africana traduz a em Jesus Cristo
em formas de vida e de pensamentos africanos para que as comunidades cristãs sintam-se
“em casa” na sua nova fé. É sua nova porque a maioria dos cristãos africanos sai da
religião tradicional africana para aderir a Cristo. Neste sentido, a conversão a Cristo
constitui profissão de uma nova fé. Por conseguinte, isso está permitindo o enraizamento
do cristianismo em África. Por outro lado, a Teologia Afro-americana, seguindo a forma de
ser, cultura, com relevância a história de escravidão do povo negro, cujas conseqüências
ainda notáveis hoje, está também fazendo o mesmo.
Este desejo e exigência de interpretar o cristianismo em moldes tanto africano quanto
afro-americano encontram sua fundamentação na encarnação do próprio Verbo (cf. Jo 1,
14) que aconteceu numa determinada cultura (cf. Lc 2, 21-23), a judaica, com seus valores
e limitações. À base deste fundamento bíblico, Paulo VI convida a Igreja a evangelizar, de
modo vital e profundamente, e isto até às suas raízes, a civilização e as culturas do ser
humano, plena e amplamente, partindo sempre da pessoa humana e apelando
continuamente para as relações entre si e com Deus (cf. Evangelii Nuntiandi 20). E praticar
este convite significa respeitar, promover e assumir valores culturais de cada povo. Desta
particularidade cultural, se descobrem certas características teológicas contextualizadas,
mas na comunhão com a Igreja universal.
1. Características de Teologia Africana
Neste título, características significam aquelas particularidades teológicas, resultantes,
por um lado, da cultura e história africanas. Por outro lado, características significam
também, aqui, aquelas tarefas entendidas como exigências da natureza mesma do labor
teológico e os desafios emanados pelas sociedades atuais, em geral, e pelas sociedades
africanas, em particular.
36
Característica cultural: Para Muzorewa, as populações negras africanas diferem dos
não africanos em sua cultura do que qualquer outra coisa, e o método de pensamento
(reflexão) é influenciado profundamente pela cultura. E um dos modos marcantes dessa
cultura é a religião tradicional africana, considerada o fundo cultural e a base do
sentimento religioso das populações negras africanas.
130
Por isso, a Teologia Africana
reconhece, defende e confere à religião tradicional africana um lugar teológico, porque
estão presentes, nela, preciosas Sementes do Verbo conforme assinalou, acima, João Paulo
II (cf. Ecclesia in Africa 67).
Característica histórica: A Teologia Africana é caracterizada por reconhecer e acolher
como lugar teológico a experiência da escravidão, do colonialismo e, na atualidade, de
outras situações semelhantes, como ditaduras, o neocolonialismo, a corrupção desenfreada
de alguns políticos e governantes, o capitalismo desumanizante que se está instalando em
África, obrigando a que muitas pessoas fiquem desempregadas e, por conseqüência,
numerosas famílias desintegradas. Porém, apesar de tudo, as populações negras africanas
crêem que Deus está com elas, pois ao contrário, desde a escravidão até hoje teria perecido
um povo todo. Aliás, João Paulo II defende que, embora muitas adversidades, “a África
não está votada à morte, mas destinada à vida” (cf. Ecclesia in Africa 57).
Na verdade, precisamente quando a sua vida parecia condenada à derrota, eis que
algumas pessoas africanas surgem mostrando que a África ainda possui vida. Trata-se de
pessoas como Nelson Mandela que liberto, após vinte e sete anos de cadeia, pelo regime do
Apartheid, na África do Sul, e se tornado o primeiro presidente negro daquele país,
somente se guiou pelo espírito de perdão. E a prova disso é que ele mesmo ensina, em seu
livro intitulado Longo Caminho para Liberdade, que sempre soube que bem no fundo do
coração humano havia misericórdia e generosidade; que ninguém nasce com aversão de
outra pessoa por causa da cor da pele, da formação ou da religião; que as pessoas precisam
ser ensinadas a odiar, e se conseguem aprender a odiar também podem aprender a amar,
visto que o amor penetra no coração humano com muito mais naturalidade que seu
oposto.
131
130
Cf. MUZOREWA, Gwinyai H. Op. cit. p. 90-91.
131
Cf. Nelson Mandela, Longo Caminho para Liberdade. Porto: Campo das Letra, 1995, citado por Carlos
Alves Moura, A abolição que queremos. In DIÁLOGO. Revista de ensino religioso. São Paulo: Paulinas, ano
X. n. 38, p. 20, Maio de 2005.
37
Característica eclesial: Paulo VI exorta que o fato de a Igreja ser enviada e mandada
para evangelizar as pessoas, é uma advertência que deve despertar nos cristãos que, por um
lado, o ato de evangelizar é profundamente eclesial e, por outro, se cada um evangeliza em
nome da Igreja, o que ela mesma faz em virtude de um mandato do Senhor, todo
evangelizador o faz em comunhão com a Igreja e com seus Pastores (cf. Evangelii
Nuntiandi 60).Tshibangu exorta também os teólogos africanos para serem fiéis a verdade
eclesial. Quer dizer, eles devem nutrir-se por um profundo discernimento para que saibam
o definido como verdade incontestável pela Igreja.
132
1.1. Tarefas de Teologia Africana
Além das características acima, a Teologia Africana é também caracterizada por tarefas
de várias formas.
Relevância do compromisso espiritual: Para José B. Chipenda, os teólogos africanos
devem saber que seu serviço pede um real compromisso espiritual. Eles devem levantar
questões sobre sua própria vida e o destino espiritual do povo a eles ligados. Para isso,
devem ser pessoas de fé profunda e de uma criteriosa vida transcendental; devem envolver-
se pessoalmente na teoria e na prática da vida, e se esforçar por manter a sinceridade
intelectual, moral e a objetividade científica; devem atacar as profundas questões
transcendentais, envolver-se atentamente na situação e nos assuntos do seu tempo e
ambiente.
133
Relativo a isso, João Paulo II sublinha também o dever de descrever, com toda a clareza
possível, aquilo que a Igreja deve ser e realizar em plenitude, para que a sua mensagem
seja pertinente e credível. Porém, esta descrição seja acompanhada de uma oração
fervorosa, de uma grande e profunda reflexão porque, segundo o autor acima, atualmente,
as populações africanas “procuram saber se crêem verdadeiramente naquilo que os arautos
da mensagem cristã anunciam; se vivem aquilo em que crêem; se pregam aquilo que eles
mesmos vivem”. Portanto, continua o autor em referência, “está-se num tempo em que o
132
Cf. TSHIBANGU, Theodore. The Task of Theology. In Kofi Appiah-Kubi e Sergio Torres (editores).
African Theology en Route. Maryknoll, New York: Orbis Books, 1979, p. 75-76.
133
Cf. CHIPENDA, José B. Theological Options in Africa Today. In Kofi Appiah-Kubi e Sergio Torres. Op.
cit. p. 67.
38
testemunho de vida é, como sempre o foi, uma condição essencial para a eficácia profunda
da pregação da mensagem evangélica” (cf Ecclesia in Africa 21).
Imposições do trabalho teológico: Para T. Tshibangu, o teólogo africano deve estar
consciente das exigências intelectuais impostas pelo trabalho teológico, pois a teologia é
uma tarefa científica fundamentada em conhecimento da revelação e seu conteúdo além de
também estar baseado em conhecimento da realidade, de seres humanos e do universo.
Quer dizer, o teólogo africano deve possuir conhecimento teológico no sentido estrito e
formal. Para sustentar seu pensamento, Tshibangu apoia-se na definição de teologia
elaborada pelo Concílio Vaticano I, segundo a qual, “teologia é a razão iluminada pela
que, ajudada por Deus, procura adquirir um entendimento mais profundo dos mistérios”.
“Faz isto, continua o documento, aprendendo tudo o que pode mediante a analogia da
natureza, a investigação da relação entre os seus diferentes mistérios, e pela consideração
do fim último da humanidade”.
134
E, a seguir, Tshibangu explica que o teólogo africano se
esforce por possuir o mais profundo e preciso conhecimento científico da humanidade e os
fatores condicionantes; proponha assuntos válidos e convincentes para outras mentes
humanas.
135
Trata-se de uma preocupação referente ao saber ler os assuntos deste mundo à
luz da fé em Cristo.
Compromisso social: Paulo VI destaca ser o papel da Igreja iluminar os espíritos, para
os ajudar a descobrir a verdade e a discernir o caminho a seguir no meio das diversas
doutrinas que os solicitam, e por outro lado, o de entrar na ação e difundir, com uma real
solicitude de serviço e de eficácia, as energias do Evangelho (cf. Evangelii Nuntiandi 48).
Por seu turno, João Paulo II exorta os teólogos africanos a considerarem a história feita de
sofrimento numa terra, onde muitas nações se debatem ainda hoje com a fome, a guerra, as
tensões raciais e tribais, a instabilidade política, a violação dos direitos humanos; terra
cheia de pobreza, de dívida externa, do comércio das armas, dos problemas demográficos,
dos refugiados, das ameaças à família, da emancipação das mulheres, da disseminação da
Síndrome de Imunodificiência Adquirida (SIDA /AIDS) (cf. Ecclesia in Africa 51).
134
Cf. DENZINGER, Heinrich e HÜNERMANN, Peter. Enchiridion Symbolorum definitionum de rebus
fidei et morum. Bologna: Dehoniane, 1995, n. 3016: Ac ratio quidem, fide ilustrata, cum sedulo, pie et sobrie
quaerit, aliquam Deo dante mysteriorum intelligentiam eamque frctuosissimam assequitur tum ex eorum,
quae naturaliter cognoscit, analogia, tum e mysteriorum ipsorum nexu inter se et cum fine hominis ultimo.
135
Cf. TSHIBANGU, Theodore. Op. cit. p. 73-77.
39
Partindo destas realidades, Tshibangu exorta os teólogos africanos a exercerem uma
profunda responsabilidade pelo destino pessoal e também o dos outros; que se envolvam
em sua comunidade e sua participação social seja tão ativa quanto possível. Este autor
acredita que este envolvimento os permitirá a compreender profundamente os assuntos
culturais apresentados por sua comunidade e as condições de vida de seus contemporâneos.
Este seu envolvimento os ajudará a prestar atenção às questões suscitadas por novos
valores, fatos e acontecimentos relacionados à evolução e desenvolvimento sócio-
cultural.
136
Por isso, José B. Chipenda defende que, a Teologia Africana deve nascer do povo e para
o povo, porque fracassa, na sua ótica, a teologia que não considera a cultura, a sociedade.
Em seguida, baseando-se no livro do profeta Ezequiel, este autor entende que os africanos
precisam de uma teologia que crie comunidades e as estimule à ação; uma teologia que
transforme vidas, mudando corações de pedra em corações de carne (cf. Ez 11,19). Este
autor se justifica dizendo que pode declinar a religião cristã, não porque as pessoas a
contestem, mas devido a alguns cristãos que a fizeram irrelevante e, até certo modo, sem
muito interesse. A título de exemplo, ele citava naquele tempo, o regime minoritário racista
branco da África do Sul, que se dizia ser cristão, mas que premeditava mortes nas cadeias,
proibia casamentos de pessoas de raças diferentes, tratava as populações negras, em áreas
habitadas por pessoas brancas, como migrantes temporárias, reservava trabalhos
qualificados com salários muito altos para pessoas brancas.
137
Certamente, a Igreja Católica em África conhece estas situações e, por isso, entende que
sua mensagem social encontrará credibilidade primeiro no testemunho das obras e só
depois na sua coerência e lógica interna (cf Ecclesia in Africa 21). Na verdade, não se pode
fazer teologia sem tomar a sério a vida das populações. O escritório, neste trabalho
teológico, deve, de certa forma, servir para sistematizar a reflexão resultante da caminhada
do teólogo com as comunidades cristãs africanas.
Compromisso com relação à religião tradicional africana: Em relação a esta religião, a
tarefa do teólogo africano é captar aqueles valores tradicionais da religião africana
compatíveis com o Cristianismo. Esta captação vai ajudar, certamente, conforme José B.
136
Cf. TSHIBANGU, Theodore. Op. cit. p. 75.
137
Cf CHIPENDA, José B. Op. cit. p. 66-73.
40
Chipenda, a perceber a fé que brota da vida, a que flui da vida para a doutrina.
138
Esses
valores são, entre vários, conforme João Paulo II, a crença no Ser Supremo, Eterno,
Criador, Providente e Justo Juiz, que se harmonizam bem com o conteúdo da fé (cf
Ecclesia in Africa 67). Por um lado, o teólogo africano deverá empreender um diálogo
sereno e prudente com esta religião, para assegurar a assimilação desses valores positivos
e, por outro, para proteger de influências negativas que, muitas vezes, têm condicionado o
modo de viver de muitos católicos (Idem).
Esses valores autênticos da religião tradicional africana são, na visão de Aylward
Shorter, expressos em orações, em linguagem simbólica e ritual africanas e vivenciados
por comunidades africanas. Por isso, continua este autor, apesar de os cristãos africanos
acreditarem que Cristo proclama um ideal a ser seguido com seriedade, Ele deve ser
redescoberto e desenvolvido dentro das culturas contemporâneas da África.
139
Mercy
Amba Oduyoye, teóloga nigeriana, sustenta ser uma das tarefas dos teólogos africanos
utilizar as boas crenças e práticas religiosas africanas na teologia cristã, como uma
tentativa de assegurar que o espírito africano enriqueça o Cristianismo a fim de beneficiar a
todos os que aderirem a ele. Ela justifica-se, afirmando que a liturgia e a teologia emanadas
do cristianismo europeu e americano não tocam profundamente a alma africana.
140
Compromisso relativo à integração cultural: Por integração se entende, aqui, aquela
atitude de a Igreja acolher, assumir e fomentar aquilo que é bom nas culturas dos povos
para os quais se anuncia a Boa Nova de Jesus Cristo (cf. Lumen gentium 13). Ligado a isso,
Tshibangu defende ser o dever dos teólogos africanos unir os valores de religião
tradicional africana aos valores recebidos do Cristianismo para solucionar algumas
questões que a teologia tradicional ainda não as solucionou como, por exemplo, a
inculturação da liturgia. Para isso, este ele aponta o seguinte: possuir a consciência e o
significado de pecado: a noção do bem moral e o mal e o critério envolvido; conhecimento
da eficácia sacramental relativa à eficácia ritual vista na religião tradicional e convicção na
real existência de espírito do morto e a sua influência na vida diária dos povos africanos.
141
138
Idem, p. 71.
139
Cf. SHORTER, Aylward. Op. cit. p. 113.
140
Cf. ODUYOYE, Mercy Amba. The Value of African Religions Beliefs and Practices for Christian
Theology. In Kofi Appiah-Kubi e Sergio Torres (editores). Op. cit. p. 110;116.
141
Cf. TSHIBANGU, Theodore. Op. cit. p. 77.
41
Compromisso sócio-político: Na sua carta aos filipenses, São Paulo exorta os cristãos a
se ocuparem com tudo o que é verdadeiro, nobre, justo, puro, amável, honroso, virtuoso ou
louvável (cf. Fil 4, 8). Partindo disto, a Igreja ensina que, “a participação de cristãos na
política, sobretudo, leigos e leigas, versados em política, e devidamente firmes na e na
doutrina cristã, é obrigatória, para que se proveja o bem comum e, ao mesmo tempo, se
abra caminho para o Evangelho” (cf. Apostolicam Actuositatem 14). Guiando-se por isto,
Tshibangu considera ser importante que o teólogo africano se empenhe por uma teologia
política
142
plena, determinando os critérios apropriados para transpor juízos morais em
novos fenômenos sociais, e moralmente avaliar os meios a usar na procura dos objetivos de
desenvolvimento.
143
Este autor exemplifica seu pensamento, tomando a questão de política
plena para o desenvolvimento e libertação; a definição apropriada para a meta de
desenvolvimento e suas condições materiais e morais; a natureza específica de
antropologia africana; a direção correta para que o sistema cultural africano alcance uma
avaliação apropriada de suas várias manifestações em filosofia, literatura, arte, música,
drama, e artes plásticas.
144
Para José B. Chipenda, envolvimento sócio-político concreto significa discutir a
liberdade e libertação. E neste sentido, liberdade significa isenção de controle externo,
controle de uma potência estrangeira sobre uma nação fraca, enquanto libertação é a
habilidade interna para dirigir a liberdade construtivamente.
145
Assim, o processo de
libertação, em África, deve começar dentro da Igreja, mostrando sinais de arrependimento,
pois conforme este autor, a Igreja através de séculos, apoiou o status quoe se colocou
142
Conforme Johann Baptis Metz, Teologia política, in Rosino Gibellini, A Teologia do século XX. São
Paulo: Loyola, 1998, p. 301-321, a teologia política consiste em desenvolver as implicações públicas e
sociais da mensagem cristã. Trata-se, continua este autor, de responder criticamente a seu desafio, assumindo
a tarefa de desenvolver, também em teologia, uma nova relação entre teoria e práxis, pois as promessas
escatológicas da tradição bíblica - liberdade, paz, justiça, reconciliação - m uma dimensão pública, que é
preciso fazer valer na sua função crítica e libertadora diante do processo histórico-social. Diz ainda este
autor, que a proclamação da salvação empurrou Jesus para um conflito mortal com os poderes públicos de
seu tempo. A teologia política quer que a palavra cristã se torne uma palavra socialmente eficaz. Ela procura
categorias que sirvam ao mesmo tempo, para iluminar as consciências e para transformá-las. Metz conclui
dizendo que à Igreja compete uma tarefa crítica e libertadora como “instituição crítica diante da sociedade”.
A Igreja pode assumir essa tarefa defendendo o indivíduo, que jamais pode ser considerado material e meio
para a construção de um futuro tecnológico planificado e racionalizado; na crítica das ideologias e por fim na
mobilização daquele poder crítico do amor que está no centro da tradição cristã.
143
Cf. TSHIBANGU, Theodore. Op.cit. p. 78.
144
Idem.
145
Cf. CHIPENDA, José B. Op. cit. p. 68.
42
contra mudanças. Para fundamentar suas afirmações, ele toma como exemplo o discurso do
então Arcebispo de Lourenço Marques (atual Maputo, Moçambique) aos seus fiéis,
segundo o qual o povo não devia deixar-se seduzir por fantasias ou por maus conselheiros
que alimentavam seus sonhos de independência ou utopias de prosperidade econômica e
cultural. Como cidadãos portugueses, durante aqueles últimos quatro séculos, estavam
dentro da estrutura daquela nação que aqueles fiéis deviam aspirar ao progresso material,
cultural e moral, cooperando honestamente com as autoridades portuguesas e obedecendo
as suas ordens.
146
Na verdade, em muitos países africanos houve cumplicidade por parte de alguns
missionários, porque se comportaram, também, como colonizadores. Contudo, é melhor
mostrar outra face da moeda”, para não se perder a visão crítica da situação. Houve
algumas figuras na Igreja colonial que, apesar de pertencerem à potência colonizadora, se
notabilizaram levantando sua voz contra o colonialismo e maus tratos infligidos às
populações africanas. A título de exemplo, se pode falar de Manuel Vieira Pinto
147
que,
conforme Francisco Miguel Pinto Proença Garcia, denunciou, através do documento
“Repensar a Guerra”, a trágica situação das populações moçambicanas cuja conquista era
disputada pelas partes em confronto - as Forças Armadas Portuguesas e a Frente de
Libertação de Moçambique (FRELIMO)
148
- que as sujeitavam com represálias, raptos e
destruição das habitações e dos bens de vida, especificando aquilo que este autor designa
de ilicitude dessas atuações, pois em qualquer circunstância, assegura o mesmo autor, lhes
assistia o direito ao respeito da sua dignidade e liberdade (...).
149
Depois de um mês,
146
Idem. Para o aprofundamento desta matéria relativa a Moçambique, pode-se ler François Hourtart - André
Rosseau. The Church and Revolution. Maryknoll, New York: Orbis Books, 1971, p. 251.
147
Através do site http://www.triplov.com/miguel_garcia/moçambique/capitulo.3/igreja.htm. Acesso em: 15
de setembro de 2006, Francisco Miguel Gouveia Pinto Proença Garcia explica que, Manuel Vieira Pinto, ex-
padre diocesano do Porto-Portugal e responsável pelo “Movimento por um Mundo Melhor,” foi sagrado
Bispo de Nampula-Moçambique em 13 de Março de 1967. Em janeiro de 1974 torna público um documento
elaborado por si, intitulado Repensar a Guerra. Este documento, que surge como um convite à paz, ao
desenvolvimento e à autodeterminação de Moçambique, apresenta-se bem ordenado, fundamentando-se na
Sagrada Escritura e no Magistério da Igreja, aplicando-os ao contexto moçambicano.
148
A FRENTE DE LIBERTAÇÃO DE MOÇAMBIQUE (FRELIMO) foi o movimento que agrupou muitos
moçambicanos com ideais para uma luta armada contra os colonialistas e racistas portugueses em
Moçambique com a finalidade de conquistar a independência nacional. Depois de dez anos de luta armada, a
FRELIMO assinou os Acordos de Lusaka, capital da Zâmbia, para pôr termo ao conflito armado e também
para autodeterminação do povo moçambicano e sua respetiva independência, proclamada em 25/6/1975.
149
Cf. o site http://www.triplov.com/miguel_garcia/moçambique/capitulo.3/igreja.htm . op cit. Segundo este
site, esta é uma dissertação para a obtenção do Grau de Doutor em História na universidade portucalense.
43
prossegue o mesmo autor, o mesmo Manuel Vieira Pinto, juntamente com 34 Padres, 19
Irmãs e 41 Irmãos, elabora um novo documento com a mesma linha do anterior, intitulado
“Imperativo de Consciência”. Segundo este mesmo autor, o documento continha três
pontos de caráter acusatório: Primeiro, ele acusava a hierarquia eclesiástica de
ambigüidades e de compromisso com o poder Português; segundo, a renúncia da Igreja ao
múnus profético; terceiro, deixar que a Igreja ficasse influenciada negativamente pelo
poder e por conseqüência fosse prejudicada a missão evangelizadora dos povos.
150
Pelo teor do documento, para entender o clima que se vivia em Moçambique, no
período colonial, tanto no campo da Igreja quanto na social e política. Certamente Manuel
Vieira Pinto soube ler a Palavra de Deus e aplicá-la à situação concreta vivida por
moçambicanos naquele momento. Este é um dos exemplos do compromisso sócio-político
a que todos os teólogos africanos devem envolver-se em defesa da vida oprimida. Por isso,
valeu-lhe expulsão de Moçambique decretada pelo governo português. Mas também lhe
valeu reconhecimento e gratidão por parte do governo moçambicano após a independência,
razão pela qual voltou para sua Arquidiocese, Nampula, tendo continuado a pastorear o
rebanho a que Deus lhe tinha confiado até 2001, data de sua resignação.
Enquanto, por um lado, deve levantar questões sobre a vida e o destino espiritual, social
e político das comunidades cristãs africanas a que está ligado, por outro, o teólogo africano
é também chamado a refletir juntamente com as comunidades e com o Magistério da Igreja
sobre certos aspetos culturais africanos que constituem, muitas vezes, desafios para
atividade missionária da Igreja local, como a seguir se explicita.
1.2. Desafios à Teologia Africana
Entenda-se, aqui, por desafios, aquelas situações com que a Igreja, na sua missão
evangelizadora, se vai deparando. Estes desafios emergem, por um lado, da exigência da
e da cultura e, por outro, do anseio de muitos cristãos viverem, ao mesmo tempo, a vida
cristã e permanecer fiel às exigências culturais, porém, se nota existir incompatibilidade,
em certos aspetos, com o cristianismo. Assim, como que a responder isso, Ezequiel Pedro
Gwembe centrou sua reflexão sobre a celebração e significado daquilo que ele designa de
150
Idem.
44
momentos críticos na tradição africana. Em seguida debruçou-se sobre o que ele chama
também de figuras-chaves no sistema das crenças africanas. E por fim, trouxe à luz a
necessidade de uso de línguas e linguagem nativas com a finalidade de encarnar o
Evangelho na África. Incluem-se neste elenco de desafios, a religião tradicional africana, a
inculturação, a libertação, esperança e a mulher.
1.2.1. Momentos críticos
Consideram-se momentos críticos do ser humano africano, segundo o autor acima, o
nascimento de uma criança, ritos de iniciação, o casamento e a morte.
Nascimento de uma criança: Para Edir Soares, o nascimento da criança na sociedade
tradicional africana é algo existencial e extraordinário, visto se julgar que nele se conjugam
a força vital, a fecundidade do casal, com beneplácito ativo de outras forças misteriosas. A
vida, prossegue este autor, é sempre entendida como dádiva de Deus; o nascimento da
criança constitui o momento mais feliz na vida de um homem e uma mulher.
151
É que a
esterilidade, em muitas sociedades tradicionais africanas, é considerada grande vergonha, a
exemplo da sociedade judaica descrita na Bíblia (cf. Gn 30, 9-13.22-24).
Contudo, o mesmo nascimento, é também considerado um momento muito crítico, tanto
para a mãe e o pai, quanto para toda a sociedade, pois, na sua visão de Gwembe, a criança
é concebida como hóspede, alguém que vem do mundo dos antepassados. Daqui nasce a
importância de se saber escolher o nome e quem vai dar nome à criança, visto que o nome
é um destino a realizar, uma missão a cumprir em benefício da comunidade dos vivos.
152
Na religião tradicional africana, na visão de Edir, tem o nome como parte integrante
constitutiva da pessoa humana. O nome continua este autor, completa a pessoa humana à
medida que a natureza própria do ser individual mostra a sua realidade e descobre a sua
interioridade. O nome situa a pessoa no grupo; permite reconhecê-la, sinal da sua situação,
origem, atividade e relações para com os demais pessoas.
153
Por isso, todas as pessoas,
sustenta ainda o auto em tela, nestas sociedades, devem saber que normas para este
151
Cf. SOARES, Edir. Op. cit. p. 89-90.
152
Cf. GWEMBE, Ezequiel Pedro. e Cultura: Alguns desafios culturais ao Evangelho. In RUMO NOVO.
Revista católica de inculturação e reflexão pastoral. Beira-Moçambique, n.19, p. 27-28, Agosto de 1997.
153
Cf. SOARES, Edir. Op. cit. p. 90.
45
acontecimento marcante da criança, da pessoa humana. Para esta questão de dar nome à
criança recém-nascida, há cerimônias tradicionais próprias.
154
Entretanto, o rito de nomear uma criança desafia a Teologia Africana porque, na visão
de Edir, a criança recém-nascida africana, nas sociedades tradicionais africanas, é
considerada mutthu (pessoa humana) somente quando se lhe um nome.
155
Esta idéia é
também sustentada por Gwembe, segundo o qual nestas sociedades se acredita que é
com o mesmo rito de dar nome à criança que esta se torna pessoa humana. Por
conseguinte, toda a criança que morre, nestas sociedades, antes de receber o nome não é
chorada, visto ser considerada uma hóspede que recusava as condições presentes da vida,
mas que um dia voltaria.
156
Aqui está uma idéia de reencarnação, logo um desafio à
Teologia Africana. Este caso traz, à luz, o problema do começo da vida humana. Este
problema está ligado aos ritos de iniciação, que nem sempre são realizados em condições
sanitárias aconselháveis.
Ritos de iniciação: Os ritos de iniciação, conhecidos e praticados quase por todos povos
da África, são um meio para que este hóspede seja adotado e integrado na sociedade e se
torne membro pleno, assumindo responsabilidades que a ele competem. Nos ritos, a
criança adquire conhecimentos sobre a tribo mediante os mitos, ritos e símbolos com a sua
história e tradições, através de duros testes físicos e psicológicos; por meio do encontro
com as máscaras, faz com que as crianças aprendam os autênticos valores da vida e deixem
o mundo da infância para entrar no mundo dos adultos.
157
Gwembe defende a eficácia da pedagogia da iniciação na tradição africana e, por isso
mesmo, se sente constrangido diante da ineficácia das catequeses e dos noviciados em
converter as mentalidades. Apesar deste constrangimento, ele reconhece a eficácia do
Evangelho, mas duvida dos métodos usados na sua transmissão
158
, embora sem adiantar
nenhuma proposta neste sentido. Trata-se de outro desafio cultural à Teologia Africana,
154
Cf. GWEMBE, Ezequiel Pedro. Op. cit. p. 26.
155
Cf. SOARES, Edir. Op. cit. p. 90.
156
Cf. GWEMBE, Ezequiel Pedro. Op. cit. p.26. Sublinhar que está, nesta crença de voltar um dia uma
criança que morreu antes de receber um nome, a idéia de reencarnação, doutrina contrária à verdade do
Cristianismo. Por outro lado, trata-se de sociedades tradicionais, sem moral cristã e as ciências biomédicas,
as quais revelam o início da vida humana como estando, conforme a Instrução sobre o Respeito à Vida
Humana e a Dignidade da Procriação (O respeito aos embriões humanos, 1, p. 17), na fecundação.
157
Idem, p. 27.
158
Idem.
46
que exige ao teólogo africano um contato com as comunidades cristãs africanas e caminhar
com elas para aprender a pedagogia da iniciação, a qual faz com que os valores recebidos
nos ritos de iniciação sejam bem conservados e nutridos pelos iniciados, para depois, se
viável e aceite pelo Magistério da Igreja ser aplicada para o ensino catequético em África.
Os Casamentos: O cânone 1055 do Código de Direito Canônico define o casamento
como a união matrimonial, pela qual o homem e a mulher constituem entre si uma
comunhão por toda vida, ordenada por sua índole natural ao bem dos cônjuges e à geração
e educação da prole, e que foi elevada, entre os batizados, à dignidade de sacramento, por
Cristo Senhor. Mas para Gwembe, o casamento é outro grande desafio que a cultura
tradicional africana coloca ao Evangelho, porque, no caso concreto de Moçambique,
muitas pessoas realizam três formas de casamentos: casamento na tradição, no civil e na
Igreja.
159
Ligado a isto, Gwembe aborda a questão da poligamia que, para ele, em África, é
um matrimônio. Por isso, ele sustenta que se deveria batizar o polígamo que viesse pedir o
sacramento juntamente com suas mulheres e deixá-lo continuar polígamo. Procedendo
deste modo, prossegue ele, a Igreja estaria fazendo justiça social. Este autor conclui sua
abordagem questionando o porque de não batizar a mulher que, sozinha, vem pedir a sua
admissão na Igreja.
160
Quanto à poligamia, a proposta de Gwembe não parece ter sustento na tradição cultural
africana, visto que, conforme Raul Ruiz de Asúa Altuna, a África negra, originariamente,
foi monogâmica, apesar de, atualmente, a poligamia, em África, ser aceita e muito
estendida, mas a mentalidade bantu a considera uma debilidade humana, tolerada, porém,
não aprovada pelos costumes tradicionais originários.
161
Altuna fundamenta e prova seu
argumento com a posição distinta e da importância que a primeira mulher ocupa no lar
poligâmico. Goza, prossegue ele, sempre de um estatuto de dignidade e prestígio
relevantes e de certos privilégios.
162
Esta precedência, prossegue ainda Altuna,
159
Idem. Relativa a esta questão, importa explicar que até o ano de 2004, o Estado moçambicano não
reconhecia nem o casamento tradicional nem o religioso. Mas a partir do ano acima mencionado, e conforme
o artigo 119
o
no seu 4
o
parágrafo da nova Constituição da República de Moçambique (texto aprovado na
Assembléia da República em 16 de Novembro de 2004), o Estado valoriza o casamento tradicional e
religioso, e se pode ler: A lei estabelece as formas de valorização do casamento tradicional e religioso, define
os requisitos do seu registo e fixa os seus efeitos.
160
Idem.
161
Cf. ALTUNA, Raul Ruiz de Asúa. Op. cit. p. 320.
162
Idem.
47
desaparece em alguns casos em que o polígamo chega a Chefe pois o Conselho pode
escolher para primeira dama uma mulher nobre. A primeira mulher é a “mãe comum” das
outras esposas e dos filhos, a principal e a responsável das outras esposas.
163
Em resumo, a primeira mulher administra e representa os assuntos comunitários e, em
alguns grupos, seu filho é o herdeiro do pai; distribui os serviços comunitários, dirige os
trabalhos e recebe hóspedes; a sua dignidade sobressai especialmente porque acompanha o
marido em certos ritos sagrados. Por isso, a maioria das mulheres suspiram por uma
realização pessoal dentro de um casamento monogâmico.
164
Contudo, as questões apresentadas por Gwembe são relevantes e por isso merecem
análise cuidadosa e muito profunda porque, na verdade, dificultam a atividade pastoral da
Igreja. Porém, talvez seja importante lembrar a este autor sobre o seguimento de Cristo em
geral e ao sacramento do matrimônio, em particular. Primeiro, ele fala de que batizando
um polígamo, juntamente com suas esposas, estaria a Igreja fazendo justiça social. Porém,
não explica em que sentido a Igreja estaria fazendo essa justiça ao polígamo. Segundo, ele
se esquece também de que, muitas mulheres entram na poligamia por força maior, como é
o caso do medo de perder casamento, pois, sozinha, sem emprego, em África, ela se sente
desamparada social e economicamente. Aliás, não é costume, em África tradicional, que
uma mulher com todas faculdades femininas, por livre escolha e decisão, exceto as
chamadas esposas dos espíritos ou idosas e viúvas, fique solteira. Além disto, solteira
correria o risco de suspeitas de que estaria tendo caso com os maridos das outras, embora
existam mulheres fiéis ao seu estado de solteiras e que respeitam maridos das outras.
Gwembe se esquece igualmente que seguir Cristo exige mudanças de vida e renúncia.
Relativo a isso, João Paulo II destacou que, o “matrimônio cristão é, pois, um estado de
vida, um caminho de santidade cristã, uma vida que deve conduzir à ressurreição gloriosa e
ao Reino, onde nem os homens terão mulheres, nem as mulheres maridos” (cf. Mt 22, 30;
Ecclesia in Africa 83). Por isso mesmo, prossegue João Paulo II, “o matrimônio exige um
amor indissolúvel; graças a esta estabilidade pode contribuir eficazmente para realizar em
plenitude a vocação batismal dos esposos”. E conclui: “O amor recíproco dos esposos
batizados manifesta o Amor de Cristo e da Igreja” ( Idem).
163
Idem.
164
Idem.
48
A morte: Para Gwembe, há dois tipos de morte: a boa e a má morte. Quando uma pessoa
morre com idade avançada e na sua residência, tendo transmitido suas últimas vontades e
as tradições dos antigos aos seus filhos, netos e bisnetos, que o irão chorar, ela tem uma
morte boa. Ela cumpriu, integralmente, seu dever nesta terra e voltou, tranqüilamente, para
a morada dos ancestrais.
165
A morte, em si mesma, não é um desafio cultural ao
Evangelho. O desafio aparece quando se procura encontrar as causas da morte, que nunca
são atribuídas a Deus, e, principalmente, porque não se recorre, muitas vezes, à medicina
moderna, mas ou a um suposto feiticeiro, que é um ser humano, ou aos espíritos dos
ancestrais, porque, segundo Raul Ruiz de Asúa Altuna, os mortos são os verdadeiros
chefes, guardiões dos costumes; velam pela conduta de seus descendentes a quem
recompensam ou castigam conforme observam ou não os ritos e costumes.
166
Este assunto
se esclarece melhor nos sistemas das crenças africanas.
1.2.2. As figuras-chave no sistema das crenças africanas
As figuras-chave podem ser agrupadas em um trinômio: Adivinho, feiticeiro
167
e
curandeiro. Esta ordem de colocação obedece a uma lógica de crença, porque se crê que o
feiticeiro é o causador de doença e, por conseguinte, da morte e de certos infortúnios.
Assim, o adivinho é considerado pessoa de “olhar penetrante”, que “vê” o que outras
pessoas não enxergam mesmo com boa visão. As pessoas crêem na existência do feiticeiro,
165
Cf. GWEMBE, Ezequiel Pedro. Op. cit. p. 28.
166
Cf. ALTUNA, Raul Ruiz de Asúa. Op. cit. p. 467.
167
A verdade deve ser dita, se não periga a vida humana: Esta nota de explicação não se destina a refutar a
existência ou não da figura do feiticeiro, nem do curandeiro, nem polemizar ainda este assunto. Procura
somente abordar controvérsias e conseqüências, por ela provocadas, em muitas sociedades tradicionais
africanas. A figura de feiticeiro cria muita briga e fuga de responsabilidade perante certas condutas
moralmente inaceitáveis. Por exemplo, algum motorista embriagado dirige viatura, embora saiba o perigo
iminente que o espreita. Porém, se fizer acidente, ele pode atribui-lo a alguém, dizendo que foi ele quem o
enfeitiçou, negando o uso de livre arbítrio que fez com que ele tomasse bebida alcoólica e depois fosse,
embriagado, conduzir sua viatura. Outro exemplo, se um funcionário rouba um bem material da empresa e
for apanhado, apreendido, muitas vezes aquele atribui também a atuação do guarda/polícia, - que é seu dever
- em favor da empresa, como sendo fruto da feitiçaria, cuja identidade ele desconhece ou suspeita, por isso,
vai ao adivinho. Em seu site http://www.scielo.php?acript=sci_arttext&pid=S0104–93131999000200001,
acesso em 15 de setembro de 2006, Mary Douglas, com seu artigo Os lele revisitados, 1987 acusações de
feitiçaria à solta (ex-Zaire, versão de 1999) fala da situação de feitiço que gerou torturas e mortes, naquele
período de 1945. Para ela, o mais angustiante foi o modo violento e mortífero, com que as pessoas que neles
acreditam, tentavam combater os considerados feiticeiros.
49
porque dizem sentir seus efeitos maléficos.
168
O terceiro é o médico tradicional, pessoa de
remédios, para além de se empenhar em neutralizar o feiticeiro, mas depois de detectado
por aquele. Por isso, o primeiro e o terceiro elementos estão em luta contra o do meio, o
qual é muito temido, porque considerado causador de danos.
169
Este assunto será retomado
mais adiante.
Adivinho: Figura bem respeitada e procurada pela sociedade. Gwembe explica que,
mediante sua longa iniciação e prática, ao seu rigoroso regime de tabus, ao seu contato
freqüente, especialmente à noite, com os seus antepassados, o adivinho consegue cumprir
sua missão profética em benefício da sua comunidade. Não obstante, este autor adverte que
nem todo adivinho é “pessoa de olhar penetrante” como também nem todo o profeta é
verdadeiro.
170
Feiticeiro e a morte: Para Gwembe, se acredita que a morte, surgida na flor
idade ou uma morte violenta, como homicídio, afogamento, suicídio, foi causada por um
feiticeiro (em ngua macua, mukhwiri), porque é considerada pessoa maldosa, destruidora
de outras pessoas.
171
Para este autor, aquela atua em segredo, especialmente na calada da
noite e com capacidade para agir à distância ou usando os seres da natureza, porém às
vezes desacordado ou inconsciente e outras não. Diante desta ameaça, é preciso que
alguém o detecte, o isole ou mesmo o neutralize, e isso é feito por adivinho e curandeiro.
172
É verdade que existe a crença no feiticeiro e é também verdade que isso constitui um
desafio cultural ao Evangelho, pois, muitas vezes, o responsável de uma comunidade
cristã, em Moçambique, chamado ancião ou animador paroquial, abandona a sua
responsabilidade de guiar a comunidade cristã devido ao medo de um suposto feiticeiro
estar o enfeitiçando. Este problema toma contornos muito mais tristes, quando alguns
sacerdotes e irmãs consagradas a Cristo igualmente se mostram adeptos ou fiéis desta
crença. Está-se diante de duas pessoas cegas que não podem guiar-se. Mas o assunto se
torna gravíssimo quando se chega a matar a pessoa acusada de feiticeira. A título de
exemplo, em seu artigo Os lele
173
revisitados, 1987 acusações de feitiçaria à solta (versão
168
Cf. GWEMBE, Ezequiel Pedro. Op. cit. p. 28.
169
Idem.
170
Idem.
171
Idem.
172
Idem.
173
Os lele são uma das tribos da República Democrática do Congo.
50
de 1999), Mary Douglas fala de sua dolorosa experiência vivida diante das torturas e
mortes, naquele ano de 1945. Para ela, o mais angustiante foi o modo violento e mortífero
com que as pessoas, que neles acreditavam, tentavam combater os considerados
feiticeiros.
174
Em resumo, a relação entre causa e efeito não pode, conforme Franziska C. Rehbein,
ser, muitas vezes, determinada somente clinicamente. O diagnóstico penetra no âmbito do
mistério total da existência.
175
Como tentativa para eliminar isso, as Igrejas deveriam incentivar a catequese e prática
da bênção de saúde nas comunidades cristãs. Deveria também se procurar, junto aos idosos
sábios africanos, as razões da eficácia da pedagogia da iniciação, como acima se fez
referência, a qual permite que o transmitido nos ritos de iniciação seja captado, nutrido e,
muitas vezes, observado pelos iniciados. Seria uma tentativa de utilizar a riqueza cultural
para enraizar o Cristianismo na África, que, os métodos catequéticos aaqui seguidos
não parecem eficientes. Talvez os africanos estejam sentados em cima de uma fabulosa
riqueza, sem se darem conta disso, como tem acontecido, não raras vezes, com os recursos
naturais.
Médico tradicional: Para Gwembe, a doença e a cura são duas realidades que evocam o
conceito da pessoa humana. O ritual da cura envolve a pessoa toda. E é ao médico
tradicional que a “pessoa de olhar penetrante” manda seus clientes.
176
Na verdade, o
curandeiro e o verdadeiro adivinho são duas figuras sociais e estimadas na África
tradicional, visto que elas prestam serviço à comunidade. Muitos cristãos recorrem também
aos adivinhos para consultá-los sobre sua saúde ou a de sua família doente.
O desafio cultural ao Evangelho está no fato de que, conforme Gwembe, poucas vezes
os cristãos africanos vão ao adivinho e ao curandeiro à luz do dia. Cansado com este tipo
de vida, este autor afirma chegar o momento de terminar a vida clandestina, a vida baseada
na duplicidade, porque, é nestas situações, que o Evangelho como libertação deve penetrar.
Terminando Gwembe coloca duas perguntas pertinentes: “Até que ponto está a Igreja local
africana preparada para receber estas pessoas (curandeiras e adivinhos) no seu seio,
174
Cf.. o mesmo site citado na página anterior referente ao feiticeiro.
175
Cf.. REHBEIN, Franziska C. Candomblé e Salvação: A salvação na religião dos nagôs à luz da teologia
cristã. São Paulo: Loyola, 1985, p. 49.
176
Cf.. GWEMBE, Ezequiel Pedro. Op. cit. p. 28.
51
deixando-as exercer suas funções às claras? Não é o Evangelho todo que deve ‘penetrar’
no todo da cultura?”
177
Embora se reconheça a pertinência desta pergunta, se deve
questionar se a acolhida deve deixar as pessoas como são, pois o Evangelho exige
mudança quando há alguma prática incompatível com o Evangelho.
1.2.3. Língua e Linguagem
Para Gwembe, a inculturação do Evangelho, em África, é essencialmente uma questão
de re-exprimi-lo em linguagem adequada, pois, em África, a língua não é tudo, porém a
linguagem o é.
178
Por isso, B. Sundkler defendia que a Teologia Africana surgiria se os
africanos reinterpretassem a mensagem cristã para seu próprio povo.
179
Esta posição é
também sustentada por Aylward Shorter, o qual defende também a ligação entre teologia e
pregação e o valor de uma reinterpretação africana da mensagem cristã.
180
Este autor
sustenta ainda que, para ser eficaz e criativa, a pregação de ligar a mensagem revelada
ao corpus de crenças, às preocupações e necessidades reais das populações africanas.
181
Daí o apelo de Gwembe para que os mitos, ritos e os símbolos africanos “falem”, pois em
seu entender, há muitas realidades africanas inexprimíveis em língua não africana.
Destarte, o conhecimento das nguas africanas é indispensável para o anúncio da Boa
Nova.
182
Concluindo, o autor acima, manifesta sua dificuldade relativa àquilo que ele
denomina de exílio lingüístico, o qual cria embaraço aos povos africanos, ao quererem
expressar o que sentem no íntimo do coração, a exemplo do salmista que também sentiu
dificuldade em cantar em terra estrangeira e Gwembe se questiona: “Como posso eu
dançar cantos do Senhor em língua estrangeira” (cf. Sl 137,4).
183
177
Idem.
178
Idem, p. 30.
179
Cf. SHORTER, Aylward. Op. cit. p. 29.
180
Idem.
181
Idem.
182
Cf. GWEMBE, Ezequiel Pedro. Op. cit. p. 30.
183
Idem.
52
1.2.4. Religião Tradicional Africana (RTA)
184
Foram apontados acima alguns dos valores positivos e a definição da religião
tradicional africana. Em seu livro Il Contributo dell´Africa al pensiero humano, E.
Guernier admite a possibilidade de ter sido primeiro a África que concebeu o sentido
único, universal, criador de tudo quanto existe.
185
Malcolm J. McVeigh sublinha que o
Deus da religião tradicional africana é o mesmo do Cristianismo; que o Deus que se
revelou completamente em Jesus Cristo seja o que continuamente se conhecer para
experiência religiosa africana; que seja um dos fundamentos, pelo qual os tradicionalistas
africanos reivindicam conhecer Deus.
186
Para Muzorewa, a crença africana em um Deus
cuja auto-revelação é contínua leva os teólogos africanos ao conceito de teologia natural.
187
Altuna crê que a noção de Deus único, nos africanos, seja anterior à chegada do
Cristianismo e do Islamismo, “como o atesta a fé encontrada pelos missionários, sua
existência em regiões onde jamais chegaram, os mitos e provérbios, contos, orações,
cerimônias religiosas e breves invocações”.
188
Embora isso, esta religião é um dos desafios culturais à Teologia Africana, primeiro
porque esta deve entrar em diálogo permanente com aquela religião e devido aos seus
contra-valores que influenciam negativamente a vida de muitos cristãos africanos (cf.
184
Em seu livro Cultura Tradicional Banto. Luanda: secretariado arquidiocesano de pastoral, 1985, p. 356-
370, Raul Ruiz de Asúa Altuna explica que, muitos europeus, após chegados a África, acreditaram ter
encontrado povos cujas crenças, não mereciam ser consideradas uma religião autêntica, mas um
conglomerado grosseiro de superstição que devia ser desprezado e eliminado. Daí as denominações como
Feiticismo, Naturismo, Ancestralismo, Animismo e outras semelhantes, expressões consideradas
depreciativas e difamatórias. Por isso, no Colóquio sobre as Religiões, Abidjan, 5-12 abril 1961, Paris:
Présence africaine, p. 97, citado por Francisco Lerma Martínez, Religiões Africanas Hoje: Introdução ao
estudo das Religiões Tradicionais Africanas. 2
a
ed. Matola: Seminário Filosófico Interdiocesano, 1997, p. 74,
foram, pelo mesmo motivo, rejeitadas definitivamente tais denominações. Ligado a isso, Raul Ruiz de Asúa
Altuna apresenta também o repúdio feito pelo Encontro Internacional de Bouaké em 1964 que debateu o
tema “As Religiões Tradicionais Africanas”, e pelo “Colóquio de Cotonu-Benin, em 1970”, os consideram
igualmente de pejorativas e sem fundamentos tais denominações, e por isso pediram para que se atenha à
expressão Religião Tradicional Africana (RTA) ou outras denominações tiradas das línguas africanas.
Mediante a Ecclesia in Africa 67, João Paulo II, em 1994, consolidou tal rejeição ao reconhecer existir
valores positivos nessa religião tradicional que se harmonizam com o conteúdo da fé, razão pela qual
pediram que se respeitem e estimem seus seguidores, evitando-se qualquer palavra inadequada ou
irreverente.
185
Cf. ALTUNA, Raul Ruiz de Asúa. Op. cit. p. 394.
186
Cf. MUZOREWA, Gwinyani H. Op. cit. p. 7.
187
Idem, p. 8. Por teologia natural, segundo o Dicionário Crítico de Teologia. São Paulo: Loyola, São Paulo,
2004, p. 1233, se conhece Deus a partir também das criaturas. Ver Dei Filius in Justo Collantes, Católica:
Documentos do Magistério da Igreja.Rio de Janeiro/Goiás: Lumen Christi, 2003, n. 1039, DZ 3004.
188
Cf. ALTUNA, Raul Ruiz de Asúa. Op. cit. p. 363.
53
Ecclesia in Africa 67). Segundo, para Altuna, a presença permanente dos antepassados na
vida das pessoas asfixia a iniciativa, deturpa frequentemente o raciocínio, leva as
sociedades a temores sem fundamentos, o que ocasiona represálias desumanas e à
prepotência da gerontocracia de chefes tradicionais dos clãs, tribos e de especialistas de
magia, à busca de soluções ilusórias, à alienação e ao fracasso das vias indispensáveis ao
progresso que liberte a África de tantas submissões.
189
A avaliação crítica de Altuna é lógica e, na verdade, desafia à Teologia Africana.
Todavia, ele falha ao insinuar que tais aspectos são a causa do atual subdesenvolvimento
da África, esquecendo-se de outras causas talvez as mais importantes, conforme segue.
Escravidão: Este subdesenvolvimento liga-se, historicamente, à escravidão, pois a
exemplo do rei Nabucodonosor da Babilônia que deportou de Judá todas as pessoas
valentes e capazes de empunhar armas e deixou a população mais pobre (cf. 2Reis 24, 14-
16), os escravocratas deportavam também, de África, pessoas valentes e não idosas e
doentias. Edir Soares estima que, “do século XV ao XIX, a África perdeu, entre
escravizados e mortos, 65 a 75 milhões de pessoas e estas constituíam uma parte seletiva
da população, visto não se escravizar, idosos, aleijados e doentes, mas valentes”.
190
Entenda-se, aqui, por pessoas valentes, aquelas capazes de revolucionar uma sociedade, no
campo social, científico, cultural, político, religioso e acadêmico. Portanto, Altuna se
esquece que foram mais de três séculos de escravidão e neste período a única preocupação
era a sobrevivência: encontrar formas de escapar das garras dos caçadores da “carne
humana”.
Política colonial: Os colonialistas não permitiam espontaneamente o ingresso de
africanos nas escolas temendo a que estes cedo se rebelassem e se tornassem livres, o que
isso veio a acontecer mais tarde. Ligado a isso, Carlos Lopes fala em duas legislações
coloniais aplicadas pelos colonizadores em África: uma lei de matriz européia, que
oferecia direitos cidadãos aos brancos e a umas elites locais aliadas, e outra legislação de
caráter consuetudinário, que transformava em objetos os demais.
191
189
Cf. ALTUNA, Raul Ruiz de Asúa. Op. cit. p. 363.
190
Cf. JÚNIOR, Vílson Caetano de Sousa (org.). Uma dívida, muitas dívidas: Os afro-brasileiros querem
receber. São Paulo: Atabaque, Cultura Negra e Teologia, 2000, p. 11.
191
Cf. LOPES, Carlos. A África e sua Diáspora: Em busca de uma nova parceria. BAHIA GLOBAL. Edição
histórica. Ano I, p. 9, Julho de 2006.
54
Ditaduras e corrupção desenfreada: Após as independências de vários países africanos,
muitos políticos implantaram governos ditatoriais, que perseguiam, sobretudo, os
intelectuais opositores do partido no poder. Sobre isto, o mesmo Carlos Lopes explica que,
depois de os regimes autoritários africanos terem falhado o desenvolvimento, os mesmos
mudaram de tática e de discurso e, hoje em dia, vestem as aparências democráticas e
passam a não perder eleições; eles as transformaram em mecanismos de legitimação dos
seus comportamentos não democráticos.
192
Ligado a isso se pode falar da corrupção
desenfreada, fraude de muitos governantes africanos, protegidos por políticas ambíguas do
Ocidente, que desvia somas elevadas de dinheiro e deixam as populações africanas
expostas a todo o tipo de pobreza, da qual resultam inúmeras doenças mortais.
193
Política ambígua do Ocidente: Em seu artigo Cambiar para salvar a Africa, Donato
Ndongo-Bidyogo defende existir aquilo que ele designa de conivência entre europeus e
norte-americanos corruptos e seus congêneres africanos. Para fundamentar sua afirmação,
este autor recorreu a uma publicação de livros, que demonstravam as alianças entre
determinados ditadores africanos e os interesses políticos e empresariais de alguns
europeus.
194
Por isso, se pode falar de políticas ambíguas de alguns países ocidentais
relativas à ajuda a África. A título de exemplo, segundo Jean-Arsène Yao, a França
defendeu, num dia, em Paris “a política de imigração seletiva” para o continente africano e
duas semanas depois foi defender também, em Bamako, no Mali, o desenvolvimento.
195
E,
a seguir, refere-se a Alpha Oumar Konaré que considera essa política da França um
aliciante para a fuga de cérebros africanos, e ela equivale a negar para a África o direito de
desenvolvimento.
196
Fuga de cérebros africanos: Este assunto é um fenômeno mais preocupante e crescente,
na África, com o aumento da pobreza. A título de exemplo, a editorial da revista Mundo
Negro fala do nigeriano Phillip Emeagwali, cientista de reconhecido prestígio mundial, ao
192
Idem.
193
Cf. MAINOLDI, Luca. As armas en Africa: Un negocio en auge. MUNDO NEGRO, revista missionária
africana, n. 501, p. 34-41, novembro de 2005. Ver na mesma revista o artigo La democracia en Africa, p. 20-
27
194
Cf. BIDYOGO, Donato Ndongo. Cambiar para salvar a Africa. MUNDO NEGRO. Madrid. N. 510, p. 9,
de setembro de 2006.
195
Cf. YAO, Jean-Arsène. Los otros emigrantes africanos. MUNDO NEGRO. Madrid. N. 509, p. 30-33,
julho-agosto de 2006.
196
Idem.
55
qual se lhe atribuem as fórmulas matemáticas, equações que tornaram possíveis a
supercomputação e a conexão de milhões de ordenadores que deram passo a invenção da
Internet.
197
Outro exemplo se refere aos cerca de 250.000 africanos altamente qualificados
(engenheiros, titulados superiores, peritos em novas tecnologias, informáticos, médicos,
enfermeiros, etc.), mas que infelizmente trabalham na Europa e na América do Norte.
198
Portanto, parece não ser salutar atribuir aos aspetos negativos do culto dos
antepassados o atual subdesenvolvimento da África, porque muitos fatores concorreram no
passado e outros no presente. Por isso, João Paulo II sublinhou que a África se pode
comparar àquele homem que descendo de Jerusalém a Jericó, tendo caído nas mãos dos
malfeitores, o espancaram, despojaram-no tudo quanto possuía e deixaram-no meio morto
(cf. Lc 10, 30-37; cf. Ecclesia in Africa 41). Contudo, com sua avaliação relativa a religião
tradicional africana, Altuna mostra o quanto ela desafia o Evangelho, a missão da Igreja e
o quanto é necessária uma verdadeira e efetiva inculturação.
1.2.5. Inculturação
Por inculturação se compreende o processo pelo qual, a Igreja encarna o Evangelho nas
diversas culturas e, ao mesmo tempo, introduz os povos, com suas culturas, na sua própria
comunidade, transmitindo-lhes seus próprios valores, assumindo o que de bom nelas
existe, e renovando-as a partir de dentro (cf. Evangelli Nuntiandi 20).
Assim, conforme João Paulo II “a síntese entre cultura e , não é uma exigência da
cultura, mas também da fé, visto que uma fé que não se torna cultura é uma fé não
plenamente acolhida, nem inteiramente pensada, nem fielmente vivida” (cf. Ecclesia in
Africa 78), assim se compreende que, o desafio da inculturação ao Evangelho, em África,
consiste em dois pontos: Que as pessoas que seguem a “Cristo assimilem cada vez melhor
a mensagem evangélica; que elas possam continuar, no entanto, fiéis a todos os valores
africanos autênticos” (Idem). Por isso, prossegue este autor, “a inculturação é uma
prioridade e urgência na vida das Igrejas particulares em África. A inculturação é condição
197
Cf. NHAGA, Antonio. Actualidad. MUNDO NEGRO. N. 409, p. 11, de Fevereiro, 2005. Ainda a mesma
revista, mas n. 509 p. 32, de julho-agosto de 2006, cita também outro cientista africano de renome
internacional, Cheick Modibo Diarra, que é astrofísico e embaixador de boa vontade da UNESCO.
198
Cf. LÓPEZ, José Luis Cortés. Más población y menos bienestar. MUNDO NEGRO. Madrid. No. 506-507,
p. 14, Maio de 2006.
56
indispensável para o Evangelho lançar sólidas raízes nas comunidades” (Idem). A
inculturação, prossegue ainda este autor, abarca a vida cristã inteira, desde a teologia, a
liturgia, costumes e estruturas. Quanto às estruturas, este autor defende ser basicamente
imperativo a preservação do direito divino e da grande disciplina da Igreja (idem). Dentro
desta síntese fé-cultura encontra-se o desafio à Teologia Africana, que é a relação dos
antepassados com Cristo.
Cristologia e antepassados: A relação dos antepassados com Cristo é o campo da
inculturação considerado o mais delicado, mais desafiante à Teologia Africana. Assim, a
pergunta a respeito da figura de Cristo, pode ser esta: Como apresentar Cristo aos africanos
sem equipará-Lo aos antepassados, que estes são considerados intermediários
indispensáveis na religião tradicional africana, enquanto fundo cultural das populações
africanas? De que modo se pode fazer a inculturação cristológica sem comprometer a
mediação universal de Cristo?
Para responder a estas inquietações, é preciso primeiro esclarecer alguns pontos.
Primeiro, cada povo venera seus ilustres antepassados notáveis pela sua prática de virtudes,
e por essa razão, dignos de serem modelos a imitar, exemplos a seguir. Por exemplo, a
Bíblia fala em homenagem aos antepassados, considerados homens ilustres, do povo judeu
(cf. Eclo 44). Segundo, os antepassados, na religião tradicional africana, não o
considerados deuses, nem adorados, pois, conforme Altuna, o monoteísmo bantu é uma
realidade inquestionável e o mais eminente valor dessa religião tradicional. A existência de
Deus é, continua este autor, tão certa para os bantu, que os pode levar à revelação
primitiva, à confirmação da história universal da salvação e à revelação universal.
199
Terceiro, os negros africanos consideram os antepassados como aqueles que provêm de
Deus e por isso sua existência expressa a vontade divina
200
, seu culto-veneração não deve
ser confundido com a magia.
201
Neste contexto, encerrando a dimensão ética e o sentido
dos ritos, os antepassados possuem somente a delegação da autoridade divina, a qual é
transmitida aos chefes comunitários, legitimamente estabelecidos pela comunidade.
202
199
Cf. ALTUNA, Raul Ruiz de Asúa. Op. cit. p. 390.
200
Cf. DA SILVA, Antônio Aparecido (org.). Existe Um Pensar Teológico Negro? São Paulo : Paulinas,
1998, p. 64.
201
Cf. ALTUNA, Raul Ruiz de Asúa. Op. cit. p. 474.
202
Cf. DA SILVA, Antônio Aparecido (org.). Op. cit. p. 66.
57
Assim, partindo da carta de Paulo aos Colossenses (cf. Cl 1, 3-20), Odilo Gougil Gil,
diz que, “pela sua morte Jesus adquiriu para Si uma descendência incontável que inclui o
passado, o presente e o futuro, tornando-O, deste modo, o Mediador por excelência”.
203
Diz ainda este autor, “Jesus Cristo realiza de um modo novo a realidade dos antepassados e
se torna o Antepassado dos antepassados, o novo Adão”.
204
Por seu turno, comentando o
mesmo ponto dos antepassados, Anselme T. Sanon diz que, “ter um antepassado permite a
uma pessoa poder inserir-se num tecido social”. Este autor fundamenta sua posição
apelando a genealogia de Jesus nos evangelhos de Mateus e de Lucas (cf. Mt 1, 1-17; Lc 3,
23-28).
205
Mas para ele, Jesus veio iluminar suas tradições e lhe revelar que estas são
prefigurações d’Ele, o novo Adão, o irmão mais velho de uma multidão de irmãos que são
os seres humanos todos. Portanto, Cristo é o Antepassado dos antepassados; Ele encontra a
pessoa humana, na cultura, para libertá-la dos contra-valores e torná-la filha de Deus.
206
1.2.6. Libertação
Para Hyacinthe Ya Kuiza Nguezi, a Teologia da Libertação Africana assegura os
terríveis desafios sociais, econômicos e políticos, com os quais os povos africanos se
confrontam de modo muito agudo. Denuncia-se, com esta teologia, o mal que está roendo a
África, constituindo, assim, um momento importante no debate africano. Porém, recusa a
Teologia da Libertação Latino-americana como modelo para o Terceiro Mundo, e porque
marcada por análises sociais que não atingem o centro da pobreza africana.
207
É que a
análise da pobreza feita por esta teologia latino-americana não toca a pobreza em Áafrica,
onde o ser humano é pobre, primeiro, porque “não é” e não porque “não tem”. É o “ser”
que está em causa e não o “ter”. É uma pobreza de “ser” e não de “ter”.
208
203
Cf. GIL, Odilo Gougil. Cristo e os Antepassados. RUMO NOVO. Revista católica de inculturação e
reflexão pastoral. Beira-Moçambique, n. 19, p. 52-53, agosto de 1997.
204
Idem.
205
Cf. SANON, Anselme T. Idem. De Adão a Jesus Cristo, os Antepassados. RUMO NOVO. Revista católica
de inculturação e reflexão pastoral. Beira-Moçambique, n. 19, p. 52-54, agosto de 1997.
206
Idem .
207
Cf. NGUEZI, Hyacinthe Ya Kuiza. As tendências e debates na teologia africana cristã. RUMO NOVO.
Revista católica de inculturação e reflexão pastoral. Beira-Moçambique, n. 12, p. 11, abril de 1995.
208
Cf. NGUEZI, Hyacinthe Ya Kuiza. Op. cit. p. 13-14. Sobre esta análise centralizada na questão social da
Teologia da Libertação Latino-americana - embora se reconheça seu mérito - que é um dos motivos pelo qual
58
Sem negar a pobreza material, este autor se refere àquela pobreza que Englebert Mveng
designa de antropológica, significando a privação de tudo quanto constitui o fundamental
para o ser humano viver no mundo, como aquilo que ele chama de “ipseidade
209
enquanto
indivíduo, sociedade e história; é a privação de identidade, dignidade, pensamento,
história, língua, universo de fé e de criatividade profunda, inclusive a maneira de amar e de
existir.
210
Trata-se de uma indigência herdada de séculos de escravidão e de colonização
que, na visão deste autor, excluiu da história e do mapa do mundo, esgotou, traumatizou e
empobreceu a condição humana do povo negro, na sua raiz profunda.
211
Daqui emergiram,
diz ele ainda, a pobreza estrutural que abarca todos os aspetos e propósitos da vida
humana, do ser humano para determinar sua própria vida no espaço e no tempo graças a
um conjunto de suportes de tipo institucional e estrutural. Por isso, conclui este autor, a
pobreza na África negra é hoje total, nos Estados, nas cidades e no campo.
212
Portanto, o
desafio da libertação à Teologia Africana consiste no modo de tornar os africanas
protagonistas na invenção de sociedades abertas à imaginação e à criatividade, visto que,
conforme Alpha Oumar Konaré, “as soluções dos graves problemas dos africanos devem
surgir dos próprios africanos, com raízes bem ancoradas na democratização do continente,
na educação, na integração social e econômica, e a prevenção dos conflitos”.
213
1.2.7. Esperança
No meio de toda esta pobreza material e antropológica, surge uma questão: Como
assegurar as populações africanas para que não percam esperança num futuro próspero,
os teólogos africanos, em parte, a recusam, Clodovis Boff, em seu livro Teoria do Método Teológico.
Petrópolis: Vozes, 1998, p. 656-657, apresenta o extrato da carta de João Paulo II ao Episcopado Brasileiro
sobre a Teologia da Libertação, datada de 9 de Abril de 1986, na qual se apontava alguns de seus pontos
positivos, mas também através da qual se convidava os teólogos brasileiros desta corrente teológica a
desenvolverem uma correta e necessária Teologia da Libertação de modo homogênea e fiel à doutrina da
Igreja. Ver também a Instrução sobre alguns aspetos da Teologia da Libertação, da Congregação Para a
Doutrina da Fé. São Paulo: Paulinas, 1984.
209
Ipseidade é o princípio de individuação, particularização; a marca da individualidade de uma pessoa.
210
Cf. MVENG, Engelbert. Pauperización y liberación. In Rosino Gibellini. Itinerários de la Teología
Africana. Navarra (Estella): Verbo Divino, 2001, p. 129-231.
211
Idem.
212
Idem.
213
Cf. KONARÉ, Alpha Oumar. No hay futuro sin Africa. MUNDO NEGRO. Madrid. Revista misional
africana, n. 508, p. 34-39, junho de 2006.
59
numa África negra transformada, segundo Jean-Marc Ela, pelas potências de dinheiro em
uma reserva de escravos e de mão-de-obra barata?
214
O desafio da esperança à Teologia
Africana consiste efetivamente nestes pontos: Primeiro, é preciso que os teólogos africanos
desenvolvam uma Teologia Africana da esperança, os governantes mostrem na prática a
seus cidadãos que um futuro próspero é possível, embora submersas nesta grande e
profunda pobreza.
215
Os teólogos africanos busquem base nos bispos africanos, porque,
segundo os quais, o Senhor sempre livrou o seu povo fiel de situações semelhantes ou
piores.
216
Segundo, os africanos, perante as dramáticas situações provocadas pelas guerras,
migrações forçadas e destruição de suas casas, mantém a coesão familiar e procuram
oferecer aos seus filhos e filhas oportunidades de um futuro próspero. Terceiro, nos piores
momentos de horror, a graça de Deus tem reavivado no povo heróicas generosidades que
mantêm viva a chama da esperança. A título de exemplo, os mesmos bispos citam os
grandes esforços que contribuíram para a abolição do sistema do apartheid e aqueles que
ajudaram a instalar a paz em Moçambique.
217
Enfim, dizer às populações africanas para erguer a cabeça e olhar para frente, assumir e
enfrentar seus graves problemas, pois, segundo Alpha Oumar Konaré, há, nos africanos,
grande responsabilidade relativa aos seus graves problemas, resultantes de maus governos,
déficit demográfico e a má gestão.
218
Esta responsabilização deve ser também indicada por teólogos africanos, pois o
verdadeiro profeta, enquanto homem de fé, aponta o pecado cometido, mas também prega
esperança ao povo desesperado, para que o ser humano se mobilize para preparar o futuro
de Deus, no qual ele será revestido de sua dignidade. E, na África, uma dessas pessoas
desesperadas é a mulher, porque, em África, ela é a que conta com maior número sem
formação acadêmica.
214
Cf. GIBELLINI, Rosino. Op. cit. p. 466.
215
Cf. Mensagem da 12
ª
Assembléia Plenária do SIMPÓSIO DAS CONFERÊNCIAS EPISCOPAIS DA
ÁFRICA E MADAGÁSCAR (SECAM), realizada em Roma de 30/9-9/10/2000, com tema: Cristo nossa
paz: Igreja Família de Deus, lugar e sacramento de reconciliação, de perdão e da paz em África. RUMO
NOVO. Revista católica de inculturação e reflexão pastoral. Beira-Moçambique, n. 29, p. 18-19 (n. 13),
Dezembro 2000.
216
Idem.
217
Idem.
218
Cf. KONARÉ, Alpha Oumar. Op. cit. p. 34-39.
60
1.2.8. Mulher
De acordo com Ezequiel Pedro Gwembe, “a maneira de sentir da população negra
africana, sem influências estranhas, a mulher é fundamentalmente uma e e alguém cujo
destino está inevitávelmente ligado à vida; a mulher é fonte da vida”.
219
É a partir desta
realidade que a mulher desafia a Teologia Africana porque, conforme o artigo
220
Na Senda
do Sínodo Africano, a Igreja, em África, necessita reconhecer e promover melhor o papel
dela e sua verdadeira dignidade; a sua essencial função na família e o seu crescente
contributo na vida social e eclesial e seu empenho na alfabetização; deve denunciar a
situação deplorável da mulher africana, a qual é mais manifesta no analfabetismo, pois
entre analfabetos, ela é a que conta em maior número; deve denunciar ainda que ela é
vítima da discriminação sexual
221
; que algumas mulheres ficam abandonadas em sua
maternidade, quando o homem, pai da criança, não quer aceitar sua responsabilidade (cf.
Mulieris Dignitatem 14). Por isso, João Paulo II deplorou e condenou costumes e práticas
que, em muitas sociedades africanas e até na Igreja, privam as mulheres de seus direitos e o
respeito a que elas têm direito (cf. Ecclesia in Africa 121).
Mas a mulher é também desafio à Teologia Africana, pois esta deve debruçar-se sobre
as suas reconhecidas reivindicações, para que as faça criticamente e sem se deixar
influenciar negativamente pelas correntes feministas, sobre as quais João Paulo II fez
advertência.
222
Ligado a isso, a mulher é desafio à Teologia Africana à medida em que, por
causa dela, os teólogos africanos deverão ajudar as “Conferências Episcopais africanas a
instituírem comissões especiais para aprofundar o estudo dos problemas da mulher, em
colaboração com as agências governamentais interessadas, onde for possível” (cf. Ecclesia
in Africa 121).
219
Cf. GWEMBE, Ezequiel Pedro. Mulher. RUMO NOVO. Revista católica de inculturação. Beira-
Moçambique, n. 25, p. 38, agosto de 1999.
220
Cf. GWEMBE, Ezequiel Pedro. Na Senda do Sínodo Africano. RUMO NOVO. Revista católica de
inculturação e reflexão pastoral. Beira-Moçambique, n. 24, p. 59-65, abril de 1999. Artigo da reflexão de
Lineamenta (linhas gerais), primeiro documento do sínodo que suscita reações do povo sobre o tema; de
Instrumentum Laboris, fruto da recolha das reações aos Lineamenta. Aquele é básico aos trabalhos do
Sínodo; de Relatio ante Disceptationem, é relatório que concentra a atenção dos Padres sinodais antes das
intervenções individuais; Relatio post Disceptationem, documento que o “relator” apresenta aos Padres
sinodais após as intervenções, guia os trabalhos de grupo; Propositiones- elenco de propostas que os Padres
sinodais apresentam ao Santo Padre, para que este as tenha em conta ao redigir sua exortação pós-sinodal.
221
Idem.
222
GWEMBE, Ezequiel Pedro. Op. cit. p. 62.
61
Como se trata de estudo comparativo, o que acima foi feito com relação às caraterísticas
da Teologia Africana, deverá também ser feito o mesmo na Teologia Afro-americana,
conforme segue.
2. Características da Teologia Afro-americana
As características referidas, neste título, resultam do ser, da cultura e da história das
populações afro-americanas, o que constitui um dos motivos da necessidade de
reinterpretar o Evangelho para elas. Assim, quando se fala das características da Teologia
Afro-americana, se pretende trazer à luz o que difere das outras denominações teológicas.
E neste sentido se pode falar da história deste povo, a partir da qual a própria Igreja
sublinhou não ser possível esquecer, por um instante, as situações de dramática miséria de
onde brota a interpretação lançada aos teólogos (cf. Libertatis Nuntius 1). Aliás, João Paulo
II, em Santo Domingo, referiu-se com pesar àquilo que ele mesmo chamou de verdadeiro
“holocausto da escravidão”, que vitimou milhares de pessoas negras trazidas de África
para este continente.
223
Característica cultural: Entende-se, aqui, por cultura a forma que um grupo de pessoas
humanas encontrou para viver, sentir, se organizar, celebrar e partilhar a vida. E nesse
conjunto estão ocultos valores, significados e cosmovisão que se expressam exteriormente
na língua, gestos, símbolos, ritos e estilos de vida. Neste sentido, a cultura sentido à
vida dos povos e mediante ela e a vida, a experiência teologal adquire um sentido próprio,
conforme a cultura de um povo que faz essa teologia. A cultura é também o veículo da
teologia, porque esta se move sobre os sentidos, palavras, símbolos e mitos
224
, razão pela
qual a Teologia Afro-americana se caracteriza, por um lado, pela cultura americana,
porque esta teologia é feita por povo negro natural deste continente e, por outro, ela é
também caracterizada pela africanidade, visto os afro-americanos possuírem igualmente
cultura com matizes africanas. Assim, na elaboração do pensamento teológico afro-
americano se explicita o contexto, realidade na qual se pretende fazer teologia.
223
Cf. JOÃO PAULO II. Mensagem aos Afro-americanos, anexa ao documento de Santo Domingo, São
Paulo: Loyola, 1992, p. 202.
224
Cf. SUSIN, Luiz Carlos (org.). Sarça Ardente. Teologia na América Latina: Prospetivas (SOTER). São
Paulo: Paulinas, 2000, p. 294.
62
Característica histórica: João Paulo II expressou, acima, seu pesar em face da
escravatura do povo negro, cujas marcas são ainda hoje notáveis. Partindo disso, Marcos
Rodrigues da Silva defende que “após a escravidão, tudo ficou indelevelmente manchado,
pois da escravidão emergiu racismo, discriminação, preconceito, marginalização, exclusão,
realidades muito concretas na vida da população negra”.
225
Neste sentido, a Teologia Afro-
americana é caracterizada pelas experiências de vivida, nestas situações, pelas
comunidades afro-americanas e caribenhas; é caraterizada pelo desejo, presente em muitos
afro-americanos, de resgatar a história, mas também apontando para o futuro.
226
2.1. Tarefas da Teologia Afro-americana
Além das características acima, a Teologia Afro-americana é também caracterizada por
desempenhar tarefas na Igreja, em geral, e no seio das comunidades cristãs afro-
americanas, em particular. Estas tarefas nascem concretamente da exigência mesma da
cultura, da história e da necessidade própria de encarnar a mensagem cristã nas culturas,
através do processo da inculturação.
Recordar à Igreja: Para João Manoel Lima Mira, estando a Teologia Afro-americana
consciente da “conhecida atitude de ambigüidade da Igreja” diante da escravidão
africana
227
, a Teologia Afro-americana deve recordar a alguns membros da Igreja que
necessitam de conversão do coração no que toca à sua visão e relação com o povo negro e
a sua cultura religiosa.
228
Para José Maria Pires, o povo negro trazido para a América e
Caribe foi, sob o ponto vista de identidade cultural, humilhado e morto, inclusivamente o
direito de poder existir como pessoa humana, dona de seus atos. Diante disso, a Teologia
Afro-americana a entender que a África, apesar de tudo, pode ajudar as Igrejas cristãs a
mudar suas atitudes na sua missão evangelizadora na América Latina e no Caribe.
229
Área cultural-religiosa: Nesta, para o autor acima, a Teologia Afro-americana explica
225
Idem, p. 17-19.
226
Idem, p. 20.
227
Cf. MIRA, João Manoel Lima. A Evangelização do Negro no Período Colonial Brasileiro. São Paulo:
Loyola, 1983, p. 50.
228
Cf. PIRES, José Maria. O Deus da vida nas comunidades afro-americanas e caribenhas. In ATABAQUE-
ASETT. Teologia Afro-americana: II Consulta Ecumênica de Teologia e culturas afro-americanas. São
Paulo: Paulus, 1997, p. 18.
63
que só foi possível aos antepassados africanos manter a fé e as tradições porque os brancos
viam, em suas celebrações, meros encontros de lazer, o que ajudou as pessoas
escravizadas, nestas terras, a salvar, em parte, sua identidade religiosa. Isso se fez adotando
a simbologia católica, porém, atribuindo outros significados. Essa adoção ocultou mais
ainda, conclui Pires, o que hoje se procura descobrir: o Deus da Vida presente nas
comunidades de origem africana.
230
Monoteísmo rigoroso: Apegada ao Deus da Vida, a Teologia Afro-americana deve
esclarecer às comunidades cristãs que a cultura africana não é politeísta, pois, segundo
Raul Ruiz de Asúa Altuna, “o monoteísmo banto aparece como uma realidade
inquestionável e como eminente valor da religião tradicional africana”.
231
Assim, o que os
yorubas chamam de Olorum (o Inacessível), os hebreus de Elohim, os gregos de Theos, os
macuas de Muluku, os portugueses de Deus, os ingleses de God, Ele é sempre o Ser
Supremo. Este monoteísmo que até se pode designar de rigoroso, levou Paulo VI a afirmar
que a idéia de Deus, como causa primeira e última de todas as coisas, é o elemento comum
importantíssimo na vida espiritual da tradição africana.
232
Culto e definição do Ser supremo: Para Pires, a Teologia Afro-americana explica que a
cultura africana não se preocupa com definições do Ser Supremo, mas se contenta com a
certeza de sua presença e de sua ação em favor dos seres humanos, porém, se dedica em
praticar a vontade desse Deus Criador. Pires acredita haver valores evangélicos, talvez
perdidos pela cristandade, e segundo suas próprias palavras, podem e devem ser
reconquistados com a ajuda de quem os conservou em suas tradições e ritos religiosos,
apesar das adversidades existentes. E um desses valores bíblicos, afirma ainda ele, é a
unidade do corpo com alma, originando daí a inseparabilidade destes elementos na pessoa
humana.
233
A partir disso e excluindo todas discussões filosóficas, este autor sustenta igualmente
que a Teologia Afro-americana ensina a não separar o que Deus uniu: o corpo e alma
formam unidade aqui e no além. E conclui: “O corpo é bom e mau tanto quanto a alma.
229
Idem, p. 19.
230
Idem, p. 22.
231
Cf. ALTUNA, Raul Ruiz de Asúa. Op. cit. p. 390.
232
Cf. PAULO VI, Carta Apostólica Africae Terrarum, n. 8.
233
Cf. PIRES, José Maria. Op. cit. p. 28.
64
Reza-se e celebra-se com a pessoa toda e é muito importante, indispensável mesmo, a
participação do corpo. Não há partes do culto que se destinam só ao corpo”.
234
Busca da verdade: No evangelho de São João, Jesus disse: “Se permanecerdes na minha
palavra, sereis verdadeiramente meus discípulos e conhecereis a verdade e a verdade vos
libertará” (8,31-32). Mas partindo da experiência negra, embora sem excluir a verdade
anteriormente referida, Antônio Aparecido da Silva entende ser a tarefa do teólogo negro
buscar, neste sentido, a verdade da experiência das comunidades negras que capacita o
saber que elas devem dizer como verdade ao povo, inclusivamente às pessoas que se
encontram fora das Igrejas, sobretudo, das tradicionais.
235
E dizer a verdade ao povo negro,
conforme James H Cone, significa relacionar a história das lutas do povo negro do passado
com a das pessoas negras atuais e com isso, criar um futuro humano para as futuras
gerações dos povos negros. Por isso, atualmente, a comunidade negra procura expressar
sua teologia em linguagem que fale ao espírito contemporâneo do povo negro.
236
Essa
procura pode ser vista como desafio dentro da Teologia Afro-americana.
2.2. Desafios à Teologia Afro-americana
A Teologia Afro-americana é igualmente caracterizada, de um lado, por ser desafiada
por exigência da própria e da própria cultura, e do outro, por alguns elementos culturais
afro-americanos. E, por desafios, compreende-se, aqui, as situações resultantes do encontro
da Igreja na sua atividade evangelizadora com o povo afro-americano em suas situações
culturais. Estes desafios nascem, do desejo de viver, ao mesmo tempo, a vida cristã e
continuar fiel à cultura afro-americana, mas que se constata não haver concordância, em
alguns pontos, com o cristianismo.
2.2.1. Inculturação
Foi acima explicado que a inculturação é fruto da exigência da cultura, da e, até
certo modo, da própria história. Enquanto isso, existem, na história de cada povo,
234
Idem, p. 43.
235
Idem.
65
acontecimentos com marcas indeléveis, os quais influenciam, profundamente e durante
muito tempo, o modo de conceber a vida e outras realidades. Por isso, a inculturação é um
dos desafios à Teologia Afro-americana, porque esta deve explicar que seu significado
concebido por afro-americanos, embora respeitando e seguindo o sentido dado pela Igreja
universal, não pode dissociar-se do seu passado
237
e um passado com reflexos no presente.
Neste sentido, a inculturação, para os afro-americanos e caribenhos, significa uma das
formas de recuperar a sua identidade, uma busca de suas boas raízes africanas visto que a
prática da inculturação, na comunidade afro-americana e caribenha, é uma expressão da
Negritude, a qual manifesta a postura, a reação da população negra na “diáspora” e na
África em face das agressões e negação de seus valores históricos, religiosos e culturais.
238
A inculturação é resistência porque, conforme o autor acima, “agredido no seu modo de ser
e de fazer, forçado a dar respostas a exigências estranhas a sua forma de viver e de
organizar, o povo negro respondeu a tais demandas, a partir de gênio próprio da sua
cultura”.
239
Em resumo, a inculturação é a valorização das raízes valiosas africanas, mas
que transcende a abordagem meramente religiosa, atingindo, desta feita, os anseios
fundantes dos povos e culturas afro-americanas.
240
Questionamento: Para outros, a inculturação, nas comunidades negras, é desafio à
medida que ela é um questionamento à formalidade e ao alcance das áreas teológicas desde
a reflexão bíblica até a pastoral; a inculturação, nesta teologia, implica mudanças
fundamentais, começando por mudanças de paradigmas (modelos, normas).
241
Por isso,
muitos teólogos afro-americanos entendem que a inculturação deve estender-se a todo o
saber teológico, inclusive à hermenêutica bíblica, assumindo os mitos cosmogônicos,
236
Cf. WILMORE, Gayraud S. e CONE, James H. Op. cit. p. 15.
237
Referente ao passado dos Afro-americanos, em seu artigo Afro-américa, o terreiro nos evangeliza em
Antônio Aparecido da Silva (org), Existe Um Pensar Teológico Negro? São Paulo: Paulinas, 1998, p. 113,
Heitor Frisotti, destaca que, “privados da terra, da família e do poder, negando-lhes a história e o passado,
controlando sabiamente as manifestações étnicas e culturais, demonizando a vivência religiosa, o processo de
escravização dos povos negros tentou eliminar todo o troço do passado e de identidade”.
238
Cf. DA SILVA, Antônio Aparecido. A inculturação na ótica da comunidade negra. In Márcio Fabri dos
Anjos (org.). Inculturação: Desafios de hoje. Petrópolis: Vozes, 1994, p. 97.
239
Idem.
240
Idem.
241
Cf. DA SILVA, Marcos Rodrigues (Coord). Teologia da Libertação, e práticas afro-religiosas. In
ATABAQUE-ASETT, Teologia afro-americana: II Consulta Ecumênica de Teologia e Cultura afro-
americana e caribenha. São Paulo: Paulus, 1997, p. 152; 154.
66
provérbios, suas histórias orais
242
e a partir daí perceber a original manifestação de Deus.
Eles defendem a necessidade de se descobrir o livro” da vida do povo negro, com suas
propostas humanitárias, com relatos de sofrimentos e resistência em situação de “diáspora”
e de cativeiro.
243
Ligado a isso, os mesmos teólogos propuseram umas áreas sobre as quais
deve incidir a inculturação.
Revelação: Nesta, estes teólogos crêem que a cristã está plenificada no Cristo, mas
defendem desvelamento daquilo que eles designam de multiformes manifestações de Deus
como caminhos e etapas originais, onde cada povo busca o sentido último das as coisas.
244
Ética: Nesta, eles sustentam, com espírito de inculturação, mas excluindo totalmente
privacionismos, que a teologia analise as práticas em seus contextos e à luz daquilo que
eles chamam de utopia humanizante.
Sistemática: Aqui, os teólogos afro-americanos explicam que a inculturação implica
uma transformação profunda da linguagem e do método teológico
245
, mas consideram a
eclesiologia, a área teológica da inculturação mais exigente e mais desafiadora. Estes
desafios se referem à necessidade de transpor as notas da Igreja Católica e recuperar a
dimensão universal da catolicidade, firmando-se, desta feita, a circularidade própria de
uma Igreja ministerial, de comunhão e de participação. Quer dizer, esta proposta vai na
linha de se entender ecclesia a partir das relações de serviços vigentes nas culturas.
246
Liturgia: Os teólogos afro-americanos repelem, primeiro, afirmações pouco
evangélicas, segundo as quais, os ritos e símbolos das celebrações afro-inculturadas são
desvinculados da realidade.
247
Mas eles defendem que sua liturgia é “a celebração da vida,
da esperança e do clamor do povo negro sofrido e dos que padecem das mesmas
penúrias”.
248
Assim, com a inculturação, se procura também obter a libertação integral da
comunidade negra americana e caribenha.
242
Na verdade, em seu livro Teologia Africana: Uma introdução. São Paulo: Editeo, 1992, p. 13-15, Gabriel
Mohele Setiloane fala de métodos africanos da educação, feitos mediante a tradição oral, que as pessoas eram
preparadas para a vida e a sobrevivência, preservação da espécie, valores e normas, ensinamentos morais,
com objetivo de formar o caráter, criar uma vida comunitária harmoniosa.
243
Cf. DA SILVA, Marcos Rodrigues (Coord). Op. cit. p. 154.
244
Idem, p.155.
245
Idem.
246
Idem, p. 155-156.
247
Cf. CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL (Estudos, 85). Pastoral Afro brasileira,
n. 52-55.
248
Idem, n. 55.
67
2.2.2. Libertação
Para a Igreja Católica, a “libertação é antes de tudo e principalmente libertação da
escravidão radical do pecado”.
249
“Seu objetivo, diz ainda ela, e seu fim é a libertação das
pessoas filhas de Deus, que é dom da graça”.
250
“Ela exige, por conseqüência lógica, a
libertação de muitas outras escravidões, de ordem cultural, econômica, social e política,
que, em última análise, são derivados do pecado que impede os seres humanos de viverem
conforme a própria dignidade”.
251
É justamente estas conseqüências, fruto de pecados
cometidos por uns contra afro-americanos e caribenhos, donde emerge a necessidade de se
saber o significado da libertação concebido por estes povos. Por isso, o desafio da
libertação à esta teologia consiste em ser impensável elaborá-la ignorando a experiência da
escravidão das populações negras. Gayraud S. Wilmore e James H. Cone dirão que “não
pode haver Teologia Negra que não tome a experiência negra como fonte para seu ponto
de partida”.
252
Mas para que se entenda melhor como a libertação é desafio à Teologia
Afro-americana, é necessário debruçar-se, a princípio, sobre a escravidão e a pastoral da
Igreja em relação a essa experiência, embora resumido.
A experiência da escravatura negra: Falando das origens da escravidão negra,
concretamente no Brasil, - que na verdade são as mesmas em toda América e Caribe - Edir
Soares diz que a falha e os insucessos da escravidão ameríndia fizeram com que os colonos
fossem apelar para a escravidão dos povos negros.
253
Desde então, seu afluxo forçado para
estas terras durará por mais de três séculos. Chegados aqui, eles foram obrigados a
trabalhar duramente para que seus amos tivessem fabulosos lucros, e “nada se movia no
Brasil, nas fazendas, cidades, minas, portos, rios e estradas; nas casas, igrejas e conventos,
sem os braços do povo negro”.
254
As mulheres negras serviam até como amas-de-leite;
exploradas nas casas de prostituição e serviam àquilo que o autor acima designa de
249
Cf. CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ. Instrução sobre alguns aspetos da Teologia da
Libertação. São Paulo: Paulinas, 1984, p. 5.
250
Idem.
251
Idem.
252
Cf. WILMORE, Gayraud S. e CONE, James H. Op. cit. p. 123. Ver também em Antônio Aparecido da
Silva (org). Existe Um Pensar Teológico Negro? São Paulo: Paulinas, 1998, p. 82.
253
Cf. SOARES, Edir. Op. cit. p. 21-23.
254
Idem, p. 27.
68
caprichos sexuais dos brancos e seus filhos.
255
Gilberto Freyre resume, falando
especificamente do Brasil, aquilo que o povo negro foi obrigado a ser, com estas palavras:
“Os negros e as pretas chamadas a ganho serviram para tudo no Brasil”.
256
Ligado a isso, João Manoel Lima Mira fala de transformação das populações negras em
“objetos”, em crueldade, porque havia o costume da “ferra”, que consistia em marcar as
pessoas escravizadas com ferro em brasa, a fim de indicar que foram batizadas e por elas
pagos os direitos.
257
Portanto, o ferro em brasa com que, atualmente, se usa para numerar o
gado bovino, naquela época, era usado naquelas pessoas, por pessoas cristãs e aos olhos da
Igreja. Relativo a isso, se atribui a José Anchieta a seguinte triste afirmação: “Porque para
este gênero não melhor pregação do que a espada e a vara de ferro”.
258
Certamente a
situação das pessoas escravizadas no Brasil não diferia da dos restantes pontos deste
continente, pois neste comércio desumano de mais de três séculos somente contava o
lucro.
259
Nesta escravidão negra, qual foi a posição pastoral da Igreja Católica?
Pastoral da Igreja em relação à escravidão: Herbert Wetzel explica o que a Igreja fez
em tempo do império em relação à escravatura, nestes termos:
A Igreja diante da escravidão negra, cometeu o pecado de omissão, ao exigir
apenas o batismo das pessoas escravizadas, satisfazendo-se com a salvação de
suas almas, ignorando as misérias do sofrimento corporal que resultaram em
proveito dos algozes e senhores escudados pelas intenções cristãs que a todos
aparentemente animava.
260
Baseando-se nisso, para João Manoel Lima Mira, isto é testemunho de que a atitude da
Igreja colonial, às vezes, passava de ambigüidade para acordo tácito. A fundamentar suas
idéias, cita Wetzel, o qual aponta a presença de bispos de Angola no momento da partida
dos navios negreiros de São Paulo de Luanda, abençoando a viagem dos tumbeiros.
261
Por
isso, a Campanha de Fraternidade de 1988 defendeu que “no período colonial foram
255
Idem.
256
Cf. FREYRE, Giberto. Casa-Grande e Senzala. 50
ª
ed. revista. São Paulo: Global, 2005, p. 538.
257
Cf. MIRA, João Manoel Lima. Op. cit. p. 188.
258
Cf. HOORNAERT, Eduardo. História Geral da Igreal na América Latina. História da Igreja no Brasil.
Primeira Época,. T. II, p. 303. Citado João Manoel Lima Mira. Op. cit. p. 55.
259
Idem.
260
Cf. WETZEL, Herbert. Condicionalismo Histórico, Ético-Cultural da Igreja no Brasil, citado por João
Manoel Lima Mira. Op. cit. p. 50.
261
Idem.
69
poucos os que diretamente questionaram ou condenaram a escravidão em si. A maioria dos
cristãos vivia uma que parecia não enxergar o absurdo daquela prática desumana”.
262
Embora isso, se acredita ter havido, naquela época, vozes solitárias contra a escravidão
negra, como são os casos de Francisco José de Jaca e Aragão, da América espanhola, que
se diz ter defendido que as populações negras e seus ancestrais eram livres e exigia a
restituição à sua justa liberdade e a reparação dos conseqüentes prejuízos.
263
Enquanto
Gonçalo Leite, da América portuguesa, (1546-1603), se destacou no fato de que costumava
afirmar que nenhum escravo era justamente cativo.
264
A estes se aliou Gregório XVI
(1831-1846) que, através da bula In Supremis, denunciava a verdadeira causa da
escravidão que, para ele, era o desejo insaciável de lucro sórdido.
265
Por isso, para a Conferência Episcopal Latino-Americana há motivos para a Igreja olhar
seu passado com humildade, porque, em muitas ocasiões, ela tolerou que seu esforço
evangelizador fosse instrumentalizado pelo poder colonial. O segundo, é porque ela
protegeu somente as populações aborígenes, aceitando um regime de escravatura que
reduziu a condições quase animalescas os milhões de pessoas africanas objetos de tráfico
comercial.
266
Para Edir Soares, a Igreja foi infeliz ao aliar-se ao regime que ela sabia ser radicalmente
incompatível com a mensagem cristã. Assim, para este autor, a Igreja conviveu com ele
com toda naturalidade e utilizava o trabalho escravo para a manutenção de suas
florescentes instituições, as quais muitas vezes foram regadas pelo sangue e suor de
populações indígenas e negras escravizadas.
267
E conclui: “Pese todas as dificuldades da
época, o relacionamento da Igreja Católica com a escravidão foi precário, porque poucas
foram vozes contra a escravidão e menos ainda uma crítica ao regime escravocrata”.
268
A
respeito disso, Joaquim Nabuco, referindo-se especificamente ao Brasil, disse que “a Igreja
262
Cf. CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL (CNBB). Manual da Campanha de
Fraternidade de 1988: OUVI O CLAMOR DESTE POVO, p. 58.
263
Idem.
264
Idem, p. 59.
265
Cf. Acta Gregorii Papae XVI, 1901, t. II p. 387 ss. Bula In Supremis de 30/11/1839, citada no documento
acima, p. 59.
266
Cf. CONCELHO DO EPISCOPADO LATINO AMERICANO (CELAM), 1981, n. 22 citada por Edir
Soares. Op. cit. p. 31.
267
Cf. SOARES, Edir. Op. cit. p. 31.
268
Idem, p. 60. Leia-se também o livro de Riolando Azzi, A Teologia Católica na Formação da Sociedade
Colonial Brasileira. Petrópolis: Vozes, 2005, p. 94-108.
70
Católica, apesar de seu imenso poderio em um país ainda em grande parte fanatizado por
ela, nunca elevou no Brasil a voz em favor da emancipação”.
269
Irmandades: Para Edir Soares, além do batismo, as Irmandades foram outra resposta
pastoral da Igreja. Nelas, as pessoas escravizadas puderam organizar-se e resistir contra
escravatura; nelas se reorganizou, secretamente, a prática da religião tradicional
africana.
270
Na visão de Julita Scarano, as Irmandades eram o lugar onde estas pessoas
tidas “não-ser”, naquela sociedade, encontravam uma ocasião de agir como criatura
humana, de saber lutar pelo seu grupo.
271
Por essa razão, “as Irmandades chegaram a se
constituir em importante foco de reivindicações e identificação da pessoa negra. Foi à sua
sombra que os cultos de origem negra puderam se abrigar, distintas etnias africanas se
agruparam e conservaram os costumes de origem”.
272
Em resumo, se pode afirmar, conforme João Manoel Lima Mira, que a Igreja no quadro
do condicionante social vigente, se inclinou a pedir favores ao Estado, como foram os
casos de isenção de taxas sobre escravos, construção de igrejas e outros favores. Em
compensação, a Igreja ficou com as mãos, boca e coração amarrados ao Estado e, por
conseqüência, ficou desprovida de seu espírito profético.
273
Este tipo de aliança
desenvolveu, na visão deste autor, no quadro colonial, a chamada Ética do Favor.
274
Posto
isto, fica evidente que um dos desafio da libertação à Teologia Afro-americana consiste
também em explicar o significado concebido por estes povos vítimas, usando palavras de
João Paulo II, do holocausto da escravidão. Por isso, Antônio Aparecido da Silva sustenta
que “nenhuma palavra pode traduzir a violência vivida e o tormento da escravidão. Ela foi
a experiência da finitude humana do Servo Sofredor, feita na própria carne; falar da
escravidão exigirá sempre pudor e discrição”.
275
Significado da libertação: Os teólogos afro-americanos sabem que não se deve reduzir a
liberdade à dimensão histórica, embora não a descurem, porque, conforme James H. Cone,
269
Cf. NABUCO, Joaquim. O Abolicionismo. Petrópolis: Vozes, 1977, citado por João Manoel Lima Mira.
Op. cit. p. 165.
270
Cf. SOARES, Edir. Op. cit. p. 60.
271
Cf. SCARANO, Julita. Devoção e Escravidão. Rio de Janeiro: Nacional, 1976, citado por João Manoel
Lima Mira. Op. cit. p. 130.
272
Cf. SOARES, Edir. Op. cit. p. 211.
273
Cf. MIRA, João Manoel Lima. Op. cit. p. 185.
274
Idem.
275
Cf. DA SILVA, Antônio Aparecido. Op. cit. p. 56.
71
qualquer abordagem da libertação, que falhe em levar seriamente a libertação de um povo
na história, não é bíblica e, por este motivo, não se relaciona com Aquele que chama o ser
humano para a vida.
276
Isto porque a vida e atividade de Jesus mostram e significam que o
reino de Deus está, simultaneamente, vinculado às realidades terrestres e celestiais.
277
Por
isso, “a libertação é um projeto de liberdade em que as pessoas oprimidas estão cientes de
que sua luta pela liberdade é um direito divino da criação”.
278
Direito divino, porque, no
caso concreto dos afro-americanos e devido à sua em Deus, eles lutaram, primeiro, pela
liberdade e, depois, pela sua cidadania, mesmo em circunstâncias limite da vida.
279
Assim,
a aquisição da liberdade e da cidadania significa, para os afro-americanos, libertação,
porque, conforme a Igreja Católica no Brasil, às populações negras até hoje não lhes foi
restituída a condição de plena cidadania.
280
Entenda-se, aqui, por “cidadania, aquela
qualidade ou estado que a pessoa humana goza dos direitos civis e políticos de um Estado,
ou desempenha seus deveres para com este”.
281
A libertação significa também o
conhecimento de si mesmo, o ato de assumir a própria identidade, a história, o presente em
vista do futuro. Portanto, a libertação é um dom divino de liberdade para os empenhados,
com fé, contra a violência e a opressão.
282
Isto é, “há um elemento transcendente na
definição da libertação, que afirma ser o reino da liberdade sempre mais do que os
fragmentos de uma vida livre que pode ser realizada na história”.
283
Tudo leva a crer que
há na libertação o e o ainda não. E é neste ainda não onde reside a esperança.
2.2.3. Esperança
O modo de conceber a esperança pode, segundo José Geraldo Rocha, ser influenciado
pelos processos de opressão vividos pelos povos na história, o que por conseqüência
276
Cf. CONE, James H. Op. cit. p. 168.
277
Idem.
278
Idem, p. 152.
279
Cf. SANTOS, Maria Conceição. Da luta contra a escravidão à inserção na sociedade brasileira. In Vilson
Caetano de Sousa nior (org), Nossas Raízes Africanas. São Paulo: Atabaque, Cultura Negra e Teologia,
2004, p. 103.
280
Cf. CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL (65): Brasil-500 anos Diálogo e
Esperança, n. 21.
281
Cf. FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Op. cit. p. 403.
282
Cf. CONE, James H. Op. cit. p. 168.
72
determina o tipo de relação com Deus e com a religião. E, logicamente, isso carateriza as
formulações teológicas.
284
Por isso, a esperança é um dos desafios à Teologia Afro-
americana, porque esta deve clarificar seus sentidos histórico e escatológico. No sentido
escatológico, a mesma teologia deverá também explicar que a plena realização dessa
esperança vai acontecer no fim dos tempos, por ocasião da manifestação de Deus, tendo,
por isso, o ser humano a possibilidade de vê-Lo tal como Ele é (cf. 1Jo 3,2).
Sentido histórico da esperança: Para os afro-americanos, a esperança é uma temática
que vai amadurecendo e dando sinais de sua concretização a cada instante de sua vida,
correspondendo aos seus mais íntimos anseios forçados a “adormecer” pela história
durante muito tempo. Assim, conforme José Geraldo da Rocha, a inculturação, o
ecumenismo, o diálogo inter-religioso, a valorização da pessoa humana negra, de sua
identidade e cidadania, se trabalhados com a devida atenção que estes temas merecem,
certamente, não tornarão a esperança da comunidade afro-americana.
285
Constitui
igualmente sinal da realização da esperança, o despertar da consciência tanto das pessoas
negras quanto das brancas, sobre aquilo que este autor designa de camuflados problemas
raciais que atingem profundamente a comunidade negra, o que seria um passo importante
no processo de restauração da Igreja Católica.
286
Outro sinal apontado pelo mesmo autor é
o de as Igrejas ganharem novas expressões, tanto nas liturgias como nos debates.
287
Outra
realização da esperança veio de Puebla (1979), que condenou a segregação racial, da qual
nascem situações desumanas, e tratou diretamente do tema afro-americanos considerando
as comunidades afro-americanas como as mais pobres entre os pobres (cf. Puebla 34). Por
seu turno, os franciscanos do Norte e Nordeste do Brasil, reunidos em seu Capítulo
Provincial, em 1988, escreveram uma carta, a qual visava, entre outras coisas, confessar,
numa atitude de sinceridade evangélica, aquilo que eles designaram de pecado histórico de
seus irmãos franciscanos do passado pela conivência com o sistema desumano da
escravidão, também a sua culpa pessoal pela omissão ou conivência com uma culpa
283
Cf. MOLTMANN, Jürgen. Religion, Revelation and the Future, p. 79, citado no livro de James H. Cone.
O Deus dos oprimidos. São Paulo: Paulinas, 1985, p. 173.
284
Cf. DA ROCHA, José Geraldo. Teologia e Negritude: Um estudo sobre os Agentes de Pastoral Negros.
Santa Maria: Pallotti, 1998, p. 166.
285
Idem, p. 112.
286
Idem.
287
Idem.
73
coletiva da sociedade que humilha e discrimina as pessoas negras. Os mesmos franciscanos
comprometem-se se associar à luta destes povos contra toda forma de humilhação e de
discriminação, na sociedade e na Igreja.
288
Santo Domingo exorta a que se denuncie tudo o que atenta contra a vida e dignidade
humanas; reconhece os valores, a pertença à América Latina, e se compromete a dedicar
cuidado pastoral e favorecer uma vida digna às populações negras americanas; a
aprofundar um diálogo com as religiões não-cristãs presentes neste continente, sobretudo
as dos autóctones e afro-americanos (cf. Santo Domingo 80, 107, 110, 229, 244). De lá,
João Paulo II endereçou uma mensagem aos afro-americanos, na qual, designou a
escravidão negra com o nome de crime e considerou-a de “vergonhoso comércio”,
praticado por pessoas batizadas que não viveram seu batismo. E de ele pediu que se
confessasse, com toda a verdade e humildade, este pecado do ser humano contra o ser
humano.
289
E acrescentou:
Sei que a vida de muitos afro-americanos nos diversos países não está isenta de
dificuldades e problemas. A Igreja bem consciente disto, compartilha os vossos
sofrimentos, acompanha-vos e apoia-vos nas vossas legítimas aspirações a vida
mais justa e digna para todos (...). Peço a Deus que nas vossas comunidades
cristãs surjam também numerosas vocações sacerdotais e religiosas, para que os
afro-americanos contem com ministros provenientes das vossas famílias.
290
A
realização da esperança afro-americana ganhou novo impulso no documento de
participação Rumo à V Conferência do Episcopado da América Latina e Caribe. Nele se
fala da exigência de acolher e estimar com atenção pastoral os indígenas, os afro-
americanos e imigrantes na sua rica pluralidade de seus valores e expressões culturais,
como também na busca de uma inculturação maior das liturgias. O mesmo documento
aborda ainda a questão de pobreza, injustiças, marginalizações e misérias, cujas grandes
vítimas são camponeses, indígenas e afro-descendentes, meninos de rua e anciãos.
291
288
Cf. Carta de Pedido de Perdão dos Franciscanos ao Povo Negro. In EQUIPE DE RELIGIOSOS NEGROS:
Vocação ao som dos Atabaques. Petrópolis: Vozes, 1993, p. 37-39.
289
Cf. JOÃO PAULO II. Mensagem aos Afro-americanos, 2, em anexo no documento de Santo Domingo.
290
Idem, n. 5.
291
Cf. CONSELHO DO EPISCOPADO LATINO-AMERICANO (CELAM). Rumo à V Conferência do
Episcopado da América Latina e do Caribe: Documento de Participação, 83, 85.
74
Pode-se mencionar, por exemplo, no Brasil, a atenção da Igreja Católica mediante a
Pastoral Afro-brasileira, as associações de caráter social, como o Movimento Negro
Unificado, o Movimento de Consciência Negra Palmares e outros movimentos que lutam
pela igualdade racial.
292
Estes movimentos levam em frente o que se designa por ações
afirmativas. E por ação afirmativa se entende “todo o esforço que favoreça grupos
socialmente discriminados em função de sua pertença racial, étnica, gênero, orientação
sexual e em decorrência disso, experimentam uma situação desfavorável em relação a
outros segmentos da sociedade”.
293
Posto isto, se pode aceitar a aplicação do e do ainda não na vida destas comunidades,
pois, na verdade, a realização da esperança histórica muito aspirada está se verificando,
mas há também muitos desafios que deverão ser enfrentados por elas. E um desses desafios
se chama a situação da mulher
. 2.2.4. Mulher
Para falar da mulher como desafio à Teologia Afro-americana, é preciso seguir duas
perspetivas, a geral e a particular.
Perspetiva geral: A mulher, em geral, é desafio à Teologia Afro-americana, porque de
acordo com João Paulo II, “no cristianismo (...) a mulher tem, desde as origens, um
estatuto especial de dignidade, do qual o Novo Testamento nos atesta” (cf. Mulieris
Dignitatem 1). A mulher é ainda desafio à Teologia Afro-americana, à medida que os
teólogos afro-americanos devem reconhecer sua dignidade; reconhecer nela uma
colaboradora capaz de produzir um pensamento teológico válido. Deste modo, fazendo
isso, está a Teologia Afro-americana acolhendo o ensinamento do documento acima,
segundo o qual a mulher é a que mais se comunica, sustenta e promove a vida, a e os
292
Sobre igualdade racial pode-se ler o texto-base da 1
ª
Conferência Nacional de Políticas de Promoção da
Igualdade Racial, do governo federal Brasil, de março de 2005. Pode-se também ler o artigo Lectura
Teológica del Tempo Venezuelano em Perspetiva de la Negritud, de Romer Portillo, sobre a realização de
esperança na sua dimensão histórica para afro-americanos na Venezuela, em Antônio Aparecido da
Silva/Sônia Querino dos Santos (orgs.).Op. cit. p.107-117.
293
Cf. PREFEITURA DE PORTO ALEGRE. Porto Alegre Assume sua Negritude. Secretaria Especial de
Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR), 1999, p. 128.
75
valores; ela tem sido durante séculos o “anjo” da guarda da alma cristã deste continente.
294
A mulher é igualmente desafio à Teologia Afro-americana, porque esta deve seguir as
diretrizes de Santo Domingo, o qual convida a Igreja Católica na América Latina e Caribe
a promover de modo decidido e ativo a dignidade da mulher (cf. Santo Domingo 105).
Mulheres negras, em particular: Estas são um desafio à Teologia Afro-americana,
porque elas são pilares fundamentais da sustentação das famílias negras; a elas cabe o
papel de educadoras e de mães. Na Igreja, elas são dinamizadoras da vida de fé das
comunidades negras.
295
No campo social, porque, apesar da ação que desenvolvem as
mulheres negras, da contribuição que elas oferecem no processo de construção de uma
sociedade mais justa, o lugar a ela reservado na sociedade, por vezes de discriminação,
urge ser redimensionado.
296
Acrescido a isso, é que, por um lado, a maioria das mulheres
negras continuam trabalhando em condições de insegurança e mal remuneradas, devido,
em parte, à sua escassa instrução acadêmica e, inclusive, com um índice de analfabetismo,
do qual resulta a falta do reconhecimento e de benefícios sociais. A isso se acrescenta,
também, as conseqüências da violência de gênero, as violências doméstica, sexual e
psicológica.
297
Assim, estão, nela, acumuladas quase todas as formas de discriminação
associada, na sua maioria, à empregada doméstica.
298
As mulheres negras são desafio à Teologia Afro-americana porque, de acordo com José
Geraldo da Rocha, é uma missão da Igreja e da Teologia buscar caminhos de superação
desta discriminação, retirar os impedimentos da implementação do reconhecimento dos
direitos das mulheres negras.
299
E de acordo ainda com Rocha, se constata que os Agentes
de Pastoral Negros é uma organização de presença majoritariamente feminina, o que revela
um sinal a mais da eclesialidade dos Agentes de Pastoral Negros, porque são as mulheres,
nas Igrejas e comunidades as grandes animadoras das lutas de fé dos empobrecidos.
300
Assim, conforme o autor acima, no desenvolvimento da Teologia Afro-americana não
294
Cf. JOÃO PAULO II. Homilia em Santo Domingo, 11 de outubro de 1992, citado no documento de Santo
Domingo, n. 106.
295
Cf. DA ROCHA, José Geraldo. Op. cit. p. 116-117.
296
Idem, p. 117.
297
Cf. CHALÁ, Catherine. Elementos indispensáveis da Teologia Afro-americana. In Antônio Aparecido da
Silva e nia Querino dos Santos (orgs.). Teologia Afro-americana: Avanços, Desafios e Perspetivas. São
Paulo: Centro Atabaque de Cultura Negra e Teologia, 2000, p. 125.
298
Cf. DA ROCHA, José Geraldo. Op. cit. p. 116-118.
299
Cf. DA ROCHA, José Geraldo. Op. cit. p. 116-118.
76
se pode ignorar a mulher e, sobretudo, a mulher negra, para se evitar enveredar pela mesma
situação de discriminação negra, que é um grande desafio teológico e pastoral nos tempos
atuais.
301
Porque, na visão do autor em tela, “a história e a presença das comunidades
negras seriam muito diferentes, não fosse a ação e intervenção das mulheres negras, que
guardaram e preservaram a memória dos antepassados tanto do ponto de vista cultural
quanto religioso”.
302
Porém, não é somente a mulher, em geral, e a mulher negra, em
particular, que constitui desafio à Teologia Afro-americana, como também o sincretismo
religioso afro-americano.
2.2.5. Sincretismo religioso afro-americano
Por sincretismo, em si, se compreende a fusão de elementos diferentes e até
antagônicos, em um elemento, continuando perceptíveis alguns sinais originais.
303
Porém, por sincretismo religioso afro-americano se entende, aqui, a absorção de elementos
religiosos cristãos católicos pelas pessoas africanas escravizadas, como estratégia de
resistência, mas estendido até os dias atuais
304
Perante a união de elementos simbólicos de
universos diferentes num mesmo sentimento religioso, a possível questão referente a esse
sincretismo pode ser feita deste modo: a partir de quais relações ele se constituiu? Ou seja,
que causas fizeram nascer esse sincretismo? Edir Soares analisa esse sincretismo na
perspetiva histórica, por isso, liga algumas de suas causas à escravidão:
Insuficiência do clero: Para este autor, o catolicismo do império não tinha clero
suficiente para atender pessoas escravizadas cada vez mais em número crescente. Esse
catolicismo imposto a estas pessoas não chegou a convertê-las, mas foi somente uma
influência periférica de prática e culto que deu origem, juntamente, com outros elementos
religiosos, ao fenômeno do sincretismo religioso afro-americano. Por conseqüência,
resultou uma evangelização deficiente dessas pessoas escravas.
305
300
Idem.
301
Idem.
302
Idem.
303
Cf. FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Op. cit. p. 1589.
304
Cf. SOARES, Afonso M. L Interfaces da Revelação: Pressupostos para uma Teologia do sincretismo no
Brasil. São Paulo: Paulinas, 2003, p. 46-48. Ver também SOARES, Edir. Op. cit. p. 84.
305
Cf. SOARES, Afonso Maria Ligório. Op. cit. p. 84.
77
Proibição e crueldade: Essas massas escravas cada vez mais crescentes tiveram, por
exemplo, no Brasil, suas crenças e seus cultos proibidos. Nisto, elas procuravam, no meio
de crueldade, disfarçar seus legítimos sentimentos religiosos, realizando uma aproximação
e fusão de suas divindades com os santos católicos. Assim, elas davam impressão de ter
aceito os dogmas católicos mas, na verdade, mantinham, num certo grau, a crença em suas
antigas divindades.
306
Foi o que Nina Rodrigues denominou de ilusão de catequese.
307
Catequese superficial: Forçada a professar outra fé, as pessoas escravizadas recém-
chegadas, segundo Afonso Maria Ligório Soares, eram batizadas desde que soubessem, de
memória, as respostas corretas para perguntas como estas: “Queres lavar a tua alma?
Queres ser filho de Deus? Lança o diabo para fora da tua alma”? Acredita-se que tudo isso
aconteceu porque a Igreja tinha praticamente confiado a catequese aos escravocratas.
308
Assim, o sincretismo resultante das causas acima é, hoje, a regra entre as populações afro-
descendentes. Assim, no Brasil, elas, oficialmente, são católicas, mas detrás do culto dos
santos e das cerimônias católicas, continuam ligadas à antiga recebida na religião de
matrizes africanas. A título de exemplo, Edir Soares aponta Orixalá tornado Jesus Cristo,
Senhor do Bonfim na Bahia; Xangô é o equivalente africano a São Jerônimo; Orixá Logum
Edé adolescente foi identificado com santo Expedito.
309
Para Afonso M. L. Soares, o sincretismo acima foi uma reinterpretação dos elementos
católicos como autodefesa das pessoas escravizadas. Neste sentido, os símbolos e ritos
católicos foram reinterpretados pelo dinamismo selecionador da visão de forças vitais do
mundo africano. Quer dizer, as pessoas escravizadas foram lendo o panteão católico,
transbordante de santos e virgens-marias, a partir da relação entre orixás intercessores e
Olorum (Senhor Onipotente do firmamento), excluindo aquilo que este autor designa de
ideologia católica, da época, do “sofre aqui para gozar no Céu”.
310
Posto isto, fica explicado que este sincretismo é desafio à Teologia Afro-americana à
medida que esta deve, profundamente, procurar os motivos essenciais que levam muitas
pessoas afro-descendentes a pertencer à Igreja e, ao mesmo tempo, continuando apegadas
306
Idem, p. 84-85.
307
Idem.
308
Cf. SOARES, Afonso M. L. Op. cit. p. 95. Ver igualmente SOARES, Edir. Op. cit. p. 84.
309
Cf. SOARES, Afonso M. L. Op. cit. p. 95.
310
Idem.
78
às religiões de matrizes africanas: É a dupla pertença. Contudo, esta pertença é aparente,
em relação ao Cristianismo, do que de uma realidade ontológica, porque, por detrás da qual
a religião africana, em toda a sua pureza, se pode manter sem precisar de modificação.
311
O sincretismo é também desafio à Teologia Afro-americana, porque ele revela uma
exigência profunda que deve ser satisfeita: uma verdadeira e efetiva inculturação. Isto
porque, segundo Vicente Mulago, se as populações negras africanas aderem de bom grado
às religiões importadas, não quer dizer que exista, em seu espírito e atitudes, uma ruptura
entre a sua religião tradicional e a religião revelada. No seu comportamento correto,
continua o autor em citação, a primeira persiste sempre como base e fundamento de toda a
conversão ulterior.
312
Assim, para este povo não existe contradição entre a sua em Deus
Criador e o Deus Salvador revelado em e por Jesus Cristo. Portanto, é necessário um
estudo não apaixonado da origem desta “dupla pertença”. Para isso, é indispensável
caminhar com elas, escutar suas alegrias e angústias, suas tristezas e esperanças, visto não
se poder conhecer uma pessoa mantendo-a de longe. Por isso, Edir Soares sugere alguns
princípios para aquilo que ele designa de ação missionária junto à comunidade negra e suas
aplicações concretas: Primeira, se deve valorizar os costumes de cada cultura onde se
podem encontrar as preparações para o Evangelho. Segundo, reconhecer as Sementes do
Verbo nas diversas culturas. Terceiro, haver atitude de respeito e assunção de tudo quanto
não tem erros e superstições. Quarto, existência da abertura da liturgia para um autêntico
pluralismo. Quinto, respeito à liberdade social e civil na religião.
313
Em resumo, deve-se
expor este sincretismo encarando as populações negras numa visão diferente daquela que
se seguiu até hoje
314
mas tendo-se, em conta, sobretudo, a historia própria deste povo.
Essa exposição sobre o sincretismo religioso afro-americano exige diálogo e, como é
óbvio, o diálogo exige necessariamente dois ou mais interlocutores, no qual deve reinar
humildade e respeito pelas diferenças. Foi justamente a partir desse desejo de dialogar com
o outro que nasceu este estudo comparativo, que será matéria do próximo capítulo. Neste,
vão ser discutidas as semelhanças existentes entre a Teologia Africana e a Teologia Afro-
americana. No fim, discutir-se-ão suas diferenças.
311
Cf. AMARAL, S. F; HOUAISS, Antônio; GARSCHAGEN, Donaldson M. (et alii). Op. cit. p. 211.
312
Cf. ALTUNA, Raul Ruiz de Asúa. Op. cit. p. 387.
313
Cf. SOARES, Edir. Op. cit. p. 238.
314
Cf. AMARAL, S. F; HOUAISS, Antônio; GARSCHAGEN, Donaldson M. (et alii). Op. cit. p. 210.
79
CAPÍTULO III
ESTUDO COMPARATIVO
Nos dois primeiros capítulos, fez-se uma exposição dos conceitos de Teologia Africana
e de Teologia Afro-americana e respectivamente, de suas caraterísticas. Assim, a finalidade
deste último capítulo é apresentar as semelhanças e diferenças presentes na Teologia
Africana e na Teologia Afro-americana. Quer dizer, indicar seus pontos comuns resultantes
do fato de muitos teólogos africanos e afro-americanos serem da origem africana e, por
isso, com o mesmo fundo cultural e com a mesma história da escravidão. Enfim, indicar
ainda os pontos específicos de cada teologia envolvida neste estudo comparativo, derivado
dos diferentes contextos a que pertencem tais teólogos, África, América Latina e Caribe,
onde ambas teologias estão sendo desenvolvidas e, por essa mesma razão, com sua própria
cultura e história.
1. Semelhanças
Para uma maior compreensão, se colocam, aqui, alguns pontos comuns que fazem com
que a teologia africana se assemelhe à Teologia Afro-americana como unidade em vínculos
invisíveis, unidade histórica, fontes, definição, tarefas, desafios, indignação-perdão,
compromisso pastoral e político. Importa dizer que, embora haja semelhanças, ambas
teologias em questão - no campo de tarefas e desafios - têm algo que as diferenciam, como
se verificará mais adiante.
1.1. Unidade em vínculos invisíveis
Há, entre as populações negras do continente americano e da área do Caribe, realidades
e verdades, que as unem às populações negras africanas porque, segundo Desmond M.
Tutu, todas as pessoas negras estão ligadas a África por àquilo que ele chama de vínculos
invisíveis, mas tenazes, firmes, porque todas foram alimentadas pela África com coisas
80
mais profundas que há, ainda, entre as populações negras.
315
Este autor defende que, por
mais longa e traumática que seja a separação da pátria dos antepassados africanos, há
também coisas que as populações negras sentem no seu íntimo, as quais as tornam
diferentes das pessoas não negras. Para sustentar sua afirmação, este autor recorre aquilo
que ele designa de senso, a partir do qual as populações negras compartilham da
coletividade de vida, na insistência de que a vida, material ou espiritual, secular ou
consagrada, é tudo uma só peça. Ele recorre ainda a muitas caraterísticas da música
africana presentes na música americana, da religião tradicional africana, da cultura,
aspectos que, para ele, explicam justamente somente em referência a uma herança comum
e a uma fonte comum no passado.
316
Por isso, na elaboração da Teologia Negra elaborada
na América Latina ou seja da Teologia Afro-americana, se refere também ao contexto
africano.
317
1.2. Unidade histórica
Além da semelhança acima, ambas teologias se assemelham, porque, segundo Desmond
M. Tutu, todas as populações negras tiveram uma história idêntica de exploração através,
primeiro, da escravidão, depois, do colonialismo e, hoje, do neocolonialismo, pois quando
evangelizadas, estas populações passaram pela aprendizagem de desprezar as coisas negras
e africanas visto que eram condenadas pelos outros.
318
Por essa mesma razão, Léopold
Senghor disse que, “a raça negra continua suportando o sofrimento ininterrupto durante
séculos, porém, está esperando amor e compreensão”.
319
Ligado a esse sofrimento,
Desmond M. Tutu considera ter sido um dos piores pecados dos países ocidentais
envolvidos no tráfico de escravos e escravas e na colonização de África, embora tenham
feito muitas coisas boas e dignas de louvor, a sua política de impingir, em muitas
populações negras, a repugnância de si mesma, o ódio a si própria.
320
E conclui: “Esta foi a
315
Cf. TUTU, Desmond M. Teologia Negra/Teologia Africana: Amigas íntimas ou antagonista? In
WILMORE, Gayraud S. CONE, James H. Teologia Negra. Op. cit. p. 379-388.
316
Idem.
317
Cf. DA SILVA, Marcos Rodrigues. Op. cit. p. 14.
318
Cf. TUTU, Desmond M. Op. cit. p. 380.
319
Cf. ALTUNA, Raul Ruiz de Asúa. Op. cit. p. 217.
320
Cf. TUTU, Desmond M. Op. cit. p. 380-381.
81
forma mais violenta de colonialismo, nossa escravização espiritual ou mental, quando
sofremos aquilo que pode ser chamado de esquizofrenia espiritual ou mental”.
321
Na
verdade, disto resultou aquilo que pode ser chamado de doença de auto negação, realidade
presente em muitas pessoas negras, tanto da África quanto da América. Por isso, Silvia
Regina de Lima disse aplicando isso à mulher:
Vivemos sob o estigma da escravidão (...). O racismo anti negro a total negação
da identidade negra. A introjeção dessa negação faz com que a mulher negra
assuma para si o “não ser” como parte de sua identidade. O não ser negra
manifesta-se, sobretudo, no mito do embranquecimento. Não aceita seu corpo,
sua história, família, amigos e busca no “branco” o modelo para sua realização
como pessoa.
322
Desmond M. Tutu afirma, ainda, que a teologia africana e a Teologia Afro-americana
nasceram, em parte, como reações de coisas inaceitáveis.
323
Assim, para este autor, “o
ímpeto mais poderoso para o desenvolvimento da teologia cristã africana se deu porque o
cristianismo chegou à África vestido com roupa ocidental. Muitos missionários ocidentais
não distinguiam a religião cristã da civilização ocidental”.
324
Por isso, ambas teologias em
questão estão procurando uma base no meio autêntico do povo, no ambiente do estado
africano pós-colonial e também no ambiente afro-americano e caribenho contemporâneo.
Em ambos os casos, trata-se de Igrejas africanas ou afro-americanas e caribenhas
autoconscientes, que estão procurando um estilo caraterístico próprio da vida e da cultura
do povo ao qual prestam assistência religiosa.
325
1.3. Indignação-perdão
Partindo dessa situação da escravidão, do colonialismo e de tudo quanto isso tem
significado, os teólogos negros, de ambas as teologias em questão, entendem que a Igreja,
321
Idem.
322
Cf. DE LIMA, Silvia Regina. Dívida social brasileira e a mulher negra. In JÚNIOR, Vilson Caetano de
Sousa. Op. cit. p. 23-26.
323
Cf. TUTU, Desmond M. Op. cit. p. 380-381.
324
Idem, p. 383.
325
Cf. WILMORE, Gayraud S. e CONE, James H. Op. cit. p. 364.
82
no seu todo, não fez nada que impedisse a escravidão negra. Ela parecia não enxergar
aquela ação maldosa dos agentes escravocratas, sendo o maior escândalo e fator de
desequilíbrio social que perdura ainda hoje.
326
Por isso, a Teologia Africana e a Teologia
Afro-americana são, em parte, reações religiosas contra o que Gayraud S. Wilmore e James
H. Cone denominam de omissão eclesiástica e a opressão política e econômica
ocidentais.
327
Porém, apesar de tudo isso, a Teologia Africana e a Teologia Afro-americana
caminham manifestando, ao mesmo tempo, o testemunho de protesto e de indignação, mas
sem perder a dimensão do perdão.
328
1.4. Definição
Foi afirmado anteriormente que todas as pessoas negras estão ligadas a África por
vínculos invisíveis, mas tenazes. Partindo destes vínculos, se acredita que a Teologia
Africana seja semelhante à Teologia Afro-americana, porque ambas pretendem se
expressar em categorias de pensamentos provindas da filosofia das populações negras.
329
Quer dizer, estas teologias reconhecem a importância da cultura negra, ligando-a à criação,
por acreditar que tudo o que existe, visível e invisível, é fruto da ação criadora de Deus;
que o ser humano é também criatura de Deus. Mas esta criação está envolvida por uma
força ou energia vital, o axé, que envolve o universo composto de energias que, de acordo
com Leopold Senghor, são forças vitais que fundamentam a civilização negra, que no
centro de seu sistema, animando-o como o sol no mundo onde vivem todas as criaturas,
está a vida. É o que se denomina por energia divina, presente nas criaturas para que
estejam penetradas e, por essa mesma razão, as faz entrar em comunhão.
330
Esta energia vital, que envolve toda a criação, faz emergir aquilo que se pode denominar
de unidade de vida, que desempenha um papel muito importante na vida das pessoas
humanas. Portanto, a união vital estrutura o universo como um tecido de forças em
equilíbrio. Este tecido fundamenta a cultura e a existência negra. Por isso, se acredita na
326
Cf. DA SILVA, Antônio Aparecido. Elementos fundantes da teologia. In ATABAQUE ASETT. Op. cit.
p. 71.
327
Cf. WILMORE, Gayraud S. e CONE, James H. Op. cit. p. 364.
328
Idem.
329
Cf. KUBI, Kofi Appiah. African Theology. In Gwinyai H. Muzorewa. Op. cit. p. 95.
330
Cf. ALTUNA, Raul Ruiz de Asúa. Op. cit. p. 47.
83
união do profano ao sagrado, o invisível ao visível, como se explica na antropologia
africana, conforme as fontes abaixo.
1.5. Fontes
A Teologia Africana e a Teologia Afro-americana e caribenha se fundamentam na
Bíblia, na Sagrada Tradição e no Magistério da Igreja
331
, na experiência do povo negro
com que recebeu uma forma de cristianismo atenuada
332
das Igrejas da Europa e da
América.
333
Além disso, as populações negras possuem, em certa medida, o mesmo fundo
cultural africano, é por isso, se acredita que ambas consideram também fonte aquilo que os
teólogos africanos denominam de antropologia africana, segundo a qual, a salvação das
pessoas humanas na Teologia Cristã Africana é a salvação do universo, visto que, no
mistério da encarnação, Cristo assumiu a totalidade do ser humano e a totalidade do
cosmo.
334
A sustentar esse fundo cultural, Sylvia Regina de Lima e Silva defende que as
mulheres afro-descendentes carregam uma África dentro do coração. Mais que uma África
real, continua esta autora, elas trazem uma África mítica, construção utópica que alimenta
seus sonhos e desejos de libertação e dignidade”.
335
Entenda-se, aqui, por África tica
aquela concepção, compreensão diversa da experiência, mas ligada a uma realidade
cósmica inicial.
336
Ligado a isso, Desmond M. Tutu dirá que “todas as populações negras,
quer se aceite ou quer não, estão unidas pela sua negritude de todas as nuances”.
337
Na
verdade, seguindo o pensamento de Mugambi, se pode dizer que umas dessas nuances são
a experiência da escravidão, racismo e discriminação.
338
Ainda nesta linha de nuances,
331
Cf. LATOURELLE, René. Op. cit. p. 23.
332
Entende-se por cristianismo atenuado aquela pregação do evangelho feita no tempo da escravidão e
colonial, porque, segundo Jean-Marc-Elá, (op. cit. p. 49), conforme se referiu na página 14 desta dissertação,
era difícil ao sair do seminário colonial, que os missionários ensinassem tudo que questionasse a situação de
dependência. Dificilmente pregavam a sensibilidade histórica e crítica que ajudasse o povo negro a sair
daquelas situações desumanas a que esteve submerso desde o século XV aanos de 1960. Ligado a isso,
pode-se tomar, como exemplo, o discurso do Arcebispo do ex-Lourenço Marques, citado neste trabalho na
página 39, que desencorajava a população daquela cidade a que não apoiasse os movimentos que lutavam
contra a dominação colonial portuguesa em Moçambique.
333
Cf. WILMORE, Gayraud S e CONE, James H. Op. cit. p. 364.
334
Idem, p. 406.
335
Cf. DA SILVA, Antônio Aparecido e DOS SANTOS, Sônia Querino (orgs.). Op. cit. p. 34.
336
Cf. AMARAL, S. F; HOUAISS, Antônio; GARSCHAGEN, Donaldson M. (et alii). Op. cit. p. 7763.
337
Cf. TUTU, Desmond M. Op. cit. p. 379-388.
338
Cf. MUGAMBI, JNK. Op. cit. p. 13.
84
para Raul Ruiz de Asúa Altuna, o passado coletivo, as raízes de um povo constituem a
herança e o patrimônio sagrado que cada indivíduo e cada comunidade recebeu dos seus
antepassados para ser o seu alimento, a razão profunda de sua existência.
339
Devido a isso,
muitas famílias negras, na visão de Marcos Rodrigues da Silva, se reúnem para celebrar e
partilhar a fé, esperança e solidariedade.
340
Por seu turno, José Maria Pires explica que toda
a pessoa negra, seja americana e caribenha ou africana, toma a sério a questão de sua
pertença a um Orixá (espírito de um antepassado) que, nas religiões afro-americanas, é
importante, pois é uma segurança; a população negra vive a mística da pertença.
341
Por seu
turno, James H. Cone defende que as experiências das formas culturais, as quais dizem
respeito à vida, arte, hospitalidade, vida comunitária, enquanto expressão de sentimentos
profundos de amor e de carinho
342
, e as lutas pela transformação dos sistemas econômicos,
as lutas contra o racismo e outros modos de opressão econômica, política, social, cultural e
a experiência negra devem ser encaradas com muita seriedade como fontes da teologia.
343
1.6. Tarefas
Até pouco depois da II Guerra Mundial, se ensinava, em toda a parte onde se encontrava
a Igreja, a teologia tradicional. Hoje em dia, a situação mudou. Aquela continua sendo
ensinada, mas tem, a seu lado, outras correntes teológicas, como são a teologia asiática,
indígena, Teologia Africana e a Teologia Afro-americana, as quais nasceram e estão
vivas. Por isso, segundo o Comunicado da Conferência Pan-Africana dos Teólogos do
Terceiro Mundo, realizada em Acra, Ghana, em Dezembro de 1977, a metodologia de
estudar a presença do cristianismo na África deve mudar do que ele chama de hagiografia
de ontem para uma abordagem mais crítica, que comece da cosmovisão africana, examine
o impacto do cristianismo, e avalie as variedades de respostas africanas”.
344
Ligado a isto,
John Parratt diz que os teólogos africanos estão de acordo que, a Teologia Cristã Africana
339
Cf. ALTUNA, Raul Ruiz de Asúa. Op. cit. p. 10.
340
Cf. DA SILVA, Marcos Rodrigues (coord). Op. cit. p. 161.
341
Cf. PIRES, José Maria. Op. cit. p. 28.
342
Cf. WILMORE, Gayraud S e CONE, James H. Op. cit. p. 407.
343
Idem, p. 404.
344
Cf. Comunicado da Conferência Pan-Africana dos Teólogos do Terceiro Mundo. In WILMORE, Gayraud
S e CONE, James H. Op. cit. p. 404.
85
para manter-se firme, necessita de uma nova abordagem e de um novo método, que não
serão determinados pelas pressuposições ocidentais.
345
Segundo, ainda este autor, as
abordagens herdadas do mundo ocidental se mostram inadequadas, porque elas não
compartilham o tipo de questões que são relevantes para o contexto africano, carecendo,
assim, de meios próprios para entrar nesses problemas.
346
Para o caso da América e do
Caribe, sugere-se que a descrição da presença da população negra, neste continente, traga
não só seu passado de escravidão, mas também se incluam, nisso, suas lutas de resistência,
seus valores e reconhecimento do seu trabalho no crescimento das sociedades e da Igreja
deste continente, pois, o escravo foi utilizado para a manutenção de suas florescentes
instituições, muitas vezes regadas pelo sangue e pelo suor das populações indígena e
negra.
347
Segundo James H. Cone, “agora chegou a vez de evocar a memória das vítimas
deste mundo”.
348
O Comunicado da Conferência acima sublinhou ainda que os povos africanos e afro-
americanos estão seguindo um modelo organizacional de Igrejas que lhe foi imposto pois
tais Igrejas são guiadas por uma teologia desenvolvida com metodologia, cosmovisão, e
concepção de humanidade conforme as categorias ocidentais.
349
Partindo disso, a Teologia
Africana e a Teologia Afro-americana se assemelham à medida que devem apresentar uma
abordagem crítica relativa ao relacionamento da Igreja com as populações negras, em toda
sua riqueza e pobreza. Ambas teologias em questão devem ser entendidas no contexto da
vida e das culturas africana e afro-americana, na tentativa e no esforço criativo do povo
negro de edificar um futuro diferente do passado da escravidão, colonial e presente
neocolonial, do racismo, da discriminação e da exclusão.
A situação destas populações, como, por exemplo, na África, da fome, de ameaças à
família, e outras situações desumanizantes (cf. Ecclesia in Africa 51), requer nova
metodologia teológica diferente das abordagens da teologia tradicional. Estas teologias
definem-se conforme as lutas do povo negro na sua resistência contra as injustas. Assim, a
tarefa dos teólogos negros é desenvolver uma teologia que nasça do povo negro e que lhe
345
Cf. PARRATT, John. Op. cit. p. 194.
346
Idem.
347
Cf. SOARES, Edir. Op. cit. p. 31.
348
Cf. WILMORE, Gayraud S. e CONE, James H. Op. cit., p. 393.
349
Cf. Comunicado da Conferência Pan-Africana In WILMORE, Gayraud S. e CONE, James H. Op. cit. p.
402-408.
86
preste contas.
350
Estas teologias estão compromissadas com a libertação de seus povos de
cativeiros de pecado, cultural, político, econômico e meios de comunicação de massa
dominantes. Ambas as teologias lutam contra a qualquer forma de mal, porque o
Evangelho de Jesus Cristo exige a participação na luta para libertar o povo de todos os
tipos de desumanização. Aliás, segundo o comunicado acima citado, há, hoje em dia,
subjugação de pessoas negras pelos negros.
351
Neste sentido, a luta é contra o mal, donde
ele vier e de espécie for. Ambas teologias se empenham em construir a solidariedade, nesta
fase, entre si e com outras teologias do chamado terceiro mundo; elas reconhecem a
necessidade de se lutar contra o machismo, a fim de que a mulher negra que exerce um
papel ativo na Igreja, na formação da história e na luta pela liberdade negra, na América e
na África, possa realizar seu próprio destino.
352
1.6.1. Inculturação
Partindo do fato de que um dos piores pecados do Ocidente contra a população negra,
foi sua política de impingir em muitas populações negras, a repugnância de si mesma, o
ódio a si própria, conforme atrás se fez referência, a mesma população chega hoje com
desejo de reassumir seus valores culturais, e também assumidos pela Igreja, para que o
Evangelho possa enraizar-se no povo negro. É que de acordo com a Conferência do
Episcopado Latino Americano é necessário que se faça a inculturação do Evangelho e o
discernimento dos valores e contra-valores; é preciso captar sua linguagem e seus símbolos
e fazer a assimilação e a reexpressão da fé (cf. Santo Domingo 256).
Neste sentido, as Teologias Afro-americana e caribenha e Africana se assemelham entre
si, porque, entendem a inculturação como um modo de recuperar e de reassumir a sua
identidade, uma busca de suas raízes africanas; como uma reação da população negra por
terem sido ignorados e negados os seus valores históricos, religiosos e culturais. E porque,
na verdade, esses valores foram ignorados, Boaventura Kloppenburg chama a atenção,
dentre várias coisas, para a valorização positiva dos costumes, das tradições, do aspecto
celebrativo da comunidade negra, juntamente com seu aspecto místico e espiritual;
350
Idem, p. 407.
351
Idem, p. 407-408.
87
recomenda estudos nos seminários e comunidades religiosas, a disciplina da antropologia
cultural com ênfase sobre a antropologia da população negra.
353
É certo que este autor fala
especificamente do Brasil, mas a verdade é que, no passado, os valores das populações
negras foram silenciados ou ignorados por quem possuía domínio sobre elas.
Tudo isto tem como finalidade o enraizamento do Evangelho nas comunidades africanas
e afro-americanas. Ambas as teologias concebem que com a inculturação, se abre uma
“estrada” para que tais comunidades readquiram seus valores culturais que, no passado,
foram obrigados a adormecer pela história; a retomada da sua afirmação cultural, moral, e
intelectual, histórica, acreditando em que elas são um sujeito de uma história e uma
civilização que lhes foram subtraídas e que agora necessitam ser recuperadas. A
inculturação, na Teologia Africana e na Teologia Afro-americana, é também entendida
como um questionamento em dois pontos: primeiro, aquilo que os teólogos afro-
americanos designam de formalidade e, depois, porque a inculturação a atinge as áreas
teológicas da reflexão bíblica até a pastoral.
354
1.6.2. Libertação
O processo da compreensão que as populações negras estão fazendo em relação à
inculturação, revela, por um lado, o desejo de querer libertar-se daquilo a que foram
obrigadas a ser pela história, donde nasceu a denominada pobreza antropológica. Por outro,
revela também a necessidade de realizar uma síntese entre e a cultura a fim de se
enraizar o cristianismo na sua vida. Partindo disto, se verifica que, quando se discute o
tema da libertação em teologia, uma provável pergunta pode ser esta: Que significa pregar
o Evangelho num contexto de profunda pobreza e da opressão? Ou por outra, relação
entre a evangelização e a política?
Para James H. Cone, há uma relação entre a evangelização e a política, a qual exigiu um
novo enfoque teológico, determinado pela Ásia, África e América Latina e Caribe. E
352
Idem.
353
Cf. KLOPPENBURG, Boaventura. Ensaio de uma nova visão pastoral perante a Umbanda. REVISTA
ECLESIÁSTICA BRASILEIRA. Petrópolis: Vozes, V. 28, p. 404-417, junho de 1968, citado por SOARES,
Edir. Op. cit. p. 121.
354
Cf. DA SILVA, Marcos Rodrigues. Op. cit. p. 154.
88
segundo este autor, essa relação evangelização-política foi aplicada no nome do continente
escolhido como denominação teológica contextualizada. Daí, por exemplo, Teologia
Africana, Teologia Asiática, Teologia Afro-americana e caribenha. Cada teologia, no dizer
ainda deste autor, é caraterizada pela sua luta contra a dominação da Europa e da América
do Norte.
345
Acrescido a isto, está o fato de que estas teologias também valorizam,
assumem, integram, em suas elaborações teológicas, o que de bom nessas culturas.
Portanto, fazem uma síntese entre e cultura (inculturação), cuja fundamentação segundo
Léonard Santedi Kinkupu, está no próprio mistério da encarnação, no mistério pascal e em
Pentecostes.
346
Ainda, conforme James H. Cone, para as populações negras de toda a América e Caribe,
a percepção da ligação existente entre evangelização e política foi determinada nos navios
negreiros, nos lotes de escravos à venda.
347
Para as populações africanas, esta percepção
nasceu também da escravidão, mas passando pelo colonialismo e, agora, por todas as
dificuldades que degradam a dignidade da pessoa humana africana. Por essa razão, se pode
afirmar que ambas as teologias, em questão, se assemelham entre si, porque defendem que
a salvação é, ao mesmo tempo, a liberdade histórica e a liberdade de afirmar o futuro que
está além desta história. E, neste sentido, pode James H. Cone afirmar: “Na verdade, como
sabemos que a morte foi vencida, (...) com a certeza de que temos uma “moradia mais
além”.
348
É nesta moradia mais além que a pessoa humana deposita sua esperança, mas
sem descurar aquela esperança historicamente realizável.
1.6.3. Esperança
Segundo João Paulo II, a situação econômica de pobreza tem um impacto especialmente
negativo sobre a população jovem. Entram, prossegue este autor, na vida adulta com
escasso entusiasmo, devido a um presente marcado por muitas frustrações, e com
esperança ainda muito menor, olhando para o futuro que a seus olhos se desenha obscuro,
345
Cf. WILMORE, Gayraud S.e CONE, James H. Op. cit. p. 434.
346
Cf. KINKUPU, Léonard Santedi. Para uma inculturação doutrinal no cristianismo africano. CONCILIUM.
Petrópolis: Vozes, n. 317, p. 53 (525) – 64 (536), de 2006/4.
347
Cf. WILMORE, Gayraud S. e CONE, James H. Op. cit. p. 434.
348
Idem, p. 444.
89
incerto e triste. Por isso, conclui João Paulo II, muitos jovens fogem ou para as cidades, ou
para o estrangeiro, parecendo que são exilados, e vivendo uma existência precária de
refugiados econômicos (cf. Ecclesia in Africa 115). Ligado a isto, em seu artigo intitulado
A África que invade a Europa, Daniel Rosa Lopes destaca que, desde janeiro deste ano,
mais de vinte e quatro mil africanos desembarcaram nas ilhas Canárias, território espanhol
na costa africana. Por outro lado, o mesmo artigo estimava que quarenta por cento desses
africanos morrem em naufrágios.
349
Devido a isto, João Paulo II defende ser necessário e urgente encontrar uma solução
para esta impaciência em participar na vida da nação e da Igreja. Por outro lado, o autor
acima pede aos jovens africanos para que assumam o desenvolvimento de suas nações,
amando a sua cultura e trabalhando para a sua revitalização (cf. Ecclesia in Africa 115).
A situação da juventude latino-americana e caribenha também não é nada agradável,
pois, segundo os bispos deste continente, muitos jovens são vítimas de empobrecimento e
da marginalização social, da prostituição, do alcoolismo, do narcotráfico e outros males
que subjugam esta camada juvenil (cf. Santo Domingo 112).
Posto isto, é fácil constatar que, tanto para a Igreja em África quanto para a Igreja na
América Latina e no Caribe, e, por conseqüência, para ambas teologias, constitui sua
preocupação os graves problemas acima referenciados e que estão afetando a camada
juvenil e adolescente na qual repousa o futuro, a esperança da humanidade. Neste sentido,
a preocupação pela juventude, enquanto esperança da humanidade manifestada por ambas
Igrejas acima, faz com que, a Teologia Africana se assemelhe à Teologia Afro-americana.
E daqui nasce a urgência de os teólogos destas duas correntes teológicas em coordenação
com o Magistério da Igreja, desenvolverem uma teologia da esperança, mas baseada
também em valores culturais próprios das populações africanas e afro-americanas; uma
teologia que incentive a criatividade baseada em ações concretas e realistas. Ações que
possam assegurar jovens nas suas terras.
Diante disso, a Igreja que vive, conforme João Paulo II, em países desenvolvidos, tem
responsabilidade derivada do compromisso cristão pela justiça e caridade, porque todos os
seres humanos são imagem de Deus e pertencem à mesma família humana. Por isso,
349
Cf. LOPES, Daniel Rosa. Morrer na praia ou morrer de fome: A África que invade a Europa. ZERO
HORA. Porto Alegre, p. 38, 24 de setembro de 2006.
90
conclui João Paulo II, deve ser garantido a cada um o justo acesso aos recursos da terra,
que Deus pôs à disposição de todos (cf. Ecclesia in Africa 114). Ainda este autor em
citação entende que, os países ricos possuem o dever de sustentar os esforços dos países
pobres que lutam para sair da pobreza e da miséria, optando pelo caminho de solidariedade
como forma de garantir a paz e a harmonia duradouras (Idem). Todavia, aliado a essa
solidariedade, é preciso o espírito profético para continuar denunciando a desonestidade de
alguns governos e políticos corruptos, da África e do continente americano e do Caribe,
que desviam recursos nacionais em proveito próprio, comportamento esse que gera outros
males (Idem113; cf. Santo Domingo 9;192). Estes problemas afetam mais as crianças
negras e a quem estão mais ligadas, à mulher negra.
1.6.4. Mulher negra
Na análise geral sobre a mulher, os bispos latino-americanos e caribenhos reconhecem
haver a necessidade de promover a dignidade e a vocação da mulher, ressaltando seu papel
como mãe, defensora da vida e educadora do lar. Por outro lado, os mesmos bispos
sentem-se constrangidos diante daquilo que designam de posições reducionistas sobre a
natureza e missão da mulher. A título de exemplo, eles mencionam a negação de sua
específica dimensão feminina, redução de sua dignidade e direitos e sua conversão em
objeto de prazer, sendo colocada em um papel secundário na vida social (cf. Santo
Domingo 105).
No geral, esta é a situação da mulher latino-americana e caribenha, mas, possivelmente,
este cenário deprimente é mais acentuado na mulher negra, porque, no período da
escravidão, ela foi usada como ama-de-leite.
350
Por exemplo, no Brasil, Gilberto Freyre
fala de “negras tantas vezes entregues virgens, (...) a rapazes brancos podres da sífilis
das cidades. Porque por muito tempo dominou no Brasil a crença de que para o sifilítico
não melhor purificante que uma negrinha virgem”.
351
Abolida a escravidão, conforme
350
Cf. FREYRE, Gilberto. Op. cit. p. 400, 538s. Ler tamm Vilson Caetano de Sousa Júnior (org.). Op.
cit.p. 24.
351
Idem.
91
José Geraldo Vinci de Morais, a população negra foi jogada na rua de mãos vazias.
352
As
repercussões dessa situação afetam mais a mulher negra, porque, no dizer de Catherine
Chalá, “a mulher negra continua trabalhando em condições de insegurança e mal
remunerada; em sua maioria com escassa instrução acadêmica, e inclusive com um elevado
índice de analfabetismo”.
353
A situação da mulher negra em África, no geral, também não é melhor, embora sendo
mãe e pilar na sustentação de muitas famílias. Esta situação deplorável da mulher africana
é mais manifesta no analfabetismo, pois entre analfabetos, ela é a que conta em maior
número. Além disso, ainda ela é vítima da discriminação sexual.
354
Por estes motivos e outros, João Paulo II recomendou aos teólogos africanos ajudarem
as “Conferências Episcopais africanas a instituir comissões especiais para aprofundar o
estudo dos problemas da mulher, colaborando com as agências governamentais
interessadas, onde for possível” (cf. Ecclesia in Africa 121). Destes problemas que afetam
a mulher negra, e que preocupam as duas Conferências continentais aludidas neste
trabalho, e, por conseqüência, influenciam o labor teológico destes povos negros, emerge a
semelhança da Teologia Africana com a Teologia Afro-americana e caribenha. E a
superação destes problemas da mulher deve constituir um dos compromissos na
evangelização.
1.6.5. Compromisso na evangelização
A Teologia Africana se assemelha à Teologia Afro-americana, porque, conforme
Desmond M. Tutu, elas são uma afirmação de que se deve levar com seriedade a
encarnação.
355
A elaboração de ambas as teologias é um compromisso para com a
evangelização, de que o cristianismo para ser realmente africano, negro americano e
caribenho deve ser levado a entranhar-se nas populações negras. Ele deve falar em tons
que possam penetrar até o fundo do coração, até o ponto de divisão da alma e do espírito,
352
Cf. DE MORAES, José Geraldo Vinci. Caminhos das Civilizações- História Integrada: Geral e Brasil.
São Paulo: Atual, 1998, p. 342-344.
353
Cf. CHALÁ, Catherine. Op. cit. p. 124.
354
Cf. GWEMBE, Ezequiel Pedro. Na Senda do Sínodo Africano. RUMO NOVO. Revista católica de
inculturação e reflexão pastoral. Moçambique, n. 24, p. 59-65, abril de 1999.
355
Cf. TUTU, Desmond M. Op. cit. p. 384.
92
das articulações e medula (cf. Hb 4, 12), penetrar na vida profunda destas populações e
convencê-las de sua pecaminosidade peculiar negra; ele deve dar respostas a perguntas por
elas feitas e não o que elas nunca lhe fizeram; ele deve falar de seu contexto, de sua
cultura. Para o autor em tela, “o cristianismo deve ser visto realizado o mais alto, profundo
e o melhor das aspirações espirituais e religiosas das populações negras”.
356
Segundo,
ainda, este autor, a Teologia Afro-americana e a Teologia Africana se assemelham entre si,
porque ambas criticam seriamente a forma como a teologia foi feita, sobretudo, no
Atlântico norte. A Teologia Africana, diz ainda ele, desmente a afirmação de que uma
religião digna de respeito na África veio com os ocidentais. Para ele, a Teologia Africana
está recuperando a consciência religiosa africana. Estas teologias, em questão, continua
este autor, cada uma à sua maneira, ambas estão devolvendo, às populações negras, a auto-
estima peculiar das coisas negras e africanas. A partir e mediante estas teologias, estas
populações estão amando e servindo a Deus a seu modo e segundo sua cosmovisão, sua
cultura, sua história e sua negritude.
357
1.6.6. Compromisso sócio-político
Perguntou-se acima sobre o significado de pregar o Evangelho num contexto de
profunda pobreza e de desumanização. Ou por outra, procurou-se saber se havia relação
entre a evangelização e as questões social e política.Neste ponto também a Teologia
Africana se assemelha à Teologia Afro-americana visto que, tanto a Igreja em África como
a Igreja na América Latina e no Caribe, embora ambas as Igrejas não incumbam
diretamente este compromisso aos seus teólogos, entendem que o compromisso social e,
até certo modo, político dos teólogos é necessário. Assim, como que respondendo às
questões acima, João Paulo II explica que as “mutações culturais são uma espécie de fórum
público que permite fazer conhecer, num diálogo criativo, as convicções cristãs sobre o
homem, a mulher, a família, o trabalho, a economia, a sociedade, a política, vida
internacional e o meio ambiente” (cf. Ecclesia in Africa 103). A Igreja Família de Deus em
África, diz ainda João Paulo II, “deve testemunhar Cristo, também pela promoção da
356
Idem.
357
Idem.
93
justiça e da paz no Continente e no mundo inteiro, porque o testemunho da Igreja deve ser
acompanhado pelo empenho convicto de cada membro do Povo de Deus a favor da justiça
e da solidariedade” (Idem, 105). Por seu turno, os bispos latino-americanos e caribenhos
recomendam que se forme uma sociedade consciente moralmente em suas tarefas e na
atuação política; que haja também um comprometimento efetivo na consecução da justiça e
da paz de seus povos (cf. Santo Domingo 242).
Partindo igualmente deste ensinamento dos bispos da Igreja no continente americano, os
teólogos afro-americanos defendem a necessidade da transformação daquilo que eles
designam da sociedade injusta, através da participação política, com oportunidades reais, e
que seja expressão de problemática das comunidades negras.
358
Semelhante posição deve
ser assumida por teólogos africanos à medida que, de acordo com Theodore Tshibangu,
como se demonstrou no capítulo anterior, o teólogo africano se empenhe por uma teologia
política plena, determinando os critérios apropriados para transpor juízos morais em novos
fenômenos sociais, e moralmente avaliar os meios a usar na procura dos objetivos de
desenvolvimento.
359
Tem-se, aqui, em ambas as teologias, a mesma preocupação: a
necessidade de eliminar injustiças, seja de que espécie for e de onde ela vier. É nesta
preocupação que se radica a semelhança entre a Teologia Africana e a Teologia Afro-
americana e caribenha. Mas se semelhanças originadas da unidade em vínculos
invisíveis, da unidade histórica e, partindo disto, de tarefas, pode também haver diferenças
originadas do contexto e, a partir igualmente deste contexto, surgirem tarefas e desafios
que cada uma das teologias envolvidas neste estudo comparativo deve desempenhar e se
confrontar em seu meio.
2. Diferenças
Entenda-se, aqui, por diferença as caraterísticas provindas das situações vividas pelas
pessoas que elaboram a Teologia Africana e a Teologia Afro-americana, as quais
influenciam profundamente a sua vida e seu labor teológico. Essas diferenças estão
relacionadas aos contextos africanos, americano e caribenho, como, por exemplo, o
racismo, na América, e conflitos tribais e empobrecimento, em África.
358
Idem.
94
2.1. Contexto
Compreende-se, aqui, por contexto aquele conjunto das condições naturais, sociais,
culturais, nas quais estão situadas a Teologia Africana e a Teologia Afro-americana
respectivamente. Neste sentido, se pode falar em contexto africano e em contexto latino-
americano e caribenho, onde estão sendo desenvolvidas ambas as teologias. Assim, o
contexto latino-americano e caribenho pode possuir, como é óbvio, desafios e tarefas
diferentes dos da África.
2.1.1. Teologia Afro-Americana
Com o termo contexto acima, se pretende explicar o ambiente no qual a Teologia Afro-
americana está sendo desenvolvida e, que por causa disso mesmo, se diferencia da sua
congênere africana. Assim, conforme os bispos latino-americanos e caribenhos há, na
América Latina e no Caribe, aquilo que eles denominam de coexistência entre o não
cumprimento de deveres cristãos e admiráveis exemplos de vida cristã, uma ignorância
relativa à doutrina e uma vivência católica enraizada nos princípios do Evangelho.
Além disto, os bispos destacam existir, nas expressões culturais e religiosas de
camponeses e de pessoas moradoras nas preferias urbanas, um enorme patrimônio cristão
do continente e uma firmada nos valores evangélicos (cf. Santo Domingo 247). Os
bispos assinalam ainda a presença profunda daquilo que eles designam da cultura
ocidental, cuja memória, consciência e projeto se apresentam sempre em seu predominante
estilo de vida comum (Idem 252). Esta mestiçagem racial originou, inicialmente, do
encontro de vários povos europeus, indígenas e africanos, que compõe a atual população
da América Latina e do Caribe.
Na verdade, a mestiçagem racial e cultural marcou de modo muito profundo a vida
religiosa e cultural deste continente (cf. Puebla 409). Mas tal mestiçagem não conseguindo
impedir as diferenças em oportunidades políticas, econômicas e sociais, cujas raças mais
desfavorecidas são a indígena e a negra. Por isso, quase todos os teólogos negros deste
continente sustentam que a população negra americana sofrem o racismo e a discriminação
359
Cf.. TSHIBANGU, Theodore. Op. cit. p. 132.
95
disfarçada e/ou explícito.
360
Contribuem, para isso, em parte, os meios de comunicação
social, devido àquilo que esses teólogos denominam de reprodução da visão cultural do
branco como modelo de vida, negando os valores culturais da identidade negra.
361
Ligado a isso, Gayraud S. Wilmore e James H. Cone explicam que a experiência negra
neste continente e no Caribe e a experiência negra na África não foram e nem são as
mesmas.
362
Para estes, neste continente “é a experiência de uma minoria, separada, na
maior parte, da propriedade da terra, de uma língua e de uma cultura distintas e tribais, e de
uma memória viva e histórica”.
363
A população negra, continuam os autores acima, foi
conhecida somente como escrava, uma espécie sem identidade autêntica racial ou nacional,
como um animal de carga. Na América, a população negra foi explorada e negada seu
direito de existir, a não ser pela permissão da maioria da população branca.
364
Por isso,
José Maria Pires sublinha:
No Egito como na Babilônia, os hebreus foram submetidos a dura servidão.
Puderam, entretanto, conservar sua consciência de povo e dignidade de pessoas.
O africano ao contrário foi desenraizado de seu meio e separado
propositadamente de sua gente, de sua família.
365
O que acima está descrito aconteceu no passado, contudo, se notam, hoje, seus reflexos.
Partindo destes reflexos, João Manoel Lima Mira disse que a pobreza atual advém do fato
de as populações negras terem sido roubadas e assassinadas para que a Europa tivesse um
barato manjar.
366
Por isso, conclui este autor, “nossos corpos e em nossas vidas estamos
demonstrando ao mundo branco que se acumula dinheiro roubando e assassinando o
outro”.
367
A realidade do racismo, neste continente, é apontada por vários autores, dentre
os quais se pode mencionar Osvaldo José da Silva, que defende estar a América e Caribe
360
Cf. TSHIBANGU, Theodore. Op. cit. p.78.
361
Cf. CONFERÊNCIA DO EPISCOPAL LATINO AMERICANO, Iglesia y pueblo negro: Cuadernos de
pastoral afroamericana/1-2. Cayambe-Equador: Centro Cultural afro-equatoriano, 1
ª
ed. p. 191, maio de
1989.
362
Idem.
363
Cf. WILMORE, Gayraud S. e CONE, James H. Op. cit. p. 359.
364
Idem.
365
Idem.
366
Cf. SOARES, Edir. Op. cit. p. 59.
367
Cf. MIRA, João Manoel Lima. Op. cit. p. 99-139.
96
vivenciando uma fase nova do racismo explícito na comunicação e na educação.
368
Para
Sônia Querino dos Santos, a diversidade étnica do continente latino-americano denota
riqueza cultural e religiosa, mas também esconde as armadilhas daquilo que ela denomina
de ideologia do embranquecimento.
369
José Geraldo da Rocha, falando especificamente do
Brasil, defende existir, neste país, o que ele chama de teoria de branqueamento onde,
segundo ele mesmo, “quanto mais se consegue identificar com os valores da população
eurodescendente, maior o grau de aceitabilidade social”.
370
Mais adiante, este autor afirma
que as culturas eurodescendentes não conseguiram dar conta de outras realidades culturais
presentes na vida de outros grupos étnicos e segmentos sociais latino-americanos.
371
As afirmações acima encontram sua sustentação na Conferência do Episcopado latino
americano e caribenho, a qual diz que, “a Igreja está consciente do problema da
marginalização e do racismo que pesa sobre a população negra”. E, a seguir, a mesma
Conferência diz ainda que “a Igreja latino-americana e caribenha se compromete, na sua
missão evangelizadora, a participar dos seus sofrimentos e acompanhá-los em suas
legítimas aspirações em busca de uma vida mais justa e digna para todos” (cf. Santo
Domingo 149).
No meio desta situação de racismo, discriminação, exclusão vivida pela maioria da
população negra, se pode admitir que a teologia elaborada pelos teólogos negros
americanos e caribenhos pode ser chamada de Teologia do Exílio, entendida como uma
reflexão da vida das populações sofridas, mas que, ao mesmo tempo, anuncia esperança
alegre e libertadora, a exemplo da teologia contida no livro do Segundo Isaías
372
para a
população deportada para a Babilônia. Aqui, a situação dos judeus colocava-se entre o
cidadão livre de um lado e o escravo do outro; eram uns semilivres, podendo exercer
alguma profissão e adquirir propriedade, mas ficavam excluídos dos privilégios do cidadão
livre.
373
Assim, a Teologia Afro-americana e caribenha acentua, além da questão da
368
Idem.
369
Cf. DA SILVA, Osvaldo José. O visível e o invisível na conjuntura Afro-americana e Caribenha. In
Antônio Aparecido da Silva e Sônia Querino dos Santos (orgs.). Op. cit. p. 11-12.
370
Cf. SANTOS, Sônia Querino. Nossos Passos vêm de longe: Ensaio de Teologia feminista. In Antônio
Aparecido da Silva e Sônia Querino dos Santos (orgs.). Op. cit. p. 20-21.
371
Cf. DA ROCHA, José Geraldo. Op. cit. p. 1.
372
Idem.
373
Conforme a Bíblia de Jerusalém, em Português. Nova edição revista e ampliada. São Paulo: Paulus, 2002,
p. 1238, Segundo Isaías ou Deutero-Isaías (capítulo 40-55) está no livro de profeta Isaías, mas na verdade
97
inculturação da teologia, o racismo, a discriminação e exclusão, motivos do
empobrecimento da maioria da população negra da América Latina e do Caribe.
2.1.2. Teologia Africana
No que diz respeito ao contexto africano, este pode ser apresentado em duas
perspetivas. Primeira, segundo João Paulo II existem valores, em África, como o sentido
religioso, o sentido do sagrado e da existência de Deus e de um mundo espiritual (cf.
Ecclesia in Africa 42). A realidade do pecado, continua este autor, “em suas formas
individuais e sociais, está bem presente e entendida pela consciência das populações
africanas inclusivamente a necessidade de ritos de purificação e de expiação” (Idem).
Acrescido a isto, o autor acima aponta, entre vários valores, o papel da família, o sentido
do amor e respeito pela vida, o amor pelos filhos, a solidariedade, a vida comunitária, esta
entendida como expressão da família alargada, presentes no coração das populações
africanas (Idem, 43).
A segunda perspetiva é sombria, devido à situação política, econômica e social da
África hoje que, naturalmente, se reflete na vida da Igreja e, por gica, no modo de
elaboração teológica. A título de exemplo, perduram, ainda hoje, conflitos sociais, étnicos,
empobrecimento e a disseminação da Sindrome de Imunodificiência Adquirida (SIDA).
374
Diante desta realidade, João Paulo II fez uma descrição, prevenindo-se, primeiro, de
generalizações tanto na avaliação dos problemas, quanto ao propor soluções.
Deste modo, conforme o autor acima, a situação comum reside no fato de a África estar
cansada de miséria espantosa, de má gestão de recursos disponíveis, de instabilidade
política e da desorientação social. Ainda para este autor, dessa situação resulta a desolação,
guerras e desespero (cf. Ecclesia in Africa 40). E prossegue: “Num continente sob o
controle de nações ricas e poderosas, a África se tornou praticamente um apêndice sem
importância e freqüentemente esquecida e abandonada” (Idem). E, a seguir, este autor
pertence a um profeta anônimo do final do exílio, que pregou em Babilônia entre 550 a. C. e edito de Ciro,
em 538 a. C.
374
Cf. BORN, A.Van Den. Dicionário Enciclopédico da Bíblia. 2
ª
ed. Petrópolis-Rio de Janeiro: Vozes,
1977, p. 367.
98
compara a África de hoje com àquele homem da parábola do bom samaritano (cf. Lc 10,
30-37; Ecclesia in Africa 41). E disse mais:
A África é um continente onde os seres humanos - homens e mulheres, crianças
e jovens - jazem, de certa maneira, prostrados à beira da estrada, doentes, feridos,
indefesos, marginalizados e abandonados. Têm extrema necessidade de bons
samaritanos que venham em sua ajuda
(Idem)
.
Neste sentido, segundo o mesmo autor, as populações africanas sentem profundamente
a falta daqueles valores evangélicos essenciais como esperança, paz, harmonia, alegria e
unidade (Idem 40). Partindo desta realidade apresentada por este autor, na qual estão duas
faces da África, por um lado, mostrando alguns valores positivos, e por outro, situações
deprimentes, pode-se perguntar sobre o tipo de teologia que os teólogos africanos devem
desenvolver, para que o continente possa preservar aqueles valores e livrar-se daqueles
males que lhe estão corroendo, sobretudo aquela pobreza antropológica. Daqui surgem as
tarefas e os desafios, já acima apresentados.
2.2. Tarefas
Por tarefa se compreende, nesta parte da dissertação, o trabalho que a Teologia Afro-
americana e a Teologia Africana devem desempenhar em seus contextos específicos, em
suas comunidades eclesiais.
2.2.1. Teologia Afro-americana
Como foi explicado no início deste capítulo, a Teologia Afro-americana se difere da
teologia africana porque, segundo José Maria Pires, ela deve recordar a muitos membros
da Igreja de que necessitam de conversão do coração no que diz respeito à sua visão e
relação com o povo negro e sua cultura religiosa.
375
Para este autor, o povo negro trazido
para a América e Caribe foi, conforme anteriormente explicado, sob o ponto vista de
99
identidade cultural, humilhado e reduzido a objeto, inclusivamente o direito de poder
existir como pessoa humana, dona de seus atos. Diante disso, é tarefa da Teologia Afro-
americana dar a entender que a África, apesar de tudo, é capaz de dar ajuda às Igrejas
cristãs a modificar sua conduta na sua missão evangelizadora na América Latina e no
Caribe.
376
Continuando, Pires sustenta ser, ainda, uma das tarefas da Teologia Afro-
americana explicar que os antepassados africanos lhes foi possível manter a e as
tradições porque os brancos viam, em suas celebrações, meros encontros de
entretenimento, o que permitiu as pessoas escravizadas, nestas terras, salvar sua identidade
religiosa, embora, para isso, fosse necessário adotar a simbologia católica, porém,
atribuindo outros significados. Essa adoção ocultou mais ainda, conclui Pires, o que hoje se
procura descobrir: o Deus da Vida presente nas comunidades de origem africana.
377
A Teologia Afro-americana se difere, ainda, da Teologia Africana, visto que, para Pires,
aquela explica, como acima se fez alusão, que a cultura africana não se preocupa com
definições do Ser Supremo, mas se regozija com a certeza de sua presença e de sua ação
em favor dos seres humanos, praticando a vontade desse Deus Criador. Partindo da
concepção deste Deus Criador, este autor acredita existir valores cristãos talvez perdidos
pela cristandade e, de acordo com suas próprias palavras, podem e devem ser
reconquistados com a ajuda de quem os conservou em suas tradições e ritos religiosos,
como é o caso da unidade do corpo com a alma originando daí a inseparabilidade destes
elementos na pessoa humana.
378
Outra tarefa da Teologia Afro-americana que difere da
Teologia Africana é a questão de buscar e dizer a verdade. Segundo Antônio Aparecido da
Silva, o teólogo negro deve buscar, neste sentido, a verdade da experiência das
comunidades negras que capacita o saber que elas devem dizer como verdade ao povo,
inclusivamente às pessoas que se encontram fora das Igrejas, sobretudo, das tradicionais.
379
E dizer a verdade ao povo negro deste continente latino-americano, conforme James H
Cone, significa relacionar a história das lutas do povo negro do passado com a das pessoas
negras atuais e com isso, criar um futuro humano para as futuras gerações dos povos
375
Cf. PIRES, Lúcia. De olho no mundo. ZERO HORA, Porto Alegre, p. 1-2, segundo caderno, 11 de outubro
de 2006.
376
Cf. PIRES, José Maria. Op. cit. p. 18.
377
Idem, p. 19.
378
Idem, p. 22.
379
Idem, p. 25.
100
negros. Mas como se trata de estudo comparativo, é preciso abordar também aquelas
tarefas especificas da Teologia Africana originadas de seu contexto, mediante as quais esta
se diferencia da Teologia Afro-americana.
2.2.2. Teologia Africana
Em face das questões deprimentes vividas pela maioria da população africana, como
conflitos tribais e ditaduras, doenças, fome e empobrecimento, João Paulo II, guiando-se
pela linha da inculturação, assumiu como idéia chave para a evangelização da África a
noção de Igreja como Família de Deus (cf. Ecclesia in Africa 63). O objetivo pretendido,
de acordo com este autor, é excluir o etnocentrismo, o tribalismo, para promover a
reconciliação e uma verdadeira comunhão entre as diversas etnias favorecendo a
solidariedade e a partilha de recursos e pessoas entre as Igrejas particulares (cf. Ecclesia in
Africa 63).
Posto isto e baseando-se no pensamento deste autor em tela, se pode afirmar que, uma
das tarefas da Teologia Africana é, além daquelas colocadas no capítulo segundo, elaborar
a teologia da Igreja Família com toda a riqueza que esse conceito encerra, mostrando a sua
complementariedade com outras imagens da Igreja (cf. Ecclesia in Africa 63). Isto resulta
da necessidade de se criar uma consciência, a partir da qual, as tribos africanas possam
compreender que, embora elas sejam diferentes umas das outras, constituem uma família
africana. Esta necessidade de criar uma consciência da unidade africana visa evitar
conflitos sociais e étnicos, combater o totalitarismo, onde os detentores de poder e, muitas
vezes, da economia de seus países, cometem fraudes nas eleições para nunca sair do poder.
Outra tarefa está ligada à própria cristã, pois, os teólogos africanos precisam delinear
uma moral ligada à iniciativa criadora e a indispensável participação das populações
africanas no desenvolvimento da África. Aliás, João Paulo II apelou aos jovens africanos
para que assumam o desenvolvimento de suas nações e se empenhem no trabalho para
revitalizar a cultura africana e aperfeiçoar o espírito científico e técnico, sobretudo, pelo
testemunho da fé cristã (cf. Ecclesia in Africa 115). Estas tarefas estão ligadas também aos
desafios que a Teologia Africana e a Teologia Afro-americana devem enfrentar, sejam da
ordem cultural ou da ordem religiosa.
101
2.3. Desafios
Como ficou demonstrado anteriormente, que cada teologia envolvida neste estudo
comparativo possui tarefas especificas, resultantes de seu contexto, assim também cada
uma delas está enfrentando desafios, próprios de seu continente, como a seguir se explica.
2.3.1. Teologia Afro-americana
Explicou-se no capítulo primeiro que, as religiões afro-americanas são modelos
religiosos reorganizados a partir das tradições de matrizes africanas, embora se possa
encontrar nelas especificidade própria do contexto americano e caribenho. Esta
especificidade reside, em parte, na sua adoção de elementos católicos, desde que muitos
africanos foram trazidos à força para este continente, originando, a partir daí, o chamado
sincretismo religioso afro-americano. No encontro com esta realidade sincrética a Teologia
Afro-americana deve procurar, primeiro, ajudar as pessoas praticantes destas no sentido de
separar o verdadeiro do falso, do bom do mau, do certo do errado. Em segundo lugar,
procurar ainda integrar, mediante o processo de inculturação, aqueles elementos
compatíveis com o Evangelho, porque a Igreja Católica não rejeita o verdadeiro e santo em
todas religiões (cf. Nostra Aetate 2). Posto isto, se verifica que é neste esforço de diálogo
com o sincretismo onde a Teologia Afro-americana e caribenha se diferencia também da
Teologia Africana. Para isso, uma caminhada com estas religiões baseada em um espírito
de escuta de suas alegrias e angústias, de suas tristezas e esperanças; caminhada baseada na
humildade é indispensável para compreendê-las visto não se poder conhecer uma pessoa
mantendo-a de longe. Conhece-se a pessoa humana dialogando com ela e o diálogo exige
escuta, receptividade, humildade e respeito pelas diferenças. Portanto, o desafio particular
à Teologia Afro-americana é mesmo enfrentar com espírito evangélico e criativo, o
sincretismo religioso afro-americano, tendo sempre presente a trajetória histórica desta
população.
102
2.3.2. Teologia Africana
Os desafios específicos desta teologia podem ser divididos em seis grupos: cultural,
ecumênico, política e dialógico-religioso (com as religiões muçulmana e tradicional
africana).
Desafio de ordem cultural: Conforme Buti Tlhagale, apesar do difícil encontro entre os
africanos e os missionários, os primeiros cederam eventualmente ao impacto da mensagem
cristã.
380
Para este autor, pensava-se que o lugar e papel dos antepassados, componentes
importantes da religião tradicional africana, ficariam profundamente afetados e o objeto
último de lealdade e veneração passariam a ser somente Deus e não os antepassados.
Porém, explica ainda este autor, em teoria, essa posição foi aceitável, mas, na prática,
aquilo que se vive no dia após dia da maioria da população cristã africana, o papel, a
influência e o impacto dos antepassados sobre os vivos sofreu apenas uma ligeira
alteração.
381
Diante desta realidade, o desafio disto à Teologia Africana reside no fato de que esta
deve elaborar um pensamento teológico que converta a mentalidade de muitas populações
africanas referente à sua relação com os antepassados. Quer dizer, que Deus, conforme o
autor em citação, seja considerado a fonte última de poder, não os antepassados, que os
adivinhos e feiticeiros deixem de ter um papel central na comunidade, porque a conversão
ao cristianismo produz uma mudança de mentalidade, o que não acontece em muitas
pessoas africanas convertidas a Cristo.
382
Importa sublinhar que o papel dos antepassados
está ligado às experiências humanas do mal e do sofrimento, de desgraça e bem-estar, de
enfermidade e saúde. Em resumo, os antepassados estão relacionados com o destino dos
membros de um grupo familiar concreto.
383
Diálogo ecumênico e inter-religioso: Segundo Laurent Magesa, a desunião dos cristãos
não se originou em África, tão pouco se pode dizer que as guerras de religiões sejam
típicas do continente. Assim, prossegue este autor, se se derrama sangue africano por
380
Cf. TLHAGALE, Buti. La semilla del Evangelio en suelo africano. MUNDO NEGRO.
Madrid
.
Revista
misional africana, n. 506, p
.
130
,
maio de
2006
381
Idem.
382
Idem.
383
Idem.
103
motivos religiosos, isto ocorre em nome de credos vindos de fora, porque o caraterístico de
África é o profundo respeito por toda fé religiosa.
384
Perante este espírito pacifico das sociedades tradicionais africanas, o desafio à Teologia
Africana é como fazer surgir, nos corações e na vida prática das atuais populações
africanas que praticam outras religiões, esta tolerância religiosa, sem que isso signifique
passividade diante de missão evangelizadora.
Inculturação: Conforme Laurent Magesa, a “inculturação da mensagem cristã é
indispensável para qualquer expressão localizada e inculturada da em Cristo”.
385
Assim,
o desafio da inculturação à Teologia Africana consiste no modo de tornar compreensível e
aceitável pelos africanos a mensagem cristã sem que eles deixem de estar genuinamente
encarnados em seu próprio universo simbólico.
386
Por outro lado, o desafio consiste ainda
no como a Teologia Africana pode guiar o processo de inculturação sem confundir
cristãos, por exemplo, com uma inculturação litúrgica superficial.
387
E, por fim, este
desafio consiste no como orientar este processo para que cause a transformação e
purificação da tradicão mediante o poder vivificador do Evangelho.
388
Ecologia: Entenda-se, aqui, por ecologia a ciência que estuda as relações dos seres
vivos entre si e com o ambiente.
389
É dentro destas relações onde se notam os recursos
naturais de África sendo saqueados violentamente por agentes de destruição locais e
estrangeiros, induzidos por único interesse de benefício
390
e também pela ignorância
relativa ao perigo que paira sobre o ecossistema, resultante de queimadas descontroladas e
do desmatamento.
Por ecossistema se entende o “conjunto dos relacionamentos mútuos entre determinado
meio ambiente e a flora, a fauna e os microrganismos que nele habitam, e que incluem os
fatores de equilíbrio geológico, atmosférico, meteorológico e biológico”.
391
O desafio está
no como elaborar uma teologia ecológica que convença a população africana a ficar
384
Cf. TLHAGALE, Buti. La semilla del Evangelio en suelo africano.Op. cit. p. 133.
385
Idem, p. 136-140.
386
Cf. MAGESA, Laurent. Los próximos 50 años. MUNDO NEGRO, Madrid. Revista missional africana.
N.506, p. 136-139, de maio de 2006.
387
Idem.
388
Cf. BUCHER, Hubert. El poder es la clave. Na revista acima e mesmo n.510, p. 22-27, setembro de 2006.
389
Idem.
390
Cf. AMARAL, S. F; HOUAISS, Antônio; GARSCHAGEN, Donaldson M. (et alii). N. 7. Op. cit. p. 3548.
391
Cf. MAGESA, Laurent. op. cit., p. 139.
104
consciente de que a vida humana depende da vida da natureza, daí a necessidade
escrupulosa de cuidá-la.
Desafio político: As conseqüências tristes da escravidão negra, do colonialismo, de
políticas ambíguas do Ocidente em relação aos africanos são fatos irrefutáveis em África.
Mas é do conhecimento de muitos que, conforme Donato Ndongo-Bidyogo, “o grosso
dos males africanos procedem de maus governos de muitos dirigentes africanos, dedicados
mais a perpetuar-se no poder para ir saqueando seus países do que estabelecer regimes de
liberdade que busquem o desenvolvimento de seus povos”.
392
E disse mais:
(...) Muitos chefes de Estado africanos podem pagar de seus bolsos a dívida
externa de seus países, e sobraria dinheiro para eles; existem países com muitos
recursos, cujos povos vivem na miséria; dirigentes africanos aos que se lhes
perdoam todas as violações sistemáticas dos direitos fundamentais, roubos
descarados, torturas, sem que se levante nem uma voz de protesto. Ao
contrário, as riquezas de África servem para que os africanos vivam mal em
seus países ou sejam obrigados a emigrar por razões políticas ou econômicas,
para que os déspotas e amigos respirem tranqüilos.
393
Diante deste quadro sombrio, o desafio está na elaboração da ética para educar a
juventude africana para crescer na honestidade, para que, amanhã, a África seja dirigida
por africanos honestos, que pensem na vida de seus povos. Ligada ainda a ética de
honestidade, se coloca o como educar essa juventude sabendo-se que, em alguns países, há
mais de duas religiões com visões éticas diferentes.
Por fim, se pode dizer que outro desafio à Teologia Africana, no dizer de James H.
Cone e Gayraud S. Wilmore, está ligado às relações entre o cristianismo e a cultura
africana, entre a Igreja e o Estado, juntamente com muitos problemas pastorais e litúrgicos,
o que concede à Teologia Africana uma agenda muito vasta e rica, mas muito
392
Cf. BIDIYOGO, Donato Ndongo. Cambiar para salvar África. MUNDO NEGRO. Revista misional
africana, n. 510, p. 9, setembro de 2006.
393
Idem. Do original espanhol: (...). Muchos jefes de Estado africanos pueden pagar de su bolsillo la deuda
externa de seus países, y les sobraría dinero; existen países com ingentes recursos, cuyos pueblos siguen
malviviendo en la pobreza más abyecta; hay dirigentes africanos a los que se les perdonan todas las tropelias
(violaciones sistematicas de los derechos fundamentales, robos descarados, torturas e demás), sin que se
levante ni una voz de protesta. Al contrario, las riquezas de África sólo sirven para que los africanos
105
comprometedora.
394
Muito comprometedora, porque, várias áreas culturais, muitos aspetos
culturais africanos não estão ainda estudados, visto considerados mistérios e por isso não
devem ser revelados àqueles que não pertencem àquele grupo tribal. Por exemplo, os ritos
de iniciação possuem alguns momentos reservados ao público, e outros vedados aos
estranhos.
Pode-se terminar esta parte, seguindo ainda os autores acima que afirmam Teologia
Afro-americana e a Teologia Africana possuírem uma gama de variedade de interesses nas
áreas teológicas, talentos e oportunidades.
395
malvivan en sus países o sean abocados a la emigración por razones políticas o econômicas, para que los
mandamases amigos respiren tranquilos.
394
Cf. WILMORE, Gayraud S. e CONE, James H. Op. cit. p. 377-378.
395
Idem.
106
CONCLUSÃO
A necessidade de conhecer o pensamento teológico cristão negro, elaborado na África,
na América Latina e no Caribe, suscitou uma busca de um estudo comparativo. Este estudo
deparou-se com alguns aspetos culturais e históricos africanos e afro-americanos que
desafiam à missão evangelizadora da Igreja. Entre tantos se destacam a poligamia, os
antepassados, a reencarnação, a concepção da pessoa humana e ao sincretismo religioso
afro-americano.
1. Poligamia
Como foi explicado anteriormente, a poligamia é, sem dúvida, uma debilidade humana
espalhada quase em toda a África, a sul do deserto do Saara. Ela é tolerada, mas não
aprovada pelas razões que também foram mencionadas nesta dissertação. Pode-se dizer
que a causa principal desta prática está o desejo, por parte do homem, da prole numerosa.
Assim, esta pode ser considerada como uma das bases da poligamia negro-africana.
Vista criticamente, a poligamia tem um caráter imoral, visto que ela barra o processo
daquilo que se pode chamar de emancipação da mulher. A poligamia chega mesmo a negar
a igualdade de direitos entre o homem e a mulher, porque, na verdade, ela entra nesse
caminho por obrigação, pois, ela aspira sempre por um casamento monogâmico. Diante
desta situação se pode dizer que o polígamo considera suas mulheres como objeto, pois
que as utiliza somente como usufruto. Outra incompatibilidade da poligamia com
Evangelho é a paternidade irresponsável, que um homem com muitos filhos e filhas
dificilmente pode os educar em todos os sentidos e significados que este termo educar
encerra. Aliás, a poligamia esconde a infidelidade conjugal e é uma prostituição velada.
Além disto, muitas vezes emergem, sem soluções, divórcios, infidelidade por parte das
mulheres insatisfeitas. Todas estas conseqüências vão contra o espírito evangélico,
segundo o qual “o homem deixará pai e mãe e se unirá a sua esposa e serão os dois uma só
carne” (Mt 19,6). Por um lado, está aqui expressa a aliança de amor e, como tal, abençoada
por Deus e os dois, homem e mulher, unidos em matrimônio entram em uma vocação de
eternidade. Por outro lado, se pode afirmar que diante desse princípio basilar, esposa e
107
marido possuem igualmente uma responsabilidade por uma união que deve crescer sempre
e os dois se equiparam no que se refere aos direitos e aos deveres, coisas que dificilmente
acontecem no casamento poligâmico.
2. Reencarnação
A reencarnação, enquanto doutrina defendida por algumas religiões, se entende, nesta
dissertação, por migração da alma, que se acredita que, algum tempo depois da morte,
nasce em outro corpo, como forma de um processo de aperfeiçoamento gradual. Assim,
fica explicado que não há reencarnação sem morte. E a morte, para as populações negras, é
somente a destruição da matéria (em língua macua, errutthu = corpo material), mas o outro
componente do ser humano (na mesma língua eroho, munepa = espírito, a alma) é
promovido a um destino. E esse destino não é um lugar que está muito bem explicado. Por
isso, se acredita na força dos antepassados que, muitas vezes, influencia negativamente a
vida das pessoas e até se pensa que os antepassados reencarnam nas pessoas vivas, não
para expiar pecados, mas para continuar vivendo. É aquele desejo de viver a vida com
intensidade. Deste modo, se crê em certa reencarnação do poder dos antepassados nos reis
e chefes tribais legitimamente estabelecidos. E como a fraqueza humana pode residir em
cada pessoa humana, às vezes, alguns reis se aproveitam desta crença para subjugar seus
subalternos.
Mas se pode afirmar que tudo isto acontece, porque a sorte dos antepassados não está
nitidamente esclarecida. Esta falta de esclarecimento resulta do fato de que as populações
tradicionais africanas pouco se preocupam com especulação, com investigação do mais
além que se apresenta para elas como uma realidade obscura e misteriosa. Contudo,
acreditam na existência desse mais além. Trata-se de uma concepção sobre o mais além,
transmitida e recebida na cultura, fruto de ensinamento de uma religião tradicional
africana, que não é uma religião revelada, como o cristianismo, apesar de possuir valores
positivos, como foi demonstrado neste trabalho.
108
3. A pessoa humana
A pessoa humana, em macua mutthu, é concebida como um valor basilar da criação.
Mediante seu dinamismo vital, força que a diferencia de outros seres vivos, ela se
assemelha ao Ser supremo, seu Criador. A pessoa humana é colocada no centro de tudo.
Todavia, esta superioridade é eclipsada à medida que o recém-nascido é considerado
mutthu - pessoa humana - após a cerimônia de dar nome, o que não significa que se aprova
o aborto ou infanticídio. Esta cerimônia mostra e significa que se está introduzindo
socialmente o recém-nascido na família e se apresentando aos antepassados. Também
chama a atenção o fato de não se chorar a morte deste recém-nascido, o que levanta
questionamentos sobre a concepção negra africana relativa ao começo da vida da pessoa
humana. Por isso, se pode afirmar que o início da vida humana nas sociedades tradicionais
africanas não está nitidamente esclarecido, embora a vida seja muito bem respeitada. Neste
sentido, os teólogos africanos são chamados a investigar e depois discutir as causas desta
atitude de ausência do choro diante da morte de um recém-nascido.
4. Sincretismo religioso afro-americano
Foi esclarecido que este fenômeno resulta das situações do período da escravidão.
Como se referencia no capítulo segundo, causado, na verdade, pelo ambiente precário de
um catolicismo com número insuficiente de padres diante de massas de escravos sempre
em crescimento. Desta situação, com certeza, emergiu uma evangelização profundamente
deficiente. Por essa razão, se pode dizer que o caminho certo, para entrar em diálogo com
as pessoas que praticam religiões afro-americanas, é o respeito pelas diferenças e a
humildade. Embora sem menosprezar seu fator histórico, o sincretismo religioso afro-
americano é uma perene manifestação de uma necessidade de que algo importante, na
Igreja da América Latina, deve ser empreendida: uma profunda, verdadeira e efetiva
inculturação do Evangelho no seio das comunidades afro-americanas.
Considera-se pertinente explicar que, conforme as fontes consultadas relativas à
Teologia Africana, não se constatou uma associação da mulher ao axé (força vital) como
fazem os teólogos afro-americanos na Teologia Afro-americana, embora se encontre,
109
naquela, o reconhecimento de que a mulher é inevitavelmente uma mãe, portanto, fonte
primordial do axé.
Postas estas considerações, termina-se esta conclusão frisando que estes e outros
desafios teológicos e pastorais, ligados à cultura africana e ao sincretismo religioso afro-
americano, provavelmente, ainda não mereceram uma atenção especial no campo de
estudos teológicos. Infelizmente, a sua possível solução vai levar tempo. E essa solução
passa necessariamente por um diálogo, por uma efetiva e verdadeira inculturação, porque,
com certeza, esses desafios influenciam negativamente a vida de muitos cristãos africanos
e afro-americanos e dificultam a missão evangelizadora da Igreja. Oxalá chegue o dia em
que as populações africanas e afro-americanas possam dar uma resposta efetiva a estes
desafios.
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118
ANEXO 1
MENSAGEM AOS AFRO-AMERICANOS
JOÃO PAULO II
13 de outubro de 1992
Amados irmãos e irmãs afro-americanos
1. O V Centenário da Evangelização do Novo Mundo é ocasião propícia para vos
dirigir, da cidade de Santo Domingo, a minha mensagem de encorajamento que aumente a
vossa esperança e sustente o vosso empenho cristão em dar renovada vitalidade às vossas
comunidades, às quais, como Sucessor de Pedro, envio uma saudação cordial e afetuosa
com as palavras do apóstolo São Paulo: “Graças e paz da parte de Deus Pai e de nosso
Senhor Jesus Cristo” (Gl 1, 3).
A evangelização da América é motivo de profunda ação de graças a Deus que, na
sua infinita misericórdia, quis que a mensagem de salvação chegasse aos habitantes
destas terras, fecundadas pela cruz de Cristo, a qual marcou a vida e a história das
suas gentes, e que tão abundantes frutos de santidade e de virtudes produziu no
decorrer destes cinco séculos.
A data de 12 outubro de 1492 assinala o início do encontro de raças e culturas, que
configurariam a história destes 500 anos, nos quais a penetrante visão cristã nos permite
descobrir a intervenção amorosa de Deus, apesar das limitações e infidelidades dos
homens. Com efeito, no sulco da história verifica-se uma confluência misteriosa de pecado
e de graça, mas, ao longo da mesma, a graça triunfa sobre o poder do pecado. Como nos
diz São Paulo: “Onde, porém, abundou o pecado, superabundou a graça” (Rm 5, 20).
2. Nas celebrações deste V centenário não podia faltar a minha mensagem, de
aproximação e vivo afeto às populações afro-americanas, que representram uma
parte relevante no conjunto do continente e que, com os seus valores humanos e
cristãos, e também com sua cultura, enriquecem a Igreja e a sociedade em tantos
países. A este propósito, vêm-me à mente aquelas palavras de Simão Bolívar,
afirmando que “a América é o resultado da união da Europa e da África com
elementos aborígenes. Por isso, nela não cabem os preconceitos de raça e, se
coubessem, a América voltaria ao caos primitivos.
De todos é conhecido a gravíssima injustiça cometida contra aquelas populações negras
do continente africano, que foram arrancadas com violência das suas terras, das suas
culturas e das suas tradições, e trazidas como escravos para a América. Na minha recente
viagem apostólica ao Senegal, não quis deixar de visitar a ilha de Goreia, onde se exerceu
parte daquele ignominioso comércio, e quis deixar perpetuado o firme repúdio da Igreja,
com palavras que agora desejo recordar de novo: “A visita à Casa dos Escravos” faz-nos
recordar o tráfico de Negros, que Pio II, ao escrever, em 1492, a um bispo missionário que
partia para a Guiné, qualificava como “grande crime”. Durante um período da história do
continente africano, homens, mulheres e crianças negros foram trazidos para esta pequena
localidade, tirados da sua terra, separados dos seus parentes, para serem vendidos como
mercadoria. Estes homens e estas mulheres foram vítimas de um vergonhoso comércio, no
qual tomaram parte pessoas batizadas, mas que não viveram a sua fé. Como se hão
119
esquecer os enormes sofrimentos infligidos, em menosprezo dos elementares direitos
humanos, às populações deportadas do continente africano? Como se hão de esquecer as
vidas humanas destruídas pela escravidão? Deve ser confessado, com toda a verdade e
humildade, este pecado do homem contra o homem (Discurso na Ilha de Goreia, 21.2.
1992).
3. Olhando para a realidade atual do Novo Mundo, vemos pujantes e vivas comunidades
afro-americanas que, sem esquecer o seu passado histórico, oferecem a riqueza da sua
cultura à variedade multiforme do continente. Com tenacidade, não isenta de sacrifício,
contribuem para o bem comum integrando-se no conjunto social, mas mantendo a sua
identidade, usos e costumes. Esta fidelidade ao seu próprio ser e patrimônio espiritual, é
algo que a Igreja não só respeita, mas encoraja e quer fomentar, pois, sendo o homem
todo o homem – criado à imagem e semelhança de Deus (cf. Gn 1, 26-27), toda a realidade
autenticamente humana é expressão dessa imagem, que Cristo regenerou com o seu
sacrifício redentor.
Graças à redenção de Cristo, amados irmãos e irmãs afro-americanos, todos nós
passamos das trevas à luz, a ser “não meu povomas a chamar-nos “Filhos do Deus vivo”
(cf. Os 2,1). Como “eleitos de Deus formamos um corpo, que é a Igreja (cf. Cl 3, 12-
15), na qual, segundo as palavras de São Paulo, “não mais grego, nem judeu, nem
incircunciso, nem bárbaro, nem cita, nem escravo nem livre, mas Cristo, que é tudo em
todos” (Cl 3, 11). De fato, a supera as diferenças entre os homens e vida a um povo
novo, que é o povo dos filhos de Deus. Contudo, mesmo superando as diferenças na
comum condição de cristãos, a fé não as destói mas respeita-as e dignifica-as.
Por isso, nesta comemoração do V Centenário, encorajo-vos a defender a vossa identidade,
a ser conscientes dos vossos valores e fazê-los frutificar. Mas, como Pastor da Igreja,
exorto-vos sobretudo a ser conscientes do grande tesouro que, pela gra de Deus,
recebestes: a vossa católica. À luz de Cristo, haveis de conseguir que as vossas
comunidades cresçam e progridam, tanto no espiritual como no material, difundindo assim
os dons que Deus vos outorgou. Iluminados pela cristã, vereis os demais homens, acima
de qualquer diferença de raça ou cultura, como irmãos vossos, filhos do mesmo Pai.
4. A solicitude da Igreja por vós e pela vossas comunidades, tendo em vista a vossa
evangelização, a promoção humana e a cultura cristã, tornar-se-á evidente na IV
Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano, que hoje tive a aventura de
inaugurar. Sem esquecer que muitos valores têm penetrado e enriquecido a cultura, a
mentalidade e a vida dos afro-americanos, deseja-se incrementar a atenção pastoral e
favorecer os elementos específicos das comunidades eclesiais com fisionomia própria.
A obra evangelizadora não destrói, mas encarna-se nos vossos valores, consolida-se e
fortalece-os: faz crescer as sementes lançadas pelo “Verbo de Deus, o qual antes de se
fazer homem para tudo salvar e em si recapitular, já estava no mundo, como verdadeira luz
que ilumina todo o homem” (Gaudium et spes, 57). A Igreja, fiel à universalidade de sua
missão, anuncia Jesus Cristo e convida os homens de todas raças e condições a aceitarem a
sua mensagem. Como afirmaram os bispos latino-americanos na Conferência Geral de
Puebla de los Angeles: “a Igreja tem a missão de dar testemunho do verdadeiro Deus e
único Senhor. Não se pode considerar como violação a evangelização que é um convite a
que se abandonem as falsas concepções de Deus, procedimentos antinaturais e
manipulações do homem feitas pelo homem” (n. 406). Com efeito, com a evangelização, a
120
Igreja renova as culturas, combate os erros, purifica e eleva a moral dos povos, fecunda as
tradições, consolida-se e reataura-se em Cristo (cf. Gaudium et spes, 58).
Sei que a vida de muitos afro-americanos nos diversos países não está isenta de
dificuldades e problemas. A Igreja, bem consciente disto, compartilha os vossos
sofrimentos e acompanha-vos e apóia-vos nas vossas legítimas aspirações a uma vida
mais justa e digna para todos. A este propósito, não posso deixar de expressar a viva
gratidão e de encorajar a ação apostólica de tantos sacerdotes, religiosos e religiosas
que exercem o seu ministério junto dos mais pobres e necessitados. Peço a Deus que
nas vossas comunidades cristãs surjam, para que os afro-americanos do continente
possam contar com ministros provenientes das vossas próprias famílias. Enquanto
vos confio à maternal proteção da Santíssima Virgem, cuja devoção está tão
arraigada na vida e nas práticas cristãs dos católicos afro-americanos, abençoo-vos no
nome do Pai, e do Filho e do Espírito Santo. Amém!
Santo Domingo, 13 de outubro de 1992, V Centenário da Evangelização da
América.
Retirado do documento Nova Evangelização promoção humana cultura cristã,
Santo Domingo, 1992, p. 257-261.
121
ANEXO 2
COMUNICADO,
CONFERENCIA PAN-AFRICANA
DOS TEÓLOGOS DO TERCEIRO MUNDO,
ACRA, GANA,
17 a 23 DE DEZEMBRO DE 1977
1
Introdução
Somos cristãos africanos que nos reunimos em Acra, Gana, do dia 17 ao 23 de
dezembro de 1977, como parte do Diálogo Ecumênico dos Teólogos do Terceiro Mundo,
para discutirmos temas atuais da Teologia Africana. Dirigimo-nos a nós mesmos e ao resto
da comunidade cristã da África e de outras partes do mundo neste diálogo.
Reunimo-nos por causa de nossa grande preocupação com a em Jesus Cristo na
África. É esta no Senhor da história que nos fala concretamente hoje. Quando louvamos
alegremente o Senhor nosso Salvador e compartilhamos os nossos problemas, temos
consciência da presença muito real do Jesus encarnado, que nos conforta e nos
esperança.
Nossa reunião aqui estava repleta de experiências de uma nova vida. Éramos capazes
de transpor barreiras denominacionais e ir até além das normas usuais de representação
formal. Entre nós havia protestantes, ortodoxos e católicos. Todos compartilhavam dos
pontos de vista e dos interesses uns dos outros e transpúnhamos as limitações do oficial.
Tivemos também a experiência de vivermos juntos como uma comunidade do povo de
Deus, com nossos irmãos vindos do mundo americano negro, da Ásia, da América Latina,
do Caribe e das ilhas do Pacífico. Compartilhamos do calor de estarmos juntos como
cativos neste mundo repleto de opressão e de injustiças, que, na maioria das vezes, não
foram causadas por nós. E sobretudo compartilhamos da mesma esperança.
A Palavra salvadora do Senhor que dá liberdade aos cativos foi que nos orientou. Isto
ficou bem claro, não somente em nosso culto diário, em nossos cânticos, mas também no
drama, nas reuniões plenárias, e nas discussões em grupo. Afirmamos enfaticamente que é
a mensagem do Antigo e do Novo Testamento que destemor e força ao nosso diálogo,
como cristãos africanos, com os outros teólogos do Terceiro Mundo.
A realidade africana
A Palavra viva do Senhor nos levou a considerar as realidades da África de hoje.
Damos graças a Deus pelo dinamismo e vitalidade das comunidades e igrejas cristãs
africanas. O rápido crescimento do povo de Deus na África, a unicidade da experiência
africana na liturgia africana original, na leitura da Bíblia, e na vida da comunidade cristã,
constituem para todos nós um motivo de esperança e de confiança.
1
Este comunicado foi emitido pela Associação Ecumênica dos Teólogos do Terceiro Mundo, e publicado em
Kofi Appiah-Kubi e Sérgio Torres, eds., African Theology en Route. Maryknoll, Nova Iorque, Orbis Books,
1979, p. 189-195.
122
Julgamos que a unidade africana é a unidade do espírito e da alma que pode até
transcender as diferenças geográficas. Nossa unidade contribui para a comunidade total de
Deus sem sermos arrebatados na tempestade de um universalismo inespecífico. Temos
também consciência de que existem ameaças a esta unidade de nosso povo. Deploramos
qualquer coisa que tente abalar a solidariedade de nossa unidade profundamente enraizada,
quer seja o isolamento econômico, quer seja a manipulação do poder, ou até estilos de
vida.
O colonialismo estorvou a nossa unidade em toda a história de nossas relações com o
mundo ocidental. Apesar de estarmos numa era pós-colonial em grande parte da África, o
colonialismo continua a perpetuar-se na África do Sul. Os regimes brancos de Zimbábue,
da Namíbia e da África do Sul não são outra coisa senão ocupações coloniais disfarçadas, a
dominação de uma minoria branca contra a maioria africana, através da força militar. Na
África do Sul a dominação colonial é perpetuada através dos Bantustans; o programa de
independência do regime da minoria para as assim chamadas pátrias não passa de uma
fraude que se destina a enganar o mundo, dando a entender que a maioria negra aceitou a
dominação branca. O racismo branco institucionalizado na África do Sul, na Namíbia e no
Zimbábue serve as finalidades desta ocupação colonial. Os africanos deploram o fato de
que os racistas brancos do Zimbábue e da África do Sul são agora exportados para os
países da América Latina.
Etnicidade na África, como em qualquer parte do mundo, não deve ser confundida
com racismo. Etnicidade é um elemento positivo em qualquer sociedade. Pode-se fazer
mau uso dela. Os poderes externos podem utilizá-la para seus fins de racismo e causa de
desunião, de guerras e de sofrimento humano.
Não temos nenhuma intenção de depreciar o abuso interno do poder, mas também
pensamos que muitas vezes as estruturas da opressão interna são perpetuadas pelas alianças
questionáveis sob o disfarce dos tratados de amizade ou ajuda para o desenvolvimento.
Afirmamos que a nossa história é ao mesmo tempo sagrada e secular. Vemos o movimento
de Deus em nossa esperança de uma sociedade livre e justa na África. Qualquer destruição
desta esperança, quer seja pelo mau uso do poder e da autoridade, quer na exploração de
recursos pelas instituições nacionais ou pelas corporações multinacionais, é violação direta
e condenável do destino do povo de Deus. A vontade de Deus é que os seres humanos
sejam subordinados à vontade de Deus para toda a comunidade humana, realizando o
mandamento de Cristo de amar o nosso próximo como amamos a nós mesmos. Amor para
nós significa ato comum de obediência a Deus, que está eternamente conosco. Na África,
hoje este amor é destruído pelos perversos efeitos de algumas instituições nacionais e
corporações multinacionais. Além disso, estes efeitos perversos causam grande desunião,
muitas vezes perpetuada através do militarismo. 0 sofrimento resultante levou a milhares
de mortes, detenções, e situações aflitivas de refugiados. Cremos que Deus exige das
Igrejas da África que elas não somente se oponham a qualquer forma de opressão e de
sofrimento, mas também que cortem toda aliança, direta ou indireta, com as forças de
opressão, isto é, revendo suas carteiras de ações nas corporações multinacionais que
facilitam a militarização sistemática de governos que suprimem os direitos humanos e
violam a dignidade humana.
123
A presença do cristianismo na África
A metodologia de estudar a presença do Cristianismo na África deve mudar da
hagiografia de ontem para uma abordagem mais crítica que comece da cosmovisão
africana, examine o impacto do Cristianismo, e avalie as variedades de respostas africanas.
As estratégias antigas usadas nas missões não são mais aplicáveis. Não basta manter
simplesmente as estruturas eclesiais herdadas. Além disso, um abismo entre a retórica
das igrejas oficiais, administradores e teólogos, e a realidade nas aldeias. Isto tornou as
massas africanas passivas. Fundos limitados para fazer funcionar instituições e o conceito
confuso de administração impossibilitaram pensar em confiança própria e moratória.
A igreja missionária da África usou a educação como meio de domesticação. Isto
levou a mal-entendidos com colegas no diálogo mais amplo, como se evidenciou durante a
conferência mulçumano-cristã em Chambesy, em 1976. Esta educação também produziu
uma classe de elite em nossos países.
Somos, portanto, impelidos a repensar estratégias apropriadas para o futuro do povo
de Deus na África. Estamos nos esforçando para contextualizar o Evangelho e assumir
plena responsabilidade pela manutenção da igreja. Proclamamos que a base da igreja na
África é a vitalidade das comunidades cristãs africanas. Além das estruturas missionárias e
do poder, nossas comunidades cristãs que vivem na pobreza, na humildade e na
continuam a dar testemunho do Evangelho de Jesus Cristo, criando seu estilo de vida
próprio e sua própria linguagem para expressar a originalidade de sua experiência cristã.
No ambiente tradicional, não havia dicotomia entre o sagrado e o profano. Pelo
contrário, tinha-se a experiência do sagrado no contexto do profano. Este modo salutar de
entender a nossa sociedade africana deve ser levado a sério pela Igreja.
O surgimento das Teologias Africanas
Contexto da Teologia Africana
Apesar da experiência colonial de despersonalização e invasão cultural, as culturas
africanas mantiveram a sua vitalidade. Esta vitalidade manifesta-se na revivificação da
língua africana, da dança, da música e da literatura e na contribuição da África para as
ciências humanas e para a experiência humana. Esta vitalidade cultural é o apoio do povo
africano na sua luta pela libertação completa e pela construção de uma sociedade humana.
Entretanto, devemos reconhecer a persistência da dominação que resultou do
colonialismo. Esta dominação também existe nas igrejas. O modelo organizacional
importado do Ocidente é ainda proposto e aceito. A vida de nossas igrejas foi dominada
por uma teologia desenvolvida com metodologia, cosmovisão, e concepção de humanidade
segundo as categorias ocidentais.
Tendências presentes na Teologia
A teologia africana nasceu e está viva. Entre os diversos enfoques da teologia
africana destacamos os seguintes:
1. Embora admita os diferentes valores inerentes das religiões tradicionais, considera-os
como preparação para o Evangelho.
124
2. Uma teologia crítica que vem do contacto com a Bíblia, da abertura para as realidades
africanas, e do diálogo com as teologias não-africanas.
3. A teologia negra na África do Sul, que leva em consideração as experiências da,
opressão e a luta pela libertação e tira a sua inspiração da fé bíblica expressa na
linguagem e nas categorias africanas, assim como da experiência e reflexões dos norte-
americanos negros.
Esta lista de enfoques não é exaustiva, mas revela o dinamismo
do movimento teológico no continente.
Fontes de Teologia
1. A Bíblia e a herança cristã: A Bíblia é a fonte básica da teologia africana, porque ela é a
testemunha direta da revelação de Deus em Jesus Cristo. Nenhuma teologia pode
manter a sua identidade cristã separada da Escritura. A Bíblia não é simplesmente um
livro histórico sobre o povo de Israel. Relendo-se esta Escritura no contexto social de
nossa luta pela nossa humanidade, Deus nos fala no meio de nossa situação aflitiva.
Esta Palavra Divina não é proposição abstrata, mas acontecimento em nossa vida,
dando-nos a força para lutarmos por nossa humanidade plena.
A herança cristã é também importante para a teologia africana. Esta é a herança da
vida e da história da Igreja desde o tempo de nosso Senhor, com longa tradição de estudos,
liturgias, experiências, etc. O Cristianismo africano é parte do Cristianismo universal.
2. Antropologia africana: Para os africanos existem unidade e continuidade entre o destino
das pessoas humanas e o destino do cosmo. A antropologia africana e a sua cosmologia
são otimistas. A vitória da vida na pessoa humana é também a vitória da vida no cosmo.
A salvação da pessoa humana na teologia africana é a salvação do universo. No mistério
da Encarnação Cristo assume a totalidade do humano e a totalidade do cosmo.
3. Religiões africanas tradicionais: O Deus da história fala a todos os povos de maneiras
diferentes. Na África, as religiões tradicionais são a fonte principal do estudo da
experiência africana de Deus. As crenças e as práticas das religiões tradicionais da
África podem enriquecer a teologia e a espiritualidade cristãs.
4. Igrejas africanas independentes: As igrejas independentes desenvolveram através de sua
longa história um tipo de culto, organização e comunidade de vida radicado na cultura
africana, que toca a vida diária do povo.
5. Outras realidades africanas: as experiências das formas culturais de vida e arte, família
ampla, hospitalidade, vida comunitária são a expressão de sentimentos profundos de
amor e de carinho. As lutas pelas transformações dos sistemas econômicos, as lutas
contra o racismo, o machismo e outras formas de opressão econômica, política, social e
cultural devem ser levadas a sério como fontes da teologia.
Perspectivas para o futuro
Cremos que a teologia africana deve ser entendida no contexto da vida e da cultura
africana e na tentativa e no esforço criativo do povo africano de construir um novo futuro
diferente do passado colonial e do presente neocolonial. A situação africana requer nova
metodologia teológica diferente das abordagens das teologias dominantes do Ocidente. Por
125
isso, a teologia africana deve rejeitar as idéias pré-fabricadas da teologia do Atlântico
Norte definindo-se de acordo com as lutas do povo na sua resistência contra as estruturas
da dominação. Nossa tarefa como teólogos é criar uma teologia que nasça do povo africano
e que lhe preste contas.
Sentimos que somos chamados a proclamar o amor de Deus por todos os povos
dentro da dinâmica de uma histórica conflitante. Estamos empenhados na luta de nosso
povo para ser livre e acreditamos que a teologia que surge deste compromisso terá três
características.
1. A teologia africana deve ser uma teologia contextual, compromissada com o contexto
em que o povo vive. Em seus dramas, romances e poesia, os africanos demonstram a
importância da expressão contextual. Por contextualização queremos dizer que a
teologia se ocupará da libertação de nosso povo do cativeiro cultural.
2. Como a expressão se encontra não somente na cultura, mas também nas estruturas
políticas e econômicas e nos meios de comunicação de massa dominantes, a teologia
africana deve ser uma teologia de libertação. A ênfase na libertação na teologia africana
liga-a às outras teologias do Terceiro Mundo. Como os teólogos negros da América do
Norte, não podemos ignorar o racismo como distorção da pessoa humana. Como os
teólogos latino-americanos e asiáticos, vemos a necessidade de sermos libertados da
exploração socioeconômica. Uma forma de opressão relacionada, mas diferente, aparece
freqüentemente nas funções destinadas às mulheres nas igrejas. Há a opressão dos
africanos pelo colonialismo branco, mas também existe a opressão dos negros pelos
negros. Levantamo-nos contra a opressão sob qualquer forma, porque o Evangelho de
Jesus Cristo exige a nossa participação na luta para libertar o povo de todas as formas de
desumanização. A teologia africana empenha-se em criar a solidariedade dos africanos
com os americanos negros, com os asiáticos e com os latino-americanos, que também
lutam pela criação de comunidades humanas, nas quais os homens e as mulheres de
nosso tempo realizem o seu próprio destino.
3. Em todo este documento, referimo-nos à necessidade de lutar contra o machismo. Se
esta luta for levada a sério pela igreja, então a nossa seriedade se refletirá na maneira
como fazemos teologia. Reconhecemos que as mulheres africanas tiveram um papel
ativo na igreja e na formação de nossa história. Elas demonstraram que eram parte
integrante da luta pela libertação. Mas não podemos ignorar a exclusão de que foram
vítimas de nossos empenhos teológicos passados. 0 futuro da teologia africana deve
levar a sério o papel das mulheres na igreja, em pé de igualdade para fazer teologia.
Conclusão
Na África pós-independente e na África do Sul, a teologia enfrenta novos desafios,
novas esperanças, novas oportunidades. O vigor das religiões africanas e das culturas
tradicionais, a renovação das igrejas, graças principalmente à volta às Escrituras, nos
fornecem os recursos para a nossa tarefa.
Nossa fé em Jesus Cristo Libertador nos convence de que há um nobre futuro para os
nossos países, se os processos de construção da nação estiverem equipados para satisfazer
as necessidades básicas de todos, em vez dos privilégios de alguns. Temos confiança em
que a vitalidade criativa de nossas religiões tradicionais e de nossas culturas pode despertar
126
a inspiração para uma forma livre e justa de organização comunitária e desenvolvimento
nacional.
Para servir aos povos, ao Evangelho, e às igrejas nestas tarefas nós nos
comprometemos a nos renovar de acordo com as necessidades de hoje que descobrimos
sob a luz do Espírito Santo, presente entre nós. Para isto precisamos de uma metodologia
interdisciplinar de análise social, de reflexão bíblica, e do compromisso ativo de estarmos
com o povo na sua luta para construir uma sociedade melhor. Para esta finalidade
formamos hoje uma Associação Ecumênica de Teólogos africanos. Cônscios de nossas
deficiências e fraquezas, mas incentivados pela nobreza da tarefa que esdiante de nós,
empreendemos esta jornada de trabalho através da teologia, de modo que todas as
mulheres, homens e crianças de nossos países possam “ter vida e vida mais abundante”.
Gayraud S. Wilmore, James H. Clone; Teologia Negra; tradução Euclides Carneiro da Silva. São Paulo:
Paulinas, 1986. p. 402-408.
127
ANEXO 3
Mensagem da 12.ª Assembléia Plenária do Simpósio das
Conferências Episcopais da África e Madagáscar (SCEAM),
realizada em Roma de 30 de Setembro a 9 de Outubro de 2000
Cristo nossa paz: Igreja Família de Deus, lugar e sacramento
de reconciliação, de perdão e da paz em África
SAUDAÇÕES,
1. Que o Deus da esperança vos alegria e paz! Aleluia! Somos livres. Fomos resgatados
pelo Sangue do Cordeiro. Bendito seja Deus. o Pai das misericórdias. Que pela Sua
inefável bondade para conosco. delegados das Conferências Episcopais Regionais e
Nacionais de África e Madagáscar (SECAM), reunidos aqui, em Roma, para a 12.ª
Assembléia Plenária do Simpósio.
A Ele louvor e acção de graças pela participação e pela contribuição dos nossos distintos
convidados. Cardeais, Arcebispos, Bispos, Sacerdotes, Irmãs, Irmãos, Leigos(as) e
Representantes das Instituições parceiras do Vaticano, da Europa, da América do Sul e de
África.
REUNIDOS EM ROMA
2. A realização desta Assembléia. na Cidade Eterna, coincidiu com a celebração do Grande
Jubileu do ano 2000, a canonização de Augustine Zhao Rong e de 119 outros mártires da
China, de Katherine Drexel, dos Estados Unidos da América, de Maria Joseph del Corazón
de Jesús, uma mulher espanhola. doméstica que dedicou a sua vida ao serviço dos doentes,
e de Josephine Bakhita do Sudão. Os mártires Chineses são para nós uma interpelação para
construir o Reino de Deus com coragem e determinação.
O Testemunho de Katherine Drexel que dedicou a sua vida ao serviço dos menos
privilegiados e dos necessitados, exemplo brilhante do nosso dever de atenção para com os
mais pobres entre os pobres e os marginalizados da sociedade. Josephine Bakhita, filha da
terra Africana vendida como escrava e libertada pela graça de Deus, tornou-se o símbolo
de uma África em busca da verdadeira liberdade e da vida eterna. Ela tornou-se, também,
um modelo de reconciliação e de paz para todos os cristãos. Todos esses acontecimentos
foram grandes momentos de graça, pelos quais, agradecemos infinitamente o Senhor.
O TEMA DA ASSEMBLÉIA
3. O tema desta Assembléia foi: Cristo nossa Paz (Ef 2, 14); Igreja Família de Deus,
Lugar e Sacramento de Reconciliação, de Perdão e de Paz em África. Este tema
corresponde ao sentido do Jubileu e à actualidade em África. Nesta ocasião, dirigimos esta
mensagem à Igreja-Família de Deus em África e ao mundo, aos nossos líderes e a todos os
homens de boa vontade.
128
MOTIVOS DE ALEGRIA E DE GRATIDÃO
4. Sob a inspiração do Espírito Santo e assistidos por peritos, meditámos e reflectimos
sobre a situação geral de África. Notámos com prazer que desde o nodo, a Igreja fez
enormes progressos em muitos sectores: o fervor apostólico dos membros, o aumento do
número de dioceses, o crescimento absoluto a proporcional força numérica dos seus
membros: leigos, sacerdotes, religiosos(as), bem como a sua influência na sociedade.
Estamos reconfortados pela relativa paz que gozam certos países Africanos e pelos
esforços que outros fazem para restaurar a justiça e harmonia. Que Deus seja louvado por
tudo isso.
CAUSAS DE PREOCUPAÇÃO
5. Apesar destes esforços, existem, infelizmente, muitas aberrações tão desencorajadoras e
horríveis nas vidas dos cidadãos e crentes que exigem uma condenação sem rodeios,
porque constituem a negação da essência do Reino de Deus. Condenámos estes numerosos
actos de injustiça, de exploração e de violência que impiedosamente continuam a ferir o ser
humano criado à imagem e semelhança de Deus. As hostilidades e os conflitos no interior e
entre clãs, comunidades, grupos étnicos, nações e regiões, atingiram uma dimensão
horrível em toda a África. O facto destes males serem, de maneira nenhuma, novidade em
África, torna ainda mais difícil e urgente o trabalho da Igreja.
SITUAÇÃO POLÍTICA LAMENTÁVEL
6. Não podemos deixar de deplorar em termos claros a sede do poder e loucura de certos
líderes Africanos nos países como Angola, a Serra Leoa, a Libéria, a Região dos Grandes
Lagos, a República Democrática do Congo, o Congo Brazaville, o Sudão, a Eritreia e
muitas outras zonas de África onde têm causado e continuam a causar miséria a milhões de
pessoas do nosso povo. Condenamos as actividades de guerrilha de grupos rebeldes que
constantemente lutam contra o governo, matando pessoas e cometendo atrocidades
vergonhosas. Reprovamos os regimes autoritários e opressivos que negam aos seus
cidadãos a liberdade pessoal e os direitos humanos fundamentais, sobretudo a liberdade de
associação e de expressão política, bem como o direito de escolher os seus governos
através de eleições livres, honestas e pacíficas. Tais injustiças políticas provocam tensões,
que muitas vezes degeneram em conflitos e guerras internas, com consequências
desastrosas, tais como a fome, as epidemias e a destruição, sem falarmos do escândalo de
massacres e a tragédia dos refugiados.
7 Consideramos a instabilidade política intolerável, a mentira e a intimidação em vigor, em
certas partes de África, como uma catástrofe humilhante. Tão lamentável é ainda o facto
que em vez de trabalhar pela redução de conflitos, certos países oferecem os seus
territórios para desestabilizar outros governos.
129
8. Denunciamos a longa discriminação dos Cristãos pelos Muçulmanos no Sudão, o que
equivale à perseguição. Igualmente, opomo-nos à imposição da lei islâmica (Sharia) aos
não-muçulmanos, em certas nações Africanas como a Nigéria. Exprimimos a nossa dor
pela falta de liberdade religiosa em certas nações Africanas, de predominância muçulmana.
DESPREZO PELA VIDA E DIGNIDADE HUMANAS
9. Condenamos o uso de crianças e jovens, rapazes e raparigas como combatentes nos
conflitos em África, como bárbaras e degradantes. Consideramos a amputação dos
membros de pessoas inocentes e indefesas, muitas das quais são crianças e bebés, doentes
adultos, o arranque dos olhos dos inimigos ou suspeitos como crime que brada aos céus
pela vingança. De facto qualquer forma de tortura de seres humanos deve ser vista como
selvagem, desumana e desumanizante.
10. Entre os numerosos actos de violência contra o nosso continente, condenamos os
programas de uso dos preservativos, esterilização e aborto que certos poderes têm
preparado contra populações pobres, sob pretexto de serviços de saúde e da chamada saúde
reprodutiva. A tragédia da situação é que muitas vezes as vítimas não sabem o que, na
realidade, está a acontecer com elas.
SABOTAGEM ECONÓMICA
11. Os numerosos problemas económicos da África são criados pela desonestidade de
líderes corruptos que, a sós ou em conivência com interesses domésticos ou privados
estrangeiros, desviam grandes recursos nacionais para seu próprio beneficio e transferem
montantes avultados de fundos públicos para bancos privados no estrangeiro. Este é um
roubo claro, por mais que se lhe uma cobertura legal. É uma traição e uma sabotagem
económica de primeira ordem.
PERDA DA HERANÇA CULTURAL
12. A África está segura e gradualmente a perder a sua identidade cultural. Os valores que
eram tão apreciados e que garantiam a sobrevivência dos nossos antepassados estão a ser
rudemente destruídos: o respeito que tínhamos pela vida, está a tornar-se coisa do passado;
a nossa estima pelos idosos, a autoridade e o sagrado estão a evaporar-se rapidamente para
o ar do desrespeito; o nosso sentido e relacionamento de vida comunitária transformaram-
se em individualismo; o nosso espírito de bondade, de hospitalidade e de preocupação
pelos outros desapareceram para dar lugar à desintegração da nossa tradição social e
cultural. De facto, a própria família Africana dificilmente pode dizer que desempenha o
mesmo papel que levou os Padres Sinodais a ver nela um potencial de enriquecimento da
nossa compreensão da Igreja.
MAIOR RESPEITO PELA MULHER
13. O respeito que tínhamos pela mulher, foi substituído pelo facto de alguns homens
olharem para ela apenas como instrumento de prazer. Um fenómeno vergonhoso que deve
130
ser deplorado como desagradável e abominável à cultura que nunca antes se tinha ouvido,
invadiu a sociedade Africana, onde os homens chegaram ao ponto de abusarem
sexualmente crianças e bebés. Pior ainda, algumas mulheres são força-
das a perderem respeito de si mesmas e tornar o seu corpo objecto de negócio para sua
sobrevivência económica. Tudo isto vai contra a igualdade fundamental e
complemetariedade enriquecedora que existe entre o homem e a mulher (Cfr. EIA, n° 121).
DESILUSÃO
14. Lutámos pela independência na esperança de que nos levaria ao mundo da abundância,
segurança e bem-estar. A verdade é que, hoje, a África pós-independência é mais miserável
do que a África da época colonial. Os próprios Africanos são, em parte, responsáveis por
esta situação. No tempo do Apartheid, todos nos unimos para condenar aquele sistema
desumano. É trágico que a política que qualquer pessoa detestava, seja substituída pelo
crime social de uma intensidade maior e mais cruel. A África do Sul está agora entre os
primeiros três países mais violentos de África.
A CULPA DOS PAÍSES RICOS
15. Todavia, grande parte da culpa cai sobre os antigos mestres coloniais, os países ricos e
industriais. Eles fizeram dos Africanos, mercadoria, metendo-os no chamado Novo
Mundo. A venda de escravos, qual holocausto não reconhecido, que deixou para sempre
uma marca indelével na alma do Africano, infelizmente, ainda continua hoje em várias
formas.
16. Pedimos, encarecidamente, às nações ricas de controlarem o seu comércio de armas
com as nações Africanas. Deveriam tomar medidas necessárias para parar o comércio
ilegal que fornece armas aos Africanos para se matarem. A organização mundial do
comércio. iniciada pelas nações ricas, sob pressão das multinacionais, deveria rever as leis
do comércio mundial em favor dos países pobres, em vez de contribuir para o
enriquecimento das multinacionais e seus parceiros.
17. As nações ricas devem saber que são culpadas de injustiça, quando fixam
arbitrariamente os preços das matérias primas africanas, como eles querem e ao mesmo
tempo, aumentam constantemente os preços da sua exportação para África. São culpados
de apoiar a luta de uma nação Africana ou uma facção contra outra com único objectivo de
ter acesso às matérias primas. São responsáveis perante Deus pela recusa de pagar preços
estáveis pelos nossos produtos não processados, tornando, assim, impossível a qualquer
nação Africana fazer um orçamento valioso e respeitável.
18. A Santa Sé, a Organização da Unidade Africana (OUA) e outros órgãos interessados
não cessam de apelar, sem resultado, às nações ricas de cancelar a enorme dívida que
impuseram aos países Africanos. Certamente, é falta de caridade, de realismo, de justiça e
de sentido moral exigir que as nações pobres de África paguem, como deve ser, a sua
volumosa dívida em relação às nações ricas. Estas, não devem cancelar a dívida, como
também devem consentir reparações dos danos causados à África. É nos Bancos dos países
131
ricos que os corruptos e escrupulosos líderes Africanos depositam os seus dinheiros. As
nações ricas devem saber que esses dinheiros são roubados e se os não devolvem aos seus
legítimos donos, são culpados de crime de roubo, equivalente a sabotagem económica e
exploração, como os que enviaram os dinheiros.
19. A imposição dos programas de reajustamento estrutural sobre as nações Africanas é,
por assim dizer, menos desagradável do que dar ajuda com segundas intenções. Podemos,
apenas, descrever como lamentável que a carta sobre o cancelamento da dívida e o
comércio das armas a África que uma das nossas Conferências Regionais escreveu ao
Banco Mundial, ao Fundo Monetário Internacional e a União Européia, no fim da
Assembléia Plenária de 1998, não recebeu nenhum reconhecimento de qualquer destes três
organismos.
20. Denunciamos, fortemente, o hábito de cumplicidade dos países ricos com alguns países
Africanos na degradação do nosso meio ambiente. Nações que perseguem os cidadãos que
cortam uma árvore dentro do seu próprio quintal não têm problema de consciência em
importar grandes quantidades da nossa madeira, da melhor qualidade para seu próprio uso.
21. As nações coloniais estão, certamente, conscientes que alguns dos conflitos internos
que as nações Africanas experimentam, são devidos às irrealísticas fronteiras estabelecidas
nas suas colónias. Nalguns .casos, juntaram grupos étnicos pela força da sua caneta.
22. Contudo, reprovamos as situações em que os Africanos são expulsos das suas zonas
dentro do seu próprio país ou fora dos outros países sob pretexto de serem estrangeiros.
Denunciamos, tais actos, como manifestação de extremo nacionalismo.
O MAL QUE NOS RODEIA
23. Ao fim e ao cabo, a realidade da situação da África é que não há paz. A doença abunda,
sobretudo a SIDA. Estatisticamente, de facto, o Continente Africano, conta com uma alta
percentagem de doentes de SIDA no mundo. Achamos, esta, uma situação muito grave que
destrói a paz nas famílias e nas nações. O preço inacessível do tratamento da SIDA exclui
os pobres e os condena à morte certa. Existe uma pobreza incompatível diante de nós e
uma fome que destrói sem piedade. A ignorância aumenta. A todos os veis a educação
que garante o desenvolvimento e progresso, que são outros nomes para paz, está
comprometida. A imagem é sombria.
ESPERANÇA EM JESUS
24. Contudo, não perdemos esperança. O Senhor sempre livrou o seu povo fiel de situações
semelhantes ou piores. Jesus é o Príncipe da paz, o Senhor amor. Ele nos reconciliou
com o Seu Pai e entre nós. Perdoou os nossos pecados. Nós confiamos N'ele, estamos certo
da vitória.
25. Apesar da gravidade da actual crise Africana, devemos, em primeiro lugar, agradecer a
Deus pela coragem de muitos homens, mulheres e jovens que permanecem fiéis ao
132
chamamento das bem-aventuranças. Perante as dramáticas situações, provocadas pelas
guerras, migrações forçadas e destruição das suas casas, as mulheres Africanas, em
particular, mantêm a coesão familiar e procuram oferecer aos seus filhos oportunidade de
um futuro melhor. Nos piores momentos de horror, a graça de Deus tem reavivado no povo
heróicas generosidades que mantêm viva a chama da esperança. Temos, ainda, em mente
os grandes esforços que contribuíram para a abolição do sistema do apartheid e aqueles que
ajudaram a instalar alguma paz apreciável em Moçambique.
O NOSSO MANDATO
26. Como pastores, escolhidos pelo Senhor, para anunciar o evangelho da paz em África,
queremos comprometer cada uma das nossas Igrejas locais para a busca da justiça, perdão
e reconciliação. Nas circunstâncias da história do nosso continente, recordamos, em
particular o apelo de S. Paulo: “é tudo obra de Deus, foi Deus quem nos reconciliou
consigo mesmo em Cristo e nos deu a tarefa de transmitir esta reconciliação. Por outras
palavras, Deus em Cristo reconciliou o mundo consigo mesmo, perdoando as faltas do
povo e nos confiou a notícia de que estão reconciliados. Por isso, somos embaixadores de
Cristo e é como se Deus vos interpelasse através de nós e o apelo que fazemos em nome de
Cristo é reconciliai-vos com Deus” (2 Cor 5, 18b-20).
27. Queremos assumir este compromisso de paz em África com as outras Igrejas, nossas
irmãs e com todos os homens de boa vontade. De facto, o Deus da Paz convida a todos os
homens de boa consciência a unirem-se no trabalho da reconciliação e paz com o mesmo
vigor. Por isso, apelamos a todos os nossos cristãos, a todas as mulheres e homens de boa
vontade a rezarem ao Senhor. Não tenham medo. Tenham coragem.
APELO AOS CRISTÃOS
28. Apelamos aos parentes que eduquem os seus filhos para paz, porque a família cristã é
Igreja doméstica e a primeira escola da paz e reconciliação.
29. Apelamos aos jovens, que são o futuro da Igreja e da sociedade a serem autênticos
obreiros da paz para o futuro e a serem justos em tudo o que fazem. Sede evangelizadores
de vós mesmos de acordo com o apelo a vós dirigido no Ecclesia in Africa: “A Igreja em
África sabe bem que a juventude não é o presente, mas sobretudo o futuro da
humanidade. Por isso, é necessário ajudar os jovens a superarem os obstáculos que
reprimem o seu desenvolvimento: o analfabetismo, a ociosidade, a fome e a droga. Para
afrontar estes desafios, dever-se-á chamar os jovens a serem evangelizadores do seu
ambiente. Não há quem possa fazer melhor que eles”. (EIA n° 93)
30. Apelamos a vós, sacerdotes e religiosos(as), a viverem em comunhão entre vós e com
os outros. Não poupeis esforços na formação dos vossos leigos, para apreciarem a
necessidade da justiça, da paz, da reconciliação e do amor nas suas vidas. Fazei bom uso
das Escolas e Catecumenatos para este objectivo.
133
31. Apelamos a todos os leigos(as), às nossas organizações Cristãs e às comunidades
cristãs a serem testemunhas da paz e da reconciliação. Procurai viver a paz através da
prática da justiça.
APELO AOS LÍDERES AFRICANOS
32. A liderança cristã é para o serviço e não para a dominação e interesses egoístas. Por
isso, apelamos aos nossos Líderes Políticos, para que não se deixem levar pela avareza a
ponto de serem injustos para com o vosso povo. Apelamos para que tenham pena dos
compatriotas. Não iniciem conflitos e hostilidades fratricidas. Destruam todas as estruturas
que causam violência, quer sejam económicas, políticas ou culturais. Onde surgirem
conflitos, procurem a reconciliação e abandonem completamente o caminho da violência.
33. Apelamos aos governantes Africanos a promoverem a cultura da integridade. Em união
com o Sínodo Africano apelamos que estabeleçam políticas apropriadas e necessárias ao
crescimento económico e ao investimento em ordem a criar novos empregos. Esperamos
que isto reduza a elevada escala de desemprego que cria frustração e desespero que muitas
vezes resultam em revolta e criminalidade. É preciso travar a fuga dos intelectuais que
priva as nações africanas dos recursos humanos tão necessários para o desenvolvimento:
em contra partida, os intelectuais. os artistas Africanos devem meter a sua ciência à
disposição dos seus países.
34. Gostaríamos de sublinhar que os governos Africanos têm o dever de proteger o
património comum contra todas as formas de esbanjamento e desvio pelos cidadãos que
não têm espírito público ou por estrangeiros sem escrúpulos. Rezamos, fervorosamente ao
Senhor da paz, cujo nascimento 2000 anos foi anunciado pelos anjos aos Pastores com
um hino de paz, para que Ele nos conceda, hoje, em África, políticos santos. Rezamos,
mais fervorosamente ainda por chefes de estados santos que amem profundamente o seu
povo e que tenham em mente, primeiro. os interesses do povo e não os seus. Velem para
que os seus governos paguem salários justos aos seus trabalhadores
35. Deve-se aqui mencionar as formas culturais de resolução de conflitos que se encontram
em todas as sociedades em África. algumas das quais estão mesmo institucionalizadas ou
ritualizadas. Em tudo o que fazem, os líderes Africanos devem saber que são Africanos e
não se deixarem manipular. Eles devem dispôr-se a trabalhar pela paz. Onde a violência
ainda não eclodiu. os Líderes Africanos devem dar graças a Deus. Saibam que a guerra não
é resposta às disputas, que a guerra é sempre um mal e nunca um vencedor nela. As
guerras criam ódio e desejo à violência, como nos mostrou a trágica experiência do
Rwuanda e Burundi nos anos recentes. O genocídio nascido do pior tipo de etnocentrismo
que se alastra há mais de 25 anos é apenas uma imagem mínima do que acontece em toda a
África.
36. Os nossos chefes políticos devem unir-se em todas as frentes. Assim, eles poderão
constituir, no futuro, uma força com a qual se poderá contar na cena internacional. Melhor
ainda, esta união vai permitir-lhes de tirar um beneficio útil dos recursos naturais dos seus
países, diminuir a miséria das suas populações e construir um futuro melhor para os seus
134
filhos. Apelamos às Organizações Africanas, tais como a OUA e seus agrupamentos sócio-
económicos regionais como a ECOWAS. COMESA. SADC e CEEAC, a serem mais
efectivas na promoção da paz e da reconciliação.
37. Recordamos que no final da nossa Assembléia Plenária na África do Sul, em 1997,
escrevemos uma carta a todos os chefes do governo em África, manifestando o mesmo
sentimento em nome do nosso povo. Infelizmente, não recebemos nenhuma resposta dos
nossos irmãos com quem nós queremos crer que partilhamos das mesmas aspirações pelo
nosso povo.
38. Censuramos, sem reservas, todas as formas de intolerância religiosa causadas
sobretudo, por militantes e fundamentalistas fanáticos, que muitas vezes explodem em
violência e hostilidades. Por isso, gostaríamos de advertir contra o culto satánico que
levanta a sua cabeça em certas partes do Continente, cujos primeiros alvos são os
crentes em Deus.
PAPEL DOS ORGANISMOS INTERNACIONAIS
39. Apelamos à comunidade internacional para que não fique indiferente com o que se
passa em África, como se não tivesse nada a ver. A Organização das Nações Unidas e a
Organização da Unidade Africana têm o dever de intervir nas situações de guerra em
África e não se esconderem sob a capa de não-interferência nos assuntos da soberania dos
estados. Elas devem-se mostrar preocupadas com a situação e não demasiado indiferentes.
Que procurem comprometer-se em fazer algo de diferente, quando necessário, para
manterem a sua credibilidade.
40. As nações ricas não se devem fechar em si mesmas, mas devem abrir-se às nações do
Terceiro Mundo. Devem saber que o grande abismo entre o Norte e o Sul é vergonhoso.
41. Pedimos que. a exemplo de João Paulo II durante a sua visita Pastoral ao Senegal, em
1992, os países que estavam envolvidos no comércio de escravos, peçam perdão à África.
Os países que ainda praticam o comércio de escravos tomem medidas apropriadas, para
porem um fim definitivo a esta prática. Do mesmo modo, as potências coloniais devem
reconhecer os efeitos maléficos da colonização, apesar dos seus aspectos positivos e aceitar
o dever da respectiva reparação. Outras nações ricas do hemisfério Norte contribuíram
também. duma maneira ou doutra, para a pobreza dos Africanos. Por isso. recomendamos a
criação de um programa pelas nações ricas. sob os auspícios da Organização das Nações
Unidas, para a erradicação da pobreza no continente Africano.
IGREJAS DO HEMISFÉRIO NORTE
42. Agradecemos aos nossos irmãos e irmãs das Igrejas do hemisfério Norte pela sua
solidariedade e pela sua assistência que sempre deram aos irmãos e irmãs da África. para
aliviar a nossa miséria e sofrimento devido aos conflitos e calamidades naturais.
Apelamos-lhes também a vir em nossa assistência. pressionando os seus governos, em
nome da África, nas áreas de exploração e dominação pelos países ricos que foram
135
mencionadas. Todavia, em nome da Igreja Família de Deus, queremos. uma vez mais,
chamar a sua atenção para a situação dos seus irmãos e irmãs do hemisfério Sul por uma
solidariedade contínua.
A NOSSA TAREFA
43. Da nossa parte, estamos conscientes de que a Igreja em si, não tem sido sempre o
melhor exemplo de justiça que conduz à paz. Sinais de etnocentrismo encontram-se, por
vezes. a todos os níveis da administração da Igreja, incluindo as Conferências Episcopais.
Isto destrói a nossa credibilidade, porque, como observou o Papa João Paulo II: “Se a
Igreja deve testemunhar a justiça, ela reconhece que todo aquele que ouse falar de justiça
aos homens, deve esforçar-se ele mesmo por ser justo aos seus olhos" (EIA 106).
Estamos determinados a eliminar toda a discriminação e favoritismo na Igreja.
Procuraremos dar testemunho de justiça e paz nas estruturas da Igreja, dando, entre outras
coisas, um salário justo a todos os que estão ao serviço da Igreja (Cfr. EIA n° 107).
44. O Espírito Santo ungiu-nos e enviou-nos “a anunciar a Boa Nova aos pobres; a
proclamar a liberdade aos cativos e o recobrar da vista aos cegos, a livrar os oprimidos, a
proclamar o ano da graça do Senhor” (Lc. 4, 18-19). Sua Santidade advertiu-nos no
Ecclesia in Africa que a nova evangelização que queremos levar avante durante o Terceiro
Milénio Cristão “tenderá, portanto, a edificar a Igreja como, família, excluindo todo o
etnocentrismo e excessivo particularismo, procurando, pelo contrário, promover a
reconciliação e uma verdadeira comunhão entre as diversas etnias. favorecendo a
solidariedade e a partilha de recursos e pessoas entre as Igrejas particulares. sem
indevidas considerações de ordem étnica” (EIA n° 63).
45. Vemos que temos uma voz significante no continente Africano. Nós. portanto,
prometemos continuar, com a ajuda de Jesus. nossa Paz. com os esforços que temos estado
a fazer para ajudar a promover a dignidade da pessoa humana no Continente Africano.
Comprometemo-nos a fazer tudo pela promoção de maior justiça na Igreja. Tomamos a
resolução de fazer ouvir a nossa voz em assuntos que neguem à pessoa humana os seus
direitos. Reconhecemos a necessidade de colaboração ecuménica nesta busca da paz. Em
alguns casos descobrimos que onde seja possível será preciso um trabalho inter-religioso
para a resolução de conflitos.
CONCLUSÃO
46. Finalmente, afirmamos que sem o Senhor nada podemos fazer (Jo. 15, 5) e que a paz
que o Senhor não é aquela do mundo. É a paz fundada no bom relacionamento pessoal
com Deus nosso Pai. O nosso apelo final a todos é que se evite a causa principal da
violência. nomeadamente. o pecado que se manifesta persistentemente pelo orgulho,
egoísmo. avidez, intolerância e recusa de aceitação mútua como filhos e filhas do único e
mesmo Deus Criador.
47. A Bem-Aventurada Virgem Maria experimentou a condição de refugiado no
Continente Africano. onde ela acompanhou e criou o Menino Jesus. Confiamos-lhe este
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apelo para que alcance eco no coração dos Africanos. Que por Sua intercessão. o Espírito
de Cristo esteja sempre conosco para que a Família de Deus se torne realidade. não na
Igreja. mas também na grande família da sociedade Africana.
Dada na Rocca di Papa - Roma Sábado, 7 de Outubro de 2000
D. Laurent MONSENGWO PASINYA
Arcebispo de Kisangani
Presidente do SECAM
Do Rumo Novo, revista católica de inculturação e reflexão pastoral. Beira Moçambique.
n. 29, p. 15-26, dezembro de 2000.
137
ANEXO 4
PAOLO VI
AFRICAE TERRARUM
INTRODUZIONE
1. Il ricordo della visita che Ci fu dato di compiere in alcune regioni dell’Africa, prima
della Nostra elevazione al Supremo Pontificato, Ci riempie tuttora l’animo di letizia.
Vivissima fu allora la Nostra impressione, quando allo sguardo ammirato e commosso si
presentò il volto della nuova Africa, e da vicino potemmo osservare il primo avviarsi della
vita cristiana in quelle regioni, il desiderio di sapere, la volontà di rinnovamento, l’ansia di
trovare una soluzione ai complessi problemi posti dalla recente conquista
dell’indipendenza politica. In particolar modo il fervore e la vitalità delle nuove comunità
cristiane Ci diedero l’indicazione manifesta che l’Africa si stava aprendo al Regno di Dio.
Da allora, la voce delle genti Africane, simile a quella udita in sogno da San Paolo mentre
si trovava a Troade (1), continua a risonarci nell’animo: Venite, aiutateci, che è il
momento! Non tardate, perché siamo pronti a ricevervi (2).
2. Assunti alla Cattedra di San Pietro, tra gli altri campi di apostolato a Noi affidati,
consideriamo ora più che mai l’Africa come parte viva della Nostra sollecitudine pastorale,
e mentre più fervorosa è divenuta la Nostra preghiera, più premurosa si è fatta anche
l’attenzione con cui seguiamo lo sviluppo della vita religiosa e l’evolversi delle cose in
questo continente.
Mossi appunto da tali sentimenti, da questa stessa Cattedra, donde il Nostro Predecessore
Pio XII dieci anni or sono promulgò l’Enciclica «Fidei donum» (3) - documento che segnò
una tappa importantissima nel cammino dell’evangelizzazione di questa terra - Noi pure,
quasi a continuazione del discorso di quel grande Pontefice, desideriamo rivolgere
all’Africa il presente messaggio. Per mezzo di esso giunga a tutti gli Africani la
testimonianza del Nostro affetto paterno, delle Nostre speranze, dei Nostri più ardenti voti
per il prospero avvenire religioso e civile delle loro Nazioni.
EREDITÀ ANTICA E CONDIZIONI ATTUALI
3. Nel rivolgere il Nostro saluto all’Africa, non possiamo fare a meno di richiamare alla
mente le sue antiche glorie cristiane.
Pensiamo alle Chiese cristiane d’Africa, l’origine delle quali risale ai tempi apostolici ed è
legata, secondo la tradizione, al nome e all’insegnamento dell’Evangelista Marco.
Pensiamo alla schiera innumerevole di santi, martiri, confessori, vergini, che ad esse
appartengono. In realtà, dal sec. II al sec. IV la vita cristiana nelle regioni settentrionali
138
dell’Africa fu intensissima e all’avanguardia tanto nello studio teologico quanto nella
espressione letteraria.
Balzano alla memoria i nomi dei grandi dottori e scrittori, come Origene, S. Atanasio, S.
Cirillo, luminari della Scuola Alessandrina, e, sull’altro lembo della sponda mediterranea
africana, Tertulliano, S. Cipriano, e soprattutto S. Agostino, una delle luci più fulgenti
della cristianità. Ricorderemo i grandi santi del deserto, Paolo, Antonio, Pacomio, primi
fondatori del monachesimo, diffusosi poi, sul loro esempio, in Oriente e Occidente. E, tra i
tanti altri, non vogliamo omettere il nome di San Frumenzio, chiamato Abba Salama, il
quale, consacrato vescovo da S. Atanasio, fu l’apostolo dell’Etiopia.
Questi luminosi esempi, come pure le figure dei Santi Papi Africani Vittore I, Melchiade e
Gelasio I, appartengono al patrimonio comune della Chiesa, e gli scritti degli autori
cristiani d’Africa ancor oggi sono fondamentali per approfondire, alla luce della Parola di
Dio, la storia della salvezza.
4. Nel ricordo delle antiche glorie dell’Africa cristiana, Noi desideriamo esprimere il
Nostro profondo rispetto per le Chiese, con le quali non siamo in piena comunione: la
Chiesa greca del Patriarcato di Alessandria, la Chiesa Copta dell’Egitto e la Chiesa
Etiopica, che hanno in comune con la Chiesa Cattolica l’origine e l’eredità dottrinale e
spirituale dei grandi Padri e Santi, non soltanto della loro terra, ma di tutta la Chiesa antica.
Esse hanno molto operato e sofferto per mantenere vivo il nome cristiano in Africa
attraverso le vicende dei tempi.
Dopo che, in occasione del Concilio Ecumenico Vaticano II, sono state riprese fraterne
relazioni coi loro Patriarchi, Noi affrettiamo con il desiderio e con la preghiera il giorno
dell’unione e auspichiamo che, già fin d’ora, si approfondiscano la reciproca conoscenza e
comprensione, che dell’unione sono le necessarie premesse.
5. Desideriamo pure manifestare la Nostra stima per tutti i seguaci dell’Islam viventi in
Africa, che hanno elementi comuni col cristianesimo, dai quali amiamo trarre la speranza
di un provvido dialogo. Intanto facciamo voti che anche nella vita sociale, dove
musulmani e cristiani si trovano vicini, ci sia sempre rispetto vicendevole e azione
concorde, per l’accettazione e la difesa dei fondamentali diritti dell’uomo.
6. Ci rivolgiamo infine alle nuove Nazioni d’Africa, che, pur sorte da poco, si sono subito
allineate con le più antiche Nazioni del mondo nei grandi consessi internazionali, per
cooperare a mantenere e consolidare la pace dell’umanità.
Tuttavia, il periodo che l’Africa sta attualmente vivendo è assai delicato. Superata, infatti,
la prima fase dell’indipendenza, gli Stati nuovi sono entrati in uno stadio di assestamento e
di consolidamento.
Che il passaggio verso l’indipendenza sia avvenuto, nella quasi totalità dei casi, in maniera
ordinata e pacifica, è un fatto che onora quanti, governanti e governati, vi hanno
contribuito, e costituisce tuttora motivo di lieta speranza. Che poi in alcuni Paesi la
situazione interna, purtroppo, non si sia ancora consolidata, e la violenza abbia avuto o
139
abbia talvolta il sopravvento, ciò non può dar luogo ad una condanna generale che
coinvolga tutto un popolo o tutta una nazione o, peggio ancora, tutto un continente.
VALORI TRADIZIONALI AFRICANI
7. Noi Ci siamo sempre compiaciuti del fiorire degli studi sull’Africa, e vediamo con
soddisfazione il diffondersi della conoscenza della sua storia e delle sue tradizioni. Ciò, se
fatto in modo onesto e oggettivo, non può non portare ad una più esatta valutazione del suo
passato e del suo presente.
Così, la più recente storia etnica delle genti d’Africa, pur priva di documenti scritti, si
presenta assai complessa e ricca di individualità propria e di esperienze spirituali e sociali,
attorno alle quali proseguono con profitto l’analisi e l’approfondimento degli specialisti.
Molti costumi e riti, un tempo considerati solamente bizzarri e primitivi, oggi, alla luce
delle conoscenze etnologiche, si rivelano come elementi integranti di particolari sistemi
sociali, degni di studio e di rispetto.
A questo proposito Ci sembra opportuno soffermarci su alcuni concetti generali,
caratteristici delle antiche culture africane, perché il loro valore morale e religioso Ci
appare meritevole di attenta considerazione.
8. Fondamento costante e generale della tradizione africana è la visione spirituale della
vita. Non si tratta semplicemente della concezione cosiddetta «animistica», nel senso che a
questo termine venne dato nella storia delle religioni alla fine del secolo scorso. Si tratta
invece di una concezione più profonda, più vasta e universale, secondo la quale tutti gli
esseri e la stessa natura visibile sono considerati legati al mondo dell’invisibile e dello
spirito. L’uomo, in particolare, non è mai concepito solamente come materia, limitato alla
vita terrena, ma in lui si riconosce la presenza e l’efficacia di un altro elemento spirituale,
per cui la vita umana è sempre posta in rapporto con la vita dell’aldilà.
Di questa concezione spirituale, elemento comune importantissimo è l’idea di Dio, come
causa prima e ultima di tutte le cose. Questo con tetto, percepito più che analizzato, vissuto
più che pensato, si esprime in modo assai diverso da cultura a cultura. In realtà, la presenza
di Dio permea la vita africana, come la presenza di un essere superiore, personale e
misterioso.
A lui si ricorre nei momenti solenni e più critici della vita, quando l’intercessione di ogni
altro intermediario è considerata inutile. Quasi sempre, deposto il timore della sua
onnipotenza, Dio è invocato come Padre. Le preghiere che a Lui si rivolgono, individuali o
collettive, sono spontanee e talora commoventi; mentre tra le forme di sacrificio emerge
per purezza di significato il sacrificio di primizie.
9. Altra caratteristica comune della tradizione africana, è il rispetto per la dignità umana.
È vero che ci furono aberrazioni e anche riti, che sembrano in stridente contrasto con il
rispetto dovuto alla persona umana; ma si tratta di aberrazioni sofferte dagli stessi
140
protagonisti, le quali, grazie a Dio, come è avvenuto della schiavitù, sono del tutto
scomparse o stanno per scomparire.
Il rispetto dell’uomo si coglie nelle forme, sia pur non sistematiche, dell’educazione
familiare tradizionale, nelle iniziazioni sociali e nella partecipazione alla vita sociale e
politica, secondo l’ordinamento tradizionale proprio di ogni gente.
10. Elemento proprio della tradizione africana è ancora il senso della famiglia. A tale
riguardo Ci preme mettere in risalto il valore morale ed anche religioso dell’attaccamento
alla famiglia, provato altresì dal legame con gli antenati, che trova espressione in tante e
così diffuse manifestazioni di culto.
Per gli Africani, la famiglia viene così ad essere l’ambiente naturale, nel quale l’uomo
nasce e agisce, trova la necessaria protezione e sicurezza, e ha, infine, la sua continuità
oltre la vita terrena, per mezzo dell’unione con gli antenati.
11. Nell’ambito familiare, poi, è da notare il rispetto della funzione e dell’autorità del
padre di famiglia, il cui riconoscimento, anche se non avviene dappertutto nella stessa
misura, è così straordinariamente diffuso e radicato che, giustamente, è da considerare
come un segno caratteristico della tradizione africana in genere.
La patria potestas viene profondamente rispettata anche in quelle società africane rette a
matriarcato, dove, pur essendo regolate nell’ambito della casa materna la proprietà dei beni
e la condizione sociale dei figli, rimane tuttavia intatta l’autorità morale del padre
nell’organizzazione domestica.
Dallo stesso concetto discende anche il fatto che in alcune culture africane, al padre di
famiglia viene attribuita una funzione tipicamente sacerdotale, per cui agisce come
mediatore non solo tra gli antenati e la sua famiglia, ma anche tra essa e Dio, compiendo
gli atti di culto stabiliti dalla consuetudine.
12. Quanto, poi, alla vita comunitaria - che nella tradizione africana era quasi l’estensione
della famiglia stessa - notiamo che la partecipazione alla vita della comunità, sia
nell’ambito della parentela, sia nell’ambito della vita pubblica, viene considerata un
preciso dovere e un diritto di tutti. Ma all’esercizio di questo diritto si giunge solo dopo la
preparazione maturata attraverso una serie di iniziazioni, che hanno per scopo di formare il
carattere dei giovani candidati e di istruirli sulle tradizioni e sulle norme consuetudinarie
della società.
13. L’Africa, oggi, è stata investita dal progresso, che la muove verso le nuove forme di
vita aperte dalla scienza e dalla tecnica. Tutto ciò non è in contraddizione coi valori
essenziali della tradizione morale e religiosa del passato, che abbiamo succintamente
descritto più sopra, appartenendo essi in qualche modo alla legge naturale, insita nel cuore
di ogni uomo, sulla quale si regge la ordinata convivenza degli uomini di tutti i tempi.
Per questa ragione è doveroso rispettarne l’eredità come un patrimonio culturale del
passato, ma è altrettanto doveroso rinnovarne il significato e l’espressione. Tuttavia, di
fronte alla civiltà moderna è necessario, talora, «sapere fare una scelta: criticare ed
141
eliminare i falsi beni che porterebbero con un abbassamento dell’ideale umano,
accettare i valori sani e benefici per svilupparli, congiuntamente ai loro, secondo il proprio
genio particolare» (4). Le nuove forme di vita scaturiranno così da quanto vi è di buono
nell’antico e nel nuovo, e si prospetteranno alle giovani generazioni come un patrimonio
valido e attuale.
14. La Chiesa considera con molto rispetto i valori morali e religiosi, della tradizione
africana, non solo per il loro significato, ma anche perché vede in essi la base
provvidenziale sulla quale trasmettere il messaggio evangelico e avviare la costruzione
della nuova società in Cristo, come Noi stessi facemmo rilevare in occasione della
canonizzazione dei Martiri dell’Uganda, primi fiori di santità cristiana dell’Africa nuova,
spuntati sul ceppo più vivo dell’antica tradizione (5).
L’insegnamento di Gesù Cristo e la sua redenzione costituiscono, infatti, il compimento, il
rinnovamento e il perfezionamento di tutto ciò che di bene esiste nella tradizione umana.
Ecco perché l’africano, quando diviene cristiano, non rinnega se stesso, ma riprende gli
antichi valori della tradizione «in spirito e verità» (6).
MONITI E SPERANZE
15. Questa considerazione così positiva dei valori morali e religiosi della tradizione
africana non Ci impedisce di vedere anche le ombre che l’Africa di oggi presenta e che
sono motivo di grave dolore e preoccupazione per il Nostro animo. Ci riferiamo ai
disordini e alle violenze che hanno turbato e turbano diversi Paesi, causando sofferenze e
miserie soprattutto fra le popolazioni inermi, tranquillamente intente ai loro lavori. Che
dire, poi, quando la violenza, com’è purtroppo avvenuto, assume quasi le proporzioni di
genocidio, opponendo fra loro, nei confini di un medesimo Stato, gruppi etnici diversi?
possiamo dimenticare che umiliazioni, patimenti e morte hanno colpito anche Vescovi,
sacerdoti, religiosi, suore, laici, cattolici e non cattolici, africani e non africani, l’opera dei
quali non aveva altro scopo che il bene spirituale delle popolazioni del luogo.
Comunità di ferventi cristiani si sono viste improvvisamente abbandonate e isolate per il
forzato esodo dei sacerdoti, venendosi così a trovare in una situazione che desta serie
apprensioni.
Tuttavia, nonostante questi gravi turbamenti, la speranza prevale. E la Nostra preghiera
sale con più fiducia a Dio, nostro Padre, perché dia riposo alle vittime, perdoni i colpevoli,
infonda in tutti il disgusto della violenza e della guerra, rafforzi il desiderio della pace, apra
nei cuori dei governanti la disposizione a comprendere le giuste aspirazioni dei popoli.
16. Quanto è stato conseguito con la proclamazione dell’indipendenza occorre consolidare
con l’ordinata legislazione e la tranquilla attuazione di questa. È perciò necessario tanto
resistere alla tentazione della violenza, quanto evitare e reprimere l’abuso del potere (7).
Il pacifico svolgersi della vita e la stabilità delle istituzioni sono premesse essenziali di
sviluppo nel periodo attuale dei nuovi Stati africani, rendendo possibile la partecipazione
attiva di tutti i cittadini alla costruzione della nuova società, negli organismi pubblici, nelle
associazioni e iniziative private.
142
Questa partecipazione alla vita della comunità si estende ora con la programmazione
sociale, il cui studio e la cui attuazione sono il nobile impegno degli attuali governi
africani. In tal modo, con lo sviluppo sociale ed economico, che supera gli antichi, angusti
limiti tribali, si promuove in tutti la formazione al senso civico, che antepone il bene
comune al particolarismo gretto: a condizione, però, che venga salvaguardata con il
massimo impegno la pace tra Stato e Stato, presupposto indispensabile di ogni sviluppo.
17. Tra gli ostacoli che possono rendere difficile lo sviluppo integrale dei nuovi Stati
africani, vi è inoltre la discriminazione razziale, di cui purtroppo si hanno, anche in questo
continente, gravi ed opposte manifestazioni.
Il razzismo e stato chiaramente e ripetutamente condannato dal Concilio Ecumenico
Vaticano II, nelle varie sue forme, come offensivo della dignità dell’uomo, «alieno dalla
mente di Cristo» (8) e «contrario al disegno di Dio» (9), e da Noi stessi deplorato nella
«Populorum progressio» come un ostacolo che si oppone «alla edificazione di un mondo
più giusto e più strutturato secondo una solidarietà universale» (10). Vogliamo pure
ricordare che, da parte dei Vescovi cattolici, non si è mancato, anche recentemente, di
elevare la voce, là dove ce n’era bisogno, in difesa dei diritti conculcati.
Com’è noto, l’uguaglianza fra tutti gli uomini si fonda sulla comune origine e sul comune
destino di quanti appartengono alla famiglia umana: «Avendo tutti gli uomini, dotati di
un’anima razionale e creati ad immagine di Dio, la stessa natura e la medesima origine, e
poiché da Cristo redenti, godono della stessa vocazione e del medesimo destino divino, è
necessario riconoscere ognor più la fondamentale uguaglianza fra tutti» (11). Questo,
pertanto, esige nella società civile un riconoscimento sempre più esplicito dei diritti
essenziali in ogni essere umano; anche se non annulla le differenze e le funzioni proprie
dei singoli individui, ché anzi le riconosce e le armonizza. Legittime sono, quindi, le
aspirazioni di tutti gli uomini a godere di quei diritti che promanano dalla stessa dignità
della persona umana.
18. È doveroso apprezzare quello che importanti comunità venute da altri continenti hanno
compiuto, particolarmente in determinate regioni dell’Africa, diventate da secoli anche
loro patria. La loro opera ha fruttificato, il loro impegno e la loro istruzione hanno creato
grandi ricchezze e mezzi di produzione, da cui hanno ricevuto non pochi vantaggi anche le
genti autoctone. È però vero che a questa costruzione ha contribuito, in varia misura, tutta
la popolazione, la quale chiede una equa partecipazione al potere civile, una più giusta
ripartizione del reddito nazionale e il riconoscimento dei diritti fondamentali negati da
disposizioni che mantengono artificiosamente barriere economiche, sociali, politiche e
psicologiche.
Le forze economiche in espansione hanno ivi portato, come dappertutto, ad una crescente e
necessaria interdipendenza dei gruppi etnici, quasi ad indicare come per progredire gli uni
hanno bisogno degli altri. Tale esigenza di comune collaborazione è un richiamo a superare
l’ombra del reciproco timore e a studiare il modo di cambiare, senza dannose convulsioni,
quelle condizioni che portano con sequele di ingiustizie, di umiliazioni e di offese alla
dignità umana, e impediscono la comprensione e la cordiale collaborazione per il bene
comune.
143
19. Da questo stato di cose sorge per i cristiani un invito a meditare sull’amore che
dobbiamo al prossimo, memori delle parole di Cristo: «Voi siete tutti fratelli» (12).
L’autentico progresso del cristianesimo negli individui e nella società si accompagna ad
una pratica sempre più ardita dell’amore del prossimo, che obbliga il cristiano a procurare,
dove gli è possibile, la promozione materiale, morale e intellettuale dei suoi fratelli.
La strada non è facile e gli ostacoli sono numerosi, ma non deve far difetto il coraggio
delle grandi imprese. A tal fine Noi pensiamo che tutti trarranno giovamento dal maturare
nel proprio spirito il messaggio di carità del Vangelo, creando un’atmosfera di
comprensione e di colloquio in luogo della diffidenza e del timore, e stabilendo cast un
solido e durevole fondamento al futuro della propria patria.
SVILUPPO E AIUTI
20. Gli Stati africani, nella maggior parte, si trovano in difficili condizioni di sviluppo
Recentemente abbiamo rivolto al mondo un appello, perché lo sviluppo integrale
dell’uomo sia sentito da tutti come un problema urgente su scala mondiale. Nella vasta
programmazione che ciò comporta, l’Africa dovrà occupare un posto importante. Sono
necessari mezzi per l’attuazione dei piani di sviluppo; sono necessari uomini tecnicamente
preparati.
Due problemi, in particolare, si presentano alla Nostra mente, perché Ci sembrano di
pressante significato nelle condizioni attuali dell’Africa. Il primo è la necessità di portare a
fondo la lotta contro l’analfabetismo e proseguire .nella diffusione dell’educazione
scolastica. «L’educazione di base»> dicevamo in quel Nostro appello, «è il primo obiettivo
di un piano di sviluppo. La fame di istruzione non è in realtà meno deprimente della fame
di alimenti» (13). Sarà poi necessario che si adegui il contenuto della scuola alle esigenze
concrete dell’Africa odierna dando la dovuta importanza all’insegnamento tecnico
professionale e tenendo in particolare considerazione i bisogni del mondo rurale, che
costituisce il settore di maggior rilievo.
Il secondo problema riguarda, appunto, la situazione dell’agricoltura, spesso ancora
condizionata da metodi e criteri non più adeguati. Auspichiamo di cuore che esso sia
urgentemente risolto, secondo le provvide indicazioni dell’Enciclica «Mater et Magistra»
del Nostro Predecessore Giovanni XXIII (14), da Noi stessi ripetute e ampliate in varie
occasioni (15).
21. Le condizioni generali dello sviluppo economico dell’Africa non sono mutate con la
semplice dichiarazione d’indipendenza dei nuovi Stati. Che anzi questa ha reso talora
difficili i rapporti con le nazioni prospere: si è temuto che gli aiuti finanziari e l’assistenza
tecnica fossero un condizionamento della libertà e dell’autonomia conseguita con
l’indipendenza. Gli Stati africani, come ogni altro. Stato nelle stesse condizioni, sono
coscienti delle loro necessità, ma sono anche giustamente fieri della loro indipendenza.
Per superare queste diffidenze e le manifestazioni che le generano, indicate sotto il nome di
neocolonialismo, Noi abbiamo chiesto la costituzione di un Fondo mondiale, come
espressione e strumento della collaborazione mondiale (16).
144
La dignità dei popoli che ricevono aiuti deve essere pienamente rispettata. Essi devono
sentirsi, come già diceva il Nostro Predecessore Giovanni XXIII, «i primi responsabili e i
principali artefici nell’attuazione del loro sviluppo economico e del loro progresso sociale»
(17); devono, come Noi stessi abbiamo affermato, «divenire gli artefici del loro destino»
(18).
A questa legittima esigenza di dignità e di responsabilità, quando sia rispettata,
corrisponderà spontaneamente il sentimento della riconoscenza ei il rinnovamento delle
amicizie, ma soprattutto l’uso retto e fa valorizzazione positiva degli aiuti ricevuti.
22. Noi nutriamo grande fiducia nel futuro ordinato dell’Africa, se saprà essere fedele alle
sue antiche tradizioni, e, nello stesso tempo, rinnovarsi al contatto del Cristianesimo e della
civiltà moderna. In particolar modo confidiamo che i cristiani degni di questa nome, consci
della nobiltà del lavoro e delle esigenze del bene comune, non mancheranno di portare un
efficace contributo al consolidamento civile delle loro nazioni.
Per questo motivo desideriamo rivolgere a tutti i figli dell’Africa e a quanti di buona
volontà in essa vivono ed operano, la Nostra parola di saluto, di monito e di
incoraggiamento.
AI VESCOVI, AI SACERDOTI E AI RELIGIOSI
23. E, innanzi tutto, Ci rivolgiamo a voi, Venerabili Fratelli, e ai vostri diretti collaboratori:
sacerdoti, religiosi e religiose, ausiliari e ausiliarie laici. A voi è affidato «il servizio della
comunità . . . . presiedendo in luogo di Dio al gregge, di cui siete pastori, quali maestri di
dottrina, sacerdoti del sacro culto, ministri del governo della Chiesa» (19). A voi, pertanto,
spetta rendere vivo ed efficace l’incontro del Cristianesimo con l’antica tradizione africana.
In realtà, il progresso della Chiesa in Africa è veramente consolante. Quasi dappertutto è
stabilita la Gerarchia locale. La Chiesa, infatti, non ha atteso i movimenti nazionalisti per
avviare gli Africani a posti di responsabilità nel sacerdozio e nell’episcopato, grazie alle
sapienti norme impartite dai Romani Pontefici, specialmente dagli immediati Nostri
Predecessori.
Dobbiamo riconoscere con profonda gratitudine che i primi missionari hanno lavorato bene
per spargere il seme del Regno di Dio. E si deve riconoscere che il suolo d’Africa è stato
propizio al suo germogliare e fruttificare.
24. Talora, viene attribuita ai missionari del passato una certa incomprensione del valore
positivo dei costumi e delle tradizioni antiche. A questo riguardo, si deve onestamente
ammettere che i missionari, sebbene guidati e ispirati nella loro generosa ed eroica opera
da principi superiori, non potevano essere del tutto immuni dalla mentalità del loro tempo.
Ma se ad essi, nel passato, non fu sempre possibile comprendere a fondo il significato dei
costumi e della storia non scritta delle popolazioni da loro stessi evangelizzate, proprio a
molti di loro si deve la prima istruzione scolastica, la prima assistenza sanitaria, il primo
contatto amichevole col resto dell’umanità, la prima difesa dei diritti personali, e l’avvio e
l’approfondimento di quelle conoscenze che oggi si considerano acquisite alla cultura
comune. Molti si sono anche distinti per contributi originali e importanti alle scienze
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antropologiche. Ma soprattutto bisogna riconoscere che l’azione dei missionari fu sempre
disinteressata e vivificata dalla carità evangelica, essendosi essi prodigati generosamente
per aiutare gli Africani a risolvere i complessi problemi umani e sociali del loro Paese.
L’unico vero motivo della presenza dei missionari in Africa, come già abbiamo detto, fu il
desiderio di partecipare agli Africani il messaggio di pace e di redenzione affidato alla
Chiesa dal suo Divino Fondatore. Per amore di Lui, essi lasciarono la patria e la famiglia e
moltissimi sacrificarono la vita al bene dell’Africa.
Delle loro fatiche, delle loro aspirazioni voi, Venerabili Fratelli, siete i valorosi
continuatori, coscienti e riconoscenti.
25. Ma se molto è stato fatto, molto resta da fare. Non solo si tratta di perseverare e di
portare a compimento le opere iniziate - che si sviluppano e si estendono con un progresso
veramente sorprendente - ma anche di andare incontro alle tante popolazioni che ancora
attendono e chiedono di conoscere il Vangelo. Veramente attuale risuona la parola del
Signore: «La messe è molta, ma gli operai sono pochi. Pregate, dunque, il padrone della
messe che mandi operai alla sua messe» (20).
In particolar modo Noi raccomandiamo a voi, Venerabili Fratelli, preposti alle Chiese
d’Africa, che, dando la vostra opera per l’assistenza pastorale delle comunità cristiane, non
lasciate nulla di intentato per far conoscere Cristo ai moltissimi che ancora lo ignorano
(21).
E mentre vi adoperate perché le vocazioni sacerdotali e religiose sorgano sempre più
numerose dal seno delle vostre stesse comunità, fate in modo che la loro educazione,
fondata sopra una vita profondamente spirituale, sia davvero apostolica. Altra vostra
particolare cura sia quella di formare i laici all’apostolato secondo le sapienti direttive del
Concilio Vaticano II (22).
26. Vogliamo estendere la Nostra esortazione anche ai Nostri e vostri Fratelli
nell’episcopato delle Chiese più antiche e più prospere degli altri continenti, perché
continuino ad aiutarvi con generosità. L’appello rivolto da questa Sede Apostolica
specialmente per mezzo dell’Enciclica «Fidei donum» (23), perché sacerdoti, religiosi e
laici, si offrano per lavorare e collaborare nelle giovani Chiese d’Africa, Noi lo rinnoviamo
con sentimento ancor pardente e implorante. Non bisogna, infatti, ritenere che le opere
realizzate e le facilitazioni della tecnica abbiano annullate le difficoltà delle Missioni. I
missionari continuano ad avere bisogno dell’assistenza e della comprensione, perché si
trovano esposti a grandi sacrifici. Le Chiese d’Africa hanno bisogno dell’aiuto costante e
generoso di tutti i cristiani.
27. La situazione odierna dell’Africa richiede un aperto spirito di cooperazione. È
necessario che gli sforzi particolari siano coordinati. Per questo motivo, l’organizzazione
degli Istituti Missionari, già tanto benemeriti dell’evangelizzazione dell’Africa, resta
tuttora la forma più efficace, pur richiedendo rinnovamenti e revisione di metodi allo scopo
di adeguarsi alle mutate condizioni gerarchiche e culturali degli antichi territori di
missione. Così, le iniziative di collaborazione delle singole Chiese, sia a livello diocesano
sia a livello parrocchiale, come l’assunzione di una qualche Missione particolare, devono
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porsi al servizio del Vescovo locale, appoggiandosi, se necessario, agli Istituti Missionari
per garantire il coordinamento e la continuità del lavoro apostolico.
Noi Ci confortiamo nel sapere che sacerdoti non africani si trovano al servizio di Vescovi
africani e svolgono la loro attività pastorale unitamente a sacerdoti autoctoni. Agli uni
raccomandiamo di dedicarsi con generosità alla loro missione apostolica, adattandosi alle
nuove condizioni politiche e sociali e considerando il Paese del loro apostolato come una
seconda patria. Agli altri ricordiamo le parole del Concilio, che li invitano a considerare se
stessi e ogni altro confratello nel sacerdozio come «un unico corpo sacerdotale» (24),
lavorando insieme, nella mutua comprensione e generosità, a congregare in uno il Popolo
di Dio.
Consideriamo lodevole e opportuna la cooperazione di più Istituti nello stesso territorio.
Anche l’attività professionale degli ausiliari laici è una forma di collaborazione
provvidenziale che diventa pienamente efficace coordinandosi sotto la guida del Vescovo.
28. Desideriamo, inoltre, che voi, Venerabili Fratelli, particolarmente voi Gerarchi delle
comunità cattoliche di rito orientale, vi studiate di promuovere un’utile intesa e
collaborazione con le altre comunità cristiane per mezzo di iniziative pratiche secondo le
circostanze e le possibilità «allo scopo di eliminare, per quanto è possibile, lo scandalo
della divisione» (25). Siamo lieti, a questo riguardo, di sapere che in alcuni luoghi, in
attuazione delle direttive del Concilio, si sono avuti incontri di preghiera, di studio e di
azione e sono state concordate forme concrete di collaborazione per la traduzione e la
diffusione della Parola di Dio nelle lingue locali.
Analoga raccomandazione desideriamo fare per quanto riguarda i rapporti con i seguaci
delle altre religioni e con ogni persona di buona volontà, specialmente per promuovere il
bene civile e sociale delle popolazioni, nel rispetto vicendevole delle tradizioni.
AI GOVERNANTI
29. Al chiudersi del Concilio Vaticano II i Padri Conciliari, in unione con Noi, inviarono
un messaggio particolare agli uomini del mondo moderno: primo, fra tutti, ai Governanti.
Di esso Ci sembra bene richiamare i due seguenti passi: «Noi lo proclamiamo altamente:
noi rendiamo onore alla vostra autorità e alla vostra sovranità; noi rispettiamo la vostra
funzione; noi riconosciamo le vostre giuste leggi; noi stimiamo coloro che le fanno e
coloro che le applicano. Ma noi abbiamo una parola sacrosanta da dirvi, eccola: Dio solo è
grande. Dio solo è il principio e la fine. Dio è la sorgente prima della vostra autorità ed il
fondamento delle vostre leggi».
La Chiesa vi chiede «la libertà di credere e di predicare la sua fede, la libertà di amare il
suo Dio e di servirlo, la libertà di vivere e di portare agli uomini il suo messaggio di vita.
Non abbiate timore di essa: è fatta ad immagine del suo Maestro, la cui misteriosa azione
non usurpa le vostre prerogative, ma guarisce l’umano della sua fatale caducità, lo
trasfigura, lo inonda di speranza, di verità, di bellezza» (26
).
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30. A Voi, Governanti d’Africa, la grave responsabilità di operare per il consolidamento
delle istituzioni sorte con l’indipendenza dei vostri Paesi. A voi compete il rinnovare e
l’interpretare, in senso moderno, gli antichi valori della tradizione africana. Da voi dipende
il formulare, il perfezionare e l’eseguire la legislazione sulla quale si ordina la vita presente
dell’Africa. In ciò Noi siamo sicuri che vi guiderà sempre il desiderio del vero bene del
popolo. Siate cercatori della pace, pronti al dialogo e ai negoziati più che alla rottura e alla
violenza, memori della tradizione sociale più autentica dell’antica Africa, che era quella di
trattare.
Favorite la comprensione delle genti che vivono nel vostro territorio, rispettando la libertà
religiosa (27) e adoperandovi perché siano superate, e mai esasperate, le differenze e le
controversie etniche. La prosperità dei vostri nuovi Stati richiede, infatti, la cooperazione e
l’unione di tutte le forze.
Noi rendiamo omaggio alla vostra buona volontà e benediciamo alla vostra opera. Vi
conceda Iddio una visione retta e reale delle cose; adegui nel vostro spirito l’onestà degli
intenti alla prontezza dell’azione, la saggezza delle norme legislative alla prontezza del
sacrificio; coroni con il successo le vostre aspirazioni e le vostre attese.
AGLI INTELLETTUALI
31. Oggi, più che mai, la forza di propulsione dell’Africa nuova viene dai suoi stessi figli,
specialmente da quelli, e sono già una folta schiera in continuo aumento, che occupano
cattedre di insegnamento nelle scuole e nelle università o che partecipano attivamente ai
movimenti culturali, che esprimono l’animo e la personalità dell’Africa moderna.
Come già fece il Nostro venerato Predecessore Giovanni XXIII in una memorabile
udienza, il aprile 1959 (28), desideriamo rivolgere anche Noi un saluto e un augurio ai
rappresentanti dell’arte e del pensiero, invitandoli a continuare nella ricerca della verità
senza mai stancarsi (29).
32. L’Africa ha bisogno di voi, dei vostri studi, delle vostre indagini, della vostra arte, del
vostro insegnamento; non solo perché sia apprezzata nel suo passato, ma perché la sua
nuova cultura maturi sul ceppo antico e si attui nella ricerca feconda della verità.
Di fronte alla evoluzione industriale e tecnica che ha investito il vostro continente, è vostro
compito particolare di tenere vivi i valori dello spirito e della intelligenza.
Voi rappresentate il diaframma attraverso il quale le concezioni nuove e le trasformazioni
culturali, possono essere interpretate e spiegata tutti. Siate, perciò, sinceri, onesti e leali.
La Chiesa molto attende dalla vostra cooperazione per il rinnovamento e la valorizzazione
delle culture africane, in relazione sia alla riforma liturgica, sia all’insegnamento della sua
dottrina in termini corrispondenti alla mentalità delle genti africane.
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ALLE FAMIGLIE
33. Le trasformazioni culturali e sociali dell’Africa odierna interessano intimamente le
concezioni e i costumi, riguardanti la famiglia.
Nel passato, la struttura sociale della parentela e della discendenza era prevalente, e il
matrimonio era considerato di interesse comune della parentela stessa. Tutto questo sta ora
subendo un cambiamento profondo. In alcune nazioni d’Africa sono state emanate leggi,
che rinnovano la condizione giuridica della famiglia, con opportune riforme delle antiche
istituzioni tribali, in particolare della cosiddetta «dote», che, nei tempi recenti, si era
prestata ad abusi gravemente nocivi al tranquillo e sereno sviluppo della famiglia naturale
e cristiana. Anche il sistema della poligamia, diffuso nelle società anteriori o estranee al
Cristianesimo, non si àncora più, come nel passato, nella struttura sociale odierna, più
corrisponde - fortunatamente - alla mentalità prevalente tra gli Africani. In una parola,
nella famiglia africana si è assai allargato il campo della libertà e dell’autonomia dei
singoli coniugi.
34. Tutto ciò è da considerare come altamente positivo. Tuttavia, pur nell’affermazione
della responsabilità personale, è necessario rispettare la Legge di Dio, percessa non può
essere annullata da nessuna trasformazione culturale o sociale.
Quindi la famiglia dev’essere gelosa di difendere e affermare le proprietà fondamentali del
matrimonio: monogamia e indissolubilità. È altresì sacro dovere, sancito dal IV
Comandamento, onorare il padre e la madre; perciò, mentre è giusto che i giovani siano
liberi nelle scelte inerenti al loro matrimonio, non per questo devono rallentare i loro
legami con la propria parentela. Considerino, dunque, come un’eredità preziosa il
partecipare alle sorti comuni della famiglia, e siano pronti ad assistere con filiale generosità
i genitori, e, se necessario e nella misura consentita dai loro mezzi, anche gli altri parenti.
35. Per i coniugi cristiani, inoltre, l’unione familiare si estende, e i fedeli formano la
famiglia di Dio. La loro associazione nella preghiera e nel servizio a Dio diventa sacra.
Secondo l’insegnamento del Concilio Vaticano II, «i coniugi e i genitori cristiani devono,
con amore costante, sostenersi a vicenda nella grazia per tutta la vita, e istruire nella
dottrina cristiana e nelle virtù evangeliche la prole, che hanno amorosamente accettata da
Dio. Così infatti offrono a tutti l’esempio di un amore instancabile e generoso, edificano il
fraterno consorzio della carità, e diventano testimoni e cooperatori della fecondità della
Madre Chiesa, in segno e partecipazione di quell’amore, col quale Cristo ha amato la sua
Sposa e si è dato per lei» (30).
Il Signore Gesù Cristo si è presentato a,gli uomini come maestro, riformatore e rinnovatore
della famiglia. Non solo Egli ha ricondotto la famiglia alla sua primitiva purezza (31), ma
ha fatto del matrimonio un sacramento, cioè un mezzo della grazia.
Noi auspichiamo e preghiamo che tutti gli Africani sappiano comprendere l’insegnamento
del Maestro Divino e nella luce di Lui siano indotti ad applicarlo nella legislazione e nella
vita. Esso ha valore per tutti, perché affonda le sue radici nella natura umana, eleva l’amore
coniugale, rende la famiglia sana ed idonea alla buona educazione dei figli, con benefici
incalcolabili per la società e lo Stato.
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ALLE DONNE
36. Nell’ambito della famiglia risalta la posizione, anche essa profondamente mutata, della
donna, alla quale si sono aperti nuovi campi di attività nella scuola, negli ospedali e nelle
varie forme di vita politica amministrativa dello Stato moderno.
Cause dirette di questo processo devono ritenersi l’insegnamento e lo spirito cristiano, per
cui a buon diritto «la Chiesa . . . è fiera d’aver esaltato e liberato la donna, d’aver fatto
risplendere nel corso dei secoli, nella diversi dei caratteri, la sua eguaglianza
fondamentale con gli uomini» (32).
Alla donna africana, oggi, si domanda di prendere sempre più chiara coscienza della sua
dignità di persona, della sua missione di madre, dei suoi diritti di partecipazione alla vita
sociale e al progresso dell’Africa nuova.
La donna africana chiede in primo luogo di non essere mai considerata o trattata come
strumento.
La sua dignità si rispetta nella libertà che le è dovuta come persona, sia che entri nello stato
matrimoniale per cui le compete il diritto di scegliersi liberamente lo sposo (33), sia che
preferisca conservare la verginità, consacrando se stessa a Dio e dedicando la sua opera al
bene di tutti.
Nell’esercizio della sua precipua missione materna, la donna africana darà ai figli
assistenza affettuosa, accompagnandoli nello sviluppo e preparandoli alla coscienza di e
alle responsabilità dell’avvenire. Nelle attività professionali, poi, e in tutte le relazioni
sociali, dovrà portare quella dedizione, dolcezza e delicatezza, tipicamente femminili, che
in un mondo dominato dalla tecnica preservano il giusto senso delle proporzioni umane.
Anche la partecipazione alla vita sociale nelle sue forme politiche e amministrative è loro
diritto e dovere. L’esercitarli offre alle donne la possibilità di intervenire direttamente per il
rinnovamento delle istituzioni sociali e in modo particolare nei campi riguardanti il
matrimonio, la famiglia e la educazione dei figli.
La Chiesa, fedele alla sua opera di educazione, invita le donne d’Africa, come invita le
donne di tutti i luoghi e di tutti i tempi, a rispecchiarsi nella Madre di Dio, Maria, «la cui
vita», come dice S. Ambrogio, «fu tale da poter essere modello di tutti» (34).
AI GIOVANI
37. Ci rivolgiamo ora a voi, giovani, speranza del futuro. L’Africa ha bisogno di voi, della
vostra preparazione, del vostro studio, della vostra dedizione, della vostra energia. Come
siete i primi a voler conoscere con esattezza il significato e il valore delle antiche tradizioni
africane, siete anche i primi a desiderarne il rinnovamento e la trasformazione. In realtà,
tocca a voi vincere il contrasto tra il passato e la novità di vita e di strutture del presente.
Ma guardatevi dalla facile attrazione di teorie materialistiche che possono, purtroppo,
condurre a concezioni errate o incomplete di umanesimo e alla stessa negazione di Dio.
150
Voi in particolare, giovani cristiani, dovete essere consapevoli della dignità e dell’impegno
che derivano dalla fede cristiana. Vivete la vostra fede. Dedicatevi con ardore allo studio e
al lavoro. Siate modesti, pur nell’aspirazione di cose grandi per il benessere e il progresso
della vostra gente.
38. Con speciale affetto Ci rivolgiamo, poi, a voi, studenti, ricordandovi che
l’insegnamento che ricevete nella scuola vi deve effettivamente preparare alla professione
che avete scelto e all’opera che l’Africa attende da voi per il suo futuro sviluppo. Attorno a
voi, nella vostra Africa, sono ancora moltitudine quelli ai quali non è accessibile la scuola
e lo studio. Siate disposti e lieti di diventare ministri del sapere, trasmettendo ai vostri
fratelli, come insegnanti nelle scuole, il dono che vi è stato dato.
Sappiate, quindi, educare voi stessi allo spirito di sacrificio e di dedizione. Già fin d’adesso
il bene massimo che potete rendere alle vostre nazioni è di prepararvi ad esercitare la
vostra professione con disinteresse e ‘con spirito di cristiana carità.
A quelli tra voi, che si trovano a compiere gli studi in Paesi fuori del proprio continente,
diciamo: Restate attaccati alla vostra terra; una volta compiuta la vostra preparazione, siate
disponibili per i vostri Paesi, pronti al ritorno, facendo della vostra professione un servizio
per il progresso e il benessere dell’Africa.
CONCLUSIONE
39. Nonostante qualche ombra, a cui già abbiamo accennato, Noi confidiamo che l’Africa
saprà consolidare le sue istituzioni civili e saprà muoversi sulla strada del progresso con
pieno rispetto dei diritti di Dio e della dignità dell’uomo.
Nel chiudere questo Nostro messaggio, non possiamo non ricordare che sul suolo d’Africa
trovò rifugio lo stesso Figlio di Dio e la sua Sacra Famiglia, in un momento di
persecuzione e di esilio. Alla mediazione redentrice di Cristo e alla intercessione di Maria
Ss.ma e di S. Giuseppe, Noi affidiamo le sorti della gioventù e della famiglia africana.
Ai grandi Santi africani - quelli che fiorirono nei primi secoli della Chiesa e quelli che,
come i Martiri dell’Uganda, furono colti dalla persecuzione allo spuntare della nuova
primavera cristiana - Noi eleviamo la Nostra fervente preghiera, affinché continuino ad
intercedere per i loro fratelli di oggi, e affrettino il giorno in cui su tutta l’Africa, rinnovata
non solo nelle forme della vita esteriore, ma soprattutto nella grazia dello Spirito, splenda
la luce di Cristo.
40. A tutta l’Africa vogliamo assicurare il Nostro affetto e la Nostra stima. Posti in mezzo
al Popolo di Dio come Vicario di Cristo, le rivolgiamo il saluto di Lui: Pace in mezzo a
voi. Amatevi gli uni e gli altri come fratelli. Con questo saluto e questo augurio, su tutti
invochiamo le più elette grazie e benedizioni del Dio vivente. Dato a Roma, presso S.
Pietro, il 29 di ottobre, nella solennità di Nostro Signore Gesù Cristo Re, del 1967, anno
quinto del Nostro Pontificato.
PAULUS PP. VI
151
(1) Cfr. Act. 16, 9
(2) Cfr. Atti della XII Settimana di Studi Missionari, Milano 1962, pp. 2-12
(3) Cfr. A.A.S. 49, 1957, pp. 225-250
(4) Lett. Encicl. Populorum progressio, n. 41: A.A.S. 59, 1967, p. 278
(5) Cfr. Omelia tenuta il 18 ottobre 1964: A.A.S. 56, 1964, p. 907 ss.
(6) Io. 4, 24
(7) Cfr. Lett. Encicl. Populorum progressio, nn. 30-32: A.A.S. 59, 1967, pp. 272 ss.
(8) Conc. Vat. II, Dich. Nostra aetate, n. 5: A.A.S. 58, 1966, p. 744; cfr. Decr. Ad gentes, n.
15: A.A.S. 58, 1966, p. 964
(9) Conc. Vat. II, Cost. Gaudium et spes, n. 29: A.A.S. 58, 1966, p. 1049
(10) N. 62: A.A.S. 59, 1967, p. 287; cfr. ibid. n. 63, p. 288
(11) Conc. Vat. II, Cost. past. Gaudium et spes, n. 29: A.A.S. 58, 1966, pp. 1048-1049
(12) Matth. 23, 8
(13) Lett. Encicl. Populorum progressio, n. 35: A.A.S. 59, 1967, p. 274
(14) Cfr. A.A.S. 53, 1961, pp. 431-451
(15) Cfr. Lett. Encicl. Populorum progressio, n. 29: A.A.S. 59, 1967, p. 272
(16) Cfr. ibid. nn. 51-54: A.A.S. 59, 1967, pp. 282-284
(17) Lett. Encicl. Pacem in terris: A.A.S. 55, 1963, p. 290
(18) Lett. Encicl. Populorum progressio, 65: A.A.S. n. 59, 1967, p. 289
(19) Conc. Vat. II, Cost. dogm. Lumen gentium, 20: A.A.S. n. 57, 1965, pp. 23-24
(20) Matth. 9, 37-38
(21) Cfr. Conc. Vat. II, Decr. Ad gentes, n. 20: A.A.S. 58, 1966, p. 970
(22) Cfr. ibid. n. 21: A.A.S. 58, 1966, p. 972
(23) Cfr. A.A.S. 19, 1957, pp. 238-246
(24) Conc. Vat. II, Decr. Ad gentes, n. 20: A.A.S. 58, 1966, p. 971
(25) Ibid. n. 29: A.A.S. 58, 1966, p. 980; cfr. anche n. 15, p. 963
(26) Cfr. A.A.S. 58, 1966, pp. 10-11
152
(27) Cfr. Conc. Vat. II, Dich. Dignitatis humanae, n. 1: A.A.S. 58, 1966, p. 930
(28) Cfr. A.A.S. 51, 1959, pp. 259-260
(29) Cfr. Messaggio agli uomini di pensiero e di scienza, 8 dicembre 1965: A.A.S. 58,
1966, p. 12
(30) Cost. dogm. Lumen gentium, n. 41: A.A.S. 57, 1965, p. 47
(31) Cfr. Matth. 19, 8
(32) Conc. Vat. II, Messaggio alle donne, 8 dicembre 1965: A.A.S. 58, 1966, p. 13
(33) Cfr. Conc. Vat. II, Cost. past. Gaudium et spes, n. 29: A.A.S. 58, 1966, p. 1049
(34) De virginibus, lib. II, cap. II, n. 15: P.L. 16, 222
153
ANEXO 5
EUCHARISTY CELEBRATION AT THE CONCLUSION OF THE SYMPOSIUM
ORGANIZED BY THE BISHOPS OF AFRICA
HOMILY OF PAUL VI
Kampala (Uganda), 31 July 1969
Lords Cardinals,
Venerable Brothers,
Members of the Faithful, and Sons of Africa present here today:
To all of you, Our reverent and affectionate greeting! Our greeting is that of a Brother, a
Father, a Friend, a Servant, and at this moment of your Guest. To you We express Our
greeting as Bishop of Rome, as Sucessor of Saint Peter, as Vicar of Christ, as Pontiff of the
Catholic Church-as, finally, We have the good fortune to be on African soil, the first Pope
to do so. And in Our greeting is also included that of the entire Catholic fraternity; with
Saint Paul We can say: “All the Churches of Christ greet you” (Rm 16, 16).
To you, first of all, Lords Cardinals of this Continent, this greeting is addressed. We are
happy and honoured to have you as members of the Sacred College, as Our personal
counselors and collaborators, as authoritative representatives of the African Church in the
Offices of the Apostolic See. We thank you for the demonstration of fealty which your
presence here gives Us. Our gratitude also to you, most beloved Brothers in the
Episcopate! We know well your pastoral labours and your great merits- We embrace and
bless you, each every one. To the Priests, also, to the Men and Women Religious, to the
Catechists, to the Teachers, to all collaborators in the Catholic Laity, to all of the Faithful-
Our thanks, Our best wishes, and Our Blessings.
At this moment, two sentiments fill Our heart. First, a sentiment of communion. We give
thanks to the Lord Who grants Us this ineffable experience. And We must tell you that it
was with the desire for this spiritual experience that We understood this voyage so that We
could be with you, could rejoice in our common faith and charity, which unite us in such a
way as demonstrate, even visibly, that we are one family, in the Mystical Body of Christ in
His Church!
We must tell you also how happy We are to repeat here the words of Apostle of the
Gentiles: We are “one body and one spirit... called to the one hope... One Lord, one faith,
one baptism, one God and Father of us all” (Eph 4, 4-6). If this sentiment of communion is
shared by you, as We confidently hope, and if it endures as the memory of this our
meeting, the We can that Our journey has already achieved a most satisfactory.
154
A second sentiment fills Our heart, beloved Brothers and sons, and it is that of profound
respect for persons, for your land, for your culture. We are filled with admiration and
devotion for your Martyrs, whom We have come here to honour and invoke. We have no
other desire than to foster what you already are: Christians and Africans. Hence We wish
Our presence among you to have the significance of a recognition of your maturity, and of
a desire to show you how that communion, which unites us does not suffocate, but rather
nourishes the originality of your personal, ecclesial and even civil personality. From the
Lord We implore the grace of contribution to your growth, by fertilizing the good seed and
spiritual and temporal fulfilment. Not Our interests, but yours, are the object of Our
apostolic ministry.
This consideration prompts Us to take a rapid and summary glance at the questions
characterist of the African Church. We know that many of these questions have been
discussed by you, the Bishops of this Continent; so that, in their regard, it remains only for
Us to appreciate your atudies and encourage your zeal. You have clear and concordant
ideas; so, now, go forward methodically and courageously in awareness of your great task:
that of building up the Church!
For now, We shall limit Ourself to mentioning some general aspects of African Catholic
life at this particular moment of history.
1. The first of these aspects seems to Us to be this: By now, you Africans are
missionaries to yourselves. The Church of Christ is well and truly planted in this blessed
soil (cf. Ad Gentes, n. 6). One duty, however, remains to be fulfilled: we must, remember
those who, before you, and even today with you, have preached the Gospel; for Sacred
Scripture admonishes us to “Remember your leaders, those who spoke to you the word of
God; consider the outcome of their life; and imitate their faith” (Hebr 13,7). That is a
history which we must not forget; it confers on the local Church the mark of its
authenticity and nobility, its mark as “apostolic”. That history is a drama of charity,
heroism and sacrifice, which makes the African Church great and holy from its very
origins. It is a history which still continues, and must continue for a long time to come,
even though you Africans are now assuming its direction. The help of collaborators
coming here from other Churches is still necessary to you today; cherish that help, honour
it, and unite it wisely with your own pastoral labours.
“Missionaries to yourselves”: in other words, you African must now continue, upon this
Continent, the building up of the Church. The two great forces-and how different and
unequal they are!- which Christ established to build up His Church, must work together
(cf. Ad Gentes, n. 4) with great intensity. They are: The Hierarchy (by which name We
mean the entire social, canonical, responsible, human and visible structure of the Church,
with the Bishops in the from line); and then the Holy Spirit (that is, grace with all its
charism: cf. CONGAR: Esquisses du mystère de l`Eglise, p. 129 seqq.). Both must be at
work in the dynamic form which is precisely that suitable to a young African Church,
called upon to offer itself to a culture responsive to the Gospel, such as is your African
Church. There must now be associated to and following upon the impulse given to the
Faith by the missionary action of foreign countries, an impulse arising from the heart of
Africa itself. The Church, by her very nature, is always a missionary Church. But, one day,
we shall no longer call your apostolate a “missionary” apostolate in the technical sense, but
rather a native, indigenous apostolate, all your own.
155
An immense task awaits your pastoral afforts, in particular the work of training those
Christians called to the apostolate-the Clergy, the Men and Women Religious, the
Catechists, the active Lay Men and Women. For, on the training and preparation of these
local elements, these choice workers of People of God, will depend the vitality, the
development, and the future of the African Church. This is quite clear. It is the plan
selected by Christ, that brother must save brother. But to achieve this evangelical purpose,
may truly qualified brothers be the ministers, the servants, who will themselves be called in
turn to co-operate in the common work of building up the Church. All of this you know.
We have therefore only to encourage and bless your resolution. A burning and much-
discussed question arises concerning your evangelizing work, and it is that of adaptation of
the Gospel and of the Church to African culture. Must the Church be European, Latin,
Oriental ... or must she be African? This seems a difficult problem, and in practice may be
so, indeed. But the solution is rapid, with two replies. First, your Church must be first of all
Catholic. That is, it must be entirely founded upon the identical, essential, constitutional
patrimony of the self-same teaching of Christ, as professed by the authentic and
indisputable. We must, all of us, be both jealous and proud of that Faith of which the
Apostles were the heralds, of which the Martyrs, that is, the Witnesses, were the
champions, of which the Missionaries were scrupulous teachers. You know that the Church
is particularly tenacious, we may even say conservative, in this regard. To make sure that
the message of revealed doctrine cannot be altered, the Church has even set down her
treasure of truth in certain conceptual and verbal formulas. Even when these formulas are
difficult, at times, she obliges us to preserve them textually. We are not the inventors of
our Faith; we are its custodians. Not every religious feeling is good; but only that religious
sentiment which interprets the thought of God, according to the apostolic teaching
authority established by the sole Master, Jesus Christ. Granted this first reply, however, we
now come to the second. The expression, that is the language and mode of manifesting this
one Faith, may be manifold; hence, it may be original, suited to the tongue, the style, the
character, the genius, and the culture, of the one who professes this one Faith. From this
point of view, a certain pluralism is not only legitimate, but desirable. An adaptation of the
Christian life in the fields of pastoral, ritual, didactic and spiritual activities is not only
possible, it is even favoured by the Church. The liturgical renewal is a living example of
this. And in this sense you may, and you must, have an African Christianity. Indeed, you
possess human values and characteristic forms of culture which can rise up to perfection
such as to find in Christianity, and for Christianity, a true superior fulness, and prove to be
capable of a richness of expression all its own, and genuinely African. This may take time.
It will require that your African soul become imbued to its depths with the secret charisms
of Christianisty, so that these charisms may then overflow freely, in beauty and wisdom,
but rather eagerly desire, to draw, from the patrimony your culture that it should not refuse,
but rather eagerly desire, to draw, from the patrimony of the patristic, exegetical, and
theological tradition of the Catholic Church, those treasures of wisdom which can rightly
be considered universal, above all, those which can be most assimilated by African mind.
The Church of the West did not hesitate to make use of the resources of African writers,
such as Tertulian, Optatus of Milevis, Origin, Cyprian and Augustine (cf. Optatam totius,
n. 16). Such an exchange of the highest expressions of Cccchristian thought nourishes,
without altering the originality, of any particular culture. It will require an incubation of the
Christian “mystery” in the genius of your people in order that its native voice, more clearly
156
and frankly, may then be raised harmoniously in this chorus of useful it will be for the
African Church to possess centres of contemplative and monastic life, centres of religious
studies, centres of pastoral training? If you are able to avoid the a kind of local folklore, or
into egoistic tribalism or arbitrary separatism, then you will be able to remain sincerely
African even in your own interpretation of the Christian life; you will be able to formulate
Catholicism in terms congenial to your own culture; you will be capable of bringing to the
Catholic Church the precious and original contribution of “negritude”, which she needs
particularly in this historic hour. The African Church is confronted with an immense and
original undertaking; like a “mother and teacher” she must approach all the sons of this
land of the sun; she must offer them a traditional and modern interpretation of life; she
must educate the people in the new forms of civil organization; while purifying and
preserving the forms of family and community; she must give a educate impulse to your
individual and social virtues: those of honesty, of sobriety, of loyalty; she must help
develop every activity that promotes the public good, especially the school and the
assistance of the poor and sick; she must help Africa towards development, towards
concords, towards peace. Indeed, these duties are great and always new. We shall speak of
them again; but for now We tell you, in the Name of the Lord, Whom we all love and
follow together, that have the strength and the grace necessary for this, because you living
members of the Catholic Church, because you are Christian and you are Africans.
To assist you, We impart to you are Christian all Our Apostolic Blessing.
_________________________________________________________________________
Documento retirado em 20.11.2006 do site:
http://www.vatican.va/holy_father/paul_vi/homiles/1969/documents/hf_p-vi_hom_19690731_en.html
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