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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
ESCOLA DE COMUNICAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO E CULTURA
Belezas Digitais: as Representações Femininas e as Novas
Tecnologias de Comunicação
Autor: Elaine Zancanela de Oliveira
Dissertação de Mestrado apresenta-
da como requisito parcial para ob-
tenção do título de Mestre em Co-
municação e Cultura
Linha de Pesquisa: Comunicação e
Sistemas de Interpretação
Orientadora: Beatriz Jaguaribe
Professora Doutora
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Belezas Digitais: as Representações Femininas e as Novas Tecnologias de
Comunicação
Elaine Zancanela de Oliveira
Dissertação apresentada como requisito parcial pa-
ra a obtenção do grau de Mestre pelo Programa de
Pós-Graduação em Comunicação e Cultura da Es-
cola de Comunicação da Universidade Federal do
Rio de Janeiro – UFRJ. Aprovada pela Comissão
Organizadora abaixo assinada.
Prof. ______________________________________
Prof. Doutora Beatriz Jaguaribe
Orientadora
Prof. ______________________________________
Prof. Doutor Paulo Vaz
UFRJ
Prof. ______________________________________
Prof. Doutor Guillermo Giucci
UERJ
Rio de Janeiro, 16 de abril de 2004
ads:
Oliveira, Elaine Zancanela de
Belezas Digitais: as Representações
Femininas e as Novas Tecnologias de Comu-
nicação / Elaine Zancanela de Oliveira; orien-
tadora, Beatriz Jaguaribe. - Rio de Janeiro:
UFRJ, ECO, 2004.
98 p. : il. col. ; 31 cm.
Bibliografia: p. 94-98.
Dissertação de Mestrado Universidade
Federal do Rio de Janeiro/Escola de Comuni-
cação.
1.Meios de Comunicação. 2. Feminino. 3. Gê-
nero. 4.Beleza. 5.Novas Tecnologias. I. Jagua-
ribe, Beatriz; orient. II. Universidade Federal
do Rio de Janeiro. Escola de Comunicação III.
Título.
Ao meu marido Alexandre pela pre-
sença em todos os momentos, por
tudo. Aos meus irmãos, Carina e
Eduardo, sempre.
Agradecimentos
À minha orientadora por paciência, apoio, incentivo e ensinamentos que me con-
duziram no percurso deste trabalho. Sem sua compreensão e dedicação não teria sido
possível a conclusão desta dissertação.
Aos amigos Fernanda Costa e Silva, Alexandre Werneck, Paulo Bernardo e Viní-
cius Pereira pelo compartilhamento de angústias e descobertas e pelas trocas de idéias,
que em muitos momentos incitaram a curiosidade intelectual que nos move neste cami-
nho.
Aos professores Paulo Vaz e Henrique Antoun pelo incentivo e observações que
se mostraram importantes já nos momentos finais da conclusão deste trabalho.
Ao professor Guillermo Gucci, por aceitar o convite para participar da Comissão
Examinadora desta dissertação.
A todos os funcionários da Pós-Graduação.
À Capes, pela bolsa de auxílio financeiro.
A todos vocês, sinceramente, muito obrigada.
Resumo
Este trabalho explora como o imaginário feminino foi alterado pela influência da
tecnologia. Para isso, analisa os efeitos da tecnologia na cultura visual estabelecida com
os meios de comunicação de massa. O enfoque central é o questionamento sobre o fas-
cínio que a imagem feminina continua a despertar nos novos meios digitais. Para tanto,
investiga-se a inovação técnica dos novos meios em contraposição aos conteúdos e ca-
racterísticas tradicionais dos meios de largo alcance.
O principal objeto de estudo são as mulheres construídas por meio das técnicas de
computação gráfica conhecidas como Belezas Digitais. Busca-se, através dessas figuras,
enxergar a relação entre o feminino, a tecnologia e a imagem na cultura contemporânea.
O trabalho investiga ainda a importância da beleza e da sedução na conformação desse
imaginário feminino, bem como a crítica feminista como oposição a esses valores.
Abstract
This work explores how technology has influenced and transformed the represen-
tations of women in the imaginary of the media. From the advent of mass media com-
munication, technology has radically modified visual culture. The central contention of
this research is that despite technological innovation, the fascination with the images of
women relies on previous patterns and symbolic associations.
The main subject of this work is Digital Beauties, images of women created with
computer graphics technology. These figures are explored as icons of the interconnec-
tion between women, technology and image on the contemporary culture. Beauty and
seduction are all pervasive in establishment of this imaginary of women, as well as the
feminist critique that opposes these values.
Sumário
Resumo..............................................................................................................................6
Abstract..............................................................................................................................7
Introdução........................................................................................................................10
Capítulo 1: Tecnologia e feminino..................................................................................13
1.1 Imaginário ciberfeminista ........................................................................... 17
1.2 Imaginário pós-gênero: a metáfora ciborguiana ......................................... 23
1.3 Imaginário tecnoerótico .............................................................................. 26
Capítulo 2: A genealogia da boneca: das vamps mecânicas às Vênus digitais ...............35
2.1 Morel e o fascínio pela imagem na Modernidade....................................... 38
2.2 As vamps e os autômatos da literatura e do cinema.................................... 42
2.3 A sedução feminina nos meios de comunicação de massa ......................... 50
2.3.1 Divas do cinema e pin-ups da publicidade........................................... 51
2.3.2 As top models televisivas e modelos da imprensa feminina................ 59
2.4 As Vênus digitais da Internet: As mulheres de bits e a sedução digitalizada 62
Capítulo 3: Belezas Digitais: a digitalização da beleza e as novas mídias......................72
3.1 De Lara Croft a Angelina Jolie: do jogo para o espetáculo ........................ 74
3.2 A beleza e a digitalização do real................................................................ 84
3.3 Belezas Digitais: tecnologia da imagem, beleza e hedonismo.................... 89
Conclusão ........................................................................................................................91
Referências Bibliográficas...............................................................................................94
Lista de Figuras
Figura 1 - Sexy Robô, por Hajima Sorayama................................................................. 31
Figura 2 - Maria, filme Metrópolis, e Simone, filme S1m0ne ....................................... 49
Figura 3 - Pôster do filme Barbarella ............................................................................ 52
Figura 4 - Pin-ups de Vargas e Petty.............................................................................. 53
Figura 5 - Marilyn Monroe, por Andy Warhol............................................................... 54
Figura 6 - Pin-up Kolynos .............................................................................................. 57
Figura 7 - Pin-up Gessy.................................................................................................. 58
Figura 8 - Kaya, por Alceu Baptistão............................................................................. 64
Figura 9 - Terai Yuki, por Ken-Ichi Kutsugi.................................................................. 65
Figura 10 - Webbie, garota propaganda da Brasil Telecom........................................... 66
Figura 11 - Jogo Metróide .............................................................................................. 75
Figura 12 - Lara Croft, no vídeo game Tomb Raider..................................................... 76
Figura 13 - Angelina Jolie, no filme Tomb Raider......................................................... 76
Figura 14 - Site Mulher .................................................................................................. 79
Figura 15 - Ai - Virtual Idol ........................................................................................... 80
Figura 16 - Webbie Tokay - Virtual Model.................................................................... 80
Figura 17 - Lara Croft Nude Patch................................................................................. 83
10
Introdução
No mundo contemporâneo, a tecnologia permeia todas as atividades humanas.
Homens e mulheres deparam-se cotidianamente com novos objetos técnicos que possi-
bilitam indagações em relação à cultura na qual estão inseridos. As novas tecnologias de
comunicação nos fascinam e ao mesmo tempo desestabilizam as fronteiras entre nature-
za e cultura e entre o humano e a máquina.
Por enquanto, os computadores ainda possuem contornos que revelam seu caráter
de objeto, mas as mais recentes pesquisas na área tecnológica mostram que ele pode
desaparecer, sumir, tornar-se ubíquo. Assim, como as redes de abastecimento de água
estão submersas em nossas ruas, chips de silício em minúsculos sensores poderão se
misturar aos nossos corpos e ao mundo que nos rodeia fazendo com que nos comuni-
quemos diretamente com uma realidade totalmente coberta pela técnica.
Nesse cenário futurístico, as telas que hoje são nossa interface com o mundo vir-
tual poderão ser substituídas por simulacros humanóides que, como robôs ou hologra-
mas projetados sobre a realidade, servirão como os novos objetos de comunicação. Des-
sa forma, o mundo que hoje se estabelece como uma cultura da visualidade, formada
principalmente a partir dos meios de comunicação de massa e pela Internet, pode pre-
senciar uma invasão de imagens que poderão conviver diretamente com a realidade hu-
mana.
Na atualidade, algumas figuras chamam a atenção quanto a essa entre outras
possibilidades: as “Belezas Digitais”, construídas através de técnicas de computação
gráfica. Elas assumem várias formas. Heroínas de jogos de vídeo games. Modelos e
atrizes virtuais. Ídolos virtuais da cultura pop japonesa. São as celebridades do mun-
do digital. Essas imagens de mulheres que circulam no mundo cibernético invadem o
mercado publicitário nos novos meios, o contexto ficcional dos filmes e histórias em
quadrinhos, como também sites de pornografia e de arte digital.
Posto que a maioria dessas construções são mulheres, a indagação que motivou esta
pesquisa está centrada no questionamento da imagem do feminino nessas novas tecnologi-
as de comunicação. A partir dessas representações, em sua maioria erotizadas, de mulheres
que povoam o imaginário dos novos meios, como a Internet, perguntou-se, então, que fe-
nômeno será esse?
11
Algumas inquietações específicas nortearam a pesquisa durante todo o percurso:
1. Haveria uma relação especial entre o feminino e a técnica?
2. O novo meio estaria revolucionado as representações até então existentes
na cultura de massa ou estaria dando continuidade a um repertório já esta-
belecido?
3. Qual a relação entre o fascínio que a imagem exerce na cultura visual e a
configuração da boneca enquanto figura que se constitui através de sua a-
parência?
4. Qual a influência dessas representações na invenção de um imaginário fe-
minino que valoriza o belo e a juventude?
No Capítulo 1, através do cruzamento da história da mulher com a da invenção
do computador, busco as possíveis relações entre o feminino e a tecnologia. A cons-
tatação de que havia discursos que se apropriavam da tecnologia para libertar, revo-
lucionar ou erotizar a imagem e a condição feminina levou à divisão desse capítulo
em três imaginários que se mostraram importantes para esta observação. Primeira-
mente, o imaginário ciberfeminista, que se apropria do avanço tecnológico como
uma arma que poderia libertar a mulher de uma possível condição submissa na soci-
edade a que elas teriam sido relegadas devido a uma estrutura patriarcal dominante.
Ele se baseia principalmente nas reflexões de Sadie Plant (1999) e de outros pesqui-
sadores que procuram analisar as representações femininas nos novos meios. Em
segundo lugar, o imaginário ciborguiano, que tem origem no mito do ciborgue cu-
nhado por Donna Haraway (2000) e suas previsões de um mundo em que estariam
suprimidas as diferenças de gênero. E, por fim, o imaginário tecnoerótico através da
busca da relação entre máquina, feminino e erotismo, que se calca principalmente na
pesquisa de autores como Claudia Springer (1996) e Román Gubern (2000).
No Capítulo 2, busca-se fazer a genealogia da mulher-boneca, ou seja, a pesquisa
de um imaginário no qual o feminino é construído como uma figura calcada em sua
visualidade, sua aparência. Para isso, levantamos alguns questionamentos, que são a-
bordados segundo a apresentação de representações femininas nos diversos meios de
massa. Qual o papel que os meios de comunicação de massa como o cinema, a televisão
e as revistas tiveram na constituição de um imaginário feminino que se difundiu através
de técnicas visuais?
12
Por conseguinte, parte-se para a análise das relações entre essa cultura da visuali-
dade estabelecida a partir desses meios e o fascínio por imagens femininas criadas e
divulgadas por essas técnicas de reprodução visual. Outro questionamento intrínseco à
própria história dos meios é qual é, neles, a relação entre a mulher, a publicidade e o
consumo. Autores como Baudrillard e Edgar Morin (1994) auxiliam no entendimento e
na condução dessas questões.
A análise de algumas histórias de autômatos na literatura serviu como um ponto de
partida para um estudo da relação entre o feminino e a boneca. O levantamento de represen-
tações, como as vamps da literatura e do cinema, as pin-ups e divas da cultura de massa e as
top models das revistas e da televisão, forneceram o panorama para que se pudesse estabe-
lecer a relação entre as novas representações como as belezas digitais da Internet com o
repertório desenvolvido na cultura de massa. Como questionamento final, perguntamos,
então, o que seria novo em termos técnicos e o que teria se mantido neste intervalo que se-
para as vamps mecânicas das Vênus digitais?
Ao mesmo tempo que se busca analisar as representações visuais criadas e divul-
gadas através da técnica, outra questão que permeia esse capítulo diz respeito à evolu-
ção da sedução feminina. As reflexões de Gilles Lipovetsky (2000) acerca da perma-
nência e revolução do feminino sustentam essas observações.
No Capítulo 3, é proposto um estudo de caso que se foca em uma das belezas digi-
tais que incitaram o mercado de jogos e de computação gráfica a desenvolver essas i-
magens femininas tecnologizadas, a heroína de vídeo game Lara Croft. Por meio desta
personagem, nos colocamos duas principais questões. A primeira é qual a relação entre
o novo meio e a cultura do espetáculo. O pressuposto que guia esta investigação é de
que as belezas digitais passam a corporificar uma existência midiática que as coroa co-
mo celebridades do mundo digital. A segunda questão é qual a relação entre esta cultura
que cria imagens perfeitas de mulher com a atual tendência da mulher se construir como
imagem através de técnicas como a cirurgia plástica, por exemplo. Seria este um pro-
cesso de digitalização do real?
13
Capítulo 1:
Tecnologia e feminino
Estamos a três décadas da invenção do circuito integrado, ou seja, da síntese
do que chamamos hoje de computador pessoal, o responsável pelo desencadeamento
da revolução da tecnologia digital. Entretanto, há milhares de anos mulheres e ho-
mens parecem ser produtos e processos de uma outra tecnologia, responsável pela
estruturação de seus papéis sexuais na sociedade: as tecnologias do gênero.
Para alguns autores, o gênero é uma construção social e histórica, não sendo,
portanto, fornecido previamente. Eles nomeiam os mecanismos que permitem essa
construção numa determinada época e cultura de ‘tecnologias do gênero’, como é o
caso de Balsamo (1999) e Lauretis (1994). Quando Lauretis explica que as represen-
tações presentes na cultura, no cinema, no quotidiano, no trabalho, na universidade
são processos que constituem o que chamou de “tecnologia do gênero”, ela parte do
pressuposto de que o gênero não é dado de antemão, mas é historicamente e social-
mente construído. Esse conjunto de referências que norteiam uma subjetividade co-
letiva ou individual, quando expresso por meio de uma cultura visual, como na tele-
visão, no cinema, nos jornais, nos veículos de comunicação de massa e na Internet,
constitui o imaginário de uma determinada cultura. Essas representações visuais,
portanto, são processos, que podem ser considerados como tecnologias do gênero.
Os efeitos das tecnologias do gênero alimentam, assim, o imaginário feminino
1
nos
meios de comunicação.
A utilização do termo “tecnologia do gênero” por Balsamo (p.19-21) explica
que por trás de sua noção de “tecnologias de corpos gendrados” está o conceito de
Foucault sobre as “tecnologias do self”. Resumidamente, ela diz que o termo tecno-
logia nomeia o processo pelo qual práticas discursivas trabalham interdependente-
mente com outras forças culturais para produzir efeitos no nível do corpo. Isso for-
1
O termo imaginário feminino aqui utilizado, vale ressaltar, não diz respeito a um imaginário do gênero
feminino, mas sim daquele criado por meio da comunicação visual, tomando-se por referência a imagem
da mulher ali representada, independente se foram homens ou mulheres que a criaram. Ou seja, o imagi-
nário é como algo que estivesse no mundo simbólico de que nos apropriamos como referência numa dada
situação cultural e comunicacional. Será adotada uma diferença, no entanto, entre o termo imaginário e
simbólico. O primeiro está relacionado a referências que norteiam grupos ou pessoas, mas que não sejam
necessariamente instituídas. No caso do simbólico, um certo tipo de imposição teria sido arbitrariamente
instituído como é o caso da língua.
14
neceria uma base para se investigar o modo pelo qual algumas “verdades” tidas co-
mo aceitas são, de fato, construídas culturalmente e eventualmente institucionaliza-
das.
Alguns pesquisadores acreditaram que as novas tecnologias de informação (ci-
bernética, computador, redes, Internet), poderiam desconstruir essas verdades aceitas
em relação ao gênero. Os discursos das ciberfeministas e de Donna Haraway aposta-
ram na tecnologia como capaz de provar que o gênero não é dado de antemão e que,
portanto, a mulher era diferente do que se pensava sobre ela.
Com isso, os discursos ciberfeministas se apropriaram da tecnologia para tentar
mostrar que as mulheres podiam ser como os homens, o que ocorreria principalmente
através do exercício de suas atividades profissionais. Nesse sentido, a verdade que esta-
ria sendo desconstruída era a de que a mulher é um ser baseado somente na emoção e
nas suas capacidades reprodutivas. O discurso de Haraway se apropria da tecnologia
para propor um mundo que elimine as diferenças de gênero, no qual todos possam se
reconstruir a partir da possibilidade de acoplamento com as máquinas, como propõe o
mito do ciborgue. As tecnologias, então, desconstruiriam uma condição feminina fun-
dada no corpo, em sua existência orgânica.
Em contrapartida, outros discursos não se baseiam na esperança de que a tecno-
logia possa alterar o gênero. Neles, a máquina é vista como mulher na figura de robôs
femininos, o que não transforma a figura do feminino, como é revelado pelas pesquisas
que indicam que a tecnologia é erotizada e utilizada para marcar essas diferenças de
gênero. Dessa forma, os dois primeiros apostam na desconstrução e o último não, por-
que permanece a imagem da mulher erotizada, o que significa, em última instância, a
associação da mulher a sua imagem.
Este capítulo, então, analisa três imaginários que se dizem capazes de estruturar as
possibilidades de investigação sobre esse tema no contemporâneo. O primeiro é o imaginá-
rio ciberfeminista, que será ser observado principalmente nas reflexões de Sadie Plant
2
.
Através da investigação da participação da mulher na história da tecnologia, ela clama por
uma reescrita que recoloque a mulher em sua posição de sujeito e não de objeto. Isto ocorre-
2
Diretora do Centre for Research into Cibernetic Culture, da Universidade de Warnick, na Inglaterra.
Silva (2000).
15
ria por meio do exercício de atividades intelectuais e não de habilidades sexuais ou de orga-
nizadora de lares.
O segundo imaginário é o do pós-gênero, suscitado pelo Manifesto Ciborgue
de Donna Haraway
3
. Neste, o mito do ciborgue é apropriado para solapar a divisão
de gêneros criada a partir do mito falocêntrico ocidental que narra o surgimento do
homem e da mulher a partir de uma origem paternalista, masculina. Haraway se a-
propria do fato de o ciborgue ser um tipo de híbrido formado pela simbiose entre
corpo humano e máquinas para carregar a potencialidade de uma sexualidade híbri-
da.
O terceiro imaginário a ser abordado é o tecnoerótico, termo usado por Sprin-
ger, uma das autoras que pesquisam a intrínseca relação entre máquina e erotismo.
De uma maneira geral, essa relação será mostrada através do olhar de alguns autores
que investigam o imaginário de filmes, programas de TV e literatura de ficção cien-
tífica. Duas considerações em relação a esse imaginário podem ser adiantadas: a não
realização de um mundo pós-gênero como previsto (ou sonhado) por Danna Hara-
way e a presença da imagem de uma mulher robô erotizada como ícone deste imagi-
nário fetichizado que funde a tecnologia com o erótico.
Uma das características dos meios de comunicação de massa quanto a sua estrutu-
ra de envio e recebimento de mensagens é que estes obedecem à lógica de oferta, ou
seja, poucos enviam para muitos. Isso, de certa forma, favorece a criação de uma ima-
gem padrão constante e excessivamente imposta a um público consumidor. Apesar da
existência de públicos segmentados, que recebem de maneira diferente a imagem em
questão
4
, quando o conteúdo veiculado é a imagem de mulheres, ocorre uma construção
simbólica em relação ao que significa ser feminino no contexto dessa cultura visual.
3
O Manifesto ciborgue foi inicialmente publicado em 1985. Está sendo utilizada neste trabalho uma tra-
dução, que pode ser encontrada em Silva (2000).
4
Essa descoberta leva ao desenvolvimento dos estudos de mediação e de recepção a partir da década de
1960. Como explica Castells (1999), a grande questão foi descobrir que embora a grande mídia seja um
sistema de comunicação de mão única, o processo de comunicação real não o é. Ele depende da interação
entre o emissor e o receptor na interpretação da mensagem. Então, o pânico moral que se desenvolveu a
respeito do novo meio de comunicação foi relativizado por pesquisas de comunicação e ciências sociais,
os estudos de recepção e mediação, que esclareceram que a audiência da mídia de massa não era tão pas-
siva quanto se pensava e que os efeitos das mensagens ocorrem numa margem entre os códigos do emis-
sor, baseados na ideologia dominante, e os códigos culturais específicos do receptor. Ou seja, dá-se uma
mistura de autonomia humana e dos sistemas culturais individuais na finalização do significado real das
mensagens recebidas que modifica o efeito pretendido pela mensagem, sem se desconsiderar a indução de
comportamentos da mídia de massa. Esse efeito estaria relacionado à capacidade deste tipo de mídia de
16
A Internet, com sua revolução interativa, é a grande vedete da evolução da infor-
mática e é o epicentro dos estudos das novas tecnologias. E a mulher parece ser também
hoje, principalmente após a revolução feminista, uma referência importante, respecti-
vamente, da evolução da tecnologia do gênero e de sua força na construção do imaginá-
rio social. A partir, então, desse cruzamento entre a máquina digital e a mulher, e das
múltiplas possibilidades que abordagens sobre este tema apresentam hoje nos estudos
culturais de mídia, pergunta-se: quais as relações possíveis entre feminino e a tecnologia
digital no que se refere ao imaginário feminino construído a partir da invenção do com-
putador?
As mulheres vinham ocupando funções muito diferentes das exercidas pelos ho-
mens ao longo da história, mas a tecnologia altera isso. Com o que a análise do lugar da
mulher no campo tecnológico e as críticas feministas em relação à omissão desse tipo de
narrativa na história da evolução da tecnologia vão contribuir para um primeiro marco
em relação à representação da mulher dentro do contexto das novas tecnologias?
Sabemos que o imaginário se forma também a partir de mitos nascidos com o sur-
gimento de novas possibilidades científicas incorporadas à cultura popular visual atra-
vés de filmes, programas de computador, entre outras manifestações culturais. Silva
(2003, p. 22) diz que o imaginário é a “narrativa mítica da era da mídia” e que ele se
difunde segundo técnicas próprias, as quais ele denomina de “tecnologias do imaginá-
rio”, que seriam “dispositivos de produção de mitos, de visões de mundo e de estilos de
vida”.
Segundo Haraway, o ciborgue, visto como um “recurso imaginativo”, mítico,
permitiria propor novas políticas feministas, diferentes das tradicionais, baseadas em um
discurso mesmista, centrado em uma posição de vítima da apropriação sexual das mu-
lheres pelos homens. Como o mito ciborguiano de Haraway, que aponta para um futuro
de supressão das antinomias de gênero, coloca-se nesse cenário de representação do
feminino? A partir dessas referências, então, qual o imaginário suscitado pelo ciberfe-
minismo de Plant e pelo mito ciborguiano acerca da imagem da mulher?
Há atualmente uma cultura ansiosa pelo erótico e pela forte sexualização do corpo
da mulher, pela valorização de seu aspecto sedutor e, enfim, por uma certa afirmação
“modelar a linguagem de comunicação societal”. Por exemplo, em nossa sociedade organizada em torno
da grande mídia, estar ou não estar na mídia já comunica que determinada mensagem vai ficar restrita a
redes interpessoais de comunicação e podendo, portanto, desaparecer do coletivo.
17
das diferenças de gênero. Isso se manifesta no que Springer chama de imaginário tecno-
erótico da cultura popular. De acordo com Lemos (2002, p. 174), o erotismo é um dos
principais vetores de apropriação diária das novas tecnologias. Essa demanda pela sedu-
ção digital prolifera através de sites eróticos, de personagens maquínicas que são incor-
porações de arquétipos da mulher fatal no cinema, de bonecas digitais sensuais constru-
ídas com técnicas de computação gráfica na Internet e de heroínas de jogos de vídeo
game. Como se forma, então, este imaginário a partir destas referências visuais?
1.1 Imaginário ciberfeminista
O imaginário ciberfeminista é formado por uma tentativa de se recuperar uma his-
tória na qual a mulher existe não como objeto, mas como sujeito em relação ao domínio
de seu corpo e de sua capacidade intelectual, utilizando para isso a tecnologia digital. A
imagem de mulheres descontroladas, histéricas e incapazes de produzir algo que não
fossem filhos é atacada em função da imagem de uma mulher inteligente, capaz de tra-
balhar fora e estar no mundo como um indivíduo menos dependente em relação aos ho-
mens e, assim, mais realizador.
Esse é, basicamente, o argumento típico do feminismo, que, segundo Strinati
(1999, p. 176), pode ser subdividido em três tipos: o radical, que “considera os inte-
resses de homens e mulheres essencial e inevitavelmente divergentes e que julga o
patriarcado, o controle e a repressão das mulheres como a mais crucial forma histó-
rica de divisão e de opressão social”; o liberal, que critica o uso e a representação
desigual e exploradora das mulheres na mídia e na cultura populares; e o feminismo
socialista, que se calca na transformação radical das relações entre os sexos como
elemento crucial para o surgimento de uma sociedade socialista.
Esse autor mostra que grande parte da crítica feminista se baseou num conceito
de “aniquilação simbólica”, que se aplica à omissão, “condenação ou banalização”
das mulheres nos meios de comunicação de massa e na cultura (Strinati, p. 178). O
discurso utilizado pela ciberfeminista Sadie Plant se aproxima do “feminismo radi-
cal” definido por Strinati, ao enxergar a tecnologia digital tanto como oportunidade
de emprego quanto como uma possibilidade de libertação do controle do patriarca-
18
do; também está de acordo com o “feminismo liberal” ao criticar a ausência da mu-
lher na história da cultura, no caso, na história da tecnologia digital.
Como diz Balsamo (p. 150-151), alguns críticos acreditam que a confrontação en-
tre a narrativa histórica e autobiografias, mesmo que não autorizadas, permite provocar
conflitos capazes de interferir na “codificação das interpretações oficiais”. O levanta-
mento da informação sobre mulheres participantes de áreas técnicas tradicionalmente
dominadas por homens poderia, portanto, mostrar isso.
Segundo Balsamo (p. 152), “uma das suposições acerca da ausência da mulher na
história da tecnologia seria a da associação entre a tecnologia e o masculino”. Essa tem
sido um tipo de associação alterada por estudos recentes feministas que “procuram não
somente recuperar a contribuição da mulher ao desenvolvimento histórico de diferentes
tipos de tecnologias, mas também a repensar a história da tecnologia a partir de uma
perspectiva feminista”. Esse tipo de crítica que prevê “uma aliança entre as mulheres, a
maquinaria e as novas tecnologias” é o ciberfeminismo praticado por Plant (p. 42):
As novas máquinas, mídias e meios de telecomunicação que compõem o que é
variadamente denominado de alta tecnologia, tecnologia da informação, infor-
mação digital ou simplesmente novas tecnologias, surgidas nas duas últimas
décadas, representaram um papel imenso e fascinante na emergência da nova
cultura (...) E é a despeito das tendências das tecnologias para reduzir, objetifi-
car e regular tudo que se move que os computadores e as redes que em conjun-
to eles compõem funcionam de acordo com princípios inteiramente diferentes
dos que outrora mantiveram as mulheres no lar.
Plant faz uma crítica severa à omissão da representação da mulher na história da
tecnologia digital. Ela situa o início dessa “ausência” como paralelo à invenção, por
Charles Babagge, do engenho analítico, o precursor do computador que conhecemos
hoje. Ada Lovelace, que foi esposa de Babagge, principal crítica e comentadora de seu
trabalho, e acabou por se tornar a primeira programadora da história, é apontada como a
primeira vítima de uma injustiça do reconhecimento social da capacidade e do talento
das mulheres no meio digital. Ada escreveu notas sobre o trabalho de um engenheiro
militar que, segundo o próprio Babagge, eram mais significativas do que o próprio texto
principal:
(...) Seu trabalho (as notas) foi, na verdade, imensamente mais influente, e de ex-
tensão três vezes maior, do que o texto ao qual as notas deveriam ser meros ad-
juntos. Cem anos antes de o hardware ter sido construído, Ada havia produzido
19
o primeiro exemplo do que mais tarde seria chamado de programação de com-
putador. (Plant, p.16).
Outros dois casos citados por Plant (p.140) são o da capitão Grace Murray Hooper,
considerada a segunda entre as primeiras programadoras quando, em 1943, surgiu o UNI-
VAC, um dos primeiros computadores desenvolvidos comercialmente
5
; e de Klara von
Neuman, esposa de Jon von Neuman, nome famoso na ciência da computação por ter parti-
cipado do projeto do ENIAC, o primeiro computador eletrônico inteiramente programável,
em 1946. Através da revelação da contribuição de várias mulheres nos projetos e operações
dessas máquinas digitais e de suas precursoras, como o telefone, o telégrafo, as máquinas de
datilografia, os teares e até de sua atuação na Primeira Guerra Mundial
6
, a autora aponta
para a reviravolta que a tecnologia digital permitiria naquele estado de mulher servil, sub-
missa, que viveu à margem do homem, sem nunca ocupar um papel dentro da hierarquia
social do patriarcado (Plant, p.135).
A autora faz, então, um traçado histórico da entrada da mulher no mercado de tra-
balho desde a Revolução Industrial e da tecelagem, que, segundo ela, é uma metáfora
para a afinidade da mulher com a própria evolução da Internet devido ao primeiro pro-
grama de computador ter sido projetado a partir da automatização do tear de Jacquard
por Ada Lovelace (Plant, p.21). Nesse histórico, Plant (p.107-114) mostra o que foi a
feminização da força de trabalho a partir do desenvolvimento tecnológico digital: mu-
lheres programadoras e montadoras de chips que começam trabalhando em massa em
telefonia, datilografia, como recepcionistas e operadoras de mesas. Apesar de a autora
identificar a natureza burocrática da maioria destes trabalhos, ela reconhece seu valor de
impulsão para a saída das mulheres do lar. De qualquer forma, Plant identifica dois tipos
de mulheres: aquelas que atuaram no mais alto nível intelectual do desenvolvimento
tecnológico, como Ada, e aquelas que exerceram tarefas mais mecânicas, como as que
foram responsáveis pela montagem de chips no Vale do Silício.
Essa autora reclama a imagem de uma mulher inteligente e apta a exercer as tare-
fas antes atribuídas somente ao sexo masculino. Ela faz a análise de várias mulheres
5
A autora explica que Grace “escreveu o primeiro compilador de linguagem de alto nível e foi muito útil
no desenvolvimento da linguagem de computador Cobol”. O Cobol foi uma das mais importantes lingua-
gens da história da informática.
6
“Na Primeira Guerra Mundial, e durante grande parte da segunda, equipes femininas de computação
encarregaram-se da elaboração de tabelas de disparo, consultadas por artilheiros antes de apontar e dispa-
rar contra os alvos”.Plant (1999, p. 135).
20
importantes na história da tecnologia, mas o que está sempre em jogo é seu poder de
realização e nunca seu poder de sedução baseado nos tradicionais atrativos tidos como
femininos, tais como beleza e sensualidade. A associação da mulher com a sexualidade
no texto de Plant somente ocorre por meio de sua condição subjugada, tida como pro-
priedade sexual do homem.
A autora critica declarações de Freud sobre a pouca ou nenhuma contribuição das
mulheres nas descobertas, que se estabeleceriam a partir de sua “falta de desejo de mu-
dar o mundo”, bem como de sua falta de “lógica e capacidade de se concentrar”. Nas
palavras de Freud, “mulheres só deram poucas contribuições às invenções e descobertas
da história da civilização”. Freud coloca o tear como uma exceção quando observa o
trabalho executado por sua filha, Anna, e “justifica” ou interpreta seu interesse pelo
trabalho de tear como “uma compensação natural de um defeito natural”. Para Freud,
era como se Anna estivesse teando seus próprios pelos pubianos para esconder a “ver-
gonhosa deficiência do sexo feminino” (Plant, p.29). Essa é a visão freudiana de sexua-
lidade, centrada no falo, na existência de uma única libido, a masculina. Plant (p.182),
citando Baudrillard, esclarece:
(...) “Freud tinha razão”, escreve Baudrillard. “Só há uma única sexualidade,
uma única libido
e é masculina”.Sexo é aquilo que é centrado no falo, na
castração, no Nome do Pai, e na repressão. Não há nenhum outro”, e certa-
mente “de nada adianta sonhar com alguma sexualidade não fálica, livre, sem
classificação”.
Um outro modo de se questionar a imagem da mulher dentro do contexto das no-
vas tecnologias tem sido o uso da Internet pelas mulheres para divulgação de idéias fe-
ministas. Basicamente, segundo Nina Wakeford (1997), pesquisadora de movimentos
como Net Chicks, Geekgirls, Cyberfeminists, NerdGrrls, entre outros “ativismos” na
Web, esses discursos se baseiam no questionamento da imagem estereotipada da mu-
lher “objeto”. Segundo a pesquisadora (p. 53), “eles fazem isso criando redes de proje-
tos centrados explicitamente em mulheres ou projetos feministas como espaços alterna-
tivos na cultura computacional”. Essa é a preocupação central do que Strinati (p.176)
definiu como “feminismo liberal”, que critica o uso e a representação desigual e explo-
radora das mulheres na mídia e na cultura popular. A partir da análise de sites desse
21
tipo, pesquisadoras como Blair e Takayoshi (2003)
7
, acabaram descobrindo que apesar da
suposta oportunidade de se reescrever a imagem da mulher vista como sexo frágil, estereo-
tipada pelos gêneros de sua cultura, as mulheres nas páginas do CyberGrrl, por exemplo,
“são as representações do cartoon que não correspondem necessariamente ao corpo materi-
al de nenhuma mulher individual real”
8
. Esse tipo de pesquisa busca descobrir se a Internet,
como um novo meio de difusão da imagem feminina, traria novas oportunidades para as
mulheres de se re-presentarem. Uma das perguntas que guiam o estudo destas autoras é se
as representações já existentes nos meios de comunicação de massa haviam somente migra-
do para o novo meio ou se uma nova forma de representação estaria ocorrendo.
Esses ativismos feministas na Web são decorrentes do feminismo pós-década de
1960 e continuam, na verdade, a atacar os conceitos de beleza e sexualidade feminina
como o primeiro fazia. Ao analisar as “mitologias femininas” presentes em anúncios
publicitários, Randazzo (1997, p. 114-115) reconhece como o movimento feminista
contribuiu para a atual fluidez da questão identitária na pós-modernidade, problemati-
zando a questão da identidade de gênero:
Em parte, as feministas reagiram contra a “aparência loura e burra de bone-
quinha Barbie”, que se tornara um clichê cultural e acusaram a idéia de bele-
za feminina por considerá-la “passiva”. O movimento feminista procurou ne-
gar que a beleza e a sexualidade da mulher eram aspectos da feminilidade –
aspectos que as mulheres pareciam apreciar e que lhes davam um enorme po-
der sobre os homens.
Randazzo (p.115) lembra que, nos anos 90, no livro Sex, art and American cul-
ture, Camile Paglia disse que a mulher pode ser forte, decidida, mas também muito
sexy. Ela acusava as feministas de reduzirem à passividade a beleza feminina e o poder
de sua sexualidade.
Como já mencionado no início do capítulo, quando Lauretis diz que as representa-
ções presentes na cultura, no cinema, no cotidiano, no trabalho, na universidade são
7
Referência a um documento eletrônico. Optou-se por não diferenciar este tipo de indicação no texto,
sendo isto realizado portanto na bibliografia que segue no fim do trabalho, onde estes documentos estão
reunidos em uma seção a parte sob o título de ‘Documentos eletrônicos’. Para os documentos que não
possuem autoria e estiverem representando o conteúdo de um site, foi adotado o uso de mnemônicos que
identificam o nome do site e a data de acesso, estando listados portanto na referida sessão.
8
Segundo nota explicativa no
site
, o texto disponível
online
foi retirado da introdução de uma edição co-
editada pelas autoras chamada
Feminist Cyberscapes: Essays on Gender in Electronic Spaces,
corren-
temente sobre contrato com a editora Ablex como parte de uma série chamada “New Directions in Com-
puters and Composition Studies”.
22
processos que constituem o que ela chamou de “tecnologia do gênero”, ela parte do
pressuposto de que o gênero não é dado de antemão, e é historicamente e socialmente
construído. Ao considerar que o gênero é uma representação e que essa representação
do gênero é a sua construção, ela nos diz claramente que existe um processo de retroa-
limentação de símbolos que vão ao mesmo tempo afetar e constituir o que significa ser
mulher numa determinada época.
Para Lauretis, o próprio movimento feminista pode, por afirmação (inclusão)
ou por negação (exclusão), constituir uma representação do feminino. Ou seja, ele
pode, através da negação ou da não incorporação de determinadas imagens ou carac-
terísticas tidas como femininas, configurar uma certa realidade em relação ao imagi-
nário feminino. Nesse sentido, algo que permaneça fora do discurso também pode
acabar rompendo ou desestabilizando qualquer representação: “O gênero (...) é não
apenas o efeito da representação, mas também seu excesso, aquilo que permanece
fora do discurso como um trauma em potencial que, se/quando não contido, pode
romper ou desestabilizar qualquer representação” (Lauretis, p. 209).
Um primeiro fato a ser reconhecido, então, é de que o próprio movimento ciber-
feminista girou em torno de um imaginário de mulheres inteligentes, independentes,
mas dessexualizadas, porque a sexualidade, a beleza e a inaptidão intelectual eram o que
afirmava a condição feminina subjugada ao homem, e esta estava sendo posta em ques-
tão. A tecnologia, nesse caso, portanto, é apropriada por um discurso de libertação das
mulheres em relação a uma imagem que outrora se calcava em atributos tidos como
essencialmente femininos. Com isso, utilizando as considerações de Lauretis acerca do
que permanece “fora da representação”, a erotização da mulher é posta à margem da
representação feminina nestes discursos.
23
1.2 Imaginário pós-gênero: a metáfora ciborguiana
Com o aparecimento das novas tecnologias, o primeiro olhar em direção às cons-
truções de gênero surge com o “mito do ciborgue”, como aquele que representa a possi-
bilidade da supressão das antinomias homem-mulher como identidades pré-
estabelecidas, cunhado por Donna Haraway, influenciada entre tantas outras referências,
pela revolução eletrônica pós-industrial. O ciborgue é um signo já poroso de significa-
ção devido aos diversos usos que dele se tem feito no imaginário de filmes e seriados de
TV
9
, no discurso científico
10
, nas teorias acadêmicas que investigam os limites entre o
homem e a máquina, como também na teoria feminista, como fez Haraway.
A versão do mito proposta por essa feminista apropria-se de uma possibilidade re-
al de acoplamento entre o homem e a máquina. A palavra “cyborg” (cybernetic orga-
nism) foi cunhada em 1962 a partir do conceito de Norbert Weimar. Esse cientista deu
início ao uso do termo “cyber” através da palavra “cybernetics”, que definiu uma ciên-
cia interdisciplinar que investiga processos de controle automáticos em sistemas bioló-
gicos, tecnológicos e sociais (Mondloch, 2004). Por meio de uma possibilidade real que
colocaria em xeque uma condição humana vinculada a sua natureza biológica, a autora
lança um manifesto político que se utiliza desta imagem do ciborgue em defesa da cons-
trução de um mundo mais igualitário para as mulheres.
A ciberfeminista Sadie Plant também coloca a evolução tecnológica como um a-
contecimento que permitiu a revisão da questão do gênero. Essa autora analisa a tecno-
logia como tendo sido capaz de provocar um abalo na estrutura dos sexos na década de
90. Ela diz que as novas tecnologias tiveram um “papel imenso e fascinante na nova
cultura de instabilidade que sacode o Ocidente” nessa época e acaba por concluir que a
tecnologia digital não problematiza somente a diferença entre o homem e a máquina,
principalmente através da evolução da inteligência artificial, mas revoluciona as frontei-
ras entre homens e mulheres.
Mas enquanto o ciberfeminismo ainda tenta construir uma imagem de mulher co-
mo crítica àquela estabelecida pelo domínio do patriarcado, o mito ciborguiano de Don-
9
Na década de 80 fez sucesso na televisão o seriado Robocop, no qual um policial após um acidente
recebe próteses e é transformado numa figura metade homem metade máquina.
10
São freqüentes os programas no canal Discovery Chanel sobre a evolução da robótica.
24
na Haraway tenta solapar qualquer referência a mitos de origem falocêntricos com o
intuito de fugir da estrutura da civilização ocidental fundadora da divisão de gêneros. A
autora sugere que o ciborgue, como um organismo híbrido por definição, re-apresente a
origem do humano de uma nova maneira que não diferencie mulheres e homens. Dessa
forma, teríamos um mundo pós-gênero e, portanto, libertador de uma condição feminina
supostamente inferiorizada. Ela acredita que é através dessa “superação” que as feminis-
tas podem fugir de construções identitárias criadas a partir de conceitos de “apropriação
sexual” pelos homens:
O ciborgue é também um esforço de contribuição para a teoria e para a cultu-
ra socialista-feminista, de uma forma pós-modernista, não naturalista, na tra-
dição utópica de se imaginar um mundo sem gênero, que será talvez um
mundo sem gênese, mas talvez um mundo sem fim (Haraway, p. 42).
Por meio de críticas a diversas inadequações da teoria feminista, Haraway (p. 70)
elege o mito do ciborgue como a referência pós-moderna de identidade: “O ciborgue é um
tipo de eu – pessoal e coletivo – pós-moderno, um eu desmontado e remontado. Esse é o
eu que as feministas devem codificar”. Esse discurso está de acordo com o momento de
erosão identitária anunciado por estudiosos da globalização e da pós-modernidade, como
Bauman e Hall. A proposta ciborguiana identifica este momento de crise identitária carac-
terístico da modernidade tardia.
Hall (2001) diz que as identidades culturais são aspectos de nossas identidades
surgidos de nosso “pertencimento” a culturas étnicas, raciais, lingüísticas, religiosas e
nacionais. Ao sofrer mudanças estruturais no final do século XX, as sociedades moder-
nas teriam suas definições de classe, gênero, sexualidade, etnia, raça e nacionalidade
fragmentadas. A idéia do sujeito centrado característico do iluminismo é, então, substi-
tuída pela de um sujeito descentrado, deslocado dessas âncoras que lhe forneciam senti-
do em relação ao mundo. O ciborgue é um ícone que assume também esse desencaixe e
essa possibilidade de reinvenção do humano, mais especificamente, no discurso de Ha-
raway, do gênero.
Depois de Haraway, vários são os estudos a questionarem se as novas tecnolo-
gias e maquinários ajudam no entendimento do gênero. Em Processed lives, uma
coletânea de artigos sobre gênero e tecnologia, os autores se perguntam se esses
meios técnicos estão meramente refletindo nossos conceitos de masculinidade e fe-
25
minilidade, ou se poderiam transformar essas noções (Terry e Calvert, 1997). Para
eles, entre outras possibilidades, a tecnologia produz representações e o gênero, na
verdade, é “um sistema de representação que assinala significação e valor a indiví-
duos em sociedade, fazendo deles homens ou mulheres” (p. 5). A questão do gênero
é tão complexa que inúmeros estudos surgem para tentar dar conta de sua especifici-
dade. Para Balsamo (p. 9):
Quando limites aparentemente estáveis são rompidos pela inovação tecnoló-
gica, outros limites são mais rigidamente reforçados. Então, embora novas
possibilidades para se refazer o corpo humano tenham emergido, o gênero
permanece como uma categoria naturalizada e fora de perigo.
Essa autora analisa casos que utilizam gênero como parte de sua estrutura de
trabalho. Ela ressalta que a partir dos anos 80 o humano fundido com a tecnologia se
tornou uma figura comum, familiar para o sujeito na pós-modernidade. E se propõe
a analisar as tecnologias que alteram as marcações do que seria um corpo natural
feminino. Para ela, o gênero continua a ser inscrito no corpo com as novas tecnolo-
gias de manipulação física, como cirurgia plástica, por exemplo.
A possibilidade real de reconstrução do corpo feminino é uma das faces do mito
de Haraway. A construção desse corpo como uma entidade dada, natural, associada a
poderes reprodutivos, é a possibilidade real que o ciborgue traz quando, através de a-
vanços tecnológicos, já sabemos ser possível a troca de sexos, a inseminação artificial, a
cirurgia plástica, entre outras técnicas. É por isso que ela parece afirmar que embora o
gênero como identidade global “tenha uma profundidade e amplitude histórica”, ele não
pode ser a identidade global:
Até agora, a corporificação feminina parecia ser dada, orgânica, necessária; a
corporificação feminina parecia significar habilidades relacionadas à mater-
nidade e às suas extensões metafóricas. Podíamos extrair imenso prazer das
máquinas apenas ao custo de estarmos fora de lugar e mesmo assim com a
desculpa de que se tratava, afinal, de uma atividade orgânica, apropriada às
mulheres. Ciborgues podem expressar de forma mais séria o aspecto – algu-
mas vezes, parcial, fluido – do sexo e da corporificação sexual (Haraway, p.
106).
Além de um ser concreto alterado pela tecnologia, Haraway (p. 27-28) também fala
de um ser metafórico, mítico no sentido de ser transgressor, além-fronteiras. Quando ela o
coloca como uma criatura tanto de realidade como de ficção, ela reforça o poder do mito e
26
do uso de tecnologias e discursos científicos como instrumentos de imposição de significa-
dos. Ela afirma que “o sexo, a sexualidade e a reprodução são atores centrais nos sistemas
mitológicos high-tech que estruturam a nossa imaginação sobre nossas possibilidades pes-
soais e sociais” (p. 82).
Enfim, dentro da análise ciborguiana de Haraway, é estabelecida uma forte rela-
ção entre o feminino e a tecnologia, esta como a ferramenta mítica capaz de alimentar o
imaginário feminino e livrar a mulher de suas limitações em relação ao gênero. Mais
uma vez, vemos um esforço por uma recodificação das histórias das mulheres através de
um potencial tecnológico. Como ela diz, “os instrumentos são, com freqüência, histórias
recontadas, que invertem e deslocam os dualismos de identidades naturalizadas”. O ci-
borgue, então, como um novo mito originário, surgido a partir da possibilidade da fusão
do homem à máquina, fornece um imaginário pós-gênero de igualdade entre os sexos.
1.3 Imaginário tecnoerótico
De uma maneira geral, a tecnologia vem estruturando nossas noções e relações com o
gênero. Springer (p. 8) diz que “a tecnologia não tem sexo, mas as representações da tecno-
logia freqüentemente têm” e chama a interseção entre tecnologia e erotismo de tecnoerotis-
mo.
O imaginário tecnoerótico, portanto, será aqui referenciado como aquele em que a
tecnologia é apropriada para expressar as relações de gênero através de representações com
apelo fortemente erotizado. A análise desse imaginário se calca no estudo e pesquisa de
alguns autores sobre o assunto e se estrutura em três pontos: apresentação da relação entre
tecnologia e erotismo de uma maneira geral na cultura popular sob a visão de alguns auto-
res; a constatação do predomínio da imagem de uma mulher que se funde à tecnologia na
figura de mulheres-robôs, andróides, autômatos em geral, como o símbolo deste imaginário
erotizado e ansioso em relação à separação homem/máquina e, por último, a indicação, por-
tanto, da não realização do pós-gênero imaginado por Haraway.
É corrente a associação entre mulher e máquina na cultura popular
11
. O carro, co-
mo a grande novidade mecânica da era industrial, já ocupou lugar principal como objeto
11
Recentemente, uma atriz que posou nua para uma revista masculina tinha como chamada um trocadilho
que exemplificava essa associação da mulher com a máquina. Seu nome foi alterado de Paula Burlamaqui
27
de desejo e serviu de palco para encontros amorosos dos jovens dessas gerações, o que faz
com ele tenha tido uma relação especial com o erotismo, que parece ainda se manter,
mesmo que de forma menos intensa, ainda nos dias de hoje. São comuns na publicidade
imagens de mulheres ao lado de carros com intuito de estimular as vendas desse produto,
como também é maciça a presença de calendários com mulheres nuas nas oficinas mecâ-
nicas. No entanto, na década de 80 o computador, como o “novo meio eletrônico da era
pós-industrial”, substitui o carro e se transforma no foco de atenções da era tecnológica
(Gubern, p. 80). Com o barateamento desses meios devido à miniaturização dos chips, os
computadores invadiram os lares na década de 90.
Hoje, são vários os estudos a investigarem a relação entre máquina e erotismo. S-
pringer identifica várias associações entre a tecnologia e o erotismo. Ela cita o trabalho de
Tierney, que documenta o uso da tecnologia para expressão sexual desde a invenção da
imprensa até a introdução do romance, da fotografia, do cinema, do videocassete, dos
serviços telefônicos e dos computadores. Outra correlação comum é a aplicação de metá-
foras que assinalam gênero à própria tecnologia, como, por exemplo, a associação de má-
quinas potentes da era industrial, como o navio a vapor, com o sexo masculino, e da mini-
aturização dos chips dos computadores, da era pós-industrial eletrônica, com a delicadeza
feminina (Springer, p. 4-15).
A figura do computador em filmes narrativos também fornece um quadro em que
a questão do gênero pode ser identificada. A análise de três filmes, Desk Set, Demon
Seed e The Net, que lidam com a imagem desse objeto levou a autora Andrea Slane
(1997, p. 72-77) a notar uma função dupla exercida por essas máquinas: “Codificar con-
flitos culturais sobre o progresso tecnológico através do gênero, e negociar gênero e
sexualidade através das máquinas”. De uma maneira geral, ela conclui que os filmes
com computadores não alteram as polaridades de gênero, nem a dominante associação
da mulher como um oponente ao progresso tecnológico.
Nos exemplos citados até agora, a figura do computador é utilizada nesse processo
de marcação de gênero. No entanto, é predominante no imaginário da ficção científica o
computador na forma humana, antropomorfizado e erotizado, o que acaba por revelar a
para Paula “Burlamáquina”. Na cultura popular musical, não faltam referências à mulher erotizada através
de sua associação maquínica. O grupo É o Tchan, que elegia uma nova dançarina para integrar sua equi-
pe, compôs um refrão que dizia que a “nova loira” era “um aeroplano, um avião”. Outra referência que
está presente no cotidiano é o uso do termo “turbinada” para descrever a colocação de próteses de silicone
nos seios.
28
grande ansiedade em relação à separação entre homem e máquina na atualidade e a ero-
tização presente neste processo. Na série ‘Chobbits’ (Igarashi et al, 2000), um mangá
(história em quadrinho japonesa) à venda em qualquer banca de jornal, os chamados
“persocons” são robôs que funcionam como computadores pessoais com inteligência
artificial: acessam a Internet, servem como celulares, impressoras, executam tarefas
domésticas, enfim, são muito parecidos com os humanos e a eles atendem desde que
tenham sido programados para isso.
Os mangás são veículo de um imaginário erótico e muitas vezes pornográfico,
o que já ocasionou a prisão de editores por acusação de pornografia no Japão (Sem
assinatura, O Globo, 2004). Nessa história especificamente, só aparecem robôs fe-
mininas, sempre representadas de forma sensual. Nesse gibi japonês, o personagem
principal, Hideki, após chegar a Tóquio de uma cidade do interior e “encontrar” uma
persocon feminina no lixo, passa a se questionar sobre a forma humana daquela que
deveria ser apenas uma máquina, e a se perguntar o porquê da preferência de algu-
mas pessoas por estas, em vez de por seres humanos, já que os persocons seriam
apenas máquinas:
Você sabe porque os persocons têm forma de gente? (...) Os persocons são
iguaizinhos aos humanos. Também conseguem fazer um monte de coisas e
são muito úteis. (...) Mas eles não estão vivos. Não deixam de ser máquinas.
Por que as máquinas de hoje possuem forma humana...?(Vol 6, p. 88)
E em outro momento (Vol. 6, p. 55):
Mas são apenas persocons... Por mais bonitas que sejam, não são humanas...
A Chi [
persocon
] é uma gracinha... Mas ela é um eletrodoméstico. Máquinas
são diferentes dos humanos. É isso.
Nessa série
12
, a trama se sustenta sob a possibilidade de que a personagem robô
(persocon) pertença a uma série especial de “computadores pessoais com forma humana”.
Estes portariam a capacidade de sentir emoções, assim como os seus criadores. Esse é o
mistério condutor da história que aos poucos vai revelando uma das questões decorrentes
do desenvolvimento tecnológico nas sociedades atuais: a relação do homem com a possi-
bilidade de construir uma outra forma de vida à sua semelhança. Através da capacidade
12
No momento em que se redigia este texto, a história se encontrava no Capítulo 11. É comum que esses
gibis atinjam 20 capítulos, lançados semanalmente nas bancas de jornal.
29
de sentir saudade, alegria e amor em relação a seu dono, a personagem maquínica Chi
mostra como a relação do humano com as máquinas vai sendo tematizada de forma bas-
tante erotizada.
Para Gubern o homem tem uma ansiedade em criar uma máquina capaz de desejar
e pensar como ele próprio, o que, segundo sua análise, pode ser identificado por meio de
representações femininas na forma de robôs erotizadas presentes na ficção científica e
na cultura popular. Esse autor trata da antropomorfização dos computadores, que, se-
gundo ele, não ocorria antes com outros aparatos técnicos como o rádio, o toca-disco ou
as lavadoras automáticas. O autor lembra que o computador muitas vezes é visto como
uma máquina fria, despersonalizada, hostil, desumana e poderosa. Isso já seria suficien-
te para constituir um desejo por vê-lo como humano. Na análise da erotização no meio
tecnológico e suas representações, ele (p.103) diz que esse processo de “ver” os compu-
tadores como seres vivos é único, devido a algumas características próprias desse objeto
que o tornam semelhante aos humanos:
A capacidade de memória da máquina e sua performance especial, fruto de
umas operações de interação muito intensas, parecem dotá-la de animus e a
convertem em um objeto animista, em um artefato “vivo” com o qual se dia-
loga e sobre o qual se descarregam os estados de mau humor.
Para ele, a erotização presente no imaginário ficcional tecnológico personifi-
cada na figura de mulheres robôs erotizadas é a projeção de um desejo humano irrea-
lizável: a construção da inteligência artificial ou do que ele chama de “computadores
emocionais”. Seu argumento se baseia na dificuldade de se atribuir emoções às má-
quinas. Ele vê a inteligência artificial
13
limitada a funções capazes de expressar so-
mente aspectos da racionalidade humana. A capacidade de expressar desejos e emo-
ções é o que define uma máquina inteligente, o que o leva a afirmar que “uma má-
quina não pode ser jamais um sujeito desejante” (Gubern, p. 100-108).
Menos importante de que afirmar ou não a concretização no futuro da inteligência
artificial como uma experiência que permita construir subjetividade numa máquina com
desejos e emoções como faz esse autor, parece ser o reconhecimento de que estas possi-
13
A referência, em seu texto, à inteligência artificial, não é associada somente ao aspecto racional da mente
humana, o que ele justifica citando o livro
The society of mind
,
de Marvin Minsky: “Não se trata de se as
máquinas inteligentes podem ter emoções e sim se as máquinas podem ser inteligentes sem elas” (Gubern, p.
101).
30
bilidades transformam a maneira como o homem constrói seu pensamento e como isso
se reflete na cultura em que ele vive. Com isso, o que é interessante ressaltar na formu-
lação de Gubern (p. 109) sobre a antropomorfização do computador parece ser a obser-
vação de que ocorre no universo da ficção científica uma inquietação em relação à pro-
blemática homem-máquina, que se manifesta na figura de robôs femininas erotizadas:
Devemos concluir, reiterando que simular sistemas físicos não é o mesmo
que ter sensações, que são vivências subjetivas personalizadas. As emoções e
os desejos constituem a fronteira final entre homem e máquina. No horizonte
“fantacientífico”, a formulação final dos computadores emocionais seriam os
robôs antropomorfos erotizados dos relatos da ficção científica.
Dessa forma, ele coloca a erotização presente no imaginário de fantasia ficcio-
nal personificada na imagem do robô como um continuum de um desejo primeiro de
antropomorfização dos computadores, ou seja, da vontade do homem de construir a
si próprio. Ele (p.118) acaba por associar essa frustração real quanto à construção de
máquinas “desejantes” a um imaginário de seres artificiais emotivos e predominan-
temente habitado por figuras maquínicas, femininas e sedutoras:
Estamos muito longe, todavia, de poder produzir robôs antropomorfos
emocionais, como os propostos pela literatura e pelo cinema, mas é
indubitável que sua presença está muito arraigada no imaginário popular da
sociedade pós-industrial. (...) Sua implantação definitiva no imaginário
popular foi obra do ilustrador japonês Hajima Sorayama, desenhista de
sedutores robôs femininos reluzentemente cromados, brilhantes, estilizados e
supererotizados, que obteve grande fortuna no negócio publicitário japonês
para proporcionar comerciais.
31
Figura 1 - Sexy Robô, por Hajima Sorayama
Gubern (p. 118-119) acaba por concluir que o sucesso alcançado por esses dese-
nhos revela uma atualização e modernização de tradições arcaicas que vêem a mulher
como um sujeito submisso aos interesses do homem. Nesse sentido, parece que a tecno-
logia que problematiza a relação homemmáquina, ao mesmo tempo também permite
questionar as relações estabelecidas entre os gêneros.
De uma maneira mais específica, então, a tecnologia parece estar sempre servindo
de palco a projeções sobre a sexualidade feminina e embora as ciberfeministas reivindi-
quem o lugar da mulher na história da tecnologia, de certa forma ela nunca deixou de
habitá-lo, só que em um papel diferente do que é por elas reclamado. Em vez disso, con-
figuram-se como objetos sexuais de desejo. A crítica a esta mulher pensada como uma
máquina que servia ao homem em todos os seus desejos, tanto sexuais como nas tarefas
de reprodução e gerenciamento do lar, como já dito anteriormente, foi radicalmente le-
vantada por
Plant (p.19):
As mulheres haviam funcionado como ferramentas e instrumentos, componen-
tes, peças e mercadorias para comprar, vender e dar de graça, ir buscar, carre-
gar, parir os filhos, transmitir os genes pela árvore familiar abaixo: eram trata-
32
das como tecnologias reprodutivas e utensílios domésticos, vasos de comunica-
ção e
matronas propiciadoras de orgasmos
(...) Pensavam nelas como
má-
quinas
de somar, produzindo mais da mesma coisa, enquanto os homens saíam
de casa para deixar sua marca no mundo.
14
Mas, a associação entre tecnologia e sexualidade feminina não existe desde sempre.
Segundo Springer (p. 4-15), a partir da análise de Huyssen (1986) que será retomada no
próximo capítulo, ela começou depois do início do século XIX, quando as máquinas são
percebidas como capazes de desencadear “uma vasta e incontrolável destruição”. De uma
forma geral, esta autora faz um estudo comparativo do imaginário tecnoerótico desde a
Revolução Industrial, que teve o carro como ícone do fascínio tecnológico, até o momento
pós-industrial, em que o computador torna-se o foco das atenções na área da tecnologia.
Ela questiona que mudanças as novas tecnologias trouxeram para o imaginário tecnoeróti-
co em alguns textos da cultura popular.
O material analisado pela autora inclui estudos da história da tecnologia, filmes re-
centes, ficções, histórias em quadrinhos, programas de televisão, programas de computa-
dor, escritas científicas sobre inteligência artificial, entre outros. De acordo com sua pes-
quisa, na maioria das ficções, os computadores têm inspirado vôos de fantasia que “per-
manecem firmemente ancorados nas nossas preocupações correntes com o sexo e com
gênero” (Springer, p. 126).
Seu estudo revela que apesar das projeções pós-gênero e de futuros nos quais haveria
o enfraquecimento do humano e, como conseqüência, a desintensificação de uma atividade
sexual, acaba por ocorrer o oposto, ou seja, um futuro com grande “preenchimento” erótico.
Ela mostra que, nas narrativas ciberpunk, por exemplo, as mulheres estão sempre represen-
tadas segundo uma lógica de convenção patriarcal. Ela assinala que mesmo que a cultura
ocidental do século XX não seja mais predominantemente patriarcal, ainda restam práticas
sociais que refletem este tipo de tradição. Ao mesmo tempo, ela reconhece que “apesar de
recuperar estereótipos convencionais do passado” em sua grande maioria, o imaginário tec-
noerótico da cultura popular também explora tipos alternados de sexualidade e regras de
gênero (p. 10). Um dos exemplos de contradição citados pela autora (p. 138) é a persona-
gem ciborgue Eve 8, do filme Eve of destruction:
14
Grifos meus.
33
Eve 8 realiza a fantasia feminista quando ela metodicamente persegue e mata
homens (e tipos de homens) que abusaram (sexualmente) de sua criadora, a
cientista Eve Simmons, cujas memórias, pensamentos, e sentimentos ela
compartilha. Ao mesmo tempo, entretanto, o filme condena a sexualidade e a
autonomia feminina numa grande escala, quando descobrimos que Eve 8 car-
rega uma bomba nuclear no seu útero pronta a explodir e que deve ser acio-
nada para salvar o planeta.
Essa autora coloca o ciborgue como um personagem que fornece a possibilidade
de se metaforizar os embates culturais sobre sexualidade e regras de gênero na tecnolo-
gia. Por meio da análise do imaginário ciborgue na cultura popular, ela (p. 66) conclui
que os ideais ungendered teorizados por Haraway não se realizaram:
Haraway glorifica o ciborgue como um conceito potencialmente liberal, por ele
fornecer uma metáfora à obsolescência de gênero. Quando o gênero deixa de ser
uma demanda, ela explica, mulheres podem ser libertadas de sua condição desi-
gual em relação ao patriarcado e a igualdade se torna possível. Embora Haraway
não tenha proposto literalmente substituir corpos marcados pela diferença de gê-
nero por ciborgues, ela acha que o ciborgue é um conceito útil para ilustrar a pos-
sibilidade de um arranjo social igualitário.
Dentre várias personagens femininas analisadas por Springer (p. 146), a mulher-
máquina Eve Edison, inspirada no filme ‘Eve of Destrucution’ citado acima, de um se-
riado televisivo da NBC, Man and machine, fornece uma interessante análise pois
mostra “como a figura da mulher mecânica se desenvolveu através do século vinte”. A
revolução microeletrônica e as revolucionárias transformações sociais como o feminis-
mo e a pós-modernidade seriam marcos neste contexto de mudanças.
Ao comparar Eve com Maria, personagem do filme Metrópolis, de Fritz Lang, ela
(p. 154) conclui que entre 1926 e 1992, houve uma reconceitualização do futuro em ter-
mos de sexo: “Metrópolis descreve o controle masculino sobre o reinado reprimido femi-
nino. Man and machine representa o homem com problemas em relação à mulher e seu
espaço feminino”. Ou seja, a série exprime aquela situação do homem que não está confor-
tável com uma mulher real e com as recentes quebras nas diferenças de gênero.
Enfim, a mulher-máquina-erotizada é um símbolo predominante nesse imaginário
tecnoerótico que se apropria da tecnologia para marcar gêneros e afirmar uma cultura
ansiosa pelo erótico e pela sedução. Nesse sentido, é possível observar que a tecnologia
não revolucionou as diferenças de gênero, pois as mulheres continuaram a ser diferentes
e a máquina é vista como uma mulher perigosa e erotizada.
34
Hoje, com as novas tecnologias digitais, essa imagem feminina é redesenhada,
dando margem a novos ícones, que aparecem e fornecem pistas de como está se colo-
cando a questão da relação entre mulher e tecnologia no contemporâneo, particularmen-
te no cinema, nos jogos e na Internet. Mais do que somente um apelo erótico, esse novo
imaginário que une mulher e tecnologia é sinal de uma cultura que demanda por fantasi-
a, beleza e também juventude. No contemporâneo, o imaginário erótico é também um
imaginário estético.
Nos próximos capítulos, a análise das novas representações femininas, que vão das
vamps mecânicas” até as “Belezas Digitais” e heroínas de jogos eletrônicos, permitirá
observar que o apelo erótico das primeiras mulheres-ciborgue permanece, mas que esses
novos ícones permitem também novas indagações, coerentes com o estado da arte atual da
tecnologia digital.
35
Capítulo 2:
A genealogia da boneca: das
vamps
mecânicas às Vênus digi-
tais
Neste capítulo, veremos como as representações femininas foram alteradas medi-
ante sua difusão através de diferentes meios técnicos de comunicação. Uma das caracte-
rísticas dos meios de comunicação a partir da Modernidade é a cultura visual por eles
difundida. Esses aparatos tecnológicos de visualização são responsáveis pela criação de
um mundo de encantamento, que apresenta figuras femininas como parte de seu próprio
funcionamento de conquista sedutora do público consumidor dessas imagens.
A representação do feminino nos meios de comunicação de massa tem sido am-
plamente discutida tanto no meio acadêmico como nos próprios veículos responsáveis
por sua disseminação. Os estudos de gênero, o manifesto cyborg acadêmico-feminista,
os rostos de mulheres lindas estampados nas revistas de qualquer banca de jornal da
esquina e novelas brasileiras que calcam sua trama principalmente em mulheres e seus
relacionamentos amorosos
15
, exemplificam bem esta ocorrência. O público de novelas e
programas de TV, revistas femininas, revistas masculinas (em especial a Playboy) e
cinema, assistem, então, à formação da imagem de uma mulher que contribui para a
construção do imaginário feminino no contemporâneo.
São várias as depreensões teóricas acerca dessa imagem: mulher associada ao
consumo, como aquela que é responsável pela economia das compras da casa; mu-
lher que contesta sua “suposta” igualdade de direitos, que lhe teriam sido suprimidos
por uma ordem de dominação patriarcal; mulher como objeto sexual e de desejo;
mulher que contesta seu lugar na história da tecnologia, como abordado no capítulo
anterior, etc.
Essas representações do feminino na cultura de massa vão ser afetadas, no entan-
to, com a invenção do computador e sua disseminação no mundo através da Internet,
posto que surge um novo meio de circulação e de criação dessas imagens. Uma nova
15
A novela
Mulheres apaixonadas
, de Manoel Carlos, exibida pela Rede Globo em 2003, tinha como
tema principal as mulheres e seus relacionamentos amorosos. Através de oito protagonistas femininas, o
autor abordava, entre outros assuntos, problemas hoje considerados sérios como o de mulheres que de-
senvolvem um comportamento patológico em seus relacionamentos, o que levou à criação de um grupo
de ajuda chamado MADA (Mulheres que Amam Demais).
36
ordenação que não a de massa, de mão única, torna-se possível e altera a estrutura inte-
rativa nos novos meios, permitindo também que nos questionemos sobre a permanência
na forma de representar a mulher e na própria representação em si da mulher. Pois uma
das inovações deste novo espaço é a presença de imagens de mulheres digitais.
De acordo com McLuhan (1995, p. 22), o conteúdo de um meio é outro meio, por-
tanto, o cinema conteria o teatro; num segundo momento a televisão conteria o cinema;
e, por fim, a Internet conteria os jornais, revistas, a própria TV etc. Nas palavras dele,
partindo do exemplo da luz elétrica, que segundo ele poderia constituir um meio sem
mensagem a menos que fosse utilizada para explicitar algum nome:
Esse fato, característico de todos os veículos, significa que o ‘conteúdo’ de
qualquer meio ou veículo é sempre ou outro meio ou outro veículo. O conte-
údo da escrita é a fala, assim como a palavra escrita é o conteúdo da impren-
sa e a palavra impressa é o conteúdo do telégrafo.
Nesse sentido, sabemos que a Internet acolhe também o conteúdo desses meios de
massa que são transportados para sua tela.
Mas apesar dessas representações femininas transportadas para o novo meio, po-
demos dizer que surgiram novas criaturas, próprias deste habitat digital: as Digital Be-
auties (Belezas Digitais), imagens de mulheres construídas através de técnicas específi-
cas de computação gráfica. Essas representações serão referenciadas a partir deste mo-
mento no texto como belezas digitais, mulheres digitais ou mulheres virtuais.
Elas estão presentes em jogos de computador, programas eróticos, filmes e campa-
nhas publicitárias. A divulgação desse universo de imagens é realizada principalmente
pela Internet. Recentemente, um concurso se propôs a escolher a mais bela mulher virtual,
o que mostra que a tecnologia é utilizada para se fazer projeções dos anseios de beleza do
mundo real. O que poderia ser considerado, talvez, uma manifestação típica de uma cultu-
ra contemporânea ancorada em valores como o hedonismo e o individualismo. A maioria
dessas criações são personagens jovens, o que também nos leva a crer que esse imaginário
reflete o desejo por juventude na sociedade atual. Essas questões serão abordadas mais
detalhadamente no Capítulo 3.
Este trabalho supõe que essas novas imagens de mulheres digitais possam ser rea-
tualizações de conteúdos já presentes nos meios de comunicação de massa. As belezas
digitais parecem representar a etapa contemporânea desta cultura visual que relaciona
tecnologia, feminino, imagem e sedução. Isto acabou por nos conduzir a uma pergunta
37
central para este capítulo: qual o papel dos meios de comunicação anteriores, como a
literatura e a comunicação de massa (revistas, TV, cinema) na criação deste imaginário
feminino calcado na aparência? Essa questão será abordada segundo a divisão entre os
meios técnicos de comunicação.
As histórias de autômatos femininas e vamps da literatura se colocam nesta
questão como um ponto de partida para a análise do fascínio da união entre o femi-
nino e a tecnologia, como também pela constituição da mulher vista como uma bo-
neca enxergada pelo homem como um artefato superficial. E sobre a qual também
projetava o medo e fascínio em relação à tecnologia e a sexualidade feminina. O
levantamento de figuras femininas como as pin-ups e divas da cultura de massa e as
top models das revistas e televisão nos permitirá analisar a relação entre as técnicas
de reprodução visuais e a criação desse imaginário feminino que se constitui a partir
da aparência. Baudrillard, Morin e Lipovetsky auxiliam na condução desta análise.
A categoria na qual este estudo se insere é o das representações. As vamps mecâ-
nicas da literatura e as divas e pin-ups da cultura de massa parecem constituir antece-
dentes expressivos para o desenvolvimento desse imaginário tecnológico feminino. O
que estas representações, bem como o momento sócio-cultural no qual elas surgem, tem
a nos informar sobre o olhar que o meio técnico permitia sobre a figura feminina? Ou
melhor, como esse contexto sócio-cultural se apropria dos meios para a construção de
uma determinada representação feminina?
Outro questionamento permeia todo o capítulo: como pode se avaliar a evolução da
sedução e da beleza que a imagem da mulher despertou neste período que vai das vamps às
Vênus digitais? Segundo Lipovetsky (p.154-158) , após a consolidação da mulher como
“belo sexo”, o que ocorre na Renascença, a “beleza feminina” se democratiza através dos
meios de comunicação de massa e tem a revista como seu principal veículo. É o que ele
chama de “momento democrático do belo sexo”.
Como será analisado posteriormente, a uma imagem da mulher vamp, que seduz e
devora através de seu poder sexual, se somaram outras mais contemporâneas e condi-
zentes com a vida de uma mulher que conquistou uma certa independência financeira e
uma outra posição social. A evolução dos meios de comunicação, da imprensa feminina,
do cinema e, de uma forma geral, de uma sociedade mais democrática em relação às
38
diferenças de gênero, de acordo com Lipovetsky, contribuem para isso. Suas análises
sobre a evolução e a permanência do feminino servirão de apoio teórico nessa questão.
Para responder a essas perguntas, neste capítulo, veremos que tipo de olhar os dife-
rentes meios fizeram incidir sobre a mulher, e, portanto, o seu papel como tecnologia vi-
sual na divulgação na esfera pública do imaginário feminino. Esses meios e tecnologias
vão permitir a fabricação de determinados tipos de imagens femininas definidas a partir
de sua aparência, sendo, portanto, referenciadas como bonecas. Será possível, então, ana-
lisar a relação entre a mulher vista como essa superfície sedutora e uma cultura que se
estabelece a partir da imagem.
Este capítulo será introduzido por meio da análise do brilhante romance de Bioy
Casares (1984), A invenção de Morel, publicado em 1940. O texto tematiza a paixão
pela imagem feminina e pelos aparatos tecnológicos que viabilizam sua construção. A
imagem na literatura se forma na imaginação do leitor, ao contrário do que ocorre na
fotografia e no cinema, em que ela surge do funcionamento de um aparato técnico que
“captura” e imprime na tela o desenho ou o movimento da figura em questão. Mas esta
diferença não fez com que a literatura tivesse figuras menos sedutoras do que as conhe-
cidas através do registro visual.
2.1 Morel e o fascínio pela imagem na Modernidade
Ontem, não houve imagens. Desesperado ante as secretas máquinas em repou-
so, tive o pressentimento de que nunca mais veria Faustine (Bioy Casares,
p.103).
Nesse romance, o personagem principal é um homem refugiado em uma ilha deser-
ta que se apaixona por uma bela mulher que visitava todos os dias o pôr-do-sol à beira de
uma praia. Faustine havia sido fruto da invenção de um cientista, Morel, que capturara as
imagens da realidade e as transportara para um mecanismo técnico capaz de reproduzi-las
em uma forma que se aproxima do que hoje conhecemos por holograma. As pessoas eram
materializadas no mundo real mantendo sua dimensão e textura, mas não possuíam me-
mória ou consciência.
39
A invenção opto-mecânica que permitia a transposição de qualquer objeto ou pes-
soa para essa forma era de uma engenhosidade fantástica e unia os diversos aparelhos
geradores de imagens conhecidos até então. A intenção do cientista era criar um apare-
lho que fosse além dos métodos convencionais de representação, como a TV, o cinema
e a foto (baseados na visão), e do rádio e do telefone (baseados na audição). Com isso,
seria possível criar um álbum de presenças duradouras, no qual as réplicas da realidade
seriam como simulacros sem consciência. De certa forma, essa máquina adianta uma
percepção sobre uma imagem tridimensional (holograma) que poderíamos considerar
como sendo precursor da realidade virtual no mundo contemporâneo. Segue a descrição
de próprio personagem Morel sobre a convergência de mídias que ele acabara por criar:
Esta é a primeira parte da máquina; a segunda grava; a terceira projeta. Não
precisa de telas nem de papéis; suas projeções são bem recebidas por todo o
espaço, de dia ou de noite. Para maior clareza, ousarei comparar as partes da
máquina com: o
aparelho de televisão
, que mostra imagens de emissores
mais ou menos distantes;
a câmara
, que tira um filme das imagens trazidas
pelo aparelho de televisão;
o projetor cinematográfico
(Bioy Casares, p.
84).
16
Para a realização do feito, entretanto, pagava-se o preço de se perder a própria vi-
da. Os simulacros surgiam a partir da captura de todos os sentidos, gostos, cheiros e
texturas de seus originais, fossem estes humanos, animais, pedras ou plantas. Aqueles
que tivessem sido submetidos ao mecanismo passariam por um processo de desfaleci-
mento de seus corpos que iriam se desfazendo aos poucos até desaparecerem de vez.
Esse fato, no entanto, não impediu que o espectador apaixonado abandonasse a
possibilidade de unir seu destino ao da mulher amada, ou melhor, de unir sua imagem à
de Faustine, para que assim permanecessem juntos pelo resto da vida, mesmo que isso
se realizasse num mundo totalmente simulado em que não existia a vida, só a projeção
do que teriam sido alguns momentos de um grupo de pessoas numa semana de férias de
verão. Morel havia registrado com sua máquina a vida de um grupo de amigos de férias
na ilha; era a repetição dessas imagens o que confundia o refugiado, que pensava estar
louco, sofrendo de delírios ou estar sendo perseguido por essas pessoas. Como o apare-
lho funcionava impulsionado pelas marés, aquelas imagens eram repetidamente apre-
sentadas como uma realidade para quem não soubesse do que se tratava. Em suma, ele
16
Grifos meus.
40
acaba por descobrir que não poderia seguir o curso de sua vida sem a contemplação de
Faustine.
É devido à paixão que desenvolve pela contemplação da imagem de uma bela mu-
lher que o personagem acaba por preferir a morte, o que na estória ocorre através de sua
transformação em uma imagem assim como Faustine. Ele acaba por atribuir a si próprio
a qualidade de uma imagem se submetendo à máquina de Morel. Isso é o que poderia
transportá-lo para junto da amada e garantir sua eterna contemplação.
O fascínio do homem pela bela mulher, reproduzida através do invento de Morel,
mostra a relação entre a artificialidade da imagem e a paixão pela figura feminina, bem
como a frustração que essa superficialidade das imagens pode representar quanto ao dese-
jo de se estabelecer uma comunicação com uma realidade mais complexa ou profunda, na
verdade mais humana. Apesar de se apaixonar pela imagem da bela Faustine, o pobre
homem solitário tentava romper a barreira que imagens sem profundidade podem repre-
sentar na comunicação entre as pessoas:
Contempla o pôr-do-sol todas as tardes; escondido, eu a contemplo. Ontem, ho-
je, novamente, descobri que minhas noites e meus dias esperam por essa hora.
(...) Entretanto, sinto, talvez um pouco de brincadeira, que, se pudesse ser olhado
um instante por ela, lhe falado um instante, afluiria de uma só vez o socorro que
o homem tem nos amigos, nas namoradas e nos que estão no seu próprio sangue
(Bioy Casares, p. 26).
Apesar dessa tensão entre o fascínio da contemplação e a barreira de uma imagem
muda e superficial, neste tipo de relato podemos notar que ocorre uma paixão intensa pela
imagem em si e não pela pessoa ali representada, já que o personagem nunca pudera desen-
volver uma conversa sequer com sua amada. Ela, em nenhum momento desde seu encontro,
existia no mundo real, como conclui o próprio personagem quando descobre a verdadeira
natureza daquela mulher que ele contemplava: “Mas tudo isto que deduzo racionalmente,
significa que Faustine já morreu; que de Faustine, não há senão esta imagem, para a qual eu
não existo” (Bioy Casares, p. 114).
Segundo Sontag (1981, p.147-171), em referência a Feuerbach, a Modernidade é ca-
racterizada pela preferência da imagem ao real, da cópia ao original, da representação à
realidade, da aparência ao ser. Seguindo-se a análise dessa autora, é possível identificar a
relação entre a imagem e a realidade que se constitui a partir da Modernidade e, com isso,
sugerir adiante algumas conexões entre as análises dela e a obra de Casares.
41
Ainda se referindo a Feuerbach, a autora esclarece que isso ocorre quando a produção
e o consumo de imagens se torna uma das principais atividades dessa época, tornando-se
indispensável na economia; na estabilidade política; e na busca de felicidade individual, o
que estaria associado ao desenvolvimento das sociedades capitalistas, da publicidade, do
consumo e da televisão.
Ela identifica essa “preferência” como uma das preocupações do mundo contem-
porâneo, como ocorre com a queixa de Feuerbach de que o mundo das imagens esteja
substituindo o mundo real. A fotografia é tida como uma das imagens com maior peso
nesta época, mas, para a autora, o conceito de originalidade desse registro visual não
está mais relacionado com o fato de a imagem ser uma simples cópia da realidade e de,
nesse sentido, estar na mera ordem da retratação. Em sua análise, a fotografia guarda
uma relação outra com o tema representado, diferente da da mera aparência: o da capa-
cidade de controlar e possuir este.
Nesse sentido, ela não retrata apenas determinado tema, “é também uma homena-
gem a ele; é parte do tema; prolongamento dele; meio potente de possuí-lo e controlá-
lo” (p. 149). Álbuns de fotografia seriam exemplos do modo como as pessoas se apos-
sam de pessoas ou objetos queridos. O registro de mapas, as fotos instantâneas, as cap-
tações de estrelas distantes, as radiografias do corpo humano, seriam exemplos de um
modo de controlar o mundo a nossa volta que antes só era visto por meio da visão natu-
ral.
Por permitir poderes que não eram possíveis antes com outros sistemas de ima-
gens, Sontag diz haver então uma nova relação entre imagem e realidade que recupera
um relacionamento primitivo entre imagem e objeto representado, mas que se configura
de um modo totalmente novo. Na noção primitiva, a imagem possui a qualidade das
coisas verdadeiras, mas, na tendência atual, atribui-se às coisas reais as qualidades de
uma imagem.
Para a autora, a capacidade de ver a realidade como um conjunto interminável de
situações antecipa a forma de percepção típica que a imagem fotográfica estimula. Co-
meça haver um sentido mais complexo de real. Dessa forma, em sua análise, a época
atual talvez prefira as imagens aos objetos reais como uma forma de reação às formas
pelas quais a noção de realidade tem sido progressivamente enfraquecida e complicada.
42
Então, na abordagem, o verdadeiro primitivismo moderno não seria considerar a
imagem como real, mas ao contrário, fazer com que a realidade se pareça cada vez mais
como o que a câmera mostra. Ela lembra que hoje, para descrevermos o real, muitas
vezes dizemos: “Isso parecia um filme”. Nesse sentido, já que não seria mais possível
possuir a realidade que se apresenta cada vez mais complexa, intratável e remota, carac-
terizando o que a autora chamou de “sentido complexo do real”, uma das possibilidades
seria o de possuir o mundo em forma de imagens. As pessoas sentem que são como i-
magens e que se tornam realidade através da fotografia.
A obra de Bioy Casares mostra o desejo e a importância de se registrar cenas da
vida pessoal em imagens, como acontece com mais freqüência com a fotografia e tam-
bém com câmeras de vídeo desde suas invenções. Era essa a intenção do cientista, que
acaba por se surpreender quando percebe que as pessoas que se submetiam a seu aparato
estavam desaparecendo. Neste sentido, podemos observar o desejo de possuir e contro-
lar o mundo que os meios visuais possibilitam, como descreve Sontag.
Nesse caso, também identificamos a observação de Sontag sobre o fato de que
as pessoas sentem que são reais, que pertencem a uma realidade, por meio do regis-
tro de suas imagens. O homem apaixonado exerce seu desejo por tornar real aquela
paixão pela mulher, transformando-se em imagem. Era esse o requisito para que pu-
desse eternizar sua contemplação pela imagem da amada. No entanto, pode-se notar
também nessa obra uma tensão, uma ambigüidade entre a superficialidade da ima-
gem e o desejo por uma comunicação mais profunda, quando, no fim da história, o
personagem acaba por sugerir a criação de um aparelho que, dirigido aos pensamen-
tos e sensações do emissor, fosse capaz de captar sua consciência. Nesse romance, o
fascínio pela imagem feminina e pela tecnologia que permite essa reprodução visual
ilustra de certa forma a relação que a Modernidade estabelece com a cultura visual.
2.2 As
vamp
s e os autômatos da literatura e do cinema
Na literatura, podemos encontrar indícios de uma paixão remota em relação a
figuras femininas robotizadas. Esse fascínio se dá mais pela visualidade destas bo-
necas do que por sua interioridade. Como veremos, por meio das figuras de autôma-
43
tos femininos pode-se notar o fascínio que mulheres-boneca representavam como
seres artificiais, sem personalidade. A tecnologia funciona nesse caso como um meio
de criar figuras femininas que se pode controlar. No caso das vamps mecânicas, o
medo do descontrole da máquina se confundia com o medo da sexualidade feminina
numa determinada época.
Alguns autores identificam uma certa tipologia presente em representações
femininas, admitindo variações de acordo com a cultura e a época na qual estão inse-
ridas. Randazzo (p.83) acredita que existiram papéis ou um “sentido do feminino”
que agruparia determinadas características próprias do comportamento e da repre-
sentação de mulheres. Isto é por ele nomeado de mitologias culturais. Segundo sua
abordagem, elas poderiam se dividir em mitologias femininas e mitologias masculi-
nas. Haveria, então, imagens universais em conformidade com uma essência femini-
na, que seria ao mesmo tempo norteadora da identidade feminina como também a
própria manifestação dessa natureza. Este modo de analisar as representações femi-
ninas baseou-se nos estudos do psicanalista Carl Jung sobre o gênero, que se calca
em tipos, os quais ele denomina arquétipos, divididos em masculinos e femininos
17
.
Segundo Randazzo, os arquétipos femininos foram utilizados na publicidade com a
tentativa de criar identificação com o público-consumidor que se desejava atingir. Produtos
que estariam associados a valores como o lar e a família estariam utilizando o arquétipo da
“grande mãe”, por exemplo; ao contrário, produtos através dos quais a beleza e a sensuali-
dade feminina era o valor a ser atingido, utilizariam o arquétipo da “mulher fatal”, no qual a
mulher é tida como objeto sexual.
Esse tipo de abordagem, no entanto, parece se mostrar insuficiente para definir iden-
tidades de gênero, por se ancorar em mitos de caráter essencialista, a partir dos quais acredi-
ta-se encontrar regras únicas definidoras do feminino. As identidades de gênero parecem
17
Não nos interessa aqui pensar a validade da idéia de arquétipos como características ontológicas dos
gêneros, tal como se apresenta na concepção original de Jung, mas, como referências culturais que são
através de diferentes modos e meios
preservadas, transmitidas e, de certa maneira, cristalizadas em
diferentes momentos, em diferentes culturas, acabando por dar o entendimento do que são o “masculino”
e o “feminino” nos contextos em questão. A sugestão é de que por trás da idéia de arquétipo encontram-
se, de forma mais ou menos condensada, as fantasias, os desejos, as apreensões, o imaginário mesmo, de
um determinado grupo social acerca dos gêneros, os quais, não raramente, são tomados como “naturezas”
masculinas e femininas. Em síntese, ao se recorrer à idéia de arquétipos aqui, o que se busca é capturar o
imaginário decantado de uma época acerca de suas crenças em relação aos gêneros, tomando tais crenças
como produções históricas e, portanto, sempre cambiantes, apesar de soarem para aqueles que nelas crê-
em como permanentes e imutáveis.
44
exigir abordagens menos redutoras em relação a regras e características tidas como ineren-
tes a uma essência feminina ou masculina. Mesmo Randazzo, que se baseia nessa estrutura
tipológica para estudar o que ele chama de “mitologia de marca” na publicidade, reconhece
que esse suposto funcionamento arquetípico na publicidade se complexifica a partir da flui-
dez dos papéis de sexo e das identidades que dominam o debate em torno do gênero, o que
foi intensificado a partir do movimento feminista.
No entanto, essas construções parecem ser úteis quando se analisa o imaginário
feminino como o coloca Huyssen (p. 72). Essas duas imagens tradicionais, virgens e
vamps, predominaram no século passado e, segundo vários autores, ambas se focam na
sexualidade
18
. Para esse crítico, embora essas construções sejam imaginárias e possuam
um caráter essencialista ao apresentarem tipos ideais de mulheres vistas por olhos mas-
culinos, elas não devem ser desconsideradas. A vamp, por exemplo, estaria de acordo
com o arquétipo da mulher diabólica, presente no imaginário tradicional da sedução
feminina.
Nesse imaginário da literatura, surgem histórias que mostram que essa é uma épo-
ca em que havia ao mesmo tempo um medo e uma fascinação pela tecnologia exprimida
em figuras de autômatos e robôs vamps femininos. Os autômatos são animados pela
força mecânica e imitam a vida de forma mais realista possível através de seus movi-
mentos, sem portarem a vida dentro de si. Já essas bonecas mecânicas encantaram Char-
les Babagge, responsável pela criação da máquina analítica que precede o computador,
numa exposição de autômatos acionados por mecanismos de relógio fabricados por
John Merlin, um engenheiro que ficou famoso nos fins do século XVIII pela criação
desses brinquedos (Plant, 1999). Essa autora (p. 83) apresenta uma boa descrição do que
eram esses objetos:
Bonecas acionadas por mecanismo de relógio que andavam e falavam, fascina-
ram os fins do século XVIII, obcecados com qualquer coisa mecânica. Os autô-
matos mais famosos destes dias foram a Mulher Musical e o Turco Enxadrista,
os quais adicionaram os mistérios da raça e do sexo às seduções do mecanismo
do relógio. Mas foi a possibilidade de controlar a eletricidade que levou às altu-
ras os sonhos sobre bonecas vivas.
18
A representação da mulher em alguns relatos muitas vezes se ordena em torno de uma natureza dual
que remete sua imagem ora a uma virgem, possuidora dos mais puros valores de castidade e beleza ange-
lical, ora a uma vamp, em que ela é tida como um demônio perverso que provoca sofrimento e acaba por
levar à ruína, à morte ou ao desespero os seus admiradores.
45
A personagem autômato do conto O homem de areia, do alemão E. T. A. Hoff-
mann, lançado em 1814, serve como uma primeira ilustração da mulher-boneca. Nesse
romance, Natanael se apaixona por Olímpia, uma criação fantástica de um cientista,
construída através de técnicas mecânicas. Mas embora todos reconheçam sua natureza
artificial, isso não ocorre com o personagem principal, que ignora o fato de ela ser uma
boneca. Isso parece ocorrer porque ela não lhe causava aborrecimentos, não se apresen-
tava como um ser complexo, com densidade psicológica ou emocional. A passividade e
a aparência da mulher boneca alimentavam sua fantasia masculina de possuir um objeto
que se pudesse controlar:
Nunca tivera uma ouvinte tão encantadora, pois não bordava nem tricotava,
não olhava pela janela, não dava comida aos pássaros e não brincava com
cãezinhos ou gatinhos graciosos. Não amassava papeizinhos ou se distraía
com qualquer coisa nas mãos, nem precisava conter um bocejo ou um leve
pigarro. Em suma, fitava o amado durante oras sem se mexer ou se ajeitar, e
esse olhar tornava-se cada vez mais ardente e mais vivo (Hoffman, 1986, p.
141).
Nessa história, apresenta-se a figura feminina tecnologizada como uma mulher que
existe somente a partir de sua aparência. Sua beleza é sempre exaltada, como se pode notar
neste trecho:
Olímpia apareceu vestida ricamente e com muito bom gosto. Seu rosto e seu
corpo, de belas formas, foram inevitavelmente admirados. As costas eram cu-
riosamente recurvadas, e a cintura fina, semelhante à de uma vespa, parecia
exageradamente apertada num espartilho (Hoffman, p.137).
Por fim, ao descobrir que Olímpia era um ser inanimado e que havia sido comple-
tamente destruída em uma briga entre o cientista que a criara e um homem que ajudara
na construção de partes de seu mecanismo, Natanael se angustia bastante, mas tempora-
riamente retoma sua vida normal ao lado de amigos. Apesar disso, no fim do conto, a-
caba por preferir a morte, enlouquece e se suicida. Gubern (p. 109), ao apontar essa obra
como um exemplo da fascinação na ficção científica por robôs erotizados, lembra que
ela também já foi analisada por Freud numa interpretação da boneca como um espelho
narcíseo de Natanael.
Outra obra que é tida como referência na literatura para a revelação do desejo de
controlar os desejos da mulher e de tê-la como uma boneca aos seus serviços é o romance A
Eva futura, do francês Villiers de I’Isle Adam, publicado em 1886. Nessa história, o prota-
46
gonista, decepcionado com a personalidade medíocre de sua amante, pede a um cientista
que crie um ser artificial com a mesma aparência física dela. Segundo Gubern (p. 110) an-
dróide substituta era um “robô erotizado, muito atraente cuja principal função era satisfazer
o desejo de Lord Edwald”. O cientista da história se chama Edison em uma referência ao
inventor da energia elétrica Thomas Edison.
O cinema, por sua vez, dá continuidade a este imaginário que une tecnologia e ero-
tismo numa época em que a sedução feminina se ancora na figura da vamp. Na seqüência
da aparição das vamps maquínicas, destacamos a famosa robô Maria, do filme Metrópolis,
de Fritz Lang, de 1926. Para Gubern (p. 111), ela pode ter sido inspirada pela andróide Eva
futura. O que é interessante ressaltar é a utilização de uma mulher robô erotizada, que se-
gundo as análises de Huyssen problematiza a relação existente entre mulher e tecnologia
nesta época (Huyssen, p. 65-79).
O filme apresenta uma robô, construída com a aparência de uma mulher que co-
manda uma multidão de operários numa cidade dividida em duas classes, uma abastada
e outra miserável. Ela é criada por um cientista a pedido do dono da cidade para que
espalhe a discórdia e confunda os operários que se rebelam contra sua situação opresso-
ra, mas que até então confiam em Maria, que prega a necessidade de paz entre as clas-
ses. A primeira Maria possui qualidades angelicais, ao passo que a robô construída a
partir de sua aparência revela uma personalidade de mulher fatal. Ela dança
sensualmente numa casa de prazeres da cidade para espectadores masculinos, mas foge
do controle de seu criador e do dono da cidade quando ocorre uma revolta na cidade, no
qual ela incita os trabalhadores a destruírem as máquinas, causando inundações e
destruições.
A relação entre tecnologia e sexualidade feminina foi observada pela primeira vez
por esse crítico, que, por meio da análise dessa personagem robô, investiga o imaginário
social e ideológico do filme através do questionamento sobre a incorporação da tecno-
logia numa mulher-máquina (Huyssen, 1986). Para ele, a investigação sobre o motivo
de a robô aparecer como mulher revela o “complexo relacionamento entre sexualidade e
tecnologia”. É interessante sua observação de que até então este filme só havia sido ana-
lisado sob a perspectiva da análise marxista do conflito de classes entre os donos dos
meios de produção, a fábrica que move a cidade, e os trabalhadores miseráveis, que
executam as tarefas mecânicas.
47
Ele diz que os autômatos e os andróides que fizeram sucesso no século XVIII e-
ram manifestação do gênio humano em criar invenções mecânicas, mas assinala que
daquele século para o XIX a tecnologia torna-se uma ameaça à vida humana, o que ex-
plicaria a preferência na literatura, por exemplo, de ciborgues mulheres, que tiveram sua
sexualidade projetada no descontrole maquínico. O homem teria projetado, então, na
mulher como uma máquina vamp, tanto seu medo da tecnologia como da sexualidade
feminina, revelando uma mistificação da sexualidade feminina com a tecnologia fora de
controle, como mostra o filme Metrópolis.
A comparação entre a heroína Maria, de Metrópolis, e S1m0ne, a personagem
virtual construída por computador do filme que leva seu nome dirigido por Andrew
Niccol em 2002, permite identificar a diferença entre o tipo de sociedade na qual elas
estavam inseridas, bem como realizar comparações em relação à evolução da sedução
feminina divulgada através desse imaginário.
Em S1m0ne, um fracassado diretor de Hollywood, cansado do estrelismo de atrizes
renomadas, cria uma mulher digital e passa a usá-la em seus filmes. Eles fazem grande su-
cesso devido à beleza e ao carisma da atriz, que é chamada de S1m0ne como código para
“Simulation One”, a primeira versão do programa de simulação. Em sua ânsia por reconhe-
cimento profissional, o personagem do diretor omite que Simone é uma criação artificial e
passa a enfrentar apuros para esconder a verdade sobre a origem da celebridade na qual a
atriz virtual se transforma. Ele cria desde entrevistas até um show, no qual a imagem de um
holograma da moça é projetada sob um cenário esfumaçado para que se mantenha a farsa
de que ela é uma pessoa real.
No entanto, o charme, o sucesso e a beleza de Simone começam a incomodar o
diretor, que passa a ter seu reconhecimento subordinado ao da atriz virtual. Nesse
caso, podemos dizer que a mulher digital que vivia num computador ameaça não por
um descontrole maquínico como o de Maria. Todas as apresentações dela, tanto para
revistas, como para um show num estádio lotado em transmissão via-satélite foram
bem-sucedidas. O que saiu ao controle foi seu sucesso, sua fama, baseados em seu
carisma de top model, que ofuscava cada vez mais a carreira do diretor.
Ao contrário de Maria, a sociedade na qual Simone está inserida não é a da luta de
classes, como em Metrópolis, mas a da sociedade do espetáculo e do consumo. Isto fica
claro no filme, pois em um dos primeiros diálogos entre o diretor do filme e a produtora
48
executiva de Holywood que viabiliza financeiramente seu filme, sua ex-mulher, o que é
colocado como meta é o faturamento com o filme se a atriz principal saísse. Isto tornaria
o projeto inviável e é por isso que o diretor acaba por aceitar a proposta de um cientista
com aspecto “maluco” de lhe fornecer um programa que simule uma mulher perfeita.
De qualquer forma, ainda é possível identificar em uma passagem do filme a as-
sociação da tecnologia com a mulher que destrói o homem: o cientista que a cria fica
com um tumor no olho após longa exposição na frente da tela do computador e como o
tumor não é operável, ele morre em função da sua criação. Da mesma maneira, o diretor
quase é morto devido ao descontrole a que Simone leva sua vida: ao tentar eliminá-la,
ele é preso e quase condenado, pois publicamente acredita-se se tratar de uma pessoa
real, o que remeteria ao crime de assassinato. Ele é salvo por sua jovem filha, uma apai-
xonada por computadores.
Também é possível identificar por meio dessa comparação o que Lipovestky cha-
mou de “o eclipse da mulher fatal”. Para ele, a sedução feminina vista como abismo e
perdição vem se transformando ao longo da história. A imagem da mulher-esfinge é subs-
tituída pelas de estrelas e top models, que representariam uma cultura positiva da sedução
feminina, com um erotismo excitante e não devorador, sendo estes os novos arquétipos
femininos no contemporâneo.
Como uma máquina vamp, Maria simboliza o medo do homem pela sexualida-
de feminina e Simone, ao contrário, com sua beleza ideal de top model na atualidade
mostra uma nova condição do feminino, no qual o erotismo se apresenta mais desi-
nibido e jovial. Essa seria a queda do mito da beleza mortífera, perigosa, que repre-
sentava uma armadilha, com a beleza feminina não se associando mais, portanto, ao
perigo e ao vício e passando a ganhar uma conotação positiva.
A sociedade na qual as duas estão inseridas também revela o deslocamento entre
duas épocas. Maria era uma máquina construída através de técnicas mecânicas que iden-
tificam a sociedade industrial, ao passo que a segunda é criada pela tecnologia digital,
característica do momento contemporâneo da sociedade da informação. A Figura 2 mos-
tra a diferença entre os tipos de construções tecnológicas. A primeira, Maria, é uma fi-
gura mecânica, já a segunda, Simone, é uma beleza digital, criada em computador. O
último filme mostra como a tecnologia é utilizada na atualidade para representar a figu-
49
ra feminina. No fim do capítulo será possível fazer a análise destas novas representa-
ções.
Figura 2 - Maria, filme Metrópolis, e Simone, filme S1m0ne
Todas essas representações revelam de que maneira o meio técnico e o contexto soci-
al permitiram o gosto e o prazer pela figura da mulher como uma boneca-autômato ideali-
zada, mecânica, vamp, que alimentou o imaginário literário e científico nesses tempos. A
relação entre a imagem feminina e o meio técnico delineia um cenário no qual a sexualida-
de feminina será projetada como um desejo de se controlar a tecnologia numa sociedade
mecanizada, como em Metrópolis. A figura mítica da ficção científica que encarna essa
relação, como visto anteriormente, é a vamp mecânica, que está presente nos relatos literá-
rios e cinematográficos até o início do século XXI.
50
2.3 A sedução feminina nos meios de comunicação de massa
Só o mito é poderoso, e no coração do mito cinematográfico existe sedução –
a de uma grande figura sedutora, homem ou mulher (sobretudo mulher), liga-
da ao poder capcioso e encantador da própria imagem cinematográfica. Mira-
culosa conjunção (Baudrillard, 1992, p.108-109).
Por intermédio da fotografia e da imprensa, os mais belos modelos de sedu-
ção são regularmente vistos e admirados pelas mulheres de todas as condi-
ções: a beleza feminina tornou-se um espetáculo para folhear em papel bri-
lhante, um convite permanente a sonhar, a permanecer jovem e embelezar-se
(Lipovetsky, p.158).
São os meios de massa que vão permitir que a imagem de mulheres comece a ser
divulgada na esfera pública. A televisão, as revistas e o cinema serão decisivos para
compor um quadro da nova sociedade individualista moderna. Eles vão, juntamente
com fatores sócio-econômicos decorrentes de um mundo pós-guerra, suscitar o consu-
mo de mercadorias e de desejos como meta de felicidade dessa época; especialmente
para as classes populares emergentes em um mundo capitalista que estabelece o indivi-
dualismo moderno ancorado no consumo como padrão de comportamento social (Mo-
rin).
Nesses meios também haverá uma grande recorrência da imagem da mulher sedu-
tora que, aliada aos novos produtos de consumo do Estado de bem-estar, será intensa-
mente utilizada pela publicidade. A tecnologia de reprodução visual criadora dessas
imagens, característico dos meios de grande alcance, também vai revelar a construção
desse imaginário a partir de uma figura feminina calcada na aparência. Com isso, desta-
ca-se a figura das pin-ups, em que a mulher se confunde com o objeto a ser vendido,
ocorrendo a associação entre mulher e consumo. As divas do cinema são imagens tam-
bém associadas com as aspirações consumistas e com valores como felicidade, bem-
estar e amor. As top models, por fim, continuam a perpetuar a imagem da mulher com
modelos de beleza e juventude.
51
2.3.1 Divas do cinema e pin-ups da publicidade
Nessa época, o fascínio pela imagem da mulher é mais pelo poder que a ima-
gem tem de reforçar as figuras públicas de diva e estrela, fazendo com que neste
sentido a tecnologia visual funcione como difusor e ao mesmo tempo criador desses
mitos da cultura de massa. Como foi mostrado anteriormente, várias personagens
dos relatos de fantasias tecnológicas estiveram de acordo com o mito da beleza mor-
tífera, perigosa, que representava uma armadilha. No entanto, no início do século
XX, um novo imaginário da sedução feminina se coloca. Como apontado por Lipo-
vetsky (p. 173), dá-se uma passagem da mulher fatal para a pin-up, a mulher com
aparência erótica, mas não perversa: “Esbelta, saudável, sorridente, a pin-up não tem
nada mais de diabólico, parece-se mais com uma boneca sexual brincalhona do que
com uma fêmea louva-a-deus, que devora o macho”.
O filme Barbarella (1968), do diretor Roger Vadin, criado a partir da revista em
quadrinhos do francês Jean-Claude Forest, ilustra esse arquétipo com a história da viajan-
te espacial terráquea que utiliza seus atrativos sexuais femininos como uma arma no com-
bate a seres alienígenas no futuro. A obra, que consagrou Jane Fonda como modelo ideal
de beleza e sensualidade feminina da década de 60, é a expressão da sexualidade quase
ingênua da época. Numa missão de resgate a um cientista desaparecido, a personagem,
sempre em trajes sexy (Figura 3), acaba por vivenciar quatro experiências sexuais com
diferentes homens e de diversas maneiras. Ela sempre vê esses desafios como muito hu-
mor, leveza e naturalidade e nunca nega o pedido de um homem para que seu desejo seja
atendido, sendo claramente submissa a suas solicitações.
52
Figura 3 - Pôster do filme Barbarella
Em suas excursões a planetas distantes, ela é sempre vista como um objeto sexual
desejado pelos homens. Em um desses momentos, chega a ser submetida a uma máquina
de proporcionar prazer controlada por um homem, mas que acaba sendo destruída por não
suportar toda sua potencialidade sexual, o que nos leva a depreender, entre outras coisas,
que embora ela seja construída sob um olhar masculino que a vê como um objeto de con-
sumo, há uma reafirmação da independência feminina no momento em que ocorre a libe-
ração sexual.
Essa nova estética sexy encontra tanto no cinema como na publicidade seu suporte
de divulgação. Os calendários, fliperamas, cartões postais e imagens publicitárias pas-
sam então a divulgar este tipo de imagem e o cinema consagra estrelas como Marilyn
Monroe, Sophia Loren e Brigitte Bardot, entre outras, como mitos de beleza ingênua,
mas provocante. Vários artistas retratavam as pin-ups nesses tempos. Alberto Vargas e
George Petty são dois nomes importantes na década de 30. Gil Elvgren foi também um
dos mais prestigiados e cotados de todos os clássicos do gênero nos anos 40.
53
Figura 4 - Pin-ups de Vargas e Petty
Pode-se notar o fascínio que a imagem publicitária da própria indústria hollywoo-
diana exercia no imaginário do público e dos artistas daquela época através do trabalho
de Andy Warhol, um dos ícones da pop-art. Isso se verifica, pois a principal fonte de
inspiração para seus retratos de celebridades, entre eles as estrelas e divas das décadas
de 60 a 80, parecia ser a fotografia e a própria publicidade de Hollywood. Como aborda
King (2003), seus retratos são apresentados segundo um forte apelo fetichista que já
caracterizava a própria publicidade como um motor de criação de desejos consumistas
através de imagens sexualizadas. Segundo esta autora, um dos elementos de atração de
seus retratos de divas, como o de Marilyn Monroe por exemplo (Figura 5), eram os lá-
bios “fortemente coloridos, cheios e estendidos até se tornarem suculentos objetos sexu-
ais”. Ele retratava a face pública da celebridade sem enfatizar aspectos individuais de
personalidade.
54
Figura 5 - Marilyn Monroe, por Andy Warhol
Essa é a própria essência da perda da aura que as técnicas de reprodução como a
fotografia e o cinema suscitaram segundo a visão de autores como Walter Benjamin
(1969). Para ele, a aura (que pode ser entendido como um fascínio) de uma obra de arte
está associada a um conceito de autenticidade presente no original, como, por exemplo,
nas pinturas consideradas obras únicas expostas em museus. Quando essas imagens são
reproduzidas através de um aparato técnico no qual esse referencial de origem se perde,
como no caso da fotografia e do cinema, dá-se a perda da aura. As deusas sexy de Hol-
lywood só existem através da reprodução e quanto mais sua imagem é divulgada maior
é seu estatuto de deusas da tela e da imagem. Podemos dizer que a aura delas vem exa-
tamente da perda da aura da qual fala Benjamin, ou seja, a possibilidade de dissemina-
ção dessas imagens para um grande público através do meio técnico surge como um
novo tipo de fascínio na época em que a reprodução se caracteriza como a técnica dos
meios de massa.
Quando Warhol repinta essas imagens publicitárias, ele está reforçando com seu
próprio ato a “superfície sedutora”, termo utilizado por Baudrillard (1992), do reino da
aparência visual presente nas telas do cinema e, depois, da televisão. Podemos nos ques-
tionar sobre essa correlação entre o fascínio que a imagem gerada pelas técnicas visuais
como o cinema e a TV exerceram nesse imaginário ao fato de ele ser habitado em sua
grande maioria por imagens de mulheres.
Baudrillard (p. 9-16) afirma que a feminilidade só se define por meio de estraté-
gias de aparência. Ele defende que a mulher possui a soberania da sedução e que o não
entendimento disso como um poder ocasionou o fracasso do movimento feminista. É
como se o feminino fosse sempre simulado, constituído somente a partir de aparências,
55
nas quais a questão da profundidade, da verdade, do real, ou melhor, de sua distância
em relação a um modelo original nunca tivesse feito sentido. Essa interpretação é bas-
tante questionável quanto à afirmação desse feminino como uma identidade generaliza-
da, já que apesar da supervalorização da beleza, nem toda mulher se constitui somente a
partir desses referenciais.
Lipovetsky (p. 14), por exemplo, argumenta que a valorização do amor, da sedu-
ção e da beleza física como vetores constitutivos da identidade feminina no contempo-
râneo são uma expressão de uma modernidade democrática, não entravam o princípio
de livre posse de si, e acabam por fornecer sentido e poderes às mulheres. De uma ma-
neira geral, ele propõe que se pense a persistência das dicotomias de gênero não como
um arcaísmo, mas como uma expressão dos valores da sociedade moderna: “Pensava-se
que a modernidade trabalhava para fazer tábula rasa da divisão sexual das normas; na
realidade, ela também reconcilia o novo com o passado, o que reconduz blocos de ‘tra-
dição’ para o interior do mundo individualista”.
No entanto, talvez o que Baudrillard identifique como o “reino das aparências” per-
mita entender o circo midiático formado em torno desses ídolos e estrelas de cinema e TV,
já que se manifesta paixão por uma imagem fictícia em relação àquela pessoa real que está
representando um papel na tela. Baudrillard (1992, p. 108) diz que esse tipo de sedução da
estrela se centra no mito artificial e reconhece isto como a manifestação do fascínio de um
ritual vazio, nulo, característico de uma época moderna massificada de imagens que de
tanto aparecer se auto-anulariam:
A sedução, a fascinação, o esplendor “estético” de todos os grandes dis-
positivos imaginários aí está: no desaparecimento de qualquer instância,
como a do rosto, no desaparecimento de qualquer substância, como a do
desejo, dentro da perfeição do signo artificial.
Para Baudrillard (1992, p.109), os “dispositivos do imaginário” perpetuam ima-
gens superficiais, artificiais e nisto está sua própria característica sedutora. O distancia-
mento da realidade ocasionado pela a mitificação destes ícones de massa através das
imagens leva a uma perda de sentido:
A
star
nada tem de um ser ideal ou sublime, ela é artificial. Não deve ser
mais do que uma atriz no sentido psicológico do termo, seu rosto não é o re-
flexo de sua alma nem de sua sensibilidade, pois não as tem (...) As
stars
não
brilham por sua inteligência, mas por falta dela.
56
Isso ocorreria tanto no cinema quanto na TV, sendo que esta última acabaria por
herdar o capital semiótico e mitológico do primeiro, estabelecendo com seu público
uma relação baseada na freqüência e na intensidade das aparições das estrelas (Gubern,
2000, p. 51-53).
Para Morin (p. 89-90), essa cultura de massa funciona como um grande impul-
so do imaginário em relação ao real. Os modelos de sedução, de desejos de auto-
realização, incitam uma prática coletiva aspirante por modelos que conduzam o cor-
po social diante de todas as possibilidades que o novo individualismo moderno, an-
corado no consumo capitalista, propõe. Como ele descreve, a “a cultura de massa
fornece os mitos condutores das aspirações privadas da coletividade”.
Pois na cultura de massa, como propõe Morin (p. 105), esses mitos, modelos e he-
róis serviam de identificação para as multidões. Os ídolos do cinema, reconhece ele, eram
porta-vozes de valores efêmeros que prometiam felicidade, amor, beleza, juventude e
bem-estar, ao contrário de épocas em que mitos religiosos e políticos prometiam liberdade
e felicidade duradouras:
Os múltiplos modelos de conduta dizem respeito a gestos, atitudes, modos de
andar, beleza se integram num grande modelo global, o de um estilo de vida
baseado na sedução, no amor, no bem-estar. Nesse sentido, as estrelas, sem
suas vidas de lazer, de jogo, de espetáculo, de amor, de luxo, e na sua busca
incessante de felicidade simbolizavam os tipos ideais da cultura de massa.
As estrelas do cinema e as pin-ups eram utilizadas como veículos desses valores
através da publicidade, que se valia da associação erótica da imagem feminina nos mais
variados produtos como cremes dentais, sabonetes, eletrodomésticos de maneira geral
etc. (Figura 6). Dessa forma, havia uma conjunção entre o erotismo feminino e o movi-
mento do capitalismo moderno, ancorada no consumo (Morin, p. 119).
57
Figura 6 - Pin-up Kolynos
Nessas imagens de pin-ups vendedoras de produtos de consumo, pode-se observar a
justaposição da mulher com a própria mercadoria a ser consumida. Morin diz que para as
mulheres isso cria uma identificação sedutora na qual a mercadoria faz papel de mulher
desejável e para os homens afirma sua condição de consumidor do objeto mulher. Lipo-
vetsky (p. 169-188) diz que a pin-up se constitui a partir de uma lógica tradicional, em que
prevalece a imagem da mulher-objeto definida por atrativos eróticos em excesso, unida a
uma lógica moderna, na qual o que predomina é uma estética de apelo mais desinibido e
jovial. Para Morin (p. 141) Esse sistema visual funcionava, na verdade, como uma rede que
possibilitava mais um tipo de boneca feminina:
A mulher modelo desenvolvida pela cultura de massa tem a aparência da
bo-
neca do amor
. As publicidades, os conselhos estão orientados de modo bas-
tante preciso para os caracteres sexuais secundários (cabelo, peitos, boca, o-
lhos), para os atributos erógenos (roupas de baixo, vestidos, enfeites), para
um ideal de beleza delgado, esbelto – quadris, ancas, pernas. A boca perpetu-
amente sangrenta, o rosto pintado seguindo um ritual são um convite perma-
nente a este delírio sagrado de amor que embota, evidentemente, a multiplici-
dade quotidiana do estímulo.
58
Figura 7 - Pin-up Gessy
Na cultura de massa, a mulher foi construída para ser olhada e consumida. Após o
feminismo, vários estudos apontam para a diferença entre os personagens masculinos e
femininos no cinema, o que se tornou um objeto privilegiado dos estudos de gênero
19
. Os
homens seriam aqueles donos do poder de olhar, enquanto as mulheres estariam represen-
tadas para serem olhadas (Aumont, 1993, p.126). Esta, então, de acordo com alguns pes-
quisadores como Laura Mulvey, seria uma diferença essencial: o homem como portador
do olhar e a mulher como imagem
20
.
Mulvey foi uma das primeiras estudiosas feministas a apontar a lógica visual no ci-
nema como uma lógica masculina. A partir dos conceitos de fetichismo e voyeurismo na
acepção freudiana, ela diz que tanto a câmera como a estrutura narrativa fazem com que o
espectador se identifique com o personagem masculino e se junte a ele na exploração visual
da mulher. Embora esse tipo de análise venha sendo rediscutida por outras correntes teóri-
cas, como os estudos sobre as novas mídias, essa lógica parece muito condizente com a
19
Ver Sellier (2003).
As histórias em quadrinhos também são analisadas segundo essa crítica de Mulvey
por Barcellos (2003). Ela diz que “as personagens femininas que passam a habitar os quadrinhos, inde-
pendentes e liberadas, não são uma criação das mulheres, mas uma projeção masculina sobre os modelos
reivindicados por mulheres no mundo todo”
20
A análise de Mulvey pode ser encontrada em: Mulvey, Laura. Prazer visual e cinema narrativo in Xavi-
er, Ismail(org) A Experiência do cinema, Graal, SP, 1991.
59
maneira como o feminino era tratado pela publicidade no período em que se desenvolve a
cultura de massa associada ao consumo.
2.3.2 As top models televisivas e modelos da imprensa feminina
O sistema de comunicação que promoveu a difusão das normas estéticas como
modelo para as mulheres foi a imprensa feminina
21
. Elas difundem técnicas estéticas
para o público de massa. Embora tenha havido alterações importantes na evolução das
revistas especializadas, é simples constatar que a retórica da importância da beleza é o
tema principal dessas publicações, que circulam nas bancas de todo o mundo, e que suas
porta-vozes são as modelos que ilustram com seus lindos rostos (e corpos) as capas de
cada uma delas.
Em nenhuma outra época foi conferida tanta importância à beleza feminina. Lipo-
vetsky (p. 99-194) traça a história da invenção da mulher como o “belo sexo”. Sua pes-
quisa parte das sociedades neolíticas e paleolíticas, nas quais o feminino não é reconhecido
como “belo sexo”. Segundo ele, nas sociedades gregas são vários os exemplos de exalta-
ção da beleza feminina: deusas, como Hera, Ártemis, Atena e, sobretudo, Afrodite, que
representam a própria personificação da beleza, poemas com elogios de beleza ao corpo
feminino
22
e esculturas que demonstram a perfeição física do corpo da mulher. Apesar
disso, ele (p. 111) lembra que como o mundo grego é uma cultura na qual a homossexuali-
dade é difundida, a beleza masculina ainda era mais valorizada que a da mulher. Predomi-
nam os nus masculinos e a supervalorização da beleza do homem:
A antiguidade grega certamente saudou a beleza feminina, mas a cultura pede-
rástica levou a privilegiar a beleza dos homens jovens, a rejeitar a identificação
das mulheres ao belo sexo, a recusar uma hierarquia estética dos gêneros sob a
dominação do feminino. Na sociedade grega, o homem personifica a beleza
com mais brilho do que a mulher, e Ganimedes, cuja beleza inflamou o próprio
Zeus, representa sem nenhuma dúvida um ideal estético mais atraente que as
estátuas das deusas.
21
Referente não a imprensa feita por mulheres, mas sim sobre mulheres.
22
Lipovetsky (p.109) cita um dos poemas do poeta Safo: “Alguns estimam que a mais bela coisa que
existe na terra escura é uma tropa de cavaleiros ou de infantes; outros, uma esquadra de navios. Para mim,
a mais bela coisa do mundo é aquela por quem se está apaixonado”.
60
Mas, ainda segundo ele (p. 120-127), é devido ao humanismo da Renascença que
a imagem da mulher deixa de ser considerada diabólica. Nesse momento a beleza passa
a ser um meio de elevar-se a Deus (neoplatonismo). Então, de uma associação diabólica,
a beleza feminina passa a ser vista como “reflexo da bondade divina e sinal de beleza
interior”.
Para o autor, o culto moderno à beleza feminina é filho dessa concepção renascen-
tista. O que é novo nesse processo é a capacidade de atribuição de prestígio e títulos de
nobreza que antes não eram permitidos às mulheres. Por isso, ele chama de “riqueza
simbólica” esse reconhecimento social que mais integra as mulheres numa ordem nobre
da cultura humana do que as relega a uma posição desprivilegiada. Na contramão de um
certo imaginário feminista que desmerece a glorificação da beleza feminina como algo
positivo, ele afirma que foi esse o processo responsável pelo reconhecimento da digni-
dade humana e social da mulher. A pesquisa histórica realizada por este autor mostra-se
muito relevante para a análise da evolução da condição feminina. No entanto, sua afir-
mação de que a beleza é uma vantagem e que isto traz legitimidade social ao movimen-
to de independência feminina (p. 154-168) é passível de ser questionado. Ele mesmo
afirma que a mulher pode fazer uma leitura criativa em relação a essas imagens de “be-
leza” veiculadas na mídia, ou seja, há uma influência que talvez não possa ser tão posi-
tivada como mostra sua análise.
A história de Lipovetsky, com sua divisão em três grandes momentos da relação
entre o feminino e a sedução, fornece um panorama no qual podemos identificar três
importantes pontos. O primeiro, diz respeito à permanência da mulher como belo sexo,
e, portanto, em sua condição de sedutora, a partir da Renascença até a atualidade. O
segundo afirma que essa permanência está de acordo com valores democráticos moder-
nos e não com a continuidade de uma realidade na qual a mulher era subjugada por seus
dotes sedutores. O terceiro é o que diz que nesta atualidade que reconhece a mulher co-
mo fonte de sedução e beleza, há uma transformação do conceito de sedução perigosa
para o de uma sedução mais branda, erótica sem ser maléfica, mais especificamente
após a década de 60, como já citado anteriormente.
Em uma época que reconhece a mulher como belo sexo, então, a partir dos anos
90, as top models passam a ocupar o pedestal antes destinado às divas do cinema. E TV
e imprensa serão os veículos portadores dos valores que vão associar beleza e consumo.
61
De acordo com a análise de Lipovetsky, as modelos e manequins funcionam segundo a
mesma “orquestração” existente com o star system no que diz respeito à superprodução
especializada de um reino de beleza “manufaturada”. Nesse sentido, opera a mesma
lógica publicitária que atinge seu auge na atualidade: além de vender os produtos que as
garotas-propaganda exaltam, indústrias como a cosmética, que cresceu muito nos últi-
mos anos, vendem o sonho da beleza.
Para ser mais exato, as mulheres manequins, da mesma maneira que as estre-
las da tela grande, não são irreais nem fictícias, são recompostas e surreais.
“Mesmo eu quando acordo de manhã, não me pareço com Cindy Crawford”,
confiava recentemente a célebre top model. A fase radiosa da beleza coincide
com o momento em que a técnica permite construir belezas vivas mais su-
blimes que as criações imaginárias, em que o mito da beleza torna-se verídico
e as belezas de carne, imagens míticas. (...) A beleza equívoca e maldita foi
substituída pela
beleza mercantil
, uma beleza funcionalizada a serviço da
promoção das marcas e do faturamento das indústrias do imaginário (Lipo-
vetsky, p.182)
Essa mesma orquestração da qual fala Lipovetsky diz respeito ao intenso trabalho
pelo qual a imprensa e a mídia passam para produzir essas imagens espetaculares de
mulher. A idolatria da mulher pelas top models representa uma cultura menos preocu-
pada com as grifes e mais com as imagens do corpo jovem, magro e esbelto. Esse tipo
de consumo estimulado parece que está menos de acordo com um prazer estético orien-
tado para a contemplação do que para a ação corretiva da aparência por meio de produ-
tos de beleza e cirurgias plásticas. As modelos continuam a ser como as bonecas Barbie
que com sua beleza plástica encantam as mulheres, mesmo quando essas ainda são cri-
anças e não se transformaram em verdadeiras consumidoras do arsenal de beleza dispo-
nível.
Assim como as estrelas, a beleza disseminada pelas revistas se associa ao sucesso, à
riqueza e a realização pessoal. A imagem dessas modelos sempre está associada ao luxo, a
viagens, festas. Elas são celebridades e conseguiram isso através da beleza. Todo esse con-
junto de imagens divulgadas pelos meios de comunicação de massa através da publicidade,
da TV e do cinema está associado com a criação de um imaginário feminino intrinsecamen-
te associado com a aparência e com imagens idealizadas da mulher. É o reino da mulher-
fantasia criada pelas mídias visuais.
Apaixonada por uma imagem, a mulher agora quer se tornar uma. E tem que ser
bela. Bonita como as estrelas, agradável e sexy como as pin-ups. Magras e jovens como
62
as top models. Bonecas. Bonecas mecânicas que encantam ouvintes como Natanael na
história da autômato Olímpia, de Hoffman. Bonecas do amor com seus lábios pintados
de vermelho, como disse Morin. Bonecas Barbie publicitárias, de beleza plástica, sem
nada por dentro.
Com as novas tecnologias, as novas bonecas, ou Belezas Digitais, também expres-
sam um imaginário ligado à paixão pela imagem da mulher e à beleza feminina. Mais
do que isso, o próprio meio técnico, na sociedade contemporânea, traz novas questões
sobre como se estabelece o consumo da beleza ideal divulgada através de novos ícones,
como a heroína de vídeo game Lara Croft. No próximo capítulo, será possível analisar
quais os efeitos que a digitalização do real trouxe para uma cultura até então massifica-
da com imagens de mulheres com padrão de beleza inacessível, mas que apesar disso
ainda eram mulheres reais.
2.4 As Vênus digitais da Internet: As mulheres de bits e a sedução digita-
lizada
Esta seção pretende introduzir algumas dessas representações visuais femininas,
conhecidas como Belezas Digitais. A questão da relação com o meio Internet que algu-
mas delas estabelecem e seus desdobramentos serão abordados no capítulo seguinte. Por
enquanto, será fornecido um breve panorama para se observar os principais tipos de
imagens femininas desenvolvidas pelos profissionais dessa área, a observação sobre a
continuidade do fascínio por imagens de mulheres divulgadas e criadas através da
tecnologia, a diferenciação entre a técnica de reprodução de imagens nos meios de
massa e no meio digital e, por fim, algumas indicações do que poderia ser considerado
como novo neste processo de sedução digitalizada.
O livro Digital Beauties (Wiedemann, 2002) mostra a continuação do fascínio
por imagens de mulheres criadas e divulgadas por meio da tecnologia visual. É a pri-
meira referência impressa de criações a personagens femininos digitais. Apesar do for-
mato tradicional de livro, o volume reúne imagens de mulheres criadas exclusivamente
para o mundo digital. Através do livro, tem-se uma idéia do imaginário feminino digital
que circula na Internet. Segundo Wiedemann (p. 11-12), o idealizador da coletânea,
63
“através da Internet foi possível ver como as diversas culturas se expressam de maneira
diferente utilizando as mesmas ferramentas”. Ele lista como exemplos a cultura de ani-
mes e mangás no Japão, que dizem respeito, respectivamente, aos filmes de animação e
às histórias em quadrinho japonesas; a indústria de entretenimento nos EUA e o roman-
tismo na Europa.
Entre as diversas imagens femininas criadas com a 3DCG (técnica de computação
gráfica em três dimensões), é possível destacar alguns tipos comuns de figuras retrata-
das: mulheres hiper-realistas, heroínas que atendem a uma figuração herdada das histó-
rias em quadrinhos, como Lara Croft, figuras utilizadas em sites eróticos e pornográfi-
cos, modelos virtuais, e as ídolos virtuais que fazem sucesso no Japão. Pode-se observar
que elas são utilizadas principalmente em filmes, jogos, publicidade, pornografia e arte
digital. A seguir, por meio de três exemplos, chama-se a atenção para três tipos de ima-
gens femininas criadas: Kaya, a mulher realista; Terai Yuki, ídolo virtual japonesa, e
Webbie
23
, a garota-propaganda da Brasil Telecom.
Em algumas páginas do livro, quase não é possível distinguir entre ficção e reali-
dade. Esse é o caso de Kaya (Figura 8), criação do brasileiro Alceu Baptistão que foi um
dos destaques da exposição Perfeitamente Real: Mulheres em Bits e Bytes, na Inglaterra
(Sem assinatura, Isto é, 2003). Para alcançar um resultado realista, o artista criou imper-
feições: “Certos detalhes, como a boca larga e os dentes, olhos afastados e sobrancelhas
grossas foram feitas com o propósito de criar uma mulher realista com pequenas imper-
feições” (Wiedemann, p. 24). O resultado final espelha uma mulher parecida com uma
verdadeira a ponto de se instaurar a dúvida sobre sua real existência.
23
A garota propaganda brasileira tem o mesmo nome da americana, Webbie Tookay.
64
Figura 8 - Kaya, por Alceu Baptistão
Dos noventa artistas de nacionalidades variadas com trabalhos no livro (america-
nos, australianos, brasileiros etc), quase a metade (44,5 %) são japoneses. Desses, 13
são especialistas em ídolos virtuais, que se tornaram uma febre no mercado cultural de
massa japonês. Embora construídos com técnicas modernas de CG, o que poderia levar
a um desejo de se construir imagens cada vez mais realistas, como é o caso de Kaya,
essa categoria à parte de criações virtuais apresenta uma aparência humanóide na qual é
claramente perceptível se tratar de uma imagem criada artificialmente. Segue, como
exemplo (Figura 9), a imagem de uma das mais famosas ídolos virtuais do Japão, Terai
Yuki:
65
Figura 9 - Terai Yuki, por Ken-Ichi Kutsugi
Os designers revelam que é essa a intenção, a de que a modelo nunca perca a apa-
rência de uma imagem produzida por CG (Wiedemann, p. 196), ou seja, que permaneça
de certa forma com uma aparência artificial.
O
virtual idol
é uma categoria à parte dos
homo sapiens
. Mesmo que os ído-
los tenham um comportamento e um apelo humanóide, essas figuras em CG
permanecem como seres intocáveis. O conceito básico é criar um personagem
3-D que se parece com uma pessoa artificial (...) e que possa ser manipulado
e introduzido nos jogos, programas de TV e publicidade etc. (p. 318).
Será essa sedução da mulher digital, a sua característica de imagem artificial?
Baudrillard coloca que este era o fascínio das divas, o seu distanciamento e falta de pro-
fundidade. Nesse caso, a tecnologia visual da computação gráfica continua a permitir a
divulgação de imagens femininas que perpetuam o fascínio de imagens idealizadas.
Como as pinturas de Andy Warhol, que reforçavam a “superfície sedutora” das divas
hollywoodianas, a tecnologia digital também cria seu Olimpo.
66
A Figura 10 mostra a modelo virtual criada para fazer a publicidade da Brasil Te-
lecom
24
. Pode-se observar que ela está veste a roupa com o número de discagem da
companhia telefônica. Esse é mais um tipo de imagem feminina utilizada, a de modelos
virtuais que estão substituindo modelos reais na execução da publicidade, principalmen-
te de produtos ligados a alta tecnologia.
Figura 10 - Webbie, garota propaganda da Brasil Telecom
Como já colocado, no contemporâneo, o meio responsável pela divulgação dessas
imagens de mulheres digitais é principalmente a Internet e a técnica que permite este
processo é a computação gráfica. Segue-se agora uma abordagem sobre algumas dife-
renças técnicas que singularizam esse imaginário das belezas digitais.
Qualquer manipulação de imagens através de softwares especializados em
computador pode ser chamada de computação gráfica. No caso da construção das
mulheres digitais, é importante esclarecer que o uso que se faz da computação gráfica é
diferente do que se faz no mercado conhecido como manipulação fotográfica digital. No
caso das Belezas Digitais, as imagens são todas modeladas diretamente no software, não
havendo fusão de imagens de mulheres reais, como pode ocorrer com a manipulação de
24
Ver SiteProcedural (2004). Na matéria do site é anunciado que A Brasil Telecom lançou sua modelo
virtual, chamada Webbie, que impressiona pelo realismo. É informado que o comercial tem 30 segundos
de animação e foi realizado pela Toró Publicidade; foi dirigido por Eduardo Gomes, editor de arte da
Brasil Telecom, e produzido no Canadá.
67
fusão de imagens de mulheres reais, como pode ocorrer com a manipulação de fotogra-
fias digital.
A manipulação fotográfica digital é o resultado do cruzamento de imagens reais
com filtros de efeitos especiais ou com outras imagens, reais ou não. Nesse caso, pode
haver um componente real transportado para o meio digital. Um bom exemplo é o livro
The impossible image: Fashion photography in the digital age”, de Sanders e Der-
rick (2000), que usa a tecnologia da manipulação fotográfica digital para “borrar” a li-
nha entre a realidade e fantasia e criar uma espécie de composição surreal fetichizada e
sexualizada no contexto do mundo da moda. Em uma de suas páginas, a modelo Gisele
Bündchen é retratada dentro de uma espécie de cubo e é “observada” por uma série de
figuras masculinas em outro plano da imagem.
É importante lembrar: nesse tipo de técnica pode haver a presença de um compo-
nente retirado do mundo “real”, a partir do qual a imaginação do artista flui. Alguns
fotologs
25
também podem ser incluídos nesta categoria, já que fazem uma mistura de
imagens criadas e alteradas no computador com imagens reais. É o caso das novelas
digitais das famosas personagens Sinistra e Helenbar (Sinistra, 2003; Helenbar, 2003),
que aliam ficção à tecnologia e experiência de suas criadoras em formação em arte e
fazem sucesso entre os fotologs na Internet.
Na técnica de modelagem de mulheres digitais, não há referência a um objeto do
mundo real, ou seja, nenhuma foto é tirada ou escaneada de lugar algum concreto. As
personagens são criadas diretamente no computador através de softwares especializa-
dos. Por exemplo, a heroína do vídeo game Tomb raider, Lara Croft, é uma criação
virtual surgida exclusivamente da “imaginação” de seu projetista.
Enquanto os outros meios, como a televisão, o cinema e a fotografia (revistas),
expressavam uma cultura de representação visual na qual a reprodutibilidade de ima-
gens constituía o paradigma técnico, hoje podemos dizer que as novas tecnologias de
comunicação revelam uma cultura de simulação de imagens, em que a realidade passa a
ser não mais somente representada como também simulada, através de softwares espe-
cializados.
25
Os fotologs são páginas na Internet que surgem como uma evolução dos blogs, sites que funcionam
como diários virtuais. No caso dos fotologs, o usuário pode criar álbuns de fotografias. No exemplo cita-
do, essa ferramenta está sendo utilizada para compor um tipo de telenovela virtual.
68
Simulação é um conceito amplo e pode estar associado com antecipação de estados
futuros, substituição da realidade no que diz respeito a espaço físico, como ocorre na reali-
dade virtual, por exemplo, e com a substituição de tarefas e funções mesmo de pessoas na
vida real, entre outros. No primeiro caso, é o que ocorre em programas que simulam vôo
em ambientes sem atmosfera, como é o caso dos simuladores de viagens espaciais da Na-
sa; em sistemas especializados em simular o tráfego de redes de computadores, em que a
partir de uma determinada condição (variável) externa pode ser previsto um estado futuro
de funcionamento; em programas que simulam o resultado de cirurgias plásticas a partir de
imagens dos rostos das pacientes etc.
No caso da simulação associada a uma proposta de substituição da realidade, Ma-
novich (2001, p.111-115) diferencia entre a representação e a simulação para analisar o
que se conhece hoje como realidade virtual. Segundo o autor, a simulação já existia em
sua forma clássica nas pinturas de parede, como afrescos e mosaicos da arquitetura, em
esculturas criadas com a mesma escala humana, e em museus de cera, por exemplo. Nesse
sentido, ela representaria uma tradição intencionada em representar a realidade numa
mesma escala do mundo humano, assim como também de unir os espaços físicos e virtu-
ais ao invés de separá-los, fornecendo uma idéia de continuidade entre os mesmos. A re-
presentação, ao contrário, está numa escala diferente em relação ao mundo real e não a-
presenta a característica de continuidade entre os espaços, como seria o caso da fotografia
e da pintura tradicional por exemplo.
A realidade virtual traria uma novidade em relação à simulação clássica. Antes,
ainda havia na simulação uma idéia de continuidade e extensão em relação ao espaço
normal; isso não mais existiria mais agora, porque ou não haveria conexão entre os dois
espaços ou eles coincidiriam. No primeiro, seria o caso de o usuário mergulhar num
mundo fantasioso, inexistente na realidade. No segundo, poderíamos pensar, por exem-
plo, nos hologramas, que, projetados, poderiam se sobrepor à realidade.
Esse tipo de simulação parece ser um dos aspectos que envolvem as Belezas Digi-
tais. Muitas dessas construções digitais são elaboradas com o propósito de substituir mo-
delos, atrizes, pessoas existentes no mundo real. Isso poderia ocorrer com a criação de
hologramas, como prevêem alguns profissionais da área. Seria a construção de uma hiper-
realidade que dialogaria com a realidade existente. Essa substituição poderia ser entendida
segundo o argumento de Manovich, que se mostra esclarecedor quanto a essa possibilida-
69
de. Mas também há aqui uma proposta de substituição de tarefas que não estaria relacio-
nada necessariamente à sobreposição de espaços físicos e sim à ocupação de funções e-
xercidas por pessoas na vida real, como ocorre com o caso dos ídolos e modelos virtuais,
a exemplo de Terai Yuki e de Webbie, citadas acima.
Outra característica dessa nova forma de criação de imagens é o armazenamento
na forma de bits. Nesse caso, a matriz da imagem é formada por seqüências de números,
ao contrário da fotografia e do cinema em suas versões tradicionais, que obedecem a um
padrão tradicional analógico e guardam as características da imagem na sua forma ori-
ginal. Essa característica do meio digital permite que as imagens sejam facilmente re-
processadas e manipuladas. No caso da mídia digital, não só não há desgaste na repro-
dução do que seriam as “cópias” como também há grande portabilidade e capacidade de
transmitir a informação: por exemplo, o fácil envio de arquivos de dados para qualquer
lugar do mundo.
A informática trabalha com a lógica de distribuição de cópias e na passagem da
mídia analógica para a digital, então, não faz mais sentido a oposição entre original e
cópia como tradicionalmente era colocada pelos discursos que analisavam as técnicas de
reproduções visuais de massa. Para Machado (2001, p. 19), esta é uma das característi-
cas que permitem diferenciar a cultura do virtual da da reprodutibilidade.
Um dos aspectos importantes a serem investigados também é a interatividade e
os novos processos de subjetividade nos quais os usuários de computador passam a se
constituir a partir da relação com essas imagens femininas, que como mencionado,
podem estar presentes em sites pornográficos, em jogos, em programas de computa-
dor etc. Embora esse não tenha sido o foco de atenção deste trabalho, essa investiga-
ção merece atenção no avanço de estudos que analisam os novos meios.
No entanto, apesar da nova mídia revolucionar o modo de criação e divulgação
de imagens, parece haver também a necessidade de correspondência com o mundo
real no aspecto simbólico (Lemos). Nesta nova cultura, então, o que permanece e o
que é passível de ser visto como novo?
As novas figuras femininas trazem aspectos totalmente novos como a possibilida-
de de se alcançar uma imagem perfeita que não podia existir na realidade. O padrão
estético da beleza moderna pin-up ou top model ainda segue uma lógica convencional
de imagem fotográfica que se ancora na representação da imagem de uma mulher real.
70
O mecanismo óptico que revelava as imagens de ícones visuais da cultura de massa foi,
de certa forma, substituído por algoritmos matemáticos que objetivam imitar a lógica da
construção do próprio corpo no mundo real para que seja possível não só mais represen-
tá-lo, como também simulá-lo.
No entanto, como foi mostrado, as Belezas Digitais acabam por recuperar conteú-
dos conhecidos da cultura de massa, já que é possível observar que essas mulheres vir-
tuais são também novas modelos e ídolos, e que elas também continuam a ocupar as
funções de modelos e pin-ups que vendiam produtos e serviços de beleza. No próximo
capítulo, será investigada a relação dos novos meios com a cultura do espetáculo através
de exemplos como a heroína de vídeo game Lara Croft. Com isso, a tecnologia criadora
de novos paradigmas técnicos também se apropria de repertórios já estabelecidos. Pode-
se notar nas palavras de Wiedemann (p. 388) essa união entre as novas técnicas e os
velhos conteúdos da cultura de massa, no que diz respeito principalmente a associação
da mulher com o consumo:
Os japoneses estão usando vários dos ídolos virtuais na forma de atores fa-
mosos, modelos e cantores com o objetivo de fazer apelo aos consumidores.
Esse é um modo de enfatizar sua modernidade e dar um novo olhar a sua pu-
blicidade. Atualmente, a maioria das personagens de campanhas publicitárias
é de
mulheres
ou animais.
26
Portanto, parecem ocorrer ao mesmo tempo dois movimentos: a apropriação de
todo um repertório erótico visual já existente e a criação de um novo tipo de beleza digi-
talizada que se aproxima de modelos perfeitos de mulher. Como será abordado no pró-
ximo capítulo, essas representações podem estar contribuindo para a construção da pró-
pria mulher como uma imagem. Nesse sentido, esse fenômeno estaria de acordo com a
observação de Sontag sobre o modo como a sociedade atual se relaciona com a imagem,
como mencionado no início do capítulo. Resumidamente, ao contrário de a imagem
possuir a qualidade das coisas verdadeiras como ocorria com a noção primitiva, é
atribuindo às coisas reais as qualidades de uma imagem que a tendência atual se
config
ura. Para alguns pesquisadores, essa imagem midiatizada da mulher é tida como uma
simulação desumanizadora do feminino. Numa análise baudrillardiana da manipulação
fotográfica nas revistas pornográficas, Keske (2002) levanta a questão sobre o esvazia-
26
Grifo meu.
71
mento da sedução feminina na esfera pública, o que ocorreria devido à perda do refe-
rencial com a realidade trazida pela simulação matemática na tentativa de se criar uma
mulher ideal.
A computação gráfica é vista por alguns dos artistas criadores de belezas digitais
como um passo para que essas imagens de mulheres virtuais sejam utilizadas como um
novo tipo de interface visual nos aparatos comunicacionais (Wiedemann, p. 310). O avan-
ço do desenvolvimento da inteligência artificial poderá permitir que isso continue a ocor-
rer na própria tela dos computadores, revolucionando o aspecto interativo característico
da Internet. Em vez de em janelas, imagens de mulheres poderão direcionar o usuário em
sua imersão no mundo virtual.
Numa visão ainda mais avançada, o aprimoramento das técnicas de reprodução
visual pode permitir que essas imagens saiam da tela do computador e convivam co-
nosco na forma de hologramas. Dessa forma, uma das novidades da técnica computa-
cional pode estar relacionada com a migração de uma cultura da interface atrelada à
tela do computador para uma cultura de simulação na qual imagens em forma de ho-
logramas poderão se misturar a pessoas reais. De forma geral, então, parece que a
tecnologia continua a ser utilizada para representar a mulher como uma imagem.
72
Capítulo 3:
Belezas Digitais: a digitalização da beleza e as novas mídias.
Está em andamento na Internet o Miss Digital World – o primeiro concurso de be-
leza virtual. Segundo o site em que se realiza a competição, ele se restringe a modelos e
personagens virtuais construídas com técnicas de computação gráfica (MissDigital,
2004). Ao final da votação, realizada pela Internet, uma dentre as musas virtuais será
eleita a mais bela mulher construída por meio da tecnologia digital. A agência de notí-
cias Reuters anunciou o concurso dizendo que os tempos mudaram e que Sophia Loren,
que já havia sido considerado o padrão de beleza italiano, agora perdia sua coroa para as
novas divas virtuais (Cnn, 2004).
Responsáveis por eleger o padrão estético ideal feminino, os concursos de beleza
foram televisionados no mundo todo e divulgaram imagens daquelas que seriam as mais
belas mulheres do planeta. Após o início do concurso Miss Universo, em Long Beach,
Califórnia, EUA, no ano de 1952, começa no Brasil, dois anos depois, em Petrópolis, o
Miss Brasil (MissesBrasil, 2004). Este último elege mulheres como Vera Fischer, que se
transforma em celebridade e permanece até hoje eleita pelo público de revistas e de te-
levisão como símbolo de beleza nacional.
Mas este ainda era um mundo em que, apesar de serem imagens criadas e manti-
das pela mídia, as mulheres existiam de verdade. Seja no papel de divas de Holywood
como Marilyn Monroe ou das pin-ups publicitárias que vendiam os novos produtos de
consumo da sociedade capitalista em expansão, os ídolos existiam na forma de
representações idealizadas, produzidos pela indústria do espetáculo, mas que
mantinham uma relação com a realidade, com a humanidade de sua existência na vida
real. É o que ocorre com as top models na atualidade.
No mundo contemporâneo, a Internet e as novas tecnologias, no entanto, permi-
tem que novas figuras femininas sem referência explícita ao mundo real ocupem este
papel. Essas novas imagens de mulheres que permeiam o imaginário que associa tecno-
logia e feminino, as Belezas Digitais, são construídas no computador, utilizando-se a
técnica da computação gráfica. Elas são obras de artistas especializados em criar ima-
gens de mulheres com essa tecnologia digital, que revelam através de suas obras-primas
73
o fascínio que temas como o corpo da mulher, a beleza, a fantasia erótica e o sexo exer-
cem no imaginário contemporâneo.
Com essas personagens, modelos digitais e até ídolos virtuais com carreiras meteó-
ricas dá-se uma inovação estética à medida que se concretiza um novo modo de fazer arte.
Com a troca dos pincéis pelo mouse, a arte digital se espalha na criação publicitária, no
mundo dos jogos eletrônicos, na moda e no cinema. Esta renovação estética revoluciona
conceitos como o padrão de beleza e permite analisar, através dessas novas figuras, ques-
tões atuais como a importância da beleza feminina e o tipo de cultura e sociedade que
absorve essa demanda de imagens.
No site de divulgação do concurso (MissDigital, 2004), que se dirige a artistas di-
gitais, agências publicitárias, companhias de produção de cinema e programadores de
vídeo games, é possível destacar a importância de uma personagem que parece ter inspi-
rado esta nova constelação de musas virtuais: a heroína de vídeo game Lara Croft. De
acordo com o site, o Miss Digital World era alvo dos artistas citados acima, inclusive
aqueles que teriam “criado famosos (ou ainda não famosos) modelos virtuais, seguindo
o sucesso de heroínas de vídeo game como Lara Croft, âncoras digitais como Ananova e
atores ‘clonados’, como no terceiro filme da série Matrix”.
Lara Croft movimenta um mercado milionário. Como a grande “megaestrela do
ciberespaço”, ela vende o vídeo game que figura na lista dos best-sellers do PlayStation
e do PC, é assunto de incontáveis sites na Internet, gera um faturamento de US$ 500
milhões incluindo a venda dos jogos e seu merchandising e ainda inspirou a agência de
modelos Elite a dedicar uma divisão só para a criação de modelos virtuais. Antes mes-
mo de se tornar filme, Tomb raider já era um fenômeno (SiteJolie, 2004).
Independentemente do contexto dos jogos, das atitudes que essas personagens e-
xecutam e representam dentro destes, a informação que circula nos sites e na imprensa
de maneira geral acaba por alimentar o imaginário sobre o feminino, mesmo para aque-
les que nunca jogaram uma partida sequer de vídeo game. O mais importante, nesse
caso, é menos o jogo em si e mais o que ele suscita em termos de representação femini-
na e seus ecos no ciberespaço e fora dele, como em listas de discussão, sites, revistas
etc. É nesse contexto maior, então, que faz sentido analisar as representações femininas
nas novas tecnologias a partir de personagens como Lara Croft, por exemplo (Demaria e
Mascio, 2002).
74
O vídeo game Tomb raider virou filme pela primeira vez em 1996. O que signi-
fica essa passagem? Primeiramente, investigaremos a relação dessas musas com o meio
no qual estão inseridas. Nessa passagem, Lara Croft se torna uma celebridade com sua
imagem associada a da atriz Angelina Jolie, uma estrela do cinema americano. Outras
belezas digitais já nascem como celebridades, ídolos pop e cantoras. Elas, como Lara,
não ficaram restritas ao mundo dos jogos. Qual a relação entre essas novas representa-
ções e a cultura de massa?
Esta personagem adquire uma forma humana quando vai para o cinema. E um fato
merece atenção nessa passagem: em seu lançamento, o filme Tomb raider recebeu crí-
ticas por parte da comunidade usuária do vídeo game, devido ao que eles chamaram de
“ousadia”: a colocação de uma humana no lugar da heroína Lara Croft. Deu-se uma
recusa em aceitar que uma mulher real representasse a heroína digital.
Nesse processo, a atriz Angelina Jolie foi submetida a mudanças em seu figurino
para que chegasse mais perto possível da imagem idealizada da heroína. Nesse caso, a
atriz passava por um processo de caracterização de sua personagem. Mas o que dizer
das mulheres que agora se submetem a cirurgias plásticas para se tornar jovens e belas
como essas imagens perfeitas das musas cibernéticas? Seria esse um processo de digita-
lização do real, um sintoma de uma época que procura digitalizar a própria realidade?
As mulheres estariam sendo influenciadas a se construir como imagens digitais que po-
dem ser retocadas em seus mínimos detalhes? Esse é o segundo ponto a ser investigado.
Com essa introdução pretendi apontar as principais questões que serão foco de es-
tudo neste capítulo e ao mesmo tempo justificar a escolha da heroína Lara Croft como o
objeto norteador das análises sobre o imaginário feminino no contemporâneo. Junta-
mente com ela estão todas essas bonecas digitais atuantes na publicidade, no cinema e
nos jogos.
3.1 De Lara Croft a Angelina Jolie: do jogo para o espetáculo
Esta seção é aberta com um título que se referindo a um artigo no qual Demasia e
Mascio se propõem a fazer uma tipologia de “Lara e suas irmãs”. Elas analisam diversas
personagens femininas desde os primeiros jogos eletrônicos e concluem, entre outras
75
coisas, que a imagem delas dentro do contexto do jogo continua ser masculinizada. Vá-
rios jogos são enquadrados por elas em diferentes categorias; em Tomb raider, por
exemplo, classificado como de aventura, o usuário é levado a vencer obstáculos nos
quais são necessários “atributos físicos e valores relacionados com força e agilidade,
agressividade e determinação”.
A partir de 1981, passam a vigorar personagens femininas nos jogos, como no Ms.
Pac-Man e no Toki Meki. Apesar disso, ainda são jogos nos quais as mulheres são criadas
como objetos de valor: “As primeiras personagens vieram à cena com o objetivo de se de-
senhar garotas através de uma forma de consumo” (Demaria e Mascio). Um dos primeiros
jogos que ilustra essa ocorrência da personagem feminina como mulher-objeto é Metróide
(1985). Samus, a heroína, começa o jogo vestindo uma armadura e quando o jogador con-
segue chegar ao fim, ela tira a vestimenta, ficando apenas com uma roupa de banho. Esse é
o prêmio oferecido ao vencedor (Figura 11).
Figura 11 - Jogo Metróide
Apesar de uma evolução ter se dado desde os primeiros jogos, nos quais a imagem
feminina só constava como um prêmio a ser oferecido aos jogadores, segundo estas au-
toras, dentro dos jogos, os personagens femininos continuam a imitar os personagens
masculinos, pois exercem o papel clichê de exploradores, aventureiros e guerreiros
(Demasia e Mascio). Outras personagens ilustram essa categoria, como Ling Xiaou, do
jogo Tekken3. Além disso, nesses novos jogos, as heroínas utilizam roupas sensuais,
76
que deixam à mostra grande parte de seu corpo. É o caso de Lara Croft (Figura 12), a
arqueóloga guerreira vestida com shorts curtos e blusas justas em seu corpo.
Figura 12 - Lara Croft, no vídeo game Tomb Raider
Figura 13 - Angelina Jolie, no filme
Tomb Raider
Mas Lara Croft sai do jogo para o cinema na pele de Angelina Jolie (Figura 13),
estrela de Holywood. O que significa essa passagem? Quando ela sai do jogo para o
cinema, não importa mais sua atitude dentro do game. Ela entra para o mundo do espe-
táculo, torna-se um ídolo, uma celebridade, e juntamente com ela estão todos os outros
ídolos, modelos e personagens virtuais. Este argumento é também sustentado por De-
masia e Mascio.
De acordo com Bolter e Grusin (1999, p. 66), a mídia é o que re-media
27
, ou seja,
“apropria-se de técnicas, formas e o significado social de outra mídia e tenta reformulá-la
em nome do real”. O conceito de “re-mediação” proposto por esses autores se baseia em
duas proposições: imediaticidade e hipermediaticidade. O primeiro diz respeito à caracte-
rística de se provocar um efeito de transparência com a mediação, ou seja, de levar o usu-
27
Adotou-se re-media como tradução para “remediation” do original em inglês.
77
ário a um estado no qual “pareça” não haver representação. É como se “a mídia pudesse
apagar ela mesma” (Bolter e Grusin, p. 68). Isso seria capaz de fornecer ao espectador o
sentimento de que sua experiência é autêntica.
O segundo, a hipermediaticidade, refere-se ao contrário, a opacidade, ou seja, o
fato de que o conhecimento do mundo chega a nós pela mídia. Isso provoca no especta-
dor a sensação de estar na presença da mídia. “É a insistência que a experiência da mí-
dia é ela mesma uma experiência do real”(p.71). Para os autores, é o apelo à autentici-
dade que traz as duas lógicas, imediaticidade e hipermediaticidade, juntas.
Essas duas proposições são de certa forma paradoxais, pois a primeira nos remete à
ausência da mídia e, portanto, ao efeito de real provocado por isso, e a segunda ao excesso
de mídia necessário justamente para nos fornecer a sensação de realidade. Eles são utiliza-
dos por Bolter e Grusin para analisar diversos tipos de apropriações entre essas mídias, já
que, para eles, mídia é o que re-media. Dois exemplos seriam a TV e o cinema. A primeira
estaria mais de acordo com a lógica de hipermediaticidade que o filme, pois, ao assistir à
TV, o espectador está consciente da presença da mídia; já no caso do cinema, a sala escura,
o tamanho da tela, entre outros fatores, contribuem para que o espectador experimente uma
sensação de ausência de mídia.
Para Bolter e Grusin (p. 66), “uma mídia na nossa cultura não pode nunca operar
em isolamento”. Ela precisa de uma referência a outra para ser reconhecida como mídia.
Por isso as novas mídias estariam sempre incorporando elementos de mídias anteriores.
Da mesma maneira, as mídias mais novas se apropriam de linguagens, formatos e temas
relacionados às novas mídias para que sejam aceitas pelo novo tipo de público. Esses
autores indicam, por exemplo, a tendência de alguns jogos de se apropriarem de uma
maneira narrativa típica de Holywood para tentar convencer o espectador a aceitar o
novo padrão que se impõe.
No caso da passagem de Lara para o filme, parece que houve um movimento de a-
propriação do cinema por uma personagem com grande potencial de se tornar um símbolo
sexy. Assim, o cinema tenta se aproximar da nova linguagem dos games e o faz importan-
do sua mais famosa heroína. Outros filmes, como Matrix, por exemplo, incorporam no
próprio formato uma maneira de visualização própria dos games, como a exibição de uma
mesma cena por vários ângulos.
78
Quando os criadores do concurso de miss digital dizem que é inspirado em heroí-
nas como Lara Croft que o mercado para criação de ídolos virtuais surge, é possível
notar que a personagem se conforma na mesma orquestração midiática das celebridades.
A apropriação dada entre as mídias revela que o mundo do espetáculo cibernético man-
tém uma relação com a cultura de massas tradicional que criou as divas, pin-ups, estre-
las e mais recentemente as top models. Um dos aspectos mais significativos da passa-
gem de Lara para o cinema é a existência que ela e outras personagens passam a ter fora
do contexto dos jogos. Isso mostra a relação que as novas tecnologias mantêm com a
cultura do espetáculo e com a publicidade.
A imagem de Angelina Jolie é encontrada nos mais diversos sites da Internet, se-
jam de divulgação do filme, dos jogos e dos produtos associados, como bonecas Lara
Croft, seja nos outdoors publicitários de qualquer esquina no “mundo real”, na função
publicitária de vender o filme e o vídeo game, nos cartazes dos cinemas nos shoppings.
No portal feminino Mulher (Figura 14), o nome de Lara figura numa lista de celebri-
dades como Marilyn Monroe, Sharon Stone, Jennifer Lopez, Madonna, Pamela Ander-
son, Caroline de Mônaco, Bette Davis, Maria Callas, Michelle Pfeiffer, Coco Chanel,
entre outras:
79
Figura 14 - Site Mulher
Muitos acreditam que todas essas musas virtuais, principalmente as que surgem a
partir do vídeo game, sejam na verdade uma adaptação no mundo digital das heroínas e
anti-heroínas dos quadrinhos, como Elektra e Mulher Maravilha. Segundo Demasia e
Mascio (2002) é a passagem do jogo para o espetáculo que humaniza e torna feminina a
imagem das heroínas de vídeo game e todas essas personagens digitais. Quando as ído-
los virtuais são criadas com características humanas como altura, hobbies e preferên-
cias, elas são humanizadas. E são contextualizadas como celebridades. Segundo essas
autoras, é nesse processo de saída do mundo do vídeo game, no qual as heroínas exer-
cem um papel individual e com características masculinas, que é feita a opção pelo gê-
nero. A criação destes elementos biográficos contribuiria para isso, portanto.
Esse mecanismo pode ser notado na descrição de Wiedemann (p. 310) sobre a
ídolo virtual Ai (“amor” em japonês) no livro Digital Beauties. Sob o título de “cantora
japonesa procura a fama”, ele apresenta a criação de Makoto Higuchi, que deu a ela os
80
atributos humanos “idealizados’, como altura de 1,62 m, idade de 17 anos e natação
como hobby (Figura 15).
Figura 15 - Ai - Virtual Idol Figura 16 - Webbie Tokay - Virtual Model
As ídolos virtuais são uma febre no mercado japonês de massa. Isso inclui suas
aparições em revistas especializadas de profissionais da área, na publicidade de produ-
tos diversos, como celulares, carros etc. Elas são criadas com o intuito de que se trans-
formem em estrelas, celebridades; na descrição sobre a mais nova criação do artista
Kazyaki Nemoto, Wiedemann (p. 212) resume essa busca: “Ela não tem nome ainda. É
ainda uma atriz desconhecida, mas seu criador espera logo que ela se torne uma famosa
estrela mundial”. Sua criação sempre envolve um processo que lhes atribui característi-
cas humanas e perfis específicos, como peso, altura, hobbies, nacionalidade. Em sua
maioria, são garotas jovens, magras e bonitas, sendo que algumas portam características
correspondentes a jovens estudantes.
81
Esse já provou ser um grande mercado fascinante para os japoneses desde os anos
70. Seu principal objetivo é a utilização dos personagens na indústria japonesa de games
e na publicidade. Vários artistas vêm de uma tradição de desenhos animados e histórias
em quadrinhos. Uma das mais famosas e consagradas dessas celebridades, Terai Yuki,
comprova o sucesso desse tipo de imagem no Japão (Wiedemann, p. 244):
Programas recentes em jornais e TVs têm confirmado o que agora é uma ten-
dência: personagens de CG têm sido usados mais do que modelos tradicio-
nais. Tekai Yuki tem sido utilizada como uma personalidade publicitária para
promover companhias como a Nissan. Suas imagens são muito populares e
ela tem recebido um considerável quantia de convites de editores e agências
publicitárias.
Muitas dessas personagens são inspiradas nos mangás, que juntamente com outros
produtos vêm crescendo e se espalhando pelo mundo como produtos culturais de expor-
tação:
Histórias em quadrinhos, desenhos animados e vídeo games são os pontas-
de-lança do pop japonês. A grande rede Mandrake de comercialização de
mangás (gibis) já conta com filiais nos Estados Unidos e na Europa. Os con-
soles PlayStation e Nintendo dominam o mercado de games. Cerca de 60%
dos desenhos vistos na TV mundial são de criação japonesa
(Graieb, Veja,
2004).
Essas personagens são também inspiradas em ídolos reais que se tornaram uma
febre da cultura pop entre os adolescentes no Japão. Conhecidos como “aidorus”, versão
com pronúncia nipônica para a palavra “idol” (ídolo em inglês), cantores como Ayumi
Hamasaki movimentam a segunda maior indústria de música pop do mundo (Graieb).
Os aidorus são também o tema do livro Idoro, de Willian Gibson (1996), autor de Neu-
romancer, escrito em 1984, uma das primeiras narrativas a contribuírem para a origem
do movimento cyberpunk. Segundo o autor, a idéia para o livro foi inspirada em Kyoko
Date, a primeira virtual idol japonesa. Ela lançou disco pela produtora japonesa Hori
Productions em 1996 e se parece com os personagens de mangás com cabelos curtos e
olhos grandes. Na realização desta pesquisa, seu site não foi encontrado no ar, mas não
faltam referências em matérias e sites sobre o seu sucesso. Suas músicas podiam ser
ouvidas pelos usuários que acessassem a página e até mesmo fãs começaram a criar
locais na Rede sobre a cantora.
82
Mas esse não é só um mercado japonês. É o caso, por exemplo, da primeiro mode-
lo virtual do mundo, Webbie Tokay (Figura 16), que já nasceu como celebridade. Web-
bie é uma modelo virtual que trabalha para campanhas publicitárias, como a divulgação
do novo celular da Nokia e apresenta prêmios como o Webby Awards, o Oscar da Inter-
net nos Estados Unidos. Sua próxima atividade será o lançamento de um portal de entre-
tenimento pela empresa do ex-presidente da agência de modelos Elite dos EUA, John
Casablancas, como informa matéria da revista Isto é (Mellão, IstoéTerraOnLine, 2004).
A intenção parece a de realmente transformar essas modelos em celebridades, exata-
mente como ocorre com as modelos reais, já que existem planos de que Webbie se torne
também uma pop star:
Ela vai comandar um talk show no qual os entrevistados aparecem em ver-
sões virtuais. A modelo, uma criação do designer gráfico sueco Steven Stahl-
berg – que antes de ser exclusivo da Illusion era responsável por uma galeria
de personagens virtuais – promete revelar ainda mais um talento: o de
pop
star
. Em julho, a empresa lança seu conjunto musical XXO no Yahoo! On
Line Music Festival, com duas novas modelos virtuais: uma japonesa e outra
negra. O grupo tem como produtor Todd Lewis, que já trabalhou com gran-
des nomes da música pop, entre eles Paula Abdul.
Pois Lara Croft e as Belezas Digitais continuam a exercer o papel de ícones visu-
ais nos novos meios. Como as modelos e as divas da cultura de massa, elas continuam a
divulgar um imaginário que privilegia a beleza, a aparência e a juventude. Nesse senti-
do, pode-se também observar que os novos meios não fazem diferença em relação à
posição em que a mulher é colocada. Parece continuar a ocorrer uma incidência de re-
presentações de mulheres erotizadas que vendem produtos e sonhos de sucesso e beleza.
O gênero, portanto, continua a ser marcado nesses casos pela construção dessas imagens
femininas associadas a esses valores.
3.1.1 As musas e a pornografia
A mulher objeto continua a existir tanto dentro como fora do jogo. As musas virtuais
também acabam atuando como musas pornográficas, pois é comum no universo de jogos os
sites com nude patches, programas em que as heroínas dos jogos eletrônicos de computador
são constantemente despidas por programadores-hackers, que alteram sua vestimenta origi-
83
nal trocando-a por peças íntimas ou até mesmo tirando-a, até que a personagem fique sem
roupa. Com isso, inauguram um mercado negro, em que Lara Croft e outras atuam como
estrelas de exibições pornográficas. A Figura 17 mostra três versões de Lara. As duas últi-
mas são imagens de nude patches:
Figura 17 -
Lara Croft
Nude Patch
Nesse tipo de site, a pornografia das musas se mistura com a pornografia real. Suas
imagens estão imersas em uma variedade de links direcionados aos mais diversos produtos
do comércio pornográfico. Programas com stripers virtuais figuram ao lado de páginas que
oferecem imagens de meninas reais; o título “teen” é utilizado para despertar a atenção dos
usuários de computador.
Para Lemos (p. 174-175), “o erotismo é um dos principais vetores de apropriação
diária das novas tecnologias”, sendo que acaba por ocorrer, na sua opinião, uma “transfe-
rência” da pornografia na cultura de massa para a dos novos meios: “sem ser muito criati-
va ou radical, a pornografia no ciberespaço é mera transposição do que ocorre na socieda-
de dos mass media”.
Essas musas também estão presentes em programas de computadores disponíveis
na Internet para download e em CDs distribuídos em revistas de joguinhos eletrônicos
como, por exemplo, a Geek.
84
Um exemplo digno de nota é o programa para computador Virtual Woman, dis-
ponível para download na rede (VirtualWoman, 2003), cujo objetivo é convencer uma
mulher virtual a tirar a roupa.
Primeiramente, é possível escolher algumas características físicas, como cor do
cabelo e da pele, além de suas roupas e o cenário. Depois, através de uma interface tex-
tual, o usuário estabelece um “diálogo” com a mulher virtual, que pode ser vista como
um desenho. À medida que a conversa vai se desenvolvendo, pode-se notar que é atra-
vés de galanteios “românticos” que a mulher virtual tira a roupa. Isso não impede a uti-
lização de um vocabulário um pouco mais picante, às vezes. Parece haver um tempori-
zador, que se encarrega de protegê-la de ataques que pareçam de imediato não adequa-
dos, o que de certa forma constitui um paradoxo em relação à própria proposta do jogo.
Mas o que prevalece nessas imagens é a figura de bonecas tecnologizadas sustenta-
das por suas aparências erotizadas. Em relação à cultura de massa, a Internet, com seu
funcionamento em rede, amplia as possibilidades de incorporações culturais tanto de ou-
tras mídias quanto de significados culturais presentes nas culturas de diversos países. A
influência da cultura japonesa exemplifica bem essa mecânica. Fica evidente que a apro-
priação dada entre as mídias funciona em mão dupla as novas tecnologias acolhem a
cultura do espetáculo já existente na cultura de massas e os meios tradicionais, como o
cinema, procuram novos formatos e conteúdos.
3.2 A beleza e a digitalização do real
O objetivo desta seção é sair da análise do meio em si e olhar para a seguinte per-
gunta: o que as belezas digitais como Lara Croft significam em relação à construção de
um imaginário feminino ancorado na valorização da beleza? Quais os produtos e servi-
ços associados a sua imagem tecnologizada?
Na cultura de massa, as pin-ups vendiam produtos de higiene pessoal e de consu-
mo num processo de erotização das mercadorias que o capitalismo estabelecia como
padrões de felicidade para as sociedades modernas individualistas (Morin, p.119-124).
Lara e as outras belezas continuam com esse intenso processo de erotização de
seus corpos e parecem incitar as vendas da própria indústria de entretenimento em si na
85
atualidade, pois vendem os jogos, os filmes, e diversos outros produtos associados a
suas imagens que não necessariamente estão relacionados ao contexto do jogo no qual
estão inseridas. Mais do que isso, elas parecem vender os próprios produtos da tecnolo-
gia avançada de cuidados com a beleza. O que estará de certa forma sendo sugerido
nesta seção é que esse imaginário que valoriza a beleza e a juventude se torna influente
na vida real das mulheres.
Muito se falou da adaptação que Angelina Jolie teve que sofrer para interpretar
Lara Croft. É comum atores e atrizes fazerem sacrifícios como dietas (tanto de emagre-
cimento como para ganhar peso), exercícios físicos entre outras modificações e aprendi-
zados para que a história em questão seja contada de modo mais eficiente. Mas como
mostra uma entrevista concedia por Angelina, isso gerou uma certa polêmica:
So how authentically Lara Croft are you, in the, er, bustline manner of speak-
ing?
Jolie
: This has been the big question. I’m a 36C. In the film, I’m a 36D. In the
game, she’s a double-D 40 with a 20-inch waist and 35-inch hips or some-
thing. I have a regular waist, regular hips, kind of like a boy. So we basically
gave her a proper padded bra. But it wasn’t so far off, since I had to do the
physical things. I’m fine with my breasts and I don’t think it’s something lit-
tle girls look at and think “I should be that and get a breast implant.” It’s a
part of her character, so you do it. But I want every young girl to know that is
not completely me. (SiteHolywood, 2003).
Nesse processo de adequação, muitos fãs contestaram o fato de haver uma substi-
tuta real para a musa virtual. Angelina teve que se tornar uma imagem. Uma boneca,
como Lara Croft. O real tinha que ser digitalizado em nome do realismo da imagem
digital.
O padrão de beleza é, então, o digital? No carnaval de 2004, entrou no ar a tradi-
cional vinheta marcadora da data feita pela TV Globo. Este ano, ela traz uma versão
virtual da modelo Valéria Valenssa. Ela foi totalmente digitalizada num estúdio em Los
Angeles para se transformar numa boneca virtual, já que, grávida como estava, não po-
deria exibir seu corpo escultural que virou símbolo e ícone do carnaval carioca. A “Glo-
beleza”, como o próprio nome diz, representa a beleza padrão da emissora de TV Globo
no Carnaval.
A modelo Valéria Valenssa deve atender ao padrão Globeleza que, mesmo gerado
por ela mesma, ao ser virtualizado se torna uma imagem eterna, como o próprio designer
que a criou, seu marido Hans Donner, afirma: “Agora, a beleza de Valéria e sua dança ma-
86
jestosa estão eternizadas, através de um processo jamais realizado antes no conjunto [emis-
sora] ”. Segundo um outro site (Brasil, TerraOnline, 2004), “ao reconstituir virtualmente o
corpo escultural da Globeleza, Hans Donner realizou, por tabela, o sonho dourado de qual-
quer mulher vaidosa: eternizar a juventude, de preferência no auge da beleza”.
Da mesma forma que a tecnologia digital molda a imagem da mulher ideal, a mu-
lher real, através da cirurgia plástica, pode moldar seu corpo para se parecer com uma
imagem. Ela também pode se transformar numa boneca. Hoje, há uma verdadeira ob-
sessão pela construção de um corpo ideal. Um exemplo instigante dessa febre em rela-
ção à reformulação do corpo é a novela da TV Record, Metamorphoses, lançada em
março de 2004, na qual a atriz Tallyta Cardoso fará cirurgias verdadeiras, que serão
exibidas na própria novela. São implantes de silicone nos seios e uma operação do nariz.
Na trama, um reality show dentro da própria novela, Tallyta interpretará a si pró-
pria, com o mesmo nome e profissão que possui na vida real. A mãe da personagem
quer que ela siga carreira artística e para isso obriga a filha a mudar o visual. Segue o
trecho da matéria que entrevistou a atriz para a novela (Ferreira, Site O Globo, 2004):
– Por me achar feia, minha mãe vai insistir muito pra eu fazer a cirurgia. Mas
isso não acontece comigo na vida real, tá? – explica a atriz de 26 anos.
Todo o pós-operatório também será gravado. Tallyta vai ter a sua disposição
uma cabeleireira e um motorista, já que a cirurgia de implante de silicone vai
impossibilitá-la de pentear os cabelos e dirigir por 40 dias.
Estou com medo da anestesia e do resultado. Mas o fato de ser filmado e ir ao
ar não me incomoda. É um trabalho e não vai me denegrir em nada – diz.
O barateamento dos tratamentos estéticos permite agora que cada mulher busque a
melhor aparência possível, prometendo um certo tipo de liberdade associado a poderes
que a beleza poderia fornecer no mundo atual. A Miss Brasil 2001, Juliana Borges, de
acordo com a revista Veja, ganhou o título de Miss Retoque, pois se submeteu de uma
vez só a dezenove cirurgias: “Corrigiu olheiras ligeiramente abertas, realizou lipoaspi-
ração e colocou prótese nos seios” (Moherdaui, Veja, 2004). A capa dessa edição traz
como título “Beleza para todos” e mostra a imagem de outra mulher que seria um e-
xemplo do que foi chamado “nova ordem estética”, segurando uma fotografia sua antes
de fazer uso de silicone, lipo e botox. Esse tipo de serviço é vendido “parcelado em do-
ze prestações”, como informa o subtítulo da matéria.
O consumo de serviços agregados à tecnologia avançada, como spas, academias
de ginástica e cirurgias plásticas vendem a idéia de cada um alcançar o melhor de si. Na
87
mesma matéria (Moherdaui), sob o subtítulo de “neofeminismo”, a dramaturga Leilah
Assumpção, de quem a peça Fala baixo senão eu grito foi um marco nos anos 70 para a
libertação da mulher, dá um depoimento em que diz que a “mulher deve fazer plástica
para agradar a si mesma”:
A oposição das feministas à plástica era uma reação extremada aos excessos
de vaidade. Viam a cirurgia como uma coisa que a mulher era obrigada a fa-
zer para se encaixar nos cânones de beleza, para agradar aos homens.
Eu a-
cho que a mulher deve fazer plástica sim, mas para agradar a si mesma e
só.
28
A tendência a se construir como uma imagem é vista por Lipovetsky (p. 183) co-
mo influência das imagens publicitárias:
Primeiro plano nos lábios e nas pálpebras, nos seios e nas coxas, a publicida-
de desenha uma mulher aos pedaços, uma imagem de quebra-cabeças da be-
leza. Não mais um corpo oferecido ao prazer dos olhos, mas um corpo que
convida à ação corretora, à eficiência e à otimização estética. Do corpo mo-
saico publicitário emana esta mensagem:
isto não passa de uma imagem, a
beleza é passível de apropriação, você também pode se parecer com esse
modelo
.
29
Já mostramos que Lipovetsky (p. 169-186) lembra que a beleza já significou um
poder diabólico que aterrorizava os homens, e que agora não está mais associada a uma
virtude maléfica feminina. No entanto, ele também coloca que o “fim da beleza fatal”
não significou a eliminação de seu aspecto trágico, pois as mulheres, hoje em dia, apre-
sentam uma grande autocrítica quanto a sua aparência, interiorizando de certa forma
essa imagem negativa relacionada com a beleza, ou com a falta de cuidado com ela.
Para Del Priore (2001), a valorização do belo e do jovem torna a velhice vergo-
nhosa, o que ela aponta como sendo um grande problema criado por essa “falsa” liber-
dade feminina que teria trocado o espartilho pela academia de ginástica e por dietas ri-
gorosas uma nova ditadura de submissão. Segundo a autora, houve uma confusão por
parte desta nova mulher, que pensa que está criando uma identidade, mas na verdade
está passando por um processo de identificação quase que “alienado” em relação às i-
magens veiculadas na mídia.
28
Grifos meus.
29
Grifos meus.
88
Gubern (p. 42-50), associa o gosto estético à existência de mitos na cultura de
massas. Ele propõe que heróis e heroínas seriam personagens atrativos neste processo,
mas chama a atenção para o fato de que o que poderia ser induzido pelos meios audiovi-
suais deriva também da própria preocupação do público consumidor dessas imagens
acerca de sua própria imagem, o que de acordo com suas palavras, “não é raro que tenha
se desenvolvido em nossa sociedade exibicionista, pressionada pelos modelos midiáti-
cos de perfeição estética corporal”. Ele lembra também que quando uma norma estética
é aceita em escala de massa, pode ocorrer uma busca por novas alternativas àquela trivi-
alizada pela massificação.
Balsamo (p. 56-79) discute o papel das novas tecnologias de alteração do corpo
como a cirurgia plástica. Ela coloca a cirurgia plástica cosmética
30
como um lugar em que
pode ser observada a inscrição de padrões culturais de beleza, o que transforma o corpo
como um signo da cultura; e também serve para discutir a construção cultural das marca-
ções de gênero. Apesar de seu estudo apontar que houve um crescimento no interesse dos
homens por esse tipo de procedimento, ela reforça que a maioria das pessoas que se sub-
metem a ele ainda são mulheres. Dessa forma, o corpo feminino pode ser reconstruído
como um significante da beleza feminina ideal. É interessante sua observação de que no
caso dos homens a justificativa para a adoção da cirurgia geralmente está associada a me-
lhorias em suas carreiras profissionais. No caso da mulher, haveria uma preocupação
maior com a beleza e maior atribuição de responsabilidade em relação a esse cuidado. A
autora diz que através da cirurgia plástica cosmética fica evidente a reprodução tecnológi-
ca do corpo marcado pelas diferenças de gênero.
Ela aponta alguns estudos nos quais o olhar médico da cirurgia cosmética é conside-
rado como portador de uma ordem disciplinadora, ao construir a figura feminina como
patológica ou excessiva. Nesse caso, sinais característicos de envelhecimento, como olhei-
ras, seriam vistos como anormalidades, defeitos. Ela acaba observando, através de seus
estudos, que nesses discursos dá-se a construção de uma identidade feminina na qual foi
naturalizado o corpo como “doente”, e que isto se reproduz nos discursos da mídia e nas
representações de serviços cosméticos.
30
Este tipo de cirurgia é diferente daquela utilizada em casos de reconstrução do corpo devido a proble-
mas de saúde e deformidades congênitas.
89
Apesar desse tipo de análise, no entanto, ela explica que não aceita o entendimen-
to da cirurgia cosmética como um lugar no qual o corpo feminino está “passivamente
vitimizado”. Balsamo lembra que para algumas mulheres, principalmente as feministas,
a cirurgia cosmética ilustra a colonização dos corpos femininos. Já para outros, a cirur-
gia é considerada como um recurso de “empowerment”, ou seja, um lugar em que a
mulher se utiliza da construção de seu corpo para ela e para os outros.
Parece haver, portanto, uma divergência em relação aos efeitos da utilização desse
tipo de procedimento na atualidade. Para alguns, por meio da influência da publicidade,
da cultura visual que apresenta imagens idealizadas de figuras femininas, a mulher pas-
sa a se conformar segundo padrões de beleza que significam não só inscrições de padrão
cultural, mas também submissão a esses valores. Para outros, esse é um tipo de liberda-
de disponível na atualidade. De qualquer forma, é importante ressaltar que é necessário
investigar o tipo de agenciamento que o público consumidor dessas imagens pode exer-
cer na negociação justamente desses valores. O que é possível indicar é que se dá a en-
cenação de identidades culturais de gênero onde a beleza feminina é muito valorizada e
que isto está em conformidade com uma cultura na qual a mulher pode estar se constru-
indo como uma imagem, talvez influenciada por este imaginário valorizador da beleza e
da juventude, o que foi referenciado neste trabalho como um processo de digitalização
do real.
3.3 Belezas Digitais: tecnologia da imagem, beleza e hedonismo
As Belezas Digitais são, como o próprio nome diz, a união entre a beleza e a tecno-
logia. Elas são o resultado de uma cultura que elege a beleza e a juventude como um atri-
buto indissociável à imagem da mulher e às novas tecnologias como capazes de criar e
alterar este imaginário (e a realidade também). Nesse sentido, a tecnologia funciona tanto
como ferramenta de criação de imagens sofisticadas de representação, justamente essas
mulheres criadas através da técnica de computação gráfica, como ferramenta de alteração e
manipulação do próprio corpo da mulher na vida real, possível através das técnicas avan-
çadas da medicina, como a cirurgia plástica.
90
Essas duas “funções” não estariam dissociadas uma da outra, levando-se em con-
sideração o conceito de tecnologias do gênero que vinha sendo utilizado nos capítulos
anteriores na abordagem da relação entre a tecnologia e o feminino. Para demonstrar
isso, foram utilizadas as conceituações de Balsamo e Lauretis. Resumidamente, o gêne-
ro é visto como uma construção social e histórica por Lauretis, que afirma ser este uma
representação e que a representação do gênero é a sua própria construção. Nesse senti-
do, como explicado no Capítulo 1, dar-se-ia um processo de retroalimentação simbólico
na constituição do imaginário sobre o feminino de uma determinada época, na qual a
imagem afeta o corpo real e vice-versa.
Sendo assim, a possibilidade de construção de um corpo ideal na tela do computa-
dor que reflete um imaginário repleto de divas cibernéticas com padrões de beleza ideal
acaba por vender serviços de cuidados com a beleza. O que acaba, por conseguinte, for-
necendo indícios sobre a sociedade de consumo na atualidade, individualista e preocu-
pada com valores como a afirmação individual e o hedonismo.
A Modernidade foi marcada por uma mentalidade voltada para a racionalização
técnica enraizada em instituições e na idéia de progresso, razão e história. Para Lemos
(p. 65-97), inspirado em Maffesoli, a pós-modernidade é, de modo diferente, “o ambien-
te social em que a dimensão estética e hedonista impregna todos os aspectos da vida
contemporânea”. Segundo sua análise, essa é uma característica própria da cibercultura
na pós-modernidade que, diferente da cultura moderna, que se prendia a um futuro, an-
cora-se no presente, revisitando o passado.
Com as Belezas Digitais, o que continua a ter importância é a imagem que se vê.
Assim, elas são como bonecas que revisitam o passado e se apropriam de representações
já conhecidas na cultura de massa. Com isso, o imaginário sobre o feminino nos novos
meios continua a apresentar a mulher associada ao consumo, ao erotismo e a reforçar a
sua relação com a visualidade e com a imagem no contemporâneo. As figuras da heroí-
na de vídeo game Lara Croft e das ídolos e modelos virtuais permitem observar essa
associação e depreender que os novos meios fornecem, portanto, um panorama no qual
é possível observar a continuidade no estabelecimento das diferenças de gênero.
91
Conclusão
As novas tecnologias de comunicação suscitaram diversos tipos de estudos rela-
cionados aos efeitos produzidos na cultura a partir de seu surgimento. Parece haver nos
estudos da cultura tecnológica uma tendência a se associar a comunicação mediada por
computador a resultados libertários e a grandes inovações estéticas e de alteração de
subjetividade. Esse tipo de investigação que intenta depreender o que se altera nos no-
vos meios, geralmente se realiza por meio da contraposição com o que caracterizava e
constituía os meios anteriores.
Os meios de comunicação de massa representam uma cultura que se constituiu a
partir do império da imagem. A televisão, o cinema e a mídia impressa são veículos que
conformam imaginários a partir de sua técnica de reprodução visual. Por outro lado, são
várias as inovações que caracterizam o novo meio, como o encurtamento de distâncias
através do uso do computador como ferramenta de comunicação e com isso a formação
de comunidades virtuais, a mudança no conceito de interatividade que passa de uma
relação um-todos para uma todos-todos, a possibilidade de simulação de imagens perfei-
tas de mulher através de computação gráfica, entre outros. Mas apesar de trazerem no-
vos paradigmas técnicos, os novos meios parecem reforçar essa relação com a imagem
na atualidade.
No caso da questão feminina, uma parcela da sociedade acreditou que as novas
tecnologias de comunicação libertariam a mulher de uma suposta submissão que as
condicionava a sua imagem, sua aparência. O ciberfeminismo propôs que se utilizasse a
Internet como veículo de união entre as mulheres e com isso acreditou ser possível criar
novas imagens femininas não estereotipadas. Também indicou que seria possível re-
construir a imagem feminina por meio da revisão do papel da mulher na história da tec-
nologia.
Assim, a tecnologia também suscitou interesse nos meios acadêmicos como uma
forma de salvar a mulher e mesmo revolucionar as estabelecidas dicotomias de gênero.
No entanto, foi possível observar que ela está associada a essa cultura contemporânea
no qual a imagem tem grande relevância.
92
Nesse sentido, as tecnologias acabaram por reforçar o império das imagens. Como
a cultura e as novas tecnologias permitiram esse predomínio, mesmo a interatividade,
que pode ser considerada como um dos avanços técnicos possibilitadores da alteração
da porosidade entre a realidade e a ficção, não necessariamente significa um incremento
paradigmático significativo em se tratando das representações femininas analisadas nes-
te trabalho.
As Belezas Digitais construídas no computador através das novas técnicas são
como esfinges sem mistério. O fascínio delas é o da superficialidade e o das aparências.
Essa é sua ambigüidade, o fascínio tecnológico e o vazio da aparência. Permeiam a cul-
tura do virtual como fascinantes representações tecnológicas que conduzem a mundos
de fantasias, a um universo lúdico em que se confundem o real e o ficcional, o humano
e o tecnológico, a mulher e a boneca, a vida e a morte. Mas esse hibridismo delas é me-
nos o de um estranhamento com a nova técnica e mais o de uma continuidade que refor-
ça sua característica humanóide e imagética, já que, com algumas exceções, as belezas
que mais se destacam são aquelas com aparência de desenhos ou figuras humanas
tecnologizadas.
Ao mesmo tempo, elas reincidem sobre o tradicional mito da mulher-boneca que
não fala, ou apresentam repertórios poucos expressivos, já que muitas se constituem
como ídolos de jogos ou celebridades virtuais, como ocorre no contexto midiático já
conhecido dos meios de massa. Nesse sentido, a tecnologia que permite simular uma
boneca que pode vir a se constituir como uma nova interface entre humanos e máquinas
no futuro, por enquanto recupera conteúdos já conhecidos e ancorados na imagem.
A magia da tecnologia contida na superficialidade de certa forma remete a uma
antiga relação presente na mitologia grega: Pigmaleão, o escultor desejoso por uma mu-
lher que não o distraísse em seus afazeres, cria Galatéia, uma estátua perfeitamente bela.
Mas, ao contrário do que esperava, o homem acaba por se apaixonar por sua criação e
implora aos deuses que a transformem numa mulher real.
Como no mito de Pigmaleão, no qual a tecnologia é utilizada para criar o belo, já
que a sociedade grega foi fascinada pela perfeição das formas estéticas e pela beleza, a
tecnologia no contemporâneo continua dependente da cultura na qual está inserida. Uma
cultura da beleza e da juventude. Pode-se observar que a tecnologia serve para vender
aparência. Neste sentido é possível colocar que a tecnologia que cria as belezas digitais
93
através de programas sofisticados é da mesma ordem da que modifica o corpo da mulher,
pois ambas servem para a criação do belo.
A maleabilidade das imagens digitais da técnica da computação gráfica serve ao
mesmo propósito que a técnica da cirurgia plástica. Nesta, o corpo da mulher é reinscri-
to segundo normas de beleza por meio do procedimento que retoca para que se atinja
um perfil de mulher-imagem. Outra conclusão, portanto, a que se chega, ao se analisar
as Belezas Digitais, é que a relação entre o feminino e a técnica acentua o lugar do fe-
minino com a sedução, com o consumo e com a beleza, como vinha ocorrendo com as
representações femininas no cinema, na publicidade e nas revistas de beleza na cultura
de massa.
Este trabalho se concentrou na articulação entre o feminino e a tecnologia por
meio dessas novas representações que, como se viu, dão continuidade à concepção de
uma imagem feminina calcada na visualidade e na aparência. Como foi mostrado, a
própria tecnologia da imagem pode funcionar como uma tecnologia de fazer gênero.
Nesse sentido, foi possível observar que continuou a ocorrer uma certa marcação de
gêneros que alguns discursos, como o ciberfeminismo e o mito ciborguiano esperavam
superar.
No entanto, é preciso esclarecer que isso não necessariamente significa a continu-
ação de uma dominação patriarcal, como foi sustentado por esses movimentos citados
acima. Hoje, a condição feminina não parece ser oprimida em relação a outros momen-
tos na história da relação entre os gêneros, já que a mulher encontrou espaço no merca-
do de trabalho, liberdade sexual e possibilidade de se expressar na sociedade. O que
através deste estudo talvez possamos sugerir é que, apesar disso, ainda existam códigos
na associação da mulher com a aparência que parecem se manter, e que isto merece ser
estudado com mais atenção e especificidade para que se chegue a uma análise mais pre-
cisa no que diz respeito à conformação desse imaginário sobre o feminino e seus efeitos
na vida de mulheres e homens na sociedade.
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