Download PDF
ads:
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ
PROGRAMA DE MESTRADO EM DIREITO
ASPECTOS DA INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA NA AÇÃO
CIVIL PÚBLICA EM DEFESA DO MEIO AMBIENTE
MARINGÁ
2006
ads:
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
ads:
RAUL IGNATIUS NOGUEIRA
ASPECTOS DA INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA NA AÇÃO
CIVIL PÚBLICA EM DEFESA DO MEIO AMBIENTE
Dissertação apresentada ao Programa de
Mestrado em Direito Administrativo da
Universidade Estadual de Maringá, como
exigência parcial para obtenção do grau
de mestre sob a orientação do Professor
Doutor Ivan Aparecido Ruiz.
MARINGÁ
2006
Título: Aspectos da inversão do ônus da prova na Ação Civil Pública em defesa do
Meio Ambiente
Candidato: Raul Ignatius Nogueira
Banca Examinadora:
_____________________________________________
Prof. Dr. José Miguel Garcia Medina
Universidade Estadual de Maringá (UEM)
_____________________________________________
Prof. Dr. Eduardo Augusto Salomão Cambi
Faculdade de Direito do Norte Pioneiro (Fundinopi)
_____________________________________________
Prof. Dr. Ivan Aparecido Ruiz (Orientador)
Universidade Estadual de Maringá (UEM)
ii
AGRADECIMENTOS
A todos que, direta ou indiretamente, colaboraram na realização deste trabalho, em
especial:
A Deus que, tenho certeza, me acompanhou durante esta jornada.
A meus familiares e amigos, em especial minha mãe e minha esposa, pelo apoio e
sacrifícios dispensados à consecução desta dissertação.
Ao amigo Régis Alan Bauli, fonte essencial de suporte, bibliografia e auxílio
essenciais.
Ao Professor Dr. Paulo Roberto Pereira de Souza, por sua presença constante e
firme em meus momentos de maior necessidade pessoal e profissional, sem a qual
eu jamais chegaria a este momento.
Ao Professor Dr. Ivan Aparecido Ruiz, meu orientador, pelo indispensável apoio e
instrução nos melindres e peculiaridades atinentes à redação de uma dissertação de
mestrado e pelo direcionamento essencial, sem o qual, indubitavelmente, este
trabalho não se teria concretizado.
iii
NOGUEIRA, Raul Ignatius. Aspectos da Inversão do Ônus da Prova na Ação Civil
Pública em Defesa do Meio Ambiente. 2006. Dissertação (Mestrado em Direito)
Universidade Estadual de Maringá.
RESUMO
O trabalho tece uma análise sobre a problemática da inversão do ônus da prova na
Ação Civil Pública dirigida à tutela dos interesses ambientais. Inicia-se com o exame
da prova civil, enfocando posteriormente as características relevantes dos interesses
transindividuais e sua proteção culminando com o estudo dos aspectos do ônus da
prova e a possibilidade de sua inversão na pretendida ação. Diante disso a pesquisa
jurisprudencial e doutrinária sobre a matéria constatou que no século XX ocorreram
importantes transformações nas relações sociais acompanhadas de alterações
significativas na dinâmica do processo, pelo que se romperam importantes dogmas
jurídicos como a predominância do princípio dispositivo e da “verdade formal” no
processo civil ampliando-se os poderes instrutórios do magistrado no interesse da
efetividade e justiça da tutela jurisdicional. Note-se ainda que a Lei da Ação Civil
Pública e o Código de Defesa do Consumidor vêm neste contexto sistematizar a
tutela coletiva de interesses, ampliando o leque de legitimados e colocando em
discussão questões como a competência e a coisa julgada nestas demandas. Por
sua vez, o Judiciário não pode permaneceu inerte e indiferente às injustiças sociais
que o poder econômico tem praticado e deve se abeberar das novas concepções
trazidas por estes diplomas para garantir a existência de um meio ambiente
equilibrado às presentes e futuras gerações, bem indisponível à vida com qualidade,
constitucionalmente garantido pelo art. 225 da CF/88. Diante deste contexto está a
inversão do ônus da prova como importante ferramenta de equilíbrio da relação
jurídica processual, oferecendo ao magistrado meios para transferir à parte
econômica e tecnicamente mais forte um ônus proporcionalmente mais pesado do
que aquele suportado pela parte hipossuficiente. Deve ser aplicada à Ação Civil
Pública, em especial quando seu objeto for a tutela de interesse ambiental, mas o
seu uso deve ser limitado aos casos em que sejam constatadas efetivamente a
verossimilhança nas alegações do demandante ou sua hipossuficiência em face do
demandado, devendo ocorrer, inclusive ex officio, num momento processual no qual
o magistrado teve condições de estabelecer os pontos controvertidos da
demanda, restando às partes, ainda, a oportunidade de produzir provas para
influenciar na formação de seu convencimento. Restando salientar que um dos
principais pontos controvertidos normalmente encontrados em demandas que
envolvam interesses ambientais que pode ser favorecido pela inversão do ônus da
prova é o relativo à existência ou não do nexo de causalidade entre o dano
ambiental e a conduta de seu suposto causador.
Palavras-chave: ônus da prova; inversão; ação civil pública; direito processual civil.
iv
NOGUEIRA, Raul Ignatius. Aspectos da Inversão do Ônus da Prova na Ação Civil
Pública em Defesa do Meio Ambiente. 2006. Dissertação (Mestrado em Direito)
Universidade Estadual de Maringá.
ABSTRACT
The work weaves an analysis on the problematic one of the inversion of the
responsibility of the test in the directed Public Civil action to the guardianship of the
ambient interests. It is initiated with the examination of the civil evidence, focusing
later the excellent characteristics of the transindividuais interests and its protection
culminating with the study of the aspects of the responsibility of the test and the
possibility of its inversion in the intended action. Ahead of this the and doctrinal
research on the substance evidenced that in century XX important transformations in
the followed social relations of significant alterations in the dynamics of the process
had occurred, for that if they had breached important legal dogmas as the
predominance of the principle device and the "formal truth" in the civil action
extending the powers of the magistrate in the interest of the effectiveness and justice
of the jurisdictional guardianship. One still notices that the Law of the Public Civil
action and the Code of Defense of the Consumer come in this context systemize the
collective guardianship of interests, extending the fan of legitimated and placing in
quarrel questions as the ability and the thing judged in these demands. In turn, the
Judiciary one cannot remained inert and indifferent to the social injustices that the
economic power has practiced and must be of the new conceptions brought for these
diplomas to guarantee the existence of an environment balanced to the gifts and
future generations, unavailable good to the life with quality, constitutionally
guaranteed for the one in art. 225 of the CF/88. Ahead of this context it is the
inversion of the responsibility of the test as important tool of balance of the
procedural legal relationship, offering the magistrate half to proportionally more
transfer to the economic and technical stronger part a responsibility weighed of the
one than that one supported by the part hipossuficiente. It must be applied to the
Public Civil action, in special when its object will be the guardianship of ambient
interest, but its use must be limited to the cases where they are effectively evidenced
the probability in the allegations of the plaintiff or its in face of the demanded one
having to occur, also former officio, at a procedural moment in which the magistrate
already had conditions to establish the points controverter of the demand, remaining
to the parts, still, the chance to produce tests to influence in the formation of its
persuasion. Remaining to point out that one of the main points controverter normally
found in demands that involve ambient interests that can be favored by the inversion
of the responsibility of the test are relative to the existence or not of the nexus of
between the ambient damage and behavior of its causing presumption.
Key-words: responsibility of the test; inversion; public civil action; civil procedural
law.
v
SUMÁRIO
AGRADECIMENTOS............................................................................................................. III
RESUMO............................................................................................................................... IV
ABSTRACT............................................................................................................................ V
INTRODUÇÃO........................................................................................................................ 8
1 DA PROVA CIVIL............................................................................................................... 10
1.1 Da Evolução Histórica da Prova................................................................................. 10
1.1.1 Da origem da prova............................................................................................................................. 10
1.1.2 Dos modernos sistemas probatórios.................................................................................................... 13
1.1.2.1 Do sistema de “civil law”............................................................................................................................ 13
1.1.2.2 Do sistema de “common law”..................................................................................................................... 15
1.1.3 Aspectos atuais do direito probatório.................................................................................................. 17
1.2 Do Conceito de Prova................................................................................................ 18
1.3 Do Direito à Prova...................................................................................................... 22
1.4 Do Objeto da Prova.................................................................................................... 27
1.5 Dos Princípios Gerais................................................................................................. 31
1.5.1 Do princípio do contraditório.............................................................................................................. 33
1.5.2 Do princípio dispositivo e a livre investigação da prova.....................................................................34
1.5.3 Do princípio da persuasão racional do juiz......................................................................................... 39
1.6 Dos Momentos da Prova............................................................................................ 40
2 DA TUTELA DOS DIREITOS COLETIVOS E A AÇÃO CIVIL PÚBLICA NO DIREITO
BRASILEIRO........................................................................................................................ 43
2.1 Dos Interesses Coletivos “Lato Sensu”...................................................................... 43
2.1.1 Da evolução histórica da tutela dos direitos supra-individuais........................................................... 43
2.1.2 Conceito, natureza e categorias dos direitos supra-individuais...........................................................48
2.1.2.1 Da utilização dos termos “interesse” e “direito”.......................................................................................... 48
2.1.2.2 Do interesse público, interesse privado e interesse coletivo “lato sensu”..................................................... 50
2.1.2.3 Das categorias de interesses metaindividuais............................................................................................... 52
2.1.2.3.1 Interesses ou direitos difusos............................................................................................................... 52
2.1.2.3.2 Interesses ou direitos coletivos............................................................................................................ 57
2.1.2.3.3 Interesses ou direitos individuais homogêneos.................................................................................... 58
2.1.3 Breves considerações sobre a tutela do interesse ambiental e a atividade probatória.........................61
2.2 Da Ação Civil Pública – Legitimidade, Competência e Coisa Julgada........................ 64
2.2.1 Legitimidade ordinária, extraordinária ou tertium genus?.................................................................. 64
2.2.2 Fixação do juízo competente para o julgamento da ação civil pública............................................... 69
2.2.3 Dos limites subjetivos da coisa julgada na ação civil pública.............................................................72
3 A INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA NA AÇÃO CIVIL PÚBLICA EM DEFESA DE
DIREITOS AMBIENTAIS...................................................................................................... 77
3.1 Noções Gerais........................................................................................................... 77
3.2 Do Ônus da Prova...................................................................................................... 80
3.2.1 Dos fundamentos da distribuição do ônus da prova............................................................................ 84
3.2.2 Distribuição do ônus da prova no Código de Processo Civil e no Código de Defesa do Consumidor
....................................................................................................................................................................... 85
3.2.2.1 Distribuição do ônus da prova no Código de Processo Civil de 1973.......................................................... 85
3.2.2.2 Da convenção das partes na distribuição do ônus da prova.......................................................................... 87
3.2.2.3 Distribuição do ônus da prova no Código de Defesa do Consumidor.......................................................... 90
3.2.3 Do fato negativo e da negativa de fato................................................................................................ 91
3.2.4 Das teorias sobre o ônus da prova....................................................................................................... 95
3.2.4.1 Das teorias inspiradoras do art. 333 do Código de Processo Civil............................................................... 95
3.2.4.1.1 Da teoria de Chiovenda....................................................................................................................... 95
3.2.4.1.2 Da teoria de Carnelutti......................................................................................................................... 97
3.2.4.2 Das teorias de Rosenberg e de Micheli...................................................................................................... 100
vi
3.2.4.2.1 Da teoria de Rosenberg..................................................................................................................... 100
3.2.4.2.2 Da teoria de Micheli.......................................................................................................................... 102
3.2.4.3 Da teoria da carga dinâmica da prova........................................................................................................ 104
3.3 Aplicabilidade do CDC 6º à Ação Civil Pública em Defesa do Meio Ambiente......... 107
3.4 Requisitos da Inversão do Ônus da Prova - Verossimilhança da Alegação ou
Hipossuficiência.............................................................................................................. 112
3.5 Inversão Ope Legis e Ope Judicis............................................................................ 118
3.6 Limitações à Inversão do Ônus da Prova................................................................. 120
3.6.1 Da inversão do ônus da Prova e as despesas com sua produção....................................................... 123
3.7 O Momento Apropriado para a Ocorrência da Inversão........................................... 126
CONSIDERAÇÕES FINAIS CONCLUSIVAS...................................................................... 131
REFERÊNCIAS................................................................................................................... 136
ANEXOS............................................................................................................................. 144
Anexo A – Código Modelo de Processo Coletivo Ibero-América.................................... 144
Anexo B - Anteprojeto de Código Brasileiro de Processos Coletivos............................. 154
vii
INTRODUÇÃO
O vertiginoso desenvolvimento industrial ocorrido ao longo dos
últimos séculos, com a conseqüente concentração de habitantes nas cidades e o
crescimento populacional exacerbado, desencadeou a necessidade de produção de
bens em grande escala, para atender às prementes necessidades de consumo da
população urbana.
Isto trouxe para o homem desta virada de século um dos maiores
desafios enfrentados pela humanidade: atender às complexas necessidades que
ele mesmo criou, compatibilizando as atividades econômicas com a preservação da
vida com qualidade, o que exige uma revisão de conceitos e técnicas em todas as
áreas do conhecimento humano.
O direito, cuja evolução está intimamente ligada às transformações
sociais, não restou inerte. Percebeu-se, desde logo, a necessidade de normas para
tutelar as crescentes relações jurídicas de massa, bem como para compensar os
crescentes desequilíbrios cada vez mais presentes nas demandas trazidas ao
judiciário.
Neste contexto, o presente trabalho debruçar-se-á sobre um dos
prismas desta revolução de concepções jurídicas: o da prova e, mais
especificamente, da possibilidade da inversão do ônus de sua produção na Ação
Civil Pública proposta em defesa do meio ambiente.
Com vistas a este escopo, adotando-se o método dedutivo-histórico,
se iniciará a análise com um foco sobre a prova civil, sua evolução histórica, objeto,
princípios gerais a ela ligados, momentos para sua propositura, deferimento e
produção, sem, entretanto abordar ainda, a questão do ônus da prova.
Na seqüência, o segundo capítulo se debruçará sobre a questão dos
interesses coletivos “lato sensu”, o interesse ambiental, e algumas particularidades
de sua tutela por meio da Ação Civil Pública, como a questão da legitimidade ativa,
da competência e do alcance dos efeitos da coisa julgada neste tipo de demanda.
Finalmente, o terceiro capítulo se voltará para o tema propriamente
dito da inversão do ônus da prova na Ação Civil Pública em defesa do Meio
Ambiente: discutindo aspectos relevantes do ônus da prova, da possibilidade de sua
inversão trazida pelo Código de Defesa do Consumidor, a eventual aplicabilidade
desta técnica a demandas coletivas em defesa do ambiente, os requisitos e
momento para sua utilização.
9
1 DA PROVA CIVIL
1.1 Da Evolução Histórica da Prova
1.1.1 Da origem da prova
A Evolução histórica da prova ostenta mais de vinte séculos de
bem elaborado estudo e, embora suas seculares abstrações tenham atingido uma
técnica tão requintada que chegam a ser temidas por seus próprios estudiosos,
ainda não se desprenderam de muitas das lições estabelecidas em contextos gerais
dos antigos jurisconsultos
1
.
JOÃO CARLOS PESTANA DE AGUIAR SILVA
2
traz como exemplos
desta influência as máximas: Semper necessitas probandi incumbit quilli agit
3
,
probatio incumnbit ei qui dicit, no ei qui negat
4
, in exceptionibus dicendum est reum
partibus actoris funi oportere, ipsumque exceptionem velut intentionem implere
5
dentre muitas outras que até a atualidade marcam direta ou indiretamente o direito
probatório.
Em verdade, mesmo antes do ápice das nações helênicas, podem
ser levantadas evidências da prova judiciária servindo como instrumento para
decisões proferidas em tribos e agrupamentos familiares antigos
6
.
Os povos primitivos, entretanto, desconheciam a aplicação de
critérios técnicos e racionais para a demonstração dos fatos e a apuração da
1
Cf. SILVA, João Carlos Pestana de Aguiar. As provas no cível. Rio de Janeiro, Forense, 2003, p. 3.
2
Ibidem, p. 3.
3
A necessidade de provar sempre cabe a quem age (Dig., lib. XXII, Tít. III, lex XXI).
4
A prova é incumbência de quem alega não de quem nega (Dig., lib. XXII, Tít. III, lex II).
5
Nas exceções de defesa, é necessário que o réu preencha as vezes do autor e que ele mesmo
promova seu intento como uma exceção de lei (Dig., lib. XXII, Tít. III, lex XIX).
6
Cf. SANTOS, Moacyr Amaral. Prova judiciária no cível e comercial. 4. ed. São Paulo: Max
Limonad, 1976, v. 1, p. 17.
verdade. Influenciados pela religião, procuravam a proteção divina na realização da
prova, valendo-se de métodos empíricos e rudimentares como as Ordálias, o
juramento e o duelo
7
.
As Ordálias, também denominadas julgamentos ou juízos de Deus
8
,
consistiam em submeter o acusado a uma certa e determinada prova, supondo que
Deus não o deixaria sair dela com vida se fosse culpado. Foram utilizadas pelos
germanos antigos como ferramenta probatória tendo como objetivo a descoberta da
verdade por meio de expedientes cruéis e até mortais, e somente experimentaram
um declínio mais acentuado no século XIV
9
10
.
O juramento, outro antigo meio de prova, refere-se a invocação de
um ente divino como testemunha para a confirmação da verdade de um fato que se
alega
11
. Este meio de prova foi muito utilizado nas legislações de povos primitivos
diante da poderosa influência então possuída pela religião
12
e, apesar de
abandonado
13
e substituído pelo duelo ou combate judiciário em muitos
ordenamentos
14
, ainda sobrevive em alguns países.
7
Cf. LOPES, João Batista. A prova no Direito Processual Civil. 2. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2002, p. 19.
8
Ibidem, p. 19.
9
Como a "prova da água a ferver", onde o acusado deveria retirar um objeto do fundo de uma
caldeira de água fervente: se não apresentasse sinais de queimadura nas mãos ao final de três
dias, seria considerado inocente; a "prova das bebidas amargas": empregada em mulheres
acusadas de adultério; caso a acusada, após ingerir o líquido, contraísse o rosto e seus olhos se
injetassem de sangue, seria considerada culpada; e a "prova da água fria": consistente em
submeter os litigantes a uma disputa de resistência, nadando por meio de um rio, perdendo a causa
aquele que se cansasse primeiro.
10
Cf. CASTRO, Francisco Augusto das Neves e. Teoria das provas e suas aplicações aos atos civis.
Campinas: Servanda, 2000. p. 52.
11
Cf. LOPES, João Batista, op. cit., p. 20.
12
Cf. CASTRO, Francisco Augusto das Neves e, op. cit., p. 52.
13
Foi abandonado, pois o tempo e a abertura de exageradas exceções à sua vinculação levaram a
uma gradual perda na credibilidade deste meio de prova. Francisco Augusto das Neves e Castro
destaca como exemplos que a aposição de uma mão com luva calçada sobre os evangelhos ou a
existência de uma reserva mental desobrigavam o juramentando do dever de falar a verdade
(Ibidem, p. 53).
14
Cf. LOPES, João Batista, op. cit., p. 20.
11
O duelo como meio de prova podia ser encontrado em quase todas
as leis bárbaras
15
e também encontra guarida em um juízo divino, pois se sustenta
na premissa de que Deus não permite a vitória do litigante desassistido de razão
16
.
O combate como meio de prova não se restringia somente a
questões de fato, podia ser aplicado a qualquer questão de direito para a qual não
houvesse prova específica
17
, e veio a perder sua força entre os séculos XIII e
XIV
18
.
Neste período histórico, como o abandono das ordálias acima
referidas e a proibição do duelo, surgiu espaço para que a prova testemunhal
19
,
viesse a ser largamente admitida como meio de apuração da verdade, lançando-se
mão desta para a decisão de praticamente todos os julgamentos, mesmo que em
detrimento de evidências escritas
20
21
.
Somente em 1566, na França, por meio da ordenação de Molines,
houve a proibição de que todas as causas excedentes a cem libras pudessem ser
provadas sem evidência escrita, o que trouxe mais força a este meio de prova.
15
Cf. CASTRO, Francisco Augusto das Neves e, op. cit., p. 48.
16
Cf. LOPES, João Batista, op. cit., p. 20.
17
Cf. CASTRO, Francisco Augusto das Neves e, op. cit., p. 48.
18
A este respeito, CASTRO destaca a sua proibição por S. Luiz, em 1270, e a um edito de Filipe o
Belo, em 1305, não obstante tal medida ainda fosse admitida posteriormente nos pleitos que
envolvessem questões pessoais, havendo registro de duelos na Inglaterra em 1817 (op. cit. p. 49).
19
Que já havia sido amplamente admitida à época dos romanos, mas perdeu muito de sua força para
as ordálias e o juramento na idade média (cf. LOPES, João Batista, op. cit., p. 21).
20
Não obstante a falibilidade da testemunha, e a possibilidade de sua corrupção, a prova
testemunhal possuía tal destaque que, em caso de antinomia entre testemunhas e um escrito, dar-
se-ia na maioria dos casos créditos àquelas. Isto por que durante a idade média os grandes índices
de analfabetismo limitavam o uso da escrita e, na grande maioria dos casos, havia a ausência da
assinatura das partes nos documentos celebrados. Em virtude destas circunstâncias, a força
vinculante da prova documental restringia-se exclusivamente a situações em que celebradas
perante oficial público e com a presença e de testemunhas que pudessem atestar sua
autenticidade.
21
Cf. CASTRO, Francisco Augusto das Neves e, op. cit., p. 56.
12
A partir do século XVI, aliás, o direito probatório passa a sofrer uma
permanente evolução passando a admitir, juntamente com a prova testemunhal e a
documental, a utilização da perícia, da confissão e do interrogatório
22
.
1.1.2 Dos modernos sistemas probatórios
1.1.2.1 Do sistema de “civil law”
O Sistema do “Civil Law” tem suas raízes deitadas no direito
Romano, razão pela qual também recebe o nome de sistema “Romano-Germânico”.
Nele, a principal fonte do direito é a lei, normalmente estruturada em torno de um
diploma principal, seja a Constituição do Estado ou o Código Civil, cujas disposições
servem de base a todas as outras leis, que completam seus art.s ou definem as
suas exceções.
As normas contidas nestas codificações caracterizam-se
essencialmente por um alto nível de abstração, que permite aos juízes interpretar e
analisar todas as situações concretas, seja aplicando a lei, seja preenchendo suas
lacunas por extrapolação.
JOÃO BATISTA LOPES
23
destaca como principais características do
Sistema Romano Germânico, ao menos em sua configuração original: a
predominância do elemento escrito (quod non est in actis, non est in mundo),
consolidada pelo Papa Inocêncio III em 1216 eliminando quase totalmente o contato
entre o juiz e as partes (imediatidade); a ausência da publicidade evidenciada pelo
caráter secreto da prova, abolido na Revolução Francesa; a fragmentação do
processo em virtude de grande número de fases ou estágios preclusivos gerando
22
Cf. LOPES, João Batista, op. cit., p. 21
23
Ibidem, p. 21.
13
morosidade na prestação jurisdicional; um papel secundário do juiz na relação
processual; o excesso de recursos e de incidentes processuais; e a prevalência do
sistema da "prova legal"
24
.
CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO, aliás, destaca que um dos
problemas inerentes a esse sistema é que este “limita a liberdade criativa e a
propagação normativa das decisões judiciárias”
25
, podendo levar a um descompasso
entre o escopo originário da norma legal e sua efetividade perante a complexidade
do caso concreto.
A partir da Revolução Francesa, em 1789, iniciou-se uma
significativa transformação desse sistema: abandonou-se o sigilo em torno da
produção das provas e iniciou-se uma tendência em oferecer maior oralidade ao
processo. Tal oralidade é marcada principalmente pelas seguintes características: a
desconsideração dos atos que não fossem comunicados verbalmente ao juiz
26
; a
publicidade dos atos processuais; o contato do juiz com as partes e com as
testemunhas; a valoração livre das provas pelo juiz; e o declínio das "provas legais"
27
28
.
Essa tendência, que se acentuou ao longo do século XX, pode ser
exemplificada no direito brasileiro com a disciplina estabelecida para os Juizados
Especiais Cíveis constante da Lei n. 9.099/95, que em seu art. estabelece: “O
24
No qual as provas têm valor prefixado pelo legislador, sem possibilidade de alteração pelo juiz,
cuja atuação é meramente formal e mecânica, como se verá em tópico específico.
25
DINAMARCO, Cândido Rangel. Fundamentos do Processo Civil moderno. 4. ed. São Paulo:
Malheiros, 2001. t. I, p. 780.
26
Fazendo com que a prova viesse a ser predominantemente produzida perante o magistrado, em
audiência.
27
LOPES, João Batista, op. cit., p. 21.
28
Ressalte-se, entretanto, que ainda existem resquícios do sistema da prova legal existentes no
direito brasileiro, como por exemplo, a exigência de instrumento público para a prova de
determinados atos, em detrimento de qualquer outro tipo de prova (art. 366 CPC), ou a limitação à
utilização da prova exclusivamente testemunhal em demandas cujo valor ultrapasse o décuplo do
salário mínimo (art. 401 CPC).
14
processo orientar-se-á pelos critérios da oralidade, simplicidade, informalidade,
economia processual e celeridade, buscando, sempre que possível, a conciliação e
a transação”.
no dispositivo um reconhecimento às deficiências acima
enumeradas morosidade, fragmentação, excesso de recursos, etc. e uma
tentativa de oferecer maior flexibilidade e dinamismo ao sistema, que ilustra o
principal desafio enfrentado nos países que o adotam: oferecer acesso à justiça,
celeridade processual e mecanismos eficientes para a tutela de direitos difusos e
coletivos
29
.
1.1.2.2 Do sistema de “common law
O sistema da “Common Law” provém do direito inglês, não escrito,
que se desenvolveu a partir do século XII e prevalece, atualmente, no Reino Unido,
nos Estados Unidos da América e na maioria dos países da “Commonwealth”.
Orienta-se pela obrigatoriedade do precedente judicial, que não deve
ser confundido com o simples costume firmado pelo meio da prática continuada.
No direito consuetudinário, as principais fontes do direito são os
“precedentes”; soluções dadas a casos antecedentes que possam ser associadas ao
processo em andamento.
Elaborados por indução, os conceitos jurídicos emergem e evoluem
ao longo do tempo, por meio de uma amálgama de inúmeros casos que, juntos,
delimitam campos de aplicação.
GUIDO FERNANDO SILVA SOARES preleciona que:
29
Cf. LOPES, João Batista, op. cit., p. 21.
15
A primeira acepção do termo é de "direito comum", ou seja, aquele
nascido das sentenças jurídicas dos Tribunais de Westminster,
cortes essas constituídas pelo Rei e a ele subordinadas diretamente,
e que acabaria por suplantar os direitos costumeiros e particulares de
cada tribo dos primitivos povos da Inglaterra, enquanto oposta à
Equity, direito aplicado pelos Tribunais do Chanceler do Rei,
originado de uma necessidade de temperar o rigor daquele sistema e
de atender a questões de eqüidade
30
31
.
CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO esclarece que, na Common Law:
[...] os litígios devem ser resolvidos com a ajuda dos princípios
obtidos, por indução, da experiência jurídica do passado e não por
dedução das regras estabelecidas arbitrariamente por uma vontade
soberana. Trata-se de um sistema eminentemente consuetudinário,
cujas normas se revelam por meio dos órgãos judiciais, em decisões
com muito mais possibilidade de aderência às exigências do caso
concreto que aquelas fundadas em norma escrita, a qual por sua
própria natureza é muito mais rígida do que o costume
32
.
No que se refere à produção e valoração da prova, esse sistema
possui um conjunto de características marcantes, das quais se destacam a presença
de jurados na grande maioria dos julgamentos; a predominância da oralidade; a
admissibilidade do interrogatório cruzado em audiência pública (“cross-examination
in open court”)
33
; e a ausência do Ministério Público no processo civil; e a limitação
dos recursos
34
.
JOÃO BATISTA LOPES, destaca que “apesar deste sistema ser
elogiado por parte da doutrina, sofre críticas notadamente no que respeita à
admissibilidade do interrogatório cruzado”
35
.
30
SOARES, Guido Fernando Silva. Common Law: introdução ao direito dos E.U.A.. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 1999. p. 32.
31
Vale destacar, o autor esclarece que, na atualidade, não existe oposição entre “Common Law” e
“Equity” nos Estados Unidos da América, uma vez que os procedimentos contrastantes foram
unificados na ‘civil action”.
32
DINAMARCO, Cândido Rangel, op. cit., p. 56.
33
Pelo qual as perguntas são feitas diretamente às testemunhas pelos advogados das partes e não,
pelo juiz.
34
Cf. LOPES, João Batista, op. cit., p. 22.
35
LOPES, João Batista, op. cit., p. 22.
16
Outro ponto controverso reside no fato da inquirição direta da
testemunha permitir que a habilidade do procurador em inquirir possa levar a uma
decisão judicial divergente da realidade dos fatos
36
.
1.1.3 Aspectos atuais do direito probatório
O processo como um todo, vem sofrendo transformações drásticas
no final do século XX e início do século XXI. Instaurou-se na mentalidade do
processualista moderno um foco voltado para o consumidor da tutela jurisdicional,
que deixa de ser mero “suplicante” e passa a exigir do Estado uma manifestação
célere e eficaz sobre a lide que lhe é apresentada.
Em países como o Brasil, atravessa-se uma verdadeira crise da
Justiça Cível sobrecarregada, desacreditada, e por vezes taxada como a “melhor
linha de crédito do país” - que vem sendo combatida por meio de constantes
reformas às leis processuais, que introduzem ou universalizam técnicas como a
antecipação dos efeitos da tutela, a tutela específica das obrigações, a fungibilidade
de procedimentos e a tutela coletiva de interesses.
No que se refere especificamente ao direito probatório, cuja história
é marcada por permanente evolução em busca do ideal de justiça rápida e
qualificada, tem-se no atual momento a revelação de uma predominância da
oralidade, marcada pela preocupação com a simplificação e celeridade do processo
e o fortalecimento dos poderes instrutórios do juiz
37
.
36
Neste sentido PESTANA DE AGUIAR destaca que "o preparo intelectual, a habilidade e destreza
na técnica de inquirir conduzem a um resultado nem sempre condizente com a verdade material"
(AGUIAR, João Carlos Pestana de. Comentários ao Código de Processo Civil. 2. ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 1997, p. 12).
37
Cf. LOPES, João Batista, op. cit., p. 23.
17
O magistrado, modernamente, deve abandonar o papel de mero
espectador, assumindo posição mais ativa na busca pela verdade real
38
.
Encontram-se atualmente, ainda, novas reflexões sobre o direito à
prova
39
e a distribuição do ônus da prova no processo civil
40
.
Estes e outros aspectos da prova serão objeto de análise mais
detida nos tópicos seguintes deste capítulo, após um breve estudo do conceito de
prova.
1.2 Do Conceito de Prova
O termo “prova” tem sido utilizado ao longo do tempo com múltiplos
significados, tanto na linguagem vulgar quanto no uso que os cientistas e
particularmente os juristas fazem do vocábulo
41
.
JOÃO BATISTA LOPES afirma a possibilidade de se estudar a prova
sob dois aspectos diversos: o objetivo e o subjetivo. No primeiro, prova vem a ser “o
conjunto de meios produtores da certeza jurídica ou o conjunto de meios utilizados
para demonstrar a existência de fatos relevantes para o processo”
42
.
MITTERMAYER, corroborando este pensamento, define que: "prova é o complexo
dos motivos produtores da certeza"
43
.
38
Questão que será mais bem abordada em tópico posterior, notadamente onde se analisará a
confrontação entre os arts. 130 e 333 do Código de Processo Civil.
39
Em decorrência do choque entre a possibilidade de cerceamento de defesa de interesses legítimos
com a existência, em muitos casos, da utilização da produção probatória como forma de defesa
meramente protelatória.
40
Cf. LOPES, João Batista, op. cit., p. 162-164.
41
Cf. SILVA, Ovídio Araújo Baptista da. Teoria Geral do Processo Civil. 2. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2000. p. 293; CARVALHO FILHO, Milton Paulo de. Ainda a inversão do ônus da prova no
Código de Defesa do Consumidor, Revista dos Tribunais, ano 92, v. 807, jan. 2003, p. 56-81, p. 56.
42
LOPES, João Batista, op. cit., p. 26.
43
MITTERMAYER. Tratado da prova em matéria criminal. 2. ed. Rio de Janeiro: J. Ribeiro dos
Santos, 1909. p. 75.
18
Sob o aspecto subjetivo, prova “é a própria convicção que se forma
no espírito do julgador a respeito da existência ou inexistência de fatos alegados no
processo”
44
.
Pode-se afirmar que provar é procurar a verdade sobre o que se
discute. É dar ao magistrado elementos para que forme a sua convicção. Conforme
os ensinamentos de CHIOVENDA, provar significa formar a convicção do juiz sobre
a existência ou não de fatos relevantes no processo. Por si mesma, a prova em
geral da verdade dos fatos não pode ter limites; mas a prova no processo, ao revés
da prova puramente lógica e científica, sofre a limitação na necessidade social de
que o processo tenha um termo
45
.
No entender de GILDO DOS SANTOS
46
: “provar é representar fatos
passados. Dir-se-á que se podem representar fatos futuros. Mas isto é possível
nos caminhos da imaginação. Representar, no campo do direito, é tornar presentes
fatos que já passaram.”
Provar, segundo ACLIBES BURGARELLI:
[...] é demonstrar a efetiva ocorrência de um fato concreto, para o
qual se reserva um suporte normativo, cuja violação gera o
fundamento jurídico do pedido e possibilidade de prestação
jurisdicional, da qual se espera decisão de acolhimento de mérito
47
.
44
Entretanto, “é claro que a convicção sobre a verdade de um fato pode variar de pessoa para
pessoa, subjetivamente. Assim, por exemplo, o advogado poderá comentar com seu cliente que os
fatos por ele alegados foram provados nos autos ou, então, que as provas fornecidas pelo cliente
não foram suficientes para o fim pretendido. Essa apreciação é, porém, subjetiva e poderá não
coincidir com a do magistrado, que é o destinatário da prova, de modo que, em rigor técnico, se
pode dizer que um fato foi demonstrado nos autos quando o juiz formar convicção sobre sua
existência. E mesmo a convicção do juiz de primeiro grau poderá não coincidir com a do órgão
julgador colegiado (tribunal), de modo que, em última análise, dizer que um fato foi provado no
processo é afirmar que sua existência foi reconhecida pela instância ordinária com competência
para julgar matéria fática.” (LOPES, João Batista, op. cit., p. 26).
45
CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de Direito Processual Civil. Campinas: Bookseller, 1998, p.
109.
46
SANTOS, Gildo dos. A prova no Processo Civil. São Paulo: Saraiva, 1979, p. 1.
47
BURGARELLI, Aclibes. Tratado das provas cíveis. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2000, p. 99.
19
Ainda, neste sentido, ANELISE COELHO NUNES, citando
COUTURE sustenta que, considerada em seu sentido processual, a prova é um
meio de controle das proposições que os litigantes formulam em juízo
48
.
Neste trabalho, passar-se-á a utilizar uma definição do termo “prova”
proposta por parcela significativa da doutrina
49
, que a reconhece como forma de
obtenção da verdade dos fatos no processo. Nesse sentido, a prova seria o meio
utilizado pelo juiz para definir a verdade dos fatos que efetivamente ensejaram a
lide, e sobre os quais concluirá sua atividade cognitiva.
O próprio Código de Processo Civil brasileiro induz a essa
conceituação na medida em que, em seu art. 332, coloca a prova como meio de
obtenção da verdade dos fatos, em que se funda a ação ou a defesa.
Segundo JOÃO BATISTA LOPES, “O vocábulo prova tem origem no
Latim “probatio”, com o significado de verificação, exame, inspeção. De acordo com
os dicionaristas, quer dizer ‘aquilo que mostra a verdade de uma proposição ou a
realidade de um fato’".
50
Ainda conforme JOÃO BATISTA LOPES, “Na linguagem jurídica, o
termo é empregado como sinônimo de demonstração dos fatos alegados no
processo, a chamada prova judiciária”
51
.
48
NUNES, Anelise Coelho. Apreciação probatória no Processo Civil. Porto Alegre: Verbo Jurídico,
2001, p. 14.
49
Destacando nesta linha SILVA, Ovídio Araújo Baptista da, op. cit., p. 293 “a atividade que os
sujeitos do processo realizam para demonstrar a existência dos fatos formadores de seu direito”;
ALVIM, Arruda. Manual de Direito Processual Civil. V. 2, 10. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2006. p. 7: “meios idôneos a convencer o juiz da ocorrência de determinados fatos, isto é, da
verdade de determinados fatos”; SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras linhas de Direito Processual
Civil. 23. ed. São Paulo: Saraiva, 2004. v. 2, p. 337 “provar é convencer o espírito da verdade
respeitante a alguma coisa”; e CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini;
DINAMARCO, Cândido R. Teoria Geral do Processo. 13. ed. São Paulo: Malheiros, 1997, p. 352 “a
prova constitui, pois, o instrumento por meio do qual se forma a convicção do juiz a respeito da
ocorrência ou inocorrência dos fatos controvertidos no processo”.
50
LOPES, João Batista, op. cit., p. 26.
51
Ibidem, p. 26.
20
O Código de Processo Civil, em seu art. 332, determina que as
provas tenham a finalidade de obter a verdade dos fatos. Resta saber o que significa
a palavra "verdade"
52
.
Em virtude da finalidade
53
e limitações do processo civil enquanto
manifestação humana e cultural apresenta-se a “verdade real” como um ideal a ser
sempre buscado pelo magistrado, embora o sistema processual ainda admita, para
o julgamento da causa, “a verdade formal”, salvo em casos onde haja direitos
indisponíveis ou daqueles em que se exige prova legal cuja valoração o legislador
prefixa
54
.
Com base nas considerações anteriores, a prova pode ser
conceituada como o meio de representação dos fatos que geraram a lide no
processo, tendendo essa representação a equivalência limitada e não à perfeita
identificação entre o objeto representado e o representante.
52
Um aspecto relevante desta questão envolve a diferenciação entre a noção de “verdade real” que
representaria a forma como os fatos efetivamente ocorreram e a “verdade formal” fruto do
conjunto de evidências produzidas no processo. quem sustente que a verdade real seria
impossível de ser alcançada, pois os fatos sempre estariam sujeitos à submissão a uma
perspectiva humana, o que a tornaria subjetiva. Neste sentido, surgem conceitos de prova que a
posicionam como meio de confirmação ou não de uma hipótese ou de um juízo produzido no curso
do processo. Sendo, assim, um teste de coerência entre a formulação e o provável suporte fático
da demanda. Observa-se que a prova não é apresentada como ferramenta de obtenção da verdade
e sim como meio de formação de um raciocínio jurídico dotado de força em decorrência de seu
proferimento por uma autoridade judiciária. Data vênia, prefere-se afirmar que, mesmo que se
pudesse admitir a impossibilidade de alcançar plenamente a verdade real, a sua busca deve ser
vista como um ideal do processo (posição idêntica a manifestada por NERY JÚNIOR, Nelson;
NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil comentado. 8. ed. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2004, p. 795) semelhante ao ideal de “perfeição”.
53
De solucionar conflitos de interesse, aplicar o direito objetivo ao caso concreto e manter a paz
social.
54
NERY JÚNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade, op. cit., p. 795.
21
1.3 Do Direito à Prova
A função da prova é servir de meio para a formação da convicção do
julgador acerca da veracidade das afirmações de fato
55
feitas pelas partes, que
servirá de fundamento para o provimento jurisdicional a ser entregue no final do
processo
56
. Desse modo, o direito à produção da prova vem a ser elemento
integrante e essencial do devido processo legal
57
.
O texto constitucional garante o direito de ação (CF/88, art. 5º, inc.
XXXV) aos jurisdicionados com vistas a obter do órgão jurisdicional a apreciação,
valoração e julgamento da pretensão postulada. O direito à prova decorre
diretamente desse direito de ação, amarrado ao princípio do livre convencimento
motivado, que disciplina a formação do convencimento do magistrado.
Modernamente, o direito à prova vem ganhando importância nas
situações que envolvem os direitos de ação, do contraditório e da ampla defesa.
Com efeito, de nada adiantaria o direito à ação, se aos jurisdicionados não fossem
ofertados, paralelamente, o direito de provar suas alegações. Assim, o direito à
prova, conforme escreve RACHEL PINHEIRO DE ANDRADE MENDONÇA
58
:
[...] insere-se dentro dos princípios constitucionais do contraditório,
ampla defesa, devido processo legal, dignidade humana, acesso
irrestrito à jurisdição, entre outros, uma vez que permite às partes,
titulares de ação e de defesa, manifestarem-se sobre as provas e
contra-provas produzidas nos autos.
55
E, eventualmente, do conteúdo e vigência de determinadas normas jurídicas.
56
Podendo também servir de subsídio para a concessão de liminares, como no caso da antecipação
dos efeitos da tutela (art. 273 do Código de Processo Civil), onde se exige a presença de “prova
inequívoca” para a concessão da medida.
57
Cf. SANTOS, Sandra Aparecida dos. A inversão do ônus da prova. 2. ed. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2006, p. 50, onde a autora erige a prova a uma garantia do direito de defesa,
qualificada, portanto dentro do direito ao devido processo legal.
58
MENDONÇA, Rachel Pinheiro de Andrade. Provas ilícitas: limites à licitude probatória. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 4.
22
ALEXANDRE DE MORAES confirma este posicionamento ao afirmar
que:
O devido processo legal configura dupla proteção ao indivíduo,
atuando tanto no âmbito material de proteção ao direito de liberdade,
quanto no âmbito formal, ao assegurar-lhe paridade total de
condições com o Estado-persecutor e plenitude de defesa (direito à
defesa técnica, à publicidade do processo, à citação, de produção
ampla de provas, de ser processado e julgado pelo juiz competente,
aos recursos, à decisão imutável, à revisão criminal)
59
.
JOSÉ ROBERTO DOS SANTOS BEDAQUE acrescenta que:
O direito à prova é componente inafastável do princípio do
contraditório e do direito de defesa. O problema não pode ser tratado
pelo ângulo do ônus (CPC, art. 333). Necessário examiná-lo do ponto
de vista da garantia constitucional ao instrumento adequado à
solução das controvérsias, dotado de efetividade suficiente para
assegurar ao titular de um interesse juridicamente protegido em sede
material, a tutela jurisdicional
60
.
Vale destacar que, em âmbito civil, ao exercício desse direito não
corresponde um dever obrigatório, mas somente um ônus
61
, posto que a parte
faltosa terá que arcar com os efeitos e conseqüências da sentença reconhecedores
da inação
62
.
A garantia da ampla defesa prescrita pela Constituição Federal de
1988, no seu art. 5º, inc. LV, é uma exigência do due process of law (devido
processo legal), pelo qual os litigantes, tanto em processo judicial como
administrativo, têm o poder de se defenderem com argumentos e contra-
argumentos. O não cumprimento dessa exigência acarretaria a nulidade do processo
59
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 5. ed. São Paulo: Atlas, 1999, p. 112.
60
BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Garantia da Amplitude de Produção Probatória. CRUZ e
TUCCI, José Rogério (Coord.). Garantias Constitucionais do Processo Civil. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1999, p. 168.
61
A distinção entre ônus, obrigação e dever será abordada na seqüência deste trabalho.
62
Ressalva feita a exceções como no caso de direitos indisponíveis e questões de ordem pública.
23
a partir de sua violação. Com efeito, trata-se do fenômeno da bilateralidade da ação:
conferido o direito de ação, reconhece-se, igualmente, o correlato direito à defesa.
Com a garantia à ampla defesa, a Constituição não se restringe a
permitir o acesso aos tribunais, mas também conteúdo a esses direitos,
assegurando um conjunto de garantias às partes em todos os momentos
processuais.
RACHEL PINHEIRO DE ANDRADE MENDONÇA
63
desdobra a
garantia da ampla defesa em três níveis diferentes: a) direito à informação “nemo
inauditus damnari potest”; b) bilateralidade na audiência; c) direito à prova
legitimamente obtida ou produzida (comprovação da inculpabilidade).
Depreende-se que a ampla defesa, vista como manifestação do
contraditório, mas também por ele garantida, não deve ser concebida apenas no
sentido negativo de oposição ou resistência à pretensão da parte contrária, mas,
também, e principalmente, deve ela ser entendida em sua dimensão positiva, como
o direito de participar, influenciar, incidir ativamente sobre o desenvolvimento do
processo, objetivando o seu resultado. Nessa ordem de idéias, insere-se, entre os
recursos e meios inerentes à ampla defesa, o direito à prova. Por isso salientam
GRINOVER; SCARANCE; GOMES FILHO
64
:
[...] o direito à prova insere-se como aspecto de particular
importância no quadro do contraditório, uma vez que a atividade
probatória representa o momento central do processo: estritamente
ligada à alegação e à indicação dos fatos, visa ela a possibilitar a
demonstração da verdade, revestindo-se de particular relevância
para o conteúdo do provimento jurisdicional. O concreto exercício da
ação e da defesa fica essencialmente subordinado à efetiva
possibilidade de se representar ao juiz a realidade do fato posto
como fundamento das pretensões das partes, ou seja, de estas
poderem servir-se das provas.
63
MENDONÇA, Rachel Pinheiro de Andrade, op. cit., p. 23.
64
GRINOVER, Ada Pellegrini; SCARANCE F. Antônio; GOMES FILHO, Antônio M. As nulidades no
processo penal. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 1992, p. 75.
24
EDUARDO CAMBI
65
, tratando da limitação ao direito a prova
corrobora este entendimento, afirmando, ainda, que, modernamente, deve ser
abandonada a idéia de que todos os limites probatórios seriam justificados até a
demonstração de que provocariam restrições ao direito a prova em prol da noção de
que “nenhum limite probatório é justificado, exceto quando existam razões que
imponham a derrogação excepcional ao geral direito das partes de servirem-se em
juízo de todas as provas consideradas relevantes”.
A jurisprudência pátria também tem consolidado a idéia de que a
prova encontra-se inerente à garantia do contraditório e do devido processo legal
66
:
Mas, se o direito à prova é decorrência do contraditório, um dos
meios por que este se manifesta, não se deve esquecer que o próprio contraditório
exerce, por outro lado, limitações à formação e produção das provas, que assim são
resumidas por GRINOVER, SCARANCE e GOMES FILHO
67
:
a) proibição de utilização de fatos que não tenham sido
previamente introduzidos pelo juiz no processo e submetidos a
debate pelas partes;
b) proibição de utilização de provas formadas fora do processo,
ou de qualquer modo colhidas na ausência das partes;
65
CAMBI, Eduardo Augusto Salomão. A prova civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 36.
66
“O respeito ao princípio constitucional do contraditório que tem na instrução probatória, um dos
momentos mais expressivos de sua incidência traduz um dos elementos realizadores do postulado
do devido processo legal” (STF HC Rel. Min, Celso de Mello j. 18.2.1992 RTJ 140/856.);
“PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS. DESPACHO QUE FACULTA ÀS
PARTES A PRODUÇÃO DE PROVAS. INTIMAÇÃO DEFEITUOSA. AUSÊNCIA DO NOME DO
ADVOGADO DO RÉU. CERCEAMENTO DE DEFESA. CPC, ART. 236, § 1º. NULIDADE. I. Se o
magistrado processante determinou a intimação das partes para requerem a produção de provas,
pressupõe-se que elas eram, em princípio, cabíveis e eventualmente úteis no contexto da lide, de
modo que o defeito na publicação respectiva, em que não figurou o nome do patrono da parte ré,
causou-lhe cerceamento do direito de defesa, ensejando a nulidade do processo a partir do ato
viciado. II. Caso, ademais, em que contraditório o aresto a quo, eis que considerou que o executado
não comprovou nem a capitalização dos juros, nem a cumulação da comissão de permanência com
a correção monetária, mas, em contrapartida, negou-lhe o direito à prova pericial. III. Recurso
especial conhecido e provido.” (STJ Processo REsp 316297/SP ; RECURSO ESPECIAL
2001/0039312-8 Relator(a) MIN. ALDIR PASSARINHO JUNIOR (1110) Órgão Julgador T4 -
QUARTA TURMA Data do Julgamento 16/05/2002 Data da Publicação/Fonte DJ 19.08.2002 p.
173).
67
GRINOVER, Ada Pellegrini; SCARANCE F. Antônio; GOMES FILHO, Antônio M., op. cit., p. 120.
25
c) obrigação do juiz, quando determine a realização de provas
“ex officio”, de submetê-las ao contraditório das partes, que devem
ainda participar de sua produção e ter oportunidade de oferecer
contraprova.
Ou seja:
[...] tanto será viciada a prova que for colhida sem a presença do juiz,
como o será a prova colhida pelo juiz, sem a presença das partes [...]
A concomitante presença de ambos juiz e partes na produção
das provas é essencial a sua validade
68
.
Pode-se afirmar, portanto, que o direito à prova, porque inserido nas
garantias da ação e da defesa, e decorrente do princípio do contraditório, encontra
agasalho na própria Constituição Federal vigente. Nem por isso, todavia, é direito
absoluto e ilimitado. São admitidas restrições ao direito probatório desde que
existam razões que imponham a derrogação do direito geral de servir-se de qualquer
tipo de prova, e isso porque, como bem sintetizam GRINOVER, SCARANCE e
GOMES FILHO
69
:
[...] os direitos do homem, segundo a moderna doutrina
constitucional, não podem ser entendidos em sentido absoluto, em
face da natural restrição resultante a convivência das liberdades,
pelo que não se permite que qualquer delas seja exercida de modo
danoso à ordem pública e às liberdades alheias. As grandes linhas
evolutivas dos direitos fundamentais, após o liberalismo, acentuaram
a transformação dos direitos individuais em direitos do homem
inserido na sociedade. De tal modo que não é mais exclusivamente
com relação ao indivíduo, mas no enfoque de sua inserção na
sociedade, que se justificam, no Estado social de direito, tanto os
direitos como as suas limitações.
Assim, embora preservado o direito à prova e à liberdade para a sua
produção, não se concebendo, portanto, um rol taxativo de provas legais; é
imperioso que a atividade probatória, como de resto toda a atividade processual,
68
Ibidem, p. 120.
69
Ibidem, p. 127-128.
26
atenda ao interesse social de realizar a justiça, e submeta-se às exigências do bem
comum de respeito à moralidade e à dignidade da pessoa humana.
1.4 Do Objeto da Prova
A pretensão deduzida pelo autor na petição inicial, bem como a
resposta do réu, deverão estar assentadas em afirmações de fato e no direito
(federal, estadual, municipal, estrangeiro ou consuetudinário).
Se os pontos controvertidos porventura oriundos do confronto entre
as afirmações apresentadas pelas partes restringirem-se a interpretação e aplicação
do direito, não há, em regra, a necessidade de produção probatória
70
, cabendo ao
juiz resolvê-las logo após a fase postulatória, sem maiores delongas.
Diversamente, se os pontos controvertidos existentes no processo
envolverem divergências nas afirmações de fato isto é, acontecimentos da vida de
que decorrem conseqüências jurídicas poderá ser necessário demonstrar-lhes a
existência, quando negada
71
.
70
Se a pretensão de uma das partes fundamentar-se em norma de direito municipal, estadual,
estrangeiro ou consuetudinário, o juiz pode determinar a prova do teor e vigência da norma
invocada (art. 337 do CPC). Nestes casos, não é apenas o conteúdo da norma, mas também a sua
vigência, que se interessa ver demonstrada. A falta de tal prova, quando determinada pelo juiz,
pode levar à rejeição da pretensão, não por que o fato que se sustentava naquela norma não tenha
sido demonstrado, mas porque não houve a certeza jurídica da vigência do direito invocado. Deve
se destacar, entretanto, que a confirmação do teor e vigência de uma norma, nada mais é do que a
apuração de um novo fato. Assim pode-se afirmar que a produção probatória efetivamente se
restringirá ao domínio dos fatos.
71
Como se verá na seqüência deste trabalho, no processo uma distribuição, entre as partes, do
ônus de comprovar a existência dos fatos afirmados no processo. Esta distribuição recebe sua
disciplina geral no art. 333 do Código de Processo Civil, e se submete a exceções impostas em
normas especiais como o art. 6º, VIII do Código de Defesa do Consumidor. Existem, ainda, fatos
que independerão de produção de prova no processo para que sua existência seja admitida pelo
órgão julgador, como ocorre com os fatos notórios e com os fatos incontroversos ligados a direitos
disponíveis.
27
Tem-se, pois, que pontos controvertidos de direito não exigem
demonstração, porque o juiz tem o dever de conhecê-lo
72
(iura novit curia). É no que
se refere às controvérsias quanto aos fatos que surge a necessidade de
demonstração, porque o juiz, para decidir, terá de buscar a verdade (ou, ao menos,
a verossimilhança, como quer parte da doutrina), acerca das alegações deduzidas
em juízo.
Em respeito ao interesse social de realizar-se a justiça da forma
mais célere e efetiva possível, nem tudo o que se discute no processo precisa ser
comprovado. A prova judiciária tem um objeto (thema probandum) que, como regra
geral, constitui-se dos fatos ligados à causa
73-74
. Toda pretensão, seja de parte ou
interveniente, tem por fundamento um fato, e é este que constitui o objeto da prova.
Como afirma JOSÉ FREDERICO MARQUES, “o objeto da prova ou
thema probandum, é a coisa, fato, acontecimento, ou circunstância que deve ser
provado no processo”
75
.
Parcela significativa da doutrina
76
, entretanto, discute se o objeto da
prova residiria realmente nos fatos ou se envolveria as afirmações de fato,
sustentando que, em verdade, o objeto da prova é composto das afirmações dos
72
Dever este que, como visto em nota anterior, não se estende ao teor e vigência de normas
municipais, estaduais, estrangeiras ou consuetudinárias.
73
SILVA, Ovídio Batista da, op. cit., p. 296-297, no mesmo sentido, GRINOVER, Ada Pellegrini;
SCARANCE F. Antônio; GOMES FILHO, Antônio M., op. cit., p. 353-354; GONÇALVES, Marcus
Vinícius Rios. Novo curso de Direito Processual Civil. São Paulo: Saraiva, 2004, v. 1, p. 420;
CAMBI, Eduardo Augusto Salomão, op. cit., p. 295; e ALVIM, José Eduardo Carreira. Teoria Geral
do Processo. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 260.
74
As normas jurídicas, como regra geral, não se submetem à atividade probatória dado que “o juiz
conhece do direito” (jura novit cúria) cabendo somente a apreciação quanto à vigência do direito
municipal, estadual, estrangeiro ou consuetudinário (art. 337 do Código de Processo Civil). AROCA,
Juan Montero. La prueba em el Proceso Civil. 2 ed., Madrid: Civitas, 1998, p. 34) prefere afirmar
que o objeto da prova seriam “dados” porque, além da exceção referente à vigência do direito, em
certas ocasiões a atividade probatória poderia incidir sobre as máximas da experiência.
75
MARQUES, José Frederico. Instituições de Direito Processual Civil. Rio de Janeiro: Forense, 1959,
v. 3, p. 365.
76
Cf. ROCHA, José de Albuquerque. Teoria geral do Processo. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2004, p. 245-
246.
28
fatos pelas partes, pois quem atribui sentido aos fatos é o ser humano, por meio da
linguagem.
Ao endereçar a questão, FRANCESCO CARNELUTTI inicialmente
via como objeto exclusivo da prova as afirmações de fato apresentadas pelas partes;
mas superou esta visão em seu Sistema del Diritto Processuale Civile, quando
passou a considerar como objeto central da prova o fato, em vez da afirmação
77
,
passando a adotar a distinção entre objeto mediato da prova, que é o fato e objeto
imediato da prova que é a afirmação.
Estabelecido que o objeto da prova se constitui dos fatos torna-se
relevante verificar quais fatos deverão ser submetidos ao crivo da atividade
probatória. JOÃO BATISTA LOPES
78
bem destaca que: “de acordo com a doutrina,
precisam ser provados os fatos relevantes, pertinentes, controvertidos e
precisos”
79
.
Fatos pertinentes ao processo são aqueles de alguma forma ligados
à causa em discussão. Apenas eles suscitam o interesse da parte em demonstrá-
los; os fatos impertinentes, isto é, não relacionados com a causa, devem ter sua
prova recusada pelo juiz, sob pena de se desenvolver atividade inútil.
Além de pertinentes, devem ser provados os fatos relevantes,
que são os que podem influir, em diferentes graus, na decisão da causa
80
. Os fatos
irrelevantes são, na realidade, também impertinentes.
Observe-se que, mesmo sendo relevantes e pertinentes, os fatos
somente dependem de procedimento probatório na exata medida em que sejam
77
CARNELUTTI, Francesco. A prova civil. 2. ed. Campinas: Bookseller, 2002, p. 266-267.
78
LOPES, João Batista, op. cit., p. 32.
79
No que se refere a fatos precisos, JOÃO BATISTA LOPES os qualifica como sendo “os que
determinam ou especificam situações ou circunstâncias importantes para a causa. Alegações
genéricas ou vagas não comportam prova” (op. cit., p. 33).
80
SANTOS, Moacyr Amaral, op. cit., p. 336.
29
tidos como controversos. Os fatos aceitos, ativa ou passivamente pelas partes, não
dependem de prova e, por isso, estão aptos a receber a avaliação judicial como
suportes de sua decisão
81
.
Não estão, igualmente, sujeitos a prova os fatos notórios
82
. O fato
notório é o de conhecimento geral e por isso mesmo de prova desnecessária ou
inútil. Observe-se que para a dispensa da prova não necessidade de que a
notoriedade seja absoluta, ou seja, que o conhecimento seja de todos e em todos os
lugares. Basta a notoriedade relativa, local ou regional e do pessoal do foro
83-84
.
Ainda independem de prova os fatos em cujo favor milita presunção
legal de existência ou de veracidade. Se a lei como verdadeiro determinado fato,
está a parte dispensada de prová-lo, em sendo a presunção absoluta
85
.
Em resumo, com base nas considerações acima expostas, conclui-
se que o objeto da prova, referida a determinado processo, centra-se nos fatos
81
Se o fato é incontroverso porque aceito expressa ou tacitamente pela parte contrária (art. 302 do
Código de Processo Civil), a parte não tem interesse de demonstrá-lo. circunstâncias,
entretanto, em que mesmo sendo incontroversos os fatos, o juiz não os admitirá como verdadeiros.
Tal situação ocorre, por exemplo, quando a afirmação de fato é evidentemente contrária ao bom
senso, tratando-se de fato impossível. Mesma situação ocorre quando o ponto controvertido
envolver direito indisponível, que impedirá a presunção de veracidade dos fatos incontroversos
ainda que haja revelia no processo (art. 320 do CPC). Exige-se, ainda, a prova de fato, mesmo que
incontroverso, se o instrumento público for essencial a sua prova e forma, porque nesses casos a
aceitação ou a confissão não lhe suprem a falta (art. 366).
82
Deve-se ressaltar que existe em parte da doutrina uma forte resistência a aplicação da
“notoriedade” de um fato pelo juiz como forma de restrição da atividade probatória. Neste sentido,
CARNELLI, Lorenzo. O fato notório. Rio de Janeiro: José Konfino, 1957, p. 265, ao afirmar sobre o
fato notório: “considero-o, em primeiro lugar, perigoso. Hei procurado demonstrá-lo. Admita-se, pelo
menos, a possibilidade de que seja prejudicial para valores respeitáveis do processo, tais como a
igualdade entre as partes, a imparcialidade do juiz, a ordem necessária do processo em um
ajustado sistema de disposição [...] Poderia apesar de tudo, ser mantido, se se evidenciasse
necessário. Mas, justamente, não o é.”
83
Observando-se, porém, neste caso, a circunstância de que a notoriedade deve também atingir o
conhecimento do tribunal de segundo grau de jurisdição, que em tese poderá julgar o recurso, sob
pena de, futuramente, nascer dúvida sobre sua existência.
84
Neste sentido, RIBEIRO, Darci Guimarães. Provas atípicas. Porto Alegre: Livraria do Advogado,
1998, p. 98; e CALAMANDREI, Piero. Instituciones del Derecho Procesal Civil. Buenos Aires: Ejea,
1986, t. III, p. 296.
85
Tratando-se de presunção relativa, a parte em favor de quem milita a presunção não precisa
prová-lo, incumbindo à parte contrária o ônus de produzir, se for o caso, a prova contrária. A
presunção relativa inverte o ônus da prova, enquanto a presunção absoluta dispensa sua produção.
30
pertinentes, relevantes e controvertidos da causa, desde que não sejam notórios ou
submetidos à presunção legal.
1.5 Dos Princípios Gerais
Pode-se afirmar que “os princípios são as primeiras regras de uma
ciência, de uma arte”
86
. São eles que estabelecem os alicerces sobre os quais
determinado sistema operará, representando aspectos fundamentais na
interpretação de um comando legal
87-88
.
JOSÉ DE ALBUQUERQUE ROCHA
89
aponta que os princípios
desenvolvem três importantes funções dentro de um sistema jurídico: servem de
fundamento para as demais normas; orientam a interpretação dos dispositivos legais
e suprem eventuais lacunas existentes na lei.
No que se refere ao direito probatório, dada a sua evidente
relevância dentro do funcionamento de todo o direito processual, não poderia deixar
de existir um conjunto de princípios e regras particulares voltados a ele, de modo a
lhe conceder o caráter de um verdadeiro sistema
90
.
86
AZENHA, Nívia Aparecida de Souza. Prova ilícita no Processo Civil. Curitiba: Juruá, 2005, p. 38.
87
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional. 3. ed. Coimbra: Almedina, 1999, p.
1.086 divide as normas jurídicas em princípios e regras diferenciando-os pelo grau de abstração,
maior nos princípios; pelo grau de determinabilidade, sendo os princípios mais vagos e
indeterminados que as regras; pelo carácter de fundamentalidade onde os princípios assumem
papel fundamental, estruturante, no ordenamento jurídico; pela proximidade da idéia de direito,
sendo os princípios “‘standards’ juridicamente vinculantes radicados nas exigências da justiça”
enquanto as regras possuiriam conteúdo meramente funcional; e na natureza normogenética da
norma, configurando os princípios o fundamento, a base, a “ratio” das regras jurídicas.
88
ÁVILA, Humberto Bergmann. Medida Provisória na Constituição de 1988. Porto Alegre: Sérgio
Antônio Fabris, 1997, p. 43 diferencia ainda princípios e regras apontando que: “As normas
princípios (normas jurídicas que estabelecem, pela sua amplitude valorativa e grau de abstração,
qualidades positivas relevantes para o sistema jurídico, para uma matéria ou tipo de relação
jurídica, devendo ser aplicadas na conformidade com outras normas-princípios) atribuem sentido às
demais normas constitucionais, dado que indicam valores fundamentais; as normas-regras são
normas que regulam a conduta, atribuindo uma conseqüência determinada, sendo insustentável a
validade de regras contraditórias.”
89
ROCHA, José de Albuquerque, op. cit., p. 42-43.
90
Conforme SILVA, Ovídio Araújo Batista da, op. cit., p. 298.
31
Importante destacar, entretanto, que os princípios que regem o
direito probatório, assim como aqueles que comandam outros domínios das ciências
jurídicas, não se confundem com os que presidem as chamadas ciências da
natureza.
OVÍDIO ARAÚJO BAPTISTA DA SILVA ensina com propriedade
que:
[...] um princípio físico, por exemplo, o da gravitação universal, ou
qualquer outro, constitui uma regra inexorável a que os fenômenos
da natureza se submetem necessariamente. Quando se fala, no
domínio do direito, em princípios fundamentais, faz-se referência a
princípios norteadores da compreensão do direito, como simples
instrumentos de referência para a solução de um problema jurídico
91
.
DEVIS ECHANDIA
92
denominam a este núcleo de princípios
fundamentais “princípios retores”.
Neste tópico far-se-á breve abordagem sobre a relação existente
entre a prova e alguns dos principais princípios norteadores do processo civil,
oferecendo foco àqueles mais intimamente ligados a ela.
Seguem, assim, alguns dos princípios relativos à prova, reputados
essenciais ao tratamento da temática abordada neste trabalho, não se descartando,
todavia, outros que a doutrina possa declinar.
91
Ibidem, p. 299.
92
ECHANDIA, Hernando Devis. Teoria general de la prueba judicial. Buenos Aires: V.P. de Zavalía,
1976, v. 1, p. 114.
32
1.5.1 Do princípio do contraditório
O princípio do contraditório consiste em oferecer, de forma
equilibrada, informação e possibilidade de reação às partes, relativamente aos
acontecimentos do processo. Determina, ainda, que o juiz ouça a parte contra a qual
foi formulada uma pretensão, antes de decidir, definitivamente, sobre a mesma
93
.
Este princípio vem consagrado na Lei Maior de 1988, no art. 5°, inc.
LV, ao estabelecer que: "aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos
acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios
e recursos a ela inerentes", e está tão intimamente ligado ao exercício do poder, que
a doutrina moderna o considera inerente à própria noção de processo
94
.
Em matéria probatória, a parte contra quem se produz a prova tem o
direito de conhecê-la e de manifestar-se sobre ela antes que o juiz a utilize como
elemento de convicção em sua decisão
95
.
OVÍDIO ARAÚJO BAPTISTA DA SILVA sintetiza a questão
afirmando que: “O Contraditório, portanto, tolhe a legitimidade da prova secreta
produzida sem o prévio conhecimento da outra parte”
96-97
.
93
Ressalve-se a possibilidade de postergar o contraditório em situações de urgência, como para a
concessão de uma liminar “inaudita altera parte”. O fato de a parte ser ouvida após a efetivação da
medida não implica em supressão do contraditório, que será efetivado posteriormente, mas apenas
em uma “suspensão” do mesmo, em virtude dos motivos ligados ao caso concreto que justificaram
a liminar.
94
Cf. CINTRA, Antônio Carlos de Araújo, GRINOVER, Ada Pellegrini e DINAMARCO Cândido
Rangel, op. cit., p. 55.
95
Mesmo posicionamento de SILVA, Ovídio Araújo Baptista da, op. cit., p. 301.
96
Cf. SILVA, Ovídio Araújo Baptista da. Curso de Processo Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais,
1998, v. 1, p. 347.
97
Neste mesmo sentido, NERY JÚNIOR, Nelson. Princípios do Processo Civil na Constituição
Federal. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 128-129, afirma que as partes têm o
direito de serem ouvidas igualmente no processo, podendo apresentar suas pretensões, defesa e
realizar as provas requeridas. Para o processualista, o contraditório se encontra intimamente ligado
com a igualdade das partes e com o direito de ação; isto por que a Constituição Federal de 1988,
ao garantir o contraditório e a ampla defesa, posicionou tanto o direito de ação como o direito de
defesa como manifestações do contraditório. SILVA, João Carlos Pestana de Aguiar, op. cit., p. 76,
afirma que o contraditório, “em matéria de prova se subsume no cabimento de prova somente
havendo a possibilidade de contraprova. Logo, nenhuma prova pode ser produzida por uma parte
33
Assim, sempre que uma parte produzir provas, a outra deve delas
tomar ciência, possibilitando-lhe a manifestação sobre a mesma. Suprimir ao
litigante esta oportunidade implicaria em nulidade do processo por cerceamento de
defesa
98
, pois o princípio do contraditório, em matéria probatória, assegura que a
parte contra quem a prova foi produzida tenha o direito de conhecê-la, de impugná-
la e produzir contraprova, permitindo-lhe, com isto, tentar invalidá-la.
1.5.2 Do princípio dispositivo e a livre investigação da prova
O princípio dispositivo estende para a matéria probatória a idéia de
que, no processo civil, predomina a disponibilidade de direitos
99
, Podendo ser
sintetizado na regra de que o juiz deve julgar a causa estritamente com base nos
fatos alegados e provados pelas partes.
Segundo ADA PELLEGRINI GRINOVER, pelo princípio dispositivo
"o juiz depende, na instrução da causa, da iniciativa das partes quanto às provas e
às alegações em que se fundamentará a decisão"
100
.
na ausência da outra parte”.
98
Cf. SILVA, Ovídio Araújo Baptista da. Curso de Processo Civil..., op. cit., p. 347.
99
Neste ponto, aliás, certa controvérsia na doutrina. Alguns autores sustentam que o princípio
dispositivo nada mais representaria do que “o poder de dispor da produção da prova”, sendo posto
como sinônimo ou desmembramento do princípio da disponibilidade de direitos que norteia a
maioria dos procedimentos no processo civil. Neste sentido, SANTOS, Ernani Fidélis dos. Manual
de Direito Processual Civil. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2006, v. 1, p. 40; ALVIM, José Eduardo
Carreira. Teoria Geral do Processo. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 229 e BEDAQUE, José
Roberto dos Santos. Poderes instrutórios do Juiz. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994, p.
71. Outros autores preferem separar claramente os dois princípios, como CINTRA, Antônio Carlos
de Araújo, GRINOVER, Ada Pellegrini e DINAMARCO Cândido Rangel, op. cit., p. 64, afirmam
categoricamente que: “Na doutrina contemporânea reserva-se a locução princípio dispositivo, como
no texto acima está, para a regra da iniciativa probatória de parte. Não confundir esta regra com a
da disponibilidade (supra, n. 22), não obstante a semelhança vocabular.”. Prefere-se a primeira
corrente, pois, não obstante o princípio dispositivo tenha adquirido identidade própria no campo
probatório, reconhece-se sua derivação e desmembramento do princípio mais geral da
disponibilidade de direitos.
100
CINTRA, Antônio Carlos de Araújo, GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO Cândido Rangel, op.
cit., p. 64.
34
O mais sólido fundamento apresentado em defesa deste princípio
tem sido a necessidade de salvaguardar a imparcialidade do juiz
101
. O princípio é de
inegável sentido liberal, porque transmite a noção de que a cada um dos sujeitos
envolvidos no conflito sub judice é que deve caber o primeiro e mais relevante juízo
sobre a conveniência ou inconveniência de demonstrar a veracidade dos fatos
alegados.
102
O processo civil brasileiro acolheu o princípio dispositivo
103
, todavia,
diante da publicização do processo, o rigor deste princípio foi atenuado, permitindo
ao magistrado participação na colheita das provas, o que pode ser claramente
depreendido do conteúdo dos arts. 130, 342 e 1.107 do Diploma Processual
104
,
dentre outros dispositivos.
Em verdade, como aponta JOÃO BATISTA LOPES
105
: “O princípio
dispositivo não mais sobrevive com a tessitura que os autores tradicionais lhe
emprestaram, uma vez que a legislação vigente atribui ao juiz grande soma de
poderes na busca da verdade e na atuação das regras processuais”. Atualmente,
cada vez mais, tem-se a predominância do princípio da livre investigação da prova,
101
Neste sentido, RUIZ, Ivan Aparecido. O Papel do Juiz no Processo Civil Moderno. Revista Nobel
Iuris, v. 2 n.1, Maringá, 1 semestre 2004, p. 13 “De início, o objetivo maior desse princípio é o de
garantir a imparcialidade do juiz. É certo que a inércia que caracteriza a jurisdição, ordinariamente,
impede o juiz de conhecer de fatos não alegados pela parte, que se constituam em direito
disponível. No que diz respeito à produção de provas, também impera idêntica ordem.”.
102
Cf. CINTRA, Antônio Carlos de Araújo, GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO Cândido Rangel,
op. cit., p. 64-65.
103
Neste sentido, NERY JÚNIOR, Nelson e NERY, Rosa Maria de Andrade, op. cit., p. 854 indicam os
arts. 128 e 460 que estabelecem a regra de congruência entre pedido e sentença como decorrência
do pedido dispositivo. ALVIM, Arruda, op. cit., p. 419-420, é taxativo ao destacar que a atividade
probatória do juiz, embora admitida pela livre investigação da prova prevista no art. 130 do Código
de Processo Civil, deve sempre ser feita de forma subsidiária, “não suprindo as omissões da parte
inerte” em respeito ao princípio dispositivo.
104
Art. 130. Caberá ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, determinar as provas necessárias à
instrução do processo, indeferindo as diligências inúteis ou meramente protelatórias. Art. 342. O juiz
pode, de oficio, em qualquer estado do processo, determinar o comparecimento pessoal das partes,
a fim de interrogá-las sobre os fatos da causa. Art. 1.107. Os interessados podem produzir as
provas destinadas a demonstrar as suas alegações; mas ao juiz é lícito investigar livremente os
fatos e ordenar de ofício a realização de quaisquer provas.
105
LOPES, João Batista. Os poderes do juiz e o aprimoramento da prestação jurisdicional. Revista de
Processo, São Paulo, ano 9, n. 35, p. 26, jul./set. 1984.
35
com salvaguardas à imparcialidade do juiz na forma de doses de dispositividade
106-107
.
O Superior Tribunal de Justiça, em interessante voto do Ministro
SÁLVIO DE FIGUEIREDO, manifestou-se sobre o princípio dispositivo,
demonstrando a atenuação que este sofreu no direito brasileiro
108
.
Como cediço, diante do cada vez maior sentido publicista que se tem
atribuído ao processo, o juiz deixou de ser mero espectador inerte da
batalha judicial, passando a assumir uma posição ativa que lhe
permite, dentre outras prerrogativas, determinar a produção de
provas, desde que o faça, é certo, com imparcialidade, sem ensejar
injustificado favorecimento a litigante que haja negligenciado em
diligenciar as providências probatórias de seu interesse.
Nesse sentido tive ensejo de posicionar-me em sede doutrinária,
assinalando: O Código acolheu o princípio dispositivo, segundo o
qual o juiz deve julgar segundo o alegado pelas partes (iudex
secundum allegata et probata partium iudicare debet), mas o
abrandou, permitindo a iniciativa probatória do Juiz (v. Exposição de
Motivos n. 18), haja vista que a publicização do processo e a
socialização do direito implicam, cada vez mais, a busca da verdade
real. O juiz, entretanto, somente deverá tomar a iniciativa probatória
quando a prova se fizer necessária "ao conhecimento da verdade
que interessa ao melhor e mais justo julgamento da causa". Essa
iniciativa reclama, no entanto, estado de perplexidade do julgador em
face de provas contraditórias, confusas, incompletas ou de cuja
existência o juiz tenha conhecimento. A iniciativa probatória do juiz
pode ocorrer em qualquer fase, uma vez que a mesma não se sujeita
à preclusão.
Estes posicionamentos destacam a tendência atual de em prol de
uma busca incessante pela verdade real, em detrimento do contentamento com a
106
Neste sentido RUIZ, Ivan Aparecido, op. cit., p. 13-14. Com mesmo posicionamento:
GONÇALVES, Marcus Vinícius Rios. Novo Curso de Direito Processual Civil. São Paulo: Saraiva,
2004, v. 1, p. 423 e SANTOS, Moacyr Amaral, op. cit., p. 359-360.
107
Deve se destacar que a contradição entre “livre investigação da prova” e “dispositividade” envolve
um conflito apenas aparente, pois, a existência de “princípios antagônicos” em um sistema jurídico
é perfeitamente possível, servindo como uma forma de auto limitação a referidos princípios e
permitindo uma flexibilização de seu conteúdo de acordo com a variação dos valores sociais ao
longo do tempo, como bem aponta ÁVILA, Humberto Bergmann, op. cit., p. 43.
108
Recurso Especial 17.591-0- São Paulo 4a Turma do Superior Tribunal de Justiça - j. em
07.06.1994 - Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira - 27.06.1994.
36
simples verdade formal produzida nos autos oferecer-se cada vez mais poderes
instrutórios ao magistrado.
SANDRA APARECIDA DOS SANTOS
109
destaca, inclusive, que,
ante a finalidade publicista do processo em servir de instrumento para a realização
do direito material, se torna inadmissível a clássica distinção entre verdade real e
formal
110
, referentes, respectivamente ao processo penal e ao processo civil, posição
que tem sido sustentada nos tribunais
111
.
Assumindo posição mais moderada do que a de Sandra Aparecida
dos Santos ARRUDA ALVIM
112
destaca que embora o princípio dispositivo esteja
mitigado a ponto de permitir ao juiz adentrar à atividade probatória, este deverá fazê-
lo sempre subsidiariamente, evitando suprir omissões da parte inerte, de modo a
preservar sua imparcialidade.
109
SANTOS, Sandra Maria Sá dos, op. cit., p. 83.
110
Onde se coloca a verdade formal como sendo aquela obtida exclusivamente por meio das
evidências reunidas no processo, mesmo que este conteúdo seja divergente da maneira como os
fatos efetivamente ocorreram e a verdade real refletindo o efetivo desenrolar dos fatos.
111
DIREITO CIVIL E PROCESSUAL INVESTIGATÓRIA DE PATERNIDADE DETERMINAÇÃO
DE OFÍCIO DE OITIVA DE TESTEMUNHAS POSSIBILIDADE ART. 130, CPC DIREITO DE
FAMÍLIA EVOLUÇÃO HERMENÊUTICA PRECEDENTES RECURSO DESACOLHIDO. I - Na
fase atual do direito de família, é injustificável o fetichismo de normas ultrapassadas em detrimento
da verdade real, sobretudo quando em prejuízo de legítimos interesses de menor. II Diante do
cada vez maior sentido publicista que se tem atribuído ao processo contemporâneo, o juiz deixou
de ser mero espectador inerte da batalha judicial, passando a assumir uma posição ativa que lhe
permite, dentre outras prerrogativas, determinar a produção de provas, desde que o faça, é certo,
com imparcialidade e resguardando o princípio do contraditório. III Tem o julgador iniciativa
probatória quando presentes razões de ordem pública e igualitária, como, por exemplo, quando se
esteja diante de causa que tenha por objeto direito indisponível (ações de estado), ou quando o
julgador, em face das provas produzidas, se encontre em estado de perplexidade ou, ainda, quando
haja significativa desproporção econômica ou sócio-cultural entre as partes. STJ, T., REsp
43.467/MG, rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, j. 12.12.1995, v.u. REVELIA – PRESUNÇÃO DE
VERACIDADE RELATIVA POSSIBILIDADE DE O JUIZ APRECIAR QUESTÕES PROCESSUAIS
QUE SE REFEREM AO ANDAMENTO DO PROCESSO – APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA BUSCA
DA VERDADE REAL. TACicSP, 10ª Cam., AC 502.710/9, rel. Juiz Antônio Pádua Ferraz
Nogueira, j. 19.04.1994, v.u., RT 708/111. SIGILO BANCÁRIO QUEBRA ADMISSIBILIDADE.
No interesse da justiça, objetivando a apuração da verdade real e a formação da livre convicção do
julgador dentro do princípio de que deve se dar a cada um o que é seu, em casos excepcionais
admite-se a expedição de ofícios às entidades financeiras a teor do art. 130 do Código de Processo
Civil, sem que contra este procedimento possa se alegar infrigência ou desobediência a decisão
prolatada pela instância superior. Recurso não provido. TJSP, Câm. Dir. Priv., AI 84.365-
4/Diadema, rel. Des. Júlio Vidal, j. 03.06.1998, v.u., CD-ROM Júris Síntese Millenium.
112
ALVIM, Arruda, op. cit., p. 419-420.
37
Data vênia, entende-se que o argumento de que a investigação da
prova pelo magistrado, por si só, implica sempre em sua parcialidade por suprir a
ausência de atividade de uma das partes é equivocado.
A imparcialidade do julgador deve ser resguardada no processo,
mas não se pode ignorar que o juiz
113
depende, para a justa solução da causa, de
um conjunto probatório que reflita, da forma mais precisa possível, a realidade dos
fatos sob os quais deve incidir sua decisão definitiva
114
.
Seria possível afirmar violação a imparcialidade do magistrado se
sua atividade probatória fosse utilizada de forma dolosa em favor de um dos
litigantes, ignorando ou mesmo contrariando a existência de evidências carreadas
aos autos; mas não quando o juiz se vale da mesma para esclarecer pontos
relevantes que ainda se apresentem duvidosos diante do quadro probatório
existente no processo.
Conclui-se, portanto, que o processo civil contemporâneo não é mais
eminentemente dispositivo, como era outrora. Impera, hodiernamente, a livre
investigação das provas pelo magistrado, devendo o mesmo empreender verdadeira
cruzada em busca da verdade real. Tal busca deve existir independentemente da
natureza do direito em jogo se disponível ou indisponível mas ainda se encontra
113
Como destinatário da prova e incumbido de determinar a aplicação do direito ao caso concreto.
114
Neste sentido, destaca BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Poderes ..., op. cit., p. 80, em direta
crítica ao posicionamento de Arruda Alvim: “quando o juiz determina a realização de uma prova não
tem condições de saber, de antemão, seu resultado. O aumento do poder instrutório do julgador, na
verdade, não favorece qualquer das partes. Apenas proporciona uma apuração mais completa dos
fatos, permitindo que as normas de direito material sejam atuadas corretamente. E tem mais: não
seria parcial o juiz que, tendo conhecimento que a produção de determinada prova possibilitará o
esclarecimento de um fato obscuro, deixe de fazê-lo e, com tal atitude, acabe beneficiando a parte
que não tem razão? Para ele não deve importar que vença o autor ou o réu. Importa, porém, que
saia vitorioso aquele que efetivamente tenha razão, ou seja, aquele cuja situação da vida esteja
protegida pela norma de direito material, pois somente assim se pode falar que a atividade
jurisdicional realizou plenamente sua função”.
38
temperada com pequenas doses de dispositividade, cuja razão de ser consiste em
assegurar a imparcialidade do julgador
115
.
Feitas as considerações sobre a investigação da prova, relevante
analisar a forma de sua valoração pelo magistrado.
1.5.3 Do princípio da persuasão racional do juiz
O Código de Processo Civil, por meio de seu art. 131
116
, elegeu o
princípio da Persuasão Racional do Juiz, ou Livre Convencimento Motivado como
alicerce para regular a apreciação e a avaliação das provas existentes nos autos.
Este princípio se posiciona entre o sistema da prova legal
117-118
e o
do julgamento secundum conscientiam
119
.
Pelo princípio da persuasão racional do juiz o magistrado não é
desvinculado da prova e dos elementos existentes nos autos, mas a sua apreciação
não depende, em regra, de critérios legais determinados a priori; decide com base
no conjunto probatório existente no processo, mas o avalia segundo critérios críticos
115
Pensamento idêntico ao manifestado por CINTRA, Antônio Carlos de Araújo, GRINOVER, Ada
Pellegrini e DINAMARCO Cândido Rangel, op. cit., p. 66 e RUIZ, Ivan Aparecido, op. cit., p. 13-14,
refletido no voto Ministro Sálvio de Figueiredo anteriormente reproduzido. Pregando a ausência de
limitações do princípio dispositivo à atividade probatória do magistrado, BEDAQUE, José Roberto
dos Santos, op. cit., p. 71. Defendendo uma plena limitação à atividade do magistrado pelo princípio
dispositivo, que a colocaria em posição subsidiária e excepcional, ALVIM, Arruda, op. cit., p. 419-
420.
116
“Art. 131. O Juiz apreciará livremente a prova, atendendo aos fatos e circunstâncias constantes
dos autos, ainda que não alegados pelas partes; mas deverá indicar, na sentença, os motivos que
lhes formaram o convencimento.”
117
Pela prova legal, a lei estabelece valores inalteráveis e prefixados aos elementos probatórios, que
o juiz aplica mecanicamente.
118
Ainda existem resquícios deste sistema no direito brasileiro, como v.g. o art. 336 do CPC: “Quando
a lei exigir, como da substância do ato, o instrumento público, nenhuma outra prova, por mais
especial que seja, pode suprir-lhe a falta”. Nelson Nery Júnior aponta que a prova legal serve como
um limite do livre convencimento motivado, mas que, fora de sua incidência, não existe hierarquia
entre os vários meios de prova, sendo possível, por exemplo, considerar-se o depoimento de
testemunha superior a documento público (RT 580/180) (NERY JÚNIOR, Nelson e NERY, Rosa
Maria Andrade, op. cit., p. 598).
119
Que se coloca no pólo oposto ao da prova legal: o juiz pode decidir livremente com base na prova
dos autos, e também sem provas ou até mesmo contra a prova. O magistrado está vinculado,
apenas, à sua “consciência”, por isso “secundum conscientam”.
39
e racionais
120
que por não estarem pré-fixados na lei possuem flexibilidade para
se adaptar ao caso concreto.
1.6 Dos Momentos da Prova
Por “momentos da prova” pode-se entender “as etapas em que se
desenvolve a atividade probatória, promovida pelos litigantes, sob a vigilância do
juiz”
121
. Juntos, compõe o procedimento instrutório, por meio de uma sucessão
rigorosamente ordenada que atinja os litigantes, determinando-lhes como agir a fim
de desincumbir-se do ônus da prova de fatos de seu interesse.
MOACYR AMARAL SANTOS
122
ilustra a presença de três momentos
específicos e relevantes para a instrução da causa: a proposta da prova, a sua
admissão pelo juiz e sua produção.
A propositura da prova ocorre em regra na petição inicial para o
autor e na contestação e/ou com a reconvenção para o réu
123
. A sua admissão
normalmente se no saneamento do processo
124
e sua produção será realizada
precipuamente na audiência de instrução e julgamento
125
.
120
A serem obrigatoriamente apresentados como fundamentação de sua decisão, sob pena de
nulidade. A liberdade de convicção, não equivale a sua formação arbitrária, que ocorre no sistema
secundum conscientam: o convencimento deve ser motivado (arts. 131, 165 e 458, II, do CPC), não
podendo o juiz desprezar as regras legais porventura existentes (arts. 334, IV CPC) e as máximas
de experiência (art. 335, CPC).
121
ALVIM, Arruda, op. cit., p. 446.
122
SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras..., op. cit., p. 361.
123
Excepcionalmente, permite-se a sua propositura posterior, ex. tratando-se de documentos
substanciais ou fundamentais (art. 283 e 396 do Código de Processo Civil). Além disso, como visto
anteriormente, o magistrado poderá, com base no art. 130 do Código de Processo Civil, determinar
ex officio a produção de provas, no interesse da busca pela verdade real e respeitados limites
inerentes à preservação de sua imparcialidade.
124
Art. 331, § 2º do Código de Processo Civil.
125
Excepcionalmente, em outro momento, como a perícia e a inspeção judicial que ocorrem fora da
audiência.
40
Infere-se, portanto, que os atos de propositura, admissão e produção
da prova não se concentram, de modo exclusivo, na fase instrutória do processo de
conhecimento de primeiro grau e, dependendo do tipo de prova a ser produzida,
poderá haver uma sobreposição entre os mesmos
126
.
Situam-se em regra fora da fase instrutória os atos de proposição
das provas e os de deferimento ou indeferimento, ou de determinação ex officio da
realização de provas
127
.
No que se refere ao momento de produção da prova, os diferentes
meios de prova comportam momentos distintos para sua realização.
Como regra geral, a prova oral deverá ser produzida em audiência
de instrução, perante o juiz da causa, sendo possível, entretanto, que isto não
ocorra, vez que a lei possibilita em casos excepcionais
128
sua produção em momento
diverso.
Relativamente à prova pericial, esta normalmente é produzida no
lapso de tempo existente entre o saneamento e o prazo de 20 dias antes da
realização da audiência
129
.
126
Assim, por exemplo, a prova documental deverá, em regra, ser produzida pelas partes na fase
postulatória, exceção feita a possibilidade de juntar novos documentos posteriormente, como no
caso do art. 397 do CPC. uma sobreposição de momentos, vez que se verificam, em um
momento, a propositura e a produção da prova, inserida no despacho liminar sua admissão.
127
No tocante à proposição o autor deverá como regra geral, indicar na petição inicial (art. 282, VI do
CPC) os meios de prova de que pretende valer-se. Ao réu, abre-se oportunidade para apresentar
as provas cuja produção lhe interessa na contestação (art. 300). A admissão ou indeferimento das
provas é, como regra, realizada ao fim da audiência preliminar, quando frustrada a tentativa de
conciliação (conforme NERY JÚNIOR., Nelson e NERY, Rosa Maria de Andrade, op. cit., p. 291).
128
Fogem a esta regra geral os arts. 410 e o art. 452, II, que dispõem: 1.°) quando as testemunhas
prestarem depoimento antecipadamente (art. 410, I); 2.°) normalmente, quando as testemunhas
sejam inquiridas por carta (art. 410, II), o que se deverá verificar antes da audiência de instrução e
julgamento, mas não de forma absolutamente necessária; 3.°) quando as testemunhas, por motivo
de doença, ou outro igualmente relevante, estiverem "impossibilitadas de comparecer em juízo" (art.
410, III, e art. 336, parágrafo único), valendo, analogicamente, esta exceção, para o depoimento
pessoal, se, para este, comparecerem os mesmos motivos (art. 452, II, e art. 336, parágrafo único);
4.°) haverá inquirição antes da audiência de instrução e julgamento, nos casos do art. 411, exceto
se as referidas autoridades se dispuserem a comparecer à audiência de instrução e julgamento (art.
410, IV).
129
Art. 433 do Código de Processo Civil.
41
Por sua vez, a inspeção judicial pode ser efetuada a qualquer
momento, uma vez que esta prova emerge da imprescindibilidade de exame, pelo
juiz, de circunstâncias que interessem à decisão da lide. ARRUDA ALVIM
130
destaca,
entretanto, que, “normalmente, o juiz deverá realizar a inspeção depois de efetivada
atividade probatória precedente, dado que não é função rotineira do juiz determinar
este tipo de prova”.
A respeito da prova documental, foi dito que sua produção, em
regra, deve ser feita na fase postulatória do processo, quando da apresentação da
petição inicial pelo autor e da contestação ou reconvenção pelo réu.
O procedimento sumário e alguns procedimentos especiais
comportam distribuição diversa dos momentos da prova, de modo a melhor
adequarem-se à natureza das demandas a eles confiadas, fugindo do escopo deste
trabalho uma análise individual e aprofundada dos mesmos
131
.
130
ALVIM, Arruda, op. cit., p. 447.
131
Especificamente sobre o procedimento sumário, pode-se destacar que a propositura de todas as
provas pelo autor de efetuar-se na inicial, sob pena de preclusão (art. 276 do Código de
Processo Civil), inclusive com a indicação de rol de testemunhas, assistente técnico e quesitos,
caso sejam requeridas prova testemunhal e/ou pericial. O Réu proporá suas provas, frustrada a
conciliação, juntamente com a apresentação de sua defesa.
42
2 DA TUTELA DOS DIREITOS COLETIVOS E A AÇÃO CIVIL
PÚBLICA NO DIREITO BRASILEIRO
2.1 Dos Interesses Coletivos “Lato Sensu”
2.1.1 Da evolução histórica da tutela dos direitos supra-individuais
O Direito e as sociedades humanas têm evoluído de forma
interligada ao longo da história; conforme os agrupamentos humanos se tornaram
mais sofisticados e complexos, as normas que regulam a convivência e conduta de
seus integrantes sofreram transformações que as adaptaram ao novo contexto
social
132
.
O surgimento das primeiras raízes do que viria a ser conhecido
posteriormente como ações coletivas, pode ser posicionado em diversos momentos
históricos, dependendo dos critérios adotados pelo doutrinador.
RICARDO BARROS LEONEL
133
e GREGÓRIO ASSAGRA DE
ALMEIDA
134
apontam a ação popular romana como uma referência à tutela de
interesses comunitários na Antigüidade Clássica, ressalvando, entretanto, que à
época não existia o “direito processual” como um ramo autônomo do direito não se
podendo falar, portanto em “direito processual coletivo”.
MÁRCIO FLÁVIO MAFRA LEAL
135
, que centrou seu estudo nas
ações coletivas do direito anglo-americano, reconhece a existência de vestígios de
132
Neste sentido, LENZA, Pedro. Teoria geral da Ação Civil Pública. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2005. p. 25-35 faz um paralelo entre as várias formas de estado e poder político e o tipo de tutela
jurisdicional nelas encontrado e LEONEL, Ricardo de Barros, op. cit., p. 40, destaca a relação direta
entre a norma jurídico e o contexto histórico social em que esta se encontra inserida.
133
LEONEL, Ricardo de Barros. Ações Coletivas: nota sobre competência, liquidação e execução.
Revista de Processo, v. 132, ano 31, fev. 2006, p. 30-51, p. 40.
134
ALMEIDA, Gregório Assagra de. Direito Processual Coletivo brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2003,
p. 38.
135
LEAL, Márcio Flávio Mafra. Ações Coletivas. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 1998, p. 22-24.
uma tutela coletiva em precedentes isolados situados no século XII, mas prefere
posicionar os antecedentes da moderna ação coletiva no século XVII, como uma
variante do bill of peace. Segundo ele, tal diploma era:
[...] uma autorização para processamento coletivo de uma ação
individual, concedida quando o autor requeria que o provimento
englobasse os direitos de todos que estivessem envolvidos no litígio,
tratando a questão de maneira uniforme, evitando a multiplicação de
processos
136
.
O Autor destaca, entretanto, que um ponto diferenciador relevante
entre as primeiras ações coletivas do período medieval e moderno com relação ao
contexto contemporâneo é a emergência, neste último, dos direitos difusos,
anteriormente desconhecidos e ignorados.
Aliás, as profundas transformações sociais, econômicas e políticas
ocorridas entre o final do século XIX e o transcorrer do século XX
137
não significaram
somente desenvolvimento e progresso; trouxeram consigo uma profunda
modificação na forma como se desenvolvem as relações interpessoais, impondo
uma nova perspectiva sobre a natureza dos interesses humanos
138
e a criação de
novos mecanismos de proteção tanto no plano do direito material quanto no
processual
139
.
136
Ibidem, p. 23.
137
Que deram surgimento às sociedades de massa caracterizadas por fenômenos multinterativos de
produção, consumo em larga escala, concentração urbana de pessoas e avanços nos meios de
comunicação.
138
Questão esta explorada em tópico próprio.
139
Cf. pensamento de MILARÉ, Edis. Direito do Ambiente. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2001, p. 3; BENJAMIN, Antônio Herman Vasconcelos e. A insurreição da aldeia global contra o
processo civil clássico. MILARÉ, Edis (Coord.). Ação Civil Pública. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1995, p. 73; DINAMARCO, Pedro da Silva. Ação Civil Pública. São Paulo: Saraiva, 2001,
p. 11 e CAPPELLETTI, Mauro. Formações sociais e interesses coletivos diante da justiça Civil.
Revista de Processo, ano II, jan./mar. 1977, n. 5, p. 128-159, p. 130-131.
44
Nesse ponto, CELSO ANTÔNIO PACHECO FIORILLO
140
reforça a
importância dos conflitos mundiais do século XX na evolução do direito coletivo
quando afirma:
Importante frisar que a reflexão sobre os direitos que pairavam acima
dos interesses individuais os direitos metaindividuais somente se
fez presente com a existência dos conflitos de massa, o que foi
sensivelmente acentuado após a Segunda Guerra Mundial. Com
isso, somente passamos a considerar melhor os direitos
metaindividuais a partir da necessidade processual de compô-los.
No Brasil, o caminho percorrido para se chegar ao atual momento
legislativo foi traçado gradualmente, por meio de várias leis, não existindo até o
momento um “Código de Processo Coletivo”
141
.
SANDRA LENGRUBER DA SILVA
142
divide a evolução da legislação
processual coletiva no Brasil em duas fases distintas, uma anterior e outra posterior
à edição da Lei n. 7.347/85, que disciplinou a Ação Civil Pública.
No período anterior a Lei da Ação Civil Pública podem ser
destacados como importantes diplomas legais a oferecer tratamento à tutela de
interesses metaindividuais:
a) A Constituição Federal de 1934, que representou a primeira
manifestação legislativa em terras brasileiras destinada à tutela
coletiva de direitos. Neste diploma surgiu a “ação popular”, que
possibilitava a qualquer cidadão o pleito de invalidação de atos
lesivos ao patrimônio público. Desde então, tal mecanismo
140
FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de Direito Ambiental brasileiro. 5. ed. São Paulo:
Saraiva, 2004, p. 4.
141
Existe, entretanto, um anteprojeto do “Código Brasileiro de Processo Coletivo” sob a coordenação
da prof. Ada Pellegrini Grinover, que teve como base o Código Modelo de Processos Coletivos para
a Ibero-América de outubro de 2004, cf. LUCON, Paulo Henrique dos Santos. Tutela coletiva. São
Paulo: Atlas, 2006, p. 2-3.
142
SILVA, Sandra Lengruber da. Elementos das Ações Coletivas. São Paulo: Método, 2004, p. 32.
45
esteve presente em todas as Cartas Constitutivas do Brasil,
exceção feita à de 1937.
b) A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT, Decreto-Lei n.
5.452/43) trouxe mecanismos de tutela metaindividual, na esfera
do Direito do Trabalho, por meio de suas disposições sobre o
dissídio coletivo e a correspondente ação de cumprimento.
c) Em 1950 a Lei n. 1.134 reconheceu a faculdade de
representação individual e coletiva das associações de classe,
sem fins políticos, para seus associados perante autoridades
administrativas e judiciárias.
d) O Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil introduzido pela
Lei n. 4.215/63 reconheceu o direito da OAB representar em juízo
ou fora dele os interesses gerais da classe dos advogados e os
individuais, relacionados ao exercício da profissão.
e) A previsão constitucional da Ação Popular, que como se viu
esteve existente no ordenamento jurídico brasileiro desde 1934,
foi regulamentada pela Lei n. 4.717/65, que passou a tutelar bens
de valor econômico, artístico, estético ou histórico.
f) Em 1981, entrou em vigor a Lei da Política Nacional do Meio
Ambiente (Lei n. 6.938/81), legitimando o Ministério Público à
propositura de ações de responsabilidade civil ou penal pelos
danos provocados ao meio ambiente. Neste mesmo ano, entrou
em vigor a Lei Complementar n. 40, que, ao instituir a Lei
46
Orgânica do Ministério Público consignava como uma das
funções da instituição a de “promover a ação civil pública”
143
.
Não obstante, a grande relevância destes diplomas legais é preciso
ressaltar que, neste momento histórico, anterior à Lei da Ação Civil Pública, a
legitimidade para a propositura das ões (com exceção da ão popular)
encontrava-se essencialmente restrita ao Ministério Público; e praticamente
inexistiam normas específicas sobre o processo e o procedimento na tutela de
interesses metaindividuais, o que implicava em se recorrer às regras do processo
civil tradicional.
A entrada em vigor da Lei n. 7.347/85 Lei da Ação Civil Pública
marcou a transição desta primeira fase para o atual momento na evolução histórica
no ordenamento jurídico brasileiro
144
.
SANDRA LENGRUBER DA SILVA
145
, citando NELSON NERY
JÚNIOR, destaca que “a Lei da Ação Civil Pública foi o primeiro diploma normativo
brasileiro que sistematizou o processo coletivo como um todo, representando um
divisor de águas no direito processual pátrio.”
Por meio deste diploma legislativo vislumbrou-se um alargamento do
leque de legitimados para a propositura da Ação Civil Pública e, conseqüentemente,
para a tutela de interesses metaindividuais.
Nesta nova fase, posterior à Lei da Ação Civil Publica, pode-se
destacar a extrema importância da nova ordem constitucional trazida pela
143
Art. 3º, inc. III. Destaque-se, entretanto, que neste momento histórico a “Ação Civil Pública” ainda
não funcionava exatamente como uma ação coletiva, pois era concebida como um paralelo à ação
penal pública, ou seja, simplesmente como uma ação em que o Ministério Público fosse autor no
âmbito cível.
144
Sempre dentro da divisão idealizada por SANDRA LENGRUBER DA SILVA.
145
SILVA, Sandra Lengruber da, op. cit., p. 34.
47
Constituição Federal de 1988
146
para a tutela de interesses metaindividuais, que foi
acompanhada de uma série de normas infra-constitucionais de relevo, destacando-
se: a Lei n. 8.078/90 que instituiu o “Código de Defesa do Consumidor”
147
; a Lei n.
7.853/89, que tratou da defesa das pessoas portadoras de deficiência; a Lei n.
8.069/90 que trouxe a lume o “Estatuto da Criança e do Adolescente”; a “Lei de
Improbidade Administrativa”
148
; e a Lei de Responsabilidade Fiscal
149
.
Neste momento, vive-se um fenômeno que ainda não encerrou seu
ciclo de desenvolvimento, mas que já revela um complexo sistema normativo voltado
à proteção jurisdicional dos interesses supra-individuais, formado pela conciliação de
um microssistema que busca conjugá-los com os meios disponibilizados na ciência
processual clássica.
2.1.2 Conceito, natureza e categorias dos direitos supra-individuais
2.1.2.1 Da utilização dos termos “interesse” e “direito”
“Interesse” é um termo plurívoco, capaz de receber diferentes
significados dependendo do contexto e forma como é utilizado
150
. Assim, verifica-se
relevante, antes de se adentrar a uma análise das categorias de interesses ou
146
Que trouxe diversos dispositivos ligados à tutela de interesses metaindividuais, destacando-se: o
art. 5º, inc. XXI, que confere legitimidade a entidades associativas para a representação judicial e
extrajudicial de seus filiados; o art. 8º, que prevê, em arcabouço semelhante, a defesa pelos
sindicatos de interesses da categoria, sejam coletivos ou individuais; o art. 5º, inc. LXXIII correlato à
consagrada ação popular; o art. 129, inc. III, que alçou ao nível constitucional a Ação Civil
Pública e o art. 5º, inc. LXIX que criou o mandado de segurança coletivo.
147
Em especial pela introdução do conceito de direitos metaindividuais homogêneos,
complementando a Lei n. 7.347/85, e pela introdução do inciso IV ao art. da Lei n. 7.347/85, que
havia sido alvo de veto presidencial quando da promulgação desta lei, abrindo o leque de proteção
coletiva a todos os interesses difusos e coletivos e não apenas àqueles expressamente previstos
na lei.
148
Lei n. 8.492/92.
149
Lei Complementar n. 101/00.
150
Cf. MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Interesses difusos. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2000, p. 23.
48
direitos supra-individuais, que se façam considerações iniciais acerca da
terminologia adotada pela doutrina, em especial no que se refere às designações
“interesse” e “direito”.
Não posição pacífica sobre qual termo deva ser utilizado, ou
mesmo se razões para a diferenciação entre eles. ANTÔNIO GIDI
151-152
e
MARCELO NAVARRO RIBEIRO DANTAS
153-154
, por exemplo, sustentam que há, de
fato, divergência entre os termos e manifestam sua preferência pela utilização do
termo “direito” em detrimento de “interesse”. RODOLFO DE CAMARGO
MANCUSO
155
, por sua vez, revela-se simpático à utilização da partícula “interesse”.
Não obstante exista em parte da doutrina alguma simpatia por uma
ou outra denominação, a orientação dominante no Brasil tem se posicionado no
sentido de que os dois termos, pelo menos dentro do ordenamento jurídico pátrio, se
equivalem, como se afere da importante contribuição de KAZUO WATANABE
156
, ao
sustentar que, a partir do momento em que um “interesse” vem a ser amparado pelo
direito, acaba por assumir o mesmo status de “direitos”, não havendo qualquer
151
GIDI, Antonio. Coisa julgada e litispendência em Ações Coletivas. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 18.
152
O autor optou pela adoção exclusiva do termo “direitos”, rejeitando expressamente a utilização do
termo “interesses” justificando sua posição na percepção de que as teorias dos que diferenciam o
direito subjetivo do interesse supraindividual marcados por um “ranço individualista” que marcou
o pensamento jurídico do sec. XIX.
153
DANTAS, Marcelo Navarro Ribeiro. Mandado de segurança coletivo. São Paulo: Saraiva, 2000, p.
50.
154
O autor afirma que a expressão “direito subjetivo” significa, literalmente, um direito referido a um
sujeito, não sendo adequada a utilização desta expressão quando o assunto discutido envolve uma
categoria inteira de sujeitos ou um numero indeterminado de interessados.
155
MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Manual do consumidor em juízo. São Paulo: Saraiva, 1994, p.
17-18.
156
WATANABE, Kazuo; et al. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor. 8. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2004, p. 799.
49
justificativa de ordem prática ou mesmo teórica que demande uma diferenciação
entre eles
157-158
.
Diante da opção do legislador em utilizar os termos “direito” e
“interesse” como sinônimos, as menções contidas neste trabalho não diferenciarão
estes vocábulos, que serão adotados indistintamente
159
.
2.1.2.2 Do interesse público, interesse privado e interesse coletivo “lato
sensu”
A doutrina clássica
160
costuma dividir a natureza dos interesses em
duas grandes categorias: interesse público e interesse privado
161
; este visto como o
relacionamento dos indivíduos entre si, enquanto aquele comportaria subdivisão
entre interesse público primário o bem geral da coletividade e secundário o
157
GOZAINI, Osvaldo Alfredo. Introducción al Nuevo Derecho Procesal. Buenos Aires: Ediar, 1998, p.
178-181; LEONEL, Ricardo de Barros. Manual do Processo Coletivo. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2002. p. 85, suportam este entendimento, aquele afirmando que a distinção entre direito
subjetivo e interesse não tem grande relevância; este destacando que o legislador brasileiro não
teve maior cuidado em diferenciar ou diversificar o tratamento oferecido em relação a direitos ou
interesses metaindividuais.
158
DANTAS, Marcelo Navarro Ribeiro, op. cit. p. 56 e MANCUSO, Rodolfo de Camargo, op. cit. p. 17-
18, não obstante ressalvem suas opções terminológicas em suas respectivas obras, reconhecem
que a questão perdeu muito de sua relevância inicial quando o Código de Defesa do Consumidor
manifestou a opção do legislador de utilizar, indistintamente, os termos “direitos” e “interesses”, com
o fim de dar à norma a mais ampla esfera de abrangência possível.
159
Até por que se entende que o posicionamento anteriormente suscitado de Kazuo Watanabe é o
mais apropriado, pelos menos para a realidade legislativa brasileira.
160
Cf. MAZZILLI, Hugo Nigro. Tutela dos interesses difusos e coletivos. 4. ed. São Paulo: Damásio de
Jesus, 2004, p. 17.
161
MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo. 15. ed. São Paulo: Saraiva,
2002, p. 41, destaca que esta divisão representaria uma separação entre o interesse dos
particulares e o interesse do Estado. Ao tomar decisões no suposto benefício de todos, não raro o
Estado contraria interesses individuais, como em matéria penal ou tributária. Assim, passou a
tornar-se tradicional a distinção entre o direito público (no qual é o Estado o titular do interesse) e
o direito privado (no qual é o indivíduo o titular do interesse).
50
modo pelo qual a Administração Pública interpreta o que seja o efetivo interesse da
coletividade
162-163
.
Entretanto, o enfraquecimento do Estado ao longo da Idade Média
164
e as profundas transformações sócio-econômicas ocorridas ao longo dos séculos
XIX e XX, levaram a uma “superação da dicotomia público-privado” e tornaram
possível o surgimento de uma nova categoria de interesses, um terceiro gênero
165
situado em posição intermediária, que ultrapassa a esfera individual, sem se
confundir com o “público”
166
. A estes “novos direitos”, a doutrina tem se referido
como interesses “metaindividuais” ou “transindividuais”
167
.
Como apontado em tópico anterior, no Brasil, é principalmente com
o advento da Lei n. 7.347/85 — Lei da Ação Civil Pública, e, em seguida, com a Lei n.
8.078/90 Código de Defesa do Consumidor, que a defesa dos interesses de
grupos começou a ser efetivamente sistematizada. O Código, neste pormenor,
distinguiu os interesses transindividuais em difusos, coletivos em sentido estrito, e
individuais homogêneos, divisão que se passa a abordar.
162
Cf. MAZZILLI, Hugo Nigro. Tutela..., op. cit., p. 17. O próprio autor destaca em outra obra
(MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa..., op. cit., p. 42-43), que: “nem sempre os governantes fazem o
melhor para a coletividade [...] Como o interesse do Estado ou dos governantes não coincide
necessariamente com o bem geral da coletividade, [...] oportuno distinguir o interesse público
primário (o bem geral) do interesse público secundário (o modo pelo qual os órgãos da
administração vêem o interesse público).”.
163
MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Interesses difusos. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2000, p. 34, aponta que, antes do surgimento das atuais sociedades de massa, justificava-se a
divisão estrita entre o “público” e o “privado”, pela presença marcante do Estado que coibia a
existência de “corpos intermediários”, o que evidenciava uma efetiva polarização entre o indivíduo e
o poder público. Ressalta, ainda, que o próprio direito positivo restou dividido entre “público” e
“privado” em decorrência desta polarização.
164
Que deu origem ao nascimento de novos focos de poder chamados por Montesquieu de “corpos
intermediários” cf. MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Interesses..., op. cit., p. 34.
165
Cf. LEONEL, Ricardo de Barros, op. cit., p. 95.
166
Cf. MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa..., op. cit., p. 41 “[...] nos últimos anos, tem-se reconhecido
que existe uma categoria intermediária de interesses que, embora não sejam propriamente estatais,
são mais que meramente individuais, porque são compartilhados por grupos, classes ou categorias
de pessoas, como os moradores de uma região quanto a questões ambientais comuns, ou os
consumidores de um produto quanto à qualidade ou ao preço dessa mercadoria.”
167
Cf. MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa..., op. cit., p. 45, não obstante o mais correto fosse a adoção
do termo “transindividuais” a doutrina e a jurisprudência tem se valido indistintamente de ambos,
orientação que se acompanha neste trabalho.
51
2.1.2.3 Das categorias de interesses metaindividuais
Interesses metaindividuais ou supra-individuais, compreendem os
interesses que ultrapassam a órbita de atuação individual, para se projetarem na
“ordem coletiva”, vale dizer, sua finalidade é altruística
168
, mas não se configuram
como um interesse público. O Código de Defesa do Consumidor cuidou de definir,
em seu art. 81, as espécies deste gênero e a doutrina, partindo de mencionada
definição legal, cuida de esmiuçar e esclarecer as particularidades de cada
modalidade
169
.
O Código de Defesa do Consumidor reconhece como alvo passível
de tutela supra-individual três tipos de interesse: difusos, coletivos e individuais
homogêneos, todos compreendidos como espécies do gênero “direitos coletivos”.
É traço marcante destes interesses supra-individuais a existência de
uma intensa conflituosidade, ou seja, o envolvimento de uma grande carga
ideológica nas controvérsias, que impõe por vezes a opção quanto a proteção de um
determinado bem jurídico em desprestígio de outros, por vezes todos de proteção
constitucional.
Feitas estas considerações preliminares, passa-se a uma análise
objetiva de referidas categorias de interesses transindividuais.
2.1.2.3.1 Interesses ou direitos difusos
168
Segundo MANCUSO, Rodolfo de Camargo Mancuso. Interesses..., op. cit., p. 74.
169
LEONEL, Ricardo de Barros, op. cit., p. 99, aponta com propriedade que “Embora as definições
pequem por ausência de completude, pois os fenômenos sociais não se podem resumir de forma
definitiva e estanque, a caracterização legislativa dada aos interesses em estudo teve méritos, na
medida em que pacificou a incerteza conceitual então existente, e abrangeu praticamente todas as
características mais marcantes desta espécie jurídica”.
52
Como visto anteriormente, o legislador brasileiro optou por incluir na
própria lei a definição das espécies de interesse, com o objetivo de suprimir
eventuais dúvidas e abreviar discussões, e o fez no parágrafo único do art. 81 do
Código de Defesa do Consumidor
170
.
A definição legal de “interesse ou direito difuso” pode ser encontrada
no inc. I de referido parágrafo, in verbis:
Art. 81. [...]. Parágrafo único: A defesa coletiva será exercida quando
se tratar de: I – interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para
efeitos deste Código, os transindividuais, de natureza indivisível, de
que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por
circunstâncias de fato; [...].
Tal conceito traz a lume as seguintes características relevantes para
sua individualização: a transindividualidade, a indivisibilidade do interesse, a
indeterminação de seus titulares e o liame por circunstância de fato entre estes, ante
a inexistência de uma relação jurídica base.
Na doutrina, pode-se encontrar referência a muitos exemplos de
interesses difusos, tais como o direito a um meio ambiente ecologicamente
equilibrado e sadio
171
e a proibição à publicidade enganosa ou abusiva nas relações
de consumo
172
.
Ao preceituar que os interesses difusos são transindividuais, o
legislador teve por objetivo defini-los como “aqueles que transcendem o indivíduo,
ultrapassando o limite da esfera de direitos e obrigações de cunho individual,
170
Não obstante a definição dos interesses coletivos se encontre no Código de Defesa do
Consumidor, a mesma é aplicável a todos os interesses transindividuais, inclusive aqueles ligados
ao meio ambiente. O Código de Defesa do Consumidor deixou expressa esta orientação ao incluir o
art. 21 à Lei n. 7.347/85 – Lei da Ação Civil Pública.
171
Cf. CARVALHO NETO, Inácio de. Manual de Processo Coletivo. Curitiba: Juruá, 2005, p. 27 em
referência ao disposto na Constituição Federal de 1988, art. 225.
172
Cf. AGUIAR, Leandro Katscharowski. Tutela coletiva de Direitos Individuais Homogêneos e sua
Execução. São Paulo: Dialética, 2002, p. 24, referindo-se ao disposto no art. 37 do Código de
Defesa do Consumidor.
53
interesses que depassam a esfera de atuação dos indivíduos isoladamente
considerados, para surpreendê-los em sua dimensão coletiva.”
173
Assim, por serem transindividuais, os direitos difusos ultrapassam o
limite da esfera individual de direitos e obrigações e atingem a toda uma coletividade
indeterminada de sujeitos, uma vez que comuns às pessoas em sua
generalidade.
Neste sentido, relevante a lição de RODOLFO DE CAMARGO
MANCUSO ao prescrever que os interesses difusos constituem uma “reserva”, um
“arsenal” de anseios e sentimentos profundos que, por serem necessariamente
referíveis a uma coletividade, não comportam uma atribuição a um titular definido em
termos de exclusividade; são insuscetíveis de apropriação a título reservado.
174
O autor aponta, ainda, que não é pelo fato de pertencerem a muitos
que os direitos difusos se configurariam como res nullius, pelo contrário, exatamente
por sua transindividualidade pertencem indistintamente a todos, de modo que cada
um tem título para pleitear a tutela destes interesses
175
.
Acerca da indivisibilidade, pode-se afirmar que os interesses difusos
não são passíveis de cisão, tratando-se de objetos que, ao mesmo tempo, a todos
pertencem, mas ninguém individualmente os possui
176
.
Portanto, dado a sua indivisibilidade, os interesses difusos não são
passíveis de apropriação exclusiva ou fruição maior ou diferenciada por nenhum dos
integrantes da coletividade que os detêm; por isso, não apresentam referência a um
173
FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de Direito..., op. cit., p. 6.
174
MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Interesses..., op. cit., p. 132.
175
Ibidem, p. 132-133.
176
FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de Direito..., op. cit., p. 6.
54
indivíduo especificamente considerado, mas, sim, apenas enquanto membro da
coletividade.
JOSÉ CARLOS BARBOSA MOREIRA
177
acrescenta que, pela
indivisibilidade, “a satisfação de um implica, por força, a satisfação de todos,
assim como a lesão de um só constitui, ipso facto, lesão da coletividade inteira”
178
Quanto à indeterminação dos sujeitos, e sua inter-relação decorrente
de circunstâncias de fato, HUGO NIGRO MAZZILLI destaca que os direitos difusos
“compreendem grupos menos determinados de pessoas, entre as quais inexiste
vínculo jurídico ou fático preciso. São como um feixe ou conjunto de interesses
individuais, de pessoas indetermináveis, unidas por pontos conexos
179
.
CELSO ANTÔNIO PACHECO FIORILLO
180
exemplifica bem a
situação ao apontar que:
Ao pensarmos no ar atmosférico poluído, não temos como precisar
quais são os indivíduos afetados por ele. Talvez seja possível
apenas delimitar um provável espaço físico que estaria sendo
abrangido pela poluição atmosférica, todavia, seria inviável
determinar todos os indivíduos afetados e expostos a seus
malefícios.
Com efeito, na lição de HUGO NIGRO MAZZILLI
181
:
Como individualizar as pessoas lesadas com o derramamento de
grandes quantidades de petróleo na Baía da Guanabara, ou com a
devastação da floresta amazônica? Como determinar exatamente
quais as pessoas lesadas em razão de terem tido acesso a uma
propaganda enganosa divulgada pelo rádio ou pela televisão?
177
MOREIRA, José Carlos Barbosa. A legitimação para a defesa dos interesses difusos no Direito
brasileiro. Revista Forense, Rio de Janeiro, v. 276. p. 1-6, out./dez. 1981, p. 1.
178
Mesmo pensamento de CARVALHO NETO, Inácio de, op. cit., p. 27 “Os interesses difusos são
indivisíveis, vale dizer, não podem ser satisfeitos nem lesados senão de forma que afete a todos os
possíveis titulares”.
179
MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa..., op. cit., p. 46.
180
FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de Direito..., op. cit., p. 6.
181
MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa..., op. cit., p. 47.
55
Neste contexto, verifica-se a inexistência de uma relação jurídica
base entre os diversos titulares do interesse, ou entre estes e um terceiro que possa
servir como ponto comum para sua individualização.
Ao contrário, o “vínculo” que relaciona os diversos titulares do
interesse constitui-se exclusivamente numa circunstância de fato, muitas vezes
conjuntural, genérica, acidental e mutável, como residir numa mesma região,
consumir um mesmo produto, ser destinatário de determinada propaganda irregular
etc.
Com o objetivo de sintetizarem-se as características acima
enumeradas, observe a lição de RODOLFO DE CAMARGO MANCUSO onde o
autor conceitua os interesses difusos como sendo interesses supra-individuais, que,
não tendo atingido o grau de agregação e organização necessários à sua afetação
institucional, junto a certas entidades ou órgãos representativos dos interesses
socialmente definidos, restam em estado fluido, dispersos pela sociedade civil como
um todo. Podem, por vezes, concernir a certas coletividades de conteúdo numérico
indefinido, caracterizando-se pela indeterminação dos sujeitos, pela indivisibilidade
do objeto, por sua intensa conflituosidade interna e por sua tendência à transição ou
mutação no tempo e espaço
182
.
Assim, em resumo, pode-se afirmar que os interesses ou direitos
difusos são transindividuais, pois ultrapassam a esfera do indivíduo, tem objeto
indivisível, posto ser impossível aos seus titulares a apropriação de sua respectiva
quota-parte, pertencendo a sujeitos indeterminados, reunidos por uma circunstância
de fato.
182
MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Interesses..., op. cit., p. 136-137.
56
2.1.2.3.2 Interesses ou direitos coletivos
O Código de Defesa do Consumidor considera como direitos ou
interesses coletivos “os transindividuais de natureza indivisível de que sejam
titulares grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte
contrária por uma relação jurídica base”
183
.
Desta definição percebe-se que os direitos coletivos stricto sensu
compartilham com os direitos difusos as características de transindividualidade
184
e
indivisíbilidade
185
, diferenciando-se destes, porém, no aspecto subjetivo, por
pertencerem a um grupo, categoria ou classe que, por natureza, é determinável.
CELSO ANTÔNIO PACHECO FIORILLO, observa que, não obstante
possa ser difícil, num primeiro momento, individualizar todos os seus titulares, os
mesmos são identificáveis uma vez que se encontram ligados por uma relação
jurídica base existente entre si ou com a parte contrária
186
.
Em que pese a semelhança entre direitos coletivos e difusos,
quantitativamente, os direitos difusos concernem a um universo maior e,
qualitativamente, os direitos coletivos resultam do homem em sua projeção
corporativa, ao passo que nos difusos o homem é considerado simplesmente
enquanto ser humano
187
.
Percebe-se que, no caso dos direitos coletivos, o vínculo existente
entre os titulares é mais “denso” do que aquele existente entre titulares de um direito
difuso, em virtude da existência da relação jurídica base que os liga.
183
Inc. II do art. 81 do Código de Defesa do Consumidor.
184
No sentido de que ultrapassam a esfera do indivíduo, vide tópico anterior.
185
Por não permitirem apropriação exclusiva por um de seus titulares, vide tópico anterior.
186
FIORILLO, Celso Antonio. Curso de Direito..., op. cit., p. 6. Seguindo o mesmo raciocínio:
LEONEL, Ricardo de Barros, op. cit., p. 106. e ABELHA, Marcelo. Ação Civil Pública e Meio
Ambiente. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 40.
187
Cf. pensamento de MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Interesses..., op. cit., p. 77.
57
Verifica-se, ainda, que os direitos coletivos não constituem apenas
um conjunto de interesses individuais agrupados
188
, pois indicam uma unidade de
sentimento e de ação, coordenada à realização de um objetivo comum, uma
verdadeira “pluralidade orgânica”
189
.
Necessário destacar, entretanto, que como aponta RICARDO DE
BARROS LEONEL, não se pode confundir os interesses coletivos com os interesses
da pessoa jurídica
190
, pois nesta hipótese encontra-se apenas simples direito
individual, dada a existência de um ente único
191
.
Em síntese, pode-se caracterizar os direitos coletivos como
interesses transindividuais, indivisíveis, que apresentam alguma organização que
permita sua identificação vinculada a uma coletividade ou grupo determinado ou
determinável, existindo um vínculo jurídico base comum aos seus titulares.
2.1.2.3.3 Interesses ou direitos individuais homogêneos
Encontra-se a definição legal para os interesses individuais
homogêneos no inc. III do art. 81 do Código de Defesa do Consumidor, que os
identifica como sendo: “os decorrentes de origem comum”.
Percebe-se que, neste caso, o legislador não trouxe elementos
definidores, como o fez com os direitos difusos ou coletivos strictu sensu. Entretanto,
é possível concluir que se tratam de direitos individuais, que possuem em comum a
sua origem decorrente de uma mesma causa.
188
Como ocorre com os direitos individuais homogêneos, abordados na seqüência.
189
Cf. BUZAID, Alfredo. Considerações sobre o mandado de segurança coletivo. São Paulo: Saraiva,
1992, p. 15.
190
Ou com o somatório simples dos interesses individuais dos integrantes do grupo, categoria ou
classe, como visto anteriormente.
191
LEONEL, Ricardo de Barros, op. cit., p. 106.
58
Neste caso, no campo subjetivo, os direitos individuais homogêneos
possuem titulares perfeitamente individualizados, determináveis sem maior
dificuldade
192
.
Ao contrário dos direitos difusos e coletivos, verifica-se aqui a
perfeita divisibilidade dos interesses individuais homogêneos, sendo possível a cada
titular apropriar-se de sua “quota parte” e exercer ou dispor separadamente de seu
direito
193
.
Em verdade, dato a individualidade e divisibilidade destes
interesses, seria perfeitamente possível a sua tutela pelas normas do processo civil
clássico, valendo-se de litisconsórcios, ou mesmo por meio de múltiplas ações
individuais.
A vantagem da opção pela tutela coletiva destes interesses
evidencia-se por um acesso à justiça por vezes mais célere e eficaz, pois, sendo os
fatos julgados em uma única demanda, caberá aos interessados apenas liquidar
seus prejuízos particulares, prestigiando-se assim os princípios da economia
processual e celeridade, e afastando o risco de julgamentos conflitantes
194
.
Os interesses individuais homogêneos possuem uma “natureza
coletiva” apenas na forma em que são tutelados. Em sua essência constituem
interesses individuais, tuteláveis na forma coletiva em decorrência de sua origem
comum.
Pode-se afirmar, portanto, que os direitos individuais homogêneos
são apenas acidentalmente coletivos, pois não guardam uma natureza coletiva. É
192
Cf. ALMEIDA, Gregório Assagra de, op. cit., p. 491.
193
Ibidem, p. 491.
194
Neste sentido a posição de SILVA, Sandra Lengruber da, op. cit., p. 48, afirmando que a tutela
coletiva dos interesses individuais homogêneos não é uma imposição de sua natureza, mas uma
forma de tutela mais eficaz e adequada, ao se considerar a tendência do processo civil brasileiro
em desestimular a formação de grandes litisconsórcios.
59
apenas uma ficção jurídica, em busca de um acesso mais eficaz e célere à tutela
jurisdicional que permite seu tratamento coletivo
195
.
Posta tal consideração sobre sua tutela coletiva, não obstante sua
individualidade, oportuno analisar-se os elementos que os definem: homogeneidade
e origem comum.
A “origem comum” pode ser de fato ou de direito, não implicando,
necessariamente, numa unidade factual e temporal. As vítimas de uma publicidade
enganosa veiculada por vários órgãos de imprensa e em repetidos dias, de um
produto nocivo à saúde, adquirido por vários consumidores, num largo espaço de
tempo e em várias regiões, têm, como causa de sua lesão, fatos de uma
homogeneidade tal que os tornam a “origem comum” de todos eles
196
.
Para diferenciar tal situação daquela que caracteriza os direitos
coletivos, SANDRA LENGRUBER DA SILVA lembra que, pela origem comum, os
titulares dos direitos individuais homogêneos não estão ligados entre si ou com a
parte contrária por uma relação jurídica, mas, sim, por uma situação de fato,
consistente na ameaça ou lesão ao direito individual, concluindo que “o vínculo que
liga os titulares destes direitos entre si e com a parte contrária é o próprio fato
lesivo”
197
.
195
Neste sentido o pensamento de ZAVASCKI, Teori Albino. Defesa de Direitos Coletivos e Defesa
Coletiva de Direitos. Revista Forense, Rio de Janeiro, v. 329, jan./mar. p. 147-160, 1995;
MARINONI, Luiz Guilherme, ARENHART, Sérgio Cruz. Manual do processo de conhecimento. 3.
ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 805 e WATANABE, Kazuo, et al. Código Brasileiro
de Defesa do Consumidor. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 804.
196
Cf. WATANABE, Kazuo, et al, op. cit., .p. 806.
197
SILVIA, Sandra Lengruber da, op. cit., p. 48.
60
2.1.3 Breves considerações sobre a tutela do interesse ambiental e
a atividade probatória
A tutela jurisdicional de interesses voltados ao meio ambiente surgiu
no Brasil de forma tímida, na década de 70, após a participação do país na
Conferência de Estocolmo em 1972. Antes desse período, os bens resguardados
pelo direito ambiental eram vistos como “res nullius”, coisa de ninguém, não
havendo qualquer responsabilização por sua degradação
198
.
É somente a partir das décadas de 80
199
e 90
200
, que a tutela do meio
ambiente passou a receber maior atenção e disciplina, sendo atualmente objeto de
abundante literatura
201
.
Hoje, os bens que compõe o meio ambiente
202
passaram a ser vistos
como “res omnium”, coisa de todos, a todos cabendo o dever de preservá-las e
198
O direito romano, por exemplo, oferecia como exemplo de “res nullius” a água dos rios, o ar
atmosférico, os pássaros e animais silvestres. Cf. SOUZA, Paulo Roberto Pereira de. A tutela
jurisdicional do meio ambiente e seu grau de eficácia. LEITE, José Rubens Morato; DANTAS,
Marcelo Buzaglo (Coords.). Aspectos processuais do Direito Ambiental. Rio de Janeiro, Forense,
2003, p. 230-275, p. 232.
199
Em especial com as leis ns. 6.938/81 que criou o Sistema Nacional do Meio Ambiente, 7.347/85
que estabeleceu a Lei da Ação Civil Pública e com a Constituição Federal de 88 que erigiu o meio
ambiente a bem fundamental em seu art. 225.
200
Com o aperfeiçoamento das disposições sobre tutela coletiva por meio do Código de Defesa do
Consumidor e com o impulso oferecido pela Conferência das Nações Unidas realizada no Rio de
Janeiro que enfatizou o dever de todos os estados a propiciar acesso efetivo a mecanismos
judiciais e administrativos de proteção ao meio ambiente, inclusive com a compensação e a
reparação de danos ambientais (Declaração do Rio de Janeiro, princípio 10. SILVA, José Afonso da
Silva. Direito Ambiental Constitucional. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 65).
201
Dentre outras, destacam-se as obras de ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. 5. ed. Rio
de Janeiro: Lumen Juris, 2001; MILARÉ, Edis. Direito do Ambiente. 2. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2001; PETERS, Edson Luiz; PIRES, Paulo Tarso de Lara. Manual de Direito Ambiental.
Curitiba: Juruá, 2000; FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de Direito Ambiental brasileiro. 5.
ed. São Paulo: Saraiva, 2004 e PRADO, Luiz Régis. Crimes Contra o Ambiente. 2. ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2001.
202
Definido pelo art. 3º, inc. I da Lei n. 6.938/81 como o conjunto de condições, leis, influências e
interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas
formas e distinguido pela doutrina entre Meio Ambiente Natural (que existe sem a influência do
homem, como a flora, fauna, solo, água, etc.); Meio Ambiente Artificial (decorrente da interação do
homem com o meio ambiente natural. V.g. espaço urbano construído) e Meio Ambiente Cultural
(também fruto da interação do homem com o meio ambiente natural, mas com um valor especial
adquirido, integrado pelo patrimônio artístico, arqueológico, paisagístico, turístico, etc.). Neste
sentido, SMANIO, Gianpaolo Poggio. Interesses difusos e coletivos. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2004,
p. 91.
61
defendê-las, a fim de assegurar a vida e, também, a qualidade de vida, não para
a presente geração, mas também para as futuras
203
.
JOSÉ AFONSO DA SILVA
204
aponta que:
A proteção do meio ambiente passou a ser tema de elevada
importância nas Constituições contemporâneas. O direito ao meio
ambiente ecologicamente equilibrado entra nelas deliberadamente
como direito fundamental da pessoa humana, não mais como
simples aspecto da atribuição de órgãos ou de entidades públicas,
como ocorria em constituições mais antigas.
Esta importância oferecida ao bem jurídico ambiental
205
tem aberto
espaço para que se desenvolva um verdadeiro microssistema jurídico voltado a
tutela própria dos interesses ambientais dada a sua relevância para a preservação
da vida das gerações atuais e futuras
206-207
, com a adoção de princípios próprios
208
203
Neste mesmo sentido: SOUZA, Paulo Roberto Pereira de, op. cit., p. 232.
204
SILVA, José Afonso da. Fundamentos constitucionais da proteção do meio ambiente. Revista de
Direito Ambiental. ano 7, jul./set. 2002, p. 51-57, p. 51.
205
Decorrente da crescente percepção de que o ser humano é incapaz de sobreviver em um planeta
com recursos naturais exauridos e um ambiente desequilibrado.
206
Especificamente no que se refere à prova ABELHA, Marcelo. A prova nas demandas ambientais.
LEITE, José Rubens Morato; DANTAS, Marcelo Buzaglo (Coords.). Aspectos Processuais do
Direito Ambiental. Rio de Janeiro, Forense, 2003, p. 146-200, p. 173 destaca que “Qualquer tomada
de posição provisória desfavorável ao meio ambiente deve ser vista com extrema cautela pelo juiz,
pois qualquer equívoco cometido terá repercussões na essencialidade do direito à vida, e, pior
ainda, numa extensão subjetiva pública e indeterminada, tudo por causa da natureza e alcance do
bem ambiental.”
207
Embora existam aqueles que preguem uma posição de maior cautela, defendendo que a tutela do
interesse ambiental não possa se sobrepor à isonomia e justiça do processo, o que levaria a um
retrocesso na forma de um “direito processual a serviço do autor”. Neste sentido: GRECO,
Leonardo. As provas no processo ambiental. Revista de Processo, ano 30, out. 2005, n. 128, p. 40-
58, p. 41.
208
Dentre os quais apresenta especial relevância para este trabalho o princípio da prevenção ou
precaução (art. 225, caput e §1º, inc. IV da CF/88 e art.da Lei n. 6.938/81) que impõe seja dado
prioridade as medidas que evitem danos ao meio ambiente e tem especial e direta repercussão na
questão da prova, pois serve de alicerce principiológico para aplicação do brocardo in dúbio pro
ambiente”, autorizando a inversão do ônus da prova quando haja falta de certeza científica absoluta
(ou no entender de Marcelo Abelha “hipossuficiência científica) em questões que envolvam dano ao
ambiente. Com este posicionamento: CAPOBIANCO, João Paulo Ribeiro. Análise da Aplicabilidade
do Princípio da Precaução no Processo de Licenciamento Ambiental da UHE Tijuco Alto no Rio
Ribeira de Iguape. Revista de Direito Ambiental, São Paulo, n. 19, p. 176-200, jul./set. 2000, p. 194;
SILVEIRA, Clóvis Eduardo Malinverni da. A inversão do ônus da prova na reparação do dano
ambiental difuso. LEITE, José Rubens Morato; DANTAS, Marcelo Buzaglo (Coords.) Aspectos
Processuais do Direito Ambiental. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 18-43, p. 29. e ABELHA,
Marcelo. A prova nas..., op. cit., p. 180-182.
62
bem como a existência de uma disciplina diferenciada para a questão da
responsabilidade civil.
Neste aspecto, aliás, a consagração da responsabilidade objetiva
para o causador do dano ambiental pela Lei da Política Nacional do Meio
Ambiente
209
possui extrema importância na questão da prova, pois exclui a
necessidade de demonstração de culpa.
Não obstante a desnecessidade de evidenciar-se a culpa do agente
na demanda ambiental restam, ainda, como pressupostos de configuração de
eventual responsabilidade civil do réu, a existência do dano, da prática pelo
requerido de uma atividade potencialmente lesiva ao meio ambiente e do nexo de
causalidade entre ambos.
Destes, comumente o ponto central das controvérsias existentes
quanto a prova em demandas ambientais residirá na demonstração ou não do nexo
de causalidade entre o dano e a conduta do suposto causador do dano ambiental
pois sua prova, em regra, se torna por demais difícil e onerosa, servindo como
principal causa de enfraquecimento da responsabilidade objetiva
210
.
Entende-se que, na maioria dos casos, será mais fácil para o réu em
uma demanda ambiental
211
, demonstrar a ausência deste nexo de causalidade do
que para o autor evidenciar sua existência, o que serviria de justificativa para a
inversão do ônus probatório quanto a esta matéria.
209
Lei n. 6.938/81, art. 14, § 1º, in verbis: “Art. 14. [...] § Sem obstar a aplicação das penalidades
previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente de existência de culpa, a
indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade
[...]”.
210
Posicionamento igual ao de SILVEIRA, Clóvis Eduardo Malinverni da, op. cit., p. 21-22. e ABELHA,
Marcelo. A prova..., op. cit., p. 180-182.
211
Em virtude de, normalmente, possuir alta especialização em seu ramo de atividades, bem como o
controle e conhecimento precisos das informações ligadas a ela, que podem servir para a
constituição de prova, o que se observará com mais detalhe em tópico posterior relativo a
hipossuficiência da parte como requisito para a inversão do ônus da prova.
63
2.2 Da Ação Civil Pública Legitimidade, Competência e Coisa
Julgada
É de conhecimento geral que a legitimidade das partes ou legitimatio
ad causam, constitui uma das condições da ação, sem a qual, uma demanda não
pode obter sentença com resolução do mérito
212
.
Somente quando possua legitimidade para figurar no pólo ativo ou
passivo de determinada demanda, o sujeito processual estará credenciado a atuar
na posição jurídica processual respectiva.
Exatamente por isso, a palavra legitimidade exprime idéia de
transitividade, de caráter relacional, e só existe perante uma dada situação
213
. Assim,
é legitimo com relação a alguma coisa e/ou alguém, não sendo lícito pensar que
a legitimidade seja sinônimo de atributo de alguém e que por isso mesmo exista de
per si e acompanhe essa pessoa em qualquer situação.
A legitimidade é variável, ou seja, depende da posição jurídica
assumida pelo sujeito processual em um determinado momento do desenvolvimento
do processo. Assim, pode-se dizer que legitimidade é "a qualidade do sujeito em
função do ato jurídico realizado ou a realizar"
214
.
2.2.1 Legitimidade ordinária, extraordinária ou tertium genus?
Uma das principais dificuldades enfrentadas com a tutela dos
interesses difusos e coletivos antes da edição da Lei da Ação Civil Pública envolvia
212
Pensamento idêntico ao de MOREIRA, José Carlos Barbosa, op. cit., p. 10.
213
Neste sentido, ARRUDA ALVIM, José Manuel de, op. cit., p. 342-343; e ARMELIN, Donaldo.
Legitimidade para agir no direito processual civil brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1979,
p. 2 e ss.
214
DINAMARCO, Cândido Rangel. Execução civil. 5 ed. São Paulo: Malheiros, 1997, p. 422. No
mesmo sentido, ARMELIN, Donaldo, op. cit., p. 2 e ss.
64
a localização de um titular legitimado a representar em litígio o interesse
supostamente violado
215
. A introdução da Lei n. 7.347/85 representou uma
superação desta dificuldade na medida em que ofereceu a determinados entes a
possibilidade de “representação”
216
adequada dos titulares dos interesses difusos e
coletivos na perseguição em juízo destes valores
217
.
A grande maioria dos doutrinadores
218
entendeu que a Lei da Ação
Civil Pública, ao legitimar o Ministério Público, as associações, partidos e demais
entidades previstas, à defesa dos interesses difusos e coletivos instituiu uma forma
de legitimação extraordinária, autorizando estes entes a substituir os titulares destes
direitos transindividuais na defesa de seus interesses, posição que foi acompanhada
pela jurisprudência dominante
219
.
215
Dificuldade existente, pois, na sistemática clássica em que se divide a legitimação em ordinária e
extraordinária somente seria possível a propositura de uma ação se um autor se apresentasse
como titular direto do direito supostamente violado (legitimidade ordinária) ou, pretendendo
representar em nome próprio interesses de terceiros, possuí-se autorização legal para tanto
(legitimação extraordinária). Antes da Lei da Ação Civil Pública, o principal instrumento em que se
permitia esta “representação” no caso de direitos transindividuais era a Ação Popular que, por
colocar a responsabilidade da propositura da ação nos braços do cidadão, pessoa física, tinha
eficácia prática limitada.
216
Entre parênteses, pois, como se verá na seqüência, controvérsia doutrinária quanto a
verdadeira natureza da figura processual: se seria uma substituição processual, representação, ou
mesmo situação de legitimação ordinária.
217
Vide art. 5º da Lei n. 7.347/85 e art. 82 da Lei n. 8.078/90.
218
Neste sentido, MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa...,op. cit., p. 53-55, em especial quando afirma à p.
55 “continua-se a identificar na ação civil pública ou coletiva a predominância do fenômeno da
legitimação extraordinária, ou substituição processual”. Fundamenta o autor que sempre que a Lei
autoriza um sujeito a defender em nome próprio direito alheio tem-se o fenômeno da legitimação
extraordinária situação que ocorre no caso da Ação Civil Pública. Com igual posicionamento:
GRINOVER, Ada Pellegrini. Uma nova modalidade de legitimação à Ação Popular. MILARÉ, Edis
(Coord.). Ação Civil Pública. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995. p. 23-27, p. 24-25;
DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. São Paulo: Malheiros,
2001, v. 1, p. 219; ZAVASKI, Teori Albino. Reforma do sistema processual civil brasileiro e
reclassificação da tutela jurisdicional. Revista de Processo, v. 22, n. 88, p. 173-188, out./dez. 1997,
p. 174; VIGLIAR, José Marcelo Menezes. Tutela jurisdicional coletiva. São Paulo: Atlas, 1998, p.
153; e DINAMARCO, Pedro da Silva. Ação Civil Pública. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 204.
219
A jurisprudência também tem se posicionado, em caráter dominante, no sentido de tratar-se de
forma de legitimação extraordinária, ou substituição processual, como ilustram as decisões: STF
RE 208790 TP Rel. Min. Ilmar Galvão DJU 15.12.2000 p. 00105; e TJMA MS
018367/2003 (47.415/2003) Rel. Des. Cleones Carvalho Cunha J. 28.11.2003 CD Júris
Síntese Millênnium n. 43, jul./ago. 2004.
65
PEDRO LENZA
220
, com base em estudo de JOSÉ CARLOS
BARBOSA MOREIRA
221
anterior ao advento da Lei n. 7.347/85, sustenta o
entendimento de que se está diante de uma nova forma de legitimação
extraordinária, que seria qualificada por sua natureza autônoma, disjuntiva e
concorrente
222
.
ainda autores, que entendem que a legitimação prevista para a
Ação Civil Pública se enquadraria como uma forma de representação
223
ou
legitimação ordinária
224
.
Em que pesem os posicionamentos até aqui enumerados, entende-
se que, mais do que apenas eleger substitutos processuais, a tutela dos direitos
transindividuais demanda uma nova concepção de legitimidade processual. Com
efeito, a noção formulada por Joseph Kölher no final do Século XIX, de legitimidade
direta ou de substituição processual, utilizada pelo Direito Processual clássico e
sacramentada no art. do Código de Processo Civil não é mais suficiente para
220
LENZA, Pedro, op. cit., p. 193.
221
BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Notas Sobre o Problema da “Efetividade” do Processo.
Estudos de Direito Processual em Homenagem a José Frederico Marques no seu 70º Aniversário,
São Paulo: Saraiva, 1982, p. 203-220. que se destacar que, neste estudo, realizado antes do
advento da Lei n. 7.347/85, o autor sustenta a possibilidade de legitimação ordinária do proponente
de ação em defesa de interesses transindividuais, quando afirma às fls. 212 que: “a situação é
manifestamente insatisfatória. De lege lata, será talvez possível contornar o óbice do art. do
Código de Processo Civil, desde que se reconheça que, em determinados casos, o que se põe em
jogo é algo distinto da mera soma dos interesses individuais: um interesse geral da coletividade,
qualitativamente diverso e capaz de merecer tutela como tal. Desse interesse pode uma associação
fazer-se titular, ela mesma, não como simples representante dos respectivos membros, nem como
intérprete, em nome próprio, das pretensões paralelas de cada um deles. A associação se
legitimaria, pois, em caráter ordinário, de acordo com os princípios comuns, quando se mobilizasse
para postular em juízo a proteção daquele interesse geral”.
222
Posição com a qual concorda-se em parte, como se verá na seqüência, uma vez que não se
entende tratar-se de legitimação extraordinária, mas de um tertium genus, com as demais
características apresentadas pelo Autor.
223
Neste sentido SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional positivo. 9. ed. São Paulo:
Malheiros, 1994, p. 236.
224
Posicionamento de MENDES, Aluísio Gonçalves de Castro. Ações coletivas no Direito Comparado
e Nacional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 244-245.
66
justificar o exercício de um direito que pertence a todos incumbindo a todos sua
defesa
225
.
A noção da parte, em sentido processual, analisada a partir da
perspectiva do sujeito, realmente levaria a uma conclusão de que a legitimidade
seria “extraordinária” no caso da tutela de direitos metaindividuais, como concluiu
HUGO NIGRO MAZZILLI. Todavia, quando se fala, por exemplo, do direito a um
meio ambiente equilibrado, refere-se a um bem de uso comum do povo, pertencente
a todos indistintamente, inclusive às gerações futuras. É esta evidência que permite
concluir a hipótese de uma nova forma de legitimação “ordinária”
226
daqueles que o
defendem. Assim, ao invés da classificação legitimidade ordinária e
extraordinária surge agora, uma nova figura, a da legitimação disjuntiva
concorrente.
227
Em decorrência da construção dos direitos difusos e coletivos
228
, não
é mais possível conceber o acesso à justiça, dos portadores de pretensões difusas
ou coletivas, como legitimação extraordinária de substitutos processuais. A propósito
CELSO ANTÔNIO PACHECO FIORILLO
229
aponta:
Criada para solucionar lides de natureza individual, a legitimidade
para a causa como condição da ação está a merecer outra
construção dogmática, que deverá levar em consideração o fim a que
225
É que essa dicotomia clássica parte do pressuposto de que se identifique o sujeito do direito
material a ser tutelado, para então poder dizer que a legitimidade é do tipo ordinária (quando
houver coincidência no plano material e processual) ou extraordinária (quando o suposto titular do
direito material não for o mesmo do direito de agir).
226
Entende-se mais apropriada a denominação autônoma, como se verá na seqüência.
227
Neste sentido BARBOSA MOREIRA, José Carlos, op. cit., p. 100.
228
Quanto aos direitos individuais homogêneos, entende-se que, por não desfrutarem das
características de transindividualidade e indivisibilidade e, como abordado em tópico anterior,
sofrerem tutela coletiva em decorrência de uma ficção jurídica, entende-se não se aplicar a noção
de “tertium genus”, ocorrendo substituição processual e legitimação extraordinária na forma
defendida pela doutrina dominante antes enumerada.
229
No mesmo sentido NERY JR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade, op. cit., p. 1.426, com a
ressalva de que tratar-se-á de legitimação ordinária apenas quando o direito tutelado tenha
natureza transindividual. No caso de direitos individuais homogêneos admite-se a substituição
processual clássica.
67
se destina essa legitimação: a defesa em juízo, de direitos meta ou
supra-individuais. De conseqüência, não cabe nesta sede falar-se na
dicotomia clássica da legitimação em ordinária e extraordinária, mas
sim da superação dessa divisão, como está ocorrendo na
Alemanha, onde a doutrina mais moderna fala em legitimação
autônoma para a condução do processo (sebständig
Prozebführungsbefugnis) e não mais em substituição processual
para qualificar essa legitimação do Ministério Público e associações
para virem a juízo na defesa dos direitos difusos e coletivos.
Nas ações coletivas para a defesa de direitos metaindividuais, o eixo
de analise deixa de ser a titularidade do direito material e passa a ser o
reconhecimento da adequada representação, no processo, para a tutela desses
direitos.
Com este prisma em mente de entender a legitimidade não por
sua titularidade material, mas pela adequação da representação preferi-se dizer
que a legitimidade é “autônoma”, um “tertium genus”, e que, aprioristicamente, não
deve ser classificada como ordinária ou extraordinária
230
.
ANTONIO GIDI
231
, a seu turno acrescenta ainda que esta
legitimidade para as ações coletivas e, em especial para a Ação Civil Pública,
constituiria uma forma de legitimidade “exclusiva”, na medida em que somente
aquelas entidades taxativamente previstas em lei é que poderiam propô-la. Pessoas
físicas e as demais pessoas jurídicas, portanto, não teriam legitimidade para a
propositura de uma ação coletiva, mesmo que os interesses tutelados fossem os
seus, exceto nos estritos casos da ação popular
232
.
230
Mesmo posicionamento de ABELHA, Marcelo. Ação Civil Pública..., op. cit., p. 59 .
231
GIDI, Antônio. Coisa julgada..., op. cit., p. 38.
232
Deve-se ressalvar, entretanto, que o anteprojeto do Código Brasileiro de Processos Coletivos
estabelece em seu art. 19, incs. I e II a legitimidade da pessoa física para a propositura da Ação
Civil Pública, in verbis: “art. 19. Legitimação São legitimados concorrentemente à ação coletiva
ativa: I qualquer pessoa física, para a defesa dos interesses ou direitos difusos, desde que o juiz
reconheça sua representatividade adequada, demonstrada por dados como: a a credibilidade,
capacidade e experiência do legitimado; b seu histórico na proteção judicial e extrajudicial dos
interesses ou direitos difusos e coletivos; c – sua conduta em eventuais processos coletivos em que
tenha atuado; II – o membro do grupo, categoria ou classe, para a defesa dos interesses ou direitos
coletivos e individuais homogêneos, desde que o juiz reconheça sua representatividade adequada,
68
Assim, entende-se que a legitimação para a Ação Civil Pública,
tratando-se da tutela de direitos transindividuais, será autônoma e exclusiva
233
das
entidades legalmente previstas, sendo entre elas “concorrente” e “disjuntiva”, pois
dentre os enumerados na lei todos possuem igual e simultânea legitimidade para a
propositura da ação.
Ressalte-se, entretanto, que tal afirmação não se aplica quando se
tratar da tutela de direitos individuais homogêneos. Neste caso, havendo titulares
isoláveis de um direito material individual e divisível, que apenas por uma ficção
jurídica é alvo de tutela coletiva, entende-se ocorrer caso de legitimação
extraordinária, na forma clássica do art. 6º do Código de Processo Civil.
2.2.2 Fixação do juízo competente para o julgamento da ação civil
pública
Como é de conhecimento geral, por motivos de ordem prática o
Estado distribui o poder jurisdicional entre diversos órgãos jurisdicionais, cada qual
exercendo suas funções dentro de sua “esfera de competência”.
Nas palavras de RODOLFO DE CAMARGO MANCUSO
234
“todo juiz
está investido de jurisdição, mas nem todo juiz é competente, em se considerando
dado processo”, o que torna relevante, portanto, que neste trabalho se teçam breves
considerações sobre a identificação do juízo competente para a análise e julgamento
de uma ação civil pública proposta com o objetivo de tutelar direitos metaindividuais,
notadamente aqueles ligados ao meio ambiente.
nos termos do inciso I deste artigo;”
233
Pelo menos enquanto permanecer a atual disciplina do art. da Lei n. 7.347/85, vide nota
anterior.
234
MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Ação Civil Pública. 8. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2002, p. 64.
69
A Lei n. 7.347/85 cuidou do tema em seu art. 2º, in verbis:
Art. 2.º As ações previstas nesta lei serão propostas no foro do local
onde ocorrer o dano, cujo juízo terá competência funcional para
processar e julgar a causa. Parágrafo único. A propositura da ação
prevenirá a jurisdição do juízo para todas as ações posteriormente
intentadas que possuam a mesma causa de pedir ou o mesmo
objeto.
Como se verifica da simples leitura do dispositivo, o legislador optou
pela eleição do foro do local onde ocorrer o dano, mostrando que o espaço
geográfico, ou seja, o lugar
235
é determinante para a fixação da competência, mas
com status de competência funcional, ou seja, absoluta
236
.
Ocorrendo situação onde o “local do dano” atinja dois ou mais
municípios limítrofes, a ação poderá ser proposta em qualquer um deles,
235
PROCESSUAL CIVIL AÇÃO CIVIL PÚBLICA PROMOVIDA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO
FEDERAL REPARAÇÃO DE DANOS CAUSADOS AO MEIO AMBIENTE INTERESSE DA
UNIÃO COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL I - A competência para processar e julgar a
ação civil pública é a do foro do local em que ocorreu o dano, ressalvada a competência da Justiça
Federal, nos termos do art. 109, I da Constituição. II - A competência funcional estabelecida nos
art.s e 21 da Lei n. 7.347, de 24.07.1985, cede espaço à competência da Justiça Federal,
quando a União, suas autarquias ou empresas públicas federais tiverem interesse na relação
processual, considerando-se, ainda, que o Juiz Federal também tem competência territorial e
funcional sobre o local de qualquer dano. III - Agravo provido. (TRF R. AG 01000101637 TO
T. Rel. Des. Fed. Souza Prudente DJU 24.11.2003 p. 79) CD Juris Síntese Millennium n.
43, jul./ago. 2004. AÇÃO CIVIL PÚBLICA PROMOVIDA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL
– COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL – ART. 109, I E § 3º, DA CONSTITUIÇÃO – ART. 2º DA
LEI N. 7.347/85 O dispositivo contido na parte final do § do art. 109 da Constituição é dirigido
ao legislador ordinário, autorizando-o a atribuir competência (rectius jurisdição) ao Juízo Estadual
do foro do domicílio da outra parte ou do lugar do ato ou fato que deu origem à demanda, desde
que não seja sede de Varas da Justiça Federal, para causas específicas dentre as previstas no
inciso I do referido art. 109. No caso em tela, a permissão não foi utilizada pelo legislador que, ao
revés, se limitou, no art. da Lei n. 7.347/85, a estabelecer que as ações nele previstas "serão
propostas no foro do local onde ocorrer o dano, cujo juízo terá competência funcional para
processar e julgar a causa". Considerando que o juiz federal também tem competência territorial e
funcional sobre o local de qualquer dano, impõe-se a conclusão de que o afastamento da jurisdição
federal, no caso, somente poderia dar-se por meio de referência expressa à Justiça Estadual, como
a que fez o constituinte na primeira parte do mencionado § em relação às causas de natureza
previdenciária, o que no caso não ocorreu. Recurso conhecido e provido. (STF – RE 228955 – TP –
Rel. Min. Ilmar Galvão – DJU 14.04.2000 – p. 56) CD Juris Síntese Millennium n. 43, jul./ago. 2004.
236
O que implica na impossibilidade de disposição ou prorrogação de competência e vicia de nulidade
a decisão prolatada por juiz incompetente, diferentemente do que ocorreria em relação à
competência territorial comum do art. 94 do Código de Processo Civil.
70
resolvendo-se eventual litispendência pelas regras gerais de prevenção do Código
de Processo Civil
237
.
Caso o dano seja de dimensão regional ou nacional, a ação deverá
ser proposta na capital do estado ou no distrito federal, a fim de que possa produzir
seus efeitos erga omnes
238-239
.
Questão pertinente quanto a fixação do juízo competente para o
julgamento da ação civil pública envolve as ações onde exista interesse ou
intervenção da União Federal.
É consenso na doutrina e na jurisprudência que, se na comarca do
local do dano, existir vara da justiça federal, a ela competirá decidir a causa em que
haja interesse da União ou das entidades federais mencionadas no art. 109 da
Constituição Federal de 1988.
O problema surge quando se verifica a inexistência de Vara Federal
na comarca do local do dano.
Inicialmente, o Superior Tribunal de Justiça fixou posicionamento no
sentido de que, mesmo com a ocorrência de interesse ou intervenção da União
Federal, a competência seria da Justiça Estadual, com recurso para o Tribunal
237
Acompanha-se a posição de NERY JÚNIOR, Nelson, op. cit., p. 1.421-1.422.
238
A questão da nova redação do art. 16 da LACP, introduzida pela Lei n. 9.494/97 será tratada no
próximo tópico.
239
Ressalve-se que o anteprojeto do Código Brasileiro de Processos Coletivos dá uma disciplina mais
detalhada e precisa, para a definição de competência territorial, em seu art. 20: “É absolutamente
competente para a causa o foro: I do lugar onde ocorreu ou deva ocorrer o dano, quando de
âmbito local; II de qualquer das comarcas, quando o dano de âmbito regional compreender até 3
(três) delas, aplicando-se no caso as regras de prevenção; III – da Capital do Estado para os danos
de âmbito regional, compreendendo 4 (quatro) ou mais comarcas; IV de uma das Capitais do
Estado, quando os danos de âmbito interestadual compreender até 3 (três) Estados, aplicando-se
no caso as regras de prevenção; V do Distrito Federal, para os danos de âmbito interestadual que
compreendam mais de 3 (três) Estados, ou de âmbito nacional. § A amplitude do dano será
aferida conforme indicada na petição inicial da demanda. § Ajuizada a demanda perante juiz
territorialmente incompetente, este remeterá incontinenti os autos ao juízo do foro competente,
sendo vedada ao primeiro juiz a apreciação de pedido de antecipação de tutela.”.
71
Regional Federal
240
quando não houvesse Vara Federal na comarca do local do
dano. Tal entendimento foi, inclusive, objeto da súmula STJ 183
241
.
Posteriormente, entretanto, o Supremo Tribunal Federal decidiu de
forma diferente, entendendo que a intervenção da união faz com que a competência
seja, mesmo, da Justiça Federal
242
. Uma vez que a questão envolve a interpretação
de dispositivos constitucionais, o posicionamento do STF levou ao cancelamento da
súmula STJ 183, fechando a questão sobre esta matéria.
2.2.3 Dos limites subjetivos da coisa julgada na ação civil pública
Diante de uma perspectiva clássica, aplicável às demandas em que
se discutam interesses individuais, os efeitos da coisa julgada, como regra, estarão
restritos aos sujeitos que participaram do processo, não atingindo terceiros
estranhos à causa
243
.
Entretanto, no que se refere às ações coletivas e, em especial à
Ação Civil Pública, tal premissa jamais poderia ser aplicada. Decorre da própria
natureza destas ações a possibilidade de, em único processo, solucionar lide que
envolva interesses de diversos sujeitos, muitas vezes de difícil ou impossível
240
Numa aplicação do art. 109, §§ e da Constituição Federal de 1988. Neste sentido: “A ACP
proposta com base na LACP deve ser ajuizada no local onde ocorreu o dano (LACP 2º). Nas ações
em que haja interesse da União Federal, em se tratando de comarca em que não juiz federal,
será competente o juiz de direito estadual em primeiro grau, para julgar a ação, conforme a regra
excepcional da CF 109 §3º. Sendo o local sede de vara federal, aos juízes federais compete o
processo e julgamento.” (Revista do Superior Tribunal de Justiça V. 50, p. 30).
241
STJ 183: “Compete ao Juiz Estadual, nas comarcas que não sejam sede de vara da Justiça
Federal, processar e julgar ação civil pública, ainda que União Figure no processo”.
242
Firmou-se o entendimento de que o § do art. 109 da Constituição Federal de 1988 contém um
uma direção ao legislador ordinário, para que indique expressamente quando atribui a competência
a justiça estadual, o que não ocorre no art. da LACP. Neste sentido: “[...] o afastamento da
jurisdição federal somente poderia dar-se por meio de referência expressa à Justiça Estadual, como
a que fez o constituinte na primeira parte do mencionado § da CF 109 em relação às causas de
natureza previdenciária.” STF, j. 10.2.2000, DJU 24.3.2000, p. 70.
243
LIEBMAN, Enrico Túlio. Eficácia e autoridade da sentença e outros escritos sobre a coisa julgada.
3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1984, p. 55-56.
72
individualização e que, dadas as limitações de legitimidade observadas em tópico
anterior, como regra não participarão diretamente do processo.
O regime da Coisa Julgada na Ação Civil Pública foi disciplinado nos
arts. 16
244
da Lei n. 7.345/85 (Lei da Ação Civil Pública) e 103
245
da Lei n. 8.078/90
(Código de Defesa do Consumidor) e repete a fórmula da coisa julgada secundum
eventum litis de acordo com o resultado da demanda – anteriormente
experimentada na Lei n. 4.717/65 (Lei da Ação Popular), em seu art. 18
246
.
Neste regime, a coisa julgada sempre ocorrerá em caso de
procedência da ação
247
. Havendo improcedência, é preciso verificar os motivos que
a originaram: se o resultado negativo advier da ausência de provas, não ocorrerão
efeitos de coisa julgada material, podendo a demanda ser repetida
248
, com base em
novas provas; caso contrário havendo conjunto probatório que evidencie ao
magistrado a improcedência da demanda haverá a coisa julgada material de modo
a obstar a reapreciação da matéria em sede coletiva
249
.
244
Cuja redação, alterada pela Lei n. 9.494/97 é: “Art. 16. A sentença Civil fará coisa julgada erga
omnes nos limites da competência territorial do órgão prolator, exceto se o pedido for julgado
improcedente por deficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra
ação com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova.”.
245
“Art. 103. nas ações coletivas de que trata este Código, a sentença fará coisa julgada: I erga
omnes, exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas, hipótese em que
qualquer legitimado poderá intentar outra ação, com idêntico fundamento, valendo-se de nova
prova, na hipótese do inciso I do parágrafo único do art. 81; II ultra partes, mas limitadamente ao
grupo, categoria ou classe, salvo improcedência por insuficiência de provas, nos termos do inciso
anterior, quando se tratar da hipótese prevista no inciso II do parágrafo único do art. 81; III erga
omnes, apenas no caso de procedência do pedido, para beneficiar todas as vítimas e seus
sucessores, na hipótese do inciso III do parágrafo único do art. 81.” Não obstante a expressão
“ações coletivas de que trata este Código” este artigo tem aplicação a todas as ações civis públicas,
inclusive aquelas que defendam interesses ambientais, em virtude do art. 21 da LAPC.
246
“Art. 18. A sentença terá eficácia de coisa julgada oponível erga omnes, exceto no caso de haver
sido a ação julgada improcedente por deficiência de prova; neste caso, qualquer cidadão poderá
intentar outra ação com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova”.
247
Seja de forma erga omnes nos casos de direitos difusos ou individuais homogêneos ou ultra partes
limitada aos integrantes da categoria ou classe no caso dos interesses coletivos, por força do
inc. II do art. 103 do CDC.
248
Inclusive de forma idêntica, com as mesmas partes, causa de pedir e pedido, cf. NERY JÚNIOR,
Nelson e NERY, Rosa Maria de Andrade, op. cit., p. 1.455.
249
Titulares de direito individual são “atingidos” ou beneficiados em caso de demanda coletiva julgada
procedente, entretanto, em caso de improcedência, mesmo que fundada em provas, mantêm a
faculdade de propor demandas individuais para a defesa de seus interesses, por expressa
disposição dos §§ 1º,2º e 3º do art. 103 do CDC. Em função disto a doutrina afirma que, em relação
73
Questão que se apresentou relevante, principalmente após a
alteração do art. 16 da Lei da Ação Civil Pública pelo art. da Lei n. 9.494/97
250
é
aquela referente a eventual limitação quanto ao alcance territorial abrangido pela
coisa julgada nas ações civis públicas.
Para alguns autores, a redação atual do art. 16 é inconstitucional
251
,
por ferir os princípios da ação, da razoabilidade e da proporcionalidade, além do fato
da modificação ter se originado em medida provisória, sem autorização
constitucional para tanto. Esta tese, entretanto, não se consolidou na
jurisprudência
252
.
Argumentam, ainda, que o art. 16 teria sido revogado tacitamente
pelo art. 103 do CDC
253
, e que a alteração em seu conteúdo teria sido ineficaz
254
vez
que deixou de alterar o art. 103 do CDC, que se aplica às ações civis públicas por
expressa disposição do art. 21 da Lei n. 7.347/85.
aos legitimados individuais a coisa julgada se opera secundum eventum litis, mas, ainda, in
utilibus, isto é, se for julgado procedente o pedido na ACP.” (NERY JÚNIOR, Nelson e NERY,
Rosa Maria de Andrade, op. cit., p. 1.455; no mesmo sentido: SMANIO, Gianpaolo Poggio, op. cit.,
p. 126 e VIGLIAR, José Marcelo Menezes, op. cit., p. 176-177).
250
Redação atual: art. 16. A sentença civil fará coisa julgada erga omnes, nos limites da competência
territorial do órgão prolator, exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas,
hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação com idêntico fundamento, valendo-
se de nova prova.
251
Neste sentido, NERY JÚNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade, op. cit., p. 1.456;
GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos
autores do anteprojeto. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004. p. 921; MAIA, Anna
Carolina Resende de Azevedo. A questão do art. 16 da Lei da Ação Civil Pública. Revista
Eletrônica PRPE, nov. 2003; Neste sentido VIGLIAR, José Marcelo Menezes, op. cit., p. 177.
252
Sendo que o Supremo Tribunal Federal se manifestou, por maioria de votos:"... SENTENÇA -
EFICÁCIA - AÇÃO CIVIL PÚBLICA. Em princípio, não se tem relevância jurídica suficiente à
concessão de liminar no que, mediante o art. da Medida Provisória n. 1.570/97, a eficácia erga
omnes da sentença na ação civil pública fica restrita aos limites da competência territorial do órgão
prolator." (ADInMC 1.576/DF, rel. Min. MARCO AURÉLIO, j. em 16/04/1997, pub. no DJU de
06/06/2003, p. 29.).
253
Neste sentido NERY JÚNIOR, Nelson e NERY, Rosa Maria de Andrade, op. cit., p. 1.456-1.457:
“Pela superveniência do CDC, houve revogação tácita da LAPC 16 (de 1985) pela lei posterior
(CDC, de 1990), conforme dispõe a LICC § 1º. Assim, quando editada a L 9494/97, não mais
vigorava o LACP 16, de modo que ela não poderia ter alterado o que já não existia.”.
254
SMANIO, Gianpaolo Poggio, op. cit., p. 126.
74
NELSON NERY JÚNIOR e ROSA MARIA DE ANDRADE NERY
255
afirmam, ainda, que a alteração empreendida ao art. 16 da LACP confundiu os
limites subjetivos da coisa julgada isto é, quem são as pessoas atingidas pela
autoridade da coisa julgada com jurisdição e competência, que nada têm a ver com
o tema, sendo, portanto inaplicável às ações coletivas.
Os doutrinadores que se posicionam em favor da validade e eficácia
do dispositivo sustentam que a aplicação do CDC à LACP tem natureza subsidiária
e que, assim, havendo contradição entre o art. 16 da LACP e o art. 103 do CDC, o
primeiro teria primazia na disciplina das Ações Civis Públicas em geral
256
.
Entretanto, mesmo que se admita como válida e eficaz a alteração
empreendida no art. 16 da LACP, ainda o argumento de que, restringido o
alcance da coisa julgada à área de competência territorial do órgão julgador, torna-
se necessário estabelecer qual é esta área, o que é feito pelo art. 93 do Código de
Defesa do Consumidor
257
, que estabelece que para danos de dimensão regional ou
nacional a ação deva ser proposta na capital do Estado ou do Distrito Federal.
255
Neste sentido, NERY JÚNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade, op. cit., p. 1.456;
256
Neste sentido: BERNARDES, Juliano Taveira. Art. 16 da Lei da Ação Civil Pública e efeitos “erga
omnes”. UOL. Disponível em http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7791. Acesso em: 15 nov.
2006.
257
Neste sentido CAPPELLI, Sílvia. Ação Civil Pública Ambiental: a experiência brasileira, análise de
jurisprudência. Revista de Direito Ambiental, v. 33, ano 9, jan./mar. 2004, p. 173-198, p. 183;
BERTOGNA JÚNIOR, Oswaldo. Ação Civil Pública. legitimidade. principais aspectos. Revista de
Processo, v. 133, ano 31, mar. 2006, p. 7-47, p. 41; LEONEL, Ricardo de Barros. Ações Coletivas:
nota sobre competência, liquidação e execução. Revista de Processo, v. 132, ano 31, fev. 2006, p.
30-51, p. 40; e GRINOVER, Ada Pellegrini. A aparente restrição da coisa julgada na ação civil
pública: Ineficácia da Modificação no art. 16 pela Lei n. 9.494/97. UOL. Disponível em:
www.mp.sp.gov.br, Acesso em: 15 nov. 2006. Onde cabe destacar: “É que a competência territorial
nas ações coletivas é regulada expressamente pelo art. 93 do CDC. E a regra expressa da lex
specialis é no sentido da competência da Capital do Estado ou do Distrito Federal nas causas em
que o dano ou perigo de dano for de âmbito regional ou nacional. Assim, afirmar que a coisa
julgada se restringe "aos limites da competência do órgão prolator” nada mais indica do que a
necessidade de buscar a especificação dos limites legais da competência: ou seja, os parâmetros
do art. 93 CDC, que regula a competência territorial nacional e regional para os processos
coletivos. E, acresça se a competência territorial nacional e regional tanto no âmbito da Justiça
estadual como no da Justiça federal.”
75
Em síntese, afirma-se que a ação civil pública produzirá efeitos
secundum eventum litis e, ainda, in utilibus. Em caso de procedência, produzirá
coisa julgada erga omnes, favorecendo inclusive titulares de direitos individuais que
porventura estejam ligados à demanda, em caso de improcedência por falta de
provas, não produzirá coisa julgada material e, reputada infundada a pretensão, a
coisa julgada operará erga omnes em relação à propositura de outras demandas
coletivas, mas não impedirá a análise do judiciário de pretensões individuais ligadas
ao caso.
Quanto ao alcance dos efeitos da coisa julgada, aplica-se o disposto
no art. 93 do Código de Defesa do Consumidor, que estabelece a competência do
foro do Distrito Federal ou da Capital do Estado para os danos de âmbito regional ou
nacional
258
.
258
Posicionamento este que tem encontrado reflexo na jurisprudência: “Competência. Ação Civil
Pública. Defesa dos Consumidores. Interpretação do art. 93, II, do CDC. Dano de âmbito nacional.
Em se tratando de ação civil coletiva para o controle de âmbito nacional, a competência não é
exclusiva do foro do Distrito Federal. Competência do juízo de direito da Vara Especializada na
Defesa do Consumidor de Vitória/ES.” (STJ CComp. 26842-DF, DJ 05.08.2002, Rel. Min. Waldemar
Zveiter); no mesmo sentido: (STJ, REsp. 294021-PR, 1ª T., Min. José Delgado, j.02.04.2001).
76
3 A INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA NA AÇÃO CIVIL PÚBLICA
EM DEFESA DE DIREITOS AMBIENTAIS
3.1 Noções Gerais
Para formar a sua convicção, o juiz conta em geral com o produto da
fase instrutória do processo
259
, ou seja, as provas produzidas dos fatos alegados
pelas partes
260
.
Não obstante vigore no processo civil pátrio o princípio da livre
investigação da prova
261
, existirão situações em que a prova produzida nos autos
não será suficiente para, por si só, formar a convicção do magistrado para o
julgamento da causa. Nestas situações, uma vez que é vedado ao magistrado omitir-
se em julgar, torna-se relevante saber a quem competia o ônus de produção da
prova ausente nos autos, para que se possa estabelecer quem deve sofrer o
prejuízo de uma decisão judicial contrária a seus interesses
262
.
O Código de Processo Civil de 1973, como regra geral, encarrega ao
autor pela demonstração dos fatos constitutivos de seu direito (art. 333, I do CPC); e
confere ao réu o fardo de comprovar os fatos extintivos, modificativos ou impeditivos
do direto do autor (art. 333, II do CPC)
263
.
259
exceções em que o magistrado proferirá uma decisão interlocutória ou mesmo definitiva sem a
realização da fase instrutória, como ocorre com a antecipação de tutela concedida “inaudita altera
parte” e com o julgamento antecipado da lide.
260
Como visto no tópico “momentos da prova” provas que serão propostas, admitidas e mesmo
produzidas fora da fase instrutória, como ocorre em regra com a prova documental.
261
Temperado com uma dose de dispositividade presente para resguardar a imparcialidade do
magistrado, como verificado no capítulo I deste trabalho, o que pode ser observado, também, na
lição de LOPES, João Batista. Os poderes..., op. cit., p. 26.
262
Apóia-se aqui o entendimento de que o ônus da prova constitui regra de julgamento a ser adotada
pelo magistrado somente na falta de provas que permitam a formação de seu convencimento.
Neste sentido RUIZ, Ivan Aparecido, op. cit., p. 17: “O art. 333 do Código de Processo Civil só deve
ser aplicado no momento em que forem esgotados todos os esforços para a demonstração e o
esclarecimento de um fato e, não ficando ele provado, então sim deverá o Magistrado, no momento
do julgamento, aplicar a regra do ônus da prova insculpida no art. 333 citado”.
263
O que será mais bem explorado na seqüência deste capítulo.
Deve se destacar que o tradicional sistema de distribuição do ônus
da prova entre os litigantes, inscrito no art. 333 do CPC foi elaborado tendo em vista
lides onde os contendores se encontrariam numa situação de paridade de armas,
cada qual possuindo, à sua disposição, ferramentas técnicas e econômicas
adequadas e equilibradas para contrapor àquelas a disposição de seu adversário.
Com a revolução industrial, a evolução do capitalismo e o avançar
do século XX, entretanto, operaram-se drásticas transformações nos meios de
comunicação e transporte que implicaram em profundas alterações nas relações
econômicas.
A concentração dos meios de produção e a massificação das
relações sociais acarretaram o surgimento de graves desequilíbrios entre os
litigantes em determinadas relações jurídicas
264
, em especial no que se refere à
posse de meios econômicos e técnicos para a comprovação dos fatos pertinentes e
relevantes para a solução da causa
265
.
Este desequilíbrio, mantida uma visão privatista da prova, poderia
permitir a obstaculização ao efetivo acesso e aplicação do direito e um afastamento
do ideal de justiça, pois autorizaria que, num processo de fortes e fracos, uma das
partes assuma um comportamento de “omissão estratégica”, valendo-se das regras
264
Além das relações de consumo que imediatamente vêm à mente, pode se apresentar aqui,
também, os litígios que versam sobre a tutela de interesses metaindividuais, em especial aqueles
que tratem de interesses ligados ao meio ambiente. Neste sentido: SILVEIRA, Clóvis Eduardo
Malinverni da. A Inversão do Ônus da Prova na Reparação do Dano Ambiental Difuso. in Aspectos
Processuais do Direito Ambiental. José Rubens Morato Leite e Marcelo Buzagio Dantas (org.). Rio
de Janeiro: Forense, 2003, p. 37.
265
Muitas vezes o litigante passivo, por ser “litigante habitual” nas demandas intimamente ligadas ao
seu ramo de atuação se apresenta como detentor de um poder econômico e de um conhecimento
técnico extremamente aprofundado sobre as ferramentas jurídicas e sociais adequadas à defesa de
seus interesses, capaz de colocar em posição de hipossuficiência seja técnica, informativa ou
econômica até mesmo o Ministério Público, ante a limitação na utilização de suas verbas
institucionais. Neste sentido: SILVEIRA, Clóvis Eduardo Malinverni da, op. cit., p. 37.
78
de distribuição do ônus para simplesmente aguardar a improcedência da demanda
em razão das dificuldades de se provar o fato constitutivo
266
.
O legislador brasileiro, entretanto, atento à existência de
particularidades nos diversos ramos do direito aptas a justificar um desvio do
paradigma geral de distribuição do ônus da prova, estabeleceu em diversos
momentos, exceções ou regra particulares de distribuição.
O Diploma consumerista
267
em especial, permitiu, excepcionalmente,
a inversão do ônus da prova. Esta inversão, entretanto, não é automática, nem se
aplica a todos os casos que se apresentam ao Judiciário. Sua utilização não ocorre
de forma aleatória e sem critérios, mas, sim, com a decisão expressa do juiz
consideradas as particularidades de cada caso e as condições estabelecidas no
Código de Defesa do Consumidor, mais precisamente, no inc. VIII, do art. 6º.
Neste capítulo, pretende-se abordar a questão do ônus da prova e
sua inversão, verificando a possibilidade de aplicação de tal inversão às demandas
que cuidem de interesses metaindividuais, em especial aqueles ligados ao meio
ambiente.
266
Com este mesmo entendimento ABELHA, Marcelo. Ação Civil Pública..., op. cit., p. 190-191.
267
Cujas ferramentas processuais se aplicam às demandas coletivas em geral, e em especial às
ações civis públicas em defesa do meio ambiente por expressa disposição do art. 21 da Lei n.
7.347/85 (LAPC).
79
3.2 Do Ônus da Prova
Como bem destaca EDUARDO CAMBI “provar não é um dever
jurídico, mas uma condição para alcançar a vitória”
268
. Não nada que obrigue a
parte a efetuar a prova das alegações que apresenta senão o risco de ver o juízo
chegar a uma decisão contrária a seus interesses pela falta de elementos
probatórios reputados necessários.
MOACYR AMARAL SANTOS define com propriedade o conceito de
ônus da prova:
Ônus do latim onus quer dizer carga, fardo, peso. Ônus probandi
traduz-se apropriadamente como uma necessidade de provar
269
;
necessidade em fornecer os elementos necessários à formação da
convicção do juiz quanto aos fatos alegados pelas partes.
O direito se sustenta em fatos
270
, assim, a parte que afirma em juízo
possuir um direito assume, implicitamente, a responsabilidade de comprovar a
existência dos fatos em que tal direito se fundamenta.
A figura do ônus não se confunde com a de obrigação. A parte a
quem incumbe produzir a prova não tem uma obrigação, no sentido jurídico, de fazê-
lo
271
. Se não a produzir, sofrerá as desvantagens processuais decorrentes de sua
omissão, embora não esteja obrigado, como é natural, a usufruir das vantagens
processuais que o cumprimento desse encargo lhe traria. “Não se trata, certamente,
de uma obrigação porque não pode haver obrigação sem um direito correlato, e
ninguém tem direito a que outrem faça prova de fatos que lhe digam respeito”
272
.
268
CAMBI, Eduardo Augusto Salomão. A prova civil..., op. cit., p. 314.
269
SANTOS, Moacyr Amaral dos. Primeiras linhas..., op. cit., p. 354.
270
Cf. SILVA, Ovídio Araújo Baptista da. Teoria geral do Processo Civil. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2000, p. 299.
271
Ou seja, a não observância dessa prática não pode ser considerada uma conduta ilícita e não
impõe prejuízo direto a terceiro, pelo contrário, sua omissão poderá favorecer a parte contrária.
272
SILVA, Ovídio Araújo Baptista da, op. cit., p. 299.
80
ARRUDA ALVIM
273
destaca que as principais distinções a serem
levantadas entre obrigação e ônus envolvem o fato de que aquela determina uma
conduta cujo adimplemento ou cumprimento traz benefícios à parte que ocupa o
outro pólo da relação jurídica, o que pode levar a uma coerção do sujeito ativo em
adimpli-la, sendo possível, ainda, sua conversão em pecúnia de modo a permitir
uma reparação dos prejuízos decorrentes da omissão do agente. A figura do ônus,
ao contrário, estabelece prática que, se observada, favorecerá o próprio sujeito, não
sendo possível impor sua observância ou conversão em valor econômico a este
274
.
Neste mesmo sentido, CARNELUTTI
275
ensina que:
A distinção entre o ônus e a obrigação se fundamenta na diversa
sanção cominada a quem não realiza um ato: existe somente
obrigação quando a inércia lugar à sanção jurídica (execução ou
pena); entretanto, se a abstenção do ato faz perder somente os
efeitos úteis do próprio ato, temos a figura do ônus. No fundo, a
distinção entre ônus e obrigação se corresponde com a antítese
kantiana entre imperativo hipotético e imperativo categórico. Por isso,
se a conseqüência da falta de um requisito dado em um ato é
somente sua nulidade, ônus e não obrigação de efetuar o ato de
cujo requisito se trata.
É possível, também, distinguir-se a idéia de ônus do dever em
sentido estrito, uma vez que este possui um caráter de perpetuidade
276
e representa
273
ALVIM, Arruda, op. cit., p. 436.
274
Arruda Alvim distingue, ainda, a idéia de ônus perfeito e ônus imperfeito: “Parece-nos, pois, cabível
a distinção, no sentido de que se terá ônus perfeito quando, do descumprimento de uma atividade
processual, necessariamente decorrer uma conseqüência jurídica danosa. O indivíduo que perdeu
a demanda tem o ônus de dela recorrer. Se não o fizer, fatalmente, como já se disse, consolidar-se-
ão os efeitos da sentença, formando-se a coisa julgada. não se constitui em um exemplo de
ônus perfeito a revelia: o réu tem o ônus de contestar a ação, mas, caso não a conteste, nem
sempre se reputarão verdadeiros os fatos alegados pelo autor (art. 320 e suas exceções), como
ainda os fatos constitutivos do pedido deverão ser críveis. Normalmente, porém, advirão daí
conseqüências de transcendental importância no campo do processo. o ônus será imperfeito,
quando, em verdade, a conseqüência danosa for possível, mas não necessária. É o caso, por
exemplo, de a parte perder a oportunidade de provar; é possível que, a final, a prova resulte feita
pelo adversário.” (op. cit. p. 436).
275
CARNELUTTI, Francesco. A prova civil..., op. cit., p. 255.
276
Conforme ALVIM, Arruda, op. cit. p. 436.
81
um conceito transitivo vez que sempre existe perante alguém, representando uma
relação jurídica entre dois sujeitos, em que um deve uma prestação ao outro
277
.
Considerando todos os aspectos acima destacados, ECHANDIA
traça o seguinte conceito de ônus:
Poder ou faculdade (em sentido amplo) de executar livremente certos
atos ou adotar certa conduta prevista na norma, para benefício e
interesse próprios, sem sujeição nem coerção, e sem que exista
outro sujeito que tenha o direito de exigir o seu cumprimento, mas
cuja inobservância acarreta conseqüências desfavoráveis.
278
EDUARDO CAMBI
279
, seguindo esta mesma linha destaca que o
“ônus da prova” possui uma especificidade em relação à categoria de “ônus” em
sentido geral por que:
[...] o seu simples cumprimento não assegura, necessariamente, uma
conseqüência favorável; isto é, realizar a prova não é um dado
decisivo ou o único meio para conseguir a obtenção da tutela
jurisdicional plena.
A necessidade de regular-se minuciosamente o ônus da prova
decorre de um princípio geral do direito processual civil moderno, segundo o qual ao
Juiz, mesmo em caso de dúvida invencível, não é lícito eximir-se de decidir a causa.
Se ele deve decidir também sobre a existência ou veracidade dos fatos sobre os
quais não haja formado convicção, é necessário que a lei estabeleça qual das partes
277
ALVIM, José Eduardo Carreira, op. cit., p. 266.
278
ECHANDIA, Hernando Devis, op. cit., p. 420-421.
279
CAMBI, Eduardo Augusto Salomão. A prova civil..., op. cit., p. 315.
82
haverá de sofrer as conseqüências dessa insuficiência probatória
280-281
. Na verdade,
o onus probandi é uma conseqüência do ônus de afirmar
282-283
Dessa forma, aplica-se a teoria do ônus da prova a todos os
processos e ações, atendidas, certamente as peculiaridades de uns e de outros. As
regras do ônus da prova destinam-se aos litigantes no aspecto de como devem se
comportar, à luz das expectativas que o processo lhes enseja em decorrência da
atividade probatória, e ao juiz, ao determinar a conduta a ser por ele adotada em
caso de ausência de evidências quanto a um fato relevante e controverso
284
.
280
Cf. ROSENBERG, Leo. La carga de la prueba. Buenos Aires: Jurídicas Europa-America, 1956, §
1º, p. 15.
281
A relevância do ônus da prova se liga intimamente à ausência da prova pois, havendo prova
suficiente para formar a convicção do magistrado, independentemente de quem a produziu
(princípio da aquisição processual ou comunhão das provas) o juiz fundamentar-se-á nela, sendo
irrelevante discutir em qual pólo processual esta se originou.
282
Cf. SANTOS, Moacyr Amaral dos. Primeiras linhas..., op. cit., p. 353-354.
283
Uma vez que o autor pode dar consistência objetiva à sua pretensão em juízo fazendo
afirmações sobre a existência de fatos e a pertinência deles a uma relação jurídica. E se o autor
naturalmente torna-se necessária a prova das afirmações que faz. O mesmo ocorre com o réu se,
em sua defesa, fizer afirmação sobre fatos novos, impeditivos, modificativos ou impeditivos do
direito do autor (art. 333 do Código de Processo Civil).
284
Neste sentido, GRECO, Leonardo. A prova no processo civil: do Código de 1973 ao novo Código
Civil. Revista Forense, v. 374, jul./ago. 2004, p. 183-199, afirma: “As regras de distribuição do ônus
da prova têm duplo objetivo: primeiramente definir a qual das partes compete provar determinado
fato, o chamado ônus subjetivo; em seguida, no momento da sentença, servir de diretriz no
encadeamento lógico do julgamento das questões de fato, fazendo o juízo pender em favor de uma
ou de outra parte conforme tenham ou não resultado provados os fatos que a cada uma delas
interessam o chamado ônus objetivo”. No mesmo sentido, mas separando os aspectos de “regra de
julgamento” e “regra de conduta” do ônus da prova MENDES JÚNIOR, Manoel de Souza. O
momento para a inversão do ônus da prova com fundamento no código de defesa do consumidor.
Revista de Processo, v. 114 mar./abr. 2004, p. 67-91, p. 91: “Em síntese, portanto, o ônus da prova
tem dupla função: i) servir de regra de conduta para as partes, predeterminando quais são os fatos
que devem ser provados por cada uma delas e, assim, estimulando suas atividades; ii) servir de
regra de julgamento, distribuindo, entre as partes, as conseqüências jurídicas e os riscos
decorrentes da suficiência ou da ausência da produção da prova, bem como permitindo que, em
caso de dúvida quanto à existência do fato, o juiz possa decidir, que não se admite que o
processo se encerre com uma decisão non liquet. A partir dessa compreensão pode-se falar, no
primeiro caso, em ônus da prova em sentido subjetivo e, no segundo caso, em ônus da prova em
sentido objetivo”.
83
3.2.1 Dos fundamentos da distribuição do ônus da prova
A distribuição do ônus da prova repousa na premissa de que as
partes desenvolvem sua atividade probatória visando formar a convicção do juiz e,
assim, alcançar a vitória na causa.
Ao juiz não é permitido omitir-se em proferir uma decisão, ainda que
os fatos não se encontrem satisfatoriamente provados. Sendo inafastável a decisão,
e constituindo precioso elemento para a eliminação da insegurança jurídica, resta a
importante tarefa de estabelecer seu conteúdo na hipótese de, esgotada a atividade
probatória, não existirem elementos de prova suficientes para a efetiva formação de
sua convicção. Nestas situações, surge o ônus da prova como importante “regra de
julgamento” para a prolação da decisão ou, segundo ECHANDIA “A segurança
jurídica, a harmonia social, o interesse geral em que se realizem os fins próprios do
processo e a jurisdição exigem sua existência”
285
.
O ônus da prova está intimamente ligado ao exercício da jurisdição,
pois, viabiliza que nas hipóteses em que a fase probatória não tenha permitido ao
juiz alcançar suficiente convicção sobre os fatos relevantes e controvertidos, seja
prolatada sentença para o caso concreto.
Várias foram as teorias desenvolvidas a fim de explicar sobre quem
deve recair o risco da ausência (ou insuficiência) de prova.
CHIOVENDA baseia a distribuição em critérios de oportunidade e de
igualdade
286
. Inspirado na legislação revolucionária francesa, especialmente no art.
2.° da Declaração dos Direitos do Homem, o critério de igualdade foi adotado no
285
Cf. ECHANDIA, Hernando Devis, op. cit., p. 451.
286
O pensamento de CHIOVENDA será mais bem explorado em tópico específico referente a sua
teoria sobre o ônus da prova.
84
Código Civil francês (art. 1.315), influenciando profundamente as codificações que
se seguiram
287
.
ROSENBERG
288
afirma que exigências de conveniência e de justiça
impõem a distribuição. Deixar ao autor todo o encargo equivaleria a excluir
aprioristicamente a possibilidade de êxito de qualquer demanda judicial, entregando
o direito à boa vontade do demandado.
ECHANDIA
289
, partindo da premissa traçada por ROSENBERG
considera que o fundamento se encontra "nos princípios da lógica, da justiça
distributiva e da igualdade das partes diante da lei e do processo”.
Em síntese pode-se afirmar que a divisão do ônus da prova encontra
fundamento na impossibilidade de omitir-se o magistrado na falta de prova e na
necessidade de fixarem-se critérios que possam orientar seu julgamento de modo a
proferir uma sentença que se aproxime o máximo possível do que se poderia reputar
como “justo” ou pelo menos “adequado”, para o caso posto em julgamento.
3.2.2 Distribuição do ônus da prova no Código de Processo Civil e
no Código de Defesa do Consumidor
3.2.2.1 Distribuição do ônus da prova no Código de Processo Civil de 1973
O Código de Processo Civil brasileiro distribui o ônus da prova pela
posição processual que a parte assume. Se no pólo ativo, compete-lhe provar os
fatos constitutivos de seu pretenso direito. Se no pólo passivo, somente deverá
provar se alegar fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.
287
MICHELI, Gian Antonio. L’onere della prova. 2. ed. Padova: Cedam, 1966. p. 49; ECHANDIA,
Hernando Devis, op. cit., p. 451.
288
ROSENBERG, Leo, op. cit., p. 85.
289
ECHANDIA, Hernando Devis, op. cit., p. 453.
85
O Código centra a disciplina da matéria no art. 333, que determina:
Art. 333. O ônus da prova incumbe: I ao autor, quanto ao fato
constitutivo de seu direito; II ao réu, quanto à existência de fato
impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.
Adotou o Código o critério material de distribuição do ônus
probatório, que pode ser deduzido do alcance jurídico que o direito substancial
atribui aos fatos e às circunstâncias que servem de fundamento à ação e à defesa.
290
Por este critério, fatos constitutivos são aqueles que têm a eficácia
jurídica de constituir a relação jurídica litigiosa, ou seja, dão origem ao direito
pretendido pelo autor, sua prova, na sistemática processual civil, compete ao
demandante. Assim, por exemplo, a comprovação do domínio sobre imóvel em ação
reivindicatória constitui prova que compete ao autor.
Fatos impeditivos obstam que o fato constitutivo alegado pelo autor
produza os efeitos que normalmente lhe são próprios, como a comprovação da
qualidade de menor ou interdito, por aquele que excepciona a própria incapacidade
no momento do contrato, ou a alegação de não cumprimento da prestação atinente
à parte contrária, tornando inexigível a obrigação.
Fatos modificativos são os que operam uma modificação no fato
constitutivo invocado pelo autor; ou que possuem a eficácia de alterar o seu direito,
v.g. o pagamento parcial de uma dívida.
Por fim, fatos extintivos são aqueles que encerram, por completo, a
relação jurídica material ou o direito invocado pelo autor. O pagamento integral de
uma dívida, por exemplo, extingue a obrigação e determina a morte do direito de
cobrança pelo requerente.
290
ALVIM, José Eduardo Carreira, op. cit., p. 269.
86
Como dito anteriormente, compete ao réu a prova dos fatos
impeditivos, modificativos ou extintivos do direito do autor. Como regra geral, se o
réu restringir-se a impugnar especificamente a veracidade dos fatos apresentados
pelo autor, sem opor a eles outros fatos, não terá nenhum encargo probatório sob
sua responsabilidade.
291
De modo geral, pode-se afirmar que, recaindo sobre uma das partes
o ônus da prova relativamente a tais e quais fatos, não cumprindo esse ônus e
inexistindo nos autos quaisquer outros elementos, pressupor-se-á um estado de fato
contrário a essa parte. Por este paradigma, quem devia provar e não o fez perderá a
demanda.
Assim, tendo o réu negado a autoridade do fato do qual nasceria sua
obrigação, incumbe ao autor o ônus da prova, sob pena de, na ausência de
elementos que o fundamentem, presenciar o não reconhecimento da existência de
tal fato pelo juízo
292
.
Outrossim, havendo impugnação da validade de documento
particular, assinado em branco, ao impugnante compete o ônus da prova, sob pena
de não ser acolhida sua argüição.
3.2.2.2 Da convenção das partes na distribuição do ônus da prova
Além da regra geral para a distribuição do ônus da prova, o art. 333
do Código de Processo Civil, estabelece, em seu parágrafo único, a possibilidade
das partes convencionarem uma distribuição diversa daquela legalmente fixada;
desde que a demanda não verse sobre bem ou direito indisponível e, ainda, não
291
ALVIM, Arruda, op. cit., p. 442-443.
292
STJ, Resp 759.056/PR, rel. Min. Luiz Fux, T., j. 06.09.2005, p. 255; TJSP, RT 181/323 (ALVIM,
Arruda, op. cit., p. 442).
87
haja a imposição de fardo probatório excessivo sobre uma das partes, tornando
extremamente difícil ou impossível que esta se desincumba do ônus atribuído.
ARRUDA ALVIM
293
destaca que, no caso de direito indisponível,
“como a ordem jurídica o vulnerará diante da verificação dos pressupostos da
legitimidade de tal ocorrência, não será possível que, não provados os
pressupostos, haja sentença contrária ao referido bem”. Assim, tratando-se de
direitos indisponíveis, caso não estejam evidenciados os pressupostos que
autorizem sua desconstituição, a sentença deverá ser contrária ao demandante que
busca tal intento.
O autor ilustra tal situação por meio de suposta demanda
envolvendo anulação de um casamento, afirmando que, neste caso, “não é possível
que o autor convencione com a que, alegados certos fatos, por ele, seriam tidos
por verdadeiros, salvo se a provasse que seriam inverídicos”
294
pois, caso assim
fosse, a omissão da requerida poderia levar à anulação do casamento sem que
fossem efetivamente comprovados os pressupostos de direito material essenciais a
esta dissolução. Sendo o direito indisponível, impossível a convenção sobre o ônus
da prova, pois a mesma implicaria, indiretamente, em disposição deste direito.
Os direitos indisponíveis merecem tratamento diferenciado, pois não
admitem transação
295
, não se encontram sujeitos à confissão
296
e não admitem
presunção de veracidade contrária a seu conteúdo
297
. “Com efeito, os direitos
indisponíveis não podem ser negociados pelas partes, porque estão subtraídos da
sua esfera de disposição”
298
293
ALVIM, Arruda, op. cit., p. 438.
294
ALVIM, Arruda, op. cit., p. 438.
295
Art. 841 do CC.
296
Art. 351 do CPC.
297
Art. 302, inc. I e 320, inc. II do CPC.
298
CAMBI, Eduardo Augusto Salomão. A prova civil..., op. cit., p. 407.
88
Por sua vez, no que se refere a direitos disponíveis, EDUARDO
CAMBI
299
destaca que “a possibilidade de as partes modificarem o ônus da prova
não fere o princípio do livre convencimento do juiz (art. 131 do CPC), por que não
altera a apreciação judicial da prova, mas apenas quem deve assumir os riscos pela
ausência (incerteza) da prova em juízo”, exemplificando tal situação com eventual
convenção sobre o ônus da prova de ausência de suicídio premeditado na morte de
um segurado.
Havendo a prova, seja da existência ou inexistência de
premeditação, o juiz as apreciará livremente, de acordo com o art. 131 do Código de
Processo Civil. Somente na ausência de qualquer evidência neste sentido, entraria a
convenção das partes tornando mais fácil ou difícil a efetivação do direito material
para uma delas.
No que se refere ao inc. II do parágrafo único do art. 333, que tolhe a
possibilidade de convenção onde esta torne excessivamente difícil a uma das partes
a prova dos fatos, ARRUDA ALVIM lembra que esta permissão significaria:
[...] que a ordem jurídica estaria transigindo com convenções, que,
em última análise, acabariam fazendo com que muitos direitos
mesmo disponíveis perecessem em caso de litígio, afastando-se,
assim, a verdade formal da substancial, o que não é desejável
300
.
O processo não pode servir de instrumento para maquiar e
reconhecer como verídicas situações flagrantemente fictícias sob pena de “quebra
da igualdade de tratamento entre as partes (paridade de armas), aumentando-se o
risco de injustiças”
301
. Se a intenção das partes em transigir e dispor de seus
interesses, que o façam de maneira aberta e não por meio de subterfúgios e do
299
Ibidem, p. 405.
300
ALVIM, Arruda, op. cit., p. 438.
301
CAMBI, Eduardo Augusto Salomão. A prova civil..., op. cit., p. 407.
89
reconhecimento de convenções dificultadoras do exercício de direito, “pois isto
importaria usar, ou erigir, o processo, como elemento contributivo de álea, e, nessa
medida, até eventualmente obstativo do exercício de direito”
302
.
Na prática, entretanto, tem se revelado incomum a ocorrência de
convenções que modifiquem o ônus da prova.
3.2.2.3 Distribuição do ônus da prova no Código de Defesa do Consumidor
No que se refere ao Código de Defesa do Consumidor, em regra,
aplicam-se as normas gerais encontradas no Código de Processo Civil a respeito do
ônus da prova.
Há, todavia, nova hipótese de distribuição do “onus probandi”,
conforme dispõe o art. 38 do CDC.
Cuida-se de dispositivo referente aos fornecedores, prestadores de
serviço e ao meio publicitário, impondo o ônus da prova, relativa à veracidade e
correção da informação, bem como da comunicação publicitária, a quem a patrocina.
Ressalte-se que a distribuição desse ônus é automática, isto é, trata-
se de regra específica, desde que a demanda verse sobre a veracidade e correção
das informações, em sentido amplo.
Daí a afirmação que a divisão do ônus prevista no art. 38 do Código
de Defesa do Consumidor não está na esfera de discricionariedade do juízo, como a
hipótese de inversão descrita no art. 6°, inc. VIII, da lei consumerista
303
.
302
ALVIM, Arruda, op. cit., p. 438.
303
Deve se destacar que se entende que a esfera de discricionariedade do magistrado deve ficar
restrita à apuração de existência dos requisitos para a inversão. Presente um dos requisitos legais
para a inversão, deve o magistrado operá-la, pois o objetivo da lei é claramente o de proteger a
parte vulnerável tida como tal pela própria natureza da relação de consumo.
90
A inversão do ônus da prova no Código de Defesa do Consumidor
surgiu da necessidade de superação das desigualdades, uma vez que, de um modo
geral, à evidência, consumidores e fornecedores estão em patamares diversos.
Com a inversão do ônus da prova ocorre uma facilitação da defesa
do consumidor em juízo, em razão de ser a parte mais fraca e, na maioria dos
casos, hipossuficiente quando confrontada com o fornecedor
304
.
3.2.3 Do fato negativo e da negativa de fato
Ao assumir o pólo passivo da relação processual, a parte passa a ter
a incumbência de impugnar os fatos trazidos pela petição inicial, sob pena de, não o
fazendo, serem os mesmos reputados verdadeiros, independentemente da prova
produzida, excetuando-se apenas os fatos que envolvem direitos indisponíveis (para
os quais não se admite a confissão), aqueles que requerem, para sua própria
existência, o documento público, e ainda quando contradição com a tese
esposada pela defesa.
Com essa construção legislativa, a doutrina unanimemente se
posicionou contra a chamada "negativa geral", ou seja, não admitindo que o réu, ao
contestar, simplesmente afirme serem totalmente inverídicos os fatos alegados pelo
304
Assumindo uma posição mais moderada, GIDI, Antônio. Aspectos da inversão do ônus da prova
no Código do Consumidor. Revista de Direito do Consumidor. São Paulo. n. 13. p. 33-41. jan./mar.
1995, sustenta que: “É preciso reconhecer que, ao contrário do que comumente se vem afirmando,
a inversão do ônus da prova não é um direito básico do consumidor. O direito outorgado ao
consumidor pelo inc. VIII do art. do CDC, como direito básico, é a facilitação da defesa de seus
direitos em Juízo: a inversão é, tão-somente, um meio pelo qual é possível promover tal facilitação.
Exatamente assim de ser interpretado e aplicado o preceito. A inversão em favor do consumidor
só se legitima como forma de facilitar a defesa de seu direito em juízo. É imperativo, pois, que, para
facilitar a defesa do consumidor, seja necessária ou, pelo menos, extremamente útil, a inversão. O
objetivo é, tão e exclusivamente, a facilitação da defesa de seu direito, e não privilegiá-lo para
vencer a demanda, em detrimento das garantias processuais do fornecedor-réu.”
91
autor, sem, entretanto, dar as razões da negativa, ou afirmar qual a versão
verdadeira.
Assim é porque, para que se forme o contraditório, necessário se faz
que haja uma contraposição dos aspectos fáticos, para que o juiz, a quem a prova
se destina, possa extrair dos elementos probatórios o substrato de convencimento
suficiente para chegar à conclusão de qual das partes tem razão.
Ademais, ilógico seria admitir que o réu pudesse, mera e
simplesmente, dizer "não são verdadeiros os fatos", e deixar todo o encargo de
provar ao autor. Estando em Juízo, e buscando a satisfação de uma pretensão
ainda que seja apenas a de não se atender a pretensão do autor deve o réu ter
encargos equivalentes ao autor, em homenagem ao princípio da igualdade das
partes.
Por isso, não basta ao réu negar genericamente os fatos. Incumbe-
lhe a impugnação específica, sob pena de não se ter como válida a contestação,
para os fins que o réu busca. Ou, no dizer de CALMON DE PASSOS
305
:
A primeira conseqüência a retirar-se do dispositivo (art. 302) é a da
impossibilidade da contestação por negação geral. Não a
tradicional contestação por negação geral, mas também a
contestação que se limita a dizer não serem verdadeiros os fatos
aduzidos pelo autor. Afirmar isso e não impugnar são coisas que se
equivalerão. [...] A pura e simples negação pelo réu carece de
eficácia para impedir que se estabeleça a presunção de verdade
referida no art. 302, caput.
No entanto, se a negativa geral não é admissível, nada obsta que o
réu, ao contestar, negue especificamente a existência de um ou alguns dos fatos
alegados pelo autor. Ou seja, é admissível, porque perfeitamente lógico que o réu
305
PASSOS, José Joaquim Calmon de. Comentários ao Código de Processo Civil. 8. ed. Rio de
Janeiro: Forense, 1998. v. 3, p. 280-281.
92
diga que tal fato (específico) não ocorreu ou não existiu. Alias, é bastante usual.
Veja-se MOACYR AMARAL SANTOS
306
:
A máxima de que a negativa não se pode provar enfraqueceu-se
sobremaneira à observação de ser verdadeira apenas em relação às
negativas indefinidas. Estas, com efeito, são de prova impraticável,
tão-somente por serem indefinidas, como também é impraticável a
prova de afirmações indefinidas. Dificílimo será a Caio provar que
nunca foi a Santos, como lhe será dificílimo provar que
permanentemente usou determinada jóia.
Nessas condições, ou seja, se o réu negar especificamente um fato
articulado na inicial, aplicando-se as regras do ônus da prova, caberá ao autor
totalmente o encargo de provar, posto que o réu não trouxe fato modificativo,
impeditivo ou extintivo do direito do autor. O fato alegado (pelo autor) é constitutivo,
motivo pelo qual caberá a ele o ônus da prova. Não provando, a improcedência do
pedido se impõe.
LUIZ RODRIGUES WAMBIER
307
ressalta, entretanto que clara
diferença entre a negativa de um fato e a alegação de um fato negativo:
Nestes, não a afirmação da existência do fato pelo autor e a
negativa pelo réu, mas apenas a afirmação de que um fato que
deveria ter ocorrido e não houve. Afirma-se, portanto, um fato
negativo, que não aconteceu, e dessa inexistência é que se busca a
conseqüência jurídica pretendida.
Pode-se exemplificar a idéia acima por meio da noção de
inadimplemento. Como o próprio termo sugere, pelo prefixo "in", que significa
negação, trata-se de uma inação, ou seja, não ocorrência de um ato a que o
contratante se obrigou, ou que a norma jurídica impôs.
306
SANTOS, Moacyr Amaral. Comentários ao Código de Processo Civil. 8. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 1998. v. 4, p. 20.
307
WAMBIER, Luiz Rodrigues; ALMEIDA, Flávio Renato Correia de; TALAMINI, Eduardo. Curso
Avançado de Processo Civil. 8. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, v. 1, p. 405-406.
93
Nesse caso, a conseqüência jurídica que se pretende (mora) não
decorre da prática de um ato, mas ao contrário, decorre da inação. Trata-se de ato
omissivo, o que não é estranho ao direito, mormente quando se trata de aferição de
conduta culposa, onde predomina a inação e não a ação.
Lógico e compreensível que a inação implemente uma conseqüência
jurídica, a questão que releva é quanto à prova do fato negativo. Conceitualmente, é
de se considerar como inviável tal prova posto que esta é a demonstração da
existência do fato. Se o fato não houve, não como prová-lo. Prova-se o fato que
houve, não o que não houve.
Porém, parece ser viável a prova do fato negativo. Exemplos não
faltam: se o locatário não desocupa o imóvel locado quando notificado, basta que se
prove que ainda se encontra ocupando-o; se o empreiteiro não executou a obra
contratada, pode-se provar que o material foi entregue, mas a construção não se
realizou; se o alimentante não adimpliu, é viável (por testemunhas) provar-se que o
alimentando não recebeu.
Nesse sentido, HUMBERTO THEODORO JÚNIOR
308
:
A simples negação do fato constitutivo, naturalmente, não reclama
prova de quem a faz. O fato negativo, porém, aquele que funciona
como fato constitutivo de um direito, tem sua prova muitas vezes
exigida pela própria lei. É o que ocorre, por exemplo, com a prova do
não uso, por 10 anos, para extinguir-se a servidão (Código Civil de
1916, art. 710, III; CC de 2002, art. 1.389, III), ou da omissão
culposa, em matéria de responsabilidade civil (CC de 1916, art. 159;
CC de 2002, arts. 186 e 927). Em casos como esses, a parte que
alega o fato negativo terá o ônus de prová-lo.
308
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. 44. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2006. v. 1, p. 463.
94
Nesta linha, LUIZ RODRIGUES WAMBIER
309
, propõe a distinção
entre o fato negativo definido e o fato negativo indefinido, pois para ele, somente
este não pode ser objeto de prova
310
.
Assim, importante distinguir se ocorre no caso concreto uma
negativa de fato, caso em que a prova não é necessária, ou a afirmação de um fato
negativo, quando a prova não é necessária, como, muitas vezes, imprescindível
para a obtenção da conseqüência jurídica pretendida.
3.2.4 Das teorias sobre o ônus da prova
3.2.4.1 Das teorias inspiradoras do art. 333 do Código de Processo Civil
3.2.4.1.1 Da teoria de Chiovenda
CHIOVENDA, depois de reconhecer as dificuldades de formulação
de regras rígidas sobre a repartição do ônus da prova, lembra que o problema está
ligado ao princípio dispositivo, ou de iniciativa da parte, porque, se ao juiz
incumbisse a investigação plena da prova, a questão não existiria.
O jurista considera que a distribuição do ônus da prova se baseia em
um princípio de oportunidade e de igualdade distributiva, afirmando, in verbis:
Freqüentemente, no caso concreto, sente-se a oportunidade de
atribuir o ônus da prova a uma das partes, enquanto seria difícil
309
WAMBIER, Luiz Rodrigues; ALMEIDA, Flávio Renato Correia de; TALAMINI, Eduardo, op. cit., p.
405-406.
310
Para o autor, é indefinido o fato negativo quando demonstra uma “universalidade de inocorrência”.
Não se pode provar que alguém jamais viajou para determinada cidade, ou que nunca possuiu
determinado bem. Nestes casos, seria a indefinição que não poderia ser provada, e não o fato
negativo em si. Por outro lado, seria definido o fato negativo que, pudesse ser efetivamente
comprovado por evidências ou circunstâncias passíveis de demonstração. Em seu entendimento, é
possível comprovar-se que alguém não desocupou determinado imóvel simplesmente
demonstrando sua continuada presença no local por meio de testemunhos, fotos, etc. É possível
ilustrar a ausência de realização de determinada obra de forma semelhante.
95
formular uma razão geral para fazê-lo. Não é possível dizer a priori
que a repartição da prova seja rigorosamente lógica e justa. Pode-se,
talvez, afirmar que, a rigor, seria justo que o autor provasse tanto a
existência dos fatos constitutivos do direito quanto a não existência
dos fatos impeditivos ou extintivos. Mas essa prova seria, no mais
das vezes, difícil para os fatos impeditivos, impossível para os fatos
extintivos. Pretender tanto do autor equivaleria, quase sempre, a
recusar-lhe, logo, a tutela jurídica. É portanto, antes de tudo, uma
razão de oportunidade que compele a repartir o ônus da prova
311
.
O jurista frisa a importância do princípio da igualdade das partes
para a distribuição do onus probandi. Num contexto onde o princípio dispositivo
prevalece no processo civil
312
conclui:
O encargo de afirmar e provar se distribui entre as partes, no sentido
de deixar-se à iniciativa de cada uma delas fazer valer os fatos que
ela pretende considerados pelo juiz ou, em outros termos, quem tem
interesse em que sejam por ele considerados como verdadeiros.
313
Para CHIOVENDA, se o réu simplesmente negar os fatos alegados
pelo autor, não lhe competira nenhum ônus probatório, enquanto o autor não os
provar (actore non probante reus absolvitur).
314-315
Diante da freqüente dificuldade em estabelecer se determinado fato
alegado pelo réu é simplesmente a negação de outro fato afirmado pelo autor, ou se
constitui fundamento de um meio autônomo de defesa (exceção)
316
adota o princípio
311
CHIOVENDA, Giuseppe. Principii di diritto processuale civile. 3. ed. Napoli: Jovene, 1965. p. 780.
312
Competindo exclusivamente às partes trazer ao processo os elementos sobre os quais o
magistrado formará sua convicção.
313
CHIOVENDA, Giuseppe. Principii di diritto..., op. cit., p. 780.
314
Então, o interesse à prova surgiria, para o réu, somente quando os atos de não afirmar e de não
provar pudessem lhe acarretar prejuízo, isto é, quando provados os fatos idôneos a constituir o
direito do autor. Provados os fatos constitutivos, sim haveria necessidade de prova por parte do
réu e sob duas perspectivas: a) ou tende a provar a inexistência daqueles; b) ou sem excluir os
fatos alegados pelo autor, se afirmou outro capaz de lhe elidir os efeitos jurídicos, deve prová-lo.
Com base em tais considerações, o autor afirma que "a questão do ônus da prova reduz-se,
portanto, no caso concreto, a estabelecer quais os fatos que, considerados existentes pelo juiz,
devem bastar para induzi-lo a acolher a demanda (constitutivos).
315
CHIOVENDA, Giuseppe. Principii di diritto..., op. cit., p. 788.
316
“Se o autor afirma que o réu se obrigou a dar 100, e o réu afirma tê-lo feito por pilhéria, a quem
incumbirá o ônus da prova? Terá o autor de provar somente que o réu se obrigou, ou também que
se obrigou a sério? Deve-se considerar como fato constitutivo do direito o falar a sério, ou como
fato impeditivo o falar por pilhéria?” (Ibidem, p. 788).
96
da normalidade como um critério geral de repartição do ônus da prova, fundado nas
condições de existência de uma relação jurídica.
De acordo com o referido princípio as condições específicas e
essenciais de uma determinada relação jurídica devem ser provadas pelo autor;
as gerais, comuns a outros negócios, devem ser provadas pelo réu
317
.
CHIOVENDA sintetiza sua divisão do onus probandi” nos seguintes
termos:
O autor deve provar os fatos constitutivos, isto é, os fatos que
normalmente produzem determinados efeitos jurídicos; o réu deve
provar os fatos impeditivos, isto é, a falta daqueles fatos que
normalmente concorrem com os fatos constitutivos, falta que impede
a estes produzir o efeito que lhes é natural. Outras formulações, ou
coincidem com essa, ou são inexatas.
318
Assim, pode-se afirmar que seu pensamento se baseia na resolução
do problema da repartição do ônus da prova pelo interesse que cada parte tem em
provar determinado fato, porque deseja que seja considerado pelo juiz como
verdadeiro, fixando critérios baseados em oportunidade.
3.2.4.1.2 Da teoria de Carnelutti
Para CARNELUTTI, a divisão do ônus da prova deve envolver a
distribuição dos riscos da prova ausente ou deficiente. Em seu entendimento, se
determinado fato alegado no processo não resultar provado, alguém deve sofrer a
conseqüência dessa falta de convencimento do juiz e a individualização deste sujeito
é o ponto central a ser observado em qualquer critério de fixação do “ônus
probandi”
319
.
317
CHIOVENDA, Giuseppe. Principii di diritto..., op. cit., p. 789.
318
Ibidem, p. 789.
319
CARNELUTTI, Francesco. Sistema di diritto processuale civile. Padova: Cedam, 1936, v. 1, p. 424.
97
CARNELUTTI critica o “critério do interesse” por entender que este é
equívoco uma vez que, alegado um fato, ambas as partes têm interesse em direção
oposta sobre este
320
. Assim, o autor critica a doutrina de CHIOVENDA,
argumentando que o interesse à prova é bilateral, na medida em que, afirmado um
fato, ambas as partes têm interesse em fornecer provas a seu respeito
321
. Desse
modo, a distribuição do ônus da prova não poderia fundar-se no interesse de provar,
mas, sim, no interesse em afirmar certo fato
322
.
Em sua interpretação, a distribuição poderia ser feita mediante
critérios lógicos, nos quais se distinguisse a posição das partes em relação aos
fatos
323
. CARNELUTTI defende um critério teleológico, atrelado ao fim último do
processo – em sua teoria, a justa composição da lide:
Sob um perfil teleológico, levando em conta o escopo do processo, é
claro que o critério deve ser escolhido não tendo em vista a sua
idoneidade para distinguir as partes em relação ao fato, mas tendo
em vista também a conveniência de estimular à prova aquela entre
as partes que esteja provavelmente em condições de dá-la, com
base em uma regra de experiência que estabeleça qual das duas
partes esteja em melhores condições para tanto. Somente assim o
ônus da prova constitui um instrumento para atingir o escopo do
processo, que não é a simples composição, mas a justa composição
da lide
324
.
Com base neste raciocínio, CARNELUTTI propõe que a distribuição
do ônus da prova deve ocorrer tendo em vista o interesse à afirmação, este sim
320
O interesse na afirmação de certo fato é unilateral, de quem serve de base para o pedido, mas
o interesse na prova é bilateral: uma das partes quer fazer a prova e a outra deseja a contraprova.
321
Uma em favor de sua existência, outra em favor de sua inexistência (prova e contraprova).
Enquanto o autor busca provar a realização de um contrato, o réu visa a provar a sua não
celebração; enquanto o réu apresenta prova de pagamento da dívida cobrada, o autor oferece
prova de que não houve tal pagamento e assim por diante.
322
Ao autor interessa afirmar os fatos constitutivos de seu direito e, portanto, compete prová-los, e ao
réu interessa afirmar fatos extintivos, modificativos ou impeditivos do direito do autor, daí, também,
o ônus de a estes provar.
323
Por exemplo, a ausência de provas prejudicaria a parte interessada em provar fato positivo, e não
a parte interessada em provar fato negativo.
324
CARNELUTTI, Francesco. Sistema di diritto..., op. cit., p. 424.
98
unilateral, porquanto cada parte somente tem interesse em afirmar os fatos
constituintes de sua pretensão.
Tem o ônus de provar quem tem o interesse em afirmar; portanto,
quem propõe a ação tem o ônus de provar os fatos constitutivos; e
quem propõe a exceção tem o ônus de provar os fatos extintivos e as
condições impeditivas ou modificativas.
325
.
Para CARNELUTTI, o critério legalmente estabelecido no art. 1.312
do CC italiano, e similarmente adotado pelo art. 333 do Código de Processo Civil
Brasileiro segundo o qual quem propõe uma demanda tem o ônus de provar os
fatos constitutivos; e quem propõe uma exceção tem o ônus de provar os fatos
extintivos e as condições impeditivas ou modificativas seria consentâneo ao
conteúdo da lide: de um lado, porque se baseia na distinção entre defesa e exceção;
e, de outro, porque é um critério baseado em regras de experiência, que, quase
sempre, a parte a favor da qual certo fato constitui a base de um pedido ou de uma
exceção está em melhores condições de produzir a prova.
Todavia, CARNELUTTI adverte que essa regra não é absoluta, e
não raras vezes a lei distribui o ônus da prova diversamente, atribuindo o risco da
falta de prova ao réu, mesmo na hipótese de se tratar de um fato constitutivo, ou
vice-versa, atribuindo-o ao autor, com relação a fatos extintivos ou modificativos.
Nesses casos, observa que, em virtude de presunção de determinados fatos, se
daria a "inversão do ônus da prova"
326
.
325
CARNELUTTI, Francesco. Sistema di diritto..., op. cit., p. 424.
326
Ibidem, p. 427.
99
3.2.4.2 Das teorias de Rosenberg e de Micheli
3.2.4.2.1 Da teoria de Rosenberg
LEO ROSENBERG construiu uma teoria em que o direito material
ocupa papel fundamental na distribuição do ônus da prova, contrariando a teoria
baseada na normalidade que mereceu sua crítica expressa.
Para ROSENBERG, o prisma de análise para a fixação do ônus da
prova não deve se encontrar nos fatos, mas, sim, nas normas jurídicas que
fundamentam a pretensão das partes. Assim, o ônus da prova se encontra dentro
dos domínios da aplicação do direito
327
.
O autor inicia sua obra com a afirmação de que a tarefa do juiz, em
cada processo, consiste na aplicação do direito objetivo ao caso concreto
328
. Ao
desincumbir-se desta tarefa, o magistrado desenvolve uma tríplice atividade:
conhece o direito objetivo; enquadra e correlaciona os fatos alegados pelas partes
aos pressupostos fáticos existentes nas normas invocadas, procurando identidade
entre ambos; e, por último, passa a analisar se os fatos afirmados são verdadeiros e,
dessa forma, capazes de autorizar os efeitos previstos nas normas abstratas.
Perceba-se que o foco central, ao contrário de teorias anteriores,
não se encontra no fato em si, mas no direito invocado. O ônus da prova deverá ser
distribuído não em função de fatos (constitutivos, impeditivos, modificativos ou
extintivos), mas em função das normas: cada parte deve produzir a prova dos fatos
que sirvam de pressuposto à norma que alicerça sua pretensão. Somente quando as
circunstâncias de fato afirmadas correspondem aos pressupostos legais da norma
327
ROSENBERG, Leo, op. cit., p. 5.
328
Ibidem, p. 1.
100
invocada, e correspondem à realidade, o juiz pode acolher o pedido formulado pela
parte
329
.
ROSENBERG assume posição categoricamente contrária à
existência de critérios flexíveis, voltados ao caso concreto, para a divisão do ônus da
prova. Afirma que é possível estabelecer uma regra de distribuição, abstrata, que
deve ter incidência geral, e sustenta que a cada parte deve competir o ônus de
afirmar e provar os pressupostos de fato da norma que lhe é favorável, deslocando a
relevância dos fatos (constitutivos, impeditivos etc.) às próprias normas, das quais
os fatos são os pressupostos de aplicação.
Com base neste raciocínio, o autor constrói o seguinte princípio: "A
parte cuja petição processual não pode ter êxito sem que se aplique um determinado
preceito jurídico suporta o ônus da afirmação e da prova de que as características
definidoras desse preceito estejam realizadas nos fatos”
330
.
ROSENBERG insiste que a “normalidade” não deve ter sua aferição
centrada no caso concreto, em regras de experiência, repelindo veementemente
qualquer posição baseada numa repartição caso a caso do ônus da prova. Para o
Autor, esta deve se encontrar consagrada nas próprias normas jurídicas; o juiz deve
considerar primeiramente as características abstratas das normas para,
posteriormente, verificar se os fatos alegados se enquadram a elas.
ROSENBERG a correlação entre ônus abstrato e concreto como
uma relação de dependência, de subordinação. As afirmações das partes somente
assumem relevância se e quando corresponderem ao conteúdo fático abstrato
329
ROSENBERG, Leo, op. cit., p. 5.
330
Ibidem, p. 91.
101
previsto na norma; o processo concreto jamais poderá influir na divisão do ônus da
prova entre os litigantes. Para ele:
[...] se cada parte tem o ônus da prova com relação aos
pressupostos da norma jurídica cujo efeito reclama, logicamente de
ser indiferente o fato de que pretenda a realização desse efeito na
qualidade de demandante ou de demandado; de outro modo, a
situação casual da parte decidiria sobre a distribuição do ônus da
prova, definindo muitas vezes a sorte do processo
331
.
Dessa forma, a posição do litigante, seja ela ativa ou passiva em
determinada demanda, não pode influir em seu ônus subjetivo de provar, assim
entendido como o encargo de subministrar a prova
332
.
Destarte, segundo ROSENBERG, cada parte deve comprovar o
estado de coisas do qual externam os pressupostos do preceito jurídico aplicável à
espécie. Ao demandante cabe provar os elementos da aplicação da norma
constitutiva do direito que ampara, enquanto que o demandado deve demonstrar os
elementos da aplicação de norma impeditiva, modificativa ou extintiva
333
. “Os fatos
produzem seus efeitos sobre as relações jurídicas não por si mesmos, mas sim em
virtude de preceitos jurídicos”
334
.
3.2.4.2.2 Da teoria de Micheli
Para MICHELI, a distribuição do ônus da prova entre as partes deve
ser definida pela sua posição em relação ao efeito jurídico que se pretende ver
331
ROSENBERG, Leo, op. cit., p. 158.
332
Referente a qual litigante deve provar os fatos para se desincumbir de seu encargo.
333
Sempre destacando que o objeto de fixação do ônus se desloca do fato para a norma.
334
ROSENBERG, Leo, op. cit., p. 99.
102
conseguido, analisando como se manifesta o processo em concreto, posição que
contrasta diretamente com a visão de ROSENBERG
335
.
MICHELI evidencia que as regras do ônus da prova são, para o juiz,
regras práticas de julgamento, ou seja, para a resolução da demanda em face da
falta ou insuficiência de prova de algum fato
336
.
O jurista questiona a suficiência do critério proposto por
ROSENBERG, que se funda apenas nas normas de direito material e seus
pressupostos fáticos ignorando a posição assumida pela parte no processo.
Para MICHELI, é necessário apreciar a hipótese normativa de forma
concreta de acordo com a posição assumida pelos litigantes na relação jurídica
processual e com o efeito processual pretendido. Sustenta que é preciso definir a
posição real das partes, de acordo com o direito material (que disciplina a hipótese
legal), mas também considerando o direito processual (que traduz o efeito jurídico
pretendido pela parte)
337
.
Neste sentido é clara a sua lição:
A regra do ônus da prova no processo civil não é inteiramente
independente da estrutura do processo concreto, não porque a
perspectiva formal do fenômeno se distinga, contrapondo-se à
perspectiva substancial, mas porque uma e outra se fundem na
mesma consideração integral do processo, entendido como
instrumento para a realização do direito objetivo.
338
335
Como se verá na seqüência, o pensamento de MICHELI contrasta diretamente com o de
ROSENBERG onde este propõe um sistema abstrato de divisão do ônus da prova, centrado
exclusivamente na norma material que se ver aplicada, enquanto aquele defende um sistema
concreto de divisão, onde além da norma material seja considerada a norma processual, e levem-
se em conta particularidades da posição das partes dentro da demanda.
336
MICHELI, Gian Antonio, op. cit., p. 177.
337
Ibidem, p. 437.
338
Ibidem, p. 465.
103
MICHELI sustenta que é indispensável considerar-se as pretensões
deduzidas em juízo, sendo mais relevante a estrutura do processo concreto do que a
análise isolada da situação abstratamente regulada pela lei, afirmando:
A invocação da fattispecie da norma favorável não é suficiente para
estabelecer um critério unívoco para a repartição do ônus da prova
porquanto, desse modo, a um ônus concreto da prova se contrapõe
um ônus abstrato, fixado com fundamento na norma de lei
abstratamente considerada. Essa avaliação, por assim dizer, estática
do fenômeno deve ser substituída, segundo meu modo de entender,
por uma avaliação dinâmica do mesmo.
339
Portanto, em seu entendimento, o ônus da prova não pode ser
fixado exclusivamente com base em critérios abstratos vinculados à norma
substancial que se quer ver aplicada. É necessário, ao contrário, a utilização de um
critério que incorpore o dinamismo do processo, levando em consideração o papel e
a posição do litigante dentro do processo.
3.2.4.3 Da teoria da carga dinâmica da prova
EDUARDO CAMBI
340
comentando esta teoria, que foi incorporada
em 2004 ao Código Modelo de Processos Coletivos para a Ibero-América, menciona
que ela propõe a divisão do ônus da prova sem prender-se ao critério tradicional do
art. 333 do Código de Processo Civil
341
ou mesmo à técnica adotada pelo art. 6º, inc.
VIII do Código de Defesa do Consumidor
342
.
A Teoria da Carga Dinámica distribui o ônus da prova de forma
diversa, ou seja, considerando o caso concreto e a natureza do fato a ser submetido
339
MICHELI, Gian Antonio, op. cit., p. 464.
340
CAMBI, Eduardo Augusto Salomão. A prova civil..., op. cit., p. 340.
341
Fatos constitutivos por responsabilidade do autor, os demais a cargo do réu.
342
Que inverte o ônus do art. 333 com base em decisão judicial.
104
à prova, outorgando, então, o ônus de provar à parte que se apresenta em melhores
condições para produzi-la.
Assim, o ônus da prova competirá ao litigante que detiver
conhecimentos técnicos ou informações específicas sobre os fatos, ou maior
facilidade em sua demonstração, representando, em verdade, uma facilitação da
prova, não sendo necessário qualquer decisão judicial que inverta critérios pré-
estabelecidos do ônus da prova
343
.
EDUARDO CAMBI
344
destaca que esta teoria parte da premissa de
que o sistema do art. 333 do CPC, fundado na posição da parte em juízo e na
espécie do fato a ser provado, está mais preocupada com a decisão judicial e a
prevenção do non liquet do que com a efetiva tutela do direito lesado ou ameaçado
de lesão e reforça que a adoção deste critério dinâmico facilitaria a existência de
uma isonomia real – e não simplesmente formal – no processo
345
.
Em síntese, em sua forma pura, a teoria prega a adoção de critérios
concretos ligados ao caso em tela para a distribuição do ônus da prova,
abandonando a pré-fixação de modelos abstratos para a divisão do ônus como o
do art. 333 do CPC em prol de um sistema dinâmico. Dessa forma, deixaria de
existir “inversão” do ônus por que deixa de haver um prévio critério a ser invertido
346
.
O Magistrado mantém sua posição de “gestor da prova” no
processo, mas com poderes instrutórios ainda maiores pois, ao invés de partir de um
modelo clássico (do art. 333 do CPC) para tão somente inverter o ônus probandi em
situações específicas, deverá em cada caso concreto avaliar quem está melhor
343
Cf. DALL’AGNOL JÚNIOR, Antônio Janyr. Distribuição dinâmica dos ônus probatórios. Revista dos
Tribunais, v. 788, jun. 2001, p. 92-107, p. 98.
344
Cf. CAMBI, Eduardo Augusto Salomão. A prova civil..., op. cit., p. 340-341.
345
Ibidem, p. 344.
346
DALL’AGNOL JÚNIOR, Antônio Janyr, op. cit., p. 103.
105
amparado para a produção de uma prova específica, valendo-se para tanto das
maximas de experiência e do senso comum.
Como bem ilustra ANTÔNIO JANYR DALL’AGNOL JÚNIOR
347
:
Pela teoria da distribuição dinâmica dos ônus probatórios, portanto,
a) inaceitável o estabelecimento prévio e abstrato do encargo; b)
ignorável é a posição da parte no processo; c) e desconsiderável se
exibe a distinção tradicional entre fatos constitutivos, extintivos,
etc.
Releva, isto sim, a) o caso em sua concretude e b) a “natureza” do
fato a provar imputando-se o encargo àquela das partes que, pelas
circunstâncias reais, se encontra em melhor condição de fazê-lo. [...]
O Que ocorre é uma flexibilização da doutrina tradicional, em
homenagem ao princípio da efetividade da tutela jurisdicional, na
medida em que essa objetiva, sem dúvida, garantir o direito a quem
realmente o titule.
No Direito Brasileiro, a Teoria da Carga Dinâmica tem encontrado
suporte em algumas decisões judiciais que a utilizam como uma aplicação do
Princípio da Boa-Fé na seara do direito probatório, haja vista que a incumbência de
provar passa a tocar à parte que detém melhores condições
348
, mas, principalmente
fora do Rio Grande do Sul, sua aplicação ainda é tímida.
347
DALL’AGNOL JÚNIOR, Antônio Janyr, op. cit., p. 98.
348
Neste sentido, colacionam-se as ementas a seguir: “APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE REVISÃO
CONTRATUAL GARANTIDA POR ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. EXIBIÇÃO DE DOCUMENTOS. A
instituição financeira está obrigada à exibição do contrato celebrado entre as partes pela
observância ao princípio da carga dinâmica da prova. Inteligência, ainda, do art. 355 do CPC.
APELO PROVIDO.” (RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Ementa. Apelação Cível n.
70007827363. Relator Isabel de Borba Lucas. Julgado em 25/03/2004. www.tjrs.gov.br.);
“Responsabilidade Civil. Médico. Clínica. Culpa. Prova. 1. Não viola regra sobre a prova o acórdão
que, além de aceitar implicitamente o princípio da carga dinâmica da prova, examina o conjunto
probatório e conclui pela comprovação da culpa dos réus. 2. Legitimidade passiva da clinica,
inicialmente procurada pelo paciente. 3. Juntada de textos científicos determinada de oficio pelo
juiz. Regularidade. 4. Responsabilização da clinica e do médico que atendeu o paciente submetido
a uma operação cirúrgica da qual resultou a secção da medula. 5. Inexistência de ofensa a lei e
divergência não demonstrada. Recurso Especial não conhecido”. (RESP. 69309, 1995/ 0033341-4.
Fonte: DJ 26/08/1996 Relator Min. Ruy Rosado de Aguiar. Julgado em 18/06/1996 Órgão Julgador
T4. www.stj.gov.br); no mesmo sentido: (STJ, REsp 69.309, 4ª T., j. 18.06.1996 in www.stj.gov.br) e
TJRS ACs 70000618561, 70000703306, 70000706473 e 70000619924, todas de 09.03.2000,
www.tj.rs.gov.br).
106
O Anteprojeto do Código Brasileiro de Processos Coletivos
(coordenado pela professora ADA PELLEGRINI GRINOVER) traz uma aplicação
desta teoria, mas de forma tímida e subsidiária ao art. 333 do Código de Processo
Civil
349
.
3.3 Aplicabilidade do CDC à Ação Civil Pública em Defesa do
Meio Ambiente
Com a introdução da Lei da Ação Civil Pública e do Código de
Defesa do Consumidor, cindiu-se, definitivamente, o processo civil brasileiro,
surgindo dois subsistemas processuais autônomos embora interligados um para
a tutela de interesses individuais e outro para a tutela coletiva de direitos
350-351
.
O legislador foi expresso em sua intenção de inter-relacionar as
ferramentas processuais existentes nestes dois diplomas Lei n. 7.347/85 (LACP) e
Lei n. 8.078/90 (CDC) ao introduzir os arts. 21
352
da LACP, 90
353
do CDC e
estivesse a inversão prevista no Título III do CDC não haveriam maiores
questionamentos sobre sua aplicabilidade à Ação Civil Pública.
349
Em seu art. 10, §1º, in verbis: “Sem prejuízo do disposto no art. 333 do Código de Processo Civil, o
ônus da prova incumbe à parte que detiver conhecimentos técnicos ou informações específicas
sobre os fatos, ou maior facilidade em sua demonstração.”
350
Esta, aliás, é sua situação que tende a se evidenciar cada vez mais ao longo dos próximos anos,
em especial com a eventual adoção do atual anteprojeto do Código Brasileiro de Processos
Coletivos, que sistematizaria e reuniria os dispositivos processuais referentes a tutela coletiva
atualmente espalhados em diversas leis esparsas. No mesmo sentido: CAMBI, Eduardo Augusto
Salomão. Inversão do ônus da prova e tutela dos direitos transindividuais. Revista de Direito
Ambiental, ano 8, jul./set. 2003, p. 291-295, n. 31, p. 291.
351
A divisão destes subsistemas pode ser facilmente evidenciada pelas diferenças verificadas entre
as “versões coletivas” e “individuais” de diversos institutos processuais como a legitimação ativa, a
competência e a coisa julgada, que foram analisados no segundo capítulo deste trabalho.
352
“Art. 21. aplicam-se à defesa dos direitos e interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos,
no que for cabível, os dispositivos do Título III da Lei que instituiu o Código de Defesa do
Consumidor.” Destacando-se que este artigo foi acrescentado pelo art. 117 da Lei n. 8.078/85, com
renumeração dos seguintes.
353
“Art. 90. Aplicam-se às ações previstas neste Título as normas do Código de Processo Civil e da
Lei n. 7.347, de 24 de julho de 1985, inclusive no que respeita ao inquérito civil, naquilo que não
contrariar suas disposições”.
107
O Código de Defesa do Consumidor, entretanto, incluiu a inversão
do ônus da prova em seu art. 6º, inc. VIII, fora do Título III, o que levanta a questão:
a inversão do ônus da prova seria abrangida pelo art. 21 da LACP e por
conseqüência, seria aplicável à tutela de outros interesses transindividuais, em
especial aqueles ligados ao meio ambiente?
A introdução do Código de Defesa do Consumidor veio polarizar o
subsistema processual coletivo, criando um subsistema de normas processuais a
ser imediatamente aplicado a todas as demandas coletivas, inclusive as que
envolvem interesses ambientais.
Por isso, uma interpretação sistemática do art. 21 da LACP, indica
que sua remissão ao Título III do CDC faz referência à adoção na Ação Civil Pública
das regras processuais previstas no Código de Defesa do Consumidor
354
. Sendo a
técnica da inversão inegavelmente uma regra processual, está ela incluída nas
normas do CDC cuja aplicação se estende à Ação Civil Pública
355
.
Os tribunais começam a sacramentar este entendimento,
destacando-se decisões proferidas no extinto Tribunal de Alçada do Paraná
356
, no
354
Sendo o inverso também verdadeiro, por meio do art. 90 do CDC.
355
Com pensamento idêntico: ABELHA, Marcelo. Ação Civil Pública..., op. cit., p. 210: “Ora, vê-se
que, muito embora o art. 6º, VIII não esteja no título III, é fora de dúvidas que todos os dispositivos
ali presentes contêm regras de direito processual civil, e que o art. 117 (art. 21 da LACP) manda
aplicar a qualquer direito difuso (tutela do meio ambiente) tais dispositivos, deixando nítida a
intenção de que fosse criado um plexo jurídico de normas processuais civis coletivas para ser
imediatamente aplicado aos direitos coletivos lato sensu. [...] sendo o art. 6º, VIII, uma norma de
direito processual civil, é ilógico que não se entenda como contida esta regra de inversão do ônus
da prova na determinação do art. 21 da LACP.”
356
“AGRAVO DE INSTRUMENTO AÇÃO CIVIL PÚBLICA EM DEFESA DO MEIO AMBIENTE E DA
SAÚDE HUMANA. PEDIDO DE LIMINAR QUE OBJETIVA A INTERDIÇÃO DA ÁREA ONDE
HOUVE O CULTIVO DE SOJA TRANSGÊNICA (SAFRA 2001/2002) E PROIBIÇÃO DE
QUALQUER CULTIVO ATÉ QUE SE ATESTE A AUSÊNCIA DE CONTAMINAÇÃO DO SOLO E
ÁGUAS SUBTERRÂNEAS. JUIZ DE PRIMEIRO GRAU QUE INDEFERE A LIMINAR E A
INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. INCIDÊNCIA DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR
[...] De início, mister se faz o esclarecimento de que, quanto à relação do Código de Defesa do
Consumidor e as ações coletivas, surge uma compreensão de que a tutela do CDC não poderia
mais ficar circunscrita aos direitos subjetivos. Para além dos direitos dos sujeitos, haveria
interesses jurídicos mais amplos, coletivos, razão pela qual tanto a constituição do direito como sua
tutela é feita individualmente ou coletivamente. [...] Logo, possível a inversão do ônus da prova na
ação civil pública com base no Código de defesa do Consumidor” (TAPR, Processo: 275.271-8,
108
Tribunal de Justiça do Paraná
357
e no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul
358
,
entretanto, a matéria não é pacífica, e ainda existem decisões que negam a
aplicabilidade da inversão a Ações Civis Públicas que não tratem de interesses
consumeristas
359
.
Agravo de Instrumento, Órgão Julg.: Câmara Cível, Relator: Juiz Rudimar Cezar Coan, v.u., p.
25.02.2005.
357
“O instituto da inversão do ônus da prova, independentemente do título em que está disposto no
Código de Defesa do Consumidor, pode ser aplicado nas ações civis públicas, desde que as
circunstâncias fáticas assim o autorizem” (TJPR, Processo: 334622-7/01, Agravo Regimental Cível,
Órgão Julg.: Câmara Cível, Relator: Desembargador Leonel Cunha, v.u., p. 22.05.2006). No
mesmo sentido as decisões, proferidas nos processos: 0162173-6, 0334622-7 e 0334578-4, todas
disponíveis em www.tj.pr.gov.br.
358
Este o tribunal com mais farta jurisprudência a respeito, destacando-se as decisões: “AGRAVO DE
INSTRUMENTO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANO AMBIENTAL. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA.
POSSIBILIDADE EM RELAÇÕES JURÍDICAS VINCULADAS A INTERESSES DIFUSOS,
COLETIVOS OU INDIVIDUAIS E REFERENTES A DANOSIDADES AMBIENTAIS. [...] A inversão
do ônus da prova é mecanismo que não pode como deve ser utilizado pelo juiz não em face
de disposições infraconstitucionais, mas também as disposições constitucionais em relevo,
devendo ser consideradas a natureza do direito protegido e eventualmente violado e as
conseqüências disso caso não comprovado este e o respectivo dano jurídico e social
conseqüente, mormente em se tratando de dano ambiental.” (TJRS, Processo n. 70011770716,
Agravo de Instrumento, Órgão Julg.: Câmara Cível, Relator: Des. Roberto Canibal, v.u., j.
09.11.2005; “AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - DANO AMBIENTAL -
DESTRUIÇÃO DE FLORESTA NATIVA CONSIDERADA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE -
ANTECIPAÇÃO DE TUTELA QUE SE IMPÕE PARA EVITAR O AUMENTO DO DETECTADO
DANO AO MEIO AMBIENTE - INVERSAO DO ÔNUS DA PROVA APLICÁVEL TAMBÉM NO
ÂMBITO DE PROTEÇÃO AO MEIO AMBIENTE” (TJRS, Processo n. 70012393203, Agravo de
Instrumento, Órgão Julgador: Câmara Cível, Rel. Des. João Carlos Branco Cardoso, v.u., j.
11.01.2006) “AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - DANO AMBIENTAL -
DECISÃO AGRAVADA QUE ATENDEU AO DISPOSTO NO ART. 93, IX, DA CF/88 APONTANDO
OS DISPOSITIVOS LEGAIS QUE A EMBASARAM - INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA
APLICÁVEL TAMBÉM NO ÂMBITO DA PROTEÇÃO AO MEIO AMBIENTE” (TJRS, Processo n.
70015025562, Agravo de Instrumento, Órgão Julg.: Câmara Cível, Rel. Des. João Carlos Branco
Cardoso, v.u., j. 19.07.2006); Ainda no mesmo sentido os Processos 70011843224 e 70011512522,
todos disponíveis em www.tj.rs.gov.br
359
Ilustrativa a posição assumida, por maioria de votos, pelo Tribunal de Justiça do Mato Grosso do
Sul no seguinte julgado: “EMENTA AGRAVO AÇÃO CIVIL PÚBLICA AMBIENTAL COM
OBRIGAÇÃO DE FAZER E NÃO FAZER C⁄C INDENIZAÇÃO POR DANOS AO MEIO AMBIENTE
[...] A prova em ação civil pública obedece a lei específica e, assim, prova técnica oficial não
necessita de inversão de ônus.” (TJMS, Processo: 2005.006849-2⁄0000-00, Agravo de Instrumento,
Órgão Julg.: Segunda Turma Cível, Rel. Des. Luiz Carlos Santini, v.m. j. 23.8.2005). O voto vencido
neste julgado discordou do relator apenas quanto a inversão: “Divirjo do Relator quanto à inversão
do ônus da prova, decretada pelo Juízo da causa. Isso porque a ação civil pública ambiental é o
instrumento jurídico hábil a amparar interesses da comunidade, cujo exercício foi estimulado pelo
legislador ao liberar todas as entidades legitimadas do pagamento de custas, emolumentos,
honorários periciais e quaisquer outras despesas processuais, que serão suportadas pelo vencido.
[...] Posto isso, dou parcial provimento ao agravo, mantendo a inversão do ônus da prova”.
109
Na doutrina, após a análise de diversos autores verificou-se que, em
geral, o posicionamento dominante é favorável a aplicação da inversão às
demandas ambientais
360
, sob uma série de fundamentos que se passa a explorar.
Argumentam os autores que a técnica de distribuição do ônus da
prova prevista no Código de Processo Civil não foi concebida, nem é adequada,
para a tutela de direitos transindividuais, podendo redundar em um ônus diabólico
da prova capaz de inviabilizar a realização destes direitos
361
.
CELSO ANTÔNIO PACHECO FIORILLO
362
lembra que oferecer
tratamento isonômico, importa em reconhecer a igualdade jurídica daqueles que,
sob o ponto de vista econômico/social/cultural são de fato iguais e a desigualdade
jurídica entre aqueles que sob o ponto de vista econômico/social/cultural são de fato
desiguais.
Com esta premissa, e levando em conta o tratamento diferenciado
que a Constituição Federal oferece ao bem ambiental, justifica a transferência, em
regra, do ônus probatório ao poluidor, numa aplicação do art. 6º, VIII do Código de
360
Neste sentido: FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Princípios do Processo..., op. cit., p. 98;
ALONSO JÚNIOR, Hamilton. A Valoração Probatória do Inquérito Civil e suas Conseqüências
Processuais. MILARÉ, Édis (Coord.). Ação Civil Pública. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2002, p. 302; SILVEIRA, Clóvis Eduardo Malinverni da, op. cit., p. 31; ABELHA, Marcelo. A Prova
nas demandas..., op. cit., p. 179-182; CAPPELLI, Sílvia, op. cit., p. 189-190; MARINONI, Luiz
Guilherme. Reexame da prova diante dos recursos especial e extraordinário. Revista de Processo,
ano 30, dez. 2005, p. 20-38, n. 130, p. 27; CAMBI, Eduardo Augusto Salomão. A prova civil..., op.
cit., p. 422-423.
361
Neste sentido, CAMBI, Eduardo Augusto Salomão. A prova civil..., op. cit., p. 422-423; com
posicionamento semelhante, afirmando que a técnica da inversão do ônus da prova constituiria
verdadeiro “princípio processual”, com aplicação imediata à Ação Civil Pública por força do art. 21
da LACP (MARTINS, Plínio Lacerda. A inversão do ônus da prova na ação civil pública proposta
pelo ministério público em defesa dos consumidores. Revista de Direito do Consumidor, v. 31,
jul./set. 1999, p. 70-79, p. 75.
362
FIORILLO, Celso Antônio Pacheco, op. cit. p. 66-67 e 98. No mesmo sentido, ALEXANDRIDIS,
Georgios José Ilias Bernabé. Questionamentos sobre a Prova no Processo Coletivo. Revista de
Direitos Difusos, v. 36 mar./abr. 2006, p. 55-70, p. 57 “deve-se romper com o tradicionalismo do
processo clássico, para evitar cair num formalismo que se traduza em injustiça diante da amplitude
da tutela almejada no processo coletivo, de forma que o tratamento dado às partes deverá refletir
em uma isonomia real de condições, bem como evidenciar um papel diferenciado do magistrado na
condução da demanda”.
110
Defesa do Consumidor, de modo a ‘‘‘equilibrar’ a relação poluidor/pessoa humana”
363
.
Nesta mesma linha, autores que se valem de características e
princípios oriundos do direito material, orientadores da tutela do interesse ambiental,
como justificativas para reflexos processuais como a inversão do ônus da prova de
forma subsidiária ou analógica. HAMILTON ALONSO JÚNIOR, por exemplo,
valendo-se da lição de EDIS MILARÉ
364
, sustenta que o aforisma in dúbio pro
ambiente justificaria a inversão do ônus da prova em demandas ambientais.
365
MARCELO ABELHA
366
destaca que a hipossuficiência não se
restringe ao aspecto econômico, pelo contrário, em tratando-se de demanda
ambiental a hipossuficiência se revelará, na maioria das circunstâncias no controle
das informações e no aspecto técnico-científico da produção da prova
367
e, servindo-
se do princípio da precaução, aponta que em caso de dúvidas acerca de uma
possível lesão a interesse ambiental deve-se sempre assumir o pior e escolher o
caminho mais favorável ao ambiente, dada sua essencialidade para a vida humana
com qualidade.
LUIZ GUILHERME MARINONI
368
, analisando a inversão do ônus da
prova, destaca, ainda que “embora tais possibilidades tenham sido estabelecidas no
CDC, são aplicáveis a todas as situações de direito material que tenham as mesmas
363
FIORILLO, Celso Antonio Pacheco, op. cit., p. 67.
364
Que destaca que a primazia e indisponibilidade do interesse público, subjacentes à tutela do
ambiente, exigem que, na dúvida sobre a norma que deva ser aplicada, deva prevalecer aquela que
privilegie os interesses da sociedade, in dúbio pro ambiente. MILARÉ, Edis, op. cit., p. 160.
365
ALONSO JÚNIOR, Hamilton, op. cit., p. 303. o Autor conclui que este aforisma serve para justificar
a inversão do ônus da prova e o acolhimento do pedido de tutela ambiental, mesmo sem a prova
convincente do nexo de causalidade e da atividade danosa do réu.
366
ABELHA, Marcelo. Ação Civil Pública..., op. cit., p. 207-210
367
O que o autor chama de hipossuficiência científica.
368
MARINONI, Luiz Guilherme. Reexame da prova..., op. cit., p. 27.
111
peculiaridades do direito do consumidor”, o que, claramente, é válido para o direito
ambiental.
Conclui-se, portanto, pela possibilidade de aplicação da inversão do
ônus da prova à Ação Civil Pública em defesa do Meio Ambiente, primeiro pelo
alcance que se atribui à interação entre as normas processuais contidas na LAPC e
no CDC e, além disso, pelas características e princípios que alicerçam o direito
ambiental de modo a permitir uma aplicação subsidiária do instituto.
3.4 Requisitos da Inversão do Ônus da Prova - Verossimilhança da
Alegação ou Hipossuficiência
Estabelecida premissa de que a inversão do ônus da prova prevista
pelo Código de Defesa do Consumidor pode ser aplicada também às demandas
coletivas, em especial àquelas que buscam a tutela de interesses ambientais, resta
analisar os requisitos específicos para a sua concessão.
O Código de Defesa do Consumidor estabelece como requisitos
para uma inversão do ônus da prova a existência de verossimilhança da alegação
ou hipossuficiência do demandante (art. 6º, VIII do CDC). Assim, quando o
magistrado verificar que os fatos alegados forem verossímeis ou encontre-se o
demandante em posição de hipossuficiência perante o demandado, o ônus da prova
deverá ser transferido ao réu, que terá que provar que a alegação não é
verdadeira
369
.
369
Neste sentido, os tribunais têm se manifestado: PROVA ÔNUS INVERSÃO CABIMENTO
[...] EXISTÊNCIA DE VERSOSSIMILHANÇA NAS ALEGAÇÕES DO AUTOR [...]
INAPLICABILIDADE DO ART. 333, I, DO CPC, EM FACE DA PREVALÊNCIA DO ART. 6º, VIII, DO
CDC, POR SER NORMA ESPECÍFICA. [...] Como bem salientou o meritíssimo juiz a quo “no caso
vertente, aplica-se a regra da inversão do ônus da prova, visto que verossimilhança nas
alegações do autor [...] (TJSP, C. Civil, AC n. 240.757-2 j. em 22.09.94, rel. dês. Debatin
Cardoso, v.u. JTJ-Lex 167/147-149). AGRAVO REGIMENTAL AGRAVO DE INSTRUMENTO
ART. 557, § 1º, DO CPC AÇÃO DE REPARAÇÃO POR DANOS MORAIS INVERSÃO DO
ÔNUS DA PROVA CABIMENTO ART. DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR
112
Aspecto ainda controverso na doutrina é o referente à partícula “ou”
existente no inc. VIII do art. do CDC. Discute-se a necessidade de estarem
presentes, ao mesmo tempo, a verossimilhança e a hipossuficiência do autor para
que fosse autorizada a concessão da inversão do ônus da prova.
Alguns autores
370
entendem que a alegação sempre deverá ser
verossímil, caso contrário aceitar-se-ia de um demandante hipossuficiente qualquer
aberração alegada, mesmo que sem um mínimo de racionalidade, apenas em
decorrência de sua vulnerabilidade; de outro lado, não se autorizaria a inversão para
o autor que não é hipossuficiente, pois neste caso não existiria fraqueza técnica ou
econômica que justificasse a medida. Assim, entendem que a concessão da
inversão somente seria possível diante de uma presença conjunta dos requisitos
enumerados no inc. VIII do art. 6º do CDC.
Tratando especificamente da demanda ambiental, CLÓVIS
EDUARDO MALINVERNI DA SILVEIRA
371
afirma que, neste tipo de lide, sempre
haverá hipossuficiência
372
, em maior ou menor grau, para o demandante, mesmo
RECURSO IMPROVIDO Presentes os requisitos para a inversão do ônus da prova, quais sejam,
a hipossuficiência do consumidor e a verossimilhança da alegação, esta consubstanciada na
devolução indevida de cheques, impõe-se a inversão do ônus da prova, nos termos do art. 6º, do
CDC. (TJMS AgRg 68.877-1/01 Bataiporã T.Cív. Rel. Des. Claudionor Miguel Abss
Duarte J. 13.10.1999). 17015220 RESPONSABILIDADE CIVIL DE ADMINISTRADOR
CARTÃO DE CRÉDITO COBRANÇA DE DESPESAS APONTE DO NOME COMO DEVEDOR
INADIMPLENTE SERVIÇO DE PROTEÇÃO AO CRÉDITO (SPC) CADASTRO DE
INFORMAÇÕES BANCÁRIAS AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DANO MORAL Civil.
Processual. Ação de reparação de danos morais por cobrança de despesa, por Administradora de
cartão de crédito, refutada, com a inclusão do nome de Autor no SPC e no SERASA. Sentença que
a condenou com base na inversão do ônus da prova. Critério, porém, que, deixado à prudente
discrição do Juiz (art. 6º, VIII, do Código de Defesa do Consumidor), pressupõe um mínimo de
elementos de convicção, a justificarem a verossimilhança das alegações.[...]. (TJRJ AC
10.478/1999 – (Ac. 22101999) – 7ª C.Cív. – Rel. Des. Luiz Roldão F. Gomes – J. 16.09.1999).
370
Nesse sentido, GIDI, Antônio, Aspectos da inversão..., op. cit., p. 34.
371
SILVEIRA, Clóvis Eduardo Malinverni da, op. cit., p. 38-39.
372
Posicionamento que aqui se considera exagerado vez que, mesmo que se admita uma
conceituação mais ampla de “hipossuficiência”, não a restringindo ao aspecto econômico,
certamente é possível a existência de situações em que o causador do dano ambiental possua
recursos técnicos e econômicos equiparados ou mesmo inferiores aos do autor da demanda
ambiental. Mais certo, talvez, fosse afirmar que o caráter constitucional de “bem de uso comum do
povo e essencial à qualidade de vida” conferido ao bem ambiental pela Constituição Federal de 88
fosse capaz de “suprir” a necessidade da hipossuficiência para a modificação do ônus da prova, o
que ocorre, em parte, com a existência da responsabilidade objetiva para o causador do dano
113
que este seja o representante do Ministério Público. Em função disso, o magistrado
deveria exigir um grau de verossimilhança das alegações do autor inversamente
proporcional a esta hipossuficiência quanto mais frágil o representante do
interesse ambiental, menor o grau de probabilidade a ser exigido de suas alegações.
Em que pesem estes posicionamentos, entende-se que o mais
acertado, em especial no que se refere aos interesses ambientais é interpretar a
partícula “ou” em seu sentido literal, de alternatividade
373
. Estando presente a
verossimilhança ou a hipossuficiência do autor de demanda ambiental deve o
magistrado inverter o ônus probante.
Neste sentido, EDUARDO CAMBI
374-375
destaca:
Atente-se que a conjunção ou designa alternatividade; logo, não
expressa adição, mas opção entre duas coisas independentes e
autônomas. O intuito de facilitar a defesa dos direitos transindividuais
em juízo torna evidente essa exegese mais benéfica, bastando a
presença de um dos dois requisitos.
É preciso destacar, entretanto, que a possibilidade de concessão da
inversão fundada exclusivamente na hipossuficiência do autor não deve ser utilizada
para a implementação de abusos como a imposição de prova impossível sobre fato
altamente improvável ao demandado.
ambiental. Vale ressaltar, entretanto, que, como se abordará em tópico posterior, é preciso cuidado
para não se “universalizar” a aplicação de uma inversão do ônus da prova sem critério, sob pena de
causar-se grave injustiça em situações onde demandados, como pequenos agricultores, porventura
possuam recursos para produção probatória escassos em comparação ao demandante e, ainda,
padeçam de verossimilhança as alegações do autor.
373
Defende-se que a partícula alternativa teve o condão de expressar a precisa vontade da lei, no
sentido de permitir a concessão da medida na ocorrência isolada de verossimilhança ou
hipossuficiência do demandante.
374
CAMBI, Eduardo Augusto Salomão. Inversão do ônus..., op. cit., p. 103.
375
No mesmo sentido: NERY JUNIOR, Nelson Nery e NERY, Rosa Maria de Andrade, op. cit., p
1.354: “A inversão pode ocorrer em duas situações distintas: a) quando o consumidor for
hipossuficiente; b) quando for verossímil sua alegação. As hipóteses são alternativas, como
claramente indica a conjunção ou expressa na norma ora comentada.”, e GRINOVER, Ada
Pellegrini, et al, op. cit., p. 494.
114
A inversão do ônus da prova não deve ser vista como um
compartimento estanque, isolada de outros aspectos da atividade cognitiva no
processo. Quando aqui se levanta a possibilidade de inversão fundada em
hipossuficiência, sem verossimilhança, parte-se de duas premissas: a primeira é a
de que a produção da prova será, relativamente, mais fácil ao demandado do que ao
autor hipossuficiente, a segunda, é a de que o fato alegado, não obstante não goze
de verossimilhançaque, destaque-se, implica em alto grau de probabilidade, como
se abordará na seqüência é, ao menos, possível e razoável diante do contexto
trazido a juízo
376
.
Ultrapassada a discussão quanto à necessidade de presença
simultânea dos requisitos de verossimilhança e hipossuficiência
377
, é interessante
que se passe a uma análise individual de seu conteúdo.
No que se refere à verossimilhança entende-se aquilo que é
provável diante de uma realidade fática. Não se trata de uma prova definitiva e sim
da chamada prova de primeira aparência decorrente das regras de experiência
comum
378
, permitindo um juízo de probabilidade
379
. Alegação verossímil é aquela
376
Neste sentido a lição de MOREIRA, Carlos Alberto Barbosa, op. cit., p. 301-309, que se vale, como
exemplo de situação despida de qualquer plausibilidade e/ou razoabilidade da situação de um
indigente vir a juízo, pela via da justiça gratuita, pleitear farta indenização de um shopping center
pelo furto de seu automóvel e de todos os presentes de natal que nele se encontravam, sem sequer
demonstrar a existência e propriedade de referido veículo. Com igual posicionamento: CARVALHO
FILHO, Milton Paulo de, op. cit., p. 66, que afirma: “Não se pode transferir para o fornecedor a
demonstração de fatos que também não são possíveis para ele ou dos quais ele não tenha
facilidade em produzir.”, ainda, GIDI, Antônio. Aspectos da inversão..., op. cit., p. 36: “Não é
suficiente, todavia, que o consumidor seja hipossuficiente e suas alegações sejam verossímeis para
que a inversão se legitime. A prova há que ser possível, em tese, para o fornecedor.”
377
E estabelecida a posição deste trabalho no sentido de ser possível a inversão com apenas um dos
requisitos presente.
378
A verossimilhança deve ser envolvida pela "praesumptio hominis". Esta é alcançada pelas
experiências anteriores de vida que vão se acumulando e formando um conjunto de conclusões
previsíveis para determinadas situações quotidianas.
379
No que se refere a este juízo de probabilidade cabe um distinção entre a verossimilhança, que
envolveria um alto grau de probabilidade, ao ponto de determinada circunstância ser provável, do
fumus boni juris aplicado às cautelares, onde é suficiente a existência de simples possibilidade,
mesmo que remota. Neste sentido THEODORO JÚNIOR, Humberto, op. cit., p. 475 e CARVALHO
FILHO, Milton Paulo de, op. cit., p. 68.
115
que, mesmo não sendo apoiada em elementos probatórios, tem a aparência de ser
verdadeira”
380
.
O juízo de verossimilhança deve sempre ser sustentado numa
análise de probabilidade, resultando em uma abordagem dos fatos convergentes e
divergentes da relação jurídica. Em verdade, a verossimilhança somente se
configurará quando houver “uma probabilidade muito grande” de que sejam
verdadeiras as alegações do litigante
381
.
Assim, o que ocorre não é a busca de uma verdade absoluta e sim
de fortes indicativos que levem a conclusão de uma alta probabilidade de
determinada afirmação de fato corresponder à verdade
382-383
. Mesmo porque um fato
somente poderá ser admitido em definitivo como verdadeiro após ser reconhecido
pelo trânsito em julgado da decisão que o reconheceu
384
.
380
CAMBI, Eduardo Augusto Salomão. Inversão do ônus..., op. cit., p. 103.
381
ALVIM, José Eduardo Carreira. CPC Reformado. Belo Horizonte: Del Rey, 1995, p. 145. No
mesmo sentido DINAMARCO, Cândido Rangel. A Reforma do Código de Processo Civil, 2. ed. São
Paulo: Malheiros, 1995, p. 143.
382
SILVA, Ovídio Araújo Baptista da, op. cit., p. 71, coloca com propriedade que a própria sociedade
clama pelo tratamento das lides com base “na aparência e na plausibilidade do direito obtidas com
provas sumárias (prima facie)” e segue ao ponto de elevar a verossimilhança à categoria de
princípio processual, a orientar a atividade do magistrado quando afirma: “O princípio da
verossimilhança domina literalmente a ação judicial. É com base nele que o juiz profere a decisão
de recebimento da petição inicial, dando curso à ação civil, assim como, igualmente, baseado em
critério de simples verossimilhança, emite todas as decisões interlocutórias e, eventualmente nos
casos em que o direito o permite profere sentenças liminares, provendo provisoriamente sobre o
meritum causae, como nos interditos possessórios” (op. cit., p. 70).
383
Apresentar cunho altamente plausível não quer dizer, que seja exatamente a verdade real, visto
que a verossimilhança é baseada nas afirmações da parte de conformidade com as regras
impostas pela experiência; é perfeitamente possível que, em momento posterior, verifique-se que,
embora verossímel, a alegação anterior não era verdadeira. A verossimilhança deve ser entendida
como um juízo aparente da verdade, e não como uma verdade formal.
384
Neste pormenor, vale destacar a existência de posicionamentos que negam por completo a
possibilidade de alcançar-se a verdade real no processo. Assim, todos os julgamentos se
fundamentariam apenas em maiores ou menores graus de verossimilhança. Neste sentido,
DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições..., op. cit., p. 115: “Todo o direito e essencialmente o
processual opera em torno de certezas, probabilidades e riscos, sendo que as próprias ‘certezas’
não passam de probabilidades muito qualificadas e jamais são absolutas por que o espírito humano
não é capaz de captar com fidelidade e segurança todos os aspectos das realidades que o
circundam.” E BEDAQUE, José Roberto do Santos. Poderes instrutórios..., op. cit., p. 14: “Não pode
o julgador, é óbvio, transformar a verdade no fim do processo e só decidir quando se sentir convicto
de havê-la encontrado. Mesmo porque outro é o escopo a ser alcançado mediante a atividade
jurisdicional, qual seja, a aplicação do direito ao caso concreto, com a conseqüente eliminação das
controvérsias e a pacificação social. Além do mais, verdade e certeza são conceitos absolutos,
dificilmente atingíveis”.
116
Quanto à hipossuficiência os dicionaristas traduzem este termo
como determinante de pessoa economicamente fraca, que não é auto-suficiente.
O Código de Defesa do Consumidor, entretanto, pretendeu estender
este significado para limites mais amplos e relativos, primeiro por que não se
restringiu ao aspecto econômico
385
e, além disso, procurou estabelecer a idéia de
hipossuficiência do demandante sempre em contraste com a capacidade do
demandado
386
.
O demandante se apresentará como hipossuficiente na medida em
que seja econômica ou tecnicamente
387
inferior ao demandado, necessitando de
uma vantagem processual a fim de equilibrar a vantagem fática possuída por este
388
.
385
SILVEIRA, Clóvis Eduardo Malinverni da, op. cit., p. 37 aponta a existência, dentre outras, além da
hipossuficiência econômica, de hipossuficiência informativa relacionada ao acesso às
informações necessárias para a comprovação do nexo de causalidade que permitiria
responsabilizar o poluidor, como a composição química de produtos utilizados industrialmente ou o
destino dado a excedentes (lixo) por empresas e quais os procedimentos de segurança na sua
manipulação; e hipossuficiência técnica, referente à manipulação dos dados de modo a dele obter
um significado que possa ser traduzido em provas. O ponto central é que não é apenas no aspecto
econômico que o demandante pode se encontrar em posição de flagrante desvantagem em relação
ao demandado.
386
Vale destacar, num confronto direto com o demandado, e reconhecida a existência de critérios
outros que não o econômico, a doutrina tem estabelecido que até mesmo o Estado pode ser visto
como parte hipossuficiente em determinadas situações. Neste sentido, CAMBI, Eduardo Augusto
Salomão. Inversão do ônus..., op. cit., p. 104: “A hipossuficiência, em tese, pode atingir qualquer
dos legitimados na ação civil pública, inclusive o próprio estado.”. No mesmo sentido SILVEIRA,
Clóvis Eduardo Malinverni da, op. cit., p. 37, reconhecendo até mesmo a possibilidade de
hipossuficiência econômica do Ministério Público, “que não poderia comprometer seu orçamento
institucional com o custeio de dispendiosas perícias”. Entende-se que, em tese, e em situações
excepcionais, em especial no que se refere a pontos controvertidos que envolvam acesso e
controle de informações os agentes do Estado, como o órgão do Ministério Público poderiam ser
vistos como hipossuficientes.
387
O controle que o demandado costuma manter sobre o acesso à informação e às ferramentas
técnicas apropriadas a sua manipulação tem sido utilizado como justificativa para reconhecer a
hipossuficiência do demandante e autorizar a inversão do ônus probatório. Neste sentido: PROVA.
ÔNUS. INVERSÃO. POSSIBILIDADE. INDÚSTRIA DE TABACO, RELAÇÃO ENTRE CIGARRO E
DEPENDÊNCIA. DIFICULDADE DA PROVA DO ALEGADO. HIPOSSUFICIÊNCIA DO AUTOR. [...]
Ementa: “O fornecedor está em melhores condições de realizar a prova de fato ligado à sua
atividade” (TJSP, 4 Cam. de Direito Privado, Ai n. 24/820-5/6, j. em 14.11.96, rel. dês. Jacobina
Rabello, v.u. JTJ-Lex 184/237-240 e RDC 22/193-195).
388
Vale ressaltar que, além do controle da informação, da perícia técnica e da maior capacidade
econômica, alguns poluidores costumam contar, também, com um profundo conhecimento técnico-
jurídico de seu nicho de mercado, e das ferramentas processuais e contratuais adequadas à defesa
de seus interesses, configurando-se como “litigantes habituais”.
117
A hipossuficiência de que trata o art. 6º, inc. VIII, portanto, refere-se
não somente à capacidade econômica, podendo abranger qualquer aspecto
relevante à instrução da causa em que se verifique grave descompasso entre a
capacidade do demandante e do demandado na produção da prova, inclusive no
que se refere ao acesso, controle e manipulação das informações pertinentes.
3.5 Inversão Ope Legis e Ope Judicis
Antes de se afirmar a inversão do ônus da prova prevista no art. 6º,
inc. VIII do CDC opera ope legis ou ope judicis é preciso determinar-se claramente o
critério a ser adotado para esta afirmação.
quem sustente
389
que a inversão prevista no art. 6.º, inc. VIII do
CDC seria ope legis, em virtude da ausência de real discricionariedade do
magistrado na aferição dos requisitos para a concessão da medida. Presentes os
requisitos, o juiz deve inverter o ônus probatório; ausentes, não pode fazê-lo.
A maioria dos autores
390
, entretanto, diferencia inversão ope legis de
ope judicis verificando se a inversão se opera automaticamente, por expressa
determinação legal como ocorre no caso do art. 38 do Código de Defesa do
389
Neste sentido: ANDRADE, André Gustavo C. de. A inversão do ônus da prova no Código de
Defesa do Consumidor O Momento em que se Opera a Inversão e Outras Questões. Revista
Forense, v. 371, jan./fev. 2004, p. 33-41, p. 39: “A despeito do que parece indicar, o texto do art. 6º,
VIII, do CDC não está a conferir ao juízo um poder discricionário, de inverter ou não o ônus da
prova. A inversão do ônus da prova é produzida ope legis, ou seja, decorre da própria lei, uma vez
presentes os requisitos estabelecidos em lei, os quais são apenas reconhecidos no caso concreto
pelo juízo”; no mesmo sentido GIDI, Antônio, Aspectos da inversão..., op. cit., p. 36.
390
Neste sentido: MOREIRA, Carlos Roberto Barbosa. Notas sobre a inversão do ônus da prova em
benefício do consumidor. Revista de Processo, v. 86 abr./jun. 1997, p. 295-309, p. 299; SANSONE,
Priscila David. A inversão do ônus da prova na responsabilidade civil. Revista de Direito do
Consumidor, v. 40, ano 10, out./dez. 2001, p. 129-169, p. 150; CARVALHO FILHO, Milto Paulo de,
op. cit., p. 64. Na jurisprudência: STJ, REsp. 171.988-RS, T., Rel. Min. Waldemar Zveiter, DJU,
28.06.1999, JTJ 232/214; TJSP AgIn 113.590-4 Cam. De Direito Privado, rel. des. Flávio
Pinheiro, j. 25.05.1999, v.u.
118
Consumidor
391
, ou se esta dependeria de pronunciamento do juiz, critério este aqui
adotado.
Neste contexto, a inversão do ônus da prova prevista no art. 6º, inc.
VIII do CDC não atua ope legis
392
, mas, sim, ope judicis, pois apenas terá incidência
no caso concreto quando assim determinado pelo magistrado.
O Fato de o magistrado analisar o caso e concluir ser ou não cabível
a inversão é que constitui uma novidade frente aos moldes tradicionais de direito
processual. Tem-se aqui uma ampliação dos poderes do magistrado, levando-se
menos em conta, se não substituindo, o tradicional princípio dispositivo, que o deixa
dependente da iniciativa das partes e que, ao invés de garantir sua imparcialidade
diante do litígio, “garante” sua imobilidade para agir mesmo em caso de visível
prejuízo de uma das partes, advindo da desigualdade desses litigantes
393
.
As inversões diretamente decorrentes da lei não constituem
novidade, pois outra coisa não ocorre nos tantos casos de presunção iuris tantum.
Na inversão ope judicis – por meio de um ato do magistrado – será a
partir da análise de cada caso concreto, de acordo com suas especificações, que o
julgador verificará se inverte ou não o ônus, cabendo ao juiz decidir se estão
presentes os requisitos legais para que se proceda esta inversão.
Essa decisão, que poderá ser uma das mais importantes do
processo
394
, fica entregue à análise do magistrado, pois os marcos referenciais que o
391
Art. 38. O Ônus da prova da veracidade e correção da informação ou comunicação publicitária
cabe a quem as patrocina.
392
Como ocorre na distribuição do ônus da prova previsto pelo CPC 333.
393
Mas sem chegar, ainda, a uma distribuição dinâmica da carga da prova, que ocorreria em todos os
processos independentemente da presença de requisitos de admissibilidade.
394
Vez que pode, em mais de um caso, determinar o rumo da sentença de mérito, eis que influencia
na produção das provas que a embasarão.
119
texto normativo oferece pouco ou nada têm de objetivos para que se possa
estabelecer parâmetros concretos e precisos.
Vale ressalvar, entretanto, a liberdade do magistrado existe apenas
na verificação de existência dos requisitos para a inversão no caso concreto.
Concluindo por sua existência, deverá o magistrado inverter o ônus probatório.
O Código de Defesa do Consumidor incluiu a inversão do ônus da
prova entre os direitos fundamentais do consumidor, mas isto não tira a
característica processual desta técnica, o que permite seja ela estendida às
demandas envolvendo interesses metaindividuais e em especial ambientais
395
. E,
em virtude do caráter indisponível destes interesses, uma vez constatados pelo
magistrado os pré-requisitos da inversão, o juiz deverá conceder a medida, por
requisição da parte ou mesmo, se necessário, ex officio.
3.6 Limitações à Inversão do Ônus da Prova
Como apontado em tópico anterior, estando a relação jurídica
submetida às normas do Código do Consumidor, caberá ao juiz apreciar a presença
dos requisitos para a inversão do ônus da prova e, estando presentes, decretá-la.
Importa destacar, a inversão prevista no art. 6º, inc. VIII do CDC não
deve ser aplicada de forma objetiva, em todos os casos, uma vez que as regras
processuais objetivas, presunções ou restrições de direito, de acordo com o
ordenamento jurídico pátrio, sempre devem estar dispostas de maneira expressa, o
que não é o caso do art. 6º, inciso VIII.
395
Como já abordado em tópico anterior.
120
Em especial quando se discute a possibilidade de inversão em
ações coletivas, como é o caso da Ação Civil Pública, por vezes será possível
encontrar-se o réu, demandado, em posição de hipossuficiência diante do autor, e
não o contrário.
Em situações assim, onde não estejam presentes os requisitos
justificadores da inversão do ônus da prova, o juiz deverá manter o ônus probatório
previsto no Código de Processo Civil.
O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, não obstante mantenha
posicionamento fortemente favorável à inversão do ônus da prova em ações
coletivas reconhece esta realidade, e já decidiu:
DIREITO PÚBLICO NÃO ESPECIFICADO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA.
LOTEAMENTO. DEFESA DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO,
CULTURAL, URBANÍSTICO E O MEIO AMBIENTE. INVERSÃO DO
ÔNUS DA PROVA. IMPOSSIBILIDADE. 1. O pedido de inversão do
ônus da prova embasado no art. 6º, VIII, do Código de Defesa do
Consumidor não deve ser acolhido, uma vez que os loteadores são
carentes, descaracterizando a hipossuficiência dos adquirentes dos
lotes, substituídos pelo Ministério Público.
396
Com efeito, a aplicação objetiva da regra de inversão do ônus da
prova pode levar à disparidades tão grandes quanto as que se visa evitar,
potencialmente ocasionando uma lesão a direito consagrado constitucionalmente
como garantia fundamental, o contraditório e a ampla defesa (art. 5º, LV, CF/88)
397
.
Como regra geral, a legislação processual, em especial o art. 333 do
Código de Processo Civil, encarrega o autor do ônus de provar os fatos constitutivos
do direito que alega.
396
(TJRS, processo 70013970884, Agravo de Instrumento, Órgão Julg.: Câmara Cível, Rel. Des.
Paulo de Tarso Vieira Sanseverino, v.m., j. 06.04.2006).
397
Neste sentido o posicionamento de GRECO, Leonardo. As Provas no Processo Ambiental. Revista
de Processo, ano 30, out-2005, n. 128, p. 40-58.
121
O objetivo desta atribuição é evitar a utilização indevida do processo
para obtenção de vantagem indevida, pois, se assim não fosse, bastaria ao autor
alegar falsamente um fato cuja inexistência não possa ser comprovada pela parte
contrária para obter um título judicial lícito, porém, sustentado em intenções ilícitas.
No caso do art. 6º, inciso VIII do Código de Proteção e Defesa do
Consumidor, o legislador partiu do pressuposto de que, cumpridos seus requisitos, o
fardo da prova deveria pesar sobre os ombros da parte contrária
398
.
Assim, o simples requerimento de inversão sem a presença de seus
requisitos não deve ser atendido, sob pena de desequilibrar-se indevidamente a
relação processual.
LONARDO GRECO aponta que o objetivo da inversão é o de
transferir a responsabilidade da prova ao sujeito processual melhor aparelhado para
sua produção. A utilização leviana do instituto sem se considerar seus requisitos
“pode representar a escolha ideológica do perdedor, o que compromete
irremediavelmente a imparcialidade do juiz”
399
.
É para evitar este tipo de situação que a lei exige requisitos
subjetivos para a inversão do ônus da prova, de modo a evitar, no caso concreto,
violação frontal à garantia fundamental do demandado disposta na Constituição
Federal de 1988.
398
Seja pela verossimilhança, ou pela hipossuficiência que colocaria o demandado em melhores
condições de produzir provas sobre determinados fatos, em especial aqueles ligados à sua
atividade. Com este posicionamento a seguinte decisão: “PROVA. ÔNUS. INVERSÃO.
POSSIBILIDADE. INDÚSTRIA DE TABACO, RELAÇÃO ENTRE CIGARRO E DEPENDÊNCIA.
DIFICULDADE DA PROVA DO ALEGADO. HIPOSSUFICIÊNCIA DO AUTOR. [...] O fornecedor
está em melhores condições de realizar a prova de fato ligado à sua atividade” TJSP, 4 Cam. de
Direito Privado, Ai n. 24/820-5/6, j. em 14.11.96, rel. dês. Jacobina Rabello, v.u. JTJ-Lex 184/237-
240 e RDC 22/193-195.
399
GRECO, Leonardo. As provas no Processo Ambiental..., op. cit., p. 48.
122
Ainda quanto aos limites à inversão do ônus da prova é preciso
destacar-se que a inversão deverá como regra, se referir a fatos específicos, e não a
quaisquer fatos que ao autor interesse demonstrar
400
. Se o reconhecimento judicial
de seu direito depender de uma pluralidade de fatos, uns extremamente verossímeis
ou cuja prova seja mais fácil à parte contrária em virtude da hipossuficiência do
autor, e outros, não, a inversão poderá abranger aqueles que, por se
enquadrarem diretamente em seus requisitos justifiquem sua incidência.
3.6.1 Da inversão do ônus da Prova e as despesas com sua
produção
Outro aspecto que se revela relevante quanto ao alcance da
inversão do ônus da prova é o relativo à responsabilidade quanto aos custos da
produção da prova. Seria possível transferir-se a responsabilidade pelo pagamento
das despesas para a realização de uma prova requerida exclusivamente pela parte
contrária?
400
Neste sentido CARVALHO FILHO, Milton Paulo de, op. cit., p. 66: “A inversão se refere a fato
específico, e não a quaisquer fatos que ao consumidor interesse demonstrar. Somente aqueles
fatos diretamente relacionados com a hipossuficiência do consumidor autorizam a inversão”. No
mesmo sentido: MOREIRA, Carlos Roberto Barbosa, op. cit., p. 309 e ALMEIDA, João Batista de. A
proteção jurídica do consumidor. São Paulo: Saraiva, 1993, p. 80.
123
posicionamento
401
no sentido de que seria sim possível requerer-
se a inversão do ônus pelos custos da produção da prova, fazendo com que o réu
fosse obrigado a arcar com as despesas de perícia requerida pelo autor, por
exemplo.
Em se tratando de prova requerida exclusivamente por uma das
partes, entende-se que esta transferência de responsabilidade, feita de forma
isolada, não é devida. A inversão do ônus da prova, em verdade, deve transferir o
interesse na produção da prova. A partir do momento que a parte esteja ciente de
que, na falta de determinada evidência, haverá julgamento contrário a seus
interesses, irá requerer a produção das provas necessárias à sua comprovação e,
de conseqüência, arcará com o pagamento das despesas com sua produção.
Se, entretanto, a parte a quem passa a incumbir o ônus probatório,
não tem intenção de ver produzida a prova, ciente de que sua ausência pode
implicar em julgamento desfavorável, não pode ser obrigada a pagar para a
produção de provas requeridas exclusivamente por seu adversário. Este é o
401
Neste sentido, no Superior Tribunal de Justiça: “INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. Cartão de
crédito. A inversão do ônus da prova em ação revisional ajuizada contra administradora de cartão
de crédito autoriza o juiz a determinar à a antecipação dos honorários do perito, em perícia
requerida pelo autor. Recurso conhecido e provido.” (STJ Processo REsp 436731 / RJ ; RECURSO
ESPECIAL 2002/0064129-3 Relator(a) Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR (1102) Órgão Julgador
T4 - QUARTA TURMA Data do Julgamento 26/11/2002 Data da Publicação/Fonte DJ 10.02.2003 p.
221 RSTJ vol. 175 p. 444); no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul: “PROCESSUAL CIVIL.
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. (ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. DANO
AMBIENTAL. ATERRO SANITÁRIO DA EXTREMA, BAIRRO LAMI, MUNICÍPIO DE PORTO
ALEGRE. INQUÉRITO CIVIL. AÇÃO CAUTELAR DE VISTORIA “AD PERPETUAM REI
MEMORIAM”. ASSOCIAÇÃO COMUNITÁRIA DA EXTREMA ADMITIDA COMO LITISCONSORTE.
[...] INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA PARA IMPOR AOS REQUERIDOS OS CUSTOS DA
PERÍCIA. PEDIDO CONSTANTE DA INICIAL. PREVISÃO LEGAL (ART. 6º, VIII, DA LEI N. 8078-
1990 E ART. 18 DA LEI N. 7.347-1985). [...] é cabível a inversão do ônus da prova e a atribuição
dos custos da perícia. [...]é cabível a inversão do ônus da prova, bem como a atribuição dos custos
da perícia aos demandados, nos termos do pedido inicial e do que prescreve o ordenamento
jurídico específico.”(TJRS, processo 70002338473, Embargos de Declaração, Órgão Julg.:
Câmara Cível, Rel. Des. Wellington Pacheco Barros, v.u., j. 04.04.2001).
124
posicionamento dominante no Superior Tribunal de Justiça
402
e que encontra
bastante reflexo na doutrina
403
.
O demandado, atingido pela inversão, teria, então, a opção de
produzir as provas que julgar necessárias, ou de arcar com as conseqüências de
sua omissão e sofrer os resultados de uma decisão fundada na ausência de
evidências que a ele competia produzir.
A questão se torna mais complexa quando a prova é requerida por
ambas as partes, ou determinada de ofício pelo juiz da causa, que a reputa
essencial. Nestas situações, a jurisprudência se divide, encontrando-se diversos
julgamentos favoráveis e contrários à inversão da responsabilidade pelos custos da
produção da prova
404
.
402
“Consumidor. Recurso especial. Inversão do ônus da prova. Responsabilidade pelo custeio das
despesas decorrentes de sua produção. Precedentes. Prova pericial requerida apenas pelo
consumidor. Ônus pelo adiantamento do pagamento dos honorários do perito. Art. 33 do CPC. -
Conforme entendimento da 3.ª Turma, a inversão do ônus da prova não tem o efeito de obrigar a
parte contrária a arcar com as custas da prova requerida pelo consumidor. No entanto, sofre as
conseqüências processuais advindas de sua não produção. Se a prova pericial foi requerida
apenas pelo autor, é apenas ele quem deve adiantar o pagamento dos honorários periciais,
conforme determina o art. 33 do CPC, ainda que à demanda seja aplicável o Código de Defesa do
Consumidor. Recurso especial conhecido e provido.” (STJ Processo REsp 661149 / SP ;
RECURSO ESPECIAL 2004/0063487-0; Relator(a) Ministra NANCY ANDRIGHI (1118) Órgão
Julgador T3 - TERCEIRA TURMA Data do Julgamento 17/08/2006 Data da Publicação/Fonte DJ
04.09.2006 p. 261). No mesmo sentido: STJ REsp 637608/SP ; RECURSO ESPECIAL
2004/0040369-9 Relator(a) Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO (1108) Órgão
Julgador T3 - TERCEIRA TURMA Data do Julgamento 23/11/2005 Data da Publicação/Fonte DJ
10.04.2006 p. 174; STJ Processo REsp 583142/RS; RECURSO ESPECIAL 2003/0113241-9
Relator(a) Ministro CESAR ASFOR ROCHA (1098) Relator(a) p/ Acórdão Ministro FERNANDO
GONÇALVES (1107) Órgão Julgador S2 - SEGUNDA SEÇÃO Data do Julgamento 09/11/2005
Data da Publicação/Fonte DJ 06.03.2006 p. 148 RDDP vol. 38 p. 131; STJ Processo REsp
639534/MT; RECURSO ESPECIAL 2004/0011957-1 Relator(a) Ministro CARLOS ALBERTO
MENEZES DIREITO (1108) Órgão Julgador S2 - SEGUNDA SEÇÃO Data do Julgamento
09/11/2005 Data da Publicação/Fonte DJ 13.02.2006 p. 659; STJ Processo AgRg no Ag
634444/SP; AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO 2004/0143178-9 Relator(a)
Ministro BARROS MONTEIRO (1089) Órgão Julgador T4 - QUARTA TURMA Data do Julgamento
11/10/2005 Data da Publicação/Fonte DJ 12.12.2005, p. 391).
403
Neste sentido: ANDRADE, André Gustavo C. de., op. cit., p. 38: “Não confundir a inversão do
ônus da prova com a simples inversão do ônus financeiro, para impor ao fornecedor o pagamento
das despesas relacionadas com a prova que somente o consumidor requereu ou que a este
interesse”; com mesmo posicionamento: CARVALHO, José Carlos Maldonado de, op. cit., p. 249-
250.
404
No Tribunal de Justiça do Paraná, por exemplo, julgados entendendo que, mesmo no caso de
inversão do ônus da prova, o Autor deve arcar com a antecipação dos honorários do perito (TJPR –
AI 83.886-6 C.C. Ac. 16685 Rel. Des. Otávio Valeixo j. 01.03.2000 DJPR 27.03.2000;
TJPR AI 108.471-3 C.C. Ac. 20923 Rel. Des. Ulysses Lopes J. 16.10.2001 DJPR
17.12.2001; TJPR AI 117.989-9 C.C. Ac. 8.693 Rel. Des. Cordeiro Cleve J. 27.03.2002
125
Concorda-se, aqui, com o posicionamento de EDUARDO CAMBI
405
no sentido de que deve prevalecer a corrente jurisprudencial que entende que, com
a inversão do ônus da prova, inverte-se, também, o ônus do pagamento antecipado
das despesas com a produção de prova determinada de ofício pelo juízo ou
requerida por ambas as partes
406
, pois ela vem de encontro com a tentativa do
legislador de facilitar o exercício de defesa do autor hipossuficiente, bem como
reflete diretamente o interesse na produção da prova.
3.7 O Momento Apropriado para a Ocorrência da Inversão
Existe controvérsia na doutrina e na jurisprudência sobre o momento
mais apropriado para a inversão do ônus da prova. Podem-se encontrar três
DJPR 22.04.2002), bem como julgados entendendo que, com a inversão do ônus da prova,
inverte-se a responsabilidade pela antecipação dos honorários prevista no art. 33 do CPC (TJPR
AI 106.154-9 C.C. Ac. 7498 Rel. Des. Ivan Bortoleto J. 04.09.2001 DJPR 24.09.2001;
TJPR – AI 107.869-9 3ª C.C. – Ac 20.388 – Rel. Des. Ruy Fernando de Oliveira – J. 18.09.2001 –
DJPR 01.10.2001; TJPR AI 115.655-0 C.C. Ac. 20.175 Rel. Des. Dilmar Kessler J.
27.03.2002 – DJPR 05.04.2002; TJPR – AI 117.616-1 – 4ª C.C. Ac. 20.252 – Rel. Des. Wanderlei
Resende J. 03.04.2002 DJPR 22.04.2002). Sobre esta questão, o Superior Tribunal de Justiça
decidiu: “PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA.
EXTENSÃO. HONORÁRIOS PERICIAIS. PAGAMENTO. PERÍCIA DETERMINADA DE OFÍCIO.
AUTOR BENEFICIÁRIO DA JUSTIÇA GRATUITA. [...] 2. Esta Corte decidiu que a ‘regra
probatória, quando a demanda versa sobre relação de consumo, é a da inversão do respectivo
ônus. Daí não se segue que o réu esteja obrigado a antecipar os honorários do perito; efetivamente
não está, mas, se não o fizer, presumir-se-ão verdadeiros os fatos afirmados pelo autor’ (REsp n.
466.604/RJ, Relator o Ministro Ari Pargendler, DJ de 2/6/03). No mesmo sentido, o REsp n.
443.208/RJ, Relatora a Ministra Nancy Andrighi, DJ de 17/3/03, destacou que a ‘inversão do ônus
da prova não tem o efeito de obrigar a parte contrária a arcar com as custas da prova requerida
pelo consumidor. No entanto, sofre as conseqüências processuais advindas de sua não produção’.
Igualmente, assim se decidiu no REsp n. 579.944/RJ, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, DJ
de 17/12/04, no REsp n. 435.155/MG, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, DJ de 10/3/03 e no
REsp n. 402.399/RJ, Rel. o Ministro Antônio de Pádua Ribeiro, DJ de 18/4/05. 3. No caso concreto,
configurada a hipossuficiência do consumidor, inclusive com o reconhecimento do benefício de
assistência judiciária gratuita em seu favor, e sendo imprescindível a produção de prova pericial
para a solução da lide segundo o juízo que a designou, de ofício, não deve a parte autora arcar
com as despesas de sua produção. 4. Recurso especial provido.” (STJ Processo REsp 843963 /
RJ; RECURSO ESPECIAL 2006/0091163-8 Relator(a) Ministro JOSÉ DELGADO (1105) Órgão
Julgador T1 - PRIMEIRA TURMA Data do Julgamento 12/09/2006 Data da Publicação/Fonte DJ
16.10.2006 p. 323).
405
CAMBI, Eduardo Augusto Salomão. Divergência jurisprudencial: inversão do ônus da prova e o
ônus de antecipar o pagamento dos honorários periciais, Revista Síntese de Direito Civil e
Processual Civil, ano IV, v. 23, maio/jun. 2003, p. 15-23, p. 22.
406
Especialmente quando se tratar de despesas que não possam ser afastadas pela concessão de
justiça gratuita, como eventuais gastos com transporte e hospedagem com perito.
126
posicionamentos bastante distintos, defendendo momentos diferentes como os mais
adequados à inversão do ônus da prova: o despacho inicial, o saneamento do
processo, ou a sentença.
O primeiro entendimento se fixa no sentido de que a inversão do
ônus da prova representaria, exclusivamente, uma regra de julgamento para o
magistrado, e não uma regra de procedimento. Assim, a inversão deveria ser
anunciada apenas no momento da sentença e, ainda assim, apenas se permanecer
o non liquet sobre o direito
407
.
Para esta corrente, apenas após a instrução da causa e
permanecendo fatos não pertinentes e relevantes sem demonstração deve o
magistrado anunciar se irá operar-se ou não a inversão do ônus da prova em
benefício do consumidor, como fundamento para o dispositivo da sentença
408-409
.
Data vênia, discorda-se deste posicionamento, pois se entende que
as partes devem ter conhecimento prévio, anterior à fase instrutória, dos critérios a
serem adotados pelo juiz para a distribuição do ônus probatório
410
.
Entende-se, ainda, que as normas sobre ônus da prova não
constituem exclusivamente regras de julgamento, indicam também regras de
comportamento dirigidas aos litigantes
411
que devem ter ciência prévia dos encargos
processuais dos quais lhes compete eximir-se.
407
Neste sentido, NERY JÚNIOR, Nelson. Aspectos do Processo Civil no Código de Defesa do
Consumidor, Revista de Direito do Consumidor. v. 1. p. 200-221, p. 217-218; DINAMARCO,
Cândido Rangel. Instituições de Direito..., op. cit., p. 81; MATOS, Cecília. O ônus da prova no
Código de Defesa do Consumidor. Revista de Direito do Consumidor, v. 11, p. 161-189, p. 167.
408
Controversos, pertinentes e relevantes, que não sejam notórios nem objeto de presunção legal,
como visto no Capítulo I.
409
Neste sentido: “INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA REGRA DE JUÍZO A regra do ônus da
prova tem pertinência como regra do juízo que é, aos casos em que, encerrada a instrução,
fique ao julgador a dúvida intransponível acerca da existência de fato constitutivo ou liberatório.”
TJSP-RT 706/67.
410
Sob pena de não terem a oportunidade de provar suas alegações no momento ideal, bem como,
por conseqüência, serem, ao final, surpreendidos por um provimento favorável ao seu adversário.
411
Com igual posicionamento: MOREIRA, Carlos Alberto Barbosa, op. cit., p. 305.
127
Admitir que as partes somente tenham acesso aos critérios adotados
para a distribuição do ônus após a instrução da causa representaria um
cerceamento do direito de defesa, pois a parte não poderá, na sistemática
processual vigente, produzir novas provas
412-413-414
.
Assim, aplicar e anunciar a inversão somente na fase decisória
constitui um verdadeiro atentado ao princípio da ampla defesa, pois, para os
litigantes, enquanto não se dispuser do contrário, cabe o ônus de produzir as provas
412
Salvo nos termos do art. 303 do Código de Processo Civil.
413
Neste sentido: BUCK, Márcio Antônio Scalon. Ônus da Prova. Revista dos Tribunais. v. 796 fev.
2002, p. 753-768, p. 765: “Se entender-se que a distribuição do ônus da prova são apenas regras
de julgamento, destinadas apenas ao juiz, ao inverter o ônus da prova, sem qualquer informação ao
litigante, estar-se-ia ferindo o princípio constitucional da ampla defesa, pois teria a parte um
lugamento desfavorável sem que fosse observado seu direito de apresentar provas”. Com igual
posicionamento: MOREIRA, Carlos Alberto Barbosa, op. cit., p. 306; MORAES, Voltaire de Lima.
Anotações sobre o ônus da prova no Código de Processo Civil e no Código de Defesa do
Consumidor. Direito & Justiça, Porto Alegre, v. 20, p. 309-319, 1999, p. 318; NASCIMENTO,
Tupinanbá Miguel Castro do. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. Rio de Janeiro:
Aide, 1991, p. 91; NICHELE, Rafael. A inversão do ônus da prova no Código de Defesa do
Consumidor. Direito & Justiça, Porto Alegre, v. 18, p. 209-225, 1997, p. 222; GIDI, Antônio.
Aspectos da inversão..., op. cit., p. 39; NUNES, Luiz Antônio Rizzato. Comentários ao Código de
Defesa do Consumidor. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 126; PEDRASSI, Cláudio Augusto. O ônus da
prova e o art. 6º, VIII, do CDC. Revista da Escola Paulista da Magistratura, São Paulo, v. 2, n. 2,
jul./dez. 2001, p. 71; ALMEIDA, João Batista de, op. cit., p. 80; DALL’AGNOL JÚNIOR, Antônio
Janyr, op. cit., p. 96.
414
corrente jurisprudêncial acompanhando este entendimento, como se depreende da ementa a
seguir: “CONSUMIDOR CÓDIGO DE DEFESA INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA
NECESSIDADE DE EXPRESSA DETERMINAÇÃO JUDICIAL. Quando, a critério do juiz,
configurar-se a hipótese de inversão do ônus da prova, nos termos do art. 6º, VIII, do CDC, sob
pena de nulidade, é mister a prévia determinação à parte, em desfavor de quem se inverte o ônus,
para que prove o fato controvertido. A inversão sem esta cautela processual, implicará e, surpresa
e cerceamento de defesa.” (TARS, Cam. Cível, APC. n. 194110664 de 18.08.1994. no mesmo
sentido: TJSP, AgIn 108.602.4/0 Câm., rel. Dês. Antônio Carlos Marcato, j. 18.03.1999, v.u.;
TJSP, JTJ 194/237; AgIn 113.590-4, Osasco, 3ª Câm. de Direito Privado, rel. Des. Flávio Pinheiro, j.
25.05.1999, v.u.); este posicionamento também se reflete na jurisprudência do Paraná, o que se
vislumbra dos acórdãos: “Compromisso de compra e venda. Rescisão. Inversão do ônus da prova.
Deferimento na sentença. Momento processual inoportuno. Inovação e surpresa processual. ... 1. o
momento processual adequado para a decisão sobre a inversão do ônus da prova é o situado entre
o pedido inicial e o saneador. Sua utilização na sentença, sem qualquer manifestação judicial
anterior neste sentido, causa surpresa processual à parte e fere o principio da ampla defesa”.(6a.
Câmara Cível; Des. Airvaldo Stela Alves; julg: 01/09/2004; ac. 12911); “Inversão do ônus da prova
efetivada somente na sentença. Cerceamento de defesa configurado. Anulação do julgado.
Recurso de apelação provido parcialmente e recurso adesivo prejudicado. Verificando-se a
verossimilhança da alegação ou sendo hipossuficiente o consumidor, imperiosa é a inversão do
ônus da prova em seu favor. Entretanto, o momento oportuno para tal deliberação judicial é antes
do término da instrução processual, e não na sentença, sob pena de cerceio do direito de defesa do
fornecedor e anulação do julgado. (5a. Câmara Cível; Des. Domingos Ramina; julg: 04/11/2003; ac.
10946)”.
128
que lhes interessam dentro da sistemática processual da regra geral prevista no art.
333 do Código Processual Civil
415
-
416
.
Defendendo um segundo posicionamento, TÂNIA LIZ TIZZONI
NOGUEIRA
417
aponta como melhor opção que, ao receber a inicial, e esta estando
em termos, o magistrado, ao determinar a citação do réu, deve conceder ou não a
inversão sobre o ônus da prova
418-419
.
Com efeito, não haveria sequer a necessidade de ser requerida a
inversão no pedido inicial, pois enseja matéria de ordem pública a qual compete ao
juiz declarar de ofício, quando atendidos os pressupostos legais.
Entretanto, é o entendimento deste trabalho que a decretação da
inversão do ônus da prova nesta fase do procedimento é prematura. Ela não deve
ser decretada ab initio
420
, pois sequer houve manifestação do demandando, não se
podendo precisar a dimensão de sua resposta e, muito menos, os pontos que
efetivamente se tornarão controvertidos
421
.
415
Assim, desenvolvendo-se toda instrução probatória sobre a regra geral, não poderá o juiz, agora
na fase decisória, alterar as “regras do jogo”, sob pena de cercear as possibilidades de defesa do
demandado. Deve-se dizer, entretanto, que não existe norma legal expressa que proíba o
magistrado de operar a inversão do ônus da prova no momento da sentença; este, entretanto, não
é o momento mais oportuno, pois implicará, provavelmente, em alegações de cerceamento de
defesa, causando turbulências processuais desnecessárias.
416
Deve-se dizer, entretanto, que não existe norma legal expressa que proíba o magistrado de operar
a inversão do ônus da prova no momento da sentença; este, entretanto, não é o momento mais
oportuno, pois implicará, provavelmente, em alegações de cerceamento de defesa, causando
turbulências processuais desnecessárias.
417
NOGUEIRA, Ana Liz Tizzoni. A prova no Direito do Consumidor. Curitiba: Juruá, 1998.
418
Assim, quando o réu é citado para defender-se, é também intimado da decisão que inverteu o ônus
probante, iniciando-se, por conseguinte, o prazo para apresentação de agravo, que ficará
prejudicado caso não haja defesa em tempo hábil (revelia).
419
Os defensores deste posicionamento sustentam que, na maioria dos casos o magistrado disporá
de elementos suficientes para verificar hipossuficiência ou verossimilhança apenas de posse da
petição inicial, razão pela qual este poderia ser um momento adequado para a concessão da
medida.
420
Quando o juiz analisa a petição inicial.
421
Lembrando que, somente sobre os fatos relevantes, pertinentes e controvertidos deve ser
desenvolvida a atividade instrutória.
129
O entendimento que parece mais adequado é o de que a inversão
seja decretada no saneamento do processo, ao final da fase postulatória e
precedendo a fase instrutória.
Defende-se este momento processual diante do fato de que o
mesmo oferece ao magistrado um acesso mais amplo aos argumentos de ambas as
partes sem, entretanto, cercear-lhes o conhecimento dos ônus probatórios que lhes
são impostos durante a oportunidade de produção de provas para influir na
formação do convencimento do juiz.
Conclui-se, portanto, que o momento mais apropriado para o
magistrado declarar invertido o ônus de prova é o do saneamento do processo, não
existindo, entretanto, impeditivos legais que obstruam a concessão da medida em
outras fases processuais.
130
CONSIDERAÇÕES FINAIS CONCLUSIVAS
1. A concentração dos meios de produção e a massificação das
relações sociais acarretaram o surgimento de graves desequilíbrios entre os
litigantes em uma série de relações jurídicas, inclusive naquelas que envolvem
interesses ambientais, em especial no que se refere à posse de meios econômicos e
técnicos para a comprovação dos fatos pertinentes e relevantes para a solução da
causa.
2. Atento a estas transformações sociais, o legislador tem proposto
alterações drásticas nas ferramentas processuais. Instaurou-se na mentalidade do
processualista moderno um foco voltado para ao acesso e a efetividade da tutela
jurisdicional, onde o demandante deixa de se apresentar como um “suplicante” e
passa a exigir do Estado uma manifestação célere e eficaz sobre as lides que lhe
são apresentadas.
2. A entrada em vigor da Lei n. 7.347/85 Lei da Ação Civil Pública
seguida da Lei n. 8.078/90 Código de Defesa do Consumidor representou um
marco na evolução histórica das ações coletivas no ordenamento jurídico brasileiro,
pois disciplinou, de forma sistematizada, a tutela coletiva, empreendeu uma
ampliação do leque de legitimados para a propositura de ações coletivas e pôs em
destaque a discussão sobre direitos transindividuais e os aspectos processuais de
sua tutela.
3. Entretanto, o litigante passivo nas lides ligadas a interesses
ambientais costuma se apresentar como detentor de um poder econômico e de um
conhecimento técnico extremamente aprofundado sobre as ferramentas jurídicas e
sociais adequadas à defesa de seus interesses, capaz de, em situações
excepcionais, colocar em posição de hipossuficiência seja técnica, informativa ou
econômica – os autores legitimados à propositura da ação civil pública em defesa de
interesses ligados ao meio ambiente.
4. Este desequilíbrio, mantida uma visão privatista da prova, poderia
permitir a obstaculização ao efetivo acesso e aplicação do direito e um afastamento
do ideal de justiça, pois autorizaria que, num processo de fortes e fracos, uma das
partes assumisse um comportamento de “omissão estratégica”, valendo-se das
regras de distribuição do ônus para simplesmente aguardar a improcedência da
demanda em razão das dificuldades de se provar o fato constitutivo.
5. Neste contexto, a apreciação da prova cuja função é servir de
meio para a formação da convicção do julgador acerca da veracidade das
afirmações de fato feitas pelas partes, fundamentando o provimento jurisdicional a
ser entregue e as conseqüências de sua ausência também foram submetidas a
uma reavaliação.
6. A “verdade real” passa a ser vista, também no processo civil,
como um ideal que embora se apresente por vezes inalcançável deverá ser
sempre buscado, à exaustão, pelo magistrado, independentemente da natureza do
direito em jogo se disponível ou indisponível. Surge uma tendência de se oferecer
cada vez mais poderes instrutórios ao juiz.
7. Com isso, o processo civil contemporâneo não se apresenta mais
eminentemente dispositivo, como foi outrora. Impera, hodiernamente, a livre
investigação das provas pelo magistrado, temperada com pequena dose de
dispositividade, existente para assegurar sua imparcialidade.
132
8. Não obstante predomine hoje a livre investigação da prova,
existirão situações em que, apesar do esforço do magistrado e das partes, as
evidências produzidas nos autos serão insuficientes para, por si só, formar a
convicção do julgador. Nestas situações, uma vez que é vedado ao magistrado
omitir-se em julgar, torna-se relevante saber a quem competia o ônus de produção
da prova ausente nos autos, para que se possa estabelecer quem deve sofrer o
prejuízo de uma decisão judicial contrária a seus interesses.
9. Neste pormenor, os direitos indisponíveis como o direito a um
meio ambiente equilibrado, garantido pela CF/88 em seu art. 225 merecem
tratamento diferenciado, pois não admitem transação, não se encontram sujeitos à
confissão e não admitem presunção de veracidade contrária a seu conteúdo.
10. A inversão do ônus da prova que se aplica às demandas
coletivas ambientais por disposição expressa do art. 21 da Lei da Ação Civil Pública
e pelas características e princípios que alicerçam o direito ambiental se apresenta
então como importante forma de equilíbrio da relação jurídica processual, que se
encontrava desbalanceada devido a fatores externos ao processo, oferecendo ao
magistrado meios para transferir à parte econômica e tecnicamente mais forte um
ônus proporcionalmente mais pesado do que aquele suportado pela parte
hipossuficiente.
11. Quanto aos requisitos da inversão hipossuficiência e
verossimilhança em especial no que se refere aos interesses ambientais, o mais
correto é interpretar a partícula “ou” em seu sentido literal, de alternatividade.
Estando presente a verossimilhança ou a hipossuficiência do autor de demanda
ambiental deve o magistrado inverter o ônus probante.
133
12. A Verossimilhança não se refere à existência de uma verdade
absoluta, irrefutável, mas, sim, a indicativos que levem a conclusão de uma alta
probabilidade de determinada afirmação de fato corresponder à verdade. Quanto à
hipossuficiência, esta não se restringe ao aspecto econômico, abrangendo qualquer
aspecto relevante à instrução da causa em que se verifique grave descompasso
entre a capacidade do demandante e do demandado, inclusive no que se refere ao
acesso, controle e manipulação das informações pertinentes.
A inversão prevista no art. 6º, inc. VIII do CDC, entretanto, não deve
ser aplicada de forma objetiva em todos os casos, uma vez que as regras
processuais objetivas sejam elas presunções ou restrições de direito sempre devem
estar dispostas de maneira expressa, o que não é o caso de referido dispositivo. A
inversão deve ser manejada com cautela pelo operador do direito sob pena de seu
uso indiscriminado determinar injustiças tão graves quanto aquelas que se propõe
solucionar.
13. A apreciação de seus requisitos, que se desenvolve por meio de
critério e ato do juiz, podendo inclusive ser concedida ex officio, deve ser feita em
um momento processual no qual o magistrado teve condições de estabelecer os
pontos controvertidos da demanda, restando às partes, ainda, a oportunidade de
produzir provas para influenciar em seu convencimento, para evitar distúrbios
processuais desnecessários, como alegações de cerceamento de defesa e
concretizar uma prestação jurisdicional justa e equilibrada.
Por isso, o momento mais apropriado para o juiz declarar invertido o
ônus de prova é o do saneamento do processo, não existindo, entretanto,
impeditivos legais que obstruam a concessão da medida em outras fases
processuais.
134
14. Em demandas ambientais, o ponto central das controvérsias
existentes quanto à prova residirá normalmente na demonstração ou não do nexo
de causalidade entre o dano e a conduta de seu suposto causador em razão das
dificuldades geralmente ligadas a sua produção.
Em função disso, e do fato de que na maioria dos casos, será mais
fácil para o réu em uma demanda ambiental, demonstrar a ausência deste nexo do
que para o autor evidenciar sua existência, revela-se esta matéria como sendo
especialmente propícia à inversão do ônus probatório, constituindo mesmo aplicação
do princípio da prevenção.
135
REFERÊNCIAS
ABELHA, Marcelo. A prova nas demandas ambientais. LEITE, José Rubens Morato;
DANTAS, Marcelo Buzaglo (Coords.). Aspectos processuais do Direito Ambiental.
Rio de Janeiro, Forense, 2003, p. 146-200.
______. Ação Civil Pública e Meio Ambiente. Rio de Janeiro: Forense, 2003.
AGUIAR, João Carlos Pestana de. Comentários ao Código de Processo Civil. 2. ed.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997.
AGUIAR, Leandro Katscharowski. Tutela coletiva de Direitos Individuais
Homogêneos e sua Execução. São Paulo: Dialética, 2002.
ALEXANDRIDIS, Georgios José Ilias Bernabé. Questionamentos sobre a prova no
Processo Coletivo. Revista de Direitos Difusos, v. 36 mar./abr. 2006, p. 55-70.
ALMEIDA, Gregório Assagra de. Direito Processual Coletivo Brasileiro. São Paulo:
Saraiva, 2003.
ALMEIDA, João Batista de. A proteção jurídica do consumidor. São Paulo: Saraiva,
1993.
ALONSO JÚNIOR, Hamilton. A valoração probatória do inquérito civil e suas
conseqüências processuais. MILARÉ, Édis (Coord.). Ação Civil Pública. 2. ed. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.
ALVIM, Arruda. Manual de Direito Processual Civil. 10. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2006. v. 2.
ALVIM, José Eduardo Carreira. CPC Reformado. Belo Horizonte: Del Rey, 1995.
______. Teoria geral do processo. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004.
ANDRADE, André Gustavo C. de. A inversão do ônus da prova no Código de Defesa
do Consumidor O Momento em que se opera a inversão e outras questões.
Revista Forense, v. 371, jan./fev. 2004, p. 33-41.
ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. 5. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris,
2001.
ARMELIN, Donaldo. Legitimidade para agir no direito processual civil brasileiro. Sao
Paulo: Revista dos Tribunais, 1979.
AROCA, Juan Montero. La prueba em el Proceso Civil. 2 ed., Madrid: Civitas, 1998,
ÁVILA, Humberto Bergmann. Medida provisória na Constituição de 1988. Porto
Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 1997.
AZENHA, Nívia Aparecida de Souza. Prova ilícita no Processo Civil. Curitiba: Juruá,
2005.
BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Notas sobre o problema da “efetividade” do
processo. Estudos de Direito Processual em Homenagem a José Frederico Marques
no seu 70º Aniversário, São Paulo: Saraiva, 1982.
BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Garantia da amplitude de produção
probatória. CRUZ; TUCCI, José Rogério (Coord.). Garantias Constitucionais do
Processo Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999.
______. Poderes instrutórios do Juiz. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994.
BENJAMIN, Antônio Herman Vasconcelos e. A insurreição da aldeia global contra o
processo civil clássico. MILARÉ, Edis (Coord.). Ação Civil Pública. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 1995.
BERNARDES, Juliano Taveira. Art. 16 da Lei da Ação Civil Pública e efeitos “erga
omnes”. UOL. Disponível em http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7791.
Acesso em: 15 nov. 2006.
BERTOGNA JÚNIOR, Oswaldo. Ação Civil Pública. legitimidade. principais
aspectos. Revista de Processo, v. 133, ano 31, mar. 2006.
BUCK, Márcio Antônio Scalon. Ônus da prova. Revista dos Tribunais v. 796 fev.
2002, p. 753-768.
BURGARELLI, Aclibes. Tratado das provas cíveis. São Paulo: Juarez de Oliveira,
2000.
BUZAID, Alfredo. Considerações Sobre o Mandado de Segurança Coletivo. São
Paulo: Saraiva, 1992.
CALAMANDREI, Piero. Instituciones del Derecho Procesal Civil. Buenos Aires: Ejea,
1986, t. III.
CAMBI, Eduardo Augusto Salomão. Inversão do ônus da prova e tutela dos direitos
transindividuais. Revista de Direito Ambiental, ano 8, jul./set. 2003, p. 291-295, n. 31.
______. A prova civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.
______. Divergência jurisprudencial: inversão do ônus da prova e o ônus de
antecipar o pagamento dos honorários periciais, Revista Síntese de Direito Civil e
Processual Civil, ano IV, v. 23, maio/jun. 2003, p. 15-23.
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional. 3. ed. Coimbra:
Almedina, 1999.
CAPOBIANCO, João Paulo Ribeiro. Análise da aplicabilidade do princípio da
precaução no processo de licenciamento ambiental da UHE Tijuco Alto no Rio
Ribeira de Iguape. Revista de Direito Ambiental, São Paulo, n. 19, p. 176-200,
jul./set. 2000.
CAPPELLETTI, Mauro. Formações sociais e interesses coletivos diante da justiça
Civil. Revista de Processo, ano II, jan./mar. 1977, n. 5, p. 128-159.
137
CAPPELLI, Sílvia. Ação Civil Pública Ambiental: a experiência brasileira, análise de
jurisprudência. Revista de Direito Ambiental, v. 33, ano 9, jan./mar. 2004.
CARNELLI, Lorenzo. O fato notório. Rio de Janeiro: José Konfino, 1957.
CARNELUTTI, Francesco. A prova civil. 2. ed. Campinas: Bookseller, 2002.
______. Sistema di diritto processuale civile. Padova: Cedam, 1936, v. 1.
CARVALHO FILHO, Milton Paulo de. Ainda a inversão do ônus da prova no Código
de Defesa do Consumidor, Revista dos Tribunais, ano 92, v. 807, jan. 2003, p. 56-
81.
CARVALHO NETO, Inácio de. Manual de Processo Coletivo. Curitiba: Juruá, 2005.
CASTRO, Francisco Augusto das Neves e. Teoria das provas e suas aplicações aos
atos civis. Campinas: Servanda, 2000.
CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de Direito Processual Civil. Campinas:
Bookseller, 1998.
______. Principii di diritto processuale civile. 3. ed. Napoli: Jovene, 1965.
CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO,
Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. 13. ed. São Paulo: Malheiros, 1997.
DALL’AGNOL JÚNIOR, Antônio Janyr. Distribuição dinâmica dos ônus probatórios.
Revista dos Tribunais, v. 788, jun. 2001, p. 92-107.
DANTAS, Marcelo Navarro Ribeiro. Mandado de segurança coletivo. São Paulo:
Saraiva, 2000.
DINAMARCO, Cândido Rangel. A Reforma do Código de Processo Civil, 2. ed. São
Paulo: Malheiros, 1995.
______. Execução civil. 5 ed. São Paulo: Malheiros, 1997.
______. Fundamentos do Processo Civil moderno. 4. ed. São Paulo: Malheiros,
2001. t. I.
______. Instituições de Direito Processual Civil. São Paulo: Malheiros, 2001, v. 1.
DINAMARCO, Pedro da Silva. Ação Civil Pública. São Paulo: Saraiva, 2001.
ECHANDIA, Hernando Devis. Teoria general de la prueba judicial. Buenos Aires:
V.P. de Zavalía, 1976, v. 1.
FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de Direito Ambiental brasileiro. 5. ed. São
Paulo: Saraiva, 2004.
GIDI, Antônio. Aspectos da inversão do ônus da prova no Código do Consumidor.
Revista de Direito do Consumidor. São Paulo. n. 13. p. 33-41. jan./mar. 1995.
138
GIDI, Antonio. Coisa julgada e litispendência em Ações Coletivas. São Paulo:
Saraiva, 1995.
GONÇALVES, Marcus Vinícius Rios. Novo curso de Direito Processual Civil. São
Paulo: Saraiva, 2004, v. 1.
GOZAINI, Osvaldo Alfredo. Introducción al Nuevo Derecho Procesal. Buenos Aires:
Ediar, 1998.
GRECO, Leonardo. A prova no processo civil: do Código de 1973 ao novo Código
Civil. Revista Forense, v. 374, jul./ago. 2004.
______. As provas no processo ambiental. Revista de Processo, ano 30, out. 2005,
n. 128, p. 40-58.
GRINOVER, Ada Pellegrini. A aparente restrição da coisa julgada na ação civil
pública: Ineficácia da Modificação no art. 16 pela Lei n. 9.494/97. UOL. Disponível
em: www.mp.sp.gov.br, Acesso em: 15 nov. 2006.
______. Uma nova modalidade de legitimação à Ação Popular. MILARÉ, Edis
(Coord.). Ação Civil Pública. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995. p. 23-27.
______; SCARANCE F. Antônio; GOMES FILHO, Antônio M. As nulidades no
processo penal. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 1992.
______ et al. Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores
do anteprojeto. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004.
LEAL, Márcio Flávio Mafra. Ações Coletivas. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris,
1998.
LENZA, Pedro. Teoria geral da Ação Civil Pública. 2. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2005.
LEONEL, Ricardo de Barros. Ações Coletivas: nota sobre competência, liquidação e
execução. Revista de Processo, v. 132, ano 31, fev. 2006.
______. Manual do Processo Coletivo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.
LIEBMAN, Enrico Túlio. Eficácia e autoridade da sentença e outros escritos sobre a
coisa julgada. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1984.
LOPES, João Batista. A prova no Direito Processual Civil. 2. ed. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2002.
______. Os poderes do juiz e o aprimoramento da prestação jurisdicional. Revista
de Processo, São Paulo, ano 9, n. 35, p. 26, jul./set. 1984.
LUCON, Paulo Henrique dos Santos. Tutela coletiva. São Paulo: Atlas, 2006.
MAIA, Anna Carolina Resende de Azevedo. A questão do art. 16 da Lei da Ação
Civil Pública. Revista Eletrônica PRPE, nov. 2003.
139
MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Ação Civil Pública. 8. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2002.
______. Interesses difusos. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000.
______. Manual do consumidor em juízo. São Paulo: Saraiva, 1994.
MARINONI, Luiz Guilherme. Reexame da prova diante dos recursos especial e
extraordinário. Revista de Processo, ano 30, dez. 2005, p. 20-38, n. 130.
______; ARENHART, Sérgio Cruz. Manual do processo de conhecimento. 3. ed.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004.
MARQUES, José Frederico. Instituições de Direito Processual Civil. Rio de Janeiro:
Forense, 1959, v. 3.
MARTINS, Plínio Lacerda. A inversão do ônus da prova na ação civil pública
proposta pelo ministério público em defesa dos consumidores. Revista de Direito do
Consumidor, v. 31, jul./set. 1999, p. 70-79.
MATOS, Cecília. O ônus da prova no Código de Defesa do Consumidor. Revista de
Direito do Consumidor, v. 11, p. 161-189.
MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo. 15. ed. São Paulo:
Saraiva, 2002.
______. Tutela dos interesses difusos e coletivos. 4. ed. São Paulo: Damásio de
Jesus, 2004.
MENDES JÚNIOR, Manoel de Souza. O momento para a inversão do ônus da prova
com fundamento no código de defesa do consumidor. Revista de Processo, v. 114
mar./abr. 2004, p. 67-91.
MENDES, Aluísio Gonçalves de Castro. Ações coletivas no Direito Comparado e
Nacional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.
MENDONÇA, Rachel Pinheiro de Andrade. Provas ilícitas: limites à licitude
probatória. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004.
MICHELI, Gian Antonio. L’onere della prova. 2. ed. Padova: Cedam, 1966.
MILARÉ, Edis. Direito do Ambiente. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001.
MITTERMAYER. Tratado da prova em matéria criminal. 2. ed. Rio de Janeiro: J.
Ribeiro dos Santos, 1909.
MORAES, Voltaire de Lima. Anotações sobre o ônus da prova no Código de
Processo Civil e no Código de Defesa do Consumidor. Direito & Justiça, Porto
Alegre, v. 20, p. 309-319, 1999.
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 5. ed. São Paulo: Atlas, 1999.
140
MOREIRA, Carlos Roberto Barbosa. Notas sobre a inversão do ônus da prova em
benefício do consumidor. Revista de Processo, v. 86 abr./jun. 1997, p. 295-309.
MOREIRA, José Carlos Barbosa. A legitimação para a defesa dos interesses difusos
no Direito brasileiro. Revista Forense, Rio de Janeiro, v. 276. p. 1-6, out./dez. 1981.
NASCIMENTO, Tupinanbá Miguel Castro do. Comentários ao Código de Defesa do
Consumidor. Rio de Janeiro: Aide, 1991.
NERY JÚNIOR, Nelson. Aspectos do Processo Civil no Código de Defesa do
Consumidor, Revista de Direito do Consumidor. v. 1. p. 200-221.
______. Princípios do Processo Civil na Constituição Federal. 5. ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 1999.
______; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil comentado. 8.
ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004.
NICHELE, Rafael. A inversão do ônus da prova no Código de Defesa do
Consumidor. Direito & Justiça, Porto Alegre, v. 18, p. 209-225.
NOGUEIRA, Ana Liz Tizzoni. A prova no Direito do Consumidor. Curitiba: Juruá,
1998.
NUNES, Anelise Coelho. Apreciação probatória no Processo Civil. Porto Alegre:
Verbo Jurídico, 2001.
NUNES, Luiz Antônio Rizzato. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor.
São Paulo: Saraiva, 2000.
PASSOS, José Joaquim Calmon de. Comentários ao Código de Processo Civil. 8.
ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998. v. 3.
PEDRASSI, Cláudio Augusto. O ônus da prova e o art. 6º, VIII, do CDC. Revista da
Escola Paulista da Magistratura, São Paulo, v. 2, n. 2, jul./dez. 2001.
PETERS, Edson Luiz; PIRES, Paulo Tarso de Lara. Manual de Direito Ambiental.
Curitiba: Juruá, 2000.
PRADO, Luiz Régis. Crimes contra o ambiente. 2. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2001.
RIBEIRO, Darci Guimarães. Provas atípicas. Porto Alegre: Livraria do Advogado,
1998.
ROCHA, José de Albuquerque. Teoria geral do Processo. 7. ed. São Paulo: Atlas,
2004.
ROSENBERG, Leo. La carga de la prueba. Buenos Aires: Jurídicas Europa-America,
1956, § 1º.
141
RUIZ, Ivan Aparecido. O Papel do Juiz no Processo Civil Moderno. Revista Nobel
Iuris, v. 2 n.1, Maringá, 1 semestre 2004.
SANSONE, Priscila David. A inversão do ônus da prova na responsabilidade civil.
Revista de Direito do Consumidor, v. 40, ano 10, out./dez. 2001.
SANTOS, Ernani Fidélis dos. Manual de Direito Processual Civil. 11. ed. São Paulo:
Saraiva, 2006, v. 1.
SANTOS, Gildo dos. A prova no Processo Civil. São Paulo: Saraiva, 1979.
SANTOS, Moacyr Amaral. Comentários ao Código de Processo Civil. 8. ed. Rio de
Janeiro: Forense, 1998. v. 4.
______. Primeiras linhas de Direito Processual Civil. 23. ed. São Paulo: Saraiva,
2004. v. 2.
______. Prova judiciária no cível e comercial. 4. ed. São Paulo: Max Limonad, 1976,
v. 1.
SANTOS, Sandra Aparecida Sá dos. A inversão do ônus da prova. 2. ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2006.
SILVA, João Carlos Pestana de Aguiar. As provas no cível. Rio de Janeiro, Forense,
2003.
SILVA, José Afonso da Silva. Direito Ambiental Constitucional. 5. ed. São Paulo:
Malheiros, 2004.
______. Curso de Direito Constitucional positivo. 9. ed. São Paulo: Malheiros, 1994.
______. Fundamentos constitucionais da proteção do meio ambiente. Revista de
Direito Ambiental. ano 7, jul./set. 2002, p. 51-57.
SILVA, Ovídio Araújo Baptista da. Curso de Processo Civil. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1998, v. 1.
______. Teoria Geral do Processo Civil. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2000.
SILVA, Sandra Lengruber da. Elementos das Ações Coletivas. São Paulo: Método,
2004.
SILVEIRA, Clóvis Eduardo Malinverni da. A Inversão do Ônus da Prova na
Reparação do Dano Ambiental Difuso. LEITE, José Rubens Morato; DANTAS,
Marcelo Buzagio (Coords.). Aspectos Processuais do Direito Ambiental. Rio de
Janeiro: Forense, 2003.
SMANIO, Gianpaolo Poggio. Interesses difusos e coletivos. 6. ed. São Paulo: Atlas,
2004.
142
SOARES, Guido Fernando Silva. Common Law: introdução ao direito dos E.U.A..
São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999.
SOUZA, Paulo Roberto Pereira de. A tutela jurisdicional do meio ambiente e seu
grau de eficácia. LEITE, José Rubens Morato; DANTAS, Marcelo Buzaglo (Coords.).
Aspectos processuais do Direito Ambiental. Rio de Janeiro, Forense, 2003, p. 230-
275.
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. 44. ed. Rio de
Janeiro: Forense, 2006. v. 1.
VIGLIAR, José Marcelo Menezes. Tutela jurisdicional coletiva. São Paulo: Atlas,
1998.
WAMBIER, Luiz Rodrigues; ALMEIDA, Flávio Renato Correia de; TALAMINI,
Eduardo. Curso Avançado de Processo Civil. 8. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2006, v. 1.
WATANABE, Kazuo, et al. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor. 8. ed. Rio de
Janeiro: Forense, 2004.
ZAVASCKI, Teori Albino. Defesa de Direitos Coletivos e Defesa Coletiva de Direitos.
Revista Forense, Rio de Janeiro, v. 329, jan./mar. p. 147-160, 1995.
______. Reforma do sistema processual civil brasileiro e reclassificação da tutela
jurisdicional. Revista de Processo, v. 22, n. 88, p. 173-188, out./dez. 1997.
143
ANEXOS
Anexo A – Código Modelo de Processo Coletivo Ibero-América
INSTITUTO IBERO-AMÉRICANO DE DIREITO PROCESSUAL
Capítulo I – Disposições gerais
Art 1o. Cabimento da ação coletiva - A ação coletiva será exercida para a tutela de:
I - interesses ou direitos difusos, assim entendidos os transindividuais, de natureza
indivisível, de que seja titular um grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas por
circunstâncias de fato ou vinculadas, entre si ou com a parte contrária, por uma
relação jurídica base;
II - interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendido o conjunto de
direitos subjetivos individuais, decorrentes de origem comum, de que sejam titulares
os membros de um grupo, categoria ou classe.
Art 2o. Requisitos da ação coletiva - São requisitos da demanda coletiva:
I – a adequada representatividade do legitimado;
II a relevância social da tutela coletiva, caracterizada pela natureza do bem
jurídico, pelas características da lesão ou pelo elevado número de pessoas
atingidas.
Par. 1o. Para a tutela dos interesses ou direitos individuais homogêneos, além dos
requisitos indicados nos n. I e II deste artigo, é também necessária a aferição da
predominância das questões comuns sobre as individuais e da utilidade da tutela
coletiva no caso concreto.
Par.2o. Na análise da representatividade adequada o juiz deverá analisar dados
como:
a – a credibilidade, capacidade, prestígio e experiência do legitimado;
b seu histórico na proteção judicial e extrajudicial dos interesses ou direitos dos
membros do grupo, categoria ou classe;
c – sua conduta em outros processos coletivos;
(suprimir: d – sua capacidade financeira para a condução do processo coletivo;)
d a coincidência entre os interesses dos membros do grupo, categoria ou classe e
o objeto da demanda;
e o tempo de instituição da associação e a representatividade desta ou da pessoa
física perante o grupo, categoria ou classe.
Par. 3o – O juiz analisará a existência do requisito da representatividade adequada a
qualquer tempo e em qualquer grau do procedimento, aplicando, se for o caso, o
disposto no parágrafo 4o do artigo 3o.
Art. 3o. Legitimação ativa. São legitimados concorrentemente à ação coletiva:
I qualquer pessoa física, para a defesa dos interesses ou direitos difusos de que
seja titular um grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas por circunstâncias de
fato;
II o membro do grupo, categoria ou classe, para a defesa dos interesses ou
direitos difusos de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas
entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base e para a defesa de
interesses ou direitos individuais homogêneos;
III - o Ministério Público, o Defensor do Povo e a Defensoria Pública;
IV – as pessoas jurídicas de direito público interno;
V - as entidades e órgãos da Administração Pública, direta ou indireta, ainda que
sem personalidade jurídica, especificamente destinados à defesa dos interesses e
direitos protegidos por este código;
VI – as entidades sindicais, para a defesa dos interesses e direitos da categoria;
VII - as associações legalmente constituídas pelo menos um ano e que incluam
entre seus fins institucionais a defesa dos interesses e direitos protegidos neste
código, dispensada a autorização assemblear.
VIII - os partidos políticos, para a defesa de direitos e interesses ligados a seus fins
institucionais.
Par. 1°. O requisito da pré-constituição pode ser dispensado pelo juiz, quando haja
manifesto interesse social evidenciado pela dimensão ou característica do dano, ou
pela relevância do bem jurídico a ser protegido.
Par. 2o. Será admitido o litisconsórcio facultativo entre os legitimados.
Par. 3o. Em caso de relevante interesse social, o Ministério Público, se não ajuizar a
ação ou não intervier no processo como parte, atuará obrigatoriamente como fiscal
da lei.
Par.4o. Em caso de inexistência do requisito da representatividade adequada, de
desistência infundada ou abandono da ação por pessoa física, entidade sindical ou
associação legitimada, o juiz notificará o Ministério Público e, na medida do possível,
outros legitimados adequados para o caso a fim de que assumam, querendo, a
titularidade da ação.
Par.5o. O Ministério Público e os órgãos públicos legitimados poderão tomar dos
interessados compromisso administrativo de ajustamento de sua conduta às
exigências legais, mediante cominações, que terá eficácia de título executivo
extrajudicial.
Capítulo II – Dos provimentos jurisdicionais
Art. 4o. Efetividade da tutela jurisdicional - Para a defesa dos direitos e interesses
protegidos por este código são admissíveis todas as espécies de ações capazes de
propiciar sua adequada e efetiva tutela.
Art. 5o. Tutela jurisdicional antecipada - O juiz poderá, a requerimento da parte,
antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial,
desde que, com base em prova consistente, se convença da verossimilhança da
alegação e
145
I - haja fundado receio de ineficácia do provimento final ou
II fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou manifesto propósito
protelatório do demandado.
Par. 1o. Não se concederá a antecipação da tutela se houver perigo de
irreversibilidade do provimento antecipado, a menos que, num juízo de ponderação
dos valores em jogo, a denegação da medida signifique sacrifício irrazoável de bem
jurídico relevante.
Par. 2o. Na decisão que antecipar a tutela, o juiz indicará, de modo claro e preciso,
as razões de seu convencimento.
Par. 3o. A tutela antecipada poderá ser revogada ou modificada a qualquer tempo,
em decisão fundamentada.
Par. 4o. Se não houver controvérsia quanto à parte antecipada na decisão liminar,
após a oportunidade de contraditório esta se tornará definitiva e fará coisa julgada,
prosseguindo o processo, se for o caso, para julgamento dos demais pontos ou
questões postos na demanda.
Art. 6o. Obrigações de fazer e não fazer - Na ação que tenha por objeto o
cumprimento da obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica
da obrigação ou determinará providências que assegurem o resultado prático
equivalente ao do adimplemento.
Par. 1°. O juiz poderá, na hipótese de antecipação de tutela ou na sentença, impor
multa diária ao demandado, independentemente de pedido do autor, se for suficiente
ou compatível com a obrigação, fixando prazo razoável para o cumprimento do
preceito.
Par. 2o. O juiz poderá, de ofício, modificar o valor ou a periodicidade da multa, caso
verifique que se tornou insuficiente ou excessiva.
Par. 3°. Para a tutela específica ou para a obtenção do resultado prático equivalente,
poderá o juiz determinar as medidas necessárias, tais como busca e apreensão,
remoção de coisas e pessoas, desfazimento de obra, impedimento de atividade
nociva, além de requisição de força policial.
Par. 4°. A conversão da obrigação em perdas e danos somente será admissível se
por elas optar o autor ou se impossível a tutela específica ou a obtenção do
resultado prático correspondente.
Par. 5°. A indenização por perdas e danos se fará sem prejuízo da multa.
Art. 7o. Obrigações de dar - Na ação que tenha por objeto a obrigação de entregar
coisa, determinada ou indeterminada, aplicam-se, no que couber, as disposições do
artigo anterior.
Art. 8o. Ação indenizatória - Na ação condenatória à reparação dos danos
provocados ao bem indivisivelmente considerado, a indenização reverterá ao Fundo
dos Direitos Difusos e Individuais Homogêneos, administrado por um Conselho
Gestor governamental, de que participarão necessariamente membros do Ministério
Público, juízes e representantes da comunidade, sendo seus recursos destinados à
reconstituição dos bens lesados ou, não sendo possível, à realização de atividades
tendentes a minimizar a lesão ou a evitar que se repita, dentre outras que
beneficiem o bem jurídico prejudicado.
146
Par. 1o . O Fundo será notificado da propositura de toda ação coletiva e sobre as
decisões mais importantes do processo e poderá intervir nos processos coletivos em
qualquer tempo e grau de jurisdição para demonstrar a inadequação do
representante ou auxiliá-lo na tutela dos interesses ou direitos do grupo, categoria
ou classe;
Par. 2o. O Fundo manterá registros que especifiquem a origem e a destinação dos
recursos e indicará a variedade dos bens jurídicos a serem tutelados e seu âmbito
regional;
Par.3o. Dependendo da especificidade do bem jurídico afetado, da extensão
territorial abrangida e de outras circunstâncias consideradas relevantes, o juiz
poderá especificar, em decisão fundamentada, a destinação da indenização e as
providências a serem tomadas para a reconstituição dos bens lesados, podendo
indicar a realização de atividades tendentes a minimizar a lesão ou a evitar que se
repita, dentre outras que beneficiem o bem jurídico prejudicado;
Par. 4o. A decisão que especificar a destinação da indenização indicará, de modo
claro e preciso, as medidas a serem tomadas pelo Conselho Gestor do Fundo, bem
como um prazo razoável para que tais medidas sejam concretizadas;
Par. 5o. Vencido o prazo fixado pelo juiz, o Conselho Gestor do Fundo apresentará
relatório das atividades realizadas, facultada, conforme o caso, a solicitação de sua
prorrogação, para complementar as medidas determinadas na decisão judicial.
Capítulo III – Dos processos coletivos em geral
Art. 9o . Competência territorial - É competente para a causa o foro:
I – do lugar onde ocorreu ou deva ocorrer o dano, quando de âmbito local;
II – da Capital, para os danos de âmbito regional ou nacional, aplicando-se as regras
pertinentes de organização judiciária.
Art. 10. Pedido e causa de pedir - Nas ações coletivas, o pedido e a causa de pedir
serão interpretados extensivamente.
Par. 1o. Ouvidas as partes, o juiz permitirá a emenda da inicial para alterar ou
ampliar o objeto da demanda ou a causa de pedir.
Par. 2o. O juiz permitirá a alteração do objeto do processo a qualquer tempo e em
qualquer grau de jurisdição, desde que seja realizada de boa-fé, não represente
prejuízo injustificado para a parte contrária e o contraditório seja preservado.
Art. 11. Audiência preliminar - Encerrada a fase postulatória, o juiz designará
audiência preliminar, à qual comparecerão as partes ou seus procuradores,
habilitados a transigir.
Par.1o. O juiz ouvirá as partes sobre os motivos e fundamentos da demanda e
tentará a conciliação, sem prejuízo de sugerir outras formas adequadas de solução
do conflito, como a mediação, a arbitragem e a avaliação neutra de terceiro.
Par. 2o - A avaliação neutra de terceiro, obtida no prazo fixado pelo juiz, é sigilosa,
inclusive para este, e não vinculante para as partes, sendo sua finalidade exclusiva a
de orientá-las na tentativa de composição amigável do conflito.
147
Par.3o. Preservada a indisponibilidade do bem jurídico coletivo, as partes poderão
transigir sobre o modo de cumprimento da obrigação.
Par. 4o. Obtida a transação, será homologada por sentença, que constituirá título
executivo judicial.
Par. 5o. Não obtida a conciliação, sendo ela parcial, ou quando, por qualquer motivo,
não for adotado outro meio de solução do conflito, o juiz, fundamentadamente:
I – decidirá se a ação tem condições de prosseguir na forma coletiva;
II - poderá separar os pedidos em ações coletivas distintas, voltadas à tutela,
respectivamente, dos interesses ou direitos difusos e individuais homogêneos,
desde que a separação represente economia processual ou facilite a condução do
processo;
III - fixará os pontos controvertidos, decidirá as questões processuais pendentes e
determinará as provas a serem produzidas, designando audiência de instrução e
julgamento, se for o caso;
IV esclarecerá os encargos das partes quanto à distribuição do ônus da prova, de
acordo com o disposto no parágrafo 1o do artigo 12.
Art. 12. Provas - São admissíveis em juízo todos os meios de prova, desde que
obtidos por meios lícitos, incluindo a prova estatística ou por amostragem.
Par. 1o. O ônus da prova incumbe à parte que detiver conhecimentos técnicos ou
informações específicas sobre os fatos, ou maior facilidade em sua demonstração.
Não obstante, se por razões de ordem econômica ou técnica, o ônus da prova não
puder ser cumprido, o juiz determinará o que for necessário para suprir à deficiência
e obter elementos probatórios indispensáveis para a sentença de mérito, podendo
requisitar perícias à entidade pública cujo objeto estiver ligado à matéria em debate,
condenado-se o demandado sucumbente ao reembolso. Se assim mesmo a prova
não puder ser obtida, o juiz poderá ordenar sua realização, a cargo ao Fundo de
Direitos Difusos e Individuais Homogêneos.
Par. 2o Durante a fase instrutória, surgindo modificação de fato ou de direito
relevante para o julgamento da causa, o juiz poderá rever, em decisão motivada, a
distribuição do ônus da prova, concedido à parte a quem for atribuída a incumbência
prazo razoável para a produção da prova, observado o contraditório em relação à
parte contrária.
Par. 3o - O juiz poderá determinar de ofício a produção de provas, observado o
contraditório.
Art.13. Julgamento antecipado do mérito - O juiz decidirá desde logo a demanda
pelo mérito, quando não houver necessidade de produção de prova.
Parágrafo único. O juiz poderá decidir desde logo parte da demanda, quando não
houver necessidade de produção de prova, sempre que isso não importe em
prejulgamento direto ou indireto do litígio que continuar pendente de decisão,
prosseguindo o processo para a instrução e julgamento em relação aos demais
pedidos nos autos principais e a parte antecipada em autos complementares.
Art. 14. Legitimação à liquidação e execução da sentença condenatória - Decorridos
60 (sessenta) dias da passagem em julgado da sentença de procedência, sem que o
autor promova a liquidação ou execução, deverá fazê-lo o Ministério Público, quando
148
se tratar de interesse público relevante, facultada igual iniciativa, em todos os casos,
aos demais legitimados.
Art. 15. Custas e honorários - Nas ações coletivas de que trata este código, a
sentença condenará o demandado, se vencido, nas custas, emolumentos,
honorários periciais e quaisquer outras despesas, bem como em honorários de
advogados.
Par. 1o. No cálculo dos honorários, o juiz levará em consideração a vantagem para o
grupo, categoria ou classe, a quantidade e qualidade do trabalho desenvolvido pelo
advogado e a complexidade da causa.
Par. 2o. Se o legitimado for pessoa física, sindicato ou associação, o juiz poderá
fixar gratificação financeira quando sua atuação tiver sido relevante na condução e
êxito da ação coletiva.
Par. - Os autores da ação coletiva não adiantarão custas, emolumentos,
honorários periciais e quaisquer outras despesas, nem serão condenados, salvo
comprovada má-fé, em honorários de advogados, custas e despesas processuais.
Par. 4o. O litigante de má-fé e os responsáveis pelos respectivos atos serão
solidariamente condenados ao pagamento das despesas processuais, em
honorários advocatícios e no décuplo das custas, sem prejuízo da responsabilidade
por perdas e danos.
Art. 16. Prioridade de processamento - O juiz deverá dar prioridade ao
processamento da ação coletiva, quando haja manifesto interesse social
evidenciado pela dimensão do dano ou pela relevância do bem jurídico a ser
protegido.
Art. 17. Interrupção da prescrição - A citação valida para ação coletiva interrompe o
prazo de prescrição das pretensões individuais e transindividuais direta ou
indiretamente relacionadas com a controvérsia, retroagindo o efeito à data da
propositura da demanda.
Art.18. Efeitos da apelação A apelação da sentença definitiva tem efeito
meramente devolutivo, salvo quando a fundamentação for relevante e puder resultar
à parte lesão grave e de difícil reparação, hipótese em que o juiz pode atribuir ao
recurso efeito suspensivo.
Art.19. Execução definitiva e execução provisória A execução é definitiva quando
passada em julgado a sentença; e provisória, na pendência dos recursos cabíveis.
Par.1o A execução provisória corre por conta e risco do exeqüente, que responde
pelos prejuízos causados ao executado, em caso de reforma da sentença recorrida.
Par.2o A execução provisória permite a prática de atos que importem em
alienação do domínio ou levantamento do depósito em dinheiro.
Par.3o A pedido do executado, o juiz pode suspender a execução provisória
quando dela puder resultar lesão grave e de difícil reparação.
Capítulo IV – Da ação coletiva para a defesa de interesses ou direitos individuais
homogêneos
Art 20. Ação coletiva de responsabilidade civil - Os legitimados poderão propor, em
nome próprio e no interesse das vítimas ou seus sucessores, dentre outras (art.4o),
149
ação civil coletiva de responsabilidade pelos danos individualmente sofridos, de
acordo com o disposto nos artigos seguintes.
Parágrafo único. A determinação dos interessados poderá ocorrer no momento da
liquidação ou execução do julgado, não havendo necessidade de a petição inicial
estar acompanhada da relação de membros do grupo, classe ou categoria.
Conforme o caso, o juiz poderá determinar, ao réu ou a terceiro, a apresentação da
relação e dados de pessoas que se enquadram no grupo, categoria ou classe.
Art. 21. Citação e notificações - Estando em termos a petição inicial, o juiz ordenará
a citação do réu e a publicação de edital no órgão oficial, a fim de que os
interessados possam intervir no processo como assistentes ou coadjuvantes.
Par. 1o – Sem prejuízo da publicação do edital, o juiz determinará sejam os órgãos e
entidades de defesa dos interesses ou direitos protegidos neste Código notificados
da existência da demanda coletiva e de seu trânsito em julgado a fim de que
cumpram o disposto no caput deste artigo.
Par. 2o Quando for possível a execução do julgado, ainda que provisória, ou
estiver preclusa a decisão antecipatória dos efeitos da tutela pretendida, o juiz
determinará a publicação de edital no órgão oficial, às custas do demandado,
impondo-lhe, também, o dever de divulgar nova informação pelos meios de
comunicação social, observado o critério da modicidade do custo. Sem prejuízo das
referidas providências, o juízo providenciará a comunicação aos órgãos e entidades
de defesa dos interesses ou direitos protegidos neste código, para efeito do disposto
no parágrafo anterior.
Par. 3o -. Os intervenientes não poderão discutir suas pretensões individuais no
processo coletivo de conhecimento.
Art. 22. Sentença condenatória - Em caso de procedência do pedido, a condenação
poderá ser genérica, fixando a responsabilidade do demandado pelos danos
causados e o dever de indenizar.
Par. 1o. Sempre que possível, o juiz calculará o valor da indenização individual
devida a cada embro do grupo na própria ação coletiva
Par. 2o. Quando o valor dos danos individuais sofridos pelos membros do grupo for
uniforme, prevalentemente uniforme ou puder ser reduzido a uma fórmula
matemática, a sentença coletiva indicará o valor ou a fórmula de cálculo da
indenização individual.
Par.3o - O membro do grupo que considerar que o valor da indenização individual ou
a fórmula para seu cálculo diverso do estabelecido na sentença coletiva, poderá
propor ação individual de liquidação.
Art. 23. Liquidação e execução individuais - A liquidação e a execução de sentença
poderão ser promovidas pela vítima e seus sucessores, assim como pelos
legitimados à ação coletiva.
Parágrafo único. Na liquidação da sentença, que poderá ser promovida no foro do
domicílio do liquidante, caberá a este provar, o só, o dano pessoal, o nexo de
causalidade e o montante da indenização.
Art 24. Execução coletiva - A execução poderá ser coletiva, sendo promovida pelos
legitimados à ação coletiva, abrangendo as vítimas cujas indenizações tiverem
sido fixadas em liquidação, sem prejuízo do ajuizamento de outras execuções.
150
Parágrafo único. A execução coletiva far-se-á com base em certidão das decisões
de liquidação, da qual constará a ocorrência , ou não, do trânsito em julgado.
Art. 25. Do pagamento. O pagamento das indenizações ou o levantamento do
depósito será feito pessoalmente aos beneficiários.
Art. 26. Competência para a execução. É competente para a execução o juízo:
I - da liquidação da sentença ou da ação condenatória, no caso de execução
individual;
II - da ação condenatória, quando coletiva a execução.
Art 27. Liquidação e execução pelos danos globalmente causados - Decorrido o
prazo de um ano sem habilitação de interessados em número compatível com a
gravidade do dano, poderão os legitimados do artigo 3o promover a liquidação e
execução coletiva da indenização devida pelos danos causados.
Parágrafo único. O valor da indenização será fixado de acordo com o dano
globalmente causado, que será demonstrado por todas as provas admitidas em
direito. Sendo a produção de provas difícil ou impossível, em razão da extensão do
dano ou de sua complexidade, o valor da indenização será fixado por arbitramento.
(Suprimir - Par. 2o. Quando não for possível a identificação dos interessados, o
produto da indenização reverterá para o Fundo de Direitos Difusos e Individuais
Homogêneos.)
Art 28. Concurso de créditos - Em caso de concurso de créditos decorrentes de
condenação de que trata o artigo 6o e de indenizações pelos prejuízos individuais
resultantes do mesmo evento danoso, estas terão preferência no pagamento.
Parágrafo único. Para efeito do disposto neste artigo, a destinação da importância
recolhida ao fundo ficará sustada enquanto pendentes de decisão de segundo grau
as ações de indenização pelos danos individuais, salvo na hipótese de o patrimônio
do devedor ser manifestamente suficiente para responder pela integralidade das
dívidas.
Par. 2o. O produto da indenização reverterá para o fundo previsto no artigo 6o.
Capítulo V – Da conexão, da litispendência e da coisa julgada
Art. 29. Conexão - Se houver conexão entre as causas coletivas, ficará prevento o
juízo que conheceu da primeira ação, podendo ao juiz, de ofício ou a requerimento
da parte, determinar a reunião de todos os processos, mesmo que nestes não atuem
integralmente os mesmos sujeitos processuais.
Art. 30. Litispendência - A primeira ação coletiva induz litispendência para as demais
ações coletivas que tenham por objeto controvérsia sobre o mesmo bem jurídico,
mesmo sendo diferentes o legitimado ativo e a causa de pedir.
Art. 31. Relação entre ação coletiva e ações individuais - A ação coletiva não induz
litispendência para as ações individuais, mas os efeitos da coisa julgada coletiva
(art. 33) não beneficiarão os autores das ações individuais, se não for requerida sua
suspensão no prazo de 30 (trinta) dias, a contar da ciência efetiva da ação coletiva.
Parágrafo único Cabe ao demandado informar o juízo da ação individual sobre a
existência de ação coletiva com o mesmo fundamento, sob pena de, não o fazendo,
151
o autor individual beneficiar-se da coisa julgada coletiva mesmo no caso da
demanda individual ser rejeitada.
Art. 32. Conversão de ações individuais em ação coletiva. O juiz, tendo
conhecimento da existência de diversos processos individuais correndo contra o
mesmo demandado, com o mesmo fundamento, notificará o Ministério Público e, na
medida do possível, outros representantes adequados, a fim de que proponham,
querendo, ação coletiva, ressalvada aos autores individuais a faculdade prevista no
artigo anterior.
Art. 33. Coisa julgada - Nas ações coletivas de que trata este código, a sentença
fará coisa julgada erga omnes, exceto se o pedido for julgado improcedente por
insuficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra
ação, com idêntico fundamento valendo-se de nova prova.
Par. 1o. Mesmo na hipótese de improcedência fundada nas provas produzidas,
qualquer legitimado poderá intentar outra ação, com idêntico fundamento, quando
surgir prova nova, superveniente, que não poderia ter sido produzida no processo.
Par. - Tratando-se de interesses ou direitos individuais homogêneos, em caso de
improcedência do pedido, os interessados poderão propor ação de indenização a
título individual.
Par. 3°. Os efeitos da coisa julgada nas ações em defesa de interesses ou direitos
difusos não prejudicarão as ações de indenização por danos pessoalmente sofridos,
propostas individualmente ou na forma prevista neste código, mas, se procedente o
pedido, beneficiarão as vítimas e seus sucessores, que poderão proceder à
liquidação e à execução, nos termos dos artigos 22 a 24.
Par. 4º. Aplica-se o disposto no parágrafo anterior à sentença penal condenatória.
Par. 5º. A competência territorial do órgão julgador não representará limitação para a
coisa julgada erga omnes.
Art. 34. Relações jurídicas continuativas - Nas relações jurídicas continuativas, se
sobrevier modificação no estado de fato ou de direito, a parte poderá pedir a revisão
do que foi estatuído por sentença.
Capítulo VI – Da ação coletiva passiva
Art. 35. Ações contra o grupo, categoria ou classe - Qualquer espécie de ação pode
ser proposta contra uma coletividade organizada ou que tenha representante
adequado, nos termos do parágrafo 2o do artigo 2o deste código, e desde que o
bem jurídico a ser tutelado seja transindividual (artigo 1o) e se revista de interesse
social.
Art. 36 Coisa julgada passiva: interesses ou direitos difusos - Quando se tratar de
interesses ou direitos difusos, a coisa julgada atuará erga omnes, vinculando os
membros do grupo, categoria ou classe.
Art. 37. Coisa julgada passiva: interesses ou direitos individuais homogêneos -
Quando se tratar de interesses ou direitos individuais homogêneos, a coisa julgada
atuará erga omnes no plano coletivo, mas a sentença de procedência não vinculará
os membros do grupo, categoria ou classe, que poderão mover ações próprias ou
defender-se no processo de execução para afastar a eficácia da decisão na sua
esfera jurídica individual.
152
Parágrafo único Quando a ação coletiva passiva for promovida contra o sindicato,
como substituto processual da categoria, a coisa julgada terá eficácia erga omnes,
vinculando individualmente todos os membros, mesmo em caso de procedência do
pedido.
Art. 38 Aplicação complementar às ações passivas Aplica-se
complementariamente às ações coletivas passivas o disposto neste Código quanto
às ações coletivas ativas, no que não for incompatível.
Capítulo VII – Disposições finais
Art. 39. Princípios de interpretação - Este código será interpretado de forma aberta e
flexível, compatível com a tutela coletiva dos interesses e direitos de que trata.
Art. 40. Especialização dos magistrados - Sempre que possível, as ações coletivas
serão processadas e julgadas por magistrados especializados.
Art. 41. Aplicação subsidiárias das normas processuais gerais e especiais - Aplicam-
se subsidiariamente, no que não forem incompatíveis, as disposições do Código de
Processo Civil e legislação especial pertinente.
Agosto de 2004
153
Anexo B - Anteprojeto de Código Brasileiro de Processos Coletivos
Exposição de Motivos
1 A Lei n. 7.347/85 a denominada lei da ação civil pública - acaba de
completar 20 anos. muito com o que se regozijar, mas também resta muito a
fazer. Não dúvidas de que a lei revolucionou o direito processual brasileiro,
colocando o país numa posição de vanguarda entre os países de civil law e ninguém
desconhece os excelentes serviços prestados à comunidade na linha evolutiva de
um processo individualista para um processo social. Muitos são seus méritos,
ampliados e coordenados pelo sucessivo Código de Defesa do Consumidor, de
1990. Mas antes mesmo da entrada em vigor do CDC, e depois de sua
promulgação, diversas leis regularam a ação civil pública, em dispositivos esparsos
e às vezes colidentes. Podem-se, assim, citar os artigos 3º, 4º, 5º, e da Lei n.
7.853, de 24 de outubro de 1989; o artigo da Lei n. 7.913, de 7 de dezembro de
1989; os artigos 210, 211, 212, 213, 215, 217, 218, 219, 222, 223 e 224 da Lei n.
8.069, de 13 de junho de 1990; o artigo 17 da Lei n. 8.429, de 2 de junho de 1992; o
artigo 2º da Lei n. 9.494, de 10 de setembro de 1997; e os artigos 80, 81, 82, 83, 85,
91, 92 e 93 da Lei n. 10.741, de 1º de outubro de 2003.
Outras dificuldades têm sido notadas pela concomitante aplicação à tutela de
direitos ou interesses difusos e coletivos pela Ação Civil Pública e pela Ação Popular
constitucional, acarretando problemas práticos quanto à conexão, à continência e à
prevenção, assim como reguladas pelo CPC, o qual certamente não tinha e não tem
em vista o tratamento das relações entre processos coletivos. E mesmo entre
diversas ações civis públicas, concomitantes ou sucessivas, têm surgido problemas
que geraram a multiplicidade de liminares, em sentido oposto, provocando um
verdadeiro caos processual que foi necessário resolver mediante a suscitação de
conflitos de competência perante o STJ. O que indica, também, a necessidade de
regular de modo diverso a questão da competência concorrente.
Assim, não se pode desconhecer que 20 anos de aplicação da LACP, com os
aperfeiçoamentos trazidos pelo Código de Defesa do Consumidor, têm posto à
mostra não apenas seus méritos, mas também suas falhas e insuficiências, gerando
reações, quer do legislativo, quer do executivo, quer do judiciário, que objetivam
limitar seu âmbito de aplicação. No campo do governo e do Poder Legislativo, vale
lembrar, por exemplo, medidas provisórias e leis que tentaram limitar os efeitos da
sentença ao âmbito territorial do juiz, que restringiram a utilização de ações civis
públicas por parte das associações as quais, aliás, necessitam de estímulos para
realmente ocuparem o lugar de legitimados ativos que lhes compete. E, no campo
jurisdicional, podemos lembrar as posições contrárias à legitimação das defensorias
públicas, ao controle difuso da constitucionalidade na ação civil pública, à extração
de carta de sentença para execução provisória por parte do beneficiário que não foi
parte do processo coletivo, assim como, de um modo geral, a interpretação rígida
das normas do processo, sem a necessária flexibilização da técnica processual.
E ainda: a aplicação prática das normas brasileiras sobre processos coletivos
(ação civil pública, ação popular, mandado de segurança coletivo) tem apontado
154
para dificuldades práticas decorrentes da atual legislação: assim, por exemplo,
dúvidas surgem quanto à natureza da competência territorial (absoluta ou relativa), a
litispendência (quando é diverso o legitimado ativo), a conexão (que, rigidamente
interpretada, leva à proliferação de ações coletivas e à multiplicação de decisões
contraditórias), a possibilidade de se repetir a demanda em face de prova
superveniente e a de se intentar ação em que o grupo, categoria ou classe figure no
pólo passivo da demanda.
Por outro lado, a evolução doutrinária brasileira a respeito dos processos
coletivos autoriza a elaboração de um verdadeiro Direito Processual Coletivo, como
ramo do direito processual civil, que tem seus próprios princípios e regras, diversos
dos do Direito Processual Individual. Os institutos da legitimação, competência,
poderes e deveres do juiz e do Ministério Público, conexão, litispendência,
liquidação e execução da sentença, coisa julgada, entre outros, têm feição própria
nas ações coletivas que, por isso mesmo, se enquadram numa Teoria Geral dos
Processos Coletivos. Diversas obras, no Brasil, tratam do assunto. E o país,
pioneiro no tratamento dos interesses e direitos transindividuais e dos individuais
homogêneos, por intermédio da LACP e do CDC, tem plena capacidade para
elaborar um verdadeiro Código de Processos Coletivos, que mais uma vez o
colocará numa posição de vanguarda, revisitando a técnica processual por
intermédio de normas mais abertas e flexíveis, que propiciem a efetividade do
processo coletivo.
2 Acresça-se a tudo isto a elaboração do Código Modelo de Processos
Coletivos para Ibero-América, aprovado nas Jornadas do Instituto Ibero-americano
de Direito Processual, na Venezuela, em outubro de 2004. Ou seja, de um Código
que possa servir não como repositório de princípios, mas também como modelo
concreto para inspirar as reformas, de modo a tornar mais homogênea a defesa dos
interesses e direitos transindividuais em países de cultura jurídica comum.
Deveu-se a Ada Pellegrini Grinover, Kazuo Watanabe e Antonio Gidi a
elaboração da primeira proposta de um Código Modelo, proposta essa que
aperfeiçoou as regras do microssistema brasileiro de processos coletivos, sem
desprezar a experiência das class-actions norte-americanas. Muitas dessas
primeiras regras, que foram apefeiçoadas com a participação ativa de outros
especialistas ibero-americanos (e de mais um brasileiro, Aluísio de Castro Mendes),
passaram depois do Código Modelo para o Anteprojeto de Código Brasileiro de
Processos Coletivos.
3 - O Código Modelo foi profundamente analisado e debatido no Brasil, no final
de 2.003, ao ensejo do encerramento do curso de pós-graduação stricto sensu da
Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, por professores e pós-
graduandos da disciplina “Processos Coletivos”, ministrada em dois semestres por
Ada Pellegrini Grinover e Kazuo Watanabe, para verificar como e onde suas normas
poderiam ser incorporadas, com vantagem, pela legislação brasileira. E daí surgiu a
idéia da elaboração de um Código Brasileiro de Processos Coletivos, que
aperfeiçoasse o sistema, sem desfigurá-lo. Ada Pellegrini Grinover coordenou os
trabalhos do grupo de pós-graduandos de 2.003 que se dispôs a preparar propostas
de Código Brasileiro de Processos Coletivos, progressivamente trabalhadas e
melhoradas. O grupo inicialmente foi formado pelo doutorando Eurico Ferraresi e
pelos mestrandos Ana Cândida Marcato, Antônio Guidoni Filho e Camilo Zufelato.
Depois, no encerramento do curso de 2004, outra turma de pós-graduandos,
155
juntamente com a primeira, aportou aperfeiçoamentos à proposta, agora também
contando com a profícua colaboração de Carlos Alberto Salles e Paulo Lucon.
Nasceu assim a primeira versão do Anteprojeto, trabalhado também pelos
mestrandos, doutorandos e professores da disciplina, durante o ano de 2.005. O
Instituto Brasileiro de Direito Processual, por intermédio de seus membros, ofereceu
diversas sugestões. No segundo semestre de 2.005, o texto foi analisado por grupos
de mestrandos da UERJ e da Universidade Estácio de Sá, sob a orientação de
Aluísio de Castro Mendes, daí surgindo mais sugestões. O IDEC também foi ouvido
e aportou sua contribuição ao aperfeiçoamento do Anteprojeto. Este foi apresentado
ao Ministério Público do Estado do Paraná e ao Ministério Público da União, cujos
membros colaboraram com suas idéias. O Ministério Público dos Estados de São
Paulo e do Paraná constituíram comissões encarregadas de examinar
oficialmente o Anteprojeto e de oferecer sugestões. Enfim, tudo está pronto para que
o trabalho seja submetido a ampla consulta pública.
4 Em síntese, pode-se afirmar que a tônica do Anteprojeto é a de manter, em
sua essência, as normas da legislação em vigor, aperfeiçoando-as por intermédio de
regras não mais claras, mas sobretudo mais flexíveis e abertas, adequadas às
demandas coletivas. Corresponde a essa necessidade de flexibilização da técnica
processual um aumento dos poderes do juiz o que, aliás, é uma tendência até do
processo civil individual. Na revisitação da técnica processual, são pontos
importantes do Anteprojeto a reformulação do sistema de preclusões sempre na
observância do contraditório -, a reestruturação dos conceitos de pedido e causa de
pedir a serem interpretados extensivamente e de conexão, continência e
litispendência que devem levar em conta a identidade do bem jurídico a ser
tutelado; o enriquecimento da coisa julgada, com a previsão do julgado “secundum
eventum probationis”; a ampliação dos esquemas da legitimação, para garantir
maior acesso à justiça, mas com a paralela observância de requisitos que
configuram a denominada “representatividade adequada” e põem em realce o
necessário aspecto social da tutela dos interesses e direitos difusos, coletivos e
individuais homogêneos, colocando a proteção dos direitos fundamentais de terceira
geração a salvo de uma indesejada banalização.
5 – O Anteprojeto engloba todos os atuais processos coletivos brasileiros – com
exceção dos relativos ao controle da constitucionalidade, que não se destinam à
defesa de interesses ou direitos de grupos, categorias ou classes de pessoas -,
sendo constituído de VI Capítulos.
O Capítulo I cuida das demandas coletivas em geral, aplicando-se a todas elas
e tratando de manter diversos dispositivos vigentes, mas também regrando matérias
novas ou reformuladas como o pedido e a causa de pedir, a conexão e a
continência, a relação entre ação coletiva e ações individuais, a questão dos
processos individuais repetitivos. Também novas são as normas sobre interrupção
da prescrição, a prioridade de processamento e a utilização de meios eletrônicos
para a prática de atos processuais, a preferência pelo processamento e julgamento
por juízos especializados, a previsão de gratificação financeira para segmentos
sociais que atuem na condução do processo. A questão do ônus da prova é
revisitada, dentro da moderna teoria da carga dinâmica da prova. As normas sobre
coisa julgada, embora atendo-se ao regime vigente, são simplificadas,
contemplando, como novidade, a possibilidade de repropositura da ação, no prazo
de 2 (dois) anos contados da descoberta de prova nova, superveniente, idônea para
mudar o resultado do primeiro processo e que neste não foi possível produzir, bem
156
como a atenuação da coisa julgada “secundum eventum litis”, quando autor da
demanda é o sindicato, legitimado pela Constituição como substituto processual. Os
efeitos da apelação e a execução provisória têm regime próprio, adequado às novas
tendências do direito processual.
O Capítulo II, dividido em duas seções, trata da ação coletiva. Preferiu-se essa
denominação à tradicional de “ação civil pública”, não por razões doutrinárias,
mas sobretudo para obstar a decisões que não têm reconhecido a legitimação de
entidades privadas a uma ação que é denominada de “pública”
A Seção I deste Capítulo é voltada às disposições gerais, deixando-se
expresso o cabimento da ação como instrumento do controle difuso de
constitucionalidade. A grande novidade consiste em englobar nas normas sobre a
legitimação ativa, consideravelmente ampliada, requisitos fixados por lei,
correspondentes à categoria da “representatividade adequada”. A representatividade
adequada é, assim, comprovada por critérios objetivos, legais, para a grande maioria
dos legitimados, com exceção da pessoa física – à qual diversas constituições ibero-
americanas conferem legitimação em relação a quem o juiz aferirá a presença dos
requisitos em concreto. Por outro lado, a exigência de representatividade adequada
é essencial para o reconhecimento legal da figura da ação coletiva passiva, objeto
do Capítulo III, em que o grupo, categoria ou classe de pessoas figura na relação
jurídica processual como réu.
A regra de competência territorial é deslocada para esse Capítulo (no CDC
figura indevidamente entre as regras que regem a ação em defesa de interesses ou
direitos individuais homogêneos, o que tem provocado não poucas discussões),
eliminando-se, em alguns casos, a regra da competência concorrente entre Capitais
dos Estados e Distrito Federal ou entre comarcas, motivo de proliferações de
demandas e de decisões contraditórias. Para as demandas de índole nacional é
fixada a competência territorial do Distrito Federal, único critério que possibilitará
centralizá-las, evitando investidas do Legislativo atualmente consubstanciadas em
proposta de Emenda Constitucional que pretende atribuir ao STJ a competência
para decidir a respeito do foro competente.
O inquérito civil é mantido nos moldes da Lei da Ação Civil Pública, mas se
deixa claro que as peças informativas nele colhidas poderão ser aproveitadas na
ação coletiva desde que tenha havido participação do investigado na sua colheita,
com exclusão das provas periciais, em que o contraditório poderá ser diferido. Afinal,
a Constituição federal garante o contraditório no processo administrativo, conquanto
não punitivo, em que haja “litigantes” (ou seja, titulares de conflitos de interesses) e
o investigado tem direito a um contraditório adequado ao processo administrativo: o
que não deixa de ser conveniente para o Ministério Público, uma vez que no
processo judicial o juiz poderá antecipar a tutela com base nos dados colhidos no
inquérito.
Deixa-se ao Ministério Público maior liberdade para intervir no processo como
fiscal da lei. A audiência preliminar é tratada nos moldes de proposta legislativa
existente para o processo individual, com o intuito de transformar o juiz em
verdadeiro gestor do processo, dando-se ênfase aos meios alternativos de solução
de controvérsias; deixa-se claro, aliás, até onde poderá ir a transação outra dúvida
que tem aparecido nas demandas coletivas - bem como seus efeitos no caso de
acordo a que não adira o membro do grupo, categoria ou classe, em se tratando de
direitos ou interesses individuais homogêneos. O Fundo dos Direitos Difusos e
157
Coletivos, dividido em federal e estaduais, é regulamentado de modo a resguardar
aderência à destinação do dinheiro arrecadado, cuidando-se também do necessário
controle e da devida transparência. Além disso, norma de relevante interesse para
os autores coletivos atribui ao Fundo a responsabilidade pelos custos das perícias.
A Seção II do Capítulo II trata da ação coletiva para a defesa de interesses ou
direitos individuais homogêneos. E, com relação à ação de responsabilidade civil
reparatória dos danos pessoalmente sofridos, inova no regime das notificações,
necessárias não no momento da propositura da demanda como é hoje mas
também quando houver decisões que favoreçam os membros do grupo: com efeito,
o desconhecimento da existência de liminares ou da sentença de procedência tem
impedido aos beneficiados a fruição de seus direitos. Outra novidade está na
sentença condenatória que, quando possível, não será genérica, mas poderá fixar a
indenização devida aos membros do grupo, ressalvado o direito à liquidação
individual. Estabelecem-se novas regras sobre a liquidação e a execução da
sentença, coletiva ou individual, ampliando as regras de competência e a
legitimação, tudo no intuito de facilitar a fruição dos direitos por parte dos
beneficiários. É mantida a fluid recovery.
O Capítulo III introduz no ordenamento brasileiro a ação coletiva passiva, ou
seja a ação promovida não pelo, mas contra o grupo, categoria ou classe de
pessoas. A jurisprudência brasileira vem reconhecendo o cabimento dessa ação (a
defendant class action do sistema norte-americano), mas sem parâmetros que rejam
sua admissibilidade e o regime da coisa julgada. A pedra de toque para o cabimento
dessas ações é a representatividade adequada do legitimado passivo,
acompanhada pelo requisito do interesse social. A ação coletiva passiva será
admitida para a tutela de interesses ou direitos difusos ou coletivos, pois esse é o
caso que desponta na defendant class action”, conquanto os efeitos da sentença
possam colher individualmente os membros do grupo, categoria ou classe de
pessoas. Por isso, o regime da coisa julgada é perfeitamente simétrico ao fixado
para as ações coletivas ativas.
O Capítulo IV trata do mandado de segurança coletivo, até hoje sem disciplina
legal. Deixa-se claro que pode ele ser impetrado, observados os dispositivos
constitucionais, para a defesa de direito líquido e certo ligado a interesses ou direitos
difusos, coletivos e individuais homogêneos, espancando-se assim dúvidas
doutrinárias e jurisprudenciais. Amplia-se a legitimação para abranger o MP, dentro
do permissivo constitucional do art. 129, IX, CF, e a Defensoria Pública. De resto,
aplicam-se ao mandado de segurança coletivo as disposições da Lei n. 1.533/51, no
que não forem incompatíveis com a defesa coletiva, assim como o Capítulo I do
Código, inclusive no que respeita às custas e honorários advocatícios.
O Capítulo V trata das ações populares, sendo a Seção I dedicada à ação
popular constitucional. Aplicam-se aqui as disposições do Capítulo I e as regras da
Lei n. 4.717/65, com a modificação de alguns artigos desta para dar maior liberdade
de ação ao Ministério Público, para prever a cientificação do representante da
pessoa jurídica de direito público e para admitir a repropositura da ação, diante de
prova superveniente, nos moldes do previsto para a ação coletiva.
A Seção II do Capítulo V cuida da ação de improbidade administrativa que,
embora rotulada pela legislação inerente ao MP como ação civil pública, é, no
entanto, uma verdadeira ação popular (destinada à proteção do interesse público e
não à defesa de interesses e direitos de grupos, categorias e classes de pessoas),
158
com legitimação conferida por lei ao Ministério Público. Esta legitimação encontra
embasamento no art.129, IX, da Constituição. Aqui também a lei de regência será a
Lei n.8.429/92, aplicando-se à espécie as disposições do Capítulo I do Código.
Finalmente, o Capítulo VI trata das disposições finais, criando o Cadastro
Nacional de Processos Coletivos, a ser organizado e mantido pelo Conselho
Nacional de Justiça; fixando princípios de interpretação, determinando a aplicação
subsidiária do Código de Processo Civil, no que não for incompatível,
independentemente da Justiça competente e notadamente quanto aos recursos e
dando nova redação a dispositivos legais (inclusive em relação à antecipação de
tutela e à sua estabilização, nos moldes do référé francês e consoante Projeto de Lei
do Senado). Revogam-se expressamente: a Lei da Ação Civil Pública e os arts. 81 a
104 do Código de Defesa do Consumidor (pois o Anteprojeto trata por completo da
matéria); o parágrafo 3
o
do art. 5
o
da Lei da Ação Popular, que fixa a prevenção da
competência no momento da propositura da ação, colidindo com o princípio do
Capítulo I do Anteprojeto; bem como diversos dispositivos de leis esparsas que se
referem à ação civil pública, cujo cuidadoso levantamento foi feito por Marcelo Vigliar
e que tratam de matéria completamente regulada pelo Anteprojeto.
A entrada em vigor do Código é fixada em cento e oitenta dias a contar de sua
publicação.
6 - Cumpre observar, ainda, que o texto ora apresentado deve ser amplamente
divulgado e discutido, não por especialistas e operadores do direito mas também
pela sociedade civil, com o intuito de aperfeiçoá-lo. Por ora, pode-se afirmar que o
Anteprojeto representa um esforço coletivo, sério e equilibrado, no sentido de reunir,
sistematizar e melhorar as regras brasileiras sobre processos coletivos, hoje
existentes em leis esparsas, às vezes inconciliáveis entre si, harmonizando-as e
conferindo-lhes tratamento consentâneo com a relevância jurídica, social e política
dos interesses e direitos transindividuais e individuais homogêneos. Tudo com o
objetivo de tornar sua aplicação mais clara e correta, de superar obstáculos e
entraves que têm surgido na prática legislativa e judiciária e de inovar na técnica
processual, de modo a extrair a maior efetividade possível de importantes
instrumentos constitucionais de direito processual.
São Paulo, outubro de 2005
Ada Pellegrini Grinover
Professora Titular de Direito Processual da USP
Presidente do Instituto Brasileiro de Direito Processual
ANTEPROJETO DE CÓDIGO BRASILEIRO DE PROCESSOS COLETIVOS
Capítulo I – Das demandas coletivas
Art. 1º. Da tutela jurisdicional coletiva A tutela jurisdicional coletiva é
exercida por intermédio da ação coletiva ativa (Capítulo II, Seções I e II), da ação
coletiva passiva (Cap. III), do mandado de segurança coletivo (Capítulo IV) e das
ações populares (Capítulo V, Seções I e II), sem prejuízo de outras ações criadas
por lei.
159
Art. 2
o
. Efetividade da tutela jurisdicional Para a defesa dos direitos e
interesses indicados neste Código são admissíveis todas as espécies de ações e
provimentos capazes de propiciar sua adequada e efetiva tutela, inclusive os
previstos no Código de Processo Civil e em leis especiais.
Art. 3º. Objeto da tutela coletiva A demanda coletiva será exercida para a
tutela de:
I interesses ou direitos difusos, assim entendidos os transindividuais, de
natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por
circunstâncias de fato;
II interesses ou direitos coletivos, assim entendidos os transindividuais, de
natureza indivisível, de que seja titular um grupo, categoria ou classe de pessoas
ligadas, entre si ou com a parte contrária, por uma relação jurídica base;
III interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os
decorrentes de origem comum.
Parágrafo único. Não se admitirá ação coletiva que tenha como pedido a
declaração de inconstitucionalidade, mas esta poderá ser objeto de questão
prejudicial, pela via do controle difuso.
Art. - Pedido e causa de pedir Nas ações coletivas, a causa de pedir e o
pedido serão interpretados extensivamente, em conformidade com o bem jurídico a
ser protegido.
Parágrafo único. A requerimento da parte interessada, até a prolação da
sentença, o juiz permitirá a alteração do pedido ou da causa de pedir, desde que
seja realizada de boa-fé, não represente prejuízo injustificado para a parte contrária
e o contraditório seja preservado, mediante possibilidade de nova manifestação de
quem figure no pólo passivo da demanda, no prazo de 5 (cinco) dias.
Art. 5º. Relação entre demandas coletivas Observado o disposto no artigo
20 deste Código, as demandas coletivas de qualquer espécie poderão ser reunidas,
de ofício ou a requerimento das partes, ficando prevento o juízo perante o qual a
demanda foi distribuída em primeiro lugar, quando houver:
I – conexão, pela identidade de pedido ou causa de pedir, conquanto diferentes
os legitimados ativos, e para os fins da ação prevista no Capítulo III, os legitimados
passivos;
II continência, pela identidade de partes e causa de pedir, observado o
disposto no inciso anterior, sendo o pedido de uma das ações mais abrangente do
que o das demais.
Par. 1º. Na análise da identidade do pedido e da causa de pedir, será
considerada a identidade do bem jurídico a ser protegido.
Par. 2º. Na hipótese de conexidade entre ações coletivas referidas ao mesmo
bem jurídico, o juiz prevento deverá obrigatoriamente determinar a reunião de
processos para julgamento conjunto.
Par. 3º. Aplicam-se à litispendência as regras dos incisos I e II deste artigo,
quanto à identidade de legitimados ativos ou passivos, e a regra de seu parágrafo
1º, quanto à identidade do pedido e da causa de pedir.
160
Art. 6º. Relação entre demanda coletiva e ações individuais A demanda
coletiva não induz litispendência para as ações individuais em que sejam postulados
direitos ou interesses próprios e específicos de seus autores, mas os efeitos da
coisa julgada coletiva (art. 12 deste Código) não beneficiarão os autores das ações
individuais, se não for requerida sua suspensão no prazo de 30 (trinta) dias, a contar
da ciência efetiva da demanda coletiva nos autos da ação individual.
Par. 1
o
. Cabe ao demandado informar o juízo da ação individual sobre a
existência de demanda coletiva que verse sobre idêntico bem jurídico, sob pena de,
não o fazendo, o autor individual beneficiar-se da coisa julgada coletiva mesmo no
caso de a ação individual ser rejeitada.
Par. 2
o
. A suspensão do processo individual perdurará até o trânsito em julgado
da sentença coletiva, facultado ao autor requerer a retomada do curso do processo
individual, a qualquer tempo, independentemente da anuência do réu, hipótese em
que não poderá mais beneficiar-se da sentença coletiva.
Par. 3º. O Tribunal, de ofício, por iniciativa do juiz competente ou , após
instaurar o, em qualquer hipótese, o contraditório, poderá determinar a suspensão
de processos individuais em que se postule a tutela de interesses ou direitos
individuais referidos a relação jurídica substancial de caráter incindível, pela sua
própria natureza ou por força de lei, a cujo respeito as questões devam ser decididas
de modo uniforme e globalmente, quando houver sido ajuizada demanda coletiva
versando sobre o mesmo bem jurídico.
Par. 4º. Na hipótese do parágrafo anterior, a suspensão do processo perdurará
até o trânsito em julgado da sentença coletiva, vedada ao autor a retomada do curso
do processo individual.
Art. 7
o
. Comunicação sobre processos repetitivos. O juiz, tendo
conhecimento da existência de diversos processos individuais correndo contra o
mesmo demandado, com identidade de fundamento jurídico, notificará o Ministério
Público e, na medida do possível, outros legitimados, a fim de que proponham,
querendo, demanda coletiva, ressalvada aos autores individuais a faculdade prevista
no artigo anterior.
Parágrafo único. Caso o Ministério Público não promova a demanda coletiva,
no prazo de 90 (noventa) dias, o juiz, se considerar relevante a tutela coletiva, fará
remessa das peças dos processos individuais ao procurador-geral, e este ajuizará a
demanda coletiva, designará outro órgão do Ministério Público para fazê-lo, ou
insistirá, motivadamente, no não ajuizamento da ação, informando o juiz.
Art. 8
o
. Efeitos da citação –A citação válida para a demanda coletiva
interrompe o prazo de prescrição das pretensões individuais e transindividuais direta
ou indiretamente relacionadas com a controvérsia, retroagindo o efeito à data da
propositura da ação.
Art. 9
o
. Prioridade de processamento e utilização de meios eletrônicos O
juiz deverá dar prioridade ao processamento da demanda coletiva, servindo-se
preferencialmente dos meios eletrônicos para a prática de atos processuais do juízo
e das partes, observados os critérios próprios que garantam sua autenticidade.
Art. 10. Provas São admissíveis em juízo todos os meios de prova, desde
que obtidos por meios lícitos, incluindo a prova estatística ou por amostragem.
161
Par. 1
o
. Sem prejuízo do disposto no artigo 333 do Código de Processo Civil, o
ônus da prova incumbe à parte que detiver conhecimentos técnicos ou informações
específicas sobre os fatos, ou maior facilidade em sua demonstração.
Par. 2º. O ônus da prova poderá ser invertido quando, a critério do juiz, for
verossímil a alegação, segundo as regras ordinárias de experiência, ou quando a
parte for hipossuficiente.
Par. 3
o
. Durante a fase instrutória, surgindo modificação de fato ou de direito
relevante para o julgamento da causa (parágrafo único do artigo deste Código), o
juiz poderá rever, em decisão motivada, a distribuição do ônus da prova,
concedendo à parte a quem for atribuída a incumbência prazo razoável para sua
produção, observado o contraditório em relação à parte contrária.
Par. 4º. O juiz poderá determinar de ofício a produção de provas, observado o
contraditório.
Art. 11. Motivação das decisões judiciárias. Todas as decisões deverão ser
especificamente fundamentadas, especialmente quanto aos conceitos jurídicos
indeterminados.
Parágrafo único. Na sentença de improcedência, o juiz deverá explicitar, no
dispositivo, se rejeita a demanda por insuficiência de provas.
Art. 12. Coisa julgada Nas ações coletivas de que trata este código, a
sentença fará coisa julgada erga omnes, exceto se o pedido for julgado
improcedente por insuficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado
poderá intentar outra ação, com idêntico fundamento valendo-se de nova prova.
Par. 1º. Tratando-se de interesses ou direitos individuais homogêneos (art. 3º,
III, deste Código), em caso de improcedência do pedido, os interessados poderão
propor ação a título individual, salvo quando a demanda coletiva tiver sido ajuizada
por sindicato, como substituto processual da categoria.
Par. 2º. Os efeitos da coisa julgada nas ações em defesa de interesses ou
direitos difusos ou coletivos (art. 3º, I e II, deste Código) não prejudicarão as ações
de indenização por danos pessoalmente sofridos, propostas individualmente ou na
forma prevista neste código, mas, se procedente o pedido, beneficiarão as vítimas e
seus sucessores, que poderão proceder à liquidação e à execução, nos termos dos
arts. 28 e 29 deste Código.
Par. 3º. Aplica-se o disposto no parágrafo anterior à sentença penal
condenatória.
Par. 4º. A competência territorial do órgão julgador não representará limitação
para a coisa julgada erga omnes.
Par. 5
o
. Mesmo na hipótese de sentença de improcedência, fundada nas
provas produzidas, qualquer legitimado poderá intentar outra ação, com idêntico
fundamento, no prazo de 2 (dois) anos contados da descoberta de prova nova,
superveniente, que não poderia ser produzida no processo, desde que idônea, por si
só, para mudar seu resultado.
Par. - A faculdade prevista no parágrafo anterior, nas mesmas condições,
fica assegurada ao demandado da ação coletiva julgada procedente.
Art. 13. Efeitos do recurso da sentença definitiva O recurso interposto
contra a sentença tem efeito meramente devolutivo, salvo quando a fundamentação
162
for relevante e puder resultar à parte lesão grave e de difícil reparação, hipótese em
que o juiz pode atribuir ao recurso efeito suspensivo.
Art. 14. Legitimação à liquidação e execução da sentença condenatória
Na hipótese de o autor da demanda coletiva julgada procedente não promover a
liquidação ou execução da sentença, deverá fazê-lo o Ministério Público, quando se
tratar de interesse público relevante, facultada igual iniciativa, em todos os casos,
aos demais legitimados (art. 19 deste Código).
Art. 15. Execução definitiva e execução provisória A execução é definitiva
quando passada em julgado a sentença; e provisória, na pendência dos recursos
cabíveis.
Par. 1.º. A execução provisória corre por conta e risco do exeqüente, que
responde pelos prejuízos causados ao executado, em caso de reforma da sentença
recorrida.
Par. 2
o
. A execução provisória permite a prática de atos que importem em
alienação do domínio ou levantamento do depósito em dinheiro.
Par. 3
o
. A pedido do executado, o tribunal pode suspender a execução
provisória quando dela puder resultar lesão grave e de difícil reparação.
Art 16. Custas e honorários Nas demandas coletivas de que trata este
código, a sentença condenará o demandado, se vencido, nas custas, emolumentos,
honorários periciais e quaisquer outras despesas, bem como em honorários de
advogados.
Par. 1
o
O Poder Público, quando demandado e vencido, incorrerá na
condenação prevista neste artigo.
Par. 2
o
. No cálculo dos honorários, o juiz levará em consideração a vantagem
para o grupo, categoria ou classe, a quantidade e qualidade do trabalho
desenvolvido pelo advogado e a complexidade da causa.
Par. 3
o
. Se o legitimado for pessoa física, entidade sindical ou de fiscalização
do exercício das profissões, associação civil ou fundação de direito privado, o juiz,
sem prejuízo da verba da sucumbência, poderá fixar gratificação financeira quando
sua atuação tiver sido relevante na condução e êxito da demanda coletiva.
Par. 4
o
. Os autores da demanda coletiva não adiantarão custas, emolumentos,
honorários periciais e quaisquer outras despesas, nem serão condenados, salvo
comprovada má-fé, em honorários de advogados, custas e despesas processuais.
Par. 5
o
. O litigante de má-fé e os responsáveis pelos respectivos atos serão
solidariamente condenados ao pagamento das despesas processuais, em
honorários advocatícios e em até o décuplo das custas, sem prejuízo da
responsabilidade por perdas e danos.
Art 17. Juízos especializados Sempre que possível, as demandas coletivas
de que trata este Código serão processadas e julgadas em juízos especializados.
Capítulo II – Da ação coletiva ativa
Seção I – Disposições gerais
163
Art. 18. Cabimento da ação coletiva ativa. A ação coletiva ativa será exercida
para a tutela dos interesses e direitos mencionados no artigo 3º deste Código.
Art. 19. Legitimação. São legitimados concorrentemente à ação coletiva ativa:
I qualquer pessoa física, para a defesa dos interesses ou direitos difusos,
desde que o juiz reconheça sua representatividade adequada, demonstrada por
dados como:
a – a credibilidade, capacidade e experiência do legitimado;
b seu histórico na proteção judicial e extrajudicial dos interesses ou direitos
difusos e coletivos;
c – sua conduta em eventuais processos coletivos em que tenha atuado;
II o membro do grupo, categoria ou classe, para a defesa dos interesses ou
direitos coletivos e individuais homogêneos, desde que o juiz reconheça sua
representatividade adequada, nos termos do inciso I deste artigo;
III - o Ministério Público, para a defesa dos interesses ou direitos difusos e
coletivos, bem como dos individuais homogêneos de relevante interesse social;
IV a Defensoria Pública, para a defesa dos interesses ou direitos difusos,
coletivos e individuais homogêneos, neste último caso quando os membros do
grupo, categoria ou classe de pessoas forem predominantemente hipossuficientes;
V – as pessoas jurídicas de direito público interno, para a defesa dos interesses
ou direitos difusos e, quando relacionados com suas funções, dos coletivos e
individuais homogêneos;
VI - as entidades e órgãos da Administração Pública, direta ou indireta, ainda
que sem personalidade jurídica, especificamente destinados à defesa dos interesses
e direitos indicados neste Código;
VII as entidades sindicais e de fiscalização do exercício das profissões,
restritas as primeiras à defesa dos interesses e direitos ligados à categoria;
VIII - os partidos políticos com representação no Congresso Nacional, nas
Assembléias Legislativas ou nas Câmaras Municipais, conforme o âmbito do objeto
da demanda, para a defesa de direitos e interesses ligados a seus fins institucionais;
IX - as associações civis e as fundações de direito privado legalmente
constituídas pelo menos um ano e que incluam entre seus fins institucionais a
defesa dos interesses ou direitos indicados neste Código, dispensadas a autorização
assemblear ou pessoal e a apresentação do rol nominal dos associados ou
membros.
Par. 1°. Na defesa dos interesses ou direitos difusos, coletivos e individuais
homogêneos, qualquer legitimado deverá demonstrar a existência do interesse
social e, quando se tratar de direitos coletivos e individuais homogêneos, a
coincidência entre os interesses do grupo, categoria ou classe e o objeto da
demanda;
Par. 2º. No caso dos incisos I e II deste artigo, o juiz poderá voltar a analisar a
existência do requisito da representatividade adequada em qualquer tempo e grau
de jurisdição, aplicando, se for o caso, o disposto no parágrafo seguinte.
164
Par. 3º. Em caso de inexistência do requisito da representatividade adequada
(incisos I e II deste artigo), o juiz notificará o Ministério Público e, na medida do
possível, outros legitimados, a fim de que assumam, querendo, a titularidade da
ação.
Par. 4º. Em relação às associações civis e às fundações de direito privado, o
juiz poderá dispensar o requisito da pré-constituição, quando haja manifesto
interesse social evidenciado pelas características do dano ou pela relevância do
bem jurídico a ser protegido.
Par. 5
o
. Será admitido o litisconsórcio facultativo entre os legitimados.
Par. 6
o
. Em caso de relevante interesse social, o Ministério Público, se não
ajuizar a ação ou não intervier no processo como parte, atuará obrigatoriamente
como fiscal da lei.
Par. 7
o
. Havendo vício de legitimação, desistência infundada ou abandono da
ação, o juiz aplicará o disposto no par. 3º deste artigo.
Par. 8
o
. Em caso de inércia do Ministério Público, aplica-se o disposto no
parágrafo único do art. 7º deste Código.
Par. 9º. O Ministério Público e os órgãos públicos legitimados, agindo com
critérios de equilíbrio e imparcialidade, poderão tomar dos interessados
compromisso de ajustamento de conduta às exigências legais, mediante
cominações, com eficácia de título executivo extrajudicial, sem prejuízo da
possibilidade de homologação judicial do compromisso, se assim requererem as
partes.
Art. 20. Competência territorial É absolutamente competente para a causa
o foro:
I – do lugar onde ocorreu ou deva ocorrer o dano, quando de âmbito local;
II – de qualquer das comarcas, quando o dano de âmbito regional compreender
até 3 (três) delas, aplicando-se no caso as regras de prevenção;
III - da Capital do Estado, para os danos de âmbito regional, compreendendo 4
(quatro) ou mais comarcas;
IV de uma das Capitais do Estado, quando os danos de âmbito interestadual
compreenderem até 3 (três) Estados, aplicando-se no caso as regras de prevenção;
IV- do Distrito Federal, para os danos de âmbito interestadual que comprendam
mais de 3 (três) Estados, ou de âmbito nacional.
Par. 1º. A amplitude do dano será aferida conforme indicada na petição inicial
da demanda.
Par. 2º. Ajuizada a demanda perante juiz territorialmente incompetente, este
remeterá incontinenti os autos ao juízo do foro competente, sendo vedada ao
primeiro juiz a apreciação de pedido de antecipação de tutela.
Art. 21. Inquérito civil. O Ministério Público poderá instaurar, sob sua
presidência, inquérito civil, nos termos do disposto em sua Lei Orgânica.
Par. 1
o
A eficácia probante, em juízo, das peças informativas do inquérito civil
dependerá da participação do investigado, em sua colheita, ressalvadas as perícias,
que poderão ser submetidas a contraditório posterior.
165
Par. 2.º. Nos casos em que a lei impuser sigilo, incumbe ao Ministério Público,
ao inquirido e a seu advogado a manutenção do segredo.
Par. 3.º Se o órgão do Ministério Público, esgotadas todas as diligências, se
convencer da inexistência de fundamento para a propositura de ação coletiva,
promoverá o arquivamento dos autos do inquérito civil ou das peças informativas,
fazendo-o fundamentadamente.
Par. 4.º Os demais legitimados (art. 21 deste Código) poderão recorrer da
decisão de arquivamento ao Conselho Superior do Ministério Público, conforme
dispuser o seu regimento.
Par. 5º. O órgão do Ministério Público que promover o arquivamento do
inquérito civil ou das peças informativas encaminhará, no prazo de 3 (três) dias, sob
pena de falta grave, os respectivos autos ao Conselho Superior do Ministério
Público, para homologação e para as medidas necessárias à uniformização da
atuação ministerial.
Par. 6º. Deixando o Conselho de homologar a promoção do arquivamento,
designará, desde logo, outro órgão do Ministério Público para o ajuizamento da
ação.
Par. 7º. Constituem crime, punido com pena de reclusão de 1 (um) a 3 (três)
anos, mais multa de 10 (dez) a 1.000 (mil) Obrigações do Tesouro Nacional, a
recusa, o retardamento ou a omissão de dados técnicos indispensáveis à
propositura da ação coletiva, quando requisitados pelo Ministério Público.
Art. 22. Da instrução da inicial Para instruir a inicial, o legitimado poderá
requerer às autoridades competentes as certidões e informações que julgar
necessárias.
Par. - As certidões e informações deverão ser fornecidas dentro de 15
(quinze) dias da entrega, sob recibo, dos respectivos requerimentos, e poderão
ser utilizados para a instrução da ação coletiva.
Par. - Somente nos casos em que a defesa da intimidade ou o interesse
social, devidamente justificados, exigirem o sigilo, poderá ser negada certidão ou
informação.
Par. - Ocorrendo a hipótese do parágrafo anterior, a ação poderá ser
proposta desacompanhada das certidões ou informações negadas, cabendo ao juiz,
após apreciar os motivos do indeferimento, requisitá-las; feita a requisição, o
processo correrá em segredo de justiça, que cessará com o trânsito em julgado da
sentença.
Art. 23 - Audiência preliminar Encerrada a fase postulatória, o juiz
designará audiência preliminar, à qual comparecerão as partes ou seus
procuradores, habilitados a transigir.
Par. 1
o
. O juiz ouvirá as partes sobre os motivos e fundamentos da demanda e
tentará a conciliação, sem prejuízo de sugerir outras formas adequadas de solução
do conflito, como a mediação, a arbitragem e a avaliação neutra de terceiro.
Par. 2º. A avaliação neutra de terceiro, de confiança das partes, obtida no
prazo fixado pelo juiz, é sigilosa, inclusive para este, e não vinculante para as partes,
sendo sua finalidade exclusiva a de orientá-las na tentativa de composição amigável
do conflito.
166
Par. 3
o
. Preservada a indisponibilidade do bem jurídico coletivo, as partes
poderão transigir sobre o modo de cumprimento da obrigação.
Par. 4º. Obtida a transação, será homologada por sentença, que constituirá
título executivo judicial.
Par. 5º. Não obtida a conciliação, sendo ela parcial, ou quando, por qualquer
motivo, não for adotado outro meio de solução do conflito, o juiz,
fundamentadamente:
I decidirá se a ação tem condições de prosseguir na forma coletiva,
certificando-a como coletiva;
II poderá separar os pedidos em ações coletivas distintas, voltadas à tutela,
respectivamente, dos interesses ou direitos difusos e coletivos, de um lado, e dos
individuais homogêneos, do outro, desde que a separação represente economia
processual ou facilite a condução do processo;
III fixará os pontos controvertidos, decidirá as questões processuais
pendentes e determinará as provas a serem produzidas, designando audiência de
instrução e julgamento, se for o caso;
IV esclarecerá as partes sobre a distribuição do ônus da prova, de acordo
com o disposto no par. do artigo 10 deste Código, e sobre a possibilidade de ser
determinada, no momento do julgamento, sua inversão, nos termos do par. do
mesmo artigo.
Art. 24. Ação ressarcitória Na ação ressarcitória dos danos provocados ao
bem indivisivelmente considerado, a reparação consistirá na prestação de
obrigações específicas, destinadas à compensação do dano sofrido, ou em
indenização voltada à reparação do dano, a qual reverterá ao Fundo dos Direitos
Difusos e Coletivos, de natureza federal ou estadual, de acordo com o bem jurídico
prejudicado (artigo 25 deste Código).
Par. 1
o
. Dependendo da especificidade do bem jurídico afetado, da extensão
territorial abrangida e de outras circunstâncias consideradas relevantes, o juiz
poderá especificar, em decisão fundamentada, a destinação da indenização e as
providências a serem tomadas para a reconstituição dos bens lesados, podendo
indicar a realização de atividades tendentes a minimizar a lesão ou a evitar que se
repita, dentre outras que beneficiem o bem jurídico prejudicado;
Par. 2
o
. A decisão que especificar a destinação da indenização indicará, de
modo claro e preciso, as medidas a serem tomadas pelo Conselho Gestor do Fundo,
fixando prazo razoável para que as medidas sejam concretizadas;
Par. 3
o
. Vencido o prazo fixado pelo juiz, o Conselho Gestor do Fundo
apresentará relatório das atividades realizadas, facultada, conforme o caso, a
solicitação de sua prorrogação, para complementar as medidas determinadas na
decisão judicial.
Par. 4º. Aplica-se ao descumprimento injustificado dos par.s 2º e 3º deste artigo
o disposto no par. 1º.
Art. 25. Do Fundo dos Direitos Difusos e Coletivos. O Fundo será
administrado por um Conselho Gestor federal ou por Conselhos Gestores estaduais,
dos quais participarão necessariamente membros do Ministério Público, juízes e
representantes da comunidade, sendo seus recursos destinados à reconstituição
167
dos bens lesados ou, não sendo possível, à realização de atividades tendentes a
minimizar a lesão ou a evitar que se repita, dentre outras que beneficiem o bem
jurídico prejudicado, bem como a custear as perícias necessárias à defesa dos
direitos ou interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos.
Par. 1
o
. Além da indenização oriunda da sentença condenatória, prevista no
caput do artigo 24, e da execução pelos danos globalmente causados, de que trata o
par. do artigo 33, ambos deste Código, constituem receita do Fundo o produto da
arrecadação de multas e da indenização devida quando não for possível o
cumprimento da obrigação pactuada no compromisso de ajustamento de conduta.
Par. 2º. O representante legal do Fundo, considerado funcionário público para
efeitos legais, responderá por sua atuação nas esferas administrativa, penal e civil.
Par. 3
o
. O Fundo será notificado da propositura de toda ação coletiva e sobre
as decisões mais importantes do processo, podendo nele intervir em qualquer tempo
e grau de jurisdição na função de “amicus curiae”.
Par. 4º. O Fundo manterá e divulgará registros que especifiquem a origem e a
destinação dos recursos e indicará a variedade dos bens jurídicos a serem tutelados
e seu âmbito regional;
Par. 5º. Semestralmente, o Fundo dará publicidade às suas demonstrações
financeiras e atividades desenvolvida.
Seção II – Da ação coletiva para a defesa de interesses ou direitos
individuais homogêneos
Art. 26. Da ação coletiva para a defesa de interesses ou direitos
individuais homogêneos A ação coletiva para a defesa de interesses ou direitos
individuais homogêneos será exercida para a tutela do conjunto de direitos ou
interesses individuais, decorrentes de origem comum, de que sejam titulares os
membros de um grupo, categoria ou classe.
Par. 1
o
. Para a tutela dos interesses ou direitos individuais homogêneos, além
dos requisitos indicados no artigo 19 deste Código, é necessária a aferição da
predominância das questões comuns sobre as individuais e da utilidade da tutela
coletiva no caso concreto.
Par. 2
o
.. A determinação dos interessados poderá ocorrer no momento da
liquidação ou execução do julgado, não havendo necessidade de a petição inicial
estar acompanhada da relação de membros do grupo, classe ou categoria.
Art. 27. Ação de responsabilidade civil Os legitimados poderão propor, em
nome próprio e no interesse das vítimas ou seus sucessores, dentre outras (art. 2.º
deste Código), ação coletiva de responsabilidade pelos danos individualmente
sofridos, de acordo com o disposto nos artigos seguintes.
Art. 28. Citação e notificações Estando em termos a petição inicial, o juiz
ordenará a citação do réu e a publicação de edital no órgão oficial, a fim de que os
interessados possam intervir no processo como assistentes, observado o disposto
no par. 5º deste artigo.
Par. 1º. Sem prejuízo da publicação do edital, o juiz determinará sejam os
órgãos e entidades de defesa dos interesses ou direitos indicados neste Código
notificados da existência da demanda coletiva e de seu trânsito em julgado.
168
Par. 2º. Concedida a tutela antecipada e sendo identificáveis os beneficiários, o
juiz determinará ao demandado que informe os interessados sobre a opção de
exercerem, ou não, o direito à fruição da medida.
Par. 3º. Descumprida a determinação judicial de que trata o parágrafo anterior,
o demandado responderá, no mesmo processo, pelos prejuízos causados aos
beneficiários.
Par. 4º. Quando for possível a execução do julgado, ainda que provisória, o juiz
determinará a publicação de edital no órgão oficial, às custas do demandado,
impondo-lhe, também, o dever de divulgar, pelos meios de comunicação social, nova
informação, compatível com a extensão ou gravidade do dano, observado o critério
da modicidade do custo. Sem prejuízo das referidas providências, o juízo
providenciará a comunicação aos órgãos e entidades de defesa dos interesses ou
direitos indicados neste Código.
Par. 5º. Os intervenientes não poderão discutir suas pretensões individuais no
processo coletivo de conhecimento.
Art. 29. Efeitos da transação - As partes poderão transacionar, ressalvada
aos membros do grupo, categoria ou classe a faculdade de não aderir à transação,
propondo ação a título individual.
Art. 30 - Sentença condenatória Sempre que possível, o juiz fixará na
sentença o valor da indenização individual devida a cada membro do grupo,
categoria ou classe.
Par. 2
o
. Quando o valor dos danos individuais sofridos pelos membros do
grupo, categoria ou classe for uniforme, prevalentemente uniforme ou puder ser
reduzido a uma fórmula matemática, a sentença coletiva indicará o valor ou a
fórmula de cálculo da indenização individual.
Par. 3º. O membro do grupo, categoria ou classe que divergir quanto ao valor
da indenização individual ou à fórmula para seu cálculo, estabelecidos na sentença
coletiva, poderá propor ação individual de liquidação.
Par. 4º. Não sendo possível a prolação de sentença condenatória líquida, a
condenação poderá ser genérica, fixando a responsabilidade do demandado pelos
danos causados e o dever de indenizar.
Art. 31. Competência para a liquidação e execução É competente para a
liquidação e execução o juízo:
I - da ação condenatória ou da sede do legitimado à ação de conhecimento,
quando coletiva a liquidação ou execução.
I da ação condenatória ou do domicílio da vítima ou sucessor, no caso de
liquidação ou execução individual.
Parágrafo único. O exeqüente poderá optar pelo juízo do local onde se
encontrem bens sujeitos à expropriação.
Art. 32. Liquidação e execução individuais. A liquidação e execução serão
promovidas individualmente pelo beneficiário ou seus sucessores, que poderão ser
representados, mediante instrumento de mandato, por associações, entidades
sindicais ou de fiscalização do exercício das profissões e defensorias públicas, ainda
que não tenham sido autoras no processo de conhecimento, observados os
requisitos do artigo 15 deste Código.
169
Par. 1o. Na liquidação da sentença caberá ao liquidante provar, tão só, o dano
pessoal, o nexo de causalidade e o montante da indenização.
Par. 2º. A liquidação da sentença poderá ser dispensada quando a apuração
do dano pessoal, do nexo de causalidade e do montante da indenização depender
exclusivamente de prova documental, hipótese em que o pedido de execução por
quantia certa será acompanhado dos documentos comprobatórios e da memória do
cálculo.
Par. 3o. Os valores destinados ao pagamento das indenizações individuais
serão depositados em instituição bancária oficial, abrindo-se conta remunerada e
individualizada para cada beneficiário, regendo-se os respectivos saques, sem
expedição de alvará, pelas normas aplicáveis aos depósitos bancários.
Par. 4o. Na hipótese de o exercício da ação coletiva ter sido contratualmente
vinculado ao pagamento de honorários por serviços prestados, o montante destes
será deduzido dos valores destinados ao pagamento previsto no parágrafo anterior,
ficando à disposição da entidade legitimada.
Par. 5º. A carta de sentença para a execução provisória poderá ser extraída em
nome do credor, ainda que este não tenha integrado a lide no processo de
conhecimento.
Art. 33. Liquidação e execução coletivas Se possível, a liquidação e a
execução serão coletivas, sendo promovidas por qualquer dos legitimados do artigo
19 deste Código.
Art. 34. Liquidação e execução pelos danos globalmente causados
Decorrido o prazo de um ano sem habilitação de interessados em número
compatível com a gravidade do dano, poderão os legitimados do artigo 19 deste
Código promover a liquidação e execução coletiva da indenização devida pelos
danos causados.
Par. 1
o
. Na fluência do prazo previsto no caput deste artigo a prescrição não
correrá.
Par. 2
o
. O valor da indenização será fixado de acordo com o dano globalmente
causado, que poderá ser demonstrado por meio de prova pré-constituída ou, não
sendo possível, mediante liquidação.
Par. 3
o
O produto da indenização reverterá ao Fundo (art. 26 deste Código),
que o utilizará para finalidades conexas à proteção do grupo, categoria ou classe
beneficiados pela sentença.
Art.35. Concurso de créditos Em caso de concurso de créditos decorrentes
de condenação de que trata o artigo 26 deste Código e de indenizações pelos
prejuízos individuais resultantes do mesmo evento danoso, estas terão preferência
no pagamento.
Parágrafo único. Para efeito do disposto neste artigo, a destinação da
importância recolhida ao Fundo ficará sustada enquanto pendentes de decisão de
recurso ordinário as ações de indenização pelos danos individuais, salvo na hipótese
de o patrimônio do devedor ser manifestamente suficiente para responder pela
integralidade das dívidas.
Capítulo III – Da ação coletiva passiva
170
Art. 36. Ações contra o grupo, categoria ou classe Qualquer espécie de
ação pode ser proposta contra uma coletividade organizada, mesmo sem
personalidade jurídica, desde que apresente representatividade adequada (art. 19, I,
“a”, “b” e “c”), se trate de tutela de interesses ou direitos difusos e coletivos (art. 3º)
e a tutela se revista de interesse social.
Art. 37. Coisa julgada passiva –A coisa julgada atuará erga omnes,
vinculando os membros do grupo, categoria ou classe e aplicando-se ao caso as
disposições do artigo 12 deste Código, no que dizem respeito aos interesses ou
direitos transindividuais.
Art. 38. Aplicação complementar às ações coletivas passivas Aplica-se
complementarmente às ações coletivas passivas o disposto no Capítulo I deste
Código, no que não for incompatível.
Parágrafo único. As disposições relativas a custas e honorários, previstas no
art. 16 e seus parágrafos, serão invertidas, para beneficiar o grupo, categoria ou
classe que figurar no pólo passivo da demanda.
Capítulo IV - Do mandado de segurança coletivo
Art. 39. Cabimento do mandado de segurança coletivo Conceder-se-á
mandado de segurança coletivo, nos termos dos incisos LXIX e LXX do artigo 5
o
da
Constituição federal, para proteger direito líquido e certo relativo a interesses ou
direitos difusos, coletivos ou individuais homogêneos (art. 3º deste Código).
Art. 40 Legitimação ativa O mandado de segurança coletivo pode ser
impetrado por:
I – Ministério Público;
II – Defensoria Pública;
III – partido político com representação no Congresso Nacional;
IV organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente
constituída e em funcionamento pelo menos um ano, em defesa dos interesses
de seus membros ou associados, dispensada a autorização assemblear.
Parágrafo único O Ministério Público, se não impetrar o mandado de
segurança coletivo, atuará como fiscal da lei, em caso de interesse público ou
relevante interesse social.
Art. 41. Disposições aplicáveis - Aplicam-se ao mandado de segurança
coletivo as disposições do Capítulo I deste Código, inclusive no tocante às custas e
honorários (art. 16 e seus parágrafos) e as da Lei n.º 1.533/51, no que não for
incompatível.
Capítulo V - Das ações populares
Seção I – Da ação popular constitucional
Art. 42 - Disposições aplicáveis Aplicam-se à ação popular constitucional
as disposições do Capítulo I deste Código e as da Lei n. 4.717, de 29 de junho de
1965.
171
Seção II – Ação de improbidade administrativa
Art. 43 Disposições aplicáveis A ação de improbidade administrativa
rege-se pelas disposições do Capítulo I deste Código e pelas da Lei n. 8.429, de 2
de junho de 1992.
Capítulo VI – Disposições finais
Art. 46 Do Cadastro Nacional de Processos Coletivos O Conselho
Nacional de Justiça organizará e manterá o Cadastro Nacional de Processos
Coletivos, com a finalidade de permitir que todos os órgãos do Poder Judiciário e
todos os interessados tenham acesso ao conhecimento da existência de ações
coletivas, facilitando a sua publicidade.
Par. 1º. Os órgãos judiciários aos quais forem distribuídos processos coletivos
remeterão, no prazo de 10 (dez) dias, cópia da petição inicial ao Cadastro Nacional
de Processos Coletivos.
Par. 2º. O Conselho Nacional de Justiça, no prazo de 90 (noventa) dias, editará
regulamento dispondo sobre o funcionamento do Cadastro Nacional de Processos
Coletivos, incluindo a forma de comunicação pelos juízos quanto à existência de
processos coletivos e aos atos processuais mais relevantes, como a concessão de
antecipação de tutela, a sentença e o trânsito em julgado, a interposição de recursos
e seu andamento, a execução provisória ou definitiva; disciplinará, ainda, os meios
adequados a viabilizar o acesso aos dados e seu acompanhamento por qualquer
interessado.
Art. 47. Instalação de órgãos especializados - A União, no prazo de 180
(cento e oitenta) dias, e os Estados criarão e instalarão órgãos especializados, em
primeira e segunda instância, para o processamento e julgamento de ações
coletivas.
Art. 48 - Princípios de interpretação – Este Código será interpretado de forma
aberta e flexível, compatível com a tutela coletiva dos direitos e interesses de que
trata.
Art. 49 - Aplicação subsidiária do Código de Processo Civil Aplicam-se
subsidiariamente às ações coletivas, no que não forem incompatíveis, as
disposições do Código de Processo Civil, independentemente da Justiça competente
para o processamento e julgamento.
Parágrafo único Os recursos cabíveis e seu processamento seguirão o
disposto no Código de Processo Civil e legislação correlata, no que não for
incompatível.
Art. 50. Nova redação Dê-se nova redação aos artigos de leis abaixo
indicados:
a O artigo 273 do Código de Processo Civil passa a vigorar com a seguinte
redação, acrescidos os arts. 273-A, 273-B, 273-C e 273-D:
“Art.273
..............................................................................................................................
172
§4ºA tutela antecipada poderá ser revogada ou modificada,
fundamentadamente, enquanto não se produza a preclusão da decisão que a
concedeu (§1° do art. 273-B e art. 273-C)”.
§5 “Na hipótese do inciso I deste artigo, o juiz concederá a tutela antecipada
sem ouvir a parte contrária em caso de extrema urgência ou quando verificar que o
réu, citado, poderá torná-la ineficaz”.
Art.273-A. “A antecipação de tutela poderá ser requerida em procedimento
antecedente ou na pendência do processo”.
Art.273-B. “Aplicam-se ao procedimento antecedente, no que couber, as
disposições do Livro III, Título único, Capítulo I deste Código”.
§1“Concedida a tutela antecipada, é facultado, até 30 (trinta) dias contados da
preclusão da decisão concessiva:
a– ao réu, propor demanda que vise à sentença de mérito;
b ao autor, em caso de antecipação parcial, propor demanda que vise à
satisfação integral da pretensão.”
§ 2º “Não intentada a ação, a medida antecipatória adquirirá força de coisa
julgada nos limites da decisão proferida”.
Art. 273-C.“Concedida a tutela antecipada no curso do processo, é facultado à
parte interessada, até 30 (trinta) dias contados da preclusão da decisão concessiva,
requerer seu prosseguimento, objetivando o julgamento de mérito.”
Parágrafo único.“Não pleiteado o prosseguimento do processo, a medida
antecipatória adquirirá força de coisa julgada nos limites da decisão proferida”.
Art. 273-D. Proposta a demanda do art. 273-B) ou retomado o curso do
processo (art. 273-C), sua eventual extinção, sem julgamento do mérito, não
ocasionará a ineficácia da medida antecipatória, ressalvada a carência da ação, se
incompatíveis as decisões.”
b O artigo 10 da Lei n. 1.533, de 31 de dezembro de 1951, passa a ter a
seguinte redação:
Artigo 10: “Findo o prazo a que se refere o item I do art. e ouvido, dentro de
5 (cinco) dias, o representante da pessoa jurídica de direito público, responsável
pela conduta impugnada, os autos serão conclusos ao juiz, independentemente de
solicitação da parte, para a decisão, a qual deverá ser proferida em 5 (cinco) dias,
tenham sido ou não prestadas as informações pela autoridade coatora”.
c - O artigo 7
o
, inciso I, alínea “a”, da Lei n. 4717, de 29 de junho de 1965,
passa a ter a seguinte redação:
Art. 7
o
– “.............................................................................................
I – ......................................................................................................
a além da citação dos réus, a intimação do representante do Ministério
Público, que poderá intervir no processo como litisconsorte ou fiscal da lei, devendo
fazê-lo obrigatoriamente quando se tratar de interesse público relevante, vedada, em
qualquer caso, a defesa dos atos impugnados ou de seus autores.”
d - Acrescente-se ao artigo 18 da Lei n. 4717, de 29 de junho de 1965 um
parágrafo único, com a seguinte redação:
173
Art. 18 - “............................................................................................
Parágrafo único Mesmo na hipótese de improcedência fundada nas provas
produzidas, qualquer legitimado poderá intentar outra ação, com idêntico
fundamento, no prazo de 2 (dois) anos contados da descoberta de prova nova,
superveniente, que não poderia ser produzida no processo, desde que idônea, por si
só, para mudar seu resultado.”
e - Acrescentem-se ao artigo 17 da Lei n. 8.429, de 2 de junho de 1992, dois
parágrafos, numerados como 1
o
e 2
o
, renumerando-se os atuais parágrafos 1
o
, 2
o
e
3
o
como 3
o
, 4
o
e 5
o
:
Art.17 – “......................................................................................
Par. 1
o
Nas hipóteses em que, pela natureza e circunstâncias de fato ou pela
condição dos responsáveis, o interesse social não apontar para a necessidade de
pronta e imediata intervenção do Ministério Público, este poderá, inicialmente,
provocar a iniciativa do Poder Público co-legitimado, zelando pela observância do
prazo prescricional e, sendo proposta a ação, intervir nos autos respectivos como
fiscal da lei, nada obstando que, em havendo omissão, venha a atuar
posteriormente, inclusive contra a omissão, se for o caso.
Par. - No caso de a ação principal ter sido proposta pelo Ministério Público,
a pessoa jurídica interessada integrará a lide na qualidade de litisconsorte, cabendo-
lhe suprir as omissões e falhas da inicial e apresentar ou indicar os meios de prova
de que disponha.
Par.3
o
..........................................................................................................
Par.4
o
...........................................................................................................
Par.5
o
.......................................................................................................”.
f O artigo 80 da Lei n. 10.741, de de outubro de 2003, passa a ter a
seguinte redação:
Artigo 80: “As ações individuais movidas pelo idoso serão propostas no foro de
seu domicílio, cujo juízo terá competência absoluta para processar e julgar a causa”.
Art. 51. Revogação Revogam-se a Lei 7.347, de 24 de julho de 1985; os
artigos 81 a 104 da Lei n.º 8.078, de 11 de setembro de 1990; o parágrafo 3
o
do
artigo 5
o
da Lei n. 4.717, de 29
de junho de 1965; os artigos 3º, 4º, 5º, e da Lei
n. 7.853, de 24 de outubro de 1989; o artigo 3º da Lei n. 7.913, de 7 de dezembro de
1989; os artigos 210, 211, 212, 213, 215, 217, 218, 219, 222, 223 e 224 da Lei n.
8.069, de 13 de junho de 1990; o artigo da Lei n. 9.494, de 10 de setembro de
1997; e os artigos 81, 82, 83, 85, 91, 92 e 93 da Lei n. 10.741, de de outubro de
2003.
Art. 52 - Vigência - Este Código entrará em vigor dentro de cento e oitenta dias
a contar de sua publicação.
174
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo