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virgem e era jovem, e o Deus-Serpente a quis para si, para seu culto, e a fez,
solenemente, consagrar e encerrar no templo. Tarobá, jovem guerreiro, era
chefe da tribo Kaingainga e dele se havia enamorado a formosa Naipí, porque
Tarobá era forte, são e valente, sobre todos os moços de arredor. Na noite da
consagração da donzela, enquanto o velho Pagé e os caciques, no banquete,
esvaziavam, uma após outra, grandes “kaniguás”, transbordantes de espumoso
licor, Tarobá raptou a formosa Naipí e fugiu com ela, em ligeira piroga,
arrastada pela rápida corrente das águas. Quando o Deus-Serpente,
despertando, após larga e sonolenta digestão, viu que a virgem Naipí se havia
evadido do templo, e advertido pelo rumor do rio – cujas águas eram golpeadas
pela “pagaya” de Tarobá – que fugiam por ali e a formosa virgem com seu
amado, raivoso e sedente de vingança, contrai os anéis de seu corpo e o
esconde nas entranhas da terra; e a superfície fendida, subitamente, produziu
esta terrível catarata. Naipí foi convertida na insensível rocha, que o fogo
subterrâneo caldeia sem cessar, como o amor caldeou seu coração enamorado
e, desde então, as águas correntosas do grande rio, banham-lhe o busto, para
apagar ardores do seu amor sacrílego. Tarobá, o sedutor, foi convertido em
árvore, à beira do abismo, perto da piroga inutilizada, e condenado a
contemplar a imagem de sua amada, que o vê, com os olhos de pedra, sem
poder beijá-la. Aquela forma branca, oculta por véu d’água, a olhares profanos,
é Naipí, que vive, ouve, que sente, e estremece de desejos, mas que não pode
falar. Esta árvore solitária, no centro do rio, à beira do abismo, é Tarobá,
eternamente enamorado da formosa Naipí, a quem manda o perfume de suas
flores e murmúrios de amor, quando a brisa agita a folhagem de sua fronde,
mas que nunca poderá chegar ao regaço da bela que o espera. Aos pés dela, a
entrada da gruta, de onde a vingadora serpente espreita, incessantemente, as
suas duas vítimas”. (SILVEIRA NETTO, 1976: 19)
Em Naipí e Tarobá, Mossurunga utiliza digressões de acordes de sétima de
dominante em movimento cromático como transição da secção A (na tônica, Mi bemol
Maior) para a secção B (na dominante, Si bemol Maior). Apresentamos aqui (exemplo 28)
os dois últimos compassos da secção A, a transição elaborada sobre acordes de sétima da
dominante e o primeiro compasso da secção B: