nossa cordialidade fraternal... por clavinotes, facas de ponta, enxadas e
colarinhos velhos. Agora, porém, a cidade mudou e nós com ela e por ela.
Já não é a singela morada das pedras sob coqueiros; é o salão com tapetes
ricos e grandes globos de luz elétrica. E, por isso, quando o selvagem
aparece, é como um parente que nos envergonha. Em vez de reparar nas
mágoas de seu coração, olhamos com terror para a lama bravia de seus
pés. O nosso smartismo estragou a nossa fraternidade.
Lembro-me sempre, por mais que eu queira esquecer, a amargura, o
desespero com que pusemos os olhos rebrilhantes de orgulho naquele carro
fatal, atulhado de caboclos, que a mão da providência meteu em préstito
por ocasião das festas do Congresso Pan-Americano. A cabeleira de mata
virgem daquela gente funesta ensombrou toda a nossa alegria. E não era
para menos. Abríamos a nossa casa para convidados da mais rara
distinção e de todas as nações da América. Recebíamos até norte-
americanos!... Íamos mostrar-lhes a grandeza do nosso progresso, na nossa
grande Avenida recém-aberta, na Avenida à beira mar, não acabada, no
Palácio Monroe, uma tetéa de açúcar branco. No melhor da festa, como se
tivessem caído do céu ou subido do inferno, eis os selvagens medonhos, de
incultas cabeleiras metidas até os ombros, metidos com gente bem
penteada, estragando a fidalguia das homenagens, desmoralizando-nos
perante o estrangeiro, destruindo com o seu exotismo o nosso chiquismo.
Infelizmente não era mais tempo de providenciar, de tirar aquela
nódoa tupinambá da nossa correção parisiense, de esconder aqueles
caboclos importunos, de, ao menos, cortar-lhes o cabelo (embora parecesse
melhor a muita gente cortar-lhes a cabeça), de atenuar com a escova e
perfumaria aquele escândalo de bugres metediços... Não houve remédio
senão aturar as feras, mas só Deus sabe que força de vontade tivemos de
empregar para sorrir ao Sr. Root, responder em bom inglês ao seu inglês,
vendo o nervoso que nos sacudia a mão quando empunhávamos a taça dos
brindes solenes e engolir, de modo que não revelasse aos nossos hóspedes
que tínhamos índios atravessados na nossa garganta. Foram dias de dor
aqueles dias de glória. A figura do índio nos perseguia com tenacidade do