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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO – UFES
CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E ECONÔMICAS – CCJE
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ADMINISTRAÇÃO – PPGA
MESTRADO
RUBENS DE ARAUJO AMARO
AS METAMORFOSES DA QUALIFICAÇÃO DIANTE
DA INTRODUÇÃO DA NOÇÃO DE COMPETÊNCIA
NOS ESPAÇOS ORGANIZACIONAIS: O ESTUDO EM
UMA GRANDE EMPRESA DE MINERAÇÃO E
LOGÍSTICA NO ES
Vitória
2005
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO – UFES
CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E ECONÔMICAS – CCJE
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ADMINISTRAÇÃO – PPGA
MESTRADO
RUBENS DE ARAUJO AMARO
AS METAMORFOSES DA QUALIFICAÇÃO DIANTE
DA INTRODUÇÃO DA NOÇÃO DE COMPETÊNCIA
NOS ESPAÇOS ORGANIZACIONAIS: O ESTUDO EM
UMA GRANDE EMPRESA DE MINERAÇÃO E
LOGÍSTICA NO ES
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Administração do Centro de
Ciências Jurídicas e Econômicas da Universidade
Federal do Espírito Santo, como requisito para
obtenção do título de Mestre em Administração.
Orientadora: Prof. Dra. Mônica de Fátima Bianco
Vitória
2005
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RUBENS DE ARAUJO AMARO
AS METAMORFOSES DA QUALIFICAÇÃO DIANTE DA
INTRODUÇÃO DA NOÇÃO DE COMPETÊNCIA NOS ESPAÇOS
ORGANIZACIONAIS: O ESTUDO EM UMA GRANDE EMPRESA DE
MINERAÇÃO E LOGÍSTICA NO ES
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
graduação em Administração do Centro de
Ciências Jurídicas e Econômicas da
Universidade Federal do Espírito Santo, como
requisito para obtenção do título de Mestre em
Administração.
Aprovado em: 12/12/05
BANCA EXAMINADORA
______________________________________
Profª. Drª. Mônica de Fatima Bianco
Universidade Federal do Espírito Santo - UFES
______________________________________
Profª. Drª. Antônia de Lourdes Colbari
Universidade Federal do Espírito Santo - UFES
______________________________________
Prof. Dr. Roberto Ruas
Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS
A Deus, criador e sustentador da vida.
À minha esposa, pela inspiração, apoio e força em todos os
momentos e ao meu filho, Mateus.
Aos meus pais, responsáveis por parte do que sou.
AGRADECIMENTOS:
Dizem que escrever uma dissertação é um trabalho muito solitário. Em parte, isso
é verdade. Mas para chegar até aqui implicou na contribuição de algumas
pessoas. A elas minha gratidão!
À minha orientadora, Mônica, pela convivência saudável e dicas sempre
pertinentes.
À Edilene (irmã Didi), pelas indicações bibliográficas, discussões e possibilidades
de aprofundamento sobre o tema.
À Regina, a “primeira dama”, pelo apoio nas transcrições das entrevistas.
A aqueles que, na empresa pesquisada, cooperaram de maneira generosa: Alba,
Rachel, Nazaré, Eugênio, Arlene, Stela e todos os entrevistados.
Aos colegas de curso, pela gostosa convivência em sala, na cantina e nos
churrascos.
À Janete, secretária do mestrado, pela atenção e carinho com todos.
“O papel do pesquisador, porém, não
consiste em adotar o vocabulário das
empresas, mas em tentar introduzir certo
rigor nos conceitos e na inteligência dos
fenômenos estudados”.
Philippe Zarifian
Resumo
Considerando as profundas mudanças ocorridas no mundo do trabalho iniciadas a
partir das décadas de 1980 e 1990 e a emergência e ascensão da noção de
competência nesse período, esse trabalho teve como objetivo central descrever
como a introdução dessa noção, em uma empresa, modifica as dimensões
conceitual, social e experimental da qualificação. Para descrever os usos das duas
noções, qualificação e competência, foi realizado um estudo de caso na área de
manutenção de locomotivas de uma grande empresa de mineração e logística. Os
dados foram levantados a partir de documentos da empresa e de entrevistas semi-
estruturadas e, para sua interpretação, foi utilizada a análise qualitativa de
conteúdo a partir de categorias pré-estabelecidas. O estudo revela que os usos da
noção de competência na empresa modificam a noção de qualificação,
enfraquecendo suas dimensões conceitual e social e fortalecendo sua dimensão
experimental.
ABSTRACT
Considering the deep changes occurred in the work relations during the 1980’s and
1990’s decades and the rising of the concept of competence, this dissertation aims
to describe how the introduction of this concept in a company changes the
conceptual, social and experimental dimensions of qualification. In order to
describe the usage of these two concepts, qualification and competence, a case
study has been made in the locomotive maintenance area of a large mining and
logistic company. The data was collected from company documents and from
semi-structured interviews. The qualitative analysis of the contents was used to
interpret the data from pre-established categories. The study revealed that the
usage of the concept of competence in the company did change the concept of
qualification, weakening its conceptual and social dimensions and strengthening its
experimental dimension.
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 .................................................................................................................30
Tabela 2 .................................................................................................................75
Tabela 3 .................................................................................................................91
Tabela 4 ...............................................................................................................103
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 ................................................................................................................37
Quadro 2 ................................................................................................................41
Quadro 3 ................................................................................................................57
Quadro 4 ................................................................................................................58
Quadro 5 ................................................................................................................59
Quadro 6 ..............................................................................................................108
Quadro 7 ..............................................................................................................128
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 1 ................................................................................................................79
Gráfico 2 ................................................................................................................92
Gráfico 3 ................................................................................................................92
Gráfico 4 ................................................................................................................93
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 .................................................................................................................89
Figura 2 .................................................................................................................91
Figura 3 ...............................................................................................................112
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO.............................................................................................. 15
1.1 O problema ......................................................................................17
1.2 Objetivos ..........................................................................................18
1.3 Delimitação do estudo ......................................................................19
1.4 Justificativa ......................................................................................20
1.5 Estrutura da dissertação ..................................................................22
2 CONTEXTUALIZANDO AS COMPETÊNCIAS............................................ 23
2.1 O paradigma taylorista-fordista ....................................................... 23
2.2 Reestruturação produtiva: uma visão mais restrita ......................... 29
2.3 Reestruturação produtiva: uma visão ampliada .............................. 34
3 QUALIFICAÇÃO E COMPETÊNCIA: LUTA POR UM LUGAR AO SOL.... 41
3.1 Da qualificação à competência? (1º round) .................................... 41
3.2 Da qualificação à competência? (2º round) .................................... 47
3.3 Competência: uma visita à Torre de Babel ..................................... 53
4 METODOLOGIA............................................................................................62
4.1 Da definição do tema às características da pesquisa ..................... 62
4.2 Coleta de dados .............................................................................. 66
4.3 Análise do conteúdo ........................................................................ 69
5 EMPRESA GAMA – HISTÓRIA, MUDANÇAS E A NOÇÃO DE
COMPETÊNCIA........................................................................................... 72
5.1 História e formação .........................................................................72
5.2 Os anos 1990: uma década de mudanças na gestão de pessoas .. 81
5.3 A introdução da noção de competência na empresa ...................... 85
6 O CASO EMPRESA GAMA – A GERÊNCIA ESTUDADA.......................... 89
6.1 A gerência de manutenção de locomotivas .....................................89
6.2 A noção de competência na empresa ............................................. 94
6.3 As dimensões da qualificação ......................................................... 99
6.3.1 A dimensão conceitual.................................................................100
6.3.1.1 Conhecimentos gerais e específicos ............................................. 100
6.3.1.2 Treinamento e formação profissional .............................................102
6.3.1.3 Diplomas e certificados ..................................................................109
6.3.2 A dimensão social .........................................................................111
6.3.2.1 Plano de cargos e salários e sistema de remuneração ..................111
6.3.2.2 Carreira ...........................................................................................116
6.3.2.3 Empregabilidade .............................................................................117
6.3.2.4 Sindicato .........................................................................................119
6.3.3 A dimensão experimental.............................................................122
6.3.3.1 Saber-fazer .....................................................................................122
6.3.3.2 Saber-ser ........................................................................................125
7 CONCLUSÕES E SUGESTÕES..................................................................130
7.1 Considerações finais.......................................................................130
7.2 Sugestões .......................................................................................132
8 REFERÊNCIAS............................................................................................134
ANEXOS...............................................................................................................139
15
1 INTRODUÇÃO
As transformações tecnológicas e as mudanças nos processos de trabalho que se
delineiam a partir da década de 1970 nos países capitalistas centrais e nas décadas
1980 e 1990 no Brasil, podem ser entendidas dentro de um contexto mais amplo de
mudanças do modo de funcionamento do capitalismo.
O período anterior compreendido entre a década de 1940 e o início dos anos 1970,
denominado fordismo-keynesianismo, é marcado por um regime de acumulação
crescente de capital apoiado em práticas econômicas, sociais e políticas, que
evidenciaram um verdadeiro pacto social entre o sistema produtivo e o Estado.
No âmbito do sistema produtivo, o fordismo se estabeleceu como a forma hegemônica
de organização da produção, que se caracterizava pela racionalização taylorista do
trabalho (divisão de tarefas, separação entre a concepção e a execução, especialização
do trabalhador, supervisão rígida e estudo dos tempos e movimentos), pelo
desenvolvimento da mecanização, por meio de equipamentos altamente
especializados, pela produção em massa de bens padronizados e pelos salários
relativamente crescentes.
Durante esse período a noção de qualificação permitiu um aparente ordenamento
social. A organização da produção estabelecia postos de trabalho com determinados
requisitos em crescente grau de complexidade a serem exigidos de seus ocupantes. A
esses requisitos, correspondiam determinadas qualificações-padrão, que eram
legitimadas pela posse de certificados e diplomas. Essa abordagem permitiu o
aparecimento dos códigos das profissões, que serviram de base para a construção da
hierarquia organizacional e para a classificação dos indivíduos no plano social.
O aparente equilíbrio desse regime de acumulação entra em colapso a partir de 1973 e
o pacto estabelecido entre Estado e sistema produtivo começa a mostrar sinais de
esgotamento. A rigidez nos processos de trabalho, nos investimentos e nos
16
compromissos do Estado tornou-se um obstáculo ao movimento de acumulação de
capital.
Começa a ser delineada nesse período uma nova forma de desenvolvimento do
capitalismo, conhecida como acumulação flexível. Esse novo regime de acumulação
aparece marcado por profundas transformações nas diversas esferas da sociedade.
Surgem inovações nos serviços financeiros possibilitados por novas tecnologias e
desregulamentações no sistema financeiro mundial, permitindo o movimento de capitais
entre as diversas nações em tempo real. Há retração do setor secundário e crescimento
sem precedentes do setor terciário. Intensificam-se as inovações tecnológicas, que
ganharam grande impulso com o avanço da microeletrônica e microinformática. Há um
movimento de desregulamentação e flexibilização do mercado de trabalho. A
organização fordista da produção passa a ser questionada, surgindo um movimento de
grandes inovações organizacionais para lidar com a competitividade crescente e em
níveis globais.
As transformações do trabalho em busca de maior flexibilidade dos procedimentos, dos
postos e das estruturas, levaram a enfatizar, para qualificações formais iguais,
competências diferenciadas ligadas, muitas vezes, às histórias de vida das pessoas.
Aparentemente, passa a não ser mais suficiente definir qualificações-padrão e, sobre
essa base, alocar indivíduos nos postos de trabalho.
Nesse ambiente de transformações, a noção de qualificação parece ser substituída pela
de competência nos discursos sociais e científicos. O termo competência passa a ser
evocado como mais adequado para expressar as novas demandas requeridas pelo
sistema produtivo: iniciativa, flexibilidade, polivalência, multifuncionalidade, cooperação
e autonomia. Assume-se a qualificação como um conceito estreito diretamente
vinculado à rigidez dos postos de trabalho e, por isso, inadequado à nova realidade.
Esse ambiente levou diversas empresas a introduzirem em seus processos de gestão a
noção de competência.
17
Alguns autores (ROPÉ; TANGUY, 1997; STROOBANTS, 1997; ISAMBERT-JAMATI,
1997) questionam o processo de naturalização do termo competência nos discursos
sociais e científicos ressaltando sua polissemia. Outros (SCHWARTZ, 1995; RAMOS,
2001; VIEIRA; LUZ, 2003) afirmam que o conceito de competência não substitui o
conceito de qualificação em suas dimensões conceitual, social e experimental. O que
ocorre é o fortalecimento da dimensão experimental e um enfraquecimento das
dimensões conceitual e social.
1.1 O problema
Diante dessa discussão, o problema que se apresenta é:
Como as dimensões conceitual, social e experimental da qualificação são
modificadas com a introdução da noção de competência em uma empresa?
18
1.2 OBJETIVOS
Diante do problema proposto, buscou-se definir objetivos que, de forma coerente,
levassem à compreensão e descrição das possíveis transformações ocorridas nas
dimensões da qualificação com a introdução da noção de competência na realidade
empírica de uma empresa.
Além dos objetivos abaixo descritos, esse trabalho busca refletir sobre os temas
qualificação e competência, a fim de contribuir com a fecunda discussão que essas
duas noções assumem nos meios acadêmicos nacional e internacional.
1.2.1 OBJETIVO GERAL
O objetivo geral dessa pesquisa foi analisar como as dimensões conceitual, social e
experimental da qualificação são modificadas com a introdução da noção de
competência em uma empresa do setor de mineração e logística.
1.2.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS
Analisar e mapear as políticas, processos e práticas ligadas à noção de
competência na organização;
Descrever as mudanças observadas nas dimensões conceitual, social e
experimental da qualificação a partir da introdução da noção de competência;
Verificar as consonâncias e dissonâncias entre essas dimensões presentes na
qualificação e aquelas requeridas pela adoção da noção de competência.
19
1.3 DELIMITAÇÃO DO ESTUDO
O presente trabalho pretendeu abordar a noção de competência em suas dimensões
teórica e empírica confrontando-a com as dimensões conceitual, social e experimental
da qualificação.
Na dimensão teórica, buscou evidenciar o caráter polissêmico da noção de
competência, a partir de diferentes formulações de diversos autores. Nessa dimensão,
pretendeu ainda resgatar o contexto do surgimento, difusão e ascensão do termo
competência nos discursos sociais e científicos, bem como os debates que se seguiram
no campo dos estudos do trabalho, que põem em confronto duas teses: a que afirma
que o conceito de competência amplia e substitui o conceito de qualificação; a que
assevera que o que houve não foi uma ampliação nem uma substituição, mas um
deslocamento conceitual. Assumiu-se que a noção de competência fortalece a
dimensão empírica da qualificação e enfraquece as dimensões conceitual e social.
Na dimensão empírica buscou evidências do fortalecimento e/ou enfraquecimento das
dimensões da qualificação em uma empresa de grande porte situada no estado Espírito
Santo – denominada, a partir de agora, de Empresa Gama – que adotou e trabalha com
a noção de competência desde 1998, a partir da implantação da Avaliação por
Competências. A área escolhida para a pesquisa foi a Gerência de Manutenção de
Locomotivas dessa empresa.
20
1.4 JUSTIFICATIVA
Diante das transformações no mundo do trabalho provocadas pelas inovações
tecnológicas e organizacionais, novas características têm sido requeridas dos
indivíduos pelo sistema produtivo. O indivíduo executante de tarefas prescritas em um
posto de trabalho tende a perder espaço para aquele que é capaz de agir eficazmente
em determinada situação, mobilizando recursos cognitivos, mas sem limitar-se a eles.
Identificar essa realidade é também reconhecer que a dimensão conhecimento deve
deixar de concentrar-se no topo das hierarquias nas empresas. Os eventos ou
imprevistos que ocorrem em situações de trabalho e a necessidade de respostas
rápidas aos problemas organizacionais requerem ações eficazes dos indivíduos em
todos os níveis da hierarquia.
No campo empírico, pesquisas têm revelado que muitas organizações, em busca de
novidades para enfrentar os desafios trazidos, principalmente, pelo acirramento da
competição, introduzem a noção de competência em suas políticas e práticas de
gestão. Assume-se que a noção de competências é mais adequada a esse contexto de
mudanças e incertezas.
Outras pesquisas têm revelado que a noção de competência assume diferentes
significados nas diversas organizações. Zarifian (2003, p. 65), um dos defensores da
emergência de um modelo de competências, afirma que a maioria das empresas que
adota a gestão de competências não faz escolhas claras e que “quase qualquer coisa
pode ser chamada de gestão de competências”. Esse mesmo autor propõe que estudos
empíricos sejam realizados nessa área, posto que o termo competência pode assumir
diferentes significados em diferentes organizações.
No campo teórico, a noção de competência tem assumido um espaço privilegiado.
Muitos autores defendem que a competência amplia e substitui o conceito de
qualificação. Em seu quadro de referência reducionista, assumem a categoria
21
qualificação como vinculada a postos de trabalho prescritos dentro do modelo taylorista-
fordista de organização do trabalho.
A relevância desse estudo se dá em dois campos. No campo empírico, pois ao assumir
a polissemia da noção de competência, buscou entender o seu significado para uma
organização que, de fato, vivencia o processo de gestão de competências há vários
anos. Esse estudo identifica algumas situações que possibilitam à organização refletir
sobre o seu processo, políticas e práticas na questão da competência.
No campo teórico, este trabalho vem contribuir com o enriquecimento do debate que o
tema competência tem suscitado no campo da Administração. Enriquecimento porque
visa a situar a emergência da competência em um contexto socioeconômico mais
amplo. Além disso, buscou resgatar os debates ensejados nos estudos do trabalho, que
confrontaram, e ainda confrontam, a noção de competência com o conceito de
qualificação no momento em que a competência assume a posição central nos
discursos sociais e científicos.
Esse percurso intelectual se afasta de boa parte da produção científica no campo da
Administração no país que, apesar de reconhecer a polissemia do termo competências,
o naturaliza e adianta-se em identificar essa ou aquela competência necessária ao
sucesso de indivíduos e organizações.
Assumiu-se que o termo competências não é novo, mas seu uso cada vez mais
difundido nos discursos sociais e científicos é relativamente recente. Ropé e Tangy
(1997), chamam a atenção para o risco que correm as ciências sociais ao tratarem de
realidades já nomeadas e classificadas. Tendem a naturalizar os conceitos e ignorar as
operações sociais de nomeação e os ritos de instituição pelos quais se estabelecem.
22
1.5 ESTRUTURA DA DISSERTAÇÃO
Esta dissertação está divida em 7 capítulos. O primeiro deles é dedicado à introdução
do tema, à definição do problema de pesquisa e de seus objetivos, à justificativa do
estudo e sua delimitação.
Os dois capítulos que se seguem contém a fundamentação teórica sobre o tema. O
segundo capítulo trata de evidenciar a emergência e ascensão do tema competência
em diferentes esferas da vida social. Na esfera empresarial, busca mostrar seu
aparecimento situando-o no contexto das inovações tecnológicas e organizacionais
decorrentes da reestruturação produtiva, que visaram e ainda visam suplantar o modelo
taylorista-fordista de produção. Busca ainda situar a reestruturação produtiva dentro de
um contexto mais amplo (esfera econômica) que enfatiza a recente centralidade do
conhecimento e competências na chamada sociedade informacional (CASTELLS,
1999), colocando-os no contexto da acumulação flexível do capital (HARVEY, 1996).
No terceiro capítulo são resgatadas as discussões que se seguiram sobre o tema
competência na esfera do trabalho no momento em que a qualificação perde espaço
para a competência nos discursos sociais e científicos. Buscará também descrever as
dimensões conceitual, social e experimental da qualificação, confrontando-as com a
noção de competência.
O quarto capítulo é dedicado à metodologia do trabalho, onde são apresentados a
escolha e caracterização do método de pesquisa, seus procedimentos e delimitações,
bem como as categorias utilizadas na análise do conteúdo obtido nas entrevistas e
documentos da empresa.
Enquanto no quinto capítulo são apresentados a organização estudada, parte de sua
história, seus processos e práticas de gestão, o sexto é dedicado à descrição e análise
das noções qualificação e competência na área estudada à luz do referencial teórico, e
no sétimo são apresentadas as conclusões da pesquisa.
23
2 CONTEXTUALIZANDO AS COMPETÊNCIAS
2.1 O paradigma taylorista-fordista
A idéia de que as transformações produtivas que vêm ocorrendo nos últimos anos
estariam forjando um novo paradigma produtivo tem se tornado cada vez mais
evidentes. Cabe notar que considerar o aparecimento de um novo paradigma produtivo
significa afirmar a existência de um antigo: o taylorista-fordista.
Embora se reconheça que a mudança de paradigmas não se dá de forma homogênea
nos diversos setores produtivos (LEITE; RIZEK, 1998; SALERNO, 1999) e que
dificilmente se verá o estabelecimento de um modelo produtivo dominante à
semelhança do taylorismo-fordismo (VELTZ; ZARIFIAN, 1993; SCHWARTZ, 1996),
torna-se fundamental para esse trabalho descrever as características desse paradigma
e das novas configurações produtivas, porque a emergência da noção de competência
se dá no contexto dessa mudança no momento em que essas novas configurações
passam a requerer um novo tipo de força de trabalho.
O paradigma taylorista-fordista se consolida no contexto da industrialização crescente a
partir da Revolução Industrial. Esse modelo de organização do trabalho foi estabelecido
em um ambiente de luta. De um lado, a classe de capitalistas industriais buscando
maiores ganhos de produtividade a partir da racionalização do trabalho e de um maior
controle sobre o trabalho operário e, do outro lado, os trabalhadores organizados em
corporações de ofício. Para esses, o modelo que começava a se instalar representava
grandes perdas (BRAVERMAN, 1987).
A organização do trabalho nas corporações de ofício estabelecia um modelo de
qualificação dos trabalhadores que tinha como características: o pertencer a uma
profissão; a aprendizagem realizada e sancionada pelos pares por meio de provas; uma
24
forte hierarquização das relações; o conhecimento profissional referente à qualidade e
originalidade do produto não restrito apenas às regras da profissão; o monopólio da
distribuição dos produtos e a institucionalização da transversalidade espacial do
exercício da profissão, pois um trabalhador poderia exercê-la em diferentes regiões
(ZARIFIAN, 2003).
Esse modelo constituía-se em um obstáculo à transformação e racionalização dos
métodos de trabalho que possibilitariam aos novos empresários industriais maiores
ganhos de produtividade. Impedia ainda que esses empresários exercessem um maior
controle das populações operárias que começavam a se agrupar nas fábricas.
Esse período é marcado por diversos estudos que representaram esforços de utilização
dos métodos oferecidos pela ciência na organização da produção nas fábricas. Os
estudos mais representativos e que exerceram maior influência no campo da produção
foram os realizados pelo engenheiro americano Frederick Winslow Taylor. Ele é
responsável por iniciar o chamado movimento de gerência científica do trabalho. Em
seu livro Princípios da Administração Científica, lançado em 1911, expõe as bases da
gerência científica do trabalho que, em sua visão, deveria substituir os métodos
vigentes por ele denominados de “administração de iniciativa e incentivo” (TAYLOR,
1990, p.37).
Para Taylor, essa forma de administração que deixava a cargo do trabalhador a
iniciativa, o planejamento e o controle da produção era ineficiente, pois os
trabalhadores eram dados a vadiar. As causas da suposta vadiagem seriam os dois
tipos de indolência: aquela que fazia parte da natureza humana, denominada
“indolência natural” e aquela derivada do convívio entre os trabalhadores, onde os mais
produtivos ajustavam-se à forma de trabalhar dos mais preguiçosos, chamada de
“indolência sistemática” (TAYLOR, 1990, p.31).
Outra idéia central do pensamento taylorista era considerar o homem como um ser
eminentemente racional, capaz de conhecer todos os cursos de ação e suas
25
conseqüências ao tomar uma decisão. Essa decisão racional sempre visaria à
maximização de seus ganhos. Esse indivíduo, conceituado como homo economicus, é
considerado previsível e controlável, pois age seguindo propósitos egoístas e
utilitaristas (MOTTA; VASCONCELLOS, 2004).
Sobre os postulados do homo economicus, da indolência humana e da suposta
ineficiência da administração por “iniciativa e incentivo”, o engenheiro Taylor (1990)
baseou os seus princípios da Administração Científica. O taylorismo nasce sobre a
crença de que não se pode confiar na iniciativa do trabalhador, seja ele artesão ou
camponês. A nova organização de trabalho deveria tirar o planejamento e o controle da
produção da mão dos trabalhadores e entregá-los aos gerentes e donos das fábricas
(BRAVERMAN, 1987).
Dentre as principais características do modelo taylorista estão:
Estudo dos tempos, movimentos e a padronização do trabalho: com o objetivo de
obter maior controle sobre a produção, Taylor (1990) estudou o trabalho de forma
rigorosa. Dedicou-se à observação dos movimentos dos trabalhadores ao realizar as
tarefas e estudou o trabalho como uma entidade externa ao indivíduo. E como tal, as
ações dos trabalhadores podiam ser observadas, cronometradas, anotadas,
decompostas e padronizadas. Tentava-se eliminar os movimentos considerados inúteis
e ineficientes.
A crença subjacente a esses estudos era o “one best way”. Existia uma única melhor
forma de se executar uma tarefa, que poderia ser encontrada a partir da observação e
análises científicas.
Após a padronização da nova forma de trabalhar, todos os trabalhadores deveriam ser
treinados nos novos movimentos até serem capazes de executá-los da forma e no
tempo previsto. O ser humano passa a ser tratado como um recurso da produção, como
uma máquina a ser ajustada ao processo produtivo (MORGAN, 1996).
26
Divisão do trabalho: visando a aumentar a eficiência na execução do trabalho e a
especialização do trabalhador, seguiu-se aos estudos dos tempos e movimentos a
divisão do trabalho em pequenas tarefas (Taylor, 1990). O novo trabalho dos operários
consistia em executar repetidamente essas pequenas tarefas. Acreditava-se que a
repetição de uma tarefa simples tornaria o operário um especialista, reduzindo sua
margem de erro.
A idéia era simplificar ao máximo a atividade e torná-la acessível a qualquer tipo de
trabalhador. Com essa medida, a gerência poderia dispor de trabalhadores
intercambiáveis com um mínimo de treinamento. Reduziu-se a dependência em relação
aos operários especializados. Esse processo foi chamado de divisão horizontal do
trabalho (BRAVERMAN, 1987).
Separação entre a prescrição e a execução: o trabalho objetivado, tratado como uma
entidade externa ao indivíduo abriu novas possibilidades de controle (VELTZ;
ZARIFIAN, 1993; BRAVERMAN, 1987).
Taylor (1990), partindo do princípio de que os trabalhadores eram incapazes de
planejar, estudar e controlar o trabalho propõe uma nova ruptura: o trabalho deveria ser
concebido pela gerência e executado pelos operários. Os trabalhadores que antes
detinham a autonomia sobre o planejamento, a execução e o controle de seu próprio
trabalho passam a ser meros executantes. À divisão horizontal do trabalho, soma-se a
divisão vertical.
Braverman (1987, p.103) denomina essa ruptura como a “dissociação do processo de
trabalho das especialidades do trabalhador”. A atividade do operário passa a ser
independente de seu ofício, tradição ou conhecimento. Passa a depender inteiramente
das políticas gerenciais.
27
O trabalho passa a ser prescrito, assumindo um caráter normativo. Essa prescrição que
seguia à análise meticulosa da tarefa dos trabalhadores (TAYLOR, 1990), com o tempo
passa a ser feita independente dessa análise. “A prescrição pura e simples foi
ganhando corpo, como vários casos atestam” (SALERNO, 1994).
Trabalho individual e fluxo de informação vertical: uma característica importante da
organização taylorista de trabalho era a ausência de trabalho em grupo. Para Taylor
(1990) os gerentes deveriam deixar de lidar com os trabalhadores em equipes ou
grupos e passar a considerá-los individualmente. O dia de trabalho de cada operário
deveria ser “completamente planejado pela direção” (TAYLOR, 1990, p. 42). Ao chegar
à fábrica receberia as instruções sobre o trabalho a fazer naquele dia e o tempo que
teria para realizá-lo. Seu contato era com a tarefa isolada e com o seu superior
imediato.
Taylor (1990) afirmava que, ao decidir implantar a gerência científica do trabalho, os
gerentes deveriam tratar individualmente com cada operário. Isso, segundo ele, seria
fundamental para quebrar as “resistências” que fatalmente ocorreriam se os operários
fossem considerados em conjunto. Em grupo, ocorreria a indolência sistemática e os
operários seriam levados a conversas desnecessárias e fariam cera. As conversas com
os companheiros de trabalho eram vistas como um empecilho à eficiência.
Supervisão rígida e prêmios de produção: para tentar garantir que os padrões e
procedimentos operacionais fossem seguidos, Taylor (1990) estabeleceu duas linhas
de ação. A primeira delas relacionava-se à crença na indolência dos trabalhadores. Nas
palavras do próprio autor: “A natureza humana é de tal sorte que muitos operários,
abandonados a si mesmos, dispensam pouca atenção às instruções escritas”
(TAYLOR, 1990, p.90).
Para solucionar essa situação, é criada uma nova forma de supervisão, chamada de
funcional. Cada operário teria, ao invés de um chefe, oito supervisores com as
seguintes funções: observar se o trabalhador compreendeu as instruções escritas,
28
esclarecer suas dúvidas, ensinar como preparar a máquina para a operação e verificar
se a velocidade do trabalho realizado estava em conformidade com o prescrito.
A segunda linha de ação relacionava-se à motivação dos trabalhadores. Baseando-se
no postulado do homo economicus, Taylor (1990) estabeleceu prêmios de produção
para aqueles trabalhadores que superassem o tempo padrão estabelecido para a
tarefa. A motivação estava vinculada somente a um incentivo financeiro.
É importante notar que esse incentivo financeiro era proporcionalmente inferior ao
aumento da produção por parte dos trabalhadores, gerando maior acumulação de
capital para os donos das fábricas. Um exemplo citado por Taylor (1990, p.46)
caracteriza bem essa situação. Um empregado que recebia o salário de $ 1,15 dólar
para carregar em média 12 toneladas de lingotes de ferro por dia, passou a receber $
1,85 dólar para carregar 47 toneladas. Enquanto sua produção aumentou em 291%,
seu ganho salarial foi de 60%.
Esse modelo taylorista de organização do trabalho possibilitou ganhos fantásticos
àqueles empresários que o adotaram em suas fábricas. Segundo Barbosa (1999, p.
109), nos EUA, a “produtividade do trabalho humano aumentou, nos primeiros anos, à
taxa de 3,54% ao ano, o que significava dobrar a cada 18 anos”.
Esses resultados positivos e uma forte campanha de divulgação foram responsáveis
pela difusão desse modelo em outros países. O taylorismo passou a ser divulgado
como sendo sinônimo de eficiência (GITAHI, 2002). Essa autora mostra que esse
modelo de organização do trabalho ganhou as proporções de um movimento que
atingiu diversos países. Passou a ser reconhecido como um modelo capaz de garantir
racionalmente melhores taxas de utilização dos equipamentos e maior controle dos
trabalhadores.
Esses métodos de racionalização do trabalho foram utilizados por Henry Ford em sua
fábrica situada em Dearborn, Michigan. A utilização do taylorismo e suas próprias
29
pesquisas levaram ao surgimento das primeiras linhas de montagem e à produção em
massa. Essa forma de produção passou a permitir a fixação dos operários enquanto a
matéria-prima, peças e subconjuntos deslocam-se ao longo da linha de montagem
(FORD, 1954).
2.2 Reestruturação produtiva: uma visão mais restrita
A partir das décadas de 1980 e 1990, as organizações produtivas passaram por
profundos processos de transformação que aparecem como alternativas ao modelo
taylorista-fordista de produção. O conjunto dessas transformações costuma-se
denominar reestruturação produtiva. Essas transformações têm como foco principal à
superação da rigidez da organização taylorista-fordista que se ajusta pouco às novas
condições competitivas (SALERNO, 1999).
Pode-se considerar a reestruturação produtiva em dois sentidos. Um amplo, que
envolve a estrutura econômica como um todo e suas entidades reguladoras e um
restrito, que envolve as relações entre empresas e mudanças internas à própria
empresa (SALERNO, 1999). Na seção seguinte serão analisadas as mudanças no
sentido amplo. Aqui serão ressaltadas as mudanças ocorridas no sentido restrito: as
empresas.
Nas palavras de Arruda (1997, p. 108), a partir da década de 1970 nos países mais
avançados e das décadas de 1980 e 1990 no Brasil as empresas:
[...] vêm procedendo a mudanças sistemáticas no seu sistema organizacional,
mediante a introdução de novas tecnologias, que compreendem tanto as
inovações nos maquinários já existentes como a inserção de equipamentos
microeletrônicos, e de mudanças na gestão do trabalho, pela adoção de métodos
e técnicas indutoras de maior participação do trabalhador no processo operativo,
e motivadoras de maior engajamento do trabalhador, para atender o objetivo de
uma produção com maior qualidade e menor desperdício de recursos.
30
Esse conjunto de mudanças aparece como resultado da introdução de inovações
tecnológicas. O conceito de tecnologia aqui utilizado refere-se ao uso de
conhecimentos científicos para especificar as vias de se fazerem coisas de uma
maneira reproduzível (CASTELLS, 1999). São consideradas as inovações tanto em
máquinas, equipamentos, produtos e materiais como aquelas referentes ao processo
produtivo e organização do trabalho.
Leite (1997) afirma que, até meados dos anos 1980, o processo de inovação
tecnológica na indústria brasileira tinha um enfoque limitado: inovar significava substituir
máquinas e equipamentos de base eletromecânica por outros de base microeletrônica.
Nessa década, nota-se um crescimento na utilização de MFCN (Máquinas e
Ferramentas de Comando Numérico), robôs, CAD (Computer Aided Design) e CAM
(Computer Aided Manufacture), como mostra a Tabela 1:
Tabela 1
Parque industrial de MFCN, Robôs e Sistemas CAD/CAM
Brasil
1981-1989
MFCN Robô CAD/CAM
Ano Ui Ac Ic(%) Ui Ac Ic(%) Ui Ac Ic(%)
1981 69 241 - - - - - - -
1982 122 363 77 - - - - - -
1983 148 511 21 - - - - - -
1984 253 764 71 - - - - - -
1985 413 1177 63 26 26 - - - -
1986 833 2010 102 33 59 27 232 - -
1987 1018 3028 22 28 87 -15 611 843 163
1988 742 3770 -27 12 99 -57 700 1543 15
1989 1052 4822 42 7 106 -42 2658 4201 280
Ui: unidades instaladas; Ac: acumulado; Ic: índice de crescimento em relação ao ano anterior.
Fonte: Leite (1994, p. 567)
31
Esse período é marcado pela intensificação e difusão das tecnologias da informação
(TI) em diversos setores da economia. Como tecnologias da informação toma-se o
conjunto convergente de tecnologias de microeletrônica, computação (hardware e
software), telecomunicações e optoeletrônicas (CASTELLS, 1999).
O amplo uso dessas tecnologias justifica-se pela possibilidade de solução de alguns
problemas que as organizações produtivas vêm enfrentando desde o processo de
industrialização: a diminuição dos tempos mortos, o controle e o gerenciamento de
informações e o aumento da variedade de insumos e produtos (LASTRES; FERRAZ,
1999).
Ainda na década de 1980, diversas inovações apareceram no campo da organização
do trabalho e na forma de gestão da força de trabalho. As propostas inovadoras no
início dessa década se concentraram na adoção de CCQs (Círculos de Controle da
Qualidade), sem que houvesse, por parte das empresas, uma preocupação maior em
alterar as formas de organização do trabalho (LEITE, 1994).
Porém, deve-se destacar que esses círculos formados por trabalhadores do “chão de
fábrica” se afastam da concepção do trabalho individual da organização taylorista-
fordista. Seu pressuposto é que os trabalhadores reunidos em pequenos grupos são
capazes de achar soluções para os problemas em suas áreas de trabalho. O processo
de solução de problemas envolve algumas ferramentas que auxiliam no diagnóstico,
análise e resolução de problemas em grupo.
Ainda nesta década, difunde-se nas áreas de produção de diversas empresas o Just in
Time (JIT) como forma de atender à demanda da maneira mais rápida possível e
minimizar os diversos níveis e tipos de estoque. Difunde-se também o Controle
Estatístico do Processo (CEP), que se caracteriza pela integração do controle da
qualidade à produção, por meio da utilização de conceitos básicos de estatística na
inspeção de peças.
32
O CEP prevê uma participação maior dos trabalhadores nas diversas áreas de trabalho.
Acredita-se que a qualidade dos produtos e serviços é assegurada a partir do controle
de todo o processo e não apenas na sua fase final. Isso pressupõe uma capacidade de
diagnóstico de falhas pelos trabalhadores, bem como um maior engajamento desses no
processo de trabalho.
O final dos anos 1980 e o início dos anos 1990 aparecem marcados por mudanças
mais profundas nas estratégias organizacionais. Novas formas de gestão da
organização e da força de trabalho são adotadas. O sistema produtivo passa a receber
uma influência mais forte dos modelos de produção japoneses.
Pinheiro e Santos (1997) argumentam que as novas formas de organização do trabalho
que invadiram os parques industriais brasileiros e, posteriormente, outros setores da
economia são decorrentes dos resultados das experiências realizadas pelo engenheiro
Tahichi Ohno na fábrica da Toyota e do modelo de gestão pela Qualidade Total.
As experiências de Ohno enfatizaram a realização das atividades a partir de pequenos
grupos de empregados, arranjos de lay out em forma de células de produção,
aprimoramento das técnicas de set up, utilização de cartões kanban como instrumentos
de priorização e coordenação da produção, manutenção produtiva total, dispositivos
poka-ioke, redução de estoques e just in time (CORIAT, 1994).
A Gestão pela Qualidade Total defende que o controle de qualidade de uma empresa
não é responsabilidade de uma área específica, mas deve permear todos os seus
níveis hierárquicos, processos e áreas internas bem como fornecedores e clientes. Para
que o envolvimento de todos esses atores ocorra, esse modelo de gestão prevê um
processo de implantação que supostamente é capaz de atingir esse fim. Esse processo
envolve principalmente o treinamento intenso de toda a organização nas ferramentas
da qualidade (PDCA, gráficos de controle, histograma, Pareto, diagrama de causa e
efeito, rotinas, padronização) (CAMPOS, 1989).
33
Além da influência dos modelos japoneses que pressupõem o trabalho em grupo e
maior participação e envolvimento de toda a força de trabalho em algumas decisões da
empresa, algumas pesquisas no Brasil evidenciaram a presença de outros modelos de
trabalho em grupo em algumas empresas (MARX, 1997).
Esse autor propõe uma taxionomia para os diferentes trabalhos em grupo. Os
chamados grupos enriquecidos e os grupos semi-autônomos. Os grupos enriquecidos,
inspirados nos trabalhos de Ohno, representam:
[...] uma organização grupal com autonomia relativa, fortemente baseada no
conceito de responsabilização e polivalência na gestão local. Seus graus de
autonomia e o alcance de suas atribuições são bastante restritos e
predeterminados por um princípio de projeto organizacional que limita totalmente a
participação dos trabalhadores em sua formulação (MARX, 1997, p. 52).
Essa forma de trabalho em grupo enfatiza as melhorias circunscritas ao local de
trabalho, o que limita as possibilidades de crescimento das competências profissionais
e a contribuição dos trabalhadores em melhorias de cunho estratégico. Apresentam
como ponto forte a incorporação das metodologias e técnicas da Gestão da Qualidade
Total.
Já os grupos semi-autônomos, surgidos a partir de experiências na Suécia,
[...] uma vez que enfatizam a autonomia e a flexibilidade, possuem maior
potencial de crescimento profissional dos componentes do grupo para a
discussão e melhoria de resultados locais e globais da organização, incluindo até
mesmo a inovação organizacional, de produtos e processos. Os princípios
sociotécnicos – sobre os quais os grupos semi-autônomos se apóiam –
privilegiam a participação de todos os envolvidos (inclusive trabalhadores) na
formulação do projeto organizacional de mudança, o que inclui o desenho e a
dinâmica de funcionamento dos grupos semi-autônomos (MARX, 1997, p. 53).
As mudanças provocadas no ambiente de trabalho de diversas empresas brasileiras,
iniciadas nas décadas 80 e 90, indicam um distanciamento das bases que sustentam o
modelo taylorista-fordista. O trabalhador desse novo ambiente organizacional tende a
afastar-se cada vez mais daquele indivíduo passivo, cumpridor de normas prescritas de
trabalho definidas por esse modelo.
34
Mas antes de descrever as características requeridas desse “novo trabalhador”, cumpre
descrever os fatores que alimentaram essas mudanças nas organizações produtivas. A
próxima seção será dedicada a descrever, ainda que de forma sucinta, a reestruturação
produtiva na esfera mais ampla.
2.3 Reestruturação produtiva: uma visão ampliada
O processo de transformação descrito na seção anterior, denominado reestruturação
produtiva, não ocorreu no vácuo. Tem o Ocidente como seu espaço geográfico e as
regras básicas do modo capitalista de produção como sua principal força modeladora
(HARVEY, 1996).
Segundo esse autor, as transformações ocorridas no final do século XX estão ligadas à
mudança do regime de acumulação de capital e ao modo de regulamentação social e
política a ele associado.
Para esse autor, um regime de acumulação
[...] descreve a estabilização, por um longo período, da alocação do produto
líquido entre o consumo e acumulação; ele implica alguma correspondência
entre a transformação tanto das condições de produção como das condições de
reprodução dos assalariados (HARVEY, 1996, p. 117).
Para que um sistema de acumulação particular exista é necessário um esquema de
reprodução coerente. A questão central passa a ser como fazer com que os
comportamentos dos diferentes agentes econômicos assumam alguma modalidade de
configuração capaz de manter o regime de acumulação funcionando.
35
Nas palavras de Lipietz (apud HARVEY, 1996, p. 117) tem de haver:
[...] uma materialização do regime de acumulação, que toma a forma de normas,
hábitos, leis, redes de regulamentação etc. que garantam a unidade do processo,
isto é, a consciência apropriada entre comportamentos individuais e o esquema
de reprodução. Esse corpo de regras e processos sociais interiorizados tem o
nome de modo de regulamentação.
Harvey (1996) denomina de fordismo-keynesianismo o modo de acumulação que
vigorou a partir do pós-guerra e se estendeu até o início da década de 1970. É
importante destacar que, para esse autor, o fordismo é mais do que uma forma de
organização do trabalho.
Ele atribui a Ford mais do que ter aplicado os métodos tayloristas de racionalização do
trabalho e ter criado as linhas de montagem nas quais o trabalho vai até o trabalhador.
Considera que o que havia de especial em Ford, era o seu reconhecimento explícito de
que a produção em massa significava também consumo de massa, um novo sistema de
reprodução da força de trabalho e um novo tipo de sociedade democrática,
racionalizada e moderna. Ford acreditava que um novo tipo de sociedade poderia ser
criado a partir do uso do poder corporativo (das empresas). O crescimento das
empresas significaria o crescimento das nações (FORD, 1995).
Porém, somente depois de 1945 o fordismo assumiu a sua forma madura. Nesse
período se estabeleceu um verdadeiro acordo entre os diferentes atores sociais: o
Estado, o capital corporativo e o trabalho.
O Estado precisou mudar sua forma de intervenção, pois a chamada mão invisível do
mercado não havia sido suficiente para garantir o crescimento estável do capitalismo,
diante da anarquia dos mercados de fixação de preços. O Estado passa a combater os
abusos de monopólio e fornecer bens coletivos (educação, saúde, infra-estrutura) e
promover uma melhor distribuição de renda, pois era preciso assegurar novos modos
de regulação social e política, associados ao regime de acumulação.
36
O poder corporativo era usado para assegurar o crescimento sustentado de
investimentos que aumentassem a produtividade, garantissem o crescimento e
elevassem o padrão de vida, formando uma base estável para a obtenção dos lucros.
Os sindicatos, representantes dos trabalhadores, no contexto de reconstrução do pós-
guerra, passaram a trocar ganhos reais de salário pela cooperação na adequação dos
trabalhadores ao sistema taylorista-fordista de produção com sua concepção de
trabalho rotinizado, inexpressivo e degradado (ZARIFIAN, 2003; HARVEY, 1996).
Porém, no início da década de 1970, a rigidez do fordismo-keynesianismo passou a
demonstrar incapacidade de conter as contradições inerentes ao capitalismo. Muitos
problemas surgiram em decorrência da rigidez dos investimentos de capital fixo de larga
escala e de longo prazo que pressupunha o crescimento do consumo e dos
compromissos assumidos pelo Estado que intensificava investimentos em programas
de assistência. A intensificação da competição, que fez surgir um excedente de fábricas
e equipamentos, levou as empresas a iniciarem um período de racionalização e
reestruturação.
Esse período também é marcado por aquilo que Castells (1999) denomina revolução da
tecnologia da informação. Essa revolução, que inaugura um novo paradigma tecno-
econômico (Quadro 1), tem como característica principal, a aplicação de conhecimentos
e de informação para a geração de conhecimentos e de processamento da informação
em um ciclo de realimentação cumulativo entre a inovação e seu uso.
37
Características
Descrição
Fator-chave Setores Alavancadores
Mecanização
1770/80 a 1830/40
Algodão e ferro fundido Têxteis e seus
equipamentos, fundição e
moldagem de ferro, energia
hidráulica.
Força a vapor e ferrovia
1830/40 a 1880/90
Carvão e transporte Máquinas a vapor,
máquinas ferramentas,
equipamentos ferroviários.
Energia elétrica e
engenharia pesada
1880/90 a 1920/30
Aço Engenharia e equipamentos
(elétricos e pesados)
Produção em massa
1920/30 a 1970/80
Petróleo e derivados Automóveis e caminhões,
tratores e tanques, indústria
aeroespacial, bens
duráveis, petroquímica.
Tecnologia da informação
1970/80 a ?
Microeletrônica e tecnologia
digital
Equipamentos de
informática e
telecomunicações, robótica
e softwares.
Quadro 1 – Paradigmas tecno-econômicos
Fonte: Adaptado de Lastres e Ferraz (1999)
Essa base tecnológica e a desregulamentação dos mercados financeiros iniciada na
década de 1970 possibilitaram o gerenciamento do capital vinte e quatro horas por dia
em mercados financeiros globalmente integrados e, pela primeira vez na história, em
tempo real.
Essa possibilidade histórica lançou as bases e os alicerces, proporcionando maior
flexibilidade ao sistema econômico, permitindo o estabelecimento de um novo padrão
de acumulação de capital – a acumulação flexível. Essa forma de acumulação se apóia
na flexibilidade de modelos de organização de trabalho, de estratégias organizacionais,
dos mercados de trabalho, dos produtos e dos padrões de consumo. Surgem novos
setores de produção, novos serviços financeiros e novos mercados. Uma das marcas
desse período é a taxa acelerada de inovações tecnológicas e organizacionais
(HARVEY, 1996).
38
Esse processo possibilita o surgimento de uma economia informacional global que se
caracteriza por uma configuração em rede.
É informacional porque a produtividade e a competitividade de unidades ou
agentes nessa economia (sejam empresas, regiões ou nações) dependem
basicamente de sua capacidade de gerar, processar e aplicar a informação
baseada em conhecimento. É global porque as atividades produtivas, o consumo
e a circulação, assim como seus componentes (capital, trabalho, matéria-prima,
administração, informação, tecnologia e mercados) estão organizados em escala
global, diretamente ou mediante uma rede de conexões entre agentes
econômicos. É rede porque, nas novas condições históricas, a produtividade é
gerada, e a concorrência é feita em uma rede global de interação entre redes
empresariais (CASTELLS, 1999, p. 120).
No início dos anos 1980, a crise no modelo de acumulação dos países avançados
atingiu em cheio o Brasil e outros países da América latina. O que não quer dizer que
durante a década de 1970 o Brasil tenha sido uma “ilha de prosperidade”. Mas, o
modelo desenvolvimentista brasileiro havia sido relativamente bem-sucedido em
produzir crescimento econômico em um período denominado de “milagre brasileiro” -
1968-1973 (LEITE, 1997).
Segundo essa autora, enquanto os países avançados sofriam os primeiros impactos da
crise na década de 1970, a economia brasileira teve, no período, grande expansão
liderada pela indústria. Esse processo foi assegurado por um padrão de concorrência
restrita, voltado a um mercado interno em crescimento e relativamente fechado às
importações.
Na década de 1980, duas ordens de problemas interromperam essa expansão: a crise
financeira internacional que comprometeu a capacidade de financiamento do Estado e
de toda economia; e o esgotamento do próprio autoritarismo, abrindo espaço ao
processo de redemocratização. Apesar disso, esse período foi a época em que a
economia brasileira gerou mais empregos (LEITE, 1997).
Esse quadro começou a se alterar no início da década de 1990, quando o então
presidente da República Fernando Collor de Mello lançou sua Política Industrial e de
Comércio Exterior, considerada um marco de um novo modelo industrial no país. Essa
39
Política trouxe sérias ameaças à indústria nacional devido à abertura de fronteiras às
importações, à nova lei antitruste e a um código de proteção ao consumidor. A dureza
dessa Política foi, de certa forma, amenizada por medidas de estímulo à
competitividade que foram concretizadas pelos programas de capacitação tecnológica,
qualidade e produtividade e competitividade industrial (LEITE, 1997).
É no contexto de transformações econômicas, sociais e tecnológicas que se situa o
processo de reestruturação produtiva no âmbito das empresas, descrito na seção
anterior.
Nesse ambiente turbulento e de incertezas, o conhecimento passa a ocupar um lugar
central na vida econômica e social, pois é considerado o propulsor das inovações que,
segundo diversos autores, é o que move a nova economia (CASTELLS, 1999; LEMOS,
1999; LASTRES; FERRAZ, 1999, VILLASCHI, 2002).
Gerar, aplicar e transferir conhecimentos entre seus trabalhadores se tornou também
fundamental para a sobrevivência e crescimento das organizações. Porém, transferir
conhecimentos implica capacidade de codificá-los. E isso não é uma tarefa fácil para as
empresas, pois um percentual desse conhecimento é tácito. Isso quer dizer que é difícil
de ser transmitido e codificado, pois muitas vezes se acha ligado à experiência de vida
dos indivíduos (FLEURY; FLEURY, 2004).
Se o conhecimento é fundamental para o sucesso das empresas e uma parcela dele é
detida por seus trabalhadores, uma série de questões foi levantada pelos defensores e
difusores da noção de competência. A prescrição de tarefas para os trabalhadores é
suficiente para assegurar a sua atuação eficaz em um contexto de mudanças? Como
engajar o saber desses trabalhadores nos processos de solução dos problemas
organizacionais? Os problemas cotidianos das empresas com os quais se confrontam
os trabalhadores são resolvidos pela simples aplicação de conhecimentos? Em outras
palavras, o saber-fazer é a aplicação direta do saber? Ou ainda, a capacidade de
solucionar problemas práticos está ligada somente ao saber desses trabalhadores?
40
Tentar responder a essas indagações é mergulhar no universo de discussão que fez
emergir a questão da competência em lugar da qualificação nos discursos sociais e
científicos. E essa é a discussão que norteará o próximo capítulo.
41
3 QUALIFICAÇÃO E COMPETÊNCIA: LUTA POR UM LUGAR AO SOL
3.1 Da qualificação à competência? (1º round)
Uma das discussões a respeito da noção de competência ensejada na sociologia do
trabalho tende a relacionar o recorrente uso do termo competência nos discursos
sociais e científicos com o contexto de mudanças provocados pela reestruturação
produtiva na organização do trabalho.
Foi a partir da análise das atividades que emergem nas novas formas de organização
do trabalho que o debate sobre competências surge nessa área de conhecimento
(STROOBANTS, 1997). O Quadro 2, a seguir, permite uma visão geral sobre a grade
de referência que orienta a discussão sobre “um novo trabalho” que estaria emergindo
nas “novas” formas organizacionais.
Taylorismo-Fordismo Novas Formas de Organização
Trabalho individualizado Trabalho em grupo
Tarefas simples e repetitivas Múltiplas e complexas tarefas
Alto grau de especialização e prescrição
das tarefas
Eliminação da demarcação de tarefas
Pouco treinamento no trabalho Treinamento contínuo no trabalho
Organização vertical do trabalho Organização mais horizontal do trabalho
Ênfase na disciplina Ênfase na co-responsabilidade do
trabalhador
Pagamento baseado em cargos Pagamento pessoal
Quadro 2 – Taylorismo-fordismo x Novas Formas de Organização
Fonte: Adaptado de Harvey (1996, p. 167-168)
42
Segundo Ramos (2001, p. 38), as mudanças tecnológicas e nas formas de organização
do trabalho apresentam as características tendenciais de
[...] flexibilização da produção e reestruturação das ocupações; integração de
setores da produção; multifuncionalidade e polivalência dos trabalhadores;
valorização dos saberes dos trabalhadores não ligados ao trabalho prescrito ou
ao conhecimento formalizado.
A inserção de novas tecnologias no ambiente de trabalho e seus efeitos incitaram o
debate sobre a tese da desqualificação tendencial do trabalho nas organizações
capitalistas, surgindo como variantes as teses da polarização das qualificações e da
requalificação (HIRATA, 1994). Para esclarecer as teses da desqualificação tendencial,
da polarização das qualificações e da requalificação, é preciso retomar o conceito de
qualificação.
O conceito de qualificação, segundo Ramos (2001), surge no processo de consolidação
da sociedade industrial e retoma o papel social regulador desempenhado pelas
corporações de ofício. Até esse período, as corporações codificavam as relações de
trabalho (regras de contratação, salário e formação) entre mestres, companheiros e
aprendizes, de forma a garantir uma competição controlada.
A liberalização das relações de trabalho a partir do século XVIII, que ajudaram a
impulsionar o processo de industrialização, promoveu o desaparecimento de dois
princípios de regulação social: as regras coletivas entre empregados e empregadores,
com o surgimento do contrato individual de trabalho; a aprendizagem profissional, pois
os aprendizes se tornaram operários submetidos a tarefas pouco formadoras.
O conceito de qualificação, nascido no pós-guerra, surge como uma resposta a essa
ausência de regulações sociais. As regulações sociais no mundo do trabalho visam
reconhecer o trabalhador como membro de um coletivo dotado de um estatuto social
além da simples dimensão do contrato individual do trabalho. As bases de sustentação
da qualificação são: as convenções coletivas, que classificam e hierarquizam os postos
43
de trabalho; o ensino profissional que classifica e organiza os saberes em torno dos
diplomas.
O conceito de qualificação mais utilizado nasce e se consolida dentro do modelo
taylorista-fordista, em torno do qual se inscrevem os padrões de formação, emprego,
carreira e remuneração (Ramos, 2001).
A relação entre formação e emprego passa a ser intermediada pelo diploma, que
asseguraria o domínio de certos conceitos e conhecimentos. O diploma passa a ser
perseguido como garantia de qualificação, status e remuneração.
Do lado do trabalho, alguns mecanismos foram utilizados para classificar e organizar a
remuneração relacionando-a a determinados saberes. Dentre esses mecanismos,
destacam-se os sistemas de classificação de empregos e de salário: nos EUA, o job
evaluation ou sistema Hay amplamente aplicado em diversos países; na França, as
classificações Parodi-Croizart, que servem de base para as negociações entre patrões
e sindicatos; no Brasil, a Classificação Brasileira de ocupações (CBO) e as legislações
do exercício profissional regulamentadas pelos conselhos regionais (RAMOS, 2001).
A qualificação, então, é utilizada para designar tanto os conhecimentos adquiridos pelos
indivíduos no sistema educacional formal legitimados pelos certificados e diplomas,
como a posição desses mesmos indivíduos na escala dos estatutos sociais e dos
salários. Em seu uso mais corrente, esse conceito se relacionou aos métodos de
análise ocupacional, que buscavam identificar as características do posto de trabalho e
delas inferir o perfil ocupacional do trabalhador apto a ocupá-lo (ZARIFIAN, 2003).
Ao analisar o aprofundamento da divisão do trabalho dentro das empresas capitalistas,
característica do modelo taylorista-fordista de produção, Braverman (1987), levantou a
tese da desqualificação inelutável, gradual e progressiva dos trabalhadores. Segundo
ele, a exposição dos trabalhadores a um trabalho prescrito e repetitivo conduziria à
44
desqualificação da massa de trabalhadores. O pensamento desse autor obteve grande
sucesso no meio acadêmico durante os anos 70 e 80 (PAIVA, 1995).
Essa tese passa a ser questionada empiricamente no momento em que se buscou
entender as diversas nuances da inserção das novas tecnologias no mundo do trabalho
durante a década de 1980. Nascem, então, duas outras: a tese da polarização das
qualificações, segundo a qual a introdução das novas tecnologias produziria um grupo
de trabalhadores extremamente qualificado – usuário da alta tecnologia – e um grupo
de trabalhadores desqualificado – não usuário dessa tecnologia (HIRATA, 1994); a tese
da requalificação, segundo a qual as novas tecnologias e os novos paradigmas de
produção exigiriam uma massa de conhecimentos e atitudes bastante diferentes das
qualificações formais requeridas pela organização taylorista-fordista de produção
(CORIAT, 1994).
É essa discussão que relaciona a qualificação ao conteúdo do trabalho dentro dos
modelos de produção taylorista-fordista e dos novos modelos de produção que incita o
debate da emergência da noção de competência. Se, por um lado, o modelo taylorista-
fordista exige do trabalhador um cumprimento rigoroso de normas operatórias prescritas
para o alcance da eficiência na produção, por outro lado, os novos modelos produtivos
exigem dos trabalhadores uma maior capacidade de pensar, de decidir, de ter iniciativa
e responsabilidade, de fabricar e consertar, de administrar a produção e a qualidade a
partir da linha. O trabalhador assume simultaneamente funções de operador,
mantenedor, inspetor da qualidade e engenheiro (HIRATA, 1994).
Veltz e Zarifian (1993), ao analisarem a mudança no conteúdo do trabalho, descrevem-
na a partir de crises no modelo taylorista-fordista de produção. Segundo esses autores,
o taylorismo passa a ser questionado e as novas necessidades no mundo do trabalho
requerem uma nova qualificação dos trabalhadores.
A crise se mostra no modelo de operação, pois a prescrição das atividades de forma
seqüencial perde o sentido, pois a relação do trabalhador com os equipamentos
45
dependeria de interpretações e diagnósticos que pressupõem uma margem de
autonomia.
A crise se dá também no modelo de cooperação, pois no modelo taylorista a eficiência
da operação é buscada de forma aditiva, pela otimização de cada operação
individualmente. A lógica central desse modelo é de economizar ao máximo a
cooperação e a comunicação entre os trabalhadores. Esse modelo perde o sentido para
as necessidades atuais de cooperação e comunicação para superar problemas mais
difíceis e complexos. A eficiência está cada vez mais ligada à densidade das
interações.
A outra crise se mostra no modelo de inovação e aprendizagem que, no modelo
anterior, aparecem como desvios dentro de um contexto que tende à regularidade,
estabilização e reprodução de procedimentos e saberes instituídos. Surgem dois
mundos dentro do universo industrial: o mundo relativamente informal da concepção
dos meios e dos produtos; e o mundo normalizado e formalizado da execução. No
contexto atual, essa separação mostra-se limitada para alcançar a eficiência
competitiva. A necessidade de mudança implica que se estabeleçam métodos variáveis
como regra geral. A capacidade de aprendizagem (domínio de novos procedimentos e
ferramentas) torna-se critério central da eficiência. Porém, não se pode fixar a atenção
somente na aprendizagem técnica, mas também na aprendizagem social.
Na análise desses autores, além das crises descritas que suscitam novas qualificações
dos trabalhadores, é ressaltada a presença dos eventos e da comunicação no centro
dos novos modelos de organização. Os eventos (ou imprevistos) crescem à medida que
se intensificam os fluxos da produção, as mudanças na demanda, os contatos com os
clientes, a introdução de novas tecnologias.
Dessa forma, a qualificação dos indivíduos se encontra cada vez mais na capacidade
de prever, analisar e solucionar esses eventos. A necessidade de cooperação nos
novos modelos coloca a comunicação, não mais na periferia, mas no centro da
46
atividade industrial. Não se comunica somente entre as atividades, mas a própria
atividade consiste em comunicar.
Na análise desses autores, as novas formas de organização do trabalho e as novas
tecnologias questionam o conceito de qualificação. A impossibilidade de prever e
prescrever, a priori, as atividades e os padrões operatórios, trazem o trabalhador, seus
saberes e sua iniciativa para o centro da discussão.
Essas análises levam à seguinte conclusão: se os cursos de ação contidos em um
posto de trabalho e nas descrições de cargo não são suficientes para garantir uma ação
competente, os saberes explicitados, classificados e organizados a partir do estudo
desse cargo também não o são. Nesse momento, a capacidade do trabalhador em lidar
com as novas situações de trabalho passa a ser expressa não apenas pelo seu saber
legitimado por diplomas e certificados. Acrescenta-se ao saber o savoir-faire e o saber
social, ambos adquiridos ao longo de sua vida e experiência em contextos específicos
(PERRENOUD, 1999; ZARIFIAN, 2001).
Como savoir-faire entende-se “[...] os saberes empíricos, práticos, as antigas manhas
do ofício, a habilidade, o golpe de vista[...]” (STROOBANTS, 1997, p. 140) dos
trabalhadores. São saberes adquiridos na prática e que formam a experiência do
trabalhador. Isso o capacitaria para ações competentes fora do espaço da prescrição.
O saber social enfatiza “[...] o comportamento e as atitudes, ou seja, a maneira como
um indivíduo apreende o seu ambiente em ‘situação’ [...]” (ZARIFIAN, 2001, p. 146).
Admite-se que a atitude, que se define como a maneira pela qual um indivíduo se
conduz em relação à realidade em geral, embora se manifeste individualmente, é
social, pois é produzida em um meio social e cultural específico e denota certa maneira
de se posicionar nas relações sociais.
A emergência do savoir-faire e dos saberes sociais faz surgir um novo conceito para
descrever a relação entre a qualificação dos trabalhadores e o conteúdo do trabalho: a
47
competência. Passa-se a acreditar que a formação escolar é insuficiente para prover
trabalhadores competentes para o mercado de trabalho. Os diplomas que até então
asseguravam a detenção de um conjunto de saberes passam a ser questionados. As
organizações passam a ocupar um lugar importante na formação dos trabalhadores e
começam a ser percebidas como qualificantes (ZARIFIAN, 1998).
Nesse contexto, o conceito de qualificação perde espaço para o de competência nos
discursos sociais e científicos. Embora a noção de competência pareça tomar o lugar
da qualificação nesses discursos, essa mudança de termos encontra não poucas
objeções. Retomar essas objeções é o objetivo da próxima seção e o ponto central
desse trabalho.
3.2 Da qualificação à competência? (2º round)
Até aqui, foram descritas as mudanças, denominadas reestruturação produtiva, no
sentido restrito (sistema produtivo) e no sentido mais amplo (ambiente econômico).
Esse contexto de transformações suscitou as interpretações expostas na seção
anterior, que podem ser postas nesses termos: as novas tecnologias e novas formas de
organização do trabalho trouxeram consigo práticas de gestão que passaram a
valorizar o empregado como pessoa, suas qualidades, suas atitudes. Por necessidade
de manter-se competitivo, o novo ambiente produtivo teria deixado para trás a
degradação do trabalho prescrito intrínseco ao modelo taylorista-fordista.
Essa forma de interpretar as mudanças deve-se, em grande parte, à grade utilizada
para observar e caracterizar o modelo anterior. Nas palavras de Stroobants (1997, p.
137) o novo sistema pode “parecer pós ou neo-taylorista, conforme a maneira de definir
o arquétipo do taylorismo-fordismo”. Essa autora chama a atenção para o fato desse
arquétipo ser utilizado para designar coisas diferentes: um sistema de instruções para
aumentar a produtividade; o trabalho em série, que permite economizar uma parte das
48
instruções; uma forma de articular produção e consumo de massa; categorias
profissionais padronizadas e, em alguns casos, tudo isso ao mesmo tempo. Lembra
ainda que essas características do modelo não se apresentaram iguais nos diferentes
setores produtivos e nos diferentes países. Há diferentes formas de taylorismo-
fordismo.
Para essa autora, os debates que originaram o surgimento da noção de competência
na sociologia do trabalho não levaram em conta os aspectos cognitivos do trabalho. É
indiretamente que a capacidade e os saberes dos trabalhadores intervêm na análise,
por meio de seu reconhecimento no mercado de trabalho. Se esse reconhecimento se
dá historicamente por meio de negociação entre trabalhadores e empregadores, o
conteúdo do trabalho nada poderia dizer em relação à qualificação, pois essa é
resultado de acordo, daquilo que efetivamente será reconhecido na relação de trabalho.
Relacionar a competência às novas formas de organização do trabalho seria um
procedimento duvidoso.
Se a grade utilizada para interpretar as transformações pode apresentar um viés
analítico, outro fator também interfere na qualidade das análises. A noção de
competência como uma substituição ao conceito de qualificação. A questão a ser
colocada é: qual conceito de qualificação foi utilizado?
Segundo Manfredi (1999), a qualificação não pode ser tomada com um sentido único,
pois assumiu diferentes sentidos historicamente construídos e utilizados por diferentes
setores da sociedade para atender a diversos interesses. Para essa autora, as
diferentes noções de qualificação podem ser agrupadas em dois referenciais: da
Economia da Educação e da Produção e Organização do Trabalho.
Dentro da Economia da Educação, destacam-se duas diferentes abordagens. A
primeira relaciona a qualificação como fator de desenvolvimento socioeconômico de
regiões e nações. Visando preparar o assim chamado capital humano, durante as
décadas de 50 e 60, foram marcantes as ações governamentais nos campos do
49
planejamento e racionalização de investimentos em educação escolar, buscando
garantir uma maior adequação entre as demandas dos sistemas ocupacionais e a
oferta de mão-de-obra pelo sistema educacional (PAIVA, 1997).
A segunda abordagem concebe a qualificação como qualificação formal, empregando-a
como um índice de desenvolvimento socioeconômico, abrangendo tanto as taxas
médias de escolarização da população, quanto à extensão do tempo médio de
permanência na escola. É notável o crescimento desses índices nas últimas três
décadas, provocando o que Paiva (1997) denomina de inflação dos diplomas.
Dentro da Produção e Organização do Trabalho aparecem duas diferentes concepções
de qualificação. A concepção taylorista-fordista de qualificação, que teve como matriz o
modelo job/skills definido a partir do posto de trabalho a ser ocupado. Nesse modelo a
qualificação é concebida como um bem privado conquistado pelos indivíduos que, ao
longo de suas trajetórias escolares e profissionais, acumulam um conjunto de
conhecimentos, habilidades, destrezas e experiências. A qualificação fica reduzida a
um percurso de responsabilidade individual e de natureza meritocrática e restrita a uma
posição ocupada no mercado de trabalho.
A outra concepção, dentro da Produção e Organização do Trabalho, é aquela que
destaca a qualificação como relação social. Associada ao Welfare State, surge em
resposta à ausência de regulações sociais nas relações de trabalho. A qualificação é
compreendida dentro de um contexto de conflito e negociação decorrentes dos
interesses distintos do Capital e do Trabalho. Nesse contexto, há um esforço dos
trabalhadores para que sua qualificação seja reconhecida oficialmente dentro dos
sistemas de classificação de cargos para obterem reconhecimento social e financeiro.
Para Ramos (2001), a noção de competência não substitui o conceito de qualificação
com o qual disputa espaço no ordenamento teórico-empírico das relações de trabalho.
Essa autora utiliza o esquema oferecido por Schwartz (1995) para defender essa tese.
50
Nesse esquema, a qualificação é apresentada em suas três dimensões: conceitual,
social e experimental.
A dimensão conceitual define a qualificação como função do registro de conceitos
teóricos formalizados e dos processos de formação, associando-a ao valor dos
diplomas. Os diplomas legitimam os saberes a eles associados e garantem status e
remuneração.
A dimensão social coloca a qualificação no âmbito das relações sociais que se
estabelecem entre os conteúdos das atividades e o reconhecimento social dessas
atividades, remetendo-a as grades de classificação coletivas.
A dimensão experimental está relacionada ao conteúdo real do trabalho, aos quais se
relacionam os registros conceituais e os saberes tácitos postos em jogo na realização
do trabalho. Nessa dimensão, a qualificação dos trabalhadores evolui em razão do
permanente acúmulo de experiências concretas de trabalho e da aquisição de novos
conhecimentos e habilidades, por meios formais e informais. Essa evolução é também
condicionada às mudanças técnicas incorporadas nas qualificações prescritas no posto
de trabalho. Essa incorporação nem sempre é explícita, mas compõe o fluxo de
conhecimentos que existe na realização das atividades e se insere na complexidade
das relações sociais que caracterizam a qualificação como síntese entre condições
objetivas e subjetivas de trabalho.
Para Ramos (2001) a competência não substitui o conceito de qualificação. O que há é
um deslocamento conceitual, pois a competência tanto reforça quanto nega as
dimensões existentes no conceito de qualificação.
Em sua dimensão social, a qualificação é colocada no âmbito das relações sociais que
se estabelecem entre os conteúdos das atividades profissionais e o seu
reconhecimento social. A relação que se estabelecia entre os registros conceituais das
atividades formalizados pelos diplomas e títulos reconhecidos socialmente e a inserção
51
profissional fazia da qualificação um código de comunicação entre categorias
profissionais e empregadores. Regras de acesso e permanência no emprego, carreira e
remuneração foram construídas baseadas nesses códigos.
Como a noção de competência evoca os saberes ligados à trajetória de cada indivíduo,
essa noção levaria a desvincular o indivíduo dos códigos das profissões e das
classificações no plano da hierarquia social. À medida que essa relação se dissolve, a
competência passa a ser esse código. No limite, isso leva à individualização das
relações de trabalho e responsabilização do indivíduo em relação às suas
competências. Nesse sentido, a noção de competência se aproximaria da noção de
empregabilidade. Esse procedimento levaria ao enfraquecimento da dimensão social da
qualificação.
Ao valorizar os saberes tácitos ligados à trajetória individual e as características
pessoais, a noção de competência tende a desvalorizar os conteúdos e saberes
legitimados pelos diplomas e certificados, de modo que a qualificação deixaria de ser
expressa em função dos registros de conceitos técnico-científicos característicos das
atividades profissionais.
Historicamente, esses registros foram formalizados por meio de títulos e diplomas, e
mesmo que mantenham certa importância para a inserção profissional inicial, não são
fatores determinantes para a permanência no mercado de trabalho. Essa permanência
passaria a ser função das competências adquiridas, validadas e permanentemente
atualizadas, que garantiriam a empregabilidade.
A aquisição e desenvolvimento de competências tanto podem se efetuar por meio da
educação continuada quanto pela diversificação das experiências profissionais em
organizações qualificantes e mudanças de emprego. Essa última ganha certo caráter
de positividade, pois passa a ser vista como contramedida ao desgaste da competência
profissional dos indivíduos. Esse procedimento levaria ao enfraquecimento da
dimensão conceitual da qualificação.
52
Em contrapartida, a dimensão experimental da qualificação é reforçada pela noção de
competência, pois ambas valorizam o saber-fazer ligado à experiência e mobilizado em
situação real de trabalho. Ramos (2001) ressalta que a dialética proposta por Schwartz
entre as dimensões conceitual e experimental da qualificação assemelha-se àquela
proposta por Zarifian (2001) entre os conhecimentos e a competência. A dialética
ocorre à medida que os conhecimentos se modificam em contato com as novas
situações concretas no ambiente do trabalho, em virtude das iniciativas dos indivíduos,
das responsabilidades exercidas e das reflexões que levam às explicações sobre o
porquê das ocorrências e das falhas. Qualquer prescrição é, assim, passível de ser
transformada, ampliada ou enriquecida pela ação dos sujeitos.
O que está em jogo é a atividade prescrita e a atividade real, a implicação subjetiva do
sujeito independente do modo de organização do trabalho. Nesse sentido, competência
e qualificação não estariam afastadas uma da outra. Para essa autora a fronteira da
dimensão experimental da qualificação e a competência é tênue e muito mais tributária
da diferença entre os campos de conhecimento dos quais se originam: a sociologia e a
psicologia, respectivamente.
Outra objeção à substituição da qualificação pela competência é levantada por Mello e
Silva (2001). Para esse autor o conceito de competências nasce acrescentando o
savoir-faire aos saberes contidos no conceito de qualificação. Esse acréscimo do
savoir-faire à qualificação para definir competência é contestável, pois o indivíduo
passaria a ser julgado pelo seu ser e não pelo seu fazer. Isso abriria o caminho a riscos
de arbitrariedade ou a apreciações que não fazem parte do contrato de trabalho.
Isambert-Jamati (1997), ao analisar artigos de especialistas das áreas de psicologia e
das ciências sociais na revista OSB (L´Orientation Scolaire et Professionnelle) nos
períodos de 1972-1975 e 1990-1993, nota que o termo competência assume vários
sentidos. Para a autora, esse caráter polissêmico do termo deveria levar os cientistas à
não naturalizar o conceito, mas entender seu uso na realidade empírica.
53
Até o momento, o termo competência utilizado nessa seção aparece como uma
composição do saber, do savoir-faire e do saber social mobilizados pelo trabalhador em
situação real de trabalho. Essa simplificação foi necessária para cumprir o objetivo até
aqui: evidenciar a posição central que essa noção passa a ocupar nos discursos sociais
e científicos, posição que antes pertencia à qualificação. Cabe agora mostrar a
polissemia do termo competência e evidenciar a necessidade de pesquisas empíricas
que descrevam seu significado em contextos específicos.
3.3 Competência: uma visita à Torre de Babel
A palavra competência, no senso comum, costuma ser utilizada para designar uma
pessoa qualificada para realizar alguma coisa. Dizer que alguém é competente é
reconhecer sua capacidade de agir e de resolver problemas de forma satisfatória.
Na língua inglesa, o dicionário Webster (1981, p. 63) define competência como a
“qualidade ou estado de ser funcionalmente adequado ou ter habilidade ou força
suficiente para uma determinada atividade (the quality or state of being funcionally
adequate or strenght for a particular duty)”. O dicionário Longman (1995, p. 270) define
como “habilidade e capacidade de fazer o que é necessário (the ability and skill to do
what is needed)”.
Na língua portuguesa, o dicionário Aurélio (1975, p. 353) define competência como a
“qualidade de quem é capaz de apreciar e resolver certo assunto, fazer determinada
coisa” e também como a “faculdade concedida por lei a um funcionário, juiz ou tribunal
para apreciar e julgar certos pleitos ou questões”.
54
Essas definições guardam pelo menos três pontos em comum: primeiramente, o termo
competência aponta para algo que o indivíduo detém (habilidade, capacidade,
conhecimento); em segundo lugar, para algo que precisa ser realizado (atividade,
assunto, coisa); em terceiro lugar, para um julgamento e apreciação implícitos ligados à
situação. O indivíduo é reconhecido como competente em um determinado contexto.
Isambert-Jamati (1999), observa a presença desse julgamento também no dicionário
Littré da língua francesa.
Em uma revisão bibliográfica sobre o tema, Fleury e Fleury (2001, p. 184) situam o
início do debate sobre competência a partir da publicação do paperTesting for
Competence rather than Intelligence”, em 1973, por McClelland. Para esse autor, a
competência é uma “característica subjacente a uma pessoa que é casualmente
relacionada com desempenho superior na realização de uma tarefa ou em determinada
situação”.
Segundo esses autores, durante a década de 80, Richard Boyatzis, ao analisar dados
de estudos sobre competências gerenciais, identificou um conjunto de características e
traços que definem um desempenho superior. Nessa perspectiva, o conceito de
competências é pensado como um conjunto de conhecimentos, habilidades e atitudes
que justificam um alto desempenho. Acredita-se que os melhores desempenhos estão
fundados na inteligência e na personalidade das pessoas. Essa concepção leva a
pensar competência como o somatório das capacidades e qualidades de uma pessoa.
Vieira e Luz (2003, p. 7) destacam uma definição amplamente utilizada na França, na
qual competência é “um conjunto de saberes mobilizados em situação de trabalho”.
Compõem essa definição os saberes ou conhecimentos específicos, saberes colocados
em prática, o saber-fazer, as aptidões, a inteligência, a vontade de colocar em prática.
Competência envolve um sistema, uma combinação de diferentes elementos.
Mandon apud Stoobants (1997, p. 142), oferece outra definição. Competências é um
“saber-mobilizar conhecimentos e qualidades para fazer frente a um dado problema”.
55
Essa definição estabelece competências como conhecimentos e qualidades
contextualizados. Incluem-se nessa definição os saberes ou conhecimentos formais; o
saber-fazer, que pertence à esfera dos procedimentos empíricos; o saber-ser,
compreendido como um saber social, que mobiliza estratégias e raciocínios complexos.
Zarifian (2001) relaciona a emergência do tema competência à crise do modelo de
prescrição na França, quando as empresas tentaram sair das dificuldades econômicas
adotando estratégias de elevação da qualidade dos produtos, diversificação e
introdução de inovações. Ele apresenta uma definição que possui várias dimensões.
A competência é o “tomar iniciativa” e o “assumir responsabilidade” do indivíduo
diante de situações profissionais com as quais se depara (ZARIFIAN, 2001, p.
68).
A competência é um entendimento prático de situações que se apóia em
conhecimentos adquiridos e os transforma na medida em que aumenta a
diversidade das situações (ZARIFIAN, 2001, p. 72).
A competência é a faculdade de mobilizar redes de atores em torno das mesmas
situações, é a faculdade de fazer com que esses atores compartilhem as
implicações de suas ações, é fazê-los assumir áreas de co-responsabilidade
(ZARIFIAN, 2001, p 74)
Posteriormente, Zarifian (2003) acrescenta que as dimensões da autonomia e da
iniciativa, constantes do conceito de competências requerem a mobilização de dois
tipos de recursos: internos pessoais – adquiridos e desenvolvidos pelo indivíduo ao
longo de sua carreira, em determinadas situações; coletivos – trazidos e colocados à
disposição dos indivíduos pela organização.
Esse conceito multidimensional coloca a organização como fundamental no processo
de aquisição e desenvolvimento das competências individuais. Essa forma de definir
competência se afasta daquelas que tendem a apresentá-la como uma propriedade
puramente individual.
Seguindo essa mesma linha, Fleury e Fleury (2004), definem competência
relacionando-a com a agregação de valor econômico à organização. Para esses
autores, competência é:
56
[...] um saber agir responsável e reconhecido, que implica mobilizar, integrar,
transferir conhecimentos, recursos, habilidades, que agreguem valor econômico
à organização e valor social ao indivíduo (FLEURY; FLEURY, 2004, p. 30).
Dutra (2004), acrescenta a esse conceito a noção de entrega, que se refere àquilo que
o indivíduo entrega à organização e é por isso reconhecido. Essa entrega está ligada à
agregação de valor à organização, entendida pelo autor como algo que a pessoa
entrega para a organização de forma efetiva, isto é, aquilo que permanece mesmo após
a saída do indivíduo. Agregação de valor não seria atingir determinados resultados,
mas melhorar processos ou introduzir tecnologias.
Esses últimos autores apresentam uma preocupação em estabelecer uma relação entre
as competências individuais e as competências organizacionais. As competências
organizacionais passaram a compor as muitas definições de competência a partir dos
trabalhos de Prahalad e Hamel (1990) e Prahalad (1999). Esses autores lançam o
conceito das competências essenciais. Consideram que a competitividade de uma
empresa não depende apenas de seus atributos preços e desempenho dos produtos,
mas na capacidade de formar, a custos menores e com mais velocidade do que os
concorrentes, competências essenciais que geram produtos ou serviços que não
podem ser antecipados.
McLagan (1997) oferece diferentes definições para competência:
Competência ligada à tarefa: capacidade de realizar aquelas tarefas descritas nos
cargos e funções.
Competência ligada ao resultado: descrita adicionando o termo “habilidade” a um
determinado resultado, por exemplo, habilidade de produzir lucros.
Competência output: algo que uma pessoa ou equipe produz, provê ou entrega.
Conhecimento, habilidades e atitudes (CHA): a competência é apresentada como um
somatório do conhecimento (conhecimento em engenharia), habilidades (habilidade de
negociação) e atitudes (integridade).
Competência como diferencial de performance superior: competências fundadas na
inteligência e personalidade de pessoas com desempenho superior.
57
Competência como um mix de atributos: forma híbrida de competência que utilizada
como rótulo para conhecimentos, habilidades, atitudes, resultados, output ou tarefas.
Utiliza termos como liderança, tomada de decisão.
O Quadro 3, a seguir, mostra os diversos conceitos de competência enunciados pelos
autores utilizados nesse trabalho.
Autor Conceito
McClelland (1973) Característica subjacente a uma pessoa que é casualmente
relacionada com desempenho superior na realização de uma
tarefa ou em determinada situação.
Boyatzis (1982) Conjunto de conhecimentos, habilidades e atitudes que
justificam um alto desempenho.
Mandon (1997) Saber-mobilizar conhecimentos e qualidades para fazer frente a
um dado problema
Zarifian (2001) Conceito multidimensional:
A competência é o “tomar iniciativa” e o “assumir
responsabilidade” do indivíduo diante de situações profissionais
com as quais se depara.
A competência é um entendimento prático de situações que se
apóia em conhecimentos adquiridos e os transforma na medida
em que aumenta a diversidade das situações.
A competência é a faculdade de mobilizar redes de atores em
torno das mesmas situações, é a faculdade de fazer com que
esses atores compartilhem as implicações de suas ações, é
fazê-los assumir áreas de co-responsabilidade.
Fleury e Fleury (2001) Um saber agir responsável e reconhecido, que implica mobilizar,
integrar, transferir conhecimentos, recursos, habilidades, que
agreguem valor econômico à organização e valor social ao
indivíduo.
Dutra (2004) Entrega do indivíduo que leva à agregação de valor à
organização, entendida como algo que a pessoa entrega de
forma efetiva, isto é, aquilo que permanece mesmo após a saída
do indivíduo.
Prahalad e Hamel (1990) Competência da organização, ou competência essencial, é o
aprendizado coletivo na organização, especialmente a
capacidade de coordenar as diversas habilidades de produção e
integrar as múltiplas correntes da tecnologia. São difíceis de ser
imitadas pela concorrência.
McLagan (1997) Conceito multidimensional que relaciona a capacidade de
realizar aquelas tarefas descritas nos cargos e funções; a
habilidade para produzir um resultado; algo que o indivíduo
produz ou entrega; o somatório dos conhecimentos, habilidades
e atitudes; atributos individuais que permitem um desempenho
superior ou a liderança de equipes.
Quadro 3 – Conceitos de competências
Fonte: Elaborado pelo autor
58
Luz (2001, p. 51) apresenta os diversos conceitos de competência a partir da visão de
países diferentes, tais como Canadá, Estados Unidos, França e Reino Unido, como
mostra o Quadro 4, a seguir.
Países Conceito Classificação
Canadá
A educação se inicia com a
identificação do que se espera
que o estudante seja capaz de
fazer ao final do programa. A
educação baseada em
competência é um enfoque
sistêmico sobre o
desenvolvimento e formação.
Qualificações acadêmicas
Qualificações de
desenvolvimento pessoal
Qualificações para trabalhar
em equipe
Estados Unidos
As competências são atributos
que o empresário de alto
rendimento de hoje busca nos
empregados de amanhã. A
produção de alto rendimento
está vinculada às novas formas
de organização do trabalho e se
baseia no critério de que o
aumento da qualidade,
produtividade e flexibilidade são
obtidos pela utilização eficaz da
força de trabalho.
Competências práticas
Competências fundamentais
Não existe um modelo nacional
unificado de competências
França
A competência é o conjunto de
saberes mobilizados em
situação de trabalho.
Saberes ou conhecimentos
específicos
Saberes colocados em prática,
saber-fazer, aptidões
Inteligência pessoal e
profissional, capacidades
Reino Unido
Competência é o conjunto de
habilidades e conhecimento que
se aplicam no desempenho de
uma função ocupacional, a partir
das demandas requeridas pelo
emprego.
Competências específicas do
setor
Competências genéricas
Competências ou habilidades
essenciais
Quadro 4 - Conceito e classificação de competências
Fonte: Luz (2001, p. 51), baseada em Steffen e Joras.
59
Segundo Steffen (apud LUZ, 2001, p. 48), os diversos modelos de competência podem
ser classificados de acordo com diferentes correntes teórico-filosóficas: o modelo
funcionalista – originado na Inglaterra; o modelo comportamentalista – originado nos
Estados Unidos; o modelo construtivista – originado na França. Um resumo dessas
diferentes correntes pode ser visto no Quadro 5.
Modelo
Comportamental
Modelo
Funcionalista
Modelo
Construtivista
Origem
EUA Inglaterra França
Base teórica
Teoria Behaviorista Teoria Funcionalista Teoria Construtivista
Objetivo
Identificar os
atributos
fundamentais que
permitem ao
indivíduo alcançar
um desempenho
superior
Construir bases
mínimas para
definição dos perfis
ocupacionais que
servirão de apoio
para a definição dos
programas de
formação e
avaliação para
certificação de
competências
Construir normas a
partir dos resultados
da aprendizagem,
mediante análise
das disfunções
existentes e busca
da solução mais
adequada, por meio
de processo de
motivação e
desenvolvimento
das pessoas
Foco
Centra-se nos
trabalhadores mais
capacitados ou em
empresas de alto
desempenho, para a
construção das
competências
Parte da função ou
funções, que são
compostas de
elementos de
competência, com
critérios de
avaliação que
indicam os níveis de
desempenho
requerido
Desenvolve-se a
partir da população
menos competente
que, submetida a
um processo de
aprendizagem, vai
melhorando as
competências
profissionais
Quadro 5 – Modelos de competência profissional segundo às teorias filosóficas
Fonte: Luz (2001, p. 48), baseada em Steffen.
Diferentes abordagens para a noção de competências, na literatura que trata do tema,
são também identificadas por Ruas (2005). São elas:
Competências individuais – que se referem à entrega do indivíduo à organização a
partir do seu trabalho.
Competências coletivas e/ou grupais – referem-se às competências coletivas entregues
à organização e que são resultado de trabalho coletivo.
60
Competências organizacionais – dizem respeito à estratégia da empresa e resultam de
trabalho coletivo.
Conceito de competência – refere-se ao debate que se estabelece sobre a construção
do conceito de competências.
Algumas pesquisas brasileiras têm mostrado que muitas empresas estão adotando a
gestão de competências. Porém, também têm mostrado que a operacionalização desse
conceito tem apresentado diferenças nas diversas organizações.
Pesquisas no sul do Brasil (RUAS, 2003) mostram que a dificuldade comum às
organizações tentando empregar a noção de competência como uma das diretrizes
fundamentais da gestão, é a de tratar essa noção sob a forma de uma estratégia
articulada, orientada para o desenvolvimento da organização, de seus grupos e de suas
pessoas. Ainda predomina nestas empresas um forte enfoque baseado em
competência individual (centralização em atributos de competência requeridos da
pessoa).
Pesquisas em Minas Gerais (BARBOSA; FERRAZ; LOPES, 2002, 2003) mostram que,
em grandes empresas da região, os modelos de competência são elaborados pelo core
estratégico organizacional, descolados da realidade prática dos indivíduos, o que faz
com que esses modelos se tornem de uso exclusivo da área de RH dessas empresas.
Os modelos tornam-se prescritivos, distantes das práticas reais de trabalho, o que
dificulta a gestão de competências.
Dutra (2004) afirma que, dentre as dificuldades das empresas que adotam a gestão de
competências, a principal é oferecer um sistema de gestão de pessoas integrado capaz
de identificar, desenvolver e reconhecer as competências dos seus empregados. O que
normalmente se nota é uma desconexão entre a gestão de competências e o sistema
de gestão de pessoas. Por exemplo, a empresa implanta a gestão de competências,
que implica prática de uma forma de remuneração que reconheça as competências dos
indivíduos, mas continua praticando a remuneração por cargos. Para esse autor,
61
incoerências como essas são facilmente encontradas nas empresas que adotam a
gestão de competências.
Fischer (2001) ressalta que muitas empresas brasileiras têm buscado inovar em suas
práticas de gestão de pessoas, inclusive adotando a gestão de competências. Afirma
que a introdução de novos termos no ambiente das organizações pode ser entendido
como um sinal de que os especialistas dessa área desejam estabelecer um marco de
redefinição sobre seu espaço de atuação profissional.
Considerando todas essas definições e diferentes abordagens sobre qualificação e
competência, esse trabalho buscou, a partir de dados empíricos, analisar como as
dimensões conceitual, social e experimental da qualificação podem ser modificadas
com a adoção da gestão de competências em uma empresa.
62
4 METODOLOGIA
4.1 Da definição do tema às características da pesquisa
O ingresso no mestrado é sempre cercado de grandes expectativas. Uma delas,
embora possa parecer uma preocupação prematura, diz respeito ao final do curso.
Especificamente, a escolha do tema sobre o qual será desenvolvida a dissertação.
Essa antecipação pode ser de grande utilidade, considerando que as leituras e papers
desenvolvidos durante o curso podem ajudar a compor o referencial teórico da
dissertação.
Embora essa preocupação tenha surgido desde o início das aulas, o interesse pelo
tema dessa dissertação só começou a aparecer após a leitura do livro “O modelo de
competências”, de Phillippe Zarifian, em meados do ano de 2004. No segundo
semestre desse mesmo ano, durante as aulas de metodologia da pesquisa e do “parto”
que foi a definição do problema de pesquisa, a problematização do tema qualificação e
competências pareceu um desafio interessante.
Com o tema definido, o próximo passo foi delimitar com clareza e precisão o problema
de pesquisa, o que não seria possível sem um aprofundamento na bibliografia sobre o
tema e inúmeras conversas com outros pesquisadores. E isso foi feito aproveitando o
recesso das aulas nos meses de dezembro de 2004 e janeiro de 2005.
Definidos o problema e os objetivos da pesquisa, o passo seguinte foi caracterizar o
tipo de investigação que seria realizado. Para que um processo investigativo obtenha
sucesso, isto é, produza algum conteúdo científico é imprescindível trabalhar “com rigor,
com método, para assegurar a si e aos demais que os resultados da pesquisa são
confiáveis, válidos” (LAVILLE; DIONNE, 1999, p. 11). Torna-se necessário o
esclarecimento do processo investigativo a ser executado por meio de técnicas e
procedimentos reconhecidos pela pesquisa científica.
63
Considerando essas recomendações, foi escolhida e utilizada nessa pesquisa uma
abordagem que vem se firmando como uma possibilidade de investigação de
fenômenos no campo da Administração – a abordagem qualitativa (GODOY, 1999).
Nela, o pesquisador não pretende enumerar ou medir os eventos estudados. Parte de
questões ou focos de interesses amplos, que vão se definindo à medida que o estudo
avança. Procura compreender os fenômenos segundo o ponto de vista dos atores
participantes da situação. Os pesquisadores que adotam essa perspectiva defendem
que um fenômeno pode ser melhor observado e compreendido no contexto em que
ocorre e do qual faz parte. Deve aprender a acreditar em si mesmo como um
instrumento confiável de observação, seleção, análise e interpretação dos dados
coletados.
Toda e qualquer classificação das pesquisas se faz utilizando-se algum critério.
Segundo Gil (2002, p. 41), “é usual a classificação com base em seus objetivos gerais”.
Quanto ao objetivo geral, essa pesquisa apresenta-se como descritiva, na qual os fatos
“são observados, registrados, analisados, classificados e interpretados, sem que o
pesquisador interfira sobre eles” (ANDRADE, 1997, p. 15).
Quanto aos procedimentos metodológicos, caracterizou-se como um estudo de caso
que, segundo Yin (2001, p. 32), permite investigar “um fenômeno contemporâneo
dentro de seu contexto da vida real, especialmente quando os limites entre o fenômeno
e o contexto não estão claramente definidos”. Trata-se ainda de um estudo de caso
único, visto que buscou descrever o fenômeno em uma organização específica.
Por que a opção pelo estudo de caso? Conforme comentário de Bryman (apud LUZ,
2001), diversos estudos considerados clássicos na teoria das organizações, tais como
os de Blau, Goldner e Selznick, utilizaram o método de caso para o estudo de
organizações. Esse método pode ser utilizado quando se pretende estudar indivíduos,
processos, programas, localidades, instituições ou mesmo eventos (YIN, 2001). Este
autor afirma que, embora o estudo de caso seja considerado apropriado para estudos
64
exploratórios, esse método de investigação pode ser utilizado também em estudos
descritivos, como é o caso desse trabalho.
Existem algumas críticas contra os estudos de caso. Uma das mais comuns refere-se à
falta de rigor e superficialidade das evidências que fundamentam as conclusões. Outra
crítica está relacionada com a impossibilidade de generalização das conclusões do
estudo. Argumenta-se que a primeira crítica não pode ser considerada exclusiva dos
estudos de caso. O mesmo pode acontecer com experimentos e surveys. Quanto à
segunda crítica, argumenta-se que os estudos de caso são generalizáveis a
proposições teóricas e não a outras populações ou ao universo.
Para responder à pergunta que orientou essa pesquisa e atender aos seus objetivos
fez-se necessária a escolha de uma organização com as seguintes características: ter
passado por transformações significativas durante a década de 1990, período
caracterizado no referencial teórico como aquele em que se acentua a reestruturação
produtiva no Brasil; ter implantado, nesse contexto de reestruturação produtiva, a noção
de competência em suas políticas e práticas de gestão; ser reconhecida por seus
investimentos e exigências em relação à qualificação de seus empregados.
Essas características somadas à facilidade de acesso do autor ao campo levaram à
escolha da Empresa Gama. Essa empresa passou por um processo de reestruturação
iniciado no começo da década de 1990 e que incluíram diversas mudanças em sua
arquitetura organizacional, criação de novas áreas de negócio, implantação de um
programa de qualidade total, demissão incentivada como uma forma de preparar a
empresa para o processo de privatização, que ocorreu em 1997. Em 1998, essa
empresa introduziu a noção de competência a partir de uma avaliação de desempenho
destinada a todos os seus níveis organizacionais. Todos esses fatores tornaram essa
empresa um campo privilegiado para a compreensão do fenômeno a ser estudado.
Considerando o porte da empresa, que atua em quatorze estados da federação e nos
quatro continentes, e a diversificação de suas áreas de atuação (exploração e
65
exportação de metais ferrosos e não ferrosos, pelotização e logística), a escolha da
área para o estudo de caso atendeu aos seguintes critérios:
a) Custo - para que a pesquisa fosse viável em relação aos custos, optou-se pelo
estudo de sua sede no estado do Espírito Santo;
b) Tempo - para que fosse viável em relação ao tempo, considerando ser uma pesquisa
qualitativa, optou-se pelo estudo em uma gerência específica;
c) Características da Gerência Escolhida – a área escolhida deveria conter
características que permitissem responder às questões da pesquisa: área operacional
que requeresse trabalhadores com formação profissional formal e que tivesse
vivenciado o processo de reestruturação produtiva referenciado nesse trabalho.
Considerando esses fatores, a área escolhida para o estudo foi a Gerência de
Manutenção de Locomotivas da Empresa Gama. Essa Gerência possui duzentos e
sessenta e oito empregados, distribuídos em cargos de gerência, nível superior,
supervisão e operacionais (técnicos em mecânica e eletroeletrônica, mantenedores,
mecânicos, eletricistas e soldadores).
A Gerência de Manutenção de Locomotivas é reconhecida por ter sido a primeira, ainda
na década de 1980, a implantar Círculos de Controle de Qualidade, tendo sido pioneira
e difusora desse processo na empresa, criando seminários internos, programas de
premiações de circulistas e treinando instrutores internos desse programa.
Na década de 1990, junto com o restante da Empresa Gama, essa área implantou o
programa de Qualidade Total, o que requereu mudanças intensas nos processos de
manutenção. Nessa mesma década, a empresa adquiriu novas locomotivas com
tecnologia eletroeletrônica, o que resultou em intensos treinamentos dos empregados
para lidar com a nova tecnologia. Essa gerência se divide nas seguintes supervisões:
Programação e Controle da Manutenção (PCM), Manutenção Pesada, Manutenção
Leve, Grupo de Confiabilidade e Inspeção.
66
Segundo Yin (2001), um passo importante em um estudo de caso é a definição da
unidade de análise a ser estudada. Desejou-se descobrir nessa investigação como a
introdução da gestão de competências na organização estudada fortaleceu ou
enfraqueceu as dimensões da qualificação. Assim, considerou como unidade de análise
as dimensões conceitual, social e experimental da qualificação, observadas e descritas
a partir da coleta de dados.
Inicialmente, definiu-se investigar as transformações nas dimensões da qualificação
tomando como sujeitos da pesquisa o quadro operacional da Gerência. Definiu-se que
seriam ouvidos os empregados do nível operacional. Também seriam entrevistados os
cinco supervisores, incluindo assim todos os níveis mais próximos à operação da
Gerência. Uma pesquisa anterior realizada na unidade dessa empresa em Minas Gerais
mostrou que o processo avaliativo por competências incluía todos os níveis da
organização, inclusive o nível operacional (BARBOSA; FERRAZ; LOPES, 2003).
Porém, durante os levantamentos iniciais junto à empresa, foi percebida uma mudança
no processo de avaliação por competências. A nova avaliação não incluía os
empregados de nível operacional, o que dificultaria responder aos objetivos dessa
pesquisa. Isso levou, após conversa com a orientadora da pesquisa, à decisão de
investigar o nível de supervisão. Foram, então, entrevistados: os cinco supervisores das
áreas (PCM – Planejamento e Controle da Manutenção, Manutenção Leve,
Manutenção Pesada, Inspeção e Grupo de Confiabilidade). Além desses, foram ouvidas
a Gerente de Recursos Humanos e a Analista de RH responsável por assessorar a
Gerência de Manutenção de Locomotivas.
4.2 Coleta de Dados
De acordo com o tipo de informações que se deseja obter, segundo Rudio (1986, p.
111), “há uma variedade de instrumentos que podem ser utilizados e maneiras
diferentes de operá-los”. A escolha de um instrumento de coleta de dados deve ser
67
orientada pelo problema de pesquisa que se deseja responder e pelos objetivos da
pesquisa.
Segundo Yin (2001, p. 120), “[...] um ponto forte muito importante da coleta de dados
para um estudo de caso é a oportunidade de utilizar muitas fontes diferentes de
evidências [...]”. Após analisar as possibilidades apresentadas por Gil (2002), foram
adotados os seguintes procedimentos na coleta de dados: entrevista e análise
documental.
A entrevista caracterizou-se como um instrumento de coleta de dados importante “[...]
porque esta, ao mesmo tempo em que valoriza a presença do investigador, oferece
todas as perspectivas possíveis, para que o informante alcance a liberdade e
espontaneidade necessárias, enriquecendo a investigação” (TRIVINÕS, 1987, p. 146).
Optou-se por adotar a entrevista do tipo individual e semi-estruturada, definida por
Trivinõs (1987) como aquela que, a partir de alguns questionamentos básicos apoiados
em teorias e perguntas que interessam à pesquisa, oferece um amplo campo de
questionamentos, pois está aberto a novas perguntas que vão surgindo durante o
processo investigativo.
Para realizar essas entrevistas, foi elaborado um roteiro, baseado nas inferências
teóricas e consulta a dissertações e teses que tratavam de temas afins, que orientou as
perguntas feitas aos entrevistados. Todas as entrevistas foram gravadas em fitas
cassete, o que redundou em 300 horas de gravação. Essas gravações foram transcritas
para facilitar a sua análise posterior.
Além dessa fonte primária, foram utilizadas também fontes secundárias para a coleta de
dados a partir de consulta a documentos da empresa arquivados em meios físicos e
eletrônicos.
68
Os estágios da coleta de dados foram:
Etapa 1: contatos iniciais (maio de 2005)
O primeiro contato oficial com a Empresa Gama foi feito em uma reunião com a
Gerente de Recursos Humanos da empresa. Depois do esclarecimento do escopo da
pesquisa, ficou definido que, na publicação da pesquisa, o nome da empresa deveria
ser omitido. Nessa ocasião, foi indicada a Analista de RH que apoiaria e acompanharia
a pesquisa. Sua ajuda foi fundamental para os contatos com a Gerência de
Manutenção de Locomotivas além de todo o acesso à documentação relevante à
pesquisa.
Deve-se ressaltar que nessa fase foram encontradas algumas dificuldades para
agendamentos de reuniões posteriores. Desde os primeiros contatos foram percebidas
uma grande intensificação do trabalho nessa empresa e uma preocupação acentuada
com a variável tempo. A preocupação com o tempo que seria gasto no atendimento ao
pesquisador apareceu algumas vezes. Duas merecem destaque. Antes de indicar a
Analista de RH que acompanharia a pesquisa, a Gerente destacou, em forma daquelas
brincadeiras que guardam um recado: “Vê lá se não vai tomar muito tempo dela, heim”.
Em outra ocasião, ao atender uma ligação que objetivava agendar um encontro, a
Analista de RH disparou: “Se eu tivesse um identificador de chamadas aqui, não te
atenderia agora”. Esses fatos mostram que a insistência é uma característica
importante para qualquer pesquisador.
Etapa 2: levantamentos preliminares (maio a julho de 2005)
Nessa fase, foram levantados diversos dados referentes à história da empresa, suas
políticas e práticas de recursos humanos e, principalmente, em relação à noção de
competência. Deve-se ressaltar que algumas dificuldades foram encontradas para
recolher a documentação física nessa etapa. A explicação dada pela analista de RH foi
que, devido às constantes rodadas do Programa 5S realizadas na empresa, muitos
69
documentos foram descartados. Para suprir essa deficiência, documentos foram
solicitados a uma outra unidade da organização situada no Nordeste.
Nesse mesmo período foram feitos os primeiros contatos com o Gerente da área de
Locomotivas, que mostrou-se muito solícito à realização da pesquisa. Foi indicada a
responsável pela área de qualidade dessa Gerência para apoiar o processo. Sua ajuda
foi fundamental, pois além de fornecer todos os dados solicitados, também organizou a
agenda de todas as entrevistas.
Etapa 3: entrevistas com os supervisores (julho a agosto de 2005)
Com a autorização do Gerente da área, foram entrevistados todos os supervisores da
Gerência de Locomotivas. A primeira entrevista foi realizada com o Supervisor da
Inspeção. A entrevista foi precedida de uma visita à Oficina de Locomotivas e
apresentação de todo o processo de manutenção. A entrevista durou uma hora e meia
e foi de fundamental importância para ajustes no roteiro utilizado.
Em seguida, foram entrevistados os supervisores da Manutenção Leve, Manutenção
Pesada, Grupo de Confiabilidade e PCM – Planejamento e Controle da Manutenção.
Por último, foram entrevistados o Gerente da Área e a Gerente de Recursos Humanos.
Essas entrevistas levaram, em média, uma hora de duração. Cabe ressaltar o empenho
de todos os entrevistados em dar prosseguimento às entrevistas apesar das
interrupções para atender alguns empregados. Todos se colocaram à disposição para
esclarecer quaisquer dúvidas posteriores.
4.3 Análise do conteúdo
Para a análise e interpretação dos dados foi usada a análise qualitativa de conteúdo
que tem como princípio “desmontar a estrutura e os elementos desse conteúdo para
70
esclarecer suas diferentes características e extrair sua significação”. (LAVILLE;
DIONNE, 1999, p. 214).
Segundo Bardin (1979), os objetivos da análise de conteúdo são o desejo de imprimir
maior rigor ao processo de descobrir e ir além das aparências. Para essa autora, não
existe uma única técnica de análise, pois a análise de conteúdo constitui diversas
técnicas, sendo possível construir para cada mensagem um procedimento adequado.
Esse tipo de análise pode ser definido como
um conjunto de técnicas de análise das comunicações visando obter, por
procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição dos conteúdos das
mensagens, indicadores (quantitativos ou não) que permitam a inferência de
conhecimentos relativos as condições de produção/recepção (variáveis inferidas)
destas mensagens (BARDIN, 1979, 42).
Como unidade de análise optou-se pelo tema, que pode ser definido como uma
asserção sobre determinado assunto, mediante uma sentença ou um conjunto delas, ou
um parágrafo. Os temas por sua vez se desdobram em categorias ou rubricas, sob as
quais virão se organizar os elementos de conteúdo agrupados por parentesco de
sentido. Nesse trabalho, essas categorias foram definidas a priori, adaptadas daquelas
utilizadas em uma pesquisa conduzida por Vieira e Luz (2003). Os temas e categorias
foram os seguintes:
(1) Dimensão Conceitual que se subdivide em:
(1.1) Conhecimentos Gerais e Específicos;
(1.2) Treinamento e Formação Profissional;
(1.3) Diplomas e Certificados.
71
(2) Dimensão Social que se subdivide em:
(2.1) Plano de cargos e Salários e Sistema de Remuneração;
(2.2) Carreira;
(2.3) Empregabilidade;
(2.4) Sindicato.
(3) Dimensão Experimental que se subdivide em:
(3.1) Saber-Fazer (procedimentos empíricos, esquemas, habilidades, modelos mentais,
algoritmos, representações);
(3.2) Saber-Ser (aptidão, inteligência, capacidades, vontade, responsabilidade, atitudes,
visão de mundo, valores).
Cabe, ainda, lembrar que, ao se proceder à análise, foram atribuídos, aleatoriamente,
números de 1 a 5 para indicar as falas dos supervisores. Dessa forma, a citação do
conteúdo das entrevistas não permite identificar o seu autor.
72
5 EMPRESA GAMA – HISTÓRIA, MUDANÇAS E A NOÇÃO DE COMPETÊNCIA
Esse capítulo visa a apresentar os dados iniciais sobre a empresa, sua história e
formação, as mudanças ocorridas a partir da década de 1990, a introdução da noção de
competência na empresa e as transformações nas dimensões conceitual, social e
experimental da qualificação.
Essa forma de apresentação tem por objetivo colocar a área estudada – a Gerência de
Manutenção de Locomotivas – dentro do contexto mais geral da empresa. Dessa forma,
a apresentação e análise dos dados da pesquisa aparecem dentro do seu contexto
sócio-histórico. Esse procedimento permite entender como as mudanças descritas por
diversos autores nos capítulos 2 e 3 desse trabalho ocorreram na empresa.
5.1 História e formação
Embora tenha sido criada na década de 1940, pode-se dizer que a história da Empresa
Gama começa realmente em 1901, com o início da construção de uma ferrovia ligando
as cidades de Vitória, Peçanha e Araxá. Essa ferrovia foi entregue a Compangnie
Génèrale dês Chemins de Fer et Travaux Publiques, uma empresa francesa.
A partir de 1907, com a criação do Serviço Geológico e Mineralógico do Brasil pelo
Governo Federal, foram intensificadas as pesquisas minerais em geral e,
particularmente as de minério de ferro, cuja ocorrência já era conhecida. Dessas
pesquisas resultaram dois mapas com a indicação de jazidas de ferro e manganês no
Quadrilátero do Centro de Minas.
Sabedores dessas jazidas, um grupo inglês adquiriu diversas fazendas na região do
Quadrilátero. Para escoar a produção de minério de ferro seria necessária a utilização
de uma ferrovia, o que levou o grupo inglês a pleitear, junto à ferrovia que ligaria a
73
cidade de Araxá ao litoral do Espírito Santo, uma mudança de traçado que atendesse
aos seus interesses. A direção da ferrovia concordou e o Decreto nº 7.733, de 30 de
dezembro de 1909, autorizou o novo traçado da ferrovia. Esse decreto também
estabeleceu a política governamental de vinculação da exportação de minério de ferro à
expansão da siderurgia no Brasil. Essa política de vinculação durou até a criação da
Companhia Siderúrgica Nacional, em 1941.
Em 1910, no 11º Congresso Internacional de Geologia, realizado na cidade de
Estocolmo, após a apresentação de um resumo intitulado The Iron Ores of Brazil por
Orville Derby, foi intensificada a corrida de grupos americanos e europeus às jazidas do
Quadrilátero. Nesse período, foram fundadas a Brazilian Iron & Steel Corporation, de
capital americano e europeu, a Brasilianishe Bergwerke Gesellschaft, de capital
alemão, a Compagnie dês Mines de Fer de Jangada, de capital francês e a St. John Del
Rey Mining Company, e a Itabira Iron Ore Co., de capital inglês.
Em 1916, a inglesa Itabira Iron Ore Co., após intensa atividade junto ao Governo
Federal, conseguiu transformar em facultativa a obrigação de construir uma siderúrgica
como contrapartida à aprovação da mudança de traçado da ferrovia. Essa atitude
originou uma série de reações contra o projeto dessa empresa, que levou o Governo de
Minas Gerais, através da Lei nº 750, de 23 de setembro de 1919, a inviabilizar o projeto
inglês por meio do estabelecimento de oneroso imposto sobre o minério destinado à
exportação. Isso levou a Itabira Iron a estabelecer um contrato formal com o Governo
Federal, vinculando a exportação de minério de ferro à construção de uma usina
siderúrgica. Porém, os interesses dessa empresa e do Governo de Minas Gerais só
foram harmonizados em seus pontos mais conflitantes em 12 de novembro de 1928,
com a assinatura do Decreto nº 5.568. A crise econômica de 1929 impediu a empresa
de levantar recursos necessários à execução da mudança de traçado, que já vinham
sendo negociados nos Estados Unidos. Os planos da Itabira Iron foram definitivamente
frustrados com a caducidade da concessão de exploração de minério de ferro, em
agosto de 1939.
74
Em 1940, foi constituída a Companhia Brasileira de Mineração e Siderurgia S.A., com
capital privado, que absorveu a estrada de ferro os direitos da Itabira Iron às jazidas no
Quadrilátero. Nesse mesmo ano, foi iniciado o fluxo de exportação de minério de ferro
escoado pelo porto de Atalaia, no Espírito Santo. A qualidade comprovada do minério
para fins de refino criou as bases concretas para as negociações entre os Governo do
Brasil, dos Estados Unidos e da Grã-Bretanha, que resultariam, dois anos mais tarde,
na criação da Empresa Gama.
Em 1942, quando a II Grande Guerra assumiu um caráter mundial, sendo impossível
prever sua duração, a Grã-Bretanha e os Estados Unidos, preocupados com a
disponibilidade de matérias-primas às suas indústrias de base, procuraram o Governo
brasileiro e estabeleceram, em março de 1942, em Washington, um acordo segundo o
qual os três países assumiriam os seguintes compromissos: o Governo brasileiro
assumiria a ferrovia, capacitando-a a transportar 1,5 milhão de toneladas de minério de
ferro por ano, e providenciaria a melhoria das instalações portuárias no Espírito Santo
para esse fim; o Governo britânico transferiria ao Governo brasileiro o grupo de jazidas
pertencentes à Itabira Iron Co. e adquiriria 50% das 1,5 milhão de toneladas durante o
prazo de três anos, prorrogáveis por mais três anos. O Governo americano, através do
Eximbank, concederia um empréstimo de US$ 14.000.000 para o pagamento de
equipamentos, máquinas e serviços técnicos de origem americana, destinados à
mecanização das minas e à manutenção e construção do trecho faltante da ferrovia.
Após a ratificação do acordo, foi assinado o Decreto-Lei nº 4.352, de 1º de junho de
1942, criando a Empresa Gama. A empresa foi estabelecida como uma sociedade
anônima de economia mista, com o capital de Cr$ 200.000.000 da época, sendo Cr$
90.000.000 em ações preferenciais e Cr$ 110.000.000 em ações ordinárias, na qual o
Governo Federal detinha a maioria do capital social.
Apesar do esforço despendido em seus três primeiros anos de existência, os números
apresentados pela diretoria da empresa, relativos ao exercício de 1944, foram bastante
modestos e podem ser vistos na Tabela 2.
75
Tabela 2
Produtos transportados pela ferrovia em 1944
Produtos transportados Quantidade (toneladas)
Minério de ferro 152.305
Café 62.925
Madeiras 49.302
Carvão 56.940
Produtos e mercadorias diversas 115.011
Fonte: Empresa Gama
A Empresa Gama passou a enfrentar sérias dificuldades em 1945, com o fim da II
Grande Guerra, a demanda de minério de ferro mundial caiu, pois a produção de aço
mundial desceu, em 1945 e 1946, praticamente aos níveis anteriores à guerra,
situando-se em torno de 110 milhões de toneladas por ano. Ainda em 1945, os
governos americanos e britânicos comunicaram ao Governo brasileiro que não
exerceriam a opção de compra do minério da empresa por mais três anos, conforme o
acordo de Washington. Até então, a empresa não tivera qualquer preocupação com
mercado devido à garantia de compra de toda produção e também ao estado de guerra.
Diante dessa situação, a empresa teve de recorrer a traders internacionais para tentar
vender sua produção. Os primeiros estudos mostraram que o preço do transporte
marítimo não permitia preços competitivos para o minério em relação aos competidores
(EUA e Suécia) mais próximos dos mercados compradores. Essa situação levou a
empresa a adotar medidas drásticas de contenção de gastos e a lançar debêntures no
valor de Cr$ 100.000.000, além de tomar um empréstimo de Cr$ 30.000.000 no Banco
do Brasil.
Em 1947, a economia mundial começou a recuperar-se da depressão seguida à II
Grande Guerra graças aos primeiros reflexos do Plano Marshall. Com a reação do setor
siderúrgico americano e europeu, a demanda de minério de ferro cresceu
sobremaneira, permitindo à Empresa Gama quadruplicar suas exportações. Essa
reação do mercado reforçou as esperanças da diretoria da empresa quanto ao seu
sucesso, apesar das dificuldades encontradas nos cinco primeiros anos de
funcionamento. O Governo Federal, acreditando nas possibilidades da empresa,
76
autorizou um aumento do capital, de Cr$ 300.000.000 para Cr$ 650.000.000, e um novo
empréstimo do Eximbank, no valor de US$ 7.500.000. Essas medidas permitiram à
empresa retomar as obras programadas para atingir a meta de exportação estipulada
em sua criação.
No ano de 1948, a empresa passou por um processo de reestruturação, criando
superintendências, departamentos e um Conselho Técnico, responsável pela
elaboração de planos e pelo acompanhamento de sua execução. Nesse ano, as
exportações da empresa atingiram o patamar de 385.252 toneladas, contra as 174.290
do ano anterior. Metade da produção do minério era exportada para os EUA e a outra
metade embarcada para o Canadá, Holanda e Bélgica, num primeiro ensaio de
diversificação de mercado.
Entre os anos de 1950 e 1952, com o crescimento do setor siderúrgico mundial, com os
investimentos em mecanização na extração do minério e na estrutura e operação da
ferrovia, a empresa chegou, em seu décimo aniversário, à meta de exportação de 1,5
milhão de toneladas, pois em 1952, foram embarcadas 1.541.285 toneladas em um
porto no Espírito Santo.
Até o ano de 1954, com o volume de exportações aumentando, a empresa ofertava seu
produto através de numerosos traders, que ofereciam preços abaixo do mercado e
difíceis de serem mantidos, o que acabou levando a Empresa Gama, nesse ano, a
definir alguns agentes exclusivos para a venda de seu minério. Foram escolhidas a
British & European Sales, para a Grã-Bretanha, Canadá e Bélgica; a Société Anonyme
d´Importation, para a Europa Continental; a Cleveland-Cliffs Iron Co., para o mercado
americano. As vendas para o Japão e América do Sul continuaram a ser realizadas
pela própria empresa.
Paralelamente aos esforços para aumentar as exportações, a empresa procurou investir
também no mercado interno, chegando aos anos 1960 com participação acionária em
77
quatro grandes empresas siderúrgicas nacionais: a Usiminas, a Companhia Siderúrgica
Nacional, a Companhia Siderúrgica Paulista e a Companhia Ferro e Aço de Vitória.
Em 1962, firmava-se firmava como uma grande exportadora de minério de ferro,
embarcando 6.138.902 toneladas do produto. Nesse período, foram assinados os
primeiros contratos de longo prazo com as principais siderúrgicas japonesas, outro
contrato com a S.A. Mineração da Trindade – Samitri, e um protocolo com as principais
usinas siderúrgicas alemãs. O contrato de cinqüenta anos firmado com as empresas
japonesas condicionava o seu cumprimento à construção de um porto no Espírito
Santo, que foi inaugurado no dia 1º de abril de 1966. Nesse mesmo ano, a empresa,
numa tentativa de integrar ainda mais o seu sistema produtivo minas-ferrovia-porto,
criou uma subsidiária de navegação.
No ano de 1963, acompanhando a tendência do uso crescente de pellets nos EUA,
Europa e Japão, a empresa tomou a decisão de construir sua primeira usina de
pelotização, dando um passo importante no sentido de exportar não apenas o minério
in natura, agregando-lhe valor através de sua transformação em pellets. Essa primeira
usina foi inaugurada em 1969.
No ano 1967, ocorreu um evento que veio a ter profundos reflexos para o futuro da
empresa. Geólogos da Companhia Meridional de Mineração descobriram a ocorrência
de minério de ferro na Região Norte do País. A empresa buscou associação com a
Companhia Meridional para a exploração dessas jazidas. Essa iniciativa foi importante
para o seu posicionamento futuro como uma das grandes produtoras de minério do
mundo.
A década de 1970 é marcada pelo estabelecimento de um corredor de exportação
Minas-Espírito Santo, e, em 1972, a empresa começa a exportar ferro gusa. Nesse
mesmo ano, entraram em operação o segundo píer do porto no Espírito Santo e a
segunda usina de pellets da empresa. Constituiu-se também uma joint-venture com a
maior produtora italiana de aço, a Finsider, para a construção da terceira usina de
pellets. Também foram firmados entendimentos com consumidores espanhóis e
78
japoneses para a construção de mais três usinas de pellets, igualmente em joint-
venture.
No ano de 1973, depois de trinta e um anos de operação, a empresa visando renovar o
quadro de empregados devido ao adiamento do pedido de aposentadoria de muitos
deles por medo das perdas pela inflação, decidiu instituir uma fundação de seguridade
social, com o objetivo de complementar sua aposentadoria e prestar outros serviços
assistenciais.
No ano de 1975, em conseqüência da nova lei das sociedades anônimas, a alta direção
da empresa se desdobrou em Conselho de Administração e Diretoria. Nesse ano foram
lançadas no mercado internacional as primeiras debêntures, no valor de DM 70
milhões, através do Dresdner Bank. Na área de não ferrosos a Empresa Gama tomou a
decisão de implantar uma empresa de alumínio no Estado do Rio de Janeiro.
Desde 1976, com a concessão dada pelo Governo Federal para a construção, uso e
operação de uma estrada de ferro no norte do país, a Empresa Gama passou a
priorizar esse projeto, com vistas ao escoamento das jazidas descobertas no Norte do
país. Já em 1979, o projeto de exploração das jazidas do Norte do país passou a ser
considerado prioridade estratégica da empresa. Dois anos mais tarde, após aprovação
de financiamento pelo Governo Federal, ocorreu a primeira detonação para a abertura
de mina e a mudança da primeira família para o núcleo de moradias do projeto.
A empresa entra na década de 1980 como uma grande geradora de divisas para o país,
somando um valor de US$ 708 milhões no primeiro ano dessa década. O incremento
dessa geração de divisas com a exportação de produtos e serviços pela empresa pode
ser visto no Gráfico 1.
79
0
2000
4000
6000
8000
10000
1941 a 1951 1952 a 1961 1962 a 1971 1972 a 1981
Valor em
US$ 1,000
Gráfico 1 – Geração de divisas com exportação
Fonte: Empresa Gama
Em fevereiro de 1985, a empreiteira Rodominas entregou a estrada de ferro no Norte
do país. Nesse mesmo ano, foi inaugurado o sistema de exploração e exportação de
minério de ferro na região, aumentando a capacidade produtiva da empresa que
passou a contar com dois sistemas logísticos de mina-ferrovia-porto.
Em 1989, a empresa elabora seu Plano Estratégico 1989-2000, cujo foco principal foi a
internacionalização da empresa. Nesse ano foi implantado também o Programa de
Participação nos Resultados para os empregados.
Em 1993, o Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas classificou a
empresa como a primeira do ranking nacional. No ano seguinte, a empresa lançou seu
programa de American Deposit Receipts – ADR, negociáveis no mercado de balcão nos
Estados Unidos.
Em 1996, a empresa foi incluída no Programa Nacional de Desestatização promovido
pelo governo do presidente Fernando Henrique Cardoso. No ano seguinte, o Conselho
Nacional de Desestatização aprova o modelo de privatização da empresa.
O ano de 1997 é de importância fundamental para a empresa. No início do ano, o
Ministro do Planejamento anunciou a data do leilão de venda do controle acionário da
80
empresa, que aconteceu em maio desse ano. No primeiro ano após a privatização, a
empresa divulgou um lucro 46% maior que o de 1996.
Em março de 2002, inaugurou oficialmente uma usina de pelotização no norte do país.
Nesse mesmo ano, foi lançada a pedra fundamental de uma mina na Região Norte para
a exploração de cobre. No ano seguinte, consolidou sua posição internacional e
contabilizou um total de US$ 3,952 bilhões em vendas externas. Nesse período, o valor
de capitalização da empresa no mercado atingiu o montante de US$ 21,762 bilhões.
Em 2004, foi inaugurada a mina de extração de cobre e a empresa atingiu o valor de
US$ 23 bilhões no mercado.
Atualmente, a Empresa Gama possui duas grandes áreas de negócio: mineração e
logística. A mineração se subdivide nas seguintes áreas:
Minério de ferro e pelotas – o produto é explorado em três sistemas integrados em dois
sistemas produtivos, cada um formado por mina, ferrovia, usina de pelotização e
terminal marítimo. Além das operações próprias, a empresa possui participação
acionária em mais dez empresas do setor.
Manganês e forroligas – a empresa conta com uma produção anual de 3,3 milhões de
toneladas de minério de manganês e 600 mil toneladas de ferroligas.
Cobre – no final da década de 1990 a empresa descobriu uma mina na Região Norte, o
que levou ao início de sua construção em 2002. Em 2004, ocorreu o primeiro embarque
de cobre.
Potássio – a empresa possui uma mina que produz anualmente 620 mil toneladas de
cloreto de potássio.
Caulim – através de duas empresas controladas pelo grupo, explora e fornece caulim
fino e laminado para indústrias de papéis e cartões revestidos.
Níquel – a empresa possui uma mina com capacidade estimada de 290 milhões de
toneladas e longevidade de 40 anos.
A empresa oferece serviços de logística que incluem diagnóstico, modelagem e
implementação de operações logísticas completas. Sua área logística é suportada por
81
9.306 km de malha ferroviária e oito terminais portuários próprios, que oferecem
soluções para a gestão logística e o transporte de mercadorias, complementando
operações com a utilização do modal rodoviário. Além desses serviços, através de uma
empresa controlada pelo grupo, fornece serviços de navegação de cabotagem,
transporte de longo curso e apoio portuário.
5.2 Os anos 1990: uma década de mudanças na gestão de pessoas
O início da década de 1990 foi marcado por profundas mudanças no campo da gestão
e, especialmente, na gestão de pessoas. Sob a influência dos modelos de gestão
japoneses descritos no capítulo 2 desse trabalho, a empresa iniciou profundas
mudanças em seu modelo de gestão.
Embora existissem grupos de CCQ em algumas áreas da empresa, em especial na
Gerência estudada nesse trabalho, desde a década de 1980, é somente no início de
1990 que a empresa os inseriu em um programa corporativo e integrado. Isso se deu
após missões técnicas enviadas ao Japão e coordenadas pela Fundação Christiano
Ottoni, empresa de consultoria em qualidade, sediada em Belo Horizonte. Como
resultado dessas visitas, a Empresa Gama implantou um Programa de Qualidade Total,
com a assessoria dessa fundação. Esse período ficou marcado pela intensa carga de
treinamento nas ferramentas da qualidade para todos os níveis hierárquicos. Foram
criadas assessorias de implantação nas diversas localidades do país onde a empresa
opera. Essas assessorias, denominadas escritórios de qualidade, foram responsáveis
pela condução do programa nas diversas unidades produtivas.
Além da estrutura dos escritórios, foram selecionados diversos multiplicadores de
qualidade – empregados escolhidos para aprender e disseminar os conceitos da
qualidade. Outra iniciativa desse período foi a determinação para que todos
empregados estudassem em conjunto o livro “Gerência da Qualidade Total”, publicado
82
pela própria Fundação Christiano Ottoni. Para que isso fosse efetivado, os escritórios
de qualidade e os departamentos da empresa adquiriram os livros que foram
encaminhados a todas as gerências da empresa. Os empregados deveriam ler e
discutir capítulo por capítulo, utilizando o que foi conhecido na empresa como “método
da cumbuca”. Por esse método, eram formados grupos de estudo, em que qualquer
empregado poderia ser sorteado para conduzir a discussão sobre o capítulo, o que
obrigava a que todos lessem. Essas reuniões que envolviam superiores e subordinados
não eram comuns até esse período. Embora essa questão seja apresentada com
maiores detalhes no capítulo dedicado ao estudo de caso, vale ressaltar aqui a fala de
um dos supervisores referindo-se ao período anterior à introdução dessas e outras
mudanças.
Hoje, você fazendo analogia de quando eu entrei na empresa, por exemplo, hoje
eu tô com 20, vou fazer 21 anos de empresa agora em outubro, e eu pra
conversar com o meu supervisor na época, eu demorei mais de 1 ano. Pra eu
poder, entrar na sala do meu supervisor e ter um papo simples com ele, e ele me
conhecer e eu conhecê-lo (Supervisor 2).
Esse período foi marcado pela tentativa crescente de aproximação das hierarquias
superiores com os níveis mais baixos da empresa. A empresa passou a investir em
diversos programas que visavam a esse objetivo. Um exemplo foi a elaboração e
difusão em toda a empresa de um documento denominado “Nossas Crenças”. Esse
documento continha dez crenças que deveriam ser difundidas a todos os empregados.
Além do conteúdo do documento deixar clara a opção da empresa, ao menos em tese,
por uma gestão mais participativa buscando o comprometimento do empregado mais do
que sua obediência, sua própria difusão tentou criar espaços de aproximação entre o
topo da hierarquia da empresa e sua base. As reuniões de divulgação foram realizadas
em todas as áreas da empresa por altos executivos seguindo o seguinte rito:
apresentação de um vídeo do presidente da empresa falando sobre as crenças,
apresentação das crenças e discussão sobre o seu conteúdo. As crenças de número 3,
4 e 5 merecem destaque nesse sentido.
83
Crença 3: Tudo o que se faz deve ser bem feito e cada vez melhor.
Crença 4: Somos uma equipe buscando um único resultado. É necessário agir
de forma participativa e compartilhada.
Crença 5: Moral elevado, satisfação e entusiasmo no trabalho e
comprometimento com os resultados são contribuições dos empregados para o
fortalecimento da empresa (Nossas Crenças).
Esse documento parecia coerente com as políticas de RH da empresa. Em um relatório
apresentado pela Empresa Gama para concorrer ao prêmio da Associação Brasileira de
Recursos Humanos em 1996, a seguinte política abre o documento.
Delegação de autoridade será incentivada e visará agilizar a execução das
tarefas, permitindo o claro e amplo entendimento, por ambas as partes, dos
limites delegados (Empresa Gama).
Esse mesmo relatório aponta também a necessidade de formar novos gestores devido
ao crescimento da empresa e à abertura de novas áreas de negócio. Além desses
motivos, a saída de um grande contingente de empregados, ocupantes de postos e
funções estratégicas nos altos níveis executivos, também estava prevista para esse
período como resultado de planos de demissão incentivada. Para atender a essas
contingências, a empresa lançou em 1992, o “Plano de Desenvolvimento, Carreira e
Sucessão – PDCS”. Esse Plano visava suprir as necessidades da empresa, a partir da
identificação das carências de conhecimento e experiências de seus empregados e
indicação de ações para suprir essas carências.
Esse Plano era operacionalizado a partir das seguintes ações:
Comitês de Carreira – eram formados pelos executivos da empresa e se reuniam
anualmente e visavam à identificação de empregados com potencial para ocupar
postos-chaves da empresa.
Avaliações de desempenho – incluíam a APO (Avaliação de Potencial), que era usada
para tentar identificar empregados com potencial de crescimento; a APM (Avaliação de
84
Performance por Metas), que objetivava avaliar os níveis de performance dos
empregados em cargos comissionados e gerenciais em relação ao alcance de metas;
APF (Avaliação de Performance por Fatores), que avaliava o nível de performance dos
empregados em cargos administrativos e técnico-operacionais.
PDE – planejamento de Desenvolvimento do Empregado – documento em que se
planejavam ações de desenvolvimento a partir de sua identificação nas avaliações.
Embora fossem previstas rotações em cargos, as ações que predominavam era a
indicação de treinamentos para os empregados.
Os programas destinados à preparação para os cargos de comando se intensificaram
nessa década. Dentre eles, foram destacados pela área de RH: uma parceria com a
Fundação Dom Cabral para a preparação de executivos responsáveis pela interface
entre os níveis estratégicos e táticos da empresa; o Programa de Gestão Avançada,
destinado aos altos executivos da empresa, que visava à disseminação de novas
técnicas de gestão empresarial em ambientes internacionais de negócio. Esse
programa foi realizado com o INSEAD (The European Institute of Business
Administration), localizado em Fontainebleau, na França; o Programa de MBA interno,
destinado aos empregados com potencial para assumir cargos de comando na
empresa; Treinamento de Habilidades Gerenciais (THG) destinado às gerências de
nível médio e supervisão.
Dentre esses diversos programas, destaca-se o de gestão destinado a todos os
gerentes da empresa. Esse programa era realizado em seminários com a participação
de gerentes das diversas unidades da empresa. Em um determinado momento do
seminário, cada gerente, representando sua unidade de negócio, recebia feedback dos
outros gerentes sobre como a unidade era vista. Cabe ressaltar aqui que a unidade da
qual faz parte a gerência pesquisada nesse trabalho era vista como centralizadora e
ainda mantendo a chamada cultura de “doutores” – alusão jocosa àqueles gerentes que
exigiam que seus subordinados os chamassem por esse título. Isso gerava
85
constrangimentos no seminário, pois parecia um comportamento incompatível com
aquele enunciado nas políticas de RH.
Outra iniciativa da empresa no campo do desenvolvimento foi o programa de formação
elementar e suplementar dos empregados que ainda não haviam concluído o ensino
fundamental e médio. Em 1996, a empresa chegou a ter 1.380 empregados
participando desse programa, que foi relançado em 1998, com o nome “De volta para o
futuro”, para o qual a empresa buscou parceria com a Fundação Roberto Marinho para
a utilização do material do Telecurso 2000. A idéia era que todos os empregados
tivessem, no mínimo, o ensino fundamental completo.
A privatização foi um marco para a implementação de grandes mudanças na empresa.
A partir desse período, houve profundas mudanças na estrutura organizacional,
redução do número de empregados e uma maior focalização nos resultados. Uma
representação clara e emblemática desse último fator foi a publicação de um
informativo interno, assinado pelo Diretor-Presidente. Esse informativo trazia em sua
capa, na cor ouro, moedas e o símbolo do cifrão. O conteúdo chamava a atenção para
qual deveria ser o novo foco da empresa – os resultados. Em todas as entrevistas, a
privatização aparece como o grande marco das mudanças sob o ponto de vista dos
supervisores.
5.3 A introdução da noção de competência na empresa
A noção de competência foi introduzida a partir do PDCS – Plano de Desenvolvimento,
Carreira e Sucessão – no ano seguinte ao de sua privatização. As avaliações de
desempenho que existiam dentro do PDCS não contemplavam as competências até
então.
86
Com a assessoria da Hay Group do Brasil, conhecida empresa de consultoria
internacional, a Empresa Gama passou a considerar a competência como fator de
avaliação do desempenho do empregado. Para a empresa, competência ficou definida
como:
Um conjunto de atributos ligados à personalidade, conhecimentos, habilidades,
valores, experiências e que, articulados, mostram o âmbito possível do
desempenho. Competências são avaliadas pelo histórico e realizações (Empresa
Gama).
O material institucional utilizado para divulgação entre os empregados acrescentou
alguns pontos importantes a essa noção. Nesse material a noção de competência é
apresentada como a mobilização dos recursos do indivíduo (saber, saber fazer e
querer) para atingir um desempenho excelente. Esse conceito utilizado pela empresa é
inspirado no modelo americano de competência, conforme mostrado no Quadro 4 da
página 58 (Luz, 2001).
Esse modelo busca identificar as competências necessárias ao desempenho superior e
sucesso dos negócios e, a partir de então, avaliá-las em todos os empregados. Para
atingir uma boa pontuação nas avaliações, os empregados devem buscar se
desenvolver em cada competência identificada.
As competências foram definidas a partir de reuniões com os níveis de comando em
todas as áreas da empresa. Nessas reuniões era apresentado o conceito de
competência e os participantes eram solicitados a identificar aquelas competências que,
em suas áreas, seriam responsáveis pelo desempenho superior. Ao final desse
processo, foram escolhidas as seguintes competências, que aparecem no Manual para
Avaliação do Desempenho dos Empregados:
Flexibilidade – adapta-se e trabalha bem dentro de uma variedade de situações e
com vários indivíduos e grupos.
Trabalho em equipe – trabalha com outros em torno de metas compartilhadas.
Cria sinergia no grupo, perseguindo metas coletivas.
87
Integridade – identifica-se com os valores da Empresa e age de forma
consistente, mesmo diante de pressões e / ou situações difíceis.
Habilidades técnicas – possui conhecimento técnico para realizar
adequadamente as atividades necessárias para o desenvolvimento do trabalho.
Autodesenvolvimento – busca continuamente a aquisição de novos
conhecimentos voltados para o desenvolvimento, que repercutem positivamente
no seu desempenho.
Iniciativa – identifica e antecipa problemas, obstáculos e oportunidades, estando
pronto para agir pró-ativamente (Empresa Gama).
Para os empregados em funções de comando, acrescentavam-se as seguintes
competências:
Catalisação de mudança – comunica uma visão envolvente de futuro para a
Empresa, despertando a motivação e comprometimento das pessoas em direção
às mudanças.
Desenvolvimento de pessoas – encoraja o aprendizado ou o desenvolvimento
dos indivíduos, promovendo, ao mesmo tempo, um nível adequado de análise de
suas necessidades.
Foco em resultados – expressa direcionamentos e compromissos para a
obtenção de resultados para a Empresa (Empresa Gama).
A avaliação por competências tinha duas conseqüências diretas para os empregados. A
primeira era a elaboração do PDE – Plano de Desenvolvimento do Empregado. Desse
Plano constavam as ações de treinamento que supostamente deveriam suprir as
carências identificadas nas avaliações. A segunda era a vinculação da pontuação
obtida na avaliação com uma parcela da remuneração individual do empregado. Os
empregados mais bem avaliados recebiam um bônus salarial ligado a um programa
denominado Remuneração por Mérito Individual. As avaliações eram realizadas
anualmente.
No período que antecedia as avaliações, os analistas de RH da empresa treinavam
todos os avaliadores. Nesses treinamentos, eram discutidos os fatores da avaliação e
88
simulados os processos de entrevista de avaliação. Três anos após o início das
avaliações por competência esse treinamento foi estendido a todos os avaliados.
Segundo a analista de RH entrevistada, uma das dificuldades enfrentadas era
operacionalizar os conceitos de cada competência. Segundo ela, avaliadores e
avaliados tinham dificuldades de vincular as competências descritas na avaliação com
situações reais. A orientação dada aos avaliadores era que esses deveriam, durante o
ano de vigência da avaliação, anotar os pontos relevantes no desempenho dos seus
subordinados. A idéia é que esse procedimento ajudaria a identificar as competências
demonstradas em situação real.
Esse modelo de avaliação por competências utilizado pela empresa deveria ser usado
também pelos Comitês de Carreira e Sucessões. Esses comitês, que eram formados
pelos níveis de comando, tinham por finalidade identificar os empregados que teriam
condições de ocupar postos-chave e gerenciais da empresa. A avaliação de
desempenho era uma das variáveis consideradas para a escolha desses empregados.
É nesse ambiente de mudanças e transformações enfrentadas pela Empresa Gama a
partir da década de 1990 que se situa o estudo de caso realizado nesse trabalho.
Buscou-se entender, perante o contexto de mudanças, as transformações ocorridas nas
dimensões conceitual, social e experimental da qualificação com a introdução da noção
de competência na empresa.
89
6 O CASO EMPRESA GAMA – A GERÊNCIA ESTUDADA
6.1 A GERÊNCIA DE MANUTENÇÃO DE LOCOMOTIVAS
A Gerência de Manutenção de Locomotivas, localizada no Estado do Espírito Santo,
tem como negócio a manutenção de locomotivas, equipamentos e instalações das
oficinas. Essa Gerência, vinculada à Diretoria de Logística da Empresa Gama, cuja
estrutura está representada na Figura 1, tem como missão executar, de forma
sistêmica, a manutenção de locomotivas, garantindo seu desempenho, confiabilidade e
disponibilidade, conforme as políticas da Diretoria de Logística.
Gerência de
Manutenção de
Locomotivas
Supervisão de
Confiabilidade
Supervisão de
Manutenção
Leve
Supervisão de
Manutenção
Pesada
Supervisão de
PCM
Supervisão de
Inspeção
Figura 1 – Organograma da Gerência
Fonte: Empresa Gama
A Supervisão de Inspeção é responsável pela execução de inspeções de conservação,
inspeções de viagem, pequenas intervenções corretivas, diagnósticos, lavagem de
locomotivas, higienização de cabines e controle de acessórios. Seu quadro de pessoal
é composto de 67 empregados próprios e 16 terceirizados.
90
A Supervisão de Manutenção Leve é responsável pela execução de manutenções
preventivas trimestrais, semestrais, anuais e bi-anuais, intervenções corretivas e
substituição de componentes de médio porte. Seu quadro de pessoal é composto de 70
empregados próprios e 23 terceirizados.
A Supervisão de Manutenção Pesada é responsável pela execução de revisões
preventivas de 4 anos, overhaul, intervenções corretivas e substituição de componentes
de grande porte, remodelações, além de serviços relacionados à caldeiraria e pintura. É
também responsável por todos os serviços relacionados aos truques das locomotivas,
torno de subsolo e eixamentos. Trabalha com 31 empregados diretos e 75 indiretos.
A Supervisão de PCM (Planejamento e Controle da Manutenção) é responsável pela
disponibilização de locomotivas para a manutenção e para a operação, com visão
estratégica da frota e dos recursos. É também responsável pelo controle de processos
relacionados a paradas (Ordens de Serviço, fluxos, tempos e movimentos, materiais
para preventivas). Possui 28 trabalhadores diretos.
A Supervisão de Confiabilidade é responsável pela confiabilidade da execução da
manutenção, através de análises de anomalias e falhas, manutenção preditiva (análise
de vibração e Laboratório de Óleo), teste de carga, cumprimento de planos de
preventivas, visando a garantir a melhoria contínua da confiabilidade da manutenção,
vida útil dos componentes e disponibilidade operacional. Possui 16 trabalhadores
diretos.
Essas supervisões respondem pelo planejamento, controle, manutenção e
confiabilidade de uma frota que totaliza 289 locomotivas. É importante destacar que
essa frota não é homogênea, pois é composta de locomotivas de diferentes séries e de
fornecedores diferentes. Isso significa que requerem processos de manutenção
diferenciados. Os quantitativos por tipo de locomotiva podem ser vistos na Tabela 3 a
seguir.
91
Tabela 3
Frota de Locomotivas
Tipo de
Locomotiva
Quantidade
GE 01
G-12 25
G-16 19
BB-36 56
U5 01
DDM 46
SD45 04
DASH 8 06
DASH 9 131
TOTAL 289
Fonte: Empresa Gama
O fluxo de manutenção e a inter-relação entre as supervisões podem ser vistos na
Figura 2, a seguir.
Inspeção
(preditiva/corretiva)
Manut. Leve
(preditiva/corretiva)
Manut. Pesada
(preditiva/corretiva)
Lavagem
Teste de
carga
Truque
Torno de
subsolo
Caldeiraria
Casa de
rodas
Novos
projetos
PCM - Liberação
Figura 2 – Fluxo da Manutenção
Fonte: Empresa Gama
92
A seguir, são apresentados os gráficos que fornecem informações sobre os
empregados da Gerência de Manutenção de Locomotivas. O Gráfico 2 mostra o quadro
de empregados por faixa de idade. O Gráfico 3 apresenta o quadro de pessoal por
escolaridade. O Gráfico 4 apresenta o quadro de empregados por tempo de empresa.
0
10
20
30
40
50
60
70
20-24 25-29 30-34 35-39 40-44 45-49 50-55
Faixa de idade
Gráfico 2 – Empregados por faixa de idade
Fonte: Empresa Gama
0
50
100
150
200
250
Ens. Fund. Ens. Méd. Superior
Es co l arid ad e
Gráfico 3 – Empregados por escolaridade
Fonte: Empresa Gama
93
0
50
100
150
Até 5
anos
5-10
anos
11-15
anos
16-20
anos
21-25
anos
26-30
anos
Tempo de empresa
Gráfico 4 – Empregados por tempo de empresa
Fonte: Empresa Gama
Uma análise desses gráficos mostra alguns impactos das mudanças efetuadas na
empresa em relação aos seus empregados. Nota-se que a oxigenação dos quadros
funcionais desejada pela empresa foi efetivamente alcançada na década de 1990. O
grande contingente de empregados com menos de 34 anos de idade (62%) e com
tempo de empresa inferior a 10 anos (73%) evidencia esse fato.
Um dado interessante é o número expressivo de empregados com tempo de empresa
entre 21 e 25 anos (Gráfico 3), que representam, em sua maioria, aqueles com idade
entre 40 e 44 anos mostrados no Gráfico 1. Esse contingente trata daqueles
empregados, com maior experiência profissional, distribuídos nas cinco supervisões e
que têm, entre outras responsabilidades, a de orientar os novos empregados, conforme
será mostrado na análise das dimensões da qualificação na seção 6.3.1.2.
O grande número de empregados com ensino médio (77%) é o resultado da exigência
por uma maior escolarização dos empregados. Isso se reflete tanto naqueles que já são
empregados, participantes dos programas de formação criados pela empresa e citados
anteriormente, quanto naqueles que se candidatam às vagas disponíveis nessa
gerência.
94
Em contrapartida, o pequeno número de empregados com ensino fundamental pode ser
explicado por dois fatores. O primeiro deles, deve-se à maior exigência de qualificação.
O segundo, ao fato de que diversos serviços da manutenção que requeriam essa
escolaridade, tais como limpeza, lavagem e pintura das locomotivas foram
terceirizados.
À questão das mudanças ocorridas na empresa na década de 1990, descritas
anteriormente, pode-se acrescentar que, do ponto de vista da manutenção, a grande
mudança ocorreu com a compra de novas locomotivas com tecnologia eletroeletrônica.
Esse processo requereu novos processos de manutenção e um grande investimento
em treinamento dos empregados. Alguns dos problemas gerados na manutenção
desses equipamentos, dada a sua complexidade, só agora estão sendo equacionados.
O que mudou? Novas locomotivas foram adquiridas, então nesse período, é, a
gente, é, tá trabalhando com bastante coisa diferente, né? Algumas, algumas
coisas que não existiam, né? Alguma troca de componentes, né? A própria
locomotiva Dash, que é uma locomotiva teoricamente nova. Começou a dar
algum tipo de problema que a gente tá começando a trabalhar agora, né, a parte
de truck, motor e tração (supervisor 4).
6.2 A NOÇÃO DE COMPETÊNCIA NA GERÊNCIA
No capítulo 5, foi descrita a maneira como a noção de competência foi introduzida na
empresa a partir da avaliação de desempenho que incluía todos os seus níveis
hierárquicos. Mostrou-se que, para a empresa, competência é um
[...] conjunto de atributos ligados à personalidade, conhecimentos, habilidades,
valores, experiências e que, articulados, mostram o âmbito possível do
desempenho. Competências são avaliadas pelo histórico e realizações (Empresa
Gama).
95
O modelo de avaliação de desempenho implantado em 1998, cujas competências
identificadas pela empresa e descritas no capítulo anterior, foi modificado no ano de
2004. A partir desse ano, a Empresa Gama direcionou a avaliação por competências
para os empregados ocupantes de cargos de comando e de cargos de nível superior.
O novo modelo de competências adotado foi estruturado a partir do direcionamento
estratégico da empresa, que promoveu um mapeamento das competências
organizacionais e técnicas necessárias ao sucesso do seu negócio. Essas
competências passaram a servir de critério para avaliar os empregados que ocupam
cargos de supervisão, de nível superior e cargos gerenciais. A partir dos resultados
dessas avaliações, a orientação da empresa é que seja estabelecido o PDE –
Planejamento de Desenvolvimento dos Empregados. No PDE devem ser identificadas
as ações de treinamento e desenvolvimento para suprir as carências dos avaliados em
relação às competências anteriormente definidas.
Segundo as orientações constantes do Portal da Universidade Corporativa da Empresa
Gama, as competências adotadas estão divididas em organizacionais, técnicas
específicas e técnicas básicas, que são definidas como:
Competências organizacionais: conjunto de competências que sustentam o
modelo de desenvolvimento profissional e a estratégia de educação corporativa
da empresa, que se dividem em:
Competência essencial: conhecimentos, habilidades e comportamentos
que precisam ser adquiridos e desenvolvidos por todos os empregados, no
âmbito individual, para que a empresa tenha sucesso em seus objetivos
estratégicos.
Competência gerencial: conhecimentos, habilidades e comportamentos
requeridos para o exercício da liderança e garantem o foco estratégico da
empresa.
Competência de supervisão: conhecimentos, habilidades e
comportamentos requeridos para a liderança no nível operacional. Garantem o
alinhamento entre as operações e o foco estratégico da organização.
Competências técnicas específicas: conhecimentos e habilidades requeridos
por segmento ou área de especialização da empresa. São inerentes a cada
96
função ou perfil profissional. Estão subdivididas em grupos de conhecimentos
assim categorizados: Visão de Negócio, Planejamento e Controle, Processos e
Procedimentos.
Competências técnicas básicas: conhecimentos e habilidades requeridas e
imprescindíveis na atuação de cada empregado em sua atividade na empresa.
São eles: Segurança, Cultura e Valores Organizacionais, Meio Ambiente,
Qualidade e Informática (Empresa Gama).
Percebe-se, nesse novo modelo de avaliação por competências, a acentuação de um
fator que já se via no modelo anterior e que aparece como uma crítica formulada por
Zarifian (2001, 2003). A empresa caracteriza as competências como uma espécie de
objeto de responsabilidade individual do empregado que, diante daquilo que é requerido
pela organização, deve buscar adquiri-las e desenvolvê-las. Segundo esse autor,
muitas empresas tendem a não perceber o desenvolvimento das competências como
uma construção social, na qual estão em jogo os recursos mobilizados pelos indivíduos
e aqueles colocados à disposição desses pela organização. Para Ramos (2001), essa
forma de pensar e operacionalizar as competências tende a aproximá-las muito do
conceito de empregabilidade. Nesse sentido, cabe ao indivíduo a gestão de uma
espécie de carteira de competências.
Essa tendência à individualização pode ser vista também nas ações que se seguem às
avaliações por competências. Identificadas as carências do empregado em relação às
competências requeridas pela empresa, este deve, em conjunto com seu gerente,
elaborar o seu planejamento de desenvolvimento (PDE), onde serão indicadas as
ações de desenvolvimento.
Essas ações, desde o ano de 2004, estão sendo gerenciadas dentro de um ambiente
virtual de aprendizagem específico – um domínio dentro do portal da universidade
corporativa da empresa. Dentro desse domínio estão previstos diversos treinamentos a
serem realizados em ambiente virtual. Isso significa que cada empregado deve, dentro
do seu tempo disponível no trabalho, acessar o ambiente e realizar seus treinamentos.
Diversos treinamentos que dependiam de formação de turmas e de liberação formal de
97
empregados para participarem, agora podem ser realizados de forma não presencial.
Se por um lado, esse procedimento dá uma certa autonomia ao empregado para
escolher o período que julgar mais adequado para treinar, por outro, acaba por criar
uma dificuldade: o empregado está diante daquilo que Bateson apud Steil (2003)
denomina de duplo constrangimento, ou seja, está exposto a duas demandas que são
contraditórias entre si. Deve estar pronto para atender às demandas do trabalho que,
segundo todos os supervisores entrevistados, se intensificaram na última década e, ao
mesmo tempo, achar tempo para realizar seus treinamentos. Cabe ao indivíduo
gerenciar esse dilema.
Os supervisores, diante desse dilema, parecem demonstrar aquilo que Pagés et al.
(1986) denominam de autopersuasão. Diante de um dilema dentro de uma grande
corporação, quando seus interesses são confrontados pelos interesses da organização,
o indivíduo resolve o conflito com a construção de um discurso formulado para
convencê-lo de que a situação específica é boa para ele. As palavras do supervisor 1
são esclarecedoras nesse sentido.
Hoje, você que tem que fazer as coisas, não é a empresa que vai chegar e dizer:
Ô, vai lá, faz um curso lá e daqui a pouco eu te dou uma promoção melhor! Não
é, não existe mais empresa assim. Então, pra mim isso é bom (supervisor 1).
A questão da autopersuasão perpassa o discurso dos supervisores em diversos
momentos. Diante de uma situação que lhes causa alguma angústia, há uma
construção discursiva na qual os supervisores tentam justificar e enfrentar de forma
resignada. A resposta de um dos supervisores ao ser solicitado a fazer uma análise do
que achava de positivo e negativo das mudanças ocorridas na empresa mostra
claramente essa situação:
Bom, é, negativo eu não vejo muita coisa não. Porque eu sou, eu sou uma
pessoa assim que eu gosto muito de, de tecnologia e novos conhecimentos, eu
sou muito focado nisso. Eu gosto disso, eu gosto de mudança, eu não gosto de
ficar na, na, nas, na rotina. Eu gosto de mudar, ver coisa diferente, fazer coisa
diferente. Então, é, é, é uma característica minha, né? Então, é, é, nós sofremos
98
muitas mudanças, né, sofremos muito as modificações e sempre foi, no meu
entender, sempre foi pra melhor. Sempre nós, lá, eu acho que tem, que quando
era estatal você não tinha uma cobrança como você tem hoje, né, mas a
cobrança, ela, ela pra mim, no meu entender, ela é positiva, porque você, você
cresce nas adversidades, né, então você tem, a possibilidade de crescimento é
muito maior. Você vê, vê as coisas crescendo. É, é, a cobrança quer que você
cresça e você, você tem que lutar pra crescer senão você tá fora (supervisor 3).
Em um instante, fala que gosta de mudança, de novas tecnologias, de novos
conhecimentos. Ao mesmo tempo, relata “nós sofremos muitas mudanças” e “nós
sofremos muito as modificações”. O sofrer é encoberto por um discurso positivo. No
mesmo momento em que fala, em tom de reclamação, que agora há mais cobrança, diz
que ela é positiva, porque leva ao crescimento. E mesmo falando sobre a positividade
do crescimento é possível perceber a angústia no “você tem que lutar pra crescer senão
tá fora”.
Perguntados sobre o modelo de avaliação por competências utilizado pela empresa, a
primeira avaliação de que se lembraram foi a de seus subordinados. A questão é que
os seus subordinados pertencem ao nível operacional, o qual não é mais avaliado por
competências. As avaliações desse nível passaram a ser realizadas dentro de um
programa denominado PN-10 – Profissional Nota 10. Esse programa prevê uma série
de comportamentos esperados dos empregados descritos, por meio de metas
individuais e metas da equipe. Para os supervisores, essa forma de avaliação tornou-se
mais objetiva. E houve concordância entre eles de que essa nova forma de avaliar seus
subordinados é melhor. Segundo eles, o modelo anterior era muito vago, dificultando a
avaliação, pois descrevia de forma muito geral as competências dificultando o seu
reconhecimento em situação real de trabalho. As metas no novo modelo de avaliação,
segundo eles, são claras e quantificáveis.
Porém, ao serem perguntados sobre as avaliações por competências pelas quais são
avaliados, todos tiveram dificuldades de lembrar com detalhes esse processo. Embora
não lembrassem quais competências estão descritas na avaliação, a noção de
99
competência permeia o discurso de todos eles. Em todas as entrevistas, a questão da
atitude aparece como fator determinante para o sucesso profissional dentro da
empresa. Para os supervisores, o diferencial não está no saber, mas no saber ser. Em
suas próprias palavras:
Pra mim o que pega mais é a atitude da pessoa. É a atitude de querer fazer,
querer aprender [...] Agora, pra mim, tá mais na atitude da pessoa, e atitude o
cara não consegue forjar... o cara não consegue comprar um diploma de atitude
(supervisor 1).
As competências que são requisitadas dos supervisores no modelo de avaliação de
desempenho são: Gestão e Mobilização de Pessoas, Ética e Coerência, Comunicação,
inovação e Trabalho em Equipe.
As competências requeridas desses supervisores e seus próprios discursos são
coerentes com o referencial teórico utilizado nesse trabalho no que diz respeito à noção
de competência. Há maior valorização e reconhecimento das características individuais
dos empregados, daquelas que dizem respeito aos seus traços pessoais construídos ao
longo de sua experiência de vida e trajetória pessoal e que são mobilizados em
situação real de trabalho.
6.3 AS DIMENSÕES DA QUALIFICAÇÃO
Após descrever as mudanças ocorridas na empresa e a valorização da noção de
competência nas práticas de gestão dos empregados, cabe agora descrever também
as modificações nas dimensões da qualificação. Para esse fim, serão utilizadas as
categorias propostas no capítulo que tratou da metodologia utilizada nesse trabalho.
São elas:
100
Dimensão Conceitual que se subdivide em:
Conhecimentos Gerais e Específicos;
Treinamento e Formação Profissional;
Diplomas e Certificados.
Dimensão Social que se subdivide em:
Plano de cargos e Salários e Sistema de Remuneração;
Carreira;
Empregabilidade;
Sindicato.
Dimensão Experimental que se subdivide em:
Saber-Fazer (procedimentos empíricos, esquemas, habilidades, modelos mentais,
algoritmos, representações);
Saber-Ser (aptidão, inteligência, capacidades, vontade, responsabilidade, atitudes,
visão de mundo, valores).
6.3.1 A DIMENSÃO CONCEITUAL
6.3.1.1 Conhecimentos Gerais e Específicos
As entrevistas mostraram que há uma grande convergência de opinião dos
supervisores em relação a essa questão. Para eles, há um percurso ideal para construir
a qualificação de um empregado na área de manutenção de locomotivas.
Este percurso começa com a seleção dos candidatos para trabalhar na gerência. Os
candidatos selecionados são oriundos do CEFETES – Centro Federal de Educação
Tecnológica do Espírito Santo ou do SENAI – Serviço Nacional de Aprendizagem
Industrial. Essa predileção por candidatos dessas duas instituições, segundo os
101
supervisores, tem relação direta com os conhecimentos básicos necessários às
atividades da gerência. Esses conhecimentos estão ligados às áreas de mecânica,
elétrica, eletrotécnica e eletromecânica, tais como: instalação, montagem, reparo e
manutenção de máquinas e equipamentos em geral, leitura e interpretação de normas
técnicas, manuais, desenhos, circuitos, tabelas e especificações de equipamentos,
avaliar características e propriedades dos materiais, ajustes de equipamentos em geral,
informática e segurança no trabalho. Cabe ressaltar a valorização desse último na
gerência. Percebe-se essa preocupação na farta sinalização de segurança em todas as
áreas da oficina, na cobrança do uso de equipamentos de proteção individual, nas
reuniões constantes para tratar sobre o assunto com os empregados. Para os
supervisores, na execução de qualquer atividade deve estar presente a questão da
segurança. Trabalhar bem é trabalhar de forma segura.
Tem que ter atitude de segurança, tem que zelar pela segurança, não só dele,
mas da equipe [...] eu acho que é essa atitude, o que eu busco nas pessoas é
essa atitude, atitude de limpeza e organização e segurança. (supervisor 1)
Você pode verificar, pelo nosso controle hoje, a gente tá, é, olhando muito mais a
parte de segurança, do que as vezes a parte, a parte produtiva. Eu não vou
colocar a minha produção do dia, à frente da segurança do meu empregado lá
[...] quando eu coloco a segurança do cara em primeiro lugar ali, eu melhoro o
meu processo (supervisor 2).
Em alguns casos, é dada preferência à seleção de candidatos que trabalham nas
empresas terceirizadas que prestam serviços à Gerência de Manutenção de
Locomotivas. Segundo os supervisores, isso se dá porque há um aproveitamento do
conhecimento específico em manutenção de locomotivas.
Após a seleção, os empregados são encaminhados para a área de trabalho e passam a
ser acompanhados por empregados mais experientes, denominados pelos supervisores
de “padrinhos”. Esse ponto será melhor analisado na próxima seção. Em sua trajetória
de aprendizagem estão incluídas diversas ações, todas realizadas dentro da empresa,
que passa a assumir um papel mais importante do que as instituições de ensino, no
sentido em que é reconhecida como o único local onde se aprende os conhecimentos
102
postos em jogo para o desempenho da função. No dizer de Zarifian (1998), a empresa
passa a ser vista como uma organização qualificante.
Embora seja considerada o local privilegiado para a aprendizagem, a responsabilidade
pela aquisição e desenvolvimento do conhecimento específico é atribuída ao
empregado. Ele deve ter uma atitude de busca desse conhecimento.
As pessoas que conseguiram enxergar isso daí, eu vejo que elas estudaram
legal, estudaram [...] pesquisaram, quiseram aprender mais pra poder se
destacar. Quem conseguiu enxergar isso aí, acho que hoje tá numa situação boa
e bem vista. Aquela pessoa que sabe, aquela pessoa ali, que tem conhecimento,
que abraçou. Quem não conseguiu enxergar isso, ficou estagnado (supervisor 1).
É possível perceber, no discurso dos supervisores, que o conhecimento valorizado na
empresa é uma questão individual. Está ligado à trajetória individual do empregado, à
sua motivação em buscar aprender. A atitude de conhecer é mais importante que o
próprio conhecimento. A qualificação deixa de ser expressa em função dos registros de
conceitos técnico-científicos característicos das atividades profissionais e passa a ser
expressa no nível das características pessoais, tanto na seleção dos candidatos quanto
no seu desenvolvimento na empresa.
6.3.1.2 Treinamento e Formação Profissional
O investimento em treinamento da Empresa Gama é bem expressivo, tanto do ponto de
vista financeiro quanto da carga horária. A Tabela 4, abaixo, mostra o total de horas em
treinamento da gerência estudada, estratificadas por tipo (administrativos, gerenciais,
operacionais e comportamentais) registradas no sistema de treinamento da empresa.
103
Tabela 4
Treinamento da gerência (H/h)
Tipo 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005
Adm. 93 646 2647 3600 4282 662 12 614
Ger. 8 168 142 1037 16
Ope. 1390 5276 3354 7415 4403 4060 1685 2614
Comp. 52 580 389 13
Fonte: Empresa Gama
Algumas considerações devem ser feitas com relação aos dados da tabela. A primeira
está relacionada à falta de registros em alguns anos. O técnico de treinamento
responsável pelo sistema informou que muitos treinamentos, principalmente aqueles
realizados no local de trabalho, não são registrados no sistema corporativo da empresa.
O que acontece é que as áreas acabam mantendo registros próprios em pasta. A esse
respeito, a analista de RH disse que isso se deve ao fato de que a Diretoria de
Logística, da qual faz parte a Gerência de Manutenção de Locomotivas, mantém uma
área de qualidade que insiste em fazer esse controle à parte. Isso mostra que os dados
da tabela acima não são confiáveis, devendo o número de horas exceder em muito o
disponível no sistema.
A segunda consideração a ser feita é que os treinamentos operacionais, que
representam uma carga horária maior em relação aos outros tipos, são, em grande
parte, realizados no próprio local de trabalho, o que a empresa denomina de OJT – On
the Job Training.
Esse volume de treinamento, em sua maior parte, refere-se ao repasse de padrões e
procedimentos operacionais (PRO). Esses padrões e procedimentos operacionais são
desenvolvidos pelos supervisores com a participação de alguns subordinados ou pela
Gerência de Planejamento e Qualidade. Essa gerência é responsável pela aprovação e
validação de todos os padrões e procedimentos.
Os padrões e procedimentos operacionais são revisados sempre que necessário. Após
a sua aprovação, os supervisores têm o prazo de 50 dias para treinar todos os seus
subordinados nesses padrões. O controle de qual subordinado será treinado em qual
104
padrão é realizado, por meio de uma matriz de treinamento, que relaciona a função do
empregado com os seus referidos padrões e procedimentos.
Essa carga de treinamentos levou à seguinte questão colocada nas entrevistas: se a
maior parte dos treinamentos é feita no próprio local de trabalho, como isso tem sido
conciliado com a falta de tempo devida à intensificação do trabalho? Como conciliar
treinamento no local de trabalho em um ambiente de trabalho intensivo?
As respostas dos supervisores foram diferentes e merecem uma melhor análise. A
primeira, que representa uma parte da resposta, pode ser vista nas seguintes palavras:
E aqui a gente tem um certo tipo de treinamento informal que a gente coloca o
cara que tá chegando novo com um cara velho. Então a gente fala assim: Olha,
você é o padrinho dele! Você é responsável por ele. Então esse é o treinamento
do dia-a-dia. Não é um treinamento formal, a gente não senta no horário de início
com um horário final, então existe esse treinamento aí (supervisor 1).
Uma das formas usadas para contornar a falta de tempo para os treinamentos formais é
o velho esquema de aprendizagem utilizado pelas corporações de ofício. O empregado
com mais tempo de serviço ensina ao mais novo. Segundo esse supervisor, há alguns
anos havia uma dificuldade em operacionalizar essa forma de treinamento, porque o
empregado mais experiente temia ensinar. Em suas próprias palavras:
E no passado quando eu cheguei, tinha um certo, uma certa barreira, porque o
cara pensava: Pô, eu vou ensinar tudo o que eu sei pra esse cara aí, e ele vai
ganhar mais do que eu? Então no começo eu identificava isso. Hoje já tá
quebrando esses paradigmas. Hoje o cara já tá enxergando o outro: Pô, eu vou
ter que ensinar porque senão eu vou ter que trabalhar em dobro! Então eu vou
ter que trabalhar pra mim e pra ele (supervisor 1).
Aqui aparece um fato surpreendente que não foi relacionado na bibliografia utilizada
nesse trabalho. Aos efeitos já conhecidos da intensificação do trabalho, deve ser
adicionado mais um: a angústia de um trabalho intensivo pode ser maior que a angústia
105
relacionada à insegurança de perder benefícios ao compartilhar conhecimentos. Para
esses empregados, é melhor compartilhar o conhecimento, e correr o risco de ficar para
trás no que diz respeito aos estatutos salariais, do que ter que aumentar ainda mais a
sua carga de trabalho.
A questão da intensificação do trabalho pode ser vista também no número elevado de
horas extras da gerência. Segundo a analista de qualidade da área, esse tem sido um
problema para a área. Os números até junho desse ano indicavam 28.723 horas extras
realizadas contra 24.853 planejadas. No ritmo atual, essas horas excederão a meta
para o ano de 2005, que é de 47.000 horas.
À questão de como conciliar o tempo de trabalho com a necessidade de treinamento
também foi dada a seguinte resposta: os treinamentos são dados com cargas horárias
menores do que as previstas, porque o ato de treinar se restringiu à simples
transmissão das informações contidas nos padrões e procedimentos. E isso, tanto os
supervisores quanto a responsável pela qualidade na gerência, reconheceram como
algo negativo. Eles afirmaram que, no intuito de cumprir os treinamentos programados,
as informações são passadas mais rapidamente do que deveriam.
Hum, hoje os treinamentos são registrados, faz os treinamentos em cima de
PROs, mas não é a mesma coisa que fosse você pegar o cara, botar dentro da
sala, ficar lá com ele uma semana, o PRO é uma coisa mais pra direcionar. O
passo a passo ia ser esse. Mas, o, aquele, aqueles detalhes que você tem que
passar... Até mesmo pra ajudar o cara a ter uma visão mais geral... Uma visão
mais crítica, então, não, não consegue isso aí (supervisor 4).
Além disso, foi citada também a ausência de local apropriado para a transmissão
dessas informações, pois o local de trabalho, a oficina de locomotivas, apresenta um
nível de ruído elevado. Segundo um dos supervisores, antes havia uma área específica
de treinamento dentro da oficina, com salas, simuladores e responsáveis para elaborar
apostilas e treinar os empregados. Essa estrutura deixou de existir e as salas de
treinamento têm sido usadas para outras finalidades. Nessa época, os treinamentos
106
eram realizados com a formação de turmas e uma carga horária adequada ao conteúdo
a ser transmitido. Esse caráter coletivo do treinamento e suas amplas possibilidades de
reflexão sobre o seu conteúdo foram perdidos. Em seu lugar, ficou a transmissão
individualizada de informações no local de trabalho.
O que acontece, os treinamentos hoje, é, até mesmo porque hoje a gente tem
muita gente boa aqui dentro pra aplicar esses treinamentos, né? Só que a gente
não tem uma estrutura, hoje não tem uma estrutura montada [...] nós tivemos no
passado [...] era chamada de Unitope na época, Unidade de Treinamento
Operacional. Tinha uma estrutura aqui, era um outro momento, né? Da ferrovia,
né? Se comparar com os dias de hoje, mas existia uma estrutura interna que
você tinha as pessoas chaves que era aquelas pessoas que aplicavam os
treinamentos, e hoje a gente não tem mais esse tipo de estrutura, né? As
demandas, as metas são arrojadas, então, pra você tirar um profissional, que
você sabe que o cara é bom, pra você aplicar um treinamento não, tá muito
enxuto [...] aí você tem que ficar naquela ali, no dia a dia, ali treinando o cara ali,
né (supervisor 4).
Na ausência de lugar e tempo adequados para os treinamentos, a noção de
competência aparece. Aqueles empregados que, diante dessa dificuldade, demonstram
atitudes individuais em relação à aprendizagem são diferenciados. A falta de tempo e
espaço institucional deve ser suprida pelo esforço individual dos empregados na busca
de novos conhecimentos e habilidades, inclusive nos seus espaços privados.
Aí de, depende da capacidade de cada um assimilar isso, né? Você começa a ter
necessidade de pessoas que se destacam mesmo. O cara vai, corre atrás, de
repente pega um manual, leva pra casa pra estudar o manual. Porque hoje a
gente não tá tendo assim esse tempo de contato. Então, e, ele tem que buscar o
conhecimento. Não somente esperar que a empresa propicie o treinamento pra
ele, mas ele é que tem que correr atrás de, dele mesmo, de auto-
desenvolvimento. Eu acho que o auto-desenvolvimento é a chave pra o cara
poder crescer. Não somente depender da empresa, né, esperar que a empresa
dê tudo na mão dele (supervisor 4).
107
Além dos treinamentos nos padrões e procedimentos operacionais, existem os
corporativos, que estão situados no domínio da universidade corporativa, conforme
citado anteriormente. Esses treinamentos também são realizados individualmente.
Cada empregado deve gerenciar seu tempo e fazer os treinamentos on line indicados
em seu PDE – Planejamento do Desenvolvimento do Empregado. Esse procedimento
pode levar a um duplo constrangimento, conforme analisado anteriormente.
A questão da formação profissional tem um grande peso para a inserção profissional
inicial dos empregados. As grandes fontes de recrutamento e seleção utilizadas pela
Gerência de Manutenção de locomotivas são o CEFETES e o SENAI.
Na área da formação profissional, merece destaque a recente adesão da empresa ao
PNQC - Programa Nacional de Qualificação Pessoal na Área de Manutenção. Essa
adesão visa à certificação de profissionais da área de manutenção. Em documento
interno, destinado a orientar todos os núcleos de RH da Empresa Gama, conceitua a
certificação como “o reconhecimento formal da qualificação profissional de uma
pessoa”. A certificação é fornecida pelo CEQUAL – Centro de Qualificação Profissional,
da ABRAMAN – Associação Brasileira de Manutenção, sediado em Contagem, Minas
Gerais.
Inicialmente, o programa é destinado a certificar mecânicos e eletricistas, que atuam na
execução da manutenção, no nível I do PNQC. O programa tem como premissas a
participação voluntária dos empregados e alguns pré-requisitos relacionados ao tempo,
conforme o Quadro 6, abaixo.
108
Experiência na manutenção (em anos)
Eletricista de
manutenção
Mecânico de
manutenção
Caldeireiro
montador
Escolaridade
Na
própria
função
Como
ajudante
Na
própria
função
Como
ajudante
Na
própria
função
Como
ajudante
4ª Série do ensino
fundamental
3 4 3 4 3 4
Ensino fundamental completo
2 3 2 3 2 3
Ensino fundamental completo
com curso profissionalizante
Ensino médio completo
1 2 1 2 1 2
Técnico / Estágio 6 meses
Quadro 6 – Requisitos de escolaridade e experiência profissional
Fonte: Empresa Gama
As etapas do programa de certificação são:
Diagnóstico – visa identificar os gaps entre os conhecimentos existentes e aqueles
requeridos nas provas de certificação.
Capacitação – após o diagnóstico, a área de RH da empresa e o SENAI elaboram o
conjunto de disciplinas que deve ser cursado, de forma presencial, pelos empregados.
O coeficiente de rendimento e a assiduidade darão acesso ao empregado à realização
da prova de certificação. Os módulos da capacitação serão avaliados por provas,
trabalhos técnicos, freqüência e por competências. Essa apreciação das competências
utiliza a ferramenta de avaliação criada pela empresa e disponível em sua universidade
corporativa.
Certificação – prova escrita e prática aplicada pelo CEQUAL/ABRAMAN. Os candidatos
que comprovam conhecimentos e habilidades mínimas são aprovados.
No campo da formação profissional, é possível notar o importante papel desempenhado
pela qualificação. Um dado interessante é que, embora o documento oficial do
CEQUAL fale apenas em “conhecimentos e habilidades”, a documentação da Empresa
Gama sobre a certificação insere a noção de competência como um item do programa
de avaliação.
109
É necessário realçar que a certificação da qualificação de um empregado do nível
operacional, embora seja reconhecida formalmente pela empresa, será sempre
questionada pela sua avaliação dentro do programa PN-10, conforme citado
anteriormente. Dentro desse programa, os critérios de avaliação estão relacionados a
metas específicas na manutenção e a metas comportamentais que, segundo a analista
de RH da empresa, representariam as competências requeridas desses empregados.
Na questão da formação profissional, é possível perceber na empresa uma situação
peculiar: qualificação e competência são postas lado a lado, numa tentativa de conciliar
as duas noções. Se nos autores do referencial teórico, essas noções se confrontam,
pelo menos, no que diz respeito ao quesito formação profissional, na área de
manutenção da empresa, elas aparecem juntas. Porém, no momento da avaliação dos
empregados, a noção de qualificação é sempre questionada pela noção de
competência. A empresa reconhece formalmente a qualificação, mas esta é sempre
posta à prova pela competência.
O questionamento da qualificação do empregado, legitimada pela posse do certificado
fornecido pelo CEQUAL, é posto à prova anualmente pela avaliação dos empregados.
Isso significa que os certificados não trazem garantias. Para reforçar essa idéia, o
documento da empresa sobre a certificação é claro ao informar um de seus benefícios:
melhorar a empregabilidade dos empregados. Se ao empregado qualificado não são
oferecidas garantias, pelo menos lhe resta o consolo de melhorar a sua
empregabilidade.
6.3.1.3 Diplomas e Certificados
Alguns autores utilizados nesse trabalho (SCHWARTZ, 1995; RAMOS, 2001; VIEIRA e
LUZ, 2003) afirmam que, ao valorizar os saberes tácitos ligados à trajetória individual e
às características pessoais, a noção de competência tende a desvalorizar os conteúdos
110
e saberes legitimados pelos diplomas e certificados, de modo que a qualificação
deixaria de ser expressa em função dos registros de conceitos técnico-científicos
característicos das atividades profissionais.
De fato, mesmo com a existência do programa de certificação citado anteriormente,
percebe-se na empresa que os diplomas e certificados têm seu valor questionados
anualmente pela avaliação dentro do programa PN-10, no caso dos cargos
operacionais, e pela avaliação por competência, no caso dos supervisores. Em si
mesmos, os diplomas e certificados não oferecem garantias aos empregados. Embora
legitimem a aprendizagem de um conhecimento no momento em que são emitidos,
essa legitimidade é sempre questionada em situação real de trabalho. Não no trabalho
técnico específico, mas na postura em relação a esse trabalho, nas atitudes do
empregado. Nas palavras dos supervisores:
Só que tem aquele negócio, há mecânicos e mecânicos. Então eu vejo que não é
muito na formação. É muito na atitude da pessoa. A formação tem que ser
obrigatória, aí essa formação obrigatória tem que ter, porque é o básico que ele
tem que saber aqui. Pra mim, o que pega mais é a atitude da pessoa (supervisor
1).
É possível perceber em suas falas como os diplomas e certificados não possuem valor
social em si mesmos. Precisam ser sempre acompanhados da postura do empregado e
de sua implicação no trabalho. Eles apresentam grande importância como requisito
para entrada na empresa ou em alguns cargos. Além disso, o que se percebe é o que
Paiva (1997) denomina de inflação de diplomas. No cargo de supervisão, por exemplo,
a escolaridade exigida pela empresa é o ensino médio completo. Entre os supervisores
entrevistados, apenas um deles tem apenas a escolaridade requerida pelo cargo. Os
demais ou têm ensino superior completo ou estão cursando.
111
6.3.2 A DIMENSÃO SOCIAL
6.3.2.1 Plano de cargos e salários e sistema de remuneração
O plano de cargos e salários da empresa foi desenhado com a assessoria da Hay
Group do Brasil. Em sua concepção, exposta em um documento interno, os cargos da
empresa foram desenhados considerando sua missão, estratégias e estrutura. Para
desenhar os cargos e definir a estrutura do plano, foram realizados seminários com
participação de todos os níveis gerenciais. Esses seminários tiveram o objetivo de
capacitar os gerentes da empresa a desenhar os cargos de sua área, com a assessoria
da área de RH. E cargo, para a empresa, ficou definido como:
[...] um componente organizacional que representa um conjunto de deveres e
responsabilidades visando realizar a missão de sua empresa através do
atendimento às necessidades de seus clientes internos e externos (Empresa
Gama).
Para analisar os cargos em suas áreas, os gerentes deveriam elaborar as suas
descrições, que significava definir: a identificação completa do cargo; o sumário
informando o que o cargo faz, com qual finalidade e sua área de abrangência; as suas
dimensões, que visavam identificar e quantificar as áreas mensuráveis sobre as quais o
cargo exerce impacto direto ou indireto; sua localização na estrutura organizacional;
seus desafios, que visavam identificar as maiores complexidades do cargo; suas
principais responsabilidades.
Posteriormente, todos esses dados foram pontuados e foi criada sua estrutura de
sustentação, o Plano de Cargos e Salários. No primeiro momento, alguns ajustes
salariais tiveram de ser realizados, pois alguns cargos apresentaram remuneração
inferior ou superior às faixas salariais do novo plano.
O novo plano trouxe o conceito de salário-base, que é a remuneração fixa
correspondente ao posicionamento do empregado na faixa salarial, de acordo com o
112
cargo. E a faixa salarial é o intervalo contínuo de valores definido pelos pontos mínimo,
médio e máximo, conforme a Figura 3, abaixo. Nas faixas salariais estão inseridos
grupos de cargos classificados segundo a metodologia desenvolvida pela Hay Group do
Brasil, que analisa a responsabilidade por resultados e soluções de problemas.
Ponto Máximo
Mediana de
Mercado
Ponto Médio Ponto Mínimo
Figura 3 – Intervalos da faixa salarial
Fonte: Empresa Gama
As regras de movimentação dentro da faixa salarial são:
Admissão: é a forma de entrada na faixa salarial e, ao ser admitido, um empregado é
posicionado no ponto mínimo da faixa salarial do seu cargo.
Promoção: é a movimentação do empregado para o cargo de faixa salarial mais
elevada, em que é assegurado um acréscimo salarial de 5%, desde que o novo salário
não ultrapasse o ponto médio da faixa do cargo onde o empregado for posicionado.
Caso os 5% de acréscimo ultrapasse o ponto médio da faixa salarial do cargo, o
empregado é posicionado no ponto médio da nova faixa. Caso o acréscimo de 5% não
seja suficiente para atingir o ponto mínimo da nova faixa, fica assegurado ao
empregado o posicionamento no ponto inicial da faixa salarial.
Reposicionamento por alteração de cargo: é a movimentação do empregado para um
cargo da mesma faixa salarial, desde que sejam satisfeitos os requisitos para o novo
cargo. O empregado reposicionado não tem acréscimo salarial.
Reposicionamento sem alteração de cargo: é a movimentação do empregado dentro da
mesma faixa salarial, sem alteração de cargo, em condição excepcional, mediante
autorização do diretor da área, respeitando-se como limite máximo o ponto médio da
faixa salarial.
113
Reajustes: podem ocorrer em função de acordos coletivos de trabalho ou por iniciativa
da empresa.
Algumas observações podem ser feitas analisando essas regras de movimentação e a
estrutura do plano de cargos e salários da empresa. Em primeiro lugar, fica claro o
interesse da empresa em manter os salários fixos de seus empregados, aquela parcela
da remuneração que incidem maiores encargos, situados, no máximo, na mediana de
mercado. Embora as faixas salariais apresentem um ponto máximo, as regras de
movimentação apontam como destino último, ou seja, como o ponto máximo a ser
posicionado um empregado, o ponto médio da faixa que, segundo a empresa,
representa a mediana de mercado. Nota-se, nas próprias regras do plano, a intenção
da empresa em não pagar salários fixos acima da mediana de mercado.
Há entre os supervisores uma certa desconfiança quanto à pesquisa salarial realizada
pela empresa para identificar a mediana de mercado, que é representada no plano de
cargos e salários pelo ponto médio.
Quando você chega na faixa mediana, quer dizer que você tá na faixa aqui na
empresa fala que ali você tá, não é nem na mediana, quando você tá na
mediana, quer dizer que você tá no terceiro quartil do mercado. Então quando
você tá na mediana da empresa, ou seja, você já tá numa posição privilegiada
em relação, em relação ao mercado. Só que, o que a gente percebe, é, a gente
começa a comparar com as empresas vizinhas aqui. É, agora a empresa alega
que existe uma pesquisa que tá dentro do terceiro quartil. Existe uma, uma
controvérsia disso aí, então, realmente a gente percebe. Até mesmo a
supervisão, o quadro de supervisão, a gente percebe isso por nós mesmos, no
quadro de supervisão (supervisor 4).
Além do salário base, a remuneração variável também faz parte do sistema de
remuneração da empresa. Essa forma de remuneração, mais flexível, acontece em dois
momentos: no pagamento da chamada PR – Participação nos Resultados e na
remuneração decorrente dos resultados da avaliação dentro do programa PN-10.
114
Em segundo lugar, embora a empresa tenha um forte discurso em favor das
competências, essas não são reconhecidas em seus estatutos salariais. Não existe
salário por competências. Às competências desenvolvidas pelos empregados não estão
relacionados ganhos salariais. A noção de competência na empresa permanece ligada
apenas à avaliação de desempenho e às ações de desenvolvimento que a ela se
seguem.
Aqui reside um importante ponto descoberto nessa pesquisa: em termos de cargos e
salários e remuneração, a empresa não utiliza a noção de competência com a mesma
força que o faz na avaliação de desempenho. Em termos de estatutos salariais, a
empresa apresenta uma visão muito mais próxima da noção de qualificação do que da
de competência. Isso significa que a diferenciação dos salários que decorre das
trajetórias individuais e aprendizagens de novas competências não está presente na
empresa. Ao invés de salários individuais vinculados às competências, o que se vê são
salários atrelados aos cargos. Nesses está presente a coletividade da qualificação e
não a individualidade da competência.
A diferenciação dos salários é sazonal, isto é, só aparece no mês que a empresa paga
a chamada remuneração variável ligada ao programa de Participação nos Resultados –
PR. Nesse período, remunerações individuais são pagas aos empregados. Essas
decorrem de suas avaliações dentro do PN-10 e também dos resultados financeiros da
empresa e das áreas de negócios das quais participam.
Outra questão emergiu das entrevistas: o conflito decorrente do posicionamento dos
empregados com maior tempo de empresa no novo plano de cargos e salários. No
plano anterior havia promoções ligadas ao tempo de empresa, denominadas
promoções por antiguidade. A diferença de salário (5%), referente a essas promoções,
era paga mensalmente, a título de abono, a partir do momento que o empregado
completasse cinco anos de empresa. A partir do sexto ano de empresa, o abono era de
1% por ano trabalhado. Como no novo plano esse tipo de promoção não está presente,
o novo empregado, mesmo em cargo de faixas salariais mais altas, podem perceber
115
uma remuneração menor do que os mais antigos, que, no novo plano, tiveram os
abonos incorporados aos seus salários. E isso tem gerado conflitos.
Olha, o plano de cargos e salários da empresa hoje, a gente vê que, é, muitos
funcionários reclamam desse plano [...] antigamente tinha os funcionários, eles
subiam até por tempo de serviço, eles, eles iam crescendo na empresa [...] você
pega funcionários antigos na empresa que às vezes o cara é mecânico e tá com
um salário lá em cima e você entra como técnico e você tá com o salário lá
embaixo [...] isso aí gera uma insatisfação no, naquele que é, tá entrando, né,
ele, ele fica insatisfeito e fala, pôxa, o cara é mecânico e eu sou técnico[...]
(supervisor 3).
A insatisfação com o plano de cargos de salários aparece também entre os
supervisores. Ao ser questionado sobre o assunto, o supervisor 5 ficou incomodado. A
sua resposta foi intrigante. Começou a responder com a seguinte pergunta: “Você quer
que eu responda como supervisor ou como fulano de tal?”. Essa pergunta revela como
ele lida com o conflito existente por ocupar um cargo de comando na empresa. Ele tem
duas opiniões. Como supervisor, concorda com o plano e até o defende junto aos seus
subordinados, assumindo publicamente uma posição que mostra seu alinhamento com
a empresa. Porém, guarda para si um espaço privado onde diverge, discorda e critica.
Essa dualidade mostra pelo menos duas coisas interessantes: a primeira é a ausência
de espaço para uma comunicação autêntica na empresa, onde os supervisores possam
expressar suas insatisfações e angústias. A segunda é a questão do alinhamento com
a empresa. Em todas as entrevistas ficou claro que, para os supervisores, essa aparece
como a principal competência que deve ser desenvolvida pelos supervisores. Em
função da necessidade de manter-se alinhado, o supervisor acaba assumindo duplos
posicionamentos diante de várias situações.
116
6.3.2.2 Carreira
A Empresa Gama possui algumas ferramentas instituicionais, com as quais busca
estruturar as possibilidades de carreira profissional de seus empregados. Instituiu os
Comitês de Carreiras e Sucessões, que se reúnem anualmente e têm por finalidade
identificar os empregados que possuam condições de ocupar postos-chave e gerenciais
na empresa. Esses comitês são formados pelos níveis de comando acima daqueles
empregados sobre os quais se discute. Por exemplo, se os supervisores estão sendo
avaliados, o comitê é formado por gerentes.
Depois que os empregados com potencial são identificados, tornam-se alvo de ações
diferenciadas de desenvolvimento visando prepará-los para novos desafios. A empresa
define as ações de desenvolvimento como
Experiências certificadas de aprendizagem, resultantes de diferentes tipos de
interação, capazes de promover a descoberta, a reorganização, a construção e a
aplicação dos conhecimentos, habilidades e atitudes (competências) (Empresa
Gama).
A eficácia dessas ações são medidas por meio de avaliações de aprendizagem,
certificação do chefe imediato, certificações formais e ciclo anual de avaliação de
competências.
É possível notar que a noção de competência é determinante na carreira do
empregado. Os conhecimentos decorrentes das ações de desenvolvimento devem ser
sempre contextualizados, sempre questionados e validados pelos superiores imediatos
em situação real. Esse processo, validado pela organização e legitimado entre os
supervisores, apresenta as competências de um empregado como um produto volátil.
Em um ano, o empregado pode ser reconhecido como competente e, portanto, ser
considerado apto para assumir novos desafios e, no ano seguinte, ficar de fora.
117
Os supervisores expressam opiniões convergentes ao serem perguntados sobre o que
um profissional deve fazer para crescer em sua carreira profissional. A resposta a
seguir representa bem o conteúdo de suas respostas.
Bom, a primeira coisa é o curso, né, fazer o curso, terminar seu curso, e depois
ele, ele se destacar, profissionalmente, fazer as coisas de acordo com os
procedimentos, com os processos aí. Ele se destacar, nessa situação, né. Se
mostrar uma pessoa ativa, né, pró-ativa, estar sempre, é, visando crescimento,
né? E não pensar: eu não vou fazer isso porque não é da minha função. Eu não
vou melhorar, eu não vou crescer. É sempre querer conhecer coisas novas, isso
é muito importante. Mesmo que não seja da sua área de atuação, um eletricista
não querer conhecer de mecânica ou mecânico não conhecer de elétrica [...]
(supervisor 3).
É possível perceber que a presença da noção de competência tende a quebrar os
vínculos do empregado com os cargos. A atitude do empregado, sua busca pelo novo,
sua adaptação e flexibilidade diante de qualquer demanda no ambiente de trabalho é o
que o habilita para ascender a novas funções. O interessante é notar que essa
aceitação e busca de atividades não vinculadas ao cargo do empregado oferecem
somente possibilidade de ascensão. Como visto anteriormente, as novas habilidades
aprendidas e competências demonstradas não são reconhecidas no plano de cargos e
salários.
6.3.2.3 Empregabilidade
O fato de a noção de competência não oferecer garantias, mas somente possibilidades,
segundo Ramos (2001), a aproxima muito do conceito de empregabilidade, que fica
definida como o
118
[...] conjunto de capacidades e competências que tornam a pessoa capaz de
gerir o seu destino, inclusive provendo meios para sua subsistência, estando ou
não empregado (MENEGASSO, apud SILVA, 2001, p. 8).
O conceito de empregabilidade oferece ao indivíduo toda autonomia e responsabilidade
por seu futuro profissional. Embora autonomia e responsabilidade sejam termos que
trazem consigo a idéia de potência, força e positividade, têm também a função de
esconder o outro lado da questão. O ser que é capaz de “gerir o seu destino” não é
apenas autônomo. É também abstrato. Existe no vácuo. Não está inserido em
estruturas sociais. É um indivíduo que não é construído socialmente. Ter ou não ter
emprego, conseguir ou não meios de subsistência, é de sua inteira responsabilidade. O
mundo da empregabilidade não possui problemas estruturais, somente individuais.
A noção de competência na empresa se aproxima bastante desse conceito. Embora a
empresa procure estruturar trilhas a serem seguidas dentro do programa de carreiras e
sucessões, a qualificação do empregado, seus saberes e capacidades não lhe dão
garantias de ascensão nem estabilidade no emprego. Suas competências serão
sempre questionadas em situação real de trabalho. Sua história e trajetória anterior na
organização são facilmente esquecidas nas avaliações anuais. O que tem maior valor
para os supervisores é o seu saber-ser, suas atitudes e comportamentos.
Pra mim o que pega mais é a atitude da pessoa. É a atitude de querer fazer,
querer aprender (supervisor 1).
Eu acredito na competência, eu acho que, que a posição em um plano de cargo
e salário, deve ser em função de sua competência. Pessoas competentes
merecem muito mais do que uma pessoa inteligente (supervisor 2).
[...] eu não acho que todos que estão qualificados devam subir, e sim, aquele
funil, né, os melhores que se destacam, eles vão ter condições de subir [...] o
cara tem que ter atitude pra poder crescer (supervisor 3).
Ao aproximar-se do conceito de empregabilidade, a noção de competência assume o
lugar que antes pertencia à qualificação, pois esta, ao estabelecer a relação entre os
registros conceituais das atividades formalizados pelos diplomas reconhecidos
119
socialmente e a inserção profissional, aparecia como o código de comunicação entre
categorias profissionais e empregadores. Sobre esses códigos, as regras de acesso e
permanência no emprego, carreira e remuneração foram construídas. À medida que
enfraquece a relação entre a qualificação e essas regras, a competência passa a ser
esse código.
6.3.2.4 Sindicato
A opinião dos supervisores sobre o papel do sindicato guarda muitas semelhanças.
Reconhecem a sua importância, porém fazem inúmeras reservas à sua atuação. A
primeira delas diz respeito à questão salarial. Para eles o salário deve ser resultado
direto de negociação entre a empresa, a partir de seus supervisores e gerentes, e os
empregados. O sindicato não deveria exercer esse papel.
Ah, sindicato pra mim eu tenho uma definição de sindicato assim que é um pouco
diferente dessa que há no Brasil. Mas, no meu ponto de vista tem, vamos dizer assim, o
sindicato tem a sua, o seu papel. Agora, na parte de melhorar, melhorar salário e
carreira eu acho que tá no dia a dia do supervisor, junto do gerente, de buscar
aquilo ali. Então ele tá muito mais ligado no desenvolvimento que a gente vê pra,
do próprio empregado (supervisor 1).
É possível perceber, nesse discurso, a individualização das relações de trabalho. As
melhorias no salário do empregado devem estar ligadas ao seu desenvolvimento
individual. E o critério para medir o seu desenvolvimento deve pertencer aos
supervisores. Esse posicionamento nega o conflito inerente à relação entre o capital e o
trabalho (AKTOUF, 1996). Sugere que é possível deixar os interesses dos empregados
sob a tutela dos supervisores e gerentes, pois esses estariam interessados em seu
desenvolvimento, inclusive na questão salarial.
120
Porque, o sindicato ia querer, né, ah, um salário, né, exorbitante para uma
determinada função e a empresa não ia querer, então, né, ia acabar gerando um
conflito [...] (supervisor 2).
A percepção é que não existe o conflito. Esse viria à tona porque o sindicato tenderia a
pedir um salário “exorbitante” e a empresa não concordaria. A premissa subjacente a
essa afirmação é que somente a empresa é capaz de estabelecer valores salariais mais
justos.
Uma questão que ficou clara nas entrevistas é o enfraquecimento do papel do sindicato.
Um dos supervisores justifica esse enfraquecimento a partir de um discurso que
transfere a mediação de conflitos da esfera política para a esfera técnica. Para ele, a
falta de espaço do sindicato estaria relacionada à objetividade das novas relações de
trabalho na empresa. A negociação é reduzida ao simples estabelecimento de
indicadores pela empresa e a busca de atingir esses indicadores por parte dos
empregados.
O sindicato hoje, já teve eras que o sindicato tinha um poder maior, de
argumentar, de questionar. É, até mesmo porque na época, a empresa era
estatal, e isso tinha uma série de reivindicações, o próprio mercado hoje
também, hoje a gente trabalha em cima de indicadores, não é, de coisas que são
bem objetivas, então não tem muito o que fugir. A empresa hoje divulga os
resultados dela com transparência pra mídia, então não tem muito que fugir. A
regra, é estabelecida a regra do jogo, então, né, é, participação de resultado, a
regra é essa, é bem claro que é isso que nós vamos dar pra vocês, e a gente
tem que produzir, chegou no final é aquilo ali na participação do resultado.
Questão salarial, hoje a nossa inflação tá praticamente sob controle, então a, a
empresa também, ela, ela já se apega também que ela tá praticando praticando
o terceiro quartil do mercado baseado em cima de pesquisa, então, existe uma
articulação, tudo muito bem amarrado pra praticamente o sindicato fica aqui, ali
mesmo só com o papel mesmo do, burocrático mesmo, pra cumprir, né
(supervisor 4).
121
Essa redução da atuação sindical para uma dimensão técnica é expressa e elogiada
por outro supervisor ao descrever o último acordo coletivo firmado entre a empresa e o
sindicato.
Acho que foi um acordo negociado exaustivamente, um acordo negociado no
nível técnico, os negociadores que foram pra o Rio de Janeiro e que vieram aqui
dar feedback pra gente aí da supervisão, acho que o acordo que eu tive esse
ano na empresa foi um acordo negociado a nível técnico mesmo, a, num nível
profissional muito grande (supervisor 5).
Um dos supervisores declarou que, de forma geral, o sindicato exerce um papel
importante ao representar os empregados. Para ele, a atuação sindical é salutar e
importante. Porém, ele julga de forma negativa a ação sindical na empresa. O motivo
apresentado é que o órgão que antes representava a maioria dos trabalhadores na
base territorial onde fica localizada a Gerência de Manutenção de Locomotivas, teve
seu poder enfraquecido com a entrada de outros sindicatos menores nas negociações
com a empresa.
Eu vejo o sindicato assim, o sindicato [...] ele é muito forte, né, muito positivo, né,
ele briga realmente pelos anseios dos funcionários. É, eu acho que isso é muito
importante. Porque é um representante que você tem pra discutir com o seu
empregador, né. Ela é salutar e importante. [...] Aqui na empresa, é, o que eu
sinto é que, eu acho que é, é negativa. É que há vários sindicatos querendo
tomar conta de grupos específicos. E acaba dividindo [...] (supervisor 3).
A questão salarial que, de maneira geral, representava uma dimensão importante no
papel sindical e que trazia como característica a coletividade, passou a ser considerada
uma questão de desempenho. Essa redução leva a questão para a dimensão individual
que é operacionalizada com a prática da remuneração flexível a partir do programa de
participação nos resultados. Enquanto a remuneração fixa, que é atrelada ao cargo
ocupado, conforme visto anteriormente, evoca a dimensão coletiva, a remuneração
variável, que cada vez mais assume um percentual representativo da remuneração total
122
dos empregados da empresa, opera a individualização. E essa individualização é
possível a partir da avaliação por competências.
6.3.3 A Dimensão Experimental
6.3.3.1 Saber-Fazer
Duas coisas importantes devem ser ressaltadas ao descrever aquilo que os
supervisores consideram importante em seu saber-fazer. A primeira delas diz respeito
às fontes dos conhecimentos postos em jogo na realização de suas atividades. Todos
consideram importante a formação técnica para o exercício da função. Para eles, isso é
um pré-requisito para a função, conforme analisado anteriormente na parte em que
trata da dimensão conceitual da qualificação.
Outra fonte de conhecimentos, considerada por eles como a mais importante, é a
própria empresa. A especificidade das atividades na manutenção de locomotivas faz
com que parte significativa da formação do supervisor seja realizada na empresa.
[...] não existe curso de locomotiva do lado de fora, né, mas a pessoa já saber os
fundamentos da parte elétrica e da parte mecânica, isso é fundamental, porque
ela chegando sabendo o básico [...] então ela vai ter o contato no dia-a-dia ali,
ela vai tá, ela vai em contato com literaturas aqui dentro, específica de
locomotiva, não só de locomotiva, mas qualquer alguma outra, algum
equipamento que tem aqui, então ela vai começar a crescer também, ela não vai
ficar parada só naquilo (supervisor 1).
Essa relação entre o aprendizado teórico e a ação propicia uma relação dialética entre
as dimensões teórica e experimental da qualificação. As situações concretas no
ambiente do trabalho, em virtude das iniciativas dos indivíduos, das responsabilidades
exercidas e das reflexões para explicar as ocorrências no dia-a-dia da manutenção
123
levam os supervisores a reformularem seus conhecimentos teóricos. Ramos (2001),
ressalta que essa dialética se aproxima daquela entre os conhecimentos e a
competência proposta por Zarifian (2001). Nesse sentido, as noções da qualificação e
da competência se aproximam.
A segunda coisa a ser ressaltada diz respeito a um paradoxo: em todo o referencial
teórico utilizado nesse trabalho, a noção de competência sempre aparece ligada à
ausência de prescrição. A competência ganha espaço exatamente no momento em que
se reconhece a impossibilidade de prescrever totalmente a ação dos indivíduos no
ambiente de trabalho. Diante dos imprevistos e dos eventos, a noção de competência
ganha espaço nos discursos sociais e científicos. Porém, na Empresa Gama a noção
de competência convive com uma valorização exacerbada das prescrições. O fato
apareceu nas entrevistas com todos os supervisores. Ao falar sobre sua principal
atividade na empresa, isto é, daquilo que é mais relevante em seu saber-fazer, os
supervisores afirmaram: treinar os empregados nos padrões e procedimentos
operacionais existentes e auditar a sua execução são consideradas suas principais
atividades.
Então hoje, todos são treinados mesmo em cima de PROs, PROs pra cumprir
PRO. E um papel hoje do supervisor, é o que? Dar as condições de, de, propiciar
esse treinamento em cima de procedimentos, né, e fazer cumprir. Então hoje o
papel de supervisor, é tá junto com as pessoas, treinando e auditando. Você tem
que treinar e tá lá em cima das pessoas pra checar se realmente tão fazendo
conforme o procedimento (supervisor 4).
Os procedimentos operacionais e os padrões têm uma importância fundamental para a
área de Manutenção de Locomotivas. Os padrões e procedimentos são escritos pelos
supervisores, com a participação de alguns subordinados, e, em seguida,
encaminhados à Gerência de Planejamento e Qualidade. Essa gerência é responsável
pela aprovação de todos os padrões da área de manutenção de locomotivas e sua
posterior distribuição a todas as áreas onde exista a atividade. Essas áreas são
chamadas, conforme informada pela analista de qualidade da área, de “pontos de uso”.
124
Um dado curioso é que, não somente a área que provocou a mudança nos padrões é
considerada ponto de uso. As demais áreas de manutenção de locomotivas situadas
em outros estados também são. A empresa tem empreendido um grande esforço para
padronizar as atividades em todas as áreas de manutenção. A idéia é que as áreas
compartilhem o mesmo saber-fazer.
Após a aprovação e retorno dos padrões às áreas, os supervisores têm, em média, o
prazo de cinqüenta dias para treinar todos os subordinados envolvidos. A identificação
desses subordinados é feita a partir de uma matriz de treinamentos, que cruza sua
função com os padrões a ela relacionados.
Os padrões e procedimentos são constantemente revisados. Essa revisão pode ser
provocada pelos empregados executantes da atividade ou pelos supervisores. Os
padrões revisados devem ser igualmente encaminhados à Gerência de Planejamento e
Qualidade e, após a aprovação, devem ser repassados pelos supervisores aos
empregados no prazo estipulado. Além das revisões por mudanças nas atividades,
existem as revisões que devem ser efetuadas quando expiram os prazos de validade
dos padrões.
É, os PROs tem a validade, né? Tem um prazo de validade a partir do momento
que, que ele é feito, né e depois ele tem a validade, expira a validade dele, e a
gente tem que revisar ele. [...] Então tá tudo dentro do sistema de padronização
esperando que se acende lá a luzinha vermelha, tem, é dado o sinal pra área, ó,
tem um PRO pra sua área (supervisor 4).
Esse movimento de idas e vindas de padrões toma bastante tempo no dia-a-dia dos
supervisores. Sabe-se que o trabalho prescrito nunca corresponde totalmente ao
trabalho real (SALERNO, 1994) e que pesquisas realizadas por Mintzberg (apud DAFT,
1999) informam que o trabalho daqueles que estão à frente de equipes é caracterizado
por variedade, pela brevidade e por grande quantidade de tarefas em um ritmo
desconexo. Porém, é inegável a dedicação dos supervisores a essa parte de seu
trabalho. Também é inegável a pressão que a prescrição exerce em suas atividades.
125
Na verdade, o, hoje o supervisor é até coisa muito massificante, porque o
supervisor tem uma função básica hoje dentro da empresa. É, que é
basicamente treinar as pessoas, cumprir, verificar, auditar o cumprimento dos
procedimentos. Não sei. Se eu te falar alguma coisa que esteja fora disso, está
desalinhado com a política e diretriz da empresa. Então, o bom supervisor pra
empresa hoje, é um supervisor que treina, que desenvolve a sua equipe, que
audita e garante o cumprimento dos procedimentos operacionais (supervisor 5).
Curiosamente, no discurso desse supervisor, aparece um dado interessante aliado ao
saber-fazer mais valorizado na empresa para a atividade de supervisão. Segundo o seu
relato, não dedicar tempo e atenção às atividades de treinar os empregados nos
padrões e auditar a sua execução, é estar “desalinhado” com a política da empresa. A
percepção desse dado, leva à questão do alinhamento com a organização, considerada
uma competência central para os supervisores da Empresa Gama e que será melhor
analisada na próxima seção.
6.3.3.2 Saber-ser
O saber-ser sempre foi uma dimensão presente na qualificação (RAMOS, 2001).
Porém, com a inserção da noção de competência nas práticas de gestão das
empresas, tende a ser supervalorizada em detrimento das dimensões conceitual e
social.
Uma característica do saber-ser que apareceu de forma significativa nas entrevistas foi
o alinhamento organizacional, que aparece como a variável do comportamento capaz
de suprir os espaços vazios deixados pela prescrição. Na seção anterior, foi ressaltada
a importância dada aos padrões e procedimentos e como essa atividade ocupa um
lugar central no saber-fazer dos supervisores. Como não é possível prescrever todas as
atividades, a intervenção humana torna-se menos previsível e planejável. Nesse ponto,
surge a importância do alinhamento organizacional. Se não é possível prescrever todo
126
o comportamento do indivíduo, é preciso assegurar que aqueles comportamentos não
previstos ocorram na direção desejada pela organização.
Nesse ponto, houve unanimidade entre os supervisores. Todos ressaltaram a
importância do comportamento sempre alinhado com aquilo que a organização almeja.
Nesse sentido, as palavras de um deles são esclarecedoras.
Bom, hoje a gente tem que buscar esse profissional que realmente teja, é, o
alinhamento, o cara que teja alinhado realmente com, que seja um cara fácil de
se alinhar às metas. Ou seja, qual é a meta nossa? Como eu disse, eu tenho que
atender a meta de segurança, se eu usar os EPIs, os PROs, a parte operacional,
cobrir o PRO operacional, se for uma pessoa que seja, é, eu costumo falar,
bicho, você não precisa ser alienado não, mas você tem que tá aqui, enxergar a
meta, saber pra onde que nós queremos chegar, qual é a nossa meta,
infelizmente é assim, é frio, a meta é aquela, e a gente, você tem que se
enquadrar nesse perfil aqui, que é o que, cumprir isso pra chegar naquela meta.
Então a gente olha esse perfil da pessoa vê se o cara tem condições de se
alinhar nesse aí. Então, é buscar esse alinhamento (supervisor 4).
Note-se que há uma preocupação em diferenciar o alinhamento da alienação. Para ele,
focalizar somente a meta é estar alinhado. Se na perspectiva taylorista da organização
do trabalho, o trabalhador devia focalizar a sua atenção nos supervisores, de onde
emanavam as ordens, pois estavam ali para executar e não para pensar, na Empresa
Gama, as metas passam a ser o centro das atenções dos empregados. Cumprir
padrões, seguir procedimentos operacionais e, na ausência desses, seguir as metas.
É possível ver, nesse discurso, que o esforço para estar alinhado gera uma angústia no
supervisor. Ao dizer, “infelizmente é assim, é frio”, ele traz à tona um certo
desapontamento e sofrimento. Porém, isso se dá com um tom de resignação. Soa como
se fosse preciso ser assim, como se não houvesse outro jeito. Faz parte daquilo que a
empresa espera e, portanto, se o empregado deseja ser reconhecido precisa estar
alinhado.
127
E uma pessoa que, que tenha uma capacidade de, é, de absorver o alinhamento
organizacional, tá, que hoje é bastante exigido, tá, e uma pessoa que vai agregar
um valor à equipe na qual ela vai, ela vai é, vai participar (supervisor 2).
O alinhamento torna-se a competência fundamental do indivíduo. É aquilo que pode
tornar o empregado disposto a assumir qualquer demanda no ambiente de trabalho,
mesmo que não seja relacionada ao seu cargo. É um estado de prontidão, uma pré-
disposição para assumir responsabilidades e tomar iniciativa. Essas duas
características são centrais no conceito de competência enunciado por Zarifian (2001).
Na empresa, essa disposição e atitude são determinantes e são elas as características
que diferenciam os empregados.
O Quadro 7, apresentado a seguir, mostra a situação das três dimensões da
qualificação na empresa.
128
Dimensões Categorias Situação
Conhecimentos
Gerais
e Específicos
Embora os conteúdos dos cursos técnicos sejam considerados
importantes, reconhece-se o local de trabalho como o locus
privilegiado para a aprendizagem. A empresa, mais do que as
instituições de ensino, é o lugar da aprendizagem.
Essa dimensão da qualificação é enfraquecida, pois as
aprendizagens decorrentes das trajetórias individuais dos
empregados passam a ser mais valorizadas do que a sua
formação.
A qualificação deixa de ser expressa em função dos registros de
conceitos teórico-científicos das atividades profissionais.
Treinamento e
Formação
Profissional
A falta de tempo, devido à intensificação do trabalho, a ausência
de um local adequado e o crescimento dos treinamentos on-line,
levam à individualização do treinamento e da formação
profissional, pois essas passam a ser resultado da atitude do
empregado e do seu autodesenvolvimento.
Embora as duas noções apareçam juntas no processo de
certificação (Cequal), a competência prevalece sobre a
qualificação, pois esta é sempre questionada nos momentos de
avaliação.
Conceitual
Diplomas e
Certificados
A valorização das competências, ou seja, dos saberes tácitos e
sociais dos indivíduos fazem com que os diplomas e certificados
percam o seu valor social. Esses são anualmente questionados
nas avaliações por competência.
Plano de cargos e
Salários e Sistema
de Remuneração
Embora os salários sejam vinculados aos cargos, o que lhes dá
uma característica coletiva, a remuneração flexível, prática
crescente na empresa e baseada nas competências,
individualiza a relação salarial.
Carreira
A ascensão de um empregado não tem relação com sua
qualificação. Essa somente influencia em seu acesso inicial à
carreira. A partir daí, a sua competência assume o papel de
conduzi-lo a posições mais elevadas na hierarquia.
Empregabilidade
Como a competência não oferece garantias, os saberes tácitos
e sociais dos empregados são encarados como uma forma de
manter em alta a empregabilidade do indivíduo.
Social
Sindicato
Embora seja considerado importante, tem o seu papel
enfraquecido, pois cabe aos cargos de comando a mediação
dos conflitos com os empregados, havendo um deslocamento
do conflito do campo político para o técnico.
Saber-Fazer
Treinar os empregados nos padrões e procedimentos
operacionais e auditar a sua execução é a principal atividade
dos supervisores. Mesmo em um contexto de prescrições, a
competência surge como o fator de diferenciação e
reconhecimento.
Experimental
Saber-Ser
O alinhamento organizacional, que se traduz em uma
obediência prévia e em um estado de prontidão, é considerado
um atributo fundamental ao exercício da supervisão.
Quadro 7 – Resumo da análise das dimensões da qualificação na empresa
Fonte: Elaborado pelo autor
129
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS E SUGESTÕES
7.1 Considerações finais
O presente trabalho teve como objetivo maior compreender como as dimensões
conceitual, social e experimental da qualificação são modificadas a partir da introdução
da noção de competência na realidade empírica de uma empresa. Essas dimensões
são a expressão sócio-histórica dos conteúdos da qualificação.
Percebeu-se, ao mesmo tempo, que a competência reafirma e nega a qualificação.
Reafirma, porque os processos de trabalho requerem dos empregados, além de seus
conhecimentos técnicos, atributos pessoais. Esses atributos ou, na linguagem dos
supervisores entrevistados, atitudes, são mais valorizadas do que seus conhecimentos
e formação. São eles que dão aos indivíduos possibilidades de ascensão e
reconhecimento. Nesse ponto, a dimensão experimental da qualificação, que apela aos
atributos individuais e pessoais dos empregados e que foi pouco considerada na
construção histórica de seu conceito, finalmente toma um lugar de destaque. A noção
de competência expressa coerentemente essa dimensão, pois traz em seu significado
aquelas capacidades sócio-afetivas empregadas pelo indivíduo em suas atividades
laborais.
Ainda na dimensão experimental, foram percebidas algumas peculiaridades na
empresa pesquisada. Primeiro, o saber-fazer valorizado tem pouca relação com o
contexto no qual os autores utilizados nesse trabalho notam a emergência da noção de
competência – a ausência crescente da prescrição. Na verdade, a Empresa Gama
valoriza, em sua área de manutenção de locomotivas, a prescrição. Os padrões e
procedimentos operacionais ocupam um lugar de destaque na empresa. Isso mostrou
que a noção de competência ganha espaço também nesse tipo de ambiente. A
empresa concilia a valorização da prescrição – ao colocar como o papel fundamental
dos supervisores treinar os empregados nos padrões e auditar a sua execução – com o
130
discurso da competência. E a principal competência que, segundo os supervisores, é
posta em jogo em seu trabalho é o alinhamento organizacional.
Entretanto, a valorização da dimensão experimental da qualificação se dá às custas das
dimensões conceitual e social. A primeira se enfraquece porque a noção de
competência, ao valorizar os saberes tácitos e sociais dos empregados ligados à sua
trajetória pessoal, sempre põe à prova os seus saberes formais, que têm nos diplomas
e certificados sua fonte de legitimidade. Ao avaliar as competências anualmente e
discutir, nos comitês de carreiras e sucessões, os nomes daqueles profissionais que
têm possibilidades de ascensão, a empresa coloca a qualificação do empregado em
segundo plano. Mesmo em seu programa de certificação (CEQUAL), a qualificação do
empregado é sempre subordinada à competência, por meio das avaliações ou pelo PN-
10 – Profissional Nota 10. Dessa forma, os saberes técnico-científicos legitimados nos
diplomas e certificados passam a ter uma importância secundária.
Diversos programas de treinamento da empresa, por serem gerenciados dentro do
ambiente virtual da universidade corporativa, colocam o empregado diante de um
dilema: precisa conciliar a demanda intensiva de trabalho com a necessidade de
treinamento. Além disso, os treinamentos tendem a serem individualizados, sendo
perdidas as possibilidades de reflexões coletivas sobre os saberes relacionados ao
trabalho.
Os treinamentos no local de trabalho, devido à intensificação do trabalho, estão
reduzidos à simples transmissão de informações. O repasse delas tem sido realizado
em condições inadequadas: em tempo reduzido, devido à demanda de trabalho; em um
local inadequado, pois não há uma sala destinada a esse fim. Esses fatores reunidos
fazem com que o treinamento seja transferido para uma dimensão individual. O próprio
indivíduo passa a ser totalmente responsável pelo seu saber. Em condições
inadequadas para os treinamentos institucionais, o autodesenvolvimento assume uma
posição de destaque.
131
A dimensão social da qualificação também é enfraquecida na empresa. É preciso
lembrar que, em sua dimensão social, a qualificação é colocada no âmbito das relações
sociais estabelecidas entre os conteúdos das atividades profissionais e o seu
reconhecimento social. Sobre essa relação, se estabeleceram, historicamente, regras
de acesso e permanência no emprego, carreira e remuneração. Dessa forma, a
qualificação coloca o indivíduo dentro da coletividade das categorias profissionais. Essa
relação é rompida com a noção de competência. Primeiro, porque a competência, ao
valorizar os recursos cognitivos e sócio-afetivos do supervisor, deixa de reconhecer que
esses recursos são também construções sociais. A partir daí, estabelece-se uma
relação individual de trabalho.
A individualização na relação de trabalho pode ser vista em diversas dimensões: no
plano de cargos e salários da organização. Apesar de os salários serem vinculados aos
cargos e não às competências, a empresa valoriza, ao praticar a remuneração variável,
as competências individuais validadas nas avaliações do PN-10; nos planos de carreira,
onde o acesso às trilhas de carreira desenhadas pela empresa é mediado pelas
competências do indivíduo; no enfraquecimento do sindicato, o que gera a transferência
da mediação do conflito entre o capital e o trabalho para as negociações individuais
entre subordinados e superiores, a partir de critérios técnicos e não políticos.
7.2 Sugestões
Durante a realização dessa pesquisa, algumas questões interessantes apareceram e,
por não fazerem parte dos objetivos desse trabalho, não foram devidamente
investigadas. Uma delas é a ausência de espaço para uma comunicação autêntica na
empresa. Ao responderem às perguntas na entrevista, em diversos momentos, os
supervisores encobriam, em seu discurso, insatisfações e angústias. Isso veio à tona
em todas as entrevistas e, sobretudo, no momento em que um dos entrevistados
questionou se deveria responder à pergunta como indivíduo ou como supervisor. Novas
132
pesquisas podem lançar luz sobre essa questão, o que poderia levar a empresa a
importantes reflexões.
Outra questão interessante relacionada à primeira, é o alinhamento organizacional. Os
supervisores mostraram que essa é a principal competência para se ter sucesso na
empresa. Em nome do alinhamento, desenvolvem-se atitudes e comportamentos que
tendem a não questionar. Novas pesquisas podem investigar até que ponto essa
conformidade pode impedir o surgimento de novas idéias e inovações.
Em relação às competências, novas pesquisas podem ser feitas para entender como a
noção de competência, que na literatura sobre o assunto, sempre aparece relacionada
à ausência de prescrição das novas formas de trabalho, surge em uma área onde os
padrões e os procedimentos operacionais assumem um papel fundamental. Esse
entendimento pode enriquecer ainda mais o debate acadêmico sobre o tema.
133
8 REFERÊNCIAS
ANDRADE, M. M. Como preparar trabalhos para cursos de pós-graduação: noções
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139
ANEXO 1
Roteiro de Entrevista (supervisores)
Entrevistado: Data:
Cargo:
MUDANÇAS ORGANIZACIONAIS
1) Fale sobre as mudanças ocorridas em sua área de trabalho nos últimos anos.
2) Em sua opinião, quais foram as causas dessas mudanças?
3) Como essas mudanças impactaram a sua função? O que mudou no seu dia-a-dia?
4) Como você avalia essas mudanças? O que ocorreu de positivo e negativo?
QUALIFICAÇÃO E COMPETÊNCIA (DIMENSÃO CONCEITUAL)
5) Vamos falar agora de você, de sua experiência profissional, começando por sua
formação, os empregos que teve, sua vida na empresa (cargos exercidos, etc).
6) Na sua trajetória, é possível definir uma lógica de progressão ou de mudanças
periódicas?
7) Que impactos as mudanças da última década exerceram em sua trajetória
profissional?
8) Sua formação inicial foi suficiente ou você precisou fazer outros cursos? Quais?
140
9) Que tipo de conhecimentos teóricos você considera essenciais no seu trabalho?
Onde e como adquiri-los?
10) Como você avalia os treinamentos realizados pela empresa? Que relação eles têm
com o seu dia-a-dia de trabalho?
11) Como você avalia a sua aprendizagem profissional antes e depois de começar a
trabalhar?
12) De que maneira a sua formação profissional contribui para o exercício de sua
função?
QUALIFICAÇÃO E COMPETÊNCIA (DIMENSÃO SOCIAL)
13) Como você avalia o Plano de Cargos e Salários da empresa? De que forma você
acha que ele se relaciona com sua profissão?
14) Você acha que uma escolaridade mais alta deve representar um posicionamento
melhor nesse Plano? Por que?
15) O que um profissional dessa área deve fazer para crescer em sua carreira?
16) Profissionais com a mesma função devem ter salários semelhantes? Por que?
17) Qual a importância do sindicato em sua categoria profissional? Qual o papel que
este deveria exercer?
18) O que um profissional deve ter para ser empregável?
141
QUALIFICAÇÃO E COMPETÊNCIA (DIMENSÃO EXPERIMENTAL)
19) Como os procedimentos operacionais colaboram para o seu trabalho? Esses são
revisados com que freqüência?
20) Como novas formas de se fazer o trabalho são introduzidas? Quem é responsável
por introduzi-las?
21) Diante de um imprevisto, que ações são tomadas?
22) Quais características profissionais eram valorizadas antes das mudanças e quais
são agora?
23) O que você acha que a empresa busca quando contrata novos funcionários para a
sua área de trabalho?
24) O que você acha da avaliação de competências da empresa?
142
ANEXO 2
Roteiro de Entrevista (Gerente de RH)
Entrevistado: Data:
Cargo:
MUDANÇAS ORGANIZACIONAIS
1) Fale sobre as mudanças ocorridas em sua área de trabalho nos últimos anos.
2) Como essas mudanças impactaram o trabalho de seus funcionários?
QUALIFICAÇÃO E COMPETÊNCIA (DIMENSÃO CONCEITUAL)
3) Que impactos as mudanças da última década exerceram na formação profissional de
seus subordinados?
4) Qual o papel da formação inicial para a realização do trabalho em sua área?
5) Que tipo de conhecimentos teóricos você considera essenciais para o trabalho em
sua área? Onde e como adquiri-los?
6) Que tipo de formação deve ter uma pessoa para se tornar um bom funcionário?
7) Como você avalia os treinamentos realizados pela empresa?
QUALIFICAÇÃO E COMPETÊNCIA (DIMENSÃO SOCIAL)
08) Você acha que uma escolaridade mais alta deve representar um posicionamento
melhor no Plano de Cargos e Salários? Por que?
143
09) O que um profissional dessa área deve fazer para crescer em sua carreira?
10) Qual a importância do sindicato na questão dos salários e carreira de seus
subordinados? Qual o papel que este deveria exercer?
QUALIFICAÇÃO E COMPETÊNCIA (DIMENSÃO EXPERIMENTAL)
11) Como os procedimentos operacionais colaboram para o trabalho de sua área?
Esses são revisados com que freqüência? Por quem?
12) Como novas formas de se fazer o trabalho são introduzidas? Quem é responsável
por introduzi-las?
13) Quais características profissionais eram valorizadas antes das mudanças e quais
são agora?
14) O que você busca quando contrata novos funcionários para a sua área de trabalho?
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