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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO
CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E ECONÔMICAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ADMINISTRAÇÃO
SUSANE PETINELLI-SOUZA
ANÁLISE DA INTERFACE SUBJETIVIDADE E
COMPETÊNCIAS NO CAMPO DO TRABALHO
Vitória
2006
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SUSANE PETINELLI-SOUZA
ANÁLISE DA INTERFACE SUBJETIVIDADE E
COMPETÊNCIAS NO CAMPO DO TRABALHO
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em Administração da
Universidade Federal do Espírito Santo
como requisito para a obtenção do título
de mestre.
Orientadora: Profª.Drª.Leila Domingues
Machado. Apoio financeiro: CAPES.
Vitória
2006
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AGRADECIMENTOS
Como no início da construção desta pesquisa, não sei bem como começar.
Portanto, para não incorrer em esquecimentos, sou breve.
Agradeço de modo geral a todos aqueles que contribuíram com a troca de
conhecimentos e até mesmo de angústias.
Também agradeço a esta terra que me recebeu com muito carinho, à
Universidade Federal do Espírito Santo e ao Programa de Pós-Graduação em
Administração, que me concederam a oportunidade de ampliar conhecimentos,
aprender a ser docente e a fazer pesquisa.
Não poderia deixar de mencionar todos os professores e agradecer por seus
ensinamentos. Em especial, àqueles que sempre mantiveram uma postura mais
crítica em relação a nossa realidade.
Dentre as amizades que fiz nesta terra, agradeço pela maravilhosa
companhia dos leais amigos do mestrado: Helga, Jaqueline e Mateus.
Além disso, gostaria de deixar registrado um “obrigado” realmente especial
para aquela que me orientou. E como! Leila, você me mostrou outros modos de
perceber as questões do trabalho e da vida. Muito obrigado mesmo, do fundo do
coração.
Agradeço a minha querida família, em especial a meus pais e irmãs, que
mesmo distante, sempre compartilharam minhas dificuldades, mas também minhas
alegrias. Amo todos vocês!
E agora, agradeço aquele que conviveu bem de perto com minhas angústias,
e que sempre esteve disposto a ajudar e me fazer ver as coisas de uma maneira
mais otimista. Maurício, obrigado por sua paciência e amor.
“Enquanto os homens exercem seus podres
poderes, morrer de fome, de raiva e de sede,
são tantas vezes gestos naturais”.
Caetano Veloso
RESUMO
Este estudo aborda a interface subjetividade e competências no campo do trabalho.
A partir da investigação das condições de produção do discurso das competências e
da análise da produção de subjetividade relacionada a este discurso, buscou-se
ampliar a compreensão sobre o homem neste contexto. A investigação das
condições de produção abrange a investigação teórica sobre competências até a
caracterização do discurso. A análise dos processos de subjetivação engendrados
na produção do discurso ocorre a partir da categorização “a formação contínua” e “a
naturalização do discurso”. Este estudo tem caráter qualitativo. A abordagem
cartográfica é utilizada como referencial na postura adotada pela pesquisadora e a
análise de discurso é utilizada na investigação das condições de produção do
discurso das competências. A análise permitiu compreender que a interface
subjetividade e competências pode ser pensada como tendo seus limites definidos
de acordo com os próprios pontos levantados no estudo: as idéias vinculadas aos
enunciados, as conexões com algumas questões relevantes que acompanham o
discurso, as práticas e a própria produção de subjetividade.
Palavras-chave: competências, condições de produção do discurso, produção de
subjetividade.
ABSTRACT
This study points out the interface subjectivity and competences in the area of work.
Moreover, this study is in search of extending the comprehension about man in this
context based on the investigation into conditions of production of discourse
competences and on the analysis of production of subjectivity related to this
discourse. The investigation into conditions of production comprises the theoretical
investigation at competences by the characterization of discourse. The analysis of
subjectivation engendered in production of discourse occurs from the categories:
“continuous formation” and “naturalization discourse”. This study is qualitative. In the
adopted position by researcher was used the cartographic approach as a point of
reference and the discourse analysis is used in investigation into conditions of
production of discourse competences. Furthermore this analyze allows us to
understand that subjectivity interface and competences can have its limits defined
according to the topics arisen in this study such as: the ideas linked to enunciations,
the conexions to some pertinent points which follows the discourse, the practices and
the production of subjectivity itself.
Keywords: competences, conditions of production of discourse, production of
subjectivity.
LISTA DE SIGLAS
CINTERFOR – Centro Interamericano de Investigação e Documentação sobre
Formação Profissional, ligado à OIT, Organização Internacional do Trabalho
.
FMI – Fundo Monetário Internacional.
OCDE – Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico.
OIT – Organização Internacional do Trabalho.
OPEP – Organização dos Países Exportadores de Petróleo.
SENAC – Serviço Nacional do Comércio.
SENAI – Serviço Nacional da Indústria.
SUS – Sistema Único de Saúde
UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura.
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO ......................................................................................................2
1 INTRODUÇÃO.....................................................................................................4
1.1 PROBLEMA DE PESQUISA..................................................................................5
1.2 OBJETIVOS DE PESQUISA .................................................................................5
2 COMPETÊNCIAS: INVENTANDO AS PEÇAS DO DISCURSO.........................6
2.1 CONDIÇÕES SÓCIO-HISTÓRICAS DA PRODUÇÃO DO DISCURSO ...........................6
2.2 DIFERENTES OLHARES...................................................................................21
2.2.1 Tendência Condutista..........................................................................23
2.2.2 Tendência Construtivista .....................................................................24
2.2.3 Tendência Funcionalista......................................................................25
2.2.4 Tendência Baseada na Apropriação Socioeconômica.........................26
2.3 A QUESTÃO DAS COMPETÊNCIAS NO BRASIL ...................................................26
2.4 O TRABALHADOR E O MERCADO.....................................................................34
3 SUBJETIVIDADE: DO TRADICIONAL AO CONTEMPORÂNEO ....................41
3.1 CONCEPÇÃO TRADICIONAL DE SUBJETIVIDADE.................................................41
3.2 TRANSFORMAÇÕES NO MUNDO DO TRABALHO .................................................42
3.3 A PRODUÇÃO DE SUBJETIVIDADE....................................................................47
3.4 MODOS DE SUBJETIVAÇÃO E FORMAS-SUBJETIVIDADE .....................................50
3.5 ULTRAPASSANDO A NOÇÃO DE INDIVÍDUO........................................................53
4 ASPECTOS METODOLÓGICOS ......................................................................56
4.1 CARTOGRAFIA...............................................................................................57
4.2 ANÁLISE DO DISCURSO ..................................................................................58
5 ANÁLISE DA INTERFACE SUBJETIVIDADE E COMPETÊNCIAS:
MONTANDO O QUEBRA-CABEÇA
........................................................................60
5.1 PRINCIPAIS CONCEPÇÕES SOBRE COMPETÊNCIAS ...........................................60
5.2 PERCEBENDO AS COMPETÊNCIAS POR OUTRA VIA............................................66
5.3 O DISCURSO.................................................................................................70
5.3.1 Primeiro Enunciado..............................................................................71
5.3.2 Segundo Enunciado.............................................................................73
5.3.3 Terceiro Enunciado..............................................................................75
5.3.4 O Desempenho....................................................................................76
5.3.5 A Perfomance......................................................................................78
5.3.6 A Qualificação......................................................................................79
5.3.7 A Competitividade................................................................................81
5.4 ANÁLISE DA PRODUÇÃO DE SUBJETIVIDADE.....................................................82
5.4.1 A Formação Contínua..........................................................................82
5.4.2 A Naturalização do Discurso................................................................87
6 CONCLUSÃO....................................................................................................93
REFERÊNCIAS.........................................................................................................98
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA ..........................................................................101
2
APRESENTAÇÃO
No capítulo introdutório constam o problema investigado, a questão e os
objetivos da pesquisa, assim como a relevância desta.
No segundo capítulo consta a fundamentação teórica. Esta foi organizada em
dois capítulos: o primeiro tratando sobre competências e o segundo sobre
subjetividade.
No que trata sobre competências, foram caracterizadas as condições sócio-
históricas da produção do discurso sobre competências, as vertentes que tratam
deste tema, como ele é tratado em nosso país e a interação entre o trabalhador e o
mercado. Os principais autores utilizados foram Dutra, Le Boterf, Ruas e Zarifian.
Em seguida, no capítulo que trata sobre subjetividade, foram verificados os
estudos realizados na área, com o intuito de traçar um panorama que permita a
compreensão das transformações em seu significado, bem como a compreensão do
significado utilizado neste trabalho.
Para tanto, caracterizou-se a maneira tradicional de concepção da
subjetividade, as transformações no mundo do trabalho e a subjetividade como algo
produzido e consumido. Além disso, este capítulo permite visualizar a subjetividade
como sendo um processo, ao mesmo tempo que toma forma em certos momentos,
tornando-se mais estável. No último item consta um esclarecimento sobre a
subjetividade como não relacionada à interioridade ou individualidade. Dentre os
diversos autores, destaca-se: Deleuze, Guattari, Lefebvre, Lyotard, Machado, Rolnik
e Schwartz.
No terceiro capítulo foram esclarecidos os aspectos metodológicos da
investigação, na qual, foram utilizados como instrumentos, a cartografia e a análise
do discurso. Nos estudos organizacionais é comum que a metodologia siga certo
modo padronizado de apresentar a pesquisa. Apesar disso, esse arcabouço não
impediu certa flexibilidade na exposição das idéias, já que houve a tentativa de
construir uma leitura mais fluída.
Além disso, é preciso esclarecer o porquê de por vezes utilizar-se uma
maneira mais formal (indeterminação do sujeito) e por vezes utilizar-se a primeira
pessoa do plural (nós). A indeterminação é utilizada para questões que são
3
percebidas, verificadas ou pensadas pelas pessoas. E o “nós”, poderia ser
substituído por “eu”.
Entretanto, isso não é possível, não tanto pelo formato exigido pela academia
na área de estudos organizacionais, mas sim, pela postura da pesquisadora, pois,
ao argumentar, não é apenas a sua idéia e pensamento que estão sendo colocados
– existe aí a preciosa participação de muitos – o que torna inaceitável esta exclusão.
No quarto capítulo encontra-se a análise da interface subjetividade e
competências. Num primeiro momento, foram caracterizadas as principais
concepções sobre competências, depois, demonstrou-se outro modo possível de
perceber esse tema, no qual, as questões subjetivas passam a ser melhor
compreendidas e valorizadas. Em seguida, analisou-se o discurso das
competências, e por fim, a produção de subjetividade aliada a este discurso. Os
principais autores utilizados foram Deleuze, Foucault, Machado, Orlandi e Schwartz.
No quinto capítulo foram expostas as conclusões sobre a pesquisa e algumas
investigações futuras foram sinalizadas. Analisando a interface subjetividade e
competências, pretendeu-se ampliar o entendimento sobre o humano no campo do
trabalho.
4
1 INTRODUÇÃO
A exigência por resultados, passa, cada vez mais, pelo discurso e pela
concepção das competências. Questão um tanto disseminada, mas ainda não
compreendida de fato, em várias das organizações, por gestores que dizem a utilizar
ou pensam que a utilizam.
À medida que as leituras foram sendo realizadas, percebemos a necessidade
de compreensão das condições nas quais esse tema se formou.
Questões como as principais concepções teóricas sobre o assunto, o contexto
sócio-histórico, os diferentes olhares sobre o tema, assim como a interação entre o
mercado e o trabalhador, se fizeram necessárias para compor a fundamentação
teórica.
Entretanto, com estudos em abundância na área (a maioria vinculada a duas
vertentes: as escolas de linhagem francesa e anglo-saxônica), foi realizada uma
seleção a fim de não tornar demasiado extenso esse item, sendo utilizados os
referenciais mais disseminados sobre o assunto.
No que se refere à subjetividade, a investigação teórica foi se compondo aos
poucos, com um cuidado diferenciado, pois para tratá-la no campo da administração
é preciso ter sensibilidade para explicá-la, de modo que todos possam compreendê-
la.
Para analisar a interface proposta foi necessário o conhecimento de outros
referenciais teóricos: Procuramos apoio no referencial sobre cartografia, na medida
em que esta abordagem está relacionada com a maneira de se posicionar na
investigação e na análise. Isto é, nesta pesquisa a cartografia se fez necessária na
formulação da postura da pesquisadora no modo de perceber todo o processo no
qual estava envolvida. Além disso, foi preciso um embasamento teórico sobre
discurso, a fim de compreender as condições de produção do discurso sobre as
competências.
5
1.1 Problema de pesquisa
Com interesse aguçado sobre as questões que cercam e compõem a
produção sobre competências, certo incômodo acabou se configurando. Dentre
tantos autores e tantas leituras, por que o que é da ordem subjetiva não é
investigado? A partir disso, foi se formando um questionamento sobre como pode
ser pensada a interface subjetividade e competências.
A partir da identificação do problema, a investigação foi orientada pela
seguinte questão: Como pode ser pensada a interface subjetividade e competências
no campo do trabalho?
1.2 Objetivos de pesquisa
O objetivo geral de pesquisa é: Analisar a interface subjetividade e
competências no campo do trabalho.
Enquanto que os objetivos específicos são: Investigar as condições de
produção do discurso das competências no campo do trabalho e analisar a
produção de subjetividade relacionada ao discurso das competências.
O foco da maioria dos estudos e pesquisas, assim como das práticas
empresariais contemporâneas da gestão de pessoas (num discurso mais recente,
fala-se em gestão com pessoas) está dirigido para a dimensão mensurável, para as
questões visíveis no ambiente de trabalho. Isto, provavelmente, também contribuiu
para a disseminação de estudos sobre as chamadas competências, muitas vezes
compreendidas como relacionadas à questão da performance, da ação, ou seja, do
que é percebido como efetivamente realizado pelo trabalhador.
Contudo, o foco precisa ser amplo, indo além do que é somente observável
superficialmente. Deste modo, o interesse desta pesquisa engloba também o que é
intangível e imensurável.
Portanto, ao propormos a análise dessa interface, pretendemos uma visão
mais ampla acerca do humano no campo do trabalho, assim como embasamento
para a construção de outros modos de pensar essas questões na gestão
organizacional.
6
2 COMPETÊNCIAS: INVENTANDO AS PEÇAS DO DISCURSO
Como “para o cartógrafo a teoria é sempre cartografia, pois ela é construída
ao mesmo tempo em que este acompanha a formação de paisagens” (Rolnik, 1989,
p.66), este e o próximo capítulo (que trata da subjetividade) foram construídos e
reconstruídos, mesmo durante a etapa da análise, na medida em que a busca por
novas informações se fazia necessária.
É relevante explicar o porquê da proposta de inventar as peças do discurso.
Baseando-se nos estudos de Kastrup (1999), que por sua vez, baseou-se no
pensamento de Bergson, é possível perceber que ao inventar, se participa de um
processo no qual, questões são formuladas, problemas são colocados. Um processo
antagônico ao da mera criação, na qual somente responderíamos a problemas já
colocados.
Portanto, no momento em que esta pesquisa se propôs a pensar a interface
subjetividade e competências, foi preciso inventar, no sentido de construirmos
questionamentos até então não colocados, a partir dos dados sócio-históricos no
campo do trabalho.
2.1 Condições Sócio-Históricas da Produção do Discurso
Neste tópico serão verificadas as condições sócio-históricas da produção do
discurso das competências. Para tanto, as instituições
1
, os acontecimentos políticos,
as práticas e processos econômicos e culturais, que parecem estabelecer, em algum
momento, certo contato com esse discurso serão caracterizados.
DELEUZE (2005), comentando o trabalho de Foucault, argumenta que para
este, os enunciados
2
remetem a um meio institucional e exemplifica: a posição do
1
Neste trabalho o conceito de Instituição utilizado, em sua maioria, reporta-se ao significado de sua
manifestação concreta, ou seja, instituições do tipo econômico, educacional e político, e não a
Instituição Economia, Educação ou Política, que compõem um conjunto duradouro de idéias, de
fundamentos que regem uma sociedade.
2
O conceito de enunciado, dentro do aporte teórico do discurso foucaultiano está desenvolvido no
item 5.3 O Discurso.
7
escritor numa sociedade, ou então, a posição do médico no hospital, em
determinada época.
Por isso, foi preciso realizar uma análise sócio-histórica para compreender
melhor essas condições. Poderia ter-se iniciado a caracterização com alguma
publicação sobre o assunto, mas em que contexto sócio-histórico essa publicação
teria sido lançada?
Zarifian (2003) analisa as transformações nos modelos de organização do
trabalho. Num primeiro momento constrói a análise do modelo da profissão (com sua
origem nas corporações de ofício), em seguida do modelo do posto de trabalho
(cujas premissas vêm do início do século XVIII), que ainda faz parte da realidade de
milhões de trabalhadores, e finalmente, do modelo da competência. Este modelo se
tornará mais explícito, na França, na década de 80. Contudo, não parece ser nesse
país a ocorrência dos primeiros acontecimentos que convergem para a formação
desse tema.
A partir desse momento, e não presumindo o esgotamento sobre o assunto,
será realizada a descrição de alguns elementos que compõem essa formação. Logo
percebemos que a busca levaria a caminhos diferentes (Educação, Psicologia,
Sociologia) e a própria Administração, mas ao mesmo tempo, caminhos sempre
ligados pela questão do trabalho.
Baseando-se nos ensinamentos de Motta e Vasconcelos (2004), na
passagem do século XIX para o século XX, os Estados Unidos eram uma potência
industrial, a principal do mundo. A maioria das indústrias consideradas estratégicas,
como ferrovias, bancos e produção fabril, pertencia a poucas corporações.
Em 1903, Taylor, engenheiro, publicou o livro “Shop management”. Em 1911
ele publica o livro que serviria como manual para gestores em diversos países: “Os
princípios da administração científica”. Seus estudos eram voltados para a busca da
“melhor maneira”, para o estudo dos tempos e movimentos, para o estabelecimento
de padrões de produção e para a disseminação da idéia de que administradores e
engenheiros estabelecem padrões, enquanto os operários apenas os obedecem.
Indo para o fordismo, o ano de 1914 é considerado por Harvey (1992), como
a sua data simbólica, pois neste ano Henry Ford introduz o dia de oito horas com
remuneração de cinco dólares para os trabalhadores de uma linha automática de
montagem de carros. A produção em massa preconizada pelo fordismo significava
um consumo de massa, significava um novo sistema de reprodução da força de
8
trabalho, uma nova política de controle e gerência do trabalho – esses métodos são
inseparáveis de um modo específico de viver, pensar e sentir a vida. Ainda conforme
Harvey (1992, p. 122):
O propósito do dia de oito horas e cinco dólares só em parte era
obrigar o trabalhador a adquirir a disciplina necessária à operação do
sistema de linha de montagem de alta produtividade. Era também dar aos
trabalhadores renda e tempo de lazer suficientes para que consumissem os
produtos em massa que as corporações estavam por fabricar em
quantidades cada vez maiores.
Ford também publicou livros: “My life and work”, em 1928 e “My philosophy of
industry”, em 1929. Ainda assim, não houve uma disseminação do fordismo no
período entre-guerras. Conforme Harvey (1992), a mão-de-obra utilizada por Ford
em seu sistema de produção era praticamente composta por imigrantes. Enquanto
os imigrantes aprendiam, os americanos eram considerados hostis. Além disso, a
rotatividade da força de trabalho era alta.
Mas não apenas o fordismo encontrou resistências, o taylorismo também. Isto
ocorreu principalmente nos anos 20, o que dificultou, em parte, a implantação de
suas técnicas nas indústrias, apesar do fluxo contínuo de mão-de-obra imigrante,
assim como da capacidade de mobilização de exércitos de reserva oriundos do
campo.
Em outros lugares, a organização do trabalho e as tradições artesanais ainda
eram muito fortes, enquanto a imigração era fraca, de modo que o fordismo e o
taylorismo, mesmo com os princípios da administração científica, aceitos e
aplicados, se defrontavam com alguma resistência. Nesse sentido, o livro de Fayol,
mostrou-se muito mais influente na Europa do que os de Taylor.
Em 1916, Henry Fayol, francês, engenheiro, publica seu livro “Administração
geral e industrial”. Enquanto Taylor enfoca seus esforços em pensar a linha de
produção, Fayol enfocava os princípios para um boa administração, com a definição
de tarefas para gerentes e executivos (planejar, organizar, comandar, controlar e
coordenar). Ele era um administrador de cúpula.
Conforme Lefebvre (1991), o reino da eletricidade, da luz elétrica, da
sinalização elétrica, dos objetos movidos e comandados eletricamente começa por
volta de 1910, trazendo, além de inovações industriais, a transformação do
cotidiano.
9
Notemos que entre os anos de 1914 e 1918 ocorria a primeira guerra mundial,
um período de expansão do capitalismo. Desde o final do século XIX a indústria
norte-americana se encontrava em franco crescimento. Sua produção destacou-se
em vários setores, dentre eles a indústria bélica. Além disso, o potencial de consumo
interno havia crescido devido à elevação do nível de emprego.
Com o fim da Primeira Guerra Mundial, a economia norte-americana sofreu
uma retração devido a uma diminuição da indústria vinculada à própria guerra. A
partir de 1922, a França e a Inglaterra começaram seu processo de recuperação.
Com a recuperação do setor produtivo dos países europeus, a produção norte-
americana entrou em declínio, inclusive com a redução das exportações de
alimentos. Os grandes proprietários de terras não conseguiam saldar as dívidas
realizadas no momento de abundância, o que os levou, em massa, à falência. Crise
no campo, crise na cidade. A mecanização da indústria gerava desemprego.
Nesse contexto, muitos empresários passaram a vender suas ações a fim de
levantarem recursos. Ocorre que milhares de pessoas passaram a tentar vender
ações, mas não encontravam compradores. Os preços despencaram, os industriais
foram à falência e o desemprego aumentou vertiginosamente.
A crise da bolsa de 1929 nos Estados Unidos, de acordo com Motta e
Vasconcelos (2004), ocorre no momento em que as idéias iniciais da Escola de
Relações Humanas passam a ser divulgadas. Com a crise, certezas foram abaladas
e soluções passaram a ser buscadas. A partir daí, administradores e empresários
focam sua atenção no aumento da produtividade e na redução dos custos.
Ainda conforme esses autores, essa Escola do pensamento administrativo –
também preocupada com a produtividade – coloca na motivação a grande
possibilidade de levar o trabalhador a esforçar-se em atingir os objetivos
organizacionais. Para tanto, o trabalhador deveria participar das decisões
relacionadas à tarefa que fosse executar. Mas, a amplitude dessa participação
deveria variar de acordo com a situação e com padrão de liderança adotado.
Elton Mayo, seu representante emblemático, analisou a organização informal
(relações de poder, relações afetivas, envolvimento no grupo) e sua influência na
produtividade e no funcionamento da estrutura formal, aplicando o conhecimento
oriundo das ciências comportamentais à prática administrativa. Contudo, ainda é
uma concepção estreita acerca do humano, pois este continuava percebido como
10
um ser passível, previsível e controlável por meio de estímulos (estímulos
financeiros, psicossociais e relações entre grupos informais).
Ao mesmo tempo, conforme Harvey (1992), a tecnologia da linha de
montagem para a produção em massa tinha um fraco desenvolvimento na Europa
antes da metade dos anos 30. A indústria de automóveis européia, em geral, ainda
era uma indústria artesanal. Portanto, o fordismo foi implantado, de fato, na Europa e
no Japão depois de 1940, após o período entre guerras (1919-1939), seja por meio
de políticas impostas na ocupação, ou mesmo, como no caso da França, por meio
dos sindicatos, que liderados pelos comunistas, percebiam o fordismo como o único
modo de garantir autonomia econômica diante dos Estados Unidos.
Franklin Bobbit, engenheiro e professor de administração, lança um dos
primeiros estudos sobre currículo escolar em 1918: o livro “The curriculum”. Nesta
época, com a influência dos princípios tayloristas e fordistas de organização do
trabalho, ocorre a tentativa de transferir os objetivos de eficiência das fábricas para
as escolas. Enquanto que, Tyler em 1949 lança o livro “Princípios Básicos de
Currículo e Ensino”, traduzido para o espanhol apenas nos anos 70. Apesar da
defasagem no tempo, esse trabalho causou impacto nos países latinos. Nesse
sentido, a concepção curricular pode ser vista como uma parte da teoria educativa
que responde às necessidades geradas pela industrialização (BARRIGA, 2003).
No ponto em que chegamos, é preciso também tentar compreender outros
movimentos, desta vez, no campo das ciências, de um modo em geral. O que tem
influência nas maneiras de perceber a própria sociedade e as questões que nela se
configuram.
Nesse sentido, de acordo com Lyotard (1986), a sociedade contemporânea
pode ser representada por dois modelos: um no qual, a sociedade forma um todo
funcional, ou então, outro em que a sociedade dividi-se em duas partes.
O primeiro modelo estaria vinculado à Talcott Parsons e sua escola
funcionalista, enquanto o segundo estaria vinculado à corrente marxista, na qual a
luta de classes e a dialética são admitidas como princípios atuantes na unidade
social. Para esse autor, essa espécie de clivagem provém do século XIX e determina
duas grandes espécies de discursos sobre a sociedade.
Convém ater-se ao modelo funcionalista, pois este, de fato, é o modelo
predominante vinculado ao capitalismo, assim como é o modelo dominante no que
se refere aos estudos organizacionais.
11
Motta e Vasconcelos (2004) explicam que a Segunda Guerra Mundial mostrou
como os países eram mutuamente dependentes e como estes constituíam partes
diferenciadas de um sistema maior, de modo que uma modificação em uma das
partes refletia-se nas demais.
Com isso, o sistema global, ou seja, a totalidade de países era composta por
partes diferenciadas, mas interdependentes e, de certo modo, integradas por
políticas econômicas, regras, leis, instituições, pelo comércio e por fenômenos
sociais de influência mútua. Essas idéias ecoaram nas ciências.
A partir disso, os ramos do conhecimento, estranhos uns aos outros devido à
especialização extrema, começaram a buscar suas bases comuns. Era como se os
diversos ramos constituíssem parte de um sistema maior e pudessem ser explicados
a partir de regras gerais aplicáveis a todos.
Alguns cientistas, dentre eles, Ludwig Von Bertalanffy, enfocam sua atenção
no desenvolvimento de uma teoria geral dos sistemas. Esse contexto é influenciado
pela perspectiva funcionalista, ainda predominante na Sociologia contemporânea.
Bertalanffy divulgou o conceito de sistema aberto em diversas disciplinas (Física,
Biologia, Ciências Sociais). Em 1950 publicou “The theory of open systems in
physics and byology”, na revista Science e em 1956, publicou o livro “General
systems theory”, que influenciaram autores de diversas áreas, inclusive da teoria
organizacional.
A leitura dos pressupostos básicos de sua teoria geral dos sistemas permitiu
destacar, dentre outros:
Há uma tendência para a integração nas várias ciências naturais e sociais;
A teoria geral dos sistemas pode ser um meio importante de objetivar os
campos do conhecimento científico, especialmente nas Ciências Sociais;
A unidade da ciência pode levar a uma integração muito necessária na
educação científica.
Mas, e a perspectiva funcionalista? Qual sua conexão com a Teoria Geral dos
Sistemas? Ocorre que, segundo Motta e Vasconcelos (2004), o funcionalismo de
Parsons influenciou a Teoria Geral dos Sistemas. Na verdade, o funcionalismo
atingiu o mais alto nível de desenvolvimento na Sociologia, por meio dos trabalhos
de Parsons. Entretanto, ressalta-se que essas concepções foram buscadas na
Antropologia que, por sua vez, as buscou na Biologia.
12
Para Parsons o sistema social e os sistemas organizacionais têm quatro funções
que garantem a sua sobrevivência. Vejamos por meio da ótica organizacional:
Função adaptação: refere-se à busca de recursos pela organização, que
procura no meio ambiente os recursos indispensáveis ao seu funcionamento;
Função gerar e atingir objetivos: refere-se à racionalidade instrumental, isto é,
à adaptação dos meios aos fins. A organização fixa objetivos e os explicita.
Organiza um sistema burocrático composto de regras com base na divisão do
trabalho e na autoridade racional-legal. Este sistema é criado para organizar a
cooperação entre atores sociais com o intuito de atingir os objetivos
explicitados.
Função integração: sejam estruturas formais (departamentos, por exemplo),
ou indivíduos e grupos, que podem evitar a comunicação e troca de
informações, o sistema organizacional precisa desenvolver políticas de
integração para a busca de um mínimo de coerência nas práticas, o que
garantiria o alcance dos objetivos gerais.
Função latência: dentro de uma organização existem valores predominantes,
assim como formas comportamentais, que podem ser vistas como positivas
ou negativas. Enquanto certos comportamentos são reprimidos, formal ou
informalmente, outros são estimulados e até recompensados. Essa função
garantiria a transmissão e preservação dos valores que embasam os
interesses organizacionais.
De fato, Parsons argumentava que um sistema social não pode existir sem
consenso sobre valores e, por implicação, sobre as normas que lhe dão respaldo.
Nas palavras de Motta e Vasconcelos (2004, p. 177): “O funcionalismo reforça
a ordem e não analisa o conflito”. E mesmo décadas após a Segunda Guerra
Mundial, seu pensamento exerceu influência sobre a sociologia americana. Dentre
as suas várias obras, destaca-se: “The structure of social action”, de 1937 e “The
social system”, de 1951, no qual compara a sociedade a um sistema auto-regulável.
Conforme Lyotard (1986), o princípio de sistema corresponde a uma
estabilização das economias em crescimento (período pós-guerra) e das sociedades
de abundância (welfare state – estado de bem-estar social), no qual ocorre uma
otimização da relação entre os input e output (entradas e saídas), ou seja, de seu
desempenho.
13
Parsons apud Lyotard (1986, p.21-22), afirma que: “Um processo ou um
conjunto de condições ou bem contribui para a manutenção (ou para o
desenvolvimento) do sistema, ou bem é disfuncional prejudicando assim a
integridade e a eficácia do sistema”.
Dessa forma, podemos pensar que se um trabalhador não contribui para a
manutenção ou mesmo para o desenvolvimento de uma organização, ele pode ser
considerado como prejudicial a este sistema, o que levaria ao seu desligamento.
De acordo com estudos do CINTERFOR, em 1959, alguns anos após o
lançamento da Sputnik, a Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos,
pressionada pelo governo, convocou seus cientistas, psicólogos e educadores para
participarem de uma conferência para discutir como melhorar o ensino das ciências
nas escolas primárias e secundárias. A escola foi considerada como o ponto de
partida, visto que a tecnologia é resultante de um movimento que pode levar anos
para reunir uma massa de conhecimentos para o seu desenvolvimento.
Esta conferência foi financiada pela própria Força Aérea e pela Rand
Corporation
3
. Dentre os trabalhos divulgados nesse evento, Skinner, da
Universidade de Harvard, apresentou seus estudos na área educacional. A partir
dessa conferência, muitos trabalhos acadêmicos passaram a desenvolver teorias
referentes à aprendizagem e ao desenvolvimento curricular.
Skinner lançou um livro em 1953, chamado “Ciência e Comportamento
Humano”, considerado um manual para a psicologia comportamentalista.
A leitura dos estudos divulgados pelo CINTERFOR permite verificar que,
nesta época, diversas indústrias passaram a adotar os métodos comportamentais de
Skinner em seus programas de formação. Além disso, esses métodos foram
implementados no âmbito da administração científica, especialmente no que tange a
elaboração de manuais de procedimento para o uso de máquinas, assim como as
prescrições de comportamento no posto de trabalho.
Benjamin Bloom iniciou a construção, em 1948, de um instrumento de
avaliação, que seria publicado anos mais tarde. Esse pedagogo, com estudos
baseados na obra de Skinner, definiu os objetivos educacionais como a formulação
explícita dos métodos que visam transformar o comportamento dos alunos (RAMOS,
3
Nesta época esta organização era enfocada na questão da segurança nacional.
14
2001). Em 1956 publica sua obra: “Taxonomy of educational objetcives”, que passa
a ser referência na pedagogia por objetivos.
Em 1968, também publica o artigo “Aprendizagem para o Domínio”, no qual
declara que 90% a 95% dos alunos teriam possibilidade de aprender tudo o que lhes
fosse ensinado, desde que lhes fossem oferecidas condições adequadas para tal.
Seus trabalhos mostraram que todos os estudantes poderiam dominar de maneira
satisfatória as matérias, além da possibilidade de diminuição gradual das diferenças
individuais em relação ao programa de ensino proposto.
Para Ramos (2001), o Behaviorismo de Skinner, que defendia a análise
experimental do comportamento, influenciou muitos psicólogos americanos. Em
1977 Mager, que assim como Bloom, também foi influenciado por Skinner, lançou o
livro “Comment définir les objectifs pédagogiques”. Contudo, ele tenta afastar-se do
behaviorismo, preferindo a noção de performance ou desempenho à de
comportamento. Para Mager um objetivo pedagógico está vinculado ao desempenho
esperado, assim como às condições nas quais deve acontecer.
Conforme relatório da UNESCO (2000), o trabalho de Bloom foi usado em
vários países na preparação de materiais para avaliação, visando a
operacionalização de objetivos educacionais. A taxionomia não era um mero
esquema de classificação, mas um esforço de hierarquização dos processos
cognitivos. As categorias serviam como base para a formulação dos meios de
avaliação, fornecendo as bases para a formulação dos objetivos. Dessa forma, o
ensino foi direcionado para as tarefas que conduziriam progressivamente à
realização dos objetivos.
Entretanto, seu livro somente é traduzido para a língua francesa no ano de
1969. Nesse sentido, a pedagogia por objetivos ingressa nesse país por meio da
formação profissional, com a proliferação de publicações a respeito desse assunto
(ROPÉ; TANGUY, 2001).
Neste momento surge a necessidade de definir qual o significado de formação
utilizado neste trabalho. Para isso, fazermos certa distinção entre o que é formação
permanente e o que é formação contínua, mas sem adentrar a discussão sobre as
diferenças e aproximações entre educação e formação.
Contudo, a investigação teórica permitiu verificar que a palavra formação, no
que se refere ao material publicado sobre competências, está sendo muito mais
utilizada do que a palavra educação. Será porque a formação estaria relacionada à
15
constituição de mentalidades, à constituição de convicções? Essa questão merece
ser desenvolvida em trabalhos futuros.
Retomando, ambas expressões, “formação permanente” e “formação
contínua”, estas são encontradas como sinônimos no material sobre competência, e
diga-se de passagem, em quase todo material sobre administração de empresas
(educação continuada, educação contínua, educação permanente, além da
aprendizagem organizacional, que passaria pela esfera individual, num primeiro
momento).
Entretanto, segundo Heckert (2004a), enquanto os princípios da formação
permanente conjugam autonomia e invenção, implicando na construção de
estratégias de mudança nos processos formativos e de gestão do trabalho,
emergindo de questões detectadas no cotidiano de trabalho, a formação contínua ou
continuada, se baseia em processos fragmentados e desvinculados da realidade
cotidiana.
Além disso, também é necessário salientar que enquanto na aprendizagem
inventiva o trabalhador formula questionamentos em relação às formas de
funcionamento da empresa, na aprendizagem do tipo criativa, o trabalhador apenas
responde, apenas cria soluções aos problemas colocados pela própria empresa
(KASTRUP, 1999, p. 34). Ou seja, poderíamos pensar que na formação permanente,
caracterizada pela aprendizagem inventiva, o trabalhador realiza um movimento que
leva ao que Kastrup denomina “invenção de problemas”.
Mas, retomando a influência de Bloom, conforme relatório da UNESCO
(2000), dentre outras atividades, ele trabalhou na criação da International
Association for the Evaluation of Educational Achievement e trabalhou no
Departamento de Educação da Universidade de Chicago. Em 1971, organizou o
Seminário Internacional Avançado de Treinamento e Desenvolvimento de Currículo,
na Suécia. Dessa forma seu trabalho era divulgado para interessados de outros
países, o que contribuía para a disseminação dessas idéias.
De acordo com Ropé e Tanguy (2001), nos anos 60, na França, a questão da
formação ganha relevância, deslocando-se da escola para a empresa, que por sua
vez, torna-se lugar e agente de formação e não só de produção de bens ou serviços
materiais e culturais. O estudo dessas autoras indica que a adoção do termo
competência nas empresas francesas, se dá posteriormente ao seu uso no campo
das ciências cognitivas e da educação.
16
Além disso, para Zarifian (2003), a pedagogia por objetivos, de origem norte-
americana, passou a influenciar a França no final desta década. Entretanto, a
palavra competência, propriamente dita, permaneceu ausente do vocabulário.
É importante ressaltar que a ausência da palavra competência ocorre
somente no que diz respeito ao significado atribuído à ela na atualidade. Pois
conforme estudo realizado sobre a ocorrência e significado do termo, no periódico
L’orientation scolaire et profissionelle, por Isambert Jamarti
4
, esta palavra já estava
presente em artigos da área das ciências sociais e da psicologia, entre os anos de
1972 e 1975. O significado, na maioria das ocorrências neste período, girava em
torno da qualificação e da competência como sinônimos.
Conforme os resultados dessa pesquisa, à palavra competência são
atribuídos significados que vão desde o deslocamento da qualificação para
capacidades e competências, passando por capacidades e habilidades, até noções
mais precisas. Como em um artigo de 1973, no qual uma psicóloga faz referência a
“pessoas que já se tornaram capazes de fazer uma comparação entre diferentes
projetos de ação e seus respectivos resultados”, chamando atenção para o fato
dessas pessoas dominarem certo nível de competência, no que se refere à
aprendizagem.
Em outro artigo do periódico em questão, desta vez focado em
psicolingüística genética, surge a oposição entre competência e performance, no
qual a competência é percebida como o conhecimento possuído pelo locutor,
enquanto a performance corresponde ao emprego efetivo dessa língua em situações
concretas.
Enquanto isso, após longa negociação de um acordo no setor de metalurgia francês,
no final de 1974, ficaram firmados alguns critérios de classificação referente ao
trabalho. Critérios como responsabilidade, autonomia e exigência de formação.
Nessa época, conforme Zarifian (2003), várias empresas neste país, não adotam, de
fato, a gestão por competências, entretanto passam a professá-la. A partir disso,
pouco a pouco, ocorre a disseminação de seu uso nas empresas, o que leva à
banalização da palavra e então, quase qualquer coisa pode ser chamada de gestão
por competências.
4
A este respeito ver Saberes e competências: o uso de tais noções na escola e na empresa, de Ropé
e Tanguy (2001).
17
Para Zarifian (2003) foi em meados da década de 80 que as noções que
compõem a gestão das competências acabam por ganhar forma mais explícita na
França. Questões como autonomia, iniciativa, tomada de decisão em determinada
situação, ajudam a compor o seu panorama teórico. Durante o início dos anos 90
não houve progresso significativo ao tema, contudo após a metade desta década, as
competências voltam à tona com nova dimensão: a competitividade está relacionada
ao desenvolvimento e à mobilização das competências, e não às tecnologias, às
estruturas organizacionais ou níveis de salários.
De acordo com Ropé e Tanguy (2001), sobretudo após a década de 80, mas
com indícios no final da década de 70, numerosas avaliações foram aplicadas nas
escolas francesas. Essas avaliações, impulsionadas por organizações
internacionais, como a OCDE
5
, além da comparação da eficácia entre os sistemas
educativos, também mediam o impacto das reformas dos programas.
Em 1994, Le Boterf publica o livro “De la compétence: essai sur um attracteur
étrange” e em 1999 “Compétence et navigation profissionnelle”, ambos com grande
repercussão entre os acadêmicos brasileiros. Talvez ainda com mais influência entre
os brasileiros sejam os trabalhados de Zarifian, lançados também na mesma
década, dentre os quais destaca-se:”Le travail et l’événement”, em 1995, “Objectif
compétence”, em 1999 e traduzido para a língua portuguesa em 2001, e “ Le modele
de la compétence: trajectoire historique, enjeux actuels et propositions”, em 2002,
traduzido para nossa língua em 2003.
Detalhe: a apresentação à edição brasileira de 2001 do livro de Zarifian foi
realizada por Maria Tereza Leme Fleury e Afonso Fleury, vinculados à área da
administração, enquanto que a apresentação à edição brasileira de 2003 do outro
livro de Zarifian, foi realizada pelo presidente em exercício na época, da Câmara de
Educação Básica do Conselho Nacional de Educação, sendo editado pela Editora do
SENAC.
Novamente vemos a questão da competência passando por diversas áreas
do conhecimento, assim como por organizações mais vinculadas aos interesses do
mercado.
5
Esta organização sucedeu à Organização Européia de Cooperação Econômica, que foi criada para
administrar a ajuda dos Estados Unidos e do Canadá, ao processo de reconstrução européia após a
Segunda Guerra Mundial. Ela visa contribuir para o desenvolvimento e industrialização dos países
membros.
18
Além disso, percebe-se que entre a publicação do original em língua
estrangeira e sua tradução e lançamento no Brasil, o espaço de tempo (como em
outras tantas questões) está mais estreito do que há alguns anos.
Mas, prosseguindo com os acontecimentos considerados relevantes na
formação e propagação das concepções sobre competências, é interessante lembrar
que, no Brasil, em 1942, ocorre a criação do SENAI e em 1946, do SENAC.
Nesta época, o acordo de Bretton Woods, firmado em 1944, transformou o
dólar na moeda-reserva mundial, vinculando o desenvolvimento econômico do
mundo à política fiscal e monetária norte-americana. O período após a Segunda
Guerra Mundial (1945-1973) foi caracterizado pela expansão de uma série de
indústrias, expansão esta, acompanhada pelo fordismo do pós-guerra: automóveis,
navios, aço, produtos petroquímicos, borracha, eletrodomésticos e construção
levavam a um crescimento econômico. Enquanto as corporações norte-americanas
procuravam mercados externos: bancos, seguros, aeroportos e turismo se
colocavam como atividades para investimento (HARVEY, 1992).
A UNESCO é criada em 1945, em plena guerra fria. É um órgão internacional,
com ligação à política norte-americana para os países do chamado terceiro mundo e
aos financiamentos do Banco Mundial para seus projetos (HECKERT, 2004a).
Na década de 60 ocorreu um movimento chamado educação baseada em
competências, fundamentado em alguns princípios, dentre os quais destacamos: o
indivíduo é orientado pelas metas a atingir; o processo de aprendizagem é mais fácil
quando o indivíduo sabe exatamente o que é esperado dele; o conhecimento preciso
dos resultados facilita a aprendizagem. Em 1962, conforme Ropé e Tanguy (2001),
Miller, psicólogo militar, estudioso da área industrial e especialista na análise de
tarefas, recomenda o uso da psicologia por objetivos no campo da aprendizagem.
Nesta mesma década, dois economistas que mais tarde receberiam o prêmio
Nobel (Theodore Schultz e Gary Becker), desenvolveram a teoria do Capital
Humano. Na concepção desses autores, o progresso de um país é estimulado pelo
investimento nas pessoas, ou seja, nos estudantes e trabalhadores.
A década em questão também é marcada pelo movimento de multinacionais
em direção à manufatura no estrangeiro, uma forte industrialização competitiva em
ambientes novos, nos quais o contrato de trabalho era pouco respeitado, ou por
vezes, inexistia. A competição internacional foi intensificada na medida em que a
19
Europa Ocidental e o Japão, seguidos por países recém-industrializados, passaram
a abalar a hegemonia fordista dos Estados Unidos (HARVEY,1992).
Além disso, no final desta década e no início dos anos 70, o baixo
desempenho da indústria automobilística norte-americana começa a preocupar o
governo deste país. As indústrias japonesas, ao contrário, estavam conquistando os
mercados ocidentais com produtos cada vez mais baratos e com mais qualidade.
David McClelland, em 1973 publica seu clássico trabalho sobre competências:
o artigo “Testing for competence rather than intelligence”, no qual argumentou que
os tradicionais exames de ensino não garantiam o desempenho no trabalho, nem o
êxito na vida. Contudo, este autor já havia lançado outro livro no final dos anos 50
Talent e Society” (1958), com a participação de mais três autores.
No mesmo ano da publicação de seu artigo, a OPEP
6
decide aumentar os
preços do petróleo, assim como a comunidade árabe decide embargar as
exportações deste produto para o Ocidente durante a guerra árabe-israelense, na
qual os Estados Unidos vendem armamentos e prestam auxílio financeiro a Israel.
Em 1975, a OIT formulou um projeto, no qual, o objetivo era o conhecimento
de metodologias de medição e certificação das qualificações adquiridas pelos
trabalhadores, por cursos de formação sistemática, pela experiência no trabalho ou
mesmo pela combinação de ambas. No projeto, competência era definida como a
capacidade real para alcançar um objetivo ou resultado em um dado contexto. A
competência era relacionada à pessoa que poderia ocupar o posto, enquanto
qualificação era relacionada ao posto de trabalho.
Aqui talvez seja interessante utilizar o exemplo ilustrativo de Zarifian (2003),
no qual ele compara a qualificação à caixa de ferramentas que o trabalhador possui,
enquanto a competência estaria relacionada à maneira como ele utiliza essas
ferramentas.
E aproveitando a contribuição de Barros (1997) sobre a qualificação da força
de trabalho, é importante compreendermos que a qualificação não é um processo
meramente técnico, mas um processo social. A qualificação é um processo que
consiste, principalmente, na preparação de uma mão-de-obra disciplinada e
submissa.
6
Esta organização foi criada em 1960.
20
Ainda na década de 70, conforme Harvey (1992), ocorrem mudanças de
caráter tecnológico, há uma busca pela automação, uma busca por novas linhas de
produto e nichos de mercado, ocorre uma dispersão geográfica para zonas de
controle mais fácil do trabalho e diversas fusões.
Nesse sentido, as décadas de 70, 80 e 90 foram um conturbado período de
reestruturação econômica e de reajustamento social e político. Há um confronto
direto com o fordismo: flexibilidade dos processos de trabalho, dos mercados de
trabalho, dos produtos e padrões de consumo, surgem novos mercados, novos
setores de produção, novas maneiras de fornecimento de serviços financeiros e a
compressão do espaço-tempo, na qual a tomada de decisões (privada e pública) se
estreitam.
No que se refere ao trabalho, com essas mudanças, os empregadores
passam a exercer mais pressões no controle do trabalho. Os níveis de desemprego
são relativamente altos, a busca por uma rápida destruição e reconstrução de
habilidades, ganhos modestos de salários e retrocessos no poder dos sindicatos.
Em meio a um aumento da competição, os empregadores, frente ao
enfraquecimento dos sindicatos e do excedente de mão-de-obra, passam a impor
regimes de trabalho mais flexíveis – o grupo de trabalhadores em tempo integral,
com maior segurança no emprego, boas perspectivas de promoção e de reciclagem
diminui, devendo atender à expectativa de ser adaptável, flexível e, quando preciso,
ter disponibilidade para uma mobilização geográfica.
E as publicações que tratam das competências não cessam. No que se refere
ao Brasil, tem-se vários autores, em diversas áreas, discutindo a questão das
competências. Por isso, destacamos alguns daqueles que compõem o panorama
teórico dos estudos organizacionais.
Em 2000, Fleury e Fleury publicam o livro “Estratégias empresariais e
formação de competências: um quebra-cabeça caleidoscópio da indústria brasileira”
e em 2001, o artigo “Construindo o conceito de competência”, na Revista de
Administração Contemporânea. Em 2001, Dutra publica o livro “Gestão por
competências” e em 2004 o livro “Competências: conceitos e instrumentos para a
gestão de pessoas na empresa moderna”. E em 2005, Ruas, Boff e Antonello
publicam o livro “Os novos horizontes da gestão: aprendizagem organizacional e
competências”.
21
Em 1982, Boyatsis lança o livro The competent manager”, no qual define
competência profissional como uma característica subjacente das pessoas e que as
conduzem a uma performance superior (YEUNG, 1996). Neste mesmo ano, o FMI e
o Banco Mundial foram designados como autoridade central para o exercício do
poder coletivo das nações-estado capitalistas sobre as negociações financeiras
internacionais (HARVEY, 1992).
Hamel e Prahalad publicam, em 1990, o artigo “The core competence of the
corporation” na Harvard Business Review, no qual, lançam o conceito de
competência essencial relacionando-o a um conjunto de habilidades e tecnologias
que proporcionam um diferencial para a competitividade organizacional.
Na medida em que a informação e a capacidade de tomar decisões
rápidas num ambiente deveras incerto, efêmero e competitivo se tornaram
cruciais para os lucros, a corporação bem organizada tem evidentes
vantagens competitivas sobre os pequenos negócios. [...] as informações
precisas e atualizadas são agora uma mercadoria muito valorizada. O
acesso à informação, bem como o seu controle, aliados a uma forte
capacidade de análise instantânea de dados, tornaram-se essenciais à
coordenação centralizada de interesses corporativos descentralizados.
(HARVEY, 1992, p.150-151)
E em 1993, Spencer e Spencer lançam o livro “Competence at work: models
for superior performance” – também considerado um clássico nos estudos sobre
competências.
2.2 Diferentes Olhares
É relevante frisar que a maioria dos estudos sobre competências encontram-
se em duas grandes vertentes: a escola de linhagem francesa e a escola anglo-
saxônica, lembrando que os estudos realizados no Canadá, são considerados da
escola francesa, provavelmente devido à produção científica da região de Quebec,
de mesma colonização.
22
Além disso, pode-se inferir que na academia, de uma forma em geral, os
autores da escola francesa seriam mais utilizados, enquanto que na prática
organizacional, os da escola anglo-saxônica.
A escola francesa, ao definir competência, enfatiza a vinculação entre
trabalho e educação. Além disso, considera as competências como resultado da
educação sistemática, valorizando o modo pelo qual as escolas enriquecem o
repertório de habilidades dos alunos. Enquanto que a escola anglo-saxônica define
competência tomando como referência o mercado de trabalho, enfatizando aspectos
relacionados ao desempenho requerido pelas organizações e privilegiando
comportamentos observáveis, uma vez que tem raízes comportamentalistas
(BARATO, apud VIEIRA; LUZ, 2005).
A escola anglo-saxônica, de caráter bem mais pragmático, é extremamente
enfocada na questão da performance, assim como na dimensão organizacional das
competências.
Conforme Dutra (2004), para alguns autores, a maioria de origem norte-
americana, com trabalhos desenvolvidos nas décadas de 70, 80 e 90 (principais
expoentes são McClelland, Boyatsis e Spencer e Spencer) competência é um
conjunto de qualificações que permite ao trabalhador uma performance superior
numa situação.
Entretanto, a noção de competência não deve ser confundida com a de
desempenho, que é a quantificação da performance. A competência pode ser
caracterizada como uma maneira de atingir o desempenho esperado, mas não se
confunde com ele (RUAS, 2005). Barato também trabalha com essa questão. O
autor coloca que competência é uma capacidade do indivíduo enquanto o
desempenho é utilizado para avaliar a competência. E complementa que as
competências seriam saberes que compreendem um conhecimento tal que seria
capaz de produzir determinados desempenhos.
O processo bem sucedido é sempre tido como o imediato e não como uma
história de produção, que precisa de tempo para ganhar consistência.
Na dimensão organizacional tem-se a competência essencial, um conjunto de
habilidades e tecnologias que proporcionam um diferencial para a competitividade
organizacional. E para ser identificada é necessário verificar se ela oferece acesso
potencial a uma ampla variedade de mercados, se ela contribui de maneira
significativa para os benefícios percebidos pelos clientes do produto final, e, por
23
último, se ela seria dificilmente imitada pela concorrência (HAMEL; PRAHALAD,
1990).
Além disso, estes autores acreditam que toda empresa precisa de uma
arquitetura estratégica. Essa arquitetura permite definir o que é preciso ser realizado
agora em relação ao futuro, sendo um vínculo entre o curto e o longo prazo,
definindo as competências que precisam, desde agora, serem desenvolvidas.
“[...] o que precisamos fazer hoje, em termos de aquisição de competências,
para nos prepararmos para capturar uma fatia significativa do faturamento
futuro em uma arena de oportunidades emergente.” (HAMEL; PRAHALAD,
1995, p.127)
Além dos diferentes olhares das duas escolas clássicas, dentre os trabalhos
de diversos autores, percebemos quatro tendências quanto à maneira de perceber
como o tema das competências emergiu.
Tomando por base os estudos de Ramos (2001) e Steffen (2005), e tendo em
vista que Ramos é da área de educação, enquanto Steffen desenvolve atividades na
OIT, foi elaborada a caracterização de quatro tendências nos modos de perceber a
questão das competências:
2.2.1 Tendência Condutista
Teve início nos Estados Unidos e identificava os atributos fundamentais que
permitem aos indivíduos alcançar um desempenho superior. Nesta tendência, a
noção de competência se confunde com a de objetivos em pedagogia. Seus
princípios psicológicos são os da teoria behaviorista ou comportamental, típica da
década de 60.
No ensino, era preciso expressar claramente os objetivos em termos de
condutas e práticas observáveis, enquanto que no trabalho, eram identificadas as
características das pessoas que atingiam o desempenho almejado, fundamentando-
se nas capacidades profissionais dos trabalhadores de mais alto rendimento. Essa
concepção estava fundada nos objetivos operacionais de formação e de produção,
24
proporcionada por uma cultura psicológica dominada pelos estudos
comportamentais de Skinner, apropriados na pedagogia por Bloom e Mager.
Segundo Ramos e Steffen, alguns dos principais problemas desse modo é a
redução dos comportamentos humanos as suas aparências observáveis, a redução
da natureza do conhecimento ao próprio comportamento e a consideração da
atividade humana como uma justaposição de comportamentos elementares, na qual
o processo de aquisição seria cumulativo.
Dessa forma, surgiram os métodos de análise ocupacional que eram
utilizados para a elaboração de currículos da formação profissional. Esses padrões
estavam baseados no pré-estabelecimento de objetivos, na seleção e
direcionamento das situações de ensino e na avaliação precisa da aprendizagem.
Em outras palavras, a educação é dirigida pelas necessidades econômicas da
produção capitalista.
2.2.2 Tendência Construtivista
Foi desenvolvida na França e é centrada na pessoa que aprende ou que vai
desenvolvendo suas potencialidades até ser um indivíduo competente. Nesta
tendência, inicialmente, a noção de competência também se confunde com a de
objetivos em pedagogia, ocorrendo, depois, uma diferenciação dos objetivos.
Existe uma distinção entre a perspectiva adotada na América e na Europa
sobre os objetivos, considerando-se que os pedagogos europeus teriam sido muito
mais influenciados por Rousseau e por uma psicologia mais centrada na pessoa, do
que por uma psicologia condutista. Daí a superação da tendência condutista, pois a
construtivista constrói a competência não somente a partir da função do mercado,
mas sim conferindo certa importância à pessoa, aos seus objetivos, interesses e
possibilidades.
Ao contrário da tendência condutista, que estabelece como padrão o
trabalhador de mais alto rendimento, a construtivista se desenvolve a partir da
população menos competente que, submetida a um processo de aprendizagem, vai
melhorando suas competências profissionais. As normas são construídas a partir
dos resultados da aprendizagem. As disfunções existentes em uma determinada
25
empresa ou área ocupacional são analisadas e a solução mais adequada é
buscada, na tentativa de solucionar essas disfunções, mediante um processo de
motivação e desenvolvimento das pessoas que ali trabalham.
Apoiado nos estudos Maglaive, Ramos defende a idéia de que os saberes em
uso incluem o saber teórico e o saber prático. Sendo o saber teórico, quando
investido na ação, desdobrado em saber técnico (define o que se deve fazer) e em
saber metodológico (como se deve fazer). O saber prático seria o conhecimento
gerado da ação, expresso mais em atos do que em palavras. Relaciona-se com os
primeiros, mas não se reduz a eles, podendo ser de ordem tácita.
Infelizmente, percebemos que a noção de competência tem sido utilizada quase que
exclusivamente associada à ação, portanto, restrita à inteligência prática e
relacionada ao comportamento e desempenho, ou seja, restrita aos resultados
observáveis.
2.2.3 Tendência Funcionalista
Foi desenvolvida na Inglaterra e partiu da chamada análise funcional. Este
tipo de análise descreve a função, composta de elementos de competência, com
critérios de avaliação, os quais indicam os níveis de desempenho requeridos. É
fundamentada na construção de bases mínimas para a definição de perfis
ocupacionais, que servem de apoio para a definição de programas de formação e
avaliação para a certificação de competências.
Nesta tendência são analisadas as diferentes relações que existem nas
empresas entre resultados e habilidades, conhecimentos e atitudes dos
trabalhadores, num processo de comparação.
A teoria da análise funcional tem sua base na escola funcionalista em
Sociologia e foi aplicada no sistema de competência profissional neste país.
Pretendia a revisão e adequação dos sistemas de educação e formação profissional,
partindo da identificação do objetivo ou objetivos organizacionais, ou ainda dos
objetivos de cada área organizacional.
26
2.2.4 Tendência Baseada na Apropriação Socioeconômica
Nesta tendência, a noção de competência é considerada relativamente nova
e ligada às transformações sociais e econômicas da atualidade, relacionando a
questão das competências principalmente ao contexto do trabalho (transformações
produtivas ocorridas a partir da década de 80). Essa tendência se baseia nas
políticas de formação e capacitação de trabalhadores, o que poderia explicar a
ênfase que a noção de competência coloca nos resultados e nas ações.
Numa análise mais ampla, podemos pensar que uma tendência não excluiria
a outra, mas seriam complementares, em diferentes momentos e dispersas
geograficamente.
Após verificar essas tendências, lembramos que, após o período das grandes
guerras, as atividades educativas institucionalizadas organizaram-se de modo a
transmitir valores culturais hegemônicos e conhecimentos e técnicas profissionais.
Nos anos 80, por sua vez, as mudanças na organização do trabalho e no contexto
da produção, passam a exigir dos trabalhadores participação, colaboração e
autonomia.
2.3 A Questão das Competências no Brasil
Um dos pilares da visão do desenvolvimento humano na gestão de pessoas,
na visão de Dutra (2002, p. 16), vem do aprimoramento do conceito de
competências. Para esse autor, as pressões do contexto externo e interno, nas
empresas brasileiras, geraram a necessidade de refletir sobre a gestão de pessoas,
o que levou ao deslocamento do foco no controle das pessoas para o foco em seu
desenvolvimento:
O desenvolvimento da organização está diretamente relacionado a
sua capacidade em desenvolver pessoas e ser desenvolvida por pessoas,
originando dessa premissa uma série de reflexões teóricas e conceituais
acerca da aprendizagem da organização e das pessoas e como elas estão
inter-relacionadas.
27
Cabe observar, que neste trabalho, esse desenvolvimento é pensado como
podendo ser uma forma de controle
7
.
Contudo, é necessário verificar como se processaram as relações de trabalho
e a gestão de pessoas em nosso país. Dutra (2004) apresenta esse processo
organizado em cinco fases. De modo em geral, até 1930, a atividade industrial era
incipiente, resultado do esgotamento do modelo exportador cafeeiro.
Nas pequenas empresas a gestão era de caráter mais informal, não havendo
estruturas hierárquicas rígidas, nem um distanciamento relevante em termos de
qualificação, entre o empregador e os trabalhadores. Enquanto isso, no setor têxtil,
com um grau de mecanização e número de trabalhadores maior, ocorria uma
imposição coercitiva da disciplina, por meio de diversos escalões hierárquicos, a
uma mão-de-obra com baixa qualificação, composta por homens, mulheres e
crianças (FLEURY e FISCHER, apud DUTRA, 2002).
Nesse momento, já havia pessoas em abundância para o mercado de
trabalho, e ainda assim, a gestão de pessoas não era estruturada, não havendo
legislação alguma que amparasse o trabalhador.
Entre os anos de 1930 e 1945, ocorre a formatação de um corpo de leis
trabalhistas, de sindicatos de trabalhadores e empresas, em meio ao fortalecimento
da indústria no país. É o início da gestão burocrática e legalista de pessoas, gestão
que perdura até hoje em várias empresas, nas quais existe apenas o cumprimento
das exigências de caráter legal.
Entre 1945 e 1964, com a intensificação dos investimentos na indústria, a
instalação de empresas multinacionais é estimulada. Elas trazem práticas
estruturadas de gestão de pessoas que acabaram sendo disseminadas para várias
empresas brasileiras. É o início de uma gestão de pessoas mais profissionalizada,
porém, embasada no referencial taylorista.
Após 1964, ocorre a intervenção estatal na economia, fato que marca os
próximos 30 anos. Nos anos 70, o país vive um período de grande expansão
econômica, no qual a gestão de caráter taylorista e fordista se prolifera e consolida.
O desenvolvimento econômico trouxe maior preocupação com os quadros de
trabalhadores e com a capacidade de atração e retenção desses quadros.
7
Maiores esclarecimentos no item O Trabalhador e o Mercado.
28
Em relação ao Brasil, Fartes (2000) enfatiza que o ensino profissionalizante
era visto, no começo do século XIX, como obra de caridade, dirigida aos “desvalidos
da sorte
8
.” De acordo com a autora, o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial,
ao ser criado no ano de 1942, rompe com essa idéia, passando a orientar a
formação profissional segundo as necessidades do mercado de trabalho.
Heckert (2004a) verifica que as políticas educacionais dos anos 60 e 70
estavam demarcadas, dentre outras teorias, pela Teoria do Capital Humano, assim
como pelas reformas educacionais que modificaram a organização e o
funcionamento da universidade, do 1º e 2º graus e dos cursos supletivos. Ao mesmo
tempo, na década de 70, há no país uma efervescência das teorias críticas que
indagavam sobre o lugar da escola na sociedade capitalista.
Essas teorias destacavam os mecanismos sutis de discriminação e
reprodução das desigualdades sociais na escola, realçando o caráter político e
histórico das práticas educacionais, numa contraposição clara ao caráter neutro e
equalizador do sistema escolar.
Para Frigotto apud Heckert (2004a), a formulação da Teoria do Capital
Humano ocorre num contexto composto pela reestruturação do imperialismo
capitalista tendo como principal protagonista os Estados Unidos. Nesse sentido, a
educação, por meio do desenvolvimento de habilidades e atitudes e da transmissão
de conhecimentos, geraria a capacidade de trabalho, sendo um diferencial que
explicaria e justificaria as diferenças sociais e individuais, atuando na produtividade
dos trabalhadores e do país.
Ao estabelecer uma relação do tipo linear entre investimento em recursos
humanos, desenvolvimento econômico e aumento da capacidade de renda, essa
teoria vincula o desempenho escolar e as condições de vida à inaptidão, à
incapacidade e à falta de esforços. A idéia de produtividade na escola foi aliada à
organização racional do sistema de ensino e às atividades pedagógicas por meio de
planejamento técnico. A otimização e racionalização do investimento passam a ser
os indicadores para a mensuração do desempenho.
As propostas educacionais valorizavam a promoção social do trabalhador
pela via da qualificação profissional e as práticas de integração escola e empresa
surgiam como necessidade de qualificar recursos humanos para atender às
8
Grifo da autora.
29
demandas do mercado de trabalho. A qualificação formal passou a ser enfatizada,
enquanto as empresas recrutavam trabalhadores diplomados, valorizando os
atestados de conclusão de curso, o que levou as instituições de ensino a adequarem
suas atividades às demandas no âmbito profissional (FARTES, 2000).
Com isso, a elaboração de currículos foi guiada pelas análises ocupacionais,
a partir do levantamento pormenorizado das questões: o que se faz, como se faz,
com que e onde se faz? Dessa forma, os objetivos educacionais eram considerados
atingidos quando o aluno passava a dominar o fazer de uma determinada profissão,
ou seja, quando este se encontrava capaz de reproduzir um trabalho prescrito com a
máxima exatidão.
O acesso ao conhecimento científico e técnico sempre teve
importância na luta competitiva, mas, [...] num mundo de rápidas mudanças
[...] o conhecimento da última técnica, do mais novo produto, da mais
recente descoberta científica, implica a possibilidade de alcançar uma
importante vantagem competitiva. O próprio saber se torna mercadoria-
chave, a ser produzida e vendida a quem pagar mais [...]. (HARVEY, 1992,
p. 151)
Na década de 80, com o estímulo às exportações, as empresas passam a
ajustar seus modelos de gestão com vistas ao mercado externo. Contudo, será
apenas com abertura, de fato, da economia, nos anos 90, que a pressão por maior
competitividade atingirá as empresas de modo mais intenso.
Ao mesmo tempo, de acordo com Heckert (2004a), as reformas educacionais
apostavam num discurso sobre a necessidade de criar uma escola que ensinasse ao
aluno a aprender a aprender, desenvolvendo várias habilidades, que poderiam ser
utilizadas em seu cotidiano ou acionadas no mercado de trabalho. Ocorre aí uma
contraposição entre a escola tradicional, com a idéia de acúmulo de informações, a
uma nova idéia, na qual a escola, ajustada ao processo de globalização, deveria
ensinar a aprender.
De acordo com a autora, aprender a aprender pode permitir processos de
aprendizagem
9
, mas também pode ser reduzido a uma operação de caráter
instrumental enfocada na aquisição de um saber voltado para as soluções utilitárias.
9
Nesse sentido, ver KASTRUP (1999). A invenção de si e do mundo: uma introdução do tempo e do
coletivo no estudo da cognição, no qual o significado de aprender a aprender possui outra dimensão
ética.
30
Sendo assim, aprender a aprender seria apenas uma arma a mais para enfrentar a
competição no mercado de trabalho.
No âmbito da gestão por competências, o trabalhador torna-se responsável
pela sua permanência na empresa e no próprio mercado de trabalho, desde que
consiga manter-se sempre atualizado e competente (VIEIRA; LUZ, 2005).
A partir dessa afirmação, podemos pensar que o aprender a aprender remete
à idéia de uma constante atualização. Além disso, nos estudos organizacionais, no
que tange a gestão de pessoas, a questão da aprendizagem está envolvida pela
aprendizagem organizacional, assim como pela aprendizagem individual:
A criação de uma cultura de aprendizagem nas organizações é
fundamental para dar respostas a um ambiente exigente, complexo e
dinâmico. [...] As culturas centradas no comprometimento mútuo, entre
pessoas e organização, na gestão participativa e na busca da renovação
contínua terão mais chances de sucesso por estarem alinhadas com os
valores que vêm sendo consolidados em nossa sociedade. (DUTRA, 2002,
p. 20)
É de se pensar sobre quais seriam os valores que estão sendo consolidados,
atualmente em nossa sociedade, bem como é de se pensar sobre a renovação
contínua estar alinhada com esses valores.
Em nosso país, conforme Manfredi (1998), a noção de competência, apesar
de já ser conhecida no âmbito das ciências humanas desde os anos 70, passa a ser
incorporada nos discursos dos empresários, dos técnicos dos órgãos públicos que
lidam com o trabalho e por alguns cientistas sociais, como se fosse uma decorrência
natural do processo de transformação do trabalho.
A autora argumenta que a partir dos anos 70, ampliam-se as pesquisas e os
estudos no campo de avaliação e planejamento educacional, surge a necessidade
de uma abordagem mais científica e abrangente, envolvendo a avaliação dos
currículos, programas e projetos educacionais. A maioria destes estudos
desenvolveu-se nos Estados Unidos, tomando por referencial, modelos estatísticos
de avaliação de desempenho escolar, profissional e avaliação de currículos.
No Brasil, esses estudos apoiaram-se na literatura americana, que seguiam a
obra de Bloom, traduzida e divulgada por aqui, no início dos anos 70. Com isso, sua
obra, completada por mais dois outros volumes referentes aos domínios psicomotor
31
e afetivo, foi referência para a maioria das pesquisas de avaliação educacional no
país.
Com o avanço da industrialização, foi se configurando a exigência por um
novo tipo de trabalhador. Isto é, um trabalhador que estivesse adaptado às novas
exigências das empresas.
Tornou-se necessário conferir aos trabalhadores, além da disciplina, o
domínio de um ofício, um saber menos especializado, mas suficiente para lhes
garantir certa mobilidade externa (entre indústrias) e interna. Desse modo, as teorias
econômicas aproximaram a educação da lógica de mercado, levando a toda
população trabalhadora a necessidade de aprender algumas questões básicas,
como ler, escrever e realizar operações matemáticas, formando uma mão-de-obra
para a produção. Ao mesmo tempo, a educação de caráter geral, clássico e
científico destinava-se à formação das elites dirigentes (RAMOS apud VIEIRA; LUZ,
2005).
Contudo, não podemos pensar que foi uma simples migração da escola para
a empresa. Tampouco o contrário. Mas é possível pensar que ocorreu o aumento do
campo de influência do pensamento voltado para a produtividade e para a lógica do
mercado. Tomando a concepção de Deleuze (1992b), a educação será cada vez
menos um meio distinto do meio profissional. O autor acredita que ambos estão
convergindo para o que chamou de “formação permanente”, na qual o controle
exercido sobre o operário-aluno e o executivo-universitário é contínuo.
Isto é, está disseminado na forma de senso comum que é preciso permanecer
em contínuo desenvolvimento por meio de cursos, participação em seminários,
treinamentos, obtenção de diplomas. Além disso, é preciso desenvolver
competências, de preferência aquelas que as empresas proclamam como
necessárias ao seu bom desempenho.
No entanto, muitas vezes, esses cursos não estão voltados realmente para as
necessidades e interesses dos trabalhadores, e as empresas acabam fingindo
qualificar somente para quantificar padrões de atuação e estar inserida na lógica do
mercado.
O capitalismo, ao engendrar formas específicas de relações de produção,
bem como de organização do processo produtivo, cria e veicula modos de vida e
comportamentos, que incidem nas condutas, nas ações, nos pensamentos, nos
sentidos, nas percepções e na memória. Daí a necessidade de criar um determinado
32
tipo de ser humano. Um se ajuste à dinâmica da produção. Para isso, o processo
educativo transcende à mera transmissão de conteúdos, indo até a formação de
seres humanos considerados adequados às funções sociais capitalistas (BARROS,
1997).
Nos anos noventa, uma nova dimensão para se pensar as competências,
ganhou notoriedade entre estudiosos e empresários. Foi principalmente devido aos
autores Hamel e Prahalad (1990; 1995) que a questão estratégica das competências
foi disseminada. O foco do estudo destes autores são as competências essenciais,
que se encontram na dimensão organizacional.
Esta década foi caracterizada pelo crescimento da concorrência entre
mercados, levando a um cenário de competitividade cada vez mais acirrada. Nesse
sentido, Ruas (2005) faz a caracterização de qualificação e competência de acordo
com essas mudanças.
Qualificação Competência
Relativa estabilidade da atividade econômica Baixa previsibilidade de negócios e atividades
Lógica predominante: indústria (padronização) Lógica predominante: serviços (eventos)
Emprego formal e forte base sindical Relações de trabalho informais e crise dos
sindicatos
Organização do trabalho com base em cargos
definidos e tarefas prescritas e programadas
Organização do trabalho com base em metas,
responsabilidades e multifuncionalidade
Foco no processo Foco nos resultados
Baixa aprendizagem Alta aprendizagem
Quadro 1: As Noções de Qualificação e Competência Caracterizadas Conforme seus
Contextos
Fonte: Adaptado de Ruas, 2005
Enquanto autores como Vieira e Luz (2005) percebem um deslocamento
conceitual da noção de qualificação para a de competência, Manfredi (1998),
argumenta que as expressões qualificação e competência, parecem ter matrizes
distintas. A noção de qualificação estaria associada à Sociologia, enquanto a noção
de competência estaria historicamente associada aos conceitos de capacidades e
habilidades, que são construtos da psicologia, educação e lingüística.
Baseando-se em documento de 1999 do Ministério do Trabalho, referente à
certificação de competências profissionais, assim como em documento de 2004 do
33
Ministério da Educação, referente às políticas públicas para educação profissional e
tecnológica, é possível verificar como as competências são tratadas pelo governo
em nosso país nos últimos anos.
No documento do Ministério do Trabalho, existe o argumento de que a
certificação responderia a necessidades contemporâneas dos sistemas de produção.
A certificação é vista como instrumento potencialmente importante para valorizar a
capacitação no país (BRASIL, 1999).
A expressão educação profissional foi introduzida formalmente em nosso
país, por meio de lei em 1996: “A educação profissional, integrada às diferentes
formas de educação, ao trabalho, à ciência e à tecnologia, conduz ao permanente
desenvolvimento de aptidões para a vida produtiva” (Lei nº 9.394/96, Cap. III, Art.
39). Conforme documento do Ministério da Educação, a partir daí, passou-se a
compreender a educação de maneira reducionista, negando seu sentido mais amplo
e interpretando suas atividades somente como formação profissional.
Além disso, a reforma dos ensinos médio e profissional tinha como objetivo
principal a melhoria da oferta educacional e sua adequação às novas demandas
econômicas e sociais da sociedade globalizada, portadora de novos padrões de
produtividade e competitividade. Visava à modernização do ensino médio e do
ensino profissional, de maneira que acompanhassem o avanço tecnológico e
atendessem às demandas do mercado de trabalho (flexibilidade, qualidade e
produtividade) (BRASIL, 2004).
Nessa concepção, o ensino médio teria uma única trajetória, articular conhecimentos
e competências para a cidadania e para o trabalho sem ser profissionalizante.
Enquanto a educação profissional, de caráter complementar, conduziria a
uma formação permanente e se destinaria a alunos e egressos do ensino
fundamental, médio e superior, bem como ao trabalhador em geral, jovem e adulto,
independentemente da escolaridade alcançada.
Neste documento, também é realizada uma reflexão sobre a certificação de
competências no Brasil e em outros países da América Latina. Esse processo é
compreendido como sendo algo recente, introduzido por empresários e governo,
estimulados pelos organismos internacionais.
Além disso, o discurso da competência é percebido como incorporado por
agências de formação diretamente ligadas aos setores produtivos (SENAI, SENAC)
e também como veiculado em documentos governamentais que passam a orientar
34
as reformas de ensino do Ministério da Educação e programas do Ministério do
Trabalho e Emprego.
Por fim, dentre várias propostas governamentais, destacam-se duas. A
primeira é analisar criticamente o uso generalizado do modelo da competência na
educação, que, no entendimento do Ministério da Educação, introduz um viés na
compreensão do significado da educação e da certificação profissional e de
conhecimentos.
A segunda é desenvolver a certificação profissional reconhecendo que mais
da metade dos trabalhadores estão na informalidade e que a situação de baixa
escolaridade média é uma realidade indiscutível.
Na concepção do Ministério da Educação, o termo competência designa
qualidade de quem é capaz de aprender, julgar ou resolver certo problema, ter
capacidade para fazer algo, ter habilidade, aptidão, idoneidade. E neste documento,
fica bastante clara a posição quanto ao uso inicial do termo, pois coloca que
competência não é oriunda da área de educação, mas dos negócios, do mundo
empresarial e está inserida no contexto da crise do modelo taylorista e fordista, da
mundialização da economia, aumento da competição nos mercados, exigência de
maior qualidade dos produtos, redução de custos e flexibilização da produção e dos
vínculos do trabalho.
Nesta pesquisa, dentre as diversas visões caracterizadas, concorda-se com o
deslocamento conceitual de qualificação para competências, pois apesar destes
termos parecerem ter matrizes distintas, acredita-se que a sociologia, a lingüística, a
educação e a psicologia não são disciplinas incomunicáveis e não influenciáveis
entre si. Acredita-se que, com o passar do tempo, ocorreram interações, e, por
conseguinte, modificações nos sentidos até então utilizados.
2.4 O Trabalhador e o Mercado
Apesar do entendimento acerca do tema ainda ser um tanto nebuloso para a
maioria dos gestores, há uma crescente busca pelo desenvolvimento de
competências individuais, grupais e organizacionais. É como se ao admitir que lida
com competências, a empresa passasse automaticamente a responder de modo
35
mais rápido às demandas do mercado ou como se seus trabalhadores tivessem que
possuir capacidades especiais.
Somando a isso, os fenômenos da globalização, de acordo com Luz (2001)
têm influenciado na exigência feita aos trabalhadores para terem a mesma postura
competitiva do mercado. Exigência que passaria pelo discurso das competências, no
qual a gestão de competências está relacionada à lógica da competitividade. Este é
o discurso que os gestores passam para os trabalhadores, numa composição das
várias interpretações e dos diferentes meios de propagação, sejam eles o meio
corporativo, nacional ou internacional.
A autora supõe que o discurso da competitividade esteja sendo levado para o nível
das relações interpessoais, e que, valores e práticas que compõem esse discurso,
estejam sendo repassados às nações, organizações e aos indivíduos.
Neste caso, existe uma contradição, pois se a autora fala em composição de
bricolagens das várias interpretações, significa que esse repasse não é tão top-down
assim. Pode-se pensar que os gestores e os próprios trabalhadores têm uma
compreensão diferenciada de acordo com a sua realidade organizacional, e que, de
alguma forma, não são meros receptores do discurso e de seus valores e práticas.
Por que esse tema está tão disseminado e é incorporado tão facilmente à
realidade organizacional? De acordo com Ruas (2005), um dos motivos seria a
confusão entre qualificação e competência.
Ocorre que ao se tomar contato com termos novos, com significados
complexos, e ainda, próximos a outros já conhecidos, tem-se aí terreno fértil para a
confusão, para a apropriação de significados diversos. Outro motivo para a
disseminação do tema, podem ser as exigências de mercado (produtividade,
qualidade, agilidade, flexibilidade) que acabam por refletir diretamente nas
exigências ao trabalhador, traduzidas na exigência pela competência.
No entendimento de Manfredi (1998) a noção de competência tem sido
considerada como uma alternativa a de qualificação, tendo sido atualizada pelas
equipes de recursos humanos das grandes empresas, principalmente no nível
gerencial, para construir novos critérios de acesso e permanência no emprego, seu
reconhecimento e sua institucionalização.
Com isso, o discurso dos empresários brasileiros e das agências
internacionais de educação, ao não ressaltarem a complexidade do trabalho
(atividade humana, social e cultural), reduzem a competência ao âmbito das
36
aptidões e habilidades vinculadas às exigências do mercado e de caráter individual e
privado.
Sendo assim, a autora citada entende a noção de competência como uma
noção marcada política e ideologicamente, formada a partir de uma corrente de
caráter descritivo-experimental que trata as habilidades e competências humanas
desvinculadas das dimensões de tempo e espaço socioculturais. Nesse sentido, o
chamado modelo da competência teria que ser encarado numa perspectiva que vai
muito além da construção social de seus significados, percebendo-o como parte de
uma estratégia de recomposição das relações entre capital e trabalho.
Tanto no ambiente acadêmico, quanto no organizacional, o discurso que está
impregnado é o de que atividades com situações cada vez mais imprevisíveis,
exigem do trabalhador uma postura cada vez mais capacitada para lidar com o novo,
com o inesperado. Pois, conforme Ruas (2005, p.52) “[...] a capacidade de lidar com
a particularidade de cada situação ou evento tem se tornado mais e mais relevante
para o sucesso no mundo dos negócios”.
Para esse autor, quanto mais customizados são os produtos e serviços, mais
diversas tenderão a ser as situações e os problemas que se apresentam na sua
concepção e produção, tornando a previsão de situações mais difícil.
Aqui existe uma justificativa do porquê das competências estarem tão em
voga na atualidade e do porquê dos trabalhadores terem que aprender
constantemente a lidar com o imprevisto e o novo. O trabalhador, de algum modo,
passa a ter que encontrar uma forma de atingir o resultado, muitas vezes,
extrapolando a prescrição de suas tarefas. Essa capacidade de lidar com a
particularidade de cada situação passa a ser fundamental para o trabalhador dito
competente.
Outra questão fundamental é a crescente responsabilização por parte dos
trabalhadores, na medida em que está disseminada a noção de que o controle
passa a dar espaço a uma maior mobilização e responsabilização. O que remete à
idéia de autonomia. Entretanto, conforme Zarifian (2003), a questão central da
autonomia é a própria tomada de iniciativa, pois um trabalhador pode estar em
situação de grande autonomia, pode estabelecer suas próprias regras de ação, e
mesmo assim, revelar-se incompetente em sua atuação.
Portanto, a autonomia é fundamental, mas para haver autonomia é
necessária a decisão do trabalhador pelo mobilizar-se, pelo agir. Além disso, o
37
trabalhador precisa ter a noção de quais conseqüências serão geradas a partir de
sua ação. O autor explica que iniciativa vem de iniciar, isto é, começar alguma coisa,
e que agir vem do latim agere, colocar algo em movimento, deslanchar um processo.
A iniciativa está relacionada aos efeitos que pode vir a provocar, é determinar um
começo em uma área de indefinição. Ele explora a questão da responsabilidade
como um responder por, um responder pela iniciativa tomada.
Com esses aspectos percebemos o quanto a questão da responsabilização,
antes centralizada em uma chefia, está diluída entre os trabalhadores. Num olhar
otimista, o trabalhador passa a ter mais autonomia, logo, mais liberdade para
iniciativa. Num olhar realista, o trabalhador passa a ter que aprender a tomar
iniciativa, desse modo, ampliando sua autonomia e aumentando a responsabilização
pelo resultado de sua atividade.
Acredita-se que seria ingênuo não pensar que a responsabilização pode ser
uma forma de controle ainda mais perversa do que as formas já conhecidas nas
organizações. E também mais promotora de paralisação do que de ação, pois se
errar é considerado algo tão ruim, em algumas situações, talvez seja melhor não
inovar para não arriscar-se.
Ao tratar dos efeitos perversos que devem ser evitados na gestão de
pessoas, Dutra (2004), trata da desarticulação conceitual, na qual o discurso é
considerado moderno e, no entanto, a prática é retrógrada. Isso poderia ser aplicado
à gestão por competências, pois um “mau uso do conceito” leva ao aumento da
pressão sobre os trabalhadores.
Além da desarticulação conceitual, outros efeitos perversos tratados pelo
autor, seriam a exploração do trabalhador (mais comprometimento, dedicação e
produtividade sem uma justa contrapartida), a desarticulação com as pessoas (um
modelo de gestão alinhado aos objetivos estratégicos organizacionais, mas não
alinhado às expectativas e objetivos dos trabalhadores).
O processo de globalização da economia, as inovações tecnológicas, as
novas formas de organização do trabalho e os modernos meios de comunicação
responsáveis pela criação do espaço virtual, exigem dos trabalhadores, além das
capacidades específicas requeridas por uma ocupação, níveis cada vez mais altos
de formação, capacidade de trabalho em equipe e de comunicação num ambiente
em contínua mudança.
38
Dentre as exigências do mercado de trabalho com implicações no sistema de
educação profissional, Steffen (2005) destaca o uso de métodos de ensino que
estimulem o desenvolvimento de três capacidades básicas: a inovação para a
mudança, a adaptação à mudança e a aprendizagem (contínua e sistemática para
desenvolver capacidades de inovação e adaptação).
Dutra (2004) coloca como uma das principais transformações observadas,
nos anos 90 e início do século XXI, na forma de gerir pessoas, é o deslocamento do
controle para o desenvolvimento.
Relembrando a concepção de Deleuze (1992b), concordamos que a
educação será cada vez menos um meio distinto do meio profissional. O autor
acredita que ambos estão convergindo para o que chamou de “formação
permanente”, na qual o controle exercido sobre o operário-aluno e o executivo-
universitário é contínuo.
Conforme Heckert, a noção de empregabilidade acompanha a de formação
contínua, na medida em que o acesso ou mesmo a manutenção do emprego, diz
respeito à iniciativa de instaurar um processo contínuo de formação. A autora ainda
chama atenção para o fato de que a concepção de formação permanente, assim
como a concepção de aprender a aprender (incentivadas nas reformas educacionais
na América Latina) são vinculadas às formulações da UNESCO.
Nesse sentido, ao tratar da agregação do valor do indivíduo a uma
organização, Dutra (2002), afirma que esta agregação está vinculada a uma entrega
que permanece mesmo quando o trabalhador sai da organização. Ou seja, podemos
pensar em um desenvolvimento tanto de caráter individual, quanto institucional
10
.
Além disso, ao tratar da educação permanente, nosso Ministério da Saúde,
explicita a integração entre indivíduo e instituição, na qual ambos desenvolvem-se.
Em sua concepção, a atualização técnico-científica seria apenas um dos aspectos
da transformação das práticas e não seu foco central. A formação e o
desenvolvimento englobariam aspectos de produção de subjetividade, de
habilidades técnicas e de conhecimento da própria instituição, que neste caso
específico, seria o SUS.
Cabe ressaltar, que Deleuze, apesar de usar a expressão “formação
permanente” estava, provavelmente se referindo à formação contínua, pois critica a
10
A este respeito ver BRASIL (2003), Política de educação e desenvolvimento para o SUS.
39
idéia de que se precisa estar sempre aprendendo, algo que parece produzir uma
“incompetência”, um sentimento de que nunca se está pronto.
Ao tratar do ensino e sua legitimação pelo desempenho, Lyotard (1986),
afirma que, sob a perspectiva da teoria dos sistemas, o ensino transforma-se num
sub-sistema do sistema social. Tratando especificamente do ensino superior, o autor
argumenta que este deverá formar as competências indispensáveis ao sistema
social. Essas competências poderiam ser formar dois grupos: aquelas destinadas à
competição mundial, variando conforme as especialidades que as nações ou as
instituições de formação podem vender no mercado e aquelas competências
necessárias ao próprio sistema, com a finalidade de manter sua coesão interna.
Ainda conforme Lyotard (1986, p. 90), o incentivo pela busca de promoção
profissional objetiva a melhoria da performance do sistema. Sendo assim:
[...] a universidade começa [...] a desempenhar um novo papel no quadro da
melhoria das performances do sistema, o da reciclagem permanente. [...] o
saber não é e não será mais transmitido em bloco e de uma vez por todas a
jovens antes de sua entrada na vida ativa; ele é e será transmitido à la carte
a adultos já ativos ou esperando sê-lo, em vista da melhoria de sua
competência e de sua promoção, mas também em vista da aquisição de
informações, de linguagens e de jogos de linguagem que lhes permitam
alargar o horizonte de sua vida profissional
Trabalho e educação são esferas que estão cada vez mais em processo de
intercessão. Apesar deste trabalho ter como enfoque a interface subjetividade e
competências no campo do trabalho, seria impossível não mencionar, por vezes, o
da educação.
Enquanto o campo educacional se expande para além dos limites da escola,
levando a um sistema de formação contínua, a busca por competências, levado a
cabo pelos próprios indivíduos, o trabalho já não estaria mais circunscrito a um
espaço (fábrica, escritório), e, ao ampliar seus limites, toma todo o tempo de vida do
trabalhador (HECKERT, 2004b).
Na concepção de Barros (1997), a formação, enquanto instituição, precisa ser
avaliada em suas várias conexões, como a transmissão de informações, o encontro
de diferentes histórias de vida, nas quais há uma busca incessante pela construção
de outros territórios, pois a escola, como as demais instituições da sociedade
40
capitalista, tende a negar a história dos indivíduos, esquadrinhando-os e
normatizando-os.
Acredita-se, no entanto, que além dessas questões, é necessário
compreender melhor o humano em atividade de trabalho, a maneira como se engaja,
se posiciona e toma decisões.
41
3 SUBJETIVIDADE: DO TRADICIONAL AO CONTEMPORÂNEO
3.1 Concepção Tradicional de Subjetividade
Não existe um consenso entre as diversas concepções e interpretações que a
questão da subjetividade assume. É relevante frisar que neste estudo, percebe-se a
dimensão subjetiva não como uma esfera privada, uma interioridade – concepção
mais aceita e utilizada em administração – e sim como algo produzido coletivamente
e em constante mutação.
Desde a antiguidade a noção de subjetividade vem passando por
transformações e adquirindo novos significados. No decorrer do tempo, essas
transformações foram e são acompanhadas pela transformação da própria
subjetividade. É necessário, pois, compreender que ela não é imutável, mas, ao
contrário, é sempre passível de encontrar-se num processo de modificações.
Vergara (2004) expõe que a noção de interioridade conferiu significado ao
termo subjetividade na idade antiga, e na atualidade, essa noção tem um caráter
conservador e relacionado ao íntimo e ao individualismo. Conforme a autora, O
filósofo Sêneca, ainda na Antiguidade, ao formular a noção de consciência como
sendo um juiz interior, já acenava para uma questão intrínseca ao humano. Na
Idade Média, com Santo Agostinho, a idéia de subjetividade acaba por ser
relacionada mais estreitamente com a noção de interioridade, concepção esta,
muito utilizada atualmente.
Ao definir subjetividade, relacionando-a ao campo da gestão de pessoas,
Vergara expõe sobre a existência de um espaço interior, uma experiência
vivenciada, individual, particular e intransferível. Um espaço, que de acordo com sua
visão, agrega a razão, a intuição, o sentimento e o afeto.
Em outro trabalho, desta vez em parceria, enfatiza a compreensão de que o
ser humano tem o espaço interior percebido como completamente seu, mas que
esse espaço relaciona-se com o exterior, é historicamente construído e tem
influência direta nas decisões, provocando transformações no entorno (DAVEL;
VERGARA, 2001).
De acordo com Chanlat (1996), a concepção fragmentada do ser humano
conduziu vários pesquisadores a uma forma reducionista do pensamento, e,
42
especificamente no campo organizacional, conduziu muitas vezes a ações e práticas
que ocultam várias dimensões do ser humano. Contudo, o autor enfatiza a
importância da indissociabilidade entre o eu e a história, a própria experiência e
vivência. Em seu entendimento, portanto, a subjetividade ainda está relacionada à
questão da interioridade.
Em geral, como se vê, encontra-se nos trabalhos da área de gestão que
tratam sobre esse tema, referências à existência de um espaço interior. A
subjetividade, quando remetida à noção de interioridade tem a ver com o que
pertence somente ao indivíduo, com o que é individual.
A luta por uma subjetividade moderna passa por uma resistência às
duas formas atuais de sujeição, uma que consiste em nos individualizar de
acordo com as exigências do poder, outra que consiste em ligar cada
indivíduo a uma identidade sabida e reconhecida, bem determinada de uma
vez por todas (DELEUZE, 2005, p. 113).
Concordando com a inquietação de Rolnik (1997, p.20), fica uma questão a
ser pensada por aqueles que lidam com o trabalho tanto na academia, quanto no
campo organizacional: “A figura moderna da subjetividade, com sua crença na
estabilidade e sua referência identitária, agonizante desde o final do século passado,
estaria chegando ao fim”?
Talvez, mas ainda há muito que se investigar, o que provavelmente, levará a
outros modos de pensar a subjetividade e a outros modos de pensar outras tantas
questões das quais ela é componente fundamental.
3.2 Transformações no Mundo do Trabalho
Em Post-Scriptum, Deleuze (1992a) afirma que Foucault situou a emergência
das sociedades disciplinares nos séculos XVIII e XIX. Estas sociedades atingiram o
seu apogeu no início do século XX. Nestas, os homens passam por uma série de
confinamentos ao longo da vida: a família, num primeiro momento, depois as
escolas, o quartel, as fábricas, e, quando necessário, os hospitais e as prisões.
43
Hoje, entretanto, não se pode dizer que existe exclusivamente uma sociedade
com caráter disciplinar, pois as formas de controle mudaram. Muitas vezes, além da
disciplina, outros modos de controle operam sobre os indivíduos, que para esse
estudo, são percebidos por meio da lente do campo do trabalho.
Se estão ou não inseridos no quadro funcional de uma indústria, comércio ou
prestadora de serviços, se estão ou não nos bancos de cursos em busca de uma
melhor preparação para satisfazer as necessidades do mercado de trabalho, não é
relevante. O relevante está em saber que as questões referentes ao trabalho fazem
parte da vida de uma grande maioria.
Ao pensar sobre as novas formas de controle, Deleuze afirma que os
indivíduos são sistematicamente invadidos por informações, que acabam por nortear
suas percepções, preferências e decisões. Zarifian (2003) também se refere a esse
pensamento, caracterizando-o como uma forte intuição de Michel Foucault, ao tratar
da passagem de uma sociedade disciplinar, com o posto de trabalho, para uma
sociedade de controle, com as competências.
“Estamos entrando nas sociedades de controle, que funcionam não mais por
confinamento, mas por controle contínuo e comunicação instantânea.[...]”
(DELEUZE, 1992b, p. 216) ou ainda, quando Lefebvre (1991, p. 135) trata da
questão do cotidiano, existe uma “comunicação que não cessa”, uma “avalanche de
informações”.
Traçando um paralelo entre os tipos de sociedade, especificadamente ao que
se refere às fábricas, busca-se um breve histórico sobre as mudanças na
organização do trabalho. Motta e Vasconcelos (2004) faz uma análise de
acontecimentos relevantes e suas implicações na atividade organizacional.
Ainda no sistema feudal, baseado na autoridade tradicional dos nobres e na
autoridade religiosa, há o início do processo progressivo de consolidação do
capitalismo através da acumulação primitiva do capital, fonte inicial de lucros que
possibilitou a emergência da economia capitalista industrial.
O progresso das cidades, por meio da intensificação do comércio, permitiu
aos artesãos especializados em um ofício deixar a agricultura. A moradia servia de
oficina de trabalho e o artesão sobrevivia de sua habilidade técnica. Ele era dono da
matéria-prima e das ferramentas necessárias a sua atividade, cuidando de todo o
processo de produção, inclusive vendendo o produto acabado.
44
A fim de controlar a concorrência, os artesãos dedicados a um mesmo ofício
formaram a chamada corporação de ofício, uma organização social baseada em
hierarquia derivada do conhecimento técnico.
Do século XVI ao século XVIII, os artesãos independentes tendiam ao
desaparecimento, e em seu lugar surgiam os assalariados. As indústrias
manufatureiras modificaram-se de acordo com a consolidação da produção
industrial, passando pelas sucessivas formas de organização industrial.
No sistema familiar (organização vigente no princípio da Idade Média), a família
produzia artigos apenas para consumo próprio, enquanto que no sistema de
corporações, a produção era realizada por mestres-artesãos independentes, com a
participação de alguns ajudantes.
Já no sistema doméstico (sistema vigente do século XVI ao XVIII), os mestres-
artesãos trabalhavam em casa, porém dependiam de um empreendedor que
fornecia a matéria-prima e intermediava a venda, enquanto no sistema fabril, a
produção era para um mercado mais abrangente: os artesãos e profissionais
trabalhavam nas instalações do dono da manufatura em troca de um salário. A
matéria-prima e os instrumentos de trabalho eram propriedades do empregador e o
trabalho era disciplinado e realizado sob uma rigorosa supervisão. Com o sistema
fabril, o artesão passa a vender apenas sua força de trabalho.
Ainda no século XVIII, os proprietários de terras e nobres, elevaram o preço
dos arrendamentos de terra a tal ponto que os camponeses não podiam mais pagá-
los, tendo que deixar suas terras e migrar para as cidades. Esse contingente
humano constituiu a primeira mão-de-obra destinada à indústria. O sistema fabril
mecânico passa então a regular o trabalho do ser humano em torno do
funcionamento da máquina, exigindo um ritmo e uma jornada de trabalho maiores. A
máquina transforma-se no foco central do processo produtivo.
No meio do século XVIII, certa convergência de propostas vinda dos meios
intelectuais (os primeiros engenheiros modernos e os fundadores da economia
política), revoluciona o modo de concepção do trabalho (ZARIFIAN, 2001).
Em um contexto caracterizado pela divisão do trabalho, racionalidade,
eficiência, eficácia e produtividade foi possível a dissociação entre os atos de
conceber e executar a atividade.
45
Neste aspecto, Veltz e Zarifian (1993) observam que o taylorismo fez com
que, de maneira muito precisa, fosse instaurada uma ruptura entre a concepção e a
execução do trabalho.
Ao mesmo tempo, os autores argumentam que a análise científica das
operações de trabalho levou a uma objetivação do processo técnico, no qual o
trabalhador e as máquinas eram percebidos como meros elementos de uma
combinação passível de controle. Esta forma de reificação da atividade suprimiu, em
parte, o papel desempenhado pelos saberes adquiridos no trabalho ou fora dele,
bem como a combinação desses saberes.
Em grande parte, a contribuição do ser humano a sua atividade foi negada.
Contribuição essa que vai muito além dos saberes, passando por seus sentimentos,
suas convicções e valores, sua disposição, sua capacidade de mobilizar esses
componentes, que em cada trabalhador formam uma mistura única. Mistura essa
que nada tem haver com interioridade.
Essa nova maneira de conceber o trabalho, de acordo com Zarifian (2001),
reuniu três características essenciais:
(a) Instaurou uma separação entre o trabalho e o trabalhador, na qual o
trabalho é considerado como um conjunto de operações elementares de
transformação da matéria, passíveis de objetivação, descrição, análise e
organização. Ao mesmo tempo, o trabalhador passa a ser considerado como o
conjunto de capacidades compradas no mercado de trabalho e mobilizadas para a
realização de parte das operações. Com isso, surge a necessidade de que ambos
sejam reunidos num posto de trabalho.
(b) Essa concepção também instaurou o fluxo como critério central da
produção industrial, o que significou para o trabalho, o aumento da velocidade de
execução, e para o trabalhador, significou trabalhar cada vez mais rápido, à medida
que aumentavam sua experiência (pela rotina), sua habilidade e sua aceitação de
um ritmo.
(c) Também imobilizou o trabalhador no espaço e no tempo, de modo que
este perdeu a liberdade de deslocamento, como fazia o camponês, e foi fixado em
uma oficina, em um posto, muitas vezes não se deslocando durante toda a jornada
de trabalho. Ele passa a respeitar horários e a incorporar as prescrições de tempo.
Todos operários precisam estar presentes no mesmo local e nos mesmos horários.
46
O novo modo de organização do trabalho acabou por provocar mudanças nas
condições de trabalho e mesmo, no modo de vida, na medida em que as grandes
concentrações industriais e a exigência de horários levaram à necessidade de
transportes coletivos, com horários estabelecidos, que passam a encaminhar os
trabalhadores às fábricas e trazê-los para casa, ao término da jornada.
As mudanças na organização do trabalho, assim como na gestão
organizacional são acompanhadas por mudanças na própria subjetividade. Guattari
(2004) afirma que foram as primeiras formas de sociedade industrial que
serializaram a subjetividade das classes trabalhadoras.
O termo serializar se remete à idéia de classificação pelos mesmos critérios,
ou seja, um processo de massificação da subjetividade dos trabalhadores. Nas
primeiras formas de sociedade industrial, a busca pelo controle por meio da
padronização dos comportamentos foi um passo decisivo para essa massificação,
na qual os trabalhadores são percebidos como iguais entre si.
Neste sentido, concorda-se com Veltz e Zarifian (1993) quando argumentam
que o taylorismo, dentre outras limitações, não considerou a dimensão subjetiva do
trabalhador. O que não quer dizer que essa não consideração não estivesse
produzindo uma massificação da subjetividade.
Os autores ainda explicam que a análise científica das operações de trabalho
levou a uma objetivação do processo técnico, no qual o trabalhador e as máquinas
eram percebidos como meros elementos de uma combinação passível de controle.
A massificação da subjetividade dos trabalhadores não influencia apenas a
esfera do trabalho, influencia todas as esferas da vida. A padronização dos
comportamentos extrapola os portões das fábricas. E mais do que isso, o que ocorre
é a produção em larga escala de subjetividade. Uma subjetividade que acaba por
impregnar a todos, em maior ou menor grau. Ninguém está imune, pois as forças do
capital produzem subjetividade, nos atravessam, nos massificam, nos tornam
pessoas produzidas em série, como mercadorias (PETINELLI-SOUZA; MACHADO,
2005).
47
3.3 A Produção de Subjetividade
Ao tratar da cultura de massa como elemento fundamental da produção de
subjetividade capitalista, Guatarri e Rolnik (1993) explicitam que não ocorre apenas
uma produção de subjetividade em nível individual, mas uma produção de
subjetividade social. A subjetividade é encontrada em todos os níveis de produção e
consumo, refletindo uma pretensa homogeneidade (linguagem, família, mídia). É
uma subjetividade de natureza industrial, fabricada, modelada, recebida e
consumida, que está em todos os processos de produção social e material.
Os autores ainda consideram a produção de subjetividade como a matéria-
prima de toda e qualquer produção. Acreditam que para se pensar sobre um
operário especializado, por exemplo, além de sua passagem por escolas
profissionais, é necessário considerar tudo o que este viveu anteriormente, como a
escola primária, a vida doméstica e todo o processo de aprendizagem que o
acompanha desde o início de sua vida.
Neste sentido, Cocco (2004), analisa que a força de trabalho passa a ter
novas características com a modernidade. O trabalhador é dotado de uma
capacidade de gestão de relações sociais que ultrapassam a organização da qual
faz parte. Se o trabalhador no contexto taylorista executava em silêncio as
atividades, agora ele trabalha utilizando a fala, ele trabalha se comunicando. Ele
passa a produzir o conteúdo cultural e informacional da mercadoria e seu ciclo de
produção e reprodução.
A empresa e a economia pós-industrial são fundadas sobre o
tratamento da informação. [...] Esta estratégia se baseia sobre a produção e
o consumo de informação. Ela mobiliza importantes estratégias de
comunicação e de marketing para reapreender a informação (conhecer a
tendência do mercado) e fazê-la circular (construir um mercado)
(LAZZARATO; NEGRI, 2001, p. 43)
Ao mesmo tempo, Guattari (1992) questiona a forma de entender a produção
de informação como separada da subjetividade psicológica, pois a produção de
informação pela mídia atua na subjetividade humana (memória, inteligência,
sensibilidade, afetos).
48
O autor tenta redefinir a subjetividade buscando enfatizar a heterogeneidade
dos elementos que participam da sua produção. Ele defende que a produção de
subjetividade é centralizada em torno de uma imagem, de um consenso subjetivo, o
que proporciona a propagação da subjetividade de uma forma padronizada na
produção, bem como no consumo das relações sociais.
A produção não se reduz à fabricação de produtos ou coisas. O termo
também se refere à produção do ser humano por si mesmo, no decorrer de seu
desenvolvimento histórico, o que implica a produção de relações sociais
(LEFEBVRE, 1991).
O autor afirma que num sentido mais amplo, produção envolve a idéia de
reprodução. A reprodução biológica, a reprodução material de utensílios necessários
à produção e a reprodução das relações sociais, processo que ocorre na vida
cotidiana.
Analisando os estudos de Lazzarato e Negri (2001), verifica-se que os autores
consideram o trabalho imaterial como aquilo que ativa e organiza a relação entre a
produção e o consumo, onde a mercadoria produzida pelo trabalho imaterial
(produção audiovisual, publicidade, produção de softwares, moda, por exemplo)
possui o valor de uso baseado no conteúdo informativo e cultural.
A mercadoria passa, então, a criar o ambiente ideológico e cultural do
consumidor. Para eles, o trabalho imaterial produz relação social, sendo a matéria-
prima deste tipo de trabalho, a própria subjetividade.
No que se refere às relações sociais, as pessoas buscam cada vez mais
atingirem uma certa condição vinculada ao sucesso, e enquanto isso não é possível,
pelo menos, uma imagem que demonstre tal condição.
Para Rolnik (1997), a abertura para o que é novidade não envolve
necessariamente a abertura para o que é considerado estranho, e que acaba por
levar a uma desestabilização. A essa desestabilização opõe-se uma persistência de
referência identitária, no sentido de construir um perfil requerido pelo mercado. Ou
seja, mais do que nunca, as pessoas, de modo geral, estão abertas ao novo, são
preparadas para receberem o novo permanentemente, mas aquilo que lhes é
estranho, como pensar, agir, sentir e ser diferente da maioria, pode atingir a crença
em suas referências, abalando o que lhes traz certa estabilidade.
A questão do consumo passa a ser percebida de outra forma, na medida em
que o consumo extrapola o tangível. Nesse sentido, Heckert (2004b, p. 149)
49
argumenta que o consumo na atualidade está caracterizado como instantâneo e
descartável, constituindo uma forma de participação no mundo globalizado.
Segundo a autora, o consumo também poderia indicar:
[...] a possibilidade de estar em movimento e antenado com as últimas
atualizações da informática e tecnológicas, aplacando a teia de insegurança
que hoje se monta quando nos sentimos “por fora” [...] consumir hoje não
representa apenas adquirir “coisas”. Consumimos, além de objetos,
informações, conhecimentos, sensações, relações com o outro, novidades
instantâneas à disposição na mídia e nas vitrines das lojas.
Seguindo o pensamento de Heckert é possível pensar que assim como em
diferentes momentos da vida, também consumimos no ambiente organizacional.
Seria um consumo no âmbito da gestão organizacional, assim como do mercado de
trabalho, tomando a forma de prescrições, de normas de conduta, de jargões, de
modos de parecer-ser, de reatualização contínua, o que acaba convergindo para a
produção e reprodução das práticas que produzem o próprio consumo.
E nas palavras de Lyotard (1986, p.113): “Os procedimentos administrativos
farão os indivíduos “querer”
11
o que é preciso ao sistema para ser eficiente”. Assim,
da mesma maneira que o consumidor passa a acreditar que precisa consumir certos
produtos e manter certa imagem, o trabalhador passa a acreditar que precisa ter
certo modo de conduta, certa maneira de falar e demonstrar que faz parte do “time”,
equipe, ou grupo de trabalho, que é um igual no que se refere aos padrões de
comportamento, mas ao mesmo tempo, é diferente porque possui certas
competências que diferenciam o seu desempenho do desempenho dos demais.
Entre parecer ser igual, padronizado e parecer ser diferente, especial, único e
melhor, quais sensações estariam sendo vivenciadas, quais mecanismos de
subjetivação estariam em processo?
11
Grifo do autor.
50
3.4 Modos de Subjetivação e Formas-Subjetividade
A fim de melhor compreender o significado das subjetividades na
contemporaneidade, Machado (1999) propõe a distinção entre modos de
subjetivação e formas-subjetividade. Os modos de subjetivação referem-se a um
movimento ininterrupto, a transformações, o que é da ordem do imprevisto, do
intempestivo. Além disso, os modos são históricos e não cessam de gerar novas
formas.
Nesse processo, os modos de subjetivação vão produzindo outras formações
no decorrer do tempo. Ou seja, estão relacionados ao processo de mudança que
ocorre sistematicamente com as questões subjetivas, com o que compõe e
recompõe a todo instante essas questões.
As formas-subjetividade referem-se a aspectos na constituição da própria
subjetividade, ou seja, a subjetividade assume formas, mesmo que estas sejam
apenas momentâneas. Aqui a subjetividade possui contornos mais visíveis, talvez
mais rígidos, mas, nem por isso, fixos e imutáveis. Também é passível de mudanças
e transformações no decorrer do tempo.
Prosseguindo com o pensamento de Machado (1999), os modos de
subjetivação estão para um vídeo, onde se percebem os movimentos e os
processos, ao passo que as formas-subjetividade, que são mais estáveis que os
modos de subjetivação, estão mais para uma fotografia, com uma territorialidade
definida. Nessa territorialidade estão as diversas interfaces construídas, e que são
reconstruídas, daí a idéia da diversidade.
A territorialidade serve como uma espécie de referência, algo que promove
sensações de segurança, de estabilidade. Entretanto, não há estabilidade de fato,
posto que o território está constantemente em processo de desterritorialização e
reterritorialização. Por exemplo, uma pessoa que aprendeu que é sempre mais
“científico” desenvolver uma análise do tipo quantitativa tem um território definido
quanto a isso. Imagine que nos últimos anos ela começa a demonstrar interesse em
leituras sobre metodologia qualitativa. Está indecisa. Esse é um processo de
desterritorialização, no qual suas referências estão sendo abaladas. É como se o
território dissesse “eu quero conhecer coisas novas, não tenha medo!”.
51
Finalmente, essa pessoa decide tentar trabalhar com esse tipo de
metodologia. Entretanto, de vez em quando, dá uma vontade quase irresistível de
tratar estatisticamente questões de caráter subjetivo. Esse é um processo de
reterritorialização, no qual o território que foi desmantelado, faz um esforço por
recompor-se. Ou seja, o novo território formado sobre metodologia qualitativa não
chega a romper com alógica do território ligado à utilização da metodologia
quantitativa. É como se o território dissesse “é mais tranqüilo fazer o que eu já
conheço, por que arriscar”?
Também é importante compreender que esses processos acontecem
ininterruptamente e podem se referir a questões simples ou complexas. Essas
concepções acerca da subjetividade, mencionadas nos parágrafos anteriores, estão
reunidas no quadro a seguir.
Territorialidade Espaço vivido ou sistema percebido como uma referência pelo sujeito,
espaço de caráter subjetivo.
Desterritorialização Processo no qual um território se desfaz ininterruptamente.
Reterritorialização Tentativa de recomposição de um território que se encontra em processo de
desterritorialização com base em referências já conhecidas.
Modo de subjetivação Processo de mudança que ocorre sistematicamente com as questões
subjetivas.
Forma subjetividade Aspecto não imutável e momentâneo, assumido pela subjetividade.
Quadro 2: Algumas Concepções Acerca de Subjetividade
Fonte: Guattari e Rolnik, 1993, Machado, 1999.
Deleuze e Guattari apud Heckert (2004b, p. 158), afirmam que:
[...] tememos a perda dos quadros de referência que nos constituem, os
modelos, as identidades fixas, as certezas etc. O medo nos joga na busca
de soluções fechadas, na procura e aceitação de modelos bem definidos. O
apelo à ordem, a regras mais duras, aos valores cristalizados que limitam
nossa vida, nos dá uma breve sensação de que temos nas mãos as rédeas
da vida, o controle sobre ela.
Outra maneira de compreensão das subjetividades contemporâneas se dá no
momento em que Machado (1999) relaciona os modos de subjetivação à idéia de
cartografia, onde existe um acompanhar de movimentos, de mudanças, e quando
52
relaciona as formas–subjetividade à idéia de mapa, uma forma momentânea, mas
que pode passar por transformações ao longo do tempo. A autora explica que as
subjetividades não são interiores, nem exteriores, mas sim formações provisórias. A
cartografia é o processo e o mapa são as linhas já definidas, um traçado que ganhou
forma.
Daí imaginar o ser humano como um ser em metamorfose não fica nem um
pouco difícil. É uma metamorfose que dura o tempo de uma vida. Algumas formas
assumem contornos mais rígidos, como uma maneira de se lidar com a rotina. Ou
formas que assumem contornos mais flexíveis, talvez mais permeáveis (idéia de
membrana semipermeável, algumas coisas passam, outras não), nas quais
penetram mais facilmente uma gama de interações.
Portanto, em qualquer esfera da atividade humana, para que haja uma
compreensão de fato coerente, é necessário que aqueles envolvidos com a
investigação dessas questões, ampliem sua percepção para um olhar no qual seus
chamados objetos de estudo sejam vistos como questões realmente complexas.
Questões que não serão compreendidas enquanto persistir o que Guattari (2004,
p.18) revela na passagem a seguir:
A subjetividade não está bem cotada, e aqueles que dela se
ocupam na prática ou na teoria em geral só a abordam usando luvas,
tomando infinitas precauções, cuidando para nunca afastá-la demais dos
paradigmas pseudocientíficos, tomados de empréstimo, de preferência, às
ciências duras [...]
Na gestão
12
organizacional não pode ser diferente. Compreender o ser
humano em sua atividade de trabalho, bem como toda sua interação com ela e com
os outros trabalhadores, envolve questões bem mais abrangentes do que uma certa
interioridade, que acaba por simplificar questões que de maneira alguma são
simples.
12
O termo gestão, aqui, se refere ao administrar, à administração de empresas.
53
3.5 Ultrapassando a Noção de Indivíduo
Neste trabalho a idéia de “seu” eu interior e de “sua” subjetividade são
ampliadas, pois a subjetividade não é pertencente a um ser humano, ela apenas é
expressa por meio deste. Ela ganha vida, ganha significados, é manifestada, sendo
um processo formado por incontáveis participantes em diversos momentos de sua
vida e de sua história.
Refletindo sobre as subjetividades contemporâneas, Machado (1999) não
coloca em discussão a noção de subjetividade vinculada à idéia de identidade, de
estrutura psíquica ou mesmo de personalidade. A autora busca justamente
questionar a idéia de interioridade separada de exterioridade, o que vai de encontro
a uma concepção fragmentada do ser humano. Deixa claro que, mesmo
concebendo-se a existência de uma relação entre interno e externo, reside aí uma
noção de dualismo que pressupõe a determinação de um pólo sobre o outro.
É necessário, portanto, desconstruir esse olhar dual, pois interno e externo
são duas faces que coexistem, num ritmo incessante de movimentos e de
transformações.
Neste trabalho a concepção sobre subjetividade segue este viés, isto é, a
subjetividade (ou as subjetividades, para dar a idéia de diversidade) não é interna,
mas sim processos que interagem com o humano – uma interação no sentido de que
esses processos não agem sobre o humano, mas junto dele, enquanto o próprio
humano também age junto aos processos.
Nesse sentido, um trabalhador será competente mediante a análise minuciosa
dos componentes que estão atuando no momento da situação de trabalho,
incluindo-se aí, além do que é próprio de sua vida, de seu contexto social, a
condições de trabalho proporcionadas pela empresa.
O ser humano não está separado do contexto no qual está inserido. O
entrecruzamento entre o que acontece no contexto social e na vida de cada um, com
suas características específicas, é que produzem um conjunto que se chamaria de
processos de subjetivação.
Guattari (1992) propõe uma definição provisória de subjetividade como sendo
o conjunto das condições que torna possível que instâncias individuais, ou mesmo
coletivas, consigam emergir como território existencial auto-referencial. Tentando
54
esclarecer o pensamento desse autor, a subjetividade é compreendida por ele como
o conjunto das condições que permitem que sejam produzidos ou criados territórios
(espaços subjetivos), que servem como referência – “universos de referência sociais
e individuais”.
O quadro abaixo caracteriza algumas relações, inclusive as mais
conservadoras, com a concepção de subjetividade.
É relacionada com: Não é relacionada com: Subjetividade
Idéia de processo
13
, interação,
composição, transformação.
Interioridade, íntimo, interno,
individual, eu, essência imutável.
Quadro 3: Possíveis Relações com a Concepção de Subjetividade
Outra questão importante é que a subjetividade coletiva não é um simples
somatório das subjetividades “individuais”, justamente ao contrário, é a subjetividade
“individual” que é resultante dos vários componentes de ordem coletiva (social,
econômico, tecnológico, mídia). Contudo, existem níveis nos quais é possível certa
individualidade. O nível biológico (é um ser humano), o nível da divisão sexual (é
homem ou mulher), o nível das relações sociais (está nesta ou naquela classe
social) (GUATARRI; ROLNIK, 1993).
Enquanto o humano é atravessado, transpassado por sentimentos, emoções,
informações, percepções, impressões e necessidades num movimento contínuo, vão
produzindo-se mistos que ganham expressão. Essas misturas podem ser menos
duradouras ou mais duradouras. Ao tratar-se sobre a subjetividade, é preciso
perceber que o único fato permanente é a própria certeza sobre a mudança à qual
ela está sujeita.
Aqui é relevante relembrar a percepção do humano como um terminal.
Guattari (2004) pensa o humano como uma espécie de terminal em relação aos
processos onde interagem grupos de pessoas, conjuntos socioeconômicos e
relações de informação. Nesse sentido, existe o consumo de subjetividade, onde
são consumidas representações e sensibilidades.
13
Para Guatarri e Rolnik (1993) processo é uma seqüência de fatos relacionados à idéia de ruptura
permanente dos equilíbrios estabelecidos.
55
Ao mesmo tempo, Lyotard (1986, p. 28) ao argumentar que o si não é algo
isolado, também coloca o humano numa “textura de relações mais complexa e mais
móvel do que nunca”. O autor explica que independente de idade, gênero ou classe
social, o humano está colocado sobre os nós dos circuitos de comunicação, está
“colocado nas posições pelas quais passam mensagens de natureza diversa”.
Imagine alguém que todos os dias ao dirigir-se para o local de trabalho
percorre o mesmo caminho com seu veículo. Não importa se é mais longo ou se há
mais congestionamento, essa pessoa percorre exatamente aquele caminho, porque
gosta, porque sente segurança, porque é mais fácil, porque o visual é mais atraente,
o porquê pode ter vários motivos. Até um dia em que sofra uma tentativa de assalto
ou mesmo seja assaltado, e então, passa a evitar esse caminho.
Retomando a idéia do indivíduo como um terminal (Guattari, 2004), nesse ser
humano, interagiram grupos de pessoas (assaltante, polícia, enfim, aqueles que
participaram da cena), conjuntos socioeconômicos (o assaltante não o roubou por
prazer, é produto de uma realidade social) e relações de informação (ele sabe que
assaltos ocorrem, mas até então, com ele não havia ocorrido, ele sabe que não deve
reagir, sabe que não deve deixar a janela aberta no sinal etc.).
Essas interações produzem uma mistura nele: medo, raiva, impotência,
submissão, depois um conformismo, uma sensação de trauma. E, quem sabe mais
tarde, uma consciência da realidade que o circunda e a certeza de que ela pode ser
mudada? Ele também pode ficar apenas com a mágoa por ter sido invadido e com o
ódio por não ter podido fazer nada. Nesse caso, vai se embrutecendo, vai se
fechando. De qualquer modo, ele já não é mais o mesmo.
Nesse item, portanto, demonstrou-se, num primeiro momento, a concepção
de caráter tradicional acerca da subjetividade. Depois, fez-se um breve histórico das
transformações no mundo do trabalho – mudanças estas, sempre acompanhadas
das questões subjetivas. E as questões subjetivas foram demonstradas como sendo
produzidas e consumidas. Além disso, demonstraram-se algumas importantes
reflexões teóricas sobre os modos de subjetivação e as formas-subjetividades, assim
como sobre o seu caráter não vinculado somente ao que é da ordem do individual.
56
4 ASPECTOS METODOLÓGICOS
Inicialmente, definiu-se o material para a fundamentação teórica sobre
competências e sobre subjetividade. Contudo, mostrou-se necessário buscar outras
informações a fim de compor o panorama no qual é possível analisar a interface
proposta.
No início pensou-se que a fundamentação seria o bastante para coletar
informações que permitissem atender ao objetivo da pesquisa. Com o passar do
tempo e com o desenvolvimento das leituras ficou claro que era preciso investigar
como o tema das competências foi tomando a dimensão que tem hoje, e mais
precisamente, quais foram as condições de produção do discurso que o alicerça e o
reforça, ou seja, as condições sócio-históricas desta produção – uma investigação
que exigiu tempo.
No que se refere à subjetividade, a investigação teórica foi se compondo aos
poucos, mas sempre de maneira mais objetiva que a das competências, visto que o
acesso às informações foi relativamente tranqüilo.
Esta pesquisa tem como objetivo analisar a interface subjetividade e
competências no campo do trabalho. Para responder a este objetivo procurou-se
atender aos objetivos específicos: foram verificadas as condições de produção do
discurso sobre competências, assim como, foi analisada a produção de subjetividade
envolvida nesse processo.
A pesquisa é qualitativa. Usando a tipologia de Santos (1999), a
caracterização de uma pesquisa é realizada segundo os objetivos, os procedimentos
de coleta e as fontes de informação.
Portanto, ela é explicativa, quanto aos objetivos, pois visa aprofundar o
conhecimento da realidade para além das aparências dos seus fenômenos. É
bibliográfica, quanto às fontes de informação e quanto aos procedimentos de coleta,
visto que o material analisado consta da própria fundamentação teórica, ou seja, em
materiais oriundos da produção de conhecimento sobre competências.
Nela foram utilizados dois instrumentos metodológicos: a cartografia e a
análise do discurso. Ela adquiriu esta característica conforme o desenvolvimento das
leituras a fim de compor o material a ser analisado. Durante os momentos iniciais da
57
investigação ainda não era possível vislumbrar o tipo de instrumento que daria conta
da questão de pesquisa.
Foi somente em sua construção, no próprio percurso, que esses
instrumentos, de fato, se configuraram – processo esse, permeado de dúvidas e
angústias.
4.1 Cartografia
Além das leituras sobre competências e sobre subjetividade, a questão de
pesquisa passou a solicitar novo aporte teórico: a análise do discurso. Então, além
de estar atenta para as questões relacionadas às competências e às subjetividades,
o que já exigiu uma fluidez ao percorrer diversas áreas do conhecimento, outro foco
de atenção começou a se compor.
Nesse movimento a pesquisa começou a tomar certa forma. Entretanto, não
foram apenas as leituras que participaram dessa composição. Nesse sentido, a
cartografia apresentou o recurso do diário de campo, no qual as impressões,
sensações e fatos, que de algum modo ressoaram na pesquisadora, foram anotados
– aí incluídas as várias conversas com colegas e professores, a leitura de jornais de
grande circulação e de revistas voltadas para executivos, conferências sobre
metodologia qualitativa realizadas na universidade, assim como, reportagens em
televisão. Era preciso estar atenta, captando o que estivesse sendo dito sobre
competências e a tudo o que pudesse contribuir para a investigação.
Acompanhar esses movimentos levou à necessidade de outros
conhecimentos, outras leituras. Esses movimentos, que iam de uma questão à outra,
de um acontecimento a outro, possibilitaram a construção, no mínimo, de um
apanhado sobre as competências em interface com a subjetividade, e talvez, tenham
possibilitado a tentativa de compor o que Foucault denominava diagrama: uma
cartografia co-extensiva a todo campo social, no qual a fluidez e instabilidade
convivem, onde a história é feita ao se desfazer realidades e significados anteriores,
formando pontos de emergência, dos quais, é preciso partir para se compreender o
conjunto (DELEUZE, 2005).
58
O perfil do cartógrafo é definido por uma sensibilidade. Para isso, além do
olhar, é necessário que sua percepção também trabalhe na apreensão dos
movimentos que vão se constituindo, que trabalhe na captação – um feeling que
varia de acordo com cada situação e com o próprio pesquisador. Este tenta captar o
estado das coisas (ROLNIK, 1989).
Portanto, neste trabalho, a cartografia é uma delineadora da postura da
pesquisadora, em como esta se posiciona no processo de construção da pesquisa.
Mas, além disso, também se pode pensar que a própria pesquisa é uma
cartografia da interface subjetividade e competências, visto que houve a tentativa de
acompanhar os movimentos de composição do discurso das competências pela
ótica da subjetividade, dando-lhe uma nova interpretação, um novo sentido.
4.2 Análise do Discurso
Ocorre que as leituras e discussões apontam para uma análise que não
contemple a questão lingüística, mas as condições de produção (e reprodução) das
concepções e práticas sobre competências, ou seja, do discurso sobre as
competências.
A idéia de análise do discurso desenvolvida aqui está sob influência do
pensamento de Michel Foucault. De acordo com Souza, Bianco e Machado (2005),
quando este autor passa a analisar a formação do discurso por meio de práticas
discursivas e não discursivas, ocorre uma tentativa de compreensão do processo
que faz com que determinadas forças constituam um discurso como sendo
verdadeiro. Foucault procura saber como o ser humano entra nos jogos de verdade
(ciência, instituições, práticas de controle sobre este) por meio das práticas sociais,
que manifestam as relações de poder existentes em uma sociedade.
As condições de produção do discurso se remetem à investigação e descrição
das relações históricas e das práticas, ou ainda, conforme Foucault (2005), às suas
condições externas de possibilidade, à série aleatória de acontecimentos, que fixa
as suas fronteiras.
59
Por isso, foi realizada a tentativa de caracterizar as condições sócio-históricas
no discurso das competências. Em seguida, foi investigada a produção de
subjetividade envolvida na produção desse discurso.
A busca pelos elementos que formaram essas condições foi um processo de
puro movimento, pois durante a investigação, enquanto as leituras eram realizadas,
textos da área de administração remetiam à área de educação (outros caminhos
eram percorridos), e assim por diante. Impossível planejar. Pelo menos, no que se
refere ao planejamento do tipo tradicional. Foi preciso o esforço constante para ficar
receptiva aos dados quer eram encontrados durante todo o período da investigação.
Foi preciso investigar os dados, dar-lhes expressão, e, a partir disso, construir uma
rede de significados.
Portanto, para verificar o primeiro objetivo específico, ou seja, as condições
de produção desse discurso, tornou-se necessária a investigação por meio de outros
referenciais, a fim de coletar dados de caráter histórico sobre acontecimentos que
foram fundamentais para atender a este objetivo. Foi necessário compor um
panorama, no qual estão configurados acontecimentos que permitiram a formação
do discurso das competências.
Após a organização desses dados foi possível verificar a existência de
algumas categorias para a análise dos processos de subjetivação engendrados na
produção deste discurso: a formação contínua e a naturalização do próprio discurso.
Sendo assim, a partir do momento em que o primeiro objetivo de pesquisa foi
(pelo menos parcialmente) atendido, partiu-se para o segundo objetivo.
Na análise de um discurso não existem categorias pré-estabelecidas, como
na análise de conteúdo. As categorias são fornecidas pelo próprio texto (ROCHA-
COUTINHO, 1998).
Atendendo a ambos objetivos específicos, foi possível atender ao objetivo
geral da pesquisa.
60
5 ANÁLISE DA INTERFACE SUBJETIVIDADE E COMPETÊNCIAS:
MONTANDO O QUEBRA-CABEÇA
5.1 Principais Concepções sobre Competências
Na atualidade, a utilização da palavra competência no campo do trabalho,
engloba diferentes conceitos e diferentes dimensões. Em sua dimensão mais
abrangente, a dimensão organizacional, o conceito está relacionado à noção de core
competence ou competências essenciais da organização. Na dimensão dos grupos
ou equipes, está relacionada às competências necessárias ao desempenho de
áreas específicas. Enquanto que na dimensão do indivíduo, está relacionada às
competências de cada trabalhador. Contudo, é relevante verificar alguns de seus
significados em outras épocas e contextos.
Conforme Ropé e Tanguy (2001), no final da idade média a palavra
competência era pertencente à linguagem jurídica, o que depois foi ampliado para o
reconhecimento acerca da capacidade de se pronunciar sobre algum assunto.
No estudo de Luz (2001) é verificado o significado da palavra competência no
latim: competentia tem a mesma raiz que competere (competir), enquanto que no
dicionário Vinholes-Burtin (1957, p.152) de língua francesa, competência
(compétence) pode ser uma jurisdição (o que corrobora o estudo de Ropé eTanguy),
uma capacidade, ou ainda uma rivalidade. Rivalidade, neste caso, pode remeter à
questão da competição, logo, da competitividade.
No dicionário Oxford (2003, p. 260) existem os termos competence e
competency. Apesar de serem consideradas praticamente permutáveis, o termo
competence está mais relacionado com a questão da capacidade (ability), enquanto
competency está mais relacionado à questão técnica, com a habilidade (skill),
experiência, prática, destreza, na qual uma habilidade seria um tipo particular de
capacidade, uma capacidade de fazer algo bem.
Talvez possa parecer sem importância os significados que a palavra
competência foi adquirindo, mas isso é relevante para compreender o uso que os
autores fazem dela. Por exemplo, Woodruff (1991) criticou Boyatsis quanto à
definição de competência (competency) como sendo uma característica subjacente
61
de uma pessoa. Para Woodruff, esta definição causa confusão quanto ao uso das
palavras competency ou competence, devido à incoerência. A partir disso, ele tenta
fazer uma distinção dos termos: competence, quando trata da área de atividade na
qual a pessoa é competente e competency quando trata de questões
comportamentais relacionadas ao desempenho competente.
Autores como Woodruff (1991) e Parry (1998) focam seus estudos na
dimensão individual. Parry relaciona competência à questão da performance e tenta
esclarecer algumas noções - traços de personalidade e características, capacidades
e habilidades, estilos e valores e a própria competência.
Contudo, antes de prosseguir, é necessário esclarecer que de acordo com a
visão desses autores, competência está relacionada com uma idéia intimista, com
uma idéia ligada à interioridade.
Traços de personalidade e características: são formados na infância, alguns
podendo ser herdados, e resistentes à mudança. Os profissionais de treinamento
lidam com a performance e não com a personalidade. Ou seja, mesmo que isso seja
relevante no recrutamento, não pode ser avaliado e desenvolvido no trabalho.
Capacidades e habilidades: algumas habilidades podem ser adquiridas,
enquanto outras são inatas. Elas tendem a ser situacionais e específicas, enquanto
as competências são genéricas. O autor não faz distinção entre capacidades e
habilidades.
Estilos e valores: O estilo e valores influenciam no desenvolvimento ou na
falta de desenvolvimento de competências, inclusive no modo como se faz uso
destas. O autor exemplifica com um funcionário que obtém numa avaliação baixa
pontuação na questão analítica e alta pontuação na questão intuitiva. Ele confia na
intuição, o que pode levar em alguns momentos a ações não tão competentes.
Para esse autor, competência é o conjunto de conhecimentos, habilidades e
atitudes que afeta uma parte significativa do trabalho, isto é, um ou mais papéis-
chave ou responsabilidades relacionadas com a performance. Esta poderia ser
medida utilizando-se padrões e aperfeiçoada por meio de desenvolvimento e
treinamento.
Outra concepção relevante no panorama teórico das competências é a de
capacidades, pois conforme Ruas (2005), “toda competência é fundamentada em
um conjunto de capacidades.” O autor explica que a combinação e a mobilização de
capacidades com a finalidade de cumprir certa demanda é o que permite o exercício
62
da competência. E exemplifica que para a manifestação da competência “expressar-
se por escrito”, seria necessário combinar e mobilizar as capacidades associadas
aos conhecimentos, habilidades e atitudes (chamou-as de capacidades do tipo
atitudinais), numa combinação específica para o tema solicitado e para as condições
propostas para uma redação, por exemplo. No caso de outro tipo de redação, outro
tema, o autor coloca que será a mesma competência “expressar-se por escrito”, no
mesmo ambiente, uma escola, no entanto, essa competência será construída
baseada em complexidades e combinações diferentes ao uso das capacidades de
conhecimento, habilidade e atitude.
De acordo com Spencer e Spencer
14
apud Durrivage (2004), as competências
podem ser divididas em duas categorias: as competências de base e as
competências críticas. As primeiras estão relacionadas às características essenciais
que devem ser detidas pelo conjunto de trabalhadores que ocupam uma função. As
competências críticas fazem referência aos fatores que distinguem os trabalhadores
que têm uma performance elevada daqueles que não a têm.
De uma forma em geral, temos como contribuição da escola francesa que
uma competência seria composta por conhecimentos (saber), habilidades (saber-
fazer) e atitudes (saber-ser) (RUAS, 2005).
Dentre os estudiosos franceses, dá-se destaque para Le Boterf. Durrivage
(2004) ao comentar os estudos deste estudioso francês, argumenta que para este as
competências comportam elementos de conhecimentos (conhecimentos gerais,
conhecimentos próprios ao ambiente profissional e conhecimentos processuais), de
saber-fazer (operacionais, ligados à experiência e cognitivos), bem como de atitudes
e atributos pessoais.
Destaca-se também Zarifian (2003, p.139), que traz a seguinte concepção:
“competência é a tomada de iniciativa e o assumir de responsabilidade do indivíduo
sobre problemas e eventos que ele enfrenta em situações profissionais”.
Analisando essas noções, é importante destacar que para que haja a
mobilização e a aplicação dos conhecimentos é necessário que antes haja uma
tomada de iniciativa. O fato do trabalhador mobilizar e aplicar esses conhecimentos
14
Estes autores foram influenciados pelos trabalhos de McClleland. Para eles uma competência é
uma característica fundamental de um individuo que está relacionada a um critério de eficácia ou
performance superior num trabalho ou situação.
63
numa situação específica, com recursos e restrições próprias à situação, remete aos
problemas e eventos que ele enfrenta em situações profissionais.
Foi na década de 90 que Le Boterf publicou a maioria de seus trabalhos. É
dele a noção de competência individual como “um saber agir responsável e
reconhecido pelos outros”, bem como a expressão “ninguém é competente a priori”.
Estudiosos de nosso país, como Fleury e Fleury (2001, p.188), inspirados na obra
deste autor, definem competência como “um saber agir responsável e reconhecido,
que implica mobilizar, integrar, transferir conhecimentos, recursos e habilidades, que
agreguem valor econômico à organização e valor social ao indivíduo”.
Ruas (2005) defende que a efetividade e legitimação de uma competência, ou
seja, o seu reconhecimento, somente ocorre por meio de uma ou mais ações em
situação real de trabalho, em uma situação concreta, em relação a um desempenho
esperado, na qual os atributos atitudinais causam impacto direto no “fazer
acontecer”. Atributos como disponibilidade, desejo, compartilhamento, passam a ser
tão ou mais valorizados do que atributos mais tradicionais associados ao curriculum
vitae (conhecimentos e experiências específicas). O autor também chama atenção
para à variabilidade das condições e circunstâncias dessas situações.
Portanto, ninguém é competente a priori, ou seja, com base em capacidades
desenvolvidas numa situação ocorrida no passado. Além disso, questões como o
trabalho multifuncional e atividades mais abrangentes ampliam o leque de
possibilidades de atuação do trabalhador.
Ao tratar-se das competências, a questão contextual toma relevância, pois é
em situação de trabalho que estas serão ou não verificáveis pelos gestores e pares
do trabalhador.
Retomando o pensamento de Platão, em A República, Schwartz (2002) trata
sobre a questão de saber aproveitar a oportunidade favorável, o Kairos, para
desempenhar perfeitamente uma tarefa. É a chamada inteligência de Kairos, uma
aptidão que permite a relação entre o saber e o tempo, isto é, o momento de agir.
Essa inteligência é considerada como uma forma de competência que incide sobre a
contingência, permitindo que a ação humana ocorra em condições variadas. É uma
escolha de ação frente a um momento único, singular.
Se realmente é no contexto da situação de trabalho que as competências são
observadas, e se essas situações são singulares, as atitudes também tenderão a
ser, pois o trabalhador precisará sempre mobilizar uma mistura de capacidades a
64
cada momento. Nessa mistura de capacidades, consta inclusive o cabedal de
vivências pelas quais já passou, que podem ser mobilizadas nesta ou naquela
situação, dependendo da necessidade de sua utilização. Na verdade, saber lidar
com diversas possibilidades, numa situação específica e num momento adequado,
que solicitam a mobilização de si, está relacionado com outro termo bastante usado:
evento ou incidente.
Evento ou incidente é considerado por Zarifian (2001), como aquilo que
ocorre de modo parcialmente imprevisto, que pode perturbar o desenvolvimento
regular do sistema produtivo. Em um evento, existem recursos, restrições e questões
que compõem aquele momento.
Dutra (2004) trabalha com a idéia de ampliação do espaço ocupacional.
Processo no qual, o trabalhador agrega valor, conforme vai assumindo
responsabilidades e atribuições mais complexas. Contudo, não havendo a
necessidade de promoção. O que ocorre é o aumento do nível de complexidade de
suas atribuições e responsabilidades, mas sem mudança de cargo. Existindo uma
tendência dos trabalhadores mais competentes receberem mais e mais desafios na
medida em que conseguem resultados positivos.
Entretanto, nem sempre as empresas percebem a ampliação do espaço
ocupacional como uma indicação do desenvolvimento e maior capacidade de
agregar valor do trabalhador, o que deveria estar atrelado ao crescimento salarial.
Na concepção de Dutra (2002), embora os trabalhadores sejam analisados e
valorizados pelos seus atos e realizações, ou seja, em função do que eles entregam,
ocorre uma distorção, na medida em que o sistema formal de cargos os analisa pelo
que fazem, ou seja, por suas funções ou atividades.
A empresa moderna está naturalmente inclinada a estabelecer uma
prática mais vinculada aos aspectos observados na abordagem por
competências, assim como as pessoas reagem de forma mais positiva a
uma abordagem que leva em consideração a sua carreira. Apesar disso, o
sistema formal das empresas ainda é construído sob a abordagem
tradicional, centrada em cargo. (DUTRA, 2004, p. 62)
Conforme esse autor, a idéia de capacidade de entrega leva a uma
perspectiva mais adequada de avaliação, de orientação do desenvolvimento e
estabelecimento de recompensas. Fleury apud Dutra (2002) defende que a entrega
65
pode ser compreendida como o saber agir responsável e reconhecido, que agrega
valor para a organização.
Contudo, em seu entendimento, ocorreria uma distorção na prática, na
medida em que o sistema formal de cargos analisa o trabalhador pelo que este faz,
por meio de suas funções ou atividades. Por isso, a idéia de capacidade de entrega
levaria a uma perspectiva mais adequada de avaliação, de orientação para o
desenvolvimento e de estabelecimento das recompensas.
Além disso, a estreita relação entre entrega e competência é reforçada por
esses autores no momento em que Fleury e Fleury (2001) formulam uma idéia de
entrega muito semelhante à própria concepção de competência: um saber agir
responsável e reconhecido, que implica mobilizar, integrar, transferir conhecimentos,
recursos e habilidades, que agreguem valor econômico à organização e valor social
ao indivíduo.
As pressões e cobranças por eficácia e eficiência, por maior produtividade,
pelo alcance de metas e resultados, que passam pela demonstração das
competências, são dependentes da mobilização do trabalhador, tanto quanto da
própria organização. A competência está vinculada a um contexto específico, a uma
situação singular.
Portanto, é preciso ficar claro que as condições fornecidas pela organização
(layout, matéria-prima, máquinas e equipamentos, condições de trabalho) implicam
diretamente no contexto, implicam diretamente na situação onde certas
competências serão mobilizadas. Por mais que o trabalhador dê tudo de si naquele
momento, ainda assim, existem limitações que independem dele, mas que
influenciarão diretamente em sua atuação.
Em meio a tantas concepções, qual seria a mais adequada? Acredita-se que
a mais adequada, até o presente momento, é aquela formulada por Le Boterf, na
qual competência é percebida como a mobilização e a aplicação de conhecimentos
e capacidades numa situação específica, na qual se apresentam recursos e
restrições próprias a essa situação. É necessário ressaltar que a concepção de Le
Boterf seria a concepção mais adequada dentre aquelas utilizadas nos estudos
organizacionais. Mais adiante será verificado um outro olhar possível, desta vez
oriundo da filosofia, capaz de melhor compreender a complexidade imbricada às
competências.
66
Percebe-se que essa concepção inspirou outras tantas, mais simples ou mais
elaboradas, mas que, acabam por responsabilizar somente o trabalhador pelo
sucesso ou fracasso em sua atividade. O fato de não colocar a competência como
uma qualidade subjacente, vincula o desempenho também as questões tangíveis
que têm influencia direta no resultado da atividade. Sendo assim, a competência não
fica restrita a uma dimensão individual e a responsabilização do trabalhador é
minimizada, pois o resultado não depende somente deste, mas de um conjunto de
fatores.
Contudo, acredita-se que essa e outras concepções ainda precisariam ser
melhor trabalhadas a fim de contemplar as questões subjetivas que interagem no
momento de atuação do trabalhador.
Fica evidente que não há consenso conceitual, por isso, a palavra
“concepções” foi utilizada na identificação do item. Ao contrário de conceito e
definição, concepção remete à “idéia”, o que, parece ser, mais pertinente ao
contexto teórico das competências.
5.2 Percebendo as Competências por outra Via
A contribuição do ser humano à atividade de trabalho talvez nunca possa ser
apreendida em sua totalidade, e se o for, talvez não possa ser totalmente passível
de mensuração. A contribuição, a participação efetiva de si no grupo de trabalho, no
desempenho da equipe, no processo de produção, no atendimento a um cliente, no
alcance de resultados, vai muito além do que é visível, tangível e mensurável.
Além disso, está em constante transformação, já que por meio da
aprendizagem, das experiências, do desenvolvimento de competências, o quanto de
si mesmo que impregna o seu trabalho varia conforme o próprio humano, conforme
a atividade, conforme as condições organizacionais, conforme as adaptações que
precisa criar e assim por diante.
O trabalhador precisa saber mobilizar conjuntos de certos elementos, em um
momento adequado, também precisa saber lidar com o inesperado, e, para isso, é
necessária certa improvisação, uma adaptação à situação específica.
67
O interessante é que esse processo tão complexo pode levar simplesmente
alguns segundos, dependendo do tempo que o trabalhador tem para definir sua
ação e dependendo das questões envolvidas. Em situações nas quais existem fatos
inesperados, passa a ser ainda mais necessária essa capacidade de discernimento,
que o induz a escolher entre uma ação e outras possibilidades.
Nesta pesquisa, o trabalho é percebido como sendo gestão, como um “lugar
de debate, um espaço de possíveis sempre a negociar onde não existe execução,
mas uso, e o indivíduo no seu todo é convocado na atividade” (SCHWARTZ, 2000a,
p. 34).
Conforme Schwartz (1998; 2000b), é preciso perceber que toda forma de
atividade requer que variáveis sejam geridas. Isso se dá em situações que fazem
história, mas que ao mesmo tempo, são em parte, singulares. Toda gestão supõe
escolhas, ponderações, critérios, um certo engajamento, uma hierarquização de atos
e objetivos, arbitragens, às vezes, de modo muito rápido, que são chamadas pelo
autor de “usos de si”, ou mesmo, “usos dramáticos de si”. E exemplifica: quantidade
versus qualidade, economia de si versus facilitar a ação coletiva.
O autor trata toda situação de trabalho como uma convocação do uso de si,
um lugar de dramáticas. Nessas situações de trabalho, a todo o momento, ocorrem
micro-escolhas, micro-decisões, levando a uma adaptação indefinida, uma vigilância
sensorial, relacional e intelectual, numa modificação constante de normas, regras e
procedimentos.
O uso de si por si é considerado por esse autor, como sendo sempre como
uma problemática. Por isso, o lugar de uma dramática, na qual ocorre uma gestão
de eventualidades específicas da atividade, gestão das interfaces entre estoques,
prazos, relações entre clientes e fornecedores, das relações no grupo de trabalho,
gestão da qualidade, das normas, do tempo, do orçamento, enfim, a gestão de
múltiplas questões. No momento da situação de trabalho, essa gestão solicita a
reflexão sobre o uso de si, sobre como fazer o uso de si, como se fazer disponível
para tornar compatíveis essas gestões heterogêneas.
Além disso, toda atividade de trabalho implica a gestão permanente das
dramáticas do uso de si, a gestão do uso de si por si e do uso de si pelos outros. A
partir disso, de acordo com Schwartz pode-se pensar a atividade de trabalho
envolvendo um si contextualizado, ou melhor, um si que percorre um continuum de
variações entre singularidades e coletividades.
68
A respeito do uso de si é importante identificar os tipos existentes, já que o si
pode ser usado por si mesmo, mas também pode ser usado por outros. O uso de si
pode ser feito por outros, na medida em que a atividade de trabalho é determinada
por normas e valores que não são próprios do trabalhador. Ou seja, outros
construíram normas e instruções operacionais (Schwartz, 2000b).
Este autor traz importante contribuição aos estudos sobre a renormalisação
das prescrições pelo próprio trabalhador. O que significa isso? Significa que o que
era sabido intuitivamente, esses estudos trouxeram à tona, enfocando a contribuição
do humano à realização de sua atividade. Pois no cotidiano é necessário criar
“estratégias singulares para enfrentar os desafios do meio” (SCHWARTZ, 2000a, p.
34).
As situações de trabalho não são limitadas pela prescrição das normas. As
situações reais de trabalho extrapolam a simples prescrição. Se as competências
estão relacionadas à situação real de trabalho, pode-se pensar que elas estão
relacionadas ao “trabalho real”. Aqui é importante enfatizar a distância entre o
trabalho prescrito e o trabalho real. Para Alvarez e Telles (2004), o trabalho prescrito
envolve além das prescrições, as condições para a realização do trabalho.
As autoras entendem o trabalho prescrito como incluindo as condições
determinadas de uma situação de trabalho, como as características do dispositivo
técnico, o ambiente físico, a matéria-prima, as condições socioeconômicas, e as
prescrições propriamente ditas, compostas pelas ordens emitidas oralmente ou por
escrito, os procedimentos definidos para a realização do trabalho, como parâmetros
e regulamentos, as normas técnicas, de segurança, normas em geral, os objetivos
relacionados à qualidade, aos prazos e à produtividade, como os resultados a serem
obtidos.
A situação real de trabalho extrapola a simples prescrição e, além disso,
segundo Schwartz (2000a), a pura e estrita aplicação das prescrições conduz ao
desperdício, à insuficiência.
E pensando nas competências e nos eventos, é necessário desvendar o uso
de si, pois ele está no âmago da maneira como o trabalhador mobiliza suas
capacidades de modo a alcançar os objetivos de sua atividade. Capacidades que
até então se encontravam em forma de potência de ação, capacidades que
compõem um misto de forças.
69
Ao tratar da questão da subjetividade e do contexto de atuação, Schwartz
(1998) esclarece que ocorre uma confluência entre o biológico, o sensorial, o
psíquico, o cultural e o histórico, existindo no sujeito uma “biografia singular”, que
não pode ser tomada em separado dos elementos intersubjetivos que se manifestam
durante a ação e também fora desta.
O autor esclarece que cada sujeito é portador de exigências diferentes, cada
um está disposto a fazer um uso de si mesmo, remetendo à noção de singularidade.
Não somente o que existe de singular na configuração dos diferentes trabalhos, mas
o que é singular nos indivíduos, que a cada instante, precisam gerir mais ou menos
coletivamente estas configurações.
O que é mobilizado pelo trabalhador no contexto da situação de trabalho,
envolve em sua maioria, um coletivo de trabalho, um grupo de indivíduos. Suas
atitudes, suas decisões passam por esse coletivo. Ou seja, ao fazer o uso de si na
resolução de um problema específico, o trabalhador convocará o saber necessário
àquela situação, sua experiência, sua disposição, entre outras, mas sempre em
sintonia com o grupo do qual faz parte, pois a ação individual também compõe uma
ação coletiva. E aí, o trabalhador terá que mobilizar esta ou aquela capacidade,
neste ou naquele momento, participando de um movimento harmônico com os
demais.
Portanto, ele precisa fazer o uso de si, mas neste uso são considerados os
fatores do seu entorno. Da dimensão singular à coletiva, o trabalhador percorre um
continuum, um espectro, onde uma riqueza de possibilidades, onde uma
variabilidade está presente.
Numa organização essa gestão – que não está relacionada ao administrar –
precisa ser negociada também com outros grupos de trabalho, como departamentos
e setores. Na verdade, toda a organização está voltada para um objetivo comum em
termos de prestação de serviço ou produção. Contudo, existem divergências entre
os diferentes grupos. Divergências que precisam ser negociadas para o alcance de
um objetivo comum.
Num evento, o indivíduo, não apenas analisará situações, mas também
realizará controles e a própria condução destas. Isso pressupõe a construção de
referenciais comuns. Referenciais que podem ser produzidos e legitimados por meio
de uma atividade comunicacional, levando a uma cooperação. Uma comunicação
70
autêntica, o que remete a uma compreensão intersubjetiva entre os trabalhadores.
Ou seja, a legitimação passa pelo coletivo (VELTZ; ZARIFIAN, 1993).
Ao pensar sobre a análise e avaliação de competências, Schwartz (1998, p.
108) defende que:
A competência industriosa é uma combinatória problemática de
ingredientes heterogêneos que não podem ser todos avaliados nos mesmos
moldes, e muito menos ainda quando ela inclui uma dimensão de valor, uma
vez que ninguém dispõe de uma escala absoluta de avaliação dos valores
.
Conforme Barros (2004, p.101), o saber mobilizado na atividade de trabalho é
chamado de competência, sendo constituída pela “articulação dos conhecimentos,
do saber-fazer, das estratégias cognitivas e das habilidades que são acionadas em
situação real de trabalho. [...] estão para além dos saberes tácitos [...]”.
Prosseguindo em sua análise, a autora enfatiza que a atividade reconhecida como
competente “refere-se à articulação de tudo o que implica a realização da tarefa”.
Portanto, se as competências não se restringem ao que é mensurável, por
que insistir em negar questões imensuráveis, que são vitais ao entendimento desse
assunto? Se a metodologia é insuficiente para lidar com estas, podemos pensar que
admitir a sua existência já é atitude fundamental para enriquecer futuras análises.
5.3 O Discurso
A leitura do material publicado sobre competências, provocou o surgimento de
algumas questões, na forma de enunciados, que parecem acompanhar a maioria
dos textos. Questões relacionadas com a capacidade ou capacidades que o
trabalhador tem ou deveria ter, a responsabilização que incide sobre o trabalhador e
a situação de trabalho, pois é nela que o indivíduo demonstra ser ou não
competente.
Ao reunirmos essas questões, antes de remeter as competências, elas remetem
ao campo do trabalho, à idéia de empregabilidade, talvez também à idéia de
obtenção e manutenção do trabalho (que pode não ser emprego), e, em última
71
instância, talvez remetam à própria sobrevivência. A partir desse momento, cada
uma dessas questões será melhor trabalhada.
5.3.1 Primeiro Enunciado
O primeiro enunciado a ser capturado foi o seguinte: “O trabalhador precisa ser
capaz de fazer o melhor numa determinada situação”, ou ainda, “O trabalhador
precisa ter capacidade para fazer o melhor numa determinada situação”.
Deleuze (2005, p. 27), comentando o trabalho de Foucault, explica que o
enunciado não é imediatamente visível, sendo a um só tempo, não visível e não
oculto. Isso porque ele não é imediatamente perceptível, já que está encoberto pelas
frases. Por isso “é preciso descobrir o seu pedestal, poli-lo, e mesmo moldá-lo,
inventá-lo”.
Isso nos leva a extrair das palavras e frases, os enunciados, que não se
confundem com estas. Além disso, de acordo com Foucault, não existe enunciado
livre, neutro ou independente. Mas, sim, um enunciado que compõe um conjunto e
desempenha um papel em relação aos demais, seja apoiando-se ou distinguindo-se
destes (BRANDÃO, 2002, p. 30). Pois bem, vamos começar.
Na língua francesa, como já verificado anteriormente, competência (compétence)
pode ser uma jurisdição, ou seja, está relacionada à capacidade de se pronunciar
sobre algum assunto. Enquanto que na língua inglesa, o termo competence está
relacionado diretamente com a questão da capacidade e o termo competency está
mais relacionado à questão técnica, à habilidade, experiência, prática e destreza, na
qual uma habilidade seria um tipo particular de capacidade, uma capacidade de
fazer algo bem.
Por exemplo, quando a OIT, em 1975, formulou um projeto enfocando as
metodologias de medição e certificação das qualificações adquiridas pelos
trabalhadores, por meio de cursos de formação sistemática, pela experiência no
trabalho ou pela combinação de ambas, competência era definida como a
“capacidade real para” alcançar um objetivo ou resultado em um dado contexto.
Numa produção mais recente, aparece a seguinte questão colocada por Dutra
(2002): os trabalhadores deveriam ser analisados e valorizados pelos seus atos e
realizações, isto é, em função da sua “capacidade de” entrega.
72
Ou ainda, para o Ministério da Educação no Brasil, o termo competência designa
qualidade de quem é “capaz de” aprender, julgar ou resolver certo problema, ter
“capacidade para” fazer algo, ter habilidade, aptidão, idoneidade.
Mais uma vez, percebemos a questão da capacidade muito próxima da
competência. Mas, afinal, o que seria capacidade? Conforme Ruas (2005, p.49):
“Capacidade é tudo o que se desenvolve e explora de forma potencial e que é
mobilizado numa ação a qual associamos à noção de competência. Ou seja, não se
trata de considerar as pessoas competentes, mas sim suas ações.”
Além disso, as capacidades podem ser entendidas como potenciais de
competências (conhecimentos, habilidades e atitudes passíveis de desenvolvimento)
que estão disponíveis para serem mobilizados numa situação específica.
O autor argumenta que a combinação e a mobilização de capacidades com a
finalidade de cumprir certa demanda é o que permite o exercício da competência,
que esses potenciais são desenvolvidos em circunstâncias anteriores, como
processos de formação e treinamento ou durante as práticas de trabalho e que as
capacidades aparecem como elementos intangíveis, mas que podem estar
associadas a outros tipos recursos, como instrumentos e equipamentos, sistemas de
informações e instalações; fica muito clara a relação entre os dois termos.
Contudo, se as capacidades (elementos intangíveis), podem estar associadas
a elementos tangíveis da organização, pode-se pensar que a manifestação das
competências está profundamente relacionada com as condições fornecidas pela
própria organização.
Retomando o pensamento deste autor, primeiro, seria necessário verificar
empiricamente se, os indivíduos ou se as suas ações é que estão sendo
consideradas competentes ou incompetentes. Essa questão mostra-se
extremamente relevante.
Se nossa premissa estiver correta, e as pessoas, e não as suas ações
estiverem sendo consideradas competentes (ou incompetentes), o que estará sendo
produzido nesses processos? Que sensações estarão aí envolvidas, que práticas
estarão sendo impulsionadas a fim de escapar de uma sensação de fracasso e ter
acesso a sensações mais agradáveis?
E em segundo lugar, apesar das capacidades também poderem estar
associadas a elementos tangíveis da organização, essa questão não é devidamente
73
compreendida pelos gestores, recaindo a atenção, somente no que está relacionado
à pessoa, ao trabalhador.
Sendo assim, se o trabalhador for considerado incapaz e incompetente – o que
parece estar muito próximo também – seria preciso verificar quais as condições que
os gestores estão proporcionando para que este venha a ser capaz ou competente.
5.3.2 Segundo Enunciado
Outro enunciado extraído se refere ao momento de atuação do trabalhador, no
qual a competência é verificada: “O trabalhador precisa comprovar a cada situação
que é competente”.
Retomando a fala de Ruas (2005 p.51): “[...] a competência só pode ser
reconhecida através de uma ação concreta na situação real de trabalho e na relação
com um desempenho esperado“. O autor complementa sua colocação colocando o
seguinte argumento: “Portanto, ninguém é competente a priori, ou seja, com base
em capacidades desenvolvidas numa situação ocorrida no passado”.
Talvez por isso, o assunto competência seja tratado, na maioria das vezes, como
restrito ao que é visível, ao que é passível de mensuração. Contudo, existem
diversas questões que influenciam diretamente no resultado do trabalho, o que faz
com que o resultado atingido, muitas vezes, esteja aquém do esperado. Outros
autores também fazem referência a essa questão.
Le Boterf apud Ruas (2005, p.48), concebe competência como “a mobilização e a
aplicação de conhecimentos e capacidades numa situação específica, na qual se
apresentam recursos e restrições próprias a essa situação”.
Enquanto Zarifian (2003, p.139) traz a seguinte concepção: “competência é a
tomada de iniciativa e o assumir de responsabilidade do indivíduo sobre problemas e
eventos que ele enfrenta em situações profissionais”.
Tomar a iniciativa frente a algum problema ou questão, numa situação com suas
especificidades não parece ser algo tão complexo a primeira vista. Entretanto, não
se trata somente disto. Do trabalhador é exigido que tome iniciativas, mas que estas
sejam adequadas, disparando processos, nos quais, o resultado seja um resultado
no mínimo satisfatório.
74
Zarifian (2001) e (2003) defende que uma pessoa competente não toma qualquer
iniciativa, ela toma a iniciativa que julga ser a melhor (e que, depois, haverá de
mostrar-se certa). Sendo o passo inicial da iniciativa a elaboração do julgamento
sobre o que é melhor fazer, pois a iniciativa está relacionada aos efeitos que pode
vir a provocar.
A partir dessa argumentação, percebemos que o trabalhador, ao decidir por
tomar uma iniciativa, passa por um micro-planejamento, muitas vezes, algo muito
rápido, e que tem implicação direta nas suas ações. Antes de agir, ele toma a
iniciativa. E é pela iniciativa, que estaria vinculada aos efeitos possíveis, que este
será responsabilizado e cobrado. Mas será responsabilizado e cobrado por quem?
O trabalhador não é responsabilizado e cobrado somente por representantes de
uma hierarquia organizacional ou por uma chefia imediata. A responsabilização e
cobrança podem passar pelos pares de sua atividade e até por si mesmo. Essas
constatações têm relação direta com tudo aquilo que é exigido dele. Quanto mais
complexa a exigência, maior a responsabilização e a cobrança.
Ao tratar da questão da complexidade como meio para explicar as características
das situações, Dutra (2004) argumenta que a complexidade é uma característica
intrínseca de determinada realidade, na medida em que exige diferentes níveis de
articulação do repertório do trabalhador. A complexidade não estaria na situação em
si, mas no que é exigido ao trabalhador.
De qualquer forma, estando a complexidade na situação em si ou no que é
exigido ao trabalhador, ainda assim, quem toma decisões, age e depois é cobrado e
responsabilizado continua sendo o próprio trabalhador.
Além disso, em atividades que permitem certa rotina, o cotidiano de trabalho, de
alguma forma já possui certa estabilidade. Ao ocorrerem situações diferenciadas,
mais do que nunca, nestes momentos é que o trabalhador precisará demonstrar ser
competente.
Os trabalhadores, de uma forma em geral, são responsabilizados por seu
fracasso, ao se mostrarem incapazes. Daí o indivíduo ser o responsável pelos
resultados de sua atividade, assim como por seu desenvolvimento.
75
5.3.3 Terceiro Enunciado
Por último, mas não menos relevante, tem-se o enunciado: “Além da
responsabilidade sobre o resultado de sua atividade, o trabalhador também é
responsável pelo seu desenvolvimento”.
Então, talvez fosse melhor colocar do seguinte modo: a responsabilização está
vinculada aos resultados da atividade de trabalho, assim como à própria
empregabilidade e formação.
Por exemplo, na França, no final de 1974, após longa negociação de um acordo,
no setor de metalurgia, ficaram firmados alguns critérios de classificação referente
ao trabalho. Critérios como responsabilidade, autonomia e exigência de formação
(ZARIFIAN, 2003).
Esse autor, ao definir competência, a relaciona à tomada de iniciativa e ao
assumir de responsabilidade do indivíduo sobre problemas e eventos que ele
enfrenta em situações profissionais. Aqui temos a responsabilidade vinculada
diretamente aos resultados da atividade de trabalho.
O autor ainda explora a questão da responsabilidade como um responder por,
um responder pela iniciativa tomada. A responsabilidade é uma postura previa à
ação propriamente dita, na qual existe uma certa orientação para a ação a ser
tomada, do ponto de vista do lugar ocupado pelo trabalhador na organização, bem
como de seu campo de responsabilidade (ZARIFIAN, 2001).
O trabalhador precisa fornecer uma resposta adequada em cada situação
apresentada a ele. Ele precisa atender a uma espécie de expectativa sobre sua
atuação.
Dutra (2004, p. 17) trabalha com a idéia de ampliação do espaço ocupacional –
processo no qual, o trabalhador agrega valor, conforme vai assumindo
responsabilidades e atribuições mais complexas – além de afirmar que o foco da
gestão de pessoas deslocou-se do controle para o desenvolvimento, na forma de um
desenvolvimento mútuo: de um lado, a empresa, ao desenvolver-se, desenvolve as
pessoas; de outro, as pessoas, ao desenvolverem-se, desenvolvem a empresa. O
foco no desenvolvimento visualiza a pessoa como gestora de sua relação com a
empresa e do seu desenvolvimento e carreira. Mas será que isso realmente
acontece?
76
Está disseminada a idéia de que às pessoas caberia gerir sua carreira, e à
empresa caberia estimular e apóia-las nesse processo. Entretanto, conforme o autor,
é bem provável que a maioria das empresas utilizem o conceito de competência de
modo a extrair mais resultados do trabalho dos indivíduos, sem ter nenhuma
preocupação com o seu desenvolvimento.
Dessa forma, os três enunciados extraídos do material coletado, são
componentes do discurso sobre as competências. Ressaltamos que outros
enunciados relacionados, talvez não estejam contemplados neste trabalho. No
entanto, acreditamos que estes permitiram a caracterização do discurso, pois seu
conjunto expressa o que está em voga sobre o tema.
Pois, conforme Deleuze (2005), as formações discursivas são verdadeiras
práticas, e suas linguagens são capazes de promover e, às vezes, exprimir
mutações. Enquanto que para Rocha-Coutinho (1998), a linguagem não deve ser
considerada como algo dado, nem tampouco a sociedade como algo acabado. A
linguagem deve ser entendida como uma ação situada socialmente, uma forma de
comportamento e de fazer com que os outros se comportem, muitas vezes, levando
a uma reafirmação e consolidação das estruturas sociais existentes.
Acreditamos que esses três enunciados levam à configuração de práticas no
cotidiano de trabalhadores, de modo que ambos acabam por acreditar e, por
conseguinte, a reproduzir certas idéias e comportamentos – o que contribui para a
manutenção, a continuidade da disseminação e institucionalização do discurso.
Além dos enunciados foi possível verificar algumas relações relevantes com o
discurso das competências.
5.3.4 O Desempenho.
Nos Estados Unidos, na década de 60, por exemplo, a identificação dos
atributos fundamentais que permitiriam aos indivíduos “alcançar um desempenho
superior” era realizada. No ensino, era preciso expressar claramente os objetivos em
termos de condutas e práticas observáveis, enquanto que no contexto do trabalho,
as características das pessoas que atingiam o desempenho almejado eram
77
identificadas, fundamentando-se nas capacidades profissionais daqueles
trabalhadores com mais alto rendimento.
Já na Inglaterra, ocorria uma análise da função desenvolvida pelo trabalhador,
na qual os elementos de competência e critérios de avaliação definidos indicariam
“os níveis de desempenho requeridos”.
No artigo “Testing for competence rather than intelligence”, considerado
clássico nessa área de estudo, David McClelland (1973) argumenta que os
tradicionais exames de ensino não garantiam o desempenho no trabalho, nem o
êxito na vida.
Deste modo, percebemos a redução dos comportamentos humanos
praticamente ao que é da ordem do observável. Isso é corroborado por Barato apud
Vieira e Luz (2005), ao explicar que a escola anglo-saxônica ao definir competência
toma como referência o mercado de trabalho, enfatiza os aspectos relacionados ao
“desempenho requerido pelas organizações”, privilegiando os comportamentos
observáveis, uma vez que tem raízes comportamentalistas.
Em nosso país, conforme Manfredi (1998), a partir dos anos 70, ampliam-se
os estudos no campo de avaliação e planejamento educacional, o que envolve a
avaliação dos currículos, programas e projetos educacionais. A maioria destes
estudos desenvolveu-se nos Estados Unidos, tomando por referencial, modelos
estatísticos de avaliação de desempenho escolar, profissional e avaliação de
currículos.
De acordo com o nosso Ministério da Educação, o uso generalizado do
modelo da competência na educação, leva o processo complexo de formação
humana a ser reduzido a um de seus aspectos específicos, que é o desempenho de
tarefas úteis e práticas.
Ao referir-se à questão da capacitação dos profissionais da área educacional,
Heckert (2004a), chama atenção para o fato de que nos cursos de capacitação, os
profissionais dessa área muitas vezes são considerados meros receptores de
informações e conhecimentos. Ocorre o consumo e a aplicação de conhecimentos e
técnicas da moda, como verdades naturalizadas, ao mesmo tempo em que
competência técnica e compromisso político são desvinculados, num contexto de
primazia do resultado, do produto, em detrimento do processo.
Mais uma vez, é possível verificar a competência tratada como restrita ao que
é da ordem do observável.
78
Por isso, o trabalhador ao desenvolver sua atividade, somente será
considerado competente se conseguir atingir o objetivo ou objetivos traçados para
esta. Ou seja, será considerado competente em relação a um desempenho
esperado na atividade de trabalho.
5.3.5 A Perfomance
A questão da performance é próxima à questão do desempenho – ambas
próximas da competência.
Ruas (2005, p. 51) argumenta que:
A exemplo do que ocorre numa representação teatral, na qual o ator
precisa recorrer a uma ação convincente no palco (palavras, gestos,
emoções, etc.) a fim de expressar os pensamentos, sentimentos e desejos
dos personagens (e portanto torná-los credíveis e reais para os
espectadores), a competência só pode ser reconhecida através de uma
ação concreta na situação real de trabalho e na relação com um
desempenho esperado.
Desempenhar, na língua portuguesa, tem a ver com cumprir aquilo a que se
estava obrigado, nesse caso, atingir um resultado estipulado. Também ter a ver com
representar um papel em cena, o que remete à idéia de atuação, de representação.
Por sua vez, a performance, termo de origem inglesa, significa o ato ou processo de
executar uma tarefa, uma ação.
Logo, podemos dizer que desempenho está para resultado, assim como
competência e performance estão para processo. No entanto, processos bem
sucedidos, processos relacionados a um modo de atingir o resultado, pois caso
contrário, não há competência.
Afinal, de que adianta todo um esforço, um engajamento, se no fim do
processo o objetivo não for alcançado? Se pensarmos que esse esforço e esse
engajamento fazem parte de um processo de aprendizado, e que, de algum modo,
numa próxima oportunidade, serão convocados pelo indivíduo em uma situação real
de trabalho, essa mentalidade focada nos resultados perderia força.
79
Para além destas questões ainda é possível verificar outra relação: a qualificação
– uma vez que, por vezes, é tratada como sinônimo de competência.
5.3.6 A Qualificação
Essa relação, em especial, já foi por demais discutida. Contudo, a fim de
construir a análise proposta, será necessário fazermos alguns apontamentos.
Por que este tema está tão disseminado no cotidiano organizacional? De
acordo com Ruas (2005), um possível motivo seria a confusão entre qualificação e
competência.
Na concepção do Ministério da Educação, o termo competência não é oriundo
da área educacional, mas dos negócios, do mundo empresarial e compõe o contexto
da crise do modelo taylorista e fordista, da mundialização da economia, aumento da
competição nos mercados, exigência de maior qualidade dos produtos, redução de
custos e flexibilização da produção e dos vínculos do trabalho.
Para Schwartz (1998, p. 101):
As mudanças técnicas organizacionais e econômicas dos últimos dez
anos levaram os chefes de projetos e de empresas a substituir
progressivamente o termo “qualificação” pelo de “competência” para pensar
o problema dos ajustes das pessoas às tarefas ou aos objetivos, bem como
a buscar procedimentos ou modelos de avaliação dessas competências.
Vieira e Luz, apoiando-se nos estudos de Schwartz sobre as dimensões da
qualificação (dimensão conceitual, social e experimental)
15
, explicam que a
dimensão experimental, associada aos anos 80, à reestruturação produtiva, permite
perceber o conceito de competência tomando o lugar do conceito de qualificação. O
que vai além do prescrito, qualidades relacionadas aos atributos pessoais e
potencialidades, assim como o saber-fazer passam a ser mais valorizados. Ou seja,
15
Para fins de esclarecimento, a dimensão conceitual trata da qualificação como o resultado do
registro de conceitos teóricos formalizados e dos processos de formação, sendo vinculada à
valorização dos diplomas. Enquanto a dimensão social trata da qualificação no âmbito das relações
sociais estabelecidas em função do conteúdo de determinada atividade e seu reconhecimento social.
há a valorização das qualificações e dos recursos de avaliação, com o intuito de verificar se as
qualidades do trabalhador atendem às exigências do posto de trabalho.
80
essa dimensão passa a ser mais valorizada porque está vinculada ao conteúdo real
do trabalho, se opondo aos aspectos vinculados à prescrição.
Ainda para essas autoras, uma vez que a competência é um bem privado e
individual
16
, os próprios trabalhadores passam a ter que gerar as condições de
emprego, de promoção e carreira. Dessa forma, as outras duas dimensões da
qualificação se enfraquecem, levando a um deslocamento do conceito.
Manfredi (1998) argumenta que as expressões qualificação e competência,
parecem ter matrizes distintas. A noção de qualificação estaria associada às ciências
sociais, enquanto a noção de competência estaria historicamente associada aos
conceitos de capacidades e habilidades, construtos da psicologia, educação e
lingüística.
Em seu entendimento, a noção de competência tem sido considerada como
uma alternativa à de qualificação, tendo sido atualizada pelas equipes de recursos
humanos das grandes empresas, principalmente no nível gerencial, para construir
novos critérios de acesso e permanência no emprego, seu reconhecimento e sua
institucionalização.
Com isso, o discurso dos empresários brasileiros e das agências
internacionais de educação, ao não ressaltarem a complexidade do trabalho
(atividade humana, social e cultural), reduzem a competência ao âmbito das
aptidões e habilidades vinculadas às exigências do mercado.
Acreditamos que, realmente tenha ocorrido um deslocamento conceitual da
noção de qualificação para a de competência. Ainda assim, o mais relevante é que
se concordamos com Barros (1997), quando coloca que a qualificação é um
processo que consiste, principalmente, na preparação de uma mão-de-obra
disciplinada e submissa, podemos pensar que essa disciplina e essa submissão já
são outras. Ambas estão vinculadas, cada vez mais, à idéia de formação contínua e
à idéia de empregabilidade. O trabalhador pode ser considerado disciplinado e
submisso no que se refere ao estar continuamente adequando-se às condições
impostas por organizações e pelo mercado de trabalho.
16
Nesta pesquisa, as competências não são consideradas como bens privados e individuais, mas
como algo construído num processo de interação com outros trabalhadores e com cada situação que
se apresenta no cotidiano de trabalho.
81
Mas, o que é esse mercado? Poderíamos pensá-lo como uma instituição
17
, sem
esquecer que pessoas na forma de trabalhadores ou de dirigentes a compõem. As
condições são impostas por quem? Talvez pelos próprios indivíduos, talvez por
grandes corporações.
5.3.7 A Competitividade
Os fenômenos da globalização, de acordo com Luz (2001) têm influenciado na
exigência aos trabalhadores para terem a mesma postura competitiva do mercado.
Exigência que passaria pelo discurso das competências, no qual a gestão de
competências está relacionada à lógica da competitividade. Luz supõe que o
discurso da competitividade esteja sendo levado para o nível das relações
interpessoais, e que, valores e práticas que compõem esse discurso, estejam sendo
repassados às nações, organizações e aos indivíduos.
De acordo com Zarifian (2003), no início dos anos 90 não houve progresso
significativo ao assunto da competência, contudo após a metade desta década, o
tema volta à tona com nova dimensão: a competitividade está relacionada ao
desenvolvimento e à mobilização das competências, e não às tecnologias, às
estruturas organizacionais ou níveis de salários.
Percebemos com os dois últimos autores citados que a idéia de competitividade
também se faz presente no contexto da competência. As organizações precisam ser
competentes, assim como os trabalhadores que compõem seus quadros funcionais.
A própria palavra competência tem profunda ligação com competitividade.
Relembrando os significados da palavra vistos na fundamentação teórica, no latim
competentia tem a mesma raiz que competere (competir), enquanto que na língua
francesa, compétence pode ser uma jurisdição, uma capacidade ou ainda uma
rivalidade.
Nos anos 90, a disseminação do conceito de competência essencial, dos autores
Hamel e Prahalad (1990), como um conjunto de habilidades e tecnologias que
17
Neste caso, Instituição reporta-se ao significado de um conjunto duradouro de idéias, de
fundamentos que regem uma sociedade.
82
proporcionam um diferencial para a competitividade organizacional, vincula consigo
um discurso de caráter estratégico.
Conforme Dutra (2002), a estratégia organizacional deve ser pensada em
conjunto com a gestão estratégica de pessoas. O patrimônio de conhecimentos da
empresa é transferido para os trabalhadores e estes, ao desenvolverem suas
capacidades, transferem para a empresa seu aprendizado, capacitando-a a
enfrentar novas questões.
Ao pensar no espírito de competição entre trabalhadores e entre organizações e
depois disso, pensar em termos relacionados a uma guerra, não seria preciso um
grande esforço. Como em várias questões organizacionais, também no que se refere
às competências esse vocabulário também compõe a maneira dos administradores
expressarem suas idéias na academia, nas empresas e mesmo em publicações
voltadas para executivos-bombeiros – aqueles que precisam rapidamente aprender
a apagar “incêndios organizacionais”: tática, estratégia, campo, desafio,
enfrentamento, vitória, conquista. Esta é uma questão emblemática para perceber o
que está envolvido no cotidiano daqueles que trabalham e vivenciam essa sensação
de competitividade.
5.4 Análise da Produção de Subjetividade
As condições de produção do discurso sobre as competências tornaram possível
destacar a existência de algumas categorias para a análise dos processos de
subjetivação relacionados a este discurso.
5.4.1 A Formação Contínua
A questão da formação foi se disseminando aos poucos, com alguma diferença
temporal, mas de modo insistente, por diferentes contextos. Dentre as exigências do
mercado de trabalho, com implicações no sistema de educação profissional, Steffen
(2005) destaca o uso de métodos de ensino que estimulem o desenvolvimento de
três capacidades básicas: a inovação para a mudança, a adaptação à mudança e a
83
aprendizagem contínua e sistemática para desenvolver capacidades de inovação e
adaptação.
Em relação ao Brasil, Fartes (2000) enfatiza que o ensino profissionalizante era
visto, no começo do século XIX, como obra de caridade, dirigida aos “desvalidos da
sorte
18
.” De acordo com a autora, o SENAI, ao ser criado em 1942, rompe com essa
idéia, passando a orientar a formação profissional segundo as necessidades do
mercado de trabalho.
Então, só para relembrar: no capitalismo, o processo educativo transcende à
mera transmissão de conteúdos, indo até a formação de homens considerados
adequados às funções sociais capitalistas (BARROS, 1997).
Apesar da questão da formação contínua também aparecer como educação
contínua, ou ainda, como aprendizagem contínua, neste trabalho não iremos nos
deter neste ponto. O mais relevante aqui é tentar construir um esquema tal que
permita uma melhor compreensão da sua interação com o discurso das
competências.
Quando Ruas (2005) defende que os potenciais de competência (as
capacidades) teriam sido desenvolvidos em circunstâncias anteriores, como
processos de formação e treinamento, ou mesmo durante as próprias práticas de
trabalho, existe a idéia de que o trabalhador não desenvolve competências somente
no cotidiano de sua atividade, ele também as desenvolveria, pelo menos na forma
de capacidades, em cursos, workshops e pós-graduação latu sensu, entre outros.
É importante ficar claro que não somos contra o desenvolvimento de estudantes
e trabalhadores por meio de cursos e afins. Entretanto, é de se pensar o porquê
destes participarem tanto de tais cursos – os gastos financeiros envolvidos (ou seria
“investimento” em sua carreira?), o esforço despendido depois de uma jornada
cansativa de trabalho, sendo ainda necessário investigar quais seriam as
perspectivas em relação aos conhecimentos serem realmente aplicados em seu
cotidiano.
O motivo, muitas vezes, não seria somente a mera obtenção de um certificado?
Afinal, de que adianta um certificado se os conhecimentos adquiridos não forem
efetivamente colocados em prática? E ainda, há espaço na maioria das
organizações para o trabalhador colocar em prática o que é adquirido em sala de
18
Grifo da autora.
84
aula? Dentre tantas outras questões, essas também mereceriam certa atenção em
outra oportunidade.
Na verdade, o operário-aluno e o executivo-universitário dos quais nos falou
Deleuze (1992b), nunca estão de fato “formados”, pois a forma, os moldes de que o
capitalismo necessita estão sempre em processo de transformação. Nesse sentido,
talvez a forma seja mesmo a de nunca estar pronto. Assim fica mais fácil modelar e
remodelar os indivíduos conforme as necessidades de mercado – aprender a
aprender, aprender a desaprender.
Conforme Foucault (2003, p.233), afora as ciências, os sistemas de verdade
também podem estar ligados ao sistema de informações:
Quando alguém, um locutor de rádio ou de televisão, lhe anuncia
alguma coisa, o senhor acredita ou não acredita, mas isso se põe a
funcionar na cabeça de milhares de pessoas como verdade, unicamente
porque foi pronunciado daquela maneira, naquele tom, por aquela pessoa,
naquela hora.
O discurso das competências e a questão da formação contínua –
poderíamos pensar que as competências ainda fariam parte de um discurso maior, o
da formação contínua – enquanto sistemas de verdade, passam pelas ciências,
assim como pelos sistemas de informações.
Ampliando a idéia de Foucault, atualmente, o operário-aluno e o executivo-
universitário teriam acesso a uma gama de sistemas de informação, como revistas e
jornais de grande circulação, internet e intranet, jornais de circulação interna, murais
de avisos nas escolas, universidades e empresas, palestras e livros.
Mas quais seriam os processos em curso quando a necessidade de formação
contínua é disseminada entre os trabalhadores e empresas?
Barros (2004) argumenta que no momento em que a administração de uma
organização afirma seu apoio a um processo de participação, por exemplo, constitui-
se aí uma espécie de fluidez para novas produções de subjetividade. Com isso,
processos recíprocos e relações de comunicação passam a gerar novas formas e
produtos.
Nesta pesquisa, portanto, os gestores passariam a afirmar o apoio a um
processo de desenvolvimento de competências, por exemplo. A partir desse
momento, são estabelecidas relações comunicacionais entre trabalhadores e
85
organização (representada por aqueles ditos responsáveis pela implementação do
novo sistema, pela cúpula
19
).
Ao afirmar o apoio ao desenvolvimento de competências (seja por meio de
mural, reunião ou conversas de corredor) inicia-se aí um processo no qual todos os
trabalhadores, independente do nível hierárquico, passam a participar: o processo
social e histórico de produção de sentidos. O que os trabalhadores compreendem ao
ouvirem e ao lerem que de agora em diante precisam desenvolver competências?
De acordo com Orlandi (2000), compreender é conhecer os mecanismos que
põem em funcionamento os processos de significação, e porque não dizer, os
mecanismos de produção do sentido. Ela explica que ao ler, se está produzindo,
reproduzindo ou transformando sentidos. Além disso, está se participando do
processo social e histórico de produção dos sentidos, de um lugar social. Pode-se
dizer ainda, que em última instância, está se participando do processo do qual
resulta a institucionalização de sentido.
Vejamos: quem lê sobre competência pode ser um estudante de
administração de empresas, um professor, um executivo, um trabalhador, um
consultor. E, nesse caso em específico, inclusive aquela que está realizando este
trabalho. Cada um desses indivíduos, ao ler está participando do processo de
produção e institucionalização de sentidos. Cada qual a sua maneira, cada qual em
um ponto da realidade, mas está participando.
Que trabalhador ficaria completamente indiferente ao lançamento das
diretrizes de sua organização referentes ao desenvolvimento de competências?
Acredita-se, de fato, ser uma minoria aqueles que conseguem permanecer imunes a
este fato.
A partir do que lhes é colocado, processos de subjetivação são disparados.
Alguma coisa passa a ser produzida a partir desse momento, alguma coisa que varia
de indivíduo para indivíduo, um misto de sensações que em cada um irá ressoar de
maneira diferenciada – desafio, novidade, prazer, aprendizado, desenvolvimento,
currículo, oportunidade, obrigação, ansiedade, esforço, cansaço, medo.
Essa produção subjetiva acaba por modificar alguns de seus territórios de
referência, pelo menos aqueles em interação com o trabalho. O que até então trazia
uma noção do estável, passa por uma reconfiguração. Cada trabalhador, ao seu
19
Não será discutida aqui a falta de coerência dessa postura top-down no relacionamento com os
trabalhadores, nem tão pouco na implementação de novas políticas e práticas de gestão.
86
tempo (ou ao tempo da empresa), tomará ou não certas atitudes em relação ao que
lhe foi solicitado (ou seria exigido)?
Neste ponto, muitos poderiam pensar que as organizações não obrigam
ninguém a nada. Entretanto, qual trabalhador não sabe, ou pelo menos sente, que
caso não se submeta a tais solicitações, poderá vir a ser facilmente descartado?
Creio que até o mais ingênuo deles poderia vislumbrar as conseqüências prováveis
de sua atitude. Aqueles que pretendem permanecer ou passar a compor alguma
organização, tenderão a seguir suas diretrizes por meio de uma adequação contínua
as suas solicitações.
Outra questão pertinente é discutida por Foucault (2005) ao tratar da
qualificação que devem possuir os indivíduos que falam (produzem e reproduzem o
discurso): gestos, comportamentos, circunstâncias, inclusive a suposta ou imposta
eficácia das palavras e seu efeito sobre aqueles aos quais se dirigem, havendo uma
determinação de propriedades singulares e papéis preestabelecidos.
Nesse sentido, Lyotard (1986, p.31) afirma que “há coisas que devem ser
ditas e há maneiras de dizê-las”, privilegiando-se certos tipos de enunciados, por
vezes um único, cuja predominância caracteriza o discurso.
Relembramos neste instante, o pensamento de Deleuze (1992b), no qual
expõe que a educação será cada vez menos um meio distinto do meio profissional, o
trabalho já não está restrito a um local, a uma fábrica, ao mesmo tempo em que a
educação já não está restrita à escola.
Nesse momento, poderíamos pensar que a exigência por uma contínua
formação é acompanhada da idéia de uma suposta garantia de estabilidade no
emprego por se estar sempre atualizado, ou ainda, pela idéia de uma suposta
empregabilidade – para não dizer “como evitar o desemprego”. Enquanto Orlandi
(2000, p. 116) traz uma importante contribuição: “Compreender, eu diria, é saber que
o sentido poderia ser outro”.
O desenvolvimento de competências é considerado um processo contínuo,
pois o trabalhador somente demonstra sua competência in actu, ou seja, em
situação real de trabalho. Por conseguinte, a cada dia, a cada nova situação suas
competências são desenvolvidas e comprovadas perante outros. Além disso, no
momento em que o processo de desenvolvimento de competências, orientado pelos
gestores, está vinculado à participação de cursos e afins, a questão da formação
contínua fica ainda mais em evidência.
87
A sensação de incerteza e instabilidade que paira sobre quase todas as questões
da vida na atualidade, leva a busca incessante por sensações que pelo menos
abrandem esse mal-estar: a certeza e a estabilidade. Contudo, que certeza e
estabilidade são absolutas e duradouras no campo do trabalho?
5.4.2 A Naturalização do Discurso
No ponto em que a investigação encontra-se, convém questionarmos: afinal, por
que as organizações e os trabalhadores convivem e consomem as concepções
sobre competências? É uma lógica imposta? Pensamos que não. Parece mais ser
uma lógica incitada, induzida, pois na medida em que ocorre a produção da
subjetividade que alimenta a necessidade de consumo das idéias sobre
competências (desenvolver competências, criar listas de competências para avaliar
e selecionar pessoal, descobrir competências organizacionais), tem-se aí um
processo cíclico.
Produção de subjetividade capitalista – necessidade de consumir o discurso
sobre competências – busca por meios de desenvolver competências (trabalhador)
ou busca por implementar a abordagem das competências na empresa (gestores) –
reprodução do discurso, senso comum – produção de subjetividades capitalistas que
consomem competência, que aspiram competência.
Existe o pressuposto de que a apropriação pelas pessoas dos conceitos
relacionados às competências é mera questão de tempo: “O processo parece-nos
inexorável, em função das pressões recebidas” (DUTRA, 2004, p.35). Ou seja, não
há uma discussão sobre alternativas ou outros modos de repensar as relações de
trabalho.
O autor prossegue em seu argumento: “Há pontos que precisamos trabalhar mais
intensamente para aprimorar o uso dos conceitos e, principalmente, para que sejam
efetivamente internalizados pelos gestores e pelas pessoas”. A preocupação parece
limitada pela necessidade de construir maneiras que façam com que trabalhadores e
gestores assimilem e tenham como sendo suas as idéias sobre competência.
De acordo com Lefebvre (1991), na atualidade, as opressões não são
percebidas, nem tampouco vivenciadas como tais, sendo justificadas ou mesmo
88
interpretadas como condições de uma liberdade interior. Existe muito mais uma
auto-repressão por parte de indivíduos e grupos, do que uma repressão, em nosso
cotidiano.
A percepção do inexorável, do inevitável no que se refere às competências
parece compor um quadro bem mais amplo, no qual os aspectos subjetivos da
globalização, e porque não dizer, do próprio capitalismo estão presentes.
Ao discutir os processos de institucionalização da globalização, Heckert (2004b)
atenta para a conotação de inevitabilidade, por meio da qual todos países devem
participar dessa lógica, a fim de sobreviverem econômica e politicamente. Essa
inevitabilidade estaria vinculada aos processos de naturalização dos efeitos da
globalização. O inevitável também é tratado por Guattari e Rolnik (1993, p. 43) na
seguinte passagem: “Querem nos convencer de que estamos mergulhados numa
espécie de fatalidade”.
Não ocorre um questionamento sobre certas práticas, não há uma reflexão sobre
possíveis transformações no cotidiano. É como se tudo o que está acontecendo
atualmente, fosse algo natural, e não algo que tenha sido construído por meio da
participação dos indivíduos. Das práticas ao discurso, do discurso às práticas – e a
mesma sensação de passividade e aceitação parece acompanhar a ambos.
Quando Foucault passa a analisar a formação do discurso há uma tentativa de
compreensão do processo que faz com que determinadas forças constituam um
discurso como sendo verdadeiro.
Ele procura saber como o humano entra nos jogos de verdade (ciência,
instituições, práticas de controle sobre este) por meio das práticas sociais, que
manifestam as relações de poder existentes em uma sociedade (SOUZA, BIANCO e
MACHADO, 2005).
Ainda conforme esses autores, Foucault concentra-se nas práticas em que o
poder e o saber se entrecruzam, ou seja, em como a compreensão de indivíduo, da
sociedade e das ciências humanas é fabricada.
A partir da contribuição de Machado (1999), é possível repensar as concepções
sobre competências como formas-subjetividade, pois são formas aproximadamente
estáveis, mas que estão em transformação constante.
Analisando as competências nesse nível de caráter macro (como um conjunto de
concepções, uma abordagem, um discurso ou mesmo, uma necessidade de
consumo para empresas e trabalhadores), verifica-se que a estabilidade está
89
relacionada ao que está posto no mercado, na sociedade, em forma de produto, mas
que se encontra em processo de transformação devido aos estudos e investigações,
devido às próprias práticas organizacionais referentes às competências, e devido
aos trabalhadores que as vivenciam no dia-a-dia.
Existe uma forma provisória para o que está posto na sociedade em relação às
competências. Pode-se imaginar essa forma provisória como um esboço, no qual
são inseridos ou retirados traços e detalhes com o passar do tempo. E essa forma
provisória, com contornos definidos, está sujeita à mudança em suas práticas, em
sua teoria, em seu discurso.
Poderíamos analisar as competências também no nível micro (a competência de
um trabalhador) – apesar de não ser o foco desta investigação – e verificar-se que a
estabilidade da forma-subjetividade está relacionada ao que é percebido na ação do
trabalhador, ao que toma vida em sua atividade de trabalho, ao que praticamente é
rotineiro em sua atuação.
Contudo, existindo, ao mesmo tempo, um processo de transformação no que se
refere ao desenvolvimento da própria competência, de novas competências ou
mesmo da atrofia da competência, no sentido de sua não utilização. Aqui teríamos
um modo de subjetivação, um processo de mudança que ocorre sistematicamente.
Portanto, pode-se então, pensar que o processo de construção das concepções
sobre as competências, no que se refere ao campo prático e teórico, tanto para as
organizações e trabalhadores, como para estudiosos, envolve a produção de
subjetividade, é um modo de subjetivação. E, apesar dessas mudanças sempre em
processo, o discurso sobre as competências pode ser compreendido como sendo
uma forma-subjetividade, com certa territorialidade definida (aquela que serve como
uma espécie de referência, promovendo sensações de segurança e estabilidade).
Conforme Dutra (2002), nos últimos vinte anos, um supervisor de produção
agregava mais valor que um ajudante de produção, enquanto, atualmente,
praticamente não existe mais o ajudante, mas sim, o operário multifuncional e
polivalente, e às vezes, nem mais o supervisor, mas sim, grupos semi-autônomos.
Da mesma forma, o autor defende que como o mercado não podia ficar sem um
elemento de diferenciação a partir da falência dos cargos (que serviam como
elementos diferenciadores), e, “naturalmente”, a complexidade das atribuições e
responsabilidades passaram a ser elemento de diferenciação.
90
De fato, concorda-se com esse autor, quando demonstra que nos anos 80, as
descrições de cargos eram enfocadas na descrição das funções e atividades,
enquanto que atualmente, as descrições procuram definir as expectativas de
entrega, apresentando uma escala crescente de complexidade. Mas é importante
ressaltar que isso se dá – baseando-se na leitura dos estudos empíricos sobre
competências – em um número reduzido de organizações. Além disso, seria preciso
investigar se a complexidade das atribuições e responsabilidades do cargo
passaram a ser elemento de diferenciação de um modo realmente “natural”.
Esse autor, de fato, percebe o discurso das competências como sendo algo
dessa ordem:
A empresa moderna está naturalmente inclinada a estabelecer uma
prática mais vinculada aos aspectos observados na abordagem por
competências, assim como as pessoas reagem de forma mais positiva a
uma abordagem que leva em consideração a sua carreira. Apesar disso, o
sistema formal das empresas ainda é construído sob a abordagem
tradicional, centrada em cargo. (DUTRA, 2004, p. 62)
Manfredi (1998) argumenta que a noção de competência foi incorporada nos
discursos de técnicos da área do trabalho em órgãos públicos, empresários e alguns
cientistas sociais, como se fosse uma decorrência natural do processo de
transformação do trabalho.
Talvez seja preciso pensar que esse “natural”, na verdade, esteja mais para
processos de subjetivação que permitiram a construção de certo território de
estabilidade e segurança para aqueles que decidem quem é adequado ou não para
compor seus quadros funcionais, ou ainda, para vários daqueles que investigam as
questões relacionadas ao trabalho.
Um executivo poderia pensar o seguinte: “afinal, se a noção de qualificação,
pelo que falam, parece já não dar conta das exigências do mercado, e se os
concorrentes, as revistas e os gurus do mundo dos negócios falam que é preciso
seguir a lógica da competência, por que eu não acreditaria”?
Da mesma maneira, poderíamos pensar em processos de subjetivação que
levaram à construção de certo território de estabilidade e segurança para aqueles
que tentam se adequar às exigências do mercado de trabalho. Contudo, essa
sensação de estabilidade e segurança é algo relativo e passível de transformação.
91
É como se a sensação de insegurança e instabilidade pudesse ser controlada
no momento em que é formada uma concepção de verdade, uma concepção de
natural, no que se refere ao estar sempre aprendendo e desaprendendo, ao estar
pronto para mudanças em sua atividade, em seu setor, em sua empresa, a estar
pronto para deslocamentos geográficos devido ao trabalho.
Na busca de uma amenização da sensação de estar constantemente num
turbilhão de acontecimentos, ocorre a formação de um espaço subjetivo, o qual,
também é passível de mudanças. Contudo, e diferente da época inicial de
industrialização, na qual, as mudanças eram mais lentas, hoje, a formação dessas
referências converge para uma forma-subjetividade predominante, na qual, as
rápidas e diversas mudanças já estão pré-estabelecidas. Já são esperadas. A idéia
de que mudanças rápidas podem e irão acontecer é algo dado, naturalizado.
Mas, mesmo que a idéia de mudança componha o cotidiano, a sociedade é
incoerente, diria Lefebvre (1991, p. 119). Uma sociedade “[...] que ama o efêmero,
que se diz produtivista, que se pretende móvel, dinâmica, mas que adora equilíbrios,
honra estabilidades e eleva ao pináculo as coerências e as estruturas [...]”.
Enfocando o trabalho, é possível verificar que o aprender a aprender, o
desenvolvimento de competências e, numa dimensão mais ampla, a formação
contínua são questões que já fazem parte do cotidiano de muitos daqueles que
estão de um modo ou de outro interagindo com o mercado de trabalho (inclusive
aqueles que estão em busca de trabalho). Por isso, podemos pensar numa
sensação de estabilidade e segurança que é relativa.
É certo que por vezes, essa forma-subjetividade é abalada, seus contornos se
movimentam. Então, a estabilidade e a segurança (mesmo relativas) desmoronam
causando sensações consideradas desagradáveis, que até mesmo podem vir a
influenciar a própria saúde. Esse movimento de mudança na forma do espaço
subjetivo, esse processo, é um modo de subjetivação.
No caso das competências, esse processo pode ser desencadeado por novas
exigências da empresa no que se refere à realização de cursos, ao cumprimento e,
se possível, à extrapolação das metas estabelecidas, incluindo a própria exigência
de desenvolvimento de certas competências.
Se pensarmos em termos de discurso, a forma-subjetividade predominante
sobre competências poderia sofrer movimentos de mudança no que se refere as
suas concepções e práticas. Algo que ocorre cotidianamente. Contudo, não se
92
verifica alterações consideráveis e marcantes, e, sendo assim, a forma
predominante apresenta mais estabilidade do que instabilidade.
Lembrando que a subjetividade é produzida, e que existe uma relação entre
produção e consumo, é necessário novamente questionar-se: quem consome essa
produção? Solicitando de empréstimo, a Lazzarato e Negri (2001), a expressão
“consumidor comunicador”, pode-se pensar sobre o quanto o próprio consumidor
(trabalhador, empresário, estudante) desta produção (concepções sobre
competências) é participante no processo de construção dessa relação.
Nessa relação, aquele que consome é co-partícipe da reprodução dessas
concepções e práticas. Quem “compra” uma idéia, acreditando, consumindo-a, e,
por conseguinte, reproduzindo-a, o faz em meio a tantos outros indivíduos que
podem, ou não, vir a acreditar que precisam também consumi-la, participando do
movimento de sua disseminação e institucionalização.
93
6 CONCLUSÃO
No que se refere à caracterização do discurso, foi possível verificar que
algumas idéias estão disseminadas. Idéias que neste trabalho foram identificadas
como vinculadas aos enunciados que compõem o discurso das competências e que
colaboram para que os indivíduos acreditem cada vez mais que precisam
demonstrar ter capacidade para tomar decisões certas no momento certo, em todas
as situações de trabalho, que precisam se responsabilizar pelo resultado de sua
atividade, assim como pelo seu próprio desenvolvimento.
Verificamos que quando a industrialização, de fato, começou a fortificar-se e
disseminar-se, passando pela produção em massa, pelo início do consumo de
massa, a ocorrência de um fato fundamental: o momento no qual, alguns indivíduos
começaram a teorizar a partir de sua prática no mundo organizacional.
Com isso, começaram a disseminar suas idéias por várias partes do mundo,
passando por duas grandes guerras – que levaram a uma reconfiguração de
relações políticas e econômicas em vários países – pela disseminação do uso da
energia elétrica – tudo fica mais rápido. Podemos pensar que os esforços de
governos, empresas e instituições vinculadas ao trabalho e à educação, sempre
foram acompanhados pelas idéias disseminadas em suas épocas.
Sendo praticamente impossível ficar imune ao que está sendo colocado na
forma de discurso em uma sociedade. É certo que se pode resistir a uma ou outra
orientação, mas é fato, que grandes instituições, acabam por seguir as orientações
de uma instituição maior: o mercado – totalmente vinculado ao capitalismo.
Além disso, se tomarmos uma das funções que visa a garantia da
sobrevivência de um sistema social, e neste trabalho, interessa o sistema social
denominado organização, percebe-se que os valores considerados predominantes e
os comportamentos considerados adequados tentam garantir a continuidade da
reprodução dos valores relacionados aos interesses da organização. Ou seja, se o
indivíduo não participa dessa reprodução, não se adapta aos padrões
organizacionais, ele é descartado, não apenas porque não atende aos resultados de
sua atividade, mas sim, porque a disseminação de suas idéias (consideradas
diferentes da verdade imposta pela empresa) pode representar uma ameaça à
sobrevivência do sistema.
94
O que incita à propagação das concepções sobre as competências tem
origem na competitividade, na rapidez das mudanças nos mercados e nos
consumidores, assim como no modo de selecionar os mais adequados para
desempenhar alguma atividade nas organizações.
O que incita à propagação das concepções sobre as competências também é
a expectativa de que os trabalhadores busquem e tenham um desempenho mais
adequado às demandas atuais, é a expectativa de algumas organizações em
implantar um sistema de remuneração mais flexível e coerente, quanto às
capacidades daqueles que preenchem seus quadros funcionais. Pode ser tudo isso,
e talvez possa ser ainda mais.
É como se houvesse certo paradoxo nos estudos organizacionais: de um
lado, o indivíduo precisa aprender a aprender e desaprender continuamente, se
formando conforme as necessidades da organização, de outro, o indivíduo não pode
errar, tem que comprovar a cada situação que é capaz e competente. Mas como
aprender sem errar?
É importante perceber que se o esforço despendido pelo trabalhador e o
engajamento, fazem parte de um processo de aprendizado, e que, de algum modo,
numa próxima oportunidade, serão convocados pelo indivíduo em uma situação real
de trabalho, essa visão perderia força.
Não seria possível compreender a constituição desse discurso sem esmiuçá-
lo. Primeiro, inventar quais peças o compõem, depois, como num quebra-cabeça,
todas as peças jogadas em cima da mesa, começa aí uma série de tentativas de
recomposição da sua formação.
Mas, as peças ainda se movem. E o que parece encaixar num instante, no
seguinte já compõe outra parte da figura. Em certos casos, uma mesma peça
poderia encaixar em lugares distintos. Talvez a figura seja melhor compreendida se
pensarmos na composição de uma rede, não plana, mas com algumas peças em
desnível, que se movimentam de vez em quando para compor determinada
configuração momentânea.
Por isso, podemos pensar que em certos momentos da história havia certas
configurações e o conhecimento destas, permite a visualização de um desenho mais
completo do discurso em foco.
95
A análise da produção de subjetividade relacionada ao discurso das
competências foi realizada a partir da existência das categorias: formação contínua e
naturalização do discurso.
Quando os gestores afirmam o apoio ao desenvolvimento de competências
inicia-se aí um processo no qual, todos os trabalhadores, independente do nível
hierárquico, passam a participar: o processo social e histórico de produção de
sentidos. O que os trabalhadores compreendem e sentem ao ouvirem e ao lerem
que de agora em diante precisam desenvolver competências?
Que trabalhador ficaria completamente indiferente ao lançamento das
diretrizes de sua organização referentes ao desenvolvimento de competências? A
partir do que lhes é colocado, processos de subjetivação são disparados. Alguma
coisa passa a ser produzida a partir desse momento, alguma coisa que varia de
indivíduo para indivíduo, um misto de sensações que em cada um irá ressoar de
maneira diferenciada.
Essa produção subjetiva acaba por modificar alguns de seus territórios de
referência, pelo menos aqueles em interação com o trabalho. O que até então trazia
uma noção de estabilidade, passa por uma reconfiguração. Cada trabalhador, ao
seu tempo (ou ao tempo da empresa), tomará ou não certas atitudes em relação às
idéias que lhe foram expostas.
O discurso das competências ao interagir com a formação contínua, acaba
interagindo com outras questões como a idéia de estabilidade no emprego, além da
própria idéia de empregabilidade.
Não há como isolar o discurso das competências de outras questões que
estão colocadas no campo do trabalho. De fato, não há como isolar qualquer
discurso do campo do trabalho de questões vinculadas aos modos de vida no
capitalismo.
Quanto à naturalização do discurso, existe o pressuposto de que a
apropriação pelas pessoas dos conceitos relacionados às competências é mera
questão de tempo. Existe aí uma idéia de inevitabilidade, talvez produzida por algo
maior – o capitalismo e os aspectos subjetivos da globalização, juntamente com
processos que levam à naturalização dos efeitos desta última.
Apesar das constantes mudanças sempre em processo no discurso sobre as
competências, este pode ser compreendido como produzindo uma forma-
subjetividade, com certa territorialidade definida. Essa forma, cotidianamente, sofre
96
movimentos de mudança no que se refere as suas concepções e práticas. Contudo,
não verificamos alterações consideráveis e marcantes, e, sendo assim, a forma
predominante apresenta mais estabilidade do que instabilidade, numa tendência à
naturalização.
No que se refere ao trabalhador, na busca por amenizar a sensação de estar
constantemente num turbilhão de acontecimentos, ocorre a formação de um espaço
subjetivo, o qual, também é passível de mudanças. Contudo, e diferente da época
inicial de industrialização, na qual, as mudanças eram mais lentas, atualmente esse
espaço converge para uma forma-subjetividade predominante – competitividade,
flexibilidade, formação contínua, sensação temporal mais veloz – na qual, as rápidas
e diversas mudanças já estão pré-estabelecidas. Já são esperadas. A idéia de que
mudanças rápidas podem e irão acontecer é algo dado.
Essa forma seria poderia ser composta pela idéia de inevitabilidade, pela
prática de empresas e trabalhadores que percebem esse tema como algo natural,
pelas sensações de medo. Medo de perder o emprego, de nem consegui-lo, de não
participar dessa lógica, de não estar em constante formação, por sensações de
insegurança, pois caso erre, poderá ser considerado incompetente e arcar com as
conseqüências.
Além disso, existe muito mais uma auto-repressão por parte de indivíduos e
grupos, do que uma repressão, fato que leva a busca constante por adaptação às
exigências a eles colocadas. O próprio consumidor (trabalhador, empresário,
estudante) desta produção (concepções sobre competências) é atuante no processo
de produção e reprodução desse discurso.
Seria interessante observar que existe, pelo menos até o momento, muito
mais o consumo das concepções sobre competências, do que propriamente das
práticas organizacionais vinculadas a estas (remuneração, seleção, treinamento). As
práticas, de fato, ainda estão restritas a poucas organizações.
Contudo, o consumo das concepções acaba por disparar processos de
subjetivação que produzem modos de viver e sentir no cotidiano dos trabalhadores.
Esses modos impregnam as práticas cotidianas, talvez micro-práticas, nas quais
decisões são tomadas – sobre a atividade de trabalho, sobre a continuidade ou não
de sua formação, sobre a postura adequada a ser tomada diante das orientações
organizacionais, sobre como lidar com os outros indivíduos.
97
A necessidade de repensar os limites da competência como além do que é
mensurável, como algo que pode ir além do que é visível e passível de avaliação,
podem ser representadas por um processo de subjetivação. Nesse processo de
subjetivação reside uma espécie de recusa aos modos preestabelecidos, aos modos
de manipulação. A proposta é pensar a interface subjetividade e competências não
como uma verdade ou algo natural.
Embasando-se em micro-análises, que merecem um maior aprofundamento,
a questão de pesquisa pôde ser respondida. Podemos pensar a interface
subjetividade e competências no campo de trabalho como possuindo limites
definidos de acordo com os próprios pontos levantados durante a investigação: as
idéias vinculadas nos enunciados, as questões relevantes que parecem acompanhar
o discurso, o que é da ordem do visível, como os acontecimentos, e a própria
produção de subjetividade.
No decorrer de sua construção, pode-se perceber o quanto há ainda por
investigar quando se trata da subjetividade no campo do trabalho. Dentro dos limites
dos assuntos tratados aqui, seria, antes de tudo, necessário ampliar a investigação
dos processos de subjetivação que acompanham o cotidiano do mundo do trabalho.
Quais mecanismos estão aí atuando e de que maneira?
Investigar a naturalização das práticas organizacionais também parece ser
necessário. Além disso, é preciso pensar sobre o fato da academia realizar
pesquisas organizacionais, em sua maioria, em grandes empresas, visto que a
maioria das empresas em nosso país é composta de micro e pequenas empresas.
Não estaria aí um caminho para as naturalizações que se sucedem? Ao se
pensar, investigar e escrever sobre “as grandes”, as demais continuam precisando
ter acesso ao que é produzido em termos de conhecimento. Logo, estas consomem
o que está disponível – uma literatura não voltada para a sua realidade.
Uma última questão a ser pensada, e talvez seja a mais delicada, é de que
maneira está se dando a formação de administradores, visto que é um dos cursos
superiores mais procurados. Ou seja, pensar sobre qual produção de subjetividade
compõe a formação daqueles que farão parte das cúpulas organizacionais, que
gerenciarão equipes de trabalhadores, e que, em última instância, reproduzirão a
mentalidade do mercado, muitas vezes, sem uma postura crítica e sem pensar na
complexidade do humano no campo do trabalho.
98
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