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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ADMINISTRAÇÃO
ALMIR CORDEIRO JÚNIORn,m,
AÇÕES SOCIAIS PREVENTIVAS DA VIOLÊNCIA:
Uma análise do Centro Integrado de Cidadania,
à luz da teoria de modelos de produção.
VITÓRIA
2005
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ALMIR CORDEIRO JÚNIOR
AÇÕES SOCIAIS PREVENTIVAS DA VIOLÊNCIA:
Uma análise do Centro Integrado de Cidadania,
à luz da teoria de modelos de produção.
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Administração da Universidade
Federal do Espírito Santo, como requisito parcial
para a obtenção do grau de Mestre em
Administração.
Orientadora: Professora Doutora Mônica de Fátima
Bianco.
VITÓRIA
2005
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ALMIR CORDEIRO JÚNIOR
AÇÕES SOCIAIS PREVENTIVAS DA VIOLÊNCIA:
Uma análise do Centro Integrado de Cidadania,
à luz da teoria de modelos de produção.
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Administração da Universidade
Federal do Espírito Santo, como requisito parcial
para a obtenção do grau de Mestre em
Administração.
Aprovado em
BANCA EXAMINADORA
Professora Doutora Mônica de Fátima Bianco
Universidade Federal do Espírito Santo – UFES
Professor Doutor Ricardo Roberto Behr
Universidade Federal do Espírito Santo - UFES
Professor Doutor Luiz Eduardo Soares
Universidade Estadual do Rio de Janeiro - UERJ
Dedico este trabalho
À minha esposa, Marlene, e aos meus filhos,
Isabela, Sebastião Francisco e Giovanna,
pelo incentivo, carinho e amor, sempre demonstrados,
e pela paciência e compreensão durante o seu desenvolvimento.
À minha mãe, Iza,
pela ajuda inestimável com a correção dos originais e
por suas orações, que me sustentam em todas as caminhadas.
À minha sogra, Ana,
por seu apoio que entendo sempre esteve presente.
Ao meu pai, Almir Cordeiro (in memorian)
e ao meu sogro Sebastião Francisco de Deus (in memorian):
sei que vocês se alegrariam por esse momento.
AGRADECIMENTOS
À professora Mônica de Fátima Bianco, que com sua atenção e orientação me permitiu chegar
ao mundo dos modelos e para ele direcionar este trabalho, agregando inestimável valor à
tentativa de torná-lo útil para outras pesquisas sobre centros integrados de cidadania.
Ao Professor Luiz Eduardo Soares que, na qualidade de Secretário Nacional de Segurança
Pública, viabilizou os recursos para o programa de treinamento do CIC-Vitória e,
indiretamente, tornou possível a realização dos grupos focais.
Aos professores do Programa de Pós-Graduação em Administração da UFES que me abriram
horizontes nunca antes imaginados.
Particularmente, ao Professor Ricardo Roberto Behr cujos ensinamentos mais do que
aprofundaram os meus conhecimentos metodológicos, tornaram-nos particularmente caros.
Aos entrevistados, que não podem ser nominados, mas que dedicaram parte importante do seu
tempo à custa de suas atividades normais ou de lazer, tornando possível a aplicação dos
métodos de pesquisa selecionados.
Aos alunos do 7º período do Curso de Administração da FDV, turma 2004/1, pela valiosa
ajuda nas entrevistas realizadas com as unidades de atendimento do CIC-Vitória.
“Mas, ainda temos um longo caminho diante de nós.
O mundo entrou num novo século, aliás num novo milênio, e no
entanto ainda nos sentimos assediados por antigos problemas.
Desse modo, diversos grupos e comunidades inteiras, em todas as
regiões do mundo, continuam a sofrer os efeitos da guerra, de
conflitos internos, da injustiça, da pobreza, intolerância, racismo,
marginalização e variadas formas de violência. Permanecem não
atendidos os direitos básicos de milhões de indivíduos, inclusive
aqueles que costumamos associar ao cerne da identidade pessoal ou do
grupo, tais como a linguagem e a cultura.
O mundo permanece como um lugar onde as condições para que
as pessoas vivam em paz, umas com as outras, são ainda muito frágeis
e particularmente vulneráveis ao ressentimento derivados de injustiças
e iniqüidades sociais estruturadas”.
Koichiro Matsuura, Diretor-Geral da UNESCO
RESUMO
Nesta pesquisa buscou-se identificar o modelo de organização e gestão da produção de
serviços e do trabalho existente no Centro Integrado de Cidadania de Vitória (CIC-Vitória) e
confrontá-lo com um outro construído teoricamente a partir da realização de grupos focais e
entrevistas em profundidade. A investigação teve caráter qualitativo e envolveu não apenas o
pesquisador, mas também pessoas atuantes nas unidades prestadoras de serviço no CIC-
Vitória e especialistas nas áreas temáticas envolvidas. Iniciou-se com a abordagem da
violência na região da grande Vitória, pano de fundo adiante do qual se desenvolveu o
trabalho, para em seguida construir o modelo vigente por meio da análise de um cenário
organizacional com mais de 20 órgãos das esferas federal, estadual e municipal, convivendo
com empresas da iniciativa privada e buscando oferecer serviços aos cidadãos. Estes serviços,
por sua vez, foram analisados a partir dos instrumentos governamentais que originaram a sua
concepção para, em seguida, serem categorizados de acordo com as principais classificações
da literatura específica e, num terceiro momento, discutidos como integrantes de um processo
de produção induzido pelo cidadão-usuário. A construção do modelo teórico teve início com a
implementação dos grupos focais e das entrevistas em profundidade para, numa etapa
subseqüente, confrontar-se os textuais produzidos, resultando essa confrontação analítica nos
pressupostos que conformaram o modelo ideal. Assim estabelecido, pode-se verificar a
proximidade ou o afastamento deste em relação ao modelo vigente. Os resultados
evidenciaram que, enquanto o modelo vigente volta-se para o aspecto estrutural-operacional,
circunscrito ao espaço interno do CIC-Vitória, o modelo ideal aponta para a necessidade de se
construir uma via de comunicação com o cidadão-usuário que contemple tanto a peregrinação
deste ao CIC quanto a atuação do CIC em seu habitat, via presença nas comunidades.
Conclui-se que a incorporação dessa perspectiva ao modelo vigente, torna a atuação do CIC-
Vitória mais efetiva como ação social preventiva da violência.
Palavras-chave: Modelo de organização. Gestão da produção de serviços. Abordagem
sociotécnica. Violência e resolução de conflitos.
ABSTRACT
With this research it was intended to identify the organizational and service operations
management models that exist on the Centro Integrado de Cidadania de Vitória (CIC-Vitória)
and compare these with another one theoretically built from propositions of focal groups and
in-depth interviews. The investigation was a qualitative research that involved not only the
researcher, but also professionals from the service units of the CIC-Vitória and specialists in
the thematic areas investigated. This dissertation was initiated with an analysis of the violence
in the Grande Vitória region, a background in which the dissertation was developed, and from
which was constructed the actual model, based on the analysis of the organizational scenario
in more than 20 federal, state and municipal institutions, interaction with private business and
direct work with services to citizens. These services, therefore, where analyzed with the
governmental indexes that originated their conception and, subsequently, were categorized in
accord with the main classifications of the specific literature and, on a third moment, debated
as belonging to the production process initiated by the client-citizen.
The construction of a theoretical model began with the implementation of focus groups and
in-depth interviews and followed with a discourse analysis, which resulted on an analysis of
identified propositions that generated the model. Moreover, it made possible the verification
of the proximity or distance of this model in relation to the current one. The results indicated
that, while the current model is focused on the operational-structural aspect, situated inside
the CIC-Vitória, the ideal model points toward the necessity of the construction of an
communication channel with the client-citizen that contemplates not only his access to the
CIC but the CIC actuation in his habitat, as a presence on the communities. It was concluded
that the incorporation of these perspective to the current model makes more effective the
actuation of the CIC-Vitória as a social action to prevent violence.
Keywords: Organizational model; service operations management; socio technical
perspective; violence and conflict resolution.
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 Unidades de Atendimento presentes no Centro Integrado de Cidadania de
Vitória ............................................................................................................. 75
Quadro 2 Principais considerações de desenho dos sistemas de alto e baixo contato .....80
Quadro 3 Taxonomia dos serviços selecionados do CIC-Vitória, segundo Chase ..........81
Quadro 4 Matriz intensidade do contato do cliente com o prestador de serviços x
prazo de execução ........................................................................................... 82
Quadro 5 Matriz destinatário do serviço x natureza da prestação de serviços ............... 84
Quadro 6 Matriz relacionamento entre a organização de serviços e o cidadão x
natureza da prestação de serviço ..................................................................... 87
Quadro 7 Matriz poder de decisão do prestador de serviços x extensão da
personalização do serviço ............................................................................... 89
Quadro 8 Extensão das flutuações da demanda no tempo x extensão em que a oferta é
restringida ....................................................................................................... 92
Quadro 9 Disponibilidade de pontos de oferta dos serviços x natureza da interação
entre o cidadão e o prestador de serviços ........................................................ 94
Quadro 10 Matriz grau de interação e personalização x grau de intensidade de mão-de-
obra ................................................................................................................. 97
Quadro 11 Taxonomia dos serviços do CIC-Vitória, a partir da pesquisa realizada ...... 101
Quadro 12 Natureza e distribuição das questões sobre o papel do CIC-Vitória,
propostas para os grupos focais .................................................................... 140
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
(GRÁFICO, MAPAS, ESQUEMAS E FIGURA)
Gráfico 1 Taxa de óbitos por homicídios, para a faixa etária de 15 a 24 anos, no
período 1996-2002, nas regiões de Vitória, Recife, Rio de Janeiro e São
Paulo ............................................................................................................... 62
Mapa 1 Concentração das ocorrências de crimes violentos letais intencionais,
registradas pela Polícia Militar do Espírito Santo, na região metropolitana
de Vitória, entre 2000 e 2003 .......................................................................... 64
Mapa 2 Concentração das ocorrências de crimes violentos letais intencionais,
registrada pela Polícia Militar do Espírito Santo, no município de Vitória,
entre 2000 e 2003 ............................................................................................ 65
Mapa 3 Homicídios em Vitória e Maruípe, no período de 1999 e 2001 ...................... 65
Esquema 1 Concepção de Serviços, segundo Gadrey ..................................................... 102
Esquema 2 Função do estoque e do cliente ..................................................................... 104
Esquema 3 Função do fornecedor e do cliente em espera ............................................... 104
Esquema 4 Função do estoque e do cliente em espera .................................................... 105
Figura 1 Design da pesquisa desenvolvida .................................................................. 126
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 Ordenamento das Unidades da Federação (UF) e das capitais por taxa de
homicídios ........................................................................................................... 39
Tabela 2 Número de óbitos por homicídios, 1991-2000 .................................................... 61
Tabela 3 Ranking das cidades mais violentas .................................................................... 63
Tabela 4 Número de cidadãos-usuários atendidos no CIC-Vitória .................................. 187
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
CIC Centro Integrado de Cidadania
CIC-Vitória Centro Integrado de Cidadania de Vitória
CIVIT Centro Industrial de Vitória
CVRD Companhia Vale do Rio Doce
DATASUS Departamento de Informação e Informática do Sistema Único de Saúde
DQO Mnemônico da função executada a partir dos recursos em estoque no
fornecedor, adquiridos após a solicitação do serviço, e com o cliente em
espera
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
ICMS Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços
IPEA Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
FUNDAP Fundo de Desenvolvimento das Atividades Portuárias
FUNRES Fundo de Recuperação do Espírito Santo
PBQP Programa Brasileiro de Qualidade e Produtividade
PNDH Programa Nacional de Direitos Humanos
PNSP Plano Nacional de Segurança Pública
PQSP Programa da Qualidade no Serviço Público
PROCON Procuradoria de Defesa do Consumidor
SCO Mnemônico da função executada a partir dos recursos em estoque e da
chegada do cliente
SENASP Secretaria Nacional de Segurança Pública
SQO Mnemônico para função executada a partir dos recursos em estoque e com o
cliente em espera
UNESCO Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ................................................................................................... 15
1.1 Apresentação do problema .................................................................................. 17
1.2 Objetivos .............................................................................................................. 19
1.2.1 Objetivo geral ...................................................................................................... 19
1.2.2 Objetivos específicos ........................................................................................... 20
1.3 Justificativa .......................................................................................................... 20
1.4 Limites do trabalho .............................................................................................. 21
1.5 Estrutura do trabalho ........................................................................................... 22
2 O LADO ENSOLARADO DA RUA .................................................................. 26
3 MORRE-SE MAIS EM VITÓRIA DO QUE NA COLÔMBIA ......................... 36
3.1 A concentração demográfica ............................................................................... 41
3.1.1 1º ciclo migratório – o processo de erradicação do café ..................................... 42
3.1.2 2º ciclo migratório – o processo de industrialização ........................................... 46
3.2 A crise da cidadania ............................................................................................. 51
4 ENQUANTO ISSO, NO PLANALTO CENTRAL... ......................................... 61
4.1 O modelo do Programa da Qualidade no Serviço Público .................................. 68
4.2 O modelo do Programa Nacional dos Direitos Humanos .................................... 70
4.3 O modelo do Plano Nacional de Segurança Pública ........................................... 72
4.4 O modelo do Centro Integrado de Cidadania de Vitória ..................................... 74
5 UMA ESQUINA CHAMADA CIDADANIA .....................................................77
5.1 O modelo taxonômico escolhido para a abordagem do Centro Integrado de
Cidadania de Vitória ............................................................................................ 78
5.2 Extensão do contato com o cliente quando da prestação do serviço x prazo de
execução do atendimento ..................................................................................... 79
5.3 Destinatário da prestação de serviços x natureza da prestação de serviços ..........83
5.4 Relacionamento entre a organização de serviços e o cidadão x natureza da
prestação de serviços ........................................................................................... 86
5.5 Intensidade do papel do pessoal de atendimento x extensão em que as
características do serviço são personalizadas ...................................................... 88
5.6 Flutuação da demanda no tempo x Extensão em que a oferta de serviços é
restringida ............................................................................................................ 91
5.7 Disponibilidade de pontos de oferta dos serviços x Natureza da interação entre
o cidadão e o prestador de serviços ..................................................................... 94
5.8 Grau de intensidade do trabalho x grau de interação e personalização ............... 96
5.9 Categorização dos serviços do Centro Integrado de Cidadania de Vitória a
partir das taxonomias utilizadas .......................................................................... 98
5.10 As unidades de resolução de conflitos à luz dos sistemas operacionais de Wild 103
6 OS QUE CAMINHAM SOB O SOL ................................................................ 108
6.1 As unidades de atendimento sob o foco das parcerias ....................................... 108
6.2 As unidades de atendimento sob o foco da gestão de pessoas e a questão das
subjetividades .................................................................................................... 111
6.3 As unidades de atendimento à luz dos grupos semi-autônomos ........................ 113
6.4 A importância da adoção da perspectiva sociotécnica pelas unidades de
resolução de conflitos ........................................................................................ 117
7 CONSTRUINDO UM NOVO CAMINHAR .................................................... 119
7.1 O enfoque metodológico ................................................................................... 119
7.2 Taxonomia da pesquisa ..................................................................................... 122
7.3 Design da pesquisa ............................................................................................ 125
7.4 Entrevistas participantes .................................................................................... 128
7.4.1 A construção do roteiro semi-estruturado ......................................................... 129
7.4.2 Uso das intervenções como apoio à concepção inicial....................................... 132
7.4.3 Uso das intervenções como apoio à concepção do modelo ideal ...................... 134
7.5 Grupos focais ..................................................................................................... 136
7.5.1 Estruturação dos grupos focais .......................................................................... 138
7.5.2 Especificação das questões de pesquisa ............................................................ 139
7.5.3 Perfis dos participantes dos grupos ................................................................... 141
7.5.4 População-alvo .................................................................................................. 142
7.5.5 Seleção dos participantes ................................................................................... 144
7.5.6 Realização das entrevistas ................................................................................. 146
7.5.7 Análise dos resultados ....................................................................................... 146
7.6 Entrevistas em profundidade ............................................................................. 147
7.7 Triangulação dos métodos ................................................................................. 149
8. NOVAÇÃO DEBAIXO DO SOL ..................................................................... 152
8.1 O pressuposto de um “modelo ideal” ................................................................ 158
8.2 O pressuposto dos serviços a serem ofertados ................................................... 160
8.3 O pressuposto da centralização x descentralização ........................................... 163
8.4 O pressuposto da dinâmica na prestação dos serviços ...................................... 166
8.5 O pressuposto da preservação da memória e dos vínculos ................................ 169
8.6 O pressuposto da integração das parcerias ........................................................ 172
8.7 O pressuposto da presença do CIC na comunidade ........................................... 174
9 CONCLUSÃO ................................................................................................... 178
REFERÊNCIAS ................................................................................................ 190
ANEXO I ........................................................................................................... 195
ANEXO II .......................................................................................................... 200
15
Como diz um velho blues, em alguns estados do sul os negros americanos
tinham a obrigação de andar no lado ensolarado da rua – sunnyside of the
street – onde mais açoitava o calor, mas onde era possível dialogar com o
sol, ofuscados pela sua luz fecunda. Os brancos se reservavam o lado da
sombra, sem saber quantas emoções malogradas lhes custava a comodidade
do frescor. (Domenico de Masi).
1. INTRODUÇÃO
Durante o governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), o Governo
Federal disseminou a idéia de que o combate à violência só alcançaria bons resultados se,
além das ações repressivas sempre em curso – o lado sombrio do caminho, ligado ao exercício
do poder de polícia, das ações historicamente prevalecentes – umas tantas outras de caráter
preventivo fossem implementadas – o lado ensolarado desse mesmo caminho, ligado a ações
sociais voltadas para os conflitos vividos pelos cidadãos, das ações inócuas, segundo o olhar
dos que caminham à sombra.
O Plano Nacional de Segurança Pública – O Brasil diz não à violência –, lançado em 2000,
expressou este convencimento ao afirmar:
Este é um Plano de Ações. Seu objetivo é aperfeiçoar o sistema de segurança
pública brasileiro, por meio de propostas que integrem políticas de
segurança, políticas sociais e ações comunitárias, de forma a reprimir e
prevenir o crime e reduzir a impunidade, aumentando a segurança e a
tranqüilidade do cidadão brasileiro. (BRASIL, 2000, p. 5).
16
No capítulo dedicado às medidas no âmbito da cooperação entre os governos Federal,
Estadual e Municipal, ao tratar da intensificação das ações do Programa Nacional dos Direitos
Humanos (PNDH), dentre as ações preventivas listadas, o Plano Nacional de Segurança
Pública contemplou a implantação de Centros Integrados de Cidadania em áreas críticas [...]
onde funcionarão unidades integradas do Poder Judiciário, Ministério Público, Defensoria
Pública e polícias, além de outros serviços públicos voltados para as demandas básicas do
cidadão (BRASIL, 2000, p. 39).
A referência ao Programa Nacional dos Direitos Humanos buscou dar continuidade e mostrar
compatibilidade entre os propósitos das ações na área de segurança pública com aquelas da
área de direitos humanos que, lançadas em 1995, apresentaram-se como tendo por finalidade
estabelecer no País uma cultura de paz e de não-violência, com intervenção num leque amplo
das possíveis causas da violência:
O Programa Nacional de Direitos Humanos abre uma nova dinâmica.
Governo e sociedade civil respeitam a mesma gramática e articulam
esforços comuns. O Programa passa, desta forma, a ser um marco
referencial para as ações governamentais e para a construção, por toda a
sociedade, da convivência sem violência que a democracia exige.
(BRASIL, 1996, p. 13).
Essa continuidade / compatibilidade volta a se manifestar na segunda versão do Programa
Nacional de Direitos Humanos, lançado em 2002 e com vigência até 2006, por meio do
estimulo à criação de centros integrados de cidadania próximos às comunidades carentes e
periferias, que contenham órgãos administrativos para atendimento ao cidadão, delegacias de
polícias e varas de juizado especial com representantes do Ministério Público e da Defensoria
Pública (BRASIL, 2002, p. 21).
17
No atual governo (2003-2006), a implementação de centros integrados de cidadania passou
para o âmbito de atuação da Defensoria Pública da União:
A Defensoria Pública da União está atuando no Plano de Prevenção à
Violência no tema indutor “Descrença nas Instituições”, com o
programa
federal Defesa Jurídica Gratuita. A contribuição da Defensoria no Plano
enfatiza a prevenção da violência. As propostas estão sendo discutidas de
forma a integrar as ações das esferas federal, estadual e municipal. [...]
Além disso, pretende-se implantar Centros Integrados de Cidadania, onde
será oferecido, dentre outros serviços públicos, o serviço de assistência
jurídica junto às comunidades mais carentes das regiões metropolitanas
do Rio de Janeiro, Pernambuco, Vitória e São Paulo – nos chamados
bolsões de violência. (BRASIL, 2004a).
Dentre os projetos de implantação desses Centros, financiados pelo Governo Federal e atuando
sob o paradigma da integração das recomendações feitas tanto pelo Plano Nacional de
Segurança Pública quanto pelo Programa Nacional de Direitos Humanos, assim como o
Programa Brasileiro de Qualidade e Produtividade, o do Município de Vitória se situa dentre os
que foram levados a termo e postos em funcionamento.
1.1 APRESENTAÇÃO DO PROBLEMA
O Centro Integrado de Cidadania de Vitória (CIC-Vitória) é um equipamento público, de caráter
social, que tem na resolutividade das questões encaminhadas pelos cidadãos o seu maior valor. A
atuação sob esse enfoque tem implicado na organização da produção de serviços voltados para a
resolução pacífica de conflitos, o acesso à justiça e a emissão da documentação civil básica e na
organização do trabalho dos atores sociais envolvidos com a prestação desses serviços. Nesse
contexto, esteve sob o foco da pesquisa realizada que buscou respostas para as seguintes questões:
18
Sob qual organização e práticas de gestão (modelo atual), isto é, técnicas, instrumentos e
tudo o mais que caracterize estas práticas, foi implantado e tem sido operacionalizado o
CIC-Vitória?
É possível determinar um outro modelo de organização e gestão do trabalho e da
produção de serviços (modelo ideal) cuja construção teórica leve centros dessa natureza a
obter resultados superiores àqueles do modelo vigente?
Partiu-se do pressuposto que a validade desses centros será tão mais efetiva, isto é, seu
propósito de atuar preventivamente no sentido de evitar a violência terá mais possibilidade de
realizar-se, quantos forem os cuidados na sua organização e gestão. Conseqüentemente, partiu-
se do pressuposto, também, que existe um modelo – explícito ou não – sob o qual ele deve
operar e, em decorrência, práticas que devem ser consideradas quando da elaboração dos
processos de organização e de gestão, tanto no elenco de possibilidades de resolução de
conflitos com que o Centro se apresenta, no dia-a-dia, para os cidadãos, quanto no elenco de
métodos, técnicas, instrumentos, espaço físico etc. usados para a consecução dessas
possibilidades.
As práticas vinculadas ao processo de organização foram entendidas como as variáveis
endógenas – por estarem afetas aos processos internos de concepção e implementação do
Centro; e aquelas outras vinculadas à gestão do elenco de possibilidades de serviços, como as
variáveis exógenas – por estarem afetas aos processos externos de interação do centro com os
cidadãos.
19
Segundo KÖCHE (1997, p. 112), variáveis são aqueles aspectos, propriedades, características
individuais ou fatores, mensuráveis ou potencialmente mensuráveis, por meio dos diferentes
valores que assumem, discerníveis em um objeto de estudo, para testar a relação enunciada
em uma proposição.
Como o objeto de estudo se insere no contexto da pesquisa social, há de se levar em conta,
também, o proposto por GIL (1999, p. 89):
Boa parte das variáveis identificadas nas pesquisas sociais corresponde à
categoria de “fatos sociais não manifestos”, de acordo com a
terminologia de Durkheim. Como a prova empírica exige medição, é
necessário estudar estes fatos não manifestos por intermédio de fatos
manifestos que os representem. Ou seja, é necessário definir as variáveis
teóricas em termos de variáveis empíricas.
Identificar estas variáveis, estabelecer suas correlações e, a partir delas, perceber o modelo
presente no CIC-Vitória confrontá-lo com um modelo ideal – construído teoricamente – é o
que se buscou realizar nesta pesquisa. Para direcionar a solução das questões formuladas
foram estabelecidos alguns objetivos, apresentados na próxima seção.
1.2 OBJETIVOS
1.2.1 Objetivo geral
Descrever o modelo empírico de organização da produção de serviços e do trabalho adotado na
operacionalização do CIC-Vitória, confrontando-o com uma opção construída a partir de uma
abordagem teórica – o modelo ideal.
20
1.2.2 Objetivos Específicos
Apresentar a violência como um fenômeno social complexo e de múltiplas causas, que
tem no crime letal a sua manifestação mais perversa.
Identificar o Espírito Santo como um dos Estados, persistentemente, mais violentos e,
nesse contexto, a posição de destaque da região metropolitana da Grande Vitória, e a
implantação do CIC-Vitória como uma ação levada a efeito em resposta a essa escalada
de violência.
Identificar o modelo empírico de organização da produção de serviços e do trabalho sob
o qual foi implementado e funcionou o CIC-Vitória nos seus primeiros doze meses de
existência – o período de implementação.
Confrontar o modelo empírico existente com o modelo ideal, concebido a partir da
construção teórica realizada a partir dos métodos de pesquisa selecionados: entrevistas
participantes, grupos focais e entrevistas em profundidade.
1.3 JUSTIFICATIVA
Do ponto de vista teórico, a pesquisa ora proposta ensejará não um modelo prescritivo para
aqueles que se dedicarem a implementar outros centros integrados de cidadania, mas um
21
conjunto de considerações originárias do tratamento empírico e teórico-metodológico do
equipamento público em questão, que por certo lhes facilitará a análise e identificação dos
seus próprios modelos de organização e gestão da produção de serviços e do trabalho.
Em termos práticos, os resultados da pesquisa, serão agregados aos estudos e projetos de
pesquisas aplicados em programas de prevenção, em curso no Governo Federal, e ajudarão na
discussão sobre os...
...projetos Nacionais e/ou comparados que têm por foco as diretrizes e as
áreas prioritárias do Plano Nacional de Segurança Pública, e cujos
resultados tenham amplo impacto na formulação de políticas públicas de
segurança e justiça criminal, sobretudo no aperfeiçoamento de normas,
ferramentas, procedimentos e experiências em curso nos Estados e
Municípios (BRASIL, 2004b).
No campo pessoal, a realização dessa pesquisa na área acadêmica se apresenta como de suma
importância para a qualidade do trabalho profissional desenvolvido pelo pesquisador nas áreas
de gestão, cidadania, direitos humanos e segurança pública.
1.4 LIMITES DO TRABALHO
Cabe ressaltar que, o fato de estudar uma única implantação de um Centro Integrado de
Cidadania, não permite inferir que os resultados dessa análise possam ser estendidos, ipsis
litteris, a outros equipamentos urbanos da mesma natureza. Os procedimentos metodológicos e
as questões aqui abordadas apontam, tão somente, para um caminho que poderá ser utilizado
por outros pesquisadores interessados no estudo desses Centros ou organizações com
22
concepções semelhantes. Ademais, a abordagem proposta se limita a uma visão restrita da
concepção de modelos, contemplando a organização da produção de serviços e do trabalho e
deixando para análises futuras as inter-relações dos demais componentes que formam a
estrutura de um modelo, conforme explicitado no próximo capítulo.
1.5 ESTRUTURA DO TRABALHO
Este trabalho está dividido em nove partes:
1. Introdução;
2. O lado ensolarado da rua;
3. Morre-se mais em Vitória do que na Colômbia;
4. Enquanto isso, no Planalto Central...;
5. Uma esquina chamada cidadania;
6. Os que caminham sob o sol;
7. Construindo um novo caminhar;
8. Novação debaixo do sol;
9. Conclusão.
Na segunda parte – o lado ensolarado da rua – dá-se continuidade à metáfora que ensejou o
tema deste trabalho e aborda-se a teoria sobre modelos utilizada para análise do CIC-Vitória.
Sob este aspecto, são vistos como e quando é possível identificar uma mudança de modelo, os
componentes que geralmente o constituem e os métodos que podem ser empregados para
revelar suas presenças.
23
Na terceira parte – morre-se mais em Vitória do que na Colômbia – tece-se o pano de fundo à
frente do qual desenrola-se este trabalho. São discutidos alguns contextos que contribuem
para o crescimento da violência no Estado do Espírito Santo por entender-se que, longe de
serem produtos aleatórios de atores isolados, configuram “tendências” que encontram suas
raízes em situações sociais, econômicas e políticas vividas pelo Estado. São analisadas duas
dessas situações que facilitaram a gênese desse quadro de violência: a crise da cidadania que
se configura, em sua forma mais cruel, na exclusão social e na perda da individualidade,
presente na história do Espírito Santo, como de regra na do Brasil e, em seguida, a migração,
principalmente a interna, originária dos processos de erradicação do café e de
industrialização, de que foi palco a região metropolitana da Grande Vitória.
Na parte quatro – enquanto isso, no Planalto Central... –, começa-se a identificar o modelo
empírico sob o qual foi implementado o CIC-Vitória. A partir da apresentação dos
programas governamentais que originaram os centros integrados de cidadania tem início a
construção da visão de mundo presente nos equipamentos dessa natureza e mostra-se que
eles: (1) se apresentam como equipamentos urbanos, isto é, estruturas implantadas no
espaço urbano e destinadas à prestação de serviços públicos; (2) são estruturados a partir
de parcerias estabelecidas entre os três níveis de governo – Federal, Estadual e Municipal
– e os poderes Executivo e Judiciário, assim como entidades da sociedade civil; e (3) se
situam no âmbito das ações sociais preventivas, instituídas pelo Governo por meio de
políticas públicas de segurança, em resposta à escala da violência.
Na parte cinco – uma esquina chamada cidadania – busca-se mostrar a organização dos
serviços voltados para a resolução pacífica dos conflitos, presentes no Centro Integrado de
Cidadania de Vitória. A partir de algumas das principais classificações taxonômicas
24
existentes na literatura específica (Chase, 1978; Lovelock, 1983; Schmenner, 1986) e,
num segundo momento, a partir da categorização realizada, analisam-se as unidades de
atendimento como integrantes de um processo de produção de serviços induzido pelo
cidadão, à luz das estruturas básicas propostas por Wild (1977). Entende-se que a
classificação ocupa um papel central na compreensão sistemática e na previsão de vários
fenômenos importantes vinculados à operacionalização e gestão dos processos de relações
de serviços que se estabeleceram. O que se pretende, ao classificá-los, é segmentá-los em
grupos que compartilham características semelhantes para, com este procedimento, clarear
as relações de serviço existentes e permitir a reflexão sobre que práticas são intrínsecas a
cada grupo segmentado.
Na parte seis – os que caminham sob o sol – busca-se mostrar a organização do trabalho dos
atores sociais em grupos semi-autônomos. São confrontados os subsistemas técnico e social
presentes no CIC-Vitória com os pressupostos da Escola Sociotécnica (Biazzi Júnior, 1994) e
compara-se a atuação dessas unidades com o job design para grupos semi-autônomos (Cherns,
1976). Por fim, mostra-se que, em maior ou menor grau, há uma identificação na maneira de
operar dos atores sociais envolvidos com a prestação de serviços voltados para a resolução
pacífica de conflitos com os princípios analisados e que esta abordagem contribui
sobremaneira para a integração operacional e a gestão desses atores sociais enquanto grupos
semi-autônomos.
Na parte sete – construindo um novo caminhar – são apresentados os procedimentos
metodológicos utilizados para a consecução do objetivo geral e a finalidade deste trabalho: a
proposição de um modelo ideal para centros integrados de cidadania. Após a apresentação do
enfoque metodológico e da taxonomia da pesquisa, e a partir de um quadro que detalha o
25
design da pesquisa realizada, são expostas as etapas envolvidas no processo investigatório
que, sem abrir mão do uso de técnicas quantitativas, quando aplicáveis, privilegiou o uso de
técnicas qualitativas. Os métodos utilizados para a realização da pesquisa – entrevistas
participantes, grupos focais e entrevistas em profundidade – são, então, descritos, de forma
que se possa perceber os procedimentos de abordagem utilizados em cada um deles. Por fim,
apresenta-se a técnica de triangulação como a selecionada para a abordagem conjunta desses
métodos.
Na parte oito – novação debaixo do sol – propõe-se um novo modelo de estruturação e gestão
para Centros Integrados de Cidadania a partir da triangulação metodológica realizada, isto é, a
partir da confrontação dos pressupostos obtidos a partir da análise das características dos serviços,
com aqueles originários das sessões dos grupos focais, segundo os perfis estabelecidos para os
participantes e, ainda, com os pressupostos levantados por meio das entrevistas em profundidade
realizadas com especialistas de áreas afins da pesquisa. Por fim, confronta-se este novo modelo
proposto com o atual modelo empírico, buscando realçar as convergências e divergências
detectadas quanto à operacionalização e gestão dos serviços.
Finalmente, na conclusão são sintetizados os modelos atual e ideal, para centros integrados de
cidadania, confrontando-se os pressupostos do modelo ideal com aqueles presentes no modelo
vigente no CIC-Vitória. As convergências e divergências são analisadas e, a partir daí,
apresentadas as considerações finais da pesquisa e as sugestões para futuros trabalhos
decorrentes da abordagem desenvolvida.
26
2. O LADO ENSOLARADO DA RUA
Apesar de instituídas desde 2000, as ações sociais preventivas da violência ainda são alvo de
restrições por parte daqueles que, envolvidos com o dia-a-dia do combate à criminalidade,
acham que seguir as regras formais (a lei), em especial aquelas garantias consubstanciadas
nos direitos humanos, não só é insuficiente como ineficaz no combate à criminalidade
crescente. (MURAMATSU, 2003, p. 138).
Assim, ações como as de implantação de centros integrados de cidadania são vistas com
reserva, condenadas ao lado ensolarado da rua, segundo a metáfora apresentada na introdução,
enquanto aquelas decorrentes do exercício do poder de polícia transitam no lado da sombra.
Este trabalho, ao analisar o CIC-Vitória com o olhar de quem anda no lado ensolarado da rua,
traz à consideração, inicialmente, a realidade de que, ao trazer para o cenário do combate à
criminalidade as ações sociais preventivas da violência, e ao incorporá-la ao Plano Nacional
de Segurança Pública, o Governo Federal anterior (1995-2002) restringiu-se a elencar um
conjunto de “o que fazer” deixando, em decorrência, para os que aderissem a tais fazeres a
definição do “como fazer”. Não se trata, pois, de uma política de segurança pública, como diz
Soares (2005):
Com relação a um elenco de proposições voltadas para a segurança
pública, [...] nós criticávamos o Governo Fernando Henrique nessa matéria
porque ele apresentava, como se fosse um plano, uma lista, uma listagem
de iniciativas possíveis, sem nenhuma hierarquia, sem diagnóstico, sem a
vertebração que é aquela que caracteriza como tal uma política. (SOARES,
2005, não paginado).
27
Estava aberto o caminho para que cada ente – Estado, Município ou mesmo uma instituição
específica – não só selecionasse as ações a serem implementadas, como elaborasse os meios
de fazê-lo, dentre os quais os modelos de organização da produção e do trabalho a elas
vinculadas.
Modelos estes entendidos como propostos por Zilbovicius (1999):
[...] O modelo existirá se estiver presente no imaginário da engenharia,
como paradigma e referência que orienta o trabalho de projeto e o
cotidiano do controle do processo de produção. [...] as evidências
empíricas dos elementos constituintes do modelo serão, assim, indícios do
modelo como visão de mundo mediada pelo processo de adaptação do
modelo às condições específicas da organização particular na qual opera o
engenheiro. [...] dele decorrem as técnicas, os instrumentos e tudo o que
vai caracterizar a prática do processo de produção [...] (ZILBOVICIUS,
1999, p. 25).
Entenda-se também que, ao se referir à engenharia, Zilbovicius o faz como sinônimo dos
métodos de organização da produção e do trabalho (1999, p. 21) e, ao se referir ao
engenheiro, o faz como sinônimo dos...
[...] agentes que, de uma forma ou de outra, projetam, coordenam e
controlam a organização da produção e do trabalho. Os engenheiros de
produção não são, necessariamente, aqueles que detêm o título formal
universitário. Algumas vezes estes agentes têm formação universitária em
outras áreas (outras especialidades da engenharia, administração,
economia, etc.), ou mesmo nenhuma formação acadêmica.
(ZILBOVICIUS, 1999, p. 24).
Neste ponto, faz-se necessário um esclarecimento sobre a linguagem essencialmente
empresarial das citações sobre modelo. Originalmente, a teoria de modelos adotada foi
desenvolvida tendo em vista a área de produção industrial. Neste trabalho, transpõem-se tais
conceitos para a área de produção de serviços, visto que...
28
[...] existem, entre o setor industrial e o setor de serviços, evoluções
convergentes. O que pode ser explicado de uma maneira simples: o setor
industrial descobre e incorpora a noção de “serviço”, o setor dos serviços
industrializa seus modos de funcionamento. (ZARIFIAN, 2001, p. 69).
Propõe Zarifian (2001) que, para entender e caracterizar essa convergência se pense em
termos de uma “produção industrial de serviço”, tomando-se como ponto de partida a
concepção de “produção de serviço”:
Por produção de serviço entendemos o processo que transforma as
condições de existência de um indivíduo ou de um grupo de indivíduos. O
serviço deve, portanto, agir sobre as condições de uso ou sobre as
condições de vida do destinatário (um cliente, um usuário)
1
, de maneira
que responda às necessidades e expectativas deste último. (ZARIFIAN,
2001, p. 69).
E que se entenda por produção industrial de serviços...
[...] uma produção que incorpora, nas suas tecnologias, na sua organização
social, nos seus objetivos de eficiência, princípios semelhantes aos que são
desenvolvidos na grande indústria e que os aplica, modificando-os, na
produção de serviço. (ZARIFIAN, 2001, p. 69).
Mas, voltando às ações. Estas, conforme enunciadas, apenas pontuaram as instituições que
deveriam estar presentes em Centros Integrados de Cidadania, como parceiras na prestação de
serviços, em nada se referindo a como integrá-las, sob quais paradigmas e, principalmente,
para a prestação de serviços de qual natureza, tarefas estas reservadas para a construção do
modelo. O modelo opera, assim, de acordo com os dois significados da própria palavra
“modelo”: representação articulada do real e referência positiva a ser atingida
(ZILBOVICIUS, 1999, p. 26).
1
Em função deste trabalho referenciar-se ao universo da cidadania, uma mudança de nomenclatura se faz
necessária: de cliente ou usuário para cidadão. Entende-se ser mais compatível e apropriado dada a natureza do
equipamento público em foco neste trabalho: um Centro Integrado de Cidadania.
29
Inaugurado em 18 de agosto de 2003, o CIC-Vitória opera sob um modelo, originário do
existente nas Casas do Cidadão, das quais este novo equipamento urbano é sucedâneo. Isto se
torna mais real quando confrontado com a afirmação de Zilbovicius (1999) sobre o processo
de mudança de modelos:
Se o modelo é a expressão da visão de mundo da engenharia e dele
decorrem as técnicas, os instrumentos e tudo o que vai caracterizar a
prática do processo de produção, sua transformação é fundamental para a
transformação dessas práticas, nos momentos em que os resultados obtidos
deixam de ser considerados adequados, aceitáveis ou ótimos.
(ZILBOVICIUS, 1999, p. 25-26).
Instituídas por Lei, em 1994, juntamente com a Secretaria de Cidadania, as Casas do Cidadão
tinham por objetivo proporcionar melhor atendimento à população da área central [e norte,
acréscimo do pesquisador] do Município de Vitória, ficando mais próximas dos consumidores
e descentralizando os serviços oferecidos pela Secretaria Municipal de Cidadania.
(PREFEITURA MUNICIPAL DE VITÓRIA, 2004a, não paginado).
Por sua vez, a Secretaria de Cidadania objetivava...
...propiciar aos habitantes do Município de Vitória, especialmente os mais
carentes, conhecimento dos seus direitos fundamentais, meios eficazes para
exercitar tais direitos, remover os obstáculos para acesso à justiça e
promover assim o pleno exercício da cidadania. (PREFEITURA
MUNICIPAL DE VITÓRIA, 2004a, não paginado).
Assim, foram operacionalizadas nas Casas do Cidadão algumas das ações implementadas pela
Secretaria Municipal de Cidadania: o atendimento à mulher, o atendimento aos conflitos
oriundos das relações de consumo e a assistência jurídica gratuita, além de abrigar o Juizado
Especial Civil, por meio do qual provia acesso à justiça para a população hipossuficiente, e
30
uma representação da Delegacia Regional do Trabalho, operada por funcionários da
Prefeitura, onde eram expedidas Carteiras de Trabalho.
Não tinham, porém, entre as características que lhes compunham a razão de ser, alguma que
as vinculassem ao combate à violência. Mesmo considerando que tais ações foram
transplantadas para o CIC-Vitória, o mote que lhes movia era o da prestação de serviços ao
cidadão e não o da resolução de conflitos ou da promoção do acesso à justiça.
Essa conformação seria mantida nos dois anos subseqüentes, até que:
De fevereiro a setembro de 1996, a cidade de Vitória esteve intensamente
ocupada com seu futuro. Adotando a técnica do planejamento estratégico,
Vitória, representada por um Conselho Municipal composto de 350
membros, investigou a própria realidade, expondo-a em diagnósticos,
vislumbrou cenários e teceu projetos, que, em tese, dariam conta de seu
desenvolvimento futuro no intervalo de 1996 a 2010. Foram escritas mais
de 2000 páginas, em tempo recorde, de pouco mais de seis meses. O
produtivo trabalho de compreensão da realidade presente e previsão da
realidade futura culminou no documento VITÓRIA DO FUTURO – Plano
Estratégico da Cidade, 1996 – 2010.
No capítulo Que Esforços Deve Realizar Vitória, ao definir estratégias e
projetos, foi alinhavada a preocupação que a cidade demonstrou, no
decorrer dos debates, com sua segurança. Por indicação do Conselho
Municipal, a Administração Pública Municipal deveria fazer-se presente no
tratamento do item segurança, embora sobejamente se saiba que o
Município não dispõe de competência para cuidar diretamente da questão.
Tratava-se de uma inserção, que se pode dizer exigida pela população, em
que a Prefeitura de Vitória se integrasse ao tema, melhorando o
desempenho da segurança e garantindo a excelência da qualidade de vida
do Município.
O estímulo à defesa dos direitos humanos e a facilitação do acesso da
população à Justiça, diretamente ou por meio de convênios com o Governo
Estadual, Ministério Público, Poder Judiciário e organizações não-
governamentais, aliados à criação de mecanismos que garantissem a
participação popular na política de segurança pública do Município e a um
elenco de ações, quase todas voltadas para a área social, que contribuíssem
para a redução da violência delinearam a estratégia do Município. Dentre
31
os projetos, merecem destaque a indicação de expansão da Casa do
Cidadão [...] e também a indicação de criação de conselhos municipais
regionais de segurança e de um conselho de segurança municipal.
(PREFEITURA MUNICIPAL DE VITÓRIA, 1996, p. 9, 10, 70).
A partir de 1997, por meio da Lei nº 4.397/1997, a Secretaria Municipal de Cidadania passa a
incorporar ações da área de segurança pública, vindo a denominar-se Secretaria Municipal de
Cidadania e Segurança Pública. Em dezembro de 1998, com a divulgação de Vitória como a
capital mais violenta do país, estas ações voltadas para o combate à violência se acentuam e, a
partir de 2000, tem início o processo de concepção do CIC-Vitória, o primeiro no país
idealizado de forma a incorporar, num mesmo equipamento público, as ações preconizadas
pelo Programa da Qualidade no Serviço Público (PQSP), pelo Programa Nacional de Direitos
Humanos (PNDH) e pelo Plano Nacional de Segurança Pública (PNSP), uma vez que as
Casas do Cidadão existentes não se mostravam adequadas para o enfrentamento dessas
mudanças no ambiente em que operavam, em função, dentre outras variáveis, de não
possuírem tais objetivos e apresentarem uma estrutura organizacional que não permitia
alcançá-los.
Trata-se realmente de um novo modelo, visto que, de acordo com Zilbovicius (1999):
Para caracterizar como e quando é possível identificar uma mudança de
modelo, Boyer & Freyssenet apresentam dois critérios: primeiro
“identificando lentas evoluções que se abrem em descontinuidades brutais”
(BOYER & FREYSSENET, 1995, p. 17). Segundo, precisando o conceito
de novidade: “um modelo pode ser tido como novo se persegue objetivos
distintos daqueles do precedente, implementa dispositivos técnicos,
organizacionais, de gestão e sociais originais ou pelo menos
recombinações dos antigos e finalmente se leva a resultados que são em
geral superiores àqueles do modelo precedente” (idem, ibidem,).
(ZILBOVICIUS, 1999, p. 47).
32
Este trabalho, em consonância com os objetivos explicitados na introdução, se desenvolve em
duas linhas distintas: (i) identificar o modelo, isto é, a visão de mundo e as práticas dela
decorrentes, sob o qual foi implementado e atuou o CIC-Vitória, em seu primeiro ano de
existência; e (ii) confrontar o modelo implementado com um outro – ideal – que teria sua
consistência e eficácia garantida na teoria.
Na tarefa de identificação do modelo presente no CIC-Vitória, uma pergunta se impõe: qual a
abrangência dessa identificação do modelo?
Para respondê-la, recorre-se, novamente, a Zilbovicius (1999):
[...] Boyer & Freyssenet propõem usar o termo “modelo” para “designar a
complementaridade das relações entre cinco ‘componentes’:
organização/gestão da firma, relação salarial, relações inter-empresas, ligação
com o mercado e acesso a financiamento” (ZILBOVICIUS, 1999, p. 47).
Em que pese todos esses componentes poderem ser perceptíveis num modelo, e sem
desconsiderar as inter-relações que possam existir entre eles, delimita-se, nesse trabalho, a
abrangência do modelo à organização e gestão da produção de serviços voltados para a
resolução pacífica de conflitos e à organização e gestão do trabalho dos atores sociais
envolvidos com a prestação desses serviços, ficando as demais relações para abordagens
futuras.
Respondida esta pergunta, uma outra se apresenta: qual o caminho a seguir para identificar o
modelo?
Citando Boyer e Freyssenet (1995), Zilbovicius (1999) apresenta os quatro métodos que podem
ser empregados para revelar suas presenças:
33
O primeiro destes métodos seria “medir a distância em relação ao modelo
canônico”: um modelo considerado eficiente [...] seria construído a partir
de um procedimento teórico e empírico, na dupla base dos escritos dos
fundadores do modelo e de observações feitas em empresas que, por meio
de seu sucesso, o expressariam melhor. [...] A prática identificada é a fonte
de informação a partir da qual é não apenas identificada a presença do
modelo, mas sua própria definição.
O segundo método seria o desenvolvimento de uma “pesquisa indutiva de
várias configurações”, identificando diferentes elementos observados na
prática, construindo “constelações de características verificadas,
estabelecendo seus vínculos, designando muitos modelos específicos” É
possível, assim, identificar diferentes modelos, e depende-se de uma teoria
prévia que confira significado a essas configurações.
O terceiro método seria desenvolvido teoricamente: “formalizar a
coerência a partir de um modelo teórico”. Neste caso, realiza-se uma busca
teórica da combinação de características que produziria uma performance
econômica superior à simples adição de performances produzidas por meio
de cada uma destas características em um ambiente dado. Este método
supõe a construção de um modelo ideal, que teria consistência e eficácia
garantida em teoria, e seria contraposto a práticas empiricamente
identificadas. De certo modo é semelhante ao primeiro método, exceto pela
construção inicial, que no primeiro caso é totalmente empírica, e no
segundo é teórica.
O quarto método supõe “seguir a decomposição de um modelo industrial
antigo e as inovações que ele suscita”. [...] “este método genético e
qualitativo atribui menos importância às características formais dos
modelos do que à dinâmica da transformação e de busca de coerência
produtiva. Ele traz em si uma solução para os problemas ligados ao sentido
das práticas e à dinâmica dos modelos” (BOYER, FREYSSENET, 1995,
apud ZILBOVICIUS, 1999, p. 49-50).
Na apropriação do modelo sob o qual foi implementado o CIC-Vitória, utilizou-se a abordagem
empírica proposta no primeiro método: levantamento da visão de mundo e das práticas
decorrentes da organização e gestão da produção de serviços e do trabalho como fontes de
informações a partir das quais define-se e identifica-se o modelo.
O terceiro método – construção teórica de um modelo ideal – foi utilizado para identificar não
mais sob qual modelo atua o CIC-Vitória, mas sob qual modelo, do ponto de vista teórico-
34
conceitual pode e não, necessariamente, deve atuar. Dessa forma, as linhas de abordagem
propostas estarão se concretizando: identificar o modelo atual e confrontá-lo com um outro,
ideal.
A idéia de um modelo “tipo ideal” é originária da epistemologia weberiana. Segundo ALVES
(2004, p. 52):
A moldura do pensamento “ideal” é a construção de relações objetivamente
possíveis, em um sentido puramente lógico, diferente da realidade
“autêntica”, e não serve de esquema em que se possa incluir esta realidade.
Tem o significado de uma construção puramente idealizada, uma abstração
orientada pelos valores do pesquisador, em relação aos quais se estuda um
determinado fenômeno a fim de esclarecer-se o conteúdo empírico de
alguns de seus elementos constituintes.
O tipo ideal, por conseguinte, nada tem de “exemplar”, nem de “dever ser”;
tampouco é uma hipótese, embora possa apontar caminhos para a sua
formulação. Ele não interessa como fim em si mesmo, mas como um
modelo, como um meio de conhecimento em relação ao qual se analisa a
realidade, permitindo ao investigador, em cada caso particular, aproximar-
se cognitivamente do fenômeno em estudo, examinando a proximidade ou
o afastamento da situação concreta pesquisada (tipo real), em relação ao
tipo ideal correspondente.
Assim, estabelecido o modelo ideal correspondente à situação concreta pesquisada a
organização e a gestão da produção de serviços e do trabalho no CIC-Vitória– pode-se verificar
a proximidade ou o afastamento desta em relação àquele e inferir sobre as mudanças que podem
ser implementadas, na busca de ganhos tanto na qualidade dos serviços prestados aos cidadãos e
cidadãs, quanto na diversidade dos mesmos.
Mas, voltando ao tipo ideal, afirma ALVES (2004, p. 51):
A concepção de tipo ideal [...] refere-se a uma construção parcial da
realidade em que o pesquisador seleciona um certo número de
características, ressalta um ou vários elementos observados e constrói um
35
todo inteligível entre vários outros possíveis. O tipo ideal é obtido
mediante o encadeamento de um conjunto de fenômenos isoladamente,
dados que se ordenam segundo pontos de vista unilateralmente acentuados,
a fim de se formar um esquema homogêneo de pensamento.
A apropriação desse “certo número de características” e desse “conjunto de fenômenos
isoladamente” deu-se por meio dos pressupostos obtidos a partir da realização de entrevistas
participantes, de grupos focais e de entrevistas em profundidade, conforme explicitado no
capítulo dedicado à abordagem metodológica.
Entendido subjetividade, conforme explicitado por VERGARA (2004, p. 115-116) –...
...é um espaço interior, é um espaço nosso cá dentro, é uma experiência
vivida, ou seja, é individual, particular e intransferível, [...] agrega a razão,
a intuição, o sentimento, o afeto. [...] é produzida em contextos históricos,
políticos e culturais. [...] Toda pessoa, portanto, tem o seu espaço interior,
que ela percebe como sendo só seu.
[...]
Esse espaço, naturalmente, se relaciona com o exterior, porque sendo nós
pessoas que vivem num determinado tempo histórico e numa determinada
cultura, num determinado tempo e espaço políticos, evidentemente tudo
isso se relaciona, ou seja, a gente vai formando o nosso eu interior em
função do espaço exterior, mas o contrário também é dialeticamente
verdadeiro.
– buscou-se que a participação de um maior número de especialistas e pesquisadores nesse
processo de “construção parcial da realidade”, agregasse valor ao modelo ideal resultante, em
função das subjetividades intrínsecas a cada participante.
36
3. MORRE-SE MAIS EM VITÓRIA DO QUE NA COLÔMBIA
Neste capítulo, tece-se o pano de fundo à frente do qual desenrola-se o drama vivido pelo
Estado do Espírito Santo, notadamente a região da Grande Vitória, a partir da reflexão sobre
alguns dos possíveis contextos do crescimento da violência por entender que, longe de serem
produtos aleatórios de atores isolados, configuram “tendências” que encontram sua explicação
em situações sociais, políticas e econômicas vividas pelo Estado.
De pronto, deve-se enquadrar o conceito e a categoria violência, dada a sua amplitude, e isto é
feito tomando por referência Soares (2005):
Violência é um termo muito amplo e, eu diria, visto mais como uma
categoria cultural do que propriamente como um conceito das ciências
sociais ou de alguma área específica do conhecimento. Os esforços, pelo
menos que eu conheço, realizados no sentido de domesticar essa
pluralidade, essa plasticidade da palavra, foram esforços vãos e acho que
estão condenados à inocuidade, porque é aquela palavra que efetivamente
serve à sociedade como, usando a expressão de Lewis Carrol, uma palavra-
valise. Às vezes, os semiólogos e os lingüistas usam essa expressão para
sugerir justamente essa múltipla semântica comportada pelo significante. E
essa palavra está destinada a cumprir este papel, que é um papel
importante. A sua ambigüidade é constitutiva e, portanto, nós não
deveríamos lutar contra ela como se fosse um defeito. Entender essa
pluralidade como uma dada funcionalidade específica e atendimento
particular da necessidade de comunicação social que ela cumpre. Ela perde
a designação de uma multiplicidade grande.
Violência, essa palavra-valise, essa constelação fenomênica multi-
dimensional, impôs-se como tema prioritário da agenda pública,
particularmente em sua manifestação criminal e, especialmente, em sua
versão letal. (SOARES, 2005, sem paginação).
Assim, o crime letal não só é o redutor da amplitude deste quadro, mas também o indicador
utilizado como referência na construção desse pano de fundo, pois segundo Waiselfisz (1998):
37
Dois grupos de argumentos justificam essa decisão de utilizar os óbitos
violentos como indicador geral de violência. Em primeiro lugar, como já
apontamos, a violência, como aqui definida, cobre um espectro
significativamente mais amplo de comportamentos do que as mortes por
violência. Nem toda, nem a maior parte das violências cotidianas
conduzem necessariamente à morte de algum dos protagonistas implicados.
Mas a morte revela, per se, a violência levada a seu grau extremo. Da
mesma forma que a virulência de uma epidemia é indicada,
freqüentemente, pela quantidade de mortes que originou, também a
intensidade dos diversos tipos de violência guarda uma estreita relação
com o número de mortes que origina.
Em segundo lugar, o porquê de não existirem muitas outras alternativas. O
registro de queixas à polícia sobre diversas formas de violência, [...], tem
uma incidência extremamente limitada. [...] Já no campo dos óbitos,
contamos com um Sistema de Informações sobre Mortalidade, que
centraliza informações sobre os óbitos em todo o país, e que cobre um
universo bem significativo das mortes acontecidas, e de suas causas.
(WAISELFISZ, 1998, p. 17).
Soares (2005) acrescenta o que parece ser o argumento definitivo para o uso do crime letal
como esse limitador e referenciador da violência:
Eu costumo falar em crime letal e não necessariamente homicídio doloso,
porque na classificação brasileira mais contemporânea nós distinguimos
homicídios dolosos de culposos [...] e é evidente que é impossível tratar do
problema da violência criminal sem essa distinção, porque senão nós
vamos incorporar toda a problemática de trânsito, dos acidentes, que é uma
parte muito importante para a questão da violência, mas não
necessariamente para a questão da criminalidade. E essa distinção é muito
importante. É muito importante também que, assim como nós distinguimos
dolosos de culposos ao examinar as especificidades da problemática da
segurança pública, nós trabalhemos agora com categorias como crime letal,
porque o roubo seguido de morte é um crime contra o patrimônio e o
latrocínio é um crime contra patrimônio, do ponto de vista legal. No
entanto, o impacto do primeiro é a perda da vida.
Há categorias que as polícias usam, como encontro de cadáveres, encontro
de ossadas, mortes suspeitas, afogamentos, que são muito ambíguas, muito
ambivalentes, e quando nós examinamos números de um Estado e
procuramos exclusivamente homicídios dolosos, nós provavelmente
estamos com um número subestimado. Se nós incorporarmos os autos de
resistência, ou parte deles, mortes suspeitas, encontro de ossadas, encontro
de cadáveres, afogamentos e mais, roubos seguidos de morte, lesões
38
corporais seguidas de morte e assim sucessivamente, esses números vão se
ampliar.
Mesmo os 45 mil homicídios dolosos no Brasil são números subestimados
do ponto de vista da criminalidade letal que, afinal de contas, é o que
importa mais. Então, eu acho que esse é o quadro brasileiro. (SOARES,
2005, não paginado).
Em sua edição nacional de 10 de dezembro de 1998, a Folha de São Paulo (COTIDIANO, p.
3-3), em reportagem de Daniela Falcão sob o título – Vitória é a cidade mais perigosa para
jovens – dava a conhecer ao país que Vitória, Recife, Rio de Janeiro, Aracaju e São Paulo
eram, nessa ordem, as capitais brasileiras mais “perigosas” para jovens de 15 a 24 anos. Elas
concentravam o maior índice de mortes violentas nessa faixa etária, segundo levantamento
inédito feito pela UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e
Cultura). A pesquisa traçou um mapa da violência contra jovens e adolescentes no Brasil entre
1979 e 1996, considerando mortes violentas as causadas por acidentes de trânsito, homicídios
e suicídios.
E a reportagem complementava:
Adolescentes que vivem em Vitória, Rio de Janeiro e Recife têm mais
chances de morrer assassinados do que jovens da Colômbia – país que
enfrenta problema sério com o narcotráfico.
Enquanto a taxa de óbitos entre jovens de 15 a 24 anos na Colômbia foi de
147,3 por 100 mil habitantes, em Vitória foi de 164,6; no Rio, de 159; e em
Recife, de 154,5.
Além de liderar o ranking de mortes de adolescentes em decorrência de
homicídios, Vitória é a sétima capital com maior índice de mortes causadas
por acidentes de trânsito. No ranking de suicídios, cai para 14º lugar.
[...]
Tanto em Vitória quanto no Rio, as ações de grupos de extermínio e de
narcotraficantes são apontadas como principais responsáveis pelo número
elevado de jovens assassinados. (FALCÃO, 1998, p. 3-3)
39
Na quarta e mais recente versão da pesquisa levada a efeito pela Unesco, abrangendo o
período de 1993-2002, a situação de Vitória não se altera.
Vitória continua em primeiro lugar no ordenamento das capitais por mortes por homicídio
entre jovens de 15 a 24 anos, apresentando no ano de 2002 uma taxa de óbitos de 197,1
homicídios por 100 mil habitantes, seguida por Recife (taxa de 192,9), Rio de Janeiro (taxa de
145,5), Maceió (taxa de 129,4) e São Paulo (taxa de 114,2), conforme demonstrado na tabela
abaixo. (WAISElFISZ, 2004, p. 36 e 43).
Tabela 1 - Ordenamento das Unidades da Federação (UF) e das Capitais por Taxa de Homicídios.
Faixa Etária: População de 15 a 24 anos.
Ano: 2002
15 a 24 Anos 15 a 24 Anos
UF
Taxa Posição
Capitais
Taxa Posição
Rio de Janeiro 118,9 Vitória 197,1
Espírito Santo 103,7 Recife 192,2
Pernambuco 103,4 Rio de Janeiro 145,5
Amapá 81,2 Maceió 129,4
São Paulo 81,0 São Paulo 114,2
Distrito Federal 74,1 Porto Velho 113,4
Roraima 68,2 Cuiabá 109,2
Alagoas 62,2 Aracaju 109,0
Rondônia 57,0 Macapá 98,2
Sergipe 53,7 10º Belo Horizonte 95,4 10º
Acre 52,3 11º Rio Branco 93,1 11º
Mato Grosso 51,4 12º Porto Alegre 88,5 12º
Mato Grosso do Sul 48,9 13º Boa Vista 87,2 13º
Paraná 45,5 14º João Pessoa 87,1 14º
Goiás 40,9 15º Brasília 74,1 15º
Rio Grande do Sul 35,6 16º Curitiba 73,9 16º
Amazonas 33,1 17º Goiânia 72,1 17º
Paraíba 32,0 18º Belém 61,4 18º
Ceará 31,0 19º Teresina 58,7 19º
Minas Gerais 30,7 20º Campo Grande 56,9 20º
Pará 29,8 21º Fortaleza 55,6 21º
Bahia 23,1 22º Florianópolis 51,5 22º
Tocantins 21,5 23º Salvador 49,4 23º
Piauí 19,9 24º Manaus 49,0 24º
Rio Grande do Norte 16,9 25º São Luis 31,5 25º
Santa Catarina 16,8 26º Natal 31,0 26º
Maranhão 15,0 27º Palmas 28,0 27º
Fonte: SIM/DATASUS, IBGE.
Extraído de: Mapa da violência IV: os jovens do Brasil. (WAISELFISZ, 2004, p. 36-43).
Vê-se que, além de Vitória ser dentre as capitais a mais violenta, o Espírito Santo se posiciona
entre os Estados com as maiores taxas de homicídios.
40
Embora esta violência não seja recente, o que causa esse sentimento de insegurança coletiva
são as proporções inéditas que o fenômeno vem assumindo. Como afirma Dos Anjos (2005):
Eu percebo o fenômeno da violência no Brasil como um fenômeno antigo,
quer dizer, não é uma coisa recente, vem historicamente se desenvolvendo,
mas eu acho também que há uma ruptura nas últimas duas ou três décadas
na caracterização desse fenômeno o que leva as pessoas a pensar, os
analistas a pensar, que se trata de algo novo, com novas estruturações, com
novas ramificações.
Por outro lado, essas novas tendências, essas novas ramificações também
não são propriamente locais, têm suas especificidades regionais, estando
também integradas por tendências, por padrões globais. [...]
Eu acho ainda que o fenômeno da violência é uma representação da
sociedade, ou de certos grupos da sociedade, que no passado se
encontravam de certa forma reprimidos, represados e, nesse momento,
essas manifestações, ou reivindicações, ou conflitos não resolvidos do
passado, ressurgem de forma a lançar um chamado para que a sociedade, o
Estado e as instituições repensem uma série de questões que tem a ver com
a desigualdade social, fatores estruturais, fatores socioeconômicos do
próprio desenvolvimento social do país, do modelo do país, como também
de certas práticas legais, institucionais que no passado não levavam em
consideração esses grupos – eles não representavam uma ameaça efetiva.
No momento, essa ameaça é eminente. (DOS ANJOS, 2005, não
paginado).
A violência urbana tomou vulto e intensidade nos últimos vinte anos e no Estado do Espírito
Santo atinge os mais diversos grupos sociais, mas com especial intensidade os grupos mais
pobres e vulneráveis – a parcela hipossuficiente da população – e nesta, os jovens de 15 a 24
anos de idade, moradores das periferias. Como diz Soares (2005):
Em 2002, quase 45 mil pessoas foram assassinadas, no Brasil. Está em
curso um verdadeiro genocídio: as vítimas são, sobretudo, jovens (entre 15
e 24) do sexo masculino, pobres e geralmente negros, residentes nas
periferias e favelas das grandes cidades. A magnitude do problema é tal,
que suas conseqüências já são perceptíveis na estrutura demográfica
brasileira. A estratificação etária da população apresenta um déficit de
jovens do sexo masculino apenas comparável ao que se verifica nas
sociedades que se encontram em guerra. (SOARES, 2005, não paginado).
41
As semelhanças vividas pelos Estados do Espírito Santo e do Rio de Janeiro, especificamente
pelas regiões metropolitanas da Grande Vitória e da Grande Rio, não param aí. Neste embate,
nas duas regiões, as quadrilhas do narcotráfico e do tráfico de armas, os grupos de extermínio,
a pistolagem ou o crime a soldo e os crimes interpessoais assumem posições de destaque,
compondo estruturas de práticas que se desdobram em dinâmicas geradoras da criminalidade
letal. (SOARES, 2005, não paginado).
Quanto aos fenômenos que facilitaram a gênese deste quadro terrível, em relação à Grande
Vitória, são múltiplas e variadas e vamos nos deter na análise de apenas duas delas, sem
qualquer conotação de importância, mas por serem suficientes para tecer, com alguma clareza,
o pano de fundo dessa violência.
O primeiro fenômeno que se deseja abordar – originário dos processos de erradicação do café
e de industrialização – é a migração, principalmente a interna, de que foi palco a região
metropolitana da Grande Vitória; o segundo, a crise da cidadania, que se configura em sua
forma mais cruel na exclusão social, particularmente dos jovens, pela indissociabilidade que
apresenta com o problema da criminalidade e da violência.
3.1 A CONCENTRAÇÃO DEMOGRÁFICA
A concentração demográfica ocorrida na Grande Vitória foi produzida, nas décadas de
sessenta e setenta, do século passado, principalmente pela migração interna provocada, num
42
primeiro momento, pela política de erradicação do café e, em seguida, e em parte
concomitantemente, pelo processo de industrialização do Estado.
O conceito utilizado é o de que migrantes são todas as pessoas não naturais
do município que residem. A partir desses dados podemos distinguir dois
tipos de migrantes: o migrante interestadual que é aquele cuja procedência
é outra Unidade da Federação e o migrante interno cuja procedência é um
município do próprio Estado (ESPÍRITO SANTO, 1979, p. 15).
A relevância da migração interna para o pano de fundo da violência na região da Grande
Vitória reside no fato de que por meio dela fixam-se na região, em suas periferias, aqueles que
mais tarde serão os protagonistas desse drama – a criminalidade crescente que vai envolver e
consumir força de trabalho, principalmente jovem e infantil, apropriando-se da vida das
crianças e dos adolescentes sem perspectiva e sem reconhecimento quanto a sua
individualidade.
3.1.1 1 º Ciclo migratório – o processo de erradicação do café
Faz-se interessante a apropriação da história da cafeicultura no Espírito Santo a partir dos
depoimentos de pesquisadores e ex-governadores. Segundo Vasconcellos e Pandolfi (2004):
O Espírito Santo chegou ao século XIX sem que avanços significativos
tivessem sido feitos na ocupação econômica do território. Foi somente com
a chegada do café, que já era cultivado nas províncias vizinhas de Minas
Gerais e Rio de Janeiro, que a situação começaria a modificar-se. No
Espírito Santo havia enormes áreas disponíveis de terra. Aliás, a política de
atração de imigrantes empreendida pelo Império também produziria
resultados locais. Assim, café, terras disponíveis e trabalho imigrante
43
foram os ingredientes principais das transformações operadas no século
XIX.
[...]
A cultura do café, introduzida a partir de 1810, tornou-se dominante,
atraindo para si todas as forças da província. Progressivamente as culturas
de cana de açúcar foram sendo substituídas pela do café, que também
ganhou novos espaços. O aumento da demanda do café na Europa e nos
Estados Unidos estimulou a expansão de seu cultivo, iniciado na Província
do Rio de Janeiro. Um dos fatores que facilitou o ingresso da região sul do
Espírito Santo no plantio do café foi sua proximidade com o Vale do
Paraíba, então a maior região produtora do país.
[...]
O esgotamento dos solos nas regiões originalmente grande produtoras,
explica o deslocamento inicial para Minas Gerais e, mais tarde, para a
Província do Espírito Santo.
[...]
Os fazendeiros que se dirigiam para o Espírito Santo, fugindo de terras
improdutivas ou mais caras, levavam consigo algum dinheiro e escravos.
Era a condição necessária para que se transformassem em proprietários de
vastas quantidades de florestas virgens.
[...]
Outro fenômeno importante aconteceria em terras capixabas: a chegada de
imigrantes europeus. O primeiro período do cultivo do café feito pela
ocupação da região sul do Estado, entre 1856-1872, foi caracterizado pelo
ingresso de mineiros e fluminenses. Foi o período de ocupação das áreas
do interior, em torno de Cachoeiro do Itapemirim. Entre 1872 e 1888
temos o segundo período quando a imigração européia buscou ocupar as
terras altas da região central. Naquele que consideramos o terceiro período,
depois de 1888, a imigração européia estabeleceu-se na região central e na
região sul. A população do Estado praticamente dobrou neste período: de
pouco mais de 100.000 habitantes em 1890 ela chegou a 209.000 em 1900.
A produção de café triplicou entre 1872 e 1891.
[...]
Como o objeto privilegiado da ação do Estado era o café, as principais
realizações estiveram na construção de ferrovias, do Porto de Vitória,
elementos importantes para o seu escoamento [...]. (VASCONCELLOS;
PANDOLFI, 2004, p. 126-130).
Para o ex-governador Christiano Dias Lopes Filho, que esteve à frente do governo capixaba
no período de 1967-1970...
...o Espírito Santo obteve desenvolvimento durante o século 19. Foi
quando conseguiu abandonar aquele negócio de farinha de mandioca e de
44
outros produtos e se dedicou ao café. Daí passou a ser o café um ponto de
apoio da sua economia. [...] O açúcar vinha em segundo lugar, mas já em
1861 o café saltava para 223 mil arrobas e em 1900 o café, já passando a
ser medido em sacos, passou para 1 milhão e 200 mil sacos no Espírito
Santo. (LOPES FILHO, 2004, p. 24).
E o Arthur Carlos Gerhardt Santos, que o sucedeu à frente do governo do Estado do Espírito
Santo (1971-1974), assim se expressa:
Eu me formei em 1952 e comecei a trabalhar aqui [no Espírito Santo] em
1953. Nessa época a estrutura econômica do Estado era fundamentalmente
o café. Da nossa renda interna 60% se deviam à agricultura, da qual mais
de 60% vinham do café. (GERHARDT, 2004, p. 40).
Aqui cabe, como diz Zorzal e Silva (2004), uma breve retrospectiva histórica no sentido de
resgatar o momento em que se iniciou o processo de mudança e inflexão na trajetória do
desenvolvimento estadual fundado na economia cafeeira.
Como sabemos, tal momento localiza-se na década de 50 do século XX.
Vale lembrar que nesse período se acelera o processo de expansão da
monocultura cafeeira, especialmente no norte do estado, ao mesmo tempo
em que se esgotam as possibilidades de reprodução desse modelo
monocultor em razão mesmo da reorientação mais geral do desenvolvimento
econômico brasileiro, sobretudo a partir da era JK (1956-1960). (ZORZAL E
SILVA, 2004, p.71).
Em torno do café se construiu uma estrutura econômica que esteve presente no Estado por
mais de um século e que resultou, nos anos 60 do século passado, numa matriz em que 85%
das propriedades agrícolas estavam voltadas para a cafeicultura, assim como 92% de toda
mão-de-obra agrícola (MORAES, 2002, p. 281).
Configura-se, assim, uma economia que pode ser caracterizada como monocultora de café,
sob influência determinante do mercado externo que no período pós-guerra se apresenta
francamente favorável às relações de troca. Nesse contexto, pode-se imaginar o impacto do
45
programa de erradicação dos cafezais implementado a partir de 1962 pelo Instituto Brasileiro
do Café, impacto este que teve sua maior representação no movimento migratório interno
ocorrido no Estado, como nos mostra a análise migratória feita sobre as décadas de 60-70.
A instabilidade própria de uma economia totalmente dependente se fez
sentir já no final da década de 50, quando o mercado internacional já não
se mostrava tão favorável.
Assim, em 1960, sua participação na renda do setor agrícola cai para 33%
[nos anos 50 tal participação era de 59%], e em 1962, houve a primeira
erradicação dos cafezais, atingindo dessa vez apenas os improdutivos. O
decisivo mesmo foi a erradicação indiscriminada em 1966-1968. Tentava-
se assim, eliminar um produto já sem grandes rentabilidades e proporcionar
sua substituição por outros.
Fica claro, porém, que o declínio da economia cafeeira era inevitável, mas
talvez suas conseqüências não se fizessem sentir de maneira tão violenta,
quanto às provocadas por uma medida de impacto, como a erradicação, que
liberou de uma só vez, 50.000 trabalhadores rurais, o que corresponde a
aproximadamente 150.000 pessoas.
É nesse período que se inicia o esvaziamento intenso da zona rural
(tendência que continua ainda até nossos dias), provocando um contínuo
aumento nas populações urbanas.
O destino de grande parte dessa população expulsa foi a Grande Vitória,
que em 1970 passa a representar 24% da população do Estado [...].
(ESPÍRITO SANTO, 1979, p. 20-22).
Reveste-se de muita valia para o entendimento da importância desse fluxo migratório para a
região de Vitória, outro trecho do depoimento do ex-governador Christiano Dias Lopes Filho
(1967-1970), dirigente do Estado na fase mais aguda da erradicação do café. Nesse trecho ele
está expondo seu empenho na criação do Centro Industrial de Vitória – CIVIT.
Era o que nós queríamos – e aí nessa fase, havia uma pequena discordância
de avaliação entre mim e o dr. Arthur Gerhardt –, porque eu achava que o
Espírito Santo, que já tinha recebido uma avalanche de gente do interior,
quando os cafés foram erradicados, precisava absorver um pouco dessa
população imensa que estava habitando os subúrbios de Vitória, os morros
de Vitória. Esses morros que estão aí surgiram em virtude da vinda para
Vitória da mão-de-obra liberada do interior pelo café.
46
Foram mais ou menos 18 mil famílias que vieram para o Espírito Santo,
para Vitória. Uma parte ficou lá, aplicada na pecuária que substituiu o café,
outra parte foi embora para o sul e uma parte veio para Vitória que foram
18.000 famílias. Vitória começou a explodir em problemas de água, luz,
habitação, escola, saúde, com a chegada daquele mundo. 18 mil famílias
significam o quê? 54 mil pessoas. E isso em 5 ou 8 anos.
Então, o estímulo às pequenas empresas, às pequenas e médias indústrias,
iria através do Civit, produzir mercado de trabalho para absorver esse povão.
O presidente do Bandes, na ocasião o dr. Arthur Carlos, achava que o
Espírito Santo ia ficar amarrado muitos anos nesse negócio de pequena e
média empresa, quando nós precisávamos era de dar um chute no futuro, e
nada melhor para isso do que a atração de grandes projetos para Vitória.
(LOPES FILHO, 2004, p. 33).
A importância desse depoimento reside no fato de revelar, com as cores de quem governava o
Estado à época, toda a dimensão social catastrófica da erradicação do café: a migração de
dezoito mil famílias para a região de Vitória (cerca de 54 mil pessoas) e o esfacelamento da
infra-estrutura existente no Município, pela impossibilidade de absorver tamanho contingente
populacional que vem somar ao existente.
A crise na economia cafeeira produziu, em suma, dois resultados: o primeiro deles, um grande
fluxo migratório do interior do Estado para a região da Grande Vitória e, o segundo, a
aceleração da busca por alternativas que ajudassem o Estado a sair da crise, firmando-se a do
desenvolvimento tendo como base a industrialização.
3.1.2 2 º Ciclo migratório – o processo de industrialização
Para conhecer o que foi o processo de industrialização no Espírito Santo, lança-se mão, tal
qual adotado na abordagem da história da cafeicultura, de depoimentos de pesquisadores e ex-
governadores.
47
Sobre a participação do ex-governador Christiano Dias Lopes Filho nesse processo, assim se
expressam Vasconcellos e Pandolfi (2004):
Em pleno período militar, Cristiano Dias Lopes Filho, um dos grandes
discípulos de Jones dos Santos Neves, foi escolhido indiretamente
governador do Espírito Santo. Ele implantou o projeto jonista, no que foi
ajudado pela conjuntura política, marcada pela presença dos militares. Uma
articulação das elites produzidas pelo projeto de industrialização no
Espírito Santo com os militares movimentou a cena da época. Com
Cristiano traça-se uma nova trajetória para a economia estadual, bem como
são concebidos os principais instrumentos de política de desenvolvimento.
Deve-se atentar para o fato de que a economia capixaba passava nessa
década por uma das suas maiores crises, em função da queda dos preços do
café.
É no governo de Cristiano Dias Lopes que são criados os principais
instrumentos de política de desenvolvimento, bem como implantado todo
um aparato voltado ao fomento e apoio ao desenvolvimento. Nascem neste
momento o Fundo de Recuperação do Espírito Santo – Funres, o Fundo de
Desenvolvimento das Atividades Portuárias – Fundap e os incentivos
específicos de cunho fiscal de bonificação do ICMS. Foram criados ainda
instrumentos de crédito como a Codes, transformada posteriormente em
Bandes – Banco de Desenvolvimento do Espírito Santo S.A. Foram
mapeadas as chamadas vocações econômicas, atreladas às características
de cada região. Surgiram assim os programas de apoio e fomento à
agroindústria, à pecuária e à diversificação agrícola. Trata-se de um projeto
fundamentado nas potencialidades locais. (VASCONCELLOS;
PANDOLFI, 2004, p. 133).
O Arthur Carlos Gerhardt Santos, em cujo governo se deu a implantação dos chamados
“grandes projetos”, nos traz alguns esclarecimentos interessantes sobre a vinda desses
empreendimentos para o Espírito Santo:
Realmente nós somos um Estado no meio da área política e econômica mais
importante do país. Christiano usava a expressão Nordeste sem Sudene. Era
isso mesmo. É um Estado extremamente atrasado no meio da área mais
desenvolvida do Brasil que é Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo.
O PIB do Brasil está quase todo nesses três Estados. Certas coisas que a
gente conseguiu para o Estado quando eu era governador, só foi conseguido
porque o regime era de exceção. Se o regime fosse de democracia plena, nós
não conseguiríamos.
Eu duvido que a Companhia Siderúrgica de Tubarão fosse construída no
Espírito Santo se você não estivesse no regime de exceção, porque as razões
48
de se construir aqui existiam muito antes [...] Christiano fez referência, o
primeiro estudo demonstrando que o melhor lugar para construir uma
siderúrgica no Brasil é de 1929, mostrando que era aqui.
[...]
Nós tivemos um ministro que foi o professor Dias Leite, que está vivo até
hoje. A política que o Dias Leite fez de reflorestamento, criando aquele
incentivo para as empresas reflorestarem, foi o que deu origem à Aracruz
Celulose. Você tinha vastas áreas devastadas que estavam sendo utilizadas
em uma pecuária de baixa rentabilidade, degradadas, e não era só no Espírito
Santo, era no Brasil inteiro.
Criou-se um incentivo para se plantar uma floresta artificial nessas áreas e
transformá-las em áreas econômicas. A Aracruz Celulose começou no
governo do Christiano. Começou como uma empresa para produzir chips
para indústria de papel européia e japonesa. Basicamente, então, era plantar
eucalipto, transformar em cavaco e exportar cavaco.
Depois disso, durante o meu governo, entrou um acionista que era produtor
de celulose, a Bilerud da Suécia. A Bilerud sugeriu que se estudasse não
exportar o chip, mas fazer a celulose aqui. Isso foi a grande transformação,
que fez da Aracruz o que ela é hoje. (GERHARDT, 2004, p.52-53).
Percebe-se que os problemas sociais produzidos pela erradicação do café – uma medida do
Governo Federal – não se configuram como a razão principal para a vinda dos grandes projetos
para o Estado, mas, sim, o bom trânsito do novo governador junto ao regime de exceção.
Na montagem do quadro do ciclo de industrialização deve-se, ainda, fazer referência ao papel da
Companhia Vale do Rio Doce nesse processo, inicialmente na fala da Zorzal e Silva (2004):
[...] no caso da economia capixaba o processo de ruptura com o padrão
pretérito não decorre apenas do esgotamento da economia cafeeira e da
emergência de novos setores econômicos, mas de processos decisórios de
agentes econômicos, cuja racionalidade estratégica estão muito além das
fronteiras do ES. Estou falando do conglomerado de empresas constituído
pela holding estatal Companhia Vale do Rio Doce – CVRD, cujo âmbito
de atuação, vinculado ao complexo mina-ferrovia-porto, voltado quase que
exclusivamente para o mercado externo, ao lado da magnitude de seus
investimentos em território capixaba, pós anos 60, os quais sobrepujaram
em muito o âmbito e a escala dos agentes públicos e privados estaduais,
redefiniu e reorientou de forma definitiva os rumos do desenvolvimento
estadual.
As articulações estabelecidas pela CVRD com o governo federal e
estadual, no plano interno, e com o governo japonês, no plano externo, no
sentido de expandir e modernizar a infra-estrutura operacional da empresa,
com a construção do Porto de Tubarão, visando conquistar competitividade
no mercado transoceânico de minério de ferro no início dos anos 60,
49
constituiu um verdadeiro marco e ponto de inflexão que estabeleceria os
embriões dos rumos futuros da economia estadual. (ZORZAL E SILVA,
2004, p. 76):
Sobre os estudos desenvolvidos por Zorzal e Silva (2004), assim se expressam Vasconcellos e
Pandolfi (2004):
[...] Marta Zorzal e Silva, em esclarecedora tese de Doutorado, registra que
desde seu início sempre a CVRD deu-se como missão impulsionar o
desenvolvimento, sobretudo industrial, do espaço onde atuasse. Segundo
ela, à medida que a empresa consolidou-se no mercado e transformou-se
em forte estrutura empresarial, a idéia de alavancagem de novos
empreendimentos tornou-se meta importante. Portanto, em relação às
conexões com o capital privado, a Vale foi, ou deveria ser ‘incubadora de
empresas’ e ‘promotora de novos empreendimentos’.
[...]
Obviamente que tal estratégia de crescimento empresarial teria grandes
repercussões no Espírito Santo. Como decorrência dela uma série extensa
de empreendimentos foram gerados. Eles abrangeriam setores como: 1)
minério de ferro, pelotas e manganês; 2) transporte e operações portuárias;
3) siderurgia e metalurgia; 4) bauxita, alumina e alumínio; 5) pesquisa
mineral e minerais não ferrosos; 6) madeira, celulose e papel e 7)
escritórios comerciais. Isso tudo tenderia a provocar fortes modificações
produtivas [...]. (VASCONCELLOS; PANDOLFI, 2004, p. 134).
Com toda a prioridade governamental voltada para o processo de industrialização, a economia
capixaba passa a se configurar de maneira diferente das décadas anteriores. Caracteriza-se agora
como urbana, concentrada na região da Grande Vitória e estendendo-se em direção ao litoral
norte, área de instalação da Aracruz Celulose.
Como os movimentos da população são condicionados pelo rearranjo espacial das atividades
econômicas, cabe entender agora de que maneira todas essas transformações se refletiram na
movimentação / distribuição da população nesse período.
50
Isso é feito tomando-se por referencial as análises desenvolvidas pelo Departamento de
Análise e Consolidação de Programas, do Governo do Estado do Espírito Santo:
Em primeiro lugar a concentração econômica na Grande Vitória
intensificou consideravelmente as desigualdades regionais dentro do
Estado. Se bem que não se possa falar que se trata de um Estado
industrializado, é bem marcante a diferença entre o grau de industrialização
da região da Grande Vitória em relação às demais cidades do interior.
Identificada, então, uma região dinâmica dentro do Estado e outra (todo o
interior) de relativa estagnação, onde a principal atividade (a pecuária) é
poupadora de mão-de-obra, fica perfeitamente compreensível a mobilidade
da população nesse período. Com efeito, os migrantes internos aumentaram
consideravelmente, passando de 33% da população total em 1970 para
41% em 1977, e é bem claro que essa população movimenta-se em direção
à região onde se concentra a atividade econômica dinâmica, ou seja, a
Grande Vitória, que é mesmo a única região de atração dentro do Estado.
[...]
Com isso, as populações do interior são forçadas a se mudarem para a
região onde há pelo menos a expectativa de se encontrar emprego, e todo o
interior se esvazia, sendo de forma absoluta em quase todas as áreas rurais.
Até certo ponto este grande afluxo de pessoas para a Grande Vitória foi de
início mesmo desejado, já que havia necessidade de mão-de-obra para
atender a construção civil, tanto nos Grandes Projetos quanto das demais
empresas, e a existência de uma crescente oferta de mão-de-obra barateava
o seu custo.
De fato a construção civil foi a categoria que mais absorveu mão-de-obra,
especialmente a não qualificada, experimentando um forte dinamismo na
Grande Vitória pelo próprio aumento de sua população. Os chamados
Grandes Projetos, passada a fase de construção civil absorvem pouca mão-
de-obra, na maioria de alta especialização. [...]
Assim, com mais da metade da população vivendo agora na zona urbana,
toda a estrutura ocupacional se modifica. Se em 1960, 70,35% da
população ocupada se encontrava em atividades agrícolas, em 1977 esse
percentual é de apenas 36,45%. Seria de se supor que esta queda fosse
compensada por um aumento de participação nas atividades industriais. Ao
invés disso, entretanto, a compensação se dá pelo aumento vertiginoso da
capacidade do setor terciário que passa de 24%, em 1960, para 47% em
1977, sendo que na Grande Vitória é bem mais alta, num total de 72%.
A expansão do terciário acompanha a expansão urbana, já que esta exige
uma série de atividades complementares à produção bem como de
prestação de serviços de utilidade pública e pessoais. O que acontece é que
nas economias subdesenvolvidas o terciário assume tamanho e caráter
desproporcionais, pois se forma, principalmente, por atividades não
51
diretamente ligadas ao setor dinâmico, de baixa remuneração e
estabilidade. E é isso o que se pode verificar no Espírito Santo, onde,
apesar da existência de ramos produtivos do terciário (ligados,
principalmente, ao setor exportador), a grande parcela da população se
encontra mesmo nas categorias improdutivas, principalmente no subsetor
serviços [...].
Considerar, entretanto, uma irracionalidade das pessoas migrarem para a
cidade e se sujeitarem a esse tipo de emprego é precipitar-se na análise. O
que se deve observar é a total falta de alternativas que se verificou no
campo, forçando, portanto, não só as pessoas que não tinham terra a
migrar, como também os pequenos proprietários, para os quais é mais
razoável vender sua propriedade e assumir o risco da migração.
[...]
Toda essa situação de abandono do campo guarda uma relação direta com
o rápido crescimento das cidades. São ambos, resultados de um único
processo, ou seja, a opção tomada para o desenvolvimento do Estado,
opção que até os dias atuais preserva e perpetua suas contradições.
(ESPÍRITO SANTO, 1979, p. 25-29)
Dentre estas contradições situa-se a de Vitória apresentar-se, simultaneamente, como a terceira
capital em qualidade de vida e a primeira em violência, na sua forma mais cruel – o crime letal.
Uma das explicações para este paradoxo pode estar na intensificação das reivindicações de
grupos até então marginalizados que lançam um chamado à sociedade, ao Estado e às
instituições (como já colocado por DOS ANJOS), ainda que por meio da violência, no sentido
de serem reconhecidos e terem o direito de fazer parte dessa qualidade de vida que, tão perto,
lhes parecem tão inatingíveis.
3.2 A CRISE DA CIDADANIA
A cidadania tem assumido historicamente várias formas em função dos diferentes contextos
culturais. O conceito de cidadania, enquanto direito a ter direitos, tem se prestado a diversas
52
interpretações. Entre elas, tornou-se clássica a da cidadania como composta dos direitos civis
e políticos – direitos de primeira geração – e dos direitos sociais – direitos de segunda geração
(MARSHALL, 1977, p. 26).
Os direitos civis, conquistados no século XVIII, correspondem aos direitos individuais de
liberdade e igualdade, direito à vida, direito à proteção da lei, direito à privacidade e à
inviolabilidade, direito de ir e vir, direito à proteção da família, direito à propriedade e direito à
liberdade de pensamento e opinião. São os direitos que embasam a concepção liberal clássica e
estão presentes nos primeiros dezenove artigos da Declaração Universal dos Direitos Humanos,
proclamada na Assembléia Geral das Nações Unidas de 1948 (BRASIL, 2002, p. 10-208).
Já os direitos políticos, alcançados no século XIX, dizem respeito à liberdade de reunião e
associação, à participação política e eleitoral e ao sufrágio universal. São também chamados
de direitos individuais exercidos coletivamente. Também foram incorporados à tradição
liberal e estão presentes na Declaração Universal dos Direitos Humanos, em seus artigos 20 e
21 (2002, p. 218-228).
Os direitos de segunda geração, os direitos sociais e econômicos, foram conquistados no século
XX a partir das lutas dos movimentos operário e sindical. Constituem-se do direito à segurança
social e ao trabalho, do direito à organização sindical e do direito à saúde, alimentação, vestuário,
habitação, cuidados médicos e segurança, enfim, a garantia de acesso aos meios de vida e bem-
estar social. Tais direitos tornam reais os direitos formais e estão representados na Declaração
Universal dos Direitos Humanos em seus nove últimos artigos (2002, p. 240-324).
53
Na segunda metade do século XX, surgiram os “direitos de terceira geração”. Trata-se dos
direitos que têm como titular não o indivíduo, mas grupos humanos como o povo, a nação,
coletividades étnicas ou a própria humanidade. Na perspectiva dos “novos movimentos
sociais”, direitos de terceira geração seriam os relativos aos interesses difusos, como direito
ao meio ambiente e direito do consumidor, além dos direitos das mulheres, das crianças, das
minorias étnicas, dos jovens e dos idosos. Neste início de século, já se fala nos “direitos de
quarta geração”, relativos a bioética, para impedir a destruição da vida e regular a criação de
novas formas de vida em laboratório pela engenharia genética (VIEIRA, 2001, p. 9).
No que se refere à relação entre direitos de cidadania e o Estado, existe uma tensão interna
entre os diversos direitos que compõem o conceito de cidadania. Enquanto os direitos de
primeira geração – civis e políticos – exigiriam, para sua plena realização, um Estado mínimo,
os direitos de segunda e terceiras gerações – direitos sociais e difusos – demandariam uma
presença mais forte do Estado para serem realizados.
Assim, a tese atual de Estado mínimo – patrocinada pelo neoliberalismo – corresponde não a
uma discussão meramente quantitativa, mas a estratégias diferenciadas dos diversos direitos
que compõem o conceito de cidadania e dos atores sociais envolvidos, ou em outras palavras,
corresponde à busca pela prevalência dos direitos de primeira geração sobre os demais, o que
reforçaria a prevalência do princípio do mercado sobre o do Estado e o da comunidade, como
se vê nos dias de hoje.
O projeto da modernidade, no bojo do qual nasceu e se desenvolveu o capitalismo moderno,
se assenta sob o paradigma do equilíbrio entre o pilar da regulação e o pilar da emancipação
(SANTOS, 2003, p. 77). Roberto Basilone Leite, tomando por base os conceitos e as idéias de
54
Santos (2003), afirma que a hipertrofia do princípio de mercado, a redução da ciência do
direito a dogmatização jurídica e a prevalência dos direitos de primeira geração sobre os
demais são suficientes para mostrar que...
O paradigma desse projeto está extinto, depois de ter atravessado um
processo longo e complexo de superação e ao mesmo tempo de
obsolescência: de superação no que tange às promessas que a modernidade
cumpriu – e por sinal cumpriu em excesso –, e de obsolescência no que
respeita às promessas que está incapacitada de cumprir. Os excessos e o
déficit no cumprimento de tais promessas são a causa radical da crise que
castiga o mundo atualmente. Daí a necessidade de um novo paradigma, que
permita ultrapassar os limites da modernidade. (LEITE, 2003, p. 7).
Para que se possa compreender como se chegou a esses excessos e a esses descumprimentos
de promessas, importa rever o que aconteceu no pilar da regulação. Retornando às idéias e
conceitos de Boaventura de Sousa Santos (SANTOS, 2003, p. 79-80), pode-se dizer que na
evolução histórica verificada nos países centrais – Inglaterra, França, Alemanha, Estados
Unidos e Suécia – o capitalismo passou por três períodos:
O primeiro período cobre quase todo o século XIX e é conhecido como o período do
capitalismo liberal. Corresponde ao surgimento dos direitos políticos, formulados por T.H.
Marshall, e, de sua análise, pode-se perceber quão ambicioso era o projeto da modernidade –
no plano político – e internamente contraditório, o que explica o déficit irrecuperável em que
se transformou o excesso de promessas feitas.
O período subseqüente tem início nas duas últimas décadas do século XIX e atinge o seu
pleno desenvolvimento no período entre as duas grandes guerras e nas primeiras décadas após
a 2ª Guerra Mundial, sendo conhecido como o período do capitalismo organizado.
Corresponde ao surgimento dos direitos sociais e foi marcado, no início, pela expansão
55
vertiginosa do princípio do mercado. Mais para o final do século, o princípio do mercado é
contido pelo princípio do Estado, o que estabeleceu um certo equilíbrio entre eles, passando
os dois a se sobreporem ao princípio da comunidade.
O terceiro período tem vigência a partir dos finais da década de 60 e é conhecido como o
período do capitalismo financeiro, monopólico ou desorganizado. Corresponde ao surgimento
dos chamados “novos direitos” de cidadania, de natureza difusa. Nesse período, o princípio do
mercado volta a se expandir e adquire força sem precedentes, colonizando os princípios do
Estado e da comunidade. É a fase da flexibilização da vida econômica, social e política e o
discurso capitalista passa a convencer os cidadãos de que o possível para o projeto da
modernidade é também o único, isto é, passa a mascarar o déficit relativo às promessas não
cumpridas. Tais promessas podem ser aglutinadas em três grandes grupos, que em comum
têm o fato de reduzir os direitos da cidadania a solenes declarações:
(1) no primeiro grupo, estão as promessas que se referem à solução dos problemas da
distribuição econômica, problemas estes que estão na origem das desigualdades sociais
gritantes entre ricos e pobres ou desenvolvidos e em desenvolvimento /
subdesenvolvidos, quer se manifestem no âmbito interno da nação ou no conjunto das
nações;
(2) no segundo, as promessas que acenavam com a implantação de uma democracia política
substancial, que promovesse a incorporação efetiva dos cidadãos no sistema político
mediante a participação não limitada apenas ao ato do voto;
56
(3) no terceiro, as promessas de que à medida que o projeto da modernidade se cumpra, esse
déficit formado pelo que até agora não se cumpriu, se cumprirá; promessas essas que
desconsideram a crise de cidadania vigente e reafirmam a relevância do paradigma
proposto.
Esta redução dos direitos da cidadania a solenes declarações, no Brasil se faz muito mais
presente, até por herança do nosso processo de colonização. Segundo Vasconcellos (1995)...
[...] a predisposição de se misturar com um outro povo, uma espécie de
ausência de orgulho da raça, extremamente importante em outros povos
colonizadores, desempenhou papel fundamental na colonização brasileira.
[...]
Ele [o colonizador português] se misturou com prazer às mulheres negras e
silvícolas de raça amarela, desde os primeiros contatos, e multiplicou os
filhos mestiços.
[...]
Essa mestiçagem realizou-se num quadro de forte hierarquia social. O
europeu multiplicava filhos com indígenas e negras. Entretanto, mantinha
distâncias sociais enormes entre eles. A conseqüência foi que o Brasil
conheceu efetivamente forte mestiçagem biológica, mas não uma interação
inter-racial. Os filhos dessas relações bastardas não ascendiam à posição
dos colonizadores. Desciam, antes, em direção às posições inferiores
ocupadas pelos índios e pelos negros.
[...]
Mesmo que, dentro do sentido dado à colonização no Brasil, não tenha sido
criado um lugar positivo para os índios e os negros, isso não impediu a
mestiçagem.
[...]
O resultado da combinação, no processo colonial brasileiro, da facilidade
do português em se relacionar sexualmente com os outros povos e da
exclusão praticada contra índios e negros, foi a destruição associada à
miscigenação. Miscigenação produzida sob a lógica da dominação e da
hierarquia social. Não constatamos, no caso brasileiro, a formação histórica
de cidadãos, com capacidade de dialogar politicamente com os
colonizadores. Estes últimos impuseram toda uma cultura baseada na
ausência de um povo com demandas políticas. Povos a serem submetidos e
destruídos. O sadismo, a utilização sem limites do outro, é a marca da
formação das nossas elites. A história política brasileira é fortemente
marcada por esses tipos de traços. A violência, como forma de relação com
57
os dominados, foi preponderante até pelo menos o fim do século XIX e
constituiu-se de forma definitiva como uma das características de nossa
sociedade.
Esta violência cotidiana, todo o tempo presente em nossa formação,
invadiu mesmo as casas. Ela fazia parte dos processos de socialização. A
existência do chamado negrinho, companheiro nas brincadeiras e moleque-
pancadas do menino branco é, deste ponto de vista, exemplar.
[...]
Não é difícil imaginar as conseqüências, sobre a psicologia e o
comportamento dos adultos, desse tipo de relação infantil, que favorecia o
desenvolvimento de tendências perversas. É igualmente fácil imaginar o
tipo de elites que tal processo de socialização foi capaz de gerar. O
sadismo, a ausência de respeito por tudo o que era popular, a completa
ausência de limites nas relações pessoais, o autoritarismo perfeito. Eis aí
uma pista da história da formação das elites brasileiras, e o quadro no qual
se formaram nossos personagens políticos no decorrer do processo de
colonização.
[...]
A sociedade brasileira foi construída com um corte profundo entre o povo
e a elite. Sempre houve um mundo “inferior” e dominado e um mundo
“superior”, europeu, que era triunfante e dominador. A cultura política
brasileira foi elaborada desde o início sem dar espaços para as relações
democráticas, para o respeito ao outro, para noções mínimas de
convivência entre pessoas que pensam de forma diferente. Não é, portanto,
obra do acaso que os personagens produzidos nessas condições históricas
estivessem distantes de um projeto de sociedade mais aberta.
(VASCONCELLOS, 1995, p. 20-30).
Como afirma Luciano Oliveira (In: VASCONCELLOS, 1995, p. 9):
Reflexo da nossa desigualdade estrutural é a inexistência, no país, de uma
forma de tratamento universal, aplicável a todas as pessoas, no chamado
espaço público, independentemente de suas diferenças sociais e
econômicas. As formas de tratamento variam de acordo com a posição
onde se esteja inserido.
Nessa diferenciação entre o comportamento da elite dominante e o do povo dominado se
manifesta a crise da cidadania. Enquanto a elite, por ações ou omissões, não se mobiliza por
fazer prevalecer os direitos inerentes à cidadania para todos, o povo protagoniza os efeitos
adversos dessa crise: a pobreza reinante, as crescentes dificuldades de inserção no mundo do
58
trabalho, os problemas da escolarização e do preparo profissional, o receio e a falta de
perspectivas e de futuro, a cartelização expansiva da delinqüência e da droga – que oferece
aparentes saídas fáceis e imediatas, os diversos conflitos e violências (raciais, étnicas,
econômicas) no mundo, a impunidade e a perda de confiança na efetividade do sistema
jurídico e os vazios e conflitos da democracia e dos partidos políticos que levam a um
profundo desinteresse em termos de participação. (WAISELFISZ, 1998, p. 13).
Analisadas as duas variáveis propostas, qual é o pano de fundo com o qual nos deparamos?
Uma realidade aonde algo em torno de 60.000 pessoas se vêm obrigadas a deixar os locais
onde viviam e se dirigirem para aquele que parece oferecer melhores oportunidades de
sobrevivência e, quando chegam lá, descobrem que terão que se sujeitar a um subemprego ou,
na melhor das hipóteses, um emprego de baixa renda e alta instabilidade, quando não são
condenados a incorporar-se à massa dos desempregados.
Desconhecedores de seus direitos como cidadãos e, em alguns casos, até conhecendo-os, mas
não sabendo como torná-los efetivo, passam a conviver com a pobreza reinante, à margem da
escolarização e do preparo profissional e sem acesso ao mundo do trabalho digno. Sós e sem
perspectiva.
Neste contexto, dois atores sociais se apresentam: o “agenciador do tráfico” e o “manipulador
político” cada qual, à sua maneira, oferecendo saídas fáceis para problemas complexos. O
primeiro, recrutando a juventude pobre para as unidades locais do tráfico de armas e drogas,
responsável pelo varejo desse comércio ilegal (BRASIL, 2003, p.7). O segundo, sem nenhum
compromisso, além daqueles consigo mesmo, e muitas vezes financiado pelo crime
59
organizado, trocando voto e apoio por alimento ou algum outro gênero de necessidade para o
cidadão que não se sente como tal e nem vê a sua cidadania reconhecida pelos outros.
Quanto aos efeitos dessa associação – pobreza, tráfico de drogas e armas e corrupção – com
triste freqüência condenará parte significativa dos jovens a um itinerário de delinqüência e à
morte precoce e violenta.
As vantagens oferecidas pelo tráfico, materiais e simbólico-afetivas,
compensam a carência de autoestima, a invisibilidade social (provocada
pelos estigmas ou pela indiferença), a falta de vínculos identitários fortes
com a comunidade, a escola ou a família, a falta da gratificação
proporcionada pelo lazer e o esporte, e a precariedade de perspectivas de
integração plena no mercado, em um contexto no qual a sociedade parece
só valorizar o status que brilha no consumo exibicionista (BRASIL, 2003,
p. 6).
Como diz SOARES (2005):
Nessa dinâmica fratricida, jovens pobres das periferias e favelas matam
jovens pobres das periferias e favelas. A fonte gravitacional que os recruta
para o varejo do tráfico de drogas, lança-os em direção a outras práticas
marginais, cujos desfechos são crimes contra o patrimônio e contra a vida –
uns e outros tendendo a confundir-se, em função da intensidade crescente
da violência, derivada, sobretudo da disponibilidade de armas
Nos últimos anos, esse cenário degradante transbordou o tradicional
cinturão sanitário que o circunscrevia e que protegia, com brutalidade e
silêncio, as camadas médias, a elite, os bairros nobres. Hoje, os efeitos
diretos e indiretos dessa guerra cotidiana atingem todas as classes e grupos
étnicos, indistintamente, ainda que os efeitos letais continuem
concentrados, na medida exata, mas em proporção inversa à concentração
de renda e poder. (SOARES, 2005, sem paginação).
Ou no dizer de CASTORÍADES (1996, apud WAISELFISZ, 2002, p. 137):
60
A incidência crescente de todas essas formas de violência, que torna nossos
jovens, ao mesmo tempo, vítimas e algozes, exige do conjunto da
sociedade uma análise mais aprofundada e uma atitude mais objetiva e
responsável, se quisermos realmente limitar sua vigência em nossa
sociedade. A violência também encontra um excelente caldo na apatia, na
falta de projeto futuro, na ausência de perspectivas, na quebra dos valores
de tolerância e solidariedade, fatos que fazem parte da crise de
significações de nossa modernidade. Os impasses da sociedade geram a
vigência de diversas formas de culto à violência como forma de solução
dos problemas imediatos, adquirindo novas formas e novos conteúdos, sob
a forma de violência gratuita. Essa crise de significações leva a uma
situação de asfixia, em que os jovens não vêm nem saída nem mecanismos
de articulação (movimentos políticos, sociais ou culturais) que funcionem
como unificadores.
O novo caráter da violência está na intensidade, na própria violência de
questões sem saída, estimulando comportamentos violentos e um retorno à
barbárie.
Se o novo caráter da violência está na sua intensidade, como diz Castoríades, esta, por sua
vez, permeia todo o pano de fundo que se buscou traçar neste capítulo e é matizada pelo
déficit de promessas não cumpridas o qual está indissociavelmente ligado às questões da
ocupação do solo urbano, das condições econômicas, da malha e da infra-estrutura urbana, da
educação, da saúde, ou seja, do reconhecimento da cidadania, que quando não ocorre se
desdobra nos traumas familiares, nas questões mais interativas interpessoais, nas questões
psicológicas que estão envolvidas nessas problemáticas familiares, na drogadição, no
alcoolismo, na violência doméstica, enfim, nas questões as mais variadas, de acordo com o
local e a dinâmica que estejamos a analisar e que, em suma, dá origem à escalada da
criminalidade como se vê nesses tempos.
É nesse contexto e com o propósito de resgatar a cidadania, principalmente da parcela
hipossuficiente da população – e nesta, mais especificamente da infância e da juventude – que
as ações preventivas da criminalidade vão se colocar e, dentre elas, a implementação de
Centros Integrados de Cidadania.
61
4. ENQUANTO ISSO, NO PLANALTO CENTRAL...
Nos últimos anos, a violência cresceu no Brasil de tal forma que veio a configurar-se como
uma das características marcantes de nossa época e a freqüentar a agenda política dos gestores
municipais, estaduais e federais. Focada na sua manifestação mais aguda – o crime letal – o
pano de fundo traçado no capítulo anterior e as pesquisas desenvolvidas pela UNESCO, desde
a década de 80, sobre a evolução dos homicídios, corroboram estas afirmações.
Ainda nos reportando às pesquisas desenvolvidas pela UNESCO, a evolução dos óbitos por
homicídios no Brasil, na última década, explicita de forma clara essa letalidade.
Tabela 2 - Número de óbitos por homicídios
Faixa etária: População total
Local: Regiões / Período: 1991/2000
ANO
Região
1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000
%
Aumento
Norte 2.038 1.851 1.810 1.890 1.838 1.938 2.018 2.334 2.144 2.407 18,1
Nordeste 6.140 6.010 7.008 6.919 7.283 8.095 8.739 9.176 9.227 9.869 60,7
Sudeste 16.932 15.490 16.884 18.678 22.140 22.823 23.251 24.734 26.148 26.379 55,8
Sul 3.266 3.001 2.765 2.933 3.222 3.243 3.634 3.546 3.602 3.850 17,9
Centro-Oeste 2.190 2.035 2.119 2.183 2.645 2.789 2.865 2.871 2.920 3.414 55,9
BRASIL 30.566 28.387 30.586 32.603 37.128 38.888 40.507 42.661 44.041 45.919 50,2
Fonte: Base de Dados Nacional do Sistema de Informações de Mortalidade (SIM), do DATASUS,
Ministério da Saúde.
As regiões nordeste e sudeste destacam-se neste quadro não só por apresentarem percentual
de aumento superior à variação nacional, como também por nelas se situarem as regiões
metropolitanas consideradas as mais violentas: Recife, no nordeste, e Vitória, Rio de Janeiro e
São Paulo, no sudeste.
62
Dentre essas regiões metropolitanas, a análise da taxa de homicídios para a população de 15 a
24 anos e no período de 1996 a 2002, destaca Recife e Vitória como as duas capitais que se
têm revezado num triste e nada honroso primeiro lugar.
0
50
100
150
200
250
300
1996 1998 2000 2002
Ano
Taxa
Vit ó ria
Rio de Janeiro
Recife
o Paulo
197
,
1
160
,
5
201
,
1
145
,
5
131
,
1
141
,
1
192
,
9
221
,
3
255
,
7
114
,
2
138
,
8
122
,
3
118
,
7
164
,
6
159
,
0
154
,
5
Gráfico 1 Taxa de óbitos por homicídios, para a faixa etária de 15 a 24 anos, no período
de 1996-2002, nas regiões de Vitória, Recife, Rio de Janeiro e São Paulo.
Fonte: Elaborado pelo autor, com base nos Mapas da Violência I (1998, p. 83); II (2000, p. 54); ia
III (2002, p. 40) e IV (2004, p. 43).
Estudo recente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) buscou mapear no país
as cidades mais seguras e também as mais violentas, sendo objeto de reportagem na Revista
Época, nº 359, de 04/04/2005, sob o título “Do Velho Oeste ao Paraíso”, de autoria da
repórter Isabel Clemente, com a colaboração de Rafael Pereira e Ricardo Mendonça.
Para construir o índice que mediu o risco de morte por homicídio, os pesquisadores do IPEA
trabalharam com os dados populacionais do Censo 2000 do IBGE e com os últimos registros
63
de óbitos da Base de Dados Nacional do Sistema de Informações de Mortalidade (SIM), do
DATASUS, do Ministério da Saúde. Várias cidades relacionadas como as mais violentas
fazem parte dessas regiões metropolitanas com maiores taxas de homicídios. Entre elas,
quatro das sete cidades que compõem a Grande Vitória.
Tabela 3 – Ranking das cidades mais violentas
Posição Cidades Risco
Serra (ES)
97,62
Olinda (PE) 95,29
Cariacica (ES)
91,99
Jaboatão dos Guararapes
(PE)
88,35
Diadema (SP) 73,15
Duque de Caxias (RJ) 69,62
Vila Velha (ES)
69,31
Nova Iguaçu (RJ) 68,54
S. João de Meriti (RJ) 67,65
10°
Recife (PE) 66,38
11°
Belford Roxo (RJ) 65,20
12°
Betim (MG) 64,02
13°
Itaquaquecetuba (SP) 63,08
14°
Contagem (MG) 62,12
15°
Osasco (SP) 59,86
16° Vitória (ES)
54,99
17°
Guarulhos (SP) 54,07
18°
Maceió (AL) 51,14
19°
Porto Velho (RO) 49,89
20°
Carapicuíba (SP) 48,8
Fonte: Revista Época, nº 359, 04/04/2005, p. 54-61
64
Serra lidera a relação das vinte cidades mais violentas, com uma taxa de 97,62 homicídios por
100 mil habitantes. Segue-se Cariacica na terceira posição, Vila Velha na sétima e Vitória na
décima sexta. Os resultados dessa pesquisa harmonizam-se com os de uma outra realizada
pelo Departamento de Pesquisa, Análise da Informação e Desenvolvimento de Recursos
Humanos, da Secretaria Nacional de Segurança Pública do Ministério da Justiça, sobre a
região metropolitana de Vitória, compreendendo o período de 2000 a 2003. O resultado da
pesquisa da SENASP permite visualizar a distribuição dessas ações letais pela área geográfica
ocupada por cada município.
FUNDÃO
SERRA
CARIACICA
GUARAPARI
VITÓRIA
VILA VELHA
VIANA
FUNDÃO
SERRA
CARIACICA
GUARAPARI
VITÓRIA
VILA VELHA
VIANA
Concentração de Crimes Violentos
Letais e Intencionais
Grande Vitória – ES – 2000 / 2003
Mapa 1 - Concentração das ocorrências de crimes violentos letais
intencionais registradas pela Polícia Militar do Espírito Santo, na
re
g
ião metro
p
olitana de Vitória
,
entre 2000 e 2003.
Fonte: Mapa da criminalidade violenta na região metropolitana de Vitória. MINISTÉRIO
DA JUSTI
Ç
A
,
SENASP
,
2004.
Por meio do quadro proposto, percebe-se uma concentração de ações violentas nos bairros
que estão próximos das linhas fronteiriças entre os municípios de Cariacica, Vila Velha e
65
Vitória, enquanto que na Serra esta violência se encontra mais dispersa. Na abordagem
específica sobre Vitória, quatro bairros se destacam na concentração de óbitos por homicídios:
São Pedro, Bairro da Penha, Consolação e Morro do Romão, com quase 30% de todas as
ocorrências de homicídios registradas.
Concentração de Crimes Violentos
Letais e Intencionais
Vitória – ES – 2000/2003
Bairros
Concentrão
do Número de
Ocorrências
Registradas
(2000 - 2003)
São Pedro
15,7%
Bairro da Penha
6,2%
Consolação
4,0%
Morro do Romão
3,4%
Outros 70,8%
Concentração de Crimes Violentos
Letais e Intencionais
Vitória – ES – 2000/2003
Concentração de Crimes Violentos
Letais e Intencionais
Vitória – ES – 2000/2003
Bairros
Concentrão
do Número de
Ocorrências
Registradas
(2000 - 2003)
São Pedro
15,7%
Bairro da Penha
6,2%
Consolação
4,0%
Morro do Romão
3,4%
Outros 70,8%
Bairros
Concentrão
do Número de
Ocorrências
Registradas
(2000 - 2003)
São Pedro
15,7%
Bairro da Penha
6,2%
Consolação
4,0%
Morro do Romão
3,4%
Outros 70,8%
Mapa 2 - Concentração das ocorrências de crimes violentos letais intencionais re
g
istradas pela Polícia
Militar do Espírito Santo, no município de Vitória, entre 2000 e 2003.
Fonte: Mapa da criminalidade violenta na região metropolitana de Vitória. MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, SENASP, 2004.
A posição de bairro mais violento, ocupada em 2003 por São Pedro, foi no período 1999-
2002 ocupada por Maruípe, resultando desse fato a instalação do CIC-Vitória nessa região.
Região
JARDIM CAMBURI
GOIABEIRAS
Região
CENTRO
Reg
i
ão
SANTO ANTÔNIO
Região
SÃO PEDRO
Região
BENTO FERREIRA
JUCUTUQUARA
Região
MARUÍPE
Homicídios em Vitória e Maruí
p
e
2000
156 38
24,4
Região
PRAIA DO CANTO
176 45
25,6 2001
222 49
22,1 1999
%
Vitória Maruípe
Ano
Mapa 3 - Homicídios em Vitória e Maruípe, no período 1999 - 2001.
Fonte: Prefeitura de Vitória
,
Secretaria de Cidadania e Se
g
uran
ç
a Pública
,
2002.
A concepção do CIC-Vitória tem início a partir dos programas federais que lhe dão
66
sustentação e emoldurada por estes indicadores de violência, originando-se assim o modelo
empírico contra o qual se compara o modelo teórico resultante deste trabalho.
Se, por um lado, assiste-se ao crescimento constante dos indicadores de violência: taxas de
homicídios, conflitos étnicos, raciais ou religiosos, índices de criminalidade etc., por outro, o
próprio entendimento do que seja violência expandiu-se de modo a incluir e a nomear como
violência acontecimentos que passavam anteriormente por práticas costumeiras de
regulamentação das relações sociais (PORTO, 1997), como a violência intrafamiliar, contra a
mulher ou as crianças, a violência simbólica contra grupos, categorias sociais ou etnias etc.
(WAISELFISZ, 2002, p. 17).
Nesse contexto, alarga-se o conceito de violência:
Há violência quando, em uma situação de interação, um ou vários atores
agem de maneira direta ou indireta, maciça ou esparsa, causando danos a
uma ou mais pessoas em graus variáveis, seja em sua integridade física,
seja em sua integridade moral, em suas posses, ou em suas participações
simbólicas e culturais. (MICHAUD, 1989, p. 89).
Também passa a existir uma diferenciação, por parte do governo, entre políticas de segurança
pública e políticas públicas de segurança:
Políticas de segurança pública é expressão referente às atividades
tipicamente policiais, é a atuação policial “stricto sensu”. Políticas públicas
de segurança é expressão que engloba as diversas ações governamentais e
não-governamentais, que sofrem impacto ou causam impacto no problema
da criminalidade e da violência. (OLIVEIRA, 2002, p. 62).
Ao apresentar o Plano Nacional de Segurança Pública o Governo assim se expressa:
O Governo Federal está ciente de que não existem soluções milagrosas
para enfrentar a violência. Nosso desejo com este Plano é o de aglutinar
67
esforços nas áreas de segurança pública que propiciem melhorias imediatas
na segurança do cidadão, tanto quanto o fomento de iniciativas de
intervenção nas múltiplas e complexas causas que estão ligadas ao
fenômeno da criminalidade (BRASIL, 2000, p. 6).
A expressão prática desse desejo se traduz na incorporação, ao Plano, de ações sociais
preventivas da violência, em consonância com o que já preconizava o Programa Nacional de
Direitos Humanos, dentre as quais situa-se a implantação de centros integrados de cidadania.
Centros Integrados de Cidadania são equipamentos urbanos, isto é, estruturas implantadas no
espaço urbano e destinadas à prestação de serviços públicos, de caráter social, estruturados a
partir de parcerias estabelecidas entre os três níveis de governo – Federal, Estadual e
Municipal – e os poderes Executivo e Judiciário, assim como entidades da sociedade civil.
A concepção desses Centros tem origem no Programa Brasileiro de Qualidade e
Produtividade (Brasil, 1991), no Programa Nacional de Direitos Humanos (Brasil, 1996,
2002) e no Plano Nacional de Segurança Pública (Brasil, 2000).
Ainda que inicialmente não tenham sido concebidos assim, hoje, buscam ser:
(a) prestadores de serviços públicos presenciais integrados, onde as relações com o cidadão
priorizem a qualidade no atendimento e a resolutividade das questões;
(b) indutores dos direitos humanos, mediante a garantia do acesso da população à justiça,
principalmente daquela parcela hipossuficiente e despossuída do conhecimento sobre os
direitos básicos inerentes à cidadania;
68
(c) redutores da violência urbana por tratar situações de conflito, buscando, mediante
conciliação, resolvê-las de modo satisfatório e interromper a trajetória rumo à violência.
4.1 O MODELO DO PROGRAMA DA QUALIDADE NO SERVIÇO PÚBLICO
Desde 1991, no contexto do então Programa Brasileiro de Qualidade e Produtividade (PBQP)
vem-se desenvolvendo na administração pública ações que objetivam redirecionar o foco da
prestação de serviços públicos, do processo para o cidadão. Nas discussões sobre reforma /
transformação do Estado que se seguiram por toda década de 90, surge, por volta de 1995,
uma ação que propunha a criação de unidades de atendimento integrado, um autêntico
“shopping de serviços públicos”.
No texto “O Modelo de Gestão de Atendimento Integrado: Desafios e Perspectivas” de
autoria de Gustavo Pereira Angelim, Gerente do Programa de Atendimento Integrado, da
Secretaria de Gestão do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, encontramos a
cronologia das primeiras unidades de atendimento implantadas:
Tem-se notícia do surgimento da primeira Unidade de Atendimento
Integrado no Estado de Santa Catarina, em setembro de 1991. Porém, a
disseminação para outros Estados tornou-se mais intensa a partir de 1995,
com a implantação do modelo na Bahia, e, em 1997, em São Paulo, Minas
Gerais, Rio Grande do Norte e Pará, e daí em diante em vários Estados,
totalizando cerca de 23 unidades, mais o Distrito Federal. (ANGELIM,
2003, p. 1).
Disseminado em sua fase inicial como um projeto à parte dos programas governamentais,
vamos encontrá-lo, a partir de 1998-99, como uma ação vinculada a uma das áreas de atuação
do Programa da Qualidade no Serviço Público - PQSP.
69
No Repertório PQSP-2002, documento que reúne informações, conceitos, princípios, métodos
e técnicas utilizados ou recomendados pelo Programa para orientar as organizações públicas
brasileiras no processo de avaliação e melhoria de gestão, encontramos o atendimento
integrado assim concebido:
O modelo caracteriza-se pela reunião de representações de órgãos públicos
das esferas federal, estadual e municipal, em um único espaço físico, de
modo a constituir unidades integradas de atendimento.
Tais unidades, verdadeiras lojas de serviços públicos, são configuradas
para funcionar de forma articulada, sob o comando de uma administração
central coesa e apoiada pela utilização de tecnologia de ponta. Os
servidores são especialmente treinados para atender e orientar o cidadão,
com cortesia e para prestar serviços de qualidade, com agilidade e
eficiência. Ainda mais, as instalações das unidades devem compor um
ambiente agradável e acolhedor.
Ao procurar uma unidade de atendimento integrado, o cidadão poderá
obter com rapidez e facilidade, por exemplo, a carteira de identidade, a
carteira profissional, o seguro-desemprego, o abono do PIS-Pasep etc.
(BRASIL, 2002, p. 3, 117).
Sob esta concepção, surgiram as primeiras unidades de atendimento integrado, com diferentes
nomes dependendo de seus locais de origem – Serviço de Atendimento ao Cidadão - SAC, na
Bahia; Poupatempo, em São Paulo; PSIU, em Minas Gerais; Central do Cidadão, no Rio
Grande do Norte; e SACI – Serviço de Atendimento ao Cidadão, no Pará, para citar apenas as
primeiras, reunindo, basicamente, órgãos voltados para a emissão da documentação civil e
outras prestações de serviços e informações de domínio desses órgãos.
As unidades implantadas posteriormente guardaram as mesmas características, conforme nos
relata Angelim (2003):
De forma a garantir o sucesso da implantação e do funcionamento das
unidades de atendimento integrado de forma a cumprir com seus objetivos,
pressupõe-se a observação de algumas características determinantes. Tais
70
características não funcionam como um padrão rígido a ser seguido,
porém, ao longo dos últimos oito anos foram gradativamente se tornando
mais do que características, e sim, pré-requisitos para o sucesso das
unidades.
Em função disso, o modelo se espalhou pelo país, e apesar das diferentes
particularidades e contextos existentes em cada Estado, as características
foram preservadas, garantindo dessa maneira uma identidade própria ao
modelo independente de onde esteja localizado. (ANGELIM, 2003, p. 4)
As características a que se refere o autor podem ser assim resumidas: (a) localização – todo cidadão
deve ter facilidade de acesso à unidade; (b) instalações – um ambiente adequado e acolhedor; (c)
tecnologia – operação em rede com tecnologia de ponta; (d) recursos humanos – funcionários
motivados para atender bem; (e) rotina de produção de serviços – revisão e melhoria continuada; (f)
divulgação – ampla difusão da unidade de atendimento integrado; (g) informação – uma estratégia
que ajuda evitar filas e economizar tempo; (h) apoio – facilitar a obtenção de serviços de apoio na
própria unidade; (i) horário – serviço público disponível além do horário tradicional; e (j) avaliação
– levar o cidadão a avaliar a prestação de serviços e melhorar continuamente.
4.2 O MODELO DO PROGRAMA NACIONAL DOS DIREITOS HUMANOS
Ao instituir, em 13 de maio de 1996, o Programa Nacional de Direitos Humanos - PNDH, o
Brasil se tornou um dos primeiros países do mundo a cumprir a recomendação específica
oriunda da Conferência Mundial de Direitos Humanos (Viena, 1993), no sentido de atribuir
aos direitos humanos o status de política pública governamental. Sem renunciar à
compreensão integral e indissociável dos direitos humanos, o programa original conferiu
maior ênfase à garantia de proteção dos direitos civis, ou seja, os que ferem mais diretamente
a integridade física e o espaço de cidadania de cada um.
71
Esta primeira versão do Plano Nacional de Direitos Humanos, na introdução às propostas de
ações governamentais, explicita o papel da Justiça, ao afirmar:
Para que a população, porém, possa assumir que os direitos humanos são
direitos de todos, e as entidades da sociedade civil possam lutar por esses
direitos e organizar-se para atuar em parceria com o Estado, é fundamental
que seus direitos civis elementares sejam garantidos e, especialmente, que
a Justiça seja uma instituição garantidora e acessível para qualquer um.
(BRASIL, 1996, p. 12).
Ato contínuo, no capítulo de “Proteção do direito à vida”, ao tratar da “Luta contra a
impunidade”, propôs três ações governamentais de curto prazo de apoio à Justiça:
Apoiar, no contexto da reforma do Estado, coordenada pelo Ministério da
Administração e Reforma do Estado, propostas para modernizar o
Judiciário e para fortalecer o sistema de proteção e promoção dos direitos
humanos, de forma a agilizar os processos, simplificar as regras e
procedimentos e aumentar as garantias do tratamento igualitário de todos
perante a lei.
Apoiar a expansão dos serviços de prestação da justiça, para que estes se
façam presentes em todas as regiões do país.
Apoiar a multiplicação e manutenção, pelos Estados, de juizados especiais
civis e criminais. (BRASIL, 1996, p. 15).
Nesse mesmo capítulo, ao abordar a “Proteção do direito a tratamento igualitário perante a
lei”, sob o título “Direitos Humanos, Direitos de Todos”, inseriu uma ação objetivando dotar
todos os cidadãos dos documentos fundamentais de cidadania, tal qual proposto pelas
unidades de atendimento integrado.
O processo de revisão, levado a efeito a partir de 1999, culminou com a edição do II
Programa Nacional de Direito Humanos. As ações governamentais voltadas para a Justiça,
inseridas no programa original, bem como a referente à emissão dos documentos
72
fundamentais da cidadania, foram reformuladas, dando origem, no tópico “Garantia do
Direito à Justiça”, à Ação Governamental nº 60:
Estimular a criação de centros integrados de cidadania próximos às
comunidades carentes e periferias, que contenham os órgãos
administrativos para atendimento ao cidadão, delegacias de polícias e varas
de juizado especial com representantes do Ministério Público e da
Defensoria Pública. (BRASIL, 2002, p. 21).
O modelo proposto pelo II Programa Nacional de Direitos Humanos, ao contrário do que fez
o Modelo de Gestão de Atendimento Integrado, não contemplou os aspectos gerenciais e
operacionais a serem considerados pelas unidades prestadoras de serviços – aqui chamadas de
Centros Integrados de Cidadania –, dirigindo suas atenções para a necessidade de incorporar a
esses equipamentos, além dos órgãos emissores da documentação civil básica, delegacias de
polícia, varas dos juizados especiais, Ministério Público e Defensoria Pública, garantindo,
dessa forma, o acesso do cidadão à Justiça.
4.3 O MODELO DO PLANO NACIONAL DE SEGURANÇA PÚBLICA
Decorrente da certeza de que a prevenção junto com a repressão se torna fundamental para a
redução da violência, dentre as ações sociais de caráter preventivo incorporadas ao Plano
Nacional de Segurança Pública, elaborado no Governo Fernando Henrique, a Ação
Governamental nº 89 estabelece:
Apoiar a implantação de pelo menos vinte unidades de Centros Integrados
de Cidadania em áreas críticas da Grande São Paulo, Grande Rio de
Janeiro e cidades do entorno do Distrito Federal, onde funcionarão
73
unidades integradas do Poder Judiciário, Ministério Público, Defensoria
Pública e polícias, além de outros serviços públicos voltados para as
demandas básicas do cidadão. (BRASIL, 2000, p. 39).
No Seminário sobre “Responsabilidade Social e Empresarial na Prevenção da Violência”,
realizado em outubro de 2001, no Recife/PE, foi exposto o modelo de Centros Integrados de
Cidadania, à luz do Plano Nacional de Segurança Pública:
O CIC é um grande espaço de fornecimento de serviços públicos básicos,
principalmente para aquelas populações hipossuficientes, carentes e quase
sempre situadas em locais onde o Poder Público não se faz presente, na
maioria das vezes. Nesses casos, os cidadãos dessas regiões são muito
carentes de acesso a esses serviços básicos, até mesmo para conseguir um
registro civil que torna esse indivíduo um cidadão, em termos legais. A
idéia do CIC não é apenas fazer um grande balcão de fornecimento de
documentos, mas, sim, fornecer àquele indivíduo uma série de serviços os
quais permitam a ele ter acesso ao mercado de trabalho, à Justiça etc.
No contexto Justiça, o CIC vai ter representação dos Poderes Executivo e
Judiciário e vai fornecer serviços como: assistência jurídica gratuita, posto
de polícia comunitária, balcão de fornecimento de documentos os mais
variados, da carteira de identidade ao CPF e à carteira de trabalho e outros
eventuais documentos. (BRITO, 2001, p. 34).
A diferença básica do modelo do Plano Nacional de Segurança Pública para o do Programa
Nacional de Direitos Humanos é a de dirigir o foco para a resolução pacífica de conflitos.
Assim é, que sugere a presença nas unidades prestadoras de serviços – igualmente chamadas
de Centros Integrados de Cidadania – da assistência jurídica gratuita e de órgãos que facilitem
o acesso ao mercado de trabalho.
Das novas Diretrizes da Política Nacional de Segurança Pública, divulgadas pela Secretaria
Nacional de Segurança Pública, do Ministério da Justiça, surge a ação governamental de
redução da violência doméstica e de gênero (Brasil, 2003), resultando na incorporação ao
modelo de uma unidade de atendimento voltada para o conflito intrafamiliar.
74
4.4 O MODELO DO CENTRO INTEGRADO DE CIDADANIA DE VITÓRIA
O modelo do Centro Integrado de Cidadania de Vitória foi concebido e implementado a partir
da percepção de que Unidades de Atendimento Integrado e Centros Integrados de Cidadania são
projetos e ações governamentais que, embora originados em setores diferentes do Governo
Federal, dizem respeito a um mesmo equipamento urbano, com múltiplas finalidades e que a
aglutinação de todos os órgãos sugeridos em cada um dos modelos, num único equipamento,
produz maior oferta de serviços ao cidadão e redução significativa dos custos de implantação e
custeio, se comparados com os necessários à existência de múltiplos equipamentos.
Em meados de 2000, o modelo previsto para Vitória, em fase de concepção, incorporou os
órgãos, as premissas operacionais e as características do Modelo de Gestão de Atendimento
Integrado, recebendo recursos e sendo monitorado pela Secretaria de Gestão, do Ministério do
Planejamento, Orçamento e Gestão.
Em março de 2001, passa a incorporar os órgãos sugeridos pelo Programa Nacional de
Direitos Humanos, se constituindo num dos projetos financiados e monitorados pela
Secretaria de Estado dos Direitos Humanos, à época vinculada ao Ministério da Justiça.
Por fim, em julho de 2001 incorpora também os órgãos sugeridos pelo modelo do Plano
Nacional de Segurança Pública, sendo monitorado, a partir dessa data, tanto pelo Gabinete de
Segurança Institucional, da Presidência da República, quanto pela Secretaria Nacional de
75
Segurança Pública, do Ministério da Justiça, órgão ao qual estavam vinculados os recursos
que foram repassados para o projeto.
Estrutura-se, assim, o modelo do Centro Integrado de Cidadania de Vitória, integrando vinte e
quatro unidades de atendimento, isto é, postos avançados dos órgãos federais, estaduais e
municipais sugeridos e estas unidades reunidas em um mesmo local, para a prestação de
serviços públicos presenciais aos cidadãos.
Modelo de origem Unidades de Atendimento Área de Atuação
Gestão de Atendimento
Integrado e
Programa da Qualidade no
Serviço Público
Cartório de Registro Civil
Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos
Cartório Eleitoral
Delegacia Regional do Trabalho
Departamento Estadual de Trânsito - DETRAN
Polícia Civil
Acesso à documentação civil básica
Banco do Estado do Espírito Santo S.A.
Banco do Brasil S.A.
Caixa Econômica Federal
Copiadora
Fotógrafo
Apoio operacional ao acesso à
documentação civil básica
Internet Pública Acesso a serviços não-presenciais
II Programa Nacional de
Direitos
Humanos
Juizado Especial Cível
Juizado Especial Criminal
Juizado Especial Federal
Justiça Comunitária
Acesso à Justiça
Plano Nacional de
Segurança Pública
Assistência Jurídica Gratuita
Atendimento Intrafamiliar
SOS Impunidade
PROCON Municipal
Ministério Público
Acesso às ações sociais preventivas da
violência
Universidade Federal do Espírito Santo - UFES Capacitação de lideranças comunitárias
Quadro 1 - Unidades de Atendimento Presentes no Centro Integrado de Cidadania de Vitória
Fonte: Memorial Descritivo do Centro Integrado de Cidadania de Vitória
Da Gestão de Atendimento Integrado e do Programa da Qualidade no Serviço Público vêm as
diretrizes que o levam a incorporar as unidades de atendimento emissoras da documentação
civil básica e outras que dão apoio a estas atividades, como agências bancárias, foto e xerox.
A fim de permitir o acesso aos serviços on-line disponibilizados por algumas unidades de
atendimento, recebe também uma unidade da Internet pública disponibilizada pela Prefeitura.
76
Respaldado no Programa Nacional de Direitos Humanos, estabelece parceria com o Tribunal
de Justiça, assegurando a presença dos Juizados Especiais, Civil e Criminal, e da Justiça
Comunitária. Meses depois, já em operação, concretiza-se a presença da Justiça Federal como
parceira.
Por fim, sob as premissas do Plano Nacional de Segurança Pública e da experiência adquirida
com as Casas do Cidadão que o antecederam, incorporam-se as unidades de resolução de
conflitos intrafamiliares, dos conflitos oriundos das relações de consumo, dos conflitos
causados pela impunidade existente em relação aos crimes letais e dos conflitos psicossociais,
os mais diversos, que demandam conciliação.
Inaugurado em agosto de 2003, somente em meados de março de 2004, por meio da Lei nº
6.096/2004, surge oficialmente o Centro Integrado de Cidadania de Vitória, como estrutura do
organograma da Secretaria Municipal de Cidadania e Segurança Pública, diretamente
vinculado a Subsecretaria de Direitos Humanos e Segurança Pública. (PREFEITURA
MUNICIPAL DE VITÓRIA, 2004, não paginado).
77
5. UMA ESQUINA CHAMADA CIDADANIA
Num cenário organizacional com mais de 20 órgãos nas esferas federal, estadual e municipal,
convivendo com empresas da iniciativa privada e buscando oferecer serviços aos cidadãos, é
fundamental uma metodologia de estruturação que integre todos esses serviços, com agilidade no
atendimento, qualidade no serviço e resolutividade nas soluções implementadas.
De igual forma, torna-se crucial a operacionalização desses serviços mantendo a identidade
com a missão do CIC-Vitória e seus valores, e mais do que isso, com as necessidades e
aspirações dos cidadãos quanto às situações de conflito com as quais convivem, sobretudo, os
cidadãos integrantes da parcela hipossuficiente da população.
Este capítulo mostra a importância da estruturação das unidades componentes de centros
integrados de cidadania ou de organizações com concepções semelhantes , como grupos
autogeridos, evidenciando que essa abordagem contribui para a integração operacional e a
gestão dessas unidades.
Busca-se categorizar os serviços presentes no CIC-Vitória, segundo algumas das principais
taxonomias existentes na literatura específica (Chase, 1978; Lovelock, 1983; Schmenner,
1986), para num segundo momento, a partir da categorização realizada com o intuito de gerir
tais processos organizacionais, analisar as unidades de atendimento como integrantes de um
processo de produção induzido pelo cidadão, à luz das estruturas básicas propostas por Wild
(1977). Acredita-se que a análise dos processos produtivos interfere diretamente nos objetivos
estabelecidos de eficácia e resolutividade.
78
Além disso, entende-se que a classificação ocupa um papel central na compreensão
sistemática e na previsão de vários fenômenos. Não é diferente com os serviços. Desse modo,
o que se pretende, ao classificá-los, é segmentá-los em grupos que compartilham
características semelhantes para, com este procedimento, clarear as relações de serviço
existentes e permitir a reflexão sobre que variáveis são intrínsecas tanto ao processo
estruturante quanto ao processo operacional de cada grupo segmentado.
A fonte empírica para este capítulo foi a pesquisa participante que envolveu não só a figura do
pesquisador, mas da qual participaram as pessoas envolvidas com o funcionamento das unidades
prestadoras de serviço no CIC-Vitória. A investigação teve caráter qualitativo e intervencionista e
foi realizada por meio de entrevistas com os gerentes, os profissionais especializados e os
atendentes, no decorrer das quais buscou-se identificar os processos de serviço nos órgãos de
origem e adaptá-los à realidade vigente no centro integrado de cidadania em questão.
5.1 O MODELO TAXONÔMICO ESCOLHIDO PARA A ABORDAGEM DO
CENTRO INTEGRADO DE CIDADANIA DE VITÓRIA
Embora vários modelos de classificação tenham sido elaborados para a área de serviços,
nenhum deles conseguiu se impor de tal forma que alcançasse o consenso entre os
pesquisadores. Assim é que, dependendo do objeto da abordagem e das preferências pessoais
do pesquisador, as variáveis de classificação utilizadas e a maneira de apresentá-las serão
distintas.
79
Para o caso específico dos serviços prestados no CIC-Vitória, foram selecionadas e adaptadas
algumas das variáveis propostas por Chase (1978), Lovelock (1983) e Schmenner (1986), e,
dentre os serviços ofertados, os vinculados aos acessos à documentação civil básica, à justiça
e às ações sociais preventivas da violência, por serem mais representativos de cada um dos
modelos que lhe deram origem.
Para a visualização do posicionamento de cada serviço em relação às variáveis escolhidas, foram
usadas matrizes onde as variáveis se distribuem nos eixos horizontal e vertical e os serviços se
aglutinam nos quadrantes, segundo as semelhanças que guardam entre si e com as variáveis.
5.2 EXTENSÃO DO CONTATO COM O CIDADÃO QUANDO DA PRESTAÇÃO
DO SERVIÇO x PRAZO DE EXECUÇÃO DO ATENDIMENTO
(Adaptado de Chase, 1978, p. 137-142)
A extensão do contato (ou intensidade do contato) se traduz pelo tempo da presença física do
cidadão no sistema de prestação de serviços. Essa extensão pode ser medida pelo percentual de
tempo que o cidadão permanece no sistema em relação ao tempo total do sistema. Por outro
lado, permanecer no sistema significa e implica na participação direta do cidadão no processo.
Em serviços que envolvam alta intensidade de contato, o cidadão determina o momento da
demanda; define a natureza do serviço – pela participação direta no processo e interação
constante com o prestador de serviços; e percebe a qualidade do serviço através da
experiência vivida no decorrer do seu atendimento.
80
Já em serviços que envolvam baixa intensidade de contato, o cidadão não possui nenhuma
influência direta no processo produtivo – pois muitas vezes nem está presente quando tal
processo é realizado, isto é, ele dispara o processo, se ausenta do processamento e retorna
para receber o serviço executado; sua visão de qualidade está vinculada mais a uma percepção
personalizada do serviço que, na verdade, não existe – ele se orienta pela economia de escala
do processamento em massa.
Para identificar se um serviço é de alta ou baixa intensidade de contato, Chase propõe um
conjunto de doze características que devem ser utilizadas na sua análise.
Característica Sistemas de alto contato Sistemas de baixo contato
Local das
instalações
As operações precisam estar perto do cidadão. As operações podem ser colocadas perto dos
suprimentos ou do manuseio.
Leiaute das
instalações
As instalações devem atender as necessidades e
expectativas físicas e psicológicas do cidadão.
As instalações devem privilegiar a produção do
serviço.
Desenho
do produto
O ambiente tanto quanto os resultados definem o
desenho do serviço.
O cidadão não está no ambiente do serviço então
o produto pode ser definido por menos atributos.
Desenho dos
Processos
As fases do processo de produção exercem efeito
direto e imediato sobre o cidadão.
O cidadão não se envolve com a maioria dos
passos do processo.
Programação O cidadão está na programação de produção e tem
que ser considerado.
O cidadão está preocupado, principalmente, com
a data de entrega do serviço.
Planejamento
da produção
As solicitações de atendimento não podem ser
armazenadas, então reduzir a capacidade de
produção resultará em perda de atendimentos.
A acumulação de pedidos e a redução da
produção são possíveis.
Habilidades
de trabalho
A força de trabalho direta está vinculada às partes
principais da produção de serviços e, então, deve
ser capaz de interagir bem com o público.
A força de trabalho direta necessita apenas ter
habilidades técnicas.
Controle
de qualidade
Os padrões de qualidade são com freqüência fruto
da percepção do cidadão e, portanto, são variáveis.
Os padrões de qualidade geralmente são
mensuráveis e, portanto, fixos.
Tempo-padrão O tempo total do serviço depende das necessidades
do cidadão e, por conseqüência, tempos-padrões
são inerentemente flexíveis.
A execução do trabalho se dá pelo substituto do
cliente (por exemplo, um formulário) e tempos-
padrões podem ser rigorosos.
Pagamento
dos serviços
Os produtos variados e requerem sistema de
pagamento baseado no tempo total do serviço.
Produtos programados permitem sistema de
pagamento baseados em resultados.
Planejamento
de capacidade
A fim de evitar perda de atendimentos, a
capacidade deve ser ajustada de acordo com os
picos de demanda.
Histórico de saídas permite o planejamento da
capacidade na média dos níveis de demanda.
Previsões As previsões são de curto prazo, orientadas pelos
tempos de execução dos atendimentos.
As previsões são de longo prazo, orientadas
pelos tempos de produção das saídas.
Quadro 2 – Principais considerações de desenho dos sistemas de alto e baixo contato
Fonte: CHASE, Richard B. Where does the customer fit in a service operation?
81
Aplicada a análise dessas características aos serviços selecionados, obteve-se a classificação
descrita no quadro abaixo:
CARACTERÍSTICAS
Assistência Jurídica
Gratuita
Atendimento
Intrafamiliar
Cartório de Registro
Civil
Cartório Eleitoral
Delegacia Regional do
Trabalho
Departamento Estadual
de Trânsito
Empresa Brasileira de
Correios e Telégrafos
Juizado Especial Cível
Juizado Especial
Criminal
Juizado Especial
Federal
Justiça Comunitária
Ministério Público
Polícia Civil
PROCON Municipal
SOS Impunidade
Local das instalações
x x x x x x x x x x x x x x x
Leiaute das instalações
x x x x x x x x x x x x x x x
Desenho do produto
x x x x x x x x x x x x x x x
Desenho dos processos
x x x x x x x x x x x x x x x
Programação
x x x x x x x x x x x x x x x
Planejamento da produção
Habilidades de trabalho
x x x x x x x x x x x x x x x
Controle de qualidade
x x x x x x x x x x x x x x x
Tempo-padrão
x x x x x x x x x x x x x x x
Pagamento dos serviços
x
x
x
x
Planejamento capacidade
x x x x x x x x x x x x x x x
Previsões
x x x x x x x x x x x x x x x
Natureza predominante
Alto
contato
Alto
contato
Baixo
contato
Baixo
contato
Baixo
contato
Baixo
contato
Baixo
contato
Alto
contato
Alto
contato
Alto
contato
Alto
contato
Alto
contato
Baixo
contato
Alto
contato
Alto
contato
SERVIÇOS
Observações: Em cada serviço, a marcação na coluna da esquerda (sombreada) significa que a característica analisada
apresenta-se como de alto contato; na coluna da direita (sem sombreamento), como de baixo contato.
A não marcação significa que o serviço não possui a característica analisada.
Quadro 3 – Taxonomia dos serviços selecionados do CIC-Vitória, segundo Chase.
Fonte: elaborado pelo autor com base nos levantamentos sobre os serviços.
Para efeito de representação matricial desta variável com as principais características
propostas por Chase para o desenho dos sistemas de alto e baixo contato, foi selecionado o
tempo-padrão. O tempo-padrão (ou prazo de execução) se traduz pela possibilidade ou não de
se definir o número de contatos presente no processo de prestação de serviços. Essa
quantidade pode variar de uns poucos até um “continuum” de atendimentos.
82
Os serviços que apresentam o prazo de execução rígido, o atendimento à demanda do cidadão é
realizado em um contato – o cidadão solicita, aguarda o processamento e recebe o serviço – ou
no máximo em dois: o cidadão solicita e retorna para receber o serviço executado. Já os
serviços que apresentam prazo de execução flexível, o solicitado pelo cidadão só é passível de
ser atendido através de uma série de contatos onde, participativa e gradualmente, o resultado
final satisfatório vai sendo construído.
Na matriz de visualização (quadro 4), o eixo horizontal contempla os contatos de baixa ou de
alta intensidade e o eixo vertical, os prazos de execução rígido ou flexível.
Contato de Baixa Intensidade Contato de Alta Intensidade
Juizado Especial
Cível
Juizado Especial
Criminal
Juizado Especial
Federal
PROCON
Municipal
Minisrio
Público
Assistência
Jurídica Gratuita
SOS Impunidade
Atendimento
Intrafamiliar
Cartório de
Registro Civil
Cartório
Eleitoral
Delegacia Regional
do Trabalho
Correios
DETRAN
Polícia
Civil
Justiça Comunitária
Quadro 4 - Matriz intensidade do contato do cliente com o prestador de serviços x prazo de
execução
Prazo de Execução Flexível
Prazo de Execução Rígido
IV
Fonte: Elaborado pelo autor, com base nos levantamentos sobre os serviços.
III
III
Contato de Baixa Intensidade Contato de Alta Intensidade
Juizado Especial
Cível
Juizado Especial
Criminal
Juizado Especial
Federal
PROCON
Municipal
Minisrio
Público
Assistência
Jurídica Gratuita
SOS Impunidade
Atendimento
Intrafamiliar
Cartório de
Registro Civil
Cartório
Eleitoral
Delegacia Regional
do Trabalho
Correios
DETRAN
Polícia
Civil
Justiça Comunitária
Quadro 4 - Matriz intensidade do contato do cliente com o prestador de serviços x prazo de
execução
Prazo de Execução Flexível
Prazo de Execução Rígido
IV
Fonte: Elaborado pelo autor, com base nos levantamentos sobre os serviços.
III
III
Os serviços de atendimento especializado no âmbito dos acessos à justiça e das ações
sociais preventivas da violência ficaram agrupados no segundo quadrante: contato de alta
83
intensidade e prazo de execução flexível, isto é, o cidadão está presente num continuum
de atendimentos que compõe o seu processo ou prontuário; participa intensamente desde o
início até à conclusão do processo produtivo, interagindo com o prestador dos serviços, e
o prazo de execução do atendimento não tem como ser previsto, variando não só de caso
para caso, como também na duração de cada atendimento realizado.
Já os serviços relacionados com o acesso à documentação civil básica agruparam-se no
terceiro quadrante: contato de baixa intensidade e prazo de execução rígido, isto é, o cidadão
está presente por um curto espaço de tempo – normalmente um único atendimento ou, no
máximo, dois seqüenciais e imediatos, não exerce influência direta no processo produtivo, que
é pré-definido pelo prestador dos serviços, e o prazo de execução obedece à duração prevista
para cada caso.
5.3 DESTINATÁRIO DA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS x NATUREZA DO ATO DO
SERVIÇO
(Adaptado de Lovelock, 1983, p. 9-20).
O destinatário da prestação de serviços diz respeito à “sobre o que”, isto é, bens do cidadão,
ou “sobre quem”, isto é, o próprio cidadão, é exercida a prestação de serviços, enquanto a
natureza do ato do serviço se traduz no grau de tangibilidade ou intangibilidade das ações
produzidas.
Na matriz de visualização (quadro 5, página seguinte), o eixo horizontal contempla o
destinatário da prestação de serviços e o eixo vertical, a natureza do ato do serviço.
84
No primeiro quadrante – ações tangíveis atuantes sobre cidadãos – situam-se os serviços
dirigidos ao corpo do cidadão. O cidadão é parte integrante do serviço, não sendo possível sua
realização sem a sua presença, pois ele participa de todo o processo, cooperando ativamente
no sentido de disponibilizar parte do seu corpo para a produção do serviço. Nenhum dos
serviços analisados apresentou tais características.
Cidadãos Bens ou outras posses físicas ou direitos
Juizado Especial
Cível
Juizado Especial
Criminal
Juizado Especial
Federal
PROCON
Municipal
Minisrio
Público
Assistência
Jurídica Gratuita
SOS
Impunidade
Atendimento
Intrafamiliar
Cartório de
Registro Civil
Cartório
Eleitoral
Delegacia Regional
do Trabalho
Correios DETRAN
Pocia
Civil
Justiça
Comunitária
Quadro 5 - Matriz destinatário dos serviços x natureza da prestação de serviços
Ações tangíveis
ões intangíveis
IV
Fonte: Elaborado pelo autor, com base nos levantamentos sobre os serviços.
III
III
Cidadãos Bens ou outras posses físicas ou direitos
Juizado Especial
Cível
Juizado Especial
Criminal
Juizado Especial
Federal
PROCON
Municipal
Minisrio
Público
Assistência
Jurídica Gratuita
SOS
Impunidade
Atendimento
Intrafamiliar
Cartório de
Registro Civil
Cartório
Eleitoral
Delegacia Regional
do Trabalho
Correios DETRAN
Pocia
Civil
Justiça
Comunitária
Quadro 5 - Matriz destinatário dos serviços x natureza da prestação de serviços
Ações tangíveis
ões intangíveis
IV
Fonte: Elaborado pelo autor, com base nos levantamentos sobre os serviços.
III
III
No segundo quadrante – ações tangíveis atuantes sobre bens ou outras posses físicas ou
direitos – situam-se os serviços dirigidos aos bens ou a outras posses físicas dos cidadãos.
Muitos desses serviços guardam relação com as operações fabris, onde nem sempre a
produção e o consumo ocorrem ao mesmo tempo. É menor a exigência da presença física do
cidadão no processo, limitando-se, muitas das vezes, ao início e ao término do mesmo.
85
O acesso à documentação civil básica ficou localizado neste quadrante: a ação da
prestação de serviços se dá na produção de um documento, ou na sua renovação, que passa
a ser de posse física do cidadão; este, por sua vez, está presente por um curto espaço de
tempo, interagindo no processo em seu início (para solicitação, pagamento de taxas e
disponibilizar as informações requeridas) e ao seu término (para receber o documento).
No terceiro quadrante – ações intangíveis atuantes sobre cidadãos – situam-se os serviços
dirigidos à mente do cidadão. Esses serviços são voltados para moldar atitudes e
influenciar comportamentos. Normalmente os cidadãos que demandam tais serviços
encontram-se em situações fragilizadas, de dependência e passíveis de manipulação, o que
demanda dos profissionais envolvidos no atendimento, conhecimentos específicos e
padrões éticos consolidados. A presença do cidadão e sua interação com o prestador dos
serviços são fundamentais durante todo o processo.
Todos os serviços especializados de atendimento psicossocial – atendimentos prestados
por psicólogos, sociólogos, assistentes sociais e profissionais da área médica, quando o
atendimento assim exigir – voltados para as vítimas de violência intrafamiliar e aos
familiares de vítimas de homicídio, com o propósito de promover a reinserção social do
cidadão demandante dos serviços, ficaram posicionados no segundo quadrante.
No quarto quadrante – ações intangíveis atuantes sobre bens – situam-se os serviços
dirigidos direitos ou a realidades do cidadão, apreendidas pela percepção ou pela
interlocução. Esses serviços são altamente dependentes da captação e processamento de
informações, envolvendo profissionais especializados. Já o envolvimento do cidadão é
86
determinado pela necessidade de interação com o prestador de serviços e pelo fato dele
deter as informações necessárias à realização satisfatória do atendimento.
Os serviços de atendimento especializado no âmbito dos acessos à justiça e parte dos
serviços relacionados às ações sociais preventivas da violência (PROCON Municipal,
Assistência Jurídica Gratuita e Ministério Público) ficaram agrupados neste quadrante,
pois o produto da prestação de serviços incide sobre um inquérito policial, ou um processo
em tramitação na Justiça ou um processo de resolução de conflito, com o cidadão
interagindo no decorrer de toda prestação do serviço.
5.4 RELACIONAMENTO ENTRE A ORGANIZAÇÃO DE SERVIÇOS E O
CIDADÃO x NATUREZA DA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO
(Adaptado de Lovelock, 1983, p. 9-20).
A natureza da prestação do serviço diz respeito ao relacionamento que se estabelece entre o
prestador de serviços e o cidadão, em termos do tipo de atendimento necessário à produção do
serviço, isto é, se o serviço é produzido a partir de uma transação discreta ou se dá em bases
contínuas. O relacionamento entre a organização de serviços e o cidadão diz respeito a
formalização ou não do atendimento, isto é, se haverá ou não necessidade de um
cadastramento do serviço prestado para referência posterior ou para a continuidade do
atendimento.
87
Na matriz de visualização (quadro 6), o eixo horizontal contempla os relacionamentos formais e
informais e o eixo vertical, as transações discretas ou em base contínua.
No primeiro quadrante – relacionamento formal e transações contínuas – situam-se os
serviços cuja consecução demanda um continuum de atendimentos, que se prolonga por
um espaço de tempo variável em função da natureza da questão que está sendo abordada e
que, para preservar a anamnese da abordagem, requer o registro de cada atendimento
realizado.
Com relacionamento formal Sem relacionamento formal
Juizado Especial
Cível
Juizado Especial
Criminal
Juizado Especial
Federal
PROCON Municipal
Ministério
Público
Assistência
Jurídica Gratuita
SOS Impunidade
Atendimento
Intrafamiliar
Cartório de
Registro Civil
Cartório
Eleitoral
Delegacia Regional
do Trabalho
Correios
DETRAN
Polícia
Civil
Justiça Comunitária
Quadro 6 - Matriz relacionamento entre a organização de serviços e o cidadão x natureza da
prestação de serviço.
Transações contínuas
Transações discretas
IV
Fonte: Elaborado pelo autor, com base nos levantamentos sobre os serviços.
III
III
Com relacionamento formal Sem relacionamento formal
Juizado Especial
Cível
Juizado Especial
Criminal
Juizado Especial
Federal
PROCON Municipal
Ministério
Público
Assistência
Jurídica Gratuita
SOS Impunidade
Atendimento
Intrafamiliar
Cartório de
Registro Civil
Cartório
Eleitoral
Delegacia Regional
do Trabalho
Correios
DETRAN
Polícia
Civil
Justiça Comunitária
Quadro 6 - Matriz relacionamento entre a organização de serviços e o cidadão x natureza da
prestação de serviço.
Transações contínuas
Transações discretas
IV
Fonte: Elaborado pelo autor, com base nos levantamentos sobre os serviços.
III
III
Os serviços de atendimento especializado no âmbito dos acessos à justiça e das ações
sociais preventivas da violência ficaram agrupados no primeiro quadrante, pois o
atendimento ao cidadão se dá ao longo de um período, com o registro de cada ato de
88
serviço realizado feito num cadastro, num processo ou em outra base de dados, seja
manual ou eletrônica.
No terceiro quadrante – relacionamento formal e transações discretas – situam-se os
Os serviços de emissão da documentação civil básica estão todos neste quadrante, pois tal
5.5 INTENSIDADE DO PAPEL DO PESSOAL DE ATENDIMENTO x EXTENSÃO
A intensidade do papel do pessoal de atendimento diz respeito ao poder do prestador do
serviços que demandam registro das ações efetivadas, mas se concretizam em transações
discretas, no sentido de chegar ao resultado final pretendido por meio de poucas e
distintas sessões de atendimento.
emissão se dá em atendimento pontual, mas que demanda o registro dos dados tanto do
solicitante quanto do documento emitido, com vistas ao controle de emissão e à
recuperação posterior dos dados registrados. A necessidade de dois ou mais atendimentos
se dá mais por necessidade de procedimentos intrínsecos à produção do serviço (que
ocorrem fora da presença do cidadão) ou detecção de erro na captação dos dados ou de
falha no processamento.
EM QUE AS CARACTERÍSTICAS DO SERVIÇO SÃO PERSONALIZADAS
(Adaptado de Lovelock, 1983, p. 9-20).
serviço em modificá-lo e em tomar as decisões que melhor atendam às necessidades
individuais do cidadão. A extensão em que as características do serviço são personalizadas diz
89
respeito a uma prestação de serviços adaptada às necessidades pessoais do cidadão ou a uma
prestação de serviços sempre com as mesmas características, onde o produto final é sempre
padronizado.
Na matriz de visualização (quadro 7), o eixo horizontal contempla a personalização ou a
odos os serviços de atendimento especializado no âmbito da resolução de conflitos
Personalização Padronização
padronização dos serviços e o eixo vertical, o poder do prestador de serviços em tomar decisões.
Juizado Especial
Cível
Juizado Especial
Criminal
Juizado Especial
Federal
PROCON
Municipal
Minisrio
blico
Assistência
Jurídica Gratuita
SOS
Impunidade
Atendimento
Intrafamiliar
Cartório de
Registro Civil
Cartório
Eleitoral
Delegacia Regional
do Trabalho
Correios DETRAN
Polícia
Civil
Justiça
Comunitária
Quadro 7 - Matriz poder de descisão do prestador dos serviços x extensão da personalização
do serviço.
Alto poder de decisão
Baixo poder de decisão
IV
Fonte: Elaborado pelo autor, com base nos levantamentos sobre os serviços.
III
III
Personalização Padronização
Juizado Especial
Cível
Juizado Especial
Criminal
Juizado Especial
Federal
PROCON
Municipal
Minisrio
blico
Assistência
Jurídica Gratuita
SOS
Impunidade
Atendimento
Intrafamiliar
Cartório de
Registro Civil
Cartório
Eleitoral
Delegacia Regional
do Trabalho
Correios DETRAN
Polícia
Civil
Justiça
Comunitária
Quadro 7 - Matriz poder de descisão do prestador dos serviços x extensão da personalização
do serviço.
Alto poder de decisão
Baixo poder de decisão
IV
Fonte: Elaborado pelo autor, com base nos levantamentos sobre os serviços.
III
III
T
ficaram agrupados no primeiro quadrante – mobilidade do prestador de serviços quanto à
tomada de decisões e geração de um serviço personalizado. Nestes serviços, os
90
profissionais especializados possuem ampla autonomia para modificá-lo, tanto optando
pela utilização de abordagens diferenciadas quanto envolvendo outros profissionais
especializados no atendimento ou redirecionando o fluxo de sua execução, resultando
numa prestação de serviços personalizada em que cada produto gerado guarda
características próprias e diferencia-se dos demais.
No segundo quadrante – mobilidade do prestador de serviços quanto à tomada de decisões
Na esfera do judiciário, mobilidade do prestador de serviços quanto à tomada de decisões
ocorre na fase de conciliação, onde o profissional envolvido pode tomar as decisões que
julgue adequadas à mediação pretendida, enquanto que a padronização dos serviços vai
ocorrer na instrução do processo, em sua tramitação e na fase de audiência e julgamento,
onde o rito a ser seguido está prévia e perfeitamente definido.
e geração de um serviço padronizado – ficaram todos os demais serviços que provêem
acesso à justiça – os três Juizados Especiais e a Justiça Comunitária.
No quarto quadrante, posicionaram-se os serviços relacionados com o acesso à documentação
civil básica – nenhuma autonomia do prestador de serviços para modificá-lo e geração de
serviços padronizados. O prestador de serviços não pode alterá-lo, quer em sua forma, quer
em sua essência, pois o mesmo se dá por meio de procedimentos pré-definidos, resultando
sempre em produtos idênticos, ou seja, os produtos finais terão sempre as mesmas
características, independentemente das necessidades que levaram os cidadãos a solicitá-los.
91
5.6 FLUTUAÇÃO DA DEMANDA NO TEMPO x EXTENSÃO EM QUE A OFERTA
DE SERVIÇOS É RESTRINGIDA
(Adaptado de Lovelock, 1983, p. 9-20).
Na área de prestação de serviços é impossível estocar serviços acabados. Assim, flutuações da
demanda têm a ver com o fato de que a capacidade produtiva instalada de um prestador de
serviços será desperdiçada se ninguém usar os serviços que ele oferece, no período em que
eles estiverem sendo oferecidos.
Inversamente, se a demanda pelos serviços ofertados for maior do que a capacidade produtiva
instalada, o excesso de demanda pelo serviço poderá ser perdido.
Nesse contexto, para a área de serviços, flutuações da demanda no tempo tem a ver tanto com
a intensidade quanto com a previsibilidade de tais ocorrências, ou seja, serviços com alta
flutuação estão sujeitos a uma quantidade maior de picos de demanda, num dado período de
tempo, e também a uma imprevisibilidade maior sobre quando eles ocorrerão, pois tais
serviços dependem diretamente da predisposição do cidadão em, num determinado momento
e tangido por variáveis as mais diversas, procurar o serviço ofertado. Já nos serviços com
baixa flutuação os picos de demanda ocorrem com menor freqüência, podendo ser previstos e,
ainda, ter a sua procura estimulada ou desencorajada.
A extensão em que a oferta de serviços é restringida, por sua vez, tem a ver com a capacidade do
prestador de serviços em atender ou não a estes picos de demanda. Assim, uma baixa restrição à
demanda pelos serviços significa que, normalmente, a demanda em períodos de pico pode ser
92
atendida pelo prestador de serviços sem grandes atropelos na produção e atrasos na entrega. Por
sua vez, uma alta restrição à demanda pelos serviços significa que em períodos de pico a demanda
excede regularmente a capacidade de atendimento do prestador dos serviços.
Na matriz de visualização (quadro 8), o eixo horizontal contempla a extensão das flutuações da
demanda no tempo e o eixo vertical, a extensão em que a oferta de serviços é restringida.
Alta flutuação Baixa flutuação
Juizado Especial
Cível
Juizado Especial
Criminal
Juizado Especial
Federal
PROCON
Municipal
Ministério
blico
Assistência
Jurídica Gratuita
SOS
Impunidade
Atendimento
Intrafamiliar
Cartório de
Registro Civil
Cartório
Eleitoral
Delegacia Regional
do Trabalho
Correios DETRAN
Polícia
Civil
Justiça
Comunitária
Quadro 8 Extensão das flutuações da demanda no tempo x exteno em que a oferta é res-
tringida.
Baixa restrição à demanda
Alta restrição à demanda
IV
Fonte: Elaborado pelo autor, com base nos levantamentos sobre os serviços.
III
III
Alta flutuação Baixa flutuação
Juizado Especial
Cível
Juizado Especial
Criminal
Juizado Especial
Federal
PROCON
Municipal
Ministério
blico
Assistência
Jurídica Gratuita
SOS
Impunidade
Atendimento
Intrafamiliar
Cartório de
Registro Civil
Cartório
Eleitoral
Delegacia Regional
do Trabalho
Correios DETRAN
Polícia
Civil
Justiça
Comunitária
Quadro 8 Extensão das flutuações da demanda no tempo x exteno em que a oferta é res-
tringida.
Baixa restrição à demanda
Alta restrição à demanda
IV
Fonte: Elaborado pelo autor, com base nos levantamentos sobre os serviços.
III
III
Todos os serviços de atendimento especializado no âmbito da resolução de conflitos
ficaram agrupados no primeiro quadrante – alta flutuação da demanda no tempo e baixa
restrição à demanda. A alta flutuação da demanda no tempo é causada pela
93
imprevisibilidade de quando e com qual intensidade os conflitos vão eclodir e quantos dos
cidadãos atingidos vão se sentir impelidos a procurar a mediação ofertada por esses
serviços. A baixa restrição à demanda existe por conta da possibilidade dos atendimentos
serem compartilhados por vários tipos de profissionais especializados, o que facilita o
deslocamento de atendentes, quando necessário.
Todos os Juizados Especiais Cível, Criminal e Federal e a Justiça Comunitária ficaram
localizados no terceiro quadrante – alta flutuação da demanda no tempo e alta restrição à
demanda. Aqui também a alta flutuação da demanda no tempo é causada pela imprevisibilidade
de quando e com qual intensidade os conflitos vão eclodir e quantos dos cidadãos atingidos vão se
sentir impelidos a buscar amparo na justiça. A alta restrição à demanda ocorre pela escassez de
funcionários e pela impossibilidade de remanejamentos, quadro este compatível com a demora na
resolução dos conflitos e no acúmulo de processos, o que tem sido minorado pela implementação
de mutirões de audiências e julgamentos.
No quarto quadrante – baixa flutuação da demanda no tempo e alta restrição à demanda –
ficaram os demais serviços de emissão da documentação civil básica. A baixa flutuação da
demanda no tempo é causada pela previsibilidade obtida pelo acompanhamento da
prestação desses serviços e que permite identificar os períodos de maior demanda. A alta
restrição à demanda existe por conta da impossibilidade de deslocar funcionários de outras
áreas ou de prover novas contratações e, assim, aumentar a capacidade de atendimento.
94
5.7 DISPONIBILIDADE DE PONTOS DE OFERTA DOS SERVIÇOS x NATUREZA
DA INTERAÇÃO ENTRE O CIDADÃO E O PRESTADOR DE SERVIÇOS
(Adaptado de Lovelock, 1983, p. 9-20).
A disponibilidade de pontos de oferta dos serviços diz respeito a existência de um único local para
a prestação dos serviços ou a múltiplos locais onde o serviço possa ser obtido. A natureza da
interação entre o cidadão e o prestador de serviços diz respeito ao método de oferta dos serviços,
isto é, se o cidadão tem que se deslocar até ao prestador dos serviços, se o prestador de serviços se
desloca até o cidadão ou se o serviço pode ser prestado a partir de interação à distância.
Local único Múltiplos locais
Juizado Especial
Cível
Juizado Especial
Criminal
Juizado Especial
Federal
PROCON
Municipal
Ministério
Público
Assistência
Jurídica Gratuita
SOS
Impunidade
Atendimento
Intrafamiliar
Cartório de
Registro Civil
Cartório
Eleitoral
Delegacia Regional
do Trabalho
Correios
DETRAN
Polícia
Civil
Justiça
Comunitária
Quadro 9 – Disponibilidade de pontos de oferta dos serviços x natureza da interação entre o
cidadão e o prestador de serviços
O cidadão vai ao
prestador de serviços
IV
Fonte: Elaborado pelo autor, com base nos levantamentos sobre os serviços.
III
III
O prestador
de serviços
vai ao cidadão
Ambos
interagem
à distância
V VI
Assistência Jurídica
Gratuita
via telefone
Atendimento
Intrafamiliar
Dificuldade locomoção
Atendimento
Intrafamiliar
via telefone
Cartório de
Registro Civil
Dificuldade locomoção
Cartório de
Registro Civil
via telefone e fax
Delegacia Regional
do Trabalho
Dificuldade locomoção
Juizado Especial
Federal
via telefone
Justiça
Comunitária
Ônibus de atendimento
Justiça
Comunitária
via e-mail
Polícia
Civil
Dificuldade locomoção
PROCON
Municipal
via telefone, e-mail e fax
SOS
Impunidade
Ações educativas
SOS
Impunidade
via telefone e e-mail
Local único Múltiplos locais
Juizado Especial
Cível
Juizado Especial
Criminal
Juizado Especial
Federal
PROCON
Municipal
Ministério
Público
Assistência
Jurídica Gratuita
SOS
Impunidade
Atendimento
Intrafamiliar
Cartório de
Registro Civil
Cartório
Eleitoral
Delegacia Regional
do Trabalho
Correios
DETRAN
Polícia
Civil
Justiça
Comunitária
Quadro 9 – Disponibilidade de pontos de oferta dos serviços x natureza da interação entre o
cidadão e o prestador de serviços
O cidadão vai ao
prestador de serviços
IV
Fonte: Elaborado pelo autor, com base nos levantamentos sobre os serviços.
III
III
O prestador
de serviços
vai ao cidadão
Ambos
interagem
à distância
V VI
Assistência Jurídica
Gratuita
via telefone
Atendimento
Intrafamiliar
Dificuldade locomoção
Atendimento
Intrafamiliar
via telefone
Cartório de
Registro Civil
Dificuldade locomoção
Cartório de
Registro Civil
via telefone e fax
Delegacia Regional
do Trabalho
Dificuldade locomoção
Juizado Especial
Federal
via telefone
Justiça
Comunitária
Ônibus de atendimento
Justiça
Comunitária
via e-mail
Polícia
Civil
Dificuldade locomoção
PROCON
Municipal
via telefone, e-mail e fax
SOS
Impunidade
Ações educativas
SOS
Impunidade
via telefone e e-mail
A representação do resultado da análise dos serviços do CIC-Vitória, nesta abordagem, deixa
a forma de matriz e se dá através de um esquema (quadro 9). Assim, o eixo horizontal
95
contempla a disponibilidade de pontos de oferta dos serviços e o eixo vertical, as
possibilidades de interação entre o prestador de serviços e o cidadão.
No primeiro segmento, ficaram localizados os serviços que são ofertados em um único local
no Município de Vitória e que demandam o deslocamento dos cidadãos para a obtenção dos
serviços pretendidos. Além dos Juizados Especiais, Cível e Criminal (cujos serviços estão no
âmbito do acesso à justiça), localizam-se aí todos os serviços de resolução de conflitos.
Os demais serviços de acesso à justiça (Ministério Público, Justiça Comunitária e Juizado
Especial Federal), assim como os serviços referentes à emissão da documentação civil básica,
ficaram no segundo segmento, pois são ofertados em outros locais além do CIC-Vitória.
Igualmente demandam o deslocamento dos cidadãos para a obtenção dos serviços pretendidos.
Nos segmentos três e quatro estão replicados os serviços que têm a opção de ir até os cidadãos
que apresentem dificuldades de locomoção. A exceção fica por conta do SOS Impunidade
cujo deslocamento até os cidadãos se dá com a intenção de promover ações educativas contra
a criminalidade e a Justiça Comunitária que realiza deslocamentos periódicos aos bairros, por
meio de um ônibus devidamente adaptado para comportar três salas de audiências, a fim de
julgar e homologar os processos consensuais referentes a conflitos familiares.
Por fim, nos segmentos cinco e seis, estão replicados os serviços que interagem com o cidadão à
distância, normalmente via telefone e, em alguns casos, também via e-mail e fax.
96
5.8 GRAU DE INTENSIDADE DO TRABALHO x GRAU DE INTERAÇÃO E
PERSONALIZAÇÃO
(Adaptado de Schmenner, 1986, p. 25-27)
O grau de intensidade de trabalho diz respeito à proporção entre o custo do trabalho (mão-de-
obra) e o custo do capital (valor dos investimentos em maquinaria e equipamentos).
Assim, serviços que apresentam alta intensidade de trabalho envolvem, relativamente, pequena
quantidade de maquinaria e equipamentos e considerável tempo de mão-de-obra e esforço, e
essa é a parte fundamental dos seus custos. Por sua vez, serviços classificados como tendo baixa
intensidade de trabalho são caracterizados por níveis relativamente baixos de custos de mão-de-
obra em comparação com os custos de maquinaria e equipamentos.
O grau de interação e personalização combina dois conceitos similares, porém distintos: o
grau de interação do cliente com o serviço (o cliente especifica o que quer) e o grau de
personalização do serviço para o cliente (o produto atende o que o cliente pediu).
A medida formada pela junção desses dois conceitos tem valor alto quando um serviço
apresenta, simultaneamente, um alto nível de interação e um alto nível de personalização para
o cliente. Similarmente, quando ambas as medidas são baixas, a medida da junção tem um
valor baixo.
Num serviço com um alto nível de interação o cidadão pode intervir ativamente e à vontade no
processo, sempre para demandar ou solicitar serviços adicionais de um tipo particular ou
requisitar que determinado aspecto do serviço não seja implementado; num serviço com alto
grau de personalização será buscado satisfazer as particularidades individuais do cidadão.
97
Na matriz de visualização (quadro 10), o eixo horizontal contempla o grau de interação e
personalização e o eixo vertical, o grau de intensidade da mão-de-obra.
Baixo grau de interação e personalização Alto grau de interação e personalização
Juizado Especial
Cível
Juizado Especial
Criminal
Juizado Especial
Federal
PROCON
Municipal
Ministério
blico
Assistência
Jurídica Gratuita
SOS
Impunidade
Atendimento
Intrafamiliar
Cartório de
Registro Civil
Cartório
Eleitoral
Delegacia Regional
do Trabalho
Correios
DETRAN
Polícia
Civil
Justiça
Comunitária
Quadro 10 – Grau de interação e personalização x grau de intensidade de mão-de-obra.
Alto grau de intensidade de
mão-de-obra
IV
Fonte: Elaborado pelo autor, com base nos levantamentos sobre os serviços.
III
III
Baixo grau de intensidade de
mão-de-obra
Baixo grau de interação e personalização Alto grau de interação e personalização
Juizado Especial
Cível
Juizado Especial
Criminal
Juizado Especial
Federal
PROCON
Municipal
Ministério
blico
Assistência
Jurídica Gratuita
SOS
Impunidade
Atendimento
Intrafamiliar
Cartório de
Registro Civil
Cartório
Eleitoral
Delegacia Regional
do Trabalho
Correios
DETRAN
Polícia
Civil
Justiça
Comunitária
Quadro 10 – Grau de interação e personalização x grau de intensidade de mão-de-obra.
Alto grau de intensidade de
mão-de-obra
IV
Fonte: Elaborado pelo autor, com base nos levantamentos sobre os serviços.
III
III
Baixo grau de intensidade de
mão-de-obra
Os serviços de acesso à documentação civil básica agrupam-se no primeiro quadrante, onde
predomina o custo dos equipamentos envolvidos na prestação dos serviços sobre o custo da mão-de-
obra e a participação do cidadão no processo restringe-se às fases inicial e final em que o serviço é,
respectivamente, solicitado e recebido, denotando um baixo grau de interação e personalização.
Os serviços de atendimento especializado no âmbito do acesso à justiça, excetuando-se dos
serviços prestados pelo Ministério Público, ficaram agrupados no terceiro quadrante. Há uma
predominância do custo da mão-de-obra sobre o custo do investimento necessário para realizá-los
e a interação do cidadão com o prestador do serviço é baixa, em função dos ritos processuais.
98
No quarto quadrante – serviços com alto grau de interação e personalização e alto grau de
intensidade de mão-de-obra – agruparam-se os serviços de resolução de conflitos. Também nestes
serviços há uma predominância do custo da mão-de-obra sobre o custo dos equipamentos e
maquinarias necessários à sua realização e a interação do cidadão com o prestador de serviços é
alta, sendo mesmo fundamental para que sejam atingidos os resultados visados.
5.9 CATEGORIZAÇÃO DOS SERVIÇOS DO CENTRO INTEGRADO DE
CIDADANIA DE VITÓRIA A PARTIR DAS TAXONOMIAS UTILIZADAS
A análise conjunta das variáveis abordadas leva a visualização de três grupos distintos de serviços,
conforme se pode observar pelo quadro 11, na página 101.
Os serviços de resolução de conflitos e os de acesso à justiça guardam sintonias em termos de
algumas das variáveis incidentes sobre os atendimentos que realizam. Contudo, as
divergências que apresentam, sobretudo quanto à personalização e interação com os cidadãos,
recomendam que sejam trabalhados como grupos diferentes. Já os serviços de emissão da
documentação civil básica têm comportamento diametralmente oposto em relação à maioria
das variáveis. Assim,
(1) os serviços voltados para a resolução pacífica de conflitos – prestados pela Assistência
Jurídica Gratuita, pelo Atendimento Intrafamiliar, pelo PROCON Municipal, pelo SOS
Impunidade e pelo Ministério Público – trabalham situações onde direitos estão sendo
violados ou agressões físicas e psicológicas estão sendo produzidas, as quais requerem
uma intervenção onde a confiança do cidadão no profissional que realiza o atendimento
extrapola o reconhecimento da sua capacidade técnica e adentra ao terreno das relações
99
interpessoais e da empatia, levando à formação de um vínculo entre o cidadão prestador
do serviço e o cidadão usuário.
Cada realidade a ser tratada vai resultar num conjunto de atendimentos contínuos,
imprevisíveis não só quanto ao número total de intervenções, como também em relação ao
espaço de tempo de cada uma delas. Atendimentos onde o cidadão detentor da realidade a
ser trabalhada não só determina o momento da demanda, como também define a natureza
do serviço e interage com o prestador durante todo o processo produtivo.
Sendo assim, a sua percepção quanto à qualidade se dá por meio das experiências vividas no
decorrer do atendimento onde, participativa e gradualmente, se constrói o produto final. O
prestador de serviços tem ampla autonomia para modificá-lo, quer utilizando abordagens
diferenciadas, quer envolvendo outros profissionais ou, ainda, redirecionando o fluxo de sua
execução, o que resulta em soluções altamente personalizadas. Em serviços dessa natureza,
o custo do trabalho, isto é, da mão-de-obra especializada é predominante sobre o custo dos
equipamentos e maquinarias necessários para desenvolvê-los.
(2) Os serviços voltados para o acesso à justiça – prestados pelos Juizados Especiais Cível,
Criminal e Federal e pela Justiça Comunitária – também trabalham situações onde
direitos estão sendo violados ou agressões físicas e psicológicas estão sendo produzidas,
mas presos à observância de um rito processual que lhes torna similares aos serviços
padronizados.
As realidades a serem tratadas vão gerar ações judiciais que envolverão um conjunto de
audiências, até o julgamento final, imprevisíveis quanto ao seu número total, mas pré-
definidas quanto ao espaço de tempo de cada uma delas. Atendimentos onde a realidade
100
a ser trabalhada está configurada no processo, afastando a possibilidade de intervenção
intensiva do cidadão.
O atendente ter alto poder de decisão só se aplica na audiência final, quando é facultado ao
Juiz estabelecer a sentença segundo as suas percepções dos direitos em discussão, dos
detentores desses direitos e da solução que deve ser imposta, à luz das leis vigentes.
Por se tratarem de serviços onde a alta intensidade de mão-de-obra se sobrepõe aos
custos de capital e em razão da escassez de mão-de-obra, eles se configuram como
serviços com alta restrição aos picos de demanda, razão pela qual os processos se
acumulam e a morosidade da justiça se faz perceptível.
(3) Por fim, os serviços vinculados à emissão da documentação civil básica – Cartório de
Registro Civil, Cartório Eleitoral, Correios, Delegacia Regional do Trabalho, DETRAN
e Polícia Civil, onde o atendimento tem por objetivo a produção de uma posse física
padronizada (documento) que passa para a propriedade do cidadão.
Este, por sua vez, determina o momento da demanda, mas não tem nenhuma influência direta
no processo produtivo, participando no início (para solicitar o serviço) e no final (para recebê-
lo). A sua percepção quanto à qualidade se vincula à rapidez no atendimento, sendo o prazo
de execução rígido, envolvendo um ou, no máximo, dois contatos.
O prestador do serviço não tem autonomia para modificá-lo, pois ele ocorre segundo
procedimentos pré-estabelecidos e o custo do capital (investimentos realizados para que
ele possa ser ofertado) predomina sobre o custo do trabalho (mão-de-obra envolvida na
prestação do serviço).
101
Assistência Jurídica Gratuita
Atendimento Intrafamiliar
PROCON Municipal
SOS Impunidade
Ministério Público
Juizado Especial Cível
Juizado Especial Criminal
Juizado Especial Federal
Justiça Comunitária
Cartório de Registro Civil
Cartório Eleitoral
Correios e Telégrafos
Delegacia Reg. do Trabalho
DETRAN
Polícia Civil
Serviços de alto contato
x x x x x x x x x
Serviços de baixo contato
x x x x x x
Serviços com prazo de execução flexível
x x x x x x x x x
Serviços com prazo de execução rígido
x x x x x x
QUADRO 3
Serviços dirigidos a direitos do cidadão
x x x x x x x
Serviços dirigidos à mente do cidadão
x x
Serviços dirigidos a posses físicas
x x x x x x
Serviços produzidos por ações intangíveis
x x x x x x x x x
Serviços produzidos por ações tangíveis
x x x x x x
QUADRO 4
Serviços com cadastro dos atendimentos
x x x x x x x x x x x x x x x
Serviços sem cadastro dos atendimentos
Serviços por meio de transações contínuas
x x x x x x x x x
Serviços por meio de transações discretas
x x x x x x
QUADRO 5
Serviços com atendimentos personalizados
xx xxx
Serviços com atendimentos padronizados
x x x x x x x x x x
Atendente do serviço com poder de decisão
x x x x x x x x x
Atendente do serviço sem poder de decisão
x x x x x x
QUADRO 6
Serviços com alta flutuação de demanda
x x x x x x x x x
Serviços com baixa flutuação de demanda
x x x x x x
Serviços c/ baixa restrição a picos de demanda
xx xxx
Serviços c/ alta restrição a picos de demanda
x x x x x x x x x x
QUADRO 7
Serviços ofertados em um único local
xx xx xx
Serviços ofertados em múltiplos locais
x x x x x x x x x
Serviços com atendimento no local do cidadão
x x x x x x
Serviços sem atendimento no local do cidadão
x x x x x x x x x
Serviços com interação à distância
x x xx xxx
Serviços sem interação à distância
x x x x x x x x
QUADRO 8
Serviços c/ alto grau de interação c/ cidadão
xx xxx
Serviços c/ baixo grau de interação c/ cidadão
x x x x x x x x x x
Serviços c/ alta intensidade de mão-de-obra
x x x x x x x x x
Serviços c/ baixa intensidade de mão-de-obra
x x x x x x
QUADRO 9
Natureza dos serviços
Resolução de
Conflitos
Acesso à
Justiça
Documentação
Civil Básica
SERVIÇOS
VARIÁVEIS
Quadro 11 – Taxonomia dos serviços do CIC-Vitória, a partir da pesquisa realizada.
Fonte: elaborado pelo autor com base nos levantamentos sobre os serviços.
102
Em consonância com os objetivos propostos, a partir desse ponto a abordagem estará restrita
ao primeiro grupo – unidades de resolução de conflitos – por apresentar uma situação de
serviço mais do tipo sociotécnica, no sentido de que há realmente uma ação técnica em uma
realidade social que deve ser tratada, conforme Gadrey (2001).
Esta ação está cercada por dois tipos de relações sociais: uma de “demanda
de intervenção”, que inicia uma relação de serviço, e outra de propriedade
(a realidade a tratar pertence à pessoa que demanda o serviço, ou se
encontra sob seu controle). A natureza técnica do produto ou resultado (sua
relação com a materialidade), pelo contrário, que era o fundamento das
definições clássicas, não está presente nessa definição. O produto (do
serviço) é a mudança de estado da realidade submetida à intervenção.
(GADREY, 2001, p. 31).
Ademais, este grupo se identifica perfeitamente com a concepção de serviços de Gadrey
(2001), podendo ser visualizada na figura a seguir:
EM BENEFÍCIO DE B
TRABALHADA POR A
B
CIDADÃO
DESTINATÁRIO
DOS
SER
V
IÇOS
CIDADÃO
A
PRESTADOR
DOS
SER
V
IÇOS
RELAÇÕES DE SERVIÇO =
INTERVENÇÃO
DE A SOBRE C
FORMAS DE PROPRIEDADE
FORMACIONAIS
OU DE APROPRIAÇÃO DE C
TERVENÇÃO POR B; IN
EVENTUAL DE B SOBRE C
RELAÇÕES IN
ENTRE A e B
C
REALIDADE
Esquema 1 – Concepção de serviços, segundo Gadrey
Fonte: GADREY, Jean. L’économie des Services. Paris: La Découverte, 1996.
Uma atividade de serviço é uma operação visando uma transformação de
uma realidade C, possuída ou utilizada por um consumidor B, realizada por
um prestador de serviço A por demanda de B, e freqüentemente em relação
com ele, mas não resultando numa produção de um bem susceptível de
circular economicamente independentemente do suporte de C. (GADREY,
2001, p. 32).
103
Um outro motivo que nos leva a priorizar esse grupo de serviços é que ele se situam no
âmbito daqueles que, do ponto de vista da sua participação em relação ao crescimento da
oferta de empregos, têm progredido intensamente nos últimos anos.
5.10 AS UNIDADES DE RESOLUÇÃO DE CONFLITOS À LUZ DOS SISTEMAS
OPERACIONAIS DE WILD
Neste capítulo, buscou-se identificar, nos tópicos já abordados, as práticas vinculadas ao processo
de organização de centros integrados de cidadania, por meio da abordagem das características das
unidades de resolução de conflitos. Neste tópico, dá-se continuidade a análise do processo de
organização, por meio da análise das unidades de resolução de conflitos sob o enfoque dos
sistemas operacionais de Wild (1977).
Segundo esse enfoque, existem sete estruturas básicas de arranjo dos sistemas produtivos,
sendo que quatro delas referem-se à manufatura e suprimentos e as outras três aplicam-se a
transportes e serviços. Vamos apresentar o modelo destas últimas resumidamente e nos deter,
um pouco mais, na análise do modelo que mais guarda identidade com os serviços produzidos
pelas unidades de resolução de conflitos.
Estes modelos são representados pela seguinte simbologia:
O para a função (manufatura,
suprimento, transporte e serviço);
para estoque físico ou inventário (no nosso caso,
cidadãos em espera); para fluxo físico da entrada ou saída (materiais, máquinas e
trabalho); e C para cidadão- usuários do sistema.
104
Quando comparadas com as estruturas de manufatura e suprimento, diferenças estruturais
importantes ficam evidentes no caso dos sistemas de transporte e serviços: (a) o cidadão
beneficiário da função – é, também, o elemento de entrada e sem ele a função não se
completa; (b) o cidadão diz que tipo de benefício ele espera da função; e (c) enquanto na
manufatura ou no suprimento o cidadão age diretamente na saída, puxando os bens de
consumo para fora do sistema, em transportes e serviços ele age diretamente na entrada,
empurrando o sistema.
Três estruturas diferentes são necessárias, portanto, para representar os sistemas de serviços:
(1) descrevendo uma função de estoque, diretamente da situação do cidadão, ou seja, os
elementos de entrada são estocados, exceto os cidadãos, que não têm tempo de espera;
Estrutura Básica Descrição Mnemônico
C O
Função executada a partir dos recursos em estoque e
da chegada do cidadão
SCO
Esquema 2 – Função do estoque e do cidadão
Fonte: WILD, Ray. Concepts for Operations Management. Chichester: John Wiley & Sons, 1977.
(2) descrevendo a situação função para a fonte, com o cidadão em espera, ou seja, nenhum
elemento de entrada é estocado, no entanto os cidadãos acumulam-se numa lista de espera;
Estrutura Básica Descrição Mnemônico
C O
Função executada a partir de elementos em estoque
no fornecedor, adquiridos após a solicitação do
serviço, e com o cidadão em espera.
DQO
Esquema 3 – Função do fornecedor e do cidadão em espera
Fonte: WILD, Ray. Concepts for Operations Management. Chichester: John Wiley & Sons, 1977.
105
(3) descrevendo a situação função do estoque, com o cidadão em espera, ou seja, todos os
elementos de entrada são estocados e permitidos ficar em espera.
Estrutura Básica Descrição Mnemônico
C O
Função executada a partir dos recursos em estoque e
com o cidadão em espera.
SQO
Esquema 4 – Função do estoque e do cidadão em espera
Fonte: WILD, Ray. Concepts for Operations Management. Chichester: John Wiley & Sons, 1977.
As características distintivas dessas estruturas são a existência e a localização dos elementos
de atendimento e a presença do cidadão em espera ou não.
Confrontando as características das unidades de resolução de conflitos já levantadas com as
estruturas básicas detalhadas acima, identificamos a do tipo SCO como a que mais atende à
operacionalização e à consecução dos objetivos a que elas se propõem:
Nos sistemas com estrutura SCO, o atendimento não tem como ocorrer
em antecipação à demanda, isto é, não existe a possibilidade de
formação de um estoque de atendimentos do qual o cidadão retire a
solução para o seu problema. (WILD, 1977, p. 25-42).
Nas unidades de resolução de conflitos, os elementos necessários aos atendimentos
(profissionais especializados, equipamentos, sistemas, ambiente etc.) encontram-se
disponíveis à espera da demanda do cidadão.
Nos sistemas com estrutura SCO, o cidadão empurra o sistema – ele é um
recurso de entrada, ou seja, o beneficiário do atendimento; e/ou provém um
recurso físico de entrada sem o qual o atendimento não se realiza. (WILD,
1977, p. 25-42).
106
Nas unidades de resolução de conflitos, o cidadão não só determina o momento da demanda,
como também define a natureza do serviço e interage com o prestador durante todo o processo
produtivo, tendo voz ativa na construção do produto final.
Nos sistemas com estrutura SCO, a intenção é assegurar que os recursos
necessários estejam disponíveis para o atendimento. (WILD, 1977, p. 25-
42).
Nas unidades de resolução de conflitos, o cliente é atendido tão logo se apresente solicitando
os serviços, em razão das situações de fragilidade e de dependência em que, na maioria das
vezes, se encontra.
Nos sistemas com estrutura SCO, é esperado que, em determinadas
situações, todos os recursos disponíveis estejam comprometidos e,
conseqüentemente, novos clientes que chegam têm que esperar. Como
cliente em espera é algo que uma estrutura SCO não pode tolerar e como
a previsibilidade do fluxo de clientes é possível apenas em certo grau, um
mecanismo de tratamento dessas situações tem que ser previsto. (WILD,
1977, p. 25-42).
Nas unidades de resolução de conflitos um processo de marcação de atendimento, via agenda,
e de senhas, com a indicação da hora prevista para ocorrer o contato com o prestador de
serviços, está presente para que o ritmo de chegada dos clientes seja equivalente ao ritmo dos
atendimentos.
Nos sistemas com estrutura SCO, o balanceamento dos recursos em
estoque é outra necessidade, pois capacidade em excesso vai gerar,
inevitavelmente, uma baixa produtividade de recursos, enquanto
capacidade inadequada pode significar um péssimo atendimento ao
cliente. (WILD, 1977, p. 25-42).
Nas unidades de resolução de conflitos, os sistemas de apoio ao processo de marcação de
atendimento geram um conjunto de informações voltadas para a gestão da capacidade dos
107
recursos, de maneira que as unidades se socorram mutuamente, alcançando o balanceamento
desejado.
Esses “modelos teóricos” são importantes na compreensão do fluxo do processo e para a
melhoria do sistema de produção como um todo.
Apesar de não serem suficientes para dar resolutividade aos processos, fazem (ou deveriam
fazer) parte do quadro de análise de um gestor de serviços, principalmente público, atuando
no suporte às ações gerenciais voltadas para o valor dos serviços. A qualidade da relação de
serviço (e suas subjetividades) demandam uma compreensão, cada vez maior, das
especificidades da gestão.
108
6. OS QUE CAMINHAM SOB O SOL
Neste capítulo, busca-se identificar as práticas relativas aos componentes de gestão de
trabalho e organização dos atores sociais envolvidos com a prestação de serviços, por meio da
análise das unidades de resolução de conflitos sob o prisma dos pressupostos da Escola
Sociotécnica.
Faz-se necessário, contudo e inicialmente, que as práticas de gestão do trabalho que deram
origem ao modelo atual do CIC-Vitória sejam abordadas, por duas razões: (a) resgate da
memória sobre como o tema foi tratado durante a concepção do modelo atual; e (b) criar o
arcabouço sobre o qual se apoiarão alguns pressupostos do modelo ideal.
6.1 AS UNIDADES DE ATENDIMENTO SOB O FOCO DAS PARCERIAS
O estabelecimento de parcerias está presente como condição indispensável à existência de
centros integrados de cidadania, ou de unidades de atendimento, em todos os programas
federais abordados, pois não é possível pensar na oferta de serviços aos cidadãos de naturezas
tão díspares, e em número razoavelmente elevado, implementada e mantida por um único
órgão provedor.
Se por um lado o uso de parcerias se apresenta como fator viabilizador do empreendimento,
por outro se constitui num dos principais desafios a ser enfrentado quando se pretende que
109
esta oferta de serviços se dê com rapidez, qualidade e resolutividade, valores de uma cultura a
ser trabalhada, a partir da multiplicidade de culturas que a variedade de parceiros produz.
Cultura aqui entendida...
...não como ciência experimental em busca de leis, mas como uma ciência
interpretativa à procura do significado (GEERTZ, 1989, p. 15) e, portanto,
conforme ainda esse mesmo autor, como um emaranhado complexo de
símbolos e significados que são compartilhados socialmente por atores
sociais em dados contextos histórico-sociais.
[...]
...aquilo que integra, diferencia e fragmenta ações, percepções e valores
daqueles que atuam em uma dada organização, não se constituindo a
cultura, portanto, uma simples ferramenta gerencial capaz de
homogeneizar maneiras de agir e pensar de uma coletividade
organizacional [...]. (JUNQUILHO, In: BIANCO; JUNQUILHO;
WAIANDT, 2004, p. 171).
Sem maior aprofundamento, pois o tema por si só é suficiente para outras dissertações, cabe
evidenciar a importância de se trabalhar a cultura organizacional em centros integrados de
cidadania, pois os valores acima explicitados nem sempre estão presentes nos órgãos de
origem das unidades de atendimento, ocasionando que os atendentes adotem os
procedimentos pré-estabelecidos na retaguarda, o que pode levar a conflitos de qualidade
entre os serviços ofertados e, mesmo, entre procedimentos esperados e os praticados.
Um outro aspecto das parcerias que deve ser ressaltado é o da participação dos órgãos
parceiros no custeio dos centros integrados de cidadania. Embora se trate de uma iniciativa
ainda embrionária, sobre a qual não se tenha maiores experiências implementadas com
sucesso onde se busque respaldo para a consecução deste objetivo, torna-se evidente que,
assim como não é possível a um único órgão prover todos os serviços, também não é mantê-
los.
110
No modelo empírico estabelecido, os órgãos parceiros foram vistos como participantes de um
shopping de serviços e, assim, igualmente do condomínio econômico-financeiro responsável
pelo seu custeio. Com relação à oferta de serviços, mais do que um shopping, pois esta
pressupõe uma integração e uma inter-relação entre os participantes que não se vê no conceito
de shopping, mas com relação ao aspecto condominial, isto é, o da partilha da
responsabilidade sobre o sucesso do empreendimento, sim.
Com efeito, o Memorial Descritivo “Bases do Rateio das Despesas do CIC-Vitória” assim
estabelece:
Na identificação do espaço ocupado, foi levado em conta somente o espaço
físico utilizado pela unidade de atendimento, sendo que a estimativa de
participação mensal da unidade no custeio do CIC-VITÓRIA tem por
ponto de partida essa definição de espaço.
As despesas relacionadas diretamente à unidade de atendimento
participante do CIC-VITÓRIA serão cobradas da unidade e todas aquelas
não ligadas diretamente ela – circulação, recepção, sanitários, fraldário,
vestiário, administração do condomínio, copa e serviços, auditório e seus
apoios, segurança, e central de tecnologia da informação – serão rateadas
proporcionalmente ao espaço utilizado pela unidade. (SECRETARIA
MUNICIPAL DE CIDADANIA E SEGURANÇA PÚBLICA, 2003, p. 6-7).
Dificuldades inerentes a como processar essa participação econômico-financeira entre os
poderes executivo e judiciário, nos três níveis envolvidos – federal, estadual e municipal –
além do rito processual exigido por tal definição fez com que a participação pretendida nem
sempre fosse alcançada. Até porque face ao entendimento da administração municipal da
gravidade do momento, em termos do fenômeno da violência crescente, e dado o caráter de
ação social preventiva da violência inerente ao CIC-Vitória, entre ofertar serviços aos
cidadãos, principalmente os ligados à resolução de conflitos e ao acesso à justiça, e participar
111
econômica e financeiramente do empreendimento deu-se prioridade à primeira proposição,
quando não foi possível conciliar as duas.
6.2 AS UNIDADES DE ATENDIMENTO SOB O FOCO DA GESTÃO DE PESSOAS
E A QUESTÃO DAS SUBJETIVIDADES
Apesar da intenção de, na época do CIC-Vitória se tornar operacional, existir um quadro de
funcionários específico, com requisitos, habilidades e conhecimentos detalhados de tal forma
que a prestação de serviços, principalmente na área de resolução dos conflitos, ofertada pelo
Poder Municipal, se desse em toda a sua plenitude, tal não aconteceu.
Impedido pela falta de empenho político para que isso ocorresse e pela lentidão do rito
processual necessário à tramitação de uma proposta dessa natureza, viu-se o CIC-Vitória na
dependência de utilizar ocupantes de cargos comissionados e contratados por tempo
determinado, se quisesse iniciar suas atividades.
Essa solução viria a se mostrar totalmente inadequada, ainda que de pronto tenha se mostrado
satisfatória para o alcance dos objetivos do CIC-Vitória. Talvez tenha contribuído para isso a
maneira como o espaço de trabalho foi construído, isto é, vendo como cidadãos não só
aqueles que iriam lá procurar pelos serviços, mas também aqueles que lá estariam para prestá-
los. Assim, um espaço adequado, no qual as individualidades e necessidades tanto do cidadão-
prestador de serviços como do cidadão-usuário desses serviços fossem respeitadas. Como diz
Vergara (2004):
112
A tese que eu defendo é de que o espaço de trabalho é um lugar de
trabalho, no qual não só se buscam as condições econômicas para
sobreviver, porque nós buscamos isso, evidentemente, mas também a gente
busca o prazer, a gente busca a alegria, a gente busca o contato com o
outro... estar com o outro... (VERGARA, 2004. In: BIANCO;
JUNQUILHO; WAIANDT, 2004, p. 122).
Mostrou-se inadequada porque, na primeira troca de governo subseqüente à operacionalização
do CIC-Vitória, foram substituídos todos os ocupantes de cargos comissionados, ainda que
profissionais já especializados na conciliação dos conflitos, sob a alegação da necessidade de
preservar a compatibilidade entre os prestadores de serviço e os novos ideais do governo
entrante, como só se pode esperar das alternâncias de poder no Brasil, onde não há uma
distinção nítida entre ações de governo e ações de Estado.
Perdendo-se, em conseqüência, num pequeno espaço de tempo, todo um acervo de
experiências e conhecimento, pois, retornando a Vergara (2004):
Ninguém troca experiência, experiência se vive. O que a gente troca são
informações sobre as experiências que vivemos, mas trocar a experiência,
não há a menor possibilidade, porque ela é vivida por cada um de nós e é
intransferível. É composta, portanto, como dizem os filósofos, de vozes em
nossas mentes e sentimentos. O espaço interior agrega a razão, a intuição,
o sentimento, o afeto. [...] Toda pessoa, portanto, tem o seu espaço interior,
que ela percebe como sendo só seu... o conhecimento que temos nos
pertence, esse é um espaço nosso, é um acervo nosso. (VERGARA, 2004.
In: BIANCO; JUNQUILHO; WAIANDT, 2004, p. 122).
Diante desse quadro, o que se pode esperar dos que ficaram é uma incógnita, uma vez que,
contratados por tempo determinado, estão condenados de forma irreversível à demissão, até
por conta da legislação pertinente.
113
Lovelock (1983) ao analisar as características dos serviços como os de resolução de conflitos,
ressalta que dada a interação que passa a existir entre o cidadão-prestador do serviço e o
cidadão-usuário, com este tendo que expor àquele todas as minúcias da situação que está
sendo vivenciada, estabelece-se entre esses atores um vínculo que principalmente o cidadão-
usuário busca manter até o final do conflito, e às vezes até em atendimentos subseqüentes.
Nesse contexto, a saída dos atendentes e dos profissionais especializados em conciliação faz
perder não só as experiências já vivenciadas e os conhecimentos adquiridos como, no caso do
cidadão-usuário, o vínculo que se estabeleceu e vem se fortalecendo ao longo das
intervenções nos conflitos.
6.3 AS UNIDADES DE ATENDIMENTO À LUZ DOS GRUPOS SEMI-AUTÔ-
NOMOS
Trabalha-se neste tópico a idéia de que as unidades de atendimento de resolução de conflitos
devem ser estruturadas segundo os pressupostos da abordagem sociotécnica, aqui
apresentados conforme extraídos e adaptados de Biazzi Júnior (1994).
A organização na perspectiva sociotécnica é, antes de qualquer coisa, um
sistema aberto. Ela interage com o ambiente, é capaz de auto-regulação e
possui a propriedade de eqüifinalidade, isto é, pode alcançar um mesmo
objetivo a partir de diferentes caminhos e usando diferentes recursos.
(BIAZZI JÚNIOR, 1994, p. 32).
114
As unidades de atendimento de resolução de conflitos, dada a mobilidade que o prestador de
serviços possui, alcançam os seus objetivos por diferentes caminhos, tornando cada
abordagem e cada produto gerado altamente diferenciados.
Ela é formada por dois subsistemas: o subsistema técnico – que são as
máquinas, equipamentos, técnicos etc. – e o subsistema social – que são os
indivíduos e grupos de indivíduos, seus comportamentos, capacidades,
cultura, sentimentos e tudo de humano que os acompanha.
Então, o subsistema social, assim enfocado pela Escola Sócio-Técnica, e o
subsistema técnico de determinado sistema de trabalho devem ser
considerados particularmente e em suas relações e otimizados
conjuntamente, para que os objetivos organizacionais sejam atingidos ao
mesmo tempo em que alcançamos o desenvolvimento e a integração dos
indivíduos. Isto quer dizer que é preciso projetar em conjunto o sistema
social e a tecnologia particular ao caso. (BIAZZI JÚNIOR, 1994, p. 32).
As unidades de atendimento de resolução de conflitos apresentam esses dois subsistemas –
social e técnico –, com este atuando como suporte operacional daquele, visto que é no
domínio do subsistema social que ocorrem as ações fins desses serviços, o trato das
subjetividades dos atores sociais envolvidos e a interação desses mesmos atores, elementos
fundamentais para que sejam atingidos resultados satisfatórios anti-violência.
A Escola Sociotécnica considera que o comportamento das pessoas face ao
trabalho depende da forma de organização deste trabalho e do conteúdo das
tarefas a serem executadas, pois o desempenho das tarefas e os sentimentos
a elas relacionados – responsabilidade, realização, reconhecimento etc. –
são fundamentais para que o indivíduo retire orgulho e satisfação do seu
trabalho. (BIAZZI JÚNIOR, 1994, p. 32).
As unidades de atendimento de resolução de conflitos apresentam, ainda, a característica da
visão cidadã incidente sobre todos os atores sociais envolvidos, isto é, um olhar atento e
integral para as necessidades: dos cidadãos detentores de realidades para as quais precisam de
ajuda; dos profissionais especializados – também cidadãos – que vão pôr à disposição seus
115
conhecimentos técnicos para transformar estas realidades; e dos terceiros envolvidos por estas
realidades – também cidadãos – sobre os quais há de se fazer superveniente o desenho final
alcançado no trato dessas realidades.
Ainda segundo Biazzi Júnior (1994), o foco principal dos estudos sociotécnicos se dirige à
organização dos sistemas produtivos no âmbito dos indivíduos e suas atividades. Como opção
ao arranjo tradicional das linhas de produção, estes estudos propõem a implementação de
grupos semi-autônomos que devem ser entendidos como arranjos organizacionais produtivos
que se caracterizam...
pela responsabilidade coletiva frente a um conjunto de tarefas, onde o
arranjo do trabalho é definido com a participação de seus próprios
membros, permitindo o aprendizado de todas as tarefas e a rotação das
funções e facilitando uma interação cooperativa. O grupo semi-autônomo
deve ainda ser responsável pelos recursos à sua disposição e ter autoridade
para utilizá-los. (BIAZZI JÚNIOR, 1994, p. 33).
A análise das unidades de atendimento de resolução de conflitos, à luz dos princípios mais
significativos incidentes sobre os grupos semi-autônomos, complementa a percepção de que
estas unidades se identificam com estes grupos e nos fazem caminhar um pouco mais na
composição das suas características.
Os princípios agora expostos foram extraídos e adaptados de CHERNS (1976).
Princípio da Compatibilidade
O processo de planejamento deve ser compatível com seus objetivos... O
ponto que deve ser enfatizado é que um sistema social participativo não
pode ser criado por decreto. [...] ...o planejamento de um sistema novo deve
ser desenvolvido antes que a maioria das pessoas seja contratada; até certo
ponto, o trabalho delas deverá ser planejado com antecedência. Mas, este
ponto pode ser mantido num mínimo. (CHERNS, 1976, p. 783-792).
116
Nas unidades de atendimento de resolução de conflitos, o âmbito mínimo de abordagem
envolveu a definição dos objetivos a serem alcançados; a construção da infra-estrutura
necessária – características ambientais, sistemas, equipamentos etc. –; o dimensionamento da
oferta de serviços; e a definição das habilidades e do número de profissionais requeridos, sem
o que a construção do desenho organizacional levada a efeito não se completaria. A análise
dos demais elementos ocorre no dia-a-dia, envolvendo os profissionais contratados no
planejamento do trabalho que eles mesmos desenvolvem.
Princípio da Mínima Especificação Crítica
Este princípio pode ser interpretado de dois modos: negativo e positivo. O
negativo estabelece simplesmente que não se especifique nada mais do que
o absolutamente necessário; o positivo requer que se identifique aquilo que
é necessário. Muito embora sempre haja necessidade de muita precisão
sobre o que deve ser feito, raramente é necessário ser preciso acerca de
como deve ser feito. (CHERNS, 1976, p. 783-792).
Nas unidades de atendimento de resolução de conflitos, busca-se verificar se há clareza na
especificação do “o que fazer”, de modo que não haja dúvida entre os profissionais
envolvidos sobre os objetivos das unidades. Por outro lado, a autonomia das unidades abrange
o “como fazer”: os métodos de trabalho, a escolha do líder, a distribuição de tarefas entre os
participantes da unidade, a definição das metas etc.
Princípio do Fluxo de Informações
Esse princípio coloca que os sistemas de informação deveriam ser
planejados para prover informações, em primeiro lugar, para o ponto onde
ela é necessária para gerar uma ação. Projetado de maneira adequada, os
sistemas de informação podem prover às equipes de trabalho informações
que as ajudem a controlar as variâncias que ocorrem em suas áreas e
antecipar os eventos que terão impacto em seus desempenhos. (CHERNS,
1976, p. 783-792).
117
Nas unidades de atendimento de resolução de conflitos, busca-se projetar um conjunto de
sistemas capazes de prover as informações necessárias ao atendimento ao cidadão e ao
tratamento da realidade por ele apresentada, registrando o “continuum” dos atendimentos a
ele vinculados – formando o seu prontuário e facilitando o envolvimento de outros
profissionais especializados – e permitindo a busca e recuperação de procedimentos adotados
anteriormente no tratamento de realidades similares.
Princípio do Critério Sociotécnico
Esse princípio estabelece que as “variâncias”, se não puderem ser
eliminadas, devem ser controladas o mais próximo possível de seus pontos
de origem. [...] Uma variância pode ser uma falha no atendimento, pode ser
um erro que ocorreu numa hora crítica quando foi necessária tomar uma
decisão, uma falha de equipamento e assim por diante. (CHERNS, 1976, p.
783-792).
Nas unidades de atendimento de resolução de conflitos, busca-se a construção de um modo de
proceder, operar e conviver que: privilegie as capacidades intelectuais e criativas dos
profissionais alocados, permita um aprendizado contínuo, gere suporte social e
reconhecimento, estabeleça uma clara relação entre os valores organizacionais e pessoais,
visualize todo o processo e o produto final e, permita a realimentação sobre os resultados,
levando à cooperação, colaboração e comprometimento.
6.4 A IMPORTÂNCIA DA ADOÇÃO DA PERSPECTIVA SOCIOTÉCNICA PELAS
UNIDADES DE RESOLUÇÃO DE CONFLITOS
Neste capítulo, tem-se procurado demonstrar o funcionamento e as características das
unidades de atendimento de resolução de conflitos e como elas se identificam com os
118
fundamentos, os princípios e as características presentes na abordagem sociotécnica. Tem sido
aceito que estruturá-las como grupos semi-autônomos soluciona a maioria dos conflitos de
gestão do trabalho que se fazem presentes nessas unidades.
Pode-se, ainda, tentar visualizar a conveniência da adoção desse enfoque segundo duas óticas
distintas: a organizacional e a humana.
A análise da abordagem sociotécnica do ponto de vista organizacional mostra que ela
favorece a adoção dos paradigmas desejáveis – qualidade, resolutividade e interação – sem
inobservância do paradigma vigente – processo – pela flexibilidade com que permite a
atuação das unidades de resolução de conflitos. Assim, na medida em que atendem ao cidadão
elas podem buscar atender aos novos paradigmas, uma vez que não existem normas e
procedimentos pré-fixados e, por via de conseqüência, paradigma antigo sendo infringido.
A análise da abordagem sociotécnica do ponto de vista do ser humano, é tão ou mais
importante quanto a do ponto de vista organizacional. A adoção da perspectiva sociotécnica
tende a provocar um maior desenvolvimento e integração, psicológica e social, dos
indivíduos. Ao mesmo tempo em que privilegia uma qualificação não fundamentada em saber
formal ou na automação, essa perspectiva leva à participação e a uma autonomia responsável
baseada em conhecimentos técnicos e relacionamento humano.
Ademais, sua adoção se apresenta como uma estratégia das mais eficazes para a sobrevivência
e desenvolvimento de equipamentos públicos cuja atuação esteja voltada para o turbulento
mundo da violência, como é o caso dos Centros Integrados de Cidadania.
119
7. CONSTRUINDO UM NOVO CAMINHAR
Neste capítulo são descritos os procedimentos metodológicos implementados, de forma que a
pesquisa realizada possa ser estudada ou reproduzida e os métodos adotados possam ser
percebidos e analisados por outros pesquisadores.
7.1 O ENFOQUE METODOLÓGICO
Quanto ao enfoque metodológico, foi utilizado o da pesquisa fenomenológica, onde, segundo
MASINI (1989, p. 66):
Não existe o ou um método, mas uma postura / atitude fenomenológica – a
atitude de abertura (no sentido de estar livre de conceitos e definições
apriorísticas) do ser humano para compreender o que se mostra, buscando
remontar àquilo que está estabelecido como critério de certeza, assim
questionando os seus fundamentos.
[...]
O enfoque furta-se à validação do já conceituado sem prévia reflexão e
volta-se para o não pensado, através de uma reflexão exaustiva sobre o
objeto do seu estudo, denunciando os pressupostos subjacentes.
De acordo com BOSS (1979, apud COLTRO, 2000, p. 38),
O método fenomenológico caracteriza-se pela ênfase ao mundo da vida
cotidiana – um retorno à totalidade do mundo vivido. Esse método possui
uma abordagem que não se apega tão somente às coisas factualmente
observáveis, mas visa a ‘... penetrar seu significado e contexto com um
refinamento e previsão sempre maiores’, utilizando-se de procedimentos que
levam a uma compreensão do fenômeno por meio de relatos descritivos da
vida social.
120
Já segundo MARTINS e BICUDO (1989, p. 23), são particularmente utilizados pelos
pesquisadores quando voltados para os fundamentos filosóficos de algum fenômeno. Tal é o
caso do presente trabalho que, a partir da abordagem de um fenômeno social – a violência –,
buscou apresentá-lo no contexto de um âmbito geográfico definido – o Município de Vitória –
, apropriando-se de um equipamento social – o Centro Integrado de Cidadania de Vitória –
como objeto de estudo de caso e, por fim, procurou estabelecer sua validade como ação
preventiva minimizadora da escalada da violência.
A apropriação do fenômeno deu-se por meio do círculo hermenêutico: compreensão –
interpretação – nova compreensão e buscou a relação entre o fenômeno e sua essência, o todo
e suas partes constitutivas, o objeto e o seu contexto.
A investigação, a partir das perguntas que formulam o problema –...
sob qual organização e práticas de gestão, isto é, técnicas, instrumentos e tudo o mais que
caracteriza estas práticas, tem operado o Centro Integrado de Cidadania de Vitória?
os resultados obtidos nestes quase dois anos de funcionamento, permitem a validação do
Centro Integrado de Cidadania de Vitória como ação social preventiva da violência?
é possível determinar um outro modelo de organização e gestão do trabalho e de
produção de serviços cuja construção teórica leve centros integrados de cidadania a
obterem resultados superiores àqueles do modelo em questão?
– foi desenvolvida em etapas, privilegiando o uso de técnicas qualitativas, como não poderia
deixar de acontecer numa abordagem fenomenológica, mas sem exclusão das quantitativas,
121
quando necessárias, furtando-se à validação do já conceituado sem prévia reflexão e voltando-
se para o não pensado, por meio de uma reflexão exaustiva sobre o objeto de estudo.
DUFFY (1987, p. 130-133) indica como benefícios do emprego conjunto dos métodos
qualitativos e quantitativos os seguintes:
(1) possibilidade de congregar controle dos vieses (pelos métodos quantitativos) com
compreensão da perspectiva dos agentes envolvidos no fenômeno (pelos métodos
qualitativos);
(2) possibilidade de congregar identificação de variáveis específicas (pelos métodos
quantitativos) com uma visão global do fenômeno (pelos métodos qualitativos);
(3) possibilidade de completar um conjunto de fatos e causas associados ao emprego de
metodologia quantitativa com uma visão da natureza dinâmica da realidade;
(4) possibilidade de enriquecer constatações obtidas sob condições controladas com dados
obtidos dentro do contexto natural de sua ocorrência;
(5) possibilidade de reafirmar validade e confiabilidade das descobertas pelo emprego de
técnicas diferenciadas.
Assim, para a caracterização dos modelos atual e ideal foi utilizada a abordagem qualitativa,
ficando a quantitativa restrita ao registro e uso dos relatórios estatísticos sobre os
atendimentos realizados no período observado, e ao uso exclusivo para o enriquecimento das
conclusões oriundas deste trabalho.
122
7.2 TAXONOMIA DA PESQUISA
Considerando os critérios de classificação de pesquisa, propostos por VERGARA (1998, p.
44-51), tem-se que quanto aos fins, ela foi exploratória, descritiva e aplicada.
Exploratória, porque há pouco conhecimento acumulado sobre o modelo de organização e
gestão de centros integrados de cidadania como ação social preventiva de violência. Não só
porque a sua proposição como tal é relativamente recente – 2000 – como, neste modelo de
equipamento público – construído a partir da junção de três programas federais –, o de Vitória
foi, durante um bom tempo, o único implementado.
Além disso, também há pouco conhecimento acumulado sobre os componentes das
subjetividades dos atores sociais envolvidos, tanto na estruturação / operacionalização desses
equipamentos públicos, quanto nos seus objetivos, isto é, a prestação de serviços pertinentes
às áreas de resolução de conflitos, de acesso à justiça e de emissão da documentação civil
básica, por meio de unidades de atendimento consorciadas, compartilhando um mesmo
ambiente físico e uma mesma cultura organizacional.
Descritiva, porque se debruçou sobre algumas das variáveis que devem ser consideradas no
processo de estruturação / operacionalização desses equipamentos, a partir das percepções,
expectativas e apreensões tanto dos atores sociais envolvidos com o tema da violência –
antropólogos, sociólogos, magistrados e membros do Ministério Público – quanto daqueles
vinculados diretamente com as ofertas de serviço – advogados, assistentes sociais, psicólogos,
administradores, atendentes e usuários –, levantadas por meio da realização de grupos focais.
123
Aplicada, porque foi motivada pela necessidade de contribuir com o Governo Federal para a
continuidade da implementação de centros integrados de cidadania como ação social
preventiva da violência.
Quanto aos meios, isto é, aos procedimentos técnicos de coleta e análise de dados, a pesquisa
foi bibliográfica, documental, participante e de estudo de caso.
A pesquisa foi bibliográfica porque para a sua fundamentação teórico-metodológica foram
realizados estudos, com base em livros, publicações periódicas e impressos editados
comercialmente e pelos programas federais envolvidos, sobre os assuntos a ela pertinentes: a
violência como fenômeno social e complexo; a crise da cidadania no Brasil; os processos
migratórios no Estado do Espírito Santo; a evolução dos índices de violência na região da
Grande Vitória; o uso de centros integrados de cidadania como resposta à escalada da
violência e o uso de taxonomias de serviços no processo estruturante desses equipamentos.
Como muito dessa abordagem tem um aspecto histórico-cronológico, torna-se indispensável a
sua utilização (GIL, 2002, p. 45).
A pesquisa foi documental porque utilizou materiais de natureza diversa que ainda não haviam
recebido um tratamento analítico ou estavam sujeitos a reexame em busca de interpretações novas
ou complementares (GODOY, 1995a, p. 21). GODOY (1995b, p. 67) também afirma que a
análise de documentos constitui-se numa valiosa técnica de abordagem de dados qualitativos,
podendo ser utilizada para complementar informações obtidas em outras fontes.
Compuseram estes materiais, como documentos primários, prontuários e processos
administrativos e judiciais conservados no interior do órgão da Defesa do Consumidor, dos
124
Juizados Especiais, das unidades de Assistência Jurídica Gratuita e de Atendimento
Intrafamiliar, além do Ministério Público, aos quais o pesquisador teve acesso para estudo in
loco, preservadas as informações classificadas como confidenciais. Como documentos
secundários, foram usados relatórios e apropriações estatísticas produzidos pelo Centro
Integrado de Cidadania de Vitória, por meio do seu núcleo gestor de informática, e pela
Secretaria Nacional de Segurança Pública, além de reportagens publicadas nos jornais locais.
A pesquisa foi participante porque para a aplicação da taxonomia de serviços àqueles
ofertados aos cidadãos pelo Centro Integrado de Cidadania de Vitória, o pesquisador e os
profissionais prestadores dos serviços interagiram no sentido de identificar como ocorriam os
processos de serviço nos órgãos de origem e a adaptação que sofreram, ou deveriam sofrer,
em face da realidade vigente no Centro Integrado de Cidadania de Vitória, o que segundo
VERGARA (1998, p. 47) é característica deste tipo de pesquisa. Buscou-se, também,
identificar as micro-operações existentes em cada prestação de serviços e estabelecer suas
naturezas.
A pesquisa foi de estudo de caso porque se desenvolveu junto ao equipamento público Centro
Integrado de Cidadania de Vitória. Segundo TRIVIÑOS (1987, p. 133), estudo de caso é uma
categoria de pesquisa cujo objeto é uma unidade que se analisa aprofundadamente. GODOY
(1995b, p. 25) complementa afirmando que:
o estudo de caso tem se tornado a estratégia preferida quando os
pesquisadores procuram responder às questões “como” e “por quê” certos
fenômenos ocorrem, quando há pouca possibilidade de controle sobre os
eventos estudados e quando o foco de interesse é sobre fenômenos atuais,
que só poderão ser analisados dentro de algum contexto de vida real.
YIN (2001, p. 32-33) estabelece que:
125
Um estudo de caso é uma investigação empírica que investiga um fenômeno
contemporâneo dentro de seu contexto da vida real, especialmente quando os
limites entre o fenômeno e o contexto não estão claramente definidos.
[...]
A investigação de estudo de caso enfrenta uma situação tecnicamente única
em que haverá muito mais variáveis de interesse do que pontos de dados, e,
como resultado, baseia-se em várias fontes de evidência, com os dados
precisando convergir em um formato de triângulo, e, como outro resultado,
beneficia-se do desenvolvimento prévio de proposições teóricas para
conduzir a coleta e a análise de dados.
7.3 DESIGN DA PESQUISA
O design é uma estrutura gráfica que permite visualizar a proposta de condução da pesquisa
de um modo global (OLIVEIRA, 2000, p. 12). No caso deste trabalho, esta estrutura pode ser
percebida no esquema à página seguinte e encontra-se descrita a seguir, sempre que possível
na seqüência em que os fatos se produziram.
A pesquisa se desenvolve sob o foco dos “modelos para a produção, produção de modelos”,
conforme teorizado por ZILBOVICIUS (1999), buscando caracterizar a estruturação e a
organização vigentes no CIC-Vitória como o modelo atual, derivativo de um pré-existente nas
Casas do Cidadão, e buscando, também, pensar a possibilidade de um modelo ideal,
similarmente à concepção de tipos ideais de Weber, que possa oferecer resultados superiores,
ou mais adequados, aos produzidos hoje.
126
Administrador
Magistrado
Promotor de
Justiça
Sociólogo
Antropólogo
Teóricos das
áreas sociais
Teóricos da
administração
Promotores e
Juízes
Conciliadores
Atendentes
Cidadãos-
usuários
CIC’s
Taxonomia
dos serviços
Casas do
Cidadão
CIC-Vitória
Caracte-
rísticas
Questionários
semi-
estruturados
Entrevistas
em
profundidade
Vioncia
Entrevistas
participantes
Grupos Focais
Premissas da
taxonomia
Premissas dos
especialistas
entrevistados
Premissas dos
grupos focais
Órgãos de
origem
Triangulação
Modelo ideal
Consensos
Discrepâncias
Administrador
Magistrado
Promotor de
Justiça
Sociólogo
Antropólogo
Teóricos das
áreas sociais
Teóricos da
administração
Promotores e
Juízes
Conciliadores
Atendentes
Cidadãos-
usuários
CIC’s
Taxonomia
dos serviços
Casas do
Cidadão
CIC-Vitória
Caracte-
rísticas
Questionários
semi-
estruturados
Entrevistas
em
profundidade
Vioncia
Entrevistas
participantes
Grupos Focais
Premissas da
taxonomia
Premissas dos
especialistas
entrevistados
Premissas dos
grupos focais
Órgãos de
origem
Triangulação
Modelo ideal
Consensos
Discrepâncias
Figura 1 – Design da pesquisa desenvolvida
Fonte: Desenvolvido pelo autor com base na metodologia utilizada para a pesquisa.
127
Ela tem início com a identificação de como o CIC-Vitória foi percebido em sua concepção
original, o que levou o pesquisador a buscar entender o conceito e a evolução da violência,
reduzida a sua expressão máxima, o crime letal, notadamente na região da Grande Vitória.
Este entendimento se mostrou da maior importância por se configurar este fenômeno no pano
de fundo adiante do qual se construiu o CIC-Vitória.
Concomitantemente, tiveram que ser pesquisadas, por terem influência nessa concepção
original, as visões de centros integrados de cidadania (CIC’s) pertinentes ao Programa
Nacional de Direitos Humanos e ao Plano Nacional de Segurança Pública (que privilegiam o
acesso à justiça e a resolução de conflitos, respectivamente), e a visão de unidades de
atendimento integrado do Programa da Qualidade no Serviço Público (que privilegia a
integração, num mesmo local, de parceiros públicos para a prestação de serviços ao cidadão,
sob princípios pertinentes ao enfoque maior da qualidade).
Por fim, a trilogia conceptiva se completa com a abordagem das Casas do Cidadão que
antecederam ao CIC-Vitória, em razão não só do embrião de alguns dos serviços transpostos
para o novo equipamento terem se originados aí, como, também, por se configurar iniciativa
pioneira na oferta de serviços de cidadania à população e da reunião de parceiros de outros
poderes ou esferas, em solo capixaba, ainda que não com o foco e a abrangência do
equipamento atual.
Estabelecido o pano de fundo e analisada a concepção do equipamento público tomado como
estudo de caso, desenrola-se a busca pelas premissas que possam compor o modelo ideal, o
que é feito mediante o uso de três métodos diferentes – entrevistas participantes, grupos focais
e entrevistas em profundidade – conforme detalhado em seções específicas.
128
7.4 ENTREVISTAS PARTICIPANTES
Este método consistiu na análise conjunta – entrevistador e entrevistado – dos processos de
trabalho presentes no serviço predominante (em termos de demanda) ofertado em cada
unidade de atendimento selecionada para integrar o CIC-Vitória.
Por meio da pesquisa a um conjunto de títulos especializados e disponíveis nas áreas de
serviços, produção e mercadologia, procurou-se identificar as taxonomias de serviços mais
utilizadas, resultando, ao final, na seleção daquelas de autoria de Chase, Lovelock e
Schmenner, por serem as mais referenciadas no material bibliográfico pesquisado e atenderem
ao uso pretendido pelas intervenções que se seguiriam.
A partir de consulta aos artigos destes autores, foram analisadas as características sob as quais
os serviços deveriam ser observados e, tomando-as por referência, construído um roteiro com
questões semi-estruturadas para servir de guia nessas intervenções, deixando abertura para o
não-programado, uma vez que cada intervenção teria o seu próprio desenrolar.
Sobre a entrevista com a utilização de roteiros semi-estruturados, nos diz LÜDKE e ANDRÉ
(1986, p. 34):
A liberdade de percurso está, como já foi assinalado, associada
especialmente à entrevista não-estruturada ou não-padronizada.
[...]
Entre esses dois tipos extremos [a não-estruturada e a padronizada] se situa a
entrevista semi-estruturada, que se desenrola a partir de um esquema básico,
porém não aplicado rigidamente, permitindo que o entrevistador faça as
necessárias adaptações.
129
7.4.1 A construção do roteiro semi-estruturado
A primeira versão do roteiro foi construída e testada com a ajuda de servidores da SEMCID
que voluntariamente se predispuseram a participar da elaboração da versão definitiva.
Segundo OLIVEIRA (2000, p. 14), essa fase de teste...
torna-se indispensável quando se pensa em garantir a homogeneidade de
interpretação das questões formuladas, a clareza e objetividade do
instrumento, bem como a detecção de fatores que poderiam intervir na
fidedignidade das respostas.
A versão definitiva foi construída em dois blocos, sendo o primeiro voltado para a
identificação da unidade de serviços e, o segundo, para o levantamento das características dos
serviços, segundo os autores selecionados para esta taxonomia.
A primeira parte foi subdividida em cinco blocos onde se buscou identificar (1) a unidade de
atendimento que estava sendo abordada; (2) os dados básicos da entrevista – data e local de
realização e hora de início e de término; (3) os nomes e telefones dos entrevistadores; (4) o
nome, a função e o telefone do entrevistado; e (5) a relação dos principais serviços ofertados
pela unidade.
A segunda parte – características dos serviços – foi construída de forma que, em relação às
taxonomias propostas por Chase (1978), Lovelock (1983) e Schmenner (1986), as respostas às
perguntas servissem para classificar os serviços abordados. Assim, com relação à taxonomia
de Chase (1978):
a.1) as respostas às perguntas (1) sobre as necessidades e expectativas do cidadão-usuário
quanto ao serviço ofertado; (2) quanto a contribuição das instalações existentes para o
130
alcance dessas necessidades e expectativas, (3) sobre a adequabilidade das instalações, e
(4) sobre a influência exercida pelo ambiente físico, permitiu a classificação dos
serviços quanto ao local de oferta, o leiaute das instalações e o desenho dos produtos;
a.2) a resposta à pergunta (5) sobre a prestação do serviço atender às necessidades e
expectativas do cidadão-usuário à medida que o serviço se desenvolve ou só ao final do
serviço, permitiu a classificação quanto ao desenho dos processos;
a.3) a resposta à pergunta (6) sobre o atendimento ao cidadão-usuário ocorrer por ordem de
chegada ou por agendamento ou ainda nos dois sistemas, permitiu a classificação
quanto à programação dos serviços e o planejamento da produção;
a.4) a resposta à pergunta (7) sobre os conhecimentos e habilidades exigidas dos prestadores
de serviço, permitiu a classificação quanto às habilidades de trabalho;
a.5) a resposta à pergunta (8) sobre os padrões de qualidade adotados, permitiu a
classificação quanto ao controle da qualidade;
a.6) as respostas às perguntas (9) sobre o tempo médio padrão necessário para a produção do
serviço; (10) sobre a existência de fator, evento ou circunstância que alterasse o tempo
médio padrão; (11) sobre a compatibilidade deste tempo médio padrão com as
necessidades do cidadão-usuário; (12) sobre o tempo de presença do cidadão-usuário no
processo de produção do serviço; e (13) sobre o tempo de interação do cidadão-usuário
com o prestador do serviço, permitiram a classificação quanto ao tempo-padrão, ao
planejamento de capacidade e às previsões de demanda;
131
a.7) a resposta à pergunta (14) sobre a cobrança do serviço prestado, permitiu a
classificação, por fim, quanto ao pagamento dos serviços.
Com relação à taxonomia proposta por Lovelock (1983),
b.1) as respostas às perguntas (17) sobre a prestação do serviço atuar diretamente sobre a
mente ou o corpo do cidadão; e (18) sobre a prestação do serviço atuar sobre um bem ou
outra posse física do cidadão-usuário ou, ainda, sobre um direito, permitiram a
classificação dos serviços quanto ao destinatário do serviço e a natureza do ato do
serviço;
b.2) as respostas às perguntas (19) sobre a prestação do serviço criar um relacionamento
formal ou um vínculo com o cidadão-usuário; e (20) sobre a prestação do serviço
ocorrer de forma esporádica ou de forma contínua, permitiram a classificação dos
serviços quanto ao tipo de relacionamento da unidade prestadora do serviço com o
cidadão-usuário e a natureza contínua ou discreta da prestação do serviço;
b.3) as respostas às perguntas (21) sobre a prestação do serviço se dar mediante
procedimentos padronizados ou não; e (22) sobre o prestador de serviços poder tomar
decisões, fora dos procedimentos estabelecidos, que satisfaçam as necessidades
individuais do cidadão usuário, permitiram a classificação dos serviços quanto a
extensão em que os serviços são personalizados e a extensão em que o prestador de
serviço pode tomar decisões não-programadas;
b.4) as respostas às perguntas (15) sobre a existência de períodos em que a demanda
aumenta; (16) sobre a suficiência do número de atendentes no aumento da demanda; e
132
(23) sobre quais são os períodos de maior demanda e se é possível atendê-la sem
grandes atrasos, permitiram a classificação dos serviços quanto as flutuações da
demanda no tempo e a capacidade da unidade prestadora de serviços de bem atender aos
picos de demanda;
b.5) as respostas às perguntas (24) sobre a prestação do serviço ocorrer em outros locais do
Município de Vitória; e (25) sobre como se dá a interação entre o prestador de serviço e
o cidadão-usuário, permitiram a classificação dos serviços quanto a disponibilidade de
pontos de oferta dos serviços e a natureza da interação entre o prestador de serviço e o
usuário.
Por fim, com relação à taxonomia proposta por Schmenner (1986), as respostas às perguntas
(21) sobre a prestação do serviço ocorrer por meio de procedimentos padronizados ou não;
(22) sobre o prestador de serviços poder tomar decisões, fora dos procedimentos
estabelecidos, que satisfaçam as necessidades individuais do cidadão usuário; (26) sobre o
valor médio do investimento em máquinas e equipamentos para que o serviço possa ser
ofertado; e (27) sobre o valor médio do custeio com mão-de-obra para que o serviço seja
prestado, permitiram a classificação dos serviços quanto ao grau de interação e personalização
do serviço e a prevalência ou não do capital (investimentos) sobre o trabalho (mão-de-obra).
7.4.2 Uso das intervenções como apoio à concepção inicial
O objetivo nesta fase foi identificar as características dos serviços, segundo as taxonomias
selecionadas, de forma a agrupá-los e tratá-los em conjunto, em termos de premissas a serem
133
consideradas na distribuição do espaço físico disponível. Era a época de implantação física do
CIC-Vitória, que viria a entrar em operação três meses depois.
Na identificação das unidades de atendimento a serem abordadas, privilegiaram-se aquelas
diretamente vinculadas à resolução dos conflitos, ao acesso à justiça e à emissão da
documentação civil básica, em detrimento dos serviços de apoio. À época, eram nove as
unidades com estes vínculos, a saber:
(a) na área de resolução de conflitos, a Assistência Jurídica Gratuita, o Atendimento
Intrafamiliar e a Defesa do Consumidor;
(b) na área do acesso à justiça, o Juizado Especial Cível; e
(c) na área de emissão da documentação civil básica, o Cartório de Registro Civil, o
Cartório Eleitoral, a Delegacia Regional do Trabalho, o Departamento de Trânsito e a
Polícia Federal.
Foi escolhido um representante de cada uma destas unidades de atendimento para participar
do processo junto com o pesquisador. Com relação à escolha reduzida dos sujeitos da
pesquisa (um para cada unidade de atendimento) diz RICHARDSON (1999, p. 157):
Em geral, resulta impossível obter informação de todos os indivíduos ou
elementos que formam parte do grupo que se deseja estudar; seja porque o
número de elementos é demasiado grande, os custos são muito elevados ou
ainda porque o tempo pode atuar como agente de distorção (a informação
pode variar se transcorrer muito tempo entre o primeiro elemento e o
último). Essas e outras razões obrigam muitas vezes a trabalhar com uma só
parte dos elementos que compõem um grupo.
134
Tais representantes foram escolhidos, em alguns casos, dentre os que atuavam nos órgãos de
origem ou, em outros, dentre os que exerciam suas atividades in loco. Isto ocorreu porque em
algumas unidades de atendimento o responsável pela estruturação / organização do serviço tal
qual proposto para o CIC permaneceu no órgão de origem; em outras, este responsável foi
deslocado junto com o serviço. Além disso, a escolha se deu a partir da identificação de qual
dentre os possíveis participantes da pesquisa melhor atenderia aos seguintes critérios:
(a) ter vivência nos processos de trabalho do serviço ofertado pela unidade de atendimento
no CIC e, preferencialmente, ter participado da sua estruturação / organização;
(b) ter fácil acesso às normas, aos procedimentos, aos locais, aos instrumentos de trabalho,
aos equipamentos necessários e aos executantes desses processos;
(c) ter disponibilidade de tempo para participar das entrevistas e das discussões sobre os
processos de trabalho a serem abordados.
Uma versão preliminar do roteiro foi objeto de pré-teste (10 pessoas) e, após as devidas
adaptações, as intervenções foram realizadas nos meses de abril-maio de 2003 e os resultados,
conforme previstos, utilizados no processo de distribuição do espaço físico, segundo as
características dos serviços, e na consolidação do modelo inicial previsto para o CIC-Vitória.
7.4.3 Uso das intervenções como apoio à concepção do modelo ideal
Um ano depois – entre os meses de abril e junho de 2004 – estas intervenções foram
repetidas, motivadas por três necessidades:
135
(1) validação dos dados levantados na pesquisa anterior e exclusão da Polícia Federal como
unidade de atendimento, em razão da mesma encontrar-se em processo de retirada do
CIC-Vitória, ocasionado por remanejamentos internos de pessoal que inviabilizaram a
continuidade da prestação de serviços;
(2) estudo dos processos de trabalho das unidades de atendimento que passaram a integrar o
CIC-Vitória, agregando novos serviços aos já ofertados: a) na área de resolução de
conflitos, o SOS Impunidade e o Ministério Público; b) na área de acesso à justiça, os
Juizados Especiais Criminal e Federal e a Justiça Comunitária; e c) na área de emissão
da documentação civil básica, os Correios e a Polícia Civil;
(3) agregar as características desses serviços às características dos serviços abordados na
primeira fase, de forma a prover um tratamento conjunto voltado para o estabelecimento
de premissas a serem consideradas na proposição de um modelo ideal.
Para o alcance desses objetivos, duas estratégias foram adotadas: realizar as intervenções em
todas as unidades de serviço (mesmo as já contempladas na primeira fase) e utilizar mão-de-
obra extra para agilizar tais intervenções.
O roteiro básico para a intervenção foi, então, revisto e realizadas as adaptações e correções
apontadas como necessárias por sua utilização anterior (modelo anexo).
Quanto à utilização de mão-de-obra extra, foi motivada pelo acréscimo no número de
unidades de atendimento a serem abordadas e restrita à aplicação inicial do roteiro,
continuando a análise e discussão com os representantes das unidades a cargo do pesquisador.
136
A aplicação dos roteiros foi realizada pelos alunos do 7º período do Curso de Administração
das Faculdades de Vitória (FDV), referência 2004/1, cursando a disciplina “Tópicos
Avançados em Administração II – Gestão de Serviços”, sendo considerado requisito parcial
para a aprovação na disciplina. A aplicação foi supervisionada pelo pesquisador.
Os alunos participaram de uma preparação prévia, com carga horária de vinte horas, que
envolveu a discussão dos textos selecionados sobre taxonomia de serviços, o conhecimento
dos resultados obtidos na aplicação anterior, os resultados esperados com essa nova aplicação,
o conteúdo das questões semi-estruturadas, procedimentos para preenchimento do roteiro e
técnicas de entrevista.
Tanto a aplicação dos roteiros como as análises que se seguiram foram previamente
agendadas com os representantes das unidades de atendimento, ficando as entrevistas
agrupadas nos meses de abril e maio e a análise se estendendo até o mês de junho de 2004.
Dessa forma, além do alcance dos objetivos propostos, foi possível a apropriação das
alterações introduzidas nos serviços nos primeiros meses de efetivo funcionamento, em
decorrência das necessidades de alteração ditadas pelo dia-a-dia.
7.5 GRUPOS FOCAIS
Por meio deste método, foram reunidos cidadãos com o objetivo de pensar, do ponto de vista
teórico-conceitual, um modelo sob o qual poderiam operar centros integrados de cidadania
137
com resultados mais satisfatórios do que os atuais, a partir da percepção que possuíam da
violência e das experiências vivenciadas com o CIC-Vitória, sendo tais características
decisivas para a escolha ou não de um participante.
Segundo OLIVEIRA (2000, p. 22), o focus group interview (ou grupo focal) pode ser definido
como...
uma técnica de coleta de dados constituída por um pequeno grupo de
pessoas, levado para um local específico, a fim de participar de uma
discussão cujo foco varia de acordo com as questões de interesse. Como
objetivos do grupo focal podem ser relacionados: coletar dados qualitativos
de uma forma intensiva em relação a problemas específicos; gerar novas
idéias para subsidiar pesquisas quantitativas e obter dos respondentes relatos
de suas experiências e reações a estímulos [...] ou uma idéia que se deseja
testar antes de colocá-la em prática.
[...]
O focus group interview é uma forma clássica de entrevistas em grupo
baseada numa discussão livre e dinâmica que está inserida no método de
pesquisa conhecido como etnográfico. É reconhecida como a mais universal,
efetiva e freqüente técnica utilizada dentre aquelas que são consideradas
como técnicas de pesquisa qualitativa. O que se busca é identificar, por meio
dos participantes, o “como” e o “por quê” de determinadas preferências,
atitudes, comportamentos etc. [...] Assim, o focus group interview constitui-
se em uma entrevista planejada onde pequenos grupos de pessoas discutem
sobre um assunto específico, de forma confortável, desinibida, sem tensões.
Assim também pensa MORGAN (1988, p. 12), para quem a marca distintiva dos grupos
focais é o uso explícito da interação do grupo para a produção de dados e insights que seriam
menos acessíveis sem a interação encontrada no grupo.
Complementarmente, segundo FLICK (p. 125)...
Além da economia de tempo e de dinheiro gerada com a entrevista de um
grupo de pessoas ao mesmo tempo, em lugar de diferentes indivíduos em
ocasiões distintas, os elementos das dinâmicas de grupo e da discussão entre
os participantes são realçadas quando se conduzem discussões em grupo.
Blumer (1969), por exemplo, afirma o seguinte:
138
Um pequeno número de indivíduos, reunidos como um grupo de discussão
ou de recursos, vale muito mais do que qualquer amostra representativa.
Esse grupo, discutindo coletivamente sua esfera de vida e investigando-a
assim que um se depara com divergências em relação ao outro, fará mais
para erguer as máscaras que cobrem a esfera da vida do que qualquer outro
dispostivo do qual eu tenha conhecimento.
Trata-se, assim, de identificar insights para a formulação do modelo ideal, com base na
participação dos cidadãos, per se e nas discussões geradas, buscando revelar tanto
significados presumidos em relação às questões selecionadas para discussão, quanto à
maneira como esses significados são negociados, e, com base também, na diversidade e
diferença dentro ou entre grupos (LUNT; LIVINGSTONE, 1996, p. 96). Eis o objetivo da
realização de grupos focais, no contexto maior do conjunto de métodos de pesquisa utilizados
neste trabalho.
Uma vez feita a opção pelo uso de grupos focais e definido a serventia para a qual seriam
implementados, pôs-se em execução um conjunto de sete etapas, detalhadas a seguir.
7.5.1 Estruturação dos grupos focais
Optou-se pela implementação de seis grupos focais, a fim de garantir a utilização de grupos
naturais – existentes na vida cotidiana do CIC-Vitória – e de grupos artificiais – reunidos para
fins da pesquisa, de acordo com certos critérios ou perfis. Dentro dessa concepção, foram
formados dois grupos focais naturais – atendentes e conciliadores – e quatro grupos artificiais
– cidadãos-usuários, promotores e juízes, teóricos das áreas sociais e teóricos da área da
administração.
139
Também se optou pela formação de grupos homogêneos, sempre que possível, onde os
participantes pudessem ser comparados nas dimensões essenciais relacionadas às questões de
pesquisa e possuíssem uma formação semelhante (FLICK, 2004, p. 127), a fim de garantir
que pudessem identificar-se mutuamente e crescer juntos (OLIVEIRA, 2000, p. 29) em
termos de intervenção nas discussões.
7.5.2 Especificação das questões de pesquisa
Quanto às questões a serem postas para discussão, foram aglutinadas em cinco segmentos
comuns a todos os grupos: violência; imagem do CIC-Vitória; papel do CIC-Vitória; modelo
ideal; e generalidades, variando-se o número de questões formuladas em cada segmento e no
contexto do que afirma RUEDIGER e RICCIO (2004, p. 155):
Não há, como observamos, um questionário rigidamente estruturado, mas
sim um roteiro semiflexível, construído de acordo com os objetivos da
pesquisa, o que visa permitir que várias questões sejam melhor discutidas,
aprofundadas, ou adicionadas no decorrer do processo analítico.
[...]
Dessa forma, as respostas podem induzir tanto a novas perguntas
introduzidas no roteiro em curso pelo mediador, ou ainda, aumentar a
precisão conceitual do trabalho quando da análise do conjunto dos
resultados.
Por meio do primeiro segmento – violência – foi buscada a percepção dos participantes
quanto ao fenômeno, as alternativas para coibir sua expansão e a idéia de centros integrados
de cidadania como ações preventivas dessa escalada. Três perguntas compunham o bloco: (1)
Como você vê a questão da violência hoje? (2) Você conseguiria propor alguma alternativa
para essa questão? (3) Um centro de cidadania que tivesse algum tipo de serviço/atividade na
área dos conflitos seria uma das soluções?
140
O segundo segmento – imagem do CIC-Vitória – trabalhou com técnica projetiva,
estimulando os participantes a personificarem o CIC-Vitória, com a intenção de dar
características humanas ao equipamento público, a fim de extrair elementos simbólicos que
traduzissem suas características e personalidades.
A natureza e distribuição das questões referentes ao terceiro segmento – papel do CIC-Vitória
– podem ser visualizadas por meio do quadro a seguir.
Natureza das questões para discussão
Atendentes
Conciliadores
Cidadãos-
usuários
Promotores e
Juízes
Teóricos das
áreas sociais
Teóricos da
administração
Atendimento x x x
Resolutividade / burocracia x x x x
Qualidade dos serviços prestados x x x x
Quantidade dos serviços prestados x x x x
Instalações físicas x x x x
Interação entre os serviços x x x x
Dia-a-dia no CIC-Vitória e motivação para o trabalho x x
Conveniência x necessidade do CIC-Vitória x x x
Atribuição e não-atribuição x x x
Quadro 12 – Natureza e distribuição das questões sobre o papel do CIC-Vitória, propostas para os grupos focais.
No quarto segmento – modelo ideal – foi solicitado aos participantes dos grupos que se
posicionassem no contexto da seguinte pergunta – no seu entendimento, como seria um CIC?
– com a liberdade para ser abordado qualquer aspecto que o participante quisesse ressaltar.
Por fim, no quinto e último segmento – generalidades – foi disponibilizado aos participantes
um espaço para tecerem quaisquer outros comentários que achassem oportunos, fazerem
sugestões e registrarem suas críticas com relação ao CIC-Vitória.
141
7.5.3 Perfis dos participantes dos grupos
Inicialmente foram estabelecidos os perfis dos grupos, de modo a facilitar os processos
subseqüentes de definição da população-alvo e de seleção dos participantes.
Perfil do grupo 1 – Atendentes
Servidores com formação superior ou secundária, lotados no CIC-Vitória, com atuação no
primeiro atendimento, isto é, nos locais responsáveis pela recepção aos cidadãos-usuários,
pela identificação e sumarização do problema, pela abertura do cadastro de atendimento e
pelo encaminhamento aos conciliadores.
Perfil do grupo 2 – Conciliadores
Servidores com formação superior, lotados no CIC-Vitória, com conhecimento e vivência de
mediação de conflitos, com atuação nas áreas de atendimento intrafamiliar, assistência
jurídica, defesa do consumidor, atendimento às famílias de vítimas de homicídio, assim como
os conciliadores dos Juizados Especiais e do Ministério Público.
Perfil do grupo 3 – Cidadãos-usuários
Cidadãos que nos últimos doze meses tenham usado os serviços de conciliação ou de
resolução de conflitos, no CIC-Vitória, nas áreas de atendimento intrafamiliar, assistência
jurídica gratuita, defesa do consumidor, ministério público e juizados especiais.
142
Perfil do grupo 4 – Promotores e Juízes
Membros do Ministério Público com vivência na abordagem de conflitos não resolvidos em
audiências conciliatórias e Magistrados com experiência em Juizados Especiais, com atuação,
temporária ou permanente, no CIC-Vitória.
Perfil do grupo 5 – Teóricos das áreas sociais
Professores universitários e pesquisadores com formação e atuação nas áreas de direito,
sociologia, antropologia ou serviço social, com conhecimento teórico e vivência nas áreas de
criminalidade, conflitos sociais e acesso à justiça, não atuantes no CIC-Vitória.
Perfil do grupo 6 – Teóricos da administração
Professores universitários e pesquisadores com formação em engenharia da produção ou
administração, com conhecimento teórico e vivência nas áreas de organização e gestão de
entidades de prestação de serviços e de produção de serviços.
7.5.4 População-alvo
A partir dos perfis estabelecidos, o passo seguinte foi identificar a população-alvo, isto é,
aquelas pessoas que, por atenderem aos requisitos estabelecidos, assumiram o status de pré-
selecionadas para a composição dos grupos focais.
143
População-alvo do grupo 1 – Atendentes
Para a fixação da população-alvo foi elaborado um aplicativo no MS-Excel que, alimentado
com o quadro de servidores da SEMCID e do perfil desejado, retornou uma listagem com os
nomes e telefones de 22 servidores, que acrescidos de um servidor do Juizado Especial Cível,
formaram a população-alvo de 23 participantes pré-selecionados.
População-alvo do grupo 2 – Conciliadores
O mesmo programa retornou uma listagem com os nomes e telefones de vinte servidores da
SEMCID, que, acrescidos aos sete conciliadores de órgãos parceiros (Juizado Especial Civil e
Ministério Público), formaram a população-alvo de 27 participantes pré-selecionados.
População-alvo do grupo 3 – Cidadãos-usuários
Foi solicitado às unidades de Atendimento Intrafamiliar, de Assistência Jurídica Gratuita, do
PROCON Municipal, do Juizado Especial Cível, do Juizado Especial Criminal e do
Ministério Público que escolhessem aleatoriamente e encaminhassem os nomes e os telefones
de cidadãos-usuários destes serviços, no último ano. Dessa forma se compôs a população-alvo
com 91 participantes pré-selecionados.
População-alvo do grupo 4 – Promotores e Juízes
Foi solicitado à Coordenadoria dos Juizados Especiais do Tribunal de Justiça do Estado do
Espírito Santo e à Secretaria Geral do Ministério Público do Estado do Espírito Santo a
144
indicação dos nomes, acompanhados dos telefones, de Juízes e Promotores de Justiça que
atendessem ao perfil estabelecido. Dessa forma se compôs a população-alvo com 9
participantes pré-selecionados.
População-alvo do grupo 5 – Teóricos das áreas sociais
A partir de contato com pesquisadores envolvidos com os movimentos de direitos humanos e
de estudos sobre a violência, no Estado do Espírito Santo, se compôs a população-alvo para
este grupo com 9 participantes pré-selecionados.
População-alvo do grupo 6 – Teóricos da administração
A partir de contato com pesquisadores do Programa de Pós-Graduação em Administração, da
Universidade Federal do Espírito Santo, foram definidos os nomes de professores e
pesquisadores que atendiam ao perfil estabelecido para este grupo, vindo a compor uma
população-alvo com 8 participantes pré-selecionados.
7.5.5 Seleção dos participantes
Uma vez definidas as populações-alvo, a partir dos perfis desejados para cada um dos grupos
idealizados, a fase seguinte foi a seleção dos participantes, de modo que todo o espectro de
pontos de vista presente nas populações-alvo pudesse ser igualmente contemplado, conforme
BAUER e GASKELL (2003, p. 67, 70)...
145
O termo “seleção” é empregado explicitamente em vez de “amostragem”.
Isto porque a amostragem carrega, inevitavelmente, conotações dos
levantamentos e pesquisa de opinião onde, a partir de uma amostra
estatística sistemática da população, os resultados podem ser generalizados
dentro de limites específicos de confiabilidade. Na pesquisa qualitativa, a
seleção dos entrevistados não pode seguir os procedimentos da pesquisa
quantitativa [...]
[...] o objetivo da pesquisa qualitativa é apresentar uma amostra do espectro
dos pontos de vista. Diferentemente da amostra do levantamento, onde a
amostra probabilística pode ser aplicada na maioria dos casos, não existe um
método para selecionar os entrevistados das investigações qualitativas.
Aqui, devido ao fato de o número de entrevistados ser necessariamente
pequeno, o pesquisador deve usar sua imaginação social científica para
montar a seleção dos respondentes.
Nesse contexto, foram estruturados os grupos focais, em termos do número de participantes,
sendo o menor deles – teóricos da área da administração – formado por cinco pessoas (2
homens e três mulheres), seguindo-se dois grupos com seis participantes cada um –
promotores e juízes e teóricos das áreas sociais (ambos com dois homens e quatro mulheres),
outros dois, com sete participantes – atendentes e conciliadores (ambos com três homens e
quatro mulheres) e, por fim, o grupo de cidadãos-usuários, com oito participantes (sendo três
homens e cinco mulheres).
A composição e a quantidade de grupos focais utilizados estão de acordo com o que sugere
TANAKA e MELO (2001):
O grupo deve ter uma composição homogênea, preservando certas
características heterogêneas – um balanço entre uniformidade e diversidade
– do grupo, o que permite que os participantes sintam-se confortáveis e
livres para participar da discussão (... experiência profissional ou
envolvimento / participação na atividade avaliada podem servir como
variáveis).
[...]
Quanto ao tamanho do grupo, este deve ter geralmente entre 6 a 10
membros. [...]
A quantidade de grupos deve considerar a homogeneidade da população em
relação ao objeto da avaliação, variando de um mínimo de 3 a 4 grupos até
10 a 12 grupos no máximo.
146
7.5.6 Realização das entrevistas
Com a antecedência necessária os cidadãos anteriormente selecionados foram contatados, via
telefone, e as reuniões dos grupos focais programadas para o período entre 21 de janeiro e 2
de março de 2005.
Nas datas estabelecidas, realizaram-se as entrevistas nas instalações de uma empresa
especializada em pesquisas, por apresentar local apropriado para a realização das mesmas, sob
a mediação de um psicólogo e a partir dos roteiros pré-definidos, conforme RUEDIGER e
RICCIO (2004, p. 157)...
Uma sala profissional de grupo focal compreende um conjunto de duas áreas
distintas, separadas por um vidro espelhado, por onde os pesquisadores
podem observar o comportamento dos participantes e o desenrolar das
discussões sem serem por eles percebidos, de forma a não influenciar o
ambiente de discussão. Na sala de mediação e discussão, ficam os
participantes, além do mediador e um assistente, em geral encarregado do
relatório, que será posteriormente complementado com trechos oriundos das
gravações em vídeo e som. Na sala de observação, ficam os pesquisadores e
convidados [...]
As perguntas adicionais, quando introduzidas, o são por meio de um
assistente (nunca os próprios pesquisadores) na forma de um bilhete
manuscrito com instruções sobre o ponto que se quer explorar ou, ainda, da
pergunta direta que se deseja fazer.
7.5.7 Análise dos resultados
As entrevistas foram gravadas em áudio e vídeo, sendo os conteúdos transcritos
posteriormente e seus conteúdos categorizados, isto é, os elementos, idéias ou expressões
147
agrupados em torno de um conceito capaz de abrangê-los, seguindo-se a análise dos
conteúdos, com a finalidade de estabelecer uma compreensão dos dados coletados, identificar
os pressupostos a serem utilizados na concepção do modelo ideal e ampliar o conhecimento
sobre o assunto pesquisado (GOMES, 1997, p. 69).
Na realização da análise utilizou-se o método proposto por Flick (2004) que consiste numa
leitura dos textos produzidos a partir dos grupos focais, anotando-se as palavras-chave ao
longo da transcrição e estruturando os trechos extensos. Em seguida, refina-se essa estrutura,
por meio da marcação de conceitos ou enunciados centrais e da identificação das informações
relevantes de cada texto.
A essa etapa, segue-se a produção de uma tabela de conteúdos para o texto,
que inclui as palavras-chave estruturadoras anotadas anteriormente,
juntamente com os números das linhas as quais estas se referem.
Os temas (novamente com os números de linha) são postos em ordem
alfabética, e, finalmente, as idéias anotadas nas diversas etapas são coletadas
em uma lista. A etapa final da análise global ocupa-se em resumir o texto e
julgar por sua inclusão ou não na interpretação efetiva. [...]
Editar os textos dessa forma, antes de efetivamente interpretá-los, pode
contribuir [...] na decisão de escolher uma determinada entrevista e não
outra, para uma interpretação detalhada, caso os recursos (por exemplo, de
tempo) sejam limitados. (FLICK, 2004, p. 205).
7.6 ENTREVISTAS EM PROFUNDIDADE
A entrevista do tipo semi-estruturada com um único respondente – a entrevista em
profundidade – é essencialmente, um método para estabelecer ou descobrir as perspectivas
dos respondentes, sua “descrição detalhada”, sobre fatos ou temas de um meio social
específico ou para construir um referencial para pesquisas futuras, fornecendo dados para
148
testar expectativas e hipóteses desenvolvidas fora de uma perspectiva teórica específica
(BAUER; GASKELL, 2002, p.65).
A seleção dos entrevistados se deu sob os mesmos princípios de seleção dos participantes dos
grupos focais. Nesta abordagem também, o foco não recai sobre a quantidade de pessoas a
opinar, mas sobre a exploração do espectro de opiniões presentes nos diferentes segmentos
associados à pesquisa.
Optou-se, assim, pela realização de cinco entrevistas, no período de 8 de março a 13 de abril
de 2005, logo após o encerramento dos grupos focais, mantendo-se o mesmo roteiro-guia, a
fim de tornar possível o uso da técnica de triangulação na fase de elaboração das premissas do
modelo ideal.
A primeira entrevista foi realizada com um antropólogo, também professor, pesquisador e
escritor, atuante na área de segurança pública no plano nacional, além de estudioso da
problemática da violência, seguindo-se a entrevista com uma Promotora de Justiça, integrante
da Secretaria-Geral e principal responsável pela participação do Ministério Público do Estado
do Espírito Santo no CIC-Vitória.
Na seqüência, foi entrevistado um administrador, e também professor e pesquisador na área
de mercadologia, com dissertação de mestrado em antropologia e parte do estudo de caso
realizado no CIC-Vitória e, ato contínuo, um sociólogo, também professor universitário,
escritor e pesquisador sobre a violência na região da Grande Vitória.
Por fim, foi realizada a entrevista com uma Juíza, também professora universitária, integrante
da Coordenação dos Juizados Especiais do Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo e
149
principal responsável pela parceria Municipalidade / Poder Judiciário, desde a época das
Casas do Cidadão que antecederam o CIC-Vitória.
A limitação do número de entrevistas atendeu ao alerta de BAUER e GASKELL (2002, p. 59)...
Devemos considerar o esforço envolvido na coleta de dados e na análise, o
número de representações que se quer caracterizar, e alguns requisitos
mínimos e máximos [...] como critérios para o tamanho de um corpus.
A maioria das limitações provém do esforço que é exigido para se fazer um
grande número de grupos focais, ou entrevistas em profundidade, ou para
coletar documentos. O tempo disponível para se fazer essas entrevistas, e
para analisá-las, será a primeira restrição sobre o tamanho do corpus.
A opção por realizar estas entrevistas se deu tanto pela dificuldade, ainda que não
impossibilidade, de recrutar tais entrevistados, sempre muito ocupados, para uma sessão do
grupo focal, quanto pela intenção de confrontar as informações obtidas na realização dos
grupos com aquelas oriundas dessas conversações com especialistas de diversas áreas, mas
sempre voltadas para a mesma temática: a construção do modelo ideal para o CIC-Vitória.
As entrevistas individuais foram agendadas para um tempo e lugar de conveniência dos
especialistas selecionados e, com a devida concordância, gravadas por meio de um aparelho
Digital Voice Recorder, modelo DVR-1600, transpostas para arquivo eletrônico por meio de
software especializado e, por fim, transcritas pelo próprio pesquisador. O tratamento dos
textos decorrentes das transcrições foi feito segundo o proposto por FLICK (2004).
7.7 TRIANGULAÇÃO DOS MÉTODOS
Essa palavra-chave – triangulação – é utilizada para indicar a análise, num primeiro momento,
dos diferentes componentes do corpus da pesquisa – entrevistas participantes, grupos focais e
150
entrevistas em profundidade – para, num estágio posterior, juntá-los (BAUER; GASKELL,
2002, p. 71), com vistas a...
[...] embasar ainda mais o conhecimento adquirido através dos métodos
qualitativos. O embasamento aqui não significa avaliar os resultados, mas
ampliar e completar sistematicamente as possibilidades de produção do
conhecimento. A triangulação representa mais uma alternativa para a
validação [...] – que amplia o escopo, a profundidade e a consistência nas
condutas metodológicas – do que uma estratégia para validar resultados e
procedimentos. (FLICK, 2004, p. 238).
Segundo TRIVIÑOS (1987, p.138),
Esta multiplicidade de recursos de que pode lançar mão o investigador
qualitativo na realização de seu estudo permite que alguns autores falem de
técnica da triangulação [...].
A técnica da triangulação tem por objetivo básico abranger a máxima
amplitude na descrição, explicação e compreensão do foco em estudo. Parte
de princípios que sustentam que é impossível conceber a existência isolada
de um fenômeno social, sem raízes históricas, sem significados culturais e
sem vinculações estreitas e essenciais com uma macrorrealidade social [...].
Segundo a técnica da triangulação [...] nosso interesse deve estar dirigido,
em primeiro lugar, aos Processos e Produtos elaborados pelo pesquisador,
averiguando as percepções do sujeito (formas verbais), através de entrevistas
e questionários [...].
O segundo ângulo de enfoque, Elementos Produzidos pelo Meio, está
representado: pelos Documentos [...]; instrumentos legais [...]; instrumentos
oficiais [...].
A terceira perspectiva de análise, Processos e Produtos originados pela
estrutura sócio-econômica e cultural do macroorganismo social no qual está
inserido o sujeito, refere-se aos modos de produção [...], às forças e relações
de produção, à propriedade dos meios de produção e às classes sociais.
Além desses aspectos realçados por TRIVIÑOS (1987), optou-se pelo que DENZIN chama de...
... a triangulação metodológica. Aqui, novamente, devem-se diferenciar dois
subtipos: a triangulação dentro do método e a triangulação entre um método
e outro. Um exemplo da primeira estratégia é o uso de subescalas diferentes
para medir um item de questionário e, da segunda, é a combinação do
questionário com uma entrevista semi-estruturada. (DENZIN, 1989, p. 236).
No caso da pesquisa realizada por este trabalho, a triangulação se configura como a realizada
entre um método e outro, confrontando-se as análises desenvolvidas com relação à taxonomia
151
dos serviços (conforme detalhado no subitem 7.4 – entrevistas participantes), com a análise
dos textos produzidos a partir das sessões de entrevistas focais (conforme detalhado no
subitem 7.5 – grupos focais) e com os textos oriundos da transcrição das conversações
realizadas com especialistas (conforme detalhado no subitem 7.6 – entrevistas em
profundidade), buscando, a partir daí, abranger a máxima amplitude na descrição, explicação
e compreensão do foco do estudo – um modelo ideal para centros integrados de cidadania,
vistos como ações sociais preventivas da violência.
152
8. NOVAÇÃO DEBAIXO DO SOL
Neste capítulo são expostos os pressupostos de um “modelo ideal” para estruturação e
organização dos trabalhos desenvolvidos em centros integrados de cidadania. O referencial
teórico foi obtido pelo cruzamento das informações trabalhadas na taxonomia dos serviços,
nos grupos focais e nas entrevistas em profundidade, conforme explicitado no capítulo
anterior.
Não significa, necessariamente, que um pressuposto assumido como de real importância para
a construção do modelo tenha estado presente nas três metodologias utilizadas. Às vezes,
esteve presente em apenas uma delas, mas se mostrou de tal modo relevante que foi
selecionado para compor o ideário em construção.
Também devemos ter em mente que a busca desse corpus teórico, junto aos participantes dos
grupos focais e das entrevistas em profundidade, para a dedução desses pressupostos, foi
precedida de uma abordagem sobre como viam a questão da violência e o CIC em seu
contexto, com o intuito de apropriação da perspectiva com a qual olhavam para essas
questões.
Por essa razão, antes de apresentar os pressupostos para o modelo ideal, apresentam-se os
olhares desses atores, no sentido de fazê-los conhecidos e mostrar que, ainda que lançados a
partir de realidades vivenciais diferentes, há senão um consenso, pelo menos uma
convergência na percepção tanto do fenômeno social analisado quanto do equipamento
público em foco.
153
Enquanto que no grupo focal formado por Promotores de Justiça e Juízes, o aspecto histórico
da violência é realçado...
Historicamente fomos formados em um ambiente em que sempre um
detinha o poder sobre o outro. Quando isso acontece, se instaura um ato
violento seja ele criminalizado ou não. Desta forma, acho que uma
alternativa seria investir em um trabalho cultural que começasse a repensar
novas formas de estabelecimentos das relações. Principalmente sobre as
relações de poder do macho sobre a fêmea, do adulto sobre a criança, por
exemplo. Acho que isso é fundamental para o combate à violência.
(Participante do grupo focal de Promotores de Justiça e Juízes).
no grupo focal dos teóricos das áreas sociais, além desse realce histórico-cultural, a violência
é percebida como...
...um fenômeno e por isso o combate à violência tem que ser de vários
saberes. A violência tem que ser tratada em conjunto. Não é só um
problema da segurança publica, mas de todas as áreas, porque ela é
multifacetada. A violência tem também um cunho cultural e histórico. Vem
desde a escravidão, na senzala. Antes a criança não tinha desejo próprio, a
mulher não podia falar e isso tudo foi passando de maneira não
questionada. Hoje o mundo competitivo nos torna muito egoístas e isso faz
com que respondamos com violência.
(Participante do grupo focal dos teóricos das áreas sociais).
Já nos grupos focais formados por atendentes e conciliadores, mais ligados ao atendimento
dos cidadãos em situações de conflito, as atenções voltam-se para o dia-a-dia da violência...
Se você for um dia num plantão de final de semana, no Tribunal de Justiça,
você vai ver quinze, vinte ocorrências. Você vai lá e vai ver como essa
criminalidade é real.
(Participante do grupo focal dos conciliadores).
A violência em todo o Estado tem crescido bastante. Há dez anos eu
achava mais calmo, hoje eu vejo que a violência aumentou muito. Fica
aquela sensação de que as coisas acontecem, mas a esperança é de que não
vão acontecer comigo.
(Participante do grupo focal dos atendentes).
154
Por fim, no entender do grupo focal dos cidadãos-usuários, essa violência se manifesta, às
vezes, a partir dos lares e tem desdobramentos externos...
A violência tem início, às vezes, dentro de casa. A desestruturação dos
lares gera a violência, o uso de drogas e a prostituição.
A violência está relacionada à distribuição de renda. As pessoas não têm
como ter renda, o governo não dá esse suporte, e aí as pessoas querem ter
as coisas e não podem, então roubam, assaltam, e na maioria das vezes são
pessoas novas.
Tem essa coisa chamada propaganda. Quanto tempo uma criança fica em
frente à televisão? Aquela fantasia entra na cabeça das pessoas: aí ou as
pessoas vão pelo caminho do bem, ou vão conquistar aquilo de qualquer
forma, vão roubar pra conseguir aquilo.
(Participantes do grupo focal dos cidadãos-usuários).
Por outro lado e convergentemente, esse mesmo fenômeno, na visão dos especialistas
entrevistados...
...é uma representação da sociedade, ou de certos grupos da sociedade, que
no passado se encontravam de certa forma reprimidos, represados e, nesse
momento, essas manifestações, ou reivindicações, ou conflitos não
resolvidos do passado, ressurgem de forma a lançar um chamado para que
a sociedade, o Estado e as instituições repensem uma série de questões que
tem a ver com a desigualdade social, fatores estruturais, socioeconômicos
do próprio desenvolvimento social do país, do modelo do país, como
também de certas práticas legais, institucionais que no passado não
levavam em consideração esses grupos – esses grupos não representavam
uma ameaça efetiva. No momento, essa ameaça é eminente. Nesse sentido,
fala-se de uma violência hoje não localizada, ela não tem um lugar
determinado e, também, no sentido de que ela não tem uma referência
espacial, como se pensava no passado. Ela não está, necessariamente, na
cidade periférica, ela não faz parte das características, das manifestações de
certos grupos, por exemplo, negros, minorias, indígenas, e ela também,
isso é uma coisa interessante, ela apresenta, ela se manifesta na forma da
violência, mas parece que está chamando a atenção para outras questões de
ordem política, social, e até certo ponto ideológica.
(Sociólogo entrevistado).
assim como é...
155
...complexo, no sentido que é multidimensional, envolve aspectos
subjetivos, objetivos diversos, é um problema indissociável da ocupação
solo urbano, é indissociável das condições econômicas, da malha urbana e
da infra-estrutura urbana, é indissociável da educação, é indissociável dos
traumas familiares, das questões mais interativas interpessoais, das
questões psicológicas e que estão envolvidas nessas problemáticas
familiares, indissociável da drogadição, do alcoolismo, da violência
doméstica, indissociável, enfim, da saúde pública, de questões as mais
variadas, de acordo com o local e a dinâmica da qual estejamos falando.
Nesse sentido é complexo, é um objeto, de fato, multidimensional, um
fenômeno que se desdobra em diversos níveis, níveis que concorrem para a
eclosão dessa conseqüência trágica da qual falamos. Em sendo assim, a
abordagem deveria ser sensível a essa complexidade, sensível a essa
multidimensionalidade, portanto também ela multidimensional, o que vale
dizer, interdisciplinar, transdisciplinar necessariamente. Quer dizer, nós
não podemos entregar o problema da violência a nenhum especialista ou a
nenhuma disciplina específica, nem a um policial, nem a um sociólogo,
nem a um epidemiologista, nem a um economista, nem a um urbanista etc.,
mas todos eles serão certamente indispensáveis para o processamento
adequado dessa questão.
(Antropólogo entrevistado).
...percebido, e não é muito difícil num país com tantas desigualdades como
o Brasil, como um conflito permanente, em função dessas diferenças,
várias diferenças, desigualdades no sentido amplo do termo, não somente
de renda, mas educacional, oportunidades de acesso a melhores condições
de vida, todas essas questões, que me parece configurarem um contexto de
violência permanente. [...] Eu acho que é um fenômeno que tem um
processo de crescimento, em que medida, não sei. [...] A mim me parece
que não está estagnado e não está estagnado por que? Porque existem
problemas estruturais no país, e a gente não está livre desses problemas
estruturais na Grande Vitória, existem problemas estruturais de pobreza,
miséria, de pouco investimento na área social, educacional, enfim, pouco
investimento nas condições mínimas para garantir os direitos elementares
do cidadão.
(Administrador entrevistado).
O que se pode apreender é que todas essas falas, capturadas em momentos distintos, sem que
os atores envolvidos tivessem previamente contato entre si e com as questões abordadas,
vivendo realidades tão diferentes, conduzem para a percepção, já delineada no início da
pesquisa, de que a violência, por se tratar de um fenômeno com tal complexidade, envolvendo
156
aspectos subjetivos e objetivos diversos, sem vinculação com uma referência espacial
específica, exige que sua abordagem seja...
...sensível a essa complexidade, sensível a essa multidimensionalidade,
portanto também ela multidimensional, o que vale dizer, interdisciplinar,
transdisciplinar necessariamente. Quer dizer, nós não podemos entregar o
problema da violência a nenhum especialista ou a nenhuma disciplina
específica, nem a um policial, nem a um sociólogo, nem a um
epidemiologista, nem a um economista, nem a um urbanista etc., mas todos
eles serão certamente indispensáveis para o processamento adequado dessa
questão.
(Antropólogo entrevistado).
o que reforça a convicção de que esta abordagem não estará restrita às ações de caráter
repressivo, mas necessariamente envolverá...
...políticas preventivas, sociais, culturais, de natureza múltipla, e políticas
de contenção, de controle e também de prevenção, policiais, políticas
policiais. [...] Daí a dificuldade de uma verdadeira política de segurança.
Ela tem que ser preventiva, social, e uso aqui social no sentido mais amplo
possível.
(Antropólogo entrevistado).
obrigando que ela seja pensada...
...não no sentido de suas partes, mas como parte de uma desestruturação
generalizada. Uma outra parte disso também, em termos de contenção, é
que não se pode pensar também só em medidas repressivas [...] tem que
haver um trabalho a médio e longo prazo de prevenção não da violência
per se, mas dos fatores que incidem na produção e reprodução dessa
violência. Porque quando você fala de violência, há uma tentativa de
separar a violência das outras questões, tratar a violência como uma
questão meramente policial, ou uma questão no campo dos desvios,
distúrbios, e nessa visão da prevenção você tem que tratar os conflitos
como uma parte até da saúde da comunidade.
(Sociólogo entrevistado).
157
Entendida assim a violência e compreendida a importância das ações sociais preventivas
como instrumentos válidos para combatê-la, reforça-se a necessidade de...
...pensar o problema da segurança de um modo muito radical, profundo e
amplo e isto possivelmente nos remeta à experiência do CIC e sua enorme
originalidade e a sua possibilidade de funcionar para nós como uma
expressão exemplar de uma possibilidade futura de reorganização do
próprio Estado, dos próprios serviços públicos, em outro paradigma [...]
um paradigma de políticas públicos caracterizado, sobretudo, pela
integração e pela intersetorialidade, pelas multiplicidades articuladas
organicamente, pela idéia de um sistema descentralizado e, ao mesmo
tempo, integrado, descentralização com integração sistêmica, que é pré-
condição de uma política inteligente e isso que vale para a segurança
pública possivelmente valerá para outras áreas.
(Antropólogo entrevistado).
O esboço delineador do CIC ganha, assim, contornos mais nítidos, que são ainda mais
reforçados a partir do entendimento que...
...o caminho tomado pelo CIC de Vitória – maior ênfase na resolução de
conflitos e no acesso à justiça – é mais condizente com a idéia de ser uma
iniciativa preventiva da criminalidade, pelo simples fato de que nós
estamos lidando com a mediação de conflitos, portanto com conflitos, e
estamos lidando com o acesso à justiça, e, portanto com a área da qual
estamos tratando. Então sem dúvida alguma, há uma abordagem que
predestina o CIC de Vitória a um encontro mais feliz com essa
problemática.
(Antropólogo entrevistado).
Este esboço em branco e preto – formado pela violência, pelas ações preventivas em seu
contexto, pelo CIC como uma dessas ações e pela resolução de conflitos e o acesso à Justiça
como opções preferenciais – permite, agora, colorir o modelo ideal, recobrindo-o com as
tintas dos pressupostos selecionados.
158
Antes, deve ser ressaltado que todas as falas – quer as dos participantes dos grupos focais,
quer as dos especialistas entrevistados – indistintamente, consubstanciaram a atividade
analítica desses pressupostos. Entretanto, algumas delas se mostraram mais fundamentais
nesse processo de construção, razão pela qual são referenciadas e, às vezes, com maior
freqüência.
8.1 O pressuposto de um “modelo ideal”
Por uma questão de coerência com a interdisciplinaridade, com a transdisciplinaridade e com
as multiplicidades presentes tanto nas falas dos entrevistados que trouxeram tais
características à tona, quanto na atmosfera que envolve a idéia desse modelo ideal, esse
pressuposto foi construído a partir da visão desses especialistas.
O primeiro deles diz que...
...eu acho que o Centro Integrado da Cidadania é um esforço salutar, com
toda a descrição conceitual e teórica engendrada na elaboração de um
centro, com a promessa do que isso possa desencadear. Agora, eu acho que
como qualquer outra iniciativa institucional ela não pode ficar, primeiro,
no dever ser e, segundo, na formalidade. Tem que haver um contínuo
processo de elaboração de medidas e projetos específicos, individuais,
dirigidos para a diversidade de situações que se apresentam para a
sociedade e, em seguida, um monitoramento de avaliação constante dessas
medidas e uma política bastante aberta de estar repensando e re-elaborando
o tempo todo essas medidas, que são tentativas diante de uma realidade
complexa, dinâmica, com um número de variáveis muito grande, de um
problema que não é só um problema de desvio da norma jurídica, da lei, da
criminalidade, mas é um problema de carências afetivas, um problema
sério do século XX, que é o problema da descartabilidade, da desfiliação
159
social, na qual as pessoas pelo modelo de trabalho, do mundo do trabalho,
são postas de lado e jogadas no valão da inoperância.
(Sociólogo entrevistado).
já o segundo, ao debruçar-se sobre uma fronteira para o CIC, um âmbito de atuação, um
alcance, posiciona-se no sentido de que...
...não devemos estabelecer um limite para a atuação do CIC. Acho que não.
Eu acho que é um modelo aberto, nós ainda não sabemos quais os seus
potenciais e definir de forma rígida agora seria impedir a criatividade que o
processo deve ter e naturalmente terá, independente de nossa vontade. No
início nós podemos imaginar que se trata de uma provisão multiforme e
articulada de serviços. Serviços de A a C, de A a Z, mas à medida que o
processo avance, com criatividade, talvez nós nos surpreendamos, porque é
possível que esse CIC se converta num ponto de geração de outros tipos de
medidas, de políticas públicas, em status com outras significações que nós
ainda nem compreendemos inteiramente, nem podemos explorar.
(Antropólogo entrevistado).
Se assim é, o modelo ideal se caracteriza por não ter uma conformação rígida, o que implica
na não-definição a priori de uma estrutura ou uma fronteira para ele. Isto porque as fronteiras
estarão sempre em expansão, o que resultará num modelo dinâmico, em ampliação
permanente, em redefinição contínua e em mutação, face às alterações percebidas no conjunto
da violência. Percepção essa, que para ser conseguida, ensejará a necessidade de diagnósticos,
estes sim, apriorísticos, de forma a conformá-lo aos aspectos temporais e locais da violência.
Ora, isso em nada depõe contra a idéia de um modelo ideal, pois...
Diante dessa questão tão complexa e diferenciada como é a violência, o
modelo ideal para o CIC nunca pode ser um modelo enfático, ele não pode
ser ator principal, o modelo tem que estar aberto a transformações
constantes. Eu acho que uma avaliação aí, mais do que nunca, a avaliação
dos programas e dos projetos sociais, tem que ter uma abertura constante,
metodológica, de estar sempre avaliando o processo como um todo. O que
está dando certo, o que pode não dar certo, tem que ser um modelo
totalmente flexível e maleável, não se pode ter nunca uma rigidez. Mesmo
160
Max Weber quando pensou no modelo ideal, ele pensou num modelo que
extrapolasse da realidade, mas que nunca poderia ser confundido com a
realidade. É meramente permitir ao analista perceber quais são os possíveis
fatores e variáveis que pudessem fazer parte desse modelo. Mas jamais
pensou que esse modelo pudesse ser confundido com a realidade e que
nunca fosse um modelo a ser perseguido como um modelo ideal. Weber
não teve essa pretensão.
(Sociólogo entrevistado).
Mas, é evidente que se não é sensato construir uma estrutura ou moldar uma fronteira, é
possível pensar em suas atividades, seus serviços, que seriam aqueles...
...evidentemente, que dizem respeito ao atendimento direto do cidadão, não
atendimento indireto. Claro que as instituições meio teriam que de alguma
forma estar presentes, agilizando e viabilizando o processo, mas elas não
estariam fisicamente no CIC, porque o CIC corresponde a um certo recorte
desse Estado futuro, que seleciona apenas aquelas atividades cujo
beneficiário e destinatário é o cidadão. Então as atividades meio não
precisariam estar ali concentradas.
(Antropólogo entrevistado).
Concomitantemente, deve-se pensar que a natureza dessas atividades, desses serviços terá que
ser compatível com a visão estratégica que se estabelecer em função de diagnóstico. No caso
do CIC-Vitória: ser um instrumento ágil e eficaz na construção da cidadania plena, na defesa
dos direitos humanos e na melhoria da qualidade de vida dos cidadãos, atuando como ação
social preventiva da violência e provendo acesso à justiça, resolução pacífica para os conflitos
e documentação civil básica.
8.2 O pressuposto dos serviços a serem ofertados
Não se trata aqui de estabelecer uma relação de serviços que devam ser ofertados, pois isto
conflitaria com o pressuposto anterior. Mas, de analisá-los segundo as suas naturezas e a
161
compatibilidade destas com o caráter preventivo de violência, que deve estar presente nas
ações do CIC.
Na elaboração desse pressuposto sobressaem as contribuições do grupo focal dos teóricos das
áreas sociais e dos especialistas entrevistados. Estas contribuições, por sua vez, de pronto
destacam o aspecto educacional que deve prevalecer num equipamento dessa natureza.
O CIC é uma instituição que reúne todos aqueles serviços num mesmo
lugar, o que eu acho fantástico, pois evita aquela peregrinação que o
cidadão normalmente tem que fazer para poder conseguir ser reconhecido
como cidadão. Para mim o papel fundamental do CIC, mais do que garantir
a documentação civil básica, embora isso seja extremamente necessário
porque dá acesso a uma série de coisas, é a sua função educacional. Eu vi
isso no PROCON, por exemplo. Quando as pessoas vão lá reclamar alguma
coisa, e aí tem uma discussão sobre as motivações que as levam lá, elas
sempre saem de lá com alguma coisa a mais do que quando elas chegaram.
E entre as coisas que elas levam, está um pouco mais de conscientização de
seus direitos como consumidor. E isso acontece na Polícia Civil, na Polícia
Federal, nos Juizados, em todo o CIC, que é um ambiente que eu diria ser
uma espécie de catalisador da construção da cidadania. À medida que a
população vai interagindo com aquela unidade, ela vai tomando
consciência dos seus direitos.
(Administrador entrevistado).
Esse foco na educação para cidadania é reforçado, reproduzido e, eu diria, consolidado, pelas
falas dos teóricos das áreas sociais, que assim se expressaram:
O trabalho deve ser pautado em mudança de cultura, na
valorização da vida. Se fosse falar em uma palavra-chave, eu diria
que o que deve ter é educação.
Há necessidade de trabalhar a prevenção com ensinamentos
pedagógicos, informação [ao cidadão] sobre seus direitos.
Projetos como esse devem dar acesso às pessoas, para que
saibam quais são os seus direitos para, então, exigi-los.
O CIC deveria estar oferecendo continuamente, e principalmente
para os funcionários públicos, formação em cidadania e direitos.
162
O CIC deve apoiar-se em educar os seus e à população. Integrar e
capacitar seus funcionários e promover a participação popular.
Aquele espaço também deve funcionar como ponto de encontro
para as discussões acerca da cidadania.
Um espaço para que a população diga: nós precisamos disso, nós queremos
isso, se organizando e buscando suas alternativas.
(Participantes do grupo focal dos teóricos das áreas sociais).
Mas esse foco, por não ser excludente, não desobriga o CIC dessa oferta de serviços aos
cidadãos com qualidade, pois assim fazendo...
...fortalecerá o CIC [...] e fortalecerá a sua dimensão preventiva, porque a
população valoriza muito ser atendida e ser atendida em diversos serviços
distintos. Do ponto de vista individual, ser atendido se torna quase que
expressão ou verbo intransitivo, ser atendido, ponto. Ou seja, sem que haja
necessariamente ai uma distinção, porque a cidadania envolve essa
disponibilidade. Eu acredito que nós não deveríamos desprezar a
importância desses serviços, porque do ponto de vista individual, sentir-se
atendido pelo Estado significa sentir-se também sujeito de direito na sua
dignidade, ter sua auto-estima reforçada, e isso revaloriza, por exemplo, a
autoridade dos representantes do judiciário, revaloriza a presença do
próprio Estado, até nas mediações, eu acho que haverá uma disposição
muito mais aberta à negociação e a mediação, quando o cidadão se sentir
respeitado pelo Estado, pelos poderes públicos e pelas instituições. E isso
tende a ocorrer se esses serviços são oferecidos com qualidade, com
competência, se nesse espaço os serviços são oferecidos com dignidade, é
um espaço muito valorizado, do ponto de vista da cidadania, é um espaço
que, digamos, pré-qualifica os demais serviços mais voltados para a
mediação, resolução de conflitos, etc. Mas não existe aqui exclusividade. A
prestação de serviços que parecem mais secundários, na verdade abrem o
espírito das pessoas também para outras formas de diálogo, de intervenção.
Eu acho que eles se complementam.
(Antropólogo entrevistado).
Conclui-se que o pressuposto dos serviços a serem ofertados se abre em duas vertentes: uma
educacional – formação para a cidadania – e outra da prestação de serviços demandados pelos
cidadãos, pois, no dizer de um dos participantes do grupo focal de Promotores de Justiça e Juízes,
163
num modelo ideal os serviços devem vir das necessidades da população, pois ela sabe das
necessidades que tem.
8.3 O pressuposto da centralização x descentralização
Este pressuposto trabalha a idéia da prestação de serviço se dar num local único ou em
múltiplas localidades e ele surge a partir das falas dos grupos focais realizados.
Seria a ampliação daquele dali. Colocar em outros bairros.
(Participante do grupo focal dos atendentes).
Núcleos em cada bairro.
(Participante do grupo focal dos conciliadores).
Eu colocaria o CIC em outros bairros.
(Participante do grupo focal dos cidadãos-usuários).
Ao invés da pessoa sair lá do seu bairro, diagnosticar o foco desses
problemas e atingir esse problema na sua causa, levar o que se precisa a
cada lugar.
(Participante do grupo focal dos Promotores de Justiça e Juízes).
Eu acho que deveria ter um em cada bairro para que as pessoas não
precisassem despender de nenhum recurso pra ter acesso a ele.
(Participante do grupo focal dos teóricos das áreas sociais).
Por outro lado, essa mesma idéia – ir onde o cidadão está – é compartilhada pelos
especialistas entrevistados, como se pode observar na fala do administrador...
Cidadania se faz com a prática de re-significação do coletivo, por exemplo.
Então, que ações o CIC poderia fazer nesse sentido? Ações de
conscientização do cidadão, espaços para palestras, cursos, oficinas, não
sei mais o que. E não somente levar o cidadão ao CIC, mas o CIC ir até ao
cidadão também. [...] O CIC está lá. Se o CIC tem a proposta de oferecer
164
um conjunto de serviços ao cidadão, tem a proposta de ampliar a
conscientização em relação à cidadania, a pratica da cidadania, mas se ele
se encastelar naquele equipamento, perdeu a oportunidade de conhecer as
deficiências que o cidadão tem de perto, ao vivo e a cores, sentir o cheiro
da pobreza, sentir o cheiro da violência. Eu acho que seriam importantes
ações nesse sentido.
(Administrador entrevistado).
e também na fala do sociólogo:
A atuação do CIC tem que ser revolucionária, não no sentido de conflito
aberto, mas no transformar regras e estruturas de tal maneira que tenha um
impacto no frontal, nos espaços onde estão atendendo, mas também
impacto, uma transformação, nos serviços que são prestados. Quer dizer, o
CIC para ter uma atuação na comunidade, e ele deve ter, tem que fazer uma
reflexão de transformação dele mesmo. Ele tem que ser um órgão aberto,
feito uma autocrítica que se faz constantemente, para ele nunca pensar que
ele está certo, está correto, que ele está atendendo a pessoa que está
necessitando, que precisa de certas idéias, certos serviços e serão felizes.
Essa relação de sujeito-objeto tem que ser uma relação aberta, dialética, de
reciprocidade, de respeito um pelo outro, aliança de conhecimento, de
saber, de conhecer constante. Então nada adianta se os espectadores dos
serviços, de fora, não tiverem uma transformação também na sua maneira
de pensar e agir.
(Sociólogo entrevistado).
Fica evidenciada a necessidade da presença do CIC ou dos serviços do CIC junto aos
cidadãos. Mas, aí uma questão se impõe: que tipo de descentralização?
Do ponto de vista antropológico, existe uma distinção importante e
complementar: a função simbólica e a função pragmática e utilitarista.
Do ponto de vista utilitário a descentralização é conveniente. Do ponto de
vista do cliente. Pode não ser conveniente para o provedor dos serviços,
porque isso pode ter um custo adicional de articulação, de gastos, etc. Mas,
do ponto de vista do cliente, a descentralização só pode ser um benefício,
pois ele continua tendo a sede central como opção, mas tem um balcão
próximo a si para o varejo, em casos de necessidade, lhe atendendo.
Do ponto de vista simbólico, entretanto, a peregrinação à catedral em si
mesma confere, pelo caminho percorrido, confere à catedral um lugar
especial. O absoluto é o separado, é o lugar de investimento que sacraliza e
165
que confere uma áurea de poder, da qual se extrai um benefício também,
que é a proteção, que é a valorização, etc. Há uma dialética aí de
sacralização positiva, não no sentido mistificador, mas positiva, assim
como há a sacralização das instituições que nos são caras ou dos espaços
que nós prezamos, e assim sucessivamente. Então essa palavra deve ser
entendida apenas no seu sentido metafórico, mas há uma certa sacralização
que é crucial para o êxito do processo.
A questão seguinte deve ser considerada: uma política de segurança, uma
política de cidadania é maior do que a soma de suas partes. A política não
se resume ao resultado obtido pela provisão daqueles serviços ali
enumerados, mas, por tudo aquilo mais um excedente. O excedente é
simbólico e plasma, se impregna no espírito dos clientes, dos consumidores
dos serviços, dos beneficiários, dos destinatários dos serviços. Porque além
de obterem todos os serviços, os clientes obtêm o serviço, no singular, que
é a atenção respeitosa do Estado, e isso é um valor que se agrega à
utilidade obtida. Isso corresponde a dignificação do poder público, das
instituições democráticas, e tem como tradição a legitimidade, a
legitimação, a própria institucionalidade da autoridade, dentro da própria
lei e do funcionamento do pacto social da ordem pública, no sentido
democrático, cidadão.
Assim, é muito importante a peregrinação e a idéia do centro em si.
Evidentemente, há que se equilibrar esse cálculo com a consideração sobre
a dimensão utilitária e pragmática, e há de se levar em conta o risco do
gigantismo, porque a partir de um certo momento, quando a unidade
transborda em ineficiência, toda a sacralização também estará corroída.
Mas, deve-se jogar com essa dialética e nunca tomar uma decisão
definitiva, irreversível, irremediável: preservar centros enquanto centros,
valorizando-os, e apostar na descentralização quando for realmente
necessária, mas com cuidado porque a descentralização pode romper essa
unidade aureolar, sacralizadora.
(Antropólogo entrevistado).
Nesse contexto, um modelo ideal deve contemplar tanto a possibilidade da descentralização –
de um atendimento local, parcial, de um CIC em movimento – com a da centralização – uma
unidade superior nos centros especiais.
Aliás, existem alguns tipos de serviços que facilmente podem se replicar para bairros, para
regiões, porque eles não demandam um espaço físico grande, uma infra-estrutura grande, eles
funcionam até como aquela idéia do governo anterior de Balcão de Cidadania, em que os
166
cidadãos chegam ali e rapidamente são atendidos, e que poderiam ser replicados de acordo
com as necessidades locais. Por exemplo, a emissão da documentação civil básica.
Entretanto, quando se pensa em resolução de conflitos, que envolve essa interdisciplinaridade,
porque na verdade o conflito nunca é de uma natureza só, isso demanda uma infra-estrutura
de atendimento, por conta da preservação da privacidade e da intimidade do cidadão-usuário,
que traz sérias implicações para a reprodução desses serviços em outros locais.
Há de se considerar, por fim, que o gigantismo assinalado pode comprometer a qualidade da
prestação dos serviços não só por levar a uma perda de eficiência no atendimento, mas
também – relembrando Chase – porque os serviços de alta intensidade de contato, como é o
caso da maioria dos serviços do CIC, levam o cidadão-usuário a considerar as condições do
ambiente na sua avaliação da qualidade do atendimento.
8.4 O pressuposto da dinâmica na prestação dos serviços
Este pressuposto trabalha a idéia de como resolver o problema da morosidade e da burocracia
existente na prestação de determinados serviços, em face da urgência e da resolutividade
requeridas pelas situações de conflito. Também em face do...
...conflito que pode existir entre o já padronizado em instituições como a
justiça, com a sua lógica e o seu aparato jurídico de como lidar com os
conflitos de uma forma universal, para todos, e que implica até em
167
segurança jurídica para que isso ocorra e a possibilidade disso se perder se
ela for se adaptar a todas as novas situações.
(Sociólogo entrevistado).
Entretanto, essa é uma situação que não pode ser apreciada com indulgência, pois...
...se o CIC tiver na sua constituição um modelo flexível e adaptável, mas
se os serviços dentro do CIC continuarem não participando das mudanças,
não fazendo mudanças abrangentes nos seus procedimentos, [...] se não há
mudança nessas formalidades, nessa lógica da prestação de serviços, o
modelo do CIC, por mais que ele seja flexível no topo, ele vai morrer na
praia. Os serviços prestados dentro do CIC, por instituições externas ao
CIC, a justiça ou por qualquer outra, até mesmo as orientações de caráter
social e psicológico, se não houver na organização desses prestadores de
serviço uma transformação de consciência e de abordagem, [...] eles vão
reproduzir dentro do CIC um modelo tradicional que existe na sociedade e
que não funciona, distanciado do povo, das suas dificuldades, que não liga
para os conflitos existentes, que discrimina, que estigmatiza, que
categoriza.
(Sociólogo entrevistado).
Nesse contexto é interessante ouvir o que os teóricos da administração têm a dizer:
O CIC pode prestar serviço de qualidade para o usuário, e por trás dos
bastidores cada um ter a sua forma de funcionar, mas para o usuário tem
que existir uma forma única.
No meu entender as pessoas vêm dos seus órgãos de origem, mas elas têm
que se adaptar a uma cultura do CIC, essas pessoas têm que se padronizar a
essa cultura.
(Participantes do grupo focal de teóricos da administração).
A solução por meio de uma cultura local também é a sugestão dos teóricos das áreas sociais:
Ter uma cultura, ter o enfoque de atendimento à população. Criar
estratégias para que os objetivos sejam atendidos. É um local de resolução
de conflitos, então trazer os conflitos para tratá-los com transparência e
civilidade.
(Participante do grupo focal de teóricos das áreas sociais).
168
Mas a busca de caminhos alternativos, criativos, ad hoc, dotados de legitimidade pelo menos
circunstancial, parece ser um complemento necessário a essa solução que viria por meio de
uma cultura local. Como diz o administrador entrevistado...
...eu já vi, e vi como um cidadão comum, uma série de iniciativas da
própria justiça para acelerar a resolução dos processos, como justiça
volante, mutirão, justiça comunitária, etc. Eu vejo que a solução para a
morosidade da justiça passaria por uma mudança de postura e
especialmente pela implementação dessas ações alternativas. [...] acho que
esse é um ponto nevrálgico do trabalho do CIC, porque você cria uma
expectativa no cidadão de que o problema dele vai ser resolvido, inclusive,
eu quero crer, numa velocidade maior do que se ele fosse pelos trâmites
normais, fora do CIC, peregrinando fora do CIC. Então, eu não vejo outras
formas de lidar com o problema, a não ser essas soluções alternativas.
em perfeita consonância com a fala do antropólogo...
Deve haver o estímulo para que os próprios grupos, as próprias instituições
criem uma miríade de formas intermediárias de mediação, que a sociedade
multiplique essas instâncias, mas é evidente que isso não pode se dar de
forma selvagem, aleatória, voluntarista, até porque faltaria autoridade e
legitimidade, essa autoridade simbólica que é indispensável para que haja
isso, mas mediadores de conflito profissionais poderiam fazer isso.
São profissionais que, necessariamente, não são psicólogos, não são aqueles
profissionais ligados ao direito, mas que são treinados no processo de
mediação, treinados em facilitar o entendimento, e isso é uma área
interessantíssima que pode e deve ser muito mais explorada pela nossa
sociedade do que tem sido.
Na questão da morosidade há aí um gargalo muito sério e o CIC deveria
experimentar formas não estatais de mediação, de forma laboratorial, para
que se analise se é indispensável chegar à instância judiciária ou não,
dependendo do caso.
Assim, o modelo ideal responderia a essa dinâmica necessária à prestação de serviços com a
consolidação de uma cultura local que privilegie, sob todos os aspectos, o cidadão e em
169
decorrência dessa cultura, com ações alternativas que tornem factível a prestação de serviços
com qualidade, agilidade e resolutividade.
8.5 O pressuposto da preservação da memória e dos vínculos.
Um modelo ideal deve preocupar-se com aqueles serviços que, dentre as suas características,
apresentam (1) um alto poder de decisão do prestador do serviço quanto a configuração do
atendimento; e (2) o relacionamento que se estabelece entre o prestador do serviço e o
cidadão-usuário.
A primeira característica tem a ver não só com a condução do atendimento implementada pelo
prestador de serviço, como também pelo seu próprio modo de interagir com o cidadão-
usuário. Isto decorre da impossibilidade de se estabelecer um passo-a-passo para essa
intervenção profissional sobre uma realidade social e da alta personalização do produto
resultante dessa interação, o que torna ímpar cada atendimento. O resultado disso é que, por
mais que se registre, parte do atendimento fica na memória do atendente. Isto foi sentido por
um dos profissionais entrevistados:
Uma coisa que eu percebi no caso do PROCON, onde eu fui realizar uma
pesquisa, é que existe um prontuário de atendimento. O consumidor chega
faz a sua explanação e o atendente preenche um cadastro de atendimento.
Tem desdobramentos? Abre-se um processo. É transposto todo o relato do
consumidor e, vamos dizer assim, o quadro do atendimento é ampliado, ele
passa a ter mais detalhes sobre o caso, e esse processo é utilizado na
conciliação. As partes são convocadas e então tem a conciliação. Nessa
conciliação se faz um relato dessa audiência de conciliação: então as partes
combinaram assim, resolveram aquilo, etc. Ali você tem uma parte da
170
história, se você somar o cadastro de atendimento, o processo que foi
aberto e a ata da audiência de conciliação, você tem uma memória, mas
uma memória parcial, porque não é registrado tudo. Tanto não é registrado
tudo que na minha pesquisa a primeira coisa que eu senti foi exatamente
essa limitação. Esse registro cumpre uma função que é importante, mas não
é tudo. Boa parte da memória está exatamente com as pessoas.
(Administrador entrevistado).
A segunda característica tem a ver com o vínculo que se forma entre o prestador do serviço e
o cidadão-usuário, em decorrência da comunicação que se estabelece entre os dois, do
compartilhar daquilo que é extremamente pessoal, que diz respeito aos atos, sentimentos ou
pensamentos mais íntimos de alguém, e que se não existir também não existirá o atendimento.
Isto também foi sentido, só que desta feita por um dos participantes do grupo focal de
cidadãos-usuários:
Eu precisava de um advogado, mas eles me passaram primeiro para o
atendimento psicológico, foi o meu primeiro contato, onde eles tentaram
ver se era isso mesmo que eu queria. Depois me deram um advogado, o Dr.
Amorim. Eu liguei esses dias e fiquei triste porque fiquei sabendo que o
Dr. Amorim foi exonerado. É muito ruim porque a gente se acostuma com
a pessoa. E também não ligaram pra avisar que foi mudado. Aí vou ter que
contar tudo de novo, porque eu tenho que criar um relacionamento com a
nova advogada.
(Participante do grupo focal de cidadãos-usuários).
Eis porque o modelo ideal deve preocupar-se com esse tipo de serviço. Aliás, mais
especificamente, com o prestador desse serviço, pois o que ele vivenciou, compartilhou e
interagiu no decorrer do atendimento ele vai levar embora quando sair, por mais que deixe
tudo registrado. E mais, o vínculo que ele estabeleceu com o cidadão-usuário vai se quebrar e
resultará na descontinuidade do atendimento. A solução?
171
Eu acho que faz parte da solução do problema estabelecer um vínculo mais
permanente daquelas pessoas que trabalham nesses serviços no CIC. A
direção desses órgãos até poderia não ser permanente, mas a partir de
determinado nível, eu não sei qual nível, de repente em todos eles, deveria
se criar um vínculo de permanência maior. Só um vínculo de permanência
que assegure uma certa estabilidade e tranqüilidade para aquele funcionário
que atua naquele serviço pode, quer me parecer, preservar essa memória e
estabelecer uma relação com a comunidade, com os cidadãos. Porque,
realmente, a rotatividade depõe também contra a idéia do CIC. O CIC não
é a reunião de vários órgãos num único lugar. Existe um conceito por trás
disso muito mais amplo, muito mais significativo, que exigiria, inclusive,
rever tanto os aspectos burocráticos de funcionamento desses órgãos,
quanto os aspectos relacionados ao vínculo empregatício, de trabalho.
(Administrador entrevistado).
Outras sugestões são trazidas pelos demais entrevistados...
O fato dos funcionários do CIC serem cargos comissionados ou
contratados por tempo determinado – o que significa que eles vão ter que
sair – é muito ruim. Seria interessante se eles [...] tivessem a possibilidade
de fazer ali um trabalho mais permanente, uma carreira, porque
evidentemente eles não vão poder investir o suficiente, se sentir
valorizados, não vão se sentir crescendo e isso é um problema.
Se eles fossem selecionados dentre o funcionalismo, se fossem escolhidos
dentre os funcionários, isso talvez fosse uma solução. De início, com a
apresentação de voluntários. Uma ocupação gradual: quem se habilita? Se
não houvesse ninguém, então seriam convocados. Vão se habilitar muitas
pessoas, talvez em número maior até do que as necessidades, sobretudo
depois que os ganhos começarem a aparecer, as vantagens todas, para o
próprio trabalhador. Nesse ponto, faz-se uma seleção.
De qualquer forma, esses contratados por tempo determinado eles podem
até ser muito dedicados, porque estão sonhando com uma eventual
contratação permanente, mas eles não vão incorporar uma cultura, não vão
se tornar de fato profissionais, e essa é a pior das soluções porque estão
condenados a sair. Se você tiver sempre aberta a possibilidade da
demissão, perfeito, dado o jogo é até uma forma de controlar, mas
condenados à demissão, isso é muito ruim.
Aí não há, de fato, resposta para a questão da rotatividade e o próprio
cidadão vai se sentindo lesado, porque perde aqueles funcionários, é a
memória que se perde, os contatos que se perdem, etc.
Deve-se pensar tudo isso, para que o funcionário se sinta valorizado e
também parceiro dessa experiência e protagonista dessa possibilidade. Isso
172
daria sentido ao seu trabalho e o seu trabalho seria menos burocrático,
repetitivo, mais criativo, em certo sentido. Então um treinamento adequado
para que todos compreendessem que são parceiros dessa iniciativa, formas
de gestão participativa, tudo isso acho que estimularia.
E a valorização. Os resultados bem mensuráveis, com bons indicadores,
revertendo em reconhecimento, e na medida do possível, é claro que na
área do Estado isso é muito difícil, mas em algum tipo de provento
adicional.
(Antropólogo entrevistado).
A decorrência natural desse pressuposto é que num modelo ideal há de se garantir a existência
de um quadro funcional, de caráter o mais permanente possível, imune à rotatividade
provocada por elementos externos à prestação dos serviços, preenchido de forma criativa, sim,
mas que também preserve as condições técnicas exigidas por uma adequada intervenção nas
realidades sociais que se apresentam e com formas de valorização profissional, de indução
positiva e de treinamento adequado que levem os profissionais a se sentirem co-partícipes do
empreendimento.
8.6 O pressuposto da integração das parcerias
Trabalha-se aqui a idéia de que ser parceiro do CIC requer muito mais do que a presença
física no empreendimento e a prestação de serviços aos cidadãos-usuários, dentro do âmbito
de atuação de cada órgão.
Ser parceiro do CIC requer...
173
...um movimento articulado desses órgãos, a partir da percepção de que a
realidade dessas instituições fora do CIC é diferente da realidade dessas
mesmas instituições dentro do CIC.
O CIC tem uma proposta que é maior do que a proposta de cada uma
daquelas instituições, eu entendo assim. Então é preciso que os gestores
dessas instituições compreendam essa dimensão e o benefício que isso
pode proporcionar para o cidadão e estabeleçam uma relação de parceria
que tenha por princípio básico: a desburocratização, a agilidade dos
processos, a visão de entregar solução e não problema, porque a burocracia
cria problemas.
Isto requer uma noção clara do CIC, uma noção clara do tipo de parceria
que se está preconizando e qual o impacto disso em cada uma das
instituições, e pensar cada uma dessas instituições à luz dessa proposta. E
aqui nesse caso, pensar do ponto de vista operacional, não do ponto de
vista conceitual, podendo até conceituá-la em alguns casos, mas do ponto
de vista operacional, da agilidade do processo. Porque se você tem algumas
dessas instituições, com propostas de prestar determinados serviços, se
uma delas falha por qualquer razão, seja por greve ou qualquer outra,
enfim, se coloca entraves burocráticos que tornam o processo moroso, a
função do CIC não poderá se cumprir. Então se os parceiros, se as
instituições, se os gestores não tiverem essa consciência, não tiverem a
convicção de que existe um propósito maior do que o daquela instituição
que ele está gerindo, será difícil alcançar o que se está perseguindo.
(Administrador entrevistado).
Sob essa perspectiva, tornar-se parceiro do CIC envolve ser cúmplice na consecução dos seus
objetivos, no sentido de possibilitar, favorecer, concorrer efetivamente para que eles sejam
alcançados. E essa cumplicidade desdobra-se na participação no custeio do CIC e no seu
repensar contínuo, o que implica em compor...
...um conselho com vários representantes, de várias áreas, atuando em
conjunto, com uma metodologia, com uma abordagem, com um
treinamento de como lidar com a nova dinâmica da sociedade, com as
novas características, com um conhecimento, uma consciência social e
política dessa dinâmica, dessa novíssima ordem de que eu estou falando,
não é nem uma nova ordem, mas uma novíssima ordem, aonde a relação
com o de fora, o eixo local, ela é espontânea.
Então, nós estamos tratando aqui de uma realidade textual, ideal, bastante
complexa, com suas necessidades e carências diferentes do que foi até nos
anos 70 e 80. Estamos falando de uma realidade muito nova, uma ordem
174
muito nova. De forma que, se esse conselho reproduzir comportamentos e
tradições do passado, se não tiver uma abordagem realmente de
transdisciplinaridade, um conhecimento que transcenda as competências,
as especialidades que haja no conjunto, ele também pode incorrer no risco
de ter a boa intenção, de reunir tudo isso e acabar no supérfluo, até chegar
no fazer tudo e nada dar certo.
Então eu acho que tem que haver não um repensar, mas um despensar
desses modelos tradicionais, tanto em termos de atuação como de
iniciativas burocráticas, como lidar na relação instituição, Estado e
sociedade.
Eu acho que no espaço do CIC, tem que existir um pensar constante em
termos de um treinamento entre eles, integrado, para avaliar todas essas
facetas de uma forma democrática, aonde participem os prestadores de
serviços da frente, os intermediários, os chefes, e as pessoas de fora que
são responsáveis. Tem que haver constantemente um diálogo entre esses
atores para que o CIC que pretende transformar a realidade local, não seja
extremamente precário e caia no ostracismo, [...] que seja uma coisa
constante, que ao mesmo tempo que se obtenha esses dados, esses dados
sejam realimentados para esse grupo, que pensem e reflitam sobre eles.
Que haja uma ação comunitária entre os próprios integrantes do CIC.
(Sociólogo entrevistado).
Assim, num modelo ideal o ser parceiro envolve muito mais do que a formalização legal da
parceria, via celebração de um convênio ou de um outro instrumento qualquer, transcende a
prestação dos serviços que o parceiro se proponha a ofertar, e invade o terreno da participação
por inteiro, no sentido de chamar para si e sentir-se responsável pelo êxito ou não do
empreendimento como um todo.
8.7 O pressuposto da presença do CIC na comunidade
Este pressuposto decorre da necessidade do CIC se fazer presente junto ao cidadão, na
comunidade onde ele vive, conforme o pressuposto da centralização x descentralização.
175
Discute-se aqui como viabilizar essa presença, essa interação, e, mais uma vez, lançamos mão
das falas dos profissionais entrevistados para trazer à tona sugestões que reputamos de grande
valia.
Eu acho que até seria revolucionário demais pensar assim, mas eu acho que
tem que haver essa reciprocidade, como deve existir na teoria e na prática,
essa reciprocidade da teoria não ser, não estar separada, nem além nem
aquém da prática, nem ser orientadora da prática, e a prática submissa a
uma teoria. Teoria que eu digo aí um conjunto de conhecimentos, de
conceitos sobre uma dada realidade social.
Já que nós percebemos com clareza que tem que haver essa reciprocidade
para que se dê conta da dinâmica do problema, nós temos que pensar,
também, que o indivíduo ter um local, bem equipado, aonde ele é
respeitado, atendido, ouvido, e aonde ele encontra uma segurança para se
manifestar, um fórum, um espaço público seguro para ele prestar
depoimento, queixas, que é um caminho bem avançado do que ele tinha
antes, [...] já é um grande passo.
Agora, se essa instituição, o CIC, através de uma reorganização de sua
atuação permitir ir ao objeto, ir ao campo, e lá, dentro de um sentido
antropológico, permitir ouvir o outro, encontrar, conhecer as nuances dos
costumes, das normas, do modo de ver dessas localidades onde ele quer
atuar, com essa reciprocidade a tendência é que o CIC possa ser não só
essa instituição formal, externa, mas fazer parte da vida dessa comunidade
e aí, efetivamente, a possibilidade de dirimir os conflitos existentes é muito
grande, é revolucionária. Eu acho inclusive que o caminho é este, de haver
esta co-interação, esta co-participação.
(Sociólogo entrevistado).
Mas, como viabilizar essa co-interação, essa co-participação? Reportamo-nos, novamente, à
fala do sociólogo...
Eu acho que o exemplo do agente de saúde é o exemplo que a gente
conhece, dos anos 30, 40 e 50, através do saneamento, onde, na verdade,
foi comprovada, através da academia, uma aliança muito grande dos
serviços de saúde, dos pesquisadores da saúde, com a problemática local.
Então há um respeito histórico e um prestígio muito grande dos agentes de
saúde, até o ponto de que hoje dentro de comunidades onde o crime
organizado se manifesta, os agentes de saúde têm um certo respeito, [...]
respeito até superior aos religiosos, no passado o padre, hoje o pastor. O
agente de saúde tem um prestígio bem estabelecido ao longo do tempo.
176
Então eu acho que o agente de saúde é o ponto inicial e que ele pode ser
multiplicado, passado a outras tarefas que não sejam necessariamente
saúde, pode ser cidadania. [...] O ideal seria que dentro das comunidades o
projeto de intervenção incluísse todas essas facetas, cidadania, saúde,
educação, emprego, assistência psicológica, médica, aconselhamento,
lazer, etc., que houvesse uma organicidade nessas intervenções.
Aí se está ocorrendo uma intervenção em termos de saúde, que é aceita e
bem recebida, que essas outras organicidades fossem de certa forma
coadunadas, não sei se por uma pessoa ou por um grupo de pessoas. Eu
imagino que em se tratando de uma comunidade deve haver uma equipe,
uma equipe multidisciplinar, uma inter-relação e uma trans-relação com a
comunidade. Eu acho que este é o caminho certo.
(Sociólogo entrevistado).
com a qual o administrador concorda plenamente...
Vem-me à mente na relação dessas estruturas com a comunidade, a figura
do agente de saúde. Então, seria também o agente da cidadania que vai
atrás do cidadão, que conhece as condições em que ele vive, quem é que
mora naquela casa, conhece e conversa com essas pessoas.
(Administrador entrevistado).
e o antropólogo complementa, fechando a questão:
...é preciso vivenciar o problema no sentido de abrir-se para a interação
com a comunidade local, que conhece efetivamente os problemas. Muitas
vezes informações locais fazem toda a diferença e os números frios não
indicam muita coisa. Então é indispensável atenção às especificidades de
cada contexto, aos diagnósticos particulares para que medidas se apliquem.
Essas medidas vão sendo testadas, se houver também um bom
acompanhamento, com processos de gestão que incluam avaliações
sistemáticas.
Nós poderíamos ter CIC’s que além desses serviços todos pudessem atuar
em campus avançados, em territórios avançados, em espaços avançados,
em favelas e em periferias, promovendo aquela integração que é condição
de sucesso das políticas preventivas. Então, eu imagino esse modelo que
territorialmente articula de modo orgânico os diversos serviços, eu imagino
esse mesmo modelo aplicado em certas regiões, com ênfases diferenciadas.
Então você pode ter a ênfase na educação, numa escola, multidimensional,
em que você além da educação, que é o preferencial ali, ofereça trabalhos
na área da cultura, mediação de conflitos, serviços diversos, então você vai
177
mudando o foco, a ênfase, mas a noção dessa superposição territorial,
dessa integração, dessa prática, desse método é absolutamente decisiva.
(Antropólogo entrevistado).
Agora o modelo ideal requer que não só os serviços sejam levados às comunidades, como
visto, mas que a figura de um agente da cidadania nela se faça presente, que poderá ser o
mesmo agente da saúde numa versão ampliada, para que ocorra (1) a apropriação dos
problemas in loco, a partir dos atores sociais que estão vivendo aquela realidade; (2) a
retroalimentação dos serviços prestados e das ações implementadas pelo CIC; e (3) a
participação comunitária no repensar, no diagnosticar o caminho futuro a ser percorrido.
178
9. CONCLUSÃO
Foi proposto neste trabalho identificar sob qual organização e práticas de gestão, isto é,
técnicas, instrumentos e tudo o mais que caracterize estas práticas, foi implantado e tem sido
operacionalizado o CIC-Vitória.
Utilizou-se, para isso, a abordagem empírica proposta no primeiro dos quatro métodos
sugeridos por BOYER & FREYSSENET (1995, apud ZILBOVICIUS, 1999) que implica no
levantamento da visão de mundo e das práticas decorrentes da organização e gestão da
produção de serviços e do trabalho, como fontes de informação a partir das quais definiu-se e
identificou-se o modelo.
Buscou-se, assim, caracterizar a estruturação e a organização vigentes no CIC-Vitória como o
modelo atual, derivativo:
(1) do conceito e da evolução da violência, reduzida a sua expressão máxima, o crime letal,
notadamente na região da Grande Vitória, por se configurar este fenômeno no pano de
fundo adiante do qual se construiu o CIC-Vitória;
(2) das visões de centros integrados de cidadania, pertinentes ao Programa Nacional de
Direitos Humanos, ao Plano Nacional de Segurança Pública e ao Programa da
Qualidade no Serviço Público, por terem influência na concepção e no balizamento
deste modelo atual;
(3) da abordagem das Casas do Cidadão que antecederam ao CIC-Vitória, onde tiveram
origem, em solo capixaba, a reunião de parceiros, a idealização de alguns dos serviços e
o modo de ofertá-los, sendo transpostos para o novo equipamento.
179
Do processo de construção do pano de fundo originou-se a percepção de que o novo caráter
da violência está na sua intensidade, e esta é matizada pelo déficit de promessas não
cumpridas em relação às questões mais variadas, de acordo com o local e a dinâmica que
estejamos a analisar, e nesse contexto e com o propósito de resgatar a cidadania,
principalmente da parcela hipossuficiente da população, as ações preventivas de violência são
colocadas e, dentre elas, a implementação de centros integrados de cidadania.
Concomitantemente, confirmou-se a posição de Vitória, da Grande Vitória e do Espírito
Santo, ora como a região mais violenta, ora como uma das mais violentas, ao longo da última
década, o que justificou a implantação dessa ação preventiva da violência em Vitória.
Das visões dos programas federais sobre os centros integrados de cidadania extraiu-se a
concepção de que o CIC-Vitória deveria ser (a) um centro de prestação de serviços públicos
presenciais, prioritariamente voltado para a emissão da documentação civil básica, onde as
relações com o cidadão-usuário priorizassem a qualidade no atendimento e a resolutividade
das questões; (b) um centro indutor dos direitos humanos, mediante a garantia do acesso da
população à justiça, principalmente daquela parcela hipossuficiente e despossuída do
conhecimento sobre os direitos básicos inerentes à cidadania; (c) um centro redutor da
violência urbana por tratar situações de conflito, buscando, mediante conciliação, resolvê-las
de modo satisfatório e interromper a trajetória rumo à violência.
Por fim, das Casas do Cidadão que antecederam ao CIC-Vitória foram transpostas as unidades
de resolução de conflitos, conflitos os mais diversos – intrafamiliares, consumo, impunidade,
psicossociais, etc. – completando o conjunto das vinte e quatro unidades de atendimento que
viriam a compor o modelo atual.
180
Por meio da taxonomia dos serviços ofertados por essas unidades de atendimento, foi possível
aglutiná-los em três grupos distintos, formados (1) pelos que se voltam para a resolução
pacífica de conflitos; (2) pelos que promovem o acesso à justiça; (3) pelos que cuidam da
emissão da documentação civil básica.
Foi possível, também, verificar que os dois primeiros trabalham situações onde direitos estão
sendo violados ou agressões físicas e psicológicas estão sendo produzidas e que requerem
uma intervenção que se dá por meio de um continuum de atendimentos. Já o último tem por
objetivo a produção de um documento, uma posse física padronizada, que passa para a
propriedade do cidadão-usuário.
Essa aglutinação serviu para realçar as características dos serviços de cada grupo, o que
influenciou na estruturação de cada um deles, no modo de realizar o atendimento, no modo de
desenvolver a atividade, na distribuição do espaço físico, na seleção do profissional
envolvido, etc.
A configuração desse modelo atual teve continuidade com a análise dessas unidades de
atendimento sob o enfoque das estruturas básicas de arranjo dos sistemas de produção de
serviços, necessária à compreensão do fluxo do processo e para a melhoria e integração da
produção de serviços como um todo.
Por fim, completou-se o modelo atual com a definição de práticas relativas aos componentes e
a gestão do trabalho dos atores sociais envolvidos na prestação dos serviços. Ficou
demonstrado que estruturar as unidades de atendimento, principalmente do primeiro grupo de
serviços, como grupos semi-autônomos soluciona a maioria dos conflitos de gestão de
181
trabalho presentes nessas unidades, pois lhes permitem trabalhar sob os paradigmas desejáveis
da qualidade, resolutividade, agilidade e interação e dar à equipe de atendimento a dimensão
requerida pela natureza do problema do cidadão-usuário.
Em síntese, o modelo atual foi concebido num contexto em que a prioridade era estruturar o
Centro Integrado de Cidadania de Vitória, a partir das fontes de informação disponíveis, e
torná-lo operacional no mais breve espaço de tempo possível, em função da escalada de
violência percebida naquele momento. A conseqüência dessa abordagem pragmática e
emergencial é a construção de um modelo fundamentalmente voltado para prestação de
serviços diretos ao cidadão-usuário e para as relações do prestador de serviço com o cidadão-
usuário, nos limites do espaço físico interno do CIC-Vitória e privilegiando o operacional.
Foi proposto, também, neste trabalho, identificar um outro modelo de organização e gestão do
trabalho e da produção de serviços cuja construção teórica pudesse levar centros integrados de
cidadania a obter resultados superiores aos do modelo atual.
Utilizou-se, para isso, a abordagem proposta no terceiro dos quatro métodos sugeridos por
BOYER & FREYSSENET (1995, apud ZILBOVICIUS, 1999) que implica na construção
teórica de um modelo ideal. Ideal no sentido de puramente idealizado, uma abstração
orientada pelos valores do pesquisador e que, por conseguinte, não tem nada de “exemplar” e
nem de “dever ser”.
Buscou-se, então, construir este modelo ideal a partir das premissas obtidas por meio da
implementação de dois métodos de pesquisa: (1) a realização de grupos focais; (2) a
realização de entrevistas em profundidade.
182
Em síntese, o modelo ideal que se pode depreender das falas dos participantes das abordagens
selecionadas, se caracteriza por...
(1) não ter uma conformação rígida, o que implica na não-definição a priori de uma
estrutura ou uma fronteira para ele. Isto porque as fronteiras estarão sempre em
expansão, o que resultará num modelo dinâmico, em ampliação permanente, em
redefinição contínua e em mutação, face às alterações percebidas no conjunto da
violência. Percepção essa, que para ser conseguida, ensejará a necessidade de
diagnósticos, estes sim, apriorísticos, de forma a conformá-lo aos aspectos temporais e
locais da violência;
(2) serviços que dizem respeito ao atendimento direto ao cidadão-usuário, compatíveis com
a visão estratégica de prevenção da violência que se estabelece a partir do diagnóstico,
distribuídos em duas vertentes: uma educacional – formação para a cidadania – e outra
técnica – atendimento às demandas dos cidadãos-usuários;
(3) contemplar tanto a possibilidade da descentralização dos serviços – gerando um
atendimento local, parcial, característico de um CIC em movimento – quanto da
centralização numa unidade superior, num centro especial, para o qual convirjam os
cidadãos-usuários em busca daqueles serviços que, por suas características, não devem
ser descentralizados;
(4) uma cultura local que privilegia, sob todos os aspectos, o cidadão-usuário e que, em
decorrência dessa cultura, implementa ações alternativas que tornam factível a prestação
de serviços com qualidade, agilidade e resolutividade;
183
(5) garantir a existência de um quadro funcional, de caráter o mais permanente possível,
imune à rotatividade provocada por elementos externos à prestação dos serviços,
preenchido de forma criativa, preservando as condições técnicas exigidas por uma
adequada intervenção nas realidades sociais que se apresentam e com formas de
valorização profissional, de indução positiva e de treinamento adequado que levem os
prestadores de serviço a se sentirem co-partícipes do empreendimento;
(6) parcerias que envolvem muito mais do que a sua formalização legal via celebração de
um convênio ou de um outro instrumento qualquer, por transcender a prestação dos
serviços que o parceiro se proponha a ofertar e invadir o terreno da participação por
inteiro, no sentido do parceiro chamar para si e sentir-se responsável pelo êxito ou não
do empreendimento como um todo;
(7) requerer a figura de um agente da cidadania que se faça presente nas comunidades, a
fim de que se perceba, in loco, a necessidade de ações de cidadania e de resolução de
conflitos, a partir dos atores sociais que estão vivendo aquela realidade; se exerça a
retroalimentação quanto aos serviços prestados e as ações implementadas pelo CIC; e se
busque a participação comunitária no repensar, no diagnosticar o caminho futuro a ser
percorrido.
Chama a atenção a convergência quanto aos pressupostos acima, observada tanto nos grupos
focais quanto nas entrevistas em profundidade, quer a análise se dê sobre cada um dos
universos separadamente, quer se dê no conjunto dos universos trabalhados.
É evidente que a profundidade com que um pressuposto desse é abordado por um grupo focal
ou por outro, se diferencia em função do perfil dos participantes de cada grupo. Também é
184
evidente que quando você compara a profundidade da abordagem dos grupos focais com a
dos especialistas entrevistados se percebem diferenças significativas entre elas, talvez pelo
tempo que cada participante tenha tido para discorrer a respeito dos temas.
Por fim, nos propusemos, neste trabalho, a confrontar o modelo existente com o modelo ideal.
Vamos fazê-lo confrontando o modelo atual com cada um dos pressupostos integrantes do
modelo ideal e identificando os pontos de convergência ou divergência observados.
1º pressuposto
MODELO IDEAL MODELO ATUAL
Não ter uma conformação rígida, o que
implica na não-definição a priori de uma
estrutura ou uma fronteira para ele. Modelo
dinâmico, em ampliação permanente, em
redefinição contínua e em mutação, face às
alterações percebidas no conjunto da violência.
Necessidade de diagnósticos, apriorísticos, de
forma a conformá-lo aos aspectos temporais e
locais da violência.
Estruturado a partir das fontes de informação
disponíveis e tornado operacional no mais breve
espaço de tempo possível, em função da escalada
de violência percebida naquele momento.
Atualizado por meio da incorporação de novos
serviços e substituição de outros.
2º pressuposto
MODELO IDEAL MODELO ATUAL
Serviços que dizem respeito ao atendimento
direto ao cidadão-usuário, compatíveis com a
visão estratégica de prevenção da violência que
se estabelece a partir do diagnóstico,
distribuídos em duas vertentes: uma educacional –
formação para a cidadania – e outra técnica
atendimento às demandas dos cidadãos-usuários;
Voltado para prestação de serviços diretos ao
cidadão-usuário e para as relações do prestador de
serviço com o cidadão-usuário. Sem
implementação da vertente educacional voltada
para a formação da cidadania.
3º pressuposto
MODELO IDEAL MODELO ATUAL
Contemplar tanto a possibilidade da
descentralização dos serviços – gerando um
atendimento local, parcial, característico de um
CIC em movimento – quanto da centralização
numa unidade superior, num centro especial.
Voltado para prestação de serviços nos limites
do espaço físico interno do CIC-Vitória.
185
4º pressuposto
MODELO IDEAL MODELO ATUAL
Uma cultura local que privilegia, sob todos
os aspectos, o cidadão-usuário, e que, em
decorrência dessa cultura, implementa ações
alternativas que tornam factível a prestação de
serviços com qualidade, agilidade e
resolutividade;
Busca a qualidade, agilidade e resolutividade
na prestação de serviços, sem, entretanto ter
trabalhado esses aspectos na vertente de uma
cultura local.
5º pressuposto
MODELO IDEAL MODELO ATUAL
Garantir a existência de um quadro
funcional, de caráter o mais permanente possível,
imune à rotatividade provocada por elementos
externos à prestação dos serviços, preenchido de
forma criativa, preservando as condições técnicas
exigidas por uma adequada intervenção nas
realidades sociais que se apresentam e com
formas de valorização profissional, de indução
positiva e de treinamento adequado que levem os
prestadores de serviço a se sentirem co-partícipes
do empreendimento;
Não contempla o pressuposto.
6º pressuposto
MODELO IDEAL MODELO ATUAL
Parcerias que envolvem muito mais do que a
sua formalização legal, via celebração de um
convênio ou de um outro instrumento qualquer,
por transcender a prestação dos serviços que o
parceiro se propõe a ofertar e invadir o terreno da
participação por inteiro, no sentido do parceiro
chamar para si e sentir-se responsável pelo êxito
ou não do empreendimento como um todo.
O estabelecimento das parcerias teve como
alvo a sua formalização legal e a tentativa, nem
sempre com sucesso, dos parceiros participarem do
custeio do empreendimento. Não foi implementado
o conselho de parceiros, previsto na estrutura. Há
um distanciamento dos gestores dos órgãos
parceiros em relação ao CIC.
7º pressuposto
MODELO IDEAL MODELO ATUAL
Requerer a figura de um agente da cidadania
que se faça presente nas comunidades, a fim de
que se perceba, in loco, a necessidade de ações
de cidadania e de resolução de conflitos, a partir
dos atores sociais que estão vivendo aquela
realidade; se exerça a retroalimentação quanto
aos serviços prestados e as ações implementadas
pelo CIC; e se busque a participação comunitária
no repensar, no diagnosticar o caminho futuro a
ser percorrido.
Não contempla o pressuposto.
186
Verifica-se que o modelo atual contempla a essência do primeiro pressuposto, contempla só
parcialmente aos pressupostos dois, três, quatro e cinco, e não contempla os pressupostos seis e
sete. No cômputo geral, sem rigidez analítica excessiva, pode-se afirmar que o modelo atual
guarda uma distância razoável em relação ao modelo ideal, quando se olha a tendência do CIC
voltar-se para as comunidades, e guarda razoável semelhança, quando se olha para o aspecto do
funcionamento interno da prestação de serviços aos cidadãos-usuários.
Isto tem a ver com a dimensão temporal-local da idealização do modelo. O modelo atual, dadas as
circunstâncias da época, voltou-se muito mais para o aspecto operacional, circunscrito ao próprio
equipamento, no sentido de concebê-lo e implementá-lo, sem maiores considerações de outras
naturezas, e não poderia ser de outra forma. Antes de voltar-se para o externo, haveria de se
pensar e estruturar o interno.
O modelo ideal, concebido já a partir de um equipamento em operação, sendo isso conhecido
de todos os participantes, envolve mais o estabelecimento de uma metodologia que contemple
os aspectos relacionais entre o equipamento e as comunidades, do que essa própria realização
substantiva, final. Volta-se, portanto, para o cidadão-usuário em seu habitat.
O que nos parece ser extremamente valioso, pois sem essa vertente o CIC continuará sendo
um equipamento reativo, no sentido de só tratar os conflitos e buscar solução para aqueles que
lhe são apresentados pelos cidadãos-usuários. O estabelecimento dessa mão-dupla, os
cidadãos-usuários indo ao CIC e o CIC indo até aos cidadãos-usuários, acrescentará uma
dimensão proativa à sua natureza.
187
Voltando à dimensão temporal-local. É de se esperar que um novo modelo ideal pensado
daqui há um ano, com relação ao CIC-Vitória, apresente como pressupostos a serem
considerados outros que não a totalidade dos propostos agora. Da mesma forma, se pensado
agora, mas para outro local, provavelmente envolverá outros pressupostos. Ora, isso se ajusta
perfeitamente à ocorrência de mutações nas características locais da violência e à idéia da
adequação das ações preventivas a essa dinâmica.
Zilbovicius (1999) ao discutir a legitimidade dos modelos, diz que...
Assim, produz-se um modelo, que se difundirá à medida que ganhar
legitimidade por parte do ambiente em que é utilizado e também à medida
que os resultados obtidos a partir da aplicação das práticas a ele vinculadas
proporcionem resultados aceitáveis no ambiente. (ZILBOVICIUS, 1999, p.
27).
Os resultados apresentados pelo CIC-Vitória, no período de agosto de 2003, mês de
inauguração, a março de 2005, conforme relatório geral de atendimentos realizados (anexo II),
indicam um crescimento impressionante no número de cidadãos atendidos:
Tabela 4 – Número de cidadãos-usuários atendidos no CIC-Vitória
Meses de referência: agosto de 2003 e março de 2005
Cidadãos-usuários atendidos
Setores Agosto de 2003 Março de 2005
Resolução de conflitos 1.855 4.495
Acesso à justiça 1.060 2.274
Documentação civil básica 1.428 14.969
Apoio à documentação 2.750 7.241
Instituições bancárias 1.437 10.942
Espaço multifuncional 145 956
Total no mês 8.675 41.347
Fonte: CIC-Vitória – Sistema PROXI de Controle de Atendimento.
188
Creio que esses resultados, mesmo considerando possíveis falhas do sistema na apuração
desses dados, e só considerando o aspecto de cidadãos-atendidos e não o de problemas-
resolvidos, talvez mais significativo, mas mesmo assim, esses resultados validam o modelo
atual do CIC-Vitória.
Por outro lado, se nos reportarmos às falas dos cidadãos-usuários em relação ao CIC-Vitória,
capturadas no grupo focal, veremos que o CIC-Vitória tem a legitimação por parte daqueles
que efetivamente usam seus serviços.
Assim, a conclusão final a que se chega é que os modelos – atual e ideal – analisados se
completam e esse conjunto assim formado parece ser de valia para a continuidade de
pesquisas sobre centros dessa natureza ou mesmo como suporte à implantação de novas
unidades.
Com relação a continuidade de pesquisas sobre os CIC’s, no decorrer do trabalho sugestões de
novas abordagens vieram à tona: o estabelecimento de indicadores para avaliação da
efetividade do CIC como ação social preventiva de violência, a formação de uma cultura local
a partir da convivência de múltiplas culturas organizacionais num mesmo local, a gestão com
pessoas e o uso de grupos semi-autônomos no serviço público, são apenas algumas delas e
ficam como sugestão para novos trabalhos de pesquisadores que queiram adentrar o universo
da prevenção da criminalidade letal.
Concluo com uma síntese das imagens a respeito do CIC, nas falas dos grupos focais:
189
O CIC é uma mulher,
porque a mulher ainda é a que melhor traduz os conceitos de respeito e honestidade.
Talvez uma mãe, porque muitas vezes a mãe ocupa a função de pai também.
Simpática, tolerante, sabe ouvir, educada, acolhedora, humana.
Socialmente engajada.
Tem alma de criança, para aprender sempre.
Casada, tem muitos filhos – os cidadãos-usuários – e trata a todos bem,
mas, tem todas as dúvidas que as mães têm.
É madura, comunicativa e ecumênica.
Ela é elegante, mas sem ousadia.
Se tivesse um nome, chamaria Maria, só Maria!
190
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195
ANEXO I
TAXONOMIA DOS SERVIÇOS DO
CENTRO INTEGRADO DE CIDADANIA DE VITÓRIA
ROTEIRO PARA O LEVANTAMENTO DAS CARACTERÍSTICAS
PARTE I – IDENTIFICAÇÃO DA UNIDADE DE SERVIÇOS
UNIDADE DE SERVIÇO
Nome Local de funcionamento Responsável
Período de oferta (dias da semana) Número de turno(s) Horário(s) do(s) turno(s)
ENTREVISTA
Data Local Hora início / hora término
ENTREVISTADOR (ES)
1º entrevistador Telefone para contato
2º entrevistador Telefone para contato
ENTREVISTADO
Nome Função Telefone para contato
RELAÇÃO DOS PRINCIPAIS SERVIÇOS OFERTADOS NA UNIDADE
(01)
(02)
(03)
(04)
(05)
(06)
(07)
(08)
(09)
(10)
Um
Outro: _______________
Dois
196
PARTE II – CARACTERÍSTICAS DOS SERVIÇOS
01. Quais são as necessidades e expectativas do cidadão-usuário quanto ao serviço ofertado?
02. As instalações existentes contribuem para o alcance dessas necessidades e expectativas?
03. As instalações existentes são adequadas para a prestação do serviço?
04. O ambiente físico exerce alguma influência na prestação do serviço?
05. A prestação do serviço vai atendendo às necessidades e expectativas do cidadão-usuário à medida que o serviço é prestado ou as
necessidades e expectativas do cidadão-usuário só são atendidas ao final da prestação do serviço?
06. O atendimento ao cidadão-usuário se dá pela ordem de chegada ou é previamente agendado?
07. Que conhecimentos e habilidades são exigidos dos prestadores de serviço?
08. Existem padrões de qualidade a serem observados na produção do serviço?
09. Existe um
tempo médio padrão estabelecido para a produção do serviço? Considere o tempo médio padrão como o tempo nor-
malmente decorrido desde a solicitação do serviço pelo cidadão-usuário até o momento de sua conclusão.
10. Existe algum fator, evento ou circunstância que, com freqüência, altere esse tempo médio padrão?
11. O tempo gasto para a produção do serviço é compatível com a necessidade do cidadão-usuário em obtê-lo?
Sim. Passe para a pergunta seguinte.
Não.
O que deveria ser modificado?
Sim. Passe para a pergunta seguinte.
Não.
O
q
ue deveria ser modificado?
Não. Passe para a pergunta seguinte.
Sim.
Que tipo de influência?
Sim.
Quais são e como são aferidos?
Não. Passe para a pergunta seguinte.
Sim. Passe para a pergunta seguinte.
Não.
Qual deveria ser esse tempo?
Não. Passe para a pergunta seguinte.
Sim.
Quais são esses fatores e com que
freqüência eles ocorrem?
Sim.
Qual é o tempo médio padrão
estabelecido?
Não. Passe para a pergunta seguinte.
197
12. Levando em conta esse tempo médio padrão de produção do serviço, qual o tempo de presença do cidadão-usuário no processo
de produção do serviço? Considere o tempo de presença como o período durante o qual o cidadão-usuário tem que permanecer no
local onde o serviço está sendo produzido.
13. Levando em conta o tempo de presença do cidadão-usuário no processo de produção do serviço, qual o
tempo de interação do
cidadão-usuário com o prestador do serviço? Considere o tempo de interação como o período durante o qual o cidadão-usuário está
solicitando / recebendo o serviço e/ou prestando informações para que o mesmo possa ser produzido.
14. O serviço oferecido ao cidadão-usuário é cobrado?
15. Existem períodos em que a procura pelo serviço ofertado aumenta?
16. Durante esses períodos a quantidade de prestadores de serviço é suficiente para atender a este aumento da procura pelo serviço?
17. O serviço prestado atua diretamente sobre o cidadão-usuário?
18. O serviço prestado atua diretamente sobre um bem do cidadão-usuário?
19. O serviço prestado cria um relacionamento formal ou um vínculo entre o prestador de serviço e o cidadão-usuário?
Em qualquer dos casos, especifique o bem:
Não.
Sim.
Que tipo de relacionamento?
Dirigido a direitos intangíveis.
Dirigido a bens ou outras posses físicas das pessoas.
Não.
Sim.
Dirigido ao corpo das pessoas. Passe para a pergunta 19.
Diri
g
ido à mente das
p
essoas. Passe
p
ara a
p
er
g
unta 19.
Não. Passe para a pergunta seguinte.
Sim.
Sim.
Não.
Que medidas normalmente são
adotadas para resolver este
problema?
Valo
r
es variáveis.
Quais os valores e
q
ue fatores causam esta varia
ç
ão?
Valor fixo:
Sim.
Quando esses períodos ocorrem?
Não. Passe para a pergunta 17.
Sim.
Não.
198
20. O serviço prestado ao cidadão-usuário ocorre de forma esporádica (uma vez ou outra) ou de forma contínua (com freqüência ao
longo de um período)?
21. O serviço prestado ao cidadão-usuário é realizado segundo procedimentos padronizados? Entenda padronização como sendo a
execução do atendimento segundo procedimentos pré-estabelecidos, que sempre devem ser seguidos e que, na maioria das vezes,
produzem produtos semelhantes.
22. O prestador de serviços pode tomar decisões fora dos procedimentos estabelecidos de forma a satisfazer necessidades individuais
do cidadão-usuário?
23. Quais são os períodos de maior procura pelo serviço?
24. Os serviços são ofertados pela Unidade de Serviço em outros locais do Município de Vitória?
25. Como se dá a interação entre o cidadão-usuário e o prestador de serviço?
Imprevisível.
O cidadão-usuário pode interagir com o prestador de serviço à distância.
Qual o meio utilizado?
Sob certas circunstâncias o prestador de serviços vai até ao cidadão-usuário.
Que circunstâncias?
O cidadão-usuário tem que ir, obrigatoriamente, até o local da prestação de serviço.
E no interior do Estado?
Não.
E em outros locais da Grande Vitória?
Sim.
Não.
Sim.
Não.
Sim.
Sim.
Não.
O que é feito para minimizar o problema?
Normalmente, nos períodos de maior procura pelo serviço, é possível realizar os atendimentos sem grandes atrasos?
Horas no dia:
Dias na semana:
Dias no mês:
Meses no ano:
Semanas no mês:
2 = Baixa padronização. 1 = Alta padronização.
Sim.
Como você classificaria o serviço?
Não.
Sempre.
A
l
g
umas vezes.
Nunca.
Com freqüência.
Esporadicamente.
É gerado algum tipo de cadastro?
Continuamente.
É
g
erado al
g
um ti
p
o de cadastro?
199
26. Qual o valor médio estimado para o investimento em mobiliário, máquinas e equipamentos utilizados para ofertar o serviço?
27. Qual o valor médio anual estimado com o custeio da mão-de-obra necessária para ofertar o serviço?
Entre R$ 50.001,00 e R$ 100.000,00
A
té R$ 50.000,00
Entre R$ 100.001,00 e R$ 150.000,00
Entre R$ 150.001,00 e R$ 200.000,00
Entre R$ 200.001,00 e R$ 250.000,00
A
cima de R$ 250.000,00
Entre R$ 50.001,00 e R$ 100.000,00
A
té R$ 50.000,00
Entre R$ 150.001,00 e R$ 200.000,00
Entre R$ 200.001,00 e R$ 250.000,00
Entre R$ 100.001,00 e R$ 150.000,00
A
cima de R$ 250.000,00
200
ANEXO II
CENTRO INTEGRADO DE CIDADANIA
Relatório Geral de Atendimentos Realizados
Período: Agosto de 2003 a Março de 2005
CATEGORIA
S
ago/03 set/03 out/03 nov/03 dez/03 jan/04 fev/04 mar/04 abr/04 mai/04 jun/04 jul/04 ago/04 set/04 out/04 nov/04 dez/04 jan/05 fev/05 mar/05
Assistência Jurídica Gratuita 378 1.227 1.102 951 752 917 937 1.347 1.030 1.176 1.143 1.278 1.292 985 962 1.028 859 1.198 1.042 1.109
Atendimento Intrafamiliar 655 1.146 977 814 783 1.048 822 1.309 1.028 1.092 1.146 1.143 1.212 1.089 1.044 1.152 865 1.119 899 980
Ministério Público - 314 653 624 537 691 520 1.038 893 958 965 1.058 1.201 1.053 820 1.195 982 1.143 589 1.123
PROCON Municipal 822 1.350 1.196 880 863 1.149 966 1.387 1.131 1.277 1.222 1.218 1.200 959 1.031 1.120 990 1.172 958 1.283
Subtotal RESOLUÇÃO DE CONFLITOS 1.855 4.037 3.928 3.269 2.935 3.805 3.245 5.081 4.082 4.503 4.476 4.697 4.905 4.086 3.857 4.495
3.696 4.632 3.488 4.495
Juizado Especial Cível 1.060 2.198 2.395 2.080 1.972 2.044 1.772 2.545 2.014 2.508 2.603 2.503 2.643 2.604 3.311 5.141 3.021 2.641 2.047 2.668
Juizado Especial Criminal - - - - 25 77 63 176 132 215 331 374 448 421 352 463 497 365 216 297
Justiça Comunitária - - - - - - - - - - 120 - - 38 - - 98 - - -
Juizado Especial Federal - - - - - 16 159 610 560 649 671 697 623 647 764 1.515 1.117 2.435 2.092 2.737
SOS Impunidade - - - - - - - - - - - - -
- - - 9 7 1 7
Subtotal ACESSO À JUSTIÇA 1.060 2.198 2.395 2.080 1.997 2.137 1.994 3.331 2.706 3.372 3.725 3.574 3.714 3.710 4.427 7.119 4.742 5.448 4.356 2.744
Cartório de Registro Civil (Sarlo) 50 177 668 204 130 30 37 396 600 880 689 659 584 512 376 526 584 754 572 702
Cartório Eleitoral 538 495 536 344 422 115 121 768 2.715 1.462 896 1.372 1.528 1.547 293 263 294 437 301 358
Correios (CPF) - - - - - - - - - - - - - 210 316 275 364 466 394 462
DETRAN 295 691 497 721 836 985 979 1.287
778 714 791 1.050 968 829 893 1.117 1.064 1.468 1.621 1.300
PMV - Carteira de Trabalho 389 568 632 508 463 878 711 1.095 823 1.023 836 901 888 675 822 1.201 1.160 1.435 1.585 1.858
Polícia Civil - - - - - 5.801 7.726 10.433 6.422 8.824 8.626 8.884 8.641 7.802 6.403 7.150 8.337 10.103 8.745 10.289
Polícia Federal 156 380 336 261 310 376 306 186 - 151 325 410 470 321 30 - - - - -
Subtotal DOCUMENTAÇÃO CIVIL 1.428 2.311 2.669 2.038 2.161 8.185 9.880 14.165 11.338 13.054 12.163 13.276 13.079 11.896 9.133 10.532 11.803 14.663 13.218 14.969
CORREIOS 700 1.470 1.610
1.400 1.330 1.400 1.190 1.610 1.190 1.470 1.400 1.760 1.540 895 1.014 1.534 1.491 1.550 1.319 2.156
Foto - - 299 330 320 279 262 260 229 217 527 393 266 181 359 64 15 10 - -
XEROX 2.050 4.305 4.715 4.100 3.895 4.100 3.485 4.715 3.485 4.305 4.100 4.510 4.266 3.439 2.589 4.478 4.657 5.086 4.565 5.085
Subtotal APOIO À DOCUMENTAÇÃO 2.750 5.775 6.624 5.830 5.545 5.779 4.937 6.585 4.904 5.992 6.027 6.663 6.072 4.515 3.962 6.076 6.163 6.646 5.884 7.241
BANESTES 728 1.136 1.258 1.349 1.426 1.520 1.368 1.745 1.627 1.890 1.827 1.784 5.305 3.825 3.938 5.362 5.060 4.662 4.601 4.961
Caixa Econômica Federal 709 2.503 2.580 2.695 2.931 3.593 4.492 5.273 5.870 6.300 5.628 5.830 4.774 3.718 1.662 4.540 4.657 5.145 3.294 5.383
Correios(Banco Postal) - - - - - - - - - - - - - 397 1.007 1.152 891 860 888 598
Subtotal INSTITUIÇÕES BANCÁRIAS 1.437 3.639 3.838 4.044 4.357 5.113 5.860 7.018 7.497 8.190 7.455 7.614 10.079 7.940 6.607 11.054 10.608 10.667 8.783 10.942
Espaço Multifuncional - Casamento - 4 32 96 244 114 110 90 100 98 140 88 50 82 86 66 86 124 110 144
Espaço Multifuncional - Treinamentos 75 110 147 94 140 130 175 843 368 805 760 1.124 1.328 1.119 1.687
1.141 459 235 426 672
Espaço Multifuncional - Eventos 70 160 490 986 545 5.400 60 1.522 975 943 1.082 975 930 1.398 1.227 1.815 2.277 367 562 140
Espaço Multifuncional - Diversos - - - - - - - 1.485 726 - - - - - 175 88 206 - - -
Subtotal ESPAÇO MULTIFUNCIONAL 145 274 669 1.176 929 5.644 345 3.940 2.169 1.846 1.982 2.187 2.308 2.599 3.175 3.110 3.028 726 1.098 956
Subtotal POR MÊS 8.675 18.234 20.123 18.437 17.924 30.663 26.261 40.120 32.696 36.957 35.828 38.011 40.157 34.746 31.161 42.386 40.040 42.782 36.827 41.347
Fonte: CIC-Vitória - Sistema PROXI de Controle de Atendimentos
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