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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
ESCOLA DE COMUNICAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO E CULTURA
FÁBIO GOVEIA
A DECOMPOSIÇÃO IMAGÉTICA NA PINHOLE
A IMAGEM PELO BURACO DE UMA AGULHA
RIO DE JANEIRO
Março, 2005
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1
FÁBIO GOVEIA
A DECOMPOSIÇÃO IMAGÉTICA NA PINHOLE
A IMAGEM PELO BURACO DE UMA AGULHA
ECO/UFRJ
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FÁBIO GOVEIA
A DECOMPOSIÇÃO IMAGÉTICA NA PINHOLE
A IMAGEM PELO BURACO DE UMA AGULHA
Dissertação de Mestrado submetida ao corpo docente do
Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Cultura,
Escola de Comunicação, Universidade Federal do Rio de
Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção
do título de Mestre em Comunicação e Cultura.
Orientador: Prof. Dr. André Parente
RIO DE JANEIRO
Março, 2005
3
FICHA CATALOGRÁFICA
GOVEIA, Fábio.
A decomposição imagética na pinhole: A imagem pelo
buraco de uma agulha / Fábio Goveia. Rio de Janeiro,
2005.
xi, 138 f. : il. color.
Dissertação (Mestrado em Comunicação e Cultura),
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Escola de
Comunicação, Programa de Pós-Graduação em
Comunicação e Cultura, 2005.
Orientador: André Parente
1. Pinhole 2. Fotografia 3. Comunicação –
Teses.
I. Parente, André (orient.). II. Universidade Federal do Rio
de Janeiro. Escola de Comunicação. Programa de Pós-
Graduação em Comunicação e Cultura. III. Título.
4
FÁBIO GOVEIA
A DECOMPOSIÇÃO IMAGÉTICA NA PINHOLE
A IMAGEM PELO BURACO DE UMA AGULHA
Dissertação de Mestrado apresentada ao corpo docente
do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e
Cultura, Escola de Comunicação, Universidade Federal
do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos
necessários à obtenção do título de Mestre em
Comunicação e Cultura:
Rio de Janeiro, 28 de Março de 2005.
_____________________________________________________________________
Prof. Dr. André Parente (orientador)
Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Cultura – ECO/UFRJ
________________________________________________________________
Prof. Dr. Mauricio Lissovsky
Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Cultura – ECO/UFRJ
________________________________________________________________
Prof. Dr. Fernando de Tacca
Programa de Pós-Graduação em Multimeios – IA/Unicamp
________________________________________________________________
Profª. Drª. Ivana Bentes (suplente)
Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Cultura – ECO/UFRJ
5
RESUMO
GOVEIA, Fábio. A decomposição imagética na pinhole: A imagem pelo buraco
de uma agulha. Rio de Janeiro, 2005. Dissertação (Mestrado em Comunicação e
Cultura) – Escola de Comunicação, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de
Janeiro, 2005.
Este trabalho tem como objeto de estudo a produção de fotografias por meio de
câmeras de orifício ou pinholes. Um aparato despojado que cria possibilidade de
subversão da busca pela representação da realidade de maneira fiel, fato que
esteve presente nos anseios humanos desde os primórdios. As imagens feitas com
pinholes são capazes de fomentar um novo modelo de visão fotográfica, deslocando
o modo de representação: a imagem mais objetiva é aquela que não conta com o
auxílio da objetiva (lente). Para além de seu caráter educativo e lúdico, as fotografias
com pinhole propõem um outro paradigma de visão do mundo. Para comprovar essa
outra forma de ver utilizamos imagens produzidas com latas de leite em pó, caixas
de papelão ou até mesmo um pimentão. O olho humano deixa de ser o único lugar
da visualidade e o fotógrafo passa a ter um trabalho dialógico com a câmera. Mais
que um simples relato desta técnica, a dissertação contempla a produção brasileira
de fotografia com pinholes. Utilizando a internet como corpus, a pesquisa de campo
descobriu, documentou e disponibilizou informações sobre os fotógrafos brasileiros
que usam a rede mundial de computadores para difundir e divulgar a técnica
pinhole.
6
ABSTRACT
GOVEIA, Fábio. A decomposição imagética na pinhole: A imagem pelo buraco
de uma agulha. Rio de Janeiro, 2005. Dissertação (Mestrado em Comunicação e
Cultura) – Escola de Comunicação, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de
Janeiro, 2005.
This work has as study object the photograph production by means of orifice
cameras or pinholes. A deloused apparatus that launches possibility of subversion of
the search for the representation of the reality in faithful way, that was present in the
human yearnings since the beginning. The images made with pinholes are capable
to launch a new model of photographic vision, dislocating the way to represent the
reality: the image most objective is that one that does not count on the aid of the
objective (lens). For beyond its educative and playful character, the photographs with
pinhole consider one another paradigm of vision of the world. To prove this another
form to see we use images produced with milk cans in dust, cardboard boxes or a
red chili. The human eye leaves of being the only place of the visibility and the
photographer starts to have a dialog work with the camera. For beyond a simple story
of this another one technique, this work contemplates the Brazilian photograph
production with pinholes. Using the internet as corpus, the field research aimed at to
discover, to register and it allows the access information on the Brazilian
photographers who use the world-wide-web to spread out and to divulge the
technique pinhole.
7
À Fabiana, que começa uma vida nova ao meu lado
já tendo passado por tantas desventuras e sem
nunca ter se cansado de me dar forças.
8
AGRADECIMENTOS
A Deus, por ter me permitido seguir fazendo aquilo que mais gosto: estudar e fotografar. E
por ter me concedido o dom de lutar sempre, mesmo quando tudo parece tão difícil.
À minha mãe e ao meu pai. Exemplos de honradez, sabedoria e perseverança. Aqueles que
não deixarei de pensar e de agradecer um dia sequer. Obrigado por me permitirem existir.
Pai, onde quer que esteja, saiba que este trabalho também é seu.
Aos meus irmãos Paulo, José Carlos, Marcos, Jacimar, Geraldo, Sérgio e Aldacir. Cada um
com seus pensamentos diferentes me permitiram compreender como o mundo é feito de
pessoas distintas. Mas que isso não significa brigas e desavenças.
Às minhas irmãs Dalva e Maria. Modelos de mãe e mulher, lutadoras e vencedoras.
Obrigado pelo carinho especial em todos os momentos.
À minha segunda família: Antônio, Fátima, Luciana e Adriana. Após tantos anos de
convivência espero ter ajudado mais que atrapalhado. Obrigado pela acolhida e por tantas
horas de uso do computador.
Ao grande amigo Fábio. Aliás, mais que um amigo, meu décimo irmão. Generoso e crítico,
inteligente e íntegro, sempre disposto a encontrar uma forma de me apoiar. Sucesso
dobrado para você meu grande companheiro, à sua esposa Francis, grande amiga e pessoa
especial, e ao pequeno Pedro, um dos meus modelos preferidos e um sobrinho emprestado.
Ao meu orientador, André Parente, pela liberdade e pela centralidade imposta ao objeto de
estudo. Seu olhar poupou-me longos dias de dor-de-cabeça. Muito grato.
Às amizades capixabas de Rudson, Hélio, Márcia, Ailton, Júnior, Josiane, Fabrício, Vânia,
Maria Clara, Cristiane... entre tantos outros. Que a cada volta estejam sempre prontos para
sentarmos no mesão do “Teobaldo”, bebermos um pouco e conversarmos muito. Saudades
do Espírito Santo.
E à minha Fabiana, pela atenção com que cuida de mim nesta mais de uma década de
convívio. Agora que vivemos um para o outro espero poder sempre retribuir esse cuidado.
Muito obrigado.
9
“... e ali logo em frente a esperar pela gente o futuro está...
...e o futuro é uma astronave que tentamos pilotar...”
(Toquinho e Vinícius de Moraes)
10
SUMÁRIO
CONSIDERAÇÕES INICIAIS............................................................................... 12
a) A construção do tema do projeto .................................................................. 12
b) A definição do objeto de estudo ................................................................... 13
c) Os pressupostos metodológicos ................................................................... 15
CAPÍTULO 1
A pinhole e o desvelamento de um universo paralelo:
Uma outra dimensão imagética ....................................................................... 24
1.1 – O início da representação......................................................................... 24
1.2 – Das cavernas ao estudo da ótica.............................................................. 28
1.3 – Imagem renascentista: nasce a perspectiva artificialis............................. 31
1.4 – Imagem na modernidade: invenção-descoberta da fotografia.................. 38
1.4.1 – A fotografia latente na modernidade.............................................. 40
1.4.2 – O paralelismo entre fotografia e pinhole........................................ 44
1.4.3 – Fotografia-pinhole: uma desconexão............................................. 47
1.4.4 – Mudança de paradigma com a pinhole.......................................... 51
CAPÍTULO 2
Desvendar os aspectos técnicos:
Como funciona a pinhole? ............................................................................... 54
2.1 – A câmera obscura e o ambiente de construção da imagem .................... 54
2.1.1 – Formatos de câmeras ................................................................... 56
2.2 – O material sensível................................................................................... 60
2.3 – O buraco da agulha ................................................................................. 64
2.3.1 – Desmitificar a fotografia ................................................................ 65
2.3.2 – Desumanizar a fotografia .............................................................. 67
2.3.3 – Fórmulas e tabelas........................................................................ 68
CAPÍTULO 3
A subjetividade na pinhole:
As coisas como medida das coisas ................................................................ 73
3.1 – (Des)construir o aparelho ......................................................................... 73
3.2 – A ausência de objetivas............................................................................ 78
3.3 – As imagens do acaso ............................................................................... 83
3.4 – O diálogo com as coisas........................................................................... 88
3.4.1 – Diálogo com o corpo ou a coisificação do homem......................... 90
11
CAPÍTULO 4
Pinhole no Brasil:
Um breve panorama .......................................................................................... 93
4.1 – A busca pela experimentação................................................................... 93
4.1.1 – Começo da fotografia no Brasil...................................................... 94
4.1.2 – O pictorialismo e o fotoclubismo.................................................... 97
4.2 – A produção com pinholes no Brasil ......................................................... 100
4.2.1 – Regina Alvarez .............................................................................. 102
4.2.2 – Paula Trope................................................................................... 104
4.2.3 – Outros experimentadores .............................................................. 106
4.3 – Passado e futuro: o encontro das pinholes com a internet....................... 107
4.3.1 – O panorama brasileiro atual .......................................................... 109
4.3.1.1 – Foto-cidadania............................................................... 110
4.3.1.2 – Foto-arte-educação........................................................ 113
4.3.1.3 – Fotografia autoral........................................................... 116
CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................ 121
REFERÊNCIAS.................................................................................................... 125
ANEXOS ............................................................................................................. 131
12
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
a. A construção do tema do projeto
Este projeto é resultante de um trabalho de cerca de cinco anos de
pesquisa sobre a técnica pinhole. No início da graduação, ainda no ano de 1996, na
Universidade Federal do Espírito Santo, tive pela primeira vez contato com as
fotografias produzidas a partir deste processo alternativo. Poder fazer fotos sem a
necessidade de utilizar aparatos tecnológicos avançados impressionou-me muito,
até por que neste momento já trabalhava profissionalmente como fotógrafo. Usar
uma lata de leite em pó com um ínfimo orifício e capturar uma imagem era algo
fascinante. Foi paixão à primeira foto.
No seio da comunidade acadêmica, coloquei-me a utilizar esta técnica
fotográfica de maneira experimental e como ferramenta em oficinas ministradas
como atividade do Centro Acadêmico. Quando atuei como monitor do laboratório de
fotografia do Departamento de Comunicação, decidi que meu projeto experimental
seria um trabalho com as câmeras de orifício. Entre novembro de 1999 e janeiro de
2000 registrei a Cidade Alta de Vitória – o centro antigo da capital capixaba. A
pesquisa e a experimentação com diversos tipos de câmeras levou-me ao extremo
do cansaço, a ponto de passar noites em claro – ou melhor, no escuro – no
laboratório ampliando as fotografias.
Após a extenuante e bem sucedida iniciativa – da qual resultou o
trabalho de conclusão de curso sob o título “Vitória Pelo Buraco da Agulha: uma
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experiência com a fotografia sem câmera” – o caminho profissional afastou-me da
fotografia. Fui trabalhar nas redações dos dois principais jornais do Espírito Santo na
produção e revisão de textos. Mas não me afastei definitivamente daquelas imagens
instáveis. Continuei fotografando com câmeras convencionais, mas as fotos feitas
com latinhas ou caixas de papelão nunca mais me abandonaram. Nesta busca pela
compreensão das especificidades das pinholes e após a comprovação da carência
de investigações neste campo da fotografia, optei por desenvolver o presente projeto
de pesquisa.
b. – A definição do objeto de estudo
Num primeiro momento, para construir o projeto apresentado neste
Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Cultura, mantive o foco na
fotografia feita sem câmeras tradicionais. Contudo, estava buscando um diálogo
mais amplo no sentido de tangenciar as novas tecnologias e a imagem digital. A
tentativa sumária era de constituir o corpus da pesquisa na dicotomia entre a alta
tecnologia e a produção de imagens com o máximo de despojamento.
Ao ingressar no Mestrado, tinha a convicção de que conseguiria estudar
essas duas faces do universo imagético. Estava determinado a compreender esses
extremos da fotografia. Contudo, a tarefa parecia cada vez mais impossível. Isto por
dois principais motivos: primeiro, porque não encontrava uma produção consistente
em relação à fotografia pinhole; segundo, devido à dificuldade de se percorrer um
caminho tão amplo. O trabalho empírico seria limitado por um espaço temporal em
que a própria produção fotográfica digital está em mutação. O perigo de apoiar o
14
trabalho em bases tão movediças e de produzir uma pesquisa datada fez com que
reduzisse a amplitude do projeto. Passaria agora a estudar “apenas” a produção de
fotografias com câmeras artesanais, especificamente aquelas feitas sem o auxílio
das lentes.
Entretanto, essa delimitação não significou diminuição. Ao contrário. A
partir do momento em que o foco foi concentrado nas fotos feitas sem alta
tecnologia, percebi que era a oportunidade de investigar as especificidades das
pinholes, produzindo o material que tanto me faltou quando do processo de pesquisa
bibliográfica acerca deste tema. Era a chance de reunir num só trabalho todas as
informações que havia coletado desde as primeiras investidas no domínio da
fotografia experimental, ainda na graduação. A originalidade do estudo consiste
justamente em abordar de maneira sistematizada a produção de fotografias com o
mínimo de recursos.
Sendo assim e além dos aspectos pessoais, este projeto se justifica por
ainda mais dois motivos: profissional e acadêmico. Profissional porque acredito que
a prática fotográfica não pode ficar restrita apenas ao “capturar a imagem”. É preciso
“pensar a imagem”. Há pouca tradição de fotógrafos que se propõem a deixar as
câmeras de lado e colocar as mãos na caneta ou no teclado. Como fotógrafo e
jornalista, tento unir esses dois aspectos da produção de informação, trazendo a
imagem para o campo da palavra numa relação de complementaridade e não de
exclusão. Pensar o fazer fotográfico e fazer fotografias.
15
Já no âmbito acadêmico, este projeto instigou-me a lançar luz sobre uma
sociedade que não se cansa de produzir e consumir imagens, como afirmou Susan
Sontag (1981). Mas que mantém uma tradição figurativa, apesar de todas as
investidas da produção imagética com alta tecnologia e muitas vezes sem a
necessidade da luz. Mesmo quando a imagem se liberta da “ditadura da luz”, a
figuração permanece como o grande referencial. A inserção do estudo de uma
técnica fotográfica que permite a subversão dessa lógica figurativa – estabelecida
como predominante desde o Renascimento – mas que permanece refém dos raios
luminosos soa como um desafio aos produtores de imagens de síntese. Não são
apenas deformações óticas, mas o surgimento de verdadeiras passagens de ponto
de vista.
Interessante destacar que a investigação deste objeto de estudo me
possibilitou articular uma rede de produtores de fotografias com pinholes no Brasil,
num trabalho que reúne desde jovens fotógrafos a grandes nomes da cena
fotográfica brasileira. Contudo, mesmo entre estes apaixonados pela precariedade
do apparatus, as pinholes ganham sempre ares de uma técnica menor. Poucos são
os que se debruçam com profundidade sobre este tema específico, o que imputa um
limitado universo de análises e trabalhos. E em sua maioria os estudos abordam
sempre questões relativas às fotografias com latinhas como uma ferramenta didática
no ensino, seja para crianças ou para adultos. Penso ser esse um erro e o presente
projeto é uma tentativa de amenizar este hiato conceitual, permitindo a compreensão
das fotografias com pinholes como um olhar que enxerga o mundo fora das lentes
humanóides das câmeras tradicionais.
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c. os pressupostos metodológicos
O objeto desta dissertação, portanto, consiste no estudo da produção
de fotografias com câmeras de orifício e sem o apoio das complexas máquinas
convencionais. Contendo um cunho descritivo-exploratório, esta pesquisa contém
os seguintes objetivos:
— caracterizar a história da produção de imagens, dando ênfase à
origem da fotografia e identificando nesta um elemento de consolidação da
sociedade imagética atual.
— analisar as especificidades da produção fotográfica com pinholes e as
implicações decorrentes de determinados aspectos das câmeras, isto a partir de três
lógicas centrais que permeiam esse ato:
lógica de construção: o ato de construir a própria ferramenta de
captação das imagens; a relação diferenciada com este produto; e a interação
dentro do processo de fabricação (construir);
lógica de observação: a fotografia pinhole se caracteriza como uma
prática que tem no ato de ver um aspecto fundamental, pois o controle sobre as
variáveis da produção da imagem é algo raro e delicado (observar);
17
lógica das experimentações: o processo é essencialmente
experimental e permite que qualquer ambiente oco possa ser transformado em
câmera fotográfica (experimentar).
— traçar um panorama da produção de fotografias com câmeras de
orifício no Brasil, reunir informações históricas sobre o movimento fotográfico
pinholista nacional e perceber como ele se insere no contexto internacional.
Para cumprir esses objetivos, realizei inicialmente uma pesquisa
bibliográfica, tendo as seguintes categorias como eixo teórico de análise: (1) História
da Fotografia; (2) Pinhole ou fotografia estenopéica; (3) Fotografia no Brasil.
A categoria História da Fotografia aparece como macro panorama para
este estudo. Elemento fundante, foi essencial traçar uma história que permitisse
compreender onde se insere o debate sobre produção de imagens sem a utilização
de recursos tecnológicos, como as lentes. Há uma busca por criar um paralelo entre
a historiografia tradicional e a específica sobre pinholes.
Já a categoria Pinhole ou fotografia estenopéica – que significa “buraco
de agulha” – é a parte central da pesquisa bibliográfica. É o que justifica este projeto.
Contudo, posso afirmar que a produção limita-se a poucos e repetitivos artigos
publicados de maneira fragmentada e anacrônica em língua portuguesa – o material
mais vasto é encontrado em inglês. Apesar da carência, nota-se um crescimento do
estudo e da produção de fotografia com pinholes no Brasil.
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Quanto à categoria Fotografia no Brasil, ela é um eixo que ainda
demanda muita investigação, apesar da melhora no quadro de publicações. Estudar
os modos de produção fotográfica nacional de maneira histórica e continuada é um
dos elementos motivadores deste trabalho, e é certamente um objeto riquíssimo.
Após o recorte bibliográfico e a delimitação do objeto, iniciei, nos
primeiros meses de 2004, a fase de coleta de dados. Como pretendia atuar em duas
frentes distintas – a busca por material sobre pinhole em língua portuguesa e traçar
um panorama da produção no Brasil –, decidi priorizar a reunião do máximo de
conteúdo sobre pinhole em português. O primeiro passo foi buscar publicações, mas
pouca coisa foi encontrada, salvando-se algumas matérias de jornais. A segunda
etapa foi tentar montar o quebra-cabeça dos produtores de fotografia pinhole
brasileiros.
Bibliotecas e centros de documentação foram buscados em vão. Da
Biblioteca Nacional à Funarte o tema fotografia artesanal comumente refere-se
apenas ao processo de manipulação do material sensível – uma das técnicas
empregadas pelos fotógrafos do movimento pictorialista para diminuir a nitidez das
fotografias. A partir das limitações impostas pela carência de dados, optei por lançar
mão da internet para alcançar melhores resultados. E a rede mundial de
computadores surgiu com informações fundamentais para alcançar o objetivo do
trabalho. O corpus da pesquisa foi então constituído pela produção de pinholes que
estava disponibilizada on-line. A definição deste espaço da pesquisa foi fundamental
para a formação do panorama brasileiro.
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Entretanto, utilizar a grande teia de computadores demanda uma
capacidade infinita de processar os dados, algo que nem eu nem qualquer outro ser
humano tem. Para encontrar a informação desejada na internet foram utilizados
programas ou sites de busca. Na dissertação, vários diferentes foram usados, no
intuito de potencializar o encontro de toda e qualquer informação relevante sobre o
tema. O Google, o Radix e o Yahoo! foram os três mais empregados. Mas os
buscadores não resolveram todo o problema. Mesmo com o apoio deles, o termo
“pinhole” é encontrado como palavra-chave em quase 9 mil homepages. A partir
desta gama incontável de páginas virtuais, decidi cruzar as informações via on-line
com os dados coletados em entrevistas com fotógrafos brasileiros que trabalham
com pinhole. Somente quando uma informação aparecia com consistência nas duas
fontes de coleta de dados ela era inserida no trabalho. O cruzamento de dados
funcionou como um filtro para a pesquisa.
Em virtude da extensão da pesquisa sobre história da fotografia e sobre
pinhole, além de muitos contratempos inerentes ao ato de produzir uma dissertação,
a fase de entrevistas compreendeu o período de janeiro de 2005. Com a
proximidade com a data da apresentação, a coleta de dados via internet foi
fundamental para traçar o breve panorama dos produtores de pinhole no Brasil. A
busca por trabalhos de Miguel Chikaoka ou Dirceu Maués, em Belém (PA), ou pela
produção do grupo Lata Mágica, de Porto Alegre (RS), somente foi possível devido
ao meio eletrônico de comunicação. Curioso é que justamente a rede mundial de
computadores, o símbolo máximo da evolução tecnológica informacional, foi
ferramenta elementar desta pesquisa, que procura resgatar e valorizar uma técnica
fotográfica que abre mão do aparato fotográfico desenvolvido.
20
Essa abordagem qualitativa permitiu que fugisse dos inúmeros sites na
internet que abordam a questão da fotografia pinhole apenas como fato curioso,
inusitado, do tipo “ver para crer”. Aliás, milhares de homepages citam a pinhole
como uma forma de dar os primeiros passos no universo fotográfico. Contudo,
pouquíssimos são os que mantêm um debate efetivo com esta específica forma de
representar o mundo. Entre os trabalhos a serem reportados como referências na
internet situam-se a produção do norueguês Jon Grepstad
(
http://home.online.no/~gjon/) e o trabalho do casal norte-americano Eric Renner e
Nancy Spencer (
www.pinholeresource.com). Em língua portuguesa, os principais
sites são o criado pelo professor mineiro Cleber Falieri (www.eb.ufmg.br/cfalieri/) e o
do grupo gaúcho Lata Mágica (
www.latamagica.art.br).
O fato de não trabalhar com a produção anônima ou que circula fora do
corpus que delimitei não invalida as tantas imagens que se escondem atrás de cada
link, de cada nó da grande teia de computadores. Como já citado anteriormente, as
fotografias e os fotógrafos aqui descritos ilustram apenas uma pequena amostra do
que atualmente se produz no Brasil com câmeras de orifício. Isto se deu por força do
recorte metodológico, em razão da necessidade de cumprimento dos prazos da Pós-
Graduação e por causa da minha limitação de mobilidade, já que não poderia
entrevistar todos os fotógrafos brasileiros de pinhole.
Assim, o universo de fotógrafos entrevistados in locus limitou-se àqueles
que trabalham no Rio de Janeiro. Entre eles destaco o empenho de Simone
Rodrigues. Ela coordena o Ateliê da Imagem, um centro cultural e artístico onde um
21
grupo de pinholistas discute a técnica e realiza oficinas. Entre as atividades estão
incluídas palestras com fotógrafos até de outros países, como foi o caso da
presença do alemão Jochen Dietrich, que tem um trabalho muito consistente com
pinholes e é um dos nomes mais significativos neste campo.
Durante a construção desta dissertação houve um processo no qual
percebi a importância futura do trabalho. Muitos dos entrevistados ansiavam por ter
acesso às informações por mim coletadas, numa necessidade de reunir esses tantos
textos fragmentados sobre esta técnica fotográfica. Essa nuança do objeto de
investigação somente foi percebida dentro da pesquisa. E para lançar luz sobre esse
tema tão pouco estudado, proponho-me a fazer o caminho inverso ao trilhado
durante a coleta de dados e disponibilizar o trabalho na internet. Talvez assim
consiga fechar o ciclo de produção deste objeto de estudo, que visa o
aprofundamento da compreensão sobre as especificidades da técnica pinhole. Além
disso, o fato de inserir o trabalho na rede mundial de computadores é um
reconhecimento de que este ambiente informacional aparece como uma ferramenta
fundamental para divulgação, difusão e aprofundamento das experimentações com
câmeras de orifício.
A dissertação está dividida em quatro capítulos. No primeiro, tento
articular a necessidade do homem de ter imagens em seu cotidiano desde os
primórdios. A expressão, inicialmente, e a comunicação, a posteriori, têm na
formação imagética algo essencial. Contudo, proponho uma visão compreendendo a
existência das imagens formadas sem a necessidade de aparatos tecnológicos.
Neste panorama as imagens formadas pelas câmeras obscuras na Antigüidade e na
22
Idade Média surgem como pilares para a existência de um paralelismo entre a
fotografia tradicional e as imagens produzidas com câmeras de orifício. Há uma
busca, portanto, para desvendar os princípios da fotografia com pinholes e criar uma
cronologia desta técnica. Além disso, inicio o debate sobre essa nova visualidade a
partir de imagens formadas sem o auxílio “objetivo” das “objetivas” ou lentes de
correções.
O segundo capítulo é a descrição empírica de como as câmeras de
orifício funcionam. Desvendar o processo de produção imagética a partir da prática e
do trabalho com pinholes. A desconstrução do aparelho serve para destacar suas
características mais elementares. Assim, o fato de, na maioria das vezes, o próprio
fotógrafo construir sua câmera a partir de materiais simples – como uma lata de leite
em pó vazia – o transforma num agente com função ampliada no processo
fotográfico. Não mais apenas um “apertador de botão”. Também são tratados outros
dois aspectos fundamentais nesse capítulo: o material fotossensível e o orifício. Há
também sugestões de cálculo do diâmetro tido como ideal para determinados
formatos de câmera. Algumas tabelas poderão ajudar futuros pinholistas.
No terceiro capítulo ponho-me a analisar a subjetividade presente nas
fotografias feitas com pinholes. Suas especificidades determinam uma série de
nuanças e a forma de produção. As imagens resultantes desta técnica mergulham o
observador num universo distinto daquele encontrado na maioria das fotografias. O
olho humano deixa de ser a medida das coisas e passamos a perceber o mundo
retratado como se fôssemos uma lata, um ovo ou um pimentão. Ou até mesmo uma
grande torre. Esse é o grande trunfo das pinholes: despertar uma nova visualidade e
23
permitir e determinar a subversão da convenção perspectiva instituída nos
primórdios do Renascimento e que padroniza o nosso modo de ver.
No quarto capítulo, trago o foco para a realidade brasileira. É o resultado
da pesquisa qualitativa. Os modos específicos e as sintonias com a produção
internacional podem ser observados nesta parte do trabalho. Há busca por uma
historicidade das fotografias com câmera de orifício no Brasil, mas a carência de
informações deixa ainda muitas lacunas. Por fim, traçamos um breve panorama dos
profissionais – ou amadores, no melhor sentido da palavra (aqueles que amam) –
que atualmente estão se voltando para esta despojada técnica de produção
imagética. A partir da disponibilização das fotografias com pinhole na internet montei
o panorama, que na verdade é apenas o ponto inicial daquilo que poderá se
transformar posteriormente numa ampla, geral e irrestrita radiografia da produção
fotográfica brasileira através de técnicas alternativas.
24
Capítulo 1
A pinhole e o desvelamento de um universo paralelo:
Uma outra dimensão imagética
“A fotografia tem poderes que nenhum outro sistema jamais possuiu, pois,
ao contrário dos anteriores, ela não depende do fotógrafo”
Susan Sontag
1.1 – O início da representação
“A fotografia (...) desde os primórdios de sua prática, tem sido conhecida
como o ‘espelho do mundo’”. Arlindo Machado (1984, p. 10) subverteu, há exatas
duas décadas, o sentido que se havia dado à imagem fotográfica. Ele buscou a todo
momento encontrar na fotografia não apenas o reflexo desse “espelho” mas também
a apresentação de uma ideologia em cada raio luminoso armazenado. Levando um
pouco mais à frente a discussão surge a seguinte questão: por que fotógrafos
buscam na desconstrução imagética presente nas fotografias feitas com pinholes
1
sua forma de retratar a realidade?
Produzir uma fotografia utilizando apenas uma caixa de papelão ou uma
lata de leite em pó causa uma sensação de estranhamento que desconcerta muitos,
acostumados à paz proporcionada pelas fotografias tradicionais, resultado de
correções através de lentes, filmes especiais ou melhorias realizadas por meio de
recursos digitais. As imagens das pinholes tendem a ser muito menos
1
Neste trabalho, o termo pinhole aparece com significados diferentes. Pode estar sendo utilizado para se referir
ao espaço por onde a luz passa (pin-agulha; hole-furo); ao tipo específico de técnica fotográfica artesanal; ou às
fotografias já produzidas. Quando referido à técnica, pode aparecer também como “fotografia estenopéica”,
nome mais utilizado em alguns países europeus, como Itália, França ou Espanha. Já pinhole é mais utilizado nos
25
representativas, fugindo do “espelho do mundo”, lançando fotógrafo e observador
num universo paralelo dentro da história da fotografia. Este “ver de outra forma”
entra na contramão da história, visto que nunca foi tão difundida a produção de
imagens na sociedade. Para ilustrar isso, basta citar o fato de que a produção de
telefones celulares com câmeras fotográficas embutidas já é uma realidade.
Atualmente já são comercializados mais aparelhos celulares com câmera que
máquinas fotográficas digitais (RONAI, 2003).
A robusteza, a rusticidade, a crueza das experiências com pinholes nos
dá a pensar um pouco no vem a ser uma imagem sem intermediários. Estar em
contato com uma realidade que não foi planejada, que não foi organizada e que
tende a fugir do domínio de quem a tenta domar é uma sensação, no mínimo,
intrigante. Ao mesmo tempo em que o sentimento de liberdade pode ser
experimentado de maneira única, levando às últimas conseqüências a determinação
de jogar contra o aparelho (FLUSSER, 2002, p. 75), o fato de estar refém das regras
também faz com que o receio do resultado seja um elemento que não se pode
desprezar. Indubitavelmente, os fotógrafos que se permitem enveredar pelo universo
das imagens com pinhole não podem retornar ao mundo da fotografia tradicional
incólumes. Jamais olharão o mundo sem pensar que há muito mais entre o objeto
retratado e o aparato do que podemos imaginar. A imagem sem intermediários é e
sempre será algo que caminha no limiar da santidade e da profanação, do belo e do
bizarro, da explicação e complicação. É arriscar-se. Como caminhar na corda-bamba
de olhos vendados: sabe-se que, mesmo que caia, sentirá o mundo de uma forma
Estados Unidos e Inglaterra. No Brasil, há predomínio da grafia pinhole, mas também são encontradas citações
com “fotografia sem câmera”.
26
livre. Com se fosse um rito de passagem em que o olhar é ensinado a ver de outra
forma aquilo que tinha se tornado banal.
Mas darei um salto para trás na busca pela origem da imagem como
elemento constitutivo da sociedade moderna e contemporânea. Compreender que a
imagem não é um fenômeno recente na história da humanidade é um passo
fundamental nesta incursão. Começo respondendo à pergunta: o que é imagem?
Jacques Aumont (1993) dá sua contribuição:
“As imagens, artefatos cada vez mais abundantes e importantes em nossa
sociedade, não deixam por isso de ser objetos visuais como os outros, regidos
exatamente pelas mesmas leis perceptivas” (p.17).
Já Raymond Bellour afirma categoricamente que “sabemos cada vez
menos o que é a imagem” (1993, p. 214). Invertendo a ótica trabalhada e para
facilitar a compreensão desse conceito buscamos o oposto então: o que não é
imagem? Tudo o que nos cerca são imagens, e estas se fazem à medida que
compõe a nossa humanidade. As imagens sempre estiveram presentes na história
do homem, seja qual for a fonte a partir da qual se conte essa história.
“De um modo mais ou menos confuso, lembramos que ‘Deus criou o homem à
sua imagem’. Esse termo, imagem, aqui fundador, deixa de evocar uma
representação visual para evocar uma semelhança. O homem-imagem de uma
perfeição absoluta para a cultura judaico-cristã une o mundo visível de Platão,
sombra, imagem do mundo ideal e inteligível, aos fundamentos da filosofia
ocidental. Do mito da caverna à Bíblia, aprendemos que nós mesmos somos
imagens” (JOLY, 1996, p. 16).
Talvez por essa imanente-transcendência da nossa imagem, tenhamos
que carregar ad infinitum a responsabilidade de sermos imagéticos por natureza.
Partindo deste pressuposto da essência do imagético no humano, podemos concluir
27
então que não é à toa que os homens já faziam gravuras nas paredes de suas
cavernas, as transformando em verdadeiros espaços para a exposição de suas
imagens. Eles poderiam estar tentando, quem sabe, passar também pela posição de
criador, também dando vida a criaturas à sua imagem e semelhança.
Vemos então que a questão da imbricação imagem-homem vem de
longe, muito longe, mas continua nos intrigando até os dias atuais: das pinturas
realizadas pelos “precursores da escrita” (JOLY, 1996, p. 18) nas cavernas e da
caverna de Platão
2
até as mais modernas imagens de síntese
3
. Assim colocada, a
questão da imagem não pode ser dissecada se estiver descontextualizada da
história da humanidade.
Mas não apenas as imagens da representação do cotidiano do homem
pré-histórico compõem o universo imagético primitivo. E é justamente neste contexto
que se inserem as primeiras imagens formadas através de um furo, ou seja, o
produto das primeiras pinholes. A luz que atravessa um pequeno orifício,
independente de sua época, e forma uma imagem num ambiente escuro, se faz
imagem e se faz visível.
2
Para Platão o mundo das aparências é uma grande caverna subterrânea onde o ser humano se encontra
acorrentado sem poder mover o pescoço e nem contemplar o verdadeiro mundo (das idéias), de onde as
sombras são projetadas no fundo da caverna. “Como jamais viram outra coisa, os prisioneiros imaginam quer as
sombras vistas são as próprias coisas”. (CHAUI, 1995, p. 40).
3
Imagem de síntese é aquela “obtida através de matrizes numéricas através de algorítimos e cálculos
algébricos. (...) A imagem de síntese é utilizada em videogames, simuladores de vôo, vinhetas, publicidade e em
efeitos especiais no âmbito do audiovisual.” (PARENTE, 1993, p. 284).
28
1.2 – Das cavernas ao estudo da ótica
O fenômeno compreendido como a passagem de raios luminosos
através de um pequeno orifício pode resumir o princípio da pinhole. Essa
constatação não é nova. Ao contrário: é tão antiga quanto a própria noção de
humanidade. Eric Renner (2000) afirma que os homens das cavernas deveriam já ter
contato com as imagens formadas através de pequenos orifícios, ou primitivas
pinholes.
Como é de conhecimento geral atualmente, uma imagem sempre é
formada quando um local escuro é invadido pelos raios luminosos que atravessam
um pequeno buraco. Este fenômeno justifica a afirmação de que os primeiros
hominídeos já viam imagens reproduzidas da realidade. Fazendo um exercício de
retorno às situações vividas por esses homens poderemos ter uma idéia de como as
imagens invadiam seus ambientes de proteção contra a hostilidade externa.
Imaginemos que as cavernas onde esses primitivos se abrigavam eram locais com
certo grau de escuridão. Havia uma vegetação que caía nas entradas das cavernas.
Era perfeitamente possível que pequenos orifícios deixassem penetrar no ambiente
escuro alguns raios solares. E esses reproduziam dentro da caverna os
acontecimentos externos, como verdadeiros cinemas ou os modernos ambientes
imersivos. A situação possivelmente vivida pelos homens das cavernas pôde ser
comprovada no relato do pesquisador Donald Perry, depois de uma experiência nas
florestas da Costa Rica.
I climbed a few feet above the floor and turned off the light, again hoping to
draw additional animals to the hollow. After several moments I became aware
29
of slight changes in the natural light level within the cavern. For a moment I
thought it was my eyes adjusting to the darkness, but I soon realized the
phenomenon was due to an opening in the opposite wall. Very weak an
wavering light come through a small, cone-shaped hole three feet above the
floor. In effect, the hole end near pitch-black cavern constitute a crude optical
device. The role acted as a lens to cast a fuzzy image of the outside world onto
a well (RENNER, 2000, p. 2-3)
Experiência parecida, porém menos primitiva e mais planejada, foi
realizada pelo fotógrafo Jochen Dietrich. Ele estabeleceu uma relação entre
fotografia, cinema e arquitetura ao retratar antigos cine-teatros de Portugal com
pinholes. Contudo, ao entrar numa das salas de projeção, o Oriental Cinema em
Portimão, Dietrich foi surpreendido com um filme permanente em exibição na tela: a
própria movimentação das ruas.
Quando entrei e fechei a porta atrás de mim, passavam-se imagens lá dentro.
O cinema estava vazio, não havia cadeiras nem instalação de luz; restavam
apenas as paredes brancas e nada mais. Fiquei transtornado e só algum
tempo depois pude perceber que o dispositivo de projeção era uma janelinha
no meio da fachada que dá para a sala de projeção. Era esse orifício o pinhole
que fazia de todo o edifício uma câmera obscura (DIETRICH, 2000, p. 146)
.
Apesar de as duas citações acima serem muito descritivas, devo
sustentá-las na medida em que comprovam a surpresa diante da revelação do
fenômeno da formação de imagem por um pequeno furo. Mesmo profissionais
ligados à imagem, como é o caso de Dietrich, são surpreendidos pela imagem das
pinholes. Imaginemos então o comportamento das pessoas que presenciaram um
fenômeno desses há 10.000 anos. Certamente estaria ligado a questões míticas. O
mito por trás da imagem e através de um pequeno orifício.
Na tentativa de compreender o fenômeno por trás do mito, muitos se
enveredaram no estudo da ótica. Entre os vestígios mais remotos dos estudos das
características óticas das pinholes estão os escritos de Mo Ti, na China, datados de
30
cerca de 4.000 anos a.C. Já no ocidente as investigações de Aristóteles são mais
recentes, porém não menos importantes: remetem a 330 a.C. “Why is it when the
sun passes through quadrilaterals, as for instance in wicker work, it does not produce
figures rectangular in shape, but circular?”, questionava Aristóteles (Aristóteles apud
RENNER, 2000, p. 4). Naquela época, muitos estudiosos já usavam pequenos
orifícios para observar os eclipses solares, evitando assim que os raios do sol
ferissem seus olhos.
Muitos cientistas investigaram e teorizaram os fenômenos óticos a partir
de experiências com pinholes. Um dos maiores foi o egípcio Ibn al-Haitham (965-
1039), conhecido como Alhazen. Ele organizou três velas enfileiradas e colocou um
anteparo com um pequeno furo entre as velas e a parede. Alhazen notou que uma
imagem era formada na parede e que a vela que estava à direita aparecia à
esquerda. Destas observações ele deduziu a linearidade da luz (RENNER, 2000, p.
5). Alhazen é considerado um pioneiro no estudo da ótica e dos fenômenos que
deram origem àquilo que hoje definimos como sociedade da imagem (VIRILIO, 1994,
p. 18).
Após passarmos superficialmente pelos impactos do fenômeno
imagético nas sociedades pré-históricas e da Antigüidade, tomarei como segundo
passo para esta investigação o período histórico compreendido como o
Renascimento
4
. Dentre os argumentos para tal decisão apresento a invenção da
4
Renascimento é o período compreendido entre os séculos XIII e XVI na Europa, quando o pensamento
medieval, dominado pela religião, cede lugar para uma cultura voltada para os valores do indivíduo. Os artistas
buscam uma representação mais fiel possível da realidade, tentando recriar na tela os seres presentes no mundo
visível. (cf. CAVALCANTI, 1968)
31
perspectiva artificialis e sua utilização como ferramenta da arte de produção
imagética, fato que influenciou toda a cultura ocidental a ponto de relacionarmos
imediatamente imagem com representação pictórica a partir do centramento no olho
humano. Foi nesta época que inúmeros dispositivos de pré-automação do olho
foram disseminados a partir de experimentos de cientistas, curiosos, técnicos ou
pessoas comuns.
Tomarei como segundo ponto fundamental o surgimento da fotografia no
momento histórico definido como modernidade. A fotografia é determinante e
permeia toda a história do homem moderno, justificando assim esse foco de análise.
No terceiro momento deste capítulo, tentarei examinar como ocorre o
desprendimento da fotografia “tradicional” daquela feita com pinholes, e como este
movimento ganha autonomia, sendo retomado com virilidade no circuito artístico
contemporâneo. Neste momento o universo paralelo da fotografia com pinhole se
explicita. O que parece ser apenas um detalhe pode na verdade compor o leque de
explicações para a difusão de trabalhos fotográficos que se utilizam de métodos
rústicos, até mesmo arcaicos, para a produção de imagens.
1.3 – Imagem Renascentista: nasce a perspectiva artificialis
5
Qualquer trabalho que se preze sobre imagem necessita,
obrigatoriamente, transitar pelo período compreendido como Renascimento. E este
5
A imagem perspectiva, ou aquela formada segundo as leis da ‘perspectiva artificialis’, é aquela que se produz a
partir de uma convergência das linhas em um plano; em particular as linhas que representam retas
perpendiculares ao plano da imagem convergente em um ponto, o ponto de fuga principal, também chamado de
ponto de vista (cf. AUMONT, 1993, p.216)
32
estudo não será exceção. O Renascimento foi tão importante no estabelecimento da
perspectiva artificialis – ou linear, ou ainda central ou tantos outros sinônimos – que
funda uma convenção que determina o modo de ver da maioria da humanidade por
cerca de quinhentos anos (MACHADO, 1984, p. 63). “Para o homem do
Renascimento, a perspectiva artificialis significou o descobrimento de um sistema de
representação ‘objetivo’, ‘científico’ e, portanto, absolutamente ‘fiel’ ao espaço real
visto pelo homem”
6
. O olho humano passa a ser a medida de todas as formas de
representar o real. Com a perspectiva artificialis procurou-se copiar a perspectiva
natural processada no olho humano, contudo com um objetivo determinado: “fazer
da visão humana a regra da representação” (AUMONT, 1993, p. 215).
Dessa forma, temos que manter a questão da perspectiva artificialis com
o Renascimento. Ela tornou-se possível e necessária pelo aparecimento “de um
‘espaço sistemático’, matematicamente ordenado, infinito, homogêneo (...)
correspondente à óptica geométrica”
7
. Naquele momento histórico, em que o
“homem é a medida de todas as coisas”
8
, em que o princípio era ser fiel ao visível,
surgem muitos experimentos que buscam tornar o mais real possível a imagem
criada pelos pintores. As obras passam a ter um caráter simbólico de ser como o
real, ser uma extensão do real, ser parte do real.
A perspectiva central e uniocular inventada no Renascimento introduziu nos
sistemas pictóricos ocidentais a estratégia de um efeito de “realidade” e fez
com que os seus artífices mobilizassem todos os recursos disponíveis para
produzir um código de representação que se aproximasse cada vez mais do
“real” visível, que fosse o seu analogon mais perfeito e exato. Não se tratava
apenas – isso é o mais importante – de buscar recursos para representar o
“real”, no sentido de que todo e qualquer sistema de signos busca de alguma
6
Ibid., p. 64.
7
Ibid., p. 216-217.
8
Na Antigüidade Protágoras (486 a.C. – 404 a.C.) proclamou essa frase, retomada com muita propriedade para
exemplificar o centralismo no homem durante o Renascimento.
33
forma se referir a algo “real”: a estratégia introduzida pela perspectiva
renascentista visava suprimir – ou pelo menos reprimir – a própria
representação, na medida em que esse analogon buscado deveria ter
espessura e densidade suficientes para se fazer passar pelo próprio “real”
(MACHADO, 1984, p. 27).
Tal busca, que jamais seria alcançada, necessitava de um aparato que
permitisse dominar a imagem, confiná-la num espaço. Começava, naquele
momento, a se desenhar uma nova relação entre o homem ocidental e a imagem. A
imagem perspectiva, ou aquela formada segundo as leis da perspectiva artificialis, é
aquela que se produz a partir de uma convergência das linhas em um plano; em
particular as linhas que representam retas perpendiculares ao plano da imagem
convergente em um ponto, o ponto de fuga principal, também chamado de ponto de
vista. Ou seja, a perspectiva é um sistema centrado, cujo centro corresponde, quase
automaticamente, a um observador humano. Um centramento no humanismo
(AUMONT, 1993, p. 216-217).
Dos primeiros a utilizar a perspectiva linear como ferramenta para a
produção de imagens constam com destaque Filippo Brunelleschi (1377?-1446) e
Leon Battista Alberti (1404-1472), considerados os inventores de tal modo de
representar o visível
9
. Para demonstrar a visão especular da perspectiva,
Brunelleschi realizou uma experiência com um aparato chamado Tavoletta.
Em 1415, Fillipo Brunelleschi realiza sua primeira experiência com a Tavolleta
na Praça São Giovane, em Florença. Brunelleschi pinta sobre um pequena
tábua (Tavolleta) o batistério São Giovane visto do portal da catedral Santa
Maria del Fiore. Em seguida ele bola um dispositivo para fazer o espectador
ver a imagem pintada sobreposta à realidade que ela representa. Para que o
modelo e o real se sobreponham e se confundam tão perfeitamente,
Brunelleschi cria um orifício no reverso da imagem, na frente da qual ele
dispõe um espelho. Ao olhar a imagem através do orifício, o espectador vê o
seu reflexo no espelho. A visão direta do edifício é então ocultada, mas o
reflexo da imagem desvela a imagem pintada no reverso da Tavoletta
9
Ibid., p. 217.
34
sobreposta à realidade que o espelho encobre. Ao ver a imagem, o espectador
acredita ver a própria realidade, sobre a qual a imagem pintada se insere. A
pintura sobre a Tavoletta poderia ser vista de face, sem o orifício e o espelho
que a reflete. Mas a idéia de Brunelleschi não é a de mostrar uma imagem,
mas demonstrar um princípio, o da perspectiva, o qual deveria permitir simular,
sobre o plano bidimensional, uma realidade tridimensional (PARENTE, 1997).
O experimento de Brunelleschi utilizou um recurso primitivo para
demonstrar a perspectiva: ele usou um pequeno orifício como guia, elemento que
também era presente no princípio da câmera escura ou obscura, que há muito fazia
parte do universo dos cientistas da época. Com os feitos de Brunelleschi e Alberti
está inaugurada a fase em que a perspectiva artificialis passa a ser “a” perspectiva,
ou seja, a forma como todos deveriam ver o mundo. Para os seus inventores, a
perspectiva central corresponde à ótica geométrica “à maneira como Deus investiu o
universo” (AUMONT, 1993, p. 216). Percebe-se uma busca pela divinização do
homem, característica relevante do período histórico em que ocorrem esses fatos.
“Para Damisch, a perspectiva artificialis é (...) uma manifestação histórica de um
emaranhado de problemas filosóficos presentes desde a invenção da perspectiva
(...) que são os problemas do ver e do pensar”
10
.
Com os estudos de ótica avançando, não tardou para que os
experimentos que se apropriavam do fenômeno da câmara obscura se tornassem
públicos através de livros. Observar imagens formadas através de um furo já não era
novidade para muitos. Mas parece não haver uma concordância de que esses
experimentos eram modos de lidar com o fenômeno ótico.
10
Ibid., p. 218.
35
Apesar de as pesquisas de Brunelleschi serem anteriores e das
investigações de Alhazen já terem quase 500 anos, aparentemente foi o astrônomo
Gemma Frisius (1508-1555) ver o primeiro a publicar uma ilustração de uma câmera
obscura com pinhole (figura 1), isso já no ano de 1545, cerca de 130 anos depois
das considerações feitas por Brunelleschi (RENNER, 2000, p.12)
11
. Fato curioso
aconteceu com o cientista napolitano Giovanni Battista della Porta (1538-1615),
reconhecido por muito tempo como o inventor da câmera obscura. Ele descreveu tal
processo ótico na primeira edição da sua obra Magia Naturalis, ainda no ano de
1558, e ficou por muito tempo com os louros da descoberta. Apesar disso, o que
Giovanni havia descrito não tinha nada de novo em relação ao que muitos haviam
constatado séculos antes.
Giovanni chamou os amigos para assistirem a uma experiência com uma
grande câmara obscura. Diante da visão da imagem invertida projetada no
interior da câmara, os convidados saíram em pânico e o cientista foi conduzido
ao Tribunal Papal sob acusação de bruxaria (ALVAREZ, 1981, p.1).
Sua publicação e as apresentações de sua câmara obscura receberam
muita publicidade na época e ele foi obrigado a fugir do país para não ser
condenado. Com os princípios óticos em processo de desvelamento iniciou-se a fase
de aprimoramento das primitivas máquinas de reprodução da realidade. Muitos
artistas começaram a usar câmeras escuras portáteis para facilitar o trabalho de
pintura. Como as imagens vistas através de um furo não tinham luminosidade
suficiente para alguns trabalhos, a utilização de pequenas lentes foi uma
conseqüência natural, já que desde o século XVI, Daniele Barbaro já havia
11
Não há consenso no que diz respeito a quem foi o primeiro a descrever o princípio da câmera obscura. Lev
Manovich (2001, p. 106) afirma que o primeiro relato a respeito data de 1649, com o livro ‘Ars magna Lucis et
umbrae’, em Roma.
36
inventado as objetivas, “que consistia em um sistema de lentes côncavas e
convexas destinadas a refratar a informação luminosa que deveria penetrar na
câmara obscura” (MACHADO, 1984, p. 32). O uso dessa tecnologia permitiu que as
imagens ficassem mais orientadas no sentido de produzir automaticamente a
perspectiva. Contudo, muitos pintores continuaram utilizando câmeras obscuras
portáteis com orifício, sem o auxílio das lentes, que há de se supor eram um fator de
custo que não deveria ser desprezado.
Muitas pinturas do Renascimento foram feitas com o auxilio de um
aparato técnico de visão. O longametragem “Moça com brinco de pérola” ilustra de
maneira precisa a relação entre o pintor e seu extensor da visão no momento de
produzir suas obras
12
. Aliás, Vermmer, protagonista no filme, foi um dos artistas que
realmente utilizou o aparato para pintar suas Vista de Delft (1658) e Menina com
uma Flauta (1665). Algumas anomalias constatadas nos quadros “não poderiam
jamais ter sido imaginados pelo artista”, denunciando o uso do mediador ótico
(MACHADO, 1984, p. 31). Conseguir dar profundidade a uma paisagem
bidimensional ou representar vistas panorâmicas das cidades são pinturas que
somente podem ter sido realizadas com o auxilio dessas máquinas, que tinham num
ínfimo furo ou numa pequena lente a essência da reprodução da realidade. É
possível comprovar o uso de muitos aparelhos ao constatar a perfeição na relação
entre os elementos de cenas pintadas. Mas não foram apenas Brunelleschi e Alberti
12
No esforço de produzir obras com mais velocidade, já que seu mecenas exigia ser retratado constantemente, o
artista holandês Johannes Vermmer, protagonista do filme ao lado de sua musa inspiradora, adquire uma
câmera obscura. O objeto, contudo, é mantido escondido, deixando transparecer um preconceito por pinturas
feitas com o aparato (cf. MOÇA com brinco de pérola [Girl With a Pearl Earring], Peter Webber, Holanda, 2003).
37
que desenvolveram as primeiras máquinas de visão. Outros dois nomes de peso são
Leonardo Da Vinci e Albrecht Dürer (RENNER, 2000, p. 36-38).
Para além da questão meramente técnica e voltada aos cálculos, há um
interessante elemento a ser analisado que surge com a invenção dessas máquinas
de ver. A partir do momento em que Brunelleschi e Alberti utilizaram mecanismos
com pinholes para determinar uma nova forma de ver e representar o mundo, as
relações com o tempo e o espaço também se transformaram. Pela primeira vez foi
tentado o aprisionamento do espaço e do tempo de maneira completa. O impacto
das tecnologias na atitude de representar o visível é tão intenso que deixa de ser um
sonho a tentativa de apreender toda a essência da realidade. Depois da utilização
de aparelhos para artificializar a visão o mundo reproduzido nas imagens passou a
ser algo completamente imóvel, estático e atemporal (MANOVICH, 2001, p.104-
105). Apreender o tempo e o espaço havia se tornado algo possível. Sem dúvida, a
tentativa de dar ao homem o poder sobre o tempo e o espaço foi conquistado na
Renascença com as câmeras obscuras. Tanto o experimento de Brunelleschi quanto
o de Alberti tiveram efetivamente a utilização de pequenos orifícios. De certa forma
eram pinholes, fato que muitos historiadores não contemplam e suas análises
(RENNER, 2000, p. 30).
Seja qual for o equipamento utilizado, a forma de representação do
mundo foi alterada quando do surgimento das primeiras próteses da visão. Com a
irrupção da Modernidade, vemos findar aquilo que Paul Virilio chama de “era da
lógica formal da imagem” (VIRILIO, 1994, p. 91), ou o momento marcado pela
pintura, gravura e arquitetura. O passo seguinte seria dado com um mergulho ainda
38
mais intenso na automação do olhar. A consolidação da perspectiva central como
único e dominante caminho na tentativa de representação da realidade, os estudos
de ótica e os primeiros aparelhos para mecanizar a visão serão intensificados no
decorrer do século XIX.
1.4 – Imagem na Modernidade: invenção-descoberta da fotografia
A questão da imagem humana e divina sempre permeia a imaginação de
estudiosos e curiosos. Quando se inicia o processo de mecanização da
representação pictórica, ainda no Quattrocento, com as teorizações e invenções
óticas, o caráter divino e único daquilo que o artista via e transformava em elemento
de observação de outrem mantinha a “aura” daquilo que não pode ser tocado,
congelado, cristalizado. Mesmo com aparatos técnicos, tais como as câmeras
obscuras portáteis (descritas com detalhes em 1.2), a inscrição imagética dependia
essencialmente da interpretação e da habilidade das mãos dos pintores que
executavam o serviço. Como que preservando a concepção mítica da imagem. Com
a chegada da fotografia, a fusão homem-máquina deixa de ter pudor. Eis o momento
da efetivação da nova forma de visualidade que vinha sendo construída desde o
século XIII.
Contudo, o embate entre aqueles que defendiam as especificidades de
cada uma das duas formas de interpretação do real – pintura e fotografia – foi
(in)tenso. O desconcerto social gerado pela fotografia pode ser calculado nas
palavras de Walter Benjamin, quando cita o jornal alemão Leipzig Anzeiger, que
39
critica o “sacrilégio” que o novo invento comete ao inscrever a imagem num suporte,
sem a intervenção humana.
Querer ‘fixar efêmeras imagens de espelho não é somente uma
impossibilidade (...), mas um projeto sacrílego. O homem foi feito à semelhança
de Deus, e a imagem de Deus não pode ser fixada por nenhum mecanismo
humano, no máximo o próprio artista divino, movido por uma inspiração
celeste, poderia atrever-se a reproduzir esses traços ao mesmo tempo divinos
e humanos (BENJAMIN, 1994, p. 92).
No artigo, Benjamin apresenta, com propriedade indiscutível, aquele
momento marcado pela chegada dessa nova forma de interpretação e até mesmo
intervenção no real. O que para muitos era algo ligado indubitavelmente ao
pecaminoso desafio ao princípio divino da imagem, para outros foi o elemento que
marcou toda a modernidade. Antonio Fatorelli escreve que o “surgimento [da
fotografia] significou uma ruptura com o modelo artesanal de subjetividade, uma
passagem fundamental no regime das imagens que levou Barthes a precisar que ‘é
o advento da fotografia – e não, como se disse, o do cinema – a linha divisória da
história da humanidade” (FATORELLI, 2003, p. 48). Pela primeira vez a mão do
artista está livre e concretiza-se a realização material da imagem através de meios
mecânicos e químicos, transgredindo o regime figurativo pautado na inspiração e na
subjetividade do pintor. “As relações tradicionais do homem com o mundo se alteram
com as novidades introduzidas pela fotografia, elegendo-a um dos símbolos da
modernidade” (MELLO, 1994, p. 1).
Encontramo-nos então num momento em que causa e efeito se
imbricam. É justamente a modernidade o campo fecundo que permite o surgimento
da fotografia. Não se pode compreender esse engenho que impetrou um novo
modelo de subjetivação sem investigar um movimento que vinha se estruturado
40
desde o Quattrocento (FATORELLI, 2003, p. 47). O surgimento da fotografia resulta
de um longo e lento processo de transformações sociais, técnicas e culturais. Daí,
sustentamos o título deste item da dissertação como “invenção-descoberta”, visto
que não podemos dizer que os elementos essenciais que permitiram a chegada da
fotografia foram reunidos de forma acidental ou por acaso. A fotografia surge em
decorrência da modernidade e para ser base desta.
1.4.1 – A fotografia latente na modernidade
Desde muito tempo eram conhecidos os princípios nos quais se
construiu a fotografia. As noções e os conhecimentos de física e química que
explicam o fenômeno fotográfico já eram de domínio de estudiosos, cientistas e até
mesmo de curiosos no tema. “Muitos conhecimentos e experiências já feitas
apontavam para a grande descoberta em devir, seria apenas uma questão de
tempo” (LOPES, 1996, p. 2). Vários estudiosos entendem que pelo menos um século
antes do anúncio oficial da invenção da fotografia já eram de domínio de
pesquisadores as experiências sobre as propriedades químicas dos sais de prata.
Como descrito no item 1.3 deste trabalho, as informações sobre o sistema ótico e
sobre a perspectiva faziam-se presentes nas análises de todos aqueles que se
propunham a estudar a imagem. Mas, se o advento da fotografia era apenas uma
“questão de tempo”, por que justamente em 1839 esse “tempo” havia chegado? Não
seria subestimar a inteligência de tantas mentes acreditar que levaram quase um
século para ligar esses pontos desconectados? A resposta está no fato de o
surgimento da fotografia depender menos de avanços técnicos e científicos e mais
de alterações conjunturais da época. Era fundamental a mudança social e cultural
41
impetrada pela chegada da modernidade para a estruturação das condições
favoráveis ao advento da fotografia.
Em todo o mundo haviam experiências que passavam perto da invenção
da fotografia. Incluindo o Brasil. No interior da província de São Paulo, na Vila de
São Carlos (atual Campinas), no ano de 1833, Hercules Florence desenvolveu uma
experiência pioneira no campo da fotografia. Por estar longe de Paris, capital cultural
naquela época, o francês radicado em terras brasileiras viu anos mais tarde ser
patenteado invento parecido na França: nascia oficialmente a fotografia em 1839
através da daguerreotipia (KOSSOY, 2001, p. 141-143).
No contexto da descoberta da fotografia, é marcante a diversidade de relatos
sobre experimentos de natureza similar registrados quase que
simultaneamente em diferentes países e continentes, por pesquisadores que
quase sempre se desconheciam uns aos outros. A natureza coletiva da
invenção da fotografia é de tal modo marcada pela pulverização de inúmeros
experimentos correlatos desenvolvidos aleatoriamente, que o seu registro, a
concessão de uma patente ou a identificação de seu autor tornam-se um lance
de oportunidade, um lance que envolve questões econômicas e políticas, mais
que propriamente um mérito autoral (FATORELLI, 2003, p. 37).
O surgimento da burguesia no fim do século XVIII e a necessidade de
esta ganhar visibilidade e se instituir socialmente enquanto esfera pode ser
destacado como um dos mais fortes argumentos em favor do caráter político e
econômico da gênese do processo fotográfico. “É este desejo que melhor justifica a
oportunidade histórica da fotografia e explica o enorme sucesso do invento” (LOPES,
1996, p. 2).
Recuemos um pouco no tempo a fim de compreender melhor o
fenômeno. Já havia um processo de ampliação do gosto da nobreza por pequenos
retratos. A redução das dimensões teve como conseqüência uma redução dos
42
custos e uma baixa nos preços. Mandar pintar o retrato deixara de ser um privilégio
da aristocracia. Após a Revolução Francesa, em 1789, a burguesia deu continuidade
a essa tendência, ampliando ainda mais a crescente procura pela aquisição de
retratos.
A jovem burguesia ascendente vê no retrato miniatura "um meio de dar
expressão ao seu culto do indivíduo", como refere Gisèle Freund, mas também
e por isso mesmo de rivalizar com a aristocracia. (...) O nobre deixa de ser o
único a poder fazer-se representar e a ostentar esse símbolo de representação
(LOPES, 1996, p. 2).
Há uma crescente procura por retratos que encontra limitação no
trabalho executado pelos artistas de então. Tal é a estagnação que, em 1786, Gilles-
Louis Chrétien desenvolve um processo de produção quase em série de retratos: o
fisionotraço. O invento combinava as várias técnicas e até o aparecimento da
fotografia os estúdios dos fisionotracistas eram um sucesso comercial na europa.
Contudo, a procura crescente e o pouco tempo de trabalho na obra, fazia com que
as imagens acabassem tendo quase que uma mesma base: havia pouca diferença
entre os retratos. E é justamente neste contexto que estão lançadas as condições
favoráveis para o surgimento da fotografia. Mais que um cenário de aspectos
técnicos suficientes, está posta uma conjuntura formada pelo aparecimento de uma
massa ávida por imagens e com recursos financeiros. E esses são fatores tão ou
mais importantes que as questões técnicas (LOPES, 1996, p. 3-4).
Este ambiente propício levou a fotografia a ser um produto de massas
desde sua origem. E foram justamente os pintores de retratos os maiores pioneiros
na disseminação do acesso ao novo invento.
43
No momento em que Daguerre conseguiu fixar as imagens na câmera obscura,
os técnicos substituíram, nesse ponto, os pintores. Mas a verdadeira vítima da
fotografia não foi a pintura de paisagem, e sim o retrato em miniatura. A
evolução foi tão rápida que por volta de 1840 a maioria dos pintores de
miniaturas se transformaram em fotógrafos, a princípio de forma esporádica e
pouco depois exclusivamente (BENJAMIN, 1996, p. 97).
Foram aqueles que estavam mais próximos da pintura de retratos em
série que se apropriaram das técnicas do novo invento e pulverizaram imagens por
todos os lados. Estavam, então, colocados de maneira inexorável os alicerces que
direcionariam a fotografia definitivamente para o rumo da industrialização e sua
ligação estreita com o consumo de massas. “Certo (...) é que o invento deu à plebe a
oportunidade de imitar a burguesia como o retrato miniatura dera à burguesia a
oportunidade de imitar a aristocracia” (LOPES, 1996, p. 4). E, desta forma, tornam-
se visíveis os traços da democratização que caracteriza a modernidade. Ainda que
este processo de industrialização e consumo massivo de fotografias tenha levado
alguns anos – talvez uma década – para se consolidar, ele estava presente desde o
início do processo fotográfico.
O caminho da consolidação da fotografia como produto industrial ficou
mais curto quando o Estado francês interveio, transformando o novo invento no
“domínio público”. O fato, ocorrido pelas dificuldades de patenteação da fotografia,
foi fundamental para lançá-la numa fase de desenvolvimento técnico contínuo
(BENJAMIN, 1994, p. 91), incorporando-a inextricavelmente ao fenômeno da
modernidade. Nièpce e Daguerre foram indenizados pelo governo francês e são os
mais citados dos pioneiros da fotografia e, assim como os irmãos Lumiére com o
cinema, tiveram, mais que todos os fotógrafos primeiros, o mérito de disseminar e
popularizar a produção automática de imagens.
44
1.4.2 – O paralelismo entre fotografia e pinhole
A inscrição da fotografia na história do homem moderno produziu dois
fenômenos distintos, porém, próximos: vulgarização (não no sentido de desqualificar,
mas de propagar) da imagem e a experimentação de novos métodos. Numa vertente
caminhava a indústria e na outra a arte – sabendo que desde sua gênese a
fotografia é verdadeiramente uma industrialização da arte. As notícias das imagens
cristalizadas pelos daguerreótipos (primeiro elemento do novo sistema iconográfico)
rapidamente cruzaram mares e montanhas – enriquecendo ainda mais seus
inventores e colocando as pedras de fundação daquilo que hoje chamamos de
sociedade imagética.
A indistinção inicial entre a imagem produzida pelo daguerreótipo e a
realidade da qual ela era produto serviu para ampliar ainda mais o impacto da
fotografia na sociedade de então. A reprodução fiel do real tinha se tornado possível.
A imagem produzida sobre a chapa metálica confere-lhe extraordinária nitidez,
reproduzindo os detalhes sutis e os contornos com linhas precisas. Essa
fidelidade no registro da realidade causa grande admiração na época e garante
o sucesso do processo até o início dos anos 1850 (MELLO, 1994. p. 9).
Ao atingir todo tipo de interessado em ver o mundo congelado num
pequeno pedaço de material sensível, a fotografia despertava o espanto. Ver e tocar
aquela fração da realidade impressionava. Reações das mais diferenciadas
permearam essa fotografia primeira. O aspecto mágico do novo invento era muitas
vezes alimentado pelos próprios pioneiros na fotografia. Um dos casos mais
clássicos se refere ao lendário gato de Rejlander usado como primitivo fotômetro. O
45
felino era colocado no local destinado a quem iria posar. Examinando a íris dos
olhos do gato, extremamente sensíveis às variações de luz, Rejlander decidia se as
condições eram adequadas ou não para iniciar a sessão fotográfica.
Com a íris fechada tínhamos fotografia, caso contrário mandava o cliente para
casa à espera de melhores dias! Para esta prática engenhosa o público não
procura a explicação racional, o que passa para a memória coletiva é o insólito
da situação imediatamente associada às práticas de feitiçaria onde era vulgar a
presença do gato (LOPES, 1996, p. 5-6).
A ligação com o sobrenatural também tinha um aspecto comercial.
Muitos dos fotógrafos de então acreditavam que o obscurantismo e a ligação com o
esotérico ajudariam a manter, ou até a aumentar, a clientela: essa era a alma do
negócio. Passado o espanto inicial, a fotografia ganha cada vez mais espaço na
cena social européia. Os estúdios se multiplicam e as pessoas desejavam ter sua
imagem reproduzida, ainda que tivessem que pagar muito caro e passar horas
posando – os tempos de exposição eram longos devido à pouca sensibilidade dos
materiais utilizados. O alto preço fazia com que as imagens produzidas com
daguerreótipos fossem guardadas como jóias (BENJAMIN, 1994, p. 93).
Além do valor elevado – cada fotografia custava cerca de 25 francos – o
daguerreótipo tem uma outra característica que acabou por definir sua decadência:
as chapas metálicas iodadas que eram colocadas sob a ação da câmera obscura
produziam fotografias únicas. As imagens deste aparelho não podiam ser
reproduzidas. A partir do aperfeiçoamento e do uso mais intenso dos calótipos
13
e
posteriormente dos negativos de vidro, a daguerreotipia foi paulatinamente
substituída pelas fotografias em papel.
13
Processo patenteado em 1841 por William Henry Fox Talbot pelo qual se utilizavam negativos sobre o papel.
46
A reprodutibilidade dos negativos, aliada à redução dos tamanhos das
placas sensíveis e, por conseqüência, das fotografias, estabelecerá um novo padrão
de imagem: estava criado o retrato carte de visite (que media aproximadamente 6x9
cm). A redução dos custos a partir dessas medidas, tomadas principalmente por
Eugene Disdéri ainda na década de 1850, provocou uma verdadeira “febre do retrato
fotográfico” (MELLO, 1994, p. 17). A essa altura, a fotografia já havia definitivamente
entrado no imaginário europeu e rapidamente ganharia o mundo, consolidando a
vertente comercial presente desde o princípio.
Com o aperfeiçoamento técnico, a descoberta de materiais mais
sensíveis e a evolução na qualidade das objetivas, foram reduzidos rapidamente os
tempos de exposição no momento da captura da imagem, ampliando ainda mais o
campo de atuação dos fotógrafos. Junto a essa evolução, cresceu também o debate
sobre o estatuto da fotografia. Com a liberdade de simplificar a discussão, visto que
este não é objetivo principal da presente dissertação, podemos definir assim a
questão: de um lado estavam os opositores do novo medium, para quem a
massificação da fotografia era um elemento empobrecedor da arte em decorrência
do hiper-realismo das imagens; em contraposição apareciam aqueles que se
apropriavam das novas técnicas para representar o real com mais objetividade.
Grosso modo, esse enfrentamento permaneceu, de uma forma ou de outra, na
análise clássica de Walter Benjamin sobre a aura da obra de arte.
Relevante para este trabalho é o fato de que, no momento em que a
fotografia assume definitivamente seu lugar na sociedade européia, primeiramente, e
47
ocidental como um todo, a posteriori, as imagens capturadas com câmeras pinholes
começam a ganhar espaço entre os fotógrafos. Por volta de 1870, a duração das
exposições das chapas girava em torno de poucos segundos, drasticamente menor
às primeiras imagens fixadas por Nièpce por volta de 1829 – demandavam cerca de
10 a 12 horas com o “obturador” aberto. Justamente o surgimento de substâncias
mais sensíveis permite fotografar com câmeras que não tinham objetivas: apenas
um pequeno furo. “Quando Nièpce, Daguerre e Talbot começaram suas
experiências, as caixas utilizadas eram equipadas com lentes. A pinhole entrou na
história da fotografia depois dos anos 1870, no âmbito (...) do pictorialism
(DIETRICH, 2000, p. 140). Sendo assim, a pinhole não foi somente um elemento
precursor da fotografia tradicional, mas um desdobramento que percorreu um
caminho paralelo a partir do pictorialismo. Entre os nomes que desprezaram a
objetividade intrínseca ao uso de lentes ainda no século XIX está Peter Henry
Emerson.
Durante algum tempo, ela [a pinhole] foi o dispositivo predileto, pois não tinha a
abundância de detalhes presentes no hiper-realismo da fotografia normal,
característica que, vale a pena lembrar, era criticada pelos fotógrafos-artistas
da época. Sobretudo quando passou a ser combinada com processos como a
goma bicromatada, a impressão em pigmento ou óleo, a pinhole se aproximou
dos resultados obtidos pelo impressionismo, a pintura mais avançada da
época. Dessa forma a fotografia parecia provar sua capacidade de produzir
arte, dignificando um meio até então considerado como uma técnica
meramente artesanal (DIETRICH, 2000, p. 140).
1.4.3 – Fotografia-pinhole: uma desconexão
A imagem extraída diretamente da natureza. Na tentativa de capturar o
ambiente de maneira simples e direta, vários fotógrafos do fim do século XIX se
puseram a trabalhar com pinholes. Vale destacar o trabalho de pesquisa de Joseph
48
Petzval, que em 1857 foi, provavelmente, o primeiro a buscar uma fórmula
matemática para otimizar o diâmetro do furo das pinholes. A tentativa de dominar o
conhecimento acerca das pinholes levou Lord Rayleigh (John William Strutt) a
avançar na linha de Petzval e conquistar, em 1889, o Prêmio Nobel. “For ten years,
Rayleigh worked with pinholes formulas, hoping that pinhole apertures could be
appropriately used in telescopes rather than extremely expensives lenses”
(RENNER, 2000, p. 16). Sua tabela foi resultado de um trabalho tão intenso que é
utilizada até hoje. Petzval também foi um dos primeiros a estudar as lentes.
Entre os nomes que figuram como primeiros fotógrafos de pinholes –
além daqueles que participavam do movimento pictorialista – estão os ingleses Sir
William Crookes, John Spiller e William de Wiveleslie Abney. Outro nome de
destaque na utilização de câmeras-pinhole o Flinders Petrie, considerado opai
da arqueologia”. Petrie utilizou câmeras artesanais que foram construídas por ele
mesmo para o registro fotográfico de expedições e escavações no Egito por volta da
década de 1880
14
. Esta utilização exemplifica como o reducionismo de pensar o uso
da pinhole somente aos integrantes do pictorialismo é um equívoco. Tal era a
amplitude dos usos da câmera fotográfica pinhole que a questão não pode ficar
restrita. Voltando um pouco na história, é possível compreender o caminho trilhado
pela fotografia-pinhole. Para entender melhor, vamos descortinar os elementos que
marcaram a primeira cisão da fotografia, corte radical ocorrido na década de 1870.
Mello (1994) descreve as características desse momento de ruptura.
14
Ibid., p. 44.
49
O aparecimento da placa seca
15
, dos aparelhos portáteis de manuseio
simplificado, e da emulsão sobre filme e a redução do tempo de pose operam
uma verdadeira revolução técnica e colocam a prática da fotografia ao alcance
de um público mais amplo, modificando hábitos sociais e criando novas
expectativas. (...) Em 1888 o americano George Eastman lança seu primeiro
aparelho fotográfico em forma de caixa – Kodak – cujo slogan era: “Aperte o
botão; nós fazemos o resto”. Daí em diante o mercado de aparelhos e
materiais irá suplantar progressivamente o comércio de imagens. O grande
público não compra mais fotografias e sim o meio de produzi-las (MELLO,
1994, p. 29-30)
A característica principal da nova categoria de produtores de imagens –
os amadores – é a ligação com a indústria. Ao contrário dos “fotógrafos-artistas”, os
amadores “se eximem de realizar qualquer tipo de reflexão sobre o automatismo da
câmera e inauguram um novo e fecundo filão para a indústria fotográfica”
16
. E é
justamente essa industrialização que permite à fotografia alçar vôos maiores.
Apenas a partir do momento em que o processo fotográfico se industrializa, surge
como arte.
As primeiras câmeras, fabricadas na França e na Inglaterra, no início da
década de 1840, eram operadas somente por inventores e entusiastas. (...)
Somente depois de sua industrialização é que a fotografia surgiu como arte. Do
mesmo modo que a industrialização dotou as atividades do fotógrafo de fins
sociais, a reação contra tais fins reforçou a autoconsciência da fotografia como
arte (SONTAG, 1981, p. 8).
O paradoxo foi essencial para o estabelecimento definitivo da fotografia.
Essa estandardização da fotografia incomodou profundamente alguns fotógrafos,
que lançaram o movimento pictorialista, uma tentativa de inserir a imagem
fotográfica no campo da estética definitivamente.
15
Nome dado à chapa de gelatina, já que era utilizada a seco, ao contrário das chapas que eram usadas até
então – de colódio – que eram quase sempre expostas logo após a preparação, ainda úmidas.
16
Ibid., p. 31.
50
Mas o que pretendemos discutir é que há uma desconexão da fotografia
de arte com as pinholes, que foram utilizadas por muitos pictorialistas, tais como
Emerson, Davison, Rejlander, entre outros (MELLO, 1994; RENNER, 2000;
DIETRICH, 2000). Contudo, as pinholes não permaneceram restritas ao universo
dos fotógrafos-artistas. Ela foi inserida no projeto da indústria fotográfica e ajudou a
instalar o desejo pela imagem na sociedade de então. É provável que o fato de as
pinholes não utilizarem lentes proporcionava um custo inferior, o que facilitava ainda
mais a proliferação dos chamados novos fotógrafos. Em 1892, em Londres, foram
comercializadas 4.000 câmeras pinholes, que se chamavam Photomnibuses. Alguns
anos depois, uma empresa norte-americana lançou o “Ready Fotografer”, um kit
descartável que continha uma câmera, placas secas e material para revelação
fotográfica (RENNER, 2000, p. 48-50).
Renner (2000) descreve algumas experiências comerciais de câmeras-
pinhole. Entre as empresas que fabricaram esse tipo de aparelho fotográfico estão a
Dehors & Deslandres, primeira pinhole comercial feita na França; a americana Glen
Pinhole Camera; e a também americana Kodak, que posteriormente se transformaria
numa das maiores empresas do mundo
17
. Apesar de não ter sido tão influente no
universo da fotografia, as imagens capturadas com câmeras-pinhole fizeram parte
de uma história paralela da fotografia, e que muitas vezes é esquecida, seja pela
limitação de seu alcance, seja pelas características da fotografia resultante da
pinhole. Ainda dentro da linha historicista adotada, as fotografias com pinholes foram
deixadas de lado após o início do século XX. A necessidade de aparelhos
fotográficos cada vez mais rápidos e o surgimento de uma cultura imagética de alta
17
Ibid., p. 48-51.
51
velocidade definitivamente selaram qualquer possibilidade que as pinholes poderiam
ter para resistir ao tempo inseridas num processo comercial.
1.4.4 – Mudança de paradigma com a pinhole
Compreender os primeiros passos da fotografia e seu contexto social é
fundamental para investigar o momento em que a representação objetiva da
realidade deixa de ser aspecto determinante da fotografia. Um detalhe que muitas
vezes é deixado de lado nas análises históricas está no centro deste estudo: o que
muda quando passamos a jogar contra o aparelho fotográfico, numa alusão ao
trabalho de Vilém Flusser (2002)? O abandono da objetiva representa o rompimento
com o paradigma que por tantos anos foi buscado. Não foi por acaso que as lentes –
aperfeiçoadas a ponto de funcionarem de forma absolutamente transparente –
tenham sido chamadas de “objetivas”, numa tentativa de dar veracidade às imagens
gravadas pelo mecanismo automático (MACHADO, 1984, p. 36).
O recuso das objetivas é um ponto crucial no estudo das câmeras-
pinholes. A partir de 1870, o movimento pictorialista incentiva o uso de técnicas
alternativas, experimentais, para permitir que a “obra de arte” seja um produto do
artista. Este é o principal motivo por que muitos teóricos definem o movimento como
elitista. Entre as técnicas utilizadas, materiais experimentados, um dos mecanismos
que mais causa impacto é a tentativa de não usar objetivas – sejam para corrigir
distorções luminosas, sejam para reduzir o tempo de exposição. Este é um fato
interessante que tem passado ao largo da maioria das discussões sobre pinhole. A
52
perspectiva artificialis, tão importante para a história da arte ocidental e para o
próprio homem moderno, é subvertida com o uso de câmeras pinholes.
O diferencial que aparece com as primeiras fotografias feitas com
pinhole das imagens que eram vistas com as câmeras obscuras desde a
Antigüidade reside no suporte. Com a fotografia, a imagem se desprende do real nas
chapas, negativos ou qualquer outro suporte sensível. Num primeiro momento,
quando a câmara obscura era utilizada apenas para observação de eclipses; para
conhecer o real visível como ele era; ou para representar esse real fidedigno na
pintura, a imagem formada no interior ou num anteparo era elemento contínuo, em
constante mutação. Fato que transformava os aparatos em verdadeiras máquinas de
realidade virtual primitivas. Imagem-estática e imagem-movimento se hibridizavam
numa ação complementar contínua (BELLOUR, 1993, p. 214-216). Quando o
suporte de visibilidade dessas imagens automáticas deixa de ser um anteparo
translúcido, como nas câmeras obscuras portáteis, é que a pinhole transgride a
perspectiva dominante. A crueza do momento em que o real é arrancado e
transposto ao suporte fotossensível sem a interferência da objetiva é o que
diferencia a técnica da foto com pinhole das imagens trabalhadas desde o princípio
do pictorialismo. O naturalismo (ou impressionismo) buscado com empenho por
Emerson apareceria de maneira clara justamente no abandono da objetiva.
“Emerson está envolvido com as impressões obtidas direta e instantaneamente da
natureza” (FATORELLI, 2003, p. 73-74).
O deslocamento ocasionado com as imagens fotográficas feitas com
pinholes reside não apenas na ausência da objetiva, mas na junção deste aspecto
53
com a existência do suporte sensível. Deste modo, estão postos os dois elementos
que formarão uma corrente fotográfica pouco investigada, mas que tem uma
importância única na história da fotografia: os fotógrafos de pinhole. O paradoxo da
fotografia com pinhole se constitui no momento em que esse tipo de imagem ganha
espaço como fotografia natural. E pelo fato de as objetivas terem sido deixadas de
lado, a imagem não mais é objetiva, abandonando o caminho da perspectiva
artificialis. Nada, então, mais subjetivo que a fotografia com pinhole. Talvez até de
uma maneira inconsciente, quando os fotógrafos de pinhole deixam a luz penetrar
livremente na câmara escura sem intermediários, a perspectiva não é mais a do olho
humano, mas sim a do objeto (a câmera fotográfica – pode ser qualquer “coisa”
vedada da luz, tal como uma caixa de papel, uma lata, uma casca de ovo, uma bota
etc.) que está sendo utilizado para realizar a fotografia.
54
Capítulo 2
Desvendar os aspectos técnicos:
Como funciona a pinhole?
“You are what you eat”
Jeff Fletcher
2.1 – A câmera obscura e o ambiente de construção da imagem
A gênese da fotografia inevitavelmente está na nova visualidade que a
câmera obscura proporcionou. Não há como desvendar o universo fotográfico sem
antes compreender como se dá o processo de formação da imagem. Além de todas
as questões relativas à subjetividade presente na instauração da câmera obscura a
partir do Quattrocento (SONTAG, 1981; MACHADO, 1984; AUMONT, 1993;
COUCHOT, 2003) temos os aspectos práticos de tal aparelhamento da visão. E é a
câmera obscura esse ambiente imersivo de imagens, que permite à pinhole inserir
essa específica forma de ver o mundo, ainda que, tal como nos tradicionais meios de
reprodução do visível – fotografia convencional ou digital, cinema, vídeo – a pinhole
também use a câmera obscura. Contudo, ela não o faz de um modo inocente ou
com a tentativa de ser transparente.
Como Crary (1992) acentuou e conforme tratado no capítulo 1 deste
trabalho, a câmera obscura não pode ser compreendida apenas historicamente
como precursora da fotografia, mas como um sistema paralelo que se desenvolveu
de modo independente e foi um dos tantos elementos constituintes da invenção
55
fotográfica. Sendo assim, a pinhole também se apropria da câmara obscura de
forma individual e com características próprias. Na historicidade desse mecanismo
de representação imagético, o ambiente é sempre imersivo. A imagem se forma em
todas as partes da câmera, sem delimitações ou margens.
Esse fenômeno levou muitos à fogueira da Inquisição, visto que a
desconcertante reprodução do visível não podia ser plenamente explicada naqueles
tempos. Em decorrência da força da religião no contexto histórico da Idade Média,
não faltaram referências à câmara obscura como um espaço diabólico (RENNER,
2000, p. 6-8). Mas os tempos de fogueiras estão longe e é justamente na
possibilidade de ter um espaço contendo imagens de uma maneira ampla que surge
como uma das potencialidades da pinhole. Não que os dispositivos modernos
(câmera fotográfica, cinematográfica ou videográfica) tenham deixado de se
apropriar desse aspecto. Contudo, a modernização fez com que o interior da câmera
obscura fosse controlado e a imagem a ser capturada tivesse uma formatação,
permitindo o controle de uma das variáveis do processo: a delimitação da fotografia.
Felizmente com a pinhole isso não acontece, a câmera obscura permanece imersa
em imagens.
Ter um medium em que a imagem não é podada, cerceada ou
delimitada por convenções estéticas liberta o fotógrafo para experimentar. Assim,
muitos que trabalham com pinholes não se cansam de utilizar novos espaços,
materiais, objetos ou situações como câmeras obscuras. Cada estrutura de câmera
determina os resultados. “A câmera obscura é um espaço (pre)enchido por imagens,
característica que facilita a construção e a manipulação do aparelho, tornando mais
56
fácil também a invenção de novos tipos de máquinas” (DIETRICH, 2000, p. 143). Em
face da vastidão de espaços que podem ser (pre)enchidos com as imagens,
poderíamos afirmar que as possibilidades fotográficas com pinholes tendem ao
infinito. Mais que em qualquer outro aparelho de reprodução de imagens, na pinhole
não há limites.
Uma das explicações para esse desdobramento imagético infinito está
no fato de que a imagem composta dentro da câmera é sempre nítida – lembrando
que essa é uma nitidez relativa. Por a imagem ser formada através de um ínfimo
orifício, o problema da distância focal, dentro ou fora da câmera, não está mais
presente. Então, qualquer situação criada pelas condições estabelecidas pelo
fotógrafo produzirá uma imagem, mais ou menos definida, mas uma imagem. Este
elemento potencializa a pinhole a produzir fotos anamórficas em vários sentidos. Da
imagem em 360° à foto estereoscópica, ou ainda às fotografias múltiplas.
2.1.1 – Formatos de câmeras
As possibilidades de câmeras pinhole tende ao infinito – do corpo
humano a uma construção. Contudo, existem alguns formatos que são sempre
utilizados pelos fotógrafos, principalmente aqueles que trabalham com educação ou
que seguem a linha de reciclagem de materiais. A partir de levantamentos
bibliográficos, de experiência prática com a técnica e de informações de alguns dos
“profissionais” deste específico universo fotográfico, proponho-me a realizar uma
arbitrária relação das situações proporcionadas por alguns formatos de câmeras.
Arbitrária em todos os sentidos, já que o espaço interior pode ser utilizado da
57
maneira que o fotógrafo bem entender e não necessariamente apenas da maneira
discriminada a seguir. Além disso, cada câmera obscura irá responder de uma forma
em cada momento fotográfico específico. A classificação abaixo serve apenas para
fins didáticos e de categorização para nossa análise, já que algumas das fotos
reproduzidas nesta dissertação foram feitas com aparato semelhante.
a) Latas de leite em pó ou câmera cilíndrica padrão: essa é a mais
comum câmera para se fotografar com pinholes. Tem cerca de 10
centímetros da distância entre o material fotossensível e o furo.
Possui como vantagens a facilidade de fazer a vedação de luz e de
preparar o material sensitivo. Produz imagens com uma deformação
nas bordas caso o fotógrafo utilize o material sensível de forma
curvada.
b) Lata de biscoitos ou câmera cilíndrica achatada: parecida com a
anterior, contudo por ter cerca de 30 centímetros ou mais de
diâmetro, permite mais facilmente a realização de fotos com 360°.
Para isso, coloca-se o material sensível em forma de cilindro no
centro da câmera e expõe-se sistematicamente os furos (seis ou
sete) que devem ser feitos na lateral.
c) Caixa de sapatos ou câmera dupla: demanda um pouco mais de
técnica para realizar a vedação de luz, já que as arestas
normalmente deixam passar claridade. Permite brincar com as
imagens formadas, dependendo de em qual lado o buraco será feito.
Pelo tamanho – a distância focal varia de 25 a 30 centímetros – é
58
uma câmera muito usada para realizar fotografias com dois furos ou
estereoscópicas.
d) Tubo de filme 35 mm/caixa de fósforos ou minicâmera: uma das mais
simples, porém das mais interessantes. O pequeno formato, com a
distância focal girando em torno de 5 centímetros, faz com que a
imagem necessite de um furo menor ainda, diminuindo o tempo de
exposição, cravando ainda mais a questão temporal na imagem e
provocando o observador. Além disso, o pequeno tamanho intriga as
pessoas que acompanham o processo de captação.
e) Latas de tinta/margarina ou formato médio: quanto maior a distância
focal, mais próximos de um efeito de teleobjetiva estarão as imagens
produzidas. E esse efeito é conseguido com essas câmeras, que têm
mais de 40 centímetros de distância focal
18
.
Mesmo definindo essas cinco opções de câmeras pinhole, não podemos
dizer que são as mais “convencionais”, padronizadas. Essa delimitação é arbitrária a
partir de uma experiência própria e da descrição de materiais mais próximos da
realidade da maioria das pessoas. Mas os formatos são mais amplos ainda. Mesmo
nesses cinco itens, o formato da câmera pode ser alterado completamente com uma
simples aproximação do material sensível em direção ao orifício. Fazendo jus ao
posto de subversora das normas, a pinhole possibilita a intervenção no próprio
formato de câmera, criando um leque exponencial de usos diferenciados. Incluindo
18
O cálculo aproximado de efeito que o tamanho da câmera irá proporcionar dependerá do tamanho do material
sensível utilizado. Ex: uma câmera com distância focal de 7cm produzirá uma fotografia “normal” se for utilizado
material no formato 4cm x 5cm. A fórmula aproximada é que a diagonal do papel ou filme deve ser igual ao limite
59
até a utilização de máquinas fotográficas convencionais, sendo substituída apenas a
lente pelo furo. Uma outra experiência é com a utilização da própria câmera como
material sensível.
Ao lado desses espaços de produção de imagem, temos ainda as
experimentações com construções, casas, quartos. Como que recriando a história
das câmeras obscuras, uma sala vedada de luz e com apenas um furo para a
passagem dos raios luminosos transforma-se num ambiente imersivo em imagens,
todas prontas para serem capturadas, enjauladas num suporte fotossensível.
Enquanto não se realiza esse desejo do congelamento da imagem, a paisagem
externa vaga livremente no interior da câmera-construção. Outro formato que não foi
abordado na definição acima será tratado no próximo item deste capítulo. Trata-se
daquele tipo de câmera que produz o que chamo de foto-escultura.
Ao realizar essa segmentação, não foi levado em consideração as
câmeras fabricadas em caráter comercial. Os formatos das câmeras comercializadas
variam tanto quanto a criatividade dos designers. Nas infovias da rede mundial de
computadores, a internet, é possível encontrar os mais variados tipos de câmeras
pinholes
19
. Renner (2000, p. 183-184) também lista vários fabricantes, mas somente
nos Estados Unidos ou na Europa. No Brasil, a produção de câmeras pinhole em
escala comercial ainda não é um dado relevante, como constatado na coleta de
máximo da câmera para a imagem ser considerada normal. Se a diagonal for maior, teremos uma grande
angular e se a diagonal for menor, estaremos diante de uma tele.
19
Entre os sites interessantes para aquisição de câmeras pinholes destaca-se o http://www.pinholeresource.com,
que possui uma gama impressionante de acessórios e máquinas, incluindo uma Finney Pinhole Field Camera,
médio formato, com o preço de US$ 1.195,00. Uma característica interessante no momento em que as câmeras
digitais com preços acessíveis ganham cada vez mais espaço no mercado.
60
dados desta dissertação. O caráter comercial, contudo, não é o que determina a
produção de imagens com pinholes. Ao contrário, é no processo de construção da
câmera que se dá uma das etapas mais importantes desta técnica, já que o mais
importante não é ter o domínio das situações, mas justamente lançar-se no
desconhecido e abandonar a concepção arbitrária de que a imagem formada dentro
de “uma caixa retangular com um diafragma central no lado oposto da tela” significa
a visão mais precisa da realidade. Na verdade, quem trabalha com pinhole observa
como a estrutura espacial da câmera “influencia a representação do espaço ‘real’”
(DIETRICH, 2000, p. 149).
2.2 – O material sensível
A reação dos elementos fotossensíveis com a luz agrega ainda mais
particularidades à pinhole. Basicamente, os materiais utilizados para realizar as
fotografias pinhole são papel ou filme fotográficos comuns. As experiências que se
apropriam do papel fotográfico encontram uma especificidade interessante: a
demora no registro da imagem. Além do pequeno orifício na câmera, que permite a
passagem de uma quantidade ínfima de luz, a baixa sensibilidade dos papéis torna
ainda maior o tempo de exposição. Entre os efeitos causados pela lentidão está
principalmente o esvaziamento das cenas. As imagens adquirem um aspecto
fantasmático, remetendo às cenas retratadas pelos pioneiros da fotografia, quando a
tecnologia ainda em desenvolvimento não permitia registros com objetos que se
moviam. Entre as imagens de daguerreótipos que resistiram ao tempo não é difícil
encontrar paisagens de ruas sem pessoas, carroças ou cavalos. Assim também é
61
comum observar imagens de pinholes em que a cena é formada apenas por
elementos estáticos, tais como árvores, carros e casas.
O “sofrimento” relatado pelos primeiros “modelos” fotografados na
distante década de 1850 também se assemelha àquele sentido por quem se propõe
a ser registrado com uma pinhole. Permanecer 5 ou 10 minutos praticamente
estático diante de uma câmera pinhole demanda uma preparação, assim como os
apoios utilizados nos primeiros ateliês. “Os acessórios desses retratos, com seus
pedestais, balaustradas e mesas ovais evocam o tempo em que, devido à longa
duração da pose, os modelos precisavam ter pontos de apoio para ficarem imóveis”
(BENJAMIN, 1994, p. 98). Dietrich, numa de suas oficinas, descreve a angústia de
fotografados que não haviam atentado para a lentidão da pinhole, permaneceram
em posição desconfortável e “sofreram” esperando o fim da exposição (DIETRICH,
2000, p. 156-158). Neste ponto, a pinhole é uma re-leitura do trabalho dos pioneiros
da fotografia.
Além disso, o uso de papel fotográfico remete a outra característica das
imagens da época da daguerreotipia: a dificuldade no processo de reprodutibilidade
da obra. Há uma inegável dificuldade de reprodução, ampliação, alteração da
imagem feita com o uso de papel fotográfico. Isso por que o máximo que se
consegue é uma cópia-contato. Ficam preservadas, então, as dimensões originais
do momento da captura da imagem. Ainda que seja possível submeter o negativo a
um processo de digitalização, liberando a imagem para a reprodução, a fotografia
primeira irá sempre preservar esse quantum de luminosidade do momento do
registro. E a transferência dessa porção de energia se faz de maneira direta no
62
momento da cópia, sem intermediários. Como se estivesse em ação novamente o
fotograma.
Outra maneira de construir uma obra única com a pinhole se apresenta
no momento em que objetos são banhados por substâncias sensíveis e expostas à
luz, como as cascas de ovos de Jeff Fletcher ou as máscaras de Nancy Spencer e
Eric Renner (RENNER, 2000, p. 78-79). Nestes dois últimos casos, além de um
deslocamento da visão do homem para o objeto, ocorre também uma outra
inovação: a fotografia deixa de ser apenas fotografia para ser um híbrido de imagem
bi e tridimensional. Aspecto interessante também a ser destacado nesta categoria de
imagem pinhole, que chamarei de foto-escultura, é o fato de que a imagem acaba
sendo determinada pela disposição do apoio para o material fotossensível. As
curvas, os limites e as calosidades interferem diretamente no resultado. As
distorções, as anamorfoses, tudo contribui para que a imagem tenha uma
autenticidade e uma unicidade. Máquina e fotografia deixam de ser elementos
descolados e são fundidos num objeto só. A arquitetura da câmera deixa de ser
apenas um espaço onde se forma a imagem e passa a ser o suporte também.
Noutra vertente, também é possível trabalhar com pinholes utilizando
películas ou filmes ortocromáticos. A utilização deste material aumenta ainda mais
as possibilidades de imagens com a pinhole. Primeiro, por possibilitar a reprodução
e a ampliação das fotografias de maneira rápida, algo que é mais complicado com
as imagens capturadas com papel fotográfico e impossível com as foto-esculturas.
Além disso, libera o fotógrafo para produzir imagens de objetos em movimento. As
especificidades do filme (sensibilidade, densidade, balanceamento cromático,
63
latitude, granulação, contraste) se aplicam também na fotografia pinhole. Contudo,
como não existe a lente para corrigir a direção dos raios luminosos, há sempre uma
tendência de um efeito de espalhamento da imagem. Esse efeito pode ser
comprovado nas imagens capturadas com filmes coloridos.
O uso de películas é mais comum entre fotógrafos já acostumados a
trabalhar com as pinholes. É que, como a sensibilidade é bem maior do que quando
se utiliza papéis fotográficos, os cuidados com a construção da câmera e durante a
manipulação devem ser redobrados. Entretanto, a atenção demandada transforma-
se em qualidade da imagem. Há uma maior riqueza de detalhes e um universo mais
amplo ainda pode ser desvendado. Para os iniciantes que não têm paciência e nem
tempo para construir uma câmera há uma dica interessante: adaptar um furo no
lugar da lente de uma câmera reflex comum. Isso permitirá o uso do corpo da
máquina e todo o mecanismo do transporte do filme.
A decisão de utilizar este ou aquele material sensível é importante para o
resultado final. Contudo, é muito complicado – e talvez desnecessário – criar um
padrão de efeitos e resultados. A essência da pinhole reside justamente no
despojamento da técnica, permitindo uma viagem lúdica e ao mesmo tempo
profunda no contexto da produção imagética. A ação direta da luz sobre a superfície
a ser sensibilizada é o grande dado a ser trabalhado. Nas pinholes, os raios
luminosos agem livremente e essa liberdade obriga o fotógrafo a atentar para
nuanças que poderiam passar despercebidas para muitos. Uma nuvem encobrindo
parcialmente o sol, por exemplo, pode criar uma situação completamente nova a ser
registrada pela câmera. Outro aspecto que chama a atenção nas pinholes é
64
submeter o material sensível à condições de luz não previstas. Essa opção, também,
subverte completamente os padrões de densidade, grão, contraste, latitude ou de
balanceamento cromático. O filme, projetado para um casamento perfeito com as
correções de aberrações luminosas das lentes, ganha outras potencialidades com a
ausência destas.
2.3 – O buraco de agulha
No momento em que a luz atravessa o orifício a pinhole passa a existir.
Junto com os outros dois elementos característicos desta forma de fotografar – o
material sensível e a câmera obscura – o furo compõe o trinômio da pinhole e
permite a formação da imagem. É justamente esse o aspecto mais específico dessa
técnica. É no pequeno buraco que reside a essência desse despojamento. O fato de
ser o último dos três elementos a ser trabalhado neste capítulo se deve em razão do
conhecimento dos dois extremos do processo anteriormente. Compreender o espaço
de formação da imagem e o suporte antes de nos debruçarmos no aspecto do
orifício é fundamental. O furo de uma agulha, como se fosse uma expressão mágica,
cria um mundo novo, quase que por encantamento. E permite ao fotógrafo
mergulhar neste universo paralelo, ver o “outro” lado.
Ver através de um furo não é um fenômeno novo. Ao contrário, é
conhecido desde alguns séculos antes de Cristo. E o que significa compor imagens
a partir de um ínfimo orifício atualmente? Significa abandonar a precisão dos
aparelhos, deixar as lentes de lado, renunciar ao aparato tecnológico. Como
65
vantagem, surge a possibilidade de uma visão da realidade nunca antes
vislumbrada, uma vista pura, limpa, sem os controles e corretivos a que estamos
acostumados. Em contraposição às imagens fotográficas tradicionais, que usam o
recurso da objetiva para aproximar a imagem do visível, aquelas cenas capturadas a
partir de um pequeno orifício estão mais perto daquilo que foi fotografado. Não pelo
aspecto da verdade ou da verossimilhança da imagem, mas pelo fato de que a
dificuldade de controle sobre o aparelho torna a fotografia menos susceptível à
manipulação ideológica. E o orifício é justamente esse elemento que permite a
construção de uma imagem mais fiel.
Grosso modo, o processo de formação da imagem através de um orifício
se baseia na lei da ótica de que os raios luminosos convergem sempre para o ponto
de foco. Quando esse ponto é um orifício, os raios seguem sua viagem e acabam
formando uma imagem no anteparo que estiver no lado oposto à cena. Essa imagem
é formada invertida. Mas o que nos interessa aqui não é meramente o aspecto
técnico, mas a importância do orifício na decomposição imagética. Deste modo, é
possível dividir em duas partes a relação do furo com a imagem: primeiro, é
importante na desmitificação da fotografia; segundo, é fundamental na
desumanização da fotografia.
2.3.1 – Desmitificar a fotografia
No momento em que a sociedade é inundada de imagens, cada vez
menos podemos acompanhar o processo de construção da imagem. Com a pinhole
o mito técnico da fotografia perde um importante aliado: a objetiva. Aproveitando o
66
fato de que um pequeno orifício proporciona um campo focal praticamente infinito, a
preocupação com regulagens fica em segundo plano. As complicações que sempre
cercaram o mundo da fotografia – e que muitas vezes foi alimentado pelos próprios
profissionais da imagem com o intuito de agregar valor ao seu produto – perde
qualquer sentido de ser. Mas não que fotografar com pinhole seja mais fácil que com
uma câmera convencional. Na verdade há mais dificuldades ainda com as pinholes.
O que se destaca, contudo, é que não há intermediários também na relação entre o
fotógrafo, a luz e o material sensível. O orifício, como numa metáfora, proporciona a
transparência necessária à compreensão do fazer fotográfico.
Daí a utilização da técnica com pinholes em trabalhos introdutórios no
mundo da fotografia, principalmente em oficinas para iniciantes ou para crianças. A
pureza daqueles que estão dando os primeiros passos na arte de fotografar se
encaixa perfeitamente com a inocência e o despojamento da fotografia com pinhole.
Primeiro por que, normalmente, é o fotógrafo também o construtor da câmera.
Segundo, os materiais utilizados costumam ser oriundos do lixo ou de algo que não
tinha mais valor. E terceiro, todas as etapas estão intrincadas, assim como todos os
elementos: objeto, aparelho e fotógrafo. Não se pode fotografar sem compreender
os aspectos luminosos, espaciais e temporais do objeto. Assim como também é
preciso ficar atento ao posicionamento da câmera e ao trabalho do fotógrafo.
O ínfimo furo torna lento o tempo de exposição. Há um prolongamento
do ato fotográfico e essa ação demorada permite que o fotógrafo vivencie uma outra
relação com a fotografia e com o modelo (DIETRICH, 2000, p. 149). Esse
“afastamento” proporciona um debate mais franco do autor da fotografia com seu
67
objeto. O ato de fotografar deixa de ser apenas alguns milésimos de segundo
resumidos num “click” para encontrar ressonância num momento muito mais longo.
Novamente entra em cena o aspecto dialógico das pinholes. Diálogo que contribui
de maneira decisiva para a desmitificação da fotografia.
2.3.2 – Desumanizar a fotografia
Outro aspecto implícito na utilização da pinhole é o fato de que o olhar
humano deixa de ser a principal referência para a fotografia. A tentativa histórica de
produzir imagens próximas do espaço “real” levou à criação de mecanismo cada vez
mais complexos, tais como os jogos de lentes. Ainda que este aparato tenha tornado
possível visões daquilo que não se poderia ver – microscópios ou telescópios – esse
espectro visível é sempre determinado pela objetividade da lente. Esse efeito de
transparência, de não intervenção, permite o conforto aos olhos humanos: “Isso que
vejo é verídico porque resulta de um aspecto da realidade!”. A tradição pictórica
sempre tentou nos convencer que a objetividade da fotografia reside definitivamente
na semelhança com a própria natureza.
Por isso, os modelos de Hill não estavam longe da verdade quando diziam que
“o fenômeno da fotografia” lhes parecia “uma grande e misteriosa experiência”,
mesmo que se tratasse apenas da impressão de estarem diante de um
“aparelho que podia rapidamente gerar uma imagem do mundo visível, com um
aspecto tão vivo e tão verídico como a própria natureza” (BENJAMIN, 1994, p.
95).
O que diferencia a imagem produzida através de um furo de um alfinete
daquela originada de um equipamento convencional é justamente o deslocamento
do olhar humano para a visão das coisas. Essa desumanização do olhar surge com
68
a fotografia pinhole em função da formação da imagem ser decorrente de um
pequeno furo. Ter foco praticamente infinito, contar com uma distância focal não
convencional e ser construída com praticamente qualquer espaço oco é uma
composição que permite essa desumanização do olhar.
Quando o escultor Dominique Stroobant faz uma pinhole pesada de ferro
e a deixa em exposição durante seis meses (RENNER, 2000; DIETRICH, 2000), ele
não está em busca de uma imagem com verossimilhança a partir do homem – até
porque o “autor” da foto não tem que e nem pode estar o tempo todo controlando o
que esta sendo captado – mas sim num olhar da própria caixa de ferro. Jeff Fletcher,
que utiliza cascas de ovos para criar suas imagens, não busca reproduzir uma visão
do homem dentro do recipiente, mas permitir uma autonomia a essa outra
visibilidade. Esta experiência se diferencia, por exemplo, das imagens capturadas a
partir de microcâmeras utilizadas para a realização de operações no interior de
organismos vivos. Essas imagens não pretendem ser a visão da célula ou do
parasita, mas sim um micro-olho-humano, permanecendo preso à arbitrariedade dos
padrões pictóricos tradicionais. A coisificação do olhar, a partir do furo de uma
agulha, liberta a imagem para outras possibilidades, assim como o surgimento da
fotografia permitiu a liberação da pintura.
2.3.3 – Fórmulas e tabelas
As fotografias pinhole são, desde sua concepção, resultado de uma
experiência única e individual do fotógrafo: da construção da câmera à exposição
das imagens. Contudo, existem muitas fórmulas que permitem ao autor da fotografia
69
tentar controlar as variáveis da pinhole. E o próprio orifício pode ser resultado de
cálculos matemáticos. Neste item serão descritas algumas das muitas tabelas
existentes. Segundo Renner (2000, p. 125) um número incontável de tabelas foram
criadas desde os pioneiros. Como vimos anteriormente (1.4.3) Joseph Petzval foi um
dos precursores no cálculo – ainda em 1857 – do tamanho orifício e Lord Rayleigh,
nos anos 1880, avançou ainda mais. Para além do aspecto matemático, o mais
importante a destacar, entretanto, é que para maximizar o grau de nitidez da imagem
o furo deve ser proporcional à distância focal da câmera obscura. Quanto menor o
espaço entre o orifício e o material sensível, menor deverá ser o furo.
A fórmula de Rayleigh é a seguinte: d = 1.9 * sqrt(l * f), onde d =
diâmetro do furo, l = comprimento das ondas de luz e f = distância focal
20
. O
comprimento das ondas de luz dentro do espectro visível pode ser substituído por
0,00055 mm (GREPSTAD, 2004). Renner (2000, p. 125) afirma que praticamente
todas as fórmulas são variações da seguinte equação: r = sqrt(l * c * f), onde r =
diâmetro do orifício, l = comprimento das ondas de luz, c = constante, normalmente
um valor fracionado entre 0.5 e 1 e f = distância focal. O cálculo de f/stop (ou valor
do diafragma) pode ser conseguido dividindo a distância focal pelo diâmetro do furo.
Apesar de muitos teóricos e estudiosos terem dedicado muito tempo na
tentativa de estabelecer uma tabela que pudesse auxiliar os fotógrafos que usam
pinholes, seguir essas fórmulas apenas vai ajudar a conseguir uma imagem nítida. E
essa definição pode não ser interessante em muitos momentos. Além disso, a
técnica tem como característica o acaso e a indeterminação do resultado fotográfico.
20
sqrt é a sigla de square root of, ou, a raiz quadrada.
70
Sendo assim, as tabelas a seguir servem mais de parâmetro para o fotógrafo e são
resultado de pesquisa de Grepstad (2004)
21
. Também podem ser utilizadas para
comparação das diferenças de diâmetro entre cada um dos autores.
Tabela 1: Diâmetros de orifícios e distância focal a partir de Borges (1988)
Distância focal (mm) Diâmetro ideal do orifício (mm) Equivalente f/stop
50 0.29 174
75 0.35 213
100 0.41 246
125 0.45 275
150 0.50 303
200 0.57 348
250 0.64 389
300 0.70 426
Fonte: Grepstad (2004).
Tabela 2: Diâmetros de orifício e distância focal a partir de Platt (1989)
Distância focal (mm) Diâmetro ideal do orifício (mm) Equivalente f/stop
130 0.33 380
210 0.40 500
260 0.46 550
320 0.50 650
420 0.58 690
550 0.66 800
650 0.74 930
750 0.79 960
1000 0.91 1120
Fonte: Grepstad (2004).
Tabela 3: Diâmetros de orifício e distância focal a partir de Holter (1990)
Distância focal (mm) Diâmetro ideal do orifício (mm) Equivalente f/stop
10 0.14 70
20 0.20 100
30 0.24 125
40 0.28 140
50 0.31 160
60 0.34 125
70 0.37 190
80 0.40 200
90 0.42 214
100 0.45 220
150 0.54 280
21
Outras tabelas podem ser consultadas na rede mundial de computadores. Entre os sites está
http://home.online.no/~gjon/pinhole.htm, do próprio Jon Gresptad.
71
200 0.63 318
250 0.70 360
300 0.78 380
350 0.84 418
400 0.89 450
Fonte: Grepstad (2004).
Tabela 4: Diâmetros de orifício e distância focal a partir de Fuller (1992)
Distância focal (mm) Diâmetro ideal do orifício (mm) Equivalente f/stop
50 0.26 200
75 0.32 220
100 0.45 240
150 0.55 270
200 0.63 320
250 0.71 350
300 0.77 390
350 0.83 420
400 0.89 450
500 1 500
Fonte: Grepstad (2004).
As variações de tabelas e diâmetros das pinholes são praticamente
infinitas. O mais importante a se verificar é que há um mito entre as pessoas que
iniciam o trabalho com pinholes de que, independente da distância focal, quanto
menor for o orifício, mais nítida será a fotografia. Ledo engano. Quando se fecha
demasiadamente a abertura, entra em cena o fenômeno da difração, um
espalhamento da luz que atinge a borda do orifício. Quanto menor, mais se espalha
a luz em vez de seguir em linha reta. O que era para ser um ponto de luz do
tamanho do furo acaba sendo um círculo, maior e menos nítido. Por esse motivo é
importante que o orifício tenha um diâmetro compatível com a distância focal da
câmera (RENNER, 2000, p. 123).
Para aqueles que gostam de trabalho facilitado, há um programa de
computador que executa todos os cálculos e informa o “orifício ideal”, além do tempo
de exposição e do número equivalente f/stop, o ângulo aproximado da câmera, entre
72
outras ferramentas. O Pinhole Designer é gratuito e seu download pode ser feito a
partir da homepage
www.eba.ufmg.br/cfalieri/PinholeDesigner.exe.
73
Capítulo 3
A subjetividade na pinhole:
As coisas como medida das coisas
“A pinhole questiona os padrões, reinventa a relação do homem com a técnica, incluindo outras
possibilidades de uso, para além da lógica cibernética, instantânea, presumida como infalível
Ana Elizabeth Lopes
Luciana Becker Sander
3.1 – (Des)construir o aparelho
Produzir imagens com pinholes é como entrar definitivamente na caixa
preta de Vilém Flusser. Estar no miolo da construção da imagem e poder fazer parte
do ato fotográfico, em dois extremos: da simplicidade ao complexo. Simples porque
o processo de formação da imagem e fixação desta numa superfície sensível é de
tal maneira modesto que torna-se um dos caminhos mais acessíveis na pedagogia
imagética. É comum vermos aulas, cursos ou oficinas de fotografia contemplarem
em seus conteúdos iniciais aspectos que concernem ao processo de pinhole.
Atualmente, é possível se afirmar que o “bê-a-bá” da fotografia começa pela pinhole.
Inúmeras experiências se espalham pelo Brasil e em outros países com esta
metodologia na formação de profissionais da imagem, na educação para a
sociedade imagética ou na formação de crianças. Entre os elementos que
estabelecem a técnica pinhole como ponto de partida para o ensino da arte de
construir imagens ou apenas de vê-las está a facilidade de produção das fotografias.
Para fotografar com pinhole não é necessário que a pessoa disponha de
muitos recursos. Bastam apenas um ambiente vedado de luz com um pequeno furo,
algum material fotossensível e os elementos de revelação. Pronto. A partir disso,
74
todo o universo fotográfico pode ser explorado indefinidamente, seja por uma
criança que está aprendendo a escrever as primeiras palavras, seja por um
experiente profissional da imagem. Todos têm as mesmas possibilidades de
produção, indistintamente, remetendo à gênese da fotografia, quando foi possível
democratizar todas as experiências pela tradução de imagem (SONTAG, 1981, p. 8).
Este caráter simplório e despojado da pinhole é uma das principais características
da técnica. Ao mesmo tempo, essa particularidade é aquilo que torna a pinhole
complexa.
O fato de a imagem ser formada sem a necessidade das objetivas
permite que as fotografias tenham algo mais. Elas fogem do categoricamente
instituído, daquilo que se consolida como padrão visual: reproduzir o real sem
interferência. Com as pinholes o olhar se transforma, deixa de ser o ponto de vista
da câmera e passa a ser um ponto de vista. Aquilo que a câmera capta é o que
existe naquele ambiente, não no olho humano: há uma outra subjetividade. Para
analisar melhor vamos desvendar o que é o aparelho fotográfico a partir dos
conceitos de Flusser (2002).
O aparelho fotográfico pode servir de modelo para todos os aparelhos
característicos da atualidade e do futuro imediato. Analisá-lo é método eficaz
para captar o essencial de todos os aparelhos, desde os gigantescos (como os
administrativos) até os minúsculos (como os chips), que se instalam por toda
parte. (...) Antes de mais nada, é preciso haver acordo sobre o significado do
aparelho, já que não há consenso para este termo. Etimologicamente, a
palavra latina apparatus deriva dos verbos adaptare e praeparare. O primeiro
indica prontidão para algo. O segundo, disponibilidade em prol de algo
(FLUSSER, 2002, p. 19).
A partir dessas considerações, iniciamos o desmonte do aparelho
fotográfico presente na pinhole. Ao mesmo tempo em que as imagens estão na
câmara obscura formada pelo ambiente vedado de luz e com um pequeno orifício,
75
elas não estão definitivamente prontas no aparelho. Enquanto que no processo
tradicional de fotografia o “botão” é quase irresistível – sensação que se aprofunda
ainda mais com as máquinas digitais – e a produção de uma fotografia está sempre
evidente, na pinhole esse tempo-pronto não existe. Há um descolamento da imagem
com de seu apparatus. Nada está de prontidão e nem disponível. Na medida em que
a pinhole se configura apenas a partir de uma concatenação de etapas construtivas,
ela desvenda o próprio aparelho fotográfico. E não é apenas construção no sentido
conotativo, mas denotativo mesmo. Participar das etapas de fabricação do aparelho-
fotográfico-pinhole permite que o fotógrafo fique mais próximo do processo de
realização da imagem fotográfica. Ter domínio também sobre aquilo que Flusser
chama de hardware (objeto), além do software (regras) do aparelho fotográfico.
Enquanto objeto duro, o aparelho fotográfico foi programado para produzir
automaticamente fotografias; enquanto coisa mole, impalpável, foi programado
para permitir ao fotógrafo fazer com que fotografias deliberadas sejam
produzidas automaticamente. São dois programas que se co-implicam
(FLUSSER, 2002, p. 26).
A construção da câmera não é apenas uma tentativa de dominar o
aparelho, mas uma fase, das mais importantes, da fotografia pinhole. Jochen
Dietrich afirma que “o sistema é tão simples que uma criança é capaz de fazer uma
máquina em meia hora” (DIETRICH, 2000, p. 144). Isso possibilita uma
individualidade do aparelho em detrimento de sua estandardização. Ainda que
existam câmeras pinhole fabricadas em série (RENNER, 2000), estas ainda assim
permanecem em um patamar de unicidade, já que o processo fotográfico tende à
não-repetição pictórica. O controle sobre o aparelho deve ser trabalhado em cada
imagem. Fica evidente durante o processo de construção das câmeras que a
ausência da objetiva modifica o status que Flusser confere ao aparelho. Quem passa
76
a determinar as potencialidades dele é o fotógrafo-construtor. O programa presente
na câmera-pinhole depende do processo da qual ela é um resultado. Essa
constatação subverte o processo de determinismo do aparelho sobre o fotógrafo, ao
contrário: há um poder do fotógrafo sobre o aparelho. Com as pinholes, o fotógrafo
passa a fazer parte da caixa preta.
Fabricar o aparelho modifica as relações estabelecidas no processo de
produção de imagens. Permite uma nova forma de compreensão do fazer
fotográfico. Relacionando: o hardware é o objeto; o software, as regras. Na fotografia
tradicional, o fotógrafo domina as regras para forçar o objeto a produzir imagem de
acordo com possibilidades limitadas, ainda que estas sejam quase infinitas. Com as
pinholes, o fotógrafo infringe o hardware, criando um novo software a cada imagem,
mesmo que o aparelho permaneça o mesmo. O formato da câmera, a posição e o
tipo do material fotossensível, o diâmetro do furo-diafragma-obturador, as condições
de luminosidade. É preciso mergulhar em todas as variáveis do processo produtivo
para constituir o aparelho de fato. As virtualidades contidas nas regras (FLUSSER,
2002, p. 27) passam a estar contidas também no hardware, na parte dura do
dispositivo. Mas, ao mesmo tempo, é a partir dessa incursão que se torna possível
ao fotógrafo dominar o aparelho e ter o controle da produção de imagens. Há uma
hibridização da relação homem-máquina num estágio diferente do vivenciado com
as fotografias tradicionais.
A câmera-pinhole deixa de ser apenas um apêndice do olho humano;
não é mais uma prótese somente, mas um sistema independente que proporciona
outra forma de lidar com as coisas.
77
A possibilidade de o próprio fotógrafo ser também seu construtor, incluindo
dessa maneira a construção da câmera no processo de produção do
imaginário, parece-me a grande vantagem da câmera obscura. Este fato se
revela muito mais importante que a capacidade de representação pois,
articulando-se numa linguagem às vezes delicada e de nitidez reduzida,
sempre traz o risco de produzir algo Kitsch (DIETRICH, 2000, p. 144).
A câmera, a partir dessas novas experiências, não é mais uma parte do
processo de produção fotográfica, mas aquilo que o determina. Isto por dois motivos
principais: primeiro, por que a relação homem-máquina deixa de ser apenas um elo
da corrente capitalista; segundo; por que a presença dela no momento da captura da
imagem desconstrói o mito da fotografia como representação objetiva da realidade.
Explorando mais essas possibilidades, a ligação da pinhole com atividades de
reaproveitamento de materiais é evidente. Caixas de papelão, latas enferrujadas,
pedaços de madeira ou até mesmo cascas de ovos. Tudo pode se transformar em
uma câmera-pinhole, ficando claro que há uma noção de reciclagem muito forte. Isso
rompe com a estrutura capitalista que determina a produção imagética. “O tamanho
e o preço das máquinas faz com que apenas poucos homens as possuam: os
capitalistas” (FLUSSER, 2002, p. 21). De outro lado, a presença de uma pessoa com
uma caixa, com um latão ou com um pimentão dizendo que é um fotógrafo cria um
ambiente em que a pseudo-objetividade cai de uma vez por todas no descrédito.
Existe uma outra inter-relação com o mundo a ser representado.
O impacto da presença da câmera-pinhole é tão grande que se torna
pertinente relatar uma situação vivida por mim e pela maioria dos fotógrafos que
usam a técnica. Ao produzir imagens pinholes para meu trabalho de conclusão de
curso no Centro de Vitória, em 2000, posicionei minha “câmera-lata” para a
construção que abriga a sede do Governo do Espírito Santo, o Palácio Anchieta.
78
Dado o longo tempo de exposição, o policial sentinela que estava de guarda,
incomodado, veio a mim para saber o que estava fazendo – ainda bem que naquele
ano ainda não estava iniciada a temporada de terrorismo, pois poderia até ser preso.
Ao descrever o processo ao soldado, ele não hesitou em perguntar: “Isso funciona?
Só acredito vendo”. Semelhante dúvida foi revelada por um guardador de carros que
estava nos arredores. Não é possível passar impune ao ato de fotografar com
pinhole. Fotógrafo, aparelho e objeto são partes que se inter-relacionam e se
imbricam num processo de ação e reação que coloca em xeque qualquer busca pela
pseudo-objetividade.
3.2 – Ausência de objetivas
Com as pinholes surge uma nova interpretação do ato fotográfico. E o
que diferencia o aparelho-pinhole do aparelho-fotográfico-tradicional é a ausência
das lentes objetivas. Dos três mecanismos que compõem o aparelho fotográfico –
luz, material fotossensível e lentes – este elemento é o único que, ao ser modificado
com as pinholes, cria um deslocamento do fotógrafo de posto de mero operador das
potencialidades do aparelho para agente de uma nova situação. Isto por que as
outras duas partes do tripé estão intrinsecamente ligadas. Elas são as duas pontas
da cadeia de realização da fotografia. Já a objetiva é o intermediário, o elemento que
carrega toda a subjetividade da imagem. É na lente que acontece o processo de
construção de fato da imagem.
Fazer uma fotografia utilizando como elemento fundamental apenas um
pequeno furo cria outros parâmetros de tempo e espaço. Como citado
79
anteriormente, as objetivas, como o próprio nome diz, opera como uma parede
completamente transparente. Ela é feita para não causar nenhuma interferência na
imagem, para criar uma sensação de neutralidade. A própria transparência do
material com o qual são fabricadas a maioria das lentes – um tipo de cristal – leva o
fotógrafo a ser convencido dessa normalidade. Entretanto, elas funcionam como
filtros. E são filtros, que deslocam os raios luminosos no caminho até o material
fotossensível. Já com as pinholes não há desvio de raios luminosos. Tanto que ao
direcionar o ínfimo orifício da câmera diretamente para uma fonte luminosa, a
imagem será estilhaçada, enquanto que com as objetivas serão formados halos em
decorrência do ângulo formado a partir do contato dos raios luminosos com a
superfície da objetiva.
Arlindo Machado destaca que “o emprego de lentes de diferente
distância focal pode variar o campo da perspectiva” (1984, p. 134). Assim também
os espaços onde se formam as imagens na pinhole influenciam o campo perspectivo
da imagem produzida, configurando um efeito de grande-angular ou de teleobjetiva.
O mais importante a se destacar é que a pinhole cria uma compressão dos espaços
em cada uma das fotografias a partir do que existe na realidade, sem o intermédio
da objetiva.
A impressão de uma fonte luminosa na superfície sensível pode ser
comparada com ao fotograma
22
e às experiências do rayograma de Man Ray.
Todas as histórias da fotografia mencionam que houve duas direções
principais da invenção da fotografia: a direção Nièpce-Daguerre, a da “foto-
grafia”, propriamente dita, de uma “escrita da luz” para fixar a reprodução das
22
Imagem obtida pela ação da luz sobre uma superfície sensível, sem passar por uma objetiva.
80
aparências; e a direção Fox Talbot, a dos photogenic drawings, que consiste
em produzir em reserva o traço fotogênico de objetos interpostos entre a luz e
um fundo fotossensível (AUMONT, 1993, p. 164-165).
A partir das observações Aumont, a pinhole estaria situada entre os dois
pontos no universo da invenção da fotografia: entre Nièpce-Daguerre e Fox Talbot;
entre a “foto-grafia” e o “fotograma”. É uma câmera que produz fotogramas a partir
de reflexos luminosos, sem interposição. A não-existência de uma das partes do
mecanismo fotográfico faz com que os dois outros elementos sejam postos em
contato imediato, criando um novo medium. E a base desse universo é a
indeterminação, já que passa a ser suprimido exatamente o elemento que
proporcionava uma espécie de “liga” entre a luz e o material fotossensível. Ao
ficarem diretamente ligados, estes dois pontos do aparelho fotográfico não se
encaixam perfeitamente, provocando o deslocamento.
A determinação e o controle das partes da fotografia são em sua maioria
crivos da objetiva. O filme e a luz têm também suas parcelas nas possibilidades
fotográficas, mas são as lentes que criam um mundo limpo no universo fotográfico.
Com a substituição das objetivas por um furo, a influência do fotógrafo no processo
de produção da imagem passa da indução ao diálogo.
Com a fotografia tradicional, o operador do aparelho lida com as
possibilidades estabelecidas, com as regras, sem saber o que está na “caixa preta”
(FLUSSER, 2002, p. 25). Conhecedor do modo de produção, pode induzir o seu
aparato fotográfico para produzir as imagens com as quais o pensamento dele
estava montando desde o primeiro momento em que viu a cena. Diz-se que é
justamente essa uma das maiores características do bom fotógrafo: antever a
81
imagem e preparar a câmera para fazer uma cópia fiel ao que ele imaginou.
Somente as fotografias que se aproximem desse padrão almejado poderão ser
consideradas “boas”, “aproveitáveis”. Essa análise se aplica ao amador, que sonha
em ter uma imagem noturna do Cristo Redentor, assim como ao fotojornalista, que
deseja capturar o momento exato em que o jogador marca o gol; ao fotopublicitário,
que busca a imagem mais que perfeita de um sorvete ou a um fotoartista, que monta
um aparato fotográfico para esfacelar o rosto de uma celebridade. Ao trabalhar com
a fotografia tradicional todos são indutores do aparelho.
De outra forma, a imagem produzida pela pinhole é um resultado
dialógico. Homem e máquina têm seus próprios elementos e a imagem é resultante
dessa parceria. Não adianta ao fotógrafo obrigar o aparelho a processar exatamente
a imagem que lhe convém. O lugar da câmera não é mais lugar do olho humano.
Como afirma Dietrich,
[...] as relações que formam o sistema da fotografia pinhole têm uma estrutura
dialógica. Quem cria um imaginário usando uma câmera obscura está inserido
em um diálogo complexo com o mundo (a parte da realidade que ele quer
representar), com sua cultura, que lhe forneceu aquele artefato (o sistema da
câmara obscura), consigo mesmo, pois foi ele que concretizou o sistema
construindo sua máquina, e com o próprio artefato, a caixa. No triângulo
Sujeito-Meio-Objeto (realidade), o meio específico câmara obscura é capaz de
se inserir em qualquer uma das três posições. Sendo um olho artificial, a
câmera obscura representa sobretudo outra subjetividade, vale dizer, cada
máquina construída significa uma subjetividade virtual (DIETRICH, 2000, p.
156).
Se qualquer ambiente oco pode ser transformado em uma câmera, o
lugar da visão deixa de ser o olho e invade outros espaços. Por isso, a câmera está
fora do corpo. Não é mais uma extensão da visão, mas uma visão própria e unívoca,
o que demanda um diálogo do fotógrafo com o aparelho, e não mais somente uma
indução deste por aquele.
82
Além disso, o aparelho-pinhole possui uma gama de possibilidades que
não podem ser determinadas, o que resulta numa fotografia com elementos não
previstos: traços de luz, anomalias cromáticas, deformações inesperadas, zonas de
sombras densas etc. Dentre as surpresas estão até a ausência total de imagem. A
não-imagem na pinhole também é produtiva, pois como cada fotografia é resultado
de uma construção individual, a experiência do fracasso é extremamente importante
na continuidade do trabalho – fracasso que quase desaparece com as modernas
fotografias digitais, nas quais o que não tem “beleza” é deletado imediatamente após
a captura da imagem.
É neste aspecto que a objetiva, mais que qualquer outra parte do
processo fotográfico, determina a “ideologia perspectivista”. Aumont, relatando os
teóricos que descrevem o impacto da fotografia escreve:
A máquina fotográfica é um rebento da câmara obscura. Como esta, é capaz
de produzir automaticamente uma vista perspectivista opticamente perfeita,
mas além disso, oferece sobre sua antecessora a vantagem decisiva de fixar
essa construção, de registrá-la. Reconhecem-se aqui as teses “realistas” de
numerosos críticos, em particular as de André Bazin, que a esse respeito deu
uma versão impressionante, apoiada em uma grande metáfora religiosa: (...)
Bazin vê “revelação” fotográfica como cumprimento da vocação mimética da
arte e como uma das manifestações mais importantes do desejo, implícito em
toda representação, de “embalsamar a realidade” (AUMONT, 1993, p. 180-
181).
A ideológica perfeição perspectiva é perfeitamente possível com o
processo tradicional fotográfico, mas com as pinholes deixa de ser um elemento
fundamental. O vazio, a sobreposição e o fantasmagórico surgem como marcas
irremediáveis de uma lógica própria e única. Há um esfacelamento total da busca
pela objetividade, pois, como constata Machado, “nada é mais subjetivo do que as
83
objetivas fotográficas, por que o seu papel é personificar o olho do sujeito da
representação” (MACHADO, 1984, p. 37). Com a pinhole, o imprevisível é o mais
importante. O resultado sempre será uma surpresa e aí justamente que reside uma
das maiores potências da pinhole: o acaso.
3.3 – As imagens do acaso
A produção de imagens na contemporaneidade é um fenômeno bastante
discutido em muitas esferas sociais, não apenas nos bancos acadêmicos. E essa
massificação imagética tem na velocidade seu principal motivo de crescimento. Num
momento marcado por essa produção indiscriminada de imagens, por que discutir a
produção de imagens com pinholes? Por que a potência dessas imagens está no
fato de elas serem sempre resultado do acaso. E isso, numa sociedade
completamente dominada pelas imagens determinadas, imagens-clichês, é um fator
de irremediável destaque.
Independentemente de qualquer pretensão da fotografia de erigir-se como
forma de expressão pessoal, em nível semelhante ao da pintura, será sempre
verdadeiro que a originalidade dela está vinculada inextricavelmente às
potencialidades da câmara: não se pode negar o grau de informação e a
beleza formal de muitas fotografias cuja confecção se torna possível pelo
fortalecimento constante das potencialidades da câmara, como as fotografias
de alta velocidade, de Harold Edgerton, de uma bala atingindo o alvo, das
piruetas de uma jogada de tênis, ou das fotografias endoscópicas de Lennart
Nilsson sobre o interior do corpo humano. Mas à medida em que as câmaras
fotográficas se tornam cada vez mais sofisticadas, automáticas e precisas,
alguns fotógrafos vêem-se tentados a desarmar-se ou a sugerir que não estão
efetivamente armados e preferem submeter-se aos limites impostos pela
tecnologia pré-moderna da câmara – na suposição de que uma máquina
fotográfica mais tosca e de menos potência será capaz de produzir resultados
interessantes e expressivos, deixando mais espaço para o acidente criativo
(SONTAG, 1981, p. 119-120).
Essa suposição de que o “acidente criativo” é mais iminente com um
aparelho menos elaborado se justifica no ponto em que o fotógrafo-indutor da
84
fotografia tradicional luta para dominar todas as potencialidades da câmera,
enquanto que na pinhole o fotógrafo-dialogador, ainda que queira, não pode
controlar essas regras do aparelho. Remetendo novamente a Flusser (2002, p. 26),
o software é diferente em cada uma das situações. O que é imprevisível subverte o
que está estabelecido. E é justamente nessa dificuldade de previsibilidade que
reside a maior força da pinhole. A surpresa é a alma da imagem gerada com esta
técnica despojada. O espanto do acaso é fazer pensar. Como destaca Machado:
“Poucos são os fotógrafos, entretanto, que sabem tirar proveito dos acidentes do
acaso para fazer emergir esse inconsciente ótico e arrancar do mundo dos
protocolos e convenções cotidianas visões perturbadoras e corrosivas” (MACHADO,
1984, p. 49).
Essa possibilidade é um dos motivos pelo qual a pinhole foi retomada na
década de 1960: uma possibilidade barata, simples e crítica de representar o
mundo. “A camara obscura apareceu então como uma arma importante na luta
contra a indústria cultural, contra os mass-media e também contra a oligarquia no
reino das imagens” (DIETRICH, 2000, p. 140).
Podem ser definidos em três os elementos que transformam o acaso em
situação produtiva nas pinholes: a ausência das lentes, o logo tempo de inscrição da
luz no material fotossensível e o descaracterização do enquadramento como limite
da imagem. Não contar com fatores de correção contribui para a falta de precisão
técnica no ato fotográfico. Como o acidente criativo é situação determinante no
processo da pinhole, a falta dessas determinações objetivas funciona como um
catalisador da potência da fotografia. O flou é uma das marcas mais características
85
da técnica. O embaçamento da imagem remete ao que não podemos ver
nitidamente, como se a realidade da qual fazemos parte não pudesse nos ser
revelada como ela realmente é. O objeto é encortinado antes de ser “embalsamado
definitivamente”.
Pela forma lenta como as imagens são capturadas e pela alteração da
relação com o entorno, a pinhole também entra no campo da imprecisão. É comum
exposições de horas para a obtenção de uma fotografia com a pinhole, fato que
torna mais propenso a intervenções não previstas na imagem, tais como a
movimentação de um objeto, a aparição de outros, o desaparecimento de pessoas.
A captura daquilo que não faz parte do universo do fotógrafo se torna evidente. O
tempo da exposição é ampliado ao máximo. Percebe-se uma relação intensa entre o
objeto e o material sensível. Essa intensidade nada tem a ver com o “click” de uma
máquina, a não ser pela função de obturador de ambos os mecanismos. O contato é
lento. A duração da imagem é maior e permite outras possibilidades imagéticas não
previstas pelo programa, naquilo que o fotógrafo estava determinado a fazer. A
imagem ganha uma temporalidade diferente, o que torna propenso o acaso e por
conseqüência o espanto na fotografia. Isso por que o fato de o tempo de inscrição
ser demorado não altera apenas o resultado final, ou seja, a fotografia. Também o
fotógrafo é abarcado pela síncope de permanecer segundos, horas ou até dias
esperando o fim da exposição.
Num de seus projetos, Dietrich descreve essa etapa como um momento
único de diálogo entre fotógrafo, aparelho e objeto.
As sessões de auto-retrato [dos alunos de um de seus projetos] forneceram
espetáculos fascinantes para as minhas observações, e para eles observarem
86
a sim mesmos. Quando pedi que falassem sobre suas experiências de ficarem
sentados em frente das máquinas durante tanto tempo, não se lembravam de
muito mais que bichos e formigas que não podiam remover de seus corpos
sem se mexerem, de pedras machucando as costas e do sol batendo na cara.
Falaram da dificuldade de manter fixa uma posição do corpo, sobretudo
quando não tinham atentado para essa possibilidade antes de abrirem a
máquina (DIETRICH, 2000, p. 158)
Corroboram com esses aspectos de acaso a redução da possibilidade
de serialização da produção. A lentidão e o não-controle da imagem são pontos que
criam uma dificuldade de repetição rápida da fotografia, já que ela se torna resultado
de um processo único. Além desses aspectos já mencionados do acaso na pinhole,
outras distorções e rupturas podem ser conseguidas. Somado-se às imagens
“bizarras” decorrentes da não-utilização da objetiva estão as fotografias feitas com
vários furos. A criação de uma multiplicidade de possibilidades visuais confunde o
espectador e provoca espanto, acionando um universo fantástico.
Como terceiro e último aspecto do acaso na pinhole aparece a
descaracterização do enquadramento como limite. Como todo o interior da câmera
obscura é inundada de imagens, é definitiva a possibilidade de anamorfosear a
imagem, torcer, alongar, continuar, romper ou compor uma fotografia em partes.
Deixa de ser obrigatório que a imagem seja apenas aquilo que está entre as
margens, mas pode ser justamente o que fica entre as duas partes. Ou pode ser a
combinação de muitas partes, como um quebra-cabeça. Surge um tipo específico de
fragmentação do objeto, que não se pode conseguir com a fotografia tradicional sem
antes passar por complicadas manipulações em computadores. O acaso está na
anamorfose por descontinuidade da imagem, que se forma indiscutivelmente alheia
ao tato do fotógrafo.
87
Essas situações do acaso na pinhole agem indistintamente. Não há
como conter. O mecanismo escorre por entre os dedos do fotógrafo e adquire uma
espécie de vida própria. O momento de fotografar deixa de ser o momento da caça e
passa a ser o instante do nascimento. O acaso permite que exista uma espécie de
foto-vida, em detrimento da foto-morte. A imagem, aguardada como um filho, surge
como se tivesse uma autonomia resultante da cumplicidade entre fotógrafo e
câmera. A fotografia-pinhole é sempre resultante de um longo processo, no qual a
surpresa sempre tem um papel essencial.
Ao contrário do que ocorre com a fotografia tradicional, em que o acaso
é fruto de uma varredura vertical ou horizontal do obturador e quase sempre aparece
como uma estética negativa, na pinhole a imagem é sempre formada a partir de um
universo estocástico.
A verdade é que o grosso da produção fotográfica convencional embriagada
pela ilusão homológica, costuma rejeitar todos esses acidentes do acaso que
fazem aflorar uma paisagem bizarra, preferindo apoiar-se nos modelos
elegantes da pintura figurativa, mais seguros e melhor estratificados na
consciência coletiva. Longe de se dar por vocação desencavar esses instantes
críticos onde a normalidade de uma visão acomodada se desintegra em
nonsense, a prática habitual busca, da maneira como for possível, reprimir na
fotografia o seu poder de perturbação e desconcerto. É que o acidente, longe
de encarnar a prova de uma objetividade “ontológica” do processo fotográfico,
costuma desarticular o real ao invés de promovê-lo, pelo menos um certo
estereótipo de “real” que é aquele a que nos viciou a tradição figurativa
(MACHADO, 1984, p. 49).
3.4 – O diálogo com as coisas
As imagens feitas com pinholes estão situadas, como dito anteriormente,
entre uma fotografia de tradição figurativa e uma fotografia quase sem referente,
como o fotograma. Importante é investigar como tempo e espaço se reconfiguram
88
neste medium. Além disso, o diálogo com as coisas está estritamente ligado à
pinhole: tornar visível um outra visualidade ou o invisível aos olhos humanos. Ou
pelo menos aquilo que não é visível. Para fotografar com pinhole deve-se
compreender como se dá a relação com o tempo e o espaço das coisas.
A partir do momento em que a técnica é definida pela multiplicidade de
materiais utilizados, perde-se a referência da máquina fotográfica como algo pronto
e pré-conceituado, com suas possibilidades demarcadas. As câmeras-pinhole
extrapolam a máquina fotográfica enquanto mera ferramenta. São objetos que
passam a ter a função de capturar as imagens. Por meio da técnica ocorre um
processo coisificação da câmera ou uma maquinização da coisa. Sabendo que
qualquer espaço vazio pode ser transformado em aparelho fotográfico, a relação
com esses objetos muda completamente.
Essas alterações ocorrem em vários estágios. Primeiro na relação do
fotógrafo com os objetos antes da maquinização deles. O olhar sobre uma casca de
ovo não tem mais a simplicidade de quem joga o lixo fora. Tudo pode ser um
ambiente de produção imagética e, após essa experimentação, sempre há um
território inexplorado à espera de uma fotografia. Renner (2000) tem um trabalho
amplo no qual centenas de experiências são descritas. Há as construções de
pinhole com cascas de ovos, de Jeff Fletcher (figura 2), os buracos na terra e a
câmera que ficou seis meses em exposição, de Terrence Dinnan e Dominique
Strooobant, ou até mesmo as imagens feitas por Marcos Kaiser nos buracos abertos
no Muro de Berlim durante a queda do regime da Alemanha Oriental. Também os
cine-teatros de Portugal transformados em câmeras obscuras por Jochen Dietrich ou
89
a câmera feita com botas pretas ou pimentões vermelhos dos alunos do mesmo
Dietrich. Seria impossível descrever todas as possibilidades existentes com a
fotografia pinhole.
Fato é que essas câmeras pouco convencionais estabelecem um modo
muito próprio de representação do mundo. “Essa troca de olhares, esse diálogo com
o mundo das coisa é algo que está totalmente fora do alcance da fotografia normal”
(DIETRICH, 2000, p. 145). A inclusão deste mundo paralelo muda todo o contexto
do ato fotográfico. Agora não é mais possível tratar de uma busca pela objetividade,
por uma representação transparente do real. Qualquer discurso deve estar
considerando a possibilidade efetiva de outras subjetividades na representação
pictórica da fotografia. Não apenas uma imagem-cristal, autônoma, abstraída do
vínculo remissivo de origem (FATORELLI, 2003, p. 33) mas para algo além disso.
Está dada a possibilidade de o homem ser naquilo que nunca fomos enquanto seres
humanos. Isso implica num processo de deformação que em nada lembra a luta
árdua para consolidar a representação imagética figurativa a partir da perspectiva
linear, central ou artificialis.
Sem dúvida esse aspecto da fotografia com pinhole remete à questão da
fotografia do invisível e irremediavelmente ao inconsciente ótico de Walter Benjamin.
A realidade está fora, é outra.
A natureza que fala à câmera não é a mesma que fala ao olhar; é outra,
especialmente porque substitui a um espaço trabalhado conscientemente pelo
homem, um espaço que ele percorre inconscientemente. Percebemos, em
geral, o movimento de um homem que caminha, ainda que em grandes traços,
mas nada percebemos de sua atitude na exata fração de segundo em que ele
dá um passo. A fotografia nos mostra essa atitude, através dos seus recursos
auxiliares: câmera lenta, ampliação. Só a fotografia revela esse inconsciente
90
ótico, como só a psicanálise revela o inconsciente pulsional (BENJAMIN, 1994,
p. 94).
A construção da imagem com a pinhole deixa o fotógrafo dialogar com a
coisa. E esta, como prêmio, oferece ao seu dialogador uma imagem de seu
inconsciente ótico, daquilo que ele jamais poderia ter acesso. Uma troca justa.
Deixar-se estar no lugar de, ser o que não é, ver o invisível aos olhos humanos.
Essas possibilidades são na verdade uma coisificação da humanidade, um
abandono das consolidadas tradições pictóricas que por tantos séculos guiaram o
caminho da produção de imagens na nossa sociedade. O observador não é mais o
homem, mas as coisas.
3.4.1 – Diálogo com o corpo ou a coisificação do homem
Renner (2000) descreve com detalhes as diferenças existentes no
processo fotográfico com pinholes. A partir desse deslocamento que afasta da visão
humana o poder sobre a perspectiva visual, ocorre uma paradoxalidade. Ao mesmo
tempo em que o homem deixa de ser o referente, ele passa a ser também uma
câmera. Uma câmera viva. Como toda máquina fotográfica é um objeto de produção
de imagens, então o corpo se transforma e é transformado em objeto, em coisa.
Entre as experiências que atestam essa constatação está o trabalho do
alemão Thomas Bachler. Nos anos 1980 ele realizou uma série de fotografias
utilizando o próprio corpo como câmera obscura. O artista cortou vários pequenos
pedaços de um filme 35mm e colocou na boca; criou um pequeno orifício com os
lábios e fez a sensibilização do material diante do espelho, resultando uma série de
91
auto-retratos. O título completo da obra descreve um pouco como a pinhole se
relaciona com o corpo do fotógrafo: “The Third Eye, pinhole photographs made with
the mouth, using lips as an aperture, film in mouth, standing in front of a mirror, all
self-portraits”. O “Terceiro Olho” é realmente um terceiro olho, ou aquele que permite
a visualidade seja retratada. Experiência parecida foi realizada pelo americano Jeff
Guess, que produziu imagens das mãos a partir de uma câmera feita com a boca e
os lábios. Outro artista que se propôs a um diálogo-interação completo entre corpo
humano e máquina fotográfica foi o italiano Paolo Gioli, que transformou seu punho
em câmera (RENNER, 2000, p. 74-75). A qualidade dessas imagens é bastante
limitada, mas a concepção desses trabalhos é única como possibilidade estética e
conceitual.
Um elemento deve ser destacado nestas fantásticas experimentações:
apesar de corpo-humano-e-máquina serem um só, não há controle do fotógrafo
sobre o resultado das imagens produzidas a partir do próprio corpo. Neste ponto, a
imbricação não resulta em determinismo visual. O acaso continua sendo uma
variável de destaque. E o ‘terceiro olho” representa justamente essa falta de
controle. Definitivamente, a fotografia produzida com pinholes é resultado da ação
do inconsciente ótico. É a cristalização do que não pode ser visível aos olhos
humanos com suas limitações e potencialidades. E esse inconsciente ótico também
se aproxima do biotecnológico, deixando os aspectos modernos da fotografia – ou
atrelados ao modelo industrial – para assumir uma posição de destaque dentro de
uma nova visualidade, ligado indubitavelmente à condição pós(supra)-moderna.
Estabelece-se uma relação simbiótica entre corpo e máquina num processo de
autoprodução (BENTES, 2001).
92
Dessa forma, o caráter pictórico da fotografia pinhole deixa de estar
atrelado ao passado arcaico e primitivo para assumir definitivamente seu posto como
possibilidade estética em consonância com os passos mais atuais da arte e da
tecnologia da imagem. Depois de mais de um século da invenção-descoberta da
fotografia os modelos mais modernos podem ser mesclados com técnicas da gênese
do discurso imagético compondo um panorama único. A pinhole permite que
passado em futuro se mesclem, criando possibilidades estéticas relevantes.
93
Capítulo 4
Pinhole no Brasil:
Um breve panorama
“Assim vejo a tarefa da filosofia da fotografia: apontar o caminho da liberdade.
Filosofia urgente por ser ela, talvez, a única revolução ainda possível
Vilém Flusser
4.1 – A busca pela experimentação
O trabalho com pinholes demanda uma pesquisa constante em direção a
novas experimentações e novos processos. Essa procura por novos materiais é, na
verdade, uma característica da própria fotografia, que surge a partir do trabalho de
muitos curiosos ao mesmo tempo em vários lugares do mundo. Daí a existência da
clássica dificuldade, e até mesmo a impossibilidade, de determinar o inventor da
fotografia como a conhecemos hoje. Muitos autores (BENJAMIN, 1994; MACHADO,
1984; SONTAG, 1981; POLLACK, 1977; KOSSOY, 2001) apresentam uma
variedade imensa de “primeiros autores” da fotografia.
O que interessa neste trabalho não é a investigação para determinar o
grande “inventor”, mas retirar dessa pluralidade de possibilidades o fato de que
somente a partir de um trabalho incansável de experimentações foi possível chegar
ao processo fotográfico. A experimentação é um elemento fundamental da própria
gênese fotográfica. Quase dois séculos depois das primeira imagens, a atividade
experimental ainda produz resultados no campo da imagem. E a pinhole é um
verdadeiro representante dessa essência experimental da fotografia, uma vez que
todo o processo é resultado de acertos e erros individuais e únicos na busca pela
“melhor” imagem.
94
É dentro desse contexto que o Brasil se insere no rol dos locais de
produção de fotografias pinhole. A propensão para experimentação de materiais e a
criatividade do brasileiro aparecem na produção dessas imagens. Mas, para
compreender como se configura o panorama atual das fotografias pinhole no país é
importante recuar um pouco no tempo e percorrer a historicidade da fotografia
brasileira. Assim, será possível identificar como e quando as pinholes entram na
cultura nacional.
4.1.1 – Começo da fotografia no Brasil
A fotografia começa no Brasil bem antes do anúncio oficial da invenção,
em Paris, em 1839. Na verdade, cerca de seis anos antes, o francês Hercules
Florence, radicado em Campinas, já havia conseguido produzir imagens sem a
intervenção da mão do homem.
O Brasil, país periférico em todos os sentidos àquela realidade, seria palco
também, surpreendentemente, de experiências pioneiras e contemporâneas no
campo da fotografia, graças à inventividade de Hercules Florence. Sua
descoberta, porém, passaria despercebida no interior da Província de São
Paulo, na Vila de São Carlos (Campinas), longe das ruidosas manifestações
que se faziam em Paris diante da invenção de Daguerre ou das reivindicações
de prioridade por parte de William Henry Fox Talbot em Londres (KOSSOY,
2001, p. 141-142).
Mesmo com tanta precariedade, Florence conseguiu avançar em suas
pesquisas. Ele desenvolveu “uma série de inventos, em sua maioria métodos de
reprodução de imagens, como a poligrafia e a impressão pela luz solar” (ZUANETTI,
2002, p. 164). Apesar de relativo sucesso em seu empreendimento, pois chegou a
95
“reproduzir rótulos de farmácias e diplomas de maçonaria”, ao saber da invenção do
daguerreótipo na Europa, “deu por encerrados seus trabalhos”.
Sem que houvesse um desenvolvimento contínuo e de destaque das
experiências de Florence, coube ao abade francês Louis Compte a introdução da
produção automática de imagens no Brasil. Em janeiro de 1840, ele produziu com
um daguerreótipo três imagens nas proximidades do Paço Imperial, no centro do Rio
de Janeiro. “Fascinado, Dom Pedro II, então com 14 anos, compra um equipamento
de daguerreotipia dois meses depois e torna-se o primeiro fotógrafo nacional”
(ZUANETTI, 2002, p. 165). Dom Pedro II foi um amante da fotografia e um grande
incentivador do novo medium.
Apesar disso, o desenvolvimento da fotografia no Brasil foi lento, se
comparado com os Estados Unidos e com a Europa. Em 1847, quase uma década
após a passagem de Compte pelo país, havia apenas três fotógrafos em todo o
território nacional. Já no ano de 1864, o número de profissionais não chegava a 30.
Em 1866, havia 3154 fotógrafos no Estados Unidos (ZUANETTI, 2002, p. 165). Um
dos motivos para tal discrepância dava-se em função da distância econômica dos
grandes centros. Além disso, o trabalho era praticamente artesanal, o que dificultava
ainda mais sua dispersão.
A expansão da fotografia no país seguiu a estrutura socio-econômica.
Destacaram-se principalmente as maiores cidades da costa, Recife e Salvador, e o
Rio de Janeiro. Outro fato importante é que durante o período da daguerreotipia,
havia um caráter intinerante dos “professores” e “artistas”, estrangeiros em sua
96
quase totalidade. Os fotógrafos “se aventuravam [para essa parte do mundo] em
razão, inclusive, da concorrência em seus países de origem (...) e após reunirem
algum pecúlio, embarcavam de volta” (KOSSOY, 2002, p. 144).
Entre 1840 e 1855, diversas capitais brasileiras foram visitadas por
daguerreotipistas intinerantes, que também realizavam algumas incursões pelo
interior das províncias em busca da aristocracia rural que poderia servir de
clientela. A grande maioria era composta de estrangeiros, que permaneciam
entre nós por alguns meses ou anos, retornando em seguida aos seus países
de origem, o que dificulta enormemente a pesquisa mais pormenorizada sobre
seus currículos e roteiros de trabalho pelo Brasil. Podemos destacar (...) os
nomes de Biranyi & Kornis, Buvelot & Prat, Joseph Chauvin, Francisco
Napoleão Bautz, Guilherme Telfer, Evans, Cipriano, Hippolyte Lavenue,
Conrad Gerbig e Fredericks (VASQUEZ, 1985, p. 17)
Os dados mudam quando a fotografia se insere definitivamente no
contexto da modernidade no fim do século XIX. Não por acaso, somente quando o
período da daguerreotipia entra no seu fim que a fotografia parece crescer no Brasil.
A difusão do novo medium ganha velocidade com a industrialização e com o
desenvolvimento de novas técnicas e de novos procedimentos fotográficos.
A introdução de novos processos fotográficos gerados nos centros
industrializados e tornados populares através do sistema negativo/positivo e do
modismo internacional representado pela carta de visite, a clientela aumentaria
sensivelmente em número, o que daria ensejo a o aumento significativo de
estabelecimentos fotográficos” (KOSSOY, 2001, p. 145).
Esse desenvolvimento acabou gerando um abandono das técnicas mais
artesanais por grande parte dos fotógrafos.
Paulatinamente, o processo fotográfico sofre também os efeitos da
modernização, industrializando-se e anulando uma tradição artesanal que
vinha desde a metade do século XIX, no qual o próprio fotógrafo elaborava o
material. O desenvolvimento da indústria fotográfica com a simplificação dos
processos de reprodução, o aparecimento das câmeras portáteis de fácil
manuseio e a inauguração de lojas especializadas em material fotográfico
favoreceram também o surgimento de uma nova categoria de fotógrafos: a dos
“batedores de chapas” (...). É importante destacar a inexistência, até esse
momento, de preocupações de cunho estético-artístico na fotografia brasileira,
com exceção de algumas experiências resultantes do uso da fotografia por
pintores brasileiros do século XIX. A concepção artística da fotografia só ganha
97
expressividade no Brasil com o surgimento do fotoclubismo, que toma como
diretriz estética o movimento pictorialista internacional (MELLO, 1994, p. 91-
92).
4.1.2 – O pictorialismo e o fotoclubismo
É o movimento pictorialista que passa a ter a responsabilidade de
levantar o debate estético nas artes visuais. Sendo assim, e sabendo que o
pictorialismo internacional se utilizou de técnicas como as fotografias com pinholes,
é de se supor que tenha havido o emprego da técnica também no Brasil. Isto por
que uma das questões mais importantes dos debates na esfera européia e norte-
americana girava em torno das possibilidades de utilização da “objetiva moderna da
câmera fotográfica na produção de fotografias artísticas” (MELLO, 1994, p. 74).
O excesso de precisão surgia como um aspecto que desagradava aos
pictorialistas. Isto explica a opção de pictorialistas como Davidson e Emerson pelas
pinholes, já que esse dispositivo não tinha a abundância de detalhes presentes no
hiper-realismo da fotografia normal, característica que, vale lembrar, era criticada
pelos fotógrafos-artistas da época.
Apesar de ser bastante provável, não há registros específicos sobre o
uso de pinholes neste período no Brasil. Mas o debate e a curiosidade acerca das
possibilidades técnicas da fotografia criaram um ambiente favorável para o
surgimento das primeiras experiências fotoclubísticas nacionais. “Nesta perspectiva,
temos, em 1903, em Porto Alegre, Rio Grande do Sul, uma mostra coletiva de artes
plásticas organizada pelo Sploro Photo-Club” (MELLO, 1994, p. 93). Em 1910, há o
marco inicial do movimento fotoclubista com a fundação do Photo Club do Rio de
98
Janeiro. Em 9 de julho de 1923, um grupo de fotógrafos insatisfeitos com o estado
de letargia predominante no ambiente da fotografia, junto com o Photo Club do Rio
de Janeiro, fundam o Photo Club Brasileiro.
Além do Photo Club Brasileiro, outra instituição de destaque nesta
trajetória de afirmação da fotografia no Brasil é o Photo Club Bandeirante, de São
Paulo. Os fotoclubes foram fundamentais para a difusão e o aperfeiçoamento da
fotografia no Brasil. Como seguiam as diretrizes do movimento pictorialista, o Photo
Club Brasileiro acaba inserindo o debate estético que já vinha sendo travado
internacionalmente desde meados do século XIX.
Na medida em que consideram a fotografia como uma interpretação subjetiva
do real, os fotógrafos pictorialistas defendem a idéia de que o que caracteriza
uma obra de arte é o estilo pessoal do autor. (...) Para imprimir sua marca
sobre a obra, o fotógrafo deve controlar todas as etapas de produção da
imagem. Para isso, ele intervém com ampla liberdade(...). No entanto, a
manipulação da fotografia não é unanimidade entre os associados do Photo
Club Brasileiro (MELLO, 1994, p. 96-97).
O principal debate era se o fotógrafo deveria intervir na imagem
manualmente ou exclusivamente por meios fotográficos. Também o flou era tema de
discordância, polarizando uma discussão entre os que eram a favor do flou e os que
defendiam a nitidez da fotografia. O fotoclubismo brasileiro no início do século XX
mantinha-se arraigado às tendências academicistas do fotopictorialismo. Contudo,
nesta mesma época, o movimento pictorialista internacional engendrava mudanças
radicais, redefinindo suas bases estéticas. Man Ray e Lászlo Moholy-Nagy, por
exemplo, foram importantes para libertar a fotografia da câmera, com seus trabalhos
baseados nos fotogramas. Isso nos anos 20 e 30. E debate parecido apenas iria
fazer-se visível no panorama brasileiro a partir da década de 1950. Mesmo assim, e
99
com cerca de três décadas de atraso, a fotografia moderna brasileira começa a se
configurar definitivamente a partir das importantes e árduas ações do fotoclubismo.
Se em relação aos horizontes americano e europeu o modernismo brasileiro
operou com uma defasagem de duas ou três décadas, no âmbito internacional
do fotoclubismo e no contexto cultural do país ele foi extremamente inovador,
vindo a modificar de modo definitivo o panorama da fotografia no Brasil
(COSTA & SILVA, 2004, p. 28-30).
A fotografia brasileira insere-se a partir desse momento na modernidade
de maneira definitiva. Para o presente trabalho vale destacar que, apesar de a
primeira metade do século XX da fotografia brasileira ter sido marcada pela busca de
uma estética própria, o que envolveu experiências grandiosas, como os trabalhos de
fotograma de José Oiticica Filho e Geraldo de Barros (COSTA & SILVA, p. 84), em
nenhum momento a produção com pinholes foi relevante. Até por que não há
registros de experimentações com esta técnica, apesar de ser perfeitamente
possível que o artistas do pioneirismo da fotografia moderna brasileira tivessem feito
imagens com esse tipo de câmera artesanal. “Como a técnica é elementar dentro da
fotografia, é de se esperar que alguns fotógrafos tenham utilizado pinhole
anteriormente. Contudo não há registros”
23
.
Este hiato reforça a constatação de que apenas a partir dos anos das
décadas de 60/70 houve um ambiente propício para as experiências consideradas
as primeiras com pinhole no Brasil de maneira consistente e como um caminho
estético próprio. As experimentações com fotogramas e as manipulações em
laboratórios são as formas encontradas para abandonar o figurativismo. Mas é a
pinhole que aparece como uma oposição à indústria cultural, aos mass-media.
23
FALIERI, Cleber. Em depoimento ao autor, 2005.
100
Assim, há a valorização da técnica como uma ferramenta para a produção de
imagens subversoras, ideologicamente positivas. Naquele momento em que a
“Sociedade da Imagem” dava os primeiros passos, em que a televisão ganhava ares
de “Big Brother” e em que o termo “Aldeia Global” se estruturava intensamente, nada
mais interessante que uma técnica que fugisse da industrialização e da
pasteurização da fotografia. Este contexto foi determinante para a difusão definitiva
da fotografia pinhole nos Estados Unidos e na Europa (RENNER, 2000, p. 55),
berços da produção contemporânea da fotografia com pinhole brasileira.
4.2 – A produção com pinholes no Brasil
Após compreendermos, ainda que superficialmente, como se deu o
desenvolvimento da fotografia no Brasil – fato importantíssimo para estabelecermos
as relações da fotografia no contexto sócioeconômico e artístico brasileiro –
chegamos enfim ao ponto em que a produção de fotografias com câmeras de orifício
deixa de ser apenas um apêndice da produção imagética nacional e começa a ter
uma conotação estética própria. Vamos estabelecer, com base em alguns autores
(DIETRICH, 2000; RENNER, 2000; GREPSTAD, 2004), os anos de 1960 como
momento da retomada da pinhole no cenário internacional. Um dos fatores mais
relevantes para a retomada da fotografia com pinhole diz respeito aos aspectos
contraventores e subversivos da técnica. Dentro de um movimento maior de
contracultura, a pinhole é descoberta como uma forma de produção imagética
inteiramente oposta à massificação dos mass-media (DIETRICH, 2000, p. 140).
101
Renner (2000) deixa muito claro esse panorama de recuperação da
técnica dentro de um movimento maior no âmbito artístico. Ele cita alguns fotógrafos
que começam a experimentar a técnica com maior intensidade, entre eles Paolo
Gioli, da Itália, Gottfried Jäger, na Alemanha, além dos americanos David Lebe,
Franco Salmoiraghi, Wiley Sanderson e o próprio Eric Renner. Esses artistas
optaram por produzir imagens com pinholes pela sua singularidade, pela amplitude
de alternativas e pela possibilidade de criar novos conceitos e teorias dentro do
universo da produção fotográfica (RENNER, 2000, p. 55).
No panorama brasileiro, e mais especificamente paulistano, uma das
primeiras referências ao uso de câmeras de orifício deve ser creditada ao Museu
Lasar Segall. O trabalho inseria-se no contexto do ensino de fotografia, mas o fato
de serem utilizadas formas de desmitificar a fotografia impeliam à pinhole um papel
relevante nesta experiência.
Ao final da década de 1970, através do Plantão Fotográfico, oferecendo
acesso público a laboratório a baixo custo, além de cursos desenvolvidos e de
uma biblioteca especializada. Com cursos utilizando câmeras “buraco de
agulha”, o programa da entidade contrapõe-se ao fascínio da imagem
tecnológica. “O Museu procurou sempre quando pertinente desmitificar e
desofisticar a atividade artística”, segundo Maurício Segall, diretor da
instituição. “No campo da fotografia ainda há muito a fazer neste sentido. Com
a opção quase inevitável entre uma automação alienante e uma sofisticação
elitizante e proibitiva, o consumidor médio de equipamento fotográfico,
preocupado em exercer uma atividade de lazer criativa, não tem muita escolha.
Ou se presta ao papel de robot da automatização ou tem que ganhar na loteria
esportiva para se candidatar à aquisição de um aparelho fotográfico não
automático”. Os cursos e projetos desenvolvidos pelo MLS com a comunidade
local tornavam evidentes uma preocupação pelo uso da fotografia como
elemento de reflexão sobre as condições sociais, tônica marcante e crescente
na década de 1970 nesses novos pólos de difusão da fotografia (MENDES,
2004, p. 3).
No início dos anos 80 essa era a tônica do ensino de fotografia no Brasil.
E a produção com pinhole é marca fundamental desse momento histórico. O uso de
102
“câmeras buraco de agulha” foi adotado largamente no país nos anos seguintes
como instrumento pedagógico privilegiado. Mais importante que ensinar a fotografar,
a preocupação de então era com a formação, com a criação de uma visão nova da
fotografia como linguagem, como expressão pessoal profunda (MENDES, 2004, p.
3).
4.2.1 – Regina Alvarez
O surgimento de fato da fotografia pinhole nacional se insere
indubitavelmente neste contexto artístico internacional de fotografia com câmera de
orifício, ainda que com algum atraso. A primeira e mais conhecida publicação
brasileira sobre pinhole é de autoria da fotógrafa Regina Alvarez. O trabalho é parte
de uma coletânea chamada Mostra de Fotografia que traçou um panorama da
produção fotográfica brasileira no início dos anos 80. O trabalho de Alvarez é
resultado de oficina ministrada entre 26 de agosto e 25 de setembro de 1981.
Aquela que pode ser considerada uma das precursoras da técnica no Brasil
conheceu as fotografias pinhole num curso de pós-graduação na Inglaterra nos anos
70. “Em 1976 tomei contato, na Birmingham School of Art Education and Design,
com o processo conhecido marginalmente como Fotografia sem Câmara, cujo fim é
obter fotografia com o máximo de despojamento possível” (ALVAREZ, 1981). A
motivação da fotógrafa traduz o momento da produção imagética de então: “a
sofisticação das modernas máquinas fotográficas havia criado o mito técnico que
afastava os pretendentes à arte fotográfica, diante do enigma da máquina”
(ALVAREZ, 1981).
103
Ao retornar ao Brasil, a fotógrafa passou a uma verdadeira cruzada em
nome da difusão da técnica e da desmitificação da fotografia. “Voltei e comecei a dar
aulas”, definiu Regina (1996, p. 16). Aproveitando o momento propício, em que a
fotografia brasileira segue o mesmo modelo francês, realizando os encontros
fotográficos (MENDES, 2004, p. 4), a fotógrafa percorre o país ministrando curso
sobre a técnica. Do Rio de Janeiro ao Pará, os anos 80 foram de intensa produção
de Regina Alvarez através das oficinas e cursos. Resultado disso é que ela tornou-
se o nome de referência em fotografia “sem câmera” do Brasil. Um tipo de fotografia
que a própria pioneira define como uma técnica em que o fotógrafo “constrói sua
própria câmera, participa da descoberta da obtenção da imagem e compreende todo
o mecanismo da luz” (ALVAREZ, 1996, p. 16). Miguel Chikaoka, um dos nomes mais
importantes no ensino de fotografia no país e um dos responsáveis pelo
desenvolvimento da fotografia paraense, afirma que Regina Alvarez foi uma grande
fomentadora da técnica.
Ainda que tenha havido outros fotógrafos anteriores a utilizar a técnica pinhole,
foi Regina Alvarez quem primeiro publicou e divulgou a técnica no Brasil.
Incluindo oficinas em várias partes do território nacional nos anos 80. O meu
primeiro contato com fotografia pinhole foi justamente após uma oficina dela no
Pará
24
.
Entre as características da pinhole, a que mais impressionava Alvarez
era a forma singular de relação da fotografia com o tempo, que ela qualifica como
“dinâmico”. Sendo assim, a própria fotógrafa afirma que trabalhar com pinholes é
contar sempre com uma “caixinha de surpresas” (ALVAREZ, 1996, p. 16).
Durante o tempo em que a câmera fica aberta, a luz se modifica, se
movimenta, pessoas passam, existe portanto um tempo dinâmico que é
captado. Não o tempo congelado de frações de segundos que a câmera
fotográfica tradicional apreende e que se torna, por isso, estático. Desse modo
24
CHIKAOKA, Miguel. Em depoimento ao autor, 2005.
104
cria-se uma cumplicidade entre o sujeito e o objeto da fotografia, entre o autor
e a obra, dando ao fotografado uma espécie de co-autoria, já que ele interfere
e participa na obtenção da imagem. As fotografias guardam, por esse meio, a
magia e o mistério que surpreendemos nas fotos que conhecemos dos
primórdios da máquina fotográfica
25
.
4.2.2 – Paula Trope
Paula Trope teve contato com a técnica no fim dos anos 80 e desde
então sua produção com pinholes assumiu um padrão qualitativo com destaque
internacional. Em seu trabalho, Trope assume definitivamente uma postura crítica,
em relação ao medium e ao tema. Tanto que tem na vertente social o principal
alicerce, sendo que seu maior tema são os meninos de rua. “A fotografia é um meio
de pesquisa, de arte. O que me interessa é justamente seu caráter experimental e a
fuga da estética tradicional” (TROPE, 1996, p. 17).
Sua busca pelo experimentalismo ao extremo levou-a a investir também
no vídeo e no cinema, chegando a filmar com uma câmera super-8 equipada sem
lente e apenas com um pequeno orifício. O principal para Trope é a relação temporal
nova estabelecida pelas imagens com pinhole.
Desde que comecei a pesquisar, a trabalhar com imagem, primeiro com
cinema (fiz alguns filmes em super-8), depois com fotografia, acho que a
construção dos trabalhos sempre problematiza o próprio meio, assumindo uma
dimensão metalingüística. Eles estão sempre falando do próprio processo de
representação: fotográfico, cinematográfico, e agora também do vídeo. E o
Tempo está no cerne destas linguagens. Neste sentido, à medida que o
trabalho expõe os seus processos, evidencia o Tempo que está ali
representado. Eu acho que o Tempo surge quase como um tema, na maneira
com é enfaticamente apresentado
26
.
25
Idem, 1981.
26
Idem, 2003.
105
Essa estética diferenciada fica evidente nas imagens da artista (figura 3).
Fotos em que há uma tensão, um movimento contínuo, em que quanto mais o
observador olha, mais tensa e tênue fica a imagem. “Trata-se de uma fotografia
analítica, que investe na elaboração de um Tempo construído e que conta com um
observador ativo para assumir uma postura quanto à idéia que está sendo
levantada” (TROPE, 2003).
“Os meninos” é o principal trabalho de Paula Trope. Feito há mais de 10
anos, em 1994, a obra não perde a atualidade e permanece como um marco no
trabalho dialógico da autora.
Eu fazia o retrato fotográfico dos meninos e os convidava para fotografarem
também. Aí tem uma construção, são dois tempos, o retrato do menino e a
fotografia produzida por ele. E tem um terceiro momento que é dado pelo
observador fazendo o link entre as imagens. (...) Tanto a série fotográfica como
Contos de Passagem [obra mais recente dela, em vídeo] têm um caráter
documental, e eu não quero me afastar dos meninos, pra mim é importante
criar essas referências. Ao mesmo tempo a linguagem se expõe como uma
linguagem codificada e não se pretende uma representação objetiva do real
(grifo nosso)
27
.
A preocupação em não se prender na questão figurativa da imagem não
deixa escapar o caráter de denúncia e crítica social presente no trabalho de Trope. A
fotógrafa faz questão de relatar que suas imagens incentivam a discussão
metalingüística, mas “sem abrir mão da questão indicial, do potencial da fotografia
de comentar sobre o que está ali representado”
28
. A preocupação com a
responsabilidade social da arte é sempre presente no discurso da fotógrafa.
27
Ibid.
28
ibid.
106
Além de se dedicar a experimentações com pinholes, Paula mantém
uma agenda de cursos e oficinas no Rio de Janeiro. Tem participado de exposições
coletivas no Brasil e no exterior, como El Individuo y su Memoria, 6ª Bienal de la
Habana, Cuba, 1997; Versiones del Sur: Más Allá del Documento, Centro de Arte
Reina Sofia, Madri, 2001 e A Subversão dos Meios, Instituto Cultural Itaú, São
Paulo, 2003/2004. Expõe individualmente desde 1992. Realizou Miragens no Paço
Imperial, Rio de Janeiro, 1997; Pandora X no Centro Cultural São Paulo e Traslados
no Paço das Artes, São Paulo, 1998. Recebeu o Prêmio Estímulo Price Waterhouse
no Panorama da Arte Brasileira 1995. Foi contemplada pelo 5º Programa de Bolsas
RIOARTE2000.
4.2.3 – Outros experimentadores
Os primeiros a experimentarem de forma consolidada a fotografia
pinhole no Brasil não foram apenas Regina Alvarez e Paula Trope. No círculo
paulista, dois artistas aparecem com destaque nesta lista: Paulo Angerami e Kenji
Ota. O primeiro partiu de um conhecimento matemático considerável e seu trabalho
ficou marcado pela contribuição e exploração das possibilidades perspectivistas. Sua
obra, não muito conhecida, aparece como uma tentativa de ilustrar a capital paulista
com um olhar distorcido. Já Kenji Ota foi um dos nomes mais importantes da arte
fotográfica brasileira na década de 1980. E seu trabalho se destaca pela
experimentação de técnicas históricas. Ota trabalha utilizando da cianotipia ao
Vandyke Brown, passando pela pinhole. Ele tem uma vertente que pode ser
considerada “arqueológica” (DOBRANSZKY, 2002).
107
Outro nome que deve ser citado é o da fotógrafa Ig Mata.
Contemporânea da pioneira Regina Alvarez, Mata desenvolve trabalho autoral com
pinhole desde o fim dos anos 80. Atualmente ela mora e trabalha em Nova York e
sua obra, além da captação da imagem de maneira rudimentar com as câmeras de
orifício, abarca também a impressão em materiais alternativos. Ig Mata imprime suas
imagens em superfícies de acrílico e vidro por meio de emulsão manual. “A grande
estrela na fotografia pinhole é a luz. Diferente das máquinas modernas que fazem
tudo, escolhem o foco, regulam a velocidade e calculam a exposição correta, na
câmara primitiva o elemento surpresa é determinante” (MATA, 1996, p. 17).
Esses são alguns dos fotógrafos que iniciaram a produção autoral
utilizando – não somente – pinholes em seus trabalhos. Muitos outros e em outras
partes do Brasil também caminharam por vias parecidas. Contudo, o objetivo deste
trabalho não é de construir um dossiê sobre os primeiros fotógrafos que utilizaram
pinhole como prática constante, mas sim demonstrar que a técnica passou a fazer
parte do panorama da fotografia brasileira a partir dos anos 80 e 90. A tentativa de
ampliar esse resgate histórico e traçar um completo perfil do uso de pinhole pelos
pioneiros pode ser objeto de trabalhos futuros.
4.3 – Passado e futuro: o encontro das pinholes com a internet
A difusão da produção de pinholes internacionalmente, e, como não
poderia deixar de ser, também no Brasil, recebeu um grande incentivo com o
advento da internet. A rede mundial de computadores permitiu que a troca de
experiências fosse realizada de uma maneira muito mais rápida que em qualquer
108
época. Esse avanço tecnológico foi fundamental para a divulgação, consolidação e
produção de fotografias com pinholes: uma marca da década de 1990. Enquanto
que, no início da fotografia, as informações demoravam às vezes anos para chegar a
determinados pontos do globo terrestre – o que justifica em parte a lentidão como a
fotografia se desenvolveu no Brasil –, com a internet a imagem de um fotógrafo
búlgaro está apenas a um “click” de distância de um colega tailandês.
Com esse processo de ampliação do espectro de possibilidades de
publicação de fotografias, mas também de processos e técnicas, a fotografia pinhole
ganhou muito espaço. Uma iniciativa que demonstra o poder de difusão deste tipo
de fotografia através da internet é a criação do Dia Mundial da Fotografia Pinhole.
Um grupo de artistas interessados na difusão da fotografia com câmeras de orifício e
na criação de um espaço virtual coletivo para exposição das imagens desenvolveu o
site
www.pinholeday.org. Nele, usuários e fotógrafos encontram todas as
informações sobre a técnica e como publicar suas fotografias. A experiência existe
desde 2001 e o grupo definiu o último domingo do mês de abril como o Dia Mundial
da Fotografia Pinhole.
Neste dia único, nós convidamos pessoas de todo o mundo a: 1) deixar por um
instante de lado o mundo altamente tecnológico em que vivemos e participar
desta data, tirando uma fotografia pinhole; 2) dividir seu olhar sobre as coisas,
e ajudar a difundir a rara beleza desta técnica fotográfica histórica (MILLER,
2005)
Posteriormente, os usuários-fotógrafos podem inserir as imagens feitas
naquele dia numa galeria do site. Na primeira edição do evento, 315 imagens foram
exibidas e podem ser visitadas no site. Já em 2004, foram produzidas 1.512 imagens
de fotógrafos de 43 países. O crescimento do números de acesso ao site demonstra
109
como o interesse pela técnica teve uma ampliação considerável. No primeiro ano do
evento virtual, conforme estatística disponível na homepage, foram 443.105
acessos. Em 2002 o número subiu para 907.095 visitas e em 2003 passou para
1.268.356. No ano de 2004 foram quase dois milhões de acessos ao site: 1.779.050.
A página é coordenada por fotógrafos de vários países, incluindo brasileiros
(MILLER, 2005).
4.3.1 – O panorama brasileiro atual
Este trabalho buscou reunir como se dá a produção de pinholes no Brasil
atualmente. Como a técnica encontrou na internet um veículo fundamental para sua
difusão, o perfil foi traçado a partir das experiências brasileiras divulgadas na rede
mundial de computadores. Interessante que uma técnica profundamente arcaica e
que remete sempre aos primórdios da fotografia tenha encontrado na mais
avançada tecnologia de circulação de informação sua “cara-metade”. Essa difusão
informacional tem sido fundamental para difundir a pinhole e consolidá-la como uma
forma de expressão – artística ou não – própria. Desse modo, a visibilidade da
produção fotográfica com pinholes tem na virtualidade uma potente arma, ao lado
dos meios convencionais, como museus, galerias de arte e oficinas com grandes
nomes.
Além dos profissionais que mantém um trabalho autoral com pinholes,
com destaque para Paula Trope, muitas outras experiências estão sendo
trabalhadas e divulgadas pela internet. Algumas de artistas ou fotógrafos
profissionais e com reconhecimento já garantido. Outros, menos famosos, expõem
110
suas experimentações na tentativa de ampliar o acesso a suas imagens e de
inserirem-se no espaço virtual de produção com pinholes. Neste breve panorama
serão relatadas as principais experiências com pinhole no Brasil a partir de sua
veiculação na Internet. A partir da pesquisa desta dissertação, foi constatada a
existência de três categorias no âmbito da produção de pinholes no Brasil: 1) foto-
cidadania; 2) foto-arte-educação e 3) fotografia autoral.
Vale lembrar que essas categorias não são excludentes e muitas vezes
um mesmo fotógrafo aparece nesta e naquela classificação. Por exemplo, a inclusão
social (foto-cidadania) e a educação do olhar (foto-arte-educação) estão imbricadas.
Contudo, a divisão dessas experiências neste trabalho se faz necessária na medida
em que cada qual trabalha o uso das pinholes de uma maneira específica. Enquanto
que para a inclusão social o uso de pinholes passa pela formação social e muitas
vezes pela consolidação de trabalhos exclusivamente com câmeras de orifício, na
educação do olhar a técnica pode ser apenas – e na maioria das vezes é – o início
de um programa educativo mais amplo, que segue com outras técnicas fotográficas.
4.3.1.1 – Foto-cidadania
Walter Benjamin disse que “o analfabeto do futuro não será quem não
sabe escrever, e sim quem não sabe fotografar” (BENJAMIN, 1994, p. 107). A
preocupação com a leitura das imagens já estava presente desde o início da
fotografia. O teórico alemão inclui nesta mesma passagem a possibilidade de o
próprio fotógrafo não ser capaz de compreender as suas fotografias. Na tentativa de
111
ampliar o entendimento sobre o que é imagem, grupos estão utilizando a pinhole
como ferramenta essencial.
Para este grupo de fotógrafos, mais que uma técnica arcaica, a pinhole
possibilita a libertação da escravidão imagética. A fotógrafa Simone Rodrigues
explica melhor: “A produção convencional de imagens caminha num movimento
crescente de alienação. A pinhole é como se fosse água-mole batendo em pedra-
dura. Possibilita pensar a produção de imagens de um outro ponto”
29
. Com esse
conceito nas mãos, e munidos de um equipamento de baixo custo, muitos grupos
realizam trabalhos em vários pontos do Brasil. A tentativa dessas experiências é, a
partir do ensino de fotografia, permitir que seja desenvolvida uma cultura imagética
consistente em grupos sociais carentes social e economicamente.
Alguns dos mais representativos estão listados abaixo.
ImageMágica (SP): O trabalho tem como missão utilizar a fotografia
como ferramenta para promover o desenvolvimento humano através da educação,
cultura e melhoria da qualidade de vida. O objetivo é que após passarem por
oficinas e grupos de estudo, as comunidades escolares possam ampliar suas
percepções sobre o mundo que os cerca. Feito isso, torna-se possível a
transformação das pessoas em agentes de transformação. O grupo nasceu em 1999
por iniciativa de André François e já atendeu cerca de 3.500 pessoas de todas as
idades em oficinas. Já capacitou 1.375 professores da rede pública de São Paulo e
implantou “A Foto na Lata” em pelo menos 35 escolas públicas. Uma das principais
29
RODRIGUES, Simone. Em depoimento ao autor, 2005.
112
características do projeto é a utilização de um ônibus próprio. O veículo serve como
meio de transporte até as comunidades onde serão realizadas as oficinas, mas
também como câmera pinhole gigante. No painel traseiro existe um pequeno orifício
e durante as aulas, uma imagem é formada num anteparo, transformando o ônibus
numa máquina fotográfica (
www.imagemagica.org.br). O ImageMágica é a
experiência paulistana de maior relevância no âmbito da inclusão social (MENDES,
2004, p. 6).
Olhares do Morro (RJ): Nascido de uma iniciativa do fotógrafo francês
Vincent Rosenblatt, o projeto objetiva a formação social dos moradores do Morro
Santa Marta, em Botafogo, Rio de Janeiro, através da fotografia. Em oficinas
específicas são ensinadas as técnicas básicas de fotografia – onde se insere o
trabalho com pinholes –, de revelação de filmes e de tratamento digital de imagens.
Além do ensino fotográfico, o Olhares no Morro busca criar uma rede de empresas
solidárias para introduzir, capacitar e aperfeiçoar os jovens que participam do
projeto, aproximando-os das várias profissões ligadas à imagem. Mais que ensinar
fotografia, esta experiência visa modificar a realidade local por meio do processo
fotográfico. Os dados mais recentes mostram que entre o final de 2002 e o fim de
2003, quase 150 pessoas participaram do projeto, que já conta com um banco de
imagens produzidas pelos participantes e que estão disponíveis até mesmo para uso
em trabalhos de fotojornalismo (
www.olharesdomorro.org).
FotoAtiva (PA): O grupo
FotoAtiva foi criado em 1983 a partir de um
programa de fomento à utilização da fotografia na prática educativa, cultural e social
113
no Pará. Este programa foi apresentado no I Seminário Nacional de Ensino da
Fotografia no Brasil, realizado em Campinas, no ano de 1984.
(...) a FotoAtiva desenvolve atividades de repasse de conhecimentos sobre a
formação da imagem fotográfica, junto às escolas de 1° e 2° graus. Esse
repasse, feito através da técnica fotografia sem câmera, procura desenvolver
o espírito crítico da comunidade atingida quanto ao exercício da técnica em si
e, principalmente, na análise do conteúdo dos resultados obtidos, ou seja, o
ponto de vista documental desse exercício (CHIKAOKA, 1984, p. 73, grifo
nosso).
A partir dessa vertente inicial, a utilização da fotografia pinhole
permanece até hoje como parte fundamental no trabalho de formação de uma
cultura da imagem. A atividade mais recente desenvolvida dentro do FotoAtiva é o
Projeto Ver-O-Peso, que busca valorizar o complexo Ver-O-Peso – um mercado na
capital paraense – por meio de oficinas de fotografia, exposições e outras ações
paralelas. O diretor do projeto é o fotógrafo Miguel Chikaoka, que conta ainda com o
apoio de Márcia Chalu Pacheco e Maria Christina (
www.ver-o-peso.fot.br).
Meninos do Morumbi (SP): Com um trabalho bastante respeitado, até
internacionalmente, o grupo tem na fotografia uma das atividades desenvolvidas.
Essa oficina possui dois objetivos principais: primeiro, possibilitar o registro de todas
as atividades realizadas pelo grupo; e, segundo, formar fotógrafos. As aulas são
ministradas pela fotógrafa inglesa Camilla Watson, que trabalha desde 1999 na
instituição criada em 1996. O uso de pinholes é uma constante na ação e as
imagens foram expostas em fevereiro de 2004 em São Paulo
(
www.meninosdomorumbi.org.br).
114
4.3.1.2 – Foto-arte-educação
Neste item inserem-se muitas das experiências acima, contudo há um
conjunto de experiências próprias que têm no trabalho com pinholes uma forma
específica de ensinar a técnica fotográfica. O mais relevante é que nesta categoria
se enquadram cursos com caráter comercial e experiências voluntárias de cunho
social. Para além do debate entre capitalismo e solidariedade, é interessante neste
trabalho o fato de que há uma continuidade do ensino de pinhole no Brasil. A técnica
passa a constar dos programas da maioria dos cursos de fotografia. Há algumas
tentativas de avançar no debate da pinhole e na sua relação com arte-educação.
O que mais fica visível é a falta de conexão entre muitas experiências
similares, mesmo com a disponibilização dos diferentes trabalhos na internet. Isso
reflete uma carência de ampliação do debate de educação visual no Brasil.
A formação profissional e a educação visual são dois aspectos extremamente
precários em todo o século XX. Embora identificado como século das imagens
– da fotografia ao cinema, do vídeo à internet – apenas a partir da década de
1980 pode ser identificada uma preocupação inicial voltada para a adequação
da escola tradicional a esse tema (MENDES, 2004, p. 2).
Algumas das mais consolidadas experiências estão listadas a seguir.
Ateliê da Imagem (RJ): O uso de pinholes nesta iniciativa é uma mostra
de como o estudo e a experimentação no universo da fotografia é levado a sério.
Coordenado por Simone Rodrigues e Patrícia Gouvêa, tem nomes de peso em sua
equipe que realiza oficinas constantemente, tais como Walter Firmo e Denise
Cathilina. Disponibiliza, além de oficinas periódicas sobre a técnica pinhole, um
115
núcleo de estudos sobre a fotografia sem câmera. “Há cerca de 10 anos iniciamos
esse trabalho e percebemos que o interesse pela pinhole tem aumentado com
consistência”, afirmou Simone Rodrigues
30
. O Ateliê da Imagem foi um dos
responsáveis pela vinda do fotógrafo alemão Jochen Dietrich para o Brasil em 2004,
tendo o mesmo ministrado oficinas no espaço cultural Ateliê da Imagem
(www.ateliedaimagem.com.br).
Alquimia na Lata (SP): Criado e desenvolvido pela repórter fotográfica
Márcia Pinto, o projeto acontece na região de Guarulhos, São Paulo, desde maio de
2003. A fotógrafa tem como objetivo principal desmitificar o processo fotográfico,
principalmente entre o público infantil, a partir de oficinas com pinholes. A fotógrafa
busca ainda incentivar na cidade a participação no Dia Mundial da Fotografia
Pinhole. Para Márcia, “o mais gratificante desse trabalho é poder fazer o público alvo
conhecer o princípio da fotografia, além de despertar o fascínio pela técnica”
(
Projeto Subsolo (RJ): A iniciativa é comandada pelas fotógrafas Ana
Angélica Costa, Janaína Garcia e Roberta Macedo. Existe desde 2000 e a sede do
projeto fica na Lapa, Rio de Janeiro. Além de realizar atividades de ensino de
fotografia, o núcleo também promove debates acerca de produções que envolvem a
imagem na arte. Com a proposta de trabalhar a técnica e a linguagem fotográficas,
utilizando materiais de baixo custo, como latas de alumínio ou caixas de sapato, foi
criado o projeto de ensino “Pinhole – a Câmera do Buraco da Agulha”. O projeto
pode ser formatado de diversas maneiras, pois possui uma estrutura modular. As
30
RODRIGUES, Simone. Em depoimento ao autor, 2005.
116
oficinas são desenvolvidas de forma a desvendar o que acontece dentro da câmera,
desmitificando, assim, a formação da imagem fotográfica. Já foi realizado nas
seguintes comunidades do Rio de Janeiro: Morro Santa Marta, Morro do Borel,
Morro dos Prazeres e Baixada Fluminense. O projeto “Pinhole” pode ser aplicado em
escolas ou comunidades (
www.projetosubsolo.com).
4.3.1.2 – Fotografia Autoral
Muitos fotógrafos profissionais já produziram, alguma vez em suas
carreiras, uma imagem com pinholes. Contudo, ainda são poucos os que adotam a
técnica como forma de expressão, seja como trabalho artístico ou apenas como um
hobby, passatempo. No Brasil, a partir das experiências e cursos de Regina Alvarez
no início dos anos 80, um contingente cada vez mais expressivo passou a trabalhar
de maneira séria com pinholes. Esta categoria compreende, na verdade, quase
todos os fotógrafos que lideram as experiências com foto-cidadania e foto-arte-
educação.
Entretanto, poucas vezes esses personagens produzem imagens com
pinholes a partir de um trabalho definitivamente autoral ou que se proponham a
pensar a técnica de maneira mais profunda, questionando e superando os limites da
câmera de orifício. São parcas as tentativas de superar o caráter marginal da pinhole
e inseri-la na parte interna da margem, deixando de ser apenas uma forma simples
de retratar o mundo ou de educar o olhar.
117
Na coleta de dados desta pesquisa foram identificados – entre muitos
trabalhos individuais de qualidade praticamente anônimos – alguns fotógrafos que
estão implicados na produção de imagens com pinhole e lideram esse grupo no
Brasil, seja pela relevância estética do trabalho, seja pela facilidade de acesso à
produção por meio da internet. Estes estão listados abaixo.
Ana Angélica Costa (RJ): Atualmente desenvolve trabalho com
pinholes na busca por uma compreensão das durações das ações cotidianas. Iniciou
o trabalho com câmeras de orifício em 2002 a partir de uma oficina com Paula
Trope. Expôs a série Janelas no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro em
2004, trabalho feito com imagens 360° em janelas ou portas, numa relação do
interior com o exterior (figura 4) (
Rafael Johann (RS): Um dos integrantes do grupo gaúcho Lata Mágica,
desenvolve também um trabalho individual. Sua série de fotografias intitulada Visão
de Aranha é resultante de uma pinhole com até 20 furos (figura 5). A imagem
impressiona pela multiplicidade, tal como um caleidoscópio ou como uma visão de
aranha. Johann Também expôs no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro em
2004 (
Miguel Chikaoka (PA): Figura presente no debate sobre ensino de
fotografia no Brasil desde o início dos anos 1980, Chikaoka mantém uma produção
com pinhole. Até mesmo por dirigir a instituição paraense FotoAtiva, que trabalha
com câmeras de orifício. Participou em exposições em vários estados do Brasil e
também no exterior. Seu último trabalho, Urublues (figura 6), é composto de uma
118
imagem formada por 8 mil pequenas fotos de pinholes, feitas por 120 pessoas no
mercado Ver-O-Peso, em Belém (
Dirceu Maués (PA): Começou a fotografar em 1990 após participar de
uma oficina com Miguel Chikaoka. Suas fotografias com pinhole dentro do projeto
Ver-O-Peso foram premiadas no Salão de Arte Pará 2003 (figura 7). Também
ministra cursos sobre fotografia com câmeras de orifício (
Cleber Falieri (MG): Professor de fotografia na Escola de Belas Artes da
Universidade Federal de Minas Gerais, Falieri é um dos primeiros a utilizar a internet
como meio de divulgação de seu trabalho. Ainda no ano de 1999, inconformado com
a falta de bibliografia em língua portuguesa sobre pinhole, resolveu criar uma
apostila e disponibilizá-la na rede mundial de computadores. Desde janeiro de 2000
o site teve mais de 50 mil acessos. Possui um trabalho experimental sobre as
potencialidades perspectivas das fotografias feitas com câmeras de orifício (figura 8).
(
Paula Trope (RJ): É o nome mais expressivo no contexto
contemporâneo brasileiro de fotografia com câmeras de orifício. Suas imagens de
meninos de rua capturadas com pinholes já estiveram em salões de vários países.
Atualmente a fotógrafa está experimentando o trabalho com vídeo, mas sem as
objetivas. O resultado são imagens questionadoras e fiéis ao perfil da artista, que é
colocar em crise a própria técnica e suas potencialidades (
119
Simone Rodrigues (RJ): Seu ativismo é fundamental na consolidação
da fotografia pinhole no cenário nacional. À frente do Ateliê da Imagem, no Rio de
Janeiro, Simone forma constantemente novas turmas em suas oficinas de câmera
de orifício. As imagens estranhas e distorcidas são para a fotógrafa o elemento
diferencial desta técnica. Uma das ações de grande valia para o surgimento de
novos fotógrafos que trabalhem com pinholes foram os ciclos de oficinas ministradas
por Jochen Dietrich em 2004, a convite de Simone Rodrigues
(
Lata Mágica (RS): O trabalho desenvolvido por cinco jovens de Porto
Alegre pode ser considerado um dos mais relevantes no cenário atual de produção
com pinhole no Brasil. Guilherme Galarraga, Maisa del Frari (figura 9), Paula Biazus,
Pedro Araújo e Rafael Johann fundaram o grupo em 2001 após participarem de uma
oficina ministrada pelo fotógrafo Jochen Dietrich. O grupo possui um trabalho autoral
bastante consistente e também desenvolve atividades constantes de ensino da
técnica a pessoas com menor poder aquisitivo. Entre o trabalho mais expressivo do
grupo está a exposição O Olhar Passageiro, em que foram utilizadas câmeras de
orifício para retratar as cenas passageiras da capital gaúcha. As imagens foram
expostas nas janelas dos veículos de transporte coletivo de Porto Alegre durante o
ano de 2004 (
www.latamagica.art.br).
Neide Jallageas (SP): Com um trabalho que mescla literatura e
fotografia, Neide se utiliza da técnica pinhole para buscar vestígios daquilo que já
passou. Sua mostra Realidades Meramente Superficiais é uma proposta de
fotografar com câmeras de orifício para demonstrar a relatividade dos pontos de
120
vista, em diferentes ângulos, num mesmo espaço de tempo, para um mesmo objeto.
Ela aparece no cenário paulista como um dos nomes mais interessantes (figura 10)
(
O universo de produtores e admiradores da fotografia pinhole no Brasil
certamente ultrapassa esses poucos nomes coletados de maneira bastante
superficial a partir da metodologia empregada nesta pesquisa. A presença recente
em terras brasileiras do alemão Jochen Dietrich, que possui um trabalho autoral
bastante relevante no contexto europeu, consolida ainda mais a produção de
fotografias com câmeras de orifício. Dietrich exemplifica também a imbricação de um
material autoral e de um trabalho sério de “pensar a técnica”. Ele já veio várias vezes
ao território brasileiro e ministrou oficinas em vários estados, entre eles Rio Grande
do Sul e Rio de Janeiro. A partir desse intercâmbio, muitos grupos de discussão
passaram a olhar as imagens das pinholes de um ângulo privilegiado. O trabalho de
formação de um pensamento da fotografia pinhole está caminhando para a
consolidação definitiva dentro do cenário da fotografia moderna nacional.
121
CONSIDERAÇÕES FINAIS
“A história da fotografia é muitas vezes confundida com a história da
técnica fotográfica, outras vezes com a história dos fotógrafos, quando, na realidade,
ela abarca em seu objeto de investigação essa e outras histórias” (KOSSOY, 2002,
p. 146). Mesmo tendo corrido o risco ou até mesmo cedido, em algumas vezes, à
tentação de traçar uma “história da pinhole” a partir da técnica ou dos fotógrafos, é
de se destacar que desde o início deste trabalho este foi um aspecto sempre a ser
rechaçado. A tentativa foi buscar a compreensão das especificidades que levaram à
utilização de pinholes neste ou naquele determinado período histórico, com a
intenção de abarcar as “outras histórias” dentro dessa historicidade.
Uma das formas de não ceder à tentação de agarrar-se à historicidade
maléfica é admitir que este trabalho é apenas um olhar sobre a produção imagética
com pinholes. Resultante de um árduo período de coleta de dados, percebo que, ao
findar essa dissertação, ainda há muito trabalho. A tentativa, espero que tenha
conseguido, de iniciar um debate sobre as especificidades das pinholes e como essa
técnica se desenvolveu no Brasil demanda mais estudos e trabalhos científicos. O
garimpo de informações passa pela ampliação do debate sobre a produção
fotográfica brasileira. E esse aspecto demanda mais estudo. O problema da
limitação de material bibliográfico acerca do tema fotografia brasileira foi um
complicador muito maior para a dissertação. Mas não um impeditivo.
122
A opção metodológica de realizar a pesquisa qualitativa a partir do
corpus formado pelas iniciativas disponibilizadas na internet foi fundamental para a
concretização deste estudo. Mais que isso, a inserção do autor em redes já
estruturadas de debates on-line permitiu que o próprio ato de pesquisar
transformasse o estado da discussão sobre pinhole.
Dos dados coletados no período de pesquisa qualitativa um desperta
atenção especial: a produção nacional de fotografias pinhole está intimamente
arraigada à inclusão imagética social. Diferentemente do panorama internacional,
voltado para a experimentação de caráter autoral e artístico, as experiências com
esta técnica no Brasil estão fundamentadas na capacitação de pessoas, na
formação de uma consciência crítica sobre as imagens. Num país com índices ainda
alarmantes de analfabetismo e de pessoas que vivem abaixo da linha da pobreza,
poder produzir fotografias e, por conseqüência, se comunicar é realmente um dado
que fica circunscrito ao universo daqueles que têm condição financeira privilegiada.
Conforme relatado no corpo da pesquisa, inúmeras experiências utilizam
as pinholes para dar esperança a essas pessoas que não têm chance de um futuro
melhor. Muitos fotógrafos já foram formados nesses grupos. Aliado a esse aspecto
da coleta de dados, situam-se as iniciativas que se apropriam da técnica pinhole
com o objetivo de trabalhar com arte-educação. Esta categoria não exclui a outra,
mas não possui a especificidade de trabalhar como projeto de cidadania. Pode ser
um trabalho com fotógrafos profissionais, por exemplo. O relevante a se destacar é a
forma típica com que os brasileiros lidam com a técnica pinhole. Um modo muito
especial e que (co)responde a demandas específicas. Mas trabalhos autorais como
123
o de Paula Trope permitem que o Brasil dialogue com as mais aprofundadas
experiências no âmbito internacional. Um dos problemas constatados pelo escopo
desta pesquisa é a necessidade de criar canais de divulgação da produção de
pinholistas. Ainda que seja uma centralidade virtual, aproveitando o potencial de
imagens já disponíveis na internet.
Mais que criar uma tabela com quem produz o que com pinholes no
Brasil, este trabalho procurou lançar luz sobre um debate: que outra visualidade é
essa intrínseca à fotografia com câmeras de orifício? Depois de muito pesquisar,
percebe-se que a grande diferença entre as imagens feitas com câmeras artesanais
e aquelas produzidas com máquinas convencionais reside no descolamento da
imagem fotográfica para a imagem mental convencionada. Após muitos séculos
tendo o padrão límpido, enquadrado e retangular como sinônimo do visível, a
pinhole subverte essa ordem. O desmoronamento desses padrões acarreta num
impacto visual intrigante ao observador, findando o caráter transparente da imagem
e desenvolvendo novas percepções de mundo.
A grande diferença é que a câmera não se propõe a ser um molde do
olho humano, mas sim a ter uma visualidade própria, uma subjetividade específica.
É como se ao observar uma imagem produzida com uma caixa de sapato o
observador pudesse ver como se fosse uma caixa de papelão. Diferente de observar
a imagem de uma câmera microscópica, que funciona como um mini-olho-humano e
por isso deve estar sempre nítida e enquadrada, as imagens pelo furo de uma
agulha não possuem compromisso com essa nitidez – apesar de uma imagem clean
ser perfeitamente cabível. A ausência da lente acaba justamente com o mito da
124
“objetividade” da câmera e da fotografia. Uma objetividade que transforma todas as
imagens naquela bem comportada que agrada aos olhos. Mesmo quando há
distorções, estas permanecem sob controle. Ao contrário, a pinhole é toda
imprevisibilidade.
Esta biologização da câmera, que quase ganha uma autonomia,
surpreende mais que a questão temporal das fotos com câmeras de orifício. O
tempo de exposição mais lento apenas complementa o argumento do acaso
produtivo. Mesmo com um aparato convencional posso me lançar neste tempo de
exposição demorado. Penso ser determinante para uma visualidade específica da
pinhole o ambiente onde é formada a imagem. O que mais impressiona é poder
fotografar com a própria boca, independente da questão temporal.
Estas considerações finais não possuem um caráter definitivo, mas sim
servem como provocações. O fato de haver um movimento ainda incipiente de
discussão dessas questões inerentes à pinhole não podem servir de impedimento
para a continuidade da compreensão dessa e de outras técnicas que procuram
desconstruir o mito do modelo único de visualidade. Ao contrário, a metodologia
empregada neste trabalho permite a construção de um debate entre os atores que
produzem imagens artesanais com câmeras de orifício. Estar inserido no objeto de
estudo, longe de impedir uma análise crítica da situação, fundamentou o
estabelecimento de uma rede de relações e de discussões que tende a ser muito
profícua. O quanto, só o tempo e os trabalhos futuros irão dizer.
125
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Janeiro.
131
ANEXO
132
Figura 1: Primeira ilustração de uma câmera obscura, em 1545 (RENNER, 2000).
Figura 2: Imagens capturadas com cascas de ovos sensibilizadas. Trabalho de Jeff Fletcher.
Disponível em
http://www.pinholeresource.com/gallery/fletcher_carton.html.
133
Figura 3: Hilton e Felipe. Leblon, 25 de dezembro de 2000. Still do vídeo Contos de Passagem, Rio
de Janeiro. Paula Trope está produzindo vídeos sem o uso de lentes. Disponível em
www.meio.art.br
Figura 4: Cotidiano (?). Ana Angélica Costa. O tempo do dia-dia retratado pela pinhole de Ana
Angélica Costa. Disponível em
www.projetosubsolo.com
134
Figura 5: Mercado Público. Rafael Johann. Fotografia com múltiplos orifícios e parte do trabalho
Visão de Aranha, de Rafael Johann. Disponível em www.ufrgs.br/fotografia/port/05_portfolio/aranha/
135
Figura 6: Urublues (detalhe). Miguel Chikaoka. Obra formada por 8 mil pequenas fotografias pinhole
tiradas por 120 pessoas em Belém.
136
Figura 7: Mercado de Ferro. Dirceu Maués. Foto premiada no Salão de Arte Pará de 2003.
Disponível em
http://geocities.yahoo.com.br/dmaues/pinpb1.html.
Figura 8: Sem título. Cleber Falieri. O fusca em miniatura demonstra a experimentação perspectiva
de Cleber Falieri. Disponível em
http://www.imaginabilis.com.br/artcult/pinhole00.htm.
137
Figura 9: Mercado Público. Fotografia pinhole de Maisa del Frari, integrante do projeto Lata Mágica.
Figura 10: Vestígios nº 20. Neide Jallageas. O trabalho de Neide Jallageas mescla pinhole com arte
cênica. Disponível em
http://www.jallageas.art.br/IMAGENS/INDEX_IMAGENS/index_imagens.htm
138
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