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RCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO
A “AMBIENTALIZAÇÃO” DO DISCURSO EMPRESARIAL NO EXTREMO SUL DA
BAHIA
Tese apresentada ao Programa de s-Graduação
em Planejamento Urbano e Regional da
Universidade Federal do Rio de Janeiro UFRJ,
como parte dos requisitos necessários à obtenção do
grau de Doutor em Planejamento Urbano e Regional.
Orientador: Prof. Dr. Henri Acselrad
Doutor em Planejamento, Econ. Pública e
Organização do território. Universidade de Paris
Partheon-Sorbone
Rio de Janeiro
2006
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2
Carvalho, Márcia Maria Andrade de
C331 A “ambientalização” do discurso empresarial no
Extremo Sul
da Bahia / Márcia Maria Andrade de Carvalho.
Rio de
Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro. Instituto de
Planejamento Urbano e Regional, 2006.
f. : il.
Orientador: Professor Dr. Henri Acselrad
Dissertação (doutorado) -
Universidade Federal do Rio de
Janeirol. Instituto de Planejamento Urbano e Regional, 2006 .
1. Sustentabilidade. 2. Monocultura. 3. Papel e celulose .
4. Discurso. 5. Extremo Sul da Bahia I. Acselrad, Henri.
II.
Universidade Federal do Rio de Janeiro. Instituto de
Planejamento Urbano e Regional. III. Título.
CDD – 363.7
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RCIA MARIA ANDRADE DE CARVALHO
DISCURSO DA SUSTENTABILIDADE E SUSTENTABILIDADE DO DISCURSO:
A “ambientalização” do discurso empresarial no extremo sul da Bahia
Tese submetida ao corpo docente do Instituto de
Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da
Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como
parte dos requisitos necessários à obtenção do grau
de Doutor em Planejamento Urbano e Regional.
Aprovado em:
__________________________________
Prof. Dr. Henri Acselrad – Orientador
Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional - UFRJ
__________________________________
Prof. Dr. Jorge Luiz Alves Natal
Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional - UFRJ
__________________________________
Prof. Dr. Rainer Randolph
Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional – UFRJ
__________________________________
Profa. Pós-Dra. Ester Limonad
Centro de Estudos Gerais, Instituto de Geociências - Universidade Federal
Fluminense
__________________________________
Profa. Dra. Cristina Maria Macêdo de Alencar
Universidade Católica de Salvador
4
Para Antonio Carlos, Lucas, Marcel e Eurídice.
5
AGRADECIMENTOS
Muitas pessoas contribuíram para a elaboração dessa tese. Pessoas do
meu convívio familiar, pessoas do meu convívio profissional, pessoas do meu
convívio acadêmico. Pessoas que eu tive o prazer de conhecer durante o percurso e
em função da pesquisa e elaboração do trabalho, muitas vezes em momentos
difíceis e de forma imprevista, também deram sua contribuição. As contribuições
vieram das mais diversas formas: críticas, sugestões, indicação de bibliografia, ajuda
no acesso à bibliografia, apoio financeiro, palavras de incentivo, sorrisos, olhares e
palavras de apoio ou mesmo de reprovação, estímulos que me levaram a elaborar
melhor minhas concepções. A todas essas pessoas, minha gratidão.
6
[...] A vida brota de duas lavras: a da enxada e a das
artes, bens materiais e simbólicos. A primeira
sustento; a segunda, sentido. Frei Beto.
7
RESUMO
CARVALHO, Márcia Maria Andrade de. A “Ambientalização” do discurso empresarial
no Extremo Sul da Bahia. Tese (Doutorado em Planejamento Urbano e Regional),
Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2006.
A partir da Conferência da ONU para o Desenvolvimento e o Meio Ambiente em
1992, intensificou-se um discurso empresarial que evoca a preocupação com o meio
ambiente e a sociedade. O discurso fala da disposição para alcançar o chamado
“desenvolvimento sustentável”, a busca da ultrapassagem do patamar da
preocupação apenas com a poluição, a procura de abordagens mais sistêmicas dos
processos produtivos e o interesse em resolver problemas usualmente tratados por
governos e ambientalistas. Esse discurso seria justificativa para as escolhas
produtivas, técnicas e de localização das empresas. Discursos correntes que
consideram as empresas como agentes capazes de promover uma mudança no
mundo social seja por intermédio de parcerias público-privado, assistencialismo
social, modernização ecológica, etc. Esta Tese demonstra como um discurso produz
efeitos simbólicos e ideológicos e procura mostrar que efeitos sociais foram
observados. Focaliza o discurso dos representantes dos empreendimentos da
monocultura do eucalipto em interação com os demais agentes portadores de
interesses diversos. Para tanto foram selecionadas e analisadas amostras da prática
discursiva (linguagem falada e escrita), na forma de relatórios anuais, boletins,
reportagens, entrevistas e documentos, da empresa e dos demais participantes do
campo social estudado, bem como dos registros obtidos a partir da participação em
seminários, encontros e fóruns de iniciativa tanto da empresa quanto dos demais
atores envolvidos nos processos sociais. Partiu-se da teoria social do discurso
segundo a qual o discurso é capaz de agir sobre o mundo. Conclui-se que o
discurso empresarial ambientalizado não implica necessariamente em melhoria nas
formas de vida locais. Por intermédio da legitimidade que a idéia de sustentabilidade
atribui, o discurso ambiental tem complementado a posição privilegiada ocupada
pelo agronegócio da celulose em relação aos demais agentes com projetos para o
território. Esta dominação desdobra-se em vantagens obtidas junto a instituições
estatais, financeiras e de certificação. Observa-se assim, segundo movimentos
sociais organizados na região, uma redução dos espaços sociais da pequena
produção; desestruturação das alternativas locais tradicionais; enfraquecimento dos
saberes tradicionais; centralização do poder e fortalecimento do processo de
acumulação dos setores modernos da agroindústria em detrimento de outros
projetos sócio-territoriais para a região.
Palavras-Chaves: Sustentabilidade, Monocultura, Papel e Celulose, Discurso,
Extremo Sul da Bahia.
8
ABSTRACT
CARVALHO, Márcia Maria Andrade de. A “Ambientalização” do discurso empresarial
no Extremo Sul da Bahia. Tese (Doutorado em Planejamento Urbano e Regional),
Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2006.
Since the UN Conference on Environment and Development in 1992, a business
discourse was intensified evoking concern with the environment and the society. This
discourse mentions the will to reach the so-called “sustainable development’, the
search to overcome concerns with pollution alone, but also with implications of the
whole productive process and with the ends given to products and its packings.
Business intended to show interest in dealing with problems usually treated by
governments and environmentalists. This Thesis search to analyse the
“environmentalisation” of the business discourse as part of the ecological
modernization process, pretending companies are agents capable to promote social
change through public-private partnerships, social assistance and ecological care.
This Thesis considered how discourse produces symbolic and pratical effects,
focusing companies producing bleached eucalyptus pulp, together with eucalyptus
plantations. Samples of the companies discourse had been used, kept in annual
reports, bulletins, news articles, interviews and registers got through the participation
in seminars, meetings and forums. The discourse is here understood as capable to
act on the world, as states the social theory of discourse. The research suggests that
corporate discourse on the sustainability of its practices act as symbolic capital giving
legitimacy the company dominant position regarding to other social agents and local
organizations. This domination favour its access to territory resources as well as to
benefits from State, finance and certification institutions.
Key-Words: sustainability, eucalyptus plantations, discourse, south of Bahia.
9
LISTA DE TABELAS
Tabela Denominação
Pg.
Tabela 1
Expansão da área com lavoura na região Extremo Sul do Estado
da Bahia 1950
1993......................................................................
80
Tabela 2 Número de hectares necessários para gerar um emprego direto.... 169
Tabela 3
Custo por emprego criado na produção de celulose em
comparação com outros setores
169
10
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ACSP - A Associação Comercial de São Paulo
ADENE - Agência de Desenvolvimento do Nordeste
AMASA - Associação de Moradores de Santo André.
APPA - Associação Pradense de Proteção Ambiental
ANFPC - Associação Nacional dos Fabricantes de Papel e Celulose
BNDES – Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
BSI - British Standarts Institutions
BCSD - Business Council of Sustainable Development
CAF - Companhia Agrícola e Florestal
CAR – BA - COMPANHIA DE DESENVOLVIMENTO E AÇÃO REGIONAL – BA
CFP - Centro dos Fabricantes de Papel
CDDH - Centro de Defesa dos Direitos Humanos do Extremo Sul da Bahia
CEBDS – Conselho Empresarial para o Desenvolvimento Sustentável
CEFET - Centro Federal de Educação Tecnológica
CEI – BA - CENTRO DE ESTATISTICA E INFORMAÇÕES - BA
CEPEDES – Centro de Estudos e Pesquisas do Desenvolvimento para o Extremo
Sul
CEPRAM – Conselho Estadual do Meio Ambiente
CFP - Centro dos Fabricantes de Papel
CHESF - Companhia Hidro Elétrica do São Francisco
COFINS - Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social
CREA – BA - Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia da Bahia
CST - Companhia Siderúrgica de Tubarão
CUT – Central Única dos Trabalhadores
11
DERBA - Departamento de infra-estrutura de transportes da Bahia
DESENBAHIA - Agência de Fomento do Estado da Bahia S.A
DNER - Departamento Nacional de Estradas de Rodagem
ECO-92. Segunda Conferência Mundial para o Meio Ambiente
EFC – Elemental Chlorine Free - Livre de cloro elementar
EMAS – Eco Management and Audit Scheme
FASE – Federação de órgãos para Assistência Social e Educacional
FETAES - Federação dos Trabalhadores Agricultura do Espírito Santo
FIDENE - Fundo de Investimentos para o Desenvolvimento Econômico e Social do
Nordeste
FISET - Fundos de Investimentos Setoriais
FLONIBRA - Empreendimentos Florestais AS
IBASE - Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
ICMS - Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços
IEF - Instituto Estadual de Florestas
IPI – Imposto sobre Produtos Industrializados
IPTU - Imposto Predial e Territorial Urbano
ISO14000 – International Organization for Standadizatin
ISS – I mposto sobre serviços de qualquer natureza
MPA - Movimento dos Pequenos Agricultores
MST - Movimento de Trabalhadores Rurais Sem Terra
OCDE - Organização de Cooperação e de Desenvolvimento Econômicos
ONU – Organizações das Nações Unidas
PIA - População em idade ativa
12
PIS - Programas de Integração Social
PDRS - Programa de Desenvolvimento Regional Sustentável – PDRS: Sul da Bahia
PIM - Programa de Incentivos Municipais
POLONORDESTE - Programa de Desenvolvimento de Áreas Integradas do
Nordeste
RPPN - Reserva Particular do Patrimônio Natural
SAGE – Grupo Estratégico Consultivo sobre o meio ambiente
SEI - SUPERINTENDENCIA DE ESTUDOS ECONOMICOS E SOCIAIS DA BAHIA
SEMARH - Secretaria de Meio Ambiente e Recursos Hídricos
SINAP – Sindicato Nacional dos Papeleiros,
SINDICELPA – Sindicato dos trabalhadores nas indústrias do papel, celulose, pasta
de madeira para papel, papelão, cortiça, artefatos de papel, madeira e assimilados
do Estado da Bahia.
SUDENE – Superintendência para o Desenvolvimento do Nordeste,
TJLP - Taxa de Juros de Longo Prazo
UENF - Universidade Estadual do Norte Fluminense
UNCED 92 - Conferência da ONU sobre Desenvolvimento e Meio Ambiente
UNEB – Universidade do Estado da Bahia
WRM - Movimento Mundial Pelas Florestas Tropicais
WWF – World Wildlife Fund
13
SUMÁRIO
1
INTRODUÇÃO 15
2
DISCURSOS DO DESENVOLVIMENTO E DA SUSTENTABILIDADE
COMO PRÁTICA
26
2.1 CONDIÇÕES DE CONSTITUIÇÃO DO DISCURSO
26
2.2 DISCURSO E CAPITAL SIMBÓLICO
35
2.3 DISCURSO E IDEOLOGIA
38
2.4 DISCURSO NA SOCIOLOGIA AMBIENTAL
51
2.5 DESENVOLVIMENTO, SUSTENTABILIDADE: INTERTEXTUALIDADE
53
2.6 DISCURSO DO ENCLAVE ECOLOGICAMENTE COMPROMETIDO
60
3 DISCURSO E TERRITÓRIO: A EXPERIÊNCIA DO EXTREMO SUL DA
BAHIA
66
3.1 DISCURSO E PRODUÇÃO DE CONFIGURAÇÕES ESPACIAIS
67
3.1.1
As formas de apropriação anteriores à expansão do eucalipto
68
3.1.2
Processo de ocupação do espaço pela monocultura de eucalipto
73
3.1.3
Produção de configurações espaciais
84
3.2 DEBATE AMBIENTAL E DISCURSO EMPRESARIAL
91
3.2.1
Modernização ecológica
96
3.2.2
Discurso da sustentabilidade no Extremo Sul da Bahia
102
3.3 DEBATE PÚBLICO E POSIÇÕES DOS AGENTES
109
3.3.1
Mídia e governo
109
3.3.2
Posições contrárias aos discursos e práticas empresariais do setor
na região
112
3.3.3
Movimentos, denúncias e proposições em luta contra as atividades
do agronegócio de papel e celulose
124
14
4
IMPLICAÇÕES SOCIAIS DO DISCURSO EMPRESARIAL DA
SUSTENTABILIDADE
135
4.1
A “SUSTENTABILIDADE” DO DISCURSO 135
4.1.1
Construção de imagem de segurança e certeza num mundo incerto
e inseguro
136
4.1.2
Mundo social: significação e construção
140
4.1.3
Criação e manutenção de capital simbólico
144
4.1.5
Legitimação de práticas
148
4.2 DISCURSO E MUNDO SOCIAL
155
4.2.1
Redução do espaço dos direitos
155
4.2.2
Redução dos espaços de integração econômica
158
CONCLUSÃO
178
REFERÊNCIAS
182
ANEXOS 190
15
1. INTRODUÇÃO
A disseminação do debate público sobre a questão ambiental a partir do
final dos anos 1960 gerou crescentes preocupações por parte dos atores sociais
associados a dinâmicas tidas por predatórias e ambientalmente danosas. Após
envolverem-se no debate, notadamente através da recusa quanto a qualquer
responsabilização direta pelos processos em causa, muitos dos atores apontados
como protagonistas de práticas atentatórias ao meio ambiente mostraram, a partir de
meados dos anos 1990, considerar mais profícua a adoção de outros tipos de
estratégias, como a de oferecer respostas não defensivas, mas, sim, afirmativas de
seus compromissos com a preservação do meio ambiente. Tais respostas e
estratégias foram associadas, na literatura sociológica recente, à noção de
“modernização ecológica”
1
, tendo por base o processo que tem sido chamado de
“ambientalização” do discurso empresarial. Nos termos de Lopes (2004), o termo
“ambientalização” é um neologismo que denota um processo histórico de construção
de novos fenômenos, um processo de interiorização pelas pessoas, por diferentes
grupos sociais e por discursos institucionais, das diferentes facetas da questão
pública do meio ambiente. Chamamos aqui, analogamente, de “ambientalização” do
discurso empresarial o processo pelo qual porta-vozes do empresariado incorporam
“o meio ambiente” como justificativa para suas escolhas produtivas, técnicas e
locacionais. A preocupação com o meio ambiente passou a ser, assim, evocada -
notadamente após a realização da Conferência da ONU Organização das Nações
Unidas, para o Desenvolvimento e o Meio Ambiente em 1992 - por representantes
empresariais, com freqüência considerável, como parte das disposições destinadas
a alcançar o chamado "desenvolvimento sustentável". Para tanto, as empresas
passaram, por exemplo, a pretender mostrar ter ultrapassado o patamar das
preocupações relativas ao combate da poluição ao final dos processos produtivos,
optando por usar tecnologias mais limpas e mais eficientes ao longo de todo o ciclo
1
A noção de modernização ecológica” designa o processo pelo qual as instituições políticas
internalizam preocupações ecológicas no propósito de conciliar o crescimento econômico com a
resolução dos problemas ambientais, dando-se ênfase à adaptação tecnológica, à celebração da
economia de mercado, à crença na colaboração e no consenso cf. A. Blowers, “Environmental Policy:
Ecological Modernization or the Risk Society”, in Urban Studies, vol. 34, n.5-6, p.845-871, 1997
p.853-34.
16
da produção. Nesse discurso, as questões ambientais seriam consideradas como
atribuições de toda empresa e o meio ambiente seria também a razão pela qual
representantes empresariais dizem ter adotado abordagens “mais sistêmicas” do
processo produtivo. Certos empresários passaram a divulgar práticas evidenciando o
interesse em resolver problemas usualmente tratados por governos e ambientalistas,
buscando denotar sensibilidade às mudanças observadas na agenda pública.
Pretendem mostrar que estão a oferecer resposta a pressões decorrentes de
regulamentações pelo Estado, de denúncias de movimentos sociais ou de restrições
por parte de consumidores, relativas aos impactos ambientais indesejáveis
denunciados como estando associados a práticas empresariais correntes.
Constitui objetivo da presente Tese apresentar uma interpretação de
como o discurso empresarial ambientalizado, evocado por porta-vozes do
empresariado, implica na construção e constituição de processos sociais, em
circunstâncias e territórios específicos. Para além da remissão genérica a um
“compromisso ambiental” do setor empresarial, pretendemos observar num território
delimitado, como certas empresas em em ação o discurso da “proteção do meio
ambiente” e da “sustentabilidade” e identificar os processos sociais que mostram-se
vinculados a tal discurso.
A sociologia é uma disciplina generalizante, escreveu Giddens (2001,
p.11), e “muitas vezes se enquadra em todas as acusações a ela dirigidas difusa,
desprovida de um tema coerente e coalhada de jargões”. Enfoca as questões que
dizem respeito à vida cotidiana, as relações sociais. No entanto as relações sociais
não se apresentam de forma imediata à observação, pois os fenômenos sociais o
complexos e as pré-noções obstaculizam o conhecimento sociológico. Nos termos
de Touraine: “A relação é recoberta pela regra, pelo discurso e pela ideologia”
(TOURAINE, 1974, p.18). Assim é que a emergência do discurso ambiental resultou
em formas variadas de sua apropriação discursiva, configurando-se uma luta
simbólica em torno ao que se entende por “sustentabilidade ou
“insustentabilidade” das práticas, por dinâmicas tidas por predatórias ou benignas
dos pontos de vista ambiental e social.
Isto posto, o objeto da presente Tese é a ação do discurso empresarial da
sustentabilidade e o objetivo é compreender os efeitos dessa ação na vida social tal
como observados em um espaço e tempo determinados. Pretendemos contribuir,
desta forma, para o entendimento da dinâmica deste discurso, do modo como opera
17
e produz efeitos, bem como identificar a natureza destes últimos, ou seja,
compreender os processos desencadeados ou alterados pelo discurso. Considerou-
se necessário construir para tanto uma representação apropriada dos partícipes
destes processos - os seus “atores” ou “agentes”, “sujeitos” ou “grupos” – bem como
da dinâmica interativa verificada entre eles.
Para os fins de nossa observação empírica escolhemos o caso do
discurso ambientalizado das empresas plantadoras de eucalipto para a produção de
papel e celulose implantadas no extremo sul da Bahia, no que tange às relações
estabelecidas com movimentos organizados, entidades o-governamentais,
pequenos produtores rurais, populações indígenas e remanescentes de quilombos
que interagem com a empresa defendendo ltiplos interesses e projetos para o
território. As empresas escolhidas são reconhecidas portadoras de um discurso da
sustentabilidade, que é considerado, nessa pesquisa, elemento fundamental na
reconfiguração das relações sociais que pretendemos estudar.
A Veracel Celulose S.A. desenvolve um grande empreendimento
conjugando a atividade monocultora de eucalipto e a produção de celulose
branqueada de eucalipto ECF (livre de cloro elementar), orçada em US$ 1,25 bilhão.
No ano de 2005, ano do início de suas atividades, a fábrica produziu a metade de
sua capacidade total que é de 900 toneladas/ano A sede localiza-se no município de
Eunápolis, no Extremo Sul do Estado da Bahia e apresenta-se como um projeto
agro-industrial integrado
2
, controlado pela Aracruz Celulose S.A
3
e o conglomerado
sueco-finlandês Stora Enso
4
, em função disso, nessa Tese considera-se ambas
envolvidas nos processos estudados.
O empreendimento instalou-se da forma como Carneiro (1994, p.65)
define um “enclave”, ou seja, instalação de um complexo industrial numa região
economicamente “atrasada”, que não comporta um centro dinâmico capaz de gerar
e transmitir inovações que estimulem a emergência de novas indústrias e de novas
seqüências de interdependência. Neste tipo de empreendimento, sustenta-se que a
2
Este projeto agro-industrial integrado abrange todas as fases da produção de celulose, desde o
plantio do eucalipto até a entrega do produto final ao cliente. O projeto é composto por: viveiros de
mudas, plantações de eucalipto, rede viárias e infra-estrutura necessária às suas operações, terminal
marítimo de barcaças e a fábrica de celulose.
3
A Aracruz Celulose S.A é a líder mundial na produção de celulose braqueada de eucalipto. A
Companhia responde por cerca de 30% da oferta global do produto, destinado à fabricação de papéis
de imprimir e escrever, papéis sanitários e papéis especiais.
4
A Stora Enso é um conglomerado sueco-finlandês com capacidade para produzir 15,7 milhões de
toneladas de papel por ano 7,4 milhões de metros cúbicos de produtos de madeira.
18
simples importação dos modos de produção de países desenvolvidos resulta em
desdobramentos inteiramente diversos dos que teriam sido observados nas
economias originárias. Nesses casos, as formas preexistentes de subsistência das
populações, - exceto por pequenos núcleos não seriam, via de regra, beneficiadas
pelos aportes do “progresso”.
A Veracel está localizada no Extremo Sul do Estado da Bahia, região que
abrange os municípios de Eunápolis, Canavieiras, Belmonte, Guaratinga, Itabela,
Itagimirim, Itapebi, Porto Seguro e Santa Cruz Cabrália. A fábrica de celulose situa-
se no município de Eunápolis, mais especificamente, nos limites entre Eunápolis e
Belmonte, às margens da BR-101, rodovia federal que corta o país de Norte a Sul -
uma região que, o fim do século XIX “um tipo de paraíso dos diversos povos
indígenas que viviam nas extensas florestas”, diz Ferreira (apud Koopmans,
1999:39), conforme Koopmans, as tribos localizadas no vale do rio Mucuri, eram
principalmente grupos indígenas, descendentes dos povos Tupiniquim e Pataxós,
Machacalis, Nak Nanuks, Giporoks, Mucunés, Aranás, Urucus, Pojichás, Criciúmas,
Potes, Botocudo, Puri, Kamakã, assim como grupos hoje designados de
“quilombolas”, com formas de vida e de reprodução próprias, conciliando atividades
produtivas com preservação da diversidade da base material da região.
Os conflitos entre índios e outros interessados nas terras do extremo sul
da Bahia fez com que as autoridades da província da Bahia determinasse a
transferência e a concentração compulsória de toda a população indígena para uma
única aldeia, desconsiderando sua diversidade cultural. (KOOPMANS, 1999, 39).
O Extremo Sul do Estado da Bahia passou por diversos ciclos produtivos
até alcançar a fase que abre-se no início dos anos 1990, quando porta-vozes de
uma determinada coalizão discursiva passam a afirmar ter a região uma “vocação
produtiva para a monocultura de eucalipto”.
Desde 1989, quando o governo do estado, por intermédio do CEPRAM
Conselho Estadual do Meio Ambiente, aprovou o licenciamento para o início das
obras da fábrica de celulose e papel da empresa Bahia Sul Celulose, o CDDH -
Centro de Defesa dos Direitos Humanos do Extremo Sul da Bahia e o Sindicado dos
Trabalhadores Rurais iniciaram pesquisas junto a entidades do Espírito Santo, como
os sindicatos dos trabalhadores do setor da extração de madeira e a FASE –
Federação de órgãos para Assistência Social e Educacional, visando entender as
implicações do processo de expansão da monocultura. A partir de 1991, o
19
CEPEDES Centro de Estudos e Pesquisas do Desenvolvimento para o Extremo
Sul, uma organização não governamental com sede em Eunápolis, juntamente com
ambientalistas da Bahia e Minas Gerais formaram um grupo de análise crítica do
processo. Neste contexto, toda a dinâmica de apropriação do território do Extremo
Sul do Estado da Bahia por monoculturas de eucalipto ficou registrada no trabalho
de Koopmans (1999)
5
. No início dos anos 2000, as organizações não-
governamentais, os trabalhadores terceirizados, os pequenos produtores, as
populações indígenas, os remanescentes de quilombos e representantes locais do
Movimento de Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), entre outros sujeitos,
apresentaram denúncias relativas às práticas da empresa, tais como a ocupação de
grandes extensões de terra com monocultura de eucalipto, a secagem e poluição
dos rios e mangues, bem como a redução das alternativas próprias aos modos de
produção e condições de vida das populações que viviam anteriormente no lugar.
Os grupos críticos das atividades da empresa propõem a disseminação de práticas
da “agroecologia”, a permanência das famílias no campo e a realização da reforma
agrária (como forma de garantir sua viabilidade econômica, social e cultural),
políticas agrícolas voltadas para a agricultura agroecológica (custeio e investimento),
defesa do campesinato (não lutar para fazer o homem permanecer no campo,
mas para garantir a cultura da biodiversidade), fortalecimento, integração e
solidariedade entre as famílias nas comunidades camponesas. Tais críticas são
respondidas pelos representantes empresariais que alegam a benignidade ambiental
de suas práticas e os propósitos sociais do empreendimento – criação de empregos,
atendimento das demandas sociais da população, etc.
A competitividade internacional do complexo florestal (“reflorestamento” e
produção de celulose e papel) é reconhecida em âmbitos empresariais, acadêmicos
e governamentais. A atividade de monocultura de eucalipto e produção de celulose e
papel no Brasil apresentou-se na década de noventa (na qual a competitividade da
indústria brasileira esteve provocando sérias preocupações) como uma exceção. O
complexo destacou-se desde então como exemplo de dinamismo econômico.
As estratégias do Complexo Florestal brasileiro na busca pela
competitividade têm sido analisadas em várias perspectivas. Na pesquisa realizada
por Zaeyen (1986) faz-se uma abordagem a partir de teorias da organização
5
O Pe. José Koopmans publicou tres livros onde registra as transformações por que passou a região
do extremo sul da Bahia.
20
industrial e explica-se a dinâmica da indústria como resultado de processos de
“oligopólio homogêneo”. Conclui que o setor o aplica estratégias de concorrência
extrapreço e que “a indústria brasileira de papel e celulose é moderna, eficiente e de
elevada competitividade internacional”. A pesquisa de Gonçalves (1990) buscou
entender o desempenho estatal na regulação e promoção do desenvolvimento,
enfocando o IEF-Instituto Estadual de Florestas, agência encarregada da política
florestal em Minas Gerais. Aponta a ineficiência do instituto relativa à sua
“capacidade de equacionar os problemas mais urgentes do desmatamento e do
reflorestamento”, no decorrer dos anos 1960 e 1970. Menciona que após 1974 os
mecanismos de incentivos fiscais ao reflorestamento teriam causado “uma
vertiginosa expansão do reflorestamento e que o instituto teria desempenhado um
papel estratégico para a continuidade da expansão das indústrias de celulose.” A
Tese de Soto (1992) é uma abordagem do relacionamento entre as organizações de
interesses privados e o Estado. Procura evidenciar que os aspectos econômicos não
são os únicos a influenciar a dinâmica econômica, revelando que no caso do
Complexo Florestal do Brasil a dimensão política foi fundamental. Demonstra que o
Complexo não é regulado por mecanismos de mercado e sim por uma grande
variedade de mecanismos de concertaçãoou arranjos entre interesses privados e
o Estado. O autor explica porque o Complexo possui um “grande poder de
barganha” junto aos poderes Executivo e Legislativo e como suas empresas e
organizações são importantes para o poder público. O consenso em âmbitos
empresariais, governamentais e até acadêmicos, conforme o autor, sobre a
competitividade, o dinamismo econômico, harmonia nas relações trabalhistas e
ótimas relações com os governos que detêm as empresas de reflorestamento e
produção de celulose e papel, “é o resultado da atuação de uma beligerante
organização de representação dos interesses empresariais, que através de seu
relacionamento com o Estado conseguiu que o Complexo fosse amplamente
beneficiado por políticas blicas”. A competitividade internacional desse segmento
teria sido grandemente obtida em função dos recursos públicos, preços
administrados no mercado interno e câmbio favorável no mercado externo.
Conforme Soto, o grau de competitividade internacional apresentado pelo Complexo
Florestal, particularmente na produção de celulose de mercado, “refletia os
benefícios recebidos das políticas públicas”. “Os principais fatores de
competitividade do complexo foram o baixo custo da madeira e o custo subsidiado
21
dos investimentos industriais, derivados diretamente dos incentivos
ficais ao reflorestamento e do financiamento subsidiado do BNDES
Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, situação
combinada com um comportamento estável e altista dos preços
internacionais, particularmente após 1985. A partir da década de 90
quase todas essas condições deixaram de existir em função da falência
das finanças públicas, o que eliminou as possibilidades das políticas
públicas repetirem as maciças transferências de recursos para o âmbito
privado, características de décadas anteriores. Por essa razão, o autor
sinaliza que a partir da década de 90 a competitividade internacional
alcançada pelo complexo precisa ser qualificada. Indica, para tanto,
que se observe o processo de reestruturação da indústria do papel a
nível internacional, a tendência de o Brasil ampliar a capacidade de
produção de commodities e a tendência a um maior grau de
concentração dos mercados.
A Tese de Andrade (2000) parte da influência da dimensão
político-institucional da problemática sócio-ambiental no processo de
formação das estratégias técnico-concorrenciais corporativas, a partir
da década de 90. Analisa as relações da Aracruz Celulose S.A e os
denominados stakeholders, em situações sócio-ambientais específicas,
através de uma grade de leitura resultante da integração entre as
abordagens da teoria dos jogos, stakeholders e lógicas de ação.
Defende o argumento de que esta dimensão pode ser compreendida
como uma tradução de soluções negociadas.
Todas as pesquisas consultadas deixam um espaço vazio
relativo às dinâmicas extra-econômicas de legitimação das atividades
do setor de celulose e papel no país, em particular à dimensão
comunicativa das dinâmicas sociais em torno a ele desencadeadas. No
entanto, a teoria social em décadas recentes tem atribuído à linguagem
um lugar central na vida social. Embora a interpretação de Andrade
(2000) faça referência aos jogos de comunicação entre Aracruz
Celulose S.A e outros atores que exigem informações, nos quais um
dos objetivo da empresa é conquistar credibilidade ambiental, o autor
não aborda em profundidade o papel da linguagem nesse processo.
22
A Tese de Carvalho (2004), por exemplo, analisa os sentidos
da agricultura sustentável em relação às especificidades sócio-
técnicas das práticas agrícolas, em Rondônia. Tem o objetivo de
localizar diferenças na dinâmica das relações entre sentidos e
tecnologias que legitimam a agricultura sustentável frente ao sentido
valor econômico mercado e tecnologia convencional. Explora
contradições de significado do termo sustentável entre os enunciados
e os efeitos pretendidos pelos projetos sociais e ecológicos, com uma
análise de discurso que se baseia nas contribuições da arqueologia do
conhecimento de Michel Foucault, da escola de análise de discurso de
vertente francesa e da dialética relacional apresentada por David
Harvey.
A teoria social do discurso que nos orienta, considera os
efeitos da prática discursiva sobre as dinâmicas sociais. Em nossa
abordagem, adotaremos uma visão do discurso como ativamente
construindo a sociedade. O discurso constitui objetos de conhecimento,
os sujeitos e as formas sociais do eu, as relações sociais e as
estruturas conceituais. Para Foucault o sujeito é um efeito das
formações discursivas, o que exclui a agência social ativa de qualquer
sentido significativo. Fairclough (2001), na teoria social do discurso,
defende que os sujeitos sociais são moldados pelas práticas
discursivas, mas também são capazes de remodelar e reestruturar
essas práticas. Qualquer evento discursivo (qualquer exemplo de
discurso) é considerado como simultaneamente um texto, um exemplo
de prática discursiva e um exemplo de prática social (FAIRCLOUGH,
2001, p.22). Nessa concepção, os sujeitos sociais são moldados pelas
práticas discursivas, mas também são capazes de remodelar e
reestruturar essas práticas. Um evento discursivo pode ser uma
contribuição para preservar e reproduzir as relações e as hegemonias
tradicionais ou para transformar essas relações mediante a luta
hegemônica. (FAIRCLOUGH, 2001, p.128).
A busca de interpretação de como age o discurso - quando os
atores empresariais adotam uma retórica ambiental - e como as
práticas sociais são afetadas pelo mesmo é empreendida, nesta Tese,
23
tendo a teoria social do discurso como um suporte teórico que fornece
elementos para entender o discurso como uma prática não apenas de
representação do mundo, mas de significação do mundo, constituindo e
construindo o mundo em significado, conforme sugere Fairclough
(2001:276). No entanto, para entender como isso acontece acessamos
teorias sobre a contemporaneidade, sobre o simbólico e sobre a
configuração do espaço, ou seja, outras teorias que servem como
forma de explicar como o discurso age no mundo social. Em resumo,
procuramos verificar como o discurso empresarial ambientalizado
influencia as relações sociais. Buscamos entender os processos sociais
que acontecem num ambiente onde uma grande empresa atua
recorrendo ao discurso da sustentabilidade, em outros termos, como as
práticas sociais são afetadas quando os atores empresariais adotam
uma retórica ambiental, na região estudada.
Uma primeira consideração é a de que o empreendimento
industrial Veracel Celulose S.A. se mostra na região através depré-
noções construídas sobre si mesma e sobre os grupos sociais locais.
A empresa e seus aliados afirmam que a chegada da grande indústria
irá trazer desenvolvimento sustentável para a região, por um lado.
Por outro lado, entendem a região (habitantes, modos de produção e de
viver, etc) como necessitada de uma mudança no aspecto produtivo
que a transforme em região desenvolvida. O que caracteriza tal pré-
noção é o seu não reconhecimento enquanto tal: ela é apresentada
como algo totalmente evidente, óbvio, indiscutível. A pré-noção não é
formulada explicitamente, mas pressuposta, implícita. Assim é que a
empresa teria sido considerada um agente de desenvolvimento
econômico e social, pela relação de uma complementaridade entre os
setores público e privado, como sugere, por exemplo, Valéria da Vinha
(1999, p.18).
Uma segunda consideração é que a posição da empresa é
resultado da composição de diversos tipos de capital. O capital
econômico, por certo, mas também seu capital social - sua capacidade
de influência sobre os atores que estão em posição de tomada de
decisão - estes são os mais reconhecíveis. Mas, no caso, um
24
importante tipo de capital que a empresa tem usado na luta pela
posição de dominação no território é aquele associado ao discurso da
sustentabilidade, revestido como ele é pelo valor simbólico que na
atualidade a sociedade em geral tende a lhe conferir.
Uma terceira consideração diz respeito à especificidade das formas
assumidas pelas relações que pretendemos estudar: em que medida os efeitos do
discurso empresarial ambientalizado na região contêm/desencadeiam elementos dos
processos sociais mais comumente reconhecidos na Sociologia tais como conflito,
cooperação, dominação etc? Haveria que considerar que tais processos, embora
possam apresentar alguns aspectos dos modelos mais reconhecidos de relações
sociais como os acima citados, podem não configurar nenhum dos mesmos
completamente. Tratar-se-iam de relações nas quais uma das partes, de formas
diversas, esforça-se para angariar a confiança ou a simpatia? De que maneira os
grupos sociais locais se inserem nessas relações sociais?
Para tanto foram selecionadas e analisadas amostras da prática
discursiva, que de acordo com a teoria social do discurso, manifesta-se
lingüisticamente na forma de texto (linguagem falada e escrita), a partir do material
empírico selecionado. A seleção de textos incidiu sobre os relatórios anuais,
boletins, reportagens, entrevistas e documentos da empresa e demais participantes
do campo social estudado, bem como sobre registros obtidos a partir da participação
em seminários, encontros e fóruns de iniciativa tanto da empresa quanto dos demais
atores envolvidos nos processos sociais.
A presente Tese é composta de três partes, sendo a primeira uma
apresentação dos principais referenciais teóricos que possibilitam a interpretação,
que constituem nosso “olhar” sobre o caso e que são considerados adequados à
compreensão do discurso empresarial da “sustentabilidade” como constituinte de
implicações sociais, desencadeando lutas hegemônicas, construindo identidades e
relações sociais, bem como construindo configurações espaciais. A segunda parte
procurou demonstrar a historicidade dos processos de transformação material do
território e como tais processos estão relacionados a práticas discursivas e sistemas
simbólicos. A terceira parte constitui-se da análise do material empírico; nela propõe-
se uma interpretação do modo de ação do discurso empresarial da sustentabilidade
e suas implicações, no campo estudado. Parte-se da contribuição da teoria social do
discurso para interpretar o discurso como portador de potencialidades para a
25
produção de efeitos nos universos sociais e constrói-se uma interpretação de como
isso acontece em duas perspectivas: na perspectiva da construção do mundo em
significado e na perspectiva da construção material do mundo.
26
2 DISCURSO DO DESENVOLVIMENTO E DA SUSTENTABILIDADE COMO
PRÁTICA
2.1 CONDIÇÕES DE CONSTITUIÇÃO DO DISCURSO
A realidade não é singular e homogênea, apresentando tantos esquemas
e padrões diferentes quanto organismos diferentes; seria ingênuo presumir que
existe uma realidade absoluta de coisas que seja a mesma para todos os seres
vivos, diz o fenomenalismo empírico do biólogo Uexküll (apud Cassirer,1994). Ele se
refere, no caso, às formas orgânicas que são diversificadas, sem que possam ser
classificadas como inferiores e superiores. Para ele, cada organismo, mesmo o mais
simples, não está apenas “adaptado” como também inteiramente inserido, de modo
próprio, em seu ambiente “no mundo de uma mosca encontramos apenas coisas
de mosca; no mundo de um ouriço-do-mar encontramos apenas coisas de ouriços-
do-mar”. Cassirer (1994, p.47) pensa no mundo humano como um mundo
que não é nenhuma exceção às regras biológicas que regem a vida de
todos os demais organismos, mas diz que o homem descobriu um
novo método para adaptar-se ao ambiente que passa pelo sistema
simbólico. Diz que se comparado aos outros animais, o homem não
vive apenas em uma realidade mais ampla: vive, pode-se dizer, em uma
nova dimensão de realidade. Dessa maneira o homem responde de
duas diferentes maneiras aos estímulos externos: com reação orgânica
e com resposta propriamente humana. A primeira é direta e imediata; a
segunda é diferida, é interrompida e retardada por um lento e
complicado processo de pensamento. À primeira vista tal atraso
poderia parecer uma inescapável deterioração da natureza humana.
Mas, lembra Cassirer, o homem não está mais num universo
meramente físico; o homem vive em um universo simbólico e não pode
mais ver a realidade de forma imediata. O emaranhado da
experiência humana é tecido porfios como a linguagem, o mito, a
arte e a religião. Os sujeitos estão envolvidos de tal modo em formas
lingüísticas, imagens artísticas, símbolos míticos ou ritos religiosos,
não conseguem ver ou conhecer coisa alguma a não ser pela
interposição desse meio artificial (CASSIRER; 1994, p.48). Mesmo na
esfera prática da vida, o homem está envolvido com emoções
27
imaginárias, esperanças e temores, ilusões e desilusões, com suas
fantasias e sonhos. O que perturba e assusta o homem não são as
coisas, mas suas opiniões e fantasias sobre as coisas, diz Epíteto
(CASSIRER; 1994, p. 49). Conforme Cassirer, (1994, p. 50):
[...] a razão é um termo muito inadequado com o qual compreender as
formas da vida cultural do homem em toda a sua riqueza e variedade. Mas
todas essas formas são simbólicas. Logo, em vez de definir o homem como
animal rationale, deveríamos defini-lo como animal symbolicum
6
.
(CASSIRER, 1994, p.50).
O pensamento simbólico e as práticas simbólicas estão entre
os traços mais característicos da vida humana. Os humanos passaram
da linguagem subjetiva à objetiva, da afetiva à proposicional. Os
humanos desenvolveram universos de discurso simbólicos. O símbolo é
parte do mundo humano do significado. Enquanto os sinais são
operadores, os símbolos são designadores. Os sinais têm uma
espécie de ser físico ou substancial; os símbolos têm apenas um valor
funcional (CASSIRER, 1994, p.58). Enquanto um sinal ou signo está
relacionado à coisa à qual se refere de um modo fixo e singular, um
símbolo é variável.Um símbolo humano genuíno não é caracterizado
por sua uniformidade, mas por sua versatilidade. Não é rígido e
inflexível, e sim móvel. (CASSIRER, 1994, p. 65).
O pensamento relacional depende do pensamento simbólico.
Sem um complexo sistema de símbolos o pensamento relacional
simplesmente não pode nascer, nem muito menos desenvolver-se
plenamente. O processo mais simples de percepção, tanto no mundo
humano como no mundo animal, implica em elementos estruturais
fundamentais como padrões ou configurações. Mas o pensamento
relacional do homem desenvolveu-se uma capacidade de isolar
relações de considerá-las em seu significado abstrato. Assim, o
homem não mais depende dos dados concretos dos sentidos, dos
dados visuais, auditivos, tácteis e cinestésicos. Conclui Cassirer que:
[...] Sem o simbolismo, a vida do homem seria como a dos prisioneiros na
caverna do famoso símile de Platão. A vida do homem ficaria confinada aos
limites de suas necessidades biológicas e seus interesses práticos; não teria
acesso ao “mundo ideal” que lhe é aberto em diferentes aspectos pela
religião, pela arte, pela filosofia e pela ciência. (CASSIRER, 1994, p. 72).
6
Grifos do autor.
28
As coisas reais são concebidas sob as condições do espaço e
do tempo, conforme Cassirer (1994,p. 73), mas a aparência do espaço
e do tempo não é a mesma para todos os seres orgânicos, pois está
relacionada com a cultura. Há tipos diferentes de experiência espacial
e temporal. A experiência da camada mais baixa da maioria dos
animais - pode ser descrita como espaço e tempo orgânicos o espaço
da ação. Entre os animais ditos superiores a forma de espaço
encontrada é o espaço perceptual que é a composição da experiência
dos sentidos óptica, tátil, acústica e cinestésica. No entanto, é o
espaço simbólico que interessa, conforme Cassirer (1994, p. 75). No
espaço de ação o homem parece inferior aos animais em muitos
aspectos. Uma criança tem de aprender muitos talentos com os quais o
animal já nasce. No espaço primitivo não há vestígios da idéia de um
espaço abstrato (CASSIRER, 1994, p. 76). Trata-se do espaço da ação
e a ação revolve em torno a necessidades e interesses práticos
imediatos. No espaço abstrato não estamos lidando com a verdade das
coisas, e sim com a verdade de proposições e juízos, escreveu
Cassirer (1994, p. 77).
O pensamento primitivo está perfeitamente familiarizado com seu espaço,
mas essa familiaridade está longe do que podemos chamar de conhecimento, em
um sentido abstrato, teórico. A familiaridade significa apenas apresentação já o
conhecimento inclui e pressupõe a representação. Para representar uma coisa, não
basta sermos capazes de manipulá-la da maneira correta e para usos práticos é
necessário ter uma concepção geral do objeto e considerá-lo de diversos ângulos
para poder encontrar suas relações com outros objetos. Deve-se ser capaz de situá-
lo e de determinar sua posição em um sistema geral, ou seja, sua posição no
espaço, (CASSIRER,1994, p.80). Um conceito teórico ou científico do espaço, ou
seja, a interpretação do espaço vem do conhecimento do espaço e das relações
espaciais, por intermédio da geometria analítica uma linguagem matemática do
pensamento simbólico. No espaço simbólico, deixa-se de ter um espaço visual, táctil,
acústico ou olfativo; abstrai-se toda a variedade imposta pelos nossos sentidos.
No humano, uma lembrança o é simplesmente uma associação de
idéias, - como se diz nas teorias mecânicas da memória - uma repetição, mas antes
um renascimento do passado; implica um processo criativo e construtivo.
29
[...] A memória simbólica é o processo pelo qual o homem não só repete sua
experiência passada, mas também reconstrói essa experiência. A
imaginação torna-se um elemento necessário da verdadeira lembrança.
(CASSIRER,1994,p.88).
Esses são aspectos relacionados ao presente e ao passado. Quanto ao
futuro, que se acrescentar que o mesmo é indispensável na consciência do
tempo. As idéias não aparecem tanto como memórias do passado, mas sim como
expectativas de futuro, mesmo que um futuro próximo. Vivemos muito mais na
expectativa do futuro do que das lembranças do passado ou de nossas experiências
do futuro. O humano tem a característica, estranha aos demais animais, de ter
incerteza na vida. “Pensar o futuro e viver no futuro é uma parte necessária de sua
natureza” (CASSIRER,1994,p.92). Nos demais animais o instinto é interpretado
como “impulsos dirigidos para o futuro”, mesmo que isso não signifique uma
concepção ou consciência de futuro. Nos seres humanos a consciência do futuro
“não é apenas uma imagem, torna-se um ideal” (CASSIRER,1994,p.93). Esse ideal
futuro avistado pelo homem é visto como prudência significa a capacidade de
prever eventos futuros e preparar-se para as necessidades futuras. Mas a idéia
teórica do futuro vai além dos limites da sua vida empírica, é o futuro simbólico que
está em harmonia com o seu passado simbólico.O futuro simbólico não se limita a
prever e se prevenir sobre ele. Trata-se de uma profecia, uma promessa – que não é
apenas uma previsão – um futuro ideal. (CASSIRER,1994,p.94)
Os homens vivem, portanto, num mundo diferente do dos animais: um
mundo de símbolos. A cultura é o fundamento da existência humana e é ela que
instaura e constrói “as necessidades”. Com essas premissas gerais, Sahlins (2003)
discute o que explica como as sociedades se organizam e como a organização se
relaciona com “a natureza”. Ele apresenta uma crítica antropológica da idéia de que
as culturas humanas são formuladas a partir da atividade prática e a partir do
interesse utilitário. Ele propõe uma outra espécie de razão: a simbólica ou
significativa, que toma como qualidade distintiva do homem o o fato de que ele
deve viver num mundo material, circunstância que compartilha com todos os
organismos, mas o fato de fazê-lo de acordo com um esquema significativo criado
por si próprio.
30
O homem vive num mundo material de acordo com um
esquema significativo criado por ele mesmo. O momento exato da
transformação do hominídeo, pitecantropo erectus, em uma espécie
mais evoluída aconteceu quando ele, finalmente, emitiu o primeiro som,
tentando imitá-lo da natureza e o relacionou com um evento específico,
inventando a primeira palavra e significando a mesma, ou seja,
relacionando a mesma àquele som inventado por imitação. A palavra
não foi criada pelo córtex cerebral. A ânsia de criar as palavras, a
ânsia pela expressão é que criou o córtex cerebral”. (Fernandes, 2005).
Os valores são criados na relação social humana e na sua prática
significativa. Com isso são criados os valores próprios a cada cultura. Cada imagem,
cada aspecto do nosso universo, está associada a olhares específicos. Não existe
evento em que somos apenas observadores imparciais. Em todos eles, somos parte
integrante e os influenciamos. Nós colorimos as nossas imagens com os nossos
sentimentos e emoções. A imagem que representa um aspecto do nosso universo
exterior essencialmente representa um aspecto um estado emocional e um
sentimento gravado em nosso cérebro. Conforme Andreeta (2004,p.128), a luz
incide em nossos olhos sensibilizando os sensores óticos que a transforma em
sinais eletrônicos, os quais são levados ao cérebro, dando origem à imagem que
percebemos, portanto o mecanismo de funcionamento da nossa visão, revela que “o
que vemos não é o objeto que está fora, mas a imagem subjetiva que criamos
internamente. A forma e as cores dessa imagem dependem da interpretação
individual de cada um de nós”.
Através das práticas culturais de apropriação, o mundo material é objeto
de atividades de atribuição de significados. “Pois os fatos culturais não restringem-se
a simples epifenômenos das estruturas produtivas da sociedade, mas mostram-se,
ao contrário, como parte integrante do processo de construção do mundo, dando-lhe
sentidos e ordenamentos, comandando atos e práticas diversas a partir de
categorias mentais, esquemas de percepção e representações coletivas
diferenciadas” (Acselrad, 2003).
Assim é que algumas noções que orientam as práticas humanas,
conforme diz Andreeta (2004,p.33) “apesar de serem artificialmente criadas, nós
invariavelmente, acreditamos na sua realidade e nos submetemos a elas, deixando
que imponham restrições, encarcerando-nos em suas prisões artificiais”. Mas,
31
conforme o citado autor, a ciência estaria começando a reconhecer que tudo o que
sabemos acerca de nossa realidade não provém de forma pronta das coisas
externas, mas da manipulação de imagens que criamos internamente em nossa
mente. “Neste contexto, externamente, só existiriam os estímulos que nos motivam a
criar as imagens mentais”. O que vemos, diz Andreeta (2004,p.128) o é o objeto
que está fora, mas a imagem subjetiva que criamos internamente. “Tudo depende da
interpretação que cada um faz”. Não existe evento, quando analisado em
profundidade, em que não sejamos parte integrante a influenciá-lo.
O pensamento sobre o mundo atual descreve, em sua maioria, a
percepção de uma mudança nos comportamentos em relação ao período que se
costumou chamar de moderno. Os autores que discutem as mudanças buscam
caracterizar o momento atual evidenciando suas diferenças e semelhanças com o
momento anterior. O que nos interessa nesse debate é muito mais aquilo que
descreve o momento atual, o que define a nossa situação, os sentimentos
experimentados na atualidade, as incertezas, as inovações, etc. que possam ser
consideradas como condições para a ação do discurso empresarial ambientalizado.
Nesse debate a mudança algumas vezes é descrita como crise. “O que define nossa
situação hoje é a ausência de um sentido para o termo civilização”, “é a ausência de
futuro”, afirma Novaes (2004,p.8). Para ele tornou-se impossível imaginar o futuro, a
vida tornou-se “volátil” e “efêmera”. “Assim, sem passado e sem futuro, a crise
presente deixar de ser apenas um “acontecimento” que poderia ser mediado pela
razão, como aconteceu com as crises anteriores, para traduzir-se em advento de
algo inteiramente estranho às antigas formas de organização do pensamento e da
própria história”.
Na percepção de Giddens (2005,p.9) os sentimentos experimentados por
muitos de nós “vivendo numa época de rápida mudança” expressam-se
adequadamente na expressão “mundo em descontrole”. Para ele, as rápidas
mudanças que estão ocorrendo estendem-se por todo o globo. O iluminismo
pretendia compreender racionalmente o mundo e os homens a fim de controlar o
futuro. Entretanto, o mundo de hoje não se parece com o que foi previsto por
pensadores iluministas, diz Giddens (2005,p.14). “Em vez de estar cada vez mais
sob nosso comando, parece um mundo em descontrole”. Para ele, muitos dos novos
riscos e incertezas o aquecimento global é citado como um deles estão
inextricavelmente ligados à globalização, “este pacote de mudanças” que está
32
“reestruturando o modo como vivemos, e de uma maneira muito profunda”, tanto em
escala global como na vida cotidiana. (GIDDENS,2005).
Para Jameson (2004, p.13) a teoria do pós-modernismo é uma tentativa
de medir uma época “sem os instrumentos e em uma situação em que nem mesmo
estamos certos de que ainda exista algo com a coerência de uma “época”, ou
“sistema”, ou “situação corrente”. Mas o autor aponta que o modernismo se
preocupava em captar a emergência do Novo. “Os modernos se preocupavam com
o que poderia acontecer depois de tais mudanças e nas suas tendências gerais:
pensavam no objeto em si mesmo”. No modernismo “ainda subsistem algumas
zonas residuais da natureza, ou do ‘ser’, do velho, do mais velho, do arcaico: a
cultura ainda pode fazer alguma coisa com a natureza e trabalhar para reformar
esse referente”. o pós-moderno busca rupturas, busca eventos em vez de novos
mundos, busca um “quando-tudo-mudou”. No pós-modernismo o processo de
modernização está completo e a natureza se foi para sempre, trata-se de um mundo
mais completamente humano, onde a cultura (a esfera da mercadoria) se tornou
uma verdadeira segunda natureza. No entanto, o autor tenta demonstrar que decidir
se o que estamos vivendo significa uma ruptura ou uma continuidade em outra
embalagem não pode ser justificado empiricamente. “Essa decisão é em si mesma,
um ato narrativo inaugural que embasa a percepção e a interpretação dos eventos a
serem narrados”.
Araújo (2003,p.339) denomina de “modernidade radicalizadaos eixos de
mudanças no âmbito das práticas sociais contemporâneas, num contexto de
velocidade crescentemente acelerada das mudanças. Quanto ao poder, aponta o
autor o fim da utopia socialista (em experiência, na prática) associada à quebra da
bipolaridade do pós-guerra, o enfraquecimento do papel dos organismos estatais e
emergência e crescimento do significado de entidades político-econômicas
multinacionais, bem como alargamento dos objetivos e do poder de empresas
multinacionais. Na sociedade civil, afirma o autor, o enfraquecimento de estruturas
tradicionais como a família, a escola, o partido, o sindicato. A emergência de
entidades não vinculadas à relação capital e trabalho e da comunicação de massa
como modos informativos e normativos. A possibilidade de transformação dos
indivíduos em seres além-fronteira pela eclosão de meios informáticos de
comunicação. Os modelos organizacionais flexíveis transformam o tempo das
máquinas clássicas no tempo do computador, no qual o trabalhador lida com o
33
imaterial, com a internet, com a instantaneidade ilusoriamente criada
(ARAÚJO,2003, p.336). O ethos global reitera a desqualificação territorial do poder
as afirmações soberanas são especificadas de “fora”. O poder situa-se em todo e
nenhum lugar. A distância o mais representando constrangimento para a
globalização capitalista. O passado é substituído por padrões globais
“permanentemente recriados de forma descomprometida” com os padrões vigentes.
Eterniza-se o momento atual “negando qualquer novidade essencial posterior” e, ao
mesmo tempo, “açambarca o tempo vindouro através de uma utopia tornada atual,
em cada instante, por intermédio da intenção concernente ao apregoado
compromisso de ‘sustentabilidade’ com as gerações que virão”. Mudanças em
âmbitos como os acima mencionados implicam problemas nos modos de saber
sobre os homens, diz Araújo (2003,p.338). Por exemplo, “o saber sobre os homens
parte do princípio da impossibilidade da constituição de elementos de juízo que
permitam qualquer afirmação sobre o sentido absoluto de verdade das
apresentações narrativas” (2003,p.339); A pretensão de conhecimento exato e
verdadeiro é abandonada; O conhecimento refere-se a um contexto e um tópico
específico e possui um valor relacionado à sua funcionalidade. Conclui Araújo
(2003,p.359) que o modo de olhar, na “modernidade radicalizada”, por deixar aflorar
a subjetividade de cada sujeito, em cada contexto epistemológico particular, “permite
que o saber decorrente, essencialmente dinâmico, opere um verdadeiro
(re)encantamento do mundo dos homens”. Trata-se de uma epistemologia
“constitutivamente mais rica e nuançada que a epistemologia de quantidades,
segmentada, regida por lógicas causais lineares, expressa no saber das grandes
narrativas modernas”.
Harvey (1992,p.293) explica o pós-modernismo como “uma condição
histórico-geográfica” com o “triunfo da estética sobre a ética”, ao referir-se sobre a
política econômica dos anos Reagan (1980). Segundo Harvey, a “modernidade
fordistarelaciona-se com “uma fixidez e uma permanência relativas – capital fixo na
produção em massa, mercados estáveis, padronizados e homogêneos, uma
configuração fixa de influência e poder político-econômicos, uma autoridade e
metateorias facilmente identificáveis, um sólido alicerce na materialidade e na
racionalidade técnico-científica e outras coisas dessa espécie”. A pós-modernidade é
dominada pela ficção, pela fantasia, pelo imaterial (particularmente do dinheiro), pelo
capital fictício, pelas imagens, pela efemeridade, pelo acaso e pela flexibilidade em
34
técnicas de produção, mercados de trabalho e nichos de consumo. Por outro lado a
pós-modernidade tanto valoriza o efêmero quanto “revela um anseio por um
presente estável, imaculado e não corrompido” (HABERMAS, apud HARVEY,
1992,p.305).
Bauman (1998) explica que na época atual uma necessidade de
criação de uma noção de certeza, de segurança, de beleza quando discorre sobre a
transição de uma época de excesso de ordem e escassez de liberdade a
modernidade - para uma outra na qual impera a desregulamentação a pós-
modernidade. Conforme este autor, Freud teria explicado que na modernidade
quando se ganha alguma coisa, perde-se em troca alguma outra coisa. Em sua
concepção, a beleza, a limpeza (ou pureza) e a ordem são ganhos, na modernidade,
“que não devem ser desprezados”, uma vez que “nada predispõe naturalmente” os
seres humanos a buscá-los. Os seres humanos precisam ser ensinados ou
obrigados a aceitá-los. “Os seres humanos devem ser preparados para agir contra
seus próprios impulsos”. Para ele os mal-estares que marcaram a modernidade
eram: compulsão, regulação, supressão ou renúncia forçada. Tudo isso resultou do
excesso de ordem e a escassez de liberdade. Assim, na modernidade ou civilização
o homem sacrificaria a liberdade, ou melhor os impulsos, para alcançar a civilização
e com isso produziria seu próprio mal-estar. Conforme Bauman (1998), assim como
“cultura” ou “civilização”, modernidade é beleza, limpeza e ordem. A beleza é “essa
coisa útil que esperamos ser valorizada pela civilização” e “a sujeira de qualquer
espécie parece-nos incompatível com a civilização”. Quanto à ordem, “é uma
espécie de compulsão à repetição que, quando um regulamento foi definitivamente
estabelecido, decide quando, onde e como uma coisa deve ser feita, de modo que
em toda circunstância semelhante não haja hesitação ou indecisão”. A ordem
significaria o orgulho da modernidade e a possibilidade de outras realizações. Na
pós-modernidade, ainda conforme Bauman, vive-se a desregulamentação e o
princípio do prazer está presidindo o principio de realidade. “A liberdade individual
reina soberana”. A antiga norma que dizia que “se ganha alguma coisa mas perde-
se alguma coisa em troca”, mantém-se. O que muda é que “o homem pós-moderno
trocou um quinhão de sua segurança por um quinhão de felicidade”. Assim, na
modernidade os mal-estares provinham da segurança, que tolerava uma liberdade
pequena demais na busca da felicidade. Na pós-modernidade, os mal-estares
provêm da liberdade de procura do prazer que tolera uma segurança individual
35
pequena demais. A liberdade é sacrificada pela segurança ou a segurança é
sacrificada pela liberdade. Em ambos os casos, afirma ele, perde-se a felicidade. A
liberdade sem segurança ou a segurança sem liberdade
7
.
A perspectiva de que as práticas sociais sofrem interferência do universo
simbólico, da forma como associamos as idéias, criamos conceitos e valores é
importante na nossa análise na medida em que pretendemos discutir a influência de
um determinado discurso na vida social contemporânea, em particular aqueles
referidos à idéia de desenvolvimento e sustentabilidade no território estudado, que
tendem a inspirar ou buscam inspirar concepções de futuro e expectativas de
mudanças.
2.2 DISCURSO E CAPITAL SIMBÓLICO
A prática discursiva que analisamos integra uma disputa por critérios
hegemônicos do que seja “eficiência” e “competitividade”, “sustentabilidade”,
“produtividade”, categorias freqüentemente utilizadas no discurso ambiental dos
agentes empresariais. Embora não sejam ancorados em construção científica
aparecem nas discussões como se fossem substitutos legítimos para as coisas.
Entretanto, tais formações discursivas não são conceitos estáveis. Conforme diz
Bourdieu (1999), referindo-se a outras categorias como democracia, socialismo,
comunismo, “são espécies de fantasmas que consideramos como sendo as próprias
coisas”.
Segundo Foucault (apud FAIRCLOUGH, 2001), por outro lado, uma
formação discursiva o define um conjunto unitário de conceitos estáveis com
relações bem definidas entre si. “Ao contrário, o quadro é de configurações mutáveis
de conceitos em transformação”. Essas “configurações mutáveis de conceitos em
transformaçãoestão em constante disputa no espaço social. No que diz respeito
aos modos de apropriação da base material da sociedade, poderíamos discriminar
dois espaços onde definem-se as relações de poder. O primeiro é o espaço da
distribuição do poder sobre os elementos materiais e o segundo é o espaço em que
se confrontam as representações, valores, esquemas de percepção e idéias que
7
Conforme Bauman, Freud explicou que a felicidade “... vem da (preferivelmente repentina)
satisfação de necessidades represadas até um alto grau e, por sua natureza, é possível como
fenômeno episódico”. (BAUMAN,1998,p.10)
36
organizam as visões de mundo e legitimam os modos de distribuição de poder
verificados no primeiro espaço. É nesse segundo espaço (espaço das
representações) onde se desenvolve uma luta simbólica para impor as categorias
que legitimam ou deslegitimam a distribuição de poder sobre o território e seus
“recursos”. Nesse espaço acontecem as disputas entre as distintas formas sociais de
apropriação do território, mediadas pela afirmação de seus respectivos caracteres
“competitivo”, “sustentável”, “compatível com a vocação do meio”, “ambientalmente
benigno” etc. Como exemplo de legitimação de processos sociais por intermédio de
formações discursivas, no espaço social que contextualiza essa Tese, estão em
disputa os critérios hegemônicos do que seja, “desenvolvimento”, “sustentabilidade”,
“ação social”, “produtividade”, “competitividade” que tendem a legitimar as práticas
empresariais que se dizem responsáveis pela vantagem comparativa do Brasil,
referindo-se à atividade de plantação de eucaliptos para a exportação de celulose.
Como tais categorias estão valorizadas na lógica econômica dominante, a produção
do eucalipto e a expansão da sua área para exportação são apresentadas como
legítimas.
O conceito de sustentabilidade é chave na discussão que se
faz nessa Tese, uma vez que é essencialmente aquilo que a
representação de determinado conjunto de empresas inclui como
novidade na retórica que adota no debate ambiental. Dessa maneira,
esses agentes revestem de nova qualidade o tradicional conceito de
desenvolvimento, que vem sendo criticado como responsável por
problemas sociais e ambientais por diversas vertentes dos movimentos
sociais. Frente a esta resignificação do desenvolvimento, somos
levados a questionar sobre os efeitos desta produção discursiva. O que
nos interessa nesse ponto é o modo de operação deste discurso na luta
social; nessas circunstâncias, a teoria dos sistemas simbólicos de
Bourdieu é o caminho que seguimos em nossa problematização.
Quanto ao poder da linguagem na perspectiva de Bourdieu
(2000), o que faz com que as palavras possam agir e ter uma eficácia,
produzir efeitos são as disposições e as crenças. Para dar conta da
ação, da eficácia da linguagem que se dá à distância, sem contato
físico, é preciso reconstruir todo o espaço social em que são geradas
as disposições e as crenças que tornam possível a eficácia mágica. O
37
discurso, seja qual for, é uma competência técnica e social (ao mesmo
tempo a capacidade de falar e a capacidade de falar de certa maneira,
socialmente marcada). As relações de comunicação são também
relações de poder. Segundo Bourdieu (2000, p.61), ou falamos da
linguagem como se ela só tivesse a função de comunicar, ou tratamos
de procurar nas palavras o princípio do poder que se exerce através
delas. As palavras fazem ver, fazem crer, fazem agir. Mas dependem
das condições sociais que tornam possível a sua eficácia. O poder das
palavras só se exerce sobre aqueles que estão dispostos a ouvi-las e a
escutá-las, em suma, a crer nelas. É assim que as palavras ajudam a
fazer o mundo social. Segundo o autor citado, usar uma palavra no
lugar de outra é mudar a visão do mundo social e, com isso, contribuir
para transformá-lo. As trocas lingüísticas são relações de força entre o
emissor e o receptor.
[...] Onde se uma mera relação de comunicação mediada por um
código, parece-me que também uma relação de poder, na qual o
emissor dotado de uma autoridade social mais ou menos reconhecida
dirige-se a um receptor que reconhece mais ou menos essa autoridade.
(BOURDIEU, 2000, p.23)
Nessa concepção, uma parte bastante considerável do que se passa na
comunicação lingüística, o conteúdo mesmo da mensagem, permanece ininteligível
enquanto não levamos em conta essa estrutura de poder. No mundo social,
conforme o autor, cada um persegue não apenas a imposição de uma
representação vantajosa de si, mas disputa o poder de impor como legítimos os
princípios de construção da realidade social mais favoráveis ao seu ser social e à
acumulação de um capital simbólico de reconhecimento (Bourdieu, 2001, p.228).
O capital simbólico, conforme Bourdieu (1996:149), é qualquer tipo de
capital (econômico, cultural, escolar ou social) percebido de acordo com as
categorias de percepção, princípios de visão e de divisão, esquemas classificatórios
e cognitivos que são, em parte, produto da incorporação das estruturas objetivas do
campo considerado, isto é, da estrutura de distribuição do capital no campo
considerado. Todo tipo de capital (econômico, cultural, social) tende (em graus
diferentes) a funcionar como capital simbólico (de modo que talvez valesse a pena
falar, a rigor, em contrapartidas simbólicas do capital). Em outros termos, o capital
38
simbólico (por exemplo, a honra masculina das sociedades
mediterrâneas, a honorabilidade do notável ou do mandarim chinês, o
prestígio do escritor renomado etc.) não constitui uma espécie
particular de capital, mas justamente aquilo em que se transforma
qualquer espécie de capital quando é reconhecida enquanto capital, ou
seja, enquanto força, poder ou capacidade de exploração (atual ou
potencial), portanto reconhecida como legítima. (Bourdieu, 2001,
p.295). Trata-se de uma propriedade qualquer força física, riqueza,
valor guerreiro que, percebida pelos agentes sociais dotados das
categorias de percepção e de avaliação que lhes permitem percebê-la,
conhecê-la e reconhecê-la, torna-se simbolicamente eficiente, como
uma verdadeira força mágica: uma propriedade que, por responder às
expectativas coletivas, socialmente construídas, em relação às
crenças, exerce uma espécie de ação à distância, sem contato físico.
Ao tratar da forma particular da eficácia do poder simbólico do
Estado nas relações sociais como relações de força, de sentido e de
comunicação, Bourdieu (1996, p.114) sugere que as relações de força
mais brutais são, ao mesmo tempo, relações simbólicas... E
complementa afirmando que a violência simbólica é aquela capaz de
extorquir submissões que sequer são percebidas como tais, apoiando-se
em expectativas coletivas, em crenças socialmente inculcadas.
2.3 DISCURSO E IDEOLOGIA
Como já foi dito acima, no espaço das representações, onde se desenvolve
a luta simbólica, acontecem as disputas de legitimidade entre as distintas formas
sociais de apropriação do território pela afirmação de seus respectivos caracteres
tidos por desejáveis - “competitivo”, “sustentável”, “compatível com a vocação do
meio”, “ambientalmente benigno” etc., - construídos por meio da linguagem. Na
perspectiva da linguagem como ação capaz de produzir implicações no mundo
social analisamos o discurso ambiental empresarial por intermédio de elementos da
teoria social do discurso de Fairclough (2001), na qual toma-se o termo discurso
num sentido mais estreito, como “uso de linguagem”, parole (fala) ou desempenho e
não no sentido dado pelos lingüistas da tradição saussureana, que considera que
39
qualquer estudo da língua deve ser um estudo do próprio sistema e não de seu uso.
Essa posição é contestada pelos sociolingüístas que afirmam ser o uso da
linguagem moldado socialmente, sendo a variação no uso da linguagem sistemática
e acessível ao estudo científico. Isto é, a língua varia de acordo com a natureza da
relação entre os participantes em interações, o tipo de evento social e os propósitos
sociais das pessoas na interação. Assim, os agentes usam a linguagem de forma
adequada à situação vivenciada. Quando estão num grupo de amigos íntimos usam
a linguagem apropriada que pode ser diferente da linguagem usada numa reunião
de trabalho. Para a teoria social do discurso, mesmo sendo um avanço em relação à
teoria saussureana, a perspectiva dos sociolingüístas tem também suas limitações,
pois enfatiza que a língua varia segundo fatores sociais, unilateralmente, excluindo a
possibilidade de o uso de linguagem contribuir para a constituição, reprodução e
mudança sociais.
A teoria social do discurso, ao usar o termo discurso, propõe
considerar o uso de linguagem como forma de prática social e não
como atividade puramente individual ou como reflexo de variáveis
situacionais, como nas teorias mencionadas acima. Isso tem várias
implicações: primeiro, implica que o discurso é um modo de ação, uma
forma pela qual as pessoas podem agir sobre o mundo e sobre os
outros, assim como é um modo de representação. Segundo, implica
uma relação dialética entre o discurso e a estrutura social. A estrutura
social é condição e efeito da prática social. Por um lado, o discurso é
moldado e restringido pela estrutura social no sentido mais amplo e em
todos os níveis: pela classe social e por outras relações em um nível
societário, pelas relações específicas em instituições particulares,
como o direito ou a educação, por sistemas de classificação, por várias
normas e convenções, tanto de natureza discursiva como não-
discursiva. Por outro lado, o discurso é socialmente constitutivo. Ele
contribui para a constituição de todas as dimensões da estrutura social
que, direta ou indiretamente, o moldam e o restringem: suas próprias
normas e convenções; relações; identidades; instituições que lhes são
subjacentes. O discurso é uma prática, não apenas de representação
do mundo, mas de significação do mundo, constituindo e construindo o
mundo em significado. Podemos, a este propósito, distinguir três
40
aspectos dos efeitos construtivos do discurso. Primeiro, o discurso
contribui para a construção de identidades sociais, posições de sujeito,
sujeitos e tipos de eu, conforme sustenta Foucault (1972), na sua
explicação sobre a formação discursiva de objetos, sujeitos e
conceitos. Segundo, o discurso contribui para construir as relações sociais.
Terceiro, o discurso contribui para a construção de sistemas de conhecimento e
crença. Esses três efeitos correspondem a três funções da linguagem e a dimensões
de sentido que coexistem e interagem em todo discurso: são as funções identitária -
os modos pelos quais as identidades são estabelecidas no discurso -, relacional -
como as relações sociais entre os participantes do discurso são representadas e
negociadas - e ideacional. - os modos pelos quais os textos significam o mundo e
seus processos, entidades e relações. A prática discursiva contribui, assim, tanto
para reproduzir a sociedade (para reproduzir identidades sociais, relações sociais,
sistemas de conhecimento e crença) como para transformá-la.
O trabalho de Foucault representa uma importante contribuição para uma
teoria social do discurso em áreas como a relação entre discurso e poder, a
construção discursiva de sujeitos sociais e do conhecimento e o funcionamento do
discurso na mudança social. Foucault preocupou-se de fato com as práticas
discursivas como constitutivas do conhecimento e com as condições de
transformação do conhecimento em uma ciência, associadas a uma formação
discursiva. Em algumas fases de seu trabalho ele estava preocupado com o discurso
das ciências humanas, como a medicina, a psiquiatria, a economia e a gramática.
Em seus últimos estudos chamados “genealógicos”, a ênfase de Foucault mudou
para as relações entre conhecimento e poder. E no trabalho dos últimos anos, a
preocupação foi com a ética ou “como o indivíduo deve constituir-se ele próprio
como um sujeito moral de suas próprias ações”. Em resumo, as principais
contribuições teóricas de Foucault para a teoria social do discurso são: uma visão
constitutiva do discurso, que envolve sua dimensão ativa, constituindo a sociedade
em várias dimensões - o discurso constitui os objetos de conhecimento, os sujeitos e
as formas sociais do ‘eu’, as relações sociais e as estruturas conceituais; uma
ênfase na interdependência das práticas discursivas de uma sociedade ou
instituição - os textos sempre recorrem a outros textos contemporâneos ou
historicamente anteriores e os transformam, assim como qualquer tipo de prática
41
discursiva é gerada a partir de outras e é definida pelas suas relações com outras
práticas discursivas.
Os aspectos que distanciam a análise de discurso de Fairclough (2001)
da obra de Foucault é que a teoria do primeiro está preocupada com qualquer tipo
de discurso conversação, discurso de sala de aula, discurso da mídia, e assim por
diante, sendo a linguagem falada ou escrita a parte central da análise que não o é
na de Foucault. Outro aspecto divergente apontado por Fairclough (2001) é que
“nem a tradição crítica na análise de discurso orientada lingüisticamente nem
Foucault lidam satisfatoriamente com o modo como o discurso contribui tanto para a
reprodução como para a transformação das sociedades”.
Segundo a teoria social do discurso, as análises da relação
entre discurso e estrutura social devem partir de uma perspectiva
dialética, considerando a prática e o evento contraditórios e em luta,
para evitar erros comuns tais como considerar que o discurso é mero
reflexo de uma realidade social, ao se dar ênfase indevida à
determinação do discurso pelas estruturas discursivas (códigos,
convenções, normas) e não-discursivas, ou ainda representar
idealizadamente o discurso como fonte do social - o erro mais perigoso,
conforme Fairclough (2001). A constituição discursiva da sociedade não
emana de um livre jogo de idéias nas cabeças das pessoas, mas de
uma prática social que está firmemente enraizada em estruturas
sociais, materiais, concretas, orientando-se para elas. Ou seja, a
prática social tem várias orientações econômica, política, cultural,
ideológica e o discurso pode estar implicado em todas elas. Por
exemplo, há várias maneiras em que se pode dizer que o discurso é um
modo de prática econômica: o discurso figura em proporções variáveis
como um constituinte da prática econômica de natureza basicamente
não-discursiva, como a construção de pontes ou a produção de
máquinas de lavar roupa, ou então figura como prática econômica de
natureza basicamente discursiva, como na bolsa de valores, no
jornalismo ou na produção de novelas.
O discurso é assim entendido como modalidade de prática política e
ideológica. O discurso como prática política estabelece, mantém e transforma as
relações de poder e as entidades coletivas (classes, blocos, comunidades, grupos)
42
entre as quais existem relações de poder. O discurso como prática ideológica
constitui, naturaliza, mantém e transforma os significados do mundo em posições
diversas nas relações de poder. A prática política e a ideológica o são
independentes uma da outra, pois a ideologia são os significados gerados em
relações de poder como dimensão do exercício do poder e da luta pelo poder.
Assim, a prática política é considerada a categoria superior. Além disso, o discurso
como prática política é não apenas um local de luta de poder, mas também um
marco delimitador na luta de poder: a prática discursiva recorre a convenções que
naturalizam relações de poder e ideologias particulares assim como as próprias
convenções - os modos em que se articulam são um foco de luta.
A teoria social do discurso utiliza o conceito de hegemonia de Gramsci
para a conceituação e a investigação das dimensões políticas e ideológicas da
prática discursiva. Em lugar de dizer que tipos de discurso particulares têm valores
políticos e ideológicos inerentes, diz-se que diferentes tipos de discurso, em
diferentes domínios ou ambientes institucionais podem vir a ser “investidos” política
e ideologicamente de formas particulares. Na concepção estruturalista, há conjuntos
ou códigos (convenções e normas) bem definidos que são simplesmente
concretizados nos eventos discursivos, delineando-se variação sistemática em
comunidades de fala segundo conjuntos de variáveis sociais, incluindo o ambiente
(sala de aula, parque), tipos de atividades, propósito social (ensino, trabalho, teste) e
falante (professor/aluno). Os analistas de discurso franceses sugerem que o
interdiscurso, a complexa configuração interdependente de formações discursivas,
tem primazia sobre as partes; as propriedades que não são previsíveis das partes é
que constituem a entidade estrutural que subjaz aos eventos discursivos. Na teoria
social do discurso, usa-se o termo foucaultiano “ordem de discurso” em que cada
elemento é parte de uma ordem. Os elementos podem não manter apenas relações
de complementaridade - supõe-se que a relação pode ser ou tornar-se contraditória.
Os limites entre os elementos podem ser linhas de tensão. Toma-se, por exemplo,
as diversas posições de sujeito de um indivíduo nos diferentes ambientes. Os
elementos referidos parecem corresponder a uma compreensão convencional de um
código ou registro inteiramente desenvolvido; a um bloco de variantes em níveis
diferentes com padrões fonológicos distintos, vocabulário, padrões gramaticais,
regras de tomada de turno, e assim por diante. As descrições de Foucault ressaltam
a imbricação mútua do discursivo e do não-discursivo nas condições estruturais da
43
prática discursiva. As ordens de discurso podem ser consideradas como facetas das
ordens sociais, cuja articulação e rearticulação interna têm a mesma natureza.
A teoria social do discurso coloca o foco no que torna o discurso
semelhante a outras formas de prática social, mas também no que torna a prática
discursiva especificamente tal (discursiva). A prática discursiva manifesta-se na
forma lingüística, texto (linguagem falada e escrita) e na forma de prática social
(política, ideológica, etc.) que é uma dimensão do evento discursivo, da mesma
forma que o texto. Essas duas dimensões são mediadas por uma terceira: o discurso
como prática discursiva (processos de produção, distribuição e consumo textual). A
prática discursiva é uma forma particular da prática social. Em alguns casos a prática
social pode ser inteiramente constituída pela prática discursiva, enquanto em outros
pode envolver uma mescla de prática discursiva e não-discursiva. A análise de um
discurso particular como exemplo de prática discursiva deve focalizar os processos
de produção, distribuição e consumo textual. Todos esses processos são sociais e
exigem referência aos ambientes econômicos, políticos e institucionais particulares
nos quais o discurso é gerado.
A referida teoria tenta compreender como os membros das comunidades
sociais produzem seus mundos ordenados ou explicáveis; entretanto enfatiza que,
ao produzirem seu mundo, as práticas dos membros são moldadas por estruturas
sociais, relações de poder e pela natureza da prática social em que estão
envolvidos. Outro aspecto enfatizado é que a prática dos membros tem resultados e
efeitos sobre as estruturas sociais, as relações sociais e as lutas sociais. Enfatiza
também que os próprios procedimentos são heterogêneos e contraditórios e
contestados em lutas de natureza parcialmente discursiva. Na teoria social do
discurso, a parte que trata da análise textual é chamada “descrição” e a parte que
trata da análise da prática discursiva e da análise da prática social da qual o discurso
faz, parte pode ser chamada interpretação. Assim a teoria social do discurso é
composta de três partes: Texto, prática discursiva (produção, distribuição e
consumo) e prática social. O discurso como prática social, nessa perspectiva discute
o conceito de discurso em relação à ideologia e ao poder e situa o discurso em uma
concepção de poder como hegemonia e aborda uma concepção da evolução das
relações de poder como luta hegemônica. Recorre-se aqui às contribuições
clássicas de Althusser e Gramsci, que oferecem uma teoria rica para investigação do
44
discurso como forma de prática social, embora guardando importantes reservas,
especialmente no caso de Althusser.
Em relação à ideologia, as bases teóricas para a teoria social do discurso,
conforme Fairclough (2001) são três importantes asserções: a) A asserção de que
ela tem existência material nas práticas das instituições, que abre o caminho para
investigar as práticas discursivas como formas materiais de ideologia; b) A asserção
de que a ideologia “interpela os sujeitos”, que conduz à concepção de que um dos
mais significativos “efeitos ideológicos” que os lingüistas ignoram no discurso é a
constituição dos sujeitos; c) A asserção de que os “aparelhos ideológicos de estado
(instituições tais como a educação ou a mídia) são ambos locais e marcos
delimitadores na luta de classe, que apontam para a luta no discurso e subjacente a
ele como foco para uma análise de discurso orientada ideologicamente. Esse autor
aponta as seguintes limitações da teoria de Althusser: contém uma contradição não
resolvida entre uma visão de dominação que é imposição unilateral e reprodução de
uma ideologia dominante, em que a ideologia figura como um cimento social
universal e considera os aparelhos como local e marco delimitador de uma constante
luta de classe cujo resultado está sempre em equilíbrio. Para Fairclough (2001) as
ideologias são significações/construções da realidade em várias dimensões das
formas/sentidos das práticas discursivas e que contribuem para a produção, a
reprodução ou a transformação das relações de dominação. “Determinados usos da
linguagem e de outras “formas simbólicas” são ideológicos, isto é, os que servem,
em circunstâncias específicas, para estabelecer ou manter relações de dominação.
As ideologias embutidas nas práticas discursivas são muito eficazes quando se
tornam naturalizadas e atingem o status de “senso comum” (FAIRCLOUGH, 2001,
p.117).
A teoria social do discurso aponta para a luta ideológica como dimensão
da prática discursiva, uma luta para remoldar as práticas discursivas e as ideologias
nelas construídas no contexto de reestruturação ou da transformação das relações
de dominação. A ideologia é tanto uma propriedade de estruturas como uma
propriedade dos eventos. O problema-chave é encontrar uma explicação satisfatória
da dialética de estruturas e eventos. Uma explicação mostra que os eventos são
restringidos por convenções sociais ou que os eventos são meras reprodução das
estruturas (e não possibilidade de transformações). Outra, explica que a ideologia
está localizada no evento discursivo, como processo, transformação, fluidez, mas
45
isso pode conduzir a uma ilusão de que o discurso corresponde a processos livres
de formação. Outra explicação diz que as ideologias estão nos textos. Mas, não é
possível “ler” as ideologias nos textos por que os sentidos são produzidos por meio
de interpretações dos textos e os textos estão abertos a diversas interpretações que
podem diferir em sua importância ideológica. A teoria social do discurso prefere a
concepção de que a ideologia está localizada tanto nas estruturas (isto é, nas
ordens de discurso) como nos próprios eventos. Tanto nas estruturas, isto é, ordens
de discurso que constituem o resultado de eventos passados, como nas condições
para os eventos atuais. É uma orientação acumulada e naturalizada que é
construída nas normas e nas convenções, como também num trabalho de
naturalização e desnaturalização de tais orientações nos eventos discursivos.
Outra questão importante sobre a ideologia diz respeito aos aspectos ou
níveis do texto e do discurso que podem ser investidos ideologicamente. Uma
alegação comum é que são os sentidos, especialmente os sentidos das palavras,
que são ideológicos. Mas também o são outros aspectos semânticos, tais como as
pressuposições, as metáforas e a coerência. Por exemplo, as convenções de
polidez que operam entre secretária e patrão implicam pressupostos ideológicos
sobre as identidades sociais e as relações sociais.
A teoria social do discurso faz uma crítica à teoria althusseriana quando
esta subestima a capacidade dos sujeitos agirem individual ou coletivamente como
agentes a mesmo no compromisso com a crítica e na oposição às práticas
ideológicas. Adotando a posição dialética na teoria social do discurso os sujeitos são
posicionados ideologicamente, mas são também capazes de agir criativamente no
sentido de realizar suas próprias conexões entre as diversas práticas e ideologias a
que são expostos e de reestruturar as práticas e as estruturas posicionadoras. O
equilíbrio entre o sujeito “efeito” ideológico e o sujeito agente ativo é uma variável
que depende das condições sociais, tal como a estabilidade relativa das relações de
dominação. Para a teoria social do discurso nem todo discurso é irremediavelmente
ideológico. As práticas discursivas são investidas ideologicamente à medida que
incorporam significações que contribuem para manter ou reestruturar as relações de
poder. Assim não é aceita a concepção de “ideologia em geral” como forma de
cimento social que é inseparável da própria sociedade.
O conceito de hegemonia gramsciano harmoniza-se com a concepção de
discurso defendida na teoria social do discurso e fornece um modo de teorização da
46
mudança em relação à evolução das relações de poder que permite um foco
particular sobre a mudança discursiva, mas ao mesmo tempo um modo de
considerá-la em termos de sua contribuição aos processos mais amplos de mudança
e de seu amoldamento por tais processos. Hegemonia é liderança, tanto quanto
dominação nos campos econômico, político, cultural e ideológico de uma sociedade.
Hegemonia é o poder nunca atingido de uma das classes sobre a sociedade como
um todo. Hegemonia é a construção de alianças e a integração muito mais do que
simplesmente a dominação de classes subalternas, mediante concessões ou meios
ideológicos para ganhar seu consentimento. Hegemonia é um foco de constante luta
sobre pontos de maior instabilidade entre classes e blocos para construir, manter ou
romper alianças e relações de dominação/subordinação, que assume formas
econômicas, políticas e ideológicas. em Gramsci uma concepção de sujeitos
estruturados por diversas ideologias implícitas em sua prática que lhes atribui um
caráter estranhamente composto e uma visão de senso comum tanto como
repositório dos diversos efeitos de lutas ideológicas passadas, como alvo constante
para a reestruturação nas lutas atuais. Além disso, Gramsci concebia “o campo das
ideologias em termos de correntes ou formações conflitantes, sobrepostas ou
cruzadas” a que se referiu como um complexo ideológico. Isso sugere um foco sobre
os processos por meio dos quais os complexos ideológicos o estruturados e
reestruturados, articulados e rearticulados. A concepção de luta hegemônica
gramsciana em termos de articulação, desarticulação e rearticulação de elementos
está em harmonia com a concepção dialética da relação entre as estruturas e
eventos discursivos da teoria social do discurso. Adotando-se uma concepção de
texto que se centra sobre sua intertextualidade, pode-se considerar uma ordem de
discurso como a faceta discursiva do equilíbrio contraditório e instável que constitui
uma hegemonia, e a articulação e a rearticulação de ordens de discurso são um
marco delimitador na luta hegemônica.
A prática discursiva, a produção, a distribuição e o consumo (como
também a interpretação) de textos são uma faceta da luta hegemônica que contribui
em graus variados para a reprodução ou a transformação não apenas da ordem de
discurso existente, mas também das relações sociais e assimétricas existentes. O
discurso político de Thatcher configurou uma rearticulação da ordem discursiva
política existente que reuniu os discursos conservador tradicional, neoliberal e
populista em uma nova mescla e também constituiu um discurso de poder político
47
sem precedentes para uma mulher, exemplifica Fairclough (2001). Por outro lado a
rearticulação das ordens de discurso é obtida não apenas na prática discursiva
produtiva, mas também na interpretação quando a compreensão de sentidos nos
textos do agente requer intérpretes que sejam capazes de estabelecer conexões
coerentes entre seus elementos heterogêneos, e parte do projeto hegemônico é a
constituição de sujeitos intérpretes para quem tais conexões são naturais e
automáticas.
A maior parte do discurso se sustenta na luta hegemônica em instituições
particulares como a família, escolas, tribunais de justiça, etc. Os protagonistas não
são classes ou forças políticas ligadas de forma relativamente direta a classes ou a
blocos, mas professores e alunos, a polícia e o blico ou mulheres e homens. Em
tais casos, a hegemonia também fornece tanto um modelo como uma matriz. Na
educação os grupos dominantes parecem exercer poder mediante a constituição de
alianças, integrando e não simplesmente dominando os grupos subalternos,
ganhando seu consentimento, obtendo um equilíbrio precário que pode ser
enfraquecido por outros grupos; e fazem isso, em parte, por meio de discurso e
mediante a constituição de ordens discursivas locais, fornecendo, desse modo, o
modelo. A obtenção de hegemonia em um nível societário requer um grau de
integração de instituições locais e semi-autônomas e de relações de poder, de tal
modo que as últimas sejam parcialmente moldadas por relações hegemônicas e
lutas locais possam ser interpretadas como lutas hegemônicas.
Embora a hegemonia pareça ser a forma organizacional de poder
predominante na sociedade contemporânea, não é a única, diz Fairclough (2001,
p.125). A dominação em sua forma anterior era mais evidente pela imposição
inflexível de regras, normas e convenções, entendida como um modelo “código” de
discurso que considera o discurso em termos da concretização de códigos com
molduras e classificações fortes e uma prática normativa altamente arregimentada.
Tal modelo contrasta com o modelo de “articulação” de discurso descrito
anteriormente, que corresponde à forma organizacional hegemônica. Por outro lado,
autores do pós-modernismo sugerem uma forma organizacional emergente de poder
que é bastante difícil de apontar, mas que representa uma outra mudança na
orientação institucional associada a uma descentralização de poder explicitada,
parecendo ligar-se a um modelo do tipo “mosaico” de discurso que caracteriza a
prática discursiva como uma constante rearticulação de elementos minimamente
48
restringidos. A prática discursiva que parece adequar-se a este modelo é
denominada pós-moderna e o exemplo mais claro é a publicidade (FAIRCLOUGH,
2001,p.126).
Em resumo, o conceito de hegemonia contribui para a teoria
social do discurso fornecendo tanto uma matriz como um modelo. Como
matriz, tem-se uma forma de analisar a prática social à qual pertence o
discurso em termos de relações de poder, isto é, se essas relações de
poder reproduzem, reestruturam ou desafiam as hegemonias
existentes. Como um modelo, tem-se uma forma de analisar a própria
prática discursiva como um modo de luta hegemônica, que reproduz,
reestrutura ou desafia as ordens de discurso existentes. Uma vez que
as hegemonias têm dimensões ideológicas, tem-se também uma forma
de avaliar o investimento ideológico das práticas discursivas.
A teoria social do discurso busca focar a mudança discursiva
em relação à mudança social e cultural, tendo como justificativa teórica
o funcionamento do discurso na vida social contemporânea. Por um
lado, afirma que é necessário entender os processos de mudança como
ocorrem nos eventos discursivos. Por outro lado, afirma que é
necessária uma orientação relativa à maneira como os processos de
rearticulação afetam as ordens de discurso. As origens e as motivações
imediatas da mudança no evento discursivo repousam na
problematizarão das convenções para os produtores ou intérpretes que
pode ocorrer de várias formas. Por exemplo, entre homens e mulheres
a problematização tem suas bases nas contradições entre as posições
de sujeitos tradicionais e as novas relações de gênero. No plano do
discurso político, a problematização surge nas circunstâncias em que
se tornam aparentes as contradições entre as práticas discursivas
tradicionais e um mundo em mudança. Nessas circunstâncias os
agentes tentam enfrentar o dilema sendo inovadores ou criativos,
buscando adaptar as convenções existentes de novas maneiras e assim
contribuir para a mudança discursiva. A intertextualidade e, portanto, a
historicidade inerente à produção e à interpretação textual constituem a
criatividade como opção. A mudança envolve formas de transgressão, o
cruzamento de fronteiras, tais como a reunião de convenções
49
existentes em novas combinações, ou a sua exploração em situações
que geralmente as proíbem. À medida que uma tendência particular de
mudança discursiva se estabelece e se torna solidificada em uma nova
convenção emergente, o que é percebido pelos intérpretes num
primeiro momento como textos estilisticamente contraditórios, perde o
efeito de colcha de retalhos, passando a ser considerado inteiro. Tal
processo de naturalização é essencial para estabelecer novas
hegemonias na esfera do discurso.
A teoria social do discurso estuda também a mudança em
progresso nas ordens de discurso, tentando identificar tendências abrangentes de
mudança discursiva que afetam a ordem societária de discurso relacionando-as às
direções mais gerais de mudança social e cultural. Para tanto discute três tendências
principais “democratização”, “comodificação” e “tecnologização” do discurso. Por
democratização do discurso entende-se a retirada de desigualdades e assimetrias
dos direitos, das obrigações e do prestígio discursivo e lingüístico dos grupos de
pessoas. cinco áreas de democratização discursiva: relações entre línguas e
dialetos sociais; acesso a tipos de discurso de prestígio; eliminação de marcadores
explícitos de poder em tipos de discurso institucionais com relações desiguais de
poder; tendência à informalidade das línguas; mudanças nas práticas referentes ao
gênero na linguagem.
Por comodificação entende-se o processo pelo qual os
domínios e as instituições sociais são organizados e definidos em
termos de produção, distribuição e consumo de mercadorias, mesmo
naqueles domínios e instituições cujos propósitos não sejam a
produção de mercadorias. É assim que as pessoas são vistas como
mercadorias e no discurso educacional, os programas e cursos acabam
sendo tratados como produtos que devem ser comercializados aos
clientes. A tecnologização é uma tendência ao controle sobre partes
cada vez maiores da vida das pessoas. Trata-se da colonização do
mundo da vida pelos sistemas do Estado e da economia, conforme
Habermas (apud Fairclough, 2001, p. 264). Para Foucault (apud
Fairclough, 2001,p. 264) seriam as tecnologias e as técnicas que estão
a serviço do biopoder moderno.
50
A fragmentação relativa de normas e convenções discursivas
afeta uma série de instituições e domínios. A fragmentação é um certo
colapso, uma perda de eficácia, de ordens de discurso mais locais que
as fazem permeáveis às tendências gerais. A fragmentação das ordens
de discurso locais tenderia a ser uma condição para a tecnologização
crescente do discurso, no sentido de que a permeabilidade maior das
ordens de discurso locais inclui a abertura a processos de
tecnologização de fora. O paradoxo é que a fragmentação parece ser
um relaxamento do regulamento da prática discursiva, enquanto a
tecnologização parece ser uma intensificação disso.
O efeito das tendências freqüentemente vem por meio da
colonização pelas principais tecnologias discursivas a publicidade, a
entrevista e o aconselhamento e por meio do treinamento dessas
tecnologias como habilidades descontextualizadas. A prática
discursiva pode tender para a colonização unilinear, a luta
hegemônica ou afragmentação. A colonização unilinear implica um
modelo de código da prática discursiva que pressupõe uma ordem de
discurso local estável e convenções naturalizadas que são
normativamente exemplificadas na prática: a prática é simplesmente
seguir as normas. A luta hegemônica implica uma visão da prática
discursiva como articulação: a desarticulação de configurações
existentes de tipos e elementos de discurso e a rearticulação de novas
configurações, dando proeminência à interdiscursividade e à
intertextualidade. A fragmentação é a tendência da prática discursiva
para um modelo mosaico ou talvez negociado. A imagem de
mosaico enfatiza o espaço resultado do jogo criativo ao combinar os
elementos do discurso de novas formas. A imagem de negociação
enfatiza que onde as convenções não podem mais ser consideradas
como dadas, há uma necessidade de os agentes negociarem (quase
sempre implicitamente) a quais elementos do discurso deve-se
recorrer.
51
2.4 DISCURSO NA SOCIOLOGIA AMBIENTAL
Conforme Vinha (2003, p.182), no Brasil a confiança do público em geral
na auto-regulação empresarial é baixa, como comprovou uma pesquisa patrocinada
pelo Instituto Ethos. Conforme tal pesquisa, o Estado ainda é visto como o principal
regulador. Diante desse resultado, o empresariado, diz a autora, não poderia ficar
“paralisado diante da burocracia ou do poder de pressão dos movimentos sociais e
ambientalistas raivosos”. Assim, o projeto empresarial teria mudado para “vencer
pela força dos argumentos, mais do que pela virulência dos métodos”.
Essas afirmações nos relembram a importância, no momento atual, do
discurso empresarial ambientalizado como estratégia empresarial e como objeto de
pesquisa em busca de compreender os efeitos do mesmo no mundo social.
Os processos de comunicação, processamento discursivo, orientação
normativa, empreendimento moral, são os instrumentos através dos quais os
antagonismos do debate ambiental o formados e transformados. A retórica e a
linguagem simbólica têm sido defendidas por Hannigan (1995) como importantes
nos espaços onde acontecem as reivindicações ambientais. Segundo esse autor, a
Sociologia Ambiental tenta compreender a forma como as reivindicações ambientais
são formuladas, legitimadas e contestadas. Ele discute o processo de criação de
“exigências” no âmbito de uma estrutura mais ampla de formulação - que requer
análise da estrutura e da interação simbólica e propõe um “regresso” às “questões
sociológicas clássicas” da percepção e do poder.
Esta concepção representa uma mudança em relação à abordagem
corrente dos problemas sociais. Na abordagem funcionalista, toma-se por certa a
existência de problemas sociais (crime, divórcio, doenças mentais), os quais são
produtos diretos das condições objetivas prontamente identificáveis, distintas e
visíveis. Essa abordagem teria dominado a sociologia dos problemas sociais aa
publicação de um artigo que argumenta que os problemas sociais não seriam
condições estáticas, mas “seqüências de acontecimentos” que se desenvolvem com
base nas definições coletivas. Nessa teoria, seus autores definiram os problemas
sociais como “as atividades de grupos que fazem asserções de agravos e
reivindicações às organizações, agências e instituições sobre algumas condições
aceitáveis.”(Spector e Kitsuse, apud HANNIGAN, 1995,p.48). Os analistas dos
problemas sociais, nessa concepção devem centrar-se na forma como este
52
problema é “gerado e sustentado pelas atividades de grupos de reclamação e
respostas institucionais a elas”. Spector e Kitsuse (apud HANNIGAN, 1995, p.48).
Conforme Hannigan,desde 1973 a Sociologia Ambiental tem se orientado para o
“âmago da teorização dos problemas sociais”. A preocupação dessa análise
denominada de construcionista é com a forma como as pessoas determinam o
significado do seu mundo. Nessa sentido, citam-se diversas perspectivas de análise
da questão. Freudenburg e Pastor (apud HANNIGAN,1995,p.56) buscam realçar as
lutas políticas e discursivas inseridas nos riscos tecnológicos. Buttel e Taylor (apud
HANNIGAN,1995,p.56) conferem mais atenção à construção social do conhecimento
ambiental, uma vez que a “construção global das questões ambientais é uma
questão de construção social e políticas de conhecimento da produção”. Capek
(apud HANNIGAN,1995,p.56) explica a emergência de uma estrutura de “justiça
ambiental” e o seu poder mobilizador nas lutas comunitárias. Yearley (apud
HANNIGAN,1995,p.56) examinou o aumento da “consciência ambiental” e a sua
ação ao longo dos dois últimos decênios.
A conceituação do conhecimento e dos riscos ambientais e o relativo êxito
destas construções, nessa abordagem, são impelidas e canalizadas para as
estruturas existentes do poder econômico e político. A forma como isso acontece
depende de fatores que se relacionam com a cultura e o conhecimento. A
preocupação se condensa na questão formulada por Benton e Redclift (apud
HANNIGAN,1995,p.57): “Quais são os processos de comunicação, processamento
discursivo, orientação normativa, empreendimento moral, através dos quais os
antagonismos do debate ambiental o formados e transformados?”. As críticas que
se fizeram a essa perspectiva recaem sobre o risco dessa abordagem negar a
existência danosa de problemas graves da vida real.
Em resumo, a abordagem da Sociologia Ambiental construcionista de
Hannigan fundamenta-se na compreensão de como as alegações o reunidas,
apresentadas e contestadas. O papel do sociólogo ambiental “não deverá situar-se
na procura de um novo modelo ardiloso que liga, numa relação de causalidade, a
quebra do ecossistema com as variáveis sociais, mas num regresso às questões
sociológicas clássicas da percepção e do poder”. Assim, a investigação do meio
ambiente, do ponto de vista de uma perspectiva social construcionista, deverá
realçar mais explicitamente as relações de poder, a retórica e a linguagem simbólica,
uma vez que os instrumentos e estratégias retóricas são importantes na ligação dos
53
mecanismos entre as diferentes arenas através das quais as reivindicações
ambientais circulam.
2.5 DESENVOLVIMENTO, SUSTENTABILIDADE: A INTERTEXTUALIDADE
A intertextualidade é a propriedade que têm os textos (ou enunciados) de
conterem fragmentos de outros textos, que podem ser delimitados explicitamente ou
mesclados e que o texto em questão pode assimilar, contradizer, ecoar
ironicamente, e assim por diante. Os textos são moldados por enunciados anteriores
aos quais eles estão respondendo e por textos subseqüentes que eles antecipam.
Cada enunciado, tanto na forma oral quanto na escrita, é um elo na cadeia da
comunicação. A intertextualidade implica a inserção da história em um texto;
significa que o texto absorve e é construído por textos do passado artefatos que
constituem a história; significa ainda que cada texto responde, reacentua e
retrabalha textos passados que concorrem para fazer a história. Na abordagem de
Fairclough (2001, p.134), na teoria social do discurso, os textos (ou enunciados)
desempenham papéis centrais na sociedade em função da historicidade inerente
aos mesmos, ou seja, à maneira como eles sempre constituem acréscimos às
cadeias de comunicação verbal existentes.
O conceito de intertextualidade é relevante para a teoria social do
discurso em relação a seu foco sobre o discurso na mudança social. Conforme
Foucault (1972, p.88) “não pode haver enunciados que de uma maneira ou de outra
não reatualizem outros”. Segundo Fairclough (2001), o termo intertextualidade teria
sido cunhado por Kristeva, no contexto de seu trabalho de apresentação do
pensamento de Bakhtin, que tinha como tema central o desenvolvimento de uma
abordagem intertextual para a análise de textos. Bakhtin apontou a omissão da
lingüística quanto às funções comunicativas da linguagem e quanto ao modo como
os textos e os enunciados são moldados por textos anteriores aos quais eles estão
“respondendo” e por textos subseqüentes que eles antecipam
8
. “Cada enunciado é
um elo na cadeia da comunicação” (Bakhtin, apud FAIRCLOUGH, 2001). Assim, os
8
Conforme Fairclough (2001) para Bakhtin todos os enunciados são demarcados por uma mudança
de falante e são orientados retrospectivamente para enunciados de falantes anteriores e
prospectivamente para enunciados antecipados de falantes seguintes (BAKHTIN, 1986, p. 89, apud
FAIRCLOUGH, 2001).
54
enunciados “textos” para a teoria social do discurso são inerentemente
intertextuais constituídos por elementos de outros textos.
A intertextualidade aponta para a produtividade dos textos,
para como os textos podem transformar textos anteriores e reestruturar
as convenções existentes (gêneros, discursos) para gerar novos textos.
Entretanto, essa possibilidade é socialmente limitada e restringida
conforme as relações de poder. A teoria da hegemonia combinada com
a intertextualidade pode possibilitar, por exemplo, o mapeamento das
possibilidades e limitações dos processos intertextuais dentro de
hegemonias particulares e estados de luta hegemônica. A
intertextualidade pode ser vista nas relações entre um texto e aqueles
que o precedem e com aqueles que o seguem na cadeia de textos.
Pode ser vista também entre textos ligados historicamente em várias
escalas temporais e também entre os que são contemporâneos. Além
dessas relações de textos com outros textos, tem-se as relações de
textos com as convenções (gêneros, discursos, estilos, tipos de
atividades). Outros textos podem estar manifestamente presentes no
texto sob análise, algumas vezes marcados ou sugeridos por traços na
superfície do mesmo, ou com as aspas, na denominada
intertextualidade manifesta. Na intertextualidade constitutiva tem-se
a configuração de convenções discursivas entrando na produção do
texto. Na teoria social do discurso, usa-se o termo interdiscursividade
para distinguir a intertextualidade constitutiva, quando é necessário
enfatizar que o foco está nas convenções discursivas e não em outros
textos.
Uma outra dimensão de análise importante é a que estabelece
relação entre intertextualidade e hegemonia. A produtividade dos textos, ou o modo
como os textos podem transformar textos anteriores e reestruturar as convenções
existentes para gerar novos textos é socialmente limitada conforme as relações de
poder prevalecentes. Em combinação com uma teoria de poder, a teoria da
intertextualidade pode ser útil para mapear as possibilidades e as limitações para os
processos intertextuais dentro de hegemonias particulares. Pode também conceituar
processos intertextuais de contestação e reestruturação de ordens de discurso como
luta hegemônica na esfera do discurso. Os textos o produzidos de formas
55
particulares em contextos sociais específicos, podendo conferir poder e hegemonia
aos agentes e suas práticas; dessa forma, alguns textos conduzem, modificam as
atitudes, as crenças ou as práticas das pessoas. Vale a propósito lembrar que nas
análises de discurso de Foucault, conforme Fairclough (2001,p.132), todo
enunciado, de uma maneira ou de outra reatualiza outros.
Seguindo essa linha de interpretação e considerando a perspectiva da
produção textual, que ênfase à historicidade dos textos, entendemos que o texto
“desenvolvimento sustentável” dialoga com a textualidade do “desenvolvimento”,
consistindo num acréscimo, que visa explicar como, sem alterações no modelo, as
nações e regiões poderiam alcançar um fim apresentado como desejável. Destacar
a relação de intertextualidade entre o desenvolvimento e a sustentabilidade é
importante porque evidencia, corroborando o pensamento de Carneiro (2003,p.19),
que a noção de desenvolvimento sustentável é uma inovação discursiva inscrita na
ideologia do desenvolvimento, que considera a existência de uma escala evolutiva
na qual os países capitalistas centrais estariam no topo. Apesar de não terem
realizado seu projeto em todas as partes do globo, sua ideologia permanece
orientando o discurso dos agentes. Nos termos de Carneiro (2003,p.19), “a ideologia
do desenvolvimento é a doxa
9
por excelência do sistema produtor de mercadorias”.
A noção de “desenvolvimento sustentável”, formulada por ambientalistas, teria sido
reformulada e assumida pelo Relatório Brundtland, no qual se “considera necessário
e possível compatibilizar o desenvolvimento econômico indefinido com a diminuição
contínua das desigualdades sociais e a preservação dos recursose equilíbrios
naturais”. No entanto, os nexos entre as práticas sociais de apropriação das
condições naturais e os fundamentos da sociedade capitalista são pontos de partida
para a crítica do autor da noção de “desenvolvimento sustentável” como ideologia de
legitimação do status quo.
Em suma, a interetextualidade aqui destacada permite evidenciar como a
noção “desenvolvimento sustentável” é uma expressão que re-elabora e re-habilita a
ideologia do desenvolvimento. Evidenciar a intertextualidade desse termo é uma
forma de explicar como a noção de desenvolvimento sustentável trata da re-
habilitação da ideologia do desenvolvimento como algo inexorável, a partir de então
9
A doxa é a universalização do ponto de vista de determinados agentes e seus respectivos
interesses e concepções, em resumo é uma ortodoxia que se universalizou, conforme Bourdieu
(1996:120) “Consenso tácito e inconsciente sobre um silêncio”, conforme Carneiro (2003).
56
poderia perdurar desde que incorporando a categoria “sustentabilidade”. Como
afirmou Carneiro (2003,p.23), “parece de todo impossível é realizar, na prática, a
abstrata contradição nos termos expressa na fórmula de um desenvolvimento
capitalista ecologicamente sustentável.”. Tratou-se, pois, de reunir os fragmentos de
uma noção de desenvolvimento cujo “texto” encontrava-se num movimento de perda
de legitimidade, reafirmando, na textualidade do Relatório Brundtland, a necessidade
do crescimento econômico - em nome, desta feita, dos imperativos do combate à
pobreza, e as virtualidades do progresso técnico meio pelo qual o industrialismo
sustenta poder prometer os ganhos de eficiência no uso dos recursos em matéria e
energia.
Assim é que a partir do momento em que o modelo dominante do
desenvolvimento passou a ser objeto de crítica, a proposta do desenvolvimento
sustentável surgiu como uma das respostas. Como sugerimos a partir da teoria
social do discurso, esse processo pode ser analisado no quadro da intertextualidade,
como uma interdependência verificada entre práticas discursivas. Nos termos de
Fairclough (2001), qualquer tipo de prática discursiva é gerada a partir de outras e é
definida por suas relações com outras práticas discursivas. Isso implica que o
discurso tem uma relação ativa com a realidade inclusive com outros discursos -,
que a linguagem significa a realidade no sentido da construção de significados para
ela, em vez de o discurso ter uma relação passiva com a realidade, com a linguagem
meramente se referindo aos objetos e desconsiderando outros discursos. Dessa
maneira a crescente perda de legitimidade da noção desenvolvimento é proposta
nesta Tese como uma realidade que se pretende interromper por intermédio da
emergência do discurso do desenvolvimento sustentável. Veremos a seguir como a
composição entre os dois termos que nos interessam foi vista no debate acadêmico.
Guimarães (2001,p.51) assinala que uma mudança no estilo
de desenvolvimento supõe reconhecer que as conseqüências
ecológicas do modo como a população utiliza os recursos do território
estão associadas ao padrão de relação estabelecido entre os próprios
seres humanos. Os problemas do meio ambiente estão, para esse
autor, vinculados aos problemas do desenvolvimento, já que os
primeiros são a simples expressão das falências de um determinado
estilo de desenvolvimento. Acselrad (2001,p.76) aponta dois processos
que caracterizaram a dimensão territorial do capitalismo brasileiro: a
57
concentração do poder de controle sobre os recursos do território nas
mãos de poucos agentes e a privatização do uso dos espaços
comunais. Os dois processos acarretaram lutas sociais e deram lugar a
críticas ao modo pelo qual se deu o desenvolvimento capitalista. Assim
é que alguns atores sociais
10
apontam no modelo de desenvolvimento
dominante a causa das incertezas do desemprego, da desproteção
social, da precarização do trabalho, e também da exposição a riscos
ambientais a que está sujeita a maioria da população brasileira, seja
nos locais de trabalho, de moradia ou no ambiente em que circula.
Dado padrão de distribuição prevalecente no modelo, os trabalhadores
estariam particularmente expostos aos riscos associados a usos
produtivos de substâncias perigosas, à falta de saneamento básico, a
moradias em encostas perigosas e em beiras de cursos d'água sujeitos
a enchentes, à proximidade de depósitos de lixo tóxico, vivendo sobre
gasodutos ou sob linhas de transmissão de eletricidade. Os grupos
sociais de menor renda, segundo este discurso, seriam os que têm
menor acesso ao ar puro, à água potável, ao saneamento básico e à
segurança fundiária. As dinâmicas políticas e econômicas seriam
responsáveis por um processo de exclusão territorial e social, que nas
cidades levaria à periferização de grande massa de trabalhadores e no
campo, por falta de expectativa em obter melhores condições de vida,
ao êxodo para os grandes centros urbanos. As populações tradicionais
de extrativistas e pequenos produtores, que vivem nas regiões da
fronteira de expansão das atividades capitalistas, sofreriam as
pressões do deslocamento compulsório de suas áreas de moradia e
trabalho, perdendo o acesso à terra, às matas e aos rios, sendo
expulsas por grandes projetos hidrelétricos, viários ou de exploração
mineral, madeireira e agropecuária. Ou então têm as suas atividades
de subsistência ameaçadas pela definição pouco democrática dos
limites e das condições de uso de unidades de conservação. Todas
estas situações refletiriam um mesmo processo: a concentração de
poder na apropriação dos recursos ambientais que caracteriza a
10
Por exemplo veja a Declaração de lançamento da Rede de Justiça Ambiental, Niterói, 2001.
http://www.justicaambiental.org.br/_justicaambiental/pagina.php?id=229. Acesso em 20-07-2006.
58
história do país. Uma concentração de poder que tem se revelado a
principal responsável pelo que os movimentos sociais vêm chamando
de injustiça ambiental. Entendemos por injustiça ambiental o
mecanismo pelo qual sociedades desiguais, do ponto de vista
econômico e social, destinam a maior carga dos danos ambientais do
desenvolvimento às populações de baixa renda, aos grupos raciais
discriminados, aos povos étnicos tradicionais, aos bairros operários, às
populações marginalizadas e vulneráveis. Segundo as organizações da
Rede, em resumo, uma injustiça ambiental resultaria da lógica
perversa de um sistema de produção, de ocupação do solo, de
apropriação de ecossistemas, de alocação espacial de processos
poluentes, que penaliza as condições de saúde da população
trabalhadora, moradora de bairros pobres e excluída pelos grandes
projetos de desenvolvimento. Uma lógica que manteria grandes
parcelas da população às margens da cidadania, sem água potável,
coleta adequada de lixo e tratamento de esgoto. Uma lógica que
permitiria que grandes empresas lucrem com a imposição de riscos
ambientais e sanitários aos grupos que, embora majoritários, por serem
pobres, têm menos poder de se fazer ouvir na sociedade e, sobretudo,
nas esferas do poder.
Considerada a amplitude de críticas como a que acima
relatamos, que se acumulavam desde meados dos anos 1960, a
atribuição de sustentabilidade ao desenvolvimento veio oferecer
respostas ao que foi chamado por seus promotores, como veremos a
seguir, as diferentes dimensões do desenvolvimento, a saber,
econômica, social e ambiental, procurando legitimar, em nome do
combate à pobreza, o crescimento econômico, e em nome da proteção
do meio ambiente, o progresso técnico.
A proposição originária e mais conhecida - da noção de
sustentabilidade é a da Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e
Desenvolvimento (Comissão Brundtland, 1987). O desenvolvimento
sustentável é aquele que satisfaz as necessidades das gerações atuais
sem comprometer a capacidade das gerações futuras de satisfazer
suas próprias necessidades.
59
A sustentabilidade do desenvolvimento é definida por
Guimarães como o fazer com que as atividades produtivas contribuam
efetivamente para o aperfeiçoamento das condições de vida da
população e protejam o patrimônio biogenético a ser transmitido ás
gerações futuras (GUIMARÃES,2001,p.49). Para Guimarães, embora
todos os atores concordem que o estilo atual está esgotado e é
insustentável, não apenas econômica e ambientalmente, mas
principalmente em termos de justiça social, a noção de
sustentabilidade introduz uma restrição ambiental no processo de
acumulação, sem com isso enfrentar os processos político-
institucionais que regulam a propriedade, o acesso e o uso dos
recursos naturais e dos serviços ambientais. O que temos observado
até agora são apenas transformações cosméticas que tendem a
esverdear o estilo atual, sem de fato viabilizar as mudanças com as
quais os governos representados na Eco-92
11
se comprometera
(GUIMARÃES, 2001,p.62). No plano discursivo porém, verificaremos,
que a cada formulação textual em que o projeto desenvolvimentista
ocidental foi questionado, a noção de desenvolvimento sustentável,
resultante de um investimento inter-governamental potente,
cuidadosamente construído ao longo de alguns anos de trabalho da
Comissão Brudtland, procurou oferecer respostas dialógicas,
prometendo que o novo projeto seria socialmente justo, ecologicamente
equilibrado e economicamente eficiente. Ou, nos termos de Wolfgang
Sachs, fazendo da sustentabilidade um atributo capaz de sustentar a
própria ideologia do desenvolvimento (SACHS, 1991). O
desenvolvimento seria objeto, assim, de uma luta cultural, no seio da
qual, se teria procurado introduzir nos países periféricos do
capitalismo, determinada cultura técnica e de consumo, associada à
difusão de relações de mercado, e que encontaria nas formas sociais
não-capitalistas de ocupação do território e utilização de seus recursos
alguns dos limites a superar.
11
A ECO-92, realizada no Rio de Janeiro, foi a segunda Conferência Mundial da ONU para o Meio
Ambiente.
60
2.6 DISCURSO DO ENCLAVE ECOLOGICAMENTE COMPROMETIDO
O relacionamento entre o setor público e o setor privado vem sendo abordado
por atores da academia, particularmente, na Economia, como um “poderoso
instrumento de política econômica” e como “espaço e ambiente institucional da
constituição de políticas públicas”. (VINHA, 1999, p.14). Para esses analistas, o caso
da Aracruz Celulose representa a “vanguarda” e o discurso adotado é o do “enclave
ecologicamente comprometido”.
Nesse campo, o enclave das indústrias de papel e celulose caracteriza-se
por ser uma atividade que distingue-se de tudo o que existe ao seu redor, sendo
atividades tidas por poluidoras e destrutivas do meio ambiente. Como estratégia, diz
Vinha (1999, p.16) introduz-se “características semi-públicas”, ou seja, busca-se
mostrar presença social nas regiões afetadas.
Tal interpretação o Estado como controlador dos instrumentos
regulatórios, mas, incapaz de atingir todos os espaços, pelo fato do país ser grande,
e incapaz também de dar conta da complexidade social e peculiaridades regionais.
Por essas razões são delegadas atribuições públicas para as empresas. Diz a autora
que a Aracruz Celulose compensou os prejuízos causados aos pequenos produtores
e à floresta nativa desenvolvendo programas sociais destinados aos seus
trabalhadores e à população carente alojada no entorno de sua área de influência.
São concepções que entendem as empresas como agentes do
desenvolvimento social, que defendem “o assistencialismo social e as ações
preservacionistas do ‘meio ambiente’ como sendo o resultado da “introdução de
características semi-públicas em empresas privadas” através da “internalização da
sustentabilidade ambiental como estratégia de negócios” (VINHA, 1999,p.18).
Assim é que Vinha sustenta que a implantação das empresas de
celulose e papel no sul da Bahia corresponderia a um novo padrão de
relacionamento entre o setor público e o setor privado, no qual a empresa foi
priorizada como agente de desenvolvimento econômico. Em resumo, tratar-se-ia, por
um lado, de um enclave, caracterizado por: a) apresentarem uma autonomia e lógica
próprias conferidas pela produção e exportação; b) suas plantas industriais serem de
grande porte e sua forma de exploração dos recursos naturais degradadora do meio
ambiente e potencialmente poluidora, dada a escala exigida pela produção; c) seus
61
impactos apresentarem maior visibilidade, sendo alvos privilegiados do movimento
ambientalista e das normas de regulação do comércio internacional
(VINHA,1999,p.19). E por ser um enclave, a implantação de um tal projeto industrial
em uma região não-industrializada resultaria conseqüentemente na introdução de
uma outra ordem social e econômica que alteraria profundamente as estruturas da
ordem tradicional, transformando-a em zona caótica (VINHA,1999, p.19). No
entanto, entende Vinha que, por outro lado, tratar-se-ía mais especificamente de um
“enclave ecologicamente comprometido” que hoje, ainda conforme a autora, poderia
representar “a vanguarda do setor empresarial na internalização da sustentabilidade
ambiental enquanto estratégia de negócios”. Por outro lado, por responder a dois
fatores: “a) a dinâmica concorrencial do mercado está envolta em aspectos não-
tipicamente mercadológicos, tornando essas empresas potencialmente capazes de
contribuir para o aperfeiçoamento do diálogo Estado/sociedade/setor produtivo; b)
por estarem neocorporativamente organizadas, estabelecendo relações estáveis, de
confiança e de cumplicidade com o Estado, podendo esta proximidade ser mais bem
explorada pelo movimento ambientalista e social para fazer avançar políticas sócio-
ambientais” (VINHA,1999, p.18). Este “neocorporativismo ecológico” resultaria, por
sua vez, na “introdução de características semi-públicas em empresas privadas.
Desse modo, o Estado é tido como necessitado da parceria das empresas para
cumprir o seu papel na sociedade. Conforme a autora as empresas:
[...] complementariam o Estado enfraquecido em sua capacidade e grau de
capilaridade para atingir todo o espaço da nossa imensa geografia, e dar
conta da pluralidade e complexidade dos tipos de arranjos sociais
fortemente marcados por peculiaridades regionais” (VINHA:1999:16).
Tal função se estaria expandindo, inclusive, “através da criação, por parte
do empresariado, de organizações não-governamentais e de institutos ou fundações
voltadas para a pesquisa, o assistencialismo social e ações para preservação do
meio ambiente. Evidência segundo a autora - de que o empresariado passou a
adotar modelos de organização que vinham sendo historicamente usados pelos
seus opositores” (VINHA,1999,p.19).
Tais observações levam Vinha a levantar como hipótese que
“estando desacreditadas ou pelo menos muito dificultadas - as reformas de maior
envergadura de natureza estrutural, o caminho que se apresenta mais viável,
mesmo não sendo o mais desejável para a formulação de políticas públicas de
62
sustentabilidade ambiental regionalmente aderentes, é o do neocorporativismo na
sua dimensão setorial, isto é, o meso-corporativismo” (VINHA,1999,p.18). Tais
observações são, de certo modo, convergentes com o próprio discurso empresarial
segundo o qual “a preocupação com as questões sociais sempre esteve entre as
prioridades da empresa, que promove e participa de programas diversos voltados ao
bem-estar dos empregados, parceiros e das comunidades situadas nas regiões onde
atua” (Aracruz Celulose e BNDES, 1999, p.7, apud BORGES, 2001).
Ou seja, conforme será mostrado ao longo desta Tese, o discurso
“ambientalizado” de auto-representação da empresa pretende, sim, mostrá-la como
portadora de uma vasta gama de qualidades morais e de respeito à alteridade, de
atenção a populações em situação de risco social, de propósitos de produção de
conhecimento e de construção paisagística, de cultivo de diversidade biológica e
reconstituição de florestas nativas, de recomposição de áreas que foram degradadas
por agentes ambientalmente irresponsáveis e promoção econômica e social das
populações locais, sustentando, ademais, ser a presença local da monocultura um
poderoso agente do desenvolvimento regional, capaz de fazer dos “solos
extremamente pobres” a “melhor área do mundo para o plantio comercial do
eucalipto”.
Isto posto, entretanto, três restrições fazemos às hipótese de
Vinha: 1) a excessiva confiança na pertinência explicativa do próprio
discurso das empresas, sem problematizá-lo suficientemente, caminho
que se afigura necessário para se escapar criticamente das armadilhas
de uma sociologia das motivações, apoiada na crença imediata nas
próprias intenções declaradas dos sujeitos; 2) uma incapacidade de
distinguir as práticas empresariais e as práticas estatais em sua
incomensurabilidade, mesmo quando ambas dediquem-se
eventualmente a fornecer bens coletivos como educação e saúde
12
. O
caráter público de tais bens só poderia ser assegurado quando
fornecido pelos poderes públicos, devidamente financiados pelos
impostos pagos pela sociedade, enquanto a oferta direta de unidades
12
A este propósito, afirma o próprio diretor da Aracruz, “a pobreza, as dificuldades e as grandes
carências acabam conduzindo a demandas indevidas sobre as empresas, por vezes atribuindo-se a
elas papéis que cabem ao Estado ou a outras organizações (...) em nenhuma hipótese as empresas
podem substituir o papel do Estado, sob pena de comprometimento de ambas as partes” (Kaufmann,
1997, apud ANDRADE, 2000,p.224)
63
destes bens por grandes empresas, mesmo que apresentada como
dimensão de sua responsabilidade social, não implica em nenhuma
desconexão lógica entre tal prática e os objetivos nucleares das
empresas a lucratividade, mesmo quando apoiada em iniciativas
socialmente benignas, associadas, por suposto, aos desígnios de sua
própria legitimação; 3) a pretensão expressa das empresas
contribuírem para o bem público fica mais problemática quando dizem
elas pretender proteger o meio ambiente, propósitos em si objeto de
disputa e contestação, ao sabermos que práticas ditas de
reflorestamento, por exemplo, apresentadas como forma de
preservação ambiental são, ao contrário, representadas do ponto de
vista de outros atores, como atentatórias a seus respectivos ambientes.
É por esta razão que Borges, por sua vez, procura escapar da
sociologia das motivações, reconhecendo que através dos programas
sociais da empresa a hegemonia do processo é da Aracruz, que detém
tanto o poder econômico quanto o político na região, sendo também ela
quem exerce influência, ou mesmo define quais os projetos que serão
desenvolvidos. Nesse sentido a empresa vai continuamente alargando
a sua territorialidade, econômica, social e política, decorrente da
diversidade dos públicos, das áreas de execução e dos programas
propriamente ditos (BORGES, 2001). Ou seja, através destes
programas, assim como da adesão a conceitos de sustentabilidade
construídos em consonância com seus interesses econômicos-sociais,
a empresa se aproxima dos princípios de um capitalismo esverdeado,
que considera que a resolução dos problemas sócio-ambientais passa
principalmente pelas soluções técnicas, enquanto no que diz respeito
às comunidades, o conceito é genérico e, portanto, não esclarece o que
a empresa pensa sobre o que é de fato respeito às comunidades
(BORGES,2001).
As hipóteses de Borges, de algum modo, convergem com as
conclusões da Tese de Andrade (2000) segundo a qual a Aracruz
parece ter apreendido, através da gestão de controvérsias sócio-
ambientais (...) que tanto o espaço técnico-econômico quanto o espaço
político-institucional são lócus de vantagem competitiva para a
64
empresa (ANDRADE,2000,p.323). Pois seguindo os preceitos do
CEBDS Conselho Empresarial para o Desenvolvimento Sustentável,
segundo o qual investir em responsabilidade social corporativa é
também investir na imagem da empresa, podendo significar um seguro´
contra o impacto de acusações de injustiça social e ambiental
(CEBDS apud ANDADE,2000,p.222), um alto dirigente da Aracruz
afirmava que a participação das empresas em movimentos que trarão
mudanças sociais só poderá ser eficaz e duradoura se esses
movimentos estiverem alinhados aos objetivos da corporação
(KAUFMANN, 1997 apud ANDRADE, 2000, p.224). Ou, nos termos de
outros altos dirigentes da empresa, as ações que visam manter os
clientes no exterior constantemente informados sobre as atividades da
empresa e suas práticas ambientais são parte integrante da estratégia
de construção e consolidação de uma boa imagem internacional
(ROXO e PADILHA, 1996 apud ANDRADE, 2000, p.227-228). Conclui
Andrade, assim, que:
[...] A Aracruz organizou e liderou um sistema de representação de
interesses através da provocação de discussões sobre os principais vetores
da demandas sócio-ambientais e do estabelecimento de posições coletivas
para desenvolver estratégias corporativas que visassem conquistar
legitimidade no espaço político-institucional e assegurar vantagens
competitivas duradouras no espaço técnico-econômico. (ANDRADE, 2000,
p.322).
É preciso reconhecer, porém, como o faz Borges, que “embora possa
ocorrer cooptação e subjugação das populações que são alvo dos projetos sociais
da Aracruz, pode haver também um certo consentimento da população a essas
iniciativas, porque de alguma forma resultam em algum benefício para ela. Nesse
caso a população pode, apesar de consciente do papel da empresa na região,
estabelecer com ela parcerias, obtendo assim benefícios” (BORGES, 2001). A
percepção por parte da população local de que parte dos programas sociais
empresariais lhes trazem benefícios diretos o seria mais do que a indicação de
que encontram-se ausentes ou insuficientemente assegurados nestas regiões os
serviços que são da obrigação dos poderes públicos como educação e saúde.
Admitir que, ante a ausência do Estado a prover direitos, o reconhecimento da
população pode chegar inclusive ao próprio consentimento com relação a práticas
65
empresariais de ordem técnica, locacional ou ambiental que, em outras
circunstâncias, poderiam ser consideradas danosas e prejudiciais para as próprias
populações locais, não quer dizer que a adoção de tais programas sociais fazem da
empresas entes “semi-públicos”. Ou que o fato do empresariado “passar a adotar
modelos de organização que vinham sendo historicamente usados pelos seus
opositores” seja um sinal de que tenha se instalado o consenso em torno à
benignidade social de todas as práticas empresariais.
Ao contrário, como se procurará demonstrar nesta Tese, tratam-se de
várias facetas dos esforços de neutralização da crítica. A crítica, afirmam Boltanski-
Chiapello (1999), denuncia um diferencial entre um estado de coisas real e um
estado de coisas desejável. Ela contribui, paradoxalmente, para a criação de um
“espírito do capitalismo” em cada época. O capitalismo, dizem estes autores, precisa
incorporar parte das críticas para reforçar seu “domínio”, ou seja, para garantir o
engajamento social no processo de acumulação. Em contrapartida, como afirmam os
próprios representantes do movimento de “ambientalização do discurso
empresarial”, através da neutralização da crítica, constitui-se um “seguro”
economicamente rentável contra o impacto das acusações de injustiça social e
ambiental (BOLTANSKI; CHIAPELLO, 1999).
66
3. DISCURSO E TERRITÓRIO: A EXPERIÊNCIA DO EXTREMO SUL DA BAHIA
Nesta parte, resumidamente apresentaremos um histórico das mudanças
ocorridas no território, de modo a contextualizar a introdução de práticas discursivas
inovadoras que vieram interferir nas dinâmicas locais. Quanto a estas práticas, se
focalizada em particular a emergência de um discurso empresarial ambientalizado
enunciado por porta-vozes de empreendimentos agroindustriais. Na observação
empírica, será dado destaque à empresa Veracel Celulose cujas atividades
concentram-se no Extremo Sul da Bahia, sendo as mesmas apresentadas por seus
representantes como compatíveis com a “preservação do meio ambiente” e com a
satisfação das demandas da população local. Serão analisados discursos referentes
a alguns projetos e programas de cunho “ambiental” e “social” desenvolvidos pela
empresa na região no período em que se deu a progressiva implantação de áreas
plantadas com eucalipto por iniciativa da empresa em questão
Também são apresentados discursos de alguns representantes de
grupos-alvo (“beneficiários”) e da sociedade civil local que travaram conhecimento
com tais programas, mesmo não estando diretamente envolvidos nos mesmos.
Conforme mencionado na introdução dessa Tese, o material empírico selecionado
constituiu-se de relatórios anuais, boletins, reportagens, documentos, originados na
prática discursiva da empresa portadora do discurso estudado e na prática
discursiva dos demais participantes do campo social estudado, bem como sobre
registros obtidos a partir da participação em seminários, encontros e fóruns de
iniciativa tanto da empresa quanto dos demais atores envolvidos nos processos
sociais.
67
3.1 DISCURSO E PRODUÇÃO DE CONFIGURAÇÕES ESPACIAIS
O território é formado, conforme Santos (2002), pelo conjunto
indissociável do substrato físico, natural ou artificial, e mais o seu uso. Ele não
deveria ser considerado, pois, apenas como um conjunto de formas naturais e
artificiais, juntamente com as pessoas, as instituições e as empresas que abriga. O
território deve ser considerado também em relação a suas divisões jurídico-políticas,
suas heranças históricas e seu atual conteúdo econômico, financeiro, fiscal e
normativo. É deste modo que ele constitui, pelos lugares, aquele quadro da vida
social onde tudo é interdependente, levando, também, à fusão entre o local, o global
e o nacional. Assim podemos sugerir que o território é a instância de espacialização
dos conflitos sociais.
Na interface entre o mundo social e o material podemos distinguir-se três
tipos de práticas: práticas de apropriação cnica do mundo, práticas de apropriação
social do mundo e práticas de apropriação cultural do mundo. Através das práticas
de apropriação técnica configuram modos de uso, transformação biofísica, extração,
inserção e deslocamento de materiais. Através das práticas de apropriação social
configuram-se os processos de diferenciação social dos indivíduos, a partir das
estruturas desiguais de distribuição, acesso, posse e controle de território ou de
fontes, fluxos e estoques de recursos materiais. Finalmente, através das práticas de
apropriação cultural o mundo material é objeto de inúmeras atividades de atribuição
de significados (ACSELRAD, 2004, p.14).
As práticas de apropriação tanto material como simbólica são dotadas de
historicidade, sendo corporificadas de forma cumulativa no território. A historicidade
da ocupação do espaço é narrada na história das disputas dos agentes pela
afirmação de distintos projetos territoriais. Para Touraine (1976, p.63), “a
historicidade de uma sociedade não consiste em um conjunto de representações e
em um “ideal”, mas em um trabalho da sociedade sobre si mesma”. É a sua
capacidade de produzir suas próprias orientações sociais e culturais a partir de sua
atividade e de dar um sentido às suas práticas. A historicidade do território exprime o
processo de transformação nele realizado pelas sociedades. Os grupos que
alcançaram a hegemonia neste processo “gerem a historicidade, identificando-a
também com os seus interesses particulares, enquanto os demais grupos procuram
se proteger contra essa dominação, invocando também a historicidade, contestando
68
sua apropriação pelo grupo dirigente. Conforme Touraine, não se pode falar de
transformações de um tipo de sociedade mas da passagem de uma coletividade de
um campo de historicidade para outro. Nessa linha de entendimento, o projeto do
“desenvolvimento” configuraria a pretensão da passagem de uma sociedade de um
campo de historicidade para outro.
Procuraremos aqui analisar os discursos e práticas que se articularam na
transformação recente da região, considerando o modo como as dinâmicas sociais
de apropriação do espaço se constituíram historicamente dando base à
diferenciação social, ou seja, à desigual distribuição de poder sobre os recursos do
território.
Com o objetivo de construir um entendimento sobre a dinâmica histórica
do território da chamada região Extremo Sul do Estado da Bahia, reunimos aqui
alguns elementos básicos do processo de mudança. Consideramos que o contexto
atual, no qual empresas adotam um discurso ambiental inscreve-se na disputa entre
formas de apropriação e uso do território configuradas ao longo do tempo.
Consideramos, portanto, que o processo histórico não aconteceu sem conflito que
por diversas formas e em diversas ocasiões, conforme certas fontes consultadas,
não foi apenas discursivo ou simbólico, mas propriamente conflito violento e, em
certos casos, armado.
3.1.1 As formas de apropriação anteriores à expansão do eucalipto
No século XVIII, a exploração extrativista expandiu seu raio de ação para
as imediações das vilas de Prado, Alcobaça e Mucuri, no Extremo Sul da Bahia e
iniciou-se a policultura de gêneros alimentícios, principalmente da farinha de
mandioca e de feijão, que passou a ser a principal atividade econômica da Região,
caracterizando-a, a partir de então, como fornecedora de alimentos para o
Recôncavo Baiano e para o Nordeste do País. O cacau, introduzido em Ilhéus no
século XVIII, expandiu-se inicialmente na atual Região Cacaueira, alcançando o
Extremo sul no início do culo, onde hoje se situa o município de Belmonte. A
cultura do cacau e do café exerceram um papel positivo no crescimento
demográfico, na expansão do povoamento e na dinamização interna da economia
regional. O fim da escaravatura deu lugar ao surgimento de uma sociedade baseada
na pequena propriedade familiar. As relações sociais que se estabeleceram após a
69
derrocada da economia colonial fundamentaram-na existência de terras abundantes
e de homens livres. Os pequenos produtores, posseiros e pescadores organizaram-
se em uma sociedade homogênea com base na produção semi-mercantil, onde as
unidades familiares independentes integraram-se em comunidades de ajuda mútua.
As relações de troca de produtos entre os membros das comunidades e as relações
regulares que se estabeleceram com o comércio regional, onde os produtores, em
conjunto, vendiam principalmente cacau e café, não visavam a acumulação
mercantil, mas apenas a reprodução da economia camponesa. Este padrão de
ocupação foi dominante até meados do século XX, quando a expansão da economia
de mercado no País exigiu a incorporação de áreas até então mantidas em situação
“marginal”. (COMPANHIA DE DESENVOLVIMENTO E AÇÃO REGIONAL CAR-
BA, 1994: 16).
Os registros do Pe. Koopmans (1999) indicam que até a década de 1950
a região foi habitada por índios, descendentes dos povos Tupinikim, Pataxó,
Maxacali, Botocudo, Puri, Kamakã, quilombolas, etc., “que tinham formas de vida e
de reprodução muito próprias, conciliando atividades econômicas produtivas com
preservação da diversidade da base material da região, recoberta por Mata
Atlântica”. O autor assinala que no início do século XX, famílias de camponeses de
origem mineira, migraram para o Extremo Sul da Bahia: "O Extremo Sul se tornara
um lugar no qual existiam homens livres em terras livres, oferecendo condições para
ter uma vida decente. Uma sociedade de pequenos produtores e de pescadores". A
maior parte dessa população fixou-se na zona rural, cultivando em suas roças,
principalmente, produtos alimentícios. Não estavam, contudo, excluídos do mercado,
pois, na maioria das vezes, cultivavam produtos para o mercado. Produziam cacau,
café e criavam porcos. Importavam sal e querosene. Segundo Koopmans, “as regras
comerciais eram baseadas em confiança e sinceridade".
De 1945 a 1960 a região – originalmente de Mata Atlântica sofreu a sua
primeira transformação provocada pela extração das madeiras de lei. Grandes
madeireiros de Minas Gerais e do Espírito Santo teriam aberto as primeiras estradas
para extrair a madeira nobre, muitas vezes convidados pelo poder público,
interessado na abertura das estradas. A extração da madeira teria contribuído muito
para a atividade pecuária que encontrava as "terras limpas" para a formação das
pastagens. A mata era queimada após a extração da madeira nobre (jacarandá,
70
peroba, jequitibá, cedro, sucupira, pau-brasil, maçaranduba, cerejeira
etc.) para servir de pastagens.
A região onde as relações sociais e os processos que são
considerados nessa pesquisa estão territorializados está localizada no
Extremo Sul do Estado da Bahia, mais especificamente na área que
abrange os municípios de Eunápolis, Canavieiras, Belmonte,
Guaratinga, Itabela, Itagimirim, Itapebi, Porto Seguro e Santa Cruz
Cabrália.
A cidade de Eunápolis dista 669 Km da capital Salvador,
situando-se ao Sul da Bahia, sub-região do Extremo sul da Bahia,
integrando o que se denomina Costa do Descobrimento; limita-se ao
norte com Belmonte e Itapebi; ao sul com Itabela; a leste com Porto
Seguro e Santa Cruz Cabrália; e a oeste com Guaratinga, e por ser o
centro de toda micro-região, abriga a 8ª Região Administrativa que
abrange os municípios de Itapebi, Itagimirim, Belmonte, Santa Cruz
Cabrália, Porto Seguro, Itabela e Guaratinga, o que garante sediar
diversos órgãos administrativos do Estado.
Em um território que abrange uma área de l.l93 Km2, consta
de 3 aglomerações urbanas: Gabiara, Mundo Novo, e Colônia, além de
localidades como Projeto Maravilha, Projeto Produzir, Roça do Povo,
Santa Luzia, Ponto Bahia, Ponto Maneca, Bom Jesus, Caminho Feliz,
Mãe de Deus, e o Mundo da Criança. Na sede do Município, a principal
povoação, reside cerca de 85% da população, é formado por 22
bairros: Alta Vista, Antares, Centauro, Dinah Borges, Edgar Trancoso,
Estela Reis, Gusmão, Itapoã, Ivan Moura, Juca Rosa, Minas Gerais,
Moises Reis, Motor (o nome é devido ao fato de que, quando não havia
energia elétrica, esta era gerada por um motor que foi instalado no
referido logradouro, onde ainda hoje está instalada a central de
distribuição da CHESF- Companhia Hidro Elétrica do São Francisco
,
para toda cidade), Pequi, bairro mais populoso de Eunápolis, onde
moram mais de 30 mil habitantes e tem todo tipo de comércio, Rosa
Neto, Santa Isabel, Santa Lúcia, Sapucaieira, Thiago de Melo (Alecrim I
e II), Urbis I, II e III, e alguns outros loteamentos ainda não
reconhecidos oficialmente.
71
Primeiramente, Eunápolis, ficou conhecida como a porta de
entrada de Porto Seguro, pois durante muito tempo oriundos de
qualquer parte do mundo, para se chegar a Porto Seguro, em meios de
transportes terrestres, todos tinham de passar por Eunápolis. Hoje,
Porto Seguro conta com um aeroporto. Os povoados de Mundo Novo e
Gabiarra tiveram origem antes mesmo da cidade existir, sendo que
Gabiarra, é mais antiga e tem como data do seu aparecimento o culo XIX,
enquanto Mundo Novo está situado às margens da BR 101, dista 12 quilômetros da
cidade de Eunápolis e sua criação data dos anos 40. Já o Distrito da Colônia data de
1954 e foi criado a partir de um núcleo agrícola, que possuía um gabinete médico,
um gabinete dentário, um clube de futebol, - o Milionário Futebol Clube -, com campo
e sede e um cinema, inexistentes nos dias de hoje.
Em dezembro de 1991, implanta-se na região a Vera Cruz Florestal
prevendo a implantação, conforme Guerra (2006) de:
[...] um plantio grandioso de 2 milhões de mudas de pés de Eucalipto,
numa área inicial de 2.060 hectares, chegando no futuro a 65 mil hectares,
e se tornando hoje no projeto Veracel Celulose, que dentro em breve
poderá estar produzindo 900 mil toneladas ano de celulose para a
fabricação de papel. O referido projeto teve sua iniciação com a compra de
47 mil hectares de terras das florestas da Rio Doce, então subsidiária da
Vale do Rio Doce, espalhadas por 5 micro-regiões do município; será em
breve também o maior produtor de celulose do mundo. (GUERRA:2006)
13
.
Com a chegada da Veracel Celulose e o plantio de eucalipto, Eunápolis
perdeu o que era até então a condição de ser um dos maiores produtores de frutas
do mundo, “acabando com mais ou menos 20 mil empregos
diretos(GUERRA:2006). Nas palavras de Theoney Guerra: “esta é a Cidade de
Eunápolis, que era com Teixeira de Freitas-Bahia o maior produtor de mamão
papaya do mundo e que já foi a grande maior produtora de frutas do Brasil, mas hoje
perdeu esta denominação, devido à plantação de eucalipto na região” (GUERRA,
2006).
Concomitante com o processo de redução do espaço produtivo verifica-se
o esvaziamento populacional na região. Esse processo pode ser provado por
13
http://www.guiadeporto.com.br/guiaeunapolis/default.asp
Acesso em 01-04-2006. Informações retiradas do “Anuário de Eunápolis” de autoria do historiador e
jornalista Theoney Guerra, estudos, resumo e redação do radialista-redator e repórter Paulo Barbosa.
72
intermédio de um trabalho da Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais
da Bahia (1999), que propõe a regionalização dos espaços do estado baiano.
Visando conhecer dinâmicas intraestaduais, procurou-se mostrar como estavam
distribuídas a população em idade ativa (PIA) e as pessoas ocupadas na
agropecuária no estado da Bahia, utilizando-se os Censos Demográficos de 1980 e
1991, a contagem da população de 1996 e os censos agropecuários de 1985 e
1996, todos elaborados pelo IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.
Para tanto, dividiu-se o estado em três grandes regiões: a moderna, a
litorânea tradicional e a interiorana tradicional. A divisão buscava refletir as
diferentes tendências de ocupação e o dinamismo entre as regiões do estado da
Bahia. A região mais dinâmica, denominada “moderna” e constituindo “ilhas de
prosperidade” é a região conhecida como a região Extremo Sul do Estado da Bahia.
Conforme o estudo “nessa região passou-se recentemente a desenvolver a
agricultura nos moldes produtivistas, para a produção de grãos, fruticultura e
silvicultura. Na região “moderna” verifica-se uma redução na população em idade
ativa (população rural com 10 anos ou mais). Ou seja, uma queda na ocupação
da o-de-obra agropecuária, na região moderna. Esta região é considerada como
“novo mundo rural desenvolvido”. Ao mesmo tempo o estudo indica um aumento
dessa população nas regiões consideradas “atrasadas”. Quanto a essas últimas, no
estudo afirma-se que “provavelmente, vêm se intensificando as estratégias de
sobrevivência, através de uma combinação maior de trabalhos, que leva à formação
do “novo mundo rural atrasado” (SUPERINTENDENCIA DE ESTUDOS
ECONOMICOS E SOCIAIS DA BAHIA:1999).
73
3.1.2 Processo de ocupação do espaço pela monocultura de eucalipto
Parte das transformações ocorridas na região na segunda
metade do século XX teve origem no processo de formação da
estrutura produtiva de celulose e papel no Brasil. A Tese de Soto B.
(1992), conforme já foi mencionado brevemente na introdução, explica
como o complexo florestal brasileiro se formou desde 1891. Na primeira
fase, de 1891 a 1961, vinculada ao circuito econômico cafeeiro, foram
instaladas em São Paulo três das principais fábricas de papel. Em
1915, iniciam-se as primeiras ações coordenadas dos fabricantes de
papel e em 1917 origina-se o embrião da primeira organização dos
interesses empresariais da indústria. Em 1919, fundou-se o Centro dos
Fabricantes de Papel (CFP), organização que originou Associação
Nacional dos Fabricantes de Papel e Celulose (ANFPC). O CFP foi uma
das primeiras associações privadas especializadas criadas no Brasil.
Isso revela, segundo o autor, a precocidade na organização dos
interesses haja vista a acirrada disputa com os importadores de papéis
no país. A disputa acontecia por intermédio da luta por influenciar o
Estado na criação ou eliminação de tarifas alfandegárias e de proteção
do mercado interno. Essa organização de interesses fortaleceu-se com
a crise econômica dos anos 1920. As reivindicações da associação até
o início da década de 1930 eram encaminhadas ao Estado por
intermédio da Associação Comercial de São Paulo (ACSP)
14
. Em 1928 a
ACSP se dividiu e um grupo de empresários paulistas fundou o Centro
das Indústrias do Estado de São Paulo. Entre 1933 e 1939 houve a
superação da crise e a produção de papel teve grande expansão,
chegando a triplicar. Entre 1937 e 1956 a produção nacional de papel
aumentou 3,5 vezes. Além das políticas protecionistas havia as
políticas específicas de estímulo à produção de celulose. No entanto,
Soto postula que o Estado através das políticas públicas contribuiu de
forma decisiva na configuração estrutural dos mercados e nas suas
14
A Associação Comercial de São Paulo (ACSP) foi fundada em 1894 por comerciantes e
manufatureiros.
74
formas de concorrência, consolidando determinados grupos
empresariais líderes. Estes últimos, monopolizando a representação e
exercendo uma verdadeira orquestração dos interesses empresariais,
não só influenciaram na gestão das políticas públicas, como também
condicionaram a autonomia de decisão dos agentes econômicos nos
distintos segmentos e mercados que compõem o complexo.” (SOTO B.,1992).
O Plano Diretor da SUDENE Superintendência para o Desenvolvimento
do Nordeste, para o ano de 1961, Lei 3.995/61, destinava recursos para o
desenvolvimento da agricultura e da pecuária especialmente para a assistência
direta ao produtor de gêneros de subsistência, bem como para captação d’água do
subsolo, construção de barragens submersas, perenização dos rios, e, ainda, para a
instalação de centrais meteorológicas, estudos e experiências relativas à provocação
de chuvas artificiais. Nessa época, surgiram o Banco do Nordeste, a
Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste e o Departamento Nacional de
Estradas e Rodovias DNER, e DERBA. Contudo, os investimentos foram dirigidos
para interesses particulares. Isso teria sido o início da formação da estrutura que a
hoje caracteriza a região, pautada na concentração do dinheiro, da terra, do gado e
do poder político, nas mesmas mãos.
A atividade de criação de gado caracterizou-se pela ocupação de grandes
extensões de terra que pertenciam a negociantes que moravam na cidade. Esses
negociantes permitiam a moradia de pessoas nas suas terras que trabalhavam como
vigias do gado ou em serviços de manutenção da fazenda. Entre os anos 1950 e 60,
a área destinada a pasto mais que duplicou na região.
Como um segundo momento do processo de transformação do espaço
social, tem-se a inauguração da BR-101, em 1975, e o início da atividade industrial
do setor de celulose e papel, embora as plantações de eucalipto tivessem se
iniciado em 1970, estimuladas pelos incentivos fiscais sobre os quais trataremos em
detalhe mais adiante. Na inauguração da BR-101, o Governador do Estado de então
falou no “redescobrimento” do Extremo Sul, que até então estava "esquecido", e que
teria a partir de então o "progresso" e o "desenvolvimento". A nova estrada valorizou
as terras que eram posses das famílias de agricultores locais. A classe política
constituída pelos fazendeiros da região implantou a nova ordem na região. Os
posseiros, que até então tinham seus direitos respeitados foram expulsos das terras
pelo emprego da violência ou pelo "aparecimento" de títulos de propriedade e de
75
supostos proprietários. Sobre isso Pe. Koopmans (1999) alerta para a possível
implicação de cartórios e funcionários públicos nesse processo. Mas isso é pouco se
considerada a outra forma de expulsão que fora largamente utilizada na qual muitas
famílias, segundo o mesmo autor, foram "convencidas" a sair, Os corretores
argumentavam aos pequenos agricultores que "aquelas terras eram improdutivas",
"difíceis de serem cultivadas", que "eles poderiam aplicar o dinheiro na poupança" e
que "seus filhos poderão freqüentar escola" etc., e influenciavam os pequenos
proprietários, pessoas com pouca formação escolar, a sair de suas terras. Assim,
resumidamente, configuraram-se as estratégias de expulsão dos pequenos
agricultores e de apropriação das terras pelos novos agentes, conforme Pe.
Koopmans (1999:82).
A construção da BR-101 foi decisiva no processo de inserção da região
na economia nacional e, por isso mesmo, central na reestruturação das
comunidades em novas bases. “A partir desse momento, entram em cena os
investimentos estatais, a emigração de um grande contingente populacional,
principalmente de grupos atraídos pelas facilidades de transporte e pela existência
de terras de baixo valor, os madeireiros, os pecuaristas, os agricultores de origem
japonesa e os industriais do setor de celulose e papel”. “O ciclo da celulose é
decorrente das políticas públicas de incentivo fiscal para o reflorestamento”.
COMPANHIA DE DESENVOLVIMENTO E AÇÃO REGIONAL CAR (BA) (1994:
17).
Conforme Gonçalves (apud COMPANHIA DE DESENVOLVIMENTO E
AÇÃO REGIONAL CAR –BA, 1994,p. 79) a produção de celulose e papel “...por
sua própria constituição, implica uma estratégia de ocupação intensiva do espaço.
De fato, a produção papeleira, em escala industrial, começa na formação de
extensas florestas homogêneas e encerra-se na grande unidade fabril, dependente
de boa faixa de terra e de cursos d’água de porte. Exatamente por isso contribui
para a desestruturação de formas social, cultural e economicamente vigentes de
produção, organização e uso da natureza”.
Os estudos da COMPANHIA DE DESENVOLVIMENTO E AÇÃO
REGIONAL CAR (BA) evidenciam o contexto atual da região. Conforme a CAR
(BA), o quadro econômico-social da região Sul da Bahia, se expressa por um
acentuado processo de urbanização, sobretudo nas cidades que têm apresentado
potencialidades para o desenvolvimento do setor terciário, a exemplo de Porto
76
Seguro, Eunápolis e Teixeira de Freitas. Conforme os estudos da CAR, o principal
efeito desse processo é o agravamento da qualidade de vida da população dos
centros urbanos, pela falta de emprego e atendimento insatisfatório nas áreas de
abastecimento de água, esgotamento sanitário, limpeza urbana, saúde pública,
educação e habitação popular. Evidencia-se o “expressivo contingente de mão-de-
obra desempregada e subempregada existente na região” COMPANHIA DE
DESENVOLVIMENTO E AÇÃO REGIONAL – CAR (BA) (1997,p.19).
[...] O baixo poder aquisitivo dessa população, associado à elevada
concentração da riqueza regional, são os principais fatores que têm
prejudicado a formação de um amplo mercado regional com vistas a
provocar, por sua vez, o surgimento de uma complexa estrutura econômica.
COMPANHIA DE DESENVOLVIMENTO E AÇÃO REGIONAL CAR (BA)
(1997,p.19).
Na literatura de origem governamental, assim como na empresarial, consultada é
freqüente a referência ao fato do Extremo Sul da Bahia oferecer as melhores
condições para o plantio do eucalipto. O Programa de Desenvolvimento Regional
Sustentável PDRS: Sul da Bahia, 1997 revelou que no Extremo Sul a pecuária
bovina ocupa um lugar de destaque, seguida de uma policultura baseada nos
cultivos de mamão, cacau, café, coco, abacaxi, melancia, mandioca e, mais
recentemente, o eucalipto, que se expandiu rapidamente nos últimos anos em
função das condições edafoclimáticas favoráveis, terras contínuas, facilidades no
escoamento da produção, e disponibilidade de mão-de-obra. Estima-se que a área
ocupada por sistemas florestais baseados em espécies de eucaliptos, em 1993, era
superior a 200 mil hectares.
Para o CENTRO DE ESTATISTICA E INFORMAÇÕES (BA) os fatores
que contribuíram para a expansão da monocultura de eucalipto na região foram as
condições edafoclimáticas favoráveis, terras contínuas e preços baixos
possibilitando ampliações de cultivo, facilidade de escoamento da produção devido a
proximidade de grandes centros consumidores como os Estados do Espírito Santo e
Minas Gerais, além da disponibilidade de mão-de-obra. O processo de
desmatamento acelerado da Floresta Atlântica, após a abertura da BR-101, também
contribuiu para a expansão do eucalipto, conforme o CENTRO DE ESTATISTICA E
INFORMAÇÕES - BA (1994, p. 23).
77
Conforme a SECRETARIA DA INDÚSTRIA COMÉRCIO E MINERAÇÃO
(1998, p.14) “o desenvolvimento da indústria de papel e celulose é visto como
estratégico pelo Governo do Estado”. Por outro lado também nesse órgão estatal
encontra-se referências sobre a “vocação” regional para a produção de celulose e
papel. Afirma-se que:
[...] O Brasil desponta como a mais nova fronteira econômica do segmento
de papel e celulose, graças a um potencial florestal que é simplesmente o
maior do planeta”. “A Bahia oferece condições excepcionais de
desenvolvimento nesse setor, devido a fatores como amplitude territorial,
clima e a existência de maciços florestais de grande extensão, notadamente
nas regiões do Litoral Norte, Oeste e Extremo Sul. SECRETARIA DA
INDÚSTRIA COMÉRCIO E MINERAÇÃO (1998,p.14).
Nesse documento também é afirmado que a Bahia incorporou, nas duas
últimas décadas, novas regiões de expansão da fronteira agrícola, que vêm
crescendo significativamente de acordo com suas vocações específicas. “É o caso
do Extremo Sul, que rapidamente se especializou em fruticultura e olericultura para
exportação, e madeira para produção de papel e celulose”. SECRETARIA DA
INDÚSTRIA COMÉRCIO E MINERAÇÃO (1998, p.7). “Vários segmentos da
agricultura baiana oferecem diversificadas oportunidades de investimento”. “A
produção florestal e indústria de base florestal é um exemplo”. Conforme esta
literatura:
[...] O Estado da Bahia possui, em suas diversas regiões, excelentes
condições edafoclimáticas e locacionais para a formação de florestas,
destacadamente com espécies destinadas à fabricação de celulose de fibra
curta”. No litoral estão disponíveis mais de 2 milhões de hectares de terras
com elevada qualidade para implantação de maciços florestais. Nas regiões
interioranas também é possível ocupar com florestas de elevada qualidade,
mais de 1 milhão de hectares. SECRETARIA DA INDÚSTRIA COMÉRCIO
E MINERAÇÃO (1998, p.19).
A produtividade da atividade faz parte dos argumentos usados. “A
celulose branqueada de fibra foi o terceiro maior produto da pauta de exportações
da Bahia, em 1996”. A alta produtividade florestal alcançada com incrementos
médios anuais da ordem de 45esteres/ha/ano, aliada à existência de infra-estrutura
energética, portuária e rodoviária, notadamente nas regiões de maior potencial
florestal, tornam esses produtos altamente competitivos nos mercados nacional e
internacional. SECRETARIA DA INDÚSTRIA COMÉRCIO E MINERAÇÃO (1998, p.
78
20). O Brasil se destaca em relação a outros países produtores de celulose em
função das vantagens de custo que apresenta. A vantagem fundamental que
apresenta é o menor tempo de produção da madeira de eucalipto. O ciclo de corte é
de 7 anos, em alguns países, ciclos de 20, 30 e até menos, a exemplo da Suécia, 70
anos, conforme a FUNDAÇÃO CENTRO DE PROJETOS E ESTUDOS (BA) (1994,
p.26).
[...] O Estado da Bahia tem uma das melhores condições ambientais do
mundo para o desenvolvimento do eucalipto; nas regiões de alta
precipitação , próximas à costa, são comuns produtividades de eucalipto
acima de 50m³ /ha por ano. SUPERINTENDENCIA DE ESTUDOS
ECONOMICOS E SOCIAIS DA BAHIA (1997, p.118)
As condições do clima, da topografia e do preço das terras seriam,
entretanto, fatores interessantes para o desenvolvimento de quaisquer atividades
agrícolas. A região era considerada como propícia para a agricultura sem irrigação
de fruticultura, culturas alimentares, cana-de-açúcar e pastagens cultivadas, no
entanto o que se verifica é uma especialização forçada plantação de eucalipto para
produção de celulose e papel.
A verificação do processo de expansão da monocultura na região, não
prescinde de um retorno no tempo. Para facilitar o entendimento, retornemos ao
Plano Diretor da SUDENE, para o ano de 1961, Lei 3.995/61. A partir de então,
passa a ser dada preferência à agroindústria, em detrimento de outras atividades,
quando se tratava de desenvolvimento do Nordeste, conforme podemos verificar no
Art. 28 § 2º onde consta que é vedado ao Banco do Nordeste do Brasil S.A.
conceder empréstimos ou financiamentos para atividades comerciais de quaisquer
pessoas físicas ou jurídicas em prejuízo da agro-indústria nordestina. Em 1963, o
Decreto 4.239 aprova a segunda etapa do Plano Diretor do Desenvolvimento do
Nordeste para os anos de 1963, 1964 e 1965, e outras providências. É criado o
Fundo de Investimentos para o Desenvolvimento Econômico e Social do Nordeste
(FIDENE) para garantir a exeqüibilidade financeira dos projetos e obras que a
SUDENE considerar prioritárias, relevantes ou de interesse para a economia do
Nordeste. Consta, no art 13, que os empreendimentos industriais e agrícolas que se
instalarem na área de atuação da SUDENE, até o exercício de 1968, inclusive,
ficarão isentos de imposto de renda e adicionais não restituíveis, pelo prazo de 10
anos, a contar da entrada em operação de cada empreendimento. O prazo de que
79
trata este artigo poderá ser ampliado até 15 anos, de acordo com a localização e
rentabilidade desvantajosas do empreendimento beneficiado, mediante parecer da
Secretaria Executiva da SUDENE aprovado pelo seu Conselho Deliberativo.
A lei 4.771-65 institui o novo Código Florestal, mas deixou um tanto
confusa a noção de “floresta”, pois o termo é usado tanto para mencionar uma
plantação de árvores e para indicar uma floresta propriamente dita, como
agrupamento de espécies variadas. Isto pode ser percebido através da leitura de
alguns dos seus artigos. Usam-se expressões como: "áreas florestadas de
preservação permanente", "florestas necessárias ao abastecimento local ou nacional
de madeiras e outros produtos florestais", (artigo 8) e também "florestas plantadas,
não consideradas de preservação permanente" (livre para extração de lenha e
demais produtos florestais ou a fabricação de carvão) (artigo 12). Entende-se que
estes termos teriam mais relação com plantação de árvores do que propriamente
floresta. Isto pode ter permitido uma série de confusões e pode indicar tanto falta de
conhecimento quanto o descaso para com o tema. Para designar a floresta
propriamente dita encontra-se no artigo 16 o termo "florestas de preservação
permanente". Esta lei também determinou que os estabelecimentos oficiais de
crédito concederiam prioridades aos projetos de florestamento, reflorestamento ou
aquisição de equipamentos mecânicos necessários aos serviços, obedecidas as
escalas anteriormente fixadas em lei. Ao Conselho Monetário Nacional, órgão
disciplinador do crédito e das operações creditícias em todas suas modalidades e
formas, coube estabelecer as normas para os financiamentos florestais, com juros e
prazos compatíveis, relacionados com os planos de “florestamento” e
“reflorestamento” aprovados pelo Conselho Florestal Federal.
Em 1988, foi publicado o Decreto 96.233, de 28 de junho que dispõe
sobre a aplicação dos incentivos fiscais para o desenvolvimento florestal do País. No
seu primeiro artigo determina que os empreendimentos florestais que possam servir
de base à exploração econômica e contribuir para o desenvolvimento e conservação
da natureza, mediante “florestamento’ ou “reflorestamento’, poderão ter aporte de
recursos dos incentivos fiscais de que trata o Decreto-lei 1.376, de 12 de
dezembro de 1974, mencionado acima, modificado pelo Decreto-lei 2.304, de
21 de novembro de 1986, observado o disposto neste Regulamento e no Decreto
93.607, de 21 de novembro de 1986, modificado pelo Decreto 94.766, de 11 de
agosto de 1987. A limitação para o uso do recurso está no art. que determina que
80
os empreendimentos florestais serão realizados exclusivamente por pessoas
jurídicas, organizadas sob a forma de sociedade anônima, em terras de que tenham
justa posse, a título de proprietárias, arrendatárias, comodatárias ou usuárias.
A nível local também surgiram incentivos para a expansão da indústria.
Programa de Incentivos Municipais (PIM), Lei Nº 180/93 de 22 de dezembro de 1993
da prefeitura de Eunápolis e sob responsabilidade da Secretaria de
Desenvolvimento, Indústria e Comércio, com os seguintes objetivos: a) promover a
instalação de indústrias no município, b) estimular a transformação, no próprio
município, de seus recursos naturais; c) incentivar o aumento da qualidade e
produtividade dos bens industriais do município, visando maior competitividade. No
Artigo 2º o programa concede isenção total de ISS Imposto Sobre Serviços e
IPTU – Imposto Predial e Territorial Urbano, pelo prazo de dez anos às micro,
pequenas e médias indústrias já instaladas que se instalarem no município de
Eunápolis a partir da promulgação da Lei. 63. (FUNDAÇÃO CENTRO DE
PROJETOS E ESTUDOS (BA) (1994,p.63).
Embora as políticas públicas estivessem incentivando a expansão da
monocultura de eucalipto na região, técnicos do Estado elaboraram projetos de
desenvolvimento nos quais as atividades que existiam seriam incentivadas por
serem consideradas viáveis, desde que algumas dificuldades apontadas no estudo
fossem vencidas. O objetivo dos projetos era exatamente detectar as dificuldades
para que se pudesse saná-las.
Os estudos realizados no âmbito do Programa de Desenvolvimento de
Áreas Integradas do Nordeste POLONORDESTE em 1976, revelaram as
características físicas, as possibilidades produtivas, as diversidade de culturas
existentes, os diversos problemas que impediam o desenvolvimento das culturas e
as propostas de solução dos problemas para o desenvolvimento da agricultura na
região. As condições climáticas da região, segundo o programa, permitiriam a prática
das principais atividades agrícolas regionais sem maiores restrições. Conforme o
estudo, a rede hidrográfica é constituída principalmente das bacias dos rios: Pardo,
Jequitinhonha, Buranhém, Jucuruçu, Itanhém e Mucuri, além de outros menores,
que drenam as águas de escoamento para o mar e entalham a superfície dos
tabuleiros. Embora não se tenha levantamento sobre as águas subterrâneas, o
estudo indica que de acordo com o conhecimento sobre a formação geológica, é
provável a existência de águas subterrâneas. Os solos são predominantemente
81
planos. A área é considerada favorecida do ponto de vista das potencialidades em
solos, sobretudo levando-se em conta a pluviometria relativamente elevada. Apenas
8% da área é considerada como composta de solos inaptos. Diante de tais
constatações, podemos supor que as dificuldades das pequenas fazendas para a
produção agrícola não residiam nas condições edafoclimáticas, ou seja, solo e clima.
O estágio rudimentar dos sistemas de produção, comparados com
aqueles considerados “racionais e de grande produtividade”, é apontado como fator
que teria limitado as atividades produtivas na região, nessa época, conforme os
estudos do POLONORDESTE, sendo esta defasagem o principal fator restritivo ao
desenvolvimento rural da região, face aos condicionantes negativos que aí se
incluem. O Estudo reconheceu e apontou os diversos “pontos de estrangulamento”
nos vários estágios de produção, condicionados por fatores como tradicionalismo,
empirismo, primitivismo e extrativismo. Assim nos termos do estudo, lê-se que:
[...] na cultura do cacau o problema é o tradicionalismo; A cultura da
mandioca é realizada em minifúndios de forma empírica, como cultura de
subsistência, com o apoio exclusivo de mão-de-obra familiar, dedicada ao
fabrico de farinha e, em escala reduzida não satisfazendo à demanda do
mercado consumidor regional; O feijão também é cultivado em minifúndios;
O azeite de dendê e a piaçava são provenientes de atividades extrativistas,
em extensas áreas litorâneas que suportariam uma variedade de outras
culturas. (SUPERINTENDENCIA DE ESTUDOS ECONOMICOS E SOCIAIS
DA BAHIA, 1976,p.17).
A pecuária é apontada no estudo como uma atividade que ocupa grandes
extensões de áreas recém-desmatadas, “as mais férteis, sobretudo nos vales,
expulsando as lavouras locais e provocando a expulsão de agricultores”. Considera-
se que as terras são utilizadas de forma inadequada. A sua progressiva depredação
em função da exploração intensa de madeiras e com a prática da queimada logo
após a retirada das madeiras de maior valor no mercado regional é um exemplo de
uso inadequado. Entende-se que os solos o suportam a exposição aos raios
solares e à chuva, “perdendo em pouco tempo toda a sua vitalidade e tornando-se
praticamente inúteis”. (SUPERINTENDENCIA DE ESTUDOS ECONOMICOS E
SOCIAIS DA BAHIA ,1976,p.36)
Conforme o Programa acima mencionado, a desorganização regional
seria devida à falta de mecanismos institucionais de orientação da economia
regional capazes de estabelecer diretrizes seguras e um zoneamento da região,
visando a que as atividades econômicas desenvolvidas não fossem conflitantes
82
entre si e o se constituíssem em “forças de degradação e deterioração do seu
potencial econômico”. Quanto ao crédito rural, por exemplo, afirma-se que “atende a
uma faixa muito limitada de agricultores, obrigatoriamente proprietários de terras
legalizadas”. Também menciona-se no Programa que orientações quanto ao
cooperativismo, associativismo e educação profissionalizante o teriam sido
realizadas, embora fossem necessárias. (SUPERINTENDENCIA DE ESTUDOS
ECONOMICOS E SOCIAIS DA BAHIA 1976,p.21).
No entanto o que aconteceu com o Extremo Sul do Estado da Bahia não
foi o desenvolvimento das culturas locais, mas o desenvolvimento de uma cultura
exógena, de um modo produtivo que requer expansão de áreas plantadas
crescentes e que não teriam atendido, conforme denúncias de atores sociais críticos,
às demandas das populações locais. O Extremo Sul não foi contemplado com um
projeto de desenvolvimento, que incorporasse infra-estrutura (energia elétrica,
estradas, bancos, etc.) de que os produtores necessitavam para desenvolverem
suas atividades produtivas.
Essas informações são importantes para a presente discussão na medida
em que demonstram, primeiro, que a região foi correntemente considerada propícia
para diversas culturas, o que nos remete a questionar o porquê de ter sido
transformada em área com “vocação” para plantação de eucalipto. Segundo, a
região, na cada de 1970, quando as plantações de eucalipto foram iniciadas,
tinha diversas culturas sendo desenvolvidas, embora de forma precária. O projeto
POLONORDESTE, tinha como objetivo solucionar os entraves da agricultura local e
fomentar o desenvolvimento das formas locais de produção Uma vez que a região
havia despertado a atenção dos técnicos planejadores posicionados no Estado a
ponto de os levar à elaboração de um projeto de desenvolvimento regional, como o
POLONORDESTE, não fica claro o porquê da escolha, pelos poderes públicos, do
fomento à expansão do eucalipto na região. Portanto é válido questionar porquê não
foram trabalhados os pontos de estrangulamento visando melhorar as condições de
produção local?
Apesar disso, a partir de 1950, verificou-se a expansão das lavouras de
cacau, mandioca, coco, milho, feijão, arroz, café, banana, cana, abacaxi, laranja,
mamão, limão, maracujá, melancia, melão, etc. numa área que chegou a 258.075
hectares de terras em 1985, conforme pode ser observado na tabela abaixo. A
agropecuária também progrediu criando um emprego fixo e permanente, em média,
83
para cada 26,1 hectare ocupados, conforme Pe. Koopmans (1999,p.65). Com o
declínio da produção de cacau, muitos proprietários de fazendas do Sul da Bahia,
ficaram com dívidas e isto os levou a vender as árvores nativas para serrarias.
Tabela 1 - Expansão da área com lavoura na região Extremo Sul
do Estado da Bahia 1950 – 1993.
ANO ÁREA COM LAVOURA
1950 67.000 hectares
1960 108.000 hectares
1970 139.810 hectares
1980 185.314 hectares
1985 258.075 hectares
1990 193.217 hectares
1993 116.927 hectares
Fonte:Koopmans (1999, p.65)
84
3.1.3 Produção de configurações espaciais
As bases históricas dos processos acima mencionados têm o objetivo de
servir como parâmetro para o que na atualidade se expressa como configurações
espaciais novas. Mais recentemente aconteceu a implantação da Veracel Celulose
que iniciou atividades em 1991, denominada Veracruz Florestal Ltda, uma
subsidiária da Odebrecht S/A. Iniciou as primeiras aquisições de terras no sul da
Bahia, entre elas a Estação Veracruz em 1992 iniciando o plantio de eucaliptos em
1992. Em 1996 a então Veracruz obteve licença ambiental para o projeto da fábrica
de celulose. A associação entre a Odebrecht e Stora Kopparbergs (Suécia)
aconteceu em 1997. A partir de 1998 aconteceram a mudança da razão social para
Veracel Celulose S/A, o início do estudo de viabilidade da fábrica e a transformação
da Estação Veracruz em Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN). Em
1999 aconteceu a fusão entre a Stora Kopparbergs e a Enso Oyj (Finlândia),
formando a Stora Enso. No ano de 2000 a Aracruz ingressou no empreendimento
por meio da compra de ações pertencentes à Odebrecht. Em 2003 a Odebrecht
vendeu o restante de sua participação na empresa. Também nesse ano iniciaram-se
as obras da fábrica Veracel.
A análise das contradições internas mais gerais do capitalismo tal como
desenvolvida por David Harvey fornece uma gama de possibilidades para o estudo
das mudanças promovidas e seus efeitos sociais na região Extremo Sul do Estado
da Bahia. Harvey (1990, p. 376) menciona as transformações que muitos povos
teriam sofrido, inclusive com perda de sua identidade. Diz que as relações
monetárias estariam alcançando todos os lugares e todas as formas de relações
sociais e o trabalho estaria se convertendo, por esta via, na mercadoria força de
trabalho. Conforme este autor, as transformações das relações sociais têm sido
acompanhadas de transformações físicas (surgimento de sistemas de transportes e
de comunicações), que tem permitido que a informação e as idéias, assim como os
bens materiais e a força de trabalho se movam mais facilmente. Porém, tais
transformações não ocorrem de forma uniforme em todos os lugares do planeta.
concentrações de atividade em um lugar e, em outros, têm-se zonas vazias. Ele
chama a esses processos de “desenvolvimento geográfico pouco uniforme do
capitalismo. (HARVEY; 1990, p. 418-419).
85
Quanto à situação dos processos de produção, o autor sugere que
necessariamente tais processos acontecem em um lugar. As máquinas,
normalmente estão localizadas e não são removíveis tão facilmente. Os produtores
ficam presos aos lugares, por um determinado tempo e precisam competir pelas
vantagens de determinada situação tais como: condições de transporte de suas
mercadorias, preço da terra, disponibilidade dos recursos naturais, valor da força de
trabalho e também condições sociais, políticas e econômicas. Podem os capitalistas
também obter mais-valia adotando novas tecnologias ou buscando situações mais
vantajosas, contudo em ambos os casos esse ganho é temporário. Dura até que os
demais concorrentes consigam a mesma situação ou tecnologia. Uma vez que
mudanças nas configurações espaciais são mais custosas eles, mais
freqüentemente, optam por avanços tecnológicos. Contudo, Harvey afirma que a
busca de mais-valia através das mudanças tecnológicas não ocorre
independentemente das mudanças de lugar. Para ele, à medida que o ganho por
meio da situação fica mais escasso, o capital cria nova tecnologia. Essa nova
tecnologia cria nova oportunidade para aquisição de mais-valia extraordinária
através da mudança na configuração espacial. Esta suposição se altera se a
oferta da força de trabalho não estiver fixa e num espaço limitado. O capitalismo não
de desenvolve de forma linear uma vez que as matérias-primas, força de trabalho e
meios de transporte não estão distribuídas de forma homogênea no espaço. A mais-
valia tem que se realizar numa área onde os meios de produção estejam
combinados (HARVEY,1990,p.419). A tecnologia de produção, as estruturas de
distribuição, os modos e formas de consumo, o valor, as quantidades e qualidades
da força de trabalho assim como as infra-estruturas físicas e sociais necessárias
devem concordar entre si nesta área.
As asserções de Harvey nos orientam a pensar
que, no caso da monocultura/indústria de celulose e papel
na região, as empresas se beneficiam das condições
particulares do próprio território sejam elas relativas às
condições de ensolação, à disponibilidade de terras
apropriáveis, apropriadas e propícias, assim como a
presença de pequena produção agrícola e populações
indígenas pouco representadas na esfera política. Este
território favorece a produtividade da atividade. Como
vimos, as condições edafoclimáticas são propícias para a
agricultura em geral e, portanto para a monocultura de
eucalipto. No caso da plantação de eucalipto essa
vantagem se realiza numa produção mais rentável, visto
86
que as árvores são cortadas em menor tempo em relação
aos países concorrentes. A vantagem relativa da situação
que inclui as condições socio-políticas da ocupação
deste espaço - se traduz na venda ao preço social médio
daquilo que se produz a custos sociais mais baixos do que
a média social. Nos termos de Harvey (1990,p.392):
[...]
“la ventaja relativa de la situación se traduce en una ganancia
extraordinaria. Este tipo de ganancia, como la que acumulan los capitalistas
que usan tecnologías superiores, se puede considerar como una forma de
plusvalía relativa. La obtienen los capitalistas individuales que venden al
precio social medio pero producen a costos locales más bajos que el
promedio social (HARVEY, 1990,p.392
).
15
Como o território vem sendo apropriado, cada
vez mais, pela empresa com sua monocultura,
aparentemente nada parece ameaçar a obtenção desta
fonte de mais-valia. A expansão da monocultura/indústria
de celulose e papel tem sido constante, apesar de estar
sendo também constantemente discutida e rejeitada por
diversos agentes portadores de outros projetos para a
região,
Aplica-se ao caso do chamado “fomento florestal” adotado na região
estudada, a observação (Harvey,1990,p.398) de que é vantajoso para os
empresários capitalistas, que terceiros sejam donos do capital fundiário, se eles
puderem usá-los sem maior imobilização de recursos. Assim, o seu capital fica livre
para mover-se e aproveitar plenamente sua capacidade de se rentabilizar. Pode fugir
rapidamente, caso sinta sinais de perigo, deixando a outra porção do capital, que
está presa ao solo, ao sabor de incertezas.
Nos termos de Bauman (2001,p.18) essa é uma das estratégias
empresariais que configuram uma nova “técnica de poder”. O que o leva a falar de
uma mudança é o fato de que o longo esforço para acelerar a velocidade do
movimento do capital no caso - havia chegado a seu limite. “O poder pode se
mover com a velocidade do sinal eletrônico”. As principais técnicas de poder o
agora a fuga, a astúcia, o desvio e a evitação, a efetiva rejeição de qualquer
confinamento territorial, com os complicados corolários de construção e manutenção
da ordem, e com a responsabilidade pelas conseqüências de tudo, bem como com a
necessidade de arcar com os custos.
Nesse ponto Harvey e Bauman fornecem pistas para compreender a
prática do fomento florestal, implementada pelas empresas na região. O programa
15
A mais valia relativa é aquela que se pode obter de vantagens tecnológicas ou locacionais (ou de
situação nos termos de Harvey) (1990,p.392).
87
Produtor Florestal da Aracruz Celulose S.A, por exemplo, é apresentado ao blico
como “um bom negócio para todos”. Através desse programa, a empresa estabelece
parcerias com produtores rurais independentes para o plantio de eucaliptos em suas
terras (ditas) inativas. “Trata-se de uma parceria com vantagens para todos”, afirma
a empresa
16
. Criado em 1990, o Programa Produtor Florestal da Aracruz atualmente
abrange cerca de 3 mil contratos e alcança 131 municípios, sendo 67 do Espírito
Santo, 40 de Minas Gerais, 14 da Bahia e 10 do Rio Grande do Sul. Conta com
cerca de 71 mil hectares contratados, dos quais 62 mil hectares plantados com
eucalipto, com a área média por contrato de 23,5 hectares. Em 1999, o Programa
Produtor Florestal foi estendido a diversas comunidades indígenas (membros das
nações Tupiniquim e Guarani), localizadas próximas à fábrica da Aracruz
17
. Na
Bahia, a Veracel implementou um programa de aproximadamente 23.000 hectares
de fomento florestal. Consta no Relatório do ano de 2003 que 5.673 hectares teriam
sido obtidos com este programa, neste ano. (Relatório Anual da Veracel, 2003, p.9).
Dessa maneira a empresa tem expandido as áreas plantadas com eucalipto na
Bahia sem imobilizar capital em terras, adotando estratégias semelhantes a de
outros segmentos da agroindústria como o tabaco e a avicultura, de modo a acelerar
a velocidade de rotação do capital investido.
Segundo Harvey (1990,p.425), as empresas multinacionais têm procurado
ajustar-se às circunstâncias locais, utilizando, por exemplo, a força de trabalho local
por sub-contratação. Isto significa compromisso com a localidade e ao mesmo tempo
significa capacidade de exercer poder local por meio de pressões diretas ou
indiretas. A decisão de integrar-se em uma localidade é o difícil quanto a decisão
de mudar para buscar a mais-valia onde sua produção seja viável. Por sua vez, o
sistema político, o Estado-Nação, ainda ocupa uma posição chave nesta hierarquia.
O conflito que existe e precisa ser enfrentado pela forças políticas da localidade
consiste em arbitrar se deve ceder às promessas globais ou proteger-se e seguir
políticas internas. As várias escalas hierárquicas dispõem-se entre o local, o
regional, o nacional e o internacional.
No caso da monocultura e da indústria de papel e celulose na região
estudada, pode-se afirmar que a empresa em questão não parece ter conseguido da
16
http://www.fomentoflorestal.com.br/home.htm acesso agosto de 2004 e
http://www.produtorflorestal.com.br/. Acesso em 06/04/05
17
http://www.produtorflorestal.com.br/. Acesso em 06/04/05
88
forma idealizada integrar-se com as circunstâncias locais, posto que tais
circunstâncias incluem também projetos culturais territorializados defendidos por
movimentos sociais organizados que não se limitam a aceitar a implantação do
projeto proposto. É de se constatar que a empresa tenha, por intermédio de suas
relações com poderes no âmbito do Estado e também nas esferas multilaterais como
o Banco Mundial, conseguido implantar seu projeto nos municípios.
Um outro aspecto que inviabiliza esta “integração” é que a produção de
papel e celulose não constitui um complexo econômico articulado com as demais
atividades da área. Conforme sugestão de Carneiro (1994), citada na introdução,
trata-se de um enclave: instalação de um complexo industrial sem criar seqüências
de interdependência e estimular a emergência de outras indústrias, formando um
centro dinâmico capaz de gerar e transmitir inovações, beneficiando os demais
agentes territorializados.
18
O caso da sub-região de Teixeira de Freitas é ilustrativo dos efeitos deste
processo de implantação de um grande projeto agroindustrial que não formou um
centro dinâmico e não parece ter beneficiado de forma significativa os demais
agentes. Nessa sub-região um estudo da Secretaria do Planejamento, Ciência e
Tecnologia do Governo da Bahia, apontou a influência da indústria de papel e
celulose. Ali, os maciços florestais foram introduzidos pela CAF Florestal e pela
Aracruz Celulose e em 1992 iniciou-se a produção de papel e celulose com a
implantação da fábrica da Bahia Sul Celulose. O projeto teve um total de
investimentos de cerca de US$ 1,1 bilhão. US$ 65 milhões seriam investidos no
Projeto Social, no qual 83% destinava-se à construção de casas para os
funcionários da empresa e implantação de infra-estrutura urbana em três núcleos
residenciais. Em telefonia seriam investidos 2% em Teixeira de Freitas, Mucuri e
Itabatã. Nas áreas de saúde e educação, os 13% investidos destinar-se-íam à
construção de hospital, ambulatório e escolas. Ainda conforme este estudo a
implantação da empresa induziu a “diversificação e modernização do setor terciário”
em Teixeira de Freitas, mas fez aparecer também áreas de favelas e invasões.
18
Um pólo de desenvolvimento seria constituído por um grupo importante de indústrias fortemente
relacionadas através de suas ligações de input-output a partir de uma indústria principal e
geograficamente agrupada. Indústria-chave se caracteriza pela utilização, para sua produção final, de
uma alta taxa de insumos intermediários provenientes de outras indústrias. A indústria-motriz,
caracteriza-se pela produção dos bens intermediários indispensáveis ao produto final de outras
indústrias a jusante. Somente criação efetiva de um pólo quando a indústria-chave é
simultaneamente uma indústria-motriz. FUNDAÇÃO CENTRO DE PROJETOS E ESTUDOS (BA)
1994.
89
Segundo o estudo, a prefeitura de Teixeira de Freitas afirmava que
após a implantação da agroindústria surgiram cinco novos bairros,
sendo que as receitas municipais são insuficientes para promover o
atendimento da infra-estrutura básica. O estudo indica ainda como
efeito do setor de papel e celulose nesse sub-espaço a sobrecarga do
suporte infra-estrutural sem uma contrapartida em termos da geração
de impostos municipais. (SUPERINTENDENCIA DE ESTUDOS
ECONÔMICOS E SOCIAIS DA BAHIA,1995).
Segundo Gonçalves, a produção de celulose e papel ...por
sua própria constituição, implica uma estratégia de ocupação intensiva
do espaço. De fato, a produção papeleira, em escala industrial, começa
na formação de extensas florestas homogêneas e encerra-se na grande
unidade fabril, dependente de boa faixa de terra e de cursos dágua de
porte. Exatamente por isso contribui para a desestruturação de formas
social, cultural e economicamente vigentes de produção, organização e
uso da natureza (GONÇALVES, 1992, p.2, apud COMPANHIA DE
DESENVOLVIMENTO E AÇÃO REGIONAL CAR (BA), 1994).
No início dos anos 2000, a cidade de Teixeira de Freitas virou
notícia na grande mídia porque seus habitantes, residentes na BR-101,
usavam placas para avisar aos motoristas que eles necessitavam de
comida. A reportagem mostrou imagens de pessoas muito necessitadas
e de uma região bastante empobrecida. Em 2006, uma outra
reportagem retrata no mesmo espaço da região de Teixeira de Freitas,
às margens da BR 101, a situação das pessoas implorando por comida
aos motoristas que passam pela estrada. A reportagem focalizava o
caso de pessoas que recebiam recursos de programas sociais do
Governo Federal supostamente sem necessitá-los, enquanto a situação
daqueles moradores das margens da rodovia continuava a mesma
vivendo à margem numa área apresentada como atravessada pela
modernização e o progresso.
90
3.2 DEBATE AMBIENTAL E DISCURSO EMPRESARIAL
O termo “ambientalização” é um neologismo que denota um processo
histórico de construção de novos fenômenos, um processo de interiorização pelas
pessoas, por diferentes grupos sociais e por discursos institucionais das diferentes
facetas da questão pública do meio ambiente (LOPES, 2004). A ambientalização
empresarial é o processo social de adoção de práticas e discursos ditos interessados
em resolver problemas sociais e ambientais. Tais problemas, tradicionalmente
tratados pos governos e ambientalistas, entretanto, no debate público recente, têm
sido apresentados por representantes de setores empresariais como problemas da
esfera dos interesses das próprias empresas.
No meio empresarial, os problemas ambientais, que
motivaram a preocupação e a busca de uma posição no debate
ambiental global, foram descritos por Schmidheiny (1992), porta-voz
internacional de dinâmicas de ambientalização das empresas, como
“uma grave ameaça”. Nos termos desse empresário, a ameaça
provém de “um planeta superlotado” que provavelmente terá
que suportar o dobro de pessoas no próximo século”; Outro
problema é que “não se está dando tempo para que os recursos
renováveis se renovem”. O uso excessivo ou mau uso dos
recursos naturais leva à perigosa poluição do ar, das águas e dos
solos. Isso poderia ocasionar mudanças no clima e nos sistemas de
circulação atmosférica.
A retórica empresarial, de matriz explicitamente neo-
malthusiana, que fez-se ouvir com força no período em torno à
realização da Conferência da ONU sobre Meio Ambiente e
Desenvolvimento de 1992, primeiramente buscou justificar os
problemas ambientais como sendo criados por dinâmicas distantes
dos processos produtivos, pelo aumento populacional ou pelo
comportamento humano em geral tido como “produtor de
escassez”. Assim, diz-se que os problemas são decorrentes da
91
“extrema rapidez” pela qual se o aumento da população. Afirma-
se que “as calamidades ambientais ocorrem por motivos variados,
mas todas elas se agravam pela pressão das aglomerações
humanas”. Nesse discurso, o consumo acelerado dos recursos
naturais” é causado pela “espécie humana”, que estaria “tirando
partido mais do estoque de capital do planeta do que dos seus
rendimentos”. Acusa-se a população global como responsável pela
“questão energética” definida pela queima de combustíveis fósseis:
gás, petróleo e carvão. “Em meados dos anos 80, o mundo estava
queimando o equivalente a 10 bilhões de toneladas de carvão por
ano...”. “...por volta de 2025 a população global estimada em mais
de 8 bilhões estará consumindo o equivalente a 14 bilhões de
toneladas de carvão.” Os países mais pobres são acusados pelo
aumento da população. “Mais de 90% do aumento populacional
ocorrem no mundo em desenvolvimento isto é, nos países mais
pobres”. Nesse discurso a humanidade” é responsabilizada pela
insustentabilidade e pelos problemas ambientais. (SCHMIDHEINY,
1992, p. 2)
[...] A pobreza, o rápido aumento populacional e a deterioração dos
recursos naturais muitas vezes ocorrem nas mesmas regiões, criando
um enorme desequilíbrio entre a quarta parte do paneta que vive nos
prósperos países industrializados e os três quartos restantes que
residem nos países em desenvolvimento. (SCHMIDHEINY, 1992, p.5)
Afirma Schmidheiny (1992, p. 5) que muito do que a
humanidade faz em nome do progresso é insustentável. Este autor,
empresário suíço, um dos porta-vozes da ambientalização
empresarial de perspectiva neo-malthusiana, sustenta que a
combinação dos dois problemas acima mencionados (aumento
populacional e desperdício dos recursos) concorreria para acelerar
92
a degradação do meio ambiente e seria a razão da transformação de
áreas agriculturalmente férteis em desertos; de florestas em pastos
de baixo valor; de terras úmidas de água doce em solos salgados e
estéreis; e de ricos recifes de coral em faixas de terra sem vida, nos
oceanos. O uso excessivo e o desperdício dos recursos seriam
acompanhados por um processo de aceleração da poluição da
atmosfera, das águas e dos solos com uma variedade maior de
substâncias persistentes no tempo.
Assim, o discurso empresarial ambientalizado propõe que
os problemas ambientais são causados pela humanidade, em
especial a parcela que menos se apropriou das riquezas existentes
na natureza ou geradas no sistema capitalista, até a atualidade.
É na década de 1990 que surgem as normas internacionais
de gerenciamento ambiental e desenvolvimento sustentável, tais
como a BSI 7750 (britânica)
19
, a EMAS - Eco Management and Audit
Scheme (da Comunidade Européia) e a série ISO14000
International Organization for Standardization, que constitui o SAGE
– Grupo Estratégico Consultivo sobre o meio ambiente
20
.
Num segundo momento, o discurso ambiental empresarial apresenta uma
mudança de estratégia de modo a sugerir a “ambientalização” do próprio modo como
dizem desenvolver-se as práticas de negócios. As mudanças, tal como listadas por
Holliday (2002,p.35) seriam: deixar de ver apenas custos e dificuldades no conceito
de desenvolvimento sustentável, para também considerar economias e
oportunidades; evoluir da adoção apenas de abordagens de fim de processo no
combate à poluição para o uso de tecnologias mais limpas e mais eficientes ao longo
de todo o sistema de produção e, num estágio seguinte, para o esforço de
integração dos princípios do desenvolvimento sustentável como parte componente
19
A BS 7750 – British Standarts Institutions (BSI) é uma norma britânica com versão definitiva
publicada em fevereiro de 1994. Baseou-se nos 16 princípios da Carta empresarial da Câmara de
Comércio Internacional – ICC.
20
Como primeira resposta à pressão dessas instituições, a primeira exportadora de celulose do
país a obter certificação foi a Bahia Sul Celulose, em 1995.
93
do próprio desenvolvimento da empresa; substituir abordagens de processamento
linear por abordagens de sistemas fechados; passar a encarar as questões
ambientais e sociais como atribuições de toda empresa, em vez de incumbências
apenas de certos especialistas e departamentos; adotar premissas de abertura e
transparência, no lugar da confidencialidade; fomentar discussões mais amplas com
os stakeholders, em substituição aos lobbies a portas fechadas.
A mudança de discurso implicava apresentar o
desenvolvimento sustentável como “oportunidade” e “fonte de
vantagem competitiva”, em vez de encargo. Ou seja, ao
“capitalizar” esses ativos, a empresa criaria condições para alguns
ganhos como sucesso perante os clientes, fortalecimento da marca,
obtenção da vantagem do pioneirismo, aumento da rentabilidade,
conquista da confiança do mercado que, nesta retórica, julgaria
favoravelmente o “quão bem a empresa explora as oportunidades
emergentes”.
Nesse contexto, o discurso de representantes do setor empresarial
incorpora o meio ambiente como justificativa para suas escolhas técnicas,
comerciais, administrativas e comunicativas. Afirma-se que em função do meio
ambiente, as empresas teriam ultrapassado o patamar das preocupações relativas
ao combate da poluição ao final do processo e teriam chegado ao nível de usar
tecnologias mais limpas e mais eficientes ao longo de todo o processo de produção.
Nesse discurso, as questões ambientais e sociais seriam consideradas como
atribuições de toda empresa. O meio ambiente seria também a razão pela qual as
empresas teriam adotado abordagens “mais sistêmicas” do processo produtivo. Por
outro lado, o discurso também incorpora o meio ambiente como ”oportunidade de
negócios”.
O processo de “ambientalização” do discurso empresarial teve início a
partir dacada de 1990. Conforme Schmidheiny (1992) em meados dessa década,
Maurice Strong, secretário geral da Conferência das Nações Unidas sobre Meio
Ambiente e Desenvolvimento de 1992, teria lhe pedido que apresentasse uma
perspectiva empresarial global sobre desenvolvimento sustentável, visando estimular
o interesse e o envolvimento da comunidade empresarial internacional. Cinqüenta
94
líderes empresariais foram convidados a participar do processo de preparação da
Conferência das Nações Unidas, como membros do Business Council of Sustainable
Development (BCSD) e iniciaram o trabalho de criação de uma agenda, sobre o
desenvolvimento sustentável, na perspectiva empresarial global, para ser
apresentada na Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e
Desenvolvimento de 1992. Para a elaboração dessa agenda, foi fundado o Business
Council for Sustainable Development (BCSD), com a participação de 50 líderes
empresariais como membros e foram organizados mais de 50 conferências,
simpósios e workshops, em mais de 20 países. Conforme Schmidheiny (1992),
foram criados grupos que assumiram o encargo de participar ativamente do
processo de preparação da Conferência. Os grupos se reuniam para estudar e
documentar as questões, consideradas importantes. O produto desse trabalho foi
editado no livro “Mudando o Rumo”, onde são apresentados pontos de vista e
experiências dos membros do conselho. Trata-se das medidas a serem tomadas no
estabelecimento de parâmetros para a indústria, "a fim de assegurar que os seres
humanos e as outras espécies continuem a ocupar um planeta seguro e generoso"
(SCHMIDHEINY,1992, p. 4).
Para estimular as companhias a assumirem o compromisso de melhorar
seu desempenho em termos de meio ambiente, procurou-se traduzir a restrição
ambiental, tradicionalmente vista como obstáculo à acumulação, nos termos de
ganhos competitivos e vantagens econômicas, afirmando-se que consumir energia
de maneira mais eficiente e reduzir a poluição global e local diminui os custos e
aumenta a competitividade. O desafio, nessa concepção, seria alcançar um
crescimento econômico considerado "limpo e eqüitativo". Para tanto seriam também
necessários, em convergência com os requisitos da liberalização hegemônica, que a
adesão à causa ambiental não viesse justificar a criação de novas regulações e
políticas, e pudesse garantir mercados abertos e competitivos, considerados
intrinsecamente na perspectiva do liberalismo econômico capazes de criar igualdade
de oportunidades entre as nações e indivíduos.
Dez anos depois da Rio-92, precedendo a Conferência Rio + 10 realizada
em Johanesburgo em 2002, uma nova publicação do Conselho Empresarial
21
foi
21
O Conselho passa a chama-se World Business Council for Sustainable Development (WBCSD) a
partir da publicação do The Business Case Sustainable Development: Making a Difference Toward
95
divulgada com a finalidade de atualizar os pontos de vista apresentados na época da
Conferência da ONU sobre Desenvolvimento e Meio Ambiente (UNCED-92). São
apresentados estudos de casos nos quais pretende-se demonstrar que as iniciativas
nas áreas ambientais e sociais teriam possibilitado ampla variedade de frutos
repercutidos nos resultados financeiros e também “beneficiando o planeta”.
Insistindo neste amálgama entre ganhos empresariais presentes e proteção da
humanidade futura, os representantes daquele conselho empresarial afirmavam que
é preciso mudar os modos de ser para garantir que o progresso seja sustentável, e
que ele atenda "às necessidades do presente sem comprometer a capacidade de as
futuras gerações atenderem às suas próprias necessidades". (SCHMIDHEINY,1992,
p. 329). Assim, veremos também na retórica do setor de celulose e papel em
operação no Brasil assertivas similares segundo as quais pretendem mostrar-se
convencidos de que o interesse da sociedade pelo desempenho das empresas no
tocante à sua responsabilidade social e ambiental é natural, porque "dessa
performance depende, em boa medida, a qualidade de vida de milhões de pessoas,
nesta e nas próximas gerações" (RELATÓRIO ARACRUZ, 2002).
Em resumo, tal processo de atualização discursiva inscreve-se num
movimento inicialmente defensivo, quando se tenta mostrar que a degradação
ambiental não se associa à operação dos mecanismos de mercado, mas sim ao
excesso de população e a práticas desenvolvidas por populações pobres, para em
seguida, avançar para uma perspectiva afirmativa, segundo a qual a extensão dos
mecanismos de mercado seria a solução para a crise ambiental, que teria na própria
auto-regulação das empresas o caminho para compatibilizar a rentabilização dos
capitais com a proteção da integridade da base material do desenvolvimento. A
conservação do meio ambiente e o desenvolvimento empresarial bem-sucedidos,
alcançados por meio da modernização dos processos produtivos, passaram assim a
ser apresentados como dois aspectos indissociáveis do "progresso da civilização
humana".
the Johannesburg Summit 2002 and Beyond realizada para a Conferência Mundial sobre o
Desenvolvimento Sustentável de 2002.
96
3.2.1 Modernização ecológica
O debate atual em sociologia ambiental, segundo Buttel,
esteve dando ênfase à explicação das possibilidades de promoção de
melhoria ambiental em lugar de concentrar-se em explicar as causas da
degradação ambiental. Buttel (2001) relaciona o que ele qualifica como
sendo quatro mecanismos-chave que os sociólogos ambientais
tenderam a identificar como estratégias ou rotas para a melhoria
ambiental: (1) movimentos ambientalistas; (2) sustentação ou aumento
da capacidade reguladora ambiental de governos, (3) "modernização
ecológica", noção de que sociedades industriais modernas podem
resolver problemas ambientais por meio de desenvolvimento
intensificado de tecnologia industrial inovadora, por eficiência
ecológica na produção e consumo, e por marketing verde, bem como
por meio de novas práticas administrativas estratégicas, e (4) por meio
do "internacionalismo ambiental", a noção de que devido à dimensão
global dos problemas ambientais e à importância de "globalizar" as
instituições socioeconômicas, a rota mais eficaz para a proteção
ambiental seria por meio de acordos e regimes ambientais
internacionais, assim como de organizações internacionais de
governança.
Os quatro processos são considerados importantes para
Buttel, e as escolhas entre eles não precisariam ser feitas, uma vez
que, sustenta ele, "há conexões significativas entre as quatro
imagens". Mas, a idéia da modernização ecológica tornou-se a resposta
dominante das sociedades contemporâneas para o chamado desafio
ambiental. Esta estratégia emergiu como uma tentativa de resposta aos
efeitos colaterais tidos por indesejáveis, próprios da sociedade
industrial.
Neste contexto, a introdução da noção da sustentabilidade no
discurso empresarial representa o esforço de apresentar ao público
uma preocupação com a duração da base material do planeta no tempo
e com a estabilidade do sistema ambiental. Como solução,
acrescentam-se à retórica empresarial os princípios da modernização
97
ecológica, através da qual pretende-se sustentar que os problemas
serão resolvidos por meio da contínua melhoria de padrões técnicos,
sendo que as ações de enfrentamento destes mesmos problemas
poderiam ser transformadas em oportunidades, sem referência,
portanto aos mecanismos de poder que distribuiriam desigualmente as
condições de acesso e o controle sobre os recursos ambientais.
A noção de modernização ecológica propugna a idéia da
possibilidade da conciliação entre o crescimento econômico e a
resolução de problemas ecológicos, sem discutir a necessidade de
mudanças nas relações de produção ou alterações nos mecanismos
regulatórios das dinâmicas técnicas e locacionais da produção
capitalista. Nessa perspectiva, o princípio do crescimento insustentável
é substituído pelo princípio da auto-restrição, considerando que os
cuidados de internalização do meio ambiente e as conquistas na área
da comunicação venham a iniciar novos círculos de busca por inovação
tecnológica, possibilitando um crescimento econômico qualificado,
configurando o que se procurou chamar de "desenvolvimento
sustentável".
Modernização ecológica é assim a noção que pretende
justificar o entendimento segundo o qual sociedades industriais podem
resolver problemas ambientais por meio de desenvolvimento
intensificado de tecnologia industrial inovadora, por eficiência
ecológica em produção e consumo, e por marketing verde bem como
por meio de novas práticas administrativas estratégicas (HUMPHREY,
LEVIS, BUTTEL, 2001). Nesta concepção, a emergência dos problemas
ambientais é apresentada como causada por falhas que podem ser
resolvidas por meio de melhorias em termos de processos gerenciais e
tecnológicos. É depositado um alto grau de confiança nos peritos e nas
elites políticas, bem como é renovada a convicção na possibilidade de
domínio e controle das dinâmicas empresariais de artificialização dos
ecossistemas. Compara-se, para os fins de convencimento do próprio
empresariado, ao mesmo tempo justificando a necessária operação dos
mecanismos de mercado, a "sustentação do planeta" à sustentação de
uma corporação. "Ambas requerem equilíbrio entre gestão em longo
98
prazo e gestão em curto prazo", sugere-se num esforço de atribuição
de responsabilidades ambientais planetárias aos executivos das
corporações empenhados na obtenção primeira da lucratividade
empresarial.
Esta retórica empresarial sustenta assim que o crescimento
econômico em todas as regiões do mundo é essencial para melhorar os
meios de vida dos pobres, para sustentar a população crescente e,
eventualmente, estabilizá-la em nível adequado, afirmando que as
novas tecnologias serão necessárias para possibilitar o crescimento,
aliadas ao uso mais eficiente da energia e dos demais recursos, assim
como à geração de menos poluição (SCHMIDHEINY, 1992).
Entre as análises críticas feitas sobre as dinâmicas da
modernização ecológica, Hajer (1995) aponta que esta estratégia aceita
a existência do problema ambiental, mas estrutura-o exclusivamente
em termos monetários ou no âmbito das mudanças de estado físico ou
químico dos recursos. Se por um lado isto facilita sua incorporação por
meio de processos de tomada de decisão política e econômica, por
outro lado, evita apontar as contradições sociais básicas, dedicando
pouca atenção para aspectos da democracia ou da desigualdade,
conexos à pretendida reforma ambiental. Esse autor também aponta
no aparecimento da noção de modernização ecológica um programa
sócio-político de reforma, tendo por fim enfraquecer a convicção na
incompatibilidade entre o capitalismo de alta tecnologia, por um lado, e
a sustentabilidade ecológica, por outro. A adesão às estratégias
embutidas em tal noção facilitaria a continuação das práticas sócio-
econômicas estabelecidas (com adaptações), enquanto, ao mesmo
tempo, confirmaria a crença de que a sociedade está empreendendo
umarevolução ecológica. Além do mais, haveria a possibilidade de
que a estratégia da modernização ecológica não venha a produzir os
resultados esperados se a expansão capitalista continuar no mesmo
ritmo (HAJER, 1995, p. 212)
Bluhdorn (2000, p. 211), por sua vez, critica o fato de tal
estratégia discursiva não tratar das questões mais importantes. Sugere
que a distribuição de e participação em oportunidades de vida são,
99
antes de tudo, questões com as quais uma adequada teoria
contemporânea eco-política deve negociar. No entanto, numa redução
economicista, "os proponentes da modernização ecológica sugerem que
suas estratégias irão restaurar o balanço entre a natureza e a
sociedade moderna".
Para Blowers (1997), a modernização ecológica, seria uma
teoria da técnica, um discurso político e, apenas para alguns, um bom
sistema de convicção. Seus protagonistas contextualizam a mudança
ambiental não como resultado de uma crise, mas como uma
oportunidade, considerando que o processo de inovação industrial,
encorajado pela economia de mercado e facilitado pelo Estado, teria
capacidade de assegurar a conservação ambiental. O constrangimento
ambiental poderia, assim, ser acomodado na mudança do processo
produtivo e na adaptação institucional.
Na interpretação de Carneiro (2005, p. 22), a partir dos anos
1990, em correspondência a pretensões economicistas como a de
modernização ecológica, as próprias ciências sociais teriam
renunciado ao esforço de apreensão de conjunto das determinações
estruturais da ordem social existente, restringindo os debates à
análise e discussão das diferentes formas por meio das quais as
diversas nações e regiões do globo poderiam avançar rumo à forma de
máximo desenvolvimento social, a saber, a democracia capitalista dos
países industrializados. As ciências sociais estariam imersas na onda
geral de aconceitualidade tendo a noção de desenvolvimento
sustentável como seu instrumento perfeito. Assim, o autor se coloca
ao lado de outros que têm como eixo a reflexão crítica sobre os nexos
entre as práticas sociais de apropriação das condições naturais e os
fundamentos da sociedade capitalista em seu atual estágio de
desenvolvimento histórico (CARNEIRO, 2005, p. 22).
Carneiro desenvolve, assim, uma crítica da noção de
desenvolvimento sustentável como ideologia de legitimação do status
quo. O sistema, além da contradição primária entre forças produtivas e
relações de produção, teria uma contradição entre o conjunto das
forças produtivas e relações de produção de um lado e do outro as
100
condições de produção capitalistas. Grande parte das condições
gerais ou pressupostos sociais da produção utilização do espaço
urbano como locus do consumo e da circulação de automóveis; o uso
dos gases da atmosfera para a combustão de energias fósseis e para
descarga dos dejetos dessa combustão; a utilização de águas fluviais
para a geração de energia, para a irrigação, para processos industriais,
para o escoamento dos detritos industriais, para consumo humano etc.
Tais condições são em geral, tomadas pela produção de mercadorias
como dadas, no entanto, seu provimento (regular e contínuo) não pode
ser assegurado apenas pelo funcionamento espontâneo do jogo da
rentabilidade praticado no mercado. Assim, o sistema conduz à
degradação dessas condições. A concorrência precipita os capitais pela
externalização dos custos de produção e de provimento das condições
de produção. Por outro lado, crescem continuamente os custos das
tarefas de provimento das condições naturais de produção, tarefas que
devem ser operadas pelo Estado e custeada pela tributação de
parcelas crescentes do valor excedente produzido. O resultado seria
uma crise de subprodução devido à compressão da massa de lucro
privado e ao encarecimento das condições gerais de produção, o que
torna mais problemático o financiamento das ações estatais
necessárias à mitigação dos efeitos das duas contradições do
capitalismo. Essas duas contradições se articulariam produzindo crises
de realização da mais-valia, conduzindo a dificuldades por parte das
ações estatais para mitigar efeitos provocados pela operação de
mecanismos cegos por meio dos quais se desenvolvem as duas
contradições estruturais do capitalismo. O uso capitalista das
condições naturais como condições do processo de acumulação de
riqueza abstrata choca-se com outras formas de apropriação social das
condições naturais, seja para fins de produção de valores de uso em
moldes não capitalistas, seja para fins científicos ou lúdicos, seja como
fundamento da vida orgânica ou da identidade territorial de
determinadas populações e comunidades.
O autor sugere, assim, que um desenvolvimento sustentável
entendido como compatibilização entre a continuação indefinida da
101
acumulação capitalista e a reposição, também indefinida, de suas
condições naturais de possibilidade, está limitado por força de uma
contradição existente na ação do Estado. Ele sustenta queo próprio
desenvolvimento auto-contraditório do capitalismo tende a produzir o
estrangulamento cada vez mais incisivo das possibilidades de
financiamento das ações estatais destinadas ao provimento e gestão
política das condições naturais, atividades imprescindíveis à
continuidade da acumulação de riqueza abstrata. E a própria ação
estatal de provimento das condições gerais de produção é condição
sine qua non do desenvolvimento do processo de acumulação
capitalista, processo que leva a crises de realização de valor, as quais,
por sua vez, estiolam as possibilidades de financiamento daquela ação
estatal Para este autor, a questão situa-se no fato que o sistema
produz ele próprio problemas de financiamento da reposição das
condições naturais como condição da produção de mercadorias e de
outros usos sociais.
Ainda conforme Carneiro, citando Foladori (2001, p.102), nos
trabalhos fundados no discurso do desenvolvimento sustentável, onde a
humanidade ameaça os limites da biosfera e assim constitui-se a crise
ambiental, obscurece-se o fato de que os problemas ambientais da
sociedade humana surgem como resultado da sua organização
econômica e social e [...] qualquer problema aparentemente externo se
apresenta, primeiro, como um conflito no interior da sociedade
humana. Nessas concepções, ou seja, os problemas ambientais
apresentados nesses trabalhos são: depleção de camada de ozônio,
efeito estufa, contaminação dos mares e rios, a perda da
biodiversidade, a devastação florestal etc. que colocam em risco a
existência da vida na Terra.
A fragilidade desses trabalhos estaria na falta de uma análise de
conteúdo das relações de produção vigentes e de como a lógica da produção por
elas gerada enquadra os conflitos sociais em torno da apropriação das condições
naturais. São trabalhos que assumem os pressupostos da ideologia do
desenvolvimento sustentável, ficando “inexoravelmente” incapacitados precisamente
102
para discutir o que se desenvolve e, portanto, se isto que se desenvolve pode fazê-
lo sem destruir as condições naturais.
[...] E é por estarem impedidos de empreender uma discussão desse tipo
que tais trabalhos supõem ser possível e desejável reorientar politicamente
o “desenvolvimento” (capitalista) de forma a torná-lo ecologicamente
sustentável e socialmente igualitário
”.
(CARNEIRO, 2005, p. 22)
Afirma o autor que assim, existe uma recusa tácita da ideologia do
desenvolvimento sustentável em revelar seus nculos com os interesses objetivos
do capital e em discutir os nexos entre as relações capitalistas de produção e seus
impactos sobre as condições naturais.
[...] Esse silêncio conceitual, essa censura primordial ubíqua, não
explicitamente enunciada, permite tomar como natural e incontornável a
forma especificamente capitalista de apropriação das condições naturais”.
(CARNEIRO, 2005, p. 22)
O sistema capitalista é orientado para a acumulação de riqueza abstrata,
como explica Marx e o interesse na acumulação de riqueza abstrata é um fim em si
mesmo. Desse modo há uma contradição estrutural inarredável entre, de um lado, a
reprodução social orientada para o aumento indefinido do volume de mercadorias e
de riqueza abstrata, expresso em quantidades de moeda, e, de outro lado, a
consideração das qualidades específicas dos elementos, seres, condições e
processos naturais da biosfera que se prestam a outros usos sociais e à própria
reprodução dessas condições e processos. A ideologia do desenvolvimento
sustentável “avaliza” a possibilidade de domesticação política dessa lógica
essencialmente destrutiva da economia de mercado. Dessa maneira, sustenta
Carneiro, não haverá mais a possibilidade de qualquer desenvolvimento e ainda
menos de um que possa ser politicamente direcionado para qualquer alvo
conscientemente prefigurado menos ainda se esse alvo for a sustentabilidade
ecológica.
3.2.2 Discurso da sustentabilidade no Extremo Sul da Bahia
É perceptível a adesão das empresas de celulose e papel, presentes no
Extremo sul da Bahia, aos princípios sicos do que se tem chamado de
103
“modernização ecológica”. Como exemplos de práticas apresentadas como
ambientalmente sustentáveis e orientadas por tal tipo de modernização,
desenvolvidas na região da pesquisa e consideradas como resultado dos esforços
de inovação justificados pela vontade de resolver os problemas ambientais da região
e alcançar um desenvolvimento sustentável, são citados pelas empresas nos
relatórios anuais de 2003 e 2004 da Aracruz Celulose S. A., uma das controladoras
da Veracel
22
:
a) O desenvolvimento de um método, a partir de cnicas de clonagem,
que possibilitou o cultivo de madeira uniforme, simplificando o processo de sua
transformação em celulose. Este clone leva apenas sete anos para crescer e atingir
a maturidade, tempo considerado muito reduzido, se comparado a outras espécies.
Essas práticas incluem a seleção de áreas mais adequadas para o plantio de
eucalipto; manejo de resíduos da colheita; preparo do terreno para novos plantios;
adubações para atender às demandas nutricionais das plantas e melhorar as
propriedades do solo; dimensionamento adequado de equipamentos e planejamento
de operações visando ao controle de processos erosivos e de compactação do solo;
manutenção da água das chuvas na área de plantio, evitando perdas superficiais ou
a contaminação dos cursos d'água; e favorecimento da ciclagem de nutrientes e
matéria orgânica.
b) A adaptação de máquinas e equipamentos agrícolas para que o
processo de corte das árvores de eucalipto não provoque compactação do solo;
c) A fabricação, nas suas próprias instalações, de todos os produtos
necessários à produção da celulose (clorato de sódio, cloro e soda cáustica);
d) criação de tecnologia para evitar o uso do mercúrio no processo
produtivo;
e) Investimento em melhoras no processo de lavagem da polpa, para
substituir o cloro elementar;
f) Tratamento dos efluentes líquidos antes de serem lançados no mar
através de um emissário submarino a 1.700 metros de distância da costa;
22
Conforme relatório de 2003 da Veracel “a Veracel é fruto da junção do conhecimento tecnológico
de duas líderes do setor de papel e celulose. A Aracruz, maior produtora de celulose de fibra curta de
mercado do mundo, e a Stora Enso, maior produtora mundial de papel e cartão”. Consideraremos que
as técnicas que são utilizadas na Aracruz Celulose podem ser vistas como análogas às práticas da
Veracel.
104
g) Utilização dos resíduos industriais e cascas de árvores, a biomassa
para suprir mais a necessidade de energia da fábrica;
h) Monitoração contínua da fertilidade do solo.
Ao referir-se ao desempenho da empresa junto às comunidades locais,
menciona-se o montante de recursos econômicos gerados; o montante de receitas
de exportação acumuladas no período; a posição da empresa entre as cinco
maiores geradoras de divisas líquidas no setor industrial brasileiro; o montante do
valor reinvestido no próprio empreendimento, como indicador da sua disposição para
proporcionar novas oportunidades de desenvolvimento; o volume de recursos
financeiros que foram gastos com aquisições de materiais, produtos e serviços, nas
próprias regiões, a geração de empregos indiretos.
A lógica do mercado também aparece nas ações dirigidas à solução de
problemas sociais. Entre as práticas citadas pela empresa estão, separadas por
áreas: geração de emprego e renda: criação de oportunidades de emprego e renda
para comunidades carentes do extremo-sul da Bahia pela implantação de viveiros
comunitários para a produção e comercialização de mudas nativas;
A empresa informa ações na área de saúde: atendimento a 400 pessoas
de comunidades vizinhas, dentro do projeto Cidadão Saúde: em parceria com o
BNDES, esse projeto visa promover “ações educativas de saúde, com foco na
prevenção”. Informa também a empresa que “ofereceu assistência odontológica,
dentro do projeto Parceiro 2000”.
Na área educacional informa a empresa o atendimento a 600 pessoas
carentes provendo cursos de informática e o apoio ao Programa de Educação
Ambiental (PEA) para professores do ciclo do Ensino Fundamental de municípios
do extremo-sul da Bahia, bem como a promoção do Programa de Educação
Ambiental para 400 produtores rurais participantes do Programa de Fomento
Florestal.
Diz a empresa também que presta apoio ao contingente da
Polícia Militar alocado em área de influência e que fez doação de 5
mil toneladas de lama de cal a produtores rurais.
Quanto ao relacionamento da empresa com populações
indígenas, menciona-se: o aumento dos recursos destinados a projetos
de geração de renda para as comunidades; o comprometimento de
105
custear até 41 bolsas de estudo por ano para alunos indígenas que
cursarem a faculdade; o apoio a um programa visando aumentar a
empregabilidade dos membros das comunidades indígenas; a
realização de estudos e obras de recuperação de rios situados nas
aldeias; o fornecimento de mudas nativas e apoio técnico para projeto
de reflorestamento; doação de uma escola que atende a mais de 100
crianças indígenas em idade escolar, com uma infra-estrutura única.
Com área construída de 600 m2, a escola dispõe de três salas de aula,
biblioteca, refeitório, sanitários, salas administrativas, pátio interno e
quadra poliesportiva.
Analisamos a seguir o discurso empresarial ambientalizado,
enfocando o caso específico do discurso da Veracel Celulose S.A., tal
como expresso nos Relatórios Anuais da empresa, disponíveis na
internet no mês de agosto de 2005. Para entender como a empresa
está construindo a sua noção de sustentabilidade, bem como a crença
na mesma, foram coletados alguns enunciados divulgados nos sites
institucionais da empresa.
A primeira menção à noção de sustentabilidade observada
relaciona-se com a caracterização do perfil da empresa em termos de
um conjunto de atributos morais como respeito, responsabilidade,
credibilidade na relação com o que é externo à empresa:
[...] Sustentabilidade é uma “palavra (que) sintetiza um conjunto de normas
e atitudes hoje amplamente utilizadas pelas empresas social e
ambientalmente responsáveis. Diz respeito à qualidade, transparência e
credibilidade no relacionamento da empresa com seus diversos públicos.
Todas essas relações devem ser pautadas pela ética, o respeito, a
responsabilidade social, o crescimento econômico ambientalmente
sustentado, a busca do bem-estar das atuais e futuras gerações.
(VERACEL, 2005)
[...] A Veracel hoje lidera um importante ciclo de desenvolvimento
econômico na região: a empresa gera impostos, empregos e renda, compra
serviços e produtos de fornecedores locais, investe em projetos sociais e
ambientais e de infra-estrutura urbana e rural
·23
. (VERACEL, 2005)
O discurso é enfático quanto à sustentabilidade dos plantios
.
R
eiteradamente afirma-se que a partir de 2005, se estará produzindo
23
http://www.veracel.com.br/pt/perfil_hoje.htm - acesso em 08/08/2005.
106
900 mil toneladas por ano de celulose branqueada de eucalipto ECF,
exclusivamente a partir de plantios sustentáveis
24
. (VERACEL, 2005)
Uma segunda componente do discurso é a renovação,
preservação, recuperação da base de recursos, com uma menção
conexa à valorização de quem vive próximo à empresa, sugerindo a
admissão de que a ameaça à base de recursos significaria ameaça às
populações locais, dado o estabelecimento de uma correlação entre
´preservar recursos e valorizar as populações locais.
[...] Sustentabilidade. Produzir celulose de forma sustentada
a partir de plantações renováveis. Atuar localmente com
visão de mercado global. Qualificar e valorizar quem vive
próximo à empresa. Preservar e recuperar os recursos
naturais. Fazer da atividade econômica fonte geradora de
riqueza e bem estar para todos. Isto é sustentabilidade. Esta
é a Veracel. (VERACEL, 2005)
Quanto à relação com o território onde o empreendimento veio
se instalar, a retórica sublinha um empenho supostamente
conservacionista, de composição paisagística, fomento da
biodiversidade e ânimo científico por parte da ação empresarial, em
contraste com o caráter reconhecidamente monocultural da atividade
de plantio.
[...] Conservação e recuperação da Mata Atlântica,
fomentando o conhecimento sobre a biodiversidade local
através de parcerias com instituições científicas e
desenvolvendo ações de educação ambiental, tendo como
principais agentes a Estação Veracruz e o Programa Mata
Atlântica Veracel. Planejamento de plantios utilizando o
conceito de paisagem mosaico, priorizando a aquisição e
manejo de áreas já alteradas pelo homem. (VERACEL, 2005)
O apreço empresarial ao ecossistema original não se limita,
nesse discurso, à preservação dos remanescentes, mas também à
sua recriação onde áreas não utilizadas pelo monocultivo da empresa
são recobertas por reservas de Mata Atlântica:
[...] Quase a totalidade das áreas que não são utilizadas no
programa de manejo florestal está sendo recoberta por
reservas de Mata Atlântica, num programa ambiental que visa
24
http://www.veracel.com.br/pt/sustentabilidade.htm, acesso em 30/08/2005 às 00:49h.
107
recuperar e preservar os remanescentes deste que é um dos
mais importantes ecossistemas florestais do Brasil. O
programa Mata Atlântica tem por objetivo conservar, manejar
e proteger mais de 70 mil hectares de áreas cobertas por
remanescentes deste rico ecossistema, em diferentes
estágios de conservação. (VERACEL, 2005)
A empresa estaria, por outro lado, na base da reconstituição
de uma herança cognitiva que, ao que sugere o discurso empresarial, a
imprevidência dos que a precederam na área haveria desfeito,
enfatizando a benevolência dos programas desenvolvidos pela empresa
para a reconstituição da Mata Atlântica:
[...] O programa propiciou a consolidação e disseminação de
uma série de informações e conhecimentos a respeito da
manutenção e recuperação da biodiversidade original.
(VERACEL, 2005)
[...] A tecnologia de recuperação ambiental desenvolvida pela
Veracel hoje está à disposição de entidades e dos
proprietários rurais da região, visando ao desenvolvimento de
trabalhos de parceria para recomposição completa e
harmoniosa da mata. (VERACEL, 2005)
[...] O nosso Sistema Integrado de Gestão contempla os
princípios: de conservação e recuperação da Mata Atlântica,
fomentando o conhecimento sobre a biodiversidade local
através de parcerias com instituições científicas e
desenvolvimento ações de educação ambiental, tendo como
principais agentes a Estação Veracruz e o Programa Mata
Atlântica Veracel. (VERACEL, 2005)
Há também referência, por parte da empresa, à sua atuação
como agente de desenvolvimento regional.
[...] A Veracel hoje lidera um importante ciclo de
desenvolvimento econômico na região: a empresa gera
impostos, empregos e renda, compra serviços e produtos de
fornecedores locais, investe em projetos sociais e ambientais
e de infra-estrutura urbana e rural. (VERACEL, 2005)
[...] A Veracel trouxe um novo ciclo de desenvolvimento
econômico e social para uma extensa região do Extremo Sul
da Bahia, historicamente marcada pela pobreza e pela
estagnação econômica. Além de importante fator para a
dinamização da região, a empresa assume ainda seu papel
como agente socialmente responsável, desenvolvendo
projetos de inclusão social junto às comunidades dos
municípios onde atua. (VERACEL, 2005)
108
[...] A Veracel é o centro de uma cadeia econômica,
movimentada a partir das atividades que desenvolve e dos
serviços que adquire. Além disso, a Veracel mantém diversos
programas específicos de articulação com os produtores e
empreendedores da região. (VERACEL, 2005)
[...] O fomento florestal é uma atividade vantajosa para todos:
para a Veracel, garante o suprimento de madeira para a
produção de celulose; para os proprietários rurais, é uma
fonte de renda adicional. (VERACEL, 2005)
Por fim, a monocultura de eucalipto é apresentada como
solução para a baixa fertilidade dos solos:
[...] Os solos são pouco férteis, limitando a diversidade de
cultivos agrícolas (...). Por serem profundos e de topografia
plana, estes solos se adequam ao plantio de florestas
comerciais. Estas características fazem do Extremo Sul da
Bahia uma das melhores regiões do mundo para o cultivo do
eucalipto, que cresce em ritmo de até 10 vezes mais rápido
do que em alguns países europeus. (VERACEL, 2005)
Em síntese, o discurso ambientalizado acima descrito
condensa, ao fim e ao cabo, na auto-representação da empresa uma
vasta gama de qualidades morais e de respeito à alteridade, de
propósitos cognitivos e de construção paisagística, de cultivo de
diversidade biológica e reconstituição de florestas nativas, de
recomposição de áreas que foram degradadas por agentes
ambientalmente irresponsáveis e promoção econômica e social das
populações locais, sustentando ser a presença local da monocultura um
poderoso agente do desenvolvimento regional, capaz de fazer dos
solos extremamente pobres a melhor área do mundo para o plantio
comercial do eucalipto.
109
3.3 O DEBATE PÚBLICO E AS POSIÇÕES DOS AGENTES
Observa-se na região um permanente debate público aberto a partir da
aprovação, em 1989, do licenciamento da primeira fábrica de celulose da região, a
Bahia Sul Celulose, debate intensificado em fase mais recente, concomitantemente
com a emergência do discurso empresarial ambientalizado do desenvolvimento
sustentável e com a implantação da unidade Veracel, do complexo empresarial no
extremo sul da Bahia.
Nesse capítulo buscaremos evidenciar as posições dos agentes
envolvidos neste debate quanto ao modo pelo qual se implantaram e expandiram as
atividades de plantio monocultural de eucalipto na região. Foram registradas
amostras discursivas, recolhidas junto a uma diversidade de atores sociais locais em
diferentes seminários, encontros e fóruns promovidos por instituições públicas como
a representação do IBAMA Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos
Naturais Renováveis/regional, ONGs como o CEPEDES Centro de Estudos e
Pesquisas para o Desenvolvimento do Extremo Sul/Ba e movimentos sociais
integrantes da Rede Alerta Contra o Deserto Verde.
3.3.1 Mídia e governo
O discurso prevalecente em órgãos da mídia nacional inclui a
monocultura de eucalipto no rol de empreendimentos do agronegócio
que assegurariam a apropriada inserção competitiva da economia
brasileira no mercado internacional. Por ocasião da ocupação de uma
área plantada com eucalipto, pertencente à Veracel, em 2004 foi
incisiva a defesa da presença da empresa na região pela grande
imprensa, para quem as invasões de terras produtivas" teriam
começado a provocar danos no Brasil que dá certo" o agronegócio.
Nesta perspectiva, o agronegócio é apresentado como um dos setores
que mais gera postos de trabalho e mais contribui para o crescimento
do PIB brasileiro. O MST, segundo a grande imprensa, ao ocupar as
terras plantadas com eucalipto, teria agredido uma das atividades
econômicas mais produtivas do Estado da Bahia (Lima, 2004, p.44),
colocado obstáculos à vinda de investimentos para o país, prejudicando
110
os próprios trabalhadores, que precisam de empregos e que poderão
ficar sem os mesmos, caso os investidores estrangeiros venham a
desistir dos projetos de implantação de novas fábricas no Brasil”. Ressaltou-
se que a Veracel, proprietária das áreas invadidas, iria construir uma fábrica que
deveria gerar 10.000 empregos diretos e indiretos, na região. Tal argumento
apoiava-se, por outro lado, numa desqualificação da agricultura familiar, que “não
produz resultados econômicos expressivos”.
Em contraposição ao questionamento da “produtividade” das terras
plantadas com monocultura de eucalipto, sentido que estava expresso na referida
ação do MST, a “exaltação do agronegócio” é parte de um esforço nacional de
legitimação. É o que sugerem as freqüentes manchetes da grande imprensa: “A
força do campo: A produção da agricultura cresce 4,3% no primeiro trimestre e salva
o PIB, enquanto o resto da economia não decola”. (VEJA, 2002). “O motor que faz o
Brasil andar: o capital intensivo e a alta tecnologia fizeram do campo brasileiro uma
ilha de primeiro mundo que cresceu 8% no primeiro trimestre” (VEJA, 2002);
“Agricultura, o motor do Brasil: o ritmo de crescimento da economia do campo é
seis vezes maior que a dia de toda a economia nacional. E vem nova safra
recorde” (VEJA, 2003). “O MST ataca o Brasil que certo”. (VEJA, 2004). Tal
estratégia não se manifestou de forma unânime junto à mídia local. Uma parte da
imprensa sugere Barbosa (2004), não defendia os desmandos realizados por
empresas terceirizadas pela Veracel”.
No âmbito governamental, a representação do estado da Bahia no
Senado Federal pediu providências ao governo federal para impedir "as agressões
do MST Movimento dos trabalhadores Sem-Terra contra o agronegócio". Afirmava
então que "essas agressões são prejudiciais à sociedade porque afetam o setor
mais dinâmico da economia do país, responsável pelos resultados positivos da
balança comercial do Brasil". Desse ponto de vista, era tida por inaceitável a invasão
de propriedade produtiva como a da Veracel pelo MST, pois colocava em risco o
investimento feito por investidores suecos, finlandeses e brasileiros, que “podem ir
ficando desconfiados e podem retirar recursos da ordem de US$1,25 bilhão
(CORREIO DA BAHIA, 2004, p.3). No dia do lançamento da pedra fundamental da
fábrica de celulose da Veracel, em outubro de 2003, o ex-Governador da Bahia,
Senador Paulo Souto, reafirmou a “vocação natural” da região, afirmando que
“somente no sul da Bahia e em nenhum outro lugar tão abençoado por Deus, com
111
sol e chuva abundante, a luminosidade e umidade naturais conseguem 20% a
menos do tempo necessário de crescimento, corte e rebrota dos eucaliptos
(JBECOLOGICO, 2003, p.15).
Num sentido diametralmente oposto, no plano municipal, o prefeito de
Porto Seguro, em agosto de 2005, que fora prefeito de Belmonte, cidade vizinha
de Eunápolis, Jânio Natal, disse que:
[...] a Veracel não trouxe nenhum retorno de progresso para o município”.
Por esta razão afirmava estar enviando para a Câmara um projeto de lei
que proíbe qualquer plantação de eucalipto no município de Porto Seguro.
“Esta lei será enviada à Câmara, para a proibição de novos plantios de
eucalipto, para que a gente possa ter maior riqueza a nível de produção
rural, evitando-se assim que os pequenos trabalhadores venham a ser
colocados para fora de suas terras, produzindo com isso imensos prejuízos
para o nosso município. Vou fazer uma reunião com os nobres colegas
vereadores para que eles possam entender essa decisão e assim
possamos pensar em algum retorno para o nosso município. Porto Seguro
é o município que está sendo mais atingido com o êxodo rural e, diante
dessa posição, vamos tomar juntos essa decisão para o bem comum do
município.Outro problema grave é a questão do mau cheiro produzido pela
fábrica, que está incomodando a população e tenho recebido muitas
queixas através de cidadãos e entidades ambientalistas. Vamos nos reunir
e de alguma forma demonstrar a nossa insatisfação. (JORNAL PORQUÊ?,
2005)
Esta posição crítica expressa no plano político local, repercute uma
dinâmica mais geral de estruturação progressiva de umlo de resistência por parte
de um conjunto de organizações da sociedade civil, como veremos a seguir.
112
3.3.2 Posições contrárias aos discursos e práticas empresariais do setor na
região
Os trabalhadores Terceirizados
Uma parte dos trabalhadores da empresa é terceirizada e organizações
sindicais questionam a capacidade de geração de empregos anunciada pelos
representantes empresariais e a grande imprensa, manifestando seu
descontentamento com o rodízio de empregos: “as empresas que prestam serviços
terceirizados o dão ao empregado o mínimo de segurança”, “fazem contrato de
experiência, por um período máximo de três meses e ao final deste tempo, demitem
e o pagam os seus verdadeiros direitos e ainda burlam as leis federais com o
FGTS, INSS, 13º, rias e assim por diante”. “... e a Veracel, distante do problema,
apenas administra a situação”, afirma Barbosa (2004).
O Instituto Observatório Social
25
(2005) publicou que o SINDICELPA – Sindicato dos
trabalhadores nas indústrias de papel, papelão e cortiça do Estado da Bahia e o
SINAP – Sindicato Nacional dos Papeleiros, denunciaram que há um contraste
“brutal” nas relações sindicais. Conforme esses atores, diante de todo o
desenvolvimento do setor industrial brasileiro, apesar de toda a evolução dos lucros
das empresas de papel e celulose “elas oferecem aumentos salariais muito baixos,
pouco mais de 1% de aumento real, para seus trabalhadores”.
Outros aspectos são apontados relativos a essas relações trabalhistas,
conforme o sindicato. Por exemplo, denuncia o sindicato que sempre que
movimentação dos trabalhadores as indústrias, na região, colocam um contingente
policial dentro da fábrica, “privatizando um serviço público pago por toda a
população como se fossem seus seguranças particulares”.
A busca da desmobilização e enfraquecimento dos movimentos o
também ações dessas empresas, acusa o SINDICELPA.
[...] Outro exemplo primitivo e medieval é a coação aos trabalhadores para
não participarem das assembléias e as listas que circulam no seu interior,
capitaneada por chefes, para que os trabalhadores assinem, por livre e
espontânea pressão, se dizendo favoráveis às propostas da empresa,
25
http://www.observatoriosocial.org.br/portal/. Acesso em Agosto 2006.
113
mesmo após rejeição em assembléia democrática e com voto secreto
26
.
(SINAP – SINDICATO NACIONAL DOS PAPELEIROS, 2005)
O Conforme o Observatório Social, Martins, presidente do SINEP, diz
que a luta dos movimentos dos trabalhadores da indústria de papel é por um país
produtivo, mas com distribuição dos benefícios da produção.
[...] Queremos um Brasil produtivo, exportador e entre os maiores
produtores mundiais de celulose e papel, mas com justiça social e sem 30
milhões de brasileiros passando fome. Achamos possível conviver fábricas
de celulose com arroz e feijão, desde que não haja um falso discurso de
responsabilidade social.
[...] O Brasil possui oito milhões e quinhentos mil metros quadrados de
extensão territorial é possível o plantio de eucalipto com respeito ao meio
ambiente e terra para quem necessita da mesma para sua sobrevivência,
queremos responsabilidade social e não pequenas ões sociais para
pessoas ricas ficarem com a consciência um pouco menos pesada e com
uma imagem melhor dos seus produtos, este é o motivo de pararmos a BR-
101 e fizermos a importante aliança com os companheiros Sem Terra que
continuam em sua luta, enquanto perdurar a intransigência.
Em novembro do ano de 2005 os trabalhadores paralisaram as obras da
fábrica da Veracel. Os trabalhadores de todas as empreiteiras que atuavam na
construção da fábrica de celulose da Veracel, fizeram um grande arrastão no interior
da empresa, retirando todos os trabalhadores do canteiro de obras e depois de uma
assembléia bastante concorrida determinaram uma paralisação que durou 4 dias.
Conforme o OBSERVATÓRIO SOCIAL (2005), o SINDICELPA/BA denunciava que
“são ínúmeras irregularidades que vêm ocorrendo desde o início em vários setores
da indústria”. Os trabalhadores reivindicaram melhores condições de trabalho;
segurança e acordo coletivo de trabalho 2005.
Outra grande preocupação dos trabalhadores é a falta de liberdade no
trabalho em função da presença da polícia no interior da indústria. Conforme o
sindicato preocupa “a presença de polícia reprimindo em todos os setores,
principalmente na paralisação onde infiltraram centenas de policiais à paisana para
tentar desgastar o movimento.” (OBSERVATORIO SOCIAL, 2005)
27
.
26
Idigues Ferreira Martins foi, em 2005, durante as negociações do acordo coletivo de trabalho da Cia
Suzano, o Presidente do Sindicato Nacional dos Papeleiros – SINAP.
27
http://www.observatoriosocial.org.br/portal/
114
O Movimento de Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST)
No Extremo Sul da Bahia, na periferia das cidades como Itamaraju,
Mucuri, Prado e Porto Seguro mais de 3.500 famílias de trabalhadores rurais
sem-terra. Em abril de 2004, quase dois mil trabalhadores rurais ligados ao MST
(Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) no município de Porto Seguro, a
810 km de Salvador, colocaram abaixo, em um pouco mais que uma hora, quatro
hectares de eucaliptos pertences à multinacional de celulose Veracel, que possui 65
mil hectares de áreas de plantio entre os municípios de Porto Seguro, Eunápolis e
Belmonte. A área da referida fazenda da Veracel perfaz cerca de três mil hectares
de plantação, mas é apenas uma das 28 propriedades que a empresa possui no
município de Porto Seguro.
A derrubada dos eucaliptos envolveu centenas de famílias de diversos
acampamentos do MST nas regiões do baixo sul, sul e extremo sul. "Cansamos de
esperar por soluções. Chegou o momento de agir", disse Valmir Assunção,
coordenador do MST na Bahia, momentos antes de reunir o pessoal no
acampamento "Lulão". Saíram do Acampamento Sebastião Salgado, a pouco mais
de três quilômetros na saída de Eunápolis. O acampamento, que possui 200
famílias, está localizado na extremidade de uma das propriedades da Veracel, na
beira da BR-101, próximo de um assentamento do próprio MST na região, o Projeto
Maravilha.
O representante estadual do MST afirmou que a maioria das terras que
poderiam ser disponibilizadas para a reforma agrária está nas mãos da Veracel, o
que impede quaisquer ações mais efetivas do Incra (Instituto Nacional de
Colonização e Reforma Agrária). Ele afirma que a invasão da Veracel mostra uma
nova fase da luta pela reforma agrária na Bahia. "Passamos um ano na beira da
estrada", disse, referindo-se ao acampamento "Lulão", o maior do MST no Estado,
"e não vamos mais esperar". Segundo ele, os quatro hectares de eucaliptos, que
foram derrubados ontem, serão apenas os primeiros de uma série. "Vamos colocar
os eucaliptos abaixo para plantar feijão e milho, que alimentam o povo, pois ninguém
come eucalipto", disse.
No dia 9 de abril de 2004, - cinco dias após o início da ocupação - as três
mil famílias ligadas ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra deixaram a
fazenda da empresa Veracel. Em reunião realizada no final da manhã, que se
115
estendeu até o inicio da tarde, na sede da Secretaria da Agricultura do Estado, em
Salvador, os lideres do MST chegaram a um acordo com o secretário executivo do
Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária). Segundo o acordo, o
Incra se comprometia a desapropriar ainda naquele ano, 30 hectares de terra no Sul
do Estado, para o assentamento das famílias. Mediante essa promessa os
integrantes do movimento decidiram voltar atrás e deixar o local, retornando aos
seus antigos acampamentos.
A existência de uma ação judicial de reintegração de posse e de policiais
prontos para fazê-la cumprir não dissuadiu os trabalhadores que mostraram-se
dispostos a resistir. Após cinco dias de conflito, foram deslocados para a área 200
homens do Batalhão de Choque de Salvador para fazer cumprir a ação judicial. As
famílias retiraram-se após a realização de um acordo entre as lideranças do MST, o
Incra e o Governo do Estado. Foi acordado então que o Incra desapropriaria até o
final daquele ano, dezoito propriedades na região para fins de reforma agrária (A
Tarde: 2004:6).
Na fala dos representantes do MST, nos últimos meses de 2004, havia
ocorrido uma mudança na natureza da luta pela Reforma Agrária: o inimigo principal
do povo brasileiro, o latifúndio improdutivo, havia feito alianças com o agronegócio e
o capital internacional que expandiam as fronteiras para a acumulação de capital.
Por essa razão, tentava-se mostrar a reforma agrária como sinônimo de atraso e
modelo de agricultura baseada no agronegócio e na exportação de grãos como
“moderno”. A empresa Aracruz Celulose, detentora do capital da Veracel e
protagonista da “ilusão modernizadora” na região era então apresentada como
inimiga do movimento. Segundo órgãos de divulgação do MST, a Aracruz
concentrou no norte do Espírito Santo mais de 60 mil hectares, comprando a rica
região da Mata Atlântica, de pequenos e médios produtores, para instalar uma
floresta homogênea de eucalipto, que agora os cientistas chamam de deserto verde,
pois não se reproduz mais nenhum tipo de vida, além do eucalipto. “Além dos 60 mil
hectares acumulados, a empresa roubou nada menos do que dez mil hectares da
ultima reserva dos Guaranis, que vivem na miséria, confinados num pequeno
espaço. Em anos recentes os Guaranis reocuparam sua área, embora esteja cheia
de eucalipto, e a Justiça federal determinou então que a empresa pagasse uma
indenização anual para a tribo, pelo uso ilegal de suas terras. As terras ainda não
foram devolvidas”.
116
Diante deste quadro, a contrastante exaltação do agronegócio visaria
encobrir a existência de mais de 200 milhões de hectares de terras devolutas
apropriadas ilegalmente no país e de mais de 120 milhões de hectares de terras
improdutivas existentes nas grandes propriedades, que deveriam ser destinadas
para a reforma agrária. “A exaltação é, pois, uma ação contra a reforma agrária”,
denuncia Oliveira, representante do MST, em entrevista ao Conselho Regional de
Engenharia e Arquitetura da Bahia. (Revista CREA-Ba, 2004).
As comunidades tradicionais
Nos encontros, seminários e “marchas” organizadas pelas organizações
indígenas e das comunidades de remanescentes de quilombos na região os
argumentos e exigências se relacionam com a garantia da permanência das famílias
no campo, a realização da reforma agrária, a recuperação de terras perdidas, o
fortalecimento, integração e manutenção da solidariedade entre as famílias.
Conforme representantes dos remanescentes de quilombos existiram, no
passado recente, aproximadamente dez mil famílias habitando a região. Segundo
eles, “a empresa, usando todo tipo de agressão, invadiu a terra” e “as famílias que
conseguiram resistir estão ilhadas”.
O jornalista Ubervalter Coimbra e o fotógrafo Apoena do Século Diário
(2004) documentaram a manifestação que parou carretas da Aracruz Celulose na
BR-101. “Um protesto parou as carretas da Aracruz Celulose na BR-101, na tarde de
segunda-feira dia 08/03/2004, em São Mateus. A paralisação foi realizada na sede
do município e mobilizou cerca de 700 pessoas, a maioria mulheres, que
participaram de uma série de eventos marcando o Dia Internacional da Mulher. Na
BR-101 passam 39 carretas por hora transportando eucalipto.
Afirmaram os manifestantes que “os veículos colocam em risco a
segurança do trânsito e têm provocado um grande número de acidentes, muitos com
mortes. Foram paradas carretas a serviço da Aracruz Celulose e das empreiteiras
Plantar
28
e Emflora Empreendimentos Florestais Ltda.
29
.” Um dos coordenadores
28
A empresa florestal Plantar, sediada no estado de Minas Gerais, é acusada de possuir grandes
plantações de eucalipto na região, estabelecidas à custa da expulsão da população local. Também
foram instaladas a expensas da vegetação típica da região (o cerrado), cujas árvores viraram carvão
para a indústria siderúrgica, substituindo-as por eucalipto plantado com o mesmo objetivo. Os
impactos sociais, ambientais, econômicos e culturais provocados pela empresa foram amplamente
documentados em pesquisa recentemente realizada pelo WRM ("Certificando o não-certificável:
certificação pelo FSC de plantações de árvores na Tailândia e no Brasil"), em que são documentados
117
estaduais do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), Valmir Noventa, relatou
que o protesto foi realizado contra a política da Aracruz Celulose que detém cerca de
220 mil hectares plantados com eucalipto no Espírito Santo, principalmente no norte
do Estado. Disseram os manifestantes:
[...] Os plantios de eucalipto são feitos com o emprego de grandes
quantidades de agrotóxicos, que destroem a biodiversidade, e contaminam
a água e o solo”. “Denúncias dos crimes ambientais da empresa foram
feitas ao governo federal no ano passado, mas nenhuma providência
concreta foi adotada para coibir o abuso. Os venenos contaminam ainda os
quilombolas ilhados pelos eucaliptos. A Aracruz Celulose tomou grande
parte das terras que usa dos quilombolas e dos índios. As terras foram
tomadas à força, ou compradas a preços vis. Os quilombolas
anunciaram que vão lutar para retomar suas terras”).
30
(SÉCULO DIÁRIO,
2004).
Segundo o Século Diário (2004), a manifestação teve como objetivo
protestar contra a omissão do governo em relação às agressões praticadas pela
Aracruz Celulose, além de buscar o apoio da comunidade para a luta pela terra. Os
remanescentes quilombolas afirmam que as áreas que restaram são insuficientes
para a continuidade dos seus modos de vida e de cultura tradicionais, baseados na
agricultura de subsistência, atividade de caça e pesca e extrativismo de frutas, mel e
de materiais para a fabricação de utensílios e casas, conforme a rede.
impactos como a apropriação de terras e a expulsão dos moradores, esgotamento e contaminação
das águas e solos, desmatamento, destruição da biodiversidade, perda líquida de empregos,
condições de trabalho precárias, perda de fontes de vida e riscos para a saúde, entre outros. Acesso
em 20-07-06.
http://www.seculodiario.com.br/arquivo/2004/setembro/01/noticiario/meio_ambiente/01_09_07.asp
29
A EMFLORA EMPREENDIMENTOS FLORESTAIS LTDA, terceirizada da Aracruz Celulose, está
sendo processada pelos trabalhadores contaminados por agrotóxicos em São Gabriel da Palha, no
norte do Estado. Os trabalhadores reivindicam tratamento médico e uma indenização da empresa no
período em que foram afastados. Uma ação neste sentido está sendo preparada para ser
encaminhada à Justiça de Trabalho de Nova Venécia, nas próximas semanas. Acesso em 20-07-06.
http://www.seculodiario.com.br/arquivo/2004/setembro/01/noticiario/meio_ambiente/01_09_07.asp
30
SéculoDiário.com. Manifestação pára carretas da Aracruz Celulose na BR-101 Acesso em
08/03/2004.
118
Organizações não governamentais que defendem primordialmente a Mata
Atlântica
Alguns movimentos sociais organizados atuam na região. Uns se
organizam no sentido restrito da defesa da Mata Atlântica e outros na defesa das
populações e seus modos de reprodução. Entre os agentes que defendem
exclusivamente a Mata Atlântica citamos a Rede de ONGs da Mata Atlântica. Esses
agentes que lutam pela preservação da Mata Atlântica acusam a indústria de
celulose de ter derrubado milhares de hectares de floresta nativa na Bahia e no
Espírito Santo, substituindo com plantações de eucalipto.
Em parceria com o Conselho Nacional da Reserva da Biosfera da Mata
Atlântica, Instituto Socioambiental e WWF - Brasil, desenvolveram o projeto “Mata
Atlântica: avaliação do esforço de conservação, recuperação e uso sustentável dos
recursos naturais com o objetivo de buscar formas de superar diversos problemas
relativos à preservação da mata. Conforme o discurso dessa rede, partiu-se da
percepção de que muitas entidades estavam trabalhando para a conservação,
recuperação e uso sustentável da Mata Atlântica, mas que o se tinha uma
avaliação global destas atividades. Também não se tinha informações precisas de
quantas seriam, quais os projetos que desenvolviam, onde atuavam e quais as
principais dificuldades que estas instituições estariam enfrentado para obter sucesso
em suas iniciativas. Conforme a rede, esta lacuna de conhecimento dificultava o
intercâmbio e a troca de experiências entre as organizações e impedia um melhor
planejamento das ações. Por esta razão buscou-se realizar um levantamento dos
esforços de conservação, recuperação e uso sustentável da Mata Atlântica. Este
estudo permitiria mapear as ações, identificar áreas e temas com carência de
investimentos, fomentar o intercâmbio de experiências e subsidiar a definição de
prioridades de ação. Esse trabalho ficou conhecido como “Quem faz o que pela
Mata Atlântica”, este projeto teve como objetivo reunir e cadastrar as experiências
realizadas nos últimos dez anos por órgãos públicos, ONGs, empresas públicas e
privadas, universidades, escolas, instituições de pesquisa pública e privada,
movimentos sociais, sindicatos, associações profissionais, cooperativas e demais
organizações atuantes no Bioma.
A Associação de Moradores de Santo André, (AMASA) tem como
bandeira a necessidade de uma fonte comunitária de água potável. possui o
119
projeto de fonte de água, que foi aprovado por unanimidade em várias reuniões da
comunidade. “Essa fonte será sempre pública e dos moradores de Santo André até
as futuras gerações, mesmo se um dia o serviço de água for privatizado”. A AMASA
já levantou orçamentos de material, que deverá anexar a documentação exigida pelo
Ministério blico para liberar os recursos que o resort Costa Brasilis deverá dar em
contrapartida da construção dos piers particulares na nossa praia ribeirinha. O
projeto, realizado voluntariamente pela arquiteta Maninha, consiste em um poço
próximo a propriedade dos senhores Hans e Gunter e a lagoa denominada "fonte da
Bica", construída pelo coronel Macedo, antigo morador do povoado e da Ponta de
Santo André. A água sebombeada para uma caixa de 10 mil litros e será jogada
por gravidade a um chafariz nos fundos da Escola Municipal (no terreno da AMASA)
para fins de uso exclusivo de água potável. No entanto, preocupa-se com o futuro
das nascentes, lençóis freáticos e córregos, “pois o desmatamento e, as cada vez
maiores plantações e eucaliptos (fabrica Veracel), estão pondo em perigo nosso
Planeta Água”.
O Boletim 40 do World Rainforest Movement (órgão de divulgação de
uma rede internacional de resistência à expansão das monoculturas de eucalipto),
de novembro de 2000 denuncia que a Aracruz Celulose, embora tivesse negado os
impactos negativos de suas operações e afirmado que não fazia desmatamento da
floresta, tinha cortado árvores nativas em uma área adquirida no município de
Caravelas.
[...] Durante casi una década, Aracruz Celulose ha estado gastando mucho
tiempo y dinero para mostrarse como un ejemplo de empresa social y
ambientalmente responsable. Ha negado consistentemente los impactos
negativos de sus operaciones en los estados brasileños de Espírito Santo y
Bahía y ha llegado hasta a afirmar que jamás ha llevado a cabo
operaciones de deforestación. Información reciente muestra lo contrario.
(WORLD RAINFOREST MOVEMENT, 2000)
No Boletim de 20 de outubro de 2000, também denunciou-se o
desmatamento e durante uma audiência pública organizada pelo Centro de
Recursos Ambientais (CRA) para discutir a expansão das plantações de eucaliptos
da Aracruz Celulose no Extremo Sul do Estado da Bahia, as organizações da
sociedade civil local demonstraram que em uma propriedade recentemente adquirida
pela empresa no município de Caravelas estavam cortando árvores nativas. Este
crime ambiental foi filmado pelas organizações e apresentado nessa audiência
120
pública, ocorrida em Posto da Mata, Nova Viçosa, com a presença de vários
executivos da Aracruz inclusive o seu gerente ambiental.
Conforme o boletim citado acima, Melquíades Spínola coordenador do
CEPEDES Centro de Pesquisa e desenvolvimento do Extremo Sul, uma ONG
local, disse que o episódio mostra que o discurso ambiental da companhia é muito
diferente de sua prática ambiental. “Aracruz subestima as organizações da
sociedade civil e as agências estatais”. “Em meio ao processo para obter a licença
de expansão de suas plantações as suas atividades se fazem de maneira
depredadora”.
Os agentes que defendem participação popular
As organizações o governamentais como o CEPEDES- Centro de
Estudos e Pesquisa para o Desenvolvimento do Extremo Sul, FASE/ES/BA, Rede
Alerta Contra o Deserto Verde e CDDH- Centro de Defesa de Direitos Humanos têm
como objetivo permitir que a sociedade como um todo tenha acesso ao debate e a
informações e que possam exercer cidadania
31
. Para tanto realizam encontros,
plenárias e seminários nos quais os diversos representantes dos grupos sociais têm
participação.
Dentre as preocupações mais constantes nos debates ocorridos nos
seminários e encontros da sociedade organizada em relação ao meio ambiente,
consta, sem dúvida, o poder que detêm as organizações empresariais, de se
apropriar da terra e demais elementos da base natural do território e de tomar
decisões que afetam a sociedade em geral, sem consultá-la. Em função disso esses
grupos se organizam na luta para ter o direito ou o poder de opinar. Segundo
representantes do CEPEDES a luta expressa o desejo de opinar e agir no processo
de construção de uma sociedade que seja ao mesmo tempo respeitosa em relação
às diferenças e igualitária, na possibilidade da satisfação de necessidades e
vontades. Melquíades, coordenador do CEPEDES, afirma que há uma desigualdade
de poder na região entre o agronegócio monocultura de eucalipto e indústria de
31
O historiador José Murilo de Carvalho lembra que a cidadania é construída sobre três pilares:
liberdade, igualdade e participação, afirmando que se nas últimas décadas avançamos no que diz
respeito à liberdade, buscando conquistar cada vez mais espaços de participação, a igualdade
permanece como um sonho distante”. (CARVALHO, 1996).
121
papel e celulose e as outras atividades. “É necessária a criação de leis que definam
limites para o tamanho do empreendimento em relação ao mero de empregos
permanentes gerados, bem como limites para a devastação da floresta nativa. É
necessário um maior respeito às culturas locais”. Como exemplo do desrespeito
Melquíades cita o fato de que o “zoneamento econômico-ecológico, mesmo não
tendo sido aprovado foi utilizado para licenciar os novos plantios da Aracruz”.
Em defesa de outro modelo agrícola e fundiário, os representantes dos
movimentos sociais argumentam, por exemplo, que:
[...] Enquanto a Aracruz Celulose (uma das empresas instaladas na região)
emprega diretamente somente 1.689 funcionários e é dona das maiores
propriedades do estado, a agricultura familiar chega a reunir 70 mil famílias
e a grande maioria dos proprietários desse setor possuem apenas até
algumas dezenas de hectares de terra (CEPEDES - CENTRO DE
PESQUISAS E DESENVOLVIMENTO DO EXTREMO SUL:2004).
No fórum realizado Porto Seguro discutiu-se o quadro socioambiental,
considerado pelos movimentos como uma conseqüência do modelo atual de
desenvolvimento financiado pelo governo federal e por organismos internacionais,
que têm como objetivo, exclusivamente, o retorno econômico dos financiamentos em
detrimento do modo de vida das populações
.
Conforme texto do documento elaborado na ocasião, denominado Carta
de Porto Seguro os movimentos organizados defendem o direito, de todos os
agentes do sistema social, de discutir as formas de uso do ambiente do lugar.
Segundo essas entidades, a vocação regional para cultivo de eucalipto foi
estabelecida por agentes externos que não levaram em conta os processos e
pessoas que já existiam na região, por exemplo. “No momento, está sendo projetada
a expansão desse cultivo pelas empresas, entretanto, há um esforço de movimentos
sociais no sentido de participar dessa decisão”. (Informação verbal).
32
Assinam esse documento, que seria enviado ao Presidente, 78 entidades
e personalidades capixabas e baianas entre elas: FASE, Federação dos
Trabalhadores na Agricultura (Fetaes), MST, CDDH Centro de Defesa de Direitos
Humanos de Teixeira de Freitas (Ba), Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA),
Terra Viva, CUT/Eunápolis (Ba), Flora Brasil, Frente de Resistência Pataxó,
32
Depoimento de participante gravado em Plenária, no Fórum que resultou na Carta de Porto Seguro,
na Bahia, em 29-06-2003).
122
CEPEDES, repudiam, por exemplo, a compra de terras para expansão da
monocultura de eucalipto, pelas indústrias de papel e celulose na Bahia.
O Centro de Defesa dos Direitos Humanos que acompanha as
transformações sociais que estão ocorrendo na periferia das monoculturas, denuncia
os efeitos dos impactos ambientais e sociais da implantação do projeto de cultura do
eucalipto na Região. Denuncia a transformação da floresta tropical em plantações de
eucalipto que resulta na destruição da base material necessária a sobrevivência das
demais pessoas da região.
Uma outra organização atuante na região é a Rede Alerta Contra o
Deserto Verde. A Rede constituiu-se em 1999, embora desde a Conferência da ONU
ECO-92, realizada no Rio de Janeiro, se realizassem discussões em diversas
ONGs, sindicatos, entidades populares, movimentos de direitos humanos, Igrejas e
entidades ambientalistas. A Rede Alerta Contra o Deserto Verde faz denúncias de
diversos fatos, como os citados abaixo, nos encontros, seminários e "cartas ao
Presidente" como problemas decorrentes ou articulados às escolhas feitas no âmbito
das empresas. Em seu Boletim Informativo consta que:
[...] O objetivo da Rede é denunciar a forma “violenta” como os grandes
projetos Aracruz Celulose, Bahia e Sul e Veracel se instalaram no ES e Sul
da Bahia; divulgar os diversos impactos negativos da sociedade e no meio
ambiente, gerados pelas grandes plantações de eucalipto; denunciar o
modelo de desenvolvimento “excludente, imposto pelas grandes empresas
reflorestadoras do eucalipto à sociedade capixaba e baiana”; pressionar o
poder público para garantir os interesses da maioria e não ser instrumento
de fortalecimento do grande projeto celulósico; propor condicionantes para
a tentativa de aquisição do selo verde (FSC) pela Aracruz Celulose;
Repudiar a compra e arrendamento de terras para a ampliação da
monocultura de eucalipto no ES e Sul da Bahia; questionar a conduta dos
órgãos licenciadores; propor alternativas à eucaliptocultura. (BOLETIM
INFORMATIVO DO MOVIMENTO ALERTA CONTRA O DESERTO
VERDE DO ES E SUL DA BAHIA: 2001)
A luta, conforme o Boletim Informativo, é por um desenvolvimento
socialmente justo, ambientalmente adequado e economicamente viável.
[...] O desastre sócio-ambiental causado nos últimos 35 anos pela
monocultura de eucalipto e pinus, integrado aos complexos siderúrgico e
de celulose, atingindo diversos ecossistemas e populações de nosso
território, empobrecendo nossa diversidade biológica, social e cultural,
causando expropriação, desemprego, êxodo rural e fome; a necessidade
de outro modelo de geração e divisão de riquezas e de ocupação de nosso
território, que respeite e coloque como protagonista as populações rurais e
123
tradicionais e o interesse da sociedade brasileira e não do capital global.
(MANIFESTO BH - III Encontro Nacional da Rede Deserto Verde: 2004
33
)
Na Carta de Vitória
34
, escrita em Vitória no dia 21 de agosto de 2001,
várias entidades que compõem a Rede Alerta contra o Deserto Verde, tais como o
Fórum de Agricultura Familiar, o rum de Lutas do Campo e da Cidade e outras
que participaram do Seminário Internacional sobre Eucalipto e seus impactos,
registraram uma pauta de reivindicações, conforme se pode verificar no anexo desta
tese. Através dela, reivindica-se uma regulamentação do plantio do eucalipto, a
legalidade no processo de aquisição de terras, a ética profissional de pessoas
empregadas na eucaliptocultura como engenheiros agrônomos e florestais, o
pagamento das dívidas fundiárias com os índios e remanescentes de quilombos e
outras comunidades rurais, reconhecimento do desmatamento praticado e a
aceitação das reivindicações dos trabalhadores.
33
FASE. MANIFESTO BH - III Encontro Nacional da Rede Deserto Verde. Seg, 17 Mai 2004
34
A Carta de Vitória consta como anexo 3 nesta tese.
124
3.3.3 Movimentos, denúncias e proposições em luta contra o agronegócio de
papel e celulose
As proposições que estão em disputa no campo social constituído pelo
conflito ambiental na região, são apresentadas pelos agentes, representantes das
diversas lógicas de apropriação do território, em reuniões onde, muitas vezes, são
elaborados documentos que servem de instrumento de legitimação das propostas.
Nessas reuniões as propostas são colocadas em conjunto, contra a proposta da
expansão da monocultura e da indústria de celulose e papel.
Em Vitória, Espírito Santo, no ano de 2001 foi realizada uma “marcha
contra o deserto verde”, promovida pelo MST - Movimento de Trabalhadores Rurais
Sem Terra, FETAES - Federação dos Trabalhadores Agricultura do Espírito Santo,
MPA - Movimento dos Pequenos Agricultores, Fórum de Agricultura Familiar e
Movimento Alerta Contra o Deserto Verde. A marcha teve como objetivo protestar
contra a expansão indiscriminada de plantios de eucalipto. O Boletim Informativo do
Movimento Alerta Contra o Deserto Verde do Espírito Santo e Sul da Bahia
35
registrou que mais de 2000 pessoas participaram da marcha entre agricultores,
trabalhadores sem terra, índios, pescadores, quilombolas, carvoeiros, sindicalistas e
demais militantes socioambientais do Espírito Santo e da Bahia.
Em Porto Seguro, entre os dias 28 e 29 de junho de 2003,
representantes da sociedade civil estiveram reunidos no II Encontro Nacional da
Rede Alerta Contra o Deserto Verde, para discutir os problemas que recaem sobre
as populações que ainda permanecem vizinhas, bem como daquelas que foram
expulsas, por diversos meios, das suas terras, para que fosse possível o
desenvolvimento da atividade empresarial de plantação de eucalipto, no Espírito
Santo, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Bahia.
Deste encontro resultou a denominada “Carta de Porto Seguro”, que pode
ser consultada no anexo 4, desta Tese. A questão central do debate foi que o
modelo de desenvolvimento imposto para essas regiões, que destina grandes
extensões de terras para monoculturas de eucalipto, não atende às necessidades
específicas das populações regionais e nem mesmo aos anseios das pessoas em
geral de uma sociedade mais justa e igualitária. Embora os problemas estejam
35
Ver o Boletim Informativo do Movimento Alerta Contra o Deserto Verde do ES e Sul da Bahia. Nº 1,
2001.
125
sendo, constantemente, expostos pelos movimentos sociais, ainda é grande a
dificuldade de transformar esta situação.
Na ocasião foram ouvidas as entidades participantes do encontro por
meio dos seus representantes, que expressaram as principais dificuldades que
enfrentam para defender a manutenção de suas formas de vida diante do avanço
dessa atividade. Todos os participantes tiveram oportunidade de dispor da palavra
para se apresentar e expor os problemas que os impulsiona a organizar-se e
manifestar-se contra a atividade. Representantes de populações indígenas, por
exemplo, reclamam das condições de vida de miséria a que são submetidos, "os
donos da terra", conforme os mesmos. Isso permite observar que os problemas se
repetem em todos os Estados participantes e onde a atividade de monocultura de
eucalipto se desenvolve.
É impossível não observar nesses eventos a participação de entidades de
base. As pessoas que ofereciam as reclamações e denúncias refletiam a falência do
projeto de desenvolvimento regional do Estado e o tipo de necessidades que diziam
não estar sendo atendidas pelo modelo de desenvolvimento implantado na região
com o apoio dos poderes públicos. Os participantes em várias oportunidades
tomaram a palavra para expressar suas denúncias e preocupações com relação às
empresas e ao governo. “Os problemas dos rios é que o contaminados ou
exterminados na região. No Espírito Santo, região onde existem 47% das rochas do
Brasil, as nascentes estão desaparecendo.”
Na Bahia, o CEPEDES Centro de Estudos e Pesquisas para o
Desenvolvimento do Extremo Sul/Ba, realizou um trabalho de pesquisas no qual
foram feitas fotografias de várias nascentes que secaram na região.
Lideranças de grupos que continuam vivendo nas proximidades das
plantações de eucalipto trouxeram a informação de que as empresas estavam
formando “milícias” que atuam aterrorizando “para que não haja nenhum tipo de
reação da população contra o avanço da atividade na Região”.
O Estado foi acusado de se relacionar privilegiadamente com a empresa
em detrimento da sociedade.
[...] A empresa tem a facilidade de elaborar os projetos e mandar para a
Prefeitura, anexando recursos financeiros necessários para dar andamento
junto aos deputados”. A empresa também tem a facilidade de forjar laudos
médicos para esconder as mortes por envenenamento por produtos
químicos utilizados”. “O Estado aceita que a empresa indique secretários e
126
membros do governo e que desarticule as ações de enfrentamento da
expansão da atividade, feitas pelos os movimentos sociais”. “As grandes
empresas são acusadas de participar da rede do crime organizado, uma vez
que a corrupção é considerada uma vertente desse tipo de crime”. “No
Governo Federal a empresa tem a possibilidade de agendar ou de invadir
reuniões com o Presidente, enquanto outras parcelas da sociedade não
conseguem. (Informação verbal)
36
[...] As empresas causadoras dos mais graves problemas na Região
conseguem ficar isentas das acusações e das ações judiciais porque se
utilizam de outras empresas (terceirizadas) para executar as atividades.
(Informação verbal).
37
Informaram os participantes do encontro que as indicações de que o
reflorestamento irá para o Ministério da Agricultura, seria a comprovação de duplo
favorecimento para esta atividade, no caso de existir financiamento para a
agricultura e para reflorestamento. Por outro lado, a atividade ficasubmetida a um
menor controle do Ministério do Meio Ambiente.
Foi lembrado que não se trata de escassez de legislação que possa servir
de controle das ações empresariais, mas de falta de fiscalização no cumprimento
das leis. Alguns manifestantes afirmaram acreditar que as leis teriam a finalidade
apenas de “encher o bolso dos políticos de dinheiro”.
Quanto ao problema das terras disseram que o um controle das
apropriações de terras. O Estado o controla a quantidade de terras utilizadas
pelas empresas para esta atividade. Isto dificulta conhecer o real tamanho das áreas
destinadas. Terras são compradas por meios ilegais, por exemplo, no Espírito Santo.
Portanto, seria necessário fazer um histórico das aquisições para que seja possível
recuperar as terras ocupadas ilegalmente pelas empresas.
[...] As terras devem ter destinação social e para produção de alimentos.
Ficou claro que a atividade de plantação de eucalipto polui as terras e
contamina as pessoas com os produtos químicos usados, uma vez que o
veneno pode se espalhar com a chuva e o vento e atingir pessoas que não
estão usando equipamentos”. “Está havendo uma redução na produção
mundial de alimentos, concomitante com a redução das florestas nativas.
(Informação verbal)
38
36
Depoimento, em plenária, de participante do Fórum que resultou na Carta de Porto Seguro, em 29-
03-2006.
37
Ibid.
38
Ibid.
127
No caso do sumidouro de carbono, fala-se da inércia do Estado e
autoridades locais, que fica esperando que as empresas e o Banco Mundial
estabeleçam as regras que afetarão a vida da sociedade.
[...] ele não atua, não promove debate, não contrata cientistas”. “O governo
não participa da negociação da Plantar com o Banco Mundial sobre a
expansão de plantações de eucalipto como sumidouro de carbono, deixa a
empresa agir como um planejador autônomo tomando decisões que afetam
decisivamente a vida da sociedade”. (Informação verbal).
39
O problema da degradação das terras, também mencionado pelas
empresas quando afirmam que compraram terras degradadas, é afirmado em
outro sentido pelos participantes do evento. Para os participantes do evento as
empresas estão degradando as terras.
[...]
A terra, após o uso para plantação de eucalipto, torna-se
imprópria para outras plantações. É necessário que se um
tratamento que é muito caro para que a terra volte a produzir. As
famílias de pequenos agricultores têm muita dificuldade para fazer
plantios de alimentos por que lhes falta recursos para recuperar a
terra.
(Informação verbal).
40
[...] O discurso empresarial do plantio é sempre que as terras estavam
degradadas e que será feito um reflorestamento. Isto faz com que pessoas
inescrupulosas passem a degradar florestas para usar recursos de
reflorestamento. (Informão verbal).
41
As dificuldades das populações em relação ao trabalho também foram
discutidas como reflexo da expansão do agronegócio na região.
[...] Os trabalhadores de são aliciados pelas empresas e acabam envolvidos
em trabalho insalubre”. “Quanto aos empregos é conhecido que no Espírito
Santo os 270.000 hectares de áreas plantadas com eucalipto gerou apenas
6.000 empregos. Já o café, gera, na mesma área cerca de 500.000
empregos”. (Informação verbal).
42
[...] As famílias quilombolas, em busca de uma atividade de sobrevivência
acabam por envolver-se com a atividade de produção de carvão que é
poluente do meio ambiente e prejudicial à saúde. (Informação verbal).
43
As populações de afro-brasileiros remanescentes de quilombos
lembraram a destruição de sua cultura de diversas formas e mais objetivamente,
39
Ibid.
40
Ibid.
41
Ibid.
42
Ibid.
43
Ibid.
128
pela “dificuldade de manter a plantação de mandioca que é o produto fundamental
na sua alimentação.”
Os remanescentes de populações indígenas por sua vez reclamam:
“foram destruídas 40 aldeias indígenas”.
Quanto à violência e crescimento das favelas na periferia das cidades
maiores da região como Porto Seguro e Eunápolis são categóricos em afirmar:
[...] A fome na região, por falta de produção de alimentos, promove a
migração de pessoas para as cidades vizinhas. Isto está provocando o
aumento de pessoas vivendo nas periferias, em favelas, bem como da
violência. (Informação verbal).
44
Essas afirmações se coadunam com o que se pode observar, por
exemplo, na sub-região de Teixeira de Freitas, situação citada na segunda parte
desta Tese. verifica-se que a atividades da indústria de papel e celulose resultou
no o aparecimento de favelas e invasões, conforme estudo da Superintendência de
Estudos Econômicos e Sociais da Bahia (1995:75) e retratadas em reportagens da
TV.
Outras preocupações relacionadas com a monocultura também foram
discutidas. Os representantes de ONG’s afirmaram a preocupação com os planos do
poderes públicos relativos ao problema do aquecimento global.
[...] Embora empresas e governos afirmem que não problema
evidencias de que o planeta está aquecendo em função do excesso de
emissões de gases CO2 pela queima de combustíveis fósseis (gasolina e
carvão mineral), num ritmo acelerado. Não se conhece a totalidade do que
pode acontecer ao planeta mas é certo que o nível do mar aumenta além de
outras conseqüências. (Informação verbal).
45
Na convenção do Rio construiu-se a idéia de que é preciso reduzir as
emissões. Não ficou estabelecida nenhuma medida obrigatória. Após várias outras
conferências e com o protocolo de Kyoto ficou acertado que seria preciso reduzir a
emissão de gases até 2012. Entretanto um dos países que mais emitem gases, os
EUA, não assinou o protocolo. Defende o seu direito de continuar emitindo, acusa de
não haver cálculos mais apurados sobre o problema. Os países europeus
reconhecem que têm mais responsabilidade nesse problema. Percebem a
44
Ibid.
45
Ibid.
129
necessidade de compensar a queima. O mecanismo de desenvolvimento limpo
MDL significa, para esses agentes, uma forma de compensar as emissões de
CO2, sem ter que reduzi-las.
As ONG’s também estão atentas para a questão da proposta de se tentar
resolver o problema do aquecimento global com o denominado “seqüestro de
carbono”. A idéia seria plantar arvores que, segundo a empresa Plantar, fixam o
carbono (o processo se baseia na fotossíntese), em países com baixas emissões.
Esses países ficariam, então, com crédito (saldo positivo) em termos de emissões.
Estes países estariam compensando o carbono emitido nos países emissores, e isto
ficou conhecido como "seqüestro de carbono". Este "saldo positivo" poderia ser
vendido para os países emissores. O país que conseguir plantar árvores de forma
mais barata, conseguirá vender mais facilmente, obtendo os benefícios dos recursos
financeiros. Isto ficou conhecido como "mercado de carbono". Afirmam os
participantes do encontro:
[...] O sistema tem problemas por que o Carbono estocado no petróleo e no
carvão mineral é extraído muito rapidamente. Uma floresta nativa ou não,
não é estoque de carbono, as árvores obedecem a um ciclo natural de vida,
portanto, irá morrer, naturalmente. É preciso considerar o intercâmbio de
tempo”.Um exemplo desse mecanismo seria o caso da Holanda que precisa
reduzir 2 toneladas de CO2 de suas emissões, então, ela compra as
emissões que não foram feitas na Argentina, se a Argentina está gerando
energia por meio de moinhos de vento. Os problemas do sistema é que há a
continuação das emissões. (Informação verbal).
46
[...] No caso da Plantar o plano é utilizar plantações de eucalipto, o Carbono
fica na árvore e o Oxigênio vai para a atmosfera. Com isso a Plantar quer
obter recursos financeiros do Banco Mundial, cerca de U$ 5 milhões.” O
projeto da Plantar é plantar eucalipto para geração de energia, como
carvão vegetal, justificando que esse tipo de energia libera menos carbono
na atmosfera do que o carvão mineral. Calcula quanto de CO2 ela não está
emitindo com o uso do carvão vegetal. E ameaça o Banco Mundial avisando
que se não conseguir recursos, vai usar o carvão mineral. O carvão mineral
hoje é mais caro, mas na época era mais barato importar carvão mineral.
Eles irão ganhar crédito de carbono para substituição energética. Eles
justificam que quando queimam uma arvore estão plantando outra. O
único critério utilizado como fundamento para o projeto é este. Não é
considerado nenhum tipo de critério social ou ambiental. O avaliador do
projeto Plantar diz que não visitou as comunidades porque não precisava. O
governo brasileiro é que vai decidir. Não espaço para a sociedade
discutir esse assunto. Nesse debate todos estão excluídos, pois o Banco e
a empresa, argumentam o movimento social não tem conhecimento
científico, então não pode debater.” “Dentro dos critérios do Banco Mundial,
46
Ibid.
130
basta que se tenha a certificação. O Banco Mundial não faz trabalho de
campo, não averigua, acredita apenas na certificação. Não leva em conta o
que necessitam os grupos sociais e o meio ambiente. (Informão verbal).
47
[...] É necessário chamar a atenção para as condições das entidades
certificadoras, seus critérios e métodos. Questionar se estão capacitados
para certificar ou não”. É preciso denunciar o FSC. Os atingidos devem
fazer as denúncias. A denúncia deve ser feita pela Federação dos
Trabalhadores, que têm mais força, para não por mais em risco a vida dos
trabalhadores rurais. Denunciar para a sociedade de que eles, do Banco
Mundial, não aceitam críticas ao modelo definido para a Região. É preciso
tentar parar esse projeto. “Pressionar o Banco Mundial para que sejam
criadas comissões para fazer revisão da política de monocultura, incluindo
os atingidos, empresas, universidades e governo”.“Fazer divulgação para a
sociedade sobre o "seqüestro de carbono”. “É preciso justificar com o
argumento de que as plantações se ampliam criando cercas, concentrando
a terra, fragilizando culturas, aprisionando fontes, expulsando populações.
Como as empresas mesmo assim recebem selo verde?”“Discutir a
legalidade e a ética das certificações, EIA RIMA, consultas populares,
projetos.” “O rumo do desenvolvimento está levando o planeta terra está
levando a autodestruição o que estamos discutindo dentro deste rumo
algumas formas para mudar uma ou outra coisa. Nos devemos nos preparar
para apresentar alternativas. (Informação verbal).
48
[...] O Estado deve ser provocado quanto aos interesses públicos que não
estão sendo atendidos. As fraudes facilitam o acesso à terra o Estado pode
ser provocado. As empresas estão programando 1,5 milhão de hectares de
eucalipto para alimentar 6 fábricas de celulose. Isso está sendo
implementado. Não concorrência, não disputa no setor. Está sendo
feito um loteamento do mercado. As empresas superfaturam os projetos
para que seja bancado totalmente com recursos do BNDES. A Veracel
1.200 mil dólares. Nasceu para produzir 700 mil toneladas e agora vai
produzir 2 milhões de toneladas. (Informação verbal).
49
[...] Em Eunápolis estão passando 5 projetos por semana de fomento
florestal. Defendemos que o fomento deve estar dentro dos 15%. 7% do
Extremo Sul está plantado de eucalipto. Isto representa uma coisa
imensa. As outras áreas não são boas para o plantio além dos parques e
áreas de preservação e áreas indígenas. Não sobra área pára reforma
agrária. A reforma agrária não deve ser feita nas áreas de preservação.
(Informação verbal).
50
[...] Os projetos de fomento tinham que passar mas o CRA repassou
atribuições para os municípios e eles não têm estrutura para fazer nada. É
preciso lutar pelo zoneamento. Oportunidades, instrumentos que podem ser
utilizados: zoneamento ambiental IBAMA; Ordenamento territorial
Ministério da Integração Regional (Ciro Gomes); zoneamento ecológico e
econômico da Secretaria de Desenvolvimento Sustentável do Ministério do
Meio Ambiente; Decreto do Governador determina o ordenamento físico
ambiental do Sul da Ba; zoneamento das APA's. (Informação verbal).
51
47
Ibid.
48
Ibid.
49
Ibid.
50
Ibid.
51
Ibid.
131
O Banco Mundial aprovou as plantações da Plantar como o primeiro
projeto de sumidouro de carbono dentro da carteira do Fundo Protótipo de Carbono
(PCF, em inglês), posteriormente validado pela consultora SCS, supostamente com
base nas normas do Forest Stewardship Council (FSC).
No entanto, em 9 de dezembro último, no marco da IX Conferência das
Partes da Convenção sobre Mudança Climática, realizada em Milão, a Coalizão
Mundial pelas Florestas anunciou que a empresa tinha ganho o Prêmio Treetanic
2003
5253
, conferido todo ano ao “pior projeto de sumidouro de carbono”. Na
fundamentação, falou-se que:
[...] apesar dos méritos do Banco Mundial, do Fundo Protótipo de Carbono e
do governo do estado de Minas Gerais, a Coalizão Mundial pelas Florestas
está convencida de que os antecedentes, passados e presentes, da Plantar
em termos de destruição social e ambiental são suficientemente importantes
como para declará-la ganhadora indiscutível do Prêmio Treetanic 2003. .
(Informação verbal).
54
Voltando ao evento que se realizou em Porto Seguro, podemos afirmar
que também debateu-se a avaliação de impactos da expansão da monocultura que
com a prática do fomento se expande sem que se conheça sua real extensão.
Quanto a esse aspectos os participantes afirmaram:
[...] Mas a pulverização tem sido uma estratégia do empresariado, perde-se
o controle de tudo. As análises de impacto, são separadas, não estudo
que reúna os impactos num somatório, que indique os impactos como um
todo. (Informação verbal).
55
Concluiu-se que é preciso levar em conta a questão do modelo de
zoneamento:
[...] A mudança do modelo não se faz da noite para o dia. É preciso montar
uma estratégia de longo prazo. No momento parece viável o seguir a linha
do zoneamento criar limitações à expansão. Tentar colocar o fomento sob
controle. Elaborar uma agenda específica com 4 ou 5 pontos, tentar fazer
um mapeamento de entidades e pessoas interessadas e pedir audiência
conjunta ao Presidente. Informar aos pequenos produtores sobre os
problemas provenientes do fomento. Um novo EIA RIMA é problemático
pois é necessário enfrentar muita burocracia e muita negociação com o
52
http://www.adital.com.br/site/noticia.asp?lang=PT&cod=10374, acesso 20-07-2006
53
http://www.seculodiario.com.br/arquivo/2003/dezembro/24/noticiario/meio_ambiente/Brasil.doc
Acesso em 20-07-2006.
54
Depoimento, em plenária, de participante do Fórum que resultou na Carta de Porto Seguro, em 29-
03-2006.
55
Depoimento, em plenária, de participante do Fórum que resultou na Carta de Porto Seguro, em 29-
03-2006.
132
CRA. É importante ouvir o povo e não apenas seguir um modelo ou outro de
EIA RIMA. (Informação verbal).
56
Outro encontro de entidades interessadas no tema aconteceu em
setembro de 2003, quando mais de 600 pessoas participaram da sétima edição do
Fórum de Avaliação da Proteção Ambiental no Extremo Sul da Bahia, realizado na
cidade de Prado (BA), nos dias 19 e 20 de setembro. O público presente, na maioria
estudantes e professores da região, teve a oportunidade de assistir a debates sobre
importante temas da agenda ambiental, como a expansão da monocultura do
eucalipto e a atual situação da proteção da grande biodiversidade do Sul da Bahia.
O Fórum também abordou a conservação dos manguezais, o turismo sustentável e a
Conferência Nacional do Meio Ambiente.O Encontro foi organizado pela Associação
Pradense de Proteção Ambiental (APPA), com o apoio do IBAMA. No final do
evento, os participantes aprovaram por consenso a Carta de Intenções do VII fórum
de Proteção Ambiental do Extremo Sul da Bahia, anexo 5, que traz 30 ações
prioritárias a serem desenvolvidas nos próximos dois anos para a conservação do
meio ambiente na região.
Um outro evento no qual se debateram os problemas sociais e ambientais
da região foi a Plenária Regional do Meio Ambiente do Extremo Sul da Bahia que foi
realizada no CEFET de Eunápolis, no dia 04 de outubro de 2003. A plenária contou
com a participação de 374 pessoas, dos mais diversos segmentos da sociedade do
extremo sul da Bahia.
Para a organização da plenária foi realizada uma reunião, no CEFET de
Eunápolis, com a participação de secretarias municipais de meio ambiente, ongs,
IBAMA, sindicatos, etc. A reunião foi realizada no dia 15 de agosto e seu principal
objetivo foi a criação de uma comissão organizadora, formada por diversas
instituições locais como o IBAMA/Eunápolis/BA, Sindicato dos Trabalhadores Rurais
de Eunápolis, o CEFET/ Eunápolis, a Secretaria de Meio Ambiente de Eunápolis, a
Secretaria Municipal de Educação de Itamarajú, o Instituto Baleia Jubarte, a UNEB
campus X, a SEMARH - Secretaria de Meio Ambiente e Recursos Hídricos, e a
Veracel Celulose.
A partir desta data, a comissão organizadora reuniu-se em Itamarajú, nos
dias 22 de agosto; 03 e 17 de setembro; e 01 e 03 de outubro. A comissão se
56
Ibid.
133
encarregou de arrumar espaço físico para a plenária, bem como organizou toda a
logística necessária para a realização do evento, incluindo metodologia de trabalho,
credenciamento, divulgação, alimentação, camisetas, etc. A comissão também
resolveu inserir dois temas importantíssimos a nível regional: a cultura do eucalipto e
meio ambiente marinho.
Para a realização da Plenária foi fundamental o apoio dos diversos
segmentos que colaboraram contribuindo com recursos financeiros, materiais e
serviços, destacando: a Prefeitura Municipal de Eunápolis, Prefeitura Municipal de
Nova Viçosa, Prefeitura Municipal de Alcobaça, Prefeitura Municipal de Porto
Seguro, a Fazenda Lembrança, A Indústria de Refrigerantes Tayná, o CEFET de
Eunápolis, o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Eunápolis, a Prefeitura Municipal
de Caravelas, a Prefeitura Municipal de Mascote, o Instituto Baleia Jubarte, o Banco
do Nordeste/Agência de Eunápolis, o Programa Produzir, Associação Núcleo
Colonial, Acampamento Provisão, Associação Roça do Povo, Acampamento Aristeu
Lisboa, Assentamento Embaúba e Associação Jequitibá de Belmonte.
Na metodologia de trabalho na plenária, proposta e executada, o evento
iniciou-se com o credenciamento dos participantes seguido da abertura do evento. A
partir deste momento, formaram-se grupos de trabalho para discutir cada tema
especificamente. Para cada tema houve um facilitador. Os temas trabalhados foram:
Água; Biodiversidade, Fauna e Flora Nativas e Unidades de Conservação Meio
Ambiente Urbano; Infra Estrutura: Transporte e Energia; Mudanças Climáticas;
Agricultura e Pecuária; Meio Ambiente Marinho e Pesca; A Cultura do Eucalipto. O
relatório final foi denominado “Carta de Intenções do VII Fórum de Avaliação da
Proteção Ambiental no Extremo Sul da Bahia” e é transcrito nesta Tese no anexo 4.
No dia 23 de agosto de 2005, no Centro Cultural em Porto Seguro, Bahia,
tentou-se realizar uma outra audiência pública intitulada “A Monocultura do eucalipto
e as conseqüências para as comunidades e para a Mata Atlântica no Sul e Extremo
Sul do Estado da Bahia”. Várias ONGs locais participaram do evento como o
(CEPEDES) e a FASE nacional. A Veracel Celulose S.A. foi convidada a apresentar
sua posição sobre o tema da plenária. O evento não pode realizar-se porque o
espaço destinado, um auditório com capacidade para 500 pessoas, como informou
José Tosato, do IBAMA/Regional Eunápolis, não teve capacidade de acomodar
todas as pessoas interessadas. Alguns representantes dos movimentos sociais
interessados em participar e que o tiveram acesso ao auditório, afirmavam que a
134
Veracel tinha mobilizado “todos os seus empregados e mais outras pessoas, para
encher o auditório e dificultar a participação dos movimentos populares que se
opõem às atividades da empresa na região”. O pessoal do MST, na sua maioria
jovens e crianças que estão vivendo na beira da estrada, entre Porto Seguro e
Eunápolis, num acampamento conhecido como “Lulão”, gritavam palavras de ordem
exigindo entrar no auditório e participar. De fato os representantes do MST entraram
cantando paródias com o nome da empresa. Os representantes da empresa
disseram que os representantes do MST queriam mais tumultuar do que participar”
e se retiraram aos poucos do auditório. A audiência foi remarcada para 45 dias
depois, no Centro de Convenções da cidade que poderia acomodar melhor todas as
pessoas interessadas na questão.
A situação acima descrita evidencia o clima de tensão que observava-se
na região. Outros documentos tais como a Carta endereçada ao Presidente Lula e a
Carta Aberta à população o peças que aparecem como anexos 6 e 7, nesta Tese,
por sua importância como documento expressivo da luta empreendida na região
contra a expansão do agronegócio, atividade oferecida no discurso do
desenvolvimento sustentável, como proposta de reforma social.
135
4 IMPLICAÇÕES SOCIAIS DO DISCURSO EMPRESARIAL
DASUSTENTABILIDADE
4.1 A “SUSTENTABILIDADE” DO DISCURSO
Conforme visto na primeira parte desta Tese, para a teoria social do
discurso na abordagem de Fairclough (2001), o discurso é analisado em três
dimensões: como texto, prática discursiva e prática social. Para os objetivos dessa
Tese consideramos a dimensão da prática social como principal dimensão de
análise. A prática social, explica Fairclough (2001), tem várias orientações que
implicam o discurso, mas que não se reduzem ao discurso econômica, política,
cultural, ideológica.
Os principais aspectos da teoria social do discurso que foram tomados
como orientação na nossa análise estão relacionados com a prática social. Portanto,
o discurso não é tomado como atividade puramente individual ou reflexo de variáveis
situacionais, nem apenas como comunicação. O discurso é um modo de ação, uma
forma em que as pessoas podem agir sobre o mundo e sobre os outros, como
também modo de representação.
Mais objetivamente, essa Tese focaliza os três aspectos dos efeitos
constitutivos do discurso, explicitados na teoria social do discurso. O discurso
contribui para a “construção de identidades sociais” e “posições de sujeito”. Contribui
também para construir as relações sociais, e em terceiro lugar, contribui para
construção dos sistemas de conhecimento e crença. Esses três aspectos
correspondem respectivamente a três funções da linguagem e a dimensões de
sentido que coexistem e interagem em todo discurso: “identitária”, “relacional” e
“ideacional”. Vale explicitar melhor esses três aspectos, visto que são centrais na
nossa interpretação. A função identitária relaciona-se aos modos pelos quais as
identidades sociais são estabelecidas no discurso. A função relacional, a como as
relações sociais entre os participantes do discurso são representadas e negociadas
e a função ideacional aos modos pelos quais os textos significam o mundo e seus
processos, entidades e relações. Assim, na prática discursiva dos agentes
empresariais do estudo realizado para efeitos dessa Tese ressalta-se a imbricação
mútua do discursivo e do não-discursivo nos seguintes termos: a monocultura de
eucalipto e a produção de papel e celulose são consideradas como uma prática
136
social não discursiva enquanto que a auto-apresentação da empresa como
sustentável é considerada como uma prática discursiva.
Esta parte, portanto, apresenta a nossa interpretação de como o discurso
empresarial ambientalizado, pautado numa noção de “sustentabilidade”, provoca
efeitos que tensionam as circunstâncias locais enquanto se fortalece e se mantém
perante a sociedade como um discurso hegemônico; por isso denominamos esta
parte do trabalho de “a sustentabilidade do discurso”.
4.1.1 Construção de imagem de segurança e certeza num mundo incerto e
inseguro
Tendo, a partir da teoria social do discurso, como princípio que o
discurso tem implicação na construção do mundo, que “o discurso é um modo de
ação, uma forma em que as pessoas podem agir sobre o mundo e especialmente
sobre os outros, como também um modo de representação”, a partir da observação
do caso, passamos a problematizar como o discurso desenvolve sua ação.
Se nos colocamos do ponto de vista construído por Bauman (1998) na sua análise
do mundo contemporâneo, observamos que o discurso da sustentabilidade tende a
construir uma noção de “certeza”, de “segurança”, de “beleza”, a ser atribuída ao
modelo de desenvolvimento. Através do discurso, procura-se reconstruir a noção
“desenvolvimento” como sendo uma proposta renovada, sem que se tenha de
justificar em que medida as contradições do modelo, que estão sendo apontadas
como causadoras dos problemas sociais e “ambientais” - da atualidade poderão
ser superadas. O termo “desenvolvimento sustentável” introduz uma perspectiva de
mudança no sistema social, sem que fiquem claros os aspectos que serão mudados
e se a mudança desses aspectos representaria, de fato, algum benefício para as
camadas menos favorecidas pelo modelo de desenvolvimento vigente. A introdução
dessa perspectiva por intermédio do discurso tem implicações no mundo social, de
diversas formas, como será discutido a seguir. As características próprias da
sociedade capitalista na contemporaneidade apontadas por Bauman fornece pistas
para entender como o discurso empresarial ambientalizado vem agindo no mundo e
influenciando os sujeitos. Interrogamos, a partir de então em que medida o discurso
empresarial ambientalizado, pautado no desenvolvimento sustentável, opera como
uma estratégia empresarial para o enfrentamento das incertezas e inseguranças
137
próprias da época atual, próprias ao liberalismo econômico vigente, que em
particular afetam, as populações pela insegurança organizada. Em outras palavras,
o discurso do desenvolvimento sustentável aparece como um padrão construído
para transmitir a idéia de segurança, de “sustentabilidade” do sistema que tem sido
questionado na região por diversos agentes organizados, conforme visto na parte II
dessa Tese. Neste esforço, busca-se imprimir um caráter de certeza às práticas
empresariais em contraposição a todas as incertezas características da “época”. É
uma tentativa de criar uma imagem de segurança permanência, estabilidade -
visando neutralizar as críticas às práticas capitalistas, uma vez que no período dos
anos 1990 muitas denúncias foram feitas relativas à insustentabilidade do
desenvolvimento tradicionalmente defendido nos meios empresariais e das agências
multilaterais do desenvolvimento. Buscamos analisar em que o discurso do
desenvolvimento sustentável da empresa pode ser entendido como parte desse
processo. Nesta medida, podem ser entendidas as constantes referências a
preocupações empresariais com o “risco social” apresentado pela empresa como
atestação de seu compromisso com os impactos sociais de seus emprendimentos
no entanto, nos momentos em que uma crise eclode – como no caso das ocupações
de eucaliptais e de manifestações públicas de oposição à monocultura – os “estudos
de risco social” são revelados enquanto esforços de antecipação da resistência,
neutralização da oposição e pré-construção da ordem. Afirma um informativo da
Veracel em 2003: “A questão da responsabilidade social manifesta-se na relação da
Veracel com as comunidades e o meio ambiente. A empresa está investindo R$ 3
milhões em projetos voltados especialmente à saúde e educação infanto-juvenil.
Estes projetos beneficiam, no momento, aproximadamente 1.500 crianças com
idades entre 4 e 15 anos e em situação de risco social”
57
. Após evento em que
opositores à monocultura de eucalipto no Rio Grande do Sul destruíram um
laboratório da Araruz, a idéia de “risco social “ aparecerá com conotação distinta. Eis
a menção que a ela se faz na imprensa local, como consta em um relatório “de risco
social” previamente encomendado pela empresa: “Preocupado, o secretário de
Desenvolvimento, Luis Roberto Ponte, convocou a sociedade para mostrar que a
manifestação não representa a comunidade gaúcha: A sociedade tem de repudiar
esse ato, porque, caso contrário, isso seria mortal para as negociações com os
57
Veracel
lança pedra fundamental de sua fábrica de celulose na Bahia
in Veracel, 06.10.03
138
investidores do setor”. “A empresa fez estudo para verificar o risco social”. Ponte se
refere a dois quesitos importantes nesse tipo de investimento, envolto em polêmica
sobre impacto ambiental: a observância da lei e um ambiente de boas relações com
a comunidade. O tema é tão importante que, um ano antes, a Aracruz – que amarga
um histórico de invasões de suas terras nos Estados onde tem unidades (BA, ES,
MG e RS) havia contratado uma empresa para analisar o risco social para a
instituição em caso de implantação de uma nova unidade no entorno de Porto
Alegre. Em comparação às concorrentes, a Região Metropolitana se saíra bem,
graças ao grau de politização da sociedade(CRUZ, 2006). O risco que a sociedade
apresenta para o empreendimento aparece, assim, por trás da menção freqüente às
preocupações empresariais com populações vivendo elas próprias em situação de
risco social.
Da mesma maneira como a idéia da pureza o é inocente, conforme Bauman
(1998:13), pois ao ser colocada em prática é preciso a violência, o padrão de
“desenvolvimento sustentável” também não o é. Se uma das questões apontadas
por Bauman, foi a das “pessoas que poluem”, “pessoas que não se ajustavam”, que
“estavam fora de lugar”, que “estragavam o quadro”, “ofendiam o senso
esteticamente agradável e moralmente tranqüilizador da harmonia”, nos estudos de
Foucault, também os loucos eram “uma obscura desordem, um caos movediço” a
serem jogados ao mar. A questão é que os modos de produção e de vida que estão
em disputa com a empresa no território e que põem em risco o investimento,
aparecem na ordem estabelecida pelo discurso do desenvolvimento sustentável
empresarial como “os que não são produtivos”, “os que não dão retorno”, “os
atrasados”, “os estagnados”, representando “risco social” para a empresa. Esta
consideração também pode ser analisada, do ponto de vista de Bourdieu, como um
processo de “violência simbólica”.
Retomando o ponto de vista de Bauman, podemos supor a noção de
“sustentabilidade” como um exemplo de intervenção humana (de uma determinada
parcela dos humanos, privilegiada por algum tipo de poder de intervir) a criar uma
certa noção de limpeza (“produção limpa”, “avançada tecnologicamente”, “viável”) e
de sujeira (tudo o que o se enquadra com a proposta de sustentabilidade, nos
moldes da produtividade agroindustrial). A noção de desenvolvimento sustentável
integra a criação simbólica de um modelo de produção que traz em si um padrão de
beleza (pois tornou-se valorizado), de pureza (pois tornou-se o único modelo
139
considerado superior, sendo as outras alternativas consideradas incompatíveis com
a pureza de desígnios ambientais e sociais) e ordem (pois se trata de um modelo
que orientará a sociedade “para a construção de um mundo melhor”). Como
constitutivo de uma ordem, o desenvolvimento sustentável é apresentado pelas
forças hegemônicas como um regulamento que determina os lugares certos para
homens e coisas e a forma apropriada como as coisas devem ser feitas. Trata-se de
um esforço para criar uma idéia de que é possível limitar a hesitação e a indecisão,
as incertezas e insegurança do capitalismo globalizado. O conteúdo dessa “ordem”,
que o “risco social” parece ameaçar, remete à forma como as coisas devem ser
feitas para que as forças hegemônicas permaneçam onde e como estão. A
percepção desse fenômeno não escapou da percepção de Araújo (2003, p. 337) na
sua análise da globalização, “que exacerba o presente”, que “procura livrar-se das
amarras do passado, por meio da imposição de padrões globais” e que ao mesmo
tempo incorpora o futuro “por intermédio da intenção concernente ao apregoado
compromisso de ‘sustentabilidade’ com as gerações que virão”.
Conforme Bauman, vivemos uma “atmosfera do medo ambiente”,
(dimensões da incerteza pós-moderna) por causa de fatores como: primeiro,
vivemos num mundo desorganizado, sem estrutura visível, sem lógica, sem
coerência.; segundo, é dada prioridade à competição de mercado; liberdade ao
capital às custas de todas as outras liberdades; repúdio a todas as razões que o
as econômicas. Tudo isso aprofunda o sofrimento dos “novos pobres”. Assombra o
espectro da ruína, pois não há segurança, nenhuma posição segura. A versão
presente dos direitos humanos não inclui a aquisição do direito a um emprego.
Terceiro, outras redes de segurança, como a família ou a vizinhança, se não se
desintegraram, estão enfraquecidas. Elas eram uma “linha de trincheira” onde uma
pessoa podia se sentir segura. Quarto, a indústria da imagem oferece incerteza.
Nada pode ser conhecido com segurança e qualquer coisa que seja conhecida pode
ser conhecida de um modo diferente. pouca coisa no mundo que se possa
considerar sólida e digna de confiança, nada que lembre uma vigorosa tela em que
se pudesse tecer o itinerário da vida de uma pessoa.
Neste contexto, o discurso empresarial ambientalizado mostra-se útil à
composição de uma imagem de segurança, capaz de encobrir a incerteza e a
incoerência da “atmosfera do medo ambiente”. No caso do campo social estudado, a
imagem de sustentabilidade que se busca criar para a monocultura/indústria de
140
celulose e papel tende a desestabilizar, por outro lado, as bases de segurança que
os processos produtivos locais transmitem aos produtores do lugar por estarem
sendo operados muito mais tempo, como muitos atores o testemunham, como
capazes de assegurar, pela pequena produção, maiores de níveis de ocupação das
pessoas em atividades produtivas.
4.1.2 Mundo social: significação e construção
A consideração da construção do mundo pelo discurso a partir da
introdução da imagem de certeza e segurança, também nos direciona no sentido de
interpretar o discurso da sustentabilidade como critério de diferenciação no espaço
social. Segundo Bauman, coisas para as quais o “lugar certo” o foi reservado
em qualquer fragmento da ordem preparada pelo homem. Elas ficam fora do lugar
em qualquer parte. “Mas, é difícil livrar-se delas de uma vez por todas, pois elas
cruzarão as fronteiras”, diz o Bauman. O “sujo”, o “imundo”, os “agentes poluidores”
são coisas “fora do lugar”.
Porém, não são as características intrínsecas da coisa que as
transformam em sujas. Nesse sentido, as formas de produção alternativas, que
estão em conflito na região estudada, não seriam “coisas fora de lugar”
intrinsecamente, visto que diversos estudos elaborados em lógicas e perspectivas
diferentes comprovam a sua pertinência. No entanto, estão “fora de lugar” nessa
ordem capitalista, que é reafirmada por intermédio do discurso do desenvolvimento
sustentável. O que nos leva a pensar que as mesmas coisas que estavam “fora de
lugar” no modelo de desenvolvimento anterior ao discurso empresarial
ambientalizado, permanecem assim mesmo a partir da “inovação” que pretende
inserir o discurso do desenvolvimento sustentável, porque de fato se trata apenas de
uma nova denominação para um sistema que não se problematizou para além dos
exercícios de relegitimação das práticas empresariais. Assim, tanto no espaço
material quanto no simbólico, continuam, aos olhos da crítica, “coisas fora de lugar”.
O MST, os pequenos produtores etc. seriam as “coisas fora de lugar” ou que “não
têm lugar” nessa ordem idealizada que não constitui uma ordem integradora do
universo social. Se evocarmos Bourdieu
58
, diante da desigualdade da distribuição
58
Conforme Bourdieu, o capital simbólico (a honra masculina das sociedades mediterrâneas, a
honorabilidade do notável ou do mandarim chinês, o prestígio do escritor renomado etc.) não constitui
141
dos capitais, os que não possuem o capital simbólico da “sustentabilidade” estão em
posição distinta e inferior no espaço social.
Ao apresentar a etnografia de uma aula de educação
ambiental no extremo sul da Bahia, Mello assinala como as crianças
caravelenses, além de estarem sendo educadas para amar as baleias,
a sentirem-se responsáveis pelo lixo na praia, a desconfiar de homens
parecidos com seus pais e a temer a prisão por crimes ambientais,
também estão aprendendo a gostar do eucalipto. No carnaval de 2002,
a empresa Aracruz celulose patrocinou as duas únicas escolas de
samba da cidade, não se sabe se diretamente ou se por intermédio da
Prefeitura de Caravelas. Não por acaso, o enredo das duas escolas foi
o eucalipto. E, nas duas escolas, havia alas inteiras com crianças
vestidas de eucalipto, com uma faixa na testa escrito eucalipto. Todas
cantavam animadamente os sambas, cujo título não deixa dúvidas
quanto à intenção das escolas: Da Proteção Ambiental à Sedução do
Carnaval o `Eucalipto´ mostra do seu valor. Contrapostos ao valor
superior do mercado e de seus emblemas, os personagens associados
à população local são tidos por redundantes, quando não ameaças ao
meio ambiente verdadeiros objetos fora de lugar
59
.
A noção que o discurso do desenvolvimento sustentável
pretende apresentar é uma ordem que venha dar um sentido único às
incertezas próprias do modo de produção capitalista e também
contrapor todas as outras formas produtivas como formas que não
possam servir de orientação para os fins que são considerados
adequados.
O termosustentabilidade tem também a função de conferir
essa conotação de algo sob controle. O desenvolvimento sustentável
estaria sendo defendido como um modelo de pureza para essa época.
uma espécie particular de capital, mas justamente aquilo em que se transforma qualquer espécie de
capital quando é reconhecida enquanto capital, ou seja, enquanto força, poder ou capacidade de
exploração (atual ou potencial), portanto reconhecida como legítima. Ver Meditações Pascalianas,
2001. pg. 295-296.
59
“Um professor de Alcobaça relatou em detalhes a estratégia de propaganda da empresa, que com
isso consegue angariar o apoio da população”. Cf. C. Mello, Notas etnográficas sobre as apropriações
do meio ambiente natural no Extremo Sul baiano, II Encontro da ANPPAS, Indaiatuba, SP, 2004.
142
[...] Ordem significa um meio regular e estável para os nossos atos; um
mundo em que as probabilidades dos acontecimentos não estejam
distribuídas ao acaso, mas arrumadas numa hierarquia estrita de modo
que certos acontecimentos sejam altamente prováveis, outros menos
prováveis, alguns virtualmente impossíveis. um meio como esse nós
realmente entendemos. Só nessas circunstâncias podemos realmente saber
como prosseguir. podemos selecionar apropriadamente os nossos
atos isto é, com uma razoável esperança de que os resultados que temos
em mente serão de fato atingidos. (BAUMAN, 1998, p. 15)
Conforme Bauman (1998, p.18), que “o combate ao estranho compara-se
à rotinas higiênicas e isso foi feito por `pessoas do lugar´ em toda a parte em todos
os tempos. Quando o trabalho de purificação e `colocação em ordem´ se tornou
consciente e intencional a preocupação com estranhos assumiu um papel
particularmente importante. Quando o objetivo de limpar em vez de manter intacta a
maneira como as coisas existiam, tornou-se mudar a maneira como as coisas ontem
costumavam ser, criar uma nova ordem que desafiasse a presente” (BAUMAN,
1998, p. 19-20). Isso teria acontecido “com o advento da era moderna, em que a
colocação em ordem depende do desmantelamento da ordem ´tradicional`, herdada
e recebida
.
No Extremo Sul do Estado da Bahia, o conflito social acontece
como uma luta entre o desenvolvimento sustentável - incorporado no
agronegócio, defendido pela monocultura/indústria - que se impõe
como uma ordem e a desordem das demais formas.
Paradoxalmente, os estranhos (ao sistema) não são os que chegam
com suas ordens inovadoras, mas aqueles que estavam anteriormente
com suas formas tradicionais, herdadas, desenvolvidas localmente. A
nova ordem vem criar as desordens, as sujeiras que devem ser
varridas, como afirma Bauman, pois cada ordem tem suas próprias
desordens. Na nova ordem idealizada da produção (o agronegócio), a
pequena produção parece um estranho. A nova ordem transformou o
pequeno produtor num estranho. As próprias pessoas e suas práticas
tornadas estranhas ficam com o medo de serem mesmo estranhas,
dificultando a defesa dos seus interesses. Como diz Bauman o medo
do estranho impregna a totalidade da vida diária num mundo
constantemente em movimento, a angústia se condensou no medo do
estranho. As práticas tradicionais são formas comunitárias de
143
produção que não se ajustam ao novo esquema de pureza, qual seja,
o da produção em grande escala para o mercado internacional de
celulose e papel, no qual a competição é o cerne, dado o estado de
permanente pressão para que a sociedade se despoje de toda
interferência coletiva no destino individual.
Conforme Bauman, os estranhos são apontados como os que
causam a incerteza, que dão origem ao mal-estar.
[...] Eles não se encaixam no mapa cognitivo, moral ou estético do mundo; a
sua presença deixa turvo o que parece ser transparente, confuso o que
deve ser uma coerente receita para a ação e impedem a satisfação de ser
totalmente satisfatória; eles poluem a alegria com a angústia, eles
obscurecem e tornam tênues as linhas de fronteira que devem ser
claramente vistas. “Os estranhos exalam incerteza onde a certeza e a
clareza deviam ter imperado. (BAUMAN, 1998, p.28)
O conflito social no espaço pesquisado é um conflito
decorrente da tentativa de imposição da nova pureza defendida no
discurso empresarial ambientalizado - o desenvolvimento sustentável
que tem como oposição uma outra pureza os modos de produção
tradicionais, defendidos pelos pequenos produtores, bem como por
pesquisadores que procuram atestar o menor impacto ambiental dessas
práticas produtivas.
É dessa maneira que a presença do MST e de outros grupos
organizados no Extremo Sul do Estado da Bahia defendendo interesses
divergentes da grande produção monocultural/industrial de celulose e
papel, bem como a presença de um contingente muito grande de
pessoas consideradas pobres nos estudos de organismos
governamentais deixa turvo o funcionamento da mão invisível do
mercado na região, uma vez que nesse mesmo espaço territorial, a
maior empresa do mundo na atividade de produção de celulose e papel,
tem instaladas as condições de sua operação e lucratividade. No
entanto, onde se produz muita riqueza, também se vê o locus da
produção de miséria e de conflito.
144
4.1.3 Criação e manutenção de capital simbólico
O discurso ambiental empresarial da sustentabilidade pode ser entendido
como uma forma de exercício de poder, expressão de poder ou “capital”; sua melhor
performance é como instrumento usado na dominação exercida pelo projeto cultural
hegemônico. O sistema de relações que está sendo analisado nesse trabalho revela,
entre outras, uma luta discursiva para a construção e reconstrução social do
território. A mídia e o Governo do Estado entendem aquele território como uma
região "produtiva" e "dinâmica" enquanto o movimento social argumenta que ali há
uma terra improdutiva, "onde não nada", que “deve ser preparada para o plantio
de alimentos” e que “deve ser desapropriada para fins de reforma agrária”.
Pode-se observar a construção do espaço pelas diferentes culturas e em
dois sentidos. Em um sentido, a resignificação e em outro a reconstrução. A
ideologia dominante do desenvolvimento dissemina monoculturas pelo território,
sustentando que esta é a solução para os problemas de todos os lugares,
“vocacionados” para a competição internacional. A Região Extremo Sul da Bahia,
bem como outras regiões no Brasil, vem sendo construída no discurso empresarial,
e na mídia nacional, como uma região "desenvolvida", "moderna" e "produtiva".
Enquanto em outro sentido, o espaço é construído fisicamente pela implantação dos
maciços arbóreos de eucalipto plantio industrial de árvores -, onde antes havia
remanescentes da Mata Atlântica ou pequenas propriedades rurais.
De parte da grande mídia nacional, verifica-se o esforço de construir o
entendimento das monoculturas de eucalipto como "áreas de reflorestamento"
(omitindo o fato de que após o corte, nessas áreas, não sobra nada sobre a terra,
portanto, não se tratando de floresta, mas de plantação). Na construção da
plantação como se fosse floresta esses atores usam o termo "extração de celulose"
como se estivesse tratando de uma floresta onde se faz a extração de seus produtos
florestais. No caso da celulose, o que acontece é a transformação das toras de
madeira em madeira picada para ser cozida, em fornos próprios.
Para os representantes do movimento dos trabalhadores locais, aquele
espaço, construído pela cultura dominante como desenvolvido, moderno, produtivo,
significa espaço "onde não nada". O movimento constrói assim um território que
não tem o status de "produtivo", "dinâmico" mas sim é visto como "terra onde não há
nada", que deve ser preparada para o plantio de milho e feijão. Aqui também se
145
verifica, nos episódios de ocupação de áreas monoculturais pelos movimentos
sociais, a reconstrução física do espaço. A área onde havia uma plantação com
espécie homogênea de eucalipto foi, em poucas horas, transformada com a extração
dessas árvores, em terra preparada para o plantio.
Em alguns estudos, o conflito ambiental em questão é entendido como
um conflito por terras, um jogo entre concorrentes, no qual as comunidades são
interpretadas como stakeholders da empresa (ANDRADE, 2003). A noção
stakeholder pretende designar grupos de cujo suporte a organização não pode
prescindir, pois correria o risco de cessar de existir, indicando que haveria uma
interdependência mútua. Tal análise crê na equivalência de poder (econômico e/ou
simbólico) entre os grupos em conflito, que a lógica econômica é a razão que
fundamenta a luta de ambos os grupos e que os bens em disputa têm o mesmo tipo
de valor para todos os envolvidos. Esta forma de pensar impede a percepção de que
se trata de trama mais complexa. Por um lado, impede a percepção de que o que
está em disputa é a legitimidade da forma de apropriação e de relação com o
espaço-tempo – também social- por modos diferentes de viver no mundo. Por outro
lado, ao construir a idéia de que as comunidades são stakeholders”, esconde-se a
relação de dominação existente, uma vez que as empresas o dependem das
comunidades para coisa alguma, pois supõem-se capazes de explorá-las direta o
caso das comunidades indígenas) ou indiretamente (como no caso dos pequenos
produtores “subcontratáveis”) com foros de legitimidade. Estão numa posição
privilegiada em termos das condições de acesso e uso do território
Numa outra perspectiva, a empresa dispõe de capital monetário, que
possibilita aquisição de outros capitais como informação, o que por seu turno
possibilita a aquisição de terras de forma quase ilimitada. Se o limite para aquisição
de terras for a quantidade de capital financeiro acumulado pode-se entender que a
posição da empresa é de dominação. A posição de dominação também pode ser
demonstrada pelo fato de que a existência, bem como a resistência, dessas
comunidades não representou empecilho para que as empresas alcançassem todas
as terras que desejaram para a realização de seus objetivos, ao menos até o
momento da presente pesquisa.
A realidade social é uma realidade material, mas, é também simbolizada
pelos atores e uma explicação adequada dos fatos sociais deveria trabalhar com
essas duas dimensões. Não existe uma e depois a outra. O espaço social é definido
146
pela exclusão mútua, ou pela distinção das posições que o constituem. A distribuição
do volume de “capital” existente nas diferentes posições no espaço social é desigual.
Isto equivale a dizer que uma distribuição desigual da capacidade de dominação.
Assim, o mundo social pode ser visto como um campo de forças, campo de lutas
onde os agentes se enfrentam com meios e fins diferenciados, conforme sua posição
na estrutura do campo, contribuindo assim para a conservação ou a transformação
de sua estrutura. É campo de poder, espaço do jogo no interior do qual os detentores
de capitais lutam e espaço de relações de força entre os diferentes tipos de capital
(BOURDIEU, 1996, p.50). Bourdieu (1996, p.10) explica a organização do campo
social por meio de uma filosofia relacional, que “atribui primazia às relações” e numa
filosofia da ação, disposicional, "que atualiza as potencialidades inscritas nos corpos
dos agentes e na estrutura das situações nas quais eles atuam ou, mais
precisamente, em sua relação”.
As lutas no campo acontecem pela apropriação de capitais. O capital
simbólico o constitui uma espécie particular de capital, mas justamente aquilo em
que se transforma qualquer espécie de capital quando é reconhecido enquanto
capital, ou seja, enquanto força, poder ou capacidade de exploração (atual ou
potencial), reconhecida; portanto, uma verdadeira "força mágica" que exerce uma
espécie de ação à distância, mesmo que sem contato físico (BOURDIEU, 1996). A
imposição da lógica econômica sobre as demais lógicas que fundamentam as outras
formas de viver de comunidades, acontece por que as empresas plantadoras de
eucalipto e/ou produtoras de celulose acumularam capital econômico e capital
simbólico, como por exemplo, aquela fundada na noção de “eficiência” e de
“competitividaderelacionadas aos grandes projetos agroindustriais. As estratégias
dos agentes e das instituições que estão envolvidos nas lutas sócio-territoriais
dependem da posição que ocupem na estrutura do campo, isto é, no padrão de
distribuição dos capitais. As estratégias empresariais estão assim fundadas tanto no
capital econômico quanto no capital simbólico.
A posição da empresa no espaço social tem permitido que a mesma
trabalhe com estratégias de ação, diante do conflito, diferentes das estratégias dos
grupos sociais de índios e quilombolas. No caso, o discurso ambiental empresarial -
da sustentabilidade - interfere como constitutivo de um capital; como expressão
maior do seu poder, as empresas podem impor sua lógica econômica sobre todas as
outras lógicas. O discurso empresarial ambientalizado permite que se exerça
influência sobre as autoridades governamentais estaduais ou federais, bem como do
setor econômico-financeiro no sentido de convencer a todos que as terras cogitadas
pelos índios não possam ser, ou ter sido, tradicionalmente indígenas, por exemplo.
Por seu turno, as comunidades indígenas organizam a sua estratégia de ação
147
fundada no seu capital simbólico: tentam mobilizar a opinião pública e sim - os
stakeholdersdas empresas (clientes, acionistas, e órgãos governamentais) a seu
favor. Entretanto, este capital simbólico é de tipo diferente do das grandes empresas;
neste caso, o capital simbólico da pequena produção e das comunidades - não é
tão valorizado na sociedade de mercado. O fato de que algumas comunidades
aceitem participar da lógica econômica proposta pela empresa e objetivada no
Projeto de Fomento Florestal ou de aceitarem qualquer tipo de benefício social, pode
não significar que essas comunidades tenham sido convencidas de que a lógica
econômica é a mais adequada. Mas pode expressar, mais uma vez, a falta de poder
dessas comunidades, em criar alternativas autônomas, após o contato com o
sistema econômico vigente. Nesse sentido, seria necessário investigar a
possibilidade de existência ou o de espaço para escolhas, para ter uma noção
mais próxima da realidade.
As bases do poder que detêm as empresas atualmente são construídas
pelas categorias historicamente influenciadas pelo projeto cultural hegemônico
capitalista. Tal projeto hegemônico exerceu influência no passado no processo de
distribuição das terras brasileiras no processo de colonização e, mais recentemente,
por intermédio da noção de desenvolvimento e crescimento econômico que dá
legitimidade à lógica de acumulação de riquezas. O modelo de desenvolvimento
econômico centrado na exportação de produtos primários, considerado causa de
atraso do país desde os anos 1930
60
, foi escolhido e imposto pelas empresas, com o
aval do governo, para toda a população local. A questão que está subjacente à
maior parte das queixas das populações locais é exatamente que o modelo de
desenvolvimento imposto para essas regiões, que destina grandes extensões de
terras para as monoculturas de eucalipto e não atende às necessidades específicas
das populações locais. Um modelo adequado para o espaço-tempo do capital, mas
não considerado pelas comunidades locais como adequado aos seus interesses e
modos de vida.
60
Ver, de Celso Furtado: Formação econômica do Brasil (1920), Capitalismo Global (2000) e Há
riscos de uma ingovernabilidade crescente (1998).
148
4.1.4 Legitimação de práticas
Através das práticas de apropriação cultural, o mundo material
é objeto de inúmeras atividades de atribuição de significados. No
espaço do conflito das representações se confrontam valores,
esquemas de percepção e idéias que organizam as visões de mundo e
legitimam os modos de distribuição de poder sobre o espaço material.
É aí onde se desenvolve uma luta simbólica para impor as categorias
que legitimam ou deslegitimam a distribuição de poder sobre os
distintos tipos de capital.
Como vimos, conforme Lopes (2004), ambientalização é um
neologismo que denota um processo histórico de construção de novos
fenômenos, um processo de interiorização da questão do meio
ambiente. O que entendemos como discurso empresarial
ambientalizado é toda a forma de expressão, por parte de atores do
meio empresarial, que incorpora aspectos e conceitos produzidos no
debate da temática ambiental e alguma das várias matrizes discursivas
da noção de sustentabilidade de modo a legitimar práticas de
apropriação do território e seus recursos. Pois a sustentabilidade é
uma noção a que se pode recorrer para tornar objetivas diferentes
representações e idéias (ACSELRAD, 2001). O discurso empresarial
ambientalizado é, assim, construído adotando conceitos e noções
produzidas no debate ambiental e disputando seus sentidos. Na
retórica das empresas, afirma-se ter-se introduzido nas práticas de
gestão preocupações relativas aos problemas ambientais e sociais.
No debate ambiental, a noção de sustentabilidade, conforme
assinalamos no ítem relativo à intertextualidade das expressões
desenvolvimento e sustentabilidade na primeira parte desse
trabalho, observam-se diversas matrizes discursivas (ACSELRAD:
2001); dentre estas destaca-se a matriz da eficiência, que propõe o
combate ao desperdício da base material, de modo a dar continuidade
ao processo do desenvolvimento, da escala que propõe um limite
quantitativo ao crescimento econômico e à pressão que ele exerce
sobre os recursos ambientais; da eqüidade, que articula
149
analiticamente princípios de justiça e ecologia; da auto-suficiência,
que prega a desvinculação de economias nacionais e sociedades
tradicionais dos fluxos do mercado mundial como estratégia apropriada
a assegurar a capacidade de auto-regulação comunitária das condições
de reprodução da base material do desenvolvimento; da ética que
inscreve a apropriação social do mundo material em um debate sobre
os valores de bem e de mal, evidenciando as interações da base
material do desenvolvimento com as condições de continuidade da vida
no planeta. Dessa maneira, distintas representações e valores vêm
sendo associados à noção de sustentabilidade em disputa pelo sentido
do que se pretende o mais legítimo.
O sistema ideológico que comanda a economia "não caiu do
céu", conforme sustenta Santos (1998:96). Segundo este autor,
verificou-se, por exemplo, uma preparação para a chamada
globalização, de modo a difundir a crença na necessidade de
desregulamentação das economias junto aos meios de comunicação,
envolvendo também a formação de economistas nos centros de
formuladores de idéias, bem como a articulação com intelectuais de
países periféricos incluídos no processo. Na concepção de Bourdieu
(2000), tais idéias são construídas a partir de contextos próprios
situados em determinadas sociedades e em determinados momentos
históricos. Segundo ele, inúmeros tópicos provenientes de confrontos
intelectuais ligados a particularidades e particularismos se impuseram,
aparentemente fora de contextos históricos, ao conjunto do planeta.
"São noções ou teses que servem de argumento, porém sobre as quais
não se argumenta; devem o essencial de sua força de convicção ao
prestígio do seu ponto de partida e ao fato de que, ao circularem
continuamente de Berlim a Buenos Aires e de Londres a Lisboa, estão
presentes simultaneamente em toda parte e são potentemente
transmitidos por instâncias supostamente neutras do pensamento
neutro que são os grandes organismos internacionais. Instâncias como
o Banco Mundial, a Comissão Européia, a Organização de Cooperação
e de Desenvolvimento Econômicos (OCDE), enfim, os "bancos de
idéias" do pensamento conservador (o Manhattan Institute, em Nova
150
York, o Adam Smith Institute, em Londres, a ex-Fondation Saint-Simon,
em Paris, a Deutsche Bank Fundation, em Frankfurt), as fundações de
filantropia, as escolas do poder (Science-Politique, na França, a
London School of Economics, na Inglaterra, a Harvard Kennedy School
of Government, nos Estados Unidos etc) e os grandes meios de
comunicação, divulgadores infatigáveis dessa língua geral, sem
fronteiras, perfeita para dar a ilusão de ultramodernismo aos
editorialistas apressados e especialistas ciosos da importação-
exportação cultural.
Para Acselrad e Leroy (1999), as noções de sustentabilidade
são construções sociais elaboradas num embate social que tenderá a
privilegiar uma ou outra concepção, conforme a força relativa destes ou
daqueles atores. O discurso ambiental empresarial, que se apóia na
noção de práticas produtivas sustentáveis, interfere na vida social,
alterando as condições da disputa em torno ao sentido legítimo da
sustentabilidade e buscando atribuir legitimidade a práticas
empresariais apresentadas como ambientalmente benignas. Conforme
Michel Foucault, os discursos são manifestados nos modos particulares
de uso da linguagem e de outras formas simbólicas, tais como imagens
visuais. Os discursos não apenas refletem ou representam entidades e
relações sociais, eles as constroem ou as constituem. Trata-se de uma
noção de discurso como ativamente constituindo ou construindo a
sociedade em várias dimensões. O discurso ambiental empresarial
pode assim ser entendido como uma forma de exercício de constituição
do ambiente compatível com os propósitos da acumulação. A
imposição da lógica do mercado sobre as lógicas que organizam as
outras formas de ocupação do território é favorecida pelo fato das
empresas plantadoras de eucalipto e/ou produtoras de celulose terem
acumulado capital econômico e capital simbólico, como por exemplo,
na afirmação hegemônica das noções de eficiência e de
competitividade associadas aos grandes projetos agroindustriais. As
estratégias dos agentes e das instituições que estão envolvidos nas
lutas sociais podem ser interpretadas a partir da posição que ocupem
na estrutura do campo, isto é, no padrão de distribuição dos capitais
151
que vigore na arena da disputa. Tais estratégias empresariais estariam,
portanto, fundadas tanto no capital econômico quanto no capital
simbólico.
Do ponto de vista da teoria do poder simbólico, o discurso
empresarial ambientalizado, que no caso se expressa na retórica da
sustentabilidade, funciona como um elemento de acumulação de
capital, isto é, fornece prestígio, força, poder e, conseqüentemente,
melhores condições de acesso aos recursos do território. Conforme
Bourdieu (2001), como vimos, todo tipo de capital (econômico, cultural,
social) tende (em graus diferentes) a funcionar como capital simbólico
(de modo que talvez valesse a pena falar, a rigor, em efeitos simbólicos
do capital). O capital simbólico é uma propriedade percebida pelos
agentes sociais, constituindo, portanto, um capital com base cognitiva,
apoiado sobre o conhecimento e o reconhecimento. (BOURDIEU,
1996, p. 107-150). Dessa maneira, torna-se simbolicamente eficiente,
como uma verdadeira força mágica que exerce uma espécie de ação à
distância, sem contato físico. (1996, p.170).
O discurso da sustentabilidade se transformou em parte do
capital simbólico por ser reconhecido enquanto possibilidade, poder e
capacidade de introdução de mudanças no desenvolvimento, processo
amplamente desejado num mundo incerto e desigual. Essa perspectiva
de mudança confere a todas as práticas ditas sustentáveis uma
legitimidade ancorada nas expectativas de todos.
A posse de capitais ou de bens confere autoridade ou poder
àselites na visão de Guy Rocher (apud Lakatos.1979, p.270). Esse
autor estabelece relações entre as formas de poder e as formas de
apropriação da base material. Assim, em sua interpretação, são elites
de propriedade o grupo dos grandes proprietários de terras,
industriais, financistas etc., em virtude dos capitais possuídos poderem
ser acionados para exercer pressões sobre as elites tecnocráticas ou
tradicionais, influenciando a vida econômica, política e social de uma
comunidade. Aqueles grupos que concebem uma ideologia, que a
difundem ou representam, são denominados pelo autor de elites
ideológicas. As elites simbólicas, por sua vez, seriam as que
152
representam uma causa, valores, idéias, modos de viver, qualidades ou
virtudes:quase todas as elites possuem um caráter simbólico. Visto
por esse prisma, o discurso empresarial ambientalizado confere poder
e acomoda a elite empresarial junto aos três tipos de elites.
Na teoria weberiana, poder significa toda probabilidade de
impor a própria vontade numa relação social, mesmo contra
resistências, seja qual for o fundamento dessa probabilidade. O
conceito de poder é sociologicamente amorfo, pois todas as qualidades
imagináveis de uma pessoa e todas as espécies de constelações
possíveis podem por alguém em condições de impor sua vontade, numa
situação dada. Já dominação é a probabilidade de encontrar obediência
a uma ordem de determinado conteúdo, entre determinadas pessoas
indicáveis, diferentemente da disciplina que refere-se a uma
conseqüência de atividades treinadas, onde não se admite crítica ou
resistência. Dominação é a probabilidade de encontrar obediência
dentro de um grupo determinado para mandatos específicos (ou para
toda sorte de mandatos). Dessa maneira, observa-se que a dominação
weberiana impõe a presença efetiva de alguém mandando eficazmente
em outros. Significa o domínio num quadro administrativo ou numa
associação. (WEBER, 2000, p.33)
Quando o exercício da dominação é feito apenas com o apoio
de uma ordem legal, na qual uma autoridade está dotada de poder e é
ilegítima (sem o apoio da opinião pública), é necessário constranger
para ver cumpridas as ordens. Tem-se também que manter vigilância
constante. Este tipo de legitimidade é denominado legitimidade formal
ou jurídica. A legitimidade de fato decorre somente da
compatibilidade da organização do poder e de quem o exerce com as
crenças da maioria.
Em relação à legitimação (WEBER, 2000, p.33) todas as
formas de dominação
61
procuram despertar a crença em sua
61
Assim a dominação se legitima por dominação carismática que se funda na crença de possuírem
certos líderes ou chefes, qualidades extraordinárias e sobrenaturais, por dominação tradicional
decorre da nas tradições, costumes e valores tradicionais que investem de autoridade os chefes e
por dominação racional decorre da crença na legitimidade da ordem legal estabelecida, bem como
de quem a exerce, (Weber: 2000:33).
153
legitimidade. A ação social pode ser determinada entre outras pela
crença consciente no valor - ético, estético, religioso ou qualquer que
seja sua interpretação absoluto e inerente a determinado
comportamento como tal... (WEBER, 2000, p.15). Isto posto, a
dominação que se exerce nas formas de linguagem oral e escrita busca
formar uma opinião pública que lhe seja favorável por meio de grupos
de pressão, da comunicação de massa e da propaganda. Isto porque,
como sugere Bourdieu (2002, p.7), a dominação é exercida em nome de
um princípio simbólico conhecido e reconhecido tanto pelo dominante
quanto pelo dominado, de uma língua (ou uma maneira de falar), de um
estilo de vida (ou uma maneira de pensar, de falar ou de agir) e, mais
geralmente, de uma propriedade distintiva, emblema ou estigma. A
dominação se exerce, assim, não na lógica pura das consciências
cognoscentes, mas através dos esquemas de percepção, de avaliação
e de ação.
O discurso do desenvolvimento sustentável da empresa
estudada pode assim ser entendido como parte de uma estratégia para
formar uma opinião pública favorável às práticas da empresa na região.
A noção de sustentabilidade esconde metaforicamente a proposta de
continuidade do desenvolvimento, oferece um desenvolvimento
sustentável basicamente sua promessa de um futuro de emprego,
renda e modernização - amplamente desejados pela sociedade em
geral e mais especificamente por aqueles que estão fora de lugar na
ordem capitalista; nesse processo constrói e legitima sua dominação.
Nesse sentido, a legitimidade do discurso empresarial
ambientalizado tem rebatimentos no espaço da distribuição do poder
sobre os diferentes tipos de capital em disputa na arena territorial. A
legitimidade que o discurso do desenvolvimento sustentável tende a
conferir à empresa explica em parte o seu diferencial de poder de
influência perante os demais sujeitos. No caso da disputa por terras
indígenas, por exemplo, o discurso empresarial ambientalizado permite
que se exerça influência sobre as autoridades governamentais
estaduais ou federais, bem como do setor econômico-financeiro, no
154
sentido de convencer a todos que as terras cogitadas pelos índios
possam ser, ou ter sido, tradicionalmente indígenas. Uma análise na
perspectiva de Bourdieu (2002, p.7) nos levaria a interpretar esta
prática como uma violência simbólica, ou seja, violência suave,
insensível, invisível a suas próprias vítimas, que se exerce
essencialmente pelas vias puramente simbólicas da comunicação e do
conhecimento, ou mais precisamente, do desconhecimento, do
reconhecimento ou, em última instância, do sentimento.
155
4.2 DISCURSO E MUNDO SOCIAL
Nesse capítulo, apresentamos a nossa interpretação de como o discurso
empresarial ambientalizado implica em limitações nas condições materiais de
reprodução de determinados grupos socioculturais locais. Mais especificamente,
buscamos discutir as limitações impostas pelo sistema monocultural/industrial de
eucalipto para fabricação de papel e celulose, legitimadas pelo discurso
ambientalizado empresarial, à manutenção das condições materiais de vida social
defendidas pelos grupos sociais locais no território estudado.
4.2.1 Redução do espaço dos direitos
Como está sendo enfatizado ao longo dessa Tese, o discurso empresarial
da sustentabilidade, no caso estudado, defende a expansão do agronegócio, da
atividade de plantação de eucalitpto e a indústria de papel e celulose. Tal modo
produtivo tem implicações nas condições de reprodução dos modos de vida das
populações que vivem nas proximidades dessas atividades nas regiões em pauta,
de diversas formas. As denúncias contra tais atividades dizem respeito, entre outras,
à redução de postos de trabalho por força da ocupação de grandes extensões de
terra para produção de apenas uma espécie e que não requer a utilização de muitos
trabalhadores para o seu desenvolvimento.
De fato, as análises da sociedade brasileira atual mostram que, ao lado
de uma economia moderna, persistem milhões de pessoas excluídas de seus
benefícios, assim como dos serviços proporcionados pelo governo para seus
cidadãos
62
. Tratam-se de processos de “inclusão limitada”, pelos quais o acesso a
emprego, renda e benefícios do desenvolvimento econômico ficam restritos a
determinados segmentos da sociedade. O Brasil se desenvolveu através de um
processo que foi denominado de “modernização conservadora”, cuja característica
principal é, precisamente, a o incorporação de grandes segmentos da população
aos setores modernos da economia, da sociedade e do sistema político
63
. Conforme
62
Veja, sobre esse assunto, por exemplo Simon Schwartzman. "Brasil, The Social Agenda." Daedalus
(Proceedings of the American Academy of Arts and Sciences) 129, no. 2 (2000): 29-53.
63
Reis, Elisa Pereira; Schwartzman Simon. Pobreza e Exclusão Social: Aspectos Sócio Políticos.
Trabalho preparado por solicitação do Banco Mundial, como contribuição para um estudo em
andamento sobre a exclusão social no Brasil. Pessoas interessadas neste projeto mais amplo devem
entrar em contato com Estanislao Gacitúa-Marió, [email protected] 2004.
156
Reis (2004) o conceito de "exclusão social" traz implícita a problemática da
desigualdade, que os excluídos o são pelo fato de estarem privados de algo
que outros (os incluídos) usufruem. O conceito alude à não efetivação da cidadania,
ao fato de que, apesar da legislação social e do esforço das políticas sociais, uma
grande massa de indivíduos não logra pertencer efetivamente a uma comunidade
política e social. Indivíduos que vivem no espaço de uma sociedade nacional
aportam contribuições a essa sociedade, mas não têm acesso ao consumo dos bens
e serviços de cidadania. Embora a lei lhes garanta direitos civis, políticos e sociais,
tal garantia legal não se traduz em usufruto efetivo de tais direitos.
O conceito de exclusão é, portanto inseparável do de cidadania, que se
refere aos direitos que as pessoas têm de participar da sociedade e usufruir certos
benefícios considerados essenciais. A literatura costuma distinguir três tipos de
direito os direitos civis, políticos e sociais. Os direitos civis são, sobretudo, direitos
“negativos”, que protegem o cidadão contra as arbitrariedades do Estado e de outras
pessoas o direito de ir e vir, a inviolabilidade do domicílio, a liberdade de
expressão. Os direitos políticos são os que facultam e delimitam o papel do cidadão
na organização política da sua comunidade os direitos de votar, ser eleito,
organizar e participar de partidos políticos, etc. Os direitos sociais, finalmente, são
direitos ao acesso a um conjunto de bens e serviços considerados indispensáveis
para a vida digna e para a convivência social o direito à educação, à saúde, ao
trabalho, a um salário decente, à proteção em situações de doença e velhice, e
assim por diante.
Conforme Reis (2004) existem (I) canais “clássicos”, de acesso à
cidadania, e (II) novos canais e mecanismos introduzidos com o propósito de conferir
poder àqueles que são privados de fato de acesso ao consumo de bens de
cidadania (REIS, 2004). Dentre os canais clássicos distingue-se (I-A) os que
tipicamente pertencem à esfera do Estado e (I-B) aqueles típicos da sociedade. Os
primeiros incluem os sistemas públicos de educação e saúde; o aparato da justiça; o
sistema de seguridade social; e a regulamentação do acesso ao mercado de
trabalho. Entre os segundos podemos mencionar a representação político partidária
os sindicatos, as igrejas, e as associações culturais e recreativas. Finalmente, entre
as (II) novas formas de acesso ou inclusão, aquelas pensadas com o propósito de
preencher as lacunas e corrigir os cios das formas clássicas de acesso, temos em
mente mecanismos de participação e controle tais como sejam (a) o orçamento
157
participativo e os (b) conselhos municipais na esfera da autoridade; na área da
sociedade civil incluem-se (c) os diversos programas implementados por ONGs e
organizações filantrópicas e (d) os movimentos sociais.
Na verdade, afirma Reis (2004), “sob o rótulo de instrumentos de
empowerment encontramos toda uma série de formas mais ou menos experimentais
de acesso que estão a merecer análise e discussão cuidadosa”. Direitos políticos
vistos como aqueles direitos que facultam e delimitam o papel do cidadão na
organização política da sua comunidade – os direitos de votar, ser eleito, organizar e
participar de partidos políticos, etc. este limita-se ao direito de votar, uma vez que lhe
é dificultada a eleição (as campanhas o caríssimas) e de fiscalização dos que
participam, por dificuldade de acesso à informação.
Os problemas na região estudada se estabelecem principalmente por
deficiências no campo dos direitos sociais. Nos momentos de denúncia - fóruns,
seminários, encontros - quando as populações podem se manifestar apontam a falta
da possibilidade de usufruir certos benefícios considerados essenciais como uma
das principais questões a serem resolvidas, mas é a redução do espaço de
participação na tomada de decisão quanto à sua própria vida, um problema que
preocupa principalmente aqueles que tem a percepção da gênese da questão: os
representantes das organizações da sociedade civil na região, uma vez que um dos
traços mais fundamentais da convivência social é a politicidade, como capacidade
“biológico-cultural” de fazer história própria, individual e coletiva.
[...] Como ser político, o ser humano e, em menor escala, também os
animais conseguem interferir em seu destino pela via da aprendizagem e do
conhecimento, convivência mais ou menos igualitária e polarizada,
montagem de processos institucionais que alargam as condições de vida,
atitude reconstrutiva perante a realidade. (DEMO, 2002, p.14).
A imposição da monocultura de eucalitpto e da indústria de papel e
celulose na região, apesar da contestação dos grupos organizados implica na
destruição de outras formas de reprodução social e é situação que reflete o espaço
de politicidade reduzido ao mesmo tempo em que reflete o reduzido espaço dos
direitos políticos.
158
4.2.2 Redução dos espaços de integração econômica
O estudo observou que a monocultura de eucalipto e a produção de celulose
e papel não tende a uma integração com as demais atividades produtivas da área
estudada. Um processo de desenvolvimento permanente e continuado não pode ser
esperado da simples instalação de um complexo industrial numa região
economicamente atrasada. Um complexo funcionará como verdadeiro lo de
desenvolvimento se encerrar um centro dinâmico capaz de gerar e transmitir
inovações que estimulem a emergência de novas indústrias e de novas seqüências
de interdependência. Para uma região “subdesenvolvida” o mais importante é a
integração regional, ou seja, a ampliação do mero de relações econômicas em
termos de fatores de produção, informações, estradas, hidrovias, etc., levando essas
áreas a serem reciprocamente dependentes. A produção de celulose não é uma
indústria tipicamente voltada para o consumo, e, portanto, não é capaz de
transformar as cidades de seu entorno em centros de beneficiamento, transformação
e exportação de produtos regionais, diz Carneiro. Além da integração regional, a
integração intersetorial que pode ser vertical (compras) ou horizontal (vendas)
também é fraca nesse setor.
[...] A possibilidade de desdobramento da indústria de papel e celulose no
Extremo Sul é muito limitada, em função das características estruturais da
própria indústria, que não pode ser classificada como indústria chave ou
motriz, a exemplo da indústria automobilística. (FUNDAÇÃO CENTRO DE
PROJETOS E ESTUDOS-BA 1994, p.64)
A indústria de papel e celulose no extremo sul da Bahia exporta
atualmente 100% do que produz
64
através do porto privado distante cerca de 1,5km
da fábrica do Espírito Santo
65
. A produção segue para a América do Norte, Europa e
Ásia. Portanto, não integração horizontal que as vendas são realizadas para
fora da região. A integração vertical (compras), embora ocorra, não é significativa,
pois os insumos também o comprados fora da região, exceto o maciço arbóreo
situado na região, que é de propriedade da própria empresa. Conforme a Gazeta
64
A Veracel iniciou suas atividades em outubro de 2005. Em 6 de novembro, a indústria atingiu a
produção média diária prevista em projeto, 2.548 toneladas/dia. Em 2005, o acumulado foi de
467.227 toneladas. Toda a produção da fábrica, que tem capacidade para produzir 900 mil toneladas
por ano de celulose, destina-se à exportação. Relatório anual da Veracel, 2005.
http://www.veracel.com.br/pt/index.html Acesso em abril/2005.
65
Informações mais detalhadas podem ser obtidas no site da aracruz.com.br. Acesso em 08/08/2004.
159
Mercantil (2003, A, p.11), a energia será gerada pela própria empresa, através da
queima da biomassa (parte da energia será vendida para a empresa da Suécia Eca
Química, a mesma que vai fornecer os insumos químicos para a Veracel.
A redução das alternativas
A destruição das condições de existência alternativas é um dos
fenômenos resultantes da eliminação dos sistemas locais de saber pela expansão
de monoculturas em diversas partes do mundo, aponta Shiva (2003). O
desaparecimento do saber local acontece em muitos planos. A ideologia do
desenvolvimento, por exemplo, que parece ser universal e inerentemente superior às
outras ideologias locais, acaba por desqualificar o conhecimento das populações
regionais.
A destruição dos saberes das populações do local é realizada num
processo em que tais conhecimentos não são considerados saberes. A cultura
dominante faz com que desapareçam, pois lhes nega o status de um saber
sistemático, atribuindo-lhes os adjetivos de "primitivo" e "anticientífico". A
invisibilidade é a primeira razão pela qual os sistemas locais entram em colapso.
Desse modo o saber dominante destrói as próprias condições para a existência de
alternativas. (Shiva, 2003, p.21).
Conforme foi mencionado na segunda parte deste trabalho, antes da
chegada do chamado "desenvolvimento" a Região Extremo Sul da Bahia foi habitada
por grupos humanos principalmente com formas de vida e de reprodução muito
próprias conciliando atividades econômicas produtivas, muitas vezes coletivamente,
com preservação da diversidade da base material da região. Conforme Koopmans
(1999, p. 39) o que mais caracterizava este espaço e este tempo era a cultura da
população. O somatório de aspectos como: a forma de viver, as condições precárias
de vida, a religiosidade simples, a convivência com a mata que os cercava, a beleza
da fauna e da flora encontrada todos os dias, a abundância de terras, tudo isso
resultara na cultura daqueles habitantes. "Tais circunstâncias teriam criado no povo
um sentimento de solidariedade, de co-responsabilidade, de união, de confiança e
de altruísmo". "As regras comerciais eram baseadas em confiança e sinceridade".
Entretanto, para a cultura ocidental tal ambiente é considerado "atrasado",
"improdutivo", "sem progresso", devendo, portanto, a região "ser explorada",
160
conforme Pe. Koopmans, (1999, p. 82). Sabe-se que na região praticava-se
extrativismo vegetal, cultivo do coqueiro, criação de gado, lavoura de cacau, pesca,
cultivo e industrialização da mandioca, cultivo da banana, milho, feijão, arroz, café,
cana, abacaxi, laranja, mamão, limão, maracujá, melancia, melão, etc.
(Koopmans,1999, p.66). Em 1985, a área ocupada com lavouras na região era de
258.075 hectares mas oito anos depois essa área estava reduzida à metade. A
agricultura na região criava um emprego fixo permanente, em média, em cada 26,1
hectares ocupados.
Conforme Godofredo Ferreira (apud Koopmans, 1999, p. 39), em meados
do século XIX a situação dos índios na região era de submissão aos invasores,
tendo alguns poucos grupos refugiados nas matas ao longo da costa entre Santa
Cruz de Cabrália e Porto Alegre (atual Mucuri). Os conflitos entre índios e posseiros
pela posse das terras fez com que as autoridades da época determinasse a
transferência e a concentração compulsória de todos os diversos grupos “numa
única aldeia a ser estabelecida no ponto médio daquela costa”. Dessa maneira as
diversas culturas, linguagens e costumes foram desconsiderados e seus saberes
destruídos. Portanto, todos os “modos de viver”, esses “saberes” foram
desestabilizados com a chegada de novas propostas baseadas na ideologia do
desenvolvimento.
Uma nova desestruturação do sistema social regional foi mencionada
também pela COMPANHIA DE DESENVOLVIMENTO E AÇÃO REGIONAL – CAR –
BA (1994, p.16). Registrou-se que o cacau, introduzido em Ilhéus no século XVIII,
expandiu-se inicialmente na atual Região Cacaueira, alcançando o Extremo sul no
início do século, onde hoje se situa o município de Belmonte. As culturas do cacau e
do café exerceram um papel positivo no crescimento demográfico, na expansão do
povoamento e na dinamização interna da economia regional. A libertação dos
escravos possibilitou o surgimento de uma sociedade baseada na pequena
propriedade familiar. As relações sociais que se estabeleceram após a derrocada da
economia colonial fundamentaram-na existência de terras abundantes e de homens
livres. Os pequenos produtores, posseiros e pescadores organizaram-se em uma
sociedade homogênea com base na produção semimercantil, onde as unidades
familiares independentes integraram-se em comunidades de ajuda mútua. As
relações de troca de produtos entre os membros das comunidades e as relações
regulares que se estabeleceram com o comércio regional, onde os produtores, em
161
conjunto, vendiam principalmente cacau e café, não visavam a acumulação
mercantil, mas apenas a reprodução da economia camponesa.
Este padrão de ocupação foi dominante a meados do século XX,
quando a expansão da economia de mercado no País exigiu a incorporação de
áreas até então mantidas em situação “marginal”. A construção da BR-101 foi
decisiva no processo de inserção da Região na economia nacional e, por isso
mesmo, central na reestruturação das comunidades em novas bases. O processo de
destruição do conhecimento local, na Região Extremo Sul da Bahia, inicia-se na
mesma época em que o interesse pelas terras para a monocultura de eucalipto
inicia. Na inauguração da BR-101, em 1975, o Governador do Estado falou que teria
redescoberto do Extremo Sul, que até então estava "esquecido", e que teria a partir
de então o "progresso" e o "desenvolvimento”, diz Pe. koopmans, (1999, p. 82).
O desaparecimento do saber local por meio de sua interação com o
saber dominante acontece em muitos planos, por meio de muitos processos. Fazem
o saber local desaparecer simplesmente não o vendo, negando sua existência, não
o considerando como um saber. Com o desaparecimento do saber local, as
alternativas desaparecerem uma vez que são apagados ou destruídos os espaços
das alternativas locais. O saber dominante destrói as próprias condições para
existência de alternativas (Shiva, 2003, p.23-25).
A desqualificação do conhecimento também é uma maneira de
destruição. Na atualidade, o discurso empresarial afirma que as comunidades
indígenas “não têm projetos de longo prazo que venham a possibilitar sua
sobrevivência e aprimorar suas condições de vida de maneira sustentável”.
Desconsideram que o modo de vida daqueles povos é um outro modo de vida com
possibilidades de sobrevivência, desde que mantidas as condições favoráveis, que
no caso centra-se na floresta.
A desconsideração dos saberes desses povos é tanta que a empresa
destina, como demonstração de sua “benevolência”, recursos financeiros para
projetos de geração de renda para essas comunidades; o financiamento de bolsas
de estudo para alunos indígenas que cursarem a faculdade; o apoio a programas
visando aumentar a empregabilidade dos membros das comunidades indígenas;
doação de escola com área construída de 600 m2, dispondo salas de aula,
biblioteca, refeitório, sanitários, salas administrativas, tio interno e quadra
poliesportiva. Tais práticas tendem a destruir a cultura indígena e transformando
162
indígenas em simples consumidores. Outra demonstração da falta de respeito pelo
conhecimento dos povos da floresta aparece nos projetos da empresa de educação
ambiental que pretendem “ensinar” aos povos indígenas a lidar com a floresta.
Desconsideram o fato de que desde muito tempo antes da chegada do europeu na
Região Extremo Sul da Bahia, mais de 3 milhões de índios conviveram com a
floresta, sem destruí-la.
A preservação da diversidade de saberes e de culturas corresponde,
sobretudo à produção e manutenção de alternativas. Significa manter vivas formas
alternativas de vida das populações e de produção, que possam ser viabilizadas por
pequenos produtores em pequenos pedaços de terra e poucos recursos
tecnológicos e financeiros.
Os esforços para homogeneização das formas produtivas no espaço se
expressam de diversas formas, inclusive por intermédio de políticas públicas. A lei
4.771-65 que instituiu o Código Florestal também determinou que O Conselho
Monetário Nacional concederia prioridade aos projetos de florestamento,
reflorestamento ou aquisição de equipamentos mecânicos necessários aos serviços.
No governo de Ernesto Geisel é publicado o Decreto Lei 1.376/74 que dispõe
sobre a criação de Fundos de Investimentos Setoriais (FISET) para os setores de
turismo, pesca e reflorestamento.
É interessante mencionar que os recursos financeiros eram liberados por
hectare. Mais hectare, mais dinheiro nas mãos das empresas. Tal fato nos instiga a
questionar se a lógica das aquisições das terras, ainda baratas, não teria sido
apenas para ter acesso aos recursos financeiros. Isso não fica claro no âmbito desse
trabalho. Grandes extensões de terras foram compradas pela Flonibra, Bahia Sul
Celulose, Aracruz e Veracruz Florestal. Dessa forma, foi decidido que o Extremo Sul
da Bahia teria a "vocação" para plantação de eucalipto para produção de celulose e
papel.
Na atualidade o processo de acumulação de terras pelas empresas é
possibilitado pela oferta de valores cada vez mais altos pela terra. Os pequenos
produtores não dispõem de muitos recursos para adquirir mais terras ou para mantê-
las, assim, as empresas vão acumulando cada vez maiores pedaços do território.
O processo de concentração de terras nas mãos de empresários do agronegócio de papel e celulose,
legitima-se no extremo sul da Bahia, também por outros meios. Por exemplo, podemos citar o processo de aquisição
163
do que se denomina hoje a Estação Veracruz
66
. Tendo como fonte a própria Veracel, sabe-se que em
1961, as
áreas denominadas Tucundupi, São Miguel e Imbiruçu de Dentro, no Extremo sul da
Bahia, foram adquiridas por Iva Lee Hartman, dando origem à Fazenda Americana,
com 12.000ha. Em 1964, A Fazenda Americana é invadida por “posseiros”. A partir
de 1973, com o asfaltamento da BR 101 e da BR 367, intensifica-se o
desmatamento na região. Em 1977, a área é adquirida pela Flonibra, que em 1978
faz inventário florestal da área adquirida e efetua corte seletivo de aproximadamente
1.000 ha de florestas próximas à estrada. Em 1984, as áreas de Imbiruçu de Dentro
e São Miguel são invadidas e destruídas por posseiros. Iva Hartman perde parte das
terras. Em 1989 a Flonibra é incorporada à Cenibra. A Cenibra em 1990, as terras
para a Floresta Rio Doce FRD que, por sua vez, vende em 1992 a Fazenda
Americana para a Veracruz Florestal, hoje Veracel Celulose. Em 1994 a Veracel cria
a Estação Veracruz e inicia a implantação de infra-estrutura para visitação. Nesta
área são realizadas, a partir de 1994 até 1997, pesquisas sobre a fauna e a flora da
região por especialistas. Em 1997 tem início o Programa de Ecoturismo. O IBAMA
em 1998 reconhece a Estação Veracruz como RPPN. A UNESCO, em 1999
reconhece a Estação Veracruz como Sítio do Patrimônio Mundial Natural (sPMn).
Nesse processo, a Mata Atlântica, um ecossistema que realiza múltiplas
funções (de fornecer água e conservar o solo, de prover as diversas comunidades
com espécies que servem de alimento, de abrigo, como fertilizantes, como
combustíveis, proporcionando ampla diversidade de meios de sobrevivência) e as
pequenas lavouras foram transformando-se, cada vez mais, em espaços cercados,
reservados para a monocultura de eucalipto ou como área de preservação ambiental
particular das empresas.
O acúmulo de grandes extensões de terras nas mãos de poucos
proprietários, tanto limita a possibilidade de variados usos e apropriações do
território, quanto reafirma o mecanismo de acumulação de riquezas, destruindo as
possibilidades alternativas.
66
http://www.veracel.com.br/veracruz/pt/estacao_historia.htm. Acesso em 20-07-2006
164
A centralização do poder
A introdução da monocultura ao acabar com a diversidade de alternativa
de sobrevivência para as populações locais produz, ao mesmo tempo, o controle
centralizado da produção agrícola e a conseqüente perda do poder da sociedade, na
tomada de decisões. Preservar a diversidade de alternativas significa preservar a
independência para as sociedades.
No caso das monoculturas de eucalipto, no Brasil, tornou-se comum a
prática do fomento florestal que tem como resultado reduzir, cada vez mais as
alternativas de sobrevivência das populações locais. O fomento florestal é uma
prática caracterizada pela utilização de terras de pequenos produtores rurais para
plantação de eucalipto. Iniciou-se no Espírito Santo, onde as empresas foram
proibidas de adquirir mais terras.
Tal prática tornou-se comum, também, nos Estado da Bahia e Minas
Gerais, onde as empresas oferecem mudas de eucalipto para que os pequenos
proprietários plantem em suas propriedades. Os pequenos produtores rurais são
impelidos a aderir ao programa por falta de alternativas. Plantam o eucalipto, e
cuidam por sete anos, sem nenhuma garantia trabalhista. Suas terras acabam
cercadas por eucalipto e contaminadas por defensivos agrícolas que escorrem para
os córregos que atravessam os eucaliptais. Mesmo aqueles que desejam produzir
alguma espécie alimentícia sua a sua subsistência, terá dificuldade em produzir na
proximidade do eucalipto por causa da seca e da poluição.
Entretanto, o maior prejuízo para o pequeno proprietário de terra que
ingressa no programa de fomento florestal é a perda da soberania sobre sua
atividade. O produtor passa a depender de um único produto, de um mercado que
desconhece (o mercado internacional) e de um único comprador para sua produção.
Aqueles que desejam produzir alguma espécie alimentícia para sua subsistência,
terão dificuldade em produzir na proximidade do eucalipto, pois estudos
comprovaram a perda da qualidade do solo, a redução da umidade e a poluição por
defensivos e fertilizantes.
Diversidade e sociedade
165
Na cultura dominante, quanto mais a diversidade é substituída pela
uniformidade das monoculturas, as safras e a produtividade parecem aumentar.
Entretanto, do ponto de vista da diversidade as monoculturas são fontes de
escassez e pobreza, são sistemas empobrecidos. "A monocultura é a destruição da
diversidade legitimada pela ideologia do desenvolvimento" (Shiva, 2003, p.19).
A monocultura é pobre do ponto de vista da biodiversidade. As
monoculturas de eucalipto são blocos homogêneos de uma única espécie de árvore
da mesma idade. Pela escassez de água e alimentos, poucos animais conseguem
sobreviver no eucaliptal. O sub-bosque é eliminado com herbicidas, plantio com
espaçamento regular (que não deixa passar a luz solar) e corte em intervalos de
tempo curtos (não permitindo o crescimento do sub-bosque).
Uma tese da Universidade Estadual do Norte Fluminense (Uenf), sobre a
diversidade microbiana de cinco tipos de amostras de terra do solo do parque
Estadual do Desengano em Santa Maria Madalena, mostra que a área onde uma
grande plantação de eucalipto apresenta cerca de 25% de redução de micróbios
necessários a adubação da terra e desenvolvimento do solo (bem inferior aos outros
tipos analisados), (O Diário:2003).
“As plantações não são florestas”, afirma o Movimento Mundial Pelas
Florestas Tropicais (WRM, 2003, p.199). Segundo o movimento, a confusão que se
faz entre a floresta e a plantação acaba favorecendo o agronegócio pois a atividade
de plantar florestas, na percepção geral, é uma coisa positiva. Outras asserivas são
questionadas pelo Movimento Mundial pelas Florestas Tropicais, a saber: as
plantações não melhoram o meio ambiente isso seria verdadeiro no caso das
florestas, mas não no das plantações; as plantações não servem para aliviar a
pressão sobre as florestas, pois muitas vezes a floresta é eliminada para dar lugar à
plantação; as plantações não permitem aproveitar e melhorar as terras degradadas,
pois as plantações não são instaladas em terras degradadas, uma vez que nesse
tipo de terra as árvores não crescem bem; as plantações não servem para conter o
efeito estufa, pois serão árvores colhidas; as plantações não são mais produtivas do
que as florestas, pois as florestas produzem uma grande variedade de bens e
serviços; as plantações não geram emprego, depois do plantio o emprego cai e a
colheita é crescentemente mecanizada; os impactos negativos não podem ser
evitados ou mitigados com um bom gerenciamento, em função das próprias
166
características da monocultura: grande escala, espécie exótica, rapidez no
crescimento (com utilização de produtos químicos como garantia e com maior
consumo de água), corte em intervalos curtos de tempo (pressupõe grande saída de
nutrientes do sistema, processos de erosão, destruição do bitat das poucas
espécies sobreviventes).
Para que uma plantação integrasse um sistema “floresta” teria que: ser
pequena ou dia escala; estar constituída por uma multiplicidade de espécies,
sendo todas, ou algumas nativas; dar abrigo, alimentação e possibilidades de
reprodução à fauna nativa; permitir o desenvolvimento das espécies da flora nativa;
conservar ou melhorar os solos; regular o funcionamento hidrológico da região;
contar com a aprovação da população local; oferecer produtos e serviços de
utilidade para as comunidades locais. MOVIMENTO MUNDIAL PELAS FLORESTAS
TROPICAIS (2003).
O empobrecimento da região é sentido pelas populações que
tradicionalmente extraíram alimentos da Mata Atlântica e das pequenas
propriedades rurais que ali havia e que estão, pouco a pouco, sendo ocupadas por
maciços arbóreos de eucalipto.
A Gerência Regional de Eunápolis do Ibama - Instituto Brasileiro do Meio
Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis, autuou em dezembro de 2005 a
Multinacional Veracel Celulose em R$ 320 mil, por dificultar a regeneração natural
de florestas de Mata Atlântica em 1.200 hectares. Uma das maiores companhias do
ramo no País, a empresa, situada em Eunápolis, sul da Bahia, foi enquadrada na Lei
de Crimes Ambientais, de 1998. A irregularidade foi constatada com base,
sobretudo, em análises de imagens de satélite e informações georeferenciadas
sobre as áreas pertencentes às empresas de celulose que atuam na região,
fornecidas pelo Ministério Público. Segundo o gerente do Ibama no Sul da Bahia,
José Augusto Tosato, a Veracel comprometia a Mata Atlântica com a plantação do
eucalipto. A devastação preocupava o Ibama, entre outros motivos, porque a Mata
Atlântica é um dos biomas mais ameaçados do planeta. No Brasil, restam apenas
7% da sua configuração original. “Diante desse fato, impedir sua regeneração em
área de 1.200 hectares é delito gravíssimo”, afirmou Tosato, completando: “enquanto
fazemos de tudo para conectar os fragmentos florestais que resistem, via Projeto
167
Corredores Ecológicos, é inaceitável que empresas trabalhem na contramão dessa
estratégia vital para a salvação da Mata Atlântica". (AMBIENTE BRASIL, 2005)
67
O estreitamento das oportunidades de trabalho
As tentativas de aumentar fluxos de mercadoria numa direção
geram por vezes escassez em produtos afins (Shiva, 2003, p.174). As
necessidades não são as mesmas para ricos e pobres, ou para países
ricos e países pobres, e a eficiência também não. Nos países ricos há
escassez de mão-de-obra, o que justifica os gastos em pesquisa para
desenvolver métodos de produção, máquinas e equipamentos que
substituam esse insumo no processo produtivo. Nos países mais pobres
há escassez de capital e, em certos casos, terra.
Na região em estudo, onde o insumo mão-de-obra tornou-se
abundante após a destruição de formas alternativas de subsistência, o
modelo que tem como fim a lucratividade não prescinde da redução de
custos e isto não pode ser desconsiderado, por exemplo, no caso do
modelo agrícola implantado na região. Dessa forma, o agronegócio
tende a rarefazer meios de subsistência de pequenos produtores. A
busca pelo aumento da produtividade da monocultura ou da indústria
leva à redução da necessidade de mão-de-obra. Enquanto o aumento
da produtividade é festejado, a redução das possibilidades de
subsistência das pessoas passa despercebida, exceto por aqueles que
passam privações.
Portanto, não se trata evocar a qestão do emprego de forma
simplista como faz a mídia e o Governo do Estado ao afirmar que a
nova fábrica vai gerar 10.000 empregos diretos e indiretos. Quanto a
isso a questão que não pode ser deixada de lado é: qual a extensão
territorial que será ocupada para gerar esses empregos?. É preciso não
deixar fora da análise o custo social e ambiental desses empregos.
Cabe verificar quanto de biodiversidade será consumido na geração
desses empregos, quanto de matas e riachos, que significavam
67
Fonte: AMBIENTE BRASIL. Ibama multa multinacional por crime ambiental na Bahia. 23 de
Dezembro, 2005. http://www.abdl.org.br/article/view/2636/1/179. Acesso em 20-07-06.
168
reprodução social, foram transformados em monocultura. Quanto de
desemprego será gerado para produzir esses empregos, ou seja,
quantos pequenos produtores e trabalhadores ficam sem terras (por
processos diversos), quantas famílias serão desestruturadas na busca
de sobrevivência, para que a indústria produza os seus empregos.
Conforme informações da empresa Aracruz
68
, em 2004, as
operações alcançavam os Estados do Espírito Santo, Bahia, Minas
Gerais e Rio Grande do Sul, com aproximadamente 247 mil hectares de
plantios de eucalipto. Para essa extensão territorial ocupada, a Aracruz
encerrou o ano de 2003 com 9.827 empregados diretos, 136 no porto,
Portocel
69
e 7.546 terceiros permanentes. Na Bahia, a empresa informa
possuir 70.000 hectares totalmente plantados com eucalipto,
entremeados com uma área equivalente de reservas nativas. Ali,
divulga-se que foram gerados 147 empregos. Tem-se, portanto,
140.000 hectares ocupados pela empresa gerando 147 empregos, o
que resulta em 804.6 hectares para gerar 1 emprego. Segundo cálculos
do Movimento dos Pequenos Agricultores do Espírito Santo (MPA), um
hectare de café pode gerar até 15 empregos diretos, enquanto são
necessários de 30 a 40 hectares de eucalipto para empregar apenas
um trabalhador. Além das áreas plantadas a Aracruz Celulose vem
acumulando terras com o pretexto de que está contribuindo para o
aumento das áreas de ecossistemas naturais protegidos. Com esse
discurso instituiu a prática de possuir "mais de 1 hectare de reservas
nativas para cada 2 ha de plantio de eucalipto". Atualmente a empresa
divulga já possui aproximadamente 128 mil hectares para esse fim. Por
outro lado, é precisar verificar se esse número de empregos será
mantido ou será gerado apenas na fase de construção da fábrica.
Já a Veracel Celulose S.A. divulga, em seu site institucional e
relatório anual, em 2005
70
, que dispunha de uma área de 172.982 (2004
68
Informações mais detalhadas podem ser obtidas no site:
http://www.aracruz.com.br/ra2003/rsa.htm, acesso em 08/08/2004.
69
O Portocel é um Terminal Especializado no embarque de celulose. Está preparado para receber
navios continuamente, com capacidade de embarque anual de 4.500.000 toneladas de celulose. O
porto é de propriedade conjunta da Acrcruz (51%) e da (49%), duas das maiores empresas
produtoras de celulose no Brasil.
70
http://www.veracel.com.br/shared/rsdf2005_v2.pdf
169
- 164.575) hectares de terras, sendo 10.998 (2004- 9.631) hectares
arrendados de terceiros, mediante contratos de arrendamento de longo
prazo. A área de florestas plantadas totaliza 74.440 hectares em 31 de
dezembro de 2005 (2004 - 70.635 hectares). Em consonância com as
necessidades de sua operação florestal, a Companhia deu continuidade
à implementação de seu programa de fomento para a formação de
novas florestas, com uma área total, em 31 de dezembro de 2005, de
aproximadamente 11.331 (2004 - 10.006) hectares plantados, que inclui
o repasse de tecnologia e a prestação de serviços de apoio técnico e
operacional a seus parceiros neste programa. Quanto aos empregos a
empresa, no citado relatório, divulga que no encerramento de 2005,
ano da conclusão da sua implantação, os empregados próprios
somavam 739 pessoas e os contratados de terceiros, 3.150
71
.
A pesquisa de NADAI, OVERBEEK e SOARES (2004, p.19),
que analisa dados sobre o emprego e o trabalho nas plantações de
eucaliptos e na produção de celulose da empresa Aracruz Celulose,
concluiu que a empresa, proprietária de um total de 375.000 hectares
de terras no Brasil é aquela que ocupa a maior quantidade de terras no
Espírito Santo, com 154.500 hectares. Considerando que a plantação
de eucaliptos e a produção de celulose são atividades interligadas, se
pretende avaliar o número de empregos que a Aracruz gera na indústria
e no campo, em comparação com a quantidade de terras que
concentra. Com 375.000 hectares de terras 2.031 empregados diretos,
a Aracruz gera um emprego direto por cada 185 hectares de terras.
Ainda que se considerem somente as áreas de plantação de eucalipto
247.000 hectares, a geração de emprego não passa de um emprego
direto por cada 122 hectares de eucaliptos. Contudo se considerarmos
o cálculo mais favorável para a Aracruz que inclui também o número
oficial de 6.776 trabalhadores terceirizados, dos quais uma parte atua
nas áreas das plantações, chegamos a um número de emprego direto e
indireto por cada 28 hectares de eucalipto. Nesse caso a Veracel,
segundo um documento da empresa fechado em 16 de dezembro de
71
http://www.aracruz.com.br/web/pt/aracruz/aracruz_perfil.htm. Acesso em 10-04-2006 e Relatório
2005 e Relatório Veracel, 2005.
170
2003, a mesma possui 73.000 hectares e 400 empregados diretos, o
que gera um emprego direto por cada 183 hectares. Com a fábrica
funcionando atuarão cerca de 2.000 empregados diretos e indiretos no
campo e na fábrica. Nesse caso se estima um emprego direto por cada
37 hectares de eucalipto. Observando o caso da monocultura mais
significativa do Espírito Santo, o café, é fácil concluir que o cultivo de
eucaliptos gera poucos empregos. Segundos dados do Movimento de
Pequenos Agricultores (MPA), uma área de café bem cuidada é capaz
de criar um emprego direto para uma ou duas pessoas. Ou seja, este
cultivo pode criar um emprego direto por cada hectare de café. Com
base nesses dados os autores elaboraram a tabela abaixo. (NADAI,
OVERBEEK,SOARES, 2004:19).
Tabela 2 - Número de hectares necessários para gerar um emprego direto
Monocultivo Número de hectares de
terrra para gerar 1
emprego direto
Número de hectares de
terá para gerar 1 emprego
direto e indireto
Eucalipto (Aracruz
Celulose)
122 28
Eucalipto (Veracel
Celulose)
183 37
Café 1 < 1
Fonte: NADAI, OVERBEEK,SOARES, 2004, p.19
O estudo também demonstra que o emprego em uma fábrica de
celulose é extremamente caro, inclusive que o custo deste emprego
tem aumentado nos últimos anos. Para se ter uma melhor noção destes
valores os autores elaboraram a tabela abaixo. (NADAI,
OVERBEEK,SOARES, 2004, p.18).
171
Tabela 3 - Custo por emprego criado na produção de celulose em comparação
com outros setores
SETOR Custo por emprego gerado (em US$)
Assentamentos rurais 2.900
Industria (programa Pró-Trabalho) 8.400
Servicios (programa Pró-Trabalho) 12.700
Comercio (programa Pró-Trabalho) 32.100
Industria de celulosa (Bahía Sul . 1992) 619.808
Industria de celulosa (Aracruz . 2002) 3.323699
Industria de celulosa (Veracel . 2005) 3.750.000
Fonte: NADAI; OVERBEEK;SOARES, 2004, p.18
A implantação da fábrica representa uma transformação
radical do território em diversos sentidos. A transformação física do
espaço, de mata para fábrica esconde toda uma complexidade de
transformações sociais e ambientais. O que se vê na região é a
transformação do extremo sul da Bahia de área de trabalho dos
pequenos produtores rurais e de sobrevivência de populações
indígenas e quilombolas - espaço de possibilidades alternativas de
vivência (moradia, habitação, sobrevivência, identidade,
biodiversidade, etc.), em espaço de relações de trabalho alienado. O
trabalho alienado aqui aludido é aquele no qual o produtor não pode
reconhecer-se no produto do seu trabalho, porque as condições desse
trabalho, suas finalidades reais e seu valor não dependem do próprio
trabalhador, mas do proprietário das condições do trabalho. A
alienação faz com que o produtor não se reconheça no seu próprio
produto, não o veja como resultado do seu trabalho, e faz como que o
produto surja como um poder separado do produtor e como um poder
que o domina e ameaça. (CHAUÍ, 1984).
172
A exportação do território
A exportação tem sido sugerida a todos os países como uma
espécie de solução salvadora, conforme Santos (2002, p.87). Uma
vez que cada época tem suas verdades e cria seus mitos esse autor
questiona se o imperativo da exportação não seria um mito da época
atual, pois a confiança na mesma não é explicada. Diz Santos que A
doutrina é tão forte que, embora isso não seja sempre reconhecido,
chega-se ao paroxismo de agir como se o próprio território devesse
também ser exportado e conclui afirmando que está havendo uma
entrega acelerada do território
72
uma vez que o a regulação dos
projetos que podem ser inteiramente estranhos ou adversos ao
interesse nacional - não está no domínio do país.
As empresas adquiriram grandes extensões de terras no
Extremo Sul do Estado da Bahia e ampliaram suas exportações. Bright
e Matton (2000) denunciaram que em 1993, a indústria de celulose
derrubou milhares de hectares de floresta nativa na Bahia e no Estado
do Espírito Santo, substituindo-os por plantações de eucalipto.
Como afirma Santos (2002, p.88) os lugares têm a capacidade
de oferecer às empresas uma produtividade maior ou menor. Esta
análise também é feita por Harvey como vimos na primeira parte dessa
Tese. Diz Santos que:
[...] É como se o chão, por meio das técnicas e das decisões
políticas que incorpora, constituísse um verdadeiro depósito
de fluxos de mais-valia, transferindo valor às firmas nele
sediadas. A produtividade e a competitividade deixam de ser
definidas apenas à estrutura interna de cada corporação e
passam, também, a ser um atributo dos lugares. (SANTOS,
2002, p.88).
O Extremo Sul do Estado da Bahia é um território que oferece
essa produtividade para as indústrias de celulose e papel. No caso,
tanto as políticas públicas, ou a falta das mesmas, quanto as condições
edafoclimáticas favoráveis, citadas no segundo item, também desse
72
Conforme Santos (2002, p.100) reconhece-se a inseparabilidade estrutural, funcional e processual
entre sociedade e espaço geográfico, no presente como no passado e no futuro. O Território é visto
como um palco, mas também como um figurante, sociedade e território sendo simultaneamente ator e
objeto da ação.
173
capítulo, bem como as condições atuais de vida das populações,
acabaram por transferir valor às firmas, baseadas na monocultura de
eucalipto para produção de papel e celulose, nele sediadas.
O discurso da sustentabilidade, juntamente com o da
improdutividade do território, para as demais atividades, tais como a
pequena produção agrícola de alimentos, bem como o da vocação
regional para a produção de celulose e papel contribuíram criando um
ambiente propício para a expansão da atividade no território e para o
que consideramos a sua exportação.
O processo de exportação do território inclui também a criação
de legislação pelo poder público, como parte do esforço para introduzir
a agroindústria na região. Essa "política de apoio" significou recursos
financeiros destinados a grandes empreendimentos no setor de
celulose e papel. Atualmente a Veracel, conforme Relatório Anual de
2005
73
se beneficia dos seguintes incentivos fiscais:
a) Federais: em função da localização da empresa em área da extinta
SUDENE, hoje Agência de Desenvolvimento do Nordeste (ADENE), em
que a legislação tributária concede benefícios fiscais de redução, no
caso da Veracel de 75% a título de incentivos fiscais de renda sobre o
lucro das operações.
b) Estaduais: o estado concedeu o benefício do diferimento e o
diferencial de alíquota do Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e
Serviços ICMS. O diferimento abrange a importação de insumos e
embalagens extensivas às atividades florestais, as operações internas
de fornecimento de energia elétrica a e a importação e aquisição no
mercado interno de bens do ativo imobilizado. O diferencial de alíquota
aplica-se às aquisições em outros estados de máquinas, equipamentos,
ferramentas, moldes, modelos, instrumentos e aparelhos industriais e
de controle de qualidade e seus sobressalentes. Além disso, a Veracel
foi habilitada no período de 30 de maio de 2004 e 30 de maio de 2005
ao Programa de Desenvolvimento Industrial e de Integração Econômica
do Estado da Bahia Desenvolve, que proporcionou a utilização do
73
http://www.veracel.com.br/shared/rsdf2005_v2.pdf - acesso em 07-05-2006.
174
benefício fiscal, gerando uma redução de R$ 2,4 milhões no
recolhimento do ICMS. O benefício total utilizado até o momento é de
R$ 7,6 milhões. O benefício tem validade até maio do ano de 2016.
c) Municipais: Os municípios da área de atuação da empresa
concederam o benefício fiscal de redução de 5% para 2% da alíquota
do Imposto Sobre Serviços (ISS) para a Veracel e para as empresas de
prestação de serviços contratadas e vinculadas ao projeto de
construção da fábrica. No ano de 2005 o benefício foi da ordem de R$
6,8 milhões.
Neste mesmo relatório a empresa explica que como a Veracel
está localizada na área de abrangência da Agência de Desenvolvimento
do Nordeste - ADENE, e sendo do setor de celulose considerado como
prioritário para o desenvolvimento regional (Decreto 4.213, de 26 de
abril de 2002), a Companhia obteve em 2005 o direito ao benefício de
redução de 75% do imposto de renda e adicionais não restituíveis,
sobre os seus lucros tributáveis decorrentes da instalação de sua
unidade industrial destinada à fabricação de celulose. A concessão do
benefício foi autorizada por meio do Laudo Constitutivo nº 0321/2005
do Ministério da Integração Nacional através da ADENE, restando o
reconhecimento pela Secretaria da Receita Federal.
A Veracel, neste mesmo Relatório Anual de 2005, revela que
possui contas a receber de órgão público que são relativas aos
investimentos em infra-estrutura na região de localização da fábrica,
que serão integralmente reembolsados pelo Estado da Bahia, conforme
Termo de Reti-ratificação ao Protocolo de Intenções assinado em 10 de
agosto de 2004. O Contrato de Absorção de Custos Financeiros firmado
com a Agência de Fomento do Estado da Bahia S.A. - DESENBAHIA,
que suporta o acordo, define que os valores serão reembolsados à
Companhia nos mesmos prazos dos pagamentos dos juros do
financiamento com o BNDES vinculados à TJLP (Taxa de Juros de
Longo Prazo), durante o período de 2005 a 2014 (Nota 12). O montante
gasto até 31 de dezembro de 2005 foi de R$ 101.067, sendo que R$
13.076 já foram reembolsados pelo Estado da Bahia.
175
Além disso, a Veracel menciona que vem acumulando créditos de
ICMS sobre suas operações de compra de imobilizado para a construção da planta
industrial, que em 31 de dezembro de 2005 monta a R$ 33.458, registrado no
realizável a longo prazo. Considerando que suas vendas o destinadas para o
mercado externo e, portanto, dentro da atual legislação, o sujeitas à incidência de
ICMS, a Veracel mantém estes créditos baseando-se na previsão legal para
negociá-los no mercado. A administração da empresa está envidando esforços
objetivando a realização destes créditos e requereu a sua homologação junto à
Secretaria da Fazenda do Estado da Bahia, visando posterior transferência a
terceiros. Registrou provisão para ajuste ao valor de realização destes créditos
fiscais, com base na estimativa de um deságio de 25%. Esta provisão, em 31 de
dezembro de 2005, monta a R$ 8.364 e está contabilizada no realizável a longo
prazo, em contra partida do resultado na rubrica outras despesas (receitas)
operacionais, líquidas. Em relação ao IPI Imposto sobre Produtos Industrializados,
afirma a empresa em seu relatório que “com base na legislação fiscal vigente, a
Companhia vêm tomando crédito de IPI sobre produtos intermediários, PIS -
Programas de Integração Social e COFINS - Contribuição para o Financiamento da
Seguridade Social, sobre despesas de transporte, material intermediário,
depreciação de máquinas e equipamentos e outras”.
74
Os incentivos fiscais aparecem como Reserva de Capital. Ainda conforme o
relatório de 2005, no exercício de 2004 a Companhia obteve habilitação junto ao
Programa de Desenvolvimento Industrial e de Integração Econômica do Estado da
Bahia - DESENVOLVE, que proporcionou a utilização do benefício fiscal, gerando
uma redução do recolhimento do ICMS. Em 31 de dezembro de 2005, o benefício
fiscal acumulado era de R$ 7.672.
Quanto à Aracruz Celulose, controladora da Veracel, os incentivos também
são mencionados em seu Relatório Anual 2005, no qual pode-se verificar a não-
incidência sobre as receitas de exportação da Contribuição Social Sobre o Lucro
Líquido. “Em setembro de 2002, a Sociedade obteve liminar que lhe permitiu, a partir
do ano calendário de 2002, não recolher a contribuição social sobre o lucro líquido
incidente sobre as receitas de exportação, bem como assegurou-lhe o direito à
compensação dos valores indevidamente recolhidos a esse título, corrigidos pela
74
O Relatório Anual da Veracel pode ser lido no site institucional da empresa. Nosso acesso foi em
05-05-2006. http://www.veracel.com.br/shared/rsdf2005_v2.pdf .
176
taxa SELIC, no montante de R$ 174.261 em 31 de dezembro de 2005, para os quais
vem constituindo provisão contábil no exigível a longo prazo”
75
. Ou seja, a empresa
está esperando receber do Estado Brasileiro a devolução do que foi pago a título da
Contribuição Social Sobre o Lucro Líquido, devido por todas as empresas que
apuram os tributos federais com base no Lucro Real
76
.
Nesse ponto, é interessante também mencionar o que denuncia a Rede
Alerta Contra o Deserto Verde - ES/BA/RJ/MG. Segundo a Rede, a empresa investiu
nas campanhas dos candidatos de vários estados, de diferentes matizes políticos,
no processo eleitoral em 2002: nada menos de R$ 4.779.762,63 (fonte:
www.tse.gov.br). Segundo o Jornal Folha de São Paulo (02/02/2003), a Aracruz é o
terceiro contribuinte quando se trata do financiamento a candidaturas a deputado
estadual e federal no Brasil. Comparado com outras grandes empresas, o valor
investido pela Aracruz mostra a importância absoluta que ela às eleições de
parlamentares e governantes no Brasil: a Companhia Siderúrgica de Tubarão (CST)
investiu “somente” R$ 580 mil reais e a concorrente do setor, a Bahia Sul Celulose,
gastou R$ 403.372,01. Mencionando o caso do Estado do Espírito Santo, a rede
chama atenção também para as contribuições à campanha do governador Paulo
Hartung no valor de R$ 500 mil reais, “o maior apoio oferecido pela empresa” e à
campanha do Secretário Estadual do Meio ambiente Fernando Schettino então
candidato a deputado estadual -, no valor de R$ 30 mil reais. Segundo a Rede, a
empresa busca “ter controle total sobre os governos estadual e a federal para
alcançar seus objetivos empresariais, passando por cima da sua dívida econômica,
social, cultural e ambiental incalculável com o Estado do Espirito Santo, bem como a
Bahia”. “Mais do que nunca, a Aracruz parece querer investir em velhas políticas de
cooptação, o distantes dos seus pronunciamentos sobre responsabilidade
empresarial em fóruns nacionais e, sobretudo internacionais” (grifo do autor). REDE
ALERTA CONTRA O DESERTO VERDE (2003).
No Boletim de monitoramento do BNDES feito pela ONG IBASE - Instituto
Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas divulgado em dezembro de 2005, revela
75
O Relatório Anual da Aracruz pode ser lido no site da empresa. Nosso acesso foi em 05-05-2006.
http://www.aracruz.com.br/ra-2005/shared/if2005_pt.pdf
76
Lucro real é o lucro líquido do período base, apurado na contabilidade, ajustado através das
adições, exclusões ou compensações, prescritas ou autorizadas pela legislação tributária. (Decreto
Lei 1.598/77, art 6°). A determinação do lucro real será precedida pela apuração do lucro líquido de
cada período-base. Conceito de Lucro Líquido: é a soma algébrica do lucro operacional, dos
resultados não operacionais, do saldo conta de correção monetária e das participações, e deverá ser
determinado com observância dos preceitos da lei comercial.
177
que o banco aumentou o desembolso de recursos para setores que não geram
tantos postos de trabalho, como o de papel e celulose, em detrimento de
financiamentos para segmentos mais intensivos em mão-de-obra, como o de couro
ou de produtos têxteis. De acordo com o IBASE, os recursos à indústria de celulose
aumentaram 145% de 2003 para 2004, de R$ 430 milhões para R$1,052 bilhão. Em
contrapartida, houve, por exemplo, um decréscimo de 58% no setor de couro e
artefato no mesmo período. Os valores caíram de R$ 390 milhões para R$ 165
milhões. Os números foram retirados de boletins divulgados pelo BNDES. Para
Luciana Badin, pesquisadora do IBASE, além de empregarem mais mão-de-obra,
setores como o xtil, os de confecções, alimentos, bebidas e outros segmentos de
bens de consumo de massa deveriam ter mais recursos porque "numa eventual
retomada da economia geram mais renda e mais demanda". Ela afirma, porém, que
a priorização desse setores ainda não chegou ao BNDES. O subsídio à indústria da
celulose também é criticado pelo Ibase por ser um segmento onde "conflitos
socioambientais". (BRAFMAN, 2005).
As facilidades de acesso a recursos financeiros para aquisição de terras
foi decisiva na determinação da dita “vocação” da região para monocultura de
eucalipto e no processo de exportação do território. Ao permitir a concentração de
grandes extensões de terras da região do Extremo Sul da Bahia, nas mãos de
poucas e determinadas empresas que desenvolvem monoculturas de eucalipto,
determinou-se que produto seria hegemônico na região, ou seja, determinou-se
fortemente o que seria apresentado como "vocação". A própria empresa trata de
divulgar essas condições e no relatório anual da Veracel, em 2005, consta que:
[...] a competitividade da operação é assegurada por
condições como clima favorável, disponibilidade de terras,
possibilidade de expansão futura, elevada produtividade
florestal, região com vocação e experiência de sucesso em
florestas plantadas e fabricação de celulose, infra-estrutura
adequada, solidez e experiência dos acionistas
77
.
(VERACEL, 2005)
77
http://www.aracruz.com.br/web/pt/aracruz/aracruz_perfil.htm. Acesso em 10-04-2006 e Relatório
2005 veracel
178
CONCLUSÃO
Procuramos mostrar nesta Tese como o discurso empresarial
ambientalizado, que se apóia na legitimidade da idéia de desenvolvimento, na sua
atualidade re-legitimada pelo poder simbólico da noção de “sustentabilidade”, tem
implicado em mudanças no território do extremo sul da Bahia. As mudanças
resultantes da ação do discurso empresarial ambientalizado do “desenvolvimento
sustentável” tanto aparecem em termos da expansão da atividade de plantação de
eucalipto e da produção de papel e celulose, como de efeitos diversos sobre as
populações ligadas ao território estudado.
Como vimos, o discurso é “uma prática não apenas de representação do
mundo, mas de significação do mundo, constituindo e construindo o mundo”
(FAIRCLOUGH, 2001, p.276). Em toda a extensão desta Tese, consideramos assim
a linguagem como prática social e o como atividade individual ou como reflexo de
variáveis situacionais. Isso tem duas implicações relevantes: primeiro, implica que o
discurso é um modo de ação, uma forma pela qual as pessoas podem agir sobre o
mundo e sobre os outros, assim como um modo de representação. Segundo, implica
uma relação dialética entre o discurso e a estrutura social, uma vez que a estrutura
social é condição e efeito da prática social, discursiva ou o. Por sua vez, as
práticas sociais sofrem interferência do universo simbólico, da forma como
associamos as idéias, criamos conceitos e valores.
Alguns atores sociais vêm em noções como “desenvolvimento
sustentável”, “responsabilidade social” e “modernização ecológica”, a possibilidade
de assegurar melhoria da qualidade de vida para todos. No entanto, observamos
que a crença de que essas propostas sejam capazes de disseminar benefícios
sociais, não é universal. Embora o discurso empresarial da sustentabilidade se
apresente e se imponha como ponto de vista universal, como doxa
78
, nos termos de
Bourdieu (1996, p.120), não se afigura um sentido que se faça hegemônico na
região estudada. A “sustentabilidade” do modelo produtivo defendida pelo discurso
78
Doxa, conforme Bourdieu (1996), são estruturas cognitivas incorporadas que estejam em
consonância com as estruturas objetivas. São pontos de vista particulares, dos dominantes, que se
impõem como ponto de vista universal.
179
empresarial ambientalizado não é vista por todos da mesma forma. É o que se
verificou no campo social pesquisado, área de influência do discurso empresarial
ambientalizado das empresas plantadoras de eucalipto para produção de papel e
celulose para exportação, no extremo sul da Bahia.
O discurso empresarial do desenvolvimento sustentável é percebido pelos
agentes sociais organizados no campo social estudado, como uma promessa de
progresso sem, no entanto, constituir-se numa mudança de fato; por isso tais
agentes se colocam em posição de luta, em defesa dos seus próprios projetos,
resultando num conflito social contra as propostas do agronegócio. Os sujeitos que
estão sob a área de influência de tal discurso não estão convencidos da eficiência
dessa “sustentabilidade em termos de realização do que promete e, portanto,
colocam suas propostas em disputa, como alternativas ao modelo agroindustrial.
O conflito social que permanece na região é resultado da contradição
entre as práticas apresentadas como sustentáveis no discurso empresarial e aquilo
que os agentes locais percebem e vivenciam, bem como quanto àquilo que preferem
para suas vidas. Para estes agentes, tais práticas empresarias, ditas “sustentáveis”,
significam a desestabilização de seus modos de vida, a redução do espaço para as
práticas produtivas tradicionais, a desqualificação de sua cultura, a destruição da
Mata Atlântica e sua biodiversidade pela expansão da monocultura do eucalipto,
sendo vistas, portanto, como insustentáveis.
O discurso do desenvolvimento sustentável aparece como um padrão
construído para transmitir a idéia de segurança, de certeza, de “sustentabilidade
para um modelo de desenvolvimento que tem sido questionado por diversos agentes
organizados. Tal padrão discursivo designa o que é “sustentável”, assim como os
“que não são produtivos”, “os que o o retorno”, “atrasados”, “estagnados”, que
podem representar “risco social” para a empresa.
Desse modo, evoca-se uma noção de limpeza (“produção limpa”,
“avançada tecnologicamente”, “viável”) e de impureza (tudo o que não se enquadra
com a proposta de sustentabilidade, nos moldes da produtividade agroindustrial),
num esforço destinado a limitar as incertezas e inseguranças próprias do capitalismo
globalizado, a partir das ações empresariais. No caso estudado, a imagem que se
busca criar para a monocultura não apaga a percepção, por muitos, da tendência à
desestabilização das bases de segurança que os processos produtivos locais
transmitem aos produtores do lugar por estarem sendo operados muito mais
180
tempo. Para estes atores, a pequena produção parece assegurar maiores e mais
estáveis níveis de ocupação.
O discurso da sustentabilidade das práticas empresariais na região
estudada também atua como critério de diferenciação no espaço social. Assim,
existem práticas para as quais o “lugar certo” não foi reservado. Na nova ordem
idealizada da produção (a ordem do agronegócio), a pequena produção é estranha e
não tem “lugar”. As lutas dos grupos organizados com projetos alternativos para o
território, o desqualificadas por defenderem práticas tornadas “estranhas”. As
práticas tradicionais que muitas vezes são formas comunitárias de produção, não se
ajustam ao novo esquema da produção em grande escala para o mercado
internacional de celulose e papel, no qual a competição é o cerne.
Percebe-se assim a construção simbólica do território em duas direções
opostas. A mídia e o Governo do Estado entendem o território da monocultura como
"produtivo" e "dinâmico", enquanto o movimento social argumenta que ali a terra
é improdutiva, "onde não há nada", que “deve ser preparada para o plantio de
alimentos” e que “deve ser desapropriada para fins de reforma agrária”. Conforme
Bourdieu (1996, p.117) o mundo social está repleto de chamados à ordem que
funcionam como tais para aqueles que estão predispostos a percebê-los.
A eficácia do discurso empresarial da sustentabilidade sobre atores
situados em instituições em níveis estaduais, nacionais e até mundial, porém, produz
efeitos sobre o local por implicar em acesso da empresa a financiamentos,
autorizações, certificações, que são condições necessárias para expansão de suas
atividades e manutenção de sua competitividade. A influência sobre os atores
externos – acionistas, financiadores, fornecedores, clientes, etc. - ocorre exatamente
em função do que o discurso promete: ser uma “nova prática social e
ambientalmente responsável”, novo modo de desenvolvimento e, ao mesmo tempo,
não ser algo diferente em termos de sistema de acumulação e produção capitalista.
As empresas põem-se assim numa posição privilegiada no acesso e uso
do território. A dominação exercida por intermédio da legitimação trabalho
realizado pelo discurso empresarial ambientalizado - das práticas produtivas do
agronegócio, tende a impor a lógica econômica sobre as demais lógicas que
fundamentam as outras formas de viver de comunidades locais. As empresas
procuraram investir não na acumulação de capital econômico, mas, também de
capital simbólico, postulando a “sustentabilidade” de suas práticas produtivas.
181
Assim, o discurso da “sustentabilidade” tende a facilitar o acesso da
monocutura a grandes extensões de terras, limitando a possibilidade de manutenção
de usos variados do território por parte de agentes sociais crescentemente
envolvidos numa situação de violência simbólica. A legitimidade que o discurso do
desenvolvimento sustentável tende a conferir às empresas favorece seu diferencial
de poder de influência perante os demais sujeitos. Para se compreender
adequadamente as dimensões práticas e discursivas das tensões que atravessam o
território do extremo sul da Bahia, é preciso, porém, considerar que encontra-se em
disputa a legitimidade das formas de apropriação do espaço-tempo – também social
- por modos diferentes de ver e viver no mundo. Para que a sociedade elabore
coletiva e criativamente tais tensões, conforme sustenta Escobar (2003, p.23), é
preciso considerar a complexidade do social e, frente à ideologia do
desenvolvimento, estar aberto a “novas narrativas da cultura e da vida”.
182
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190
ANEXO A
Mapa da Bahia
191
ANEXO B
Mapa das Estradas da Bahia
Fonte: Ministério dos Transportes, em 2005.
192
ANEXO C
CARTA DE VITÓRIA
Nós, entidades que compõem o Movimento Alerta Contra o Deserto Verde, o rum
de Agricultura Familiar, o Fórum de Lutas do Campo e da Cidade e outros
signatários, nacionais e internacionais, participantes do Seminário Internacional
sobre Eucalipto e seus impactos, preocupados com a expansão da monocultura de
eucalipto para produção de celulose no Espírito Santo e no extremo sul da Bahia,
queremos apresentar as seguintes reivindicações:
Exigimos da Assembléia Legislativa do Espírito Santo que garanta a aprovação
do Projeto de Lei nº252/2001 de autoria do deputado estadual Nasser Youssef,
derrubando assim o veto desta lei por parte do Governador José Ignácio Ferreira.
Esta lei significa um instrumento importante para regulamentar o plantio de eucalipto
no estado do Espírito Santo, seja diretamente pela Aracruz, seja pelo fomento
florestal, considerando as características do solo, água e clima para a definição do
plantio e condicionando o mesmo à recuperação da Mata Atlântica.
Exigimos das autoridades governamentais no Espírito Santo e na Bahia que
intervenham imediatamente no processo de compra indiscriminada de terras pela
Aracruz Celulose, quando oferece preços bem acima dos de mercado, concentrando
terra, impondo-se como única alternativa para a crise do ca e da pecuária,
crescendo em meio à ausência de políticas agrícolas e reforma agrária. Como
exemplo, a compra da fazenda Barba Negra, em Jaguaré, onde habitam 12 famílias.
A Aracruz Celulose arrancou o café, deu um prazo de 60 dias para as famílias
saírem, causando desespero e indignação em toda a cidade. Propomos que a
intervenção dos governos dos dois estados seja feita através de uma auditoria
conjunta, incluindo todas as terras da empresa, verificando a legalidade do processo
de aquisição e plantio posterior de eucalipto, como também esclarecendo a
quantidade real de ocupação de terras pelas empresas no Espírito Santo e na Bahia.
Exigimos das entidades que representam as categorias empregadas na
eucaliptocultura, como as de engenheiros agrônomos e florestais, que realizem
debates mais profundos sobre os impactos sociais, ambientais e econômicos da
monocultura de eucalipto, sobretudo envolvendo as comunidades locais que
perderam suas terras, seus córregos, sua pesca e caça. Defendemos a ética
profissional e repudiamos uma visão unilateral, que privilegia eventos patrocinados
193
pelas empresas plantadoras de monoculturas de eucalipto, como acontecerá no
próximo dia 27 de agosto em Vitória.
Exigimos da Aracruz Celulose que ela pague suas dívidas fundiárias com os
índios Tupinikim e Guarani, negros remanescentes de quilombos e outras
comunidades rurais, devolvendo de forma definitiva suas terras que ela continua
ocupando. Pedimos à empresa que reconheça o desmatamento que ela praticou e
ajude a recuperar e proteger os recursos hídricos, fauna e flora, ameaçadas de
extinção, e resolva os problemas causados aos pescadores. Deve acatar as
reivindicações dos trabalhadores, muitos com processos trabalhistas sem definição,
assim como assumir a responsabilidade na terceirização de seus serviços nas
carvoarias, provocando a exploração dos trabalhadores e do trabalho infantil.
Por fim, exigimos da Aracruz Celulose mais coragem, para participar de
seminários como este, quando a sociedade capixaba, com a participação de
especialistas nacionais e internacionais, debate durante três dias sua atividade. E a
empresa não aparece, mesmo tendo direito à fala, ou melhor, o dever da fala. Isto
diz muito sobre a forma autoritária com a qual a Aracruz trata a população capixaba,
a mesma população que cedeu suas terras para ela, que plantou e cortou seus
eucaliptos, que construiu suas fábricas e que produziu e continua produzindo sua
celulose.
Para construímos o futuro, precisamos recuperar o passado, resgatando direitos
econômicos, sociais, culturais e ambientais. Se no passado as populações capixaba
e baiana eram meros alvos de um processo de desenvolvimento ditado de cima para
baixo, hoje exigimos um processo que coloque estas populações em primeiro lugar,
como sujeitos e participantes ativos da construção de uma sociedade mais justa e de
um modelo de desenvolvimento que resulte em uma vida digna para todos.
Vitória, 21 de agosto de 2001
Movimento Alerta Contra o Deserto Verde (ES, e Sul da Bahia), Fórum de Lutas do
Campo e da Cidade/ES, Fórum da Agricultura Familiar/ES
194
ANEXO D
CARTA DE PORTO SEGURO
Nós, representantes de comunidades quilombolas, Tupinikins, Pataxós, Guaranis,
pescadores e campesinas, e dezenas de entidades, presentes ao II Encontro
Nacional da Rede Alerta Contra o Deserto Verde, movimento que luta contra a
expansão da monocultura do eucalipto para produção de celulose e carvão vegetal
no Espírito Santo, Bahia, Rio de Janeiro e Minas Gerais, vimos denunciar as
profundas violações dos direitos econômicos, culturais e socioambientais provocadas
por este complexo agroindustrial exportador.Ao longo das últimas quatro cadas,
este complexo tem destruído o modo de vida de comunidades locais. As empresas
do setor continuam invadindo suas terras, causando o êxodo rural e a conseqüente
dispersão de muitas comunidades. Os rios nessas regiões foram degradados pela
contaminação por uso intensivo de agrotóxicos e por um processo de secamento
relacionado ao plantio em larga escala, ambos comprometendo a pesca e a
qualidade e quantidade da água potável. A empresa Aracruz Celulose desviou o Rio
Doce para garantir o consumo abusivo de 248.000 metros bicos diários, inclusive
gratuitos, das suas três bricas de celulose.As empresas, com seu discurso
desenvolvimentista, têm estimulado uma migração enorme de trabalhadores em
busca da promessa de emprego. Hoje, o que resta são milhares de ex-trabalhadores,
muitos mutilados pelo trabalho danoso, que foram demitidos como resultado de um
processo violento e nefasto de automatização e terceirização. A perda da dignidade
dessas pessoas é explícita quando constatado a existência de um alto índice de
prostituição infantil nos bairros onde os ex-trabalhadores abandonados residem. E as
pessoas que resistem, no meio da monocultura de eucalipto, estão perdendo sua
identidade e sua riqueza cultural e sofrendo literalmente um processo de isolamento
profundo. Quem resiste contra este projeto desumano está sujeito à tentativas de
cooptação e até ameaças de morte.Lamentavelmente, o Estado tem sido cúmplice
das práticas dessas empresas. quatro décadas que fornece altos empréstimos
através do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), e que
concede licenças ilegais para plantios – não respeitando áreas de preservação
permanente - e fábricas uma construída em cima de uma antiga aldeia indígena.
195
Além disso, as empresas exportadoras são devedoras no INSS e o beneficiadas
pela Lei Kandir, causando situações dramáticas como no Espírito Santo, onde o
governo estadual deve mais de R$ 100 milhões de créditos de ICMS à empresa
Aracruz Celulose. Ao mesmo tempo, o Estado não tem apresentado nenhuma
alternativa à população local, ao contrário, mostra-se cada vez mais conivente com
os interesses empresariais em detrimento da sua responsabilidade social e, neste
vazio, as empresas assumem alguns papéis do Estado, desenvolvendo uma relação
perversa de dependência e desestruturação da organização social das comunidades
locais.As entidades abaixo relacionadas entendem que as conseqüências de todos
esses problemas estão ligadas ao modelo atual de desenvolvimento financiado pelo
governo federal e por organismos internacionais que têm como objetivo,
exclusivamente, o retorno econômico dos financiamentos em detrimento do modo de
vida das populações acima relacionadas.As tentativas para reverter os danos das
estratégias empresariais perversas, introduzindo por exemplo o selo verde do FSC
(Conselho de Manejo Florestal) para o manejo sustentável de monoculturas de
árvores, têm se mostrado incapazes de reverter os impactos negativos citados, e
mais ainda, insuficientes em redirecionar a lógica deste modelo agroindustrial.
Lembramos inclusive um relatório elaborado recentemente por uma equipe de
pesquisadores da Rede Alerta Contra o Deserto Verde que mostra a flagrante
insustentabilidade das plantações de eucalipto das empresas Plantar e V&M
Florestal em Minas Gerais, certificadas pela FSC. A Rede se pronuncia também
contra o uso de Mecanismos de Desenvolvimento Limpo MDLs para plantações
extensivas dessas mesmas empresas mineiras, entendendo que esses mecanismos
continuam favorecendo países do Norte que não terão que reduzir suas emissões de
poluentes que contribuem para o aquecimento global, e ao aumentar as áreas de
plantações, os MDLs vêm agravando o empobrecimento das populações do
Sul.Afirmamos que existem contradições entre os investimentos nesse complexo
agroindustrial e o programa Fome Zero do Governo Federal. De um lado, volumosos
investimentos, como no caso da fábrica projetada da Veracel Celulose na Bahia,
continuam privilegiando uma monocultura que na sua grande maioria é destinada à
produção para exportação aos países ricos, gerando pouquíssimos empregos,
legitimando o latifúndio, impedindo a reforma agrária e aumentando mais ainda o
êxodo rural e o desespero de milhares de famílias que ficarão sem terra e sem
sustento. De outro lado, o governo apresenta um Programa Fome Zero que busca
196
estimular a produção de alimentos, enquanto as melhores terras agricultáveis
continuam sendo ocupadas por plantações de árvores. As metas da política
macroeconômica não podem ser obtidas com o sacrifício das condições de vida,
saúde, trabalho e modos de vida dos trabalhadores e das comunidades que
necessitam de água, terra, pescado e caça para não serem obrigados a engrossar o
contingente de desempregados nas cidades.Não é suficiente buscar saídas
temporárias dentro do modelo atual de desenvolvimento. É preciso mudar
drasticamente os rumos deste modelo que gira em torno da acumulação financeira e
do consumo ilimitado, e construir uma outra lógica de desenvolvimento onde o ser
humano homem e mulher - , na sua totalidade, seja questão central e que altere a
forma de utilização dos recursos naturais do planeta. Conscientes da
insustentabilidade do presente modelo, movimentos e comunidades que integram a
Rede Alerta Contra o Deserto Verde discutem e desenvolvem experiências novas no
campo da produção, valorizando a biodiversidade e os conhecimentos locais,
construindo assim uma outra relação com o ambiente.Em função de tão dramático e
insustentável quadro socioambiental acima descrito, envolvendo milhares e milhares
de pessoas diretamente, nós, comunidades e entidades abaixo relacionadas,
entendemos que é inaceitável a proposta do setor de ampliar suas plantações de 5
milhões de hectares para 11 milhões nos próximos 10 anos. E que a PARALIZAÇÃO
DA EXPANSÃO DA MONOCULTURA DE ÁRVORES DE RÁPIDO CRESCIMENTO
NO BRASIL na elaboração do novo PPA e da política industrial do governo é uma
necessidade de caráter extremo e urgentíssimo.
Porto Seguro, 29 de junho de 2003.
FASE-ES Vitória (ES) SINDIPETRO São Mateus (ES) MST MPA Movimento
Quilombola São Mateus (ES) Associação Remanescentes Quilombos Conceição
da Barra (ES) CDDH Teixeira de Freitas (BA) APEDEMA Rio de Janeiro (RJ)
STR São Mateus e Jaguaré (ES) MDPS Porto Seguro (BA) SINDEC Teixeira de
Freitas (BA) STR Itanhém (BA) AGB Vitória (ES) APESCA o Mateus (ES)
EFA Montanha (ES) PT São Mateus (ES) – EFA Bley São Gabriel da Palha (ES) –
FASB Teixeira de Freitas (BA) CEPEDES Eunápolis (BA) AGB Rio de Janeiro
(RJ) Grupo do Jongo São Mateus (ES) STR Belmonte (BA) STR Eunápolis
(BA) CIMI Aracruz (ES) Projeto Semear Eunápolis (BA) Terra Viva Itamarajú
197
(BA) –STR Teixeira de Freitas (BA) SINTERP Eunápolis (BA) STR Curvelo (MG)
CEDEFES Belo Horizonte (MG) CPT Belo Horizonte (MG) GamSalvador
(BA) Rede Mata Atlântica Oásis da Luz Eunápolis (BA) Deputado Federal
Guillherme Menezes (BA) Assessoria Deputado Estadual Claudio Vereza (ES)
Assessoria Deputada Federal Iriny Lopes (ES) Aldeia Guarani Aracruz (ES)
Comissão de Meio Ambiente CUT Rio de Janeiro (RJ) STR Mucuri (BA) STR
São Gabriel da Palha (ES) CUT/BA Eunápolis (BA) Sindicato dos Vigilantes
Eunápolis (BA) Flora Brasil Porto Seguro (BA) Frente de Resistência Pata
Monte Pascoal (BA) – P. Amigo Tartaruga Porto Seguro (BA) EFA Boa Esperança
(ES) CIMI Eunápolis (BA) Missionárias Comboianas Aracruz (ES) FASE
Nacional Rio de Janeiro (RJ)
198
ANEXO E
Carta de Intenções do VII Fórum de Avaliação da Proteção Ambiental no Extremo
Sul da Bahia
Os participantes do VII Fórum de Avaliação da Proteção Ambiental no Extremo Sul
da Bahia, reunidos em Prado (BA) nos dias 19 e 20 de setembro de 2003,
apresentam abaixo propostas dirigidas à sociedade civil e a órgãos públicos com o
objetivo de garantir a efetiva proteção dos ecossistemas marinhos e terrestres do
Extremo Sul da Bahia e o desenvolvimento sustentável na região:
01) Concluir a construção e equipar o Núcleo de Educação Ambiental regional em
Prado.
02) Criar equipe de educação ambiental itinerante para atuar nos entornos de
unidades de conservação e nos municípios.
03) Estimular e implementar os comitês para a gestão ambiental das bacias dos rios
Jequitinhonha, Buranhém, Jucuruçu, Itanhém, Peruípe, Mucuri e microbacias.
04) Reiterar ao Governo do Estado a prioridade para implantar e desenvolver os
planos de manejo das APAs Santo Antônio, Coroa Vermelha, Caraíva/Trancoso,
Ponta das Baleias/Abrolhos e Mucuri, a partir de uma reavaliação do zoneamento;
implantar seus conselhos gestores e garantir a imediata estruturação pessoal e
material.
05) Criar delegacias ambientais no Extremo Sul.
06) Fortalecer as Agendas 21 nos municípios da região.
07) Solicitar à Procuradoria de Justiça a instalação de unidade do Ministério Público
que atenda às questões ambientais no Extremo Sul.
08) Sugerir ao Ministério Público que penas alternativas para crimes ambientais
possam viabilizar a realização das próximas edições do Fórum de Proteção
Ambiental do Extremo Sul, com a doação de recursos financeiros, material de
consumo, entre outras contribuições.
09) Estimular a criação de RPPNs, reservas legais, servidões ecológicas e outros
sistemas de proteção ambiental em áreas privadas, divulgando os mecanismos
legais, na região do Extremo Sul.
10) Apoio institucional da União, estados e municípios para programas de educação
ambiental.
11) Que as políticas públicas para o Sul da Bahia contemplem as diretrizes do
Projeto Corredores Ecológicos (Corredor Central da Mata Atlântica).
199
12) Que o Prodetur II financie as estruturas municipais do Meio Ambiente visando a
efetiva implantação do Sisnama.
13) Que se garanta à sociedade amplo acesso a informações, projetos e
acompanhamento das ações a serem realizadas no Prodetur II, utilizando
metodologias e prazos compatíveis com cada comunidade.
14) Que os licenciamentos ambientais realizados no Extremo Sul da Bahia pelo
Governo do Estado sejam aprimorados.
15) Solicitar aos bancos públicos e privados o financiamento de sistemas agro-
florestais e agro-ecológicos.
16) Que se implante um novo modelo de política agrícola voltado para a agricultura
familiar, com vistas à criação de arranjos produtivos. E que o pequeno produtor
tenha condições de produzir e ter retorno de seu trabalho.
17) Que todas as áreas sobre proteção especial (ASPES), criadas no final do ano
passado no Extremo Sul do Bahia, sejam transformadas em unidades de
conservação de proteção integral.
18) Que os Parques Nacionais do Pau Brasil e Descobrimento tenham suas áreas
ampliadas de modo a proteger importantes remanescentes florestais em seu
entorno.
19) Implantar unidades de conservação marinhas com especial atenção ao Recife de
Timbebas, área pertencente ao Parque Nacional Marinho dos Abrolhos, e à Área de
Proteção Ambiental Ponta das Baleias / Abrolhos.
20) Proteger ecossistemas marinhos relevantes ainda o protegidos no Extremo
Sul, como os bancos de áreas calcáreas, a quebra da plataforma e as montanhas
submarinas. Para essas áreas, propomos a criação de novas unidades de
conservação, além da ampliação e definição de zonas de amortecimento das
existentes.
21) Criar Reserva Extrativista ou de Desenvolvimento Sustentável no Parcel das
Paredes e recifes costeiros próximos localizados nos municípios de Prado, Alcobaça
e Nova Viçosa.
22) Definir estratégia de atuação e estrutura para a fiscalização das áreas costeiras.
23) Análise de impactos estratégicos sobre a monocultura do eucalipto no Sul da
Bahia, gerando o zoneamento ecológico econômico, com monitoramento contínuo.
200
24) Implantar um fundo de desenvolvimento sustentável regional com recursos
provenientes de compensação sócio-ambiental das empresas de eucalipto e
celulose da região financiados pelo BNDES.
25) Definir limites para a expansão do cultivo do eucalipto.
26) Empresas de celulose devem fornecer matéria-prima para carpintarias,
marcenarias, fabricantes de estacas e outras atividades madeireiras de pequena
escala, oferecendo alternativas à exploração dos remanescentes florestais de mata
atlântica.
27) Incentivar estudos de novas espécies nativas da mata atlântica a serem
exploradas pela silvicultura.
28) Aumentar o controle no fomento de eucalipto;
29) Que se ampliem os programas que visem melhorar a qualidade de vida das
comunidades tradicionais e povos indígenas da região, criando alternativas
sustentáveis de renda e fortalecimento de suas identidades culturais.
30) Incentivar a participação dos diferentes atores sociais, principalmente os setores
excluídos, na Conferência Nacional do Meio Ambiente e nos eventos preparatórios
regionais.
31)Moção: Nós, os participantes do VII Fórum de Avaliação da Proteção Ambiental
no Extremo Sul da Bahia, solicitamos que os compromissos firmados publicamente
quanto à prisão dos criminosos sejam efetivamente cumpridos pela Secretaria de
Segurança Pública do Governo da Bahia. A vítima, Norberto Hess, Secretário de
Meio Ambiente de Maraú, Sul da Bahia foi covardemente agredido a golpes de facão
no dia 25 de agosto deste ano, quando fotografava um caminhão com toras de
madeira extraídas de remanescentes florestais da mata atlântica naquela região.
“Até o momento os responsáveis não foram presos, sendo elementos conhecidos no
município. Certos de que os fatos serão apurados e os culpados condenados, pois
não podemos mais aceitar que atos praticados contra o meio ambiente fiquem
impunes, contamos com que as autoridades responsáveis, no uso de suas funções,
façam cumprir a lei. Haja justiça para Norberto Hess e para todos nós”.
201
ANEXO F
Carta ao Presidente
Brasília, 20 de outubro de 2003
Excelentíssimo Senhor
Luiz Inácio Lula da Silva
Presidente do Brasil
Senhor Presidente,
Queremos expressar, em caráter de absoluta urgência, o inconformismo da
sociedade civil organizada quanto às sucessivas decisões de governo a expansão
da fronteira agrícola sobre as florestas brasileiras, a inclusão no Plano Plurianual
(PPA) 2004-2007 de inúmeras obras de infra-estrutura com forte potencial para
agravar o desmatamento da Amazônia e a concentração fundiária, a liberação do
plantio de transgênicos, a omissão em relação às mudanças climáticas globais, a
ameaça à integridade das terras indígenas, entre outras - , que contradizem o
programa de governo, fragilizam as políticas socioambientais e inviabilizam a diretriz
de transversalidade proposta pela ministra Marina Silva, comprometendo as
iniciativas positivas adotadas pelo MMA para a implementação destas políticas,
provocando a erosão da imagem e da credibilidade do governo junto à opinião
pública, dentro e fora do país. Cnstatamos que o governo não está avaliando
corretamente a dimensão do desgaste que afeta V. Excia., e que ainda poderá
agravar-se, em curtíssimo prazo, caso os processos decisórios em curso sigam
desprezando as variáveis socioambientais, podendo até mesmo contaminar as
lúcidas e corajosas diretrizes estabelecidas para a política externa brasileira.
Conclamamos V. Excia. a definir e anunciar à Nação, uma pauta emergencial e
consistente de medidas concretas, que possa reverter decisões de grande impacto à
sustentabilidade ambiental e que têm acarretado sombria expectativa que se
dissemina em nosso campo político, e que inclua: o respeito ao principio da
202
precaução e o atendimento da legislação ambiental necessária a garantir a
seguridade alimentar e socioambiental; o decidido combate ao desmatamento e às
frentes predatórias em atuação no território nacional; o fomento ao desenvolvimento
efetivamente sustentável; o fortalecimento do Ministério do Meio Ambiente e do
Sistema Nacional de Meio Ambiente, inclusive no que se refere à política de
biossegurança; e a efetiva participação da sociedade civil nos processos, programas
e decisões de governo que afetem as políticas socioambientais.
Esperando a atenção de vossa excelência para esta urgente manifestação, nos
subscrevemos.
Atenciosamente,
Amigos da Terra - Amazônia Brasileira; Asessoria e Serviços a Projetos em
Agricultura Alternativa (AS-PTA); Campanha por um Brasil Livre de Transgênicos;
Coalizão Rios Vivos; rum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais para o Meio
Ambiente eDesenvolvimento (FBOMS); ECOA; Fundação Pró-Natureza (Funatura);
Fundação SOS Mata Atlântica; Fundação Vitória Amazônica (FVA); Greenpeace;
Grupo de Trabalho Amazônico (GTA); Instituto Ambiental Instituto Ambiental
Vidágua; Instituto Centro de Vida (ICV); Instituto do Homem e do Meio Ambiente da
Amazônia (Imazon); Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora);
Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia da Amazônia (Ipam); Instituto de
Pesquisas Ecológicas (IPÊ); Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN);
Instituto Socioambiental (ISA); Rede de ONGs da Mata Atlântica (RMA); Rede
Cerrado de ONGs; Rede Pantanal; Vitae Civilis - Instituto para o Desenvolvimento,
203
ANEXO G
Carta Aberta à população
DIA 21 DE SETEMBRO: DIA NACIONAL DE LUTA CONTRA AS MONOCULTURAS
Nós, moradores(as) de Vila do Riacho, comunidades indígenas Tupiniquim e
Guarani e integrantes da Rede Alerta Contra o Deserto Verde, vimos denunciar
todas as formas de violência produzidas pela Empresa Aracruz Celulose contra as
populações locais do seu entorno desde a sua instalação há 36 anos.
A Aracruz Celulose destruiu todas as formas de subsistência de nossas populações:
destruiu os rios, destruiu a mata atlântica, invadiu nossas terras produzindo o caos
social e ambiental. Como a Aracruz Celulose que prometeu desenvolvimento,
emprego, melhoria das condições vida, conseguiu, nesses 36 anos, ficar
completamente impune?
As violências são inúmeras: a população de Vila do Riacho tem sido vítima de
abusos constantes das polícias militar, ambiental e da milícia armada da Aracruz
Celulose (VISEL). É-lhes cerceado o direito de ir e vir e de trabalhar; Trabalhadores
têm seus instrumentos de trabalho apreendidos e/ou destruídos; Moradores são
ameaçados; Adolescentes o ameaçados e presos; Famílias têm seus lares
invadidos; cidadãos são acusados de furto sem qualquer prova; Pequenos
proprietários são violados nos seus diretos, tendo a casa destruída e plantios
arrancados. E aí, a população indignada pergunta: o que se deve fazer quando a
polícia, que é sustentada pelo dinheiro público, que tem a função de dar segurança
ao cidadão, se transforma num instrumento de terror, a serviço de interesses
privados da Aracruz Celulose?
Os pescadores não têm mais o que pescar; a água de uso doméstico está
contaminada, adoecendo crianças e adultos, forçando uma população
desempregada a comprar água mineral ou a se deslocar quilômetros de distância
para buscar água potável. Tudo isso porque a Aracruz Celulose, na sua produção,
consome uma quantidade diária de água que corresponde à mesma quantidade que
uma cidade de dois e meio milhões de habitantes gasta por dia, e não paga nada
por isso. E mais, para atender ao seu interesse econômico o respeita qualquer
princípio ético, ambiental e social: represa rios, faz transposição da bacia do Rio
204
Doce (Canal Caboclo Bernardo), inunda propriedades, inverte cursos de rios (Rio
Gimuna) e contamina as águas com uso intensivo de agrotóxico nas suas
plantações. Assim produz um desastre ambiental incalculável e irreversível. A
população mais uma vez pergunta: por que a Aracruz Celulose, que tem essa prática
perversa, consegue ser premiada como empresa defensora do meio ambiente?
Nossas populações locais que viviam de forma autônoma como pequenos
produtores, lavradores, pescadores e trabalhadores independentes hoje vivem
cercadas pelos plantios de eucalipto, sem qualquer perspectiva de trabalho. Para
muitos de nossos trabalhadores não resta outra alternativa imediata de
sobrevivência senão a produção de carvão. Entretanto, nem isso podem fazer. A
empresa com toda sua truculência tem perseguido os catadores de resíduos e os
trata como se fossem bandidos, buscando cada vez mais inviabilizar a permanência
das comunidades no seu entorno. A população outra vez pergunta: diante de tantos
danos causados por que a empresa recebe financiamento público e privilégios
fiscais? Enquanto, para nós resta o mau cheiro, a poluição, o risco tóxico e o total
descaso por parte do estado e da prefeitura.
A Aracruz Celulose quer negar o seu passado destruidor da cultura e do modo de
vida das populações locais. Só quer olhar para o futuro e gerar desenvolvimento.
Perguntamos: desenvolvimento para quem? Para nós, discutir o passado é vital.
“Perguntem aos mais antigos sobre o estrago que ela, a Aracruz Celulose, fez por
aqui! então vamos lembrá-la do que perdemos e quanto custa a ela reparar as
perdas e danos que ela nos causou”.
POUCOS SABEM QUE NO PRIMEIRO SEMESTRE DE 2004 A ARACRUZ
CELULOSE OBTEVE UM LUCRO FINANCEIRO DE 135,5 MILHÕES DE
DÓLARES.
QUANTO MAIOR O LUCRO DA EMPRESA MAIOR A MISÉRIA DO POVO!
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