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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO
CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E ECONÔMICAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ADMINISTRAÇÃO
MATEUS MIGUEL SALVADOR TOSCANO
ANALÍTICA DOS DISPOSITIVOS DE PODER PRESENTES NAS PRÁTICAS DE
GESTÃO EM RECURSOS HUMANOS
VITÓRIA
2006
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ii
MATEUS MIGUEL SALVADOR TOSCANO
ANALÍTICA DOS DISPOSITIVOS DE PODER PRESENTES NAS PRÁTICAS DE
GESTÃO EM RECURSOS HUMANOS
Dissertação apresentada ao programa de Pós-
Graduação em Administração do Centro de
Ciências Jurídicas e Econômicas da
Universidade Federal do Espírito Santo, como
requisito parcial para obtenção do Grau de
Mestre em Administração, na área de
concentração em Tecnologia de Gestão e
Subjetividades.
Orientadora: Profª Drª Leila Aparecida
Domingues Machado
VITÓRIA
2006
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iii
MATEUS MIGUEL SALVADOR TOSCANO
ANALÍTICA DOS DISPOSITIVOS DE PODER PRESENTES NAS PRÁTICAS DE
GESTÃO EM RECURSOS HUMANOS
Dissertação apresentada ao programa de Pós-Graduação em Administração do Centro de
Ciências Jurídicas e Econômicas da Universidade Federal do Espírito Santo, como requisito
parcial para obtenção do Grau de Mestre em Administração, na área de concentração em
Tecnologia de Gestão e Subjetividades.
Apresentada em 17 de Abril de 2006
COMISSÃO EXAMINADORA
______________________________________
Profª Drª Leila Aparecida Domingues Machado
Orientadora.
______________________________________
Profª Drª Ana Lúcia Coelho Herckert.
Universidade Federal do Espírito Santo
______________________________________
Profº Drº Romualdo Dias
Universidade Estadual Paulista
VITÓRIA
2006
iv
Dados Internacionais de Catalogação-na-publicação (CIP)
(Biblioteca Central da Universidade Federal do Espírito Santo, ES, Brasil)
Toscano, Mateus Miguel Salvador, 1965-
T713a Analítica dos dispositivos de poder presentes nas práticas de
gestão em recursos humanos / Mateus Miguel Salvador Toscano. –
2006.
203 f. : il.
Orientadora: Leila Aparecida Domingues Machado.
Dissertação (mestrado) – Universidade Federal do Espírito
Santo, Centro de Ciências Jurídicas e Econômicas.
1. Tecnologia. 2. Subjetividade. 3. Poder disciplinar. 4.
Economia do trabalho. 5. Recursos humanos. 6. Fadiga. I.
Machado, Leila Aparecida Domingues. II. Universidade Federal do
Espírito Santo. Centro de Ciências Jurídicas e Econômicas. III.
Título.
CDU: 65
v
AGRADECIMENTOS
O ato de agradecer se configura, na maioria das vezes, um ato comum, mas -
diante de um percurso trilhado por dois anos - é muito importante que seja feito
pelo menos um reconhecimento da generosidade que algumas pessoas
dedicaram a minha pessoa.
Ao amigo Aldo, que sempre me incentivou e incondicionalmente me ajudou com
sua mão amiga nos caminhos que trilhamos nos últimos cinco anos.
A Susane - que manifesta uma generosidade contagiante de todos a sua volta, a
ponto de nos remeter à idéia da possibilidade de um mundo melhor para se viver -
meus sinceros agradecimentos por possibilitar-me a convivência.
A Leila, não só pelas orientações que sempre nos ajudaram, mas pela coragem
de possibilitar enfrentamentos coletivos, por provocar debates que têm como
primazia instigar, romper com tentativas de conforto teórico, a todo instante
possibilitando a manifestação da vida.
Agradeço a Beth, Mônica e Ana pela felicidade de poder estar com vocês. Em sua
maioria, foram oportunidades, momentos de extrema alegria, de força de vida e
não menos potência de criação.
A Érico, Arthur Viana, Eloízio, Helga e Jaque, pela amizade e pelas imensuráveis
ajudas desde o início da jornada no mestrado.
A Marilene, pela atenção, carinho e pela paciência dedicada a questões de
pesquisa que possibilitaram a realização deste trabalho e de outros.
A Luciane, e meus filhos Victor e Marina, pelo amor, paciência e tolerância
dedicados a mim nas melhores e piores horas da jornada.
A meus pais, Orman e Zulmira, por permitirem minha existência neste plano da
vida e, além disso, transmitirem-me o sentimento de amor incondicional.
vi
[...] um esforço para afirmar a própria
liberdade e dar a sua própria vida uma
certa forma na qual podia se reconhecer
e ser reconhecido por outros e onde a
posteridade mesma poderia encontrar
como exemplo.
[...] Esta elaboração da própria vida
como uma obra de arte pessoal, ainda
que obedecendo certos cânones
coletivos.
FOUCAULT, Michel. Ditos e escritos,
1994.
vii
RESUMO
Mudanças das práticas no cotidiano das empresas afetam a vida, não só de seus
empregados, mas do corpo social. Essa forma de afetar as pessoas e ser afetado
por elas, utilizada nas organizações, por vezes passa despercebida, tanto de seus
empregados, quanto da sociedade. Analisar as práticas em gestão de recursos
humanos no campo da administração e seus dispositivos de poder utilizados
como processo de subjetivação é o objetivo primordial deste estudo. Para tal
expedição, foi utilizada a cartografia como processo de captura desses
dispositivos, o que por si traduz uma abordagem pouco comum à administração.
Mas, por certo, a busca de abordagens que contemplem a complexidade humana
e seus paradoxos é o desafio das pesquisas no campo das tecnologias de gestão.
A analítica das subjetividades e de dispositivos de subjetivação que são exercidos
no cotidiano das organizações, utilizada neste estudo, precisou de uma pequena
incursão a outros campos do saber, como a Geografia, para a cartografia; a
Psicologia, para o processo de subjetivação; a Sociologia, como abordagem
cartográfica social e a Antropologia, por tratar de estudos da vida humana
submetida a regras de convivência social.
Palavras chave: Tecnologia de Gestão, Subjetividades, dispositivos de poder,
gestão em recursos humanos.
viii
ABSTRACT
Changes of the practical ones in the daily one of the companies affect the life, not
only of its employees, but of the social body. This form, to affect the people and
being affected for them, used in the organizations, for times passes unobserved,
as much of its employees, how much of the society. To analyze practical in
management of human resources in the field of the administration and the its
devices of being able used as subjetivação process is the primordial objective of
this study. For such expedition the cartography was used as process of capture of
these devices, what for itself it translates a little common boarding the
administration. But, for certain, the search of boardings that contemplate the
complexity human being and its paradoxes, is the challenge of the research in the
field of the management technologies. The analytical one of the subjetividades
and devices of subjetivação used in this study, that are exerted in the daily one of
the organizations, needed a small incursion to other fields of knowing as
Geography, for the cartography; Psychology, for the subjetivação process;
Sociology, as social cartographic boarding and the Anthropology for if dealing with
studies of the life submitted human being the rules of social.
Words key: Technology of Management, Subjetividades, devices of being able,
management of human resources.
ix
SUMÀRIO
1 INTRODUÇÃO.............................................................................................. 13
2 DEMARCANDO TERRENO TEÓRICO......................................................... 20
2.1 Dispositivos de poder em Foucault........................................................ 20
2.2 As práticas e a gestão em recursos humanos....................................... 29
2.2.1 O suprimento .................................................................................. 30
2.2.2 A aplicação ..................................................................................... 32
2.2.3 A manutenção................................................................................. 36
2.2.4 O desenvolvimento......................................................................... 38
2.2.5 Informação e/ou controle ................................................................ 40
3 ASPÉCTOS DA ABORAGEM METODOLÓGICA......................................... 41
3.1 Cartografia ............................................................................................. 42
3.1.1 Roteiro a cartografar....................................................................... 47
4 CARTOGRAFIA DA PRODUÇÃO: ANALÍTICA NA ESCELSA............................. 50
4.1 Caracterização da Escelsa – Energias do Brasil S.A............................. 50
4.1.1 Movimentos históricos do setor de energia no Brasil...................... 51
4.1.2 Caracterização da empresa lócus da pesquisa .............................. 57
4.1.3 A situação financeira da Escelsa.................................................... 60
4.1.4 A reestruturação produtiva e as práticas de Gestão dos
trabalhadores................................................................................................ 64
4.2 Os Dispositivos e as práticas em gestão ............................................... 72
4.2.1 Distribuição espacial dos corpos..................................................... 74
4.2.1.1 O cercamento.......................................................................... 74
4.2.1.2 O quadriculamento ou clausura............................................... 85
4.2.1.3 A localização funcional ............................................................ 90
4.2.2 O Controle da atividade .................................................................. 94
4.2.2.1 O horário.................................................................................. 95
4.2.2.2 Elaboração temporal do ato....................................................102
4.2.2.3 Correlação de corpo e gestos.................................................106
4.2.2.4 Articulação entre corpo e objeto.............................................109
4.2.2.5 A utilização exaustiva .............................................................116
4.2.3 Organização das gêneses .............................................................119
x
4.2.3.1 Divisão da duração em seguimentos......................................120
4.2.3.2 Organização seqüencial analítica...........................................122
4.2.3.3 Estabelecer limites para as séries..........................................125
4.2.3.4 Estabelecer séries de séries...................................................129
4.2.4 Composição das forças .................................................................132
4.2.4.1 Articulação do corpo com funções..........................................133
4.2.4.2 Junção das combinações cronológicas ..................................135
4.2.4.3 O comando preciso.................................................................140
4.3 Instrumentos para um bom adestramento ............................................143
4.3.1 A vigilância hierárquica:.................................................................144
4.3.2 As sansões normalizadoras...........................................................146
4.3.2.1 Micro mecanismo penal..........................................................147
4.3.2.2 Quanto às punições................................................................149
4.3.2.3 Quanto às recompensas.........................................................151
4.3.2.4 A classificação........................................................................154
4.3.3 Nos exames...................................................................................156
4.3.3.1 O exame e os dispositivos de vigilância .................................157
4.3.3.2 Os registros dos movimentos .................................................160
4.3.3.3 A individualização das relações..............................................164
4.4 A produção de subjetividades...............................................................165
5 CONCLUSÕES MOMENTÂNEAS...............................................................168
6 REFERÊNCIAS............................................................................................174
ANEXOS..............................................................................................................183
xi
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Ilustração 1 Cercamento estrutural do Centro Operativo Carapina - Escelsa...... 75
Ilustração 2 Entrada principal da empresa........................................................... 77
Ilustração 3 - Dispositivos eletro-mecânicos de controle de entradas e saídas. .. 78
Ilustração 4 Vista ampla do fechamento entrada e saída principal – greve de um
dia
........................................................................................................................ 80
Ilustração 5 Fechamento da entrada e saída secundária – greve de um dia....... 81
Ilustração 6 Detalhes do funcionamento do cercamento...................................... 82
Ilustração 7 Planta baixa de um dos edifícios e suas repartições........................ 87
Ilustração 8 Planta baixa do modelo de distribuição dos postos de trabalho ....... 88
Ilustração 9 Estrutura de alvenaria – modelo anterior à reestruturação............... 89
Ilustração 10 Estrutura transparente – Modelo estrutural adotado na reesruturação
............................................................................................................................. 90
Ilustração 11 Modelo de ilha de trabalho administrativo....................................... 92
Ilustração 12 Estação de trabalho do atendente do Centro operativo de Carapina
............................................................................................................................115
Ilustração 13 Visibilidade facilitada entre salas de controle e operação..............158
xii
LISTA DE TABELAS
Tabela 4-1 Matriz energética do Brasil................................................................. 54
Tabela 4-2 Datas históricas para o setor energético no Brasil............................. 56
Tabela 4-3 Área de concessão e a divisão de clientes ........................................ 59
Tabela 4-4 Relação entre o numero de trabalhadores e clientes da Escelsa ...... 71
Tabela 5 NOR-OPE-006 Manobras em condições normais e de emergência ....111
13
1 INTRODUÇÃO
O objetivo deste trabalho de dissertação é identificar os contornos dos
dispositivos de poder que se fazem presentes nas práticas de gestão com os
trabalhadores nas organizações. O lócus escolhido para pesquisa foi a empresa
Escelsa – Energias do Brasil S.A., pelo fato de o autor ter trabalhado nela até sua
privatização e, nessa condição, sentir-se instigado a estudar suas práticas de
gestão. As discussões sobre subjetividade e sobre as situações do trabalho no
cotidiano organizacional, promovidas antes e durante as aulas e palestras, foram
fontes que o instigaram. Questões como a liberdade e autonomia do trabalhador
trazem inquietações que direcionam a um estudo mais detalhado. Mais ainda
porque, por várias vezes, permanecera a idéia de que o trabalhador livre e
autônomo parecia estar definitivamente sepultado.
Em uma perspectiva histórica, percebe-se que o ser humano nômade, coletor,
melhora a condição de vida na medida em que inicia o domínio das técnicas da
agricultura. Tais técnicas passam a permitir a esse homem a liberdade de optar
por permanecer em determinada região, onde produzir é possível. Mas essa
produção se dá não só para o sustento. Produzem-se também excedentes.
Quando a produção de excedentes assume proporções que extrapolam a
amplitude social circunscrita, tem início o comércio incipiente entre sociedades,
que rapidamente generaliza-se para a forma de mercantilismo. Ainda em
perspectiva histórica, percebe-se que a explosão demográfica é um fato, e com
ela intensifica-se a necessidade de maior produção.
Dentre as classes sociais, destaca-se a burguesa, fomentadora de um processo
contínuo de acúmulo de riquezas, derivadas basicamente do movimento
mercantilista. É este movimento que impulsiona o crescimento de instituições
fechadas como forma racional de produção. Como em outros períodos da
História, o trabalhador produz para seu sustento, mas produz também excedentes
da produção, aqui chamados de capital. O processo de acumulação de
excedentes agrícolas deriva para um processo de acumulação de capital. Este
utiliza a junção de recursos naturais, capital e força de trabalho e pode ser
14
reproduzido pela acumulação da mais-valia, que, por sua vez, tem como fonte a
força de trabalho humana.
O crescimento e a perpetuação do processo de acumulação passou, e
provavelmente passará, por reformulações, pois está sujeito a movimentos que
constituem a vida. A reestruturação da produção, como forma hegemônica de
adequação às exigências do mercado, assume uma das faces mais recentes de
adaptação do processo de acumulação de riquezas. Nesse processo, o corpo do
trabalhador é posto em espaços limitados com horários, regras, metas e
atividades específicas, e, em mutações, se torna o foco da produção de
subjetividades. A intensificação da força de trabalho, como forma de aumento da
produtividade; e a diminuição das resistências do trabalhador, fazendo frente às
freqüentes alterações da produção, do saber, dos modos de vida, parecem
essenciais à perpetuação do processo de acumulação. Campos de saber são
estabelecidos e a Administração, um desses campos, inicia estudos sobre o
comportamento humano em tais ambientes, tornando-se a ciência que se ocupa e
se estabelece em estudos no ambiente organizacional. Nesses estudos, técnicas
para lidar com o trabalhador são desenvolvidas e experimentadas. E técnicas
disciplinares são percebidas como instrumentos para conseguir do trabalhador o
máximo de sua força produtiva. O seu exercício parece produzir no trabalhador
outro sujeito, que se molda segundo os perfis e saberes desejados para a
excelência de desempenho organizacional que as relações de mercado exigem.
Para mapear o exercício dos dispositivos de poder que possibilitaria a incursão
proposta por este estudo, tentar-se-á tratar as relações entre processo de
reestruturação produtiva e processo de produção subjetiva. Para tanto, traçou-se
um rumo que abarcasse, primeiro, a contextualização de processos político e
econômico e suas implicações nas formas de gestão em recursos humanos.
Buscou-se, assim, encontrar fundamentos para realização da reestruturação e da
constante adequação das políticas de recursos humanos, derivadas da própria
reestruturação. Segundo, objetivou-se trazer o auxílio do Filósofo Michel Foucault
com o aporte teórico necessário para se perceber no processo de reestruturação
15
os dispositivos de poder e as técnicas disciplinares presentes nas relações do
cotidiano na empresa.
Ante a complexidade das mudanças que buscam estabelecer formas
hegemônicas de comportamento do indivíduo, um fato comum ao sujeito, parte
viva no processo, é o estranhamento no processo de aceitação dessas
mudanças. A constituição de um novo ser se inicia, e quanto menor a resistência
deste, mais produtivo se torna o processo. Nessas relações, embates se
configuram, lutas são estabelecidas. Junto às relações de poder há resistências,
ou seja, pontos de luta, focos de instabilidade que se configuram. A gerência dos
trabalhadores terá que acompanhar as mudanças, a gestão do outro é peça
crucial quando em processo de perpetuação do regime de acumulação. A
transição do regime de acumulação fordista para o toyotismo se fez com os
trabalhadores, estes tiveram que se adaptar, se adequar a nova forma. Desse
modo e dentre outras questões, um problema central provoca inquietação. Quais
resistências ganham contorno visível no exercício dos dispositivos de poder
presentes nas práticas de gestão em recursos humanos
1
?
Essa inquietação, aliada ao imperativo da conotação científica em pesquisas no
campo do saber da Administração, faz remeter ao estabelecimento de contorno
geral de um propósito científico da pesquisa em forma de objetivo geral, que é de
identificar os dispositivos de poder presentes nas práticas em gestão de recursos
humanos na Escelsa. E especificamente:
Cartografar o diagrama que põe em funcionamento as práticas dos
dispositivos de poder em gestão de recursos humanos;
1
Será utilizada a expressão recursos humanos, no sentido de ainda ser visualizado, no
organograma da empresa, o setor que lida com as pessoas sendo denominado dessa forma. Não
utilizaremos gestão de pessoas ou gestão com pessoas por aparentar que a empresa não utiliza
essa forma de discurso.
16
a partir deste mapeamento, tentar visualizar formas de gestão de recursos
humanos que fugissem ao binômio: exploração e controle, sendo este
último tratado no sentido de processo de produção disciplinar;
identificar uma maior emancipação do ser humano ao estar conjugado com
a atividade laborativa de interesse econômico.
E, por fim:
efetuar um processo cartográfico dos possíveis, mapeando as resistências
que ganharam forma visível ou não.
São significativas as mudanças promovidas pelo processo de reestruturação
produtiva. Esse processo ganhou força no Brasil no Governo de Fernando
Henrique Cardoso. Nele, o país assistiu o empenho desmedido em atender às
exigências de um modelo econômico “Neoliberal” que estabelece, dentre outras,
uma menor participação do estado no setor produtivo, via privatizações. Tais
mudanças visam ajustar as empresas a práticas mais flexíveis de produção.
Algumas conseqüências desse processo, que estão ligadas diretamente às
pessoas nas organizações, são: o enxugamento do efetivo profissional e
conseqüente intensificação do trabalho, exacerbação do processo de
subcontratação e conseqüente achatamento de salários, flexibilização, atividades
laborais e uma nova gestão de Recursos Humanos. Assim, fundada nessa
pseudonecessidade de mudança das práticas de recursos humanos, essa
corrente literária se inicia com a Escola das Relações Humanas (1930) e ganha
forma e conteúdo através dos estudos específicos das teorias psicológicas,
algumas behavioristas. Estas se materializam na Escola Comportamental (1940),
que vem sendo profundamente difundida e publicada em inúmeros veículos de
comunicação, como revistas, livros e artigos da área de negócios. Mas, se
analisarmos um pouco mais de perto as práticas e novas técnicas de
“adestramento”
2
, é possível perceber uma contradição profunda em relação à
pretensão publicada nesses veículos e as práticas que se fazem presentes nos
2
Termo utilizado por Foucault para designar os processos de multiplicação e ligação das forças do
corpo num sentido de utilidade.
17
discursos, nas visibilidades da estrutura e dos humanos que compõem as
empresas.
Essa receita de gestão em recursos humanos ganha importância de estudo, na
medida em que produz situações que afetam a vida humana. Esse processo não
foi diferente na Escelsa, onde fui contratado em 1985, quando a empresa era
Estatal, vindo a participar do primeiro plano de enxugamento, denominado Plano
de Demissão Voluntária, em 1995, antes mesmo de ser privatizada. Nos 10 anos
de exposição a situações de trabalho singular, estive presente: em um primeiro
momento, nos processos de contratações, ampliações de cargos e investimentos
para melhoria das condições de trabalho, presenciando um sindicato mais
atuante; em um segundo momento, nos enxugamentos, terceirizações,
flexibilizações de atividades e enfraquecimento da luta sindical. Assim, as
situações de trabalho vivenciadas na empresa, específicas do momento histórico,
e o fato de ter participado dos processos de ajustes necessários ao processo de
reestruturação – pertinente ao modelo utilizado nas privatizações – subsidiam um
início da expedição cartográfica para identificação dos dispositivos de poder
exercidos nas instituições empresariais.
Nas instituições empresariais, percebe-se um aprofundamento dos discursos de
reestruturação produtiva, oriundas da transição do controle estatal para o privado.
Tais discursos tenderiam para uma maior identificação e emancipação do ser
humano no ambiente fabril. Eles partem do pressuposto de que as práticas e
técnicas de gestão haviam se esgotado, na medida em que criariam mais
problemas do que soluções nos conflitos entre o capital e o trabalho, originando
as necessárias mudanças, mimeticamente aplicadas nas empresas e, de certa
forma, impostas pelo movimento neoliberal. Antunes (2003) percebeu as
imposições do capital da seguinte forma:
Em movimentos de oposição às manifestações de resistências que
emergiam nas lutas sociais, um grande número de outros grupos
humanos, sem distinção de classe e não excluindo os manifestantes,
aderem a uma lógica de acumulação de riquezas que acabam por
constituírem as forças do capital, iniciam processos para reorganização
das formas de dominação societal, não só procurando reorganizar em
18
termos capitalistas o processo produtivo, mas procurando gestar um
projeto de recuperação da hegemonia em diversas esferas da
sociabilidade (ANTUNES, 2003, p.48)
Esses movimentos, como sinalizado por Antunes (2003), que se utilizam do culto
a um subjetivismo e de um ideário fragmentador, acabam por fazer apologia ao
individualismo exacerbado contra as formas de solidariedade e de atuação
coletiva e social. Nesse sentido, Foucault (2003b, p. 89:92) propõe, como um dos
princípios das relações de poder, sua capilaridade, que é exercida “a partir de
inúmeros pontos” e em meio a “relações desiguais e móveis”, as quais não têm
como princípio uma oposição binária de dominado e dominador, sendo ao mesmo
tempo “intencionais e subjetivas”. As grandes dominações são, para o filósofo,
“efeitos hegemônicos sustentados pelos afrontamentos” que se formam das
correlações de forças múltiplas e atuam nos aparelhos de produção, nas famílias,
nos grupos restritos e instituições. Nesse sentido, a análise de Antunes esbarra
com a de Foucault: este último sugere, para análise dos mecanismos de poder, o
campo das correlações de forças múltiplas que se configuram no exercício das
atividades humanas, ligadas ou não à produção. Nessa sugestão, encontram-se
as práticas, que só se configuram no exercício, nas relações em atividade
produtiva, ou mesmo na sociedade.
Os processos organizacionais (HARVEY, 2003) introduzidos a fim de preparar as
empresas para as desestatizações vieram a interferir diretamente nas relações
que fazem parte da vida dos trabalhadores, impactando-os de diversas formas:
diminuição do quadro de funcionários, diminuição de cargos, perda de benefícios,
alterações salariais, enfraquecimento dos sindicatos, mudanças na cultura
organizacional, enfim, uma infinidade de ações que afetam o ambiente
organizacional e os fatores que determinam as condições de trabalho e de cada
trabalhador do setor, seja ele um operário, técnico ou gerente. No exercício das
relações entre os trabalhadores na empresa analisada, é possível perceber uma
contradição profunda em relação à pretensão difundida no interior da empresa
quanto ao comportamento hegemônico para uma maior produtividade. Essa
contradição evidencia-se na disseminação de formas de resolução dos problemas
que diminuem os impactos da desestatização sobre emprego, salários, condições
19
de trabalho, benefícios sociais. De antemão, pratica-se o discurso intenso da
imposição por redução do número de trabalhadores, com respectivo aumento da
carga de trabalho em termos individuais e coletivos, sob o pretexto da
competitividade de mercado. Behr (2002) em pesquisa quantitativa na Escelsa
indicou uma “queda brusca da qualidade de vida no trabalho – QVT”, e em
contrapartida, “um aumento dos índices de satisfação” por parte de alguns
funcionários, principalmente pelos gerentes, quando a empresa utiliza de práticas
como: a redução da quantidade de trabalhadores no setor; terceirizações com a
respectiva redução de salários e condições de trabalho; aumento do número de
atendimentos por trabalhador. Na Escelsa, os reflexos provocados pela mudança
organizacional ocorrida na QVT em função do processo de privatização foram
para “pior” na percepção dos sindicalistas e para “melhor” na percepção dos
gerentes (BEHR, 2002, p.191), evidenciando aparente contradição. Outra
pesquisa realizada na empresa foi a de Ferrari (2005), na qual o autor analisou,
no período pós-privatização, a transição do modelo de produção fordista para o
modelo de produção enxuta, tendo a reestruturação como instrumento necessário
para implementar as mudanças no cotidiano dos trabalhadores. Nesse estudo, o
autor utiliza uma metodologia qualitativa que permite analisar os discursos dos
trabalhadores, buscando as divergências, os pontos em comum e as omissões no
discurso oficial.
As inquietações evidenciadas nesse estudo reclamam uma aproximação de olhar
que acompanhe os movimentos em que divergências se configuram ou discursos
são cristalizados como verdades imutáveis, e que permita a análise dos
movimentos das vidas que fazem parte daquele campo relacional. Como perceber
uma reversão de movimentos que se configuram, é o desafio desta pesquisa.
Nesse contexto, no qual é percebida a produção de subjetividades, é bem
explicitado quando contemplamos o pensamento do filósofo francês Michel
Foucault (1995; 2001; 2002a, 2002b; 2003a, 2003b), que fará parte do terreno
teórico escolhido, onde o filósofo se deteve em descrever o funcionamento dos
dispositivos de poder que regem o nosso tipo de sociedade, e que pela
profundidade de seus métodos, acabariam por produzir nossas próprias
subjetividades (FOUCAULT, 2003a). Na tentativa de acompanhar os movimentos
20
de produção de subjetividades a postura de pesquisa utilizada nessa dissertação
será a abordagem cartográfica. Esse tipo de abordagem permite acompanhar os
movimentos dos exercícios das técnicas no terreno das subjetividades.
2 DEMARCANDO TERRENO TEÓRICO
A intenção deste capítulo é esclarecer os sentidos dos termos que foram
utilizados durante a pesquisa. É de extrema importância o esclarecimento inicial
do terreno teórico utilizado, pois possibilita um melhor aproveitamento do
conteúdo apresentado em forma de escrita.
2.1 Dispositivos de poder em Foucault
Qualquer tentativa de elucidar o termo dispositivo na filosofia de Foucault lançará
mão do auxílio das obras de pessoas que conviveram e escreveram com e sobre
o autor. O autor escolhido a apresentar o desenvolvimento deste termo, a partir
da análise de Foucault, é o também francês Gilles Deleuze. Deleuze (1988)
chama a atenção para o fato de a filosofia de Foucault ser muitas vezes uma
analítica dos dispositivos concretos. Mas, afinal, o que é um dispositivo para
Foucault?
É de início um novelo, um conjunto multilinear. Ele é composto de linhas
de natureza diferente. Estas linhas no dispositivo não cercam ou não
contornam os sistemas onde cada um seria homogêneo por conta
própria, o objeto, o sujeito, a linguagem, etc (DELEUZE, 1988, p.1).
21
As inconstâncias das formas em linhas, que compõem o sujeito, das que
assumem o objeto em determinado sistema de enunciação
3
traçam direções e
processos sempre instáveis, que podem ora se afastar ora se aproximar uma das
outras. Estas linhas são quebradas, fendidas, variam de direção, submetidas a
derivações, onde
[...] os objetos visíveis, os enunciados formulados, as forças em
exercício, os sujeitos em posição são vetores ou tensores. Assim, as três
grandes instâncias que Foucault distinguirá sucessivamente, saber,
poder e subjetividade, não têm de modo algum os contornos eternizados,
mas são cadeias de variáveis que arrastam-se umas as outras
(DELEUZE, 1988, p.1) .
Para auxiliar, Deleuze se concentra na enunciação para entendimento do que
chamou de linhas de vida, onde lembra que Foucault fala de linhas de
sedimentação, mas também de fissura, de fratura. “Desembaraçar as linhas de
um dispositivo, em cada caso, e é isto que ele chama trabalho sobre o terreno”
4
.
Na seqüência, e não em ordem, Deleuze descreve o que Foucault extrai
inicialmente: as curvas de visibilidade, que “é feita de linhas de luz que formam
figuras variáveis inseparáveis de tal ou qual dispositivo”. Cada dispositivo tem seu
regime de luz, fazendo nascer ou desaparecer o objeto que não existe sem ela;
as curvas dos regimes de enunciação, são as curvas “que distribuem variáveis, e
(...) uma ciência em tal momento, ou um gênero literário, ou um movimento social
se definem precisamente pelos regimes de enunciado que eles fazem
nascer”(DELEUZE, 1988, p.2). Estes enunciados não são nem sujeitos nem
3
O termo enunciação utilizado por Deleuze se refere ao que Foucault, em arqueologia do saber,
utilizou para descrever as relações de poder e saber que implicam a prática de enunciados e
visibilidades, textos e instituições, falar e ver constituem práticas sociais por definição
permanentemente presas, amarradas nas relações de poder, que as supõem e as atualizam.
Neste sentido, o discurso ultrapassa a simples referência a coisas, existe para além da mera
utilização de letras, palavras e frases, não pode ser entendido como um fenômeno de mera
expressão de algo. (Foucault, 1986, p. 70)
4
O termo enunciação utilizado por Deleuze se refere ao que Foucault, em arqueologia do saber,
utilizou para descrever as relações de poder e saber que implicam a prática de enunciados e
visibilidades, textos e instituições, falar e ver constituem práticas sociais por definição
permanentemente presas, amarradas nas relações de poder, que as supõem e as atualizam.
Neste sentido, o discurso ultrapassa a simples referência a coisas, existe para além da mera
utilização de letras, palavras e frases, não pode ser entendido como um fenômeno de mera
expressão de algo.
22
objetos, mas “regimes que é preciso definir para o visível” e para o enunciável,
que têm suas derivações, suas transformações, suas mutações. Deleuze
esclarece que a terceira linha em um dispositivo é a composição da dimensão do
poder, a linha de força que opera no vai-e-vem do ver ao dizer e inversamente. A
linha de força se produz, “em toda relação de um ponto a outro”, e passa por
todos os lugares de um dispositivo. A linha de força é a própria dimensão do
poder, “e o poder é a terceira dimensão do espaço, interior ao dispositivo, variável
como os dispositivos, sendo que ela se compõe, como o poder com o saber”. Por
último, Deleuze diz que Foucault traz, para a análise de um dispositivo, uma
quarta dimensão que chamou de linha de subjetivação, considerando que os
dispositivos não podem ser circunscritos por uma “linha envolvente”, sem que os
outros vetores ainda passem em cima ou embaixo, que produzam um
“ultrapassamento” das linhas de força quando se dobram. A força “faz meandros”,
ou, mesmo em vez de entrar em relação linear com uma outra força, exerce-se
sobre si ou afeta a ela mesma
5
. “Uma linha de subjetivação é um processo, uma
produção de subjetividades, num dispositivo: Ela deve se fazer, para que o
dispositivo a deixe ou a torne possível, é uma linha de fuga” (DELEUZE, 1988, p.
3). Segundo Deleuze, Foucault admite que não é todo dispositivo que comporta o
processo de subjetivação, que também chamou de individualização, que “se
inscreve sobre as pessoas ou grupos e se subtrai das relações de força
estabelecidas com saberes constituídos”. Em síntese, mas não universal,
[...] os dispositivos têm por componentes linhas de visibilidade, de
enunciação, linhas de força, linhas de subjetivação, linhas de fenda, de
fissura, de fratura, onde todas se entrecruzam e emaranham, uma dando
nas outras, ou suscitando outras, através das variações ou mesmo das
mutações de agenciamento [...](DELEUZE, 1988, p. 4)
Deleuze é enfático ao afirmar que duas conseqüências são importantes na
análise decorrente de uma filosofia dos dispositivos: a primeira, o repúdio aos
universais, pois todas as linhas são “linhas de variação”, onde não há
coordenadas constantes. O um, o todo, o verdadeiro, o objeto, o sujeito, não são
5
Deleuze alerta que esta dimensão de si não é de modo algum uma determinação pré-existente
que se acha terminada. O Si não é saber nem poder.
23
universais, mas processos singulares, de unificação, de objetivação, de
subjetivação, “imanentes a tal dispositivo”
6
. Dessa forma, cada dispositivo é uma
multiplicidade; a segunda conseqüência está na mudança de orientação, que se
desloca do eterno para aprender o novo. O novo, no sentido estabelecido pelo
autor, não se refere à moda, da coisa nova, da originalidade do enunciado, mas,
ao contrário, a criatividade variável segundo os dispositivos. “Todo dispositivo se
define assim pelo seu teor de novidade e criatividade, que marca ao mesmo
tempo sua capacidade de se transformar [...]”(DELEUZE, 1988, p. 5). E Deleuze
acrescenta que as linhas de subjetivação parecem particularmente capazes de
traçar caminhos de criação, que não cessam de abortar, mas também de
retomadas, modificadas, até a ruptura do antigo dispositivo. Tomamos parte dos
dispositivos, agimos neles e a novidade de um dispositivo, em relação ao antigo,
nós chamamos de atualidade: o novo é o atual. O atual não é isto que nós somos,
mas preferencialmente isto que “nos tornamos, isto que nós estamos nos
tornando[...]” e, por fim, Deleuze (1988, p. 6) torna a esclarecer que Foucault não
tinha intenção de armar o quadro da sociedade moderna como um novo conjunto
de dispositivos disciplinares, em substituição ao velho conjunto de dispositivos
monárquicos, mas uma nova luz, novas enunciações, uma nova potência, novas
forma de subjetivação, onde encontramos parte do antigo e parte do atual, parte
da história e parte do devir, parte do diagnóstico e parte da análise. Desse modo,
Deleuze traz as diferentes linhas de um dispositivo e as reparte em dois grupos:
linhas de estratificação ou de sedimentação e linhas de atualização ou de
criatividade. Seguindo os indicativos de Deleuze, ao utilizar a filosofia dos
dispositivos, este estudo se propõe não apenas a consultar os enunciados
escritos e sedimentados como verdades universais, com ou sem a roupagem de
novas tecnologias de gestão, que compuseram e compõem os discursos na
organização pesquisada, mas também se lançar ao criativo, à atualização, numa
tentativa de acompanhar os processos de subjetivação que então em curso como
6
O sentido do termo imanência, utilizado pelo autor, é esclarecido pelo próprio como sendo o
utilizado por pensadores como Espinosa ou Nietzsche, que mostram que os modos de existência
deveriam ser pensados segundo critérios imanentes, segundo seu teor de possibilidade, de
liberdade, de criatividade, sem nenhuma chamada de valores transcendentais, ou mesmo de uma
existência eterna e inseparável a um objeto.
24
práticas em gestão de recursos humanos. Nesta proposta, se faz necessário
detalhar um pouco a forma com que Foucault aborda as relações de poder e os
dispositivos das disciplinas.
Foucault, ao analisar o funcionamento das relações de poder em nossa
sociedade, traz a idéia de que o exercício de poder deixaria, num processo lento e
disforme, de possuir uma física absolutista para ser exercido em uma microfísica:
aos poucos, deixaria de se fundamentar e configurar na expressão corpórea do
monarca, para ser também exercido no funcionamento dos dispositivos das
disciplinas. O funcionamento das relações de poder se dá como “uma microfísica
do poder posta em jogo pelos aparelhos e instituições, mas cujo campo de
validade se coloca de algum modo entre esses grandes funcionamentos e os
próprios corpos com sua materialidade e suas forças” (FOUCAULT, 2003, p. 26).
Em sua análise das relações de poder numa microfísica, o autor propõe que “o
poder”, da forma com nela é exercido, não possui uma propriedade, ou mesmo
não é possível sua apropriação, mas se exerce como uma estratégia de
disposição em manobras, táticas, técnicas e funcionamentos que se desvendam
em redes de relações sempre em atividade. Nessa forma de funcionamento,
“temos em suma que admitir que esse poder se exerce mais que se possui, que
não é privilégio adquirido ou conservado da classe dominante, mas efeito de
conjunto de suas posições estratégicas” (FOUCAULT, 2003a, p. 26). E o
exercício do poder, em determinado contexto histórico
7
, faz surgir uma nova
8
arte
da anatomia política, não no sentido de inovação súbita, mas de uma
multiplicidade de processos muitas vezes mínimos, micro, de origens diferentes, e
de pontos esparsos, como afirma Foucault (2003a, p. 119):
O momento histórico das disciplinas é o momento em que nasce uma
arte do corpo humano, que visa não unicamente o aumento de suas
7
O autor situa este momento entre os séculos XVII e XVIII, entretanto não enfatiza rupturas
temporais e lineares de procedimentos políticos sobre o corpo. Pelo contrário, enfatiza a
multiplicidade de movimentos que circularam entre as instituições como escolas, exército,
hospitais, prisões, em diferentes épocas e de diferentes formas.
8
Alertando para a leitura do novo no sentido percebido por Deleuze, rapidamente explicitado em
linha anteriores.
25
habilidades, nem tão pouco aprofundar sua sujeição, mas a formação de
uma relação que no mesmo mecanismo o torna tanto mais obediente
quanto é mais útil, e inversamente. Forma-se então uma política das
coerções que são um trabalho sobre o corpo, uma manipulação
calculada de seus elementos, de seus gestos, de seus comportamentos.
O corpo humano entra em uma maquinaria de poder que o esquadrinha,
o desarticula e o recompõe. Uma “anatomia política”, que é também
igualmente uma “mecânica do poder”, está nascendo; ela define como se
pode ter domínio sobre o corpo dos outros, não simplesmente para que
façam o que se quer, mas para que operem como se quer, com as
técnicas, segundo a rapidez e a eficácia que se determina. A disciplina
fabrica assim corpos submissos e exercitados, corpos “dóceis”. A
disciplina aumenta as forças do corpo (em termos econômicos de
utilidade) e diminui estas mesmas forças em termos políticos de
obediência. Em uma palavra: ela dissocia o poder do corpo; faz dele por
um lado uma “aptidão”, uma “capacidade” que ela procura aumentar; e
inverte por outro lado a energia, a potência que poderia resultar disso, e
faz dela uma relação de sujeição estrita.
O corpo, no funcionamento dos dispositivos da disciplinas, é analisável,
manipulável, submetido a um esquema de docilidade. Neste sentido, “é dócil um
corpo que pode ser submetido, que pode ser utilizado, que pode ser transformado
e aperfeiçoado”. Aos métodos que permitem controlar capilarmente as operações
do corpo, realizando a sujeição constante de suas forças e lhes impondo uma
relação de docilidade-utilidade, Foucault escolheu, nesta pesquisa, chamar de
disciplinas. Ao analisar, em forma de pesquisa, o funcionamento do que chamou
poder das disciplinas em instituições como escolas, hospitais, prisões, exército, o
autor organizou o trabalho de forma a descrever em quatro atos o processo de
produção de corpos dóceis: distribuição espacial dos corpos; controle da
atividade; organização das gêneses e composição das forças. Como ele afirma:
[...] pode-se dizer que a disciplina produz, a partir dos corpos que
controla, quatro tipos de individualidade, ou antes uma individualidade
dotada de quatro características: é celular (pelo jogo da repartição
espacial) é orgânica (pela codificação das atividades), é genérica (pela
acumulação do tempo), é combinatória (pela composição das forças). E,
para tanto, utiliza quatro grandes técnicas: constrói quadros; prescreve
manobras; impõe exercícios; enfim, para realizar a combinação das
forças, organiza ‘táticas’ (FOUCAULT, 2003a, p. 141).
Além dessas características, que utilizam respectivas técnicas, que fazem com
que as disciplinas assumam a forma de dispositivos de poder, Foucault (2003)
destaca o funcionamento de três “recursos para o bom adestramento” que são: o
olhar hierárquico; a sanção normalizadora e o exame. É importante destacar que
26
tais instrumentos, quando em exercício, assumem o sentido de “adestrar os
corpos para deles retirar e se apropriar mais e melhor” (FOUCAULT, 2003, p. 143,
grifo do autor). Roberto Machado (2003), ao organizar os textos de Foucault em A
microfísica do Poder, faz uma ligação do funcionamento da disciplina com o
funcionamento da sociedade industrial, capitalista, o que se destaca a seguir, com
certas restrições:
E é importante notar que ela nem é um aparelho, nem uma instituição,
na medida em que funciona como uma rede que as [as disciplinas]
atravessa sem se limitar a suas fronteiras [...] Ela é uma técnica, um
dispositivo, um mecanismo, um instrumento de poder [...] É o diagrama
de um poder que não atua do exterior, mas trabalha o corpo dos
homens, manipula seus elementos, produz seu comportamento, enfim,
fabrica o tipo de homem necessário ao funcionamento e manutenção da
sociedade industrial, capitalista (FOUCAULT, 2001, p.XVII).
Certas restrições que faço referem-se à característica de dominação que o
organizador se referiu quando, da seqüência do texto, afirmando que o corpo só
se torna força de trabalho quando trabalhado pelo sistema político de dominação
característico do poder disciplinar. Nessa forma, Roberto Machado permite
entender que o termo “poder disciplinar” fala de outro instrumento, em que exista
um poder que pode ser possuído, e com técnicas de coação pode-se exercer o
domínio, o que pode ser analisado como uma ótica diferente daquela análise de
Foucault, para a qual não há conotação de dominados e dominadores e sim
efeitos de conjunto de estratégias. Machado (2003) esclarece que as relações de
poder se configuram em situações estratégicas e complexas nomeadas poder,
que não coincide com algo que se possua ou que se doe, nem que se troque ou
que se adquira, nem se retome ou se perca ou que se guarde. Se junta a essa
rede de análise, Foucault (1995) utiliza o termo poder para designar relações
entre parceiros em um conjunto de ações que se induzem e se respondem umas
às outras. Esses autores nos chamam a analisar as relações de poder como um
exercício da produção e troca de signos; e também não são dissociáveis [as
relações de poder] das atividades finalizadas, seja daquelas que permitem
exercer este poder, como as técnicas de adestramento, os procedimentos de
dominação, as maneiras de obter a obediência; ou ainda, seja daquelas que são
recorrentes, que se desdobram, as relações de poder que constituem na divisão
27
do trabalho e na hierarquia das tarefas. A maneira como se quer abordar o tema
do poder neste trabalho, toma por objeto de análise relações de poder e não um
poder, o que vem de encontro com a proposição de analítica desse estudo.
Foucault (2003a) traz as características básicas que sintetiza o funcionamento
dos dispositivos presentes nas relações de poder da disciplina. Em sua análise, o
autor, aborda o funcionamento das técnicas disciplinares como sendo: primeiro,
um tipo de organização do espaço, enquanto técnica de distribuição dos
indivíduos através da inserção dos corpos em espaço individualizado,
classificado, combinatório; segundo, um controle do tempo que estabelece uma
sujeição do corpo ao tempo extraindo a máxima rapidez com o máximo de
eficiência; terceiro, a vigilância como um de seus principais instrumentos, que
precisa ser vista pelos indivíduos e que a ela são expostos em continuidade, e o
mais discreta possível da parte de quem a exerce; a última, a disciplina implica o
registro permanente dos movimentos e dos conhecimentos, simultaneamente
exercendo um poder e produzindo um saber.
Na continuidade do processo de demarcação do terreno teórico, ao qual foi
escolhido para possibilitar a análise das relações de poder, Machado (2003) se
apóia em autores como Nietzsche e Foucault que afirmam que “[...]poder são
relações de força que se fazem por combates, por enfrentamentos, por lutas.
Assim, o poder deve sempre ser pensado em relações de poder” . A autora, na
seqüência de sua análise, chama Deleuze para falar dos afetos que se fazem nas
relações de força. Foi essa forma de afeto que se fez presente no processo
cartográfico deste trabalho, e que carrega a idéia de um poder de afetar e de ser
afetado, por “afetos ativos” e “afetos reativos”, que está presente em cada força.
Variáveis como “incitar, induzir, desviar, tornar fácil ou difícil, ampliar ou limitar” ,
fazem parte de uma categorização do poder. Deleuze chama atenção para uma
lista detalhada das relações de força que assumiram forma no século XVIII,
analisadas por Foucault (2003a) em Vigiar e Punir, onde:
[...]dividir no espaço (o que resultava nas práticas específicas de
internar, enquadrar, ordenar, colocar em série...) ordenar no tempo (
subdividir o tempo, programar o ato, decompor o gesto...), compor no
28
espaço-tempo (todas as maneiras de constituir uma força produtiva
cujo efeito deve ser superior à soma das forças elementares que a
compõem)... É por esta razão que as grandes teses de Foucault sobre o
poder, como vimos anteriormente, desenvolvem-se em três rubricas: o
poder não é essencialmente repressivo( já que incita, suscita, produz;
ele se exerce antes de possuir (já que só se possui sob uma forma
determinável – classe – e determinada – Estado); passa pelos
dominados tanto quanto pelos dominantes ( já que passa por todas as
forças em relação)[...] (DELEUZE, 1988, p. 79, grifo do autor)
Nesse sentido, Machado (2003) alerta para o que chamou de paradoxo que se faz
presente quando analisamos as relações de poder deslocando a questão de
“Quem tem o poder” para “Como um poder se exerce”. Porque o “poder é
onipresente e, ao mesmo tempo, um não lugar fixo ou central. Está em tudo e em
toda parte, se produz a cada instante, no entanto engloba tudo sob uma
invencível unidade” (MACHADO, 2003, p. 2): a resistência. Não como um contra-
poder, uma recusa. Em Narrativas de resistências, Heckert (2004), se debruça em
análise das práticas escolares, e defende as formas prática de resistência como
sendo “[...] aquelas que não apenas atendem ao prescrito, ao designado, ao já
esperado, mas que no seu fazer esboçam outros modos de ação” (HECKERT,
2004, p. 3). Essa forma também fala das relações de poder como um “conjunto de
forças” em luta, em batalha, confronto, exercício, que se configuram “[...] como
condição permanente de sua existência, há uma insubmissão e liberdades
essencialmente renitentes, não há relação de poder sem resistência, sem
escapatória ou fuga, sem inversão eventual [...] (FOUCAULT, 1995, p. 248, grifo
do autor). Nesse exercício da relação de poder, a estratégia de luta se constitui.
Mas, como Foucault entendeu estratégia de luta? O autor emprega a palavra
estratégia em três sentidos: primeiro – para designar a escolha dos meios para se
chegar a um fim, a um “objetivo”; segundo – a maneira pela qual tentamos ter
“vantagem” sobre o outro; e terceiro – como o conjunto de procedimentos
utilizados para obter a “vitória”, privando o adversário dos seus meios de
combate, fazendo com que renuncie à luta. O autor lembra que se trata de uma
forma particular de visualizar a palavra estratégia, ou seja, ao mesmo tempo que
se refere a um “conjunto dos meios operados para fazer funcionar ou para manter
um dispositivo de poder”, pode estar também se referindo a constituição de
“modos de ação sobre a ação possível, eventual, suposta dos outros. Em suma,
utiliza o termo estratégias como sendo “os mecanismos utilizados nas relações de
29
poder”. E destaca como sendo importante para análise “a relação entre as
relações de poder e as estratégias de confronto [...]”, e que toda estratégia de
confronto busca “tornar-se relações de poder”; e toda relação de poder inclina-se
[...] a tornar-se estratégias vencedoras” (FOUCAULT, 1995, p. 248). Analisar os
mecanismos utilizados nas relações de poder, tanto como conjunto para manter o
funcionamento de um dispositivo, quanto para forma que se constituem nos
modos de ação sobre a gestão da vida do trabalhador pelo próprio trabalhador, é
nosso desafio neste trabalho. Nesse sentido, o próximo passo será o de demarcar
no terreno da Administração como é entendido a gestão de recursos humanos,
tentando visualizar práticas em gestão que podem assumir formas em estratégias
de luta.
2.2 As práticas e a gestão em recursos humanos
A expressão "recurso humano" é muito criticada, mas verifica-se que ainda não foi
encontrada uma expressão adequada para referir-se a esse processo de gestão
que considera as pessoas, no processo produtivo, como recursos. Isso é
assinalado por autores clássicos como Fleury, Shinyashiki, Stevanato (1997),
Beer (1997) e Hugget(1999), citados por Olivier (2004).
Na empresa pesquisada, os setores são separados por áreas fins, como:
Administrativa; Comercial; Financeira; e Técnica. A gestão de Recursos Humanos
(RH) faz parte da área Administrativa e foi incluída no planejamento estratégico
na década de 90 do século passado. As políticas de RH, atuando no sentido de
atender aos objetivos do planejamento estratégico, estabelecem práticas
organizacionais. Tais práticas coadunam com as diretrizes de aumento da
competitividade e da produtividade, que fazem parte da nova dinâmica do
mercado. De acordo com a análise de Olivier (2004), dentre os modelos de
gestão, o que se destaca é O Modelo Competitivo de Gestão de Pessoas,
trabalhado por Fischer (1998), que ressalta que os dois maiores desafios
empreendidos pelas empresas modernas são: a transmissão de sua estratégia
para as pessoas e sua transformação em “agentes de competitividade”, pelo
exercício destas estratégias. As pessoas continuam sendo consideradas como
30
recursos, cujo uso precisa ser previsto, planejado, coordenado e controlado com
intuito de otimização, estando o sucesso no uso intenso das capacidades das
pessoas, até seu esgotamento. Esse tipo de estratégia pode ser lido, na prática,
como um retorno ao Taylorismo, que determina a exigência de cumprimento de
prazos, a padronização, o uso de manuais, etc. Pode-se observar a visão
utilitarista do ser humano, que culmina numa análise que utiliza princípios da
qualidade nos processos de seleção, treinamento e desenvolvimento, e,
principalmente, no processo de avaliação de desempenho e de determinação das
competências. Olivier destaca que autores como Thomas F. Gilbert, ao analisar o
desempenho, defendem que gerenciar e motivar pessoas certamente tem a ver
com descobrir mecanismos para torná-las competentes e explorar ao máximo seu
potencial de desempenho, e que este desempenho deve ter um processo
contínuo de melhoria.
Para sintetizarmos as teorias que se apresentam como práticas em gestão com
pessoas, será utilizada a abordagem de Shiavenato(2002)
9
, que resume as
práticas em recursos humanos em cinco grandes grupos de atividades:
Suprimento; Aplicação; Manutenção; Desenvolvimento; Informação e Controle.
2.2.1 O suprimento
Área destinada a gerenciamento de políticas como pesquisa de mercado,
recrutamento, seleção e integração das pessoas que trabalham, ou que tenham
seus dados armazenados pela empresa para futuras contratações. Normalmente
as empresas destinam um trabalhador para se ocupar dessas atividades,
dependendo do volume de trabalhadores que a empresa tenha contratado, ou
9
Segundo indicadores da Capes, é um dos autores mais consultados e consta como bibliografia
sugerida pelo MEC para compor as bibliotecas das instituições de ensino superior, sejam
Federais, Estaduais, Municipais ou particulares, fazendo parte inclusive da bibliografia do
processo seletivo para a pós-graduação do programa de mestrado em Administração da Ufes.
Neste trabalho, será utilizado como forte influenciador nas práticas de gestão de Recursos
Humanos nas empresas, visto suas obras estarem sendo largamente disponibilizadas pelas
bibliotecas de todo o País e o autor ser amplamente citado em revistas da área da Administração,
além de constantemente convidado a participar de palestras em eventos nacionais e
internacionais do campo da Administração.
31
mesmo da taxa de rotatividade
10
de contratados que a empresa possui. Em
empresas que possuem um significativo número de pessoas, as tarefas
destinadas a essa fase do processo de gestão dos trabalhadores se subdividem
em:
1. Pesquisa de mercado: na qual são feitas pesquisas sobre recursos
humanos baseadas nas leis da oferta e demanda; suas qualificações;
segundo a características regionais; e, nível hierárquico ao qual o recurso
será destinado. Deve ser observada a seqüência de verificar: se o recurso
pode estar disponível no mesmo setor onde surgiu a vaga; em outro setor,
dentro da empresa; em setor semelhante, em outra empresa; e, por fim, no
mercado de trabalho. Isso não significa que as etapas, nas empresas, se
pratiquem em ordem diferenciada.
2. Recrutamento: técnicas de atração de profissionais para preencher as
vagas existentes na organização, as quais utilizam: rádio; jornais; revistas;
televisão; empresas de recolocação; empresas caça-talentos, indicações
de funcionários; e, comumente no setor público, editais para concursos. A
técnica estará condicionada a quantidade e características específicas das
vagas ofertadas pela empresa e em observância a situação econômica que
afeta os níveis de atrativos oferecidos, influenciados pela lei da oferta e
demanda.
3. Seleção: processo de escolha entre os recursos que estão disponíveis ou
que interessam à organização. Utiliza ferramentas como: entrevistas;
análise de currículo; prova de capacidade ou de conhecimento; testes
psicológicos; técnicas de simulação; indicações políticas, indicações de
funcionários e ex-funcionários e exames físicos. Serão destacadas as
características principais que balizam a seleção dos candidatos: orientação
10
Taxa de Rotatividade é obtida pela relação entre a quantidade de trabalhadores que são
dispensados de suas atividades e o número total de trabalhadores contratados da empresa.
32
permanente para resultados; qualificação técnica e funcional; inteligência
emocional; capacidade de distinguir o que é relevante do que não é. E
como exemplo de “novas” técnicas utiliza-se o exame grafológico, que
busca identificar, através da grafia, características do candidato, como: na
distribuição das letras, observa-se ordem; na pressão usada para escrever,
energia e vitalidade; na velocidade de escrita, analisa-se capacidade de
assimilação; na continuidade, personalidade; na inclinação da letra,
relacionamento; no tamanho da letra, auto-imagem; e, na forma da letra,
analisa-se como a pessoa se expressa. A tentativa, na aplicação de tais
técnicas, como as de Skinner, é de prever o comportamento da pessoa,
diante dos desafios que lhe serão impingidos, e subsidiar de informações o
analista para uma melhor escolha.
4. Integração: é encarado como ritual de iniciação, no qual é apresentada a
empresa, sua normas, seus regimentos, seus compartimentos, funções,
bem como seus companheiros de trabalho, suas atividades, seus direitos e
deveres organizacionais. Programas de trainees são utilizados com esse
fim.
2.2.2 A aplicação
Técnicas e modelos utilizados pelas organizações para propiciar condições de
trabalho aos seus elementos integrantes. Normalmente são distribuídas em
quatro partes a saber:
1. Descrição e análise de cargos: A descrição de cargos constitui-se de um
conjunto de procedimentos ligados a aspectos intrínsecos. Enuncia os
elementos como: título do cargo; posição no organograma; conteúdo do
cargo = tarefas ou atribuições. Para se chegar a essas informações podem
ser utilizadas ferramentas como questionário, entrevistas diretas,
observação e métodos mistos. A análise de cargos, corresponde aos
aspectos extrínsecos, que traduzem um conjunto de fatores de
especificação: requisitos mentais; requisitos físicos e responsabilidades
33
envolvidas por condições de trabalho. A união desses dois aspectos,
intrínsecos e extrínsecos, forma o que se denomina manual de descrição
de cargos
11
.
2. Planejamento e alocação de recursos humanos: fase na qual se determina
a quantidade de recursos humanos necessários para o bom desempenho
da organização. Normalmente utiliza-se o tempo em execução como
unidade de referência para o dimensionamento, estabelecendo padrões
que determinaram o cumprimento de metas, níveis de produtividade e
desempenho.
3. Plano de carreiras: fase que estuda a forma de retenção ou sedução de
trabalhadores utilizando a construção de possibilidades de carreira. Está
fortemente associada à fase de planejamento de recursos humanos. Suas
características fundamentais estão, primeiro, na progressão vertical na
estrutura hierárquica da organização e conseqüente melhoria salarial e em
segundo, no aporte teórico motivacional, no qual se sustenta o
desenvolvimento da gestão de recursos humanos com o surgimento da
Escola das Relações Humanas. As principais teorias são a da pirâmide das
necessidades de Maslow e as teorias X e Y de McGregor (1980), sendo a
Y um contraponto à concepção Taylorista do trabalho, fundamental para
compreensão do conceito de carreira profissional, incluindo também
melhoria das condições de trabalho, autonomia e da realização
profissional. Para efeito de conceituação, Sekiou (1993, p. 408) define
plano de carreira como o
11
Na análise de Olivier (2004), observa-se uma diminuição significativa da importância de
descrição de cargos. Argumenta-se que ‘engessa’, limita, o interesse do próprio executante, que
pode se valer da descrição para deixar de fazer determinadas coisas. De modo geral as
organizações têm se valido desse argumento, que permite a elas designar um leque maior de
atribuições ao empregado, otimizando sua força de trabalho. Por outro lado, isso causa problemas
na hora da avaliação de desempenho, pois, dependendo do avaliador e de sua relação com o
avaliado, os resultados podem ser muito bons ou muito ruins, porque há espaço para os dois tipos
de distorções.
34
[...] conjunto de atividades levadas a cabo por uma pessoa para
prosseguir e dirigir o seu caminho profissional, dentro ou fora de uma
organização específica, por forma a atingir o mais elevado nível de
competência e de contrapartidas hierárquicas, sociais ou políticas
.
Dentro desse conceito, existem alguns tipos básicos de planos de carreira,
que são: Carreira simples ou linear – a ascensão nos cargos é direta,
Carreiras paralelas – duas carreiras simples na mesma organização, Carreira
em 'Y' – um tronco central por onde todos passam e depois há opção de
escolha, Sistemas mistos – compostos por uma série de carreiras paralelas
com equivalência entre os cargos. Surge também uma abordagem pessoal de
planejamento de vida profissional, para a qual é de responsabilidade do
trabalhador o desenvolvimento de sua carreira. Por fim, há o outplacement
serviços de apoio na transição de carreiras, ou seja, a recolocação das
pessoas no mercado, em função de terem sido atingidas por mudanças dos
processos de privatização, fusões e aquisições, globalização e busca de
produtividade.
4. Avaliação de desempenho: Técnicas de avaliação do que se exige do
profissional em suas tarefas diárias, não só o que está prescrito, mas
também os contratos psicológicos, pois nem sempre é possível colocar no
papel tudo o que é preciso que o empregado faça e o que se espera dele.
A avaliação de desempenho nada mais é do que a aplicação de um
instrumental para verificar se existem discrepâncias (diferenças) entre o
que foi acordado e o que o empregado fez. Existem muitas técnicas e
instrumentos de avaliação de desempenho, mas até hoje nenhuma se
mostrou totalmente eficiente, porque nesse processo existem muitos
problemas devido a ruídos na comunicação, à cultura organizacional, ao
clima e ao perfil do avaliador. A Avaliação de Desempenho foi
originalmente estruturada para mensurar o desempenho e o potencial do
funcionário. Constitui-se em uma ferramenta de uso sistemático, utilizada
pelos supervisores ou outros hierarquicamente superiores familiarizados
com as rotinas e demandas do trabalho. Muitos gestores vêem na
avaliação de desempenho um conjunto de vantagens para a melhoria da
35
produtividade, sendo um meio para desenvolver os recursos humanos da
organização, pois torna possível identificar o grau de contribuição de cada
empregado para a organização, identificar os empregados que possuem
qualificação superior à requerida pelo cargo, identificar em que medida os
programas de treinamento têm contribuído para a melhoria do desempenho
dos empregados, promover o auto-conhecimento e o auto-desenvolvimento
dos empregados, além de fornecer subsídios para definir o perfil requerido
dos ocupantes dos cargos, remuneração e promoção, e também para a
elaboração de planos de ação a fim de obter desempenhos satisfatórios.
Por meio da avaliação podem ser observadas e avaliadas competências
como: visão estratégica, planejamento, organização, responsabilidade,
acompanhamento, liderança, delegação, tomada de decisão, solução de
problemas, iniciativa, proatividade, criatividade e inovação, orientação a
resultados, autodesenvolvimento, administração de conflitos, capacidade
de negociação, flexibilidade e adaptação a mudanças, competência
interpessoal e trabalho em equipe.
Os métodos são: Método da Escala Gráfica: exige muitos cuidados, tendo
como pretensão a neutralização da subjetividade e o pré-julgamento do
avaliador para evitar interferências. Utiliza um formulário de dupla entrada,
no qual as linhas em sentido horizontal representam os fatores de
avaliação de desempenho; enquanto as colunas em sentido vertical,
representam os graus de variação daqueles fatores. Método da Escolha
Forçada: consiste em avaliar o desempenho dos indivíduos por intermédio
de frases descritivas de determinadas alternativas de tipos de desempenho
individual. Em cada bloco, ou conjunto composto de duas, quatro ou mais
frases, o avaliador deve escolher, forçosamente, apenas uma ou duas
alternativas, que mais se aplicam ao desempenho do empregado avaliado.
Método de Pesquisa de Campo: O especialista vai a cada sessão para
entrevistar a chefia sobre o desempenho de seus respectivos
subordinados. Método dos Incidentes Críticos: baseia-se no fato de que no
comportamento humano, existem certas características extremas, capazes
de levar a resultados positivos. Método de Comparação aos Pares:
36
consiste em comparar dois a dois empregados de cada vez, e anotar na
coluna da direita, aquele que é considerado melhor, quanto ao
desempenho. Método de Frases Descritivas: é um método que não exige
obrigatoriedade na escolha de frases. O avaliador assimila apenas as
frases que caracterizam o desempenho do subordinado (sinal “+” ou “s”) e
aquelas que realmente demonstram o oposto de seu desempenho (sinal “-“
ou “n”). Método da Auto-Avaliação: é o método por meio do qual o próprio
empregado é solicitado a fazer uma sincera análise de suas próprias
características de desempenho. Método de Avaliação por Resultados: liga-
se aos programas de Administração por Objetivos. Este método baseia-se
numa comprovação periódica entre os resultados fixados (ou separados)
para cada funcionário e os resultados efetivamente alcançados. Métodos
Mistos: é muito comum as organizações que se caracterizam pela
complexidade de seus cargos, recorrerem a uma mistura de métodos na
composição do modelo de Avaliação de Desempenho.
2.2.3 A manutenção
Após o indivíduo ser recrutado, selecionado, socializado, aceito e ter começado a
trabalhar na organização, é necessário que permaneça produzindo o máximo de
sua capacidade com o mínimo de sua resistência. Essa política tem por objetivo
tentar obter a lealdade dos empregados, seu comprometimento e fixação à
empresa. Por essa razão, nela estão inseridas subdivisões que novamente têm
sua existência condicionada ao número de trabalhadores que a empresa possui,
ou a taxa de rotatividade que pode ser uma característica do seguimento em que
a empresa atua:
1. Administração de salários: cada cargo com sua contrapartida em salário,
obedecendo a níveis verticais e horizontais e em consonância com o
mercado, onde são feitas técnicas de estatística descritiva como: média,
moda, mediana, variância e desvios. A estas junta-se a técnica de
correlação a qual propicia ajustes da reta salarial que servirá de base para
os diversos níveis salariais nos quais serão inseridas as classes de
37
trabalhadores. Outros fatores são também considerados como tipo de
tarefa, tipo de chefia e/ou condições físicas de acesso (e até de trabalho)
como calor ou frio excessivos, nível de ruído etc.
2. Plano de benefícios sociais: conceituados como todo e qualquer elemento,
fator, bem, serviço que o empregado receba além do salário, que irá
compor sua remuneração. Pode contribuir para aumentar sua satisfação na
empresa ou propiciar condições para que ele se motive. Existem dois tipos
de benefícios, os legais e os voluntários. Os legais são os regulamentados
pelas leis trabalhistas e os voluntários são os oferecidos além destes.
3. Higiene e segurança do trabalho e ergonomia: higiene do trabalho refere-
se a um conjunto de normas e procedimentos que visa à proteção da
integridade física e mental do trabalhador, preservando-o dos riscos de
saúde inerentes às tarefas do cargo e ao ambiente físico onde são
executadas. Isso implica no diagnóstico e prevenção de doenças
ocupacionais a partir do estudo e controle de duas variáveis: o homem e
seu ambiente de trabalho. Legalmente são definidos dois aspectos dentro
da higiene e segurança no trabalho: os físicos e os mentais. No primeiro
caso já existem conjuntos de especificações, bem como normas e
legislações específicas que regulamentam o exercício das profissões. Já
para o aspecto mental não existe qualquer regulamentação e surgem
problemas como: estresse, assédio moral, depressão, sofrimento.
4. Relações trabalhistas: historicamente as relações entre os interesses do
patrão e os do empregado são conflituosas, pois são, em sua base,
antagônicas. O empregado sempre está necessitando ganhar mais, e o
patrão sempre buscando reduzir custos. Dessa forma, as relações
trabalhistas são estabelecidas entre as empresas e entidades
representativas das diversas classes de trabalhadores. Reside nesse item
da gestão de recursos humanos o maior desafio ao gestor, simplesmente
pela sua natureza conflituosa e pelo fato deste ser, muitas vezes, encarado
como o mediador entre tais interesses.
38
5. Avaliação de desempenho: em consonância ao anteriormente exposto na
fase de Aplicação, pois esse procedimento perpassa por toda a história do
trabalhador nas empresas. Configura-se no principal instrumento de exame
das atividades desempenhadas pelo trabalhador.
2.2.4 O desenvolvimento
Após selecionados os profissionais que satisfazem as necessidades da
organização, inseridos em seu contexto, colocados para trabalhar nas unidades
que mais deles necessitam e onde desempenharão mais a contento suas
atividades, de maneira que se sintam (na medida do possível) satisfeitos com
suas condições de trabalho, esta próxima fase, é o momento de pensar em
aprimorar as suas possibilidades de atuação. Para isso entram em questão as
atividades de desenvolvimento, que podem ter caráter de desenvolvimento
pessoal e profissional do indivíduo e até de desenvolvimento organizacional. São
inseridos dentro desta política os programas de: treinamento; desenvolvimento e
de capacitação.
1. Treinamento: O treinamento consiste em atividades não muito longas que
visam à preparação e/ou à reciclagem dos empregados no tocante às
tarefas que executam em seus cargos, para aumento da produtividade ou
melhoria de seu desempenho ou padrão do produto/serviço. A necessidade
de treinamento é identificada antes ou tão logo o empregado assuma o
cargo, e os diagnósticos devem ser feitos periodicamente. Assim, o
programa de treinamento inclui uma avaliação da qualidade do treinamento
recebido e, posteriormente, a verificação de sua eficácia, ou seja, o quanto
ele surtiu impacto sobre o empregado e sobre seu desempenho.
2. Desenvolvimento: é estabelecido como um ponto intermediário nessa
escala, ou seja, de médio prazo, exigindo níveis mentais intermediários.
39
3. Capacitação: é o treinamento de longo prazo, no qual são exigidos
complexos processos de raciocínio, que se encontram em níveis cognitivos
(de aprendizagem) altos.
Por fim, o autor destaca outro aspecto importante, o surgimento do
desenvolvimento organizacional, que consiste no gerenciamento organizado e
sistematizado, do processo de mudança dentro das organizações. Essa técnica
trabalha com quatro variáveis básicas: o meio ambiente; a organização e os
impactos decorrentes das mudanças anteriores; os grupos sociais; o indivíduo.
Dessa forma, o desenvolvimento organizacional trabalha com as mudanças
quanto ao:
4. Tipos de mudança: Essa tipologia obedece a três macro divisões: quanto à
forma; quanto ao local; e quanto aos instrumentos ou objetos utilizados. Os
tipos de mudança podem ser separados quanto a aplicação: na estrutura
organizacional - redesenho das organizações, mudança na estrutura de
trabalho; na tecnologia - novos equipamentos, novos processos de
produção; redesenho do fluxo de trabalho; no produto/ serviço - novos
produtos, novos serviços, novos clientes; na cultura organizacional - novas
atitudes, novas percepções, novas expectativas, nova mentalidade, novas
habilidades, novos resultados.
O desenvolvimento profissional é definido por meio das atividades de treinamento
técnico e de reciclagem. Para trabalhadores terem bons resultados nas
organizações, não basta serem bons profissionais - eles precisam desempenhar
suas tarefas de acordo com as determinações ou com os padrões da
organização. O sistema de desenvolvimento deve estar ligado à administração de
desempenho, pois segundo o autor, nenhuma organização poderá ser
considerada desenvolvida sem que seus trabalhadores o sejam. Potenciais
precisam ser desenvolvidos, porque as pessoas podem ter potencial e não estar
gerando resultados. Podem-se definir ainda as competências das pessoas como
sendo as características do indivíduo que podem ser relacionadas a padrões
diferenciados de desempenho, e as competências organizacionais, como os
40
recursos internos que as empresas dispõem para obtenção de vantagens
competitivas em relação aos seus concorrentes. As atividades de
desenvolvimento não necessariamente aparecem posteriormente às de entrada
e/ou aplicação e/ou manutenção. Pelo contrário, podem ser todas concomitantes.
E para controlar todas estas informações o autor descreve o último item do que
chamou de prática em gestão de recursos humanos.
2.2.5 Informação e/ou controle
A política de controle de recursos humanos engloba três atividades básicas: a
construção e manutenção de um banco de dados; um sistema de informação; a
auditoria de recursos humanos.
1. Banco de dados: arquivos em fichários ou em computador (mais utilizado)
contendo todos os possíveis registros e dados dos empregados, de forma
a poder gerar informações úteis ao processo gerencial. A desvantagem é
que se corre o risco de trabalhar intensamente aspectos racionais em
detrimento dos emocionais, pois existem dimensões do ser humano que
não são passíveis de inserção em bancos de dados.
2. Sistema de informação: é a ferramenta de obtenção de informações mais
utilizada no processo de tomada de decisão sobre as pessoas que
trabalham em uma empresa. Contudo, fazem-se necessárias atualizações
constantes para que seja confiável.
3. A auditoria em recursos humanos consiste exatamente nos critérios de
avaliação e adequação (permanentes) das políticas e procedimentos de
recursos humanos. Portanto, tudo o que foi dito anteriormente deve ser
auditado sistematicamente.
Com essa sistematização dos processos que lidam com as pessoas nas
organizações, Chiavenato (2002) tenta sintetizar a maioria das práticas que
41
empresas adotam como modelo para gestão dos trabalhadores. Mas as
mudanças nas relações ocorrem de forma não muito sistemática e adaptações
aos diversos modelos são feitas de modo a corrigir desvios que possam
comprometer o desempenho da organização como um todo. Esses movimentos
serão mais detalhados na parte 4 deste trabalho, onde uma postura cartográfica
de pesquisa teve a intenção de permitir acompanhar os movimentos que de
dispositivos que se fazem presentes nas relações de poder. Contudo, para melhor
entendimento, primeiramente o esclarecimento da metodologia utilizada na
pesquisa será de estrema valia para a análise do estudo apresentado.
3 ASPÉCTOS DA ABORDAGEM METODOLÓGICA
Dúvidas iniciais sobre a forma de condução desta pesquisa surgiram, não sobre
como conduzir a pesquisa teórica, pois esta foi sendo desenvolvida mesmo antes
do início da jornada no programa de Mestrado e mesmo durante o período
obrigatório de leituras. O acesso ao material que aborda a temática aconteceu de
maneira ininterrupta. Mas, como conduzir uma pesquisa em território das
subjetividades? Quando nos referimos à subjetividade, procuramos reportar-nos
aos processos de subjetivação que estão sempre em movimento, que não se
podem descobrir através de uma investigação acurada, mas sim de uma análise
que utiliza a sensibilidade como instrumento que permite conduzir o rumo da
pesquisa. Não se pretende, com isso, negligenciar outros instrumentos das
ciências, extremamente necessários para organização e sistematização que
auxiliam o entendimento da análise proposta. Atendendo aos objetivos desta
pesquisa, procuramos uma postura de pesquisador que permita ser sensível aos
afetos que se configuraram no ato de cartografar o diagrama que põe em
funcionamento as práticas dos dispositivos de poder em gestão de recursos
humanos. Mas, atendendo a necessidade do programa de pós-graduação em
Administração da UFES de classificações das pesquisas realizadas, e utilizando a
tipologia de Santos (1999), esta pesquisa é qualitativa, e tem como instrumento
de caracterização desta, sua realização segundo os objetivos, os procedimentos
de coleta e as fontes de informação. Vergara (2000) diferencia os tipos de
pesquisas utilizando dois eixos analíticos: quanto aos fins segundo os quais a
42
pesquisa foi desenvolvida e quanto aos meios utilizados pelo pesquisador ao
desenvolvê-la.
Quanto aos fins
12
, esta pesquisa pode ser classificada como explicativa, pois
“visa, esclarecer quais fatores contribuem, de alguma forma, para a ocorrência de
determinado fenômeno” (VERGARA, 2000, p. 46). Quanto aos meios
13
pode ser
enquadrada em três classificações: de campo, pois utilizou dados coletados
diretamente do lócus em que os eventos ocorreram; foi por um período
bibliográfica, pelas fontes de informação e procedimentos de coleta, visto que o
material analisado consta da própria fundamentação teórica que o estudo exige,
fazendo distinção entre pesquisa bibliográfica; e estudo de caso, por ter prestado
a estudar apenas uma unidade social, no caso a empresa Escelsa. Feito o
enquadramento necessário, uma dúvida ainda poderá persistir no leitor, quanto à
abordagem cartográfica, o que vem a ser?
3.1 Cartografia
Além das leituras sobre as relações de poder, gestão de recursos humanos e
sobre subjetividade, a questão de pesquisa reclamou a leitura sobre a postura do
pesquisador que permitisse acompanhar os movimentos das paisagens subjetivas
configuradas e (des)configuradas diante do cartógrafo. Nesse movimento, a
pesquisa começou a assumir certo contorno, de que não apenas as leituras
fizeram parte, mas a cartografia se apresentou como postura que possibilitasse
acompanhar os movimentos de composição das paisagens. No caso de Suely
Rolnik acompanhou-se a produção do desejo; no nosso caso, a produção do
trabalhador dócil. Mas a cartografia pode ser utilizada como uma metodologia de
pesquisa na área da Administração? Esta inquietação foi tema de seminário do
programa de pós-graduação da Ufes, no qual vários palestrantes contribuíram
12
Segundo Vergara (2000), seis tipos de classificação são possíveis quanto aos fins: Exploratória;
Descritiva; Explicativa; Metodológica; Aplicada e intervencionista.
13
Segundo Vergara (2000), nove tipos de classificação são possíveis quanto aos meios: Pesquisa
de campo; Pesquisa de Laboratório; Documental; Bibliográfica; Experimental; Ex post facto,
Participante; Pesquisa-ação e Estudo de caso.
43
para o debate sobre metodologias qualitativas de pesquisa, umas já conhecidas e
amplamente utilizadas na administração, outras nem tanto.
A palestra de Leila A. Domingues Machado, feita no dia 21/10/2005, contribuiu
para o evento e instigou o debate sobre: cuidados na utilização de uma
abordagem cartográfica. Isso será destacado nas próximas linhas. Para Machado,
à priori a cartografia não pode ser considerada nem metodologia, pois sua
proposta não é um estudo do método que foi utilizado na pesquisa; e não é
também método, pois a cartografia não pode ser vista como um “programa que
regula previamente uma série de operações que se deve realizar apontando erros
evitáveis, tendo em vista um resultado determinado”. Leila, com intuito de
esclarecer, convida André Lalandi
14
,que aborda método de duas formas: primeira,
com a “idéia de esforço, de investigação e de estudo”; e segunda como “descrição
de um processo de pesquisa que você faria a posteriori”. Nesse sentido, admite
que a cartografia não permite essas classificações. “A cartografia não é nem uma
descrição a posteriori do processo de pesquisa, nem um programa de regulação
definido à priori, pois “tanto pode ser uma coisa de que você pode lançar mão
para falar a posteriori”, finalizado o próprio processo da pesquisa, quanto alguma
coisa que você precisa “definir à priori para poder começar a pesquisa”, como se
o pesquisador “só pudesse iniciar uma pesquisa se tivesse definido o programa”,
que vai dizer o que você tem que fazer, como fazer, quando fazer. Leila, na
seqüência, traz a perspectiva de utilizar a cartografia como método, com a
condição de se estabelecer uma outra conceituação de método. Essa
conceituação deverá admitir ser um método “que não vai se chamar nem de
alguma coisa que você vai estar definindo antes, nem de alguma coisa que você
vai estar narrando depois”. Poderíamos assim expressar que “a cartografia é
alguma coisa que se construa no processo, é junto, é ao mesmo tempo em que a
pesquisa se dá, e necessariamente ela precisa ser construída ao mesmo tempo
em que a pesquisa acontece”.
14
Autor que se dedicou a escrever um vocabulário técnico e crítico de filosofia.
44
Nessa abordagem, o uso do diário de campo – no qual se registram as
impressões, sensações e fatos que de alguma forma afetaram o pesquisador –
tornou-se o instrumento de anotações, onde não se faz, à priori, distinção
qualitativa do que escrever. Nesse diário, são registradas as conversas com
colegas e professores, trabalhadores, familiares, a leitura de jornais de grande
circulação ou de informativos da empresa ou do sindicato, ou mesmo de outra
empresa do setor, conferências sobre metodologia qualitativa realizadas na
universidade, que solicitam do pesquisador que tenha atenção máxima aos
objetivos da pesquisa e que esteja imbuído da tentativa de possibilitar a
composição do que Foucault denominou diagrama, entendendo este não mais
como o arquivo, mas sim o mapa,
[...] uma cartografia co-extensiva a todo campo social [...] no qual a
fluidez e instabilidade convivem, onde a história é feita ao se desfazer
realidades e significados anteriores, onde se forma pontos de
emergência, dos quais, é preciso partir para se compreender o conjunto
(DELEUZE, 1988, p.44-46).
Este trabalho utilizará a cartografia como postura do pesquisador, com os
cuidados sugeridos por Machado, em sua palestra, tendo como guia o livro
Cartografia Sentimental de Suely Rolnik, que, como entende Machado, “utilizou
esta abordagem para analisar a produção do desejo”. A escolha dessa
abordagem para este trabalho deu-se a partir da necessidade de ser ter, como
fundamental na pesquisa, o mapeamento das formas de subjetivação. A
abordagem cartográfica permite tal mapeamento, utilizando vários instrumentos
de pesquisa. Além da postura do pesquisador, abordada acima, poderão ser
utilizados recursos como fotografia, filmagens e mapas dos diversos locais de
trabalho, no intuito de expor as características físicas, às quais os trabalhadores
são expostos e que fazem parte das práticas de gestão de pessoas. A
abordagem cartográfica permite também fazer a análise de forma pluridisciplinar,
na qual os saberes dos trabalhadores serão fonte primária para o provocar de
entrecruzamentos de saberes, que se cristalizam nas relações.
Para Gilles Deleuze(1988) e Félix Guattari (2001), os indivíduos ou grupos são
atravessados por verdadeiras linhas, fusos e meridianos distintos. Nossa
45
existência é uma espécie de geografia. Somos corpos cartográficos. Assim como
os mapas geográficos delimitam e registram territórios políticos, econômicos e
culturais, os indivíduos também são registrados e cruzados por linhas. Algumas
dessas linhas são postas do exterior para eles e não se cruzam, ao contrário,
separam-se e demarcam os seus próprios territórios. Outras são produtos do
acaso, mas há outras que devemos inventá-las, traçá-las, efetivamente, na vida.
Devemos inventar nossas próprias linhas de fuga. Mesmo que para alguns
indivíduos ou grupos nunca seja possível construí-las. Outros já as perderam. As
linhas de fuga são “uma questão de cartografia. Elas nos compõem, assim como
compõem nosso mapa. Elas se transformam e podem mesmo penetrar uma na
outra. Rizoma.”
15
Convém, no entanto, deixar claro que a proposta não significa o abandono de
métodos e técnicas convencionais. Ao contrário, aponta para um aproveitamento
intenso, sem preconceitos, de acordo com as necessidades e características do
real observado. Também não se trata apenas de construir metodologias
alternativas, mas de tentar rediscutir a própria Metodologia, no sentido de recriá-
la, em processos coletivos, “cartográficos”, no sentido que Rolnik atribui ao termo.
Em pesquisa, Rolnik explica que o cartógrafo é aquele que acompanha as
mutações da paisagem, enquanto produz sua representação:
Para isso, o cartógrafo absorve matérias de qualquer procedência. Não
tem o menor racismo de freqüência, linguagem ou estilo. Tudo o que der
língua para os movimentos do desejo, tudo o que servir para cunhar
matérias de expressão e criar sentido, para ele é bem-vindo. Todas as
entradas são boas, desde que as saídas sejam múltiplas. Por isso o
cartógrafo serve-se de fontes as mais variadas, incluindo fontes não só
escritas e nem só teóricas […] O que ele quer é se colocar, sempre que
possível, na adjacência das mutações das cartografias[…] o que quer é
apreender o movimento que surge da tensão fecunda entre fluxo e
representação: fluxo de intensidades escapando do plano de
organização de territórios, desorientando suas cartografias,
desestabilizando suas representações e, por sua vez, representações
15
Rizoma é um dos conceitos utilizados por DELEUZE e GUATTARI em Mil Platôs (v. I, 1995:32-
33). É um termo originariamente da botânica, que o define como um caule subterrâneo
responsável pela produção de ramos aéreos com características de raízes. Os autores se
apropriam, resignificando-lhe como uma rede conectiva de vários sentidos.
46
estancando o fluxo, canalizando intensidades, dando-lhes sentido
(ROLNIK, 1989, p. 68-69).
Por isso, não foi determinada à priori a quantidade de pessoas entrevistadas, ou
mesmo determinada a quantidade de operários ou gerentes necessários para
compor uma “boa amostra”, muito menos foi determinado tempo fixo para
entrevistas, visitas, ou mesmo para a pesquisa como um todo. O período em que
aconteceram as visitas compreende de dezembro de 2004 a janeiro de 2006, em
dias espaçados, meses diferenciados, sem qualquer cronologia ou periodicidade
estabelecida. Os contatos se estabeleceram conforme os afetos se configuraram,
sendo o total de vinte e quatro pessoas que, de alguma forma, foram contatadas e
que espontaneamente se fizeram ouvidas. Foi autorizada a gravação de quatro
entrevistas, e uma gravação sem a identificação do trabalhador entrevistado, por
solicitação do próprio. Foram fotografadas situações de trabalho, autorizadas em
diversos setores da empresa e não autorizadas como o caso da greve,
perfazendo um total de 49 fotos. Foi produzido um diário de campo, onde estão
registrados os movimentos diários da pesquisa, tanto na empresa, quanto fora
dela; onde também estão descritas as entrevistas informais e uma formal, as
impressões, as sensações, enfim os afetos em forma de diário. A seqüência para
as entrevistas e os questionamentos obedeceu ao rumo sugerido pelo registro no
diário. Antes da próxima visita, o diário era consultado e alguns pontos que
possibilitariam atender aos objetivos da pesquisa eram, por vezes, vistos como
foco inicial. Contudo, no exercício da pesquisa, por diversos motivos, não se
configurou possível o rumo traçado: ou o trabalhador citado não se mostrou
disponível, ou o contato se negou a fornecer informações, ou o trabalhador não
negava o contato, mas negava falar sobre determinados assuntos. A empresa,
representada pela gestora interina do setor de recursos humanos, negou
informações cruciais sobre as políticas da empresa em gestão das pessoas,
apesar da insistência do pesquisador. Contudo, não foi impedido o acesso às
instalações e o estabelecimento de contatos com os trabalhadores. Os nomes dos
entrevistados foram substituídos por pseudônimos escolhidos pelo pesquisador, e
por vezes sugeridos pelos pesquisados, como os casos de nomes de artistas
conhecidos. Mesmo nos casos em que trabalhadores permitiram identificação foi
utilizado o pseudônimo.
47
Em determinado momento da pesquisa, numa postura cartográfica, foi necessário
traçar o mapa com intuito de possibilitar sua escrita. O mapa utilizou como base o
processo que Foucault descreveu no livro Vigiar e Punir , em seus capítulos I e II,
nos quais o autor expõe os dispositivos de poder das disciplinas, como segue.
3.1.1 Roteiro a cartografar
Como explicado anteriormente, as pesquisas de Foucault não se orientam no
sentido de descoberta do que produz “o poder”, mas como se processam as
relações de poder. O objetivo de traçar esse roteiro foi o de permitir a perspectiva
do como os contornos dos dispositivos de poder das disciplinas e das resistências
se fazem presentes nas práticas em gestão de recursos humanos na Escelsa. O
roteiro pretende nortear com linhas básicas o processo cartográfico e as possíveis
inquietações de pesquisa, e cada movimento será marcado segundo a seqüência
descrita por Foucault (2003a) como processo de produção de corpos dóceis em
instituições.
Na arte de distribuição espacial: Cercamento: Como são vistos os contornos dos
limites físicos e regras de entradas e saídas da instituição?; Clausura ou
quadriculamento: Como se processa a disposição dos indivíduos nos ambientes
produtivos?; Localizações funcionais: Como se estabelece a preocupação com a
distribuição econômica dos espaços? Disposição em filas classificatórias: Como
se estabelecem definições de séries de pessoas pelo lugar que ocupado nessas
séries?
No controle da atividade: Horários: Como o tempo é medido e pago? Como o
controle do horário é exercido? Elaboração temporal do ato: Como se processa a
decomposição de gestos e movimentos das pessoas? Correlação de corpo e
gesto: Como se processam os parâmetros de eficiência e de eficácia dos
indivíduos em suas atividades? Como as formas de competência dos
trabalhadores são desenvolvidas? Articulação entre corpo e objetos: Como se
constituem a ciência sobre relação dos corpos com os objetos que fazem parte de
48
suas atividades cotidianas? Utilização exaustiva: Como se processam questões
como ociosidade, produtividade, desempenho, utilidade e treinamentos?
Na organização das gêneses: Dividir a duração em seguimentos: Como os
diferentes períodos de aprendizagem do trabalhador se constituem na
organização? Organizar analiticamente em seqüências: Como são consideradas
as complexidades das atividades nas seqüências que padronizam o gesto?
Finalizar esses segmentos temporais: Como se estabelecem os limites das séries
que determinam as competências e patamares de conhecimento? Estabelecer
séries de séries: Como se processa a prescrição dos níveis e quais critérios são
exercidos nas séries de séries que são organizadas em formas progressivas?
Na composição das forças: Como são movidos e articulados os corpos dos
trabalhadores? Combinação cronológica: Como se estabelecem relações que
combinam o tempo de uns com o tempo de outros? O comando: como se
processa a obediência às ordens para execução?
Além destas linhas básicas, e como prudência, afinou-se o olhar para os
dispositivos de intensificação e para as resistências que precedem estes
dispositivos.
Na vigilância hierárquica: Como é desenhada a rede dos olhares que controla uns
aos outros; como a estrutura permite a vigilância? Nas sansões normalizadoras:
Como são estabelecidos os desvios no comportamento para a utilidade e como
funcionam os micros mecanismos de punições e gratificações? Nos exames:
Como funciona o processo que permite qualificar, classificar, punir ou
recompensar o trabalhador? Como são feitos os registros dos movimentos dos
trabalhadores? Como são processadas as negociações individuais e coletivas?
Estes comos acompanharam as entrevistas, conversas e anotações no diário de
campo, sem qualquer preocupação com ordem, seqüenciamento ou hierarquia
temporal ou mesmo com nível de cargo que o trabalhador ocupa na estrutura
49
funcional da empresa. Como sugerido pela Prof.ª Gisele
16
, por vezes, antes de
cada visita, é prudente que se faça uma consulta ao diário de campo, na qual se
analisavam questões que poderiam ser derivadas ou que pudessem exercer
influência sobre a escolha diária que determinava o motivo inicial para as visitas,
com o intuito de evitar o possível distanciamento demasiado dos objetivos da
pesquisa. Em processo posterior era escrita no diário de campo qualquer
sensação ou impressão, além das anotações feitas de forma rápida sem
preocupação de análise prévia de conteúdo, mas que o pesquisador, de alguma
forma, considerou instigante. Contudo, sempre com a preocupação de a escrita
acontecer imediatamente após, segundo a possibilidade, as sensações
ocorrerem, deparando, por vezes, com novas sensações ainda no processo de
registro, o que pode-se entender como o durante, uma postura de pesquisa que
permite acompanhar o processo de produção de subjetividades, como poderá ser
sentido nas próximas linhas.
16
Professora de Geografia do programa de graduação em Geografia da UFES, sendo especialista
em Cartografia
4 CARTOGRAFIA DA PRODUÇÃO: ANALÍTICA NA ESCELSA
O objetivo deste capítulo é fundamentar, com o estudo vivenciado, as alterações
promovidas na estrutura, nos processos e nos modos de gestão de pessoas na
Escelsa – Energias do Brasil S.A. Para tanto, inicialmente se fará a caracterização
da empresa lócus da realização da pesquisa, apresentando as fases históricas do
setor de geração e distribuição de energia no Brasil e que movimentos
econômicos fizeram com que a empresa se tornasse a maior empresa de
distribuição de energia do Espírito Santo. Num segundo momento, se
demonstrará o processo cartográfico que norteou a pesquisa, utilizando
concomitantemente o auxílio de: um mapa baseado na perspectiva do Filósofo
Michel Foucault; práticas de gestão de recursos humanos na empresa; teorias
que sustentam os discursos sobre gestão de recursos humanos; e, por fim,
análises dos documentos recolhidos, das entrevistas e conversas, e das
experiências anteriores do autor na empresa, permitindo, dessa forma, a
visualização das relações que se constituíram entre as mudanças das práticas de
gestão e as modificações subjetivas exercitadas na força de trabalho da empresa.
4.1 Caracterização da Escelsa – Energias do Brasil S.A.
A história do setor energético no Espírito Santo se confunde com o
desenvolvimento econômico do país, pois as características dos serviços de
geração e distribuição de energia a uma região são de natureza estratégica para
o desenvolvimento das indústrias de base, posteriormente das indústrias de bens
de consumo. Em alguns momentos, temos a empresa estatal e em outros a
empresa torna-se privatizada, portanto, não é a primeira vez que acorrem
mudanças no comando da empresa. Nas décadas em que a geração e
distribuição tornam-se cruciais para o desenvolvimento estrutural da região ou
mesmo da nação, o controle e investimentos fica a cargo do Governo Federal; em
outras décadas são estabelecidas concessões aos investidores privados, tendo
como principal alegação a baixa capacidade de investimentos do Governo
Federal nessas áreas essenciais. Torna-se de extrema importância analisar os
51
movimentos históricos do setor energético do país, pois estes movimentos
influenciaram a criação da empresa no Espírito Santo.
4.1.1 Movimentos históricos do setor de energia no Brasil
Na empresa não houve disponibilidade de acesso à documentação sobre a
história do setor energético. A fonte da pesquisa ficou restrita ao campo visual e a
documentos disponibilizados por alguns poucos trabalhadores e sindicato. Mas
esse foi suficiente para o propósito a que destina neste trabalho.
Vê-se que o movimento de criação das empresas de geração e distribuição de
forma massificada se dá a partir de 1943, e a própria Escelsa faz parte do pacote
de empresas que são criadas pelo Governo Federal, pois a iniciativa privada não
estava fomentando o crescimento do setor, estava desestimulada a fazer
investimentos significativos no setor. Com a retirada dos investidores privados,
percebe-se uma caracterização do modelo econômico Keynesiano, no qual o
estado assume o papel de investidor para criar as condições necessárias ao
provimento do desenvolvimento do país. Entretanto, o estado e a iniciativa privada
sempre caminharam juntos nos investimentos no setor energético, mas as
iniciativas, não só pelas concessões como também pelo aporte de recursos
através de financiamentos, em grande parte são estatais, como se pode analisar
com a pesquisa junto a Agencia Nacional Energia Elétrica (ANEEL) nos próximos
parágrafos.
A primeira unidade produtora de energia no Brasil foi a usina termelétrica
instalada em Campos, no ano de 1883, com a potência de 52 kW. Rapidamente,
os investimentos aconteceram, chegando, em 1920, ao número de 300 empresas
que serviam a 431 localidades do país, com uma capacidade instalada de
354.980 kW, sendo 276.100 kW em usinas hidrelétricas e 78.880 kW em usinas
termelétricas. Todos esses investimentos ficaram a cargo do estado. A partir de
1927, teve início a primeira participação do capital externo no setor, e os
investimentos foram incentivados pelas concessões que propiciaram a elevação
para 1.176 empresas em 1939, às quais pertenciam 738 hidrelétricas, 637
52
termelétricas e 15 usinas mistas. Sobre o total de 1.044.738 kW, as hidrelétricas
detinham 85% da capacidade instalada, ou 884.570 kW. A grande extensão
territorial do Brasil não facilitava a distribuição da energia gerada, e não havendo
ainda instalações para transmissão de energia a grandes distâncias, o mercado
brasileiro estava dividido territorialmente entre dois grandes grupos empresariais.
O primeiro grupo detinha o controle das usinas hidrelétricas de Cubatão, Ilha dos
Pombos e de Ribeirão das Lajes, todas pertencentes à Brazilian Traction Light &
Power Co., com sede no Canadá, e servia ao estado do Rio de Janeiro e
parcialmente, ao estado de São Paulo. O segundo grupo controlava as usinas
instaladas em Natal, Recife, Maceió, Salvador, Vitória, Niterói, Petrópolis, Belo-
Horizonte, assim como algumas outras de São Paulo, Curitiba, Porto Alegre e
Pelotas, adquiridas pela American & Foreign Power Co. (Amforp), com sede nos
EUA, e atendia ao consumo de parte do Sul, Centro e Nordeste. Os dois grupos –
o canadense e o norte-americano – reuniam mais de 70% da capacidade
instalada no país ( 652.000 kW do grupo Light e 157.000 kW do grupo Amforp).
O Estado continuou intervindo no setor com a iniciativa de traçar uma nova
política de expansão da indústria de eletricidade, política esta que começou a ser
implantada a partir de 1948, com a criação da Companhia Hidrelétrica do São
Francisco (Chesf), empresa de economia mista, que teve um papel pioneiro no
setor de energia elétrica de geração e transmissão da energia a grandes
distâncias. A ela se seguiram várias outras empresas: a Cemig, em Minas Gerais,
a Uselpa e a Cherp (incorporadas depois na Cesp) em São Paulo, a Copel, no
Paraná e Furnas na região Centro-Sul.
O passo seguinte, de enorme importância para a regulamentação do programa de
expansão da indústria de eletricidade no Brasil, foi dado com a criação da
Eletrobrás – Centrais Elétricas Brasileiras S.A. –, instalada em junho de 1962, e
responsável pela execução da política de energia elétrica no país. Sob a
jurisdição do Ministério de Minas e Energia, operava como empresa holding, com
quatro subsidiárias de âmbito regional: a Eletronorte (Centrais Elétricas do Norte
S.A.), na região Norte; Chesf (Companhias Hidrelétricas do São Francisco S.A.),
53
na região Nordeste; Furnas (Furnas Centrais Elétricas S.A.), na região Sul. Em
todos os estados, era associada a companhias que geralmente pertenciam aos
governos estaduais. Em janeiro de 1978, a Eletrobrás adquiriu o controle
acionário do grupo Light.
Numa tentativa, também por iniciativa estatal, de buscar fontes alternativas de
energia, a Eletrobrás celebrou, em 1968, convênio com a Comissão Nacional de
Energia Nuclear para a construção da primeira usina nuclear no Brasil, Itaorna,
Angra dos Reis - RJ, com a capacidade de 627 MW, e que em meados dos anos
80 estava em fase de testes. O acordo nuclear com R.F.A, em 1975, assinalou
novas e ambiciosas metas do Brasil, no setor, estimuladas pela crise mundial do
petróleo. Contudo, o projeto consumiu grande volume de investimentos e não
propiciou a expansão desejada ao setor. A iniciativa privada, por sua vez, não se
estimulou em assumir o projeto, que chegou a ficar estagnado desde então. Um
salto foi efetivado com o término da hidrelétrica binacional de Itaipu, construída
em convênio com o Paraguai, com potência instalada de 12.600 MW.
Após esse período, o mercado de energia elétrica experimenta um crescimento
da ordem de 4,5% ao ano, devendo ultrapassar a casa dos 300 mil MW em 2008.
O planejamento governamental de médio prazo prevê a necessidade de
investimentos da ordem de R$ 6 a 7 bilhões/ano para expansão da matriz
energética brasileira, em atendimento à demanda do mercado consumidor.
Algumas alterações ocorreram na estrutura dos investimentos em energia,
incluindo a instalação de centrais termelétricas a gás natural, que exigem prazos
de implementação e investimentos menores que as hidrelétricas. Por outro lado,
foram ampliadas as importações de energia da Argentina, Venezuela e Bolívia; e
a interligação elétrica entre o Sul e o Norte do Brasil, o que significou maiores
investimentos em rede de transmissão.
As principais oportunidades de negócios no mercado de energia elétrica nacional
estão ligadas à oferta de novos empreendimentos de geração e distribuição para
exploração pela iniciativa privada e à construção de linhas de transmissão, bem
como à privatização de ativos de sistemas de distribuição e de geração, apesar
54
da retirada da Eletrobrás e suas controladas do programa de desestatização.
Outro foco se concentra na universalização do atendimento às comunidades
isoladas da Região Norte do País e ao meio rural, que foi concluída no final de
2005 com o programa luz no campo. Mas o sistema elétrico brasileiro apresenta
como particularidade grandes extensões de linhas de transmissão e um parque produtor
de geração predominantemente hidráulica, como demonstrado na matriz energética
brasileira Tabela 4-1, onde esta forma de geração de energia representa mais de 70%
da produção nacional.
Tabela 4-1 Matriz energética do Brasil
Empreendimentos em Operação
Capacidade Instalada Total
Tipo
N.° de
Usinas
(kW)
%
N.° de
Usinas
(kW)
%
Hidro
587 70.977.169 70,51 587 70.977.169 70,51
Natural 69 9.152.101 9,09
Gás
Processo 26 928.600 0,92
95 10.080.701 10,01
Óleo Diesel 471 3.686.712 3,66
Petróleo
Óleo
Residual
18 1.159.078 1,15
489 4.845.790 4,81
Bagaço de
Cana
218 2.249.359 2,23
Licor Negro 12 665.572 0,66
Madeira 23 200.832 0,2
Biogás 2 20.030 0,02
Biomassa
Casca de
Arroz
2 6.400 0,01
257 3.142.193 3,12
Nuclear 2 2.007.000 1,99 2 2.007.000 1,99
Carvão
Mineral
Carvão
Mineral
7 1.415.000 1,41 7 1.415.000 1,41
Eólica 11 28.625 0,03 11 28.625 0,03
Paraguai 5.650.000 2,33
Argentina 2.250.000 5,85
Venezuela 200.000 0,08
Importação
Uruguai 70.000 0,2
8.170.000 8,12
Total 1.448 100.666.478 100 1.448 100.666.478 100
Fonte: Eletrobrás – http:// www.eletrobras.gov.br
O mercado consumidor de 47,2 milhões de unidades concentra-se nas regiões
Sul e Sudeste, mais industrializadas. A região Norte é atendida de forma intensiva
por pequenas centrais geradoras, em sua maioria, termelétricas a óleo diesel.
Uma crise de energia, iniciada em 2001, foi derivada: primeiro, da falta de chuvas
nas cabeceiras dos reservatórios, vindo a consumir 70% da reserva de água,
55
comprometendo a geração energia e sua conseqüente distribuição; e, segundo,
da falta de decisão sobre investimentos na geração e nas linhas de distribuição,
principalmente pela iniciativa privada, já que a Eletrobrás fazia parte do programa
de desestatização iniciado no governo de Fernando Collor de Melo (1990 e 1991)
e intensificado pelo governo de Fernando Henrique Cardoso (1995 a 2003). Essa
ausência de investimentos no setor levou, em 2004, o governo de Luiz Inácio Lula
da Silva à decisão de retirar a Eletrobrás do programa de desestatização e criar
câmaras e comitês que viabilizassem medidas de resolução dos problemas do
setor energético, derivados, em parte, do fato de que, ao longo das últimas duas
décadas, o consumo de energia elétrica apresentou índices de expansão bem
superiores ao Produto Interno Bruto (PIB), fruto do crescimento populacional
concentrado nas zonas urbanas, do esforço de aumento da oferta de energia e da
modernização da economia. Na tentativa de sintetizar os movimentos históricos, a
Tabela 4-2 permite visualização de algumas datas que marcaram os momentos
significativos no setor energético.
56
Tabela 4-2 Datas históricas para o setor energético no Brasil
Datas Fatos históricos
1879 ILUMINAÇÃO DA ESTRADA DE FERRO D.PEDRO II
1881 ILUMINAÇÃO DA PRAÇA XV E PRAÇA DA REPÚBLICA
1883
PRIMEIRO SERVIÇO PÚBLICO DE ILUMINAÇÃO ELÉTRICA DO BRASIL E DA AMÉRICA LATINA E DA AMÉRICA DO
SUL
1885 PRIMEIRO SERVIÇO DE ILUMINAÇÃO DE SÃO PAULO
1887 ENTRADA EM OPERAÇÃO DA USINA TERMOELÉTRICA DA FIAT LUX.
1889 ENTRADA EM OPERAÇÃO DA USINA MARMELOS ZERO A PRIMEIRA HIDRELÉTRICA DE GRANDE PORTE NO PAÍS.
1899 CRIAÇÃO DA SÃO PAULO LIGHT, ENTRADA DO CAPITAL ESTRANGEIRO NO SETOR.
1905 CRIAÇÃO DA RIO LIGTH DO MESMO GRUPO FINANCEIRO DA SÃO PAULO LIGHT.
1907 ENTRADA EM OPERAÇÃO DA USINA SÃO DE FORTES DA RIO LIGHT, A MAIOR DO MUNDO NA ÉPOCA.
1927 INICIO DAS ATIVIDADES DO GRUPO AMERICANO AMFORP
1934
PROMULGAÇÃO DO CÓDIGO DE ÁGUAS, ATRIBUINDO À UNIÃO COMPETÊNCIA EXCLUSIVA, COMO PODER
CONCEDENTE, PARA OS APROVEITAMENTOS HIDRELÉTRICOS DESTINADOS AO SERVIÇO PÚBLICO.
1943
INÍCIO DA CRIAÇÃO DAS DIVERSAS ESTADUAIS E FEDERAIS: CEEE-RGS, CHESF, CEMIG, COPEL, CELESC,
CELG, CEMAT, ESCELSA, FURNAS, CEMAR, COELBA, CEAL ENERGIPE, E OUTRAS.
1960 CRIAÇÃO DO MINISTÉRIO DAS MINAS E ENERGIA.
1961 CRIAÇÃO DA ELETROBRÁS CONSTITUÍDA EM 1962.
1963
ENTRADA EM OPERAÇÃO DA USINA DE FURNAS QUE PERMITIU A INTERLIGAÇÃO DOS ESTADOS DO RIO DE
JANEIRO, MINAS GERAIS E SÃO PAULO.
1964 AQUISIÇÃO DAS EMPRESAS DO GRUPO AMFORP.
1968 CONSTITUIÇÃO DO COMITÊ COORDENADOR DE OPERAÇÃO INTERLIGADA.
1973 CRIAÇÃO DOS GRUPOS COORDENADORES DE OPERAÇÃO INTERLIGADA.
1979 COMPRA DA LIGTH-SERVIÇOS DE ELETRICIDADE PELO GOVERNO FEDERAL.
1982 CRIAÇÃO DO GRUPO COORDENADOR DE PLANEJAMENTO DOS SISTEMAS ELÉTRICOS – GCPS
1984
ENTRADA EM OPERAÇÃO DA PRIMEIRA TURBINA DA USINA DE ITAIPU MAIOR HIDRELÉTRICA DO MUNDO -
CONCLUSÃO DO SISTEMA INTERLIGADO NORTE E NORDESTE.
1985 CRIAÇÃO DO PROCEL PROGRAMA NACIONAL DE COMBATE AO DESPERDÍCIO DE ENERGIA ELÉTRICA.
1986 ENTRADA EM OPERAÇÃO DO SISTEMA INTERLIGADO SUL - SISTEMA INTERLIGADO SUL – SUDESTE.
1995 INÍCIO DAS PRIVATIZAÇÕES NO SETOR DE ENERGIA - VENDA DA ESCELSA – ES E LIGHT- RIO.
1997
CRIAÇÃO DA ELETROBRÁS TERMONUCLEAR E CONSTITUIÇÃO DA ANEEL - AGENCIA NACIONAL DE ENERGIA
ELÉTRICA, NOVO ORGÃO REGULADOR DO SETOR DE ENERGIA
1998
CRIAÇÃO DO MAE - MERCADO ATACADISTA DE ENERGIA ELÉTRICA E REGULAMENTADO ONS - OPERADOR
NACIONAL DO SISTEMA, ORGÃO CONTROLADOR DAS OPERAÇÕES DE INTERLIGAÇÃO E DISTRIBUIÇÃO DE
ENERGIA NO PAÍS.
1999 INAUGURADA A PRIMEIRA ETAPA DE INTERLIGAÇÃO DAS LINHAS DE TRANSMISSÃO DO PAÍS
2000
INAUGURADA A USINA HIDRELÉTRICA DE ITÁ, PARCERIA DA ITÁ ENERGÉTICA, UM CONSÓRCIO DA ODEBRECHT
QUÍMICA, CSN E CIMETOS ITAMBÉ. IMPORTAÇÃO DE 1.000 MW DE ENERGIA DA ARGENTINA (RINCÓN E GARABI)
2001
CRISE ENERGÉTICA – RACIONAMENTO EM DIVERSAS REGIÕES. INAUGURAÇÃO DE TRÊS TERMELÉTRICAS E
INICIO DE OPERAÇÃO DA HIDRELÉTRICA DE LAGEADO COM PARTICIPAÇÃO DO GRUPO EDP
2002
ENTRA EM OPERAÇÃO A HIDRELÉTRICA DE MACHADINHO E CANA BRAVA – TÉRMINO DO RACIONAMENTO E
CRIAÇÃO DA CÂMARA DE GESTOR ENERGÉTICO PARA ELABORAÇÃO DE POLÍTICAS PARA O SETOR E
GERENCIAMENTO DO PROGRAMA ENERGÉTICO EMERGENCIAL COM VISTA AO AUMENTO DA OFERTA
2003 INÍCIO DAS OBRAS QUE FARÃO DE TUCURUI A MAIOR HIDRELÉTRICA NACIONAL
2004
A ELETROBRÁS E SUAS CONTROLADAS SÃO RETIRADAS DO PROCESSO NACIONAL DE DESESTATIZAÇÃO
(PND) - NASCE A CÂMARA DE COMERCIALIZAÇÃO (CCEE) E O COMITÊ DE GESTÃO INTEGRADA DE
EMPREENDIMENTOS DE GERAÇÃO (CGISE)
2005
INAUGURADA HIDRELÉTRICA DE MONTE CARLO COMO PARTE DE UM CONJUNTO DE 11 HIDRELÉTRICAS E UMA
TÉRMICA. NO ESPIRITO SANTO É INAUGURADA A LINHA DE TRANSMISSÃO OURO-PRETO-VITÓRIA INTEGRANDO
A REGIÃO AO SISTEMA NACIONAL DE DISTRIBUIÇÃO. 10 EMPRESAS BRASILEIRAS E 03 ESPANHOLAS ASSINAM
CONTRATOS DE CONCESSÃO DE 10 NOVAS LINHAS DE TRANSMISSÃO EM 11 ESTADOS. A ESTATAL
ELETROBRÁS ASSINA PROTOCOLO DE INTENÇÕES COM A ESTATAL SUL-COREANA KEPCO PARA
COOPERAÇÃO E FORMAÇÃO DE PARCERIAS NO SETOR ENERGÉTICO. A PRIMEIRA USINA DE BIODIESEL FOI
INAUGURADA EM CÁSSIA(MG) NO MÊS DE MARÇO E EM ABRIL SE INAUGUROU-SE A MAIOR USINA DA AMÉRICA
LATINA DE BIODIESEL DE PALMA, DA AGROPALMA, EM BELÉM (PA). EM NOVEMBRO É INAUGURADA A 19ª
TURBINA DE ITAIPÚ, A 20ª E ÚLTIMA ESTA PREVISTO PARA JANEIRO DE 2006
Fontes: ANEEL e Escelsa
57
4.1.2 Caracterização da empresa lócus da pesquisa
A Escelsa – Energias do Brasil é uma companhia aberta e de capital autorizado,
regida pela Lei das Sociedades por Ações, concessionária de serviço público de
energia elétrica, com sede na cidade de Vitória, Estado do Espírito Santo, criada
em 1º de julho de 1968, sob o controle das Centrais Elétricas Brasileiras S.A. -
ELETROBRÁS. Em leilão de privatização realizado em 11 de julho de 1995, 50%
do capital mais uma ação foram adquiridos pela IVEN S.A. e GTD Participações
S.A. O seu capital foi aberto desde janeiro de 1996. Esses movimentos de venda
e recompra da empresa estão presentes desde o início do século passado e um
retorno ao início da prestação dos serviços públicos em energia elétrica no
Espírito Santo se faz necessário, procurando contextualizar os movimentos de
privatização e estatização pelos quais a empresa passou.
A empresa é maior prestadora de serviços de distribuição de energia elétrica no
Estado do Espírito Santo, detentora do atendimento a mais de 90% da demanda
na região de concessão. No início, o governo local fomentou a produção através
da usina hidrelétrica no Rio Jucu (1909) e, posteriormente, para atender o
crescimento na demanda, por usinas movidas a diesel, que passaram a
pertencer, a partir de 1927, a General Eletric. Dois meses depois da aquisição
pela multinacional, foi transferida a concessão à recém criada Companhia Central
Brasileira de Força Elétrica – CCBFE, do grupo AMFORP (American Foreign
Power Company), que controlava a geração e distribuição de energia na região
sudeste, como vimos anteriormente. Este grupo, com a crise do pós-segunda
guerra, sentiu-se desestimulado a investir nesse setor no Brasil. O desestímulo é
generalizado por todo país. Como alternativa, o Governo Federal, a partir de
1947, iniciou um processo de dimensões nacionais com intuito de reestatizar as
empresas do setor energético. Dentre outras medidas, criou a Escelsa – Espírito
Santo Centrais Elétricas S.A, em 1960. Em 1965, como parte da política
estatizante, a Escelsa encampou a CCBFE, adquirindo 95% de seu capital. A
empresa passou a construir linhas de transmissão e subestações, que
fomentaram no estado do Espírito Santo o assustador crescimento da capacidade
em 1463% em 12 anos.(Escelsa, 2005)
58
Mesmo com a crise econômica na década de 80 do século passado, chamada de
década perdida, a demanda de energia no Espírito Santo dobrou, chegando a 5,2
Mwh em 1995, sendo atendida plenamente pela empresa. Nesse mesmo ano, em
julho, com a política de desestatização, a Escelsa foi a primeira do sistema
Eletrobrás a ser privatizada. Foi arrematada em leilão na Bolsa de Valores do Rio
de Janeiro, pelas empresas IVEN SA e GTD Participações SA. (Escelsa, 2005).
Mas o controle acionário da Escelsa já sofreu alteração, mudou de acionista e
atualmente a empresa é controlada pelo Grupo EDP (Energias de Portugal), um
grupo português com investimentos no setor energético em escala global e em
várias regiões do Brasil. Além da Escelsa, no Espírito Santo, com participação de
3,69% na região Sudeste, há investimentos no estado de São Paulo, na
Bandeirantes, que participa com 12,56% do mercado também da região Sudeste
e no estado de Mato Grosso, na Enersul, com 17,20% do mercado do Centro-
Oeste, ou seja, a participação do grupo em distribuição de energia no Brasil é da
ordem de 10,12% de toda energia distribuída. O grupo também tem participação
no setor de geração com a parceria na hidrelétrica de Lajeado na região Norte e
das hidrelétricas do Espírito Santo que pertenciam à União. O grupo deixa claro
na missão atual da Escelsa sua intenção de
produzir e comercializar Energia Elétrica, de forma competitiva e
rentável, atuando também em áreas complementares e em novos
negócios, direta ou indiretamente, de modo a aproveitar suas
competências e recursos (ESCELSA)
A Escelsa divide, em distribuição de energia, com a ELFSM – Empresa Luz e
Força Santa Maria – o território geográfico do Espírito Santo, sendo que a área de
concessão da Escelsa abrange 70 municípios do Estado e uma população de
aproximadamente três milhões de pessoas, e conta atualmente com 979.610
clientes. Desse total, aproximadamente 77% são clientes residenciais. A tabela 4-
3 demonstra como se divide a área de atuação da empresa.
59
Tabela 4-3 Área de concessão e a divisão de clientes
Área de Concessão
Empresa (Km²) Municípios Atendidos População(Mil)
ESCELSA 41.372 67 2.892
ELFSM 4.812 8 201
Ambos 3
TOTAL 46.184 78 3.093
Fonte: Escelsa
Em termos de distribuição geográfica, fica clara a supremacia da Escelsa em
relação à concorrência. A única concorrente acaba por depender das linhas de
transmissão da Escelsa. O acordo de concessão garante a ELFSM quanto ao
suprimento de energia, de forma que não inviabilize o negócio da concorrente. O
setor tem regulamentações bem consolidadas que garantem o funcionamento
nessa forma, apesar de restrito a apenas duas empresas e de ser pouco
representativa a participação da concorrente.
Mapa 1 Mapa da área de concessão da Escelsa
Fonte: Escelsa
60
4.1.3 A situação financeira da Escelsa
Dois estudos significativos já foram desenvolvidos na empresa. Um deles
concerne ao aspecto econômico-financeiro abordado em Ferrari (2004; 2005) e
por Behr (2002), que servirão de fonte nessa fase do estudo. A situação financeira
da empresa ganha importância para este estudo, na medida em que grande parte
da política de gestão se pauta no desempenho individual e coletivo de metas pré-
estabelecidas. Nas metas individuais e coletivas estão estabelecidos vínculos
com o desempenho econômico-financeiro da empresa. Dessa forma, esse
indicador determina alguns contornos para a manutenção ou reformulação dos
dispositivos de poder presentes na forma de gestão das pessoas que direta ou
indiretamente afetam e são afetadas pelo desempenho geral da empresa.
Apesar de os índices financeiros e econômicos da Escelsa terem apresentado um
resultado negativo de 1996 a 2002, o ano de 2003 trouxe algum alento para a
empresa. Grande parte da melhora do desempenho da empresa em 2003 está
associada à valorização do real frente ao dólar. Esse único fator aliviou
significativamente as despesas financeiras da empresa e contribuiu para que ela
apresentasse um lucro naquele ano. O grande problema da Escelsa está no risco
de a empresa não ser capaz de arcar com os títulos emitidos em 1997. No seu
endereço eletrônico da empresa pode-se acessar a seguinte informação:
Em 28 de julho de 1997, a controladora concluiu uma operação de
captação de recursos no exterior, mediante a colocação de títulos
denominados "Senior Notes", no valor de US$ 500.000.000, com
vencimento único em 2007 e juros de 10% a.a., pagáveis
semestralmente em 15 de janeiro e 15 de julho de cada ano. (ESCELSA)
Dessa forma, a empresa deverá gerar recursos suficientes para honrar esse e
outros compromissos assumidos no passado. Em 31/12/2003 os títulos emitidos
pela empresa estavam cotados em 1,26 bilhões de reais. Se a empresa não
melhorar substancialmente o seu desempenho financeiro nos próximos três anos,
dificilmente conseguirá resgatar os títulos emitidos no passado.
61
Ferrari (2004) em sua pesquisa, alerta para o fato de que a dificuldade financeira
da Escelsa é reflexo da crise do setor energético pós-racionamento. “Na edição
de especial de 2003 do Valor Econômico destinada a avaliar as maiores e
melhores empresas do Brasil no ano de 2002 são encontradas informações
preocupantes sobre o setor de energia elétrica”. Entre os vinte maiores prejuízos
líquidos do ano de 2002, oito são de empresas do setor energético. “Apenas estas
oito empresas totalizam um prejuízo de 11,25 bilhões de reais. A rentabilidade
(lucro líquido/patrimônio líquido) do setor em 2002 foi negativa, na ordem de –
12,7%” (FERRARI, 2005 p.89). Vale ressaltar a melhora desses números para o
ano fiscal de 2003 devido à valorização do real frente ao dólar, e que, de um
modo geral, as perspectivas futuras são sempre boas, pois, à priori nenhuma
empresa do setor de distribuição de energia no Brasil pode falir (FERRARI, 2005).
Quando a iniciativa privada não dá conta dos investimentos, ou pelo volume de
numerário envolvido, ou por baixa rentabilidade, os movimentos históricos
demonstram processos de estatização, ou ainda financiamentos públicos que não
permitem a interrupção do sistema. Como exemplo, a Escelsa, e outras
empresas, receberam ajuda do BNDES. A empresa esclarece os motivos que a
levaram pedir socorro:
Os efeitos decorrentes do Programa Emergencial de Redução do
Consumo de Energia Elétrica que vigorou de junho de 2001 a fevereiro
de 2002, foram amenizados com o Acordo Geral do Setor Elétrico,
ocorrido no final de dezembro de 2001, após amplas negociações entre
os agentes do mercado e o Governo Federal. O acordo possibilitou o
reconhecimento dos impactos econômico-financeiros decorrentes do
racionamento em 2001 e sua recuperação financeira através de um
aumento tarifário extraordinário com vigência de 70 meses a partir de
dezembro de 2001. Como forma de antecipar recursos a serem
recuperados pela tarifa, o Banco Nacional de Desenvolvimento
Econômico e Social – BNDES - concedeu um financiamento de R$ 166
milhões, equivalente a 90% das perdas decorrentes do programa de
racionamento. (ESCELSA)
A situação financeira da empresa em 2004 continuou sendo favorecida pela
depreciação do dólar. Contudo o desempenho dos três primeiros trimestres de
2004, quando comparado com o mesmo período de 2003, é desalentador. Até o
3º trimestre de 2004, a empresa lucrou aproximadamente 47 milhões de reais,
contra 167 milhões de reais para o mesmo período em 2003. Esse movimento
62
continuou no ano de 2005. A Escelsa atribui a queda na comercialização de
energia derivada da publicação em 16 de março de 2004 das Leis nºs 10.847 e
10.848, estabelecendo o novo modelo do setor elétrico brasileiro. Nesse Novo
Modelo (ANEEL, 2005), a comercialização de energia elétrica entre os agentes do
setor elétrico será feita em dois ambientes de contratação: Ambiente de
Contratação Regulada - ACR, em que as Distribuidoras irão contratar 100% das
suas necessidades previstas para atendimento aos consumidores cativos; e
Ambiente de Contratação Livre - ACL, em que os Consumidores Livres,
Comercializadores e Geradores irão contratar energia a preços livremente
negociados entre as partes. As Distribuidoras poderão ainda contratar energia
através de leilões de ajuste, com prazo de suprimento de até dois anos,
promovidos pelo Órgão Regulador, no o ONS – Operador Nacional do Sistema
(Escelsa). Dessa forma, a disputa pela abrangência de mercado se intensifica. O
Novo Modelo elimina a auto-contratação, estabelece que as Distribuidoras
somente poderão vender energia para os consumidores cativos e determina a
desverticalização da empresa, separando as atividades de Distribuição das de
Geração e Transmissão, no prazo de 18 meses a contar da data de publicação da
Lei nº 10.848 em 16 de março de 2004, que findou em setembro 2005. Esse
prazo poderá ser prorrogado pela ANEEL, uma única vez e por igual período, se
efetivamente comprovada a impossibilidade, por fatores alheios à vontade da
Concessionária, de cumprimento das disposições legais. O importante a salientar
nessa medida é o fato de ela ter contribuído para a redução das receitas da
Escelsa. A própria empresa admite que esta redução é decorrente, na maior parte
das vezes, da escolha de alguns consumidores cativos por outra distribuidora, o
que qualquer empresa teme, quando se fala em aumento da concorrência.
A empresa justifica o desempenho financeiro indesejável em seu relatório anual
de 2004 e também no primeiro trimestre de 2005, onde destaca se tornaram
clientes livres a Belgo Mineira Siderúrgica, a partir de janeiro, e a Companhia
Siderúrgica de Tubarão, a partir de maio de 2004. Essas empresas passaram a
ser clientes da Escelsa no uso da rede de distribuição, gerando a remuneração
correspondente, mas não o suficiente para fazer frente ao consumo de energia. A
63
energia distribuída em 2004 foi 0,1% inferior a 2003, sendo que no mercado
cativo comportou-se da seguinte forma:
O fornecimento de energia elétrica foi reduzido em 4,67% em relação a
2003. Esse decréscimo tem como principais justificativas a saída de
clientes da classe industrial para o mercado livre e para a classe rural e o
suprimento a outras distribuidoras teve um decréscimo de 4,2%.
(ESCELSA)
O somatório dessas forças, segundo a empresa, representou uma redução de
4,65% no total de energia vendida. Em contrapartida, houve um crescimento
expressivo de 20,6% no
transporte de energia elétrica aos clientes do mercado
livre, o que não representou uma melhoria de desempenho dos lucros da
empresa.
Aliado ao fato da constante redução do resultado líquido da empresa nos últimos
anos, está o resultado de sua dívida em dólar. A empresa está exposta a
mudanças na taxa de câmbio entre o dólar e o real. A exposição da empresa à
moeda estrangeira aumenta o risco do mercado, associado aos movimentos da
taxa de câmbio contra o dólar. A dívida em moeda estrangeira, incluindo os
encargos, em 31 de dezembro de 2004, era US$ 457.066 mil, equivalentes a R$
1.213.238 mil, ou 74,4% da dívida total. Por outro lado, a Escelsa faz proteção
cambial através de aplicações de seus recursos financeiros em ativos indexados
ao dólar. São títulos de emissão do Banco Central do Brasil, cujo montante, em
dezembro de 2004, equivale a US$ 64.653 mil. Adicionalmente, possui operações
com derivativos, representadas por contratos de obrigações recíprocas (SWAP),
com troca de índices, compreendendo o montante de US$ 21.540 mil. No total,
corresponde a dois anos de juros das Senior Notes. Com relação ao principal da
dívida em dólar, com vencimento em 2007, não é feita proteção cambial, a
empresa ancorou-se no conceito de que o prazo longo é um hedge natural. A
dívida da Escelsa está assim composta:
74,37% são em moeda estrangeira;
5,29% têm como referência a Taxa de Juros de Longo Prazo-
TJLP, que iniciou 2004 em 10% a.a. e fechou em 9,75% a.a.;
64
19,39% têm como referência o CDI; e
0,95% juros fixos de 5% ao ano mais uma taxa
de 1% a 1,5% ao ano. (ESCELSA)
Dos US$ 500.000 mil em “senior notes” emitidos pela Escelsa em julho de 1997
(prazo de 10 anos, juros de 10% a.a. pagos semestralmente e amortização única
em 2007), foi recomprado até 1999 o valor de US$ 69.042 mil, permanecendo no
mercado US$ 430.958 mil. Em dezembro de 2002, a EDP - Energias de Portugal
S.A. passou a deter US$ 357.371 mil desses títulos, o que permitiu que a Escelsa
eliminasse a quase totalidade dos direitos inerentes a essa emissão obrigatória.
Isso trouxe um conseqüente aumento de sua flexibilidade tanto operacional
quanto financeira, essencial para enfrentar os desafios do setor elétrico brasileiro.
Em dezembro de 2004, os títulos estavam cotados a 95,25% do valor de face, ou
seja, houve uma pequena desvalorização em seu valor de face. Mas, até o
vencimento das “senior notes” em julho de 2007, permanecerá uma incógnita para
o mercado referente à capacidade de a empresa honrar seus compromissos.
4.1.4 A reestruturação produtiva e as práticas de Gestão dos trabalhadores
Nesse subitem do capítulo se fará a abordagem cartográfica, e como tal, os fatos,
as entrevistas gravadas, a pesquisa documental, os relatos escritos no diário de
campo, a vivência do autor, a pesquisa bibliográfica se farão presentes
concomitantemente, seguindo o mapa
17
das disciplinas descritas por Foucault
(2003a) no capítulo II de seu livro vigiar e punir. A fim de preparar o leitor para o
entendimento do processo, é necessário que este seja contextualizado. Antes de
qualquer viagem, são necessários preparativos que possibilitem tal incursão, o
que as próximas linhas tentarão fazer.
Falar de reestruturação, por vezes, pode-se supor uma estrutura anterior e que
num processo de sobreposição a este modo de produção, seria implantado novo
modelo que resolvesse as questões onde mudanças se configuram nas relações
17
Este mapa será detalhado mais adiante.
65
sociais contemporâneas, e que diante destas mudanças se faz necessário pensar
modos de produção que possibilitem acompanhar os movimentos do mundo
contemporâneo. Contudo, não será com a conotação de ruptura que a
reestruturação será trabalhada neste estudo, pois nesse sentido não corroboraria
com a demarcação do terreno teórico dos dispositivos de poder elencados
anteriormente, na medida em que os dispositivos não pressupõem linearidade
histórica, na qual se estabelecem demarcações fixas de modos de produção, e
que, cumprido esse momento histórico, não poderão ser exercidos os
mecanismos que o modelo de produção antigo utilizou como estratégia. A
reestruturação será vista como um movimento dos modos de produção no sentido
de criação de novos mecanismos que são utilizados nas relações de poder
contemporâneas e que constituem modos de ação sobre ações possíveis de
trabalhadores.
Um modelo de organização foi cristalizado como Taylorista ou mesmo Fordista,
por ser Henry Ford o primeiro grande precursor na utilização dos mecanismos
sugeridos por Taylor (1987). Taylor iniciou seus estudos organizacionais em 1881,
propondo uma reformulação da organização do trabalho, ao separar os saberes
do trabalhador em concepção e execução. Em sua sugestão do modo de
produção, estabeleceu um controle rigoroso dos tempos e movimentos do
trabalho, com o desenvolvimento de medições precisas no decorrer da execução
das atividades dos trabalhadores, cabendo esta função aos supervisores do
trabalho alheio. Seu modelo previa também que a concepção do trabalho ficasse
encarregada à gerência, formada basicamente por engenheiros planejadores, e a
execução, e somente esta, a cargo dos trabalhadores operários, sendo os
supervisores os interlocutores vigilantes que fiscalizariam a execução dos
trabalhos segundo o planejamento estabelecido. Nos estudos de Motta e
Vasconcelos (2002) estão elencadas as características gerais do modelo
Taylorista, e que se pretende detalhar mais no processo que acompanha os
movimentos paisagens que formaram no decorrer da pesquisa. Neste momento,
será destacada a necessidade constante de treinamento, em que a repetição dos
movimentos do corpo do trabalhador é estimulada a ponto de se conseguir sua
máxima eficiência, estabelecendo um parâmetro para os demais trabalhadores, a
66
melhor forma de execução, o único melhor caminho para chegar na correta
execução do trabalho. Em suma, o trabalho em empresas que utilizavam esse
modelo se restringiu à repetição de uma considerada quantidade de tarefas as
mais simples possível, devidamente prescritas em manuais, ordens de trabalho
que eram “criadas”, com base na observação do trabalhão real, pela gerência, e
ditados pela supervisão. Já sendo parte do processo de reestruturação produtiva,
que poderia ter sua profusão admitida nas décadas de 60 e 70 do século XX, é
um exemplo de modo de produção que foi difundido mundialmente como modelo
a ser perseguido, pois nele se embute a capacidade de resolução dos problemas
gerados pela produção em massa, e que foram agravadas pelo enfraquecimento
da demanda efetiva, compensado nos Estados Unidos pela guerra à pobreza e
pela guerra do Vietnã (HARVEY, 2003).
A transição do Fordismo à Acumulação Flexível, vem influenciar as organizações
em suas práticas de gestão, pois “[...]o sucesso da racionalização fordista
significava o relativo deslocamento de um número cada vez maior de
trabalhadores da manufatura” (HARVEY, 2003, p. 135). Este autor destaca a
profunda recessão mundial em 1973, derivada de expansão gerada no após o
término da Segunda Grande Guerra, que culminou com o mundo capitalista
afogado em excesso de fundos, e com concentração de investimentos na
produção em poucas áreas, o que significou forte inflação. As tentativas de frear
este movimento inflacionário, por sua vez, expõem muita capacidade de
excedentes nas economias ocidentais, acarretando “crise imobiliária e severas
dificuldades nas instituições financeiras” (HARVEY, 2003, p. 136-137). Aliada a
esses movimentos, a crise do petróleo se instala, onde a OPEP
18
escolhe como
estratégia na guerra entre os árabes e os israelenses, aumentar os preços do
combustível e embargar as exportações deste para o Ocidente, o que veio a
funcionar como catalisador de crises nos mais diversos setores sociais. A forte deflação,
“indicando que as finanças do Estado estavam muito além dos recursos “[...] as
18
Organização dos Países Exportadores de Petróleo, fundada em 1960, com onze países
membros, representado 40% da produção mundial e 60% do volume de exportações no mundo,
com o o
bjetivo de centralizar a administração da atividade petrolífera, incluindo controle de preços
e volume de produção.
67
corporações viram-se com muita capacidade excedente inutilizável (principalmente
fábricas e equipamentos ociosos) em condições de intensificação da competição
“(HARVEY, 2003, p. 137). Os executivos das corporações viram-se diante de quedas na
taxa de acumulação e lucro, aumento dos custos em energia, o que os levou a
proporcionar, nas empresas, períodos de “racionalização, reestruturação e intensificação
do controle do trabalho”. Movimentos como mudanças tecnológicas, automação, busca
de novas linhas de produtos e nichos de mercado, mobilidade geográfica, se constituem
exemplos de estratégias para sobrevivência ante a crise. HARVEY os visualiza como
movimentos derivados dessas crises, o que chamou de “compressão do espaço-tempo”
no mundo capitalista, no qual o processo de tomada de decisões privadas e públicas se
comprimem, com cada vez mais urgência diante da velocidade que as decisões devem
ser tomadas face às mudanças. Dispositivos passam a ser utilizados para auxiliar tais
processos como o sistema de comunicação via satélite e a queda nos custos de
transporte, que fomentam a profusão das decisões “[...]num espaço cada vez mais
amplo e variado” (HARVEY, 2003, p. 140). Os empregadores, nessas relações de
poder, armados com o discurso de flexibilização e mobilidade, exercem pressões mais
intensas sobre a força de trabalho, que se vê enfraquecida pelo aumento dos níveis de
desemprego, redução de salários, rápida destruição e reconstrução de habilidades
derivadas das mudanças tecnológicas, e o retrocesso das relações de poder com os
sindicatos, que se constituía um dos pilares do regime fordista (HARVEY, 2003). Harvey
(2003, p. 144) indica forte reestruturação, onde o aumento da competição e da redução
das margens de lucro, tornando-se as justificativas básicas dos patrões para impor
regimes e contratos de trabalho mais flexíveis, no qual o “mais importante do que isto
[flexibilização] é a aparente redução do emprego regular em favor do crescente uso do
trabalho em tempo parcial, temporário ou subcontratado”[...].
Esses arranjos de emprego flexíveis não criam por si mesmos uma
insatisfação trabalhista forte, visto que a flexibilidade pode ser às vezes
mutuamente benéfica. Mas os efeitos agregados, quando se consideram
a cobertura de seguro, os direitos de pensão, os níveis salariais e a
segurança no emprego, de modo algum parecem positivos do ponto de
vista da população trabalhadora como um todo. (HARVEY, 2003, p. 144)
A atual tendência, ainda segundo o autor, é a de redução dos números de
trabalhadores “centrais” e contratação de forças de trabalho que podem ser
68
consideradas transitórias, que podem entrar facilmente na empresa e serem
demitidas sem custos, ou mesmo com custos reduzidos.
Essa tendência é evidente na empresa pesquisada, onde muitas mudanças
aconteceram e acontecem. Os trabalhadores vivem numa intensa expectativa
frente às anunciadas mudanças. O mais recente processo de reestruturação é o
projeto “vanguarda”, inaugurado em maio de 2005. Nele estão previstas as
mudanças necessárias para integração das empresas que fazem parte do grupo
EDP de Portugal. Para entender o atual processo, deve-se voltar ao processo de
reestruturação consolidado como marco histórico para o setor energético
Brasileiro, o processo de privatização das estatais no Brasil. O governo federal
iniciou sua política desestatizante no dia 11 de julho de 1995, dia da venda da
Escelsa para o capital privado. O governo iniciou os preparativos que permitiriam
e garantiriam o processo desestatizante. A primeira empresa deveria ser atrativa
ao setor privado, deveria garantir os lucros, ser funcional, ser produtiva. A escolha
da empresa não foi ao acaso e nem poderia ser. No início da década de 90 do
século passado, o setor elétrico encontrava-se em crise. Oito das dez empresas
representativas do setor fecharam o ano de 1990 registrando prejuízos em suas
demonstrações financeiras. O projeto neoliberal do governo Collor encontrava na
dívida externa o principal entrave à retomada do crescimento do setor elétrico. A
escolha do capital privado como solução aos problemas de investimentos no setor
foi feita, e o retorno da política de contenção das tarifas de energia ajudou a
agravar a situação financeira das empresas, alimentando o mito da ineficiência
das empresas estatais. Em 1992 o governo Collor, através do decreto 572/92,
incluiu a Escelsa e a Light no Programa Nacional de Desestatização (PND). Para
tornar as empresas “enxutas”, deu-se início ao processo de reestruturação, ainda
como estatais. Em 1993, antes mesmo do processo de privatização da empresa,
com o anúncio de que a empresa deveria se preparar para as mudanças que o
mercado estabelecia, tiveram início programas de desligamento incentivado e de
terceirizações de setores periféricos. Sem muita adesão por parte dos
trabalhadores ao plano de desligamento incentivado, a Escelsa, que seria a
primeira do setor energético a ser privatizada, abriu novo plano de demissão
incentivado (PDI) - dessa vez aliado ao discurso da terceirização irreversível de
69
setores operativos - onde o trabalhador tinha a escolha de demissão com
incentivo ou “provável” demissão sem incentivos (SINERGIA, 2005, p. 11).
Essa busca incessante em redução do número de trabalhadores é um processo
contínuo para alcançar o aumento da produtividade, como segue o receituário do
processo de reestruturação.
No sistema Toyota de produção, pensamos a economia em termos de
redução da força de trabalho e de redução de custos[...] na seleção,
podemos considerar muitos métodos para conseguir a redução da força
de trabalho. Por exemplo, podemos comprar máquinas automatizadas,
ou alterar a combinação do trabalho, ou mesmo considerar a compra de
robôs[...]o excesso de operários, equipamentos e produtos apenas
aumentam os custos e causam desperdício secundário. (OHNO,1997,
p.69-71)
O alinhamento ao receituário do Sistema Toyota de Produção – STP e da
reestruturação produtiva está explícito nas políticas de redução de pessoal na
empresa.
[...]devido à redução de 10% do quadro de pessoal, correspondente a
178 empregados, contra 57 empregados no ano anterior [1997], em
função de melhoria de processos e de investimentos em automação [...]
a eficiência no atendimento, produtividade e versatilidade são os
atributos que a ESCELSA busca em seus empregados que, em 1999,
eram 1.578 [...] [e] ao final do ano de 2000 eram 1.505 [...] o quadro de
pessoal no encerramento de 2001 era de 1.411 empregados, 6,2%
menor que em 2000[...] o quadro de pessoal no encerramento de 2002
era de 1.353 colaboradores, 4,1% inferior ao de 2001[...] O quadro de
pessoal no encerramento de 2003 era de 1.305 colaboradores 3,5%
inferior ao de 2002. (ESCELSA)
Os números permitem a conclusão de que entre 1993, ano em que a empresa
entrou no programa de desestatização, até o final de 2005 constata-se a redução
do quadro de trabalhadores diretos na ordem de 251%. A fala do Augusto,
supervisor de recursos humanos deixa nítido esse momento histórico que se
configura num permanente processo de enxugamento.
Com uma quebra disso, de uma certa forma abrupta, o que aconteceu?
E somado a isso um período que foi específico num determinado tempo,
no país inteiro, de enxugamento devido à questão econômica, então as
estruturas se encolheram, a empresa tinha uma determinada quantidade
de gerências, isto foi reduzido, as estruturas foram mais enxugadas, e
70
esses enxugamentos nem sempre resultaram em demissões de
gerentes, foi mais demissão de pessoas operacionais, pessoas de baixo.
Esse trabalhador foi convidado, conforme relata, a se demitir em 2002, também num
processo de redução de trabalhadores. Na qualidade de ex-trabalhador da empresa,
também presenciei esse movimento no ano de 1995, no qual fui convidado a aderir ao
PDI – Programa de Desligamento Incentivado. Uma das grandes preocupações que
se faziam presentes no cotidiano era de fato o trabalhador ter ciência que o principal
critério para o desligamento era este possuir ações na justiça contra a empresa. Para
ter acesso ao PDI deveria assinar um documento desistindo das ações. Mais tarde o
Sindicato conseguiu retirar judicialmente este item impeditivo à adesão ao PDI
(SINERGIA, 2005). De certa forma vê-se o sindicato incentivando os trabalhadores a
aderirem ao PDI, na medida em que consegue a retirada do impeditivo atendendo uma
demanda dos próprios trabalhadores, o que aparentemente caracteriza uma
ambigüidade, já que a medida facilitaria seu desligamento. Entretanto, as práticas
cotidianas pressionavam à adesão. Demitia-se qualquer um que se desejasse, do
setor operacional, do estratégico, de confiança com a argumentação de que deveria
ser retirado o processo judicial ou não teria a garantia que permaneceria trabalhando
na empresa. A pressão para os desligamentos acontecia em cada conversa, a certeza
de mudanças estava presente nos discursos, nas atitudes dos gerentes, nas reuniões
em busca do aumento da produtividade. Um outro exemplo da lógica do processo de
redução e conseqüente pressão à adesão ocorreu no setor operacional,
especificamente no setor de ligações da grande Vitória, sediada em Alto Laje -
Cariacica: o processo de terceirização, iniciado em 1993, estava em seu auge com
meta de demissões de 30% dos eletricistas diretos e substituição destes por
eletricistas da empresa Porto Azul
19
, previamente treinados pelos mesmos eletricistas
demitidos. Desse modo, a empresa substituía a mão-de-obra efetiva por terceirizados.
Este processo busca claramente a redução de custos por duas vias simultâneas: com
a redução do quadro de trabalhadores efetivos, eliminando os excessos; e por outro,
pela redução do valor do Homem Hora
20
pago nos contratos com as empresas
19
Uma das primeiras grandes empresas do setor de energia a se instalar no Espírito Santo com o
intuito de atender a demanda por terceirizações de setores operacionais.
20
Homem Hora (HH) é uma das partículas básicas de cálculo de custos no setor operacional das
empresas de energia. Com base em cálculos históricos do setor se chegava ao valor do Homem
71
terceirizadas. Isso leva a outra análise possível, que é a da ocorrência simultânea da
redução do efetivo e do aumento do número de clientes, como demonstrado na tabela
4-4, possibilitando o aumento da produtividade por trabalhador. Esse índice, por sinal,
é acompanhado de perto pela empresa, nos seus relatórios publicados é destacado
como aumento da eficácia de gestão, na medida em que se consegue atender mais
clientes com uma quantidade menor de trabalhadores.
Tabela 4-4 Tabela da relação entre o numero de trabalhadores e clientes da Escelsa
Ano Nº de empregados Empr/cliente
% de
redução
1993 2.674 230 0
1994 2.602 250 9
1995 1.827 374 63
1996 1.770 408 77
1997 1.592 472 105
1998 1.574 502 118
1999 1.578 524 128
2000 1.505 575 150
2001 1.411 654 184
2002 1.353 705 207
2003 1.305 742 223
2004 1.231 799 247
2005 1.216 808 251
2006 *947
21
1038 351
Fonte: Escelsa
A eficácia na gestão dos trabalhadores é um indicador chave para os gestores na
empresa. No fim de 2004 e início de 2005, Ferrari (2005), pesquisando a
reestruturação na empresa, resume as práticas de gestão de pessoas da seguinte
maneira:
Hora praticado pelas empresas estatizadas, ou seja, o que se desejava saber era o valor de cada
hora de um homem em determinada atividade. No processo de privatização esse valor deveria ser
reduzido para efeito de redução de custos e obtenção de ganhos efetivos de produtividade e
competitividade.
21
* Uma das fases do projeto vanguarda prevê redução de 30% do quadro de trabalhadores
efetivos, esta se configurando a proposição aos empregados de um novo PDI para janeiro de
2006.
72
Preocupação com o aperfeiçoamento contínuo dos
trabalhadores;
A busca pelo comprometimento dos trabalhadores;
O aumento da produtividade por trabalhador;
O aumento da subcontratação; e
Concomitante redução do número de “colaboradores” e
intensificação do trabalho. (FERRARI, 2005, p. 54)
E a empresa resumia, em 2003 as suas recentes práticas da seguinte maneira:
No plano administrativo, “uma nova estrutura organizacional foi implantada em março
de 2003, que permitiu um maior controle dos processos e métodos de trabalho, a
garantia de multiplicação do conhecimento e ganhos de produtividade pela sinergia
interna” (ESCELSA).
Mas o objetivo deste trabalho é analisar estas práticas sob a ótica das disciplinas,
tentando diagramar o que estas produzem. Portanto, o próximo passo, após esta
apresentação inicial destacando os focos principais em gestão dos trabalhadores
na empresa nos últimos 12 anos, está em trazer concomitantemente as práticas
em gestão; o referencial teórico e o material colhido na pesquisa em campo.
4.2 Os Dispositivos e as práticas em gestão
Com o intuito de possibilitar melhor fluidez de análise e ordenar o conteúdo
pesquisado, de forma que permita o entendimento e alinhamento da pesquisa ao
referencial teórico norteador, foi estabelecido um roteiro. Este resultou em um
mapa, que permitiu ao pesquisador não se desviar do rumo previamente
estabelecido. Tem-se a premissa, na proposta e elaboração do roteiro, de este
coadunar com o objetivo da dissertação: permitir identificar os contornos dos
dispositivos de poder e das resistências presentes nas práticas em gestão de
recursos humanos na Escelsa. A gestão do trabalhador é entendida aqui no
sentido que Barros (et.all, 2004) atribui ao termo, ao analisar as situações do
trabalho. O próprio trabalho, para a autora, tem sentido ampliado, não se
limitando aos modos operatórios, ou de repetição. O trabalho de agrupamentos
humanos e os modos de gestão são, em nossa análise, vistos como algo ligado à
variabilidade, imprevisibilidade, escolhas, história, arbitragens, criação. Nesse
sentido, as relações de trabalho se configuram em uma “dimensão fundamental
73
nos processos de subjetivação”. Athayde (apud, BARROS, 2004, p. 94), ao
analisar a vida do trabalhador, não a fragmenta, e, sim, a analisa em sua
complexidade, que precisa ser entendida “[...] no curso das relações de trabalho,
que é uma trama, um campo instável, uma rede de conexões que não pára de se
produzir”. Essas linhas básicas direcionam o processo cartográfico e permitem o
registro das possíveis inquietações do pesquisador, que se configuram durante o
percurso da pesquisa.
O Filósofo Michel Foucault (2003a) detalha sua incursão na análise sobre as
técnicas das disciplinas enquanto exercício do poder. Nessa análise, o corpo é
objeto e alvo de poder e se possibilita sua manipulação, sua modelação, seu
treinamento, sua obediência, o aumento de sua habilidade. As disciplinas seguem
procedimentos minuciosos, que culminam no objetivo conjunto de diminuição das
resistências e aumento da utilidade dos corpos. São minuciosos na medida em
que seu controle não é exercido na massa, mas nos detalhes a ponto de extrair o
máximo em obediência e utilidade econômica, tornando-os os corpos dóceis no
sentido de que cada corpo possa ser utilizado, que possa ser transformado e
aperfeiçoado. Estabelece-se uma relação de sujeição constante de suas forças
impondo-lhes docilidade-utilidade. Foucault (2003a) dividiu as técnicas das
disciplinas em quatro grandes grupos: 1- Da arte de distribuição espacial dos
corpos; 2- Do controle das atividades; 3- Da organização das gêneses; 4- Da
composição das forças. Essas divisões não obedecem a uma seqüência
funcional, uma ordem de funcionamento serial. Segundo o autor, as técnicas
acontecem simultaneamente sem prioridades ou hierarquias. Portanto, a
seqüência de quatro atos, que momentaneamente ganhou forma de mapa a
percorrer (anexo 1), obedeceu a esses grupos. Isso não significa que essa é a
ordem observada no campo de pesquisa, muito menos que o pesquisador
estabeleceu alguma ordem à priori pra desenvolvimento da pesquisa. O arranjo
feito segundo esses os quatro grupos, aconteceu a posteriori como tentativa de
mapeamento, mesmo que momentânea, das práticas em gestão de recursos
humanos e das técnicas disciplinares descritas por Foucault (2003a). A forma
escolhida para visualização do mapa, foi a de trazer junto às técnicas das
disciplinas o que se está sendo posto em práticas no processo em gestão das
74
pessoas na empresa. Para tanto, foi estabelecido um roteiro para organização
das falas, dos documentos, das entrevistas que foram se compondo nos
movimentos das paisagens formadas no processo de pesquisa, tendo assumido a
forma provisória dos próximos quatro atos.
4.2.1 Distribuição espacial dos corpos
O primeiro dispositivo que atua na composição das técnicas das disciplinas é a
distribuição espacial dos corpos, e, derivadas dessa, mais quatro técnicas
específicas, com características mais perceptíveis ao olhar, que são: o
cercamento; o quadriculamento; as localizações funcionais e a disposição em filas
classificatórias. Muito dessa técnica foi observável, e está presente em algumas
falas nas conversas e nas entrevistas.
4.2.1.1 O cercamento
O exercício dessas micro-técnicas corresponde a minúcias dos regulamentos, do
controle sobre a mínima parcela da vida e do corpo. Assim, se faz necessário o
cercamento em estruturas arquitetônicas que possibilitem o exercício, as
inspeções, organização, enfim exercer um controle do detalhe. Na Escelsa, como
na grande maioria das indústrias de serviços, a microfísica do poder se utiliza de
espaços circunscritos, heterogêneos a todos os outros e fechados em si mesmos,
de locais cercados com muros, possibilitando ampliação da escala de controle. A
ilustração 1 traz a vista superior, em forma de planta baixa, da área delimitada ao
Centro Operativo de Carapina.
75
Ilustração 1 Cercamento estrutural do Centro Operativo Carapina - Escelsa
Entrada e
Saída
Princi
p
al
Entrada e Saída Secundária
Fonte: Escelsa
As áreas da empresa, seus edifícios, suas ruas, seus cantos pouco utilizados,
outros comuns a todos como o restaurante, assemelham-se a cidades fechadas,
conventos, escolas que têm em comum o controle de entrada e saída dos
trabalhadores. As portas só abrem aos trabalhadores e o controle do horário para
entrada e saída está nos regulamentos e acordos trabalhistas. Não se faz mais
uso da sirene, o soar do alarme ou qualquer som que anuncia o início e o fim dos
trabalhos. O guardião da Escelsa é um dispositivo eletro-mecânico que libera a
passagem de pedestres e veículos diante da passagem do cartão pessoal de
identificação, conforme detalhes na ilustração 3. Essa catraca
22
é vigiada de perto
por um trabalhador da empresa terceirizada. A empresa presta serviços de
vigilância por toda área circunscrita e utiliza mão-de-obra dos vigilantes. Além
disso, em alguns locais e horários há câmeras de vídeo gravando qualquer
movimentação. O trabalhador terá acesso às dependências da empresa se
possuir seu cartão de identificação que é magnético. Caso tenha esquecido seu
cartão pessoal, este trabalhador receberá um provisório. Em futuras reincidências
do fato será novamente fornecido outro cartão provisório, entretanto, será feita
22
Nome que os trabalhadores atribuem ao dispositivo eletro-mecânico, muito similar ao utilizado
em alguns ônibus circulares em algumas grandes capitais brasileiras.
76
notificação através de código eletrônico digitado na recepção geral por
atendentes, que anotam o motivo. Essas observações são registradas no fim de
cada mês em um relatório de todas as ocorrências do trabalhador que possui
aquele cartão. Do relatório, consta o registro de sua presença e horário: toda vez
que ele entrar e sair estará registrada num sistema de controle salarial e de
desempenho mensal – horas-extras autorizadas ou não, esquecimentos, férias,
faltas, saídas antecipadas, entradas atrasadas, hora de almoço longa. Tudo que
se refira à utilidade de quem entra e assegure, garanta a utilização da força desse
trabalhador em seu máximo de tempo. O guardião é eletrônico e nada escapa a
ele. Um exemplo do controle exercido pelo cercamento está presente na fala do
Djavan – Analista georeferenciamento, trabalhador que por característica da
atividade, está constantemente utilizando veículo fora das dependências da
empresa.
Não!!!Hoje é rua, se você tiver com o carro no supermercado; dando
carona; com parente; fora de rota; se demorar muito, tem que justificar. E
eles fazem a checagem, mas só fazem se der algum problema. Aí eles
têm como recuperar os dados e punir. Em alguns casos não tem mais
aquelas advertências escalonadas, primeiro uma advertência, depois um
balão de um dia, depois de dois dias, e depois de três dias, caso o
trabalhador seja reincidente. Aí ocorria a demissão, e ainda assim você
negociava um acordo para sair sem justa causa. Agora! É rua sem
conversa. Tchau! Mesmo. Mas ainda há casos em que a chefia interfere,
então depende da chefia, se você tiver um supervisor gente boa, pode
até te aliviar, mas é difícil para eles também.
Como se pode observar nessa fala, o cercamento se estende para além dos
muros. A empresa tem muros com aproximadamente três metros de altura, de
modo que quem está de fora não tem a visão de quem está dentro, não é possível
ver o que está sendo feito, os muros limitam a visão dos externos à empresa,
somente aos que trabalham ou visitam esporadicamente é lícito ver. Nem mesmo
a entrada principal permite um olhar da empresa. Para quem chega de veículo,
existe estacionamento reservado aos visitantes. Não há uma porta frontal para
quem procura a empresa andando (ilustração 2). O acesso de pessoas à
estrutura arquitetural da empresa é feito pela entrada de veículos e uma porta
lateral dá acesso a uma sala retangular com duas básculas de vidros aramados e
com uma série de cadeiras. Em frente às cadeiras, três pessoas recepcionam os
visitantes. Perguntam ao visitante – e registram em computador – o motivo da
77
visita e quem irá encontrar, conferem por telefone se o trabalhador conhece o
visitante, se irá recebê-lo na portaria ou nas dependências da empresa, caso
contrário não poderá entrar.
Ilustração 2 Entrada principal da empresa
Fonte: Mateus Toscano
Permitida a entrada, faz-se o registro do nome e número de documento e do
nome do funcionário ou setor que irá visitar. A catraca é eletrônica e, para o
funcionário que vem de carro, é obrigatório passar o cartão no registrador e
esperar o portão em forma de haste se abrir; para os visitantes que necessitam
entrar com veículo, o caso das empreiteiras, deverá ser feito o procedimento
normal de qualquer visitante. O cercamento é detalhista, minucioso, com a
preocupação primordial de preservação da segurança. Contudo, ainda existem
falhas em relação à segurança que são atestados por um fato recente relatado
pelo Djavan – Analista de Georeferenciamento.
Estes dias aconteceu um fato intrigante. A esposa de um empregado foi
seqüestrada na rua dirigindo seu veículo, e os seqüestradores entraram
na empresa utilizando o crachá do marido, que estava de folga, mas o
crachá estava no carro. Eles entraram no banco e só não conseguiram
dinheiro porque deu um problema no cartão do banco e não
conseguiram sacar. Eles procuraram o gerente e ele disse que não
poderia resolver o problema, que ela teria que ficar sem o dinheiro até
resolver o problema do cartão, ou seja, quando chegar um novo cartão.
Aí os seqüestradores saíram como entraram e ninguém desconfiou.
78
Ilustração 3 - Dispositivos eletro-mecânicos de controle de entradas e saídas.
Fonte: Mateus Toscano
Dispositivo de
liberação para
Saída com
veículo.
Dispositivo de
liberação e
registro de
entrada e saída
Trabalhadores e
visitantes
Dispositivo
de registro
de entrada
com veículo
Este mesmo trabalhador ao relatar esse fato, não percebendo como minúcias das
disciplinas que o moldam, sugere ainda um aperfeiçoamento.
Eu acho que seria melhor um daqueles sistemas que utilizam foto e
impressão digital. Mas normalmente está mais difícil entrar na empresa.
Nas áreas estratégicas, têm câmeras e vigilantes que ficam armados à
noite. Mas durante o dia não usam arma. O controle aumentou, está
mais rigoroso. Não dá para sair como antigamente.
Foucault (2003a, p.122) esclarece que à medida que se concentram as foas de
produção, “o importante é tirar delas o máximo de vantagens e neutralizar seus
inconvenientes (roubos, interrupção do trabalho, agitações, cabalas); de proteger os
materiais e ferramentas e de dominar as forças de trabalho”. Esse cercamento foi
crucial para o impedimento, por parte da empresa, das manifestações que por
vezes culminavam em paralisação geral como “a maior greve do setor elétrico em
junho de 1990 que atingiu 90% das empresas do grupo Eletrobrás, sendo que as
exceções foram a Escelsa e Furnas (base Rio e Campos)” (RIBEIRO, 2005, p.
123). Os embates físicos entre os trabalhadores que defendiam seus interesses e
os gerentes ou policiais, os quais tentavam assegurar a entrada e saída dos
79
trabalhadores que queriam desarticular o movimento liderado pelos sindicatos, se
davam em frente às entradas e saídas da empresa. O cercamento foi fundamental
para o sucesso da empresa em alguns momentos, em outros momentos se
revelou uma arma para os trabalhadores na medida em que estes se postavam
como barreiras humanas nesses locais estratégicos
23
. Já que o cercamento não
possibilitava outro acesso senão aqueles pré-estabelecidos, estes acabaram por
ajudar na paralisação de 32 dias por reposição salarial, iniciada em agosto de
1990, sendo esta a última greve da categoria no século passado. Contudo, o
mesmo dispositivo das disciplinas possibilita a operação de retenção dos
trabalhadores que, durante qualquer movimento de paralisação reivindicatório,
são obrigados a permanecer trabalhando nas dependências da empresa. A
empresa lança mão do 11º artigo da Lei 7.783
24
de 28 de junho de 1989 que lhe
permite tomar medidas de retenção de trabalhadores, quando a ausência deles
puder acarretar prejuízos à população, ou seja, retenção por ser um serviço de
natureza essencial. Baiôco, então presidente do sindicato dos eletricitários,
durante a assembléia de 20 de fevereiro de 1987
25
expressou sua indignação
quando diz ficar chateado porque os “trabalhadores tiveram que trabalhar durante
a greve por força das circunstâncias alheias à nossa vontade”. No movimento
grevista no setor de energia, quem estava fora dos muros da empresa não entra,
mas quem estava dentro não podia sair. O fato se repetiu em dezembro de 2005,
quando os trabalhadores romperam com a preocupação de serem demitidos e
decidiram em assembléia por uma paralisação de um dia. O sindicato alegou que
a empresa estava adiando as negociações do acordo coletivo. De fato, a data
base para negociação dos acordos coletivos é novembro, e a empresa por duas
vezes solicitou adiamento, chegando a estabelecer a data do dia 09/12/2005
como nova data para o acordo. Os dirigentes do sindicato entenderam como
ausência de interesse da empresa em reconhecer como parte da pauta de
23
Um exemplo foi no caso da criação de espaços alternativos de entrada e saída dos
trabalhadores que queriam furar a greve não aderindo ao movimento. Depois do término da greve
os sindicatos exigiram o fechamento destes espaços que denominaram de pelego-dutos.
24
Nos serviços ou atividades essenciais, os sindicatos, os empregadores e os trabalhadores ficam
obrigados, de comum acordo, a garantir, durante a greve, a prestação dos serviços indispensáveis
ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade.
25
Ata da assembléia geral de 20 de fevereiro de 1987. Arquivo do Sinergia - ES
80
negociações o item da garantia de emprego. Eles estavam preocupados com a
nova movimentação de reestruturação com o nome de projeto vanguarda. Apesar
de não constar nesse projeto explicitamente redução de postos de trabalho, a
diretoria do sindicato decidiu antecipar as discussões sobre o que seria o ponto
principal nos processos de reestruturação anteriores, já que em anos anteriores
sistematicamente havia redução de postos de trabalhos e conseqüente convite à
demissão voluntária. Dessa forma, a manutenção do emprego assumiu contornos
de ponto chave para fechamento do acordo coletivo para 2005/2006 (ENERGIA,
2005, n 364). Como forma de pressão e para fazer constar na pauta das
negociações a garantia dos empregos, os trabalhadores decidiram por paralisar
as atividades, o que foi realizado com significativo sucesso no dia 05/12/2005,
com a adesão de 100% dos trabalhadores do Centro Operativo de Carapina. Os
trabalhadores lançaram mão do dispositivo disciplinar de cercamento, construindo
uma barricada nos dois únicos acessos ao centro operativo da empresa
(ilustração 1), e que pode ser visualizado de outra forma na ilustração 4, quando o
dispositivo do cercamento foi utilizado pelos grevistas
Ilustração 4 Vista ampla do fechamento entrada e saída principal – greve de um dia
Fonte: Sinergia - ES
81
Essa estratégia impossibilitou a qualquer trabalhador acesso a seu posto de
trabalho, mesmo que desejasse. Aos trabalhadores em cargos de gerência ou
supervisão não foi diferente. A concentração em dois pontos de entrada e saída
ocorreu devido à intensificação do cercamento na retirada das entradas e saídas
alternativas
26
. Na reestruturação física ocorrida em 1997 a empresa fechou
definitivamente esses pontos estratégicos, alegando necessidade de maior
controle, e as alternativas traduziam-se em maiores pontos para controlar,
acarretando vulnerabilidade e aumento de custos. Na mesma oportunidade, o
tamanho dos muros foi elevado a três metros de altura, sendo instaladas, ainda
para maior segurança, cercas de arame farpado sobre eles. Essas reformas
possibilitaram o posicionamento estratégico de um veículo caminhão em frente a
entrada principal(ilustração 4) e vários veículos na entrada secundária
demonstrado na ilustração 5, aliadas a queima de pneus e amarração de cordas
cobertas por graxa impossibilitando a entrada de qualquer trabalhador.
Ilustração 5 Fechamento da entrada e saída secundária – greve de um dia
Fonte: Sinergia - ES
26
Os trabalhadores e membros dos sindicatos apelidaram estas entradas e saídas alternativas
como sendo pelegodutos. Fazendo clara alusão ao fato de só utilizarem aquelas alternativas os
trabalhadores que optaram por não aderir ao movimento decidido em assembléia geral,
pejorativamente chamados de pelegos.
82
Essa é uma amostra do que se é possível produzir no exercício do cercamento,
quando assume movimentos que se torna o dispositivo que irá garantir o
funcionamento da maquinaria de produção de corpos dóceis; e em outros
momentos, assume antagonicamente instrumento de luta, de resistência, de
fratura, de rompimento com as formas de gestão. Um dia após este movimento
em entrevista ao José Carlos Pigatti, atual presidente do Sinergia, sindicato
representativo dos eletricitários, expressou a dimensão da ruptura e qual forma
assumiu para a direção da empresa, de que forma afetou as pessoas que
[...] sequer poderiam supor que trabalhadores de uma empresa
privatizada entrariam um dia em greve. O negociador ficou admirado
com a adesão ao movimento. Eles não estão preparados para estes
movimentos, acreditavam que seria muito difícil as pessoas aderirem,
pois o medo de perder o emprego falou mais alto por 15 anos.
Essa fala foi reforçada pela atitude dos representantes da empresa ante aos
portões fechados pelo sindicato. Na tentativa de abrir os portões, solicitaram aos
vigilantes da empresa terceirizada que o fizessem. Os vigilantes negaram a
abertura dos portões, alegando não possuir autorização formal do único
representante prescrito para tal procedimento, pois este se encontrava em São
Paulo e a prescrição exigira sua presença física.
Ilustração 6 Detalhes do funcionamento do cercamento
Representantes dos
trabalhadores
comemorando o
funcionamento do
cercamento
Representantes
da empresa
tentando a
liberação dos
portões
83
Fonte: Sinergia - ES
Os detalhes, as minúcias do controle que é exercido no cercamento escapam à
própria utilidade para a qual se criou. Para o perfeito funcionamento do
cercamento, os vigilantes não podem simplesmente reconhecer pessoas e
submeter-se a sua obediência. O funcionamento do cercamento exige regras,
prescrições, rituais, que, mesmo diante da identificação como trabalhadores da
empresa e sua identificação como autoridade, se não for aquela específica que
ninguém além dos envolvidos sabe, resultará em impedimento ao
encarceramento. É somente no exercício que as disciplinas se mostram,
assumem formas, mesmo que passageiras.
O corpo do trabalhador submetido ao cercamento, no qual é exercida uma
microfísica do poder que reduz suas resistências e aumenta sua utilidade
econômica, não percebe seu aprisionamento, muito menos a intenção de
neutralização das forças contrárias à produção, de dominação de sua força de
trabalho. Ao contrário, assimila esse dispositivo como preocupação, interesse por
parte da empresa em protegê-lo, e a seus equipamentos e estrutura. Esses
trabalhadores acabam por entender que o cercamento é de extrema necessidade
e sem ele não seria possível a produção. Mas temos que admitir que o corpo
resiste, que produz formas de vida que escapam ao exercício dos dispositivos.
Fez-se uma tentativa de tomar como referência as teorias administrativas que
envolvem a gestão de pessoas, principalmente com o propósito de busca de
algumas dessas teorias que poderiam se referir diretamente ao cercamento. Não
se encontrou nenhuma que estabelecesse explicitamente a condição primária de
cercamento dos indivíduos. Entretanto, as práticas em gestão de pessoas
elencadas por Chiavenato
27
(2002) e estudadas por Olivier (2004) podem mostrar,
se refinarmos o foco de análise, uma preocupação indireta com as regras
27
Novamente será reforçado que a citação desse autor deve-se ao fato de ele ser um dos autores
mais utilizados nos cursos de graduação. Deve-se esclarecer que, em hipótese nenhuma é o autor
norteador desse estudo.
84
estabelecidas pela organização no que se refere ao local demarcado e cercado. O
trabalhador que porventura for recém escolhido a fazer parte da empresa deverá
ser submetido ao primeiro treinamento no qual as regras pertinentes à obediência
irrestrita ao limites estabelecidos e às normas de conduta dentro do espaço da
instituição e até mesmo fora dela em casos de cargos que representem a
empresa em outros círculos sociais, são intensificadas, repetidas, massificadas.
Regras que são enfatizadas no processo que as políticas de gestão chamam de
integração (CHIAVENATO, 2002, p. 262-263). Esse processo compreende
mostrar ao trabalhador o setor no qual irá produzir e as regras gerais de conduta
profissional na empresa, e regras de comportamento dentro do espaço delimitado
e controlado pela empresa. A partir do momento que o trabalhador entra no local
demarcado, cercado e que está sob controle da empresa, deverá ter seu
comportamento modelado às regras de boa conduta estabelecidas em normas
internas de conduta. Tais regras são estudadas pelo empregado e
freqüentemente reforçadas no cotidiano, com micro-punições, no caso de desvios,
executadas pelos superiores hierárquicos. Assim, dentro do local cercado existem
regras que buscam moldar o comportamento do sujeito, o cercamento delimita
fisicamente o espaço geográfico de atuação legal. Dentro dos limites, o
trabalhador estará sujeito às penas para transgressões ao comportamento
padrão. Alguns trabalhadores como o Rayol – Supervisor de operações, chegam
a utilizar a expressão: “dentro da empresa sou uma coisa, lá fora, sou outra”. Ou
então, quando o Djavan – Analista de georeferenciamento, se refere ao
comportamento de seu companheiro de trabalho: “ele aqui é na empresa é uma
pessoa, lá fora ele é bem diferente, é gente boa”. Olivier (2004, p.60) esclarece
que a integração é encarada como ritual de iniciação, “[...] no qual é apresentada
a empresa, sua normas, seus regimentos, seus compartimentos, funções bem
como seus companheiros de trabalho, suas atividades, seus direitos e deveres
organizacionais”. Nessa fase, são apresentados aos trabalhadores os limites
físicos nos quais as regras devem ser seguidas, ou seja, na área cercada,
delimitada, circunscrita.
Há que se considerar que atualmente as regras ditadas pelas empresas podem
extrapolar seus muros, chegando a estar presentes em outras instituições e locais
85
onde, à priori, não manteriam relação com a empresa, como nos locais públicos,
em encontros sociais onde se reúne um representativo número de trabalhadores
da empresa. Mas o que se quer enfatizar neste momento é que, no local cercado,
demarcado, as regras são exercitadas cotidianamente. É nestes locais que se
estabelece a maquinaria das disciplinas, que impõem uma relação de docilidade-
utilidade. Mas para a eficácia das disciplinas se faz necessário um segundo ato.
4.2.1.2 O quadriculamento ou clausura
O segundo dispositivo da distribuição espacial no exercício das disciplinas são os
quadriculamentos ou clausuras. “Estes trabalham o espaço de maneira muito
mais flexível e mais fina” (FOUCAULT, 2003a, p.123). Não há constância no
principio da clausura, o que se procura é a localização imediata, encontrar cada
indivíduo em seu posto de trabalho e, em cada posto, um trabalhador.
Cada indivíduo no seu lugar; e em cada lugar, um indivíduo. Evitar as
distribuições por grupos; decompor as implantações coletivas; analisar
as pluralidades confusas, maciças ou fugidias.
[...] importa estabelecer as presenças e as ausências, saber onde e
como encontrar os indivíduos, instaurar as comunicações úteis,
interromper as outras, poder a cada instante vigiar o comportamento de
cada um, apreciá-lo, sancioná-lo, medir as qualidades ou os méritos.
Procedimento, portanto, para conhecer, dominar e utilizar. A disciplina
organiza um espaço analítico.(FOUCAULT, 2003a, p. 123)
Na empresa, o quadriculamento não é nada diferente do de outros tipos de
instituições, como escolas, igrejas, hospitais, quartéis. Fayol (1970) também
observou o aspecto da clausura nas organizações industriais, contudo formulou a
idéia em forma de princípio da ordem social, sendo esse o 10º princípio: o da
ordem, subdividido em dois tipos de ordem onde
É conhecida a fórmula da ordem material: Um lugar para cada coisa e
cada coisa em seu lugar. A fórmula da ordem social é idêntica: Um lugar
para cada pessoa e cada pessoa em seu lugar (FAYOL, 1970, p. 57)
Neste sentido, a divisão dos espaços tem sofrido aprimoramentos que são
percebidos como melhoria na qualidade de vida no trabalho. Após oito anos da
86
privatização da empresa, o enxugamento ou downsizing (achatamento da
estrutura organizacional), que hoje é sinônimo de demissão, atingiu também o
aspecto arquitetural com a venda do edifício sede no centro de Vitória-ES,
localizado na rua Sete de Setembro. Nesse edifício estavam locados os
trabalhadores de nível estratégico, os executivos da empresa. Grande parte do
contingente de trabalhadores do edifício sede foi transferido para o C.O.C –
Centro Operativo de Carapina, bairro do município da Serra - ES que pertence à
região metropolitana de Vitória, uma mudança de aproximadamente 20 km. Os
trabalhadores que compõem os cargos da cúpula decisória, como o presidente,
os diretores, os superintendentes, estão locados em salas alugadas no Ed.
London Tower, na Enseada do Suá, em Vitória. Entretanto, com intensa
freqüência, permanecem em São Paulo na sede da Bandeirantes, empresa
participante da Holding EDP de Portugal, onde são realizadas as reuniões da
reestruturação de nome Vanguarda. Mas algumas transferências de
trabalhadores do nível estratégico para o local que foi concebido originalmente
para ser operativo aconteceram e, com isto, mudanças nos arranjos físicos foram
agilizadas. Contudo, o processo não foi muito rápido. Durante o ano da pesquisa,
foi efetuada a reformulação do prédio que chamaram de modelo para a reforma
dos demais, por se tratar de um tipo de construção arquitetural comum às demais
do C.O.C. Com a prática de redução sistemática do número de trabalhadores, não
foi necessária a construção de edifícios novos, portanto, permaneceu
praticamente a mesma quantidade de construções arquitetônicas do período
anterior à privatização. O que aconteceu foi uma remodelação dos locais, ou
como a Elizabeth – Gestora de recursos humanos, chama uma “humanização
para a melhoria da qualidade de vida”. Na ilustração 1 foi possível visualizar uma
macro localização dos edifícios e suas destinações segundo uma lógica de
utilização. A descrição de cada espaço arquitetural está na legenda ao lado da
planta de situação deles. Nesse documento vê-se que a empresa se resguardou
ao omitir a descrição detalhada de cada local. Para possibilitar o refinamento dos
dispositivos das disciplinas que o mapa indicou durante a pesquisa, é
demonstrada na ilustração a planta baixa de um edifício similar ao utilizado como
modelo de reestruturação física, onde constam divisões de salas de trabalho e
reuniões, locais de circulação.
87
Ilustração 7 Planta baixa de um dos edifícios e suas repartições
H=110
7
2
3
4
5
6
15
10
11
12
13
8
14
9
17
16
H=110
H=110
VÃO 370x90 H=105
D
AM AM AM
AA AA
AM AM
AMAMAM
AMAMAM
AMAM AM
AMAM
AMAMAMAM AMAM
AM AM
AMAMAM
AM
AM
AM AM
AM
AM
AA
AM AMAM AM
AM AM
AM AM AM
AA AAAMAM
135
70
135
70
AA
AM
AMAM AMAM AMAM
AMAM
AM
AM AM
AM
AM
AM
AA
AMAM
AM AMAM
AA
AA
AM AM
AM AM AM
AM
AM
AM AM
AM
AMAMAM
AMAM
AMAMAM
AMAMAM
AA AA AA
AA
AA
Fonte: Escelsa
Até 1997, as paredes que dividiam os espaços eram de alvenaria, estrutura que
não permitia a visualização de quem transitava pelos corredores, e outros locais
destinados à circulação, ou mesmo pelos espaços que compõem o quadro útil da
empresa. O anexo 5 detalha um corte vertical da estrutura, e no intuito de
demonstrar, o aproveitamento replicado do espaço físico em dois pavimentos,
otimizando a utilização da estrutura. Essa era a representação arquitetural típica
utilizada na empresa. Com a reestruturação física, o local permaneceu o mesmo e
as paredes de alvenaria deram lugar a divisórias compostas de aglomerado de
madeira, vidro e estrutura de alumínio, de forma que o vidro, instalado a uma
altura específica, permite ao campo visual humano uma visão ampla e ao mesmo
tempo individual. Refinando o olhar, encontra-se o nível mais próximo ao
trabalhador, o nível físico direto de atuação das reestruturações, o posto de
trabalho. Na ilustração 8 e também no anexo 6 e 7, são demonstradas salas
típicas de trabalho administrativo e a disposição dos móveis, destacando cada
posto de trabalho individual e a localização da estação de trabalho coletiva, onde
são permitidas reuniões de pessoas.
88
Ilustração 8 Planta baixa do modelo de distribuição dos postos de trabalho
17
4
18
1078956 11
121413
16
15
PLOTER
BANCADA
GAV.
BANCADA
GA
BANCADA
V.
0.25 3.20 0.150.900.15 11.31 0.15
9.30
3.83
4.50
BANCADA
GAV.
165
75
135
75
165
75
135
75
165
75
135
75
165
75
135
75
135
135
165
165
165
75
135
75
165
75
135
75
165
135
135
165
165
135
B
A
C
Exemplo de Posto
de Trabalho
A
Fonte: Escelsa
Em cada espaço há regras específicas. Como exemplo, temos: o espaço A na
ilustração 8 é destinado aos serviços de secretariado ou de apoio, onde só é
possível alocar um trabalhador por posto de trabalho em que exercerá, além de
outras, a função de filtragem de acesso dos demais trabalhadores da empresa às
outras salas. Não é permitido acesso àquele que não se identificar, e mesmo o
fazendo, a pessoa deverá aguardar a autorização de seu atendimento por
daquele a quem procura. O espaço B da ilustração 8 retrata um espaço coletivo,
com os equipamentos necessários a execução de trabalhos que demandem
discussões, negociações, relatos em grupos, amostras, pequenas palestras e
apresentações. Esse espaço, também tem regras de utilização específicas e
controladas pelo trabalhador que secretaria a unidade produtora. O espaço C é o
típico espaço destinado ao trabalhador que exerce a função de supervisão. Pode-
se visualizar a estação de trabalho individual, com espaço físico do posto de
trabalho pouco mais espaçoso e com desenho que permite circulação flexível e
ainda uma pequena estação de trabalho coletivo, para reuniões com grupos
menores, ou decisões que demandem espaço livre para análise, como abertura
89
de plantas, mapas, procedimento comum na maioria das atividades ligadas ao
setor de energia elétrica. Segundo o Ronaldo – Projetista estrutural, um dos
trabalhadores responsáveis pelo projeto e disposição dos postos de trabalho, “não
há uma regra fixa para o arranjo do posto de trabalho, o que permanece em todos
é o sentido de funcionalidade, visibilidade e otimização dos espaços”. Na
reestruturação, o novo modelo arquitetural visível na ilustração 10, retira as
paredes de alvenaria visíveis na ilustração 9, e instala divisórias com vidros que
permitem a passagem de luz e do olhar, de maneira que o supervisor, ou qulquer
outro trabalhador, estando em outra sala, lhe é possível checar a presença ou
ausência do trabalhador, bem como toda sua movimentação, com que constância
se ausenta do posto, se há reuniões não permitidas. Com a facilidade de um
simples olhar é possível saber qual trabalhador está constantemente fora de seu
posto, tomando café, se reunindo informalmente, e com o exercício das micro-
punições as regras acabam por ser internalizadas.
Ilustração 9 Estrutura de alvenaria – modelo anterior à reestruturação
Fonte: Mateus Toscano
90
Ilustração 10 Estrutura transparente – Modelo estrutural adotado na reesruturação
Fonte: Mateus Toscano
4.2.1.3 A localização funcional
Vê-se que a idéia de posto de trabalho das teorias da administração,
principalmente no modelo de produção fordista-taylorista, enfatiza as localizações
mínimas, sendo as estações de trabalho reduzidas “[...] a ponto de [que] um, e
somente um trabalhador seja necessário para execução das atividades”
(TAYLOR, 1987, p. 114). Em Motta (2002, p. 39) encontram-se sintetizadas as
idéias básicas da Escola Clássica da Administração. Uma delas estabelece que
“[...]quanto mais dividido o trabalho em uma organização, mais eficiente será a
empresa”. O processo de gestão de recursos humanos estabelece a criação de
cargos como ferramenta para designar as atividades que o ocupante daquele
posto deverá realizar, bem como pode descrever, por exemplo, os aspectos
psicológicos, de raciocínio quantitativo e conhecimentos técnicos mínimos
relativos à atividade (CHIAVENATO, 2002). Para tanto, normalmente se faz uma
descrição de cargos, na qual todos os aspetos relativos àquele posto de trabalho
estarão descritos. Essa descrição servirá desde o processo de seleção do
trabalhador que irá ocupar o posto, até a avaliação de desempenho no exercício
91
da atividade. Quando buscamos evidenciar que há um refinamento desse
dispositivo, percebemos com clareza, no relato do Ronaldo – Projetista estrutural,
que é o trabalhador que estuda o arranjo físico de cada posto de trabalho
segundo sua utilidade e função, fica evidente que os pequenos detalhes são
observados, não se restringindo ao que está prescrito para o ocupante daquele
espaço, mas o exercício das relações de poder determinam sua disposição.
[...] utilizar critérios não prescritos para disposição das mesas, cada lugar
tem sua função determinada hierarquicamente. Isto não está escrito em
lugar nenhum, e nem pode. Nós conversamos com o pessoal e
escolhemos o local, o tipo de mesa, a combinação entre as mesas e a
composição mais eficaz para o funcionamento. A mesa do chefe tem
este detalhe, a do supervisor tem esta ondulação frontal que a
caracteriza, as dos peões são estas ilhas mesmo.
Tanto na ilustração 7, quanto na ilustração 8, é possível verificar a organização
funcional, estes lugares são as estações de trabalho. “Lugares determinados se
definem pra satisfazer não só a necessidade de vigiar, de romper as
comunicações perigosas, mas também de criar um espaço útil” (FOUCAULT,
2003a, p. 123). Nesses espaços estão determinados não somente o local onde o
trabalhador permanece, mas também o local dos equipamentos de uso coletivo e
pessoal, os armários com material de consumo natural das atividades. Nas
estações de trabalho, mais tarde, se verificará com facilidade a presença e
ausência do trabalhador. Com as paredes de alvenaria sendo substituídas por
paredes de vidro (ilustrações 9 e 10), o trabalho de vigilância é facilitado, pois ao
percorrer o corredor central do prédio é possível, ao mesmo tempo, realizar a
vigilância geral e individual; constatar a presença, a aplicação do trabalhador ao
serviço, a qualidade de seu trabalho, comparar os trabalhadores entre si,
classificá-los segundo suas habilidade e agilidade, acompanhar os sucessivos
estágios de execução dos serviços.
Nos anexos 6 e 7, tem-se exemplos de plantas das estações de trabalho mais
comuns no ambiente organizacional modelar da empresa. Esta disposição em
ilhas, onde cada trabalhador trabalha frontalmente entre si, é o modelo de arranjo
físico dos postos de trabalho do operário de escritório, e com detalhes que
passam despercebidos dos trabalhadores. Como é o caso de pequenos detalhes
92
nos móveis, seu formato, sua disposição na sala, seu local estratégico para
vigilância. Estabelecem-se hierarquias de estação de trabalho segundo
classificação de competências, responsabilidades, habilidades.
Ilustração 11 Modelo de ilha de trabalho administrativo.
D
B
C
A
Fonte: Mateus Toscano
As seriações formam quadriculados permanentes que permitem desfazer as
confusões; o processo de trabalho se articula segundo suas fases, como na
ilustração 11, onde os trabalhadores que estão alocados nos postos de trabalho à
direita, ou seja os postos identificados com A e B atendem à região delimitada
geograficamente como norte do Espírito Santo, sendo que o trabalhador do posto
executa serviços que depende de constantes visitas às instalações externas à
empresa, já o trabalhador alocado no posto B executa serviços internos,
permanecendo maior tempo na empresa. Os serviços são interligados e
separados pela região de atuação. Os trabalhadores que ocupam os postos C e D
executam os mesmos serviços dos postos A e B, sendo que a região de atuação
é a sul do estado. Um outro conjunto de postos de trabalho similar a este e com a
mesma disposição, com as mesmas funções é alocado ao lado dessa ilha de
trabalho, sendo que a região de atuação é a metropolitana. Esses postos de
trabalho estão organizados segundo funções específicas, com atividades
93
determinadas e controladas. A força de trabalho pode ser analisada em unidades
individuais. Foucault (2003a), em uma das alusões à técnica de distribuição
espacial dos corpos, compõe as disciplinas como sendo a arte de dispor em fila, e
da técnica para transformação dos arranjos. Ela individualiza os corpos por uma
localização que não os implanta, mas os distribui e “os faz circular numa rede de
relações”. Organiza-se uma economia do tempo de trabalho. Faz-se funcionar os
espaços da empresa como uma máquina de produzir, mas também de vigiar, de
hierarquizar, de recompensar. A individualização dos espaços, como forma de
resolução de conflitos e aumento da utilidade, ganhou forma na fala do Augusto –
ex gestor de recursos humanos, quando interrogado sobre as mudanças
percebidas por ele nos arranjos físicos.
Eu, por exemplo, fiz muitos cursos na área de informática, porque em
pouco tempo nós passamos por esta disputa de um computador para
seis pessoas, uma briga para usar o computador, todo mundo
começando a aprender a usar, passando disto para cada pessoa na área
de recursos humanos, especialmente, ter um computador. Que dizer,
você não compartilhava o equipamento com ninguém, cada um tinha o
seu, e o estágio de avanço disto aí é que produz.
A prática de individualização do corpo ao posto de trabalho foi uma novidade para
o momento histórico analisado por Foucault, quando este traça um quadro do
século XVIII. É ao mesmo tempo técnica de poder e um processo de saber.
Entretanto, o contorno que assumem as práticas de distribuição na empresa é de
refinamento da técnica de distribuição. Munindo o posto de trabalho com
instrumentos individualizados, a empresa permite a ampliação do processo de
utilização da força de trabalho pelo próprio trabalhador, que, inserido na dinâmica
das disciplinas, não percebe a ampliação de sua utilidade, como ainda aparece na
fala do Augusto – Ex-gestor de Recursos Humanos.
Com o advento do computador [para cada um] isto se tornou um controle
completamente diferente, isto passou a ser feito automaticamente, por
que a partir do momento que a área de recrutamento, admitia alguém,
lançava no sistema, isto já alimentava um banco de dados, onde você
tirava relatórios do jeito que você queria. Se você queria com salário
você tirava, se você queria com ordem de setor você tinha, você tinha do
jeito que você quisesse. Como que as evoluções tecnológicas, este é um
exemplo na área de informática, mas em outros setores, por exemplo, a
empresa passou a fazer manutenções na área fim, em linha viva, isto
não era comum. A empresa não fazia manutenção em sistema ligados.
94
Mas em determinado momento ela passou a fazer manutenção em linha
viva isto é, para fazer isso ela precisou adquirir um equipamento
chamado Rothistiqui, que era um caminhão, que na época precisou de
uma pessoa sair para outro estado para fazer curso para operar este
veículo, um veículo todo equipado, todo diferente, moderno.
Inserindo pessoas nesses espaços complexos, as disciplinas organizam o
cercamento, as celas, os lugares e as fileiras que são espaços arquiteturais,
funcionais e hierárquicos.
São espaços que realizam a fixação e permitem a circulação; recortam
segmentos individuais e estabelecem ligações operatórias; marcam
lugares e indicam valores; garantem a obediência dos indivíduos, mas
também uma melhor economia do tempo e dos gestos. São espaços
mistos: reais pois regem a disposição de edifícios, de salas, de móveis,
mas ideais, pois projetam-se sobre essa organização caracterizações,
estimativas, hierarquias. A primeira das grandes operações da disciplina
é então a constituição de “quadros vivos” que transformam multidões
confusas, inúteis ou perigosas em multiplicidades organizadas
(FOUCAULT, 2003a, p. 126-127).
O quadro vivo, na ordem econômica, permite a medida de quantidades e a
análise dos movimentos dos corpos, tendo como função tratar a multiplicidade por
si mesma, distribuí-la e dela tirar o maior número de possível de efeitos. Permite
tratar o indivíduo enquanto indivíduo, mas também em uma ordem que considere
as multiplicidades constituídas. Foucault chama a distribuição espacial dos corpos
de uma técnica celular, base de uma microfísica de um poder, sendo condição
primeira para o controle e o uso de um conjunto de elementos distintos.
4.2.2 O Controle da atividade
Foucault vê no controle das atividades uma ferramenta que é exercida de forma
orgânica, como segundo movimento das disciplinas no exercício de uma
microfísica de poder: o corpo é suscetível de operações específicas, que têm uma
ordem, seu tempo de funcionamento, suas condições internas, seus elementos
constituintes. Para explanação do postulado, Foucault subdivide o controle da
atividade em cinco formas de funcionamento das disciplinas: O Horário; A
elaboração temporal do ato; A correlação do corpo e do gesto; A articulação corpo
e objeto e A utilização exaustiva.
95
4.2.2.1 O horário
Talvez um dos primeiros dispositivos a serem internalizados pelo corpo, e a
fazerem parte de um modo de resposta corporal mecanizado, sem que sejam
necessárias punições severas à sua obediência. O tempo útil deve ser medido,
regulado, vigiado, contabilizado. A jornada de trabalho para os trabalhadores da
empresa é de 40 horas semanais e o horário estabelecido para cumprimento
desse tempo, em que sua força de trabalho é alienada à empresa, inicia-se às
08h com término parcial às 12h para a principal refeição do dia, retornando às 13h
com término às 17h, o que perfaz oito horas de jornada diária de trabalho. A
Constituição Federal, em seu artigo 7º e especificamente no parágrafo XIII
estabelece como jornada normal de trabalho o espaço de tempo durante a qual o
trabalhador presta serviço ou permanece à disposição do empregador, com
habitualidade[...], no máximo de 8 horas diárias e 44 horas semanais, o que
presumiria uma meia jornada de 4 horas aos sábados. Na empresa não se exige
a presença dos trabalhadores aos sábados, mesmo porque não há atendimento
aos sábados. Nos acordos coletivos não consta nenhuma cláusula sobre a carga
horária reduzida em 4 horas. Em consulta informal aos representantes sindicais
do Sindes, a justificativa foi o fato de não haver expediente aos sábados e de ser
essa uma prática generalizada pelas empresas do setor no período anterior ao
processo de privatização que foi mantida até o momento.
Assim, a primeira tarefa que sistematicamente o trabalhador processa é o registro
de sua presença. O sistema de registro anterior à reestruturação era composto de
vários relógios, um ou dois por edifício, nos quais o trabalhador efetuava o
registro de sua presença, utilizando um cartão que, inserido nesse relógio
apropriado, era impresso com a data e horário na posição destinada. As
marcações deveriam ser ajustadas ao início da jornada, saída para almoço,
retorno do almoço e finalmente término da jornada, conforme a necessidade.
Quando se fazia necessária extensão da jornada, havia no cartão local específico
96
para registro, bastava ajustar o dispositivo mecânico do relógio de ponto
28
de
forma a permitir a impressão do início e término da jornada extra. Os registros
permitiam a contabilização que se processava mensalmente. Com base nesses
processamentos, efetuava-se o pagamento mensal segundo as horas trabalhadas
no referido período.
O primeiro parágrafo do artigo 459 da Consolidação das Leis Trabalhistas – CLT,
regime de relações adotado na Escelsa, estipula o limite de cinco dias úteis, após
o término do período de 30 dias, para pagamento mensal aos trabalhadores. Para
possibilitar o pagamento em tempo hábil, a apuração dos registros, em alguns
setores da empresa, era executada seguindo uma rotina de apuração semanal
por pessoas do próprio setor, e dependendo do setor, essa apuração era diária.
Todos os cartões, com registro das horas trabalhadas de cada trabalhador, eram
enviados ao setor de pagamento na gerência de recursos humanos da empresa.
Nesse setor, verificavam-se as inconsistências e processava-se a folha de
pagamento. O processamento demandava aproximadamente 72 (setenta e duas)
horas do sistema informatizado da empresa e normalmente comprometia os
demais sistemas, pois consumia tempo de máquina
29
, já que a empresa utilizava o
sistema de mainframe
30
. Além desses, outros problemas se verificavam com essa
forma de controle do horário. Serão destacados dois que foram considerados
mais relevantes: 1 - permite que trabalhadores efetuem registro de outros, pois o
cartão está disponível a qualquer pessoa. No cotidiano se constatou essa prática,
somente verificável com a denúncia espontânea de algum dos envolvidos, ou
mesmo com a vigilância e conseqüente denúncia de supervisores ou mesmo de
outros trabalhadores companheiros de setor. Trabalhadores, que por diversos
motivos, não conseguiriam chegar no horário correto ou mesmo saíssem antes do
término da jornada estabelecida, solicitavam a outro que efetuasse o registro, pois
28
Nome atribuído popularmente, pelos trabalhadores, ao relógio de registros da jornada de
trabalho.
29
Expressão utilizada pelos trabalhadores do setor de informática quando se referem ao tempo
que o computador central consome para processamento de um determinado conjunto de dados.
30
Sistema de processamento que centraliza todos os processamentos da empresa em uma
unidade física.
97
estariam dessa forma livres das micro punições descritas nas normas e estariam
certos de que não haveria corte em seu pagamento mensal; 2 – o alto volume de
processamento que demandava um proporcional número de trabalhadores nos
períodos de apuração dos registros, trabalhadores que se tornavam ociosos com
o término do processamento da folha de pagamento. Na fala do Augusto, Ex-
Gestor de Recursos Humanos, pode-se acompanhar esse movimento e a forma
que assume com as modificações.
Você inseria, eu me lembro que o sujeito batia cartão de ponto, e aí os
cartões iam para área de pagamento, e aí a área de pagamento tinha
que apontar, um monte de gente para fazer aquele trabalho e depois
inseria no sistema. A partir de um certo momento, não precisou mais
daquilo, porque a própria área inseria, depois foi o cartão magnético,
onde você só entrava e já estava alimentado todo o sistema, e tinha que
ver só as inconsistências depois. E tinha certas regrinhas muito bem
definidas na entrada que devagar foram eliminando até as
inconsistências. Você não pode ficar mais do tempo, se não for
autorizado não vai valer, tem que estar autorizado para fazer hora-extra.
Ele só vai entrar na empresa a partir de certo horário, se ele entrar antes,
ou se não tiver autorizado não vai valer. Tinha gente que chegava cedo,
para ler jornal e queria ganhar hora extra. Ou depois entrava na justiça
para ganhar hora-extra. Quer dizer, só estou dizendo o seguinte, a
evolução tecnológica, foi reduzindo um monte de trabalho, foi enxugando
muito as atividades e aí uma determinada pessoa passou a fazer
atividades que antes era necessário três, quatro, cinco pessoas fazendo.
Com a reestruturação, o controle do horário ocorre através do registro automático
com o uso dos cartões magnéticos. O trabalhador, ao entrar na área cercada e
utilizar o dispositivo eletro-mecânico que libera sua entrada à medida que registra
seu movimento, tanto de entrada quanto de saída, permite produzir o controle
necessário dos horários sem o esforço anterior. Foucault (2003a p.128) contribui
para essa análise quando enfatiza que: “A extensão progressiva dos assalariados
acarreta por seu lado um quadriculamento cerrado do tempo”. E quando detalha
sua análise quando chama atenção para o fato de
Se acontecer que os operários cheguem mais tarde que em quarto de
hora depois que tocar a campanhia [...];aquele companheiro que for
chamado durante o trabalho e que perder mais de cinco minutos...;
aquele que não estiver em seu trabalho na hora precisa[...](FOUCAULT,
2003a, p. 128)
98
Não é somente o fato de ter que obedecer ao sinal que marca a entrada e saída,
mesmo porque a empresa não utiliza esse instrumento, mas procura-se também
garantir a qualidade do tempo empregado: “controle ininterrupto, pressão dos
fiscais, anulação de tudo o que possa perturbar e distrair; trata-se de construir um
tempo integralmente útil”. Em determinados locais onde a concentração à tarefa é
requisito primordial, a utilização do tempo obedece a mesma lógica. Na empresa,
existem cargos que executam serviços em toda a malha de linha, que fazem a
distribuição de energia aos consumidores, sejam urbanos ou rurais. E o tempo de
trabalho deve ser monitorado a distância, já que o serviço é executado nas ruas,
avenidas, em bairros, vilas, propriedades rurais. A reestruturação buscou um
aperfeiçoamento do monitoramento disponível com avanços tecnológicos
recentes. Implantou-se o Sistema de Processamento Georeferenciado – GPS,
que consiste em equipar o veículo com um aparelho que permite sua localização
via monitoramento de satélite. Esse aperfeiçoamento é entendido como aumento
da segurança ao trabalhador. Esse discurso assume, em certos momentos, esta
forma na fala do Djavan – Analista de georeferenciamento, onde ele diz que
Para você ter uma idéia, eles estão melhorando para os eletricistas,
estão instalando sistema GPS [ele se referiu ao sistema de
posicionamento por coordenadas] nos veículos, onde cada movimento
dos eletricistas pode ser checado minuto a minuto. Os eletricistas
acabaram um serviço, eles sabem sua posição, passam outro serviço
mais próximo, e o próprio computador faz a escolha do caminho menor a
percorrer e depois é transmitido à equipe e quem controla já saberá, de
antemão, qual a distância e o tempo necessário para cobri-la, com isto
fica difícil o cara enrolar, e fica mais seguro para a equipe, porque se não
chegaram ao local naquele tempo previsto, imediatamente começam a
tomar providências para a segurança. Sabem quem está produzindo,
qual a atividade, onde está sendo executado o serviço com a chance de
erro de 5cm, quanto tempo levou a atividade, o deslocamento,
enfim...tudo que precisam saber.
A remuneração da força de trabalho poderá se processar mediante a medição do
tempo em que o trabalhador alienou sua força. “O tempo medido e pago deve ser
também um tempo sem impureza nem defeito, um tempo de boa qualidade, e durante todo
o seu transcurso o corpo deve ficar aplicado a seu exercício”(FOUCAULT, 2003a, p. 129).
O sistema de medição do tempo trabalhado influencia na remuneração da força
de trabalho. Mesmo que o sistema de remuneração seja por tarefa, este tem
como base o tempo necessário à execução da atividade. Um exemplo que atesta
99
a prática da empresa na remuneração aliada ao aspecto temporal está no sistema
de pagamento de alguns terceirizados, como os serviços de atendimento de
emergência, nos quais se estabelece contrato por Homem Hora – HH
31
. O valor
em moeda a ser percebido pelo trabalhador está numa relação direta com o
tempo em que o corpo do trabalhador fica disponível ao capitalista. Este só irá
remunerar pelo que foi medido, e essa relação por vezes é conflituosa.
Um conflito entre o tempo trabalhado e o tempo pago surge com a prática de
gestão do tempo extra trabalhado na empresa. A decisão tomada pelos gestores
foi de pagamento de horas extras somente requisitadas pela necessidade
comprovada. A comprovação se daria com a ciência prévia do supervisor imediato
e sua devida autorização oficializava-se no fechamento do relatório de horas
mensais. Nesse relatório, que é emitido através do sistema que monitora os
dispositivos eletro-mecânicos de entrada e saída, constam as horas a que o
trabalhador esteve sujeito quando nas dependências da empresa. Se não tem
autorização para a execução de horas extras, estas não serão pagas, mesmo que
a regra não esteja no acordo coletivo. Na prática, as horas irão para um banco de
horas
32
, onde cada hora extra trabalhada, e não autorizada, dentro do mês poderá
ser trocada por uma hora de folga. Se a troca ocorrer nos meses subseqüentes o
valor das horas extras trabalhadas dobram, ou seja, cada hora vale duas horas de
folga. Esta razão de duas horas de descanso remunerado por hora extraordinária
realizada consta no acordo coletivo em seu parágrafo primeiro da 4ª cláusula. Na
prática serve como incentivo à utilização do banco de horas, já que por lei
33
a
31
Para cálculo do valor a ser pago por uma unidade de Homem Hora, se utiliza o cálculo médio de
tempo em que um trabalhador devidamente treinado executa determinada atividade. Portanto, o
valor do HH é variável de acordo com a atividade, contudo, no cotidiano se utiliza a prática de
generalizações com intuito de facilitar a contabilização e controle. Em atividades estabelecidas
como similares, remunera-se com o mesmo valor por Homem Hora. Como exemplo hipotético, o
terceirizado recebe pela execução da atividade de uma ligação nova de uma unidade consumidora
em baixa tensão o valor de 1,5 HH; e para a atividade de desligamento de uma unidade
consumidora em baixa tensão o valor de 0,8 HH. Esta diferença foi estabelecida pela análise de
séries históricas de execuções das atividades.
32
A empresa adotou esse procedimento baseada na Lei nº 9.601/98.
33
Artigo 7º, Inciso XVI da Constituição Federal, estabelece que deverá ser paga no mínimo em
50% acima do valor da hora normal, percentual que poderá ser maior, por força de lei, de acordo
ou sentença normativa.
100
empresa é obrigada a remunerar horas extras com acréscimo de 50% no valor de
cada hora extra trabalhada. Nessa mesma cláusula do acordo constam as regras
para pagamento das horas extraordinárias, quando feito em moeda, que são: nos
dias úteis e nas duas primeiras horas, acréscimo de 50% à hora normal; nas
horas excedentes, acréscimo de 75% à hora normal; aos sábados domingos e
feriados, acréscimo de 100% à hora normal. Não houve alterações nessas regras
para pagamento, entretanto, ao introduzir as regras do banco de horas, e
incentivá-las através do exercício da supervisão, as relações no cotidiano
produzem no trabalhador novas preocupações que podem assumir diversas
formas. No contato com o trabalhador Djavan – Analista de georeferenciamento,
que tivemos uma reação clara. Ele, enrugando a testa, numa expressão de
repulsa, exclamou:
Há! Isto aí é um problema. Quando a empresa está precisando, você, ao
passar na roleta de entrada, digita o cód 95, e o sistema entende que é
pago e se paga o dobro da hora normal. Quando não foi solicitado pela
empresa, usa-se o cód 94 e não é pago, as horas vão para o banco de
horas, ou seja, se você fez uma hora extra e quiser folgá-la dentro do
mesmo mês, pode fazê-lo na relação uma por uma, ou seja, um hora
extra para uma hora de folga; se for compensá-la nos meses
subseqüentes, a relação muda para uma por duas, uma hora extra
equivale a duas horas de folga. Mas sempre tem serviço [...]
Para o Ramalho – Coordenador de inspeções, o controle do horário assume um
contorno impositivo e determinante.
Outro problema! Foi cortada hora extra, temos que usar o banco de
horas, já devo ter uns dois meses na casa. Não adianta, eles marcam
reuniões o dia inteiro, não tem como você chegar atrasado.
Novamente evidencia-se momentos de impotência diante das regras, mas
considerando que o controle não se torna absoluto. O corpo do trabalhador
submetido ao exercício das disciplinas é minado em sua força política de
resistência. Os controles eletrônicos do horário, aliados à supervisão sempre
presente, garantem a utilização eficaz do tempo pago, mas insisto, o trabalhador
resiste e formas de lidar com o controle são criadas. Esse exercício, por vezes,
produz ambigüidade nos discursos dos próprios trabalhadores, como em uma fala
anterior do Djavan – Analista de georeferenciamento sobre o controle do horário.
101
[...] não há este controle rígido, nós podemos chegar e sair a qualquer
hora, não temos aquela história de ter que chegar às 8h em ponto e com
tolerância de 10 minutos. Nós podemos chegar às 9h e sair uma hora
depois, por exemplo, só que não pode fazer isto sempre. Se precisar é
só comunicar ao supervisor o motivo que está tudo bem, só que ele não
gosta quando estas mudanças ocorrem sempre ou frequentemente.
Pode, mas com limites. Então a gente normalmente chega no horário,
sem maiores problemas.
Um outro contorno, que aqui se escolheu chamar de fuga, é assumido no
enunciado do Nelson – Supervisor de medição, um trabalhador próximo a se
aposentar e que foi encostado na sala dos esquecidos
34
pela gerência.
[...] o supervisor estava trocando os códigos das horas no relatório,
desmanchava o código 95 e reescrevia para código 94, por isto eu
passei a sempre ficar devendo horas para a empresa. Atualmente devo
36 horas, já que é sacanagem, vou sacanear, se eu precisar vou sair
mais cedo ou chegar mais tarde, vai pro banco de horas mesmo.
A extensão do afeto que esse enunciado tem para este mesmo trabalhador fica
mais visível quando, na seqüência, este assume contornos de sentimentos que o
próprio trabalhador dificilmente teria imaginado para sua vida.
[...] todo dia é uma tensão, me sinto muito isolado e triste, porque minha
dedicação anterior não conta mais. Eu até deixei minha família em
segundo plano em nome da empresa, e agora, esses caras, que não
conhecem minha história na empresa, fazem isto.
O controle do horário assume, nesse movimento, um contorno de dispositivo de
poder que ao ser exercido, produz subjetividades, produz um certo trabalhador.
Outras formas podem ser visualizadas e analisadas, mas demandaria cartografia
de novo território. Em movimento de retorno ao controle das atividades, o olhar se
concentrou no segundo ato deste.
34
Sala dos esquecidos é o nome que os trabalhadores atribuíram a sala 21 do prédio H, onde a
empresa mantém profissionais contratados normalmente, mas sem atividades. Encostado é a
denominação que os trabalhadores atribuíram ao sentimento cotidiano de trabalhar naquela sala,
pois na prática, não há função definida, não tem identificação das pessoas que trabalham na sala
como as demais na empresa e lhes são limitados acessos a alguns sistemas de comunicação
interna e externa.
102
4.2.2.2 Elaboração temporal do ato
O controle das atividades na empresa, dá-se a partir da observação que o
supervisor estabelece junto aos trabalhadores e da senha eletrônica que é
necessária para início dos trabalhos junto ao computador de uso pessoal, na
prática denominado de PC
35
. Quanto ao tempo de cada atividade, à primeira vista,
não é exercida muita medição. Entretanto, as metas anuais de produção são
estabelecidas por cada um e fiscalizadas pelo gerente, que chama um a um para
análise da diferença entre o que trabalhador estabeleceu e o que realmente
realizou. Para o gerente saber o que foi realizado é designado um funcionário
para digitar e distribuir e recolher os serviços destinados a cada um. Isso
possibilita um relatório, por dia, das tarefas executadas por cada trabalhador. No
relatório, é possível medir minuciosamente toda a produção. Consta data e hora
de entrega, detalhes importantes do serviço executado, data e hora do término do
serviço. É a partir do relatório que se estabelece, no final do ano, a participação
nos resultados – PR. Esta participação representa mais dinheiro para o
trabalhador, e o percentual para recompensa anual é estabelecido sobre um
salário base, sendo proporcional ao desempenho individual avaliado pelo gerente.
Quanto maior seu desempenho maior será sua PR no fim do ano, uma
recompensa financeira pela dedicação ao trabalho. E a partir daí novas metas são
estabelecidas para o próximo ano.
Com este sistema, a empresa cadencia os processos a um ritmo alucinante.
Acostumar os trabalhadores a produzir maior quantidade de trabalho em menos
tempo, requer uma ordenação coletiva, um programa que determine o ato e o
encadeamento deste. O documento denominado Procedimento Operacional
Padrão – POP, é a prescrição oficial na empresa que estabelece cada
movimento, sua duração e conteúdo a ser verificado. O anexo 1 é um exemplo
dessa descrição detalhada, em que cada passo que deverá ser seguido pelo
35
Uma derivação da língua inglesa de Personal Computer, que pode ser traduzido como
computador pessoal.
103
eletricista para execução, com eficácia, da atividade de ligação nova, com
lançamento de ramal para medição direta.
Para Foucault (2003a), entre as prescrições, um novo conjunto de obrigações é
imposto, um novo grau de precisão e decomposição dos gestos e dos
movimentos, uma nova maneira de ajustar o corpo a imperativos temporais. A
analítica do autor permite um detalhamento afinado às práticas de gestão
temporal do ato, como segue:
[...] um quadro geral para uma atividade; é mais que um ritmo coletivo e
obrigatório, imposto do exterior; é um “programa”; ele realiza a
elaboração do próprio ato; controla do interior seu desenrolar e suas
fases[...] Define-se uma espécie de esquema anátomo-cronológico do
comportamento. O ato é decomposto em seus elementos; é definida a
posição do corpo, dos membros, das articulações; para cada movimento
é determinada uma direção, uma amplitude, uma duração; é prescrita
sua ordem de sucessão. O tempo penetra o corpo, e com ele todos os
controles minuciosos do poder (FOUCAULT, 2003a, p. 129).
A cada intervenção ou consulta ao roteiro, o trabalhador é incentivado a propor
alterações com intuito de melhoria do desempenho. Um outro exemplo presente
no anexo 2 é o procedimento operacional padrão de número 799, no qual está
prescrita a forma de auto-avaliação de desempenho. Esse ritual de
preenchimento não está presente somente no instante em que o trabalhador se
auto-avalia. A partir da primeira vez que é estabelecido o ato de preencher o
documento, o trabalhador é afetado e inicia-se um processo diário de
internalização das regras necessárias para melhoria de seu desempenho, como
na fala do Viola – Projetista de redes.
Quando eles começaram a nos pedir para fazer a auto-avaliação, que
eles consideram somente 10% para efeito de remuneração, eles nos
mostraram através do que estavam avaliando no POP onde deveríamos
melhorar. Só que no ano seguinte eles queriam mais, aí é sacanagem!
Você dá duro para melhorar e no final eles exigem o impossível ou o que
não tem nada a ver com a gente. (autor ano data)
O discurso do desempenho está presente em grande parte das falas dos
trabalhadores. Diariamente, a cada tarefa, a cada movimento o trabalhador é
convidado a internalizar as regras temporais, e se estabelecer vínculo de
104
dependência com ela: este as refuga ou as persegue pela superação diária. Ao
vincular o salário à obediência e melhoria contínua descritas no documento,
consegue-se engajamento do trabalhador no processo de redução de suas
resistências e, por outro lado, uma intensificação da utilização de suas forças
produtivas.
A elaboração temporal do ato através da descrição dos gestos, presente nos
POP´s, transformam-se em um instrumento poderoso: exercido diariamente e a
cada instante, está presente em cada movimento do corpo que se adestra.
Exerce, ao mesmo tempo uma vigilância contínua, controlando os movimentos
dos corpos através destes; funciona como uma sansão normalizadora, pois a
punição ou gratificação se estabelece segundo seu desempenho; é um exame
que compõe os dois movimentos anteriores em um rito que permite qualificar,
classificar e, por fim registrar. No mesmo documento, constante do anexo 2,
pode-se verificar que cada atividade tem um peso diferente, mas nos pesos
percebe-se a importância que se dá a intensificação do trabalho. Treinamentos
são estabelecidos a partir da prescrição que descreve os gestos e movimentos,
como demonstra o Emílio – Coordenador de treinamento, ao comentar sobre as
formas de treinamento eficaz utilizadas pela empresa, tanto para os trabalhadores
efetivos na empresa, quanto para os terceirizados.
O treinamento de um novo eletricista segue a orientação do POP, e para
o treinamento dos eletricistas da empreiteira também, só que é ridículo
[...]
Um exemplo da utilização do POP como dispositivo de poder e saber ficou
constatado na enunciação do Ramalho – Coordenador de inspeções, ao relatar
um fato ocorrido no ano de 2004, onde
[...] tínhamos 150 mil inspeções pendentes, e estes serviços tinham que
ser executados até o final do ano e já era maio e nada tinha sido feito
pela empresa para mudar a situação. Aí contrataram uma empreiteira, e
esta recolheu eletricistas a laço no mercado, treinaram por três dias
estes eletricistas utilizando o POP e acharam que estavam prontos para
trabalhar. A atividade de inspeção requer alguns anos de experiência na
área específica de distribuição de energia, o profissional tem que saber
como normalmente se constrói um ponto de entrega, de que forma se
105
inspeciona, quais as diferenças entre os diversos tipos e necessidades
dos consumidores, este processo demanda no mínimo 6 meses de
treinamento, por que não é só questão de uma leitura das normas e em
três dias para tirar dúvidas que estarão prontos. Não deu outra, o
treinamento utilizando somente o POP foi um desastre.
O resultado, para a empresa, foi de atendimento à meta de inspeções
estabelecida para aquele período, metas que obedecem a padrões de
desempenho determinados pela ANEEL. Mas o desastre a que o Ramalho se
referiu foi a forma como que se chegou a esse resultado. Em seu relato do
processo escolhido, a empreiteira contratada para execução da tarefa urgente,
sub-contratou duas outras empresas, sendo que a primeira empresa deveria
executar os serviços autuando os desvios de energia (roubo de energia) pelas
duas envolvidas na sub-contratação. Para tanto, utilizou dois eletricistas com
experiência, remuneração maior, equipamentos apropriados, que possibilitavam a
execução de autuações dos desvios de energia com um desempenho muito
superior ao estabelecido no contrato; por outro lado, outra empresa foi sub-
contratada para fazer o mesmo serviço com eletricistas treinados em três dias,
com salários menores e equipamentos inadequados para execução das
atividades, e era de se esperar um desempenho abaixo do normal desta empresa.
Mas, ao unirem os resultados das duas sub-contratadas no relatório mensal, o
desempenho atingiria padrão considerados aceitáveis. Os responsáveis pela
contratação fizeram vistas grossas para essa prática, num primeiro momento, já
que a meta estabelecida pela ANEEL foi atingida. Entretanto, no momento de
efetuar os últimos pagamentos do contrato à empreiteira exigiu-se o cumprimento
da cláusula que se referia à qualidade, ou seja, exigiu-se a qualidade nos serviços
prestados. Esse era um requisito que o treinamento com o POP não possibilitava,
pois o pouco tempo em que os trabalhadores foram treinados comprometia o
saber-fazer inerente à função. As referências temporais do ato aparentemente
não estavam consolidadas nos corpos dos trabalhadores. Poderíamos supor que
o exercício do dispositivo foi negligenciado sob alegação imperativa de atender a
meta estabelecida. O contorno que o Ramalho – Coordenador de inspeções
estabelece em sua análise, é de que a reestruturação contribuiu para o
distanciamento do trabalhador, mestre em sua atividade cotidiana, das questões
relativas à gestão de sua atividade.
106
Para passar os detalhes de nossas atividades as pessoas, devido as
demissões e novas contratações, as pessoas precisam entender dos
processos, como era feito, como é feito agora; e também para fazer as
mudanças precisam ouvir quem executa, e eles acham que sou a ponte,
e de fato, está cada vez menor o número de pessoas que sabem como
funcionava a empresa estatal e como passou a funcionar com as
mudanças que vêm sendo feitas. Muita coisa foi mudando, muitas
pessoas saíram, e vai se perdendo com isto a história de como se
funcionava.
Mas essa forma de gestão não tem nada de novo, enquanto sistemática para
produção. Encontra-se a sistematização nos Princípios da Administração
Científica de Taylor(1987), que lembra insistentemente a necessidade de instruir o
trabalhador sistematicamente, com instruções escritas, minuciosas a respeito do
melhor processo de fazer cada tarefa. Os trabalhadores, no exercício das
atividades diárias, coadunam com a determinação da velocidade adequada ao
processo, os melhores movimentos, na análise do tempo conjugado com a
velocidade adequada a cada atividade. “As instruções de todos estes homens,
entretanto, são escritas em uma simples folha ou ficha de instrução” (TAYLOR,
1987, p. 114).
Dessa e de outras formas, a elaboração temporal do ato na forma de POP se
constitui um instrumento para o exercício do poder das disciplinas. O processo de
gestão das forças produtivas nesse exercício é facilmente articulado, tendo o
tempo como indicador para a sua máxima utilização. Em certos momentos
assume forma de ineficiência, em outros contribui para que haja eficácia e todo
um processo de acumulação de riqueza, pois não se espera universalidade em
um dispositivo. “Todas as linhas são linhas de variação, que não têm
coordenadas constantes” (DELEUZE, 1988, p. 4)
4.2.2.3 Correlação de corpo e gestos
A condição para a eficácia e rapidez está em impor a melhor relação entre gestos
e a atitude global do corpo (FOUCAULT, 2003a). Ao verter o olhar da eficácia no
mundo organizacional, especificamente para o campo do saber reconhecido como
Administração Científica, sendo a obra de Taylor (1987) fundamental para essa
analítica, encontramos a primazia pela atenção aos mínimos gestos dos
107
trabalhadores durante a realização de suas atividades. Para Arlindo de Oliveira
Ramos, tradutor dessa obra, o pioneiro nos estudos aplicados sobre gestos dos
operários em organizações industriais foi o engenheiro Frank B. Gilbreth. A
análise do autor da obra Field System (1908) partiu da experiência com cada fator
que, de algum modo, afeta a rapidez e a fadiga do pedreiro, eliminando
movimentos inúteis e substituindo movimentos lentos por outros rápidos.
Fixou a posição exata que ocupa o pé do pedreiro, em relação à parede,
com o balde de argamassa, com a pilha de tijolos, para evitar um passo
ou dois desnecessários da ida até a pilha e os correspondentes de volta,
todas as vezes que se assenta um tijolo. Estudou a altura melhor para o
balde de argamassa e para a pilha de tijolos; por fim, planejou um
andaime, sobre o qual devia ser posto o material todo, de modo que os
tijolos, o balde, o operário e a parede conservassem posições
relativamente cômodas. Os andaimes eram ajustados para todos os
operários por um trabalhador especialmente adestrado, conforme a
parede ia-se elevando; assim, o pedreiro economizava o esforço de
agachar-se muito, para apanhar os tijolos, a argamassa e se levantar em
seguida (TAYLOR, 1987, p. 81).
Portanto, o estudo de tempos e movimentos, com intuito de padronização de
métodos de execução de tarefas, foi uma inovação tecnológica naquele momento
histórico. Esse estudo não se fez presente no processo de reestruturação da
empresa, contudo, a prática das reformulações das estações de trabalho,
introduzindo equipamento de uso cotidiano individualizado, mesas e cadeiras
anatômicas, ambiente que facilite, dentro de limites estabelecidos, o trânsito e a
comunicação de pessoas, seja visual, escrita ou verbalizada, tem os mesmos
propósitos que os pertinentes àquele momento histórico. Na teoria da
administração científica de Fayol (1970), especificamente no 10º princípio, o autor
estabelece as ordens material e social como instrumento de organização da
relação entre o corpo do homem e o gesto quando em uso da máquina. A ordem
teve como resultado evitar o desperdício de material e de tempo. Posteriormente,
os estudos em Howthorne na Western Eletric (MOTTA, 2002) estabeleciam como
um dos alvos da pesquisa, analisar os movimentos dispendiosos e ineficientes na
execução do trabalho. Na seqüência, a análise dos gestos do trabalhador no
mundo organizacional assumia contornos de ciência com o grupo de
pesquisadores de diversas áreas compondo a escola das relações humanas
(FOLLET, 1997; MAYO, 1968; BARNAD, 1938; McGREGOR, 1967; MASLOW,
108
1943; HERZBERG, 1959). E, mais recentemente, mas não na mesma linha de
análise, saberes científicos, como a instituição aos estudos ergonômicos, que,
segundo Alvarez (2004, p. 63) “[...] a ergonomia é comumente definida como uma
disciplina que busca a adaptação do trabalho às pessoas”. Esses últimos estudos
derivam basicamente das análises feitas a partir das situações do trabalho
pesquisadas por demanda médica, como no caso do médico e psicólogo Ivár
Odone e seus colaboradores no Modelo Operário Italiano - MOI (1986) e por
Psicólogos como Chistofhe Dejours (1989). Análises subseqüentes dos efeitos
causados pela visão taylorista da organização do trabalho, que leva à
decomposição das atividades em uma sucessão de gestos, e tem como base a
automatização do trabalho em uma série de gestos definidos pelos serviços de
métodos. A forma para realizar o trabalho, determinada por regras, normas e
avaliações empíricas (elementos teóricos de previsão) leva ao chamado trabalho
prescrito, àquela predeterminada maneira como o trabalho deve ser executado.
Englobam-se, nessa maneira, o tempo alocado às operações, os modos de
operação, relacionados ao que é observável, aos gestos executados, as
manobras, relacionadas a uma forma padronizada e normalizada de
procedimento, as formas de utilizar as máquinas e os instrumentos necessários à
consecução da atividade (DANIELLOU, LAVILLE e TEIGER, 1983).
Na empresa analisada, a decomposição dos gestos é feita no POP, como
explicado anteriormente, e o corpo disciplinado é fundamental para a eficácia do
processo. O que se quer destacar é a tentativa de eliminação completa de gestos
inúteis, e a rotina rigorosa de acúmulo de atividades que não permite tempo de
ociosidade. Ao buscar a perspectiva Foucaultiana tem-se que o
No bom emprego do corpo, que permite o bom emprego do tempo, nada
deve ficar ocioso ou inútil: tudo deve ser chamado a formar o suporte do
ato requerido. Um corpo bem disciplinado forma o contexto de realização
do mínimo gesto. [...] Um corpo disciplinado é a base de um gesto
eficiente (FOUCALT, 2003a, p. 130).
Na busca da correlação entre corpo e gesto, constata-se a presença constante de
um objeto externo ao trabalhador. O objeto acaba por interferir na articulação dos
109
gestos e, por conseqüência, na eficiente utilização do tempo de trabalho. O que
nos leva ao próximo dispositivo.
4.2.2.4 Articulação entre corpo e objeto
O objeto largamente utilizado na instituição produtiva é genericamente
denominado de máquina. A correlação homem-máquina, anterior mesmo ao
sistema capitalista, mas intensificada por ele com o surgimento da produção de
máquinas que produziam máquinas, assume importância fundamental para a
produção, e o aumento da produção se baseia no intuito cristalizado de atender a
um movimento ascendente na demanda por diversos produtos pertinentes “[...]a
condições de modernidade produzidas por um processo particular de
modernização” (HARVEY, 2002 p.101). O objeto-máquina em correlação com a
vida do trabalhador está presente, conforme alerta Harvey, ao trazer o Manifesto
Comunista, onde Marx atribui à burguesia a criação de um mercado mundial, em
que a sujeição das “forças da natureza ao homem, do maquinário, da aplicação
da química à agricultura e à indústria, da navegação a vapor, das estradas de
ferro, do telégrafo[...], do surgimento de populações inteiras como por encanto”,
são premissas ao processo de acumulação de riquezas instituintes. Quando
Harvey (2002), analisa especificamente a relação Schumpeteriana do corpo e
máquina ante a inovação contínua desse período, chama atenção para
[...] a necessidade de manter o trabalhador sob controle na fábrica e de
reduzir seu poder de barganha no mercado (particularmente sob
condições de relativa escassez de trabalho e ativa resistência de classe)
também estimula o capitalista a inovar[...] O efeito da inovação contínua
é , no entanto, desvalorizar, senão destruir, investimentos e habilidades
de trabalhos passados[...] Não somente a vida da indústria moderna
passa a ser uma série de períodos de atividade moderada, prosperidade,
excesso de produção, crise e estagnação, “mas a incerteza e a
instabilidade a que as máquinas sujeitam o emprego e , em
conseqüência, as condições de existência, dos operadores se tornam
normais” (HARVEY, 2002, p. 102).
Para este último autor, a condição de inovações exacerbadas, a insegurança e
instabilidade de mercados levam o capitalismo a periódicos paroxismos de crise.
Nessa relação de inovação dos meios de desenvolvimento da produção, Marx
(2001 p.25) reafirma o domínio sobre os produtores e de exploração destes onde
110
“[...] mutilam o trabalhador, tornando-o um fragmento de homem, degradam-no ao
nível de um apêndice da máquina [...]”.
Sobre a reestruturação de 1997, na Escelsa, cristalizou-se na fala de Augusto –
ex-gestor de Recursos Humanos – que foi posta em prática uma forma muito
similar de inovação, mesmo para momentos históricos distintos.
ora! Se a empresa fez descrição em determinado momento, desde 68, e
ela passou por inovações tecnológicas, por alterações em vários
processos, o que tinha que ser feito era fazer a manutenção destas
descrições [...] o operador perdeu muito de sua importância no novo
plano, mas porque na própria evolução das atividades da escelsa o
operador ele foi perdendo sua importância por uma razão muito simples,
as subestações foram automatizadas, você controlava as subestações
remotamente, você entrava em uma determinada subestação e
controlava três, quatro, tudo de forma remota, então isto foi perdendo um
pouco a importância do operador.
Já na opinião do Jessé – Despachante de redes, o contorno que assume a
inovação está veiculado à exploração:
Com a contratação da Hay, a empresa de consultoria, nos classificou
como despachantes nível GS20 com salários similares ao dos
despachantes da Perdigão, da Sadia, ou seja, aqueles que despacham
os frangos no caminhão de entrega. Aí ficamos sem aumento até hoje,
enquanto o salário do mercado em que eles se basearam não tivesse
aumento, nós não poderíamos ter. Esse pessoal entendeu que as
nossas atividades são de mesma responsabilidade, afinal é só
despachar Nota de Reclamação. O computador determina quais
reclamações são urgentes e a gente despacha. E não é bem assim, nós
temos que verificar se as manobras, que sempre envolvem risco de vida
de outras pessoas, foram feitas certas, se foram, eles fazem as
prescrições delas, se não, nós somos estamos sujeitos a punições.
Retomando a outra historicidade, e no sentido similar ao de Marx (2001),
encontra-se a analítica de Foucault (2003a), o qual chama essa forma de técnica
de codificação instrumental do corpo que consiste em decomposição do gesto
global em duas séries paralelas:
A dos elementos do corpo que serão postos em jogo (mão direita, mão
esquerda, diversos dedos da mão, joelho, cotovelo etc.) a dos elementos
do elemento manipulado (cano, alça de mira, cão, parafuso etc.); coloca-
os em correlação uns com os outros segundo um certo número de
gestos simples (apoiar, dobrar); finalmente fixa a ordem canônica em
que cada uma dessas correlações ocupa um lugar determinado[...]
111
Constitui um complexo corpo-alma, corpo instrumento, corpo-máquina[...]
A regulamentação imposta pelo poder é ao mesmo tempo a lei de
construção da operação. E assim aparece esse caráter do poder
disciplinar. (FOUCAULT 2003a, p.130),
Tanto na teoria militar quanto na empresa analisada, o termo para essa sintaxe
forçada é “manobra”, como declarado na fala anterior do Jessé – Despachante de
redes. No setor de atendimento emergencial, um exemplo de manobra é o de
desligamento de trafo
36
onde todo o procedimento faz parte de uma NOR-OPE
37
,
em que constam as manobras em condições normais e de emergência, esta é a
de número 006. Similar ao detalhamento descrito no POP constante do anexo 1 é
uma típica manobra do Centro de Operações da Distribuição, descrita na tabela 5.
Há na empresa uma série de normatizações de procedimentos para execução de
determinadas atividades. Na prática de gestão, é estabelecida a necessidade
dessas normas como preocupação quanto ao aspecto da segurança, tanto dos
trabalhadores que a executam, quanto dos clientes; também quanto ao aspecto
da qualidade do serviço prestado, visto ter uma seqüência planejada e exercitada
por trabalhadores anteriores à descrição; ainda quanto a aspectos de agilidade e
eficiência, decorrentes da sistematização dos gestos e movimentos do corpo do
trabalhador. No documento, além da descrição dos passos de execução, há o
controle do tempo de execução, quem executou e onde executou. Na
continuidade do detalhamento, encontram-se descrições de cada passo. Essas
descrições e o detalhamento de cada passo estão disponíveis em manuais
impressos, e digitalizados, caso a urgência não permita o despachante deixar seu
posto de trabalho para consulta física nos manuais.
Tabela 5 NOR-OPE-006Manobras em condições normais e de emergência
Centro de Operação - Ordens de Manobras
DESLIGAMENTO DO BANCO DE TRAFO 7TR1 COM A CHAVE 3010 FECHADA NA SUBESTAÇÃO X
36
Trafo é, na prática, a contração da palavra transformador,com intuito de facilitar a comunicação,
pois é o equipamento de referência para localização e execução das atividades em rede.
37
A sigla NOR-OPE se refere às normas regulamentares da operação
112
SE / US
Hora Desp. Oper Descrição das Manobras
Descrição das Manobras de Isolação
1 X
DESABILITAR O AUTOMATISMO T5 ASSOCIADO AO DJ-7184
2 Y
TRANSFERIR A ALIMENTAÇÃO DO CONSUMO PRÓPRIO DA SE X DO 13,8 KV DA
BARRA 2BSB PARA A BARRA 2BPB DE 11,4 KV
3 X
ABRIR DJ-7184 (7TR1) DA SE X
4 X
ABRIR DJ-3104 (7TR1) DA SE X
5 X
ABRIR DJ-2094 (7TR1) DA SE X
6 Y
PASSAR A CHAVE 69-3BC1/3BC2 DA POSIÇÃO DESLIGADA PARA A POSIÇÃO
LIGADA
7 X
CONFIRMAR NO LOCAL ABERTURA DOS DJ'S 7184, 3104 E 2094
8 X
ABRIR CH-2095
9 X
ABRIR CH-2099
10 X
ABRIR CH-3105
11 X
ABRIR CH-3109
12 X
ABRIR CH-7183
13 X
ABRIR CH-7185
Descrição das Manobras de Normalização
14 X
CONFIRMAR NO LOCAL QUE OS DJ'S 7184, 3104 E 2094 ESTÃO ABERTOS
15 X
FECHAR CH-2099
16 X
FECHAR CH-2095
17 X
FECHAR CH-3109
18 X
FECHAR CH-3105
19 X
FECHAR CH-7185
20 X
FECHAR CH-7183
21 Y
FECHAR DJ-3054 DA SE Z
22 Y
ABRIR DJ-3014 DA SE Z
23 Y
ABRIR DJ-3034 DA SE X
24 Y
FECHAR DJ-7184 (7TR1) DA SE X
25 Y
FECHAR DJ-3104 (7TR1) DA SE X
26 Y
FECHAR DJ-2094 (7TR1) DA SE X
27 Y
ABRIR DJ-3044 (7TR2) DA SE X
28 X
CONFIRMAR NO LOCAL ABERTURA DO DJ-3044 (7TR2)
29 X
ABRIR CH-3010
30 X
PASSAR A CHAVE 69-3BC1/3BC2 DA POSIÇÃO LIGADA PARA A POSIÇÃO
DESLIGADA
31 Y
FECHAR DJ-3044 (7TR2) DA X
32 Y
FECHAR DJ-3034 DA X
33 Y
FECHAR DJ-3014 DA SE Z
34 Y
ABRIR DJ-3054 DA SE Z
35 X
RETORNAR COM A ALIMENTAÇÃO DO CONSUMO PRÓPRIO DA X DA BARRA 2BPB
11,4 KV PARA BARRA 2BSB 13,8 KV
36 Y
HABILITAR AUTOMATISMO T5 ASSOCIADO AO DJ-7184 DA X
Fonte: Centro de Operações – COD - Escelsa
Vê-se que as práticas de gestão na empresa assumem formas muito similares às
analisadas por Foucault (2003a) no século XVIII em diversas instituições,
contudo, é de grande importância salientar que não é intenção deste trabalho
fazer descobertas de instrumentos utilizados na empresa e sim mapear os
contornos, as formas que o exercício dos dispositivos de poder das disciplinas
assume nas práticas de gestão na empresa. E, neste sentido, como uma das
práticas de gestão, consta a introdução de um objeto. O objeto que ganhou forma
de apêndice essencial para a execução do trabalho humano foi o computador.
Não é somente para cada lugar um trabalhador e cada trabalhador um lugar, mas
também para cada posto de trabalho um computador. Em cada posto de trabalho
deverá ser individualizada uma máquina, um equipamento que deverá ser posto
em articulação diária com o trabalhador que ocupa aquele quadriculado. Esse
113
dispositivo de articulação ganhou esta visibilidade a partir da reestruturação de
1997/98, conforme o Augusto então gestor de recursos humanos salienta que:
A Escelsa massificou os cursos, especialmente, na área de informática.
Eu, por exemplo, fiz muitos cursos na área de informática, porque em
pouco tempo nós passamos por esta disputa de um computador para
seis pessoas, uma briga para usar o computador, todo mundo
começando a aprender a usar, passando disto para cada pessoa na de
recursos humanos, especialmente, ter um computador. Que dizer, você
não compartilhava o equipamento com ninguém, cada um tinha o seu, e
o estágio de avanço disto aí é que produz.
O treinamento massificado impõe ao corpo formas de sujeição veiculadas ao
computador. O trabalhador deverá obter da máquina o máximo de seu
rendimento. Para tanto, o máximo de adaptação do corpo à máquina deverá ser
exigido. Não há mais disputa por equipamento, cada trabalhador tem seu próprio
equipamento e deste não se desvincula, como se extensão de seu corpo fosse.
Neste objeto, o trabalhador em sua primeira atitude diária, faz o registro de sua
senha, e após o registro toda rotina de trabalho a que este estará capacitado a
executar será disponibilizada. Neste objeto, e somente neste, é feita a
comunicação formal interna e, para alguns trabalhadores, já na inserção da senha
é formalmente liberada a comunicação externa. Essa diferença exige uma
máquina
38
com maior capacidade de processamento de informações, que por sua
vez solicita do trabalhador maior interação com as próprias diferenças da máquina
e com uma maior capacidade de processamento de informações. A articulação do
corpo à máquina assume contornos de competência em forma de destreza no
manuseio da tecnologia. O mais articulado em computador torna-se a referência
em termos de competência, padrão a ser observável. Contudo, no cotidiano,
linhas se formam sobre os dispositivos e, por sua vez, outros contornos são
possíveis de ser visualizados. Na fala do Nelson - Supervisor Comercial, podemos
traçar linhas anteriores e outras que serão utilizadas posteriormente, como:
38
É necessário que se entenda como máquina o conjunto parte física (hardware) bem como todos
os aplicativos (software), sem os quais o trabalhador não teria condições de exercer suas
atividades.
114
Quando era papel ele não escrevia isto. Hoje tem o SGD (sistema de
gerenciamento de documento), cada pessoa na empresa tem que ter um
micro. No início eu tive muita dificuldade, pois sempre tive resistência em
relação ao computador [...] Mas eu vejo que é a melhor forma de controle
que a empresa tem, é gerado no protocolo, e cada pessoa que passou o
processo fica registrado, não há como escapar [...]
Em alguns setores, como o COD
39
, onde o funcionamento é de 24 horas por dia,
os mesmos objetos são comungados por mais de um corpo em uma escala de
revezamento ininterrupto e a lógica de articulação e as formas de treinamento do
corpo ao objeto diferem evidenciando o exercício exaustivo. Nesse setor há um
simulador de posto de trabalho, e o trabalhador é submetido a situações similares
as do cotidiano de trabalho antes de assumir o posto. E mesmo quando depois de
assumida em definitivo a escala, se for detectada qualquer dúvida quanto à
perfeita articulação corpo aos objetos, este corpo deverá ser submetido a nova
bateria de exercícios simulados até que esteja perfeitamente articulado. Essa
preocupação está ligada ao fato destes trabalhadores estarem submetidos a uma
articulação não somente a um computador, e sim a até quatro conjuntos de
periféricos
40
similares simultaneamente, conforme é possível visualizar na
ilustração 12 .
39
Centro Operativo de Carapina – COD é o setor que controla a transmissão e distribuição de
energia, bem como atua de forma corretiva em eventos que afetam todo o sistema de geração e
distribuição e consumo de energia sob a área de concessão da empresa.
40
Esta denominação de periférico abarca todo o conjunto de equipamentos necessários à
visualização e interferência no trabalho que se pretende. No caso é composto de: monitor, teclado
e mouse.
115
Ilustração 12 Estação de trabalho do atendente do Centro operativo de Carapina
Fonte: Mateus Toscano
Os trabalhadores relatam de diversas maneiras a submissão de seu corpo a
situações de trabalho que envolvam uma articulação singular com objetos
cotidianos de trabalho, como é relatado pelo Dilon – Coordenador de sistemas e
redes.
[...] ele tá com o sistema todo, milhares de equipamentos, dezenas de
instalações na mão dele e freqüentemente, ele é chamado a decidir
coisas [...].
Quando este coordenador se refere a milhares de equipamentos sob a
responsabilidade do trabalhador, está se referindo a 50.000 sensores que foram
instalados no processo de automatização de 63 (sessenta e três) instalações,
denominadas de subestações, das 70 (setenta) existentes no sistema de
distribuição de energia da empresa. Um dos movimentos do processo de
reestruturação contemplava a substituição dos trabalhadores dessas instalações
por sensores eletrônicos que são programados a responder automaticamente a
qualquer evento perturbador do sistema de distribuição de energia. Esses
sensores são interligados e disponibilizados a computadores nos quais um
operador efetua a monitoração constante. Essa forma, tecnologicamente
inovadora, de monitoração, requer do corpo do trabalhador sua utilização
116
exaustiva, com proporcional intolerância a erros, pois sob sua responsabilidade
estão milhões de vidas humanas (mais de um milhão de clientes), milhares de
equipamentos (50.000 sensores, terminais, chaves, comandos, transformadores)
e dezenas de instalações (subestações e linhas de distribuição de energia).
Aliado a esta utilização, o trabalhador do Centro de Operações precisa gerir
equipes externas de trabalho, isto é, instruir sobre os procedimentos e ações a
serem tomados no campo junto a clientes, tanto em questões ligadas a redes,
quanto a subestações, precisa gerir avisos de questões a serem verificadas e
resolvidas. No exercício dessa atividade, é disponibilizado ao trabalhador um
equipamento telefônico com linha fixa, outro que permite mobilidade a grandes
distâncias e para gestão das questões pertinentes ao exercício da atividade é
disponibilizado como via principal, o rádio, pelo qual cada equipe disponível para
a resolução das questões aguarda o chamado. Assim, um outro objeto assume
forma de extensão corporal. Cada lugar uma pessoa e cada pessoa em seu lugar,
que deverá ter disponível um computador e ao lado de cada computador uma ou
mais vias de comunicação. Esse receituário foi disseminado para outros espaços
na empresa, onde cada posto de trabalho terá individualizado no mínimo uma
mesa, um computador e um telefone. E, nesse posto, cotidianamente, o corpo é
treinado a extrair o máximo de sua utilização, com simultânea diminuição das
resistências advindas de possíveis restrições operacionais. O corpo é levado a
sua exaustão, o que nos leva a outro dispositivo.
4.2.2.5 A utilização exaustiva
“O tempo contado por Deus não pode ser desperdiçado”, mesmo porque é
pago pelos homens. A utilização da força de trabalho deverá ser
maximizada, mas não com a conotação de erro moral e de desonestidade
econômica como a anterior. Nesse, como em todos os outros dispositivos, a
disciplina organiza uma economia positiva, onde importa extrair do tempo do
trabalhador “[...] sempre mais instantes disponíveis e de cada instante
sempre mais forças úteis” (FOUCAULT, 2003a, p. 131), sendo significativa a
necessidade de se intensificar o uso do mínimo instante, da mínima parcela
do tempo da força de trabalho, como se fosse inesgotável tanto o tempo
quanto a força, a potência de vida. Ou mesmo busca uma organização dos
117
processos de trabalho cada vez mais detalhados, como se pudesse obter
um ponto ideal em que o máximo de rapidez na tarefa encontrasse a
máxima eficiência.
Quanto mais decompõe o tempo, quanto mais se multiplicam suas
subdivisões, quanto melhor o desarticulamos desdobrando seus
elementos internos sob um olhar que os controla, mais então pode-se
acelerar uma operação, ou pelo menos regulá-la segundo um
rendimento ótimo de velocidade; daí essa regulamentação do tempo da
ação que foi tão importante no exército e que devia sê-lo para toda a
tecnologia da atividade humana [...] (FOUCAULT, 2002, p. 131)
O Jair - Despachante da área de redes - diz que o “ideal é a pessoa que tome
decisões rápidas, sem errar. Tem que ter agilidade, conhecimento e não pode
desesperar”. O Ramalho – Coordenador da inspeção - expressou a amplitude do
detalhamento do tempo e sua utilização eficiente quando relatou que
Esses dias o presidente da empresa me mandou uma comunicação
questionando do porque das minhas demoras nas respostas [...] e não é
só comigo, imagine que paranóia deve ser olhar o tempo das
comunicações internas, apesar de que, o sistema as destaca em cor
vermelha...sempre que respondemos atrasados o sistema destaca em
vermelho para facilitar quem visualiza os encaminhamentos, e aí fica
fácil saber quem demorou, quem respondeu rápido, qual conteúdo. O
problema é que as minhas estão, na maioria das vezes, atrasadas, já
desisti, não consigo, mesmo que eu queira, não consigo pôr em dia [...]
raramente saio da empresa antes das nove da noite, minha família já até
se acostumou[...]
Mas não somente na decomposição mínima do tempo, a exaustão está presente
na decomposição dos processos: com a intensificação da utilização do tempo,
fazendo acrescentar tarefas ao trabalhador e, com a organização temporal
estabelecendo a não ociosidade, como na seqüência da fala deste mesmo
trabalhador:
Há! Agora também tenho que fazer os relatórios mensais que englobam
informações financeiras e de produtividade das empreiteiras que estão
sob nossa responsabilidade [...]
Outra linha assume a forma que Djavan – Analista de georeferenciamento - onde
relata verbalizando sua experiência exaustiva quando inquirido sobre as
conseqüências da redução do quadro de trabalhadores.
118
[...] não tem gente suficiente para fazer tudo, aí a gente olha para o que
tem pra fazer e desiste de tirar folga [outra forma de recebimento da hora
extra], depois vai piorar mais ainda, o serviço vai atrasar mais e já sabe,
mais cobrança, mais atrasos e estresse. Olha a pilha! [se referindo ao
volume de papel], desanima, não![...] É todo dia assim![...] Parece que
sou impotente diante de tanta tarefa, quanto mais faço mais aparece [...]
Este serviço é rotineiro e cansativo, às vezes fico em frente ao
computador o dia todo, lançando dados, conferindo, informando,
alterando, e aí tenho que dar uma volta e não consigo, faço fora do
sistema só para sair daqui. Deveríamos trabalhar só seis horas, porque o
serviço é direto em computador.
Para os trabalhadores do Centro de Operações, não é muito diferente, mas há
ingredientes externos: precisam gerir sua atenção no exercício de sua atividade e
também em relação aos ruídos próprios da atividade de outros, das quais por
vezes dependem para se obterem a eficiência exigida. Precisam gerir certa
postura normatizada (NOR-OPE 002) no local de trabalho, que estabelece a
forma de comunicação verbal, na qual está incluído o tom de voz, dos gestos não
representando desespero, e mesmo de cordialidade na comunicação com os
clientes. Precisam gerir a ansiedade causada pelo controle constante de suas
ações e falas, assim como daquela gerada pelas possíveis conseqüências de
falhas ou erros cometidos, pois toda comunicação que utilize os equipamentos
aos quais se articulam (computador, telefones e rádio) é gravada. Precisam gerir
suas decisões, pois têm influência direta não apenas na segurança de
equipamentos e instalações, mas também de vidas e instituições que se ocupam
da vida, como hospitais, bombeiros, presídios. Precisam atentar para as vidas de
outros trabalhadores que estão em atividades externas, vinculadas ou não à
empresa. Isso tudo, em meio à exigência por uma rapidez e eficiência na tomada
de decisão e à exigência da manutenção do equilíbrio emocional.
De acordo com Fouilleul e Matheron, pesquisados por Schwartz (2005), quando
se configuram escolhas extremamente penosas ao trabalhador, nessa gestão
cotidiana e permanente em sua atividade, os caminhos possíveis tornam-se,
muitas vezes, o absenteísmo, o turnover ou o próprio pedido de demissão. O
Sindes - sindicato representativo dos trabalhadores na empresa - negligencia a
busca de informações quanto ao movimento que leva os trabalhadores a doenças
como ao alcoolismo, a depressão ou qualquer DORT, uma vez que não há
estudos no Sindes sobre essas patologias.
119
Nesse movimento de análise, ao não reduzir o trabalho a algo simples, mas sim,
considerando-o sendo gestão do trabalhador no exercício da atividade, Schwartz
(2005) defende que é preciso considerar as dramáticas do uso de si, pois a partir
disso, será possível compreender que a saúde relacionada ao trabalho não é
apenas uma questão individual e sim de saúde coletiva. Mas as questões como
as exigências de rapidez, de resultado, de flexibilização das relações de trabalho,
aliadas as condições inadequadas para a realização das atividades, resultam de
práticas que partem de hegemônicas receitas de eficiência, produtividade e
competitividade.
Ao utilizar essa técnica de sujeição do trabalhador, objetiva-se o sujeito
substituindo lentamente o corpo mecânico duradouro, composto de sólido e
movimentos por um objeto que é o corpo natural, portador de forças e sede de
algo instável;”[...]é o corpo suscetível de operações específicas, que têm sua
ordem, seu tempo, suas condições internas, seus elementos constituintes”. Novas
formas de saber são exercitadas em um corpo que se torna alvo de mecanismos
de poder. Mas “[...]no exercício que lhe é imposto e o qual resiste, o corpo
desenha suas correlações essenciais e rejeita espontaneamente o incompatível”
(FOUCAULT, 2003a,p.132).
O exercício do controle das atividades do trabalhador, como dispositivo das
disciplinas nas minúcias do horário; na determinação da cadência na elaboração
temporal das atividades; na correlação do corpo e dos gestos buscando rapidez e
eficiência; na articulação do corpo a equipamentos derivados de inovadoras
tecnologias e, por fim, na exposição exaustiva desse corpo a estes elementos
constitui o segundo ato dos dispositivos de poder presentes nas práticas de
gestão em recursos humanos na Escelsa.
4.2.3 Organização das gêneses
Foucault (2003a) denomina esse dispositivo como uma forma de organização das
operações, com o objetivo básico de acumulação do tempo no corpo, e utiliza
como ilustração um exemplo de acumulação do tempo em uma fábrica escola que
120
data de 1667, quando os Gobelins organizavam o confinamento de sessenta
crianças com intuito de educá-las e instruí-las para, num segundo momento,
colocá-las junto a mestres tapeceiros da manufatura por um período de seis anos
de aprendizagem, quatro anos de serviço e uma prova qualificatória. Após isso,
tinham o direito de montar loja em qualquer parte do reino. Encontramos aí os
primórdios da aprendizagem corporativa, na qual se estabelece uma relação de
dependência do aprendiz-trabalhador com o mestre que o ensinou. O autor
chama a atenção para o desenvolvimento da técnica de apropriação do tempo
dos trabalhadores, de reger as relações do tempo, dos corpos e das forças, e
para reverter em lucro ou em utilidade o movimento do tempo que passa; e para
isto ele formula questões e imediatamente as responde:
Como capitalizar o tempo dos indivíduos, acumulá-lo em cada um deles,
em seus corpos, em suas forças ou capacidades, e de uma maneira que
seja suscetível de utilização e controle? Como organizar durações
rentáveis? As disciplinas analisam o espaço que decompõem e
recompõem as atividades, devem ser também compreendidas como
aparelhos para direcionar e capitalizar o tempo. (FOUCALT, 2003a,
p.133)
Apesar de ter ilustrado com o exemplo de uma fábrica escola, o autor traz a
análise da organização militar como fundamentação dos quatro passos que
permitiram o desenvolvimento da técnica de organização das gêneses.
4.2.3.1 Divisão da duração em seguimentos
Dividir a duração em seguimentos de aprendizagem e num período de prática, no
qual se estabelece uma decomposição do tempo em seqüências, separadas e
ajustadas com término previsto. Esse processo acontece muito sistematicamente
na empresa. As práticas em gestão dos trabalhadores contemplam a divisão em;
um período de formação, quando são repassados conceitos teóricos básicos
inerentes a atividade a ser desenvolvida; um período de testes, nos quais se
verifica a destreza no manuseio de equipamentos e as formas que o trabalhador
encontra de utilizar o saber na atividade; e o período do exercício efetivo da
atividade, da prática do trabalho em si, o período de maturação temporal em que
se acumulam experiências. É muito comum visualizarmos essa seqüência na
121
empresa em atividades que envolvem a relação do corpo do trabalhador com
objetos que oferecem risco acentuado de vida, tanto do corpo que o manuseia,
quanto de outras pessoas que estão direta ou indiretamente ligadas à atividade. O
exemplo representativo é da função de eletricista e de despachante de ordem de
serviços do COD (caracterizado anteriormente). No caso do eletricista, seu
período de formação teórica e prática
41
será de três meses. Entretanto, segundo o
Reinaldo – Coordenador de treinamento - há uma subdivisão deste período em
um mês para nivelamento dos conhecimentos teóricos e dois meses para
aperfeiçoamento de técnicas específicas que envolvem o aprendizado da melhor
relação entre o corpo e os equipamentos de uso cotidiano no exercício da
atividade. Após esse período, o trabalhador é posto no exercício das atividades,
ao lado de outro mais experiente, que lhe transmitirá paulatinamente as nuanças
em lidar com os clientes, o melhor manejo dos equipamentos, as regras de
conduta etc, período que, de acordo com Ramalho – Coordenador de inspeções -
é no mínimo de seis meses. O último segmento está em o trabalhador assumir
sozinho as atividades inerentes à função de eletricista, sendo capaz de repassar
seus conhecimentos aos novos contratados, quando porventura ocorra tal prática.
Esse último segmento demanda aproximadamente doze meses. Segundo o
mesmo coordenador, um bom eletricista se consegue após dois anos de
atividade.
O trabalhador que exerce a função de despachante obedece aos mesmos
seguimentos, o que se altera é a duração de cada um e algumas particularidades
inerentes a função, explicadas anteriormente, como a questão de submissão a um
simulador de eventos. De certa maneira, pode-se assumir, que na empresa, os
seguimentos são generalizados a todas as atividades, já que a estação de
trabalho, comum na empresa, solicita do trabalhador mais freqüente contato com
inovações tecnológicas, como o caso do computador. Entretanto, pode-se
41
Será desconsiderado, neste momento, todo o período de formação que antecedeu a
contratação do trabalhador. Partimos da premissa de que a formação básica do trabalhador
selecionado atendeu a pré-requisitos mínimos para execução da atividade, verificados em técnicas
que posteriormente chamaremos de exame, e que nas práticas denominam recrutamento e
seleção.
122
perceber que linhas fogem a essa forma que se quer hermética, linhas assumindo
formas que contornam a temática de outra maneira, como na fala de Nelson –
Supervisor comercial.
[...] mas nunca me deram curso nenhum, quando fizeram, eu ainda não
tinha o micro, e quando chegou o micro eu já tinha esquecido tudo. Vou
aprendendo fazendo e errando, as pessoas vão me ensinando e eu
pedindo paciência.
O desenho da correlação entre máquina e corpo associado à segmentação
temporal em formação e prática, que se tornou essencial na empresa, faz com
que a única parte que tem possibilidade de fazer escolhas, rejeite
espontaneamente considerando incompatível tal relação entre a máquina que é
obrigado a manipular em sua vida.
4.2.3.2 Organização seqüencial analítica
Ao organizar essas seqüências na empresa, seja utilizando os POP´s de forma a
descrever toda as atividades, como o anexo 1, ou utilizando as manobras do tipo
a demonstrada no subitem 4.2.2.4 deste trabalho, os trabalhadores estabelecem
um modo uniforme de prescrição do gesto elementar, do mínimo gesto, e de
forma a ordenar cada gesto em uma seqüência crescente de complexidade, onde
é possível ao gestor a análise minuciosa da execução de cada atividade. Ao
trabalhador, o uso desse instrumento permite o suposto abandono da repetição
analógica, da repetição que se baseia na observação do mestre que domina tais
movimentos, na medida em que, na prática, não é mais necessário um
trabalhador experiente repassar conhecimento sobre a execução da atividade
para o trabalhador recém contratado, ou da empresa terceirizada. Segundo relato
de Emílio – Coordenador de treinamento - “é só entregar o POP daquela tarefa
que se quer pronta e eles são obrigados a executar, pois não há motivo para dizer
que não sabem, está tudo escrito, cada passo. Isto está acontecendo muito com
as empreiteiras”. Essa forma, não é muito diferente do que Taylor (1987), em
certo sentido, chamou abandonar os métodos empíricos exemplares, para uma
forma que denominou de científica, como sendo a forma de descrever para o
123
trabalhador cada passo que este deverá executar quando em atividade. Ao
estabelecer a utilização de métodos empíricos de trabalho como uma das causas
da vadiagem do trabalhador, Taylor (1987, p. 18) é incisivo em afirmar que estes
são “[...] ineficientes, geralmente utilizados em todas as empresas com os quais o
operário desperdiça grande parte de seu esforço”. É possível correlacionar as
práticas de gestão na empresa com a obra da administração científica de Taylor
(1987) e as técnicas das disciplinas analisadas por Foucault (2003a)
Aparentemente seria possível, se considerarmos quando documentos na empresa
estabelecem a prática de descrição dos passos do trabalhador nas micro
atividades, de uma maneira a evitar o que a administração científica chamou de
desperdício da força de trabalho, o que vem ao encontro ao que nas disciplinas
faz crescer globalmente a habilidade ou a força de trabalho, onde a instrução
descritiva segue o princípio do elementar, abandonando o exemplar. “Os gestos
simples [...] que são no máximo os componentes de base para os comportamentos úteis, e
que, além disso, efetuam um treinamento geral da força, da habilidade e da docilidade”
(FOUCAULT, 2003a, p.134). Mas novamente fugindo da universalidade e
generalizações, na empresa também se observa a prática de referência ao
exemplar, quando o aprendiz permanece em atividade por determinado período
sob a orientação de um trabalhador considerado mais experiente, obedecendo à
seqüência demonstrada no item anterior. Há nesse movimento o reconhecimento
de uma diferença entre a prescrição e a execução das atividades. Neste sentido,
os estudos de Daniellou et all (1983) se utilizaram de pesquisas que incluíam o
trabalhador na construção do saber que convencionou denominar trabalho
prescrito e trabalho real, como se pode observar, na empresa há momentos em
que o trabalho se baseia no exemplar, quando em atividade real de trabalho, e
existem momentos em que o trabalho se baseia como elementar, quando o
trabalhador segue exatamente a prescrição da atividade. Dessa forma, o trabalho
prescrito parte de uma concepção teórica sobre o trabalho e dos meios de
trabalho, na qual são consideradas as
124
[...] formas de utilizar as máquinas e demais instrumentos de trabalho, o
tempo alocado a cada operação, os modos operatórios e as normas
operatórias
42
. A este trabalho prescrito jamais corresponde o trabalho
real, aquele que é efetivamente executado pelo operário ou operária
(DANIELLOU, LAVILLE e TAIGER, 1983, p. 1).
Se extrairmos o conceito de modo operatório, encontramos como sendo a parte
observável do método de trabalho: os gestos executados, sua ordem no tempo e
no espaço. E, assim, é possível visualizar uma negligência na análise taylorista do
trabalho, pois desconsidera a dimensão cognitiva na execução do trabalho, a
parte mental, reduzindo a análise ao modo operatório somente. É nesse aspecto
que se estabelece uma grande e significativa diferença em relação à análise
foucaultiana, pois, para Foucault, o exercício das disciplinas acaba por atuar no
corpo do trabalhador, e este corpo, que não é dissociado em parte física e mental,
é submetido a uma multiplicidade de linhas que atravessam o sujeito. Nesse
momento, é ressaltada a forma que atua aumentando sua força, sua habilidade e
sua docilidade. Na multiplicidade considerada por Foucault (1995; 2001; 2002a;
2002b; 2003a; 2003b) parece não haver possibilidade para a divisão do trabalho
em real e prescrito, ou mental e operatório, pois não há separação entre corpo e
mente. E, dessa forma, estabelece-se um distanciamento entre a análise
reducionista taylorista para a uma análise da multiplicidade foucaultiana.
Nova questão se evidencia quanto ao aspecto da seqüência analítica: houve
mudanças nessa forma de prescrição com a reestruturação? Anteriormente ao
processo de privatização e até 1997, não havia o seqüenciamento de todas as
atividades em forma de POP (Procedimento Operacional Padrão). Havia as
normas e manuais das atividades que envolviam maiores riscos quanto à
segurança de execução, que representavam desperdícios significativos em
material e equipamentos e das atividades dos eletricistas com o propósito de
atender a indicadores de qualidade regulamentados pela Eletrobrás. Todas as
normas e procedimentos anteriores continuam, foi acrescentado a partir da
reestruturação o POP, que englobou todas as atividades na empresa. Quando a
42
Os autores esclarecem que norma operatória significa uma forma de proceder padronizada e
normalizada. Este conceito é derivado da sentido de “Consigne” em Francês.
125
atividade é nova ou ainda não possui procedimento normatizado, este é
rapidamente criado e disponibilizado na rede interna de comunicação, com
restrições que podem ser às pessoas envolvidas no processo, ao setor ou setores
envolvidos, ao nível hierárquico e de competências ou aos casos que envolvem a
segurança do processo. A mudança que houve com a reestruturação, neste
aspecto, foi de organizar ainda mais esses segmentos segundo esquemas
analíticos. E nesta seqüência de análise, limites das séries onde o trabalhador
pode atuar são estabelecidos na empresa, os quais iremos analisar.
4.2.3.3 Estabelecer limites para as séries
É prática da empresa, na gestão da vida produtiva do trabalhador, prescrever a
cada trabalhador as atividades que deverão ser desenvolvidas. Essa prática se
inicia com o recrutamento e seleção do sujeito para determinado cargo e
acompanha o cotidiano do trabalhador no exercício das atividades determinadas
nos respectivos POP´s. Qualquer setor que necessite de determinado
profissional, com intuito de atender demandas como acúmulo de trabalho dos
atuais trabalhadores
43
; mudanças tecnológicas, seja por inovações em
maquinários seja por processuais; aposentadorias; demissões voluntárias ou
involuntárias; afastamento parcial ou definitivo de trabalhador por doença ou
acidente de trabalho e; outros
44
, deverá solicitar ao setor de Gerência de
Recursos Humanos que fará neste setor se faz a escolha entre o recrutamento
43
Esta prática não se evidenciou nos relatos dos trabalhadores durante a pesquisa. Como o leitor
pode ter notado, alguns relatos apontam para o uso do dispositivo de horas extras com intuito de
resolver o problema de acúmulo de tarefas ou de carga de trabalho, entretanto, está sendo
considerada a possibilidade de contratação de trabalhadores quando estas situações possam
comprometer os indicadores de desempenho da empresa junto a Agência Nacional de Energia
Elétrica – ANNEL
44
Incluem nesse segmento a prática de contratação sem motivo aparente, popularmente
conhecida como apadrinhamento, relatada pelo Nelson - Supervisor comercial.
126
interno ou externo segundo critérios norteados na descrição do cargo. No
processo de descrição de cada cargo, é estabelecido
45
:
O nível de competência que o cargo ocupa numa seqüência de 7 níveis
possíveis da empresa
46
, estabelecidos pelo somatório de pontos atribuídos
a cada atividade inerente àquele cargo, segundo critérios construídos
47
a
partir de comparações de atividades similares em diversas empresas de
diversos segmentos no Brasil;
O tempo mínimo de experiência na função ou em função similar que o
trabalhador precisa comprovar; a descrição completa das atividades
inerentes ao posto de trabalho;
As cinco competências básicas para avaliação do desempenho do
trabalhador no exercício da atividade com a determinação de quatro níveis
de excelência do comportamento do trabalhador no exercício cotidiano no
cargo, estabelecendo pontuação crescente escalar de 0 a 4 em grau de
importância, determinando os aspectos valorativos da empresa em suas
minúcias
48
;
A correlação entre a pontuação do cargo na empresa e com os níveis
salariais de cargos similares encontrados no mercado em outras empresas,
estabelecendo parâmetros de remuneração comparativos.
45
A fonte, neste caso, foram os diversos relatos dos trabalhadores que optei sintetizar nestes
cinco itens. Foi sistematicamente negado, pelos trabalhadores da área de gestão em recursos
humanos da empresa, qualquer documento ou informação sobre a gestão dos trabalhadores.
46
No próximo item serão detalhadas as sete macro competências estabelecidas na Escelsa.
47
Segundo relato dos trabalhadores, esses critérios foram estabelecidos pela Hay Group,
empresa de consultoria contratada para efetuar essa fase da reestruturação.
48
Esse detalhamento se encontra na folha 3 do anexo 2
127
Os treinamentos necessários ao bom desempenho das atividades
inerentes àquele cargo, bem como, determinação do início e término dos
treinamentos específicos necessários à execução de cada atividade.
Novamente a questão temporal assume forma de dispositivo nas práticas de
gestão de recursos humanos na empresa. Para estabelecer limites a esses
segmentos temporais, essas práticas atribuem ao período de inicial de adaptação
do trabalhador à empresa o nome de período probatório, que tem seu término
coincidindo com os três meses de experiência regidos pela CLT. Concomitante a
este período, o trabalhador, especificamente o que exercerá a atividade de
eletricista, é submetido a exercícios que obedecem à seqüência de execução
descrita nos POP´s de cada atividade pertinente ao cargo a ocupar. A forma que
assumem as práticas de gestão na empresa, nesse aspecto e nesse movimento,
é muito semelhante ao que Foucault aborda no terceiro dispositivo da
organização das gêneses. A fixação de término dos períodos, normalmente
marcado com avaliação, tem “[...] a tríplice função de indicar se o indivíduo atingiu
o nível estatutário, de garantir que sua aprendizagem está em conformidade com
a dos outros, e diferenciar as capacidades de cada indivíduo” (FOUCAULT,
2003a. p. 134). E no enunciado do Andrade - Gerente de operações de sistemas
- é possível visualizar linhas semelhantes, as dos dispositivos de poder das
disciplinas, assumindo formas anunciadas nos documentos prescritos pelos
próprios trabalhadores.
[...] quando o funcionário chegar neste limite, nós queremos que ele
procure se aperfeiçoar, que ele não permaneça aqui, que tem que
estudar, se formar em engenharia, e tentar trabalhar em outro lugar, não
incentivamos sua permanência aqui por longos períodos [...] Por
exemplo, tem uma vaga de engenheiro em processo de recrutamento
interno e não tenho ninguém aqui que se encaixe no perfil exigido para o
cargo.
Segundo o relato do Erasmo – Supervisor comercial - os limites seriais são
estabelecidos em três grandes grupos salariais (GS), que são:
A. Grupo básico tem limites que variam em oito níveis 14 a 21. Destinado a
enquadramento dos trabalhadores que possuem escolaridade de nível
128
médio, seja ensino normal ou especializado (técnicos), não sendo aceito
admissão de trabalhador inferior a essa escolaridade. O trabalhador
permanece mais ou menos tempo enquadrado nos níveis segundo a
avaliação de seu desempenho efetuada por seu superior imediato (90% de
peso) e pela auto-avaliação (10% de peso) ou pela mudança de sua
condição escolar. A priori, o trabalhador só poderá mudar de grupo se
houver mudança em sua escolaridade;
B. O segundo GS incorpora cinco limites que variam do nível 22 ao 26. É
destinado aos trabalhadores que possuem nível superior como formação
acadêmica ou trabalhadores que a empresa decide promover por mérito.
Segue os mesmos preceitos do grupo anterior para avaliação. Admite-se a
mudança do trabalhador para o nível posterior mediante resultados
significativos de desempenho profissional, demonstráveis pelos resultados
alcançados, aliados a especializações acadêmicas ou profissionalizantes,
patrocinadas ou não pela empresa, na área de seu enquadramento. A
experiência no exercício das atividades, os resultados alcançados e o
comportamento avaliado por seu superior imediato, avalizam a eventual
mudança de grupo. O próprio Erasmo o denominou de GP - Grupo
Promocional.
C. O terceiro grupo salarial, recebe algumas bonificações por maturidade na
função, é o topo da hierarquia dos grupos possíveis na empresa. Está
subdividido em sete níveis que variam de 27 ao 33. Só os executivos são
enquadrados neste grupo e obedecem aos preceitos descritos
anteriormente com aditivos que podem variar do envolvimento com
instituições de ordem política ao conhecimento técnico incontestavelmente
demonstrado no exercício diário de suas atividades.
Ainda de acordo com o trabalhador Erasmo, o uso desse dispositivo pelos
trabalhadores do terceiro grupo é indiscriminado. Os executivos promovem quem
reza a cartilha da empresa. Mesmo que seja técnico, se seu superior desejar,
poderá ser promovido a outro nível ou mesmo grupo salarial. Nessa forma de
129
exercício do dispositivo, o tratamento individualizado se evidencia assumindo
também a forma de clientelismo.
Os executivos pintam e bordam com isto, fazem o que querem. Sem
contar os absurdos internos que acontecem como: uma gostosona pode
ser contratada e enquadrada como supervisora sem exercer a função,
outro faz o serviço dela, ou ainda, um Zé Mané qualquer, que se sentar
na farinha vai ficar a marca quadrada, assume a gerencia e você é
obrigado a agüentar isto.
Nesse movimento, as práticas assumem para o trabalhador contornos de
sofrimento, de drama, que escapam na fala do trabalhador da seguinte forma:
[...] toda sexta-feira tomo uma, à tarde, depois do almoço, à noite, ou até
mesmo de manhã, de manhã é difícil, depois do café é mais complicado.
Tenho uns poucos amigos que me acompanham.
Não foi possível, durante a pesquisa, acompanhar movimentos de fuga com mais
intensidade por ausência completa de dados e tempo para tal incursão. O tempo
destinado a esta pesquisa não permitiu uma aproximação do olhar com o rigor
que o tema exige. Segundo informações do sindicato, não há pesquisa sobre
aspectos que envolvem o que os trabalhadores rotulam de doenças ocupacionais
na empresa, muito menos o sindicato destinou tempo e recurso para viabilizar
este tipo de pesquisa, o que se configura que como futuras possíveis incursões
para pesquisas podem ou não envolver estudos ergonômicos ou mesmo
ergológicos.
Entretanto, estes limites seriais estão em permanente movimento na empresa, na
reestruturação mais recente está contemplada nova reformulação, que tem como
base o acordo coletivo sistematizado pelo Grupo EDP e que deverá ser estendido
a todas as subsidiárias. A nova estrutura estabelece séries de séries, o que será
detalhado no próximo dispositivo.
4.2.3.4 Estabelecer séries de séries
O quarto dispositivo analisado por Foucault (2003a) está, como os demais,
associado aos anteriores e também aos posteriores, como será demonstrado. Ao
130
estabelecer séries de séries, os gestores das forças de trabalho prescrevem a
cada trabalhador, segundo seu nível na hierarquia dos grupos, sua antiguidade de
exercício na atividade, seu posto de trabalho, seus exercícios para correlação do
corpo ao objeto em séries múltiplas e progressivas.
A colocação em “série” das atividades sucessivas permite todo um
investimento da duração pelo poder: possibilidade de um controle
detalhado e de uma intervenção pontual [...] possibilidade de
caracterizar, portanto de utilizar os indivíduos de acordo com o nível que
têm nas séries que percorrem [...] Em suma, um tempo evolutivo
(FOUCAULT, 2003a, p. 136, grifo do autor).
O próprio autor alerta para o fato de que as técnicas administrativas e econômicas
de controle manifestam um tempo social de tipo serial, orientado e cumulativo. O
mesmo autor descreve que: “A descoberta de uma evolução em termos de
progresso. As técnicas disciplinares, por sua vez, fazem emergir séries
individuais: descoberta uma evolução em termos de gênese[grifos do autor].
No Acordo Coletivo de Trabalho do Grupo EDP de Portugal, se encontra
estabelecida a seriação, que, segundo o projeto vanguarda, poderá a partir de
Janeiro de 2006, ser estendida a todas as empresa do grupo. Neste acordo, o
enquadramento profissional classifica as funções existentes nas empresas e
integra-as em níveis de qualificação, de acordo com exigências de formação
escolar e profissional. Dos enquadramentos o grupo exclui os cargos de chefia de
departamento superior, quadros diretivos, assessores e adjuntos, os quais são
comissionados. No 2º artigo do acordo, o grupo EDP estabelece como primeiro
princípio geral seis níveis de qualificação, sendo: Nível 1 – Quadros superiores;
Nível 2 – Quadros médios; Níveis 3 e 4 – Profissionais altamente qualificados;
Nível 5 – Profissionais qualificados; Nível 6 – Profissionais semiqualificados
(especializados).
O nível 1 divide-se em cinco categorias, que, por sua vez, são integradas diversas
letras, onde é possível 15 remunerações base (letras C a Q). Os níveis 2 a 6
integram, cada um, diversos graus de evolução, que totalizam 22 bases de
remuneração (BR 1 a 22). Cada letra corresponde a remuneração base (Rb) e a
131
cada grau de um nível corresponde uma base de remuneração (BR). Em cada
nível de qualificação, que engloba todos os graus neles previstos, assim como em
cada categoria do nível 1, que engloba todas as letras nela previstas, há uma
designação profissional corresponde um perfil de enquadramento. A evolução dos
trabalhadores nestas séries de séries se processa nos níveis 2 a 6
automaticamente conforme o tempo de permanência no grau, como exemplo,
para o trabalhador ter acesso do grau 1 até o 4, deverá permanecer dois anos no
grau anterior; do grau 4 até o 8, três anos de permanência no anterior; do grau 8
até o 10, quatro anos de permanência no anterior. Mas, no item 2 do quarto artigo
do acordo coletivo, admite-se, por ato de gestão, a evolução mais rápida do que a
estabelecida. Nesse acordo constam, dentre outras: todas as regras de tempo de
permanência no grau de evolução; os perfis de enquadramento que descrevem
genericamente as atribuições mais relevantes da função; a integração dos perfis
de enquadramento em níveis de qualificação - assunto que faz parte do próximo
dispositivo (EDP, 2000). Mas este movimento pode ser visualizado na fala do
Augusto – ex gestor de Recursos Humanos.
[...] aí, sim, é requisito do cargo, o tempo pode ser considerado neste
sentido, veja bem, para você desempenhar uma atividade numa
determinada área que você precisa adquirir um determinado
conhecimento. Então este tempo pode ser valorizado [...] Então você
pode considerar a questão, como sendo o tempo de adaptação na
função, então isso em alguns planos se estabelece isto aí, e era também
estabelecido um pré-requisito de alguns cargos.
Fazendo um breve retrospecto das disciplinas até este movimento, diagramamos
a seriação do tempo em forma de quadro na repartição espacial dos indivíduos
em recortes celulares; um controle orgânico para a economia das atividades em
forma de manobra; e agora, em forma de exercício, a técnica que impõe aos
corpos tarefas ao mesmo tempo repetitivas e diferentes, mas sempre graduadas.
E Foucault (2003a, p. 136) em sua análise permite o entendimento de que “assim,
realiza, na forma da continuidade e da coerção, um crescimento, uma
observação, uma qualificação” do trabalhador nestas instituições. Essa forma de
exercício, por vezes assume na empresa a forma de treinamento, pois obedece
aos mesmos preceitos. O treinamento, segundo relatos anteriores do Augusto –
ex-gestor de recursos humanos - foi massificado com a reestruturação. A cartilha
132
sugerida pelo Modelo de produção enxuta parece ter sido implementada ao
estabelecer treinamento contínuo das habilidades humanas voltadas para a
prática. Um dos exemplos pode constatar este movimento:
Vinte e um colaboradores de diversos setores da empresa participaram
do Curso Técnicas de Negociação, ministrado por profissional do Senai e
coordenado pela Gerência de Recursos Humanos (AAH). O objetivo do
treinamento foi possibilitar aos participantes a reflexão para o
aperfeiçoamento de habilidades visando otimizar resultados nos
processos de negociação.[...]Temos a preocupação de estimular o
crescimento profissional e intelectual de todos aqueles que atuam
conosco e uma das maneiras de fazermos isso é através da realização
de cursos. De janeiro a setembro já realizamos 229 eventos de
treinamento, totalizando 2.601 participações. Isso se traduz em 47.493
horas, que geraram 35,5 horas de treinamento por colaborador, nas
áreas técnico-operacional, técnico-administrativa, informática, qualidade,
recursos humanos, economia e finanças, comercial e segurança. Quanto
a nossos parceiros, que são prestadores de serviços, estagiários,
pessoas de outras empresas e da comunidade, já registramos este ano
848 participações, dando 7.621 horas de treinamento. (ESCELSA, 2004).
Dessa forma, o treinamento serve pra economizar o tempo de vida do
trabalhador, acumula-o de uma maneira utilitária e exerce o poder sobre os
homens, utilizando um tempo assim arrumado. “O exercício, transformando em
elemento de uma tecnologia política do corpo e da duração, não culmina num
mundo além; mas tende para uma sujeição que nunca terminou de se completar”
(FOUCAULT, 2003a, p. 137). Os exercícios aliados a seriações, que por sua vez
permitem composições com o quadriculamento e o controle das atividades nos
lançam ao estudo do próximo dispositivo das disciplinas.
4.2.4 Composição das forças
Ao executar o roteiro cartográfico que estabeleceu como base o segundo capítulo
do livro de Foucault (2003a), deparamos com o que ele denominou de tática,
termo herdado de sua análise da instituição militar. Esse termo é utilizado
solicitando ao leitor a destruição do preconceito segundo o qual poderia se pensar
que o aumento da força de trabalho está relativamente ligado à quantidade de
trabalhadores. E, desta forma, libertar-se do modelo físico de massa produtiva,
que pode ser, em certo sentido, associado a lentidão em efetuar mudanças em
empresas que utilizam o modelo de produção em massa, uma vez que é possível
133
considerar que este modelo é lento em termos de adaptação às mudanças
deflagradas pela falência de um “[...]conjunto de práticas de controle do trabalho,
tecnologias, hábitos de consumo e configurações de poder político-econômico”,
que pode ser denominado período fordista-keynesiano (HARVEY, 2002, p. 115).
Nessa linha, Salerno (1999) analisa as crises no contexto social, político e
econômico que englobaram questões financeiras, a concorrência intercapitalista
no mercado, e o social, especificamente no que se refere aos conflitos originados
pela relação capital-trabalho e que estão imbricadas com a organização, controle
da produção e do trabalho. Entretanto, será prudente considerar o momento
histórico do século XVIII, analisado por Foucault, quando o soldado, considerando
como trabalhador inserido na instituição militar, “[...]torna-se uma espécie de
máquina de peças múltiplas que se deslocam em relação umas às outras para
chegar a uma configuração e obter um resultado específico” (FOUCAULT, 2003a,
p.136). No espaço militar, que pode ser considerado semelhante ao espaço
industrial, o trabalhador é considerado como máquina cujo efeito será levado ao
máximo pela articulação combinada das peças elementares de que a disciplina se
compõe. O mesmo autor lembra que: “A disciplina não é mais simplesmente uma
arte de repartir os corpos, de extrair e acumular o tempo deles, mas de compor
forças para obter um aparelho eficiente”. No exercício de composição das forças,
estabelecem-se táticas que são compostas em três movimentos.
4.2.4.1 Articulação do corpo com funções
A composição das forças solicita mobilidade dos elementos que a compõem.
Dando seqüência à analítica de Foucault (2003a, p. 137), “O corpo singular torna-
se um elemento, que se pode colocar, mover, articular com outros”. Esta
articulação obedece à funcionalidade, uma espécie de imposição para o perfeito
funcionamento do sistema produtivo, uma redução funcional do corpo, inserindo-o
num conjunto com o qual se articula. A integração somente é efetuada após a
instrução individual, depois este trabalhador é articulado junto a outro,
estabelecendo relações interligadas, mas que, ao mesmo tempo, são
independentes. Estes são treinados a funcionar peça por peça para ser possível
observar o manejo junto aos objetos de seu posto de trabalho, e depois fazê-los
134
executar movimentos articulados com dois trabalhadores e gradativamente com
um número maior de trabalhadores. E como artifício intercambiável, fazê-los
trocar de lugar alternadamente para que o despachante da distribuição aprenda
as funções do despachante de sistemas e a articulação destes corpos se constitui
como peças em uma máquina multissegmentar (FOUCAULT, 2003a).
Nas práticas de gestão na empresa deparamos com um processo similar no setor
de atendimento emergencial, e que pode aqui assumir uma forma cristalizada
multissegmentar. Anteriormente a reestruturação ocorrida a partir de 1997, o setor
de atendimento às reclamações dos consumidores de energia (redes), funcionava
separadamente do setor de operações em sistemas de geração, transmissão e
distribuição da energia (sistemas). Com a reestruturação, a sala na qual são
desenvolvidas as atividades de acompanhamento dos sistemas de controle, que
são automatizados, passou a ser composta pelos dois grupos de trabalhadores, o
que resulta em uma forma interessante de lidar com situações de trabalho que por
vezes são similares. O trabalho, nesta sala, é realizado por escala: dois dias das
6h-14h, dois dias das 14h-22h, dois dias das 22h-6h e quatro dias de folga. A
equipe é composta por 23 trabalhadores, divididos em duas frentes de trabalho:
sistemas e redes. Enquanto o pessoal de Sistemas de energia trata com grandes
empresas e subestações, o pessoal de Redes trata mais das questões ligadas à
distribuição de energia para a massa de consumidores e ao teleatendimento da
empresa, com foco nos consumidores residenciais e empresas menores, em
termos de consumo. Esses setores são interligados pela necessidade de
resolutividade das ocorrências que afetam o sistema de distribuição de energia. A
eficiência da solução dos problemas nos eventos é proporcional à intensidade da
articulação que se estabelece no cotidiano dos trabalhadores envolvidos na
atividade, ou seja, quanto maior a articulação para o trabalho entre os envolvidos,
maior será a eficiência na solução dos problemas. Como se comunicam, como se
deslocam no espaço, qual nível de integração dos trabalhadores aos
equipamentos, qual volume de voz utilizada, as expressões que assumem formas
135
comuns de visualização de eventos
49
, como é tratado o conhecimento adquirido
pela exposição a situações semelhantes ao longo de suas vidas profissionais.
Todas essas variáveis, e muitas outras, fazem parte do cotidiano em que se exige
do trabalhador interação com os demais trabalhadores que compõem uma típica
rede de relações. Uma das políticas de gestão do outro, especialmente neste
setor, é o treinamento inverso de funções. Os despachantes da distribuição são
também treinados para o atendimento no setor de redes e inversamente, os
despachantes de redes são treinados para atender e despachar reclamações da
distribuição. Assim, é possível mover os trabalhadores compondo outros quadros
que possam permitir uma maior flexibilização do processo de gestão dos
indivíduos. O trabalhador é encarado como uma peça intercambiável em uma
máquina para produzir, e neste sentido, se assemelha ao que Foucault chamou
de articulação do corpo singular. O que se pôde acompanhar nas atividades que
os trabalhadores desenvolvem, tanto para gestão de seu trabalho, quanto na
gestão do trabalho de outros, foi a necessidade de o ato de composição solicitar
um outro ingrediente que se relaciona, novamente, com a questão temporal. Isso
nos direciona ao próximo dispositivo da composição das forças.
4.2.4.2 Junção das combinações cronológicas
A questão temporal, analisada na composição das forças produtivas, também se
torna peça de uma máquina para produzir. O tempo de funcionamento entre as
peças deve ser composto, de maneira que permita ajustar o tempo de uns ao
tempo de outros para “[...] extrair a máxima quantidade de forças de cada um e
combiná-la num resultado ótimo” (FOUCAULT, 2003a, p. 138). Nesse aspecto,
uma forma cristalizada nas organizações empresariais é as análises temporais do
fluxo de trabalho, que possibilitará o processo de seqüênciamento da produção.
Nesse processo, o fluxo da produção é analisado em partes de forma minuciosa,
e em cada parte se estabelecem técnicas para otimização dos recursos
49
Os eventos são transmitidos pelo o sistema de comunicação que utiliza ondas de rádio, são
recebidas as informações e estas são mentalizadas pelo despachante que, por vezes as
retransmite, ou mesmo atua de forma a resolver os problemas que fazem parte daquele evento.
136
envolvidos na produção. Técnicas para otimizar a produção são desenvolvidas,
novos campos de conhecimento são construídos. Um exemplo é a técnica
desenvolvida por pesquisadores israelenses, denominada de Tecnologia de
Produção Otimizada – OPT: apesar de ainda não estar sob domínio público, é
utilizada por empresas nos Estados Unidos e na Inglaterra. Essa técnica
estabelece três elementos básicos para a empresa ganhar dinheiro: 1 - o fluxo de
materiais passando através da fábrica; 2 – os estoques e 3 – as despesas
operacionais. Segundo os pesquisadores, para obter sucesso é necessário que
“[...] se aumente o fluxo de produtos vendidos e ao mesmo tempo se reduzam os
estoques e as despesas operacionais”(CORRÊA; GIANESI, 1993, p.143). É
estabelecido um ritmo de trabalho que permita a utilização máxima dos recursos
disponíveis, seja de matéria prima, de maquinário ou de força humana e tem-se
como uma das premissas a eliminação de gargalos que, por ventura, venham
impedir a máxima eficiência. O cadenciamento da produção é sugerido, por um
dos pesquisadores, a ritmo de tambor (GOLDRATT, 1992), assumindo a nítida
idéia de combinação cronológica das atividades dos trabalhadores, estabelecendo
a composição do tempo de uns aos dos outros com o inegável propósito de extrair
o máximo de forças. Na empresa analisada, não há a declaração explicita de
utilização dessa técnica, mesmo porque não há empresas no Brasil que
detenham os direitos comerciais para sua aplicação. Entretanto, puderam-se
visualizar processos que tenham o tempo como indicadores de eficiência. A
Escelsa, em conformidade com a ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica),
utiliza quatro indicadores de qualidade e que se transformam também em
indicadores de desempenho. São eles:
O tempo médio em que cada cliente permanece sem o fornecimento de
energia elétrica (DEC);
O número médio de interrupção em que cada cliente permanece sem o
fornecimento de energia elétrica (FEC);
Tempo médio entre uma reclamação de interrupção de energia elétrica e
seu restabelecimento (TMA); e
Perdas de energia elétrica. (ESCELSA, 2005)
Os dois primeiros indicadores são regulados pela ANEEL. Em ambos, o
desempenho dos trabalhadores melhorou muito depois da privatização. O DEC
137
passou de 35,57 horas em 1995 para 11,19 horas no terceiro trimestre de 2004,
ou seja, uma redução em 68% no índice. A titulo de desempenho, o fato de o
cliente ficar em média menos tempo sem consumir energia, representa um
aumento de receitas. Não menos importante é a análise pela via da qualidade: o
mesmo fato é percebido pela população consumidora como uma quantidade
menor de tempo sem energia disponível. Esse indicador é obtido a partir das
medições cronológicas das atividades dos trabalhadores que se envolvem, direta
ou indiretamente, na execução dos serviços pertinentes à geração, transmissão e
distribuição de energia para a população. A composição dessas atividades, que
são interligadas por características técnicas, influi dessa forma, no desempenho e
na qualidade dos serviços prestados pela empresa como um todo. É importante
que se destaque o custo desta melhoria de desempenho, menos postos de
trabalho, maior carga trabalho são as formas visíveis, facilmente detectáveis.
Outra análise possível no mesmo período é do indicador FEC, pelo qual houve
uma redução de 27,21 para 9,69 vezes, ou seja, 64% menos freqüente a
ausência de energia para o cliente, o que nos permite uma semelhante análise ao
DEC e acrescenta, em certa medida, uma noção de níveis de confiabilidade em
todo sistema de distribuição de energia da empresa. Os resultados obtidos pela
Escelsa nesta área vêm atendendo às metas estabelecidas pela ANEEL
50
. Já o
TMA e perdas apresentam uma situação distinta, talvez por não serem regulados
pela Aneel. Diferentemente do DEC e do FEC, a ANEEL não estabeleceu metas a
serem atingidas no que diz respeito às perdas e ao TMA. Esses indicadores
apresentaram uma involução no período recente da empresa. As perdas
passaram de 8,60% em 1999 para 12,87% no terceiro trimestre de 2004. O TMA
passou de 80 minutos para 136 minutos no mesmo período. A busca pela
50
Durante a observação da pesquisa dos estudos ergológicos, pude constatar falta de rigor na
entrada dos dados que geram estes indicadores, como por exemplo, durante os eventos climáticos
que aumentam o volume de trabalho dos despachantes, a ponto de não ser possível alimentar os
dados referentes ao atendimento efetuado no instante em que este ocorreu. Estes dados são
alimentados por um terceiro que não efetuou o atendimento horas depois, perdendo sua
confiabilidade. Contudo, o controle no tempo do atendimento e na quantidade de ocorrências é
rigoroso, visto ser automatizado por um sistema monitorado pelo ONS (Operador Nacional do
Sistema)
138
eficiência nesses indicadores fez com que a empresa desenvolvesse, já na
primeira grande reestruturação, um acordo de participação nos resultados que é
reeditado ano a ano, onde se estabelecem as metas da empresa, que incluíram: 1
– índice de satisfação do cliente – ISC; 2 – Qualidade do Serviço – QS; e 3 –
Custeio Total – CT. Fazem parte do indicador de qualidade do serviço, os dois
indicadores com metas estipuladas pela ANEEL (DEC e FEC) e o TMA e as
Perdas. As metas são estabelecidas pela própria empresa e, na prática, são
reajustadas conforme seu interesse. Isso nos pode fazer esperar a redução
contínua desses índices, apesar da determinação de cinco níveis para parâmetro
de desempenho. Essa forma de compor o tempo, combinado às atividades de
todos, afeta os corpos dos trabalhadores que ao se exporem a tais situações, as
sentem de diversas maneiras. Uma forma recorrente na fala deles, na sala
anteriormente descrita, refere-se aos indicadores de desempenho como sendo a
principal preocupação diária. Esses indicadores têm relação direta com o tempo
em que as atividades são desenvolvidas.
Para ilustrar: a organização do trabalho na sala de operações, que está ligada
diretamente ao TMA, se desenvolve em duas ilhas de trabalho: uma composta por
duas mesas para um trabalhador, cada uma, e outra com três mesas e três
trabalhadores respectivamente. Existem três monitores para cada trabalhador da
área de sistema e quatro para cada trabalhador da área de redes. Esse fato
ocorre, porque o pessoal da área de redes também utiliza um programa de
georeferenciamento necessário para facilitar a localização do ponto consumidor e
repassar a informação ao trabalhador externo, o que implica a necessidade de
mais uma tela com visualização simultânea. Ou seja, o trabalhador (despachante)
de redes precisa verificar, simultaneamente, até quatro monitores com diferentes
programas cada um, atender telefone e receber e transmitir informações via rádio
a outros trabalhadores externos que efetivamente executam o serviço. O sujeito,
ao ser chamado a gerir o tempo que destina em cada atividade por um processo
que é combinado ao tempo dos outros trabalhadores, acaba por exercer um
processo de gestão do outro. Para atingir a eficiência massificada pela avaliação
de desempenho individual e coletiva, o trabalhador submete-se a um processo de
objetivação do corpo. Aliadas a esse fato, as atividades são imbricadas de tal
139
forma que dificilmente são executadas por um só trabalhador, necessitando da
composição dos tempos de todos os envolvidos no processo pelos próprios
trabalhadores que as executam. Os indicadores permitem avaliar se a nova
estrutura organizacional e as práticas de gestão de pessoas estão alcançando os
resultados esperados, o que pode ser analisado com a busca da máxima
eficiência. Em um outro conjunto de saberes, em forma de teoria relativamente
nova, sobre a necessidade de aumento da produtividade, está o modelo de
gestão da produção Japonês de Ohno e outros teóricos
51
(apud, CORIAT, 2000),
que aqui será extraído apenas no que tange o tempo partilhado
52
. Ohno inova a
partir da teoria de economia do tempo taylorizada e fordista, substituindo os
princípios dos tempos alocados, ou impositivos em tarefas sempre repetitivas, por
tarefas múltiplas e flexíveis e agradáveis em padrão de tempo e de trabalho. A
proposta do autor é “[...] designar como o princípio do trabalho em tempos
partilhados” (CORIAT, 2000, p. 84). Na análise de Coriat (1993), Ohno (1997)
baseia seus ensinamentos sobre os protocolos taylorizados de medidas dos
tempos e movimentos, contudo, com a diferença de apoiar-se em padrões re-
agregados e moduláveis, assentando-se não na repetitividade e produção em
massa, mas na flexibilidade e na variedade de produção. Todas as técnicas que
destroem o modelo taylorizado da divisão e da rotina do trabalho assentam-se na
busca por ganhos de produtividade sobre bases amplamente renovadas:
[...] a rotação dos homens nas tarefas, até nas próprias funções que se
encontram na origem de um “efeito formador” da organização do
trabalho, torna-se assim um modo comum da gestão dos homens e das
competências e de sua valorização pela empresa (CORIAT, 1993, p. 87,
grifo do autor)
No momento parece ser possível, num processo cartográfico, traçar uma linha no
diagrama, apresentando como prática em composição das forças a combinação
dos tempos de trabalho de uns trabalhadores aos de outros. Esse dispositivo
51
Coriat chama atenção considerando autores como Shingo, Ishikawa, Imai.
52
Abre-se no momento um movimento possível para futuras pesquisas, pois esta escola está
amplamente divulgada e com material farto de pesquisas realizadas. Entretanto, o
aprofundamento da análise desta escola neste trabalho exigiria, por conveniência, maior
refinamento do olhar, o que poderia significar exaustão na leitura.
140
esteve presente no período taylorista com uma forma, e ganha força no modelo
Japonês assumindo uma forma diferenciada, mais sutil, quando outras pesquisas
sobre esta temática exaltam a técnica de “[...] como as ligações particulares,
estabelecidas na empresa japonesa entre funções de pesquisa e fabricação, lhe propiciam
um tempo muito abreviado de concepção de produtos novos e de seu lançamento no
mercado” (IMAI, 1989; CLARK; CHEW e FUJIMOTO, 1989; apud CORIAT, 2002, p. 88). O
processo de combinação das séries cronológicas pode ser entendido, dessa
maneira, como um processo de gestão dos outros, pois é no trabalho conjunto
que se estabelece, mas ao mesmo tempo pode ser considerado, por influenciar a
todo instante o sujeito, como determinante no processo de gestão de si.
4.2.4.3 O comando preciso
Talvez um dos mais similares exemplos de aplicação do dispositivo do comando
preciso vem do exército, onde é exercida a clareza de comando, eliminando
explicações a cada investida de forma que se atinja o alvo com a eficiência
desejada. A sistematização desse exercício no mundo das organizações
empresariais poderia, em determinado momento histórico, se atribuir a Fayol
(1970) quando aplicou dentre os quatorze princípios da função administrativa, a
unidade de comando (4º) e a unidade de direção (5º). O princípio da unidade de
comando tem como regra a determinação de que “para cada execução de um ato
qualquer, um agente deve receber ordem somente de um chefe. [...] se é violada,
a autoridade se ressente, a disciplina se compromete, a ordem se perturba, a
estabilidade periga.” (FAYOL, 1970, p. 44). Fayol considerou essa regra
fundamental a ponto de enunciá-la como um dos princípios necessários para
manter a saúde e o bom funcionamento do corpo social. É necessário esclarecer
que o autor chamou de corpo social o objeto que a função administrativa tem por
órgão e instrumento, ou seja, “[...]enquanto as outras funções põem em jogo a
matéria-prima e as máquinas, a função administrativa restringe-se somente ao
pessoal.” Assim, o autor estabelece o foco da administração de pessoal como
principio da ciência da administração. Por esse princípio, Fayol (1970) alerta
sobre os perigos da dualidade de comando que podem gerar perturbações,
atritos, aborrecimentos, enfim desordem no trabalho. Para o autor o cerne do
141
princípio da unidade de comando está na prudência da prevenção ao fracasso
administrativo. Ele afirma que, sem divisão das atribuições que separam os
poderes dos envolvidos gerando dualidade de comando, pode-se se chegar ao
fracasso de qualquer associação humana, seja “na Indústria, no Comércio, no
Exército, na família, no Estado”.
As contínuas relações entre os diversos serviços a interligação natural
das funções, as atribuições amiúde imprecisas, criam o perigo constante
da dualidade. Se um chefe sagaz não puser as coisas em ordem,
surgirão usurpações a perturbar a marcha dos negócios,
comprometendo-os.(FAYOL, 1970, p. 45)
Na seqüência de seus princípios Fayol (1970, p.46) estabelece o quinto como
sendo o princípio da unidade de direção, uma vez que “[...]um só chefe e um só
programa para um conjunto de operações que visam ao mesmo objetivo [...] é a
condição necessária da unidade de ação, da coordenação das forças, da
convergência dos esforços”. Nesse instante da análise destes princípios, é
possível visualizar a dependência entre ambos o que ao autor não escapa quando
enuncia que “[...]a unidade de comando não pode existir sem a unidade de
direção, mas não é uma conseqüência desta”. Ou seja, na unidade de direção um
só chefe e um só programa, na unidade de comando um agente não deve receber
ordens senão de um só chefe. “Chega-se à unidade, mediante uma boa
constituição do corpo social; a unidade de comando depende do funcionamento
do pessoal.” Num idêntico sentido, a analítica de Foucault (2003a) trata o
dispositivo que denominei unidade de comando:
Essa combinação cuidadosamente medida das forças exige um sistema
preciso de comando. Toda a atividade do indivíduo disciplinar deve ser
repartida e sustentada por injunções cuja eficiência repousa na
brevidade e na clareza; a ordem não tem que ser explicada, nem mesmo
formulada; é necessário e suficiente que provoque o comportamento
desejado[...] Colocar os corpos num pequeno mundo de sinais a cada
um dos quais está ligada uma resposta obrigatória e só uma[...]
(FOUCAULT, 2003a, p. 140)
Para o funcionamento do dispositivo, Foucault (2003a, p. 140) exalta a técnica de
treinamento que “[...]exclui despoticamente em tudo a menor representação, e o
142
menor murmúrio [...] sua obediência é pronta e cega; a aparência de indocilidade,
o menor atraso seria um crime”.
Na empresa, como já visualizado nos enunciados dos trabalhadores
anteriormente, existe a presença marcante do treinamento e o controle para a
obediência ao menor sinal comandado. Um exemplo é o relato do trabalhador
Dilon – Coordenador de redes – cujo corpo simplesmente reagiu da maneira
esperada por outros trabalhadores hierarquicamente superiores, quando ele ouve
o sinal sonoro que indica a ocorrência de situações que demandem a urgência e
prioridade máxima no atendimento, sem questionamentos que poderiam redundar
em atrasos, desordens. O comando acontece a um simples som emitido por
equipamento automatizado, que acaba por automatizar o comportamento do
trabalhador.
Esta máxima prioridade é vista desta forma, porque normalmente
quando acontece este som, se não conseguirmos resolver rápido, pode
ocorrer uma ligação do ONS – Operador Nacional do Sistema no
Sudeste que fica no Rio de Janeiro, e logo depois, o presidente da
empresa liga para saber da solução do problema.
No mesmo setor tem-se o exercício do comando com treinamento que utiliza um
simulador de eventos, sendo o trabalhador submetido a condições similares às
reais. Nesse momento são exercitados os sinais, a questão temporal, a
diversidade de informações e situações que farão parte do cotidiano do
trabalhador na empresa. Seu corpo é, dessa forma, submetido a um regime de
treinamento, que o prepara para obediência ao menor sinal. A massificação do
treinamento, com a reestruturação produtiva, desenhadas em movimentos
anteriores, evidencia a utilização do dispositivo de comando no exercício das
disciplinas.
Num movimento para sintetizar sua análise sobre o funcionamento das
disciplinas, Foucault resume:
[...] pode-se dizer que a disciplina produz, a partir dos corpos que
controla, quatro tipos de individualidade, ou antes uma individualidade
143
dotada de quatro características: é celular (pelo jogo da repartição
espacial) é orgânica (pela codificação das atividades), é genérica (pela
acumulação do tempo), é combinatória (pela composição das forças). E,
para tanto, utiliza quatro grandes técnicas: constrói quadros; prescreve
manobras; impõe exercícios; enfim, para realizar a combinação das
forças, organiza ‘táticas’ (FOUCAULT, 2003a, p. 141).
Assim, foi possível traçar algumas linhas que já fizeram compor o diagrama que
faz funcionar as disciplinas na empresa. Para tanto, se buscou o auxílio de
algumas teorias da Administração de Pessoas em Organizações, aliadas à teoria
do Filósofo Michel Foucault, bússola, tanto teórica quanto empírica, para
desenvolvimento da pesquisa como um todo. Esta última utilizou uma postura
cartográfica ante os movimentos da vida dos trabalhadores na empresa e fora
dela. Seguindo esses movimentos e o roteiro estabelecido durante a pesquisa, é
prudente que se permita continuidade na análise dos instrumentos para um bom
adestramento. Essa análise segue a analítica de Foucault, na qual são sugeridos
três recursos do funcionamento das disciplinas, que serão detalhados a seguir.
4.3 Instrumentos para um bom adestramento
Além das linhas básicas do funcionamento das disciplinas, será prudente afinar o
olhar para os dispositivos de intensificação e para as resistências que precedem
estes dispositivos. Os instrumentos específicos, segundo Foucault (2003a p. 143)
são: o olhar hierárquico; a sanção normalizadora e o exame. É importante
destacar que tais instrumentos seriam utilizados no sentido de adestrar os corpos
para deles extrair o máximo de forças. “A disciplina fabrica indivíduos; ela é a
técnica específica de um poder que torna os indivíduos ao mesmo tempo como
objetos e como instrumentos de seu exercício”. Não é um superpoder que impõe
a todos incondicional obediência em um determinado momento, mas um poder
modesto e permanente que pouco a pouco modifica e impõe seus processos e
que pode invadir formas maiores de exercício como os grandes aparelhos do
Estado e especificamente as empresas. Desses instrumentos, depende o sucesso
do poder disciplinar (FOUCAULT, 2003a). O funcionamento deles não é separado
em ordenamento hierarquizado, acontecem simultaneamente, assim como os
dispositivos disciplinares. Será feita uma descrição separadamente com o fim
144
exclusivo de facilitar o entendimento. Entretanto, no funcionamento, estes
instrumentos estão de tal forma imbricados, entre eles e com os dispositivos
descritos nos itens anteriores, que se torna arriscado qualquer demarcação.
Desse modo, a separação estabelecida tem fins didáticos e todos os instrumentos
têm como base para funcionamento os dispositivos descritos anteriormente,
podendo em alguns momentos ocorrer recorrência a linhas já descritas com
intuito de evidenciar seu funcionamento simultâneo e não dissociado.
4.3.1 A vigilância hierárquica:
Para Foucault (2003ª, p. 143), o exercício da disciplina reclama um dispositivo
que obrigue o jogo do olhar, “[...] onde as técnicas que permitem a visão induzam
a efeitos de poder, e onde, em troca, os meios de coerção tornem claramente
visíveis aqueles sobre quem se aplicam”. Isso se evidencia na disposição dos
postos de trabalho em forma de ilha no dispositivo de distribuição espacial
contornado e que ganham visibilidade nas ilustrações 7 e 8 e nos anexos 5 e 6,
onde os trabalhadores permanecem permanentemente sob o olhar de seu
superior hierárquico, mas também de seu companheiro de atividade. É definida de
forma geométrica a distribuição dos postos em linhas e colunas de forma a
permitir a visão de todos por todos. “Desenha-se uma rede de olhares que se
controlam uns aos outros”. As divisões em diferentes postos, segundo sua
hierarquia funcional, acaba por produzir uma maquinaria de vigilância do
comportamento. As divisões veladas formam um aparelho de observação de
registro e de treinamento. Nesse aparelho de observar, é estabelecida a
subdivisão de olhares, processos de comunicação, sinais que resultam em um
exercício de poder homogêneo e contínuo. Nas ilustrações 9 e 10, nos subitens
anteriores é possível visualizar o momento em que o aparelho de observação
assume forma cristalizada de reestruturação em nome da humanização do
ambiente de trabalho. As paredes, que impediam o olhar representada na
ilustração 9, são demolidas e vidros as substituem, permitindo a um único olhar
tudo ver permanentemente assumindo a forma visualizada na ilustração 10. “O
olho perfeito que nada escapa e centro em direção ao qual todos os olhares
convergem”. Foucault (2003a p.143) refere-se, nesse momento, à forma
145
arquitetural de construção circular ou mesmo piramidal, onde os olhares eram
convergentes a um ponto central, o que de fato não é o caso da Escelsa, mas a
transparência obtida pela eliminação das alvenarias acaba por conseguir o efeito
do poder que vigia. O controle intenso e contínuo ocorre ao longo do processo de
trabalho em vigilância, não só da produção, controlando o uso adequado da
matéria-prima, o uso adequado da máquina ou equipamento, da qualidade do
produto, mas também das atividades dos homens, seu conhecimento técnico, a
maneira de fazê-lo, sua rapidez, seu zelo, seu comportamento. Para Foucault
(2003a p.143) “Vigiar torna-se então uma função definida, mas deve fazer parte
integrante do processo de produção; deve-se duplicá-lo em todo seu
comprimento”. Em sua análise, Foucault chama atenção sobre o uso de pessoal
especializado tornando-se indispensável, constantemente presente, e distinto dos
trabalhadores com a estrita função de vigília, o que não ocorre na empresa
analisada, pelo menos declaradamente com função restrita à vigilância.
Entretanto, nos enunciados do Erasmo - Supervisor comercial - essa função é
assumida pelos supervisores, gerentes, superintendentes, que além de suas
atividades inerentes ao cargo, incorporam as de vigilância.
Para você ter uma idéia do que eu to falando, hoje, se você tivesse seu
pai ou sua mãe trabalhando aqui, você não confiaria neles [...] O
superintendente não conhece nada, só tem a função de fiscalizar e
vigiar. O clima está péssimo, ruim mesmo, ninguém confia em ninguém,
as pessoas trabalham com má vontade. Hoje ninguém é amigo de
ninguém aqui [...] Os caras recebem uns 13 mil para não fazer nada, só
ficar vigiando os outros, nós é que fazemos o trabalho.
Também é possível visualizar tal forma a partir da avaliação de resultados
descrita no POP de número 799 – Gestão de desempenho (anexo 2). Sendo um
supervisor o superior imediato da maioria dos trabalhadores na empresa, este
assume formalmente as tarefas de observação cotidiana do comportamento dos
trabalhadores sob sua avaliação, o que, mais adiante, neste trabalho assumirá
uma forma de exame. “A vigilância torna-se um operador econômico decisivo, na
medida em que é ao mesmo tempo uma peça interna no aparelho de produção e
146
uma engrenagem específica do poder disciplinar” (FOUCAULT, 2003a p. 147).
Desse modo, a vigilância hierárquica organiza-se como um poder múltiplo, que
não se pode deter como uma coisa, uma propriedade; funciona como uma
máquina. Poderíamos pensar que a organização piramidal atribuiria a um chefe
poderes de gestão sobre vida dos outros trabalhadores, mas “[...]é o aparelho
inteiro que produz poder e distribui os indivíduos nesse campo permanente e
contínuo. O que permite ao poder ser absolutamente indiscreto, pois está em toda
parte e sempre alerta”(FOUCAULT, 2003, p.148, grifo do autor), porque em
princípio não deixa nenhuma parte às escuras e exerce um controle contínuo até
sobre os mesmos que estão encarregados de controlar. Por outro lado e ao
mesmo instante, o exercício do poder é
[...] absolutamente discreto, pois funciona permanentemente e em
grande parte em silêncio. A disciplina faz funcionar um poder relacional
que se auto-sustenta por seus próprios mecanismos e substitui o brilho
das manifestações pelo jogo ininterrupto dos olhares calculados
(FOUCAULT, 2003, p.147)
As micro ações de vigilância se fazem presentes no jogo cotidiano do olhar
hierárquico que utiliza, agora mais intensamente, a transparência física do modelo
de estrutura arquitetônica adotado com a reestruturação. Isso não significa que
havia ausência de formas de vigilância no período anterior à reestruturação, e sim
uma intensificação dos jogos dos espaços, de visibilidade, de hierarquização
velada da vigilância ao assumir contornos de “[...]humanização do ambiente de
trabalho[...] na fala da Bethânia - Gerente de Recursos Humanos da empresa.
4.3.2 As sansões normalizadoras
Nos sistemas disciplinares, que se faz presente a exigência de funcionamento dos
mecanismos penais, se assemelham aos privilégios de justiça, mas estabelecem
leis próprias para delitos especificados, com formas singulares de sansão e
instâncias de julgamento. As disciplinas arquitetam uma infra-penalidade com que
qualificam e reprimem um conjunto de comportamentos dos trabalhadores.
147
4.3.2.1 Micro mecanismo penal
Em suas pesquisas seja na oficina, nas escolas, no exército, Foucault (2003a)
assimila o funcionamento das disciplinas como repressor, no qual todo um
conjunto de micro penalidades são estabelecidas. As micro-penalidades são
elencadas: quanto ao tempo, sendo estabelecidas pelo controle dos atrasos, das
ausências, das interrupções das tarefas, do padrão temporal de execução das
atividades; quando no exercício da atividade, quando se busca observar as
possíveis desatenções, negligências e a falta de zelo para com os objetos e nos
processos; na maneira de ser quando em relação com os companheiros de
trabalho, sendo observadas grosserias, desobediência; nos discursos que
assumem forma de tagarelice ou insolência; no cuidado com o corpo, que pode
ser identificado como sujeira, desleixo, gestos não conformes; no aspecto da
sexualidade, com a observação de imodéstia, indecência e assédio. Nesse
aspecto, os mecanismos de penalidade na empresa coadunam com os
analisados pelo Filósofo. Conforme já esclarecido anteriormente, não foi permitido
acesso às normas atuais da empresa que estabelecem as micro penalidades. Por
isso, será utilizado para traçar a linha que contorna este dispositivo, o acordo
coletivo de trabalho estabelecido pelo grupo EDP de Portugal, pois, segundo o
projeto Vanguarda, ele é o parâmetro do novo processo de reestruturação
simultânea que iniciou em maio de 2005 nas três empresas de distribuição de
energia do grupo no Brasil (Escelsa, Enersul e Bandeirantes).
Na cláusula sete do Acordo Coletivo de Trabalho (2000) são estabelecidos onze
deveres dos trabalhadores, que são:
1. Cumprir rigorosamente este ACT e os regulamentos dele
emergentes;
2. Exercer com competência, zelo, pontualidade e assiduidade as
funções que lhe estejam confiadas;
3. Não exercer qualquer actividade profissional externa que interfira
com as suas atribuições ou com as actividades das empresas;
4. Guardar sigilo sobre todos os assuntos de natureza confidencial
ou cuja divulgação infrinja a deontologia profissional;
5. Cumprir as ordens e directivas dos responsáveisno que respeita
a execução e disciplina do trabalho, em tudo o que se não
mostre o contrário aos seus direitos e garantias;
148
6. Prestar esclarecimentos de natureza profissional a trabalhadores
de categoria inferior da mesma unidade organizativa;
7. Respeitar e tratar com urbanidade e lealdade os superiores
hierárquicos, os subordinados, os companheiros de trabalho e as
demais pessoas que estejam ou entrem em relações com as
empresas;
8. Cumprir e fazer cumprir as normas de salubridade, higiene e
segurança no trabalho;
9. Zelar pelo bom estado de conservação dos bens que lhes forerm
confiados pelas Empresas;
10. Cooperar em todos os actos tendentes à melhoria da
produtividade das Empresas e da qualidade de serviço, desde
que lhes sejam convenientemente assegurados os meios
técnicos indispensáveis e não acfeta a sua dignidade;
11. Prestar às hierarquias todos os esclarecimentos necessários em
matéria de serviço, bem como fazer sugestões que possam
contribuir para a melhoria do serviço.(EDP, 2000, p. 16-17)
Estes são os parâmetros que prescrevem os deveres dos trabalhadores em todas
as empresas que pertencem ao Grupo EDP. As micro penalidades estão
prescritas na cláusula 87ª, no mesmo acordo em seu anexo VI em forma de
regulamento disciplinar. Estão descritos no regulamento disciplinar todos os tipos
de penalidades a cada infração cometida pelo trabalhador. O primeiro artigo
dessa cláusula elenca quatro justificativas à instauração de procedimento
disciplinar, sendo as três últimas derivadas da primeira que determina que
Quando a conduta de um trabalhador possa constituir violação dos seus
deveres consignados no ACT, elabora-se participação que é presente à
entidade competente para o exercício do poder disciplinar. (EDP, 2000,
p. 215)
A cláusula 87ª é composta por dezenove artigos em quatro capítulos, sendo que o
terceiro capítulo, que é composto do 13º até o 18º artigo, é destinado à prescrição
das sansões disciplinares. Nesses artigos, é prescrito o que vem a ser repreensão
verbal e registrada (13º); os critérios de para se efetuar a suspensão do trabalho
com perda de salário (14º); a sansão de transferência compulsiva, quando uma
nova oportunidade ao trabalhador é dada (15º); a demissão por justa causa,
aplicável ao mais alto grau em gravidade das punições, quando a relação de
trabalho torna-se insustentável (16º); demarcam a prescrição das circunstâncias
atenuantes e agravantes das práticas dos trabalhadores, estabelecendo como
atenuantes a confissão espontânea, o bom comportamento anterior e o
149
arrependimento e como agravantes a premeditação, a reincidência (caso ocorra a
mesma infração no período de um ano), a acumulação de infrações e a intenção
de lucrar (17º); sendo o 18º artigo é registro das sanções disciplinares que será
alvo de análise no mecanismo do exame.
4.3.2.2 Quanto às punições
Para análise do movimento das punições, o período circunscrito entre 1985 a
1995 será norteador, pois foi o período em que o autor vivenciou a prática dos
dispositivos disciplinares, sendo alvo e instrumento do dispositivo das punições.
Este período, anterior à privatização da empresa, adotava-se a prática de leitura
de todas as normas de conduta como primeira tarefa do trabalhador recém-
contratado. Essas normas prescreviam a conduta que o trabalhador deveria ter,
tanto no local de trabalho quanto fora dele. A prática de integração do trabalhador
às regras de funcionamento das relações na empresa era de tal forma
disseminada, que não havia como os trabalhadores alegarem desconhecimento
das punições em inobservância a tais regras. Obrigatoriamente o trabalhador
deveria saber que a cada penalidade, a cada desvio, ao afastamento da regra,
haveria uma punição em menor ou maior grau, segundo a gravidade do desvio. O
funcionamento das punições perpassava a vida do trabalhador em todas suas
instâncias, pois constavam regras de conduta do trabalhador quando em locais
dentro e fora da empresa. Seu comportamento em outros locais da sociedade não
poderia denegrir a imagem da empresa junto à sociedade. Era vigiado do
momento em que saísse de sua residência, quando se observava não só o
horário de sua saída, se era compatível para sua chegada não só aos portões ou
aos relógios mecânicos de marcação do ponto em que se iniciava o trabalho, mas
também, quando este realmente iniciava suas atividades cotidianas específicas
de cada setor. A reincidência de inobservâncias das regras, tanto de conduta
externa, interna, de horários, de higiene, de cuidados que vão desde
equipamentos, ferramentas até uniforme, aparência e gestos, representaria a
exposição a punições, pelos superiores hierárquicos. As formas de punição
obedeciam a uma seqüência básica: 1 – Advertência verbal, sem prejuízo
financeiro, com o intuito de alertar para o fato de o trabalhador ter-se afastado da
150
regra básica do cumprimento do tempo de trabalho que era pago; 2 – Advertência
documentada
53
que estaria associada a prejuízos financeiros caso o desvio
praticado pelo trabalhador tivesse causado tais prejuízos à empresa, que se
ressarciria na mesma proporção monetária, descontada em folha de pagamento e
com registro da ocorrência em sua ficha profissional; 3 - Suspensões de dia(s) de
trabalho para delitos que exigiam maior rigor, e se utilizava dos mesmos ritos da
advertência documentada, mas representava além do possível ressarcimento, a
perda de remuneração correspondente aos dias suspensos. Caso o trabalhador
não corrigisse sua conduta, reincidindo em falhas que obedeciam ao limite de três
vezes, estaria passível de punição, que redundaria em sua demissão sumária por
justa causa, representando ruptura do vínculo empregatício e conseqüente
registro do fato em sua carteira profissional prevista na Consolidação das Leis do
Trabalho CLT. Segundo alguns trabalhadores que relataram informalmente as
práticas (Junior, Ramalho, Viola, Djavan, Augusto, Erasmo e Jessé, Andrade,
Biafra e Dilon), tais regras disciplinares fazem parte ainda do cotidiano. Contudo,
eles são unânimes em afirmar que a forma atual que se apresenta hegemônica de
micro-punição é a avaliação de desempenho visível no anexo 2 em sua página 4,
onde o comportamento desejado está descrito e o próprio trabalhador é posto a
analisar, junto com seu superior hierárquico, seu comportamento ante as regras.
Dessa forma, um processo de internalização das regras é exercitado a cada
solicitação de gestão do trabalho pelo próprio trabalhador. Na análise de Foucault,
a ordem que os castigos disciplinares devem respeitar é de natureza mista: “[...] é
uma ordem artificial, colocada de maneira explícita por uma lei, um programa,
um regulamento. Mas também definida por processos naturais e observáveis
[...]”(FOUCAULT,2003a, p. 150, grifo do autor). A punição na disciplina tem a
função de reduzir os desvios da regra, atuando de forma corretiva do
comportamento, privilegiando as punições na ordem do exercício como: o
aprendizado intensificado, multiplicado, muitas vezes repetido, “[...] de modo que
o efeito corretivo que dela se espera apenas de uma maneira acessória passa
53
O rito de entrega desse modelo de punição, estabelecia que ao ser entregar ao trabalhador,
esta fosse em duas vias que constaria além do motivo, do número da norma negligenciada, teria
as assinaturas do trabalhador, do superior hierárquico na empresa e de uma testemunha que
presenciava a entrega da punição e sua leitura justificando para tal medida.
151
pela expiação e pelo arrependimento”. Além dessas formas de punição, existe,
segundo os trabalhadores entrevistados, a prática de punir negando acesso a
oportunidades de trabalho desejadas pelo trabalhador dentro da própria empresa
ou mesmo a de obter o direito de ser promovido pelo instrumento de
recompensas periódicas. Esses fatos nos remetem ao próximo instrumento.
4.3.2.3 Quanto às recompensas
Erasmo – Supervisor comercial – permite-nos alguma visibilidade, ao enunciar o
funcionamento das disciplinas que se utilizam de um sistema de recompensas e
punições aos trabalhadores, segundo interesses da empresa representados pelos
executivos.
Os que não concordam são alijados do processo, como é o caso do
Hirota e o Paulo, que está encostado, com um computador velho, sem
internet, sem serviço (com isto não recebe Participação nos Resultados -
PR), muitos não agüentam a pressão e pedem para sair da empresa.
O sistema torna-se operante no processo sutil e diário de treinamento e correção,
em que, sem a declaração explícita de sansão, exerce a todo instante efeito de
punição aos que demonstram resistência; e, por outro lado, gratifica, eximindo de
castigos, fomentando oportunidades aos que operam no sentido que reforça a
manutenção do regime de acumulação. Dessa forma, qualifica os
comportamentos em um sistema dual de oposição de valores entre o bem e o
mal, o bom e o ruim, entre o competente e o não habilitado, entre os bons e maus
pontos, já que o sistema de avaliação dos trabalhadores na empresa é por pontos
alcançados durante um determinado período. É estabelecido um sistema de
valoração quantificado em processo econômico que se traduz em números, como
é visível no anexo 2 em sua página 4, no qual atua a contabilização dos
comportamentos que é posta em exercício cotidiano, permitindo obter o balanço
positivo de cada um. E por este jogo de qualificação, no exercício da concessão e
de dívidas e graças aos cálculos permanentes dos pontos a mais ou a menos,
[...] os aparelhos disciplinares hierarquizam, numa relação mútua, os
bons e os maus indivíduos. Através dessa microeconomia de uma
penalidade perpétua, opera-se uma diferenciação que não a dos atos,
mas dos próprios indivíduos, de sua natureza, de suas virtualidades, de
seu nível ou valor (FOUCAULT, 2003a, p. 151 grifo do autor).
152
O acordo de participação nos resultados (Anexo 8) tem por base todo um
conjunto de medidas quantitativas dos comportamentos levantados pelos próprios
trabalhadores. O sistema 799 - Gestão de desempenho, constante do POP nº
RH0050-3 que é visível no anexo 2, sustenta a fórmula quantificável do
comportamento dos trabalhadores na empresa, possibilitando a sansão dos atos
com exatidão, num processo permanente de avaliação dos indivíduos por eles
mesmos, que momentaneamente pode se traduzir em treinamento constante para
a docilidade. O uso de instrumentos limitadores de salários como forma de
punição, que não se constitui vingança pela lei não cumprida e sim de exercício
de constante melhoria da produtividade, é outra prática em gestão dos modos de
punição para um comportamento desejado, como esclarece o Andrade – Gerente
de operações de sistemas.
Os salários limitados são a forma de avisar ao cara que se ele ficar aqui
não vai passar disto, não vai crescer mais [...] Se não fizer isto os caras
se acomodam, e nós não queremos gente aqui por muito tempo, eles
devem se sentir incomodados e que procurem se aperfeiçoar para
buscar outro lugar melhor para eles em termos de crescimento salarial.
A pesquisa permitiu avaliar a política salarial da empresa especialmente onde faz
relação com o funcionamento das recompensas. O enunciado do Augusto - ex-
gestor de recursos humanos, pode ser cristalizado em uma forma de gratificação-
sansão.
[...] a política salarial dela, pegava as pessoas que estavam acima de
100%, equiparava o salário a 100% do valor de mercado e ela
compensava esta pessoa com uma compensação financeira que não
incorporava o salário, então esta pessoa não iria ter os valores
excedentes a 100% incorporados ao salário. Aqueles que estavam acima
de 120% não tiveram absolutamente nada, nem este valor que ela
chamava de abono, então essa pessoa não tinha reajuste salarial. Não
tinha. As pessoas que estavam abaixo de 100%, de 80 a 100%, esses
tinham um tratamento salarial dentro de regras que a empresa definiu no
plano de gestão de desempenho, os planos da Escelsa eram planos
integrados, eles se conversavam, então o plano de gestão de
desempenho ele era usado para movimentar as pessoas, para premiar
as pessoas ou para remunerar as pessoas [...]
E, na seqüência, ao detalhar os objetivos da política salarial na empresa, o
trabalhador compõe o mecanismo de outra forma.
153
[...] a Escelsa, através deste plano da Hay Group, ela tentou construir um
plano que até então não tinha visto em outras administrações, que era
de definir o plano de gestão de desempenho como o plano que não seria
só para treinamento, seria para compensação salarial. Ele acabou com
esta hipocrisia de dizer que o desempenho das pessoas seria só para
efeito de treinamento. Seria para desenvolvimento, ela utilizou para
desenvolvimento, com os programas de treinamento, mas
principalmente, num primeiro momento, para reajuste salarial [...]
A reestruturação, neste movimento, assume contornos positivos para o
trabalhador, e as recompensas não são vistas como castigo, punição e sim a
possibilidade de desenvolvimento profissional menos hipócrita.
Outro exercício do instrumento da sansão normalizadora em forma de
recompensa na empresa é a liberação do trabalhador para transferência de área
de trabalho, por interesse do próprio trabalhador. A não liberação, por vezes, é
percebida pelo trabalhador como um modo de punição. Novamente, esta forma,
como as demais, não são estáticas, universais. Em momentos, e para
determinados trabalhadores como o Leonardo – Eletricista, assume a forma de
punição, quando se esperava o contrário.
[...] eu trabalho direito, faço tudo que eles mandam, minha produção é
uma das melhores daqui. Quando peço liberação para transferência eles
não me dão, alegando que sou muito importante para o setor [...]
Em outros momentos, o instrumento de recompensa e punição assume
novamente a forma contrária à intencionada, como na seqüência da fala do
mesmo Eletricista que deixa a mostra as contradições nas políticas e práticas de
gestão da empresa.
[...] mas quando um nó cego pede, eles querem se livrar dele, logo
liberam, e o cara se dá bem. Assim é difícil, é melhor não trabalhar
muito, porque aí você tem melhor chance. O problema é que eu não
consigo enrolar [...]
Ao traçar a linha desse movimento dessa forma, é possível visualizar um
entrecruzamento com o processo de individualização descrito anteriormente na
organização seqüencial dos indivíduos, em que o tratamento diferenciado dos
trabalhadores produz possibilidades de classificação.
154
4.3.2.4 A classificação
“A divisão segundo as classificações ou os graus tem um duplo papel: marcar os
desvios, hierarquizar as qualidades, as competências e as aptidões; mas também
castigar e recompensar” (FOUCAULT, 2003a, p. 151). O instrumento de
classificação na empresa pressupõe, em seu funcionamento, a hierarquização
através de pontuação, como descrito anteriormente. Em outras falas, o ex-gestor
Augusto sustenta esse mecanismo.
[...] o que o profissional precisa ter para ocupar aquele cargo. Então você
descreve isto e pontua. E você estabelece a hierarquia de importância de
cada cargo deste [...]
[...] você pontua aquilo ali, e estabelece uma relação com todos os
cargos da empresa, cargos ou funções [...]
[...] no fundo eu diria que é até isto: é uma hierarquização das atividades
da empresa. Das funções da empresa, então você tem valor em pontos,
você ta definindo quanto vale cada cargo daquele em pontos e aí você
está hierarquizando, de certa forma você está hierarquizando [...]
O mecanismo de hierarquização utilizado na empresa, em outro movimento
seqüencial do enunciado do mesmo trabalhador, assume a forma de classificação
dos indivíduos em sete competências que são:
[...] onde tinha as 07 competências, aí já focava a pessoa, definiu-se
grupos de pessoas, era operacional administrativo, operacional técnico,
profissional administrativo, profissional técnico, supervisão, gerência e
superintendência. São 7 grupos de empregados que eram tratados
através de determinados grupos de competências, ou seja, o
superintendente era avaliado segundo determinado grupo de
competência, e alguns podiam ser avaliados por características também
de outro grupo, mas nem sempre, por isso cada um tinha um grupo,
algumas das competências poderiam ser comuns a outros grupos [...]
A classificação dos quatro primeiros grupos: operacional administrativo,
operacional técnico, profissional administrativo e profissional técnico faz
referência ao dispositivo do poder disciplinar descrito anteriormente no item
4.2.3.3, onde são estabelecidos limites às séries: os trabalhadores classificados
nestes grupos têm os limites estabelecidos numa seqüência numérica de 14 a 21.
155
Permitem-se, no exercício de gestão do trabalhador, variações de classificações
dos sujeitos segundo seu desempenho diante das cinco competências, conforme
Anexo 1, e explicitamente na página 4: 1 - Quanto à iniciativa; 2 – Quanto à
realização; 3 – Quanto ao foco no cliente; 4 – Quanto ao trabalho em equipe e
cooperação; 4 – Quanto à segurança do trabalho. A classificação é exercida pelo
trabalhador junto a seu superior hierárquico na empresa, no momento em que faz
a auto-avaliação, obedecendo a cinco níveis, numa escala de 0 a 4 de
conformidade entre uma classificação do comportamento desejado pela empresa,
e o seu efetivo comportamento, onde no nível “0” seria o comportamento
indesejado pela empresa e o nível “4” aquele a que a empresa atribui maior
valoração comportamental. Esses conjuntos de pontos auto-avaliados fazem
parte do sistema de bonificação anual denominado Participação nos Resultados –
PR (Anexo 8), que recompensa mais a quem tem maior pontuação
comportamental, atendendo aos preceitos de classificação como “muito bom” ,
para os que conseguem a máxima pontuação; aos que chegam próximos ao
máximo, no nível três por exemplo, poderá ser classificado com bom, mas com
possibilidade de melhoria; os que se classificam como nível dois, são
considerados regulares, não podendo se orgulhar de sua condição, sendo
portanto, penalizados financeiramente pelo seu desempenho regular, com a
redução de um percentual na bonificação anual (Anexo 8, FL. 2.6); os que se
classificam no nível 1, e se a combinação da avaliação de eficiência no
atendimento às metas individuais ou em equipes forem de semelhante
classificação, não terão direito a recompensa. É o que parece acontecer no caso
do Nelson e do Buarque. Ambos os engenheiros são, na prática cotidiana,
classificados como excluídos
54
das relações de trabalho na empresa, mas que
permanecem contratados e com obrigações de manter sua presença física,
cumprindo horário como qualquer trabalhador normal. Essa prática nega a eles
qualquer recompensa por desempenho e, nesse movimento o mecanismo
assume a forma de punição que hierarquiza ao classificar segundo
comportamento, exercendo sobre eles uma pressão constante, “para que se
54
Já feita referência sobre a sala dos excluídos e dos motivos da punição, não declarados
oficialmente pela empresa.
156
submetam todos ao mesmo modelo, para que sejam obrigados juntos à
subordinação, à docilidade [...] e à exata prática dos deveres e de todas as partes
da disciplina. Para que todos se pareçam (FOUCAULT, 2003a, p. 52)”. Em suma,
são postas em funcionamento cinco operações distintas: “[...]relaciona os atos, os
desempenhos, os comportamentos singulares a um conjunto, que é ao mesmo
tempo campo de comparação, espaço de diferenciação e princípio de uma regra a
seguir”. Para diferenciar, os indivíduos são postos em relação uns com os outros
e em função de regras de conjunto. No processo de valorização, efetua-se a
medição em termos quantitativos e hierarquizantes dos níveis dos indivíduos, e
em seu funcionamento efetua a coação de uma conformidade a realizar. E, por
fim, traça os limites que definem a diferença em relação a todas as diferenças,
atribuindo a classificação de indesejáveis à produção. “A penalidade perpétua que
atravessa todos os pontos e controla todos os instantes das instituições
disciplinares compara, diferencia, hierarquiza, homogeneíza, exclui. Em uma
palavra, ela normaliza” (FOUCAULT, 2003a, p. 153). Paradoxalmente, a sansão
normalizadora pode em certo sentido, ter o poder de regulamentação que obriga à
homogeneidade; mas individualiza, permitindo os desvios, determinando os
níveis, fixando as especialidades, podendo tornar úteis as diferenças ao ajustar
umas as outras.
4.3.3 Nos exames
Foucault (2003a, p. 154) afirma que o instrumento do exame no exercício dos
dispositivos de poder das disciplinas se constitui em combinar “[...]as técnicas da
hierarquia que vigia e as da sanção que normaliza. Estabelece sobre os
indivíduos uma visibilidade através da qual eles são diferenciados e sancionados”.
Nessa combinação, segundo o pesquisador, o exame torna-se, dentre todos os
dispositivos da disciplina, um dispositivo altamente ritualizado. Nele [no
dispositivo] “vêm-se reunir a cerimônia do poder e a forma da experiência, a demonstração
da força e o estabelecimento da verdade. No coração dos processos de disciplina, ele
manifesta a sujeição dos que são percebidos como objetos e a objetivação dos que se
sujeitam (FOUCAULT, 2003a, p. 154. Nesses rituais, ainda na análise do autor, o
exame não se contenta em sancionar um aprendizado, este se constitui um dos
157
seus fatores de permanência que o sustenta segundo um ritual de poder que se
renova constantemente. O exercício do mecanismo do exame supõe outro que o
liga a um certo tipo de saber, a uma certa forma de exercício de poder.
4.3.3.1 O exame e os dispositivos de vigilância
Segundo Foucault (2003a, p. 154), o poder disciplinar se exerce tornando-se
invisível, mas em compensação obriga aos que submete um princípio de
visibilidade, ou seja, são os súditos que têm que ser vistos. Na visibilidade é que
se “[...] assegura a garra do poder que se exerce sobre eles. É o fato de sempre
ser visto sem cessar, de sempre poder ser visto, que mantém sujeito o indivíduo
disciplinar”. E o exame é a técnica pela qual o poder capta os indivíduos num
mecanismo de objetivação. A cerimônia do exame na empresa pesquisada é
permitida com a visibilidade alcançada pela transparência das paredes de vidro,
introduzidas como reestruturação física, visualizadas nas ilustrações 9 e 10. Os
trabalhadores são, dessa forma, submetidos como objetos à observação de um
poder que se manifesta pelo olhar. O exercício do exame afeta os trabalhadores,
como é percebido na fala do Ramalho – Coordenador de inspeção.
É que as pessoas nos reparam, ficam vigiando a gente o tempo todo [...]
E na fala do Erasmo – Supervisor comercial.
[...] O superintendente não conhece nada, só tem a função de fiscalizar e
vigiar [...]
O exame se faz presente também no setor de operações do sistema de
distribuição e de redes, onde um trabalhador denominado supervisor operacional
executa, dentre outras atividades, a prática da revista diária aos postos de
trabalho. Nesse setor, o funcionamento do exame acontece de forma similar à
transparência sugerida no modelo adotado na reestruturação, pelo qual, com um
simples olhar é possível examinar o executar das atividades em seu conjunto. Na
ilustração 13, abaixo, é possível a visibilidade de um trabalhador no canto direito,
antes mesmo deste acessar a sala reservada para operações. O ângulo de visão
158
do trabalhador, e as disposições físicas dos postos de trabalho, permitem a
prática do exame intencionado sem que o examinador seja notado, pois os
trabalhadores, em suas situações cotidianas de trabalho, normalmente
permanecem postados, com sua visão restringida, de forma a não permitir o
desvio da atenção aos objetos de trabalho. Dessa forma e na maioria das vezes,
são vistos e não é possível constatar que estão sendo examinados. A
transparência da divisória de vidro permite a qualquer trabalhador ser visto e no
caso, ao trabalhador não é possível ver quem o examina.
Ilustração 13 Visibilidade facilitada entre salas de controle e operação
Fonte: Mateus Toscano
No exercício do exame é possível visualizar os bons trabalhadores, estabelecer
competências para a individualização e aumento de sua utilidade; no aspecto das
sansões, permite-se constatar comportamentos indesejados, atitudes que ferem
as prescrições de boa conduta do trabalhador; por outro lado, permite-se
recompensar os trabalhadores que superam as expectativas comportamentais
prescritas, tanto recompensando o saber quanto a utilidade descritas no anexo 2.
O exercício constante do exame acaba por atuar no corpo dos trabalhadores em
um processo de internalização das regras de qualificação, classificação e de
punição. O exame, dessa forma, combina as técnicas de vigilância com as de
159
sansão que normaliza, funcionando nesse movimento como dispositivo que
qualifica, classifica, sanciona ou recompensa segundo o saber e a utilidade do
trabalhador.
Foucault (2003a) em sua análise, apresenta o funcionamento do instrumento que
chamou de Panoptismo
55
. Nesse instrumento arquitetônico de vigília, a inspeção
funciona constantemente, o olhar está em toda parte. Apesar de o exame, que
utiliza o dispositivo de vigilância na empresa pesquisada, não dispor da estrutura
arquitetônica desenvolvida por Bentham e analisada por Foucault como
dispositivo das disciplinas, o sistema arquitetural adotado na empresa utiliza
paredes de vidro em toda sua extensão, transformando em um edifício
transparente, permitindo os efeitos do panoptismo.
Esse panóptico, sutilmente arranjado para que um vigia possa observar,
com uma olhadela, tantos indivíduos diferentes, permite também a
qualquer pessoa vigiar o menor vigia. A máquina de ver é uma espécie
de câmara escura em que se espionam os indivíduos; ela torna-se um
edifício transparente onde o exercício do poder é controlável pela
sociedade inteira (FOUCAULT, 2003a, p. 172, grifo nosso).
A transparência obtida com a implantação das paredes de vidro permite fiscalizar
os operários, fazer trabalhar os ociosos. “[...]É um tipo de implantação dos corpos
no espaço, de distribuição dos indivíduos em relação mútua, de organização
hierárquica, de disposição dos centros e dos canais de poder [...]“(FOUCAULT,
2003, p. 170), onde se definem os instrumentos e modos de intervenção que se
utilizam nas organizações. O dispositivo que permite a amplitude de visibilidade
implantado na empresa pesquisada, que se assemelha ao panoptismo, permite o
exame constante dos trabalhadores, funcionando como uma espécie de
55
Foucault construiu o termo a partir do panóptico de Bentham, que se trata de uma forma
arquitetural que utiliza este princípio de visualização: a estrutura arquitetural tem como periferia
uma construção em anel; no centro uma torre; esta é vazada de largas janelas que se abrem
sobre a face interna do anel; a construção é dividida em celas, cada uma atravessando toda a
espessura da construção; elas têm duas janelas, uma para o interior, correspondendo às janelas
da torre; outra dá para o exterior, permitindo que a luz atravesse a cela de lado a lado. Basta
então colocar um vigia na torre central, e em cada cela trancar um louco, um doente, um
condenado, um operário ou um escolar. O dispositivo panóptico organiza unidades espaciais que
permitem ver sem parar.
160
laboratório de poder. “Graças a seus mecanismos de observação, ganha em
eficácia e em capacidade de penetração no comportamento dos homens [...]”
(FOUCAULT, 2003, p. 170). Aliados às mudanças arquiteturais para visibilidade
dos operários, outro instrumento do exame, pesquisado na empresa, se mostrou
em alguns momentos aperfeiçoado tecnologicamente, na medida em que
possibilita um maior número de registros dos movimentos dos indivíduos, com
regularidade e amplitude que todo um aparato tecnológico, anterior à
reestruturação, não permitira.
4.3.3.2 Os registros dos movimentos
Ao examinar o roteiro de pesquisa adotado, tendo como base a pesquisa de
Michel Foucault (2003a) sobre os sistemas de vigilância e punição utilizados nas
instituições fechadas como escola, quartel, prisão, fábrica, deparamos com o
instrumento de registro dos movimentos dos corpos como necessário a um bom
funcionamento do poder disciplinar. “Um poder de escrita é constituído como
peça essencial nas engrenagens da disciplina. Em muitos pontos, modela-se
pelos métodos tradicionais da documentação administrativa” (FOUCAULT, 2003a,
p.157, grifo nosso). Os procedimentos para funcionamento do exame são
acompanhados imediatamente de um sistema de registro intenso e de
acumulação documentária. Ao efetuar os registros do movimentos dos indivíduos,
o exame coloca-os num campo de vigilância situando-os numa rede de
anotações. E graças a todo esse aparato que registra e acompanha os
movimentos dos trabalhadores numa empresa, o exame abre duas possibilidades:
A constituição do indivíduo como objeto descritível, analisável, não
contudo para reduzi-lo a traços específicos, como fazem os naturalistas
a respeito dos seres vivos; mas para mantê-lo em seus traços
singulares, em sua evolução particular, em suas aptidões ou
capacidades próprias, sob o controle de um saber permanente; e por
outro lado a constituição de um sistema comparativo que permite a
medida de fenômenos globais, a descrição de grupos, a caracterização
de fatos coletivos, a estimativa dos desvios dos indivíduos entre si, sua
distribuição numa população.(FOUCAULT, 2003a, p. 158, grifo do autor)
Analisando os registros dos movimentos dos trabalhadores na empresa, é
possível estabelecer similaridades com o instrumento pesquisado por Foucault e
161
descrito anteriormente. Do momento de sua chegada ao local circunscrito para
trabalho, ou mesmo no instante em que entra no veículo de propriedade da
empresa
56
, o trabalhador é chamado a efetuar o registro de seu movimento, de
modo que, se for ao Centro Operativo de Carapina, deverá utilizar o cartão
eletrônico para registro de sua chegada e saída
57
; se for utilizando veículo, deverá
registrar no ROV, cuja utilização é seguida imediatamente pela digitalização dos
dados para um sistema que os armazena em banco de dados. Esse sistema
permite a checagem das informações prestadas pelo trabalhador que utilizou o
veículo, sendo possível comparar com as informações já armazenadas em
utilizações anteriores que envolveram situações similares com características de
local, serviço e tempo de utilização. Na fala do Djavan – Analista de
georefenciamento - é possível visualizar esse movimento
[...] Hoje é rua, se você tiver com o carro no supermercado; dando
carona; com parente; fora de rota; demorar muito tem que justificar. E
eles fazem a checagem, mas só faz se der algum problema [...]
Nesse aspecto, não houve mudanças com a reestruturação, pois este
procedimento já se fazia presente há mais de 20 anos. O que é possível detalhar,
nesse movimento, é a forma de armazenagem como sendo mais refinada,
permitindo medições dos desvios e posteriores processos punitivos, com redução
significativa do esforço para comparação de uma infinidade de dados, só sendo
possível com a adoção de um novo aparato tecnológico
58
. Anteriormente existia o
registro, mas sua utilização exigia recursos que inviabilizam a análise, tanto em
56
No procedimento operacional padrão para utilização de veículo é descrito os passos de registro
que o trabalhador deverá informar. É registrado pelo trabalhador em um documento denominado
ROV – Registro Operacional de Veículo, onde constam o nome do trabalhador, setor em que
trabalha, atividade a executar, o local, hora e hodômetro (dispositivo de medição da
quilometragem do veículo) de saída; o local, hora e hodômetro de destino
57
Esse sistema foi detalhado anteriormente no item 4.2.2.1 que se refere controle do horário como
dispositivo das disciplinas.
58
Novas máquinas (Hardware) com capacidade de armazenamento de dados triplicada e
velocidade de processamento que se superam a cada semestre. Novos aplicativos (Software) que
possibilitam a manipulação de uma infinidade de registros, criando arquivos que montam históricos
que permitem comparar fatos coletivos e traçar estimativas dos desvios individuais.
162
tempo, quanto em custos
59
. Com a adoção de novas tecnologias, são possíveis
novas análises, comparações, medições, ampliar os registros, diversificar os
processos de documentação, estabelecendo cruzamentos de informações que,
por sua vez, possibilitam novas formas de punir ou recompensar. Está em plena
implantação na empresa, o processo descrito no item 4.2.2.1 deste estudo, no
qual é utilizada tecnologia que possibilita o registro que acompanha os
movimentos do trabalhador a distância, a cada minuto em real time
60
.
Em outra dimensão tecnológica, não menos importante, o funcionamento do
instrumento do exame utiliza em um dos sistemas de comunicação interna um
Software
61
exclusivamente para comunicação oficial entre as pessoas. Conforme
o Timóteo – Assistente de Informática
Se o trabalhador quiser se comunicar um com outro deverá utilizar o
Notes que é o sistema de comunicação interna no qual ficam registradas
todas as tramitações de informações entre os funcionários. Bem quase
todas, muitas vezes eles não utilizam o sistema.
Nessa fala é possível visualizar um processo em ruptura que pode ser
considerado como movimento de resistência de alguns trabalhadores ao rigor do
exame. O funcionamento dessa forma de exame exige a interação do trabalhador
a um dos objetos que com a reestruturação se fizeram mais presente na atividade
de trabalho
62
. No processo de registro da relação de trabalhador e objeto é
efetuada a digitação da senha que permite ao usuário· o início de seus trabalhos.
No Notes
63
está registrada toda a comunicação oficial do trabalhador, suas
relações com outros trabalhadores. A alguns trabalhadores, segundo sua posição
na hierarquia, é permitido visualizar as comunicações de outros setores. Nesse
59
Imaginar um processo manual de comparação de registros diários de aproximadamente 2600
trabalhadores é no mínimo imaginar uma quantidade significativa de outros trabalhadores que
redundaria em aumento de custos e demandaria outras respectivas horas de análise.
60
Expressão utilizada no mundo da informática que, na tradução, significa tempo real, mas
também é possível utilizá-la para representar processos que acontecem a todo tempo, agora, todo
instante, transmissão constante, que acompanha movimentos que estão acontecendo.
61
Aplicativo que possibilita a utilização da máquina (Hardware) como ferramenta que auxilia em
vários processos. Nesse caso, auxilia no processo de comunicação escrita oficial na empresa.
62
Foi traçada a linha deste movimento no item 4.2.2.4 deste estudo.
63
Sistema de comunicação interna na Escelsa.
163
sistema é possível medir o tempo que cada trabalhador consome para responder
à demanda, o que possibilita a composição em relatórios de suas atividades, por
dia, das tarefas executadas por cada um. No processo de construção do relatório
é possível medir minuciosamente toda a produção. Consta data e hora de
entrega, detalhes importantes do serviço executado, data e hora do término do
serviço. Novamente é importante salientar que o corpo do trabalhador resiste ao
exame, e uma das formas visualizadas são os processos de comunicação que
não obedecem a forma cristalizada, por vezes utilizam da confiança e
informalidade para se comunicar, de maneira que em momento nenhum possa
ser capturado pelos relatórios. É a partir destes relatórios que se estabelece, no
final do ano, a participação nos resultados determinada pelo Sistema 799,
constante do anexo2. Nesse sistema novas metas são estabelecidas para o
próximo ano, representando um perpetuação do exame. O Erasmo – Supervisor
comercial - molda o sistema da seguinte forma:
[...] o controle computador-trabalhador é realizado pela senha, e todas as
comunicações, registros, tarefas que são efetuadas neste são passíveis
de verificação [...] Mas eu vejo que é a melhor forma de controle que a
empresa tem, é gerado no protocolo e cada pessoa que passou o
processo fica registrado, não há como escapar, lógico que os mais
espertinhos continuam se apoiando na informação dos outros, pelo
menos todo mundo pode ter acesso visual ao processo e verificar
realmente o que aconteceu e ver quem está trabalhando e quem está só
digitando [...]
O instrumento do exame, como todos os mencionados, não permanecem
estáticos em seu funcionamento. Em certas composições de palavras pode-se
visualizar o Erasmo referir-se ao sistema como algo hermético, rígido, estável;
contudo, em na seqüência o compõe de forma a ressignificar sua utilização.
Esse aparato tecnológico acaba por intensificar o funcionamento do dispositivo do
exame, na medida em que o processo de registro documentado se amplia com
sua instrumentalização. É possível, por exemplo, reunir todos os registros sobre
um indivíduo, grupo de indivíduo ou mesmo sobre um caso em um tempo
consideravelmente reduzido, se comparado com os processos anteriores de
análise. Com toda esta técnica de documentação é possível também traçar um
histórico do trabalhador, buscando o registro de suas falhas, seus desvios, e
164
também sua produtividade, suas conquistas, sua contribuição pela melhoria do
processo de trabalho, enfim, permitindo tratar o trabalhador individualmente, como
um caso.
4.3.3.3 A individualização das relações
Cercado de toda essa documentação, [...]o indivíduo pode ser descrito, mensurado,
medido, comparado a outros e isso em sua própria individualidade; e é também o
indivíduo que tem que ser treinado ou retreinado, tem de ser classificado, normalizado,
excluído, etc (FOUCAULT, 2003a p. 159). Essa forma pode ser cristalizada na fala na
Bethânia – Gerente de Recursos Humanos.
[...] Antes nós tratávamos coletivamente com o sindicato, agora tratamos
cada caso, individualmente. A negociação é feita com cada trabalhador,
e o superior dele que estuda o caso dele e decide se pode melhorar ou
não [...]
Na seqüência, e informalmente, a supervisora deixou a entender que as
negociações individualizadas facilitaram na solução de conflitos entre os
interesses da empresa de redução do quadro de pessoas e dos trabalhadores em
permanecer na empresa. Todos os funcionários foram chamados anualmente
para uma conversa com seu superior imediato sobre as mudanças na empresa,
isso afetaria seu trabalho e de que forma ele, trabalhador, deveria se comportar
após a conversa
64
. Nela, o supervisor, munido de um pequeno dossiê da vida do
trabalhador, que contém não somente informações sobre as atividades
profissionais, mais algumas informações sobre sua vida pessoal, como
quantidade de filhos, se é casado ou não e por quanto tempo, se há mobilidade
geográfica para uma mudança de endereço repentina e, principalmente, sobre a
sua escolaridade e seus projetos. Desse processo consta o ritual do endosso do
supervisor, que o qualifica ou desqualifica, classificando-o por competências e
64
Um possível rumo para futuras pesquisas se compõe, se considerarmos o fato de não haver
greves por 15 anos e o sindicato reclamar da falta de mobilização dos trabalhadores para
reivindicações coletivas que envolvessem a manutenção do trabalho, coincidentemente após o
processo de privatização e os processos de reestruturação.
165
estabelecendo metas a serem cumpridas (Anexo 2). O trabalhador torna-se objeto
de descrições individuais, e essa transcrição das existências reais funciona como
processo de objetivação do sujeito. A vida dos trabalhadores é cuidadosamente
estudada, sendo o exame o instrumento de fixação científica das diferenças
individuais, “como oposição de cada um à sua própria singularidade [...] e onde
está estatutariamente ligado aos traços, às medidas, aos desvios, às notas que o
caracterizam e fazem dele, de qualquer modo, um caso (FOUCAULT
, 2003a, p.
160, grifo do autor). Deste modo, o exame está no centro dos processos que
constituem o trabalhador como efeito e objeto de poder, como efeito e objeto de
saber. O exame ao combinar as técnicas de vigilância hierárquica e sansão
normalizadora, “realiza as grandes funções disciplinares de repartição e
classificação, de extração máxima das forças e do tempo, de acumulação
genética contínua, de composição ótima das aptidões.” Constitui-se num processo
permanente de objetivação do sujeito e de produção de subjetividades.
4.4 A produção de subjetividades
Esta pesquisa aborda a questão das subjetividades, extraindo a idéia de interior,
de íntimo, do “seu” eu ou “sua” subjetividade. Extrai-se a noção do “possuir”,
como se a subjetividade pertencesse a um ser humano. O sentido em que se quer
utilizar as subjetividades
65
neste trabalho, é como forma de expressão que o
sujeito utiliza para manifestar a vida, os significados, num processo constituído de
coletivos que participam em diversos momentos de sua vida e de sua história.
Neste sentido, a análise de Machado (1999) colabora com a idéia de não colocar
em discussão a noção de subjetividade vinculada à idéia de identidade, ou
mesmo de personalidade. A autora questiona também a idéia de interioridade
separada de exterioridade, em que desta forma, o ser humano é fragmentado em
um processo dualista que busca diferenciar o externo e do interno. Considera,
sim, a existência de relações entre interno e externo, fora da noção de dualista,
mas com a de coexistência em incessantes transformações. Em tais relações, o
65
O plural reforça a idéia de coletivo, fugindo da idéia de indivíduo, contrário ao sentido de não
divisão dos sujeitos.
166
sujeito não está separado do contexto social do qual faz parte, se relaciona em
entrecruzamentos com outros, de quem não se descarta suas características
específicas, mas que produzem um conjunto que se chamaria de processos de
subjetivação. Referindo-se a esses processos, Guattari (1992, p. 14)
provisoriamente propõe a perspectiva de subjetividades como sendo
“[...]universos de referência sociais e individuais”, onde um conjunto de condições
é produzido, permitindo a constituição de “espaços subjetivos”, territórios que
podem servir de referência ao sujeito. Dessa forma, a perspectiva se relaciona à
idéia de interação, de processo de transformação, de composições multivariadas.
Petinelli-Souza (2006), em sua dissertação, busca o auxílio de Guatarri e Rolnik
(1993) para alertar sobre o aspecto coletivo da análise das subjetividades, que
não é um simples somatório das subjetividades “individuais”; pelo contrário, é a
subjetividade “individual” que é resultante dos vários componentes de ordem
coletiva (social, econômico, tecnológico, mídia). As composições onde os
trabalhadores são atravessados, transpassados por sentimentos, emoções,
informações, percepções, impressões que se produzem num movimento contínuo
de misturas de expressões, que podem ser duradouras ou voláteis, assumindo
formas como: medo, segurança, raiva, alegria, impotência, potência, submissão,
superioridade, enfim formas que, se existir certezas, podem ser mudadas a
qualquer momento.
Buscando em Foucault (2003a)esta perspectiva de análise das subjetividades, é
possível observar o corpo como alvo de uma tecnologia política. Os corpos
mergulhados em um campo político, como os descritos no capítulo quatro deste
estudo, ao serem atravessados pelos dispositivos do poder disciplinar,
produziriam um conjunto de formas de expressão que se constituem em meio a
regras, normas e exercícios que as compõem. Destaco essa análise de forma
extensa, como prudência.
A história dessa microfísica do poder punitivo seria então uma
genealogia ou uma peça para uma genealogia da “alma” moderna. A ver
nessa alma os restos reativados de uma ideologia, antes
reconheceríamos nela o correlativo atual de uma certa tecnologia de
167
poder sobre o corpo. Não se deveria dizer que a alma é uma ilusão, ou
um efeito ideológico, mas afirmar que ela existe, que tem uma realidade,
que é produzida permanentemente, em torno, na superfície, no interior
do corpo pelo funcionamento de um poder que se exerce sobre os que
são punidos – de uma maneira mais geral sobre os que são vigiados,
treinados e corrigidos, sobre os loucos, as crianças, os escolares, os
colonizados, sobre os que são fixados a um aparelho de produção e
controlados durante toda a existência. Realidade histórica dessa alma,
que, diferentemente da alma representada pela teologia cristã, não
nasce faltosa e merecedora de castigo, mas nasce antes de
procedimentos de punição, de vigilância, de castigo e de coação. Esta
alma real e incorpórea não é absolutamente substância; é o elemento
onde se articulam os efeitos de um certo tipo de poder e a referência de
um saber, a engrenagem pela qual as relações de poder dão lugar a um
saber possível, e o saber reconduz e reforça os efeitos de poder. Sobre
essa realidade-referência, vários conceitos foram construídos e campos
de análise foram demarcados: psique, subjetividade, personalidade,
consciência, etc.; sobre ela técnicas e discursos científicos foram
edificados; a partir dela, valorizaram-se as reivindicações morais do
humanismo. Mas não devemos nos enganar: a alma, ilusão dos
ideólogos, não foi substituída por um homem real, objeto de saber, de
reflexão filosófica ou intervenção técnica. O homem de que nos falam e
que nos convidam a libertar já é em si mesmo o efeito de uma sujeição
bem mais profunda que ele. Uma “alma” o habita e o leva à existência,
que é ela mesma uma peça no domínio exercido pelo poder sobre o
corpo. A alma, efeito e instrumento de uma anatomia política; a alma,
prisão do corpo (FOUCAULT, 2003a, p.28).
De certa forma, é possível visualizar como as relações de poder das disciplinas
descritas no capítulo anterior que, permitem o funcionamento dos dispositivos
exercidos pelos corpos que as compõem e, todo um conjunto de expressões que
acabam por produzir formas de vida destes trabalhadores. Ao analisar o
capitalismo e as configurações subjetivas, Machado (2004, p. 166) afirma que “[...]
na atualidade, as máquinas capitalistas fabricam e corrompem a subjetividade, ou
melhor, elas geram e esfacelam as configurações subjetivas”. A autora continua
sua análise indicando que esse ambiente produtivo é palco maquínico onde se
“criam territórios existenciais de referência” que oferecem “materiais de expressão
padronizados”, e, ao mesmo tempo, operam no sentido da destruição do desejo
de “criação de territórios existenciais de resistência”. O entrelaçamento exercido
entre o poder das disciplinas e a vida dos trabalhadores faz com que, atualmente,
o exercício do “poder incida sobre a subjetividade”, assim como a subjetividade
assume uma “enorme potência de resistência”.
168
5 CONCLUSÕES MOMENTÂNEAS
E como num movimento de desaceleração que possibilita a revisão da pesquisa,
este movimento será de criar algumas formas conclusivas, que, mesmo
momentâneas, possam auxiliar no entendimento dos objetivos da pesquisa. Este
processo de pesquisa permitiu analisar, inicialmente, a demarcação do terreno
teórico utilizado, possibilitando o entendimento dos dispositivos de poder e das
práticas de gestão de pessoas em um ambiente corporativo. Posteriormente,
possibilitou conhecer a postura do pesquisador durante o processo de pesquisa,
qual metodologia utilizada, instrumentos e riscos de se utilizar uma abordagem de
pesquisa pouco difundida na administração. Em terceiro, a pesquisa em si, com a
caracterização da empresa e a organização dos dados coletados junto com os
teóricos que abordam a temática e quais análises foram possíveis estabelecer.
Por fim, foi analisada a produção de subjetividades, a partir de autores que se
debruçaram numa perspectiva foucaultiana, compondo a análise dos dispositivos
de poder das disciplinas.
O aspecto momentâneo que desejo enfatizar nas conclusões está muito ligado à
postura de pesquisa escolhida pelo pesquisador, na qual se admite também que
as formas de expressão duradouras podem mudar, estão sujeitas a abalos,
rupturas. É possível sentir uma constante preocupação em evitar os universais, as
certezas nas análises, mesmo porque, durante a pesquisa foi possível
acompanhar e sentir muitas formas em mutação, práticas foram sendo
substituídas, promessas futuras de mudanças se anteciparam. Contudo, não foi
possível acompanhar grande parte delas, e mesmo as que acompanhei, permito-
me a admitir que a sensibilidade do pesquisador está impregnada das formas
duras de análise que se constituíram ao longo de minha história, como
trabalhador da corporação pesquisada, das ciências da Administração que nos
últimos oitos anos venho ouvindo e vivenciando em empresas, faculdades e
universidade, o que contribuiu no modo como foi conduzida a pesquisa e como foi
escrita. Mas algumas conclusões são possíveis.
169
Quanto ao aspecto da produção, é possível observar que houve mudanças no
processo produtivo na empresa e que tais mudanças ainda estão ocorrendo.
Contudo, as rupturas que tanto caracterizam os processos de reestruturação,
ocorreram no decorrer dos últimos dez anos e de maneira relativamente lenta.
Nos movimentos de mudança nas relações político-econômicas, são percebidos
outros movimentos que buscam acompanhar, em sua maioria, os formas
disseminadas como modelo de produção enxuta, mas que também se utilizam
dos modos de produção taylorista. Esta análise permitiu a constatação de
combinação de diferentes modos de produção que resultam em casos como da
criatividade sem autonomia, ou mesmo a estrutura produtiva com ênfase em
divisões entre o trabalho intelectual e o trabalho de execução, como é o caso do
centro de operações. Foi possível presenciar a prática de redução drástica no
número de trabalhadores efetivos, e um aumento proporcional no número de
trabalhadores terceirizados, e, aliada a esse movimento, a prática de redução dos
níveis salariais dos trabalhadores efetivos como um todo e utilização de parcelas
variáveis adicionais ao salário, como forma de promover a diferenciação, a
individualização. É possível visualizar a prática de redução dos níveis salariais
nas empresas terceirizadas, com a análise de Ferrari (2005), entretanto, esse
pesquisador não se sentiu instigado a tal incursão, tendo pautado sua análise na
prática de remuneração variável nos moldes da empresa matriz, não foi relatada
para as terceirizadas, apesar de entender, e constatar, que a forma contratual que
essas empresas pactuam é variável segundo a quantidade de serviços prestados,
o que pode se configurar em uma sujeição à alterações contratuais segundo
interesse da contratante. Essa observação é importante, na medida que ficou
muito presente o processo de mudanças repentinas do controle acionário da
empresa durante o período analisado, o que acaba por influenciar nos moldes
produtivos, tendo como exemplo o atual presidente da Escelsa ser sócio de uma
empresa terceirizada criada para prestar serviços à própria Escelsa. Contudo,
pode-se concluir momentaneamente, que o processo de reestruturação produtiva
na empresa não aconteceu em sua plenitude nos moldes do modelo enxuta. E,
ainda nesta análise em movimento, é preciso considerar que a mais recente
mudança de controle acionário pelo grupo EDF de Portugal, aliado ao fato da
existência de outras empresas do grupo no mesmo seguimento com dificuldades
170
similares em moldes produtivos unificados que permitam a consolidação dos
resultados individuais e gerais, provocou um movimento forte de reestruturação,
iniciado em maio de 2005 com a instalação do projeto “vanguarda”, que prevê,
para 2006 e 2007, mudanças significativas nos moldes produtivos, sendo o marco
inicial a implantação simultânea em todas as empresas do grupo, em janeiro de
2006, do sistema SAP, com o objetivo de unificação das contas, processos,
relatórios, práticas de gestão. Portanto, a empresa está em processo inicial de
reestruturação, e como tal, alguns conjuntos de formas de expressão em
formação puderam ser sentidos.
Numa dimensão estrutural, as mudanças nas salas, nos postos de trabalho, nos
edifícios, nos muros que delimitam, tornaram-se visíveis permitindo uma vigilância
que se intensifica com a utilização de formas tecnológicas. Tais formas são
vinculadas a instrumentos que permitem maior abrangência dos olhares e
melhores possibilidades de registros dos movimentos dos trabalhadores, seja
numa área delimitada, seja fora dos muros da empresa. Quero alertar que não é
com o enfoque estrutural que o trabalho foi desenvolvido, como se a estrutura
moldasse os sujeitos, e sim dos corpos que, ao serem submetidos em relação uns
com os outros nesses espaços, produzem modos de vida individual e coletivo, em
que se afetam mutuamente e, nessa prática, configuram formas de expressão.
Isso nos envia para as conclusões momentâneas das relações.
Numa dimensão relacional, a busca pela negociação individual, o culto ao
desempenho individual e a prática de micro punição e de gratificações assumem
formas já constituídas, cristalizadas, e que, por sua vez, apresentam rupturas que
permitem fugas e outros modos de vida que já começam a produzir movimentos
no sentido de reorganização das relações, apesar do sentimento muito presente
de desespero, de cansaço, de fadiga. Num sentido mais amplo, as negociações
da empresa com os sindicatos se limitaram aos constantes embates salariais que
focaram a reposição das perdas e aumentos reais de salários, sendo que a
empresa obteve êxito na maior parte das negociações, limitando-se, mas não
totalmente, a repor as perdas do período. Os sindicatos atribuem o insucesso a
pouca mobilização por parte dos trabalhadores e o contínuo desmantelamento
171
financeiro causado pela queda dos recursos advindos com a evasão das
contribuições sindicais dos trabalhadores, que são cotidianamente pressionados
pelos gestores da empresa a se desfiliar. Mais basicamente, pela redução
drástica dos trabalhadores efetivos, causando similar impacto na arrecadação dos
sindicatos, isso aliado as péssimas condições de trabalho dos trabalhadores nas
empresas terceirizadas, tendo como conseqüência a pouca adesão destes aos
sindicatos representativos, primeiro pela ameaça de perda do emprego, e
segundo pela análise imediata do trabalhador em considerar a contribuição
sindical como um peso a mais na redução dos salários. Nesse cenário, foi
possível presenciar a desmobilização de aproximadamente quinze anos sem
greves na empresa, sendo a pesquisa agraciada com a ocorrência de uma
paralisação por um dia em novembro de 2005. Ressaltando que tanto membros
dos sindicatos, quanto os representantes da empresa não acreditavam ser
possível tal feito visto a empresa ser privada e em início de reestruturação, sendo
o dispositivo do cercamento um forte instrumento que possibilitou a manifestação
do exercício de poder, que ora assume forma de exercício de poder, ora
possibilitou espaço para constituição de outras formas de vida do trabalhador na
empresa, como no caso da greve.
Ainda no aspecto relacional, estiveram muito presentes formas de expressão que
ora assumem o sentido de desconfiança nas relações, ora de insegurança quanto
ao outro, de desespero do trabalhador ao imaginar ter que se deslocar para o
trabalho e conviver com pessoas que o afetam dessa forma.
Mas a análise neste trabalho focou o funcionamento dos dispositivos das
disciplinas e das práticas de gestão em recursos humanos e, nesse aspecto,
pode-se concluir momentaneamente que se fizeram presentes grande parte dos
dispositivos analisados por Foucault (2003a) na empresa, como demonstrado no
mapeamento do capítulo quatro deste trabalho, mas de forma conclusiva haverá
concentração nos recursos para o bom adestramento:
Na vigilância hierárquica, permitiu-se a visibilidade em paredes
transparentes e a demarcação dos espaços, que, mesmo horizontalmente,
172
permitem que se observe sem ser observado e, quando é permitida a
visibilidade, esta se dá propositalmente. Em um novo plano tecnológico,
ficou demarcada a intensificação da vigilância com a utilização de
instrumentos que permitem aos sistemas computadorizados constatarem
ausência, presenças, horas trabalhadas, movimentos da utilização
econômica que acabam por exercer uma forma micro-presencial na vida do
trabalhador e ao mesmo tempo de forma coletiva, seja através de um olhar
ou de emissão de relatórios de controle do tempo.
Na sansão normalizadora, foi analisado todo um conjunto de modos de
proceder quando em situações para normalizar o comportamento dos
trabalhadores, cujo principal argumento punitivo e de gratificação tem como
foco a remuneração individualizada, mas que busca, ao mesmo tempo,
uma distribuição equânime das sansões e das gratificações.
No exame, foi possível analisar as classificações dos trabalhadores desde
o início das atividades na empresa, seu conseqüente enquadramento
funcional, a checagem de suas capacidades e o registro de seus
movimentos, que serão disponibilizados a todos pelas práticas de
comparação das medidas de desempenho individuais e coletivas.
Esta análise permite visualizar a configuração de um conjunto de formas
constituídas na tentativa de desconstruir comportamentos anteriores dos
trabalhadores de uma empresa estatal, que tinham como características o
comportamento sugerido pelo modelo taylorista. Num processo posterior e
marcado por constantes mudanças, a empresa tenta reconstruir formas de
expressão, modos de vida que atendam suas necessidades operacionais,
organizadas segundo os preceitos do modelo toyotista, mas que só recentemente
se intensificaram. O processo de reconstrução só é possível com a participação
do trabalhador, que adere a estas novas formas de produção. Vale lembrar que
os trabalhadores com posicionamentos políticos contrários são primeiramente
punidos e, na permanência em desajuste, são descartados. Neste trabalho, no
qual os dispositivos de poder se fizeram presentes, conforme as análises das
173
práticas em gestão de recursos humanos na Escelsa, foi possível refletir sobre o
funcionamento das disciplinas nesta sociedade industrial do controle. Nela, as
relações de poder nos moldes das disciplinas se faz integrante e, além desse
diagrama traçado, é possível traçar mais outros, instigantes de futuras
expedições, que momentaneamente são:
Primeiro, quanto à recorrência de paisagens que assumiram contornos de fadiga,
cansaço, exaustão no decorrer da pesquisa. A forma como são estabelecidos os
exercícios dos dispositivos de poder nessa empresa leva o corpo do trabalhador à
exaustão, à fadiga. Deste corpo, é extraído o máximo. Na combinação das
atividades, há forte controle sobre a ociosidade, e isto acaba por interferir na
qualidade do vínculo estabelecido nas relações entre trabalhadores. Segundo, em
análise de “como” a empresa lida com os espaços entre os corpos dos
trabalhadores na organização. Trabalhadores determinam espaços dos corpos de
outros, demarcando limites geográficos para movimentação, trabalho,
alimentação, higiene. Terceiro, quanto à forma com que a empresa fixa o
trabalhador a um posto e o movimenta segundo uma lógica utilitarista. Nessas
fixações e movimentos, incita à visibilidade, à vigilância, controlando as formas de
locomoção do trabalhador pelos espaços delimitados. Nessas paisagens, há
questões como “quem vai ser visto por quem?” “Como os níveis de visibilidade,
transparência são estabelecidos e que efeitos são possíveis a partir do exercício
dessa visibilidade?” . Por fim, no uso dos dispositivos de poder, a sensibilidade
nos indica analisar os “efeitos de”, em quê, no exercício dos dispositivos, e na
forma que a empresa os utiliza, mais precisamente como a empresa lida com os
espaços e as relações entre os trabalhadores, acabam por configurar-se na
precarização das relações, acentuando uma desconfiança entre os trabalhadores,
dificultando o contato com o outro, alimentando a ilusão de um sujeito forte e
seguro de si, um sujeito impermeabilizado às marcas do tempo e do uso do corpo.
Resumindo, fortalece um empresariamento das relações.
174
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