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DANIEL KLUG NOGUEIRA
A TEORIA DA DEPENDÊNCIA NO PENSAMENTO
SOCIOECONÔMICO DE FERNANDO HENRIQUE CARDOSO
Dissertação apresentada ao Curso de
Pós-graduação em Economia da
Faculdade de Ciências e Letras da
Universidade Estadual Paulista, campus
Araraquara, como pré-requisito à
obtenção do título de mestre em
Economia.
Orientador: Prof. Dr. Adilson Marques
Gennari
ARARAQUARA
ABRIL DE 2006
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TERMO DE APROVAÇÃO
DANIEL KLUG NOGUEIRA
A TEORIA DA DEPENDÊNCIA NO PENSAMENTO SOCIOECONÔMICO DE FERNANDO
HENRIQUE CARDOSO
Dissertação aprovada como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em
História Econômica no Curso de Pós-graduação em Economia da Faculdade de
Ciências e Letras da Universidade Estadual Paulista.
Orientador: Prof. Dr. Adilson Marques Gennari
Departamento de Economia, FCL-UNESP
Prof. Dr. Milton Lahuerta
Departamento de Antropologia, Política e Filosofia, FCL-UNESP
Prof. Dr. Carlos Raúl Etulain
Departamento de Economia, Universidade São Francisco
Araraquara, 7 de abril de 2006
ii
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DEDICATÓRIA
Dedico este trabalho à amada Ana, sem cujo apoio eu certamente não o teria
concluído.
iii
AGRADECIMENTOS
É difícil agradecer àqueles a quem se deve por um trabalho acadêmico, pois
o risco de deixar alguém fora da lista e causar mágoa é grande. Mas não posso furtar-
me de agradecer ao querido prof. Joaquim Gouvêa, com quem primeiro conversei
sobre a possibilidade de desenvolver uma dissertação sobre o tema aqui tratado; ao
caríssimo prof. Adilson Gennari, cuja orientação e apoio (e paciência) foram
descomunalmente úteis em todo o tempo de elaboração deste trabalho; ao prof. Milton
Lahuerta, que deu, por ocasião da qualificação deste, ótimas sugestões sobre vários
assuntos que poderiam ser mais bem desenvolvidos; ao prof. Fausto Saretta, por suas
dicas sobre leituras e modos de acessar o assunto; ao prof. Renato P. Colistete, pelas
críticas um tanto duras, mas por isso mesmo produtivas; à minha família, pela
compreensão durante minhas ausências e noites em claro.
Obviamente, não poderia deixar de ficar grato a todos que, anonimamente,
na função de secretários, bibliotecários e outros, auxiliaram-me no desenvolvimento
desta dissertação, e sem os quais certamente nada disso se faria.
iv
EPÍGRAFE
“Penso que existe um mesmo e
contraditório movimento pelo qual, na
passagem da ideologia à ciência, se produz
tanto a história como o conhecimento.”
(Fernando Henrique Cardoso)
v
SUMÁRIO
RESUMO ............................................................................................................................................... vii
ABSTRACT ............................................................................................................................................... vii
INTRODUÇÃO ........................................................................................................................................... 1
1 DEPENDÊNCIA NA AMÉRICA LATINA — DIGRESSÃO SOBRE O PENSAMENTO
ANTERIOR A FERNANDO HENRIQUE CARDOSO ................................................. 5
1.1 PREÂMBULO ........................................................................................................................................ 5
1.2 VOCAÇÃO AGRÁRIA E DESENVOLVIMENTISMO: UM CONTRAPONTO ................................. 6
1.3 O ISEB E O PCB: A BURGUESIA NACIONAL COMO AVATAR DO
DESENVOLVIMENTO ...................................................................................................... 8
1.4 CEPAL E BUSCA DE AUTONOMIA PELA INDUSTRIALIZAÇÃO ................................................ 16
1.4.1 A Década de 1960 e a Revisão dos Processos ...................................................................................... 19
1.5 TEORIAS DE ESTAGNAÇÃO: FRANK E MARINI ............................................................................ 22
1.5.1 André Gunder Frank ............................................................................................................................. 22
1.5.2 Rui Mauro Marini ................................................................................................................................. 26
2 A CLASSE EMPRESARIAL E A TEORIA DA DEPENDÊNCIA NO PENSAMENTO
CARDOSIANO .................................................................................................................. 34
2.1 AS ORIGENS DO PENSAMENTO CARDOSIANO ............................................................................ 34
2.2 O CONCEITO DE DESENVOLVIMENTO NA ANÁLISE DE CARDOSO ........................................ 36
2.3 OS EMPRESÁRIOS NA AMÉRICA LATINA SEGUNDO CARDOSO .............................................. 39
2.4 A ANÁLISE DE CASOS DE DEPENDÊNCIA ..................................................................................... 44
2.4.1 A Análise do “Período de Transição” em Cada Tipo de Economia Dependente .................................. 46
2.4.2 Consolidação do Mercado Interno ........................................................................................................ 50
2.4.3 Novo Caráter da Dependência .............................................................................................................. 54
2.4.4 Dependência e Desenvolvimento .......................................................................................................... 56
2.5 IDEOLOGIA, POLÍTICA E DEPENDÊNCIA ....................................................................................... 60
3 DEBATE POSTERIOR E A POLÊMICA DA DIALÉTICA DA DEPENDÊNCIA .......................... 63
3.1 PREÂMBULO ........................................................................................................................................ 63
3.2 COMPLEMENTAÇÕES E ESCLARECIMENTOS DE CARDOSO .................................................... 64
3.2.1 “‘Teoria da Dependência’ ou Análises Concretas de Situações de Dependência?” ............................. 64
3.2.2 “Imperialismo e Dependência na América Latina” .............................................................................. 67
3.2.3 “A Dependência Revisitada” ................................................................................................................ 70
3.3 A POLÊMICA DA DIALÉTICA DA DEPENDÊNCIA ........................................................................ 74
3.3.1 “Dialética da Dependência” .................................................................................................................. 74
3.3.2 “As Desventuras da Dialética da Dependência” ................................................................................... 78
CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................................................... 82
REFERÊNCIAS .......................................................................................................................................... 85
vi
RESUMO
Desde o momento em que se preocupa em analisar diferenças de desenvolvimento
entre países, a análise da dependência econômica da América Latina chama a atenção
dos estudiosos. Passando pelo nacional-desenvolvimentismo burguês do ISEB e do
PCB, pelo estruturalismo da CEPAL, além de alguns estudos de Frank e Marini,
colocam-se os primeiros passos para a obra de Cardoso. Nessa obra, especialmente no
que foi publicado em conjunto com Faletto, Cardoso vem mostrar que
desenvolvimento e dependência não são conceitos exclusivos; aliás, na América
Latina, segundo sua visão, são conceitos até interligados. Dentro do pensamento
cardosiano, a Teoria da Dependência vem estabelecer os principais critérios de análise
econômico-política, a qual deve obrigatoriamente passar pelos conflitos internos e
externos entre as classes sociais envolvidas no sistema.
ABSTRACT
From the moment someone concerns about the differences among economic
development in several countries, Latin American economic dependency analysis calls
scholars´ attention. Going through bourgeoise national developmentalism by ISEB
and PCB, through ECLA´s structuralism, besides some studies by Frank and Marini,
the first steps to Cardoso´s works are set. In his work, specially the joint study with
Faletto, Cardoso shows that development and dependency are not exclusive; by the
way, according to his point of view, they are even connected concepts. In Cardosian
thought, the dependency theory comes to set the main criteria for economic and
political analysis, which must pass through internal end external struggles among
social classes involved within the system.
vii
1
INTRODUÇÃO
Desde a década de 1960, discussões envolvendo a questão da dependência
econômica da América Latina em relação aos países europeus e aos Estados Unidos
estão em voga na academia. Essas discussões tomaram vigor com a criação da
Comissão Econômica Para a América Latina e Caribe (CEPAL), em fins da década de
1940, quando foi proposta análise alternativa às clássicas para as teorias de comércio
exterior e suas relações com o desenvolvimento dos países que, a partir de então,
seriam chamados periféricos (B
IELSCHOWSKY, 2000a, p. 21-22). Entretanto, como
toda inovação, a abordagem cepalina traria para si críticos de toda ordem (tanto
daqueles que defendiam a teoria clássica quanto daqueles que a rejeitavam), os quais,
com razão ou não, contribuíram para a identificação dos aspectos primordiais da
perspectiva estruturalista do desenvolvimento econômico.
Internamente, alguns economistas (ligados à própria CEPAL ou não)
começariam um processo de reelaboração das teorias ali trabalhadas, com a meta de
aprofundar e enriquecer o escopo de análise da Comissão (C
ARDOSO, 1977). Enquanto
algumas vertentes tenderiam ao estagnacionismo (M
ANTEGA, 1984, p. 210-213),
outras levariam à defesa da dependência econômica da periferia em relação ao centro.
Basicamente, o entendimento de que a dependência poderia trazer desenvolvimento,
ou que poderia levar a crises de toda ordem, inclusive podendo reavivar o fascismo,
era a essência do debate. De onde poderiam vir tão diferentes análises sobre o mesmo
contexto?
A princípio, a busca por uma interpretação que envolvesse não somente
aspectos econômicos foi o primeiro impulso em favor das análises da dependência.
Segundo P
ACKENHAM
1
(1992, p. 10-11), as primeiras análises vêm anteriormente à
1
Robert Packenham publicou em 1992 uma análise detalhada dos trabalhos publicados na
América Latina sobre a dependência. Nessa obra, é feita uma crítica a vários aspectos que envolvem as
teorias dependentistas, especialmente no que se refere a Cardoso. Considerando que este trabalho visa
2
própria CEPAL, a partir de José Carlos Mariátegui. A crescente preocupação com uma
maior compreensão dos problemas sociais, cada vez mais graves, direcionavam os
analistas a procurar conhecer as classes envolvidas nos processos econômicos e
políticos. É assim que se desenvolve não um pensamento econômico, mas um
pensamento socioeconômico, o qual reflete a íntima relação sempre presente em todo
estudo latino-americano sobre a dependência econômica: a da Economia com a
Sociologia.
Com essa preocupação, as pesquisas passam a desenvolver-se cada vez mais
abrangentes. Dentre as várias publicações, as de Fernando Henrique Cardoso estão,
sem dúvida, entre as que maior repercussão tiveram. Cardoso é egresso da Escola de
Sociologia da Universidade de São Paulo, o que lhe confere, com justiça ou não, um
caráter crítico e minucioso nas análises sociológicas (G
OTO, 1998, p. 16-17). Com a
mesma origem de Florestan Fernandes e Otávio Ianni, dentre outros, Cardoso adota
para si uma visão marxista, de modo que sempre busca analisar seus objetos a partir do
concreto. As explicações devem, então, ter um retorno ao objeto, melhorando sua
compreensão, ou mesmo contribuindo para uma mudança na perspectiva de
observação dessa concretude (G
OTO, 1998, p. 19).
Ainda dentro do padrão comportamental acadêmico da Escola Paulista,
Cardoso sempre procura iniciar suas análises a partir das análises anteriores, a fim de
buscar nelas o que de proveitoso tenham (para uso posterior), mas, principalmente,
buscar o que de problemático tenham (para que sua análise crítica parta da correção
dos erros considerados). Algo que se nota em todos os artigos e livros de Cardoso é
uma crítica às análises da dependência que se desenvolveram desde a década de 1960.
Sua principal proposta, diante disso, é apresentar um método, ou um caminho mais
adequado para essas análises.
Com tal visão, fica clara a importância que a Teoria da Dependência (como
se toma a liberdade de chamar aqui, neste trabalho) tem no pensamento cardosiano.
a uma compilação do tratamento de Cardoso sobre a dependência, mas não a analisá-lo, sugere-se a
leitura da obra de P
ACKENHAM (1992) para um conhecimento mais detalhado de sua análise.
3
Seja pelo fato de ter seus argumentos sempre citados pelo estudioso após sua principal
obra sobre o tema (C
ARDOSO; FALETTO, 1967), seja pelo fato de grande parte dos
debates com ele travados desde então tratarem desse tema. É assim que esta
dissertação se propõe estudar como esse objeto de estudo se apresenta no pensamento
de Cardoso. Ou seja, não se pretende apresentar apenas as novidades, ou as falhas da
abordagem por ele desenvolvida, pois não há aqui espaço suficiente para tal estudo.
Entretanto, deseja-se compilar os aspectos mais graves daquilo que é defendido por
Cardoso em seus principais trabalhos sobre a dependência na América Latina,
mostrando a evolução de alguns pontos no decorrer desse período.
Com essa finalidade, no primeiro capítulo, a questão do desenvolvimento
desigual é sucintamente tratada, mostrando como as análises inovadoras da América
Latina evoluíram desde as décadas de 1940-50 até o fim da década de 1960, passando
pela abordagem do nacional-desenvolvimentismo, pela CEPAL, além da análise dos
autores André Gunder Frank e Rui Mauro Marini, tidos como pensadores de uma outra
vertente da dependência, exatamente aquela a que se opôs a análise de Fernando H.
Cardoso.
No segundo capítulo, tratamos dos aspectos da base da Teoria da
Dependência segundo Cardoso. Analisam-se, assim, seus dois principais trabalhos
sobre a classe burguesa e sua relação com os países centrais imperialistas, sempre
mostrando como Cardoso transmite sua preocupação de analisar as interações entre as
classes (tanto intranacionais, quanto internacionais). Uma análise de cada caso por ele
separado, bem como das principais conclusões sobre a relação dependência-
desenvolvimento tratada por Cardoso e Faletto, é feita ainda nesse segundo capítulo.
O terceiro capítulo vai-se preocupar essencialmente com as análises e
debates posteriores à publicação de Desenvolvimento e Dependência. Ali, é mostrado
4
o esclarecimento feito por Cardoso em três artigos
2
que tratam diretamente sobre a
Teoria da Dependência e seus desdobramentos. É interessante notar a evolução por
que passa o conceito cardosiano de dependência nesse período, de modo a refletir
mesmo o amadurecimento da idéia em seu pensamento. Paralelamente, será feito um
estudo sobre o debate da dialética da dependência, travado em fins da década de 1970,
entre R. M. Marini, de um lado, e F. H. Cardoso e J. Serra, de outro. Este debate é um
tanto quanto peculiar, o que fez com que a análise se esforçasse por manter-se nos
estritos limites da discussão acadêmica (a discussão pessoal presente nos artigos aí
estudados é forte). Basicamente, o debate gira em torno daquilo que defende a
dependência cardosiana contra os estagnacionistas, aqui representados por Marini.
O trabalho se fez, basicamente, pelo estudo dos escritos de cada autor
analisado, além de textos consagrados que tratam do tema em voga, lembrando-se
sempre de ter em mente a meta: o pensamento da dependência no arcabouço
cardosiano. Esperamos que o trabalho tenha conseguido atingir os objetivos a que se
propôs, e que, ao menos, seja de alguma contribuição para análises futuras sobre o
pensamento dependentista de Cardoso.
2
Esses trabalhos foram escolhidos dentre tantos outros especialmente pela relação direta
que mantêm com o tema, além de refletirem exatamente aquilo que esta dissertação se propõe analisar,
que é a presença da Teoria da Dependência nos trabalhos de Cardoso.
5
1 DEPENDÊNCIA NA AMÉRICA LATINA — DIGRESSÃO SOBRE O
PENSAMENTO ANTERIOR A FERNANDO HENRIQUE CARDOSO
1.1 PREÂMBULO
As diferenças entre seqüências de desenvolvimento nacional sempre foram
preocupação de economistas. Desde S
MITH (1776), em sua Riqueza das Nações (no
Livro Terceiro, especialmente), até os mais recentes estudos sobre o
subdesenvolvimento, os estudiosos procuram estabelecer os padrões já ocorridos de
crescimento e progresso, bem como mostrar regras políticas para atingir esse
crescimento. Para a América Latina, e o Brasil, em particular, sempre houve a
preocupação de verificar as causas e as conseqüências dessas diferenças de
desenvolvimento, especialmente após a Segunda Guerra Mundial.
Neste capítulo, com o objetivo de verificar as correntes de idéias que
antecederam a Teoria da Dependência segundo Fernando Henrique Cardoso, as
informações se concentrarão naquelas que tiveram sua maior influência no Brasil.
Logicamente, isso não implica a restrição somente a pensadores brasileiros. Na medida
em que outros pensadores latino-americanos e estadunidenses serviram de base ao
desenvolvimento do pensamento cardosiano sobre a dependência, eles deverão ser
mencionados e analisados. Tal análise, entretanto, limita-se aos aspectos que
diretamente interessam ao escopo desta dissertação, devendo um tratamento mais
acurado ficar reservado a um estudo posterior.
A separação das várias fases do pensamento socioeconômico
3
brasileiro é
inspirada nas “interpretações” de B
RESSER-PEREIRA (1983). Num primeiro momento,
3
Neste trabalho, será usada a expressão “pensamento socioeconômico” em lugar da usual
“pensamento econômico”, tendo em vista que, no Brasil, o desenvolvimento do pensamento
econômico geralmente se deu paralelamente (se não conjuntamente) ao pensamento social. Na
verdade, há discussões sobre se é válido usar o termo “pensamento econômico brasileiro”. As
entrevistas em B
IDERMAN; COZAC; REGO (1997) refletem bem isso.
6
apresentam-se as teorias da vocação agrária e do desenvolvimentismo. Esta última se
mostrou mais influente na política econômica brasileira até o início da década de 1960,
quando as críticas que deram origem às idéias de dependência apareceram com
bastante vigor.
1.2 VOCAÇÃO AGRÁRIA E DESENVOLVIMENTISMO: UM CONTRAPONTO
A primeira teoria sobre o desenvolvimento econômico brasileiro foi aquela
que hoje se chama vocação agrária. De maneira simples, ela se baseava na conhecida
Teoria das Vantagens Comparativas
4
, e defendia que o País deveria concentrar seus
esforços na produção de bens agrícolas de exportação, para os quais detinha maior
grau de eficiência (maiores vantagens). A própria afirmação do ministro da Fazenda
Correia e Castro, em 1947 (governo Dutra), reflete essa visão: “(…) é da essência da
economia latino-americana [e brasileira] (…) certa concentração de esforços na
exportação de matérias-primas, de gêneros alimentícios, bem como na importação de
ampla variedade de artigos manufaturados (…)” (M
INISTÉRIO DA FAZENDA, 1948
5
apud S
KIDMORE, 1975, p. 97).
Essa tese essencialmente liberal era usada como argumento contra as
políticas de industrialização que se implantavam no Brasil desde a década de 1930. A
manutenção dessa ideologia até o fim da década de 1940 certamente se deve ao fato de ser
a ideologia da elite política de então. Nas palavras de B
RESSER-PEREIRA (1983, p. 272):
A interpretação da vocação agrária da sociedade brasileira corresponde à hegemonia da
burguesia agrário-mercantil, tranqüila no Brasil até os anos vinte e sob permanente
4
Teoria neoclássica de comércio internacional segundo a qual todo país deve produzir
aquele produto para o qual apresente o menor custo de oportunidade. No caso de vários países
poderem produzir um mesmo produto, deverá fazê-lo aquele cujo custo para aquele produto for o
menor. Para uma exposição mais detalhada, veja-se, por exemplo, K
RUGMAN; OBSTFELD (1999, p. 15-
34 passim).
5
MINISTÉRIO DA FAZENDA, Relatório 1946. Rio de Janeiro, 1948. p. 9, 156, 172.
7
contestação a partir de então. Mas, ainda nos anos quarenta e cinqüenta, era a interpretação
ideologicamente hegemônica, apesar do fato de a burguesia agrário-mercantil não controlar
mais o Estado com exclusividade desde 1930.
A contestação vem a partir do sucesso que as empresas industriais,
implantadas no Brasil com maior ênfase desde 1930, estavam alcançando. Segundo
B
IELSCHOWSKY (2000b, p. 248-249), os primórdios ideológicos da defesa da
industrialização (com apoio do Estado, como se verá adiante) são o “ataque ao livre-
cambismo (…) muitas vezes feito em tom nacionalista e antiimperialista, (…) o ataque
ao liberalismo, associado à solicitação de intervenção do Governo em apoio geral à
indústria, (…) a associação entre indústria e ‘prosperidade’ ou ‘progresso’ do país”.
Além disso, há a percepção (adicional às idéias mencionadas) de que é possível haver
uma produção industrial integrada, inclusive com a produção de bens intermediários e
de capital. O Estado seria, ao mesmo tempo, o meio de acumulação industrial e o
“guardião dos interesses coletivos da nação e o promotor da unificação nacional”
(B
IELSCHOWSKY, 2000b, p. 250-251).
Percebe-se que esse ideário desenvolvimentista vem ao encontro daquilo que
B
RESSER-PEREIRA (1983, p. 273-276) chama de “interpretação nacional-burguesa”,
que entende o Estado como um aliado no estabelecimento de uma indústria que supere
o “status quo semicolonial, semifeudal e primário exportador”, defendido pela elite
oligárquica agrícola de então (apoiada pela tese da vocação agrária). Ainda segundo
Bresser-Pereira, havia instituições que centralizavam a ideologia nacional-burguesa de
então. Tendo em vista a importância que têm, em consideração às futuras críticas que
seriam feitas por Cardoso em seus estudos sobre desenvolvimento e dependência, será
feito um estudo um pouco mais detalhado sobre, primeiramente, as idéias do ISEB e
do PCB, e, posteriormente, da CEPAL
6
.
6
Logicamente, o tratamento dado aqui se restringe àquilo que servirá de base à
argumentação pretendida nos capítulos seguintes.
8
1.3 O ISEB E O PCB: A BURGUESIA NACIONAL COMO AVATAR DO
DESENVOLVIMENTO
O Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB) foi resultado da união de
vários estudiosos preocupados em fazer uma análise mais apurada da realidade
socioeconômica brasileira dos anos 1950 (B
RESSER-PEREIRA, 2004, p. 49). A análise
desse grupo carioca se baseava em idéias nacionalistas, historicistas, bem como na
concepção de “dualidade” de Ignácio Rangel
7
.
Pode-se entender a concepção isebiana de desenvolvimento a partir da
evolução dos passos da dualidade brasileira. Segundo B
RESSER-PEREIRA
8
(2004, p. 56-
62 passim), para o ISEB, o desenvolvimento econômico é “o processo de acumulação
de capital, incorporação de progresso técnico e elevação dos padrões de vida da
população de um país, que se inicia com uma revolução capitalista e nacional; é o
processo de crescimento sustentado da renda dos habitantes de um país sob a liderança
estratégica de um Estado nacional e tendo como principais atores os empresários
nacionais”. Nota-se aí a presença da “interpretação nacional-burguesa” (B
RESSER-
P
EREIRA, 1983, p. 273-276). Clara está a idéia de que são os empresários nacionais, e
não a elite agrícola, a fonte do desenvolvimento do País. Além disso, a revolução deve
ser nacional, ou seja, com recursos próprios, os quais devem ser acumulados pelo
Estado, como já exposto no item 1.2 desta dissertação.
7
Rangel foi um dos intelectuais ligados ao ISEB, cuja obra inova exatamente na
consideração do que se chama “dualidade básica da economia brasileira” (R
ANGEL, 1981 in
M
AMIGONIAN; REGO, 1998, p. 144 et seq.). Nessa concepção teórica, há dois “pólos”, um interno e
um externo, cada um dos quais com dois “lados”, um interno e um externo. O desenvolvimento da
sociedade brasileira segue cinco “leis”, as quais mostram como os pólos evoluem, pela incorporação
paulatina das características do lado externo pelo lado interno. É interessante notar a segunda lei:
“alternadamente, mudam o pólo interno e o externo” (R
ANGEL, 1981 in MAMIGONIAN; REGO, 1998, p.
146), que reflete o fato de um pólo mudar de cada vez, em cada estágio. A obra de M
AMIGONIAN e
R
EGO (1998) traz uma série de ensaios que explicam bem o pensamento de Rangel.
8
Aliás, uma referência que se pode considerar primária para o pensamento do ISEB, como
ele mesmo afirma: “Coube a mim, como membro paulista e júnior do ISEB [grifo nosso] (…)”
(B
RESSER-PEREIRA, 2004, p. 54).
9
Caio N. de TOLEDO (1997, p. 82 et seq.) mostra que o ISEB considerava a
situação dos países subdesenvolvidos como “semicolonial”. A justificativa para tanto é
que “a independência política — meramente formal — quase nada alterou, em termos
estruturais, a “secular exploração” a que se sujeitam os povos do continente [latino-
americano]” (T
OLEDO, 1997, p. 82). A linha de raciocínio acabará levando ao
entendimento de que a dependência
9
dos países latino-americanos deriva, basicamente,
das relações que eles mantêm com o exterior (T
OLEDO, 1997, p. 83).
O subdesenvolvimento, assim, levaria a uma alienação, ao estilo do conceito
mostrado por Marx nos Manuscritos de 1844 (T
OLEDO, 1997, p. 86-87). Essa
alienação acabaria culminando numa alienação cultural, já que “não poderá haver
projeto de destino histórico independente (…); ou seja, a cultura não poderá ser senão
um reflexo, o subproduto da cultura metropolitana” (T
OLEDO, 1997, p. 93). Disso,
decorreria, inevitavelmente, um caráter alienado do próprio entendimento do homem
brasileiro. Segundo T
OLEDO (1997, p. 96), “a ociosidade, o devaneio, a preguiça, o
verbalismo, a subserviência, a cordialidade, o pacifismo etc. antes de serem expressões
da ‘substância’ do homem brasileiro seriam, isto sim, traços e aspectos do
comportamento alienado”.
Assim, é notável o papel dado pelo ISEB à elite intelectual (como parte do
Governo), bem como ao autoritarismo do Estado. Esse autoritarismo seria necessário
na medida em que se crê que a sociedade, tradicional e arcaica, não teria condições de
se dinamizar sozinha. Segundo I
ANNI (2004, p. 256):
Nesse modelo (…), o que sobressai é o Estado, forte e ativo, a serviço da burguesia
empresarial, isto é, industrial; ou a serviço do capital monopolista. Ao mesmo tempo, os
termos do modelo mostram como se compreendem os outros estratos sociais, ou as massas,
e as suas reivindicações, sempre em conformidade com as exigências do desenvolvimento
econômico capitalista, sob a liderança do Estado. Para articular — ou submeter — os
interesses das massas aos da burguesia, cabe organizar, ou instituir, um “partido do
desenvolvimento”.
9
Esse termo já tinha sido usado por autores isebianos, como Cândido Mendes, por
exemplo (T
OLEDO, 1997, p. 82-83).
10
Hélio Jaguaribe, importante intelectual do ISEB em seus anos iniciais, expõe
claramente essa idéia de “partido do desenvolvimento”. Basicamente, seria o meio de a
burguesia empresarial entrar no poder, e defender seus interesses e a ideologia
nacional-desenvolvimentista. Isso deveria levar à autonomia do País, já que, “de outro
lado, vinculado às aspirações das classes, o partido do desenvolvimento investe contra
as formas pré-capitalistas de economia, favorece a socialização dos setores públicos,
se esforça pela igualização das oportunidades e procura assegurar o máximo bem-estar
social compatível com as necessidades de investimento reprodutivo” (J
AGUARIBE
10
apud I
ANNI, 2004, p. 257).
Os recursos que seriam dirigidos a tais atividades deveriam ter origem
estritamente nacional, como se pode ler em diversos textos publicados então. A título
de exemplo, veja-se um trecho de Roland C
ORBISIER
11
(apud TOLEDO, 1997, p. 139), a
respeito da única maneira pela qual, durante o “período de transição” para a economia
industrial, os isebianos aceitariam a hipótese de o capital estrangeiro associar-se a
algum capital nacional:
A aceitação ativa implica o propósito consciente e deliberado de servir aos interesses do
imperialismo. Adotam esta atitude as classes interessadas em manter a situação de próspero
subdesenvolvimento que convém às nações colonizadoras. Essas classes são a burguesia
latifundiária produtora de matérias-primas, a burguesia mercantil ligada à exportação
desses produtos, o comércio importador de produtos acabados e os setores parasitários da
classe média.
A partir dessas observações, o ISEB concluiria pela necessidade de oposição,
por parte da classe proletária nacional, a setores burgueses dominantes externos. Essa
10
JAGUARIBE, H.. Desenvolvimento Econômico e Desenvolvimento Político. Rio de
Janeiro: Fundo de Cultura, 1962. p. 83.
11
CORBISIER, R.. Formação e Problema da Cultura Brasileira. 3. ed.. Rio de Janeiro:
ISEB, 1960. p. 48.
11
oposição acabaria por fazer uma revolução pacífica (ou, pelo menos, com menos
atritos), em prol da “construção da própria nação” (T
OLEDO, 1997, p. 142).
É de se notar, entretanto, que a unanimidade não é característica de nenhum
grupo de estudiosos. Tanto que a principal crise do Instituto (antes, logicamente, de
sua extinção em 1964 pelo Governo militar) surge com a publicação, por Jaguaribe, da
obra O Nacionalismo na Atualidade Brasileira (1958), em que é reconhecido o papel
do capital estrangeiro na industrialização nacional. Pode-se perceber que o autor
defende a validade do uso de recursos estrangeiros como meio para atingir uma
finalidade, essa, sim, nacionalista:
O que torna nacionalista a atual [1958] política do petróleo não é o fato de a Petrobrás ser
uma empresa do Estado brasileiro, dirigida por brasileiros natos etc.. Em tese, a política
nacionalista do petróleo poderia ser realizada pela Standard ou qualquer outra empresa,
desde que concretamente, na situação presente do país, essa fosse a forma mais eficaz de
explorar o petróleo brasileiro e proporcionar à economia nacional o pleno uso e controle de
tal matéria-prima (J
AGUARIBE
12
apud TOLEDO, 1997, p. 148).
A oposição do próprio Instituto será patente, em especial por parte de Álvaro
Vieira Pinto e Nélson W. Sodré. Segundo T
OLEDO (1997, p. 150), para Vieira Pinto,
“um ato só assume um caráter nacionalista desde que se integre num ‘projeto coletivo
consciente’ e não pelo fato de ser definido a partir de ‘supostos’ fins”. A introdução do
capital estrangeiro, dessa forma, deveria ser eliminada, mesmo diante da necessidade
para o desenvolvimento nacional — ou por causa dessa necessidade, como afirma
Vieira P
INTO
13
(apud TOLEDO, 1997, p. 152): “Não devemos agora receber o capital
estranho exatamente porque é vital, porque, com rigor etimológico, significa a vida,
que em tal caso, não seria dada por outrem, quando é evidente que quem nos deve dar
12
JAGUARIBE, H.. O Nacionalismo na Atualidade Brasileira. Rio de Janeiro: ISEB,
1958.
13
PINTO, Á. V.. Consciência e Realidade Nacional. Rio de Janeiro: ISEB, 1960. v. 2. p.
462.
12
a nossa vida somos nós mesmos”. O resultado de todo o processo foi a saída de
Jaguaribe do grupo
14
.
Esse não foi o único momento de crise para o ISEB. Várias críticas lhe foram
dirigidas, devido ao seu modo de argumentar e trabalhar conceitos. Essas críticas
foram agrupadas em artigo de Luís Eduardo P. M
OTTA (2000). Para um entendimento
melhor, vale destacar que a linha principal de pensamento isebiano “tomava
emprestadas idéias de Marx, de Schumpeter e do estruturalismo latino-americano de
Raúl Prebisch e Celso Furtado, sem, entretanto, se preocupar em ser fiel a qualquer
uma destas visões [grifo nosso]” (B
RESSER-PEREIRA, 2004, p. 55). É exatamente no
tocante a Marx que as críticas indicadas por Motta se concentram. O mau uso de
conceitos marxistas como “ideologia”, “alienação”, assim como a falta da análise dos
modos de produção no sistema socioeconômico brasileiro, são alguns dos equívocos
atribuídos aos intelectuais do ISEB. E mais, pela proposta de unificação da burguesia
ao proletariado, amparada pelo Estado e pela tecnocracia, o discurso do Instituto é
acusado de “encobrir os conflitos de classe” (M
OTTA, 2000, p. 124). Tal visão também
é enfatizada por M
ANTEGA (1984, p. 60-61), quando afirma que:
Nas circunstâncias brasileiras, os conflitos sociais se desenrolariam mais no interior de
cada classe do que propriamente no âmbito das divergências entre classes distintas (…).
Em outras palavras, naquele momento histórico pelo qual passava a sociedade brasileira do
final da década de 50, a burguesia industrial e o proletariado estariam na mesma trincheira,
porque suas contradições tornavam-se secundárias quando comparadas com as que ambas
tinham em relação aos latifundiários feudais e outras classes arcaicas.
O conflito interclasses, entretanto, existia (ainda que fosse relegado a
segundo plano), e só pôde ser percebido tarde demais. Otávio Ianni mostra que, com o
modelo isebiano aplicado — “com aquela margem de infidelidade e imprecisão
14
O próprio Jaguaribe mostra, em artigo publicado recentemente, uma versão sobre os
eventos que levaram à sua saída do ISEB. Ver J
AGUARIBE, 2005 in TOLEDO, 2005, p. 35-37.
13
usualmente peculiar aos estadistas” (JAGUARIBE
15
apud IANNI, 2004, p. 259) —
durante o governo Juscelino Kubitschek, após esse período, a política populista
favoreceu a organização de uma aliança “pré-revolucionária”. Não querendo perder
sua hegemonia, “as forças burguesas e conservadoras nacionais, com apoio do
imperialismo, depuseram o governo do presidente Goulart. Vencia econômica e
politicamente o grande capital” (I
ANNI, 2004, p. 259).
Também é notável o esforço feito pelos intelectuais paulistas (ligados,
principalmente, à Sociologia da USP) em criticar o sistema o nacionalismo populista
que caracterizava a política do período de maior atuação do ISEB e,
conseqüentemente, o pensamento do ISEB. Num primeiro momento, ocorre a crítica
ao aspecto pouco científico dos estudos realizados pelo Instituto, em contraposição ao
rigor e método mais sofisticados da Sociologia uspiana. Isso constitui o que Motta
chamou de “primeiro momento” das críticas ao ISEB. Ou seja:
(…) o primeiro momento é representado por Florestan Fernandes e diz respeito ao debate
sobre qual padrão científico seria correto na sociologia. Florestan polemizou diretamente
com Guerreiro Ramos quando este fez sua comunicação no II Congresso Latino-
Americano de Sociologia. Para Guerreiro Ramos, a sociologia é encarada como um
projeto, uma perspectiva. Para isso o sociólogo se comprometeria em utilizar seu
conhecimento para atuar sobre a consciência e a realidade criando, desse modo, uma
sociologia autêntica, nacional, antitética às sociologias importadas (alienadas). Já Florestan
Fernandes considera a sociologia como uma ciência que segue preceitos universalistas,
tendo caráter neutro e não engajado, não sendo, então, determinada pelo contexto político-
cultural nacional. Assim, percebe-se, de um lado, uma posição fenomenológica da
sociologia enquanto, de outro, uma perspectiva positivista (M
OTTA, 2000, p. 119).
Essa fragilidade também é mostrada por T
OLEDO (1997, p. 133): “(…) nos
trabalhos dos autores do ISEB, nunca se encontra, a nosso ver, qualquer tratamento
15
JAGUARIBE, H.. Desenvolvimento Econômico e Desenvolvimento Político. Rio de
Janeiro: Instituto Superior de Estudos Brasileiros, 1958. p. 210.
14
rigoroso, do ponto de vista teórico ou empírico, do problema das classes sociais;
valem-se sempre — para caracterização destas no interior da sociedade brasileira — de
esquemas sumários e, por vezes, extremamente simplistas”.
Para além de questões de método, as críticas da “escola paulista”, segundo
B
RESSER-PEREIRA (2004, p. 53), serão também dirigidas à defesa da aliança entre a
classe capitalista e a trabalhadora. Além disso, o dualismo constante do pensamento de
Rangel
16
era duramente criticado.
Na obra de Ted G
OERTZEL (2002, p. 23), o próprio Cardoso é citado, em
uma entrevista, afirmando que os acadêmicos da escola paulista de Sociologia
julgavam os especialistas isebianos “pouco rigorosos”, e que tinham “uma visão muito
voluntarista e subjetivista da História”. Isso claramente se opunha à “esquerda
acadêmica” representada por Cardoso e seus colegas paulistas.
A importância da burguesia nacional para o desenvolvimento do País é
também defendida pelo Partido Comunista Brasileiro (PCB), a partir do fim da década
de 1950. Tendo em vista mudanças nas concepções do próprio Partido Comunista da
União Soviética, há uma nova tendência que reconhece o desenvolvimento da
economia brasileira, que poderia ocorrer dentro de “uma aliança operário-camponesa,
com o apoio então crucial da ‘burguesia nacional’”, a chamada “revolução
democrático-burguesa” (B
APTISTA, 2004, p. 25). Em um ensaio publicado pouco antes
de sua morte, Otávio I
ANNI (2004, p. 245-271) ainda enfatiza a defesa que o Partido
fazia da intervenção do Estado, na medida em que se fizesse necessária. Comentando
Gabriel C
OHN
17
(apud IANNI, 2004, p. 248), o sociólogo apresenta a idéia de que a
burguesia nacional, sendo fonte de progresso, era “digna de apoio”.
16
Constante não no sentido de imutável, mas, sim, no sentido de sempre permanecer
presente. Em R
ANGEL (1981 in MAMIGONIAN; REGO, 1998), vemos uma explanação de como o
dualismo evolui em suas características, mas sempre se mantendo.
17
COHN, G.. Petróleo e Nacionalismo. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1968.
p.122.
15
Veja-se a semelhança das idéias defendidas pelo Partido àquelas defendidas
pelo ISEB. Todavia, há diferenças importantes: para o PCB, mais do que a “superação
da dualidade básica da economia brasileira” (B
RESSER-PEREIRA, 2004, p. 62), a
revolução democrático-burguesa era o caminho para a futura e esperada revolução
socialista. Sem dispensar a possibilidade de uma revolução armada (se assim se fizesse
necessário), o PCB procurava uma via pacífica (M
ANTEGA, 1984, p. 164-165).
Também o PCB será alvo de críticas, de várias fontes. As mais marcantes
vieram de dissidências de dentro do próprio PCB, como o Partido Comunista do Brasil
(PC do B), a Aliança Nacional Libertadora (ANL), entre outros. A confiança que se
tinha na força armada era maior nessas novas instituições, as quais, entretanto, não se
mostraram capazes de dar análises alternativas ao Modelo Democrático-burguês
(M
ANTEGA, 1984, p. 168). Ainda pior que as dissidências foram os abalos sofridos
quando da mudança de rumos da industrialização a partir de meados da década de
1950.
I
ANNI (2004, p. 249 et seq.) mostra como o Partido fora tomado de surpresa
quando se viu às voltas com uma nova atitude da burguesia nacional. Além da
renovação da estrutura de classes brasileira (com a cidade cada vez mais tomando
conta do campo), houve uma mudança de postura da burguesia em relação ao
imperialismo. Também P
RADO JR. (1966, p. 109) mostra isso: “essa interpretação foi
bastante abalada quando empresas estrangeiras ligadas a grandes trustes e monopólios
internacionais, e, pois, tipicamente imperialistas, começaram a se instalar no país,
tornando-se fator de primeira ordem no estímulo ao processo de industrialização
brasileira”.
Percebe-se, assim, que a visão do modelo democrático-burguês não se
utilizava do pensamento marxiano do Estado como um instrumento da classe
dominante, e cujas ações por ela e a ela se dirigiam. Já no início da década de 1960, a
burguesia nacional já tinha o domínio político, e logo o PCB sofreria uma decepção.
Conforme W
EFFORT (1980, p. 44): “Com o golpe de 1964, o Estado projetou-se sobre
o conjunto da sociedade e parece dirigi-la soberanamente. (…) Necessariamente,
16
porém, as massas populares não têm participação neste Estado que, assim, desvenda
sua verdadeira natureza de classe”.
Ainda nas décadas de 1950 e 1960, também se destaca o desenvolvimento
teórico feito pela Comissão Econômica Para a América Latina e o Caribe (CEPAL),
paralelamente aos estudados neste item. A seguir, serão apresentados os principais
aspectos da teoria cepalina, na medida em que influenciaram o pensamento
dependentista de Fernando Henrique Cardoso, posteriormente.
1.4 CEPAL E BUSCA DE AUTONOMIA PELA INDUSTRIALIZAÇÃO
A CEPAL vem à América Latina como um instrumento de superação dos
ideais liberais que predominavam no pós-Segunda Guerra. O processo de
industrialização começado na década de 1940 mostrava que era possível crescer por
meio da orientação do Estado. Todavia, “frente à ideologia liberal, a defesa do
desenvolvimento pela via da industrialização tinha no imediato pós-guerra a
inconveniência de encontrar-se insuficientemente instrumentalizada de um ponto de
vista analítico” (B
IELSCHOWSKY, 2000a, p. 24). Ou seja, era necessário formular um
embasamento analítico-teórico para o caminho que se seguia, que não encontrava
contrapartida na teoria clássica das vantagens comparativas
18
.
Apesar de, a princípio, ter sido concebida como uma compensação aos países
latino-americanos pela não-participação no Plano Marshall (B
IELSCHOWSKY, 2000a, p.
26), a conveniência de suas idéias diante das políticas que se executavam contribuiu
para sua aceitação e continuidade. A presença de membros respeitados, como Raúl
Prebisch, Celso Furtado, Osvaldo Sunkel e outros, ajudou, inclusive, a estruturação
metodológica da instituição. O estruturalismo histórico vem inovar a análise dos países
subdesenvolvidos, trazendo a tese de que as políticas e decisões que se tomam no
18
É interessante ver a intersecção que há entre as críticas da CEPAL e as dos estudiosos
brasileiros aos princípios liberais. Para uma análise mais detalhada, ver B
IELSCHOWSKY (2000b, p. 13-
15).
17
âmbito de uma região dependem, sempre, das estruturas que a compõem. Segundo
B
IELSCHOWSKY (2000a, p. 21):
Daí resultam fundamentos essenciais para a construção teórica da análise histórica
comparativa da CEPAL: as estruturas subdesenvolvidas da periferia latino-americana
condicionam — mais que determinam — comportamentos específicos, de trajetórias a
priori desconhecidas. Por essa razão, merecem e exigem estudos e análises nos quais a
teoria econômica com “selo” de universalidade só pode ser empregada com qualificações,
de maneira a incorporar essas especificidades históricas e regionais.
Assim, qualquer teorização a respeito dos países subdesenvolvidos (da
América Latina, em particular) deve levar em conta que “o subdesenvolvimento não
constitui uma etapa necessária do processo de formação das economias capitalistas
modernas. É, em si, um processo particular, resultante da penetração de empresas
capitalistas modernas em estruturas arcaicas. O fenômeno do subdesenvolvimento
apresenta-se sob formas várias e em diferentes estádios” (F
URTADO, 1961 in
B
IELSCHOWSKY, 2000a, p. 261). Foi nesse sentido que a “safra inaugural”
(B
IELSCHOWSKY, 2000a, p. 26) de pesquisa da CEPAL dirigiu seus estudos. Num
primeiro momento, procura ver como se dava a inserção da região na economia
mundial. O próprio termo “periferia” foi usado para refletir a vulnerabilidade dos
países nesta condição em relação às flutuações dos países ditos “centrais”.
O conceito de deterioração dos termos de troca torna-se fundamental aqui.
Basicamente, leva-se em conta que, por ter demanda inelástica, quedas nos preços dos
produtos primários (exportados pela periferia) acabariam por resultar em ganhos
menores, em termos monetários. Já os produtos manufaturados dos países centrais
eram passíveis de progresso técnico. Segundo a teoria neoclássica, os benefícios desse
progresso se distribuiriam pelos agentes do comércio internacional pelo mecanismo de
preços. Entretanto, “os sindicatos procuram então evitar reduções salariais no centro,
mas os empresários estão em melhor posição para preservar seus lucros, compensando
a rigidez salarial através do corte da produção, e não dos preços” (B
IELSCHOWSKY,
18
2000b, p. 436)
19
. Essa diferença de reações acabava por favorecer o centro, sendo que
os ganhos de produtividade sempre para aí se dirigiam, e as crises cíclicas acabavam
levadas, com mais força, à periferia, causando a dita deterioração.
Uma maneira de combater esse problema, segundo P
REBISCH (1973 in
B
IELSCHOWSKY, 2000a, p. 181-188), seria a substituição de importações. O autor
explica, nesse texto, o modo como isso deve ser feito, com exemplos hipotéticos,
partindo do pressuposto de que as exportações para o centro têm um crescimento
menor que o da renda dos países periféricos, e menor que o das importações dos
mesmos países.
É importante perceber, todavia, que o termo é substituir importações. Tanto
que, num texto posterior, T
AVARES (1964 in BIELSCHOWSKY, 2000a, p. 230) afirma
que “a substituição ‘real ou efetiva’ é geralmente muito menor do que a ‘aparente’ que
se visualiza pela diminuição de certas importações na pauta. Assim, por exemplo,
quando se substituem produtos finais, aumenta, em conseqüência, a demanda por
insumos básicos e produtos intermediários (nem todos necessariamente produzidos no
país), pagam-se serviços técnicos e de capital etc.”. Ou seja, não quer dizer
necessariamente a diminuição das importações, mas principalmente a mudança na
pauta de importações.
Em termos de condições internas, a CEPAL destaca as conseqüências de
uma “heterogeneidade estrutural” (B
IELSCHOWSKY, 2000a, p. 32) grande. A expressão
se referia às diferenças entre a produtividade de todos os setores e o exportador (este
último muito mais produtivo). As conseqüências mais graves, interligadas entre si,
eram: o desequilíbrio estrutural do Balanço de Pagamentos (ligado à deterioração dos
termos de troca); a inflação estrutural (resultado tanto do desequilíbrio do Balanço de
Pagamentos quanto de insuficiências de produtividade dos setores não exportadores); o
desemprego, que “resultava tanto da incapacidade das atividades exportadoras de
19
É notável, nesse trecho, o caráter institucional da análise de Prebisch (e da CEPAL, por
conseqüência). Esse caráter é explicitamente mencionado em B
IELSCHOWSKY (2000a, p. 21).
19
absorver o excedente de mão-de-obra como da insuficiente capacidade de absorção
pelas atividades modernas destinadas ao mercado doméstico” (B
IELSCHOWSKY, 2000a,
p. 34).
A teoria estruturalista da inflação vem ter importância capital, devido às
conseqüências normativas que terá nos desenvolvimentos cepalinos. Ao entender que a
expansão monetária não era uma causa, mas, muitas vezes, resultado da inflação
20
, a
CEPAL mostrava que a estabilidade só se atingiria por meio de planejamento para
diminuir as causas estruturais dessa inflação.
A idéia de planejamento sempre foi central no pensamento cepalino. Acaba
sendo um “corolário natural do diagnóstico de problemas estruturais de produção,
emprego e distribuição de renda nas condições específicas da periferia
subdesenvolvida” (B
IELSCHOWSKY, 2000a, p. 35). A acumulação de estatísticas
básicas sobre a economia latino-americana foi iniciada sob essa orientação, sendo que
o papel do Estado seria mesmo o de organizar e racionalizar os impulsos que estavam
aparecendo espontaneamente (B
IELSCHOWSKY, 2000a, p. 35).
1.4.1 A Década de 1960 e a Revisão dos Processos
Ao fazer um diagnóstico do desenvolvimento latino-americano na década de
1950, vê-se que nem tudo ocorreu como esperavam os técnicos da CEPAL. A forte
restrição às importações trouxe problemas de natureza inflacionária, a industrialização
estava seguindo um caminho de crescimento, mas com o empobrecimento das massas
na cidade, além da má distribuição dos benefícios gerados (B
IELSCHOWSKY, 2000a, p. 37).
Mudanças na produção intelectual da instituição serão importantes, e englobarão
novidades de natureza política e econômica.
20
“De acordo com a visão estruturalista, a moeda se expande, quase sempre passivamente,
como resposta das autoridades monetárias a elevações de preços de origem estrutural, sendo, portanto,
incorreto considerá-la causa da inflação” (B
IELSCHOWSKY, 2000a, p. 34).
20
A introdução da Sociologia como uma fonte de pesquisa de aspectos do
desenvolvimento latino-americano será favorecida pela presença de J. M. Echevaría.
Nos anos de 1966 e 1967, Fernando H. Cardoso e Enzo Faletto publicarão sua obra-
chave sobre a Teoria da Dependência, trazendo um novo ponto de vista em relação ao
lado sociológico do processo. Uma análise mais detalhada da obra se encontra no
capítulo 2 desta dissertação, mas é importante lembrar aqui o papel de reação que o
livro teve no entendimento da força da burguesia no crescimento econômico da região.
Além disso, vem como reação às teorias estagnacionistas que surgiam tanto no corpo
da CEPAL (Furtado) como fora (os dependentistas ditos marxistas).
Novidades na análise da dependência, dentro da CEPAL, vêm com as
análises de Osvaldo Sunkel e de Aníbal Pinto. S
UNKEL (1969 in BIELSCHOWSKY,
2000a, p. 528) colocava a economia capitalista como sendo dividida mundialmente em
centro e periferia, e que todos fazem parte de um mesmo processo de
desenvolvimento. Mais, a polarização observada não se restringe ao aspecto mundial:
(…) por um lado, a polarização do mundo entre os países industrializados, avançados,
desenvolvidos e centrais e os países subdesenvolvidos, atrasados, pobres, periféricos e
dependentes; e por outro, uma polarização, dentro dos países, em espaços, grupos sociais e
atividades avançados e modernos, e em espaços, grupos e atividades atrasados, primitivos,
marginalizados e dependentes (S
UNKEL, 1969 in BIELSCHOWSKY, 2000a, p. 529).
Com uma análise de comparação da polarização interna à externa, conclui
que tanto as chamadas economias desenvolvidas quanto as subdesenvolvidas possuem
estruturas socioeconômicas desenvolvidas e estruturas marginalizadas. O que
diferencia os países é a importância que cada uma dessas estruturas tem dentro do país.
Paralelamente, vemos a análise de P
INTO (1970 in BIELSCHOWSKY, 2000a, p.
569 et seq.), que se baseia na idéia de “heterogeneidade estrutural”. Esse conceito
reflete a diferença entre a produtividade média dos diversos setores dentro de um país
(no caso, na América Latina). P
INTO (1970 in BIELSCHOWSKY, 2000a, p. 571) separa a
estrutura de produção em três camadas:
21
Por um lado, temos a chamada camada “primitiva”, cujos níveis de produtividade e renda
per capita são provavelmente semelhantes (e, às vezes, inferiores) aos que predominaram
na economia colonial e, em alguns casos, na pré-colombiana. No extremo oposto, temos
um “pólo moderno”, composto pelas atividades de exportação, industriais e de serviços que
funcionam com níveis de produtividade semelhantes às médias [grifo do autor] das
economias desenvolvidas; e existe, por último, a camada “intermediária”, que corresponde
mais de perto, de certa maneira, à produtividade média do sistema nacional. Note-se bem o
caráter multissetorial de cada uma dessas camadas, bem como a diferença entre elas e a
dicotomia mais costumeira entre os mundos urbano e rural.
Apresentando dados diversos, o autor chega à conclusão de que há uma
relação entre esses setores (que, aliás, não são tidos como sistemas estanques, mas que
participam de uma estrutura global) identificável como “colonialismo interno”. Esse
“colonialismo” mostraria uma exploração da “periferia interna” por parte do “centro”,
numa imitação nacional do fenômeno internacional verificado entre países centrais e
periféricos (P
INTO, 1970 in BIELSCHOWSKY, 2000a, p. 580). Essa exploração se daria
pela não-transferência dos benefícios técnicos, pela concentração dos excedentes
financeiros nos centros, bem como pelo direcionamento dos investimentos públicos e
privados em benefício do setor moderno
21
. Mesmo políticas de caráter compensatório
são vistas em comparação com a ajuda financeira oferecida pelos países centrais aos
periféricos:
Diga-se de passagem que são esses e outros expedientes que fazem com que a periferia
participe (limitada e “passivamente”) da sociedade global, mas sem chegarem a “integrá-
la” no nível básico — o econômico, ou seja, através da disseminação do progresso técnico,
do aumento da produtividade e da renda, da ampliação e elevação das oportunidades de
emprego etc.. (Acaso não tem tudo isso uma semelhança com as funções e alcance da
“ajuda externa” — especialmente com objetivos sociais — e do “efeito demonstração”?)
(P
INTO, 1970 in BIELSCHOWSKY, 2000a, p. 581.)
21
Compare-se essa análise com a que faz Rui Mauro Marini com sua teoria da
superexploração, apresentada a seguir, no item 1.5.2 deste trabalho.
22
Tais mudanças na linha de pensamento cepalina terão peso na sua produção
intelectual posterior. Entretanto, a base estruturalista ainda será alvo de críticas, bem
como sua crença na possibilidade de superação do subdesenvolvimento. Como
exemplo deste último direcionamento de crítica, apresenta-se a seguir uma sucinta
análise da produção dos chamados autores marxistas da Teoria da Dependência, por
muitos tidos como precursores da linha de pensamento que norteará a teoria
socioeconômica de Cardoso na década de 1970, aqui analisada.
1.5 TEORIAS DE ESTAGNAÇÃO: FRANK E MARINI
Neste tópico, agrupam-se alguns estudiosos que M
ANTEGA (1984, p. 210 et
seq.) reuniu sob o termo “Modelo de Subdesenvolvimento Capitalista”. Com uma
visão predominantemente estagnacionista, num primeiro momento, recusam a
interpretação do início semifeudal do País (M
ANTEGA, 1984, p. 210). Como se tentará
mostrar agora, é perceptível também forte tendência à conclusão da impossibilidade de
desenvolvimento capitalista autônomo no Brasil e na América Latina, razão da
denominação “estagnacionistas”.
1.5.1 André Gunder Frank
André Gunder Frank é tido como um autor que enfatiza a culpa do mercado
externo e do imperialismo dos países centrais pelo subdesenvolvimento da América
Latina. Segundo M
ANTEGA (1984, p. 216), o sistema capitalista mundial, para Frank,
seria “uma constelação de países onde os satélites periféricos, especializados nas
atividades primário-exportadoras, girariam em torno dos centros desenvolvidos”.
Aliás, essa subdivisão deveria ocorrer também no âmbito interno. Já se pode observar
forte determinismo do interno pelo externo, que é constatado nos textos de Frank.
23
Giovanni ARRIGHI (1970
22
apud FRANK, 1976, p. 27) afirma, por exemplo, que “(…)
em suas obras anteriores, a análise da estrutura interna sempre está subordinada à
análise das condições externas (…). Você tem a tendência (…) de procurar a
determinação externa tanto dos fenômenos como das estruturas e contradições
internas”.
Em Acumulação Dependente e Subdesenvolvimento (1976), Frank faz uma
tentativa de corrigir esse equívoco, introduzindo a análise de classes. No início da
obra, faz uma análise centrada em alguns fatores internos, como a busca pelos motivos
sociopolíticos para as diferenças entre as escalas produtivas entre os países
desenvolvidos e os subdesenvolvidos, as quais seriam, segundo ele, trazidas pelas
diferenças salariais entre esses países (F
RANK, 1976, p. 32-33). Estas últimas seriam
explicadas de várias maneiras, como as distintas necessidades das classes de um e de
outro tipo de colônia (à época em que os países eram colonizados, sendo considerados
desenvolvidos as ex-colônias Estados Unidos, Austrália e Canadá).
Num primeiro momento, traz à evidência as teorias weberianas expostas na
História Econômica Geral (W
EBER, 1923). WEBER (1923, p. 253) afirma claramente
que as colônias tiveram importância decisiva para a acumulação de riquezas na Europa
por meio do corcio. Entretanto:
La acumulación de riquezas, tal como resultó a consecuencia del comercio colonial, posee
muy escasa importancia para el desarrollo del capitalismo moderno, afirmación que
hacemos en oposición a la tesis de W. Sombart. El comercio colonial permitió,
ciertamente, una amplia acumulación de riquezas, pero en cambio no estimuló la
organización del trabajo a la manera específicamente occidental, ya que descansaba sobre
un principio expoliativo y no sobre un cálculo de rentabilidad basado en las posibilidades
del mercado
23
(WEBER, 1923, p. 255).
22
ARRIGHI, G.. Struttura di clase e struttura coloniale nell’analisi del sottosviluppo.
Giovane Critica, Milão, v. 22, n. 3, 1970.
23
A acumulação de riquezas, tal como ocorreu em conseqüência do comércio colonial,
possui importância muito pequena para o desenvolvimento do capitalismo moderno, afirmação que
fazemos em oposição à tese de W. Sombart. O comércio colonial permitiu, certamente, uma ampla
24
Gunder Frank critica essa idéia, juntamente da idéia de distinção das colônias
por motivação religiosa
24
. Basicamente, Frank afirma que não há comprovações
históricas das afirmações feitas por Weber. Mostra, a seguir, vários exemplos de países
de predominância católica como sendo focos de crescimento capitalista (comercial,
segundo a concepção marxista), como Espanha e Portugal (F
RANK, 1976, p. 52).
A partir deste ponto, Frank incorre naquele que seria, segundo M
ANTEGA
(1984, p. 227), seu maior equívoco: “(…) a ênfase dada à circulação, isto é, à [sic]
importância atribuída ao crescimento do mercado mundial enquanto determinante
básico da expansão capitalista”. Mesmo procurando usar argumentos marxistas, não
consegue inserir o conflito de classes característico desta abordagem, sempre recaindo
no mercado externo comércio exterior como explicação última dos eventos
analisados
25
. Apenas para ficar com um exemplo, Frank explica os baixos níveis
salariais resultantes da exploração das minas de prata e ouro do México e do Peru pela
expansão do comércio e acumulação européia. Na verdade, essas regiões apresentaram
interesse para a Europa exatamente por terem disponíveis os recursos para serem
explorados. Por suas próprias palavras: “Por que os ingleses que foram para a América
acumulação de riquezas, porém, em contrapartida, não estimulou a organização do trabalho à maneira
especificamente ocidental, já que partia de um princípio espoliativo, e não sobre um cálculo de
rentabilidade baseado nas possibilidades de mercado.
24
Em A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo (1904), Weber mostra uma oposição
nos tipos de colonização que vieram à América: “(…) a primeira época histórica da colonização norte-
americana é dominada pela rígida oposição entre os adventurers, que queriam organizar plantações
com mão-de-obra servil, e nelas viver senhorialmente, e a mentalidade tipicamente burguesa dos
puritanos” (W
EBER, 1904, p. 125). Essa idéia da vocação distinta dos puritanos e protestantes em geral
também é defendida por outros autores, de formação weberiana, como Sérgio Buarque de H
OLANDA
(1955, p. 43-56), em oposição ao espírito aventureiro dos habitantes de países em que predominaria a
religião católica. Isso justificaria, entre outras coisas, a primazia britânica para o desenvolvimento do
capitalismo, bem como a diferença entre a formação das classes sociais das colônias britânicas em
relação às ibéricas.
25
Vejam-se, para comparação, os trechos: FRANK, 1976, p. 67-69, 110-116, 121-142, 153-
161, 201-208, entre outros. Ainda que procure mostrar fatos ocorridos internamente, F
RANK acaba por
procurar argumentos no comércio exterior, como se fosse uma necessidade premente para
corroboração de suas afirmações. O capítulo 7 de F
RANK (1976, p. 210-251) só vem comprovar essa
constatação.
25
do Norte não seguiram o exemplo espanhol de exploração do trabalho indígena para
produzir ouro e prata? Como Smith observou corretamente, não porque não quiseram,
mas porque esses fatores não se encontravam lá” (F
RANK, 1976, p. 68).
Além de enfatizar o mercado externo, Frank também dirige severas críticas
àqueles que tentam dar importância maior ao mercado interno e às suas determinações
no ambiente econômico do país. Assim, mostra-se clara, na análise de Frank, a crítica
às idéias da CEPAL referentes à substituição de importações e ao desenvolvimento do
mercado interno como meio de escapar à dependência do mercado externo
26
.
Num primeiro momento, Frank questiona a necessidade de um mercado
interno para a industrialização de um país, argumentando que vários países (dentre
desenvolvidos e subdesenvolvidos) conseguiram sua autonomia industrial sem um
mercado interno anterior. “De fato, a pré-existência de um tal mercado interno é
questionável, não apenas por alguns dos casos considerados nas páginas anteriores,
mas também (…) no caso das economias metropolitanas, como a Inglaterra, por
exemplo” (F
RANK, 1976, p. 161). Em seguida, o autor dirige sua análise à indústria
nascente e à substituição de importações como meio de iniciar o processo de
industrialização, mediante a existência do mercado interno já mencionado.
O autor inicia seu argumento escrevendo que “a Inglaterra, a Nova
Inglaterra, a Alemanha e o Japão foram capazes de promover o desenvolvimento da
indústria nascente com êxito em várias circunstâncias, porque em cada caso as
condições objetivas estavam maduras, e não simplesmente porque seus povos eram
mais empreendedores, determinados ou inteligentes” (F
RANK, 1976, p. 162). O erro da
América Latina estaria, então, na política adotada. A substituição acabou fracassando,
não conseguindo a autonomia pretendida e, no caso da distribuição da renda, até
piorando a situação (F
RANK, 1976, p. 162-163).
26
Não se pode deixar de perceber que, quando vai defender a presença de deterioração dos
termos de troca e o câmbio desigual (termos originalmente criados pela CEPAL), Frank não menciona
a origem cepalina dos termos, atitude que, no mínimo, mostra certo viés contra a Comissão.
26
Neste ponto, nota-se a referência a algo que servira de base para a Teoria da
Dependência desenvolvida por Fernando Henrique Cardoso, em 1967:
Em anos recentes esta mesma burguesia se tornou um entusiástico sócio menor dos
monopólios multinacionais na nova divisão internacional do trabalho emergente, que os
últimos, como os conquistadores, piratas e plantadores de antigamente, estão difundindo
por todo o mundo. Este desenvolvimento da divisão internacional do trabalho requer que
os países subdesenvolvidos substituam um tipo de exportação por outra, em consonância
com a substituição nas economias metropolitanas das exportações de bens de consumo por
bens de produção e tecnologia. Deste modo, alguns países periféricos agora produzem
domesticamente certos artigos industriais, primeiro para o mercado interno, depois para
exportação para mercados vizinhos e, finalmente, para a própria metrópole, quando não
podem mais ser produzidos tão lucrativamente lá. Pode-se dizer que o atual aumento da
resistência metropolitana aos têxteis e importações relacionadas da Ásia nada mais é que
uma medida conjuntural temporária. Longe de diminuir a dependência dos países
subdesenvolvidos em relação aos metropolitanos, este processo apenas intensifica a
dependência e fracassa na resolução do problema central do desenvolvimento do mercado
interno na maioria dos países subdesenvolvidos (F
RANK, 1976, p. 163).
Para Frank — assim como para Santos e Marini, segundo MA
NTEGA (1984,
p. 235) —, a solução é a revolução socialista, a qual acaba por ser evitada com a
militarização dos regimes políticos latino-americanos. Esse argumento será revisto
quando da análise do pensamento de Marini, no item 1.5.2 deste trabalho.
1.5.2 Rui Mauro Marini
Dos teóricos da dependência estagnacionista, Rui Mauro Marini é o que
melhor aborda os aspectos mais importantes da dependência da América Latina,
melhorando, em muitos pontos, aquilo que os estudiosos anteriormente apresentados
estabeleceram
27
. Os dois artigos aqui estudados datam de 1968 e 1969, e têm uma
27
Apesar de, cronologicamente, um dos textos de Marini ter sido escrito depois das obras
iniciais sobre a Teoria da Dependência de Cardoso, em termos de idéias ele se aproxima dos que se
estão apresentando aqui, razão de seu estudo neste momento. A controvérsia entre Marini e Cardoso,
diretamente mostrada em três artigos, será analisada no terceiro capítulo desta dissertação.
27
continuidade interessante em termos das idéias defendidas pelo autor. Em “Dialética
do Desenvolvimento Capitalista no Brasil” (1968), Marini traça os principais pontos
da formação capitalista brasileira, procurando analisar as conseqüências para a
situação de então. Seguindo a linha marxista que lhe é característica, o autor baseia
toda sua argumentação nos conflitos e alianças que se alternam entre as várias classes
envolvidas nesse desenvolvimento.
Para o estudioso, os pontos mais importantes de mudança na economia
brasileira (em que as mudanças se tornam mais radicais, corroborando ou eliminando
alianças e conflitos) foram os anos de 1937 (quando o compromisso político entre a
burguesia agrária e a burguesia industrial recém-surgida se estabelece), 1954, 1961 e
1964 (quando a burguesia industrial propõe revisões desse compromisso a fim de
agilizar as transformações que favoreçam seu contínuo crescimento) (M
ARINI, 1968,
p. 75-83). O surgimento da classe burguesa industrial e seu relacionamento com a
burguesia agrário-exportadora já existente são mais bem analisados em
“Subdesenvolvimento e Revolução” (M
ARINI, 1969). Uma idéia aí vem lembrar A. G.
Frank: a importância que dá ao imperialismo durante todo o processo, apesar de não
incorrer no engano de dar ao imperialismo toda a responsabilidade pelos efeitos
gerados no processo de gestação da situação em questão (a dependência na América
Latina na segunda metade do século XX).
Para Marini, o fato de algumas colônias terem tido maior desenvolvimento
que outras favorece o investimento de capitais das economias centrais em setores-
chave, como ferrovias e transportes. Quando, no fim do século XIX e início do século
XX, as economias industrializadas começam a ter uma acumulação que exige “campos
de aplicação fora das fronteiras nacionais”, elas vão buscar a América Latina (M
ARINI,
1969, p. 114). E aqui já se expõe aquela que será a idéia básica no desenvolvimento
teórico do autor: “(…) a função que agora assume o capital estrangeiro na América
Latina é a de retirar abertamente uma parte da mais-valia gerada em cada economia
nacional, o que incrementa a concentração de capital nas economias centrais e
alimenta o processo de expansão imperialista” (M
ARINI, 1969, p. 114-115). Percebe-se
28
aí a idéia de Frank sobre a relação entre a classe burguesa dos centros e a classe
proletária da periferia. Veja-se o porquê da grande importância dessa relação.
Ainda no período em que o imperialismo se colocou como base da expansão
capitalista, a agricultura continuava sendo a principal geradora de renda (por meio das
exportações). O capital estrangeiro já atuava também nesse setor, fosse por
investimentos diretos, fosse por financiamentos. “Alguns países que, como o Chile, se
integraram dinamicamente à economia capitalista em sua fase anterior, assistem ao
controle de seu principal produto de exportação (primeiro o salitre, depois o cobre)
pelo capital estrangeiro, o mesmo capital que, na Argentina, possui os frigoficos e, no
Brasil, controla a exportação de café” (M
ARINI, 1969, p. 115). A crise que se abate sobre
os países submetidos ao capitalismo a partir da década de 1930 envolve a América
Latina (e, particularmente, o Brasil), de forma que essa região perde sua capacidade de
importação dos bens de que precisava, tanto para consumo pessoal, quanto para a
produção industrial, já presente em alguma escala.
Não se pode deixar de lado a constatação de que os conflitos presentes nas
economias periféricas se tornam mais evidentes, sendo o mais sentido aquele que
envolve a questão fundiária, que se relaciona diretamente ao abastecimento de
alimentos e matérias-primas (M
ARINI, 1968, p. 52, 55). Todavia, logo há o acordo
entre as burguesias devido ao benefício mútuo que ocorre em suas atividades. O
conflito “interburguesias” é abafado nessa concordância por causa das políticas
estabelecidas pelo Governo de apoio à classe agrário-exportadora, facilitando o
escoamento da produção. Essas políticas, ao mesmo tempo em que permitiam a essa
classe manter seus ganhos e níveis de renda, davam à classe burguesa industrial a
demanda interna necessária à sua fixação e evolução. Nas palavras de M
ARINI (1969,
p. 119): “Nestas condições, este setor [agrário-exportador] mantinha sua atividade e,
ao mesmo tempo, pelas dificuldades de importação, exercia uma pressão estimulante
sobre a oferta interna, criando a demanda efetiva que a indústria iria satisfazer”.
A crise, entretanto, não tarda. As políticas populistas do segundo governo
Vargas serão o ponto de auge, pois darão ao conflito entre a burguesia e o proletariado
29
uma direção não desejada pelas classes dominantes. Isso, agravado pelas crises de
mercado externo (o desvio do capital americano para a reconstrução da Europa, após a
Segunda Guerra Mundial, é um evento marcante), vai culminar no colapso do sistema
político estabelecido por Getúlio Vargas e seus partidários. A busca de uma solução se
faz premente.
Uma vez mais, o capital externo faz seu papel de fornecer os recursos
necessários
28
à melhoria da situação. Mesmo que o Governo tenha, em algumas
situações, tomado atitudes de cunho nacionalista — como foi o caso do populismo de
Getúlio Vargas (M
ARINI, 1968, p. 14-15, 86) — o capital externo participa com os
investimentos diretos, seja na produção de bens intermediários ou de capital, seja no
financiamento da exportação, que forneceria, então, o capital necessário a esse setor
nas economias periféricas. Ainda no fim da Era Vargas (logo após seu suicídio,
durante o governo de Café Filho), a Superintendência da Moeda e do Crédito
(SUMOC) valida sua Instrução n.º 113, a qual facilita a entrada de capitais
estrangeiros por meio de máquinas e equipamentos importados, mesmo que sem a
cobertura cambial (exigida das empresas nacionais). Ela foi o ponto de cisão em 1954,
ou seja, uma tentativa de superar a crise que se abatia sobre a indústria interna, com
uma mudança de atitude (mas sem quebrar a essência dos acordos até então
estabelecidos entre as classes dominantes). Segundo M
ARINI (1968, p. 55), a Instrução
“cria o marco jurídico para essa política [cambial
29
], que chega a seu auge com o Plano
de Metas do governo de JK, que arrecada cerca de 2,5 milhões de dólares em
investimentos e financiamentos e impulsiona de novo a expansão industrial”.
28
O próprio MARINI (1968, p. 77) defende que a maior fonte de financiamento do primeiro
surto industrial da década de 1930 não foi diretamente a agricultura. Segundo o autor, “o que parece
ter acontecido foi uma drenagem de capitais da agricultura para a indústria mediante o sistema
bancário”.
29
Essa política visava a atrair o capital norte-americano, o que, ao mesmo tempo em que
financiava a continuação do desenvolvimento industrial, ajudava a “romper o nó formado no setor
cambial” pelos contínuos déficits no Balanço de Pagamentos (M
ARINI, 1968, p. 55).
30
A investida imperialista que segue a partir desse momento tenderá sempre a
aprofundar a dependência do desenvolvimento brasileiro em relação ao capital
estrangeiro, o qual entra com o objetivo de eliminar os pontos de estrangulamento
existentes internamente
30
. É nesse ponto que Marini passa a criticar o conceito de
burguesia nacional das teorias nacional-desenvolvimentistas. É colocada a idéia de
uma grande burguesia, que não se incomodava com os capitais estrangeiros
ingressantes, em contraposição a uma pequena e média burguesia. A oposição se dava
porque “a primeira tinha uma opção — a de se associar a esses capitais — que, mais
que uma opção, era uma conveniência”, enquanto a mesma presença de capitais norte-
americanos “significa a absorção e a quebra das unidades mais frágeis, expressando-se
numa acelerada concentração de capital, que engendra estruturas de caráter cada vez
mais monopolista” (M
ARINI, 1968, p. 90).
Vale mencionar, aqui, as ações do presidente João Goulart, a partir da
derrocada do parlamentarismo, em 1962, no sentido de conseguir o apoio das massas e
da burguesia, simultaneamente. É assim que acaba por acelerar a crise que virá com as
reivindicações dos trabalhadores por maiores salários. Será um momento interessante,
no mínimo, pois as burguesias todas se unirão em torno de um único objetivo: evitar a
redução de suas taxas de lucro (M
ARINI, 1968, p. 91)
31
.
O golpe militar de 1964 vem representar a última coalizão entre as classes
dominantes no período aqui estudado
32
. As medidas antipopulares foram a saída para
30
É notável a citação da obstrução ao financiamento, aprovado pela Comissão Mista
Brasil-Estados Unidos, por parte do presidente D. Eisenhower, quando de sua posse em 1952.
Segundo M
ARINI (1968, p. 85): “A tática era clara: tratava-se de impossibilitar à burguesia brasileira o
acesso a recursos que lhe permitissem superar com relativa autonomia os pontos de estrangulamento
surgidos no processo de industrialização e forçar-lhe a aceitar a participação direta de capitais privados
norte-americanos”.
31
As reivindicações salariais tomam força, mesmo com o grande êxodo rural que
caracteriza a maciça entrada de tecnologia na agricultura, tendo em vista que a mão-de-obra agora
exigida nos centros urbanos é especializada (ou seja, com qualificações profissionais superiores às
disponíveis). Assim, todo o conjunto dos trabalhadores se beneficiava das exigências dessa classe
específica (M
ARINI, 1968, p. 92).
32
Dos quatro pontos de mudança frisados no início deste item, o de 1961 foi representado
pela eleição de Jânio Quadros, numa tentativa de resgatar o acordo entre as burguesias da crise gerada
31
fugir das pressões que o conflito entre burguesia e proletariado impunha de modo cada
vez mais evidente (M
ARINI, 1968, p. 94). Com o aparato ditatorial então colocado, o
Governo pôde realizar reformas políticas, econômicas e institucionais, de modo a
continuar atraindo o capital estrangeiro (especialmente o americano) para o
crescimento industrial do País. A ênfase será dada ao setor de produção bélica, o qual
permite a maior absorção de tecnologia pretendida pela burguesia. Politicamente,
vinculava-se essa expansão à defesa nacional (M
ARINI, 1968, p. 64), mas estava claro
que o objetivo era maior.
Neste ponto, começa aquela que é a grande contribuição original de Marini
na teorização da dependência. Com a maior capitalização da agricultura e da indústria,
acaba-se criando, inevitavelmente, um exército industrial de reserva, restringindo o
mercado interno da indústria de bens de consumo. É semelhante ao processo ocorrido
nos países desenvolvidos, exceto pela irracionalidade que caracteriza o caso brasileiro:
aqui, a tecnologia não surge naturalmente, mas como resultado da importação das
técnicas de produção mais modernas. A solução dos mercados centrais foi o imperialismo
e a criação de mercados periféricos. Por um caminho parecido, o Brasil (país mais
avançado, em termos de indústria, na América Latina, naquele período, quase pareado
pela Argentina), estabelece o subimperialismo. “O capitalismo brasileiro orientou-se,
assim, para um desenvolvimento monstruoso, dado que chega à etapa imperialista antes
de ter conseguido a mudança global da economia nacional e em situação de dependência
crescente diante do imperialismo internacional” (M
ARINI, 1968, p. 97-98).
Por ser um subimperialismo, os excedentes gerados pela atividade não se
dirigem primordialmente ao País, mas, sim, aos países centrais que ainda controlam o
ao fim do governo de Kubitschek. Percebe-se que a crise leva cada vez menos tempo para retornar,
com cada vez mais força. O governo de Jânio, entretanto, fracassa, pois “pratica uma política
econômica de contenção dos níveis salariais e de liberalismo, cujo objetivo é criar novos atrativos aos
investimentos estrangeiros, ao mesmo tempo que coloca a necessidade de reformas de base, sobretudo
no campo. A isso se acrescenta uma orientação independente na política externa, que se destina a
ampliar o mercado brasileiro para exportações tradicionais, diversificar suas fontes de abastecimento
em matérias-primas, equipamentos e créditos, e possibilitar a exportação de produtos manufaturados
para a África e América Latina” (M
ARINI, 1968, p. 88). Essas atitudes “despertavam o
descontentamento dos mais diferentes setores, desde os comunistas até os de extrema direita”, o que
acabou por trazer uma crise enorme, cuja rota de fuga vislumbrada foi a renúncia (M
ARINI, 1968, p. 34).
32
processo principal do imperialismo (especialmente os Estados Unidos). Mas as
burguesias periféricas também querem seu filão. O caminho, segundo M
ARINI (1968,
p. 99; 1969, p. 117, 123-124), é ampliar o nível de exploração de mão-de-obra, ou seja,
sua geração de mais-valia. Ocorre o que se chama superexploração do trabalho. Nas
palavras do estudioso:
(…) o subimperialismo brasileiro não pode converter a expoliação, que pretende realizar
no exterior, em favor de elevação do nível de vida interno, capaz de amortecer o ímpeto da
luta de classes; tem, ao contrário, pela necessidade que experimenta de proporcionar um
sobrelucro a seu sócio maior norte-americano, que agravar violentamente a exploração do
trabalho no marco da economia nacional, no esforço para reduzir seus custos de produção
(M
ARINI, 1968, p. 98-99).
Essa constatação, juntamente de uma análise das possibilidades de saída
dessa situação, leva Rui Mauro Marini a concluir que nada resta à classe proletária
senão a revolução e a oposição sistêmica ao que existe, sob o risco de, ao se exigir
cada vez mais dos trabalhadores, a fim de reprimir as reivindicações, as classes
dominantes (inclusive a pequena burguesia) imporem um sistema totalitarista ou
fascista (M
ARINI, 1968, p. 102). Em seu estudo posterior, o autor chega a descrever
como a América Latina tomaria para si o papel de pioneira na luta mundial em prol da
revolução socialista
33
. Segundo ele:
Se não tomarmos consciência da situação que atravessamos e não opusermos uma ação
sistemática e radical, os povos do continente se arriscam a soçobrar durante um período
imprevisível nas sombras do escravismo e do embrutecimento. (…) Por outro lado, a luta
mundial dos povos contra o imperialismo, à qual a América Latina se integrou
vitoriosamente através da Revolução Cubana, não depende exclusivamente do que queiram
e façam os povos deste continente, mas também da influência exercida sobre eles através
33
A dicotomia entre fascismo e socialismo é largamente explorada por Teotônio dos
Santos em vários de seus artigos. Em especial, leia-se Socialismo o Fascismo (1968) e A Teoria da
Dependência (2000). No primeiro, verifica-se a forte aproximação entre suas idéias e as de Marini. No
último, tem-se uma análise sobre o corpo teórico da dependência na América Latina, inclusive com
trabalhos do próprio autor.
33
de sucessos igualmente importantes como a guerra de libertação do povo vietnamita, a
revolução cultural chinesa e a agudização das lutas de classe no interior dos próprios
Estados Unidos. (…) A ação internacionalista de Guevara, a política revolucionária de
Cuba, antecipam a resposta que os povos do continente darão a seus opressores. Mais
ainda, fazem com que se desenhe no horizonte o que parece ser a contribuição mais
original da América Latina à luta do proletariado mundial: seu caráter internacional
(M
ARINI, 1969, p. 124, 125, 129).
O catastrofismo de Marini se justifica, de certa forma, pela situação por que
passava o País à época em que publicou seus estudos. Logicamente, apesar das fortes
repressões impostas na década de 1970, não tivemos no Brasil um regime fascista,
nem a revolução socialista. Uma outra análise dos processos e das relações entre as
burguesias nacionais, o proletariado e o capital estrangeiro pode trazer à luz alguns
fatos negligenciados por Marini e pelos outros autores da Teoria da Dependência
marxista. É aqui que entra a análise de Fernando Henrique Cardoso, a ser exposta nos
próximos capítulos.
34
2 A CLASSE EMPRESARIAL E A TEORIA DA DEPENDÊNCIA NO
PENSAMENTO CARDOSIANO
2.1 AS ORIGENS DO PENSAMENTO CARDOSIANO — UMA DIGRESSÃO
Como ação inicial para estudar o pensamento cardosiano sobre a Teoria da
Dependência, será feita, sumariamente, uma apresentação dos aspectos originais mais
importantes desse pensamento. A formação sociológica de Fernando Henrique
Cardoso o leva a analisar todos os aspectos de seus objetos nos mínimos detalhes, com
vistas a formar um corpo de conhecimento rigoroso cientificamente. É interessante
notar que, provavelmente, a maior contribuição para o pensamento de Cardoso se
concentrou na escola paulista de Sociologia, a qual se caracteriza pela grande busca de
rigor nas análises sociológicas, como já se citou anteriormente neste trabalho. Segundo
G
OERTZEL (2002, p. 14): “Ele teve a sorte de freqüentar a Universidade de São Paulo
com um grupo que mais tarde resultaria em alguns dos intelectuais mais brilhantes e
influentes do Brasil”. Desses intelectuais, seu orientador, com certeza, teve forte
influência em sua formação: Florestan Fernandes. Além dos fortes compromissos
políticos, Fernandes “era muito exigente. Exigia um padrão científico aliado à
preocupação com a realidade nacional (…) [e procurava] valorizar as técnicas de
pesquisa e acabar com o sentido ensaístico na Sociologia” (G
OERTZEL, 2002, p. 15).
O treinamento de Cardoso foi extenso e intenso. Intenso no sentido das
leituras envolvidas, nas técnicas de pesquisa que se lhe impunham, bem como na carga
de conhecimento adquirido assim. Extenso porque passou por diversas áreas: “Os
departamentos da Faculdade de Filosofia
34
eram pequenos, e os alunos eram
incentivados a fazer cursos numa ampla gama de áreas. Cardoso, em particular, foi
treinado em Filosofia por Cunha Andrade, em Economia por Paul Hugon, em História
34
Que, então, acabara de se mudar para a rua Maria Antônia (GOERTZEL, 2002, p. 16).
35
Econômica por Alica Canabrava, além de contatos pessoais com Jean-Paul Sartre,
Simone de Beauvoir (quando estes visitaram o campus em Araraquara) e com Alain
Touraine (durante um curso de pós-graduação em Sociologia Industrial na
Universidade de Paris) (G
OERTZEL, 2002, p. 17-18).
Paralelamente ao seu início na carreira acadêmica como professor assistente
de Sociologia, inicia seu doutorado, o qual, entretanto, julgava ter pouco de Marx em
seu currículo. É assim que ele se sentiu propenso a incluir-se no famoso grupo
“Seminário de Marx”, que se reunia quinzenalmente com a finalidade de ler a obra
magna deste autor, O Capital. “O Seminário de Marx alcançou importância quase
mitológica na história intelectual brasileira por causa da enorme produtividade e
influência de seus participantes” (G
OERTZEL, 2002, p. 20-21). Dentre os vários
participantes do Seminário, destacavam-se cientistas das mais diversas áreas, sendo os
mais regulares José A. Giannotti, Fernando Novaes, Paul Singer, Otávio Ianni e o
casal Fernando Henrique e Ruth Cardoso.
Em termos de metodologia, procurava-se enriquecer de fontes até então
ausentes na Universidade. Segundo G
OERTZEL (2002, p. 22):
Marx foi escolhido como o primeiro autor a ser estudado porque suas obras eram
totalmente ignoradas no currículo da universidade e porque os membros do grupo sabiam
que o Partido Comunista havia apresentado sua obra de um modo limitado e distorcido.
Depois de Marx, o foco principal se voltou para John Maynard Keynes. Outros pensadores
marxistas, como Rosa Luxemburgo e Hilferding, foram incluídos por suas contribuições à
teoria marxista do imperialismo. Mais uma vez, os participantes preferiam as rigorosas
obras acadêmicas dos autores a seus tratados políticos.
Por fim, vale notar que o Seminário nunca alcançou a universidade, apesar
de seus participantes manterem regularmente suas atividades acadêmicas. Segundo
G
OERTZEL (2002, p. 24), o grande mérito desse grupo foi “elevar o marxismo (…) de
36
doutrina dogmática de partido a teoria acadêmica importante”; mas sempre com foco
de aplicá-lo ao trabalho empírico e intelectual, e não de desenvolver as teorias
35
.
2.2 O CONCEITO DE DESENVOLVIMENTO NA ANÁLISE DE CARDOSO
O primeiro passo para estudar o pensamento dependentista de Fernando
Henrique Cardoso é detectar qual o conceito de desenvolvimento em que o autor se
baseia. Como ocorre na maioria dos escritos de Cardoso, a definição de
desenvolvimento não é dada direta e claramente em um fôlego só.
Na verdade, deve-se perceber a importância que é dada pelo sociólogo em
relação à análise dos conceitos já existentes, seja para criticar, seja para avaliar a
contribuição que é dada ao seu próprio conceito. Segundo G
OTO (1998, p. 20), “com
freqüência ele [Cardoso] remete à evidência dos fatos e dados reais para acusar a
necessidade de atualizar os conceitos e aplicar corretamente — dialeticamente — os
procedimentos metodológicos à realidade estudada”.
Esse aspecto já se evidencia na obra conjunta com Enzo Faletto,
Dependência e Desenvolvimento na América Latina (C
ARDOSO; FALETTO, 1967), cujo
segundo capítulo faz uma digressão sobre a inadequação dos estudos de
desenvolvimento na América Latina de até então. Essa crítica se inicia já ao fim do
primeiro capítulo: “Falta uma análise integrada que forneça elementos para dar
resposta de forma mais ampla e matizada às questões gerais sobre as possibilidades do
desenvolvimento ou estagnação dos países latino-americanos, e que responda às
perguntas decisivas sobre seu sentido e suas condições políticas e sociais” (C
ARDOSO;
FALETTO
, 1967, p. 15).
Entretanto, segundo C
ARDOSO e FALETTO (1967, p. 16), não basta
35
Isso ficará claro quando for mostrada a maneira como Cardoso critica o mau uso das
teorias marxistas pelos seus “objetos de crítica”. Percebe-se que Cardoso sempre se limita a usar os
métodos de Marx tais como originalmente são, e nunca se propõe a alterá-los, aprofundá-los ou
atualizá-los.
37
acrescentar uma perspectiva sociológica à análise do desenvolvimento: “tal tipo de
análise já foi tentado, mas não deu resposta satisfatória às questões colocadas (…)”.
Também é notável uma crítica à noção “rostowiana”
36
de desenvolvimento por etapas:
(…) a situação de subdesenvolvimento produziu-se historicamente quando a expansão do
capitalismo comercial e depois do capitalismo industrial vinculou a um mesmo mercado
economias que, além de apresentar graus variados de diferenciação do sistema produtivo,
passaram a ocupar posições distintas na estrutura global do sistema capitalista. Desta
forma, entre as economias desenvolvidas e as subdesenvolvidas não existe uma simples
diferença de etapa [grifo nosso] ou de estágio do sistema produtivo, mas também de
função ou posição dentro de uma mesma estrutura econômica internacional de produção e
distribuição (C
ARDOSO; FALETTO, 1967, p. 25-26).
Assim, questiona-se a suficiência das denominações “desenvolvido” e
“subdesenvolvido” para caracterizar etapas de desenvolvimento, e, mais adiante, são
apresentadas sugestões para que se faça uma “análise integrada do desenvolvimento”. A
partir dos conceitos de algumas noções comuns em estudos sobre os países latino-
americanos, mostra-se que as categorias de classificação devem ser independentes, e não
mutuamente exclusivas. No caso, os autores defendem que “dependência” refere-se
especificamente à vinculação entre o sistema econômico (produção e consumo) e o sistema
político (estrutura de poder
37
), internamente ou externamente. Já “subdesenvolvimento”
deve-se referir especificamente ao nível de diferenciação do sistema produtivo, “sem
acentuar as pautas de controle das decisões de produção e consumo”. Os autores reservam à
dicotomia “centro–periferia” a distinção das funções das economias no mercado mundial,
sem enfatizar aspectos sociopolíticos (C
ARDOSO; FALETTO, 1967, p. 27).
Em seus escritos do período considerado por este trabalho, Cardoso não
deixa claro um conceito de desenvolvimento que se possa utilizar como base. Todavia,
36
Walt W. ROSTOW (1959) defendia que todos os países deveriam passar pelas etapas de
desenvolvimento que caracterizaram a Europa Ocidental e os Estados Unidos, a fim de atingir o
estágio avançado de prosperidade capitalista. Para tanto, haveria a fase de arranco, a qual deveria ser a
meta primeira dos países subdesenvolvidos.
37
Incluindo aí alianças que dêem acesso ao poder. Tais alianças são de extrema
importância na análise cardosiana, como se mostrará mais adiante neste trabalho.
38
em artigo recente (CARDOSO, 1995), vemos a defesa de um conceito que pode ser
considerado amplo, no sentido de considerar crescimento apenas uma faceta do
desenvolvimento. Segundo o autor: “Para alguns, o progresso material levaria
espontaneamente à melhoria dos padrões sociais. Para outros, os ‘dependentistas’, a
relação era mais complexa. O jogo político intervinha e, em função das formas pelas
quais se organizava, o crescimento tomaria rumos diferenciados, com efeitos também
diferenciados na estrutura social” (C
ARDOSO, 1995, p. 150).
Mais adiante, prossegue dizendo que, nos próprios países desenvolvidos, o
crescimento puro trouxe dificuldades que impediam, inclusive, a sustentação do
crescimento. Da mesma forma, Governos autoritários, como os da América Latina nas
décadas de 1960 e 1970, provocaram um desencontro muito grande, em termos
distributivos. Assim, “ficou patente que as políticas de desenvolvimento devem ser
estruturadas por valores que não são apenas os da dinâmica econômica” (C
ARDOSO,
1995, p. 150-151).
Assim, para efeito dos estudos de Cardoso, o termo “desenvolvimento”,
como oposição a subdesenvolvimento, ou como sinônimo de “crescimento”, não deve
bastar. Se for adotada a visão dependentista em geral, talvez a melhor compilação das
características buscadas seria a de C
HILCOTE e EDELSTEIN
38
(apud PACKENHAM, 1992,
p. 39-40):
The dependency model does not measure development by per capita GNP or the indices of
modernity. Economic development includes the establishment of economic sovereignty
(which does not imply isolation) and a level of productivity and a pattern of distribution
which adequately provide for the basic (culturally determined) needs of the entire
population, generating a surplus for investment in continued national development. Social
and political aspects of development are less clearly stated, but generally include equality,
the elimination of alienation and the provision of meaningful work, and forms of social,
economic and political organization which enable all members of society to determine the
decisions which affect them.
39
38
CHILCOTE, R.; EDELSTEIN, J. (eds.). Latin America: The Struggle with Dependency
and Beyond. Cambridge (MA): Schenkman, 1974. p. 28.
39
O modelo de dependência não mede o desenvolvimento pelo PNB per capita ou pelos
índices modernos. O desenvolvimento econômico inclui o estabelecimento de soberania econômica (o
que não implica isolamento) e um nível de produtividade e padrão de distribuição que ofereça
adequadamente as necessidades básicas (determinadas culturalmente) de toda a população, gerando
39
Assim, os textos de Cardoso deverão ser aqui analisados tomando por
conceito básico de desenvolvimento este último exposto. Ora, dentre as diversas
possibilidades para a América Latina, a que predominou é o desenvolvimento
dependente-associado. Para compreender o processo subentendido por esse conceito,
cabe conhecer, antes, o papel atribuído por Cardoso aos empresários em termos de
suas relações com as outras classes sociais.
2.3 OS EMPRESÁRIOS NA AMÉRICA LATINA SEGUNDO CARDOSO
À época em que Fernando Henrique Cardoso dirige seus estudos à classe
empresarial, estavam em voga as idéias do ISEB e do PCB. “Por razões diferentes,
ambos coincidiam num ponto: devia haver uma aliança entre os trabalhadores e o
empresariado, sob a hegemonia deste último. O Estado era o eixo que permitiria essa
junção. (…) Fui, então, verificar se essa hipótese era ou não válida” (C
ARDOSO
40
apud
G
OERTZEL, 2002, p. 34).
A análise da contribuição de Cardoso à chamada Teoria da Dependência
deve passar, obrigatoriamente, pela sua contribuição no entendimento do conceito de
empresário. A obra de referência, nesse caso, vem ser Empresário Industrial e
Desenvolvimento Econômico no Brasil (C
ARDOSO, 1964), trabalho em que o sociólogo
procurou estabelecer o processo que levou à formação da classe empresarial no Brasil,
bem como o papel de tal classe no processo de desenvolvimento econômico do País.
Num primeiro momento, é interessante observar que Cardoso adota a visão
schumpeteriana de empresário como sendo aquele que traz desenvolvimento por meio
de inovações, em uma das seguintes formas:
um excedente para investimento no contínuo desenvolvimento nacional. Aspectos sociais e políticos
do desenvolvimento são estabelecidos menos claramente, mas geralmente incluem igualdade,
eliminação da alienação, e a provisão de um trabalho significativo, além de formas de organização
social, econômica e política que dêem a todos os membros da sociedade a possibilidade de determinar
as decisões que os afetam.
40
CARDOSO, F. H.. “Entrevista com Lourenço Dantas Mota”, 1983, p. 11.
40
1) na difusão de um novo bem ou de uma nova qualidade do bem
2) na adoção de um novo método de produção
3) na abertura de novo mercado
4) na conquista de nova fonte de suprimento
5) na execução de uma nova organização de qualquer indústria (C
ARDOSO, 1964, p. 20).
Assim, empreendedor é um conceito restrito, que não se aplica a alguém
arbitrariamente, nem se adquire. É um “tipo especial de pessoas (…) não como quem
descobre ou inventa [grifos do autor] novas possibilidades de combinação econômica,
mas como quem as realiza” (C
ARDOSO, 1964, p. 21).
Apesar da adoção e concordância com tal conceito, Cardoso não deixa de
mostrar limitações de ordem analítica, tanto da parte de Schumpeter como da parte de
alguns de seus estudiosos, citados na obra aqui analisada (dentre outros, Myers e
Harbison, Sombart, e Mannheim). A limitação fica clara quando se tenta aplicar o
conceito de empreendedor ao caso dos países subdesenvolvidos.
A extensão do conceito para esse novo contexto não deve ser feita.
Primeiramente, a industrialização das áreas subdesenvolvidas ocorreu num período
totalmente distinto do período respectivo das economias desenvolvidas. Enquanto
estas iniciaram sua expansão industrial num ambiente concorrencial, aquelas
começaram com um mercado internacional totalmente dominado pelos monopólios e
grandes companhias. Além disso, “o padrão técnico da produção é imposto pela
ciência e pela prática industrial das economias já desenvolvidas” (C
ARDOSO, 1964, p.
41). Em segundo lugar, analisando a situação interna dos países subdesenvolvidos,
percebe-se grande interferência do Estado na economia, inclusive “como agente
empresarial numa escala que torna discutível a expressão ‘economia de livre
empresa’” (C
ARDOSO, 1964, p. 41).
41
Nas páginas seguintes, dedica-se Cardoso a mostrar como análises
disponíveis
41
para o entendimento da industrialização de países subdesenvolvidos são
inadequadas. Basicamente, o problema vem da não-especificação das variáveis-chaves
do processo descrito (o que as torna simples abstração), ou mesmo da não-descrição do
processo em si. Por exemplo, segundo C
ARDOSO (1964, p. 51), Rostow tenta inclusive
mostrar “fatores sociais” como parte do “impulso inicial” para o arranco
42
. Entretanto,
não é mostrada a relação necessária que existe entre esses fatores e a fase de arranco,
de forma que cada fator “pode ser substituído por qualquer outro tipo [grifo do
autor] de motivação” (C
ARDOSO, 1964, p. 53).
Para evitar incorrer no mesmo erro mostrado em seus objetos de crítica,
Cardoso inicia sua análise no caso de uma economia subdesenvolvida
(especificamente, o Brasil) afirmando que é necessário, antes de qualquer coisa, fixar
foco nas mediações entre o “impulso de desenvolvimento” e o “resultado do
desenvolvimento” (C
ARDOSO, 1964, p. 72). A orientação de seu estudo é responder às
seguintes questões:
(…) em primeiro lugar, (…) como no interior de uma sociedade subdesenvolvida (…)
surgiram aspirações, motivos e tipos de ação capazes de dinamizar a sociedade tradicional
(…). Em segundo lugar, é preciso responder às indagações sobre as formas que o processo
de desenvolvimento assumiu, para verificar se as aspirações, motivações e objetivos dos
grupos sociais em movimento coincidiram com o padrão estrutural de desenvolvimento
finalmente alcançado (C
ARDOSO, 1964, p. 72-73).
Em sua exposição, Cardoso não concorda com a consideração da iniciativa
privada como base do desenvolvimento pela industrialização. Segundo esse ponto de
41
Dentre elas, destacam-se Rostow, Harbison e Myers, Kerr et al..
42
“(…) intervalo em que as antigas obstruções e resistências ao desenvolvimento regular
são afinal superadas (…) No decurso do arranco, novas indústrias se expandem rapidamente, dando
lucros dos quais grande parte é reinvestida em novas instalações, e estas novas indústrias, por sua vez,
estimulam (…) uma ulterior expansão de áreas urbanas e de outras insta;ações industriais modernas”
(R
OSTOW, 1959, p. 21).
42
vista, o Estado interviria apenas para completar o processo
43
. Cardoso não concorda
com essa visão, pois o próprio setor industrial brasileiro (o sociólogo menciona
especificamente o paulista) não tinha um plano de ação desenvolvimentista:
(…) a pesquisa que realizamos mostrou (…) que, por um lado, os quadros de referência da
ação empresarial brasileira, mesmo em São Paulo, foram relativamente acanhados até
meados da década de cinqüenta. Não só a indústria concentrou-se nos ramos tradicionais
de tecelagem e alimentação, como as práticas empresariais eram rotineiras e os
empreendedores, com poucas exceções, não chegaram a formular uma política nacional de
industrialização, nem a organizar, portanto, focos e grupos de pressão neste sentido
(C
ARDOSO, 1964, p. 82).
Ora, se a classe burguesa não pôde ser responsável pelo processo de
industrialização nacional; se a classe operária não tinha organização suficiente, nem
força política, para tanto; se os grupos internacionais, a principal fonte de recursos a
partir de meados da década de 1950, só entrariam após estímulos recebidos de dentro
da própria economia; de onde veio o estímulo para a saída do estado de economia
tradicional? “Que grupos sociais, então, pressionaram no sentido de romper a
estagnação anterior?” (C
ARDOSO, 1964, p. 82.)
Essa pressão foi exercida por grupos técnicos, que surgiram ao mesmo tempo
em que a pequena urbanização
44
por que passam as principais cidades do País exigem
qualidades burocráticas e técnicas de seus administradores. É interessante ver como
Cardoso destaca o papel dos intelectuais nesse momento. Defendendo a noção de
nacionalismo, usam o “poder da razão” como justificativa para sua idéia de que “a
vontade coletiva deveria exprimir-se pelo Estado que, acima das classes e orientado
43
Idéia defendida por Hélio Jaguaribe, numa espécie de “correção de Schumpeter pelas
descobertas de Keynes” (C
ARDOSO, 1964, p. 74).
44
Paralela à existência do “setor industrial incipiente e rotineiro[grifo do autor]
(C
ARDOSO, 1964, p. 86).
43
por planos racionais de base técnica [grifo nosso], deveria conduzir o
desenvolvimento econômico” (C
ARDOSO, 1964, p. 88).
Voltando à segunda das questões que se propôs (C
ARDOSO, 1964, p. 72-73),
o sociólogo responde, finalmente, que “as intenções iniciais não coincidiram com os
resultados” (C
ARDOSO, 1964, p. 85). Nesse ponto, conclui o autor que nem os grupos
técnicos, que planejaram a “emancipação econômica”, nem a burguesia, que não
queria que a intervenção estatal continuasse, conseguiram o que desejaram. Este
último caso foi até favorável à burguesia, visto que ela se beneficiou dos resultados da
intervenção estatal nos momentos iniciais do movimento de industrialização
(C
ARDOSO, 1964, p. 85).
Entretanto, os grupos técnicos e a elite intelectual, que defendiam o
desenvolvimento da economia nacional como caminho da emancipação,
decepcionaram-se. Ao fim de seu estudo, C
ARDOSO (1964, p. 171 et seq.) mostra que a
burguesia industrial brasileira se divide em dois tipos básicos (não exclusivos,
todavia). O primeiro se associa ao capital internacional, aceitando a idéia de que
“industrializar o país significa fazê-lo solidário da ‘prosperidade ocidental’ como
sócio-menor”. O segundo acumulou seu próprio capital a partir da lavoura, e
transformou-se no “capitalista nacional”, para quem o Estado é importante instrumento
de defesa do mercado nacional. É interessante ver, entretanto, que a defesa do mercado
nacional só é feita por este segundo tipo quando de seu interesse próprio. No momento
em que se tornam grandes capitalistas, passam a defender o livre mercado e a não-
intervenção do Estado, no sentido de criar barreiras ao capital internacional.
Nessa linha de pensamento, pode-se perceber que Cardoso apresenta
importante relação entre a situação de dependência (por parte dos países
subdesenvolvidos) do capital externo e a própria classe empresarial nacional. É a partir
dessas idéias que as primeiras análises cardosianas sobre a dependência serão levadas
adiante.
44
2.4 A ANÁLISE DE CASOS DE DEPENDÊNCIA
Em seu estudo sobre a classe empresarial brasileira, Cardoso já faz alusão a
um evento que será objeto de sua análise em vários livros e artigos. É interessante ver
que, a todo momento, na obra Empresário Industrial e Desenvolvimento Econômico
no Brasil, o autor se preocupa em mostrar os caminhos da atuação do empresário no
ambiente de um país subdesenvolvido. Sempre procurando fazer uma análise integral
(de todos os fatores: sociais, políticos, além dos econômicos), além de associações a
situações concretas, a extensão de seu estudo sobre a dependência e o
subdesenvolvimento na América Latina vem em sua obra conjunta com Enzo Faletto
(C
ARDOSO; FALETTO, 1967).
Já se discutiu aqui a necessidade, mostrada pelos autores, de um estudo
completo dos aspectos do desenvolvimento, especificamente direcionado à América
Latina. Após a caracterização daquilo que se considera subdesenvolvimento,
dependência e periferia, apresenta-se uma primeira abordagem no sentido que Cardoso
sempre propõe àqueles cujo texto analisa e critica: expor como ocorre o processo de
um estágio para outro. Nesse primeiro passo, Cardoso e Faletto afirmam que as
relações de classes, bem como a estrutura que assume certa sociedade em determinado
estágio é resultado das relações e estruturas que se verificavam no estágio anterior.
Assim, os autores trazem à tona a importância do “enfrentamento”, que dá vida ao
processo mencionado.
O “enfrentamento” que resulta das pressões a favor da modernização é produzido na
atualidade entre as classes populares que tentam impor sua participação, geralmente em
aliança com os novos grupos economicamente dominantes, e o sistema de alianças vigente
entre as classes predominantes na situação anterior (C
ARDOSO; FALETTO, 1967, p. 36).
Após expor os critérios que utilizarão em seu trabalho, Cardoso e Faletto
passam a uma análise que se estende por quatro capítulos, cada um mostrando uma
fase da evolução dos países dependentes: a fase de “expansão para fora” (C
ARDOSO;
45
FALETTO, 1967, p. 39 et seq.), o “momento da transição” (CARDOSO; FALETTO, 1967,
p. 52 et seq.), desenvolvimentismo e “consolidação do mercado interno” (C
ARDOSO;
FALETTO, 1967, p. 91 et seq.) e a “internacionalização do mercado”, marcando a nova
dependência (C
ARDOSO; FALETTO, 1967, p. 114). Apesar de os autores não acharem
que a ordem cronológica seja essencial, a própria seqüência dos eventos sugere tal
ordenação, tendo em vista que as estruturas e dinâmicas das fases em estudo são
determinadas pelas estruturas e dinâmicas das fases respectivamente anteriores. Nas
suas palavras:
Destaca-se assim o fato de que as formas assumidas pelas relações entre o sistema
econômico e o sistema de poder, a partir do período de implantação dos Estados
nacionais independentes [grifo nosso], deram origem a distintas possibilidades de
desenvolvimento e autonomia para os países latino-americanos, conforme suas situações
particulares (C
ARDOSO; FALETTO, 1967, p. 39).
Partindo desse princípio, tem-se a divisão dos países da América Latina em
dois tipos básicos
45
. O primeiro tipo é aquele em que, após a independência, o controle
do setor produtivo ficou nas mãos de um grupo nacional. Assim, caracteriza-se a busca
da consolidação do domínio por uma determinada classe. No plano externo, as
economias hegemônicas ainda demandavam matérias-primas, e mesmo contribuíam
com investimentos em setores complementares. Afirmam C
ARDOSO e FALETTO (1967,
p. 42): “as inversões orientavam-se principalmente para os setores que as economias
locais não estavam em condições de desenvolver; expressão dessa política foi o
sistema de transportes”. Já no plano interno, alianças com as antigas “oligarquias
locais” se faziam necessárias. O problema se via mais política do que economicamente
(C
ARDOSO; FALETTO, 1967, p. 44). Tanto assim que, quando as massas populares
45
Aliás, atitude um tanto quanto notável, visto que, em seu Capítulo I, os autores criticam
exatamente a classificação estática e fixa (C
ARDOSO; FALETTO, 1969, p. 16-18). Por certo, é visível a
tentativa de mostrar aspectos dinâmicos dentro de cada tipo de sociedade apresentado, além das
estruturas e relações de poder entre as classes.
46
começam a fazer pressão por mudanças na “ordem estabelecida”, percebe-se uma
atenuação na oposição entre as oligarquias tradicionais e as modernas.
O segundo tipo em que se pode encaixar uma economia subdesenvolvida
recém-independente é a “economia de enclave”. O enclave, neste caso, pode ser visto
como uma relação direta de controle da economia periférica por parte da economia
central. Nas palavras dos autores: “(…) [a] produção [é] obtida por núcleos de
atividades primárias controladas de forma direta pelo exterior” (C
ARDOSO; FALETTO,
1967, p. 46). As grandes diferenças em relação às economias cuja produção é
controlada internamente estão na origem e destino do capital
46
, bem como nas relações
comerciais, que, no caso do enclave, são totalmente efetuadas no âmbito das
economias centrais (C
ARDOSO; FALETTO, 1967, p. 51).
Essa diferenciação entre dois tipos essenciais permite ver as possibilidades
de evolução das classes, e de seus conflitos, levando em consideração a determinação
recíproca entre estrutura e processo (C
ARDOSO; FALETTO, 1967, p. 23-25): os
processos alteram a estrutura em que estão inseridos, mas só podem ocorrer de acordo
com as características dessa estrutura.
2.4.1 Análise do “Período de Transição” em Cada Tipo de Economia Dependente
No quarto capítulo de sua obra, C
ARDOSO e FALETTO (1967, p. 52 et seq.)
denominam “período de transição” o período em que a diversificação da atividade
exportadora permitiu o surgimento de classes denominadas “médias”. Essas classes
médias (“setores médios”, nos dizeres dos autores) estão ligadas à nova situação de
dominação que é incipiente no período da Grande Depressão: “(…) [são] germes de
uma incipiente burguesia industrial com os correspondentes grupos profissionais de
base técnica, burocracia civil e militar, camadas de empregados etc.” (C
ARDOSO;
46
Nas economias do primeiro tipo, o capital tem origem e destino no interior do país
periférico, enquanto, na economia de enclave, o capital apenas passa, em uma de suas fases
intermediárias, pelo país periférico (C
ARDOSO; FALETTO, 1969, p. 45, 51).
47
FALETTO, 1967, p. 53). A seguir, mostra-se como se favoreceu o surgimento dessas
classes médias.
Para as economias cujo setor exportador era controlado internamente,
analisa-se como as estruturas anteriores à transição determinaram o surgimento de uma
classe dominante burguesa. De acordo com a possibilidade de o setor exportador
manter o controle de todos os interesses, tem-se uma única classe que se destaca como
burguesia dominante, ou, então, tem-se uma aliança entre as várias classes envolvidas
na dominação. Segundo os autores:
Nessa circunstância, apresentaram-se as condições mais favoráveis para que a dominação
interna aparecesse como expressão de uma situação de classe, onde o setor dominante do
sistema exportador constitui-se em burguesia e impõe ao resto da camada dominante sua
ordem peculiar, pondo assim de manifesto a existência de uma “unidade de classe” (…).
(…) a falta de um setor claramente hegemônico dentro da classe dominante conduz a um
pacto tácito entre distintos setores agro-exportadores (C
ARDOSO; FALETTO, 1967, p. 56).
Além das alianças com os próprios setores dominantes, não se deve deixar de
mencionar a necessidade de firmar acordos com as novas classes que surgiam. Com a
diferenciação dos setores exportadores, as indústrias incipientes vêem um mercado
interno a ser satisfeito. A ampliação de tais indústrias acaba gerando uma classe
urbana que amplia a demanda pela própria produção industrial, num processo de
retroalimentação positiva. Essas classes médias logo requisitariam sua inclusão nas
alianças de domínio. “A dinâmica (…) [da formação do setor urbano e da
diferenciação interna] depende da unidade ou diferenciação dos grupos agro-
exportadores e das alianças entre alguns desses grupos com os setores sociais
emergentes” (C
ARDOSO; FALETTO, 1967, p. 61).
Ao detalhar cada caso separadamente (mais especificamente Argentina,
Brasil, Uruguai e Colômbia), Cardoso e Faletto enfatizam a importância do Estado
nesse ponto do processo de transição. As políticas que se impunham para favorecer a
48
evolução das alianças, bem como a inclusão das classes médias emergentes, foram o
diferencial entre os resultados obtidos até o fim da Segunda Guerra Mundial. Nas suas
palavras:
As interpretações aqui formuladas destacam, portanto, as condições políticas que
favoreceram as medidas de fortalecimento do mercado interno e, como é natural, dada a
inspiração metodológica do trabalho, sublinham simultaneamente que, mais que a
diferenciação econômica em si mesma, lograda durante o período de expansão para fora, a
diferenciação social e, correlativamente, o equilíbrio de poder entre os grupos sociais são
os fatores que explicam o tipo de desenvolvimento alcançado nos diversos países
(C
ARDOSO; FALETTO, 1967, p. 72).
Dentro desse entendimento, os sociólogos concluem que a dinâmica das
forças de dominação é que determinou o “curso diferente do desenvolvimento” em
cada país latino-americano. Conforme as alianças e os conflitos entre as classes
ocorriam, um mesmo impulso econômico (no caso, a Crise de 1929) teve efeitos bem
distintos, ainda que a condição dos países fosse a mesma: dependentes das economias
centrais.
Em relação às economias de enclave, a transição toma caminhos totalmente
distintos. Os autores observam que, no caso do enclave, a relação de dependência é
eminentemente política. Tanto que a classe dominante não se vai tornar burguesia
empresarial; apenas será “classe politicamente dominante”. O setor empresarial se
formará com as empresas estrangeiras mesmo, “que estabelecem relações diretamente
econômicas com os setores operários e camponeses” (C
ARDOSO; FALETTO, 1967, p.
75). É interessante notar a menção que se faz ao fato de que não só há conflito entre as
oligarquias dominantes e as massas (aqui predominantemente camponesas), mas entre
as próprias oligarquias, que lutam por maior participação no poder. Em outros casos,
há maior diversificação dos grupos dominados. Aí, as políticas se dirigem a um
“amplo conjunto de alianças”, que vão da simples incorporação como classes aliadas à
tentativa de revolução dos camponeses e operários (C
ARDOSO; FALETTO, 1967, p. 77).
Quanto ao surgimento das classes médias, nas economias de enclave, houve
um processo de conquista por parte da burguesia com objetivos de aproveitar as
49
possibilidades para os setores mercantis e financeiros. Assim, os setores médios se
diferenciam de forma mais complexa, com auxílio expresso do Estado. Segundo os
autores, esse processo “não só é a culminação de uma forma de poder baseada na
fazenda mesma (…), mas que se constitui em uma burocracia que impõe uma
dominação mais complexa, através da qual se ajustam os interesses dos grupos
oligárquicos e dos grupos burgueses (…)” (C
ARDOSO; FALETTO, 1967, p. 77).
Paralelamente, as classes populares viram uma forma de expressão por meio
das classes médias. Na verdade, esses setores populares são aliados úteis aos setores
médios, no sentido de poder de pressão. De acordo com C
ARDOSO e FALETTO (1967,
p. 78), as classes médias procuram por inclusão no sistema por meio do setor de
serviços; caso não consigam essa inclusão, “tratarão de mobilizar os camponeses para
enfrentar o sistema de dominação”.
Um exemplo de como a pressão das massas pode influir no caminho tomado
pelas mudanças é visto na análise feita do caso chileno. Com o enclave ligado
principalmente ao setor minerador, a eclosão da Primeira Grande Guerra traz
vantagem à agricultura. A classe média não tarda em se aliar aos grupos populares
com o objetivo de tomar parte do processo de transição que se inicia. Apesar disso, os
grupos populares querem mais que “simples reivindicações políticas” (C
ARDOSO;
FALETTO, 1967, p. 83): querem mudanças realmente econômicas. O conflito
econômico daí advindo acaba resultando em regimes autoritários, com objetivo de
contenção das massas.
Com a atenuação desses conflitos (e da repressão, portanto), as classes
médias passam a ser totalmente incorporadas. Também se considera a possibilidade de
participação popular. As classes médias, agora com maior acesso ao poder, pretendem
revolucionar a economia, trazendo a indústria, com o auxílio do Governo.
(…) para assegurar-se o poder é necessário criar uma base econômica e o Estado pode ser
o sustentáculo de uma economia industrial administrado pela classe média, e também o
meio de associar-se à burguesia mercantil-financeira [ligada ao enclave], mas já agora não
apenas como força eleitoral senão também como florescente burguesia (C
ARDOSO;
FALETTO, 1967, p. 84).
50
É interessante notar que, no caso das economias de enclave, a utilização do
Estado como meio de sustentação de uma economia voltada ao mercado interno
ocorreu diferentemente em relação aos países de economia exportadora nacional. No
caso dos enclaves, foi necessário, num primeiro momento, derrubar ou abalar a classe
oligárquica, de forma a permitir ao Estado o estabelecimento de um mercado interno.
Nas palavras dos autores, “é requisito prévio, e muito evidente, a derrubada ou pelo
menos o retraimento do setor vinculado à oligarquia e ao enclave, para que seja
possível utilizar o Estado (…) para plasmar os mecanismos de investimento e
acumulação capazes de criar um mercado interno (…)” (C
ARDOSO; FALLETO, 1967, p.
90).
2.4.2 Consolidação do Mercado Interno
Nesta fase, ressaltam os sociólogos o papel importante que teve o Estado,
tanto nas economias que passaram pela fase de transição advindas de um sistema de
controle nacional (por eles exemplificados pelo Brasil e pela Argentina), quanto nas
economias que se originaram de um enclave (como o México e o Chile, analisados
pelos autores). Considerando, ainda, que a industrialização não se deu pela ascensão
de uma “burguesia conquistadora” (C
ARDOSO; FALETTO, 1967, p. 93), mas, sim, por
um sistema de alianças entre as mais diversas classes, a atuação das classes populares
passou a ter importância.
As duas tendências existentes, então, complementam-se mutuamente.
(…) uma, implícita na pressão das massas, expressa-se na orientação “para a participação”
e dá origem a uma tendência ao “distributivismo” social e econômico; a outra (…)
manifesta os interesses dos novos setores dominantes na continuidade da expansão
econômica social, agora orientada para o mercado interno, como continuação do sistema de
dominação (C
ARDOSO; FALETTO, 1967, p. 94).
51
O consenso se atingiu pelo “populismo desenvolvimentista”, cuja eficácia
dependia, entre outras coisas, da disponibilidade de capitais para financiar a
industrialização, bem como da capacidade de o Governo incorporar as massas (de
forma limitada) aos ganhos do processo, sempre argumentando em favor da
conciliação pelo interesse nacional (C
ARDOSO; FALETTO, 1967, p. 94-95).
Logicamente, o maior ou menor papel do Estado no processo foi, por fim, definido
pelas relações estabelecidas com o setor produtivo.
Uma primeira opção seria o conjunto chamado “populismo e economia de
livre empresa”, característico da Argentina (C
ARDOSO; FALETTO, 1967, p. 97 et seq.).
Um Estado que procura apenas redistribuir a renda para os setores produtivos é o
principal ponto desse conjunto, podendo até servir de fonte de financiamento para a
substituição de importações. Os empresários, então, passaram a ter hegemonia, o que
trouxe certo conflito com as massas, que passaram a requerer maior participação no
desenvolvimento
47
. Para não depender mais do acordo firmado com as massas durante
o peronismo, as classes empresariais procuravam suprir seus próprios interesses
econômicos, por meio até mesmo da aliança monopólica internacional (C
ARDOSO;
FALETTO, 1967, p. 101-102). Esse é um aspecto importante na Teoria da Dependência
a ser apresentada mais à frente pelos autores, cujo estudo já tinha sido iniciado por
C
ARDOSO (1964, p. 171 et seq.).
O terceiro caso apresentado pelos autores é o do “Estado
desenvolvimentista” (C
ARDOSO; FALETTO, 1967, p. 108 et seq.), que resultava, de uma
forma ou de outra, da influência das classes populares. São mencionados dois países
como exemplos. Num primeiro momento, houve o México, em que as classes
populares, na busca de participar dos processos de decisão política, acabaram
formando alianças com as classes dominantes. Essas alianças inclusive facilitaram, no
governo de Cárdenas, alguns favorecimentos ao capital estrangeiro, que acabou por
47
CARDOSO e FALETTO (1969, p. 99) mostram a importância do peronismo como meio de
acesso das massas às posições reivindicatórias. Foi um acordo necessário para que se conseguisse o
desenvolvimento procurado. Importante frisar que, nesse período, as massas não representavam perigo
ao monopólio do setor dominante.
52
financiar grande parte dos projetos de industrialização (CARDOSO; FALETTO, 1967, p.
109). O segundo exemplo mencionado pelos autores é o do Chile, em que a situação
criada pelas classes dominadas era de conflito, e não de aliança (C
ARDOSO; FALETTO,
1967, p. 111). Aqui, a burguesia industrial foi incentivada pelo Estado como um
substituto para a classe operária, enquanto grupo de apoio político. Apesar de
tentativas de reprimir protestos populares, no fim acabaram-se tomando políticas
“populistas”, as quais trouxeram tamanha instabilidade, que eliminou o apoio popular
à nova classe de poder. Em ambos os casos, é importante salientar a presença maciça
de empresas estatais como fonte de empregos às classes populares (em busca de
ocupação), bem como meio de acumulação rápida, tão necessária às classes médias
então crescentes.
O caso do Brasil foi o segundo
48
a ser apresentado por CARDOSO e FALETTO
(1967, p. 103 et seq.). Foi o chamado “populismo e desenvolvimento nacional”. O
Estado teve participação ativa no processo de industrialização, inclusive com empresas
estatais, mas o populismo foi uma característica marcante, diferentemente do terceiro
caso já analisado. Tal diferença ocorreu porque, no Brasil, a transição não trouxe uma
nova classe dominante com força suficiente para unificar os setores populares em uma
massa “assalariada”. A nova “situação de poder engloba tanto setores ‘tradicionais-
oligárquicos’ (…) quanto ‘grupos médios’ com acesso ao poder do Estado, e também a
burguesia industrial e comercial urbanas” (C
ARDOSO; FALETTO, 1967, p. 103). As
próprias massas apresentavam diferenças de constituição. Segundo C
ARDOSO e
F
ALETTO (1967, p. 103):
Ao nível da situação de massas, diferencia-se do caso argentino antes descrito porque à
importância do setor operário, necessariamente menor, agrega-se um amplo setor de
massas urbanas não-operárias (massas marginais). A diferença acentua-se mais ainda pela
presença de um extenso setor de massas rurais, que vive uma situação radicalmente distinta
da que corresponde aos setores populares urbanos.
48
Neste trabalho, foi o último devido à importância para a nossa análise em particular.
53
O populismo foi o meio encontrado de vincular as massas urbanas,
mobilizadas pela industrialização, ao esquema de poder, mas com limitações. A
própria estrutura sindical (precária) não incluía todas as massas marginais, como
classes rurais marginais.
A grande participação do Estado no caso brasileiro se explica pela
incapacidade do setor agroimportador da fase anterior em iniciar a industrialização, o
que o desvinculou do processo. A linha de pensamento dominante era de
“nacionalismo econômico” (C
ARDOSO; FALETTO, 1967, p. 104), e o grande problema
foi implantar uma política de desenvolvimento liberal (para a qual inclusive havia
capital suficiente). A classe dominante só viu a vantagem de uma tal política quando
percebeu que as massas populares poderiam ser incluídas, mas com limitações ao seu
acesso ao poder político. Vale lembrar que essas massas populares eram
eminentemente urbanas, pois a inclusão das massas rurais levaria ao colapso do
sistema como um todo (C
ARDOSO; FALETTO, 1967, p. 105-106); eram essas massas
rurais que traziam, pelo seu prejuízo, o benefício dos latifundiários. O populismo
adotado como postura do Estado terminou favorecendo o estatismo e nacionalismo,
sem prejudicar o capital privado na indústria. Quando, entretanto, o capital privado
nacional passou a utilizar o capital de exportação e do capital estrangeiro para dar
continuidade ao caminho escolhido, começou a haver questionamentos sobre a
necessidade da política de desenvolvimento estatal. A massa de trabalhadores
envolvidos na produção do Estado, incluindo a então ascendente classe média, viu-se
salva quando se percebeu a possibilidade de redirecionamento do capital estatal ao
setor de indústria pesada e de infra-estrutura (C
ARDOSO; FALETTO, 1967, p. 106-107).
O que se percebe, até aqui, é uma mudança no modo de dependência dos
países latino-americanos em relação ao exterior. A manutenção da dependência só
ocorreu porque mudou a sua estrutura e processo. Agora, os autores apresentam um
novo caráter, com a internacionalização do mercado.
54
2.4.3 Novo Caráter da Dependência
Seguindo a linha de pensamento dos capítulos anteriores de Dependência e
Desenvolvimento, Cardoso e Faletto iniciam o capítulo final de sua obra tratando
exatamente das novidades que há nas relações de dominação de classes após o período
de industrialização inicial, já na fase de avanços tecnológicos (defasados em relação
aos da Europa, mas avanços para a região). Mais uma vez, descarta-se a possibilidade
de uma análise puramente econômica, pois o estudo deve prosseguir na busca das
relações políticas entre as classes, e do modo como se relacionam essa estrutura de
poder e os vínculos centro-periferia (C
ARDOSO; FALETTO, 1967, p. 114). Os autores,
aqui, concentram-se nos casos da Argentina, do Brasil e do México.
Segundo C
ARDOSO e FALETTO (1967, p. 115), a ampliação da base de
produção industrial interna nas economias latino-americanas estudadas só foi possível
com uma aliança desenvolvimentista entre os antigos grupos dominantes e os atuais.
Os benefícios foram distintos, sendo sua distribuição feita de acordo com a arbitragem
do Estado. As pressões populares acabaram, por isso, canalizadas para a busca do
desenvolvimento nacional. Nessa fase que se estuda agora, as exportações foram
favorecidas pela Segunda Guerra Mundial, sendo importante fonte de financiamento
para o crescimento industrial do período.
A manutenção dos preços de exportação, e às vezes seu aumento — durante a Segunda
Guerra e nos primeiros anos posteriores a ela — permitiram seguir remunerando os setores
exportadores, se não na mesma proporção pelo menos no mesmo nível, e simultaneamente
permitiram financiar a ampliação dos setores urbano-industriais da economia (C
ARDOSO;
FALETTO, 1967, p. 115).
Os fatos posteriores dependeram do país em questão.
A Argentina ainda tinha uma elite agrária como parte do poder constituído.
Isso trouxe um dilema com o fim da época próspera: planos recessivos em prol da
estabilidade, ou recomposição da economia agroexportadora (mais produtiva), para
financiar o moderno setor industrial (C
ARDOSO; FALETTO, 1967, p. 116). Em ambos os
55
casos, as classes populares acabavam prejudicadas, o que acabou sendo pretexto para
intervenção militar, barrando o crescimento e a estabilidade das alianças políticas
49
.
No Brasil, a política vigente (intermediada pelo gen. Dutra) foi de
fortalecimento de setores estratégicos, com capital do Governo, especialmente durante
a crise da Coréia, quando se esperava escassez de equipamentos importados. Com o
explícito favorecimento ao setor de mercado interno, os setores exportadores sempre
se puseram contra o Governo (C
ARDOSO; FALETTO, 1967, p. 117). Na verdade, a
conjuntura externa favorável ao café afastou os produtores da oposição até 1953. Com
o progressivo efeito das taxas de câmbio diferenciais, a aliança por fim se quebra. O
próprio setor financeiro internacional sente a conjuntura desfavorável para essa
commodity, e acaba pressionando contra a política nacionalista interna. As sucessivas
políticas de estabilização causam abalos sobre a parte popular da aliança, mas
Kubitschek consegue trazer de volta a aliança populista-desenvolvimentista, mas com
capital externo (C
ARDOSO; FALETTO, 1967, p. 117).
No México, com a integração do movimento agrário-popular, o
enfrentamento classista foi evitado. A inclusão da elite agrária no grupo de
desenvolvimento tornou possível trazer o capital externo sem as crises políticas que
ocorreram nos outros casos estudados. É interessante ver, todavia, que, em todos os
casos, foram os limites estruturais do próprio processo de industrialização na América
Latina que trouxeram a necessidade do capital externo. Opções alternativas não seriam
viáveis (C
ARDOSO; FALETTO, 1967, p. 120-121).
O capital estrangeiro também via vantagens no processo de substituição de
importações da América Latina, pois passava a ser um destino rentável, além de ser
uma porta a um mercado inicialmente fechado
50
.
49
Não se pode deixar de notar aqui, implícito, o dilema “fascismo ou socialismo” mostrado
por M
ARINI (1968, p. 102).
50
Vale mencionar que o protecionismo caracterizou o processo de substituição de
importações, e que ele privilegiava as indústrias presentes internamente. Porém, no caso do Brasil, isso
não supunha que o capital devesse ter origem nacional.
56
Tais investimentos foram de dois tipos: os que aproveitaram um mercado já existente e
nesse sentido competiam com os setores industriais internos, e freqüentemente os
subordinavam a seus interesses como no caso evidente da relação entre as indústrias
nacionais de automóveis e a indústria de autopeças, e os que se asseguraram mais um
controle virtual de um mercado em expansão (C
ARDOSO; FALETTO, 1967, p. 123).
Devido à atitude de criar empresas, o capital vindo do centro foi bem-vindo,
de início (ainda que mediante a marginalização de alguns setores mais tradicionais).
Todavia, conforme o processo avançou, oposições nasceram nas várias camadas da
sociedade, desde os grupos agora marginais até as populações excluídas no dilema
produtividade versus mão-de-obra desempregada. O sistema se tornava mais complexo
em função disso, e a dinâmica buscava novos padrões e orientações ideológicas
(C
ARDOSO; FALETTO, 1967, p. 124-125).
2.4.4 Dependência e Desenvolvimento
Uma importante fonte de oposição eram aqueles que viam o aprofundamento
da dependência como algo prejudicial ao desenvolvimento das economias latino-
americanas. Cardoso e Faletto argumentam que isso não é necessariamente verdadeiro,
e apresentam uma cadeia de idéias como justificativa. De início, ressaltam que, a partir
do momento em que o país se tornou uma economia industrial periférica, o
investimento passou a dirigir-se às manufaturas (por meio de poucas empresas)
(C
ARDOSO; FALETTO, 1967, p. 125-126). O crescimento econômico latino-americano
não era diretamente ligado ao desenvolvimento do centro, mas o capital daí advindo
tinha importância inegável. O aspecto da dependência que então marcava a região era
diferente dos anteriores: não mais uma dependência política, ou dependência direta da
disposição do mercado externo como única fonte de demanda, mas dependência da
disponibilidade de recursos para importação de capital externo (C
ARDOSO;
FALETTO, 1967, p. 127-128). No fim, a situação sociopolítica pareceu forçar o uso
desses recursos, criando uma vinculação específica e nova entre o crescimento interno
e o setor externo.
57
A “nova dependência” passou a ter características distintas:
a) um elevado grau de diversificação da economia;
b) saída de excedentes relativamente reduzida (para garantir os reinvestimentos,
especialmente no setor de bens de capital);
c) mão-de-obra especializada e desenvolvimento do setor terciário e, portanto, distribuição
relativamente mais equilibrada da renda no setor urbano-industrial;
d) e, como conseqüência, um mercado interno capaz de absorver a produção (C
ARDOSO;
FALETTO, 1967, p. 127).
É enfatizado, ainda, que não é a simples transferência de capital do exterior
para o desenvolvimento interno que caracteriza a dependência, mas também as
relações políticas internacionais e seus reflexos sobre o sistema econômico e social
interno. A absorção de conhecimentos, de técnicas de organização, com a abertura de
mercados, fizeram a América Latina perder muito de sua autonomia (C
ARDOSO;
FALETTO, 1967, p. 129). Assim, quando a economia latino-americana se integrou ao
mercado, houve a aceitação de padrões e normas de consumo e investimento
internacionais. Era visível uma articulação entre o setor público, as empresas
monopolistas internacionais e o setor moderno nacional. As empresas nacionais
passaram a ser consumidoras dos produtos das novas firmas, o que exigiu maior
acumulação (ou seja, redução da parcela dos ganhos destinada às massas). Essa maior
acumulação acaba por ser um fator de exclusão inclusive de firmas que surgiram na
primeira fase da substituição de importações.
As alianças passam a ser mais instáveis. A maneira como elas progridem vai
depender de como se estruturou o Estado no período de consolidação do mercado
interno. De qualquer forma, o “Estado empresário” substitui o “Estado populista”
(C
ARDOSO; FALETTO, 1967, p. 132). No México, onde as classes empresariais e
populares já estão incluídas na estrutura de poder, há certa capacidade de delimitação
das áreas de atuação do capital de cada setor (privado, público e externo). Já no Brasil
e na Argentina, os grupos dominantes dependeram de regimes autoritários para
58
facilitar a reorganização do sistema em seu favor. A situação interna (necessidade de
novas políticas de desenvolvimento) e externa (Guerra Fria) ajudaram a implantar as
mudanças
51
.
Entretanto, as pressões críticas não tardaram a surgir. Segundo C
ARDOSO e
F
ALETTO (1967, p. 135), essas pressões tinham dois focos de incidência: um racional e
moderno, por parte da grande corporação industrial-financeira internacional, e outro
que enfatizava o caráter cada vez excludente do capitalismo (esse último foco tinha
defensores inclusive dentro da própria tecnoburocracia estatal). Também as burguesias
podiam-se colocar contra os “desvios nacionalistas”, especialmente “quando as
políticas impostas pela tecnoburocracia militarizada chocam-se com os mecanismos de
acumulação e expansão capitalista” (C
ARDOSO; FALETTO, 1967, p. 137)
52
.
Apesar das lutas e acordos que havia a partir do enfrentamento entre classes,
as contradições do sistema produtivo baseado nas unidades monopolistas continuaram
presentes. Os problemas a ser enfrentados incluíam a busca de mercados
supranacionais (para superar as dificuldades advindas do consumo restringido),
estabilidade política (sem participação das massas), maior concorrência de capitais
onde ela já existisse por natureza. No fim, é essa organização que determinaria a
duração de um regime autoritário do porte do brasileiro.
A obra de Cardoso e Faletto termina com algumas considerações finais (mas
não conclusivas). Claramente, os autores tentam fazer um apanhado geral daquilo que
tentaram defender ao longo do ensaio. Em primeiro lugar, questionam a validade das
51
Inclusive as classes internas (burguesia nacional, operariado) têm interesses nessa nova
organização estatal. Esses interesses são reflexos das justificativas aceitas da necessidade do
autoritarismo e da tecnocracia como únicos meios de manter o desenvolvimento e a segurança
nacional.
52
É de se destacar que Cardoso e Faletto coloquem a universidade (e, portanto, seus
intelectuais) enquanto instituição fundamental para a disseminação do conhecimento que permite a
modernização da política do país em que se encontra. Segundo os autores, “a Universidade e seus
institutos [são] onde os quadros buscam o conhecimento especializado que lhes dá significado e
importância na nova sociedade” (C
ARDOSO; FALETTO, 1969, p. 137).
59
teorias puras de crescimento econômico, dada a importância de fatores extra-
econômicos, como os processos, estruturas e situações históricas. Portanto, as
categorias de subdesenvolvimento, periferia
53
passam a ser inadequadas diante da
possibilidade de uso do conceito de dependência, bem como sua análise de
desenvolvimento econômico (C
ARDOSO; FALETTO, 1967, p. 139).
Paralelamente, qualquer análise que parta das categorias mostradas no ensaio
deve-se basear em análises concretas, “mostrando como Estado, Classe e Produção se
relacionam” (C
ARDOSO; FALETTO, 1967, p. 140). Com esse fim, estabelece-se a
separação entre economias de enclave e economias com exportações controladas
nacionalmente, procurando eliminar dois extremos de análise que seriam inadequados:
determinação da situação interna puramente como reflexo da situação externa; ou total
independência daquela em relação a esta, com a causalidade determinada
historicamente. Deve ficar claro ao futuro estudioso que os vínculos estruturais
limitam as possibilidades de ação das forças produtivas, bem como as relações entre as
classes. Entretanto, também essas forças e relações determinam mudanças nas
estruturas, fortalecendo ou destruindo tais vínculos.
Um ponto chave para o entendimento da obra (e da posterior produção de
Cardoso, a ser tratada adiante neste trabalho) é a análise da “internacionalização do
mercado interno, expressão que caracteriza a situação que responde a um controle
crescente do sistema econômico das nações dependentes pelas grandes unidades
produtivas monopolísticas internacionais” (C
ARDOSO; FALETTO, 1967, p. 141).
Logicamente, não é a relação de dependência em si a novidade mostrada por eles, mas,
sim, a forma diferente que ela apresenta. Segundo C
ARDOSO e FALETTO (1967, p. 141-
142):
A situação atual de desenvolvimento dependente não só supera a oposição tradicional entre
os termos desenvolvimento e dependência [grifo dos autores], permitindo incrementar o
desenvolvimento e manter, redefinindo-os, os laços de dependência, como se apóia
politicamente em um sistema de alianças distinto daquele que no passado assegurava a
53
Não deixa de ser curioso, entretanto, o uso desses termos pelos autores, em especial
quando se refere à dicotomia centro-periferia.
60
hegemonia externa. (…) [Isso porque] os “interesses externos” radicam cada vez mais no
setor de produção para o mercado interno (…). Por outro lado, a formação de uma
economia industrial na periferia do sistema capitalista internacional minimiza os efeitos da
exploração tipicamente colonialista e busca solidariedades não só nas classes dominantes,
mas no conjunto dos grupos sociais ligados à produção capitalista moderna: assalariados,
técnicos, empresários, burocratas etc..
Todo esse raciocínio acaba levando ao que os dois sociólogos chamaram de
interdependência, como conceito a substituir, num futuro então próximo, o de
dependência. Os interesses de poder e as alianças são como instrumentos para garantia
da dominação de algumas classes sobre as outras, e isso se reflete no plano
internacional, especialmente havendo um “‘mercado aberto’, a impossibilidade de
conquista dos mercados dos países mais desenvolvidos pelas economias dependentes e
a incorporação contínua de novas unidades de capital externo sob a forma de
tecnologia altamente desenvolvida e criada mais em função das necessidades
intrínsecas das economias maduras do que das relativamente atrasadas” (C
ARDOSO;
FALETTO, 1967, p. 142).
2.5 IDEOLOGIA, POLÍTICA E DEPENDÊNCIA
Logo após a primeira publicação de Dependência e Desenvolvimento,
Cardoso se propôs verificar exatamente a adequação de suas idéias num contexto de
análise de Ciência Política. O âmago de seu trabalho, agora, é o estudo da ideologia,
das relações de poder e de como a dependência se estrutura num país, com intenções
de comprovação estatística. O resultado é o livro Política e Desenvolvimento em
Sociedades Dependentes (C
ARDOSO, 1969).
Num primeiro momento, o estudioso se dedica a analisar o conceito de
ideologia e seu papel dentro da formação da Ciência Política. Faz isso compilando
conclusões clássicas de Hegel, Weber e Marx, além de algumas mais contemporâneas
(como R. Dahl, D. Easton, dentre outros). Logo após, procura aplicar essas conclusões
à análise do que convencionou chamar “estruturas ideológicas” dos empresários, como
61
expressão das suas relações sociais e suas experiências sobre o mundo em que vivem
54
(C
ARDOSO, 1969, p. 48).
A partir daí, passa a mostrar que não se deve supor de início a existência de
uma “ideologia da burguesia nacional” (nos casos específicos da América Latina, que
é o foco do estudo de Cardoso) (C
ARDOSO, 1969, p. 49). O processo escolhido pelo
estudioso é verificar se a noção de burguesia nacional (assim como a de burguesia
internacionalizada) é construída:
(…) a partir de análises que teçam a trama das vinculações entre os distintos níveis do todo
social e que ao postular a existência de um grupo social com tais dimensões estruturais e
ideológicas explicitem também as condições de existência desses grupos: “condições
estruturais” e condições de manifestação das orientações ideológicas e das formas de
comportamento político (C
ARDOSO, 1969, p. 51).
No segundo capítulo, Cardoso passa a tratar de como a ideologia aparece
segundo os dois tipos básicos de dependência expostos por ele anteriormente
(C
ARDOSO; FALETTO, 1967). É recordada a importância que tem, nas economias de
enclave, a estrutura de poder, visto que “não existem necessariamente conexões entre o
setor enclave e a economia [grifo do autor] local (isto é, o setor de subsistência ou o
setor agrícola vinculado ao mercado interno), mas sim com a sociedade [grifo do
autor] dependente, por intermédio do sistema de poder, porque dela dependem as
condições das concessões dos enclaves” (C
ARDOSO, 1969, p. 65). Além do mais,
C
ARDOSO (1969, p. 67) mostra que “haverá sempre uma base interna da dominação
externa”, mesmo nos casos em que a economia é controlada por grupos nacionais.
54
Cardoso cita aqui um trabalho seu intermediário da publicação de Empresário Industrial
e Dependência e Desenvolvimento, um artigo intitulado “Hegemonia Burguesa e Independência
Econômica” (C
ARDOSO, 1967). Nesse artigo, Cardoso mostra como a idéia de aliança
desenvolvimentista se revela falha ao ser avaliada em termos de fatos históricos, assim como o
desenvolvimento por meio da burguesia nacional. Já é dado o primeiro passo na análise das relações
entre a burguesia nacional e os grupos estrangeiros, então cada vez mais presentes na economia
nacional.
62
No resto do livro
55
, CARDOSO (1969, p. 77 et seq.) mostra que a dinâmica da
interação entre as estruturas de poder e a dependência é feita, sempre, por meio de
alianças entre a classe então no poder e a classe dominante econômica (quando elas
não coincidem), de forma que haja uma determinação mútua do político pelo
econômico e vice versa. Nas palavras de C
ARDOSO (1969, p. 84-85):
Em qualquer das duas modalidades básicas de dependência — diversamente em cada uma
delas segundo variantes possíveis — a transformação da situação dependerá sempre da
aliança entre forças sociais. A natureza dessa aliança não é irrelevante para a orientação do
processo econômico: a maior ou menor participação do Estado na economia, as variações
nas taxas e formas do investimento (em setores de “consumo” ou produtivos), o tipo de
sistema de controle das decisões sob um padrão mais liberal ou mais corporativo etc.
dependem do tipo de alianças que prevaleça e tudo isso pesa sobre o sistema econômico e
o condiciona. Esse condicionamento se torna mais nítido nos momentos em que a
economia internacional propõe desafios e limitações novas às possibilidades de um
desenvolvimento do tipo “nacional-burguês”. As chances [grifo do autor] de êxito (…)
dependerão em grande parte da capacidade que tiveram os grupos nacionais interessados
em refazer as alianças externas para impor-se internamente de forma politicamente
adequada.
Os estudos posteriores de Cardoso a respeito da dependência e de seus
aspectos sociopolíticos vêm mostrar o nível da importância que foi dada ao tema. O
próximo capítulo desta dissertação tratará desses escritos posteriores, e fará uma
análise de como essas idéias contribuíram ao debate da dialética da dependência.
55
Também vale destacar a análise estatística que Cardoso faz com empresários da
Argentina e do Brasil, com fins de avaliar a dimensão da dependência econômica. Algumas das
variáveis usadas para isso são o controle das ações (totalmente nacional ou não) e os créditos
recebidos do exterior em relação ao total (C
ARDOSO, 1969, p. 173 et seq.). Antes, vale a pena tomar
contato também com a maneira como os próprios empresários vêem as possibilidades que têm de
alianças, e como vêem as alianças efetivamente formadas no contexto das economias dependentes
estudadas (C
ARDOSO, 1969, p. 118 et seq.).
63
3 DEBATE POSTERIOR E A POLÊMICA DA DIALÉTICA DA
DEPENDÊNCIA
3.1 PREÂMBULO
Após a apresentação de idéias na obra de 1967, Cardoso passou a publicar
artigos e dar palestras sobre suas análises. Paralelamente, esses artigos seriam para o
aprimoramento (ou mesmo correção) de alguns pontos dúbios da obra conjunta com
Falleto.
Os principais artigos dentre esses mencionados são “‘Teoria da
Dependência’ ou Análises Concretas de Situações de Dependência?” (C
ARDOSO,
1970), “Imperialismo e Dependência na América Latina” (C
ARDOSO, 1972b) e “A
Dependência Revisitada” (C
ARDOSO, 1972a)
56
. Além desses estudos posteriores, é
importante o debate travado com Rui Mauro Marini, no período de 1973-1978, sobre a
chamada dialética da dependência. A dialética da dependência era uma maneira
encontrada por Marini de explicar como ocorreu o processo de formação das
economias dependentes, mas por um caminho distinto do tomado por Cardoso e
Faletto. Em seu artigo inicial (“Dialética da Dependência”)
57
, MARINI (1973) aponta os
principais eventos que levam da situação colonial e pré-industrial latino-americana à
superexploração do trabalho e, conseqüentemente, ao subimperialismo, e usa esses
conceitos para mostrar seu entendimento sobre a dependência na América Latina.
Em uma réplica publicada na Revista Mexicana de Sociología, Cardoso,
junto de José Serra, escreve “Las Desventuras de la Dialéctica de la Dependencia”
58
56
Esses artigos foram republicados, em português, em obras de compilação posteriores, O
Modelo Político Brasileiro (1972) e As Idéias e Seu Lugar (1980).
57
A publicação do original desse artigo foi em espanhol, pela Ediciones Era.
58
A publicação em português desse artigo foi feita em uma edição da revista Estudos
Cebrap.
64
(SERRA; CARDOSO, 1978). Esse é um ataque frontal à consistência (inclusive do ponto
de vista marxista) e aos métodos de Marini, e levantou uma polêmica grande. Os
aspectos dessa disputa cabíveis ao objetivo deste trabalho serão tratados no item 3.3
deste trabalho.
3.2 COMPLEMENTAÇÕES E ESCLARECIMENTOS DE CARDOSO
Desde o início de Dependência e Desenvolvimento, Cardoso e Faletto já
mencionam a natureza introdutória e superficial da interpretação sociológica dada na
obra
59
. Assim, os estudos posteriores de Cardoso visam a complementar e aprofundar
essa interpretação. Entretanto, a primeira impressão que se tem é de que há a tentativa
de justificar e ratificar idéias já expostas. Ou seja, aparentemente, quase não há
avanços. Uma análise mais cuidadosa pode ajudar a vencer essa visão.
3.2.1 “‘Teoria da Dependência’ ou Análises Concretas de Situações de
Dependência?”
Este artigo
60
, apresentado pouco mais de três anos após o lançamento no
Chile de Dependência e Desenvolvimento na América Latina, C
ARDOSO (1970)
pretende trazer suas justificativas e opiniões para as idéias desenvolvidas sobre a
dependência na América Latina. Segundo o próprio autor:
59
A própria conclusão desse livro traz novamente essa afirmação. Ver CARDOSO; FALETTO
(1969, p. 137).
60
O objetivo deste artigo, já explicitamente mostrado em seu início, é comentar a
comunicação de Francisco Weffort sobre a Teoria da Dependência (WEFFORT, F. C.. Notas sobre a
teoria da dependência: teoria de classe ou ideologia nacional?. 2.º Seminário Latino-americano para
el Desarrollo, FLACSO, nov. 1970, Santiago, Chile), assim denominada já naquela época por outros
autores que não F. H. Cardoso. Em muitos pontos desta parte desta dissertação, os argumentos
apresentados devem ser lidos como réplica a comentários tecidos por Weffort no referido trabalho.
65
O mea culpa a que me refiro não deriva do reconhecimento de um equívoco intelectual
quanto ao ponto de partida, mas decorre de que poderia ter sido previsto o efeito de um
movimento crítico que partia de idéias que roçam a ideologia e que, por isso mesmo,
provavelmente terminaria mergulhado nela (C
ARDOSO, 1970, p. 123).
Isso porque, no fim, a crítica às análises até então feitas sobre o
desenvolvimento econômico na América Latina não se dirige apenas contra “‘a
direita’, mas também contra setores, em geral preponderantes, da esquerda intelectual”
(C
ARDOSO, 1970, p. 124). Tanto um como o outro pensamento socioeconômico-
político tratam dos casos de desenvolvimento de uma maneira abstrata, ou, pelo
menos, vaga. Segundo C
ARDOSO (1970, p. 125):
(…) as análises do processo histórico de constituição da periferia da ordem capitalista
internacional devem explicar a dinâmica da relação entre as classes sociais no nível interno
das nações (…) [e também como] os condicionantes externos, isto é, o modo de produção
capitalista internacional, “o Imperialismo”, o mercado externo etc. (ou seja, tanto os
aspectos econômicos como os políticos do capitalismo), reaparecem inscritos
estruturalmente tanto na articulação da economia, das classes e do Estado com as
economias centrais e com as potências dominantes, como na articulação dessas mesmas
classes e no tipo de organização econômica e política que prevalece no interior de cada
situação de dependência.
Isso indica que todo o tratamento dado por CARDOSO e FALETTO (1967) não
visa somente a criar um novo termo denominador, mas, antes, visa a mostrar que há
um efeito econômico para cada evento político, e vice versa, tanto no plano interno
quanto no plano externo (e também na inter-relação entre esses planos). E isso não se
pode fazer de modo simplista, como pressupõem algumas “determinações gerais e
abstratas”, mas deve-se aceitar “que existe uma ‘história’ — e portanto, uma dinâmica,
própria de cada situação de dependência” (C
ARDOSO, 1970, p. 127).
É nesse ponto que C
ARDOSO (1970, p. 128), virtualmente, nega a existência
de uma “teoria da dependência”
61
. Se se aceita uma teoria do capitalismo, ou de
61
Entre aspas na escrita do próprio Cardoso.
66
classes, então “a dependência, tal como a caracterizamos, não é mais do que a
expressão política, na periferia, do modo de produção capitalista quando este é levado
à expansão internacional”. Esse argumento é importante para entender a intenção de
Cardoso ao desenvolver o conceito de dependência. Não deveria ser um termo
abstrato, ou seja, baseado em noções imprecisas e sem expressão concreta, mas, sim,
um indicador das oposições que passam a existir na relação entre as classes
(internamente) de um país, bem como na relação entre os países, no contexto do
imperialismo. Ao mesmo tempo, pretendeu mostrar a interação entre essas
contradições: “a contradição entre as classes, nos países dependentes, passa [grifo do
autor] por uma contradição nacional e se insere no contexto mais geral de uma
contradição de classes no plano internacional e pelas contradições que derivam da
existência de Estados nacionais” (C
ARDOSO, 1970, p. 130).
Na seqüência, Cardoso mostra que o ensaio conjunto com Faletto não
procurara eliminar os conceitos de nação e Estado-nação, visto que eles constituem a
“perspectiva de análise”. Da mesma forma, não procura substituir a teoria do
imperialismo pela “teoria da dependência”, mas, sim, mostrar como os efeitos de uma
expansão capitalista aparecem no contexto dos países submetidos ao imperialismo
(C
ARDOSO, 1970, p. 132-133)
62
. Indo mais além, a assim chamada “teoria da
dependência” não é algo estritamente ligado ao imperialismo. C
ARDOSO (1970, p.
135-137) faz questão de lembrar que, em sua obra conjunta (C
ARDOSO; FALETTO,
1967), a dependência já existia num estágio “anterior [grifo do autor] ao
desenvolvimento do imperialismo monopolista exportador de capitais”, inclusive
citando Lênin para tanto. O autor russo menciona a característica dominante do “velho
capitalismo” como sendo a exportação de mercadorias pelos países mais
62
Deste ponto do artigo em diante, Cardoso passa a citar LÊNIN (1946 — ver nota 63 deste
trabalho) como referência constante aos casos de imperialismo, inclusive mostrando as indicações do
estudioso russo à dependência (C
ARDOSO, 1970, p. 133-136). Vale lembrar, como fizera CARDOSO
(1970, p. 133), que Lênin não poderia ter feito uma análise política mais detalhada, como o necessário,
devido à própria censura tzarista.
67
desenvolvidos, em oposição à exportação de capitais pelos mesmos países,
predominante no “capitalismo moderno” (L
ÊNIN
63
apud CARDOSO, 1970, p. 136). Mas
a análise de Lênin se mostra limitada para os anos mais recentes. Segundo C
ARDOSO
(1970, p. 138), passa a ser necessária nova caracterização quanto às “alianças políticas,
a estrutura de classes, as contradições particulares e sua exacerbação”. E seu primeiro
passo, modestamente dado
64
, foi trazer alguns casos concretos de dependência para
análise. O aprofundamento desses estudos, sim, poderia trazer algo mais de teoria
elaborada ou prática viável (C
ARDOSO, 1970, p. 139).
3.2.2 “Imperialismo e Dependência na América Latina”
Na verdade, esse artigo agora analisado é um conjunto de notas que serviria
para introduzir algumas comunicações sobre o imperialismo em fev. 1972. Todavia, a
maneira como trata os diversos temas aqui registrados não deixa de ser interessante,
especialmente no que concerne à concisão de tratamento — proposital, tendo em vista
a finalidade de desenvolvimento oral posterior dessas notas (C
ARDOSO, 1972b, p.
186).
De início, C
ARDOSO (1972b, p. 186-189) trata sobre a importância da análise
leninista do imperialismo do século XIX. São citadas as congruências entre a teoria de
Lênin e as de Cardoso, como a necessidade de levar em consideração fatores políticos
e históricos relacionados aos eventos econômicos estudados, a consideração do
imperialismo como a fase mais avançada do capitalismo monopólico, a tendência à
concentração do capital e da produção, bem como a conseqüente emergência do setor
bancário como um dos mais importantes do processo. Daí à necessidade de expansão
para outros mercados é um salto (C
ARDOSO, 1972b, p. 188), o que acaba trazendo a
63
LÊNIN, V. I.. El Imperialismo: Fase Superior del Capitalismo. Buenos Aires: Lautaro,
1946. p. 81-82. A primeira publicação dessa obra foi em 19XX.
64
Essa modéstia é indicada no segundo parágrafo em CARDOSO (1970, p. 139).
68
busca por “controle político de áreas coloniais”. CARDOSO (1972b, p. 187) não deixa
de mencionar as importantes ações das diversas classes que querem ter papel mais
ativo dentro do sistema econômico que surge.
A concentração da exploração de matérias-primas nas economias
dependentes levava à tendência clara à produção direcionada à agricultura e
mineração. Isso, ao mesmo tempo, acabava prejudicando as economias dependentes,
em favor das desenvolvidas
65
. Mais uma vez falando das diferenças entre os países
com produção local de propriedade local e com propriedade no exterior (as economias
de enclave de Dependência e Desenvolvimento), C
ARDOSO (1972b, p. 191) expõe que:
[Em qualquer caso,] o esquema básico de Lênine permaneceu válido: o mercado interno
dos países latino-americanos cresceu de modo limitado durante o primeiro período da
referida expansão [de capital]; o setor industrial não se expandiu de modo significativo; a
dependência financeira externa cresceu enormemente; a produção de matéria-prima,
incluindo produtos alimentícios, constituiu a base das economias de exportação.
Revistas (de maneira bem sucinta, como já explicado pela natureza das notas
aqui analisadas) as teses leninistas, C
ARDOSO (1972b, p. 192-194) passa a mostrar a
necessidade de reavaliar a adequação dessas teses. Isso especialmente no que concerne
às relações que guardam os conglomerados multinacionais com o resto do sistema,
bem como à perda do controle bancário sobre a indústria. Também mudanças
importantes nas relações entre as classes, enfatizadas pela “expansão militarista e o
reforço com controle militar sobre a sociedade, através de uma economia de guerra,
como o meio básico de realização do capital” são analisadas por C
ARDOSO (1972b, p.
193) como pontos resultantes da revisão de teorias por parte de autores marxistas.
As “novas formas de dependência” (C
ARDOSO, 1972b, p. 194) agora levam o
65
O mercado interno das primeiras não tinha importância, enquanto a classe trabalhadora
das últimas era mais explorada pelo desenvolvimento tecnológico da indústria — mais-valia relativa
(C
ARDOSO, 1972b, p. 189-190). Vale citar a menção, aqui, por CARDOSO (1972b, p. 190), do termo
“superexploração do trabalho”, a ser criticamente analisado durante a polêmica da dialética da
dependência, como mostrado no item 3.3 desta dissertação.
69
capital da exploração do setor primário ao setor industrial. É clara a refutação das teses
estagnacionistas
66
, e a defesa da possibilidade de desenvolvimento econômico
capitalista dependente (C
ARDOSO, 1972b, p. 195, 201). Entretanto, esse
desenvolvimento era desigual devido à heterogeneidade estrutural, retomando aqui
o termo usado por Aníbal P
INTO (1970 in BIELSCHOWSKY, 2000a, p. 569 et seq.) —,
sendo concentrada a atenção ao mercado interno de classe média e alta (os capitais
estrangeiros que aqui adentravam se destinavam à produção para essas classes). Antes,
a dependência era quanto à obtenção dos bens de consumo dessas classes. A natureza
da dependência, agora, passa a ser tecnológica. A própria expansão da economia
dependente (dirigida à produção desse consumo interno) passa a ter certa autonomia,
mas sempre submetida ao que se passa nas economias centrais em termos de
tecnologia
67
.
Com a redução da participação do comércio como fonte de dependência,
C
ARDOSO (1972b, p. 199) atenta para o fato de que isso não significa elimina a
existência de um imperialismo. Ao contrário, a manutenção deste é feita por meio de
empréstimos e ajudas, pelo fornecimento de capital. As mudanças políticas resultantes
desse processo são claras.
A classe média surge como grande beneficiária interna (C
ARDOSO, 1972b, p.
200). Além disso, a chamada “burguesia nacional” não deixa de ter seus ganhos em
seus acordos com os conglomerados internacionais. Isso leva C
ARDOSO (1972b, p.
202-203) a concluir pela necessidade da mobilização popular quando se procura
alguma resistência contra a penetração externa. Nas suas palavras:
Não é realista esperar que a burguesia nacional lidere a resistência contra a penetração
externa. Conseqüentemente, a crítica da perspectiva da dependência não poderá estar
66
Ver item 1.5 deste trabalho.
67
CARDOSO (1972b, p. 198) cita a existência, inclusive, de joint ventures entre empresários
locais da América Latina e as grande corporações dos países centrais.
70
baseada nos valores associados ao nacionalismo burguês. Integridade nacional, como foi
dito acima, significa primariamente integração popular da Nação e a necessidade de luta
contra a forma específica de desenvolvimento promovida pelas grandes corporações
(C
ARDOSO, 1972b, p. 203).
Em relação a aspectos metodológicos da Teoria da Dependência, o próximo
item analisa o artigo mais característico.
3.2.3 “A Dependência Revisitada”
Já este artigo tem um objetivo mais dirigido ao acerto de contas com
questões metodológicas da Teoria da Dependência. Escrito alguns meses após
“Imperialismo e Dependência na América Latina”, pretende “dar ênfase apenas a
alguns problemas teóricos relacionados com os estudos sobre dependência”
(C
ARDOSO, 1972a, p. 81).
Após iniciar com uma breve exposição sobre as várias situações em que o
conceito de dependência já fora tomado enquanto tema de estudo (desde Lênin, no
início do século XX, até análises marxistas extremamente esquemáticas, “que
explicam tudo pela dependência externa [grifo do autor]”), C
ARDOSO (1972a, p. 83-
84) procura estabelecer qual é a grande questão que envolve a análise dependentista de
então
68
:
Por que, sendo óbvio que a economia capitalista tende à internacionalização crescente, que
a sociedade se divide em classes antagônicas e que existe uma relação entre o particular e o
geral, com estas premissas não se vai além da caracterização parcial e portanto abstrata, no
sentido marxista, da situação sócio-econômica do processo histórico latino-americano.
68
É interessante que Cardoso critique, inclusive, as corruptelas à sua defesa principal em
suas obras sobre o tema da dependência, qual seja, a afirmação de que “o motor da história é a luta de
classes”, e de que a perspectiva classista é a melhor para análise. Segundo o sociólogo, “essas
afirmações são lugares-comuns, com as virtudes e limitações do óbvio” (C
ARDOSO, 1972a, p. 83).
71
Assim, Cardoso passa a buscar na história as bases metodológicas da Teoria
da Dependência, para, paralelamente, encaixar seus próprios entendimentos sobre os
temas concernentes.
Desde o início, C
ARDOSO (1972a, p. 85-86) já mostra a crítica aos ideais
nacional-desenvolvimentistas, inclusive do ISEB, mesmo tendo, de início, concordado
com alguns de seus preceitos. Nas suas palavras:
As primeiras formulações gerais que tentei fazer de crítica à sociologia do
desenvolvimento e de crítica política ao populismo e ao desenvolvimento nacional-burguês
nasceram bem rente à ideologia que os sustentava. Se bem estivesse contra as posições
intelectuais inspiradas pelo ISEB (e isso não fazia mais do que acompanhar a tendência
acadêmica predominante nas secções de ciências humanas e filosofia da Universidade de
São Paulo e especialmente o “círculo do seminário de Marx” então em funcionamento),
acreditava que a luta antiimperialista poderia levar à reorganização da economia e da
política nacionais [grifo nosso] (C
ARDOSO, 1972a, p. 86).
A análise de Cardoso, então, passa por mudanças, a partir de sua própria
percepção de que “parte ponderável do empresariado nacional conspirava claramente
com grupos estrangeiros” (C
ARDOSO, 1972a, p. 87), o que por si só seria um forte
golpe na crença expressa na citação anterior. Daí vem a preocupação com a análise de
classes e suas relações. Numa visão marxista, C
ARDOSO (1972a, p. 88) busca o
concreto como fonte de análise e, ao mesmo tempo, seu destino
69
:
A busca do concreto, no caso, significa a constituição das categorias que permitam
entender como [grifo do autor] se estruturam estas relações, entendendo-se por este como
[grifo do autor] tanto a explicação dos padrões que as regem quanto o processo pelo qual
as relações e os padrões estruturais se constituem e se transformam na prática social real.
69
E Cardoso já espera os críticos que indicarão que o ponto de partida é muito distinto do
ponto de chegada, ao que ele já responde: “Pobres ‘dialetas’ que se assustam com a dialética! Porque
pensam que os conceitos são ‘verdades imutáveis’, essências sempre presentes no vazio da falta de
imaginação, não percebem que os conceitos têm um movimento, uma história e um alcance teórico-
prático limitado” (C
ARDOSO, 1972a, p. 94).
72
A análise da “nova situação de dependência” (CARDOSO, 1972a, p. 90) é
cada vez mais enriquecida com tentativas de “falsificabilidade política” (C
ARDOSO,
1972a, p. 89), ou com o acréscimo de casos particulares que exemplifiquem e
comprovem os paradigmas da dependência. Esses casos particulares visam não à
formulação de uma teoria via processo indutivo (o que não passaria de empirismo
totalmente avesso ao pensamento de Cardoso
70
), mas uma visão da concretude que
qualquer teoria baseada no marxismo deve buscar (e da qual deve partir)
71
(CARDOSO,
1972a, p. 91).
Dentro ainda dessa visão de busca da concretude, C
ARDOSO (1972a, p. 92-
95) trata de como se devem analisar as diferenças entre as unidades de estudo. Por
exemplo, o conceito de dependência é um conceito (dentro daquilo que aqui se estuda)
que sintetiza um pensamento, “reproduz um modo de articulação deixando ver a
tecitura pela qual a diversidade de relações se hierarquiza e se unifica em um conjunto
estrutural determinado”, o que indica que não é “uma ‘categoria geral’ que dissolve as
diferenças entre as várias ‘partes’ que compõem uma situação de dependência”
(CA
RDOSO, 1972a, p. 93, 92).
O próximo passo é indicar como proceder à análise histórico-estrutural, a
qual “não significa conceber a interpretação científica em termos de que o antecedente
cronológico ‘explica’ o conseqüente” (C
ARDOSO, 1972a, p. 97). Num primeiro
momento, deve-se reconhecer a influência mútua que existe entre estrutura e história.
Logo após, cabe lembrar que a história só faz sentido se estudada como conseqüência
dos conflitos que há nas relações e modos de produção (C
ARDOSO, 1972a, p. 96-98
passim). Desse modo, inclusive os “cortes no tempo” devem ser cortes entre
estruturas, que clareiem uma “relação articulada” entre um período e outro,
70
“É inadequada a interpretação da ‘análise concreta’ das situações de dependência em
termos de ‘análises empíricas’ nas quais o conhecimento das partes (…) gera, por indução, a síntese
‘concreta’” (C
ARDOSO, 1972a, p. 92).
71
E “a fonte metodológica [da corrente de pensamento dependentista] é a dialética
marxista” (C
ARDOSO, 1972a, p. 91).
73
enfatizando o processo e as mudanças das relações (CARDOSO, 1972a, p. 98). A
própria definição do status teórico do conceito de dependência está condicionada à
correta periodização do desenvolvimento das economias dependentes, a qual deve
tratar, em primeira instância, dos conflitos de classe e do crescimento do capitalismo
no interior da economia dependente e, numa segunda instância, do desenvolvimento
do capitalismo internacional (C
ARDOSO, 1970, p. 129). O que o sociólogo conclui é
que, por fim, desde que “limitado e subordinado à teoria marxista do socialismo”, há a
possibilidade de se tratar de uma “Teoria da Dependência”, sem problemas de
conceituação teórica, e como “complemento da teoria do imperialismo” (C
ARDOSO,
1972a, p. 100-102).
É nesse ponto que, mais uma vez, é mencionada a necessidade de se
recolocar a teoria do imperialismo com nova face, em que cresce, nas economias
periféricas, o papel do consumo interno, bem como a circulação de moeda estrangeira,
seja na forma de créditos para expansão da indústria, seja na forma de hot money
(C
ARDOSO, 1972a, p. 105). Neste momento, CARDOSO afirma que, por fim, a
dependência não é contraditória com o desenvolvimento do capitalismo nas economias
periféricas, dentro de certo entendimento do desenvolvimento
72
. Nas suas palavras:
O novo caráter da dependência (…) não colide com o desenvolvimento econômico das
economias dependentes. Por certo, quando se pensa que o desenvolvimento capitalista
supõe redistribuição de renda, homogeneidade regional, harmonia e equilíbrio entre os
vários ramos produtivos, a idéia de que está ocorrendo um processo real de
desenvolvimento econômico na periferia dependente (…) parece absurda. Mas não é esse o
entendimento marxista sobre o que seja desenvolvimento [grifo nosso] (ou acumulação)
capitalista. Esta é contraditória, espoliativa e geradora de desigualdades. Nestes termos,
não vejo como recusar o fato de que a economia brasileira ou a mexicana estejam
desenvolvendo-se capitalisticamente (C
ARDOSO, 1972a, p. 106).
72
Destaque-se a diferença gritante entre o conceito de desenvolvimento dado no item 2.2
desta dissertação e o que nesta citação de adota. Entretanto, é certo que isso não vá afetar o entender
das idéias cardosianas sobre desenvolvimento, visto que uma caracterização como a que aqui se
apresenta só aparece nesta ocasião.
74
Por fim, cabe destacar que até mesmo o processo de endividamento é tido
por C
ARDOSO (1972a, p. 112) como necessário para sustentar a importação de
tecnologia e, portanto, para compor o processo de desenvolvimento das economias
dependentes. Claramente, a dependência se aprofunda dessa forma, pois só se
consegue a tecnologia fornecida pelos países centrais com o capital fornecido por
essas economias. Dessa forma, dependência e desenvolvimento “são processos
contraditórios e correlatos, que se reproduzem, modificam-se e se ampliam
incessantemente, sempre e quando inexistam processos políticos que lhes dêem fim”
(C
ARDOSO, 1972a, p. 112).
Essas observações finais se deram após uma caracterização de um estudo
realizado por Marini, sendo que essa análise crítica da dialética do desenvolvimento é
tratada no próximo item deste trabalho.
3.3 A POLÊMICA DA DIALÉTICA DA DEPENDÊNCIA
3.3.1 “Dialética da Dependência”
Uma continuação dos estudos de Rui M. Marini sobre a superexploração do
trabalho nos países latino-americanos
73
deu origem ao artigo “Dialéctica de la
Dependencia” (M
ARINI, 1973). Neste texto, o autor apresenta argumentos que
procuram retomar o marxismo com o objetivo de esclarecer distinções que devem ser
observadas quando do tratamento da dependência na América Latina (M
ARINI, 1973,
p. 105-107).
Primeiramente, o autor cuida de caracterizar como a situação de dependência
aparece já desde o fim do período colonial que caracterizou a política latino-americana
até o século XIX. Mas, para M
ARINI (1973, p. 108), o que ocorre é uma simples troca
de metrópoles, quando “os novos países se articulariam diretamente com a metrópole
73
Estudos esses já analisados no capítulo 1 desta dissertação.
75
inglesa e, em função dos requerimentos desta, passarão a produzir e a exportar bens
primários, em troca de manufaturas de consumo e — quando a exportação supera suas
importações — de dívidas”. A partir daí, no ver de Marini, já se configura uma
situação de dependência, “entendida como uma relação de subordinação entre nações
politicamente independentes, em cujo âmbito as relações de produção das nações
subordinadas são modificadas ou recriadas para assegurar a reprodução ampliada da
dependência” (M
ARINI, 1973, p. 109).
O primeiro passo para entender a apresentação de Marini
vem ser o
entendimento de como a América Latina contribuiu para a reprodução da exploração
da mais-valia pelos países centrais. Na verdade, M
ARINI (1973, p. 113-117) faz uma
digressão sobre como o fornecimento de alimentos em maior quantidade pode auxiliar
a reduzir o valor da mão-de-obra nas economias centrais, o que permite uma maior
exploração
74
. Assim, o incentivo à indústria alimentícia e de matérias-primas, que visa
ao aumento de oferta desses bens nas economias desenvolvidas, acaba por diminuir o
valor do capital constante (nos dizeres marxistas), contribuindo para a manutenção da
taxa de mais-valia. Nas suas palavras, “a mais-valia relativa está ligada
indissoluvelmente, então, à desvalorização dos bens-salário, para o que concorre em
geral, mas não forçosamente, a produtividade do trabalho” (M
ARINI, 1973, p. 115).
Logo a seguir, M
ARINI (1973, p. 118 et seq.) mostra como as economias
periféricas passam a ter uma situação de exploradas diante das centrais. E mostra que é
a estrutura fraca que favoreceu os abusos, e não os abusos que trouxeram a fraqueza.
Portanto, é mediante o mercado consumidor dos países desenvolvidos, que usam
inclusive a força militar para impor seus desígnios, que os países dependentes têm sua
economia voltada ao aprofundamento da dependência. Cada vez mais se tornam
subordinadas ao mercado de trocas desiguais. Essas trocas desiguais acabam por forçar
74
MARINI (1973, p. 114) define o grau de exploração dentro dos conceitos marxistas como
sendo “a relação entre o tempo de trabalho excedente (em que o operário produz mais-valia) e o tempo
de trabalho necessário (em que o operário reproduz o valor de sua força de trabalho, isto é, o
eqüivalente de seu salário)”.
76
o capitalista da economia dependente a buscar outros meios de conseguir a
acumulação de que precisa para multiplicar seus meios de ganho. O caminho
encontrado foi ampliar a exploração, pelo aumento de sua intensidade, seja pelo
alongamento da jornada de trabalho. Ou seja, há uma “superexploração do trabalho”
(M
ARINI, 1973, p. 123). Segundo o autor, há razões próprias da região para isso, pois
é:
(…) um modo de produção fundado exclusivamente na maior exploração do trabalhador e
não no desenvolvimento de sua capacidade produtiva. Isto é congruente com o baixo nível
de desenvolvimento das forças produtivas na economia latino-americana, mas também com
os tipos de atividade que se realizam nela (…), sendo possível, pela simples ação do
homem sobre a natureza, incrementar a riqueza produzida sem um capital adicional.
Compreende-se que nestas circunstâncias a atividade produtiva se baseia sobretudo no uso
extensivo e intensivo da força de trabalho (M
ARINI, 1973, p. 125).
Essa superexploração, no fim, é favorecida pela “separação dos dois
momentos fundamentais do ciclo do capital — a produção e a circulação de
mercadorias” (M
ARINI, 1973, p. 132). É essa separação que diferencia o tratamento da
economia latino-americana dado ao seu trabalhador do tratamento das economias
desenvolvidas. Nestas últimas, segundo M
ARINI (1973, p. 133), o trabalhador é parte
do mercado consumidor dos produtos manufaturados. Isso faz com que esse consumo
se torne uma parcela de reposição de capital, em vez de consumo improdutivo, como
se consideraria de outro ponto de vista. Logo, manter o bem-estar do trabalhador, para
que ele continue consumindo as mercadorias produzidas passa a ser necessário nas
economias desenvolvidas. Já nas economias dependentes, o mercado consumidor se
concentra no exterior. Isso significa que toda a parcela dirigida pelos industriais aos
seus trabalhadores será consumo improdutivo (visto que poucos deles têm condições
de consumir com constância os bens que eles próprios produzem). Ou seja, é
indiferente ao mercado consumidor do capitalista reduzir a parcela dirigida ao
trabalho. Assim, fica favorecida a superexploração toda vez que houver excesso de
mão-de-obra, o que não é raro na economia latino-americana. Nos dizeres de M
ARINI
77
(1973, p. 134):
A tendência natural do sistema será a de explorar ao máximo a força de trabalho do
operário, sem preocupar-se em criar as condições para que este a reponha, sempre que seja
possível substituí-lo mediante a incorporação de novos braços ao processo produtivo. O
dramático para a população trabalhadora da América Latina é que este suposto se cumpriu
amplamente: a existência de reservas de mão-de-obra indígena (como no México) ou os
fluxos migratórios derivados do deslocamento de mão-de-obra européia, provocado pelo
progresso tecnológico (como na América do Sul), permitiram aumentar constantemente a
massa trabalhadora [até princípios do século XX].
Essa concentração da renda no setor não produtivo da sociedade (classe alta)
acabou interferindo também nas decisões de investimento e direcionamento da
acumulação engendrada pela mais-valia. Enquanto, nas economias desenvolvidas, a
acumulação gera sua própria demanda (observando que o consumo do trabalhador aqui
é parte dessa acumulação), na América Latina há o contrário: a separação da produção
e da circulação acaba por determinar um direcionamento da produção ao setor de bens
de consumo suntuário, que é aquele que a classe detentora da maior parte da renda vai
demandar (M
ARINI, 1973, p. 138-141). Quando se torna necessário dirigir parte da
oferta ao mercado consumidor operário, há duas opções, segundo M
ARINI (1973, p.
143): “a ampliação do consumo das camadas médias, que se gera a partir da mais-valia
não acumulada e o esforço para aumentar a produtividade do trabalhador, condição
sine qua non para baratear as mercadorias”.
Esse aumento da produtividade ocorreu por um caminho que, sem surpresa,
aumentou a situação de dependência dos países latino-americanos: a importação de
capital dirigido à indústria, especialmente na forma de tecnologia.
No momento em que as economias industriais dependentes vão buscar no exterior o
instrumento tecnológico que lhes permitiria acelerar seu crescimento, incrementando a
produtividade do trabalho, é também aquele em que, a partir dos países centrais, têm
origem importantes fluxos de capital para elas, fluxos que lhes trazem a tecnologia
requerida (M
ARINI, 1973, p. 146).
78
Como o trabalhador acaba recebendo abaixo daquilo que produz (visto que
seu salário não se amplia na proporção do aumento de sua produtividade quando da
introdução da nova tecnologia), há uma compressão da sua capacidade de consumo.
Ou seja, “fecha-se qualquer possibilidade de estímulo ao investimento tecnológico no
setor de produção destinado a atender ao consumo popular. (…) enquanto as indústrias
de bens suntuários crescem a taxas elevadas, as indústrias orientadas para o consumo
de massas (…) tendem à estagnação e inclusive à regressão” (M
ARINI, 1973, p. 148).
É segundo essa visão que Marini coloca a situação da América Latina quanto
à dependência econômica. Perceba-se que fica clara a impossibilidade de um
desenvolvimento concomitante, que inclua as classes homogeneamente. É exatamente
desse ponto que surge a controvérsia com Fernando Henrique Cardoso, a qual ficará
patente na réplica a ser apresentada em linhas gerais, a seguir.
3.3.2 “As Desventuras da Dialética da Dependência”
Este artigo (S
ERRA; CARDOSO, 1978) vem como uma réplica e, ao mesmo
tempo, crítica aos aspectos defendidos por Marini em seu artigo de 1973
75
. Nos
dizeres dos autores: “Ojalá podamos en este artículo, si no proponer alternativas (lo
que sería pedir mucho), por lo menos poner obstáculos que cierren las falsas
salidas
76
” (SERRA; CARDOSO, 1978, p. 10). Desde o início, os autores buscam mostrar
os equívocos de Marini, e que a refutação será incisiva. Por exemplo, leia-se: “Queda
claro, desde ya, que la destrucción eventual de algunos o incluso de todos los
principales supuestos de las teorías de Marini no implica (…)
77
” (SERRA; CARDOSO,
1978, p. 11).
75
Vale lembrar, mais uma vez, que a publicação original de “Dialéctica de la
Dependencia” foi feita como livro, pela Ediciones Era, México.
76
Tomara que possamos, neste artigo, se não propor alternativas (o que seria pedir
demais), ao menos opor obstáculos que fechem as falsas saídas.
77
Fique claro, desde já, que a destruição eventual de alguns principais, ou mesmo de todos,
pressupostos de Marini não implica (…).
79
Logo de início, coloca-se a origem dos estudos da dependência como uma
crítica às teorias da revolução nacional-democrática (S
ERRA; CARDOSO, 1978, p. 13).
Os autores enfatizam que nem todos os opositores, todavia, dirigiram-se à dependência
como elemento de explicação, senão alguns defendiam o socialismo como única
alternativa (como T. dos Santos), enquanto outros defendiam o estancamento como
característica estrutural da própria América Latina (como H. Jaguaribe) (S
ERRA;
CARDOSO, 1978, p. 14-15). Daí se coloca o pensamento da CEPAL como a linha mais
conhecida, desde então
78
.
A descrição do pensamento da CEPAL é importante, pois uma parte dela que
Marini poderia ter aproveitado e não o fez é exatamente a parte que reflete o conflito
de classes presente (a contraposição das reações das classes trabalhadoras diante de
uma redução de salários no centro e na periferia
79
). Em vez disso, segundo SERRA e
C
ARDOSO (1978, p. 20), Marini acaba por confundir a teoria do intercâmbio
desequilibrado com a tendência à deterioração dos termos de troca. A menção a esse
erro se estende por várias páginas (S
ERRA; CARDOSO, 1978, p. 22, 25, 27). Em
seguida, Marini é colocado como defensor do aspecto primário-exportador da América
Latina (não no sentido de querer tal situação, mas de alegar sua existência) (S
ERRA;
CARDOSO, 1978, p. 27-28), o que também é refutado pelas comparações com dados
estatísticos de comércio exterior da época.
Logo após, a crítica ao subimperialismo é feita com ênfase notável
80
. Os
autores, sempre procurando justificar suas críticas a partir dos pressupostos de que,
78
O que, obviamente, não significava que fosse a mais aceita. Segundo SERRA e CARDOSO
(1978, p. 16): “No todos, sin embargo, concordaron com las explicaciones cepalinas [grifo dos
autores] y algunos llegaron incluso a presentar alternativas que, aunque estuviesen obviamente
emparentadas com esa escuela, estaban empeñadas en mostrar su radical diferencia frente al
pensamiento ‘pequeño burgués’ que la CEPAL era acusada de abrigar, y ni siquiera reconocían
filiación indirecta com el modelo”.
79
Ver item 1.4 desta dissertação.
80
Essa crítica dirige-se a outro artigo, em que se trata o subimperialismo mais detidamente.
80
para uma análise mais apurada do ponto de vista da Teoria da Dependência, é
necessário buscar representação concreta do que se estuda, bem como das conclusões
que se tiram, tentam mostrar a inadequação de um tal processo. Primeiramente, é
refutada a inevitabilidade do subimperialismo, diante da situação. Logo após, um
processo que vem para compensar as perdas dos trabalhadores, por causa da
superexploração, só a piora: “O sea, la ‘expansión subimperialista’, que habría
partido de uma situación de elevada explotación de los trabajadores agravaría aún
más esse fenómeno
81
” (SERRA; CARDOSO, 1978, p. 31).
O último passo é a crítica dirigida à questão da superexploração do trabalho.
Essa questão foi alvo de severas críticas, especialmente por basear-se em alguns
pressupostos irreais, tais como o problema da redução da taxa de mais-valia diante de
um aumento da produtividade do trabalho por meio de capital constante, ou a
suposição de que trabalhadores não consumam manufaturados (ou o façam
precariamente) (S
ERRA; CARDOSO, 1978, p. 43-46).
Serra e Cardoso são, por vezes, um tanto quanto mordazes em suas
colocações, especialmente no que se refere às qualificações dadas ao texto e à própria
capacidade de elaboração de Marini. Há, de certa forma, uma perda, do ponto de vista
acadêmico, devido à insistência em mostrar erros e pormenores secundários, quando o
principal da crítica poderia ser condensado em simples termos, como a falta de
colocação dos conceitos tratados, entre outros.
Foi publicada, juntamente deste artigo analisado, na edição extraordinária da
Revista Mexicana de Sociología, uma tréplica às Desventuras. Todavia, em vez de
aproveitar a oportunidade para apresentar seus argumentos de maneira mais sólida, o
autor aceita as provocações de Serra e Cardoso, e pauta a maior parte de seu artigo
(“As Razões do Neodesenvolvimentismo”, 1978) pelas respostas a ofensas dirigidas
ora aqui, ora ali. São apresentados dados mais detalhados, buscando fornecer as provas
81
Ou seja, a “expansão subimperialista”, que havia partido de uma situação de elevada
exploração dos trabalhadores, agravaria ainda mais esse fenômeno.
81
cuja falta é acusada por Serra e Cardoso, mas não se perde o ranço da intriga pessoal.
Para além desse conjunto de réplicas e tréplicas, esse artigo de M
ARINI
(1978) pouco contribui ao debate, mais mostrando as bases em Marx que se utilizam
para justificar os argumentos utilizados em sua apresentação (e para responder às
acusações lançadas por aqueles que M
ARINI (1978, p. 207) chama de “desventurados
críticos”). A seguir, passaremos às considerações finais sobre a posição da Teoria da
Dependência e seu debate correlato no pensamento de Fernando Henrique Cardoso.
82
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Afinal, o que dizer disso tudo? Com toda a certeza, um trabalho que trate de
um tema da magnitude da Teoria da Dependência nunca será conclusivo. Em especial,
por se tratar de tema ligado às ciências sociais como um todo. Além do mais, o
tratamento que dá Cardoso em seus trabalhos não permite que se esgote, de uma vez, a
análise das repercussões de seus escritos.
Entretanto, com segurança se pode afirmar que o trabalho de Cardoso trouxe
efeitos (se bons ou maus, não cabe a este trabalho julgar) e mudanças nos rumos das
análises de crescimento e desenvolvimento da América Latina que são consideráveis.
Num primeiro momento, o estudo de como as relações de classe se refletem no
desenvolvimento do país é uma inovação. Essa inovação se expressa, principalmente, a
partir do momento em que Cardoso mostra que cada classe acaba agindo, em relação
aos fatores externos, da maneira que lhe convém (C
ARDOSO, 1964, p. 171 et seq.). A
organização de argumentos que corroborem esse fato em sua obra principal sobre a
Teoria da Dependência (C
ARDOSO; FALETTO, 1967) estabelece (ou, pelo menos,
procura estabelecer) regras que se devam seguir para um estudo adequado do
desenvolvimento na periferia, principalmente no que concerne à América Latina. Fica
claro que, para Cardoso, toda análise social (ou socioeconômica) deve partir da
especificação de conceitos e relações entre esses conceitos, sendo que a própria
natureza e composição desses conceitos pode mudar no decorrer da análise, pois a
inflexibilidade contraria os princípios do bom estudo social (C
ARDOSO, 1972a, p. 94).
A crítica incisiva é parte recorrente nos escritos de Cardoso. Seja crítica a
teorias estabelecidas, seja a trabalhos de indivíduos ou de institutos, seja inclusive de
idéias e posições políticas, essa crítica acaba gerando insatisfação por parte de seus
debatedores. Vê-se, por exemplo, em M
ARINI (1978), o quanto determinada
apresentação de críticas pode gerar hostilidade entre profissionais estudiosos com o
mesmo foco de análise. E, como Marini, é possível encontrar vários outros exemplos.
A CEPAL e o ISEB já foram alvos dessas críticas, assim como autores consagrados,
83
como Hélio Jaguaribe, Louis Althusser, Lênin, Rosa Luxemburgo, dentre vários
outros. Apesar de serem distribuídas como tiros de um franco-atirador, essa franqueza
não é gratuita. Percebe-se um sentimento (sincero ou não, o que não cabe aqui julgar)
de busca pela precisão, ao mesmo tempo em que não se deseja deixar brecha para
análises maldosas que cuidem de destruir linhas de pensamento inteiras.
No fim, essa ânsia por precisão de conceitos (o que leva Cardoso a cobrar de
si próprio a mesma coisa) acaba por levar o autor a contradições, na maioria das vezes,
entretanto, apenas aparentes. Como já se citou anteriormente, os conceitos são
mutáveis, e disso fazem parte os conceitos de que tratam os escritos de Cardoso. Um
exemplo, apenas para ficar registrado. Em C
ARDOSO (1970), vemos a postura do
sociólogo que questiona se o termo “teoria da dependência” é adequado a um conjunto
de idéias cuja meta principal era servir de método de análise de casos de dependência
na América Latina, já em si subordinado a uma teoria, no caso, a teoria marxista do
capitalismo. O mesmo autor, dois anos depois, em C
ARDOSO (1972a), já apóia a idéia
de uma Teoria da Dependência, dada a robustez que o conceito adquiriu no decorrer
do tempo, e observando que as análises nesse ramo estavam criando certa autonomia
em relação a outras atividades (acadêmicas ou nacionais).
Retornando à meta deste trabalho, que é avaliar o papel que teve a Teoria da
Dependência nos estudos de Cardoso, pode-se perceber que os preceitos introduzidos
em C
ARDOSO (1964) e estabelecidos solidamente (mas não somente) em CARDOSO;
FALETTO (1967) permeiam o restante dos trabalhos aqui analisados. Sempre se recorre
às lutas de classe como motivação de qualquer mudança social (e sempre se critica
quem não se dirige a tal busca), enfatizando que são esses conflitos e a busca de sua
resolução que geram acordos entre as classes, ou entre uma delas e outra classe fora do
conflito diretamente. Também é grande a importância que é dada às relações entre os
componentes da sociedade e a estrutura da sociedade, assim como aos meios de
mudança dessas relações e dessa estrutura. Esse incessante desejo de indicar a maneira
como o econômico puro não é adequado à análise social, se não sempre temperado
com análises sociológicas, políticas, está patente nas críticas que se vêem dirigidas a
W
EFFORT (apud CARDOSO, 1970) e MARINI (1978).
84
Logo, fica claro para quem lê Cardoso que a simultaneidade entre
dependência e desenvolvimento é possível, até mesmo um fato. Só que é um
desenvolvimento próprio, o chamado desenvolvimento dependente, o qual necessita
do apoio de países centrais para continuar. Não consegue criar autonomia total de
crescimento tecnológico, mas tampouco o quer sua burguesia dominante. Aliás, é essa
vontade política que Cardoso costuma usar de justificativa para os fatos que ocorrem.
Não adianta tentar confiar em uma classe burguesa nacional revolucionária, se a classe
burguesa de que o país dispõe se contenta com — e até busca — a continuidade do
processo de dependência.
Talvez este tenha sido um projeto ambicioso, mas não há dúvida de que se
alcançou, no mínimo, seu objetivo principal: o de trazer à tona os principais aspectos
que a Teoria da Dependência teve dentro do pensamento socioeconômico de Cardoso,
bem como as influências que exerceu. É claro, mais uma vez, que isso está longe de
esgotar-se, e espera-se que o tema gere uma continuidade de pesquisas ainda maior no
decorrer dos anos, quando o crescimento e a dominação dos países centrais está-se
tornando tão tênue.
85
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