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PATRÍCIA MACIEL PACHÁ
A INSERÇÃO DA OFTALMOLOGIA EM
ESCOLAS MÉDICAS BRASILEIRAS COM
CURRÍCULOS DISCIPLINARES E NÃO
DISCIPLINARES
Tese apresentada à Universidade Federal de
São Paulo – Escola Paulista de Medicina
para obtenção do título de Mestre
Profissional em Ensino em Ciências da
Saúde.
São Paulo
2005
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PATRÍCIA MACIEL PACHÁ
A INSERÇÃO DA OFTALMOLOGIA EM
ESCOLAS MÉDICAS BRASILEIRAS COM
CURRÍCULOS DISCIPLINARES E NÃO
DISCIPLINARES
Tese apresentada à Universidade Federal de
São Paulo – Escola Paulista de Medicina
para obtenção do título de Mestre
Profissional em Ensino em Ciências da
Saúde.
Orientador: Prof. Dr. José A. Maia de Almeida
São Paulo
2005
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Pachá, Patrícia Maciel
A Inserção da Oftalmologia em Escolas Médicas Brasileiras com Currículos
Disciplinares e não Disciplinares
/ Patrícia Maciel Pachá - São Paulo, 2005.
xiv, 122f.
Tese (Mestrado) – Universidade Federal de São Paulo. Escola Paulista de Medicina.
Programa de Pós-Graduação em Ensino em Ciências da Saúde.
Título em inglês: The Insertion of Ophthalmology in Brazilian Medical Schools with
Disicplinary and Non-disciplinary Curricula
1. Oftalmologia/educação 2. Educação Médica 3. Currículo 4. Educação de Pré-
Graduação em Medicina.
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO PAULO
ESCOLA PAULISTA DE MEDICINA
CENTRO DE DESENVOLVIMENTO DO ENSINO
SUPERIOR EM SAÚDE
Diretor do CEDESS: Prof. Dr. Nildo Alves Batista
Coordenador do Curso de Pós-Graduação: Prof. Dr. Nildo Alves Batista
iii
PATRÍCIA MACIEL PACHÁ
Título: A Inserção da Oftalmologia em Escolas Médicas Brasileiras com
Currículos Disciplinares e não Disciplinares
Presidente da Banca Examinadora: Prof. Dr. José Antonio Maia de Almeida
BANCA EXAMINADORA
Prof. Dr. Yoshifumi Yamane ___________________________
Prof. Dr. Sigisfredo Luis Brenelli ___________________________
Prof. Dr. Nildo Alves Batista ___________________________
Aprovada em:_______/_______/_______
iv
AGRADECIMENTOS
A Deus, que preside minha vida e garante fortaleza, luz e esperança em
todos os momentos.
A meus pais, Léa e Miguel que sempre me ensinaram que trilhar o caminho
da correção nem sempre é o mais fácil, mas é compensado com “bens” muito
preciosos: o sono tranqüilo, o coração limpo e a alma leve.
Ao Professor José Antonio Maia que, com todo carinho, dedicação e cuidado
me mostrou que a docência é mais do que uma profissão, é um verdadeiro
dom que o mestre por opção carrega em suas veias. Essa conquista é
também sua.
Aos meus irmãos Andréa e Miguel, cunhados Marcelo e Bel e sobrinhos João
Alfredo, Kike, Francisco e Pedrinho, por me proporcionarem o convívio
familiar harmônico, os exemplos que como irmã mais nova sempre tive
cuidado de seguir e o orgulho por pertencer a essa família.
À Dra. Maria Isabel de Sá Earp de Rezende Chaves, supervisora geral da
Faculdade de Medicina de Petrópolis, pela confiança, investimento e estímulo
permanente a meu crescimento pessoal e profissional.
Aos diretores do Hospital Alcides Carneiro, pela paciência e compreensão.
Ao Dr. Oswaldo Pizzi, coordenador geral do ambulatório-escola da FMP, pelo
apoio nos momentos de dificuldades.
v
Ao Dr. André Luiz Ribeiro, docente de oftalmologia da Faculdade de Medicina
de Petrópolis, por garantir a continuidade do curso e dos atendimentos nos
meus períodos de ausência, pelo companheirismo e dedicação à docência.
Tenho certeza que poderemos juntos implantar um novo projeto de ensino na
disciplina.
Aos professores do CEDESS, que acreditaram no projeto de fazer um curso
de pós-graduação e demonstraram além de profissionalismo, um extremo
cuidado, carinho, dedicação enfim, um comprometimento com cada um dos
alunos. Vocês garantiram a nossa conquista.
À primeira turma de mestrado profissional do CEDESS, pela alegria dos
encontros, pelas novas amizades, por fazer esse período, sempre muito
difícil, parecer uma grande “celebração”.
À Cristina Ezequiel e Eneida, colegas de caminhada e com certeza amigas
para a vida toda, pelo suporte, pela força, pelo carinho e por terem feito a
minha vida melhor depois de nosso convívio.
Ao Nagao, sócio e amigo, que abriu as portas de Petrópolis para a minha vida
profissional. Sem você eu não estaria aqui.
A todos os entrevistados, pela atenção, disponibilidade e cortesia com que
me atenderam.
À Fernanda, Pedro, Renata, Patricinha, Luna, Paulinho e tantos outros ex-
alunos que me acolheram em São Paulo e nas cidades que passei, provando
mais uma vez que minha escolha na docência foi acertada.
vi
Ao Dr. Sérgio Telles, que me “convenceu” a fazer oftalmologia. Pela amizade,
paciência e por estar sempre por perto.
À Bienne, Mônica, Angélica, Ana Paula, Gilberto, Ricardo, Carlinha, Daniel e
Daniela. Amigos! Palavras não existem para descrever o amor que tenho por
vocês.
vii
Dedico esse trabalhos a todos os
meus alunos antigos, atuais e
futuros. Vocês são o motivo dessa
busca. Vocês me fizeram descobrir
um novo universo de possibilidades
– a docência.
viii
Sumário
Página
Agradecimentos v
Dedicatória viii
Lista de Quadros ix
Lista de Abreviaturas x
Resumo xi
Abstract xii
I. Introdução 1
II. Fundamentação Teórica 5
A. História do Ensino Médico no Brasil 6
B. História do Ensino da Oftalmologia no Brasil 22
C. O Currículo e a Formação Médica 30
D. O Ensino de Especialidades no Contexto da Formação
Generalista
39
E. A Inserção Curricular Atual da Oftalmologia na Formação
Médica no Brasil
43
III. Objetivos 46
IV. Procedimentos Metodológicos 48
A. Contexto e Sujeitos da Pesquisa 49
B. Coleta de Dados 50
C. Análise dos Dados 53
V. Resultados e Discussão 55
A. Perfil Desejado de Formação do Estudante e o Ensino de
Oftalmologia
61
ix
B. Inserção Curricular da Oftalmologia nas Escolas Médicas 64
C. Competências Desenvolvidas pelo Ensino da Oftalmologia nos
Cursos de Graduação Médica
73
D. Características do Planejamento e do Desenvolvimento da
Oftalmologia nos Cursos de Graduação Médica
81
E. Capacitação Docente 97
VI. Considerações Finais 102
VII. Referências Bibliográficas 108
VIII. Anexos 116
x
Resumo
O modelo biomédico prevalente no ensino médico sofre sérios
questionamentos a partir da metade do século XX, havendo uma transição
paradigmática rumo ao atual, de atenção integral do indivíduo. Estas
mudanças, que ocorreram em todo o mundo, tiveram reflexos tardios no
Brasil, e somente na década de oitenta surgiram movimentos propondo uma
reflexão mais profunda sobre a formação médica, no sentido de reduzir as
falhas do ensino e qualificar o profissional para a nova realidade que se
apresentava. O perfil contemporâneo de formação, preconizado pelas
Diretrizes Curriculares Nacionais, é de um profissional capacitado em todas
as dimensões da competência profissional, avançando para além das
cognitivas e técnicas e incorporando as dimensões afetivas, relacionais,
dentre outras. Hoje precisamos de um profissional humanizado e
multicompetente, capaz de trabalhar em equipe e ciente de seu papel
transformador da sociedade.Neste contexto situa-se essa pesquisa, voltada
para a necessidade de estudar o ensino atual de uma especialidade médica –
a oftalmologia – para compreender de que forma a inserção do ensino de
uma especialidade (em geral isolada no currículo médico) ocorre, frente à
necessidade da formação geral do médico. O objetivo deste trabalho é
analisar a inserção da oftalmologia em cursos de medicina com currículo
disciplinar e não-disiciplinar, a partir de análise documental e de entrevistas
realizadas com coordenadores de graduação e com docentes responsáveis
pela oftalmologia. Foram estudadas oito escolas de medicina, localizadas no
Estado do Rio de Janeiro, São Paulo e Paraná. As entrevistas foram
analisadas para apreender as concepções dos sujeitos sobre o ensino,
identificando suas características principais. Todos os entrevistados, tanto
coordenadores de curso como docentes da especialidade, consideraram que
os cursos médicos devem formar um profissional com um perfil geral, em
conformidade com as Diretrizes Curriculares Nacionais para os Cursos de
Graduação em Medicina, sendo este o contexto no qual a oftalmologia deve
ser inserida. Em que pese a oftalmologia, tanto como serviço hospitalar
quanto componente curricular, ser relacionada dentre as especialidades
cirúrgicas, foi possível depreender que o ensino da mesma no âmbito da
formação geral do médico deve considerar essencialmente seus aspectos
clínicos. Uma possibilidade de integração da oftalmologia diz respeito à
“pulverização” dos conteúdos longitudinalmente no currículo, guardando
relação com competências profissionais desenvolvidas por grandes áreas da
medicina (clínica, pediatria e medicina comunitária, dentre outras). Os
resultados demonstraram a necessidade de reavaliação do espaço da
oftalmologia dentro do currículo médico, no sentido de adequar o ensino da
especialidade à formação geral do médico. O trabalho finaliza propondo
princípios norteadores para a inserção da oftalmologia na graduação médica,
numa perspectiva de integração e de atenção integral à saúde.
Palavras-Chave: Oftalmologia/educação 2. Educação Médica 3. Currículo 4.
Educação de Pré-Graduação em Medicina
xi
Abstract
The biomedical model widely adopted in medical education has been
challenged since the second half of 20
th
.Century. There has been a
paradigmatic shift towards a model that aims at integral care of the individual.
Those worldwide changes reflected lately in Brazil, and only about 1980 it has
been proposed a more deep reflection about medical undergraduation, in
order to reduce educational failures and improve the training of professionals
towards the new reality. Nowadays, National Curricular Guidelines demand
that medical courses graduate doctors with all the dimensions of professional
competence, from cognitive and technical to relational and affective, among
others. Doctors must be able to work in teams, in a compassionate way, and
must be conscious of their social transforming role. This research aims at
studying the teaching of a medical specialty – ophthalmology – in order to
understand how possible it is to insert a specialty in a generalist curriculum.
The objective of the research is to analyze the insertion of ophthalmology in
undergraduate medical courses with disciplinary and non-disciplinary
curricula, by means of document analyses and interviews with deans and
medical teachers responsible for ophthalmology courses. Eight schools in Rio
de Janeiro, Sao Paulo and Parana States were investigated. The conceptions
of the subject about teaching were apprehended in the interviews. All
subjects stated that medical courses must graduate general physicians,
according to Curricular Guidelines, and that is the context in which
ophthalmology should be taught. Despite being a surgical specialty,
emphasis should be put on clinical aspects. Integration with other areas could
be attempted by “powdering” its contents longitudinally along the course.
Competencies should be developed simultaneously with main fields of
medical teaching, such as Internal Medicine, Pediatrics and Community
Medicine, among others. The results showed the need of reevaluating the
insertion of ophthalmology in medical undergraduate curriculum. Finally the
work proposes several principles in order to achieve teaching of the specialty
in an integrative perspective.
Keywords: Ophthalmology/education 2. Medical Education 3. Curriculum
4. Undergraduate Medical Education
xii
Lista de Quadros
Página
Quadro I: Informações referentes às escolas médicas pesquisadas
e à inserção curricular da oftalmologia
59
xiii
Lista de Abreviaturas
ABEM – Associação Brasileira de Educação Médica
ABP – Aprendizagem Baseada em Problemas
AVC – Acidente Vascular Cerebral
CBO – Conselho Brasileiro de Oftalmologia
CIEP – Centro Integrado de Ensino Público
CINAEM – Comissão Interinstitucional Nacional de ensino Médico
CFM – Conselho Federal de Medicina
CNE/CSE – Conselho Nacional de Educação/ Câmara Superior de Ensino
CNPq – Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
IES – Instituição de Ensino Superior
MEC – Ministério da Educação e Cultura
ONG – Organização Não Governamental
OSCE – Objective Structured Clinical Examination
PBL – Problem-Based Learning
PIN – Práticas Interdisciplinares
PITS – Programa de interiorização do Trabalho em Saúde
PROMED – Programa de Incentivo às Mudanças Curriculares para as
Escolas Médicas
UBS – Unidade Básica de Saúde
xiv
INTRODUÇÃO
“Da minha aldeia vejo quanto da terra se pode ver no Universo...
Por isso a minha aldeia é grande como outra qualquer
Porque eu sou do tamanho do que vejo
E não do tamanho da minha altura...
Nas cidades a vida é mais pequena
Que aqui na minha casa no cimo deste outeiro.
Na cidade as grandes casas fecham a vista à chave,
Escondem o horizonte, empurram nosso olhar para longe de todo
o céu,
Tornam-nos pequenos porque nos tiram o que os nossos olhos
nos podem dar,
E tornam-nos pobres porque a única riqueza é ver.”
(Alberto Caeiro, 1914)
2
Muito do que sabemos do mundo sabemos pelo olhar. Muito do que
dizemos, é com os olhos que o dizemos. Mais do que órgãos sensoriais, os
olhos são norte e interface, são poesia e inspiração.
Na medicina, é antigo o interesse pelo estudo dos olhos e da visão. A
preocupação com o entendimento e com o domínio dos processos
fisiológicos relacionados à visão humana, bem como às doenças do aparelho
visual são trazidos ao longo dos relatos históricos dos tratados de medicina.
Com efeito, é notória a constância das referências a descobertas
morfológicas e funcionais na área da visão, ao progresso tecnológico dos
métodos diagnósticos e terapêuticos e ao ensino destes conhecimentos às
demais gerações.
É inquestionável a importância da oftalmologia na formação médica.
Como será discutido posteriormente, uma proporção significativa de demanda
de atendimento na atenção básica à saúde refere-se a acometimentos
oculares.
No mundo atual de transições (científicas, tecnológicas,
epistemológicas, filosóficas, sociais...) onde o conhecimento torna-se
obsoleto com velocidade vertiginosa, um outro questionamento se impõe nas
discussões acadêmicas. Trata-se das mudanças de paradigmas na
formação, que assumem especial magnitude e interesse no campo da
educação superior em saúde.
3
O aparente dilema da inserção de uma especialidade extremamente
focada – e ao mesmo tempo tão vasta em conteúdos e práticas – como é a
oftalmologia no contexto da formação geral do médico constitui o cerne do
presente trabalho de pesquisa.
4
REFERENCIAL
TEÓRICO
A. História do Ensino Médico no Brasil
Com a chegada da Família Real no Brasil foram criados os dois
primeiros cursos regulares de medicina, primeiro em Salvador e, logo após, no
Rio de Janeiro. Em 1813 essas escolas passam a se chamar Academias
Médico Cirúrgicas, ocorrendo a separação dos cursos médico e cirúrgico e
estabelecendo-se a duração de cinco anos para cada. Um decreto real em
1832 as transforma, finalmente, em Faculdades de Medicina, com currículo de
14 matérias ministradas ao longo de seis anos (Tamosauskas, 2003). Cinco
décadas mais tarde, no Rio de Janeiro, sob a influência inovadora do ensino
germânico, a Reforma Sabóia (1882) resultou na construção de onze
laboratórios e na transformação completa do currículo médico.
O modelo germânico de ensino médico, ao propor o ensino prático e
livre, provocou profundas mudanças na formação profissional, a partir do último
quartel do século XIX (Edler, 2002). A integração do hospital, da sala de
autópsias e do laboratório propiciou o florescimento de contribuições criadoras
de profissionais, com imediata aplicação à clínica e ao ensino (Edler, 1998).
No início do século XX o ensino médico no Brasil colocava como
requisitos para as escolas: filiação universitária, anfiteatros anatômicos, mesas
de autopsias, laboratórios e bancadas, salas de leitura, pesquisa ligada ao
ensino, instrutores clínicos em tempo integral, uso de tecnologias atualizadas e
hospital-escola com grande quantidade de doenças interessantes (Edler,
2002b).
6
Com o início da República, a responsabilidade pela organização do
ensino superior passou a ser do Estado. Surgem aí algumas experiências
regionais de institucionalização do ensino médico, sendo a trajetória de São
Paulo a mais expressiva da tendência que a formação médica sofreria no
século XX. A liderança da tradição clínica, identificada com a academia
francesa, seria gradativamente ofuscada pela ascensão das disciplinas básicas
e pelas especialidades clínicas, agora sob forte influência do modelo norte-
americano (Edler, 2002b).
De acordo com Fontes (2003), Nos Estados Unidos da América, já havia
no final do século XIX idéias reformistas entre docentes universitários
objetivando a modernização das instituições universitárias para acompanhar o
aquecimento econômico. Existia uma preocupação com a qualidade do
profissional formado nas escolas médicas. Charles Elliot observava a
necessidade urgente de reformulação do sistema de educação médica no país
e, ao assumir a presidência da Universidade de Harvard, estabeleceu normas
rigorosas para a formação profissional. No início do século XX, a Associação
Médica Americana criou um Conselho de Educação Médica e foram
estabelecidos padrões para o funcionamento das escolas. O relatório deste
Comitê nunca foi publicado, por motivos éticos e, diante da necessidade de
mudanças urgentes, a associação contratou os serviços da Fundação Carnegie
para o Progresso do Ensino para realizar uma nova avaliação dos cursos
médicos. Desta vez, os médicos não participaram do processo e o relatório foi
feito em 1910 por Abraham Flexner, educador, graduado em química. O então
conhecido Relatório Flexner teve por objetivo reordenar o ensino médico nos
moldes cartesianos da objetividade científica moderna.
7
Como resultado da publicação do Relatório, o ensino médico nos
Estados Unidos foi reconfigurado segundo os seguintes princípios gerais:
filiação das escolas a instituições universitárias; currículo com duração de, no
mínimo, quatro anos; formação intensa nas áreas básicas; existência
obrigatória de um hospital ligado à faculdade, dentro do qual ocorria o ensino;
corpo docente de caráter permanente, composto por especialistas; adoção do
método científico nos processos de formação, em substituição à observação
empírica; incorporação da pesquisa nos projetos dos cursos (Fontes, 2003).
Para Amorim (1997), “o relatório Flexner contribuiu para elevar a
qualidade do ensino médico, permitindo a construção do conhecimento (do
empírico para o científico, da observação para a experimentação)”. De acordo
com o paradigma positivista da ciência moderna, o processo de formação
passou a enfatizar os conhecimentos especializados, valorizando-se o ensino
primordialmente no contexto do hospital de alta complexidade. Vultuosas
quantias foram investidas na pesquisa acadêmica, principalmente em áreas
básicas. Este processo resultou em uma perda de unidade nas escolas, com a
criação de disciplinas e departamentos com autonomia de decisões,
favorecendo assim segmentação do ensino médico. A formação do médico
transformou-se no somatório empobrecido de uma infinidade de recortes
especializados, superpostos e muitas vezes contrapostos, cuja possibilidade de
integração torna-se um exercício formal, abstrato, em boa parte dos casos de
inteira responsabilidade do aluno. Segundo Capra (1982, p. 151), “o diploma
de doutor em medicina certificava o completo domínio da ciência médica, mas
não a capacidade de cuidar dos pacientes.”
8
Rego (2003, p. 32) refere que “o nome Flexner passou a ser associado
a um rígido modelo de ensino médico, que privilegiava a formação científica de
alto nível e o estudo do corpo humano segundo órgãos e sistemas (com o
estímulo à especialização profissional)”, acreditando ser possível o
entendimento do homem pelo estudo das partes. O maior objetivo da
educação médica era a formação dos estudantes e o estudo das doenças, não
a assistência aos enfermos...
São muitas as críticas existentes atualmente ao modelo Flexneriano.
Ocorre que, este modelo foi idealizado em 1910 nos Estados Unidos e se
adequava perfeitamente à realidade histórica e social daquele país. Parece-
nos que perigosa foi a importação, a assimilação e a utilização, até os dias de
hoje, do mesmo modelo, de uma forma pouco crítica.
O modelo de Flexner manteve-se soberano por muitos anos,
consolidando o ensino fragmentado em especialidades, durante quatro ou
cinco anos de estudos segmentados em um ciclo de ciências biomédicas,
seguindo-se a este um segundo, profissional. Almeida (2001) afirma que:
“Somente na segunda metade dos anos 40 é que surge, na
escola de Medicina da Universidade de Case Western Reserve
(Cleveland, Ohio), a concepção de ensino integrado das
ciências básicas, que, para alguns, representou um afastamento
parcial dos postulados flexnerianos e acabou se disseminando,
nas décadas de 50 e 60, entre outras escolas norte-
americanas.” (p. 44)
9
Por outro lado, em 1952, a conferência sobre o Ensino da Medicina
Preventiva, em Colorado Springs, representou um outro marco no
questionamento do modelo de ensino de Flexner, ao criticar a separação entre
a medicina preventiva e a medicina curativa. Na ocasião, foram lançadas as
bases do ensino de uma “medicina integral”, visando consolidar os
departamentos de medicina preventiva que já existiam e estimular sua criação
nas demais escolas médica.
Todas estas tendências tiveram fortes reflexos na educação médica
brasileira. Assim, afirma Rego (2003) que:
“Nosso modelo universitário só foi oficialmente reformulado em
1968, com a imposição da Reforma Universitária, que extinguiu
as cátedras, substituindo-as pela estrutura departamental e, no
caso do curso médico, criou a obrigatoriedade de um núcleo
básico, comum a todos os cursos da área de saúde, e um ciclo
profissional”. (p.33)
Legitima-se, em nosso país, o modelo flexneriano, que já na ocasião
era alvo de grandes críticas. Uma possível explicação parece situar-se na
grande expansão do ensino superior que ocorreu na ocasião, com a
implantação de diversas escolas privadas, concentradas no sudeste, adotando
projetos pedagógicos já consolidados em outros contextos, em detrimento da
busca de propostas curriculares inovadoras voltadas para uma melhor
qualidade do ensino.
Na década de sessenta notamos um crescimento exponencial das
associações de ensino médico na América Latina, bem como na ocorrência de
10
várias conferências internacionais que proporcionaram o intercâmbio de
experiências e instigaram o debate sobre as mudanças do ensino médico.
Percebemos nesta trajetória histórica um exemplo claro do domínio de um
paradigma, seguido de crise e transição paradigmática e finalmente
substituição do modelo hegemônico.
Como vemos em Chaves (1996, p. 22), “o conceito de paradigma,
stricto sensu, tal como definido por Kuhn, não seria aplicável à educação das
profissões da saúde, ou mesmo à educação médica em particular.” Mas o
autor acrescenta que o termo paradigma, vem sendo usado lato sensu, na
América Latina, para designar o modelo dominante de educação médica, é
neste sentido que aqui ele será utilizado. Durante décadas, o paradigma
flexneriano foi amplamente reconhecido na comunidade. Diz Bombassaro
(1995) que:
“o paradigma é o que constitui a razão de ser de uma
comunidade de investigação, que primeiro recebe e aceita as
realizações científicas passadas, para depois ajudar a difundir o
conhecimento produzido, levando adiante a tradição.” (p. 45)
Para Kuhn, o surgimento do novo na ciência somente se realiza com a
substituição dos paradigmas, através de revoluções científicas, momentos
raros e significativos para o desenvolvimento do espírito humano (op. cit. p.
53). A crise de um paradigma e sua subseqüente transição constituem um
momento de intensa produção intelectual, ao apresentar questões não
respondidas a contento pelo paradigma vigente. Contestada a sua validade,
tem início um processo amplo de busca de respostas. No caso da medicina,
11
como diz Lampert (2002, p. 66), “a idéia de formular um novo paradigma, para
se contrapor ao modelo hospitalocêntrico, vem sendo elaborada desde a
década de 60, como advento da medicina preventiva”. Um novo mundo se
descortina, e o paradigma flexneriano não consegue atender às suas
necessidades. Refletindo sobre a obra de Kuhn, Bombassaro (op. cit., p.56)
refere que na mudança de paradigmas o cientista também passa a ver um
mundo que estava diante de seus olhos mas que, guiado pelo paradigma
antigo, ele não podia ver.
Segundo Rodriguez (apud Almeida, 2001):
“As principais tendências de reorientação da educação médica
na América Latina nos anos 70 e 80 foram: a) redefinição do
objeto de estudo, representada pela substituição de práticas
educativas organizadas em torno de um corpo de
conhecimentos centrada nos objetivos de cada uma das
disciplinas (doença, atendimento individual e
predominantemente curativo), por processos formados em torno
de conhecimentos referidos à saúde da população, nos marcos
de uma concepção de saúde-doença; b) desenvolvimento de
enfoques interdisciplinares; c) desenvolvimento da integração
docente-assistencial, concebida como um verdadeiro processo
de serviço à comunidade, no qual as ações de saúde devem ser
vistas como objetos de pesquisa, geradoras de novos
conhecimentos e de novas práticas de atenção; d) incorporação
e reconceitualização das ciências sociais nos processos
educacionais, ainda predominantemente complementar e
12
fragmentada na maioria das escolas, mas cuja superação é
apontada pelo desenvolvimento da medicina social; e) inserção
da comunidade de forma crítica, nos processos de
transformação dos sistemas de saúde.” (p.48)
Este novo modelo, mais adequado à formação do médico, passou a
ser conhecido como o “paradigma da integralidade”. Segundo Campos e cols.
(2001), o paradigma da integralidade tem como imagem-objetivo a ser
alcançada, no que se refere aos programas de graduação do profissional da
saúde, uma formação mais contextualizada, que leve em conta as dimensões
sociais, econômicas e culturais da vida da população. Este novo paradigma
orientaria a criação de um novo modelo pedagógico com um equilíbrio de
forças entre o aprimoramento técnico e a relevância social.
É importante observar que todo o movimento de questionamento do
modelo de Flexner ocorre no contexto da discussão e transição do paradigma
positivista. Não se trata de um movimento isolado dentro da medicina e da
educação médica, mas sim de um reflexo das transformações que vinham
ocorrendo no panorama científico, com valorização das ciências sociais. A este
respeito, Boaventura Santos (2001) assim se manifesta:
“A crise do paradigma da ciência moderna não se constitui um
pântano cinzento de cepticismo ou irracionalismo. É antes o
retrato de uma família intelectual numerosa e instável, mas
também criativa e fascinante, no momento de se despedir, com
alguma dor dos lugares conceptuais, teóricos e epistemológicos,
ancestrais e íntimos, mas não mais convincentes e
13
securizantes, uma despedida em busca de uma vida melhor a
caminho doutras paragens onde o optimismo seja mais fundado
e a racionalidade mais plural e onde, finalmente, o
conhecimento volte a ser uma aventura encantada.” (p.73)
Logo a seguir delineia-se o que se considera ser o “paradigma
emergente”, ao que o mesmo autor refere como “um conhecimento prudente
para uma vida decente”. Defende ainda que, sendo uma revolução científica
que ocorre numa sociedade ela própria revolucionada pela ciência, o
paradigma a emergir dela não pode ser apenas científico (o paradigma de um
conhecimento prudente), mas tem de ser também um paradigma social (o
paradigma de uma vida decente).
É neste contexto que devemos inserir as transformações ocorridas nas
universidades e, em particular, nas escolas médicas. Para Boff (2000):
“As duas culturas – a humanística e a científica – hoje em dia
mais e mais deixam de coexistir e se intercomunicam no sentido
de pensar o todo, o sentido do próprio projeto científico-técnico
e sua responsabilidade pelo futuro comum da nação e da terra.
Tal desafio exige um novo modelo de pensar, como
expúnhamos antes, que não dicotomiza mas conjuga, que não
tira dos contextos mas os ressitua dentro deles e no todo maior,
que não segue uma lógica do simples e linear mas do complexo
e dialógico.” (p.90)
Assim, os anos 70 foram marcados, em nosso meio, pela discussão de
novos projetos que pudessem contrapor-se às deficiências dos modelos de
14
ensino e atenção médica, surgindo propostas que constituiriam os alicerces de
um novo paradigma do ensino médico.
Um outro aspecto que marcou definitivamente as mudanças na
educação médica é a denominada “transição epidemiológica”, cujas etapas
foram definidas por Abdel Omran em 1971 (apud Arruda 2001). O autor
postulava que, com o desenvolvimento sócio-econômico, as doenças seriam
superadas, pondo fim à “Idade da Pestilência e da Fome”, dominada pelas
doenças transmissíveis ligadas à pobreza, à má nutrição e à precária higiene
ambiental e pessoal. Considerando a industrialização e o desenvolvimento dos
países em todos os níveis, o autor afirmou que essas doenças passariam a ser
substituídas pelas crônico-degenerativas, caracterizando a “Idade de Recesso
das Pandemias”. Com efeito, foi nesse contexto que observamos a explosão
tecnológica no campo do diagnóstico e do tratamento dos problemas de saúde
e a transferência do cuidado médico para o nível hospitalar, aumentando o
custo da atenção. Gradativamente percebe-se uma evolução do que se
considerou patologia sócio-ambiental, marcada pelas seqüelas da degradação
do ambiente físico, pela desigualdade gerada com o desenvolvimento e das
condições de trabalho e convívio na sociedade. Essa é a “Idade das Doenças
Provocadas pelo Homem”, que tem como marca o aumento da violência, da
droga-adição e o surgimento de fatores associados à contaminação por
substâncias tóxicas e pelos danos constantes e irresponsáveis ao meio
ambiente.
Nos países do chamado “primeiro mundo”, percebe-se que essa
transição não apenas ocorreu, como não foi ainda superada, tendo em vista a
emergência de novas doenças infecciosas (dentre as quais se destaca a
15
AIDS), bem como a re-emergência de algumas antigas doenças, como a
cólera.
Ganhou força, então, o conceito de “acumulação epidemiológica”,
perfeitamente enquadrado ao perfil epidemiológico dos países em
desenvolvimento, principalmente na América Latina. No caso do Brasil,
experimentamos a convivência de um padrão epidemiológico de países
subdesenvolvidos, com precariedade de assistência primária, altos índices de
mortalidade infantil, baixa escolaridade e não universalidade de condições
básicas de saneamento, ao que se somam as conseqüências da expansão
industrial e urbana dos países desenvolvidos. Essas diferenças são marcantes
não apenas em regiões geograficamente isoladas, como também nos
ambientes das metrópoles, propiciando o surgimento de grandes tensões
sociais.
Para José Roberto Ferreira (apud Arruda, 2001):
“É nesse quadro de grande complexidade em que vai ter que
atuar a medicina do Século XXI, enfrentando as conseqüências
de vivermos em um ambiente mais agressivo, sem que haja
sido possível aliviar as agruras da pobreza, acrescida agora
com maior desemprego e com uma concentração urbana
condizente com novos surtos de doenças transmissíveis e ainda
altos níveis de mortalidade infantil, acidentes, violência, ao
mesmo tempo em que, com a ampliação dos anos de vida de
uma parte da população, haverá que cuidar de mais casos de
doenças crônico-degenerativas.” (p.30)
16
É de se esperar que, com tamanhas mudanças, o perfil desejado de
formação do médico (e dos profissionais da área de saúde, em geral) venha a
sofrer significativas mudanças. Assim, a meta de “Saúde para Todos no Ano
2000”, estabelecida na Declaração de Alma-Ata
1
, por ocasião da Conferência
Internacional sobre Cuidados Primários de Saúde, enriqueceu os debates
sobre a formação integral do profissional de saúde. Em 1986, a Primeira
Conferência Internacional sobre Promoção da Saúde, realizada em Ottawa,
apresenta sua carta de intenções para atingir a meta da Declaração de Alma-
Ata. O documento apresenta a necessidade de um esforço mundial conjunto no
sentido de estimular os investimentos para a capacitação de profissionais, a
criação de políticas públicas saudáveis, a reorientação dos serviços de saúde
para a adoção de estratégias de promoção da saúde e de atenção em níveis
diferenciados.
Este conjunto de tendências mundiais tem reflexos no Brasil chegando a
ser uma rota de orientação na promulgação da Constituição de 1988 (Brasil,
1999), que em seu artigo 196 da Seção II do capítulo referente à Seguridade
Social, dispõe que “a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantindo
mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de
doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e
serviços para a sua promoção, proteção e recuperação. No inciso II do artigo
198 define a orientação para o ”atendimento integral, com prioridade para as
atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais”. A Carta
Magna brasileira cria o Sistema Único de Saúde (SUS) e, ao determinar suas
1
Os documentos citados podem ser encontrados em: http://www.opas.org.br/coletiva/carta.cfm
17
atribuições, no artigo 200, inciso III, estabelece a responsabilidade de “ordenar
a formação de recursos humanos na área de saúde”.
Apesar de o Ministério da Saúde ainda não ter assumido integralmente
suas funções constitucionalmente atribuídas no campo da formação
profissional, algumas iniciativas ocorreram, embora quase vinte anos após a
promulgação da Constituição. No sentido de fortalecer o Programa de Saúde
da Família, propiciando a expansão do quadro de profissionais capacitados, no
período de 2000 a 2003 ocorreu o Programa de Interiorização do Trabalho em
Saúde. No PITS (Batista e Stella, 2004), médicos e enfermeiros foram alocados
em pequenos municípios do interior do país e, em concomitância com a prática
profissional, foram capacitados para a atenção à saúde da família por cursos
de especialização ministrados por instituições acadêmicas regionais. Um outro
programa, o PROMED (Brasil, 2002), proposto por uma parceria dos
Ministérios da Educação e da Saúde, a partir de 2002 tem incentivado
mudanças curriculares nos cursos médicos. Num momento inicial, foram
selecionados vinte escolas que vêm recebendo significativos investimentos
financeiros, objetivando uma melhor qualidade dos projetos pedagógicos e,
conseqüentemente, da formação profissional.
Na história da educação médica em nosso país, os anos 90 foram
marcados por uma intensa discussão a respeito das mudanças na profissão
médica e sua influência sobre a educação médica. Vários projetos para
adequar a prática médica às necessidades sociais são lançados, como é o
caso do Programa UNI – uma nova iniciativa na educação de profissionais de
saúde: união com a comunidade (Lins, 1998). A preocupação com o papel da
Universidade, com a contextualização do ensino e com a formação integral do
18
profissional de saúde foi a tônica dos debates, começando a ganhar força a
construção de novos modelos de educação como a aprendizagem baseada em
problemas e o ensino orientado à comunidade, de atenção à saúde e de
participação social .
O relatório da 2ª Conferência Mundial de Educação Médica, ocorrida em
Edimburgo em 1993, situa a prática e a educação médica como realidades
sociais, intimamente relacionadas com os processos de desenvolvimento. Em
relação a essa nova visão Almeida (2001) refere que:
“É em função da organização e dinâmica do Estado, da
economia, do desenvolvimento científico, tecnológico e das
necessidades sociais que a prática médica é estruturada ou
modificada e que estes condicionantes orientam e moldam os
conteúdos, as estratégias e os mecanismos do processo da
formação médica.” (p.49)
Na década de 90, em nosso meio, a educação médica foi debatida como
nunca antes, no contexto de inúmeros eventos promovidos pela Associação
Brasileira de Educação Médica (ABEM). No âmbito dessa Instituição surgiu o
maior movimento no sentido de conhecer as escolas médicas e de identificar o
perfil de formação dos estudantes, realizado pela CINAEM – Comissão
Interinstitucional Nacional de Avaliação do Ensino Médico, a partir de 1991
(Piccini e cols., 2000). Como afirma Basile (1998), a Comissão definiu suas
diretrizes tendo como princípios fundamentais e objetivos a qualidade do
ensino médico e o aperfeiçoamento do Sistema de Saúde, binômio
indispensável à formação profissional de qualidade. A CINAEM estabeleceu-se
19
de forma independente de governos, sob a coordenação da ABEM e
secretariada pelo CFM (Conselho Federal de Medicina). Refere ainda a autora
que o período de 1991 a 1997, quando se implantou e se desenvolveu o
trabalho coordenado pela CINAEM, pode ser considerado um marco na história
do ensino médico brasileiro, pois a aliança política de âmbito nacional permitiu
a aproximação com as Escolas Médicas, com a conseqüente construção e
implementação de um projeto que propõe a implantação de um processo
contínuo e transformador no ensino médico por meio da pesquisa-ação.
Contudo, diversos educadores apresentaram críticas à atuação da CINAEM.
Rego (2003) afirma que, apesar de ter surgido de modo promissor,
“Após dez anos de funcionamento, a CINAEM ainda não
conseguiu produzir resultados concretos que afastassem a
imagem de uma ação corporativista e que sugerissem ser este o
caminho mais eficaz na construção de alternativas ao modelo
vigente no Brasil” (p.43)
O autor reconhece que a CINAEM possibilitou a manutenção da
discussão sobre educação médica na agenda de diversos atores, com alguns
resultados louváveis e meritórios, mas ressalta que, quando comparamos como
está o ensino médico hoje com o de 1990, poucas das mudanças observadas
podem ser concretamente atribuídas ao processo empreendido pelas entidades
que compõem a CINAEM.
Um marco mais recente na educação superior brasileira (e na formação
médica, em particular), consiste no desencadeamento, pelo MEC, do processo
de elaboração das Diretrizes Curriculares Nacionais para os Cursos de
20
Graduação, por meio de um edital de 1997 que convidava as instituições para a
elaboração conjunta dos futuros documentos legais. No caso específico da
Medicina, após uma grande discussão na comunidade acadêmica foi produzido
o texto que constituiu as bases das Diretrizes Curriculares, promulgadas pelo
MEC em 2001, por intermédio da Resolução CNE/CSE no. 4, de 7 de
novembro de 2001 (Brasil, 2001).
Surgidas em decorrência da Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional, de 1996, as Diretrizes substituem os antigos “currículos mínimos” e,
de forma mais flexível, oferecem às escolas um o principal norte no processo
de formação, em seu artigo 3°:
“O curso de graduação em medicina tem como perfil do
formando egresso/profissional o médico com formação
generalista, humanista, crítica e reflexiva, capacitado a atuar,
pautado em princípios éticos, no processo de saúde-doença em
seus diferentes níveis de atenção, com ações de promoção,
prevenção, recuperação e reabilitação à saúde, na perspectiva
da integralidade da assistência, com senso de responsabilidade
social e compromisso com a cidadania, como promotor da
saúde integral do ser humano”.
Assim, Padilha e Feuerwerker (2002) afirmam que:
“a virada do século não admite a perpetuação dos problemas, e
pode-se dizer que existe quase que uma exigência social de
que se mude o processo de formação de médicos, para que se
21
produzam profissionais mais adequados às necessidades da
população.” (p.3)
Um dos maiores desafios da educação médica atual é portanto,
assegurar a formação de profissionais capazes de uma inserção social
legítima, sensíveis ao sofrimento humano, com competência para prestar
atenção integral e humanizada, que trabalhem em equipe e considerem o
contexto em que vive o paciente e os recursos disponíveis ao tomarem suas
decisões.
Um outro ponto crítico é a formação geral do profissional, capacitando-o
a resolver, nos diversos campos de sua atuação, os problemas de saúde mais
prevalentes da população brasileira.
É neste contexto que se delimita a complexidade do problema da
inserção curricular das especialidades na formação geral do médico. Para tal,
torna-se importante refletir a respeito da história do ensino da oftalmologia em
cursos médicos de nosso país.
B. História do Ensino da Oftalmologia no Brasil
É indiscutível a importância do conhecimento oftalmológico no contexto
da formação médica. Vail (1949, p. 77) afirma que ”o ensino da Oftalmologia é
o primeiro passo na grande luta que representa a preservação, conservação e
restauração da maior dádiva do homem, que é a função visual.”
As primeiras escolas médicas brasileiras, apesar de não incluírem a
especialidade em seu currículo, já se propunham a difundir conhecimentos
oftalmológicos necessários à prevenção da cegueira. Cunha (apud Rego 2003)
22
aponta que, com a unificação dos cursos de medicina e cirurgia, em 1884, a
clínica oftalmológica passa a compor o currículo, sendo ministrada no último
ano, juntamente com a clínica médica e cirúrgica de crianças, clínica de
moléstias cutâneas e sifilíticas e a clínica psiquiátrica. O desenvolvimento da
prática oftalmológica ocorreu principalmente no sentido da prevenção. A
descoberta de Credé, em Leipzig, relacionada à profilaxia pós-parto da
conjuntivite gonocócica com nitrato de prata, deu início em todo o mundo, ao
pensamento da prevenção da cegueira, pondo-o em destaque, como objetivo
maior dos médicos no setor do aparelho visual.
Hilário Soares de Gouveia foi o primeiro ocupante da cátedra de
doenças dos olhos na Faculdade do Rio de Janeiro
2
(1842-1908). De acordo
com Dantas (2001), sua principal preocupação foi com a prevenção de
distúrbios oftalmológicos associados à deficiência nutricional. É de Gouveia a
afirmação que o tratamento precisa ser orientado totalmente no sentido de
restaurar o estado geral profundamente comprometido do paciente.
Em relação ao ensino da oftalmologia, o Prof. Dr. Linneu Silva afirmava,
em 1942:
“A progressiva divisão do estudo da medicina em múltiplos
campos, já pelo enriquecimento cultural e técnico, propedêutico,
semiológico e terapêutico a que tem atingido progressivamente
a arte médica, donde maior possibilidade de aprimoramento de
seus cultores, já pela necessidade nos grandes centros de
melhor orientar os pacientes conforme a localização de seus
2
Atual Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
23
males, criou logicamente as especializações clínicas na prática
profissional.” (p.11)
O autor referiu que a subdivisão dessas atividades permitiu, pelo mais
rápido e intensivo contato e manejo com males semelhantes, um
aprofundamento cultural tendencioso e um enriquecimento técnico de minúcia
que muito vieram beneficiar o exercício da clínica nos vários setores em que
ela se subdivide na prática. Dizia, no entanto, que:
“O especialista jamais obterá o êxito clínico de que necessita
para o seu almejado sucesso profissional e antecipa que sua
demasiada especialização o levará, certamente, aos pólos
extremos da ciência pura ou da arte refinada pela formação de
sábios cientistas ou hábeis artistas, e de que tão largamente
vemos brilhantes exemplares em nosso meio e alhures, nas
cátedras ou nas academias, entretanto com justa razão
totalmente fracassados no campo mais anfractuoso da clínica,
no exercício propriamente dito da profissão médica, por
excelência.” (p.11)
No momento atual, em meio às críticas ao paradigma flexneriano de
formação médica, situa-se a preocupação sobre a importância do ensino das
especialidades – e da Oftalmologia, em particular – mas sem proporcionar uma
especialização precoce do aluno.
A hipertrofia histórica das especialidades refletiu-se, nos currículos de
graduação médica, em uma “super especialização” no ensino da oftalmologia.
De fato, à exceção da influência de alguns grandes nomes da oftalmologia
24
brasileira, que mantiveram sempre em primeiro lugar a necessidade do ensino
para o clínico geral, a maioria dos cursos passou a ser orientada no sentido de
valorizar a especialização. Na opinião de Azeredo (1976):
“Em geral, nós oftalmologistas, chegamos tão impregnados da
especialidade, que só a entenderíamos apresentada aos alunos
com a pompa dos aparelhos sofisticados, sem os quais,
pensamos, perderia sua característica, se desvalorizaria.” (p.57)
Analisando relatos dos professores Linneu Silva (1942), Renato de
Toledo (1966) e Almiro Pinto de Azeredo (1976), podemos identificar
importantes discussões sobre a pertinência do ensino da oftalmologia na
graduação médica, sobre a melhor forma para a sua execução e as
metodologias mais adequadas à realidade atual do ensino.
No início dos anos quarenta, o Prof. Dr. Linneu Silva (1942), catedrático
de oftalmologia, em sua aula inaugural do curso de clínica oftalmológica na
Faculdade de Ciências Médicas da atual Universidade do Estado do Rio de
Janeiro, ressaltava a importância da formação geral do médico e apresentava
seu curso informando que:
“Será conduzido, tendo em mira, sobretudo essa precípua
finalidade para melhor formação técnico-profissional do médico,
portanto, sem grandes preocupações doutrinárias abstratas,
nem minúcias técnicas de rigorosa especialização, procurando
dar aos alunos os conhecimentos práticos e doutrinários
necessários ao exercício policlínico da profissão para mais
seguro aproveito da grande maioria da turma.” (p.16)
25
O ensino, de acordo com o autor, seria baseado principalmente na
prática do atendimento de pacientes, valorizando a integração docente-
assistencial. O programa destacava os casos urgentes da especialidade, os
casos mais freqüentes e as manifestações oculares relacionadas com doenças
sistêmicas.
Em 1966, na palestra de abertura do XXX Curso de Atualização em
Oftalmologia do Centro de Estudo Moacyr E. Alvaro, da Escola Paulista de
Medicina, o professor Dr. Renato de Toledo (1966) fazia referência à crise
paradigmática da educação médica, trazendo para discussão a intensificação
da produção científica, o aumento exponencial do conhecimento e a inflação do
currículo. Atentava que:
“A sobrecarga excessiva dos currículos, a forma, por vezes
descontrolada, com que os mesmos são apresentados, os tem
forçado a memorizar matérias, logo esquecidas, tirando-lhes a
oportunidade de pensar, de raciocinar, de compreender o
sentido das cousas, e que muito mais importante é o adquirir o
conhecimento científico básico e o hábito do pensamento
racional e ordenado que o abarcamento dos fatos.” (p.23)
Criticava o sistema de ensino, valorizando, já naquela época, o estímulo
do aluno ao aprendizado e o “aprender a aprender”. Em relação ao
crescimento do conhecimento científico referia que:
“O necessário é saber selecionar o útil, aplicar quando preciso e
mais que isso, com os dados fornecidos pelas experiências dos
26
outros, vislumbrar novos caminhos, saber persegui-los, criar,
para participar da evolução” (op. cit. p.23)
No que diz respeito à pertinência do ensino da oftalmologia na
graduação, considerava o autor que não se desejava um resumo da
oftalmologia, mas um conhecimento bom dos capítulos de interesse geral,
afirmando que “é preciso descongestionar o currículo do ensino médico, mas
não é possível sacrificar o indispensável...” (p.50). O autor acreditava que o
ensino deveria estar calcado na prática e propôs, em uma perspectiva
profundamente coerente com a realidade educacional contemporânea, o
desdobramento do ensino da oftalmologia ao longo do curso médico,
entrosando-o com as outras cadeiras em momentos oportunos, para que o
relacionamento dos dados seja imediato, deixando para o curso de oftalmologia
propriamente dito a patologia ocular que o clínico deve conhecer.
Contudo, apesar dos discursos e das propostas de inovação, o que
prevaleceu no ensino da oftalmologia foi o isolamento da disciplina. A única
descrição identificada na literatura referente a mudanças na metodologia de
ensino, com propostas de modelos de inovação para a oftalmologia, foi feita
pelo Professor Dr. Almiro Pinto de Azeredo em 1976. Seu trabalho questiona a
necessidade de inclusão do ensino da oftalmologia no curso médico e, com o
objetivo de procurar novos “estilos” de cursos, avalia quatro modelos diferentes
de ensino da especialidade, que se apresentam de formas diversas, mas com
algumas características comuns, num período de três anos. Sempre foi
utilizada a estratégia do ensino em pequenos grupos, valorizando as atividades
práticas, em detrimento de aulas teóricas. O primeiro modelo enfatizou o
atendimento ambulatorial, sob supervisão. No segundo, os alunos foram
27
envolvidos em um projeto de levantamento da situação ocular de uma
população escolar. No terceiro modelo, que o autor apontou como tendo sido a
experiência mais empolgante, os alunos foram inseridos no atendimento a uma
comunidade próxima à Faculdade
3
, o que permitiu também um conhecimento
mais intenso da realidade social. A última experiência foi desenvolvida apenas
com internos, num curso extracurricular e teve por base o PBL (“Problem
Based Learning”), estratégia de ensino que o autor teve a oportunidade de
conhecer na sua estada na Universidade McMaster. A conclusão do trabalho é
de que possivelmente o melhor modelo de ensino de oftalmologia na
graduação médica deveria considerar todas as quatro experiências utilizadas,
sendo que a opção institucional por um ou outro dependerá de fatores
inerentes ao projeto pedagógico do curso que se propõe organizar.
Nos anos 80 e 90, apesar de toda discussão a respeito do ensino
médico, a julgar pela busca de literatura a este respeito, a oftalmologia se
mostrou pouco participativa e, a acomodação parece ter sido a realidade, no
ensino de graduação. Citando Cardoso de Melo, 1978, Guinguerra e cols.
(1998) afirmam que:
“O ensino da Oftalmologia no Brasil, de um modo geral, segue
uma sistemática que reflete tendências e experiências pessoais
de especialistas mais que o resultado concreto de avaliações de
objetivos e do produto final de ensino.” (p.546)
Uma opinião como a apresentada acima desencadeia também uma
reflexão acerca da necessidade de um processo amplo de capacitação dos
3
Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, onde o autor foi Professor Titular.
28
professores para o próprio exercício da docência, que não se limita apenas aos
aspectos referentes à didática. O planejamento educacional a partir dos
objetivos dos cursos e de seus respectivos desdobramentos em competências
profissionais a serem desenvolvidas constitui uma tendência contemporânea.
Uma maior compreensão da função do docente, com sua importância, o
conhecimento das estratégias de ensino e a definição precisa dos objetivos a
serem alcançados, bem como a preocupação com o estímulo ao aluno,
fazendo-o participar ativamente do seu aprendizado são importantes aspectos
que aumentam as chances de sucesso na difícil arte do ensino. A
contextualização e a pertinência da matéria ensinada darão significado ao
aprendizado. No que tange à oftalmologia, parecem ser poucos os que
compreendem essa dinâmica, mas exemplos como os do Professor Almiro
Azeredo precisam ser valorizados e devem ser empreendidos, de maneira
modelar. Em 1976, Azeredo já defendia que:
“Convém os olhos apresentados desvinculadamente da
especialidade, um mero componente humano, essencial. O
objetivo primordial será desenvolver, nos alunos, a capacidade
de perceber anormalidades no aparelho visual, criando a
necessidade de soluções.” (p.66)
Não cabem nesta discussão questões a respeito da importância do
ensino da oftalmologia no contexto da graduação médica. Nenhum exame
clínico será completo sem uma avaliação oftalmológica, ainda que básica.
Além disto, Spivey (1978) estimou que 10% dos pacientes que se apresentam
para atendimento clínico, o fazem por uma alteração ocular. Geyman (apud
29
Bellan, 1971) constatou que 2% do tempo de prática de um médico de família é
despendido no atendimento a queixas oculares.
Jacobs (1998) refere que o momento atual de reformulação do ensino
médico oferece concretamente ao oftalmologista a oportunidade de definir seu
papel na atenção à saúde, por intermédio da participação efetiva na educação.
Neste momento, é importante desenvolver uma análise mais
aprofundada sobre algumas questões conceituais a respeito de “currículo”,
posto que está neste ponto a possibilidade de realizarmos as mudanças
necessárias. Considera Maia (2003) que as intervenções nos processos de
educação ocorrem inexoravelmente por intermédio do currículo.
C. Currículo e Formação Médica
Atualmente, dentre as várias concepções de currículo, há uma tendência
à adoção de uma visão ampla, superando a visão conteudística e
fragmentadora de “grade curricular”. O significado foi, ao longo do tempo,
adquirindo uma maior complexidade, à medida que agregou aspectos
relacionados ao contexto e à inserção social do ensino. Maia (2003) afirma
que:
“O currículo é uma construção social da escola, um instrumento
pelo qual esta delimita um espaço onde vão ocorrer as
experiências de ensino e aprendizagem, com vistas a um
processo de formação, em um determinado nível de educação
escolar, durante um certo período de tempo.” (p.104)
30
O termo currículo tem origem no latim curriculum: corrida, local onde se
corre (Houaiss, 2001). Utilizado inicialmente em universidades medievais no
sentido de descrever os conteúdos de um determinado curso (o que se ensina),
o termo evoluiu para incluir procedimentos de ensino (o como se ensina) e de
avaliação (o que foi aprendido). A seguir, estabelece-se um conceito
relacionado a um plano educacional, surgindo, posteriormente, definições que
dizem respeito às experiências educacionais. Zimmer (1993, p. 25) afirma que
o “programa não se constitui em currículo enquanto não se transforma em
parte da experiência do educando.” Segundo Galli (1989, p. 345), currículo
deve ser entendido como uma “soma de experiências vividas pelo educando
sob os auspícios da escola.” Coll (1998) entende o currículo “como o projeto
que preside as atividades educativas escolares, define suas intenções e
proporciona guias de ação adequadas e úteis para os professores que são
diretamente responsáveis pela sua execução. (p.45)”. Sacristán (2000) refere-
se ao currículo como:
“A cultura da própria escola, através da qual se selecionam e
se organizam os conteúdos. Está intimamente relacionado às
condições institucionais refletidas na política curricular, na
estrutura e organização escolar. É o resultado das concepções
curriculares vigentes, entendidas como opções políticas,
concepções psicológicas, epistemológicas e sociais, filosofias e
modelos educativos”. (p. 18)
É importante perceber que as alterações das visões sobre o currículo
em relação ao seu conceito e amplitude não ocorreram isoladamente.
Tomando-se uma perspectiva histórica, percebemos que a evolução do
31
currículo ocorreu em paralelo com os questionamentos dos próprios valores
que orientavam a educação.
Ainda dentro de uma visão histórica, o currículo, na transição da Idade
Média para a modernidade, passa a constituir um instrumento de
compartimentalização dos saberes, servindo como fundamento para o
surgimento das disciplinas. A rigidez e o engessamento deste modelo curricular
garantiram a formação dos profissionais de saúde, em acordo com o
paradigma flexneriano, sedimentando assim o modelo biomédico de formação.
A estrutura disciplinar, por sua vez, induz ao planejamento baseado em
conteúdos e não em objetivos, não considerando a relação destes conteúdos
com os de outros campos e privilegiando a especialização precoce, tão
freqüente nos dias de hoje.
Com a crise paradigmática e com a emergência do paradigma da
integralidade, o questionamento do modelo curricular disciplinar evidenciou a
necessidade urgente de busca de novos currículos. É nesta ocasião que
percebemos também a ampliação das concepções de currículo. Maia (2003,
p.105) afirma também que “É por intermédio do currículo que se articulam a
teoria com a prática, a epistemologia com a didática, as necessidades sociais
com as propostas de formação e, portanto, a sociedade com a academia.”
A partir da década de 60, propostas inovadoras e integradoras passaram
a surgir na educação médica, sendo adotadas (com modificações ditadas por
peculiaridades institucionais e sociais) progressivamente por mais escolas.
No Brasil, em 1969, o atualmente extinto Conselho Federal de Educação
fixou o mínimo de conteúdos e duração a serem observados nos cursos de
graduação em medicina. Para Rosa (1996, p. 5), o parecer n° 506/69, que
32
fundamentou os currículos mínimos, “representou um avanço à época em que
foi aprovado. Insistiu na promoção da saúde do indivíduo e da coletividade; no
combate à especialização precoce; no uso racional do hospital e na
interdisciplinaridade.” No entanto, o então conhecido currículo mínimo deveria
servir de base para o estabelecimento de um currículo pleno. Os padrões
“mínimos” foram durante muitos anos adotados por muitas escolas, o que
resultou num fator impeditivo para o estabelecimento de cursos com formação
mais flexível.
Os modelos menos rígidos, por sua vez, passaram a prevalecer,
principalmente por constituírem uma forma melhor de atender às necessidades
de formação de um profissional moderno. O mundo globalizado exige atores
polivalentes e flexíveis. No caso da medicina, a crítica crescente à
especialização e a demanda por um profissional mais integrado dentro tanto de
sua prática como nos valores da sociedade atual foram determinantes para o
surgimento de novos modelos curriculares. Havia uma necessidade premente
de integração do então ciclo básico com o clínico e dos ciclos dentro de sua
própria estrutura.
Neste contexto teve início a reforma educacional no Brasil em 1995, e a
questão dos currículos passou a ganhar maior importância. A flexibilização dos
currículos veio com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional n°
9.394/96, que no inciso II do artigo 53 cria a necessidade de Diretrizes
Curriculares para os cursos de graduação e permite a eliminação dos
currículos mínimos. (Brasil, 1996)
33
Para Catani (2001):
O ideário de flexibilização curricular presente na elaboração
das diretrizes curriculares para os cursos de graduação, está
associado intimamente à reestruturação produtiva do
capitalismo global, particularmente à acumulação flexível e à
flexibilização do trabalho. Está associado também, à idéia de
que só a formação de profissionais dinâmicos e adaptáveis às
rápidas mudanças no mundo do trabalho e às demandas do
mercado de trabalho poderá responder aos problemas de
emprego e de ocupação profissional.” (p.77)
A discussão das diretrizes curriculares mobilizou uma ampla parcela da
comunidade interessada, com o objetivo de conferir legitimidade ao processo.
de discussão, que se iniciou com a publicação do edital 4/97. Conforme
anteriormente discutido, as IES foram chamadas a apresentar propostas para
as diretrizes curriculares dos cursos de graduação, a serem sistematizadas
pelas Comissões de Especialistas de Ensino de cada área. A partir de uma
extensa discussão conduzida pela Associação Brasileira de educação Médica e
da qual participaram também representantes da CINAEM e da Rede UNIDA, foi
elaborado entre 1999 e 2000 o documento que serviu de base para o texto das
Diretrizes Curriculares para os Cursos de Graduação em Medicina, aprovado
pelo Conselho Nacional de Ensino.
Com um texto extremamente rico, as Diretrizes definem o perfil
esperado do médico formando e ampliam a necessidade de formação para
além da capacitação cognitiva, delimitando-o como o de um médico
34
generalista, humanista, ético e consciente de sua função transformadora na
sociedade, preocupado com a promoção da saúde e com a prevenção das
doenças, com competências desenvolvidas nas áreas de gestão, comunicação,
liderança e educação permanente (Brasil, 2001).
Essa mudança no perfil do profissional médico formado no Brasil, em
acordo com as necessidades percebidas em todo o mundo, colocou em xeque
a perpetuação do modelo disciplinar e várias propostas de reformulação
curricular floresceram a partir daí. Algumas modificações já estavam
acontecendo e, em algumas escolas, já havia ocorrido uma reformulação
curricular. Como vemos em Rosa (1996):
“A atualização do currículo independe de mudança de
legislação. É atribuição das próprias escolas, no processo
contínuo de avaliação curricular a que devem estar obrigadas,
em contrapartida da autonomia sempre reclamada.” (p. 6)
O objetivo dos currículos passou a enfatizar a promoção de integração
entre disciplinas, conteúdos e docentes, proporcionando uma formação mais
integrada do indivíduo. Os ensino nos hospitais universitários, como um cenário
único de aprendizagem, passou a ser contestado e as escolas voltaram-se com
mais ênfase para as comunidades. A escola vai até o indivíduo, observa a
realidade e a partir daí orienta um plano educacional para dar conta dessas
necessidades.
Para promover essa integração, foram incorporados alguns modelos
curriculares menos tradicionais. Objetivando fugir do ensino linear e seqüencial
proposto pela arquitetura disciplinar, observamos o aparecimento de modelos
35
reticulares, valorizando a situação e não os conteúdos. Tal é a fundamentação
das metodologias problematizadoras, em que os conteúdos emergem à medida
em que sejam suscitados, promovendo uma aprendizagem mais significativa. O
máximo de integração obtida num currículo linear é a horizontal. Já o currículo
em rede permite uma integração tanto horizontal como vertical, na qual, em
torno dos núcleos temáticos, conteúdos básicos e profissionais são inter-
relacionados, fugindo das dimensões da ”seqüência” acadêmica que
tradicionalmente é adotada (Marcondes, 1998).
Uma possibilidade de equilíbrio curricular entre estratégias de
aprendizagem e conteúdos reside no currículo nuclear. Neste, os conteúdos
essenciais são oferecidos ao aluno e, a partir daí, o próprio estudante busca
integralizar o conhecimento em atividades ditas eletivas. Este desenho de
currículo proporciona um aprendizado individualizado e possibilita ao estudante
o direcionamento de sua formação (Maia, 2003).
Em relação aos modelos curriculares, passaram a prevalecer, pelo
menos no que concerne à perspectiva teórica, os que propunham uma
educação integrada e uma prática educacional centrada no aluno. Uma
decorrência de grande importância e que gradativamente passaram a se tornar
necessários outros cenários de ensino (além da sala de aula e do hospital).
Outra preocupação emergente diz respeito à importância que vem sendo
crescentemente atribuída à capacitação docente.
Para Lampert (2002), observa-se atualmente o desenvolvimento de
planejamentos curriculares que, de uma forma mais integrada, problematizam
os conteúdos a partir de situações práticas e significativas, com relação ao
futuro exercício profissional.
36
Outra tendência atual tem sido a valorização das competências.
Tomando como base a literatura sobre o assunto, Epstein e Hundert (2002)
propõem que:
“Competência é o uso habitual e criterioso da comunicação,
conhecimento, habilidades técnicas, raciocínio clínico, emoções,
valores e reflexão na prática diária para o benefício do indivíduo
e da comunidade atendida.” (p.226)
Os autores delimitam sete dimensões das competências, que podem ser
utilizadas como um dos nortes do planejamento curricular na área de saúde. A
dimensão cognitiva valoriza o conhecimento central do assunto, a capacidade
de comunicar-se e manejar informações, a possibilidade de aplicar o
conhecimento a situações reais, bem como de resolver situações abstratas.
Associado a isso, a capacidade do indivíduo identificar lacunas no
conhecimento, promover uma busca ativa deste e também de aprender a partir
das experiências. A dimensão técnica é definida pelas habilidades de exame e
de realização de procedimentos. A dimensão integrativa caracteriza-se pela
possibilidade de incorporar novos conhecimentos e associá-los aos já
presentes, bem como pela capacidade de lidar com as incertezas. A dimensão
contextual é definida no convívio no ambiente de trabalho e no uso racional do
tempo. Segue-se a dimensão relacional, que é voltada para o trabalho em
equipe, para as relações interpessoais e, mais uma vez, associada com a
capacidade de resolução de conflitos e de comunicação. A dimensão afetiva da
competência, especialmente importante para um profissional da área de saúde
relaciona-se com a tolerância, com o respeito pelo paciente, com o cuidado e
com a responsabilidade com o paciente e com a sociedade. A última dimensão
37
é a de hábitos da mente, caracterizada pela auto-crítica, pela curiosidade, pela
atenção e pela capacidade de querer perceber e aprender com os próprios
erros.
A possibilidade de definir essas competências e avaliá-las tem criado um
território frutuoso no desenvolvimento do planejamento alicerçado em
competências. As próprias Diretrizes Curriculares definem um perfil profissional
pautado em competências, e este parece ser um campo que ainda trará
resultados expressivos para a educação em todas as áreas.
Como podemos ver, o campo do currículo é amplo e a maioria das
escolas de medicina do país já repensa de forma mais séria as suas práticas
educativas desde 1991, com a CINAEM e, de forma ainda mais marcante,
depois das Diretrizes Curriculares. No entanto, ainda hoje podemos identificar
muitos cursos médicos organizados de acordo com o preconizado pela
Resolução n°8 de 8 de outubro de 1969, considerando a estrutura disciplinar
engessada, os currículos mínimos e sem uma preocupação definida com o
profissional a ser formado ou com a função da escola no contexto social e
político. Para Koifman (2001):
“As propostas de mudanças no sistema de saúde, em especial
no que concerne aos cuidados básicos com a saúde, não vêm
sendo acompanhadas pelos currículos dos cursos de medicina.
A educação médica no Brasil parece não valorizar o alcance de
objetivos coerentes com a realidade social, nem elaborar
planejamentos eficazes nesse sentido.” (p.50)
38
Tal visão mais integrada da educação realça uma preocupação
relacionada com a tendência da especialização precoce do aluno no curso
médico e, conseqüentemente, com o ensino das especialidades nos cursos de
graduação em medicina.
D. O ensino das especialidades no contexto da formação
generalista do médico
Duas são as questões principais a serem consideradas quando se fala
do ensino de especialidades. A primeira relaciona-se com a especialização do
aluno durante a graduação médica e a segunda refere-se ao ensino da
especialidade em si.
Parece que a tendência à especialização existe desde os primórdios da
medicina. Um comentário de Heródoto (apud Sayeg,1987) sobre a medicina
egípcia de seu tempo diz que:
“A arte da medicina é assim dividida: cada médico se dedica
única e exclusivamente a uma doença. Há em todos os lugares
abundância de médicos; alguns são para os olhos, outros para a
cabeça, outros para os intestinos; outros para desordens
internas.” (p.69)
Esta tendência especializadora, que tem raízes nos primórdios da
medicina sofre uma hipertrofia ao longo do tempo, à medida que a profissão
passa a ser ensinada valorizando-se a prática intra-hospitalar e os avanços
tecnológicos. No parecer de Lampert (2001), o avanço científico e as
especializações provocaram uma maior resolutividade da medicina, criando
39
áreas cada vez menores com um conhecimento cada vez mais profundo.
Refere a autora que os perfis do generalista e do especialista são antagônicos
e que na discussão não há consenso, pois um sabe sobre pouco com muita
profundidade enquanto que o outro tende a ter um conhecimento horizontal,
ampliando sua área de conhecimento, mas sem aprofundá-lo. Para Galli (1989,
p. 349), “o estudante entende que ser especialista dá mais prestígio; que certas
especialidades gozam entre a população e entre os médicos de mais
reconhecimento do que outras.”
Estudando 14 faculdades públicas de medicina, Campos (1999)
evidenciou que 86% da carga dos estágios práticos se desenvolvia dentro de
Hospitais Universitários e que:
“Em quase todos esses serviços ocorre um enfraquecimento
das equipes mais generalistas; pediatras, internistas e cirurgiões
são deslocados por professores envolvidos com aspectos muito
específicos da clínica. Em conseqüência, tanto o atendimento
quanto o ensino perdem seus eixos integradores,
compartimentalizando-se em esferas privadas, com pequena
integração entre si.” (p.189)
O autor lembra também que algumas séries transformaram-se num
emaranhado de disciplinas que pouco dialogam entre si, e que os cursos são
estruturados segundo uma lógica nem sempre adequada. Com efeito, em
nosso meio, observamos com freqüência que o desenvolvimento (e, por vezes,
hipertrofia) de um determinado Serviço assegura à respectiva especialidade o
40
status de disciplina curricular, culminando até mesmo com sua transformação
em Instituto...
Sayeg (1987) refere que:
“Questiona-se a validade da medicina especializada, tendo-se
como moldura ética a necessidade de universalizar o
atendimento em saúde, distribuindo-se serviços de diferentes
níveis de complexidade a toda população, proporcionais aos
problemas de saúde identificados e providos de forma racional”.
(p.66)
É importante perceber que tais reflexões não ocorrem somente no
Brasil. Ao evidenciar essa mesma tendência especializadora e uma excessiva
atenção dada ao desenvolvimento da pesquisa nos Estados Unidos, Watson
(2003, p. 661) reporta que “a missão originariamente central da escola médica
foi colocada na periferia devido à evolução dos centros médicos acadêmicos,
como uma resposta a interesses externos, sem preocupação com a educação.”
O autor alerta que as escolas médicas do século XXI devem redescobrir a
razão para a sua existência, salientando que somente elas têm a missão de
selecionar e educar a próxima geração de médicos responsáveis pelo cuidado
da população.
Como podemos verificar, apesar das transformações dos paradigmas
ocorridas e da crescente valorização do atendimento integral, ainda contamos
com escolas e com docentes que perpetuam a tendência à especialização,
fazendo-a aparecer cada vez mais precocemente dentro do curso médico.
41
É no contexto dessa estrutura disciplinar que o ensino de
especialidades médicas passou a ser organizado e fixou suas raízes. Desde os
primeiros cursos médicos, as especialidades estiveram geralmente isoladas
das demais disciplinas. Percebe-se que, até em escolas que adotam modelos
curriculares modulares, nucleares e outros modelos inovadores, há uma grande
dificuldade de integrar algumas especialidades às novas propostas de ensino,
não sendo incomum a manutenção de sua inserção sob a forma de disciplinas
isoladas (Batista e Maia, 2004).
A busca às fontes literárias evidencia que muito pouco se publicou a
respeito do ensino das especialidades médicas na formação do generalista.
Com efeito, em nosso meio, frente às Diretrizes Curriculares, esta temática é
ainda particularmente nova, e constitui, sem dúvida, um grande desafio.
Planejar a inserção de uma especialidade para o graduando, no âmbito de sua
formação geral, evitando especializá-lo precocemente é tarefa que tem
causado grandes dificuldades aos docentes destas áreas.
Existe ainda dentro do meio acadêmico médico uma tendência a
considerar que o docente de especialidade preocupa-se tão somente com a
orientação do ensino daquela pequena parte, sendo difícil promover a
integração. Tal percepção parece ressaltada com relação ao ensino de uma
especialidade dita cirúrgica.
Cabral Filho e Ribeiro (2004) chegam a referir, certamente em uma
perspectiva menos aprofundada de análise, que dermatologia, oftalmologia,
oncologia e outras áreas específicas encontram-se menos comprometidas com
a questão social, como se as especialidades se preocupassem tão somente
com suas áreas de saber, não considerando o mundo que as cerca. Del Nero ,
42
professor de medicina preventiva na Faculdade de Medicina de Jundiaí, já
falava, em 1980, que “transcendendo os limites de disciplinas, o caso da
prevenção da cegueira torna-se um problema social que requer participação de
vários setores profissionais.” (p.206)
Uma análise da literatura existente sobre a inserção atual da
oftalmologia na escola médica brasileira afigura-se neste momento importante,
com o intuito de tentar apreender a realidade atual e investigar o nível de
compromisso da especialidade com a formação do médico que se deseja.
E. A Inserção Curricular Atual da Oftalmologia na Formação Médica
no Brasil
O capítulo que apresentou um breve histórico do ensino da oftalmologia
em nosso país já demonstrou ser desnecessária a discussão sobre sua
pertinência.
Quando pesquisamos a inserção curricular da oftalmologia no Brasil,
observamos que, talvez por herança das transformações ocorridas no ensino e
na medicina ao longo do século XX, ocorreu um isolamento progressivo da
especialidade. Pela tradição de sua presença nos currículos praticamente
desde os primeiros cursos médicos fundados no país e, posteriormente, por
conta dos currículos mínimos, a oftalmologia é uma presença constante nos
cursos, principalmente sob a forma de disciplina, fato que prevalece até a
atualidade.
A disciplina tem geralmente uma carga horária pequena, o que reflete
uma tendência mundial. Ah-Chan (2001) refere que pouco tempo é alocado
para o ensino da oftalmologia nas escolas médicas e cita algumas estatísticas
43
demonstrando que este fato também ocorre na Austrália, Estados Unidos e
Reino Unido.
Em relação às estratégias e cenários de ensino, percebemos que as
aulas ocorrem preferencialmente dentro das salas, sendo a modalidade mais
usada a das aulas expositivas. Existem poucas referências quanto à
regularidade de atividades práticas. Um questionário aplicado na Unicamp,
para a avaliação discente do curso de oftalmologia (Marcondes, 2002) apontou
para um mau aproveitamento da carga horária, bem como para a necessidade
de: aprimorar as atividades práticas, organizar o ensino em pequenos grupos e
promover o estímulo à busca ativa do conhecimento pelo aluno.
Contudo, no cenário mundial verificamos que atualmente a oftalmologia
não integra o currículo de todas as escolas americanas. De acordo com
Liesegang (2003):
“A falta da obrigatoriedade do treinamento oftalmológico ocorre
pelo tempo excessivo desejado pelas especialidades, pela falta
de compromisso dos professores de oftalmologia nas escolas
médicas e pela grande disponibilidade de oftalmologistas e
optometristas na comunidades, tornando o conhecimento do
olho e de suas doenças considerado desnecessário ao médico
generalista.” (p. 116)
Nas escolas em que o ensino ocorre, não só nos Estados Unidos, como
também no Canadá, em discordância com os modelos mais prevalentes no
Brasil, percebe-se uma prevalência de metodologias ativas de ensino /
aprendizagem. Num estudo conduzido por Bellan (1998), dez das dezesseis
44
escolas estudadas tinham o currículo em PBL e duas estavam implantando o
PBL em seus cursos. Nessas escolas, os conteúdos de oftalmologia eram
incluídos no contexto dos problemas discutidos pelos alunos. Em relação aos
programas, os currículos abordavam os seguintes tópicos: olho vermelho,
oftalmopediatria, neuro-oftalmologia, trauma ocular, glaucoma, manifestações
oculares de doenças sistêmicas, doenças retinianas, catarata, degeneração
macular, perda aguda e crônica da visão, erros refrativos e fisiologia. Em
relação às habilidades técnicas foram privilegiadas a aferição da acuidade
visual, a eversão da pálpebra e a realização da oftalmoscopia direta.
No Brasil, percebe-se que o avanço inegável da oftalmologia como
especialidade nem sempre se refletiu na qualidade do ensino no curso
médico...
Frente a toda a discussão desenvolvida, algumas questões se impõem
no contexto da Oftalmologia e da Educação Médica e que norteiam o presente
trabalho de pesquisa:
Como se dá, no presente momento, a inserção do ensino da
Oftalmologia nos currículos médicos brasileiros?
Quais são as principais características do planejamento do ensino da
oftalmologia que possam dar conta de uma formação geral do
médico, em uma perspectiva de maior integração?
45
OBJETIVOS
Com a intenção de fornecer respostas às questões formuladas, o
presente trabalho assume como objetivos de pesquisa:
Caracterizar, em escolas médicas brasileiras, a inserção curricular
da oftalmologia.
Identificar e discutir percepções e conceitos de docentes gestores
desses cursos e de professores responsáveis da área de
oftalmologia quanto a possibilidades de inserção da especialidade
na graduação médica, que, em conformidade com as Diretrizes
Curriculares Nacionais, possam favorecer o desenvolvimento, pelo
estudante, de competências relativas à especialidade, dentro de
uma visão global do ser humano.
Desta forma, o intuito final da pesquisa é desvendar características do
ensino da oftalmologia nos cursos que permitam a proposição de princípios
norteadores para a inserção integrada da especialidade, tendo por meta a
formação geral do médico.
47
PROCEDIMENTOS
METODOLÓGICOS
A. Contexto e Sujeitos da Pesquisa:
Como anteriormente discutido, uma parte significativa da história da
educação médica brasileira ocorreu no Rio de Janeiro. Com efeito,
observamos que a maioria das escolas médicas ali situadas tem propostas
curriculares tradicionais, com desenhos disciplinares. Assim, podemos
considerar que uma amostra de escolas daquela região é representativa do
conjunto das instituições com projetos pedagógicos tradicionais de nosso país.
Foram, portanto, pesquisadas as seguintes Escolas Médicas do Estado
do Rio de Janeiro:
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ),
Universidade Federal Fluminense (UFF),
Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ),
Universidade Estácio de Sá,
Universidade do Grande Rio Prof. José Souza Herdy - Unigranrio e
Faculdade de Medicina de Campos.
Com o intuito de ampliar o estudo a respeito da inserção curricular da
oftalmologia em escolas médicas brasileiras, foram também incluídas nesta
pesquisa instituições que realizaram mudanças em seu projeto pedagógico
rompendo com a estrutura disciplinar tradicional. Utilizando como critério de
seleção o fato de a escola já ter turmas graduadas na nova modalidade
curricular, foram selecionadas para pesquisa a Faculdade de Medicina de
Marília (FAMEMA) e a Faculdade de Medicina da Universidade Estadual de
Londrina (UEL). As duas instituições têm seu currículo desenvolvido a partir de
49
uma metodologia problematizadora: o PBL (“Problem-Based-Learning” ou ABP
– Aprendizagem Baseada em Problemas).
Em todas as Instituições de Ensino Superior inseridas na pesquisa,
inicialmente foi feito um contato com o Diretor da Escola, que assinou o termo
de consentimento livre e esclarecido, seguindo os padrões determinados pelo
Comitê de Ética da Unifesp, autorizando a investigação dentro de sua
instituição (Anexo I).
Numa segunda etapa, foi estabelecido contato direto com professores
universitários que ocupavam o cargo de Coordenador de Graduação de
Medicina e Coordenador da Disciplina de Oftalmologia, para o agendamento e
realização das entrevistas.
Todos os sujeitos da pesquisa autorizaram a realização e divulgação
dos resultados da mesma, de acordo com o termo de livre consentimento
assinado (Anexo II).
B. Coleta de Dados:
Os currículos das escolas, bem como os planos e programas de
oftalmologia foram estudados por intermédio da análise documental. Tais
documentos foram obtidos diretamente com o coordenador do curso e o
docente responsável pela oftalmologia. Quando necessário, foram solicitados
dados complementares junto à administração das escolas.
50
Foram realizadas entrevistas semi-estruturadas com os sujeitos da
pesquisa, sendo os registros magnéticos posteriormente transcritos e
analisados.
Para Marconi (2002), a característica da pesquisa documental é que a
fonte de coleta de dados está restrita a documentos, escritos ou não,
constituindo o que se denomina de fontes primárias. Utilizamos para a coleta
documentos oficiais das Escolas, que representam uma fonte fidedigna de
dados. A limitação principal desta análise é que o pesquisador nem sempre
tem acesso a informações referentes à geração (história) do documento, que
por vezes pode ter também o perfil de uma publicação mais administrativa,
visando a gerar uma determinada “imagem” da organização. Para evitar este
viés, os dados foram confirmados pessoalmente com os docentes.
A entrevista foi a técnica escolhida para a obtenção dos dados com os
coordenadores e professores. Alves-Mazzotti (1998) refere que:
“Por sua natureza interativa, a entrevista permite tratar temas
complexos que dificilmente poderiam ser investigados
adequadamente através de questionários, explorando-os em
profundidade.” (p.168)
Optamos pela realização de entrevistas principalmente pela maior
flexibilidade dessa estratégia, pela oportunidade de avaliação conjunta das
atitudes e condutas, bem como pela possibilidade de obtenção de dados que
não se encontram em fontes escritas.
51
Ainda a respeito da entrevista, Rampazzo (2002) a conceitua como um
encontro entre duas pessoas a fim de que uma delas obtenha informações a
respeito de determinado assunto, mediante conversação de natureza
profissional. Trata-se, pois, de um diálogo realizado face a face, de maneira
metódica, proporcionando verbalmente a informação necessária.
Com relação a esta pesquisa, a entrevista possibilitou que o
entrevistador e o entrevistado tivessem mais liberdade na abordagem das
temáticas, favorecendo a obtenção dos dados de forma mais ampla e profunda.
Embora o entrevistador tenha utilizado um roteiro previamente elaborado, as
questões não se limitaram às previstas, seguindo o fluxo do diálogo e
valorizando dados que surgiram de forma espontânea no decorrer do processo.
Não se configuraram, durante a coleta dos dados, as limitações
relatadas na literatura com relação à técnica da entrevista, pertinentes ao
aspecto relacional entre o entrevistador e o informante e à limitação de tempo
tanto para realização quanto para transcrição e a análise dos dados.
Entretanto, não foi possível entrevistar um dos sujeitos (P7), por
impossibilidade de agendamento e desinteresse em responder a uma
mensagem eletrônica com as questões que seriam formuladas pessoalmente.
Os anexos III, IV e V apresentam os roteiros para a análise documental
e para as entrevistas.
52
C. Análise dos Dados
A organização e a compreensão dos dados resultantes de uma pesquisa
qualitativa são realizadas através de um procedimento continuado em que se
procura identificar dimensões, categorias, tendências, padrões e relações entre
os dados, desvendando-lhes os significados. Trata-se de um processo
complexo, não linear, que implica em um trabalho de redução, organização e
interpretação dos dados, que se inicia já na fase exploratória e acompanha
toda a investigação (Alves-Mazzotti, 1998).
Os textos referentes às transcrições das entrevistas foram submetidos a
uma análise que tomou como fundamentos eixos temáticos, tendo sido
utilizada, na interpretação dos dados, uma estratégia baseada na análise de
conteúdo. Segundo Freitas-Janissek (2000), esta é uma técnica de pesquisa
destinada a tornar replicáveis e validar inferências, em um contexto que
envolve procedimentos especializados para o processamento de dados de
forma científica. Segundo Bardin (1996), a análise de conteúdo pode ser
definida como:
“Um conjunto de técnicas de análise das comunicações que,
através de procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição
do conteúdo das mensagens, visa obter indicadores
(quantitativos ou não) que permitam a inferência de
conhecimentos relativos às condições de produção e de
recepção (variáveis inferidas) destas mensagens.” (p.47)
53
Desta forma, os dados originados nas entrevistas foram agrupados em
eixos / unidades de análise e interpretados, buscando-se apreender os
significados contextualizados dos mesmos para os sujeitos dos quais se
originaram.
Os dados referentes à pesquisa documental também foram
categorizados e analisados de forma semelhante.
54
RESULTADOS E
DISCUSSÃO
Das oito faculdades de medicina estudadas cinco eram públicas e três
privadas. Os dados obtidos pela análise dos documentos fornecidos pelos
coordenadores de cursos referentes aos desenhos dos currículos e à inserção
da especialidade nos mesmos encontram-se resumidos no Quadro 1.
Observou-se que a estrutura disciplinar tradicional da oftalmologia foi a
mais prevalente.
O estudo dos programas de oftalmologia buscou caracterizar objetivos,
conteúdos e estratégias de ensino/aprendizagem e avaliação referentes ao
ensino da especialidade. Neste aspecto, constatou-se que em nenhuma das
escolas com estrutura disciplinar ou modular foi possível obter um
planejamento de ensino estruturado. O único documento disponibilizado para a
pesquisa pelos docentes foram programas com os conteúdos disciplinares, que
incluíam apenas as atividades de ensino: temas, tipo (aula expositiva,
seminário ou outro), professor responsável, horário e local, bem como as datas
das avaliações. Assim, os dados acima especificados foram obtidos por
intermédio das entrevistas.
No que diz respeito às duas escolas com metodologia PBL, não havia,
como esperado, frente à integração curricular, dados referentes à oftalmologia
em si. Na escola 7 a oftalmologia estava inserida na discussão dos casos-
problema, ao longo do curso. Contudo, as competências técnicas cujo
desenvolvimento seria desejável não eram explicitadas no Projeto Pedagógico.
56
A instituição também oferecia a opção de estágio na especialidade, durante a
sexta série (internato).
Na escola 8 havia uma definição precisa de objetivos relativos à
oftalmologia, entretanto exclusivamente no que se referia ao internato, sendo
estes os seguintes:
“Identificar, por meio de propedêutica simples e adequada, as principais
patologias do globo ocular e anexos relacionadas às doenças sistêmicas;
Identificar, por meio da história e propedêutica clínica, as principais
patologias causadoras de perda súbita e progressiva da visão;
Identificar as facilidades disponíveis na comunidade para a reabilitação
visual, avaliando criticamente as possibilidades e limitações;
Indicar reabilitação para a integração social dos deficientes visuais e
Indicar a terapêutica mais apropriada para as urgências e patologias
oculares mais freqüentes.”
As tarefas a serem desempenhadas pelos alunos também constavam do
planejamento do internato, sendo elas:
“realizar exame clínico do globo ocular e anexos;
participar do atendimento de urgências oftalmológicas;
participar do atendimento ambulatorial da disciplina
participar das reuniões clínicas da disciplina.”
Apesar da declaração precisa dos objetivos, o currículo não explicitava
como estes seriam atingidos, ainda estando em discussão a melhor forma de
participação da disciplina de oftalmologia no curso.
57
58
Os parágrafos posteriores apresentam e discutem os dados referentes
às entrevistas, tanto com coordenadores de cursos (C1 a C8) quanto com os
professores responsáveis pelo ensino da oftalmologia nas escolas (P1 a P8,
guardando relação com a enumeração dos coordenadores). Como
mencionado anteriormente, não há dados referentes a P7.
A análise, conforme anteriormente discutido, ocorreu segundo eixos
temáticos. Foram incluídas algumas falas representativas das percepções dos
sujeitos a respeito dos dados discutidos, com o intuito de apresentar o material
primário a partir do qual as concepções foram abstraídas e também como uma
forma de oferecer ao leitor elementos para outras possíveis leituras.
59
Escola 1 Escola 2 Escola 3 Escola 4 Escola 5 Escola 6 Escola 7 Escola 8
Natureza da
instituição
Pública Pública Privada Privada Pública Privada Pública Pública
Características
gerais do currículo
Disciplinar Nuclear Disciplinar Disciplinar Disciplinar
integrado
Disciplinar Nuclear
integrado
– PBL
Não
disciplinar
integrado -
PBL
Número de alunos
por turma
80 92 120 96 90 80 80 80
Momento (s)
5° ano
+
internato
opcional
8°período
+
internato
opcional
10°período 8° período
+
Internato
opcional
7° período 4° ano Não
definido +
internato
opcional
Não
definido +
internato
obrigatório
Carga horária
do curso
30 h 40 h 40 h 60 h 25 h 60 h Não
definida
Não
definida
Inserção curricular da
oftalmologia
Docentes
participantes
7 6 3 3 5 6 7 8
Quadro I: Informações referentes às escolas médicas pesquisadas e à inserção curricular da oftalmologia
A. Perfil Desejado de Formação do Estudante e o Ensino de
Oftalmologia
No tocante ao perfil desejado de formação do aluno de graduação
médica, todos os coordenadores dos cursos entrevistados consideraram a
necessidade de uma formação geral. Este conceito já poderia ter sido
antecipado, uma vez que todos atuam dentro da área educacional e norteiam o
planejamento dos projetos político-pedagógicos de suas escolas de acordo
com as Diretrizes Curriculares Nacionais.
C2: “(...) como o nosso currículo é um currículo direcionado ao
MEC, ao médico geral, nós não formamos especialistas...
Então, na verdade, o sentido da disciplina é dar uma formação
bem geral mesmo. Tanto que não dá nem tempo da pessoa se
tornar um especialista, e nem é o objetivo.”
C5: “(...) o objetivo nosso nesses seis anos é de formação geral,
não é a formação de um especialista.”
Observou-se, porém, uma tendência dos coordenadores em
responsabilizar os especialistas por se afastarem da formação geral do
profissional, quando programam seus cursos:
C8: “Na nossa maneira de ver, os problemas são os
especialistas, não só da oftalmologia. Pode ser de cardio, de
nefro, de endócrino, de hemato. Eles não estão preocupados
com a formação global. Então, a falta da visão global não está
61
em quem organiza o curso de graduação, mas nos
especialistas, porque eles têm uma visão muito estreita das
coisas. Para a oftalmologia só interessam os olhos. Para o
otorrino o ouvido, o nariz e a garganta e cardiologista só o
coração. (...) Porque o nosso grande problema é quebrar essa
visão do especialista e trazer a oftalmologia para um clínico
geral, para um cirurgião geral, o que ele tem que saber.”
C5: “Eles pensam que eles estão ensinando para a
especialização. Eles esquecem que eles estão ensinando para
a graduação, então eu acho que toda hora, é o que a gente tem
que estar lembrando... e não é só em relação à oftalmologia”.
Estes conceitos mostraram-se em total oposição às falas dos próprios
professores de oftalmologia. Todos entendiam a necessidade da formação
geral do profissional, da associação com a clínica e estruturavam os cursos
para atingir esses objetivos:
P4: “O curso é elaborado para o clínico geral. Não é elaborado
para médicos especialistas em oftalmologia, nem para pessoas
que queiram cursar a especialidade depois.”
P1: “(...) eu acho que a oftalmologia está muito relacionada à
pediatria, muito relacionada a outras especialidades básicas que
são importantes para a formação do médico geral, não estou
falando do especialista. O conhecimento da pediatria, o
conhecimento da clínica médica, da própria cirurgia, da
62
emergência...Então eu acho que a disciplina da oftalmologia é
importante. Que ela exista como disciplina e que ela dê uma
formação geral ao médico.”
P2: “A nossa proposta com o curso, que é um curso intensivo
durante uma semana, é dar noções básicas... eu sempre peço
aos professores que eles não sejam microespecialistas, que
eles tenham uma noção global.”
Tal visão está em acordo com as Diretrizes Curriculares, já tendo sido
apontada em outros trabalhos. Em 1978, Marcondes apresenta os “sete
pecados capitais dos currículos”, sendo o marco conceitual da formação do
médico geral o primeiro deles. Refere o autor que “na hora de montar o
currículo, fatores poderosos prevalecem e o resultado é um currículo
primorosamente adequado à formação especializada.”
Percebe-se, desta forma, que a discussão do perfil de formação não é
nem recente nem simples, considerando-se as dificuldades na transformação
do ensino médico. De fato, na segunda metade do século XX vieram à tona
muitas discussões no âmbito do assim chamado “pensamento curricular
brasileiro” por movimentos que proporcionaram mudanças curriculares
concretas. É nesse momento em que, no Brasil, no campo da formação
superior em saúde, são incorporadas e desenvolvidas propostas educacionais
inovadoras, que vão desde as estratégias de ensino até transformações
radicais dos currículos escolares (Maia, 2003).
63
Um fato interessante evidenciado por esta pesquisa é que nem todos os
professores dos cursos conheciam as Diretrizes Curriculares e que alguns,
apesar de docentes há muitos anos, sequer demonstravam interesse no
assunto. Este aspecto será melhor discutido no item referente à capacitação
docente dos educadores médicos.
B. Inserção Curricular da Oftalmologia nas Escolas Médicas
Todas as escolas estudadas realizaram algum tipo de mudança
curricular desde 1993, sendo que duas instituições privadas passaram a
funcionar após 1996, ano da promulgação da Lei de Diretrizes e Bases para a
Educação no Brasil. As mudanças das escolas variaram desde alterações
pontuais da grade curricular e ampliação da carga horária do curso para
permitir o aparecimento de áreas verdes, como foi o caso da Escola 1, até a
implantação de um novo projeto político-pedagógico com profundas alterações
em suas estruturas curriculares, como ocorreu nas Escolas 7 e 8.
No que concerne à inserção curricular da oftalmologia, os sujeitos
caracterizaram a estruturação predominantemente disciplinar e isolada,
geralmente em um conjunto de outras disciplinas referentes a especialidades
cirúrgicas:
C3: “Quando você vai para o décimo período em que você entra
na atenção integral ao paciente adulto, aí você vê a cirurgia do
adulto, da criança, especialidades cirúrgicas e aí nesse contexto
vem a oftalmo, a otorrino,a urologia e a ortopedia... Por que é
que ela aparece no décimo-primeiro período? Porque é uma
64
especialidade cirúrgica. Por que é que ela vai aparecer lá na
graduação e o aluno não tem noção nenhuma de cirurgia...”
C6: “Então dentro dessa lógica a oftalmologia adquiriu uma
importância de cadeira, muito embora de especialidade, mas
uma disciplina bem colocada dentro do currículo, de forma
independente.”
Os professores responsáveis pelos cursos de oftalmologia valorizaram
com ênfase a disciplina, conferindo-lhe inclusive caráter de obrigatoriedade no
currículo:
P1: “Eu acho que a oftalmologia... ela faz parte... Eu acho que é
uma área importante, eu não posso ver a oftalmologia como
uma disciplina que não seja obrigatória.”
Em uma das Escolas estudadas, assim se expressou o professor
responsável:
P3: “A Disciplina de Oftalmologia precisa ser valorizada, porque
ela cria pós-graduação. Daqui a pouquinho você não vai ter
mais residência de oftalmologia, não vai ter pós-graduação, não
vai ter mais nada, porque... acabou!”
A pertinência da especialidade na formação médica geral é partilhada
por outros autores e a esse respeito (Spivey, 1970; McCarthy e cols., 1977; Ah-
Chan, 2001).
65
Neste contexto, duas questões afiguram-se como relevantes. A primeira,
relacionada à valorização da oftalmologia como disciplina, remete-nos ao
modelo biomédico e à tendência à formação especializadora, muito presente e
ainda arraigada em nossas escolas médicas. O modelo flexneriano, que
norteou o ensino até recentemente, ainda encontra adeptos que assumem a
necessidade da disciplina como um “espaço de poder” dentro da instituição de
ensino.
C2: “Embora as cátedras tenham acabado, ainda existe muito
do espírito da titularidade. Então eu acho que a pessoa quando
faz um concurso para titular ele acha que ele vai ser o dono
daquele espaço. Isso ainda existe muito no espírito.”
A segunda questão refere-se ao momento do curso no qual é inserido o
ensino da oftalmologia. Vemos que a disciplina ocorre habitualmente antes do
internato, na maioria das vezes de forma concomitante a outras especialidades
cirúrgicas.
P3: “No décimo período (...) a turma (...) é toda dividida em
grupos. Inicialmente é dada essa “imersão” (...) em várias
especialidades cirúrgicas. Essa imersão é em oftalmo,
ortopedia, otorrino,cirurgia pediátrica e cirurgia geral.”
Nos currículos em PBL, como seria esperado, não existe um momento
curricular específico para o ensino da oftalmologia, sendo que os conteúdos da
especialidade integram a aprendizagem do aluno de acordo com a
necessidade e a problematização.
66
C8: “Quando você está trabalhando na UBS e encontra um
problema ocular, é a hora de ensinar oftalmologia a respeito
daquilo. E não dar uma aula sobre oftalmologia, que depois de
dois anos ele vai esquecer. E aí essa aula que você deu não
tem motivação”
P8: “A graduação não tem nada preparado para que eles
possam interessar-se [pela oftalmologia]. Nós não tivemos nada
montado para graduação aqui, basicamente agora nós estamos
voltando os olhos para graduação, mas pela mudança do
currículo...”
Foi possível observar, entretanto, que, mesmo nos cursos tradicionais, já
existem propostas de ampliação da participação da oftalmologia nos currículos,
surgindo inclusive atividades de integração que buscam romper com as
limitações impostas pelo desenho disciplinar.
C5: “O ideal eu acho que seria esses professores da
oftalmologia participarem de forma integrada com os
professores da clínica médica, na medida em que os temas
fossem abordados, quer sejam eles os temas mais prevalentes,
como a hipertensão e o diabetes, quer os temas mais
complexos, como por exemplo as colagenoses, que também
têm extrema importância.”
P1: “Eu acho que a inserção é importante e ela já existe. Nós já
participamos de algumas atividades. Isso é feito a convite (...)
67
não há vamos dizer assim, um “protocolo de intenções”, é um
convite.”
As dificuldades para esta integração mostraram-se relevantes, tanto na
ótica de coordenadores quanto de professores, sendo a resistência dos
docentes em participarem uma tônica nas respostas, inclusive representando
um fator impeditivo à continuidade de alguns processos.
C5: “Então hoje, o que falta, é um maior entendimento entre os
diferentes professores que dão todos esses assuntos para que
a gente faça de fato uma disciplina única. Porque hoje existe a
disciplina, só que em poucos momentos ela acontece de forma
integrada.”
C1: “Mas as dificuldades de você colocar os profissionais do
Departamento de Especialidades junto com os do Departamento
de Medicina Interna para fazerem um trabalho em conjunto são
grandes. Até para colocar um horário comum que eles venham
todos, sentem e discutam. Mas a gente vai trabalhar nesse
sentido.”
C5: “Voltando a como a oftalmologia está sendo ensinada aqui,
quais são os espaços, eu acho que por dificuldade dessa
comunicação, ela pouco está participando dessas outras
disciplinas.”
68
C6: “Existe um desejo muito grande disso [de integração], mas
eu tenho a impressão que ainda é difícil, porque as pessoas
ainda estão naquela de ser convidado. Poucas pessoas se
oferecem.”
P5: “Nunca houve uma iniciativa de que a gente [oftalmologia]
fosse chamado para participar, junto. Nem da parte de adulto,
quer dizer da cardiologia, neuro, todos os lugares em que
estaria prevista uma certa inserção, na prática isso não
aconteceu. Então o que é que aconteceu? De repente voltou a
ter um curso de oftalmologia inserido, que é um curso básico,
com uma carga horária pequena.”
Lima-Gonçalves (1999) refere que, no modelo tradicional de ensino, da
mesma forma que as disciplinas nem sempre guardam relação com o currículo
como um todo, as aulas são ministradas por especialistas, sem preocupação
de sua relação com o conjunto programático da própria disciplina:
“(...) a regra é que os professores são profissionais altamente
especializados em aspectos particulares do programa dentro do
conjunto departamental. Daí o fato de que a seqüência das
aulas assemelha-se às contas de um colar: cada qual brilhante
em si mesma, mas quase sempre ignorando a conta anterior ou
a que se segue, sendo baixa a preocupação da inserção de
cada um no conjunto programático.” (p. 204)
69
Percebemos que as transformações do ensino médico vêm impondo
mudanças nesta estrutura. Apropriando-se do conceito de “tradição inventada”
de Hobsbawn e transpondo-o para área do currículo, Goodson (1999) afirma
que essa linguagem é com freqüência empregada quando disciplinas
tradicionais são justapostas contra alguma inovação recente sobre temas
integrados. Percebemos que, mesmo nos currículos tradicionais, incorporam-se
cada vez mais mudanças, no sentido de propor a articulação não só entre as
disciplinas de um mesmo período (integração horizontal), como também ao
longo do curso (integração vertical). Com freqüência vemos aparecer cada vez
mais nos currículos médicos os chamados “eixos integradores”, constituindo
esta uma forma de atingir os objetivos de formação de um profissional capaz
de atender às demandas da sociedade atual.
C6: “Então esse é um dos eixos que eu te falei. O nosso
currículo manteve as disciplinas e criou três eixos integrados,
que são verticais, da primeira a quarta série do currículo e que
tem entre duas a quatro horas por semana. Desde o primeiro
ano. É essa é a problematização que a gente usa. Os casos que
surgem lá na saúde da família são trazidos e com o tutor eles
discutem (...) e começam a sugerir as opções para esses casos,
baseados não só em conteúdos humanísticos como em
conteúdos biológicos e sociais também.”
C4: “A gente, quando instituiu a saúde da família como eixo do
currículo, colocou-os [os alunos] em atividade prática, no
70
primeiro período numa ONG, no segundo num centro de saúde
e no terceiro na unidade de saúde da família.”
Por outro lado, algumas das experiências docentes relatadas apontaram
como uma possibilidade a inserção longitudinal da oftalmologia, sob a forma de
“pulverização” dos conteúdos ao longo do currículo, em integração com outras
grandes áreas da formação. Entretanto, a visão de disciplina isolada ainda
parece ser um modelo prevalente na intencionalidade dos entrevistados, seja
por dificuldades institucionais seja por fatores relacionados ao corpo docente:
C2: “Isso é uma proposta [pulverizar os conteúdos das
especialidades na clínica] (...) Agora a gente vai começar uma
rediscussão curricular e essa é uma proposta que nós já vamos
fazer na rediscussão.”
P1: “Esse ensino pode ser fragmentado em outras disciplinas,
ou pode ser uma disciplina isolada (...) na minha visão, eu acho
que ainda é interessante um curso, ministrado.”
C1: “Agora dentro dessas disciplinas, que a gente não pretende
acabar com as disciplinas, a gente pretende fazer com que
exista mais transdisciplinaridade. Que as disciplinas continuem
com a sua organização. A sua organização estrutural, a parte
organizacional permaneça. O que modifica é o conceito de
aprendizado dessas disciplinas, nesse sentido de ter essa
interação.”
71
P2: “À medida em que aparecesse a patologia e fosse
exatamente inserido naquela patologia, do ponto de vista
sistêmico, o que a gente poderia fazer na prevenção... mas eu
acho que isso é um desafio muito difícil, em termos presentes.”
A resistência maior a esta nova proposta menos fragmentadora veio,
paradoxalmente, de uma escola que realizou uma reforma curricular numa
perspectiva de integração entre as diferentes áreas de formação. A disciplina
seria extinta e seus conteúdos distribuídos ao longo do curso. O que ocorreu
foi apenas a primeira parte da proposta, sendo que, no momento, a
participação da oftalmologia limita-se a cinco aulas durante o curso de cirurgia
geral. Assim se expressa o docente responsável:
P5: “Na realidade, a oftalmologia foi extinta como disciplina
isolada. Quer dizer, essa era a proposta, não existe uma
disciplina isolada, a gente faz parte de um contexto de inserção
nas outras. Aí, que outras são essas? Normalmente haveria
dois currículos muito grandes, partindo do, se eu não me
engano, partindo do quarto ou quinto período, eles começam
com uma medicina integral do adulto e uma medicina integral da
criança e do adolescente. São duas vertentes que vão direto. Aí
vão entrando as disciplinas relacionadas no adulto e
relacionadas na criança. De fato essa descaracterização como
disciplina aconteceu, o resto não aconteceu.”
72
A observação acima demonstra a necessidade do esforço conjunto de
todos os atores envolvidos no processo de mudança para que novas propostas
possam ser implementadas. A título de exemplo, na fala acima, o docente,
ativamente inserido na comunidade acadêmica, parecia conhecer a proposta
curricular da escola de uma forma extremamente superficial. Em decorrência,
durante a entrevista ficou claramente demonstrada, por suas atitudes, uma
postura de oposição ao novo modelo...
A falta de compromisso com o projeto político-pedagógico institucional
quer por docentes, discentes ou gestores é um dos principais fatores de
insucesso de uma mudança curricular, do que pode originar-se até uma perda
de qualidade do processo de formação, com relação ao modelo pedagógico
anterior.
Algumas experiências educacionais foram citadas pelos entrevistados
como estratégias de integração entre os serviços e disciplinas. Tais atividades,
posteriormente discutidas neste texto, pautaram-se pelo desenvolvimento, pelo
estudante, das competências necessárias à sua futura prática profissional,
extrapolando a perspectiva do planejamento a partir de conteúdos e
permeando cenários, estratégias e objetivos de ensino.
C. Competências Desenvolvidas pelo Ensino da Oftalmologia nos
Cursos de Graduação Médica
Lima-Gonçalves (1999, p. 185) considera que: “A educação pode ser
assumida como o conjunto de competências intelectuais e manuais que se
73
deve adquirir e de qualidades morais que é preciso desenvolver ao longo de
uma vida.”
O conceito de que o currículo deve ser voltado para o desenvolvimento
de competências profissionais é uma tendência da atualidade. Em que pese o
volume crescente de teoria e publicações acerca deste assunto, a efetiva
mudança nos conceitos de planejamento curricular em direção a competências
ainda parece difícil de ser alcançada. Para Perrenoud (1999, p. 86), “se a
abordagem por competências não passar de uma linguagem da moda, ela
modificará apenas os textos e será rapidamente esquecida.” O autor ressalta
ainda que se a opção ocorrer no sentido da prática, muito ainda há para se
discutir e que a construção de competências desde a escola irá requerer
“paciência e longo tempo”.
O texto final das Diretrizes Curriculares aponta claramente, pela primeira
vez na história da educação superior neste país, para a formação do
profissional pautada pelo desenvolvimento de competências nas diversas áreas
do exercício profissional. Esta proposta implica inexoravelmente em uma
reestruturação não apenas de práticas, mas de conceitos, de fundamentos
pedagógicos, que possam de fato ampliar e transformar o processo
educacional. Observando os currículos atuais, percebemos que aqueles que se
fundamentam em metodologias ativas de aprendizagem são os que mais se
aproximam desta possibilidade de organização por competências.
C8: “Nós não organizamos o currículo de acordo com o
conteúdo. Isso é uma coisa muito recente [mostrando o mapa
de competências]. É o currículo baseado na competência. Hoje
74
se fala muito em competência. E nós fomos atrás dos conceitos
de competência que é um negócio muito confuso. Eu achei 27
definições de competência. Isso aí é uma coisa nova que a
gente quer implantar agora.”
C4: “Eu acho que, primeiro o conceito de competências e de
habilidades é misturado na cabeça das pessoas, ainda. O oitavo
período é notório por se esforçar a aprender quais são as
habilidades que são fundamentais.”
C8: “Então, se alguém me perguntar, o que é que você dá na
terceira série, eu digo eu não sei. Eu sei que para você resolver
os problemas dos doentes, então falando em competências, ele
tem que ter certos conhecimentos, saberes, que o pessoal que
escreve a respeito de competências chama de recursos ou
atributos. E esses recursos para nós são recursos cognitivos,
psicomotores e afetivos que, é claro que todo mundo traz de
casa um pouco, do curso secundário trás um pouco. Então isso
precisa ser desenvolvido de acordo com a necessidade aqui.”
Ainda que, algumas vezes sem uma apropriação conceitual explícita
com relação às competências, as escolas com currículos tradicionais têm tido
uma preocupação em estimular o desenvolvimento das mesmas. É possível
perceber que já não existe mais espaço para uma formação limitada aos
aspectos cognitivos (informações) e técnicos. Nas entrevistas pudemos
identificar observações que demonstram, embora às vezes de forma indireta,
75
uma preocupação com o desenvolvimento de determinadas competências
pelos alunos.
Os parágrafos seguintes apresentam algumas falas ilustrativas dos
entrevistados, que foram lidas tomando como eixos as sete dimensões da
competência profissional propostas por Epstein e Hundert (2002). O trabalho,
elaborado a partir de uma extensa revisão da literatura especializada, já foi
discutido na Introdução deste texto. Deve ser ressaltado o fato de que não se
trata de uma “classificação” de textos em “categorias” rígidas, mas apenas de
uma possibilidade de leitura de falas segundo a interpretação de um
determinado referencial conceitual, uma vez que não há, de acordo com os
próprios autores, limites definidos entre dimensões de competências, que por
vezes se superpõem. Observou-se que algumas das dimensões são mais
mencionadas pelos sujeitos, destacando-se a cognitiva e a técnica. Nos cursos
baseados no PBL, a dimensão de hábitos mentais é naturalmente valorizada.
Entretanto, os aspectos que dizem respeito às dimensões relacionais,
contextuais e afetivas foram menos indicados pelos entrevistados.
Dimensão Cognitiva
C3: “(...) ele [o estudante] vai ter que ter as competências
vivas... saber o que é um olho vermelho, o que é uma
conjuntivite, se existe ali um corpo estranho, saber que precisa
fazer uma oclusão e mandar para um serviço de referência. Se
existe uma queixa ocular, se ele vai poder pedir ou não algum
exame ou se termina ali a atitude dele.”
76
C4: “Existe um período da semana alocado para isso, esses
aspectos da aprendizagem ativa, que é a busca de bibliografia,
revisão de literatura, recortes de projetos de várias naturezas no
que a gente chama de integração ensino-pesquisa-extensão.”
P3: “Bom, todas [as competências] que passam pela prevenção
da cegueira. Um simples exame do reflexo vermelho, é
fundamental. Aqui eles sabem isso. Se você for um clínico e
encontrar uma papila com uma escavação, seja de que
tamanho for, manda procurar um oftalmologista. Isso eu acho
muito importante.”
Dimensão Técnica
C2: “A gente visa muito o exame do olho, por exemplo: o exame
do olho em si, quer dizer, que o aluno saiba reconhecer uma
alteração do globo ocular como uma conjuntivite, que ele saiba
dar o primeiro atendimento, uma orientação adequada ao
doente.”
C2: “Então, na minha concepção, eu acho que é porque o que a
gente tem de estruturado nesse currículo [a prática], e é forte, é
isso que eu digo sempre para o meu departamento. A
anamnese, o exame físico e a propedêutica clínica têm que ser
executadas muito bem. Porque aí, em qualquer situação que
tiver, ele identifica que há alguma coisa.”
77
P1: “Acho que o aluno não pode chegar no quinto ano da
faculdade de medicina e não saber fazer um exame de fundo de
olho, porque faz parte da semiologia médica. Ele não aprende
coração quando chega na cardiologia, então o fundo de olho faz
parte. E é uma grande falha no conhecimento, na formação do
médico atualmente, uma das grandes falhas que corresponde à
nossa disciplina de conhecimento, é o exame de fundo de olho.
O exame de fundo de olho, ele é... a maioria dos alunos sai sem
saber.”
Dimensão Integrativa
C7: “Os conteúdos são rediscutidos no conjunto dessa visão de
um curso que busca integrar a área básica com a área clínica.
No currículo integrado nosso, é o colegiado que tem o poder de
determinar... quais os conteúdos são prioridades para a
formação de um médico geral.”
C6: “Nós estamos dando muitas missões aos alunos daqui para
eles desenvolverem o conhecimento, a aprendizagem. Então
nós temos seminários problematizando conjuntos entre
anatomia, histologia e biologia no primeiro ano. No segundo e
terceiro anos eles têm disciplinas que desenvolvem essas
questões de trabalho a serem desenvolvidos...”
P3: “[A anatomia do] nervo óptico tem que saber, porque ali é a
prevenção do glaucoma. O resto para ele... ele pode querer
78
fazer um fundo de olho com uma retinopatia diabética, mas isso
não é o mais importante. Mas ele saber encontrar o nervo óptico
e suspeitar que ali pode estar um glaucoma, na frente dele, eu
acho que isso ali tem que ter.”
C7: “São módulos também longitudinais, que também não usam
ABP. Usam metodologia da problematização, alguns, da
experimentação, da observação e da prática e que são módulos
que buscam, desde a primeira série também oportunidades do
aluno estar na rede de saúde. Desde a comunidade, os postos,
o centro de saúde e na quarta série, o próprio ambulatório do
hospital.”
Dimensão Contextual
C5: “E aí qual é o objetivo desse aluno no trabalho de campo
supervisionado? É ele primeiro conhecer a população a ser
atendida. Qual é a realidade que esse povo vive, que realidade
que ele vive, quais são as suas necessidades em termos de
atenção à saúde. Então, conhecer o meio ambiente onde esse,
esse paciente vai ser atendido, qual é a realidade dele social.
Em termos de planejamento de atendimento... o que é que a
própria estrutura municipal oferece.”
P3: “O ‘Comunidade’ é o seguinte: A gente chama o líder
comunitário aqui, o líder comunitário aprende com a gente as
ações de prevenção da cegueira, e leva para dentro da
79
comunidade dele através da rádio comunitária, do folheto dele,
igreja... a crença de que ele tem que fazer o reflexo vermelho.”
C4: “Então, ao mesmo tempo em que a criatura está com o
grupo trabalhando, investigando um certo fenômeno tanto do
ponto de vista teórico, quanto do ponto de vista de campo se for
o caso, está também situando a relevância social daquele
fenômeno.”
Dimensão Relacional
C5: “Então à medida que você exercendo esse papel... de
aconselhador mesmo, aquele paciente já vai te vendo de forma
diferente e já começa às vezes, a valorizar um pouco mais
aquela atitude que ele tem que terem relação ao cuidado dele
com a saúde dele, do filho, da mãe, do pai.”
C4: “Todos eles com várias expectativas, objetivos, (...) mas
muito da comunicação e da obtenção de uma história ampliada
da pessoa nas relações sociais, o padrão de utilização de
serviços.”
Dimensão Afetivo-Moral
C4: “Então você já tem no básico a preocupação de discutir o
impacto das doenças oculares na vida, na família, no indivíduo.”
80
C5: “Por isso é que a gente mostra quem é o povo que precisa
de mais atendimento, não é que precise de mais atendimento,
mas a maior parte da população atendida vai ter esse perfil...”
P3: “Quer dizer essas idéias a gente passa direto prá eles e
chamando a atenção que a medicina biomédica é para o mundo
de hoje, mas que a ética vai ser para o resto da vida deles.”
Dimensão de Hábitos Mentais
C8: “Porque essa mudança [curricular] não foi feita prá isso
[fazer o aluno passar na residência]. Foi feito para ver se você
forma um profissional mais ativo, mais crítico, mais reflexivo.”
C2: “O que você quiser inovar no currículo médico, você pode
inovar, mas dentro dessa concepção. Porque é importantíssimo,
é fundamental, examinar e olhar com olhos de ver. Eu acho que
na verdade, o médico perante o doente, ele tem a obrigação de
perceber que algo não vai bem. Entende então, eu acho que
essa... é a observação, a observação que a gente fala, a
observação clínica.”
D. Características do Planejamento e do Desenvolvimento da
Oftalmologia nos Cursos de Graduação Médica
Durante muito tempo, os conteúdos constituíram o cerne do
planejamento curricular. A estrutura disciplinar legitimava essa forma de
81
pensar o currículo sob uma perspectiva fragmentada, sem considerar a
globalidade do processo de formação. Para Maia (2003, p. 107), “... a
abordagem exclusivamente disciplinar não considera o conjunto de relações
dos conteúdos da área com outros campos do saber.” No momento em que
percebemos toda a complexa rede inerente ao processo de ensino-
aprendizagem, passamos a questionar mais e mais a proposta da formação
lastreada no conteúdo. Não basta, então, pensar o “o quê” ensinar. É
necessário considerar o “para quê” aprender, ou seja, há que se valorizar os
objetivos educacionais que dêem conta da formação de um determinado perfil
profissional daquele sujeito específico.
A maioria dos currículos de graduação em medicina em nosso meio tem
características tradicionais sendo, portanto, baseada em conteúdos
disciplinares. Como foi discutido anteriormente, um planejamento voltado para
competências necessariamente desloca o fulcro do processo para objetivos
educacionais, em decorrência dos quais são subseqüentemente selecionados
conteúdos, cenários de ensino / aprendizagem e estratégias de ensino, no
âmbito de um sólido debate sobre a sua pertinência para aquele determinado
contexto de formação.
Spivey, professor de oftalmologia da Universidade de Yowa, já em 1971
declarava que “os educadores devem selecionar cuidadosamente os conteúdos
e ensinar o material escolhido de forma eficiente, dando aos estudantes
objetivos concisos para facilitar a aprendizagem.” (p.273)
82
Esta tendência de articulação de conteúdos com objetivos pôde ser
claramente identificada nas entrevistas, notadamente nas escolas que adotam
a metodologia PBL.
C8: “O nosso problema não é o conteúdo. Não é que o
conteúdo não valha nada, mas depende de quando é que nós
vamos apresentar o conteúdo. É quando o problema chama. O
problema que eu digo é o problema do doente. Se eu estou
lidando com algum paciente que tenha algum problema ocular,
é hora de estudar isso com o aluno de medicina. E aí o
conteúdo passa a ser importante.”
Deve ser esclarecido que as duas escolas com currículo em PBL
mostraram diferenças nas apresentações de sua programação curricular.
Apesar de ambas seguirem a metodologia de discussão de casos-problema,
uma tinha uma inserção específica da oftalmologia relacionada com conteúdos
do curso, enquanto que a outra não apresentava qualquer referência aos
conteúdos da especialidade.
No que diz respeito à seleção de conteúdos da área de oftalmologia, três
critérios surgiram com clareza das falas tanto de coordenadores de cursos
como de professores. São privilegiados nos programas o reconhecimento, os
cuidados iniciais e o correto encaminhamento de: manifestações oculares de
doenças sistêmicas (ex.: hipertensão arterial e diabetes mellitus, dentre outras),
doenças oftalmológicas mais prevalentes (ex.: olho vermelho e glaucoma) e as
urgências oftalmológicas (traumas e perda súbita de visão). É curioso observar
83
que já no início dos anos quarenta o Prof. Linneu Silva preconizava um curso
baseado principalmente na prática do atendimento de pacientes, valorizando a
integração docente-assistencial. Destacava o docente em seu programa
exatamente os casos urgentes da especialidade, os casos mais freqüentes e
as manifestações oculares relacionadas com doenças sistêmicas (Silva, 1942).
C5: “Além disso eu acho que os nossos alunos têm que saber
reconhecer os temas mais comuns dentro da oftalmologia.
Reconhecer é fundamental. Que risco aquela doença traz para
aquele indivíduo (as mais prevalentes) e de que forma ele, não
sendo especialista pode contribuir tratando ou orientando.
Orientando a procurar o especialista e alertando ao paciente da
necessidade de que ele não deixe para depois cuidar daquele
problema.”
P4: “Então são abordadas as doenças oculares que têm
relacionamento com as doenças sistêmicas, as principais. Por
exemplo: hipertensão arterial, abordar retinopatia hipertensiva.
Diabetes, abordar retinopatia diabética. Causa mais comum de
proptose uniocular no adulto, doença de Graves (...) Diagnóstico
diferencial da leucocoria numa aula em que temos um
tratamento relacionado com o estrabismo. E também são
abordadas as patologias oftalmológicas que têm maior
prevalência no nosso meio.
P1: “O conteúdo das aulas (...) a gente evoluiu. Era uma coisa
muito... era um pouco “oftalmológico”. A gente procurou mudar
84
exatamente o conteúdo para o interesse de um médico geral.
Então é exatamente olho vermelho que a gente dá uma grande
ênfase, diagnóstico diferencial de olho vermelho. A aula de
ambliopia...a aula de estrabismo na verdade, o enfoque é a
ambliopia, o que é que deve ser feito. A aula de glaucoma, não
se fala sobre glaucoma congênito que o diagnóstico é feito pelo
pediatra.”
P6: “O programa tem sete assuntos abrangentes: acuidade
visual, oftalmoscopia, glaucoma, olho vermelho e traumatismo
que são as emergências e depois a parte de neuro-oftalmologia
com ambliopia e estrabismo e neuro-oftalmologia
especificamente.”
Um dos entrevistados apontou para um fato relevante, destacando a
importância de a aula teórica estar baseada em síndromes e não
especificamente em doenças isoladas, favorecendo uma visão mais global das
apresentações clínicas:
P4: “As aulas teóricas do curso partem da síndrome para o
diagnóstico específico, então... dentro desse conceito, não tem
aula específica de doenças da córnea, doenças da conjuntiva,
doenças da pálpebra. Isso não existe no curso.”
Os dados obtidos nas entrevistas corroboram as opiniões expressas,
dentre outros, por Shuttleworth e Marsh (1997, p. 749), que recomendam em
85
seu trabalho que “o principal objetivo do ensino da oftalmologia na graduação
deve ser preparar os estudantes para uma prática padrão na atenção primária.”
Guinguerra e cols.(1998), no mesmo sentido, concluem que:
“O ensino de Oftalmologia no curso de graduação deve
capacitar o médico para diagnosticar e tratar doenças do olho,
encaminhar corretamente os casos que necessitam de
especialista, interpretar exames simples, prestar primeiros
socorros em condições de emergência e orientar para o uso dos
olhos em diferentes atividades.” (p. 549)
Além dos conteúdos, observou-se uma ênfase para a importância de, na
formação médica geral, ser desenvolvida a competência para a prevenção da
cegueira e o correto encaminhamento do paciente com doença ocular.
P4: “Na primeira aula nós entramos com o vídeo da campanha
nacional de prevenção da cegueira do CBO
1
, nós falamos
sobre a Campanha Nacional de Prevenção da Cegueira e
também sobre a forma de medir a acuidade visual nessa
campanha, mostrando a importância social do oftalmologista...”
P6: “É o que eu digo sempre a eles. A minha obrigação não é vir
aqui e dar aula para 96 alunos. É ensinar para cada um de
vocês o mínimo indispensável em oftalmologia, que possa levar
vocês a serem soldados na batalha da prevenção da cegueira.”
1
CBO: Conselho Brasileiro de Oftalmologia.
86
P5: “Prevenção é o principal. O que a gente tenta é isso, quer
dizer. Cada um que dá a sua aula, a gente tenta chamar a
atenção prá coisas que não sejam puramente oftalmológicas.
Prevenção pura, isolada, eu teria muita vontade, uma aula de
prevenção, se eu tivesse mais tempo, mas meu tempo é super
restrito.”
P4: “Atualmente nós fazemos um trabalho de pesquisa com o
PSF de iniciação científica. É um projeto de prevenção da
ambliopia, (...) que é enquadrado dentro de um grupo de
pesquisa do CNPq sobre prevenção e cuidados básicos de
saúde no programa de saúde da família.”
Um outro aspecto que merece destaque refere-se à valorização, pelos
professores de oftalmologia, dos aspectos da formação médica relacionados à
realidade social em que vive a população atendida, no sentido de estimular a
capacidade crítica e a compreensão dos aspectos não biológicos da prática
médica humanizada.
P6: “(...) então eu quero também mostrar a eles nessa atividade
extra-muros, a responsabilidade social do médico para aquela
comunidade em que a gente está exercendo a medicina. E
também que existe pobreza. Eu tenho muito riquinho que nunca
soube que existe pobreza.”
87
C5: “In loco (...) Não é você mostrar slides dizendo: a população
tá passando fome, aqui passa o esgoto... ele vê isso. (...) O que
a gente oferece ao aluno é um convívio diário com a realidade.”
C5: “Eles [os alunos],precisam entender que a maior parcela [da
população] não precisa de alta tecnologia. Ela precisa de um
atendimento mais humanizado, uma qualidade de vida maior,
com saneamento, com alimentação, orientação em relação ao
tipo de alimento que ela tem que comer...”
Uma realidade de certa forma surpreendente emergiu também das falas
dos docentes e dos coordenadores de curso. Se, por um lado, a oftalmologia
como serviço, insere-se na estrutura hospitalar como uma especialidade
essencialmente cirúrgica, em termos curriculares as características dos cursos
mostraram-na como uma área clínica. Com efeito, em que pese a oftalmologia
integrar o bloco das “especialidades cirúrgicas” (juntamente com a
otorrinolaringologia, a ortopedia, a urologia e outras), os planejamentos dos
cursos e as concepções dos docentes e gestores indicam a necessidade da
inserção da mesma na formação geral do médico com características da clínica
oftalmológica.
Entretanto, também causa espécie que, ao se verificarem os cenários de
aprendizagem da oftalmologia, embora os professores e coordenadores
tenham valorizado um ensino clínico e integrado às grandes áreas da medicina
(clínica médica, pediatria, medicina comunitária e outras), os cenários de
aprendizagem são quase sempre os da especialidade (ambulatórios
88
especializados, com toda a tecnologia avançada que caracteriza a
oftalmologia). Cumpre ressaltar que, numa perspectiva de inovação anunciada
por alguns entrevistados, existem iniciativas que diversificam os cenários de
aprendizagem e privilegiam o ensino em atividades extra-hospitalares, junto à
comunidade:
C3: “É uma escola moderna, extra-muros, em que mais de 50%
do nosso ensino é totalmente ambulatorial. O aluno entra em
contato com o paciente no primeiro momento que ele entra na
faculdade de medicina e fica a metade do seu tempo em
atividade ambulatorial. Ambulatório de criança e de adulto.”
C2: “Então eu acho que o aluno pode aprender na comunidade,
que o aluno pode aprender no ambulatório geral, no posto de
saúde, num hospital terciário, ele pode aprender em qualquer
canto, mas ele tem que ter isso [visão clínica]. Porque se ele
não procurar, não for em busca do que está acontecendo, aí ele
não vai conseguir aprender medicina ou então ser bom médico.”
P6: “Faço um estudo de grupo antes do seminário, eles vão
discutir nos grupos as dúvidas que trouxeram da leitura de casa.
Depois que fazemos a acuidade visual eu os levo a uma escola,
normalmente o CIEP, eles vão fazer a prática no CIEP. Vão
examinar 380 crianças, em que eu distribuo dois ou três por
classe, são dezoito classes funcionando.”
89
P6: “Aí eles já fizeram tudo de glaucoma, inclusive a prática
neles, eu os levo a dois asilos [da cidade]. Levo 40 alunos para
um asilo desses e “derrotamos” aquela população de idosos
selecionando os que têm problema.”
Enquanto que os espaços extra-hospitalares foram utilizados para o
desenvolvimento de competências técnicas em algumas experiências pontuais,
foi constatado que prevalece a tendência ao ensino por intermédio de técnicas
e estratégias tradicionais: aulas teóricas, seminários e discussões de casos nas
salas de aula.
P2: “Porque eu acho que esse curso teórico compacto é muito
bom, porque o aluno tem a noção de todos os professores, mas
ele acaba se perdendo... Cinco manhãs. Três aulas teóricas em
cada manhã. Só teórica.”
P1: “Basicamente com aula teórica. Todos os alunos são
estimulados... quando eu converso a questão do fundo de olho,
explico que vai ter uma aula sobre fundo de olho normal, uma
aula sobre fundo de olho no diabetes, na hipertensão, nas
doenças sistêmicas e eu digo: olha, isso é uma aula teórica que
vai dar uma noção a vocês mas vocês podem, vocês têm
condições de aprender no ambulatório...”
2
2
Nesta escola, o ambulatório não é disponibilizado regularmente para a graduação.
90
A “rota pedagógica” tradicional, que considera a teorização prévia como
indispensável para a uma aproximação prática parece difícil de ser
modificada...
P3: “(...) como é que nós fizemos a estratégia hoje das aulas
teóricas e teórico-práticas? Nós fizemos assim, até mesmo para
distribuir melhor, o curso teórico. Informações... Inicialmente, só
coisa teórica, para o aluno não entrar no ambulatório sem saber
nada.”
Entretanto, os docentes e coordenadores não apenas apontaram o
desejo de realizar mudanças objetivando uma aprendizagem mais significativa
como também relataram algumas experiências que já estão em curso. Deve
ser ressaltado que tais relatos não são exclusivos das escolas que adotaram
modelos pedagógicos problematizadores:
C5: “Uma das coisas que a gente mais devia utilizar para
motivar o aluno é ensiná-los através da discussão de casos
clínicos. Acho que a gente usa muito pouco isso. E o aluno
gosta é disso. E você não precisa dar caso complexo. E quando
você está apresentando um caso clínico, você pode inserir
vários conteúdos de clínica, específicos de oftalmologia, de
epidemiologia, de tudo.”
P4: “A primeira aula é diferente, é a aula de abertura do curso.
Na aula de abertura do curso, o título da aula é Inteligência
Visual, como cremos, o que vemos, que é baseado no livro de
91
Donald Hoffman, que explica a teoria da visão, a teoria em voga
da visão, considerando os conceitos mais recentes da
neurociência e da psicologia cognitiva e relacionando isso à
percepção do ser humano, à visão.”
P6: “Às vezes eu faço uma dramatização, escolha aleatória de
atores. Eu pego um caso clínico de uma senhora de 72 anos,
casada com um problema qualquer, teve um AVC. Aí tem um
oftalmologista, um cardiologista, um clínico da família, o marido
da senhora que é um homem inteligente, a senhora... e quero o
relacionamento deles nesse caso, teatralizado.”
C7: “Situações-problema, que dão margem para os alunos
levantarem hipóteses de que problemas são aqueles e de como
resolve-los. E traçam-se aí, ao final da primeira sessão tutorial
os objetivos de estudo, o que se faz de metodologia. E aí, em
cima disso, eles voltam na outra sessão tutorial com o que cada
um estudou num livro, na internet ou buscou com consultores,
enfim, com a experiência própria. Voltam para tentar no grupo,
resolver o problema, concluir e passar para a abertura de um
novo.”
No que concerne à avaliação da aprendizagem, seguindo a lógica da
programação dos objetivos, conteúdos e cenários, evidenciamos uma
prevalência das avaliações somativas, principalmente sob a forma de provas
teóricas terminais, cujo foco nem sempre era o real aprendizado do aluno...
92
P2: “Teórica. Porque tem uma prova teórica (...) Eu quero saber
se ele [aluno] entendeu, às vezes não precisa nem acertar. Eu
quero saber se ele entendeu aquilo ali. Então às vezes eu
apresento como caso clínico, mas desses temas maiores que
eles têm que saber. Porque eu não acho que eu não tenho que
ir muito longe com essas coisas... botar mais temas para
dificultar a prova teórica... não tem um grande valor assim...
reprovar ou aprovar...não é aí...”
P1: “Perguntas diretas, dissertativas e muito... são muito
parecidas todas as provas. Temos um banco de questões e
procuramos fazer duas provas diferentes para evitar cola e
tudo.”
P4: “A prova teórica, (...) são casos clínicos rápidos, perguntas
objetivas, sempre discursivas, para evitar que a pessoa fique
chutando... eu faço quatro filas para inibir a cola, embora seja
difícil... São duas provas teóricas e uma prova prática, a nota do
seminário que é dez por cento da média no máximo.”
Algumas escolas, porém, avançaram no sentido de propor modificações
ao processo avaliativo. Acompanhando as transformações que ocorrem no
âmbito do ensino, os coordenadores e professores concordaram com a
fragilidade de um processo avaliativo pautado apenas pela cognição. As
avaliações formativas, freqüentes e com feedback para o aluno passaram a ser
93
valorizadas, bem como as avaliações de habilidades, completando assim as
dimensões do saber: saber, saber fazer, saber ser e saber conviver:
C7: “...a avaliação é formativa, não é somativa somente. Não é
só prova, é avaliação diária. Tem auto-avaliação. Quer dizer são
desafios. Ele faz prova também [teórica]. Todo módulo tem uma
prova, um teste cognitivo. E nas habilidades tem os OSCEs –
exame clínico estruturado e tem trabalhos também. No PIN eles
usam mais relatórios de pesquisa”.
C8: “...exercício de avaliação de prática profissional é formativo.
‘Formato 3’ é um formato de avaliação, que é uma série de
perguntas que o professor preenche a respeito do aluno, seja lá
na prática profissional, seja na unidade de educação
sistematizada. Então tem lá como é que ele se comunica, se ele
se comunica, se ele respeitou, se não respeitou e então é dado
o feedback. Assim como o aluno avalia o professor. Mesmo no
portfólio reflexivo, ele é avaliativo.”
C3: “Nossa avaliação é muito complexa, porque do cognitivo há
uma prova teórica e uma prática-oral em que o aluno tem que
demonstrar habilidades de raciocínio, de conclusão e de
proposta de exame e atitude terapêutica, isso é feito desde o
momento em que se estabelece atividade clínica. Então nós
temos modelos estabelecidos de verificação de aprendizado de
habilidades e de atitudes (...) Além da prova cognitiva nós temos
o portfólio em que a gente observa a evolução do aluno do
94
quinto período ao décimo-segundo. Como é que ele [aluno]
evolui na apresentação dos seus conhecimentos.(...) A gente já
faz a necessária observação do aluno no atendimento
ambulatorial e a prova prática. Esse contexto de atitudes é
tabulado num formulário de verificação de habilidades e
atitudes. Isso é feito a cada dia”.
P6: “Uma avaliação somativa. Isso aqui eu tenho direito de
fazer. Passar umas questões para eles responderem... A
avaliação do seminário são questões sobre os objetivos e sobre
o seminário apresentado. Mas normalmente eles fazem uma
auto-avaliação. Eu peço a eles que escrevam quantos por cento
aprenderam do assunto. Porque isso é um ensino para
aprendizado 100%. Ele tem o assunto em casa, tem o tema de
abertura, tem discussão de grupo e tem o seminário, que ele
pode discutir . Quando acaba aquilo, se ele seguiu, ele
aprendeu o assunto. É aprendizado para 100%. Eu peço a eles
que me façam uma auto-avaliação e eles dizem 90, 95, 80%. E
eu respeito aquilo. Eu sei que eles aprenderam.”
P8: “Já está tendo uma avaliação continuada. Eu estou com ele
[aluno], e já estou vendo se ele tem interesse, se ele estudou,
se ele viu quando a gente falou: olha tem um fundo de olho
interessante... se ele não mostrar interesse, se não for lá ver já
está com pontuação a menos. Se ele tem relacionamento bom
com o residente, com o funcionário da oftalmologia. Então não é
95
só ver se ele tem interesse, se tem habilidade em si. É todo um
conjunto... se é muito fechado, muito aberto, prepotente, se ele
sai antes do horário... e ele sabe que está sendo avaliado em
tudo.”
Um outro aspecto que torna a oftalmologia uma área singular tanto na
estruturação dos serviços como nas atividades de ensino e pesquisa é o fato
de que a especialidade é uma área muito mais voltada para a pós-graduação
(lato e stricto sensu) do que para a graduação. O docente parece mais
motivado para o trabalho com o pós-graduando:
C1: “(...)muitas vezes a graduação nessas especialidades não é
priorizada pelos docentes como sendo, dentre as tantas coisas
que eles fazem, como algo importante.”
Entretanto, esta observação não é universal, e alguns docentes e
coordenadores apontam tanto uma necessidade institucional de valorizar a
graduação como um envolvimento pessoal com o ensino neste nível de
formação.
C7: “Não é só o fato de não ter pós-graduação bem
desenvolvida. É o fato da escola ter um claro compromisso e
uma vocação de dar prioridade às atividades de graduação.
Sabe, isso de certa forma foi um fator dificultador ao
desenvolvimento da pós-graduação. Não é a opção da escola. A
opção da escola é a graduação e um forte compromisso com a
prestação do serviço.”
96
P1: “Eu acho que é uma falha nossa grande (...) com relação a
isso [a graduação]. Não existe essa preocupação. Eu tenho
assim muitos problemas no Serviço... e uma das coisas que
mais me incomoda é o curso de graduação. Eu acho que o
curso de graduação vem bem melhor do que era, mas pode ser
muito melhor.”
A contradição entre a atividade docente na graduação e na pós-
graduação foi claramente apresentada por um dos sujeitos:
P2: “A pós-graduação é o foco do serviço (...) Nós estamos aqui
pela graduação, nós somos professores contratados para a
graduação. Só que a gente tem inúmeras outras atividades
clínicas (...) Mas nós somos, como professores, contratados
para a graduação.”
Observou-se que, mais uma vez, a figura do docente e sua visão a
respeito do processo de formação é um fator decisivo na qualidade do ensino
da oftalmologia na graduação médica.
E. Capacitação Docente
Lima-Gonçalves (2002), a exemplo de outros autores, afirma que o
desenvolvimento de modelos de ensino exige docentes suficientemente
preparados para que resultados positivos possam ser alcançados. Como
herança histórica, no entanto, os médicos passam a ser professores sem um
processo de capacitação exercendo, não raro, a docência sem grandes
97
questionamentos. Os professores muitas vezes não percebem a necessidade
do aprimoramento, do ponto de vista das questões da educação, e tornam-se
refratários aos programas de capacitação organizados pelas escolas. Esta
realidade mostrou-se mais presente nas faculdades públicas, inclusive por
questões relacionadas à estabilidade do emprego:
C1: “Nós não tivemos especificamente capacitação docente
voltada para nenhuma disciplina de forma particular. A
capacitação docente, ela foi oferecida para os professores que
já tivessem dois anos de escola... não tivemos ninguém dessas
disciplinas do quinto ano [período de inserção da oftalmologia].”
C5: “... uma das ações que já foi feita foi uma capacitação
pedagógica. Mas é isso que você falou, ela foi assim anunciada,
mas a adesão não foi grande. Existe muita resistência. E
resistência principalmente dessas disciplinas que antigamente
se constituíam as famosas cátedras.”
C5: “...Você obriga [o professor da escola particular a fazer uma
capacitação] e a pessoa tem que ir. Se não for, no semestre
que vem está fora...”
A resistência é mais comum, no meio acadêmico, quando o docente
está à margem das discussões dos processos transformadores da escola e
também do próprio ensino médico, constituindo um ciclo vicioso.
98
P5: “O médico depois que sai da Escola não quer mais saber
como o currículo está. Ele quer saber dele. Ele não vai assistir
no congresso [médico] nada sobre ensino, para ele já foi. Ele
quer ganhar a vida dele, entendeu? Ele quer brigar com o
convênio, ele não quer saber nada disso... Os docentes não
estão muito interessados. Eu acho que não. Porque eu já
participei muito disso aí e eu acho que bate contra a própria
estrutura do Ministério [da Educação] que também não tem
interesse.”
P1: “Não é uma preocupação dentro do grupo da disciplina [a
capacitação].”
Apesar das dificuldades, os entrevistados reconheceram a existência de
movimentos conduzidos por grupos empenhados na transformação do ensino
médico no país, bem como pelos fóruns de debates voltados para a educação
médica, cada vez mais freqüentes. Atualmente, em diversas escolas de
medicina do Brasil, testemunhamos o crescimento de instâncias institucionais
(Centros e Núcleos de Ensino), que têm por objetivo o aprimoramento docente
e a busca por uma melhor qualidade no ensino médico no País, juntamente
com o fomento da pesquisa nesta área. Estas iniciativas foram impulsionadas,
dentre outros fatores, pela avaliação conduzida pela CINAEM e, mais
recentemente, pelo PROMED. Um levantamento realizado na CINAEM (Lima-
Gonçalves 2002) apontou que, no ano de 1992, 38% das escolas informaram
que até 25% de seus docentes participaram de cursos de aperfeiçoamento com
99
mais de 180 horas de duração. O esforço para a capacitação docente tem sido
sentido não só nas escolas públicas, como também nas instituições privadas.
C5: “Os professores, eles têm participado cada vez mais de
fóruns de educação, e percebendo a importância de mudar e a
necessidade de se integrar. Mas ainda assim existe muita
resistência... A gente tem que tentar descobrir quais são os
caminhos para conseguir sensibilizar cada vez mais o corpo
docente. Realmente é muito difícil essa sensibilização.”
P8: “(...) tentar capacitar o povo que não tem essa visão... Eu
acho que se eu estivesse somente dentro da oftalmologia eu
jamais iria ter essa visão de ser professora. Eu não ia ter essa
capacidade de outros colegas de serem professores, porque o
que eu aprendi de ser professor não foi no livro não. Foi vendo
outros colegas professores que me ensinaram a ser professora
também.”
C5: “Eu acho que a gente precisaria continuar investindo na
capacitação pedagógica, não digo nem ensinar o professor a
dar aula, mas é ensinar, mostrar, quais são as diversas
maneiras da gente cativar o aluno prá que ele se tenha mais
vontade de aprender o conhecimento que ele tem a oferecer. É
uma capacitação... Fazer com que ele entenda que a aula não
se resume a você entrar numa sala de aula, ter um material
maravilhoso...”
100
O aprimoramento da docência implica, como vemos em Perrenoud
(1999, p. 53), numa “...considerável transformação dos professores com o
saber, de sua maneira de ‘dar aula’ e, afinal de contas, de sua identidade e de
suas próprias competências profissionais.” Esse aprimoramento e dedicação à
docência são rapidamente percebidos pelos alunos, como pode-se apreender
da fala de uma coordenadora:
C5: “Porque o aluno rejeita o ruim e fica com o bom. Se estiver
ruim ele não vem mesmo. Agora se está bom, essa rádio
corredor funciona como ninguém. Se a participação daquele
professor num determinado momento do curso é boa,
rapidamente todos ficam sabendo e eles passam a ir à aula com
freqüência.”
Os reflexos de uma prática docente bem desenvolvida e também da
modificação do projeto político-pedagógico de uma escola são observáveis na
concepção do perfil do aluno e principalmente, no abandono da cognição como
a única competência a ser desenvolvida ao término de um curso. Lima-
Gonçalves (2002, p.64) refere que: “...apenas conhecimentos não serão jamais
elementos suficientes para atribuir a algum profissional competência clínica e,
em conseqüência, desempenho médico satisfatório.”
101
CONSIDERAÇÕES
FINAIS
O presente trabalho teve, uma vez atendidos os objetivos de pesquisa, a
intencionalidade de gerar subsídios para uma proposta de inserção da
oftalmologia em currículos de graduação em medicina que atendam às
Diretrizes Curriculares Nacionais e às tendências contemporâneas de formação
superior em saúde, numa perspectiva de cuidado integral do ser humano. Para
tal, foram estudados documentos de escolas referentes ao currículo e aos
programas de cursos de oftalmologia. Foram também apreendidas
informações, percepções e concepções de coordenadores de graduação e de
professores responsáveis pela oftalmologia.
Um diálogo estabelecido entre os dados obtidos e a literatura
especializada possibilitou a elaboração de alguns princípios norteadores, no
campo do planejamento curricular.
Os princípios apresentados não pretendem ter, em nenhuma hipótese,
caráter prescritivo e, considerando-se as características das escolas e dos
sujeitos que em sua maioria os originaram, podem fornecer subsídios a
mudanças importantes, mesmo em instituições com currículos mais tradicionais,
com desenhos disciplinares ou modulares.
Princípios Norteadores:
A inserção da oftalmologia no currículo deve considerar o perfil de
egresso da instituição, em conformidade com as Diretrizes Curriculares.
Os objetivos educacionais, elaborados em estreita articulação com o
perfil do egresso, devem ser comunicados e discutidos com os
103
estudantes por ocasião do início do curso e devem direcionar todo o
planejamento deste (conteúdos, cenários e estratégias de ensino e
avaliação).
As experiências educativas na área da especialidade devem objetivar
o desenvolvimento das competências necessárias e adequadas ao
futuro exercício profissional, numa perspectiva de formação geral do
médico.
As competências a serem desenvolvidas referem-se ao diagnóstico
precoce, aos cuidados imediatos e ao encaminhamento correto dos
acometimentos oculares, devendo, portanto, ir além das dimensões
cognitiva e técnica, considerando também aspectos integrativos,
contextuais, relacionais, afetivo/morais e de hábitos mentais.
O programa do curso deverá ser elaborado com a participação de
todos os docentes, em articulação com as instâncias institucionais
responsáveis pelo planejamento curricular (coordenação do curso,
órgãos colegiados e comissões) e em conformidade com o modelo
pedagógico vigente na instituição e as eventuais mudanças
curriculares pretendidas ou em curso.
Na elaboração dos programas devem ser consideradas: as doenças
oftalmológicas mais prevalentes na população, as manifestações
oculares das doenças sistêmicas e as principais urgências e
emergências relativas ao olho e aos anexos, utilizando-se uma
abordagem sindrômica.
104
Devem ser diversificadas as estratégias de ensino, privilegiando
abordagens problematizadoras (como discussões a partir de situações
clínicas), estimulando a busca ativa de informações pelo estudante e,
conseqüentemente, desenvolvendo sua resolutividade e autonomia
intelectual.
O ensino deve ocorrer principalmente a partir de atividades práticas,
considerando-se que a maior parte das competências objetivadas é
desenvolvida na ação.
Os cenários de ensino devem ser ampliados para além dos espaços
da especialidade, abrangendo aqueles onde ocorre a atenção geral
primária e secundária à saúde, como ambulatórios gerais, UBSs e
escolas, dentre outros.
As avaliações da aprendizagem devem voltar-se para competências,
adotando estratégias diversificadas e proporcionando informações
quanto ao desenvolvimento do próprio estudante (“feed-back”).
O processo de avaliação deve incluir não apenas o aluno
(aprendizagem), mas o corpo docente e o programa, numa perspectiva
de aprimoramento constante da qualidade do processo de formação.
Deve haver uma ênfase na capacitação do futuro profissional dentro da
área de promoção da saúde ocular e prevenção da cegueira,
proporcionando um entendimento da realidade social e da função do
médico na transformação dessa realidade.
O ensino da oftalmologia deve capacitar o aluno para o cuidado mais
humanizado ao indivíduo e à coletividade, sensibilizando-o para o
105
entendimento das dificuldades conseqüentes à deficiência visual e do
papel do médico na orientação de propostas de adequação e inserção
do deficiente na sociedade.
A inserção da oftalmologia deverá ocorrer numa perspectiva clínica (e
não cirúrgica) de forma longitudinal, integrada com outras áreas, e
desde o início do curso, de forma articulada com as ciências básicas e
as atividades comunitárias. Na dependência da estrutura curricular da
escola, poderá, em momentos mais tardios do curso, vincular-se aos
ciclos de vida humana (atenção à saúde da criança, da mulher, do
adulto e do idoso) ou ocorrer nas grandes áreas da medicina: pediatria,
clínica médica, obstetrícia e geriatria.
O Serviço deverá promover programas de promoção e cuidado à
saúde ocular nos quais os estudantes possam ser inseridos, dentro da
atuação geral do médico e, quando possível, estimulando o interesse
pela pesquisa.
Deve haver uma orientação das escolas no sentido de promover e
motivar a capacitação dos docentes no campo da educação,
objetivando a profissionalização do professor em sua prática.
A avaliação situa-se no cerne de todo processo educacional. Da mesma
forma, podemos afirmar, sem nenhuma dúvida, que uma proposta de
planejamento curricular, ainda que baseada em dados empíricos tratados por
um referencial metodológico validado também não pode prescindir de um
106
processo de avaliação, voltada para a qualidade dos processos e dos
resultados das mudanças propostas.
Assim, os princípios norteadores apresentados neste trabalho como
subsídios ao planejamento da inserção da oftalmologia numa perspectiva de
integração curricular e do desenvolvimento de competências necessárias ao
exercício de uma prática médica geral e integral, deverão ser objetos de
avaliação, por intermédio de pesquisas ulteriores.
A proposta que aqui é apresentada poderá ser utilizada, após sua
validação, contribuindo para que o ensino da oftalmologia possa adequar-se às
transformações educacionais do país e do mundo, no sentido da formação
geral de um médico, com vistas à integralidade do cuidado à saúde.
107
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37. LIMA-GONÇALVES, E. Médicos e Ensino da Medicina no Brasil. São
Paulo: Editora da universidade de São Paulo, 2002.
38. LINS, A.M; CECÍLIO, L.C.O. O Programa UNI no Brasil: uma avaliação
da coerência no seu processo de formulação e implementação.
Interface – Comunic, Saúde, Educ, v. 2, 1998.
112
39. MAIA, J.A. O Currículo no Ensino Superior em Saúde In: BATISTA,
N.A., BATISTA, S.H.S.S. Docência em Saúde: temas e experiências.
São Paulo: Editora SENAC, 2003.
40. MARCONDES, A.M. et al. Avaliação Discente de um curso de
oftalmologia. Rev. Bras. Educ. Med., v.26, set/dez. 2002.
41. MARCONDES, E. Visão Crítica dos Currículos das Faculdades de
Medicina. Rev. Bras. Educ. Med., v.II, set/dez. 1978.
42. MARCONDES, E. e GONÇALVES, E.L. Educação Médica. São Paulo:
Editora Sarvier, 1998.
43. MARCONI, M.A.; LAKATOS, E.M. Técnicas de Pesquisa. 5ª. Ed. São
Paulo: Editora Atlas, 2002.
44. McCARTHY, W.H.; DONALDSON, E.J.; HOLLOWS, F.C. What should
we teach? A consensus method to determine curriculum content. Med.
Educ., v.11, p. 249-256, 1977.
45. PADILHA, R.Q.; FEUERWERKER, L.C.M. As políticas públicas e a
formação de médicos. Rev. Bras. Educ. Med., v.26, p.3-4, 2002.
46. PEREIRA NETO, A.F. Ser médico no Brasil: o presente no passado.
Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2001.
47. PERRENOUD, P. Construir as competências desde a escola. Porto
Alegra: Artes Médicas Sul, 1999.
48. PICCINI, R.X.; FACCHINI, L.A.; SANTOS, R.C. Preparando a
transformação da Educação Médica brasileira: projeto CINAEM - III
fase: relatório 1999-2000. Pelotas (RS): UFPel, 2000.
49. RAMPAZZO, L. Metodologia Científica – para alunos de graduação e
pós-graduação. São Paulo: Editora Loyola, 2002.
50. REGO, S.A Formação Ética dos Médicos: saindo da adolescência com
a vida (dos outros) nas mãos. Rio de Janeiro. Ed. FioCruz, 2003.
113
51. ROSA, A.R. Currículo Mínimo dos Cursos de Graduação em Medicina.
(ed.) Rev. Bras. Educ. Méd. 20(1), p. 1-2, 1996.
52. SACRISTÁN, J.G. O Currículo: uma reflexão sobre a prática. 3a.ed.
Porto Alegre: ArtMed, 2000.
53. SAYEG, M.A.A. Formação do Médico Generalista e a Medicina
Especializada. In: Médici, André Cezar. Recursos Humanos em Saúde,
Rio de Janeiro: ABRASCO, PEC/ENSP, 1987.
54. SHUTTLEWORTH, G.N.; MARSH, G.W. How effective is
undergraduate and postgraduate teaching in Ophthalmology? Eye.,
v.11, p.744-750, 1997.
55. SILVA, L. Conceito racional do ensino da clínica oftalmológica nas
nossas Faculdades de Medicina. Rev. Bras. Oftal., v.1, p.11-21, 1942.
56. SPIVEY, B.E. Ophthalmology for Medical Students: Content and
Comment. Arch. Ophthalmol., v.84, p.368-376, 1970.
57. SPIVEY, B.E. A technique to determine curriculum content. Med.
Educ., v.46, p.269-73, 1971.
58. SPIVEY, B.E. Ophthalmology in medical student education.
Philosophy, contents and process. Ophthalmology, v.85, p.1299-308,
1978.
59. TAMOSAUSKAS, M.R.G. De Médico Especialista a Professor de
Medicina; a construção dos saberes docentes. Dissertação. São
Bernardo do Campo (SP): Faculdade de Educação e Letras. Programa
de Pós Graduação em Educação. Universidade Metodista de São
Paulo, 2003.
60. TOLEDO, R. Ensino de Oftalmologia: Conferência Moacyr Alvaro
1966. Arq. Bras. Oftalmol.,v.29, p.23-29, 1966.
61. VAIL, D. O ensino da Oftalmologia nos Estados Unidos. Arq. Bras.
Oftalmol., v.12, p. 77-81, 1949.
114
62. WATSON, R.T. Rediscovering the medical School. Acad. Med., v.78,
p.659-665, 2003.
63. ZIMMER, L.P. et al. Currículo Oficial e Currículo Paralelo na Faculdade
de Medicina da UFRGS. Rev.Bras.Educ.Med, v.17, p.25-7, 1993.
115
ANEXOS
Anexo I:
Termo de Consentimento da Instituição de Ensino Superior
Rio de Janeiro, de de 2004
Prezado Senhor Diretor:
Como aluna do CURSO DE MESTRADO EM ENSINO EM CIÊNCIAS
DA SAÚDE DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO PAULO – ESCOLA
PAULISTA DE MEDICINA, estou desenvolvendo um projeto de pesquisa
intitulado: "A Inserção da Oftalmologia em Escolas Médicas com
Currículos Disciplinares e não Disciplinares” sob a orientação do Prof. Dr.
José Antonio Maia de Almeida que tem como objetivo geral analisar o ensino
da oftalmologia em cursos de graduação médica no Brasil, no sentido de
propor princípios norteadores para a inserção adequada de seus conteúdos,
tendo por base a formação geral do médico.
De acordo com o projeto, após assinatura deste consentimento e do
termo de consentimento individual de cada professor, realizarei uma análise
documental do projeto pedagógico da Escola e também uma entrevista semi-
estruturada com o coordenador do curso de medicina e com o professor
responsável pela oftalmologia.
Considerando-se as diversas exigências do COMITÊ DE ÉTICA EM
PESQUISA da UNIFESP/EPM, venho por meio desta solicitar a sua
concordância para que se possa realizar a referida pesquisa em sua
instituição.
Atenciosamente.
Patricia Maciel Pachá
PESQUISADOR RESPONSÁVEL
Instituição de Ensino
Diretor da Instituição de Ensino
De acordo em:
Data Assinatura:
117
Anexo II:
Termo de Consentimento dos Coordenadores de Cursos e Professores
Termo de Consentimento livre e Esclarecido
"A Inserção da Oftalmologia em Escolas Médicas com Currículos
Disciplinares e não Disciplinares”
O objetivo deste estudo é conhecer o ensino da oftalmologia nos
cursos de graduação em medicina e fazer uma análise crítica destes cursos,
para permitir a elaboração de um projeto de inserção dos conteúdos que
esteja adequado às necessidades de formação do médico, conforme
preconizada pelas novas diretrizes curriculares.
O estudo será realizado em 2 fases, sendo a primeira baseada na
realização de entrevista semi-estruturada com os coordenadores acadêmicos
dos cursos de medicina do Brasil e com o coordenador da disciplina de
oftalmologia da Instituição de ensino ou, ao responsável pela inserção dos
conteúdos oftalmológicos. A partir dos questionários e, associando uma
pesquisa documental de cursos no exterior, estruturaremos uma proposta de
apresentação dos conteúdos oftalmológicos dentro da graduação.
Este estudo pretende, na medida em que estuda a fundo a inserção do
ensino de uma especialidade no curso médico, servir como piloto para
possíveis mudanças curriculares, extrapolando a área em estudo.
Em qualquer etapa do estudo, você terá acesso aos profissionais
responsáveis pela pesquisa para esclarecimento de eventuais dúvidas. A
principal investigadora é o Dra. Patrícia Maciel Pachá, que pode ser
encontrada na Faculdade de Medicina de Petrópolis, localizada à Rua
Machado Fagundes, 326 – Cascatinha – Petrópolis, tel (24) 22376399 ou por
e.mail:
Se você tiver alguma consideração ou dúvida sobre a ética da pesquisa,
entre em contato com o Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) – Rua Botucatu,
572 – 1º andar – cj 14, 5571-1062, FAX: 5539-7162 – E-mail:
As informações obtidas serão analisadas como um todo, não havendo
interesse na identificação do dado obtido. O participante tem o direito de ser
mantido atualizado sobre os resultados parciais das pesquisas, quando em
estudos abertos, ou de resultados que sejam do conhecimento dos
pesquisadores, podendo solicitar o seu afastamento da pesquisa a qualquer
momento. Não haverá qualquer tipo de compensação financeira pela
participação na pesquisa. O pesquisador poderá se utilizar dos dados e do
material coletado somente para esta pesquisa.
Acredito ter sido suficientemente informado a respeito das informações
que li ou que foram lidas para mim, descrevendo o estudo ”A Inserção da
Oftalmologia em Escolas Médicas com Currículos Disciplinares e não
Disciplinares.”
Após a leitura das propostas da pesquisa, declaro que ficaram claros
para mim quais são os propósitos do estudo, os procedimentos a serem
118
realizados, seus desconfortos e riscos, as garantias de confidencialidade e de
esclarecimentos permanentes. Ficou claro também que minha participação é
isenta de despesas. Concordo voluntariamente em participar deste estudo e
poderei retirar o meu consentimento a qualquer momento, antes ou durante o
mesmo, sem penalidades ou prejuízo ou perda de qualquer benefício que eu
possa ter adquirido.
Assinatura do sujeito de pesquisa Data
___/___/___
Assinatura da testemunha Data ___/___/___
(
Somente para o responsável do projeto)
Declaro que obtive de forma apropriada e voluntária o Consentimento Livre e
Esclarecido deste paciente ou representante legal para a participação neste
estudo.
Assinatura do responsável pelo estudo Data ___/___/___
119
Anexo III:
Roteiro da Análise Documental
1. Em relação ao Curso de Medicina:
- Ano de reconhecimento do curso
- Ano de implantação do atual currículo
- Missão da Instituição de Ensino Superior
- Objetivos do curso
- Tipo de currículo (estrutura curricular vigente)
- Fundamentação pedagógica
2. Em relação aos conteúdos de Oftalmologia:
- Inserção cronológica
- Duração do curso
- Objetivos
- Ementa
- Programa
- Cenários e estratégias de ensino
- Avaliação
- Docentes (no. e qualificação)
120
Anexo IV:
Roteiro da Entrevista com o Diretor/Coordenador Geral do Curso
- Qual a história da implantação do currículo da Escola?
- Há perspectivas de mudanças? Em que sentido?
- Qual o perfil de egresso que a Escola pretende formar?
- Como vê o ensino da Oftalmologia na formação do médico?
- Como se dá a inserção curricular da Oftalmologia na Escola?
- Como acha que seria, idealmente, a inserção da Oftalmologia
na formação do médico?
- Confirmação os dados levantados na análise documental
(quanto ao currículo como um todo)
121
Anexo V:
Roteiro da Entrevista com os Docentes Responsáveis pela
Oftalmologia
- Qual o perfil de egresso que a Escola pretende formar?
- Como vê o ensino da Oftalmologia na formação do médico?
Quais as competências em Oftalmologia que um médico deve
ter?
- Como se dá a inserção curricular da Oftalmologia na Escola?
- Houve alguma mudança nos últimos cinco anos?
- Existe alguma interação com outros conteúdos (disciplinas) do
curso médico? De que forma ocorre essa interação?
- Como são selecionados os conteúdos?
- Como são selecionadas as estratégias de ensino? Onde
ocorrem as atividades?
- Como são realizadas as avaliações de aprendizagem?
- Qual a capacitação dos docentes envolvidos no ensino de
graduação?
- Como acha que seria, idealmente, a inserção da Oftalmologia
na formação do médico?
- Confirmação os dados levantados na análise documental
(quanto à Oftalmologia)
122
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