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gradação crescente do silêncio desencadeia a personificação do mesmo, que se torna mais
ponente que os personagens e se presentifica nas reticências: “aquele silêncio os calava...”.
Quando a ação aparece pelos verbos “latiam”, “cantou”, esta não tem função positiva
como poderia parecer, pois é, ao contrário, a anunciação, principalmente pelo canto do galo,
do fim da noite, logo, o começo do fracasso – o dia. Imersos nessa sensação, surge um
conflito entre o seu desejo (por vir) e o seu estado físico e psicológico que é muito bem
construído pela antítese: “Tinham pressa, mas iam lentos...”. A derrocada interior, finalmente,
se instala pela seqüência negativa ilustrada por muitos vocábulos de conotação negativa num
mesmo período: “silêncio”, “baixa”, “zero”, “nada”, “afunda”, “errado”, “amargo”, “embota”,
“coió”. Aliás, todo o trecho é constituído pelo negativo da falência, seja por tudo isso já
destacado, seja pelos “não” estratégicos ou pelo som do silêncio que se deixa ouvir nas nasais
e nos “o” que salpicam a cena.
Nesse momento, a multidão mancha a página numa descrição em que o autor pinta,
estrategicamente, num único período, a cena impressionista:
Quase quatro horas da manhã. Terminaram a Teodoro Sampaio, com mais
um pouco, Malagueta, Perus e Bacanaço estariam no centro do bairro,
alcançariam o Largo de Pinheiros.
Havia em Pinheiros, junto ao posto maior de gasolina, a Pastelaria Chinesa,
fecha-nunca de rumor e movimento, que se plantava defronte aos pontos
iniciais dos bondes e ônibus, que dali seguiam para todos os cantos da
cidade. A Chinesa fervia, dia e noite sem parar, que ônibus expressos
vindos de longe, ou caminhões de romeiros de São Bom Jesus de Pirapora e
de Aparecida do Norte ali faziam escala para reabastecimento, paradas,
baldeações... Ali se promiscuiam tipos vadios, viradores, viajantes,
esmoleiros, operários, negociantes, romeiros, condutores, surrupiadores de
carteira, estudantes, mulheres da vida, bêbados, tipos sonolentos e vindos da
gafieira famosa do bairro, o Tangará; apostadores chegados do hipódromo
de Cidade Jardim... Sobressaiam-se em número os japoneses, calados,
cordiais, laboriosos, em trânsito para o mercado de Pinheiros ou para a vida
do comércio nas lojas, nos armazéns, nos botequins. Os japoneses, com suas
caras redondas e seus modos de falar sorrindo e meneando a cabeça eram os
donos do bairro. A Chinesa, um ponto central, dia e noite. Movimentos
vibravam, vozerio, retinir de xícaras, buzinas. Corriam ali muitas
modalidades de negócio miúdo e graúdo. Tabacaria, prateleira de frutas,
engraxates, banca de jornais e livros e revistas e folhetos de modinhas e
histórias de Lampeão, de Dioguinho e revistas japonesas, restaurante