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Paleomagnetismo do Neopaleozóico da Bacia
Sanfranciscana, Noroeste de Minas Gerais
Daniele Brandt São Bernardo
Dissertação de Mestrado
Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas
Universidade de São Paulo
Departamento de Geofísica
Orientadora: Marcia Ernesto
-2006-
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ii
Aos meus pais
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iii
RESUMO
A curva de deriva polar aparente para o Palozóico Superior da América do Sul
está baseada em pólos paleomagnéticos obtidos com base em metodologias que não são
mais consideradas confiáveis e, portanto, necessita de dados mais bem determinados e
com idades mais precisas.
Na Bacia Sanfranciscana (Noroeste de Minas Gerais) afloram rochas
sedimentares pertencentes ao Grupo Santa Fé. Estas rochas pertencem ao final do
Paleozóico, e constituem um registro glacial compreendendo arenitos, folhelhos e
diamictitos, que compõem a Formação Floresta seguida da Formação Tabuleiro.
Para o estudo paleomagnético do Grupo Santa Fé amostrou-se arenitos e
folhelhos vermelhos de 76 sítios independentes ao longo de quatro seções da Formação
Floresta: duas seções do Membro Lavado, cada uma com 10 metros de espessura e
outras duas do Membro Brejo do Arroz, sendo uma com 0.6 metros e outra com 9
metros de espessura. Após procedimentos detalhados de desmagnetização por campos
magnéticos alternados e térmica, foi identificada uma única componente de
magnetização muito estável (removida apenas à temperatura de 680ºC) cujos portadores
são principalmente a hematita e, secundariamente, a magnetita. A magnetização
remanente característica apresenta polaridade reversa compatível com o Superchron
Reverso do Permo-Carbonífero (260-315Ma) e é de origem primária, como demonstram
os testes de campo (comparação com a remanência do embasamento e de seixos
pingados), e as evidências de que a hematita formou-se nos estágios iniciais da
diagênese.
O pólo paleomagnético correspondente está situado a 332.8ºE e 64.9ºS (N=60;
α
95
=4.1º; k=21) e representa um pólo de referência para o Paleozóico Superior (260-
280Ma). A reconstrução da América do Sul baseada nesse pólo descarta a possibilidade
de uma reconstrução alternativa (Pangea B) para explicar as incongruências
paleogeográficas apontadas na literatura.
iv
ABSTRACT
The apparent polar wander path for Late Paleozoic of South America is based on
paleomagnetic poles obtained with methodologies no longer considered reliable.
Therefore new poles well determined with better constrained ages are needed.
In the Sanfranciscana Basin (Northwest Minas Gerais state) sedimentary rocks
from the Santa Fé Group crop out. These rocks correspond to a glacial record of the
Late Paleozoic, and lithologies are sandstones, shales and diamictites of the Floresta and
and Tabuleiro formations.
For the paleomagnetic study sandstones and shales were sampled from 76
independent sites throughout four sections of Floresta Formation: two sections (10m
thick) from Lavado Member, and two sections of Brejo do Arroz Member (0.6 and 9
meters thick). After detailed alternating field and thermal demagnetization procedures a
unique characteristic remanence component (erased at 680°C) was identified. Hematite
is the main magnetic carrier but magnetite is also present. This characteristic
magnetization is of reversed polarity compatible with the Permo-Carboniferous
Reversed Superchron (260-315Ma), and is of primary origin as demonstrated by field
tests (comparison with remanences of the basement rocks and of dropped stones), and
laboratory evidences that hematite formed at initial stages of diagenesis.
The corresponding paleomagnetic pole is located at 332.8ºE and 64.9ºS (N=60;
α
95
=4.1º; k=21), and represents a reference pole for the Late Paleozoic (260-280Ma).
Reconstruction of South America based of the Santa Fé pole discard the alternative
models (Pangea B) which were conceived to explain incongruencies in paleogeography
of Pangea as discussed in literature.
v
AGRADECIMENTOS
Agradeço à Professora Dra. Marcia Ernesto pela orientação, acompanhamento e
ensinamentos recebidos na realização deste trabalho.
Aos Professores Dr. Ricardo Ivan Ferreira da Trindade e Dr. Manoel Souza
D'Agrella Filho pelas valiosas discussões durante a realização deste trabalho.
Aos Professores Dr. Antonio Carlos Rocha Campos e Dr. Paulo dos Santos pela
assistência durante os trabalhos de campo.
Aos técnicos Cacilda Donizete Cruz Rodrigues, Helder Pinheiro Sampaio,
Jefferson Carlos de Marins, José Airton Pinto e Rui Fernandes Oliveira pelo auxílio no
laboratório com preparação de amostras e na solução de problemas com equipamentos e
computadores.
Aos colegas do Laboratório de Paleomagnetismo pelas discussões e interesse
neste trabalho.
Às amigas Lucieth e Alexandra pela grande ajuda com o texto e em geologia.
Aos meus pais Alfredo e Sandra Brandt, meus irmãos Desirée e Fellipe e meu
marido Thiago por todo apoio, amor e paciência.
Aos professores da Geofísica pelos ensinamentos e a todos os funcionários do
IAG-USP que contribuíram de forma direta ou indireta na realização deste trabalho.
A Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) pelo
suporte financeiro, sem o qual este trabalho não se realizaria.
ÍNDICE
1. INTRODUÇÃO........................................................................................................ 1
2. CONTEXTO GEOLÓGICO .................................................................................... 5
2.1. O Grupo Santa Fé ............................................................................................. 5
2.1.1. Formação Floresta .................................................................................... 8
2.1.2. Formação Tabuleiro.................................................................................. 9
3. BASES FÍSICAS DO PALEOMAGNETISMO.................................................... 11
3.1. O Campo Geomagnético ................................................................................ 11
3.2. O Registro Geomagnético nas Rochas ........................................................... 12
3.3. Principais Minerais Magnéticos ..................................................................... 16
3.4. Magnetização Remanente............................................................................... 17
3.5. Métodos de Desmagnetização ........................................................................ 19
3.6. Análise das Componentes de Magnetização .................................................. 19
3.7. Susceptibilidade Magnética............................................................................ 20
4. TRABALHO EXPERIMENTAL........................................................................... 23
4.1. Amostragem ................................................................................................... 23
4.2. Preparação de Amostras ................................................................................. 26
4.3. Trabalho Experimental ................................................................................... 26
4.3.1. Anisotropia de susceptibilidade magnética ............................................ 27
4.3.2. Desmagnetização por campos magnéticos alternados............................ 30
4.3.3. Desmagnetização térmica....................................................................... 31
4.4. Determinação das Componentes de Magnetização ........................................ 33
4.5. Caracterização da Mineralogia Magnética ..................................................... 35
4.5.1. Aquisição de magnetização induzida e teste de Lowrie......................... 36
4.5.2. Observação de lâminas delgadas............................................................ 38
5. RESULTADOS ...................................................................................................... 41
5.1. Testes da estabilidade da magnetização ......................................................... 44
5.2. Magnetoestratigrafia....................................................................................... 46
5.3. Pólos Geomagnéticos Virtuais........................................................................ 49
6. DISCUSSÕES E CONCLUSÕES ......................................................................... 51
6.1. Confiabilidade do Pólo Paleomagnético Santa Fé.......................................... 51
6.2. Qualidade dos Pólos Paleomagnéticos da América do Sul ............................ 52
6.3. Idade do Grupo Santa Fé ................................................................................ 55
6.4. Paleogeografia e Paleolatitude........................................................................ 56
6.5. Considerações Finais...................................................................................... 59
REFERÊNCIAS ............................................................................................................. 61
1
1. INTRODUÇÃO
Existem poucos pólos paleomagnéticos para o Paleozóico Superior da América
do Sul que atendam aos critérios de confiabilidade aceitos na literatura atual. A maioria
dos pólos disponíveis foram obtidos em décadas passadas, quando os recursos de
análise da magnetização remanente das rochas e de análise mineralógica eram mais
limitados. Em particular para o Paleozóico, grande parte dos dados resultam de rochas
sedimentares que apresentam maiores limitações para a determinação de idades
absolutas e confiáveis. Como conseqüência, a maioria dos pólos paleomagnéticos
disponíveis têm idades muito indefinidas, com incertezas de até algumas dezenas de
milhões de anos. Além disso, os resultados mais antigos foram obtidos com
metodologias que não são mais consideradas confiáveis. Atualmente para a
determinação de uma componente de magnetização requer-se desmagnetizações
detalhadas e análise das componentes principais (Zijderveld, 1967; Kirschvink, 1980).
Além disso os eventuais problemas tectônicos devem ser detectados e contornados
através de testes de campo e correções adequadas.
Vários dos pólos disponíveis para o período Carbonífero Superior-Permiano
Inferior provêm de regiões que mesmo afastadas da faixa andina, podem ter sido
afetados por aqueles processos orogênicos (Geuna & Escosteguy, 2003). Por esta razão,
para uma melhor definição da curva de deriva polar aparente da América do Sul, é
essencial a determinação de novos pólos paleomagnéticos de áreas estáveis da
plataforma Sul Americana e que atendam aos critérios de qualidade (por exemplo, Van
der Voo, 1990). Este trabalho apresenta um estudo paleomagnético de rochas
sedimentares glaciais do Grupo Santa Fé de idade Permo-Carbonífera da Bacia
Sanfranciscana, no estado de Minas Gerais.
O interesse particular em se realizar o estudo paleomagnético nessas rochas
reside no fato de se tratar de redbeds, ou seja, rochas de coloração avermelhada devido
à presença de hematita. A presença de hematita como principal portador da remanência
magnética é um bom indicador da estabilidade da magnetização, devido à sua alta
coercividade magnética. Entretanto, a origem da hematita pode significar um problema,
porque muitas vezes aparece como mineral secundário, isto é, formado muito depois da
2
deposição dos sedimentos. No caso das rochas sedimentares do Grupo Santa Fé, estudos
anteriores mostraram que a origem da hematita data do início da diagênese dos
sedimentos (Campos & Dardenne, 1994), portanto existe alta probabilidade de ter
guardado o registro do campo geomagnético dessa época. Neste caso, tanto a
mineralogia quanto a magnetização remanente são consideradas primárias. Sendo assim,
essas rochas sedimentares constituem um alvo em potencial capaz de satisfazer vários
dos critérios de qualidade desejáveis para obtenção de um pólo paleomagnético de
referência que contribua para uma melhor definição da CDPA da América do Sul.
Determinações de idade absolutas para formações sedimentares são raras e o
controle de idade mais comum é a identificação de horizontes bioestratigráficos.
Entretanto, as zonas bioestratigráficas às vezes são inexistentes ou mal definidas e, neste
caso, a incerteza da informação inviabiliza a datação relativa. Neste contexto, dados
paleomagnéticos associados a dados estratigráficos constituem a ferramenta mais
precisa para definição da idade.
O intervalo compreendido entre o Paleozóico Superior e o Mesozóico Inferior é
um período de grandes controvérsias relativas ao uso de dados paleomagnéticos em
reconstruções globais. Esse debate persiste desde que Irving (1977) propôs uma
configuração para o Pangea durante o Permiano-Triássico que diferia daquela já aceita
para o Jurássico Inferior a Médio (Pangea de Wegener). A falta de consistência entre os
pólos paleomagnéticos permianos-triássicos para a Laurússia e Gondwana na
reconstrução típica de Wegener (Pangea A), foi interpretada por Irving (1977), bem
como por outros autores desde então, como evidência de uma configuração diferente
para o Pangea (Pangea B) para esse período.
Para atender à reconstrução do Jurássico, para a qual as bases de dados são
coerentes, há a necessidade de se supor um cisalhamento destral por mais de 3.000km
entre Laurussia e Gondwana durante o Triássico, para migrar de uma configuração para
outra, sendo que as evidências geológicas para esse tectonismo são muito tênues. Esta
questão levou vários autores a acreditar que o problema residia na base de dados
paleomagnéticos. De acordo com McElhinny & McFadden (2000 e referências citadas)
a fonte das discrepâncias reside na qualidade dos dados usados nas reconstruções e nas
incertezas das idades.
3
Van der Voo & Torsvik (2001) por outro lado, questionaram a validade do
modelo de dipolo geocêntrico e axial (GAD), como fonte de erro em dados
paleomagnéticos. Em Paleomagnetismo utiliza-se a suposição de que o campo
magnético terrestre, numa média temporal, corresponde ao campo produzido por um
dipolo magnético paralelo ao eixo terrestre, no centro da Terra. Desta forma, o cálculo
da paleolatitude ocupada por um certo local de amostragem, na época em que a unidade
geológica adquiriu a magnetização remanente é condicionada a esse modelo. Entretanto,
a hipótese da componente não-dipolar foi questionada e descartada por Muttoni et al.
(2003).
Desta forma fica claro que há uma grande necessidade de se melhorar em
quantidade e qualidade a base de dados paleomagnéticos da América do Sul
correspondente ao Paleozóico Superior-Mesozóico Inferior, qualquer que seja a hipótese
a ser investigada. Desta forma o estudo do Grupo Santa Fé apresentado neste trabalho,
representa uma contribuição importante para resolver os problemas relativos à
paleogeografia do período correspondente, bem como contribuir na definição da idade
dessa formação geológica e nas questões da glaciação Permo-Carbonífera, no que diz
respeito à duração e paleolatitudes.
4
5
2. CONTEXTO GEOLÓGICO
A Bacia Sanfranciscana corresponde à cobertura Fanerozóica do Cráton São
Francisco. Estende-se do Noroeste de Minas Gerais até o Sul do Piauí (Fig. 2.1),
totalizando aproximadamente 1100km de extensão e largura predominante de 200km
(Sgarbi et al., 2001). De acordo com Campos & Dardenne (1997a), é dividida em duas
sub-bacias: Abaeté e Urucuia devido a importantes diferenças entre as porções sul e
norte da bacia.
As rochas mais antigas da Bacia Sanfranciscana pertencem ao Grupo Santa Fé,
mas é possível que existam unidades ainda mais antigas não aflorantes. A sedimentação
na Bacia Sanfranciscana iniciou-se no final do Paleozóico com os sedimentos glaciais
do Grupo Santa Fé (Fig. 2.2). No Cretáceo Inferior ocorreu a deposição do Grupo
Areado, posteriormente, no Cretáceo Superior ocorre a deposição dos grupos Mata da
Corda e Urucuia, seguidos pela Formação Chapadão do Cenozóico.
2.1. O Grupo Santa Fé
A sedimentação do Grupo Santa Fé ocorreu devido a um “baixo relativo” por
onde se canalizaram fluxos de centros glaciais vindos de SW para NNE, responsáveis
pelas feições glaciogênicas do Grupo Santa Fé (Rocha-Campos et al., 2003).
O Grupo Santa Fé aflora na porção meridional da Bacia Sanfranciscana. Assenta-
se sobre a Formação Três Marias do Grupo Bambuí (Proterozóico Superior) e é
recoberta pela Formação Areado (Cretáceo Inferior). De acordo com Campos &
Dardenne (1994 e 1997a) e Sgarbi et al. (2001) o Grupo Santa Fé é composto por
arenitos, siltitos, argilitos e diamictitos (tilitos e tilóides).
O posicionamento cronoestratigráfico do grupo Santa Fé no Permo-Carbonífero
foi feito por Campos & Dardenne (1994, 1997a) que consideram o Grupo Santa Fé
correlato ao Grupo Itararé da Bacia do Paraná. Este grupo apresenta idade mínima de
260Ma baseada nas cinzas vulcânicas da Formação Rio Bonito que se sobrepõe
imediatamente ao Grupo Itararé (Coutinho et al., 1991).
6
Figura 2.1. Localização das principais bacias da plataforma brasileira, destacando-se a
Bacia Sanfranciscana (em verde). Baseado em Souza-Lima & Junior (2003) e CPRM
(2006).
Várias evidências apontam para uma origem glacial para as rochas do Grupo
Santa Fé (Campos & Dardenne, 1994; Dardenne & Campos, 2003; Rocha-Campos et
al., 2003): presença de pavimentos estriados (Formação Três Marias) com estruturas de
roches moutonnées; seixos pingados com presença de estrias e faces polidas (Membro
Brejo do Arroz); diamictitos não homogêneos e não estratificados (Membro Brocotó);
ocorrência dos sedimentos em vales largos em "U" (indicador de escavações das capas
de gelo).
O grupo Santa Fé é subdividido nas formações Floresta e Tabuleiro. A Formação
Floresta é subdividida nos membros Brocotó, Brejo do Arroz e Lavado (nomenclatura
baseada em feições geográficas e geomorfológicas da região). A Formação Tabuleiro
recobre os membros da Formação Floresta.
7
Figura 2.2. Estratigrafia simplificada da Bacia Sanfranciscana (Campos & Dardenne,1997a).
Em destaque os Membros Brejo do Arroz e Lavado.
8
2.1.1. Formação Floresta
Os três membros Brocotó, Brejo do Arroz e Lavado foram englobados numa
mesma formação por Campos & Dardenne (1994), pois estes interdigitam-se
lateralmente e verticalmente.
2.1.1.1. Membro Brocotó
O Membro Brocotó é constituído principalmente por diamictitos, com matriz
síltico arenosa e de coloração avermelhada, que foram chamados de tilitos e tilóides
(Campos & Dardenne, 1994). Foram considerados verdadeiros tilitos os diamictitos
maciços, não-estratificados, com clastos facetados e/ou estriados, enquanto que os
diamictitos estratificados, com clastos mais arredondados foram denominados de
tilóides. O Membro Brocotó ocorre na maioria dos casos sobre a Formação Três Marias,
Grupo Bambuí.
Devido a uma granulometria extremamente variada, a presença de clastos
facetados e às vezes estriados, o sistema deposicional está associado a resíduos de
derretimento de capas de gelo. Os tilódes são o retrabalhamento dos tilitos por correntes
aquosas.
2.1.1.2. Membro Brejo do Arroz
O Membro Brejo do Arroz geralmente se sobrepõe à Formação Três Marias
(Campos & Dardenne, 1994). É formado basicamente por folhelhos, siltitos e arenitos
com ou sem seixos pingados, resultantes de um sistema deposicional glacio lacustre e
turbidítico. Os seixos pingados são extremamente mal selecionados, com formas
irregulares, angulosos e com uma face achatada às vezes estriada.
2.1.1.3. Membro Lavado
O Membro Lavado é constituído por arenitos vermelhos, ocorrendo também
diamictitos com matriz arenosa, conglomerados finos e conglomerados
intraformacionais. Os grãos detríticos apresentam em sua superfície uma película de
9
óxidos, que dá a coloração vermelha. A deposição desta película ocorreu no início da
diagênese, estes filmes de óxidos se depositaram não muito depois da sedimentação dos
grãos (Campos & Dardenne,1994).
O sistema deposicional associado a este membro é um sistema fluvio-glacial,
devido a um fluxo entrelaçado de água proveniente do derretimento das capas de gelo.
2.1.2. Formação Tabuleiro
De acordo com Campos & Dardenne (1994) a Formação Tabuleiro é constituída
por arenitos homogêneos, vermelhos, rosados e localmente brancos com intercalações
argilosas. Análises petrográficas feita por Campos & Dardenne (1994) mostraram grãos
de areia muito arredondados a esféricos, típicos de retrabalhamento eólico.
A Formação Tabuleiro recobre os três membros da Formação Floresta, inclusive
a Formação Três Marias (Grupo Bambuí, embasamento local), apresentando
distribuição mais ampla. O sistema deposicional associado é periglacial eólico-lacustre.
Devido à passagem gradativa da Formação Floresta para Formação Tabuleiro, esta é
considerada como sendo o registro do final da glaciação.
10
11
3. BASES FÍSICAS DO PALEOMAGNETISMO
Neste capítulo serão introduzidos alguns conceitos físicos nos quais se baseia o
Paleomagnetismo. As fontes de referência em que se baseia o texto são, principalmente,
Tauxe (2002), Dunlop & Özdemir (1997) e Butler (1992).
3.1. O Campo Geomagnético
O campo geomagnético é essencialmente um campo dipolar cujo eixo apresenta-
se inclinado em relação ao eixo geográfico e deslocado em relação ao centro da Terra.
Apresenta também uma componente não-dipolar. Em Paleomagnetismo introduz-se
uma simplificação no modelo, considerando-se apenas um campo magnético
geocêntrico e axial (DGA). Neste modelo o campo geomagnético é dado por um dipolo
magnético simples, posicionado no centro da Terra e alinhado com o seu eixo de
rotação. O ângulo de declinação (ângulo D em relação ao norte geográfico) é, portanto,
nulo em todo o globo terrestre e a inclinação (ângulo Inc em relação à horizontal) varia
com a latitude (λ) conforme a Equação 3.1.
)tan(2)tan(
λ
=
Inc (3.1)
A direção e a intensidade do campo geomagnético variam no tempo e as
mudanças de longo período são denominadas variação secular. A variação secular deve-
se tanto às variações de curto período do campo não dipolar quanto às variações de
longo período do campo dipolar. Uma das componentes da variação secular, crucial
para o Paleomagnetismo, é a deriva para oeste do campo dipolar. O dipolo principal
descreve movimentos que resultam na migração dos pólos magnéticos (sul e norte) ao
redor dos pólos geográficos com períodos da ordem de 7.000 – 10.000 anos
aproximadamente. A trajetória descrita é variável mas, em geral, os pólos não se
afastam mais do que 30-40° do pólo geográfico. Quando se faz a média das posições
virtuais dos pólos magnéticos, em intervalos de tempo suficientemente longos, os pólos
médios aproximam-se dos pólos geográficos. Esse resultado indica que a simplificação
12
do modelo de dipolo geocêntrico axial (DGA) é perfeitamente admissível e não introduz
erros grosseiros.
3.2. O Registro Geomagnético nas Rochas
Para que o registro do campo geomagnético seja preservado nas rochas, é
necessário que a rocha contenha minerais magnéticos capazes de preservar a
magnetização remanente por longos intervalos de tempo, isto é, centenas de milhões de
anos e até alguns bilhões de anos.
Na natureza existem três tipos de minerais magnéticos: a) diamagnéticos -
adquirem magnetização em sentido contrário ao campo indutor e é removida em campo
nulo; b) paramagnéticos - a magnetização induzida tem o mesmo sentido do campo
indutor e é removida em campo nulo; c) ferromagnéticos - possuem átomos magnéticos
que interagem fortemente entre si, resultando numa magnetização espontânea. Os
minerais naturais deste último grupo, na realidade, classificam-se em ferrimagnéticos ou
antiferromagnéticos.
Átomos magnéticos são aqueles que possuem um ou mais elétrons
desemparelhados. Quando tais átomos são colocados lado a lado, a curtas distâncias,
alinham-se de tal forma que a energia de troca entre eles torna-se mínima. Nos materiais
antiferromagnéticos a disposição dos momentos magnéticos atômicos é antiparalela e de
mesma intensidade, portanto a magnetização resultante é nula (Figura 3.1a). Nos
ferrimagnéticos a disposição dos momentos magnéticos atômicos é antiparalela e de
intensidades distintas (Figura 3.1b), logo existe magnetização espontânea, porém mais
fraca que nos materiais ferromagnéticos cuja disposição dos momentos magnéticos
atômicos é paralela (Figura 3.1c).
13
Figura 3.1. Ilustração da disposição dos momentos magnéticos atômicos nos três casos: a)
antiferromagnético; b) ferrimagnético e c) ferromagnético.
A temperatura na qual a energia térmica se iguala à energia de interação
magnética dos átomos (energia de troca) é chamada de temperatura de Néel (T
N
), no
caso de materiais antiferromagnéticos, ou temperatura de Curie (T
C
), no caso de
materiais ferromagnéticos e ferrimagnéticos. Acima dessa temperatura o
comportamento passe a ser do tipo paramagnético. Isso ocorre porque a energia térmica,
responsável pelo movimento aleatório dos momentos magnéticos, é maior que a energia
de troca, responsável pelo alinhamento dos momentos.
Na natureza encontram-se apenas minerais do tipo ferrimagnético e
antiferromagnético. A hematita (Fe
2
O
3
) é um exemplo de mineral antiferromagnético,
contudo este mineral possui magnetização espontânea à temperatura ambiente devido a
uma inclinação entre os momentos atômicos.
Figura 3.2. Ilustração dos domínios magnéticos de um material ferromagnético.
14
Um material ferromagnético possui domínios magnéticos, os quais são
separados por ‘paredes’ que são as zonas magneticamente ‘fracas’ (Figura 3.2). A
transição de um domínio para outro é gradual, gerando orientações transicionais.
Um grão mineral pode ser multidomínio, monodomínio ou pseudo-
monodomínio, isto é, comportar-se como monodomínio mesmo tendo mais de um
domínio. Um campo magnético aplicado a um grão multidomínio age nas paredes dos
domínios deslocando-as de tal forma a aumentar a magnetização resultante. Quando o
campo é retirado, as paredes não retornam exatamente para o mesmo lugar e o grão
passa a ter uma remanência magnética, como mostra a ilustração da Figura 3.3. Esta
propriedade, exclusiva do grupo de materiais ferromagnéticos, é chamada de histerese
(Figura 3.4).
Figura 3.3. Ilustração da indução de magnetização em um grão multidominio.
Ao aplicar campos magnéticos crescentes com polaridade positiva, a um
material ferromagnético com magnetização inicial nula, este material irá adquirir
magnetização positiva até atingir a saturação (Ms). Ao diminuir a intensidade do campo
aplicado a magnetização diminui, porém, quando o campo magnético aplicado se torna
nulo, permanece uma magnetização chamada de magnetização remanente de saturação
(Mrs). Se, no entanto, forem aplicados campos magnéticos com polaridade negativa, a
magnetização remanente será eliminada para um campo de módulo Hc que corresponde
à coercividade magnética do material. Hcr é o campo no qual a magnetização é anulada
quando este é retirado, chamado de coercividade de remanência. Ao aumentar a
H
H=0 e M=0
H=0 e M=Mr
15
intensidade do campo magnético negativo, a magnetização negativa também aumenta
até atingir a saturação e quando este é retirado, resta a magnetização remanente de
saturação negativa. O campo indutor se torna positivo como antes, remove a
magnetização no ponto Hc e a magnetização aumenta até o ponto de saturação
novamente. Estabelece-se assim um ciclo de histerese.
Figura 3.4. Curva de histerese onde H é o campo magnético aplicado, M é a magnetização
adquirida, Ms é a magnetização de saturação, Mrs é a magnetização remanente de saturação, Hc
é a coercividade e Hcr é a coercividade de remanência.
De acordo com Néel (1949 e 1955) a magnetização de um mineral decai
exponencialmente com o tempo (Equação 3.2):
=
τ
t
eMtM
0
)( , (3.2)
onde M
0
é a magnetização inicial e τ é o tempo de relaxação, tempo que leva
para a magnetização diminuir de
e
1
. Quanto maior τ, mais tempo levará para diminuir
de
e
1
, portanto, quanto maior
τ maior a estabilidade da magnetização. Para que um
mineral possa preservar o registro do campo geomagnético por milhões de anos, deve
M
H
Ms
Mrs
Hcr
Hc
16
ter
τ da ordem de milhões a bilhões de anos. O tempo de relaxação depende do volume
e da temperatura do grão, como mostra a Equação 3.3:
=
kT
Kv
e
C
1
τ
(3.3)
Grãos com
τ entre 10
2
a 10
3
segundos são grãos instáveis na escala de tempo de
laboratório. A temperatura na qual
τ situa-se entre 10
2
a 10
3
segundos é definida como
temperatura de bloqueio (T
b
). Entre T
b
e T
C
(ou T
N
) o grão será superparamagnético,
isto é, possui energia térmica suficiente para desalinhar os momentos magnéticos.
Acima de T
C
(ou T
N
) será paramagnético.
3.3. Principais Minerais Magnéticos
Os principais minerais magnéticos encontrados na natureza são os óxidos de
ferro e titânio e suas composições são convenientemente representadas em um diagrama
ternário TiO
2
- FeO – Fe
2
O
3
(Figura 3.5). Posições da esquerda para a direita indicam
crescimento da razão de Fe
3+
para Fe
2+
enquanto as posições da base para o topo
indicam crescimento do conteúdo de titânio.
Figura 3.5. Diagrama ternário TiO
2
– FeO – Fe
2
O
3
. Estão indicadas as composições de
importantes minerais óxidos de ferro e titânio e as séries das soluções sólidas das
titanomagnetitas e titanohematitas.
17
A série das titanomagnetitas, que vai de magnetita ao uvospinélio é composta
por minerais cúbicos com estrutura de espinélio inversa. A série das titanohematitas
(também chamada de hemoilmenitas), é o equivalente oxidado das titanomagnetitas,
todavia apresenta estrutura cristalina romboédrica.
A magnetita (Fe
3
O
4
), possui temperatura de Curie de 580ºC, magnetização de
saturação de 92 Am
2
kg
-1
e coercividade de cerca de décimos de mT contra décimos de
teslas da coercividade da hematita (
αFe
2
O
3
), que por sua vez possui temperatura de
Néel de 680ºC e magnetização de saturação de 0.4 Am
2
kg
-1
. Maghemita (γFe
2
O
3
) é o
mineral produzido pela oxidação da magnetita, o qual submetido a temperaturas entre
250-750ºC se transforma em hematita (
αFe
2
O
3
). Devido a essa transformação a
temperatura de Curie para a maghemita não é determinada com exatidão, variando entre
590-675ºC. A TM60 (60% de substituição de titânio - Fe
2.4
Ti
0.6
O
4
) é um exemplo da
série das titanomagnetitas que possui temperatura de Curie de 150ºC e magnetização de
saturação de 24 Am
2
kg
-1
.
Outros exemplos de minerais magnéticos são os oxihidróxidos de ferro, como a
goetita (
αFeOOH) com temperatura de Néel de 70-125ºC e os sulfetos de Ferro, como a
pirrotita (Fe
7
S
8
) com temperatura de Curie de aproximadamente 325ºC e a greigita
(Fe
3
S
4
) com temperatura de desbloqueio de aproximadamente 330ºC.
3.4. Magnetização Remanente
Em rochas sedimentares a magnetização remanente é adquirida, primariamente
pela deposição de grãos detríticos já magnetizados. Durante a deposição existe uma
forte tendência de grãos magnéticos se tornarem alinhados ao campo geomagnético em
resposta ao torque que este exerce no grão. Neste caso, a magnetização adquirida pela
rocha em formação é denominada magnetização remanente deposicional (MRD). Na
água existe a presença de movimentos turbulentos e agitação térmica que faz com que
reste uma pequena parcela de grãos alinhados ao campo. Ao atingir a superfície de
deposição o momento magnético do grão pode ser distorcido por ações gravitacionais.
Essa distorção torna a inclinação da magnetização menor que a do campo aplicado, este
fenômeno é conhecido como erro de inclinação, que é máximo em grãos com
inclinações de 45º. Os grãos magnéticos podem ser deslocados por bioturbações,
18
alinhados ao campo e novamente depositados. Neste caso a remanência é chamada de
magnetização remanente detrítica pós deposicional (MRpD), onde a ação da gravidade
não é significativa.
A rocha sedimentar também pode adquirir magnetização através de outros
processos que resultam em magnetizações secundárias do tipo viscosa, térmica ou
química.
Com o passar do tempo ocorre um aumento no número de grãos magnéticos que
podem adquirir energia térmica suficiente para perder a orientação magnética original e
se alinhar ao campo magnético presente. Quando isso ocorre o grão adquire uma nova
magnetização, denominada magnetização remanente viscosa (MRV) e, em geral, afeta
os grãos de mais baixa coercividade.
A magnetização térmica é adquirida quando uma rocha é aquecida. O mineral
presente na rocha a uma temperatura acima de T
C
(ou T
N
) não possui magnetização e é
paramagnético, com o esfriamento a uma temperatura entre T
C
(ou T
N
) e T
b
o mineral se
torna superparamagnético e se alinha na direção do campo geomagnético. Quando a
temperatura se torna inferior a T
b
o grão registra magnetização porque o seu tempo de
relaxação alcança valores geologicamente significativos.
Como o tempo de relaxação é também fortemente relacionado com o volume do
grão, para grãos muitos pequenos a energia térmica domina e o grão é
superparamagnético. Com o crescimento do grão, a uma temperatura constante, o grão
atinge um determinado volume, chamado volume de bloqueio, acima do qual o grão se
torna ferromagnético e adquire uma magnetização. Essa magnetização é denominada de
magnetização remanente química e pode ocorrer tanto em crescimento de novos grãos
nos interstícios de rochas sedimentares como em alterações mineralógicas.
Uma rocha coletada em um dado contexto geológico possui remanência
magnética que pode ter sido adquirida por uma variedade de mecanismos. A remanência
desta rocha é a magnetização remanente natural (MRN), que pode ser primária,
secundária ou a soma destas. Magnetização primária é a magnetização adquirida durante
a formação da rocha e secundária é a magnetização adquirida depois da rocha formada.
Quando a magnetização primária é totalmente removida e adquire outra dizemos que a
rocha foi totalmente remagnetizada.
19
3.5. Métodos de Desmagnetização
Para se determinar as componentes de magnetização presentes na rocha é
necessário proceder-se a desmagnetizações. Neste trabalho foram utilizados dois
procedimentos de desmagnetização: por campos magnéticos alternados e por
temperaturas.
O ciclo de campo magnético alternado se inicia com intensidade máxima de
campo magnético indutor e termina em zero. Ao aplicar um campo magnético alternado
de intensidade máxima H a um espécime, os momentos magnéticos dos grãos com
coercividade menor ou igual H irão se orientar na direção do campo aplicado. Ao se
diminuir a zero a intensidade do campo aplicado, em ambiente de campo magnético
nulo, os momentos magnéticos irão se orientar aleatoriamente e a magnetização
resultante destes grãos será nula. Quanto maior a coercividade do mineral maior deve
ser o campo magnético alternado aplicado para desmagnetizá-lo. A coercividade de um
mineral varia com a composição, tamanho do grão e arranjo cristalino.
O procedimento de desmagnetização térmica consiste em aquecer os espécimes
a uma determinada temperatura e esfriá-los na presença de um campo magnético nulo.
Quando a temperatura de bloqueio de determinados grãos é atingida, estes se tornam
superparamagnéticos e, por estarem na ausência de campo magnético externo, têm a sua
magnetização removida. A cada etapa de desmagnetização térmica deve-se medir a
susceptibilidade magnética volumétrica dos espécimes para controlar mudanças nas
propriedades magnéticas devido a possíveis transformações mineralógicas.
3.6. Análise das Componentes de Magnetização
Projeções vetoriais ortogonais (Zijderveld, 1967) auxiliam na identificação das
várias componentes de magnetização. As direções de remanência são calculadas
utilizando a análise de componente principal de Kirschivink (1980), onde são dados
pesos iguais aos pontos de uma seqüência que compõem uma única componente e a
direção é calculada pelo método dos mínimos quadrados.
20
Em Paleomagnetismo as direções médias são calculadas utilizando a estatística
de Fisher (1953), que considera todos os N vetores de intensidade igual a um e a média
das direções
><
X
r
igual à soma vetorial (
R
r
) de todos os N vetores dividido pela sua
intensidade R (
R
R
X
r
r
>=< ). Se N for próximo de R significa que as N direções são
agrupadas (parâmetro k alto,
R
N
N
k
=
1
). Se a dispersão for muito grande, R será muito
menor que N, então o parâmetro k será baixo. Outro parâmetro levado em conta é o
ângulo
95
α
(
kN
º140
95
α
), que representa duas vezes o desvio padrão da média numa
projeção esférica.
3.7. Susceptibilidade Magnética
Quando um campo magnético (
H
r
) é aplicado em um material magneticamente
isotrópico este adquire uma magnetização induzida (
i
M
r
) a qual varia conforme as
propriedades do material. A relação entre campo aplicado (
H
r
) e a magnetização
induzida (
i
M
r
) é dada pela equação:
i
MH
r
r
χ
= (3.4)
A susceptibilidade magnética de um material (
χ) varia com a temperatura. Ao
aquecer um mineral que é ferrimagnético à temperatura ambiente, a susceptibilidade
magnética aumenta ao atingir a temperatura de bloqueio, porque acima desta
temperatura o mineral se torna superparamagnético, ou seja, os momentos magnéticos
se alinham a qualquer direção de campo aplicado. Por outro lado quando a temperatura
de Curie é atingida a susceptibilidade diminui drasticamente porque este se torna um
mineral paramagnético. A curva termomagnética (susceptibilidade magnética versus
temperatura) é um método muito utilizado para se saber quais os minerais magnéticos
presentes na rocha em estudo.
Na natureza os materiais magnéticos anisotrópicos são os mais encontrados. O
magnetismo por si só já é anisotrópico, não existem cargas isotrópicas magnéticas
21
(como há na eletrostática); no magnetismo a menor unidade é um dipolo magnético que
já possui direção e sentido. A anisotropia de um material magnético começa com a
anisotropia atômica, o momento magnético de spin do elétron desemparelhado se alinha
ao eixo perpendicular ao plano orbital do elétron. A anisotropia magnetocristalina é
devida à disposição dos átomos magnéticos na rede cristalina, onde os átomos
magnéticos interagem uns com os outros de tal forma a alinhar seus momentos
magnéticos na posição de mínima energia. Além destes dois tipos de anisotropia um
outro tipo que deve ser somado é a anisotropia de forma do grão, esta pode ser mais ou
menos importante que a anisotropia magnetocristalina. Um grão alongado irá se
magnetizar mais facilmente na direção do maior eixo do grão, devido a um campo
contrário à magnetização, chamado de campo desmagnetizante, que tem maior
intensidade nas direções dos eixos menores do grão e menor intensidade na direção do
eixo maior. Este campo desmagnetizante resulta da própria magnetização do grão. Uma
maneira de simplificar este problema é pensar que o campo desmagnetizante é
ocasionado por cargas magnéticas positivas e negativas, dadas pela magnetização,
distribuídas nas faces do grão perpendiculares a magnetização. Quanto maior a área da
face, maior o número de cargas, maior o campo desmagnetizante (Figura 3.6).
Figura 3.6. Ilustração da magnetização e cargas magnéticas positivas e negativas.
Quando um campo magnético (
H
r
) é aplicado em um material magnético
anisotrópico este adquire uma magnetização induzida (
i
M
r
) e a relação entre campo
aplicado (
H
r
) e a magnetização induzida (
i
M
r
) é dada pela equação:
[
]
i
MH
r
r
χ
= (3.5)
22
Como se vê na Equação 3.5 a susceptibilidade de um material anisotrópico é
dada por um tensor, ou seja, a magnetização induzida não é necessariamente paralela ao
campo aplicado. A anisotropia de susceptibilidade de um mineral anisotrópico é
simplificada em um elipsóide cujos eixos são correspondentes aos valores de
susceptibilidade maior, intermediária e menor dados por K
1
, K
2
e K
3
respectivamente.
Normalmente os grãos magnéticos não esféricos possuem os eixos K
1
, K
2
e K
3
de susceptibilidade paralelos aos seus eixos maior, médio e menor respectivamente.
Quando medimos esta propriedade nas rochas podemos inferir a disposição dos grãos na
rocha. Por exemplo, K
1
alinhado a uma direção na rocha pode indicar que os grãos estão
com seus eixos mais alongados nesta direção. A orientação espacial dos grãos é
estatística e pode refletir processos geológicos tais como direção de paleocorrentes (no
caso de rochas sedimentares) ou de fluxo de magma (no caso das rochas vulcânicas).
23
4. TRABALHO EXPERIMENTAL
O trabalho experimental envolveu quatro principais etapas: amostragem,
preparação de amostras, rotinas de laboratório para determinação da magnetização
característica, mineralogia magnética e anisotropia de suscetibilidade magnética e
análise de dados. O trabalho experimental foi inteiramente realizado no Laboratório de
Paleomagnetismo do IAG/USP.
4.1. Amostragem
A amostragem do Grupo Santa Fé foi realizada no período de 28 de outubro a 5
de novembro de 2003, nas proximidades das cidades Santa Fé de Minas e Canabrava.
As unidades de rochas amostradas foram os membros Brejo do Arroz e Lavado da
Formação Floresta. Procurou-se amostrar o maior número de sítios (camadas)
independentes possíveis mantendo bom controle estratigráfico dos mesmos. Sempre que
possível utilizou-se amostrador portátil, retirando-se cilindros (2.5cm de diâmetro)
orientados com bússola magnética ou solar. Quando não era possível, eram retirados
blocos orientados.
Foram escolhidos dois pontos de amostragem do Membro Brejo do Arroz,
localizados próximos a Canabrava e Santa Fé de Minas. No primeiro ponto (ponto 1,
Figura 4.1) foram retirados 47 cilindros orientados, destes, dois foram retirados de dois
seixos caídos e o restante foram retirados de 5 sítios ao longo de uma seção vertical de
0.6m de espessura. No segundo ponto (ponto 2, Figura 4.1) foram amostrados 22 blocos
orientados, incluindo um seixo caído; as amostras de mão foram retiradas de 6 sítios ao
longo de uma seção vertical de 8m de espessura. Neste caso a amostragem foi realizada
na forma de blocos devido à fragilidade dos folhelhos. A amostragem dos seixos caídos
foi realizada com o objetivo de verificar se as direções de magnetização dos seixos são
aleatórias e distintas da encontrada na matriz, o que é esperado no caso de não ter
sofrido nenhum evento intenso o suficiente para remagnetizar os seixos e a matriz. Estas
seções de amostragem foram chamadas de Seção A do Brejo do Arroz (ponto 1) e Seção
B do Brejo do Arroz (ponto 2).
24
Figura 4.1. Mapa geológico e de localização da amostragem baseado em Projeto São Francisco
– CPRM (2002).
Do Membro Lavado a amostragem foi realizada em duas localidades, uma nas
proximidades do município de Santa Fé de Minas (ponto 3, Figura 4.1) e outra nas
proximidades de Canabrava (ponto 4, Figura 4.1). No primeiro ponto de amostragem,
que foi chamado de Seção A (ponto 3), foram retirados 98 cilindros orientados de 47
sítios ao longo de 3 subseções: duas paralelas e uma na porção superior, formando uma
seção de aproximadamente 10m de espessura Estas três subseções foram chamadas de
A1 (sítios 40 a 55), A2 (sítios 56 a 63) e A3 (sítios 64 a 86). A posição relativa dos
sítios amostrados está indicada na Figura 4.2. No outro ponto, que foi chamado de
Seção B (ponto 4), foram retirados 58 cilindros de 18 sítios ao longo de uma seção
vertical de cerca de 10m de espessura.
25
Figura 4.2. a) Colunas estratigráficas referentes às seções estudadas (Rocha-Campos, dados não
publicados); b) Detalhe das mesmas seções, posicionando as amostras coletadas.
26
Foram amostrados também dez sítios ao logo de uma seção de 3m de espessura
(40 cilindros orientados) do embasamento local (Grupo Bambuí, ponto de amostragem 1
na Figura 4.1) com a finalidade de testar possível remagnetização geral da área de
estudo.
Estas seções são melhores compreendidas visualizando a Figura 4.2 onde estão
os tipos de rochas encontrados nas seções e a distribuição dos sítios na estratigrafia.
4.2. Preparação de Amostras
Duas técnicas de preparação de amostras foram utilizadas, uma com os cilindros
e outra com os blocos. A preparação das amostras cilíndricas consiste em cortá-las em
espécimes cilíndricos menores de 2.2cm de altura. De cada cilindro orientado foi
possível se obter de um a quatro espécimes. A marcação de orientação do cilindro foi
propagada para os demais espécimes. Esta marcação foi feita com tinta nanquim para
que, durante a etapa de aquecimento dos espécimes (em laboratório), essa marcação não
fosse removida, já que com tinta de caneta essa marcação se apaga nos primeiros passos
de aquecimento. Foram preparados ao todo 466 espécimes cilíndricos.
A técnica de preparação dos blocos se iniciou com a propagação da marcação de
orientação para todo o topo do bloco, utilizando linhas paralelas. Para muitos blocos não
se pôde utilizar a furadeira de bancada para se retirar cilindros porque os blocos eram
muito frágeis. Por isso estes foram nivelados em gesso e cortados em pequenos cubos
de volume aproximadamente igual aos espécimes cilíndricos. Ao todo foram preparados
125 espécimes cúbicos.
4.3. Trabalho Experimental
Para se determinar o vetor de magnetização remanente e as componentes que o
compõem foi necessário fazer a desmagnetização gradual dos espécimes, medindo a
magnetização remanente a cada etapa de desmagnetização. Os dois procedimentos de
desmagnetização utilizados neste trabalho foram a desmagnetização por campos
magnéticos alternados (c.a.) e desmagnetização térmica. Estes dois procedimentos
27
foram realizados dentro de uma sala magneticamente blindada para que, durante os
procedimentos realizados, não houvesse remagnetização residual dos espécimes.
Mediu-se também a anisotropia de susceptibilidade magnética (ASM) dos
espécimes, o que foi feito antes de submetê-los a qualquer procedimento de
desmagnetização, para evitar os efeitos de possíveis transformações mineralógicas ou
modificações da estrutura de domínios magnéticos.
4.3.1. Anisotropia de susceptibilidade magnética
Mediu-se a anisotropia de suscetibilidade magnética de todos os espécimes em
equipamento da Molspin Ltd. Em muitos espécimes a susceptibilidade e o grau de
anisotropia eram muito baixos e ficaram dentro da faixa de ruído do equipamento. Por
essa razão muitos sítios (33%) apresentaram resultados muito dispersos e calcular os
tensores de anisotropia de susceptibilidade médios para estes sítios mostrou-se
impossível. Este tipo de comportamento está ilustrado na Figuras 4.3A, que mostra a
projeção estereográfica para as direções de susceptibilidade magnética máxima (K
1
),
intermediária (K
2
) e mínima (K
3
).
Em 23% dos sítios os eixos de maior susceptibilidade (K
1
) e de susceptibilidade
intermediário (K
2
) se distribuíram em baixas inclinações sem direções preferenciais
(Figura 4.3B), indicando comportamento característico de ambientes deposicionais de
baixa energia. Em 31% dos sítios os eixos de maior susceptibilidade (K
1
) apresentaram
direções mais bem definidas e de baixas inclinações (Figuras 4.3C) e que podem ser
indicativas de paleo-correntes ou outros processos a serem investigados.
Para 13% dos sítios, entretanto, foram encontradas direções de K
1
com
inclinações altas como mostra a Figuras 4.3D. Para um ambiente deposicional esse não
é um comportamento esperado, entretanto num ambiente glacial onde se desenvolveram
estrias do pavimento, ou as perturbações causadas pelos seixos pingados, é possível que
localmente tenha havido movimentação dos sedimentos.
28
Figura 4.3. Exemplos de dados de anisotropia de susceptibilidade magnética em projeções
estereográficas de inclinação positiva. A) exemplos com muita dispersão nos dados; B)
exemplos com distribuição dos eixos K1 e K2 no plano de acamamento; C) Exemplos com
distribuição dos eixos de maior susceptibilidade no plano de acamamento com a indicação de
uma direção preferencial e D) Exemplos com distribuição dos eixos de maior susceptibilidade
com altas inclinações.
29
Apenas para os sítios com direções de K
1
, K
2
e K
3
mais agrupadas, ou seja, que
mostravam um lineamento, foram calculadas médias dos tensores de anisotropia
utilizando o método de Lienert (1992). A Tabela 4.1 mostra as médias de K
1
para cada
sítio, os valores dos coeficientes de grau de anisotropia (P), lineação (L) e foliação (F).
Tabela 4.1. Dados médios de anisotropia magnética para os sítios com lineação.
sítio Dec K1 (º) Erro (º) Inc K1 (º) Erro (º) P erro P L Erro L F erroF
11 92.6 21 74.4 9 1.12 0.010 1.086 0.011 1.031 0.010
12 297.6 45 13.2 14 1.05 0.006 1.033 0.009 1.017 0.009
15 20.6 45 24.4 20 1.163 0.015 1.018 0.022 1.143 0.045
27 42.1 60 11.1 37 1.058 0.009 1.015 0.011 1.042 0.010
32 201.2 72 12.7 64 1.101 0.005 1.036 0.006 1.063 0.008
41 294.7 39 5.2 20 1.035 0.003 1.029 0.004 1.006 0.005
42 102.9 45 15.1 25 1.082 0.013 1.056 0.017 1.016 0.019
43 281.8 42 21.5 15 1.045 0.004 1.028 0.005 1.016 0.007
45 274.3 32 4.5 15 1.031 0.003 1.016 0.003 1.015 0.004
46 113.3 65 4 24 1.059 0.005 1.028 0.008 1.031 0.008
47 314.3 23 15.5 5 1.173 0.025 1.106 0.035 1.061 0.030
53 308.8 47 50.8 9 1.044 0.008 1.034 0.010 1.01 0.010
57 117.3 22 52 11 1.048 0.006 1.037 0.006 1.01 0.006
59 158.6 23 47.5 8 1.109 0.029 1.076 0.031 1.031 0.023
60 206.2 11 64.1 7 1.137 0.021 1.095 0.025 1.038 0.019
61 259.1 16 52.3 8 1.207 0.040 1.192 0.048 1.013 0.031
63 319.6 25 7.2 16 1.164 0.018 1.063 0.019 1.096 0.030
64 323.2 22 5.3 16 1.057 0.002 1.033 0.007 1.024 0.011
68 324 81 25.1 44 1.109 0.018 1.044 0.019 1.062 0.030
72 211.9 27 64.5 10 1.138 0.023 1.081 0.026 1.052 0.040
73 162.3 67 46.4 29 1.082 0.010 1.034 0.011 1.046 0.015
75 307.1 75 28.8 7 1.119 0.037 1.056 0.034 1.06 0.039
77 190.4 65 26.1 3 1.071 0.003 1.034 0.007 1.036 0.007
78 154 53 28.5 27 1.055 0.014 1.047 0.019 1.008 0.013
79 63.4 39 8 8 1.058 0.005 1.035 0.006 1.023 0.005
81 206.7 15 17.7 6 1.089 0.019 1.047 0.018 1.04 0.017
82 128.2 44 29.6 27 1.057 0.005 1.024 0.007 1.032 0.005
84 326.6 43 29.6 14 1.015 0.003 1.011 0.003 1.005 0.004
89 157.5 33 8.4 9 1.101 0.006 1.026 0.008 1.073 0.011
91 66.5 33 30.8 22 1.153 0.033 1.089 0.036 1.059 0.026
93 74.7 67 3.8 35 1.066 0.005 1.026 0.005 1.039 0.009
99 271.7 33 52.6 13 1.264 0.018 1.117 0.016 1.131 0.030
104 86.3 40 11 10 1.182 0.021 1.072 0.019 1.102 0.051
Declinação (Dec), inclinação (Inc) médias de K1; grau de anisotropia (P); lineação (L); foliação (F)
30
Para a maioria dos sítios os eixos de maior susceptibilidade se distribuíram ou se
agruparam no plano do acamamento, ou seja, a disposição dos grãos é ao longo do
plano do acamamento, o que é esperado em uma rocha sedimentar sem alterações.
A distribuição de K
1
médios ficou em maioria na direção SE-NW como mostra a
Figura 4.4, na qual estão mostradas as direções de K
1
médios numa projeção
estereográfica.
Apenas 20% do total de sítios possuem valores de grau de anisotropia (P =
K
1
/K
3
) acima de 1.10, ou seja, K
1
10% maior que K
3,
os quais foram considerados sítios
com anisotropia.
Figura 4.4. Projeção estereográfica das direções médias de K1: círculos, triângulos e quadrados
representam, respectivamente, as seções A1, A2 e A3 do Membro Lavado e as estrelas, a seção
B do Membro Lavado.
4.3.2. Desmagnetização por campos magnéticos alternados
As desmagnetizações por campos magnéticos alternados (c.a.) foram efetuadas
em equipamento automático da 2G Enterprises acoplado ao magnetômetro criogênico
onde foram medidas as magnetizações. Primeiramente foi escolhido um espécime de
31
cada sítio para se fazer a desmagnetização, chamados de amostras-piloto. Este primeiro
ensaio com as amostras-piloto é realizado para se conhecer as coercividades e
temperaturas de bloqueio características do grupo de espécimes. Foram escolhidas 89
amostras-piloto dos 89 sítios, destes 10 são do embasamento, 3 dos seixos pingados e
76 do Grupo Santa Fé. Foi feita a desmagnetização c.a. para as 89 amostras-piloto de
zero a 160mT em passos de no mínimo 2.5mT e no máximo 20mT.
O que se observou em todos os espécimes é que a intensidade de magnetização
não foi totalmente removida com a desmagnetização c.a. (como mostra a Figura 4.5A) e
por isso foi necessária a desmagnetização térmica destas. Conclui-se a partir destes
dados que estes espécimes possuem, como portadores de remanência, minerais com
baixa coercividade, responsáveis pela porção da magnetização removida, e minerais
com alta coercividade, responsáveis pela porção da magnetização não removida.
4.3.3. Desmagnetização térmica
A desmagnetização térmica das amostras-piloto foi realizada em passos de no
mínimo 20ºC e no máximo 50ºC, iniciando-se a 150ºC e terminando a 680ºC. A cada
etapa foi medida a susceptibilidade magnética volumétrica dos espécimes para controlar
mudanças nas propriedades magnéticas devido a possíveis transformações
mineralógicas.
Para todos os espécimes a magnetização remanente foi totalmente removida na
temperatura de 680ºC. Para alguns espécimes houve uma queda anterior na intensidade
de magnetização em temperaturas entre 580ºC e 620ºC. A Figura 4.5B exemplifica este
comportamento.
32
Figura 4.5. Variação da intensidade de exemplos de amostras-piloto que passaram pelo
procedimento detalhado de demagnetização c.a. (A) e térmico (B). Na parte superior amostras
do Membro Brejo do Arroz e na inferior amostras do Membro Lavado. Círculos são dados de
arenitos e triângulos de folhelhos.
O fato de existir as duas quedas na remanência indica a presença de dois
portadores de remanência distintos. Sendo provável a presença da hematita em todos os
espécimes (remoção total a 680ºC) e em alguns a presença da magnetita (queda de
intensidade em temperaturas entre 580ºC e 620ºC).
33
4.4. Determinação das Componentes de Magnetização
Para a determinação das direções de magnetização presentes nos espécimes foi
utilizado o método de ajuste por mínimos quadrados de Kirschvink (1980). Foi
verificada a presença de uma única componente de magnetização na maioria dos
espécimes analisados, alguns tinham uma direção secundária que foi removida nos
primeiros passos de desmagnetização c.a. As Figuras 4.9 e 4.10 mostram projeções
vetoriais de alguns espécimes, pela distribuição dos pontos pode-se observar,
grosseiramente, este comportamento unidirecional.
Considerando que a desmagnetização térmica é um procedimento lento e que
pode produzir alterações químico-mineralógicas nos espécimes, procurou-se avaliar a
necessidade de se efetuar a desmagnetização térmica em todos os demais espécimes.
Para tanto foi feita a comparação entre as médias dos vetores de magnetização
identificados entre 10-160mT e dos vetores identificados entre 150-680°C para as
amostras-piloto inicialmente analisadas.
Figura 4.9. Projeções vetoriais e estereográficas de exemplos de amostras-piloto do Membro
Lavado que passaram pelo procedimento detalhado de desmagnetização c.a. e térmica.
34
Figura 4.10. Projeções vetoriais de exemplos de amostras-piloto
que passaram pelo procedimento detalhado de desmagnetização
c.a. e térmica. Em A e B são exemplos do Membro Brejo do Arroz
e C são do Membro Lavado.
35
Figura 4.11. Distribuição das direções encontradas para o sedimento do Grupo Santa Fé com a
desmagnetização por campos alternados (em preto) e das direções encontradas com a
desmagnetização térmica (azul sem preenchimento). Comparação entre as médias dos dois
grupos de direções: amarelo para desmagnetização c.a. e vermelho para desmagnetização
térmica. Os círculos são proporcionais ao parâmetro de confiança de 95% (α
95
).
A Figura 4.11 mostra as distribuições das direções e os dois valores médios em
uma projeção estereográfica. As direções médias calculadas para os dois grupos são
iguais dentro do erro estatístico. Desta forma concluiu-se que tanto os minerais com
baixa coercividade como os de alta coercividade, estatisticamente são portadores da
mesma direção de magnetização e, portanto, fazendo a desmagnetização c.a. para os
espécimes restantes seria suficiente para determinar a direção característica dos
espécimes. Foi feita a desmagnetização c.a. para complementar 3 espécimes por sítio e a
desmagnetização térmica de mais um conjunto de espécimes complementar.
4.5. Caracterização da Mineralogia Magnética
Os procedimentos de desmagnetização revelaram claramente a presença de
hematita como principal mineral portador da magnetização, e secundariamente presença
36
de magnetita. Ainda assim, alguns experimentos foram realizados para melhor
caracterizar a ocorrência desses minerais.
4.5.1. Aquisição de magnetização induzida e teste de Lowrie
Foi feita a aquisição de magnetização remanente induzida (MRI) em campos
magnéticos de até 2.8T com seis amostras que passaram pela desmagnetização por
campos alternados. Os resultados estão mostrados na Figura 4.6.
Figura 4.6. Curvas de aquisição de magnetização induzida.
Observa-se na Figura 4.6 que as amostras trabalhadas não atingiram o ponto de
saturação, exibindo um comportamento de um mineral magnético muito coercivo como
a hematita, nas amostras DA-14, 40 e 82 os passos de indução entre zero e 200mT
37
resultou em uma maior intensidade de magnetização, portanto a concentração de
minerais de menor coercividade é mais significativa nestas amostras.
Com as amostras que passaram pelo procedimento de indução foi feito o teste de
Lowrie (1990) o qual consiste em induzir magnetização de intensidade alta, média e
baixa nos três eixos perpendiculares dos espécimes e depois proceder-se a
desmagnetização térmica. Neste caso foi feita a indução de 2.8T no eixo z dos
espécimes, 200mT no eixo x dos espécimes e 50mT no eixo y dos espécimes. As curvas
de desmagnetização das amostras estão representadas na Figura 4.7.
Figura 4.7. Curvas de desmagnetização após a magnetização em isotérmica.
Para todas as amostras a maior intensidade de magnetização se mostrou no eixo
mais coercivo, exibindo uma alta concentração de grãos com alta coercividade e, apenas
em alguns espécimes (DA-40, 87 e 102), o eixo de mínima coercividade possuía
magnetização significativa. Na desmagnetização destes houve uma queda da intensidade
na temperatura de 590ºC, indicando a presença do mineral magnetita. Para os espécimes
DA-14 e 82 observa-se uma queda significativa na temperatura de 350ºC, podendo ser
38
devido a presença de um mineral como a maghemita, que se transforma em hematita a
250ºC. Para algumas amostras (DA40 e 87) o eixo de maior coercividade sofreu uma
queda da intensidade significativa também entre 550 e 690ºC. Indicando a presença de
um mineral de composição distinta da hematita, porém com coercidade alta. Portanto
este teste confirma a presença do mineral magnetita e mostra uma grande diversidade de
composição e tamanho de grãos.
4.5.2. Observação de lâminas delgadas
Foram observadas lâminas delgadas utilizando um microscópio ótico. Foi
observado que o pigmento vermelho (hematita) envolve os grãos de quartzo, como
afirmado por Campos & Dardenne (1994) e também aparece como cimento da rocha,
cimento ferruginoso. A Figura 4.8 mostra algumas fotos tiradas no microscópio
utilizando aumento de 40 ou 60 vezes e nicóis cruzados ou paralelos.
Na Figura 4.8A vemos um grão bem arredondado, envolto por grãos menores e
cimento vermelho (ferruginoso). Em B um grão policristalino, envolto pelo cimento
ferruginoso que penetra em suas fissuras. Em C e D cimento ferruginoso entre os grãos
de quartzo. Em E o pigmento como uma película envolvendo o grão de quartzo e em F
dois grãos de quartzo separados pelo cimento ferruginoso.
Em todas as lâminas foi observada uma coloração vermelha, dada por hematita,
envolvendo os grãos de quartzo como uma película e como cimento. De acordo com
Campos & Dardenne (1994) esta película mostra o caráter eogenético da deposição do
óxido de ferro (hematita). Em todas as amostras os grãos de quartzo estão isolados no
cimento, sem contato, como vemos na Figura 4.8F, isso indica que não houve muita
compactação, assim como afirmam Campos & Dardenne (1994).
Apesar da indicação da presença de magnetita obtida nos dados magnéticos, não
se observou a presença desses opacos na lâminas delgadas, talvez pela pouca quantidade
em que deve existir, como também indicam os testes magnéticos.
39
Figura 4.8. Exemplos de fotos tiradas em microscópio ótico de lâminas delgadas. Onde NcX
significa nicóis cruzados e Nc//, nicóis paralelos.
40
41
5. RESULTADOS
As direções de magnetização características identificadas através da análise de
componentes principais (Cap. 4) resultaram em direções médias para cada sítio dando-
se peso um por espécime. Esses resultados estão dispostos na Tabela 5.1. Como o
número de amostras por sítio é baixo (de 3 a 4) os valores do parâmetro
α
95
, círculo de
confiança de Fisher (1953) são relativamente altos, apesar da estabilidade (alta
coercividade) das amostras. Isto pode ser explicado, em parte, pelo fato de que
diferentes espécimes de um mesmo sítio (nível estratigráfico) não significam
exatamente o mesmo “instante” no tempo geológico e podem ter registrado variações do
campo geomagnético. Por outro lado, perturbações do ambiente de deposição, podem
também levar a alguma modificação do registro magnético, aumentando a dispersão e
diminuindo a confiabilidade do resultado.
O histograma da Figura 5.1 revela que a grande maioria dos sítios apresenta
α
95
de até 18º, concentrando-se entre 12 e 16º. Decidiu-se, então estabelecer um nível de
corte para
α
95
>18º, considerando-se que dispersão maior que esse limite poderia indicar
imprecisões do registro magnético. Entretanto, nota-se na Tabela 5.1, que a direção
média geral considerando-se todos os dados das duas formações e a média geral
considerando-se somente os dados que atendem ao nível de corte, não é afetada
significativamente e que os parâmetros estatísticos também não se modificam.
Figura 5.1. Histograma de valores de α
95
para as direções médias dos sítios.
0
5
10
15
20
2 4 6 8 10 12 14 16 18 20 22 24 26 28 30 32Mais
α
95
Freqüência
42
As direções de magnetização características de cada sítio de amostragem estão
representadas em projeção estereográfica (Figura 5.2). Todas as direções são de
polaridade reversa, porém alguns sítios mostram direções anômalas que podem estar
relacionadas a excursões geomagnéticas ou devem-se a perturbações do registro
magnético. Entretanto, deve-se notar a coerência dessas direções, favorecendo a
hipótese de registro real de variações geomagnéticas.
Figura 5.2. Projeção estereográfica das distribuições das diferentes seções.
A distribuição dos dados das seções do Membro Brejo do Arroz difere um pouco
das encontradas para as outras seções; a seção A apresenta inclinações menores e a
seção B apresenta maior número de dados anômalos As direções médias
correspondentes não coincidem com aquelas calculadas para as seções do Membro
Lavado. Entretanto, o número de sítios de amostragem para as duas seções do Membro
Brejo do Arroz (A e B) é muito menor e a dispersão dos dados da seção B é maior,
como visto pelo grande círculo de confiança. No caso da seção A a tendência para
inclinações menores possa refletir diferença de idades, esta hipótese só poderá ser
investigada com uma amostragem maior. As médias das seções A e B do Lavado são
compatíveis entre si, havendo superposição parcial dos círculos de confiança.
43
Tabela 5.1. Médias das direções por sítio, parâmetros estatísticos e pólos geomagnéticos
virtuais.
Sítio Altura Rel. Direção de Magnetização Média Pólos Geomag. Virtuais
(m) Dec (º) Inc (º) α
95
(º) N k
Plong
(ºE)
Plat
(ºS)
dp
(α
95
)
dm
(k)
Membro Brejo do Arroz - Seção A
11 0 168.9 38.2 13.9 3 80 21.0 78.8 9.7 16.5
12 0.23 156.6 37.8 7.0 3 312 30.6 67.6 4.9 8.3
13 0.28 166.9 39.6 14.8 3 70 19.6 76.7 10.6 17.7
14 0.48 168.6 45.7 12.4 3 100 359.4 75.6 10.1 15.8
15 0.53 170.3 38.1 14.7 3 72 18.9 80.0 10.3 17.4
Membro Brejo do Arroz - Seção B
18 5.0 152.7 51.0 10.0 4 85 8.3 61.1 9.1 13.5
23
2,3
5.4 117.6 43.7 11.5 3 116 24.4 31.6 9.0 14.4
27
1
5.5 158.3 53.9 21.5 4 19 358.0 63.7 21.1 30.1
31
2,3
5.9 88.7 55.2 13.2 3 87 9.7 8.6 13.4 18.8
34 8.4 101.4 55.4 8.4 3 214 11.4 18.8 8.5 12.0
38
1,2,3
0.0 203.1 24.8 23.6 3 28 218.3 67.4 13.6 25.3
Membro Lavado Seção A – (A1)
40 6.82 194.0 67.4 17.9 3 48 299.0 54.7 24.8 29.8
41 6.97 191.4 61.7 7.0 3 310 296.5 62.1 8.4 10.8
42 7.07 191.0 54.2 11.1 3 124 288.0 69.5 11.0 15.6
43 7.22 172.2 59.2 11.5 3 117 329.2 65.8 12.9 17.2
44 7.37 176.7 64.8 8.7 3 199 319.1 59.9 11.3 14.0
45 7.47 173.6 58.9 4.6 3 705 326.9 66.4 5.1 6.9
46 7.67 163.5 62.2 8.8 3 196 338.8 59.8 10.7 13.7
47 7.82 167.4 45.1 13.0 3 91 2.1 74.7 10.4 16.5
48 8.02 147.1 49.4 12.4 3 100 14.3 57.1 10.9 16.5
49 8.12 157.5 44.2 7.7 3 258 17.0 67.2 6.1 9.7
50 8.12 185.0 52.5 15.0 4 38 300.1 73.0 14.2 20.6
51 8.32 161.4 55.3 14.8 3 70 351.9 64.8 15.0 21.1
52 8.37 192.0 56.9 7.7 4 255 289.9 66.7 8.1 11.2
53 8.57 186.0 68.1 16.9 4 30 308.0 55.2 23.8 28.4
54
2,3
9.37 187.5 86.8 17.3 4 29 313.7 23.1 34.3 34.4
55 9.62 201.8 50.6 11.6 3 114 264.9 65.4 10.5 15.6
Membro Lavado Seção A – (A2)
56 1.95 165.1 63.1 13.8 3 81 335.7 59.5 17.1 21.7
57 2.95 198.0 74.7 12.8 3 53 302.7 43.6 21.2 23.3
58
1
3.15 162.7 43.7 22.9 4 17 13.0 71.7 17.8 28.6
59
1
3.45 152.9 59.5 22.0 4 18 353.9 56.8 24.8 33.0
60 3.65 167.7 48.1 13.0 3 90 354.8 73.2 11.1 17.0
61 3.9 186.8 48.1 13.9 3 80 289.0 76.1 11.9 18.2
62 3.9 186.3 57.1 13.5 3 84 301.0 68.3 14.3 19.7
63 4.1 172.0 63.0 10.3 4 80 326.6 61.5 12.7 16.2
Membro Lavado Seção A – (A3)
64 0 153.8 69.4 9.6 3 166 338.1 48.3 14.0 16.4
65
2,3
0.3 70.2 74.0 8.5 3 210 342.6 5.1 13.8 15.3
66 0.5 141.1 61.8 13.7 3 82 357.8 47.9 16.4 21.2
67 0.7 177.6 61.2 9.6 3 167 318.7 64.4 11.3 14.7
68 0.85 177.8 62.6 12.9 3 92 318.0 62.7 15.8 20.2
69 0.95 141.7 58.0 13.4 3 86 3.5 50.1 14.5 19.7
70 1.05 160.7 59.0 10.1 3 150 346.8 61.5 11.2 15.1
71 1.2 164.1 75.4 14.1 4 43 324.5 42.9 23.7 25.8
72 1.35 181.4 53.7 12.5 3 98 310.7 72.5 12.2 17.5
73
1
1.55 186.3 47.4 21.6 3 33 289.5 76.9 18.2 28.0
74
2
1.95 213 67.2 15.1 3 38 283.3 47.5 20.8 25.1
75 2.55 184.9 54.8 10.2 3 148 302.3 70.9 10.2 14.4
76
1
2.75 197.8 53.4 18.5 3 45 275 66.5 17.9 25.7
77 3.75 157.2 69.1 17.3 3 52 336 49.9 25.0 29.4
78 4.75 162.9 56.5 11.9 4 61 347.8 64.7 12.4 17.2
44
Continuação da Tabela 5.1.
Sítio Altura Rel. Direção de Magnetização Média Pólos Geomag. Virtuais
(m) Dec (º) Inc (º) α
95
(º) N k
Plong
(ºE)
Plat
(ºS)
dp
(α
95
)
dm
(k)
Membro Lavado Seção A – (A3)
79 4.75 153.9 46.8 14.9 3 69 14.8 63.4 12.4 19.2
80 5 133.1 58.8 11.1 3 124 5.4 43.5 12.3 16.5
81 5.25 188.8 67.1 7.7 3 256 304.3 56.2 10.6 12.8
82 5.52 152 58 14.9 3 69 357.1 57.2 16.2 22.0
83
2
5.72 218.1 65.4 5.2 4 554 277.6 46.2 6.8 8.4
84 6.12 189.8 57.4 14.7 3 71 294.4 67.1 15.7 21.5
85 6.52 190.4 75.4 11.7 4 63 307.9 43.7 19.7 21.4
86 6.82 199.6 75.1 13.8 4 46 302.2 42.7 23.0 25.2
Membro Lavado Seção B
87 10.35 181.9 43.5 7.6 3 265 302.1 81.8 5.9 9.5
88 10.05 171.7 52.8 10.3 3 143 337.7 72.4 9.8 14.2
89 8.75 141.3 65.8 8.9 3 191 351.3 46.1 11.8 14.5
90
1
8.5 158.6 67.9 28.1 4 12 336.4 52.4 39.4 47.1
91 8.2 155.0 51.2 5.3 3 543 6.9 63.2 4.9 7.2
92 7 174.9 57.7 14.6 4 41 325.3 68.6 15.7 21.4
93
1
6.8 176.5 36.3 24.4 3 27 4.0 85.7 16.6 28.4
94
1
6.6 191.6 46.8 26.0 4 13 271.1 74.9 21.6 33.5
95
2
6.35 127.6 46.9 14.7 3 71 21.8 40.9 12.2 19.0
96 3.85 169.6 46.1 7.7 3 258 356.1 76.1 6.3 9.9
97 3.45 173.2 55.8 14.7 3 71 330.6 70.1 15.1 21.1
98 2.85 164.9 50.9 13.2 4 50 355.4 70.3 12.0 17.8
99 2.85 170.8 58.1 5.6 3 480 333.0 67.2 6.1 8.3
100 2.55 150.0 62.4 15.5 4 36 351.7 53.5 18.9 24.2
101 1.05 150.8 64.9 17.4 4 29 347.0 52.0 22.6 28.0
102
1
0.55 184.4 71.7 18.7 4 25 310.4 50.8 28.9 32.9
103
1
0.25 200.3 55.2 22.1 4 18 273.7 64.3 22.4 31.4
104 0 146.5 67.0 14.3 3 76 346.5 48.0 19.6 23.7
Média Geral 168.6 58.9 3.4 76 24 334.1 63.8 4.6 14
Média (α
95
18) 166.0 59.9 3.6 65 25 336.3 62.1 4.9 14
Média (colat.30º) 169.3 58.0 3.0 57 40 334.1 65.3 3.8 25
Média (colat.40º) 169.5 58.5 3.1 60 36 332.8 64.9 4.1 21
Média - Membro Lavado 170.4 60.3 3.1 54 40 330.0 63.5 4.5 22
1
sítios com
α
95
>18°;
2
sítios não contidos na calota de 30º;
3
sítios não contidos na calota de 40º; Altura Rel. – Altura relativa;
Dec – Declinação; Inc – Inclinação; Plong – Longitude; Plat – Latitude; dp e dm – semi-eixos da elipse de 95% de
confiabilidade; colat. - colatitude
5.1. Testes da estabilidade da magnetização
A estabilidade da magnetização remanente foi testada comparando-se a
magnetização característica do Grupo Santa Fé com a magnetização do Grupo Bambuí
que aflora no ponto 1 de amostragem (base da seção A do Membro Brejo do Arroz),
conforme descrito anteriormente. Após desmagnetizações realizadas segundo os
procedimentos descritos para as amostras do Grupo Santa Fé (Capítulo 4), obteve-se os
resultados mostrados na Tabela 5.2. Nessa tabela estão contidos também os resultados
para os três seixos pingados amostrados nas seções do Membro Brejo do Arroz.
45
Tabela 5.2. Direções médias para os sítios do embasamento e dos
seixos.
Sitio Direção de Magnetização Média
Dec (º) Inc (º)
α
95
(º)
(mad)
N k
Embasamento
1* 193.9 -42.6 26.7 3 22
2 223.5 -33.4 25.3 3 25
3 248 -31 42 2 37
4 232.5 -28.6 40.9 2 39
5 255.1 -0.5 28.8 2 77
6 252.6 1.5 18.7 3 45
7 237.4 6.9 17.8 2 198
8 244.7 -0.5 34 2 56
9 240.4 -1.4 15.8 2 252
10* 13.4 -44.5 25.3 2 100
média 242.2 -10.9 13.8 8 17
Seixos
16 168.7 -34.2 (14.4)
17 244.4 34 (1.9)
37 329.5 -43.4 19.7 2 163
* retirados da média
As direções encontradas tanto para o embasamento local quanto para os seixos
são distintas daquelas do Grupo Santa Fé (Figura 5.6), portanto pode-se dizer que não
ocorreu nenhum evento de remagnetização intenso o suficiente que afetasse o
embasamento, os seixos e os sedimentos do Grupo Santa Fé.
Figura 5.6. Comparação entre as direções do Grupo Santa Fé, embasamento local (Grupo
Bambuí) e os seixos caídos.
46
5.2. Magnetoestratigrafia
Utilizando-se os dados de direções médias por sítio foram construídas colunas
magnetoestratigráficas para todas as seções (Figura 5.2). Estas seções
magnetoestratigráficas correspondem às variações da declinação e inclinação da
magnetização em função da altura relativa do sítio. As barras de erro utilizadas são
dadas pela metade de
α
95
. Este tipo de projeção permite a observação da variação da
direção de magnetização registrada através do tempo.
No arenito da seção A do Brejo do Arroz, por se tratar de uma seção de
espessura de apenas 60 centímetros, espera-se um registro magnético com pouca ou
nenhuma variação por ser referente a um pequeno intervalo de tempo, contanto que a
magnetização corresponda exatamente ao registro do campo geomagnético, e que não
existam tendências em direções dadas pelas condições de sedimentação. Nos folhelhos
da seção B do Brejo do Arroz foram encontradas variações de grande amplitude na
declinação da magnetização ao longo dos sítios de amostragem e uma tendência a
direções anômalas ou intermediárias na parte superior da seção (últimos 3m,
aproximadamente). Em termos de tempo esse intervalo pode ser bastante longo e a
amostragem é muito esparsa para se concluir sobre o significado desse comportamento.
As subseções A1, A2 e A3 do Membro Lavado, localizadas no mesmo ponto de
amostragem são complementares. A1 e A3 formam um contínuo, com boa coerência
dos dados magnéticos. A correspondência entre as subseções A2 e A3, paralelas e
distantes cerca de 50m, é aproximada, uma vez que a amostragem foi feita dentro de
ravinas e a correta visualização dos níveis não era possível. Ao todo a seção A
compreende 10m de espessura e as variações da magnetização aí registradas são
bastante coerentes com ciclos de variação secular. Apenas na base de A3 nota-se
variação de maior amplitude em declinação, resultando em direção anômala ou
transicional. A seção B do Membro Lavado, a aproximadamente 100km da seção A, e
também compreendendo cerca de 10m de espessura, apresenta essencialmente o mesmo
comportamento magnético da seção A, com variações geomagnéticas de mesma
amplitude.
47
Figura 5.3. Variação da declinação e inclinação da magnetização em função da altura relativa
dos sítios estudados para as seções A e B do Membro Brejo do Arroz e das seções A (subseções
A1, A2, A3) e B do Membro Lavado. Os quadrados correspondem à inclinação e as cruzes, à
declinação. As barras de erro equivalem a meio α
95
das médias dos sítios.
48
Vale notar que as inclinações magnéticas registradas para as seções A e B do
Membro Lavado, situam-se sempre acima de 45° (a exceção de um sítio da seção B), ao
passo que, para o Membro Brejo do Arroz. A base da seção B, bem como a Seção A,
apresentam inclinações menores que 45°. Isto pode ser um indicativo de que pode
existir diferença real de idade entre os dois membros.
Para se investigar possíveis influências da sedimentação no registro magnético,
procurou-se verificar a correlação entre a declinação magnética e a anisotropia de
suscetibilidade magnética, através da declinação e inclinação do eixo de maior
susceptibilidade magnética (K
1
) dos sítios que apresentaram lineação (Figura 5.3).
Figura 5.3. Variação da declinação de magnetização (cruzes) e a declinação (quadrados) e
inclinação (barras inclinadas) de K1 ao longo da estratigrafia para as seções do Membro
Lavado.
Para a seção B do Membro Lavado, os sítios que apresentaram lineação são em
pequeno número para que se avalie qualquer correlação. Já para a seção A, são muito
49
mais freqüentes os sítios com lineação e em alguns setores das curvas de variação pode-
se sugerir estreita correlação entre variação magnética e variação de ASM (por
exemplo, a subseção A2). Entretanto, os sítios que apresentam variações mais abruptas
de declinação, e que poderiam refletir condições da sedimentação, não necessariamente
demonstram correspondência direta com a variação do eixo K1, ou sequer apresentaram
lineação.
Um aspecto importante dessas curvas de variação, entretanto, é a possibilidade
de refinar a correspondência entre as subseções A2 e A3. Na Figura 5.3 foram
destacados (pontos circundados) os níveis em que a inclinação de K
1
é próxima de 60º.
Este comportamento é característico nestes níveis, não sendo verificado em outros
níveis ao longo da seção, por isso pode-se dizer que os pontos destacados em A2
correspondem a alturas aproximadamente iguais aos pontos destacados em A3. Essas
inclinações elevadas do eixo K1, ou seja, fortes desvios do plano horizontal, não se
refletem na magnetização. Entretanto, servem como prováveis marcadores para a
correlação lateral das seções.
5.3. Pólos Geomagnéticos Virtuais
Para cada sítio do Grupo Santa Fé foi calculado um pólo geomagnético virtual
(PGV) e o pólo paleomagnético Santa Fé foi calculado dando-se peso um aos PGVs
individuais. A Figura 5.5A mostra a distribuição dos PGVs e a média destes. Ao
calcular um pólo paleomagnético deve-se considerar os PGVs que representem o
registro da variação secular. A distribuição esperada para os PGVs nessas condições é
aquela que fica confinada em um círculo de raio de 30° a 40°; os que estão além dessa
distribuição devem estar relacionados a excursões ou mesmo inversões geomagnéticas e
não devem ser considerados na média final. Para melhor se avaliar a dispersão e
distribuição dos PGVs encontrados neste trabalho, rotacionou-se o pólo médio de forma
a coincidir com o pólo sul geográfico (Figura 5.5 B). Poucos são os pontos que se
colocam além do círculo de 30° e, portanto, não há diferença significativa, tanto em
coordenadas como em parâmetros estatísticos, entre as médias dos PGVs calculadas
com dados situados até 30° ou 40° do pólo geográfico, como ser observado na Tabela
5.1. Adotou-se, então o limite de 40º para que fosse incluído o maior número possível
50
de dados, aumentando a probabilidade de se eliminar adequadamente os efeitos variação
secular.
Figura 5.5. A) Distribuição dos PGVs com a respectiva média e círculo de confiança de 95%;
B) rotação dos PGVs com a média coincidente com o pólo Sul, destacando-se os círculos-limite
de 30º e 40º.
Os dados situados além do círculo de co-latitudes de 40° foram então rejeitados
e o novo pólo paleomagnético calculado situa-se a 332.8ºE 64.9ºS (N=60;
α
95
=4.1º;
k=21). Este pólo é representativo do Grupo Santa Fé e não se levou em consideração
possíveis diferenças de idade entre os membros Lavado e Brejo do Arroz, já que o
número limitado de sítios deste último não permite calcular um pólo paleomagnético de
confiança.
51
6. DISCUSSÕES E CONCLUSÕES
Neste capítulo será discutida a qualidade do pólo paleomagnético obtido neste
trabalho e como este se insere num contexto global.
6.1. Confiabilidade do Pólo Paleomagnético Santa Fé
Do ponto de vista da confiabilidade, o pólo paleomagnético para o Grupo Santa
Fé (SF) satisfaz a pelo menos 5 dos 7 critérios estabelecidos por Van der Voo (1990):
1) número de amostras (N>24), k 10 e
α
95
16: os parâmetros obtidos foram N=60,
α
95
=4.1º e k=21;
2) desmagnetização detalhada: as amostras foram submetidas a dois processos de
desmagnetização e as componentes características foram determinadas por análise de
componentes principais (mínimo de 5 pontos e dispersão angular máxima 14º);
3) controle estrutural e coerência tectônica com o bloco cratônico envolvido: a região
estudada é uma região estável, não há possibilidade de rotações desconhecidas durante o
intervalo de tempo abrangido pelo Grupo Santa Fé;
4) o pólo paleomagnético não se assemelha a paleopólos de idade mais jovem: o pólo
paleomagnético SF está baseado exclusivamente em direções de polaridade reversa.
5) testes de campo que confinem a idade da magnetização: foram apresentadas
evidências de que a magnetização é primária e de mesma idade da rocha, bem como
testes de remagnetização comparando com rochas do embasamento e seixos pingados.
Os critérios não satisfeitos seriam:
6) idade bem determinada da rocha e a pressuposição de que a magnetização é da
mesma idade da rocha: embora não existam determinações absolutas de idade, o
intervalo de idade fica bem definido e relativamente restrito, por se inserir no
Superchron Reverso do Permo-Carbonífero (SRPC); a idade do Grupo Santa Fé será
discutida na seção 6.4 e a magnetização tem a idade da rocha, como demonstrado
anteriormente;
52
7) presença de reversões: neste trabalho não foi possível encontrar reversões porque as
rochas se inserem no SRPC.
A idade da rocha não é exatamente bem determinada, se não forem consideradas
as informações paleomagnéticas. Entretanto, Campos & Dardenne (1994) atribuem uma
datação aproximada no intervalo Permo-Carbonífero e atribuem a origem do pigmento
vermelho (hematita) das rochas a películas de óxido de ferro que cobriram os grãos
detríticos no início da diagênese. A presença de hematita, quando a origem data dos
primórdios da diagênese, é uma garantia de que a magnetização primária deve ter sido
preservada, uma vez que sua grande estabilidade magnética não permite
remagnetizações por indução magnética. Além do mais, existem dois tipos de
portadores magnéticos nessas rochas: magnetita e hematita, ambos tendo registrado a
mesma direção de magnetização.
A ausência de inversões de polaridade, ao invés de ser um problema ou
deficiência no tocante à qualidade dos resultados, é um fator que auxilia para se
restringir à idade do Grupo, uma vez que foram encontradas inversões de polaridade na
base e topo do SRPC, como será discutido mais adiante, limitando ainda mais a idade
das rochas aqui estudadas.
6.2. Qualidade dos Pólos Paleomagnéticos da América do Sul
Os pólos paleomagnéticos para a América do Sul de idade aproximada à do
Grupo Santa Fé foram encontrados na base de dados paleomagnéticos global da IAGA
(International Association of Geomagnetism and Aeronomy). Selecionou-se apenas
pólos com idades entre 240 e 300 Ma e com indicações de magnetização primária obtida
através de desmagnetizações e análise das componentes principais. Esses pólos estão
representados na Figura 6.1 e listados na Tabela 6.1.
O pólo do Grupo Mitu (Gilder et al., 2003) do Norte do Peru, Cordilheira dos
Andes, foi obtido com seis sítios de red beds, que cobrem o Grupo Copacabana
(Permiano Inferior) e é recoberto erosivamente pelo Grupo Pucará (Triássico Superior),
portanto, de idade Permiano Superior a Triássico Inferior. O teste da dobra indicou uma
remanência de idade pré-dobramento. O teste de reversões foi positivo, portanto o
Grupo Mitu pode ter idade ligeiramente diferente do Grupo Santa Fé.
53
Tabela 6.1. Pólos paleomagnéticos encontrados com idades entre 240 e 300 Ma para a
placa da América do Sul.
Identificação da Rocha # Pol.
Idade
Min.
Idade
Max.
α
95
(°)
N
Plat
(°S)
Plong
(°E)
Referências
Grupo Mitu 1 R/N 245 260 5.7 6 71.4 303.6 Gilder et al., 2003
Formação Tunas II 2 R 251 299 5.2 24 74.1 25.9 Tomezzoli, 2001
Formação La Tabla 3 R 251 318 5.7 10 51 347 Jesinkey et al., 1987
Formação Cerro Colorado-Caminiaga 4 R 271 318 8 6 79 291 Geuna & Escosteguy, 2004
Formação Chancani 5 R 271 318 8.8 3 85 359 Geuna & Escosteguy, 2004
Rincon Blanco 6 R 271 318 4.9 19 77 294 Geuna & Escosteguy, 2004
Formation Tunas I 7 R 276 299 5.4 19 63 13.9 Tomezzoli & Vilas, 1999
Granitos Lago Ranco 8 R 297 307 18.8 7 57.4 323.5 Beck et al., 1991
Formações Pular e Cas 9 R/N 299 318 9.6 10 57 350 Jesinkey et al., 1987
Média de 2 a 8 11 R 251 307 12.5 7 72.1 342.7
Grupo Santa Fé 10 R 260 280 3.6 66 66.3 332.4 Este trabalho
#: número do pólo, Pol.: Polaridade reversa (R), normal (N), Id. Min.:Idade mínima, Id. Max.: Idade máxima, α
95
:Círculo de confiança de
95%, N: número de sítios, Plat: Latitude, Plong: Longitude
Figura 6.1. Pólos da América do Sul enumerados conforme a Tabela 6.1 e incluindo os círculos
de confiança.
54
Analisando este pólo paleomagnético do ponto de vista dos critérios
estabelecidos por Van der Voo (1990) o único critério que este pólo não satisfaz é o
número de sítios (N=6), por isso o pólo tem fator Q=6. Entretanto, considera-se aqui
N=6 um número muito pequeno de sítios, pois possivelmente este pólo não elimina a
variação secular do campo geomagnético e por isso pode estar deslocado.
O pólo paleomagnético 2 da Tabela 6.1 (Tomezzoli, 2001) possui o número de
sítios N=24. A paleoflora e paleofauna da Formação Tunas indicam uma idade entre o
Permiano inferior e superior. Não há presença de reversões, por isso esta formação é
colocada no intervalo do SRPC. É de uma região dobrada e os dados de magnetização
foram desdobrados em até 90% para que atingissem a menor dispersão. Este método
pode ocasionar erros quanto à eliminação da variação secular. Tomezzoli (2001)
compara este pólo (Tunas II) com outros pólos da América do Sul, tratando-o como
compatível com pólos de regiões estáveis da América do Sul, embora seu círculo de
confiança se superponha parcialmente apenas com um outro pólo (5).
O pólo paleomagnético 3 (Jesinkey et al., 1987) foi obtido com 10 sítios da
Formação La Tabla, Norte do Chile de idade aproximada pós Carbonífero Inferior a pré
Triássico Superior. Todas as direções são reversas e como este pólo paleomagnético se
posiciona nas proximidades dos outros pólos encontrados para o Permo-Carbonífero é
provável que este grupo também se insira no SRPC.
Os pólos paleomagnéticos 4, 5 e 6 (Geuna & Escosteguy, 2004) referem-se a
formações da Bacia Paganzo da Argentina; as idades dos três pólos é baseada em fósseis
e paleoflora que indicam idades do Carbonífero Superior a Permiano Inferior. Os pólos
4 e 5 possuem número de sítios muito baixo (6 e 3, respectivamente), por isso a média
dos PGVs pode não eliminar a variação secular. Geuna & Escosteguy (2004) afirmam
que os pólos encontrados não são compatíveis com a região estável da América do Sul e
tampouco com os dados de outros continentes como África e Austrália, devendo-se essa
diferença à Fase Orogênica San Rafael (Permiano), rotações tectônicas ou datações
incorretas. Todas as direções são reversas, portanto são todos inseridos no SRPC.
O pólo paleomagnético da Formação Tunas (chamado de Tunas I) (pólo 7 da
Tabela 6.1) obtido por Tomezzoli & Vilas (1999) é resultado de uma média de 19 PGVs
de polaridade exclusivamente reversa (insere-se no SRPC). Tomezzoli & Vilas (1999)
55
afirmam que a Formação Tunas se depositou, deformou e remagnetizou, durante o
Permo-Carbonífero. Este trabalho foi dividido em três grupos de dados de diferente
locais: Estância San Carlos, Estância Golpe de Água e Córrego Toro Negro, que foram
desdobrados respectivamente de 30%, 70% e 23% até que atingissem a menor dispersão
de dados. Este método pode atribuir erros na direção média, porque se supõe que a
menor distribuição dos dados corresponde à verdadeira distribuição. Ao utilizar a menor
distribuição dos dados de cada local, a variação secular pode não ser eliminada
corretamente.
O pólo paleomagnético 8 da Tabela 6.1 (Beck et al., 1991) é a média de 7 sítios
de rochas graníticas do Sul do Chile. Possui uma datação K/Ar e
40
Ar/
39
Ar de 297 a
307Ma. Todas as direções são reversas e pertencem ao SRPC e, segundo os autores, este
pólo pode ser comparado com pólos de regiões estáveis porque não há grandes rotações
que influenciem os dados. Entretanto o círculo de confiança demonstra uma incerteza
muito grande na determinação do pólo.
O pólo paleomagnético 9 da Tabela 6.1 (Jesinkey et al., 1987) foi calculado com
10 PGVs de idade do Carbonífero Superior. Possui teste do conglomerado e reversões
que podem ser o registro da base do SRPC e por sua vez, mais antigo que o pólo Santa
Fé.
A Figura 6.1 mostra que os pólos paleomagnéticos da América do Sul se
distribuem ao redor do pólo paleomagnético Santa Fé e que a média deles, se aproxima
bem do pólo Santa Fé. Essa distribuição sugere que esses pólos devem estar afetados de
variação secular, já que na maioria absoluta foram calculados com poucos sítios. O
único pólo que atenderia ao critério de qualidade de Van der Voo (N>24) é o pólo
Tunas II, com N=24. Por outro lado, alguns dos pólos selecionados apresentam também
problemas tectônicos mal resolvidos.
6.3. Idade do Grupo Santa Fé
Campos & Dardenne (1994, 1997a) consideram o Grupo Santa Fé correlato ao
Grupo Itararé da Bacia do Paraná que apresenta idade mínima de 260 Ma (cinzas
vulcânicas da Formação Rio Bonito que se sobrepõe imediatamente ao Grupo Itararé -
Coutinho et al., 1991). O SRPC situa-se no intervalo aproximado de 262-312Ma, mas
56
alguns intervalos de polaridade normal já foram identificados na base do SRPC e
também a aproximadamente 280Ma (por exemplo, Alva-Valdivia et al., 2002).
Considerando que os resultados paleomagnéticos obtidos para o Grupo Santa Fé são de
polaridade exclusivamente reversa, a idade de deposição provavelmente está
compreendida entre 260-280Ma.
Quando comparado à curva de deriva polar aparente (CDPA) para o Gondwana
(Figura 6.3) de McElhinny et al. (2003), o pólo Santa Fé (SF–2, rotacionado para a
África usando os mesmos parâmetros de McElhinny et al., op.) coloca-se próximo ao
trecho da curva referente à idade de 260Ma (Permiano), embora um pouco deslocado –
os círculos de confiança de SF-2 e dos pólos médios da curva não se sobrepõem.
Entretanto deve-se levar em conta a baixa qualidade de alguns pólos utilizados nas
médias e os problemas tectônicos que afetam as regiões envolvidas, tanto da América
do Sul (Argentina e Chile) como Austrália. Além do mais as rotações dos vários blocos
para compor o Gondwana podem não ser ainda suficientemente precisas.
Na Figura 6.3 compara-se também o pólo paleomagnético do Grupo Santa Fé
(SF–1) com a CDPA proposta por Gilder et al. (2003). O pólo SF não é compatível com
essa curva no intervalo de idade correspondente (260-280), mesmo porque os pólos
existentes são problemáticos, como já se demonstrou. Esta curva de deriva é, portanto,
inadequada nesse intervalo, devendo-se incorporar mais dados de qualidade para uma
redefinição da CDPA.
6.4. Paleogeografia e Paleolatitude
A paleogeografia do período Permo-Carbonífero é um assunto muito discutido
em Paleomagnetismo devido ao fato de ocorrer uma sobreposição parcial da placa Norte
Americana e da placa Sul Americana nas reconstruções paleogeográficas (Figura 6.2).
De acordo com Muttoni et al. (2003) essa sobreposição de latitudes ocorre porque na
realidade a disposição dos continentes não se encaixa no Pangea ‘A’, onde a placa Norte
Americana se localiza ao norte da placa Sul Americana. A reconstrução dada pelo autor
é chamada de Pangea ‘B’, na qual a placa Norte Americana se localizaria mais a
noroeste da Placa Sul Americana. Já para outros autores, como Torsvik & Van der Voo
(2002) essa sobreposição de latitudes é dada pela contribuição significativa de
57
componentes não dipolares do campo geomagnético terrestre deste período, e afirmam
também que este problema pode estar associado a erros de inclinação da magnetização
de rochas sedimentares.
Figura 6.3. Comparação do pólo encontrado com curvas de deriva polar aparente a América do
Sul (Gilder et al., 2003) e para o Gondwana (McElhinny et al., 2003). SF-1 em coordenadas
atuais e SF-2 rotacionado para coordenadas da África com o ângulo de rotação utilizado por
McElhinny et al. (2003).
58
Figura 6.2. Reconstrução feita por Torsvik & Van der Voo (2002), com a sobreposição das
placas preenchida em verde. E em vermelho a reconstrução da América do Sul baseada no pólo
paleomagnético Santa Fé.
Para visualizar o problema discutido por Torsvik & Van der Voo (2002), foi
feita uma reconstrução para a Laurentia e para a América do Sul com a média dos pólos
entre 260 e 280Ma utilizados por estes autores. Esta reconstrução é apresentada na
Figura 6.2. Porém a reconstrução da placa Sul Americana baseada no pólo Santa Fé
posiciona a placa Sul Americana mais ao sul, praticamente eliminando a superposição.
Portanto, o que explicaria a sobreposição de latitudes encontradas por outros autores
não seria uma configuração de Pangea ‘B’, nem um modelo diferente para o campo
geomagnético e sim a falta de dados de boa qualidade para a placa Sul Americana.
A paleolatitude encontrada para a região de amostragem do Grupo Santa Fé foi
de 39.2°, cerca de 22° mais ao sul que a localização atual. Para o padrão climático atual,
uma massa continental localizada a 39°S apresenta gelo apenas em grandes altitudes,
59
diferente do caso das rochas do Grupo Santa Fé que registram a ocorrência do evento
glacial Permo-Carbonífero (Rocha-Campos et al., 2003) e que não estaria relacionado
com grandes altitudes. Este resultado mostra que o evento glacial do Permo-Carbonífero
atingiu latitudes de 39ºS, indicando uma configuração climática diferente da atual.
6.5. Considerações Finais
O pólo paleomagnético apresentado para o grupo Santa Fé é um pólo-chave para
a definição da CDPA da América do Sul para o Neopaleozóico. Satisfaz à maioria dos
critérios de confiança estabelecidos na literatura especializada e, portanto, deve ser visto
como um pólo de referência para a idade correspondente.
Neste trabalho optou-se por calcular um único pólo para o Grupo Santa Fé
(Formação Floresta) e não discutir mais profundamente eventuais diferenças, como
apontadas em capítulo anterior, entre os dados dos membros Lavado e Brejo do Arroz,
mesmo porque o número de sítios deste último são muito reduzidos. Por outro lado estes
membros se interdigitam e as possíveis diferenças podem ser apenas locais. Entretanto,
quando se analisa apenas os dados do Membro Lavado (Brandt & Ernesto, 2005), nota-
se que os parâmetros estatísticos dos PGVs aproximam-se mais de uma distribuição
fisheriana e dos níveis de dispersão devidos somente à variação secular. Para as sub-
seções A1 e A3 do Membro Lavado encontrou-se o pólo paleomagnético localizado em
326.8ºE e 62.8ºS (N=37; α
95
= 3.6; k=43). Quanto às coordenadas, o pólo do Grupo
Santa Fé aqui apresentado e o pólo do Membro Lavado não diferem significativamente,
mas a distribuição dos dados se altera, indicando que pode haver diferença de idades
entre os dois membros.
Essa questão poderá ser resolvida futuramente com amostragem complementar
do Membro Brejo do Arroz. Além disso, a seção B do Membro Lavado, nas
proximidades de Canabrava, permite não só densificar a amostragem, como também
estendê-la para a Formação Tabuleiro, permitindo, assim, verificar o possível registro de
inversões de polaridade e definir melhor o intervalo de idades do Grupo Santa Fé.
60
61
REFERÊNCIAS
Alva-Valdivia, L. M., Goguitchaichvili, A., Grajales, M., Dios, A. F. de, Urrutia-
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