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[re]posicionar na forma de uma atenção igualmente flutuante
2
, “elemento central
na constituição de uma ética da escuta e do falar ao outro em sua alteridade [...] É
aqui que a técnica psicanalítica encontra sua ética.”
3
(COELHO Jr., 2000, p. 78).
“O fazer do camponês não desafia o solo do campo. Ao semear, ele
entrega a semeadura às forças do crescimento e protege seu desenvolvimento”
(HEIDEGGER, apud FIGUEIREDO, 2000, p.50), assim como o fazer do analista
não deve tampouco desafiar o analisante, pois não apenas a semente dele
provém, na singularidade do encontro com a mão do semeador, como o seu
crescer, quase sempre inesperado e enigmático, tem seu próprio caminho.
Além dessa regra fundamental, Freud faz algumas recomendações
4
,
sugere o tratamento de ensaio como etapa preliminar à análise propriamente dita
e o uso do divã, discute questões relativas ao tempo e ao dinheiro na análise,
destacando ainda a importância de o analista também ter, ele mesmo, realizado
uma análise, como o melhor meio para apreender a tarefa de analisar.
A preocupação maior de Freud não era tanto dizer como fazer, mas o quê
não-fazer, de modo a evitar equívocos de procedimento entre analistas
inexperientes e afoitos, buscando explicitamente impedir uma banalização
tecnicista da prática psicanalítica. “Nesta medida, seriam sempre de natureza
negativa tanto as suas recomendações como a falta delas na forma de um código
definitivo.” (FIGUEIREDO, 2000, p.15). As recomendações de natureza negativa
referem-se principalmente ao uso abusivo da sugestão, ao furor interpretativo,
2
Coelho Jr. (2000, p.82) lembra que na tradução usual de gleichschwebende Aufmerksamkeit para o
português o igualmente é desconsiderado, sugerindo portanto a tradução literal atenção igualmente flutuante,
que preserva a ênfase original dada à essência da escuta analítica.
3
Essa conexão fundamental entre técnica e ética é recorrente neste trabalho, servindo de substrato para a
discussão sobre a posição do analista, sobretudo no que se refere ao estabelecimento das condições da
análise e a direção do tratamento com crianças, e será especialmente abordada no capítulo sete.
4
Figueiredo (2000, p.14) chama a atenção para o fato de que a expressão alemã Ratschlage usada por
Freud nos trabalhos sobre técnica e geralmente transcrita para o português como ‘recomendações’
corresponde, numa tradução mais acurada, à idéia de ‘pequenos conselhos’, ‘dicas’, desvelando assim um
tom ainda mais leve para as indicações contidas no texto original.