Capítulo 3 - Políticas de Combate à Seca à Convivência com o Semi-Árido: o caso de Sergipe
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O Nordeste ainda arca com o peso de heranças culturais representativas do atraso cultural e
político da região, além de concentrar os piores indicadores sociais do país em educação, saúde,
mortalidade infantil, analfabetismo, concentração de poder, de renda e de pobreza, sobretudo na
zona rural. A situação dramática resulta menos das adversidades da natureza, do que das relações
do homem com o seu meio e dos homens entre si.
Nessa medida, a visão da seca construída pelos sertanejos e sertanejas entrevistados revelam suas
estratégias de prevenção, de conservação, o domínio do imediatismo, do assistencialismo e do
clientelismo, a lógica capitalista num território em que um dos bens que agrega maior valor é
água, daí ser objeto de dominação e manipulação políticas:
“Não é bom, mas com chuva só ninguém vive. É ruim, mas dá pra viver. As pessoas não podem
viver só do bom.É marcação de Deus a seca, a gente tem que agüentar o que vem.”
“É viver sem água, sem comida pra bicho, tudo tem que ser comprado. Sem a seca a gente
arranja o bocado mais fácil.”
“É se prevenir para esperar o tempo seco, fazer reservatório, conservar, fazer roça, cuidar dos
bichos.”
“Não se pode conviver com a seca, tem que ter água. Mas não é só água, tem que ter saúde, ter
educação.”
“Plantar comida para o gado. Fazer plantio, guardar feijão e milho pensando que pode ter ou
não ter seca. Não tem nada bom. É tudo ruim. Bom é fartura, ver água nos tanques.”
“Em época de seca quem teve condição paga, quem não tem vai ao prefeito pedir água para
cozinhar, para os animais. Os velhos sofrem.”
“Sem dinheiro ainda passa. Sem água, não passa.”
“Tem que agradecer o que Deus faz, mas que os homens façam por onde chegar coisa melhor
para a gente. Nada prospera, os animais não aumentam. Mas como é algo de Deus a gente
aceita. O filho, que permaneceu ao lado, durante a entrevista, completa:
- e do homem que destrói as matas, formando a seca. São as matas que formam a chuva.”
“Água só tem comprada ou trazida de fora, se não tiver condição de pagar para trazer tem que ir
onde tem água, seja onde for.”
“É época de passar fome, precisar de água pra beber e não ter, esperar carro-pipa. Tem as
frentes de trabalho. As pessoas são escolhidas mais em função do cabo eleitoral, através da
associação. Tem gente que precisa e fica de fora, há quem não precisa e entra.”
“É passar necessidade, não saber onde pegar água, seca tudo. Na seca a água só chega através
de políticos.”
“Só vive quem não tem jeito. Pra cidade quem não tem estudo, não vai.”
“Em época de seca tive que deixar o povoado com a família para trabalhar em outro local
porque fiquei sem nada na propriedade e não tinha água”
“Dá muito medo, você fica sem saber o que fazer, tem um pouco de água num lugar daqui a
pouco acaba. Sem falar na poeira. Aumenta o calor e muita poeira que vem com a ventania.
Falta comida para os animais porque o custo fica mais alto, aumenta o preço do milho e a ração
fica muito cara.”
“É esperar minar um ‘nadico’ de água do solo para dar de beber a uma criança, mesmo salgada,
mas é o que tem, nenhuma gota de água em casa. O caminhão passava dois, três dias para
aparecer.”
“Na seca bebia água de cacimba com carcaça de sapo rasgada e era a água que tinha para matar
a sede. Muito salgada. Tinha gente que morava na serra, descia ficava esperando o carro-pipa
até anoitecer, não chegava, voltava com o pote seco.”