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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE
PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA
NÚCLEO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM
DESENVOLVIMENTO E MEIO AMBIENTE
AREA DE CONCENTRAÇÃO: DESENVOLVIMENTO REGIONAL
PROGRAMA REGIONAL DE DESENVOLVIMENTO E MEIO AMBIENTE
A POEIRA, AS PEDRAS E A ÁGUA: O Programa Um Milhão de Cisternas em Tobias
Barreto-SE
maio - 2005
São Cristóvão – Sergipe
Brasil
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE
PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA
NÚCLEO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM
DESENVOLVIMENTO E MEIO AMBIENTE
ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: DESENVOLVIMENTO REGIONAL
PROGRAMA REGIONAL DE DESENVOLVIMENTO E MEIO AMBIENTE
A POEIRA, AS PEDRAS E A ÁGUA: O Programa Um Milhão de Cisternas em Tobias
Barreto-SE
Dissertação apresentada como requisito parcial à obtenção do
grau de Mestre no Curso de Pós-Graduação em
Desenvolvimento e Meio Ambiente do Programa Regional
de Desenvolvimento e Meio Ambiente do Núcleo de Estudos
do Semi-árido da Universidade Federal de Sergipe na
Área de Concentração Desenvolvimento Regional
.
Orientadora: Profª. Drª. TÂNIA ELIAS MAGNO DA SILVA
Autora: Daisy Maria dos Santos
maio - 2005
São Cristóvão – Sergipe
Brasil
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FICHA CATALOGRÁFICA
ELABORADA PELA BIBLIOTECA CENTRAL DA
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE
em Tobias Barreto-SE / Daisy Maria dos Santos. -- São Cristóvão,
Santos, Daisy Maria dos
S237p A poeira, as pedras e a água: o Programa Um Milhão de Cisternas
2005.
xxxp. : il.
Dissertação (Mestrado em Desenvolvimento e Meio
Ambiente) – Núcleo de Pós-Graduação em Desenvolvimento e Meio
Ambiente, Programa Regional de Desenvolvimento e Meio
Ambiente, Pró-Reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa, Universidade
Federal de Sergipe.
1. Desenvolvimento sustentável – Município de Tobias Barreto,
SE. 2. Políticas públicas – Recursos hídricos – Município de
Tobias Barreto, SE. 3. Políticas públicas – Recursos
hídricos – Região do semi-árido sergipano. 4. Abastecimento
de água – Município de Tobias Barreto, SE. I. Título.
CDU 504.06:628.1(813.7Tobias Barreto)
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE
PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA
NÚCLEO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM
DESENVOLVIMENTO E MEIO AMBIENTE
ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: DESENVOLVIMENTO REGIONAL
PROGRAMA REGIONAL DE DESENVOLVIMENTO E MEIO AMBIENTE
A POEIRA, AS PEDRAS E A ÁGUA: O Programa Um Milhão de Cisternas em Tobias
Barreto-SE
Dissertação de Mestrado defendida por Daisy Maria dos Santos e aprovada em 30 de junho de
2005 pela banca examinadora constituída pelos doutores:
________________________________________________
Profª Drª Tânia Elias Magno da Silva – Orientadora
Universidade Federal de Sergipe
________________________________________________
Prof. Dr. José Antônio Spinelli Lindoso
Universidade Federal do Rio Grande do Norte
________________________________________________
Prof. Dr. Ricardo Oliveira Lacerda de Melo
Universidade Federal de Sergipe
AGRADECIMENTOS
A João Antônio e Lauro, meus filhos, cuja compreensão em tão tenra idade me comove e cujo
amor tão intenso e verdadeiro que nos une, fortalece-me.
A minha mãe, Lisete dos Santos, pelo apoio em todas as horas e às minhas irmãs, Joana d’Arc
e Diana, pelas inumeráveis ajudas.
A todos da família Augusto, em cujo clã pude ter a exata dimensão de família. Sou
especialmente grata a Lúcia, Maria Augusta, Bárbara, Eduardo, Priscila e Antônio, pelo
valioso apoio.
A minha orientadora Profª. Drª. Tânia Elias Magno da Silva, por quem sempre nutri
admiração intelectual, e cujas análises firmes, profundas e por vezes ásperas, me fez sentir na
pele todo o rigor do conhecimento científico, ensinamentos que devo levar comigo pelo resto
da minha vida acadêmica.
Ao Prof. Dr. Ricardo Oliveira Lacerda de Melo, pelo imprescindível apoio acadêmico e
profissional, além do interesse efetivo em contribuir para a conclusão deste trabalho.
Ao médico e professor Rosauro Luna Torres, pelo tratamento sobretudo humano e sensível.
A todos os colegas da turma 2003, especialmente à Mírian Guedes, pela amizade e
companheirismo construídos no calor das horas de angústias e incertezas..
A Adelmo Pires, coordenador estadual do P1MC, e Ribeiro, técnicos do CDJBC, pelos
documentos disponibilizados, informações e facilitação da entrada nos povoados.
A todos os homens e mulheres dos povoados base da pesquisa.
A Elenilza, Sr. Cici, Amadeo e Edilene (Macacos), Delza (Caripau), Everaldo e Leuzinha
(Mocambo II), Sr. João de Titio e esposa (Mocambo I), Marlene e Sr. Dedé (Curtume) por
todo o apoio e interesse em oferecer informações e pela hospitalidade com que me acolheram,
tornando minha permanência nos povoados muito mais proveitosa e agradável.
A Rosa Gomes Vieira, diretora da BICEN/UFS, sempre acessível e prestimosa.
As minhas colegas da PROEX, Profª Izaura, Elza, Aldenir, Angélica, Marivalda e Alcidéa,
companheiras solidárias no cotidiano e sempre prontas a ajudar quando necessário.
Aos professores e professoras do Departamento de Serviço Social, em especial Profª Marlene
Alves, Profª Msc. Nadja Leite, incentivadoras e amigas; Profª Drª Maria Helena Santana Cruz,
Profª Drª Maria da Conceição Vasconcelos (Lica) e Prof. Dr. Eliano Sérgio Azevedo Lopes,
por me incluírem entre suas inúmeras ocupações para ajudas acadêmicas.
Ao engenheiro Paulo Rezende e ao arquiteto Geraldo Moraes Motta Filho, do DER-SE, pela
configuração e concessão de mapas.
“Nunca me esquecerei deste acontecimento
na vida de minhas retinas tão fatigadas[...]”
Carlos Drummond de Andrade
RESUMO
Este estudo tem como referência, para investigação e análise, o acesso à água das populações
pobres de áreas isoladas do Agreste Semi-árido de Tobias Barreto, a partir das ações do
Programa Um Milhão de Cisternas (P1MC). O P1MC é uma política pública não estatal
fundada nos marcos da reforma do Estado, no esgotamento das políticas verticais de
desenvolvimento rural federal e estadual, na persistência dos problemas de
subdesenvolvimento do Nordeste rural, em especial na região do semi-árido e na emergência
do conceito de desenvolvimento sustentável a partir da ECO-92. Concebido na vertente
metodológica derivada do Projeto Áridas, prevê uma ação articulada no território do semi-
árido visando acoplar às suas premissas básicas de quebra do monopólio do acesso à água, a
terra e outros meios de produção e de preservação, uso sustentável e recomposição ambiental
dos recursos naturais do semi-árido, outras ações de políticas públicas capazes de suprir as
necessidades humanas básicas daquelas populações em termos de educação, saúde, trabalho,
terra, meio ambiente, lazer, tecnologia e assistência. O P1MC, guiado pelo referencial da
Convivência com o Semi-árido em contraposição à idéia de combate à seca que perpassou as
políticas para o semi-árido até a década de 1980, tem como princípios norteadores gestão
compartilhada, parceria, descentralização e participação, mobilização social, educação cidadã,
direito social, desenvolvimento sustentável, fortalecimento da sociedade civil e a construção
de uma nova cultura política capaz de romper com o domínio do clientelismo e do
assistencialismo.Defronta-se nos áridos recônditos de Tobias Barreto, com o desafio do
enfraquecimento político das organizações sociais de massa e a baixa organização dos
extratos socialmente excluídos, na contrapartida da necessidade de sua mobilização para
engajamento na execução do Programa e para a construção de autonomia. A análise
evidenciou a subordinação das ONG’s à lógica da captação de recursos e às determinações de
programas que chegam às localidades prontos, em acordo com a visão e com as exigências de
organismos multilaterais e internacionais, sem que a população tenha qualquer participação na
sua definição, mas para os quais, é requisitado o seu engajamento ou participação. O P1MC
foi implantado em 6 dos 25 povoados do município de Tobias Barreto, selecionados por
apresentarem maior isolamento, mais difícil acesso à água e maior índice de pobreza,
atingindo 172 famílias das 283 que ali vivem. O Programa insere-se no espectro das políticas
hídricas, de desenvolvimento regional sustentável e de combate à pobreza.
PALAVRAS-CHAVE: Políticas Públicas; Política hídrica; Semi-árido; Desenvolvimento.
ABSTRACT
This study has taken as reference, for investigation and analysis, the poor population access to
water at the isolated areas in the semi-arid region of Tobias Barreto, which is located in the
State of Sergipe, Brazil, from the experience of the Programa Um Milhão de Cisternas
(P1MC) – One Million Cisterns Program. The P1MC is a non state-owned public policy
founded within the boundaries of the State reform, in the exhaustion of federal and state rural
development vertical policies, in the persistence of rural Northeast underdevelopment
problems, specially in the semi-arid region, and with the advent of sustainable development
concept from 1992 on, at UNCED – United Nations Conference on Environment and
Development. Conceived in the methodological source derived from Áridas Project, it
foresees an articulated action at the semi-arid territory with the objective of joining to its basic
premises of breaking the monopoly of access to water, land and other means of production
and preservation, sustainable use and environmental reconstitution of semi-arid natural
resources, other public policies actions which are capable of supplying the bare necessities of
that population such as education, health, work, land, environment, leisure, technology and
welfare assistance. Guided by the effort of guaranteeing the principles of the Programa de
Convivência com o Semi-árido – Program of Coexistence with Semi-Arid, which proclaims
joint management, partnership, decentralization and participation, social mobilization, citizen
education, social rights, sustainable development, civil society strengthening and construction
of a new political culture capable of breaking the command of favoritism and welfarism,
P1MC faces, in Tobias Barreto, the challenges of the political weakness of the mass social
organizations and the low level of organization of those who are socially excluded, in spite of
their need of mobilization to get involved in the Program, in order to obtain their autonomy.
This analysis has shown that the non-governamental organizations are subordinated to the
determinations of programs that come to the localities ready, in accordance with international
and multilateral organizations interests and without the participation of the population in their
definition. In contradiction, their commitment and participation in the execution of the
program are required. P1MC has been introduced in 6 of the 25 villages of Tobias Barreto
municipality which were selected for beeing the most isolated ones, having the most difficult
access to water and the highest level of poverty, reaching, in this way, 172 of the 283 families.
The Program is inserted in the spectrum of water policies of sustainable regional development
of poverty mitigation.
KEY WORDS: Public policies, Water policy, Semi-arid, Development.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Página
Gráfico 1 - Definição da Amostragem 24
Gráfico 2 - Faixa de Renda Mensal dos Entrevistados 72
Gráfico 3 – Faixa de Área Total das Famílias Entrevistadas (em ha) 75
Organograma 1 - Principais Programas e Projetos na Esfera Hídrica do Estado de
Sergipe (Final da década de 1970 à atualidade)
54
Mapa 1 - Microrregião Geográfica de Tobias Barreto 65
LISTA DE FOTOS
Página
Foto 1: Divisa entre Mocambo II e Poço Verde 20
Foto 2: Estrada cortando leito seco de riacho intermitente entre Macacos e Caripau 21
Foto 3: Pequena propriedade no povoado Caripau 24
Foto 4: Plantação de palma no Povoado Mocambo I
61
Foto 5: Povoado Mocambo I 66
Foto 6: Estrada atravessando riacho intermitente entre Macacos e Caripau 69
Foto 7: Casa de moradora aposentada com cisterna instalada no Povoado Caraíbas 74
Foto 8: Pequena propriedade no povoado Caraíbas com cisterna e plantação de
palmas à frente
76
Foto 9: Tanque de chão ou barreiro utilizado pela população do Povoado Caraíbas 80
Foto 10: Cisterna instalada no Povoado Caraíbas. 83
LISTA DE TABELAS
Página
Tabela 1 - Formação da Comissão Municipal 22
Tabela 2 - Definição da Amostragem 24
Tabela 3 - Evolução da População Urbana e Rural no Estado de Sergipe – 1940/2000 58
Tabela 4 – Índice de desenvolvimento humano 2000 – Tobias Barreto 63
Tabela 5 - Microrregião Agreste Sergipano população - 1991-2000 72
Tabela 6 - Membros responsáveis pelo sustento da família dos entrevistados 73
Tabela 7 - Alcance dos Programas Governamentais de transferência de renda 74
Tabela 8 - Espécies de animais de criação para uso e consumo familiar 75
Tabela 9 - Faixa de Terra Plantada pelos entrevistados Milho e Feijão (em ha) 2003
77
Tabela 10 - Faixa de Terra Plantada em terreno arrendado ou cedido ou parceria (em
ha) – 2003
78
Tabela 11 - Destinação do Milho e Feijão produzidos por Família dos Entrevistados
(Kg) – 2003
78
Tabela 12 - Área Plantada, Colhida e Destino da Produção de Milho/Feijão dos
Entrevistados – 2003
78
Tabela 13 - Principal ocupação dos chefes de família segundo escolaridade 79
Tabela 14 - Condições Sanitárias das Residências dos Entrevistados 80
Tabela 15 - Principais Problemas e Soluções, por ordem de prioridade, apontados
pelos entrevistados
83
Tabela 16 – Financiadores e nº de cisternas construídas na região Nordeste pelo
P1MC até 2005
90
Tabela 17 – Financiadores, valores financiados e nº de cisternas construídas pelo
P1MC em Sergipe até 2005
91
Tabela 18 – Custo financeiro das cisternas por nº de pessoas beneficiadas em Tobias
Barreto (SE)
92
LISTA DE SIGLAS
ANA – Agência Nacional de Águas
APCR - Programa de Apoio às Pequenas Comunidades Rurais
ASA – Articulação do Semi-árido
BID – Banco Mundial
BIRD – Banco Interamericano de Desenvolvimento
BNB – Banco do Nordeste do Brasil
BNDE – Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico
CDJBC – Centro Dom José Brandão de Castro
CEPAL – Comissão Econômica para a América Latina
CODEVASF – Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco
COHIDRO – Companhia de Recursos Hídricos do Estado de Sergipe
CL – Comissão Local
CM – Comissão Municipal
CNUMAD – Convenção das Nações Unidas para o Meio Ambiente e
Desenvolvimento
DEAGRO – Departamento de Assistência Técnica e Extensão Agrícola do
Estado de Sergipe
DESO – Companhia de Saneamento e Abastecimento do Estado de Sergipe
DNOCS – Departamento Nacional de Obras contra as Secas
EMATER-SE – Empresa de Extensão Rural do Estado de Sergipe
EMDAGRO – Empresa de Extensão Rural e Desenvolvimento Agropecuário
ESG – Escola Superior de Guerra
FEBRABAN – Federação Brasileira das Associações de Bancos
FHC – Fernando Henrique Cardoso
FIDA – Fundo Internacional de Desenvolvimento
FUNDASE - Fundação de Desenvolvimento Agrário do Estado de Sergipe
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
ICID – Convenção Internacional sobre os Impactos das Variações Climáticas
IFOCS – Inspeção Federal de Obras contra as Secas
IICA – Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura
LBA – Legião Brasileira de Assistência
MDS – Ministério do Desenvolvimento Social
MESA – Ministério Extraordinário de Segurança Alimentar
MOC – Movimento de Organização Comunitária
NUTRAC – Núcleo de Trabalho Comunitário
ONU – Organizações das Nações Unidas
PIESA – Projeto Integrado de Estudos do Semi-árido
PIN - Programa de Integração Nacional
PROTERRA - Programa de Redistribuição de Terra
PNRA – Plano Nacional de Reforma Agrária
P1MC – Programa Um Milhão de Cisternas
PAPP – Programa de Apoio ao Pequeno Produtor Rural
PETROBRAS – Petróleo Brasileiro S.A.
PNUMA – Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente
POLONORDESTE - Programa de Desenvolvimento de Áreas Integradas do
Nordeste
PROÁGUA - Subprograma de Desenvolvimento de Recursos Hídricos para o
Semi-árido Brasileiro
PROCANOR - Programa Especial de Apoio às Populações Pobres das Zonas
Canavieiras do Nordeste
PROHIDRO - Programa de Aproveitamento de Recursos Hídricos do Nordeste
PRHOCASE - Programa de Promoção ao Homem do Campo de Sergipe
PRO-SERTÃO - Projeto de Apoio às Famílias de Baixa Renda da Região
Semi-árida do Estado de Sergipe
PROJETO SERTANEJO - Programa Especial de Apoio ao Desenvolvimento
da Região Semi-árida
PRONI – Programa Nacional de Irrigação
PRONESE - Projeto de Desenvolvimento da Região Nordeste
PROHIDRO - Programa de Aproveitamento de Recursos Hídricos
PSF – Programa de Saúde da Família
SEBRAE – Serviço de Apoio à Pequena e Média Empresa
SENAI – Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial
SENAC – Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial
SUDENE – Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste
UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação e a Ciência
SUMÁRIO
Página
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
08
LISTA DE FOTOS
09
LISTA DE TABELAS
10
LISTA DE SIGLAS
11
CAPÍTULO 1 - INTRODUÇÃO
15
CAPÍTULO 2 – POLÍTICAS PÚBLICAS, MEIO AMBIENTE E
DESENVOLVIMENTO
27
2.1 – A trajetória das políticas sociais no Brasil (1985-2002) 28
2.2 – Políticas públicas e desenvolvimento 32
2.3 - Desenvolvimento: planejamento ou estratégia? 36
CAPÍTULO 3 – DAS POLÍTICAS DE COMBATE À SECA À
CONVIVÊNCIA COM O SEMI-ÁRIDO: o caso de Sergipe
43
3.1 – Progresso social e modernização política: grandes expectativas, baixos
resultados
44
3.2 – Os reflexos das políticas de desenvolvimento no semi-árido sergipano
48
3.3 – A incorporação da noção de desenvolvimento sustentável às políticas
do semi-árido
56
CAPÍTULO 4 – TOBIAS BARRETO: O Programa Um Milhão de
Cisternas
59
4.1 – Características gerais do município 61
4.2 - Vida e pobreza no agreste semi-árido: mapeamento da viagem aos
povoados
64
4.3 - O P1MC: um novo arranjo institucional ? 88
CAPÍTULO 5 - CONSIDERAÇÕES FINAIS
100
REFERÊNCIAS
107
ANEXOS
114
CAPÍTULO I
INTRODUÇÃO
Capítulo 1 - Introdução 16
1. INTRODUÇÃO
Este estudo tomou como referência para investigação e análise, o acesso à água das
populações pobres de áreas isoladas do Agreste Semi-árido de Tobias Barreto, a partir da
experiência do Programa Um Milhão de Cisternas (P1MC), implantado em 2002 e concluído
em 2003. Buscou-se perceber o que mudou em relação às políticas públicas voltadas para o
atendimento das populações do semi-árido. Segue as orientações da Agenda 21
1
tendo como
referencial o programa de convivência com o semi-árido em contraposição à política de
combate à seca
Neste trabalho, o conceito de políticas públicas é entendido como ação governamental ou
não-governamental pactuada entre as diversas forças sociais, a sociedade civil e o Estado para
enfrentamento das demandas que emanam da sociedade visando prover as necessidades e
carências dos segmentos atendidos levando em conta que o caráter universal das políticas
públicas vem sendo substituído pela intervenção focalizada com a canalização de recursos
públicos para organizações não-governamentais, constituindo-se numa forma de transferência
de responsabilidade do Estado e de gerar políticas públicas não-estatais no paradigma da
reforma do Estado.
Considerou-se como categoria-chave as políticas públicas, no marco do Estado mínimo,
frente ao requisito da participação das populações na gestão de programas sociais tendo em
vista a descentralização das políticas. Neste sentido, considera-se a tensão da estratégia do
P1MC a produção de autonomia frente à herança assistencialista e clientelista enraizada no
território do semi-árido, os limites da participação da população pelo baixo nível de
organização e exercício de cidadania e os entraves decorrentes da política de parcerias para
captação de recursos podendo implicar na descontinuidade do programa.
O P1MC é uma política pública não-estatal fundada nos marcos da reforma do Estado, diante
do esgotamento das políticas de desenvolvimento rural federal e estadual, da persistência dos
problemas de subdesenvolvimento do Nordeste rural, em especial na região do semi-árido e
da emergência do conceito de desenvolvimento sustentável a partir da ECO-92.
1
A Agenda 21 é um esforço de consenso e compromisso formal, onde se define um padrão de desenvolvimento
para o século XXI numa dimensão ética e inovadora, produzido a partir da ECO-92, envolvendo ações nos
planos econômico, social e ambiental a ser executado pelos governos, agências de fomento e desenvolvimento,
organismos multilaterais e organizações da sociedade civil
Capítulo 1 - Introdução 17
Concebido na vertente metodológica derivada do Projeto Áridas
2
, prevê uma ação articulada
no território do semi-árido visando acoplar às suas premissas básicas de quebra do monopólio
do acesso à água, à terra e outros meios de produção e de preservação, uso sustentável e
recomposição ambiental dos recursos naturais do semi-árido, outras ações de políticas
públicas capazes de suprir as necessidades humanas básicas daquelas populações em termos
de educação, saúde, trabalho, terra, meio ambiente, lazer, tecnologia e assistência.
Nessa medida, o estudo buscou identificar o que mudou em termos de políticas públicas com
a reforma do Estado, os ajustes econômicos e a contenção dos gastos sociais, como o P1MC
se diferencia das políticas anteriores, até que ponto a metodologia empreendida no programa
contribui para o desenvolvimento sustentável, para o fortalecimento da sociedade civil e para
a construção de uma nova cultura política capaz de romper com o domínio do clientelismo e
do assistencialismo. O P1MC defrontou-se, nos áridos recônditos de Tobias Barreto, com o
desafio do enfraquecimento político das organizações sociais de massa e a baixa organização
dos extratos socialmente excluídos, na contrapartida da necessidade de sua mobilização para
engajamento no processo emancipatório do Programa.
Evidenciou-se na presente análise a subordinação das ONG’s às determinações de programas
que chegam às localidades prontos, em acordo com a visão e as exigências de organismos
multilaterais e internacionais, sem que a população tenha qualquer participação na sua
definição, mas para os quais, é requisitado o seu engajamento ou participação.
Até o advento da ECO-92, a noção de desenvolvimento
3
esteve vinculada ao crescimento
econômico e à industrialização, atendendo emergencialmente, primeiro a superação do
2
O Projeto Áridas é resultado dos debates travados durante a preparação da ECO-92, quando, entre outros
eventos, aconteceu a Conferência Internacional sobre Impactos de Variações Climáticas e Desenvolvimento
Sustentável em Regiões Semi-áridas (ICID), entre janeiro e fevereiro de 1992, no Ceará. As conclusões da ICID
influenciaram a metodologia e o arranjo institucional do Projeto Áridas que envolveu instituições nacionais e
internacionais, estaduais e federais, entre as quais a SUDENE. Tendo como objetivos promover o
desenvolvimento sustentável do Nordeste semi-árido. O Áridas contou com o apoio financeiro de instituições
Federais e dos Estados do Maranhão, Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Sergipe e Bahia,
obtidos via financiamento do Banco Mundial ao Governo Federal (SUDENE), para implementação do Programa
de Apoio ao Pequeno Produtor Rural (PAPP). A execução do Projeto Áridas se dá no contexto da cooperação
técnica e institucional entre o Instituto Interamericano de Cooperação para Agricultura (IICA) e aqueles Estados,
no âmbito do PAPP. (Samuel, 1996:6; PROJETO, 1994).
3
Esta noção de desenvolvimento perpassou os governos desde o período de Vargas (1937-1945), passando pelo
período desenvolvimentista de JK (1955-1956) até o governo militar (1964-1985).
Capítulo 1 - Introdução 18
modelo agro-exportador, símbolo do atraso, segundo, à necessidade de aceleração do
progresso para inserção do Brasil entre as nações mundialmente desenvolvidas (Ianni, 1991).
Os reflexos desta política no âmbito regional tem como marco a fundação da SUDENE na
década de 1950 (Carvalho, 1987), órgão ao qual se atribuiu a função de implementar o
planejamento para o desenvolvimento regional, através de políticas de integração e de
superação das disparidades regionais.
Durante o governo militar, o ambicioso projeto de alçar o Brasil a Grande Potência mundial,
evidenciou a natureza conservadora das mudanças promovidas, que não atingiam o caráter
estrutural dos problemas, restringia o exercício da cidadania e privilegiava setores
estratégicos para manutenção da estabilidade do regime, o que veio a ser definido como
modernização conservadora
4
.
A partir da década de 1970, o projeto de desenvolvimento financiado à base do
endividamento externo e interno, esboçava seus primeiros sinais de esgotamento mostrando-
se desastroso para a economia do país com os efeitos da hiperinflação, do crescimento da
pobreza e das desigualdades sociais.
Com a transição democrática da Nova República (1985-1989), as políticas de ajuste
econômico e monetário intensificaram-se para fazer face à crise financeira do Estado. A partir
da década de 1990, a política de minimização do Estado preconizada pelo Consenso de
Washington, atendeu à necessidade de equilibrar o endividamento interno e externo do país,
tendo com conseqüência o refluxo das políticas públicas estatais.
Através da análise da experiência do Programa Um Milhão de Cisternas (P1MC) no
município de Tobias Barreto (SE), buscou-se compreender o que mudou na trajetória das
políticas públicas, em termos da sua concepção, de suas formas de intervenção e de suas
articulações no campo das forças sociais.
4
Termo adotado para descrever a trajetória do Estado brasileiro, sobretudo durante a ditadura militar (1964-
1985) em que as estratégias de crescimento econômico privilegiavam os recursos da autoridade ora tutelando o
mercado, ora o setor político. Restringia o significado da cidadania e perpetuava privilégios sociais sendo
identificado, também, como “corporativismo de Estado”, “modernização pelo alto” e “modernização autoritária”
(Reis; Cheibub, 1992:224).
Capítulo 1 - Introdução 19
As políticas públicas não estão aportadas no campo das transformações estruturais, posto que
são instrumentos de mediação, encerram antagonismos e ambivalências. Utilizam-se as
políticas para fazer crer, no campo das demandas, na implementação como resultado do agir
coletivo. Com isto, capturam-se os movimentos e atinge-se o núcleo conflituoso das
demandas, atenuando os conflitos e disseminando a idéia de participação das forças sociais
nas instâncias decisórias.
A escolha do município de Tobias Barreto deu-se, primeiramente por situar-se na
mesorregião do Agreste Semi-árido Sergipano, requisito do Programa de Pós-graduação,
segundo, pela identificação no arranjo produtivo local de bordados e confecções, um
potencial capaz de produzir efeitos no desenvolvimento local, mesclando-se com a atividade
agrícola.
Devido à ausência de uma política permanente e sistemática de potencialização da vocação
para o bordado e para a costura como negócio, a confecção não evoluiu para uma melhor
inserção no mercado, ainda que ocupe a terceira posição entre as cadeias produtivas locais
5
.
Embora na zona rural as ocupações do bordado e da costura sejam tradicionais e façam parte,
sazonalmente no verão do cotidiano das mulheres para aumentar a renda familiar, ou até
mesmo, em alguns casos, para garantia do sustento, dependem de políticas públicas de
geração de trabalho e renda que acoplem mecanismos de qualificação desta produção, da sua
inserção no mercado e do alcance de sustentabilidade.
O isolamento e o difícil acesso foram fatores determinantes na definição do cronograma da
pesquisa pela escassez de transporte aos povoados. Era preciso evitar o período de chuvas,
entre maio e junho, e tirar o maior proveito possível dos dias de permanência nas localidades.
Em algumas residências foi necessário retornar mais de uma vez, pela ausência do ou da chefe
de família, por estarem na roça ou na cidade resolvendo questões junto ao sindicato ou ao
banco, segundo informavam familiares.
5
As cadeias produtivas consideradas prioritárias e tradicionais no município, de acordo com o programa de
crédito Farol do Desenvolvimento do BNB, estão primeiramente na pecuária com a bovinocultura, em segundo
vem a ovinocultura e caprinocultura, terceiro, a confecção (Melo, 2002).
Capítulo 1 - Introdução 20
Embora Minayo (1994) considere que a pesquisa qualitativa nas Ciências Sociais trabalha
com um universo de significados, motivos, aspirações e valores que não podem ser
quantificados, o presente trabalho utilizou tanto a abordagem qualitativa como a quantitativa,
entendendo-as como complementares e necessárias, pois a partir dessa estratégia foi possível
estabelecer comparações com as estatísticas já existentes.
A pesquisa qualitativa pode ser caracterizada como “[...]a tentativa de uma compreensão
detalhada dos significados e características situacionais apresentadas pelos entrevistados, em
lugar da produção de medidas quantitativas de características ou comportamentos”
(Richardson, 1999:90). Os dados quantitativos foram codificados e tabulados e estão
demonstrados em tabelas e gráficos.
NOS ÁRIDOS RECÔNDITOS DE TOBIAS BARRETO: a essência da pesquisa
Considerando o objeto de análise e tendo em vista a delimitação de um norte para o alcance
dos objetivos, as questões de pesquisa, no presente estudo, foram formuladas com as
seguintes indagações:
- como está explicitado o papel da
sociedade civil no contexto do
arranjo institucional do P1MC ?
- como o P1MC tem influenciado a
geração de trabalho e renda ?
- qual o impacto das ações do P1MC
no desenvolvimento local?
Para responder a estas questões, além
dos dados coletados no trabalho de campo, foi necessário a realização de uma ampla pesquisa
bibliográfica para entender a natureza das políticas públicas concebidas nos marcos da
reforma do Estado e seus impactos sobre as raízes seculares e difusas da pobreza no quadro
de exclusão social e de concentração de renda que atravessa o Nordeste semi-árido brasileiro.
Foto 1: divisa entre Mocambo II e Poço Verde.
Pesquisa de campo, 2004
Capítulo 1 - Introdução 21
O tratamento da pobreza via políticas de assistência, de controle salarial e compensatórias,
tem evidenciado que ações paliativas não dão conta das questões estruturais que estão postas.
A filantropia, o distributivismo ou a transferência de renda tem seus méritos, sobretudo em
face da imediatez das demandas dos segmentos da população do semi-árido que convivem
ainda com práticas pré-capitalistas. Contudo, estes mecanismos não geram autonomia ou
sustentabilidade, uma vez que atuam na tentativa de minimizar os efeitos da desigualdade e
não das suas causas.
Investidas de seu papel de amortecedoras das tensões sociais, as políticas públicas estão
sempre aquém daquilo que precisa ser feito. A gota d’água do P1MC, neste oceano de
pobreza e exclusão social, segue esta sina. Aplaca a sede, mas o acesso à água não é
suficiente para solucionar déficits seculares no Nordeste semi-árido em termos de pobreza,
exclusão social, educação, trabalho e renda e tantos outros.
NO CHÃO ESCALAVRADO DO ERMO SEMI-ÁRIDO DE TOBIAS BARRETO: o
caminho da pesquisa
Utilizou-se como instrumento de coleta de
dados primários três tipos de questionários
com questões abertas e fechadas, aplicados
junto às pessoas chefes de família atendidas
pelo programa, aos representantes das
organizações da sociedade civil que
compõem a Comissão Municipal e ao
gestor estadual do programa.
Para os dados secundários, teve primazia a
pesquisa bibliográfica, consulta aos resultados
de pesquisa de organizações governamentais (IBGE, IPEA) e não governamentais (Centro de
Assessoria e Serviço aos Trabalhadores da Terra Dom José Brandão de Castro - Unidade
Gestora do Programa Um Milhão de Cisternas em Sergipe) e contatos com técnicos do
governo junto a órgãos públicos.
Pesquisa de campo, 2004
Foto 2: Estrada cortando leito seco de riacho
intermitente entre Macacos e Caripau
Capítulo 1 - Introdução 22
A pesquisa bibliográfica e documental, complementada por acessos em meio eletrônico,
foram essenciais para delinear a trajetória das políticas públicas e para o desenvolvimento das
análises aqui apresentadas.
Ao todo, foram aplicados 64 questionários compostos de perguntas abertas e fechadas junto
aos chefes das famílias atendidas nos seis povoados beneficiados pelo programa.
Junto à comissão municipal apresentada na tabela 1, composta por dez entidades, aplicou-se
um questionário com cada representante, com exceção do representante do Sindicato de
Trabalhadores Rurais de Tobias Barreto (STR)
6
, antigo presidente da entidade, por motivo
de falecimento no início de 2004.
Tabela 1
Formação da Comissão Municipal
Entidade
Representante na comissão
Linha de ação da entidade
Sindicato dos Trabalhadores
Rurais de Tobias Barreto
Obs.: O presidente foi o representante
da entidade na comissão. Faleceu no
início de 2004. Não houve substituição.
Com isto, não foi aplicado
questionário.
Sindical
Sociedade São Vicente de Paula Francisco de Assis
(Diretor Patrimonial) – Coordenação
da Comissão Municipal
Filantrópica
Movimento de Cursilho da
Cristandade
Adilson de Jesus Santos
(Membro)
Religiosa
Pastoral da Criança Elenilza Carvalho Santos
(Líder comunitária)
Ação social
Clube de Mães Maria Luziete Santos Matos
(Vice-presidente)
Ação social
Sindicato dos Lojistas José Maurio
(Presidente)
Sindical
Cáritas Matias Bendito dos Santos
(Presidente da Comissão Paroquial)
Ação social
Rotary Clube Luiz Carlos dos Santos (Membro) Filantrópica
SENAC – Unidade de Tobias
Barreto
Adalberto Trindade de Souto
(Gerente da Unidade)
Educação profissional
Igreja Evangélica Filadélfia José Valdo da Fonseca
(Pastor)
Religiosa
Fonte: Pesquisa de campo, 2004.
6
As pessoas atualmente à frente do STR informaram que o presidente participou ativamente da execução do
P1MC, mas somente ele esteve engajado, portanto, ninguém se dispôs a responder o questionário por se sentir
inabilitado para tal.
Capítulo 1 - Introdução 23
Foi aplicado igualmente um questionário junto ao gestor estadual do Programa (Centro Dom
José Brandão de Castro).
CRITÉRIO DE DEFINIÇÃO DA AMOSTRAGEM
A definição da população-alvo da pesquisa foi agrupada em chefes de famílias
7
atendidas
pelo P1MC em seis povoados (Tabela 2), representantes das organizações não
governamentais que compõem a Comissão Municipal (Tabela 1) e o Gestor Estadual do
Programa (Centro Dom José Brandão de Castro). Para implantação do P1MC em Tobias
Barreto, foram escolhidos seis povoados, listados na tabela 2 e distribuídos no gráfico 1, entre
os 25 existentes no município, por apresentarem maior isolamento, mais difícil acesso à água
e maior índice de pobreza, atingindo 172 famílias das 283 que ali vivem.
No que diz respeito à escolha do ou da chefe de família deve-se ao fato da posição ocupada no
núcleo familiar oferecer condição para a coleta de dados primários acerca de aspectos ligados
à renda familiar, à quantificação, à destinação da produção, às condições da habitação, à
estrutura e à situação da propriedade, através da aplicação de questionário. Em alguns casos
as respostas foram dadas pelo casal. Em face das expectativas que são criadas quando alguém
de fora adentra uma comunidade rural para questionar sobre o cotidiano daquelas pessoas, foi
importante deixar claro a ausência de vínculo entre a pesquisadora e o P1MC bem como a sua
entidade gestora, o CDJBC. Foi esclarecido que estava sendo feito um trabalho da
Universidade, cujos efeitos em termos de resultado para a comunidade não poderiam ser
estimados naquele momento.
O critério de definição da amostragem probabilística aleatória simples
8
se deu com base no
total de famílias atendidas pelo programa (ver Tabela 2) nos seis povoados, conforme
distribuição no Gráfico 1. De acordo com o universo das 172 famílias atendidas pelo P1MC,
colheu-se a amostra de 37,2% deste total, que corresponde a 64 famílias, calculado pela tabela
de cálculo de amostra aleatória simples, tendo como erro amostral tolerável a taxa de 10%.
7
Incorporou-se neste trabalho a definição de chefe de família adotada na metodologia de pesquisa do IBGE,
como pessoa, homem ou mulher, responsável pelo sustento da família.
8
Mattar (1996:266) e Rudio (1986:51-52) caracterizam a amostragem probabilística pela propriedade de cada
elemento da população ter uma chance igual de ser incluído na amostra.
Capítulo 1 - Introdução 24
Por este critério, todas as famílias que tiveram a cisterna instalada tinham probabilidade de
serem escolhidas para formar parte da amostra.
Tabela 2
Definição da Amostragem
POVOADOS
Nº FAMÍLIAS NOS
POVOADOS
UNIVERSO DE
FAMÍLIAS ATENDIDAS
PELO P1MC
PERCENTUAL DE
FAMÍLIAS ATENDIDAS
POR POVOADO EM
RELAÇÃO AO
UNIVERSO
Nº FAMÍLIAS
ENTREVISTADAS
(Amostra de 37,2%
em relação ao
universo atendido
pelo P1MC)
Caraíbas 60 24 13.95% 9
Caripau 22 19 11.05% 7
Macacos 46 35 20.35% 13
Mocambo I 30 22 12.79% 8
Mocambo II 43 42 24.42% 16
Curtume 82 30 17.44% 11
Totais: 06 283 172 100.00% 64
Fonte: Centro Dom José Brandão de Castro, 2004.
Gráfico 1
Definição da Amostragem
DISTRIBUIÇÃO DAS FAMÍLIAS ENTREVISTADAS
0
5
10
15
20
Caraíbas Caripau Macacos Mocambo I Mocambo
II
Curtume
FAMÍLIAS ENTREVISTADAS
Distribuição das Famílias Entrevistadas
Caraíbas Caripau Macacos Mocambo I Mocambo II Curtume
Nº Famílias Entrevistadas
Fonte: CDJBC, 2004.
OS LOCAIS DA PESQUISA
Os povoados Caraíbas, Caripau e
Macacos estão distribuídos ao longo
das margens de uma mesma estrada
vicinal. Afora o isolamento do
povoado Macacos, a distribuição
espacial não distingue as
comunidades de características
essencialmente rurais.
Pesquisa de campo, 2004
Foto 3: Pequena propriedade no povoado Caripau
Capítulo 1 - Introdução 25
O povoado Curtume, constitui-se num assentamento de populações pobres da região
patrocinado pelo governo do Estado via PRONESE, executado com a participação da
Associação de Desenvolvimento Comunitário do Povoado Curtume, em 1998, com a
construção de 36 casas. Construído em local privilegiado, às margens da rodovia SE-290 que
liga Tobias Barreto a Poço Verde, a localização implica na facilidade de transporte, de
comunicação e atendimento médico semanal. Seu traçado urbano contrasta com a
manutenção de práticas rurais por seus moradores.
A maioria da população deste povoado subsiste do que planta, mesmo quando vende sua
mão-de-obra para terceiros ocorre na atividade agrícola. Homens e mulheres do povoado
seguem mantendo a ‘tradição’ do êxodo rural para a região Sudeste do país, em particular
para o Estado de São Paulo, pela falta de oportunidade de trabalho na região. Anualmente, no
mês de setembro, época da colheita da cana-de-açúcar, saem levas de trabalhadores para
suprir o trabalho pesado nas usinas.
Atravessando o povoado Curtume chega-se aos povoados Mocambo I e Mocambo II, zona de
predomínio do plantio de feijão e criação de gado. Estas localidades estão tão isoladas que
sequer pontuavam no mapa cedido pelo DER-SE. O caminho, em péssimas condições de
tráfego, que liga o povoado à rodovia SE-290, sequer vem a ser estrada vicinal, é apenas um
caminho, através do qual “vai lá um carro, uma vez na vida...é sertão mesmo!” no dizer de um
gestor de órgão público de infra-estrutura.
ESTRUTURA DO TRABALHO
O presente estudo está dividido em três capítulos. O primeiro, intitulado “POLÍTICAS
PÚBLICAS, DESENVOLVIMENTO E MEIO AMBIENTE”, apresenta uma revisão da
literatura sobre o eixo teórico do trabalho, ou seja, acompanha a trajetória das políticas de
desenvolvimento sob a égide do planejamento econômico até as transformações resultantes da
crise financeira e dos ajustes monetários que culminaram com a reforma do Estado e a
incorporação da noção de desenvolvimento sustentável.
O segundo capítulo, “DAS POLÍTICAS DE COMBATE À SECA À CONVIVÊNCIA COM
O SEMI-ÁRIDO: o caso de Sergipe”, faz uma retrospectiva das políticas governamentais em
Sergipe com ênfase nas políticas hídricas para o Nordeste semi-árido, analisando seus reflexos
Capítulo 1 - Introdução 26
na integração regional, na superação das desigualdades sociais em face do esgotamento das
políticas de desenvolvimento rural federal e estadual, da persistência dos problemas de
subdesenvolvimento do Nordeste rural, em especial da região semi-árida e na emergência do
conceito de desenvolvimento sustentável a partir da ECO-92.
.
O terceiro capítulo, “TOBIAS BARRETO: O Programa Um Milhão de Cisternas”, faz uma
breve caracterização geral do município de Tobias Barreto para deter-se nas reflexões
resultantes da coleta de dados, entrelaçadas por um olhar crítico sobre os locais pesquisados,
analisar a concepção do programa, as tensões de sua metodologia, os impactos causados, bem
como o alcance e os resultados do P1MC que podem ser notados em termos de
desenvolvimento local.
Para efeito de conclusão, buscou-se articular as reflexões teóricas com a realidade investigada
através de um olhar crítico buscando respostas para as questões centrais da pesquisa, bem
como objetivando com os resultados oferecer subsídios à atuação de organizações
governamentais e não governamentais em programas similares no semi-árido sergipano.
CAPÍTULO 2
POLÍTICAS PÚBLICAS, MEIO AMBIENTE E
DESENVOLVIMENTO
Capítulo 2 - Políticas Públicas, Meio Ambiente e Desenvolvimento 28
POLÍTICAS PÚBLICAS, MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO
A base de reflexão deste capítulo é a trajetória das políticas públicas no Brasil, suas
conseqüências na realidade brasileira e na região Nordeste, no período compreendido entre
1985, ano de transição do governo militar para o governo civil com instauração da Nova
República, revitalização dos movimentos sociais e restauração dos direitos civis, e 2002,
etapa de implementação das medidas de minimização do Estado e ajustes econômicos.
O objetivo é analisar os principais impactos econômicos, sócio-ambientais e políticos, bem
como, a repercussão da reforma do Estado neste processo. Os eixos de reflexão assentam-se
na relação entre políticas públicas, desenvolvimento e meio ambiente observando como tais
políticas vêm contribuindo para o desenvolvimento, portanto, para a melhoria das condições
de vida da população.
O conceito de desenvolvimento a partir da ECO-92 espraia-se para além da esfera do
crescimento econômico. A dimensão sócio-ambiental, antes tangenciada, passa a ser incluída
nos debates e reflexões, bem como, está presente nos programas e projetos a partir da
incorporação do conceito de desenvolvimento sustentável. As políticas de caráter nacional
voltam-se para os atores locais e convertem-se em ações centradas no desenvolvimento local.
2.1 – A trajetória das políticas sociais no Brasil (1985-2002)
A presente análise norteia-se pelas bases de constituição das políticas governamentais no
Brasil cuja gênese começa a ser esboçada na década de 1920, dentro de uma premissa
conciliatória e pactuada.
No período do pós-guerra, entre 1930 e 1940, instauraram-se as bases de institucionalização
do Estado brasileiro, e como estratégia de sustentação do regime foram criados o Ministério
do Trabalho, a Legião Brasileira de Assistência e o Serviço Nacional de Aprendizagem
Industrial, instituições emblemáticas do Estado corporativista e populista do Governo Getúlio
Vargas (1937), pilares da relação entre Estado e trabalhadores nesse período, a serviço dos
interesses estratégicos de dominação via pacto social.
9
O primeiro esboço de sistematização
9
Ver Ianni (1968).
Capítulo 2 - Políticas Públicas, Meio Ambiente e Desenvolvimento 29
de políticas voltadas para o suprimento de necessidades da população, na perspectiva de
ajuste entre os interesses do Estado e dos extratos socialmente excluídos, se dá na década de
1930.
As elites dominantes detentoras do poder político no Brasil sucumbem às pressões por
mudança no domínio econômico de base colonial para o padrão urbano-industrial, despertadas
pelos reflexos da crise comercial no âmbito internacional, cujas transformações afetaram a
agro-exportação do café, então principal pilar da economia brasileira, face ao anseio de que
esta transição era uma etapa necessária ao progresso.
O desenvolvimento econômico esboçava-se como a saída para as transformações inspiradas
na experiência das nações centrais e seus padrões de consumo, com a implantação da
substituição de importações, dando-se início ao projeto nacional desenvolvimentista que
concentrava no Estado o papel de organizador da sociedade e da economia
10
. O ônus desta
transição foi incorporado pelo Estado a partir da mediação do capital nacional e estrangeiro,
como condição necessária a superação do atraso, e como evidenciou-se posteriormente, para
expansão do modo de produção capitalista.
O Estado investido de principal agente da industrialização, para responder à pressão das
massas por consumo e bem-estar social, passa a reconhecer e a incorporar as demandas da
classe trabalhadora com a formulação e implementação de políticas sociais, naquele contexto,
influenciadas por alianças populistas e utilizadas como mecanismo de integração e
manipulação da classe trabalhadora.
O surgimento da chamada “questão social como expressão concreta das contradições entre
capital e trabalho no interior do processo de industrialização capitalista” (Cerqueira,
1982:58)
11
com a eclosão das insatisfações populares encontrou nas políticas sociais uma
contrapartida do governo para contenção e desmobilização das lutas, amortecendo os conflitos
e garantindo a paz social.
10
Ver Ianni (1991); Lopes (1970); Tavares; Fiori (140-141:1993).
11
Gisálio Cerqueira (1982) analisa amplamente o caráter ideológico que perpassa o termo ‘questão social’ no
cenário político brasileiro, a partir de 1930.
Capítulo 2 - Políticas Públicas, Meio Ambiente e Desenvolvimento 30
Na fase desenvolvimentista do governo de Juscelino Kubitschek (1956-1960), sob o lema
‘cinqüenta anos em cinco’, segundo Cardoso (1978), a realidade era escamoteada e as
questões sociais submergiam frente o discurso e a propaganda nacionalista do crescimento e
da elevação dos padrões de vida da sociedade de consumo.
Entre meados da década de 1960 e os anos de 1970, período marcado pela ditadura militar,
emergiu uma vertente nacionalista cujo lema era a doutrina de segurança nacional
12
. Sob a
égide do governo militar a visão economicista dominante, subordinava todos os setores às
metas determinadas pela política econômica. Sistematizadas nos PND’s (Plano Nacional de
Desenvolvimento) as diversas políticas estatais (social, agrária, educacional, saúde, etc.)
atendiam os interesses estratégicos de elevar o país á potência mundial, solucionar as
disparidades regionais e promover a integração nacional. Estas orientações serviram para
aprofundar o endividamento externo e promover um crescimento econômico gerador de
privilégios e desigualdades.
Nesse sentido, as políticas sociais no Brasil estão assentadas num rastro de desigualdade e
pobreza
13
. No processo de urbanização-industrial acelerado pela expansão capitalista a
“modernização conservadora” provocou a intensificação do êxodo rural, culminando com o
surgimento de bolsões de pobreza nos grandes centros urbanos do país. O país foi elevado à
oitava economia mundial ostentando os piores indicadores sociais e uma das maiores
concentração de renda do mundo. Serra (2000:62-63) deixa transparecer esta assincronia ao
afirmar que as chamadas políticas sociais no Brasil sempre foram fragmentadas e, por vezes,
contraditórias.
No Brasil, sequer chegou-se a alcançar a instauração do tão sonhado estado de bem-estar
social. Solapadas pelo clientelismo e assistencialismo, as políticas sociais foram mecanismos
estratégicos de mediação, em que o efeito perverso da dominação política, via o controle das
lutas sociais, eram diluídos na ilusão da distribuição de renda e da promoção de justiça social,
somente possível a partir de mudanças estruturais.
12
A doutrina de segurança nacional elaborada na ESG teve como um de seus principais mentores intelectuais o
Gal. Golbery do Couto e Silva, constituindo-se num discurso e numa prática oficiais de caráter abertamente anti-
comunista, estabelecendo “fronteiras ideológicas”, alinhamento a Washington e criminalização do dissenso
político pela discriminação do “inimigo interno” (Netto, 2001:17).
13
Como pobreza entende-se a insuficiência de suprimento das necessidades humanas básicas de alimentação,
saúde, educação, cultura, lazer, trabalho, transporte, moradia e vestuário. Nesse sentido, a limitação do acesso a
direitos sociais, com o comprometimento do exercício da cidadania.
Capítulo 2 - Políticas Públicas, Meio Ambiente e Desenvolvimento 31
Embora, ao longo da trajetória das políticas sociais, tenha havido a perspectiva de elevação de
renda, esta meta só foi alcançada no período do ‘milagre econômico’
14
. Muito mais
identificadas por seu caráter compensatório, fragmentário, desarticulado e descontínuo, as
políticas sociais no Brasil serviram de mecanismo coercitivo para manutenção da ordem
social, sem chegar a constituir-se em práticas capazes de promover a ascensão social.
A partir da segunda metade da década de 1970, ocorreram mudanças significativas no
chamado modelo de bem-estar social nos países centrais, atingindo a concepção, a
institucionalidade e a prática da política social, que neste arranjo se sustentava na supremacia
do Estado, na prestação de serviços sociais ampliados, no pleno emprego e na delimitação da
pobreza. Se no Brasil até então não se havia criado esta estrutura, com o seu colapso nos
países de primeiro mundo, abria-se o precedente para a instauração de uma acentuada
redução na atuação do Estado na área social.
O descompasso entre o crescimento econômico e as possibilidades de expansão do setor
público provocaram o esgotamento das políticas clássicas de caráter universal
15
Entre meados dos anos 1970 e fins dos 1980, vigorou um peculiar consenso em torno de
uma inevitável crise do Estado social do pós-segunda Guerra, a qual expressava a
incapacidade fiscal desse Estado e sua ineficiência administrativa e política. O resultado
mais visível dessa crise era o déficit de legitimidade das políticas sociais públicas [...]
(Bresser Pereira, 76:2003)
A década de 1980 prodigalizou uma série de mudanças no cenário político, econômico e
social no Brasil. Na esteira do processo de revitalização da sociedade civil, com a restauração
da ordem democrática, após o período da ditadura militar, emergiram “a recessão
econômica, a escalada inflacionária, a crise fiscal do Estado, o agravamento da miséria –
elementos constitutivos da chamada década perdida” (Raichelis, 2000:72-73).
A retomada da democracia teve sua contradição fundamental na brutal dívida social com
agravamento da concentração de renda e dos níveis de pobreza, desmonte dos órgãos
responsáveis por políticas setorializadas e estatizadas (Diniz, 1997:34-35) tendo na cômoda e
equivocada visão de enxugamento da máquina estatal a saída para as mazelas legadas pelo
regime militar.
14
Por volta de 1973, durante o governo Médici, o crescimento econômico acelerado possibilitou a elevação dos
salários e aumento da riqueza no país. Posteriormente, constatou-se que aquele efeito produziu maior
concentração de renda e mais desigualdade social.
15
Por universalização entende-se a abrangência para fins de atendimento de todo o segmento identificado como
usuário de determinado programa de assistência.
Capítulo 2 - Políticas Públicas, Meio Ambiente e Desenvolvimento 32
Influenciada pelos meios de comunicação de massa, a sociedade passou a incorporar a crítica
ao gigantismo estatal, engrossando a corrente em defesa das medidas preconizadas pela
reforma do Estado, que ensejaria, posteriormente, a instauração do Estado mínimo em
atendimento ao receituário dos organismos financeiros internacionais para os países em
desenvolvimento (Diniz, 1997:36) O impacto das profundas mudanças em âmbito
internacional, com a revolução tecnológica e a internacionalização da economia, atingia os
países em desenvolvimento e alcançava o Brasil.
Nessa medida, Tavares (1993:107) afirma que a partir da década de 1980, as reformas
estruturais exigidas pelas políticas de estabilização resultaram
[...] numa profunda reforma do Estado e que para além de seus efeitos setoriais específicos,
as políticas públicas deveriam visar um aumento da competitividade global da economia
que, nas atuais circunstâncias e diante do desenvolvimento da economia mundial, teriam de
adaptar-se a um novo paradigma industrial e tecnológico que está baseado cada vez mais na
melhora apreciável dos recursos humanos, tanto em termos educacionais como de qualidade
de vida. Vale dizer, a dimensão social das políticas públicas não se limita a políticas de
caráter assistencial, e todas as políticas econômicas deveriam ter simultaneamente uma
dimensão produtiva e social que se afasta, em muito, tanto da tradição brasileira, como do
paradigma liberal do Estado mínimo.
O projeto de Estado mínimo ensejado pelas transformações em curso, não dava conta das
demandas por políticas públicas que emergiam. Isto, como será demonstrado mais adiante, se
confirmará no final da década de 1990, quando o Estado, já subordinado às diretrizes
neoliberais, passa a implementar políticas compensatórias e focalizadas, reduzindo seu campo
de intervenção sobre as questões sociais a um extrato da pobreza
16
.
2.2 – Políticas públicas e desenvolvimento
Para uma conceituação de políticas públicas, há de se considerar seu caráter diverso e difuso,
posto que sua base é o direito coletivo, a satisfação das necessidades humanas e sociais numa
relação de reciprocidade e antagonismo entre sociedade e Estado (Souza, 2003:16). Em tese,
através das políticas, o Estado redistribui em bens e serviços o que arrecadou, solvendo sua
dívida simbólica para com a sociedade.
16
A referência ao focalismo, que é a priorização do gasto social com os setores de maior concentração de
pobreza, diz respeito à chamada discriminação positiva. Toma como referência a Taxa de Indigência (TI), o
Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) e o de Condições de Vida (ICV) no ano de 1991
(p.140). Foram utilizados pelo Programa Comunidade Solidária no governo Fernando Henrique Cardoso. Ver
Silva (2001).
Capítulo 2 - Políticas Públicas, Meio Ambiente e Desenvolvimento 33
As políticas sociais vêm a ser “parte integrante das políticas públicas e das estratégias de
mediação entre Estado e Sociedade, situando-se dentro do repertório de respostas a serem
mobilizadas para fazer face às expressões da questão social
17
.” (Raichelis, 2000:88)
De forma mais ampla, as políticas públicas resultam da correlação de forças entre as pressões
da sociedade civil sobre o Estado para enfrentamento das mazelas sociais constituindo-se ao
mesmo tempo em estratégia e mecanismo de gestão na mediação dos conflitos sociais. São na
realidade “o governo em ação” (Souza, 16:2003), isto é, configura-se no uso da máquina
administrativa do Estado no desenvolvimento de medidas interventivas nas manifestações do
que passa a ser visto pelas autoridades como problema social demandante de solução.
Para Tavares (1996:107-108), somente as políticas públicas como resposta não são
suficientes para “reduzir as disparidades de renda e resgatar a dívida social sem que haja um
pacto entre governo, empresa e trabalhadores”.
Se durante o governo militar foi o regime autoritário que pôs a democracia em cheque,
posteriormente, o regime teve na crise econômica a principal causa da sua derrocada.
Paradoxalmente, na década de 1980, é a recessão econômica que ameaça a conquista da
democracia, encontrando na reforma do Estado a saída para a manutenção da ordem.
A revitalização da sociedade civil no bojo da abertura política, com a promulgação da Nova
Constituição em 1988, possibilitou que bandeiras de luta dos movimentos sociais fossem
alçadas a políticas públicas. Os movimentos sociais foram absorvidos pelo Estado que
passou a transferir parte de sua ação para as organizações não-governamentais, demandando
destas uma intervenção muito mais qualificada em face da complexificação e ampliação dos
conflitos sociais.
A priorização dos programas de estabilização econômica e a escassez dos recursos diluiu
significativamente a ação do Estado no campo social. A minimização da agenda social era
determinada pela urgência do controle inflacionário conforme explicitado nesta análise:
[...]a urgência atribuída ao controle da inflação se fez acompanhar do abandono de projetos
igualitários, tão enfatizados pela Aliança Democrática responsável pela instauração da
17
Segundo Cerqueira Filho (1982:21) “por ‘questão social’, no sentido universal do termo, queremos significar o
conjunto de problemas políticos, sociais e econômicos que o surgimento da classe operária provocou na
constituição da sociedade capitalista.”
Capítulo 2 - Políticas Públicas, Meio Ambiente e Desenvolvimento 34
Nova República. (...)De acordo com a nova orientação, em nome de um enfoque racional e
não-populista acerca da pauta de prioridades, a exigência de maior inflexibilidade na gestão
de recursos públicos viria a desaconselhar qualquer postura favorável ao aumento dos
gastos sociais. Em conseqüência, privilegiou-se uma agenda minimalista, em franco
desacordo com a dinâmica democratizante, cujos efeitos seriam o alargamento da
participação, a diversificação das demandas e a multiplicação dos canais de vocalização à
disposição dos diferentes segmentos da sociedade”. (Diniz, 1997:179)
A Constituição de 1988 consagrou alguns direitos sociais, delineando um novo perfil de
política social, bem como a abertura para novos canais de participação, como os conselhos
representativos construídos a partir da “pressão político-social exercida pelos movimentos
sociais e sociedade civil em geral” (Frey, 236:2000).
A ameaça da ingovernabilidade diante do caos econômico, do excesso de pressões e
demandas provenientes do crescimento da participação e da intensificação da expectativa por
políticas sociais, engessaram o raio de ação do governo na tomada de decisão e na
implementação de políticas públicas, durante a transição Nova República. (Diniz, 1997:180)
Na contra-mão do protagonismo da participação da sociedade civil, o dirigismo do poder
executivo, sacramentado nas medidas provisórias, implementava ‘pacotes’ que incluíam
políticas públicas nas esferas econômica, social e cultural, prevalecendo o estilo tecnocrático,
isolado e distante do controle da sociedade.
Nesta nova ordem, o Estado em crise tinha sua autonomia reduzida e consagrava-se o
mercado como remédio de todos os males e não só para os países periféricos. Nessa medida,
Bresser Pereira, (1996:269) faz a seguinte análise:
A reforma do Estado é uma resposta ao processo de globalização em curso (na década de
1990) que reduziu a autonomia dos Estados em formular e implementar políticas, e
principalmente à crise do Estado, que começa a se delinear em quase todo o mundo nos
anos 1970, mas que só assume plena definição nos anos 1980. No Brasil, no auge de uma
crise econômica, a reforma do Estado é imperiosa.
Ao tempo em que o fim da guerra fria quebrava a polarização entre o mundo capitalista e o
mundo socialista, instituía-se uma nova ordem mundial que implicava na ruptura com
paradigmas que até então guiavam os movimentos sociais e políticos de orientação marxista.
Na plenitude das ambigüidades, entrava em colapso o modelo estatizado de sociedade.
No Brasil, com o governo Collor (1991-1993), as políticas de estabilização econômica foram
sistematicamente sintonizadas com as medidas impostas pelo Fundo Monetário Internacional
Capítulo 2 - Políticas Públicas, Meio Ambiente e Desenvolvimento 35
(FMI) e Consenso de Washington
18
revelando uma das faces mais cruéis do governo dos
‘descamisados’, a falta de recursos e a irriria aplicação de 9% do Produto Nacional Bruto
no setor social. O projeto de enxugamento da máquina estatal submergiu com a ausência de
alianças políticas fortes com os diversos setores da sociedade, e sobretudo, com o ato de
confisco das poupanças, das contas correntes dos brasileiros e com as denúncias de corrupção
no governo culminando no ‘impeachment’(1993) de Collor (Serra, 2000:75-76; Diniz,
2001:13).
O mandato-tampão do vice-presidente Itamar Franco na era Collor conseguiu que o Plano de
Estabilização da Moeda, sob o comando do então ministro da Fazenda Fernando Henrique
Cardoso, fosse bem sucedido. Este êxito contribuiu muito para o sucesso da candidatura de
FHC à presidência da República, pois sua plataforma política comprometia-se com amplas
reformas centradas na gestão empresarial do Estado com ênfase no controle dos gastos
públicos e no incentivo à parceria com o setor privado para implementação das ações de
governo (Serra, 2000:79).
Sob o discurso político de por fim à era Vargas, este governo demonstrava sua atuação no
campo das políticas públicas com a criação do Programa Comunidade Solidária(PCS) “como
principal estratégia de enfrentamento da pobreza no país” (Silva, 2001:11), sendo este
programa a síntese de sua intervenção em termos de políticas públicas na área social.
A suposta modernidade do governo FHC, revelava-se contrariamente no PCS, sob a forma do
assistencialismo e clientelismo com que o programa dirigia suas ações. Sob a égide da
solidariedade buscou arregimentar as forças políticas e sociais nas esferas do Estado, da
sociedade civil e do mercado (empresários), visando um consenso legitimador do projeto,
bem como, captação de parcerias e recursos financeiros para implementá-lo. Embora por
dentro houvesse aporte majoritário de recursos públicos, dava-se total ênfase à participação do
setor privado, fortalecendo a idéia de uma intervenção mínima do Estado, com
descentralização de suas ações e um suposto aumento da responsabilidade da sociedade civil
na gestão de políticas públicas.
18
Consenso de Washington é a denominação dada a um plano de medidas de ajustamento das economias
periféricas, chancelado pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), pelo Banco Mundial (BIRD), pelo Banco
Interamericano de Desenvolvimento (BID) e pelo governo norte-americano em reunião ocorrida em Washington
em 1989, quando iniciou-se a introdução do projeto neoliberal em mais de 60 países em todo o mundo
(Raichelis, 73:2000).
Capítulo 2 - Políticas Públicas, Meio Ambiente e Desenvolvimento 36
Sobre este cenário Bresser Pereira (1996:308) discorre em reveladora análise:
Os obstáculos para a definição e consolidação de um novo pacto político permanecem
enormes. Primeiro, o velho patrimonialismo e sua expressão moderna, o clientelismo, estão
ainda vivos no país. Segundo, o nacional-desenvolvimentismo e sua expressão
contemporânea estão ainda muito presentes na sociedade brasileira, embora também em
claro declínio. (...)Terceiro, a burocracia estatal perdeu influência e tem-se colocado na
defensiva nos últimos quinze anos; acusada de autoritarismo pelos democratas e de
estatismo pelos neoliberais. (...)E quarto, a enorme distância entre as elites e o povo no
Brasil que reduz os pobres a meio-cidadãos, com pouca noção de seus direitos e de como
protegê-los.
A vulnerabilidade da cidadania no Brasil é assim nua e cruamente exposta, revelando o longo
caminho que ainda há de ser trilhado para que a sociedade civil esteja pronta para
empreender o que hoje lhe é exigido em termos de ação política com a redução do Estado.
Diniz (2001:19) oferece uma pista para o fortalecimento da sociedade civil referindo-se a
“novos arranjos institucionais que possibilitem o funcionamento pleno da democracia” entre
os quais cita o surgimento de novos mecanismos de responsabilização dos governantes em
relação aos governados, daí a ênfase, atualmente, no campo das políticas públicas, na noção
de responsabilidade social ou ‘accountability’
19
.
Na década de 1990, assiste-se a uma multifragmentação das questões sociais, e em meio à
diversidade e complexidade das demandas eclodem inúmeras organizações não-
governamentais (ONG’s) no campo das ações coletivas no Brasil havendo que se distinguir
entre a vanguarda destas organizações, comprometidas de fato com as lutas legítimas dos
movimentos sociais, daquelas que estão entrando no jogo no cenário da minimização do
Estado, à procura de recursos, antes mesmo de constituir suas bases, constituindo-se em
verdadeiros ‘cabides de emprego’.
2.3 – Desenvolvimento: planejamento ou estratégia?
A noção tradicional de desenvolvimento sempre esteve associada à matriz econômica tendo
em vista o crescimento e a ampliação de benefícios à população, com melhoria das condições
de vida (Gomes, 1995). Pretensamente, estes fatores seriam desencadeantes da elevação dos
padrões de existência das populações pela ampliação do emprego, oferta de produtos
19
Não há tradução em português para o termo, interpretado por alguns como responsabilidade social, porém, vai
mais além, diz respeito a controle social e ampliação da capacidade decisória das organizações com a
incorporação da noção de bem comum.
Capítulo 2 - Políticas Públicas, Meio Ambiente e Desenvolvimento 37
industrializados, elevação da renda e formação de um mercado consumidor. No entanto, esta
premissa demonstrou, na realidade, exatamente o contrário.
A mudança de eixo na economia, com a passagem do predomínio do setor primário para o
setor secundário, como requisito para o desenvolvimento, teve implicações sociais e
políticas
20
. Entendia-se que para consolidar as transformações necessárias e garantir o
progresso somente o Estado, investido como principal agente do desenvolvimento, seria capaz
de dar cabo a este propósito.
O desenvolvimento econômico se constitui num “processo histórico pelo qual economias
coloniais são transformadas em economias industrializadas”. Com esta afirmação Singer
(28:1970) dá pistas para entender a política de substituição de importações, na saída do
modelo colonial.
Após a Segunda Guerra Mundial (1945), as nações mergulharam num processo de
reconstrução política, social e econômica. No Brasil, este movimento era expresso na
emergência do nacionalismo, do planejamento como estratégia de implementação do
desenvolvimento e no esforço pelo crescimento acelerado. A associação entre planejamento e
desenvolvimento pautou-se na afirmação do projeto de capitalismo nacionalista, gênese do
nacional desenvolvimentismo
21
. O planejamento exerceu papel essencial como instrumento na
busca de consenso.
O ciclo de instauração da tecnoburocracia
22
brasileira era iniciado com a criação do Conselho
Nacional de Petróleo (1938), da Companhia Siderúrgica Nacional (1940), do Banco de
Crédito da Amazônia e do Banco de Crédito da Borracha e a Companhia Vale do Rio Doce
(1942). Atribuiu-se um caráter modernizante e inovador a este aparato de Estado em
substituição a burocracia tradicional, tendo em vista alavancar o progresso.
20
Ampliou-se a participação do Estado na economia com reorientação da política de governo para a aceleração
da industrialização como política prioritária para o desenvolvimento do país. No caso do Nordeste, resultou na
dissociação do problema da pobreza na região da seca, com investimento na produção industrial, artesanal e
doméstica a partir de matérias-primas locais, sob orientação do BNB, incluindo participação ou não da iniciativa
privada, sob um enfoque de neutralização dos efeitos da seca (Ianni, 1965).
21
Há uma análise em profundidade deste período em Ianni (1968).
22
O termo tecnoburocracia utilizado para descrever a administração planejada foi assim denominado por Jonh
Kenneth Galbraith.
Capítulo 2 - Políticas Públicas, Meio Ambiente e Desenvolvimento 38
Furtado (1966:118) assinala que a introdução do planejamento como instrumento
desencadeante de desenvolvimento parece ter suas raízes nas tensões criadas pelas massas
diante da precariedade de suas condições de vida, deterioradas em face da aceleração urbano-
industrial cujas pressões culminaram com o reconhecimento dessas demandas pelas classes
dirigentes através das formas de atendimento via políticas sociais.
O Estado autocrático-burguês se afirmou após o colapso do populismo com a ‘matriz
ideológica nacional-desenvolvimentista’, na qual centrou o crescimento. Nessa medida, a
expansão capitalista desvelava seu caráter dependente, sobre o tripé econômico formado pelo
capital monopolista internacional, pelo capital nacional e pelo Estado, este último, âncora de
um desenvolvimento que não realizava suas reformas estruturais clássicas, “entre as quais a
reforma agrária, tarefa típica da revolução burguesa que não ocorreu no Brasil.” (Raichelis,
2000:91).
No período entre a década de 1950 e 1960, uma geração de economistas foi influenciada pelo
pensamento produzido na Comissão Econômica para a América Latina (CEPAL)
23
, do qual
originou-se a ideologia do nacional-desenvolvimentismo.
No Brasil, esta etapa do nacional desenvolvimentismo se materializa com a criação do Banco
Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE), em 1952, marco de referência do
potencial de investimento em infra-estrutura de setores vitais (especialmente, transporte e
energia elétrica) com capacidade para alavancagem de recursos necessários à
complementação dos investimentos estatais e corpo técnico competente para a consolidação
do desenvolvimento (Barreto, 2000:65) e com a criação da PETROBRÁS, em 1954, empresa
que detinha o monopólio da exploração do petróleo em todo o território nacional.
.
A década de 1950 ficou marcada pelo arrojado projeto desenvolvimentista do governo JK
24
,
ideologia cuja lógica norteava-se pelo crescimento acelerado. Com o lema “cinqüenta anos
em cinco”, pretendia-se elevar o país à potência econômica mundial, enquanto a emergência
dos conflitos e mazelas sociais submergiam às ações grandiosas que pouco repercutiam junto
23
A CEPAL foi responsável pela fundamentação ideológica do nacionalismo desenvolvimentista. Foi também
uma tentativa de integração política da América Latina. Hoje a CEPAL foi substituída pelo IICA. A CEPAL teve
no economista chileno Raúl Prebisch um de seus expoentes e teóricos mais influentes. No Brasil destacaram-se
os economistas Celso Furtado e Hélio Jaguaribe, entre outros.
24
Sobre este período ver Cardoso (1978).
Capítulo 2 - Políticas Públicas, Meio Ambiente e Desenvolvimento 39
às camadas populares. O auge do nacional-desenvolvimentismo no governo de Juscelino
Kubitschek, sob a égide das idéias cepalinas, materializou-se com o Plano de Metas (1956-
1960)
25
.
O período correspondente aos governos militares (1964-1985) ficou representado no discurso
do “Brasil Grande Potência” que através de projetos faraônicos subsidiou e potencializou a
expansão capitalista, sobretudo no Nordeste.
26
Segundo Celso Furtado (1977) a concepção de
desenvolvimento deste período inspirou-se na doutrina da segurança nacional, elaborada pela
Escola Superior de Guerra, cujo norte era a centralização do papel do Estado e a privação do
exercício dos órgãos representativos da nação, subordinando a política nacional aos objetivos
militares previamente definidos.
No vácuo do esgotamento do projeto nacional-desenvolvimentista, a sociedade se mobilizava
na luta pela garantia de seus direitos essenciais. A fragmentação das questões sociais em face
da complexificação advinda do avanço tecnológico, as alterações nos padrões de acumulação
do capital e a crise do socialismo real esvaziou o projeto que unificava as lutas dos
movimentos sociais.
A abertura política e a revitalização dos movimentos sociais, a partir de 1985, coincidem
com o processo de implantação do Estado mínimo que resultou na requisição de novos
papéis da sociedade civil. Os movimentos sociais passaram a afastar-se de seu caráter
reivindicatório incorporando às suas bases e lideranças, o duplo papel de usuário e executor
de políticas públicas via formalização em organizações não-governamentais como modo de
habilitar-se à captação de recursos.
À sociedade civil em sentido amplo, faltou no período de transição democrática um projeto
estratégico de desenvolvimento sintonizado com as transformações no cenário mundial.
Disseminava-se na sociedade a crítica ao gigantismo estatal num processo de satanização do
Estado que passava a ser visto como sumidouro de dinheiro público. Este foi o mote para que
as reformas ensejadas pelas “pressões econômicas e políticas no meio financeiro
internacional passassem a impor medidas às nações devedoras. (...)As políticas de
25
O Plano de Metas procurou mudar a estrutura econômica do país com a criação da indústria de base e a
reformulação das condições de interdependência com o capitalismo mundial (Ianni, 1991; Cardoso, 1978).
26
Ver Plano Nacional de Desenvolvimento (PND’s) I, II e III, principal instrumento de planejamento dos
governos militares.
Capítulo 2 - Políticas Públicas, Meio Ambiente e Desenvolvimento 40
desenvolvimento foram substituídas por políticas de estabilização econômica” (Diniz,
1997:36).
Diniz (1997:38) argumenta que as organizações partidárias não foram capazes de formular
uma proposta estratégica de “reestruturação do Estado em substituição à idéia de Estado
mínimo”, embora seja notável a revitalização da organização classista durante o período da
Nova República.
As estratégias de transição para um projeto de desenvolvimento sustentável, desconcentrado
da intervenção do Estado,
diante da crise do Estado-nação e da queda do Estado de bem-estar
social, implicaram na incorporação das cinco dimensões da sustentabilidade, que compreende
a sustentabilidade social, a econômica, a ecológica, a territorial ou espacial e a cultural
(Sachs, 1993:37), além de conciliar crescimento econômico e melhoria dos indicadores
sociais (Gomes, 1995), exigindo para isso uma sociedade civil ativa capaz de engajar-se na
promoção do desenvolvimento local
27
.
A materialização do conceito de desenvolvimento sustentável implica equacionar as mazelas
sociais produzidas na expansão capitalista e na industrialização predatória à luz dos
princípios norteadores pactuados na ECO-92, centrados na busca de solução para os riscos
colocados pelo avanço da sociedade industrial, pelo crescimento demográfico e pelo
esgotamento dos recursos naturais. O conceito construído a partir da Conferência das Nações
Unidas para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (CNUMAD), celebrada no Rio de
Janeiro, em 1992, mais conhecida como ECO-92, foi sendo legitimado, oficializado e
amplamente difundido (Leff, 2001:16).
O projeto de desenvolvimento saído da ECO-92, buscava concretizar a utopia de associar,
além da conquista material, a construção de uma nova visão de mundo, uma nova atitude do
homem no mundo, uma nova racionalidade norteada por princípios ético-políticos de justiça
social, de garantia da manutenção das formas de vida no planeta, no uso racional e sustentável
dos recursos naturais, na redução dos padrões de consumo dos países industrializados, na
distribuição da riqueza, na redução da pobreza, na busca da dignidade e da liberdade
(Gonçalves, 2001; Leff, 2001).
27
Brose (2003:7) vê o desenvolvimento local como “[...]um processo lento, desigual entre seus elementos mas
contínuo, essencialmente compreendendo cinco dimensões: 1)ações de inclusão social; 2) fortalecimento da
economia local; 3) iniciativas de inovação na gestão pública; 4) gestão ambiental e uso racional de recursos
naturais; 5) ações de mobilização da sociedade civil”.
Capítulo 2 - Políticas Públicas, Meio Ambiente e Desenvolvimento 41
O desenvolvimento sustentável se traduz numa tensão permanente, no campo da dualidade, na
busca do equilíbrio entre objetivos diversos e contraditórios, entre a união e o antagonismo,
entre o econômico, o social e o ambiental, entre o curto e o longo prazo, entre o individual e o
coletivo, entre o local e o global (Tonneau, 2004:81).
Em relação ao conceito de desenvolvimento sustentável
28
contido no Relatório Brundtland
29
,
citado em Gomes (1995:12), Tolmasquim (2001:337-338) refere-se às suas implicações frente
a um pragmatismo econômico que envolva o aporte de bem-estar (beleza, saúde, lazer)
proporcionado pelos recursos naturais, e a ausência de alternativas artificiais a certos recursos
naturais como manguezais, oceanos e espécies de animais. Considerações que adicionam à
idéia dominante de desenvolvimento sustentável, ligada essencialmente ao sentido ético-
político e sócio-econômico, um senso estético.
A noção de sustentabilidade pressupõe a existência de harmonia entre homem e natureza.
Mas, harmonia perpassada por antagonismos. Por esta razão, o desenvolvimento sustentável
parece conter um paradoxo, posto que, sob o capitalismo, melhoria econômica implica em
acumulação de capital, e por conseqüência o esgotamento de algum recurso natural não-
renovável. Nessa medida, vai restar sempre a possibilidade de que “o desenvolvimento não
pode ser literalmente sustentável” (Cavalcanti, 2001:159) será sempre um horizonte a ser
alcançado.
Mas é a década de 1990, o marco referencial de redimensionamento da questão do
desenvolvimento com a assimilação da busca por agregar ao crescimento econômico a
proteção ambiental e o uso racional dos recursos naturais, a despeito de persistir na sociedade
brasileira atitudes predatórias, ausência de uma agenda que tratasse da questão da
sustentabilidade, ausência de um referencial teórico e analítico da sustentabilidade,
28
O conceito de desenvolvimento sustentável emerge com um conteúdo mais diluído, por isto, mais facilmente
assimilável. Considerado utópico, os caminhos para alcançar o que preconiza não foram definidos, contudo, foi
apropriado pela maior potência mundial, alcançou o senso comum e tornou-se pedra de toque nas produções
acadêmicas sobre desenvolvimento (Tonneau, 82:2004).
29
O Relatório Brundtland é o resultado do trabalho da Comissão Mundial (da ONU) sobre o Meio Ambiente e o
Desenvolvimento (UNCED), presidida por Gro. Harlem Brundtland e Mansour Khalid, quando foi produzido o
conceito de maior domínio público acerca de desenvolvimento sustentável afirmando-o como o
“desenvolvimento que satisfaz as necessidades do presente sem comprometer a capacidade de as futuras
gerações satisfazerem as próprias necessidades” (Bruseke, 2001:33)
Capítulo 2 - Políticas Públicas, Meio Ambiente e Desenvolvimento 42
insuficiência da capacidade comunicativa do ambientalismo e necessidade de propostas
concretas e realistas, conforme sintetiza Viola (1998).
Procurou-se no cruzamento entre a Ecologia, a Economia e as Ciências Sociais encontrar
elementos capazes de explicitar as implicações resultantes da relação entre homem e natureza
no âmbito das políticas públicas no cenário de complexificação das questões de caráter
político e sócio-econômico, encontrando-se na abordagem interdisciplinar a saída para a
diversidade de demandas que hoje estão postas, requisitando-se este entrelaçamento para uma
análise mais aprofundada das questões do semi-árido nordestino e mais especificamente do
P1MC em Tobias Barreto.
CAPÍTULO 3
DAS POLÍTICAS DE COMBATE À SECA À CONVIVÊNCIA
COM O SEMI-ÁRIDO: o caso de Sergipe
Capítulo 3 - Políticas de Combate à Seca à Convivência com o Semi-Árido: o caso de Sergipe
44
DAS POLÍTICAS DE COMBATE À SECA À CONVIVÊNCIA COM O SEMI-ÁRIDO: o
caso de Sergipe
Neste capítulo, analisa-se o cenário das principais políticas públicas de enfrentamento dos
problemas sócio-ambientais do Nordeste, seus impactos na superação da pobreza e no suprimento
das necessidades básicas das populações tendo em vista a elevação da qualidade de vida. Em
Sergipe, o Estado centralizou a gestão das políticas públicas, através de grandes programas
governamentais, que do ponto de vista institucional se pretendiam de enfrentamento da questão
nordestina através de ações de superação da pobreza e de ‘combate à seca’.
No campo das políticas hídricas, teve maior destaque na década de 1980, o Projeto Chapéu de
Couro, cujas ações cobriram todo o território do semi-árido. Em Tobias Barreto, o problema da
escassez de água foi agravado pela concentração fundiária e domínio da pecuária com
conseqüências sobre os pequenos agricultores familiares sem terra.
3.1 – Progresso social e modernização política: grandes expectativas, baixos resultados
Seca e pobreza têm atravessado e marcado a história da maioria dos que vivem na região do
semi-árido. Durante muito tempo o discurso e a prática oficiais do ‘combate às secas’ influíram
em todo o processo de planejamento da ação governamental e refletiram a ótica dominante
acerca dos problemas do Nordeste em que tudo convergia para a escassez de água,
desconsiderando que a gravidade da situação social da população sobrepunha-se às adversidades
climáticas e ambientais.
A estrutura agrária concentrada, a intensificação da pecuária, as longas estiagens e a inexistência
de uma infra-estrutura capaz de garantir a permanência do homem na terra contribuíram para
agravar ainda mais os problemas.
O marco da intervenção estatal através de políticas de desenvolvimento no Nordeste se dá com a
criação do GTDN
30
(Grupo de Trabalho para o Desenvolvimento do Nordeste), transformado
30
O GTDN foi o embrião da SUDENE e propunha quatro diretrizes básicas para um plano integrado: 1)
intensificação dos investimentos industriais para geração, fixação e atração de capital e geração de emprego; 2)
Capítulo 3 - Políticas de Combate à Seca à Convivência com o Semi-Árido: o caso de Sergipe
45
posteriormente, em 1956, na SUDENE
31
, sob a égide do desenvolvimentismo (1950-1964), numa
perspectiva de caráter renovador e modernizante da estrutura administrativa (Barreto, 2000).
Contudo, as orientações do GTDN não chegaram a se concretizar. A forma de intervenção do
órgão foi afetada pelo pacto entre o poder dominante, as oligarquias do sertão e da burguesia
têxtil-açucareira. Com a assunção dos militares ao poder em 1964, o órgão esvaziou-se de seus
objetivos iniciais passando a imprimir outros rumos mais comprometidos com a expansão
capitalista, a modernização e a interação monopolista da economia nordestina (Carvalho, 1987).
A modernização conservadora praticada pelos governos militares (1964-1984), a partir da década
de 1970, punha o Brasil sob a égide do lema de “potência emergente”, com a abordagem da
questão Nordestina materializada numa política de incentivos fiscais cujo objetivo era acelerar a
industrialização na região dando fôlego à expansão do capitalismo no Nordeste (Silva, 2003:101).
O projeto de desenvolvimento econômico, social e político implementado durante a ditadura
militar não resultou em alterações nas questões estruturais do país. Os problemas aprofundaram-
se, sobretudo no Nordeste, onde aumentava a concentração fundiária, reduziam-se os salários,
elevavam-se as taxas de subemprego e desemprego, cresciam a desnutrição, a mortalidade
infantil, o analfabetismo, a baixa escolaridade, permaneciam os problemas decorrentes da
estiagem, os padrões tradicionais de dominação e de alienação política da maioria da população
(Carvalho, 1987).
Estes indicadores sociais contrastavam com o processo de aceleração do desenvolvimento de
base urbano-industrial e com a ideologia do Brasil Grande Potência. A modernização
conservadora pretensamente visou corrigir ou minorar a questão nordestina através da
implementação de políticas e programas agrícolas como o Programa de Integração Nacional
dinamização da economia agrícola com estímulo à agricultura familiar com aumento da produção de alimentos e
beneficiamento da agroindústria canavieira; 3) elevação da produtividade no semi-árido como estratégia de
resistência à seca, introdução de agricultura irrigada, redução da agricultura de subsistência e elevação de renda,
redução da densidade demográfica e 4) deslocamento da fronteira agrícola do Nordeste para terras úmidas
maranhenses associado a projetos de colonização (Carvalho, 1987).
31
Conforme citado em Menezes (2000:66), o Decreto 45.445 de 20 de fevereiro de 1959, transformou o Grupo de
Trabalho para o Desenvolvimento do Nordeste (GTDN), instituído em 14 de dezembro de 1956, no Conselho de
Desenvolvimento do Nordeste (CODENO), órgão provisório cuja existência foi até a promulgação da Lei que
instituía a Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste.
Capítulo 3 - Políticas de Combate à Seca à Convivência com o Semi-Árido: o caso de Sergipe
46
(PIN), o Programa de Redistribuição de Terra (PROTERRA), o POLONORDESTE (Programa de
Desenvolvimento de Áreas Integradas do Nordeste), o POLOAMAZÔNIA, os Programas de
Desenvolvimento Integrado, Projeto Sertanejo, Programa de Aproveitamento de Recursos
Hídricos do Nordeste (PROHIDRO), e outros, que em regra, “resultaram em insucessos nos
objetivos sociais propostos, chegando em alguns casos, como o POLONORDESTE, a ajudar os
médios e grandes produtores, a valorizar a terra, e com isso, intensificar a concentração fundiária,
além de fortalecer a especulação e até mesmo a grilagem” (Reis, 1991:68).
Entre a série de projetos especiais para o Nordeste, foi criado o POLONORDESTE em 1974 para
desenvolver ações de erradicação da pobreza na zona rural com reestruturação fundiária, apoio à
produção e promoção social tendo como metas o desenvolvimento e a modernização de áreas
prioritárias do Nordeste. Foi vetor de captação de recursos do Banco Mundial cujas linhas de
financiamento eram destinadas a regiões-problema dos países em desenvolvimento. Apesar do
acentuado veio social, o Programa não produziu resultados quanto à estrutura fundiária ou às
condições de vida da população rural nordestina.
Confirmando a tradição patrimonialista do Estado brasileiro, o POLONORDESTE acabou
privilegiando o financiamento de médios e grandes produtores com obras de infra-estrutura,
valorização de suas terras, favorecendo a concentração fundiária e medidas de proteção agrícola.
Para os pequenos e os não-proprietários restou a subordinação à anuência dos grandes
proprietários das terras onde os agricultores plantavam, como requisito para obtenção ou não de
crédito (Martins, 2002:26; Reis, 1991:68). Dos 140 mil produtores assistidos pelo Programa,
menos de 3% foram beneficiados e alguns poucos tiveram acesso a terra (Carvalho, 1987).
O PROJETO SERTANEJO (Programa Especial de Apoio ao Desenvolvimento da Região Semi-
árida), criado em 1976, teve como objetivo desenvolver ações para mitigar os efeitos da seca
sobre a produção agropecuária do semi-árido nordestino visando fortalecer suas unidades de
produção tendo em vista um desenvolvimento adequado às características da região (Pinto,
1997:129). Este Projeto focou suas ações na concessão de subsídios, através do crédito para
modernização da produção, construção de açudes e poços, justificados pela seca de 1979,
Capítulo 3 - Políticas de Combate à Seca à Convivência com o Semi-Árido: o caso de Sergipe
47
inscrevendo-se na proposta de “fortalecimento da estrutura hídrica do Nordeste” (Martins, 2001;
Pinto, 1997).
O PROHIDRO (Programa de Aproveitamento de Recursos Hídricos), criado em 1979, tendo
como objetivos possibilitar o acesso à água para consumo humano e animal em pequenas
comunidades rurais, dar suporte hídrico para irrigação e fortalecer a economia das unidades de
produção agrícola através da construção de pequenos açudes públicos e perfuração de poços.
Com a construção de açudes e perenização de rios nas propriedades privadas através de linha de
crédito, o Programa ratificou antigas práticas de utilização de fundos públicos em benefício
privado.
Quanto ao PROCANOR (Programa Especial de Apoio às Populações Pobres das Zonas
Canavieiras do Nordeste), criado em 1980, em face da preocupação do governo em conter o
avanço da organização e mobilização dos trabalhadores da cana, foi criado com o objetivo de
promover a melhoria da qualidade de vida da população pobre da zona canavieira nordestina,
sendo dos poucos programas que distribuiu terras através de ações assistencialistas influenciadas
pela metodologia do desenvolvimento de comunidade.
As políticas propostas tinham por base atender demandas de caráter político, econômico e social
com prevalência na acumulação de água, desenvolvimento de base industrial, reformismo,
extensão da fronteira agrícola, avanço do capital no campo com modernização da agropecuária e
irrigação. Contudo, não foram capazes de cumprir suas promessas de elevação de renda, trabalho,
melhoria dos padrões de existência da população com crescimento econômico e redução das
desigualdades, mudanças passíveis de ocorrer somente com transformações estruturais. Para
estas, só as ações setoriais de políticas não são suficientes.
A avaliação esboçada por Azevedo (1989:263) descortina o drama das políticas públicas
implementadas no Nordeste a despeito das lutas resultantes dos movimentos sociais rurais a partir
da década de 1960.
[...]ampliam-se as ações do Estado no campo, através de políticas sociais e compensatórias do
tipo POLONORDESTE, PROJETO SERTANEJO, PROHIDRO, PROCANOR, PROJETO
NORDESTE e outros, ou então através de grandes projetos de irrigação, as barragens, os
programas de colonização, os quais produziram o duplo efeito de conter os movimentos sociais
Capítulo 3 - Políticas de Combate à Seca à Convivência com o Semi-Árido: o caso de Sergipe
48
no campo e ao mesmo tempo gerar conflitos com os trabalhadores rurais. Posto que, o Estado,
ao materializar-se no campo, produz ao mesmo tempo conflitos com a massa camponesa, como
nas áreas de barragem, e uma política clientelista baseada no favor político, na medida em que
seus programas são instrumentalizados, são capturados por órgãos estaduais ou municipais. (...)
Exemplo conhecido de todos são os recursos federais alocados no semi-árido nos períodos de
seca ou de estiagem, que são usualmente manipulados de forma política.
Não obstante o avanço representado pela elaboração do Plano de Aproveitamento Integrado dos
Recursos Hídricos do Nordeste (PLIRHINE-SUDENE)
32
, em 1980, que definia a abordagem da
questão da água no Nordeste, já vista como a maior causa do subdesenvolvimento, defrontava-se
com a baixa eficiência dos organismos, programas e projetos na gestão da água (Rebouças,
1997:139).
A crise da água no Nordeste, mencionada por Rebouças (1997), coincide com o esgotamento do
ciclo de políticas de desenvolvimento para a região iniciadas com o GTDN e com o
enfraquecimento das instituições que as executavam (Magalhães, 417:2001). Neste contexto,
emerge o conceito de desenvolvimento sustentável
33
, tendo no PROJETO ÁRIDAS o marco
institucional da sua incorporação às políticas públicas estatais. O P1MC é uma política pública
não estatal fundada nos marcos da reforma do Estado concebida na vertente metodológica
derivada do Projeto Áridas que teve como referencial as orientações produzidas pela ECO-92.
3.2 - Os reflexos das políticas de desenvolvimento no semi-árido sergipano
As forças da natureza parecem exercer sobre os homens um poder mágico e ameaçador. Porque
apequenados diante de sua grandiosidade, buscam dominá-la, sem sequer enxergá-la como seu
‘oikos’
34
, ainda que diversa e adversa. Posto que, é desta dualidade presente na natureza de que se
faz o homem. Portanto, homem e natureza são unos, sem fronteiras, em todo seu antagonismo e
perdição. Não se trata aqui de uma natureza imaculada. Mas de uma natureza vivida, povoada por
seres de desejo, seres econômicos, seres sociais, seres políticos e seres históricos (Morin, 2002).
32
Com a Constituição Federal de 1988, o acesso à água foi regulado pela Lei nº 9433 de 8/01/1997, que “institui a
Política Nacional de Recursos Hídricos, cria o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos e constitui
alicerce legal para implantação dos Planos Estaduais de Recursos Hídricos.” (Rebouças, 1997:139)
33
O conceito de desenvolvimento sustentável adotado pelo Projeto Áridas considera-o “como um processo de
mudança e elevação das oportunidades sociais que compatibilizem no tempo e no espaço a eficiência e o crescimento
econômicos, a conservação dos recursos naturais e a equidade social.” (citado em Samuel, 1996)
Não obstante os conceitos incorporados pelo Projeto, há que ser observada a manutenção de práticas de
enfrentamento da seca com a construção de açudes e poços que continua a concentrar o problema do Nordeste na
escassez de água e reforça o uso destas obras como objeto de manipulação política (Rebouças, 1997:140).
34
Oikos é um radical grego que significa lar, casa, morada. Traduzido, vem a ser o prefixo eco.
Capítulo 3 - Políticas de Combate à Seca à Convivência com o Semi-Árido: o caso de Sergipe
49
O Nordeste ainda arca com o peso de heranças culturais representativas do atraso cultural e
político da região, além de concentrar os piores indicadores sociais do país em educação, saúde,
mortalidade infantil, analfabetismo, concentração de poder, de renda e de pobreza, sobretudo na
zona rural. A situação dramática resulta menos das adversidades da natureza, do que das relações
do homem com o seu meio e dos homens entre si.
Nessa medida, a visão da seca construída pelos sertanejos e sertanejas entrevistados revelam suas
estratégias de prevenção, de conservação, o domínio do imediatismo, do assistencialismo e do
clientelismo, a lógica capitalista num território em que um dos bens que agrega maior valor é
água, daí ser objeto de dominação e manipulação políticas:
“Não é bom, mas com chuva só ninguém vive. É ruim, mas dá pra viver. As pessoas não podem
viver só do bom.É marcação de Deus a seca, a gente tem que agüentar o que vem.”
“É viver sem água, sem comida pra bicho, tudo tem que ser comprado. Sem a seca a gente
arranja o bocado mais fácil.”
“É se prevenir para esperar o tempo seco, fazer reservatório, conservar, fazer roça, cuidar dos
bichos.”
“Não se pode conviver com a seca, tem que ter água. Mas não é só água, tem que ter saúde, ter
educação.”
“Plantar comida para o gado. Fazer plantio, guardar feijão e milho pensando que pode ter ou
não ter seca. Não tem nada bom. É tudo ruim. Bom é fartura, ver água nos tanques.”
“Em época de seca quem teve condição paga, quem não tem vai ao prefeito pedir água para
cozinhar, para os animais. Os velhos sofrem.”
“Sem dinheiro ainda passa. Sem água, não passa.”
“Tem que agradecer o que Deus faz, mas que os homens façam por onde chegar coisa melhor
para a gente. Nada prospera, os animais não aumentam. Mas como é algo de Deus a gente
aceita. O filho, que permaneceu ao lado, durante a entrevista, completa:
- e do homem que destrói as matas, formando a seca. São as matas que formam a chuva.”
“Água só tem comprada ou trazida de fora, se não tiver condição de pagar para trazer tem que ir
onde tem água, seja onde for.”
“É época de passar fome, precisar de água pra beber e não ter, esperar carro-pipa. Tem as
frentes de trabalho. As pessoas são escolhidas mais em função do cabo eleitoral, através da
associação. Tem gente que precisa e fica de fora, há quem não precisa e entra.”
“É passar necessidade, não saber onde pegar água, seca tudo. Na seca a água só chega através
de políticos.”
“Só vive quem não tem jeito. Pra cidade quem não tem estudo, não vai.”
“Em época de seca tive que deixar o povoado com a família para trabalhar em outro local
porque fiquei sem nada na propriedade e não tinha água”
“Dá muito medo, você fica sem saber o que fazer, tem um pouco de água num lugar daqui a
pouco acaba. Sem falar na poeira. Aumenta o calor e muita poeira que vem com a ventania.
Falta comida para os animais porque o custo fica mais alto, aumenta o preço do milho e a ração
fica muito cara.”
“É esperar minar um ‘nadico’ de água do solo para dar de beber a uma criança, mesmo salgada,
mas é o que tem, nenhuma gota de água em casa. O caminhão passava dois, três dias para
aparecer.”
“Na seca bebia água de cacimba com carcaça de sapo rasgada e era a água que tinha para matar
a sede. Muito salgada. Tinha gente que morava na serra, descia ficava esperando o carro-pipa
até anoitecer, não chegava, voltava com o pote seco.”
Capítulo 3 - Políticas de Combate à Seca à Convivência com o Semi-Árido: o caso de Sergipe
50
“A coisa aperta para todo mundo. Passou três anos sem chuva nenhuma, cavava cacimba para
pegar caneco de água com sapo morto seco dentro”.
“Na seca pegava macambira e queimava para dar ao gado. Vive porque não tem jeito. Animal
vai morrendo, vai ficando o osso. Pode melhorar a parte da água mas o comestível para o
animal não melhora.”
Nos depoimentos, o olhar agudo da convivência retratado desvela o que vem a ser uma
caracterização do quadro sócio-econômico, cultural e político do semi-árido. Celeiro de inúmeras
políticas públicas que parecem ter ignorado estas singularidades.
As palavras dos sertanejos e sertanejas falam mais alto diante da permanência dos piores
indicadores sociais, das disparidades regionais, da exclusão social, da desescolarização da
população, da exclusão tecnológica, mazelas cuja concentração no território do semi-árido
seculariza-se e agudiza-se. Nesta seara, as políticas públicas desdobram-se na sutil tarefa de
amortecer os efeitos desse brutal quadro de desigualdades reproduzindo socialmente a pobreza
décadas após décadas.
O Nordeste semi-árido brasileiro possui características comuns a outras regiões semi-áridas
quentes do mundo com secas periódicas e cheias freqüentes dos rios intermitentes, solos
arenosos, rasos, salinos e pobres em nutrientes, além de temperaturas que variam de 23° a 27°C e
pluviosidade entre 300 e 800 mm/ano (Rebouças, 1997). No entanto, regiões com estas mesmas
singularidades em outras partes do mundo, conseguiram suplantar estas adversidades
35
através de
políticas adequadas, investimento em infra-estrutura, tecnologia e educação.
No Brasil, as chamadas ações de ‘combate às secas’
36
foram centralizadas no IFOCS (1908),
órgão vinculado ao governo Federal que na década de 1940 foi transformado no
DNOCS(1945)
37
. Embora criado especificamente para intervenção no problema regional das
secas, centradas no Nordeste semi-árido, foi concebido como órgão nacional. Até meados da
35
No Oriente Médio, Israel tornou-se uma potência agrícola mundial, com menor índice de pluviosidade do que o
Nordeste semi-árido brasileiro (Rebouças, 131:1997).
36
Este discurso aparece até hoje na literatura sobre o tema tendo sido dominante até os anos 1990. A partir dos
eventos preparatórios para a Eco-92 são disseminados os conceitos de ecodesenvolvimento e de desenvolvimento
sustentável, sendo este último o adotado pelos governos e organizações da sociedade civil. Após a ECO-92, surge a
estratégia de Convivência com o Semi-árido, desdobrada do conceito de desenvolvimento sustentável.
37
A criação do DNOCS faz parte das medidas do Governo Central, na década de 1940, para enfrentamento das
estiagens no Nordeste. Durante a década de 1950, com o acirramento dos problemas sociais no Nordeste, o órgão
passou a ser alvo de denúncias de corrupção. Ver Carvalho (1987).
Capítulo 3 - Políticas de Combate à Seca à Convivência com o Semi-Árido: o caso de Sergipe
51
década de 1950, as ações desse órgão centravam-se na solução hidráulica para resolver o
problema do ‘flagelo da seca’ com obras de engenharia, como construção de barragens, açudes e
estradas, perfuração de poços, para aumento da disponibilidade de água, resumindo-se a ações de
caráter imediato, assistencial e paliativo (Carvalho, 45-46:1987).
A SUDENE foi outro importante órgão nacional, fundado neste período, cuja intervenção
exerceu um papel decisivo para algum avanço no desenvolvimento do Nordeste. Na esfera
estadual este órgão empreendeu ações que beneficiaram, através de políticas de subsídios e
incentivos, proprietários de terra em detrimento do pequeno produtor rural (Reis, 1991:84). Além
disso, como parte do Estado foi incluída no polígono das secas
38
, houve prioridade na liberação
de recursos para construção de açudes, poços e estradas.
Concebido à luz do projeto da SUDENE, criou-se em Sergipe, em 1964, o CONDESE
39
, para
formular e implementar ações capazes de reduzir as desigualdades e promover o
desenvolvimento do Estado, asseguradas por financiamentos obtidos via organismos financeiros
internacionais, a exemplo do Banco Mundial (BIRD).
A seca que atingiu o sertão nordestino entre 1982 e 1984 demonstrou que as políticas públicas
formuladas ao longo de mais de duas décadas, para fazer face aos problemas sócio-ambientais da
região, não lograram resolver em definitivo ao menos parte destas questões. Atuavam sobre os
efeitos sem agir sobre as causas dos problemas, produzindo resultados que não alteravam a
estrutura sócio-econômica e política. Sem que as políticas dêem conta dos problemas da pobreza,
da desnutrição e da seca da região, estas questões passaram a ser expostas em âmbito nacional,
através dos meios de comunicação, num apelo para que a sociedade se mobilizasse em torno de
ações emergenciais para atenuar o sofrimento dos nordestinos.
38
O Polígono das secas compreende uma área de 936.993 Km² delimitado pela Lei nº 1348 de 10/02/1951 como área
de atuação do Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (DNOCS). Esta delimitação já sofreu dezenas de
alterações atendendo mais a critérios políticos do que ecológicos. Acresce informar que na visão desenvolvimentista
da SUDENE esta área corresponde a 1.641.000 Km² por considerar o norte do Estado de Minas Gerais parte do
Polígono (Rebouças, 1997:131-132).
39
Em Sergipe, a política nacional-desenvolvimentista da SUDENE materializou-se na criação do Conselho de
Desenvolvimento de Sergipe (CONDESE), em 1964. O órgão incorporava o desenvolvimentismo e o caráter
modernizador visando à transformação do Estado. (Barreto, 2000).
Capítulo 3 - Políticas de Combate à Seca à Convivência com o Semi-Árido: o caso de Sergipe
52
Em Sergipe, o Estado centralizou a gestão das políticas públicas através de grandes programas
governamentais, que do ponto de vista institucional se pretendiam de enfrentamento da questão
nordestina através de ações de superação da pobreza e de ‘combate à seca’. Na prática,
beneficiavam os médios e grandes proprietários, sobretudo via políticas de incentivo à pecuária
(Silva, 1996:21).
Os impactos da expansão capitalista e da modernização conservadora na zona rural de Sergipe
produziu suas seqüelas sobre o meio ambiente. Os incentivos e subsídios que a pecuarização
provocou o desmatamento da caatinga e atingiu os agricultores familiares, pressionados a
converter-se em assalariados, parceiros ou meeiros, inviabilizando o cultivo de subsistência e
fortalecendo a concentração fundiária (Vargas, 1988).
Os incentivos à agroindústria canavieira, altamente poluente, produzia suas conseqüências em
relação aos recursos hídricos com a degradação ambiental provocada pelo lançamento de
resíduos, prejudicando a população rural, que se utilizava dos cursos d’água e afetando a pesca
artesanal com a mortandade de peixes (Silva, 1996).
Durante a Nova República (1985-1988)
40
consolidou-se o ciclo de programas e projetos
implementados e financiados pelo Banco Mundial. O PRONESE foi um dos principais, criado em
1985, com metas bem definidas para ações nas áreas rurais, principalmente, do semi-árido. Posto
que seu objetivo era racionalizar a gestão pública e retomar o enfoque hídrico. (Moura,
1989:251).
Em 1983, durante o governo João Alves Filho (1983-1986) foi criado o PROJETO CHAPÉU DE
COURO
41
, política de maior impacto e de maior alcance no tratamento das questões do semi-
árido, sobretudo na esfera hídrica, sobre a qual capitaliza-se proveito político até os dias atuais.
As ações do Projeto Chapéu de Couro, desenvolvidas no período entre 1983 e 1985, envolveram
a criação de projetos hidroagrícolas, implantação de perímetros irrigados, construção de adutoras,
40
Período de transição política do regime militar para a restauração da democracia, com reabertura do Congresso
Nacional e instalação da Assembléia Constituinte que culminou com a promulgação da Constituição Federal em
1988, campanha pelas eleições Diretas já, cuja primeira, após a ditadura, aconteceu em 1989.
41
A respeito do Projeto Chapéu de Couro, consultar Vargas (1988)
Capítulo 3 - Políticas de Combate à Seca à Convivência com o Semi-Árido: o caso de Sergipe
53
barragens, aguadas, poços artesianos e cisternas. No organograma 1 apresenta-se um quadro das
principais políticas públicas na esfera hídrica com atuação em Sergipe sintetizando um período
recente de programas e projetos de âmbito Federal e Estadual.
Além de utilizar parte da estrutura do aparato estatal já existente, o Projeto Chapéu de Couro
ensejou a criação de novos órgãos, como a Secretaria de Saneamento e Recursos Hídricos (SRH),
a extinta FUNDASE (Fundação de Desenvolvimento Agrário do Estado de Sergipe) e a
COHIDRO.
Em relação à meta de construção de 10.000 cisternas, atingiu-se somente 20% do estabelecido
construindo 2000 cisternas no semi-árido com o objetivo de melhorar a qualidade da água para
consumo através de mutirões e frentes de trabalho sem ônus para as famílias. Muitas das
famílias beneficiadas não tratavam a água, tornando-a imprópria para uso, havendo ainda vários
casos de esvaziamento por defeitos no projeto de construção. A ausência de uma ação sócio-
educativa paralela às ações de engenharia, evoca o atrelamento à ótica do combate à seca, em que
a face social das questões submergia frente à tecnocracia (Vargas, 1988).
O município de Tobias Barreto, foi contemplado no Projeto Chapéu de Couro, com a construção
do Projeto Jabiberi (Projeto Hidroagrícola Engenheiro João Ednaldo A. dos Santos) nos aluviões
do sertão do Rio Real e Rio Jabiberi, antes temporário. A área prevista para o perímetro irrigado
foi de 250 ha para constituição de 98 lotes familiares para cultivo de milho e tomate. A memória
do PROJETO CHAPÉU DE COURO, percebida nos sertanejos entrevistados durante o trabalho
de campo, tem suas heranças mais marcantes nas cisternas e adutoras construídas.
Capítulo 3 - Políticas de Combate à Seca à Convivência com o Semi-Árido: o caso de Sergipe
54
ORGANOGRAMA 1
PRINCIPAIS PROGRAMAS E PROJETOS NA ESFERA HÍDRICA DO ESTADO DE SERGIPE
(final da década de 1970 à atualidade)
Estado agente do desenvolvimento
Políticas públicas estatais
Matriz na política econômica
P. DA RIBEIRA
P1MC
ASA MUNICIPAL
ASA ESTADUAL
ASA LOCAL
MESA
FEBRABAN
ANA
CHAPÉU DE COURO
SUDENE
CALIFÓRNIA
PIAUÍ
PLATÔ NEÓPOLIS
JACARECICA
P.SERTANEJO
POLONORDESTE
PAPP
CODEVASF
JABIBERI
AMARGOSA
PADRE CÍCERO
ÁRIDAS*
CAMPO VERDE
DNOCS
PROJETO NORDESTE
BIRD/BNDS
FIDA
MMA
SEPLANTEC/BID
ASABRASIL
OXFAM
PROSERTÃO
PROÁGUA
MDS
GOVERNO FEDERAL
Estado mínimo
Políticas públicas não-estatais
Ações compartilhadas
Matriz no desenvolvimento sustentável
*O
Projeto Áridas não chegou a ser operacionalizado pela Secretaria de Planejamento do Estado de Sergipe, vide Vargas (1999:230-231).
Organização: Daisy Maria dos Santos, a partir de matriz elaborada por Pinto (1997:130)
Capítulo 3 - Políticas de Combate à Seca à Convivência com o Semi-Árido: o caso de Sergipe
55
Seguindo a tradição das políticas de desenvolvimento para o Nordeste, onde mudam-se os
políticos e os nomes dos projetos, mas os objetivos continuam os mesmos, surgiu o
PROJETO CAMPO VERDE, durante o governo de Antônio Carlos Valadares (1987-1991),
com execução pelos órgãos estaduais COHIDRO, DESO e EMATER-SE.
De acordo com relatório técnico do PIESA, o Projeto Campo Verde “parece ter servido de
canal para repasse de recursos a municípios com os quais o governo se identificava, não
passando de instrumento de barganha política”. Identificado como “um prolongamento do
Projeto Chapéu de Couro teve ações pulverizadas e de menor porte, com obras de infra-
estrutura como esgotos sanitários, pavimentação de ruas, construção de parques, de estações
rodoviárias, de mercados e de pequenas obras para captação e reserva de água como
cacimbas, aguadas e cisternas (PIESA, 1991).
Nesta esfera de intervenção, o PROJETO PADRE CÍCERO (1988) foi criado para atender às
necessidades básicas dos pequenos produtores rurais com a construção de cisternas para
abastecimento familiar, poços, banheiros comunitários, casas de farinha e lavanderias. São
obras de infra-estrutura física e de recursos hídricos já em sintonia com o viés da convivência
com os efeitos da seca e da vinculação dos programas e ações à participação popular. (Pinto,
1997).
Durante o governo Albano Franco (1995-1999) teve início o PRO-SERTÃO (Projeto de
Apoio às Famílias de Baixa Renda da Região Semi-árida do Estado de Sergipe) financiado
pelo Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola (FIDA) com contrapartida do
governo do Estado. O programa seguia a orientação das políticas apoiadas na tríade
sustentabilidade, equidade e justiça social com incentivo à participação da sociedade civil e à
auto-gestão, tendo como meta atender 18.000 famílias de produtores rurais sem terra,
priorizando mulheres, em 17 municípios
42
do semi-árido sergipano, com a promessa de
redistribuição de terras cultiváveis, acesso à água para uso doméstico e para o rebanho, além
de crédito. Manteve a linha de construção de obras de abastecimento d’água com utilização da
mão-de-obra local, após capacitada, para execução dos trabalhos. Chegou a ser desenvolvido
42
Estes municípios são Aquidabã, Canhoba, Carira, Cumbe, Feira Nova, Frei Paulo, Graccho Cardoso, Itabi
Nossa Senhora Aparecida, Nossa Senhora de Lourdes, Pedra Mole, Pinhão, Poço Verde, Ribeirópolis, São
Miguel do Aleixo, Simão Dias e Tobias Barreto, área correspondente a 26,1% do Estado e considerada de forte
concentração fundiária (Batista, 1998:201-209).
Capítulo 3 - Políticas de Combate à Seca à Convivência com o Semi-Árido: o caso de Sergipe
56
em 10 municípios, entre os quais, Tobias Barreto. Percebe-se na metodologia do PRO-
SERTÃO uma inserção das orientações a seguir preconizadas no P1MC.
O PROSERTÃO teve uma linha de intervenção voltada para atividades não-agrícolas, com
foco no artesanato, visando fomentar iniciativas de pequenos empreendimentos econômicos
locais com assistência técnica, crédito e treinamento dos pequenos produtores. Para isto,
estabeleceu parcerias com o SEBRAE, o Núcleo de Trabalho Comunitário (NUTRAC), o
Centro de Apoio aos Pequenos Empreendimentos do Estado de Sergipe (CEAPE-SE) e a
EMDAGRO (Empresa de Desenvolvimento Agropecuário do Estado de Sergipe). Nesta
perspectiva, contemplou municípios
43
de uma parte do semi-árido não considerada prioritária
para investimento de recursos públicos (Pinto, 1997:152;154).
As políticas públicas para o território do semi-árido sergipano por si só, mostraram-se
insuficientes à superação das adversidades regionais. A descontinuidade, o centralismo e o
viés político das ações governamentais evidenciaram uma gestão ineficiente e ineficaz,
agravadas pela sobreposição de ações.
A partir do mote da ineficiência do Estado, dissociada da sua verdadeira causa, a crise fiscal, e
com a reforma do Estado, no final da década de 1980, passa a ser implementada a
descentralização das políticas públicas, evocando-se a gestão compartilhada com a sociedade
civil, significando a transferência de responsabilidade da ação estatal para as organizações
não-governamentais.
3.3 – A incorporação da noção de desenvolvimento sustentável às políticas do semi-árido
Em 1993 foi lançado o PROJETO ÁRIDAS, orientado por organismos financeiros norte-
americanos, a partir dos quais se absorveu a perspectiva da matriz de análise assumida para a
problemática da região Nordeste, em suas dimensões econômica, social e ambiental,
incorporando a noção de desenvolvimento sustentável
44
como eixo norteador de suas ações.
43
Municípios como Carira, Cumbe, Gracho Cardoso, Poço Verde e Tobias Barreto não foram contemplados,
embora tendo maior variabilidade pluvial, menor índice anual de chuvas e sendo considerados mais carentes de
recursos (Pinto, 1997:154)
44
Esta visão faz parte da “nova metodologia difundida pelos EUA, a partir de 1990, para estudos regionais que
integra variáveis climáticas, meio ambiente, recursos hídricos, cobertura florestal e atividades econômicas”.
(Projeto Áridas, 1994:1)
Capítulo 3 - Políticas de Combate à Seca à Convivência com o Semi-Árido: o caso de Sergipe
57
Mais uma vez, evidenciou-se que o problema não se reduz à disponibilidade de água,
remetendo a fatores sócio-econômicos, políticos e culturais, além da necessidade de
gerenciamento preventivo e não reativo de combate às secas com a construção de cada vez
mais açudes e poços como única solução, favorecendo sua utilização como objeto de
manipulação política e clientelismo (Rebouças, 1997).
De acordo com seus pressupostos básicos, o PROJETO ÁRIDAS simbolizou uma nova
concepção para as políticas de desenvolvimento no Nordeste nos marcos da reforma do
Estado, no esgotamento das políticas verticais de desenvolvimento rural federal e estadual, na
persistência dos problemas de subdesenvolvimento do Nordeste rural, em especial na região
do semi-árido e na emergência do conceito de desenvolvimento sustentável a partir da ECO-
92. Em Sergipe, o Projeto Áridas não logrou êxito tendo-se revelado uma das experiências,
entre os estados envolvidos, de maior fragilidade no processo de mobilização para as ações
preconizadas no projeto (Vargas, 1999).
A evidência de que a questão da água perdura como central no Nordeste semi-árido se revela
nos programas implementados já no século XXI. A Agência Nacional de Águas (ANA)
lançou em 2004 o PROÁGUA (Subprograma de Desenvolvimento de Recursos Hídricos para
o Semi-árido Brasileiro) cuja proposta é “ampliar a oferta de água de boa qualidade para o
semi-árido e com o seu uso racional, evitar que sua escassez comprometa ou impeça o
desenvolvimento sustentável da região”.
O programa visa atender todos os Estados do Nordeste e Minas Gerais estimando beneficiar
1.300.000 pessoas atingindo cerca de 260 mil famílias com prioridade para as áreas rurais
com grande concentração de famílias de baixa renda. Com financiamento compartilhado entre
Governo Federal, Estadual, ambos participam com 19%, Banco Mundial, entra com 60% do
investimento da ordem de US$ 330.000.000,00, uma terceira organização do setor privado
entra com 21%.
45
A intencionalidade das políticas voltadas para o semi-árido mantém a perspectiva da elevação
dos padrões de existência com melhoria de renda dos mais pobres. Observa-se que esta meta
vai se diluindo a medida que não se alteram os problemas mais candentes do panorama
45
Dados obtidos no site www.ana.gov.br/proagua acessado em 14/02/2005.
Capítulo 3 - Políticas de Combate à Seca à Convivência com o Semi-Árido: o caso de Sergipe
58
nordestino, a exemplo da questão fundiária, da superação das desigualdades sociais com
medidas de desconcentração da renda e da terra, questões que na realidade não se restringem
ao cenário regional.
As práticas governamentais evidenciam que “o Nordeste sempre foi tratado segundo uma
ótica reducionista em que seus problemas eram vistos como simples vulnerabilidade da
região, cristalizando-se no discurso oficial, as secas periódicas e o atraso econômico como
causa e efeito” (REIS, 1991:69).
Sob o pressuposto das crises periódicas, os poderes locais têm barganhado incentivos e
subsídios utilizados para a manutenção da estrutura fundiária, sendo um dos seus principais
reflexos a intensificação do êxodo rural conforme representado na tabela 3, demonstrando que
Sergipe acompanha a tendência regional e nacional com ascendência de concentração na zona
urbana, conseqüência do processo de industrialização acelerada e decorrente da insuficiência
e inadequação das políticas implementadas para o pequeno produtor e demais segmentos de
trabalhadores rurais. De acordo com o demonstrado na Tabela 3, a taxa de população urbana
hoje suplanta a de população rural na década de 1940, quando o país atravessava a transição
de país agrário para o capitalismo industrial.
Tabela 3
Evolução da População Urbana e Rural
no Estado de Sergipe – 1940/2000
População
Anos
Pop. Total
Urbana % Rural %
1940
542.326
166.241
30,6
376.085
69,4
1950 644.361 204.984 31,8 439.377 68,2
1960 760.263 295.929 39,0 464.334 61,0
1970 900.744 415.415 46,0 485.329 54,0
1980 1.157.202 627.941 54,2 529.261 45.8
1991 1.491.876 1.002.877 67,2 488.999 32,7
2000 1.784.475 1.273.226 71,4 511.249 28,6
Fonte: Atlas Escolar de Sergipe, 1982. IBGE, Censo Demográfico, 1991, 2000.
Por outro lado, frustrou-se as metas de elevação de renda da população rural para a formação
da ‘sonhada classe média do campo’ (Carvalho, 1987). A aceleração da industrialização e as
sub-condições de vida da população pobre no meio rural provocaram o deslocamento e a
expulsão de grandes contingentes populacionais do campo.
Capítulo 3 - Políticas de Combate à Seca à Convivência com o Semi-Árido: o caso de Sergipe
59
O êxodo dos pequenos produtores rurais, com pouca terra ou sem nenhuma, se constitui numa
rota de fuga para o trabalho assalariado cada vez mais minguante, sobretudo para os
segmentos não-escolarizados ou pouco escolarizados. A transferência de renda via
aposentadoria rural parece ser um elemento de fixação da população rural no semi-árido
(Gomes, 2001).
A manutenção das populações rurais no campo, sobretudo na região do semi-árido, requer
acesso a melhores condições de sobrevivência no campo, com mobilização de fatores de
elevação da qualidade de vida nas áreas de educação, saúde, produção, assistência social,
tecnologia para as gerações atuais e tendo em vista as gerações futuras, para conviver com o
semi-árido sob outros parâmetros de existência, com cidadania e dignidade.
CAPÍTULO 4
TOBIAS BARRETO: O Programa Um Milhão de Cisternas
Capítulo 4 – Tobias Barreto: O Programa Um Milhão de Cisternas
61
TOBIAS BARRETO: O Programa Um Milhão de Cisternas
4.1 - Características Gerais do Município de Tobias Barreto
O município está situado na mesorregião Agreste Sergipano
46
e compõe a microrregião de
Tobias Barreto
47
, a sudoeste do Estado, numa área de 1.878 Km² (ver mapa 1). A demanda do
município por água para a atividade
agrícola é servida pelas bacias
hidrográficas do rio Real, Riacho Capoeira
e Riacho Muniz.
Nestas condições ambientais o município
apresenta déficit de água, um fator básico
escasso. As chuvas são irregulares e mal
distribuídas entre abril e julho, época de
plantio, com temperaturas elevadas
próprias do clima semi-árido. Está a 180 m
de altitude e a precipitação média anual é
de 763 mm e temperatura média anual de
24° C.
Pesquisa de campo, 2004
Foto 4: Plantação de palma no povoado Mocambo I
Os solos são rasos e arenosos com fertilidade média à baixa. A prática de desmatamento foi
intensa e resultou na destruição da caatinga, vegetação original, restando vestígios da seca
mata agrestina. De sua área total, 84,9% está inserida na zona identificada como polígono das
secas.
Localizado a 127 Km da capital, Aracaju, o município possui uma área de 1.119 Km² e conta
com uma população de 43.139 habitantes sendo 27.500 habitantes (58,1% da população total)
na zona urbana e 15.672 habitantes na zona rural. Faz divisas com os municípios sergipanos
de Itabaianinha, Tomar do Geru, Riachão do Dantas, Poço Verde, Simão Dias e com o Estado
da Bahia.
46
A mesorregião Agreste Sergipano é formada pelas microrregiões Agreste de Lagarto, Agreste de Itabaiana,
Nossa Senhora das Dores e Tobias Barreto (IBGE, 1996).
47
As informações sobre a microrregião de Tobias Barreto foram obtidas em estudo realizado pelo Prof. Dr.
Adelci Figueiredo Santos, publicado em Diniz (1996:67-87). Fazem parte da microrregião Tobias Barreto além
deste município, Poço Verde e Simão Dias, segundo classificação do IBGE. Censo Agropecuário (1996).
Capítulo 4 – Tobias Barreto: O Programa Um Milhão de Cisternas
62
Para uma melhor caracterização do município apresentam-se aqui alguns indicadores e dados
acerca de sua situação social, econômica, política e ambiental.
a) Principais atividades econômicas e de subsistência do município
Desde a década de 1920, o município tem na pecuária sua principal atividade econômica,
tendo sido centro pecuarista e local de grandes feiras de gado, durante as quais
tradicionalmente as mulheres dos povoados vendiam, ao final do dia, peças em bordados. O
crescimento do município esteve vinculado ao comércio do gado, tendo sido várias áreas em
seu território ocupadas como curral de engorda de gado. As pastagens naturais ou plantadas
já representaram 90,5% da área ocupada, conforme o estudo feito por Diniz (1996:83). O
predomínio de produtos em couro, na década de 1960, com a existência de curtumes e a
venda da produção para outros estados, foi suplantado, nos dias de hoje pelas confecções.
Estas informações confirmam estudo de Melo (2002), que situa as principais cadeias
produtivas do município com a bovinocultura na primeira posição, ovinocultura e
caprinocultura na segunda, costura e bordado na terceira. Nesta ordem, o município ocupa
posição de maior centro comercial de tecidos, confecções e bordados do interior de Sergipe.
Esta vocação local deu origem à conhecida “Feira da Coruja” que dura 24 horas. Abre no
início da tarde de domingo e vai até o final da tarde da segunda-feira.
A base da economia familiar, na zona rural do município, é a agricultura de subsistência com
cultivos anuais de feijão e milho, complementado pela mandioca, em algumas áreas
propícias, e a criação de animais de pequeno porte, principalmente a caprinocultura.
As mulheres desdobram-se entre a lavoura e o bordado, acompanham os homens no plantio
durante o inverno e no período de estiagem dedicam-se à costura e ao bordado, seja
absorvendo a facção
48
de peças de confecções de empresários vindos da sede, seja
bordando peças por encomenda de terceiros, representando uma contribuição significativa no
sustento da família, conforme observação durante o trabalho de campo.
48
Facção é um sistema largamente utilizado no setor de confecções, em que se terceiriza parte do processo
produtivo para reduzir os custos da produção. Constitui-se numa relação de trabalho informal, precarizada,
temporária e altamente espoliativa.
Capítulo 4 – Tobias Barreto: O Programa Um Milhão de Cisternas
63
b)Aspectos educacionais e sócio-ambientais
Embora apresente um cenário potencialmente propício ao desenvolvimento, os indicadores
sociais municipais assinalam o déficit de políticas públicas. O quadro apresentado nas áreas
de educação, saúde, trabalho e saneamento básico traduz a urgência de sua superação.
A taxa de analfabetismo entre a população de 15 anos ou mais corresponde a 45,4%,
enquanto entre pessoas de 25 e 59 anos é de 33%. Dos 3.778 domicílios particulares
permanentes, 2.457 são abastecidos por água de reservatório, água da chuva, carro pipa, poço
ou nascente fora da propriedade, somente 390 têm acesso à água através da rede geral.
Em relação à situação de renda, 14,1% das pessoas responsáveis pelos domicílios particulares
permanentes do sexo masculino não têm nenhum rendimento, 49,5% recebem até 1 salário
mínimo, 5,3% entre 2 e 3 salários mínimos e 6,4% mais de cinco salários mínimos
49
.
Tomando por base as variáveis utilizadas pela Organização das Nações Unidas (ONU) para
definir o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), percebe-se que Tobias Barreto está
entre os municípios com menor expectativa de vida, ficando atrás de oito cidades do semi-
árido no ‘ranking’ do Estado.
Tabela 4
Índice de Desenvolvimento Humano 2000 – Tobias Barreto
Expectativa de vida
ao nascer
Renda per
capita
Índice de Desenvolvimento
Humano
Posição no Estado
59,367
100,977
0,596
55
Fonte: ONU, 2000.
A intensificação do comércio de confecções em Tobias Barreto parece ter sido estimulada
pela melhoria dos serviços de transporte rodoviário que ao mesmo tempo concorreu para uma
perda do dinamismo pela ligação mais fácil e rápida com centros maiores, como Salvador,
Feira de Santana e Aracaju, implicando em maior competitividade.
49
Dados obtidos no IBGE. Indicadores Sociais Municipais. 2000. Brasil/Sergipe.
Capítulo 4 – Tobias Barreto: O Programa Um Milhão de Cisternas
64
Entre o final da década de 1980 e início da década de 1990, houve um declínio no fluxo de
pessoas no município, como indica a brutal redução no número de ônibus fretados nos dias de
feira, de quase 300 por semana para cerca de 20 ônibus semanais.
Em face do cenário de crise e suas conseqüências no setor produtivo, órgãos públicos e setor
privado iniciaram um projeto de revitalização do comércio de confecções em Tobias Barreto,
via captação de recursos e convênios com organismos internacionais, tendo em vista a
qualificação do processo produtivo e dos produtos tradicionais da feira para uma inserção
mais competitiva no mercado.
4.2 - Vida e pobreza no agreste semi-árido: mapeamento da viagem aos povoados
50
Partindo da descrição da singularidade dos povoados, buscou-se elaborar uma análise
entrelaçando-se os dados dessa realidade, obtidos no trabalho de campo, à pesquisa
bibliográfica no sentido de se evidenciar o caráter compensatório e o conteúdo conservador
das políticas públicas para o semi-árido, cujas insuficiências acabaram por corroborar com a
manutenção do cenário de pobreza e desigualdade.
De modo geral, os povoados oferecem uma mesma visão em termos de realidade: baixos
índices de escolaridade, condições precárias de moradia, com parcela da população residindo
em casas de taipa, instalações sanitárias inadequadas ou inexistentes, ausência total de
serviços de saneamento, tratamento de água, escoamento das águas servidas, destino dos
dejetos domésticos, dentre outros, como também, a persistência no uso da água de barreiro, o
déficit e a prestação rudimentar da educação e um menos deficiente, mas igualmente precário
serviço de saúde.
A pesquisa seguiu um itinerário cujo norte foi priorizar os povoados de mais difícil acesso,
seja devido ao isolamento, à distância, às condições das estradas ou pela escassez de
transporte. A preocupação era evitar o período de chuvas, em que os riachos intermitentes
que atravessam as estradas podiam impedir o acesso.
50
A narrativa aqui apresentada é fruto da aplicação dos questionários, observações e contatos com moradores,
lideranças e agentes de saúde durante o trabalho de campo, entre abril e maio de 2004, nos povoados Mocambo
I, Mocambo II, Macacos, Caripau, Caraíbas e Curtume.
Capítulo 4 – Tobias Barreto: O Programa Um Milhão de Cisternas
65
MAPA 1 - MICRO-REGIÃO GEOGRÁFICA DE TOBIAS BARRETO
Fonte: DER-SE, 2005
Diretoria de Tecnologia – DITEC - Coordenadoria de projetos
Capítulo 4 – Tobias Barreto: O Programa Um Milhão de Cisternas
66
De acordo com esses critérios, o povoado Mocambo II, foi o primeiro a ser escolhido. Transporte
só uma vez por semana, saindo de Tobias Barreto no final da tarde de quinta-feira. Podia chegar
lá, também, por Poço Verde ou Simão Dias, era até menor o percurso. A dúvida era, qual o
caminho ?
A chegada a Mocambo II foi facilitada pelo CDJBC que facilitou o contato com a Associação de
Desenvolvimento Comunitário local para assegurar hospedagem e trânsito livre na localidade. O
povoado está entre os dois mais isolados dos 6 povoados. O primeiro é o Povoado Macacos,
somente com uma via de acesso que o liga a Tobias Barreto, a outra alternativa é escalar serras a
pé ou em lombo de burro. Mocambo II vence no quesito pior estrada, totalmente destroçada pela
erosão, quase intrafegável.
Hospedada na casa da agente de saúde fui informada de que os serviços prestados através do PSF
incluem o atendimento de 8 pessoas por semana, que se deslocam para atendimento no povoado
Curtume a 24 Km, visitas da agente de saúde às famílias com crianças até 2 anos para
acompanhamento de peso, crescimento, acompanhamento do cronograma de vacinação e às
pessoas hipertensas para controle da pressão arterial. Vivem no povoado um total de 46 famílias.
A equipe do PSF formada por médico e enfermeiro vai ao povoado somente em campanhas de
vacinação. Há casos de diabetes,
cardiopatias, hipertensão, reumatismo e
problemas de coluna graves, sem a
assistência devida com repasse de
medicamentos.
Pesquisa de campo, 2004
Foto 5: Povoado Mocambo I
Para servirem-se de um ponto de luz na casa,
utilizar um rádio ou televisão, algumas
famílias servem-se de um pequeno sistema
de placas de captação de energia solar
alimentado por bateria automotiva. Este foi
um projeto implantado através do
Capítulo 4 – Tobias Barreto: O Programa Um Milhão de Cisternas
67
PRONESE, contemplando poucas famílias.
A única escola existente em Mocambo II permaneceu fechada durante 3 anos, o que obrigava as
crianças a se deslocarem 24 Km, no precário e inconstante transporte da Prefeitura para estudar.
Na agricultura de subsistência, prevalece a cultura do feijão, favorecida pelas características do
solo conforme relato de um técnico agrícola, o que garante uma certa inserção no mercado de
alguns poucos pequenos produtores, constituindo-se em fator de elevação do padrão de vida e até
nutricional. O povoado não é miserável, não há crianças com aparência de desnutrição, os cavalos
como transporte foram substituídos por motos, naturalmente pilotadas por homens e mulheres.
As famílias dos aposentados têm nos seus proventos uma garantia de renda, única forma de
assalariamento, além de 2 ou 3 empregos públicos. Os demais tiram o sustento da roça e
complementam com a venda do dia a R$ 7,00 ou R$ 8,00. Com o aumento da oferta de mão-de-
obra no verão, o valor cai para R$ 3,00. É também utilizado o sistema de parceria.
Após dormir duas noites em Mocambo II preparei- me para a próxima parada em Mocambo I,
levando comigo o contato com as crianças, com o cotidiano dos moradores, com as histórias de
vida e do lugar, com as portas fechadas das casas assim que anoitece, a vertigem ao caminhar na
escuridão da noite, sem nenhum ponto de luz.
Assim cheguei a Mocambo I, na carona de uma família que ia para a sede, às 6 horas da manhã,
para começar a conhecer o lugar e aplicar os questionários. Lá, fiquei na casa do presidente da
Associação de Desenvolvimento Comunitário do Povoado, Senhor João de Titio.
Embora tão próximos e com o mesmo nome, os dois povoados guardam algumas diferenças.
Defronta-se com a pobreza mais facilmente em Mocambo I, que é muito menos povoado e tem
um solo menos propício à agricultura. São apenas 24 famílias residindo em propriedades bem
afastadas umas das outras. A população vive da agricultura de subsistência
51
, sem nenhuma
51
“A lavoura tradicional de subsistência é formada por propriedades individuais exploradas pela família do
proprietário ou usuários, ou ainda por parcelas entregues a arrendatários, parceiros ou formadores de pastagem. A
área é pequena, sempre abaixo de 20 ha e, na grande maioria, inferior a 5 ha. Embora as propriedades sejam
Capítulo 4 – Tobias Barreto: O Programa Um Milhão de Cisternas
68
inserção no mercado. Além de energia elétrica, aspiram pela construção de sanitários nas
residências e estrada.
Visitei casas humildes de taipa, chão batido, marido, mulher e filhos que lutavam no roçado para
garantir o sustento. Numa delas, o morador confidenciou entender que houve favorecimento na
seleção das famílias para o programa por parte da liderança local. Nos dois povoados houve
também registro de favorecimento nas práticas das agentes de saúde, seja pelas relações de
parentesco ou por lealdades políticas. A liderança local segue totalmente a orientação do
assistencialismo e do clientelismo em suas práticas.
Saí de Mocambo I, após dormir uma noite na casa do Presidente da Associação. Entre as minhas
lembranças, o medo de ser atacada por seu inacreditavelmente feroz cão vira-lata e a sensação de
que havia criado incômodos. A prestimosa vigilância da liderança local, fora também uma forma
de monitorar a minha investigação, fosse sugerindo quem eu deveria entrevistar ou querendo
saber com quem eu falei naquele dia. Minha presença despertava uma profunda curiosidade,
assombrada por certa desconfiança. E o subtexto dela era: para quem eu estava trabalhando ? A
quem interessava saber se o P1MC, ali, havia sido executado a contento, produzido algum
resultado ?
Continuando a percorrer a cartografia da minha pesquisa, a próxima estação era o povoado
Macacos, destino para o qual amarguei sete horas de espera, numa praça do centro de Tobias
Barreto, enquanto lia ‘A Sociabilidade do Homem Simples’ de José de Souza Martins, comia
biscoito, maçã e bebia água, já com moradores do povoado, alguns já informados do motivo da
minha presença. Juntos esperávamos a resolução de pendências no cadastro do PRONAF, no
escritório da DEAGRO, dos muitos passageiros, agricultores, daquele velho ônibus, para
podermos sair em direção ao nosso destino, que ocorreu somente lá pelas 18 horas.
pequenas, apenas pequena parte da área é ocupada gerando, portanto, excedente de mão-de-obra que vai permitir
trabalho volante nas grandes propriedades, além de fornecer migrantes para as zonas urbanas. Não há emprego
de mecanização, sendo os trabalhos feitos com enxada. Predomina a lavoura consorciada de milho, feijão e mandioca
e o plantio de gramíneas para o pasto.” (Santos, 1992:141)
Capítulo 4 – Tobias Barreto: O Programa Um Milhão de Cisternas
69
Para chegar em Macacos, passa-se por Caraíbas e Caripau. As tradicionais paradas para compras
de mantimentos e desembarque de passageiros pelo caminho, comuns às chamadas ‘marinetes’
52
que rodam pelos rincões do Nordeste, e chegamos à Macacos às 19 horas. Perdi metade de um
dia. Isto era um problema em relação aos 29 questionários que eu tinha que aplicar. Mas, enfim,
já estava entre eles, já havia me engajado no cotidiano, já era uma conhecida.
Minha espera também estava comprometida com o fato de o dono do ônibus, Amadeo, agente de
saúde, ser o meu anfitrião. Eu precisava ir com ele. Sua esposa, Elenilde, já nos aguardava aflita
com a demora. Mas a minha preocupação passou a ser o tempo para fazer as 29 entrevistas.
Nesse aspecto, Elenilde foi fundamental. Propôs um roteiro e colocou uma providencial bicicleta
a minha disposição, sem a qual seria
impossível transpor as distâncias dentro do
tempo previsto para a coleta de dados.
Primeiro, Macacos e Caripau, por último,
Caraíbas.
A poeira e as pedras das estradas de acesso
aos povoados, em péssimas condições, são
atenuadas pelo bucólico recorte da paisagem.
As serras avistadas ao longe, sob sol a pino,
ao fundo de planícies tórridas onde cercas
emolduram arbustos ressecados e plantações
de palmas. Nos vestígios da caatinga a
desolação dos seixos rolados no leito seco do
riacho intermitente, atravessando o caminho e invadindo a mata seca. A singularidade no
isolamento e na distância de uma austera sobrevivência em que terra, água, energia elétrica,
transporte, estradas, telefone, médico, sanitário mesclam-se entre necessidade e sonho, quando
muito, minimamente atendidos.
Foto 6: Estrada atravessando
riacho intermitente entre Macacos e Caripau
Pes
q
uisa de cam
p
o
,
2004
52
Sinônimo de ônibus no interior de Sergipe e da Bahia.
Capítulo 4 – Tobias Barreto: O Programa Um Milhão de Cisternas
70
Deslocando-me destas paragens, parto para concluir meu trabalho de campo no Curtume, o
menos rural dos povoados, localizado às margens da rodovia SE-290 que liga Tobias Barreto a
Poço Verde. Isto facilitou a chegada de energia elétrica, do transporte em vários horários, de
telefone e a água encanada está a caminho. O Curtume está projetado como uma vila, em que no
pequeno terreno estão construídas as casas e as roças dispersas em locais afastados.
Grande parte das 85 famílias moradoras do povoado é sem-terra, trabalham como meeiros ou
vendem o dia de trabalho a fazendeiros. Em relação às mulheres, um pequeno número delas
desdobram-se entre os afazeres domésticos e a facção de peças de costura para um comerciante
que semanalmente entrega 50 bermudas cortadas e com acabamento para que as mulheres façam
o fechamento, pagando doze reais pelo trabalho.
Foi fundada no povoado, através do PRONESE, uma Associação Comunitária das Bordadeiras
com instalação de 15 máquinas de costura. A associação já contou com 12 participantes que
receberam treinamento em bordado para que fossem posteriormente organizadas em grupo de
produção para geração de trabalho e renda.
Apesar da vocação local, o projeto não vingou, a associação foi desfeita e as máquinas estão
ociosas. A resistência ao trabalho coletivo, ausência total ou parcial de escolaridade e a
naturalidade de encarar o trabalho na roça, durante o inverno, podem ter sido os principais fatores
para seu insucesso.
Uma característica identificada no Curtume, através de moradores, é a exportação de força de
trabalho para usinas de açúcar no interior de São Paulo, mais especificamente, no município de
Araras. Várias famílias têm mais de um de seus membros trabalhando lá. Há os que já foram e
retornaram, há os que planejam ir, há os que vão e voltam todos os anos, no mês de setembro,
época de colheita da cana-de-açúcar, nos vários ônibus lotados com trabalhadores do Curtume e
adjacências, com destino a São Paulo.
A Associação de Desenvolvimento Comunitário tem num antigo e, por vários mandatos,
presidente, uma liderança comunitária, ao qual uns se referem como manda-chuva, outros como
Capítulo 4 – Tobias Barreto: O Programa Um Milhão de Cisternas
71
comandante. O fato é que para a população, é ele quem tem ‘lutado para obter benefícios para o
povoado. É quem auxilia a todos nas horas difíceis’. É, ao mesmo tempo, temido e ‘adorado’ pela
população. Suas sucessivas derrotas em duas eleições, em que foi candidato, talvez explique esta
contradição. Após cumprir dois mandatos consecutivos e não podendo continuar, em face do
estatuto, colocou um preposto, em seu lugar, mas na prática e no imaginário da população, o
presidente continua sendo ele.
Hospedei-me na casa de pessoas que mantêm estreita relação com esta liderança, mas que não
criaram nenhuma oportunidade para um encontro. Enquanto permaneci no povoado, esta
liderança que não sai de lá, segundo os moradores, não apareceu. O Curtume foi o único povoado
em que senti hostilidade.
A situação geográfica do Curtume não justifica a implantação do P1MC. Não cumpre os
requisitos adotados para seleção de isolamento e difícil acesso à água. Uma organização mínima
dos moradores e gestões junto a órgãos governamentais com apoio de parlamentares levaria água
encanada à localidade, contudo, perderia-se uma moeda com alto valor de troca em período de
eleição.
Os povoados Mocambo I, Mocambo II, Macacos, Caripau, Caraíbas e Curtume parecem, como
num holograma, a síntese dos problemas e questões que perpassam o Nordeste semi-árido. A
realidade constatada nos trabalhos de campo denotam escassez, inadequação e insuficiência de
ações de políticas públicas, nessa medida, passamos a analisar os dados a partir das
especificidades locais.
No semi-árido, das secas, também verifica-se o agravamento da já elevada concentração das
terras em mãos de pouquíssimos produtores. A hegemonia da pecuária
53
e a modernização
conservadora, entre outros fatores, agravaram a questão fundiária, além de provocar a redução da
produção de alimentos e a intensificação da emigração rural, tendo na falta de terra para
trabalhar, um dos principais problemas apontados pelas famílias entrevistadas.
53
Sobre a pecuária sergipana ver Silva (1995), Vilar (1991) e Vargas (1988).
Capítulo 4 – Tobias Barreto: O Programa Um Milhão de Cisternas
72
A queda ou crescimento negativo da população rural do Agreste Sergipano, entre 1991 e 2000,
constatada nos censos do IBGE, demonstrado na tabela 5, parece ser resultado do déficit de
políticas públicas, do esgotamento dos diversos programas dos governos federal e estadual e do
imobilismo ou baixa capacidade de gestão do poder municipal frente aos problemas que afligem
as populações e à ações de melhorias no campo da atividade produtiva.
Tabela 5
Microrregião Agreste Sergipano
Po
p
ula
ç
ão 1991-2000
Po
p
ula
ç
ão
Anos
Varia
ç
ão
1980 1991 2000 Absoluta Relativa %
Rural 47.288 44.489 45.142 -2.146 (-)4,75
Urbana 24.896 42.736 54.816 29.920 54,58
Total 72.184 87.225 99.958 27.774 27,78
Fonte: IBGE, Censo Demográfico, 1980; 1991 e 2000.
A introdução da irrigação e de tecnologia mantendo antigas mazelas, ao invés de beneficiar,
agravou os problemas (Diniz, 1996:80). Nos povoados há um grande número de famílias com
dificuldades, sem terra para plantar e sem assistência através de programas. A baixa renda
familiar que atinge a maior parte dos entrevistados pode ser observada no gráfico 2.
Com as ocupações comuns na região, conforme listado na Tabela 6, a maior parte das famílias
não consegue atingir o salário mínimo vigente (R$ 240,00 em 2004). Quando agregam um
aposentado tem nele a segurança de uma renda fixa mensal, evento raro na zona rural.
0
10
20
30
40
Abaixo do salário mínimo
De R$200,00 a R$350,00
De R$350,00 a R$500,00
De R$500,00 a R$800,00
Gráfico 2
Faixa de Renda Mensal dos Entrevistados (2004)
Capítulo 4 – Tobias Barreto: O Programa Um Milhão de Cisternas
73
Tabela 6
Tipos de ocupação ou Fonte de rendimento segundo Membro responsável pelo
sustento da família dos entrevistados
Tipo de Trabalho/Fonte dos
Rendimentos
Qtd. Membro da Família
Roça 30 Homem
Roça/bordado/costura 6 Mulher
Roça/bordado 12 Casal
Roça/emprego
doméstico/benefício
previdenciário por invalidez
8
Filho
Aposentadoria/pensão 3 Sogra
Aposentadoria 9 Casal de idosos aposentados
Aposentadoria 2 Mulher aposentada
Aposentadoria 2 Homem aposentado
Fonte: Pesquisa de campo, 2004
As famílias sobrevivem com os benefícios das aposentadorias e pensões além de contar agora
com as políticas de transferência de renda do Programa Fome Zero do Governo Federal que têm
chegado aos bolsões de pobreza como uma estratégia de desenvolvimento social popular onde se
articulam diversos programas e projetos sociais com interface entre Estado e sociedade civil para
garantir o acesso às famílias com renda insuficiente ou sem renda aos mínimos sociais para
subsistência. A estratégia não engendra autonomia mas representa um meio de acesso a bens e
serviços na zona rural.
O governo Municipal teve poucas e pontuais intervenções nos povoados via PSF, que funciona de
forma insuficiente, além da gestão dos programas de transferência de renda do governo Federal
cujo alcance está longe de ser satisfatório. De acordo com a tabela 7, pelo menos 50% dos
entrevistados estão sendo atendidos pelos Programas, uma vez que uma mesma família pode estar
recebendo mais de um benefício. Estes benefícios são direitos sociais que têm se constituído
numa “economia sem produção” (Gomes, 2000:148), uma vez que coloca renda no território sem
que haja a mobilização de fatores como mão-de-obra, matéria-prima ou insumos e mercado.
Capítulo 4 – Tobias Barreto: O Programa Um Milhão de Cisternas
74
Tabela 7
Alcance dos Programas Governamentais de Transferência de renda
em relação às famílias dos entrevistados
Programa por nº de
Famílias Atendidas
Vínculo
Institucional
Mediação/Gestão
Bolsa-família-35
Governo Federal
Secretaria de Ação Social e Trabalho do
Município/Programa Saúde da Família (PSF)
Bolsa-escola-14
Governo Federal
Unidade Escolar/Secretaria de Educação do Município
Vale-gás-11 Governo Federal
Posto de Saúde/Secretaria de Ação Social e Trabalho
do Município
Fonte: Pesquisa de campo, 2004
Como a economia local produz muito pouco, o insuficiente até para a subsistência, este
contingente de população, com o pouco que recebe, movimenta um incipiente mercado
consumidor, onde antes não havia nada.
Não obstante suplantar a herança das
famosas cestas básicas, as políticas de
transferência de renda, ao menos,
substituem o distributivismo
assistencialista.
A transferência de renda não
produz autonomia, mas pode engendrar
processos emancipatórios se associada
a alternativas de geração de trabalho e
renda, tecnologia, cultivos agrícolas
viáveis
e apropriados ao tipo de solo, articulado a um amplo mercado consumidor, investimento em
educação e qualificação (Gomes, 2000:69-70).
Pesquisa de campo, 2004
Foto 7: Casa de moradora aposentada com cisterna instalada
no Povoado Caraíbas.
As informações coletadas nos povoados acerca da situação de ocupação da terra, apresentados no
gráfico 3, em termos de sua distribuição, coincidem com o registro das estatísticas cadastrais
estaduais, confirmando a concentração. Estas estatísticas indicam que no extrato compreendido
Capítulo 4 – Tobias Barreto: O Programa Um Milhão de Cisternas
75
entre zero e menos de 10 ha, estão 46.803 imóveis que representam 63% do total, mas ocupam
apenas 155.661 ha, ou seja, 8% da área cadastrada.
Contraditoriamente, os imóveis a partir de 100 ha. somam 3.914 (6%), ocupam 59% da área total
cadastrada. Entre as 64 famílias entrevistadas nos povoados, 16 não possuem nenhuma terra para
trabalhar e 26 possuem no máximo 10 ha de terra. Somente uma família possui acima de 200 ha.
Faixa de Área Total das Famílias
Entr s (em ha)
16
26
1
2
2
1
0
5
evistada
1
0
1
5
2
0
2
5
3
0
Zero
Até 10 há
10 a 50 há
50 a 100 há
100 a 200 há
A
h
cima de 200
á
Zero
Até 10 ha
10 a 50 ha
50 a 500 ha
100 a 200 ha
Acima de
200 ha
Gráfico 3
Faixa de Área Total das Famílias Entrevistadas
(em Ha), 2004
A prática da pequena criação de animais serve ao consumo das famílias e por vezes são vendidos,
para que possam dispor de algum dinheiro em espécie para aquisição de roupas, remédios ou
algum bem de consumo durável, uma vez que há muitas famílias sem nenhuma renda. Algumas
famílias criam uma ou duas vacas, para ter o leite, algumas galinhas, para se alimentar da ave e
dos ovos, além de um a dois burros para transporte e auxílio no trabalho da roça.
Tabela 8
Espécies de animais de criação para uso e consumo familiar
Espécies por nº de famílias com criatório
Nº de famílias
com criação
de
subsistência
Eqüinos/
Muares
Bovinos
Ovinos
Galináceas
Suínos
Criação para
comercialização
do excedente (nº
de famílias)
52
45
40
23
43
15
26
Fonte: Pesquisa de campo, 2004
Capítulo 4 – Tobias Barreto: O Programa Um Milhão de Cisternas
76
Os dados evidenciam como práticas agrícolas de tão rudimentares e primitivas, chegam a remeter
a formas pré-capitalistas
54
. A produção agrícola na pequena propriedade na maioria das vezes não
é suficiente para a própria subsistência sendo necessário o trabalho ‘volante’ a fim de garantir os
meios para o sustento da família.
A baixa produtividade agrícola, além de fatores como o contingente de famílias sem terra, é
também resultante da pobreza dos solos do agreste semi-árido, cuja falta de água e o sol forte
concorrem para uma baixa produção (Santos, 1992). Observa-se que a resistência a mudanças
nas velhas estruturas sócio-econômicas e políticas “têm na base fundiária e no controle do acesso
à água seus principais pilares de sustentação e dominação – política e econômica” (Araújo,
1997:18-19).
Anualmente, há um deslocamento de grande
número de trabalhadores dos povoados para suprir
a demanda por mão-de-obra para a construção
civil e para usinas de açúcar na capital e no
interior paulista, respectivamente. A demanda é
por mão de obra bem jovem e o sonho dos que vão
é progredir na vida, ajudar a família, comprar terra
e bens duráveis e de consumo. A elevação de
renda prometida pelas políticas
desenvolvimentistas e não cumpridas no semi-
árido.
Pesquisa de campo, 2004
Ao atingir 40 anos o trabalhador é descartado
como força de trabalho e retorna, são raros os casos de permanência. O povoado Curtume tem
sido um território virtual de reserva de força de trabalho para suprir a demanda sazonal e eventual
pesada da metrópole e do interior paulista.
Foto 8: Pequena propriedade no Povoado Caraíbas
com cisterna e plantação de palmas à frente.
54
No caso deste exemplo, relações de produção onde o trabalho é manual, a produção totalmente voltada para a
subsistência, ainda assim, insuficiente e onde as trocas se dão não sem que haja uso de moeda, mas no limite da
necessidade, com venda de um animal ou de parte da produção, para aquisição de vestuário, remédios ou até mesmo,
alimentos.
Capítulo 4 – Tobias Barreto: O Programa Um Milhão de Cisternas
77
A região de Tobias Barreto é tradicional área de expansão da pecuária o que resultou no
abandono da atividade agrícola pelos grandes proprietários passando a orientar-se pela produção
animal. Durante o domínio da modernização conservadora, este setor produtivo foi bastante
incentivado por programas governamentais e subsidiado por linhas de crédito dos bancos oficiais.
Este fato, reflete bem a escassez de ocupação e trabalho assalariado na região, alegada pelos
chefes de família entrevistados. A mão-de-obra utilizada, neste caso, é pequena, cerca de 2 a 3
vaqueiros e em época de formação de pastagem o assalariamento temporário. A mecanização
utilizada na pecuária melhorada resultante de financiamentos agrícolas, não implica na
contratação de mais mão-de-obra, geralmente um gerente de fazenda, uma vez que 80% destes
proprietários residem em Aracaju (Santos, 1992:144).
Conforme apresentado nas tabelas 9 e 10, os dados indicam ocupação e usufruto mínimos da
terra, de até 10 ha por parte de 78,1% dos entrevistados, o que é muito pouco em relação ao
necessário a geração de renda que ultrapasse o limite mínimo de subsistência. O mínimo
necessário para gerar renda de subsistência são 100 ha., ainda assim, com inserção de tecnologia,
cultivos apropriados ao semi-árido e canal com o mercado, isto como forma de “salvar os limites
do equilíbrio da pobreza” (Gomes, 2000:67). Há ainda os que plantam em terra arrendada
conforme a tabela 10, com emprego de mão-de-obra e por vezes, de insumos, tendo que deixar
metade da produção para o arrendatário. Acresce-se o fato das características climáticas e de solo
da região implicar num tipo de agricultura de risco, podendo dar ou não resultados.
Tabela 9
Faixa de Terra Plantada pelos Entrevistados
Milho e Feijão (em ha) – 2003
Área Número de
Agricultores
%
Zero 1 1.5
Até 10 há 50 78.1
10 a 50 ha 4 6.2
Fonte: Pesquisa de campo, 2004
Capítulo 4 – Tobias Barreto: O Programa Um Milhão de Cisternas
78
Tabela 10
Faixa de Terra Plantada em terreno arrendado
ou cedido ou parceria (em ha) – 2003
Faixa de área plantada
Número de
agricultores
%
Até 10 ha 12 18.7
10 a 50 ha 1 1.5
Fonte: Pesquisa de campo, 2004
Com o resultado da produção, constata-se que os entrevistados empregam parte muito superior ao
suprimento das necessidades da família e parte menor vai para a comercialização. O que é
comercializado não chega a ser excedente, pois o que é produzido, além de não ser suficiente
nem para abastecer a família, ainda tem de servir para semente e dar de comer aos animais,
necessitando ainda comprar para suprir estas demandas, conforme demonstra as tabelas 11 e 12.
Tabela 11
Destinação do Milho e Feijão
Produzidos por Família dos Entrevistados (Kg) – 2003
Comercialização
Consumo familiar,
animal e semente
Feijão Milho Feijão Milho
29.940 25.080 23.400 45.390
Fonte: Pesquisa de campo, 2004
Fonte: Pesquisa de campo, 2004
Tabela 12
Área Plantada, Colhida e Destino da Produção
de Milho/Feijão dos Entrevistados – 2003
Área plantada (ha).................................................................221.13
Área colhida (ha)...................................................................74.083
Produção total (t)...................................................................123.81
Produção vendida (t)...............................................................55.02
Produção consumida pela família, alimentação
animal e semente (t)...............................................................68.79
A baixa escolaridade ou até mesmo sua ausência, inclusive entre os jovens visualizado na tabela
13, implica difícil e cada vez mais eventual inserção num mercado de trabalho praticamente
inexistente na região.
Capítulo 4 – Tobias Barreto: O Programa Um Milhão de Cisternas
79
Fonte: Pesquisa de campo, 2004
Tabela 13
Principal ocupação dos chefes de família segundo escolaridade
Analfa-
beto
1ª a 4ª
5ª a 8ª
Ens. Fund.
Compl.
1ª a 3ª Ens.
Méd.
Ens.
Médio
Comp.
Principal ocupação/
Fonte de renda
% % % % % %
Total
Roça
25 39 16 25 - - 1 1.5 - - - -
42
Gerente de fazenda
1 1.5 - - - - - - - - - -
1
Pedreiro
1 1.5 - - - - - - - - - -
1
Magistério Ensino
Fundamental
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
1
1.5
1
Pensionista
1 1.5 - - - - - - - - - -
1
Costura/roça
1 1.5 1 1.5 - - - - - - - -
2
Costura
- - - - - - 1 1.5 - - - -
1
Aposentadoria
10 2 - - - - - - - -
12
Vaqueiro
1 1.5 - - - - - - - - - -
1
Bordado
1 1.5 1 1.5 - - - - - - - -
2
Total 41 - 20 - - - 2 - - - 1
-
64
As precárias e rudimentares condições da educação oferecidas pela Prefeitura é um dos fatores
que justificam a alta incidência de analfabetismo entre os entrevistados que chega a 49%,
inclusive entre os mais jovens. No grupo de entrevistados, 20,3% dos analfabetos estão na faixa
etária entre 18 e 44 anos.
É comum na zona rural a existência de salas multisseriadas que implicam no comprometimento
do processo de aprendizagem, pela diversidade etária e desnível entre os alunos. Este quadro é
agravado pela existência de escolas fechadas por desavenças políticas.
Durante o trabalho de campo não se verificou a existência de programas de prevenção e
educação para a saúde no tratamento das doenças mais comuns e de maior incidência nas
comunidades rurais pobres como diarréia, parasitose, dermatoses e gripe, cuja proliferação é
causada pela manutenção de um meio ambiente insalubre e uso de água contaminada.
Há ausência total de serviços de saneamento, como construção de fossas, água encanada,
tratamento de água, escoamento adequado das águas servidas, destino dos dejetos domésticos
conforme se vê na tabela 14 as condições sanitárias das comunidades.
Capítulo 4 – Tobias Barreto: O Programa Um Milhão de Cisternas
80
Possui
banheiro
(nº de
famílias)
Possui vaso
sanitário
(nº de
famílias)
Fossa na
residência (nº
de famílias)
Destino do Lixo
S
I
M
N
Ã
O
S
I
M
N
Ã
O
S
I
M
N
Ã
O
Queima
Enterra
Céu
Aberto
Coleta
Outros
39
25
20
44
21
43
56
1
21
-
3
Tabela 14
Condições Sanitárias das Residências dos Entrevistados
Fonte: Pesquisa de campo, 2004
Os depoimentos dos entrevistados
revelaram um saber muito próprio em
relação ao lixo produzido na zona rural,
embora o nível educacional, a dificuldade
de acesso à informação e mesmo a luta
pela sobrevivência reflitam-se em
algumas atitudes predatórias em relação
aos recursos naturais. “No interior o lixo
é pouco, não é como na cidade”, disse um
dos entrevistados. Quando se trata de
folhas servem como adubo,
principalmente na plantação de palma. As
cascas viram ração para os animais. Isto é,
lixo orgânico é todo reaproveitado, lixo fino, na linguagem do sertanejo. E o lixo grosso, o
reciclável, como latas, vidro, plástico e papel, é queimado, procurando-se evitar doenças como
dengue. Contudo a situação de tratamento do lixo nos povoados é preocupante.
Pesquisa de campo, 2004
Foto 9: Tanque de chão ou barreiro utilizado
pela população do Povoado Caraíbas.
O lixo na zona rural é predominantemente orgânico, o pouco consumo de produtos
industrializados gera pouca quantidade de lixo não degradável, mesmo assim há o
comprometimento de mananciais onde moradores jogam lixo, animais mortos, a água da chuva
Capítulo 4 – Tobias Barreto: O Programa Um Milhão de Cisternas
81
arrasta os detritos jogados a céu aberto para dentro de tanques e açudes, contaminando
reservatórios locais cuja água é utilizada pela população para lavagem de roupas, utensílios
domésticos e banho.
No único povoado em que havia coleta da prefeitura, nos últimos meses foi suspensa. Para livrar-
se do lixo que produz, a população insiste em jogar ao lado da rodovia para que o caminhão da
Prefeitura recolha.
A população sobrevive em condições precárias de moradia, onde parte das casas são ainda de
taipa, em geral, sem instalações sanitárias e de chão batido. As famílias são formadas por pelo
menos 5 pessoas, o número de cômodos das residências em sua maior parte varia de 5 a 6
cômodos.
O poder aquisitivo ou padrão de vida pode ser verificado pelos poucos bens de consumo duráveis
que alguns possuem, limitado inclusive pelo acesso à energia elétrica que chega até a casa de 16
dos 64 entrevistados.
Desta amostra, 39 foram contemplados por projeto financiado pelo PRONESE com instalação de
uma pequena placa de captação de energia solar com suporte de carregamento por bateria
automotiva. Os 9 entrevistados restantes aguardam serem atendidos por acesso à energia solar ou
pela expansão da rede de energia elétrica a partir dos povoados centrais de maior porte e
densidade demográfica.
Entre os eletrodomésticos mais comuns nas residências destacam-se em maior número aqueles
necessários ao cotidiano para informação e lazer como rádio e televisão, os de serviço como
liquidificador, geladeira e ferro de passar, e por último, em número bem abaixo, máquina de
costura industrial (1), máquina de costura doméstica(2) e ventilador(1).
Após a implementação do P1MC, com a facilidade de ter água em casa, algumas famílias
realizaram pequenas benfeitorias em suas propriedades como a construção de banheiro,
ampliação da cozinha e cercas. Há grande expectativa pela chegada de energia elétrica para os
Capítulo 4 – Tobias Barreto: O Programa Um Milhão de Cisternas
82
povoados Mocambo I e II, Caraíbas e Caripau condição básica de infra-estrutura propícia à
geração de trabalho e renda para seus moradores.
Diante das respostas dos entrevistados, percebe-se que o P1MC não acumulou força política,
através das parcerias ou articulação em rede, suficiente para agregar outras políticas, deixando em
aberto a expectativa criada junto à população.
Quando indagados em relação ao que esperavam do P1MC, os entrevistados discorreram sobre
suas principais e mais urgentes necessidades ainda não atendidas como energia elétrica, para
possibilitar a criação de atividades de geração de trabalho e renda; construção de sanitários nas
casas, erradicação das casas de taipa, melhoria das estradas e instalação de posto de saúde,
conforme apresentado na tabela 14.
Apontaram outras soluções para o problema da água como construção de barragens e açudes. Em
relação à produção, colocaram a mediação da associação para aluguel de trator, como essencial,
uma vez que o trabalho é todo manual e como o trator é locado por hora e por tarefa, o pequeno
agricultor familiar não tem condições de sozinho assumir este custo, além disso a melhoria dos
criatórios e implantação de projeto de irrigação desconhecendo que o solo extremamente
pedregoso desfavorece o uso desta tecnologia.
A implantação do P1MC provocou alguma mudança na vida dos entrevistados ? O que mudou
na vida das famílias atendidas pelo Programa ? O que se apurou em relação a essas questões,
segundo os depoimentos dos entrevistados é que este é visto como algo positivo, embora não
tenha atendido todas as expectativas criadas junto às famílias beneficiadas.
Pelo demonstrado na tabela 15, vê-se que as expectativas da população não envolve aspirações
intangíveis ou de custo tão elevado que inviabilize sua realização. Mas depende de ações
coordenadas e articuladas orientadas pelo objetivo de promover o desenvolvimento social
daquela região.
Capítulo 4 – Tobias Barreto: O Programa Um Milhão de Cisternas
83
Tabela 15
Princi
p
ais Problemas e Solu
ç
ões
,
p
or ordem de
p
rioridade
,
a
p
ontados
p
elos entrevistados
Problemas
Soluções
Água
Barragem, açude, poços,
represa
Trabalho
Terra
Saúde
Agente de saúde e
Liderança
Saneamento básico
Obras de saúde Pública
Energia elétrica
Associação de
desenvolvimento
Transporte
Prefeitura
Estrada
Governo
Educação
Governo/ Prefeitura
Assistência social
Governo/ Prefeitura
Crédito
Governo/ Prefeitura/
Bancos
Fonte: Trabalho de campo, 2004
Sobre as mudanças advindas da implantação do Programa em relação à situação de renda dos
entrevistados, uma das respostas mais significativas refere-se ao P1MC como forma da população
livrar-se da obrigação “de trocar voto por água”, conforme praticam os políticos da região.
Reconhecem não ter havido influência direta
sobre a renda, contudo, refletiu-se na
economia de tempo e dinheiro, que apareceu
em primeiro lugar, seguido do benefício de
ter água saudável armazenada em casa e ter
ficado com a vida mais descansada por não
precisar pegar água a longas distâncias.
Foto 10: Cisterna instalada no Povoado Caraíbas
Pesquisa de campo, 2004
Um dos entrevistados diz que: “Agora não
perde mais um dia de trabalho para
atravessar serra trás de açude para pegar
Capítulo 4 – Tobias Barreto: O Programa Um Milhão de Cisternas
84
água”. Puderam também corrigir a exposição à insalubridade da “água coletada de tanque de
chão para dar de beber as crianças. Na seca, a água vinha salgada”, conforme afirmou um
entrevistado..
A instalação da cisterna, segundo os entrevistados, para as mulheres e pessoas idosas, sobretudo,
representa mais tempo disponível para a costura, o bordado e um merecido descanso.“Beneficiou
o povo, mas a situação não alterou, foi uma ajuda boa para os velhos. Pobre não tem melhora
de vida, é só pelejar com o bocado”.
Na zona rural, grande parte do trabalho de coleta de água faz parte do cotidiano das mulheres que
se desdobram em várias frentes. Seja na atividade doméstica, na lida da roça, ou no importante
papel da complementação da renda familiar, sendo tradicional na região de Tobias Barreto, a
costura e o bordado, conforme já demonstrado neste trabalho.
Está entre as metas do P1MC o compromisso de agregar outras políticas, que em seu conjunto
sejam capazes de superar a pobreza, fortalecer ações para melhorias nas áreas de saúde e
educação da população do semi-árido. Dos 64 entrevistados, 62 responderam que não houve
articulação com outras políticas. Somente dois dos entrevistados citaram o curso para produção
de bombas para as cisternas que aconteceu em Tobias Barreto, mas poucas pessoas participaram
por não terem sido informadas a tempo.
A maior parte dos entrevistados informou também não haver nenhum programa sendo
desenvolvido pela Prefeitura. Referindo-se à coleta de lixo e à iluminação pública, o primeiro
serviço citado foi suspenso e o segundo, os próprios moradores efetuam a substituição das
lâmpadas.
Desconhecendo que o PSF é um programa de saúde resultante da municipalização, somente 9
entrevistados admitiram a existência do atendimento médico-odontológico através do PSF, a
reabertura da escola de um povoado e ônibus para os estudantes como sendo programas e ações
vinculadas à Prefeitura.
Capítulo 4 – Tobias Barreto: O Programa Um Milhão de Cisternas
85
Para os demais, como disseram alguns deles “se dependesse do prefeito o povo já tinha morrido
há muito tempo”, “não ajuda em nada, faz é tirar d’agente.”
Em relação aos programas de transferência de renda, acoplados à estratégia de articulação do
Governo Federal via Programa Fome-zero, 29 entrevistados informaram estar cadastrados mas
ainda não foram contemplados. Alguns informaram que estes programas “vêm para pessoas
escolhidas”, sinalizando com isto para o tráfico de influência política que perpassa a ação de
lideranças de associações, parlamentares municipais e agentes de saúde, na seleção dos
beneficiários.
Conforme afirmado anteriormente, a mão-de-obra desescolarizada e desqualificada dos
trabalhadores do semi-árido já não interessa ao grande capital, exceto para dar conta do trabalho
sazonal pesado e com baixa absorção de tecnologia. Além disso, o excesso dessa mão-de-obra no
cenário de precarização e desregulamentação vigente torna-a ainda mais vulnerável a relações de
trabalho abusivas.
Nesta nova ordem, em que tem imperado a força do capital financeiro à base do avanço
tecnológico, parece interessar às organizações multilaterais, aos organismos financeiros e aos
governos dos países desenvolvidos, isto é, ao grande capital, a manutenção e fixação da pobreza
em seu local de origem.
Para isso, tem-se lançado mão de políticas capazes de atenuar os reflexos da crise, com efeito
sobre a complementação de renda, que têm cumprido o duplo papel de fixar o homem no campo
e evitar ou talvez, retardar os “efeitos sociais perversos de grande alcance coletivo ou sérias
rupturas no tecido social” explicando porque “a queda na qualidade de vida, perdas de renda,
redução da atividade produtiva, deterioração dos indicadores sociais, ainda não resultaram num
nível de insatisfação capaz de provocar a emergência de um movimento disruptivo de
massa”(Abranches, 1989:10).
A contenção dos gastos sociais no quadro de crise já esboçado remete à dedução de que, com os
desajustes produzidos, compromete-se a eficácia e o alcance das políticas sociais que passam a
Capítulo 4 – Tobias Barreto: O Programa Um Milhão de Cisternas
86
dirigir-se prioritária e seletivamente, como avalia Abranches (1989:22), ao suprimento “das
aflições dos setores mais destituídos da sociedade”.
Fica explicitado, com isso, que as chamadas políticas de combate à pobreza só encontram solução
viável através de políticas de natureza macroeconômica, capazes de incidir sobre a estrutura da
ordem social, corrigindo os efeitos produzidos pelos padrões de produção, acumulação,
distribuição e consumo. Fora disso, as políticas sociais cumprem o papel de remediar os
sintomas, sem alcançar as causas dos problemas, daí o seu caráter compensatório.
Em relação à questão da água, o padrão de desenvolvimento de base urbano-industrial,
incentivado pelo Estado até final da década de 1970, resultou “numa intervenção altamente
predatória” sem que houvesse qualquer preocupação com uma gestão racional da água na região
Nordeste, ao contrário disso, com implementação de políticas que mais induziram ao cultivo do
problema (Rebouças, 1997:129).
Os gestores destas políticas pareciam desconhecer que, embora o semi-árido apresente “secas
periódicas, cheias freqüentes de rios intermitentes, solos arenosos, salinos e pobres em nutrientes
essenciais ao desenvolvimento das plantas”, conforme estudo de Rebouças (1997:133), a região
apresenta potencial e “oportunidades não-convencionais de geração de energia eólica e solar que
podem vir a ser suporte para o desenvolvimento sustentável”.
De acordo com estes estudos, a açudagem e o aproveitamento de águas subterrâneas de aluviões,
associados a outras fontes de água como poços tubulares e cisternas, apresentam-se como
alternativas viáveis para atenuar os efeitos sociais das secas.
A cisterna é um dos meios mais adequados de armazenagem de água, do ponto de vista sanitário,
para o abastecimento doméstico podendo-se avaliar este potencial para aplicação à agricultura
nas áreas mais isoladas e de maior vulnerabilidade do semi-árido.
Em relação à organização comunitária a dinâmica da população é depositar todas as expectativas
nos dirigentes das associações e aguardar passivamente. A visão de mundo inspirada na cultura
Capítulo 4 – Tobias Barreto: O Programa Um Milhão de Cisternas
87
messiânica que povoa o imaginário dos sertanejos resulta na mistificação das lideranças as quais,
em sua onipotência, hão de produzir a solução para todos os problemas. A população desconhece
e dissocia o peso das bases comunitárias nos rumos das reivindicações e das conquistas,
colocando-se permanentemente na posição de receptores, beneficiários, clientela, público-alvo.
O surgimento de projetos sociais de novo tipo, com formatação mais horizontal, imbuídos de
estratégia de empoderamento
55
dos atores sociais em seus territórios
56
para a emancipação ou
construção de autonomia, pressupõem a existência de uma base democrática sólida.
Esta afirmação inspira-se no estudo de Putnam (2000) acerca da experiência no Norte da Itália,
a partir da qual constatou-se que a cultura cívica é um instrumento para o exercício de uma
cidadania com direitos e deveres iguais para todos, livres de relações verticais e de dependência,
de mediações clientelistas e assistencialistas, baseada na reciprocidade, participação do governo e
na confiança mútua. Putnam assinala que as associações locais têm papel crucial nas estratégias
de desenvolvimento rural bem sucedidas, desde que sua gênese tenha emergência na iniciativa
comunitária.
Entre as características das regiões não-cívicas figuram verticalidade nas organizações políticas,
não envolvimento da população nas questões públicas, prevalência do interesse individual,
associacionismo inexpressivo, corrupção como regra, favoritismo e dominação por parte dos
poderosos, insatisfação, sentimento de impotência e exploração, governo ineficaz. Esta
caracterização afeta o Sul da Itália, mas paradoxalmente, se aplicaria sem correr risco de
inadequação à realidade do agreste semi-árido de Tobias Barreto. Para a construção das
autonomias neste território há que se fomentar o engajamento cívico nas comunidade rurais para
quebrar o estigma, por assim dizer, da sina de flagelados da seca, das calamidades sociais, das
emergências e habilitar para um outro projeto de desenvolvimento.
55
Processo de construção e reforço do papel central dos atores e grupos sociais, daí resultando um exercício
ampliado e consistente dos diretos e deveres da cidadania (Krutman, 2004:74).
56
Sobre o conceito de território considerou-se o que discorre o geógrafo Santos (2001:114) ao dizer que “o papel do
lugar é determinante. Ele não é apenas um quadro de vida, mas um espaço vivido, isto é, de experiência sempre
renovada, o que permite, ao mesmo tempo, a reavaliação das heranças e a indagação sobre o presente e o futuro. A
existência naquele espaço exerce um papel revelador sobre o mundo.” Rafestin, citado em Haesbert (2002:30),
completa a idéia com a visão de território como “o espaço social inscrito dentro das relações de poder.”
Capítulo 4 – Tobias Barreto: O Programa Um Milhão de Cisternas
88
Este engajamento envolve o compromisso do poder público com seus cidadãos como via de mão
dupla, o desenvolvimento de um tipo de liderança com incorporação da responsabilidade de
atender ao interesse coletivo, estímulo à participação para consolidação da consciência e
confiança social através da viabilização de projetos que reflitam qualitativa e quantitativamente
mudanças concretas nos padrões de existência das populações.
Como diz o geógrafo Milton Santos (2001:141) em suas reflexões sobre o território “[...] esse é,
também, um modo de insurreição em relação à globalização, com a descoberta de que, a despeito
de sermos o que somos, podemos também desejar ser outra coisa.”
Entende-se ser este o papel central da Comissão Municipal no P1MC em Tobias Barreto, onde
apenas ensaiou lançar uma semente, carente de ser sábia e laboriosamente cuidada, para germinar
e dar bons frutos em solo tão árido, mas não estéril.
4.3 - O P1MC: um novo arranjo institucional ?
Na aridez do combate, travaram-se muitas batalhas. Políticas banhadas a rios de recursos públicos
não foram capazes de aplacar a fome e a sede de educação, saúde, terra, trabalho, água, cultura,
lazer, tecnologias, para os que ousaram nascer e viver no semi-árido. Estes parecem ter sido
condenados ao minimalismo a que se lhes destinam as ações de políticas; que quando chegam, é
para suprir minimamente as necessidades humanas básicas, como se a aridez daquela paisagem a
tudo impregnasse.
Aqueles homens e mulheres saídos do combate à seca, com ela agora convivem, dialogam,
manejam, tornam-se visíveis, numa licença ideológica orquestrada pelo Consenso de Washington
com suas medidas de alinhamento dos países ‘em desenvolvimento’ ao neoliberalismo.
Já podem até ser ouvidos, se conseguem falar. Justo quando o valor dos seus corpos é dissipado,
força de trabalho que não mais interessa ao capital, a não ser para o trabalho pesado, sazonal, em
vias de extinção pela absorção de tecnologia, lhes é atribuído o papel de sujeitos. Sujeitos da
própria sorte, de um mesmo destino, ‘ficar no seu lugar’. No cenário da globalização, as
Capítulo 4 – Tobias Barreto: O Programa Um Milhão de Cisternas
89
alterações no padrão de acumulação capitalista, com a transnacionalização do capital, produziram
mazelas que devem manter-se territorializadas.
Despida da cosmética conceitual da convivência com o semi-árido, a sabedoria do velho
agricultor entrevistado descortina, a seu modo, a mística da seca: “tem que agradecer o que Deus
faz, mas que os homens façam por onde chegar coisa melhor para a gente.”
Além da ICID (Convenção Internacional sobre os Impactos das Variações Climáticas) ocorreu
também a 3ª Conferência das Partes da Convenção contra a Desertificação e a Seca (COP3),
evento filiado às Organizações das Nações Unidas, realizado em 1999 na cidade de Recife,
quando desencadeou-se o debate acerca da convivência com o semi-árido que deu visibilidade às
questões da região e mobilizou setores da sociedade civil. Advém desse fórum o “Programa de
Formação e Mobilização Social para a Convivência com o Semi-árido: um milhão de cisternas
rurais” ou P1MC
57
tendo como marco referencial, a grande seca de 1994.
Da COP3 saiu também a estratégia de ação política dos movimentos sociais da região Nordeste
sob a bandeira da Articulação do Semi-árido (ASA)
58
agregando, então, 60 entidades
59
, com o
objetivo de fortalecer o Programa de Convivência com o Semi-árido
60
.
As políticas públicas para o Nordeste, sobretudo, para a região do semi-árido, após a Conferência
Internacional sobre Impactos de Variações Climáticas (ICID) e a ECO-92, passaram a ser alvo de
uma mudança estratégica. Refletindo estas mudanças, a gênese do arranjo institucional do P1MC
derivou da matriz do Projeto Áridas, que determinava uma “nova proposta de atuação do poder
57
As informações sobre o P1MC foram coletadas no documento intitulado “Programa de Formação e Mobilização
Social para a Convivência com o Semi-árido: um milhão de cisternas rurais” e “Declaração do Semi-árido: Propostas
da Articulação do Semi-árido brasileiro para a convivência com o semi-árido e combate à desertificação”. Recife
26/11/1999, disponibilizado pelo Centro dom José Brandão de Castro através de José Adelmo Pires dos Reis, técnico
responsável pela gestão estadual do Programa.
58
A ASA está caracterizada na Carta de Princípios, em anexo, como “espaço de articulação política regional da
sociedade civil organizada no semi-árido brasileiro”. Materializa-se na adesão de entidades e organizações da
sociedade civil à Declaração do Semi-árido (26/11/1999) e à Carta de Princípios (02/08/2000), em anexo.
59
Estas entidades estão proporcionalmente representadas na ASA: 59% de organizações comunitárias, 21% de
sindicatos de trabalhadores rurais, 11% de entidades ligadas às Igrejas Católicas e Evangélicas, 6% de ONG’s e 3%
de cooperativas de trabalho.
60
Em 2000, na cidade de Igaraçu-PE, foram elaboradas as premissas do Programa de Convivência com o Semi-árido
tendo como norte a Carta de Princípios da ASA.
Capítulo 4 – Tobias Barreto: O Programa Um Milhão de Cisternas
90
público visando estimular a operacionalização do conceito de desenvolvimento sustentável no
Nordeste brasileiro fiel aos princípios da ECO-92” (Gomes et alli, 1995:5).
Iniciado no final do governo FHC, com a transição do governo Lula, a partir de 2003, o P1MC
foi incorporado à estratégia Fome Zero, com aporte de recursos do Ministério da Segurança
Alimentar (MESA), FEBRABAN e mais recentemente, do Ministério do Desenvolvimento
Social (MDS), os recursos antes destinados somente à construção da cisterna, puderam ser
aplicados em infra-estrutura e pessoal, dando condições de desenvolver melhor o trabalho.
Diante dos resultados alcançados pelo P1MC até agora, ao longo de 5 anos, a emblemática
intenção de construir um milhão de cisternas no semi-árido brasileiro parece ter sido um mote
para mobilizar as forças sociais da região em torno de ações de combate à pobreza, alimentar a
crença de que há uma ação, ainda que mínima, do Estado na região através de políticas e conter a
população naquele território. A tabela 16 demonstra que da meta física total almejada pelo
Programa, foi atingido até o presente 8,23%, ou seja, foram construídas 82.362 cisternas em todo
o Nordeste semi-árido entre 2000 e 2005 pelo P1MC.
Tabela 16
Financiadores e nº de cisternas construídas
na região Nordeste pelo P1MC até 2005
Financiador Quantidade
MMA 501
ANA 12.743
DED 12
MDS 51.969
PETROS 4
SM-ABC 525
FEBRABAN 14.687
OXFAM 1.045
Doações (INCRA, ANEIAS,
Comitato Italiano,
FISP/PDHC)
876
Total 82.362
Fonte: CDJBC, 2005
A etapa de transição do P1MC, conforme informação de Adelmo Pires, gestor estadual, começou
entre 2000 e 2002 com a instalação de 14 cisternas dispersas em alguns municípios do semi-árido
Capítulo 4 – Tobias Barreto: O Programa Um Milhão de Cisternas
91
entre os quais Itabi, Porto da Folha, Monte Alegre e Graccho Cardoso, sendo coordenado pelo
MOC/CETRA/SUDENE.
Parte das cisternas instaladas no município de Tobias Barreto corresponderam à etapa de
transição do P1MC, executada no período entre 2001 e 2002, contando com recursos financeiros
da Agência Nacional de Águas (ANA), órgão do Ministério do Meio Ambiente (MMA),
totalizando, segundo informações passadas pelo gestor estadual, 42 cisternas. Havia previsão de
instalar só na transição 12.400 cisternas no semi-árido, sendo complementada com a construção
de mais 9.200 na etapa posterior, totalizando a meta final para o estado de Sergipe de 21.500
cisternas até 2007, compreendendo a articulação de diversos parceiros financiadores pela ASA.
No entanto, o Programa em Sergipe encontra-se na situação apresentada na tabela 17, em que
evidencia-se que o maior percentual (69,87% ) de recurso alocado no programa ainda é público,
as entidades privadas participaram com apenas 30,12% do total dos recursos.
Tabela 17
Financiadores, valores financiados e nº de cisternas construídas
pelo P1MC em Sergipe até 2005
Financiador Quantidade Valor Financiado
(R$)
MOC/CETRA/SUDENE DDS 14 -
ISBRALIT 50 -
MMA/ANA 293 258.505,84
MESA 474 470.280,00
FEBRABAN 243 230.400,00
OXFAM 427 381.600,00
MDS 652 691.120,00
Total Geral 2153 2.031.905,84
Fonte: CDJBC, 2005
A meta para Sergipe é construir, até 2007, 21.500 cisternas. Até agora contabilizou-se a
construção de 2.153 cisternas em 8 municípios
61
, entre 2000 e 2005. Para serem construídas as
19.347 cisternas que faltam, em tempo hábil conforme a meta física, há de haver um investimento
maciço do Estado, além da articulação de parceiros com disposição para investir alto no
programa. Do contrário, há de se cumprir mais uma vez a saga das políticas de desenvolvimento
61
Além de Tobias Barreto, os municípios são: Monte Alegre, Canindé do São Francisco, Frei Paulo, Nossa Senhora
da Glória, Nossa Senhora de Lourdes, Gararu e Graccho Cardoso (ver tabela com financiadores e valores financiados
em anexo).
Capítulo 4 – Tobias Barreto: O Programa Um Milhão de Cisternas
92
para o Nordeste semi-árido que de tão ambiciosas não levam a termo os objetivos definidos,
esgotando-se bem antes de alcançá-los.
Para demonstrar a relação de custo e benefício do P1MC, os dados sistematizados na tabela 18
possibilitam avaliar entre outros fatores que o total dos recursos aportados para o município de
Tobias Barreto, que perfazem R$ 157.242,46, em relação ao número de 860 beneficiários, resulta
num custo de R$ 182,84 por pessoa beneficiada, sob a garantia de funcionamento normal da
cisterna durante, pelo menos, o período de 5 anos. O custo da construção de uma cisterna pelo
governo estadual, no Projeto Santa Maria, segundo comparou o gestor estadual do P1MC, é de
R$ 3.906,03, quatro vezes maior que o valor no P1MC.
Tabela 18
Custo financeiro das cisternas por nº de pessoas beneficiadas em Tobias Barreto (SE)
62
Financiador Quantidade de
Cisternas
Nº de Pessoas
Beneficiadas
Valor Financiado
(R$)
Valor Unitário da
Cisterna (R$)
MMA/ANA 108 540 95.285,16 882,27
FEBRABAN 35 175 33.184,90 948,14
MESA 29 145 28.772,40 992,15
Total Geral 172 860 157.242,46 2.822,56
Fonte: CDJBC, 2005
Em Tobias Barreto havia uma clara oposição entre a Comissão Municipal e o governo municipal
agravada por um quadro político crítico com intervenção na Prefeitura baseada em denúncias de
improbidade administrativa, o que concorreu para afastar ainda mais a possibilidade de parceria.
Para o Gestor Estadual, o P1MC cria uma cultura em torno de ONG’s que atuam para o
desenvolvimento sem comprometimento do programa., retirando o controle da política da água
das mãos do governo municipal, que é nutrida por um tipo de dependência utilizada com fins
eleitoreiros, o que para ele é um entrave:
[...]a postura dos políticos tradicionais, uma vez que o envolvimento do poder público local é
nenhum. Há um interesse claro desses políticos em não apoiar. Há outros querendo se apropriar
ou tentar minimizar a ação do projeto. O programa atinge os interesses eleitoreiros desses
políticos tradicionais e introduz novas práticas e postura de políticas públicas que quebram a
ação desses políticos.
62
O valor unitário da cisterna é aproximado e inclui materiais de construção, mão-de-obra, capacitação dos
pedreiros, treinamento da população em gestão de recursos hídricos e mobilização da comunidade.
Capítulo 4 – Tobias Barreto: O Programa Um Milhão de Cisternas
93
Os atores sociais responsáveis pela execução do programa no município, organizados na
Comissão Municipal bem como a ASA, não deram conta da agenda política do Programa nos
seus desdobramentos junto à população com articulação de políticas públicas, fortalecimento das
organizações sociais no campo e construção de autonomias com a continuidade de ações.
A construção da autonomia das populações assentadas no semi-árido é atravessada por uma
tradição secular de dominação, práticas assistencialistas e favores políticos, cujos resultados são
o imobilismo, a subordinação e a passividade da população diante de suas próprias escolhas e de
seu próprio destino.
O P1MC é uma política pública repactuada no paradigma da reforma do Estado, sob a égide das
medidas preconizadas no Consenso de Washington, dos ajustes econômicos que culminaram no
estado mínimo com transferência das ações de políticas públicas do Estado para a sociedade civil.
Neste novo arranjo, a sociedade civil, via ONG’s, emerge como ator de relevo na implementação
do projeto de desenvolvimento social, sobretudo, das ações voltadas às populações pobres,
atribuindo-se a cidadãos ligados a associações papéis inerentes ao poder administrativo, sob o
pressuposto da busca de autonomia.
Ocorre que as próprias lideranças das organizações da sociedade civil carecem de incorporar os
valores disseminados neste novo pacto rompendo com a cultura assistencialista e clientelista a
que foram moldados. Devido ao caráter residual e compensatório das políticas geradas no cenário
do ajuste econômico e da reforma do Estado evidencia-se sua insuficiência para o enfrentamento
da imensa desigualdade social que atinge estas populações demandando uma política macro-
econômica capaz de acoplar outras ações de políticas públicas para atendimento nas áreas de
educação, saúde, emprego e renda, assistência social e infra-estrutura.
Capítulo 4 – Tobias Barreto: O Programa Um Milhão de Cisternas
94
A gestão dos recursos financeiros captados para o P1MC, até 2003, foi realizada pela Diaconia
63
,
criando-se posteriormente a OSCIP
64
AP1MC (Associação Programa Um Milhão de Cisternas)
unicamente para este fim, com duração restrita ao tempo do Programa, até 2007.
Em relação ao deslocamento do papel do Estado na implementação de políticas, os extratos
sociais atingidos por esta alteração são as populações pobres, assentadas nas regiões
geograficamente isoladas, onde proliferam-se doenças resultantes da infra-estrutura sanitária
precária ou inexistente e em áreas onde é baixa a produção de alimentos, muitas vezes, por
conseqüência da alta concentração da terra, ou seja, justamente aqueles para quem a ação estatal
vem a ser mais imprescindível.
Atribuiu-se aos extratos socialmente excluídos um novo papel no processo de desenvolvimento.
Além de demandantes de ações de políticas públicas, estes extratos, através das organizações da
sociedade civil, pressupostamente representativas de seus interesses, passaram a atores na
condução dessas políticas.
As próprias organizações da sociedade civil que atuam no território do agreste semi-árido de
Tobias Barreto, alocadas na Comissão Municipal do P1MC, cujas práticas têm orientação
assistencial, filantrópica e voluntária, demonstraram extrema carência de maturação de seu papel
político como agente mobilizador, formador e articulador no processo de execução do Programa,
requisitando a presença do Gestor Estadual, essencial, como animador no processo, conforme
ficou claro nas entrevistas.
“a comissão atuava com maior força quando o gestor estadual estava presente. Do contrário, a
participação da comissão ficava prejudicada, diminuía a presença dos membros.”
“Como é um trabalho voluntário, sem vínculo empregatício, não remunerado, não tem muito
envolvimento por parte das pessoas”.
“Todos os representantes na comissão são do cursilho da cristandade. Sem o cursilho o trabalho
que foi feito em Tobias Barreto não teria acontecido.”
63
A Diaconia é uma entidade pertencente a Igrejas Evangélicas do Brasil, para ação social, que recebe ajuda de
agências humanitárias da Suíça, Noruega, Suécia, Alemanha e Estados Unidos, sendo uma das entidades que
compõem a ASA (www.diaconia.org.br).
64
A partir de 2000, o P1MC contou com diferentes fontes financiadoras que foram se revezando no processo, tais
como, Ministério do Meio Ambiente/Agência Nacional de Águas, Ministério da Segurança Alimentar, FEBRABAN
e OXFAM. As premissas prospectivas do P1MC seguem o preconizado pela Agenda 21 produzida durante a ECO-
92.
Capítulo 4 – Tobias Barreto: O Programa Um Milhão de Cisternas
95
“O grau de organização dos movimentos sociais no campo em Sergipe é ainda muito frágil,
falta pessoal disponível para uma ação efetiva. Esta fragilidade do papel social representado
pelas entidades é de conteúdo financeiro, político e cultural”.
(falas dos gestores municipais e estadual)
O P1MC elegeu as populações pobres de áreas rurais isoladas do semi-árido sergipano
65
, com
difícil acesso à água como prioridade para atendimento, norteado por princípios
66
garantidores de
direitos humanos, econômicos, sociais e culturais para produção de uma nova cultura política a
partir do controle da água tendo em vista o desenvolvimento sustentável.
O dizer do gestor estadual do Programa evidencia que o Estado capturou os movimentos sociais
articulados em ONG’s pela via da captação de recursos financeiros com rebatimento sobre as
políticas sociais estatais: “uma política pública não pode ser implementada somente pelo Estado.
A ASA
67
traz algo novo, a sociedade civil implementando política pública.” Este passa a ser o
eixo norteador das políticas a partir da década de 1990.
Se há por um lado, o desafio a ser superado com a quebra da cultura reproduzida pelo
clientelismo político, nutrido pela ação de um Estado patrimonialista, em face do conteúdo
emancipatório do Programa, que pretende fomentar uma nova cultura no âmbito das políticas
públicas no contexto regional, por outro, não se verificou esforço no sentido de constituir redes
capazes de articular o programa a outras políticas, conforme suas premissas prospectivas, para
suprimento de outras necessidades básicas dessa mesma população tendo em vista atingir a
elevação de seus padrões de existência e o desenvolvimento local.
65
Para a seleção das comunidades a serem beneficiadas o P1MC priorizou indicadores como menor índice
pluviométrico, menor IDH (Índice de Desenvolvimento Humano), maior número de mulheres chefe de família, de
crianças, idosos, pessoas deficientes, maior carência de água medida pelo critério de isolamento da comunidade, de
acordo com o preconizado pela Conferência das Nações Unidas contra a Desertificação e a Seca.
66
Estes princípios norteadores são: gestão compartilhada, parceria, descentralização e participação, mobilização
social, educação-cidadã, direito social, desenvolvimento sustentável, fortalecimento social e transitoriedade
(Programa, s/d:18).
67
Informações sobre a ASA (Articulação do Semi-árido Brasileiro) foram obtidas através do Centro Dom José
Brandão de Castro e no site www.Asabrasil.org.br, acessado em 08/12/2003. Atualmente a ASA congrega cerca de
750 entidades representativas dos mais diversos segmentos da sociedade civil. A organização da ASA, segundo os
documentos consultados, foi provocada pelo Ministério do Meio Ambiente durante a COP3 em Recife-PE.
Capítulo 4 – Tobias Barreto: O Programa Um Milhão de Cisternas
96
A profusão de ONG’s, em face das multifragmentadas e complexas demandas sociais, tem
mantido na construção de parcerias com organizações públicas e privadas, nacionais e
internacionais, sobretudo para captação de recursos, sua principal estratégia de organização,
antecedendo a própria mobilização de suas bases.
Assiste-se à subordinação das ONG’s às determinações de programas que já chegam às
localidades prontos, em acordo com a visão e as exigências de organismos multilaterais e
internacionais
68
, sem que a população tenha qualquer participação na sua definição, mas
demandando seu engajamento no processo.
Partindo dos depoimentos dos entrevistados, percebe-se a participação das entidades na execução
do P1MC em Tobias Barreto, de onde sobressai duas condições-chave, comuns no cenário dos
movimentos sociais hoje: o voluntariado e a solidariedade. No caso em estudo, realçados pelo
viés religioso, característica comum às entidades que formam a Comissão Municipal. Entre as 10
organizações, 6 são de caráter religioso-filantrópico.
Além disso, a frágil base organizativa destas entidades sucumbiu ao personalismo da
representação, a qual faltou fôlego para desencadear o processo político de articulação, o qual o
programa se compromete em suas metas. A participação limitou-se à pessoa do representante da
entidade, em que conclui-se que suas bases, além de não haver incorporado os processos
participativos, não enxergaram na experiência do P1MC uma conquista da cidadania, vindo a ser,
nesta visão, mais uma política voltada para o problema da seca e da pobreza, como tantas outras.
Esta participação é assim avaliada pelo gestor estadual:
“É uma realidade dos movimentos sociais em Sergipe a fragilidade da participação social,
política, da representação, da gestão. Em Tobias Barreto as entidades deram conta da execução
do programa, atingiu a meta. Em outros municípios não se conseguiu isto. Não há freqüência de
reuniões, colocam o P1MC como foco central das ações de forma equivocada. De forma geral,
é frágil. Mas há municípios que para as exigências do programa dão conta”. (fala do gestor
estadual)
68
A Convenção das Nações Unidas contra a Desertificação e a Seca, a que está vinculado o P1MC, assinala a
exigência de participação da sociedade civil em todas as etapas da implementação do programa, envolvendo-se nas
ações de enfrentamento das causas da desertificação, de erradicação da pobreza, nos esforços de combate à
desertificação e de mitigação dos efeitos da seca.
Capítulo 4 – Tobias Barreto: O Programa Um Milhão de Cisternas
97
O perfil da Comissão Municipal
69
é totalmente urbano marcando a ausência de representação das
comunidades rurais. Apenas o representante da Igreja Evangélica informou desenvolver práticas
filantrópicas pontuais nas comunidades pobres da zona rural. A ausência, conforme o gestor
estadual, é devido a existência da Comissão Local
70
no povoado com um representante das
famílias e Associação de Desenvolvimento Comunitário.
Esta condição parece colocá-los em situação similar a dos definidores e executores de políticas
governamentais, para quem o alcance das ações das políticas, pouco ou nada rebatem no seu
extrato de classe, mas sim naquelas menos favorecidas, então beneficiárias.
Militância político-partidária e religiosa, trabalho voluntário, ação social e assistência mesclam-
se e perpassam a intervenção das entidades da Comissão Municipal de Tobias Barreto no P1MC.
Não cumpre a promessa de “substituição do assistencialismo por ações efetivas de
desenvolvimento sócio-político-econômico”
71
, mas enseja uma etapa de construção de uma ação
cívica mais forte, solta das amarras do clientelismo e do assistencialismo presentes na cultura
política do Nordeste.
Ao falar das dificuldades enfrentadas durante a execução do Programa as respostas dos
representantes na Comissão Municipal incidem sobre as questões que vêm sendo analisadas,
pontuando:
”A falta de recursos para transporte e alimentação para realizar reuniões nos povoados
fazendo a articulação entre a família e o órgão gestor;”
”A baixa atuação das entidades da Comissão Municipal;”
69
Atendendo à proposta de gestão descentralizada da ASA, em Sergipe, foi formada a Comissão Estadual do P1MC
composta pelo Centro de Assessoria e Serviço aos Trabalhadores da Terra D. José Brandão de Castro (CDJBC) -
Entidade Gestora Estadual - Igreja Católica, Igreja Evangélica, Cáritas Brasileira, Associação Sergipana de
Trabalhadores na Agricultura e um representante das associações comunitárias. O Comitê Municipal de Tobias
Barreto é formado por 10 representantes, quais sejam: Igreja Evangélica Filadélfia, Clube de Mães, Cursilho da
Cristandade, Sociedade São Vicente de Paula, Rotary Clube, Sindicato dos Trabalhadores Rurais, Cáritas Brasileira,
SENAC, Pastoral da Criança e Sindicato dos Lojistas, com um gestor municipal escolhido entre seus membros.
70
No âmbito das comunidades beneficiadas, foi formada uma Comissão Local com representantes das famílias
beneficiadas que ficam responsáveis pelo recebimento e guarda do material de construção e acompanhamento
durante a construção das cisternas, como também, pela organização da confraternização após conclusão dos
trabalhos na localidade.
71
Citado no documento Programa de Formação e Mobilização Social para a Convivência com o Semi-árido: um
milhão de cisternas rurais, s/d:15.
Capítulo 4 – Tobias Barreto: O Programa Um Milhão de Cisternas
98
”A pouca disponibilidade de tempo dos representantes das entidades na comissão Municipal
para atuar no programa. Todos trabalham e na Comissão Municipal o trabalho é voluntário;”
”A dificuldade na mobilização para formar a comissão: para 20 convites apareciam 3 pessoas;”
”A mobilização das entidades para participar das reuniões;”
”A falta de acompanhamento pela Comissão Municipal.”
O Gestor Estadual do Programa evidencia os seguintes aspectos:
“A sociedade civil local é envolvida a partir do pressuposto de que estas entidades já atuam
junto a estas famílias. O P1MC é isto, capacitação e cisterna, no processo, aprofunda as
associações e as famílias. Trabalha-se mostrando que as organizações da sociedade civil podem
se mobilizar para formular outros projetos, mas já se apropriando do conhecimento para não
criar dependência. Potencializa a capacidade das organizações locais.”
Para os representantes da Comissão Municipal, os aspectos positivos do programa são:
“o benefício das cisternas para a população; a formação através dos cursos; o gerenciamento,
não há desvios, há transparência na gestão financeira e na aplicação dos recursos”.
“a parceria para redução do custo da obra; entrosamento entre as organizações e estímulo à
solidariedade. Cria um sentimento de socialização das coisas.”
“o custo da cisterna, o envolvimento das entidades da Comissão, o trabalho voluntário e
solidário.”
“Tudo o que não há política municipal, governamental vai muito bem, por causa da ingerência
destas instâncias.”
“O CDJBC deveria ter repassado o recurso para a Comissão Municipal que foi responsável pela
execução do projeto, responsabilizando a comissão pela prestação de contas. Acredita que o
governo deveria também repassar recursos para a comissão municipal.”
“A Comissão pode trabalhar mais, não ficar esperando, sente-se responsável e age sem que haja
necessidade de interferência ou adesão do gestor estadual.”
“Os membros da comissão municipal passam a se sentir importantes por também estarem
colaborando, sem que haja dependência do gestor estadual.”
“Envolvimento da comunidade com seus problemas sociais, como forma de baixar o custo da
obra”
Amalgamando-se em políticas compensatórias, ações afirmativas e de inclusão social, as
políticas, sob a égide do Estado mínimo, defrontam-se com o desafio do enfraquecimento político
das organizações sociais de massa e a baixa organização dos extratos socialmente excluídos na
contrapartida da necessidade de sua mobilização em vista da autonomia.
Os povoados situados em Tobias Barreto, fazem parte de uma região-problema, vulnerável, mas
com potencial para alavancar seu desenvolvimento a partir da agricultura familiar, da pecuária,
do artesanato e da confecção, dependendo de investimento através de linhas de créditos para
empreendimentos populares, qualificação e profissionalização da produção artesanal,
Capítulo 4 – Tobias Barreto: O Programa Um Milhão de Cisternas
99
disseminação do associativismo e inclusão tecnológica, para integração em nível local, regional e
nacional, através de políticas articuladas de caráter interinstitucional.
CAPÍTULO V
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Capítulo 5 - Considerações Finais 100
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os resultados do presente estudo mostram um quadro do qual as políticas públicas emergem
de um processo de transição, no caso do P1MC, remetendo a algo cujos contornos ainda estão
sendo configurados, isto é, em construção. Os pactos e alianças políticas para garantia dos
mínimos sociais iniciados na década de 1930 para transição da economia rural para a
sociedade industrial, agora em refluxo, estão sendo definidos sob a égide das regras do
mercado. As políticas públicas são mantidas à base da relação entre gastos e tributação
requisitando lealdades dos extratos privilegiados da sociedade para com os segmentos mais
destituídos, e neste sentido a atuação do Estado para o equilíbrio destas forças é vital. O
aporte de políticas públicas que vem construindo o sistema de proteção social brasileiro
parece não haver cimentado ainda este tipo de solidariedade.
Segundo as explicações dos responsáveis pelas políticas de governo, os ajustes econômico-
financeiros são necessários ao equilíbrio das contas públicas no quadro da crise fiscal do
Estado. Na medida em que serviam à estratégia de oxigenação da pesada burocracia estatal,
nutriam a mística do enxugamento e da redução do gigantismo da máquina administrativa
junto à opinião pública.
A década de 1980 culminou com a interrupção do fluxo de capitais externos que subsidiavam
os rudimentos de um sistema de proteção social no Brasil com efeito sobre a erosão dos
serviços públicos. No período de redemocratização, iniciou-se um processo de revisão do
papel do Estado, espelhando no âmbito local, transformações que se davam em nível mundial
traduzidas em termos como Estado-mínimo, descentralização e privatização.
No rastro desse redirecionamento, a transferência da responsabilidade do Estado incidiu sobre
a mobilização da sociedade civil, via ONG’s. Então capturadas pela oportunidade de alocar
recursos disponibilizados por organismos multilaterais de cooperação nacional e
internacional, e sobretudo, pelo próprio Estado, a pretexto de participação, as ONG’s
esvaziaram-se de um projeto próprio de construção de autonomia, agora apropriado pelas
agências de financiamento.
Capítulo 5 - Considerações Finais 101
A centralidade na captação de recursos remodelou os movimentos sociais, conformando a
configuração das ONG’s às determinações das agências de financiamento, cuja margem de
autonomia deixada àquelas organizações, não permite sequer, a formulação dos seus próprios
projetos de intervenção nos territórios onde atuam. Estes já chegam prontos, formatados a
partir dos interesses das referidas agências e organismos que passam a definir as regras do
jogo na perspectiva do que consideram como o melhor para o desenvolvimento das regiões
pauperizadas de várias partes do mundo, entre as quais o semi-árido nordestino brasileiro é
um foco.
Passaram a ser geradas políticas do tipo públicas não-estatais, numa configuração em que a
noção de público é determinada pela natureza da intervenção, que não prescinde do controle
estatal, contudo, sem que o objeto dessa mesma intervenção esteja subordinado ao monopólio
do Estado. Eis a idéia em que se funda a reforma do Estado.
No caso do P1MC, a política de parcerias não tem suplantado uma eventual retirada total do
Estado, arriscando a abrangência e a continuidade do Programa, ou mais que isto, parece ser a
própria presença do Estado que atrai outras parcerias, sem a qual estas não estariam dispostas
a assumir seu ônus. Desvela-se da natureza pública não-estatal que o maior aporte de recursos
das políticas continua sendo público. Os recursos advindos do setor privado são provenientes
de perdão fiscal, portanto, são recursos públicos.
Atrás dessa noção de público, em que dilui-se a obrigação do Estado frente ao tratamento das
mazelas sociais produzidas e acirradas nos últimos tempos pela sofisticação perversa do
capitalismo, o discurso da descentralização traz à tona o paradoxo de que se reveste o P1MC.
O véu da descentralização parece encobrir no P1MC as suas fragilidades, frente aos
compromissos que assume com o Programa de Convivência com o Semi-árido e como
política pública não-estatal fundada nos marcos da reforma do Estado.
A mística da descentralização das políticas públicas, desfocado o papel do Estado, sustenta-se
na compensadora crença de que o jogo vale a pena, conforme evidencia-se nos depoimentos
dos membros da Comissão Municipal, ao descrever os principais aspectos do que para lhes
parece descentralização:
“a transparência na gestão financeira e na aplicação dos recursos”.
Capítulo 5 - Considerações Finais 102
“a partilha para que diminua o custo da obra; entrosamento entre as organizações e estímulo
à solidariedade. Cria um sentimento de socialização das coisas.”
“o custo da cisterna”
“o trabalho voluntário e solidário”
“administração dos recursos pela comissão o que dá autonomia”
“o CDJBC deveria ter repassado o recurso para a comissão municipal que foi responsável
pela execução do projeto, responsabilizando a comissão pela prestação de contas”.
“a organização pode trabalhar mais, não ficar esperando, sente-se responsável e age sem
que haja necessidade de interferência ou adesão do gestor estadual”
“os membros da comissão municipal passam a se sentir importantes por também estarem
fazendo alguma coisa, sem que haja dependência do gestor estadual. Sente-se realizado por
estar colaborando”
“envolvimento da comunidade com seus problemas sociais, como formas de baixar o custo
da obra”
E os pontos negativos:
“o acompanhamento e a ausência de poder de decisão”.
“a comissão sentiu dificuldade na parte financeira, ajuda de custo para transporte e
pequenas necessidades que surgem, em que muitas vezes a comissão tinha que arcar.”
“a comissão atuava com maior força quando o gestor estadual estava presente. Do
contrário, a participação da comissão ficava prejudicada, diminuía a presença dos
membros”.
“Houve desencontro de informação sobre os recursos disponíveis para ser aplicado nas
despesas, até naquelas que não estavam previstas”.
A gestão de projetos sociais hoje com as ONG’s evidencia o caráter ideológico subjacente aos
mecanismos de participação disponibilizados pelo Estado, que mais escondem do que revelam
sua insuspeitada face autoritária, em plena vigência da democracia. A participação passa a ser
requisito, exigência, contrapartida, esvaziando-se de um conteúdo sócio-educativo. Deixa de
ser escolha para ser imposição de atores externos ao processo.
O caso do P1MC não chega a se constituir descentralização, trata-se de transferência pura e
simples de tarefas para fazer chegar um serviço a baixo custo para a população. Não há
distribuição de poder, nem de recursos e nem transferência de responsabilidade. Portanto, não
é descentralização. Até porque isto implicaria a participação do poder público municipal o
qual ficou de fora do processo. A desconcentração cria a falsa idéia de descentralização do
poder decisório. Como confirmam os depoimentos dos membros da Comissão a respeito da
busca de parceria com o poder público municipal:
“A Prefeitura foi procurada, mas alegou que não tinha recurso para fazer caridade para a
Igreja.”
“Buscou-se a Prefeitura e a Câmara, mas não consolidou a parceria . Há uma compreensão
de que poderia ser usado para fazer oposição ao prefeito que chegou a comparecer a
inauguração em Macacos, como não lhe foi dado espaço, entrou e saiu calado.”
“Tentou Prefeitura mas não houve interesse”.
“Tentou articular a Prefeitura que não se envolveu com o projeto, não demonstrou interesse.
Para construir 6 cisternas em Mocambo era necessário 6 caminhões de areia que a
Capítulo 5 - Considerações Finais 103
Prefeitura se negou a ceder, com isto a comissão se articulou com a comunidade para
cobrir este custo.”
“Houve tentativa junto à Prefeitura para conseguir recursos mas sem sucesso.”
“Houve dificuldade por ser um trabalho voluntário.”
“Pelo menos que se saiba não foi buscado. A articulação ficou a cargo de outras entidades
que eram ordenadoras de despesas.”
“Não houve facilidade de parceria em Tobias Barreto.”
As amarras do poder decisório às instâncias centrais de poder, via controle orçamentário do
programa, produziu efeitos na seleção dos povoados a serem atendidos pelo P1MC, que diante
da urgência em aplicar os recursos financeiros para prestação de contas a curto prazo com a
iminência de devolução, incluiu-se o povoado Curtume, localizado às margens da rodovia SE-
290 que liga Tobias Barreto a outros municípios, o que lhe dá fácil acesso a uma série de
serviços, ferindo os critérios de seleção previamente estabelecidos e deixando de atender uma
localidade mais isolada.
Não se verificou no município uma estratégia de inserção dos pequenos produtores familiares
no setor produtivo e das lavradoras/bordadeiras na dinâmica da economia local, como pólo de
confecções que é Tobias Barreto, para elevação da renda. As políticas de crédito atingem
poucos produtores uma vez que a situação de pobreza da maioria não atende às exigências das
agências de financiamento (Banco do Brasil e Banco do Nordeste do Brasil).
Os programas ‘contra’ às secas foram pioneiros na estratégia de atendimento às populações
pobres de áreas isoladas do semi-árido, corroborando, muitas vezes, com o clientelismo do
favor político e com a subordinação a interesses partidários, práticas materializadas nos
recursos aplicados nas chamadas frentes de emergência do semi-árido, nos períodos de seca,
utilizadas como objeto de manipulação política.
Em relação à geração de trabalho e renda, o P1MC trouxe melhorias para a população, que
passou a destinar o que antes era gasto com água, a outras despesas. O tempo antes
dispensado ao transporte de água, agora podia ser dedicado ao trabalho na roça. Para as
mulheres, maiores responsáveis pela colocação de água na casa, representou descanso e mais
tempo para se dedicar ao bordado e à costura, importantes atividades de complementação de
renda na região. A geração de trabalho e renda, de fato, dependeria de articulações
interinstitucionais mais amplas capazes de acoplar ações que subsidiassem a produção tanto
Capítulo 5 - Considerações Finais 104
nas ocupações agrícolas, quanto nas não-agrícolas, atuando também sobre a inserção no
mercado para elevação da renda.
Quanto à superação da pobreza e à introdução de alternativas para o desenvolvimento local,
estas dependem de mudanças estruturais que envolvam ações na área da educação no campo
para elevação de escolaridade e erradicação do analfabetismo, na saúde para controle das
doenças mais comuns passíveis de serem evitadas através de ações preventivas que passam
por ações básicas de saúde e de saneamento, inclusão tecnológica, acesso do pequeno
agricultor familiar pobre ao crédito, incentivo aos cultivos viáveis e com acesso ao mercado,
fortalecimento das organizações com efeitos sobre o crescimento da cidadania, a fixação das
famílias na terra reduzindo o fluxo migratório.
No campo da participação, percebe-se o longo caminho a ser trilhado para romper com a
cultura da dependência sedimentada no Nordeste através do assistencialismo e do
clientelismo político. As próprias ONG’s que atuam no campo do voluntariado e da
filantropia têm este caminho pela frente. Aculturados todos por políticas que simplesmente
eram despejadas nas localidades e recebidas passivamente, hoje se coloca a construção da
autonomia. Isto significa a quebra de práticas seculares implicando em aprendizado. Não só
para as populações pobres dos povoados, mas para lideranças e bases das entidades
executoras das políticas.
A descontinuidade mostrou-se uma das principais causas do fracasso dos programas
governamentais para enfrentamento da seca. O objetivo é sempre o mesmo: “dar condições ao
sertanejo para enfrentar os períodos de estiagem”. Mudam-se apenas os nomes dos projetos e
dos políticos. Daí, a ausência de mudanças na realidade.
O baixo custo da cisterna no P1MC, comparado ao custo de outros programas como já foi
demonstrado, parece ter produzido uma relação de custo-benefício compensadora. Mas que,
no entanto, considerando que de 25 povoados apenas 6 foram atendidos pelo programa,
avalia-se que o seu alcance é bastante residual e limitado, inclusive pela dependência de
parcerias.
Das 64 famílias visitadas apenas 3 informaram ter problemas de vazamento por rachadura na
cisterna. Considerando a proporção, isto afasta a idéia de desperdício de recursos. Entre os
Capítulo 5 - Considerações Finais 105
motivos para que algumas famílias não fossem atendidas pelo Programa, estão o telhado das
casas, por tão pequenas, não comportavam as calhas para captação da água das chuvas, o chão
extremamente pedregoso, não cedia à escavação para construir a cisterna, o terreno das casas
era tão pequeno que não dava para construir mais nada e por último, alguns chefes de família
se recusaram a assumir a contrapartida no programa com hospedagem e alimentação do
pedreiro, além de efetuar a escavação. Diante disso, levar uma alternativa de solução para o
problema da água em localidades tão pobres, com tantas adversidades e isoladas, em si, já tem
seus méritos.
Pode-se considerar como custo social em favor do P1MC, seu mérito em afastar dois estigmas
que marcam os diversos programas já desenvolvidos visando o desenvolvimento e cuja
manipulação política deixou cicatrizes para a construção das autonomias no semi-árido. O
primeiro deles, o símbolo da emergência no caso da seca, o carro-pipa, embora necessário nas
secas, e segundo, a exposição e o tratamento das pessoas que habitam os ermos semi-áridos
como flagelados da seca condenados àquele sofrimento como salvação. Os meios de
comunicação, a política e os políticos nutrem e reproduzem esta mistificação. Contabiliza-se
também como resultado positivo a manutenção das famílias no campo em melhores condições
de subsistência pelo acesso à água.
O isolamento e a precariedade social vivida nos povoados exige pensar processos de inserção
de forma ampliada nos espaços sociais regionais e nacionais a partir do investimento na
valorização das potencialidades rurais agrícolas e não-agrícolas existentes, a exemplo dos
bordados e confecções no caso de Tobias Barreto. A qualificação dessa vocação local através
da elevação dos padrões de produção, investimento em tecnologia, qualificação de mão-de-
obra, escolarização, valorização do associativismo fomentando a produção coletiva para um
melhor retorno econômico e acesso ao mercado.
A dinâmica e a diversidade da realidade tratada neste estudo requer estratégias de intervenção
articuladas, capazes de promover interações entre políticas que supram diferentes demandas e
carências da população para elevação de seus padrões de existência em sentido amplo.
Embora não havendo esgotado a análise política do tema dado a sua complexidade
potencializada pelo cenário de transição, remetendo a um maior aprofundamento,
intencionou-se subsidiar formuladores e gestores de políticas públicas que atuam no território
Capítulo 5 - Considerações Finais 106
do semi-árido para pensar ações que fomentem interação, participação, compromisso,
construção e fortalecimento de cidadania.
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Capítulo 6 - Referências 107
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