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Fábio Sagula de Oliveira
A VERDADE ESTÁ NAS MÍDIAS: A FABRICAÇÃO DO REAL INFANTIL NA
SOCIEDADE DE CONSUMO
Assis
2006
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Fábio Sagula De Oliveira
A VERDADE ESTÁ NAS MÍDIAS: A FABRICAÇÃO DO REAL INFANTIL NA
SOCIEDADE DE CONSUMO
Dissertação apresentada à Faculdade de
Ciências e Letras de Assis UNESP
Universidade Estadual Paulista para a obtenção
do título de Mestre em Psicologia
Área de Conhecimento: Psicologia e Sociedade).
Orientador: Prof. Dr. Mário Sérgio Vasconcelos
Assis
2006
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A VERDADE ESTÁ NAS MÍDIAS: A FABRICAÇÃO DO REAL INFANTIL NA
SOCIEDADE DE CONSUMO
Fábio Sagula de Oliveira
Banca Examinadora
___________________________________
___________________________________
___________________________________
Assis
2006
Aos meus pais, pelo apoio incondicional.
Aos meus avós, pela força.
Aos meus professores, pela confiança e auxilio até
aqui.
A meu irmão e meus amigos por acompanhar minhas
narrativas de meus altos e baixos.
AGRADECIMENTOS
A todas as crianças entrevistadas e suas famílias, que se dispuseram a me ajudar na coleta
dos dados desta pesquisa.
Ao pessoal da seção de pós-graduação e às pessoas da biblioteca da Unesp de Assis, pela
paciência e pela prontidão com que me atenderam.
A minha amiga Lucinéia Francisco Batistela, por não me deixar desistir de meus projetos
e me ajudar nas horas complicadas.
Ao professor, José Luiz Guimarães, por ter sido o primeiro a acreditar neste trabalho e me
auxiliar a desenvolvê-lo.
Às pessoas que passaram na minha vida e que, de alguma forma, participaram do
desenvolvimento deste trabalho. Professores, amigos e lembranças que compartilharam de minha
caminhada até aqui.
Ao meu terapeuta, Harly Trenck Júnior, por me ajudar a lidar com minhas angústias.
Ao professor Mário Sérgio Vasconcelos, pelo voto de confiança, pelo auxílio e por me
fazer ver que posso confiar em minhas idéias e potenciais.
Sumário
INTRODUÇÃO ______________________________________________________________ 9
Capítulo I: A Posse de Informações Como Forma de Poder _________________________ 17
Capítulo II: O Homem e seus artefatos na construção da cultura_____________________ 23
Capítulo III: As mídias como artefatos culturais __________________________________ 30
Capitulo IV: Consumo e imagem efêmera ________________________________________ 38
Capítulo V: Infância e mídias __________________________________________________ 49
Capítulo VI: Contemporaneidade, Infância e TV_________________________________ 577
Capítulo VII: Mídias, mediações e inseguranças___________________________________ 66
METODOLOGIA___________________________________________________________ 788
a)
Análise Descritiva: __________________________________________________________ 855
b)
Análise Interpretativa: _______________________________________________________ 125
CONCLUSÕES_____________________________________________________________ 141
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS __________________________________________ 147
GLOSSÁRIO ______________________________________________________________ 151
ANEXOS __________________________________________________________________ 160
RESUMO
Oliveira, F. S. A verdade está nas mídias: a fabricação do real infantil na sociedade de
consumo. Dissertação (mestrado). Faculdade de Ciências e Letras de Assis. UNESP, 2006,
167 p.
O presente estudo tem suas origens na constatação da crescente presença dos meios de
comunicação no cotidiano da sociedade. A todo o momento, informações, reais ou fictícias,
relevantes ou não, acabam aparecendo diante de nossos olhos e fazendo parte do nosso dia a dia.
A população está “antenada” aos acontecimentos e os meios de comunicação acabam por trazer
para nossas vidas mais informações do que somos capazes de refletir a respeito. A informação-
notícia e a informação-entretenimento se misturam e vão se multiplicando enquanto nos
esforçamos – uns mais, outros menos para interagir com essa torrente de informações e utilizá-
la para entender nossa realidade. A grande quantidade de informações e acontecimentos e o
pouco tempo para se pensar a respeito leva a uma relação superficial entre as pessoas e a
realidade que as cerca. É esse o contexto contemporâneo no qual também vivem as crianças e,
nesse contexto, constroem suas representações simbólicas. Parece que o espaço para a fantasia
não vai muito além do que é passado na programação. O faz de conta, que faz parte da infância,
foi exibido e não criado por elas. As crianças acabam por viver as fantasias fabricadas por
adultos que fizeram o programa para um fim outro que não fornecer alternativas de
desenvolvimento e entretenimento saudável. Com a intenção de explorar esse universo
contemporâneo, buscamos compreender como as crianças apreendem a programação televisiva.
Mas, o que será que as crianças pensam das coisas a que assistem? Como será que elas elaboram
o conteúdo que lhes é apresentado? Como se apropriam dos elementos culturais que lhes são
oferecidos? Qual (ou quais) a(s) ideologia(s) presente(s) em seus discursos? Para responder essas
questões e atingir nossos objetivos, optamos por entrevistar 10 crianças entre 10 e 11 anos
(meninos e meninas), seguindo um roteiro semi-estruturado que contém perguntas sobre as
relações da criança com a televisão e a programação exibida. Seguindo os pressupostos teóricos e
metodológicos de autores como Malinowski, Postman, Gittlin e Lasch, os dados foram
analisados, qualitativamente, a partir da organização de categorias que prevêem os seguintes
aspectos: a) ser criança; b) a presença das mídias em suas vidas; c) a relação entre mídias e
cultura infantil; d) o que as crianças percebem sobre o que a televisão transmite e e) como os pais
e professores se posicionam frente às preferências televisivas das crianças. Os resultados indicam
que a presença das mídias na vida das crianças é freqüente e cotidiana, mas a maioria delas não
tem consciência do fato. Além disso, as mídias ocupam o espaço “vago” na vida das crianças,
isto é, o espaço sem “obrigações” definidas pelos adultos. Podemos perceber também que o grau
de envolvimento das crianças com as mídias influi em sua vida social. No que tange a relação
com pais e professores, parece que eles se sentem pouco seguros para refletir com seus filhos
acerca do que passa na TV.
Palavras-chave: Mídia – Televisão – Artefato Cultural – Programação - Infância
ABSTRACT
Oliveira, F. S. The truth is on the media: the manufacture of the real childish in the society
of consumption. Dissertation (master’s degree). From Faculdade de Ciências e Letras de
Assis. UNESP, 2006, 167 p.
This research originated after noticing the influence of the means of communication in the daily
life of the society. Constantly true or not true information, relevant or not, appears in front of us
and becomes part of our everyday life. The people are connected to the events and the means of
communication bring to our lives much more information than we can reflect about. The news
and the entertainment information mix up themselves and increase when we try ourselves ones
more, others less to interact and use them to understand our reality. A great deal of information
and happenings and the little time to think about them lead to a superficial relationship between
the people and the reality around them. It is in this contemporary context where the children also
live and build their symbolic representations. It seems that the time for imagination doesn’t go
further than the programming. Making believe, which are part of the childhood, weren’t created
by the children, but by adults who have made the programs in order to not give them alternatives
for a health growth and a good entertainment. With the intention to explore this contemporary
universe, we tried to understand how the children grasp the TV programs. Yet, what do they
think about the programs that they watch? How do they work out the contents that are shown
them? How do they seize the cultural elements that are offered them? Which ideology (-ies) is
(are) present in their speeches? To answer these questions and reach our objectives, we opted for
interviewing 10 children between 9 and 11 years old (boys and girls), following a semi-formed
schedule that has questions about the relationship between the child and the program exhibited
(shown) on TV. Following from the presupposed theoretical and methodological authors as
Malinowski, Postman, Gitlin and Lasch, the data are being analyzed, in quality, starting from the
organization of categories that foresee the following aspects: a) be a kid; b)the presence of the
media in their lives; c) the relation between the media and children’s culture; d)what the children
notice about what the television broadcasts and e) how the parents and teachers position
themselves in front of the fact. Beyond this, the media takes up the “empty” time in their lives,
that is, the time without “obligations” defined by the adults. We can also notice that the level of
the children’s involvement to the media have an influence on their social life. Concerning to
parents and teachers, they seems to fell little insecure to reflect with their kids about the
programming on TV.
Key-words: Media – Television – Workmanship – Programming – Childish
9
INTRODUÇÃO
O presente estudo tem suas origens na constatação da crescente presença dos meios de
comunicação no cotidiano da sociedade. A todo momento, informações acabam por ganhar nossa
atenção; informações estas que, reais ou não, relevantes ou não, acabam aparecendo diante de
nossos olhos e fazendo parte do nosso dia-a-dia. Vivemos na chamada sociedade da
informação”, e esta como qualquer outra sociedade apresenta certas normas de conduta que
são seguidas pela maioria de seus cidadãos que as adotam como parte de um estilo de vida.
A utilização do termo “verdade” filosófica e epistemologicamente refere-se a um
conceito abstrato e subjetivo, que, na dissertação, tem por objetivo instigar o leitor a um
questionamento sobre os valores e informações que são apresentados pelas mídias como sendo
portadores de um significado absoluto, na medida em que as mídias buscam construir modelos de
“verdade”para os espectadores.
Em nossos dias, as pessoas buscam o tempo todo ficar a par dos fatos importantes e dos
últimos acontecimentos, digam eles respeito a novelas ou à vida real, num esforço para
compreender o mundo que as cerca e fazer parte da parcela da população que está “antenada” aos
fatos; e é nesta sede por novidades que a disseminação da informação se desvirtua, fazendo com
que uma torrente de informações invada o cotidiano das pessoas sem permitir que se reflita a
respeito do que se vê. Notícias e anúncios se misturam. Muitas vozes lutam pela nossa atenção,
histórias nos são contadas sobre os personagens de nossa sociedade – façam eles parte das
novelas ou dos noticiários. ...quando o mundo foi inundado de informação, a questão
10
concernente ao quanto se sabia assumiu mais importância do que a questão dos usos que se podia
fazer do que se sabia.”(POSTMAN,1999, p. 86).
Na realidade, os meios de comunicação acabam por trazer para nosso dia-a-dia mais
informações do que somos capazes de refletir a respeito. A informação-notícia e a informação-
entretenimento (infotenimento) se misturam e vão se multiplicando enquanto nos esforçamos
uns mais, outros menos – para interagir com essa torrente de informações e utilizá-la para
entender e modificar nossa realidade.
Ao utilizarmos o termo mídias, no plural, procuramos causar um ligeiro estranhamento ao
leitor. O correto não seria no singular?” muitos perguntam, mas a questão vai além da
gramática. O termo no plural refere-se ao grande número de maneiras pelas quais as informações
podem chegar a nossas vidas, e também a essa gama de informação. O estudioso das mídias Todd
Gitlin (2003) nos traz a idéia de utilizar o termo mídias (plural), baseada em nossa própria
confusão em definir “se ‘mídia’são ou é tecnologia ou códigos culturais.”(GITLIN, 2003, p.16)
Se refere-se, por exemplo, ao aparelho de TV ou tam’bem a sua programação. O que vemos é
que, inseridos na “sociedade da informação”, entramos em contato com uma torrente de imagens,
sons e textos; que nos meios urbanos, para onde quer que olhemos, existe algo sendo dito através
e pelas mídias.
A torrente não tem emendas; é uma colagem de histórias lado a
lado, piadinha de programas de entrevista, fragmentos de anúncios, trilhas
sonoras de trechos musicais. Mesmo quando zapeamos por ai, algo parece
uniforme um ritmo incansável, um padrão de interrupções, uma pressão
em favor da falta de seriedade, uma tendência a sensação, uma antevisão
do que vem a seguir.
(GITLIN, 2003, p.16)
Fica difícil determinar o que é o meio e o que é a mensagem, embora os zumbidos de
informação sejam semelhantes, ele vem de vários lados, possui várias fontes. As mídias parecem
estar por toda parte.
11
Para nos auxiliar na busca de uma melhor compreensão acerca da maneira como nossa
sociedade parece lidar com as mídias principalmente a TV aberta comercial e suas
implicações, buscamos ajuda em quatro autores cujos trabalhos apresentam idéias sobre tal
fenômeno. Serão descritas, de maneira sucinta, principalmente as idéias de Bronislaw
Malinowski, Christopher Lasch, Neil Postman e Todd Gitlin
1
.
O antropólogo Bronislaw Malinowski, em seus estudos sobre a relação do homem com a
cultura, demonstra que, para lidar com o meio que os cerca, os seres humanos acabam por
desenvolver ferramentas (artefatos) e sistemas de costumes. Com a introdução desses artefatos,
novos sistemas de costumes acabam aparecendo, pois os sujeitos passam a contar com um
instrumento a mais para lidar com a realidade. Neste trabalho, é importante notar como alguns
artefatos tecnológicos (como a TV por exemplo) acabam influenciando a construção de novos
sistemas de costumes. Ao voltarmos à idéia do “mínimo eu” do historiador Christopher Lasch,
podemos perceber a maneira como grande parte das pessoas utilizam como estratégia, para não
se desgastarem ao se relacionarem com a realidade, um certo distanciamento, onde parecem ficar
a uma distância segura na medida de não se comprometerem de compromissos e
responsabilidades. O estudioso das mídias, Neil Postman, defende a tese de que as mídias
acabam por homogeneizar seu público, fazendo com que tanto adultos como crianças acabem por
consumir o mesmo tipo de programação. Além disso, faz considerações sobre como as invenções
possuem dois lados, o lado dos benefícios e o lado dos malefícios para a sociedade este último,
muitas vezes, sendo ofuscado pela propaganda que se faz sobre os benefícios. E, finalmente,
levamos em consideração a idéia do jornalista e sociólogo Todd Gitlin, que percebe as mídias
como fazendo parte de um cenário em que predomina a torrente de informações, pois as pessoas
1
Tais idéias serão aprofundadas em capítulo posterior.
12
acabam por serem induzidas a conviver com um número infindável de informações na maioria
das vezes superficiais e, o que parece mais grave, sem se dar conta disso.
Inseridas neste contexto, como será que as crianças lidam com essa variedade de
informações? Visto que os aparatos tecnológicos (artefatos) acabam por provocar mudanças na
maneira como os indivíduos interagem com o meio, como será que essa acessibilidade às
tecnologias e informações está sendo percebida pelas crianças?
Tendo por objetivo responder a questões dessa natureza, elaboramos um roteiro de
entrevista que seguiremos na busca de compreensão de como as crianças lidam com as
tecnologias às quais têm acesso. Demos às crianças a oportunidade de discorrerem acerca dos
programas de suas preferências a que assistem na TV e, através de seus discursos, verificamos
que aspectos dos discursos veiculados pela programação televisiva estão presentes nas respostas
das crianças.
Estas perguntas orientam nossa estratégia metodológica para realizar uma pesquisa
qualitativa, prevendo um roteiro de entrevista semi-estruturada. Tal opção se justifica por
entendermos que as práticas discursivas fazem parte da identidade dos indivíduos e dos grupos
aos quais eles pertencem. No discurso, identificamos aspectos como idéias e conceitos que são
compartilhados por determinado grupo. E tal comunhão de valores confere e reforça a identidade
grupal.
As crianças entrevistadas estão entrando na adolescência, período que se destaca pela
busca de identidade e pelo convívio grupal. Serão entrevistadas 10 crianças entre nove e onze
anos de idade, residentes em cidades diferentes (Assis, Jaboticabal, Londrina e Taiaçu). Tais
crianças foram escolhidas de acordo com a disponibilidade de serem entrevistadas, pois
13
entendemos que o acesso às principais mídias (TV aberta e rádio) independe de classe social,
nível de escolaridade, sexo, etc.
Ao optarmos por fazer tais perguntas para as crianças, partimos do pressuposto de que
elas dispõem de um saber próprio para produzir sentidos e para lidar com a realidade. Desta
forma, podem refletir e tirar conclusões sobre os elementos que a sociedade acaba por lhes
oferecer. Nessa perspectiva, a fala da criança assume uma dimensão privilegiada no desvelar da
relação entre infância e cultura.
A análise dos dados coletados foi feita de duas maneiras. Primeiramente, fizemos uma
analise descritiva, onde consideramos os dados de cada entrevista de maneira individualizada,
visando captar a singularidade de cada criança. Posteriormente, fizemos uma análise
interpretativa, em que levamos em conta aspectos constitutivos do discurso de todos os
entrevistados conjuntamente, elegendo categorias de análise (a) ser criança; b) a presença da
mídias em suas vidas; c) a relação entre mídias e cultura infantil; d) o que as crianças percebem
sobre o que a televisão transmite e e) como os pais e professores se posicionam frente às
preferências televisivas das crianças). Sob a luz desses elementos, buscaremos refletir sobre a
temática, visando a entender como as crianças introjetam os valores apresentados pelas mídias.
Neste sentido, os capítulos serão descritos, sucintamente, a seguir.
No primeiro capítulo (A posse de informações como forma de poder) fizemos o trajeto
das informações na história da humanidade. Na busca de sentido para a vida e na busca de um
certo grau de segurança para lidar com o mundo, os seres humanos passaram a coletar
informações e organizá-las de acordo com suas necessidades. Tais informações podiam ser ou
não baseadas em dados empíricos; podiam ser derivadas de crenças, experiências pessoais e
estudos de vários tipos. Existia, portanto, um grande número de explicações, teorias e práticas
14
que garantiam um certo grau de segurança para o dia-a-dia das pessoas. Contudo, o fluxo de
tamanha quantidade de informação era limitado pela maneira que elas podiam ser disseminadas.
Determinados grupos tinham o acesso a uma certa variedade de informações que iam
desde crenças místicas até conhecimentos mais científicos, transmitidos de acordo com os
interesses dos membros envolvidos e com as possibilidades tecnológicas presentes.
Com o advento da comunicação elétrica, as informações passaram a ser disseminadas de
maneira mais abrangente. As pessoas passaram a entrar em contato com uma infinidade de
discursos e personagens, e passaram a consumir esse tipo de conteúdo. Nos dias de hoje,
podemos perceber quão presentes as mídias estão em nossas vidas e com um pouco mais de
atenção – podemos perceber a torrente de informações em que estamos imersos.
No segundo capítulo (O Homem e seus artefatos na construção da cultura), com o auxílio
de conceitos da teoria do antropólogo Bronislaw Malinowski, procuramos desvelar a relação
existente entre os artefatos (ferramentas e equipamentos, por exemplo) e o sistema de costumes
vigente no grupo de pessoas que a eles têm acesso. Para lidar com o ambiente no qual estão
inseridos, os sujeitos lançam mão de ferramentas e tecnologias que têm o intuito de facilitar suas
vidas. É importante entender que todo artefato traz intrínseco a si aspectos positivos e negativos e
cabe às pessoas que utilizam essas tecnologias desenvolverem estratégias para lidar com elas.
Em seguida, fizemos um sucinto esboço do desenvolvimento e dos desdobramentos da
relação que as sociedades estabelecem com os artefatos. Para tanto, utilizamos algumas idéias do
estudioso das mídias, Neil Postman (2005).
O terceiro capítulo (As mídias como artefatos culturais) conceitua as mídias como sendo
artefatos culturais presentes em nossa sociedade e, portanto, importantes para a construção de
sistemas de costumes e relações com a realidade. Discutimos sobre as maneiras que tais artefatos
15
são utilizados pelo Homem, podendo tanto alienar quanto instruir, tanto unir como segregar;
abordamos, mais uma vez, o aspecto da proliferação de uma gama enorme de informações e
informações associadas ao entretenimento (infotenimento), chamando a atenção para como
muitas pessoas se deixam envolver pela torrente para amenizar suas angústias. Julgamos que as
incertezas e a falta de perspectiva no futuro são um dos motivos para tal estratégia.
A idéia de superficialidade e distanciamento de certos compromissos - principalmente os
a longo prazo – aparecem mais detalhadamente no quarto capítulo (Consumo e imagem efêmera).
Discutimos como as mídias (e os grupos que as controlam) nos oferecem, concomitantemente,
elementos que amenizam e intensificam os sentimentos de angústia e incerteza que as pessoas
experimentam em nossos dias. Amenizam na medida que oferecem maneiras de esquecer tais
sentimentos e nos garantem um “refúgio” na torrente de informações. Intensificam na medida
que informações e relações parecem superficiais e as referências passam a ser instáveis e voláteis
nesta mesma torrente.
Discutimos também de que maneira é feita a mediação das crianças com a realidade; que
tipo de referência estas tem à sua disposição e que tipo acabam adotando para lidar com a
realidade. Discutimos ainda como a tolerância à frustração é importante para o amadurecimento
das pessoas e para a busca de referências mais estáveis para suas condutas e decisões; e
ressaltamos como, muitas vezes, as mídias e seus conteúdos acabam por banalizar e desmerecer
este tipo de tolerância em favor de um hedonismo deturpado que parece obedecer à lógica do
mercado.
O capítulo cinco (Infância e mídias) busca definir de que criança estamos falando, ou seja,
que características elas possuem para estarem e significarem no mundo. Também definimos que
características atribuímos ao aparelho de TV e seus desdobramentos (positivos e negativos).
16
Discorremos, ainda, acerca da relação entre a idéia de infância e os aparatos tecnológicos
(artefatos).
O sexto capítulo (Contemporaneidade, Infância e TV) traz a discussão de como as crianças
lidam com as tecnologias e quais são as implicações disso. Algo que nos chama a atenção é a
idéia de que certa parcela das fantasias infantis são fabricadas e difundidas pelas mídias.
No sétimo capítulo, discutimos a busca de referências, a superficialidade e a falta de
perspectivas para o futuro na construção das ações das pessoas, utilizando como uma espécie de
“metáfora” o livro O Senhor das Moscas, do escritor inglês Willian Goldwin.
Em seguida, apresentamos detalhadamente a metodologia, analisamos as entrevistas
descritiva e interpretativamente, partindo finalmente para a conclusão.
17
A Posse de Informações Como Forma de Poder
Os avanços tecnológicos facilitaram a produção, a proliferação e o consumo de
informações e, nesta abundância, nesta torrente, informações “relevantes” se perderam no meio
das outras, fazendo com que o caminho entre os sujeitos e o que cada um procura seja prolongado
e de certa maneira invadido por vários estímulos e conteúdos irrelevantes. Passou a existir
muita informação desconexa, descontextualizada e com o objetivo de entreter as pessoas.
Para deixar mais claro os descaminhos da informação, é importante olhar para o passado
e rever de maneira concisa como a humanidade vem se relacionando com os meios de
comunicação e, conseqüentemente, com as informações. Em sua trajetória no planeta, o homem
sempre buscou meios de compreender e lidar com o mundo. Seja observando a melhor época
para o plantio, seja discutindo qual seria a melhor estratégia para efetuar um ataque bem
sucedido, as pessoas buscavam o maior número de informações possível para que o investimento
(material e emocional) a ser realizado não fosse em vão.
Esta busca por uma certa margem de segurança e por uma relativa proteção fez com que o
homem, à medida que esta cautela se mostrava útil, se dedicasse cada vez mais a entender os
fenômenos. Obviamente, pessoas com interesses comuns davam atenção a fenômenos
semelhantes, e as conclusões a que elas chegavam (informações por elas coletadas ou inferidas)
seriam ou não compartilhadas de acordo com os interesses dos indivíduos e/ou dos grupos. Com
o passar do tempo, ocorreu o acúmulo de informações sobre os fenômenos. Essas informações
sobre um determinado assunto ficavam sob o poder dos grupos que as haviam coletado e, antes
da invenção da prensa tipográfica, eram transmitidas oralmente para as pessoas escolhidas por
18
esses grupos. “...um grupo é em grande parte definido pela exclusividade da informação que seus
membros compartilham.” (POSTMAN, 1999, p. 98)
Desta forma, por exemplo, o grupo de agricultores que possuía informações suficientes
para que sua produção fosse farta e de boa qualidade tinha vantagem ao negociar seus produtos
em relação a produtores que não possuíam informações da mesma importância.
Assim, também através de observações empíricas, hipóteses foram levantadas e, depois
de testadas, foram comprovadas, refutadas ou reformuladas, mas de qualquer forma contribuíram
para um avanço tecnológico.
O poder do conhecimento científico provém do aproveitamento, através de
generalizações e interpretações teóricas, das leis e regularidades descobertas, e
isso tanto pode se referir às regularidades dos fenômenos naturais, quanto às
regularidades dos fenômenos sociais. Mais ainda, o poder sobre os fenômenos
naturais por parte de indivíduos ou grupos acaba por lhes possibilitar o exercício
do poder sobre outros indivíduos ou grupos. (EPSTEIN, 2005, p.17)
Portanto, quando devidamente coletadas e organizadas, as informações fazem a diferença
entre atividades bem e mal sucedidas e a maneira como o fluxo das informações transita (ou não)
entre os grupos torna-se interessante ao verificar, historicamente, como a posse de determinado
conhecimento por um grupo específico resultou na hegemonia deste grupo em certo período da
história. Pensando na erudição dos monges medievais, nos submarinos alemães da II Guerra
Mundial, no iluminismo francês, perceberemos como a posse de um determinado saber fez a
diferença.
Mas antes de chegarmos à nossa sociedade da informação, precisamos nos deter por mais
um tempo na maneira como a humanidade vem lidando com o mundo e com as necessidades com
as quais se depara. Não podemos perder de vista que as pessoas precisam de um certo número de
explicações para viverem suas vidas; precisam acreditar em algo, ter uma referência na qual se
19
basear para tomarem decisões e darem andamento em suas existências. No Egito antigo, o povo
acreditava que o faraó era o elo de ligação entre eles e os deuses. Tal “explicação” lhes oferecia
um certo grau de segurança, pois se sentiam protegidos. A vida caminha sob os olhos do faraó.
Hitler, por exemplo, convocou a Alemanha para lutar com uma história de que, ao eliminarem
um “bode expiatório”, a recém conquistada prosperidade alemã não mais se acabaria. Sacrifícios
religiosos, oferendas, o algumas das crenças de que o homem lança mão para obter uma
referência na qual basear sua conduta. De certa forma, buscam “teorias”que lhe justifiquem as
ações e ordenem sua vida.
as teorias (científicas ou não) dão formato, significado e sentido, classificam,
ordenam, produzem e alteram tanto a percepção quanto os fenômenos que são
comumente chamados fatos’ ou realidade’. Ou seja: Os ‘fatos’ não existem
por si mesmos, pois toda observação é teoricamente orientada. (BARROS E
JUNQUEIRA, 2005, p.33)
Ao longo da história da humanidade e mesmo numa conversa entre amigos podemos
perceber o grande número de pontos de vista acerca de um mesmo assunto, podemos notar como
pessoas e instituições procuram defender seus pontos de vista, pautando-se em argumentos e
estratégias que validem tais argumentos. Nessa busca pela verdade, as impressões pessoais acerca
dos fenômenos a serem discutidos acabam por influenciar, seja na escolha do fenômeno a ser
estudado, seja na maneira de estudá-lo ou como lidar com as hipóteses que tal estudo levanta. E é
preciso estarmos atentos a isso quando pensamos na construção de algo que dê sentido à
realidade de cada um.
Quaisquer que sejam os pressupostos epistemológicos e as mediações técnico-
metodológicas, existirá, sempre, no processo de conhecimento científico, uma
‘interpretação’ teórica de dados empíricos, entrelaçamento do lógico com o real,
do qual germina uma significação (SEVERINO, 2002, p.70)
20
As realidades digo no plural pois cada um as entende de um jeito - dependem das
percepções que, por sua vez, dependem de nossas interpretações, dos “óculos” que estamos
usando no momento em que nos incumbimos de compreender o mundo que nos cerca. Quando se
significado à realidade através da interpretação, a pessoa torna-se vítima de sua perspectiva.
A percepção é uma aptidão cognitiva multiforme, em que a atenção, os estados da consciência, o
meio social, a memória, as informações provenientes dos sentidos e os processos de
decodificação dessas informações influem nos atos de perceber e interpretar a realidade. Sendo
assim, a percepção da realidade é singular em cada um, e tudo o que for conseqüência disso será
inerente ao ser humano, para quem a percepção é uma atividade flexível que pode lidar com
informações mutantes recebidas.
Cabe a nós, portanto, nos equilibrarmos entre o que é e o que pode ser, sabendo que
Não haverá nunca vazios ou ausências no campo que se estende diante daquele
que percebe. Ao contrário, estaremos sempre diante de um mundo que se mostra
sob aspectos delimitados, tais aspectos funcionando como sugestões para um
aprofundamento e conseqüente assimilação de outros que, por igual, acabam por
se revelarem, também, dotados da dupla função de presença e de insinuações de
co-presenças. (FORGUS, 1971, p.340)
Temos, então, a perspectiva de que o conhecimento é de extrema importância para o
desenvolvimento e que o ser humano procura certo número de “explicações” (e precisa delas)
para viver. Não podemos esquecer que o fluxo do conhecimento chega de maneiras diferentes em
grupos diferentes, portanto, para fechar o ciclo do descaminho das informações, precisamos
atentar para a maneira que as informações nos chegam, e que informações são estas. Está bem
demonstrado que a maioria dos americanos recebe pela televisão a maior parte de sua informação
21
sobre o mundo, e que quase toda ela vem no formato conhecido como show de notícias.”
(POSTMAN, 1999, p.117) e o modelo de vida norte-americano se espalhou pelo mundo nas
últimas décadas, inclusive em nossa sociedade.
Na TV, as notícias são curtas e transmitidas de maneira, ao mesmo tempo, dramática e
superficial. Dramática na medida em que precisa prender a atenção do telespectador; superficial
porque não diz muita coisa além do necessário para ser minimamente compreendida e preparar
terreno para a próxima notícia. Nos intervalos, anúncios apresentam teorias” de como agir, o
que consumir, etc. Às vezes, pode-se ver, entre um produto e outro, o anúncio de algum
programa onde pessoas de verdade fingem ser pessoas de mentira, vivendo problemas de mentira
para que os telespectadores (pessoas de verdade) esqueçam seus problemas. Diariamente, o
mesmo fluxo de informações superficiais como fofocas da vida dos artistas, pessoas chorando em
algum canto do mundo.... antes mesmo de o espectador se sensibilizar, vem aquele comercial
de cerveja (como as pessoas estão felizes!); “Não perca hoje....”mais um filme policial, que
agora não sobre assaltantes ou fugitivos - a moda dos serial killers parece estar em baixa
também – agora são terroristas. Tudo vai acabar bem no filme, mas o importante é a descarga de
adrenalina, a catarse. Voltando para o telejornal, alguém escapou de um acidente terrível, uma
mãe reencontra o filho desaparecido, que bom! Ainda esperança. Uma novela acaba, outra
começa; mais fofoca sobre a vida dos artistas.... onde é que foi aquela enchente mesmo?
Usando a mesma música todas as noites, nos mesmos pontos do programa,
como acompanhamento para um conjunto diferente de acontecimentos, o show
de notícias da TV contribui para o desenvolvimento de seu leitmotiv: que não há
diferenças significativas entre um dia e outro, que as mesmas emoções que
foram evocadas ontem são evocadas hoje e que, seja como for, os
acontecimentos não têm nenhuma importância.(POSTMAN, 1999, p.117)
22
Que tipo de informação é essa? Os dias se sucedem, o ritmo se repete, causando uma
sensação de mesmice. Os comerciais estão ficando mais curtos, sabia? A torrente de informações
não cessa, o ritmo deixa as pessoas empolgadas. A sociedade da informação quer novidades, pois
aprendemos que, para chegarmos perto da felicidade, para realmente aproveitarmos a vida,
precisamos ter acesso às novidades, sejam elas informações ou bens de consumo. As coisas
mudam muito depressa, não para ficar se aprofundando em um assunto ou ficar muito tempo
com um celular, etc., pois agir assim significa ficar desatualizado, o que soa como a morte na
sociedade da informação. “... o negócio da televisão é propagar informação, não coletá-la.”
(POSTMAN, 1999, p.96) A quantidade de informação que acaba nos cercando, associada à
tendência humana de querer aproveitar tudo de “bom” que a sociedade oferece, na verdade faz
com que um determinado grupo (grupo de decisão) acabe por se beneficiar dessa sede de
novidades e deste hedonismo exacerbado presentes na população. “...aqueles que têm o controle
do funcionamento de uma tecnologia particular acumulam poder e, de maneira inevitável,
formam uma espécie de conspiração contra aqueles que não têm acesso ao conhecimento
especializado, tornado disponível pela tecnologia.” (POSTMAN, 2005, p.19). Podemos dizer
que, ao dominar o conhecimento técnico sobre uma tecnologia muito importante e/ou utilizada,
um grupo acaba por gozar de certo prestígio – e controle – sobre a sociedade.
Será que as mídias estão nos ensinando um novo jeito de lidarmos com a realidade? As
tecnologias trazem consigo novas possibilidades para que as pessoas interajam entre si e com o
meio no qual estão inseridas; nessa perspectiva, os artefatos da cultura possibilitam/propiciam
mudanças na sociedade.
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O Homem e seus artefatos na construção da cultura
Seja qual for o tipo de agrupamento humano, nele se encontram normas e
comportamentos comuns para a grande maioria de seus integrantes. Estar inserido em um grupo
implica a adesão a certas idéias que permeiam a união e a configuração do mesmo. Essa gama de
crenças e normas é chamada de herança cultural, mas esse termo não se refere apenas a hábitos e
valores, mas também a bens e procedimentos técnicos. Todo esse patrimônio cultural auxilia os
indivíduos a interagirem com o meio. “O homem, para conseguir viver, altera continuadamente
seu meio ambiente em todos os pontos de contato com o mundo exterior, cria um meio ambiente
secundário, artificial.” (MALINOWSKI, 2001, p.31). Auxiliando a composição desse ambiente
secundário, podemos encontrar a linguagem e o discurso permeando e construindo as relações.
Os indivíduos precisam se comunicar, e o discurso só fará sentido se os outros indivíduos
compartilharem, minimamente, dos elementos necessários para a compreensão; inseridos num
contexto de beligerância, faz sentido o discurso de proteção e de preparação para o combate;
inseridos num contexto onde a prática do consumo está atrelada à construção da identidade, faz
sentido conversar sobre as “novidades” do mercado.
Embora os utensílios e ferramentas construídos para compensar limitações de seu
equipamento anatômico sejam as formas mais tangíveis e evidentes da cultura, não bastam para
compreender as relações que os homens estabelecem entre si e com o meio que os cerca. Todo
artefato está inserido e fortemente relacionado com as circunstâncias em que sua necessidade foi
sentida. “O manejo e a posse de bens implicam também uma apreciação de seu valor.”
(MALINOWSKI, 2001, p.31). Para além das necessidades objetivas de proteção e manutenção
da vida enquanto algo biológico, a posse de certos instrumentos auxilia na construção de um
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certo tipo de hierarquia em que os indivíduos se diferenciam pelo acesso a algumas técnicas,
fazendo com que afetos e sentimentos estejam diretamente relacionados com o acesso ou não a
essas técnicas. Se pensarmos na hierarquia de uma aldeia, ou de um aglomerado humano
qualquer, veremos que a posse de utensílios não é igual para todos os membros do grupo. Em
nossa sociedade, a posse de um automóvel, por exemplo, implica que certos indivíduos podem se
locomover mais eficientemente do que outros que dependem de outros meios de transporte.
Mesmo entre os indivíduos que possuem um automóvel, o valor agregado ao tipo de automóvel
confere subdivisões a esse grupo. Assim sendo, o que surgiu para lidar com uma dificuldade
acaba por ter um papel que vai além desse objetivo.
O processo de se deparar com dificuldades e elaborar estratégias é inerente a todo ser
vivo. E é nesse processo de interação ativa com o meio que o conhecimento é produzido
(PIAGET 2001), não sendo um exagero dizer que a adaptação a situações novas leva os
organismos a modificar a maneira que interagem com o mundo. “O meio ambiente secundário,
o aparelhamento da cultura material, é um laboratório no qual se formam os reflexos, os impulsos
e as tendências emocionais do organismo.” (MALINOWSKI, 2001, p.32)
Ao longo do tempo, as sociedades humanas foram acumulando uma infinidade de
artefatos para lidar com a realidade e, em torno desses artefatos, fruto das facilidades e valores
que eles possibilitavam, os homens passaram a se reorganizar. Seja estando em volta de uma
fogueira ou na frente de uma TV, as pessoas apresentam um estar no mundo diferente em função
dos artefatos e das condutas que eles tornam possível. Os agrupamentos humanos compartilham
certos aspectos da realidade seja esta objetiva ou subjetiva de modo que o discurso que
permeia a relação entre os membros do grupo apresenta valores, idéias e conceitos comuns aos
integrantes desse grupo.
25
Portanto, em toda atividade organizada, os seres humanos se encontram unidos
entre si por meio de sua conexão com um determinado setor do meio ambiente,
por sua associação com um refúgio comum e pelo fato de executarem certas
tarefas em comum.(MALINOWSKI, 2001, p.33)
Ao lado das informações compiladas pela humanidade ao longo de sua história,
acumulou-se também uma grande quantidade de instrumentos e ferramentas que vêm auxiliando
as atividades humanas. E da mesma maneira que ocorre com a posse de informação, a posse
desses artefatos em determinados grupos vem sendo importante na diferenciação de suas
qualidades e conquistas. Por exemplo, ao possuir o conhecimento da escrita, a Igreja ocupava
lugar de destaque na organização social, sendo a detentora do saber e controladora do fluxo de
informações ao qual o povo tinha acesso. Apenas os mosteiros tinham acesso aos livros e a sua
fabricação monopolizava uma gama de conhecimentos e deles se utilizava de acordo com seus
interesses.
Com a prensa tipográfica, o fluxo de informações começou a gozar de maior liberdade, na
medida em que mais pessoas puderam ter acesso às informações. A “verdade” passou a ter mais
de um dono, o acesso às informações tornou-se mais fácil e o aprendizado do código da escrita
foi ganhando espaço na vida das pessoas. Através deste exemplo, podemos ter uma idéia de
como o acesso a um artefato (páginas impressas) foi modificando a organização da sociedade. Da
mesma forma, a posse do artefato prensa tipográfica possibilitou a quem a possuísse certa
autonomia e controle sobre o que os outros iriam ler e ficar sabendo. “A cultura é uma unidade
bem organizada dividida em dois aspectos fundamentais uma massa de artefatos e um sistema
de costumes.” (MALINOWSKI, 2001, p.34)
26
Pois bem, sob a luz dessa definição de cultura defendida pelo antropólogo Bronislaw
Malinowski, podemos inferir/postular os meios de comunicação como sendo os artefatos e o
grande consumo de informações e novidades como sendo um sistema de costumes.
“A cultura é, pois, essencialmente uma realidade instrumental que surgiu para satisfazer
as necessidades do homem de uma forma que ultrapassa completamente qualquer adaptação
direta ao meio ambiente.” (MALINOWSKI, 2001, p.66) O conceito de artefato parece adequado
para designar os meios de comunicação, pois, sendo uma construção humana, as mídias levam
os indivíduos a lidar com a realidade de uma maneira nova, colocando ao alcance de uma grande
população conceitos, idéias, produtos e serviços. Além disso, tal artefato cria uma nova maneira
de lidar com o tempo (informações mais rápidas e acessíveis), com o espaço (distâncias
encurtadas via e-mail e transmissões via satélite, por exemplo) e com os valores (descartabilidade
e obsolescência de produtos).
tanto o mais simples como o mais complexo dos artefatos é definido por sua
função, pelo papel que desempenha em um sistema de atividades humanas; é
definido pelas idéias que se relacionam com ele e pelos valores que o envolvem.
(MALINOWSKI, 2001, p.37)
Para lidar com as dificuldades do mundo, fossem estas dificuldades físicas ou simbólicas,
os indivíduos foram lançando mão de ferramentas (artefatos). Nas culturas usuárias de
ferramentas, esses artefatos tinham como função primordial auxiliar as pessoas em suas relações
com o meio, tornando mais eficientes e até mesmo possíveis - certas práticas. A promessa
inerente a todo artefato é a de facilitar a vida de quem o utiliza, e mesmo que tal promessa não
seja verdadeira, é nela que as pessoas acreditam antes de adquirirem qualquer artefato.“ a
característica principal de todas as culturas usuárias de ferramentas é o fato de que estas foram
27
inventadas, em grande parte, para fazer duas coisas: resolver problemas específicos e urgentes da
vida física (...) ou servir ao mundo simbólico.”(POSTMAN, 2005, p.32-33)
Assim, em culturas usuárias de ferramentas, essa promessa de facilidade é avaliada, e a
prática do uso de tal artefato será consolidada ou não segundo esta avaliação. Ou seja, a
ferramenta não é soberana no cotidiano das pessoas, mas sim subordinada a uma organização
sócio-cultural já existente.
O nome “cultura que usa ferramentas” deriva do relacionamento em dada
cultura entre as ferramentas e o sistema de crenças ou a ideologia. As
ferramentas não são invasoras. Estão integradas à cultura de maneira a não
impor contradições significativas em sua visão de mundo. (POSTMAN, 2005,
p.33)
Tal contradição acaba ocorrendo quando determinada ferramenta propicia grandes
mudanças na ordem social. Possuir um exemplar impresso da Bíblia em casa (associado ao fato
de alguém saber ler), faz com que a “palavra do Senhor” tenha um intermediário a menos até
chegar à vida do fiel. A cavalaria medieval possível graças ao uso do estribo fez com que a
classe dos cavaleiros tivesse maior importância e influencia na organização social medieval.
Neste ponto, onde a ferramenta passa a provocar mudanças mais profundas na sociedade,
esta passa, segundo a linha de pensamento de Postman (2005), a ser denominada tecnocracia. Ou
seja, as ferramentas passam a desempenhar um papel central na organização sócio-cultural. Na
tecnocracia, os artefatos “dão às pessoas o que pensar”, como exemplo, podemos citar o
telescópio que possibilitou a consolidação de novos modos de pensar o mundo físico e o
simbólico (no caso, a religião).
Em uma tecnocracia, as ferramentas desempenham um papel central no mundo
das idéias da cultura. Tudo precisa dar passagem, em algum nível, ao
desenvolvimento delas. Os mundos social e simbólico tornam-se cada vez mais
sujeitos às exigências desse desenvolvimento. As ferramentas não são integradas
à cultura. Como conseqüência, a tradição, os costumes sociais, os mitos, a
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política, o ritual e a religião têm de lutar por suas vidas.(POSTMAN, 2005,
p.38,)
Nestas batalhas entre tecnologia e tradição iniciadas pelo surgimento de algum artefato
valores e idéias são colocados à prova e sobrevive quem, de alguma forma, cumpre suas
promessas de maneira mais convincente. As novas tecnologias prometem facilidade e de certa
forma, honram esse compromisso. O sentido e a amenização da angústia acaba ocorrendo (de
maneira discutível, mas ainda assim “convincente”) a curto prazo, e as pessoas acabam seduzidas
pelas facilidades e comodidades de se entregarem ao fluxo das novas tecnologias.
As pessoas podem até ser filhos de Deus, mas a vida parece fazer sentido também na
medida que elas se reconhecem como consumidores e buscam a sensação de segurança no fluxo
tecnológico e na torrente de informação por ele propiciado: “a disponibilidade não saciou a sede
de imagens e sons. Pelo contrário, quanto mais tecnologia, quanto mais imagens e sons se podem
transmitir, maior a sede – e o desejo de agradar seu próprio eu” (GITLIN, 2003, p.73).
As pessoas tentam organizar, e sempre tentaram, interesses comuns e opiniões
semelhantes, buscando uma identidade grupal que amenize as angústias. No tecnopólio, a
sensação de insegurança aumenta à medida que os valores parecem voláteis e tudo parece
confuso e diminui à medida que as inovações tecnológicas prometem amenizar tudo isso. Parece
um circulo vicioso onde grande parte da população anda em círculos, fornecendo energia para o
tecnopólio se desenvolver. O julgamento humano passa a dar lugar à razão técnica que parece
mais eficiente e palpável . Se antes o cliente tinha sempre razão, agora o computador passa a ter
sempre razão.
Muitas pessoas acabaram comprando a idéia, mesmo sem perceber, de que o sistema e a
tecnologia nos salvarão de nós mesmos, indicando-nos a direção enquanto facilitam nossas vidas.
29
“A verdade de um século de erudição teve o efeito de fazer com que
perdêssemos a confiança em nossos sistemas de crença e, por conseguinte, em
nós mesmos. Em meio aos escombros conceituais, restou uma coisa segura na
qual acreditar a tecnologia. O que quer que possa ser negado ou transigido,
está claro que os aviões voam, os antibióticos curam, os rádios falam e, como
sabemos agora, os computadores calculam e nunca cometem erros somente os
humanos defeituosos erram.”(POSTMAN, 2005, p. 63)
Essa visão parece suficiente para justificar a importância de nos preocuparmos com o
papel que as mídias ocupam em nossas vidas e, principalmente, como estamos lidando com isso,
já que a cultura e os indivíduos se constituem na relação que estabelecem entre si. Em relação ao
sistema de costumes, podemos perceber que nossa sociedade tem como conduta marcante o
consumo de informações e de fragmentos de dias em geral (músicas, vídeos, programas de
computador, mp3, etc). É na avidez pela posse de tais fragmentos culturais que os indivíduos de
nossa sociedade procuram afirmar e construir suas identidades. Consome-se porque, estar em
sociedade, implica no consumo de certos bens comuns à cultura.
30
As mídias como artefatos culturais
Pensar em um mundo sem o aparelho de TV não é apenas imaginar a realidade que temos
hoje sem este artefato da nossa cultura, pois excluí-lo de nossos dias implica também em excluir
as práticas que adotamos para interagir com ele. Este raciocínio funciona para qualquer tipo de
artefato que faz – ou de alguma forma fez – parte da história da humanidade.
Em seu romance “As intermitências da Morte”, o escritor português José Saramago
(2005) narra as mudanças ocorridas em um país no qual a morte interrompe “seus serviços” e os
seres humanos passam a não mais falecer. O que à primeira vista foi encarado como uma dádiva,
passou a tornar-se um problema na medida em que as instituições e a organização social
passaram a sofrer as conseqüências da falta de óbitos. Primeiramente, donos de funerárias
passaram a reclamar por haverem perdido seu “ganha pão”; depois, hospitais e sistemas
previdenciários se viram em apuros face ao número sempre crescente de pessoas a seus cuidados;
Igrejas passaram a ficar preocupadas, pois, sem morte, como elas poderiam pregar a vida após a
morte e a temência a Deus? E o que era visto como algo bom passou a representar problemas e a
exigir soluções por parte da sociedade, que foi obrigada a se reorganizar em função dessa nova
realidade.
Parece absurdo a morte resolver encostar sua gadanha na parede e interromper seu
infalível serviço, mas é interessante notar como a sociedade teve que se esforçar para lidar com
essa nova realidade. Agora imaginemos uma situação diferente, em que a morte passa a fazer
hora extra e põe em risco a vida de um mero muito maior de pessoas. Da mesma maneira, a
sociedade precisaria refletir e procurar maneiras mais eficientes de lidar com esse novo fato; pois
bem, no final da II Guerra Mundial, a humanidade teve contato com dois fatos que, de certa
31
forma, explicitaram a fragilidade da vida humana de uma maneira sem precedentes. Tais fatos
foram os campos de concentração (que mostraram como a crueldade humana pode colocar em
perigo seus semelhantes) e a bomba atômica (que deu ao mundo a idéia de que a destruição em
massa pode por fim rapidamente em milhões de sonhos e histórias de vida ao mesmo tempo).
Frente a tudo isso, o que fazer? Era preciso encontrar maneiras de lidar com essa nova realidade
imposta pelas invenções humanas.
Perceber que seus sonhos e planos podem, de uma hora para outra, serem varridos da face
da terra leva as pessoas a se perguntarem até que ponto sonhar e planejar é válido, viável e até
mesmo saudável. Vale mesmo a pena fazer planos a longo prazo em plena Guerra Fria? Guardar
dinheiro para o futuro ainda faz sentido face a um futuro tão duvidoso? Abrir mão de uma
satisfação superficial agora por uma mais substancial depois faz algum sentido? Depois de ver os
campos de concentração, a explosão da bomba em Hiroshima e a destruição de tantas vidas em
tão pouco tempo, o não parece a resposta mais razoável às perguntas acima. E foi essa a resposta
que a sociedade adotou de forma mais velada ou explícita, dependendo das pessoas e passou
a ter como referência para a tomada de decisões.
Claro que não é como naquela brincadeira na qual alguém pergunta “o que você faria se o
mundo acabasse amanhã?” e as pessoas precisam responder, mas chega a ser parecido na medida
em que o futuro não é tão incerto a ponto de as pessoas acreditarem que o mundo acabará
amanhã, mas, ainda assim, faz com que o prazo tolerável para alcançar satisfações seja reduzido.
Após o período de guerra, a insegurança permanece. As pessoas não sabem ao certo em que
podem investir seus afetos e recursos e por um período de tempo, “suspendem” suas ações
visando encontrar respostas para suas inseguranças. A vida continua, ressabiada e inquieta,
tentando descobrir uma maneira coerente de lidar com a realidade.
32
A falta de perspectiva influi na maneira que lidamos com nosso presente e na forma como
planejamos e investimos no futuro. Em nosso país, podemos citar exemplos de como incertezas
acerca do futuro são estimuladas pela nossa realidade. A violência urbana há muito deixou de ser
um fenômeno exclusivo das grandes cidades; a inflação dos anos 80 e as reviravoltas da
economia de nossos dias são capazes de deixar muitos chefes de família suando frio de
preocupação; pessoas que estudaram muito e se prepararam para o mercado de trabalho acabam
sem emprego ou trabalhando em algo que não queriam. Incertezas assombram nosso futuro,
pouco parece depender de nossos esforços. No que vale a pena investir nossos esforços e
esperanças?
Tendo como pano de fundo esses questionamentos, as mídias vêm sugerindo uma
resposta. Em todos os lares, as notícias sobre incertezas vão dando espaço para entretenimento,
propagandas e informações diversas. A vida continua (claro, não podia ser diferente), mas a
maneira como ela continua acaba passando pelo consumo exagerado de informações e
entretenimento; afinal, é preciso aliviar as tensões do período de conflito, é preciso esquecer as
dores do passado e pensar no futuro. As pessoas podem se divertir com nossa programação
enquanto pensa em como um eletrodoméstico qualquer vai facilitar a sua vida, proporcionando a
ela e seus familiares mais tempo para se divertirem enquanto o próximo conflito não vem. Uma
nova realidade exige um novo modo de pensar.
O tempo passa e o acesso a esse tipo de produto, o “infotenimento” (informação e
entretenimento numa única mensagem, indistintos entre si) vai se tornando cada vez mais comum
no dia-a-dia das pessoas. Novas maneiras de entrar em contato com o que acontece no mundo
vão tornando cada vez mais eficiente a prática de ficar informado. O mundo continua um lugar
competitivo, talvez um pouco mais, pois as pessoas ficaram mais desesperadas em buscar seu
33
lugar no mercado de trabalho e, para se preparar para isso, o acesso a um número elevado de
informações em um tempo reduzido torna-se, teoricamente, fator diferencial na disputa.
É preciso pensar cada artefato da cultura como tendo aspectos bons e aspectos ruins.
Nossos contemporâneos parecem ficar felizes ao dizer que vivemos na era da informação, que o
fluxo de informações e as formas de entretenimento tornam impensáveis a vida antes desse tipo
de realidade. Entretanto, existe também o lado ruim dessa grande quantidade de informação e
parece que poucos se dão conta disso. “...é um erro supor que qualquer inovação tecnológica tem
um efeito unilateral apenas. Toda tecnologia tanto é um fardo como uma benção; não uma coisa
ou outra, mas isto e aquilo.” (POSTMAN, 2005, p.14)
A idéia de “sociedade da informação” disfarça a centralidade das mídias em nossas vidas.
A relação com as mídias leva a um modo de vida em que a racionalidade e a conquista
tecnológica acabam tendo por objetivo um acesso mais rápido e maior à diversão e ao conforto.
Mais importante que as informações, buscamos a satisfação que as mídias podem nos oferecer.
“Visamos, através das mídias, a gratificar e saciar nossa fome convidando imagens e sons a
entrar em nossa vida, fazendo-os ir e vir com facilidade numa busca interminável de estímulo e
sensações”(GITLIN, 2003, p.14)
Vislumbramos a possibilidade da completude, exercitando nossa onipotência ao
utilizarmos o controle remoto ou o “mouse”, e nos sentimos parte de um grupo maior (que nos
confere um certo grau de identidade) ao fazermos parte da audiência de algum produto da
indústria cultural. A busca por uma identidade, por um certo grau de segurança é genuína, mas a
maneira como grande parte das pessoas parece encontrar o que procura é que nos soa incoerente
com tal busca. Consideramo-nos livres para escolher o que consumir (de produtos e serviços a
maneiras de pensar), mas o fato de escolhermos não consumir, por exemplo, parece inaceitável.
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Não gostar de futebol, de carnaval ou do Big Brother; não ter orkut nem mp3, não saber o nome
do ator que faz o mocinho na novela das oito ou não entender a necessidade de possuir um
celular com câmera, pode fazer alguém se sentir (e talvez até estar) excluído perante
determinadas esferas sociais. “Numa sociedade que se imagina a mais livre de todas, passar o
tempo com máquinas de comunicação é o principal uso que demos à nossa liberdade”( GITLIN,
2003, p.14 )
As TVs abertas comerciais, além das distorções da realidade e dos prazeres rasteiros que
nos oferecem, acabam por nos habituar a um ritmo mais acelerado de consumo de informações
“Num grau sem precedentes, a torrente de imagens, música e histórias que passam transformou-
se em nosso mundo familiar.”(GITLIN, 2003 p.15). Por mais incessante que seja o fluxo,
acabamos por entrar em contato com uma sensação de satisfação e excitação. O estudioso das
mídias Neil Postman descreve de uma excelente maneira o modo como as pessoas lidam com
este fluxo:
assistir à televisão é como comparecer a uma festa cheia de gente que você não
conhece. A cada segundo você é apresentado a uma pessoa nova enquanto anda
pela sala. O efeito geral é de excitação, mas no final é difícil lembrar os nomes
dos convidados ou o que disseram ou mesmo porque estavam lá. De qualquer
modo, se você se lembrar não faz a menor diferença. Amanhã haverá outra festa.
A esta imagem acrescente-se o fato de que você será induzido a voltar não
pela promessa de conhecer novos convidados mas pela possibilidade de que
cada um deles revele um segredo de grande interesse.(POSTMAN, 2005, p.97)
As mídias influenciam comportamentos e idéias devido à repetição de seus conteúdos. Tal
repetição, além de habituar as pessoas ao fluxo de informações, faz com que não prestemos a
devida atenção a elas, tudo é muito rápido para “perdermos tempo” tentando refletir a respeito.
“... o barulho cotidiano é o zumbido do inconseqüente, aquilo que apenas existe (...) é a essência
35
da mídia” (GITLIN, 2003, p.18). Estar com as mídias passa a ser uma espécie de consumo,
compartilhado pela sociedade sem que as pessoas se dêem conta disso.
Em presença das mídias, podemos estar atentos ou desatentos, estimulados ou
amortecidos, mas é numa relação simbiótica com elas, suas figuras, textos e
sons, no tempo que passamos com elas, no esforço que fazemos para obtê-las,
absorvê-las, repeti-las e discuti-las, que boa parte do mundo acontece para
nós.(GITLIN, 2003, p.20)
Na relação simbiótica que grande parte das pessoas estabelecem com as mídias,
percebemos que o consumo de imagens, músicas e informações a sensação de plenitude, uma
“plenitude icônica” em que toda essa torrente de informações parece estar à disposição de quem
pode pagar pelas tecnologias que lhes dão acesso. Soberanos, empunhando o controle remoto (ou
algo que o valha) sentem-se plenos e protegidos ao fazer ir e vir imagens e informações. A
sensação de incerteza é momentaneamente esquecida.
Essa prática de fazer imagens circularem parece ser comum na vida das pessoas, todos os
dias as informações vêm e vão, todas muito rápidas. Essa rapidez não permite que prestemos a
devida atenção a determinado assunto e faz com que uma análise mais aprofundada sobre a que
assistimos não ocorra.... as notícias se sucedem em um ritmo veloz e, a menos que levantemos do
sofá ou desliguemos a televisão, é pouco provável que consigamos refletir, de maneira
aprofundada, acerca do que acabamos de ver. O mundo é um lugar cheio de problemas mesmo,
mas depois vem a novela, e então nos distraímos; no dia seguinte, teremos notícias de um mundo
imperfeito onde as pessoas sofrem pelos mais diferentes motivos, mas algum tempo depois na
mesma tela procuraremos outras opções para nos distrairmos. Todos os dias acontece a mesma
coisa, assistimos ao fim do mundo no telejornal e, logo depois, celebramos um mundo paralelo
onde personagens participam de tramas para nosso prazer e entretenimento.
36
Ao longo do tempo, parece não fazer diferença o teor das coisas que vemos, desde que
sigam essa dinâmica de sucessão entre o “caos” e o belo”, entre o vermelho das batalhas e o
vermelho nos lábios da moça na propaganda. De certa forma, essa “moça”não é real, percebemos
em algum lugar de nossa subjetividade que a propaganda é uma “mentira bem contada”, e
depois de alguns anos, vendo os vermelhos se intercalarem, o que vemos no jornal pode muito
bem ser uma “história mal contada”, ou seja, tanto a propaganda como o telejornal não nos
oferecem algo sobre o que valha a pena refletir. E a vida vai passando, o tempo vai passando;
marcas vem, marcas vão e o sabão em pó continua sendo responsável pelos sorrisos dos membros
da família.
Para ler um livro, é preciso, preferencialmente, de um local sossegado, livre de barulhos e
interrupções. É preciso que o leitor tenha disciplina e força de vontade suficientes para sentar-se
e direcionar sua atenção à decodificação do que está impresso nas páginas do livro. Para assistir à
televisão, a prática é outra, pois ela não exige o mesmo nível de dedicação necessário para ler um
livro. Imagens e sons fluem na tela, tudo parece ser, de certa forma, auto-explicativo. A entrega
que era necessária para a leitura de um livro não é a mesma que a televisão solicita; E isso, ao
longo do tempo, produz mudanças no modo em que as pessoas distribuem suas atenções e afetos
em suas tarefas diárias.
as novas tecnologias competem com as antigas pelo tempo, por atenção, por
dinheiro, por prestígio, mas sobretudo pela predominância de sua visão de
mundo. Essa competição é implícita, uma vez que reconheçamos que um meio
contém uma tendência ideológica.(POSTMAN, 2005, p.25)
Os relógios mecânicos deram ao mundo a noção de que era possível sincronizar as ações
dos homens, o estribo fez com que a estratégia de guerra fosse modificada, fazendo surgir a
cavalaria e a prensa tipográfica colocou a “Palavra do Senhor” ao alcance de um número maior
de pessoas. Estes e outros exemplos de como invenções tecnológicas (artefatos) modificaram a
37
sociedade em que eram introduzidos estão presente nos escritos de Neil Postman (1999, 2005),
principalmente em seu livro intitulado “Tecnopólio” (2005). O que podemos pensar acerca da
televisão é que ela propicia um acesso amplo a uma gama também ampla de assuntos, o que não
significa que alguns desses assuntos sejam por ela aprofundados, mas o contrário: a programação
televisiva apresenta superficialmente os assuntos. É fato conhecido que as pessoas passam uma
boa parte do tempo em contato com as mídias, principalmente com a televisão, o que nos permite
pensar que elas se acostumam com a superficialidade e com o nível de investimento que cada um
precisa fazer para participar desse fluxo de informações. Habituados com um nível de
investimento pessoal mais baixo, as pessoas acabam por transpor isso para sua vida cotidiana, na
relação com suas atividades e com outras pessoas.
Retomando as principais idéias abordadas neste trabalho, temos a idéia das mídias como
sendo artefatos culturais, provocando mudanças nos sistemas de costumes. Tal relação entre
artefatos e costumes está presente na teoria de Malinowski. Utilizamos também a noção de que o
grande fluxo de informação propiciado pelas mídias faz com que as pessoas se vejam cercadas
por uma torrente de informações sobre todos os assuntos possíveis sem que tenham a
oportunidade de refletir acerca disso (Gitlin 2003 e Postman 1999, 2005). E pelo fato de os
programas serem destinados a um público muito amplo, crianças e adultos acaba assistindo as
mesmas coisas (Postman 1999, 2005). E por fim, entendemos que as pessoas acabam investindo
suas energias e afetos de maneira superficial em coisas também superficiais, como uma estratégia
para lidar com as vicissitudes da realidade, idéia esta presente na teoria de Lasch (1986).
38
Consumo e imagem efêmera
Epícuro, em sua carta a Meneceu, disserta sobre a felicidade, afirmando que “todo prazer
constitui um bem por sua própria natureza; não obstante a isso, nem todos são escolhidos; do
mesmo modo, toda dor é um mal, mas nem todas devem ser evitadas” (EPÍCURO, 2002, p.39).
Mas tal felicidade não pode ser alcançada obedecendo apenas à busca de prazer. Está implícito
nas palavras de Epícuro que temos o direito de buscar a felicidade, mas para tanto temos que
fazer escolhas que exigem de nós um certo grau de sacrifício, um adiamento de nossa satisfação.
Hoje em dia, essa filosofia hedonista aparece deturpada na medida em que toda dor deve ser
evitada. Essa conduta leva a uma dinâmica de consumo baseado em impulsos, fazendo com que
as pessoas não vejam além da possibilidade mais próxima de felicidade.
Essa maneira de se lidar com as limitações impostas pelo mundo, na medida em que faz a
pessoa investir em si mesma, propicia uma redução no grau de envolvimento dessas pessoas com
seus semelhantes. Portanto, cada vez mais, o contato com o outro acaba se tornando raro e, na
maioria das ocasiões em que ocorre, torna-se desgastante para as pessoas envolvidas, seja por
conta da superficialidade ou pela “ameaça” que o contato com o outro oferece para nosso
narcisismo.
Ao adotar o termo indústria cultural
2
, Adorno – importante pensador da Escola de
Frankfurt mostrava-se interessado na relação que estava sendo estabelecida entre as pessoas e
os bens de consumo aos quais tinham acesso.
Durante uma conversa, certa vez, ao falarmos sobre comida, meu interlocutor afirmou que
as comidas tinham sempre seu sabor característico, até que foi inventado o Catchup. Essa
2
Não é objetivo desta dissertação fazer uma discussão mais aprofundada sobre a indústria cultural nos moldes
propostos por Adorno.
39
afirmação bem humorada trazia consigo a percepção e uma certa dose de indignação de que
comidas que poderiam ser singulares em seu sabor, acabavam por ser homogeneizadas pela
utilização de tal condimento. Estendendo esse raciocínio para além da esfera gastronômica,
podemos pensar que nosso dia-a-dia está sendo homogeneizado, na medida em que anúncios,
programas e bens de consumo não trazem, em sua mensagem ou em seu conteúdo, nada que
não tenham nos oferecido antes. Os programas visam a nos divertir e entreter e os produtos, a
facilitar nossas vidas. Até que ponto isso não passa de um engodo para nossas mentes inquietas?
Retomando a idéia de que as pessoas procuram crenças para dar um sentido a suas vidas e o fato
de que as mídias se oferecem para nos mostrar o caminho da felicidade, o encontro dessas duas
entidades sociais (as pessoas e as mídias) acaba acontecendo. “Os próprios produtos, desde o
mais típico, o filme sonoro, paralisam aquelas capacidades [imaginação e espontaneidade] pela
sua própria constituição objetiva.”(ADORNO, 2005, p.16).
Cercado de estímulos ao consumo de bens e serviços o indivíduo acaba, depois de
uma certa dose de exposição, impelido a consumir certa parcela do que está sendo anunciado sem
refletir muito sobre tal ato. Ainda segundo esta visão, necessidades básicas como comida e
educação disputam seu espaço com o ato de consumir as novidades (objetos ou idéias)
oferecidas pelo mercado.
A indústria cultural, que tem como guia a racionalidade técnica esclarecida,
prepara as mentes para um esquematismo que é oferecido pela indústria da
cultura – que aparece para os seus usuários como um 'conselho de quem
entende'. O consumidor não precisa se dar ao trabalho de pensar, é escolher.
É a lógica do clichê. (SILVA, 2004, p.1)
Nas palavras de Gitlin (2003, p.33) “A tela é brilhante, mais brilhante que a realidade
comum (e provavelmente por isso é que é tão difícil desviar os olhos)”. Deste modo, passamos
muito tempo prestando atenção ao que os programas e anúncios procuram nos apontar como
certo e eficaz na busca do bem estar; vamos sendo, de certa forma, seduzidos, deixando que
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personagens e propagandas acabem (em diversos graus de intensidade) influenciando a maneira
como lidamos com as vicissitudes da vida.
Se pensarmos na quantidade de propagandas que invadem nosso dia-a-dia e repararmos
como cada vez mais elas apresentam soluções fantásticas para as mais diversas questões, fica
claro que os consumidores são cada vez mais encarados como crianças; adolescentes de 50 anos
que são levados a acreditar em diversos graus e por diversas razões que serão mais felizes e
que seus problemas serão menores após a aquisição de um determinado produto. “Infalivelmente,
cada manifestação particular da indústria cultural reproduz os homens como aquilo que foi
produzido por toda a indústria cultural.” (ADORNO, 2006, p.17)
Na maioria dos sistemas semiológicos e as mídias são um sistema de construção de
signos, linguagens e valores podemos perceber que “a ngua é elaborada não pela ‘massa
falante’, mas por um grupo de decisão” (BARTHES, 1974 p.31). A análise feita por Barthes a
respeito da produção cultural nos mostra como esse “grupo de decisão”, de maneira deliberada,
acaba por fabricar linguagens de acordo com as necessidades do mercado, linguagens estas que
determinam valores e padrões de consumo (Barthes, 1974). Tudo isso nos coloca como alheios
ao processo de construção desses valores, o que nos induz, de maneira mais ou menos intensa, a
adquirirmos modos de vida que mesclam nossas demandas com as demandas formuladas por
esse grupo de decisão.
Podemos perceber que a publicidade lança mão de vários artifícios que visam à
manipulação dos afetos humanos; para vender idéias e modos de agir, tem como aliada a
propensão humana a “fugir da realidade”, a optar pelo caminho aparentemente mais cil, ou
melhor, pelo caminho mais seguro com o objetivo de nos superprotegermos contra as
adversidades que nos possibilitam aprender a lidar melhor com a realidade.
41
O controle social feito pelas mídias, além de outras coisas, prega muito trabalho para
muito consumo. Enquanto o cidadão está preocupado em adquirir bens, ele se esforça, trabalha
bastante e lucro aos grupos de decisão”. O fato de os padrões de consumo estarem cada vez
mais voláteis, quando não inacessíveis, faz com que esse cidadão, apesar de trabalhar cada vez
mais, não consiga adquirir o que deseja e, ao mesmo tempo, se preocupe cada vez menos com a
realidade social que o cerca e, apegando-se a uma visão cada vez mais individualista, o
compromisso social desaparece. Valores como a honra, sinceridade e responsabilidade acabam
cedendo lugar a valores ligados à glória (beleza, força física e status), (Silva, 2004).
Claro que não estamos nos opondo radicalmente ao consumo de bens e serviços, mas
acreditamos que o consumo deve ser determinado por nossas demandas, e não por manipulações
feitas estrategicamente para canalizar o sentimento de falta que temos para um consumo cego. É
interessante notar o uso de estratégias que fazem com que esqueçamos temporariamente nossas
angústias, é curioso ver como as pessoas acabam por deixar se convencer, visto que comprar algo
é mais fácil que levar uma conduta mais esclarecida frente ao mundo e seus problemas. A
adolescência é cada vez mais antecipada e seu final cada vez mais retardado, na busca de um
“homem massa” que, na definição de Postman (1999), comporia um enorme público alvo
consumidor, com gostos iguais e idades diferentes. Que existe um desejo, não se pode negar; a
questão é a manipulação feita com os artifícios da publicidade e ditada pela lógica do mercado, o
que nos leva a perceber como o simples ato de brincar vem perdendo espaço na ”agenda” das
crianças em favor de uma busca de preparo para o mercado de trabalho.
É possível analisar como os meios de comunicação buscam utilizar nosso inconsciente,
nossos desejos, nossa fragilidade e nos instigam a participar da grande festa que é o consumo de
bens e informações (entretenimento). Tudo é festa, tudo é motivo para comemorar, ou para
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fugirmos de nós mesmos, das nossas responsabilidades e nos entregarmos ao som que as rádios
tocam.
A psicanálise mostra que é abrindo mão de nossas fantasias e interagindo com a realidade
de maneira madura (enfrentando os problemas e a angústia de existir), nós nos desenvolvemos e
nos tornamos sujeitos; esse processo exige certo grau de tolerância à frustração, pois o
autoconhecimento faz com que precisemos ver coisas que também não nos agradam.
E nós sabemos que a responsabilidade é a marca da maturidade, da saúde
psíquica, da presença da individualidade.(...) é preciso ter sempre a angústia de
captar a verdade do momento, o emergente de cada situação, o novo que a
marca e o sentido a cada situação humana.
(ANDRADE, 2003, p.5)
A sociedade na qual estamos inseridos prega, em geral, exatamente o contrário,
mostrando atalhos indolores que levam à “felicidade”. É comum ver pais com uma certa
tendência a superproteger suas crianças, tentando fazer com que elas se frustrem o mínimo
possível e, ao mesmo tempo, se preparem para lidar com o mundo adulto com a aquisição de
diversos conhecimentos teóricos. Isso faz com que a tolerância à frustração importante
ferramenta para o amadurecimento humano acabe por ceder lugar a uma insegurança e um
sentimento de que adversidades são apenas “perda de tempo” e não também oportunidades para o
crescimento.
Ao invés de tentar resolver, encarar os desafios e tentar superar as limitações ou aprender
com elas, percebemos que as pessoas acabam se refugiando do real e da possibilidade de se
tornarem sujeitos, cidadãos e autônomos, entregando–se a práticas e estilos de vida que primam
pela superficialidade e pela falta de compromisso com a realidade externa.
A vida, sabidamente curta, parece não poder “perder tempo” buscando descobrir os
limites que a circundam; precisa ser rápida em desfrutar tudo a que julga ter direito, sem prestar
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contas e sem refletir sobre os motivos ou conseqüências das escolhas que faz. Buscamos uma
plenitude baseada na posse de bens de consumo, imagens, sons, informações, enfim, na posse de
modos de vida que ganham e perdem significados com a mesma rapidez. “É plenitude, mas de
um tipo restrito. Embora possamos preservá-las em videoteipe ou memória digital, em geral as
imagens que nos chegam nas telas são vestígios efêmeros.” (GITLIN, 2003, p.33).
Interagimos com as imagens que, incessantemente, se fazem presentes em nosso dia-a-dia
de uma maneira alienada, na medida em que elas nos oferecem o esquecimento em troca da nossa
atenção. Enquanto estamos envolvidos em descobrir quem é o culpado num certo episódio de um
seriado, ou nos deliciamos com uma briga no horário nobre, nos esquecemos de nós mesmos;
As identificações com os filmes e novelas, se superficiais, acrescentarão algo ao
meu próprio desenvolvimento ao me fazerem pensar, pensar em mim mesmo,
em como eu estou enfrentando a vida. A gratificação verdadeira ocorrese
eu der um passo a mais na compreensão de minhas dificuldades e do mundo que
me rodeia. Se me divirto com o espetáculo ou se o espetáculo é para me
acreditar campeão, um grande risco. O espetáculo é construtivo se me
despertar dúvidas, se me levar a levantar hipóteses, se mobilizar minha
curiosidade. Caso contrário será empobrecedor, quando não perigoso.
(ANDRADE, 2003; p. 5-6)
Nessa fuga em direção ao “final de semana”, um comportamento fica cada vez mais claro:
o não comprometimento e a relativização das escolhas. Quando escolhemos algo, assumimos um
compromisso em manter essa escolha e defendê-la; assumimos um ponto de vista, nos apegamos
a ele porque traduz o que sentimos e pensamos. O mundo, por sua vez, vai testando a validade
dessa nossa opção, visto que não podemos entrar por todas as portas ao mesmo tempo e, a partir
do momento em que escolhemos uma porta, as outras são descartadas. Acontece que, ao nos
ligarmos a uma escolha, acabamos por limitar o campo de visão, e como podemos falar em
limitações em um mundo “sem fronteiras?” “A sociedade de massas precisa da ‘liberação’ dos
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impulsos, mas evita a reintegração de seus conteúdos. Assim, as paixões emburrecidas podem ser
canalizadas para a obediência fanática, para a moda, para o consumo” (KHEL, 2000, p.49). A
falta de comprometimento com valores morais parece inevitável num cenário como este.
Uma ‘sociedade de consumidores’ não vai escolher entre uma coisa ou outra e,
sim, escolher todas de uma vez, tamanha sua sede de consumir. A ‘liberdade de
escolha’ passa a deixar as ‘opções em aberto’. Dessa forma, identidades são
trocadas como se muda de roupa. Todas as escolhas, além de serem abrangentes,
devem estar sujeitas ao cancelamento. Ora, uma escolha sem compromisso é, na
realidade, uma abstenção da escolha e nega a liberdade que pretende sustentar’
(SILVA, 1998, p.6)
Desta forma, nada vale mais do que a próxima novidade e, a partir disso, apegar-se a algo
passa a ser incoerente. Como se arrepender das conseqüências de uma escolha se esta não foi
feita? Não se assume o risco de defender uma idéia ou ponto de vista, pois isso desgasta, cansa e
atrapalha a mentalidade hedonista. Cada vez mais nada parece ser o suficiente para nós. A falsa
idéia de possuirmos tudo ao deixarmos as escolhas em aberto não passa de mais uma das
estratégias adotadas pelo indivíduo para minimizar a angústia que a realidade apresenta; “a
substituição de um mundo confiável de objetos duráveis por um mundo de imagens oscilantes
que tornam cada vez mais difícil a distinção entre a realidade e a fantasia.” (LASCH, 1986,
p.13,)
Esta forma de se colocar frente à realidade mostra que o descompromisso vai tomando
conta do dia a dia de pessoas que se olham não mais em espelhos, mas em vitrines.
Agregando-se a esse panorama, notamos com mais facilidade a conduta de pais que
superprotegem os filhos e adquirem o “hábito” de preservá-los de vivências potencialmente mais
arriscadas, que lhes exigem maturidade e tolerância à frustração. Se por um lado as mídias prega
condutas passionais frente à bens de consumo (o que infantiliza as pessoas), pais zelosos tentam
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proteger seus filhos de cometerem erros e aprender com eles (o que também infantiliza). De
modo que, ao mesmo tempo em que se retira o direito de a criança brincar — e com isso parte de
sua infância — para que ela se prepare academicamente para o mundo adulto, tenta-se compensar
esse fato “facilitando” ao máximo a vida dos filhos, não deixando que eles mergulhem “um
pouco na sua própria confusão e aprender com ela” (MARANO, 2005).
Percebemos todo um movimento de aproximação por parte das mídias, até o ponto de ela
se tornar um amigo confiável; e quem não daria ouvido a um amigo? Fica fácil pensar que o
mundo se resume ao que é transmitido pelo telejornal. Por mais incerto que seja o futuro, por
mais insegurança que o dia-a-dia nos provoque, as pessoas podem contar com os prazeres
rasteiros que a indústria do entretenimento nos garantem todos os dias ao ligarmos a TV. Os
meios de comunicação em massa parecem nos indicar o que vale a pena ser visto, o que - em
diferentes graus – influi em nossas conversas e em nossas percepções sobre o mundo.
A sociedade está padecendo de várias patologias. Tornou-se corriqueiro o fato de um
“especialista” ir à televisão ou rádio e, com seu discurso elaborado, deixar as pessoas mais
tranqüilas ao constatarem que não são as únicas a sofrerem e o mais importante existe
uma suposta cura para esse sofrimento. A busca por “si mesmo” se confunde com a aquisição de
bens de consumo.
E como, em geral, o conhecimento jornalístico peca pela superficialidade, o
leitor-ouvinte-espectador, que nada mais que o jornal do dia, e nada mais
busca que aquilo que na televisiva intimidade de seu lar, recebe o que é dito
numa entrevista - ainda por cima exposto por um especialista, alguém que
presumivelmente sabe do que está falando - como algo que deve ficar incluso no
rol das certezas.
(SILVA, 1998, p.10)
Dessa maneira, a felicidade parece estar sempre à mão, de modo que não temos nem
tempo de encarar o que nos aflige, pois já estamos providenciando um meio de preencher o vazio
46
que nos domina e assusta. Participamos de uma corrida em esteiras onde, apesar de não sairmos
do lugar, não nos permitimos parar, pois o ritmo da torrente na qual estamos imersos acaba por
nos deixar cada vez mais alucinados em meio a tantas “novidades”.
É fato que não somos capazes de dar atenção a todos os acontecimentos e que precisamos
delimitar nossa área de percepção para podermos lidar com o mundo. Pois bem, como fazer essa
delimitação? Um fenômeno que vem se tornando cada vez mais comum é deixar que as mídias
faça essa delimitação. Tragédias e descobertas ocorrem o tempo todo, mas as mídias acabam
escolhendo o que estará na ordem do dia.
Quando Perseu (herói da mitologia grega) foi incumbido de matar a medusa, deparou-se
com um grande problema: como enfrentar e derrotar um inimigo que não podemos encarar
de frente? Quem quer que olhasse diretamente para a medusa, transformar-se-ia em pedra. Isso
posto, o único jeito de olhá-la era através do seu reflexo. Portanto, nosso herói precisou de algo
mediador (o escudo de prata) para lidar com a realidade (a perigosa medusa) e assim cumprir sua
missão. (FARIA, 2004)
Nossa missão que se resume em “apenas” nos relacionarmos com o mundo de maneira
a lidar com nossas angústias e construir algo de bom com isso é tão arriscada quanto a de
Perseu, visto que do mesmo jeito que olhar a medusa diretamente petrifica, também a realidade
nos “petrifica”, pois por ela somos envolvidos em um turbilhão de informações e é nesse
turbilhão que temos que encontrar as informações necessárias para atender nossas demandas.
Essa “seletividade do espaço de vida resultaria de um princípio econômico, dado que a
convivência com a totalidade do meio físico seria não infecunda e improdutiva, como
perturbadora” (PENNA,1968, p.32). Percebendo o meio dessa maneira, os organismos teriam
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uma espécie de mapa ou catálogo de onde empenhar suas atenções e esforços para a obtenção de
suprimentos — tanto físicos como emocionais — para sua sobrevivência.
Tendo em vista esse fato, podemos estender o raciocínio mais além, na medida em que as
campanhas publicitárias e as mídias em geral acabam por induzir a apropriação de valores e
condutas por parte dos consumidores/ telespectadores. Desta forma, a indústria cultural propõe-se
a fazer a mediação entre as pessoas e a realidade, claro que de uma maneira que obedece não às
necessidades humanas, mas sim à gica do mercado. Ao dizermos isso, não queremos afirmar
que a propaganda impõe algo alheio ao consumidor, mas, utilizando conhecimentos acerca da
natureza humana e de seu comportamento, acaba por incentivar certos modos de pensar mais
infantilizados, guiados pelo princípio do prazer e do hedonismo tão em voga hoje em dia. “O
manipulador, ao persuadir, deve levar em consideração os valores do sujeito para conseguir o que
deseja. assim ele poderá fazer com que o sujeito creia no manipulador e nos valores impostos
por ele e aceite ser manipulado” (NASCIMENTO, 2002, p.7) Nada mais injusto do que ser
atacado por alguém que não se vê... que poucos têm a consciência de que a propaganda busca
chamar a atenção muito menos pelo produto e muito mais por um apelo ao inconsciente.
Pelos mistérios do mercado, as pessoas atribuíam valor a bens sem os quais
podiam viver. Mas Marx não previu que o capitalismo, graças a seu constante
sucesso produtivo, forneceria tanta abundância de mistérios transcendentes com
os quais as pessoas poderiam compensar seus sacrifícios
(GITLIN, 2003, p.50)
É transmitida uma idéia de “cultura atrelada ao consumo”, o que dá margem a uma certa
distorção e/ou descrédito das ideologias que acabam, muitas vezes, por perder a cor quando
comparadas aos anúncios. Os discursos são cuidadosamente manipulados a serviço de uma
ideologia do consumo que “o campo midiático se define pela configuração de textos, imagens
48
e sons que atendem às regras de veiculação de enunciados na sociedade da
informação”(PEREIRA, 1998, p.09). O real e a propaganda acabam por se confundir e como o
objetivo da propaganda é ser agradável e fazer com que a pessoa se sinta mais feliz adquirindo o
produto, a vida acaba se tornando a busca pela felicidade na superficialidade. Não se toleram
mais frustrações. Quem, deliberadamente, optar por ficar fora do esquema de consumo não será
visto com bons olhos. Defende-se a alteridade e a diferença, mas, ironicamente, um certo tipo de
diferença que não contradiga a ideologia vigente.
Nossa sociedade apresenta um grande interesse por informações e entretenimento. Com o
passar do tempo, parece que estas duas coisas se mesclaram e a maioria das pessoas passou a ver
com bons olhos o acesso rápido e abundante a esse tipo de mercadoria, ou seja, o consumo de
informações. “... o capitalismo exigia a distração popular.”(GITLIN, 2003, p.49) e cada vez mais
as pessoas adotam o consumo das informações-entretenimento e os meios tecnológicos que
potencializam este consumo. Estando em contato com esse tipo de informação, as pessoas
também entraram em contato com estratégias publicitárias que buscam vender junto com seus
produtos, estilos de vida e modos de pensar; tudo num discurso coerente com a lógica de
mercado capitalista.
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Infância e mídias
De que Criança estamos falando?
Responder a esta pergunta é de suma importância para o desenvolvimento desta pesquisa.
Entendemos a criança como um sujeito em construção que, ao longo do tempo, se desenvolve
biológica e psicologicamente. Apesar de precisar de auxílio durante o trajeto rumo ao
amadurecimento, está longe de ser uma “tabula rasa”, visto que é capaz de atribuir sentido à
realidade de acordo com suas experiências.
Após o nascimento, utilizando seus esquemas-reflexo, sua tolerância à frustração e a
capacidade de adaptação, interage com o mundo e vai construindo seu modo de se relacionar com
ele. Tal construção leva em conta também as características do ambiente no qual a criança está
inserida e a dinâmica da relação dos membros da família e da sociedade propicia situações e
elementos importantes para o desenvolvimento infantil.
Inserida na sociedade, a criança começa a interagir com os artefatos culturais que esta lhe
oferece, seja este artefato o arco e flecha ou o aparelho de TV. Desta interação surgem elementos
que auxiliam a construção do mundo simbólico da criança e, conseqüentemente, seu modo de
pensar e interagir com o mundo.
Para uma criança que cresce mergulhada na cultura das imagens, isso
parece a coisa mais natural do mundo. Parece, na verdade, ser a natureza.
Esperar que imagens e sons surjam a pedido (ou mesmo quando não
pedidas e desejadas) parece tão normal quanto esperar que o sol nasça.
(GITLIN, 2003, p.38)
Certamente se olharmos para as lembranças que temos de nossa infância, estaremos
entrando no plano simbólico, e nos depararemos com algumas senão várias histórias que os
adultos nos contavam, seja seguindo as ginas de um livro ou os devaneios da imaginação.
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Geralmente, a cena se dava antes de dormir, antes de estarmos em contato com o mundo dos
sonhos, antes que nossas mentes nos apresentassem (das maneiras mais diversas) o que ela trazia
de bom e de ruim, de agradável ou assustador. Ser criança não é tão fácil quanto parece e a
ausência de responsabilidades não implica numa ausência de conflitos, dilemas e preocupações.
Lidar com emoções contraditórias, sentimentos ambivalentes, temores e decepções não é uma
tarefa das mais fáceis (e nem das mais agradáveis) para nenhuma pessoa, ainda mais para as
crianças que, recém apresentadas para o mundo, estão testando e construindo seu jeito de estar
nele.
Para dominar os problemas psicológicos do crescimento (...) a criança necessita
entender o que está se passando dentro de seu eu inconsciente. Ela pode atingir
esta compreensão, e com isto a habilidade de lidar com as coisas, não através da
compreensão racional da natureza e do conteúdo do seu inconsciente, mas
familiarizando-se com ele através de devaneios prolongados ruminando,
reorganizando e fantasiando sobre elementos adequados da história em resposta
a pressões inconscientes. (BETTELHEIM, 1999, p.16)
Levando em consideração o ponto de vista do psicanalista Bruno Bettelheim, que defende
um contato da criança com seu mundo interno como fator importantíssimo para o
desenvolvimento desta, encontramos nos contos de fada uma valiosa oportunidade para que a
criança olhe para seus conflitos e temores com os olhos da fantasia; e este olhar é de grande ajuda
para que a criança cresça e se organize como sujeito. Ao olhar para seus conflitos de uma
maneira “indireta”, ou seja, mediada pela trama da história e de seus personagens , os medos
mesmo sendo reais – assustam menos as crianças, pois além de serem compartilhados com outras
pessoas (os personagens da história), a solução para os conflitos aparece de maneira
apaziguadora, fortalecendo, na criança, a crença de que é possível encarar os medos e sair
vitorioso.
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Uma compreensão do significado da própria vida não é subitamente adquirido
numa certa idade. (...) a cada idade buscamos e devemos ser capazes de achar
alguma quantidade módica de significado congruente com o ‘quanto’ nossa
mente e compreensão já se desenvolveram (BETTELHEIM, 1999, p. 11)
Neil Postman, em seu livro "O desaparecimento da infância" (1999), discorreu reflexões
acerca da infância. Enfocada como uma produção social, discutiu a instauração e incorporação da
infância, por parte dos adultos, como um hábito cultural e, posteriormente, o declínio valorativo
configurado no período em que vivemos. Dados históricos revelam que durante a Idade Média
não havia a concepção de desenvolvimento infantil nem a consciência de que a escolarização
seria uma preparação para o mundo adulto. As crianças conviviam com os adultos no mesmo
universo social e isto fazia com que elas tivessem acesso aos comportamentos comuns à cultura.
(ÁRIES, 1989)
Mudanças tecnológicas estão intimamente relacionadas com o surgimento da infância. Elas
podem desencadear alterações em nossos hábitos, interesses e até mesmo em nossa estrutura
psicológica.
as mudanças na tecnologia da comunicação tem, invariavelmente, três tipos de
efeitos: alteram a estrutura dos interesses (as coisas em que pensamos), o
caráter dos símbolos(as coisas com que pensamos) e a natureza da comunidade
(a área em que os pensamentos se desenvolvem (POSTMAN, 1999, p. 37)
Depois da tipografia, uma determinada gama de acontecimentos e pensamentos foi
limitada a um grupo de pessoas, uma vez que, com a impressão de livros, surgiu o homem
letrado, aquele que pôde tomar conhecimento de técnicas e saberes antes passados oralmente.
Assim, os jovens, para ingressarem no mundo adulto, precisam de escolarização, aprender a ler e
a dominar o código da escrita, promovendo a necessidade da criação e, por conseguinte, o
52
florescimento da infância, na medida em que as crianças passam a ser vistas como sujeitos em
desenvolvimento, que precisam de auxílio para adentrar ao mundo adulto.
Então as crianças tornam-se objeto de respeito, são consideradas especiais, possuidoras de
diferentes necessidades e, por isso, precisam ser separadas e protegidas do mundo dos adultos. A
infância passa a ser vista como um período formativo, torna-se uma categoria social e intelectual.
E o efeito desta educação formal foi prolongar o período em que as crianças ficam a salvo das
responsabilidades conferidas aos adultos.
Ser adulto significaria ter conhecimento dos segredos culturais, que passaram a ser
ocultados dos jovens. Assim, ao passo que a tipografia contribuiu para a criação do conceito de
infância, acabou por afastar os jovens dos assuntos cotidianos com os quais conviviam na Idade
Média.
Os filósofos Locke (1632-1704) e Rousseau (1712-1778)
3
apresentam importantes idéias a
respeito do conceito de infância, idéias que constituíram as bases para o pensamento desse
fenômeno e de sua relação com a sociedade. Segundo o levantamento feito por Postman, em
Locke, temos o conceito de tabula rasa, onde “recai sobre os pais e mestres (e, mais tarde, sobre
o governo) uma grande responsabilidade pelo que, finalmente, será inscrito na mente”
(POSTMAN, 1999, p.71). Essa responsabilidade denota uma concepção na qual se a criança
como algo diferente do adulto, que precisa ser cuidada para se desenvolver. para Rousseau, “a
criança é importante em si mesma e não meramente como meio para um fim. Nisto ele
discordava nitidamente de Locke, que, sob todos os aspectos, via a criança como um cidadão em
potencial e, talvez, um futuro comerciante” (POSTMAN, 1999. p.72). Mesmo discordando de
Locke, Rousseau também percebe a criança como algo diferente do adulto.
3
Tanto Locke como Rousseau não trabalharam diretamente com o conceito de infância, mas algumas de suas idéias
acerca da sociedade são relevantes para o entendimento de tal conceito.
53
E é a idéia dessa diferença entre criança e adulto que leva ao conceito de infância e suas
implicações, principalmente pelo fato de a criança não “estar preparada” para o mundo adulto.
Assim há uma realidade distinta para ambos, cada qual com suas particularidades.
De qualquer modo, como a infância e a idade adulta se tornaram cada vez mais
diferenciadas, cada esfera aperfeiçoou seu próprio mundo simbólico e,
finalmente, passou-se a aceitar que a criança não podia compartilhar e não
compartilhava a linguagem, o aprendizado, os gostos, os apetites, a vida social
de um adulto. (POSTMAN, 1999, p.65)
À medida que houve empatia e sensibilidade para com as crianças e percebeu-se o quanto
o processo de desenvolvimento delas influi em sua formação para alcançar a idade adulta,
fortaleceu-se a idéia de infância, cujo gozo e exercício passaram a ser considerados direitos
inatos de cada pessoa.
A criança, durante o processo de aquisição da leitura e escrita, gradativamente, tem acesso
às informações, segundo seu grau de maturidade e o julgamento dos adultos quanto à adequação
das mesmas para as variadas faixas etárias.
poderíamos dizer que uma das principais diferenças entre um adulto e uma
criança é que o adulto conhece certas facetas da vida - seus mistérios, suas
contradições, sua violência, suas tragédias - cujo conhecimento não é
considerado apropriado para as crianças e cuja revelação indiscriminada é
considerada vergonhosa.
(POSTMAN, 1999, p.29)
Surge, portanto, junto com a diferença entre o mundo adulto e o mundo infantil a idéia de
vergonha, na medida em que não se pode explicitar à criança certas facetas da realidade adulta,
pois esta criança não se encontra pronta para tanto. Preserva-se a criança, por assim dizer; e é
esse valor moral um dos responsáveis pela perpetuação da idéia de infância. As realidades estão
divididas de acordo com o acesso à informação que cada grupo possui. Uma vez elucidada a
54
idéia de criança com a qual estamos trabalhando, chega a vez de ilustrar a idéia de mídias
(principalmente TV) que estamos levando em consideração na elaboração deste trabalho.
De que televisão estamos falando?
O trabalho tem como interesse principal como as crianças percebem os valores
transmitidos pela programação da TV aberta comercial, mas tal interesse não elimina a
importância e a presença na vida das crianças entrevistadas de outros tipos de mídia, como a
Internet e a TV por assinatura, por exemplo.
Nunca ouvi falar de uma invenção que fosse anunciada como sendo a responsável por
dificultar a vida das pessoas que passassem a utilizá-la. Da promessa de paz que apresentava a
bomba atômica às facilidades que um computador pessoal pode proporcionar, tudo promete
mudar a vida das pessoas para sempre e mudam, para o bem ou para o mal e facilitar a vida
das pessoas reduzindo ou eliminando tarefas desagradáveis. Acontece que as invenções m
aspectos positivos e negativos, e com isso aparecem pessoas que ganham e pessoas que perdem
algo ao adotar determinada tecnologia.
A idéia era boa, pelo menos parecia, e como dificilmente investimos no que não
acreditamos, investimentos foram feitos e muitos. Imaginem só, um meio de disseminar
imagens em movimento e sons para a casa das pessoas, de trazer os acontecimentos de teatros,
estúdios e estádios para a sala de estar de inúmeros lares. Imaginem quão mais “reais”
pareceriam as notícias do mundo e os conflitos das rádio-novelas. Imaginem como as pessoas
adorariam e pagariam por tudo isso sim, pois os investimentos exigiam retorno. Com o tempo,
55
o número de lares com televisores e o número de programas feitos para passarem nesses
televisores aumentou.
Todas as invenções implicam em mudanças. Mudanças essas que são boas e ruins, que
beneficiam alguns e prejudicam outros. Nada é tão bom que não possa ter defeitos e vice-versa.
Este trabalho se preocupa mais com os efeitos negativos que a televisão (e a maneira como a
sociedade lida com ela) causa na vida das pessoas; mas seria um contra-senso não dar lugar,
nestas páginas, para o lado positivo deste meio de comunicação.
O artefato televisão em si possibilita que um grande número de pessoas tenha acesso (de
maneira relativamente barata e “envolvente”) a informações e acontecimentos vários. É um meio
eficiente de disseminar informações (reais ou não, importantes ou não). A televisão não exige
que as pessoas dominem o código da escrita para ter acesso ao que ela diz, assim como o rádio,
mas de maneira mais instantânea prende (ou pelo menos chama) a atenção do espectador. É um
trabalho útil esclarecer a população sobre a importância da alfabetização e, algumas vezes,
vemos isso. Mas na grande maioria das vezes, este meio é utilizado para anúncios que se
preocupam mais com o bem estar dos anunciantes do que com o dos consumidores, o que está de
acordo com a lógica capitalista de mercado nos quais estão inseridos.
Tal disputa de interesses é comum perante uma nova invenção. A população se divide em
basicamente dois grupos distintos e com interesses diversos. Por um lado, temos as pessoas que
se beneficiam profissional e economicamente de maneira direta. Por exemplo, no caso da
televisão, produtores, atores e corpo técnico dificilmente terão alguma queixa sobre a televisão
ou verão algo negativo na prática de assistir a ela. Por outro lado, temos o público que acaba
tendo sua vida e sua rotina diária de certa forma alteradas pela programação (dormir tarde para
terminar de ver o Big Brother, ou a mini série que vem depois, por exemplo).
56
No mercado da informática, o grupo de técnicos envolvidos no desenvolvimento e na
manutenção se beneficia com a popularização de seus serviços; firmas se beneficiam com as
facilidades que a informática lhes oferece. o grupo de pessoas que acaba por ter sua vida
afetada – e de certa forma até controlada – pelos sistemas de informática não se beneficiam tanto
(tendo suas vidas vigiadas e sua privacidade reduzida, sem contar que ficam cada vez mais
dependentes da tecnologia e sujeitos a suas falhas) , embora inúmeras vezes sejam convencidos
de que usufruem plenamente dos benefícios da tecnologia. “...por causa de seu relacionamento
longo, íntimo e inevitável com a cultura, a tecnologia não convida a um exame rigoroso de suas
principais conseqüências.” (POSTMAN, 2005, p.12).
É compreensível que as pessoas se apeguem à tecnologia e às suas facilidades para que
suas angústias diminuam. Postman (2005) resumiu de maneira brilhante as razões dessa postura.
Enquanto se multiplicavam os triunfos espetaculares da tecnologia, uma outra
coisa estava acontecendo: velhas fontes de crença foram sitiadas. Nietzsche
anunciou que Deus estava morto. Darwin não foi tão longe, mas deixou claro
que, se éramos filhos de Deus, viemos a sê-lo por um caminho muito mais longo
e menos digno do que havíamos imaginado, e que no processo tivemos alguns
parentes estranhos e inconvenientes. Marx argumentou que a História tinha sua
agenda própria e nos estava levando aonde devia levar, sem considerar nossos
desejos. Freud ensinou que não tínhamos nenhuma compreensão de nossas
necessidades mais profundas, e não podíamos confiar nas maneiras tradicionais
de raciocinar para descobri-las. John Watson, o fundador do behaviorismo,
demonstrou que o livre arbítrio era uma ilusão e que nosso comportamento, no
final, não era diferente do dos pombos. E Einstein e seus colegas nos disseram
que não havia nenhum meio absoluto para julgar algo em algum caso, que tudo
era relativo.” (POSTMAN, 2005, p.63)
Grande parte das pessoas, acostumadas a lidar com as tecnologias, ou mesmo
acostumadas com a presença delas em suas vidas, não se questionam sobre os efeitos deste hábito
em seu dia-a-dia.
57
Contemporaneidade, Infância e TV
É crescente o interesse acadêmico ou não a respeito do que é transmitido pela televisão
em nossos dias. Interesse este que vai desde acompanhar programas e episódios até a
investigação dos valores e idéias neles contidos. A preocupação com a maneira como as crianças
lidam com aquilo a que assistem também faz parte deste crescente interesse das pessoas em
relação às mídias, principalmente em relação à programação televisiva. Organizações como a
ANDI (Agência de Notícia dos Direitos da Infância) são um exemplo de como a reflexão das
pessoas sobre o papel da TV em nossa sociedade está cada vez mais presente nas conversas de
pais, educadores e quaisquer pessoas que tenham atentado para a importância das mídias em
nossa sociedade.
Com o desenvolvimento tecnológico, a infância teve seu significado e sentido
influenciados. Num ambiente em que se passava uma forma especial de informação, a
aprendizagem seqüencial e as inovações retiraram da família e da escola o controle da
informação, alteraram o tipo e o modo por meio dos quais as crianças podiam ter acesso às
informações.
Com o advento da televisão, expoente da revolução tecnológica, desaparece a hierarquia
da informação. A imagem domina a consciência dos telespectadores, impedindo que eles
abstraiam a experiência, o que contribui para o “adormecimento de suas mentes”. A televisão não
é um meio de comunicação lingüístico que tende a tornar irrelevantes os rigores de uma educação
letrada, mas sim um meio de comunicação igualitário, que elimina a exclusividade do
conhecimento mundano e, portanto, uma das principais diferenças entre infância e idade adulta.
58
Sendo acessível a todos e não fazendo distinção entre crianças e adultos, permite que todos
obtenham as mesmas informações, destruindo, assim, a linha divisória entre infância e idade
adulta.
Tendo essa idéia em mente, não é difícil fazer a relação entre o que a sociedade vive e o
que os meios de comunicação pregam. Ambos se constroem na medida em que o público
abertura para as mídias obliterarem e deturparem a realidade a qual as pessoas têm acesso. As
mídias fazem uma escolha ao mostrarem determinados assuntos para as pessoas, mas esses
“determinados assuntos” foram pensados e repensados para atingir um maior número de pessoas
da maneira mais intensa possível. Ultrapassar limites e chocar são coisas que acabam por afetar o
público e fazer com que ele se mobilize com os fatos ocorridos.
a televisão funciona praticamente vinte e quatro horas sem parar, que sua forma
tanto física quanto simbólica torna desnecessário na verdade impossível
segregar sua audiência, e que existe um suprimento contínuo de informações
novas e interessantes para cativar e segurar essa audiência. Assim, a televisão
tem que fazer uso de todos os tabus existentes na cultura. (POSTMAN, 1999,
p.96)
O mundo do simbólico e das imagens não sustenta as hierarquias sociais e intelectuais que
tornam a infância possível, podendo, assim, ser considerada obsoleta. Os conteúdos dos
programass revelam às crianças qualquer tipo de informação, boa ou má, podendo então estar
representando uma fonte de saberes ou uma “janela para se descobrir o mundo”. Entretanto estas
representações íntegras da vida cotidiana, do universo adulto, ao serem transmitidas de forma
precoce às crianças, poderiam impedi-las de viver plenamente a infância. “Não faz, portanto, o
menor sentido que nossa televisão tenha o direito de invadir massivamente a criança com
estímulos sexuais face aos quais ela ainda o tem condições próprias de se defender.
(THORSTENSEN, 1998, p.3).
59
Assim, manter alguns conhecimentos afastados das crianças poderia proporcionar a elas um
saudável processo de formação mental e possibilitar que elas acreditem ter forças para
contribuírem para um futuro melhor. Graças ao milagre dos símbolos e da eletricidade, nossas
crianças sabem tudo o que qualquer outra pessoa sabe de bom e de mau.” (POSTMAN, 1999,
p.111)
O êxtase promovido pela tecnologia é capaz de impedir que as pessoas percebam que estão
sendo submetidas a uma ditadura informacional. Com a televisão, os adultos infantilizam-se,
passam a ter as mesmas necessidades de satisfação imediata e mostram-se indiferentes em
relação às conseqüências de seus atos. “ nenhuma criança, assim como nenhum adulto, fica mais
hábil em ver televisão passando mais tempo diante dela. As habilidades exigidas são tão
elementares que ainda o se ouviu falar em incapacidade de ver televisão.” (POSTMAN, 1999,
p.93)
Priva-se a pessoa do direito de refletir, pois não é muito complexo entender o enredo das
novelas e, principalmente, os anúncios publicitários; ou melhor, as mídias não privam a pessoa
da reflexão, simplesmente oferecem a ela um caminho aparentemente mais fácil para lidar com a
realidade e, desta maneira
de acordo com o bom e velho princípio do prazer
muitas pessoas
se entregam ao entretenimento e acabam por se esquecer de que a vida é mais que isso.
Então, hoje, o domínio da imagem nos afasta de nós mesmos. Envolvidos pelas
imagens e pelas fábulas que elas nos contam, negamos a separação, a ausência,
as frustrações, os conflitos. A elaboração dos conflitos internos, indispensável
ao crescimento e à individualização é posta de lado e passo a acreditar que me
realizo no jogo que assisto ou na trama da televisão.
(ANDRADE, 2002, p. 5-6)
Sabemos que a mente letrada trouxe uma nova organização social, porém promoveu o
desenvolvimento tecnológico que estaria caminhando agora no sentido inverso, ou seja, seria o
60
retrocesso do ser humano enquanto ser pensante, capaz de produzir seu próprio conhecimento e
contribuir ativamente por um mundo e futuro melhores em termos coletivos.
As mídias tentam refletir os valores e estilos dominantes que atualmente tendem a se fundir
para crianças e adultos, sendo as crianças representadas, na televisão, como adultos em
miniatura, com os mesmos comportamentos, necessidades e desejos. O que era uma brincadeira
saudável para a criança e consistia em uma visita sem compromisso ao mundo adulto, tornou-se
um convite cada vez mais freqüente e difícil de recusar. Produtos destinados às crianças foram se
multiplicando
talvez junto com as birras nos supermercados
até que o público infantil
tornou-se tão importante como qualquer outro no que tange ao volume de compras e com um
injusto facilitador; as qualidades de um produto qualquer seduzem mais facilmente uma criança
do que um adulto. Os pais, para não frustrarem as crianças, para agradarem seus filhos ou para
terminarem com as birras de supermercado, acabam por dar margem para que as crianças se
tornem consumidoras, no sentido mais específico da palavra, pois passaram a facilitar a elas o
capital a que elas antes não tinham acesso.
As crianças crescem em meio a essa realidade. Estão inseridas em uma realidade onde as
mídias fazem parte de seu dia-a-dia de maneira corriqueira. O som de anúncios passa pelo
ambiente infantil cotidianamente, assim como as imagens, de modo que as crianças crescem com
a idéia de que as coisas não podiam ser de outro modo, e estar a par dos acontecimentos do
mundo
sejam conflitos étnicos ou tendências musicais
faz parte do comportamento do
homem como espécie. “As mídias estão contrabandeando o hábito de viver com as mídias.”
(GITLIN,2003, p.12), e as crianças, imersas nesse universo, são impelidas a acatar esse tipo de
comportamento sem se questionar muito a respeito; de modo que o hábito de se relacionar com a
61
(e baseado nas) mídias é levado a cristalizar-se à medida que o tempo passa e os anúncios se
sucedem.
Como o que a propaganda prega obedece ao princípio do prazer, fica parecendo que ligar-
se afetivamente, relacionar-se, reconhecer os seus limites e lidar com a realidade de modo mais
amadurecido é “arriscado demais” em um mundo onde a idéia do “Mínimo Eu” acaba
aparecendo. A busca pela diversão “a curto prazo” acaba por transformar-se numa conduta
generalizada, fazendo com que cada vez fique mais fácil capturar a atenção das pessoas.
As crianças ficam mais sujeitas às induções provocadas pelas mídias, simplesmente
porque precisam – buscam – uma forma de estar no mundo. É brincando de imitar os adultos que
as crianças o “experimentando” o gosto da vida adulta, vão constatando como é ser como as
outras pessoas. É uma brincadeira saudável e sem compromisso – que a criança não é
obrigada a ser soldado para o resto da vida porque quis sê-lo uma vez. É esta falta de
compromisso saudável que as mídias tentam prolongar de maneira perigosa, a sociedade como
um todo se tornou um lugar de referências instáveis, ou seja, os valores e os modos de conduta
passaram a ser bem menos gidos, dando a impressão de que o vazio que constitui a natureza
humana possa ser preenchido de qualquer modo e a qualquer preço. “Se por um lado vivemos
uma fase fascinante em termos de estímulo à criatividade, por outro temos que nos apoiar
intensamente em nossa capacidade de discernimento, para não deixarmos que o caos se instale
em nós.” (THORSTENSEN, 1998, p.01).
A instalação desse caos parece ser estimulada através dos programas difundidos em rádio
e televisão
sem falar na Internet
onde as questões humanas acabam por serem retratadas
superficialmente, comprometendo-se pouco com o que está acontecendo, e sempre como uma
ponte para alcançar uma felicidade também superficial. As questões humanas são um detalhe
62
para chamar a atenção do público para um programa ou produto e, desta forma, elas acabam
perdendo seu valor, já que dá menos trabalho pensar no que consumir (acreditando que isto seja a
resposta) do que em como lidarmos com nossas angústias.
O processo parece funcionar da seguinte maneira: primeiro banalizam-se os sentimentos
das pessoas, deixando tudo superficial e “sem importância”; posteriormente, aparecem modelos
de identificação sedutores que chegaram para ensinar onde e como encontrar a felicidade; e, por
fim, com a receita na mão, as pessoas vão buscar uma individualidade, uma “originalidade”
compartilhada por outros telespectadores que assistem às mesmas coisas que ela. Com isso, as
pessoas se intitulam diferentes umas das outras em aspectos que são coletivamente desfrutados.
Claro que não existe apenas um grupo, de modo que “originalidades” diferentes são
compartilhadas por “tribos” diferentes
4
.
Neste processo, as pessoas vão se acostumando com o ritmo e com a maneira com as
quais as notícias, imagens e informações vão sendo colocadas em suas vidas. Informação e
entretenimento se misturam e tudo passa a ser uma forma de entreter o telespectador – tenha ele a
idade que tiver.
Os Desenhos Animados
Tal modalidade de entretenimento está presente na vida de um grande número de crianças
desde as primeiras transmissões televisivas. São atraentes para as crianças – e para muitos
4
O conceito de “Tribo” foi popularizado pelas mídias, e denota um apelo antropológico para justificar o consumo de
determinados produtos por certos segmentos sociais. Tipificando as variantes de conduta, acaba dando a entender
que existe uma diversidade de grupos, cabendo à criança ou a quem quer que esteja procurando formar-se como
sujeito - enquadrar-se em determinado grupo.
63
adultos que têm sua atenção focada na tela da TV sempre que essas animações aparecem.
Vários são os estilos dos desenhos, os traços, as histórias, as estratégias de animação e de
interação com o público, mas sejam quais forem as características apresentadas, muito
provavelmente a criança prestará atenção e se envolverá com a trama. Assim como os brinquedos
e as brincadeiras, os desenhos animados fazem parte da infância das crianças e mexem com seu
imaginário. De um modo particular, os desenhos convidam as crianças para entrarem em contato
com suas fantasias. O faz-de-conta das brincadeiras e dos contos-de-fada também se faz presente
nas animações, os personagens e os enredos também mobilizam questões internas de quem
aceita o convite feito pela TV e as identificações com os personagens e suas histórias ocorrem
como ao ouvir um conto de fadas. Claro que há uma diferença entre o que é transmitido nos
contos de fada e o que é transmitido nos desenhos. O que é preciso atentar, no momento, é que
tanto a história dos personagens dos contos de fada como as histórias apresentadas nos desenhos
animados mobilizam conteúdos internos de quem presta atenção a eles.
O mundo infantil está repleto de personagens designados para serem objetos de
significação de algum público alvo. Hoje existe uma grande variedade de figuras de identificação
para as crianças, variedade esta muito maior do que existia dez ou vinte anos. Como nos
contos de fada, os desenhos (propagandas e programas) acabam ressoando em algo do
inconsciente das pessoas, mas com uma grande diferença: nos contos de fada, os contadores de
história iam, com o passar das gerações, selecionando o que ficava e o que saía da história, de
acordo com a reação das crianças. Hoje, os personagens são montados para tocar de algum
modo as crianças e, com isso, serem logo assimilados por elas como objetos de identificação.
Com uma formação de vínculo mais rápida e eficiente personagens arquitetados e uma grande
64
variedade de modelos de identificação a publicidade arrebanha mais consumidores num menor
espaço de tempo.
Conhecendo essa busca de sentido e oferecendo, muitas vezes, uma visão parcialmente
deturpada, os desenhos animados acabam oferecendo soluções igualmente deturpadas para os
conflitos que apresentam. Podemos perceber um mero crescente de desenhos animados que
possuem como protagonistas figuras cada vez mais poderosas. Muito diferente dos poderes que o
marinheiro Popey adquiria após ingerir sua lata de espinafre (geralmente uma por episódio, pois,
na época, parecia que superforça tinha limite); hoje, podemos ver personagens cruzando o céu e
raios de toda espécie cruzando a tela.
Os vilões sempre quiseram dominar o mundo, derrotar o herói e, antigamente, ficar com
a mocinha; mas, nos dias de hoje, notamos como todos ficaram poderosos, fálicos até os dentes e
com poderes ilimitados. Talvez para compensar a insegurança do tempo em que vivemos,
(LASCH, 1984) ou provocar catarses cada vez maiores nos espectadores, a quantidade de poder
“per capta” na população dos desenhos animados vem aumentando consideravelmente.
O que podemos apreender desses fatos é uma maneira incoerente de convidar as crianças
a lidar com suas emoções, na medida em que apenas certos aspectos de suas fantasias são
mobilizados, como por exemplo, a onipotência e o narcisismo.
As histórias modernas escritas para crianças pequenas evitam estes problemas
existenciais, embora eles sejam questões cruciais para todos nós (...). O conto de
fadas, e contraste, confronta a criança honestamente com os predicamentos
humanos básicos.(BETTELHEIM, 1999, p. 14, 15)
65
Estendendo o raciocínio de Bettelheim para os desenhos animados, podemos perceber que
muitos deles buscam entreter as crianças trazendo à tona apenas sentimentos que geram um
prazer imediato e a curto prazo, em que a criança se sente bem ao identificar-se com um
personagem onipotente que usa todo o seu poder (o que não é pouca coisa) para resolver as mais
diversas questões. Esse tipo de conduta preconiza um modo de agir e, como os desenhos
animados, fazem parte da cultura e torna-se importante buscar compreender o seu papel na
sociedade. “Só é possível definir a identidade cultural de um artefato situando-o dentro do
contexto cultural de uma instituição, mostrando como funciona
culturalmente.”(MALINOWSKY, 2001, p. 38)
Na busca de referências para seus comportamentos, as crianças podem oscilar entre os
modelos oferecidos pelas mídias e os modelos adultos de “carne e osso” (pais, professores, etc).O
crédito passa a ser maior para os personagens oferecidos pelas mídias, na medida em que estes,
além de mais sedutores, parecem estar mais seguros e preparados para lidar com as incertezas do
mundo.
66
Mídias, mediações e inseguranças
O lugar do adulto como detentor de um saber que auxilia os mais jovens a se relacionarem
com a vida de maneira mais madura e eficiente vem se tornando cada vez menor. Se pensarmos
em como os pais vêm se mostrando inseguros em relação à maneira que criam seus filhos,
podemos perceber como os parâmetros sobre o que é certo, correto, moral, etc estão cada vez
mais voláteis. O que fariam as crianças se elas fossem responsáveis por encontrar, por elas
mesmas, as respostas a suas perguntas?
No romance do escritor inglês Willian Golding (2003) chamado “O Senhor das Moscas”,
um grupo de crianças, após um acidente de avião, encontra-se sozinho em uma ilha deserta.
Neste local, elas se em frente a uma realidade nova e estranha, quando percebem que o único
adulto do grupo no caso o piloto do avião estava seriamente ferido por causa da queda, e não
dava sinais de que melhoraria. Sem alguém mais experiente para orientá-las, elas precisam se
organizar para sobreviver na ilha enquanto o resgate não as encontra. No princípio, tudo parecia
ser uma festa, que elas podiam fazer o que queriam sem objeção de adulto algum e a
organização estabelecida era de certo modo simples quando comparada à hierarquia militar com
a qual estavam habituadas. As crianças foram levadas a criarem regras de conduta e de valores
para conviverem em harmonia na ausência de adultos, em outras palavras, estabeleceram um
código de moral (PIAGET, 1994) . Uma atmosfera de cooperação se formou ao redor da ilha,
na medida em que a cooperação entre os indivíduos coordena os pontos de vista em uma
reciprocidade que assegura tanto a autonomia como a coesão (...) que leva a uma melhor
integração do eu e a uma regulação da vida afetiva.” (PIAGET, 2001, P. 53)
67
Porém, num segundo momento, um suposto monstro” (provavelmente a forma que as
crianças deram à incerteza e ao medo por estarem perdidas) passa a assombrar os náufragos e a
colocar em crise a organização estabelecida para manter a ordem e a vida enquanto “os adultos”
não chegavam para ajudá-los. Com o passar do tempo, a esperança de que essa ajuda chegaria
foi se esvaindo, dando lugar a uma angústia e a uma falta de comprometimento com o bem
coletivo e com a manutenção de uma convivência civilizada. “...as pessoas passaram a preparar-
se para o pior (...) executando uma espécie de recuo emocional frente aos compromissos a longo
prazo, que pressupõem um mundo estável, ordeiro e seguro.” (LASCH, 1986, p.10) As ações dos
personagens, associadas ao cenário que oferecia ao mesmo tempo liberdade e falta de esperança,
fizeram com que a civilidade acabasse perdendo espaço para um modo de vida selvagem e
descompromissado com qualquer coisa que não fosse o bem estar imediato e a abolição das
responsabilidades.
Com o tempo, os acontecimentos foram levando a situação a um grau em que ou a “ajuda
adulta” (lei, moral, responsabilidade, proteção, preocupação com o outro) chegaria, ou os
habitantes da ilha simplesmente desapareceriam em conseqüência de sua própria falta de
comprometimento com o bem estar coletivo e a manutenção da vida em sociedade.
O principal fator que levou a tais circunstâncias, foi que alguns personagens da trama
acabaram por admitir a hipótese de nunca serem salvos, de modo que o compromisso com o
outro e com o futuro acabasse perdendo o sentido. O que fazer quando se perde a capacidade de
acreditar nos outros e a capacidade de investir energia em empreendimentos coletivos? A libido
volta-se para o próprio ego, fenômeno chamado de narcisismo. Segundo o dicionário, narcisismo
significa “O estado em que a libido é dirigida ao próprio ego; amor excessivo a si
mesmo”(Aurélio, Séc XXI edição digital). Um dos personagens deu a partida que se não fosse
68
dada por ele, provavelmente seria dada por outro rumo ao declínio da ordem social vigente na
ilha, na medida em que passou a dar mais valor para o momento e para ganhos imediatos, sem
se importar com os outros, passando para as mentes mais ingênuas ou mais sem esperanças e
ansiosas por um referencial a imagem de uma felicidade, fruto da liberdade descompromissada
e da falta de responsabilidade. Narcisisticamente começa a exigir atenção de outras pessoas para
aplacar suas angústias, o que acaba conseguindo e, por conseqüência, obtendo confirmação da
validade de sua conduta.
De caráter essencialmente duvidoso, o narcisista é descrito como alguém hábil
em administrar as impressões que transmite aos outros, ávido de admiração, mas
desdenhando daqueles a quem manipula para obtê-la; insaciavelmente faminto
de experiências emocionais com as quais preencher um vazio interior;
aterrorizado com o envelhecimento e a morte. Hedonista.
(DANTAS, 2000, p.3)
O medo de perecer numa ilha, a falta de esperança em suas ações de cooperação e a
privação de suas satisfações imediatas para um bem maior fazem com que a maioria das
pessoas fuja do terror “do envelhecimento e da morte”, pautando-se num hedonismo
extremamente egoísta para lidar com a realidade que a cerca. O semelhante passa a ser detalhe,
os companheiros passam a ser um meio e, posteriormente, um empecilho para sua satisfação
pessoal. “Uma vez que transformamos este próximo em um outro distante, em um estranho,
podemos substituir a responsabilidade pelo ressentimento e, deste modo, suportar, sem nos
sentirmos moralmente atingidos ou imorais, a injustiça, o sofrimento” (BENEDIKT, 1999, p.2).
Tanto isso é verdade que, após um assassinato cometido pelas crianças em nome da
“ordem hedonista” inserida na ilha, uma verdadeira caçada humana se iniciou e o alvo parecia ser
o único sujeito autônomo do meio de heterônomos que beiravam à anomia.
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Perdidos na ilha onde estavam, os garotos eram os únicos responsáveis pela maneira que
conduziam suas vidas e as respostas que procuravam podiam ser encontradas por eles
mesmos, que estavam distantes e, muitos deles, avessos aos ensinamentos que a “cultura
adulta” apregoava. Tarefa nada fácil para a construção da própria individualidade,
principalmente longe de modelos e reticentes quanto aos parâmetros e valores necessários para
sobreviverem, ou melhor, conviverem em sociedade.
Se uma das características da cultura humana é a transmissão das descobertas da
humanidade para as gerações vindouras, para que estas as possam colocar sob o
crivo de sua época e se lançar a novos desafios, o que podemos esperar de uma
geração condenada a buscar por si própria suas respostas? (PEREIRA, 1999,
p.5)
Esse questionamento serve tanto para os garotos perdidos numa ilha no meio do nada
quanto para nós mesmos, perdidos na ilha em que nos tornamos no meio de tudo o que o mundo
nos “oferece”. Inseridos numa crise de valores sociais e morais, não é difícil sentir a atmosfera
de apatia e descontentamento que envolve não apenas a juventude, mas a maioria das pessoas que
se senta diante da TV para “se distrair”, ou que se dirige aos Shoppings apenas “para passear”, e
que, principalmente, evita qualquer tipo de comprometimento com qualquer coisa que não seja
diretamente relacionado ao seu próprio bem estar.
a crença de que a sociedade não tem futuro, embora se baseie em certo realismo
sobre os perigos do devir, também incorpora uma incapacidade narcisista de
identificar-se com a posteridade ou de sentir-se parte do fluxo da história. Junto
a isso está a alucinante aceleração para o nada, as constantes mudanças
tecnológicas e políticas vertiginosas, causando uma ansiedade no
indivíduo.(DANTAS, 2000, p. 3)
70
A vida em sociedade vem nos agraciando com uma descrença no futuro pela falta de
referência acerca do que é correto, ou melhor, acerca do que se ganha em agir corretamente (de
maneira ética) nos dias de hoje, pensando no bem estar das pessoas e na vida em sociedade. Tal
como os meninos perdidos na ilha, vemo-nos responsáveis por construir nossa própria identidade
e inseguros acerca do nosso modo de agir e, principalmente, acerca da estabilidade de nosso
futuro.
Na verdade, instituições como família, religião, partidos e o próprio Estado, que,
outrora forneciam minimamente as bases de sustentação para a construção social
das identidades, encontram-se, na atualidade, crescentemente desprovidas de
qualquer legitimidade social, tornando-se, deste modo, frágeis bases de apoio
para dar conta desta tarefa vital para os indivíduos: a construção de sua própria
individualidade. (BENEDIKT, 1999, p.3)
algum tempo, acabamos por nos refugiar dessa falta de esperança no futuro e de
perspectiva nos valores e preceitos que as mídias nos apresentam, na medida em que somos
seduzidos e levados (uns mais facilmente que outros) a não mais considerar esse sentimento de
instabilidade e insegurança frente ao que está por vir; sendo convidados a nos envolver menos , a
nos responsabilizarmos menos pelo mundo que nos cerca, e a nos deixar levar pela “torrente
midiática” (expressão criada por Gitlin) para onde os interesses do mercado nos dirige, “as
mídias são, em relação à realidade social, espelhos de parques de diversões, seletivas em seus
apetites, distorcidas em suas imagens.”(GITLIN, 2003, p.10). A maioria dos pais se considera
incapaz de ocupar o lugar de modelo de identificação para os filhos e, mesmo que cheguem a
ocupar, na adolescência esses modelos, via de regra, são substituídos; e como a TV geralmente é
algo muito próximo dos adolescentes, é de que eles retiram seus modelos de identificação.
Visando gratificar e saciar nossa fome através das mídias, fazemos estímulos e sensações irem e
71
virem da maneira que mais nos agrada. Tanto adultos como crianças acabam sendo nivelados e
passam a compartilhar as mesmas dúvidas e inseguranças frente à vida e ao futuro.
Postman (1999) nos descreve, de maneira interessante, como os avanços na área das
comunicações foram influindo nas relações humanas de modo a transformarem, inclusive, a
maneira como a sociedade percebe a infância. Nesse ponto, é preciso deixar claro que o crédito
por tais mudanças o se deve única e exclusivamente aos meios de comunicação, mas, mesmo
assim, eles tiveram (e ainda possuem) consistente e inegável importância. Enfocada como uma
produção social, observam-se a instauração e incorporação da infância, por parte dos adultos,
como um hábito cultural e, posteriormente, o declínio valorativo configurado a este período
Mudanças tecnológicas estão intimamente relacionadas com o surgimento da infância,
modificando o acesso a informações que as crianças tem acerca do mundo adulto, exigindo delas
o desenvolvimento ou não de certas capacidades para ter acesso a esse tipo de informação
(POSTMAN, 1999). Elas podem desencadear alterações em nossos hábitos, interesses e até
mesmo em nossa estrutura psicológica, “ as mudanças na tecnologia da comunicação tem,
invariavelmente, três tipos de efeitos: alteram a estrutura dos interesses (as coisas em que
pensamos), o caráter dos símbolos (as coisas com que pensamos) e a natureza da comunidade (a
área em que os pensamentos se desenvolvem” (POSTMAN, 1999, p. 37)
Tendo essa idéia em mente, não é difícil fazer a relação entre o que a sociedade vive e o
que os meios de comunicação pregam. Ambos se constroem na medida em que o público
abertura para as mídias manipularem, mascararem e deturparem a realidade que o cerca. As
mídias fazem uma escolha ao mostrar determinados assuntos para as pessoas, mas esses
“determinados assuntos” foram pensados e repensados para atingir um maior número de pessoas
da maneira mais intensa possível. Ocorre uma espécie de “seleção de um assunto único, a bola da
72
vez, que passa a ser abordado por todas as emissoras num mesmo momento, impedindo a
apreciação de outros temas correlatos, tão ou mais importantes que o tema em evidência”
(SILVA, 2001, p.3) Ultrapassar limites e chocar são coisas que acabam por afetar o público e
fazer com que ele se mobilize com os fatos ocorridos.
É a idéia dessa diferença entre criança e adulto que torna possível o conceito de infância e
suas implicações. Pelo fato de a criança não “estar preparada” para o mundo adulto, torna-se
possível uma realidade distinta para ambos, cada qual com suas particularidades.
De qualquer modo, como a infância e a idade adulta se tornaram cada vez mais
diferenciadas, cada esfera aperfeiçoou seu próprio mundo simbólico e,
finalmente, passou-se a aceitar que a criança não podia compartilhar e não
compartilhava a linguagem, o aprendizado, os gostos, os apetites, a vida social
de um adulto.
(POSTMAN, 1999, p.65)
Como qualquer um pode obter as informações que a TV veicula, as crianças também
consomem essas informações, mesmo as de teor adulto, fazendo com que a linha divisória entre o
adulto e a criança torne-se novamente confusa, visto que todos os “segredos adultos” que eram
protegidos pelos códigos são desvendados na televisão para quem tiver a capacidade de a ela
assistir (comunicação iconográfica, pictórica). De modo que “como a arena simbólica em que
acontece o crescimento humano muda na forma e no conteúdo, e, em especial, muda na direção
de não exigir diferenciação entre a sensibilidade do adulto e a da criança, inevitavelmente, as
duas etapas da vida se fundem numa só.” (POSTMAN,1999, p.113) O ser-humano, cada vez
mais, estabelece relações “midiadas” com o meio, as mídias em geral se tornam necessariamente
formadoras - ou deformadoras de pontos de vista, e isso influi na maneira de o indivíduo lidar
com o mundo.
73
A conduta da televisão de tornar tudo acessível a todos, banalizar os acontecimentos e
oferecer soluções às dificuldades da vida moderna faz com que o consumo de informações e
produtos aumente assombrosamente. As mídias, em geral, fazem de tudo para deixar o “Homem-
Massa” feliz. “Os programas exibem o que as pessoas entendem e querem, ou então são
cancelados.” (POSTMAN,1999, p.140)
Apesar de certos comportamentos infantis se assemelharem aos dos adultos, podemos
pensar que não é a infância que está desaparecendo, mas também a idade adulta. Um dos
aspectos mais marcantes que diferencia as pessoas, hoje, é a capacidade que elas m de
consumir seja o que for. Então, podemos concluir que a humanidade está sendo
homogeneizada, pois os “homens-massa” consumistas vivem alienados, consumindo o que suas
posses permitem de maneira que os impulsos infantis dos adultos são reforçados e o consumo
das crianças também, na medida em que todos têm acesso a todos os tipos de informação (e bens)
que o dinheiro pode comprar. Todos têm seu estilo. Comprado pela Internet com o dinheiro
suado dos trabalhadores “adultos”, ou presenteado às crianças pelos papais zelosos, os estilos
passam a ser consumidos devido à idéia risível instaurada pela sociedade de que tudo tem seu
preço (monetariamente falando), até nossa individualidade e singularidade.
Os pais modernos tentam fazer com que os filhos se sintam amados e desejados,
porém não disfarçam uma certa frieza subjacente, o distanciamento dos que
pouco m a passar à geração seguinte e que, de qualquer modo, o prioridade
a seu próprio direito de auto-satisfação. A combinação de distanciamento
emocional com as tentativas de convencer uma criança de sua posição de
predileção na família é uma boa prescrição para a estrutura de uma
personalidade narcisista. (LASH, 1986, p. 135)
O desaparecimento da infância aparece como uma das faces da massificação do povo e da
cultura em favor do deus do consumo. As crianças crescem em meio a essa realidade. Estão
74
inseridas em uma realidade onde as mídias são tão presentes e reais quanto qualquer mesa ou
cadeira. O som de anúncios passa pelo ambiente infantil corriqueiramente, assim como as
imagens , de modo que as crianças crescem com a idéia de que essa torrente de informações é
“natural”, de que as coisas não podiam ser de outro modo, e que estar a par dos acontecimentos
do mundo sejam conflitos étnicos, tendências musicais ou lançamento de novas tecnologias
faz parte do comportamento do homem como espécie. As crianças, imersas nesse universo,
acatam a esse tipo de comportamento sem se questionar a respeito. Ora, pensando bem , muitos
adultos também não o fazem, de modo que o hábito de se relacionar com as mídias, ou baseado
nelas, cristaliza-se à medida em que o tempo passa e os anúncios se sucedem.
Como a propaganda prega a obediência ao princípio do prazer, fica parecendo que é
melhor ser feliz sem se relacionar com o outro, sem se apegar ou se comprometer. Crescendo
nesse meio, a busca pela diversão “a curto prazo” acaba por tornar-se numa conduta
generalizada, fazendo com que cada vez fique mais fácil capturar a atenção das pessoas com
promessas de ganho imediato tal qual os garotos perdidos na ilha. Tanto na ilha como em
nossos dias as regras passaram a ser “pautadas pelo ideal narcísico, acabaram por não garantir
uma relação de alteridade entre crianças, adolescentes e adultos. O outro não tem mais
capacidade de me alterar. Não é igual a mim.” (CAMPOS E SOUZA, 2003, p.5)
Muitas pesquisas foram realizadas a respeito da infância. Estudiosos renomados (Piaget e
Klein, por exemplo), de acordo com as épocas em que atuaram, constataram alguns preceitos do
desenvolvimento infantil que caminham segundo uma mesma vertente de raciocínio. Acredita-se
que a interação entre a criança e o adulto seria decisiva em termos de contribuição para o
desenvolvimento infantil. Caberia aos adultos a responsabilidade sobre o crescimento e
aprimoramento das crianças e, desta forma, a existência da infância ficaria condicionada à
75
orientação adulta voltada para o futuro. Nessa sociedade, até a ficção artística é um bem a ser
consumido, e o consumimos desbragadamente como qualquer outra droga, com o intuito de
buscar um prazer imediato, quando qualquer outro de maior duração tornou-se inviável.”
(BENEDIKT, 1999, p.7).
Podemos perceber que a situação dos garotos presos na ilha e a nossa, quando encaradas
de maneira estrutural, não são tão diferentes, pois em ambas as situações o passar do tempo fez
com que a esperança no futuro desse lugar a uma falta de esperança e, conseqüentemente, a um
descomprometimento com a vida em sociedade. Na ilha, esse sentimento veio devido a um
desamparo total por parte dos garotos; em nossos dias, o desamparo é acrescido da fugaz
completude que a torrente das mídias, e com ela o consumo, nos oferece. Experimente entrar na
frente da televisão, durante a novela das oito, para dizer que tem uma pessoa na porta de casa
pedindo um pouco de comida ou para contar como foi seu dia; interrompa uma conversa,
alertando o motorista do carro que ele jogou lixo pela janela; tente explicar que é preciso ser
prudente e pensar no futuro para alguém desanimado com o que nos noticiários. A resposta,
provavelmente, será carregada de um tom de indiferença devido ao aborrecimento que ela
provoca, da mesma maneira que alguns garotos da ilha respondiam ao serem indagados se
haviam tomado conta da fogueira, apanhado frutas, cuidado dos menores, etc.
No decorrer de nosso desenvolvimento, precisamos acreditar em alguma coisa,
precisamos sentir que estamos no caminho certo. Observamos e seguimos exemplos, pois
acreditamos que, neles, se encontra a possibilidade de construção da identidade, acreditamos que
temos algo a aprender ao dar ouvidos a determinadas crenças e atitudes. A figura de alguém que
sabe mais que nós, de uma espécie de guia, onde um modelo a ser seguido, é importante para que
não nos sintamos perdidos e desamparados; quando passamos a acreditar que esta figura não
76
existe, que não existe nada daquilo que possamos aprender com os outros que sirva para nossa
vida, passamos a não valorizar o outro, e apenas levamos em conta o que sentimos e pensamos.
Tanto na ilha como hoje em dia, as pessoas ficaram carentes de modelos e os sonhos foram
substituídos por uma preocupação com a sobrevivência a qualquer custo e a um não adiamento
de satisfações. Tempo não é dinheiro, mas as pessoas investem seu tempo no que acham que
lhes trará retorno; caçar porcos, no caso do romance citado, parecia fazer mais sentido do que
cuidar da fogueira. O pensamento a curto prazo parece fazer mais sentido em uma época na qual
parece que a cada dia que passa será mais difícil conseguir o que se almeja. Sorria, amanhã será
pior – se houver amanhã.
Talvez não faça sentido dar ouvidos aos adultos, pois, de algum modo, eles tiveram um
futuro quando eram crianças, acreditaram que havia possibilidades para realizarem seus sonhos,
mesmo que isso fosse a longo prazo. para os mais jovens, a previsão de um futuro duvidoso,
repleto de dificuldades, faz com que a maneira de encarar o que vem pela frente seja outra. Além
disso, os pais, cada vez mais receosos quanto aos perigos do mundo – sejam eles reais ou
imaginários do qual tanto protegem seus filhos, acabam por transmitir essa insegurança para
suas crianças. Mas não é isso. Como insegurança passa uma sensação de despreparo frente a
alguma coisa ( no caso, um mundo tão competitivo e instável), a dinâmica da sociedade faz com
que a necessidade de se capacitar, seja na escola, seja para o mercado de trabalho, ou para fazer
amigos, gere uma cobrança dos pais para com as crianças. Cobrança esta que, quando exagerada,
prejudica o desenvolvimento e reforça a idéia de incapacidade e temor frente à realidade.
Inseguros e sem saber direito o que fazer para criar seus filhos, os pais acabam, de alguma
maneira, mostrando para seus filhos que além de não possuírem todas as respostas, não fazem
idéia de onde possam encontrá-las. O jogo de empurra sobre quem é o responsável pela educação
77
das crianças aparece em qualquer tipo de discussão que envolva a conduta desses indivíduos em
formação.
78
METODOLOGIA
Neste trabalho, buscamos compreender como as crianças apreendem e lidam com a
programação televisiva. Optamos para coletar os dados, por um roteiro de entrevista semi-
estruturado e fizemos essa opção por acreditarmos que o roteiro orienta a conversa sem perder o
foco de nosso tema de estudo, dando maior liberdade ao entrevistado para discorrer sobre o tema.
Desta forma, “Ela conjuga a flexibilidade da questão não estruturada com um roteiro de
controle”(DUARTE, 2005, p.66)
Em defesa de uma aproximação do pesquisador com o fenômeno a ser estudado , visando
a uma melhor compreensão, a entrevista é uma técnica qualitativa que promove o encontro dos
dados e informações coletadas com o intelecto e a subjetividade do pesquisador. Por tais
características, “os dados não são apenas colhidos, mas também resultado de uma interpretação e
reconstrução pelo pesquisador, em diálogo inteligente e crítico com a realidade”(DUARTE,
2005, p.63-64 ). Tanto a subjetividade do pesquisador quanto a do entrevistado são levadas em
conta nessa compreensão das facetas da realidade que ambos ( cada qual com sua função) se
dispõem a pensar em conjunto.
Ao invés de buscar estabelecer conclusões precisas e definitivas sobre determinado
assunto, quem lança mão da entrevista em profundidade, como recurso de pesquisa, procura
compreender e aprender sobre o que está estudando. Nas palavras de Duarte, “Seu objetivo está
relacionado ao fornecimento de elementos para compreensão de uma situação ou estrutura de um
problema” (2005, p.63)
79
Partindo de um questionamento básico (no caso do presente trabalho, como as crianças
interpretam o que lhes é oferecido pela televisão), fizemos um estudo teórico referente ao tema e
tal estudo orientou a forma de abordar o assunto e a escolha dos instrumentos de estudo.
Por mais que sejam levantadas hipóteses sobre as maneiras que os jovens telespectadores
encaram os conteúdos veiculados pela televisão, vemos que questioná-las a esse respeito
possibilita entrar em contato com os argumentos e as vozes que as crianças elegeram para
explicar essa relação.
A amostra, em entrevistas em profundidade, não tem seu significado mais usual,
o de representatividade estatística de determinado universo. Está mais ligada à
significação e a capacidade que as fontes têm de dar informações confiáveis e
relevantes sobre o tema de pesquisa (DUARTE, 2005, p.68
)
Com um número relativamente pequeno de sujeitos, é possível aprofundar, em cada
entrevista, a investigação sobre que tipo de relação cada criança estabelece com os discursos que
elas vêem na TV.
A seleção destes entrevistados foi feita por conveniência (também chamada de acidental).
Tal processo seletivo se baseou na disponibilidade de encontrar as fontes necessárias para a
realização da pesquisa. “A seleção dos entrevistados em assuntos qualitativos tende a ser não
probabilística, ou seja, sua definição depende do julgamento do pesquisador e não do sorteio a
partir do universo.” (DUARTE, 2005, p.69)
A apreciação dos programas de TV por parte das crianças, assim como a atenção que elas
dispensam aos discursos presentes nas mídias, possibilitam desvelar a fala e a percepção desses
telespectadores a respeito daquilo a que costumam assistir. Orientam a compreensão da relação
que elas estabelecem com outros sujeitos sociais no processo de apropriação cultural. Deste
modo, parece fundamental levar em consideração que(...) uma criança, de qualquer grupo
social, após breves espaços de tempo, já construiu algum tipo de identidade, tem uma memória
80
construída. Os relatos infantis envolvem essa memória, essa identidade (aí está embutida também
a questão da linguagem)” (DEMARTINI, 2002, p.7)
Entender como sendo importantes as atribuições de sentidos, os discursos e as valorações
infantis referentes à realidade e ao mundo que as cercam implica, portanto, em reconhecer que o
processo de internalização cultural não é imitativo das vozes e pessoas do entorno, mas sim um
ativo e incessante processo de ressignificação. Tais afirmações justificam a relevância de
entender a criança como um sujeito capaz de produzir discursos e ressignificar valores.
Ocupando certos lugares sociais em dados contextos, a criança interage com o
outro, atribui certos sentidos e significações, e se constitui enquanto sujeito.
Com certos modos de pensar, agir e sentir. Desse modo, os discursos infantis, na
forma como são construídos e apreciados, envolvem determinados olhares e
filtros internalizados de vários ‘outros’, absortos em um certo contexto social,
econômico, sendo, portanto, povoados por determinados sentidos (MACEDO,
2005, p. 43)
Assim, mais uma vez, reforçamos a idéia de que a criança é uma importante fornecedora
de informações; informações estas que virão nos auxiliar na compreensão de nossos
questionamentos. Desempenham o papel de “informantes chave” em nossa pesquisa, ou seja,
“fontes de informação consideradas fundamentais por estarem profunda e diretamente envolvidas
com aspectos centrais da questão” (DUARTE, 2005, p.70). No caso do presente trabalho, trata-se
da maneira como elas lidam e o que acham dos conteúdos veiculados pelas mídias.
1. Participantes: Participaram da pesquisa cerca de 10 crianças com idade entre 10 e 11 anos A
justificativa para tal escolha advém do fato de que realizamos a entrevista como procedimento
para coleta de dados e, de um modo geral, crianças desta faixa etária conseguem expor seu
81
pontos de vista de maneira mais clara, e estão para entrar na adolescência período em que a
busca de identidade se torna mais intensa e seus pensamentos são proposicionais (Piaget, 1964).
Desta forma, a criança teria passado pelas etapas do desenvolvimento necessárias para que
tenha certa desenvoltura ao utilizar a linguagem, além de compreender, de maneira satisfatória,
conceitos abstratos, possui elementos cognitivos para criticar os sistemas sociais, propor novas
formas de comportamento, discutir valores morais com os adultos e elaborar hipóteses sobre
hipóteses.” (VASCONCELOS, 2000, p.15).
2. Procedimento:
Entrevista: Como afirmamos, optamos por realizar a pesquisa utilizando entrevistas, pois este
instrumento nos oferece a possibilidade de fazer uma análise qualitativa mais aprofundada acerca
das opiniões das crianças. Este instrumento de investigação nos permitiu verificar as
características presentes nos discursos das crianças sobre o conteúdo dos programas a que
assistem e, desta forma, perceber as ideologias que permeiam tais discursos e a relação dos
indivíduos com as mídias.
Em nosso roteiro estão previstas as seguintes questões:
O que você gosta de fazer nas horas de folga?
Você assiste à TV.?
Você assiste todo dia? Toda hora?
Quais o/s programa/s de que mais gosta?
Conte um pouco sobre como é este programa.
Quem são os personagens do programa? O que eles fazem?
Como "conheceu" o/s programa/s de que mais gosta?
Alguém indicou o/s programa/s ?
Você conhece alguém que assiste aos mesmos programas que você?
O que as outras pessoas acham do programa de que você mais gosta?
82
Seus pais conhecem os programas aos quais você assiste?
O que seus pais acham do programa a que você assiste?
Depois de explorar as preferências e o grau de envolvimento do entrevistado com os
programas a que ele assiste, pretendemos contextualizar esses dados no ambiente social no qual
ele está inserido. Como "conheceu" o/s programa/s de que mais gosta?” “Alguém indicou o/s
programa/s?” “Você conhece alguém que assiste aos mesmos programas que você?” “O que as
outras pessoas acham do programa de que você mais gosta?”
Para finalizar a entrevista, perguntamos: “Seus pais sabem a qual programa que
você assiste?” “O que seus pais acham do programa a que você assiste? Esta questão pode
mostrar que tipo de “ajuda” as crianças vêm recebendo para lidar com os conteúdos que a TV
lhes mostra.
3. Práticas discursivas e ideologias
Muito além da transmissão de informações, as práticas discursivas estão envolvidas com
as práticas de convencimento. Cada enunciado traz consigo uma idéia a ser interpretada, a ser
tomada ou não por verdade, de acordo com o contexto em que é apresentada. As pessoas
interagem com essas informações e, de maneira parcial ou total, se identificam ou não com o
fragmento de “verdade” contido nos enunciados. O grau de envolvimento e a qualidade da
relação estabelecida entre os sujeitos e os enunciados, muitas vezes, não têm suas bases apenas
83
em dados inerentes ao enunciado, mas também aos afetos que este enunciado e seu emissor
provocam em quem lhes dá atenção ou crédito.
Ao aceitarmos como verdadeiro ou correto determinado enunciado, nos tornamos
partidários da ideologia presente neste fragmento de verdade; afetos se combinam a esta
ideologia e o enunciado passa a fazer parte de nossa identidade, além de influenciar, de uma certa
forma, nossas ações e o grau de envolvimento com outros enunciados (cujas ideologias difiram
ou não da que adotamos anteriormente). Desta forma, vamos compondo nossa identidade,
fazendo escolhas e “colecionando” enunciados que reforcem a idéia de nós mesmos. Ao defender
certos pontos de vista, nos opomos a outros que contradizem nosso jeito de ser.
Sob a luz desta definição, podemos perceber que todo ato e todo discurso que o justifique
traz inerente a si aspectos de algum tipo de ideologia. As produções de significados feitas
pelas pessoas ao lidarem com a realidade (seja ela social ou natural) vêm carregadas de outros
significados anteriores, envoltas em discursos anteriores que ressoam nessa produção. Essa
“herança de significados” não indica uma aceitação do que já foi dito, mas sim uma reelaboração
de discursos anteriores para a formação, ou melhor, para a construção de maneiras diferentes ou
singulares de estar no mundo.
Podemos pensar, por exemplo, no indiscriminado consumo de informações em nossos
dias como sendo uma das manifestações da ideologia dominante na sociedade em que vivemos, a
qual muitos se orgulham de denominar a “sociedade da informação”. Por outro lado, no papel de
parte instável da construção ideológica, temos a chamada “ideologia do cotidiano”. Esta, por sua
vez, surgiria a partir da interação do sujeito com sua realidade social, o que provocaria o
surgimento de modos singulares; portanto, diferentes em certo grau do modo de significar
pregado pela ideologia dominante. “A ideologia do cotidiano é considerada como a que brota e é
84
constituída nos encontros causais e fortuitos, no lugar do nascedouro dos sistemas de referência,
na proximidade social com as condições de produção ou reprodução de vida.” (MIOTELLO,
2005, p.169)
Deste modo, acreditamos que a ideologia que fundamenta os discursos de nossa sociedade
midiática, nos dias de hoje, irá aparecer nas entrevistas. Expressões e conceitos que sustentem o
modo de agir das pessoas e revelem a maneira que os indivíduos de nossa sociedade percebem a
relação que eles estabelecem com as mídias e, também, o modo como transitam por entre as
vozes da sociedade de consumo.
Para captar as expressões ideológicas presentes nos discursos das crianças entrevistadas,
elegemos algumas categorias decorrentes do aparato teórico que utilizamos e do conteúdo das
entrevistas. As categorias eleitas foram: ser criança, a presença das mídias na vida delas, a
relação que se estabelece entre mídias e cultura infantil, o que as crianças percebem sobre
o que a televisão transmite e como os pais e professores se posicionam frente às preferências
televisivas das crianças.
Para analisar as entrevistas e deixar a leitura de tal análise mais fluida, julgamos
necessário a elaboração de um glossário, no qual consta nomes de programas, brinquedos e
personagens presentes no cotidiano das crianças entrevistadas. Tal conduta mostrou-se necessária
devido à grande mudança de preferências e de programas que as mídias possibilitam ao longo das
gerações.
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Análise das Entrevistas
As entrevistas foram analisadas em duas etapas. Primeiramente, fizemos uma análise
descritiva. Posteriormente, uma análise interpretativa. Porém, mesmo na primeira etapa, fizemos
algumas interpretações quando julgamos necessárias para ressaltar a evidência de um dado.
Na análise descritiva, entendemos como importante levar em consideração os dados de
maneira individualizada, para tanto, optamos por analisá-las uma a uma, de acordo com a
singularidade de cada criança. Na análise interpretativa, levamos em consideração os aspectos
constitutivos do discurso de todas as entrevistas conjuntamente.
a) Análise Descritiva:
Entrevista 1: A menina que não sabia que assiste à TV
J. é a caçula de duas filhas, tem nove anos e sua irmã mais velha 20 anos, mora com os
pais e cursa a quinta série do ensino fundamental. Logo na minha primeira entrevista, a
entrevistada afirma que em suas horas de folga anda de bicicleta ou brinca de Barbie: E eu me
pergunto: E a TV? Será que ela é uma daquelas crianças que não assiste à televisão? Achei que
elas só existiam na conversa de pais em reuniões escolares... enfim, continuei a entrevista. Pouco
tempo depois, percebi que estava conversando com alguém que sabia os horários e a
programação de vários canais, e que, além disso, tinha opinião formada sobre vários programas.
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Quando não está estudando, muito provavelmente está assistindo à televisão, geralmente
na companhia de alguma pessoa da família (irmã ou prima), o que não significa que conversem a
respeito daquilo a que assistiram. A preferência por programas da TV Cultura aparece no início
da conversa, mas a maior parte dos programas que são discutidos posteriormente são as novelas
da Globo e do SBT. Como a grande maioria das crianças entrevistadas, J. possui uma semana
cheia de cursos extracurriculares“... mas mesmo à tarde eu não assisto.... porque.... a semana
inteira eu tenho coisa pra fazer, menos de quarta feira....”, tendo pouco tempo realmente livre
para se dedicar a brincadeiras e às mídias.
Investigando sobre o que ela acha do conteúdo das novelas, sou de certa forma
surpreendido ao ouvir que as histórias são todas parecidas (“...porque toda temporada é a mesma
coisa assim, sabe?”) e que as pessoas inclusive ela se habituam a assistir determinados
programas, mesmo que estes não sejam tão legais. “... e minha prima já está acostumada a assistir
essa novela, então ela se acostumou, né, então ela quer saber o que vai acontecer, mas eu não,
eu odeio aquela novela!”. Parece que o bito de assistir à televisão está associado ao lazer, ou
ao ócio, na medida que esta menina, mesmo não sendo “fanática por televisão”, acaba passando
seu tempo livre na frente do aparelho. “Daí... eu fico assistindo, mesmo porque a essa hora eu
não tenho nada pra fazer.” Não que ela manifeste gostar disso, mas acaba fazendo, alegando falta
de opção. Esse “hábito” de assistir não é gratuito, dificilmente alguém ficará em frente à TV
suportando programas dos quais não gosta. Mesmo que seja a esperança de que um programa
mais interessante virá, algo faz com que as pessoas fiquem vendo o que dizem não gostar.
Os pais e os filhos, muitas vezes acabam assistindo aos mesmos programas, mas
dificilmente conversam sobre a qualidade daquilo a que assistiram. Quando conversam sobre o
que viram, o assunto parece se limitar à conduta dos personagens e às cenas do próximo capítulo.
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Mas explicitamente parece que pais e filhos não conversam sobre preferências televisivas.
Quando questionada acerca do que os pais acham daquilo a que ela assiste, a resposta revelou
uma certa indiferença por parte tanto dos pais quanto da menina. “....nada.... eu acho que eles
acham que eu assisto desenho.. ou novela, assim, um dos dois.” Pela resposta, podemos perceber
que não se muita atenção ao que se assiste na televisão, tanto que a menina “acha que os pais
acham”, tudo muito distante.
Os professores parecem não gostar muito dos programas a que seus alunos assistem, ou
melhor, quando os alunos assistem às mesmas coisas que eles o que é freqüente – tudo bem. Já
quando assistem aos programas “para criança” a opinião muda. As crianças querem mais
desenhos, mas na falta de desenhos, novela passa a ser uma opção válida.
“E: Mas de televisão parece que você não sente muita falta quando acaba a força....
J: Não... nem um pouco. Porque manhã assim, eu não assisto muita televisão, ouço
mais rádio.... sabe, eu não sou muito fanática por televisão... porque principalmente
de sábado e de domingo....porque não passa nada de bom.... que eu gosto.”
A entrevistada declara: “...eu não sou muito fanática por televisão...”, mas parece passar
boa parte do seu tempo em contato com ela, e o que é pior, parece não perceber. O artefato TV
parece estar de tal forma assimilado que a relação que J. estabelece com ele passa despercebida
em seu discurso. Tal fato exemplifica a idéia de Gitlin na qual as pessoas convivem com as
mídias, conversam sobre as mídias e vivem (em diferentes graus) em função das mídias e acabam
não se dando conta disso. “... ta passando a novela que minha mãe gosta, a gente põe lá... ai
depois a gente fica assistindo.... minha mãe, eu, meu pai.... minha irmã, muitas vezes, o
namorado dela também fica... fica todo mundo lá, sabe? depois a gente vai jantar....e depois
volta pra televisão.” Notem que o jantar acontece depois que determinada novela acaba, e
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todos da família estão de acordo. Outro fato interessante que podemos notar, é como os assuntos
do dia a dia estão relacionados com o discurso presente nas mídias. Na época da entrevista, a TV
só falava de Copa do Mundo, e claro que este assunto apareceu.
Entrevista 2 : A menina que não brincava
G. é uma menina de nove anos, mora com os pais e com o irmão de dezoito, cursa a
quinta série do ensino fundamental. A entrevistada declara que passa muito tempo em frente ao
computador e à TV, tendo esses hábitos como suas formas preferidas de lazer. Interessante notar
que na casa dela não existe sala de televisão, mas em todos os quartos (o de G., do irmão e dos
pais) um aparelho de TV. “... é porque tem uma televisão em cada quarto”, o que pode dar
uma idéia de distanciamento entre os membros da família que talvez até exista, mas é
interessante notar que a garota procura estar com a mãe, mesmo que seja no “horário da novela”,
como podemos ver na declaração: “... a maioria das vezes eu fico no quarto da minha mãe, né...
fica eu, meu pai e minha mãe lá... é.... a gente, minha mãe gosta de assistir novela né... meu
pai não muito, mas às vezes ele assiste porque minha mãe quer assistir....então a gente fica
assistindo.” Dá para ter uma idéia de como o papel da TV é importante nesse, e em outros, lares.
A garota diz que gosta muito de Rebelde, e parece gostar mesmo. Diz que começou a
assistir a essa novela por causa das amigas que assistiam e ficavam contando as coisas para ela.
Confessa que, no começo, achava chato, mas depois começou a achar legal. O que faz pensar em
como o grupo acaba influenciando as preferências individuais e em como o hábito de
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acompanhar algum programa se instala. Além do mais, podemos perceber, mais uma vez, como
assistir algumas vezes a determinado programa pode fazer com que a pessoa de qualquer idade
– se acostume com ele e, dependendo do que o programa ressoa no telespectador, venha a tornar-
se uma prática freqüente.O relato da garota sobre uma determinada novela parece elucidar as
hipóteses acima: “... a história é assim... parece que a história é chata... mas depois que vo
começa a assistir parece que tem bastante a ver.”
Conversamos bastante sobre Rebelde, e fui percebendo que este assunto ocupava grande
parte do tempo dela, desde conversas sobre episódios anteriores com as amigas até colecionar
figurinhas e saber da vida dos artistas. Dava a impressão de que para onde quer que se olhasse
haveria algo do Rebelde. Ela assistia a outros programas também, como desenhos animados e
outras novelas, mas Rebelde parece ser o assunto mais presente e interessante de todos.
“E: Você conversa com suas amigas sobre Rebelde?
G: Sim.
E: O que vocês conversam? Fala um pouco.
G: Ah.... de figurinhas.... aí quando uma perde o capítulo de ontem, a outra fala o
que aconteceu...ah.... de algo novo....vamos ver.... de história real dos personagens...
E: Você fica sabendo da vida real dos personagens?
G: Às vezes.
E: Como você fica sabendo?
G: Por elas... é porque eu não tenho muito o costume de comprar revista né... eu
fico sabendo mais por elas.”
90
Podemos perceber como o artefato televisão torna possível o acesso a mundos simbólicos
diferentes (a novela que G. gosta, por exemplo).Tal acesso, faz com que determinados grupos se
organizem em torno desses novos mundos; um novo sistema de costumes aparece. No caso de G.
e suas amigas, o consumo de produtos e informações sobre a vida (real ou não) dos Rebeldes. O
assunto “Rebelde” passa a ser uma espécie de código comum entre os membros do grupo.
Gitlin nos fala do conceito de “torrente midiática”, que equivale a uma invasão que as
mídias fazem em nosso dia-a-dia, propiciando que informações sobre as mídias e sobre o que elas
trazem consigo (sejam programas ou notícias do “mundo real”) estejam presentes em nossas
conversas de maneira muito ampla. “...os incessantes sons e imagens produzidos em massa são
elementos centrais de nossa civilização; que qualquer item pode parecer uma ninharia na
verdade, pode ser esta a sua razão de existir mas a torrente impetuosa é uma enormidade.”
(Gitlin 2003, p.161)
Em sua vida, a televisão parece lhe fazer companhia, pois os pais e o irmão ficam fora o
dia todo o que é algo bem comum em nossa sociedade. Assistir à televisão menos trabalho
do que ler, estudar e até mesmo brincar, e muitas crianças acabam por optar pela TV para se
distraírem enquanto estão sozinhas em casa. Além do mais, parece haver pouca possibilidade de
brincar com outras crianças, pois todas m suas atividades extracurriculares, e brincar na rua
parece não ser mais uma opção viável devido aos perigos, reais ou imaginários, que permeiam
esta atividade nos dias de hoje.
“E: Por que você acha que você não brinca?
G: Ah... porque...assim... por causa assim, como o meu pai e minha mãe trabalham
fora, e às vezes meu irmão sai, eu fico aqui às vezes, né, sozinha. E também eles me
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trancam aqui...aí não muito pra sair e tipo brincar... aqui também na rua não
porque também não tem quase nenhuma criança... e porque também é muito
movimentado, e também porque a TV e o computador me influenciaram.
E: Ah é?! Como assim te influenciaram?
G: Ah.... eu prefiro em vez de ficar lá tomando sol, brincando de ficar lá, ai....enche o
saco, eu prefiro ficar no computador.... pra brincar você tem que ficar no sol... ter
muita paciência, ter com quem brincar.... você vê que eu não tenho, né....”
A garota parece ter noção da maneira que lida com a realidade, mostrando como as mídias
acabam por preencher lacunas de sua vida social que, seja pela ausência dos pais ou falta de
paciência dela, acabam apresentando.
Mais uma vez aparece a idéia de que assistir a certos programas é um hábito que se cria.
Pais e filhos possuem este bito, mas conversar a respeito do que assistem parece não ser um
hábito. Ela sabe que Rebelde é algo passageiro, mas por enquanto essa referência parece lhe
conferir identidade e garantir sua inserção no grupo.
“E: Quando acabar Rebelde, o que você acha que vai acontecer?
G: Ah... aí eu vou, eu vou pegar outra novela... aí vai ser a mesma coisa, eu vou falar
que é chato... aí eu vou começar a assistir...já até acostumei,(...)
E : O que te a leva a assistir as novelas, se você acha que são chatas?
G: As amigas.”
Essa garota demonstra que acompanhar Rebelde e todas as “informações adicionais” que
aparecem na torrente midiática lhe são muito importantes no momento. Ela está entrando na
adolescência, questionando seus valores e buscando novas maneiras de estar no mundo e, nesse
período, o grupo de amigos passa a ter um papel importante.
92
“E: Quem é que te falou sobre Rebelde?
G: Minhas amigas... elas começaram a falar, e eu falava que era chato né... mas
depois eu achei que era legal.”
Depois da entrevista, os pais de G. vieram conversar comigo e disseram-me que no tempo
deles a TV era boa. Parece que gostar de algo confere identidade à pessoa, falar mal do que se
assiste ou assistia seria como falar mal de si mesmo. Mas parece não surtir efeito apenas criticar
algo sem dar uma outra opção em troca; alegar que o programa é chato porque é chato faz tanto
sentido quanto um “porque sim” ou “porque não”.
“E: O que seus pais acham?
G: Ah... eles acham que... eu não devo assistir porque é chato.
F: E você concorda com eles?
G: Não, nem um pouquinho.”
Falar sobre a influência das mídias é algo tentador, na medida em que muito do
comportamento das pessoas acaba por ser explicado (de maneira coerente ou não) por suas
preferências televisivas, musicais e de entretenimento associado às mídias em geral. Parece que
esse discurso é freqüente, mas o que tentamos enfatizar neste trabalho vai um pouco mais
além, que as pessoas não são tão passivas a ponto de aceitar tudo o que passa na TV, por
exemplo. Esta não parece ser a visão de certas pessoas, como a professora desta garota.
“E: Mas algum professor já falou de Rebelde na sala de aula?
G: Não, só fala que é ruim.
E: Mas fala por que é ruim?
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G: Ah... porque.... sei lá, porque não tem.....porque além de ser mexicana ainda
influencia todo mundo e virou mania. Depois de um tempo acaba.... e ninguém vai
mais lembrar de Rebelde.
E:E o que você acha disso?
G: Ah... sei lá...até um ponto é verdade, mas enquanto eu estou assistindo, deixa eu
assistir, oras! Eu tenho todo o direito de assistir.
F: Falam que eles influenciam. Influenciam de que jeito? O que você acha?
G: Ah... sei lá.... porque eu influenciar não influencia muito, mas tem menina da
minha classe que, tipo, elas pintam o cabelo... também querem se vestir igual...faz
penteado igual....faz até, tipo, showzinho assim, igualzinho. eu acho que
também.... quando começou o álbum do Rebelde foi aquele fuzuê, porque todo
mundo tinha, e todo mundo queria trocar... depois todo mundo queria trocar em
horário de aula...aí atrapalhava.”
O que fomos percebendo no desenvolvimento desta pesquisa que será discutido mais
profundamente na conclusão é que a questão vai além do que as mídias passam, permeando
como as pessoas lidam com isso.
Entrevista 3: Pra conversar, futebol.
T. é o filho mais velho, tem uma irmã de oito anos, mora com os pais e está na quinta
série do ensino fundamental. O garoto parece estar bem tímido, fala pouco e baixo. Procuro
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encontrar algo que o deixe mais à vontade; ele comenta sobre seu álbum de figurinhas do
Campeonato Brasileiro, peço para ver; ele traz e a conversa parece fluir melhor. Ele parece gostar
muito de futebol, declara que gosta de assistir aos jogos ou jornal sobre futebol. Em
determinado momento da entrevista diz que assiste “Qualquer coisa que tem passando”, o que me
deixa intrigado, pois chego a pensar que ele passa o tempo todo em frente da TV, mas não é isso.
Parece que a única programação que ele sentido em assistir é a relacionada com futebol, o
que lhe garante, entre outras coisas, ter algo em comum com o pai e com os colegas da escola.
Os outros programas transmitidos pela televisão parecem não lhe interessar, e se ele assiste a algo
diferente, é só por assistir e nem se dá ao trabalho de prestar atenção ao que está passando.
Acha que grande parte da programação que passa na televisão resume-se a “besterias” e
fofocas, o que não lhe agrada.
“E: E o que você não gosta do Faustão e do Gugu?
T: Muito chato, eles falam muito.
E: Sei....
T: As matérias dos programas deles são uma droga.”
Sua mãe e a sua irmã mais nova assistem novela à juntas, ele acaba indo brincar sozinho
ou com o cachorro. “E: E o que você fica fazendo enquanto elas à assistem novela?
T: Ah... fico brincando com o cachorro...fico pra lá... no computador (...)”
Tanto dentro quanto fora de casa, parece que assuntos relacionados a novelas estão
presentes, e isso não lhe atrai. Seus amigos conversam sobre computador também, mas ele
prefere mesmo falar sobre futebol. Parece perceber que a programação da televisão acaba
aparecendo na escola, em casa, nos grupos de conversa, etc, e, mesmo não assistindo, sua
“rotina” é influenciada, na medida em que acaba se afastando do grupo quando o assunto é algo
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relacionado com a TV. Na entrevista mesmo, o futebol serviu como algo que possibilitou que a
conversa fluísse, o que talvez aconteça em outras esferas de sua vida.
No fim da entrevista, disse que gostava de assistir ao “Pânico na TV”, o que mostra
como, em algum momento, as pessoas acabam cedendo às mídias e às suas técnicas de sedução.
Ele disse que os programas de TV apresentam “besteira e fofocas”, mas acaba assistindo a um
tipo de programa em que,principalmente, as besteiras fazem parte de sua estrutura. Segundo
Gitlin, as pessoas procuram um lugar na torrente de informações onde possam se sentir seguros e
menos invadidos pelo resto de informações, tanto o futebol quanto o programa acima
mencionado cumprem esse papel.
Investigando sobre o que conversa com seus amigos, ele me diz que pouco conversam
sobre televisão. De certa forma faz sentido, pois quando o assunto é algo relacionado a novelas,
T. não participa das conversas.
“E: E sobre as novelas a que seus amigos assistem? De Malhação.... você conhece?
T: Sei... Páginas da vida... eles falam, mas eu não entendo nada....
E: E o que você acha? Você fica querendo mudar de assunto?
T: Eu não mudo de assunto, deixo eles conversarem, fico com os amigos que não
estão conversando de novela.”
Mas quando a conversa é sobre futebol, T. participa, e parece não se dar conta de que
entra em contato com o mundo do futebol através da mesma televisão à qual ele não assiste na
hora da novela.
Relatos como este reforçam a idéia de Gitlin de que as pessoas não percebem o quanto
estão em contato com as mídias. Assistir à televisão sozinho parece ser um hábito para o garoto
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e, algumas vezes, tenta assistir jogos de futebol com o pai, mas tal empreitada dura pouco, pois o
pai acaba dormindo ou parando de assistir para fazer outra coisa.
Com seus amigos, o assunto “futebol” parece ter lugar garantido nas rodas de conversa.
“E: Fala um pouco sobre seus amigos.
T: Gostam de jogar bola....jogar baralho.
E: O que é que você joga de baralho?
T: Truco.
E: No recreio do colégio?
T: Não.... de vez em quando só.
E: No recreio o que é que você faz?
T: Só como o lanche, jogo baralho, converso....
E: Sobre o que vocês conversam mais?
T: Ah... a gente conversa assim, sobre futebol.... sobre os times.”
O que acontece com esse garoto em relação ao futebol parece ser mais ou menos o mesmo
mecanismo que acontece com a menina que assiste Rebelde; Tais assuntos funcionam como se
fosse um dialeto pertencente ao grupo; logo, apenas quem tem condições de transitar pelo
assunto pertence ao grupo. Quando questionado sobre se a programação televisiva influencia as
pessoas, sua resposta é afirmativa, e usa como exemplo a maneira como a novela Rebelde está
presente na vida das crianças que a assistem.
“E: Influenciando que jeito?
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T: Ah... não para de assistir... fica pintando... tem uma mulher naquela novela que
fica pintando o cabelo de vermelho e elas ficam pintando o cabelo de vermelho
também.
E: E o que você acha disso?
T: Acho coisa de louco.
E: Você acha que a televisão está influenciando?
T: Pra caramba.”
Não é uma resposta muito elaborada, talvez ele tenha ouvido isso de alguma professora
ou de um outro adulto, mas tal resposta mostra como está presente na mentalidade da criança a
idéia de que a televisão tem algum tipo de influência na vida das pessoas. Claro que essa mesma
televisão é capaz de trazer à tona assuntos diferenciados que podem ser úteis e trazer para a
discussão na sala de aula percepções sobre realidades diferentes, mas isso parece não ser muito
explorado em classe.
Quando alguém não compartilha o mesmo sistema de costumes de um grupo, acaba de
certa forma sendo em algum grau excluído. Não gostar de assistir a novelas, faz com que o
garoto não tenha acesso à companhia da mãe e da irmã no horário em que a novela está sendo
apresentada. O mesmo ocorre na escola, pois enquanto o grupo de amigos conversa sobre
novelas, ele não participa da conversa. Tal exclusão faz com que as pessoas busquem outras
estratégias de conduta, seja brincar sozinho, seja desenvolver um falso interesse sobre algo para
poder participar das conversas.
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Entrevista 4: Brincadeiras que a TV ensina
O garoto entrevistado (C.) possui 10 anos e é o caçula. Tem uma irmã mais velha (de
vinte anos) e mora com os pais. Parece viver brincando, geralmente fora de casa. Digo isso, pois
foi difícil encontrá-lo para marcar o dia da entrevista. Quando cheguei a sua casa, estava
brincando com cards do yu Gui yo! , um desenho onde o protagonista utiliza as mesmas cartas
para duelar com seus oponentes. As crianças competem entre si, mas a maneira de competir
varia. Se antes as bolinhas de gude eram o meio e o fim da disputa, hoje esta variação de cartas é
comum. Não parece que havia desenhos que incentivassem as crianças a jogar bolinha de gude,
mas existem desenhos que ensinam as crianças a disputar estas cartas.
Ele não faz apenas isso, também brinca com carrinhos. O interessante é que estes
carrinhos são da Hot Whells, e não carrinhos “comuns”.Além disso, existem os desenhos
animados feitos por computação gráfica sobre esses mesmos carrinhos, o que nos um
exemplo de como as mídias fornecem elementos com os quais as crianças se relacionam.
Notamos que os artefatos utilizados para a diversão derivam de conteúdos veiculados pela TV.
Claro que ele brinca de bola também, e anda de bicicleta, mas os brinquedos que as mídias
apresentam estão presentes em sua vida.
“E :E o que você gosta de fazer nas suas horas vagas?
C: Ah, nas horas vagas eu procuro estar brincando sempre....
E: Brincando, do que você gosta de brincar.
C: Ah, eu gosto de brincar de carrinho da hot wells, yo gui yo..... gosto de andar de
bicicleta, jogar bola.”
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Ele possui acesso à TV por assinatura, e gosta muito dos desenhos que passam por (em
alguns canais, 24 horas por dia). Também gosta muito de futebol – assim como seu pai e acaba
optando por esse tipo de programação também. Com a mãe, assiste um pouco de novela “na
cozinha”, e assiste a alguns seriados para adolescentes com a irmã mais velha (20 anos). Parece
que cada um tem sua programação favorita, e ele se submete às preferências de cada um quando
quer passar um tempo com eles.
“E:E você assiste à televisão com quem?
C: Ah, sozinho... com o meu pai... assisto futebol com ele...
E: A que mais você assiste com o seu pai?
C:.... ah... eu assisto...... novela..... da globo... assisto, assisto um programa lá que é na
globo news com ele que é o jornal das dez, que daí ele quase nunca assiste porque
ele sempre dorme.
E:Então ele fica dormindo no sofá e você fica assistindo?
C: Ah, daí eu troco de canal...rs...
E:E você põe em qual canal?
C: Ai eu ponho....no...no 39 pra ver se está passando jogo, coloco no 46 que é no
Cartoon pra ver o que está passando....”
Não costuma conversar com seus amigos sobre o que assiste na TV, mas brinca com eles
com as brincadeiras que “estão na moda”, e fala sobre futebol também.
100
É vendo televisão que ele vai “descobrindo” com o que brincar, pratica compartilhada
com os colegas. A televisão pode deixar as crianças acomodadas, mas pode fazer com que elas
procurem crianças com o mesmo interesse (cards, por exemplo) para brincar.
“E:E como você descobriu esses cards?
C: Vendo o desenho.”
A conduta varia de criança para criança, mas elas acabam, de certa forma, estando com as
mídias, o que reafirma as idéias de Gitlin.
É interessante notar a maneira como os programas vão aparecendo na vida das crianças.
Tudo parece obedecer à conhecida fórmula de assistir a determinado programa, mas no intervalo,
ficar sabendo que existe outro ,tão divertido quanto aquele, na mesma emissora. Daí é tentar
assistir a este segundo programa e logo comerciais de mais programas aparecerão.
“E:Como você descobriu esse desenho?
C: Uai.... mexendo nos canais, daí eu sempre tava assistindo Cartoon, daí um dia eu
estava assistindo e daí.... daí eu coloquei no canal pra assistir O que de novo
Scooby Do, daí antes passa a Mansão Foster... daí faltava pouco pra começar Scooby
Do daí eu assisti a Mansão Foster. E eu sempre assisto agora.”
Outro aspecto interessante observado na entrevista é no que tange ao acesso a
determinadas mídias. Por exemplo, o acesso à televisão parece ser total, não precisa de
“supervisão” adulta nem determinação de horários. com o vídeo game e com o computador,
parece que existe uma preocupação em que o contato não prejudique outras esferas da sua vida.
Por serem mais interativas do que a televisão, estas mídias acabam são tomadas como viciantes e
prejudiciais aos estudos
“E: Você pode ver televisão a hora que você quiser?
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C: Televisão sim.
E:E computador?
C: Computador não. Computador só de sábado e domingo também.”
Pais e professores não conversam muito com ele sobre as coisas a que assiste, mas a mãe
(que assiste à novela na cozinha enquanto o pai futebol na sala) parece preocupada com o
tempo em que o filho passa jogando vídeo-game e mexendo no computador. à televisão, ele
pode assistir quanto e quando quiser. Tal fato mostra uma preocupação maior com o que é mais
interativo, ...ela diz que atrapalha os estudos”. Ele acha mais atraente a interatividade do vídeo-
game, a ponto de quase concordar com a mãe.Quando questionado sobre o que acha dessas
restrições impostas às mídias mais interativas, o garoto titubeia, oscilando entre o que gosta de
fazer e o que precisa fazer.
“E:Então quando tem escola você não joga.... tem muita tarefa?
C: Não... quase nunca tem...só que minha mãe não deixa, porque ela diz que
atrapalha os estudos.
E:Você concorda com ela? Ou Não?
C: (fica pensativo e faz um grande não com a cabeça )
E:Não... o que é que você acha?
C: Ah, eu acho que devia jogar todo dia.... porque eu acho que não interfere...
E:Ah...mas ela explica por que interfere?Por que atrapalha?
C: Ah, ela fala porque se eu fico jogando video game eu vicio e não estudo pra
prova... e não faço tarefa.
E: E você concorda com isso?
C: Ah, as vezes sim, as vezes não...”
102
Entende que essas mídias realmente são mais interessantes do que a televisão, mas
acredita que existem maneiras de se divertir com elas sem prejudicar outras esferas de sua vida.
A interatividade que o vídeo game e o computador oferecem é capaz de atrapalhar os estudos,
mas cabe à criança e aos próprios pais desenvolverem estratégias para lidar com esses novos
artefatos da cultura humana sem perderem sua autonomia ou se prejudicarem. Mas fica claro que
as crianças e os adultos também não sabem o que fazer se ficarem sem a possibilidade de
algum contato com as mídias.
“E: E se acabar a energia elétrica, o que você faz?
C: Se acabar a energia?.... ah...acendo uma vela...e fico num canto sem fazer nada.
E: Sem fazer nada?
C: É.”
A nossa realidade é elétrica, o que significa dizer que muitos de nossos artefatos e
costumes dependem da eletricidade. É difícil encontrar algo para divertir que não use energia
elétrica. Desde o desenvolvimento da comunicação elétrica, fomos nos habituando cada vez
mais, a formas de entretenimento que derivam do mesmo princípio. Na fala do garoto e que
apareceu também em outras entrevistas parece que a vida acontece enquanto a TV puder
estar ligada, o computador funcionando e a luz acesa. Tem-se a impressão de que é inimaginável
uma vida sem esses tipos de artefatos. Longe de fazer apologia aos Amish, nossa atenção é
solicitada para perceber como os artefatos podem passar de uma “simples novidade” para um
elemento obrigatório em nossa concepção de mundo.
103
Entrevista 5: Desenhos levam a mais desenhos
Este garoto assiste à televisão sozinho grande parte do tempo. Com onze anos, mora com
os pais e tem um irmão de quatro anos,. Seus pais como a maioria dos pais das crianças
entrevistadas – não falam muita coisa sobre os programas a que ele assiste. Parece que ou os pais
(não os dele) não sabem o que dizer sobre a programação a que seus filhos assistem, ou vêem
a televisão como uma forma de distração neutra, que não oferece nada que seja prejudicial para
seus filhos.
“E: E o que seus pais falam sobre a programação que você assiste?
K:.... meu pai não fala nada né...minha mãe também não....é que eu assisto filme de
ação só...de luta.... não gosto de mais desses filmes... pra mim é esse..”
O artefato TV parece estar tão assimilado pela cultura que os pais parecem não se
preocupar com o tipo de relação que os filhos estabelecem com o televisor e com o que o
aparelho pode propiciar.
O menino assistiu 3 vezes à mesma temporada de um desenho, o que mostra que algo
do conteúdo do desenho em questão (Dragon Ball Z) ressoa em seu mundo mental, mas parece
que seus pais sequer notaram que, pela quarta vez, ele assiste à mesma coisa.
“E: Como é que você descobriu o Dragon Ball?
K: Fazia tempo que passava né... quando eu tinha sete anos de idade começou a
passar... lanço ele.. passava na Globo, aí eu tava assistindo desenho e começou ele e
eu falei, ué, não conheço esse desenho... comecei a assistir, assisti três vezes
ele...essa é a quarta.
E: A mesma temporada?
104
K: A mesma temporada.... e já assisti o GT também, uma vez... é massa.”
Ele disse que existem campanhas de conscientização sobre a prevenção de certas
doenças, disse que aprendeu muito, mas todos sabemos que apenas uma pequena parcela da
programação que se dedica a esse tipo de serviço.
“E: E o que é que você acha das campanhas de prevenção de certas doenças?
K: Algumas... algumas eu nem, nem quero ver, tem algumas que é chata, até que tem
algumas que é legais, que fala alguma coisa interessante... negócio assim de saúde
passou bastante... negócio de saúde passou bastante... e eu aprendi um monte de
coisa que eu não sabia.
E: Negócio de saúde é o que?
K: É... é...aquele negócio de tuberculose passa....bastante.... passa esse negócio de
gripe... passa hepatite...... ai eu fico vendo né.”
Ver televisão aparece como uma opção quando não se tem nada para fazer. Em
determinado ponto da conversa, contou sobre o centro social de seu bairro, falou que crianças e
adolescentes vão para lá andar de skate, jogar bola, etc. Disse que certa vez “..tinha uns caras, um
monte de gente fumando...” Parece mesmo mais seguro assistir à televisão. O que será que os
pais diriam?
Estar com as mídias aparece novamente como sendo uma opção de lazer que concorre
com as brincadeiras,”E: E o que você gosta de fazer quando você não tem nada para fazer?
K: Bom, eu gosto de jogar bola na rua, e as vezes eu fico assistindo televisão.” E esse hábito de
assistir à televisão acaba sendo transmitido para outros membros da família, pois, neste caso, o
entrevistado tem um irmão mais novo que assiste à televisão junto com ele. Claro que irmãos
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mais novos tendem a imitar os mais velhos quando são crianças, de modo que assistir à televisão,
ao invés de brincar, provavelmente irá aparecer se, no futuro, fizermos a pergunta para o garoto .
“E: E com quem você assiste televisão?
K: Bom... é que... eu vou pra escola cedo... aí nunca dá pra eu assistir.... quando eu
assisto ou eu assisto sozinho ou assisto com o meu irmão.
E: Seu irmão é mais velho ou mais novo que você?
K: Mais novo.
E: Quantos anos ele tem?
K: Quatro.
E: E ele gosta do que quando está assistindo televisão?
K: Ah, ele gosta de desenho....”
As crianças em geral queixam que faltam desenhos e programação destinada a elas; a
maioria dos desenhos passa no período da manhã, quando muitas crianças estão na escola e,
portanto, impossibilitadas de assistirem. Os demais programas apresentam uma linguagem e um
ambiente de certa forma simplificado e acessível para as crianças, que elas não podem ver
desenhos e programas feitos para elas, assistem por tabela” a programas de adultos. Com isso, a
linguagem e a estrutura dos programas ficam parecidas, na medida em que buscam cativar a
maior quantidade de telespectadores possível. Tal fenômeno, chamou a atenção de Postman, que
afirma que, cada vez mais, os programas são destinados para uma ampla gama de
telespectadores.
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Entrevista 6: Malhação é novela ou não?
Na vida deste menino (M) de onze anos (tem uma irmã de quinze), a televisão também
aparece como uma opção de distração quando não se tem nada para fazer.
“E: E o que você gosta de fazer quando está de folga?
M: Ah... eu gosto de jogar bola... sair.... ah, é isso que eu faço normalmente.... ou
no computador.”
Seus pais também não conversam muito sobre televisão e o acesso às mídias (Tv,
computador, etc) é liberado. Conversa pouco com os amigos sobre os programas de televisão
prefere conversar sobre futebol – mas, de alguma forma, sabe que todos assistem à Malhação.
Como a maioria dos meninos de sua idade, tem a semana repleta de atividades
extracurriculares e, nas horas vagas, além de TV e computador, gosta de sair com os amigos para
o shopping ou para uma lan house. Assiste à televisão sozinho a maior parte das vezes, mas
acontece de assistir com a mãe aos seriados de que ela gosta, e, com o pai, conversa sobre
futebol.
Seus professores dizem que o computador facilita demais os trabalhos de casa e as
pesquisas, com o que ele concorda, mas ainda assim prefere fazer trabalhos no computador. Não
parece uma criança que acompanha fielmente as novelas, assiste a algumas, às vezes, sem
preconceito, diz que não se incomoda com as novelas nem com as preferências das outras
pessoas. Atualmente assiste à Malhação, mas não sabe dizer se é novela ou não, e diz que não se
assistindo Malhação no futuro. Parece ter uma idéia de que existem fases para consumir
107
determinada programação. Percebe que o conteúdo de Malhação se repete, mas ainda assim o
programa lhe atrai de alguma forma.
“E: E que programa você mais gosta de assistir?
M: Ah... é Malhação mesmo....
E: Conta um pouquinho sobre malhação pra mim.... como é?
M:.......Ah........é sempre as mesmas histórias.... às vezes muda um pouquinho, mas
sempre tem o casalzinho bom e o casalzinho ruim.... que quer... quer o sei o que
com o bom.... é isso aí, é sempre as mesmas coisas....
E: E mesmo assistindo sempre a mesma coisa, você não enjoa?
M:....É.. porque não faz muito tempo que eu assisto... comecei quando era a época do
Bernardo lá.... eu não assistia muito.”
Na Internet, MSN e Orkut fazem parte de seus “passeios”, mas parece não abrir mão dos
contatos de verdade com seus amigos. Não é todo mundo que se fecha na vida virtual.
O garoto freqüenta lugares públicos, como o shopping e lan houses, sempre na
companhia de seus amigos. Quanto ao assunto predominante, relata conversar mais sobre futebol
e um pouco sobre Malhação bem pouco. Quando vai até uma lan house com seus amigos, se
diverte com os jogos que estão “na moda” entre os usuários mais assíduos de computadores, na
ocasião da entrevista, Counter Strike. Interessante notar que este jogo (onde os jogadores
escolhem ser terroristas ou “contra terroristas” e jogam em equipes) começou a aparecer na
preferência dos jogadores após os atentados de 11 de setembro nos Estados Unidos e, como tal
evento foi exaustivamente exibido por redes de TV do mundo todo, podemos pensar que o
interesse por este tipo de jogo tenha sido estimulado por aquelas reportagens.
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O acesso às mídias parece ser liberado para o garoto, a única restrição é quando a irmã
mais velha está usando o computador. Ele diz que passa muito tempo na Internet, jogando e
conversando no MSN com os amigos, um hábito que tem se mostrado comum entre adolescentes
e que vem ganhando espaço nas demais faixas etárias, ainda mais com o aparecimento da Internet
“banda larga”.
Como preferência musical, cita o nome de uma banda que, coincidentemente ou não, uma
música que é tema de abertura de Malhação. Tal fato nos exemplifica como as mídias estão
interligadas e como as pessoas se envolvem nesta torrente onde as informações são lançadas de
várias maneiras e, de certa forma, se complementam no dia-a-dia das pessoas.
Seus pais não conversam muito sobre as coisas que a ele assiste, muitas vezes se limitam
a dizer que determinado programa é chato, mas a conversa fica por ai. O garoto parece não se
preocupar muito com o que os pais pensam sobre o que ele vê. M. parece ter uma idéia de que
sua preferência é apenas uma fase e não se incomoda com isso, e talvez seus pais pensem o
mesmo.
“E: Mas com seus pais você não conversa sobre televisão...
M: Não.... com o meu pai é mais de esporte... com a minha mãe é sobre o que ela está
assistindo, eu pergunto o que aconteceu... televisão é só isso que eu falo com a minha
mãe.
E: E o que é que você acha que eles pensam sobre a programação à qual você assiste?
M:.... Tem coisas que eles não gostam... mas não reclamam... que nem
Malhação...Rebelde.... mas não reclamam....não gostam mas não reclamam.
E: Como é que você sabe que eles não gostam se eles não reclamam?
M: Ah, porque eles falam.
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E: O que é que eles falam?
M: Ah... .que não.... é....sabe, que acha besta a novela, que não tem sentido.
E: E o que é que você acha disso?
M: Ah... é a opinião deles uai.... normal.
E: Mas ai você continua assistindo... não esquenta a cabeça....
M: Continuo.
E: E você acha que, quando você estiver mais velho, você vai assistir a programas
como Rebelde ou Malhação ainda?
M: Não.”
A programação aparece como uma ferramenta que auxilia a criança a pertencer a algum
grupo. Imaginando que, em seu futuro, pertencerá a outro tipo de grupo, descarta a opção de
assistir às mesmas coisas que assiste nos dias de hoje.
Entrevista 7 : O menino que criava hologramas
Morador de uma cidade pequena (6 mil habitantes), é o mais novo e mora com os irmão
(uma irmã de 25 anos e um irmão de 30) e com a mãe. Achei que ele vivesse brincando na rua..
Isso também, mas ele passa boa parte de seu tempo livre na Internet. Gosta também de assistir
desenhos e sabe o que cada tipo de desenho tem a oferecer “...salva a Terra no Dragon Ball Z,
no Mickey e Donald tem trapalhada.” Não conversa muito com os amigos sobre os programas
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que assistem na TV, prefere ficar brincando com eles. Computador e TV são para quando não
para ir brincar. Tem vergonha de dizer que assiste à novela com a mãe e com a irmã, diz que
assiste porque gosta e também para ficar com elas.
Atualmente gosta de cuidar de seus bichinhos virtuais na Internet. Descobriu a
possibilidade de ter bichos virtuais através de um bloco de um programa infantil que dicas de
sites na Internet ( as mídias são parceiras). Explica-me várias coisas sobre esses animais virtuais
(Neopets novos animais de estimação) e o que mais me chama atenção é que esses animais
ficam tristes e, para alegrá-los, é preciso comprar brinquedos para eles.
“E: E dá trabalho cuidar deles?
V: Não, tem que alimentar eles... se eles estão tristes tem que comprar brinquedos
para eles...ai eles ficam felizes.
E: Tem como você brincar com eles para deixa-los felizes?
V: Não, ai não.... só dando brinquedo.”
Não sei se a felicidade tem um preço, mas para os Neopets parece que sim. O garoto
parece dividir bem seu tempo entre atividades reais e virtuais. Depois da entrevista, ele foi me
mostrar esses Neopets, e me explicou que existem vários sites do mesmo tipo. Acha engraçado
várias coisas do site, pois diz que são meio absurdas. Possui vários animais de estimação de
verdade, que, segundo ele, dão mais trabalho que os Neopets.
“E: Se você estivesse com um tempo livre e pudesse escolher o que fazer, o que você
escolheria?
V: Se eu não tenho nada pra fazer... fico batendo bola na parede.. ou fico cuidando
dos meus Neopets.”
111
Quando inquirido sobre o que gosta de fazer nas horas vagas, a resposta “Vou pro
computador.” apareceu sem que eu tivesse terminado de formular a pergunta. Seu irmão mais
velho mexe com computadores e sua irmã mais velha passa um tempo considerável na Internet.
O garoto, inserido em um meio onde o computador é um artefato que já faz parte da rotina diária,
passa horas na Internet, ultimamente pesquisando sobre os Neopets. É interessante notar que, não
apenas esses Neopets, mas vários outros sites de animais virtuais podem ser visitados na rede;
cada site tem sua própria história, economia, leis e utensílios, tudo para fazer parecer cada vez
mais real o mundo virtual que eles oferecem. Muitos jogos também apresentam esse tipo de
“informação adicional”, é comum que os jogos venham com histórias e detalhes que ajudam
construir uma realidade paralela em que se desenvolve a história.
A hipótese de que as mídias vão nos habituando a passar cada vez mais tempo com elas
aparece novamente. À medida que fala sobre o que costuma assistir, vai ficando claro que é no
decorrer da programação que ele vai descobrindo outras coisas para assistir.
“ E: E quem te mostrou os desenhos? Ou você descobriu sozinho?
V: Ah, eu vejo na televisão... no comercial que aparece.”
Para o garoto, assistir à novela parece estar associado ao universo feminino, o que não
impede que ele assista, mas em certos trechos da entrevista mostra-se preocupado com o que os
outros irão pensar,
“E: Não iria ter novela?
V: Novela...rs..r.s.. novela.. ai iam dizer “Ô noveleiro!”...rs... iam zuar um monte
comigo”
112
Tal fato nos idéia de como assistir determinado tipo de programa acaba por conferir
identidade a quem assiste.
Outro aspecto interessante a ser observado é que ele parece assistir à novela mais para ter
assunto em comum ou ficar perto de sua mãe e de sua irmã do que pela novela em si. Mais uma
vez, podemos notar como consumir certa variedade de informação pode aproximar as pessoas e
lhes conferir um sentimento de identidade e proximidade com o grupo ou com pessoas que lhes
são importantes.
“E: Com quem você assiste a novelas?
V: Com a minha irmã e minha mãe.... são as fofoqueiras aqui de novela....
E: E você fica sabendo o que acontece?
V: Ah, quando eu não assisto eu pergunto... aqui, lá.... só isso.
E: Mas você assiste novela porque você gosta ou pra ficar junto da sua irmã e da sua
mãe?
V: Ah, porque eu gosto também...
E: E vocês conversam sobre novela?
V: Conversamos...rs..rs.
E: O que vocês conversam?
V: O que é que aconteceu ontem, o que é que acha que vai acontecer amanhã...só
isso, de novela...de filme a gente fica, “Ah, por que é que tinha que fazer isso?”...é
isso que a gente conversa sobre filme e sobre novela.”
O garoto relatou também que vai tomar banho depois de uma determinada novela, o
que indica que, além de estarem presentes nos lares, as mídias influenciam , em diferentes graus,
a dinâmica das pessoas, mesmo que elas não se dêem conta disso.
113
“E: E os seus amigos, eles assistem televisão também?
V: Assistem.
E: Vocês conversam sobre televisão?
V: Ah, a gente fica jogando bola, brincado a maior parte do tempo.
E: E sobre televisão, vocês conversam?
V: Não... sobre televisão não.”
Conversando sobre seu gosto musical, percebemos que ele gosta das músicas que os
irmãos mais velhos escutam. Diz que se acostumou a escutar.
“E: Mas rock antigo?
V: É... rock assim dos Beatles, que eu aprendi a escutar... e da Janis Joplin eu gosto
dela também. Eu acostumei a escutar.
E: Você acostumou a escutar por que?
V: Ah, minha irmã gosta, meu irmão gosta.... eles ficavam escutando e eu aprendi a
gostar.
E: E se você começar a escutar Rebelde, você acha que você começa a gostar?
V: Não.. eu não gosto de Rebelde não...”
Parece que não basta apenas ficar exposto aos programas, é preciso que eles ressoem em
algo do telespectador; no caso das músicas, Beattles parece ter mais a ver com a vida do garoto
do que Rebelde e, por isso, ele afirma que não vai se acostumar com esse estilo de música.
114
Entrevista 8: Tradição de Família
O garoto de nove anos (H) tem um irmão mais novo (de 3 anos) e mora com os pais.
Parecia não estar nem com a programação da televisão. Eu perguntava o que ele fazia, o que
gostava de fazer, e soltar pipa aparecia em todas as respostas.
“E: E o que é que você gosta de fazer quando você está de folga? Que acabou a
lição...
H: Eu gosto de soltar pipa.
E: O que mais você gosta de fazer?
H: Eu gosto de brincar.”
Mas continuei explorando, não podia acreditar que uma criança que vive em grupo não
assista a nenhum programa de televisão. Hipótese confirmada, o menino assiste à televisão
apenas nos finais de semana, e durante a semana, assiste um pouco no projeto que freqüenta e em
casa com seus pais. No decorrer da entrevista, ia ficando claro que o garoto até assistia à
televisão todos os dias mais uma vez a pessoa parece não perceber o quanto tempo passa em
contato com as mídias – mas parecia não dar muita importância para o fato.
Em seu relato, acaba aparecendo mais uma vez o conhecido fato de descobrir coisas para
ver enquanto assiste a determinado programa. A Tv Xuxa um dos programas infantis com
maior audiência – tem uma estrutura conhecida desde os primórdios da televisão: as atrações para
crianças são recortadas por anúncios de mais atrações e objetos de consumo. Desta forma,
mesmo que a criança resolva assistir ao programa por causa de um determinado desenho,
enquanto espera que este comece, ou durante sua exibição, entra em contato com as “próximas
atrações”, bem como com anúncios de produtos e outros programas potencialmente interessantes.
115
O menino declarou que não gostava de assistir ao jornal, mas no decorrer da entrevista,
afirmou que assiste ao jornal com os pais e quando perguntei se ele assistia jornal por causa do
conteúdo ou para ficar com os pais, ele demorou um pouco e disse que prestava atenção no
conteúdo.
“E: Mas você não falou que assiste jornal com os seus pais?
H: Também assisto, as vezes...
E: Mas você presta atenção no jornal ou você assiste só pra ficar lá?
H: Presto atenção só..."
Mas o que chamou realmente a atenção nesta entrevista foi uma espécie de tradição de
família” que acontece em sua casa e muito provavelmente em muitas outras envolvendo o
que cada um assiste. Ele disse que seu irmãozinho (que tem 3 anos) assiste as mesmas coisas que
ele. Disse também que, quando crescer, assistirá ao jornal como o pai.
“E: E o que é que você acha que você vai assistir daqui uns tempos, quando você for
maior?
H: Jornal, novela, né...só.
E: Porque seu pai e sua mãe assistem novela....
H: Aham...jornal....”
Isso mostra como a prática de assistir à televisão já faz parte de nossa cultura. As crianças
acabam adotando certas práticas (como ver televisão), e associando a um certo status e papel
social (crianças assistem aos desenhos, adultos assistem ao jornal). Não que isso seja prejudicial,
mas mostra como um artefato vai se agregando a valores e condutas em um grupo; no caso da
116
TV, as pessoas acabam considerando natural assistir ao que ela transmite. Adultos e crianças vão
gastando seu tempo livre cada vez mais na frente da TV.
A criança me pareceu não dar muita importância para a TV em si. Gosta de assistir
desenhos, como toda criança, mas não parece que essa prática tenha grande importância na sua
vida diária, no convívio com os colegas e nas brincadeiras que gosta de fazer. Na escola, alega
que os professores não comentam nada sobre TV
“E: E seus professores, eles falam alguma coisa de televisão?
H: Não.”
E em casa, os pais se limitam a comentar alguma notícia com ele de maneira bem
“superficial”
“E: E seus pais conversam com você sobre televisão?
H: Aham.
E: O que é que eles conversam?
H: Eles falam assim.... quando o avião explodiu, eles falaram, “viu H. como que o
avião explodiu?”
Entrevista 9: A Moda vende e a moda passa
Esta garota (P) mora com os pais e com a irmã mais velha (15 anos). Enquanto me
apresentava para ela como sendo pesquisador, e explicava-lhe um pouco sobre os motivos da
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pesquisa, em minha cabeça eu me preparava para mais uma entrevista sobre Rebeldes. Por que
isso? Não que eu tenha entrevistado muitas meninas de nove anos, mas vi várias nos lugares por
onde passei, e é difícil encontrar uma que não ligue para essa febre mexicana importada por
Silvio Santos. Talvez algo em seu visual tenha me dado indícios de que ela gostava de Rebelde
(um baton ou um jeito de amarrar o cabelo, não sei direito), ou talvez tenha sido preconceito
meu, intuição, enfim, quando a pergunta foi “O que você gosta de assistir na televisão?” a
palavra “Rebelde” apareceu antes que eu terminasse a pergunta.
“E: E o que é que você prefere, desenho ou Rebelde?
P: Rebelde.
E: E por que é que você acha que você prefere Rebelde?
P: Porque é mais legal.
E: Você acha que tem mais a ver com você Rebelde do que desenho....
P: Aham..”
Brincar e assistir à televisão são respostas para a mesma pergunta. Mais uma vez, a
possibilidade de diversão aparece associada ao hábito de assistir TV. Em nossos dias pregam
uma ideologia complicada, temos que trabalhar muito e somos incitados a nos divertir cada vez
mais... e esta diversão dificilmente aparece dissociada do consumo de informações e produtos.
“E: E quando você não tem nada pra fazer assim, o que é que você gosta de fazer?
P: Eu gosto de assistir televisão, brincar...”
Ela parecia não saber falar direito sobre as outras coisas que dizia assistir e nem sobre
suas preferências, as respostas ficavam meio vagas, não sabia direito do que não gostava, ou do
que achava do jornal... Respostas vagas e Rebelde não coincidiam. Dava a impressão de que a
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única coisa que ela tinha de certo sobre suas preferências televisivas tinham a ver com esta banda
e suas conversas com as amigas também orbitavam sobre o mesmo assunto. Até mesmo seus pais
acabavam assistindo a novela, o que é uma coisa muito boa, pois raros foram as crianças cujos
pais assistiam com elas os programas que elas gostavam. Mas ainda assim, seus comentários
acerca da preferência das filhas pela referida novela se restringiam em “não tem nada a ver” e
“hoje está chato”. O que indica que os pais se sentem pouco seguros para comentar e refletir com
os filhos sobre suas preferências televisivas.
Outro fato interessante que apareceu nesta entrevista – e já havia aparecido em outra – é o
fato de a pessoa entrevistada saber que Rebelde é uma moda passageira e ainda assim gostar
disso. E, quando inquirida sobre o que fará se a moda passar, respondeu, sem qualquer tipo de
hesitação, que assistirá a outra coisa que esteja na moda.
“E: Quando você crescer, daqui uns 10 anos mais ou menos, o que é que você acha
que vai estar assistindo?
P: Não sei.
E: Rebelde ainda?
P: Não.
E: Não, por que não?
P: Porque já vai ter sumido a moda...
E: Ah. Aí se tiver outra coisa parecida com o Rebelde você vai assistir?
P: Vou.”
É interessante pensar nesse tipo de vínculo que as pessoas fazem com essas manias,
enquanto o assunto está na moda, parece que não é possível falar sobre outra coisa ou imaginar o
119
mundo de outro jeito e, depois que a moda passa ou mesmo na hipótese de ela passar, como foi
o caso das entrevistas o objeto de adoração é substituído por outro sem muita cerimônia. Este
jeito de lidar com as coisas nos remete ao pensamento de Lasch acerca da falta de apego e de
comprometimento que as pessoas “desenvolvem” para lidar com as incertezas do dia a dia.
Entrevista 10: Atiro pra matar, mas só no vídeo-game.
Este garoto de 10 anos mora com a avó e as duas irmãs mais velhas (ambas de 15 anos)
gosta bastante de ver desenho, está na quarta série. Parece ter a televisão por companhia boa
parte do dia. Estuda de manhã e participa de um projeto no período da tarde como aluno, mas
quando sai do projeto fica vendo televisão esperando a avó ou as irmãs chegarem. Durante o final
de semana, parece ser comum ele ficar vendo televisão até de madrugada, o que parece ser
comum. Geralmente assiste à televisão sozinho em seu quarto, mas também gosta de assistir
DVD de desenhos que ele comprou.
É cada vez mais comum as crianças possuírem seus próprios aparelhos de TV, rádio e
computadores em seus quartos. O que num primeiro momento a idéia de conforto e
modernidade, traz consigo um distanciamento entre pais e filhos no que tange à convivência e ao
conhecimento dos gostos e preferências televisivas uns dos outros. Seja quais forem os artefatos
presentes no quarto das crianças, a possibilidade de os pais entrarem em contato com as
preferências dos filhos torna-se mais distante.
120
“E: Você pode ficar até tardão?
L: Não, só quando é sábado pra domingo.
E: Aí você fica até que horas?
L: Tem vez que eu fico só até uma hora, meia noite, só.
E: E aí você assiste o que?
L: O que eu assisto? Eu assisto Zorra Total, depois da Páginas da Vida, depois o
filme, e depois fico assistindo 20 quando passa coisa legal.
E: Muito bem. E aí você fica sozinho nesse horário?
L: É no meu quarto.
E: Ah, você tem televisão no seu quarto?”
Disse que gosta de ler, que leu todos os gibis do projeto e que gosta de ler os livros;
quando alguém passa alguma coisa chata no DVD, ele pega um livro e vai ler, o que mostra que
ele sabe usar as opções que possui para se distrair. A avó e as irmãs não conversam com ele sobre
os programas a que assistem, e ele parece assistir a certas coisas para ficar perto da avó que
declarou que, quando ela não está, ele assiste DVD. Os professores também pouco falam sobre o
que se passa na TV, ele me contou que apenas uma professora comentou sobre as propagandas de
cerveja, dizendo que elas incentivam as pessoas a beber. Disse que concorda com a professora e
que não acha certo, por ele passariam mais propagandas dizendo como é importante ler e estudar.
O que mais chamou a atenção, na entrevista, foi o prazer com que ele descrevia as coisas
que fazia jogando vídeo-game, especificamente um jogo chamado GTA, no qual o jogador
precisa roubar carros, infringir a lei, bater em pessoas e mata-las para ganhar pontos. Fiquei
curioso para saber o que ele achava desse tipo de conduta, e não vejo melhor forma de mostrar do
que reproduzir o diálogo que tivemos.
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“E: Qual que você gosta mais de jogar?
L: GTA.. antes quando eu comecei a jogar eu nem sabia... e eu peguei rapidinho.
E: Mas o que é que você acha desse jogo que você sai batendo nas pessoas, roubando
carros...
L: Atirando...rs...
E: Atirando...
L: Um dia eu estava com aquela arma que mira, daí eu parei bem na frente do cara
e atirei bem na carinha do cara.
E: Do motorista?
L: É, bem na cara...rs... ficou sem a cabeça.
E: Ah, é? E o que é que você acha desse jogo? Das coisas que faz no jogo?
L: Ruim.
E: Ruim, mas é legal fazer?
L: Não, mas é legal jogar. Fazer não.
E: Então você sabe que tem diferença...
L: É. Jogar pode, mas fazer não.
E: E esse pessoal que fala que quem joga esses jogos violentos ficam violentos
também... o que é que você acha?
L: Eu não fico não...só umas pessoas que jogam muito,.... mas tem que jogar toda
hora....ou melhor, quase todo dia, mas mesmo assim não ficava violento. Nunca vou
ficar.”
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As pessoas precisam dar vazão à agressividade. Jogando bola ou jogando vídeo-game são
maneiras de fazer isso e, ao contrário do que dizem os adultos, esse garoto afirma que sabe muito
bem a diferença entre um jogo violento e o dia-a-dia em sociedade. Ele afirma também que é
preciso passar muito tempo jogando vídeo-game para ficar violento, o que serve de recado para
os pais, que o problema não é tanto o conteúdo do jogo, mas o tempo e a maneira que as
crianças se relacionam com ele.
Os jogos eletrônicos estabelecem um vínculo imediato com o jogador, envolvendo-o em
uma relação estética. O mundo imaginário é absorvido através de um mecanismo psicológico de
projeção – identificação. Assim, o indivíduo delega ao personagem conteúdos que lhe são
próprios, bem como mistura a identidade deste com a sua, evitando o reconhecimento das
próprias inadequações e esperando adotar, em seu lugar, a identidade do personagem.
O jogo envolve, entretém, mantém o jogador preso dentro dele. A vida cotidiana, o
trabalho, o dia cansativo, as vivências próprias, enfim, a personalidade do jogador refugia-se
numa instância ilusória. Magicamente imersa na comunhão estética, o jogador é um reflexo da
imagem, sendo que, ao mesmo tempo, a imagem torna-se reflexo do jogador. Fundida nessa nova
relação, é possível, ao jogador, a liberdade psíquica para exorcizar seus demônios aprisionados,
realizar sonhos mais secretos, as necessidades proibidas ou, simplesmente, evadir-se para lugares
aprazíveis, ter a aparência física desejada, etc. Por outro lado, o sujeito pode ficar à mercê do
fascínio do fliperama, sendo aprisionado por este.
A repressão, a insegurança e a competição geradas por uma sociedade de consumo e a
conseqüente massificação do indivíduo criam anseios. Se estes anseios não podem ser satisfeitos
no convívio social, se os espaços reais produzem sofrimento, se o indivíduo é um impotente para
superar suas dificuldades, ele pode encarnar o personagem e, através dele, realizar suas evasões e
123
catarses. O personagem constitui-se em um fetiche típico, é a-histórico, atemporal, cristalizado
em sua onipotência, isolado numa dimensão de eternidade. Ele corporifica os desejos do sujeito.
Assim, imagem e aspirações se convertem numa unidade.
Os jogos eletrônicos envolvem um processo de significação que se constitui através dos
signos. Signo é algo que está no lugar do objeto, ele representa alguma coisa, designa, significa.
O signo, enquanto elo de mediação, faz aparecer na mente outra imagem, sugerida por aquela
captada pelos sentidos e com ela relacionada. Daí pode-se dizer que o signo é fundamentalmente
uma relação.
Portanto, para um mesmo jogo, ou para jogos diferentes, pode se estabelecer uma
diversidade de significados para o indivíduo. É neste faz de conta, nesse jogo do “como se” que
crianças e adolescentes interpretam papéis sociais; o mocinho, o bandido, o perdedor, etc e a
insegurança de ser o que se é fica, por um momento, atenuada, pois os personagens, sempre
seguros de si, emprestam esta segurança para o adolescente, emprestam sua forma física e sua
postura até certo ponto viril para o adolescente inseguro.
Somos seres sociais com histórias nessa sociedade, com experiências que influem
consciente ou inconscientemente em nosso modo de agir e encarar os fatos e as pessoas, sendo
praticamente impossível não simpatizar ou antipatizar com o protagonista do jogo. E, além de
tudo, as histórias, muitas vezes, se entrelaçam, de modo que simpatizar com algum dos
personagens significa rivalizar-se com outros. Essa estratégia de cada personagem possuir sua
própria “biografia” para atrair a atenção do público é antiga. No começo do século, empresários
da luta-livre norte americana forneciam aos lutadores falsas, mas não menos excitantes,
biografias sobre os lutadores, e o público, ao envolver-se e identificar-se com o passado” desses
atores dos ringues, iam prestigiá-los, engordando a bilheteria do evento.
124
Essa identificação faz com que o jogador escolha com quem irá lutar com mais paixão, e
as lutas, muitas vezes, se tornam questão de honra, joga-se como se o prêmio fosse e de certa
forma é o próprio futuro, como se fosse um acerto de contas entre o torturado e seu algoz. E se
a auto-estima desse adolescente se beneficiou desse “acerto de contas” ? Creio que todos
ganham.
Claro que não vai ser jogando a vida toda que alguém iresolver seus problemas e suas
crises de identidade, mas o jogo eletrônico ampara o adolescente em certos momentos em que
nossa sociedade simplesmente não o faz. “Toda nova capacidade da vida mental começa por
incorporar o mundo em uma assimilação egocêntrica, para depois atingir o equilíbrio através
de uma acomodação ao real.” (Piaget, 60,2001)
E como todo comportamento que apresenta conseqüências boas para o organismo é por
ele mantido, o jogo eletrônicos de luta torna-se, muitas vezes, uma compulsão, visto que atende
às demandas dos jogadores, fazendo com que estes se envolvam de maneira muito profunda com
o fliperama de luta ou não. Existem conteúdos afetivos, adaptativos, inconscientes, sociais,
enfim, o jogo é capaz de envolver a realidade de quem o joga.
Permeando tudo isso, a questão do controle se encontra presente. Como o sentimento de
onipotência é também dita normal e comum nos comportamentos dos adolescentes, são
realmente muito lucrativos e gratificantes para eles esses jogos eletrônicos, em especial os de
luta, visto que os jogadores realmente controlam o ambiente em que o jogo se desenrola, a
interação que eles são capazes de estabelecer realmente é um tanto quanto emocionante para eles:
golpes e mais golpes que servem como ferramenta para fazer com que os adversários se curvem
ao
“Senhor dos Botões”,
que se rendam ao “Homem” que, por sua habilidade, perícia e destreza
no comando de suas projeções, conseguem fazer seus intentos tornarem-se realidade.
125
E visto que a prática tende a levar a uma eficiência cada vez maior, quanto mais o
“controlador” manipula a realidade digital da tela, mais hábil fica nessa prática, fazendo que sua
satisfação seja alcançada de uma maneira cada vez mais rápida e eficiente. Isto pode fazer com
que, depois de ter a auto-estima aprimorada pela prática virtual, o indivíduo tenha mais confiança
em tentar interagir com a realidade externa à “divertilândia”. Nas palavras de Piaget: “....apesar
das aparências, as conquistas próprias da adolescência asseguram ao pensamento e à afetividade
um equilíbrio superior ao que existia na Segunda infância..” (Piaget, 2001, p.58,)
Mas, se o contrário acontece: o jogador aliena-se no mundo dos comandos eletrônicos, é
preciso que alguém o alerte sobre isso, que faça com que o jogador veja que o mundo não é
aquilo, que o jogo é uma fração do mundo interagível. Não se pode deixar o adolescente
retroceder à primeira infância devido ao seu apego às fantasias que o jogo lhe possibilita.
As diferentes relações que o homem em geral pode estabelecer com o jogo e os pontos de
vista que avaliam e examinam essa relação é uma questão, ao mesmo tempo, social e individual,
sobre como a sociedade e os indivíduos se posicionam a esse respeito. Como toda ferramenta, o
jogo deve ser utilizado pelos seres humanos com moderação e reflexão.
b) Análise Interpretativa:
Lembramos que, para esta análise, elegemos os seguintes elementos constitutivos do
discurso: ser criança, a presença das mídias na vida delas, a relação que se estabelece entre
126
mídias e cultura infantil, o que as crianças percebem sobre o que a televisão transmite e
como os pais e professores se posicionam frente às preferências televisivas dos
participantes.
Ser criança
Pensar no que significa “ser criança” em nossa sociedade é importante para explicar o
papel social desempenhado pela criança, por se tratar de um conceito histórico que se modificou
de acordo com os acontecimentos na história do mundo e, para contextualizar, o conceito de
infância que permeia nossas relações. A visão da criança como sendo um adulto em miniatura,
que Ariès nos traz na realidade da Idade Média, parece, de certa forma, coexistir com a
concepção grega de criança como indivíduo em formação. Ao mesmo tempo em que as crianças
possuem atividades extracurriculares que visam a uma formação competitiva para o mercado do
trabalho, podemos perceber que os conteúdos transmitidos pela televisão e pelas mídias em geral
tornam acessíveis a esses indivíduos em formação, informações e assuntos que dizem respeito à
realidade da vida adulta. Tal acesso irrestrito a esse tipo de informação consiste em importante
fator utilizado por Neil Postman em sua teoria sobre o desaparecimento da infância. Nas
entrevistas realizadas, as crianças dizem ter um horário preenchido por tarefas e cursos, e passam
seu tempo livre na presença de algum tipo de mídia, TV e computador preferencialmente.
As crianças brincam e, no discurso das entrevistadas, o brincar aparece entre suas
atividades favoritas, mas, ao mesmo tempo, a fala das crianças mostra como o contato com as
mídias acaba se mesclando (ou seria melhor dizer tomando o lugar?) com brincadeiras e contato
pessoal com outras crianças.
127
“E: O que você faz quando está de bobeira, assim?
G: Fico no computador e assisto TV.”(G.fem 9)
“E: E quando você não tem nada pra fazer assim, o que você gosta de fazer?
P: Eu gosto de assistir TV e Brincar.” (P, fem. 9 anos)
“E: E o que você gosta de fazer quando está de folga?
M: Ah, eu gosto de jogar bola... sair...ah, é isso que eu faço normalmente, ... ou vô no
computador” (M, masc. 11anos)
O fato de ser criança parece estar ligado ao fato de ter tempo livre. Conforme vamos
amadurecendo, mais responsabilidades vamos acumulando, portanto, seguindo esta lógica, as
crianças por possuírem menos obrigações teriam mais tempo livre para brincar, se divertir-se
e mais recentemente estar com as mídias. É verdade que as crianças têm, cada vez mais,
atividades extracurriculares a cumprir, mas ainda assim possuem mais oportunidades de tempo
livre que os adultos.
“E: Então conta um dia seu pra mim.... como é que é um dia seu?
T: Acordo, vou pra escola... depois acaba a aula eu pego meu primo, levo ele pra
casa...ai almoço, uma e meia eu tenho que sair porque minha ir tem que ir no
curso... de percussão... duas horas eu tenho curso de matemática, três horas
minha mãe e minha irmã vem me buscar.... aí ela fica no curso de matemática e eu
vou pro de percussão.... eu fico na percussão das três e meia às seis horas... seis
horas eu saio... chego em casa, tomo banho, janto, faço tarefa e durmo.... espero meu
pai chegar e vou dormir.” (T. masc. 11anos)
128
O dia parece ser cheio, e esse garoto não faz nem inglês nem espanhol. Os pais com
uma certa razão ficam afoitos para prepararem seus filhos para um mundo “competitivo e
globalizado”, pois é preciso estar preparado para sobreviver (Lasch 1986). Os pais precisam
trabalhar muito para terem condições financeiras para prepararem seus filhos para o futuro.
Enquanto trabalham, os pais podem escolher entre: Deixar os filhos com alguém; deixá-los em
casa com a TV ou matriculá-los em atividades extracurriculares que parecem matar dois coelhos
com uma cajadada (alguém cuida das crianças enquanto os pais trabalham e as preparam para
o futuro). É comum as crianças terem esse tipo de atividade.
Voltando ao tempo livre ( sim, além de irem para a escola, para os cursos e fazer tarefa, as
crianças têm um tempo livre): que sentido as crianças dão para esse tempo livre? O que para
fazer com ele? Brincar na rua vem se tornando algo raro de se ver; Para brincar na casa de
alguém, é preciso ver se as agendas (dos pais e das crianças) permitem.
Crianças m voz ativa na escolha de produtos e serviços? Basta ver o número de artigos
dedicados ao público infantil (de produtos de beleza a celulares) para imaginar que as crianças
vêm opinando cada vez mais sobre o que elas devem consumir.
A presença das mídias na vida das crianças
No decorrer das entrevistas, pudemos perceber como as mídias, principalmente a
televisão, estão presentes de maneira significante no dia-a-dia das crianças entrevistadas. Mesmo
quando declaram que o passam muito tempo na frente da TV, notamos que elas sabem, de
maneira muito abrangente, a programação diária e semanal, dizendo quais programas são legais e
quais são os piores dias para encontrarem algo divertido na programação da TV. Sem surpresa,
constatamos que o domingo é considerado por elas o pior dia, por apresentar uma programação
129
“muito chata” (quem de nós discordaria delas?). Mas mesmo assim, é possível passar várias
horas do final de semana assistindo à TV. “Aí os dias que eu estou mais livre é de sábado e
domingo... mas assim, de sábado e domingo eu fico o dia inteiro... quando eu não tenho nada pra
fazer, né... “(G. fem. 10 anos). Podemos notar que a televisão parece ocupar espaços do dia que
não estão preenchidos por obrigações ou atividades que julgam mais interessantes, ou ainda, em
períodos do dia em que obrigações escolares e domésticas não são exigidas. “Daí.... eu fico
assistindo, mesmo porque a essa hora e não tenho nada pra fazer.”(J. fem. 10 anos). Claro que
procuramos preencher os “vazios” - tanto os da nossa vida, como os da nossa rotina – mas parece
que assistir à televisão é a opção mais utilizada.
As crianças são vistas por nossa sociedade como indivíduos em formação, tanto que
muitas delas possuem várias atividades extra curriculares durante sua semana, mas parece que o
tempo de brincar acaba sendo substituído pela “hora da novela”. Sabemos que existe todo um
contexto familiar que leva a criança a optar por assistir à TV ao invés de ir brincar, e elas até
sabem disso. Uma das meninas entrevistadas, quando questionada se ela costumava brincar,
respondeu: “... como o meu pai e minha mãe trabalham fora e, às vezes, meu irmão sai, eu fico
aqui às vezes, né, sozinha. (...)aqui na rua não porque também não tem quase nenhuma
criança... e porque também é muito movimentado, e também porque a TV e o computador me
influenciaram.” (G.10 fem. anos). Essa garota parece perceber muito bem o contexto no qual está
inserida. A maneira de trabalhar acaba por afastar os pais dos seus filhos, pois cada um passa
mais tempo correndo atrás de suas obrigações que sempre aumentam e ficam menos tempo
em contato com os familiares. Além disso, é difícil encontrar pais que fiquem tranqüilos ao
deixarem seus filhos brincar na rua, mesmo que seja na frente de casa. Como nos aponta Lasch, o
mundo se tornou um local aparentemente mais perigoso, onde todos precisam se proteger. Ao
130
ouvir a garota afirmar que a TV e o computador a influenciam, pensamos até que ponto o
discurso seria dela, e a que ponto ela teria ouvido isso várias e rias vezes de pais e
educadores que parecem não saber direito como agir frente à relação que as crianças estabelecem
com as mídias. Foi então que se fez a pergunta: “Ah é? Como assim te influenciaram?” A
resposta nos fez concluir que quem argumentava era realmente a garota, e não seus pais e
professores: “Ah... eu prefiro ao invés de ficar tomando sol brincando de ficar fora, ai...
enche o saco, eu prefiro ficar no computador... pra brincar você tem que ficar no sol... ter
muita paciência, ter com quem brincar...”. Esta resposta nos permitiu pensar que o principal
motivo de não se brincar deriva do fato de não haver mais pessoas com quem ela possa brincar.
Talvez essa garota como muitas outras – não tenham tido contato com outros tipos de
brincadeira ao longo da sua vida. Por ficarem sozinhas em casa enquanto os responsáveis vão
trabalhar, em, na televisão, uma companhia, um passatempo seguro para o qual não é
necessário nenhuma habilidade especial e nem grande atenção. Diferente de uma brincadeira com
outras crianças, a TV não exige negociação, investimento nem flexibilidade. Podemos
“escolher”, entre meia dúzia de canais abertos, programas aos quais não precisamos prestar muita
atenção e, caso eles o nos agradem, mudamos de canal. Por mais sem graça que esteja a
programação, ficamos um tempo esperando que algo melhor apareça, enquanto observamos os
comerciais. Imagine uma criança passando por essa situação durante a maioria das tardes da sua
semana.
Muitas vezes, as pessoas não têem a dimensão de como as mídias estão presentes em suas
vidas, e isso acontece com as crianças também. Ao perguntar o que a criança gosta de fazer em
suas horas vagas e receber como respostas frases do tipo:
“Há, nas horas vagas eu procuro estar brincando sempre (C, masc 10anos)
131
“Eu gosto de soltar pipa”(H masc. 9anos)
Ou então
“É... ou eu ando de bicicleta....lá fora, ou eu brinco de Barbie... ou eu chamo a
minha prima pra dormir aqui.”( J, fem, 10anos)
É de se esperar que essas crianças passem bem pouco tempo em contato com as mídias,
mas não foi o que pareceu. Embora elas brinquem, no decorrer das entrevistas vai ficando claro
que elas sabem as programações, os horários e conhecem bem determinados programas. Ora, o
que se costuma fazer nas horas vagas? O que se gosta de fazer. Ou ver TV por exemplo faz
parte das “obrigações diárias” ( o que me parece provável, visto que assistir à TV é um hábito de
nossa cultura). Ou as crianças assistem à TV nas suas horas vagas (o que também parece
provável, pois mídias e entretenimento parecem andar cada vez mais juntos em nossos dias).
A relação que se estabelece entre mídias e cultura infantil
Ao pensarmos na cultura infantil, percebemos que ela encontra-se vinculada aos
conteúdos presentes em programas de televisão. Existe a possibilidade de que a criança
desenvolva outras estratégias para se divertir e passar o tempo, mas parece que em algum
momento a TV acaba por se tornar um atrativo quase irresistível. Uma garotinha entrevistada (J,
fem.10 anos) afirmou que não era fanática por televisão, mas, quando questionada sobre o que
fazia nas horas vagas, assistir à televisão foi a última coisa a ser mencionada, entretanto, no
decorrer da entrevista, ela se mostrou conhecedora dos horários de rios programas e, além
disso, conhecedora dos conteúdos desses programas e novelas, o que pode nos indicar que a
132
presença da televisão no dia a dia, apesar de pouco percebida, é considerável, na medida em que
o próprio telespectador não se dá conta do quanto assiste aos programas da TV.
O ato de assistir à televisão parece ser uma maneira que as crianças encontraram para
ficar mais juntas de seus pais e de pertencerem a um determinado grupo, pois foram comuns os
relatos de que assistam à TV para estarem perto de alguém; “... e eu assistia com ela...porque ela
ficava deitada e ela me chamava pra deitar junto com ela, e a gente ficava vendo televisão a tarde
inteira.”(J. fem. 10 anos) . Nota-se, no mundo contemporâneo, uma inquestionável supressão do
contato real entre as pessoas, uma vez que as relações humanas, nesse início de século, vêm
sendo cada vez mais intermediadas por aparelhos eletrônicos. Em função disso, as situações de
encontro interpessoal m se tornado gradativamente mais escassas. Tal situação se torna patente
tendo em vista que, muitas vezes, nos comunicamos com as pessoas que nos cercam apenas
mediante a utilização da telefonia ou do microcomputador. Não obstante, o cotidiano demonstra
que o contato afetivo ainda se destaca como uma necessidade humana básica. Neste cenário, a
estratégia de estar em contato com as mídias para ficar perto de outras pessoas parece comum.
Tal estratégia vai além do âmbito familiar. A infância é marcada por “modinhas” que
viram mania, desde colecionar figurinhas até determinados programas e, enquanto prevalece uma
mania, é difícil para a criança – e muitas vezes para os adolescentes e adultos também –
conseguir companhia estando à parte do que está na moda. Em tempo de Copa do Mundo, se
alguém fica sabendo que você não assistiu, deliberadamente, a um jogo do Brasil, com certeza
vai, no mínimo, olhá-lo de soslaio. Imagine no recreio da escola todo mundo falando de
¨Rebelde” e você apenas ouvindo, sem poder argumentar nada, pois o sabe do que eles estão
falando. Para poder continuar participando das conversas do grupo, alguns hábitos acabam por
serem modificados.
133
Talvez isso exemplifique bem a idéia de que é preciso aderir a certos modismos para
continuar a se relacionar com as pessoas com as quais estávamos acostumados.
As crianças entrevistadas para a realização desta pesquisa nasceram e cresceram numa
realidade onde a prática de assistir à televisão havia se tornado um hábito para as pessoas.
Neste ponto, a idéia de Gitlin de que as mídias fazem parte do ambiente das pessoas se justifica.
Ainda em tenra idade, em sua própria casa, a criança tem acesso às informações e vai se
familiarizando com as possibilidades deste “novo” artefato
“E: Desde quando você é acostumada a assistir, você lembra?”
G: Ah... sei lá... acho que quando eu comecei a entender um pouco...tipo das palavras
assim, o significado delas aí eu comecei a assistir novela.” (G, fem, 9 anos)
O lar é um local onde ocorre a integração dos meios de telecomunicação. Uma forma de
lazer não mediado acessível a qualquer indivíduo que se disponha a acompanhar o que transmite
o aparelho de TV.
Tanto isso faz sentido que, em uma das entrevistas, o garoto de nove anos diz que quando
crescer vai assistir ao jornal e à novela – programas a que seus pais assistem – dando a impressão
de que assistir à televisão é uma “função humana”, como praticar esportes ou brincar. Abaixo,
segue-se o trecho mencionado:
“E: E o que você acha que você vai assistir daqui uns tempos, quando for maior?
H: Jornal, novela né....só.
E: Por que seu pai e sua mãe assistem novela?
H: Aham, e jornal” (H, masc 9 anos)
134
Inseridas num contexto onde ver TV é um hábito, o garoto (e não apenas ele) acaba por
ver esta prática como natural entre as pessoas.
Lembro que, quando criança, em determinada época do ano, era comum ver o céu cheio
de pipas coloridas. Crianças e pessoas não tão crianças se empenhavam em fabricar e fazer
subir aqueles brinquedos. Certa vez perguntei por que se viam pipas naquela época do ano, e
minha mãe respondeu que era por causa do vento que ficava mais forte naquela época. Não me
lembro de ver crianças jogando bolinha de gude em época de chuva (o chão ficava molhado e era
ruim para jogar). E, no inverno, era mais comum ver as meninas brincando de casinha do que
pulando corda ou brincando de bolinha de sabão. São os chamados brinquedos sazonais.
As crianças entrevistadas relataram que brincam de certas coisas que, de alguma forma,
estão “na moda”, que passam na televisão em programas e/ou propagandas. Quem não se lembra
da moda do io-iô? Da época em que se falava de Pokemon, ou de He man, ou de Barbie, ou
mais recentemente de Dragon Ball e Carrinhos da Hot Whells? As coisas parecem funcionar
mais ou menos assim; se o desenho é bem aceito pelo público infantil, começam a aparecer
produtos relacionados àquele desenho. Claro que muitas crianças que brincaram de io-iô também
brincavam de He man ou Barbie, e vice versa, é claro que ainda podemos ver pipas no céu, mas
o que tentamos mostrar é que as mídias foram conquistando um papel de grande importância nos
tipos de brincadeiras que as crianças escolhem. Não importa muito o clima que esteja ou a época
do ano, está passando o desenho da Hot Whells no Sbt e os carrinhos estão à venda. Chovendo ou
não, Rebelde ainda está passando, e o cd à venda, e o DVD também, e sabe-se lá o que mais.
A cultura (e não a infantil) parece ficar cada vez mais próxima das idéias e produtos
veiculados pela TV e pelas mídias em geral. Em época de copa do mundo, tal relação fica mais
evidente, mas isso não significa que não dê para perceber em outras épocas.
135
O que as crianças percebem sobre o que a televisão transmite
As crianças não se colocam passivamente em frente à TV e simplesmente absorvem os
conteúdos por ela veiculado. Elas sabem que essas modas passam, da mesma maneira que
parecem saber que ver televisão é mais uma questão de hábito do que uma opção de lazer, mas,
ainda assim, as lacunas do dia a dia continuam clamando por preenchimento e as mídias
parecem nos dar bastante com o que nos distrairmos. J., quando questionada sobre o que mudaria
na programação da TV, caso tivesse esse poder, entre outras coisas, disse: “Meu, aquela novela é
muito chata.... muito muito chata. Quando eu vou na minha prima, não tem nada passando né,
porque acaba Eu a Patroa e as Crianças e o Will... no SBT, aí ela coloca na Globo, aí passando
essa novela, não tem mais nada passando... e a minha prima está acostumada a assistir essa
novela, então ela já se acostumou, , então ela quer saber o que vai acontecer, mas eu não, eu
odeio aquela novela!” Criança não é boba e, muitas vezes, baseia seu discurso nas suas próprias
impressões. Essa garota disse também, em outra parte da entrevista: é legal.... aí....você vai
assistir o outro dia.... no outro dia acontece mais alguma coisa... você assiste outro dia.... igual
malhação, também gosto de Malhação.” Ela sabe como funciona a estratégia para que assistir a
determinado programa acabe se tornando um hábito. Percebe isso tanto em sua prima, quanto em
própria. Assim, uma coisa pode até ser chata, mas na medida em que vai se tornando um
hábito, esse rótulo acaba mudando.
Tendo em vista esta constatação de que o hábito acaba por formar boa parte da audiência
e, somando-se a isso, a importância de estar no grupo, pode-se ter uma idéia de como as
chamadas “febres” aparecem. Ao fazermos parte de um grupo, compartilhamos certas crenças e
136
conceitos, desfrutamos de pontos de vista semelhantes e isso tudo nos confere identidade.
Quando um elemento novo passa a fazer parte do discurso que permeia o grupo, cada membro se
adapta a isso ou deixa de fazer parte do discurso do grupo e, conseqüentemente, do próprio
grupo. Se pensarmos que a idade dos entrevistados é o início da adolescência e que tal período é
conturbado e confuso e, mais ainda, que nesse período busca-se a construção de uma “nova”
identidade, o peso do grupo nessa construção é muito grande e, com isso, o peso do discurso do
grupo é de suma importância. “...onde a obsolescência é modo de vida, uma marca que dure um
século é um vício.” (GITLIN ,2004 p.180). A obsolescência dos modismos parece não
surpreender as crianças, pois mais importante que o objeto que está na moda é a possibilidade de
permanecer no grupo, compartilhando o mesmo discurso.
Toda vez que explicava para as crianças que eu iria entrevistá-las sobre o que elas
achavam da televisão, todas abriam um sorriso. O motivo seria pelo fato de serem entrevistadas
ou também pelo assunto da entrevista? Creio que, se eu chegasse falando que elas seriam
entrevistadas sobre política ou economia, os sorrisos não seriam tão freqüentes. O sorriso, talvez,
signifique uma certa afinidade com o tema, pois as crianças teriam algo a dizer, saberiam o que
dizer e o tema lhes seria agradável. Tal constatação de que as mídias, especialmente a TV, são
entendidas pelas crianças como algo familiar e agradável é defendida por Postman (1999 e
2005) e por Gitlin (2003) ; as mídias trazem consigo a idéia de entretenimento, de algo agradável.
Nunca ouvi falar de uma criança que tenha ficado de castigo assistindo TV, mas inúmeras
crianças (inclusive eu mesmo) tiveram como punição ficar um determinado período proibidas
de ver TV; o que equivalia a ficar sem diversão.
O que quero dizer com isso é que uma provável primeira percepção da TV por parte das
crianças (e de muitos adultos) seja a de algo bom e até inofensivo ou necessário para suas vidas
137
diárias. “Em presença das mídias, podemos estar atentos ou desatentos, estimulados ou
amortecidos, mas é numa relação simbiótica com elas, suas figuras, textos e sons, no tempo que
passamos com elas, no esforço que fazemos para obtê-las , absorvê-las, repeti-las e discuti-las,
que boa parte do mundo acontece para nós”(GITLIN, 2003, p.20). As pessoas parecem ver com
bons olhos essa possibilidade oferecida pelas mídias, além do que, enquanto o mundo se dissolve
em incertezas, as mídias estão sempre ao alcance da mão, oferecendo informação e
entretenimento.
É difícil avaliar se as crianças percebem de maneira consciente a importância que os
assuntos relacionados às mídias têm em sua relação com as pessoas (familiares e grupo de
amigos), mas todas parecem agir de modo a acompanhar, nas mídias, algo que interessa às
pessoas com as quais querem se relacionar. Das meninas que acompanham Rebelde até os
meninos que acompanham futebol, parece que tais assuntos servem para aproximar as pessoas.
Na tentativa de ficar mais próxima de alguém, a criança acaba por acompanhar certos assuntos
nas mídias.
“E: Sua irmã é mais velha?
J: Sim, 10 anos mais velha (...)
E: E você começou a assistir Malhação porque ela assistia?
J: É, porque, tipo assim; ela assistia e eu ia na sala e eu assistia também, né, .... eu
comecei a gostar.... porque eu ia...ai eu queria saber mais.... eu assistia, eu
assisto até hoje, sabe?
E: Sei.
J: Já faz quatro... uns três.... dois anos que eu assisto...sabe.... porque ela assistia e eu
assisto também.” (J.fem10 anos)
138
Este é um dos trechos em que a idéia de assistir à TV para estar mais próximo de alguém
aparece de maneira mais explícita, mas, em outras entrevistas, crianças relataram também
conduta semelhante.
Todas as crianças entrevistadas possuem seus programas favoritos, algumas mostram um
grau de amadurecimento maior e conseguem ver certos “defeitos” dos programas.
“E: E por que você acha que eles falam que é chato? (sobre o que os pais acham de
Rebelde)
G:.... ah.... sei lá.... se bem que eu também falava né....depois que eu assisti..... não
falei mais.
E: O que é que você acha que pegou você nessa novela? Pra você achar legal se vo
achava chato antes?
G: Ah... eu achava chato porque.... era tipo, muita escola.... sem ser realidade, né....
mas eu fui prestando bem atenção e tirando o fato deles dormirem lá, também tem
outras coisas que são reais, assim que... batem mesmo na nossa vida...tipo as provas...
perder horário.”(G fem 10anos)
Como os pais e professores se posicionam frente às preferências televisivas dos
participantes.
Para tal análise, faz-se necessário, primeiramente, deixar claro que os dados a esse
respeito se referem ao que as crianças acreditam que seus pais e professores pensam sobre o que
elas assistem. Nenhum pai ou professor foi entrevistado, o que foi levado em conta para esta
139
análise foram as percepções que as crianças tem acerca do que os adultos acham do que elas
assistem. Tendo isso em vista, parece que os pais pouco conversam com as crianças sobre o que
elas estão assistindo, no máximo dizem que não é para assistir porque é chato, ou “uma besteira”,
mas parece que o diálogo acaba por aí.
“E: E o que é que os seus pais assistem?
P: Jornal, o horário político de vez em quando... e Rebelde também junto comigo.
E: Eles assistem junto com você? Legal, e o que é que eles acham de Rebelde?
P: Ah, um pouquinho legal e um pouquinho chato...
E: O que é que eles falam de Rebelde?
P: Eles falam que de vez em quando ta legal e de vez em quando está chato.... que
não tem nada a ver.
E: Mas eles explicam por que é que está chato, por que é que está legal?
P: (Faz que não com a cabeça)”
Em algumas casas, cada morador possui seu próprio aparelho de TV, de modo que muitos
pais “acham” que sabem a que seus filhos gostam de assistir. Mas, mesmo em lares com apenas
um aparelho de TV, a prática de assistir ao aparelho acaba sendo aceita sem muito
questionamento. Famílias se reúnem diante da TV antes e depois do jantar, quando não jantam
em companhia do aparelho, já que os conteúdos, tanto das novelas como dos telejornais, são de
fácil assimilação para todos.
Os professores parecem conversar muito pouco com as crianças acerca dos conteúdos
exibidos pela televisão. Alguns criticam os programas da preferência de seus alunos, mas não
oferecem outras opções às quais as crianças assistam; também não procuram entender o que
cativa as crianças em determinados programas. A título de ilustração, seguem alguns fragmentos:
140
“E: E os professores lá, eles comentam alguma coisa sobre televisão?
J: Não....minha professora comentou hoje daquelas... propagandas que.... ah, daquela
mulher que passa com a cerveja lá, da Bhrama... que influi...que influi as pessoas a
beber.
E: E o que é que você acha disso?
J: Ruim.”
Em outra entrevista, temos:
“E: E os professores da escola? Você está em que série?
P: Quarta.
E: E eles falam alguma coisa de Rebelde?
P: Não.
E: Ou de televisão? Alguma coisa que você vê na televisão?
P: Não.”
Na percepção das crianças, os adultos pouco falam acerca da programação, tanto pais
quanto professores parecem não participar de maneira muito ativa das preferências televisivas de
suas crianças. Talvez fosse interessante para as crianças e quem sabe para os pais que
existisse uma certa educação para assistir televisão, que houvesse um espaço onde
questionamentos acerca deste artefato e suas conseqüências fossem levantados, para que
reflexões fossem feitas acerca das conseqüências da prática de assistir televisão, conseqüências
estas tanto positivas quanto negativas.
141
CONCLUSÕES
Apesar da pesquisa ter como foco principal a TV aberta comercial, outros artefatos
culturais apareceram nas entrevistas, tais como a Internet e seus conteúdos. No que tange ao
conceito de ser criança, podemos perceber que a idéia de infância como uma fase da vida em que
o tempo livre e a aquisição de habilidades para enfrentar o mundo adulto ainda estão presentes na
medida em que as crianças entrevistadas têm seu “tempo livre” (fora do horário de escola)
dividido entre cursos e o contato com as mídias. Neste contexto, a cultura infantil aparece
atrelada às produções da indústria do entretenimento, na medida em que as crianças passam seu
tempo livre em contato com as mídias ou falando delas. Todas as crianças parecem saber os
horários de toda a programação da TV, o que mostra que elas passam boa parte de seu tempo na
frente da TV. Este contato com as mídias acaba passando despercebido tanto para as crianças,
como para os pais; portanto, questionamentos acerca do papel das mídias no dia a dia das pessoas
não acontecem simplesmente porque tal fato se tornou banal.
Das entrevistas que foram realizadas, podemos notar que as crianças fazem idéia de como
a programação da TV acaba conquistando telespectadores. Percebemos também que os pais
pouco conversam com seus filhos sobre o que os programas estão mostrando. No discurso das
crianças, a “falta do que fazer” coloca a TV como uma opção viável de diversão ou de
passatempo. O faz de conta constitui parte da infância, mas parece que as crianças vivem no faz
de conta das fantasias que foram exibidas e não por elas criadas. Parece que as crianças acabam
por viver algumas fantasias de outras pessoas, pessoas adultas que fizeram o programa para um
fim outro que não fornecer possibilidades de desenvolvimento e entretenimento saudáveis.Por
outro lado, os pais parecem não saber como lidar com isso, pois gastam seu tempo diante da TV
142
sem apresentar para seus filhos os quais provavelmente estarão ao seu lado pelo menos um
ponto de vista que difira do que está sendo apresentado, parece que apenas saber “que é tudo
mentira” é suficiente para que as crianças e também os adultos consigam separar quais
demandas são deles, e quais demandas são criadas pelo que passa na TV.
Podemos perceber, ao entrar no site de relacionamento mais popular entre os brasileiros, o
orkut, que as pessoas definem suas identidades (virtuais ou quase) pelas comunidades das quais
fazem parte. Deixando de lado a superficialidade de comunidades do tipo “Tenho medo do
velhinho da Quaker”, ou coisa que o valha, vemos pessoas se definindo por interesses e atitudes
semelhantes (as comunidades). Fãs de determinada série podem encontrar informações e
produtos em comunidades destinadas a este interesse e o mesmo processo vale para estudiosos
das Teorias dos Fractais. Ferramentas como a Internet e o orkut favorecem o encontro de
pessoas com interesses semelhantes, mas espacialmente distantes.
Tal aproximação leva à formação do que pode ser chamado de cultura de nichos, em que
grupos de pessoas com interesses semelhantes se relacionam, consomem e produzem bens e
informações sobre o que lhes interessa. Se por um lado tal conduta, de certa forma, limita e
restringe a diversidade de informações a que as pessoas têm acesso, por outro faz com que as
pessoas se sintam menos solitárias e com uma certa identidade grupal. O que determina o caráter
positivo ou negativo do artefato é o uso que se faz dele e a freqüência. Até que ponto as pessoas
se desenvolvem e até que ponto se alienam nessa busca de segurança de identidade?
Estar com as mídias parece ser um hábito em nossa sociedade. As mídias, em especial a
TV, são como uma espécie de fogueira que une grupos ao mesmo tempo em que isola indivíduos.
Cada pessoa parece buscar um meio pessoal de entrar em contato com as informações, pessoal no
sentido de individual e exclusivo, e esta busca acaba por isolar as pessoas, separar ou deixar mais
143
distante pessoas que estão próximas fisicamente (de membros da família a companheiros de
trabalho).
As mídias estão presentes de maneira forte na vida das crianças, e elas, mesmo sem se
darem conta, acabam se acostumando e fazendo parte da massa espectadora. Assim, o sistema de
costumes se fortalece na medida em que mais consumidores vão sendo formados. As crianças
gastam seu tempo livre longe dos afazeres escolares, participam do ritual de consumo de
fragmentos culturais, informações e entretenimento, de modo que mais do que os valores
passados pelas mídias, elas introjetam o hábito de passar um tempo precioso de suas vidas em
contato com as informações-entretenimentos que as mídias colocam em suas vidas.
As mídias vão nos oferecer estilos de vida e maneiras de ser, e nós os aceitamos quando
não sabemos o que queremos ou nos sentimos inseguros com o que queremos. As meninas
assistem Rebelde, suas mães Páginas da Vida. Será que alguma delas tem “moral” (como
costumava-se dizer uns anos) para julgar o que a outra assiste? Os meninos jogam vídeo-
game, os pais assistem a futebol. Não são maneiras diferentes de lidar com a agressividade? As
mídias vão fornecendo a diferentes preços elementos para as pessoas lidarem com a
realidade. Onde está o problema então? Penso que o problema está quando a pessoa passa a dar
mais atenção ao que as mídias falam do que ao que ela sente. O problema está quando a
tecnologia afasta as pessoas (de si mesmas e umas das outras). O problema está quando a
produção e o consumo de informação são tão grandes e acelerados que as pessoas passam a viver
em função disso sem se darem conta.
Podemos perceber, nas entrevistas, que as crianças não podem ser consideradas como
receptoras passivas do que as mídias e o mundo lhes oferecem; elas parecem ter noção de
como os fatos que aparecem na TV são destoantes da realidade e que são passageiros. Acontece
144
que, mesmo sabendo disso, elas estão inseridas em um mundo onde as coisas passam rápido e
superficialmente, de modo que se acostumam com tal dinâmica das coisas assim como se
acostumaram a assistir à televisão e mexer no computador.
Os artefatos de nossa cultura devem ser pensados de forma imparcial, vendo o que eles
nos oferecem de vantagens e desvantagens.
Comecei esse trabalho, focando minha atenção apenas no que existe de ruim nas mídias e
nas mudanças que elas provocavam e, por algum tempo, deixei de lado o poder de reflexão,
discernimento e escolha que os seres humanos possuem. O ambiente tem influência nas pessoas
que dele fazem parte, mas não é determinante para as condutas escolhidas; da mesma forma, é
importante que os adultos façam a mediação entre as crianças e os aspectos da realidade, mas, no
final, quem vai escolher a maneira de lidar com esta realidade acaba sendo a criança, levando em
conta fatores de sua subjetividade e a maneira que ela percebe os fragmentos que compõem a
realidade. As crianças estão inseridas em uma realidade onde as informações inundam seu dia-a-
dia, mas isso não significa que elas consumam, indiscriminadamente, este tipo de informação.
Enquanto elaborava o glossário deste trabalho, fui observando como certas palavras
faziam sentido apenas para quem estava diretamente ligado a uma geração. Falar do Tamagoshi
não faz sentido para as crianças de 10 anos de hoje, nem falar de Carrossel, muito menos de
Atari. As preferências, como era de se esperar, mudam de tempos em tempos, mas nos últimos
tempos, podemos notar como a gama de “escolhas” vem aumentando, assim como a freqüência
que tais opções nos são oferecidas. As mídias nos oferecem inúmeras opções de consumo, que
nos prometem além de distração uma certa sensação de completude, na medida em que é
trazido uma infinidade de “distrações agradáveis” à nossa presença.
145
Diante desse grande fluxo de infotenimento, é fácil e deveras tentador - deixar de lado
nossas angústias. Podemos encontrar sentido assistindo a algo, lendo um livro, comprando um
celular, ou fazendo uma poesia, enfim, rias são as maneiras de darmos sentido a nossa
existência, por isso investimos muito de nós nesta busca. A decisão está em cada pessoa: aceitar
tão generosa oferta de diversão, ou buscar outras maneiras de lidar com as angústias que a vida
oferece. O que faz das escolhas superficiais ou não, é o quanto estamos envolvidos com elas, o
quanto estamos dispostos a investir nela, e o quanto estamos dispostos a arriscar para mantê-la.
As mídias podem ajudar as pessoas na construção de sentidos, como também podem ser
usadas para alienar e para incentivar o consumo. Ambas as coisas podem acontecer
simultaneamente, a questão é: até que ponto certas práticas farão sentido para quem as pratica?
As crianças entrevistadas (e acredito que a maioria das crianças) sabem, até um certo ponto, que
as mídias são superficiais, que os programas se repetem e que existe dinheiro envolvido nisso,
mas para certas fases pelas quais estão passando, precisam das mídias para auxiliá-las na
aquisição de uma identidade nova, para se sentirem pertencentes a um grupo, e até para
esquecerem por algum tempo certos conflitos. Mas em determinado momento da vida, essa
estratégia tende a ser modificada, pois a realidade e a pessoa se modificam. A opção escolhida
varia de acordo com as vivências e condições internas de cada um, para uns pode ser mais fácil
se entregar à torrente, para outros não.
É necessário uma certa dose de tranqüilidade para o sujeito se desenvolver, e cabe a ele
buscar estratégias para conseguir esses períodos de paz sem ficar neles estagnados. Estar com as
mídias pode propiciar este período de calmaria, que será aproveitado ou não de acordo com a
subjetividade de cada um. Em algum momento as fantasias fornecidas pelas mídias se mostrarão
superficiais e insuficientes para as pessoas, parecerão ineficazes e de pouca ajuda para o
146
amadurecimento de cada um. E para estes que não conseguem ver sentido por muito tempo
naquilo que passam na TV e nas novidades que o tecnopólio oferece, existem outras
possibilidades de estar no mundo e, por mais que as mídias apresentem caminhos e descaminhos
para os seres humanos, haverá escolhas a serem feitas e atitudes a serem tomadas.
147
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SILVA, G. L. Um Jogo de Espelhos Vazios: Análise psicológica de Superfície e Realidade do
Consenso Midiático. (mimeo) 2001
_______, G. L. A psicologia do senso comum e o discurso jornalístico. (mimeo) 1998.
SILVA. N. P. Ética, Violência e Indisciplina nas Escolas. Editora Vozes 2005
THORSTENSEN S. , in A tv e a erotização precoce.
150
http://www.defatima.com.br/site/conteudo/novidades/artigo%20sexualidade.htm
VASCONCELOS. M. S. As crianças e o conhecimento. Mimeo. Matéria de Psicologia do
Desenvolvimento do curso de Psicologia da Unesp de Assis, 2004 Assis, SP.
151
Glossário
A Feia Mais Bela: Novela mexicana exibida pelo SBT
(http://www.sbt.com.br/afeiamaisbela/historia/)
A Mansão Foster: Desenho exibido na rede paga de TV Cartoon Network, trata-se de uma
mansão onde se encontram amigos imaginários para serem adotados
(http://www.cartoonnetwork.com.br/tv_shows/fosters/index.html)
A Pantera Cor de Rosa: Desenho animado exibido no SBT de segunda, quarta e sexta feira às
sete da manhã.
Atari: Um dos primeiros vídeo-games a tornar-se popular no Brasil. Meados da década de
oitenta. (www.atari.com.br)
A Viagem: Novela de Ivani Ribeiro que passava na Globo diariamente às 14:00 horas
(http://aviagem.globo.com/Aviagem/0,27723,5520,00.html)
American Choppers: Programa sobre motocicletas exibido pela emissora paga People and Arts
(http://www.peopleandartsbrasil.com/americanchopper/american/programa.shtml)
Ana Carolina: Cantora brasileira (http://www.mpbnet.com.br/musicos/ana.carolina/)
Anos Incríveis: Seriado de sucesso que narra a adolescência de um jovem norte americano,
costumava passar na cultura as 18:00
(http://www.geocities.com/Athens/Olympus/7295/start.html)
As Panteras Detonando: Filme de 2003 baseado no seriado com o mesmo nome exibido nos
anos 70 (http://www.cinemaemcena.com.br/crit_editor_filme.asp?cod=116)
152
As Três Espiãs Demais: Desenho animado que conta a história de três adolescentes de Beverly
Hills que são espiãs. Costumava passar na Globo de manhã meses atrás
(http://www.judao.com.br/?http://www.judao.com.br/8/texticulo.php?action=ler&id=1485)
Barbie: Boneca mundialmente famosa (http://almanaque.folha.uol.com.br/barbie.htm)
Belíssima: Novela de Silvio de Abreu exibida no horário nobre da rede Globo alguns meses
atrás.
Bicho do mato: Novela escrita por Cristianne Fridman e Bosco Brasil que é exibida na rede
Record às 20:00 horas (www.rederecord.com.br/programas/bichodomato)
Big Brother: Reallity show exibido pela rede Globo no período entre início de dezembro e
fevereiro. (http://bbb.globo.com/)
Blue Moon: Novela exibida pela rede Globo anos atrás, não consta no site.
Bob Esponja: Desenho animado de uma esponja que mora no fundo do mar com seus amigos,
costumava passar na Globo no período da manhã. (http://www.bobesponjaonline.hpg.ig.com.br/)
Burn out: Jogo eletrônico de corrida de carros.
C&A: Loja de roupas (http://www.cea.com.br/secoes/home/index.asp)
Cartoon Network: Rede de televisão paga onde são exibidos desenhos animados 24 horas por
dia (http://www.cartoonnetwork.com.br)
Carrossel: Uma das primeiras novelas mexicanas importadas por Silvio Santos. Destinava-se ao
público infantil.
Castelo Ra-tim-bum: Programa infantil da TV Cultura, passa em diferentes horários
(http://www.nextweb.com.br/castelo/)
153
Cavaleiros do Zodíaco: Desenho animado japonês que mistura mitologia, signos do zodíaco e
artes marciais, exibido pela rede Bandeirantes domingo ao meio dia.
(http://www.cavzodiaco.com.br/)
Charlie Brown: Banda de “rock” nacional, muito famosa entre os adolescentes de hoje em dia
(http://charliebrownjr.uol.com.br/)
Chaves: Episódios de comédia mexicana que passa no SBT há mais ou menos 20 anos
(http://www.sbt.com.br/infantil/default.asp?nome=chaves/)
Chocolate com Pimenta: Novela de época que foi exibida pela Rede Globo
(http://chocolatecompimenta.globo.com/Chocolatecompimenta/0,19125,6117,00.html)
Cobras e Lagartos: Novela de João Emanuel Carneiro, exibida as 18:00 na rede Globo.
Counter Strike: Jogo de tiro em primeira pessoa, muito famoso no começo do ano
(http://www.cs4ever.pop.com.br/)
Cristal: Novela mexicana que foi exibida há algum tempo no SBT (sinopse não consta no site)
CSI: Seriado policial norte americano, exibido em canais pagos e na rede Record.
(http://seriesonline.terra.com.br/csi/index.html)
De onde Vem?: Programa exibido pela Rede Cultura onde uma garotinha descobria de onde
vinham as coisas, como o papel, o vidro, etc. Site não disponível.
Divertilândia: Nome do local nos shoppings centers onde ficam os brinquedos e os fliperamas.
Dragon Ball: Desenho de luta japonês exibido em diversas emissoras
(http://www.dragonballbrasil.com.br/)
154
Emulador: Programa de computador que permite jogar jogos de vídeo games
(http://pt.wikipedia.org/?title=Emulador)
ER: Seriado médico norte americano (http://seriesonline.terra.com.br/er/index.html)
Eu, a patroa e as crianças: Seriado norte americano exibido pelo SBT
(http://www.sbt.com.br/series/patroa/)
Faustão: Programa do apresentador Fausto Silva exibido semanalmente aos domingos pela Rede
Globo.
Fifa Street: Jogo de futebol para o computador (http://temas.buscaki.com.br/games/0013.htm)
Flintstones: Desenho de uma família que vive na idade da pedra
(http://www.bricabrac.com.br/flintstones_historia.htm)
Full Metal Alchemist: Desenho animado japonês exibido pela RedeTV
(http://fullmetalproject.uniblog.com.br/117309/historia-personagens-e-curiosidades.html)
Globo: Emissora de televisão (www.globo.com)
Globo News: Canal por assinatura de notícias 24 horas (globonews.globo.com)
GTA: Jogo eletrônico onde o jogador precisa roubar carros para completar suas missões.
(http://www.gta.pt.to/)
Gugu: Apresentador do SBT do programa Domingo legal.
Harry Potter: Personagem de J.K. Rolling destinado ao publico infanto-juvenil
(http://harrypotter.pt.warnerbros.com/home.html)
155
Hot Wheels: Carrinhos de brinquedo (http://www.hwc.com.br/)
Ilha Rá-tim-bum: Programa infantil exibido pela TV Cultura
(http://www.ilharatimbum.com.br/)
IRA: Banda de rock nacional (http://grupoira.uol.com.br/)
Ivete Sangalo: Cantora de axé (www.ivetesangalo.com.br
)
Kawasaki: Marca de motocicletas (http://pt.wikipedia.org/wiki/Kawasaki_(ind%C3%BAstria))
Kuat: Marca de um refrigerante.
Malhação: novela adolescente exibida pela Rede Globo diariamente às 17:00
(malhacao.globo.com)
Marjorie Estiano: Cantora lançada na novela Malhação.
Médium: Seriado exotérico
(sonypictures.com.br/canalsony/...&channelSeriesId=397&weekDay=2
)
Monstros S.A.: Filme infantil de animação feita por computador sobre a amizade de dois
monstros e uma menininha (adorocinema.cidadeinternet.com.br/filmes/monstros-sa/monstros-
sa.htm
)
MP3: Formato digital de músicas que pode ser reproduzido em computadores ou aparelhor de
MP3.
MSN: Microsoft Network Messenger , programa para computadores pessoais de troca de
mensagens instantâneas via Internet (www.msn.com)
156
Need for speed: Jogo eletrônico de corrida automobilística
(http://www.geocities.com/TimesSquare/Hangar/9685/nfs.htm)
Neopets: Site de bichinhos virtuais (http://www.neopets.com/index.phtml?lang=pt)
Nickelodeon: Canal por assinatura destinado ao público infantil (http://www.nick.com/)
Nike: Marca mundialmente famosa de artigos esportivos. (http://www.nike.com/index.jhtml)
Nintendo 64: Um modelo de vídeo game “antigo” (cerca de 3 anos)
(http://www.nintendo.com/home)
O que Há de Novo Scoob Do: Desenho exibido no Cartoon Network
(http://www.cartoonnetwork.com.br/tv_shows/scooby/index.html)
Orkut: Site de relacionamento: (www.orkut.com)
Os Sete Monstrinhos: Desenho animado exibido pela Rede Cultura
(http://www.tvcultura.com.br/detalhe.aspx?id=63)
Padrinhos mágicos: Desenho animado onde um garoto tem padrinhos mágicos que realizam
seus desejos (site não disponível)
Pânico na TV: Programa de humor exibido pela RedeTv!
(http://www.redetv.com.br/siteredetv/grupos/programas/paniconatv/index.htm)
People and Arts: Canal por assinatura (www.pelpleandarts.com)
Pingu: Animação de massinha exibido na Rede Cultura que conta as aventuras de um pingüim.
Pity: Cantora pop nacional.(www.pitty.com.br
)
157
Pokemon: desenho japonês de aventura (
br.geocities.com/maniadeanimes/Pkm/
pokemon
.htm)
Polishop: Rede de vendas de produtos diversos via TV e internet: (www.polishop.com)
Power Rangers: Seriado americano de lutas que imita os mesmos seriados japoneses
(http://www.guaruhara.hpg.ig.com.br/Fanfics/power20.html)
Quake: Jogo de tiro em primeira pessoa, um dos melhores segundo especialistas
(http://www.quakebrasil.com/qbras/)
Rebelde: Novela mexicana exibida pelo SBT destinada ao público adolescente
(http://www.sbt.com.br/rebelde/historia/)
RedeTV: Emissora de TV (www.redetv.com.br)
Rubi: Novela mexicana que foi exibida pelo SBT (sinopse não consta no site)
SBT: Sistema Brasileiro de Televisão (www.sbt.com.br)
Sessão da Tarde: Programa da Rede Globo que ocupa as tardes de segunda a sexta-feira no qual
passa um filme.
Shoptime: Rede de vendas de produtos via televisão e Internet (www.shoptime.com)
Simpsons: Seriado em desenho animado de origem norte americana que mostra o dia a dia de
uma família (http://www.thesimpsons.com.br/)
Sinhá Moça: Novela de época de Benedito Ruy Barbosa, exibida pela Rede Glogo
(http://sinhamoca.globo.com/)
158
Sítio do Pica pau Amarelo: Livro infantil de Monteiro Lobato que já teve duas versões para
televisão. Atualmente sua terceira versão é exibida de manhã pela Rede Globo.
(http://sitio.globo.com/Sitio/0,25203,4316-p-221490,00.html)
Skank: Banda de pop rock nacional (www.skank.com.br
)
Skol: Uma marca de cerveja.
(
http://www.skol.com.br/janela.asp?tipo_url
=)
Sky: serviço via satélite de transmissão de tv pago que conta com inúmeros canais.
(
www.sky.tv.br
)
Smallville: Seriado norte americano que conta a vida do super man em sua adolescência, exibido
pelo SBT domingo ao meio dia (http://www.sbt.com.br/series/smallville/)
Sonic: Jogo eletrônico de aventura. (http://www.portalsonic.com/)
Sony: Rede de entretenimento, com programação de TV, vídeo-games e equipamentos
(http://www.sony.com.br/default.html)
Tamagoshi: um dos primeiros bichinhos virtuais.
Tazos: Esferas de plástico que vinham de brinde em salgadinhos, com desenhos de personagens
do mundo infantil (pokemon e super heróis), eram mania há uns anos atrás.
Titanic: Primeiro barco construído para atravessar o oceano atlântico, que naufragou em sua
primeira viagem. atualmente, seu nome esta mais ligado a um famoso filme estrelado por
Leonardo di Caprio e Kate Winslet, que conta a historia do mesmo barco.
Tony Hawk Underground: Jogo eletrônico de manobras de skate.
TV Cultura: Emissora de televisão. (www.tvcultura.com.br)
Twister: Modelo de moto da honda. (www.honda.com.br)
159
Vídeo Show: Programa exibido na rede Globo que fala sobre a programação da emissora,
principalmente sobre as novelas. (http://redeglobo.globo.com/TVG/0,,TG3993-3914,00.html)
Will: Seriado norte americano exibido no SBT diariamente as 13:00.
(http://www.sbt.com.br/series/malucopedaco/)
Winning eleven: jogo popular de futebol em 3D que usa nomes de jogadores e suas
caracteristicas reais.
(http://www.playstation.com.br/jogos/review/706-winning_eleven_10.htm)
X-men: Desenho animado da marvel que conta a historia de seres mutantes. eles se dividem em
2: os que acreditam que humanos e mutantes podem viver em paz e os que não acreditam nisto.
As guerras são travadas envolvendo este enredo
. (http://www.marvelvc.com.br/X-Men/x-menpage.htm)
Xuxa: Apresentadora infantil.
Yu-gi-oh!: Desenho japonês de um jogo de cartas, o jogo é muito popular entre as crianças
(http://www.animatoons.com.br/movies/yu_gi_oh_the_movie/)
Zooboomafoo: Série destinada ao público infantil exibida na Rede Cultura
(http://www.tvcultura.com.br/detalhe.aspx?id=137)
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