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Universidade de São Paulo
Instituto de Psicologia
A FORMAÇÃO DO LEITOR: ASPECTOS AFETIVOS E
COGNITIVOS
ANA FLAVIA ALONÇO CASTANHO
Dissertação apresentada ao Instituto de
Psicologia da Universidade de São Paulo como
parte dos requisitos para obtenção do grau de
Mestre em Psicologia
São Paulo
2005
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ii
ANA FLAVIA ALONÇO CASTANHO
A FORMAÇÃO DO LEITOR: ASPECTOS AFETIVOS E
COGNITIVOS
Dissertação apresentada ao Instituto de
Psicologia da Universidade de São Paulo como
parte dos requisitos para obtenção do grau de
Mestre em Psicologia
Área de Concentração: Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano
Orientadora: Prof
a
Dr
a
Maria Thereza Costa Coelho de Souza
São Paulo
2005
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AUTORIZO A REPRODUÇÃO E DIVULGAÇÃO TOTAL OU PARCIAL DESTE
TRABALHO, POR QUALQUER MEIO CONVENCIONAL OU ELETRÔNICO, PARA
FINS DE ESTUDO E PESQUISA, DESDE QUE CITADA A FONTE.
Catalogação na publicação
Serviço de Biblioteca e Documentação
Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo
Castanho, Ana Flavia Alonço.
A formação do leitor: aspectos afetivos e cognitivos / Ana Flavia
Alonço Castanho; orientadora Maria Thereza Costa Coelho de Souza. -
-São Paulo, 2005.
106 p.
Dissertação (Mestrado Programa de Pós-Graduação em
Psicologia. Área de Concentração: Psicologia Escolar e do
Desenvolvimento Humano) Instituto de Psicologia da Universidade
de São Paulo.
1. Leitura 2. Afeição 3. Desenvolvimento Cognitivo. I. Título.
LB1050
iii
A FORMAÇÃO DO LEITOR: ASPECTOS AFETIVOS E COGNITIVOS
Ana Flavia Alonço Castanho
Dissertação apresentada ao Instituto de
Psicologia da Universidade de São Paulo como
parte dos requisitos para obtenção do grau de
Mestre em Psicologia
Banca Examinadora:
_________________________________________
Professor Doutor Yves de La Taille
Instituto de Psicologia da USP
_________________________________________
Professora Doutora Idméa Semeghini-Siqueira
Faculdade de Educação da USP
__________________________________________
Professora Doutora Maria Thereza Costa Coelho de Souza
Instituto de Psicologia da USP
Dissertação defendida e aprovada em ___/___/___.
iv
Ao meu querido irmão Áureo, que com seu apoio,
carinho e incentivo incessantes tornou muito mais
suave o caminho que culminou nessa dissertação.
Aos meus queridos pais, Thereza e Carlos, que
compartilharam conosco o amor pelos livros e
pelo estudo.
v
AGRADECIMENTOS
Agradeço à minha orientadora, Profª Maria Thereza Costa Coelho de Souza, por ter
me possibilitado, nesses três anos de convívio, um grande crescimento, tanto pessoal quanto
acadêmico, através dos questionamentos e reflexões que me propôs, do seu apoio, da sua
amizade e do seu exemplo.
À Profª Idméa Semeghini-Siqueira e ao Prof. Yves de La Taille, pelas aprendizagens
essenciais que me possibilitaram através das suas aulas e das suas observações no exame de
qualificação.
Ao Prof. Dirceu da Silva, pela oportunidade de cursar sua disciplina, na
FE/UNICAMP, por contar com seu apoio e amizade e pela ajuda preciosa na realização do
tratamento estatístico dos dados.
À Patricia, grande amiga e especial interlocutora nos últimos catorze anos, por ter
estado sempre ao meu lado, apoiando, encorajando e compreendendo, desde à graduação na
Faculdade de Educação até o mestrado no Instituto de Psicologia.
À Luciana, pelo presente que ter encontrado a sua amizade e contado com o seu apoio
representa para mim.
Ao Fernando, pois contar com a sua amizade sincera e tê-lo como interlocutor foi e
continuará sendo extremamente importante.
À Andréa e demais colegas do LEDA, pelo companheirismo e pelas trocas valiosas.
À EAFEUSP, em especial à Beatriz Cortese e equipe de professoras do ensino
fundamental, por tornarem possível a realização desta pesquisa.
Às crianças, participantes da pesquisa, por compartilharem comigo sua maneira de ver
a leitura, os livros e a si próprias como leitoras.
vi
Chega mais perto e contempla as palavras
Cada uma tem mil faces secretas sob a face neutra
E te pergunta, sem interesse pela resposta,
Pobre ou terrível que lhe deres:
Trouxeste a chave?
Carlos Drummond de Andrade – Procura da poesia
vii
SUMÁRIO
CAPÍTULO I INTRODUÇÃO................................................................................................1
CAPÍTULO II REFERENCIAL TEÓRICO.........................................................................7
II.1. CONCEPÇÃO DE LEITURA .........................................................................................................................7
II.1.1. Modelos de Leitura..........................................................................................................................7
II.1.2. Definição de Leitura........................................................................................................................9
II.1.3. Processos e estratégias de leitura .................................................................................................11
II.1.4. A Formação do Leitor ...................................................................................................................13
II.2. CONCEPÇÃO DE CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO: A TEORIA DE JEAN PIAGET.....................................15
II.2.1. Estágios do Desenvolvimento Cognitivo e Afetivo ........................................................................16
II.2.2. Interesses, valores e força de vontade...........................................................................................22
II.3. REPRESENTAÇÕES DE SI E VALORES ......................................................................................................26
II.3.1. Consciência de si na teoria de Jean Piaget...................................................................................26
II.3.2. Taylor e o desenvolvimento do Self...............................................................................................28
II.3.3. Perron e as representações de si...................................................................................................31
II.4. AS REPRESENTAÇÕES DE CONTOS DE FADA SEGUNDO DE SOUZA .........................................................35
CAPÍTULO III OUTRAS PESQUISAS BRASILEIRAS ..................................................38
CAPÍTULO IV O MÉTODO CLÍNICO DE PIAGET E A COLETA DE
REPRESENTAÇÕES DE SI DE VIAUX ............................................................................42
IV.1. O MÉTODO CLÍNICO PIAGETIANO ......................................................................................................42
IV.2. JEAN-LUC VIAUX E O ESTUDO DOS PROCEDIMENTOS DE COLETA DE REPRESENTAÇÕES DE SI ............44
CAPÍTULO V MÉTODO......................................................................................................47
V.1. PARTICIPANTES ......................................................................................................................................47
V.2. SITUAÇÃO EXPERIMENTAL.....................................................................................................................47
V.3. PROCEDIMENTOS....................................................................................................................................48
V.3.1. Para coleta de dados.....................................................................................................................48
V.3.2. Para a análise dos dados...............................................................................................................49
V.3.2.1. Categorias para a Tabulação da Habilidade de Leitura..........................................................................49
V.3.2.2. Categorias para a Tabulação da Recontagem Oral.................................................................................51
V.3.2.3. Categorias para a Tabulação das Representações dos Sujeitos sobre a Leitura e de suas Representações
de Si Ligadas à Leitura ................................................................................................................................................53
CAPÍTULO VI RESULTADOS E DISCUSSÃO................................................................56
VI.1. DISCUSSÃO DOS RESULTADOS PARA CADA UMA DAS CATEGORIAS DE ANÁLISE .................................57
VI.1.1. Leitura...........................................................................................................................................57
VI.1.2. Recontagem Oral...........................................................................................................................60
VI.1.3. Representações dos Sujeitos sobre a Leitura e de suas Representações de Si Ligadas à Leitura.65
VI.2. DISCUSSÃO DOS RESULTADOS PARA CADA UMA DAS HIPÓTESES DA PESQUISA...................................67
CAPÍTULO VII CONSIDERAÇÕES FINAIS....................................................................76
BIBLIOGRAFIA....................................................................................................................78
ANEXO 1 -DIRETRIZES PARA A REALIZAÇÃO DE PESQUISAS NA ESCOLA
ESTUDADA............................................................................................................................82
viii
ANEXO 2 -CONTO “PEQUETITO”...................................................................................84
ANEXO 3 -ROTEIRO DE ENTREVISTA..........................................................................85
ANEXO 4 -EXEMPLO DE ENTREVISTA – SEGUNDA SÉRIE....................................87
ANEXO 5 -EXEMPLOS DE RESPOSTAS – REPRESENTAÇÕES DE SI COMO
LEITOR E REPRESENTAÇÕES SOBRE A LEITURA ..................................................91
ANEXO 6 -QUADRO GERAL DE DADOS........................................................................94
ANEXO 7 -QUADRO DE DADOS COM PESOS ..............................................................97
ANEXO 8 -TRATAMENTO ESTATÍSTICO.....................................................................98
ix
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 - Distribuição das crianças por idade e nível de habilidade de leitura: ...................................58
Tabela 2 - Distribuição das crianças por nível de habilidade de leitura e série:.....................................58
Tabela 3 - Distribuição das crianças quanto a realização de leitura prévia e nível de habilidade de
leitura:.............................................................................................................................................59
Tabela 4 - Distribuição das crianças por série e modo de recontagem: .................................................61
Tabela 5 - Distribuição das crianças por faixa etária e modo de recontagem::......................................64
Tabela 6 - Distribuição das crianças quanto a realização de leitura prévia e nível de recontagem:.......64
Tabela 7 - Distribuição das crianças quanto a série e categoria de representação da leitura: ................65
Tabela 8 - Distribuição das crianças quanto a faixa etária e categoria de representação da leitura:......65
Tabela 9 - Distribuição das crianças quanto a série e a presença de representações positivas de si
como leitoras:..................................................................................................................................66
Tabela 10 - Distribuição das crianças quanto a faixa etária e a presença de representações positivas de
si como leitoras:..............................................................................................................................66
Tabela 11 - Distribuição das crianças quanto ao momento de aplicação da prova de leitura e a presença
de representações positivas de si como leitoras:.............................................................................67
Tabela 12 - Distribuição das crianças quanto à habilidade de leitura e a presença de representações
positivas de si como leitoras:..........................................................................................................68
Tabela 13 - Distribuição das crianças quanto à habilidade de leitura e à categoria de representação da
leitura:.............................................................................................................................................70
Tabela 14 - Distribuição das crianças quanto à habilidade de leitura e ao nível de recontagem: ..........72
Tabela 15 - Distribuição das crianças quanto à presença de representações positivas de si como leitoras
e ao nível de recontagem: ...............................................................................................................73
x
RESUMO
Castanho, A. F. A. (2005). A formação do leitor: aspectos afetivos e cognitivos. Dissertação
(mestrado). Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo, São Paulo/SP.
Esta pesquisa teve como objetivo estudar de que maneira elementos afetivos e cognitivos
interagem na formação do leitor; mais especificamente, qual a relação entre a leitura ser um
valor central dentro da hierarquia de valores do sujeito – e por isso configurar-se como
elemento positivo de suas representações de si e o desenvolvimento, por parte desse sujeito,
de estratégias mais elaboradas de leitura. Participaram desta pesquisa 48 crianças, às quais foi
solicitada a leitura e recontagem oral de um conto e com as quais foi realizada uma entrevista
sobre a história, sobre seus hábitos de leitura e de lazer e sobre a leitura em si a fim de colher
as representações de si ligadas à leitura. Os resultados obtidos indicam que aqueles, dentre os
participantes, que se diferenciam dos demais por sua leitura fluente e recontagem
interpretativa coincidem, quase sempre, com aqueles que se descrevem como leitores ou que
citam a leitura entre as coisas que mais gostam de fazer. Os resultados encontrados também
indicam que a presença da leitura na hierarquia de valores pessoais, ou seja, o fato do sujeito
possuir representações de si ligadas à leitura, atua como mobilizadora do desenvolvimento de
habilidades cognitivas de leitura, pois a presença dessas representações também precede a
construção de uma maior habilidade de leitura, sendo encontrada numa proporção menor de
crianças, indicando, possivelmente, a existência de um movimento de formação.
Palavras-chave: Leitura. Afeição. Desenvolvimento Cognitivo.
xi
ABSTRACT
Castanho, A. F. A. (2005). The reader development: affective and cognitive aspects. Master
thesis. Institut of Psycology, University of Sao Paulo, São Paulo/SP.
The objective of this research paper was to study in which manner affective and
cognitive elements interact in the subject formation as a reader, in special determining which
is the relation between reading being a core value within the subject’s value hierarchy - and
thus qualifying as a positive element in its self representations and the development, by that
subject, of more elaborate reading strategies. 48 children took part of this research, to whom it
has been asked to read a short history and to tell us what has been read, orally. The subjects
where so interviewed on the history they just had read, their reading and leisure habits and
about reading in itself, so that we could gather their self representations connected to reading.
The results indicated that those among the participants that do differ from the others by their
fluent reading and the fact that they were able to tell the history they had read interpretatively
match, almost always, those who describe themselves as readers or that mention reading
among the things they like to do the most. The results we founf also indicate that the presence
of reading within the subject’s personal hierarchy of values - i.e. the fact that the subject
possesses self representations related to reading acts as a mobilizer of the development of
reading cognitive abilites, for the presence of these representations also preceeds the
construction of a higher reading ability, being found in a lesser proportion on children,
indicating, possibly, the existence of a movement of formation.
Keywords: Reading. Affection. Cognitive Development.
1
CAPÍTULO I
INTRODUÇÃO
“Eu costumo falar no esplendor do livro porque ele
abre para mundos novos, idéias e sentimentos novos,
descobertas sobre nós mesmos, os outros e a realidade. Ler,
acredito, é uma das experiências mais radiosas de nossa vida,
pois, como leitores, descobrimos nossos próprios pensamentos
e nossa própria fala graças ao pensamento e à fala de um
outro.”
Marilena Chauí (entrevista à Revista Cultura News nº 112)
“Para mim é difícil falar simplesmente de gosto pelos
livros, porque em matéria de livros meu caso é muito mais
grave: é um amor que vem desde a infância, que tem me
acompanhado a vida inteira, e ainda acima disto, incurável.
Não se trata por isso de um interesse periférico.”
José Mindlin (A Paixão pelos Livros)
A escrita permeia a vida nas grandes cidades. A leitura é um saber necessário para
realizar mesmo as tarefas mais simples como ler rótulos no supermercado ou letreiros para
utilizar o transporte público. E, em seus usos mais complexos, permite a localização de uma
multiplicidade de informações, torna possível usufruir as maravilhas da literatura e conhecer o
que pensaram grandes homens. Enfim, é via de acesso para toda sorte de conhecimento: do
mais popular ou cotidiano ao mais erudito ou científico.
O processo percorrido pelos indivíduos a fim de se tornarem leitores é o tema do qual
trata este trabalho, que se deterá, mais especificamente, nos elementos envolvidos nesse
processo de desenvolvimento que, acreditamos, conjuga aspectos afetivos e cognitivos. Pois
se a leitura é vista como fonte de idéias e alimento para o intelecto, o laço que liga leitores aos
livros parece ser sobretudo afetivo, como sugerem as falas de Marilena Chauí e de José
Mindlin, que encabeçam esta apresentação.
E pesquisar a formação do leitor, conhecer os determinantes desse processo, se
justifica pela importância e presença da escrita na nossa sociedade atual e pelo ainda grande
número de excluídos do seu saber. Pois se aqueles que não dominam a leitura muitas vezes
encontram formas de substituí-la nos usos mais simples em que a escrita se apresenta
decorando o número ou a cor dos ônibus, o aspecto de um produto, obtendo informações
através do rádio ou da televisão, permanecem impossibilitados de utilizá-la para aumentar
2
seus conhecimentos sobre o mundo e sobre as ciências, para promover seu desenvolvimento
pessoal ou para ter acesso à tradição literária, que Eco (2003) descreve como o conjunto de
texto que a humanidade construiu por amor a si mesma. Diante dessa variedade de usos que a
leitura apresenta, Morais (1996), por um lado, a define como uma “questão pública” que
consiste numa forma de aquisição de informação e, por isso, num componente de um ato
social e, por outro, como “deleite pessoal” pois “os prazeres da leitura o múltiplos.
Lemos para saber, para compreender, para refletir. Lemos também pela beleza da linguagem,
para nossa emoção, para nossa perturbação. Lemos para compartilhar, lemos para sonhar e
para aprender a sonhar” (1996, p.12).
A literatura, que nos possibilita várias dessas formas de deleite pessoal, apresenta, de
acordo com Eco (2003), as funções de manter a língua como patrimônio coletivo, criando
identidade e comunidade; de manter em exercício também a nossa “língua individual”; de
possibilitar o contato com diferentes valores; de colocar os leitores diante das ambigüidades
da linguagem e da vida, de lhes permitir a experiência do “calafrio do destino”, ao promover a
descoberta de que muitas coisas acontecem independentemente de suas vontades pessoais, o
que em última instância lhes educa para o “Fado” e para a morte.
Harold Bloom (2001, p.15), por outro lado, aponta a alteridade como uma das
principais funções da literatura:
Não existe apenas um modo de ler bem, mas existe uma razão precípua por que ler.
Nos dias de hoje, a informação é facilmente encontrada, mas onde está a sabedoria?
Se tivermos sorte encontraremos um professor que nos oriente, mas, em última
análise, vemo-nos sós, seguindo nosso caminho sem mediadores. Ler bem é um dos
grandes prazeres da solidão; ao menos segundo a minha experiência, é o mais
benéfico dos prazeres. Ler nos conduz à alteridade, seja a nossa própria ou a de
nossos amigos, presentes ou futuros. Literatura de ficção é alteridade e, portanto,
alivia a solidão. Lemos não apenas porque, na vida real, jamais conheceremos tantas
pessoas como através da leitura, mas, também, porque amizades são frágeis,
propensas a diminuir em número, a desaparecer, a sucumbir em decorrência da
distância, do tempo, das divergências, dos desafetos da vida familiar e amorosa.
Alberto Manguel (1997, p.19), no seu livro “A História da Leitura”, parece concordar
com Bloom quando diz que: “Todos lemos a nós e ao mundo à nossa volta para vislumbrar o
que somos e onde estamos. Lemos para compreender, ou para começar a compreender. Não
podemos deixar de ler. Ler, quase como respirar, é nossa função essencial”, e quando cita o
ensaísta canadense Stan Persky, segundo o qual: “para os leitores, deve haver um milhão de
autobiografias, pois parece que encontramos, livro após livro, os traços e nossas vidas.”(idem,
p.23).
3
Todos esses autores apontam, cada qual à sua maneira, papéis que a literatura assume
para quem dela faz uso. Mas ter esse tipo de experiência, usufruir de todas as possibilidades
que ser um leitor pode oferecer, é, ainda hoje, completamente inacessível para uma parcela
considerável da população brasileira, seja em função do total desconhecimento das regras que
regem a escrita (o analfabetismo), seja devido a um grau restrito de letramento, ou ainda, seja
devido a um afastamento das razões de uso da escrita, que provocaria uma
desaprendizagem”, chamada por alguns autores de analfabetismo funcional ou
“analfabetismo de retorno”.
E a distinção que podemos fazer desses níveis de exclusão provém de um olhar mais
aguçado sobre o problema do acesso à leitura e à escrita, fruto de pesquisas durante as duas
últimas décadas, principalmente. Antes disso, considerava-se que a alfabetização
intrumentalizava o indivíduo para transitar autonomamente no mundo da leitura.
Mas paralelamente aos avanços conquistados na diminuição dos índices de
analfabetismo, em países considerados em desenvolvimento, como o Brasil, começou a se
tornar evidente a insuficiência desse critério como divisor de águas entre leitores e não-
leitores –, mais ou menos na mesma época em que países tidos entre os mais desenvolvidos,
como França e Estados Unidos, começaram a observar a existência de uma espécie de
“analfabetismo de retorno”, em indivíduos que haviam cumprido vários anos escolares.
De acordo com Tfouni (2002), a necessidade de falar em letramento foi fruto dessa
tomada de consciência de que havia algo além da alfabetização, mais amplo e até
determinante dela.
Essa tomada de consciência acarretou, numa mesma época, em sociedades distintas,
tanto na localização geográfica quanto na organização social e cultural,
a necessidade de reconhecer e nomear práticas sociais de leitura e escrita mais
avançadas e complexas que as práticas do ler e escrever resultantes da aprendizagem
do sistema de escrita. Assim, é nos meados dos anos 1980 que se dá,
simultaneamente, a invenção do letramento no Brasil, do illetrisme, na França, da
literacia, em Portugal, para nomear fenômenos distintos daquele denominado
alfabetização, alphabétisation. Nos Estados Unidos e na Inglaterra, embora a palavra
literacy estivesse dicionarizada desde o final do século XIX, foi também nos anos
1980 que o fenômeno que ela nomeia, distinto daquele que em ngua inglesa se
conhece como reading instruction, beginning literacy tornou-se foco de atenção e
discussão nas áreas da educação e da linguagem. (Soares, 2004, p. 6)
Nessa perspectiva, define-se alfabetização como o processo pelo qual o indivíduo
constrói um conjunto de técnicas ligadas a codificação de fonemas em grafemas e a
decodificação de grafemas em fonemas, dominando assim o sistema de escrita; e define-se
4
letramento como o processo pelo qual o indivíduo constrói conhecimento sobre e a partir
do(s) uso(s) efetivo(s) da leitura e da escrita, sendo que os conhecimentos produzidos e as
práticas vivenciadas durante o letramento têm, de acordo com Kleiman (1995, p.11),
repercussões importantes “nas formas pelas quais os indivíduos constróem relações de
identidade e poder”.
Mas enquanto o problema que o analfabetismo representa para nosso país pode ser
aferido de forma razoavelmente clara, o nível de letramento (ou do alfabetismo funcional) da
nossa população é muito mais dificilmente delimitado.
Inicialmente, a tendência foi averiguar o índice de alfabetismo funcional (ou o seu
oposto, o índice de analfabetismo funcional) a partir dos anos de estudo: a idéia que
fundamentava esse tipo de aferição é a de que é necessário um mínimo de anos de estudo para
que os conhecimentos adquiridos com a alfabetização sejam realmente incorporados ao saber
do sujeito, se revelando ‘funcionais’ para os diferentes usos que este sujeito queira lhe dar.
O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) utiliza o patamar de quatro
anos de escolaridade quando trata do alfabetismo funcional. Aplicando esse critério sobre os
dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios de 2001 (PNAD/2001) e somando os
percentuais das pessoas com zero a três anos de instrução teríamos que 30,2% dos homens e
28,2% das mulheres do nosso país são analfabetos ou analfabetos funcionais ou seja, um
contingente muito significativo de pessoas que estão excluídas do mundo da leitura.
Entretanto, fatos recentes na situação do sistema educacional brasileiro e pesquisas
realizadas em outros países colocam em xeque o critério de quatro anos de estudo como
indicador do desenvolvimento das habilidades de leitura: dados levantados pelo Sistema de
Avaliação do Ensino Básico (SAEB), realizado em 2002, indicam que 59% dos alunos de
quarta série avaliados ainda não desenvolveram as competências básicas de leitura; e dados de
uma pesquisa sobre alfabetização realizada pela Unesco e pela Organização para a
Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), com base nas informações colhidas
pelo Programa Internacional de Avaliação do Estudante PISA (Instituto Nacional de
Estudos e pesquisas Educacionais [INEP], 2000), cerca de 40% dos alunos brasileiros com
aproximadamente 15 anos de idade, que presumivelmente receberam oito ou nove anos de
escolaridade, estão abaixo ou estão no chamado nível 1 de alfabetização estabelecido pela
Unesco, o que lhes permitiria apenas realizar tarefas muito básicas de leitura.
O recentemente criado Indicador Nacional de Alfabetismo Funcional - INAF (Instituto
Paulo Montenegro, 2003), vem se mostrando um instrumento muito mais adequado para
avaliar o panorama da leitura no Brasil. Isso porque sua estrutura permite levantar não apenas
5
habilidades de leitura (níveis de alfabetismo), como também práticas e representações a
respeito dela, informando sobre o processo de letramento.
De acordo com esse indicador, a questão da leitura no Brasil estaria assim
configurada: 8% da população entre 15 e 64 anos apresentam a condição de analfabetismo
absoluto; 30% encontram-se no nível 1 de alfabetismo, suficiente apenas para localizar
informações simples em enunciados com uma frase; 37% estão no nível 2 de alfabetismo
que pode ser considerado como sendo um nível básico de alfabetização caracterizado por
habilidades de leitura que permitiriam localizar uma única informação em textos curtos; e
somente os 25% restantes, atingem o nível 3 de alfabetismo, sendo capazes de ler textos mais
longos, encontrar mais do que uma informação, comparar e estabelecer relações entre textos
diferentes. Apenas estes últimos, pois, que representam um quarto da nossa população, têm
um nível de habilidade de leitura suficiente para usufruir todas as possibilidades que a leitura
e a escrita oferecem o que, de fato, coloca a questão da leitura como uma das grandes
questões nacionais.
Diante desse panorama que os dados sobre a formação de leitores no Brasil nos
permitem traçar, faz-se necessário, entre outras coisas, conhecer os determinantes desse
processo de formação, na perspectiva da Psicologia do Desenvolvimento. É nesse campo de
conhecimento que se insere a presente pesquisa, na qual se teve como objetivo estudar de que
maneira elementos afetivos e cognitivos interagem na formação do leitor; mais
especificamente, qual a relação entre a leitura ser um valor central dentro da hierarquia de
valores do sujeito e por isso configurar-se como elemento positivo de suas representações
de si – e o desenvolvimento, por parte desse sujeito, de estratégias mais elaboradas de leitura.
Para tratar desse tema foram utilizados os trabalhos de Goodman, Smith e Foucambert,
no que diz respeito à concepção de leitura e formação de leitores; a teoria piagetiana, para
analisar como o indivíduo constrói seus conhecimentos sobre o mundo e qual a influência do
afetivo e do cognitivo nessa construção; o conceito de self, desenvolvido por Taylor no seu
trabalho sobre a identidade moderna e investigado por Perron no seu trabalho sobre as
representações de si, que podem ser relacionadas ao conceito de hierarquia de valores exposto
por Piaget e nos possibilitam instrumentos teóricos e metodológicos para conhecer os
elementos que a constituem; e as representações de contos de fada, estudadas por De Souza,
que, através de seus níveis de reconstituição, informam sobre o desenvolvimento cognitivo
dos indivíduos e permitem o estabelecimento de relações com a habilidade de leitura que estes
apresentam.
6
Os elementos da obra de cada um desses autores, importantes para a fundamentação
teórica desse trabalho encontram-se expostos no capítulo II. O capítulo III relata algumas
pesquisas realizadas no Brasil que enfocaram aspectos envolvidos nesse trabalho ou
utilizaram a fundamentação teórica semelhante para analisar a questão da leitura. O capítulo
IV detalha alguns elementos importantes do método clínico piagetiano e da coleta de
representações de si de Viaux. No capítulo V, sobre o método, apresenta-se a forma como foi
conduzida a pesquisa, como se deu a coleta e o tratamento dos dados, a partir do
estabelecimento de categorias de análise e de atribuição de pesos a elas. A discussão desses
resultados se encontra no capítulo VI e as considerações finais a que chegamos a partir deles,
no capítulo VII. Por fim, temos a bibliografia utilizada, seguida pelos anexos.
7
CAPÍTULO II
REFERENCIAL TEÓRICO
Mis libros (que no saben que yo existo)
son tan parte de mí como este rostro
de sienes grises y de grises ojos
que vanamente busco en los cristales
y que recorro com la mano cóncava.
No sin alguna lógica amargura
pienso que las palabras esenciales
que me expresan están en esas hojas
que no saben quién soy, no en las que he escrito.
Mejor así. Las voces de los muertos
me dirán para siempre.
Jorge Luis Borges – “Mis Libros”
II.1. Concepção de Leitura
II.1.1. Modelos de Leitura
Uma vez que a questão do acesso à leitura no Brasil já foi configurada na apresentação
deste trabalho, faz-se necessário agora discutir a leitura em si: como defini-la, quais os
processos que ela envolve e quais as estratégias de que os leitores se valem. A partir daí
poderemos examinar os caminhos pelos quais se dá a formação de leitores.
Mas definir a leitura não é uma tarefa simples: no decorrer do século XX, vários
modelos teóricos foram construídos com o intuito de explicar quais os processos envolvidos
na leitura. Cada um deles têm por base uma determinada concepção de sujeito e objeto, se
relacionam com diferentes correntes da psicologia e da lingüística e refletem diferentes
concepções de seu aprendizado.
Para bem situar a concepção de leitura em que se fundamenta o presente trabalho,
procederemos a uma breve explicação dos modelos teóricos mais freqüentemente utilizados.
Para esse fim, eles serão apresentados seguindo a ordem cronológica de suas respectivas
elaborações, ainda que não sejam modelos estanques no espaço e no tempo, que todos
coexistem nos dias de hoje, com diferentes graus de influência.
8
Na década de 30, é elaborado o modelo associacionista, segundo o qual a leitura
consistiria em uma técnica mecânica de decodificação de grafemas nos seus fonemas
correspondentes, que permitiria ao leitor chegar ao significado que se encontrava no texto.
Mais tarde, desdobramentos teóricos deste modelo deram origem a visão de que a leitura se
tratava de um processamento de informações no qual a compreensão do texto sea partir da
decodificação de suas palavras (processamento “bottom-up”).
Uma reação a esse modelo começa a se fazer sentir em meados dos anos 50, com o
estabelecimento do modelo psicolingüístico. Este novo modelo se baseava na Psicologia
Cognitiva, segundo a qual a aprendizagem resulta da interação entre um indivíduo ativo e
seletivo e o ambiente, e na Linguística que privilegiava o enfoque da gramática gerativo-
transformacional. Segundo Braggio (1992, p.8), “dentro desta perspectiva, é ao sujeito e à sua
mente que se deve a criação da linguagem e a aquisição do conhecimento. Ou seja, aqui o
sujeito não é mais considerado como tábula rasa, mas como processador ativo do
conhecimento, dotado filogeneticamente de capacidade para adquiri-lo.”
É nesse modelo que situam-se as primeiras obras de Goodman e Smith, dois autores
que foram importantes também para a formulação dos modelos subseqüentes e cujas obras
fazem parte do referencial teórico adotado para este projeto. Goodman (1967) não apenas
discorda da forma com que o modelo anterior explica a leitura, ele propõe uma nova
explicação. Segundo ele, a leitura é um processo seletivo no qual as hipóteses do leitor,
baseadas tanto no seu conhecimento lingüístico como no seu conhecimento enciclopédico,
comandam a escolha de determinadas deixas lingüísticas do texto, cuja informação, uma vez
processadas confirma ou não as expectativas iniciais e é a base de novas previsões e seleções.
Essa maneira de explicar a leitura, que concebe o leitor como um processador ativo da
informação com o objetivo de reconstruir o significado do texto, recebe o nome de
processamento “top-down”.
Em fins dos anos 70, refletindo um interesse partilhado por lingüistas e psicólogos
acerca dos processos mentais e uma preocupação maior dos lingüistas com os aspectos sociais
constitutivos da linguagem, estabelece-se o modelo interacionista, que abole a oposição entre
os modelos de processamento “bottom-up” e “top-down”, considerando que ambos ocorrem e
se interrelacionam durante a leitura.
Este modelo se estrutura a partir de contribuições da Sociolingüística e da Psicologia
Cognitiva direcionada para a linguagem escrita. Nele, o ato de ler é visto como uma interação
entre o leitor (visto como um sujeito real, dentro de um contexto sócio cultural) e o texto,
9
onde um significado é construído de acordo com os esquemas de conhecimento que este leitor
possua e as informações contidas no texto (cuja função comunicativa é considerada).
Durante a década de 80, ocorre a transição do modelo interacionista para o modelo
sóciopsicolingüístico. Esta se dá de maneira muito mais suave, pois são os mesmos autores do
Modelo Interacionista que a propõe.
A diferença entre os modelos está no fato de que para o modelo anterior, texto e leitor
“se tocavam” no momento da interação, enquanto que no novo modelo leitor e material
escrito transacionam, durante o processo de leitura, e essa transação transforma a ambos.
Para esse modelo, a leitura é um processo sociopsicolíngüístico unitário envolvendo
um indivíduo em particular, um texto específico, ocorrendo num determinado momento, sob
circunstâncias específicas , dentro de um dado contexto social e cultural – mas também
flexível, pois varia de acordo com o objetivo do escritor/leitor, com a audiência, com a
proficiência, com a língua, com a visão de mundo, ou seja, de acordo com a situação.
A partir desse panorama, sucintamente traçado, das teorias que explicam a leitura, será
discutida a concepção de leitura que fundamenta este trabalho, a partir de sua definição, de
seus processos e estratégias e dos aspectos envolvidos na formação do leitor, de acordo com
Goodman, Smith e Foucambert, autores que, pelas características de suas respectivas obras,
podem ser situados no modelo sociopsicolingüístico.
II.1.2. Definição de Leitura
Trataremos, nessa seção, de características que estão presentes na leitura e que são
importantes para definir o sentido em que esta será tomada no presente trabalho. Para isso
vamos examinar a leitura nos seus dois usos mais gerais: a leitura que tem como objetivo a
compreensão de textos e a leitura que tem como intuito a identificação de palavras.
Goodman (1984), aponta para o primeiro desses usos como um processo no qual tanto
o sujeito do conhecimento quanto o conhecido se transformam. De acordo com seus
posicionamento teórico,
o escritor constrói um texto através de transações com o texto em desenvolvimento e
o significado que está sendo expressado. O texto é transformado no processo da
mesma maneira que os esquemas do escritor (formas de organização do
conhecimento). O leitor também constrói o texto durante a leitura através de
transações com o texto publicado e os esquemas do leitor também são transformados
10
no processo através de assimilação e acomodação, conforme Piaget descreveu.
(1984, p.80)
1
Por sua vez, Smith estabelece que a única forma de ler é no nível do significado. Para
ele, a leitura consiste em fazer perguntas ao texto escrito e a leitura com compreensão ocorre
quando essas respostas são obtidas. Da mesma forma que Goodman, ele ressalta o papel ativo
e construtivo do leitor, uma vez que as perguntas que este faz ao texto se baseiam nos
conhecimentos que construiu anteriormente (que fazem parte, segundo Smith, da teoria de
mundo do leitor) e as respostas que obtém vão complementar ou modificar essa teoria, e que o
que o move o leitor é a procura de sentido.
Essa formulação nos ajuda a examinar o segundo uso da leitura que citamos acima:
quando se com o objetivo de identificar palavras, como no caso de uma busca na lista
telefônica, as primeiras letras da palavra procurada orientam a pergunta e a ausência delas
leva o leitor a ignorar uma enorme quantidade de palavras só se detendo naquelas que
possuem um início idêntico ao da palavra procurada. Não se trata, portanto, de um mero
passar de olhos sobre as palavras, mas, sim, de uma procura ativa de indícios relevantes para
alcançar seu objetivo. Da mesma forma, na leitura de um romance, o leitor procurando
informações que respondam as perguntas que fez a respeito da trama.
Foucambert partilha dessa visão sobre a leitura, segundo ele o encontro com o texto é
antecedido e guiado por perguntas elaboradas pelo leitor:
Os textos são lidos toda vez que se precisa questioná-los para encontrar neles uma
informação complementar. Nesse sentido, a leitura é uma atividade sempre situada
entre duas experiências e sua razão de ser está no relacionamento dessas
experiências: a primeira, a partir da qual questiona-se a escrita; a segunda, na qual as
contribuições daí retiradas são reinvestidas. Trata-se sempre de ver, sentir,
compreender de outra maneira. A leitura é o contrário do ato gratuito, quer seja de
relatos literários ou de textos documentais. (1994, p.70)
De acordo com esses elementos dos trabalhos de Goodman, Smith e Foucambert,
podemos considerar o leitor como um sujeito construtor do seu conhecimento, que nos seus
encontros com a escrita vai se orientar ativamente, a partir das hipóteses que seu
conhecimento sobre o mundo lhe permitiu formular, de forma que nesses encontros com a
escrita vão sendo transformados tanto o seu conhecimento sobre ela como seus
conhecimentos sobre o mundo. Essa visão de leitor permite o estabelecimento de relações
com a teoria piagetiana, como veremos mais adiante.
1
Tradução nossa.
11
II.1.3. Processos e estratégias de leitura
Smith, na sua obra “Leitura Significativa” (1999), descreve minuciosamente o
complexo processo de leitura e o papel que nele desempenham a percepção visual, as
memórias de curto e de longo prazo, a fim que a compreensão seja possível.
Segundo ele, todo o processo é controlado ativamente pelo leitor, com base na sua
intenção ao ler, nas suas expectativas quanto ao texto e no seu conhecimento prévio sobre o
assunto.
Assim, mesmo a percepção visual requer a tomada de decisões por parte do leitor.
Smith cita como exemplo “I” e “O” que podem ser interpretados como letras ou como
algarismos. O ritmo da leitura dependerá da velocidade com que o leitor consegue lidar com a
informação obtida através da visão para encontrar sentido nela.
Outro aspecto relativo a percepção visual na leitura é que durante sua realização os
olhos não se movimentam suavemente pelas linhas e pela página. Ao contrário, se
movimentam em círculos, saltos e pulos que recebem o nome de movimentos sacádicos. Os
instantes em que os olhos descansam sobre a página são chamados de fixações. Em cada
fixação se identifica uma determinada quantidade de informação visual, que vai de 4 a 5 letras
por segundo até várias palavras por segundo, de acordo com a quantidade de informação não
visual (conhecimentos prévios sobre a escrita e sobre o assunto) que o leitor possui.
Durante o tempo em que o leitor está processando a informação obtida a partir da
percepção visual, esta permanece na sua memória de curto prazo. Esta memória permite
guardar entre 5 e 9 elementos, que podem ser letras palavras ou frases, desde que sejam
elementos significativos para o leitor.
Uma vez que o leitor tenha atribuído sentido a esses elementos, eles passam para a
memória de longo prazo. A memória de longo prazo difere da memória de curto prazo pela
organização:
A memória de curto prazo guarda itens não relacionados, mas a memória de longo
prazo é uma rede, uma estrutura de conhecimento; ela é coerente. A memória de
longo prazo é tudo o que nós sabemos sobre o mundo, e tudo o que nós sabemos
sobre o mundo está organizado. (Smith, 1999, p.45)
A atribuição de sentido se quando as hipóteses elaboradas pelo leitor acerca do
material lido se confirmam. Para compreender, precisamos prever, construir hipóteses sobre o
texto, e a base dessas hipóteses são os conhecimentos prévios, ou, segundo as palavras de
Smith, a teoria de mundo do leitor. A atribuição ou não de sentido guia os próximos
12
movimentos sacádicos, que podem ser progressivos ou regressivos (quando a necessidade
de reexaminar informações não compreendidas). E o processo recomeça.
A leitura é sempre guiada pelas perguntas que os leitores fazem, mas
podemos olhar o texto e fazer perguntas sobre letras, mas então precisaremos de uma
quantidade relativamente concentrada de informação visual e veremos muito pouco.
Ou podemos olhar o texto e fazer perguntas sobre palavras, vendo então um
pouquinho mais, mas provavelmente não o suficiente para encontrar sentido naquilo
que estamos tentando ler. Ou podemos olhar o texto e fazer perguntas sobre o
significado, situação na qual não teremos consciência das palavras individuais, mas
teremos a maior chance de ler fluente e significativamente. (idem, p.108)
Essa colocação de Smith se aproxima muito da posição de Foucambert
2
. Para este
autor, a natureza da leitura não está somente além da decifração, ela é uma atividade de outra
natureza. Na sua perspectiva, o ato de ler não corresponde em encontrar o oral no escrito, nem
mesmo nas línguas nas quais a escrita estabelece uma correspondência aproximativa com o
oral. A escrita sempre é uma linguagem que se dirige aos olhos e evolui para a comodidade
dessa comunicação visual. Assim, segundo ele, decifração e leitura correspondem a dois usos
de um mesmo suporte, usos que se valem de operações intelectuais muito diferentes.
Enquanto o usuário que se vale da decifração, em cada fixação de olhos identifica apenas
algumas letras, acumulando frações de sons que somadas lhe permitirão reconstituir o
significado, o segundo, que , nas suas palavras, processa a escrita como uma mensagem para
os olhos, realiza fixações muito mais amplas, nas quais grupos de palavras são apreendidas
por remeterem diretamente a um significado:
O primeiro procura na escrita os índices gráficos que correspondem a unidades
fônicas: deve apreendê-los na seqüência correta para construir o significante oral (...)
e trabalha então sobre o sentido, um pouco como uma pessoa que escuta outra pessoa
falar. O segundo antecipa o significado que vai encontrar. Formula, portanto
hipóteses sobre as formas escritas que aparecerão e vai em busca de um mínimo de
índices para verificá-las. A leitura só é difícil ou cansativa ( e exige esforços) quando
não se sabe ler, quando se deve traduzir a escrita para compreendê-la. (Foucambert,
1994, pp. 29 e 30)
Dessa forma, tanto o leitor fluente segundo Smith, quanto aquele que, segundo
Foucambert, faz uso da leitura como uma linguagem visual, lêem diretamente para encontrar
o significado. Goodman (1987) examina quais as estratégias que estão envolvidas na
realização dessa leitura.
2
Jean Foucambert é francês, especialista em leitura, pesquisador do INRP ( Instituto Nacional de Pesquisas
Pedagógicas da França) e membro ativo da AFL (Associação Francesa pela Leitura).
13
Ele define estratégia como “um amplo esquema para obter, avaliar e utilizar
informação” (Goodman, 1987, p.16). As estratégias de leitura são desenvolvidas pela
necessidade do ser humano de encontrar ordem e estrutura no mundo de forma que seja
possível aprender a partir de suas experiências, antecipá-las e compreendê-las. Por isso, é
possível desenvolver estratégias de leitura a partir da própria leitura.
Goodman identifica as seguintes estratégias: seleção, predição, inferência e auto-
correção. A seleção consiste em identificar apenas os índices úteis dentre os índices
redundantes presentes no texto. Ela se em função de esquemas que o leitor desenvolve de
acordo com as características do texto e do significado. “Como os textos possuem pautas
recorrentes e estruturas, e como as pessoas constróem esquemas na medida em que tentam
compreender a ordem das coisas que vivenciam, os leitores são capazes de antecipar o texto”
(idem, p.17), predizendo o final de uma história, a lógica de uma explicação, o final de uma
palavra... Através da inferência, o leitor complementa a informação disponível através de seu
conhecimento conceitual e lingüístico. A auto-correção corresponde ao controle que o leitor
faz do uso da seleção, das predições e das inferências, a fim de que a leitura tenha sentido.
II.1.4. A Formação do Leitor
Goodman, Smith e Foucambert consideram que as condições para a aprendizagem da
leitura são análogas às condições para aprendizagem da língua materna ou de idiomas
estrangeiros: estar integrado num grupo de usuários reais da língua, onde a heterogeneidade
dos saberes cria situações significativas de encontros com a escrita possibilitando o avanço e
aprendizagem.
Nesse sentido, Goodman, no seu livro “Introdução à linguagem integral” (1997),
discorre sobre uma série de princípios para orientar a atuação docente na criação de um
ambiente propício e de atividades significativas que possibilitem a aprendizagem das crianças.
Smith, propõe a criação de “clubes de alfabetização”, nos quais a criança vai interagir com
colegas de diferentes idades e níveis de experiência com a leitura, tendo a liberdade de
participar das atividades que quiser, sendo que estas sempre se relacionam aos usos reais da
escrita. Smith aponta como uma das vantagens do “clube de alfabetização” , o fato de que as
crianças, se identificando como membros do grupo, se vêem como leitores e escritores e,
segundo esse autor, nós aprendemos e nos comportamos da maneira como nos vemos”
(1999, p.122)
14
Isto constitui o que Foucambert denomina estatuto de leitor: a visão de si mesmo como
leitor ou, em outras palavras, a leitura como um aspecto integrante da identidade do sujeito
(ver o conceito de self segundo Taylor). A partir desse estatuto é que cada indivíduo pode
desenvolver as habilidades que lhe permitirão exercê-lo. A partir da defasagem entre o
estatuto de destinatário de textos e o seu não-saber-fazer atual. Esta distância cria para o leitor
em formação as possibilidades de invenção de estratégias novas. Todo aprendizado é resposta
para um desequilíbrio. (esta questão será retomada mais adiante, na exposição da teoria
piagetiana)
Além disso, ao aprender a ler, a criança desenvolve também uma atividade léxica,
praticando atos de leitura. As ações do ensino devem estimular uma atitude reflexiva sobre as
estratégias utilizadas para resolver os problemas levantados pelo texto. Através dessa
abordagem ‘metaléxica’ o leitor avança nas suas estratégias de questionamento da escrita,
construindo-as como um sistema.
De acordo com os três autores, portanto, é impossível tornar-se leitor sem essa
contínua interação com outros leitores, com diferentes materiais escritos e sem essa vivência
num lugar em que as razões para se ler são intensamente vividas, mas é possível ser
alfabetizado sem isso.
15
II.2. Concepção de construção do conhecimento: a teoria de Jean Piaget
O sujeito que podemos subentender das idéias de Foucambert, expostas acima, é um
sujeito ativo, que aprende a partir da sua interação com o mundo e dos valores que confere a
certos objetos desse mundo (no caso, a leitura). Acredito que esta visão de sujeito é
compatível com a da teoria piagetiana e, mais ainda, que a teoria piagetiana aprofunda a
compreensão das questões expostas por Foucambert, contribuindo para a construção de um
melhor entendimento sobre os aspectos envolvidos na formação do leitor.
Segundo, De Souza (2002, p.57),
o sujeito é, portanto, nessa perspectiva, ativo e construtor de sua inteligência a cada
encontro que realiza com os objetos que visa assimilar, seja essa ação sobre o objeto
exclusivamente física (nos primeiros meses de vida), simbólica (a partir da
interiorização das ações) ou lógica (porque encaixada num sistema de ações
coordenadas e reversíveis).
Dessa forma, como também apontam Ferreiro e Teberosky (1999), segundo a
perspectiva da teoria piagetiana, é a partir de suas ações sobre os objetos que o sujeito
constrói suas próprias categorias de pensamento e, ao mesmo tempo, organiza seu mundo.
E o mesmo objeto poderá provocar, no mesmo sujeito ou entre os diferentes sujeitos,
questionamentos diferentes de acordo com seu nível de desenvolvimento e de acordo com
seus interesses. Desta forma, segundo Piaget (1964/2002), o contato com um mesmo objeto
vai despertar diferentes perguntas de acordo com o estágio do desenvolvimento que se
encontra a criança (pensemos, por exemplo, na diferença de possibilidades entre uma criança
ainda incapaz de classificações e uma criança que possui essa capacidade). Assim, os
interesses da criança, ao longo do seu desenvolvimento, vão depender de seu
desenvolvimento cognitivo e de suas disposições afetivas, que os interesses tenderão a
completar, levando-a a um melhor equilíbrio.
Para esse autor, toda e qualquer ação (ou seja, todo movimento, pensamento ou
sentimento) está ligada a uma necessidade que é sempre uma manifestação de um
desequilíbrio (aqui Piaget nos remete a Claparède). A ação visa sanar esse desequilíbrio: se
inicia devido a ele e se finda quando ele for satisfeito, ou seja, quando o equilíbrio tiver se
restabelecido:
A cada instante, pode-se dizer, a ação humana é desequilibrada pelas transformações
que aparecem no mundo, exterior ou interior, e cada nova conduta vai funcionar não
para restabelecer o equilíbrio, como também para tender a um equilíbrio mais
16
estável que o do estágio anterior a essa perturbação. A ação humana consiste nesse
movimento contínuo e perpétuo de reajustamento ou de equilibração. (1964/2002,
p.16)
Dessa forma, o desenvolvimento mental da criança e do adolescente deve ser descrito
em termos de um processo constante de equilibração progressiva, que compreende dois
aspectos complementares: as estruturas variáveis (formas sucessivas de equilíbrio, que
correspondem, cada uma, a um estágio do desenvolvimento) e as funções fixas que garantem
a passagem para o nível seguinte de equilíbrio (em todos os estágios, a inteligência procura
compreender, explicar etc., e, em todos os estágios a ação é desencadeada por um interesse
que pode se tratar de uma necessidade fisiológica, afetiva ou intelectual.).
Pode-se dizer que toda necessidade tende: a incorporar as coisas e pessoas à
atividade própria do sujeito, isto é ‘assinalar’ o mundo exterior às estruturas já
construídas, e 2º a reajustar estas últimas em função das transformações ocorridas, ou
seja, ‘acomodá-las’ aos objetos externos. Nesse ponto de vista, toda vida mental e
orgânica tende a assimilar progressivamente o meio ambiente, realizando esta
incorporação graças às estruturas ou órgãos psíquicos, cujo raio de ação se torna cada
vez mais amplo. (1964/2002, p.17)
Nesse ponto, a teoria piagetiana ilumina, conferindo um maior sentido à fala de
Foucambert, quando este diz que toda aprendizagem é resposta a um desequilíbrio.
Realmente, se nos apoiarmos em Piaget, temos que a construção do conhecimento pelo
homem é fruto de sua ação sobre os diferentes objetos que o cercam no mundo em que vive, e
que ações são motivadas por uma necessidade, que é sempre uma manifestação de
desequilíbrio.
II.2.1. Estágios do Desenvolvimento Cognitivo e Afetivo
O quadro a seguir ilustra a sucessão de estágios do desenvolvimento da inteligência e
da afetividade identificados por Piaget, nos seus estudos sobre o processo de construção do
conhecimento. Cada um desses estágios é marcado pela construção de estruturas originais,
que o distinguem dos estágios precedentes, sendo que o essencial dessas estruturas
permanecem nos estágios seguintes como subestruturas, que funcionam como base para novas
construções. Os estágios correspondem, cada qual, a uma forma de organização mental, nos
seus aspectos motor ou intelectual e afetivo, e nas dimensões individual e interindividual.
17
Quadro do Desenvolvimento Intelectual e Afetivo
3
INTELIGÊNCIA SENSÓRIO-MOTRIZ
(não socializada)
I. Montagens hereditárias
Reflexos
Instintos (conjunto de reflexos)
SENTIMENTOS INTRAINDIVIDUAIS
(acompanhando a ação do sujeito, qualquer que
seja)
I. Montagens hereditárias
Tendências instintivas (impulsos ligados à
alimentação)
Emoções
II. Primeiras aquisições em função da
experiência antes da inteligência
sensóriomotriz propriamente dita
- primeiros hábitos
- percepções diferenciadas
II. Sentimentos elementares e afetos
perceptivos
- prazeres e dores ligados às percepções
- sentimentos de agrado e desagrado e de sucesso e
fracasso
III. Inteligência sensóriomotriz
(de 6 a 8 meses até a aquisição da linguagem,
segundo ano)
Manipulação dos objetos através de esquemas de
ação (coordenação entre objetivos e meios)
III. Regulações elementares, escolha do
objeto e objetivação dos sentimentos
Regulações de ativação e freio no sentido de Janet
Escolha do objeto levando a objetivação dos
sentimentos e sua projeção sobre outras atividades
que não apenas o eu.
Diferenciação e multiplicação dos sentimentos
ligados à própria atividade.
INTELIGÊNCIA VERBAL
(conceitual = socializada)
IV. Representações pré-operatórias
(interiorização da ação no pensamento ainda não
reversível)
SENTIMENTOS INTERINDIVIDUAIS
(intercâmbios afetivos entre pessoas)
IV. Afetos intuitivos
(sentimentos sociais elementares, aparição dos
primeiros sentimentos morais)
V. Operações concretas
(de 7-8 a 10-11 anos)
(operações elementares de classes e de relações =
pensamento não formal)
V. Afetos normativos
aparição de sentimentos morais autônomos, com
intervenção da vontade (o justo e o injusto já não
dependem da obediência a uma regra)
VI. Operações formais
(começam aos 11-12 anos, mas não se realizam
plenamente senão até os 14-15 anos)
Lógica das proposições liberada dos conteúdos
VI. Sentimentos ideológicos
- os sentimentos interindividuais se complementam
com sentimentos que têm por objetivo ideais
coletivos
- elaboração paralela da personalidade: o indivíduo
se coloca um papel e metas na vida social
3
Baseado em Piaget, J. (1953/1954) Las Relaciones entre la Inteligencia y la Afectividad en el Desarrolllo del
Niño. In Delahanty, G.; Perrés, J. (1984) Piaget y la Psicoanálisis. México: Ed. Universidad Autónoma
Metropolitana (p.201). E em Piaget, J. (1964/2002) Seis Estudos de Psicologia, Rio de Janeiro: Forense
Universitária. (pp.17-65)
18
Como o objeto da presente pesquisa é a construção de estratégias de leitura pelas
crianças de oito a dez anos de idade e a relação que cognição e afetividade assumem nesse
processo, é importante retomar, ainda que brevemente, essa sucessão de estágios para bem
situar em que ponto do processo de desenvolvimento se encontram nossos sujeitos. Para isso,
nos apoiaremos na obra, “Seis Estudos de Psicologia” (1964/2002), onde Piaget caracteriza
muito bem todas essas questões.
Os três primeiros estágios do desenvolvimento cognitivo e afetivo se encontram, como
mostra o quadro acima, entre o nascimento da criança e a aprendizagem da linguagem oral.
Esse período é marcado por um extraordinário desenvolvimento mental, pois, no seu decorrer,
a criança constrói conhecimentos sobre todo o universo prático que a rodeia, através da
percepção e dos movimentos, se colocando como um corpo entre outros e, com isso, tomando
consciência de si mesmo.
Essa inteligência sensório-motora se desenvolve a partir dos reflexos e instintos
hereditários que se aprimoram, no contato da criança com os objetos que a cercam, tornando-
se mais complexos e dando origem a esquemas de ação, que se multiplicam e se diferenciam.
Nesse processo se dá a construção do objeto permanente, da unificação dos espaços, da
relação entre causa e efeito e do tempo.
Do ponto de vista afetivo, há um desenvolvimento correspondente, que parte dos
impulsos primitivos elementares ligados à alimentação e de uma emoção primária, que com a
atividade do sujeito, se diferenciam em sentimentos elementares ou afetos perceptivos como
agradável e desagradável, prazer e dor, sucesso e fracasso. Essa construção culmina com a
diferenciação e multiplicação dos sentimentos ligados à atividade do sujeito e com a escolha
do objeto, ou seja, com a objetivação dos sentimentos e sua projeção sobre outras atividades
que não apenas a do eu.
O quarto estágio, que corresponde à primeira infância (dos dois aos sete anos,
aproximadamente), se inicia com a aquisição da linguagem, que gera profundas modificações
tanto do ponto de vista afetivo quanto do intelectual. Com a linguagem, a criança se torna
capaz de reconstituir sua ações por intermédio de narrativas e de antecipar suas ações futuras
pela representação verbal. Essa nova capacidade possibilita, no plano cognitivo, três
conseqüências fundamentais: o início da socialização da ação, pois a criança pode, através da
palavra, comunicar sua vida interior, mas, como ainda não consegue coordenar seu ponto de
vista com os outros, não se pode falar de uma verdadeira socialização; a interiorização da
palavra, com o que surge o pensamento propriamente dito, que tem como base a
19
interiorização da palavra e o sistema de signos; e a interiorização da ação, que pode se
reconstituir através de imagens e das experiências mentais.
Durante esse estágio, o pensamento da criança apresenta duas formas extremas: o
pensamento por assimilação ou incorporação puras o jogo simbólico cuja função é a
satisfação do eu através da transformação do real em função de seus desejos; e o pensamento
adaptado aos outros e ao real que prepara a criança para a construção do pensamento lógico
o pensamento intuitivo – que se trata, de certo modo, da experiência e da coordenação
sensório-motoras, com a diferença que a representação permite sua antecipação e
reconstituição. Aos poucos, durante esse período, essa segunda forma de pensamento vai
dominar a primeira. Entre essas duas formas extremas de pensamento se encontra o
pensamento comum da criança de dois a sete anos: uma forma de pensamento simplesmente
verbal, que é séria, se comparada ao jogo simbólico, mas se encontra mais distante do real que
o pensamento intuitivo.
No plano afetivo, este estágio é marcado por três novidades essenciais: as
regularizações de interesses e valores, ligadas ao desenvolvimento do pensamento intuitivo, o
desenvolvimento dos sentimentos interindividuais devido à socialização da ação e o
surgimento de sentimentos morais intuitivos a partir das relações que a criança tem com
adultos significativos para ela.
De acordo com Piaget, “o interesse é o prolongamento das necessidades”, isso porque
um objeto se faz interessante na medida em que responde a uma necessidade do sujeito. O
interesse é, portanto, a orientação própria a todo ato de assimilação mental e tem seu início
junto com a vida psíquica, desempenhando um papel fundamental no desenvolvimento senso-
motor. Com a gênese do pensamento intuitivo, os interesses se multiplicam e se diferenciam,
promovendo uma progressiva separação entre os mecanismos energéticos ligados ao interesse
e os valores que são produzidos por ele.
Quando os interesses e valores estão relacionados à atividade própria do sujeito,
remetem aos sentimentos de autovalorização (ou desvalorização). Quando estão ligados às
relações afetivas interindividuais, atuam na formação dos sentimentos de simpatia e antipatia.
A ocorrência do sentimento de simpatia requer a existência valorização mútua e de uma
escala de valores comuns que permita a troca entre os indivíduos. O sentimento de antipatia
ocorre na ausência dessas condições.
Os primeiros sentimentos morais da criança surgem das valorizações que ela destina
para seus pais e outros adultos que lhe são significativos: o amor que ela nutre por eles e o
temor que advém naturalmente da assimetria desse tipo de relações dão origem ao respeito,
20
que tem como decorrência o sentimento do dever. Assim, a primeira moral da criança é a
moral da obediência e seu primeiro critério de bem é a vontade de seus pais. Os valores
morais concebidos a partir dessa relação são valores normativos, fruto do respeito às regras
adultas, por isso a moral da primeira infância é uma moral essencialmente heterônoma.
No quinto estágio de desenvolvimento mental, que corresponde à segunda infância (o
período aproximado de sete a doze anos), se operam mudanças marcantes no desenvolvimento
da criança: as construções esboçadas no período anterior se completam pelo surgimento de
formas de organização novas em cada um dos complexos aspectos da vida psíquica.
No plano cognitivo, a criança, no início desse estágio, começa a se libertar do
egocentrismo social e intelectual característico do estágio precedente, tornando-se capaz de
cooperar e de coordenar seu ponto de vista com o dos outros, e, portanto, capaz de
colaboração efetiva quando vida comum. Isso porque seu pensamento alcança uma forma
superior de equilíbrio que são as operações de pensamento.
Do ponto de vista psicológico, uma operação é uma ação qualquer, de origem motora,
perceptiva ou intuitiva, que, juntamente com outra ação, pode compor uma terceira que ainda
pertença ao mesmo gênero das primeiras e que possa ser revertida (como exemplo, diversas
operações de reunião eqüivalem a uma reunião e podem se revertidas por uma
dissociação). Desde o início desse estágio se formam vários desses sistemas de conjunto, que
convertem as intuições se em operações de todos os tipos.
Assim, o pensamento infantil se torna lógico através da organização de sistemas de
operações, que respeitam às leis de conjunto comuns, pois as noções e relações não podem se
construir isoladamente, sua gênese implica na organização de conjuntos, onde os elementos
são solidários e equilibram-se mutuamente.
Essas novas possibilidades que o pensamento operatório oferece – cooperação entre os
indivíduos baseada na coordenação entre pontos de vista, e o agrupamento das operações
intelectuais localizando os diferentes pontos de vista intuitivos do indivíduo num conjunto
reversível no qual não existem contradições vão ocasionar transformações profundas
também no plano afetivo. Nesse aspecto, esse período é marcado pela aparição de novos
sentimentos morais, e acima de tudo, pela organização da vontade que produz uma melhor
integração do eu e regula a vida afetiva.
Como vimos anteriormente, os primeiros sentimentos morais se originam das
relações, marcadas pelo respeito unilateral, que a criança estabelece com seus pais e com
outros adultos significativos. No quinto estágio, devido à cooperação entre crianças e às novas
possibilidades de vida social que lhe são decorrentes, assiste-se ao estabelecimento de
21
relações marcadas pelo respeito mútuo, das crianças com seus pares. Pode-se dizer que
respeito mútuo quando uma equivalente valorização recíproca. Dessa forma, encontramos
respeito mútuo nas relações de verdadeira amizade e de colaboração entre iguais.
O modo como são organizados os valores do indivíduo também sofre uma grande
transformação da primeira para a segunda infância. Enquanto que antes tínhamos valores
intuitivos, baseados em normas e sem grandes relações entre si, agora temos uma organização
de valores comparável à própria lógica, onde a honestidade, o sentimento de justiça e a
reciprocidade formam um sistema racional de valores pessoais, comparáveis aos sistemas
lógicos, com exceção do fato de que os valores se agrupam segundo escalas e não segundo
relações objetivas.
Na medida em que pensamento e sentimentos se organizam, surgem regulações que
têm como forma final de equilíbrio a vontade, que constitui o equivalente afetivo das
operações racionais. O exercício da vontade está relacionado aos sentimentos morais
autônomos e implica no favorecimento de tendências superiores na hierarquia de valores do
sujeito mas fracas ao invés de outras, inferiores nessa escala, mas fortes.
O sexto e último estágio estudado por Piaget, corresponde à adolescência. Nesse
período, o pensamento e a afetividade alcançam uma forma de equilíbrio superior àquela
encontrada na segunda infância, pela passagem do pensamento operatório concreto para o
operatório formal, pelo desenvolvimento da personalidade e pela inserção na sociedade
adulta.
No plano cognitivo, assiste-se, dessa forma, desde os onze ou doze anos, a uma
transformação fundamental no pensamento da criança: ele passa a permitir operações formais
ou hipotético-dedutivas. Isso porque as operações lógicas que antes se ligavam ao plano da
manipulação concreta (ou seja apoiadas pela percepção, pela experiência, ou mesmo pela
crença) passam a se dar no campo das idéias, que podem ser expressas na linguagem falada,
na linguagem matemática ou em qualquer outra forma de linguagem. Com isso, o pensamento
torna-se independente do real, capaz de construir sistemas e teorias e a livre atividade da
reflexão espontânea é uma das grandes diferenças entre a adolescência e a infância.
De início, a assimilação do pensamento formal se de forma egocêntrica, como
ocorre com qualquer nova capacidade da vida mental, para mais tarde chegar ao equilíbrio
através de uma acomodação ao real. Assim, essa derradeira forma de egocentrismo se
caracteriza pela crença na onipotência da reflexão. O equilíbrio será alcançado na medida em
que a reflexão compreender que sua função não se encontra em contradizer a realidade, mas
22
em compreender a experiência e se adiantar a ela, envolvendo, além das experiências do
mundo real, as construções com base na dedução racional e o conhecimento da vida interior.
No plano afetivo, a adolescência é marcada pela conquista da personalidade e pelo
ingresso na sociedade adulta. A construção da personalidade tem início no fim da infância,
com a organização autônoma das regras, a hierarquização dos valores e a afirmação da
vontade, mas pode se concluir na adolescência, quando o pensamento formal e as
construções reflexivas possibilitam a subordinação desses elementos a um sistema único que
integra o eu, no sentido de ser peculiar a um determinado indivíduo e de implicar numa
coordenação autônoma. Dessa forma, podemos dizer que existe personalidade a partir do
momento em que se constitui um plano de vida.
Nesse ponto, podemos estabelecer um paralelo com a colocações de Taylor (1997),
quando este diz que o self, se estrutura a partir de distinções qualitativas que o indivíduo
estabelece e lhe permitem definir uma forma de vida como mais plena, um modo de sentir ou
de viver como mais profundo, ou seja, lhe permitem tomar decisões morais. E com a posição
de Perron, quando este coloca que os elementos que fazem parte da imagem que uma pessoa
de si própria, são elementos valorizados por ela. As representações de si, segundo este
autor, são construídas um como conjunto organizado de valores, equilibrado por mecanismos
reguladores.
Assim, é esperado que os sujeitos dessa pesquisa, que se encontram na faixa de oito à
dez anos de idade, e, portanto, se encontram, presumivelmente, no Período Operatório
Concreto, sejam crianças que são capazes de elaborar estratégias de leitura, que coordenem
seus interesses de acordo com valores pessoais organizados hierarquicamente, que sejam
capazes de força de vontade e que já vivenciem uma melhor integração do eu, com o início do
desenvolvimento da personalidade, processo que como vimos só se completa no período
seguinte, do pensamento operatório formal.
II.2.2. Interesses, valores e força de vontade
Como o objetivo desta pesquisa é estabelecer relações entre o lugar que a leitura ocupa
na hierarquia de valores estabelecida pelo sujeito, a existência de representações de si ligadas
à leitura e o desenvolvimento, pelo sujeito de estratégias mais elaboradas para o ato de ler, se
faz importante retomar e discutir de forma mais sistematizada os conceitos de interesse,
valores e força de vontade para Piaget, citados de forma breve, quando foi relatada a sucessão
dos estágios do desenvolvimento, na parte anterior.
23
Para esse autor, toda conduta envolve aspectos afetivos e cognitivos, sendo, os
aspectos afetivos, a motivação e o dinamismo energético, e os aspectos cognitivos, as técnicas
e meios empregados na ação.
O interesse, enquanto mobilizador da ação, existe, assim, desde o início da vida
psíquica, estabelecendo a relação entre um objeto e uma necessidade. “O interesse é a
orientação própria a todo ato de assimilação mental. Assimilar, mentalmente, é incorporar um
objeto à atividade do sujeito, e esta relação de incorporação entre o objeto e o eu não é outra
que o interesse no próprio sentido do termo (‘inter-esse’).” (1964/2002, p.37). À essa primeira
forma indistinta de interesse, Piaget distingue os interesses que se diferenciam e se
multiplicam em resultado do desenvolvimento do pensamento intuitivo.
Dessa forma, na teoria piagetiana, o interesse apresenta dois aspectos complementares
entre si: como regulador, mobilizando as reservas internas de energia, de forma que as tarefas
que são interessantes para o sujeito lhe parecem mais fáceis e menos cansativas que aquelas
que não lhe despertam o interesse, e , num outro aspecto, temos que o interesse, ao longo do
desenvolvimento da criança, se diferencia, partindo de formas mais elementares, relacionadas
com a satisfação das necessidades orgânicas fundamentais até chegar a se constituir como um
sistema de valores, e com isso designando objetivos cada vez mais complexos para a ação.
A partir dessa visão do interesse como agente regulador e mobilizador de energia, é
possível entrever uma outra relação entre a teoria de Piaget e os trabalhos de Foucambert: este
último coloca que a leitura é cansativa para quem não sabe ler, para quem tem a
necessidade de traduzir o escrito para o oral a fim de entendê-lo; Piaget aponta para o
interesse como explicação para o fato da leitura ser menos cansativa para alguns.
Piaget, no Curso da Sorbonne (1953-54, p.229), diz que “o valor está ligado a uma
espécie de expansão da atividade, do eu, na conquista do universo. Esta expansão põe em jogo
a assimilação, a compreensão etc., e o valor é um intercâmbio afetivo com o exterior, objeto
ou pessoa.”
Desse modo, desde o terceiro estágio do desenvolvimento – o da inteligência sensório-
motora, no qual se a diferenciação entre meios e fins -, observam-se processos de
valorização ou desvalorização pessoal, fruto dos os êxitos ou fracassos obtidos pela criança
nas suas experiências anteriores, além disso, nesse estágio encontramos coordenações de
interesses, através das quais objetos que não apresentavam interesse por si mesmos passam a
fazê-lo devido à sua relação com objetos valorados pela criança. É a partir desses sentimentos
de valorização e desvalorização ligados à atividade própria e dessas primeiras coordenações
de interesses que os valores começam a se hierarquizar, e constituem a finalidade da ações.
24
No estágio seguinte, com o início da socialização da ação, possibilitada pela aquisição
da linguagem, este sistema de valores passa a contar com os valores atribuídos as pessoas com
as quais a criança convive, sendo que estes últimos vão dar origem aos sentimentos morais,
que nesse estágio por se constituírem a partir de condutas de imitação e do respeito unilateral
dirigido aos adultos significativos para a criança, são sentimentos morais heterônomos, já que
dependentes de uma vontade exterior e moldados na regra recebida, observada literalmente.
Com as conquistas do pensamento operatório concreto, torna-se possível a
conservação dos valores, que aos poucos passam a se organizar em sistemas coordenados e
reversíveis de forma análoga aos sistemas operatórios da inteligência. Ao mesmo tempo, a
nova capacidade da cooperação entre os indivíduos, de coordenação de seus diferentes pontos
de vista, leva ao estabelecimento de relações interindividuais marcadas por uma valorização
global mútua. Dessas relações, desenvolve-se o sentimento de respeito mútuo, que é a fonte
dos sentimentos morais autônomos, assegurados pela força de vontade do indivíduo.
Na adolescência, com o pensamento formal, esse processo culmina na “organização
autônoma das regras dos valores e a afirmação da vontade, com a regularização e afirmação
moral das tendências” (Piaget, 1964/2002). Todos esses valores encontram-se subordinados a
um sistema único e pessoal, e se referem a um plano de vida, delineado pelo adolescente.
A força de vontade, está ligada, como vimos, ao funcionamento dos sentimentos
morais autônomos, constituindo o equivalente afetivo das operações racionais. De acordo com
Piaget (1964/2002, p. 56):
A vontade não é, de nenhum modo, a própria energia a serviço desta ou daquela
tendência. É uma regulação da energia, o que é bem diferente, e uma regulação que
favorece certas tendências à custa de outras. Também confunde-se, freqüentemente, a
vontade com o ato intencional (como na linguagem corrente, quando se diz “você
quer?”, no sentido de “você deseja?”). Mas, como mostraram W. James e
Claparède, a vontade é inútil quando existe uma intenção firme e única; aparece,
ao contrário, quando conflitos de tendência ou de intenções, como quando, por
exemplo, se oscila entre um prazer tentador e um dever. [...] O ato de vontade
consiste, portanto, não em seguir a tendência inferior e forte (ao contrário, fala-se,
neste caso, de um fracasso da vontade ou de uma “vontade fraca”), mas em reforçar a
tendência superior e frágil, fazendo-a triunfar.
Esse conceito de hierarquia de valores, ou seja, do valor diferenciado que o indivíduo
confere aos objetos do mundo que o cerca, e de força de vontade, atuando para fazer triunfar
as ações baseadas em tendências de maior posição nessa escala, permite compreender melhor
a idéia de estatuto de leitor, de Foucambert. De acordo com ele, o fato do indivíduo conferir
um alto valor à leitura e de ver a si mesmo como leitor é de importância fundamental para que
25
desenvolva estratégias mais elaboradas de leitura. Pensando no conceito de hierarquia de
valores, da teoria piagetiana, poderíamos dizer que, para o indivíduo se desenvolver como
leitor, é necessário que a leitura seja um valor central para ele.
Trabalhar com o conceito piagetiano de hierarquia de valores também nos leva a
pensar em qual seria sua relação com a construção da identidade do sujeito. Essa construção é
um tema que foi trabalhado por muitos autores, mas nesse trabalho serão utilizados os
trabalhos de Taylor, sobre a constituição do self, do ponto de vista filosófico, e de Perron,
acerca das representações de si, do ponto de vista psicológico, pois consideramos que é
possível conciliar as contribuições desses autores com a teoria de Piaget.
26
II.3. Representações de Si e Valores
II.3.1. Consciência de si na teoria de Jean Piaget
No seu livro “A Construção do Real na Criança” (1937/2001), Piaget utiliza o termo
consciência de si para designar a tomada de consciência que a criança faz de sua própria
subjetividade, conquista que se com a construção da noção de objeto permanente. Nos
primeiros meses após o nascimento (durante os dois primeiros estágios do período sensório-
motor), o universo apresenta-se como uma série de quadros perceptivos móveis, centrados na
atividade própria. Há, nesse período, uma indiferenciação entre a criança e os objetos por ela
todo tempo assimilados, uma confusão entre o mundo exterior e as sensações, por isso ela se
encontra inconsciente de sua subjetividade.
Mas, no terceiro estágio do período sensório-motor, a ação da criança sobre os
diferentes objetos que a cercam no mundo, e que ela assimila aos seus esquemas de
pensamento, que aos poucos se multiplicam e se diferenciam, produz uma progressiva
distinção entre a assimilação e a acomodação destes esquemas às diversidades do real,
levando a uma delimitação entre o meio exterior e o indivíduo. A assimilação, além de
incorporar os objetos à atividade própria do sujeito, passa a estabelecer uma rede de
coordenações entre meios e fins. Com isso, a dedução começa a se organizar e se aplica a uma
realidade percebida como exterior ao indivíduo e o universo passa a apresentar-se, para a
criança, como sendo formado por objetos permanentes, regidos por relações de causa e efeito
que dependem de sua vontade e situados num espaço e num tempo objetivos. Esse universo se
impõe ao eu infantil, que passa a sentir-se parte de seu interior e sujeito às mesmas leis que
regem os demais objetos. O eu passa a ter, com isso, consciência de si mesmo, ao menos na
esfera da ação prática.
Na exata medida, por conseguinte, dos progressos da inteligência no sentido da
diferenciação dos esquemas e de sua assimilação recíproca, o universo se origina do
egocentrismo integral e inconsciente do início até chegar a uma solidificação e a uma
objetivação crescentes. Durante os primeiros estágios, com efeito, a criança percebe
as coisas tal como um solipsista que ignorasse a si mesmo e conhecesse suas
próprias ações. Mas de modo concomitante à coordenação de seus instrumentos
intelectuais, ele se descobre e se situa como um objeto ativo entre outros em um
universo exterior a ele. (Piaget, J. , 1937/2001, p.359)
27
O processo de desenvolvimento da consciência de si não era o objeto de estudo de
Piaget, que se interessava pela lógica do pensamento. Mas é possível encontrar algumas
menções da continuidade desse processo em outras de suas obras. No livro “Seis Estudos de
Psicologia”, além de se referir à essa primeira consciência de si, conquistada no período
senso-motor, ele acrescenta que novas possibilidades cognitivas e afetivas do período
operatório concreto, como cooperação através da coordenação entre o ponto de vista
individual e o dos outros, possibilitada pelo pensamento lógico; a aparição de sentimentos
morais autônomos; e a organização da vontade, regulam a vida afetiva e conduzem a uma
“melhor integração do eu”. É o início da elaboração da personalidade
4
, processo que
poderá se concluir na adolescência, período em que se operam transformações cognitivas e
afetivas importantes para essa questão da consciência de si ou do eu.
No livro “Da Lógica da Criança à Lógica do Adolescente” (1970/1976), onde Piaget e
Inhelder retomam a construção das estruturas operatórias formais, encontramos uma
exposição detalhada dos processos envolvidos na adolescência, que para os autores deve ser
localizada no período de integração do indivíduo à sociedade, não devendo ser considerada
como reflexo da puberdade, que pode ou não coincidir com essa integração.
A integração do adolescente ao mundo adulto, é possibilitada pela construção do
pensamento formal capacidade da inteligência de refletir sobre si mesma, desvinculando-se
do real e concreto em direção ao abstrato e possível, que se traduz na capacidade do
adolescente de construir teorias e sistemas e acarreta três conseqüências no plano cognitivo:
ele passa a considerar-se igual aos adultos, desenvolve para si um programa de vida e elabora
propostas para a reforma da sociedade em que vive, seja na sua totalidade, seja em algum
aspecto específico. Essas teorias e sistemas, ainda que imperfeitos, apresentam a função
essencial de possibilitar-lhe integrar-se moral e intelectualmente à sociedade adulta,
assimilando suas diferentes ideologias. No plano afetivo, as transformações a que se assiste na
adolescência são o desenvolvimento de sentimentos relativos à ideais e a formação da
personalidade.
A elaboração da personalidade é o momento em que, pode-se dizer, o processo
iniciado pela tomada da consciência de si, no período senso motor, continuado pela melhor
integração do eu, a que se chega no período operatório concreto, encontra seu ápice. Segundo
Piaget e Inhelder (idem, p. 259),
4
È preciso cuidado com esse termo, que Piaget e Inhelder já apontavam no livro “Da Lógica da Criança à Lógica
do Adolescente” como uma das mais mal definidas e dificilmente manejáveis noções do vocabulário
psicológico, e esclarecer que estes autores a consideravam como o eu descentralizado.
28
A personalidade é a submissão do eu a um ideal que encarna, mas que o ultrapassa e
ao qual se subordina; é a adesão a uma escala de valores, não abstrata, mas relativa a
uma obra; portanto, é a adoção de um papel social, mas o preparado como uma
função administrativa, e sim de um papel que o indivíduo irá criar ao representar.
A formação da personalidade está diretamente ligada à integração no universo social
adulto e tem como motor afetivo de sua construção o programa de vida e o plano de reformas
elaborados pelo adolescente. O plano de reformas pode ser compreendido como uma teoria
cuja construção está ligada aos ideais defendidos por ele. O programa de vida (noção será
importante para relacionar a teoria de Piaget com os trabalhos de Taylor e Perron, expostos
nas seções a seguir) é, por um lado, uma hierarquia de valores que definirá quais ideais são
superiores a outros e quais são os valores meios e os valores fins, “é a organização afetiva
correspondente à organização intelectual da obra que o recém chegado ao universo social
pretende realizar.” (idem, p. 260). Por outro lado, é a afirmação da autonomia moral do
adolescente.
Estas colocações da teoria piagetiana sobre a consciência de si, a integração do eu e a
personalidade constituem o norte adotado por essa pesquisa no que se refere à forma com a
qual o indivíduo constrói representações de si como leitor, mas julgamos necessário trabalhar
com outros autores que tiveram esse tema como objeto de estudo, e cujas perspectivas se
harmonizam com a da obra piagetiana, retomando conceitos importantes como é o caso da
hierarquia de valores e do programa de vida.
II.3.2. Taylor e o desenvolvimento do Self
Taylor
5
, em seu livro “As Fontes do Self” (1997), examina a questão da identidade
moderna do ponto filosófico, mas, devido à natureza do tema e à forma de análise, ao mesmo
tempo, introduz questões psicológicas importantes sobre essa construção. Ele parte da análise
dos elementos que estão por trás do nosso sentido de dignidade como a justiça, o respeito à
vida e ao bem-estar das outras pessoas – e as questões acerca do que faz com que a nossa vida
seja significativa, ou, nas palavras do autor, “uma vida digna de ser vivida”. O que distingue
tais elementos e questões é o fato de que todos envolverem uma separação, pelo sujeito, entre
o que é certo e o que é errado, entre o que lhe parece melhor ou pior, e entre o que se lhe
apresenta como mais ou menos elevado. Estas distinções são validadas por seus desejos,
5
Charles Taylor, estudioso da identidade moderna, foi professor de Filosofia Moral em Oxford, posteriormente
passou a ocupar o cargo de professor de Ciência Política e Filosofia na McGill University.
29
inclinações e escolhas, mas existem a despeito deles e funcionam como um padrão de
julgamento.
Esses padrões, que funcionam como base de julgamento do que é bom e valioso, capaz
de tornar a vida significativa, formam, para cada pessoa, um conjunto de distinções
qualitativas a que o autor chama de “configuração”:
Pensar, sentir, julgar no âmbito de tal configuração é funcionar com a sensação de
que alguma ação ou modo de vida ou modo de sentir é incomparavelmente superior
aos outros que estão mais imediatamente a nosso alcance. [...] Uma forma de vida
pode ser vista como mais plena, outra maneira de sentir e de agir pode ser julgada
mais pura, um modo de sentir ou viver como mais profundo, um estilo de vida como
mais digno de admiração, uma dada exigência como sendo uma afirmação absoluta
em oposição a outras meramente relativas etc. (1997, p.35)
Essa idéia, defendida por Taylor, de que existem ações, modos de proceder ou de
sentir, que estão incomparavelmente acima dos outros e, por isso, orientam a tomada de
decisões pode ser relacionada aos conceitos piagetianos de hierarquia de valores (sistema
coordenado e reversível de valores que o indivíduo atribui aos objetos que o cercam) e força
de vontade (regulação de energia que favorece tendências ligadas a valores mais centrais à
custa de outras), uma vez que implica num sistema hierarquizado de valores que orientam a
ação.
Com efeito, para Taylor existe uma ligação fundamental entre a identidade e essa
espécie de orientação. Conhecer-se e definir-se significa estar orientado dentro de um espaço
moral, implica em saber qual posição se assume e a partir de quais compromissos e
identificações esta posição é definida. O que torna possível distinguir os compromissos,
valores e identificações ligados à essa tomada de posição dos demais é o fato dos primeiros
envolverem o que ele chama de “avaliação forte” ou seja, são compromissos, valores e
identificações que podem ser a base de atitudes de admiração ou desprezo.
Taylor utiliza o termo self para se referir a essa faceta do ser humano, esclarecendo
que esta é uma palavra com várias acepções possíveis, mas que ele escolheu aquela que
exprime essa necessidade humana de identidade, de orientação e posicionamento. Mas
trabalhar com essa acepção de self como objeto de conhecimento implica em fazer algumas
ressalvas, pois ele não é um objeto de estudo no sentido comumente entendido.
Um objeto de estudo científico deve poder ser observado objetivamente, deve “ser o
que é” independentemente de descrições ou interpretações fornecidas pelo sujeito, deve poder
ser apreendido numa descrição explícita e deve poder ser descrito sem referência ao ambiente
30
que o cerca. O estudo do self não se encaixa nessas características pois compreende,
obrigatoriamente, as auto-interpretações que a pessoa faz de si, portanto inclui a
subjetividade. É expresso pela linguagem, por isso nunca pode explicitado completamente.
Além disso, se é um self no meio de outros, é impossível descrevê-lo sem referências ao
ambiente que o cerca, nas suas esferas familiar e social, ignorando as relações que estabeleceu
com as pessoas amadas e, especialmente, sem levar em conta o espaço de orientação moral e
espiritual no qual o indivíduo vivenciou suas relações definitórias mais importantes.
Este é o sentido em que não se pode ser um self por si só. sou um self em relação
a certos interlocutores: de um lado, em relação aos parceiros de conversação que
foram essenciais para que eu alcançasse minha autodefinição; de outro, em relação
aos que hoje são cruciais para a continuidade da minha apreensão de linguagens de
autocompreensão – e, como é natural, essas classes podem sobrepor-se. existe um
self no âmbito do que denomino “redes de interlocução”.( Taylor, 1997, p.55)
É interessante notar que nesse ponto Taylor se aproxima de Foucambert, pois se para o
primeiro não se pode falar em self desconsiderando sua inserção em redes de interlocução,
para o segundo, não é possível se tornar leitor sem estar ligado a uma comunidade de leitores.
Através da linguagem somos introduzidos num mundo de conhecimentos e valores
selecionados de acordo com a visão de mundo de nossos pais e tutores, mais tarde, essa
mesma linguagem nos possibilitará negar alguns aspectos dessa bagagem e reafirmar outros,
graças à possibilidade de nos relacionarmos com diferentes parceiros, presentes ou ausentes e
de épocas diversas, confrontando nosso pensamento com o deles. O que remete às condições
apontadas como necessárias por Smith (1999) e Foucambert(1994) para a formação de
leitores: respectivamente, a interação em situações significativas de leitura e identificação
com outros leitores (fazendo parte de um “clube de alfabetização”); e a visão da leitura como
um aspecto integrante da identidade do sujeito (“estatuto de leitor).
Nos definimos como um self imersos nessas redes de interlocução, delas selecionamos
elementos e valores a partir dos quais elaboramos nossas configurações morais e seguimos
uma determinada orientação em nossas vidas. O sentimento de que a vida tem sentido tem a
ver com essa orientação que damos a ela, com a direção que toma sob nossa condução.
Mas essa definição não é uma tarefa que podemos tomar como concluída em
determinada fase de nossa vida, ao contrário, é uma construção retomada a todo momento ao
longo de nossos dias:
...A pergunta sobre nossa condição nunca pode ser esgotada para nós por aquilo que
somos, porque estamos também mudando e nos tornando o tempo todo. Só passamos
31
pela infância e pela meninice até a condição de agentes autônomos com alguma
espécie de posição própria com relação ao bem. E, mesmo então, essa posição é
sempre desafiada pelos novos eventos de nossa vida e vive constantemente sob
revisão potencial, conforme aumentam nossa experiência e nossa maturidade. Assim,
para nós a pergunta tem de ser não onde estamos como também para onde vamos;
e, embora a primeira possa ser uma questão de mais ou menos, a segunda é uma
questão de em direção a ou em afastamento de, uma questão de sim ou não. Eis
porque uma indagação absoluta sempre molda nossas indagações relativas. Como
não podemos prescindir de uma orientação para o bem, e como esse lugar é algo que
deve sempre mudar e tornar-se, tem de surgir para nós a questão da direção de nossa
vida.
(Taylor, 1997, p.70)
II.3.3. Perron e as representações de si
A questão da construção da identidade, agora do ponto de vista da Psicologia, é
examinada por Roger Perron
6
, no livro “Les Représentations de Soi” (1991), onde são
relatadas pesquisas que ele e seus colaboradores realizaram acerca desse tema
Perron inicia esta obra mostrando como a questão da busca da própria identidade
permeia a história humana, desde os mitos fundadores gregos de Narciso e Édipo até os dias
atuais. Todo homem, em algum momento da sua vida se depara com a questão de quem ou o
que ele realmente é.
Mas, para estudar esse tema tão universal do ponto psicológico, é necessário cuidar do
termo escolhido, pois cada um dos termos possíveis consciência de si, percepção de si,
conceito de si, concepção de si, imagem de si ou representação de si tem significados
peculiares e está ligado a uma determinada corrente da Psicologia.
Perron prefere o termo representação de si, representar, de acordo com o dicionário,
significa tornar presente, ou seja, tornar possível de percepção um objeto ausente. Ele
argumenta que cada pessoa dá de si mesma uma representação cada vez que pretende evocar o
que, segundo ela, a define como pessoa. Trata-se de uma forma de representação muito
particular, visto que seu objeto não está ausente da percepção no ato da representação. Um
outro sentido do termo representar também deve ser levado em conta: aquele que lhe dão as
pessoas ligadas ao teatro, para as quais representar é apresentar uma pessoa como
personagem, dela fazendo uma interpretação. Toda representação de si envolve a
interpretação que a pessoa faz de si mesma frente ao conjunto de papéis que toma para si ou
que acredita que os outros esperam dela.
32
Perron e os pesquisadores que integram sua equipe optam por fazer o estudo das
representações de si a partir do método genético, ou seja, em período evolutivo, por entender
que a vida psíquica não pode ser reduzida nem ao seu aspecto biológico nem ao social, assim
como não pode ser compreendida como a simples justaposição dos dois. Ela constrói um novo
plano de realidade, dentro dos níveis de organização do vivente, no qual o sujeito é agente de
sua própria construção. Esta posicionamento teórico se faz a partir das contribuições de
Piaget, Wallon, e Freud.
Representações de Si
Para Perron - de forma muito semelhante à visão de Taylor sobre o self e remetendo-
nos, também, ao conceito de hierarquia de valores de Piaget-, as representações de si
...são construídas como conjunto de valores. Todas as características pelas quais o
sujeito pode se definir são com efeito sentidas, em diversos graus, como desejáveis
ou desagradáveis. Mas existe mais: no mais íntimo da consciência de si o
sentimento de ser, distinto de todo outro reside a sensação de ser valor enquanto
pessoa. O sentimento de coerência e permanência que define aos olhos da pessoa sua
própria existência, tende a coincidir com o sentimento de ser valor enquanto pessoa;
e desta vez se trata do valor, no singular e tomado no sentido absoluto. Isto pode-se
exprimir de modo lapidar por: eu sou valor porque eu sou, eu sou porque eu sou
valor.(Perron, R., 1991, p.24)
7
Um sistema como esse não pode ser mantido a não ser através de mecanismos
reguladores, pois sem estes uma longa sucessão de fracassos ou de êxitos poderia levar a um
sentimento de desvalorização mortífera ou a uma exaltação de si irrealista.
Para compreender esse sistema temos que levar em conta que o êxito objetivo (tal
como seria visto por um observador imparcial) é muitas vezes diferente do êxito
experimentado pelo sujeito. Isto porque cada um de nós pode julgar suas próprias
experiências a partir de três tipos de critérios: os critérios de realidade, dados pela natureza
da tarefa ou da situação (como convencer uma pessoa reticente ou consertar um aparelho
elétrico); os critérios fundamentados em comparações interindividuais (muito mais subjetivo
e permeável aos a priori de valorização ou desvalorização pessoal de cada um); e os critérios
com base numa imagem ideal de si (que funcionam como reguladores internos do nível de
exigência da pessoa em cada situação).
6
Roger Perron, é francês, diretor de pesquisas no CNRS, diretor do Laboratório de Estudos Genéticos da
Personalidade (Fundação Vallée, Gentilly), encarregado da direção de teses na Universidade René Descartes
(Paris) e membro da Sociedade Psicanalítica de Paris.
7
Tradução nossa.
33
Existe, dessa forma, uma variação entre a forma com que pessoas diferentes julgam a
mesma situação e também variações na forma com que uma mesma pessoa percebe uma
situação, de acordo com o momento e a circunstâncias. Essa margem de liberdade permite o
jogo de um primeiro tipo de regulações.
Um segundo tipo de mecanismos reguladores atua sobre as situações em que o sujeito
aceita se engajar: depois de passar por alguns fracassos, a tendência é se envolver em
situações mais seguras, que trarão um sucesso importante para restabelecer a confiança em si;
por outro lado, após uma série de sucessos, o sujeito tende a se arriscar mais, aumentando a
probabilidade de fracasso.
Parece portanto, que a consciência de si como consciência de valor(es) constitui um
sistema, uma estrutura, no sentido de conjunto organizado, equilibrado por
mecanismos reguladores, dos quais alguns ao menos podem ser concebidos como
mecanismos de retroação (cf. von Bertalanfy, 1973 et 1982, e Piaget, 1970). Sobre
este aspecto central de seu funcionamento, a pessoa aparece como um conjunto
homeostático (Lecky, 1945, Stagner, 1951), quer dizer, como um conjunto que tende
a voltar ao estado de equilíbrio depois de variações transitórias.(Idem, p. 25-26)
8
...se fosse de outra forma, o sistema não seria viável, no nível da pessoa,
encontramos o jogo das grandes leis que regem toda organização do vivente, desde
suas estruturas biológicas fundamentais (Piaget, 1967, Perron, 1985). (Ibidem,
página 26)
9
Partindo do pressuposto de que as características que compõem a imagem que a
pessoa dela mesma são, todas elas, valorizadas por essa pessoa, Perron investigou sobre
quais modalidades se dá essa valorização. Para essa pesquisa, solicitou a crianças e suas mães
que descrevessem o que é importante em uma criança e em seguida, como ela própria é (no
caso da criança) ou como seu filho é (no caso das mães) e também o que elas desejariam ser
(ou o que a mãe desejaria que seu filho fosse, no futuro).
Perron observou que as crianças, à medida em que crescem, tendem a se descrever,
cada vez mais, de acordo com o modelo de criança ideal que elas mesmas deram, o que, por
sua vez, tende a coincidir em muito com o modelo descrito por suas mães, que apresenta as
qualidades prezadas por seu meio social. No entanto, essa aproximação é mais nítida com
relação a alguns valores e pode haver divergência quanto a outros.
8
Tradução nossa.
9
Tradução nossa.
34
A visão de Taylor sobre o self e os trabalhos de Perron acerca das representações de si
permitem reunir a idéia de estatuto de leitor, de Foucambert, o conceito de hierarquia de
valores e a definição de programa de vida, expostos por Piaget. Isto porque a construção do
self para Taylor implica na adoção de uma escala de valores para o sujeito “identidade é o
que nos permite definir o que é e o que não é importante para nós” e definição do que é,
para esse sujeito, uma vida digna de ser vivida; porque as representações de si, para Perron,
são construídas como conjuntos de valores e estão diretamente ligadas ao “sentimento de
coerência e permanência que define aos olhos da pessoa sua própria existência”; e porque a
idéia de estatuto de leitor implica em identificações’ que o sujeito estabelece com o mundo
leitor, com os outros sujeitos leitores e implica em ver a leitura como algo ‘bom ou valioso’.
A seguir, exporemos o último elemento desse referencial teórico, que trata das
representações construídas pelas crianças a partir da leitura de contos de fada, tomando como
base pesquisa realizada por De Souza (1990).
35
II.4. As Representações de Contos de Fada segundo De Souza
De Souza especializou-se no tema das representações de contos de fadas realizadas por
crianças de quatro a dez/onze anos, sobre o qual vem realizando uma série de pesquisas, à luz
do modelo piagetiano de desenvolvimento, analisando as relações entre afetividade e
inteligência.
No presente trabalho utilizaremos uma dessas pesquisas (De Souza, 1990), na qual a
autora estudou os diferentes modos de reconstituição da história do Chapeuzinho Vermelho,
em crianças de 9 a 11 anos, e as relações entre os aspectos cognitivos (nível operatório)
capacidade de reconstituir a história que leram anteriomente, observando os elementos
principais, interpretando o conteúdo e a mensagem e afetivos ressonância do mundo
interno da criança sobre o conto de fadas – observados nessas reconstituições.
A autora identificou três níveis básicos nas reconstituições apresentadas pelas
crianças: Chamou de Nível I reconstituição “fantasiosa” as reconstituições nas quais se
identificava uma grande interferência de elementos pessoais do sujeito (pensamento e mundo
emocional), culminando numa reconstituição modificada e distorcida com relação ao
significado real do texto; denominou Nível II reconstituição “concreta” as reconstituições
nas quais se observava um excessivo apego aos elementos da história, como se reconstituí-la
nos seus mínimos detalhes fosse a única forma de reconstituí-la “verdadeiramente”, essa
busca por uma reconstituição “fiel” predominava sobre a capacidade de “ir além”, causando
dificuldades para interpretar o conteúdo e a trama da história; e chamou de Nível III –
reconstituição “interpretativa” – aquelas reconstituições nas quais os elementos reais da
história são mantidos como referência, mas a criança “ia além” do texto, percebendo as
intenções por trás dos personagens, estabelecendo relações, observando as entrelinhas e
relativizando os contextos (real e possível).
Nessa mesma investigação, De Souza observou que os três níveis de reconstituição
praticados pelas crianças correspondiam a três dos quatro períodos de desenvolvimento da
inteligência descritos por Jean Piaget.
Dessa forma, o Nível I de reconstituição apresenta características que se relacionam ao
que é, talvez, segundo Piaget (1923/67, apud De Souza), a principal característica do
pensamento da criança até cerca de 7/8 anos: o egocentrismo. Segundo este autor, o
egocentrismo infantil provoca a incapacidade da consciência de estabelecer relações lógicas, a
incapacidade sintética e a justaposição. Assim, a criança, até cerca dessa idade, justaporá fatos
e coisas em seu espírito sem lograr sintetizá-los ou encontrará problemas em entender a
36
relação parte-todo (as partes do todo são vistas como elementos descontínuos, independentes),
essa característica se refletirá na linguagem infantil, pela ausência de ligações entre juízos
sucessivos, pela ausência de conjunções ou uso indiscriminado do termo “e”. Segundo De
Souza (1990, p. 42), essa “falta de ligações objetivas corresponderá, no pensamento da
criança, em um excesso de ligações subjetivas , o que é mostrado pelo fenômeno do
sincretismo: a criança liga tudo a tudo sem que seja possível verificar as relações existentes
entre os elementos.”. O sincretismo, se manifesta, de acordo com Piaget, no desenvolvimento
da compreensão e do raciocínio da criança antes dos 7/8 anos e no pensamento verbal entre 8
e 11/12 anos. Uma última característica do pensamento da criança antes dos 7/8 anos é a
transdutividade: ou seja, seu raciocínio não será indutivo nem dedutivo, mas transdutivo, indo
do particular para o particular, o que impede a criança de ter contato com a contradição.
Dentre as crianças estudadas por De Souza, aquelas que foram classificadas no Nível I
(reconstituição “fantasiosa”), não demostravam ter consciência da contradição existente em
suas idéias, ou recontando uma história diferente da que tinham lido, ou unindo elementos do
texto lido com elementos de outras versões da mesma história. Por essas características, o
Nível I corresponderia à caracterização do período pré-operatório de desenvolvimento do
pensamento de acordo com a teoria de Jean Piaget.
o Nível II de reconstituição (reconstituição “concreta”) corresponderia à
caracterização feita por Piaget do período das operações concretos, durante o qual sobressai-
se o apego ao real, acarretando, para a criança, a vantagem de poder manipular
experimentalmente o que observa e a realidade circundante. Mas, segundo De Souza (1990, p.
44), essa vantagem se manifesta, ao mesmo tempo, como uma limitação, pois “o real atua de
forma contundente sobre o seu pensamento [da criança] e passa a ser o único ponto de
referência possível”, dificultando ou mesmo impedindo a ocorrência de verdadeiras
abstrações. Dentre as crianças estudadas pela autora, aquelas localizadas no Nível II de
reconstituição se diferenciam das demais por apresentarem uma necessidade de incluir
numerosos detalhes do texto lido de forma a reconstituírem “verdadeiramente’ a história.
E o Nível III de reconstituição (reconstituição “interpretativa”) estaria ligado à
caracterização do período das operações formais. Nesse período, a lógica das preposições
substitui e suplanta a lógica de classes e relações do período anterior, elevando as operações
de pensamento à sua segunda potência, o que torna possível para a criança pensar até mesmo
sobre o seu próprio pensamento e ultrapassar o real para refletir sobre ele, tomando-o como
um dos pontos de referência possíveis para o pensamento. Dessa forma, para as crianças
localizadas por De Souza no Nível III, um texto ou história “pode ser reconstituído em seus
37
elementos principais (que o definem como diferente de um outro texto) e recriado, na forma
de organização desses elementos, levando a muitas possibilidades de interpretação.” (1990,
p.45).
Na presente pesquisa utilizamos os níveis descritos por De Souza nos modos de
reconstituição da história do Chapeuzinho Vermelho para analisar a forma como as crianças
por nós estudadas reconstituíram o conto de fadas “Pequetito” por considerarmos que, com o
auxílio de suas discussões, será possível estudar a relação dos diferentes níveis de habilidade
de leitura apresentados pelos sujeitos e os seus níveis de reconstituição da história, analisando
a questão da formação do leitor na perspectiva piagetiana de desenvolvimento cognitivo.
Utilizamos, além disso, o conceito de hierarquia de valores exposto por Piaget, que
relacionamos com a visão de Taylor sobre o self, os trabalhos de Perron acerca das
representações de si e as posições de Smith e Foucambert sobre a formação do leitor, para
analisar a relação entre o fato da leitura ser ou não um valor central na hierarquia de valores
do sujeito e, com isso, um elemento importante na estruturação da sua identidade, com o seu
desenvolvimento como leitor.
Com esse instrumental teórico pretendemos atingir o objetivo desse trabalho que
consiste em investigar a relação entre aspectos afetivos e cognitivos no processo de formação
do leitor. A hipótese central que nos guia é a de que o fato da leitura ser uma atividade
valorada afetivamente pode mobilizar o desenvolvimento de estratégias mais complexas de
leitura.
38
CAPÍTULO III
Outras Pesquisas Brasileiras
No Brasil, os últimos vinte anos marcam o desenvolvimento e a consolidação da
Leitura em uma área específica de pesquisa e reflexão. Esse processo de desenvolvimento fica
claro quando observamos o número de pesquisas produzidas nos últimos trinta e cinco anos,
dado que encontramos no catálogo elaborado por Ferreira (2000): no período de 1965 até
1979 foram encontrados 22 trabalhos sobre esse tema; de 1980 à 1995, foram produzidos
189 trabalhos e; nos cinco anos entre 1995 e 2000, foram desenvolvidos 219 trabalhos na
área. São números que, se por um lado espelham o próprio desenvolvimento da Pós-
Graduação no Brasil, por outro atestam o interesse de pesquisadores brasileiros pelo tema da
leitura e a consolidação da pesquisa sobre ela.
Foi esse crescimento tanto quantitativo quanto qualitativo na produção de estudos
e pesquisas acerca desse tema que motivou a pesquisa realizada por Ferreira, no seu
doutorado, onde a autora delineou o “estado da arte” das pesquisas sobre leitura no Brasil. Um
dos frutos da realização desse trabalho foi a elaboração de um catálogo contendo todas as
pesquisas localizadas, organizadas por tema, ano de produção e sobrenome do autor. A
consulta minuciosa a esse catálogo foi uma das principais fontes de busca por pesquisas
anteriores no presente trabalho, complementada por consultas on-line no serviço SIBI –
Dédalos das bibliotecas da USP e pela leitura das publicações do grupo de Alfabetização,
Leitura e Escrita (ALLE) da Unicamp.
No entanto, apesar do grande número de trabalhos na área, não encontramos
pesquisas que tivessem sido realizadas a partir do referencial teórico piagetiano e
privilegiassem a dimensão afetiva da formação do leitor. Diante disso, organizamos as
pesquisas que encontramos nos seguintes temas: pesquisas realizadas a partir da teoria
piagetiana; pesquisas que versassem sobre identidade ou representações de si de leitores; e
pesquisas que tratassem dos valores e representações atribuídos à leitura. A escolha desses
trabalhos se justifica pelo fato de que todos esses temas tangem, em maior ou menor grau, à
pesquisa que ora realizamos.
Atualmente, temos muitas pesquisas embasadas no referencial teórico piagetiano
focalizando a escrita (notadamente na fase de alfabetização), devido à grande influência dos
39
trabalhos de Emilia Ferreiro, mas esse número se reduz bastante quando enfocamos
especificamente a leitura. De 1990 para cá, localizamos três trabalhos que se valeram desse
referencial, todos eles voltados para os aspectos cognitivos da leitura. Assim temos a pesquisa
de Johanson, de Borges e de Marquez.
Johanson, no seu trabalho “O desenvolvimento das operações mentais no fazer
pedagógico de professores das séries iniciais do ensino de grau, revelado nas
questões/exercícios de compreensão de textos” (1990, apud Ferreira, 2000), analisou a forma
com que professores elaboravam atividades de compreensão de textos, a fim de diagnosticar
se tais atividades apresentavam desafios à capacidade dos alunos, podendo, assim, contribuir
para o seu desenvolvimento cognitivo. Como resultado dessa análise, foi elaborado um
quadro de critérios, baseados na Psicologia do Desenvolvimento de Jean Piaget, com a
finalidade de orientar os professores na elaboração de exercícios de compreensão de textos.
O trabalho de Borges, “Leitura: da escrita da fala à fala da escrita um estudo de
distorções no ensino da leitura nas classes de alfabetização” (1995, apud Ferreira, 2000),
partiu do pressuposto de que não existe leitura separada do processo de compreensão, para
analisar se o ensino inicial da leitura oral preserva seu caráter comunicativo e socializante e se
tem na compreensão do que é lido pelos educandos o seu principal intuito. Seus resultados
mostraram que, ao contrário disso, o ensino da leitura nas classes de alfabetização estudadas,
se dava na forma de um processo mecânico de vocalização dos sinais gráficos da escrita.
E o trabalho de Marquez, “Ler e entender: estratégias de leitura dirigidas para a
formação do leitor competente” (1999, apud Ferreira, 2000), parte do pressuposto de que a
criança pode se tornar um leitor mais proficiente se fizer usos de estratégias mais eficiente de
leitura e elaborar o envisionamento. Foram analisadas a elaboração do envisionamento e as
estratégias de leitura apresentadas por alunos de terceira série do ensino fundamental e os
resultados obtidos apontam para um desempenho de leitura muito precário por parte da grande
maioria deles. Os elementos teóricos discutidos no trabalho e a análise da leitura desses
alunos podem ser utilizados como subsídios para a proposição de atividades alternativas que
visem ao aprimoramento da leitura.
Como podemos ver, embora as três pesquisas citadas acima se aproximem, em
maior ou menor grau, do tema explorado no presente trabalho por se ocuparem de questões
relativas ao desenvolvimento cognitivo envolvidas no ensino/ aprendizagem da leitura ou no
desenvolvimento de estratégias por parte do leitor, elas se diferenciam do mesmo por não
levarem em consideração os aspectos afetivos da formação do leitor.
40
Encontramos uma pesquisa que trata da questão da identidade dos leitores, a de
Ferreira, “Leitura de histórias de leitura” (1994, apud Ferreira, 2000). Nela, a autora analisou
o processo constitutivo da leitura na perspectiva do próprio leitor. Foram colhidos
depoimentos de alunos de quinta série do ensino fundamental (e posteriormente, os mesmos,
durante a série seguinte) em três momentos distintos durante o ano letivo. Esses depoimentos
se referiam à concepção do ato de ler, à socialização da leitura, à circulação de livros, à
escolarização da leitura e à formação do leitor. A partir deles, a autora destaca os diferentes
modos com que os alunos se vêem e querem ser vistos como leitores: o aspecto da praticidade
(ler para ampliar conhecimentos), o aspecto do prazer de ler, o aspecto da magia da leitura, o
aspecto da identificação (com personagens, autores) e o aspecto da obrigatoriedade. Como
resultado dessa análise, a autora observa que, através de suas falas, os alunos se constituem
em dois diferentes tipos de pessoas: leitores e não leitores.
Esses diferentes aspectos pelos quais os alunos descrevem sua relação com a
leitura, na pesquisa de Ferreira, se aproximam das categorias encontradas no Estudo-Piloto do
presente trabalho, quando analisamos as representações sobre a leitura e as representações de
si como leitores dos alunos de segunda, terceira e quarta séries que estudamos. No entanto,
nossa pesquisa se diferencia da de Ferreira pelo referencial teórico e pelos métodos de análise
adotados.
Sobre o tema de valores e representações sobre a leitura encontramos três
pesquisas: a de Abdalla, de Pinho e de Dalla Zen.
Abdalla, no seu trabalho “Partilhando saber e prazer: um estudo etnográfico sobre
uma comunidade de leitoras” (1995, apud Ferreira 2000), fez um estudo sobre os valores,
atitudes, hábitos, práticas e representações que orientam as relações de um conjunto de
leitoras que freqüentam a Casa da Leitura, no Rio de Janeiro. Os dados encontrados foram
analisados a partir da História Cultural e da Antropologia.
O trabalho de Pinho, “Leitura: confronto de algumas representações um estudo
exploratório” (1997, apud Ferreira, 2000) examinou o conceito de representação e de leitura, a
partir de um estudo exploratório sobre os saberes cotidianos e representações que alunos e
professores de escola pública têm da leitura.
E o trabalho de Dalla Zen, “Histórias de leitura na vida e na escola: uma
abordagem lingüística, pedagógica e social” (1997, apud Ferreira 2000) investigou como se
dá a prática de leitura na sala de aula e no dia-a-dia de classes populares, a partir de
observações em sala de aula de quarta série do ensino fundamental, a fim de diagnosticar
como se desenvolviam as atividades de leitura nessa sala, qual a concepção da professora
41
regente sobre a leitura e qual a reação esboçada por seus alunos diante das atividades
propostas. Além disso, realizou entrevistas com a professora, com os alunos e com seus
familiares. O referencial teórico utilizado na coleta e análise dos dados foi a etnografia.
Como nos casos anteriores, podemos ver que essas pesquisas se aproximam do
presente trabalho por tratarem de temas relacionados aos valores e representações sobre a
leitura, mas se diferencial pelo referencial teórico e metodológico adotado.
42
CAPÍTULO IV
O método clínico de Piaget e a coleta de representações de si de
Viaux
O mérito de Piaget foi revelar, desde os seus
primeiros trabalhos, que as crianças têm idéias ou
representações sobre muitos aspectos da realidade
independentemente do que lhes tenham ensinado e de terem
recebido instrução formal sobre isso. [...]
Achamos que o estudo direto das representações tem um
grande interesse em si mesmo por suas inegáeis repercussões
práticas. As pessoas agem a partir dessas representaçõs.
Juan Delval – Introdução à prática do método clínico
IV.1. O Método Clínico Piagetiano
Piaget, no livro “A Representação do Mundo na Criança” (1926/2005), se propôs a
estudar a questão da realidade e da causalidade na criança e, diante das inadequações que
apresentavam o método dos testes que devido à presença de perguntas fixas poderia falsear
a orientação de pensamento da criança ou passar à margem de questões essenciais e o
método da observação pura que apesar de fornecer informações importantes, é trabalhosa e
dificultada pelo egocentrismo intelectual da criança que não comunica, de forma espontânea,
o seu pensamento – formulou o método clínico em resposta à essas limitações.
O método clínico foi inspirado nos trabalhos da clínica psiquiátrica, onde o paciente é
examinado em profundidade a fim de que suas características sejam conhecidas e que seja
possível identificar as causas de sua doença e as possíveis soluções à ela. Para que seja
possível atingir a esse objetivo, “o exame clínico participa da experiência, no sentido de que o
clínico coloca problemas, realiza hipóteses, faz variar as condições em jogo, e enfim controla
cada uma de suas hipóteses no contato com as reações provocadas na conversa.” (Piaget,
1926/2005, p. 10)
Piaget propõe então que a psicologia faça uso desse método para interrogar à criança
sobre as questões que a observação pura, por sua própria natureza, deixa em aberto. Para
utilizá-lo o pesquisador deve aliar a observação com uma intervenção sistemática, orientada
43
pelas hipóteses que faz acerca do significado da conduta do sujeito, hipóteses que deve
controlar até que se torne clara qual a orientação do pensamento dele.
Juan Delval (2002), um estudioso da obra piagetiana, aponta como a grande novidade
introduzida por Piaget no método clínico, o seu uso para o estudo de indivíduos normais, em
desenvolvimento. Com esse método, apesar de Piaget analisar a criança que tem diante de si
como um sujeito único, com características próprias e coerência interna, ele não se detém no
que de particular nesse sujeito, buscando nele o que de universal, ou seja, procurando
em cada criança, em particular, informações sobre o sujeito epistêmico.
Uma grande dificuldade na aplicação do método clínico é evitar sugerir uma
determinada resposta dentro do conjunto de respostas possíveis, através de perguntas de
caráter tendencioso ou cuja estrutura é muito diferente da estrutura das perguntas infantis, ou
ainda através da perseveração do pesquisador em fazer perguntas a partir de uma determinada
resposta do sujeito.
É muito importante a severidade do pesquisador ao interpretar o material coletado, de
acordo com Piaget:
Os grandes inimigos do método clínico são aqueles que assumem tudo que é dito
como de valor e aqueles que não dão crédito a qualquer resultado proveniente de um
questionário. Naturalmente, os primeiros são os mais perigosos, mas ambos incorrem
no mesmo erro : o de acreditar que o que diz uma criança durante o quarto de hora, a
meia hora ou os três quartos de hora durante os quais se conversa com ela, se situa no
mesmo plano de consciência o plano da crença refletida, o plano da fabulação, etc.
Ao contrário, a essência do método clínico está em discernir o joio do trigo e de
situar cada resposta dentro do seu contexto mental. Ora, existem contextos de
reflexão, de crença imediata, de jogo ou psitacismo, contextos de esforço e de
interesse ou de fadiga e, sobretudo, existem sujeitos examinados que inspiram
confiança imediata, observando-se que refletem e buscam, e indivíduos com os quais
se sente que estão rindo de você ou não o escutam. (1926/2005, p. 11)
Piaget elenca cinco tipos de reações possíveis ao método clínico: o “não-importismo”,
onde a criança se aborrece com a pergunta, respondendo qualquer coisa, simplesmente para
livrar-se dela; a fabulação, na qual ela não busca refletir sobre a questão que lhe foi feita e
inventa uma história para responder, por puro exercício verbal; a crença sugerida, situação em
que a criança procura responder mas é influenciada pela forma sugestiva da pergunta ou da
ação do pesquisador; a crença desencadeada, que significa que a criança refletiu para
responder, fazendo-o com seus próprios recursos a partir da questões que lhe foram
apresentadas; e a crença espontânea, quando a resposta não é nova para a criança, que
refletiu anteriormente sobre o assunto.
44
Para distinguir entre essas respostas, o autor aponta alguns parâmetros: o não-
importantismo é uma resposta instável, que não apresenta ramificações em outras respostas da
criança. A fabulação é mais rica e sistematizada do que o não-importismo, então é necessário
verificar se se trata de uma resposta fabulada ou se é o primeiro estágio de um determinado
processo de pensamento segundo Piaget, se é possível distinguir três estágios num dado
processo e se a resposta do primeiro estágio se faz sentir no decorrer dos estágios posteriores,
isto significa que a primeira resposta não era fabulada. A crença sugerida apresenta-se como
algo essencialmente momentâneo e sem ligações com outras crenças do sujeito. As crenças
espontâneas e as desencadeadas apresentam muitas características em comum: resistem à
sugestão, encontram-se enraizadas profundamente no pensamento do sujeito, perduram por
anos e são substituídas aos poucos, e entram em fusão com as respostas sugeridas pelo grupo
(respostas adultas). A única forma de distinguí-las é através da observação pura.
IV.2. Jean-Luc Viaux e o estudo dos procedimentos de coleta de representações de si
Viaux (1991), um dos pesquisadores que trabalham com Roger Perron, publicou, no
livro organizado por este, um estudo sobre os métodos que são utilizados na coleta de
representações de si, defendendo o uso do discurso sobre si. Como o método clínico – que é a
principal referência metodológica do presente trabalho não foi utilizado por Piaget com o
objetivo de permitir a coleta de representações de si da criança, ele será utilizado nessa
pesquisa em conjunto com as contribuições de Viaux.
De acordo com esse autor, quando pensamos em representações de si, partimos de
duas constatações: a primeira, de que a melhor forma de levantar o que um sujeito sabe ou crê
saber de si próprio consiste em lhe perguntar a respeito; a segunda de que, embora falar de si
não seja um ato raro, falar deliberadamente de si a partir de uma questão consiste num ato
psicologicamente complexo.
Os primeiros trabalhos sobre esse tema se desenvolveram nos países anglo-saxões, a
partir das décadas de 50 e 60. Essas pesquisas sobre o Self-Concept exploraram, de modo
estanque ou simultâneo, duas diferentes questões, cuja resolução estava diretamente ligada à
definição de Self-Concept: como recolher os conteúdos sobre si, e como organizá-los em
sistemas coerentes.
A partir das diferentes resoluções encontradas para estas questões, se desenharam duas
grandes correntes: uma que privilegiava o recolhimento dos conteúdos à partir de uma
organização dos elementos do Self-Concept estabelecida de antemão, fazendo uso de
questionários fechados; e outra que privilegiava o recolhimento de conteúdos a partir de
45
métodos abertos (como os trabalhos a partir do Who are you? W.A.Y.), e, somente num
segundo momento, organizando esses conteúdos.
A perspectiva metodológica adotada pelo autor é herdeira dessa segunda corrente que
se distingue por privilegiar nos sujeitos o “falar de si”, como uma produção relativamente
livre e não uma escolha a partir de conteúdos já selecionados.
O primeiro método utilizado por essa segunda corrente consistia em solicitar ao sujeito
que respondesse três vezes à questão “quem é você?”. Esse método sofreu algumas
transformações ao longo do tempo, seja no número de respostas solicitadas, seja na utilização
de perguntas com caráter semi-aberto. O artigo de Kuhn publicado em 1960 (cf. Viaux, 1991)
oferece uma visão de conjunto dos resultados que foram obtidos a partir desses estudos,
agrupando as respostas possíveis em cinco categorias: grupo social e classificação; crença
ideológica; interesses; projetos pessoais; e auto-estima. Sendo que a freqüência dessas
respostas variava de acordo com a idade, o sexo e a identificação profissional dos sujeitos.
Para Viaux, a questão apresentada pelo uso de tais metodologias é o fato de que
nenhum autor levou em consideração que o sujeito confrontado ao Quem é você? poderia
elaborar um verdadeiro discurso, um texto oral ou escrito no qual ele se definisse de forma
deliberada e sem limitações de dimensão ou vocabulário. De acordo com ele, o modo com o
qual o sujeito faz uso da linguagem também é reveladora do seu Conceito de Si (Self-
Concept), por isso indica como o melhor método para coleta das representações de si a
solicitação de um Discurso sobre Si, compreendido, então, como todos os elementos com os
quais um sujeito se refere à si próprio, fazendo uso de sua própria linguagem, num texto
escrito ou oral, elaborado em resposta à questão Quem é você?.
Por “discurso”, o autor entende um conjunto elaborado de enunciados definindo um
mesmo objeto (desconsiderando-se as determinações subjacentes a essa enunciação). A partir
do uso desse método o sujeito passa de uma percepção de si mesmo a um texto formulado em
uma ordem determinada. E a partir dele é possível colocar ênfase no procedimento pelo qual o
sujeito compôs sua resposta.
Então, nessa pesquisa, será solicitado que os sujeitos falem de si como leitores,
construindo um discurso oral sobre si, sendo que a partir desse discurso far-se-á intervenções,
à maneira do método clínico piagetiano, a fim de por à prova as hipóteses que a fala dos
sujeitos permitir ao pesquisador construir.
Outro elemento teórico que apoia este uso do discurso sobre si para o estudo das
representações de si é a colocação de Taylor (1997), segundo o qual uma das condições
fundamentais do processo de encontrar sentido em nós mesmos é compreendermos nossa vida
46
numa narrativa: ou seja, para construir o sentido de quem somos nós, temos de partir da
noção de como viemos a ser o que somos e de para onde desejamos ir.
47
CAPÍTULO V
Método
V.1. Participantes
Foram estudadas 48 crianças de 8 a 10 anos, de 2
as
, 3
as
, e 4
as
séries do Ensino
Fundamental, alunas de uma escola pública da cidade de São Paulo. Essa escola se distingue
das demais escolas em dois aspectos fundamentais: por apresentar uma biblioteca escolar com
um bom acervo de livros e bem estruturada para o uso das crianças, o que é estimulado pelas
professoras de à séries, fazendo parte da rotina semanal das crianças e; por contar com
uma clientela formada por crianças, tanto da comunidade local, como filhas de funcionários e
professores de uma renomada universidade pública.
Dentre as crianças que compuseram nossa amostra, 18 (37,5%) fizeram pré-escola
pública na USP (Creche Central, Creche Oeste ou NURI), 15 (31,25%) fizeram pré-escola
pública em EMEIs e 15 (31,25%) fizeram pré-escola particular.
Quanto ao nível de escolaridade atingido pelos pais dessas crianças
10
, 12,5%
estudaram até o ensino fundamental; 37,5% até o ensino médio; e 50% concluiu o ensino
superior. São funcionários da USP os pais de 39% dessas crianças.
A participação nesta pesquisa foi voluntária e autorizada de acordo com as Diretrizes
para a Realização de Pesquisas da referida escola
11
e dos princípios éticos da pesquisa
psicológica.
V.2. Situação Experimental
As crianças foram entrevistadas no recinto da escola, em sala razoavelmente livre de
interferências que pudessem prejudicar o andamento da pesquisa. As entrevistas foram
gravadas em áudio com o consentimento das crianças participantes.
10
No caso de haver diferença entre a escolaridade alcançada pelo pai e pela mãe, consideramos o maior nível
atingido por um dos dois.
11
Vide anexo 1.
48
V.3. Procedimentos
V.3.1. Para coleta de dados
A coleta de dados compreendeu duas fases. Primeiramente foram estudadas 12
crianças, para verificar a adequação dos procedimentos e obter resultados preliminares para
análise (Estudo Piloto). Numa segunda fase, foram estudadas 36 crianças, que, juntamente
com as 12 primeiras, compuseram a amostra pesquisada.
Antes da realização do Estudo Piloto, conversamos com a Coordenação Pedagógica da
escola sobre os procedimentos necessários para colher as autorizações dos pais e fomos
informadas de que, segundo suas Diretrizes para a Realização de Pesquisas, não seria
necessário obter autorizações expressas uma vez que pesquisas cujos procedimentos não
causem constrangimento ou alteração de comportamento e que forem aprovadas pela escola já
contam com uma pré-aprovação dos pais dos alunos. Ainda assim, foram recolhidas
autorizações dos pais dos alunos participantes.
Nessa mesma conversa, estabelecemos com a Coordenadora qual seria o perfil dos
alunos selecionados para a pesquisa e solicitamos que, dentre os alunos que voluntariamente
quisessem participar, a professora de cada sala selecionasse um grupo de alunos com
desempenho escolar diferenciado entre si, no que se refere à habilidade de leitura.
Nos momentos que antecederam a entrevista com cada uma das crianças, elas foram
informadas do teor da pesquisa da qual participariam foi-lhes dito que se tratava de uma
pesquisa sobre a leitura e também sobre as coisas que as crianças gostavam de fazer no seu
tempo livre (uma vez que gostaríamos de saber se elas espontaneamente incluíam a leitura
entre as atividades que faziam por prazer).
Após estes cuidados preliminares, foram realizadas as entrevistas que se dividiam em
três partes:
Para metade das crianças, inicialmente foi proposta uma tarefa que consistia na leitura
do conto “Pequetito” em voz alta.
12
Em seguida, foi pedido que a criança realizasse a
recontagem oral dessa história. Esses dois procedimentos tiveram como finalidade averiguar
qual o grau de capacidade de leitura dos sujeitos e as estratégias que utilizam para ler.
12
Uma cópia desse conto encontra-se no anexo 2.
49
Num terceiro momento, as crianças foram entrevistadas sobre a história, sobre seus
hábitos de leitura e de lazer e sobre a leitura em si a fim de colher as representações de si
ligadas à leitura, bem como avaliar seu nível de envolvimento com a mesma
13
.
Para a outra metade, seguimos a ordem inversa: foi realizada, primeiro, a entrevista
sobre hábitos de lazer e de leitura e sobre a leitura em si. Após isso foi realizada as tarefas de
leitura e de recontagem da história.
V.3.2. Para a análise dos dados
Esta análise teve como objetivo relacionar as representações de si dos sujeitos com
relação à leitura e suas representações sobre a leitura em si e sobre o conto de fadas que
leram, com diferentes níveis de envolvimento com a leitura e também com diferentes níveis
de habilidade de leitura.
Inicialmente foram realizados agrupamentos das respostas tanto para a leitura quanto
para a recontagem e para a entrevista, em termos das regularidades e ênfases dadas pelas
crianças.
A partir dos agrupamentos foram construídas categorias de análise para a capacidade
de leitura, para a recontagem e para as representações que as crianças construíram da leitura e
de si mesmos como leitores. Para cada conjunto de categorias – habilidade de leitura, modo de
recontagem, representações acerca da leitura e representações de si como leitor – foram
atribuídos pesos a partir de uma análise evolutiva
14
. Estas categorias e os pesos atribuídos a
elas encontram-se descritos a seguir:
V.3.2.1. Categorias para a Tabulação da Habilidade de Leitura
Os participantes desta pesquisa se encontravam em diferentes momentos do seu
desenvolvimento como leitores, o que se deve, em parte, ao fato de cursarem diferentes séries
escolares, e, por outra parte, ao caráter único de seus percursos pessoais com relação à leitura.
Esses diferentes momentos correspondem a diferentes níveis de habilidade leitora.
Podemos hierarquizar esses níveis em três grandes categorias, para efeito de análise
dos dados, embora dentro de cada nível exista uma gradação diferenciando um sujeito do
outro.
13
Um exemplo de entrevista encontra-se no anexo 4, à titulo de ilustração.
14
Ver quadro de dados com pesos, no anexo 7.
50
Na categoria I, estão reunidos os sujeitos que se encontram ainda no início do
desenvolvimento de suas habilidades de leitura, que lêem de forma lenta, com uma pausa
marcada entre as palavras e recorrendo, constantemente, à leitura sílaba à sílaba. Por exemplo,
B.(8), apresenta essas características de forma marcante: “Lá no es-tá-ma-go do a-gro
Pequetito o es-pe-tou tanto com sua a-gu-lha que o mal-vado pa-pão o cus-piu fora, R.(8)
recorre à leitura sílaba à sílaba num mero menor de palavras, mas ainda significativo:
Quando che-gou a hora de man-dá-lo conhecer o mundo seus pais lhe deram uma a-gu-lha
para servir de es-espada e um... uma cu... uma cu-i-a de co-mer arroz para ser su... su... seu
bar-co e um par de pa-li-tos para servir de re-mos.”
Na categoria II, se encontram os sujeitos que lêem num ritmo mediano, recorrendo
muito raramente à leitura laba à sílaba, mas que ainda não conseguem ler respeitando todas
as características do texto como seus sinais de pontuação e sua organização em frases e
parágrafos. Isso faz com que sua leitura pareça um pouco truncada” para quem a escuta. É o
caso de H.(8,11): “Quando chegou a hora de mantê-lo... mandá-lo conhecer o mundo, seus
pais lhe deram uma agulha para servir de es-pada e uma cuia de comer arroz para ser seu
barco”.
Num caso extremo, como o de A.(10,3), essa forma de ler causou erros de
compreensão, pois, ao ler a frase É um martelo que realiza desejos’, a jovem explicou.
‘Então, me uma martelada para ver se me faz crescer’, o rapaz falou.”, a desconsideração
do ponto final entre ‘explicou’ e ‘então’, fez parecer que a moça é quem estava solicitando
uma martelada. Esse sujeito teve muita dificuldade em realizar a recontagem oral, que não
conseguiu finalizar, indicando, possivelmente, que a forma como leu o levou a fazer
inferências equivocadas sobre o texto, tornando dificílima a reconstrução do seu sentido.
Na categoria III, reúnem-se os sujeitos que lêem com fluência
15
. Os sujeitos que se
encaixam nessa categoria apresentam um bom ritmo de leitura, conseguindo transpor para o
oral todas as características do texto com uma entonação adequada. Na leitura do texto não
recorreram em nenhum momento à leitura sílaba à sílaba, apenas, em alguns momentos da
leitura, repetiam a leitura de uma palavra para retomar a leitura, como é o caso de B.(9, 6)
“’Primeiro vai ter que lutar comigo!’, o corajoso... o corajoso rapaz exclamou.” É provável
que a palavra repetida tivesse sido a última palavra a ser identificada na fixação de olhar
anterior.
15
o “Dicionário de Alfabetização” de Harris e Hodges, define como leitor fluente aquele que lê com facilidade,
com compreensão e sem hesitações
51
Para apresentar esse nível de habilidade de leitura é necessário que a cada fixação dos
olhos no texto, o leitor identifique várias palavras e sinais de pontuação a fim de que possa, no
momento de oralizá-los, dar o tom adequado a cada situação expressa pelo texto.
Como as três categorias, acima descritas, ilustram diferentes níveis de
desenvolvimento pelos quais um indivíduo passa em seu processo de construção da habilidade
de leitura, para feitos de análise, nesta pesquisa, atribuímos peso 1 à categoria I, por esta
retratar um estágio inicial desse desenvolvimento; por esta mesma razão, a categoria II (que
retrata um nível intermediário dessa habilidade) recebeu peso 2 e a categoria III (que reúne os
leitores fluentes) recebeu peso 3.
V.3.2.2. Categorias para a Tabulação da Recontagem Oral
Para efeito da análise dos das recontagens orais efetuados pelos participantes da
pesquisa, vamos organizar seus resultados em dois diferentes grupos de categorias: o primeiro
grupo se refere à própria realização da recontagem, se esta foi possível ou não e se os sujeitos
apresentaram dificuldades em fazê-lo; o segundo grupo se refere ao modo com o qual as
recontagens foram realizadas.
O fato dos sujeitos conseguirem realizar a recontagem oral ou não, apresentando
dificuldades ou uma real impossibilidade de recontar a história lida, nos informa sobre seu
desenvolvimento como leitor. Segundo Kleiman (2002), existem fortes evidências
experimentais de que o se consegue lembrar após a leitura está baseado nas inferências que
foram realizadas durante ela, e não no que o texto dizia literalmente. Tomando esse dado
como base, é possível presumir que a dificuldade que alguns sujeitos tiveram em realizar a
recontagem se deve a falhas no processo de levantamento de inferências e confirmação destas.
Isso explicaria também o fato de os melhores leitores de cada série terem apresentado também
as melhores recontagens de suas respectivas séries
16
.
Por outro lado, a maneira com que as crianças fazem a recontagem nos informa sobre
seu desenvolvimento cognitivo. De Souza (2001), em seu estudo sobre desenvolvimento
cognitivo e reconstituições de contos de fada, estabelece três níveis de recontagem – a
recontagem fantasiosa, no qual as crianças desconsideram a realidade apresentada pelo texto,
deformando-o de acordo com suas necessidades, como em um jogo simbólico; a recontagem
concreta, no qual as crianças se prendem rigidamente ao texto, com todas suas minúcias; e a
16
Ver quadro geral de dados, no anexo 6.
52
recontagem interpretativa, em que as crianças reconstruem o texto acrescentando aspectos
não-ditos que poderiam ser inferidos a partir de sua leitura.
Esses três modos de realização da recontagem podem ser consideradas como níveis
“segundo o critério de utilização de relações subjetivas ou de implicação lógica, subsidiadas
pela evolução do raciocínio da criança, em direção à lógica operatória” (Souza, 2001, p.4).
Assim, segundo a autora, a recontagem fantasiosa, devido ao seu caráter de assimilação
deformante, pode ser associada às características do período pré-operatório;. a recontagem
concreta, devido ao apego das crianças que apresentam essa forma de recontagem ao real,
traduzido na sua necessidade de reproduzir com fidelidade a história em questão, pode ser
associada às características do período operatório-concreto; e a recontagem interpretativa, na
qual as crianças explicitam elementos que estavam implícitos na história original,
demonstrando uma forma de pensamento por hipóteses que tomam como referência o real
mas são capazes de ultrapassá-lo, pode ser associada ao período operatório formal.
Para categorizar os níveis de recontagem utilizados pelos sujeitos nesta pesquisa,
vamos nos basear nas mesmas categorias criadas por Souza no seu trabalho.
Assim, a categoria recontagem fantasiosa vai designar aquele que criou uma nova
história ao recontar, desconsiderando a forma da narrativa original. Como exemplo dessa
categoria temos R.(8), que criou um “companheiro de aventuras” para Pequetito: “Um dia
Pequetito foi, pegou o barco e o remo... com uma pessoa jovem. Ele foi para o lago, daí eles
encontraram o ogro que engoliu o jovem. O jovem pediu para Pequetito passar a agulha, daí
o ogro riu e, sem mais esperar, engoliu ele. O Pequetito pegou a agulha, furou, abriu a
barriga do monstro...”.
A categoria recontagem concreta engloba os sujeitos que procuraram reproduzir
palavras e expressões do texto e se mantiveram fiéis ao fio da narrativa original. Como
exemplo dessa categoria temos J.(8): “Tinha um casal que pedia para Deus para ter um filho.
eles tiveram um filho. Ele era bonito mas nunca cresceu, então eles deram o nome de
Pequetito. Quando eles pensaram que estava na hora dele conhecer o mundo, eles deram
uma agulha para ele para servir de espada...”.
E a categoria recontagem interpretativa reúne os sujeitos que reconstruíram a narrativa
respeitando suas características originais mas acrescentando fatos e motivações que inferiram
a partir da leitura da história. Como exemplo dessa categoria podemos citar Le. (9,1): “Daí
eles foram atacados por um ogro que queria raptar a moça por quem ele tinha se
apaixonado”, que explicita a qualidade do sentimento que o personagem nutria pela moça,
sentimento que, no texto, fica apenas implícito.
53
Para hierarquizar as diferentes categorias de recontagem, optamos por atribuir peso 1
aos leitores que não conseguiram realizar a recontagem e também para os leitores cuja
dificuldade na realização dessa recontagem impossibilitou qualquer análise do teor da mesma.
Para os leitores que conseguiram realizar a recontagem, atribuímos pesos 2, 3, ou 4, de acordo
com o modo como essas recontagens foram feitas. Levando em consideração as pesquisas de
De Souza que relacionam os distintos modos de recontagem com diferentes períodos do
desenvolvimento cognitivo descritos por Piaget, atribuímos peso 2 às recontagens fantasiosas
(cujas características, conforme dito anteriormente, se relacionam às do período pré-
operatório), peso 3 às recontagens concretas (que, como vimos, apresentam características
que se relacionam ao período operatório concreto) e peso 4 às recontagens interpretativas
(que, como já havíamos exposto, demonstram uma forma de pensamento por hipóteses
característica do período operatório formal).
V.3.2.3. Categorias para a Tabulação das Representações dos Sujeitos sobre a Leitura
e de suas Representações de Si Ligadas à Leitura
Um ponto importante deste trabalho consiste em procurar determinar que lugar a
leitura ocupa na hierarquia de valores dos sujeitos estudados. Para isso, formulamos algumas
questões que tiveram lugar na entrevista
17
com cada sujeito, ao final da leitura e recontagem
oral. Essas questões tinham como objetivo colher representações dos sujeitos sobre a leitura e
suas representações de si como leitores.
Para procurar determinar o modo como cada um dos sujeitos a leitura, lhes
perguntamos “para quê serve a leitura?” e “por quê você tinha vontade de aprender a ler
quando entrou na escola?”, as respostas que obtivemos podem ser agrupadas em três
categorias
18
:
A primeira engloba as crianças que consideram que “a leitura serve para nos ensinar a
ler melhor”. É interessante notar como a opinião desses pequenos coincide com a de
estudiosos da leitura, como Smith, Goodman e Foucambert, cujas teorias discutimos
anteriormente neste trabalho. Outra autora especializada em leitura, Tereza Colomer, traduz
essa opinião das crianças dizendo que da mesma forma que um piloto tem que ter muitas
horas de vôo para tirar seu brevê, um leitor tem que ler muito para efetivamente tornar-se um
leitor. Podemos citar como exemplo dessa categoria F.(7) e H.(8,11) para os quais a leitura
serve, respectivamente, “Para ler. Para aprender a ler melhor.” e “Para ajudar a gente a ler
17
Vide roteiro de entrevista no anexo 3.
18
Veja exemplos de respostas a estas questões no anexo 5.
54
melhor”. Apesar de ser uma categoria muito utilizada para explicar a finalidade da leitura,
nenhuma criança se valeu dessa categoria para justificar porquê queria aprender a ler, talvez
porque essa segunda questão se remeta ao interesse, à vontade, que se refletem melhor nas
duas outras categorias.
A segunda categoria reúne as crianças que vêem a leitura como um elemento
importante para o sucesso escolar, para a aprendizagem e, em alguns casos, para o futuro
profissional, essas crianças, na sua grande maioria, queriam aprender a ler para progredir na
escola. Como exemplo dessa categoria temos A.(10,3) segundo o qual a leitura serve “Para
estudar e quando crescer ser inteligente (...) conseguir um trabalho melhor”, ou A.C. (10,
10), que queria aprender a ler “Porque tem aluno que quando a professora ia dar um texto
para ler e a gente não sabia ler (...) falava assim: Oh, professora, eu não sei ler’ e ela ia
colocar no meio de todo mundo que não sabia ler para ir aprendendo” e Le.(9,1) que
desejava aprender a ler “Porque eu não ia conseguir trabalhar nem ir para a escola quando
eu crescer”.
Ainda que possa parecer, à primeira vista, uma visão utilitarista da leitura, precisamos
considerar a importância que o sucesso ou insucesso escolar tem para as representações de si
da criança, para suas opiniões sobre ela mesma. Yves Compas (1991), no seu trabalho sobre
representações de si e êxito escolar, discute de forma muito interessante essa questão,
apontando que a maioria das pesquisas nesse campo considera o êxito escolar como um dos
grandes determinantes da natureza dessas representações.
A terceira categoria reúne as crianças que aliam a leitura ao interesse e ao prazer. De
forma geral são crianças que lêem bem e que lêem muito, citando a leitura, na maior parte
dos casos, dentre duas atividades de lazer favoritas. Exemplos dessa categoria são B. (9,6),
para quem a leitura serve “Para a gente entender um pouco da história, não é? Saber o que
acontece na história, ter idéias, usar a imaginação (...) Então livro é legal porque a gente
pensa do jeito que a gente quiser. Que nem Harry Potter, é um nome, a gente do jeito
que a gente quiser, livro serve para isso, também.” e J.(8) que queira aprender porque
“gostava de ler” .
Para colher as representações de si ligadas à leitura, foi solicitado que os sujeitos
descrevessem a si próprios. De acordo com Perron, todas as características com as quais o
sujeito pode se definir (suas representações de si) são construídas como um conjunto de
valores. Aqui podemos fazer uma relação com o conceito piagetiano de hierarquia de valores.
Assim, considerou-se que as crianças que citavam a leitura ao se descrever ( dizendo que
55
eram boas leitoras ou que gostavam de ler) e/ou a incluíam no seu conjunto de atividades
favoritas, apresentavam representações de si positivas ligadas à leitura.
Para hierarquizar as diferentes categorias de representações sobre a leitura (leitura
como meio de ler melhor, leitura como meio para progredir nos estudos e leitura como forma
de prazer) apresentadas pelas crianças participantes desta pesquisa, levamos em conta como
essas duas categorias se distribuíram nas respostas que essas crianças deram às duas questões
que utilizamos para colher essas representações na entrevista (uma delas, como foi dito,
versando sobre a finalidade da leitura e a outra acerca do desejo que motivou sua
aprendizagem) e, também, quais as relações que podemos estabelecer entre essas respostas e o
lugar que a leitura ocupa na hierarquia de valores desses sujeitos.
Assim, atribuímos peso 1 à categoria “leitura como meio de ler melhor” porque esta
categoria é utilizada para explicar a finalidade da leitura e não para explicar o que move o
indivíduo a ler – o que estaria mais diretamente relacionado com a sua hierarquia de valores.
Entre as categorias “leitura como meio para progredir nos estudos” e “leitura como
forma de prazer”, optamos por atribuir peso 2 à primeira e peso 3 à segunda, porque na
primeira, a motivação para a leitura está relacionada com as exigências que o meio escolar faz
ao indivíduo na forma de provas, trabalhos e outras demandas das diferentes disciplinas,
enquanto que na segunda, a motivação vem do próprio indivíduo a partir do seu desejo de
realizar uma atividade (ler) que lhe é prazeirosa.
E para hierarquizar as categorias de representação de si como leitor, atribuímos peso 1
à ausência dessas representações e peso 2 à sua presença, porque consideramos que ver a si
próprio como leitor e, portanto, atribuir um valor significativo à leitura, aponta para um nível
mais avançado nesse processo de desenvolvimento.
Em seguida à definição das categorias e atribuição de pesos, procedeu-se à descrição
das tabelas e discutiu-se as ênfases observadas em termos de freqüência relativa.
Por fim, foi realizado tratamento estatístico, tendo como fonte de informação de dados
em alguns casos os valores numéricos brutos (série, idade etc.) e, em outros, a hierarquização
das categorias de acordo com os pesos atribuídos.
56
CAPÍTULO VI
Resultados e Discussão
O objetivo que norteou esta pesquisa, conforme viemos apontando, foi o de investigar
aspectos afetivos e cognitivos envolvidos na formação do leitor. Essa relação entre afetividade
e cognição, que inspirou nosso trabalho, foi-nos colocada por Inhelder e Piaget (1976, p. 258),
segundo os quais “a afetividade representa o fator de energia das condutas, enquanto a
estrutura define as funções cognitivas (o que não significa que a afetividade seja determinada
pelo intelecto, e nem o inverso, mas que o intelecto e a afetividade estão indissoluvelmente
unidos no funcionamento da pessoa)”. E para empreender tal investigação, a partir do
referencial teórico exposto, enunciamos quatro hipóteses:
1. A presença, na criança, de representações de si positivas enquanto leitora mobiliza o
desenvolvimento de habilidades superiores de leitura.
2. A presença, na criança, de representações positivas da leitura em si (leitura como uma
atividade que é fonte de prazer) mobiliza o desenvolvimento de habilidades superiores de
leitura.
3. O fato da criança apresentar um modo de recontagem interpretativo (o qual implica ter
uma visão crítica do conto, identificando intenções dos personagens, lendo nas
“entrelinhas” etc.) relaciona-se ao desenvolvimento da fluência na leitura.
4. A representação positiva de si como leitora relaciona-se ao desenvolvimento do modo de
recontagem interpretativo, na criança.
Para verificar se estas hipóteses se comprovavam, colhemos dados de diferentes
categorias: aplicamos uma prova de leitura a fim de averiguar em que nível as crianças
participantes da pesquisa haviam desenvolvido essa habilidade; utilizamos os níveis de
recontagem descritos por De Souza (1990) para analisar a forma como estas crianças
reconstituíam o conto de fadas “Pequetito”; coletamos, durante a entrevista, representações
elaboradas por elas acerca da leitura; e verificamos a presença de representações delas
57
próprias como leitoras. Partindo desses dados, analisamos as hipóteses que nos guiaram nesse
trabalho, verificando se estas se comprovavam ou não na amostra pesquisada.
Para efetuar a discussão desses resultados, optamos por, num primeiro momento,
apresentar os dados obtidos quanto a cada categoria de análise: leitura, modo de recontagem,
representações sobre a leitura e representações de si enquanto leitor. E, em seguida, por
retomar as hipóteses que guiaram a realização deste trabalho e discutir de que forma esses
elementos se relacionaram, indicando aspectos afetivos e cognitivos importantes para a
formação do leitor.
VI.1. Discussão dos resultados para cada uma das categorias de análise
VI.1.1. Leitura
Foucambert, em seu livro “A leitura em Questão” (1984, p.9), refere-se à formação do
leitor segundo uma concepção que se aproxima da forma como Piaget concebe o
desenvolvimento cognitivo, definindo-a como um processo em que “por extensões e conflitos,
por ensaios e erros, por equilíbrios e questionamentos, a criança elabora um sistema que
explica, teoriza e organiza suas práticas de leitor.”
Assim, o nível de habilidade de leitura aferido entre as crianças que compuseram a
amostra pesquisada confirma o panorama que a teoria nos faria esperar, em primeiro lugar:
porque a progressão dessa habilidade ao longo da idade das crianças pode ser claramente
observada em percentuais calculados a partir da Tabela 1 (Níveis de Habilidade de Leitura por
Idade), onde vemos que, na faixa etária de sete a nove anos, temos seis leitores com
habilidade incipiente (35,3%), apenas um leitor fluente (5,9%), enquanto que na faixa com
crianças maiores de dez anos, temos sete leitores fluentes (43,75%)e nenhum leitor incipiente;
e, em segundo lugar: porque a progressão da habilidade de leitura conforme a faixa etária da
criança se de forma estatisticamente relevante
19
de acordo com o teste de Kruskall-Wallis
(para todos os testes aplicados aos dados desta pesquisa, adotamos como nível de
significância, α = 0,05).
19
Ver tratamento estatístico no anexo 8.
58
Tabela 1 - Distribuição das crianças por idade e nível de habilidade de leitura:
Habilidade de Leitura
Incipiente Intermediária Fluente
Total
7-9.04
ANOS
6 10 1 17
9.06-
9.11ANOS
1 9 5 15
FAIXA
ETÁRIA
>10 ANOS 9 7 16
Total 7 28 13 48
Os dados coletados na nossa amostra também vão ao encontro da observação de
Kleiman (2001a, p.13), segundo a qual, “por volta dos 10 anos, ou após quatro anos de
escolarização, o aluno que é bom leitor já apresenta todas as características do comportamento
observável do leitor proficiente, com apenas diferenças quantitativas”, uma vez que 92,3%
dos leitores fluentes possuem mais que nove anos e meio de idade.
A aplicação do teste Kruskall-Wallis (anexo 8) também mostrou a existência de uma
relação significativa entre níveis de habilidade de leitura e série.
Tabela 2 - Distribuição das crianças por nível de habilidade de leitura e série:
Habilidade de Leitura
Incipiente Intermediária Fluente
Total
6 10 - 16
1 9 6 16
Série
- 9 7 16
Total 7 28 13 48
Observando a Tabela 2, podemos fazer uma análise mais qualitativa dessa relação: a
segunda série se diferencia das demais por não apresentar leitores fluentes, o que parece estar
relacionado ao fato das crianças dessa série estarem numa fase da escolarização em que o
processo de alfabetização está sendo concluído, e também ao tempo menor que elas tiveram
para, segundo as palavras de Foucambert, construir seu sistema pessoal que irá explicar,
teorizar e organizar suas práticas de leitores.
59
Podemos observar, ainda, que as crianças de terceira e quarta séries apresentam uma
distribuição semelhante entre leitores incipientes, intermediários e fluentes, indicando a
influência de outros fatores no processo de formação do leitor, especialmente após um
determinado nível escolar (no caso da nossa amostra, a segunda série).
O uso da opção, que as crianças tiveram, de fazer uma leitura silenciosa do conto,
antes da sua leitura em voz alta (Tabela 3), não mostrou interferir, de forma significativa, no
nível de habilidade que estas demonstraram ao ler o conto em voz alta (de acordo com a
aplicação do teste Mann-Whitney, no anexo 8).
Tabela 3 - Distribuição das crianças quanto a realização de leitura prévia e nível de
habilidade de leitura:
Habilidade de leitura
Incipiente Intermediária Fluente
Total
Não fez 4 18 8 30Fez Uso da
Leitura
Silenciosa
Fez 3 10 5 18
Total 7 28 13 48
Seria esperado que o uso prévio da leitura silenciosa atuasse como um facilitador no
momento da leitura, pelo fato de possibilitar às crianças a retenção, na memória, de alguns
elementos do conto que leriam em voz alta, saber prévio que orientaria a seleção de índices
visuais na leitura. Smith se refere a esse saber prévio como um dos elementos da informação
não-visual (que inclui também conhecimento lingüístico, textual e de mundo), durante a
leitura:
A informação não visual é tremendamente importante na leitura porque o significado
não é representado diretamente na estrutura de superfície da linguagem, nos sons da
fala ou nas marcas visíveis da escrita. Os leitores devem dar significado estrutura
profunda ao que eles lêem, empregando seu conhecimento prévio do assunto e da
linguagem do texto. Mais uma vez, essa utilização da informação não-visual é
impossível se o material a ser lido não fizer sentido para o leitor. (Smith, 1987, p. 72)
O fato de isso não acontecer provavelmente se deve ao fato de que todas as crianças
tinham muito conhecimento acumulado sobre a estrutura textual e lingüística dos contos de
fada, o que motivou, aliás, a escolha desse tipo de texto para a prova de leitura. Sendo assim,
a leitura prévia não forneceu uma vantagem tão grande a quem dela fez uso, uma vez que
todos já tinham uma bagagem de conhecimentos prévios que favorecia a realização da leitura.
60
VI.1.2. Recontagem Oral
Apenas cinco crianças (10,42% da amostra) não conseguiram realizar, ou
apresentaram tamanha dificuldade que lhes impossibilitou concluir a tarefa de recontagem do
conto de fadas “Pequetito” (cf. Tabela 4). Essa impossibilidade ou nível marcante de
dificuldade remetem a problemas na construção de sentido do texto que podem estar
relacionados à falta de conhecimentos prévios de natureza lingüística, textual ou de mundo.
Segundo Kleiman,
A ativação de conhecimento prévio é, então, essencial à compreensão, pois o
conhecimento que o leitor tem sobre o assunto lhe permite fazer as inferências
necessárias para relacionar pequenas partes discretas do texto num todo coerente.
Este tipo de inferência, que se como decorrência do conhecimento de mundo e
que é motivada pelos itens lexicais no texto é um processo inconsciente do leitor
proficiente. evidências experimentais que mostram com clareza que o que
lembramos mais tarde, após a leitura, são as inferências que fizemos durante a
leitura; não lembramos o que o texto dizia literalmente. (2002, p.25)
Se observarmos outros dados que apresentaram essas cinco crianças (cf. Quadro de
Dados Geral no anexo 6), veremos que duas pertencem à Segunda Série, sendo que uma delas
(aquela que não conseguiu realizar a recontagem) não realizou leitura silenciosa, e apresentou
características, na leitura em voz alta, como uso recorrente da leitura sílaba à sílaba, que a
classificaram na Categoria I de habilidade de leitura, enquanto a outra (que empreendeu
tentativas de realizar a recontagem, mas apresentou tantas dificuldades que não pôde concluí-
la) fez uso da leitura silenciosa e fez um uso mais restrito da silabação, apresentando um nível
intermediário de habilidade de leitura (Categoria II). Uma, dentre esse grupo de crianças,
pertence à Terceira Série, e, da mesma forma que a primeira das crianças da Segunda Série,
não fez uso da leitura silenciosa e apresentou um nível de leitura correspondente à Categoria I
não tendo conseguido, também, realizar a recontagem. As duas últimas pertencem à Quarta
Série e, tal como no caso da Segunda Série, uma realizou a leitura silenciosa e pôde fazer
algumas tentativas de realizar a recontagem e a outra não fez uso dessa leitura, tendo se
negado a sequer tentar realizar a recontagem. Um elemento que diferencia essas crianças da
Quarta Série das da Segunda é o fato de que ambas as crianças apresentam um nível de
habilidade de leitura que as coloca entre as crianças da Categoria II.
Esses dados parecem indicar que no caso de crianças que apresentam dificuldade na
compreensão da leitura, a realização da leitura silenciosa prévia facilita a construção de
61
sentido a partir do texto, uma vez que as crianças que fizeram uso dela se saíram melhor que
as outras, fazendo, ao menos, tentativas de reconstrução do enredo do conto.
Tabela 4 - Distribuição das crianças por série e modo de recontagem:
Modo de Recontagem
Não realizou Fantasioso Concreto Interpretativo
Total
2 3 8 3 16
1 9 6 16
Série
2 1 7 6 16
Total 5 4 24 15 48
De acordo com a tabela 4, dentre as crianças da nossa amostra, quatro (8,33%)
apresentaram um nível de recontagem fantasioso (cf. Tabela 4, acima). Essas recontagens
foram consideradas como pertencentes a esse nível por apresentarem uma mescla de
elementos do texto lido com elementos de outras versões do conto “Pequetito”, gerando uma
história diferente, como se pode ver nos dois exemplos abaixo:
chegou o dia em que pai dele mandou ele conhecer mais ou menos o país onde
eles moravam ele foi lá, ela deu uns palitinhos para ele ir navegando e fez um
barquinho de papel para ele ir. ele foi lá e um tubarão, quando ele estava
viajando, atacou ele da primeira vez. (Ac. 8,5 anos)
É que nasceu um bebê que se chamava Pequetito. E ele tinha muita saúde...e ele se
mudou para o país Quioto e encontrou outra família que os pais dele tinha... não que
os pais dele não tinha, como se chama comida para alimentar. (An. 9,11 anos)
No primeiro exemplo, os elementos “barquinho de papel” e “tubarão” são elementos
de uma outra versão do conto que substituem, respectivamente, “cuia de comer arroz” e
“ogro” na versão que deveria ter sido recontada pelas crianças.
No segundo exemplo, a criança utiliza como explicação para a saída de Pequetito de
casa a impossibilidade de seus pais continuarem alimentando-o. Esse argumento aparece em
outros contos de fadas como “João e Maria”, mas não poderia ter sido utilizada em
“Pequetito”, uma vez que em nenhum momento do conto se diz que os pais de Pequetito eram
pobres.
62
Segundo De Souza (1990), essa mescla de versões realizada pela criança, sem que
apresente consciência disso, quando lhe é proposta a tarefa de recontar o texto lido, indica a
presença de um tipo de raciocínio denominado por Piaget como transdutivo isto é, que parte
do particular para chegar ao particular, não operando nem por dedução, nem por indução. Isto
ocorre porque até aproximadamente sete ou oito anos os juízos se sucedem e se acarretam sem
que a criança tenha consciência de suas implicações. Este tipo de raciocínio é característico do
período pré-operatório do desenvolvimento cognitivo e é um dos elementos que definem o
nível I de reconstituição (reconstituição fantasiosa) descrito por De Souza.
Uma parcela significativa das crianças pesquisadas (24 crianças, correspondentes a
50% da amostra) apresenta um nível de recontagem concreto (cf. Tabela 4). Essa forma de
recontagem se caracteriza, conforme o exposto no capítulo do método, pelo cuidado
apresentado por seus autores em reconstituir a história em seus mínimos detalhes, como se
pode observar nos exemplos abaixo:
Era uma vez um menino que... não! Pera aí...Era uma vez que tinha um casal que
pôde ter filhos depois que conversou com os deus. (Mt 8,9)
pai dele deu a agulha, o cuia de arroz e dois palitos. A agulha era a espada, a
cuia de arroz era o barco e os dois palitos eram remos. (Do. 10,5)
No primeiro exemplo, podemos notar que a criança inicia sua recontagem de um modo
diferente daquele observado na história, percebe e rapidamente reinicia o reconto procurando
reconstituir de forma fiel a história lida. No segundo exemplo, vemos o cuidado em usar os
mesmos termos e seguir a mesma ordem de enunciação da história lida.
De Souza (1990, p.45) nos coloca que esse nível de recontagem
Corresponderia à caracterização do período das operações concretas, no qual o apego
ao real é o que sobressai trazendo a vantagem para a criança de poder manipular
experimentalmente com aquilo que observa e com a realidade que a cerca. Contudo,
o real atua de forma contundente sobre o seu pensamento e passa a ser o único ponto
de referência possível para o pensamento. Isto traz dificuldades e mesmo impede que
ocorram verdadeiras abstrações, para as quais seria necessário ultrapassar o real e
pensar sobre as relações que o próprio pensamento faz.
Finalmente, quinze crianças (31,25%) apresentam um nível de recontagem
interpretativo (cf. Tabela 4), que se distingue dos demais pelo fato das crianças criarem
hipóteses e tirarem conclusões a partir dos elementos do texto:
63
Um dia tinha um casal de... de pessoas que elas queriam muito ter um filho porque
eles eram muito sozinhos. Então, depois de muito pedir, eles acabaram tendo um
filho e ele era muito bonito, saudável, tinha tudo de bom. Mas ele tinha um defeito:
ele nunca cresceu. Então, na hora dele conhecer o mundo, eles equiparam ele com
tudo coisas pequenas, porque ele era muito pequeno, para ele poder usar...(Be 9,6)
ele se apaixonou por uma jovem que morava num casarão bem grande. ele,
ele... como um cara queria raptar a moça, ele pegou a agulha, começaram a lutar
assim, furou o olho dele ele gritou com tanta dor. caiu um objeto. “Quê que
é isso?” , “É um martelo.”, “Então martela em mim”. Ela bateu bem forte e ele
virou um samurai bem grande e aí, aí ele tinha que arrumar outro nome, já tinha
acabado a história. (Gu 8,11)
ele pegou a agulha e de tanto furar o papão jogou ele para fora e ele falou: ‘Que
ótimo, tou livre!’ (Mth 8,11)
Podemos observar nos exemplos acima o modo como as crianças elaboram hipóteses
para explicar a motivação das ações dos personagens (os pais desejavam ter um filho “porque
eram muito sozinhos”, ou se apaixonou por uma jovem” e por isso luta por sua vida) e para
expressar sentimentos que atribuem aos personagens em determinada passagem da história
(como quando o personagem principal, ao se ver livre do ogro, pensa: “Que ótimo, ‘tou’
livre”), tornam explícitos elementos apenas implícitos na história (ao dizer que o personagem
tinha “tudo de bom” à exceção de “um defeito: ele nunca cresceu” ou ao falar da necessidade
de o equiparem com “tudo coisas pequenas”, “para ele poder usar”).
De acordo com De Souza (1990, p.45), para as crianças que apresentam essa forma de
recontagem (relacionada com o período operatório formal descrito por Piaget) “um texto ou
uma estória [...] pode ser reconstituído em seus elementos principais (que o definem como
diferente de um outro texto) e recriado, na forma de organização desses elementos, levando a
muitas possibilidades de interpretação”.
Como já havíamos apontado no referencial teórico desse trabalho, presumíamos que os
sujeitos dessa pesquisa, devido à sua faixa etária de oito à dez anos de idade, se encontrassem
no período operatório concreto do seu processo de desenvolvimento cognitivo, o que pode ser
associado, conforme foi apontado nesse trabalho, com um modo de recontagem de nível
concreto. Metade das crianças que compuseram a nossa amostra se insere nesta categoria de
recontagem e, se considerarmos somente o conjunto das crianças que realizaram a
recontagem, esse percentual aumenta para 55,8%.
64
Se observarmos a Tabela 5, veremos que: as recontagens de nível fantasioso se
concentram na primeira faixa de idade (de 7 anos a9 anos e 4 meses); as recontagens de
nível concreto se mantêm estáveis em todas as faixas etárias, dentro de cada qual são sempre a
maioria o que é coerente com o que a teoria nos fazia esperar, uma vez que apenas uma das
crianças pesquisadas tinha menos que oito anos –; e as recontagens de nível interpretativo
aumentam suavemente ao logo das faixas etárias (sendo que, como veremos na segunda parte
desse capítulo, sua presença está relacionada a outros fatores).
Para essa configuração de dados, a aplicação do tratamento estatístico (Teste Kruskall-
Wallis, anexo 8) não indicou a existência de uma relação significativa entre nível de
recontagem e série, ou entre nível de recontagem e idade.
Tabela 5 - Distribuição das crianças por faixa etária e modo de recontagem::
Modo de Recontagem
Não realizou Fantasioso Concreto Interpretativo
Total
7-9.04 1 3 9 4 17
9.06-9.11 2 1 7 5 15
NTILES of
IDADE
>10 2 8 6 16
Total 5 4 24 15 48
Tabela 6 - Distribuição das crianças quanto a realização de leitura prévia e nível de
recontagem:
Habilidade de leitura
Incipiente Intermediária Fluente
Total
Não fez 4 18 8 30Fez Uso da
Leitura
Silenciosa
Fez 3 10 5 18
Total 7 28 13 48
A relação entre a leitura prévia e silenciosa do conto, feita por algumas crianças (cf.
Tabela 6), e a apresentação de melhores resultados na tarefa de recontagem não se mostrou
significativa, assim como também já havia ocorrido com relação à habilidade de leitura
20
.
20
De acordo com a aplicação do teste Mann-Whitney, no anexo 8.
65
VI.1.3. Representações dos Sujeitos sobre a Leitura e de suas Representações de Si
Ligadas à Leitura
No que se refere à categoria de representações sobre a leitura que apresentaram
durante a entrevista, as crianças que participaram desta pesquisa se dividem em vinte e sete
(56,25%) na categoria “utilitária” que em na leitura sobretudo um instrumento útil ao seu
sucesso escolar; dezesseis (33,33%) na categoria “prazer’ – que concebem a leitura como uma
forma de divertimento; e cinco (10,42%) na categoria “fim em si” que vem na prática da
leitura uma forma de aperfeiçoar-se nela (cf. Tabelas 7 e 8).
Tabela 7 - Distribuição das crianças quanto a série e categoria de representação da
leitura:
Representação de Leitura
Fim em si Utilitária Prazer
Total
2 10 4 16
2 8 6 16
Série
1 9 6 16
Total 5 27 16 48
Tabela 8 - Distribuição das crianças quanto a faixa etária e categoria de
representação da leitura:
Repr.Leit. Categoria
Fim em si Utilitária Prazer
Total
7-9.04 2 9 6 17
9.06-9.11 2 9 4 15
NTILES
of IDADE
>10 1 9 6 16
Total 5 27 16 48
A maioria de respostas dentro da categoria utilitária confirma a importância que o
sucesso escolar desempenha na construção do sistema de valores pessoal da criança e,
portanto, também na gênese de suas representações de si (Compas, 1991). As crianças que
representaram a leitura como uma fonte de prazer, geralmente também apresentam um maior
66
nível de habilidade de leitura (cf. Quadro Geral de Dados, anexo 6), e possuem representações
de si positivas ligadas a ela (como discutiremos de forma mais detalhada na segunda parte
deste capítulo). E as crianças que concebem a leitura como uma forma de ler melhor,
apresentam uma maior sensibilidade com relação ao processo pelo qual podem tornar-se
melhores leitores.
Quanto à presença de representações de si como leitoras, podemos observar nas
Tabelas 9 e 10, que vinte e seis crianças, pouco mais da metade da nossa amostra, incluem a
leitura nas suas descrições de si ou nas suas atividades favoritas. O interessante é que, se
relacionarmos essas respostas aos resultados encontrados quanto à leitura e à recontagem oral
da história, veremos que são essas mesmas crianças as que melhor lêem e que apresentam as
melhores recontagens (cf. quadro Geral de Dados, anexo 6); tais relações serão discutidas
mais adiante, na segunda parte desse capítulo.
Tabela 9 - Distribuição das crianças quanto a série e a presença de representações
positivas de si como leitoras:
Representação de Si como Leitor
Não apresenta Apresenta
Total
8 8 16
6 10 16
Série
8 8 16
Total 22 26 48
Tabela 10 - Distribuição das crianças quanto a faixa etária e a presença de
representações positivas de si como leitoras:
Representação de Si como Leitor
Não apresenta Apresenta
Total
7-9.04
7 10 17
9.06-9.11
7 8 15
NTILES of
IDADE
>10
8 8 16
Total 22 26 48
A distribuição entre as crianças que apresentam tais representações de si se de
forma igual na segunda e na quarta séries (com 50% das crianças em cada categoria); sendo
67
que na terceira série o percentual de crianças que vêem a si próprias como leitoras é apenas
um pouco maior (10 crianças, correspondendo a 62,5% da série). Com relação à faixa etária,
essa distribuição também se de forma muito semelhante, mas, nesse caso, o grupo que se
distingue por apresentar um número maior de crianças que apresentam representações
positivas de si como leitoras é a faixa etária que vai dos sete aos nove anos e quatro meses.
O momento de aplicação da prova de leitura não mostrou significância estatística
21
com relação à apresentação, por parte das crianças, de representações positivas de si como
leitoras. Na tabela abaixo, podemos observar que as crianças que fizeram a prova de leitura
antes da entrevista (grupo no qual poderia haver alguma contaminação das respostas na
entrevista devido à realização da tarefa de leitura), se dividiram em dois grupos iguais quanto
à presença de representações positivas de si como leitoras; no outro grupo (pós-entrevista)
essa presença aumentou.
Tabela 11 - Distribuição das crianças quanto ao momento de aplicação da prova de
leitura e a presença de representações positivas de si como leitoras:
Repr.SiPosit. Leit.
não
apresenta
apresenta
Total
Pré-entrevista 12 12 24Aplicação Prova
de Leitura
Pós-entrevista 10 14 24
Total 22 26 48
A aplicação de tratamento estatístico
22
também não mostrou a presença de relações
significativas entre série escolar e representações de leitura ou representações de si como
leitor; e o mesmo se deu com relação à presença dessas representações nas distintas faixas
etárias.
VI.2. Discussão dos resultados para cada uma das hipóteses da pesquisa
A primeira hipótese da pesquisa tratava da relação entre a presença de representações
positivas de si como leitor e o desenvolvimento de habilidades superiores de leitura.
Como se pode ver na Tabela 12: dos treze alunos que apresentaram leitura fluente,
doze deles (equivalendo a 92,3%) possuem representações positivas de si enquanto leitores;
21
Teste Mann-Whitney, no anexo 8.
22
Testes Mann-Whitney (representação de si como leitor) e Kruskall-Wallis (categorias de representação da
leitura) no anexo 8.
68
entre os que apresentaram leitura intermediária, esse percentual cai para 35,8%
(correspondentes a dez dentre vinte e oito alunos); e entre os que apresentaram leitura
incipiente característica dos alunos ainda no início do ensino fundamental, como vimos na
primeira parte deste capítulo esse percentual sobe para 57,14% (correspondentes a quatro
dentre sete alunos).
Tabela 12 - Distribuição das crianças quanto à habilidade de leitura e a presença de
representações positivas de si como leitoras:
Habilidade de leitura
Incipiente Intermediária Fluente
Total
Não
apresenta
3 18 1 22Representação
Positiva de Si
como Leitor
Apresenta 4 10 12 26
Total 7 28 13 48
A aplicação de tratamento estatístico a estes dados (cf. Teste de Mann-Whitney, anexo
8) confirmou a hipótese de que a presença de representações de si como leitor e o
desenvolvimento da habilidade em leitura estão relacionados de forma significativa nas
crianças que compuseram a amostra.
A partir da observação desses dados, portanto, é possível inferir que a presença de
representações positivas de si como leitor se relaciona fortemente à fluência na leitura, uma
vez que a quase totalidade dos alunos fluentes apresenta esse tipo de representações.
De acordo com Perron (1991), as representações de si são construídas como conjunto
de valores e essa ‘configuração’ pessoal de valores se liga à consciência que cada um de nós
possui de “ser valor enquanto pessoa”. De forma semelhante, Taylor nos coloca que
Saber quem sou é uma espécie de saber em que posição me coloco. Minha identidade
é definida pelos compromissos e identificações que proporcionam a estrutura ou o
horizonte em cujo âmbito posso tentar determinar caso a caso o que é bom, ou
valioso, ou o que deveria fazer ou aquilo que endosso ou a que me oponho. (1997,
p.44)
Assim, segundo esses autores, para estas crianças que possuem representações
positivas de si enquanto leitoras, podemos dizer que a leitura faz parte de seu conjunto de
valores, que é um dos elementos que compõem a sua identidade, e que é um dos guias para
sua ação.
69
Essa noção de que cada um de nós possui um conjunto de valores que guia as nossas
ações, exposta por Taylor, pode ser relacionada, como vimos no referencial teórico, com o
conceito piagetiano de hierarquia de valores, de acordo com o qual podemos dizer que o fato
da leitura ser um valor importante para as crianças possibilita-lhes a força de vontade
necessária para se dedicarem a essa atividade com a freqüência necessária para se tornarem
leitores fluentes.
Quanto aos alunos que apresentam representações positivas de si mesmos como
leitores e se encontram em outros níveis de habilidade de leitura, podemos supor que a
presença da leitura na hierarquia de valores desses sujeitos atua como mobilizadora de seu
desenvolvimento como leitores, uma vez que, para Foucambert (1994), é a partir do estatuto
de leitor (o fato da leitura ser um valor, uma fonte de identificação) prévio e incondicional que
cada sujeito desenvolverá a capacidade de exercê-lo e que, para Smith (1999), um pré-
requisito para se desenvolver como leitor consiste em ver a si próprio como leitor, em se
identificar com outros leitores.
Com isso retornamos, mais uma vez, a Piaget (1964/2002, p.36), que considera que
“em toda conduta, as motivações e o dinamismo energético provêm da afetividade, enquanto
que as técnicas e o ajustamento de meios empregados constituem o aspecto cognitivo (senso-
motor ou racional)” e que “a afetividade [...] pode ser a causa de acelerações ou de atrasos no
desenvolvimento da inteligência, pode perturbar seu funcionamento, modificar seus
conteúdos, mas não pode nem engendrar nem modificar as estruturas.”
Assim, o fato dessas crianças possuírem representações positivas de si como leitoras,
que corresponde à presença de um estatuto, prévio e incondicional, de leitor para
Foucambert – e a se identificarem como leitoras – para Smith –, pode ser a causa de
acelerações no seu desenvolvimento de sua habilidade de leitura, de acordo com a teoria de
Piaget.
A segunda hipótese se referia à relação entre a presença de representações positivas da
leitura em si (ou seja, a concepção da leitura como uma atividade que é fonte de prazer para a
criança) e o desenvolvimento da habilidade de leitura.
Podemos observar, nos dados organizados na Tabela 13, que a maioria das crianças
que apresentaram fluência na leitura (nove crianças, correspondendo a 69,2% desse grupo) a
representam como uma atividade que é fonte de prazer pessoal; a maior parte das crianças
que apresentaram um nível intermediário de leitura (21 crianças, o que equivale a 75% desse
grupo) a concebem como uma atividade útil para o sucesso escolar; e, no caso das crianças
com leitura incipiente, temos quantidades iguais de crianças que vêem a leitura como algo
70
prazeroso e que vêem a leitura como algo útil (3 crianças 42,85% em cada um dos
grupos).
Tabela 13 - Distribuição das crianças quanto à habilidade de leitura e à categoria de
representação da leitura:
Anexo 2Habilidade de Leitura
Incipiente Intermediária Fluente
Total
Fim em si 1 3 1 5
Utilitária 3 21 3 27
Representação da
Leitura
Prazer 3 4 9 16
Total 7 28 13 48
A aplicação de tratamento estatístico a estes dados (cf. Teste de Kruskal-Wallis, anexo
8) não confirmou a hipótese de que a presença de representações positivas da leitura e o
desenvolvimento da habilidade em leitura estão relacionados de forma significativa nas
crianças que compuseram a nossa amostra.
Entretanto, ainda que não tenhamos encontrado significância estatística para a relação
entre esses elementos, acreditamos que é oportuno discutir o modo como a maioria das
crianças com leitura intermediária conceitualiza a leitura e a maneira como o fazem as
crianças com leitura fluente. Dentre as crianças que apresentaram uma habilidade de leitura
intermediária, e que, portanto, ainda encontram dificuldades na leitura, 75% a representam
como um instrumento útil para o sucesso escolar. A idéia de instrumento remete a trabalho, a
um meio de atingir objetivos e, de certa forma, então, a um esforço, a um dispêndio de energia
em busca de bons resultados, de um bom desempenho. De forma quase que oposta, a maioria
das crianças que apresentaram fluência na leitura (69,2%), a concebem como uma fonte de
prazer, como uma forma de lazer, e, portanto, de descanso.
Podemos relacionar essa representação da leitura como algo prazeroso com a
concepção de interesse para Piaget (1964/2002, p.37):
O interesse apresenta-se, como se sabe, sob dois aspectos complementares. De um
lado, é regulador de energia, como mostrou Claparède. Sua intervenção mobiliza as
reservas internas de força, bastando que um trabalho interesse para parecer fácil e
para que a fadiga diminua. (...) Mas, por outro lado, o interesse implica um sistema
de valores, que a linguagem corrente designa como ‘interesses’ (em oposição a
71
‘interesse’) e que se diferenciam, precisamente, no decurso do desenvolvimento
mental, determinando finalidades sempre mais complexas para a ação.
Assim, a leitura, como representa um real interesse para essas crianças, acontece para
elas como uma fonte de prazer e não de trabalho ou fadiga. Além disso, vemos que, de acordo
com Piaget, esses interesses, por estarem ligados à atividade própria do sujeito, estão
relacionados com a maneira como este vê a si próprio:
Aos interesses ou valores ligados à própria atividade estão ligados de perto os
sentimentos de autovalorização: os famosos ‘sentimentos de inferioridade ou
superioridade’. Todos os sucessos e fracassos da atividade se registram em uma
espécie de escala permanente de valores, os primeiros elevando as pretensões do
sujeito e os segundos abaixando-as com respeito às ações futuras. Daí resulta um
julgamento de si mesmo para o qual o indivíduo é conduzido pouco a pouco e que
pode ter grandes repercussões sobre todo o desenvolvimento. (idem, p. 38)
Essas repercussões que o sentimento de insucesso em situações de leitura acarretam
para a criança são apontadas também por Kleiman:
Todos sabemos, hoje, que o bom leitor é aquele que muito e que gosta de ler, e
concordaríamos em que o caminho para chegar a ser um bom leitor consiste em ler
muito. Também sabemos que o fracasso contínuo desencoraja até o mais entusiasta
ninguém gosta de continuar fazendo aquilo que é difícil demais, que está além de sua
capacidade. Evitamos e desistimos daquilo que marca uma história de fracassos;
entretanto, esperamos que a criança que tem uma história de fracassos em relação
ao texto escrito, leia e goste de ler. (2001a, p. 8 e 9)
Assim, a forma diferente com a qual crianças fluentes e crianças com leitura
intermediária conceitualizam a leitura parece indicar a necessidade de avaliar de forma mais
aprofundada como essas crianças que apresentam dificuldade na leitura se relacionam com
esta, a fim de planejar situações desafiadoras mas possíveis de encontros com essa atividade,
no sentido de reverter uma possível história de fracassos.
A terceira hipótese se referia à existência de uma relação entre o fato da criança
apresentar um nível de recontagem interpretativo e o desenvolvimento da habilidade de
leitura.
Podemos observar, nos dados apresentados na tabela 14, que no grupo de treze
crianças com leitura fluente, a maior parte 76,9% (dez dentre elas) apresenta um nível de
recontagem interpretativo; por outro lado, tanto no grupo de leitores de nível intermediário
quanto no grupo de leitores incipientes, a maior parte das crianças 72% e 60%,
respectivamente – apresenta um nível de recontagem concreto.
72
Tabela 14 - Distribuição das crianças quanto à habilidade de leitura e ao nível de
recontagem:
Anexo 3Habilidade de Leitura
Incipiente Intermediária Fluente
Total
Fantasioso 1 3 4
Concreto 3 18 3 24
Nível de
Recontagem
Interpretativo 1 4 10 15
Total 5 25 13 43
Esses dados receberam tratamento estatístico (cf. Teste de Kruskal-Wallis, anexo 8)
que confirmou a hipótese de que o nível de recontagem apresentado pelo sujeito e o seu nível
de desenvolvimento enquanto leitor estão relacionados de forma significativa nas crianças que
compuseram a nossa amostra.
Se nos detivermos em observar a relação existente entre a presença do nível de
recontagem interpretativo e da fluência na leitura, veremos que esta parece se fundamentar no
fato de que ambas possuem características semelhantes. Assim, elementos que definem a
recontagem interpretativa, como o fato do sujeito ter uma visão crítica do conto, identificando
intenções dos personagens, lendo nas “entrelinhas”, elaborando hipóteses para explicar as
motivações dos personagens etc., podem ser relacionados com a leitura fluente.
De acordo com Smith (1999), a leitura consiste em fazer perguntas ao texto escrito,
tendo como base sua teoria de mundo, seu conhecimento prévio do assunto tratado e da
linguagem do texto. Essas perguntas que o leitor faz podem versar sobre a identificação de
letras, sobre a identificação de palavras, ou podem se referir, diretamente, ao significado do
texto. A compreensão da leitura consistiria, então, na obtenção de respostas que
possibilitassem a ele a construção de sentido. O que diferenciaria os leitores fluentes dos
demais, segundo o autor, é que estes
podem encontrar respostas para as perguntas sobre significado sem identificação
prévia das palavras individuais, assim como podem responder perguntas sobre
palavras sem a identificação prévia das letras individuais. [...] O que torna
transparente os significados e as palavras individuais é o contexto, ou seja, o sentido
geral no qual estão inseridos os elementos difíceis.”(1999, p.108)
Assim, na leitura fluente, o leitor conjuga sua teoria de mundo, seus conhecimentos
prévios sobre o tema do texto e sobre a linguagem, com o intuito de, a partir do contexto,
levantar hipóteses para construir significado. Essa forma com a qual o leitor fluente aborda o
73
texto lhe permitirá uma visão crítica sobre seu conteúdo, identificando intenções e
sentimentos que movem os personagens e a “atmosfera” na qual se desenvolve a trama, ainda
que estes elementos estejam apenas implícitos ao texto.
Outro elemento de relação entre a recontagem interpretativa e a leitura fluente nos é
apontado por Foucambert (1994, p.30), segundo o qual,
Ser leitor é querer saber o que se passa na cabeça de outro, para compreender melhor
o que se passa na nossa. Essa atitude, no entanto, implica a possibilidade de
distanciar-se do fato para ter dele uma visão de cima, evidenciado de um aumento de
poder sobre o mundo e sobre si por meio desse esforço teórico. Ao mesmo tempo
implica um sentimento de pertencer a uma comunidade de preocupações, que mais
que destinatário, nos faz interlocutor daquilo que o autor produziu.
Ora, tanto “querer saber o que se passa na cabeça do outro”, quanto “distanciar-se do
fato para ter dele uma visão de cima” são características que remetem à postura crítica diante
do texto que caracteriza a recontagem interpretativa.
A quarta e última hipótese é decorrente da primeira que apontava para uma relação
entre a presença de representações de si positivas como leitor e o desenvolvimento das
habilidades de leitura do sujeito e da terceira que se referia à existência de uma relação
entre a recontagem interpretativa e a fluência na leitura. Tratava-se de investigar se a presença
de representações positivas de si como leitor estava ligada à presença de um nível de
recontagem interpretativo nas crianças pesquisadas.
Podemos observar na tabela 15 que 86,67% (treze dentre quinze) das crianças que
apresentam um nível de recontagem interpretativo também apresentam representações
positivas de si como leitoras. Entre as crianças com nível de recontagem concreto, esse
percentual cai para 33,3% (correspondente a oito dentre vinte e quatro crianças).
Tabela 15 - Distribuição das crianças quanto à presença de representações positivas
de si como leitoras e ao nível de recontagem:
Nível de
Recontagem
Fantasioso Concreto Interpretativo
Total
Não
apresenta
1 16 2 19
Representação
Positiva de Si
como Leitor
Apresenta
3 8 13 24
Total 4 24 15 43
74
Foi aplicado tratamento estatístico a estes dados (cf. Teste de Mann-Whitney, anexo 8)
que confirmou a hipótese de que o nível de recontagem apresentado pelo sujeito e a presença
de representações positivas de si enquanto leitor estão relacionados de forma significativa nas
crianças que compuseram a nossa amostra.
E com mais essa relação significativa que se na formação do leitor, entre
elementos afetivos (como é o caso das representações de si) e elementos cognitivos (pois os
níveis de recontagem fantasioso, concreto e interpretativo, estão ligados, respectivamente, a
características dos períodos pré-operatório, operatório-concreto e operatório-formal do
desenvolvimento cognitivo, de acordo com a teoria de Piaget), retomaremos os aspectos que
essa pesquisa pôde ressaltar acerca desse processo de formação a partir da relação entre
afetividade e cognição que, se configurou do seguinte modo:
- A presença na criança ou a falta de representações positivas de si como leitora está
relacionada de forma significativa ao seu desenvolvimento na leitura, sendo que a criança
que apresenta leitura fluente quase sempre possui essas representações positivas;
- O nível de recontagem apresentado pela criança se relaciona com seu desenvolvimento
como leitora, sendo que a presença do nível de recontagem interpretativo quase sempre
vem acompanhada da leitura fluente;
- A presença na criança ou a falta de representações positivas de si como leitora está
relacionada de forma significativa ao seu nível de recontagem, sendo que o nível de
recontagem interpretativo quase sempre vem acompanhado da presença dessas
representações.
Dos três modos, acima descritos, com que afetividade e cognição se relacionaram nos
processos pessoais de formação de leitores vividos pelas crianças que participaram desta
pesquisa, podemos concluir que a afetividade, expressa nas representações de si uma vez
que “as características que compõem a imagem que a pessoa se dela mesma são todas, [...]
valorizadas” (Perron, 1991, p.35) – parece atuar como fator de energia das condutas.
Isto porque os dados não indicam que a presença destas representações crie estruturas
cognitivas (habilidade leitora) nem que seja decorrência destas estruturas, pois o aspecto
afetivo (representações de si positivas enquanto leitor) aparece também anteriormente à
conquista cognitiva de uma maior habilidade de leitura. Esta presença parece ter ocorrido
numa proporção menor, indicando a existência de um movimento de formação.
75
Tratar-se-ia, portanto, do mecanismo descrito por Piaget, segundo o qual “a
afetividade [...] pode ser a causa de acelerações ou de atrasos no desenvolvimento da
inteligência, pode perturbar seu funcionamento, modificar seus conteúdos, mas não pode nem
engendrar nem modificar as estruturas.”(1953/54, p.287).
76
CAPÍTULO VII
Considerações Finais
Acreditamos que uma das contribuições desta pesquisa é, justamente, destacar o papel
que a afetividade desempenha no processo de formação do leitor (letramento), uma vez que os
resultados encontrados revelam uma relação significativa entre habilidade de leitura, nível de
recontagem e representações positivas de si como leitor: pudemos observar, no capítulo
anterior, que aqueles, dentre a nossa amostra, que se diferenciam dos demais por sua leitura
fluente e recontagem interpretativa coincidem, quase sempre, com aqueles que se descrevem
como leitores ou que citam a leitura entre as coisas que mais gostam de fazer. Os resultados
encontrados também indicam que a presença da leitura na hierarquia de valores pessoais, ou
seja, o fato do sujeito possuir representações de si ligadas à leitura, atua como mobilizador do
desenvolvimento de habilidades cognitivas de leitura, pois, a presença dessas representações
também precede à construção de uma maior habilidade de leitura, sendo encontrada numa
proporção menor de crianças, indicando, possivelmente, a existência de um movimento de
formação.
E identificar o elemento afetivo através das representações de si ligadas à leitura
como mobilizador desse processo de formação, nos leva a pensar no processo de gênese
dessas representações. De acordo com Perron (1991) existe uma “aprendizagem” de valores e
condutas mais comumente aceitos na sociedade– mais especificamente, segundo Compas
(1991), na família, bairro e escola da criança – o que não é, entretanto, sinônimo de alienação,
pois, segundo o primeiro, o sistema pessoal de valores e as representações de si são
elaborados através de uma busca constante de equilibração dos conflitos entre desejos
pessoais e constrangimentos sociais, sendo que “a dinâmica desses processos, e do
desenvolvimento que eles impulsionam, é extremamente complexa; graças à essa
complexidade mesma, a pessoa se constrói dentro das vias que lhe são próprias, o que deixa
campo à sua liberdade” (Perron, 1991, p. 41).
Assim, a criança constrói suas representações de si a partir das diferentes valorizações
que faz dos objetos com os quais interage e das práticas que vivencia. O que confere extrema
importância ao processo de letramento anterior a alfabetização que se dá através do contato da
criança com o mundo letrado (processo esse chamado de “letramento emergente” segundo
77
Semeghini-Siqueira, 2003) que a partir da alfabetização a presença, na criança, de
representações de si ligadas à leitura lhe possibilitará um maior investimento pessoal de
energia para que se torne uma leitora fluente. Portanto, outra das contribuições dessa pesquisa
é apontar para a necessidade de se pensar uma educação pré-escolar que valorize o contato
com livros e leitores, ou uma política de aproximação das crianças pequenas às bibliotecas
públicas, a fim de possibilitar ao maior número possível de crianças as condições afetivas e
cognitivas para que possam fazer parte, efetivamente, do mundo leitor.
78
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ANEXOS
82
Anexo 1 - Diretrizes para a realização de pesquisas na escola
estudada
Este documento apresenta as diretrizes para a realização das pesquisas na Escola de
Aplicação da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, instituição de ensino
que, além de oferecer escolaridade em nível fundamental e médio a cerca de setecentos
alunos, destina-se à realização de pesquisas no campo da educação, visando o
aperfeiçoamento de seu projeto educativo, a produção de conhecimento no campo da
educação, e a contribuição ao ensino público em geral, por meio da divulgação de suas
experiências e reflexões.
O estabelecimento dessas diretrizes é fruto da necessidade de conciliar atividades de
natureza tão distintas como pesquisa científica e prática pedagógica, de dar conta da grande
quantidade de solicitações normalmente dirigidas à escola e de oferecer subsídios para a
avaliação das pesquisas realizadas nesta instituição.
I. Solicitão e consentimento
O pesquisador deve encaminhar à direção da escola o projeto de pesquisa e os cadastros de
pesquisa e do pesquisador preenchidos (conforme modelos anexos).
A solicitação deve ser feita com antecedência, já que a escola precisará de, no mínimo, trinta
dias para dar uma resposta ao pesquisador quanto à possibilidade de realização de seu
projeto.
A decisão quanto à aceitação ou recusa do projeto, feita em conformidade com as
prioridades e critérios apresentados neste documento, cabe à direção da escola. Para
avaliação do projeto, a direção poderá contar com o parecer de profissional de área ligada à
pesquisa, interno ou externo à escola, e recorrer à consulta junto aos sujeitos mais
diretamente envolvidos.
No caso de pesquisas que envolvam contato direto com alunos e que possam causar
constrangimento ou modificação do comportamento, será necessária autorização dos pais. O
mesmo procedimento é exigido para eventuais atividades a serem realizadas fora da escola.
Nesses casos, caberá ao pesquisador fornecer as informações necessárias para subsidiar a
decisão dos responsáveis.
Sempre que houver necessidade de gravação de imagens, o pesquisador deverá solicitar
autorização dos sujeitos envolvidos e/ou dos pais, no caso de alunos menores, informando-
lhes a utilização que será dada às imagens.
II. Prioridades e critérios
Para serem aceitos, os projetos devem se enquadrar nas prioridades e atender ao conjunto
de critérios apresentados abaixo.
Prioridades
projetos que respondam às demandas vindas da própria escola, de cunho
educacional, que possam trazer benefícios diretos a sua comunidade e a sua prática
pedagógica;
projetos que possam trazer contribuições à educação de um modo mais geral;
projetos propostos por professores da Escola de Aplicação, pesquisadores da
Faculdade de Educação e da Universidade de São Paulo;
na área de saúde, recebem tratamento prioritário pesquisas que possam resultar em
prestação de serviços aos sujeitos que participam do estudo ou outros membros da
comunidade escolar;
83
pesquisas relevantes para outras áreas de conhecimento.
Critérios
enquadramento nas prioridades da política de pesquisas na EA;
adequação, pelo pesquisador, aos procedimentos de solicitação e consentimento
descritos neste documento;
consistência, coerência e relevância científica do projeto;
compatibilidade da pesquisa com os recursos da Escola de Aplicação, (infra-
estrutura, recursos humanos, disponibilidade dos sujeitos), visando evitar a colisão
com o cotidiano escolar e com os interesses de sua comunidade.
III. Compromissos
No caso de não-aceitação da pesquisa, a escola deve enviar ofício ao pesquisador, com a
explicitação dos motivos da recusa.
No caso de aceitação, o pesquisador deve firmar um termo de compromisso com a escola,
em que se explicita a prestação de contas que fará à escola e aos sujeitos mais diretamente
envolvidos com o estudo.
A informação quanto aos resultados deverá ser feita por escrito, sob forma de um relatório
sucinto dirigido aos sujeitos envolvidos, salientando os principais resultados obtidos. Ao
relatório poderá ser anexado exemplar da dissertação/tese, ou artigo, no caso de
publicações. Quando for do interesse da escola, será solicitada a presença do pesquisador,
para retorno verbal. Os pesquisadores devem atender a escola quando esta solicitar
informações sobre o andamento da pesquisa. A escola deve fornecer ao pesquisador as
informações necessárias para a boa inserção da pesquisa no cotidiano escolar. O não-
cumprimento dos compromissos acordados pode acarretar a interrupção do vínculo entre a
escola e pesquisador.
Anualmente a direção da escola deverá fornecer um relatório prestando conta das pesquisas
solicitadas no período, a ser encaminhado ao Conselho de Escola que se encarregará da
análise e divulgação junto aos alunos, pais, professores e funcionários.
No momento de publicação dos resultados parciais ou totais da pesquisa ou da redação do
relatório de prestação de contas ao órgão responsável, o pesquisador deve omitir o nome da
Escola de Aplicação da Faculdade de Educação, preservando o anonimato da instituição e
dos sujeitos mais diretamente envolvidos. Nos casos em que isto não for possível ou em que
a divulgação interessar à escola, o pesquisador deverá discutir com a direção os possíveis
encaminhamentos.
IV. Suporte Técnico e Administrativo
A Secretaria da Escola contará com um funcionário responsável pelos aspectos
administrativos e operacionais ligados às atividades de pesquisa, isto é, por providenciar o
suporte necessário à realização da pesquisa (intermediar os contatos entre pesquisador, a
administração da escola e os sujeitos da pesquisa - alunos, pais, professores – agendar
atividades, definir locais, providenciar materiais).
Além deste funcionário, cada pesquisa deverá estar ligada a uma área ou setor da escola,
que designará um profissional para acompanhar a pesquisa.
São Paulo, 16 de março de 2001.
A Direção
84
Anexo 2 - Conto “Pequetito”
(Conto da Tradição Oral Japonesa)
Era uma vez um casal que depois de muito esperar e pedir aos deuses conseguiu ter
um filho. O menino nasceu com saúde e era bem bonito mas nunca cresceu, e por isso recebeu
o nome de Pequetito.
Quando chegou a hora de mandá-lo conhecer o mundo, seus pais lhe deram uma
agulha para servir de espada e uma cuia de comer arroz para ser seu barco e um par de palitos
para servir de remos.
Assim equipado, Pequetito partiu, navegando até a capital, Quioto, onde foi ter ao
casarão de uma família que se encantou com ele e o convidou para morar ali.
Um dia, Pequetito viajou com a filha de seus anfitriões, uma linda jovem que
gostava muito dele. No caminho um ogro os atacou, dizendo que queria raptar a moça.
“Primeiro vai ter que lutar comigo!”, o corajoso rapaz exclamou, brandindo a agulha.
O ogro riu, agarrou-o e, sem perda de tempo, o engoliu.
Lá no estômago do ogro, Pequetito o espetou tanto com sua agulha que o malvado
papão o cuspiu fora. Assim que se viu livre, o moço lhe furou os olhos com a agulha. O ogro
gritou de dor e correu, deixando cair um pequeno objeto de metal.
“É um martelo que realiza desejos”, a jovem explicou. “Então me uma
martelada, para ver se me faz crescer”, o rapaz falou. A filha de seus anfitriões lhe martelou a
cabeça com toda a força... e Pequetito se transformou num samurai alto e garboso, com quem
ela logo se casou.
85
Anexo 3 - Roteiro de Entrevista
A) Leitura em voz alta do conto “Pequetito”.
1. Optou por fazer uma leitura silenciosa antes de ler em voz
alta:
Sim: Não
2. Fluência na leitura em voz alta: MB B M R
3. Troca palavras por sinônimos durante a leitura? Sim: Não
4. Troca palavras por não sinônimos durante a leitura? Sim: Não
5. Perde o “fio da meada”? Sim: Não
6. Outras observações: (mapear o contexto da entrevista)
B) Recontagem oral do conto “Pequetito”:
1. Recontou: a) Criou outra história. (nível 1)
b) Utilizando palavras e expressões da história. (nível 2)
c) Com suas palavras. (nível 3)
2. Outras observações:
Entrevista
1. Apresentação. Dizer que estou fazendo uma pesquisa sobre a leitura e que vou pedir que
leia uma história e vou fazer algumas perguntas sobre essa história, sobre o que pensa
sobre a leitura, sobre os momentos e os tipos de livro que gosta de ler e sobre todas as
coisas que mais gosta de fazer.
2. Entregar o conto e dizer que caso queira, pode fazer uma leitura silenciosa primeiro.
3. Leitura em voz alta (anotar dados na tabela da página anterior).
86
4. Pedir que conte para mim a história que acabou de ler (anotar dados na tabela da página
anterior).
5. Perguntar se a história lhe faz lembrar de outras parecidas.
6. Pedir que me conte sobre sua história de leitura – tudo que se lembra sobre livros e de
pessoas lendo, desde que era pequeno, de quando aprendeu a ler, de como é agora.
7. Fazer perguntas, de acordo com a necessidade, sobre alguns desses elementos: se lembra
de quando aprendeu a ler, de por que queria aprender a ler, dos livros que lê, em que
momento do dia costuma ler, para quê serve a leitura, tem algum lugar especial onde gosta
de ler, qual foi o livro que mais gostou de ler, qual foi o que menos gostou, quem você
costuma ver lendo...
8. Entremear com perguntas sobre as coisas que mais gosta de fazer, sobre qual é o melhor
momento do dia, sobre o que faz para se distrair etc. – Para verificar se não estou
sugerindo as respostas ao sujeito.
9. Pedir que o sujeito descreva a si próprio.
87
Anexo 4 - Exemplo de entrevista – segunda série
Oi. Fala para mim o seu nome.
J.
J., quantos anos você tem?
Eu tenho nove.
Quando que você faz aniversário?
Eu faço dia quatro de julho.
Você fez prézinho, foi para a creche, alguma coisa assim?
Eu fiz prézinho.
Prézinho? Aonde?
Na EMEI.
Você lembra de quando você aprendeu a ler?
Lembro.
Quando foi?
Foi quando eu ia entrar no prézinho.
Você lembra porque você queria aprender a ler?
Não. Porque a minha professora ela começou a me ensinar, aí eu aprendi rápido.
Mas e agora, com nove anos, porque você acha que uma pessoa que não sabe ler,
gostaria de aprender a ler?
Porque às vezes a gente uma placa na rua, a gente quer saber o quê que tem,
para entender tem que saber ler e escrever.
Quando você ainda não sabia ler, alguém lia para você? Quem?
É, a minha mãe, porque meu pai ele trabalha à noite e ele não pode ler.
Você lembra alguma história que ela lia?
Lembro.
Qual?
Ela lia muito conto de fadas.
Tem algum conto de fadas que ela lia que você gosta mais?
Branca de Neve.
E na sua casa as pessoas costumam ler?
Ôo.
Muito?
88
Muito.
E tem bastante livros lá na sua casa?
Tem, uns cem.
Tem algum livro na sua casa que você gosta mais?
Não.
Quando você vai na biblioteca para escolher um livro, como você faz para escolher o
livro que você vai levar para casa?
Eu leio o começo, ai se eu ver que é legal, eu levo. E se não for legal eu não levo.
Tem algum tipo de livro que você gosta mais de ler?
Eu gosto mais muito do Monteiro Lobato.
É? Tem algum livro dele que você lembra que você leu?
Tem um monte. Eu já li “As Memórias da Emília”, eu li “Emília e a Reforma da
Natureza”, mas as vezes a minha mãe me ajuda a ler um pouco porque é muito grande.
Agora eu vou te perguntar o que você faz durante o dia, desde que você acorda até a
hora que você vai dormir.
Quando eu acordo, eu tomo café da manhã, eu vou ver televisão, eu como, vou
para a escola, eu escrevo, vou para o recreio, escrevo de novo, daí eu venho de perua,
depois eu janto, eu vejo um pouco de novela, eu leio um pouco e depois eu faço a lição de
casa, e a minha mãe lê para mim.
Ah, a sua mãe ainda lê para você!
Todo dia à noite eu leio um pouco para ela e ela lê um pouco para mim.
E o que você lê para ela, o livro que você pegou na biblioteca?
Ás vezes o livro que eu peguei na biblioteca da escola, às vezes da biblioteca do CEU.
E no CEU, tem muitos livros.
Nossa, tem muito.
E qual tipo de livro que você gosta mais de pegar quando você vai lá?
Agora que eu estou estudando, eu gosto mais de pegar “Sistema Solar”, porque aqui
na biblioteca da escola tinha pouquinhos e a professora pegou todos.
E dos livros que você tem em casa, qual que você gosta de ler para sua mãe?
Os maiores.
Os maiores? Quais são?
Chapeuzinho Vermelho, Lobo Mau e a Vovó, Tia Anastácia, que é dessa grossura
aqui, mais ou menos, é, deixa eu ver... só.
Porque você gosta dos livros grossos.
89
Hum. Não sei.
Quais são as coisas que você mais gosta de fazer?
Ler, escrever e ver desenhos. E brincar no computador. Jogar videogame, eu não
tenho. Eu gosto de ler livros difíceis também.
Tem algum livro difícil que você está lendo?
Tem, chama “Política para Crianças”. É legal.
Agora eu queria saber de você para que serve a leitura.
É para a gente ficar mais inteligente. Aprender. Quando tem uma placa, a gente sabe
ler, se alguém não sabe, a gente lê para ele.
Para que servem os livros?
Para a gente aprender.
Agora eu vou pedir para você se descrever, contar as suas características, como você é,
o que você acha importante falar.
Eu gosto de ler e escrever, de estudar, eu gosto muito de brincar, de jogar vôlei, de
fazer cursos. Quando eu crescer eu quero ser arqueóloga.
Arqueóloga!? Porque você quer ser arqueóloga.
Porque pode descobrir como as crianças de outro tempo brincavam, o que elas
faziam...
Você já foi no museu de arqueologia aqui da USP?
Não, mas minha mãe vai me levar. Minha mãe é professora de História e meu pai de
História e Geografia. Eu já fui em aldeia de índios. Eu fui no acampamento dos Sem-Terra.
Dos Sem-Terra.
Meu pai acha importante ir lá, eu já fui várias vezes.
Puxa!
É, esse sábado a gente vai voltar, meu pai marcou um jogo de futebol e eu fico
brincando lá com as crianças, tem muita criança lá.
E tem algum tipo de livro que você gosta mais?
Minha mãe e eu, a gente adora o Monteiro Lobato, meu pai não, ele acha que o
Monteiro Lobato é preconceituoso, por causa da Tia Anastácia. Mas ele fala que ele deixou
de ser preconceituoso antes dele morrer.
Agora eu vou pedir para você ler esse texto aqui para mim. Olha, é um conto de fadas
japonês, chama “Pequetito”. Você pode escolher se você vai ler direto em voz alta, ou se antes
de ler em voz alta você vai ler para você mesma em voz baixa. O que você prefere?
Tanto faz para mim.
90
Para mim também, o que você se sentir melhor.
Ah, eu vou ler primeiro em voz baixa.
(lê em voz baixa e em seguida começa a ler em voz alta)
“Era uma vez um casal que depois de muito esperar e pedir aos deuses, conseguiu
ter um filho. O menino nasceu com saúde e era bem boniti... era bem bonito, mas nunca
cresceu e por isso recebeu o nome de Pequetito. Quando chegou a hora de mandá-lo
conhecer o mundo, seus pais lhe deram uma agulha para servir de espada e uma cu-i-a...
uma cuia de comer arroz para ser seu barco e um par de palitos para servir de remos.
Assim equipado Pequenino partiu, navegando até a capital, Qui... Qui-o-to, onde foi
ter ao casarão de uma família que se encantou com ele e o convidou para morar ali. Um dia
Pequetito viajou com a filha de seus an-fi-tri-ões, uma linda jovem que gostava muito dele.
No caminho, um ogro os atacou dizendo que queria raptar a moça. “Primeiro vai ter que
lutar comigo!”, o corajoso rapaz exclamou, brandindo a agulha. O ogro riu e, sem perda de
tempo, o engoliu.
no estômago do ogro, Pequenino o espetou tanto com sua... com sua agulha que o
malvado papão o cuspiu fora. Assim que se viu livre, o moço lhe furou os olhos com a agulha.
O ogro gritou de dor e correu deixando cair um pequeno objeto de metal.
“É um martelo que realiza desejos”, a jovem explicou. “Então me uma martelada
para ver se me faz crescer”, o rapaz falou. A filha de seus an-fi-tri-ões lhe martelou a cabeça
com toda a força e Pequetito se transformou num samurai algo e grande com quem ela logo
se casou.”
Ótimo. Você leu muito bem. Agora eu vou pedir para você contar essa história para
mim, sem ler.
Tinha um ogro, ele comeu a moça. a moça .... Ah, e tinha um samurai que era
bem pequenininho, o ogro comeu ele e ele espetou tanto a barriga do ogro. o ogro
cuspiu ele, ele furou os olhos do ogro, o ogro gritou de dor e correu e deixou cair um objeto
de ferro. Era um martelo que realizou o pedido dele, que era para ele ficar grande.
Ótimo. Tem mais alguma coisa que você queira me contar? De você, dos livros...
É que eu acho livro muito importante.
Você acha importante! Que bom!
Então muito obrigada pela conversa.
91
Anexo 5 - Exemplos de Respostas – Representações de Si como
Leitor e Representações sobre a Leitura
Suj. ”Por que você queria aprender a ler?” / “Por que você imagina que uma pessoa que ainda
não saber ler gostaria de aprender a ler?”
Ju. Porque eu queria aprender a ler por causa que eu gostava de ler... eu queria aprender a ler
para poder... quando crescer já poder ler.
Ra. Por que antes eu não tinha muita vontade de ler, aí eu comecei é ficar interessado em ler gibi
da turma da Mônica, e aí eu fui lendo esses gibis e fui aprendendo e depois eu fui lendo o
livro já...
Gu. Ah, prá mim poder ler no primeiro ano, por causa que se eu não soubesse ler, ia ficar difícil
para mim, para eu aprender...
In. Para saber o que tinha nos livros, para poder responder a prova, ler uma pergunta...
La. Para quando precisar de ler alguma coisa não precisar de ajuda de alguém ler.
Mt. Para a minha vida ficar mais interessante. Porque os livros ensinam alguma coisa para a
gente. É tipo assim, palavras difíceis, outra coisa, claro, é aprender essas palavras que têm
acento, ondinha, essas coisas. Então, é por isso. [E além de ensinar palavras, o que mais
que os livros ensinam?] Histórias, para quando a gente crescer e ficar mais velhinho contar
para os netos.
Pe. Para poder... depois trabalhar?
Be. Ah porque sem ler não ia dar para estudar e eu ia sentir muita falta... tipo se eu ia pegar um
livro, ah! Não dá para pedir para alguém ler, enche o saco! Na escola também eu ia ter que
pedir para alguém me ajudar a ler, ah, então, sei lá, eu queria aprender a ler para ler.
He. Tinha um livro quando eu era criança que a minha mãe lia, era bem legal, e eu queria
aprender a ler para conseguir ler, porque nem sempre minha mãe tinha tempo para ler para
mim. [E como se chama esse livro?] Contos de Grimm.
Le. Porque senão eu não ia conseguir trabalhar, nem ir para a escola quando eu crescer.
Bea. É porque eu ficava olhando as pessoas que já sabiam ler e escrever ai eu queria aprender.
De. Ah! eu tinha muita vontade porque eu ficava, sabe curiosa para ler aquelas coisas... nas
livrarias, eu queria ler muito. Eu gostaria muito naquela época de ler, sabe. Bem no
prézinho., só que aí minha mãe disse na primeira série você vai aprender a ler, porque eu
fazia reforço também e ajudava muito, um dia que eu não precisava mais porque eu já
estava muito boa, então eu já sabia ler.
Fe. Prá estudar, prá que mais?!
Jp. Ah, todo mundo tem que aprender a ler... prá entender as coisas... seria ruim se você não
soubesse ler... não poderia ir na escola sem ler as coisas? Não poderia ler a placa, não
saberia o que estava escrito nas coisas... você não entenderia nada, se você não soubesse
ler.
Ti. Hum... pra saber as coisas que acontece no mundo, deixa eu ver também ... prá ... prá...
aprender a escrever saber ler o que você escreveu.
An. Porque eu queria aprender a ler, a escrever. Porque tem aluno que quando a professora ia
dar um texto para ler e a gente não sabia ler e ai quando a professora ia dar um texto para a
gente ler a gente falava assim: Oh, professora, eu não sei ler e ai ela ia colocar no meio de
todo mundo que não sabia ler para ir aprendendo...
Am. Para ler livro e para fazer provas, pesquisa, para se atualizar.
Ja. A minha mãe que me incentivou a ler. Ela comprou livros prá mim. Principalmente da Lígia
Bojunga.
Porque os livros são interessantes. Porque tem que aprender a ler para ser bem sucedida na
vida.
Na. Ah, curiosidade, né? E também porque eu gosto muito de ler.
Ya. Ah, porque as vezes eu pegava, tipo à noite, meu pai ficava assistindo tv e eu queria ouvir
uma estória, alguma coisa assim. Então, eu queria ler prá não ficar dependendo do meu pai
e da minha mãe.
Acho que todo mundo tem vontade, né? De saber ler sozinho...
Suj. ”Por que motivos você lê?” /“Para que serve a leitura? Para que servem os livros?”
Fe. Para ler melhor.
Ju. por que se não, assim se tem uma pessoa longe, você está bem longe dessa pessoa,
por exemplo se você está no Brasil e você pega... h no Japão não da, você pega Ribeirão
92
Preto, você está em SP, você pode mandar uma carta pelo correio, a outra pessoa tem
que ler sabe para saber.
Eu leio bastante para me divertir e também para estudar, porque é importante, né? e para
escrever, para saber coisas na hora de escrever...
Ac. Ah para ajudar a indicação, por exemplo, uma turista, aí ela não sabe onde fica, por
exemplo, o shopping, aí tem uma placa, por exemplo, de ônibus, e também serve, se você
quiser ler um livro, qualquer coisa assim, leitura para mim é uma diversão.
Gu. Para aprender a ler e escrever. E para a letra de mão ficar mais bonita, também.
Por causa que aprendendo a ler a gente aprende mais e aprender a ler também é bom para
matemática, por causa que aí você aprende mais, você entende a lição.
In. Para poder saber o quê que tá escrito no jornal, na revista, tipo, se tem um bandido solto por
aí... Para saber novas histórias, também...
Mth. Ah, para aprender, quem não sabe. Para estudar.
Vi. Ah, porque eu acho legal e tudo que eu acho legal eu leio.
Be. Para a gente entender um pouco da história, não é? Saber o que acontece na história, ter
idéias assim... usar a imaginação, raciocinar melhor. Assim na hora que você precisar
raciocinar de verdade você saber. E tem alguns livros que tem histórias reais. Por isso que é
legal ler esses livros porque é de verdade, aconteceu. Então, livro é legal e você raciocina
bem, porque você sabe o que aconteceu de verdade.
A diferença entre o filme e a história é que no filme a gente viu e a história você pode
imaginar do seu jeito, do jeito que você bem entender.
Então livro é legal, porque a gente pensa do jeito que a gente quiser, da forma que a gente
quiser. Que nem “Harry Potter” é só um nome: a gente vê do jeito que a gente quiser, livro
serve para isso, também.
He. Não sei muito bem explicar. Eles servem para ajudar a gente a ler melhor... aprender,
bastante coisas... Sobre lendas, mitos...
Meu pai, ele lê para ensinar os outros, porque ele é educador. Minha ela lê para ela.
Le. Para a gente ficar mais intelectual. Para a gente saber mais as coisas... é... ser alguém
quando crescer...
Gui. Prá você poder conseguir endireitar a sua vida. Porque com leitura é ... escrita é ... você
pode ter as chances de aprender muita coisa na sua vida.
Ja. Para aprender e também para ficar bom na leitura.
Ma. Prá aprender mais coisas... É por exemplo é, as perguntas que a gente vai fazer, é...
algum livro que a gente pega ... a gente lê....
Ti. Leio prá saber das coisas, prá saber usar as palavras, deixa eu ver... prá saber achar uma
palavra no dicionário.
Ta. Serve bastante para educar as crianças, as pessoas né, alguns até ajudam a gente um
pouco... Viver melhor, alguns falam sobre coisas que podem acontecer com a gente.
A escrita, é bom a gente saber escrever para muitas coisas né? Até mesmo quando... para
mandar cartas, para escrever livros (ri).
[Para quê você lê?] Acho que eu sei ler e gosto de ler, não tem muitos motivos.
Ja. Várias coisas. Para se divertir, prá você aprender a fazer alguma coisa. A maioria das
dobraduras que eu fiz, eu aprendi lendo. Um monte de coisas. Uma receita, por exemplo.
Acho que é isso, é muito importante.
Na. Ah.. acho que a leitura melhora um pouquinho a mente das pessoas, eu li um livro uma vez
que falava para as pessoas sobre como é importante ler. Só que eu não lembro muito o
nome do livro, né. E assim, deixa a pessoa mais esperta, mais inteligente, a pessoa
consegue lembrar um pouco mais das coisas.
Ya. Ah... as vezes você tem que ler alguma coisa muito importante. Para você entender outra
coisa. Outra coisa que se você não saber ler, é ruim por causa que as vezes tem que ler um
atestado de médico, essas coisas não sabe ler. Eu acho que é por isso que é importante.
Suj. ”Quais são as coisas que você mais gosta de fazer?” / “Quando você tem tempo livre, o que
você gosta de fazer?”
Br. Brincar, estudar muito, eu gosto muito de ler e e...
Ju. Eu gosto de ler antes de dormir, eu gosto de ler na cama.
Eu gosto de brincar bastante e eu gosto de ler bastante, de ver televisão e de também ir
para escola.
Ac. É eu gosto de ler, brincar, assim, no período da manhã eu leio, à noite eu também leio e
também, quando é sexta-feira, na primeira aula eu leio também, porque é biblioteca. E eu
93
gosto de brincar com meu primo, agora que ele veio para São Paulo.
Ad. Gosto de jogar bola, de ver televisão e quando não tem nada para fazer, eu gosto de ler.
Gu. Ah, eu gosto de brincar, eu gosto de estudar, eu gosto de ler também.
Eu gosto de ler da Ruth Rocha. Por causa que ela tem uns livros bem legais.
É... no sábado eu jogo videogame, então é legal jogar no sábado, por causa que na semana
eu fico vendo televisão, por causa que se você ficar jogando todos os dias, vicia.
Be. De ler, brincar, brincar no computador.
A única coisa pela qual eu não gosto de ler é por causa do meu aparelho. [Porque na hora
de falar é mais difícil falar com o aparelho?] Aí eu cuspo em todo mundo... [Mas só para ler
em voz alta tem esse problema, não é?] É, porque se eu leio só para mim eu leio com o olho
e não tem problema.
Le. Eu leio o jornal, assim, eu vejo a tevê, leio jornal, quando eu não tenho nada para fazer eu
leio um livro. [Que jornal que você lê?] A Folha. Eu pego o livro do Super Mario Bros, que eu
tenho que terminar de ler e eu ‘tou’ com “Os Incas” lá em casa, que eu também... na primeira
série eu já peguei toda a coleção do Mickey...
[Eu gosto]De ler, e quando eu não tenho tempo de ler, às vezes eu faço lição. Eu vejo tevê,
almoço, aí eu vejo eu vou lá na bibliotequinha que tem lá em casa e pego alguma coisa para
ler e às vezes não dá tempo de ler tudo, daí eu desço e é isso.
Jp. Eu gosto de robôs, eu gosto de elevadores. Não gosto muito meu quarto porque ele é uma
bagunça, eu gosto bastante de plantas. E as árvores, as árvores me fascinam por que eu me
pergunto como é que um tronco com umas folhas pode ter vida? Ás vezes eu pesquiso
animais. Bom, eu leio nos livros, eu tenho uma coleção completa dos livros “Os bichos”.
Br. Eu gosto de ficar no computador, assistir TV, ler e também gosto de resolver problemas da
aula, ler coisas na aula mesmo, é isso que eu gosto de fazer.
Ta. Eu pego um livro quando tenho tempo, às vezes quando eu não tenho nada para fazer ou eu
vou ler ou eu jogo um jogo ou coisa parecida... Eu gosto de mistério e terror... histórias
verdadeiras... tipo tem um livro super legal que tinha ali mas não entendi direito que tinha
histórias sobre a segunda guerra mundial. Eu não gosto muito de romance... eu gosto de
livros de suspense, de ... que tem histórias boas, de detetive, de mistério... E histórias
engraçadas, também... e crônicas..
Na. Eu gosto de ler, as vezes assisto um pouco de televisão.
Eu gosto de livros de enigma e de aventura. Assim, o livro de enigma tem aquele mistério,
alguma coisa acontece, no final do livro dá prá descobrir tudo, e no de aventura , é legal,
aventura que as pessoas passam.
Ya. Eu gosto muito de brincar de pega-pega, esconde-esconde na rua, gosto de brincar na praia,
gosto de assistir televisão, de ler.
94
Anexo 6 - Quadro Geral de Dados
95
Suj. Idade Fez pré-
escola
Série Aplicação Prova
de Leitura
Família
FezUso
Leit.Sil.
Leit.Cat I
(síl.à síl.)
Leit.Cat II
(interm.)
Leit.Cat III
(fluente)
Recont 0
(ñ fez)
Recont I
(dificuld.)
Recont II
(ok)
Recont.Cat.I
(fantasiosa)
Recont.Cat. II
(concreta)
Recont.Cat. III
(interprt.)
Repr.Leit.
Cat.I(fim em si)
Repr.Leit.Cat.
II (utilit)
Repr.Leit.
Cat.III(praz.)
Repr.SiPosit.
Leit.0(ñ apr.)
Repr.SiPosit.
Leit.I(apres.)
Br. 8 2ªs pré entrevista 1 0 1 0 0 1 0 0 0 0 0 0 1 0 0 1
Fe. 7 2ªs pré entrevista 1 0 1 0 0 0 0 1 0 1 0 1 0 0 1 0
Ju. 8 2ªs pré entrevista 1 1 1 0 0 0 0 1 0 1 0 0 0 1 0 1
Ra. 8 2ªs pré entrevista 1 0 1 0 0 0 0 1 1 0 0 0 0 1 1 0
Ac. 8.5 1 2ªs pós entrevista 1 0 0 1 0 0 0 1 1 0 0 0 0 1 0 1
Ad. 9.1 1 2ªs pós entrevista 1 0 0 1 0 0 0 1 0 1 0 1 0 0 1 0
Gu. 8.11 1 2ªs pré entrevista 0 0 0 1 0 0 0 1 0 1 0 0 1 0 0 1
Gus. 9.6 1 2ªs pós entrevista 1 1 0 1 0 0 1 0 0 0 0 0 1 0 1 0
In. 9.2 1 2ªs pós entrevista 1 1 0 1 0 0 0 1 0 0 1 0 1 0 0 1
Jul. 9.4 1 2ªs pós entrevista 1 0 0 1 0 0 0 1 0 1 0 0 1 0 1 0
La. 8.8 1 2ªs pré entrevista 1 0 0 1 0 0 0 1 1 0 0 0 1 0 0 1
Mth. 8.11 1 2ªs pré entrevista 1 1 1 0 0 0 0 1 0 0 1 0 1 0 1 0
Mt. 8.9 1 2ªs pré entrevista 1 0 0 1 0 0 0 1 0 0 1 0 1 0 0 1
Me. 8.6 1 2ªs pós entrevista 1 1 0 1 0 0 0 1 0 1 0 0 1 0 1 0
Pe. 8.7 1 2ªs pós entrevista 1 0 0 1 0 0 0 1 0 1 0 0 1 0 1 0
Vi. 8.5 1 2ªs pós entrevista 0 1 1 0 0 0 0 1 0 1 0 0 0 1 0 1
Total 14 6 6 10 0 1 1 14 3 8 3 2 10 4 8 8
Be. 9.6 3ªs pré entrevista 1 1 0 0 1 0 0 1 0 0 1 0 0 1 0 1
He. 8.6 3ªs pré entrevista 1 1 0 1 0 0 0 1 0 0 1 1 0 0 0 1
Le. 9.1 3ªs pré entrevista 1 0 0 0 1 0 0 1 0 0 1 0 1 0 0 1
Lu. 9.1 3ªs pré entrevista 1 0 0 1 0 0 1 0 0 1 0 1 0 0 1 0
Bea. 9.4 1 3ªs pré entrevista 0 0 0 1 0 0 1 0 0 1 0 0 0 1 1 0
De. 9.4 1 3ªs pós entrevista 1 1 0 0 1 0 0 1 0 1 0 0 0 1 0 1
Fe. 9.6 1 3ªs pós entrevista 0 0 1 0 0 1 0 0 0 0 0 0 1 0 0 1
Ga. 9.11 1 3ªs pré entrevista 1 1 0 1 0 0 0 1 0 1 0 0 1 0 1 0
Gui. 9.9 1 3ªs pós entrevista 1 0 0 1 0 0 0 1 0 1 0 0 1 0 1 0
Ja. 9.8 0 3ªs pós entrevista 1 1 0 1 0 0 0 1 0 0 1 0 0 1 1 0
Jp. 9.6 1 3ªs pós entrevista 1 0 0 0 1 0 0 1 0 0 1 0 0 1 0 1
Li. 10.2 1 3ªs pós entrevista 1 0 0 1 0 0 0 1 0 1 0 0 1 0 0 1
Ma. 9.7 1 3ªs pós entrevista 1 0 0 1 0 0 0 1 0 1 0 0 1 0 0 1
Ro. 9.8 1 3ªs pós entrevista 1 0 0 1 0 0 1 0 0 1 0 0 1 0 1
Ti. 9.9 1 3ªs pré entrevista 1 0 0 0 1 0 0 1 0 1 0 0 1 0 0 1
Br. 9.6 1 3ªs pré entrevista 0 0 0 0 1 0 0 1 0 0 1 0 0 1 0 1
Total 13 5 1 9 6 1 3 12 0 9 6 2 8 6 6 10
Al. 10.3 4ªs pré entrevista 0 1 0 1 0 0 0 1 0 1 0 0 1 0 1 0
An. 9.11 4ªs pré entrevista 1 1 0 1 0 0 1 0 1 0 0 0 1 0 0 1
Fr. 10.6 4ªs pré entrevista 1 0 0 1 0 1 0 0 0 0 0 0 0 1 1 0
Ta. 10.2 4ªs pré entrevista 1 0 0 0 1 0 0 1 0 0 1 1 0 0 0 1
Am. 11 1 4ªs pré entrevista 0 1 0 1 0 0 0 1 0 1 0 0 1 0 1 0
96
Suj. Idade Fez pré-
escola
Série Aplicação Prova
de Leitura
Família
FezUso
Leit.Sil.
Leit.Cat I
(síl.à síl.)
Leit.Cat II
(interm.)
Leit.Cat III
(fluente)
Recont 0
(ñ fez)
Recont I
(dificuld.)
Recont II
(ok)
Recont.Cat.I
(fantasiosa)
Recont.Cat. II
(concreta)
Recont.Cat. III
(interprt.)
Repr.Leit.
Cat.I(fim em si)
Repr.Leit.Cat.
II (utilit)
Repr.Leit.
Cat.III(praz.)
Repr.SiPosit.
Leit.0(ñ apr.)
Repr.SiPosit.
Leit.I(apres.)
Ca. 10.6 1 4ªs pós entrevista 1 1 0 0 1 0 0 1 0 0 1 0 0 1 0 1
Do. 10.5 1 4ªs pós entrevista 1 0 0 0 1 0 0 1 0 1 0 0 0 1 1 0
Ja. 11.4 1 4ªs pós entrevista 1 0 0 0 1 0 0 1 0 0 1 0 0 1 0 1
La. 10.7 1 4ªs pós entrevista 0 1 0 1 0 0 0 1 0 1 0 0 1 0 1 0
Le. 10.7 1 4ªs pós entrevista 0 1 0 0 1 0 0 1 0 0 1 0 1 0 0 1
Leb. 12.4 1 4ªs pré entrevista 1 0 0 1 0 1 0 0 0 0 0 0 1 0 1 0
Lu. 10.11 1 4ªs pré entrevista 0 0 0 1 0 0 1 0 0 1 0 0 1 0 1 0
Na. 10.9 1 4ªs pós entrevista 1 1 0 0 1 0 0 1 0 0 1 0 0 1 0 1
Th. 10 1 4ªs pós entrevista 1 0 0 1 0 0 0 1 0 1 0 0 1 0 0 1
Ya. 10.8 1 4ªs pós entrevista 1 0 0 0 1 0 0 1 0 0 1 0 0 1 0 1
Fp. 11.7 1 4ªs pré entrevista 1 0 0 1 0 0 1 0 0 1 0 0 1 0 1 0
Total 11 7 0 9 7 2 3 11 1 7 6 1 9 6 8 8
97
Anexo 7 - Quadro de Dados com Pesos
Suj. Idade Fez pré-
escola
Série Aplicação Prova
de Leitura
Família
FezUso
Leit.Sil.
Categoria
de leitura
Recontagem Categoria de
Repr. Leitura
Repr.Si Posit.
como Leitor
Br. 8 2ªs pré entrevista 1 0 1 1 2 2
Fe. 7 2ªs pré entrevista 1 0 1 3 1 1
Ju. 8 2ªs pré entrevista 1 1 1 3 3 2
Ra. 8 2ªs pré entrevista 1 0 1 2 3 1
Ac. 8.5 1 2ªs pós entrevista 1 0 2 2 3 2
Ad. 9.1 1 2ªs pós entrevista 1 0 2 3 1 1
Gu. 8.11 1 2ªs pré entrevista 0 0 2 3 2 2
Gus. 9.6 1 2ªs pós entrevista 1 1 2 1 2 1
In. 9.2 1 2ªs pós entrevista 1 1 2 4 2 2
Jul. 9.4 1 2ªs pós entrevista 1 0 2 3 2 1
La. 8.8 1 2ªs pré entrevista 1 0 2 2 2 2
Mth. 8.11 1 2ªs pré entrevista 1 1 1 4 2 1
Mt. 8.9 1 2ªs pré entrevista 1 0 2 4 2 2
Me. 8.6 1 2ªs pós entrevista 1 1 2 3 2 1
Pe. 8.7 1 2ªs pós entrevista 1 0 2 3 2 1
Vi. 8.5 1 2ªs pós entrevista 0 1 1 3 3 2
Be. 9.6 3ªs pré entrevista 1 1 3 4 3 2
He. 8.6 3ªs pré entrevista 1 1 2 4 1 2
Le. 9.1 3ªs pré entrevista 1 0 3 4 2 2
Lu. 9.1 3ªs pré entrevista 1 0 2 3 1 1
Bea. 9.4 1 3ªs pré entrevista 0 0 2 3 3 1
De. 9.4 1 3ªs pós entrevista 1 1 3 3 3 2
Fe. 9.6 1 3ªs pós entrevista 0 0 1 1 2 2
Ga. 9.11 1 3ªs pré entrevista 1 1 2 3 2 1
Gui. 9.9 1 3ªs pós entrevista 1 0 2 3 2 1
Ja. 9.8 0 3ªs pós entrevista 1 1 2 4 3 1
Jp. 9.6 1 3ªs pós entrevista 1 0 3 4 3 2
Li. 10.2 1 3ªs pós entrevista 1 0 2 3 2 2
Ma. 9.7 1 3ªs pós entrevista 1 0 2 3 2 2
Ro. 9.8 1 3ªs pós entrevista 1 0 2 3 2 1
Ti. 9.9 1 3ªs pré entrevista 1 0 3 3 2 2
Br. 9.6 1 3ªs pré entrevista 0 0 3 4 3 2
Al. 10.3 4ªs pré entrevista 0 1 2 3 2 1
Na. 9.11 4ªs pré entrevista 1 1 2 2 2 2
Fr. 10.6 4ªs pré entrevista 1 0 2 1 3 1
Ta. 10.2 4ªs pré entrevista 1 0 3 4 1 2
Am. 11 1 4ªs pré entrevista 0 1 2 3 2 1
Ca. 10.6 1 4ªs pós entrevista 1 1 3 4 3 2
Do. 10.5 1 4ªs pós entrevista 1 0 3 3 3 1
Ja. 11.4 1 4ªs pós entrevista 1 0 3 4 3 2
La. 10.7 1 4ªs pós entrevista 0 1 2 3 2 1
Le. 10.7 1 4ªs pós entrevista 0 1 3 4 2 2
Leb. 12.4 1 4ªs pré entrevista 1 0 2 1 2 1
Lu. 10.11 1 4ªs pré entrevista 0 0 2 3 2 1
Na. 10.9 1 4ªs pós entrevista 1 1 3 4 3 2
Th. 10 1 4ªs pós entrevista 1 0 2 3 2 2
Ya. 10.8 1 4ªs pós entrevista 1 0 3 4 3 2
Fp. 11.7 1 4ªs pré entrevista 1 0 2 3 2 1
98
Anexo 8 - Tratamento Estatístico
OBSERVAÇÃO: Os valores que apresentaram significância estatística foram
sublinhados em cinza claro logo abaixo de sua respectiva tabela.
NPar Tests
Mann-Whitney Test
Ranks
30 23.97 719.00
18 25.39 457.00
48
30 24.63 739.00
18 24.28 437.00
48
30 22.18 665.50
18 28.36 510.50
48
30 23.32 699.50
18 26.47 476.50
48
30 24.83 745.00
18 23.94 431.00
48
30 24.30 729.00
18 24.83 447.00
48
30 23.70 711.00
18 25.83 465.00
48
FezUso Leit.Sil.
não fez
fez
Total
não fez
fez
Total
não fez
fez
Total
não fez
fez
Total
não fez
fez
Total
não fez
fez
Total
não fez
fez
Total
Série
Leit.Cat
Recont.Categoria
Repr.Leit. Categoria
NTILES of IDADE
Repr.SiPosit. Leit.
Aplicação Prova de Leitura
N Mean Rank Sum of Ranks
99
Test Statistics
a
254.000 719.000 -.361 .718
266.000 437.000 -.097 .923
200.500 665.500 -1.612 .107
234.500 699.500 -.854 .393
260.000 431.000 -.226 .821
264.000 729.000 -.148 .882
246.000 711.000 -.590 .555
Série
Leit.Cat
Recont.Catego
ria
Repr.Leit.
Categoria
NTILES of
IDADE
Repr.SiPosit.
Leit.
Aplicação
Prova de
Leitura
Mann-Whitney U Wilcoxon W Z Asymp. Sig. (2-tailed)
Grouping Variable: FezUso Leit.Sil.
a.
100
NPar Tests
Mann-Whitney Test
Ranks
22 24.50 539.00
26 24.50 637.00
48
22 20.05 441.00
26 28.27 735.00
48
22 20.11 442.50
26 28.21 733.50
48
22 21.70 477.50
26 26.87 698.50
48
22 25.55 562.00
26 23.62 614.00
48
22 23.41 515.00
26 25.42 661.00
48
22 24.23 533.00
26 24.73 643.00
48
Repr.SiPosit. Leit.
não apresenta
apresenta
Total
não apresenta
apresenta
Total
não apresenta
apresenta
Total
não apresenta
apresenta
Total
não apresenta
apresenta
Total
não apresenta
apresenta
Total
não apresenta
apresenta
Total
Série
Leit.Cat
Recont.Categoria
Repr.Leit. Categoria
NTILES of IDADE
Aplicação Prova de Leitura
FezUso Leit.Sil.
N Mean Rank Sum of Ranks
Test Statistics
a
286.000 637.000 .000 1.000
188.000 441.000 -2.298 .022
189.500 442.500 -2.175 .030
224.500 477.500 -1.437 .151
263.000 614.000 -.505 .614
262.000 515.000 -.573 .566
280.000 533.000 -.148 .882
Série
Leit.Cat
Recont.Cat
egoria
Repr.Leit.
Categoria
NTILES of
IDADE
Aplicação
Prova de
Leitura
FezUso
Leit.Sil.
Mann-Whitney U Wilcoxon W Z Asymp. Sig. (2-tailed)
Grouping Variable: Repr.SiPosit. Leit.
a.
Categoria de leitura e categoria de recontagem apresentaram valores significativos com
relação à presença de representações de si positivas como leitor.
101
NPar Tests
Mann-Whitney Test
Ranks
24 24.50 588.00
24 24.50 588.00
48
24 22.13 531.00
24 26.88 645.00
48
24 23.13 555.00
24 25.88 621.00
48
24 21.71 521.00
24 27.29 655.00
48
24 22.85 548.50
24 26.15 627.50
48
24 23.50 564.00
24 25.50 612.00
48
24 23.50 564.00
24 25.50 612.00
48
Aplicação Prova de Leitura
pré
pós
Total
pré
pós
Total
pré
pós
Total
pré
pós
Total
pré
pós
Total
pré
pós
Total
pré
pós
Total
Série
Leit.Cat
Recont.Categoria
Repr.Leit. Categoria
NTILES of IDADE
FezUso Leit.Sil.
Repr.SiPosit. Leit.
N Mean Rank Sum of Ranks
Test Statistics
a
288.000 588.000 .000 1.000
231.000 531.000 -1.332 .183
255.000 555.000 -.741 .459
221.000 521.000 -1.560 .119
248.500 548.500 -.864 .388
264.000 564.000 -.590 .555
264.000 564.000 -.573 .566
Série
Leit.Cat
Recont.Catego
ria
Repr.Leit.
Categoria
NTILES of
IDADE
FezUso
Leit.Sil.
Repr.SiPosit.
Leit.
Mann-Whitney U Wilcoxon W Z Asymp. Sig. (2-tailed)
Grouping Variable: Aplicação Prova de Leitura
a.
102
NPar Tests
Kruskal-Wallis Test
Ranks
17 11.32
15 23.43
16 39.50
48
17 22.38
15 25.30
16 26.00
48
17 25.38
15 23.50
16 24.50
48
17 16.53
15 27.17
16 30.47
48
17 25.62
15 24.30
16 23.50
48
17 24.71
15 22.60
16 26.06
48
17 22.53
15 24.60
16 26.50
48
NTILES of IDADE
7-9.04
9.06-9.11
>10
Total
7-9.04
9.06-9.11
>10
Total
7-9.04
9.06-9.11
>10
Total
7-9.04
9.06-9.11
>10
Total
7-9.04
9.06-9.11
>10
Total
7-9.04
9.06-9.11
>10
Total
7-9.04
9.06-9.11
>10
Total
Série
Aplicação Prova de Leitura
FezUso Leit.Sil.
Leit.Cat
Repr.SiPosit. Leit.
Repr.Leit. Categoria
Recont.Categoria
N Mean Rank
103
Test Statistics
a,b
37.686 2 .000
.828 2 .661
.205 2 .903
11.507 2 .003
.259 2 .879
.611 2 .737
.788 2 .674
Série
Aplicação
Prova de
Leitura
FezUso
Leit.Sil.
Leit.Cat
Repr.SiPosit.
Leit.
Repr.Leit.
Categoria
Recont.Catego
ria
Chi-Square df Asymp. Sig.
Kruskal Wallis Test
a.
Grouping Variable: NTILES of IDADE
b.
Categoria de leitura e série apresentaram valores significativos com relação à idade.
104
105
NPar Tests
Kruskal-Wallis Test
Ranks
5 24.50
4 16.50
24 23.83
15 27.70
48
5 22.10
4 18.50
24 25.50
15 25.30
48
5 20.30
4 21.50
24 23.50
15 28.30
48
5 14.50
4 17.13
24 21.88
15 34.00
48
5 21.10
4 29.50
24 19.50
15 32.30
48
5 23.30
4 29.75
24 21.48
15 28.33
48
5 28.00
4 13.00
24 24.17
15 26.93
48
Recont.Categoria
não fez
fatasioso
concreto
interpretativo
Total
não fez
fatasioso
concreto
interpretativo
Total
não fez
fatasioso
concreto
interpretativo
Total
não fez
fatasioso
concreto
interpretativo
Total
não fez
fatasioso
concreto
interpretativo
Total
não fez
fatasioso
concreto
interpretativo
Total
não fez
fatasioso
concreto
interpretativo
Total
Série
Aplicação Prova de Leitura
FezUso Leit.Sil.
Leit.Cat
Repr.SiPosit. Leit.
Repr.Leit. Categoria
NTILES of IDADE
N Mean Rank
106
Test Statistics
a,b
2.411 3 .492
1.403 3 .705
2.646 3 .449
14.651 3 .002
11.438 3 .010
3.623 3 .305
3.915 3 .271
Série
Aplicação
Prova de
Leitura
FezUso
Leit.Sil.
Leit.Cat
Repr.SiPosit.
Leit.
Repr.Leit.
Categoria
NTILES of
IDADE
Chi-Square df Asymp. Sig.
Kruskal Wallis Test
a.
Grouping Variable: Recont.Categoria
b.
Categoria de leitura e presença de representações de si positivas como leitor apresentaram
valores significativos com relação à categoria de recontagem.
107
108
NPar Tests
Kruskal-Wallis Test
Ranks
5 21.30
27 23.91
16 26.50
48
5 17.30
27 24.06
16 27.50
48
5 20.30
27 24.39
16 26.00
48
5 22.10
27 21.83
16 29.75
48
5 21.10
27 23.06
16 28.00
48
5 21.70
27 24.83
16 24.81
48
5 29.30
27 21.33
16 28.34
48
Repr.Leit. Categoria
fim em si
utilitário
prazer
Total
fim em si
utilitário
prazer
Total
fim em si
utilitário
prazer
Total
fim em si
utilitário
prazer
Total
fim em si
utilitário
prazer
Total
fim em si
utilitário
prazer
Total
fim em si
utilitário
prazer
Total
Série
Aplicação Prova de Leitura
FezUso Leit.Sil.
Leit.Cat
Repr.SiPosit. Leit.
NTILES of IDADE
Recont.Categoria
N Mean Rank
109
Test Statistics
a,b
.715 2 .699
2.778 2 .249
.903 2 .637
4.335 2 .114
2.124 2 .346
.251 2 .882
3.766 2 .152
Série
Aplicação
Prova de
Leitura
FezUso
Leit.Sil.
Leit.Cat
Repr.SiPosit.
Leit.
NTILES of
IDADE
Recont.Catego
ria
Chi-Square df Asymp. Sig.
Kruskal Wallis Test
a.
Grouping Variable: Repr.Leit. Categoria
b.
110
NPar Tests
Kruskal-Wallis Test
Ranks
16 24.50
16 24.50
16 24.50
48
16 24.50
16 23.00
16 26.00
48
16 14.94
16 28.09
16 30.47
48
16 23.50
16 26.50
16 23.50
48
16 11.00
16 22.97
16 39.53
48
16 20.22
16 27.66
16 25.63
48
16 22.38
16 25.06
16 26.06
48
Série
2
3
4
Total
2
3
4
Total
2
3
4
Total
2
3
4
Total
2
3
4
Total
2
3
4
Total
2
3
4
Total
Aplicação Prova de Leitura
FezUso Leit.Sil.
Leit.Cat
Repr.SiPosit. Leit.
NTILES of IDADE
Recont.Categoria
Repr.Leit. Categoria
N Mean Rank
111
Test Statistics
a,b
.000 2 1.000
.522 2 .770
14.671 2 .001
.657 2 .720
37.722 2 .000
2.862 2 .239
.757 2 .685
Aplicação
Prova de
Leitura
FezUso
Leit.Sil.
Leit.Cat
Repr.SiPosit.
Leit.
NTILES of
IDADE
Recont.Catego
ria
Repr.Leit.
Categoria
Chi-Square df Asymp. Sig.
Kruskal Wallis Test
a.
Grouping Variable: Série
b.
Categoria de leitura e idade apresentaram valores significativos com relação à série.
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