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EVANDRO DE ANDRADE RODRIGUES
DA CONSTITUIÇÃO DA FAMÍLIA E SEUS ASPECTOS PENAIS NO
ÂMBITO DOS DIREITOS DA PERSONALIDADE.
Dissertação de Mestrado, apresentada
pelo mestrando Evandro de Andrade
Rodrigues, no Curso de Pós-Graduação –
Mestrado em Direito da Personalidade na
Tutela Jurídica Privada e Constitucional,
no Centro Universitário de Maringá
(CESUMAR), como requisito final para
obtenção do título de mestre, sob
orientação do Professor Doutor José
Sebastião de Oliveira
MARINGÁ
2006
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2
EVANDRO DE ANDRADE RODRIGUES
DA CONSTITUIÇÃO DA FAMÍLIA E SEUS ASPECTOS PENAIS NO ÂMBITO
DOS DIREITOS DA PERSONALIDADE.
Dissertação de Mestrado apresentada pelo mestrando Evandro de Andrade
Rodrigues, no Curso de Pós-Graduação – Mestrado em Direito da Personalidade
na Tutela Jurídica Privada e Constitucional, na linha de pesquisa “Acesso à
Justiça como Direito da Personalidade nas Relações Familiares”, no Centro
Universitário de Maringá (CESUMAR).
COMISSÃO EXAMINADORA
Prof. Dr. José Sebastião de Oliveira
Profa. Dra. Sônia Letícia de Mello Cardoso
Prof. Dr. Clayton Reis
Maringá, 16 de dezembro de 2006
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3
Dedicatória
Dedico este trabalho à minha
querida companheira Fábia
e às minhas adoradas filhas,
Fernanda, Flávia e Paula,
pelo incentivo que me
deram.
4
AGRADECIMENTOS
Agradeço inicialmente à Deus, por mais esta oportunidade, a de ter concretizado
este Curso de Mestrado em Direito;
À minha mãe, Alayde que sempre acreditou em mim;
À minha querida companheira, que tanto auxilia no meu dia-a-dia me trazendo
felicidades;
Às minhas filhas, Fernanda, Flávia e Paula, que me enchem de alegria e me faz
procurar novos horizontes;
Ao meu professor orientador e amigo José Sebastião de Oliveira, que deu norte
nesse curso de mestrado e ao presente trabalho, bem como aos demais
professores integrantes do curso ;
Por fim, aos amigos e colegas de curso, que de uma forma ou de outra
contribuíram.
5
RODRIGUES, Evandro de Andrade. Da constituição da família e seus aspectos
penais no âmbito dos direitos da personalidade. Dissertação (Mestrado em Direito
da Personalidade na Tutela Jurídica Privada e Constitucional) – Centro
Universitário de Maringá – CESUMAR
RESUMO
Este trabalho trata da constituição da família, enfocada sob o âmbito do
casamento e da união estável, bem como o estado de filiação no âmbito dos
direitos da personalidade. Trata-se de tema atual, em especial por tangenciar
aspectos dos direitos da personalidade da pessoa humana, que são direitos
subjetivos que permeiam os valores essenciais do homem, inclusive no seio da
família, que é o núcleo da sociedade. Buscou-se, com o presente trabalho uma
análise acerca da formação da família, principalmente em relação aos
impedimentos na formação da relação matrimonial, previstos no Código Civil em
vigor. Compreendem-se aqui a moral e a preservação dos bons costumes, que
devem ser exigidos por parte do Estado para fins de manutenção da família, tanto
sob o enfoque do vínculo matrimonial quanto do estado de filiação em relação à
prole gerada na sua constância.
Palavras-chave: constituição da família – personalidade – valores – casamento -
filiação - norma penal
6
RODRIGUES, Evandro de Andrade. The formation of the family and your penal
aspects in the ambit of the rights of the personality. Dissertation (Master's degree
in Right of the Personality in the Tutors Juridical Toilet and Constitutional) -
Academical Center of Maringá - CESUMAR
ABSTRACT
This work treats about the formation of the family, focused under the ambit of the
marriage and of the stable union, as well as the filiation state in the ambit of the
rights of the personality. It is current theme, especially because it cares about
aspects of the rights of the human's personality. These are subjective rights, that
can permeate the human's essential values, besides in the breast of the family,
that is the nucleus of the society. It was looked for, with the present work, analysis
concerning the formation of the family, relatively to the aspects of impediments in
the formation of the matrimonial relationship, foreseen in the new Civil Code,
understanding the morals and the preservation of the good habits, that should be
demanded by the State, aiming the maintenance of the family under the focus of
the matrimonial entail and the filiation state, relatively to the offspring generated in
your constancy.
Key-Words: formation of the family - personality - values - marriage - filiation -
penal norm
7
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO...............................................................................................
09
1. CONSIDERAÇÕES GERAIS SOBRE A FAMÍLIA ATUAL............................ 12
1.1. A família contemporânea....................................................................... 12
1.2. Contornos conceituais a respeito da família desde o nascituro............. 20
1.3 A família na vigente Constituição Federal e os direitos indisponíveis 26
1.4. Do direito à vida e integridade física..................................................... 34
1.5. Do direito à integridade física e psicológica.......................................... 41
1.6. Da proteção à honra nas relações familiares........................................ 46
1.7. Do estado de família.............................................................................. 50
2. DOS DIREITOS DA PERSONALIDADE........................................................ 55
2.1. Direitos da personalidade e a tutela jurisdicional nas relações
familiares: Aspectos introdutórios..........................................................
55
2.2. Direitos da personalidade: alcance conceitual......................................
66
2.3. Direitos da personalidade e sua aquisição............................................
68
2.4. Direitos da personalidade e seu exercício como dano moral................ 73
2.5. Direitos da personalidade e sua transferência...................................... 82
2.6. Direitos da personalidade e sua extinção.............................................. 85
2.7. Concorrência e hierarquia no âmbito dos direitos da personalidade..... 89
2.8. Aplicação dos direitos da personalidade 94
2.9. Danos morais em decorrência dos direitos da personalidade nas
relações familiares.................................................................................
96
3. DA FORMAÇÃO DA FAMÍLIA E SEUS ASPECTOS PENAIS......................
99
8
3.1. A família e seus desdobramentos no âmbito penal ............................. 99
3.2. Interpretação extensiva do direito penal no direito de família............... 103
3.3. A formação da família pelo instituto da união estável e a norma penal. 106
3.4. Formação da família pelo instituto do casamento e a norma penal...... 113
3.5. Dos impedimentos contido no Código Civil de 2002............................. 117
3.6. O crime de bigamia e seus reflexos...................................................... 118
3.7. Casamento do cônjuge sobrevivente e o crime contra a vida do ex-
Cônjuge..................................................................................................
126
3.8. Requisitos de validade do casamento.................................................. 130
3.9. Da invalidade do casamento em razão dos impedimentos contidos
no Código Civil....................................................................................... 136
3.10. Do casamento nulo e seus reflexos..................................................... 139
3.11. Casamento da vítima com o agente ou terceiros nos crimes contra
os costumes (Lei 11.106 de 28.03.2005)...........................................
144
4. DO ESTADO DE FILIAÇÃO E SEUS ASPECTOS PENAIS
147
4.1. Do reconhecimento dos filhos 147
4.2. Dos crimes praticados contra o estado de filiação................................ 152
4.3. Parto suposto. Supressão ou alteração de direito inerente ao
estado civil do recém-nascido..............................................................
156
4.4. Sonegação de estado de filiação..........................................................
162
CONCLUSÕES.............................................................................................. 169
REFERÊNCIAS.............................................................................................. 173
9
1. INTRODUÇÃO
A presente dissertação se propõe a analisar a relação existente
entre o Direito de Família contemporâneo no Brasil, especificamente no que
concerne à formação da família e seus aspectos penais, assim como os direitos
da personalidade que a permeiam, dentro do ordenamento jurídico atual.
É nessa ordem de idéias que se objetiva analisar se os direitos da
personalidade lograram ou não alcançar avanços nessa quadra da história, sendo
que o aspecto penal, que tamm é objeto de estudo do presente trabalho, será
analisado tão somente no sentido de informar as conseqüências das infringências
ilícitas decorrentes do Direito de Família, em termos de constituição da família.
Buscando fixar os primeiros parâmetros e marcos para a presente
pesquisa, verifica-se inicialmente que o novo Código Civil deu enfoque aos
direitos da personalidade, adequando-se a uma realidade constitucional
reclamada pela atual sociedade. Nos dias atuais, ocorrem os mais variados fatos
sociais que envolvem crimes na estruturação da família, tais como ocorrem no
casamento, no estado de filiação, dentre outros. Surge daí a necessidade de se
verificar o alcance conceitual dos direitos da personalidade, com vistas à
formação da família, seja pelo casamento, união estável ou ainda em relação à
família monoparental, família por afinidade, e até mesmo a família civil.
Assim sendo, pode-se afirmar que as questões relacionadas à
família, nos tempos atuais, passam por redimensionamentos, o que obriga o
10
legislador e o intérprete do Direito a adotar novos posicionamentos para a
proteção familiar.
Nesse contexto, enfoca-se o ordenamento jurídico constitucional
com o intuito de demonstrar a importância do princípio da dignidade humana nos
tempos atuais, direito fundamental que está previsto na Constituição Federal de
1988, e sua aplicação no que concerne ao âmbito familiar, pois é diante desse
panorama que se aplica em relação à família contemporânea, o que acaba por
tornar necessário o constante estudo dos aspectos legais, a fim de se poder
acompanhar seu desenvolvimento e implicações jurídicas.
A análise da Constituição Federal de 1988 se faz importante, pois
esta deu ampla proteção ao núcleo familiar, considerada como base da
sociedade. O artigo 1
o
da Constituição Federal de 1988, mais especificamente no
inciso III, dá ênfase no princípio da dignidade humana, que é tratado no presente
trabalho.
No artigo 5
o
da Constituição Federal, encontram-se inseridos os
direitos e garantias individuais que correspondem aos direitos da personalidade,
tais como o direito à vida, a integridade física e psicológica, a honra, dentre outros
a serem tratados no decorrer deste estudo. Será objeto desse estudo a
concorrência e hierarquia dos direitos da personalidade, no caso de eventual
conflito de direitos fundamentais.
11
Num outro momento, passar-se-á a analisar a família e seus
desdobramentos no âmbito penal. De forma mais específica, busca-se a análise
dos aspectos relacionados à formação da família, através do casamento ou até
mesmo da união estável.
Como conseqüência dos ilícitos penais que possam, por ventura,
ocorrer no âmbito das relações familiares, quando, por exemplo, um ou mais
membros da família foram afetados em sua honra, analisa-se a possibilidade de
caracterização da responsabilidade civil como meio de reparar o dano, tendo
como parte passiva o causador do delito.
Enfim, este trabalho procura contribuir para uma melhor visão acerca
da formação e organização da família, através da aplicação da matéria pertinente
ao Direito Civil e ao Direito Penal, assim como da análise dos direitos da
personalidade dos componentes da família que está se formando.
12
1. CONSIDERAÇÕES GERAIS SOBRE A FAMÍLIA ATUAL
1.1. A família contemporânea
Para que se possa adentrar o estudo da formação da família é
necessário que antes se faça breve enfoque acerca da família dos dias atuais,
que por tantas mudanças tem passado e, portanto, merecido destaque por parte
do legislador o estudo dos aspectos principiológicos e regras relativas aos direitos
da personalidade que permeiam os valores sociais, protegendo a dignidade
daqueles que formam a família. Para o desenvolvimento desse estudo, se faz
necessário verdadeiro enlace das características da família nos dias atuais, para
que não se descuide dos direitos personassimos e essenciais à formação dessa
entidade, nos moldes do Código Civil, aliado ao Direito Penal vigente. De forma
que se faz necessário uma abordagem na forma de visão geral do que ocorre nos
dias atuais com os personagens dos lares brasileiros em decorrência dos mais
variados avanços tecnológicos e sociais.
Nesse contexto, Maria Berenice Dias, citando Marcos Colares, afirma
que:
O legislador não consegue acompanhar a realidade social e nem
contemplar as inquietações da família contemporânea. A sociedade
evolui, transforma-se, rompe com tradições e amarras, o que gera a
necessidade de constante oxigenação das leis. A tendência é
simplesmente proceder à atualização normativa, sem absorver o
espírito das silenciosas mudanças alcançadas no seio social, o que
fortalece a manutenção da conduta de apego à tradição, legalista,
moralista e opressora da lei.
1
1
DIAS, Maria Berenice. Apud. Marcos Colares. Manual de Direito das Famílias. 3ª ed. rev. atual. e
ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006, p. 27.
13
Em que pese o entendimento acima esposado, sabe-se que a
doutrina constitucional brasileira vem se ocupando cada vez mais com a
problemática relativa aos direitos fundamentais extraídos da Constituição da
República Federativa do Brasil, buscando moldar o comportamento humano
dentro de conceitos sociais éticos, a exemplo do que ocorre com o princípio da
dignidade humana. E a família não ficou esquecida no âmbito dos direitos da
personalidade pelo legislador pátrio no novo Código Civil, mas que merece
tamm, a proteção nos variados aspectos penais. Até mesmo porque conforme
ensina Carlos Alberto Bittar, analisando as finalidades da família e sua
regulamentação legal no Direito de Família, “a família cumpre certas finalidades
básicas no mundo fático, a partir da concepção universalmente aceita de que é a
célula vital do organismo social: a primordial, a de gerar e de formar outras
pessoas para a perpetuação do gênero humano; a conseqüente, a de contribuir
para a manutenção e o desenvolvimento do Estado, inserindo em seu meio
pessoas preparadas para vida social.
2
A própria Constituição Federal de 1988, consagra em seu artigo 1
o3
o direito fundamental da dignidade da pessoa humana. Trata-se de um princípio
geral de proteção da personalidade.
2
BITTAR, Carlos Alberto. O Direito de família e a Constituição de 1988. (coordenador Carlos
Alberto Bittar). São Paulo: Saraiva, 1989, p. 04.
3
Constituição Federal de 1988: Art. 1
o
A república Federativa do Brasil, formada pela união
indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático
de Direito e tem como fundamentos: I- a soberania; II- a cidadania; III- a dignidade da pessoa
humana; IV- os valores sociais do trabalhos e da livre iniciativa; V- o pluralismo político. Parágrafo
único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos o
diretamente nos termos desta Constituição.
14
Sem a pretensão de esgotar o tema nem tampouco levantar os
aspectos históricos do instituto, uma vez que não é a proposta do trabalho, pode-
se afirmar que, a família vem, ao longo dos tempos, passando por várias
mudanças sociais. Boa parte dessas mudanças são decorrentes do progresso
científico e econômico pelos quais a humanidade passou no decorrer dos séculos.
A exemplo de tais mudanças, marco conhecido é o da Revolução Industrial,
iniciada em 1750. Com a revolução industrial houve alterações nos
comportamentos sociais como um todo, de forma que se fizeram necessárias
adaptações no seio da família, a exemplo, na jornada de trabalho que a mulher
passou a desenvolver fora de casa.
Nos tempos atuais, a família atravessa uma verdadeira revolução
tecnológica e científica que a influencia no seu cotidiano. A exemplo, a televisão;
os telefones celulares; transportes aéreos; marítimos; terrestres; internet;
computadores em rede; etc. Em comparação a séculos passados, pode-se
afirmar que houve grande progresso, a ciência cresceu de forma magnífica.
Em razão de novos redimensionamentos, o Direito tem que
acompanhar as transformações sociais. Nesse sentido, Guilherme Gonçalves
Strenger aduz que;
Sem receio de errar, pode-se afirmar que o Direito de Família de
duas décadas a esta parte, tem sofrido substanciais
transformações, em quase todos os sistemas jurídicos vigentes, de
leste a oeste, de norte a sul, de tal maneira influentes que nos
15
últimos anos tem-se revelado como questões dominantes na
preocupação dos juristas.
4
Os noticiários televisivos, jornalísticos, radiofônicos e até mesmo por
meio digital, cada vez mais adentra no seio da família, muitas vezes trazendo
desunião na família. Ainda assim, pode-se afirmar que, espiritualmente, a família
se torna cada vez mais unida.
De outro lado, não se pode ignorar as evoluções científicas que
permitem uma maior proliferação da raça humana, bem como auxiliam nas
questões relativas à paternidade. Questões genéticas outras, ainda aguardam
discussão legislativa no que se refere à paternidade.
Como afirma Rosana Amaral Girardi Fachin, “inegáveis são as
transformações experimentadas pela família, agora na busca de novos
horizontes.
5
Entretanto, o Direito Brasileiro tem evoluído de modo sensível no
amparo da família. Com o advento da Constituição Federal de 1988, a família foi
considerada a célula mater da sociedade. Por meio da Constituição de 1988,
foram vencidos os preconceitos jurídicos em termos de igualdade entre o homem
e a mulher, igualdade esta que fez alterar os papéis dos parceiros da família
dando independência para a mulher. Porém, o preconceito social ainda não foi
4
STRENGER, Guilherme Gonçalves. Guarda de filhos. São Paulo: LTr., 1998, p. 26.
5
FACHIN, Rosana Amara Girardi.Em busca da família do novo milênio: uma reflexão crítica
sobre as origens históricas e as perspectivas do Direito de Família brasileiro
contemporâneo. Rio de janeiro: Renovar, 2001, p. 64.
16
vencido totalmente em algumas camadas da sociedade brasileira. Mas
transformações ocorreram.
Analisando os possíveis novos rumos do Direito de Família, Carlos
Alberto Bittar adverte que:
Já se notam, aliás, em nosso país, no contexto social presente, as
orientações que tem prosperado, universalmente, no campo
familiar: maior respeito à posição de ambos os cônjuges, visto o
casamento como meio de realização pessoal (e não apenas como
meio de procrião); maior efetividade entre os seus componentes,
ora mais reduzidos, afastada a idéia de autoridade paterna e
direção marital; transformação sistemática do pátrio poder em pátrio
dever, em face da das complexidades da vida presente; a inserção
da mulher no contexto negocial, que lhe permite dirigir seu próprio
patrinio e o da família; a participação da mulher nas decisões e
nas responsabilidades inerentes aocleo familiar.
6
Nas palavras do professor Luiz Edson Fachin, “em especial, no
Direito de Família freqüências sonoras sintonizam ao final deste século as portas
de novos horizontes instigantes para a instância jurídica. O que fecha as cortinas
do palco deste século XX, na complexidade e no paradoxo, abre a possibilidade
de fazer da diversidade uma nova comunhão”.
7
Conforme ensina o professor José Sebastião de Oliveira, “a família
se relaciona e interage com a sociedade”.”
8
6
BITTAR, Carlos Alberto. O Direito de família e a Constituição de 1988. (coordenador Carlos
Alberto Bittar). São Paulo: Saraiva, 1989, p. 14.
7
FACHIN, Luiz Edson. Elementos críticos do direito de familial: curso de direito civil. Rio de
Janeiro: Renovar, 1999, p. 2.
8
OLIVEIRA, José Sebastião. Fundamentos constitucionais do direito de família. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2002, p. 21.
17
Assim, ao que parece a sociedade está em constante mutação, para
alguns, evoluindo diante dos mais variados fenômenos sociais, para outros, diante
de uma constante decadência, e nessa esteira, a família.
Analisando a família e suas crises, Yussef Said Cahali observa que
“há uma convicção generalizada de que a família moderna passa por uma crise
profunda.”
9
Ainda para Yussef Said Cahali, se referindo inclusive a Caio Mario,
tece a seguinte afirmação:
Para alguns juristas, esta crise seria mais aparente que real, “pois
o que se observa é a mutação dos conceitos básicos,
estruturando o organismo familiar à moda do tempo que
forçosamente há de diferir da conceptualística das idades
passadas.
Em realidade, porém é exatamente nesta notória mutação dos
conceitos básicos, nestes “novos critérios” a que se submetem as
relações do grupo societário, especialmente agora sob a pressão
apologística da união estável sob a forma de “entidade familiar”,
que reside a crise da família, na exaltação de pretensos valores
novos e contingentes, e que se assinala pelo enfraquecimento
gradativo da disciplina familiar, pela desconsideração paulatina do
significado do vínculo matrimonial, pelo relaxamento dos
costumes, pelas liberdades e concessões de toda ordem como
justificativa do descarte de preconceitos tradicionais, criando com
isto um quadro favorável ao aumento progressivo entre os
njuges.
10
Contudo, o que se observa-se que na doutrina pátria, é que a família
passa por novos redimensionamentos, e que na verdade, a família está evoluindo
9
CAHALI, Yussef Said. Divórcio e separação. 11. ed. rev. ampl. e atual. de acordo com o
Código Civil de 2002. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005, p. 24.
10
Idem ibdem. p. 23-24.
18
como um todo, em todos os seus aspectos, tais como culturais, sociais,
educacionais, econômicos
11
, etc.
Ao que parece, não é só no Brasil que os entes familiares tem
alcançado os devidos lugares dentro da legislação pátria. Em países como a
Argentina, por exemplo, também tem se preocupado com os direitos da família,
como é o caso dos direitos relativos aos menores, o que se expressa nas
palavras de Norberto Garrote, doutrinador argentino:
Creo que en la segunda mitad del siglo XX se há logrado un avance
sustancial en diversos aspectos atinentes al sujeto niño y
adolescente. Los derechos que les asisten, pasaron a ocupar en la
letra aunque más no sea – un espacio que nunca antes se les
había asignado.
Me parece oportuno que podamos otorgar a los niños el privilegio
de considerarlos tal como son, con todos sus derechos, como se
los confieren la Convención Nacional de 1994. Quien repare en
estos concptos pensará que mis dichos están superados por el
tiempo, en tanto esto no es un novedad. Estoy persuadido de que
nos es una novidad, pero existe un gran diferencia entre lo que se
proclama y los hechos da realidad cotidiana.
12
11
Fabiana Jure, doutrinadora argentina, se pronunciando acerca da Las obligaciones alimentarias
en el Derecho Internacional Privado, afirma que: Em lãs últimas décadas hemos sido testigos de
verdaderos procesos migratórios debido a razones políticas, búsqueda de mejores oportunidades
laborales, aumento em los procesos de integración econômica, em general, uma mayor
interrelación entre los Estados. Esto sumado a lãs desavenencias conyugales, parejas no
regularmente consitituidas, em fin, anomalias que son más complejas de solucionar em el plano
internacional.
Una de las consecuencias de la internacionalidad em las relaciones familiares es el surgimiento de
las obligaciones alimentarias que se generam también en es el surgimiento de las obligaciones
alimentarias que se generan también en este ámbito por las razones antes expuestas y que ha
impulsado a los Estados a perfeccionar sus legislaciones, tanto interna como convencional, con el
objeto de proteger a los beneficiarios de estas obligaciones que se encuentran en situación de
desamparo. Fabiana Jure. Las obligaciones alimentarias en el derecho internacional privado.
In. La protección internacional de menores. (coordenadota: Adriana Dreyzin de Klor.) Córdoba:
1996, p..143)
12
GARROTE, Norberto. Maltrato Infantil: Riesgos del compromisso professional. (compilador:
Silvio Lamberti) (Argentina) Buenos Aires: EU Editorial Universidad S.R.L., 2003, p. 113.
19
Jorge Adolfo Mazzinghi, também doutrinador argentino, tratando da
realidade Argentina, assim expõe acerca da proteção contra a violência familiar
naquele país:
La violência es um problema mundial que se manifesta em las
relaciones internacionales, em las luchas políticas y hasta em
ciertas modalidades de la delincuencia – a veces inútilmente feroz -,
con un creciente intensidad, que es índice del más absoluto
desprecio por la persona humana. El ámbito familiar no permanece
ajeno a esta tendencia.
13
No Brasil, Luiz Neto Lobo, tratando da repersonalização das
famílias, assim se manifesta:
A realizão pessoa da afetividade e da dignidade humana, no
ambiente de convincia e solidariedade, é a função básica da
família de nossa época. Suas antigas funções econômica, política,
religiosa e procracional feneceram, desapareceram, ou
desempenham papel secundário. Até mesmo a função
procracional, com a secularizão crescente do direito de família e
a primazia atribda ao afeto, deixou de ser sua finalidade
precípua.
A família, na sociedade de massas contemporânea, sofreu as
vicissitudes da urbanização acelerada ao longo do século XX,
como ocorreu no Brasil. Por outro lado, a emancipação feminina,
principalmente econômica e profissional, modificou
substancialmente o papel que era destinado à mulher no âmbito
doméstico e remodelou a família. São esses os dois principais
fatores do desaparecimento da família patriarcal.
14
Dentro de tais transformações
15
, fato marcante é o princípio da
dignidade humana que tem que ser defendido diante do quadro que se apresenta
13
MAZZINGHI, Jorge Adolfo. Derecho de família. Filiación. Procreación artificial. Adoptión.
Pátria potestad. Tutela y curatela. Parentesco. Violência familiar. Mediación. Tomo 4. 3. ed.
actual e reestruturada. (Argentina) Buenos Aires: Editorial Ábaco de Rodolfo Depalma, 1998, . p.
643.
14
LÔBO, Paulo Luiz Netto. Repersonalização das famílias. Revista Brasileira de Direito de
Família. Ano VI – n. 24 – jun-jul 2004, p. 137 – 156., 2004.
15
Cláudio Belluscio, Advogado e especialista em Direito de Família, Docente da Cátedra de
Direito de família e Sucessões na Argentina, assim aduz na Revista de Derecho de Família, em
artigo publicado assim assim se pronunciou: Es conocido que, em los últimos años, se ha
producido la emigración de una contidad considerable de concludadanos hacia aquellos países
que ofrecen un mayor bienetar econômico.
20
a família perante a atual sociedade. Pois, conforme afigura-se ensinamentos de
Elimar Szaniawski, “a dignidade da pessoa humana, sob o ponto de vista jurídico,
tem sido definida como um atributo da pessoa humana, “o fundamento primeiro e
finalidade última, de toda a atuação estatal, e mesmo particular, o núcleo
essencial dos direito humanos.”
16
Nesse sentido, Rosana Amaral Girardi Fachin, analisando a
passagem dos interesses patrimoniais para valores existenciais, dando-se
enfoque a privilegiar mais a pessoa e menos o patrimônio, afirma que:
A dignidade da pessoa humana é princípio fundamental e
organizativo dos demais princípios e do sistema jurídico: “[...] a
dignidade da pessoa humana como fundamento do Estado
democrático de direito deve ser tomada, consoante observa Flávia
Piovesan, ‘como núcleo básico e informador de todo o
ordenamento jurídico, como critério e parâmetro de valoração a
orientar a interpretação e compreensão do sistema
constitucional’.
17
É diante deste quadro que o direito tem que estar em constante
evolução, acompanhando o avanço da ciência, especialmente no que se refere ao
progresso da tecnologia dentro de um mundo globalizado que muitas vezes
transforma a vida em família tornando-a, por vezes, vulnerável.
Este fenómeno social se ha profundizado a partir del comienzo del Nuevo siglo frente a la grave
crisis socioeconómica por la que atravesó –y aún atraviesa – nuestro país.
Si bien ello parece haberse desacelerado en los últimos tiempos, e inclusive revertido-merced a
que parte de las personas que emigraron em su momento están regressando a nuestro país para
afincarse de Nuevo-, la mayoria de los ciudadanos que habla emigrado no ha retornado hasta el
presente. (La convención interamericana sobre obligaciones alimentarias y el mercosur. In
Derecho de Familia – revista interdisciplinaria de Doctrina y jurisprudencia – Familia y Derecho
Internacional Privado - vol. 30 – marzo/abril 2005, (organizador: Cecília Grosman – 1a ed. p.09)
16
SZANIAWSKI, Elimar. Direitos de personalidade e sua tutela. 2. ed., rev., atual., e ampl. São
Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005, p. 140.
17
FACHIN, Rosana Amaral Girardi. Ob. cit. p. 11.
21
Visto este primeiro aspecto acerca da família contemporânea,
passa-se à análise do conceito desse tão importante instituto.
1.2. Contornos conceituais a respeito da família desde o nascituro.
Não se faz tão fácil conceituar a família em razão dos contornos
históricos pelas quais esta passou, bem como dos diversos fatores que envolvem
o conceito de família. Para tanto, deve-se considerar aspectos sociológicos e
jurídicos. Assim, se faz necessário precisar o sentido da palavra família e suas
significações sob a ótica jurídica.
Verificando-se, etimologicamente o termo família utilizado nos dias
atuais, tem-se ao seguinte conceito trabalhado por Arnaldo Rizzardo: etimologia
da palavra, segundo a autora Áurea Pimentel Pereira, é encontrada no sânscrito,
que a converteu para a língua latina: “O radical fam corresponde àquele outro
dhã, da língua ariana, que dá a idéia de fixação, ou de coisa estável, tendo da
mudança do ‘dh’ em ‘f’ surgido, no dialeto do Lácio, a palavra faama, depois
famulus (servo) e finalmente familia, esta última a definir, inicialmente, o conjunto
formado pelo pater famílias, esposa, filhos, e servos, todos considerados,
primitivamente, como integrantes do grupo familiar, d Ulpiano, no ‘Digesto’, já
advertir que a palavra ‘família’ tinha inicialmente acepção ampla, abrangendo
pessoas, bens e até escravos.”
18
18
RIZZARDO, Arnaldo. Direito de família: Lei 10.406, de 10.01.2002. Rio de Janeiro: Forense,
2005, p 11.
22
Buscando a acepção da palavra família, Orlando Gomes,
argumenta que:
Modernamente, perdeu o sentido etnológico de grupo das
pessoas que vivem sob o mesmo teto, com economia comum.
Emprega-se, no entanto, com diverso significado. Em acepção
lata, compreende todas as pessoas descendentes de ancestral
comum, unidas pelos laços do parentesco, às quais se ajuntam os
afins. Neste sentido abrange, além dos cônjuges e da prole, os
parentes colaterais até certo grau, como tio, sobrinho, primo, e os
parentes por afinidade, sogro, genro, nora, cunhado. Stricto
sensu, limita-se aos cônjuges e seus descendentes, englobando,
também, os cônjuges dos filhos. Designa a palavra família mais
estritamente ainda o grupo pelos filhos menores.
19
Abordando ainda o aspecto lato da família, Orlando Gomes trás a
referência que “a grande família é admitida apenas para fins de sucessão
20
e
alimentos.
21
Referindo-se à doutrina atual, o professor José Sebastião de
Oliveira, acentua que “o Direito Civil moderno apresenta uma definição mais
restrita, considerando membros da família as pessoas unidas por relação conjugal
ou de parentesco. As várias legislações definem, por sua vez, o âmbito
parentesco.”
22
É dizer que a partir do nascimento, o indiduo passa a ser parte
integrante de uma família. Por toda a sua vida será integrante de uma entidade
familiar, tanto no que se refere ao seio familiar em que nasceu, bem como em
19
GOMES, Orlando. Direito de família. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 33.
20
Vale observar que o Código Civil atual delimitou os sucessores colaterais até o quarto grau,
conforme redação do artigo 1839, senão vejamos: Art. 1839 - Se não houver cônjuge
sobrevivente, nas condições estabelecidas no art. 1.830, serão chamados a suceder os colaterais
até o quarto grau.
21
GOMES, Orlando. Ob. cit. p. 33.
22
VENOZA, Sílvio de Salvo. Direito de Família. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2005, p. 17.
23
relação a uma nova e própria família que poderá vir a ser constituída no futuro
como ocorre na adoção, na união estável, e naturalmente, no casamento.
No cotidiano, muitas vezes as pessoas não têm oportunidades para
a constituição de uma família dentro do conceito clássico, ou seja, o casal e sua
prole decorrente de um casamento. Porém, é bem verdade que a doutrina acolhe
espécies de famílias que se identificam entidade familiar a comunidade formada
por qualquer dos pais e seus descendentes, ou ainda no que se refere à família
por adoção, mas que se constituem verdadeiras famílias. Portanto, temos as
famílias clássicas e as famílias monoparentais, adotivas e tamm aquelas
resultantes de uniões livres. É dizer que as famílias constituídas fora do
casamento também são famílias, conforme veremos adiante.
Assim, numa primeira justificativa do que foi exposto acima, se faz
necessário conceituar a família pelos aspectos abaixo, pautando-se nos
ensinamentos de Semy Glanz:
A família contemporânea pode ser conceituada como um
conjunto, formado por um ou mais indiduos, ligados por laços
biológicos ou sociopsicológicos, em geral morando sob o mesmo
teto, e mantendo ou não a mesma residência (família nuclear).
Pode ser formada por duas pessoas, casados ou em união livre,
de sexo diverso ou não, com ou sem filho ou filhos; um dos pais
com um ou mais filhos (família monoparental); uma só pessoa,
solteira, viúva, separada ou divorciada ou mesmo casada e com
residência diversa de seu cônjuge (família unipessoal); pessoas
ligadas pela relação de parentesco ou afinidade (ascendentes,
descendentes e colaterais, estes até o quarto grau, no Brasil, mas
de fato podendo estender-se). Neste último caso, temos a família
sucessória (é admitida a herança, sem limite aos ascendentes e
descendentes, embora os mais próximos excluam os seguintes,
mas na linha colateral, no direito brasileiro, ficam limitados os
parentes sucessíveis aos primos, que são parentes do quarto
grau).
24
Num sentido mais restrito desta, temos a família alimentar, que,
no direito brasileiro, abrange os ascendentes e descendentes
(sem limite) e colaterais até o segundo grau, isto é, irmãos.
23
(grifo
do autor)
Para Washington de Barros Monteiro, “num sentido mais restrito, o
vocábulo abrange tão-somente o casal e a prole. Num sentido mais largo, cinge o
vocábulo a todas as pessoas ligadas pelo vínculo da consangüinidade, cujo
alcance ora é dilatado, ora mais circunscrito, segundo o critério de cada
legislão.
24
Aspecto que deve ser referenciado no que se refere à formação da
família, é que até mesmo o nascituro já faz parte do rol familiar. Ë o que se
depreende do artigo 2
o
do Código Civil Brasileiro
25
quando preceitua que “a lei
põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro”
Por assim dizer, vale citar Maria Berenice Dias, ao se referir no
tratamento da Família na Justiça, fazendo um análise entre lei e família:
O direito das famílias é o mais humano de todos os direitos. Acolhe
o ser humano desde antes do nascimento, por ele zela durante a
vida e cuida de suas coisas até depois de sua morte. Procura dar-
lhe proteção e segurança, rege sua pessoa, insere-o em uma
família e assume o compromisso de garantir a sua dignidade.
Também regula seus laços amorosos para além da relação familiar.
Essa série de atividades nada mais significa do que o compromisso
do Estado de dar afeto a todos de forma igualitária, sem
preconceitos e discriminações.
26
23
GLANZ, Semy. A família mutante – sociologia e direito comparado: inclusive o novo
Código Civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2005 P. 30.
24
MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil, v. 2: direito de família: 37. ed.,
rev. e atual. por Regina Beatriz Tavares da Silva. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 3.
25
CC. Art. 2
o
A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a
salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro.
26
DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 3. ed., rev. atual. e ampl. São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais, 2006, p. 70.
25
Em se tratando de direitos da personalidade, em termos de
formação da família, o nascituro não está desamparado pela perda do ente
familiar, ainda que não tenha nascido. Nesse sentido Nelson Nery e Rosa Maria
de Andrade Nery, comenta o artigo 2
o
do Código Civil, aduzindo o seguinte
julgamento:
Nascituro. Respeito aos seus direitos antes do nascimento. O
nascimento com vida torna, na mesma ocasião, o ente humano
sujeito de direitos, e em conseqüência transforma em direitos
subjetivos as expectativas de direito, que lhe tinham sido
atribuídas na fase da concepção. “Se é exato que o início da
personalidade se assinala com o nascimento com vida e termina
pela morte, também é exato que se reserva aos nascituros
expectativa de direito que se transforma em direito logo que se
realiza o evento nascimento” (Orozimbo Nonato in STF., rel. Min.
Laudo de Camargo – RT 182/438).
27
Ainda em comentário ao artigo 2
o
do Código Civil, Nelson Nery e
Rosa Maria de Andrade Nery, evidenciam o seguinte julgado:
Morte do pai. Dor moral. Nascituro. Reconhecimento. O
nascituro também tem direito aos danos morais pela morte do pai,
mas a circunstância de não tê-lo conhecido em vida tem influência
na fixação do quantum. (STJ, 4
a
T., Resp 399028-SP, rel. Min.
Sálvio de Figueiredo Teixeira, v.u., j. 26.2.2002, DJU 15.4.2002).
28
É nesse contexto que uma pessoa passa a fazer parte de uma
família, a partir do momento que nasce com vida, e de regra, no seio de uma
família, mesmo que monoparental.
Nascendo com vida, a partir do registro de nascimento, para a ser
individualizada, criando-lhe personalidade jurídica para toda a sua vida, de forma
27
NERY JÚNIOR. Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código Civil Anotado e legislação
extravagante. 2. ed. rev. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003, p. 146-147.
28
Idem ibdem, p. 146.
26
que restará identificada civilmente perante a sociedade em decorrência do
ordenamento jurídico que lhe envolve.
Analisados estes breves contornos acerca da família, se faz
necessário trazer à baila o conceito de família sob o enfoque constitucional que se
ampliou com a Constituição de 1988, acolhendo todas as pessoas que, de alguma
forma tenham guardam vínculos entre si, sejam eles consangüíneos ou afetivos.
1.3. A família na vigente Constituição Federal e os direitos indisponíveis
Atualmente, para qualquer estudioso do direito, desde os bancos da
faculdade, ressoam alto os princípios constitucionais que dão ampla proteção à
família, embora não tenha sido assim no passado.
Historicamente, no Brasil, o enfoque político dado pelo legislador
constituinte envolvendo a família, não foi muito feliz, a exemplo do tratamento
inferior dado à mulher
29
no decorrer dos tempos até a Constituição Federal de
1988.. Ainda assim, buscando-se analisar a proteção conferida à família, desde
as primeiras Cartas políticas, em especial os textos constitucionais de 1824 e a de
29
Em 1932, Viveiros de Castro já alertava: O respeito pela honra da mulher não é um sentimento
innato ao homem e uma conquista da civilização, a victoria das ideas moraes sobre a brutalidade
dos instintos.
Nos povos primitivos, a mulher é uma escrava do homem, uma besta de trabalho, moureja e súa
para sustenta-lo, dócil instrumento dos seus caprichos e desejos. Vegeta na polygamia dos
serralhos, degrada-se na polyandria, na promiscuidade.
Os costumes mais torpes, que provocam hoje a nossa indignação, são praticados por essa gente
como actos normaes e regulares. Em alguns povos os chefes das tribus vendem suas filhas como
uma mercadoria e em outros o marido offerece a mulher ao hospede e fica insultado se elle a
recusa. ( CASTRO, Viveiros de. Os delictos contra a honra da mulher. Rio de Janeiro: Freitas
Bastos & Cka., 1932.p. 11)
27
1891, temos pouca notícia histórica acerca da formação da família. Segundo José
Sebastião de Oliveira:
O assunto família no Brasil passou despercebido pelos
responsáveis pela elaborão das duas primeiras Constituições
nacionais, a de 1824 pois a primeira, de 1824, nenhuma
referência fazia à família em particular e a segunda apenas
passou a reconhecer o casamento civil como o único ato jurídico
capas de constituir a família determinando que sua celebração
fosse gratuita. Nada mais disse sobre a constituição da família.
30
Ainda na mesma obra, Fundamentos Constitucionais do Direito de
Família, José Sebastião de Oliveira, em seu amplo estudo, noticias aspectos da
Constituição Republicana do Brasil, a de 24 de fevereiro de 1.891, observando
que “em nenhum momento esboçaram qualquer preocupação em dotar a família
de uma proteção normatizada nessa Constituição e esse posicionamento
trasladou-se para a Assembléia Constituição, de tal sorte que a família não veio a
merecer uma proteção especial em nossa primeira Constituição republicana.”
31
A partir da Constituição de 1934, houve por bem o legislador, dar
maior atenção à família, enfocando maior proteção por parte do Estado, definindo-
se aspectos relacionados ao casamento, bem como manutenção e subsistência
da família. E assim respectivamente em relação às Constituições posteriores.
Contudo, a Constituição Federal de 1988, deu ampla proteção à
família. Em seu artigo 226, enuncia que a família, base da sociedade, tem
30
OLIVEIRA, José Sebastião. Fundamentos constitucionais do direito de família. São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais, p. 25.
31
OLIVEIRA, José Sebastião. Ob. Cit. p. 37.
28
essencial proteção do Estado. Desse modo, pode-se afirmar que em razão que
tem a família perante o Estado, é de se entender que se constitui
verdadeiramente ramo do direito público.
Nesse sentido, afirma Lourival Serejo:
“Embora os alicerces básicos do Direito de Família estejam
atrelados ao direito privado, em nosso ordenamento jurídico, a
vocação publicista do Direito de Família está assentada em nossa
Carta Maior, onde estão abrigados em seus princípios e institutos
norteadores, e firmada uma maior abranncia da tutela de
proteção da família [...].
Atualmente, “o Direito de Família está hoje condicionado pelo direito
constitucional e que essa distinção entre o público e o privado ficou cada vez mais
tênue.”
32
A família restou considerada pela Constituição Federal de 1988, num
sentido amplo e moderno. A referida Carta constitucional considerou a família,
analisando-a pelos laços do casamento, a união estável entre homem e mulher ou
entre qualquer um dos pais e seus descendentes, conforme preceitua em seu
artigo 226, §§ 3
o
e 4
o
.
33
Ao discorrer sobre a natureza do direito de família, Arnaldo Rizzardo,
afirma que:
32
SEREJO, Lourival. Direito constitucional da família. 2. ed. rev. atual.. Belo Horizonte: Del
Rey, 2004, p. 04
33
Constituição Federal de 1988
Art. 226. A família, base da sociedade tem especial proteção do Estado.
(...)
§ Para efeito da proteção do Estado é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher
como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.
§ 4
o
Estende-se, tamm, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e
seus descendentes.
29
A principal característica deste direito é a finalidade tutelar que lhe
é inerente. Direciona-se a proteger a família, os bens que lhe são
próprios, a prole, e muitos outros interesses afins.
Daí, por esta sua destinação, praticamente é colocado como
direito público, ou quase público, pois é função do Estado a sua
proteção (art. 226 da constituição Federal), levando a participar o
Ministério Público em todos os ligios que envolvem relões
familiares. Acrescenta Carlos Alberto Bittar: “Neste mesmo
sentido, o texto constitucional impõe ao Estado, ao lado da
concessão de proteção especial à família (art. 226), a assistência
às pessoas que dela participam, mediante a instituição de
mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relões (§
8
o
do art. 226). Estabelece, outrossim, como de livre decisão do
casal o planejamento familiar, cabendo ao Estado propiciar
recursos educacionais e científicos para o seu exercício (§ 7
o
do
art. 226), respeitado o princípio da paternidade responsável.
Justamente por esta peculiaridade afirma-se que existe certa
limitação no poder de disponibilidade dos direitos, não cabendo às
partes decidir ou pactuar diferentemente das formas estabelecidas
na lei. Assim, não se admite decidir ou firmar negociações
diferentes das normas que regulam certos institutos, como as do
casamento, da filiação, do parentesco, e mesmo dos alimentos. A
disponibilidade, v.g. quanto aos alimentos, é relativa, não se
considerando válidas as cusulas que estabelecem a renúncia
definitiva de alimentos, mormente quando menores ou incapazes
são os envolvidos.
34
A exemplo do afirmado acima, verifica-se acerca dos regimes
patrimoniais, quando interesse em estabelecer pacto antenupcial. Nesse caso,
os nubentes podem fixar cláusulas, desde que não venham a contrariar os
regimes patrimoniais estabelecidos em lei.
Arnaldo Rizzardo, analisando o predomínio das normas imperativas
e inderrogáveis, portanto de caráter absoluto, assim se pronuncia:
No direito de família, há um acentuado predomínio das normas
imperativas, isto é, normas que são inderrogáveis pela vontade
dos particulares. Significa tal inderrogabilidade que os
interessados não podem estabelecer a ordenação de suas
relações jurídicas familiares, porque esta se encontra expressa e
34
RIZZARDO, Arnaldo. Direito de família: Lei 10.406, de 10.01.2002. Rio de Janeiro: forense,
2004, p. 5.
30
imperativamente prevista na lei (ius cogens). Com efeito, não se
lhes atribui o poder de fixar o conteúdo do casamento (por
exemplo, modificar os deveres conjugais, art. 231); ou sujeitar a
termo ou condição o reconhecimento do filho (art. 361); ou alterar
o contdo do pátrio poder (art. 384).
Quer isso dizer que, com a regulamentação das bases
fundamentais dos institutos de direito de família, o ordenamento
visa estabelecer um regime de certeza e estabilidade das relações
jurídicas familiares. As disposições do presente tipo são
denominadas normas de interesse e ordem pública”. Os arts. 231
e 384, no texto nomeados, correspondem aos arts. 1.566, 1.613 e
1.634 do vigente Código, sendo que a expressão pátrio poder
passou para poder familiar.
35
Importa atualmente, na harmonização da norma aos fatos e valores
da nossa sociedade, valores esses, inerentes aos direitos da personalidade
daqueles que compõem a família, sejam eles decorrentes do casamento ou da
família informal, ou ainda só no que tange ao estado de filiação. E isso se faz
possível, pois o nosso “sistema jurídico é dinâmico e o ordenamento jurídico,
incompleto, mutável e prospectivo, além de ser constituído por normas, fatos e
valores, sendo tamm, lacunoso, adaptando-se às vicissitudes pelas quais a
sociedade passa.
36
Rosana Amara Girardi Fachin, analisando a eficácia dos direitos
fundamentais da pessoa humana, afirma que, “os novos rumos assumidos pelo
Direito de Família encontram desafios para superar o sistema jurídico privado
clássico e adequar-se ao modelo constitucional insculpido pela Constituição de
1988, cuja estrutura é plural e fundada em princípios da promoção da dignidade
35
RIZZARDO, Arnaldo. Ob. Cit. p. 5
36
OLIVEIRA, José Sebastião. Ob. cit. p. 76.
31
humana, da solidariedade, onde a família é concebida como referência de
liberdade e igualdade, em busca da felicidade de seus membros.”
37
Euclides de Oliveira e Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka,
analisando o Direito de Família sob a ótica do novo Código Civil Brasileiro,
considera que o novo ordenamento contempla uma série de reformas pelas quais
passou a instituição familiar no curso do século XX. Contudo afirmam os autores
que:
A principal mudança, que se pode dizer revolucionária, veio com a
Constituição Federal de 1988, alargando o conceito de família e
passando a proteger de forma igualitária todos os seus membros,
sejam os partícipes dessa união como também os sues
descendentes. Seus pontos essenciais constam do artigo 226 e
seus incisos, assim resumidos: a) proteção à família constituída: a)
pelo casamento civil, b) pelo casamento religioso com efeitos civis;
c) pela união estável entre o homem e a mulher e d) pela
comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes;
ampliação das formas de dissolução do casamento, ao estabelecer
facilidades para o divórcio; c) proclamação da plena igualdade de
direitos e deveres do homem e da mulher na vigência conjugal; d)
consagração da igualdade dos filhos, havidos ou do casamento, ou
por adoção, garantindo-lhes os mesmos direitos e qualificações.
38
A Constituição Federal de 1988, nesse aspecto, dita princípios que
são inerentes aos direitos da personalidade.
A Constituição de 1988, em seu artigo 1
o
, inciso III, tem como
princípio geral, o da dignidade da pessoa humana. Tal princípio é de grande
37
FACHIN, Rosana Amara Girardi. Ob. cit., p. 67.
38
OLIVEIRA, Euclides; HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Direito de família e novo
código civil (coordenação: Maria Berenice Dias e Rodrigo da Cunha Pereira). 3. ed., rev. atual. e
ampl.. Belo Horizonte: Del Rey, 2003, p. 04
32
importância para a família. Pode-se afirmar que “um dos atributos que deve estar
presente na República Federativa do Brasil que se constitui em um Estado
democrático de direito é a dignidade das pessoas.
39
Contudo, a Constituição Federal poderia ter sido elaborada de forma
mais contundente ao tratar dos direitos da personalidade, deixando-os de forma
explícita, e não somente em princípios. Não que os princípios não tenham
validade. Muito pelo contrário, pois conforme já exposto acima, se faz
perfeitamente possível a aplicação de princípios existentes dentro do sistema
jurídico brasileiro, tendo valor, inclusive superior à regra jurídica, especialmente
como é o caso do princípios constitucional, o da dignidade humana. Nesse
aspecto, conforme afirma Elimar Szaniawski:
Lamentavelmente, a Constituição, de 05.10.1988, não contém
uma cláusula geral expressa destinada a tutelar amplamente a
personalidade do homem, a exemplo das Constituições da
Alemanha e da Itália, que inseriram a cláusula geral, protetora da
personalidade humana em seu articulado. A grande vantagem da
exisncia de uma cláusula expressa que garante o livre
desenvolvimento da personalidade, ao lado da salvaguarda da
dignidade, reside no fato de que uma cláusula desta natureza
poria fim às discussões em torno da existência ou não de um
direito geral de personalidade no sistema jurídico brasileiro,
dispensando as interprestões e dúvidas quanto a esta
existência. O constituinte de 1988 incluiu as categorias de direito à
vida, à igualdade, à intimidade, à vida privada, à honra, à imagem,
ao segredo e ao direito de resposta, entre outro, como categorias
de direitos especiais de personalidade. No entanto, não se pode
negar que nossa Constituição em vigor não tenha absorvido a
doutrina do direito geral de personalidade, adotando-a em seu
tulo I, concernente aos princípios fundamentais do Estado
brasileiro, protegendo a dignidade humana e a prevalência dos
direitos fundamentais do homem garantindo-os.
40
39
FERREIRA, Wolgran Junqueira. Comentários à Constituição de 1988. Campinas: Julex Livros
Ltda. 1989, p. 84.
40
SZANIAWSKI, Elimar. Ob. cit., p. 136.
33
Jayme Weingartener Neto, observando aspectos relacionados à
dignidade da pessoa humana, assim se pronuncia:
Nada obstante, é posvel densificar o princípio. A dignidade é
qualidade intrínseca da pessoa humana, que deriva do simples
existir, é irrenunciável e inalienável, a par de independer de
circunstâncias concretas. Seu elemento nuclear está na
“autonomia e no direito de autodeterminação de cada pessoa”-
liberdade em abstrato, a significar capacidade potencial.
No que interessa mais de perto, é de se destacar o aspecto
cultural da dignidade humana, o que a torna, a um só tempo,
“limite e tarefa dos poderes estatais”. Seu elemento fixo e imutável
é o núcleo inviolável, vale dizer, limite à atividade dos poderes
públicos. Como tarefa imposta ao Estado – reconhecendo-se que
depende, em maior ou menor grau, do ambiente comunitário –
reclama ações estatais no sentido de preserva-la e, mesmo,
maximiza-la.
41
Notadamente, a Constituição de 1988, trouxe a igualdade de
tratamento dentro do âmbito familiar, tanto em relação aos cônjuges, bem como
em relação poder familiar, além da igualdade entre os filhos, que são
propriamente direitos relacionados aos direitos da personalidade, implicando nos
dizeres de Leda de Oliveira Pinho, ao tratar da pessoa humana e a Constituição
brasileira de 1988, quando afirma que essa Constituição garantiu às brasileiras a
liberdade em seus variados matizes, qual seja: “posicionar o ser humano como
razão de ser do Estado, garantindo-lhe os meios para uma vida digna e construir
uma arquitetura organizacional que permitisse compatibilizar democracia com
desenvolvimento, vale dizer, justiça e igualdade.”
42
41
WEINGARTNER NETO, Jayme. Honra, privacidade e liberdade de imprensa: uma pauta de
justificação penal. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002, p.122-123.
42
PINHO. Leda de Oliveira. Princípio da igualdade: investigação na perspectiva de gênero.
Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 2005, p. 148.
34
Quando se trata de tutela de direito de família e direitos da
personalidade enfocando-se a Constituição Federal, não se pode perde de vista a
proteção dada ao cotidiano, que muitas vezes o Estado tem que intervir pelo
aspecto penal.
No âmbito familiar muitas vezes ocorrem fatos relacionados a
integridade física de seus componentes. Constantemente se vê noticiários por
meio da imprensa falada e escrita, onde membros desta ou daquela família são
vítimas de violência física e psicológica, muitas vezes tendo como resultado a
perda da vida por parte da vítima, tal como ocorre nas vias de fato entre marido e
mulher, pais e filhos, conviventes, e enfim, as mais variadas formas de violação
de física (lesões corporais), que são inibidas pela norma penal.
Trata-se na maioria das vezes, de direitos indisponíveis, no sentido
de que o Ministério Público deve tomar provincias em defesa a integridade
física da vítima.
Além dos aspectos já expostos, verifica-se que a família e seus
membros, no que se refere aos direitos garantistas constitucionais, pode-se
afirmar que há um entrelaçamento entre os membros da família, de forma que há
a proteção da integridade física e psicológica da família, bem como o respeito à
intimidade de cada um dos seus membros, à vida privada de cada um, a
preservação do direito à imagem e à honra de cada ente familiar. São preceitos
contidos no artigo 5
o
da Constituição Federal, além do princípio da dignidade
humana extraído do artigo 1
o
da mesma Carta Magna.
35
1.4. Do direito à vida e à integridade física
O direito à vida, é um dos direitos mais elevados a ser protegido
pelo Direito. “Se trata de um direito essencial entre os essenciais, inato, deduzível
do direito penal”
43
. Na sua esteira, o direito à integridade física. Ambos são
direitos essenciais que se sobrepõem aos outros direitos, também inerentes ao
ser humano. Ainda assim, observa-se que “que o bem da vida se sobrepõe aos
outros”. Trata-se de um direito intransmissível e irrenunciável, como afirmava
Adriano de Cupis
44
.
Adriano de Cupis, em relação ao direito à integridade física, já
considerava que
O bem da integridade física é, a par do bem da vida, um modo de
ser físico da pessoa, perceptível mediante sentidos. Este bem, por
outro lado, segue na hierarquia dos bens mais elevados, o bem da
vida. De fato, enquanto este último consiste puramente e
simplesmente na existência , a integridade física, pressupondo a
exisncia, acrescenta-lhe alguma coisa que é, precisamente, a
incolumidade física, de importância indubitavelmente inferior ao seu
pressuposto.
45
Tanto a vida como a incolumidade física deve ser preservada.
Embora o direito não proíba a retirada da vida por si mesmo (suicídio), ou até
mesmo a ofensa à integridade física, por vezes, em se tratando de
indisponibilidade de direitos de personalidade, o Estado poderá intervir proibindo
determinadas condutas. Por exemplo, a auto mutilação para fins religiosos, para
43
CUPIS, Adriano de. Os direitos da personalidade. (Tradutor: Afonso Celso Furtado Rezende).
Campinas: Romana, 2004, p.72.
44
Idem ibdem, p. 73.
45
Idem ibdem, p.75-76.
36
fins de pesquisas, ou até mesmo a eutanásia, poderá ocorrer a ação do Estado
para coibir determinadas manifestações que possa agredir a vida ou à integridade
física.
Evidentemente que há intervenção nas manifestações
particularmente importantes. “Assim, aquele que corta a outro, sem seu
consentimento, os cabelos ou a barba, não lesa, nas normas penais, direito algum
à integridade física. Na verdade, para o crime de ofensas corporais simples é
essencial que o corpo de outrem seja atingido violentamente, e, para o crime de
lesões corporais, como se disse, é necessário que das lesões derive uma
doença.”
46
Aduz Sílvio de Salvo Venoza, que “cada vez mais na sociedade
avulta de importância a discussão acerca do direito ao próprio corpo, sobre a
doação e o transplante de órgão e tecidos, matéria que tamm pertence a essa
classe de direitos. Da mesma forma se posiciona o direito à natalidade e a seu
controle, temas que tocam tanto o Direito com a Economia, Filosofia, Sociologia e
religião.”
47
Pode-se afirmar que a Constituição Federal de 1988 é uma
Constituição garantista em vários aspectos, especialmente no que tange aos
direitos e garantias fundamentais. Dentre tais direitos, está o direito à vida, um
dos mais fundamentais, estabelecido artigo 5
o
, caput, da constituição Federal,
dentre outros direitos e garantias individuais.
46
Idem ibdem, p. 76-77.
47
VENOZA, Sílvio de Salvo. Direito civil: parte geral. Vol. I, 3. ed.. São Paulo: Atlas, 2003, p.
150.
37
Para Dalmo de Abreu Dallari, “todos os seres humano têm o direito
de exigir que respeitem sua vida. E só existe respeito quando a vida, além de ser
mantida, pode ser vivida com dignidade.
48
Em se tratando de direito à vida, é como se tratar de um bem maior.
É tratar de um direito indisponível por ser um direito fundamental. É um direito
inviolável. Muitos são os reflexos decorrentes do direito à vida, e por
conseqüência a integridade física da pessoa humana.
Além da Constituição Federal e legislação ordinária, vários tratados
internacionais preconizam o respeito ao direito à vida, como é o caso da
Declaração dos Direitos Humanos e, ultimamente, o Pacto Internacional dos
Direitos Políticos ratificado pelo Brasil em Janeiro de 192, que dispões: “O direito
à vida é inerente à pessoa humana. Este direito deverá ser protegido pela lei.
Ninguém poderá ser arbitrariamente privado de sua vida.
49
Embora os direitos do natimorto estejam preservados, tanto pelos
aspectos civil como constitucional, o direito a vida é um dos pré-requisitos para
que possam existir outros direitos fundamentais previstos no texto constitucional.
Acerca do direito à vida, Alexandre de Morais defende que:
48
DALLARI, Dalmo de Abreu. Direitos humanos e cidadania. São Paulo: Moderna, 1998, P. 24.
49
BELTRÃO, Sílvio Romero. Direitos da personalidade: de acordo com o Novo Código Civil.
São Paulo: Atlas, 2005, p. 102.
38
A constituição Federal proclama, portanto, o direito à vida,
cabendo ao Estado assegurá-lo em sua dupla acepção, sendo a
primeira relacionada ao direito de continuar vivo e a Segunda de
se ter vida digna quanto à subsistência.
O início da mais preciosa garantia individual deverá ser dado pelo
biológico, cabendo ao jurista, tão somente, dar-lhe o
enquadramento legal, pois do ponto de vista biológico a vida se
inicia com a fecundação do óvulo pelo espermatozóide, resultando
um ovo ou zigoto. Assim a vida viável, portanto, começa com a
nidação, quando se inicia a gravidez. [...] A constituição, é
importante ressaltar, protege a vida de forma geral, inclusive
uterina.
50
Carlos Alberto Bittar, discorrendo sobre o direito à vida ensina que,
dentre os direitos de ordem física, ocupa posição de primazia o direito à vida,
como bem maior na esfera natural e tamm na jurídica, exatamente porque, em
seu torno e como conseqüência de sua existência, todos os demais gravitam,
respeitados no entanto, aqueles que dele extrapolam (embora constituídos ou
adquiridos durante o seu curso, como o direito à honra, à imagem e o direito
moral de autor [...].
51
O mesmo autor, tratando da condição do nascituro, afirma ainda
que:
Manifestando-se desde a concepção, sob condição do nascimento
do ser com vida, esse direito permanece integrado à pessoa até a
morte. Inicia-se como direito ligado à pessoa, quando o nascituro
– que também dispõe desse direito – ao ser liberado do ventre
materno, passa a respirar por si, com o acionamento do
mecanismo respiratório próprio. Cessa somente com a morte da
pessoa, apurável consoante critérios definidos na medicina legal e
aparatos que a técnica põe a disposição do setor, mas
50
MORAES, Alexandre. Direito constitucional. 6
a
ed., revista, ampliada e atualizada com a EC n.
22/99. São Paulo: atlas, 1999, p. 61.
51
BITTAR, Carlos Alberto. Ob cit. P. 66.
39
caracterizada, de fato, com a exalação do último suspiro (morte
natural).[...]
52
Ao discorrer acerca dos direitos da personalidade, observando que a
vida é um direito fundamental, do qual sobre todos os outros direitos se apoiam,
Sílvio Romero Beltrão, afirma em sua obra Direitos da Personalidade que:
Evidentemente, o primeiro e mais fundamental bem da
personalidade é a vida, sobre o qual todos os outros se apóiam. A
vida que o direito da personalidade protege é a vida desde a
concepção, garantindo ao nascituro a sua devida proteção
passando pelo nascimento e posteriormente até a morte da pessoa
humana.
53
É certo que em alguns países permite-se a eutanásia, o que não é o
caso do Brasil. Por tratar-se de um país de cristão, e tamm pela legislação
pátria, de forma geral, pode-se concluir que é proibida tal prática, exatamente
para que se preserve, ao máximo, a vida.
Sobre a eutanásia, adentrando ao aspecto penal, segundo Glagliano
e Pamplona, há como projeto do Código Penal Brasileiro, modificação acerca da
possibilidade de adentrar no nosso ordenamento jurídico a eutanásia.
O projeto do Código Penal, em seu artigo 121, § 4
o
., não considera
crime “deixar de manter a vida de alguém como meio artificial , se
previamente atestada por dois médicos a morte como iminente e
inevitável, desde que haja consentimento do paciente ou, sem sua
impossibilidade, do cônjuge, companheiro, ascendente,
descendente ou, irmão”. Parte-se do pressuposto de que a
supreso dos mecanismos artificiais que retardam o falecimento
do enfermo, além de por fim aos seu martírio, possibilitará a
conclusão natural do processo patológico iniciado. Não se
52
BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da personalidade. 5. ed., atualizada por Eduardo Carlos
Bianca Bittar. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2001, p. 66.
53
BELTO, Sílvio Romero. Ob. cit. p. 102.
40
caracteriza omiso de socorro, tipificada no art. 135 do CP, uma
que, no caso, deixa-se de utilizar aparelho que prolonga a vida de
um paciente sem possibilidade de reversão ou cura.
54
Outro aspecto penal relacionado à vida no âmbito de formação da
família, pelo aspecto biológico, é o do aborto, previsto no artigo 124 do Código
Penal. No Brasil, não se pode ceifar a vida com a interrupção da gravidez, pois
como exposto acima, o nascituro já tem seus direitos de personalidade, dentre
eles a vida, desde a concepção.
O artigo 124 do Código Penal assim prescreve: Art. 124. Provocar
aborto em si mesma ou consentir que outrem lho provoque. Pena – detenção, de
1 (um) a 3 (três) anos.
No caso de aborto, várias são as formas definidas pela doutrina, tais
como: aborto natural; b) aborto acidental; c) aborto criminoso; d) aborto
terapêutico ou necessário; e) aborto sentimental ou humanitário; f) aborto
econômico-social..
55
Dando enfoque aos direitos da personalidade, ora interessa a este
trabalho a proteção da dignidade humana, sob o aspecto do aborto sentimental ou
humanitário. Nesse caso, Guilherme de Souza Nucci assim se posiciona no
seguinte sentido:
54
GAGLIANO, Pablo Stolze; Rodolfo Pamplona Filho. Curso de Direito Civil: parte geral. vol. I ,
7. ed., rev., ampl. e atual. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 173.
55
NUCCI, Guilherme de Souza. Código penal comentado. 6. ed., rev., atual. e ampl. – São
Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006, p. 549.
41
Aborto sentimental ou humanitário: é a autorização legal para
interromper a gravidez quando a mulher foi vítima de estupro.
Dentro da proteção à dignidade da pessoa humana em confronto
com o direito à vida (nesse caso, do feto), optou o legislador por
proteger a dignidade da mãe, que, vítima de um crime hediondo,
não quer manter o produto da concepção em seu ventre, o que lhe
poderá trazer sérios entraves de ordem psicológica e na qualidade
de vida futura.
56
De outro lado, com afirma Sílvio Romero Beltrão, “ora, é impossível
não concluir que exista vida durante a gestação e que a violação dessa vida fere
direito da personalidade do nascituro, facultando a indenização extrapatrimonial
pelo dano morte.
57
Analisando estes dois aspectos, a vida do feto que já está em
processo de gestação, e a dignidade da mãe que foi vitima de estupro, crime esse
considerado hediondo, há que se dar prioridade à vida, por ser esse um bem
maior, amplamente protegido dentro da tutela dos direitos da personalidade.
Assim sendo, não se pode olvidar que o direito à vida e a
integridade sica é tutela jurídica que deve ser entendido como direito
essencial do qual decorrem outros direitos. Trata-se de caráter inicial e
essencial para existência de outros direitos. E a todo custo tais direitos devem
ser defendidos, tanto na esfera da responsabilidade civil, bem como também
no aspecto penal. Ou seja, se faz possível a reparação do dano quando há
lesões à vida ou integridade física.
1.5. Do direito à integridade física e psicológica
56
Idem ibdem., p. 549-550.
57
BELTÃO, Sílvio Romero. Ob. Cit., p. 106.
42
Em se tratando de integridade física no âmbito dos direitos da
personalidade, há que se ter em conta que é essencialmente a proteção da
pessoa contra lesões ao seu corpo e à sua mente, de forma que possa preservar
a higidez física e mental do indivíduo.
Para Adriano de Cupis, “o bem da integridade física é, a par do bem
da vida, um modo físico da pessoa, perceptível mediante os sentidos.”
58
O Código Civil, em seu artigo 13 assim preceitua:
Art. 13. Salvo por exigência médica, é defeso o ato de disposição
do próprio corpo, quando importar diminuição permanente da
integridade física, ou contrariar os bons costumes.
Parágrafo único. O ato previsto neste artigo será admitido para fins
de transplante, na forma estabelecida em lei especial.
Num primeiro momento, vale a orientação de Gustavo Tepedino, que
em comentário ao artigo 13 do Código Civil, assim se expressa: “A disposição do
próprio corpo corresponde ao ato impropriamente chamado de “doação” de partes
do corpo, normalmente associado aos órgão internos, sendo certo que de doação,
no sentido técnico, não se trata.
59
É dizer que o corpo não pode ser mutilado aleatoriamente, por tratar-
se de um direito indisponível da pessoa humana, a não ser por exigência médica,
58
CUPIS, Adriano de. Ob. cit. p. 75.
59
TEPEDINO Gustavo; BARBOZA, Heloisa Helena; MORAES, Maria Celina Bodin de. Código
Civil interpretado conforme a Constituição da República. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 35.
43
como no caso de extração de partes doentes do corpo, ou até mesmo para
transplante de órgãos.
60
Questão bastante debatida nos dias atuais é a intervenção médica
para mudança de sexo, que por conseqüência, ocorre a mutilão do órgão
genital masculino. Certamente, tal fato está a envolver questão psicológica,
geralmente de pessoas que não estão contentes em viver da forma em que
vieram ao mundo, buscando mudança radical, para fins de pertencer ao sexo
oposto. Nesse sentido, Maria Helena Diniz ensina que:
As operações de mudança de sexo em transexual, em princípio,
são proibidas, por acarretarem mutilação, esterilidade e perda da
função sexual ornica. Mas lícitas são as intervenções cirúrgicas
para corrigir anomalias nas genitálias de interesexuais bem como a
retirada de órgãos e amputação de membros para salvar a vida do
próprio paciente. O Conselho Federal de Medicina (Res. N.
1.482/97) considera que a cirurgia de transformação plástico-
reconstrutiva da genitália externa e interna e de caracteres
secundários não constitui crime de mutilação previsto no artigo 129
do Código Penal, pro ter fins terapêuticos de adequar a genitália
aos sexo psíquico do transexual. Deveras, ante a falta de
regulamentação para o direito à busca do equibrio mente-corpo,
alguns doutrinadores e magistrados entendem que poder-se-ia
fazer valer o direito à saúde previsto no artigo 196 da Constituição
Federal, desde que o médico só faça a intervenção que prova
ablação dos genitais funcionais de seu paciente para fins de
transexualizão, mediante comprovação da necessidade desse
ato para sua saúde mental.
61
60
É o que preconiza o artigo 9
o
da Lei 10.211/2001, que assim estabelece: Art. 9
o
É permitida à
pessoa, juridicamente capaz, dispor gratuitamente de tecido e partes do próprio corpo vivo, para
fins terapêuticos, ou para transplantes em cônjuge ou parentes consangüineos até o quarto grau,
inclusive, na forma do § 4
o
deste artigo, ou em qualquer outra pessoa, mediante autorização
judicial, dispensada esta em relação à medula óssea.
61
DINIZ, Maria Helena. Código civil anotado. 11. ed. rev. e atual. de acordo com o novo código
civil (Lei n. 10.406, de 10-1-2002). São Paulo: Saraiva, 2005, p. 37-38.
44
Ainda sobre a intervenção cirúrgica para mudança de sexo, anota-se
o julgado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo a título de exemplo e
tendências de outros tribunais.
RETIFICAÇÃO DE REGISTRO CIVIL – ASSENTO DE
NASCIMENTO – TRANSEXUAL – ALTERAÇÃO NA INDICAÇÃO
DO SEXO – DEFERIMENTO – Necessidade da cirurgia para
mudança de sexo reconhecida por acompanhamento médico-
multidiciplinar. Concordância do Estado com a cirurgia que não se
compatibiliza com a manutenção do estado sexual, originariamente
inserto na certidão de nascimento. Negativa ao portador de disforia
do gênero do direito à adequação do sexo morfológico e
psicológico e à conseente redesignão do estado sexual e do
prenome no assento de nascimento que acaba por afrontar a Lei
fundamental. Inexistência de interesse genérico de uma sociedade
democrática em impedir a integração do transexual. Alteração que
busca obter efetividade aos comandos previstos nos arts. 1
o
, III, e
3
o
, IV, da Constituição Federal. Recurso do Ministério Público
negado, provido o do autor para o fim de acolher integralmente o
pedido inicial, determinando a retificão de seu assento de
nascimento não só no que diz respeito ao nome, mas também no
que concerne ao sexo (TJSP – AC 209.101.4/0 – 1
a
CDPriv. Rel.
Dês. Elliot Akel – J. 9.4.2002).
62
Discorrendo acerca do direito da integridade física, Carlos Alberto
Bittar, ensina que:
De grande expressão para a pessoa é também o direito à
integridade física, pelo qual se protege a incolumidade do corpo e
da mente. Consiste em manter-se a higidez física e a lucidez
mental do ser, opondo-se a qualquer atentado que venha a atingi-
las, como direito oponível a todos
Revestindo-se da qualidade gerais dos direitos da personalidade,
acompanha o ente humano desde a concepção à morte,
ultrapassando as barreiras fisiológicas e ambientais para alcançar
tanto o nascituro, com o corpo sem vida (cadáver). Mas ao
contrário do direito à vida, é disponível, sob certos
condicionamentos, ditados pelo interesse geral.
63
62
BELTO, Sílvio Romero. Ob. Cit., p. 110-111.
63
BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da personalidade. 5. ed., atualizada por Eduardo Carlos
Bianca Bittar. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2001, p. 72.
45
Em decorrência da violência contra a integridade física, surge
tamm a violência psíquica.
Contraria nesse caso, o direito de ordem psíquica ou a incolumidade
da mente. Para Carlos Alberto Bittar, “esse direito protege os elementos
integrantes do psiquismo humano (aspecto interior da pessoa). Completa, com o
direito ao corpo, a defesa integral da personalidade humana.”
64
Faz-se necessário, aqui, referenciar mais uma vez o princípio da
dignidade humana, que de um lado, é qualidade intrínseca da pessoa humana
pelo fato dela existir, mas que está englobada também a manutenção ou
subsistência do ser humano. Nesse sentido, Jayme Weingartner Neto assim
afirma:
Engloba por outro lado, o respeito pela integridade física e
corporal do indivíduo, a garantia de isonomia, no que leva
diretamente ao tema investigado, abrange a garantia da
identidade pessoal do indivíduo, ou seja, de sua autonomia e
integridade psíquica e intelectual. Concretiza-se na “liberdade de
consciência, de pensamento, de culto, na proteção da intimidade,
da honra, da esfera privada, enfim, de tudo que esteja associado
ao livre desenvolvimento de sua personalidade, bem como ao
direito de autodeterminação sobre os assuntos que dizem respeito
à sua esfera particular, assim como a garantia de um espaço
privativo no âmbito do qual o indivíduo se encontre resguardado
contra ingerências na sua esfera pessoal.
65
64
Idem ibdem., p. 115.
65
WEINGARTNER NETO, Jayme. Honra, privacidade e liberdade de imprensa: uma pauta de
justificação penal. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002. p. 123.
46
Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho, ao analisar o
direito à integridade moral, faz abordagem sobre o direito à honra, especificando
duas formas de direitos da personalidade, conforme se vê:
Umbilicalmente associada à natureza humana, a honra é um dos
mais significativos direitos da personalidade, acompanhando o
indiduo desde seu nascimento, adepois de sua morte.
Poderá manifestar-se sob duas formas:
a) objetiva: correspondente à reputação à reputação da pessoa,
compreendendo o seu bom nome e a fama de que desfrutará no
seio da sociedade;
b) subjetiva: correspondente ao sentimento pessoal de estima ou à
consciência da própria dignidade.
66
A Constituição Federal, em seu artigo 5
o
, inciso X, preceitua que são
invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas,
assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua
violação.
É de verificar-se ainda, que por outro aspecto, relativo ao tema,
quando se trata de ofensa à honra no âmbito familiar, a tutela penal para os
delitos relativos à honra é a calúnia, difamação e injúria, tipificados nos artigos
138, 139 e 140 do
Diante disso, em ocorrendo ofensa à honra no âmbito familiar, pelo
aspecto penal, o Estado presta a tutela, de regra, por meio da queixa crime. Já no
aspecto civil, a reparação do dano moral se dá por meio de ação indenizatória.
66
GAGLIANO, Pablo Ztolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Ob. cit. p. 173.
47
1.6. Da proteção à honra nas relações familiares
Um dos direitos da personalidade surgido ainda no Direito Romano
e que muito se aplica nas mais variadas camadas sociais, é o direito à honra. Não
deixa esse direito, tamm, de ser um dos mais discutidos na prática forense
quando o assunto é direito de personalidade e responsabilidade civil.
Pode-se afirmar que, “com a idéia de honra, surge, com certeza,
uma das primeiras manifestações em defesa de valores ou qualidades morais da
pessoa humana.”
67
Nas palavras de Adriano de Cupis, que tem a honra como um
instituto primário em ordem de importância em relação aos direitos da
personalidade, que, “a “honra” significa tanto o valor moral íntimo do homem,
como a estima dos outros, ou a consideração social, o bom nome ou a boa fama,
como, enfim, o sentimento, ou a consciência, da própria dignidade pessoal.”
68
Ao tratar do direito à honra e as sanções civis, em análise ao
ordenamento argentino, Adriano de Cupis, analisa que:
Nos limites da tutela acordada pelo legislador penal, existe
indubitavelmente um direito privado à honra. Quando a ofensa à
honra constitui um crime, o sujeito cuja honra foi ofendida tem o
67
FARIAS, Edilsom Pereira de. Colisão de Direitos à honra, a intimidade, a vida privada e a
imagem versus a liberdade de expressão e informação. 2. ed. atual.. Porto Alegre: 2000, p.
134.
68
CUPIS, Adriano de. Ob. cit., p. 122.
48
poder de obter a indenização do dano – podendo inferir-se desta
possibilidade a existência de um direito subjetivo
Tal direito é um direito inato da personalidade. Na verdade, pelo
simples fato do nascimento, toda a criatura humana tem em si
mesma o bem da própria honra; a dignidade pessoal é inerente ao
indiduo humano como tal, e a este bem corresponde um direito, o
qual não requer outra condição para a própria existência, além do
pressuposto da personalidade, e é, por isso, inato. Posteriormente,
a posição que indivíduo adquire na sociedade, o nero da
atividade que pratica, as qualidades pessoais que se desenvolvem
com a idade, são todos os elementos em que a honra individual
pode sofrer maior ou menor desenvolvimento, revelando-se por um
modo ou por outro. Mas isto não prejudica a afirmação precedente,
segundo a qual a honra constitui o objeto de um direito inato.
Mesmo o sexo, a raça, a nacionalidade, confere à honra outros
tantos aspectos especiais, mas, no entanto, o conceito de honra,
ainda que proteiforme, conserva sua fundamental unidade.
69
O espanhol, José Luis Conceptión Rodrigues, em sua obra Honor,
intimidad e imagen, ao analisar o ordenamento jurídico da Espanha, expõe o
seguinte ensinamento:
Los códigos civiles han descuidado la tutela del honor, como han
descuidado em general, la regulacion de los derechos de la
personalidad.
El Código civil español no há dispensado una especial protection
al honor, al igual que los demás Códigos de aquella época. La
vieja y continuada enemiga de los romanistas, contra la procetión
de la persona em el Derecho privado, parecía haber triunfado em
Espa. Pero esto no quiere decir que este derecho de la
personalidad carezca em nuestra Pátria, de tutela em via civil.
Como dice Casn Tobeñas, em la acción de resarcimiento
establecida como independiente de lãs acciones contra el honor,
según há reconocido la jurispruncia reiteradamente.
Efectivamente, el buen camino será señalado por la
jurisprudência.
70
69
CUPIS, Adriano de. Ob. cit. p. 125-126.
70
RODRÍGUEZ, José Luis Concepción. Honor, intimidad e imagen: Um análisis
jurisprudencial de la L. O. 1/1982. Barcelona – España: Bosch, Casa Editorial, S.A.. 1996, p. 17.
49
O doutrinador argentino, Eduardo A. Sambrizzi, ao tratar dos danos
não indenizáveis no direito de família da Argentina, se manifesta no sentido de
que:
Por último, es importante asimismo destacar com relación a los
daños sufridos, que deben resarcirse tanto el dano moral como los
danos materiales causados, aunque em razón de los bienes
jurídicos lesionados, el prejuicio que en estos casos por lo general
prevalece y que con mayor frecuencia se requiere que sea
reparado, es el correspondiente al daño moral, por cuanto el acto
ilícito con fundamento en el cual se acciona, suele lesionar los más
íntimos sentimientos de la persona dañada. Aunque, insistimos, ello
no implica que deban también repararse los daños patrimoniales
ocurridos y debidamente probados.
71
Já no Direito Brasileiro, sob o análise de Carlos Alberto Bittar, ao
discorrer sobre direito da personalidade enfocando a honra desde o
nascimento até pós-morte, que:
[...] Elemento de cunho moral e imprescindível à composição
da personalidade é o direito à honra. Inerente à natureza
humana e ao mais profundo do seu interior (o reduto da
dignidade), a honra acompanha a pessoa desde o
nascimento, por toda a vida e mesmo depois da morte, em
face da extensão de efeitos já mencionados.”
72
É dizer que, em havendo ofensa à honra da pessoa humana estar-
se á ferindo a dignidade da vítima, o seu decoro, a sua alma. Logo a
possibilidade da reparação do dano, seja material ou moral.
71
SAMBRIZZI, Eduardo A. Daños em el Derecho de Família. Buenos Aires: La Ley, 2001, p. 07
72
BITTAR, Carlos Alberto. Ob. cit. p. 129.
50
Na nossa Constituição Federal, o direito à honra está disposto
expressamente no artigo 5
o
, inciso X, nos seguintes termos:
Art. 5
o
, X- São invioláveis a intimidade, a vida privada, a
honra e a imagem das pessoas, assegurando o direito a
indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua
violação.
Nas relações familiares, muito se discute se, uma vez a honra
ofendida, a forma de reparar tal ofensa é indenização por dano moral.
Trata-se de questão delicada, uma vez que uma reparação
pecuniária, decorrente do dano causado, só agravaria ainda mais a situação no
seio familiar, muitas vezes não tendo retorno ao convívio por meio da conciliação.
Na palestra proferida em 25 de setembro de 2003, no IV Congresso
Brasileiro de Direito de Família, por Maria Celina Bodin Moraes, com muita
propriedade foi dito que:
O relacionamento conjugal baseia-se no afeto, no respeito mútuo,
na vontade constante de permanecer unidos. Se tal se rompe, a
solução adequada é a separão e, eventualmente, o divórcio.
E por quê? Qual seria o problema, nestes casos, de se compensar
o sofrimento causado pela infelicidade real ou virtual? O problema
grave, parece-me, ao contrário do que pensa o Ministro Rezek,
73
é
que a compensação do dano moral se faz, exclusivamente, em
pecúnia, em dinheiro. Então, em havendo o descumprimento de
qualquer dos deveres do casamento – dever de assistência moral e
material, deve ser a compensação em dinheiro. Em casos de
rompimento de noivado, de traição, de descumprimento do débito
conjugal, de culpa específica na separação, de infidelidade virtual,
que tipo de proteção às relações familiares, em particular aos filhos
73
A referência é ao voto do Ministro no RE 172/20, citado no início do trabalho.
51
deste casamento, tal solução enseja? O que de bom se tem aí para
nos convencer a adotar esta proposta?
Nada. Apenas uma certa visão estreita de logicidade entre a causa
e conseqüência, e a interpretação literal da concepção de que
quem sofre um dano, acontecimento ensejador de tristeza e
humilhação, de vexame e outras dores, terá direito à uma
compensação pecuniária.
74
Ao que parece, o que se verifica é o exposto pela eminente
palestrante, pois nos ordenamentos jurídicos, de forma ampla, tendem em
resolver questões relativas aos problemas familiares decorrentes de ofensa a
honra, com possibilidade de indenização, embora a jurisprudência tenha sido
utilizada como fonte do direito para tais finalidades.
Contudo, as sanções civis são aplicáveis quando há ofensa à honra.
Ainda que a honra não seja um bem patrimonial, em ofendendo a dignidade da
pessoa humana, quem fere, está sujeito a arcar com a indenização na proporção
do dano.
1.7. O estado de família
O homem é um ser de natureza solidária, e, tal sentimento de faz
sentir principalmente no âmbito familiar. Assim, além das manifestações
espontâneas que ainda existem, deve ser relevada especialmente dentro dos
laços familiares. É o que pode ser denominado “estado de família”.
74
PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Afeto, ética, família e novo Código Civil. (Palestra proferida por
Maria Celina Bodin Moraes, no IV Congresso Brasileiro de Direito de Família, em 25 de setembro
de 2003) Belo Horizonte: Del Rey, 2004, p. 412.
52
Seria ideal que não houvesse as imposições legais para regular a
vida em família. Seria melhor ainda, se não existisse a necessidade ou
dependências entre os integrantes do grupo familiar, como é o caso dos
alimentos, divisão de patrimônio e assim por diante. Contudo esse ideal está
ainda distante, de forma que necessitamos dos ditames das fontes do direito para
regulamentar a vida em família. E assim sendo, tem-se a necessidade de
limitações legais para a vida em família, de forma que não adianta esquivar-se
das obrigações familiares que se constituem no dever de auxílio mútuo entre
parentes, alcançando o cônjuge ou convivente, ou até mesmo o ex-cônjuge ou ex-
convivente, como é o caso dos alimentos, independentemente do amor ou até
mesmo da proximidade do parentesco, do grau de cultura ou das possibilidades
patrimoniais.
Atualmente, conclui-se pelo grande interesse do legislador com o
aspecto da mútua assistência no âmbito familiar.
Certo tamm é que essa postura de preocupação com a mútua
assistência, encontra ressalvas dentro do ornamento jurídico civil. Observe-se, a
esse respeito, a conduta legislativa no que concerne à previsão contida no artigo
1572, § 2
o75
do Código Civil, que permite ao cônjuge pedir a separação judicial
75
Art. 1572. Qualquer dos cônjuges poderá propor a ação de separação judicial, imputando ao
outro qualquer ato que importe grave violação dos deveres do casamento e torne insuportável a
vida em comum.
§ 1
o
(...)
§ 2
o
O cônjuge pode ainda pedir a separação judicial quando o outro estiver acometido de doença
mental grave, manifestada após o casamento, que torne impossível a continuação da vida em
comum, desde que, após uma duração de dois anos, a enfermidade tenha sido reconhecida de
cura improvável.
§ 3
o
. (...).
53
quando o outro estiver acometido de doença mental grave, manifestada após o
casamento, que torne impossível a continuação da vida em comum.
De um lado, parece ser cruel tal previsão, tendo em vista que o
momento em que o cônjuge mais precisa do auxílio e conforto do outro, com as
mais variadas manifestações de carinho, terá como resposta a propositura da
ação de separação judicial. De outro lado, o legislador abre possibilidades para
que o cônjuge que goze de saúde, venha a formar uma nova entidade familiar.
Contudo, importante ressaltar, nesse contexto que, mesmo se desfazendo vínculo
o matrimonial com o divórcio, é de se afirmar que o cônjuge que sofre a
enfermidade deverá ser amparado pelo seu ex-cônjuge, ainda que tenha
constituído nova família.
76
Vê-se nesse caso, que até mesmo os bens deixados pelo cônjuge
sadio que teve a primazia da ruptura do vínculo, está obrigado a prestar aos
alimentos ao cônjuge enfermo, enquanto em vida, bem como os seus sucessores
caso tenham recebido bens de herança daquele que devia alimentos, ou seja, os
bens deixados pelo devedor dos alimentos, deverão responder pela obrigação,
ainda depois de sua morte, o que é o mesmo que dizer que a obrigação alimentar
76
RODRIGUES, Sílvio. Comentários ao Código Civil: parte especial: direito de família. Coord.
Antônio Junqueira de Azevedo). São Paulo: Saraiva, p. 156, vol. 17, 2003. Em comentário ao
artigo 1.572, § 2
o
, Sílvio Rodrigues faz a seguinte observação: “Referido parágrafo provocou, em
sua discussão no Parlamento francês, o mais intenso debate. Porque parecia, de certo modo
desumano, admitir-se a possibilidade de um cônjuge desertar do casamento justamente no
momento em que o outro mais precisava de assistência, em virtude de moléstia de que foi
acometido. Por outro lado, não se podia desprezar o interesse de seu consorte, cujo direito de
refazer sua vida, destruída pela moléstia do esposo, era inescondível. A solução foi permitir o
divórcio, na hipótese, ao mesmo tempo em que se tomaram medidas de proteção ao enfermo,
entre as quais a chamada clause de dureté(...).
54
transmite-se aos herdeiros do devedor conforme prevê o artigo 1.700 do Código
Civil
77
.
Enfim, em razão da solidariedade estabelecida pelo legislador, a
exemplo do que ocorre com os alimentos, podem os parentes, os cônjuges ou
conviventes pedir uns aos outros os alimentos. Na falta de ascendentes cabe a
obrigação aos descendentes, guardada a ordem de sucessão e faltando estes, os
irmãos.
O que se pode então observar é que a lei estabelece um
entrelaçamento de obrigações entre os parentes, considerando-se para esse fim,
todo aquele que se encontra unido pelo vínculo familiar nos termos do que dispõe
a Constituição Federal de 1988 em termos de família. Daí a importância do
próprio texto constitucional estabelecer conceito acerca do que se deva entender
por estado familiar, enquadrando-se aos aspectos de ordem pública,
especialmente no que tange aos direitos indisponíveis.
Citando Emmanuel Kant e Eduardo Zanoni, Rolf Madaleno, diz que:
as pessoas que vivem em comunidade familiar, onde uma
tem influência sobre a outra, adquirem este estado familiar
não por contrato, nem por fato arbitrário, mas sim por lei, e
este vínculo que surge entre o homem e a mulher e do casal
com seus filhos, ou a aquisição destes objetos, são todos
eles insuscetíveis de alienação, formando direito
eminentemente pessoal de cada qual dos seus respectivos
possuidores. Talvez numa linguagem menos rebuscada, os
direitos familiares podem ser identificados como faz
EDUARDO ZANONI (11) em direitos subjetivos familiares e
que seriam àquelas faculdades outorgadas às pessoas
77
Art. 1700. A obrigação de prestar alimentos transmite-se aos herdeiros do devedor, na forma do
artigo 1694.
55
como meio de proteção de interesses legítimos
determinados pelas relações jurídicas familiares, sempre
inserto no contexto dos interesses familiares que são seu
objeto. Destarte, a atribuição subjetiva de relações jurídicas
familiares determinam uma série de caracteres específicos e
próprios do estado de família, que são dentre outros, a
unidade, oponibilidade, estabilidade, inalienabilidade,
intransmissibilidade, irrenunciabilidade, imprescritibilidade,
pessoalidade.
78
É de se concluir que o estado de família é um estado pessoal, que
enlaça os familiares em todos os aspectos, gerando direitos e deveres no seio da
entidade familiar.
78
MADALENO, Rolf. Meação e prescrição. in Revista Jurídica n. 205 - NOV/1994, pág. 28.
56
2. DOS DIREITOS DA PERSONALIDADE
2.1. Direitos da personalidade e sua tutela jurisdicional nas relações
familiares: Aspectos Introdutórios
Por ser os direitos da personalidade um dos direitos essenciais à
pessoa, Adriano de Cupis, afirma que “todos os direitos, na medida em que
destinados a dar conteúdo à personalidade, poderiam chamar-se “direitos da
personalidade.”
79
Assim é que, a tutela da personalidade humana sempre foi
preocupação para a humanidade. Desde os remotos tempos, tal como na Grécia
antiga, “onde vigiam diversos ordenamentos jurídicos, possuindo cada cidade-
estado seu próprio estatuto.
80
Conforme se constata na doutrina pátria, a proteção da
personalidade humana se alicerçava sobre três idéias: a noção de repúdio à
79
CUPIS, Adriano de. Ob. cit., p. 23.
80
SZANIAWSKI, Elimar. Direitos da Personalidade e sua tutela. 2. ed. rev. atal. E ampl.. São
Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005, p. 23.
57
injustiça; a vedação de qualquer prática de atos excessivos de uma pessoa contra
a outra, e a proibição da prática de atos de insolência contra a pessoa humana.
81
Mas o embrião dos direitos da personalidade, deita raízes na
história antiga do direito. Já no direito romano é possível encontrar algum vestígio
que demonstra a preocupação do homem com os direitos da personalidade.
Para os romanos, na elaboração da teoria jurídica da personalidade,
“a expressão personalidade restringia-se aos indivíduos que reunissem os três
status, a saber: o status libertatis, o status civitatis e o status familae Quem não
possuísse liberdade, não possuía nenhum outro status, a exemplo dos escravos
(...).
82
Cumpre destacar inicialmente, que o mote justificador da análise do
estudo dos direitos da personalidade na Grécia antiga, firmou-se, basicamente,
em três ideias, conforme traduz Elimar Szaniawski:
A proteção da personalidade humana se assentava sobre três
idéias centrais. A primeira formulava a noção de repúdio à
injustiça; a Segunda vedava toda e qualquer prática de atos de
excesso de uma pessoa contra outra e a última a prática de atos
de insolência contra a pessoa humana.(...)
A proteção da personalidade humana foi aos poucos se
expandindo através de eficaz tutela de atentados contra a pessoa
mediante a prática de atos ilícitos, como os casos de leo
corporal, difamação e estupro, entre outros. Neste período, a
tutela da personalidade humana possuía natureza exclusivamente
penal.
83
81
SZANIAWSKI, Elimar. Ob. cit. p. 24-25.
82
SZANIAWSKI, Elimar. Ob. cit. P. 25.
83
Idem ibdem. Ob. cit. P. 24-25.
58
Em Roma, nem toda pessoa gozava dos atributos inerentes à
personalidade. E ainda, àqueles a quem era concedido tal direito, nem sempre os
gozava em toda sua plenitude. É o caso, por exemplo, dos escravos e os
vencidos em guerra.
Segundo o direito romano, para gozar de todos os atributos
inerentes à personalidade, a pessoa precisava preencher duas condições, quais
sejam: a) ser livre e b) ser cidadão romano. Mas ainda que preenchidas tais
condições, era possível ocorrer a restrição parcial dos direitos da personalidade.
A perda da personalidade podia ser parcial, e operava-se com restrições ao
direito de liberdade (capitis deminutio maxima), ao direito de cidadão (capitis
deminutio media) e ao status dentro do seio familiar (capitis deminutio minima).
As idéias preconizadas pelo Cristianismo trouxeram maior
humanização às leis, provocando o florescimento da preocupação com o homem
e a maior compreensão da necessidade de sua proteção.
No direito contemporâneo, o resgate da proteção aos direitos da
personalidade pode ser visto a partir de 1604, com a publicação dos Tratactatus
de Potestate inse Ipsum, “que proclamava o principio liberal de que tudo é
permitido ao homem, em relação a si mesmo, exceto o que está expressamente
proibido pelo Direito”
A tendência protetiva aos direitos de personalidade, passa a ser
mais sentida a partir do século XVII, com o desenvolvimento das teorias em torno
59
do Direito Natural. Neste período o homem passa a ser reconhecido como
detentor de alguns direitos que lhe são inatos e naturais. Através dessa
concepção, afirmam os estudiosos da época, que o direito precede ao seu
reconhecimento pelo Estado, ou seja, esta classe de direitos imanentes ao ser
humano independe, para sua existência, de reconhecimento pelo Estado, através
do ordenamento jurídico.
O desenvolvimento destas idéias deságua no surgimento de Textos
Fundamentais, que infirmam, ainda mais, a preocupação com a proteção aos
direitos da Personalidade, afirmação que pode ser exemplificada com o Bill of
Rights, do Direito Americano e a Declaração Universal dos Direitos do Homem,
por meio da qual estabeleceu-se expressamente a garantia de que “todos os
homens nascem e permanecem livres e iguais em direitos”.
A partir desse ponto, o que se observa, é a tendência mundial de
adoção de preceitos reconhecedores e garantidores dos direitos da
personalidade. Como exemplo pode-se citar o Código Alemão em 1896, o Código
Suíço em 1907 e o Código Espanhol em 1902.
Ainda como evolução dos direitos da personalidade, Elimar
Szaniawski, ensina que “a idade média lançou as sementes de um conceito
moderno de pessoa humana baseado na dignidade e na valorização do indivíduo
como pessoa.”
84
84
SZANIAWSKI, Elimar. Ob. cit. p 35.
60
No que se refere aos direitos da personalidade no Brasil, em relação
à suas origens, tem-se que:
Com D. João I, o Corpus Iuris Civilis, as Glórias de Acúrsio e as de
Bártolo passaram a integrar o direito português vigente, aplicando-
os como direito subsidiário. O “novo direito”, instituído por D. Jo I
e vigente em Portugal, passou, posteriormente, a integrar as
Ordenações Afonsinas, transpostas para as Ordenações
Manuelinas e, desta maneira, se tornando primeiro direito de
origem européia a viger no Brasil. (...)
85
As idéias iluministas igualmente tiveram grande influência no
desenvolvimento dos estudos relativos aos direitos da personalidade, auxiliando
na evolução de seus conceitos. É sabido que o Movimento Iluminista teve papel
relevante na defesa da arbitrariedade do Estado, especialmente buscando o
reconhecimento dos direitos da personalidade no âmbito do direito público, mas
que resultou tamm na codificação dos direitos da personalidade no âmbito do
direito privado.
Nesse sentido, Elimar Szaniawsk:
“o positivismo jurídico e a teoria dos direitos inatos contribuíram
decisivamente para a bipartição da tutela do homem e de sua
personalidade em dois grandes ramos, em direitosblicos de
personalidade e em direitos privados de personalidade. Os
primeiros seriam os direitos inerentes ao homem, previstos ns
Declarão Universal dos Direitos do Homem e do Cidao e
expressos nas constituições de diversos países como direitos
fundamentais. Destinam-se estes para a defesa da pessoa contra
atentados praticados contra a mesma pelo próprio Estado ou são
invocados na defesa da sociedade, considerada com um todo, pro
agressões perpetradas contra a mesma por grupos privados.
Concomitantemente, passou a doutrina e a jurisprudência a admitir,
ao lados direitos de personalidade públicos, a existência de direitos
de personalidade privados. Estes últimos eram considerados os
85
Idem ibdem.p 35.
61
mesmos direitos de personalidade públicos, todavia observados e
aplicados nas relações entre particulares, quando houvesse prática
de atentados por um sujeito privado contra algum atributo da
personalidade de outro.
86
De forma que, se faz necessária a observação do posicionamento
da jurisprudência entre o direito público e privado na evolução dos direitos de
personalidade.
Ainda em apertada análise acerca do direito comparado pode-se
observar que “o direito alemão, austríaco e suíço, do século XIX, não vieram a
sofrer influência imediata da nova ordem jurídica, que surgira a partir da
Revolução Francesa e das idéias iluministas, mantendo-se a tutela da
personalidade do ser humano mediante aplicação do direito geral de
personalidade.”
87
O que se extrai é que os chamados “países civilizados” à época
do iluminismo, trataram timidamente do assunto.
Ou ainda, em se tratando dos primeiros posicionamentos dos
“países civilizados” a exemplo da Alemanha e da Suíça, à época, conforme afirma
Elimar Szaniawsk, “o Código Civil alemão apenas tipificou em seu articulado o
direito ao próprio nome em seu § 12, mas restringiu sua proteção às hipóteses de
pretensões de omissão e de eliminação do nome.(...). A afirmação do direito geral
de personalidade, na codificação civil suíça, teve origem a partir da reforma da
86
Idem ibdem. Ob. cit. P. 43.
86
Idem ibdem. Ob. cit. p. 45.
87
Idem ibdem. p. 47-48
62
Constituição, sendo que a alteração do art. 64, da Constituição, em fins de
1889.(...)
88
Em outros momentos, a legislação pertinente aos países acima
nominados foram se aprimorando na proteção dos direitos da personalidade, por
meio de legislações extravagantes, e até mesmo quando da codificação civil
quando inicialmente tratado tão somente sob o aspecto constitucional.
Influência importante recebida pelo direito brasileiro, foi a dada pela
legislação italiana, que trata de modo sistemático direitos da personalidade,
conforme se vê abaixo:
“Aos poucos, outras nações, membros da Constituão Européia,
passaram a inserir em suas Constituições o necessário respeito e a
proteção da personalidade humana, a partir da colocação em seu
do princípio-mãe de todos os demais princípios constitucionais que
é o princípio da dignidade da pessoa humana, passando este
princípio a constituir-se o fundamento de todo o ordenamento
jurídico. Temos como exemplos: a Constituição da Itália, de
27.12.1974, que nos arts. 2
o
e 3
o
, reconhece e assegura os direitos
invioláveis do homem, que como indivíduo, que dentro dos
agrupamentos sociais em que projeta a sua personalidade,
declarando possrem todos os cidadãos igual dignidade social; e a
Constituição da Reblica Portuguesa, de 02.04.1976, que adota
no art. 1
o
o princípio da dignidade da pessoa humana como base da
república. É, porém, a Constituição da Espanha, de 29.12.1978,
que a exemplo da Alemanha, insere em seu texto a cláusula geral
de tutela da personalidade humana, reconhecendo, expressamente,
o direito geral de personalidade do ser humano em seu art. 10,
alínea 1(...).
89
Mesmos em maiores aprofundamentos no estudo do direito da
personalidade, o que se pode observar é que, ao longo dos tempos, o indivíduo
89
Idem ibidem. p. 61-62.
63
passou a ser valorizado como pessoa humana, ainda que em diferentes estágios.
Enfim, constata-se, que os direitos da personalidade foram, ao longo da história,
se reafirmando, estando totalmente consolidados nessa quadra da história.
Contemporaneamente, não se pode mais deixar de observar os
direitos da personalidade na proteção da pessoa humana. Não se pode olvidar,
que nas relações familiares, os direitos da personalidade estão presentes. Quanto
mais o direito vem se modernizando, mais entra no contexto das relações
familiares os direitos de personalidade, “que são direitos ínsitos na pessoa, em
função de sua própria estruturação física, mental e moral.”
90
Nos dias atuais, os direitos da personalidade permeiam no
ordenamento jurídico, da Constituição Federal até as leis ordirias. Até mesmo
porque, conforme afirma Fábio Ulhoa Coelho, “os direitos da personalidade são
essenciais de pessoas naturais, porque não há quem não os titularize: direito ao
nome, à imagem, ao corpo e suas partes, à honra, etc.”
91
Carlos Alberto Bittar, em sua obra “Os direitos da personalidade”
após fazer apontamentos acerca de conceitos positivistas e naturalistas em torno
dos direitos de personalidade, acaba por demonstrar sua concepção como
direitos inatos, afirmando da seguinte forma:
Entendemos que os direitos da personalidade constituem
direitos inatos – como a maioria dos escritores ora atesta -,
90
BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da personalidade. 5. ed., atualizada por Eduardo Carlos
Bianca Bittar. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2001, p. 5.
91
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito civil, vol. 1, 2. ed. rev.. São Paulo: Saraiva, 2006, p.
182.
64
cabendo ao Estado apenas reconhece-los e sanciona-los
em um ou outro plano do direito positivo – em nível
constitucional ou em nível de legislação ordinária -, e
dotando-os de proteção própria, conforme o tipo de
relacionamento a que se voltek, a saber: contra o arbítrio do
poder público ou as incursões particulares.
Assim, em certos casos, quando recebem consagração na
esfera constitucional – passando a representar “liberdades
públicas” – a sua consideração e o seu enfoque dentro do
plano positivo encontram justificativa exatamente para a
delimitação desse interessante campo de estudo, que se
vem afirmando, especialmente na França.
Isso não importa, no entanto, em cingir os direitos da
personalidade aos reconhecidos pelo ordenamento jurídico.
Esses direitos – muitos dos quais não configuram ou não
são suscetíveis de configurar “liberdades públicas”existem
antes e independentemente do direito positivo, como
inerentes ao próprio homem, considerado em si e em suas
manifestações. Quando ganham a Constituição, passando
para a categoria das liberdade públicas, recebem todo o
sistema de proteção próprio.
O mesmo acontece com respeito com o campo privado, em
que a inserção em códigos ou em leis vem conferir-lhes
proteção específica e mais eficaz – e não lhes ditar a
existência – desde que identificados e reconhecidos, em
vários sistemas, muitos antes mesmo de sua positivação.
92
Com o exposto acima, verifica-se a importância que tem a relação
entre direitos da personalidade com os aspectos das relações de ordem familiares
no campo do direito privado.
É de se observar ainda, que atualmente, a Constituição Federal tem
a família, como a base da sociedade, merecendo essa, portanto, total proteção do
Estado, enquanto que os direitos da personalidade, a exemplo da dignidade da
pessoa humana, passou a ser um dos fundamentos da República, conforme
pode-se constatar no artigo 1
o
, inciso III. Nas palavras de Adauto de Almeida
92
BITTAR, Carlos Alberto. Ob. Cit. P. 7-8.
65
Tomaszewski, o artigo 1
o
, inciso III da Constituição Federal de 1988, “é taxada de
verdadeira “cláusula geral de tutela e promoção da pessoa humana” já que a
dignidade do indivíduo é o valor máximo de nosso ordenamento jurídico, por ele e
para ele criado. Por isto, tal preceito deve informar todas as relações jurídicas e
estar sob o seu comando a legislação infraconstitucional.”
93
Contudo, observa-se que no campo privado, em linhas gerais, a
doutrina e o direito positivo no Brasil, até o momento, não deram a devida
importância ao tema, uma vez que, o que se observa, foi que houve uma foi
maior preocupação até o momento, no campo da tutela penal em torno da
dignidade da pessoa humana.
Contudo, sabido é que a lei 10.406/202
94
, que instituiu o novo
Código Civil, faz previsão expressa acerca dos direitos da personalidade nos
artigos 11 a 13.
No dizer de Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho, “uma
das principais inovações da Parte Geral do Novo Código Civil é, justamente, a
existência de um capítulo próprio destinado aos direitos da personalidade.”
95
O Código Civil Brasileiro, de 1916, apesar de não fazer referência
expressa aos direitos da personalidade, não deixou de, em alguns dispositivos,
93
TOMASZEWSKI, Adauto de Almeida. Separação, Violência e Danos Morais.o Paulo:
PAULISTANAJUR LTDA., 2004, p. 35-36.
95
GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Ob. cit., p. 135.
66
conferir-lhe proteção, como pode ser visto através da análise do artigo 666, inciso
X, (atualmente revogado).
No direito pátrio a proteção escapa o âmbito do direito civil e se
espraia por todo o ordenamento jurídico.
Na maior parte dos textos legislativos hoje é possível vislumbrar-se
proteção à personalidade, a exemplo pode-se citar: a) o Código Penal Brasileiro,
ao impor pena ao homicídio, infanticídio, aborto, difamação, injúria, seqüestro e
cárcere privado, invasão de domicílio e violação de correspondência; b) no
Código de Defesa do Consumidor, ao conferir proteção ao consumidor contra
produtos nocivos ou perigosos à saúde e integridade física; c) No Estatuto da
Criança e do Adolescente, ao estabelecer regras para a adoção, d) Na lei de
Transplantes, ao regulamentar as regras para a retirada e de órgãos.
No Direito de Família não se pode olvidar acerca da tutela dos
direitos da personalidade. Há que se ter, em relação à família, constante
preocupação com a pessoa humana no seu todo, de forma que os direitos da
personalidade venham, cada vez mais, a serem reconhecidos, recebendo a
devida valoração. A nova ordem jurídica civil, inaugurada que foi com o advento
do Código Civil de 2002, deve pautar-se, dentre outros aspectos, na aplicação
dos direitos da personalidade, ao âmbito das relações familiares.
67
Em razão dos avanços obtidos em torno dos direitos da
personalidade, é tendência moderna que os tribunais
96
a venham admitir, cada
vez mais, a responsabilização civil por danos morais em torno da proteção dada
aos indivíduos que compõem a família, como uma das formas de aplicação dos
direitos da personalidade.
Até mesmo porque, conforme ensina Fábio Ulhoa Coelho:
No Brasil, os direitos da personalidade têm a proteção enraizada
nas normas constitucionais. Nelas tutelam-se como invioláveis a
intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas (CF.
art. 5
o
, X, assegura-se a indenização por dano à imagem agravada
por abuso no exercício da liberdade de manifestação (inciso V) e a
gratuidade, para os reconhecidamente pobres, do registro civil de
nascimento (inciso LXXVI, a).
97
Nesse contexto, a Constituição em vigor protege a personalidade
por meio da adoção do princípio do respeito à dignidade humana, do qual
decorrem todos os direitos da personalidade.
2.2. Direitos da personalidade: alcance conceitual
Conforme acima já observado, dentre os princípios fundamentais
insculpidos na Constituição Federal encontra-se o da dignidade da pessoa
humana. É dizer que a Constituição Federal estabelece como bem supremo da
ordem jurídica, a dignidade.
96
Embora, conforme ensina Clayton Reis, a doutrina esteja à frente dos tribunais em defender o
indivíduo, pois há de certa forma, restrições por parte dos juízes em não reconhecer aquilo que
não esteja explícito na legislação pátria. (Clayton Reis, Avaliação do Dano Moral, p. 179).
97
COELHO, Fábio Ulhoa, Ob.cit., p. 182.
68
Além dos aspectos pessoais que permeiam a pessoa humana, há
tamm as obrigações relativas ao patrimônio econômico da pessoa. No entanto,
é de se ressaltar que, conforme Sílvio Salvo Venoza, “há direitos que afetam
diretamente a personalidade, que não possuem conteúdo econômico direto e
imediato.
98
, mas que mesmo assim, carecem de proteção, tanto quanto aqueles
de natureza patrimonial. Num primeiro momento, pode-se afirmar que, em se
tratando de direitos da personalidade, há direitos que são de natureza
personalíssima, tamm chamados de intuito personae e outros, de natureza
pessoal.
Em se tratando de proteção aos direitos da personalidade, Yussef
Said Cahali, faz menção em sua obra Dano Moral, acerca da “transformação a
que se sujeitou nas últimas décadas a protão aos direitos da personalidade,
orientada no sentido de valorizar o ser humano em sua plenitude, com a
preservação daqueles direitos que são imanentes à sua personalidade.”
99
Contudo, o conceito de direitos da personalidade não é uníssono,
exatamente em razão do seu campo de aplicação.
Como ensina Luiz Paulo Netto Lôbbo, “os direitos da personalidade
são pluridisciplinares. Não se pode dizer, no estágio atual, que eles situam-se no
direito civil ou no direito constitucional, ou na filosofia do direito, com
98
VENOZA. Sílvio de Salvo. Direito civil: parte geral, vol. I. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 149.
99
CAHALI, Yussef Said. Dano Moral. 3. ed., rev. e ampl. e atual. conforme o Código Civil de
2002. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005, p. 631.
69
exclusividade. Sua inserção na Constituição concedeu a essa classe de direitos
mais amplitude de interpretação, mas não os subsumiu inteiramente dos direitos
fundamentais.”
100
Buscando na doutrina nacional o conceito de “direitos da
personalidade” verifica-se, que o tema não é pacífico.
Para Carlos Alberto Bittar,
101
os direitos da personalidade devem ser compreendidos como: a)
os próprios da pessoa em si (ou originários), existentes por sua
natureza, como ente humano, com o nascimento; b) e os
referentes às suas projões para o mundo exterior (a pessoa
como ente moral e social , ou seja, em seu relacionamento com a
sociedade.
Para Francisco Amaral
102
,
Direitos da personalidade são direitos subjetivos que têm por
objeto os bens e valores essenciais da pessoa, no seu aspecto
físico, moral e intelectual. Como direitos subjetivos, conferem ao
seu titular o poder de agir na defesa dos bens ou valores
essenciais da personalidade; que compreendem, no seu aspecto
intelectual o direito à liberdade de pensamento, o direito de autor
100
LÔBO, Paulo Luiz Netto. Danos morais e direitos da personalidade. ( Grandes temas da
atualidade. Coord. Eduardo Oliveira Leite). Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 351.
101
BITTAR, Carlos Alberto. Os Direitos da Personalidade. 5. ed., São Paulo, Forense
Universitária, 2001, p. 10.
102
AMARAL, Francisco. Direito Civil: Introdução. 3
ª
ed., Rio de Janeiro, Renovar, 2000, p.247.
70
e de inventor, e no aspecto moral o direito à liberdade, à honra, ao
recato, ao segredo, à imagem, à identidade, e ainda o direito de
exigir de terceiros o respeito a esses direitos.
Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho, ao tratarem do
tema personalidade, assim se pronunciam:
Conceituam-se os direitos da personalidade como aqueles que
têm por objeto os atributos físicos, psíquicos e morais da pessoa
em e em suas projeções sociais.
103
Da análise de todos esses conceitos é possível extrair-se, em
conclusão, que os direitos da personalidade são aqueles que têm por objeto a
proteção da individualidade da pessoa, na expressão do seu “ser”, tanto pelo
aspecto da integridade física, bem como pelos aspectos psicológicos.
2.3. Direitos da personalidade e sua aquisição
103
GAGLIANO, Pablo Stolze; Rodolfo Pamplona Filho. Ob. cit., p. 135.
71
Não há a menor dúvida de que o ser humano é o titular por
excelência da tutela dos direitos da personalidade.”
104
Aspecto bastante discutido dentro do tema dos direitos da
personalidade é o que se refere ao momento de aquisição de tais direitos.
Primeiramente, cumpre salientar que, segundo Aurélio Buarque de
Holanda Ferreira, nascituro é “que, ou aquele que há de nascer.”
105
Francisco Amaral, em enfocando nos primórdios tempos, afirma que
“no direito Romano o nascituro não era ainda pessoa. Mas se nascia como
homem capaz de direitos, sua existência computava-se desde a concepção”
106
Já na atualidade e na visão de Carlos Alberto Bittar os direitos de
personalidade “manifestando-se desde a concepção, sob condição do nascimento
do ser com vida esse direito permanece integrado à pessoa até a morte”
107
.
Analisando estas duas afirmações, o que se percebe é que o ponto
nodal da questão é se saber se o nascituro possui ou não personalidade. A
discussão não é despicienda de interesse, e dela resultam conseqüências
práticas.
104
Ibdem idem., p. 142.
105
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo dicionário da língua portuguesa. Rio de
Janeiro, Nova Fronteira.
106
AMARAL, Francisco. Ob.cit. p 218
107
BITTAR, Carlos Alberto. Ob. cit. p. 66
72
Na área penal, vislumbra-se a possibilidade de ser impetrado
habeas corpus tendo como paciente o nascituro de mãe presa em flagrante. Tal
afirmação justifica-se pelo fato do direito do nascituro ter desenvolvimento intra-
uterino saudável, que lhe possibilitasse nascimento com saúde, o que dificilmente
seria possível estando a mãe presa, deixando de receber cuidados próprios ao
seu estado de gravidez, tais como boa alimentação e acompanhamento pré-natal.
A vingar a tese de ser o nascituro legitimado para figurar no polo
ativo de um pedido de habeas corpus, necessariamente estar-se-á reconhecendo
o atributo da personalidade ao concebido e ainda não nascido.
O artigo 2
º
do Código Civil
108
nega ao nascituro a personalidade,
mas resguarda-lhe proteção para direitos de que eventualmente possa ser titular.
Mas, apesar deste dispositivo estar assim redigido, outros artigos há, no mesmo
diploma legislativo que trazem a incerteza em relação ao momento da aquisição
da personalidade.
Como exemplo pode-se citar o parágrafo único do artigo 1.609 do
Código Civil
109
que prevê que “o reconhecimento pode preceder o nascimento do
filho, ou suceder-lhe ao falecimento, se deixar descendentes”
108
Código Civil – art. 2
o
. A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida: mas a
lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro.
109
Código Civil – Art. 1609. O reconhecimento dos filhos havidos fora do casamento é irrevogável
e será feito:
(...)
Parágrafo único. O reconhecimento pode preceder o nascimento do filho ou ser posterior ao seu
falecimento, se ele deixar descendentes.
73
Ora, se assim é, a lei está legitimando o nascituro a figurar em
relação jurídica que vise o reconhecimento de sua paternidade, mesmo que ainda
não nascido.
Até mesmo porque, segundo Silmara J. A. Chinelato e Almeida, em
sua obra Tutela Civil do Nascituro, afirma que “capacidade é aptidão para adquirir
direitos e exercer, por si ou por outrem, atos da vida civil. O conjunto desses
poderes constitui a personalidade que, localizando-se ou concretizando-se num
ente, forma a pessoa.”
110
E não é só. O artigo 1.779 do Código Civil
111
garante ao nascituro a
nomeação de curador, no caso de falecimento do pai, ainda antes do nascimento.
Ora, o instituto da curatela serve para suprir a capacidade de pessoa que, por
algum motivo encontra-se enquadrada como incapaz de gerir atos da vida civil.
Vê-se assim que é possível afirmar que o legislador conferiu personalidade ao
nascituro, sem, contudo, conferir-lhe capacidade.
No direito comparado o tema não é tratado de modo unânime.
110
ALMEIDA. Silmara J. A. Chinelato e. Tutela civil do nascituro. São Paulo: Saraiva, 2000, p.
131,
111
Código Civil – Art. 1779. Dar-se-á curador ao nascituro, se o pai falecer estando grávida a
mulher, e não tendo o poder familiar.
74
Segundo Francisco Amaral
112
, o Código Civil argentino, o mexicano,
o venezuelano e o peruano, acolheram teoria segundo a qual, atribui-se ao
nascituro a personalidade desde a concepção, sob a condição de seu nascimento
com vida.
Seguindo a mesma orientação, o Código Suíço em seu artigo 31,
assim dispõe: “o nascimento com vida torna, na mesma ocasião, o ente humano
sujeito de direito e, em conseqüência, transforma em direitos subjetivos as
expectativas de direito que lhe tenham sido atribuídas na fase da concepção”.
No Código Francês encontra-se a mesma orientação, segundo a
qual a personalidade começa desde a concepção.
De outro lado, é certo que atualmente questões outras podem ou
devem ser levantadas em torno do nascituro no ramo do biodireito, tal como a
fecundação in vitro, que certamente vai influenciar na concepção dos direitos do
nascituro, mas que no entanto, não será tratado no presente trabalho por merecer
tema próprio.
Em razão de tais argumentos é que Elimar Szaniawski se manifesta
acerca da aquisição dos direitos da personalidade e o momento de sua aquisição
da seguinte maneira:
112
AMARAL, Francisco. ob cit., p. 218
75
(...) o modo de atribuição da personalidade pelas diversas
legislões civis baseia-se em uma simples questão de política
legislativa, devendo ser considerada em relação ao concepturo, sua
individualidade e sua identidade genética. O Código Civil de 2002,
ao tratar no Capítulo I, do Livro I, “Da personalidade e da
capacidade”separa os dois conceitos, antes confusos na legislão
revogada, atribuindo a personalidade a todo ser humano concebido
sendo, portanto, o concepturo uma pessoa. A partir do nascimento
da pessoa com vida, estabelece-se sua capacidade de direito.
Logo, pondo a lei civil a salvo, desde a concepção, os direitos do
nascituro, constitui-se o ser humano, que está sendo gerado, em
um sujeito de direitos, merecedor de tutela jurídica, não podendo
ser afastada a idéia de que o concepturo, como sujeito de direitos,
é necessariamente portador de personalidade natural única e
independentemente, esteja o mesmo no interior do ventre de sua
mãe, no ventre de outra mulher, a mãe substituta, ou mesmo se
desenvolvendo em um tubo de ensaio. O concepturo, qualquer que
seja o local em que se desenvolva, é sempre uma pessoa e
portador de personalidade natural.”
113
Mas o que se constata, em síntese, é que o ordenamento civil pátrio
confere ao nascituro personalidade, mas em caráter provisório, que irá se
concretizar no instante em que se efetiva o nascimento com vida. Até então, pode
o nascituro, por meio de seus representantes, resguardar interesses próprios, que
113
SZANIAWSKI, Elimar. Ob. cit. p. 70.
76
poderiam porventura sofrer lesão irreparável antes de sua vinda ao mundo. É o
caso, por exemplo, do direito à herança.
Importa, porém, ressaltar que todos os direitos preservados terão
caráter resolúvel, se não ocorrida a condição “nascimento com vida”.
2.4. Direitos da personalidade e seu exercício como dano moral
Conforme já abordado na parte introdutória deste estudo, os direitos
da personalidade inserem-se em todos os campos da legislação pátria.
Entretanto, há que se estabelecer se a lesão aos direitos da
personalidade resultam propriamente em danos morais.
Na observação Marcius Geraldo Porto de Almeida, analisando dano
moral como proteção da consciência jurídica, afirma que:
O dano moral está inserido nos Direitos de Personalidade, que
devem ser tratados em um capítulo especial do Direito Civil. A
regulamentação dos direitos de personalidade leva em
consideração a necessidade de proteger a individualidade no
conjunto social, o “eu”, a consciência, a personalidade, a idéia de
77
que a sociedade é um espelho que permite ao indivíduo pensar
sobre seu próprio caráter, sobre o desenvolvimento de seu “eu”.
114
Paulo Luiz Netto Lobo, ao analisar danos morais e direitos da
personalidade, mais propriamente na interação necessária entre um e outro,
assim se expressa:
A interão entre danos morais e direitos da personalidade é ao
estreita que se deve indagar da possibilidade da existência
daqueles fora do âmbito destes. Ambos sofreram a resistência de
grande parte da doutrina em considera-los objetos aunomos do
direito. Ambos obtiveram reconhecimento expresso da
Constituição brasileira de 1988, que os tratou em seu conjunto,
principalmente no inciso X do artigo 5
o
, que assim dispõe:
“X – São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a
imagem das pessoas, assegurando o direito à indenização pelo
dano material ou moral, decorrente de sua violação”
115
Assim, é de se afirmar que um dos aspectos característico dos
direitos da personalidade é a sua reparabilidade. Não que seja propriamente a
114
OLIVEIRA, Marcius Geraldo Porto de Oliveira. Dano moral: proteção jurídica da
consciência. 2. ed., Leme-SP.: LEDn – Editora de Direito Ltda., 2001, p. 85.
115
LÔBO, Paulo Luiz Netto. Danos morais e direitos da personalidade. ( Grandes temas da
atualidade. Coord. Eduardo Olviveira Leite). Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 347-348.
78
previsão de reparação, mas que da lesão aos direitos da personalidade surge o
direito da reparação do dano, seja material ou moral.
Conforme se verifica atualmente, há a constitucionalização do
Direito Civil, ou seja, é a lei ordiria civil, adequando-se à Constituição Federal.
Foi o que ocorreu com o Código Civil atual.
Sendo assim, merece destaque o apontamento de Paulo Luiz Netto
Lobo, quando acerca do assunto assim se expressa:
A inserção constitucional dos direitos da personalidade e dos
danos morais consagra a evolução pela qual ambos os institutos
jurídicos têm passado. Os direitos da personalidade, por serem
não patrimoniais, encontram excelente campo de aplicão dos
danos morais, que têm a mesma natureza não patrimonial. Ambos
têm por objeto bens integrantes da interioridade da pessoa, ou
seja, aquilo que é inato à pessoa e deve ser tutelado pelo
direito.
116
116
LÔBO. Luiz Paulo Netto. Danos morais e direitos da personalidade. ( Grandes temas da
atualidade. Coord. Eduardo Oliveira Leite). Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 348.
79
Nesse sentido Yussef Said Cahali, afirma que: “no plano civil, a
reparabilidade do dano moral representa, em substância, a proteção específica
contra as afrontas que molestam os direitos da personalidade.
117
A proteção a esses direitos se estende a diversos aspectos da
individualidade do homem. Adriano De Cupis
118
, ao classificá-los, faz a seguinte
divisão:
I – Direito à vida e à integridade física;
II – Direito sobre as partes destacadas do corpo e o direito
sobre o cadáver,
III – Direito à liberdade,
IV – Direito ao resguardo (direito à honra, ao resguardo e ao
segredo)
V – Direito moral de autor.
Elimar Szaniawski
119
em sua obra Direitos da Personalidade e sua
Tutela, atento à doutrina brasileira, ao analisar o tema, apresenta classificação
diversa, mas bastante elucidativa, dividindo os direitos de personalidade em:
117
CAHALI, Yussef, Said. Dano Moral. Ob. cit., p. 631.
118
DE CUPIS, Adriano. Apud SZANIAWSKI, Elimar, ob.cit., p. 51
119
SZANIAWSKI, Elimar, ob.cit., p. 52
80
I – Direitos da personalidade comparáveis aos direitos reais,
onde se compreendem:
1) direito ao nome,
2) direito ao uso do nome de família,
3) direito de defesa ao nome de família,
4) direito da pessoa sobre o seu próprio corpo,
5) direito sobre o corpo vivo,
6) direito sobre os despojos mortais.
II – Direitos de personalidade comparáveis aos direitos de
crédito, que compreendem:
1) direito ao respeito à vida privada;
2) direito de se opor à divulgação da vida privada;
3) direito de se opor à divulgação da vida privada;
4) direito de se opor a uma investigação na vida privada;
5) direito de resposta;
6) direito moral do autor.
A cada dia se torna mais perceptível a gama de direitos abrangidos
pelo gênero “direitos da personalidade”.
O direito encontra-se em constante modificação, tendo em vista o
aparecimento de situações novas, cuja ocorrência só é permitida em vista do
avanço tecnológico apreciado em nosso século. Cada vez mais se torna possível
a invasão da privacidade, a indevida exploração dos atributos inerentes à
81
personalidade, como o nome, a imagem, a voz. Tudo isto está a justificar proteção
mais abrangente e eficaz.
Voltando olhos à história, é possível perceber que os direitos da
personalidade, no que se refere à proteção que lhe é dispensada, vêm passando
por constante evolução. A doutrina, buscando mostrar a evolução dessa classe
de direitos, divide-os em direitos de personalidade de primeira, segunda, terceira
e quarta geração.
O homem, a partir da Revolução Francesa e do movimento
iluminista, descobre-se como centro do Universo. Esta tendência se mostra nas
legislações editadas a partir de tal período histórico, em que as leis passam a
proteger o cidadão dos abusos do próprio Estado. Aí são detectados os direitos
da personalidade de primeira geração, que segundo ensinamento de Ricardo Luis
Lorenzetti
120
foram introduzidos a partir da Declaração dos Direitos do Homem, e
se consubstancia em uma liberdade negativa, qual seja, as leis impondo limites à
atuação do Estado no que se refere à intromissão na liberdade das pessoas. A
partir de então, o Estado passa a sofrer restrições legais em aspectos que firam a
liberdade, considerada como um dos mais importantes direitos da personalidade.
Para ilustrar o que Lorenzetti chama de direitos de segunda
geração, em contraposição aos de primeira, que impunham um não fazer ao
Estado, agora se tem a imposição de um fazer aos poderes constituídos,
120
LORENZETTI, Ricardo Luis. Fundamentos do direito privado. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1998
.
82
impondo-lhe uma atuação que garanta a proteção aos direitos da personalidade.
Percebeu-se aqui que não basta ao Estado apenas não prejudicar, omitindo-se de
interferir na esfera de liberdade individual, mas necessário para a consecução do
bem comum, que o Estado chame para si a obrigação de tutelar esses direitos,
criando condições de vida digna, através da proteção ao direito do trabalho,
dando condições de habitação, saúde, lazer. Diante dessa obrigação de fazer,
impõe-se ao Estado a obrigação de criar mecanismos por meio dos quais se
possa resguardar o princípio da dignidade humana erigido a preceito de ordem
constitucional.
Na qualidade de direitos de terceira geração, pode-se encontrar a
proteção a novos direitos ainda não objeto de tutela até então. Passa a ser objeto
de preocupação, a proteção ao ambiente, ao patrimônio genético, histórico e
cultural da humanidade. O que se vê nesta terceira geração, é uma preocupação
em se criar mecanismos de proteção para um futuro melhor. A conservação do
mundo, o que possibilita condições de vida para esta e as próximas gerações.
E para finalizar, ainda é possível detectar-se os chamados direitos
de quarta geração. Aqui, segundo expressão adotada pelo próprio Lorenzetti
121
,
temos o “direito de ser diferente”.
Atualmente é muito sentida a tendência protetiva destes direitos.
Não poucas são as questões que envolvem discussão acerca da possibilidade de
121
LORENZETTI, Ricardo Luis. Fundamentos do direito privado. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1998, p. 154
83
mudança de sexo, do direito da mulher de praticar o aborto, direito de recusar
transfusão de sangue por motivos de crença, eutanásia, casamento entre
homossexuais, e tantos outros.
Impõe-se atualmente ao Estado, a obrigação de regulamentar todas
essas nuances dos direitos da personalidade, como forma de resguardar à
pessoa a sua individualidade bem como suas conviões íntimas.
O exercício dos direitos da personalidade se faz através do manejo
de ações fundadas na legislação em vigor, mas não é só.
Confrontando o tema com o direito alemão, Elimar Szaniawski
122
,
ensina que:
O principal modo de tutelar o direito geral de personalidade se
através de duas ações judiciais: a pretensão de interdição da
perturbação (Unterlassungsklage ou azione inibitória) e a
pretensão de supressão da perturbação (Beseitigunklageou
azione di remozione) ambas destinadas a se obter a cessação da
perturbação. A primeira dessas pretensões judiciais, a
Imterlassungklage, tem por escopo permitir-se obter, por parte do
Judiciário, a proibição do ré, sob a ameaça de sanções penais, de
executar determinado ato que se constitua em violação ao direito
do autor do pedido. A pretensão de interdição da perturbação, e
122
SZANIAWSKI, Elimar, Ob.cit., p.64
84
como já dissemos, tem cunho preventivo contra possível prática
de atentados futuros. A Beseitigunklage diz respeito à proteção do
indiduo contra atentadospraticados, mas cujos efeitos
perduram. Destina-se esta medida judicial a fazer cessar
diretamente um atentado atual.
Analisando-se a matéria com vistas aos dispositivos constantes do
novo Código Civil
, é possível notar-se a tendência do legislador em acolher estes
mesmos parâmetros na tutela dos direitos da personalidade.
O atual artigo 11 do Código Civil
123
, é importante inovação no
ordenamento jurídico atual. Conforme sua redação, o exercício dos direitos da
personalidade não pode sofrer limitações.
Nesse sentido, Nelson Nery Júnior, tratando das características dos
direitos da personalidade, em comentários ao artigo 11 do Código Civil, aduz o
seguinte:
Características: Os direitos de personalidade são intransmissíveis
e irrenunciáveis, sendo ilimitados por ato voluntário, inclusive de
seu titular. Está compreendido na irrenuncialidade dos direitos de
personalidade, a indisponibilidade, pois seu titular deles não pode
123
Código Civil – art. 11. Com exceção dos casos previstos em lei, os direitos da personalidade
são intransmissíveis e irrenunciáveis, não podendo o seu exercício sofrer limitação voluntária.
85
dispor livremente. Podem ser inatos, quando inerentes à natureza
humana (e.g., vida, liberdade, honorabilidade, auto estima) e
decorrentes (derivados ou adquiridos), quando se formam em
momento posterior ao nascimento da personalidade do sujeito de
direito (e.g. direito moral do autor) (Rosa Nery, Noções, p. 143).
São perpétuos, o podendo ser extintos (prescrição e
decadência) pelo não uso. São insuscetíveis de aproprião, isto é,
não se pode penhorá-los, nem expropriá-los, tampouco adquiri-los
pela usucapião.
124
A tutela preventiva facilmente é verificada no texto do artigo 21 da
nova lei: “A vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a requerimento do
interessado, adotará as providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato
contrário a esta norma.”
O que se constata é que houve, por parte do legislador do novo
diploma civil, uma preocupação tanto em prevenir quanto em fazer cessar ato
atentatório já em curso.
Quando o legislador usa as expressão “prevenir ” está a se referir a
ato na iminência de ocorrer. É a Unterlassungklage do direito alemão. Já quando
fala em “impedir ou fazer cessar”, quer se referir a algo já ocorrido.É a
Beseitigunsklage do direito alemão ou azione di remoção dos italianos. Em ambos
124
NERY JÚNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Ob. cit., p. 157-158
86
os casos, a cessação da atividade lesiva, não afasta a possibilidade de reclamar,
o lesado, indenização que venha compensar o prejuízo experimentado.
Mas não é só. De acordo com o princípio da dignidade da pessoa
humana, previsto no texto Constitucional, possível se torna o exercício de
pretensões outras, ainda que estas não encontrem amparo em texto legislativo.
Fora do âmbito civil, como já dito, encontra-se grande proteção
conferida aos direitos da personalidade.
No direito Administrativo, conforme Capelo de Souza, citado por J.
M.Leoni Lopes de Oliveira
125
,
direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos tutelados
inclusivamente por responsabilidade civil e administrativa das
entidades públicas e dos seus agentes, vigorando
especificamente diversas normas de tutela de direitos de
personalidade, no âmbito das tarefas do Estado e dos demais
entes públicos, particularmente na prossecão do interesse
público.
Igualmente no Direito Penal se percebe a preocupação do legislador
quanto a proteção dos direitos da personalidade. Tal é sentida com a proteção do
125
SOUZA, Capelo apud OLIVEIRA, J.M.Leoni Lopes. ob. cit., p. 190
87
direito à vida, proteção esta que se estende até mesmo antes do nascimento, com
as penas impostas à prática do crime de aborto. A integridade física igualmente
foi objeto de proteção, resulte a ofensa de ato doloso ou culposo do agente
agressor.
O princípio do due process of law também assenta bases dentro
dos direitos da personalidade, como forma de garantir ao cidadão contra abusos
cometidos pelo Estado dentro do poder de polícia que a este é atribuído.
No âmbito do Direito Constitucional está presente a proteção dos direitos
da personalidade. O Constituição Federal de 1988, protege os direitos da personalidade,
ao afirmar que a instituição do Estado democrático tem por finalidade assegurar o
exercio dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o
desenvolvimento, a igualdade e a justa como valores supremos de uma sociedade
fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social.
Ainda assim, não se pode dispensar a tutela penal no que tange aos
direitos da personalidade. O Direito Civil por si só não é suficiente para defesa da
família. Protege, em sua grande maioria de normas de ordem pública, a forma de
formar, ou constituir a família, de forma que se faz necessária a intervenção
estatal na órbita constitucional e penal.
2.5. Direitos da personalidade e sua transferência
88
Analisando as características dos direitos da personalidade
comumente se encontra na doutrina a afirmão de que os direitos da
personalidade são inerentes à pessoa e, portanto, intransmissíveis, posto que
sem eles não se poderia configurar a personalidade.
Mas esta característica de intransmissibilidade não pode ser erigida
à condição de regra, pois casos há onde se permite a transmissibilidade de
algumas espécies de direitos da personalidade. Para ilustrar, poderia citar-se os
direitos autorais, de uso de imagem, de uso de voz, entre outros.
Carlos Alberto Bittar
126
, ao tratar do tema o faz sob a rubrica “os
direitos da personalidade no comércio jurídico”.
Observa o citado autor que alguns direitos da personalidade, em
razão de sua disponibilidade, podem ingressar no comércio jurídico, mas para
tanto é necessária a observância de alguns requisitos.
Ainda que passível de transmissão, não haverá, nesta classe de
direitos, a possibilidade de renúncia. Isso implica dizer que, mesmo que
temporariamente cedidos, tais direitos jamais poderão deixar de incorporar a
esfera jurídica do titular, de forma definitiva. A cessão ou permissão de
126
BITTAR, Carlos Alberto, ob. cit., p. 43
89
exploração por terceira pessoa, deverá sempre observar o critério da
temporariedade.
Para a validade da transmissão, imperiosa igualmente se torna a
autorização do titular. Esta autorização, para surtir o desejado efeito, deverá
sempre ser manifestada na forma expressa, escrita que seja em contratos
adequados para tal finalidade.
Oportuno ainda observar que, de regra, a incapacidade do titular do
direito, quando passível de transmissão, poderá ser suprida através dos institutos
da representação e da assistência. Mas, casos há em que nem mesmo a
autorização do responsável legal terá o condão da suprir esta manifestação.
Como exemplo pode-se citar a atual lei de Transplantes
127
, que só
permite a doação de órgãos quando o doador for juridicamente capaz de dispor.
Conforme observa Elimar Szaniawski,
[...] já em relação aos pais possuírem o poder de dispor de órgãos
de seus filhos para serem transplantados em terceiras pessoas,
ou para autorizar a doação de sangue dos incapazes para
transfusões, tem a doutrina se manifestado no sentido de haver
completa e total vedação em consenti-lo. O pátrio poder dos pais
127
Lei n. 9434, de 04.02.1997, art. 9
º
90
em relação aos filhos, só os autoriza a consentir tratamento,
exames médicos, transfusões de sangue, etc., para proteger a
vida e a saúde do menor incapaz e nunca de trazer-lhe uma
diminuição de sua integridade psicofísica em caráter temporário e
muito menos permanente.
128
Anote-se ainda, que os contratos que tenham por objeto a cessão
de direitos inerentes à personalidade dos contratantes, devem sempre ser
interpretados restritivamente. Não há que se falar em interpretação extensiva, ou
seja, só podem ser entendidos como objeto da relação contratual, aquele
devidamente delineado no instrumento contratual. Se, por exemplo, no contrato,
as partes referiram-se apenas ao direito de divulgação de imagem por meio
televisivo, não se inclui ai permissões para divulgação da imagem em revistas ou
jornais.
Caracteriza ato ilícito passível de indenização, qualquer utilização de
direitos não consentida, bem como toda aquela que venha a ultrapassar os limites
previamente estabelecidos no instrumento contratual.
2.6. Direitos da personalidade e sua extinção
128
SZANIAWSKI, Elimar. Ob. cit., p.301
91
Sob este prisma, discutida é a questão em torno de se saber em que
momento se extingue os direitos da personalidade.
Preceitua o artigo 10 do Código Civil em vigor que a existência da
pessoa natural e sua capacidade jurídica terminam com a morte.
Nosso sistema civil não acolheu a teoria da morte civil, instituto
conhecido do direito romano, segundo o qual a pessoa, mesmo que viva, era
considerada como se morta fosse para os efeitos de direitos, sendo privada
totalmente dos direitos inerentes à personalidade.
Mas mesmo com o fim da existência, doutrinariamente se discute a
“possibilidade de prolongamento da personalidade após a morte da pessoa para
proteger-lhe os respectivos direitos da personalidade, e para justificar a
condenação à ofensa moral contra o morto. Procura-se, assim, garantir o seu
direito à honra e à reputação, agindo o respectivo cônjuge, ou os herdeiros, em
nome e no interesse do defunto”
129
.
Orlando Gomes, abordando o tema, afirma que os direito da
personalidade
Dizem-se inalienáveis, no sentido de que o titular não pode
transmiti-lo a outrem, privando-se de seu gozo, por isso que
129
AMARAL, Francisco. Ob. cit., p. 231
92
nascem e se extinguem ope legis com a pessoa. Não se
transmitem sequer mortis causa, embora gozem de proteção
depois da morte do titular, sendo legitimados a requerê-la o
cônjuge sobrevivente ou qualquer parente próximo e não os
herdeiros chamados à sucessão
130
.
Para explicar o fenômeno da proteção legislativa à pessoa do
falecido, afirma Francisco Amaral que “tal matéria simplifica-se com a concepção
moderna que distingue a personalidade da capacidade, atribuindo a primeira ao
nascituro e ao defunto e a segunda, aos indivíduos com vida extra-uterina.
131
Sobre o tema em análise, Elimar Szaniawski observa que:
Apesar das tentativas dos doutrinadores em desenvolver uma
justificativa teórica da transmissão dos direitos de personalidade
do indiduo para além de sua morte, predomina a idéia da
intransmissibilidade desses direitos como sua característica
básica, pois sustenta-se que os direitos extrapatrimoniais se
extinguem com a morte de seu titular. Os herdeiros e parentes do
de cujus não exerceriam o direito de personalidade deste, mas
possuiriam um outro direito, um novo direito, como um interesse
130
GOMES, Orlando. Introdução ao Direito Civil. 13. ed., Rio de Janeiro, Forense, 1999, p.153
131
AMARAL, Francisco. Ob. cit., p.219
93
próprio que não o do falecido, não atuando em nome deste, mas
em seu próprio nome.
132
O novo Código Civil ao regulamentar os direitos da personalidade,
passa a admitir a proteção desta classe de direitos, mesmo após a morte do seu
titular. Assim é que no parágrafo único do artigo 12 do referido diploma, dispõe o
legislador que: “Em se tratando de morto, terá legitimação para requerer a medida
prevista neste artigo o cônjuge sobrevivente, ou qualquer parente em linha reta ou
colateral até o quarto grau.
Destas análises pode-se afirmar com segurança, que tanto a
doutrina, quanto hoje a legislação civil, admite a tutela dos direitos da
personalidade mesmo após a morte do indivíduo.
A discussão, portanto se limita ao aspecto de serem estes direitos
transmitidos aos herdeiros com a morte do titular, ou se com a morte, nasceria
um novo direito que justificaria a legitimidade dos herdeiros a figurarem no polo
ativo de uma relação processual que tivesse por escopo a proteção da
personalidade do de cujus, conforme acima analisado.
Para chegar-se a uma conclusão com base no sistema adotado pelo
atual Código Civil, segundo o qual a personalidade do homem acaba com a
morte, ter-se-ia a impossibilidade da tutela daquilo que acabou.
132
SZANIAWSKI, Elimar. Ob. cit. p. 63
94
Em assim sendo, não se poderia falar em sobrevivência de direitos
inerentes à personalidade após a morte de seu titular. Não é possível transmitir o
que já não existe. Poderia sim, falar-se no direito dos herdeiros em ver protegida
a memória do morto, mas não como representantes do de cujus e sim como
titulares de um novo direito que nasceu com o falecimento do lesado.
Para concluir, com Francisco Amaral
133
,
Verifica-se com a morte da pessoa, uma especial sucessão de direitos da
sua personalidade em prol dos herdeiros do falecido, o que os legitima a
tomar providências para eventual tutela jurídica desses direitos, entre os
quais o de impedir ofensas à integridade física, moral e intelectual do
falecido. Compete-lhes, portanto, qualquer decisão a esse respeito, por
direito próprio, não como representante, que não poderia ser, de alguém
falecido.
Estabelece o legislador civil no novo texto legislativo, que a proteção
se inicie desde a concepção do nascituro, estendendo-se além da morte. Neste
segundo caso, a legitimidade para propor ação visando o alcance da tutela
protetiva foi deferida aos herdeiros do falecido, de acordo com o § único do artigo
12 do novo diploma civil.
133
AMARAL, Francisco. Ob. cit., p.263
95
Conforme preconizado pelo legislador no texto do novo Código Civil,
a tutela dos direitos da personalidade pode ser feita de forma preventiva ou
repressiva. Em ambos os caso não estará o julgador adstrito à observância de
fórmulas preconizadas pelas leis, devendo sempre buscar soluções que sejam
eficazes para coibir ou reprimir a lesão aos direitos da personalidade. E não é só,
alem da tutela repressiva e preventiva, prevê o legislador, concomitantemente
com estas, a tutela indenizatória que não é excluída pelo exercício das duas
primeiras modalidades.
Uma vez analisados os aspectos acima, se faz necessário a análise
da concorrência e hierarquia dos direitos da personalidade quando há conflitos de
direitos da personalidade, envolvendo, portanto, a necessidade do princípio da
proporcionalidade.
2.7. Concorrência e hierarquia no âmbito dos direitos da personalidade
Outro aspecto muito debatido no campo doutrinário é a concorrência
e a hierarquia dos chamados direitos da personalidade.
Nesse aspecto, Ricardo Luiz Lorenzetti enfatiza que o problema tem
origem na escassez, afirmando que, “Se um juiz ou um legislador pudesse dar a
todos os mesmos direitos, não haveria necessidade de solucionar nenhum
96
conflito. A realidade é que há proliferação de direitos e escassez de bens; direitos
que colidem entre si, é necessário adjudicar.”
134
Inúmeros são os aspectos que assumem grande relevância neste
cenário. Várias são as dúvidas e controvérsias.
As principais delas repousam sobre a forma de dirimir o conflito
quando dois bons direitos entram em choque.
Diante do confronto de dois direitos igualmente tutelados, como
deve se portar o aplicador do direito? Seria possível afirmar-se que há hierarquia
entre os direitos da personalidade de forma a, em caso de eventual confronto,
fazer com que um prevaleça sobre outro?
Como forma de solucionar os conflitos, aponta a doutrina a
aplicação do princípio da proporcionalidade, que se desenvolve nos seguintes
posicionamentos.
De acordo com Elimar Szaniawski, na aplicação do princípio da
proporcionalidade.
Pondera-se os bens e interesses postos na lide, devendo ser sacrificado o
direito, cuja tutela seja incompatível com a realização dos objetivos
primeiros que se tem em vista. Preconizamos a aplicação do princípio da
proporcionalidade, diante do conflito de dois interesses legitimamente
tuteláveis, com o qual surge a possibilidade de se estabelecer um eficiente
134
LORENZETTI, Ricardo Luiz, ob. cit., p. 421.
97
sistema de limites às normas cuja atuação ponham em perigo os direitos
da personalidade de qualquer indivíduo.
135
.
Elimar Szaniawski, em estudo da doutrina que trata do princípio da
proporcionalidade, o insere entre as proposições jurídicas fundamentais. Conclui-
se daí, com o autor, que o manejo do princípio da proporcionalidade, nada mais é
do que uma forma de se verificar, “em que medida um interesse em si mesmo
legítimo deve ceder perante outro de valor superior ou seja, quando surgir uma
situação em que for necessário o estabelecimento do limite de satisfação lícita de
um interesse à custa de outro interesse também digno de tutela”
136
Mas para se chegar a aplicação do princípio da proporcionalidade,
deve o juiz verificar se realmente existe o conflito de direitos.
Analisando o caso concreto, deve o juiz, em primeiro lugar, verificar
se realmente está diante de um interesse juridicamente tutelável. Ao concluir
afirmativamente sobre este aspecto, ainda impõe-se a ele a busca de solução que
garanta a tutela dos dois direitos em confronto, de forma a proteger-se ambos.
Nessa missão, o intérprete aplicador para solucionar o conflito deve
ainda verificar se este ocorre entre princípios ou entre normas.
Se o conflito for entre normas, incumbe ao intérprete, verificar qual
delas deverá ser aplicada, subsumindo-se ao fato em concreto. Lança mão o
julgador das regras de interpretação para este fim. Concluindo sobre a existência
135
SZANIAWSKI, Elimar, ob. cit., p.356
136
SZANIAWSKI, Elimar, Ob.cit., p.114
98
de duas regras que regulamentem o mesmo fato, há que se declarar a invalidade
de uma delas tendo em vista o conflito.
A solução pode ser encontrada na verificação da hierarquia das leis,
da especialidade delas ou ainda o aspecto cronológico das mesmas.
Nesse caso, a solução, segundo Alexi
137
, “no caso de conflito entre
regras, este é resolvido traduzindo uma cláusula de exceção ou declarando uma
das regras inválidas. Quando a primeira hipótese não for possível, só restará a
alternativa de afastar pelo menos uma das regras conflituosas, declarando-a
inválida e expurgando-a do ordenamento jurídico. Esta é essencialmente uma
decisão referente à validez de regras, uma vez que uma norma vale ou não vale
juridicamente”.
O conflito pode ocorrer, Segundo Ricardo Luis Lorenzetti, diante de:
– normas contrárias: produz-se uma colisão entre uma norma que
manda fazer e outra que proíbe;
- normas contraditórias: uma norma manda fazer e a outra permite
não fazer, ou uma norma prbe e a outra permite;
138
E arremata ainda Ricardo Luis Lorenzetti: “a antinomia pode ser
resolvida eliminando uma das normas, porque a aplicação de uma delas é
excludente. Também pode se chegar a uma solução que conserve as duas, mas
fixando o sentido de uma.”
137
ALEXY, Robert apud FARIAS, Edmilson Pereira de. Colisão de Direitos, a honra, a
intimidade, a vida privada e a imagem versus a liberdade de expressão e informação. 2.
edição, Porto Alegre, Sergio Antonio Fabris Editor, 2000, p.30
138
LORENZETTI, Ricardo Luis, ob. cit., p. 423
99
Já se o conflito ocorre não entre normas, mas entre princípios, outra
será a solução preconizada pela doutrina.
Os princípios devem ser sopesados. Na colisão entre princípios
deve o intérprete decidir qual deve prevalecer sobre o outro. A diferença, segundo
Alexy
139
, é que na solução da colisão entre princípios, diferentemente do que
deve ocorrer com as normas, o princípio preterido não deve ser declarado
inválido.
É o que afirma Lorenzetti
140
, “quando se trata de princípios e valores
não há opção, mas ponderação e funcionam critérios argumentativos”, para a
solução do problema, necessário se torna realizar opções de exclusão (caso o
conflito ocorra entre normas). Caso contrário, deve-se proceder a chamado juízo
de ponderação, onde não será possível excluir qualquer das tutelas, mas sim
graduá-las, dando a cada um o que é seu
Para explicar tal solução, justifica Gianformaggio que ”os princípios
jamais são entre si incompatíveis; são sempre entre si concorrentes
141
Claro que para a aplicação do juízo de ponderação deve o aplicador
do direito voltar olhos sempre ao caso concreto, verificando qual das garantias
tem maior peso diante da realidade fática.
139
ALEXY, Robert apud FARIAS, Edmilson Pereira de, ob. cit., p. 31
140
LORENZETTI, Ricardo Luis, ob. cit., p. 426
141
GIANFORMAGGIO, Letizia apud FARIAS, Edmilson Pereira de, ob. cit., p. 33
100
Conclui-se daí, que na esteira de conflito de princípios não se pode
mais falar em princípios absolutos. Na verificação do caso concreto, sempre
haverá a possibilidade de um princípio sobrepor-se a outro.
Todavia, vale a lembrança de que a aplicação da tutela da
personalidade nas relações familiares se faz possível, quando for o caso. A
exemplo da reparação por dano moral em decorrência do rompimento do
casamento de forma injustificada. E não é por serem parte da família que os seus
membros ficaram excluídos da responsabilidade por atentados contra a honra.
Contudo, há que se ter cautela no reconhecimento dos danos com
finalidade de gerar indenização, pois muitas vezes a responsabilização ocorrida
pode se tornar na impossibilidade de restabelecimento dos laços familiares.
2.8. Aplicação dos direitos da personalidade.
Como já tratado anteriormente, os direitos da personalidade têm
origem na história antiga do direito, sofrendo constante evolução até os dias de
hoje.
É dizer que para o Direito, os direitos de personalidade constituem
ou representam bens jurídicos de máxima relevância. Tanto é que tais direitos
estão reconhecidos na Constituição da República Federativa do Brasil, em seu
101
artigo 1
o
, onde a dignidade da pessoa humana é uma das figuras que figuram
com princípio fundamental da República Federativa do Brasil.
Assim é que, os direitos da personalidade são fundados na
dignidade da pessoa humana, e que por si só são irrenunciáveis e imprescritíveis.
até mesmo em relação ao próprio titular, de forma que não podem ser restringidos
pelo ordenamento jurídico a não ser por motivo que autorize de forma evidente.
Mas que ainda assim, deve-se levar em conta o princípio da proporcionalidade e
razoabilidade para tal interpretação.
Conforme se observou no desenvolver destes estudos, os direitos
da personalidade, apesar de contemplados de forma sucinta pelo legislador civil
pátrio, encontram-se espraiados por todo o ordenamento jurídico, sendo sua
tutela de ordem constitucional, civil e penal.
Conforme se observa no artigo 11 do Código Civil em vigor, fica
estabelecido no texto legislativo, que a proteção se inicie desde a concepção do
nascituro, estendendo-se além da morte. Neste segundo caso, a legitimidade
para propor ação visando o alcance da tutela protetiva foi deferida aos herdeiros
do falecido, de acordo com o § único do artigo 12 do novo diploma civil.
Preconiza ainda o legislador no texto do atual Código Civil, que a
tutela dos direitos da personalidade pode ser feita de forma preventiva ou
repressiva. Em ambos os casos, não estará o julgador adstrito à observância de
fórmulas preconizadas pelas leis, devendo sempre buscar soluções que sejam
102
eficazes para coibir ou reprimir a lesão aos direitos da personalidade. E não é só:
além da tutela repressiva e preventiva, prevê o legislador, concomitantemente
com estas, a tutela indenizatória que não é excluída pelo exercício das duas
primeiras modalidades.
Outro aspecto de grande relevância no tema é o problema do
conflito e hierarquia entre os direitos da personalidade.
Conforme apontado pela doutrina, se o conflito é decorrente de
normas, deve uma delas ser declarada inválida, aplicando-se a outra. O
ordenamento jurídico não autoriza a permanência de duas normas que sejam
conflitantes entre si, devendo ser aplicado no caso concreto, o princípio da
proporcionalidade.
É dizer que, se o conflito ocorrer entre princípios, a solução
preconizada deve ser outra. De acordo com o que foi demonstrado, neste caso,
deverá o julgador usar da ponderação, analisando no caso concreto qual dos
princípios deve prevalecer, caso em que o outro não será considerado inválido.
2.9. Danos morais em decorrência dos direitos da personalidade nas
relações familiares
Como já exposto, os direitos da personalidade têm uma estreita
relação com os danos morais, ou seja, uma vez lesionados os bens jurídicos
103
protegidos pelos direitos da personalidade, por conseqüência, se possibilita a
reparação pelos danos morais.
A própria Constituição Federal em seu artigo 5
o
, inciso V afirma que
“é assegurado o direito de reposta, proporcional ao agravo, além da indenização
por dano material, moral ou à imagem.”
Não raras são as divergências no seio da família. Muitas delas tão
somente nas agressões verbais, às vezes em lesões corporais, ofensa à honra,
chegando até a homicídio nos casos mais graves.
Clayton Reis, ao analisar a possibilidade de danos morais nas
relações familiares, acentua que “as ofensas praticadas pelos cônjuges no
ambiente familiar contra o seu consorte são no geral, pautadas por graves
fissuras nas intimidades das pessoas matrimonializadas”. Proclama ainda que,
“nesse caso, os danos morais a efeito nessas condições, são de grande
magnitude. É comum no ambiente hostil que se consumam essas agressões, o
apelo à reação violenta realizada pela pela pessoa atingida.”
142
De outro lado, é certo que, por tratar-se de normas que regulam a
vida em família e que tudo se faz para preservação da unidade familiar, não é
qualquer motivo que levaria o julgador a entender que se faz cabível o dano
moral. Não seria do bom direito, em qualquer circunstância, como uma simples
discussão, gerar a reparação da ofensa por danos morais. Há que se tratar de um
142
REIS, Clayton. Dano moral como tutela aos direitos de personalidade nas relações
familiares. In Revista jurídica CESUMAR Mestrado, v. 5, n. 1 (julho 2005). Maringá: Centro
Universitário de Maringá, 2005, p. 43.
104
ato ilícito, como a ruptura do casamento em decorrência do adultério, a tentativa
de homicídio, e outras situações relevantes que possam ocorrer na convivência
familiar.
Ou ainda, nas palavras de Clayton Reis, citando Eduardo de Oliveira
Leite, na análise dos danos morais oriundos das relações familiares, afirma que,
“é a dor causada pelo rompimento inopinado, a mágoa que destrói todo um
projeto de vida e a inquestionável desmoralização social que geram o dever de
indenizar.”
143
Eduardo de Oliveira Leite, ao lançar comentários sobre julgamento
do Superior Tribunal de Justiça, em que a separação judicial foi decretada por
culpa exclusiva do marido em decorrência de constantes agressões físicas,
sevícias praticadas contra a mulher dentre outros tratamentos que levam à ofensa
física e psíquica, afirma que:
Sem vacilar quanto à possibilidade de indenização do dano
puramente moral face ao princípio constitucional )art. 5
o
, inc. V)
aquele jzo concedeu a reparação do ano moral pelos vexames
impostos pelo marido à mulher, inclusive emblico, durante
longo período, pelas secias praticadas, pelas humilhações a que
a mulher se submeteu quando precisou sobreviver às custas da
caridade de amigos, quando deixou o lar conjugal, por temer por
sua integridade física.
144
143
Idem ibdem. p. 44.
143
LEITE, Eduardo de Oliveira. Reparação do dano moral na ruptura da sociedade conjugal.
(Grandes temas da atualidade – Dano moral: Coord. Eduardo de Oliveira Leite) Rio de
Janeiro: Forense, 2002, p. 144-146.
143
Idem ibdem. p. 148.
144
Idem ibdem, p. 144-146.
105
Ainda sob os ensinamentos de Eduardo de Oliveira Leite, observa-
se que em países como a França, a previsão sobre a possibilidade de obter-se a
reparação por dano moral no âmbito familiar, é expressa, senão vejamos o
contido no artigo 266 do Código Civil Francês, que assim dispõe: “quando o
divórcio é pronunciado por culpa exclusiva de um dos esposos, este pode ser
condenado a perdas e danos como reparação do prejuízo material ou moral que a
dissolução do casamento impôs ao cônjuge.”
145
3. DA FORMAÇÃO DA FAMÍLIA PELOS INSTITUTOS DO CASAMENTO E DA
UNIÃO ESTÁVEL E SEUS ASPECTOS PENAIS
3.1. A família e seus desdobramentos no âmbito penal.
Como já exposto, a família vem passando por transformações
sociais, e tais transformações não passam despercebidas pelo Direito Penal. No
entanto, várias são as querelas criminais envolvendo pessoas de uma mesma
família.
No âmbito constitucional está garantida à família a proteção por
parte do Estado. Não é diferente no Código Civil, que trás adequações tanto no
que se refere à formação da família, bem como na continuidade da família. É o
caso, por exemplo do casamento suscetível de ser anulado previsto no artigo
1557, inciso II do Novo Código Civil em razão da prática de crime que torne a vida
do casal em comum insuportável.
146
145
Idem ibdem. p. 148.
146
Código Civil – art. 1557 – Considera-se erro essencial sobre a pessoa do outro cônjuge:
(...)
II a ignorância de crime, anterior ao casamento, que por sua natureza, torne insuportável a vida
conjugal.
106
Não é diferente no âmbito do Direito Penal, que passa a intervir nos
relacionamentos familiares quando não houver proteção suficiente na esfera do
Direito Civil, como é o caso do crime de bigamia
147
, por exemplo.
Ainda assim, vale dizer que, em se tratando de norma penal que
ampare a família, como se tem hoje, segundo Magalhães de Noronha, “é a
primeira vez que, em nossa legislação, se apresenta um Título de crimes contra a
família.
148
Entretanto, Guilherme Calmon Nogueira da Gama, observa que houve
sim foi tão somente tratamento esparso da matéria, e não da forma que está
sistematizado atualmente.
149
Nas palavras do mesmo doutrinador, “o Direito
Penal só se legitima como a última ratio, ou seja, somente quando outras áreas
do Direito se verificam insuficientes e impotentes para a tutela do bem jurídico que
merece proteção.”
150
Nesse sentido, em se tratando de outras áreas do Direito, o que
pode ser observado na doutrina nacional, é que várias são as normas que tutelam
a instituição familiar, inclusive no âmbito internacional, a exemplo do que ocorre
com a adoção internacional. Não é por menos que ocorre tal proteção em torno
da família, afinal, é ela a célula mater da sociedade e tal aspecto levou Jacques
de Camargo a afirmar que:
A elevada valoração da família justifica que os principais
elementos de sua composição e dinâmica mereçam proteção
jurídico-penal e, assim, os bens e interesses tratados pelos
147
Código Penal – art. 235. Contrair alguém, sendo casado, novo casamento:
§ 1
o
reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos.
(...).
148
NORONHA, Edgard Magalhães. Direito Penal. 19. ed., São Paulo: Saraiva, 1987, vol. 3, p. 295
149
GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. A família no direito penal. Rio de Janeiro: Renovar,
2000, p. 151.
150
Idem ibdem, p. 132.
107
direitos dos povos e agasalhados nas suas constituições recebem
tratamento criminal com o fito de, empregada a sanção punitiva,
estimular-se o comportamento humano compatível com o respeito
daqueles valores.
151
Ao tratar da interdisciplinariedade como uma inafastável tendência
no Direito de família e a questão da guarda compartilhada, José Sebastião de
Oliveira assim se manifesta:
No estágio atual, em que os diversos ramos do conhecimento
tendem a uma especialização cada vez maior dentro de suas
próprias áreas, verticalizando o objeto de estudo, no Direito de
Família nota-se uma propensão que caminha noutro sentido,
buscando a interdisciplinariedade com outras áreas do
conhecimento.
152
Pode-se afirmar assim que, mesmo que a família tenha recebido
especial proteção do Estado, por meio da Constituição Federal de 1988, bem
como o contido no Código Civil tenha se aproximado da proteção constitucional,
ainda assim, não pode ser menosprezada a proteção penal necessária às
relações familiares, a exemplo do casamento, união estável, filiação, inclusive no
contexto da criança e do adolescente, dentre outras questões.
Contudo, há aspectos que dependem ainda de aperfeiçoamento
para melhor aplicação. A exemplo, pode ser citado a união estável, que hoje, pelo
texto constitucional, admitida como entidade familiar, mas que ainda não encontra
proteção específica no âmbito do direito penal, ao menos explicitamente.
151
PENTEADO, Jaques de Camargo. A família e a justiça penal. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 1998, p. 32.
152
OLIVEIRA, José Sebastião. Ob. cit., p. 294.
108
Na obra Temas de Direito de Família, Eduardo de Oliveira Leite no
tópico “A família: parente pobre do direito penal?”, com muita propriedade afirma
que:
O direito penal stricto sensu, dedicou menos interesse à família.
Embora o termo família figure no Código Penal, especialmente
quando os membros são vítimas de abandono, ou quando o
Código se refere às obrigações de ordem moral e material
resultantes da autoridade parental e da tutela legal, bem como da
saúde, da segurança e da moralidade das crianças, a questão que
permanece é saber se família mereceria uma melhor proteção.
Atualmente – independente de seu extraordinário e decisivo papel
na ordem social – tem sido objeto de reduzida atenção pelo direito
penal.
153
Em sendo assim, observa-se que, por um lado, a família carece de
maior proteção no âmbito penal, por outro lado, a proteção do bem jurídico penal
familiar é restrita.
O que se observa, é que, se houver omissão do Estado sem que
haja uma condenação criminal, por parte do agente que venha viver dentro do
regime de união estável com uma pessoa, e venha ainda constituir uma segunda
convivência com uma outra pessoa que esteja de boa-fé, como ocorre no caso de
bigamia (por ser este o regime de casamento) estará o convivente inocente e de
boa-fé, afetado na sua integridade moral, de forma que se faz necessária a
análise dos direitos da personalidade no âmbito penal, pois estará o cônjuge
inocente exposto à execração pública e familiar.
153
LEITE, Eduardo de oliveira. Temas de direito de família. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 1994, p. 17.
109
Na hipótese exposta acima, verifica-se que o legislador há que se
manifestar, no sentido de elaborar lei que atenda, também a união estável, já que
após a Constituição Federal de 1988, o legislador constituinte, reconheceu a
união estável, como família. Se assim é, há que se ter o mesmo tratamento dado
à família constituída pelo casamento.
Demonstrada a necessidade de se estabelecer mecanismos de
interdisciplinariedade
154
entre o direito de família e o direito penal, passar-se-á a
analise quanto as possibilidade de adequação da norma penal em vigor.
3.2. Interpretação extensiva do direito penal no âmbito do direito familiar.
154
Os doutrinadores espanhois, Manuel Gonzales e Miguel Angel del Arco Torres, ao tratar do
tema separação conjugal, relacionando o âmbito civil e penal, assim discorrem: Âmbito civil y
penal – La figura del art. 487, 4 CP rd independiente de los supuestos de abandono malicioso y de
abandono por conduta desordenada, ya que el subtipo se centra em la insatisfacción total y
plenária de la deuda alimentícia. (S. 13 jun. 1983, TS, Sala 2ª, Ponente: sr. Rodriguez Lopes).
CDO: que la parte actora-apelada basa su demanda de separación conyugal em la causa de
abandono del hogar por parte del esposo recogida em el 2º del art. 105 del CC., según la
redacción del hogar por parte del esposo recogida en el 2º del art. 105 del CC, según la redaccón
dada por la reforma de la Ley de 24 de abril de 1958, que al introducir tal causa en el ap. De los
malos tratamientos de obra y las injurias lo sitúa la materia en área vecina a la penal, al sicronizar
la normativa de protección familiar de carácter genérico en ámbitos penal y civil, en tanto que la
incardinación de ésta en el campo de los deberes familiares ha de conectarse necesariamente, en
su vertiente de causa de cesación temporal de la vida conyugal, con la del “tipo” introducido en la
legislación penal española por la Ley de 12 mar. 1942, hoy configurado como delito de familia por
el art. 487 de CP; doble referencia normativa que, como usualmente ocurre en los supuestos de
eventual infracción de norma primaria que es presupuesto del ilícito, impone recordar que todo
ilícito penal con supuesto de hecho común es al tiempo un ilícito civil sin necesidad de otras
connotaciones y que esta identidad fáctica no comporta un compartimento estanco, ya que unas
veces la leu civil toma la infracción penal o ilícito criminal em si y sin necesidad de ningún
aditamento o temperamento: por ejemplo, inhabilidad para la tutela, causas de indignidad para
suceder o deshewredación y otras – singularmente el derecho de daños – un mismo evento fáctico
(en este caso “el abandono del hogar)....( GONZÁLES, Manuel Pons; TORRES, Miguel Ángel del
Arco. Separación, Divórcio y Nulidad Matrimonial: régimen jurídico (Teoria, praxis judicial y
formulários). 4. ed. (Espanha) Granada: Comares Editorial. 1995, p. 49)
110
Como já afirmado acima, algumas situações inerentes ao direito de
família, não tem proteção explícita no direito penal, como é o caso da união
estável.
Contudo, para resolução de casos concretos, o que se observa é
que há estudos sobre a possibilidade de interpretação extensiva, ou até mesmo
de utilização de argumentos pautados na analogia.
Conforme demonstra Luiz Regis Prado, em sua obra Curso de
Direito Penal Brasileiro – parte geral, “o Direito emerge nitidamente como ciência
do espírito no momento em que o jurista procura atingir o verdadeiro sentido e a
exata compreensão das normas jurídicas. Portanto, interpretar um texto normativo
significa captar sua essência, compreendê-lo, esclarecendo e fixando seu sentido
e alcance. [...]”.
155
De toda forma, convém sublinhar que há que se levar em conta os
métodos de interpretação, quais sejam, “autêntica (realizada pelo legislador);
judicial (juízes e tribunais) e doutrinária (jurisconsultos e cientistas do direito), e no
que se refere ao resultado, pode ser a interpretação declarativa, restritiva e
extensiva.”
156
155
PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro: parte geral. São Paulo: Editora
Revista dos Tribunais, 1999, p. 94-95.
156
PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro: parte geral. São Paulo: Editora
Revista dos Tribunais, 1999, p. 96. – Nesse sentido o autor afirma que: Já em relação ao
resultado a interpretação pode ser declarativa, restritiva e extensiva. A primeira tão-somente
declara o sentido lingüístico (concordância entre o resultado da interpretação gramatical e o da
lógico-sistemática). Na segunda, a conclusão é de que o legislador exprimiu-se de forma
ampliativa, foi além do pensamento. Por fim, a interpretação extensiva se destina a corrigir uma
fórmula legal por demais estreita. Ou seja: naquela, o sentido vai além do modelo gramatical, isto
é, o significado ultrapassa o texto legal; nesta, o sentido fica aquém da expressão literal.
111
Vale trazer ainda os ensinamentos de Luiz Regis Prado, no que se
refere à interpretação extensiva do direito:
A interpretação extensiva, que não se confunde com argumento
analógico, exige sempre uma norma jurídica ainda que com
expreses amguas ou imprecisas. A hipótese não estando
prevista na literalidade legal o está, contudo, em seu espírito.
Todavia, em se de procedimento analógico, como há lacuna,
omissão legal, ela não está em nenhum lugar, nem na letra, nem
no esrito da lei posta. A analogia integra e a interpretação
extensiva indaga, busca, revela o sentido da norma, daquilo que o
legislador realmente queria e pensava; a analogia, pelo contrário,
tem de haver-se com casos em que o legislador não pensou, e vai
descobrir um nova norma inspirando-se na regulamentação de
casos análogos: a primeira completa a letra e a outra o
pensamento da lei. Outro critério diferenciador é o da prioridade:
antes vem a interpretação e depois, como conseqüência lógica, o
argumento analógico. Assinala-se, ainda, que o seu efeito radica
na criação de uma nova regra jurídica e o efeito da interpretação
extensiva vem a ser a extensão de uma norma aos casos não
previstos.
Desse modo, na interpretação extensiva, em face da insuficiência
verbal, amplia-se a significão das palavras para alcançar a
mens legis ( v.g., o art. 130 do Código penal inclui não só o
perigo, mas também o próprio contágio de moléstia grave; no art.
168, a expressão “coisa alheia”inclui a coisa comum, o art. 235 se
refere não apenas à bigamia, mas também à poligamia; [...].
157
Não há dúvidas que o exposto acima é entendimento de grande
acerto. Mas ao trazer tal entendimento para o campo das relações familiares, não
se faz possível a aplicação da analogia nos casos em que não há qualquer
previsão legislativa que se aproxime do caso concreto, a exemplo do que foi
exposto anteriormente, no caso do crime de bigamia, que decorre do casamento
de pessoa já casada, não se fazendo possível aplicar o mesmo crime, bigamia,
para as pessoas que já vivam em união estável, constituindo-se uma segunda
união estável.
157
PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro: parte geral. São Paulo: Editora
Revista dos Tribunais, 1999, p. 96.
112
Nesse sentido, analogia no Direito Penal, vale a afirmativa de
Guilherme Calmon Nogueira da Gama no seguinte sentido: “no Direito Penal, não
é possível a integração da norma incriminadora mediante a analogia, ao passo
que ela é perfeitamente aplicável quanto às normas penais não incriminadoras.
Admite-se, pois, a analogia in bonam partem, negando-se aplicação à analogia in
malam parte.
158
Feitas essas considerações acerca da interpretação da norma penal,
se faz necessário analisar circunstâncias oriundas do Direito de Família, em
relação à sua formação, ou até mesmo em relação à sua subsistência, como é o
caso do instituto da união estável.
3.3. A formação da família pelo instituto da união estável e a norma penal
A união estável, a partir da Constituição Federal de 1988, passou a
ser considerada como família, como propriamente o é. Não há mais diferença
entre a família formal, constituída pelo casamento, e a união estável, chamada
por alguns doutrinadores como família informal, ou aquela constituída
informalmente.
Assim sendo, a partir do novel texto Constitucional, a família sob a
característica da união estável não pode sofrer diferenciações, devendo ter total
158
GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Ob. cit., p. 149.
113
proteção do Estado em todos os âmbitos, inclusive no que se refere aos direitos
da personalidade.
É dizer que a família decorrente da união estável, conforme artigo
226, § 3
o159
, da Constituição Federal, deve ser considerada e ter igual tratamento
da família constituída por meio de vínculos matrimoniais, devendo ser tratada com
dignidade e respeito, sem qualquer discriminação.
160
Observa-se que imperam no artigo 1.521 os impedimentos para o
casamento, onde se analisa a falta de legitimação para o casamento com certa
pessoa, por assim dizer, que há a incapacidade matrimonial, tendo em vista que
“impedimentos absolutamente dirimentes, previstos no artigo 1.521, têm por
objetivo: a) impedir o casamento incestuoso (incs. I a V); b) preservar a
monogamia (inc. VI); c) evitar o casamento motivado pelo homicídio.
161
De outro lado, no que se refere à união estável, embora seja ela
formada informalmente, há implicações no seu reconhecimento, pelo que se extrai
do contido no artigo 1595 do Código Civil
162
.
159
Constituição Federal. Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
(...)
§ 3
o
Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher
como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.
160
Para efeito de definão legal de união estável, cita-se o artigo 1.723 do Código Civil que a
define: Art. 1.723. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a
mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo
de constituição de família.
161
BARROS. Flávio Augusto Monteiro de. Manual de direito civil, v. 4: família e sucessões. São
Paulo: Editora Método, 2004, p. 28.
162
CC. Art. 1.595. Cada cônjuge ou companheiro é aliado aos parentes do outro pelo vínculo da
afinidade.
§ 1
o
O parente por afinidade limita-se aos ascendentes, aos descendentes e aos irmãos do
cônjuge ou companheiro;
§ 2
o
Na linha reta, a afinidade não se extingue com a dissolução do casamento ou da união
estável.
114
Assim é que, cada cônjuge ou companheiro se vincula aos parentes
do outro pelos laços da afinidade, conforme estatuído pela Lei Civil. Nesse
sentido, Sylmara Juny Chinelato afirma que “parece que o Código aceitou a
convivência em união estável ou companheirismo, como estado civil. Só assim se
entende o estabelecimento de afinidade entre parentes do companheiro. Essa
consideração se reflete nos impedimentos matrimoniais, inciso II do artigo
1.521.
163
Para parâmetro, o legislador pátrio impôs um limitador no
parentesco por afinidade conforme contido no inciso I do artigo 1595 do Código
Civil, sendo que”o parentesco por afinidade limita-se aos ascendentes, aos
descendentes e aos irmãos do cônjuge ou companheiro.
Diante do preceito do § 1
o
do artigo 1595, não há dúvidas acerca do
parentesco por afinidade nas relações familiares informais, tendo em vista tratar-
se de um parentesco decorrente do texto legal, qual seja, do Código Civil.
Da mesma forma, mesmo que se desfaça a família advinda da união
estável, ainda assim permanecerão os vínculos decorrentes do parentesco por
afinidade, já que o parágrafo 2
o
do artigo 1.595 do Código Civil prevê que “na
linha reta, a afinidade não se extingue com a dissolução do casamento ou da
união estável.”
163
CHINELATO, Sylmara Junes. Ob. cit. p. 23.
115
Portanto, é dizer que os mesmos impedimentos existentes na linha
reta entre os nubentes que pretendem se casar, devem ser observados quanto às
pessoas que pretendam se unir em família pelos vínculos do instituto da união
estável, isto no aspecto civil.
Nesse sentido, Sylmara J. Chinelato, analisando o § 2
o
do Artigo
1595 do Código Civil, ensina que:
Combinando o parágrafo em análise com o disposto no § 1
o
do
mesmo artigo e com o inciso II do art. 1.521, conclui-se que o
sogro não pode casar com a ex-companheira de seu filho; a sogra
não pode casar com o ex-companheiro de sua filha; o filho não
pode casar com a ex-companheira de seu pai; a filha não pode
casar com o ex-companheiro de sua mãe.
Por igual razão, o sogro não pode casar com a ex-nora; a sogra
não pode casar com o ex-genro; filho não pode casar com ex-
madrasta; a filha não pode casar com ex-padrasto.
Mas, e se mesmo assim houver o desrespeito quanto às normas
acima estabelecidas em caso de união estável? Entende-se que, nesse caso, não
haverá um impedimento propriamente que afaste a convivência entre tais
pessoas, nem mesmo haverá um tipo penal que enquadre tal comportamento,
contudo, não haverá o reconhecimento por parte do Estado, da união estável
conforme o instituto da Lei 9.278/96, bem como o artigo 1.723 do Código Civil.
Ainda em análise ao artigo 1.595 do Código Civil, Sylmara J.
Chinelato, traça o seguinte raciocínio:
116
O arcabouço formado pelos arts. 1.723 a 1.727, 1.595, 1.521, II,
leva-nos a sustentar que a união estável induz parentesco entre um convivente e
os membros da família do outro convivente, nos limites da lei.
Este raciocínio nos leva igualmente a entender que convivente ou
companheiro é um novo estado civil, ao lado de solteiro, casado,
separado judicialmente, divorciado, viúvo. Esse estado civil ainda
não foi agasalhado expressamente pelo Código, que o consagrou,
no entanto, implicitamente.
Resta à Doutrina e à jurisprudência – que tanto serviço prestam
ao desenvolvimento do Direito de Família, com a provocação,
pelos advogados, de jurisprudência secundum legem, ultra legem
e até contra legem – firmar essa diretriz
.
164
Contudo, para fins desse estudo, se faz necessária a análise quanto
à aplicação da norma penal, no que diz à união estável, se serão aplicadas todas
as normas relativas ao casamento.
Conforme expostos anteriormente, cumpre destacar que no Código
Penal, no Título VII, da Parte Especial, destinado à proteção da família, não há
qualquer tipo penal incriminador nas relações familiares decorrentes da união
estável. É dizer que, para sua formação, não existe norma incriminadora como
ocorre para formação do casamento, embora a união estável seja uma família,
conforme concebe a Constituição Federal.
Para constituição do casamento, observa-se impedimentos
absolutos decorrentes da norma civil, bem como tipos penais que poderão
resultar em condenação caso infringidos. É o que ocorre, por exemplo, no caso do
casamento de pessoas já casadas, que caracteriza impedimento absoluto, no
164
CHINELATO, J. Sylmara. Ob. cit. p. 29.
117
sentido de que não podem se casar pessoas casadas conforme determina o art.
1521 do Código Civil
165
, bem como caracteriza-se crime de bigamia pelo aspecto
penal, conforme se observa no artigo 235 do Código Penal Brasileiro.
166
Contudo, não há como aplicar a analogia para fins de
reconhecimento dos tipos penais praticados por cônjuges, como ocorre nos
crimes contra o casamento ou contra a assistência familiar. Portanto, não há que
se falar em crimes de bigamia ou de adultério entre companheiros, como ocorreria
se estivéssemos diante do instituto do casamento por não se admitir a analogia.
Até mesmo porque o que se verifica é que a lei não estabelece igualdade entre o
casamento e a união estável.
Tanto não são iguais os institutos, que o legislador constituinte, bem
como o legislador ordinário deixaram a previsão de facilitação de conversão da
união estável em casamento.
Mas ainda assim, não se pode dar tratamento analógico, na esfera
penal, para enquadramento em prática delitiva, in malan parte.
Vale aqui a lembrança do princípio da reserva legal, contido no
artigo primeiro do Código Penal
167
, que por ser princípio, norteia todo o
ordenamento jurídico.
165
Código Civil – impedimentos absolutos - Art. 1521. Não podem casar:
(...)
VI - as pessoas casadas;
(...).
166
Código Penal – Crime de Bigamia - Art. 235. Contrair alguém, sendo casado, novo casamento:
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos.
167
Código Penal - Art. 1º. Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia
cominação legal.
118
Assim é que, para que se faça possível o enquadramento penal, há
que se ter a conduta conforme descrito no tipo penal. Não há possibilidade de
preenchimento de lacunas na lei penal, por ser inadmissível fazê-lo na aplicação
da norma penal no caso concreto.
Nesse sentido, especificamente no âmbito do Direito Penal, como já
exposto acima, o que se adequa à união estável, é tão somente a analogia para
fins de aplicar as normas não-incriminadoras (ou benéficas). Por tal motivo, afirma
Guilherme Calmon:
viabilizar a efetividade da norma constitucional no âmbito do
Direito Penal, portanto, o recurso ao processo da analogia é
absolutamente indispensável e necessário, pois: a) a lei penal não
cuida da proteção da família informal; b) a lei penal regula a
situação que guarda coincidência com aquela não regulada, por
força do preceito imperativo, em nível constitucionalou seja, a
lei penal protege a família matrimonial; c) as duas situações
apresentam ponto comum, a saber, são beneficiárias das medidas
e ações do Poder Público, em todas as funções executiva,
legislativa e judiciária, para cumprimento da regra da proteção da
família na sua formação e subsisncia. Ou seja, ambas as
famílias, matrimonial ou extramatrimonial, são beneficiárias da
tutela protetora do Poder Público.
168
É certo que há tipos penais incriminadores no que se refere à
subsistência da família, como é o caso do artigo 244
169
do Código Penal que trata
168
GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Ob. cit. p. 222.
169
Dos crimes contra a assistência familiar - Abandono material
Art. 244. Deixar, sem justa causa, de prover à subsistência do cônjuge, ou de filho menor de 18
(dezoito) anos ou inapto para o trabalho, ou de ascendente inválido ou valetudinário, não lhes
proporcionando os recursos necessários ou faltando ao pagamento de pensão alimentícia
judicialmente acordada, fixada ou majorada; deixar, sem justa causa, de socorrer descendente ou
ascendente, gravemente enfermo:
Pena - detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa, de uma a dez vezes o maior salário mínimo
vigente no País.
Parágrafo único. Nas mesmas penas incide quem, sendo solvente, frustra ou ilide, de qualquer
modo, inclusive por abandono injustificado de emprego ou função, o pagamento de pensão
alimentícia judicialmente acordada, fixada ou majorada. (Redação dada ao artigo pela Lei nº
5.478, de 25.07.1968)
119
do crime de abandono material. Portanto, é um tipo penal que se aplica
perfeitamente ao convivente, em função do artigo 2
o
, inciso II, da Lei 9.278/96
170
que regulamente a união estável, embora o artigo 244 não se refira
expressamente – convivente.
Por outro lado, o artigo 206
171
do Código de Processo Penal, trás
como conteúdo a possibilidade de recusa, além de outros, do cônjuge em
testemunhar contrário ou a favor do acusado em ação penal.
Dessa forma, pode não se caracterizar crime o fato do convivente
ter mentido em ação penal proposta em face de seu consorte.
172
Exemplo do que
ocorre da aplicação da analogia in bonam parte.
Por fim, vale o entendimento de Guilherme Calmon Nogueira da
Gama no seguinte sentido:
A Constituição Federal produziu reflexo no Direito Penal, diante do
comando contido no artigo 226, no sentido do Estado ter o dever
de dar especial proteção à família, independentemente de sua
origem. As normas penais que tutelam a família não podem mais
se limitar aos cônjuges, sob pena de descumprimento da Lei
Maior, devendo haver distinção entre as normas incriminadoras e
as beficas, para tanto, diante do princípio da reserva absoluta
da lei formal.
173
170
Lei 9.278/96 - Art. 2º. São direitos e deveres iguais dos conviventes:
(...) ;
III - guarda, sustento e educação dos filhos comuns.
171
CPP. Art. 206. A testemunha não poderá eximir-se da obrigação de depor. Poderão, entretanto,
recusar-se a fazê-lo o ascendente ou descendente, o afim em linha reta, o cônjuge, ainda que
desquitado, o irmão e o pai, a mãe, ou o filho adotivo do acusado, salvo quando não for possível,
por outro modo, obter-se ou integrar-se a prova do fato e de suas circunstâncias.
172
GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Ob. cit. p. 216.
173
GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Ob. cit. p. 265.
120
Assim sendo, no que se refere à união estável como entidade
familiar garantida no ordenamento civil, merece tamm tratamento igualitário no
âmbito penal igual ao que ocorre no casamento. Até mesmo porque não se
admite aplicação analógica do ordenamento penal como norma incriminadora, em
razão do princípio da reserva legal contido no artigo primeiro do Código Penal.
Desta forma, o legislador ordinário tem que se preocupar com tal aspecto, uma
vez que a cada dia mais crescem as uniões informais, que resultam em união
estável conforme previsto no ordenamento jurídico civil.
3.4. A formação da família pelo instituto do casamento e a norma penal.
De regra, todas as pessoas estão aptas ao casamento desde que
estejam de acordo com o ordenamento jurídico.
Dentre outros, indica-se como fator para o impedimento do
casamento a idade do nubente, que proíbe que o ato se realize, conforme se
verá adiante, a exemplo do que ocorre com o artigo 1.521 do Código Civil. O
desatendimento a tal previsão legal implica em desdobramentos também de
ordem penal.
Comentando o artigo 1521, Maria Helena Diniz conceitua
impedimentos da seguinte forma:
Os impedimentos são os que, por motivos éticos, baseados
no interesse público, envolvem causas atinentes à instituição
121
da família e à estabilidade social, podendo ser levantados
por qualquer interessado e pelo Ministério público, na
qualidade de representante da sociedade, acarretando a
nulidade do matrimônio realizado com a inobservância da
proibição (CC. arts. 1.521, I a VII, 1.548, I, e 1.549).
174
Arnaldo Rizzardo discorrendo sobre os impedimentos matrimoniais,
em sua obra Direito de Família, afirma que:
os impedimentos sempre existiram historicamente. Em épocas
antigas, eram mais rigorosos, atingindo um maior número de
impossibilidades para o casamento. Assim, no direito romano era
reservado o casamento unicamente aos cidadão romanos, e
vedado aos estrangeiros e escravos – limitações que foram se
abrandando, até surgirem formas menos solenes, e não muito
protegidas, como o contubernium, restrito aos escravos
Procurava-se consertar a dinastia das classes. A Lei das XII
Tábuas impedia o casamento entre nobres e plebeus.
Com o direito canônico, aboliram-se tais e outros privilégios, numa
tentativa de evitar ou legitimar inúmeras uniões concubinárias.
Mais permanecem alguns impedimentos mais de caráter religioso,
até a secularização dos costumes. Os Mazeaud ilustram da
seguinte maneira: “El antigo derecho conocia numerosos
impedimentos, resultantes, por exemplo, de los votos reliogiosos,
del estado sacerdotal, del parentesco, espiritual nacido del
bautismo; por razones de moralidad, proibia igualmente casarse
com un pariente de ex promentido.”
175
Analisando a terminologia do código de 1.916, Pontes de Miranda
afirmou que:
na expressão “impedimentos” em que se englobam
proibições ligadas à capacidade e proibições que não dizem
respeito à capacidade e seriam, em terminologia menos
restrita ao direito de família, proibições, e, no direito de
família, os únicos verdadeiros impedimentos, transparece o
174
DINIZ, Maria Helena. Ob. cit., p. 1223.
175
RIZZARDO, Arnaldo. Direito de família: Lei 10.406, de 10.01.2002. Rio de Janeiro: Forense,
2005, p. 33-34.
122
que dissemos na Introdução sobre ser separado dos outros
ramos do direito civil, inclusive da Parte
Geral, o direito de família. Não se disse que o menor de
dezoito anos e a menor de dezesseis anos são incapazes, o
que seria mais exato, em boa taximonia, mas que são
impedidos –dirementemente – de casar (Código Civil, art.
183, XII) e o mesmo aconteceu com outros incapazes de
consentir (art. 183, IX). Influência do direito matrimonial
canônico.
176
Tratando dos impedimentos previstos no Código de 1.916, J. M. de
Carvalho Santos, em análise ao artigo 183 afirma que:
As condições requeridas para a celebração do casamento se
dividem em duas classes: umas são necessárias não somente à
celebração do casamento, mas também à sua validade; outras
são exigidas apenas para a celebração do casamento.
A ausência de uma dessas condições necessárias para casar
constitui o que se denomina impedimento, que, na precisa
expreso de Clóvis, é a incapacidade nupcial estabelecida pelo
(Cód. Civil, com. Ao art. 183).
E existindo, como se disse, duas classes de condições exigidas
para casar, da mesma forma há duas espécies de impedimento:
os impedimentos dirimentes e os impeditivos
177
.
178
Fundamentando a origem dos impedimentos no Direito Canônico,
Sílvio de Salvo Venoza assim observa:
A teoria dos impedimentos teve origem no Direito Canônico.
Partia-se do princÍpio pelo qual qualquer pessoa tem o direito
natural de casar-se. Por isso, o lógico não é fixar as condições ou
qualidades necessárias para o casamento, mas o oposto, isto é,
estabelecer quais os casos em que o casamento não pode ser
realizado. Enunciam-se as proibições e não os requisitos. A lei
canônica sempre foi muito minuciosa no campo dos
impedimentos, tendo influenciado todas legislações ocidentais. A
lei civil suprimiu os impedimentos de índole religiosa, mantendo os
176
MIRANDA, Pontes. Tratado de direito de família. (atualizado por Vilson Rodrigues Alves).
Campinas: Bookseller, 2001, p. 105.
177
Atualmente denominados no Código Civil como impedimentos absolutos e causas suspensivas.
178
SANTOS, J. M. de Carvalho. Direito de família (arts. 180-254). 4. ed., Rio de Janeiro/São
Paulo: Livraria Freitas Bastos S.A., vol. IV, 1953, p. 35-36.
123
que interessam à essência do instituto em prol da família e da
estabilidade social.
179
O Código Civil de 2002, prevê os impedimentos nos artigos 1.521
e 1.523, sendo as previsões do artigo 1.521 com impedimentos
absolutos e como causas suspensivas o contido no artigo 1.523,
conforme ensina Venoza: O vigente Código procurou ordenar a
matéria distinguindo situações de capacidade matrimonial, os
impedimentos (art. 1.521), antes referidos como dirimentes
absolutos, e as causas suspensivas (art. 1.523), que no estatuto
anterior eram os impedimentos de menor força, os chamados
impedientes. Os impedimentos que eram conhecidos como
dirimentes relativos no Código anterior são doravante tratados
como causas de anulação do casamento.
180
Como visto, os impedimentos não estão ligados propriamente à
capacidade da pessoa em se casar, mas sim, nas circunstâncias em que se
encontra o indivíduo e que o leva à capacidade de contrair núpcias em
conformidade com as previsões do ordenamento jurídico vigente.
Assim, é possível afirmar que o impedimento matrimonial está
previsto como exceção no Código Civil, sendo que a regra é a legitimidade para o
casamento.
Analisados os aspectos gerais a respeito dos conceitos de
impedimento, passar-se-á à análise dos impedimentos previstos no Código de
2002.
3.5. Dos impedimentos contidos no Código Civil de 2002
179
VENOZA, Sílvio de Salvo. Direito de família. 5. ed., São Paulo: Atlas, 2005, vol. 6, p. 85.
180
Idem ibdem. p. 84.
124
O artigo 1.521
181
estabelece o rol dos impedimentos para a
celebração do casamento, e, no caso de transgressão de tais preceitos, o ato
será fulminado pelo vício mais profundo previsto no ordenamento vigente, qual
seja, a nulidade; diferentemente do que ocorre quando o casamento é celebrado
em detrimento das previsões contidas no artigo 1523
182
, que trata das causas
suspensivas do casamento. Nesse caso, a lei trata de modo diferente a
transgressão. É uma mera orientação para que os nubentes não se casem. Mas
não há propriamente o impedimento do casamento. E se ainda assim o
casamento for celebrado, será meramente anulável, podendo ser o vício
convalidado.
Tal afirmativa pode ser comprovada com o cotejo dos referidos
artigos. Enquanto o artigo 1521
é grafado com a expressão “não podem”, o artigo
1523 trás a expressão “não devem”.
181
Art. 1521. Não podem casar:
I - os ascendentes com os descendentes, seja o parentesco natural ou civil;
II - os afins em linha reta;
III - o adotante com quem foi cônjuge do adotado e o adotado com quem o foi do adotante;
IV - os irmãos, unilaterais ou bilaterais, e demais colaterais, até o terceiro grau inclusive;
V - o adotado com o filho do adotante;
VI - as pessoas casadas;
VII - o cônjuge sobrevivente com o condenado por homicídio ou tentativa de homicídio contra o
seu consorte.
182
Art. 1523. Não devem casar:
I - o vvo ou a viúva que tiver filho do cônjuge falecido, enquanto não fizer inventário dos bens do
casal e der partilha aos herdeiros;
II - a viúva, ou a mulher cujo casamento se desfez por ser nulo ou ter sido anulado, até dez meses
depois do começo da viuvez, ou da dissolução da sociedade conjugal;
III - o divorciado, enquanto não houver sido homologada ou decidida a partilha dos bens do casal;
IV - o tutor ou o curador e os seus descendentes, ascendentes, irmãos, cunhados ou sobrinhos,
com a pessoa tutelada ou curatelada, enquanto não cessar a tutela ou curatela, e não estiverem
saldadas as respectivas contas.
Parágrafo único. É permitido aos nubentes solicitar ao juiz que não lhes sejam aplicadas as
causas suspensivas previstas nos incisos I, III e IV deste artigo, provando-se a inexistência de
prejuízo, respectivamente, para o herdeiro, para o ex-cônjuge e para a pessoa tutelada ou
curatelada; no caso do inciso II, a nubente deverá provar nascimento de filho, ou inexistência de
gravidez, influência do prazo.
125
A partir da análise do alcance e conseqüências estabelecidas na lei
civil vigente a respeito dos impedimentos, importante se faz a análise das
hipóteses que resultam em crimes tipificados no Código Penal e seus
desdobramentos no âmbito dos direitos da personalidade.
3.6. O crime de bigamia e seus reflexos
Como já afirmado acima, em um primeiro momento todas as
pessoas estão aptas para o casamento, de forma que não podem se casar
somente aquelas que se enquadrem em previsão legislativa excepcional, dentre
elas, a exemplo, estar casada. Isso não é dizer que as pessoas que já foram
casadas não possam se casar novamente. Isso importa dizer que, se estiverem
em estado de casadas, não poderão casar-se novamente enquanto mantiverem
vínculos matrimoniais de um casamento anterior. Aí então um dos impedimentos
do artigo 1.521 do Código Civil Brasileiro.
Assim sendo, “se um dos cônjuges é casado, não tendo havido a
dissolução da sociedade conjugal, há o impedimento para contrair novas núpcias,
conforme art. 1.521, inc. VI (art. 183, inc. VI da Lei civil de 1916). Temos aí um
dos mais fortes óbices, dada as raízes cristãs da civilização ocidental e mesmo
oriental, com poucas exceções localizadas no mundo árabe.”
183
183
RIZZARDO, Arnaldo. Ob. cit., p. 41.
126
Conforme preceitua o artigo 1.521, VI, não podem casar: as pessoas
casadas.
O artigo 1.571 cuida da dissolução da sociedade conjugal,
estabelecendo as hipóteses em seus incisos, tais como pela morte de um dos
cônjuges; nulidade ou anulação do casamento; pela separação judicial; e pelo
divórcio.
De outro lado, no Brasil, não se admite a poligamia, e, neste
aspecto, o artigo 1.521 preserva a monogamia, assim como o Código Civil
Brasileiro de 1916 também preservava.
Ao tratar dos princípios do casamento, Arnaldo Rizzardo estabelece
que:
a monogamia é outro fator obrigatório, que há de imperar em
todas as circunsncias do matrimônio. Nunca se admitiu, nas
legislões dos países ocidentais, a bigamia que é punida pela lei
penal.”
Somente após a dissolução do casamento admite-se novo
consórcio, e nunca paralelamente a outro enlace matrimonial,
mesmo que, por doença ou fatores adversos, não esteja um dos
cônjuges realizando alguma das finalidades do matrimônio.
184
Na seara penal, o Título VII do Código Penal Brasileiro, trata dos
crimes contra a família, mais especificamente, em seu artigo 235, trás como regra
a prática do crime de bigamia, com a seguinte redação:
Art. 235. Contrair alguém, sendo casado, novo casamento:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos.
§ 1
o
Aquele que, não sendo casado, contrai casamento com
pessoa casada, conhecendo essa circunsncia, é punido com
reclusão ou detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos.
184
Idem ibdem. p. 26.
127
§ 2
o
Anulado por qualquer motivo o primeiro casamento, ou o
outro por motivo que não a bigamia, considera-se inexistente o
crime.
Para o eminente professor Doutor Luiz Regis Prado e César Roberto
Bitencourt, o bem jurídico do artigo 235 é “ordem jurídica matrimonial, consistente
no princípio monogâmico.”
185
Ao tratar dos sujeitos do delito de bigamia, Júlio Fabbrini Mirabete
assim expõe a matéria:
Pratica o crime de bigamia, previsto no art. 235, caput, a pessoa
casada que contrai novo matrimônio. É sujeito ativo do crime
previsto no § 1
o
do mesmo artigo aquele que, solteiro, viúvo ou
divorciado, contrai casamento com pessoa casada, conhecendo
essa circunstância. Trata-se, pois, de um crime bilateral ou de
encontro: é preciso que participem dele duas pessoas, embora
uma delas possa estar de boa-fé, quer porque não sabe que o
outro contraente é casado, quer porque supõe, por erro, que seu
casamento anterior foi anulado ou que está divorciado.
186
Acerca das testemunhas que são arroladas no procedimento de
habilitação, bem como aquelas que presenciam o casamento nos moldes da Lei
de Registros Públicos e Código Civil, Júlio Fabbrini Mirabete assim expõe:
“Aquele que como testemunha, mesmo no procedimento de habilitação,
conhecendo o impedimento, colabora para o contrato matrimonial, responde por
bigamia, pela cooperação nos atos preparatórios”.
187
185
PRADO, Luiz Regis; BITENCOURT, Cezar Roberto. Código Penal Anotado e Legislação
Complementar. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1997, p. 730.
186
MIRABETE, Júlio Fabbrini. digo Penal Interpretado. São Paulo: Atlas, 1999, p. 1.386.
187
Idem ibdem. p. 1386.
128
Não se pode olvidar que para existência do crime há que ter
ocorrido um primeiro casamento, e que esse esteja em vigor.
Não perdura o crime se vier a ser anulado o segundo casamento,
por motivo outro que não o próprio impedimento do matrimônio anterior.
Analisando o elemento material do crime de bigamia (o primeiro
casamento), Jaques de Camargo Penteado afirma que: “configura-se a bigamia
se o agente for desquitado ou separado judicialmente. No caso de divorciado, não
se aperfeiçoa este crime, pois houve a dissolução do vínculo conjugal.”
188
Luiz Regis Prado, tem como tipo subjetivo no crime de bigamia, o
dolo. Contudo, o erro em relação à existência de casamento anterior exclui o
dolo.
189
No mesmo sentido, analisando o elemento subjetivo do delito
previsto no artigo 235 do Código Penal, Jacques de Camargo Penteado afirma
que “o dolo, pode ser excluído na hipótese de erro sobre a vigência do casamento
precedente. Segundo a corrente tradicional é o “dolo genérico”. Não há forma
culposa.”
190
Consuma-se o crime, conforme ensinamentos de Jaques de
Camargo Penteado, quando “atinge a consumação com a declaração da vontade
188
PENTEADO, Jaques de Camargo. Ob. cit., p. 35
189
PRADO, Luiz Regis; BITENCOURT, Cezar Roberto. Código Penal Anotado e Legislação
Complementar. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1997, p. 731.
190
PENTEADO, Jaques de Camargo. Ob. cit., p. 35.
129
positiva dos nubentes. O pronunciamento do ato, segundo fórmula sacramental
(Cód. Civil, art. 194)
191
, é homologatório daquela declaração, pela qual se
estabelece o vínculo.
192
Acerca da consumação e tentativa, Luiz Regis Prado com muita
propriedade doutrina que “a consumação ocorre no instante da celebração do
novo casamento, segundo a regra do artigo 194
193
do Código Civil. Admite-se a
tentativa nos atos da celebração.
194
O atual Código Civil, em seu art. 1514, assim preceitua: “o
casamento se realiza no momento em que o homem e a mulher manifestam,
perante o juiz, a sua vontade de estabelecer vínculo conjugal, e o juiz os declara
casados”.
Ainda com fundamentos no Novo Código Civil, o art. 1535 assim
estabelece:
Art. 1535 - Presentes os contraentes, em pessoa ou por procurador
especial, juntamente com as testemunhas e o oficial do registro, o
presidente do ato, ouvida aos nubentes a afirmação de que pretendem
casar por livre e espontânea vontade, declarará efetuado o casamento,
nestes termos:
191
Se referindo ao Código Civil de 1916. Art. 194. Presentes os contraentes, em pessoa ou por
procurador especial, juntamente com as testemunhas e o oficial do registro, o presidente do ato,
ouvida aos nubentes a afirmação de que persistem no propósito de casar por livre e espontânea
vontade, declarará efetuado o casamento, nestes termos:
"De acordo com a vontade que ambos acabais de afirmar perante mim, de vos receberdes por
marido e mulher, eu, em nome da lei, vos declaro casados."
192
PENTEADO, Jaques de Camargo. A família e a justiça penal. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 1998. p. 35-36.
193
Atual artigo 1514 da Lei 10.406/02.
194
PRADO, Luiz Regis; BITENCOURT, Cezar Roberto. Código Penal Anotado e Legislação
Complementar. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1997, p. 731.
130
"De acordo com a vontade que ambos acabais de afirmar perante mim, de
vos receberdes por marido e mulher, eu, em nome da lei, vos declaro
casados."
Como se vê, há um momento solene decorrente de um rito
obrigatório imposto pelo legislador pátrio.
Entretanto, conforme ensina Sílvio Rodrigues, “convém observar
que a lei permite que os nubentes, ou um deles, se faça representar, na cerimônia
do casamento, por procurador especial, com poderes expressos concedidos para
tal fim”.
195
É o contido no artigo 1542 do Código Civil, senão vejamos:
Art. 1542. O casamento pode celebrar-se mediante procuração,
por instrumento público, com poderes especiais.
§ 1º A revogação do mandato não necessita chegar ao
conhecimento do mandatário; mas, celebrado o casamento sem
que o mandatário ou o outro contraente tivessem ciência da
revogação, responderá o mandante por perdas e danos.
§ 2º O nubente que não estiver em iminente risco de vida poderá
fazer-se representar no casamento nuncupativo.
§ 3º A eficácia do mandato não ultrapassará noventa dias.
§ 4º Só por instrumento público se poderá revogar o mandato.
Há que se observar, no entanto, que há o princípio da
individualização da conduta de cada participante do rito do casamento. Ou seja:
se o procurador tem conhecimento do impedimento pela bigamia, responderá em
co-autoria com a pessoa que está casando.
195
RODRIGUES, Sílvio. Comentários ao Código Civil: parte especial: direito de família, vol. 17
(arts. 1.511 a 1.590) . Coord. Antônio Junqueira de Azevedo. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 50.
131
“O casamento religioso não é pressuposto desse delito, salvo se
efetuado na forma do art. 226, § 2
o
, da Constituição Federal.”
196
Assim será se
não a autoridade religiosa não levar a efeito o registro do casamento, seguindo o
Código Civil que normatiza no art. 1515 o seguinte: “o casamento religioso, que
atender às exigências da lei para a validade do casamento civil, equipara-se a
este, desde que registrado no registro próprio, produzindo efeitos a partir da data
de sua celebração.”
Quando se tratar de atos preparatórios do novo matrimônio poderão
configurar o delito de falsidade documental. No entanto, após a consumação, a
bigamia absorve o crime de falso.
197
E ainda: “quando a pessoa casada contrair mais de um matrimônio
haverá concurso material.”
198
A pena a ser aplicada no caso do § 1
o
do artigo 235 do Código
Penal, é a pena mínima de 01 (um) a 3 (três) anos, de reclusão ou detenção,
quando aquele que, não sendo casado, contrair casamento com pessoa casada,
e conhecendo essa circunstância.
Nesse caso, conforme artigo 89 da Lei 9.099/95, caberá a
suspensão condicional do processo, desde que se trate de acusado primário e de
bons antecedentes.
196
PRADO, Luiz Regis; BITENCOURT, Cezar Roberto. Código Penal Anotado e Legislação
Complementar. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1997, p. 731.
197
Idem ibdem. p. 731.
198
Idem ibdem. p. 731
132
Resta o exame no âmbito da responsabilidade civil em decorrência
da tutela da personalidade, há que se verificar o aspecto da boa-fé por parte do
cônjuge que contrai núpcias com o cônjuge casado. É certo que se aquele que
não é casado e está de boa-fé no sentido de não ter conhecimento do casamento
anterior com quem contrai núpcias, é vítima merecedora de reparação por dano
moral, de forma que o caráter penal exposto acima, constitui-se tão somente o
aspecto social que estimula o cumprimento de deveres de conduta perante a
sociedade, bem como os deveres éticos impostos pelas relações familiares.
No entanto, para satisfazer a vítima (cônjuge de boa-fé), além dos
aspectos da putatividade do casamento, nos termos do artigo 1561 do Código
Civil, por ignorar o vício que eiva de nulidade o casamento, gera por certo efeitos
pessoais e patrimoniais. Ao contrário, ao agente de má-fé, além de não ter
direitos decorrentes do casamento, sequer pode eximir-se de seus deveres.
Veja que o casamento gera vários efeitos na vida da pessoa, dentre
eles a identidade pessoal, migrando de família; a utilização, quando é o caso, do
nome do outro cônjuge; relacionamento sexual; além de questões patrimonias e
de filiação, que pode não ser regra, que se faz possível, devendo-se levar em
conta . E isso tudo está associado à pessoa do cônjuge enganado, mas de boa-
fé.
Vale dizer que por si só, os efeitos da ruptura da sociedade conjugal,
ainda que o caso de casamento nulo tenha o efeito retrooperante, no sentido de
voltar o cônjuge ao estado de solteiro, tem resultados devastadores, que na
133
maioria da vezes recaem sobre a mulher, embora o homem não esteja imune a tal
constrangimento. De forma que a mulher ou o homem estarão sob a execração
pública em razão das conseqüências trágicas que geraram o casamento nulo, por
ter sido contraído por uma pessoa já casada e enquanto casada.
Além do mais, toda a expectativa de construir uma família nos
moldes sociais foram rompidos pelo casamento criminoso. Trata-se de um
casamento injurioso para vítima, de forma que a reparação por dano moral se faz
possível em razão do reconhecimento da infração aos direitos da personalidade
evidenciados na má-fé do cônjuge que contraiu o casamento já sendo casado.
Assim sendo, exatamente pelos efeitos maléficos do casamento
contraído de forma a infringir o artigo 1.521 do Código Civil, bem como o artigo
235 do Código Penal Brasileiro, marcados pela dor da vítima que está de boa-fé,
ela mácula em sua honra, vergonha e humilhação perante a sociedade e
familiares, é que se faz necessário a aplicação da tutela da personalidade para
reparar as ofensas sofridas
Analisados o crime de bigamia na formação da família, passa-se ao
análise do casamento do cônjuge sobrevivente com o condenado pelo crime
contra a vida do ex-cônjuge.
3.7. Casamento do cônjuge sobrevivente com o condenado pelo o crime
contra a vida do ex-cônjuge
134
O Código Civil ao tratar dos impedimentos absolutos, trata tamm,
da hipótese em que o cônjuge sobrevivente não pode se casar com o condenado
que tenha praticado a conduta típica de matar ou tenha tentado matar o seu
consorte. É o que estabelece o artigo 1521, inciso VII do Código Civil:
Art. 1521. Não podem casar:
VII - o cônjuge sobrevivente com o condenado por homidio ou
tentativa de homicídio contra o seu consorte.
Por sua vez, o Código Penal Brasileiro, no artigo 121 prevê o crime
de homicídio, tendo como bem jurídica a vida humana,
199
enquanto que o artigo
14, inciso II do mesmo Código prevê a tentativa nos delitos para as hipóteses em
que sujeito ativo não alcança o resultado pretendido.
Sílvio Rodrigues, se referindo ao direito anterior, doutrina que “para
que tal impedimento ocorresse, mister se fazia que o cônjuge sobrevivente
estivesse conivente com o criminoso, com quem, então, queria casar-se. Hoje,
essa cumplicidade não se reclama.
200
Destarte, que o que está implicado no artigo 1521 é o fato da
pessoa que vai se casar com o cônjuge sobrevivente, e não propriamente o
cônjuge sobrevivente que sofreria as implicações da pena do artigo 121 do
Código Penal, por ter eliminado, ou tentado eliminar a vida de seu consorte.
199
PRADO, Luiz Regis; BITENCOURT, Cezar Roberto. Código Penal Anotado e Legislação
Complementar. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1997.
200
RODRIGUES, Sílvio. Ob. cit., p. 30.
135
Assim sendo, não prevê o Código Civil a possibilidade de
cumplicidade do cônjuge sobrevivente ao eliminar ou tentar eliminar a vida de seu
consorte.
É pressuposto da lei que o delinqüente tenha sido condenado por
homicídio ou por sua tentativa. Se matou, mas foi absolvido, ou se o crime
prescreveu, extinguindo-se a punibilidade, não se configura o impedimento
matrimonial.
201
Em relação tipo subjetivo, prevalece tão somente o dolo, uma vez
que no “homicídio culposo não o intuito de eliminar um dos cônjuges, para
desposar o outro”.
202
Questões são levantadas acerca de tal delito e suas conseqüências
relacionadas entre o Direito Penal e o Direito Civil.
Quando o autor do homicídio ou sua tentativa estiver preso em
flagrante, ou simplesmente estiver ainda na fase investigatória em liberdade
provisória, ou até mesmo estiver respondendo pela conseqüente ação penal, mas
que ainda não foi condenado, parece não haver motivos para impedimento do
casamento do cônjuge sobrevivente com o suposto autor do delito (homicídio ou
tentativa de homicídio).
Vige em nosso sistema processual penal, inclusive em decorrência
da atual Constituição Federal, o princípio da presunção de inocência.
201
Idem Ibdem p. 30.
202
Idem ibdem. p. 30.
136
O artigo 5
o
, inciso LVII da Constituição Federal estabelece que:
“Ninguém será considerado culpado até o trânsito em
julgado de sentença penal condenatória”
Fernando Capez, por sua vez, justifica que a presunção de inocência
se desdobra em três aspectos, conforme se verifica a seguir:
O princípio da presunção da inocência se desdobra em três
aspectos: a) no momento da instrução processual, como
presunção legal relativa de não-culpabilidade, invertendo-se o
ônus da prova; b) no momento da avaliação da prova, valorando-
se em favor do acusado quando houver dúvida; c) no curso do
processo penal, como paradigma de tratamento do imputado,
especialmente no que concerne à análise da necessidade da
prisão processual.
203
Assim sendo, se o caso concreto estiver diante de circunstância em
que não há a condenação com trânsito em julgado, não se pode afirmar que não
se faz possível contrair casamento com o consorte sobrevivente nos termos do
artigo 1521 do Código Civil.
Pode ser questionada, também, a hipótese em que já houve a
condenação em primeiro grau de jurisdição, contudo a sentença condenatória
está em grau de recurso. Nesta hipótese, não é diferente do afirmado acima, uma
vez que não ocorreu ainda o trânsito em julgado, de forma que prevalece ainda a
presunção de inocência do acusado pelo crime de homicídio ou tentativa de
homicídio.
203
CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. 10 ed., rev. e atual. . São Paulo: Saraiva, 2003,
p. 39.
137
3.8. Requisitos para validade do casamento
Conceituando o casamento, Sílvio Rodrigues expõe que “casamento
é o contrato de Direito de Família que visa promover a união do homem e da
mulher, de conformidade com a lei, a fim de regularem suas relações sexuais,
cuidarem da prole comum e se prestarem mútua assistência”.
204
Não há dúvidas que atualmente o casamento decorre de uma
manifestação de vontade de ambos os consortes. Mas além disso, há tamm
que ser observados os pré-requisitos e formalidades decorrentes da lei,
exatamente por ser mais um organismo social a surgir para o Estado.
Não é para menos que Yussef Said Cahali faz distinção entre a
união estável e o casamento, em sua obra Divórcio e Separação, exatamente em
razão das formalidades que existente no casamento. Senão vejamos:
Irrecusável, assim, que ainda através do matrimônio que duas
pessoas de sexo diferente adquirem o estado familiar de
njuges, que por sua vez é fonte de direitos e obrigações
recíprocas, representados principalmente pela comunhão de vida,
moral, espiritual, afetiva e material, o que não coincide
necessariamente com os efeitos que resultam da relações
pessoais entre companheiros.
205
204
RODRIGUES, Sílvio. Ob. cit., p. 2.
205
CAHALI, Yussef Said. Divórcio e separação. 11. ed. rev. e atual. de acordo com o Código Civil
de 2002. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005, p. 23.
138
Portanto, o casamento válido juridicamente, é aquele que seguiu o
processo de habilitação, bem como seguiu os requisitos de cerimonial, conforme
o caso. Se foi, é um ato jurídico que produzirá efeitos para os consortes, bem
como para a prole que porventura venha a existir. Ou ainda, nas palavras de
Orlando Gomes, “além dos pressupostos e requisitos intrinsecamente necessários
à perfeição do casamento, há condições extrínsecas indispensáveis à existência
jurídica ou validade do ato”.
206
É dizer que, para que seja válido o casamento, entre outras
questões, há que se observar tamm os aspectos criminais já expostos acima,
no sentido de que, por ventura o casamento tenha sido realizado infringindo a
norma penal, o casamento não será válido.
Nesse sentido, se o matrimônio se realizou sem a observância dos
requisitos legais ou com infringência de proibição textual, pelo aspecto cível ou
criminal, sua nulidade deve ser decretada.
Observando os pressupostos e requisitos do casamento, Orlando
Gomes assim o classifica:
Requer o casamento, para ser válido e eficaz, o preenchimento de
condições de algumas das quais peculiares. Não basta dizer,
assim, que, como todo negócio jurídico, exige agente capaz,
objeto lícito e forma prescrita ou não defesa em lei. Outros
elementos são essenciais à sua existência e perfeição jurídicas,
206
GOMES, Orlando. Ob. cit., p. 90.
139
ainda que em última análise, possam ser reduzidos aos
pressupostos e requisitos dos negócios jurídicos em geral, com
exceção dos que entendem com sua finalidade especial.
As particularidades que o distinguem na formação sugeriram a
classificão desses elementos em três ordens:
a) condições necessárias à sua existência jurídica;
b) condições necessárias à sua validade;
c) condições necessária à sua regularidade.
O interesse da classificação reside nas conseqüências da
inobservância de qualquer das condições. Variam conforme a
ordem a que pertençam.
207
Insta dizer, portanto, que o ato jurídico só produzirá efeitos próprios
se for efetuado de forma completa e perfeita no que se refere à observância dos
requisitos legais, a exemplo do que ocorre na celebração do casamento, inserida
desde o artigo 1533 até o artigo 1542.
Exemplo de elemento essencial e indispensável para o casamento é
a diversidade de sexo, o consentimento dos nubentes. Nesse sentido, Sílvio de
Salvo Venoza, ao tratar das características do casamento, ensina que:
Para que exista casamento válido e eficaz é necessário que se
reúnam pressupostos de fundo e de forma. A diversidade de
sexos é fundamental para sua existência, bem como o
consentimento, ou seja, a manifestação da vontade. A ausência
desses pressupostos induz a inexistência do ato, cujas
conseqüências são as de nulidade em nosso sistema. Os vícios
de consentimento, por aplicação da regra geral, tornam o negócio
anulável.
208
207
GOMES, Orlando. Ob. cit., p. 77.
208
VENOZA, Sílvio de Salvo. Direito Civil; Direito de Família. 5.
ed., São Paulo: Atlas, 2005, p.
46.
140
O legislador ao tratar da capacidade para o casamento, no artigo
1517
209
, estabelece a condição de diversidade de sexo para validade do
casamento, quando se refere “o homem e a mulher”.
Em razão da necessidade de sexos diferentes para validade do
casamento, Arnaldo Rizzardo ao discorrer sobre casamento inexistente, afirma:
“Diversidade de sexos. Por mais que se defenda e justifique o homossexualismo,
desfigura o casamento, em sua origem e em sua natureza, a união de dois seres
humanos do mesmo sexo. Fisiologicamente, as peculiaridades ou características
do homem e da mulher são complementares.”
210
Outro requisito essencial para que o matrimônio seja decorrente de
um ato jurídico perfeito, é o consentimento dos nubentes. Nesse sentido, Sílvio de
Salvo Venoza afirma que “a ausência total de consentimento torna inexistente o
matrimônio. (...) o consentimento cabal e espontâneo é da essência do ato e
integra a solenidade da celebração.”
211
O mesmo doutrinador afirma ainda que: “O sim é absolutamente
essencial para a conclusão do ato.
212
De outro lado, não se configura o casamento, quando, por exemplo,
um ou ambos os nubentes não têm condições psicológicas suficientemente boas
209
Art. 1517. O homem e a mulher com dezesseis anos podem casar, exigindo-se autorização de
ambos os pais, ou de seus representantes legais, enquanto não atingida a maioridade civil.
Parágrafo único. Se houver divergência entre os pais, aplica-se o disposto no parágrafo único do
art. 1.631.
210
RIZZARDO, Arnaldo. Ob. cit. p. 105.
211
VENOZA, Silvio de Salvo. Ob. cit., p. 125.
212
Idem ibdem. p. 125.
141
para a manifestação necessária para a existência jurídica do casamento, como é
o caso do nubente que se encontra em estado demência, embriaguez ou hipnose,
conforme salienta Orlando Gomes.”
213
É nesse condão que o artigo 1538 do Código Civil é expresso no
sentido que a celebração do casamento será imediatamente suspensa se algum
dos contraentes recusar-se à solene afirmação de sua vontade, ou quando
declara que não é livre a manifestação da sua vontade, ou até mesmo porque
está arrependido.
E nesse mesmo condão, se houver dúvidas quanto a manifestação
de vontade, o casamento deve ser suspenso imediatamente, e se for o caso,
marcar-se nova data para sua continuidade.
É dizer que os nubentes têm toda a liberdade para a sua
manifestação de vontade, sob pena do ato jurídico ser nulo, não se
convalescendo o casamento.
Outro requisito relevante para validade do casamento, é o da
autoridade celebrante.
213
GOMES, Orlando. Ob. cit. p. 79.
142
O casamento é nulo se for realizado por pessoa que não tenha a
atribuição para celebração do casamento, seja o juiz de paz, o juiz de direito, ou
outra autoridade conforme Lei de Organização Judiciária dos Estados Membros
da Federação.
Inegável, portanto, que o casamento deve ser celebrado perante a
autoridade competente, salvo as situações em que um dos nubentes encontrar-se
em iminente risco de vida, nos termos do artigo 1554
214
do Código Civil Brasileiro.
Sílvio Rodrigues, ao comentar o artigo 1554 assim expõe a matéria:
Aqui, ainda uma vez, se apresenta o anseio do legislador de
atribuir validade ao casamento que, embora celebrado pro
autoridade incompetente, uniu pessoas desimpedidas, que de
boa-fé acreditaram, justificadamente, numa circunstância capaz
de enganar quem quer que fosse.
No caso, cogita-se de alguém que exerça ostensivamente as
funções de juiz de casamentos, dando a impressão a todos de
que ele, efetivamente, tem competência para tal mister. Se o
casamento foi celebrado e o ato foi registrado no registro
competente, a lei determina subsistir o ato jurídico, embora
portador do apontado defeito. É um caso em que o legislador
empresta validade à teoria da aparência.
É necessário que os nubentes tenham agido de boa-fé, que o erro
seja escusável e que o ato tenha sido registrado no livro
competente.
215
Por final, pode-se afirmar que, em regra, os pressupostos
imprescindíveis para a existência do casamento no que tange a ato jurídico, são:
214
Art. 1554. Subsiste o casamento celebrado por aquele que, sem possuir a competência exigida
na lei, exercer publicamente as funções de juiz de casamentos e, nessa qualidade, tiver registrado
o ato no Registro Civil.
215
RODRIGUES, Sílvio. Ob. cit., p. 82.
143
a diversidade de sexo, a manifestação de vontade dos nubentes e a autoridade
competente para a celebração do casamento.
Para tanto, verifica-se os preceitos do artigo 1533 a 1536, que
tratam, respectivamente, da cerimônia do casamento no artigo 1533; da
publicidade necessária para validade do casamento, prevista no artigo 1534; da
obrigatoriedade do rito previsto no artigo 1535; e por final; do competente registro
no livro de registros existente nos cartórios de registro civil conforme
determinação da Lei de Organização Judiciária de cada Estado.
Analisados os aspectos relativos as formalidades necessárias para
validade do casamento, nos moldes da legislação pátria, passa-se a analisar a
invalidade do casamento.
3.9. Da invalidade do casamento em razão dos impedimentos contidos no
Código Civil.
Ao contrário do casamento válido, é o casamento que contém vícios
que os levam à invalidade do casamento. Assim, uma vez existente o casamento,
é de se analisar se o ato é válido ou não tem validade em razão de vícios de
maior ou menor gravidade.
Diferentemente do casamento válido, o casamento pode ter sido
contraído por pessoas do mesmo sexo, ou a autoridade que celebrou o
casamento não seja competente para tal, e ainda se o casamento tenha sido
144
realizado em desrespeito a um dos impedimentos contidos no artigo 1521 do
Código Civil.
Em se tratando de impedimentos, observa-se que o legislador, no
artigo 1521 do Código Civil estabeleceu causas obstativas à realização do
casamento, de forma que não podem ser desrespeitadas, sob pena de acarretar a
nulidade do casamento.
No artigo 1521 do Código Civil, há tanto a incidência de ordem civil,
bem como incidência de ordem criminal, a exemplo do que ocorre com o
casamento do adotado com o filho do adotante, e, o casamento de pessoas
casadas, respectivamente.
Se o casamento foi realizado de forma a confrontar o contido no
artigo 1521 do Código Civil, tratar-se-á de ato nulo, que não produz efeitos, salvo
no caso de caracterizar-se o casamento putativo, nos termos do artigo 1561 do
Código Civil.
216
Na definição de Orlando Gomes, “putativo é o casamento nulo
contraído de boa-fé por ambos cônjuges ou por um deles. Por boa-fé entende-se
a ignorância da causa de nulidade no momento da celebração.”
217
216
Art. 1561. Embora anulável ou mesmo nulo, se contraído de boa-fé por ambos os cônjuges, o
casamento, em relação a estes como aos filhos, produz todos os efeitos até o dia da sentença
anulatória.
§ 1
o
Se um dos cônjuges estava de boa-fé ao celebrar o casamento, os seus efeitos civis só a ele
e aos filhos aproveitarão.
§ 2
o
Se ambos os cônjuges estavam de má-fé ao celebrar o casamento, os seus efeitos civis
aos filhos aproveitarão.
217
GOMES, Orlando. Ob. cit. 125.
145
Yussef Said Cahali, ao tratar do requisito da boa-fé em sua obra
casamento putativo, se expressa no sentido de que:
Neste requisito, repousa a explicação moral e social do instituto; tal
a sua relevância, que muitos pretenderam erigi-lo no pressuposto
único, suficiente, para a configurão do casamento putativo,
“condition unique requise”.
A boa-fé constitui expressão rica de significados, mas ao tempo
ambígua; d a necessidade de determinar-lhe o conceito, preciso
quanto possível, extremando-lhe os limites, e indagando se
representa um conceito puramente psicológico ou simplesmente
ético; a necessidade de saber se há uma boa-fé jurídica, diversa
daquela que se revela no plano social; se é representada pela
convião absoluta e positiva do agente, ou pela negativa de mera
ausência de má-fé; se há um conceito unitário de boa-fé, válido
para as relações tanto pessoais como patrimoniais.
Deve-se indagar ainda em que termos o requisito se envolve com a
teoria do erro e da culpa, perguntando se o erro deve ser
escusável, se o erro de direito é compatível com o estado de boa-
fé, qual a posição do dubitans e do coato; enfim, em que o
momento deve ocorrer a boa-fé e que tem o dever de prova-la, para
a verificação dos benefícios da putatividade.
218
E em se tratando dos efeitos do casamento putativo, Sílvio de Salvo
Venoza, ressalva que:
Em atenção à boa-fé de ambos ou de um dos cônjuges, o
casamento em relação a eles e aos filhos produz todos os efeitos
de casamento válido até a data da sentença anulatória. A eficácia
dessa decisão, contrariando o sistema geral, será pois ex nunc, e
não ex tunc. Não importa a causa de pedir que motivou a
anulação; havendo boa-fé, a sociedade conjugal dissolve-se,
como se tivesse ocorrido a morte de um dos cônjuges,
partilhando-se os bens.
219
218
CAHALI, Yussef Said. O casamento putativo. 2ª ed., São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 1.979, p. 71.
219
VENOZA, Sílvio de Salvo. Ob. cit., p. 149.
146
É assim que, levando-se em consideração a boa-fé de um ou de
ambos os contraentes, não se pode negar os efeitos do casamento válido a eles,
até a data da sentença que o invalidou.
3.10. Do casamento nulo e seus reflexos.
Na análise do casamento nulo, pelo que se constata no artigo 1548,
incisos I e II do Código Civil
220
, será nulo o casamento que for contraído naquelas
circunstâncias, quais sejam, no caso de enfermo mental , bem como por
infringência de impedimentos matrimoniais que estão previstos no artigo 1521 do
Código Civil
221
, conforme expostos anteriormente.
O que se verifica é que dos incisos I a V contidos no artigo 1521,
estão dispostos os impedidos de se casarem por se caracterizar o casamento
incestuoso, com o fito de preservar a família perante a sociedade.
Já no que se refere o inciso VI a VII do artigo 1548, onde está
contido os impedimentos de casamento de pessoas casadas e do cônjuge
220
Art. 1548. É nulo o casamento contraído:
I- pelo enfermo mental sem o necessário discernimento para os atos da vida civil;
II- por infringência de impedimento.
221
Art. 1521. Não podem casar:
I - os ascendentes com os descendentes, seja o parentesco natural ou civil;
II - os afins em linha reta;
III - o adotante com quem foi cônjuge do adotado e o adotado com quem o foi do adotante;
IV - os irmãos, unilaterais ou bilaterais, e demais colaterais, até o terceiro grau inclusive;
V - o adotado com o filho do adotante;
VI - as pessoas casadas;
VII - o cônjuge sobrevivente com o condenado por homicídio ou tentativa de homicídio contra o
seu consorte.
147
sobrevivente com o condenado por homicídio ou tentativa de homicídio contra o
seu consorte, é tão somente a preservação da família pelo aspecto criminal, e no
caso de infringência de tais impedimentos, estar-se-á diante de uma infração da
ordem legal estabelecida na norma civil, bem como no aspecto penal.
Nesse aspecto, Sílvio Rodrigues ao comentar o artigo 1548 do
Código Civil assim argumenta: “quando um casamento se realiza com infração de
impedimento imposto pela ordem pública, por ameaçar diretamente a estrutura do
sociedade ou ferir os princípios básicos em que ela se assenta, é a própria
sociedade que reage violentamente, fulminando de nulidade o casamento que a
agrava.
222
Se assim é, com a devida ação judicial proposta com o fito de
decretação de nulidade do casamento realizado ao arrepio da lei, a mesma
deverá ser decretada. Contudo, é de se observar que tal nulidade não torna o
casamento simplesmente inexistente, necessário se faz trabalhar as
conseqüências geradas mesmo depois do decreto de nulidade do ato.
Nesse sentido, Sílvio de Salvo Venoza, estabelecendo diferenças
entre casamento inexistente, a exemplo do que ocorre entre pessoas do mesmo
sexo, e casamento decorrente de impedimento, como ocorre no caso de bigamia,
assim esclarece:
[...] contra o casamento inexistente não corre qualquer prescrão,
e pode o juiz assim declara-lo de ofício e qualquer interessado
pode demandar sua declaração. Por outro lado, a nulidade do
222
RODRIGUES, Sílvio. Ob. cit. p. 67.
148
casamento não pode ser decretada de ofício; somente
determinadas pessoas eso legitimadas para requerer a
declaração e existem situações em que a nulidade pode ser
escoimada pelo decurso do tempo.
223
Quanto à legitimidade processual para propor a ação de nulidade
matrimonial, verifica-se pelo artigo 1549 do Código Civil
224
, que a terá qualquer
interessado ou o Ministério Público.
Em comentários ao artigo 1549 do Código Civil, Maria Helena Diniz,
fundamentando pela jurisprudência afirma que:
Poderão propor ação para invalidar o casamento as pessoas que
tiverem interesse moral – como cônjuge, ascendentes (RT,
193:185), descendentes irmãos (RT, 208:180), cunhados e o
primeiro consorte do gamo -, econômico – como filhos do leito
anterior, colaterais sucesveis, credores dos cônjuges,
adquirentes de seus bens – e social – como o representante do
Ministério Público.
225
Há que se ter em mira o interesse. Motivo pelo qual Caio Mário da
Silva Pereira demonstra a sua importância afirmando que:
Para promover a ação o autor deve comprovar o seu interesse, a
que o Código de Processo Civil adita a legitimidade (art. 4
o
).
Exige, assim, um interesse, que pode ser econômico ou moral,
mas tem que ser demonstrado. Intentada a ação de nulidade por
iniciativa de qualquer do povo, deve ser trancada initio litis, por
falta de legitimatio ad causam.
226
223
VENOZA, Sílvio de Salvo. Ob. cit. p. 126.
224
Art. 1549. A decretação de nulidades de casamento, pelos motivos previstos no artigo
antecedente, pode ser promovida mediante ação direta, por qualquer interessado, ou pelo
Ministério Público.
225
DINIZ, Maria Helena. Ob. cit., p. 1250.
226
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil: Introdução ao direito civil/teoria
geral de direito civil, v. I, ed., rev. e atual., Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 330.
149
Não se pode falar em prescrição ou decadência para a propositura
da ação desconstitutiva de nulidade de casamento, posto tratar-se de um ato
nulo.
Em decorrência do casamento nulo, o artigo 1563 do Código Civil
227
preceitua que a sentença que decretar a nulidade do casamento retroagirá à data
da sua celebração, sem prejudicar a aquisição de direitos, a título oneroso, por
terceiros de boa-fé, nem a resultante de sentença transitada em julgado.
Vale a ressalva que, se houver o reconhecimento da boa-fé de um
ou ambos os cônjuges, os efeitos do casamento produzidos até a data em que o
mesmo foi anulado permanecerão hígidos.
Depreende-se do artigo 1550 do Código Civil a sanção de
anulabilidade. Sílvio Rodrigues ao comentar o referido artigo, afirma que:
Enquanto no caso de nulidade absoluta um interesse social no
desfazimento do matrimônio, que colide com o preceito de ordem
pública, no caso de nulidade relativa o se atende senão
indiretamente a um interesse social, pois a anulação visa, direta e
principalmente, proteger interesse individual. Com efeito, a ação
anulatória é conferida a pessoas que se casaram em
determinadas circunstâncias, e com o intuito de protege-las.
Assim, por exemplo, podem ser anulados os casamentos de
pessoas que se casaram coagidas ou da que não atingiram a
idade bil. Se, entretanto, essas pessoas, em vez de promover o
desfazimento de seu matrimônio, preferem vê-lo subsistir, o fato é
indiferente à sociedade, a quem a sobrevivência de tal matrimônio
não afeta.
228
227
Art. 1.563. A sentença que decretar a nulidade do casamento retroagirá à data da sua
celebração, sem prejudicar a aquisição de direitos, a título oneroso, por terceiros de boa-fé, nem a
resultante de sentença transitada em julgado.
228
RODRIGUES, Sílvio. Ob. cit. p. 74.
150
Exatamente por se tratar a anulabilidade do casamento como
interesse individual e não propriamente da sociedade como um todo, pode-se
dizer que não há tipo penal específico a ser tratado no presente trabalho.
De outro lado, não se pode descuidar da possibilidade da ação de
reparação danos materiais e morais decorrentes da anulação do casamento,
salvo se a nulidade seja proveniente de ato de ambos os cônjuges. A exemplo do
entendimento do Código Civil Argentino, em seu artigo 224 que assim dispõe:
A su vez, el artículo 224 dispone que la mala de fé losnyuges
consiste em el conocimiento que hubieren tenido, o debido tener, al
dia de la celebración del matrimonio, del impedimento o
circunstancia que causare la nulidad, aclarando la norma que no
habrá buena fe por ignorancia o error de derecho, ni tampoco por
ignorancia o error de hecho que no sea excusable, a menos que el
error hubliera sido ocasionado por dolo.
229
No Brasil, embora não tenha norma expressa como é o caso do
Código Civil Argentino, se faz possível a interpretação doutrinária no sentido de
que se faz possível a indenização por danos morais e materiais, se houveram.
Pois resulta claro que se o cônjuge comete um ato antijurídico ao contrair
matrimônio, ou até mesmo provoque alguma circunstância que venha a anular o
casamento, haverá que ressarcir os prejuízos morais e materiais.
Entretanto, vale a advertência que vem de 1961, proferida pro Luiz
José de Mesquita, que afirma:
229
SAMBRIZZI, Eduardo A. Ob. Cit. P. 119.
151
Tão diferente é o campo da moral e o do direito positivo que um ato
juridicamente indiferente ou lícito pode ser, talvez, moralmente
reprovável; uma obrigação juridicamente inválida, por defeito de
forma, pode ter valor subjetivo ou moral para o sujeito; um
casamento inválido, no foro interno, pode ser considerado válido,
como expressão de conduta externa, para o direito civil e, pelo
contrário, um matrimônio efetivamente válido, segundo a
consciência ou foro interior dos nubentes, pode ser declarado
inválido juridicamente por lapsos de proncia, quando de sua
celebração, ou por inexata documentação.
230
Assim, se no âmbito interno, um ou ambos os nubentes,
internamente (moralmente) não se sentiu abalado em sua honra ou reputação do
casamento nulo, não há que se falar em indenização por danos morais. Mas, de
outro lado, caso nào tenha conhecimento da causa que leva à nulidade do
casamento, omitido pelo outro nubente com o qual está se casando, se possível a
indenização por danos morais e demais conseqüências jurídicas, inclusive penal.
3.11. Casamento da vítima com o agente ou terceiros nos crimes contra os
costumes (Lei 11.106. de 28.03.2005)
Publicada em 29 de março de 2005, a Lei 11.106/05, que altera as
causas extintivas de punibilidade até então contidas no artigo 107 do Código
Penal. A alteração se deu pela revogação se referia aos incisos VII e VIII do
artigo 107, que “pelo casamento do agente com a vítima, nos crimes contra os
costumes, definidos nos Capítulos I, II e III do Título VI da Parte Especial deste
230
MESQUITA, Luiz José de. Nulidades no Direito Matrimonial. A condição, a simulação e a
reserva mental no direito canônico e no direito civil. São Paulo: Saraiva, 1961, p. 19.
152
Código”, era causa de extinção de punibilidade, e respectivamente, continha o
inciso VIII, que extinguia-se, tamm, a punibilidade, “pelo casamento da vítima
com terceiro, nos crimes referidos no inciso anterior, se cometidos sem violência
real ou grave ameaça e desde que a ofendida não requeira o prosseguimento do
inquérito policial ou da ação penal no prazo de 60 (sessenta) dias a contar da
celebração;"
Até a promulgação da recente Lei 11.106/2005, o casamento da
vítima com o agente assumia um caráter reparatório do crime praticado que, de
regra, era reprimível através de ação privada, os crimes abrangidos nos artigo
213 a 221 do Código Penal.
231
Verifica-se no presente caso, a exemplo do artigo
213 do Código Penal, tratar-se de crime hediondo, já que tipo penal é de
“constranger mulher à conjunção carnal, mediante violência ou grave ameaça”, ou
seja, estupro. Tudo isso no inciso VII do artigo 107 do Código Penal.
Já no que se refere ao inciso VIII, do artigo 107, pode-se afirmar que
eram as mesmas as hipóteses do inciso VII, excluindo-se, conseqüentemente, os
crimes de estupro, atentado violento ao pudor e rapto violento (arts. 213, 214 e
219).
232
Mas isso tudo não ocorre mais. E o motivo talvez seja o firmado por
Guilherme de Souza Nucci, que assim expõe: “O propósito da Lei 11.106/2005,
revogando o inciso em comento, é justamente buscar a valorização da vítima do
crime praticado contra a liberdade sexual, impedindo que o matrimônio constitua
231
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal – parte especial, vol. 2, 3
a
ed. rev. e
ampl.. São Paulo: Saraiva 2003, p. 708-709.
232
BITENCOURT, Cezar Roberto. Ob. cit., p. 710.
153
motivo de afastamento da possibilidade punitiva do Estado em questão grave, em
especial quando ocorrerem estupro e atentado violento ao pudor. Cuida-se de
nova política criminal estatal nesse cenário.”
233
No que se refere à união estável, analisada sob o aspecto do inciso
VII revogado, vale o entendimento Guilherme de Souza Nucci: “Defendíamos a
posição de ser inaplicável a esta causa de extinção de punibilidade a ocorrência
de união estável entre a vítima e o agente do delito. Porém, constituía
jurisprudência dominante a possibilidade de aplicação do benefício nesse
contexto.
234
Assim é que, de maneira, geral, ao que parece, o legislador passou
a preocupar-se um pouco mais com vítima, talvez por vir a tona a previsão dos
direitos da personalidade, de forma expressa como é atualmente, no Código Civil.
Uma vez analisados os tipos penais que permeiam o casamento,
passa-se então ao estado de filiação, que muitas vezes, é decorrente do
casamento.
233
NUCCI, Guilherme de Souza. Ob. cit., p. 495.
234
Idem ibdem. p. 495.
154
4. DO ESTADO DE FILIAÇÃO E SEUS ASPECTOS PENAIS COMO
CONSTITUIÇÃO DE FAMÍLIA
4.1. Do reconhecimento dos filhos
Conforme assevera Ângela Maria Silveira dos Santos, “o tema da
proteção dos filhos, tratado no Código Civil, é por demais delicado, por estar
intimamente ligado ao desfazimento da sociedade conjugal e, por via reflexa, ao
destino dos filhos, porque a guarda destes, menores ou incapazes, se constitui
em um dos deveres dos pais.”
235
235
SANTOS, Ângela Maria Silveira dos. O novo código civil: livro IV do direito de família
(Coordenadora: Heloisa Maria Daltro Leite). Rio de janeiro: Freitas Bastos, 2002, p. 139.
155
A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 227, § 6
o
tem o
seguinte mandamento:
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar
à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à
vida, à saúde, à alimentação, à educão, ao lazer, à
profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade
e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo
de toda forma de negligência, discriminação, exploração,
violência, crueldade e opressão.
§ 6º. Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por
adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas
quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.
Trata-se de previsão bastante importante dentro do Texto
Constitucional em relação ao Direito de Família.
Seguindo a mesma linha de proteção à família, não menos
importante é o Código Civil em seu artigo 1.596 que tem a seguinte previsão: -
Art. 1596. Os filhos, havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção,
terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações
discriminatórias relativas à filiação.
Como se vê, o atual Código Civil, ao tratar da igualdade entre os
filhos havidos ou não da relação de um matrimônio, ou até mesmo adotados,
houve por bem aproximar-se ao máximo do preceito constitucional, mais
especificamente no artigo 227, § 6
o
(Constituição Federal).
156
Em se tratando de filiação, Paulo Luiz Netto Lobo, analisando
questões relacionadas à paternidade sócio-afetiva, assim se posiciona em relação
ao estado de filiação:
A paternidade é muito mais que o provimento de alimentos ou a
causa de partilha de bens hereditários. Envolve a constituição de
valores e da singularidade da pessoa e de sua dignidade humana,
adquiridos principalmente na convivência familiar durante a
infância. A paternidade é nus, direito-dever, constrda na
relação afetiva e que se assume deveres de realização dos direitos
fundamentais da pessoa em formação “à vida, à saúde, à
alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à
dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar” (art.
227 da Constituição. É pai quem assumiu esses deveres, ainda
que não seja o genitor.
Outra categoria importante é a do estado de filiação, compreendido
como o que se estabelece entre o filho e o que assume os deveres
de paternidade, que correspondem aos direitos mencionados no
art. 227 da Constituição. O estado de filiação é a qualificação
jurídica dessa relação de parentesco, compreendendo um
complexo de direitos e deveres reciprocamente considerados. O
filho é titular do estado de filiação, da mesma forma que o pai é
titular do estado de paternidade em relação a ele. Assim, onde
houver paternidade juridicamente considerada haverá estado de
filiação. O estado de filiação é presumido em relação ao pai
registral.
236
Além do contido acima, em ralação ao reconhecimento de filhos no
decorrer do casamento, tamm, se faz necessário aqui, observar a questão do
reconhecimento dos filhos ao longo da permanência da união estável. Como já
observado acima, em decorrência de imposição constitucional, não pode haver
distinção ou discriminação entre os filhos dentro ou fora do casamento, que é o
contido do artigo 227, § 6
o
da Constituição Federal. Tal entendimento não é
diferente do contido no artigo 1596 do Código Civil, conforme exposto acima.
236
LÔBO, Paulo Luiz Neto.Paternidade socioafetiva e o retrocesso da Súmula n. 301-STJ. In
Revista Jurídica Consulex. Ano X. n. 223 – 30 de abril de 2003, p. 56.
157
Destarte, estende-se aos filhos tidos na constância da união estável,
os mesmos direitos resguardados aos filhos havidos de dentro do casamento.
Mas ainda assim, observa-se que para o reconhecimento dos filhos
fora do casamento há desigualdade, pois aos filhos havidos da união estável não
pesa a presunção de paternidade que recai sobre os filhos nascidos durante o
casamento. É dizer que o legislador estabeleceu a presunção de paternidade para
o casamento, e não para a união estável, uma vez que o contido no artigo 1597
estabelece: presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos: (...).
De modo que, mesmo que seja uma união estável de vários anos de
vida em comum, não há a mesma autorização por parte do legislador, de
presunção como ocorre no casamento.
Assim sendo, a união estável, em termos de filiação, nada mais é do
que uma prova que pode ser utilizada em ação de investigação de paternidade,
mas que não se caracteriza como presunção de paternidade legal, como ocorre
no casamento. E, nesse aspecto, o legislador pecou pela omissão.
O atual Código Civil em seu artigo 1603 trás como meio de prova de
filiação, o termo de nascimento registrado no Cartório de Registro Civil nos
seguintes termos: “A filião prova-se pela certidão do termo de nascimento
registrada no Registro Civil.”
A Lei 6.015, de 31 de dezembro de 1973, em seu capítulo IV, onde
trata do nascimento, tem as seguintes previes em seus artigos 50 e 46.
158
Art. 50. Todo nascimento que ocorrer no território nacional deverá
ser dado a registro no lugar em que tiver ocorrido o parto ou no
lugar da residência dos pais, dentro do prazo de 15 (quinze) dias,
que será ampliado até 3 (três) meses para os lugares distantes
mais de 30 (trinta) quilômetros da sede do cartório. (Redação
dada ao "caput" pela Lei nº 9.053, de 25.05.1995 - DOU
26.05.1995)
(...)
Já de outro lado, há que se analisar tamm, os efeitos que podem
gerar ao suposto pai, uma possível investigação de paternidade, proposta
indevidamente pela genitora do menor.
Por certo, uma investigação de paternidade improcedente deixará
rastros na personalidade daquele a quem foi imputada existência de filho,
especialmente em se tratando de filho fora da relação matrimonial.
Nesse sentido, Yussef Said Cahali, assim se posiciona:
Não se pode negar que toda ação de investigação de paternidade
improcedente representa para o demandado uma situação de
constrangimento; segundo os preconceitos ainda vigorantes, a
simples imputação da exisncia de filho nascido fora das relações
matrimoniais coloca em crise a reputação, honorabilidade, a
correção e o respeito do indigitado pai, em especial quando envolve
a pessoa de políticos ou de indiduos de projeção social
.
237
Nesse confronto entre apontar o suposto pai e a negativa do
suposto pai em reconhecer a filiação (qualidade pai), interessa aos direitos da
personalidade e sua eventual reparabilidade moral, porém, não de forma ampla. É
de se analisar a cada caso concreto.
237
CAHALI. Yussef Said. Dano Moral. Ob cit. p. 753.
159
A respeito da necessidade de propositura de investigação de
paternidade pode não ser o caso de reparação como responsabilidade civil para
eventual fixação de dano moral. Nesse sentido, Yussef Said Cahali assim se
posiciona:
quanto a eventuais danos morais padecidos pelo filho em razão
da recusa do pronto reconhecimento voluntário da paternidade,
negou-os o TJRS: “A tese das razões apelatórias exige indenizão
do pai ao filho, a titulo de dano moral, pelas privações sofridas na
infância até o reconhecimento forçado da paternidade em virtude da
negligência do pai, do abandono a que este se submeteu, mercê de
sua recusa obstinada em reconhecer a condição de pai. Não
dúvida de que, no direito pátrio, o dever de indenizar deriva de uma
cláusula geral, inserida no art. 159 do CC [art. 186, CC/2002}, e que
pretensões desta natureza podem se originar entre pais e filhos.
Todavia, é preciso atentar que houve reconhecimento forçado da
paternidade, via de ação investigatória, e que a sentença respectiva
é dotada de força constitutiva, conforme esclarece Pontes de
Miranda (Tratado das ações, v. 3, § 4
o
., p. 22).
238
Vale ainda, o entendimento acerca de eventuais reflexos na busca
da tutela de direitos da personalidade, qual seja, busca de uma origem familiar,
conforme o caso concreto julgado pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:
4
o
Grupo de Câmaras do TJRS: somente acarreta condenação em
dano moral se o comportamento do investigado tipifica ato ilícito, na
recusa aos reconhecimento do filho. No caso, quando a ação foi
proposta 7 anos após o nascimento do autor, este não pode atribuir
ao investigado qualquer abalo moral, por desde logo o tê-lo
reconhecido. O investigado, ante a incerteza da paternidade, se
defendeu, mas não deixou de comparecer à perícia. Em momento
algum usou expediente protelatório para retardar o reconhecimento
(11.08.2000, RTJRS 202/186).
239
238
Idem ibdem. p. 754.
239
Idem ibdem. p. 754-755.
160
Vistos estes aspectos gerais acerca do reconhecimento dos filhos
pelo no âmbito constitucional, bem como pelo âmbito civil, passa-se então a
analisar o aspecto penal, objeto do presente trabalho.
4.2. Dos crimes praticados contra o estado de filiação
A prova legal do estado de filho, é a certidão de registro de
nascimento lançada pelo oficial do registro civil, conforme se depreende do artigo
1.603 do Código Civil.
240
Por sua vez, o Código Penal, no capítulo II, ao tratar dos crimes
contra o estado de filiação nos casos de registro de nascimento inexistente, trás a
seguinte previsão em seu artigo 241: Promover no registro civil a inscrição de
nascimento inexistente: Pena - reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos.
O bem jurídico a ser protegido é a segurança do estado de
filiação.
241
Júlio Fabbrini Mirabete ao comentar o tipo objetivo do artigo 241 do
referido estatuto penal, justifica que “dar causa à inscrição de nascimento
inexistente é a conduta típica do artigo 241. Promover significa diligenciar, propor,
requerer, provocar a inscrição.”
242
240
Art. 1.603 CC. “A filiação prova-se pela certidão do termo de nascimento registrada no Registro
Civil”.
241
PRADO, Luiz Regis; BITENCOURT, Cezar Roberto. Código Penal Anotado e Legislação
Complementar. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1997, p. 743.
242
MIRABETE, Júlio Fabbrini. digo Penal Interpretado. São Paulo: Atlas, 1999, p. 1402.
161
Por outras palavras, é promover o registro de uma criança que não
nasceu, ou se nasceu, nasceu morta (natimorto). “Ou seja, é irrelevante que a
declaração falsa verse sobre nascimento de pessoa viva ou de natimorto.”
243
De forma que núcleo do artigo 241 é exatamente promover,
patrocinar a inscrição de nascimento em livro próprio do Cartório do Registro Civil
das Pessoa Naturais.
O tipo subjetivo é o dolo, não se admitindo a forma culposa, uma
vez que o agente age intencionalmente.
Em tal desiderato, para aperfeiçoar o ato, o agente lança dados
sobre um suposto recém-nascido, dando todos os dados exigidos por lei, quais
sejam: data, hora, local de nascimento, nome do pai, mãe, avós paternos e
maternos, tudo junto ao órgão competente.
244
Porém, não se pode olvidar que o
agente tenha agido com dolo. Entretanto, comenta Júlio Fabbrini Mirabete, que, “o
erro, supondo o agente que ocorreu o nascimento, exclui o dolo.”
245
243
PRADO, Luiz Regis; BITENCOURT, Cezar Roberto. Código Penal Anotado e Legislação
Complementar. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1997, p. 743.
244
É o que se verifica pelo contido no artigo 54 da Lei 6.015/73 (Lei de Registros Públicos):
Art. 54. O assento do nascimento deverá conter: 1º) o dia, mês, ano e lugar do nascimento e a
hora certa, sendo possível determiná-la, ou aproximada; 2º) o sexo do registrando; 3º) o fato de
ser gêmeo, quando assim tiver acontecido; 4º) o nome e o prenome, que forem postos à criança;
5º) a declaração de que nasceu morta, ou morreu no ato ou logo depois do parto; 6º) a ordem de
filiação de outros irmãos do mesmo prenome que existirem ou tiverem existido; 7º) os nomes e
prenomes, a naturalidade, a profissão dos pais, o lugar e cartório onde se casaram, a idade da
genitora, do registrando em anos completos, na ocasião do parto, e o domicílio ou a residência do
casal; 8º) os nomes e prenomes dos avós paternos e maternos; 9º) os nomes e prenomes, a
profissão e a residência das duas testemunhas do assento, quando se tratar de parto ocorrido sem
assistência médica em residência ou fora de unidade hospitalar ou casa de saúde. (NR) (Redação
dada ao item pela Lei nº 9.997, de 17.08.2000, DOU 18.08.2000)
245
MIRABETE, Júlio fabbrini. Ob. Cit. p. 1402.
162
Júlio Fabbrini Mirabete traça a distinção de falsidade documental,
no sentido que “o crime de inscrição de nascimento inexistente, como regra
especial, exclui o crime de falsidade documental. Entretanto, promover um
segundo registro de nascimento, alterando dados constantes do anterior, constitui
o delito de falsidade ideológica.”
246
Ainda no mesmo sentido, fato que leva a caracterização da conduta
típica de falsidade ideológica
247
e não o registro de nascimento inexistente, pode
ser observado pela jurisprudência pátria, senão vejamos:
TJSP: “Falsidade ideológica. Exclusão da hipótese do artigo 241
do Código Penal. Acusada que registra como filha, para obtenção
de vantagem relativa ao abono familiar, criança já registrada.
Condenão. Voto vencido. Inteligência do artigo 299 do citado
estatuto. Promover um segundo registro de nascimento alterando
dados constantes do registro anterior, constitui o delito de
falsidade ideológica, e não o previsto no artigo 241 do Código
Penal” (RT 482/315-6. No mesmo sentido, TJSP: RT 334/90.”
À luz dos ensinamentos de Luiz Regis Prado, fica o entendimento
que “o delito de falsidade fica absorvido pelo crime do art. 241, em virtude do
princípio da consunção.”
248
Até mesmo porque o crime de falsidade é o meio pelo
qual se busca o registro de criança inexistente.
246
Idem ibdem. p. 1403.
247
Artigo 299 do Código Penal - Falsidade ideológica: Art. 299. Omitir, em documento público ou
particular, declaração que dele devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou
diversa da que devia ser escrita, com o fim de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a
verdade sobre fato juridicamente relevante:
Pena - reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, e multa, se o documento é público, e reclusão de 1
(um) a 3 (três) anos, e multa, se o documento é particular.
Parágrafo único. Se o agente é funcionário público, e comete o crime prevalecendo-se do cargo,
ou se a falsificação ou alteração é de assentamento de registro civil, aumenta-se a pena de sexta
parte.
248
PRADO, Luiz Regis; BITENCOURT, Cezar Roberto. Código Penal Anotado e Legislação
Complementar. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1997, p. 743.
163
A Lei 8.069/90 – Estatuto da Criança e do Adolescente, em seu
artigo 102, § 1º, assim preceitua:
Art. 102. As medidas de proteção de que trata este Capítulo serão
acompanhadas da regularizão do registro civil.
§ 1º. Verificada a inexistência de registro anterior, o assento de
nascimento da criança ou adolescente será feito à vista dos
elementos disponíveis, mediante requisição da autoridade
judiciária.
[...]
Não há que se falar aqui em direitos da personalidade, já que a
vítima é somente o Estado. E é exatamente o Estado, pelo motivos de miséria
humana, que muitas vezes, o agente desesperado para conseguir ajudada do
governo, obtendo cestas básicas, providenciam o registro de nascimento de
criança inexistente, para fins de cadastro junto a órgão governamentais.
4.3. Parto suposto. Supressão ou alteração de direito inerente ao estado
civil do recém-nascido.
O artigo 1604, que reproduz o artigo 348 do Código Civil de 1916,
tem a seguinte previsão:
Art. 1604 Ninguém pode vindicar estado contrário ao que resulta
do registro de nascimento, salvo provando-se erro ou falsidade do
registro.
164
A Lei 6.015/73, Lei dos Registros Públicos, ao tratar das Pessoas
Naturais, mais especificamente sobre o nascimento, no artigo 29, inciso I, trás a
seguinte previsão:
Art. 29. Serão registrados no Registro Civil de Pessoas Naturais:
I - os nascimentos;
[...]
Vê-se assim, que o registro é a prova de nascimento da criança e
respectivos pais, sejam casados ou não, ou ainda, seja só a mãe ou até mesmo,
só o pai, salvo erro ou falsidade no registro de nascimento.
De forma que, para modificar o que resulta do registro civil, é preciso
desconstituí-lo, provando-se a fraude.
Contudo, “se o filho foi registrado apenas em nome da mãe, poderá,
após investigação de paternidade julgada procedente, com conseqüente
retificação de registro de nascimento, gozar de todos os direitos pessoais e
patrimoniais que advêm do status de filho.”
249
Questão que se faz necessária levantar em relação ao registro de
nascimento, é a paternidade socioafetiva. Uma vez reconhecida a paternidade
afetiva, deve ocorrer o registro para que constitua a paternidade civil, de forma
que ocorrerá o estado de filiação, que não o biológico.
249
CHINELATO. Sylmara Juny. Comentários ao Código Civil: parte especial: do direito de
família. Vol. 18 (arts. 1.591 a 1.710) Coord. Antônio Junqueira de Azevedo. São Paulo: Saraiva,
2004, p. 77-78.
165
Em comentário ao artigo 1604 do Código Civil, Sylmara Juni
Chinelato, entende que:
A Constituição Federal ao agasalhar a igualdade dos filhos de
quaisquer origens, possibilita ampla investigação de paternidade
para quem não tenha pai civilmente declarado. Não se alcança o
status de filho sem a respectiva declaração de paternidade.
250
Sob o aspecto criminal, o Código Penal em seu artigo 242 tem a
seguinte previsão em relação ao estado de filiação:
Art. 242. Dar parto alheio como próprio; registrar como seu filho de
outrem; ocultar recém-nascido ou substituí-lo, suprimindo ou
alterando direito inerente ao estado civil:
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos.
Parágrafo único. Se o crime é praticado por motivo de reconhecida
nobreza:
Pena - detenção, de 1 (um) a 2 (dois) anos, podendo o juiz deixar
de aplicar a pena. (Redação dada ao artigo pela Lei nº 6.898, de
30.03.1981)
Vê-se que os artigos 241 e 242 do Código Penal tem relação
comum, com a diferença que no primeiro, o nascimento é inexistente; no
segundo, o registro é feito como seu o filho de outrem.
Interessante é de se anotar que a realidade social do Brasil pode
levar pessoas menos abastadas a praticarem tal tipo de crime, exatamente para
se beneficiarem da assistência social tão divulgada pelo Governo Federal
atualmente, o chamado, popularmente, bolsa família. Quando não, são famílias
de classe média alta, que desejando dar a luz a uma criança, e por vezes, não
250
Idem ibdem. p. 78.
166
tendo condições física para tal, compram ou até mesmo seqüestram crianças
para tê-las como se fossem os pais, levando a efeito o registro de nascimento.
251
Citando uma vez mais Luiz Regis Prado e César Roberto Bitencourt,
ao tratarem do tipo objetivo do artigo 242, demonstram que o referido tipo penal
apresenta quatro formas de conduta, quais sejam:
A primeira consiste em dar (conceber, outorgar) parto alheio como
próprio, parto suposto, onde a mulher atribui a si “a maternidade
de filho alheio, em regra, simulando prenhez e parto” (E.
Magalhães de Noronha, Direito Penal, vol. 3, SP, Saraiva, 1986,
p. 318). A segundo é registrar (escrever ou lançar) no registro civil
com sendo seu o filho de outra pessoa. Já a terceira diz respeito
ao agente que ocultar (encobrir, esconder) o neonato, com a
supreso (eliminação ) de direitos inerentes ao seu estado civil,
ou seja, o recém-nascido não é apresentado para assumir seus
direitos. A quarta modalidade é substituir (trocar fisicamente) os
recém nascidos, conseqüentemente alterando (modificando)
direito inerente ao estado civil dos mesmos, “de modo que a um
se atribua o estado civil que a outro competia” (Heleno Cláudio
Fragoso, Lições de Direito Penal; parte especial, 3
a
ed., Rio de
Janeiro, Forense, 1981, p. 121).
252
Ainda para os mesmos eminentes doutrinadores, quais sejam, Luiz
Regis Prado César Roberto Bitencourt, “a consumação, tendo em vista as várias
modalidades, ocorre: a) com o novo estado de filiação da criança; b) com o
registro; c) quando da supressão dos direitos; d) com a alteração dos direitos.
253
251
Caso Pedrinho, ocorrido em Goiânia-GO. A exemplo de famílias abastadas que a todo custo
querem uma criança, e não buscando os caminhos legais da adoção, cometem o delito do artigo
em comento. É o caso do episódio largamente veiculado na imprensa brasileira no ano de 2002,
conhecido como caso do seqüestro do menino Pedrinho e sua suposta mãe, Wilma, ocorrido em
Goiana – GO.
Esse caso despertou o interesse da opinião pública para o estudo do Direito Penal.
Assim, questiona-se: aquele que retira de forma clandestina um recém-nascido e o registra como
seu filho, deve ser imputado a ele qual tipo de crime? Para a resposta, muito se falou em
seqüestro, o que de fato não ocorreu, pois não foi tirada a liberdade de locomoção inerente a tal
tipo de crime, pois a criança (no caso o Pedrinho), foi criado como filho. O que houve sim foi o
crime de subtração de incapazes (artigo 249 do CP.), bem como a conseqüente supressão do
direito dos pais biológicos de registrarem como seus, o filho recém-nascido (artigo 242 CP.).
252
PRADO, Luiz Regis; BITENCOURT, Cezar Roberto. Código Penal Anotado e Legislação
Complementar. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1997, p. 745-746.
253
Idem ibdem. p. 746.
167
No caso do artigo 242 do Código Penal, admite-se a tentativa em
todas as modalidades.
254
Em razão dos motivos que levam as pessoas a praticarem tal
conduta, especialmente por razões humanitárias, entende-se por ser um delito de
forma privilegiada, de forma que, “o agente terá a pena atenuada, podendo ser-
lhe concedido o perdão judicial, ao praticar o delito por motivo de reconhecida
nobreza (altruísmo, humanidade, solidariedade – art. 242, parágrafo único).
255
Evidentemente não é a mesma situação daqueles que batem às portas da
Previdência Social, buscando auxílio maternidade indevidamente, ou em outra
situação semelhante, que, ao que parece, trata-se de um crime inapelável, ou
naqueles casos em que sorrateiramente invade-se os hospitais visando subtrair
um filho de outrem para si, como o caso exposto acima (caso Pedrinho).
Sob a ótica da paternidade socioafetiva, e que portanto, levando-se
me conta que o perdão judicial é um direito do réu, ou até mesmo nos casos em
que alguém registra o filho como sendo seu, mas que não realidade não é, o
agente não teria uma efetiva condenação criminal, bem como não se faz
retratável o reconhecimento de filho. Neste aspecto, cita-se Silmara Juny
Chinelato que afirma ao comentar o artigo 1605 do Código Civil Brasileiro: “Este
254
Idem ibdem. p. 746.
255
Idem ibdem. p. 746.
168
artigo não pode abrigar, casos em que há voluntária e espontânea constituição de
paternidade socioafetiva, não sendo retratável o reconhecimento de filho.”
256
Mas não é somente os recém-nascidos que são objeto de desejo de
pessoas que pretendem adquirir dolosamente a paternidade de alguém. O artigo
249 do Código Penal, prevê, tamm, a subtração do menor de dezoito anos, que
não seja propriamente recém-nascido.
Assim estabelece o artigo 249 do Código Penal Brasileiro:
Art. 249. Subtrair menor de 18 anos (dezoito) anos ou interdito ao
poder de quem o tem sob sua guarda em virtude de lei ou de ordem
judicial:
Pena – detenção, de 2 (dois) meses a 2 (dois) anos se, o fato o
constitui elemento de outro crime.
§ 1
o
O fato de ser o agente pai ou tutor do menor ou curador do
interdito não o exime de pena, se destitui dou temporariamente
privado do pátrio poder, tutela, curatela ou guarda.
§ 2
o
No caso de restituição do menor ou do interdito, se este não
sofreu maus tratos ou privações, o juiz pode deixar de aplicar a
pena.
Verifica-se no caso do artigo 249 do Código Penal, que o sujeito
passivo pode ser o menor que está sob a guarda do agente que pretende buscar
para si o menor, para possivelmente tê-lo em sua companhia. Pode ser o caso do
agente que já é pai biológico, ou simplesmente aquele que detém a guarda do
menor por algum motivo, a exemplo da família substitutiva que cuida da criança
retirada de algum lar desfeito, muitas vezes em processo de destituição do poder
familiar, para fins de adoção.
256
CHINELATO. Sylmara Juny. Comentários ao Código Civil: parte especial: do direito de
família. Vol. 18 (arts. 1.591 a 1.710) Coord. Antônio Junqueira de Azevedo. São Paulo: Saraiva,
2004, p. 80.
169
Não raro, são as famílias substitutivas que buscam para si a guarda
provisória do menor que será, possivelmente, destinado a adoção, que passam a
ter amor pela criança, e a todo custo, buscam a para si a paternidade daquele que
estava sob seus cuidados, tudo para fins de formação da família sob o aspecto de
filiação.
Evidentemente, não está se tratando aqui de crimes mais graves,
em que o agente subtrai crianças para fins de pedido de resgate, tirando-lhe a
liberdade, o que caracterizaria extorsão mediante seqüestro.
De outro lado, verifica-se pelo parágrafo primeiro do artigo 249, a
possibilidade do próprio pai – inclua-se também a mãe - ser o autor do delito em
questão, exatamente naquelas circunstâncias em que ele se encontra destituido
do poder familiar do menor.
É de se verificar ainda, a possibilidade do perdão judicial previsto no
parágrafo sendo do mesmo artigo, no caso de restituiçào do menor, sem que
tenha sofrido qualquer tipo de privação ou maus tratos de toda ordem,
circunstância essa que o juiz poderá deixar de aplicar a pena, extinguindo-se a
punibilidade nos termos do artigo 107, IX do Código Penal.
Já no que se refere aos direitos de personalidade, não se pode dizer
que este não foram feridos. Tais direitos foram afetados, pois de uma forma geral,
a lei foi violada, ainda que o agente tivesse boas intenções no que tange a
170
formação da família, mas ainda agiu com dolo, burlando o sistema e ordenamento
jurídico para fins de, muitas vezes, adquirir a paternidade, ainda que voltada para
formação da família.
Como no exemplo citado do caso Pedrinho, houve por parte do
agente (Wilma) a subtração do então recém-nascido Pedrinho, privando-o do
direito de constituição da família com seus pais biológicos, que tanto lutaram para
fins de tê-lo junto de si. Não se pode olvidar que se faz presente o direito de
indenização, tanto por parte do menor, bem como por parte dos pais que foram
privados da companhia do filho, por tantos anos.
Com a atitude do agente, afastando o filho dos pais biológicos,
contra a vontade destes, não há dúvidas que fere os sentimentos dos pais ao
subtrair, contra a sua vontade, a criança tão esperada.
4.4. Sonegação do estado de filiação
Ainda relacionado ao estado de filiação para formação da família, há
a previsão do artigo 243 do Código Penal, que impõe a pena de 1 (um) a 5 (cinco)
anos, e multa para o caso de deixar, ou abandonar sem qualquer amparo filho
próprio ou alheio em instituição particular ou pública. É o que se verifica com o
preceito abaixo:
Art. 243. Deixar em asilo de expostos ou outra instituição de
assistência filho próprio ou alheio, ocultando-lhe a filiação ou
171
atribuindo-lhe outra, com o fim de prejudicar direito inerente ao
estado civil:
Pena - reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, e multa.
O bem jurídico é o estado de filiação. Tendo como sujeito ativo
qualquer pessoa e sujeito passivo o estado, e em particular, o menor
prejudicado”
257
De forma que pode ser sujeito ativo o pai, a mãe, os avós
paternos ou maternos, ou outra pessoa que tenha a guarda ou esteja de alguma
forma responsável pelo bem estar da criança.
Uma vez mais clama-se a atenção do julgador às misérias humanas
decorrentes das dificuldades econômicas pelas quais passam o país, sugerindo
muitas vezes ao responsável pela criança a deixá-la em lugar destinado a recebe-
las oferecendo-lhe assistência social.
Evidentemente, que em tais casos há que se analisar os verdadeiros
motivos pelos quais a pessoa responsável pela criança levou a deixa-la em
alguma instituição com previsto no artigo 243 do Código Penal. Pode ocorrer que
seja por falta de condições econômicas que venha a ser praticada tal conduta.
Contudo, pode ser um ato meramente intencional, doloso, talvez até mesmo para
ocultar a origem da criança evitando-se efeitos relativos a direitos civis, tal como
um novo casamento com alguém que não aceite a prole de casamento anterior ou
até mesmo em decorrência de família monoparental.
Aspecto que se faz importante no âmbito penal, tendo em vista que
não se admite a analogia no Direito Penal, é a anotação feita por Luiz Regis
257
PRADO, Luiz Regis; BITENCOURT, Cezar Roberto. Código Penal Anotado e Legislação
Complementar. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1997, p. 748.
172
Prado acerca do artigo 243 do Código penal, no sentido que, “se a criança for
deixada em lugar diverso do previsto no tipo poderá configurar-se o delito do art.
133 ou 134 do Código Penal.”
258
Vale trazer à cola os artigos 133 e 134 do Código Penal para
aplicação no caso concreto, ou seja, crime de incapaz ou de recém nascido.
Abandono de incapaz
Art. 133. Abandonar pessoa que está sob seu cuidado, guarda,
vigilância ou autoridade, e, por qualquer motivo, incapaz de
defender-se dos riscos resultantes do abandono:
Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 3 (três) anos.
§ 1º. Se do abandono resulta lesão corporal de natureza grave:
Pena - reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos.
§ 2º. Se resulta a morte:
Pena - reclusão, de 4 (quatro) a 12 (doze) anos.
Aumento de pena
§ 3º. As penas cominadas neste artigo aumentam-se de um terço:
I - se o abandono ocorre em lugar ermo;
II - se o agente é ascendente ou descendente, cônjuge, irmão,
tutor ou curador da vítima.
Vê-se que o bem jurídico a ser tutelado pelo artigo 133 é do
incapaz, sendo maior ou menor de idade, desde que seja incapaz de proteger-se
de situações de perigo ou qualquer outra forma de desamparo.
Ao fazer a análise do núcleo do tipo previsto no artigo 133 do
Código Penal Brasileiro, Guilherme de Souza Nucci, afirma que “abandonar quer
dizer deixar só, sem a devida assistência. O abandono nesse caso, não é
imaterial, mas físico. Portanto, não é o caso de se enquadrar, nesta figura, o pai
258
Idem ibdem. p. 748.
173
que deixa de dar alimentos ao filho menor, mas sim aquele que larga a criança ao
léu, sem condições de se proteger sozinha.”
259
Observa-se nesse caso, que há o dolo de perigo, já que o
responsável pelo menor é que deveria dar-lhe segurança, já que por ser menor,
quando tratar-se de criança, há figura da guarda em tratando de família. Sendo
assim, há necessidade de zelo e cuidados para fins de proteção da criança.
Em se tratando de direitos de personalidade, no caso de abandono
de incapaz, estará o autor ofendendo o direito de proteção à vida e à saúde da
pessoa humana.
Pelo contido no parágrafo 3
o
do Artigo 133 do Código Penal, a pena
é aumentada em 1/3 (um terço), quando a pessoa está sob os cuidados do
responsável, no caso em se tratando de formação da família, a criança, e esta é
abandonado em lugar ermo, abandonado, sem habitantes, ou de qualquer lugar
que possa dificultar o acesso ao abandonado.
Deve-se tamm, fazer referência aqui, acerca da formação da
família, o contido do artigo 134 do Código Penal Brasileiro, no que diz respeito à
exposição ou abandono de recém nascido, que está diretamente relacionado ao
aspecto de formação da família.
259
NUCCI, Guilherme de Souza. Ob. cit., p. 580.
174
O artigo 134 do Código penal, quando há a exposição ou abandono
de criança recém nascida, assim preceitua:
Art. 134. Expor ou abandonar recém-nascido, para ocultar
desonra própria;
Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos.
§ 1º. Se do fato resulta leo corporal de natureza grave:
Pena - detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos.
§ 2º. Se resulta a morte:
Pena - detenção, de 2 (dois) a 6 (seis) anos.
Por óbvio, recém nascido, é o ser humano que acabou de nascer
com vida, embora possa ser considerado o recém nascido aquela criança com
alguns dias de vida.
O objeto material do artigo 134, além de tratar-se de recém nascido,
é expor a perigo a vida e a saúde do mesmo, para fins de ocultar desonra própria,
o que está relacionado diretamente com os direitos de personalidade no que
tange à formação da família. Não raras são as situações que os pais, querendo se
ver livres dos filhos, deixa-os a mercê da sorte, muitas vezes resultando em
infanticídio, como é o caso bastante veiculado na imprensa brasileira, ocorrido na
Lagoa da Pampulha em Belo Horizonte – MG.
260
260
Recém nascido abandonado na Lagoa da Pampulha em Belo Horizonte – MG.: Caso
recente publicado na imprensa brasileira (o jornal Estado de São Paulo), em data de 30 de janeiro
do corrente ano, noticia a história de uma mãe acusada de tentar matar a filha de 02 meses,
jogando-a na Lagoa da Pampulha, em Belo Horizonte – MG., embrulhada em um saco plástico de
lixo, que felizmente foi encontrada por um casal que retirou a criança da água, pensando trata-se
de um gato embrulhado. Nesse episódio de aguras da formação da família, com o intuito de
livrar-se da criança, independentemente do resultado, de ser salva por terceiros ou não, podendo
portanto, resultar em possível afogamento sob as águas. Em sendo assim, deverá responder pelo
crime de homicídio por motivo torpe, inclusive com as majorantes do § 4
o
do artigo 121 do Código
Penal, nesse caso, por Ter sido a criança encontrada por terceiros que a salvaram, responderá
pelo crime de homicídio na forma tentada (art. 14, II do Código Penal). Entretanto, se a mãe
175
Verifica-se no presente caso, que o motivo de honra está inserido no
tipo penal, ou por outras palavras, o sujeito ativo do delito, pratica o fato para
livrar-se da desonra.
Discute-se tamm aqui, acerca de quem é o sujeito ativo para a
prática do delito contido no artigo 134 do Código Penal, no sentido de ser tão
somente a mãe que deu a luz à criança recém-nascida, ou alcança tamm a
figura do pai.
Elucidando o assunto, Guilherme de Souza Nucci, admite que o pai
pode ser sujeito ativo do delito, além da mãe, ou em conjunto, pai e mãe. Em
suas palavras, elucida que:
Não se deve sustentar, segundo pensamos, que somente a mãe
que tenha concebido ilicitamente uma criança pode ser autora
deste crime, mas toda mulher que, conforme os costumes do
lugar onde habita tenha gerado seu filho em circunstâncias
irregulares para os padrões locais. Em uma grande cidade, por
exemplo, o fato de a mulher solteira, profissionalmente
estabelecida, gerar um filho sem ser casada, por óbvio, não pode
ser invocado para compor a figura do delito do artigo 134.
Entretanto, em uma pequena comunidade, a mulher solteira, sem
sustento próprio, morando com os pais, pode abandonar o filho
para evitar qualquer repressão moral no seio da sua família e dos
demais que a volteiam. Embora de difícil configuração nos tempos
atuais, é posvel que, em uma sociedade extremamente
conservadora o, o pai resolva abandonar o recém nascido para
“ocultar a desonra”de t6e-lo gerado sem os laços do matrimônio
ou por conta do adultério. Não aceitamos, no entanto, a incluo
de parentes próximos do recém –nascido como agentes do delito,
pois se trata de “desonra própria” – que somente concerne aos
pais.
261
estiver sob a influência do estado puerperal, incorrerá nas penas do crime de infanticídio, nos
termos do artigo 123 do Código Penal.
261
NUCCI, Guilherme de Souza. Ob. cit. P. 582.
176
Certamente, incorrendo a vítima em resultados lesivos à sua vida,
ou tão somente que seja, à saúde, o responsável estainserido no polo passivo
de eventual indenização por danos morais e materiais que poderão ser propostos
pela própria vítima ou por outro representante legal, além de responder pelas
penas do artigo 133 do Código Penal no âmbito penal.
177
CONCLUSÕES
Neste trabalho procurou-se estabelecer uma interdisciplinariedade
entre o Direito Civil, Direito Penal e os Direitos da Personalidade, tendo por base
a formação da família.
Assim sendo, verificou-se que são de suma importância os direitos
da personalidade como preceito constitucional, bem como a constitucionalização
do atual Código Civil nesse aspecto, demonstrando-se, dentro dessa realidade, a
valorização do ser humano como centro das tutelas da personalidade.
Analisando a família contemporânea, verifica-se que a doutrina
constitucional brasileira vem se ocupando cada vez mais com a problemática
relativa aos direitos fundamentais, e a família não ficou esquecida no âmbito dos
direitos da personalidade pelo legislador pátrio no novo Código Civil, não
ocorrendo o mesmo no âmbito do Direito Penal.
O legislador ordinário ainda não levou em conta que, hodiernamente,
a família passa por uma verdadeira revolução tecnológica e científica, que a
influencia no seu cotidiano. A exemplo, a televisão, os telefones celulares,
transportes aéreos, marítimos, terrestres, a internet, os computadores em rede,
etc. Em comparação a séculos passados, pode-se afirmar que houve grande
progresso, e que a ciência avançou de forma magnífica. E é diante desse quadro
178
que o direito tem que estar em constante consonância, acompanhando o avanço
da ciência, especialmente no que se refere ao progresso da tecnologia dentro de
um mundo globalizado, e que muitas vezes transforma a vida em família,
tornando-a, freqüentemente, vulnerável.
Constata-se que, no Brasil, o conceito de família se ampliou com a
Constituição de 1988, acolhendo as pessoas que de alguma forma tenham
vínculos, seja consangüíneo ou afetivo.
A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 226, enuncia que a
família, base da sociedade, tem essencial proteção do Estado. Desse modo,
pode-se afirmar que em razão desse preceito a família tem especial proteção
perante o Estado.
A família restou considerada, pela Constituição Federal de 1988,
num sentido amplo e moderno. Considerou a família pelos laços do casamento, a
união estável entre homem e mulher ou entre qualquer um dos pais e seus
descendentes, conforme preceitua em seu artigo 226, §§ 3
o
e 4
o
.
262
A Constituição de 1988, em seu artigo 1
o
, inciso III, tem como
princípio geral o da dignidade da pessoa humana. Tal princípio é de grande
importância para a família. Pode-se afirmar que “um dos atributos que deve estar
262
Constituição Federal de 1988
Art. 226. A família, base da sociedade tem especial proteção do Estado.
(...)
§ Para efeito da proteção do Estado é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher
como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.
§ 4
o
Estende-se, tamm, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e
seus descendentes.
179
presente na República Federativa do Brasil que se constitui em um Estado
democrático de direito é a dignidade das pessoas, que muitas vezes o Estado tem
que intervir pelo aspecto penal.
Quanto mais o direito se moderniza, mais importantes se tornam os
direitos de personalidade no contexto das relações familiares, uma vez que tais
direitos são ínsitos na pessoa, em função de sua própria estruturação física,
mental e moral.
Impõe-se, portanto, ao Estado a obrigação de regulamentar todas
essas nuances dos direitos da personalidade, como forma de resguardar a
pessoa em sua individualidade e convicções íntimas.
No Direito Penal se percebe a preocupação do legislador na
proteção dos direitos da personalidade, de forma ampla. Isso se evidencia com a
proteção do direito à vida, proteção esta que se estende até mesmo a antes do
nascimento, com as penas impostas à prática do crime de aborto. A integridade
física é igualmente objeto de proteção, contra eventuais ofensas resultantes de
ato doloso ou culposo do agente agressor, o que não ocorre especificamente em
se tratando de formação da família.
Porém, algumas situações inerentes ao direito de família não tem
proteção explícita no direito penal, como é o caso da união estável. Problema
sério na proteção da família, uma vez que cresce rapidamente o número de
180
uniões informais. Até mesmo porque a união estável, a partir da Constituição
Federal de 1988, passou a ser considerada como família, como de fato é. Não há
mais diferença entre a família formal, constituída pelo casamento, e a união
estável, chamada por alguns doutrinadores como família informal.
Por fim, vale a recomendação de que não se pode mais conceber o
desconhecimento da tutela da personalidade no âmbito familiar quando for o
caso. Não se pode mais permitir que vítimas afrontadas em seus aspectos morais
e materiais fiquem desapontadas pela não aplicação da responsabilidade do
agente causador do dano sempre que tal dano seja relevante e reste devidamente
provado perante os tribunais.
181
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