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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM RELAÇÕES INTERNACIONAIS
ÁLVARO AUGUSTO STUMPF PAES LEME
A DECLARAÇÃO DE IGUAÇU (1985):
A NOVA COOPERÃO ARGENTINO-BRASILEIRA
Porto Alegre, 2006
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM RELAÇÕES INTERNACIONAIS
ÁLVARO AUGUSTO STUMPF PAES LEME
A DECLARAÇÃO DE IGUAÇU (1985):
A NOVA COOPERÃO ARGENTINO-BRASILEIRA
Dissertação de Mestrado, apresentada ao Programa
de Pós-Graduação em Relações Internacionais da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, como
requisito parcial para a obtenção do título de Mestre
em Relações Internacionais.
PROFESSORA ORIENTADORA: Drª. Maria Susana Arrosa Soares
Porto Alegre, 2006
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AGRADECIMENTOS
A especificidade que caracterizou a realização desse trabalho faz com que o
ato de agradecer adquira proporções bastante significativas. São inúmeras as
pessoas que me apoiaram e foram solidárias em momentos difíceis.
Em primeiro lugar, agradeço profundamente a meus familiares diretos, que
sempre estiveram ao meu lado, apoiando-me incondicionalmente. Agradeço, de
forma especial, à Vanusa, por seu amor e companheirismo, uma vez que foi a
pessoa mais diretamente afetada pelos momentos de ausência, preocupação e
ansiedade que caracterizam a realização de trabalhos desta natureza.
Ao Dr. Lorival Cardoso e toda equipe da Oftalmoclínica, gostaria de expressar
minha eterna gratidão, assim como para Eliane Ehlers Binz.
Dedico especial agradecimento à Professora Maria Susana Arrosa Soares,
Coordenadora do Curso de pós-graduação em Relações Internacionais desta
Universidade e do Centro de Documentação e Estudos da Bacia do Prata (CEDEP),
minha fiel e incansável orientadora, pessoa que esteve sempre comigo, apoiando,
criticando (sempre de modo construtivo), incentivando e apontando caminhos. A
paixão e o entusiasmo nutridos pela professora Susana em relação à temática da
cooperação e da integração regional foram, sem dúvida, elementos fundamentais
para minha opção pelo presente tema.
Igualmente, gostaria de agradecer a todo o corpo docente do Curso de pós-
graduação em Relações Internacionais, pelo apoio, pela solidariedade e pelas
excelentes sugestões bibliográficas.
Obviamente, dedico um agradecimento especial a meus queridos colegas,
hoje amigos, Carmen (apoio incondicional em momentos de grande necessidade),
Graciela, Camila, Zé Alberto, Priscila (incansáveis e sempre prontos a ajudar), Elmir
e Marcelo.
Uma pessoa a quem só posso expressar gratidão e um imenso carinho é a
sempre disponível Maria Beatriz Accorsi, a nossa Bia, a pessoa que cria as
condições necessárias para que todo o Programa opere de modo eficiente e sem
sobressaltos.
Para minha grande amiga Mariana Caminotti, por sua atenção e total apoio
durante minha estada em Buenos Aires, meu agradecimento e gratidão. Graças à
Mariana, foi possível o acesso a personalidades importantes da cena econômica e
política da Argentina no período estudado, o que contribuiu, sem dúvida, ao
enriquecimento desta dissertação.
Agradeço, tamm, àquelas pessoas que prestaram o valioso auxílio técnico
à finalização desse trabalho. Assim, gostaria de expressar o meu profundo
reconhecimento ao valioso trabalho realizado pela competente Cleusa Pessuto, que
efetuou a revisão gramatical e estilística dessa dissertação, e, também, ao dedicado
e preciso trabalho de adequação às normas da ABNT feito pela bibliotecária Vera
Dias, do CEDEP. Eu tamm gostaria de demonstrar meu especial agradecimento à
Mônica Accorsi, à Maria Lizete Gomes Mendes (in memorium), à Vera Lúcia Correa
da Silva, a André Brida e a Rafael (CEDEP), pessoas que durante todo o período em
que permaneci no Mestrado sempre foram incansáveis e solícitos.
Finalmente, gostaria de dedicar agradecimento à CAPES pelo financiamento
deste estudo e por proporcionar condições à realização do mesmo.
RESUMO
O objetivo deste estudo é investigar as razões e circunstâncias que
conduziram os governos da Argentina e do Brasil a dar início a um vigoroso
processo de cooperação e integração, a partir de meados da década de 1980, cuja
manifestação foi a assinatura, em novembro de 1985, da Declaração de Iguaçu,
pelos Presidentes Raúl Alfonsín e José Sarney.
As relações entre a Argentina e o Brasil, até 1979, caracterizaram-se pela
predominância de sentimentos de suspicácia e rivalidade. A confiança e a
cooperação foram a tônica do relacionamento em breves momentos. As profundas
alterações que ocorreram no cenário econômico internacional no final da década de
1970, impuseram sérios limites ao crescimento e ao desenvolvimento de países
como a Argentina e o Brasil. O projeto nacional-desenvolvimentista, adotado por
esses países desde a década de 1930 e norteador de suas decisões econômicas e
político-diplomáticas, passou a ser objeto de questionamentos, especialmente em
razão das fragilidades que começaram a vir à tona, expressas nas medíocres
performances econômicas da Argentina e do Brasil naquele momento. A cena
política sub-regional, igualmente, era cenário de profundas transformações. Em
ambos países houve o retorno de regimes democráticos.
A partir da constatação dos dois governos de que a superação da secular
hipótese de conflito e a intensificação dos laços de amizade e cooperação eram
fundamentais para a consolidação das democracias e para o enfrentamento e a
superação do grave cenário econômico que se configurava em meados de 1980, os
Presidentes decidiram levar a cabo um amplo projeto de cooperação e integração
regional. Deflagrava-se, então, com a assinatura da Declaração de Iguaçu, um
processo virtuoso que pretendia recuperar as economias (a partir de uma releitura
do nacional-desenvolvimentismo), reinseri-las na cena internacional e consolidar as
ainda frágeis democracias.
PALAVRAS-CHAVE: Argentina, Brasil, cooperação regional, integração regional
Declaração de Iguaçu, nacional-desenvolvimentismo, relações internacionais.
ABSTRACT
This study aims at investigating the reasons and circumstances which
conducted the Governments of Argentina and Brazil to initiate, in the middle of the
decade of 1980, a vigorous process of cooperation and integration, of which the main
symbol was the signature of the Iguaçu Declaration, in november 1985, by
Presidents Raúl Alfonsín and José Sarney.
Until the end of 1979, rivalry and suspicious prevailed in the relations between
Argentina and Brazil. Confidence and cooperation were observed in very few
moments. The deep changes which occurred in the international economic scenario
by the end of the 1970s, imposed serious limits to the economic growth and
development of countries such as Argentina and Brazil. The national-
developmentism project, which has been followed by these countries since 1930 and
has guided their economic, political and diplomatic decisions, started to be
questioned, especially due to the weak economic performance presented by these
countries since the beggining of the 1980s. The sub-regional political scenario was
equally dramatically changing. In both countries, the military dictatorships were
replaced by democratic regimes.
The two governments, aware of the necessity to overcome the secular conflict
hypothesis and to foster friendship and cooperation ties in order to consolidate both
democracies as well as to challenge and to overcome the economic difficulties,
decided to initiate a wide project of regional cooperation and integration.
Thus, the signature of the Iguaçu Declaration gave birth to a virtuous process
which intended to recuperate both national economies (by adopting several theses of
the national-developmentism project), to put Argentina and Brazil again in the world
scenario and to consolidate the young democracies.
KEYWORDS: Argentina, Brasil, regional cooperation, regional integration, Iguaçu
Declaration, National-Developmentism, international relations.
LISTA DE ABREVIATURAS
ALALC – Associação Latino-Americana de Livre Comércio
ALADI – Associação Latino-Americana de Integração
BID – Banco Interamericano de Desenvolvimento
BNDE - Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico
CARI - Conselho Argentino para as Relações Internacionais
CEBAC - Comissão Especial Brasileiro-Argentina de Coordenação
CNEA - Comissão Nacional de Energia Atômica da República Argentina
CNEN - Comissão Nacional de Energia Nuclear da República Federativa do Brasil
CEPAL - Comissão Econômica para a América Latina e Caribe
FMI – Fundo Monetário Internacional
GATT - Acordo Geral de Tarifas e Comércio
GOU - Grupo de Oficiais Unidos
ISEB - Instituto Superior de Estudos Brasileiros
JK - Juscelino Kubitschek
MERCOSUL - Mercado Comum do Sul
MRE – Ministério das Relações Exteriores
OCDE - Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico
OEA - Organização dos Estados Americanos
ONU - Organização das Nações Unidas
OPEP - Organização dos Países Exportadores de Petróleo
PAEG - Programa de Ação Econômica do Governo
PEI - Política Externa Independente
PETROBRÁS - Petleo Brasileiro S.A.
PIB – Produto Interno Bruto
PMDB - Partido do Movimento Democrático Brasileiro
PND - Plano Nacional de Desenvolvimento Econômico
PT - Partido dos Trabalhadores
SELA - Sistema Econômico Latino-Americano
TIAR - Tratado Interamericano de Assistência Recíproca
TNP - Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares
UCR – União Cívica Radical
SUMÁRIO
RESUMO..................................................................................................................05
ABSTRACT...............................................................................................................06
ABREVIATURAS......................................................................................................07
1 INTRODUÇÃO.......................................................................................................11
2 O NACIONAL-DESENVOLVIMENTISMO E O PANORAMA SÓCIO-POLÍTICO
E ECONÔMICO DA ARGENTINA E DO BRASIL (1880-1985) ...............................17
2.1 O nacional-desenvolvimentismo....................................................................19
2.1.1 A CEPAL e o nacional-desenvolvimentismo...................................................20
2.1.2 A influência do nacional-desenvolvimentismo nas diplomacias
latino-americanas.....................................................................................................23
2.2 A Argentina (1880-1985): Economia, Política e Sociedade..........................25
2.2.1 O período 1880-1930.....................................................................................26
2.2.2 O período 1930-1985.....................................................................................28
2.3 O Brasil (1889-1985): Economia, Política e Sociedade................................41
2.3.1 O período 1889-1930.....................................................................................42
2.3.2 O período 1930-1985.....................................................................................43
3 A ARGENTINA E O BRASIL NO CONTEXTO DA INTEGRAÇÃO LATINO-
AMERICANA...........................................................................................................59
3.1 A Integração Latino-Americana: antecedentes e
principais experiências........................................................................................60
3.2. A Argentina e o Brasil no Contexto da Integração Regional.....................71
4. A ARGENTINA E O BRASIL: DE RIVAIS A SÓCIOS........................................88
4.1. Do Período Colonial à Guerra do Paraguai.................................................88
4.2. Da Guerra do Paraguai a 1910: A Predominância da Rivalidade..............92
4.3. A Argentina e o Brasil sob o signo da Amizade.........................................94
4.4. O Advento de Governos Militares na Argentina e no Brasil......................99
4.5. Os Recursos Hídricos da Bacia do Rio da Prata: a disputa
Argentino-Brasileira.............................................................................................102
4.6. O Período 1976 – 1985: da Rivalidade à Cooperação................................106
5 A DECLARAÇÃO DE IGUAÇU: A NOVA COOPERAÇÃO
ARGENTINO-BRASILEIRA....................................................................................113
5.1 A Crise do Projeto Nacional-Desenvolvimentista na Argentina
e no Brasil.............................................................................................................120
5.1.1 As origens da crise........................................................................................120
5.1.2 A crise do projeto nacional-desenvolvimentista
na Argentina e no Brasil........................................................................................123
5.1.2.1 As estruturas industriais da Argentina e
do Brasil (1970-1985).............................................................................................132
5.1.2.2 A Argentina e o Brasil no comércio internacional.......................................135
5.1.2.3 O comércio bilateral Argentina-Brasil.........................................................138
5.1.2.4 Indicadores da crise argentino-brasileira....................................................140
5.2 As Relações Argentino-Brasileiras às vésperas do
Encontro de Foz do Iguaçu.................................................................................141
5.3 Novos Atores Políticos: Raúl Alfonsín, Tancredo Neves e José Sarney...146
5.4 A Declaração de Iguaçu: Um Novo Projeto de Integração Regional..........157
6 CONCLUSÃO.......................................................................................................164
REFERÊNCIAS.......................................................................................................169
APÊNDICE A – Cronologia das relações Argentino-Brasileiras..............................185
ANEXO A – A Declaração de Iguaçu.......................................................................191
11
INTRODUÇÃO
O encontro de cúpula entre os Presidentes da Argentina, Raúl Alfonsín e do
Brasil, José Sarney, realizado em Foz do Iguaçu, em novembro de 1985, cujo ápice
foi a assinatura da Declaração de Iguaçu, no dia 30 desse mês, foi o marco
fundacional do Mercado Comum do Sul (MERCOSUL). As deliberações do encontro
criaram a atmosfera propícia para o início de um intenso período de negociações
que resultaram na assinatura de importantes acordos pelo Brasil e pela Argentina, e,
após, com o Uruguai e o Paraguai. A partir de 1985, foi sendo conformado,
paulatinamente, e de maneira sólida, um ambiente favorável à aproximação e à
comunhão de interesses entre os países do Cone Sul, que se materializou com a
assinatura, em 1991, do Tratado de Assunção.
Os pesquisadores e outros especialistas nos processos de cooperação e
integração dos países do Cone Sul (Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai), todavia,
não têm demonstrado um interesse particular no encontro de Iguaçu. A Declaração
de Iguaçu é apenas mencionada ou dedicam-se-lhe apenas alguns parágrafos nas
análises desenvolvidas sobre o processo de integração argentino-brasileiro.
Acreditamos que tal desinteresse possa estar vinculado ao fato de que o
processo, como idealizado em Foz do Iguaçu (uma integração inspirada no modelo
europeu, de natureza econômica, estratégica, política e cultural), não teve fôlego
para avançar após 1989, ano que marca a falência dos modelos econômicos que
haviam regido as decisões de ordem econômica e político-diplomática da Argentina
e do Brasil até aquele momento. A partir de 1989, emergiu um novo modelo
econômico que na Argentina e no Brasil foi implementado pelas administrações de
Carlos Saul Menem (1989) e de Fernando Collor de Mello (1990) respectivamente.
Os ideais que haviam inspirado os Presidentes Raúl Alfonsín e José Sarney,
na década de 1980, foram substituídos por razões de ordem pragmática e comercial.
O estabelecimento, inicialmente, de uma área de livre comércio e, após, de uma
união aduaneira passou a ser prioritário.
Diferentemente ao previsto pela Declaração de Iguaçu, de forte inspiração
cepalina e que previa uma integração paulatina, setorial, a partir de 1989, passaram
a predominar os interesses comerciais. Não havia mais a intenção de resolver as
12
dificuldades dos países, como os desequilíbrios sociais, a falta de convergência das
respectivas estratégias nacionais e a vulnerabilidade externa, preocupações
presentes no ideário do encontro de Foz do Iguaçu, em novembro de 1985
(FERRER, 2001). Agora, o mais importante era estimular a criação de uma área de
livre comércio.
A Declaração de Iguaçu, em nosso entender, criou as condições para a
constituição do MERCOSUL, representando uma verdadeira revolução, um marco
na história das relações bilaterais.
A aproximação entre a Argentina e o Brasil, que culminou com a assinatura
da Declaração de Iguaçu, teve início em outubro de 1979. Essa iniciativa teve como
objetivos resolver o contencioso referente ao aproveitamento hidrelétrico do Rio
Paraná e estreitar laços de cooperação nos campos da segurança e da energia
nuclear.
Entre 1979 e 1985, o clima de crescente entendimento foi afastando a
onipresente hipótese de conflito, que por tantos anos havia permeado as relações
dos dois países. Nesse sentido, foi importante a posição do Brasil face à Guerra das
Malvinas (1982), que reconheceu a soberania argentina sobre as ilhas. Entre
dezembro de 1983 e janeiro de 1985, a atuação das chancelarias foi fundamental
para o estreitamento das relações entre os dois países e para a pavimentação do
caminho da futura cooperação, discutida pelo governo Alfonsín e representantes da
oposição brasileira.
A restauração democrática em ambos países, a partir de 1985, ano da eleição
do Presidente Tancredo Neves, no Brasil, criou as condições ideais para a revisão
da agenda bilateral. Segundo Vaz:
A parceria Brasil-Argentina, desenhada gradualmente, a partir da
solução da questão de Itaipu-Corpus, em 1979, e impulsionada de
1985 em diante, com a Ata de Iguaçu, era expressão e resultado de
intensa convergência política em torno de objetivos como a
consolidação democrática, as estabilidades política e estratégica
regional, o resgate da credibilidade externa e a coordenação de
posições ante a questão do endividamento externo. Procurar-se-ia
materializar a parceria com a promoção de maior nível de
interdependência econômica, mediante ações de cooperação em um
amplo espectro de setores (VAZ,
2002, p. 77).
A Argentina e o Brasil, em meados da década de 1980, enfrentavam
problemas semelhantes, de naturezas política (consolidação das democracias) e
13
econômica (inflação ascendente e elevado endividamento externo). Na Argentina, a
desindustrialização resultante das poticas econômicas adotadas pelos governos
militares, entre 1976 e 1983, havia conduzido a um processo de “primarização” de
sua economia.
O economista Roberto Lavagna, futuro Secretário de Indústria e Comércio de
Alfonsín, elaborou, em 1980, um projeto para viabilizar o desenvolvimento e a
inserção internacional da Argentina, com clara inspiração nacional-
desenvolvimentista. Nele, previa a abertura regulada da economia argentina, a
participação do Estado e o estabelecimento de relações privilegiadas com o Brasil.
Estas deveriam estimular a recuperação do parque fabril do país, por meio da
complementaridade industrial argentino-brasileira, bem como a cooperação em
áreas estratégicas, como energia, transportes, telecomunicações e comércio. O
Brasil, em razão de seu vasto mercado e de seu grande, diversificado e moderno
parque industrial, era a alternativa natural para o estabelecimento de uma parceria
estratégica, o que veio a se materializar com a assinatura da Declaração de Iguaçu.
A hipótese que norteou este trabalho foi que a aproximação argentino-
brasileira, expressa na Declaração de Iguaçu, constituiu-se na última estratégia para
revitalizar, nos dois países, os projetos políticos inspirados no nacional-
desenvolvimentismo, recorrendo à cooperação e à integração para ampliar os
respectivos mercados internos.
O nacional-desenvolvimentismo, que havia inspirado as decisões econômicas
e político-diplomáticas da Argentina e do Brasil, entre as décadas de 1930 e 1980,
afirmava que o desenvolvimento econômico resultaria da modernização do aparato
produtivo e, conseqüentemente, da industrialização das economias. Ele
recomendava:
a) introduzir a diplomacia econômica nas negociações externas; b)
promover a indústria por modo a satisfazer às demandas da
sociedade; c) transitar da subserviência à autonomia decisória com o
fim de realizar ganhos recíprocos nas relações internacionais; d)
implementar projeto nacional de desenvolvimento assertivo tendo em
vista superar desigualdades entre nações; e) cimentar o todo pelo
nacionalismo econômico, imitando a conduta das grandes potências
(
CERVO, 2003, p. 9).
A Declaração de Iguaçu resultou de longas negociações, lideradas pelas
chancelarias da Argentina e do Brasil, que contaram com a participação de
14
representantes de outras instâncias governamentais (Ministérios da Fazenda,
Planejamento, Agricultura, Indústria e Comércio, Ciência e Tecnologia, Transportes,
Minas e Energia e outros). Foi constituído, como mostra a teoria neofuncionalista,
um núcleo central formado pelos governos e por burocracias especializadas, que
teve por finalidade a formulação estratégica das políticas visando ao
aprofundamento da cooperação e da integração argentino-brasileira. Para os
Presidentes Alfonsín e Sarney, o modelo europeu de integração regional foi uma
referência importante e ambos consideravam que a integração não apenas seria
econômica, mas, também, política e cultural (ALFONSÍN, 2001; SARNEY, 2001).
A partir da iniciativa burocrático-estatal, o processo expandiu-se, abrangendo
uma quantidade maior de temas. Uma importante inovação trazida pela Declaração
foi o estabelecimento de uma estrutura institucional específica, com a atribuição de
acompanhar e gerenciar o processo. A Comissão Mista era presidida pelos Ministros
de Relações Exteriores e integrada por representantes dos governos e das classes
empresariais dos dois países, estes considerados peça-chave para o êxito do
processo. Pela primeira vez a sociedade civil estava integrada ao esforço
integracionista, o que foi considerado muito importante e positivo para dar maior
dinamismo e autonomia ao processo (MARIANO; VIGEVANI, 2000).
Para o êxito do processo de integração, foi importante, tamm, a
redemocratização dos sistemas políticos. A partir de sociedades democráticas, foi
possível a participação dos mais variados segmentos da sociedade civil no processo
de integração. Desse modo, criaram-se as condições ao aprofundamento do
processo, o que facilitou sua irradiação e manutenção, estabelecendo as condições
para a ocorrência do spillover ou ramificação.
A intensificação da cooperação entre a Argentina e o Brasil e o aumento da
confiança recíproca permitiu que as desconfianças mútuas, nutridas por séculos,
fossem neutralizadas, criando condições propícias para a formação de uma “teia
cooperativa” ou ramificação ou spillover, abrindo perspectivas favoráveis a ambos os
países e à região. Como afirma Ernst Haas, "[...] as decisões iniciais ramificam para
novos contextos funcionais, envolvem sempre mais pessoas, exigem sempre mais
contatos e consultas entre burocracias que procuram dar solução aos novos
problemas que derivam dos compromissos anteriores” (DOUGHERTY;
PFALTZGRAFF, 2003, p. 653).
15
A cooperação argentino-brasileira [...] “baseada em convergência de
interesses e de propósitos políticos definidos em um marco de restauração da
democracia” (VAZ, 2002, p.78), foi considerada, portanto, um instrumento para
solucionar problemas e necessidades específicas dos dois países, que,
isoladamente, não tinham chance de êxito, dada a crise econômica e política vivida
na década de 1980.
A Declaração de Iguaçu abriu uma nova etapa nas relações entre os dois
países. Vista retrospectivamente, sem ela o trajeto que levou ao MERCOSUL teria
sido muito mais difícil e, talvez, incerto.
Esta dissertação está estruturada em seis capítulos, sendo o primeiro e o
sexto, respectivamente, a introdução e a conclusão
1
.
No segundo descrevem-se as origens e os princípios do nacional-
desenvolvimentismo, bem como sua influência na atuação das diplomacias latino-
americanas. Os principais acontecimentos que marcaram as histórias da Argentina e
do Brasil, entre o final do século XIX e os anos oitenta do século XX, são
sucintamente apresentados.
No terceiro capítulo, as principais etapas do processo de integração latino-
americana e as contribuições da CEPAL, da ALALC e da ALADI são apresentadas
de forma resumida.
O quarto capítulo analisa, de forma sucinta, as relações entre a Argentina e o
Brasil, desde o período colonial até a assinatura da Declaração de Iguaçu. É dada
particular atenção aos períodos nos quais foram mais evidentes a rivalidade, a
suspicácia e a competição, ou a convergência, a confiança e a busca da
cooperação.
O quinto capítulo analisa a Declaração de Iguaçu em seus condicionantes e
antecedentes. Aborda-se a crise dos projetos nacional-desenvolvimentistas e os
principais indicadores dessa crise na Argentina e no Brasil, e a emergência da
alternativa integracionista.
As principais fontes consultadas para a realização da pesquisa de natureza
histórico-descritiva foram: 1) em Porto Alegre (Museu Hipólito da Costa e Centro de
Estudos da Bacia do Prata da UFRGS); 2) em Brasília (Arquivo do Itamaraty,
1
Segundo as normas técnicas da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) para trabalhos
acadêmicos, a introdução e a conclusão devem merecer, também, status de capítulo.
16
Biblioteca da CEPAL e Biblioteca do Congresso Nacional); 3) em São Paulo
(Parlamento Latino-Americano e Centro de Estudos de Cultura Contemporânea) e 4)
Buenos Aires (Bibliotecas do Congresso, do Ministério das Relações Exteriores e
Culto, da FLACSO, do Centro de Estudos Brasileiros, do Centro de Estudos Nueva
Mayoria, do INTAL, do Centro REDES de Estudos sobre Ciência, Desenvolvimento e
Educação e da CEPAL).
Foram, também, realizadas entrevistas com personalidades argentinas e
brasileiras, relacionadas aos acontecimentos analisados, e que participaram, direta
ou indiretamente, das negociações que levaram à assinatura da Declaração de
Iguaçu.
17
2 O NACIONAL-DESENVOLVIMENTISMO E O PANORAMA SÓCIO-
POLÍTICO E ECONÔMICO DA ARGENTINA E DO BRASIL (1880-1985)
A Argentina e o Brasil eram, até as primeiras décadas do século XX, países
cuja base econômica estava assentada no aproveitamento de suas potencialidades
agrícolas, inseridos na estrutura da divisão internacional do trabalho como
exportadores de matérias-primas e importadores de produtos manufaturados. Suas
economias eram complementares em razão das diferenças de clima e de solos; o
Brasil especializou-se na exportação de açúcar e café, e a Argentina de carne
bovina e cereais.
A crise de 1929 e a depressão dos anos trinta alteraram de modo significativo
os panoramas econômicos, sociais e políticos dos dois países. A redução das
exportações de matérias-primas e a diminuição da capacidade de importação de
manufaturados levaram a Argentina e o Brasil a repensar sua estratégia de
desenvolvimento econômico, assim como a orientação de sua política externa.
Governos fortemente associados aos interesses das oligarquias agro-exportadoras
foram substituídos por uma nova concepção de administração pública, dotada de
clara percepção quanto à urgência em definir novas vias de desenvolvimento
econômico e de atender às demandas sociais das populações.
Surgia, assim, na América Latina, o Estado Desenvolvimentista, cuja lógica
orientou as ações dos principais governos da região tanto na esfera doméstica
quanto no campo da diplomacia, no período que compreendeu da década de 1930
até o final da década de 1980. Entre os anos trinta e o final da década de oitenta do
século XX, a existência de projetos nacionais de desenvolvimento foi traço
característico das ações governamentais de vários países latino-americanos, tais
como o Brasil, a Argentina e o México (CERVO, 2001).
Os processos de desenvolvimento econômico da Argentina e do Brasil
apresentaram algumas diferenças importantes. O argentino baseou-se no
aproveitamento das vantagens comparativas naturais, decorrentes da alta fertilidade
de seu solo, do clima temperado, da abundância de recursos minerais e energéticos
e da proeminência do estuário do Rio da Prata. O período de maior desenvolvimento
do país, entre 1880 e 1930, foi caracterizado pelo rápido avanço da agropecuária,
pelo forte investimento estrangeiro, pela pequena participação do Estado na
18
economia, pelo elevado grau de abertura do país, representando o comércio exterior
fator de prosperidade nacional. A partir dos anos trinta, o país experimentou
momentos de expansão industrial, especialmente nos governos de Juan Domingo
Perón (1946-1955), de Arturo Frondizi (1958-1962) e entre 1964 e 1974.
A perda de importância relativa da indústria na estrutura do Produto Interno
Bruto (PIB) do país, em virtude das políticas econômicas adotadas pela ditadura
militar (1976-1983), e a forte crise social e econômica na qual a Argentina
encontrava-se imersa, motivaram o governo de Raúl Alfonsín (1983-1989) a apostar
no estreitamento dos vínculos com o Brasil para promover a reindustrialização da
Argentina e a sua reinserção no cenário econômico e político internacional.
O processo de desenvolvimento brasileiro tomou um rumo distinto. Após a
crise dos anos trinta, o Estado brasileiro demonstrou grande coerência entre suas
macro-políticas internas e as diretrizes externas. Dotado de enorme extensão
territorial, porém com deficiências na dotação de recursos energéticos, o Brasil optou
por enfatizar o atendimento do enorme mercado interno, promovendo fortes
investimentos para o estabelecimento de uma base industrial capaz de responder às
necessidades desse mercado. O período de maior crescimento econômico, entre
1930 e 1980, foi caracterizado, em contraste com o ocorrido na Argentina, pela forte
participação estatal na economia, pela ênfase concedida à criação da indústria de
base e pela proteção do mercado doméstico. No período de cinco décadas, as taxas
de crescimento do PIB brasileiro superaram, em larga medida, as atingidas pela
economia argentina, sendo que, no início da década de 1950, o PIB brasileiro
superou o argentino
2
, situação que se acentuou com o passar dos anos.
A viabilidade dos projetos nacionais de desenvolvimento, concebidos a partir
da década de 1930, dependia das condições nas quais estavam fundadas as
relações políticas e econômicas entre os Estados latino-americanos. Fatores como
rivalidade, ambição nacional, desconhecimento mútuo, conflito, herança colonial
(rivalidade entre Portugal e Espanha), interferências de potências como o Reino
2
Até o final da década de 1940, o PIB argentino representou, em média, 25% do PIB da América
Latina. Em 1947, por exemplo, o PIB brasileiro representava 18,8% do PIB latino-americano,
enquanto o argentino 26,7%. Já em 1952, a Argentina viu sua participação no PIB regional cair para
21%. O Brasil, por sua vez, atingiu 21,5%. A partir daí, apenas no ano seguinte a Argentina
ultrapassou o Brasil, sendo que de 1954 em diante a Argentina foi perdendo participação na formação
do PIB regional. Em 1976, o Brasil já representava 32% do PIB da região, enquanto a Argentina não
chegava a 14% (CEPAL, 1978, p. 31-34).
19
Unido e os Estados Unidos, além da formação de uma imagem propositadamente
distorcida do outro, atuaram como elementos desestabilizadores das tentativas de
aproximação e de harmonização das políticas exteriores (GULLO, 2005). É o caso
das relações entre a Argentina e o Brasil, marcadas ora pela ambivalência, ora pela
cooperação, ora pelos conflitos e rivalidades, situação a qual perdurou até o final da
década de 1970, quando a resolução do contencioso histórico referente ao
aproveitamento hidroelétrico das águas do rio Paraná, criou as condições para o
estreitamento dos laços, culminando com a assinatura da Declaração de Iguaçu em
1985.
2.1 O nacional-desenvolvimentismo
As origens do nacional-desenvolvimentismo, ideologia que exerceu grande
influência e norteou as decisões de política econômica e de política externa de
países como a Argentina, o Brasil e o México, entre as décadas de 1930 e 1980,
encontram-se na Grande Depressão que se seguiu à Crise de 1929 e assolou a
economia mundial durante os anos trinta do século XX.
A Crise de 1929 colocou em xeque as teorias econômicas tradicionais,
neoclássicas, que defendiam a livre concorrência para gerar o equilíbrio econômico
dos mercados (MANTEGA, 1984). Até aquele momento estavam reservadas ao
Estado
3
funções e responsabilidades unicamente políticas. Temas econômicos e
sociais não faziam parte de suas atribuições.
A sobrevivência do capitalismo passava, portanto, pela renovação da
economia política, que necessitava de novos instrumentos de interpretação e
intervenção, capazes de solucionar as contradições apresentadas naquele momento
pela acumulação de capital, como a queda da taxa de lucros, a superprodução de
bens, o desemprego e a anarquia da produção.
Foi durante essa fase de transição do capitalismo mundial que despontou o
economista britânico John Maynard Keynes, que, em 1936, publicou a obra intitulada
Teoria Geral do Emprego, dos Juros e da Moeda. Na ótica de Keynes, as forças de
3
“Entende-se por Estado, num sentido amplo, um conjunto de instituições que possuem os meios de
coerção legítima, exercida sobre um território definido e sua populão, denominada sociedade. O
Estado monopoliza a elaboração de normas em seu território por meio de um governo organizado.
(BEM, 2003, p. 21).
20
mercado, deixadas a si mesmas, não tinham condições de promover uma ótima
alocação de recursos na economia, resultando na geração de capacidade ociosa e
na elevação das taxas de desemprego. Desse modo, a intervenção estatal fazia-se
necessária.
Na visão keynesiana, a ação do Estado devia transcender as esferas da
administração de serviços essenciais (defesa, educação, justiça e saúde) e da
regulação das atividades privadas, passando a desempenhar o papel de agente
direto da produção e de orientador da estrutura econômica em direção ao equilíbrio.
Caberia ao Estado promover, entre várias ações, a elevação dos investimentos e
gastos da sociedade, bem como selecionar setores prioritários para atuação.
A depressão econômica que se seguiu à Crise, a Segunda Guerra Mundial e
a reconstrução européia do Pós-guerra vieram a corroborar as palavras de Keynes.
A maior participação do Estado fez-se necessária para superar a crise, reorganizar
as economias, redistribuir renda e regular os mercados. Exemplos importantes da
forte ação do Estado nesse período foram o New Deal, o Welfare State e o Plano
Marshall. Ao final da década de 1940, o Estado havia assumido papéis impensáveis
antes da década de 1930. No Brasil e na Argentina, o período 1930-1945 foi
igualmente marcado pelo aumento da participação do Estado na economia. Líderes
como Getúlio Vargas e Juan Perón mostraram-se fortemente engajados na tarefa de
construção de um capitalismo nacional.
2.1.1 A CEPAL e o nacional-desenvolvimentismo
O contexto social, político e econômico que vigorava desde a década de 1930
– caracterizado pela descrença no liberalismo e pela aposta no Estado como agente
central dos processos de desenvolvimento econômico -, motivou certos grupos
intelectuais latino-americanos a refletirem acerca da problemática do
subdesenvolvimento da região.
Surgia, então, a Comissão Econômica para a América Latina – CEPAL
4
, em
1948, sediada em Santiago, Chile. Os principais representantes do pensamento
4
A CEPAL foi estabelecida pela resolução 106(VI) do Conselho Econômico e Social, de 25 de
fevereiro de 1948, tendo iniciado atividades no mesmo ano. Em sua resolução 1984/67, de 27 de
julho de 1984, o Conselho decidiu que a Comissão passaria a ser denominada Comissão Econômica
para a América Latina e Caribe (sítio CEPAL: http://www.eclac.cl).
21
cepalino foram Raúl Prebisch (o seu segundo secretário-geral e mais importante
dirigente), Celso Furtado, Aníbal Pinto, Aldo Ferrer, Maria da Conceição Tavares,
Osvaldo Sunkel, Octávio Rodriguez e Medina Echavarría.
O pensamento cepalino teve três grandes linhas de análise. Em primeiro
lugar, a análise histórico-estruturalista que caracterizava a relação desigual entre os
países desenvolvidos e industrializados (centrais) e os países da América Latina
(periféricos). Em segundo lugar, a análise dos condicionantes estruturais de ordem
interna que dificultavam a inserção internacional dos países da região e impediam a
sustentação do crescimento econômico. Finalmente, havia a análise da ação do
Estado como agente indutor do desenvolvimento
5
.
A superação do subdesenvolvimento econômico da América Latina e do
caráter dependente e periférico da região estava presente na obra Estúdio
Económico de América Latina, escrita por Raúl Prebisch, em 1949, que foi
considerada fundacional do pensamento cepalino. Para o autor, o Estado era um
dos agentes centrais do desenvolvimento econômico, cabendo a Ele, por meio do
planejamento, fixar os objetivos nacionais e realizar a maior parte do esforço rumo à
superação dos obstáculos ao desenvolvimento da América Latina.
Os principais componentes do pensamento da CEPAL podem ser sintetizados
da seguinte forma (BEM, 2003):
1. Âmbito da política de desenvolvimento: o Estado, por meio de seu corpo
político e técnico, devia conduzir o processo de industrialização, fundamental e
necessário para reduzir as distâncias existentes entre o Centro e a Periferia. O
Estado devia proteger a indústria nascente da concorrência internacional por meio
do estabelecimento de reservas de seu mercado interno a essa indústria. Daí a tese
da substituição de importações, a qual devia ser mantida até que a indústria
doméstica apresentasse condições de competir com a produção industrial oriunda
dos países centrais. Com vistas a assimilar e difundir as novas tecnologias, o Estado
devia responsabilizar-se pela pesquisa e aplicação dos novos domínios da ciência e
5
Para a CEPAL, o desenvolvimento pode ser conceituado como o “processo de acumulação de
capital, incorporação de progresso técnico e elevação dos padrões de vida da população de um país
que se inicia com uma revolução capitalista e nacional; é o processo de crescimento sustentado da
renda dos habitantes de um país sob a liderança estratégica do Estado nacional e tendo como
principais atores os empresários nacionais. O desenvolvimento é nacional porque se realiza nos
quadros de cada Estado nacional, sob a égide de instituições definidas e garantido pelo Estado.
(BRESSER-PEREIRA, 2005, p. 11-12).
22
da tecnologia. Cabia, igualmente, ao Estado promover a elevação do coeficiente de
poupança nacional, o que devia ser feito por meio de uma política fiscal
6
orientada
para tal fim. O desenvolvimento era, portanto, não apenas planejamento, mas
tamm estratégia. O Estado, coordenador do processo, devia criar as condições
institucionais e econômicas ideais para os agentes do desenvolvimento (os
empresários industriais) (BRESSER-PEREIRA, 2005).
2. Âmbito das relações econômicas internacionais: Neste plano, cabia ao
Estado adotar as seguintes medidas: a) utilizar recursos financeiros provenientes do
exterior (na forma de empréstimos e financiamentos) para realizar investimentos em
infra-estrutura e financiar o processo de industrialização; b) celebrar, em parceria
com universidades, institutos e empresários, acordos de cooperação internacional de
transferência de tecnologia que garantissem a atualização tecnológica e a melhoria
das condições de competitividade da indústria doméstica; c) apoiar iniciativas que
tivessem por objetivo a cooperação e a integração entre os países latino-
americanos, de modo que a atuação conjunta permitisse que tais países adquirissem
condições de superar suas deficiências concorrenciais no mercado internacional. A
Associação Latino-Americana de Livre Comércio (ALALC), criada em 1960, foi
resultado da vontade política de governantes imbuídos do ideal desenvolvimentista;
d) adotar as políticas necessárias para compensar as eventuais flutuações das
relações de intercâmbio.
3. Âmbito da política agrária: Eram tarefas do Estado: a) empreender
atividades de pesquisa científica e tecnológica com vistas à obtenção de maior
produtividade na produção agrícola; b) promover ações de extensão rural; c) realizar
reformas no sistema de tributação das atividades rurais com vistas a reduzir e
eliminar distorções porventura existentes; d) promover a reforma agrária.
4. Âmbito das políticas social, trabalhista e de renda: Cabia ao Estado: a)
elaborar e aplicar políticas efetivas na área social (educação, saúde e assistência
social); b) realizar políticas ativas de emprego que tenham por objetivo a redução do
desemprego, da informalidade no mercado de trabalho e a qualificação do
trabalhador; c) promover a redistribuição de renda.
6
A política fiscal consiste no conjunto de medidas relacionadas ao regime de arrecadação, aos
gastos públicos, ao endividamento externo e interno do Estado, e a todas as demais operações
financeiras realizadas pelo Estado e que tenham relação com o consumo e o investimento públicos
(BEM, 2003).
23
2.1.2 A influência do nacional-desenvolvimentismo nas diplomacias latino-
americanas
A partir dos processos de independência até o início da década de 1930, a
ação das diplomacias latino-americanas esteve orientada ao atendimento dos
interesses dos setores produtores e exportadores de bens primários (café, açúcar,
carnes, cereais, couros, minérios e outros). Era a chamada diplomacia da
agroexportação
7
. A partir de 1930, no entanto, certos fatores de natureza interna e
externa já indicavam a iminente ruptura e a posterior emergência de uma nova
orientação para a ação das diplomacias nos principais países da América Latina.
No plano externo, havia a complexa conjuntura político-econômica gerada
pela crise da década de 1930 e pela Segunda Guerra Mundial (redução do comércio
internacional, acirramento das condições de concorrência entre os principais países,
aumento do protecionismo comercial, divisão do mundo em blocos e emergência dos
Estados Unidos no cenário internacional).
Em âmbito interno, crescia a crítica à dependência e ao atraso histórico da
América Latina. Nos principais países, como Brasil, México, Argentina e Chile, os
novos segmentos sociais passavam a reivindicar maior espaço na cena política e
econômica. Tratava-se das camadas urbanas ávidas por trabalho e renda, de uma
incipiente burguesia industrial que queria expandir seus negócios; de intelectuais e
políticos que criticavam a excessiva dependência dos países do modelo
agroexportador, e de militares preocupados com a situação de vulnerabilidade dos
países latino-americanos naquele momento (CERVO, 2001; 2003).
Estavam, portanto, postas as condições para o rompimento com a diplomacia
da agroexportação. Havia a consciência entre os governantes dos principais países
quanto à necessidade de um novo modelo, o que era apoiado pelo corpo
diplomático, pela imprensa e pela opinião pública.
O novo modelo de inserção internacional dos países da América Latina,
Nacional-Desenvolvimentista, tinha os seguintes componentes: a) a introdução da
7
O conceito de “diplomacia da agroexportação” foi elaborado por Clodoaldo Bueno. Por meio do
mesmo, o autor procurou apresentar as principais características do aparato de Estado nos principais
países latino-americanos no que concernia à ação externa dos mesmos, corroborando a
preponderância dos interesses dos setores exportadores de produtos primários. Desse modo, além
do apoio às classes exportadoras, havia a preocupação com a manutenção de boas relações com a
Europa e com os Estados Unidos (principais consumidores das exportações, investidores e
fornecedores de empréstimos e de produtos industrializados) (CERVO, 2003).
24
diplomacia econômica nas negociações internacionais; b) a eleição da
industrialização como meio para satisfazer as necessidades da população; c) a
aquisição de perfil mais autônomo no plano decisório nas relões internacionais; d)
a implementação de projetos nacionais de desenvolvimento econômico,
fundamentais para a superação das desigualdades existentes; e) a amalgamação de
toda a estrutura produtiva pelo nacionalismo econômico (CERVO, 2003).
O objetivo do novo modelo era o desenvolvimento econômico. Para sua
consecução havia a necessidade de modernização do aparato produtivo, à época
associada à industrialização das economias. Cabia aos Estados, portanto, prover a
política exterior dos instrumentos capazes de auxiliar nos processos de
industrialização, tais como: a abertura de mercados de exportação capazes de
permitir o aumento da capacidade de importação de máquinas e equipamentos;
capital complementar à poupança nacional, de modo a obter os recursos
necessários para financiar a industrialização e recursos científicos e tecnológicos
capazes de viabilizá-la rapidamente.
A ação diplomática, para contribuir com esse objetivo, deveria apresentar
ainda os seguintes requisitos, conforme Cervo:
a) autonomia decisória para responder aos interesses nacionais; b)
caráter cooperativo e não conflituoso com as grandes potências,
sobretudo para promover o impulso inicial do moderno sistema
produtivo a implantar; c) uma política de comércio exterior nem liberal
nem protecionista, porém, flexível e pragmática, a exemplo das
nações avançadas que assim promoviam o volume e a diversificação
dos negócios; d) a associação da segurança, da formação de
parcerias estratégicas e das grandes questões da política
internacional com resultados econômicos concretos da ação
diplomática; e) a concomitância entre as negociões com as
grandes potências e as iniciativas bilaterais e coletivas com os
países vizinhos (
CERVO, 2001, p. 60-61).
A influência do nacional-desenvolvimentismo na ação das diplomacias latino-
americanas, cujas primeiras manifestações ocorreram entre 1930 e 1945, conheceu
seu apogeu entre as décadas de 1950 e 1970, tendo resistido até 1989, momento
em que os principais países da região, em virtude da absoluta incapacidade do
modelo em fornecer respostas satisfatórias à forte crise econômica que perdurava
desde o início da década de oitenta, optaram pela via do neoliberalismo.
O pensamento nacional-desenvolvimentista latino-americano, cujo núcleo
duro foi a CEPAL, teve seus idealizadores e seus admiradores. Do primeiro grupo
25
fazem parte os intelectuais responsáveis pela construção do desenvolvimentismo.
Os nomes mais representativos desse segmento foram: Raúl Prebisch, Celso
Furtado, Aldo Ferrer, Theotonio dos Santos, Roberto Lavagna, Mario Rapoport,
Osvaldo Sunkel e Raúl Bernal-Meza. Entre os admiradores estavam políticos como
Juan Perón, Getúlio Vargas, Arturo Frondizi, Juscelino Kubitschek, João Goulart e
Ernesto Geisel.
Durante a vigência do desenvolvimentismo como vetor de sua política
exterior, a região apresentou importantes avanços econômicos. Países antes
acanhados do ponto de vista industrial transformaram-se em potências regionais,
como o Brasil, o México e a Argentina. A implantação e consolidação de uma grande
e diversificada indústria de transformação, ocorrida durante as décadas de 1950 e
1960, foi obra de investidores estrangeiros. Ao Estado coube a implantação, o
fortalecimento e a expansão de setores estratégicos e de base (cimento, siderurgia,
telecomunicações, petróleo e petroquímica, energia elétrica e nuclear, indústria
aeroespacial e naval), o que ocorreu até o final da década de 1970. A recusa da
iniciativa privada (doméstica e externa) em assumir os riscos de tais
empreendimentos, preferindo aqueles cujas taxas de lucros eram mais elevadas e o
retorno dos investimentos mais rápido, levou o Estado a transformar-se em
importante ator econômico durante esse período.
2.2 A Argentina (1880-1985): Economia, Política e Sociedade
A história da Argentina, bem como sua transformação em potência regional,
teve estreita relação com o capitalismo britânico, o qual necessitava conquistar
novos mercados para sua crescente produção industrial, agregar novas fontes de
suprimento de insumos para sua indústria, além de opções atraentes e rentáveis
para investir seu capital excedente. O Reino Unido foi, portanto, até as primeiras
décadas do século XX, o mais importante parceiro comercial da Argentina, situação
que a crise do capitalismo mundial do início da década de 1930 modificou
sensivelmente.
26
2.2.1 O período 1880-1930
O primeiro aporte significativo de capitais britânicos na Argentina ocorreu em
1862, sob a forma de um empréstimo realizado pelo governo do Reino Unido ao
governo argentino. No entanto, foi entre 1880 e 1914 que o ritmo dos investimentos
da Grã-Bretanha na Argentina se intensificou, assim como o comércio entre os dois
países. Nesse período, a Argentina destinava cerca de 30% de suas exportações ao
Reino Unido (majoritariamente carnes e cereais), assim como importava mais de um
terço de seus bens manufaturados daquele país (RAPOPORT; CERVO, 1998).
Os investimentos britânicos na Argentina destinaram-se primordialmente à
criação da infra-estrutura necessária ao transporte, armazenagem e beneficiamento
da produção primária destinada à exportação (carne bovina, couros, trigo e milho,
entre outros). Isso levou, em fins do século XIX, à modernização da malha
ferroviária, do sistema portuário, da indústria frigorífica e de beneficiamento de grãos
e da estrutura de armazenamento da Argentina. O país alcançou, assim, elevados
níveis de competitividade internacional, colocando-se em situação de superioridade
com relação a seus vizinhos sul-americanos, com exceção do Uruguai, país tamm
beneficiário dos investimentos britânicos.
Além da intensificação dos investimentos britânicos, outro importante
elemento na formação da moderna sociedade argentina foi a imigração européia que
ocorreu, em larga escala, a partir do final século XIX. A Argentina foi o destino de
enormes contingentes populacionais europeus, especialmente italianos e espanhóis
e, em menor número, franceses, alemães, ingleses, belgas e irlandeses, cuja
contribuição foi fundamental na construção da identidade argentina. No início do
século XX, a Argentina era uma sociedade economicamente próspera, formada por
uma população branca e de origem européia
8
e cuja renda per capita superava a de
países como a Espanha, a Itália e a Suécia (GULLO, 2005).
O final da Grande Guerra marcou o início do processo de consolidação dos
Estados Unidos como potência mundial e a gradual perda de importância da Grã-
8
O projeto de construção da moderna Argentina, ou seja, uma nação baseada nos valores da
civilização européia ocidental, data de 1845, ano em que o futuro Presidente Domingo Sarmiento
escreveu a obra Facundo, o civilización y barbarie. A partir da década de 1870, em nome da
construção de uma Argentina “moderna e civilizada” procedeu-se à conquista de espaços a oeste e
sul do país, sendo parte do plano civilizatório o cruel massacre da população indígena e sua posterior
substituição por imensas levas de imigrantes europeus, os quais começaram a chegar à Argentina a
partir de 1876, com a promulgação da Lei de Imigração e Colonização (FAUSTO; DEVOTO, 2004).
27
Bretanha no cenário internacional. A crise de 1929 e a preferência atribuída pelo
Reino Unido aos membros da Commonwealth (associação voluntária de 53 Estados,
muitos deles ex-colônias britânicas, cuja origem datava de 1867), quanto às trocas
comerciais e ao direcionamento dos investimentos, marcam o início de um lento,
porém consistente, processo de decadência econômica da Argentina.
O cenário industrial argentino no período que antecedeu à ecloo da Crise
de 1929 apresentava certas particularidades que permitem diferenciá-lo dos demais
países latino-americanos. A industrialização argentina havia sido impulsionada pelo
sucesso da integração de sua economia agroexportadora (carnes e cereais) ao
mercado internacional. Os investimentos estrangeiros diretos na economia da
Argentina, até a década de 1930, foram cruciais para a construção da infra-estrutura
do país (ferrovias, portos, redes de gás e eletricidade, entre outros serviços) e
tamm para a criação de um parque industrial beneficiador dos principais produtos
de sua pauta exportadora à época (indústria frigorífica e moagem de cereais). A
presença do capital externo na economia da Argentina, nas décadas anteriores a
1930, foi muito significativa. No período 1900-1909, esses capitais representaram
em média 38% do investimento total realizado no país. Entre 1910-1913, o
percentual elevou-se a 51% (KATZ; KOSACOFF, 1989, p. 27).
A industrialização argentina, nas décadas anteriores a 1930, não foi um
produto da ação deliberada do Estado. Ao contrário, foi um fenômeno espontâneo,
fruto da notável expansão do setor exportador, do grande crescimento do mercado
interno (fomentado pela imigração), do incremento do poder aquisitivo da população
e da rápida urbanização. Além das próprias indústrias exportadoras e de suas
fornecedoras de insumos, peças de reposição e serviços em geral, ocorreu a
instalação de empresas voltadas ao atendimento do mercado interno e cujos
proprietários eram, em sua absoluta maioria, imigrantes (produção de cimento,
cervejas, bebidas destiladas, alimentos em geral, insumos químicos de menor valor
agregado, material elétrico, entre outros ramos produtivos menos representativos).
Em 1929, cerca de 90% dos bens de consumo adquiridos pela população argentina
eram produzidos localmente e a participação do setor industrial no PIB era de
22,8%, enquanto no Brasil era de 11,7% (GULLO, 2005, p. 103-104).
O processo de crescimento industrial que viria a ocorrer após 1930 não se
tratou, portanto, de um fenômeno novo. Informações referentes à produção industrial
28
argentina daquele período mostram que em 1935, cerca de 78% da atividade fabril
do país ocorria em empresas constituídas antes de 1930, e cerca de 66% dos
estabelecimentos industriais em operação naquele ano haviam sido fundados antes
de 1930 (KATZ; KOSACOFF, 1989).
A precoce e intensa onda de industrialização argentina pré-1930 foi
caracterizada tamm pelo surgimento de empresas de grande porte
9
, dotadas de
elevado padrão tecnológico para a época e preocupadas em ampliar seus mercados
para além das fronteiras argentinas, visando, de modo particular, os mercados dos
países vizinhos. A economia argentina, até 1930, foi dotada de uma estrutura aberta
ao comércio internacional, de atuação passiva nos campos monetário e fiscal, cujas
fontes geradoras de instabilidade mais importantes eram os fatores climáticos e os
ciclos econômicos do Reino Unido.
2.2.2 O período 1930-1985
A etapa do processo de industrialização argentino, iniciada após a Crise de
1929, foi caracterizada pela predominância de indústrias voltadas preferencialmente
ao atendimento do mercado interno e cuja atuação contou com forte política
protecionista, baseada em restrições cambiais e elevadas tarifas alfandegárias. O
Estado teve participação ativa, seja transferindo renda ao setor industrial por meio
da concessão de subsídios e facilitando o acesso ao crédito, seja atuando como
árbitro em questões salariais, ou como agente regulador em conflitos sociais. As
demais medidas tomadas pelos governos argentinos entre 1930 e 1945 revelam,
pela primeira vez na história econômica do país, distinta forma de intervenção do
Estado na política econômica. Constituíram exemplos de tais medidas o controle do
câmbio, a necessidade de permissão prévia para as importações e a desvalorização
da moeda argentina.
As principais características da economia argentina no período até 1940
foram: a) a menor representatividade do setor externo no conjunto da economia,
dadas às sensíveis quedas verificadas na participação das exportações e
importações no PIB, quando comparados os períodos 1925-1929 (24% no caso das
9
Os autores fazem menção às estratégias expansionistas de empresas como Bunge y Born
(beneficiamento e exportação de grãos) e Alpargatas (produção de artigos de vestuário e calçados)
em direção ao mercado brasileiro (KATZ; KOSACOFF, 1989, p. 48).
29
exportações e 25% nas importações) e 1935-1939 (19% nas exportações e 15% nas
importações); b) redução no ritmo de crescimento econômico e nos investimentos; c)
a expansão da produção industrial em ritmo mais intenso do que a economia em seu
conjunto, o que se reflete na maior representatividade da indústria no PIB do país,
que passou de 18%, em 1929, para 21%, em 1939; d) os setores que apresentaram
maior crescimento nesse período foram o refino de petróleo, a produção de
borracha, de produtos químicos e farmacêuticos e, em menor medida, a indústria
têxtil e de produtos de vestuário e o complexo metal-mecânico.
No cenário político, o início da década de 1940 foi marcado pelo golpe militar
preventivo liderado pelo movimento de inspiração fascista, Grupo de Oficiais Unidos
(G.O.U.), em 1943, e que revelaria uma personalidade marcante e presente no
imaginário da população argentina até o momento atual, Juan Domingo Perón. A
partir de articulações com sindicatos e confederações de trabalhadores, Perón deu
início a uma rede de alianças fundadas na concessão de favores e benefícios que se
revelariam fundamentais na estruturação da base de sustentação política de sua
carreira. Após realizar uma campanha eleitoral marcada pela intensa mobilização da
população, sob a forma de imensos comícios, Perón foi eleito Presidente em 1946,
dando início ao chamado Movimento Peronista, base do atual Partido Justicialista.
O peronismo - movimento híbrido com inspirações fascistas, socialistas e
keynesianistas - defendia a criação de um Estado de bem-estar social e a vigorosa
ação do Estado na esfera econômica, cabendo a este a tarefa de promover a
industrialização do país. Outra característica marcante do movimento foi o vigoroso
combate a todos aqueles que se opusessem ao seu projeto.
No período que se estendeu desde o início do governo de Perón até a
ascensão de Arturo Frondizi (1958), ocorreu um aprofundamento da industrialização
por meio da expansão das atividades industriais existentes – produção de bens de
consumo não duráveis (alimentos, têxteis e confecções), e produtos da indústria
metal-mecânica dotados de menor conteúdo tecnológico - a expansão do mercado
de trabalho e o alargamento do mercado interno incorporando amplas camadas da
população
10
. O Estado passou a desempenhar papel ativo na produção de insumos
básicos e a aplicar novos instrumentos de política econômica: a administração de
10
A participação dos salários e de outros rendimentos fixos no PIB argentino atingiu 61% no ano de
1951 em comparação com 43% em 1927, 43,3% e 39,9% em 1961 (BANDEIRA, 1987, p. 36-39).
30
quotas de importação, o financiamento por meio do Banco de Crédito Industrial, a
implementação de inúmeras regulações extra-alfandegárias e a adoção de políticas
de promoção setorial.
Fortemente especializada na produção de bens de consumo para o mercado
interno e sob permanentes restrições do balanço de pagamentos, a indústria
argentina passou a enfrentar um processo de obsolescência tecnológica e de
incapacidade empresarial, que se constituiu em grave obstáculo à introdução de
processos produtivos mais complexos e à manutenção de seu ritmo de crescimento.
Em 1955, a economia da Argentina apresentava claros sinais de deterioração,
resultantes da insatisfatória qualidade da infra-estrutura econômica, da
descapitalização do Estado e do aparato produtivo e da forte perda de confiança
empresarial (BANDEIRA, 1987). Além disso, Perón não tivera êxito na tentativa de
captação de recursos para a criação de uma indústria de base na Argentina
(siderurgia, química e petróleo). A queda de Perón, em 1955, deu-se em meio a um
difícil cenário. Perón perdera o apoio das camadas médias urbanas e dos militares,
as desavenças com a Igreja eram crescentes, os superávits comerciais
apresentaram forte redução, a inflação apresentava tendência altista, enquanto os
salários dos trabalhadores perdiam poder aquisitivo de forma acelerada.
A posse de Arturo Frondizi (1958) marcou o início de uma nova etapa do
processo de industrialização da Argentina, a qual perdurou até meados da década
de 1970. A partir da constatação de que a economia argentina apresentava certas
debilidades estruturais vinculadas à ausência ou a ainda pequena representatividade
de certos segmentos industriais, Frondizi lançou um plano de desenvolvimento
econômico, cujo objetivo era a resolução de tais pontos de estrangulamento, o qual
objetivava criar as condições propícias para que a economia do país pudesse
avançar em termos de desenvolvimento industrial. A ausência de uma indústria de
base com escala e competitividade suficientes para garantir a continuidade do
processo de industrialização motivou o governo Frondizi a investir intensivamente
em setores-chave (fornecedores de bens intermediários). Durante seu governo
houve a instalação do primeiro complexo siderúrgico integrado do país, projeto que
integrou o Plano Qüinqüenal de Desenvolvimento, lançado por Perón, em 1946,
empreendimento considerado vital para toda a indústria metal-mecânica, cuja
ênfase, naquele momento, foi dada à indústria automobilística. Vultosos
31
investimentos estatais igualmente ocorreram na indústria petrolífera, na petroquímica
e na química básica.
Durante o governo Frondizi, verificou-se um verdadeiro boom de
investimentos estrangeiros na Argentina, ilustrado pela expansão das indústrias
química, farmacêutica, automobilística e petrolífera. Esta última levou o país a
atingir, em 1962, a quase auto-suficiência na produção de petróleo.
O governo de Frondizi (e suas ações voltadas à esfera econômica) apresenta
distinções e similitudes ao ser comparado com o período peronista. A principal
diferença entre os dois períodos reside no modo de como cada um procurou se
articular com o sistema financeiro internacional (Fundo Monetário Internacional, em
especial). Enquanto o peronismo não via com bons olhos a participação do país em
tais organismos, o governo Frondizi, apoiado nas teses formuladas por Prebisch,
acerca da importância de certa articulação com o sistema financeiro internacional, de
modo a obter os recursos necessários para o financiamento da industrialização,
revelou-se mais permissivo ao capital estrangeiro.
Por outro lado, caso se analise apenas o processo de industrialização
argentino, o governo de Frondizi deu prosseguimento e procurou aprofundar o
modelo iniciado durante o período peronista (baseado principalmente na produção
de bens de consumo não-duráveis e destinados ao atendimento do mercado
interno), o qual apresentava sérias restrições relacionadas às dificuldades na oferta
de insumos industriais básicos (PORTA, 2004).
Em dezembro de 1958, o governo Frondizi, em face da deterioração do
balanço de pagamentos, após um período de negociação
11
, cedeu às exigências do
Fundo Monetário Internacional e passou a adotar recomendações do organismo
(PORTA, 2004). Foi, igualmente, lançado um Plano de Estabilização, aprofundado a
partir de junho de 1959, quando o engenheiro Álvaro Alsogaray foi nomeado Ministro
da Economia. Alsogaray era um liberal e de seu programa constaram ações, tais
como: a desvalorização cambial, o congelamento de salários e a eliminação de
controles e regulamentações estatais. As conseqüências de tais deliberações foram:
o aumento do desemprego e a redução dos rendimentos da classe trabalhadora. A
proximidade das eleições presidenciais de 1962 foi decisiva para a demissão de
11
As negociações da Argentina com o FMI iniciaram em 1957, sob o governo do General Pedro
Aramburu. A pessoa encarregada das negociações era Raúl Prebisch, então Ministro das Finanças
(BANDEIRA; PORTA, 1987, 2004).
32
Alsogaray, no início de 1961. As duras medidas estabilizadoras implementadas
durante sua gestão foram revistas e adotou-se uma política social mais flexível
(ROMERO, 2006).
A Argentina, todavia, não foi bem-sucedida na tarefa de equilibrar o balanço
de pagamentos nem de reduzir o déficit orçamentário, a inflação não baixou, e os
salários reais dos trabalhadores tiveram forte queda, o que criou as condições que
levaram à queda de Frondizi, deposto por um golpe militar em 1962.
Após dois anos, 1962 e 1963, de forte recessão econômica, a nova
administração de Arturo Ilia (União Cívica Radical) colocou em marcha programas
monetários, fiscais e salariais expansivos que, com a forte contribuição das
exportações do país, recolocaram a economia da Argentina em trajetória
ascendente. Entre 1964 e 1974, a indústria teve desempenho notável. Cresceram a
produção industrial, a produtividade, os salários, o nível de emprego e as
exportações
12
.
A análise do panorama industrial argentino do período 1960-1974 permite
interessantes observações. A partir de 1969, em virtude da crescente saturação do
mercado doméstico, as taxas de crescimento da produção dos segmentos industriais
que despontaram após fins da década de 1950 (indústrias automobilística, de
máquinas não elétricas, químicas e de produtos plásticos), embora ainda positivas,
passaram a crescer menos do que nos anos imediatamente posteriores a sua
instalação.
Por outro lado, no plano externo, esses mesmos setores apresentaram
performance notável. Entre 1969 e 1974, as exportações industriais da Argentina
aumentaram 800%. Os setores que mais contribuíram para tal avanço foram o
automobilístico, o de máquinas-ferramentas, o de equipamentos agrícolas, o de bens
de capital para a indústria de alimentos, além das indústrias siderúrgica, química e
petroquímica. Nesse mesmo período verificou-se também um expressivo aumento
dos investimentos diretos por parte de empresas argentinas no exterior,
configurando o início de um processo gradual de internacionalização da estrutura
produtiva doméstica.
12
A exportação argentina de produtos manufaturados que em 1969 não atingia US$ 100 milhões,
chegou a quase US$ 900 milhões em 1974, representando quase 25% das exportações do país
naquele ano (KATZ; KOSACOFF, 1989).
33
A indústria argentina, até 1974, experimentou, portanto, um processo de
amadurecimento que compreendeu a organização e a divisão social do trabalho, a
busca de novos mercados internacionais para o capital e a tecnologia nacionais e a
constatação das limitações do mercado interno do país (KATZ; KOSACOFF, 1989).
A situação política entre a queda de Perón (1955) e o último governo civil
antes da instauração da ditadura militar (1976) foi de forte instabilidade, marcada
pela alternância de governos civis e militares. Enquanto no Brasil, entre 1955 e 1975
houve sete Presidentes (três civis e quatro militares); na Argentina, foram doze
mandatários no período de vinte anos, sendo cinco militares e sete civis
13
.
Apesar da economia do país apresentar indicadores positivos, a situação
social e política, a partir de 1969, deteriorou-se, dando origem à insurreição social e
a ações guerrilheiras, a qual levou os militares a convocarem eleições. Teve, assim,
início o chamado intermezzo peronista (1973-1976), quando o país foi governado
por Hector Cámpora, Raul Lastrini e, novamente, Juan Perón. Após a morte deste,
assumiu a presidência sua esposa Maria Estela Martinez de Perón, deposta em
meio ao caos econômico e ações guerrilheiras por um novo golpe militar em março
de 1976, quando se iniciou o chamado Processo de Reorganização Nacional, que
permaneceu no poder até 1983.
Durante o período em que vigorou o Processo de Reorganização Nacional
(1976-1983), a Argentina foi governada pelos Generais Jorge Videla (março de 1976
a março de 1981), Roberto Viola (março de 1981 a dezembro de 1981), Leopoldo
Galtieri (dezembro de 1981 a junho de 1982) e Reynaldo Bignone (junho de 1982 a
dezembro de 1983).
Para a condução da economia, o governo Videla escolheu José Alfredo
Martinez de Hoz, importante representante da classe empresarial e do pensamento
liberal-conservador argentino. Sua nomeação respondeu à necessidade de enfrentar
os problemas de credibilidade externa da Argentina, numa conjuntura em que a
13
Após a deposição de Perón, os governos militares dos Generais Eduardo Lonardi (setembro a
novembro de 1955) e Pedro Aramburu (novembro de 1955 a maio de 1958) foram denominados de
Revolução Libertadora. Entre 1958 e 1962 governou o Presidente Arturo Frondizi, democraticamente
eleito e deposto pelos militares. José Maria Guido assumiu de modo interino o governo. Em 1963,
através de eleições, a União Cívica Radical retornou ao poder com Arturo Ilia, que permaneceu como
Presidente da Argentina até novo golpe militar em 1966. O período 1966-1973 foi denominado
Revolução Argentina e compreendeu os governos dos Generais Juan Onganía (1966-1970), Roberto
Levingston (1970-1971) e Alejandro Lanusse (1971-1973).
34
interrupção dos pagamentos dos compromissos internacionais do país era iminente.
As vinculações de Martinez de Hoz com os centros financeiros internacionais e com
as elites locais o tornavam o ocupante certo para o cargo.
Os novos governantes, além de ter como objetivo o combate à guerrilha e à
desordem social, buscaram eliminar definitivamente a matriz de relações sociais e
econômicas que o modelo anterior - populista e redistribucionista - havia
impulsionado por meio da ação de um Estado intervencionista e com forte presença
na economia, ou seja, o Projeto Nacional-Desenvolvimentista vigente no país desde
a década de 1930 (CISNEROS; ESCUDÉ, 2005).
A partir de postulados do liberalismo econômico difundiu-se a idéia de que
apenas o livre funcionamento do mercado, sem interferências políticas, garantiria
uma eficiente alocação dos recursos. As antigas políticas públicas, como as voltadas
ao emprego, à distribuição de renda, à promoção da indústria nacional e à
seguridade social passaram a ser consideradas ineficientes e demagógicas.
No diagnóstico elaborado pela equipe econômica do governo militar,
considerava-se que a crise econômica vivida pela Argentina
14
era resultante das
políticas de industrialização adotadas até 1976 e à ineficiência do aparato estatal.
Segundo a nova equipe, a proteção tarifária havia gerado uma indústria ineficiente,
enquanto o setor agropecuário, motor da economia durante a vigência do modelo
liberal-conservador (1880-1930), não recebera as atenções e tampouco os
investimentos necessários a sua expansão. Outro fator negativo apontado era a
existência de um sindicalismo forte no país, que pressionava os salários sem a
contrapartida de elevação da produtividade. Por fim, o Estado estaria
superdimensionado e descapitalizado, em virtude do grande número de empresas
públicas e dos onerosos programas de seguridade social. Desse modo, urgia a
reversão desse modelo e a adoção de medidas de cunho liberal, como a abertura da
economia, a liberdade de operação para os mercados de capitais e a eliminação de
privilégios fiscais, subsídios e controles.
O plano econômico concebido pelo Processo de Reorganização nacional era
parte de um amplo projeto político da elite governante. Havia a determinação dos
novos mandatários de “disciplinar” as forças sociais e alterar suas relações, com
14
A economia da Argentina, após longo período de crescimento (1964-1974) entrou em recessão em
1975, quando o PIB recuou 1,4%. Em 1976, a queda foi ainda maior, -2,9% (CEPAL, 1978, p. 28-29).
35
vistas a eliminar completamente as causas da desordem e da crise que assolavam a
Argentina em meados da década de 1970. Um dos pontos-chave desse plano que
visava “disciplinar” a sociedade argentina consistia em reposicionar a classe
trabalhadora (até então fortemente organizada em confederações e sindicatos,
herança do peronismo), deslocando a mesma para um papel secundário e
subordinado em termos econômicos, políticos e institucionais.
A única maneira de extinguir a agitação trabalhista e erradicar o peronismo
como fator político era a dissolução da classe operária. Para tanto, foi concebida
estratégia que combinava a forte repressão armada com reformas econômicas, que
tinham por meta reduzir de modo drástico o poder econômico das organizações
trabalhistas e dos próprios trabalhadores, am de normas que procuraram limitar o
poder de ação e de influência de tais organizações.
Tamm o empresariado foi objeto de ações que visaram subordiná-lo aos
objetivos de governo. Os instrumentos escolhidos para a consecução desse fim
foram a eliminação dos inúmeros mecanismos governamentais de apoio, até então
existentes, e a exposição da economia nacional à concorrência externa, por meio da
abertura econômica. Enfim, para que esse conjunto de ações levado a cabo pela
ditadura, a partir de 1976, pudesse alcançar êxito, era necessário desmantelar a
indústria argentina (BANDEIRA, 1987; CISNEROS; ESCUDÉ, 2005).
A política industrial adotada pelo governo militar argentino a partir de 1976
teve dois períodos (KOSACOFF; AZPIAZU, 1989):
a) de 1976 a 1978, caracterizado pela recuperação da produção de bens de
consumo durável e de bens de capital, associado com o aumento da taxa de
investimento da economia e com a redistribuição regressiva da renda. Nesse
período, teve início a redução das alíquotas de importação, o que não levou, todavia,
a um aumento significativo da concorrência externa. A reforma financeira de 1977
começou a mudar a sorte do empresariado argentino. Desde a crise de 1930, a
atuação do sistema financeiro do país havia se caracterizado pela forte regulação do
Banco Central, que mantinha taxas de juros fortemente negativas, o que
representava importante fonte de financiamento a baixíssimo custo às empresas. A
reforma de 1977 liberou as taxas de juros criando mecanismos novos de
financiamento;
36
b) de 1978 até o final do período militar em 1983, predominaram os ideólogos
da escola monetarista, tamm conhecida como Escola de Chicago (LERDA;
MUSSI, 1987). Em 1978, desindexou-se a economia e foram implementadas
desvalorizações prefixadas em função de expectativas decrescentes de inflação.
Apesar do nível geral de preços ter apresentado certa redução, essa política
provocou forte valorização da moeda do país, acentuando a crise do setor industrial
e atingindo o setor exportador agro-industrial. A evolução da taxa interna de juros,
fortemente afetada pela imposição de sobretaxa crescente ocasionada pela
incerteza e pelos custos elevados da intermediação financeira, também, colaborou
decisivamente para agravar a situação econômica do país. A sobrevalorização da
moeda nacional, em conjunção com a redução tarifária praticada, afetou fortemente
a balança comercial e criou condições propícias à entrada em massa de produtos
importados. Os capitais externos, que afluíam ao país sem restrições em virtude da
abertura financeira externa, eram majoritariamente de curto prazo e provenientes de
um mercado financeiro de alta liquidez e elevadas taxas de juros. Esses capitais
serviam para compensar o déficit de conta corrente e promoveram elevação
importante no endividamento externo do país.
Em tal conjuntura, o setor industrial argentino sofreu a maior crise de sua
história. Os principais fatores ligados a essa crise foram: a contração dos mercados
interno (concorrência com produtos importados) e externo (forte valorização da
moeda argentina fez com que os produtos de exportação perdessem
competitividade no mercado internacional) e as elevadas taxas de juros domésticas.
As empresas atingiram níveis de endividamento extremamente elevados que, em
muitos casos, superavam seus ativos.
Em 1981
15
, a política econômica tomou novo rumo. Foram adotadas medidas
de curto prazo com vistas a solucionar os problemas mais urgentes dos diferentes
setores produtivos. No entanto, persistiu o estancamento do setor industrial. A classe
empresarial reclamava soluções para o crônico problema do endividamento das
empresas. Um sistema de financiamento de médio prazo para as empresas foi
15
No ano de 1981, um jovem PhD em Economia pela Universidade de Harvard assumiu a
Subsecretaria do Interior do Governo Argentino. Tratou-se de Domingo Cavallo, que, em 1982,
presidiu, ainda, o Banco Central Argentino por 52 dias. Cavallo viria a marcar, de forma profunda, a
cena econômica da Argentina durante a década de 1990, tendo participado, inclusive, do Governo de
Fernando de la Rúa (UCR), que renunciou à Presidência em dezembro de 2001, em meio a crise
econômica, política e social de grandes proporções.
37
criado, tendo como base taxas de juros reguladas que, associadas à inflação
ascendente, provocou verdadeira liquidação dos passivos das empresas e grande
alívio às instituições financeiras.
O Estado, por sua vez, por meio de mecanismos como os seguros de câmbio,
assumiu a maior parte da dívida externa do setor privado. Assim, promoveu-se a
socialização das perdas do setor empresarial. As desvalorizações reais da moeda
praticadas em 1982 e as restrições às importações resultantes do elevado
endividamento externo, cujos pagamentos de juros superavam qualquer previo
otimista quanto ao saldo da balança comercial, geraram condições de proteção ao
setor industrial. O coeficiente de importações da economia argentina voltava a níveis
próximos aos verificados antes de 1976.
A política econômica levada a efeito a partir de 1976 promoveu, dessa forma,
a desindustrialização da Argentina. Entre 1975 e 1982 a produção industrial recuou,
em média, mais de 20%
16
. A participação da indústria no PIB passou de 27,8% para
22,9% e cerca de 20% dos estabelecimentos industriais de grande porte encerraram
suas atividades. As taxas de investimento, tamm, recuaram de forma acentuada e
a participação dos salários na renda nacional passou de 49%, em 1975, para 32,5%
em 1982. A dívida externa do país, por sua vez, saltou de US$ 7,8 bilhões (1975)
para US$ 27,1 bilhões (1980) e US$ 38 bilhões (1982) (KATZ; KOSACOFF, 1989).
Esse endividamento, sustentáculo das reservas monetárias que possibilitaram
a abertura da economia, não foi utilizado, como no Brasil, para acelerar o processo
de industrialização. Os recursos foram utilizados para o pagamento de importações
de bens supérfluos ou de bens que a Argentina já produzia, mas que em decorrência
da valorização da moeda nacional tornaram-se mais baratos no exterior. A
acumulação de capital que ocorreu, fruto da compressão dos salários, não financiou
novos investimentos. Tais recursos, apropriados por grandes empresários e
banqueiros, foram enviados para contas no exterior (BANDEIRA, 1987).
No plano político, a total ausência de liberdade de expressão, tornou os
anseios da população inaudíveis. Aliado a isso, o violentíssimo processo de
repressão aos opositores do regime levou ao exílio personalidades de extraordinária
capacidade (políticos, estudantes, advogados, filósofos, sociólogos, cientistas
16
A queda da produção industrial entre 1976 e 1982 foi mais intensa nos seguintes setores: produção
de têxteis, roupas e calçados (-35%), de móveis e artigos de madeira (-40%) e de produtos metálicos,
máquinas elétricas e materiais de transporte (-30%) (KATZ; KOSACOFF, 1989).
38
políticos, artistas, entre vários outros grupos). O ocaso da ditadura militar argentina,
considerada um absoluto fracasso em termos sociais, econômicos e políticos, foi
marcado pelo gesto desesperado do General Leopoldo Galtieri de declarar guerra ao
Reino Unido em nome da soberania argentina sobre as Ilhas Malvinas. A iniciativa
argentina, absolutamente mal-sucedida, conduziu ao colapso o regime militar e deu
início ao processo de transição política. Em julho de 1982, o General Reynaldo
Bignone assumia a presidência da Argentina com a incumbência de dar início ao
diálogo com os demais setores políticos, com vistas a restabelecer o Estado de
direito na Argentina. Os argentinos foram às urnas em 1983 e, em dezembro desse
ano, assumiu o Presidente Raul Alfonsín, da União Cívica Radical.
O Presidente Raúl Alfonsín assumiu o governo com forte apoio popular e deu
início ao processo de reconstrução da democracia. Entre os primeiros atos do novo
governo radical esteve o julgamento dos militares envolvidos com violações dos
direitos humanos durante o Processo de Reorganização Nacional (1976-1983). Em
1983, a Argentina era uma “ilha democrática” cercada de vizinhos sob governos
autoritários, à exceção da Bolívia. Nos demais países sul-americanos os processos
de redemocratização ainda estavam em curso. Essa situação aliada a algumas
ameaças de golpe, mal-sucedidas, por setores descontentes das Forças Armadas
tornou tenso o início do governo Alfonsín (ALCONADA SEMPÉ, 2004).
A situação sócio-econômica da Argentina, em 1983, era crítica. A economia,
em virtude da adoção, pela última ditadura militar, de políticas que levaram à inflação
persistente, ao forte endividamento externo, ao desajuste fiscal e à desarticulação
do sistema de acumulação, encontrava-se em forte recessão. O elevado volume de
recursos despendido no esforço de guerra com a Grã-Bretanha, durante o conflito
nas Ilhas Malvinas, contribuiu ao agravamento desse quadro econômico.
O panorama econômico regional e internacional tamm contribuía para
tornar o quadro ainda mais grave. As principais economias capitalistas estavam em
crise. O padrão de crescimento econômico que vigorou nos países avançados,
desde o pós-guerra até meados da década de 70, apoiado numa rápida expansão
da produção industrial (liderada pelo complexo metal - mecânico e químico) e que
dinamizava e transformava outros setores (primário e terciário), estava em transição,
e o custo da transformação das estruturas produtivas era elevado.
39
Na América Latina, o panorama era igualmente grave. A brusca elevação das
taxas de juros, praticada pelo governo norte-americano no início da década de
oitenta, levou tanto o estoque quanto o serviço das dívidas externas das nações
latino-americanas a patamares extremamente elevados. Além disso, verificou-se,
tamm, a redução acentuada
17
nos preços de exportação dos produtos agrícolas,
relacionada com a guerra de subsídios então travada entre a Comunidade
Econômica Européia e os Estados Unidos.
Em face de tais adversidades, o novo governo argentino viu-se impossibilitado
de resgatar a pesada dívida social herdada dos militares, ou seja, retomar os
investimentos necessários ao restabelecimento dos indicadores sociais que haviam
distinguido a Argentina dos demais países da América Latina até a década de 1970.
A situação social agravou-se com a não-retomada do crescimento econômico e a
perda de dinamismo da economia, o que elevou as taxas de desemprego em todo o
país e frustrou as ambições de ascensão social da população.
O governo de Raúl Alfonsín havia recebido como legado dos militares um
parque industrial incapaz de gerar empregos e de voltar a ser o motor da economia.
A situação econômica argentina era caótica. A relação investimento/PIB, tanto
pública quanto privada havia recuado de 22,9%, em 1980, para 11,5% em 1985. A
taxa anual média de crescimento do PIB argentino havia recuado de 1,9%, no
período 1975-1980, para -2,5% no período 1980-1985, e a inflação igualmente
ascendia de forma veloz, com taxas de 343,8%, em 1983, e 626,7%, em 1984, o que
refletia o agravamento da crise econômica do país (BAUMANN; LERDA, 1987, p. 62-
63). A taxa de crescimento da indústria, no mesmo período, apresentava
desempenho ainda pior, tendo caído de -0,2%, no período 1975-1980, para -3,7%
entre 1980-1985 (CEPAL, 1986, p.143-166).
Entre 1983 e 1985, Bernardo Grinspun esteve à frente do Ministério da
Economia. Em virtude do agravamento das condições da economia do país, esse foi
substituído, em fevereiro de 1985, por Juan Sourrouille. O novo ministro apresentou
um documento-síntese da política econômica, o qual havia sido elaborado com
vistas a conter a escalada inflacionária e a promover a retomada do crescimento
econômico: Lineamientos de una Estrategia de Crecimiento Económico 1985-1989
17
A redução nos preços de exportação dos produtos agrícolas entre 1981 e 1986 chegou a 50%
(KOSACOFF; AZPIAZU, 1989, p.20).
40
(CISNEROS; ESCUDÉ, 2005). Outra importante figura da equipe econômica do
governo Alfonsín foi o economista Adolfo Canitrot, egresso da CEPAL. Canitrot
ocupou o cargo de Secretário de Coordenação Econômica e era considerado um
dos principais assessores de Alfonsín.
Em junho de 1985 foi lançado o Plano Austral. De caráter heterodoxo, suas
principias medidas foram: a) o congelamento de preços e salários (e serviços
públicos) por tempo indeterminado; b) o compromisso de não financiar com emissão
monetária o déficit fiscal e de associar o crescimento da base monetária ao aumento
das reservas internacionais; c) uma reforma monetária que substituiu a moeda
nacional – o peso - pelo austral, equivalente a 1000 pesos; d) o estabelecimento de
uma tabela de conversão de pesos para austrais, conhecida por deságio, para o
pagamento das obrigações contratadas em pesos antes de 15/06/1985; e) o
estabelecimento de uma taxa de câmbio fixa de oitenta centavos de austral por
dólar; f) o financiamento do déficit público por créditos oriundos de negociações com
o FMI e outras instituições credoras; g) a redução das taxas de juros (SANDRONI,
1994).
O elevado endividamento externo
18
representava uma importante restrição
financeira à retomada do crescimento, o que era agravado pelo fato da Argentina e
outros países latino-americanos estarem, à época, à margem do mercado de crédito
tradicional, tendo suas demandas por crédito apenas parcialmente atendidas pelos
organismos multilaterais (FMI, Banco Mundial, entre outros). Politicamente, a
Argentina estava isolada dos principais centros do poder mundial. Em razão da
Guerra das Malvinas, o país afastou-se da Comunidade Econômica Européia e
tamm dos Estados Unidos, em virtude do apoio deste à Grã-Bretanha.
O governo radical, ao assumir o poder, possuía uma visão otimista do
desenvolvimento econômico, acreditando na possibilidade de recomposição da
renda e da reativação da economia. Esse otimismo resultava, em parte, da
subestimação da magnitude da crise, mas também da expectativa de que o país
teria um tratamento preferencial na renegociação da dívida externa e da perspectiva
positiva das exportações de grãos. O cenário revelou-se distinto e muito mais cruel
18
A dívida externa da Argentina, em 1985, era de US$ 48,3 bilhões (BANDEIRA, 2003, p. 462).
Conforme o Banco de Dados da Universidade de Oxford, a dívida argentina atingia cerca de US$ 50
bilhões.
41
ao país. Não houve tratamento preferencial na renegocião da dívida, e os preços
dos grãos recuaram no mercado internacional (KOSACOFF; AZPIAZU, 1989).
A Argentina chegou a meados da década de 1980, sofrendo pressões de toda
espécie. A população do país esperava a correção dos erros cometidos pela
ditadura militar, tanto os de ordem econômica (retomada do crescimento), como
política (consolidação da democracia) e social (resgate da dívida social). Os
argentinos esperavam que o novo governo recolocasse a Argentina nos trilhos do
desenvolvimento econômico, respeitando a democracia e o estado de direito.
Nessa época, uma aproximação do Brasil foi vista com bons olhos, e
percebeu-se que a cooperação entre ambos poderia gerar vantagens recíprocas,
possibilitando a retomada da atividade industrial na Argentina. Em fins de 1985,
ambos os países enfrentavam problemas comuns (a resolução da questão do
endividamento externo e a necessidade de retomar o desenvolvimento econômico),
tinham governos democráticos, e suas economias eram consideradas
complementares. O Brasil não tinha problemas de demanda interna, porém
enfrentava sérias dificuldades no que dizia respeito à questão energética e ao
fornecimento de alimentos. A Argentina dispunha de excedente tanto de recursos
energéticos (petróleo e gás) quanto de alimentos, mas tinha um reduzido mercado
interno, origem das dificuldades enfrentadas por sua indústria.
2.3. O Brasil (1889-1985): Economia, Política e Sociedade
Consolidado o regime republicano, os setores da elite agrário-exportadora
assumiram o poder, edificando os alicerces da República Oligárquica
19
, a qual
vigoraria até a eclosão da crise do capitalismo internacional da década de 1930, e
cujas bases repousavam no federalismo e na cafeicultura exportadora, sendo o
poder exercido e mantido por meio do coronelismo
20
, do voto de cabresto e da
repressão direta.
19
Oligarquia é uma palavra grega que significa governo de poucas pessoas, pertencentes a uma
classe ou família. No caso da República Oligárquica, embora fosse também denominada República
Liberal, em razão dos preceitos da Constituição adotada e da orientação ideológica dos setores
dominantes na sua organização, na prática, o poder esteve restrito a pequeno número de políticos em
cada Estado (FAUSTO, 1996).
20
O coronelismo foi uma variante do clientelismo, relação sociopolítica presente nas áreas urbanas e
rurais. Tal relação era resultado da desigualdade social, da impossibilidade das pessoas exercerem
42
2.3.1. O período 1889-1930
A economia brasileira, até a década de 1930, esteve baseada na produção e
exportação de café. Inicialmente cultivado no Vale do rio Paraíba do Sul,
abrangendo partes dos estados de São Paulo e Rio de Janeiro, o café migrou para o
interior do estado paulista, onde a atividade adquiriu forte dinamismo e
competitividade. São Paulo transformou-se, então, na principal fonte de arrecadação
para o Tesouro Nacional. As crises da cafeicultura, ligadas à superprodução,
exerciam influência na política econômica e na situação das finanças do governo. As
inúmeras políticas de valorização do café, levadas a cabo por sucessivos governos,
ilustram a importância dessa atividade para o Brasil. Outras atividades econômicas
importantes durante esse período foram: o cultivo do algodão (São Paulo); a
produção e a industrialização de produtos da pecuária (lanifícios e frigoríficos no Rio
Grande do Sul); o cacau, o açúcar e o tabaco (no Nordeste) e a borracha (na região
Amazônica).
A industrialização brasileira teve suas origens ligadas aos recursos
financeiros provenientes da cafeicultura. Ocorreu, no Brasil, uma combinação de
fatores que contribuiu de forma decisiva para o início e posterior avanço da
industrialização, no período anterior a 1930. As políticas cambiais praticadas na
época (de desvalorização da moeda nacional), destinadas a tornar competitivo o
preço do café brasileiro no mercado internacional, oneravam sobremaneira as
importações de produtos manufaturados. As constantes crises que assolavam a
economia cafeeira e provocavam fortes reduções nos preços do produto,
especialmente em função da ocorrência de grandes safras, tornavam a atividade
muito instável, gerando apreensão entre a oligarquia cafeeira. Com vistas a suportar
esses ciclos de crise na atividade e atentos ao mercado potencial que havia no
Brasil, em decorrência das dificuldades existentes para a importação de produtos
manufaturados (em virtude das políticas cambiais em vigor na época), muitos
cafeicultores passaram a investir os recursos advindos dos momentos de pico da
cafeicultura na construção de plantas industriais (GULLO, 2005). Assim, os
primeiros setores implantados estiveram ligados à indústria leve (produtos
alimentares, artigos de vestuário e tecidos, entre outros igualmente dotados de
sua cidadania, da inexistência de carreiras no serviço público e do precário sistema de assistência
social do Estado (FAUSTO, 1996).
43
escassa sofisticação). A Grande Guerra e as dificuldades para importação de
produtos manufaturados daí advindas estimularam ainda mais o crescimento da
produção e do emprego na indústria brasileira, configurando a origem de um
processo de substituição de importações, o qual não fora produto da ação do
Estado, mas resposta do setor dominante às adversidades econômicas que se
apresentavam naquele momento.
A sociedade brasileira durante a República Oligárquica tornou-se mais
complexa em razão do crescente processo de urbanização e da incipiente
industrialização. Novos grupos sociais surgiram, tais como as camadas médias
urbanas e o proletariado industrial. O desenvolvimento urbano-industrial criou as
condições para o surgimento de novas alternativas políticas as quais se opunham ou
contestavam a ordem oligárquica. A partir da década de 1910, e especialmente nos
anos vinte, o crescimento da oposição e as dificuldades econômicas levaram ao
recrudescimento dos conflitos políticos e sociais no Brasil. Consistiram exemplos
desse descontentamento, particularmente forte nas cidades, o tenentismo, o
surgimento do Partido Comunista do Brasil e as reivindicações das camadas médias
urbanas, tais como o voto secreto.
O rompimento entre as oligarquias de São Paulo e Minas Gerais nas
negociações referentes à campanha presidencial de 1930, e os efeitos da crise do
capitalismo internacional, iniciada em 1929 sobre a economia brasileira, fortemente
centrada na produção e exportação de café, provocaram forte crise que culminou
com a Revolução de 1930, marcando o fim da República Oligárquica.
2.3.2. O período 1930-1985
A Revolução de 1930, que pôs fim à República Oligárquica, cujo centro
decisório era São Paulo, foi liderada pela Aliança Liberal, constituída pelas
oligarquias dissidentes (do Rio Grande do Sul, de Minas Gerais, entre outras), por
expoentes do movimento tenentista de 1922 e por setores das camadas médias
urbanas (do Rio Grande do Sul, de São Paulo, entre outros).
O período 1930-1945 teve dois momentos importantes. Durante o primeiro, de
1930 a 1937, vigorou um Estado de Compromisso no país, aliança entre os setores
que haviam participado do movimento que derrubou a República Oligárquica em
44
outubro de 1930. Entre 1930 e 1934, Getúlio Vargas chefiou o governo provisório e,
após a promulgação da Constituição de 1934, assumiu, por meio de eleição indireta,
a presidência do Brasil até 1937.
O segundo período foi marcado pelo início do Estado Novo (1937). A partir de
um projeto centralizador, claramente nacionalista e industrializante, cujas bases
foram lançadas em 1930, o Estado brasileiro transformou-se em ator da vida
econômica e política do país. O Estado Novo, do ponto de vista sócio-econômico,
representou uma aliança da burocracia civil e militar e da burguesia industrial com
vistas a promover a industrialização do Brasil
21
. Havia um forte desejo de superar a
dependência do setor agrário-exportador
22
e desenvolver uma indústria nacional.
O período 1930-1945 foi caracterizado, portanto, pela incipiente tomada de
consciência da importância da industrialização pelas nascentes elites civil e militar,
as quais passaram a governar o país. As questões de alcance nacional que os
novos governantes viriam a enfrentar levaram-nos a pensar nos problemas de longo
prazo da economia, e com isto, na solução, inspirada no nacional-
desenvolvimentismo, representada pela industrialização (BIELSCHOWSKY, 2000).
As origens do nacional-desenvolvimentismo estiveram estreitamente ligadas
ao surgimento, quase simultâneo, de quatro “elementos ideológicos fundamentais”
ao projeto, os quais ultrapassaram os limites do ideário industrialista anterior
(BIELSCHOWSKY, 2000).
1. A consciência de que se devia criar no Brasil um setor industrial integrado e
com capacidade para produzir os insumos e bens de capital necessários à produção
de bens finais. Os discursos do Presidente Vargas no início da década de 1940
apontavam nessa direção.
2. A consciência da necessidade de criar mecanismos de centralização de
recursos financeiros capazes de viabilizar os investimentos industriais desejados.
3. O apoio governamental ao setor privado passou a ser considerado legítimo
e necessário. Concomitantemente, em virtude da desordem gerada pela crise
21
Em 1929, o Brasil ainda apresentava setor industrial acanhado, inclusive na comparação com
outros países da América Latina. Nesse ano, a participação da indústria no PIB brasileiro era de
apenas 11,7%. Já no México a participação atingia 14,2% e na Argentina, o país mais avançado da
América Latina à época, 22,8% (FLORÊNCIO, 1996, p. 81).
22
Ao final da década de 1920, 75% do volume total do intercâmbio internacional de café tinha como
origem o Brasil (FLORÊNCIO, 1996). A importância do café nas exportações brasileiras era tamanha
que, entre 1924 e 1933, o produto representava aproximadamente 70% das exportações do Brasil
(FAUSTO, 1996).
45
internacional, pela fragilidade da estrutura econômica e do próprio empresariado
brasileiro, o planejamento começou a ser encarado como algo premente e
necessário. Ou seja, cabia ao Estado apontar os rumos da economia, dar-lhe maior
racionalidade e assegurar sua expansão.
4. O nacionalismo econômico, de escassa expressão no Brasil, adquiriu força.
Primeiramente, manifestou-se no sentimento antiimperialista, na defesa de barreiras
alfandegárias e no controle nacional sobre os recursos naturais. As razões
apontadas para isso eram: a crise internacional e a depressão econômica que a
seguiu, com fortes efeitos negativos sobre economias como a brasileira; o
integralismo; o socialismo da Aliança Libertadora Nacional e a ideologia estadista,
que tinha o Estado como o defensor e promotor dos interesses nacionais. Em
segundo lugar, uma nova modalidade de nacionalismo econômico asseverava que a
industrialização seria possível e viável apenas se houvesse o suporte do Estado
que, além do planejamento e do controle sobre os recursos naturais, deveria realizar
investimentos em áreas estratégicas para a atividade econômica, como transportes,
energia, mineração e indústria de base.
A produção industrial brasileira durante a década de 1930 sinalizava a
transformação estrutural em curso na economia do país. Entre 1932 e 1939, a
produção industrial havia crescido à taxa média de 10% ao ano, muito superior ao
verificado na década anterior, quando a taxa média de expansão da produção
industrial não havia ultrapassado os 2,9% ao ano. A indústria nacional além de
apresentar um crescimento quantitativo, também experimentou um salto qualitativo,
com forte incremento na produção de bens de capital e de bens intermediários, cuja
participação no total da produção passou de 18%, em 1919, para 27,8% em 1939
(BIELSCHOWSKY, 2000, p. 253).
O Presidente Getúlio Vargas renunciou em outubro de 1945. O jogo político
no qual sua queda estava inserida era complexo e contemplava influências externas
e internas. Na esfera internacional, havia o receio de seus opositores em ver
repetido no Brasil o fenômeno do Peronismo. O governo dos Estados Unidos era
simpático à idéia de se evitar o alastramento do Peronismo entre outros países da
região. No plano doméstico, cresciam as pressões da população por um regime
verdadeiramente democrático, e teve início o gradativo afastamento do General Góis
Monteiro, um dos idealizadores e sustentáculo militar do Estado Novo.
46
Após a queda de Vargas, os militares e a oposição liberal, com a
concordância dos dois candidatos à Presidência da República, General Eurico
Gaspar Dutra e Brigadeiro Eduardo Gomes, decidiram entregar o poder de forma
transitória a José Linhares - Presidente do Supremo Tribunal Federal. As eleições
foram mantidas em 2 de dezembro. O General Dutra sagrou-se vencedor no pleito e
assumiu o poder em fins de janeiro de 1946.
A cena internacional do pós-Segunda Guerra Mundial definiu-se pela divisão
do mundo em dois grandes blocos: um liderado pelos Estados Unidos e o outro, pela
União Soviética. Configurava-se o confronto leste-oeste. Tinha início a Guerra Fria.
Em âmbito doméstico, o governo Dutra - fruto de concepções conservadoras, das
modificações em curso no cenário internacional e do crescimento do Partido
Comunista no Brasil - passou a reprimir as ações do partido. Finalmente, em 1947, o
Supremo Tribunal Federal decidiu cassar o registro do Partido Comunista.
Em termos de política econômica, o governo Dutra adotou, inicialmente, uma
estratégia de orientação liberal, contrária, portanto, à intervenção estatal e aos
demais controles em vigor durante o Estado Novo. A opção resultou em forte
aumento das importações e no esgotamento das reservas cambiais, o que levou o
governo a mudar a orientação, restabelecendo limites à importação. A medida foi
benéfica à indústria, pois, permitiu a importação de bens de capital, máquinas e
combustíveis e limitou a de bens de consumo. O resultado dessa mudança foi que,
partindo de uma performance modesta em 1947 (crescimento de 2,4%), o PIB
brasileiro registrou altas taxas de crescimento nos anos seguintes: 1948 (7,4%),
1949 (6,6%), 1950 (6,5%)
23
.
No plano econômico, o retorno de Getúlio Vargas, em 1951, levou à adoção
de medidas de fomento ao desenvolvimento econômico, especialmente à
industrialização. Foram realizados investimentos em infra-estrutura (transportes e
energia) e, em 1952, foi fundado o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico
(BNDE). A nova instituição estatal deveria estimular a diversificação da atividade
industrial, direcionando os recursos financeiros subsidiados pelo governo. Em
outubro de 1953, foi criada a PETROBRÁS (Petróleo Brasileiro S.A.), que começou
a operar em 1954. À empresa, uma sociedade de economia mista com participação
23
Conforme CEPAL, 1978, p. 26.
47
majoritária do governo federal, foi confiada o monopólio na exploração do petróleo
no país (FAUSTO, 1996).
A defesa do desenvolvimento autônomo estava na ordem do dia tanto no
Brasil como em outros países latino-americanos. A criação da CEPAL (1948)
contribuiu sobremaneira para a difusão nos principais países da região da tese
relativa à superação do subdesenvolvimento via industrialização.
Durante quase todo o período em que Getúlio Vargas governou o Brasil, o
PIB nacional apresentou taxas elevadas de crescimento: 1951 (5,9%), 1952 (8,7%),
1953 (2,5%) e 1954 (10,1%)
24
. O avanço da inflação, todavia, passou a preocupar o
governo. Com vistas a corrigir as distorções verificadas na área econômica, Oswaldo
Aranha foi nomeado para o Ministério da Fazenda em meados de 1953. Sua
primeira medida foi o lançamento de um plano de controle da expansão da oferta de
crédito (para conter a inflação) e a adoção de uma maior flexibilidade da taxa
cambial (com vistas a recuperar a competitividade das exportações e a estimular as
importações de itens considerados fundamentais à promoção do desenvolvimento
econômico brasileiro) (FAUSTO, 1996).
No plano político, a desastrada tentativa de eliminar Carlos Lacerda,
orquestrada por figuras próximas a Vargas e que viam em Lacerda riscos a sua
permanência no poder, resultou no assassinato, por engano, de um oficial da
aeronáutica. As investigações realizadas vincularam o crime ao governo. O
movimento pela renúncia de Vargas adquiriu grandes proporções. Em 23 de agosto
de 1954, manifesto assinado por 27 generais do Exército pedia a renúncia do
Presidente. Em 24 de agosto Getúlio Vargas se suicidou. Optou-se por uma saída
legal para a crise. O Vice-Presidente, Café Filho, assumiu o governo até as eleições
presidenciais de outubro de 1955, quando Juscelino Kubitschek (JK) foi eleito.
O governo de Juscelino Kubitschek (1956-1960) foi de plena vigência
democrática. Reinava forte otimismo, apoiado pelos excepcionais índices de
crescimento econômico. A construção de Brasília e o lema “cinqüenta anos em
cinco”, da propaganda oficial, simbolizaram aquele momento.
A política econômica de JK, definida no Programa de Metas, abrangia 31
objetivos, distribuídos em seis grandes grupos: energia, transportes, alimentação,
indústrias de base, educação e a construção de Brasília – a meta-síntese (FAUSTO,
24
Conforme CEPAL, 1978, p. 26-27.
48
1996, p. 425). Para assessorar e apoiar o Programa de Metas foi criado o Instituto
Superior de Estudos Brasileiros (ISEB), fundado em 1955, e subordinado ao
Ministério da Educação. A Instituição, formada por representantes da sociedade civil,
governo e Forças Armadas, adquiriu grande importância durante o governo JK.
Os pressupostos do Programa de Metas, formulado e adotado pelo governo
JK, eram expressão do ideário nacional-desenvolvimentista que propunham articular
a ação do Estado, a da empresa privada nacional e a do capital estrangeiro, com
vistas a promover o desenvolvimento econômico via industrialização.
Os resultados dessa política foram notáveis. Entre 1955 e 1961, o valor da
produção industrial, descontada a inflação, aumentou 80%, com performances
maiores em setores como a produção de aço (100%) e a indústria mecânica (125%),
de material elétrico e de comunicação (380%) e de material de transporte (600%).
A expansão da indústria automobilística no Brasil, ocorrida no governo JK,
atraída pelos incentivos concedidos pelo governo e pelas potencialidades do
mercado local, levou à instalação de grandes multinacionais montadoras de
automóveis e caminhões no país. As empresas instalaram-se na região
metropolitana de São Paulo, no chamado ABC, modificando totalmente os quadros
econômico, social e demográfico da região. A opção pelo transporte rodoviário
relegou as ferrovias ao quase abandono, tornando o Brasil fortemente dependente
dos derivados de petróleo e da indústria automotiva.
Nesse período, o PIB nacional, igualmente, apresentou taxas de crescimento
muito elevadas: 1955 (6,9%), 1956 (3,1%), 1957 (8,1%), 1958 (7,7%), 1959 (5,5%),
1960 (9,8%) e 1961 (10,3%)
25
. Durante o governo JK, o Brasil passou a ser a maior
economia industrial da América Latina, condição até então pertencente à Argentina.
A construção da nova capital, Brasília, em pleno cerrado, na região Centro-Oeste do
país, foi a expressão máxima desse período de grande otimismo e de expressivo
crescimento econômico.
O forte aumento do gasto público decorrente do financiamento do processo
de industrialização e da construção da nova capital resultou em déficits
orçamentários crescentes, gerando dificuldades de grande monta ao governo JK. O
25
Conforme CEPAL, 1978, p. 27-29.
49
déficit passou de menos de 1% do PIB, em 1955, para 4%, em 1957, e a elevação
da taxa de inflação colaborou para tornar esse quadro ainda mais crítico.
O plano do governo para o enfrentamento dessa situação previa um
empréstimo a ser solicitado aos Estados Unidos, cuja liberação dependia do aval do
FMI. O Fundo Monetário Internacional não estava satisfeito com os resultados até
então alcançados pelo Brasil em suas contas, e exigiu medidas mais severas, entre
elas a redução mais acentuada dos gastos do governo.
As relações entre o FMI e o governo brasileiro seguiram incertas até meados
de 1959. O Presidente JK, atento ao fato de que no ano seguinte realizar-se-iam
eleições presidenciais e tendo conhecimento da existência de restrições internas a
um acordo com o FMI, optou por romper com o organismo. A atitude gerou forte
apoio ao governo. Esse apoio, porém, não era compartilhado pelas massas
populares.
O resultado das eleições de 1960 constituiu-se numa expressão do
descontentamento da população face ao aumento da inflação e às perdas salariais.
O candidato Jânio Quadros foi eleito com uma plataforma política que agradava a
todos os setores descontentes com o governo (camadas médias, trabalhadores,
entre outros).
O curto governo de Jânio Quadros, iniciado em janeiro de 1961 e encerrado
sete meses depois, foi marcado, no plano econômico, pelo lançamento de um
pacote econômico ortodoxo que visava corrigir as dificuldades da economia
brasileira naquele momento (elevado déficit da balança de pagamentos,
compromissos externos de curto prazo, crescente déficit orçamentário e inflação
ascendente). As medidas adotadas – a desvalorização cambial e a contenção dos
gastos do governo e da expansão da oferta de moeda - foram bem recebidas pelos
credores externos e pela comunidade internacional, tendo o país conseguido obter
novos empréstimos. O resultado dessas medidas foi a elevação do custo de vida,
gerando grande descontentamento na população.
Em 25 de agosto de 1961, Jânio comunicou sua renúncia ao Congresso
Nacional. A razão creditada para o gesto combinava sua personalidade instável e a
realização de cálculos políticos equivocados. Jânio Quadros considerava que o
Congresso não aceitaria seu pedido, pois acreditava ser imprescindível tanto ao país
como aos partidos na futura campanha presidencial. Além disso, seu vice e
50
sucessor, João Goulart, era considerado “elemento de esquerda” pelos militares e
pelos conservadores. O Congresso, todavia, aceitou o pedido de renúncia, porém o
nome de João Goulart passou a enfrentar fortes resistências entre as Forças
Armadas, as quais temiam a instauração no Brasil de uma república sindicalista.
Houve forte mobilização nacional, a denominada batalha da legalidade, comandada
por Leonel Brizola, governador do Rio Grande do Sul e cunhado de João Goulart. A
posse foi assegurada pelo Congresso, que adotou uma solução de compromisso: o
sistema de governo passou de presidencialista para parlamentarista, o que limitava
os poderes de João Goulart.
O governo de João Goulart, iniciado em setembro de 1961, caracterizou-se
pelo avanço dos movimentos sociais e pelo surgimento de novos atores na cena
nacional: os trabalhadores rurais (durante o governo de Goulart foi sancionada lei
que dispunha sobre o Estatuto do Trabalhador Rural), os estudantes (através da
União Nacional dos Estudantes) e a Igreja Católica. O governo pretendeu, a partir do
estabelecimento de uma aliança com as Forças Armadas, com grupos intelectuais,
com a classe operária organizada e com a burguesia industrial, realizar um conjunto
de reformas estruturais que permitissem a modernização da sociedade brasileira e a
redução das desigualdades sociais.
Ao longo do ano de 1963, cresceu o descontentamento de vários setores da
sociedade (militares, classe média urbana, proprietários rurais e setores
empresariais), com as ações do governo que visavam à implantação das reformas
estruturais.
A situação foi se tornando insustentável, recrudesciam as pressões internas e
externas e o golpe de Estado era iminente, o que ocorreu em 31/03/1964. Tinha
início o Regime Militar que perdurou até 1985.
O governo do General Humberto de Alencar Castello Branco, iniciado em abril
de 1964, propunha eliminar o “populismo subversivo” da política nacional,
restabelecer a ordem e a paz social, combater a corrupção e retomar o
desenvolvimento econômico pela via do capitalismo privado. Foi lançado o Programa
de Ação Econômica do Governo (PAEG), cujos responsáveis foram Roberto
Campos (ministro do Planejamento) e Otávio Gouveia de Bulhões (ministro da
Fazenda). O Programa reduziu o déficit do setor público, contraiu a oferta de crédito
51
ao setor privado e comprimiu os salários. O PAEG foi bem-sucedido em sua meta de
conter a inflação e promover o retorno gradual do crescimento econômico
26
.
O governo Castello Branco aproximou o Brasil dos Estados Unidos, nos
campos militar, diplomático e econômico. Dentre as principais medidas adotadas
pelo governo, várias atendiam aos interesses do capital internacional, tais como a
revogação da Lei de Controle sobre a Remessa de Lucros, instituída durante a
administração anterior, e o pagamento de indenizações às empresas norte-
americanas encampadas durante o governo de João Goulart.
Além da opção por eliminar quaisquer atritos nas relações com os Estados
Unidos, com vistas a obter ganhos econômicos e políticos, a política externa do
Brasil, que durante o governo Castello Branco esteve sob o comando dos Ministros
Vasco Leitão da Cunha e Juracy Magalhães (a partir de dezembro de 1965),
tamm procurou [...] enquadrar as relações interamericanas em esquema
funcional – a serviço da bipolaridade – mediante a segurança coletiva e o mesmo
tipo de vínculos econômicos.” (CERVO, 2002, p. 374).
O rompimento de relações diplomáticas com Cuba, ocorrido em 13 de maio
de 1964, por razões ideológicas, foi manifestação desse momento.
A partir do reconhecimento das dimensões que a economia brasileira havia
alcançado e da necessidade de ampliar seus mercados consumidores, a política
externa do governo Castello Branco defendeu, tamm, um maior universalismo em
termos de ação externa. O chamado “realismo universalista” foi, assim, orientado em
torno de três eixos: a atuação brasileira nos órgãos multilaterais não-regionais; os
países socialistas e a África subsaárica (CERVO, 2002,).
O projeto de Castello Branco e seus apoiadores, todavia, foi derrotado. O
forte apoio do governo brasileiro às posições dos Estados Unidos não resultou nos
benefícios esperados pela equipe de Castello Branco. Concluiu-se que a estratégia
de defesa coletiva e integral não havia gerado uma política hemisférica
interdependente, mas uma política externa dependente. O afluxo de capitais norte-
americanos ao país revelou-se modesto e não houve a anunciada transferência de
tecnologia para o Brasil. O descontentamento gerado pela perda de poder aquisitivo
26
Durante o governo Castello Branco, as taxas de crescimento do PIB brasileiro foram: 1964 (2,9%),
1965 (2,7%) e 1966 (3,8%). A inflação anual recuou de 91,9%, em 1964, para 38,8% em 1966
(FAUSTO, 1996, p. 473).
52
das camadas médias e da classe trabalhadora completou o quadro negativo do
governo Castello Branco.
Em março de 1967, assumiu a presidência o Marechal Arthur da Costa e
Silva. Reinava, especialmente entre os setores nacionalistas das Forças Armadas,
um descontentamento com a política do governo anterior, que estabelecera fortes
vínculos com os Estados Unidos e concedera inúmeras facilidades ao capital
estrangeiro.
Assim, o novo mandatário, ao montar seu ministério, não preservou nenhum
membro da equipe anterior. O número de militares em postos estratégicos
aumentou. As pastas da Fazenda e do Planejamento foram ocupadas
respectivamente por Antônio Delfim Netto e Hélio Beltrão. A das Relações Exteriores
foi ocupada por José de Magalhães Pinto
27
.
No âmbito da política externa, a avaliação das relações mantidas com os
Estados Unidos, no período anterior, revelou que os benefícios obtidos haviam sido
limitados. A essa percepção somou-se uma revisão da postura ideológica brasileira
no sistema mundial. O confronto bipolar, em virtude da détente, havia se esvaziado.
O desenvolvimento econômico despontou como a grande meta da diplomacia
brasileira, e a vinculação da política externa aos interesses econômicos levou a ação
do Itamaraty, conduzida pelo Chanceler Magalhães Pinto, a ser rotulada como
"Diplomacia da Prosperidade".
A política de combate à inflação do governo Castello Branco (baseada na
contenção dos salários e dos gastos públicos e no aumento das taxas de juros
internas) teve como conseqüência a queda das taxas de inflação. Porém, em virtude
da recessão, muitas pequenas e médias empresas faliram. Iniciava um processo de
concentração do capital, ou em outras palavras, a oligopolização da economia
brasileira. O capital externo voltava a afluir ao país, e o governo buscava novos
mercados para a crescente produção industrial brasileira.
27
José de Magalhães Pinto, mineiro, diplomou-se em Direito Político, experiente (foi um dos
fundadores da União Democrática Nacional, exerceu vários mandatos como deputado e ocupou
cargos importantes no governo mineiro) e banqueiro (fundou o Banco Nacional de Minas Gerais).
Fazia parte da oposição ao governo de João Goulart e apoiou o movimento militar que depôs o
Presidente em 1964. Como Ministro das Relações Exteriores do governo Costa e Silva, a partir de
1967, representou o Brasil na Reunião de Chefes de Estado Americanos em Punta del Este, na II
Reunião do Conselho de Ministros da Associação Latino-americana de Livre Comércio (ALALC) no
Paraguai, e na XXII Sessão da Assembléia Geral das Nações Unidas em Nova Iorque. Deixou o
cargo com a posse do Presidente Médici (Arquivos da Diplomacia Brasileira:
http://www2.mre.gov.br/acs/diplomacia/portg/arquivo/cha001.htm#P).
53
Após um período relativamente curto de baixas taxas de crescimento, a partir
de 1967, o PIB brasileiro retomou sua trajetória de forte expansão. Incentivou-se o
aumento da oferta de crédito, e estabeleceram-se mecanismos de controle dos
preços para evitar a elevação das taxas de inflação.
A produção manufatureira do país (em especial a indústria automobilística, a
de produtos químicos e a de material elétrico), entre 1967 e 1969, expandiu-se 27%,
enquanto a produção industrial argentina crescia 18%, e a mexicana 19,7% (CEPAL,
1978, p. 59). O PIB brasileiro, em 1967, cresceu 4,9% e, em 1968 e 1969, último ano
do governo Costa e Silva, as taxas anuais de crescimento atingiram 11,2% e 9,9%
respectivamente.
Na economia, o governo do General Emílio Garrastazu Médici (1969-1974)
revelou êxitos notáveis, atingindo taxas médias de crescimento do PIB, entre 1970 e
1973, de aproximadamente 10% ao ano
28
. A expansão acumulada do PIB industrial
no mesmo período chegou a 53%, enquanto na Argentina e no México o mesmo
indicador revelou crescimento de 23,6% e 21,9% respectivamente. Em virtude de tal
performance, esse período ficou conhecido como o do “Milagre Brasileiro”.
No período Médici foi lançado o I Plano Nacional de Desenvolvimento (I PND)
que tinha como tripé as empresas estatais, cuja tarefa era dotar a economia de infra-
estrutura e dos produtos da indústria de base; as transnacionais, responsáveis pela
produção de bens de consumo duráveis; e o capital doméstico, ao qual cabia a
produção de bens de consumo popular e de insumos para a indústria de bens de
consumo duráveis.
O “Milagre” resultou da conjunção de alguns fatores positivos. No final da
década de 1960 e início da década de 1970, houve elevada liquidez no sistema
financeiro internacional, o que disponibilizou grandes quantidades de recursos a
custo baixo para o mercado de crédito. Países como o Brasil obtiveram os
empréstimos destinados a financiar seu processo de desenvolvimento. Outro fator
favorável foi o crescimento do ingresso de capital estrangeiro no país, que atingiu
em 1973, montante três vezes superior ao verificado em 1970. Houve, tamm, a
expansão significativa do comércio exterior, ocorrendo a diversificação das
exportações e o incremento das importações de bens necessários à sustentação do
28
As taxas de crescimento do PIB brasileiro durante o governo Médici foram: 1970 (8,8%), 1971
(13,3%), 1972 (11,7%), 1973 (13,9%) (CEPAL, 1978, p. 28).
54
crescimento econômico. O governo incentivou as exportações de produtos
industrializados, e a soja passou a ocupar posição de destaque na pauta de
exportações. Os resultados da política econômica reforçavam a opção nacional-
desenvolvimentista.
O “Milagre”, todavia, teve pontos fracos. Ele era muito vulnerável às
oscilações do sistema financeiro internacional e do comércio exterior, responsável
pelos empréstimos, pelo afluxo de capitais e pelas exportações. Tamm o país
tinha grande dependência de certos produtos importados, entre os quais estava o
petróleo.
O “Milagre” não resultou na inclusão de vasta parcela da população brasileira
ao mercado de consumo. Privilegiou a acumulação de capitais na suposição de que
“quando o bolo crescesse” a distribuição beneficiaria a todos. Os salários dos
trabalhadores foram mantidos em níveis bastante baixos, e a proporção de
trabalhadores que recebiam até um salário mínimo, em 1972, era de 52,5% da
população. Contrariamente, as camadas médias e altas foram grandemente
beneficiadas (FAUSTO, 1996).
Em virtude de tal desempenho econômico, o Brasil passou a integrar o grupo
das "potências emergentes", junto com México, Nigéria e Índia, entre outros países.
A política externa passou a ser denominada de "Diplomacia do Interesse Nacional".
O cenário econômico internacional passava por alterações importantes,
quando do início do governo de Ernesto Geisel em 15 de março de 1974. Em
outubro de 1973, ocorrera o primeiro choque do petróleo, fruto da Guerra do Yom
Kippur, entre israelenses e árabes. Após o conflito, os preços do petróleo foram
fortemente majorados, e o Brasil, que importava 80% de seu consumo, foi muito
afetado. Os recursos financeiros provenientes das exportações de petróleo dos
principais países produtores do mineral (os petrodólares) geraram grande liquidez no
sistema financeiro internacional em meados da década de 1970. Muitos países
latino-americanos, especialmente o Brasil, recorreram a essa alternativa para
financiar seus projetos de desenvolvimento econômico, resultando em elevado
endividamento da maioria desses países, o que viria a ter conseqüências
desastrosas na década seguinte.
Em 1974, foi lançado o II Plano Nacional de Desenvolvimento, com o objetivo
de alcançar a autonomia na produção de insumos básicos (petróleo, aço, alumínio,
55
fertilizantes, entre outros) e de bens de capital (máquinas, ferramentas e
equipamentos industriais) visando completar o processo de substituição de
importações.
O II PND tinha como principal objetivo diminuir a dependência energética.
Suas diretrizes nesse campo eram: o avanço das pesquisas relacionadas ao
petróleo, ao programa nuclear, ao álcool como alternativa ao petróleo e a construção
de hidrelétricas (como a de Itaipu, no rio Paraná). Em sua estratégia, II PND
reservava um papel decisivo às empresas estatais. Durante sua vincia, a
Eletrobrás, a Petrobrás, a Embratel, a Nuclebrás, a Embraer e outras empresas
estatais realizaram vultosos investimentos em áreas estratégicas à economia
nacional, tais como: usinas hidrelétricas, exploração e refino de petróleo,
implantação e expansão de redes de telefonia, além de projetos ligados à energia
nuclear e à indústria aeroespacial.
No governo Geisel, o PIB brasileiro cresceu a uma taxa média de 6,8%,
enquanto o argentino 1,9%. No mesmo período, a indústria brasileira cresceu em
média, 7,4% ao ano, e a argentina teve um crescimento negativo médio de 0,2% ao
ano, configurando-se um processo de desindustrialização.
O governo Geisel encerrou-se exibindo uma performance notável na área
econômica, no entanto, em virtude do endividamento decorrente do processo de
financiamento do II PND (baseado fortemente em capitais externos, principalmente
sob a forma de empréstimos), o serviço da dívida externa duplicou entre 1975 e
1978, passando a impactar negativamente os resultados apresentados pelo balanço
de pagamentos do país.
O General João Baptista Figueiredo esteve à frente do governo do Brasil,
entre 15 de março de 1979 e 15 de março de 1985, sendo o último e mais longo
governo do período militar. Durante seu governo ampliou-se a abertura política e
deteriorou-se a situação econômica do país. Na política externa, verificaram-se
avanços nas relações com os países do Oriente Médio, África e América Latina, em
especial com a Argentina, e cresceram os desentendimentos com os Estados
Unidos, nos campos da cooperação científico-tecnológica, da cooperação militar e
do comércio (os programas brasileiros de incentivos às exportações e à política de
reserva de mercado, especialmente na área de informática).
56
A conjuntura internacional inviabilizava qualquer tentativa de combinar
crescimento econômico com inflação. Em 1979, o segundo choque do petróleo
provocou a elevação dos preços do mineral, gerando graves desequilíbrios no
balanço de pagamento do Brasil. As principais taxas de juros internacionais, em
especial as praticadas pelos Estados Unidos, em decorrência da crise econômica
que assolou os principais países desenvolvidos no final da década de 1970,
experimentaram expressiva alta, agravando a situação de países como o Brasil, a
Argentina e o México. Cresciam as dificuldades para a obtenção de novos
empréstimos, os prazos se estreitavam e o serviço da dívida impactava de modo
crescente os balanços de pagamento das economias em desenvolvimento.
De 1981 a 1983, o Brasil entrou em profunda recessão econômica. Pela
primeira vez, desde 1947, a taxa de crescimento do PIB apresentou resultado
negativo, -2% em 1981. Após pequena recuperação em 1982 (1,5%), nova queda,
ainda mais acentuada em 1983, -2,6%. Os setores industriais mais atingidos pela
recessão foram os das indústrias de bens de consumo durável e de bens de
capital
29
. Igualmente, o desemprego urbano aumentou de modo acentuado. O Brasil
vivia, então, período de estagflação, situação que combinava a paralisia da atividade
econômica com inflão
30
.
A partir de 1984, quando o PIB cresceu 4,9%, ocorreram alguns sinais de
recuperação econômica. Houve um aumento nas exportações de produtos
manufaturados, o que refletiu positivamente nas contas externas do país. Tamm,
em razão do amadurecimento dos investimentos realizados durante o II PND e da
queda do preço do petróleo, as importações apresentaram certa redução. No
entanto, a inflação persistia elevada e o montante da dívida externa crescia
perigosamente em virtude da elevação das taxas de juros internacionais.
A cena política brasileira durante o governo Figueiredo foi marcada pelas
fortes mobilizações populares em torno do tema das eleições diretas para a
presidência da República. Foram importantes articuladores desse movimento figuras
do PMDB (Ulysses Guimarães, Franco Montoro e Tancredo Neves) e o Partido dos
Trabalhadores (PT). A emenda constitucional que propunha introduzir as eleições
29
As taxas de crescimento da produção industrial no período 1980-1985 foram: 7,6% (1980), -6,5%
(1981), 0,2% (1982), -6,3% (1983), 6,0% (1984) e 8,3% (1985) (CEPAL, 1986, p.165).
30
As taxas de inflação brasileiras, entre 1980 e 1982, foram respectivamente 110,2%, 95,2% e 99,7%
(FAUSTO, 1996, p. 503).
57
diretas (Emenda Dante de Oliveira) foi votada na Câmara dos Deputados, em 25 de
abril de 1984, no entanto, não foi aprovada. A eleição, realizada em 15 de janeiro de
1985, ocorreu de forma indireta, por meio do Colégio Eleitoral. Foi vitoriosa a chapa
de Tancredo Neves e José Sarney.
Tancredo Neves, todavia, não tomou posse. Em fevereiro adoeceu. José
Sarney assumiu interinamente a presidência. Em 21 de abril de 1985, Tancredo
faleceu. José Sarney era o primeiro Presidente civil do Brasil desde 1964.
O início do governo de José Sarney (1985-1989) foi caracterizado pela
revogação das leis que restringiam as liberdades democráticas e pela preocupação
quanto à definição de uma data para as eleições de uma Assembléia Constituinte,
encarregada da elaboração de uma nova Constituição.
A ação da diplomacia brasileira, ao contrário de outros países latino-
americanos, não sofreu alterações de grande vulto com a redemocratização. Suas
principais premissas foram mantidas, e o Itamaraty estabeleceu vínculos com novos
atores e interesses.
O governo Sarney encontrou a economia em processo do crescimento
31
. As
exportações do país cresciam em ritmo maior do que o das importações. O superávit
na balança comercial era suficiente para honrar os compromissos da dívida externa,
e as reservas cambiais encontravam-se em níveis considerados adequados à
situação econômica do Brasil, o que permitiu ao governo negociar diretamente com
seus credores externos, dispensando a participação do FMI.
No entanto, a situação econômica do Brasil, em 1985, apresentava problemas
que transcendiam a conjuntura, aparentemente, positiva. As dívidas - externa e
interna - eram vultosas, e a inflação atingia níveis que preocupavam as autoridades
econômicas
32
. O quadro econômico brasileiro, no final de 1985, assemelhava-se ao
de outros países latino-americanos, como a Argentina: ambas economias
encontravam-se endividadas e apresentavam elevadas taxas de inflação.
A aproximação da Argentina, dadas essas circunstâncias, era vista pelos
governantes como a estratégia mais propícia para enfrentar uma conjuntura – tanto
interna como externa - tão adversa. O elevado endividamento externo, as altas taxas
de juros internacionais, a inflação persistente, a acentuada redução dos preços
31
Em 1984, o PIB brasileiro expandiu-se em 4,9%e, em 1985, 8,2% (CEPAL, 1986, p. 143).
32
A inflação brasileira, em 1984, foi de 223,8% e, em 1985, 235,5% (FAUSTO, 1996, p. 520).
58
internacionais das matérias-primas exportadas pelos dois países e o
recrudescimento do protecionismo por parte dos países ricos afetavam
sobremaneira as economias brasileira e argentina.
59
3 A ARGENTINA E O BRASIL NO CONTEXTO DA INTEGRAÇÃO
LATINO-AMERICANA
A temática da integração latino-americana adquiriu maior relevância e
consistência teórica a partir da criação da CEPAL em 1948. A primeira referência ao
tema integração regional foi feita em Resolução do organismo, de 24 de junho de
1948, na qual se menciona a necessidade de iniciar conversações sobre o
estabelecimento de uma união aduaneira. A concepção do papel que caberia ao
mercado regional para acelerar a industrialização surgiu em informe do Subcomi
de Comércio da CEPAL, criado em 1956.
A integração latino-americana, todavia, possui importantes antecedentes
históricos cujas raízes transcendem à própria CEPAL e sua valiosa contribuição,
merecendo, dessa forma, atenção.
O momento histórico representado pela assinatura da Declaração de Iguaçu,
pelo Brasil e pela Argentina, em 30 de novembro de 1985, sofreu influências, de
maior ou menor intensidade, das idéias de cooperação e integração concebidas e
discutidas em âmbito latino-americano desde o século XIX.
É impossível negar a importância das idéias da CEPAL e o papel da
Associação Latino-Americana de Livre Comércio (ALALC) e da Associação Latino-
Americana de Integração (ALADI) para a concepção das teses cooperativas e
integracionistas as quais viriam a prevalecer a partir de meados da década de 1980,
em especial, no Cone Sul.
Outras formas de concertação entre países da América Latina tais como o
Mercado Comum Centro-Americano, o Grupo Andino e o Sistema Econômico Latino-
Americano (SELA), se não obtiveram o êxito esperado, revelaram-se foros
importantes para discussão dos problemas regionais.
Assim, o conhecimento dos caminhos trilhados pelos ideais de integração na
América Latina e as formas como a Argentina e o Brasil procuraram se articular com
os mesmos até 1985, constituem importante ferramenta para a compreensão do real
significado das propostas de cooperação e integração apresentadas na Declaração
de Iguaçu.
60
3.1 A Integração Latino-Americana: antecedentes e principais experiências
Na primeira metade do século XIX, especialmente nos países andinos,
ocorreram algumas iniciativas para a criação de entidades políticas de maior porte e
a formação de alianças de segurança mútua e em bases confederativas. Exemplos
de tais iniciativas foram a proposta chilena de formação de uma Confederação de
Povos do Pacífico, em 1810, e a assinatura, em Bogotá, em 1811, entre os estados
de Caracas e Cundinamarca de um Tratado de Amizade, Aliança e Federação.
Em 1818, Bernardo O'Higgins propôs a criação de uma Conferência Sul-
Americana, enquanto José de San Martin propunha, no mesmo ano, a união do
Peru, do Chile e da Argentina. As idéias de O'Higgins e San Martin ecoaram nas
Cortes espanholas e levou alguns deputados a proporem, em 1822, a formação de
uma confederação formada pelos Estados hispano-americanos e pela Espanha
(VIGEVANI, 2001).
Os intentos integracionistas de O’Higgins e San Martin, no início do século
XIX, baseavam-se:
[...] num sentimento que provinha de uma herança colonial
relativamente comum, de alguma identidade nas formas de alcançar
a independência, portanto, de uma genérica percepção coletiva de
unidade política. Mas o que de fato unificava as tentativas era a
necessidade de enfrentar conjuntamente as ameaças externas,
visando o desenvolvimento e a proteção recíprocos (VIGEVANI,
2001, p.19).
O Congresso do Panamá, realizado entre junho e julho de 1826, representou
uma primeira tentativa de levar adiante um projeto de integração. Em dezembro de
1824, Simon Bolívar, chefe de Estado da Gran Colômbia
33
, convidou diversos
Estados americanos a participarem desse Congresso, mas sua participação foi
reduzida. Apenas a Gran Colômbia, o Peru, o México e a Federação Centro-
Americana estiveram presentes. Por inúmeras razões, como a resistência à
liderança de Bolívar, países como a Argentina, o Brasil e o Chile não enviaram
representantes ao Congresso. Das discussões empreendidas resultou o Tratado de
União, Liga e Confederação Perpétua, cujo objetivo primordial era a defesa mútua.
Como apenas a Gran Colômbia ratificou o Tratado, a proposta de cooperação
contida no mesmo, fracassou.
33
A Gran Colômbia era formada pelos atuais Colômbia, Venezuela e Equador.
61
Nas décadas seguintes, coube ao México propor reuniões dos países latino-
americanos, o que ocorreu em 1831, 1838 e 1840.
O Congresso Americano, realizado em Lima, no Peru, entre dezembro de
1847 e março de 1848, e do qual participaram a Bolívia, o Chile, o Equador, a
Colômbia e o próprio Peru, representou mais uma iniciativa dos países andinos em
prol da integração regional. O México, em virtude de conflitos internos não
participou, e o Brasil, a Argentina e a Venezuela não aceitaram o convite para
participar do Congresso.
O objetivo da reunião de Lima era preservar a soberania e a independência
dos países, prevendo-se, para tanto, a ajuda militar mútua. Do Congresso resultaram
vários tratados, como o Tratado de Confederação. No entanto, tais iniciativas não
prosperaram, pois nenhum dos participantes ratificou as decisões tomadas em Lima.
Nas décadas de 1850 e 1860, face à ameaça representada pelos Estados
Unidos, que demonstravam crescentes interesses comerciais e políticos no México e
na América Central, foram realizados novos encontros cuja tônica foi a temática da
segurança e o estabelecimento de mecanismos de defesa mútua. Tais temas
nortearam as discussões do Congresso Continental, realizado em Santiago, Chile,
em 1856, do qual participaram o Equador e o Peru. Os Estados Unidos foram
excluídos, a Argentina e o Brasil não participaram, assim como outros países latino-
americanos convidados. Os participantes do Congresso aprovaram a criação da Liga
Permanente dos Estados Latino-Americanos, porém não a ratificaram.
A Segunda Conferência de Lima, realizada entre novembro de 1864 e março
de 1865, deu origem ao Tratado de União e Aliança Defensiva. Desse encontro
participaram o país sede, a Bolívia, o Chile, a Colômbia, o Equador, a Guatemala, a
Venezuela e El Salvador. A Argentina e o Brasil, mais numa vez, não concordaram
em tomar parte nas discussões.
Durante o século XIX, a principal preocupação era a segurança, o que levou
os países latino-americanos a discutirem o estabelecimento de mecanismos
recíprocos de defesa face às investidas das potências coloniais. Embora de maneira
menos intensa, questões como a paz entre os países da região, a promoção do
princípio da não-intervenção, a solução pacífica de conflitos, a navegação comercial
e as relações postais também constaram da pauta das discussões.
62
Nas três últimas décadas do século XIX, foi crescente a presença dos
Estados Unidos na América Latina. O Cone Sul era exceção, dadas as estreitas
relações políticas e econômicas entre a Grã-Bretanha e os países da região, como a
Argentina e o Uruguai. Nessa época, à medida que a articulação entre os países
latino-americanos se debilitava, emergia o pan-americanismo, liderado pelos
Estados Unidos.
O pan-americanismo apareceu no cenário americano na primeira Conferência
Pan-americana, realizada em Washington, entre outubro de 1889 e abril de 1890, da
qual participaram dezoito países. O principal tema foi a criação de uma união
alfandegária, proposta apresentada pelos Estados Unidos, mas que encontrou
resistência dos participantes, cabendo particular destaque à Argentina. Outras
conferências ocorreram até a Segunda Guerra Mundial, mas o tema da união
alfandegária foi retirado das pautas.
Na primeira metade do século XX, ocorreram outras iniciativas de integração
na América Central, mas os Estados Unidos opuseram-se a elas, reorientando-as na
direção de seus interesses. Mas, crises políticas e desentendimentos entre os
países vizinhos contribuíram para seu fracasso.
No início do século XX, as relações entre a Argentina, o Brasil e o Chile eram
tensas. Temas como o rearmamento naval do Chile e da Argentina e definições de
fronteiras aumentaram as desconfianças entre os países. A partir de 1910, cientes
dessa situação e das perdas que dela poderiam resultar, os países decidiram
empreender esforços para atingir um maior entendimento e a atuar no cenário
internacional de maneira concertada.
Em 1915, os três países assinaram o Tratado de Cordial Inteligência Política e
Arbitragem, conhecido pelo nome de Acordo ou Pacto ABC. Entretanto, em razão de
discordâncias existentes entre os três países, especialmente no que dizia respeito à
reação dos Estados Unidos e das demais chancelarias latino-americanas ao Acordo,
além da não-ratificação do Tratado pelos Congressos Argentino e Chileno, o ABC
não avançou.
A primeira tentativa de estabelecimento de uma modalidade de proteção ao
comércio intra-americano ocorreu em 1933, durante a Sétima Conferência Pan-
americana em Montevidéu. Mas foi, somente na Primeira Conferência Econômica da
Bacia do Prata, realizada na capital uruguaia, em 1941, que se desenvolveram as
63
primeiras conversações, em âmbito regional, sobre a conformação de uma união
alfandegária. Estiveram presentes à Conferência, além do Uruguai, o Brasil, a
Argentina, a Bolívia e o Paraguai.
Em fevereiro de 1946, o Conselho Econômico e Social da ONU convocou, a
pedido dos Estados Unidos, uma conferência internacional sobre comércio e
emprego, escolhendo-se como sede da conferência, marcada para o mês de
novembro de 1947, a capital de Cuba, Havana. Em outubro de 1947, realizou-se em
Genebra (Suíça) uma conferência preparatória ao encontro de Havana e dela
participaram vinte e três países. O encontro de Genebra, encerrado no final de
outubro, aprovou o Acordo Geral de Tarifas e Comércio, o GATT (General
Agreement on Tariffs and Trade), que tinha por objetivo a promoção do princípio da
redução tarifária por meio de rodadas multilaterais de negociação. O Acordo seria a
base para a Organização Internacional do Comércio, cuja formalização viria a
ocorrer após a Conferência de Havana.
A Conferência de Havana realizou-se entre 21 de novembro de 1947 e 24 de
março de 1948, tendo apresentado como resultado das negociões ocorridas entre
os participantes, a Carta de Havana, estruturada em nove capítulos e 106 artigos. A
Carta previa a abolição imediata de quaisquer obstáculos ao comércio internacional,
generalizava a cláusula da nação mais favorecida, abolia quaisquer práticas
discriminatórias entre os Estados, promovia a generalização do liberalismo
econômico e estabelecia Organização Internacional do Comércio como organização
estruturadora do comércio internacional. A Carta tamm abria espaços para que
pudessem subsistir certos direitos alfandegários e não se colocava contrária à
existência de projetos de união aduaneira ou de integração econômica regional
(JORGE, 2003).
Ao findarem os trabalhos, no final de março de 1948, o passo seguinte foi a
ratificação da Carta de Havana pelos governos dos Estados signatários. O conteúdo
do texto da Carta – considerado ambicioso, controverso e prejudicial às exportações
de certos produtos – levou a maioria dos Estados, especialmente os Estados
Unidos, a não ratificar a Carta de Havana.
O GATT, acordo provisório celebrado em Genebra, em 1947, antes da
Conferência de Havana, assumiu as funções de documento básico do comércio
mundial. O epidio foi particularmente importante para a temática da integração
64
latino-americana e mesmo para os posteriores encaminhamentos das relões
argentino-brasileiras, em virtude das regras do GATT permitirem exceções à
cláusula da nação mais favorecida em certos casos de relações entre países
vizinhos, e no âmbito de uma união alfandegária
34
.
Em âmbito americano, os últimos anos da década de 1940 foram
particularmente importantes.
Em 1947, ocorreu a Conferência do Rio de Janeiro, cujo principal resultado foi
o Tratado Interamericano de Assistência Recíproca (TIAR), que tinha como objetivos
assegurar a paz por todos os meios possíveis, prover auxílio recíproco efetivo para
enfrentar os ataques armados contra qualquer Estado americano, e conjurar as
ameaças de agressão contra qualquer deles
35
.
Em 1948, a IX Conferência Internacional de Estados Americanos, em Bogotá,
resultou na criação da Organização dos Estados Americanos (OEA). A OEA
expressou especial preocupação com os seguintes temas: o fortalecimento da
democracia, a segurança hemisférica, a construção da paz, a promoção e a defesa
dos direitos humanos, o estímulo ao comércio entre as nações, a preservação do
meio ambiente, o incentivo à probidade administrativa e a cooperação para o
desenvolvimento, entre outros
36
.
Em âmbito latino-americano, a Conferência Econômica Grancolombiana,
realizada em Quito, entre julho e agosto de 1948, e da qual participaram a Colômbia,
o Equador, o Panamá e a Venezuela, resultou na assinatura da Carta Econômica de
Quito, que viria a servir de base aos debates sobre integração na América Latina nas
décadas seguintes. Da Carta fazia parte, além de temas econômicos e comerciais
(formação de futura união econômica e alfandegária), a preocupação com o avanço
social e o bem-estar dos povos latino-americanos. Como ocorreu com iniciativas
anteriores, as propostas dessa Carta tamm não resultaram em ações concretas.
A Comissão Econômica para a América Latina (CEPAL) foi a instituição
inspiradora do pensamento integracionista latino-americano desde a década de
1950, quando intelectuais de diferentes nacionalidades, liderados por Raúl Prebisch,
34
As exceções abertas pelo GATT foram muito utilizadas a partir da década de cinqüenta por vários
países europeus, os quais viriam a estabelecer por meio do Tratado de Roma (1957) o Mercado
Comum Europeu (VIGEVANI, 2001).
35
O texto integral do TIAR está disponível para consulta em http://www2.mre.gov.br/dai/tiar.htm.
36
Informações detalhadas sobre a OEA podem ser obtidas em:
http://www.mre.gov.br/cdbrasil/itamaraty/web/port/relext/mre/orgreg/oea/ ou http://www.oas.org.
65
seu principal ideólogo, deram início a estudos e a pesquisas sobre a problemática do
subdesenvolvimento da América Latina e das medidas necessárias para a sua
superação (VERSIANI, 1987).
Os teóricos da CEPAL acreditavam que o quadro difícil, no qual se
encontrava a região, caracterizado pela escassez de capital e de tecnologia e pela
deterioração dos termos de intercâmbio, poderia ser atenuado, em parte, por um
processo de integração econômica. Pensava-se, naquele momento, em uma
integração industrial entre os países da região (VIGEVANI, 2001).
Em 1954, em encontro de Ministros da área econômica realizada durante a IV
Sessão Extraordinária do Conselho Interamericano Econômico e Social da OEA,
técnicos da CEPAL apresentaram resultados de estudos sobre a relevância do
comércio regional para a promoção do desenvolvimento. Nesse contexto, a CEPAL
criou, em 1956, um Comitê de Comércio, com o objetivo de estudar as questões que
dificultavam a expansão do comércio regional. No âmbito do Comitê foi estabelecido
um grupo de trabalho chamado Mercado Regional Latino-americano, dirigido por
Raúl Prebisch (VERSIANI, 1987)
No início de 1958, em Santiago, o grupo produziu o documento Bases para la
Formación del Mercado Regional Latinoamericano, no qual eram perceptíveis as
idéias de Prebisch. No documento reconhecia-se a importância da industrialização e
de um setor primário de alta produtividade para que a América Latina alcançasse
níveis satisfatórios de desenvolvimento. A industrialização latino-americana seria
viável e atingiria os níveis de produtividade dos países desenvolvidos, se dispusesse
de um mercado consumidor de grandes proporções. Ou seja, o documento indicava
a formação de um grande mercado regional como passo fundamental para a
viabilização da industrialização e, assim, do desenvolvimento da América Latina. A
assinatura do Tratado de Roma, de março de 1957, que criou a Comunidade
Econômica Européia, exerceu importante influência nos debates realizados pela
CEPAL (VIGEVANI, 2001).
A CEPAL passou a defender a criação de uma grande área de livre comércio
regional a ser protegida da concorrência externa por elevadas tarifas alfandegárias.
Além da eliminação paulatina das tarifas e outras restrições ao livre comércio,
tamm propunha a unificação do regime tarifário frente a terceiros países, a
66
coordenação das políticas comerciais dos países membros por um comitê central e a
organização de um sistema regional de pagamentos e créditos.
A eliminação das barreiras alfandegárias entre os países da região tinha
como objetivos: a criação de comércio, por meio da substituição da produção
nacional ineficiente por uma produção regional; o desvio de comércio, mediante a
substituição da produção extra-regional por produção regional, possível através da
ampliação do mercado, o que criaria as condições ideais ao surgimento de
empresas de grande porte e competitivas.
Essa seria a primeira etapa de um vigoroso processo de desenvolvimento
endógeno, que permitiria a transformação de economias agrárias em economias
industriais (GINESTA, 1996). As primeiras tentativas de implementação dessas
propostas resultaram na criação do Mercado Comum Centro-Americano e da
Associação Latino-americana de Livre Comércio (ALALC).
O Mercado Comum Centro-Americano resultou da iniciativa de alguns países
da América Central (inicialmente, El Salvador, Guatemala, Honduras e Nicarágua)
que, a partir de 1950, aprovaram vários acordos bilaterais que culminaram com a
assinatura do Tratado Geral de Integração Econômica Centro-Americana, tamm
conhecido como Tratado de Manágua, em dezembro de 1960 e ao qual, em 1962, a
Costa Rica aderiu.
O Tratado previa a criação do Mercado Comum Centro-Americano, a
estruturação de um programa de industrialização regional e investimentos em infra-
estrutura. O Tratado estabelecia, também, a base institucional para a
operacionalização do Mercado Comum Centro-Americano: um Conselho Econômico,
um Conselho Executivo e uma Secretaria Geral Permanente. Com vistas a viabilizar
os objetivos de ordem econômica, o Tratado previa a criação dos seguintes órgãos:
o Banco Centro-Americano de Integração Econômica, o Conselho Monetário Centro-
Americano e a Câmara de Compensação Centro-Americana.
Em âmbito comercial, estabeleceu-se uma Nomenclatura Tarifária Comum, e
em 1965, aproximadamente 98% das trocas comerciais entre os países-membros
ocorriam sob uma Tarifa Externa Comum. O êxito da iniciativa pôde ser comprovado
por meio do forte incremento nas transações comerciais entre os associados. O
volume de comércio passou de US$ 13 milhões, em 1955, antes da entrada em vigor
67
do Tratado, para US$ 66 milhões em 1963 (SISTEMA ECONÔMICO LATINO-
AMERICANO, 2002).
O êxito inicial da iniciativa chegou a suscitar certa expectativa em relação às
potencialidades da integração latino-americana. No entanto, alguns fatores
contribuíram para sua descontinuidade. A crescente demanda regional por bens
industriais, atendida nos anos iniciais de vigência do Tratado pela existência de
capacidade ociosa na indústria dos países-membros, esbarrou na ausência de
investimentos que permitissem o crescimento da produção industrial nos níveis
adequados ao atendimento das necessidades regionais. Em termos sociais, a
integração não resultou na melhoria das condições de vida das populações dos
países membros. Porém, a crise do Mercado Comum Centro-Americano resultou,
especialmente, do agravamento da cena política regional (eclosão de conflito entre
Honduras e El Salvador, em 1969, e surgimento de focos de instabilidade em vários
outros países).
Em 1959, a Argentina, o Brasil, o Chile e o Uruguai, em reunião convocada
pela CEPAL, analisaram uma proposta de criação de uma área de livre comércio, a
qual fora elaborada pela Secretaria Executiva da Instituição. As negociações tiveram
prosseguimento durante o ano de 1959, com encontros no Rio de Janeiro, em Lima
(momento em que a Bolívia, o Paraguai e o Peru passam a participar) e, finalmente,
em Montevidéu, encontro que contou com a participação do México como
observador. Nessa reunião, chegou-se a um acordo sobre o texto do futuro tratado
de criação de uma Área de Livre Comércio Latino-americana (VERSIANI, 1987).
Em fevereiro de 1960, os ministros de Relações Exteriores de sete países:
Argentina, Brasil, Chile, México, Paraguai, Peru e Uruguai assinaram o Tratado de
Montevidéu, que criou a Associação Latino-americana de Livre Comércio (ALALC).
O GATT aprovou a ALALC, logo que ficou claro que seria respeitada a cláusula de
nação mais favorecida. Nos anos seguintes, aderiram ao Tratado de Montevidéu
(1960) a Colômbia e o Equador (1961), a Venezuela (1966) e a Bolívia (1967).
O Tratado da ALALC previa a criação, em quatro triênios, de uma área de
livre comércio regional. Os mecanismos criados para a redução das barreiras de
comércio foram as Listas Nacionais
37
de concessões e as Listas Comuns
38
.
37
As Listas Nacionais seriam apresentadas por cada país, em rodadas anuais, e delas faziam parte
uma lista de mercadorias e o respectivo programa de redução tarifária, de modo a realizar,
68
Durante os primeiros anos de vigência do Tratado, houve um expressivo
número de concessões tarifárias, outorgadas pelo mecanismo das Listas Nacionais.
Entre 1961 e 1970, foram feitas 98% das concessões alfandegárias nacionais. No
entanto, esse aumento foi mais aparente do que real, uma vez que foram incluídos
nessas listas produtos anteriormente comercializados no âmbito de acordos
bilaterais (VERSIANI, 1987). A partir de 1969, o número de concessões reduziu-se
sensivelmente, o que inviabilizou a ampliação das Listas Nacionais.
A assinatura do Protocolo de Caracas, em dezembro de 1969, ratificou a
decisão dos signatários do Tratado de Montevidéu quanto à necessidade de se
revisar o conjunto dos acordos. Desse modo, o objetivo de conclusão de uma área
de livre comércio de junho de 1973, como deliberado em 1960, foi postergado para
dezembro de 1980. O Protocolo entrou em vigor em primeiro de janeiro de 1974.
As negociações entre os países-membros da ALALC, que deveriam ocorrer
em 1973 e 1974, não tiveram êxito. Os associados não conseguiram chegar a um
acordo nem mesmo para definir o nome do novo Secretário Executivo do órgão em
1973. Então, a partir de 1974, foi aberta a possibilidade dos países assinarem
acordos comerciais setoriais, tamm chamados acordos de complementação.
Conforme previsto no Tratado de 1960, as concessões resultantes seriam
automaticamente estendidas a todos os membros da ALALC. Os principais
beneficiários desses mecanismos foram as empresas transnacionais localizadas nos
principais países da região, como a Argentina, o México e o Brasil. Porém, os efeitos
sobre o comércio entre os países foram modestos, não superando os 7% do
comércio total intrazona em nenhum momento (GINESTA, 1996).
O enfraquecimento da ALALC, tamm, esteve vinculado à Resolução 324
(1973), que autorizava o Uruguai a assinar acordos bilaterais com a Argentina e o
Brasil. Isso significou o abandono do princípio da multilateralidade, estabelecido no
Tratado de 1960, prejudicando o projeto de criação de uma área de livre comércio
continental e, tamm, a de um mercado comum latino-americano.
anualmente, uma redução média de 8% em suas tarifas, a qual, respeitado o princípio da nação mais
favorecida, seria estendida ao restante dos membros (VERSIANI, 1987).
38
As Listas Comuns, negociadas multilateralmente a cada três anos, referiam-se aos produtos não
incluídos nas Listas Nacionais, e sobre os quais não haveria restrições comerciais na área
(VERSIANI, 1987).
69
Igualmente contribuiu para o insucesso da ALALC, a criação pelos países
andinos (Colômbia, Chile, Equador, Peru, Bolívia e Venezuela, sendo que este país
só formalizou sua adesão em 1973), através do Acordo de Integração Sub-Regional
de Cartagena de 1969, de um grupo sub-regional.
O Grupo Andino, embora seguisse participando da ALALC, teve sua origem
ligada à desconformidade dos países pequenos e médios com o modelo multilateral
adotado e com a desigual distribuição dos custos e benefícios. O Grupo criou um
modelo de integração que enfatizava, além da abertura recíproca dos mercados, o
planejamento conjunto do desenvolvimento de determinados setores da economia,
em especial, a indústria. Essa defesa contra o predomínio dos países de maior
desenvolvimento no âmbito da ALALC (Argentina, Brasil e México) não atingiu os
resultados desejados, restringindo-se ao comércio de produtos transacionados
anteriormente, e não prosperando a harmonização das políticas industriais.
A necessidade de reestruturar a ALALC era evidente. Reunidos na XVIII
Conferência da ALALC, em novembro de 1978, os associados concordaram,
conforme Resolão 370, com o estabelecimento de um cronograma de trabalho e
negociações orientadas à reestruturação da ALALC. As negociações ocorreram
entre 1979 e o primeiro semestre de 1980, tendo sido oficialmente encerradas na
XIX Conferência Extraordinária da ALALC, ocorrida em Acapulco, em junho de 1980.
Estavam definidas as bases da organização que sucederia a ALALC: a Associação
Latino-americana de Integração (ALADI).
A ALADI, criada pelo Tratado de Montevidéu, o qual foi assinado em agosto
de 1980, marcou um novo momento do processo de integração da América Latina,
dando maior flexibilidade aos compromissos multilaterais e menor abrangência no
que concernia à visão comunitária regional (Camargo, 2000). A criação da ALADI
refletiu a convicção, dos membros da ALALC, da inviabilidade de um projeto de
integração regional como o previsto no Tratado de Montevidéu de 1960.
O Tratado de Montevidéu (1980), diferentemente ao previsto pela ALALC,
colocou o projeto comunitário regional em plano secundário, reforçando os
interesses dos países membros da ALADI. Os acordos multilaterais foram limitados,
e os países tiveram seu poder de decisão garantido, possibilitando o
estabelecimento de relações com os países desenvolvidos, principal destino das
exportações e credores da maior parte da dívida externa regional.
70
A ALADI representou a vontade dos Estados membros de celebrar acordos
comerciais de alcance regional e parcial e de complementação econômica,
homologando e protocolizando todos os acordos efetuados em seu marco jurídico,
de acordo com as normas do GATT. Tais normas estabeleciam que os países
somente poderiam outorgar preferências ou vantagens, não extensivas aos demais
membros do GATT, caso o fizessem no âmbito de um sistema de integração
regional. Criou-se, assim, “um instrumento de registro de acordos entre dois ou mais
países, compatibilizando-os com as regras do GATT” (VIGEVANI, 2001, p. 38).
A concessão de descontos tarifários, previstos no mecanismo da Preferência
Tarifária Regional, representou um avanço em comparação às negociações até
então realizadas. As margens de preferência acordadas, todavia, surtiram pouco
efeito, em virtude da grande heterogeneidade das tarifas aplicadas por cada país as
suas importações. As barreiras tarifárias médias variavam, em 1984, de 11% na
Bolívia a 89% no Paraguai. Entre os países de maior desenvolvimento, a variação
era tamm muito significativa, desde a Argentina e o México com 23%, ao Brasil
com 75% (VERSIANI, 1987, p. 36). Os efeitos comerciais das margens de
preferência foram reduzidos, não tendo contribuído para a intensificação do
comércio regional e para a integração latino-americana. A negociação de acordos
bilaterais foi, contudo, amplamente utilizada, em particular, entre a Argentina e o
Brasil, e entre cada um desses países e o Uruguai.
O comércio regional foi muito afetado pela crítica situação financeira dos
países latino-americanos e pela necessidade de geração de saldos favoráveis em
moeda forte. A expectativa de que as trocas comerciais intra-regionais cresceriam, à
medida que as tarifas e outras formas de restrição alfandegária fossem sendo
suprimidas ou reduzidas, não se cumpriu. A difícil conjuntura econômica regional, do
início da década de oitenta, inviabilizou o avanço do projeto da ALADI.
Finalmente, o Sistema Econômico Latino-Americano (SELA), fundado em
Caracas, em 1975, foi outro organismo criado na América Latina com vistas a
fomentar a integração econômica regional. Seus objetivos eram: a formulação de
estratégias comuns entre seus associados, o incentivo à formação de empresas
transnacionais de capital latino-americano, o estabelecimento de um código de
conduta para as empresas transnacionais localizadas na América Latina e a defesa
dos interesses comerciais das empresas latino-americanas nos diferentes foros
71
internacionais. Efetivamente, o SELA realizou apenas intervenções pontuais em
momentos de crise, não tendo sido notificados avanços significativos nas propostas
de atuação apresentadas quando de sua criação (GINESTA, 1996).
3.2. A Argentina e o Brasil no Contexto da Integração Regional
A temática da integração regional, apenas, adquiriu relevância na política
externa brasileira a partir da década de 1950. Até então, o Brasil assim como a
maioria dos países da América Latina estiveram voltados à Europa ou aos Estados
Unidos. No caso argentino, o aparecimento do Coronel Juan Domingo Perón no
cenário político do país introduziu certos ideais integracionistas, cerca de dez anos
antes das primeiras discussões levadas a efeito no âmbito da CEPAL.
A Argentina, historicamente, havia tido uma política comercial cosmopolita.
Seus mercados mais importantes, assim como os do Brasil, localizavam-se em
ultramar, não na América Latina. As estratégias de inserção internacional do país
estiveram por longo período, de 1870 a 1940, orientadas pela articulação entre os
interesses dos exportadores de matérias-primas e as políticas comerciais da
Inglaterra, país que, por longo período, foi o destino da maior parte das exportações
argentinas, além de ter sido o principal fornecedor de produtos manufaturados e o
maior investidor estrangeiro no país.
A Segunda Guerra Mundial e a emergência de Juan Perón na cena política
local transformaram a postura argentina face à integração regional e às relações
com os países vizinhos.
A posição de neutralidade adotada pela Argentina durante o conflito bélico,
associada a suas relações comerciais com os países do Eixo, debilitou seus vínculos
com os Estados Unidos, potência em ascensão, em contraste com o Reino Unido,
em claro processo de declínio. Nesse momento, o governo dos Estados Unidos
procurou debilitar a Argentina, em termos econômicos, por meio de uma estratégia
baseada na concessão de subsídios à exportação de inúmeros bens também
produzidos e exportados pela Argentina, cujo objetivo era deprimir,
internacionalmente, os preços de tais itens, reduzindo, assim, a receita de
exportação da Argentina.
72
A Argentina, durante os governos de Perón, também não aderiu aos
organismos criados para gerir a ordem econômica mundial do pós-Segunda Guerra -
o FMI, o Banco Mundial e o Acordo Geral de Tarifas e Comércio (GATT) -,
constituídos a partir de clara influência potica e militar dos Estados Unidos. O
governo argentino priorizou o relacionamento com os países vizinhos, pois seu
objetivo era a conformação de uma grande união política e alfandegária na América
do Sul, centrada no Cone Sul. A possibilidade de surgimento de um centro de poder
no Cone Sul, liderado pela Argentina e pelo Brasil, era algo que preocupava ao
governo dos Estados Unidos naquele momento (pós-Segunda Guerra e emergência
do conflito Leste-Oeste).
Para Juan Perón, a integração com o Brasil constituía uma etapa fundamental
para que fosse atingida a integração da América do Sul e, em seguida, da América
Latina. As teses de Perón, favoráveis à integração, tiveram origem nas contribuições
de dois importantes pensadores latino-americanos que, ainda na década de 1930,
defenderam a conformação de uma unidade latino-americana como meio para que o
desenvolvimento econômico da região fosse atingido. A tese apresentada pelo
peruano Victor Raúl Haya de la Torre concedia ao Estado o papel de principal
agente fomentador do desenvolvimento nacional e asseverava que a união latino-
americana com vistas à formação de um vasto mercado consumidor, consistia em
um passo fundamental para a viabilização de um processo de industrialização
sustentado e capaz de promover alterações estruturais nas economias regionais. O
General argentino José Maria Sarobe, por sua vez, tinha absoluta convicção de que
a união da América Latina apenas ocorreria a partir da unidade sul-americana, a
qual apenas chegaria a bom termo, a partir da integração entre a Argentina e o
Brasil (GULLO, 2005).
Assim, Juan Perón procurou articular diversos acordos com o explícito fim de
estreitar laços com seus vizinhos, especialmente com o Brasil. O interesse de Perón
originava-se na constatação, de fins da década de 1940, de que o modelo
econômico argentino possuía limites, em especial, o reduzido mercado interno do
país. Para ele, o desenvolvimento autônomo e sustentável da economia da
Argentina, e da própria região, exigia a ampliação de seu mercado. Desse modo, em
1948, o Presidente argentino apresentou, aos governos do Brasil, Chile, Bolívia e
Peru, uma proposta de união alfandegária, chamada de Bloco Austral. O Brasil,
73
então sob a Presidência de Eurico Gaspar Dutra, opôs-se com veemência à
proposta.
O retorno de Getúlio Vargas
39
ao poder, no Brasil, e a posse do Presidente
Carlos Ibañez, no Chile, colocaram novamente na agenda dos dois países a idéia de
formação de um eixo argentino-brasileiro, ao qual se incorporaria, em um primeiro
momento, o Chile. Perón apresentou a proposta de um Novo Acordo ABC
40
, em 22
de setembro de 1951, dia em que foi oferecido um banquete ao Embaixador Batista
Lusardo, seu amigo e enviado especial do Presidente brasileiro. Na ocasião, Perón
referiu-se à aliança entre a Argentina e o Brasil como um “centro de aglutinação”
para uma futura união sul-americana. As negociações que culminaram com a
proposta do Novo ABC foram realizadas de forma secreta no lado brasileiro, tendo
sido conduzidas pessoalmente por João Goulart e pelo Embaixador Batista Lusardo
(GULLO, 2005).
O Presidente Vargas mostrou-se simpático a esse Novo Acordo ABC, que
tinha por objetivo a constituição de uma união econômica e política entre os três
países. Perón considerava que a unidade sul-americana passava obrigatoriamente
pela aliança entre a Argentina e o Brasil que, juntamente com o Chile, constituíam o
que ele chamava de “países reserva do mundo”, em virtude de seus abundantes
recursos energéticos e matérias-primas, praticamente inexplorados. Sua proposta
pretendia fortalecer econômica e politicamente o Cone Sul, estabelecendo uma
espécie de contraposição aos Estados Unidos (FERRÉ; PERÓN,1996, 1953).
No entanto, Getúlio Vargas encontrou fortes resistências no governo à
intensificação das relações com a Argentina. As negociações da Argentina com o
Chile, por sua vez, ocorreram de maneira mais ágil, o que levou Perón escrever a
Vargas, solicitando a autorização do Presidente brasileiro para assinar documentos
referentes ao Novo ABC com o Chile antes do Brasil. O embaixador retornou a
Buenos Aires e afirmou, em nome de Vargas, que Perón poderia assinar com o Chile
em primeiro lugar. Inclusive pediu que Perón o representasse no Chile. Assim, em
fevereiro de 1953, foi assinado o Pacto de Santiago.
39
Os vínculos entre Juan Perón e Getúlio Vargas eram estreitos e anteriores a 1945, havendo grande
simpatia recíproca e comunhão de idéias e interesses (GULLO, 2005).
40
Alusão feita ao Tratado de Cordial Inteligência Política e Arbitragem, também conhecido como
Tratado do ABC, assinado pela Argentina, pelo Brasil e pelo Chile, em 1915.
74
A reação de setores do governo e da sociedade civil (imprensa e classe
empresarial) no Brasil foi imediata, refletindo o clima de desentendimento e de
isolamento reinantes no governo de Vargas. Os ministros das Relações Exteriores
brasileiros (João Neves da Fontoura e após Vicente Rao), assim como vários
setores das elites política e militar, opunham-se ao estreitamento de laços com a
Argentina, alegando haver intenções hegemônicas no projeto de Perón. Houve
declarações contundentes dos ministros e críticas na imprensa, que resultaram na
saída brasileira das negociações e no enfraquecimento do Presidente Vargas.
Após a queda de Perón, em 1955, a temática da integração regional voltou à
pauta de discussões do governo argentino em 1958, mas agora sob a influência da
CEPAL. A tese da substituição de importações – considerada fundamental para
fomentar e manter a emergente industrialização regional – foi complementada pela
proposta de criação de um mercado comum latino-americano, o qual garantiria o
consumo para a nova e crescente produção industrial regional.
As negociações acerca da integração regional iniciaram, assim, em 1958,
quando as diplomacias da Argentina e do Brasil, em conjunto com as do Chile e do
Uruguai, e dos técnicos da CEPAL, discutiram as medidas necessárias para
incentivar a complementação econômica no sul do continente. Os participantes
concordaram com a adoção de uma política de liberação progressiva de seu
comércio recíproco para, futuramente, constituírem uma área de livre comércio no
Cone Sul, expressão que começou a ser utilizada pela imprensa para indicar a
integração dos quatro países a partir do final da década de 1950 (BARBOSA, 1996,
p. 160).
Paralelamente, ocorriam, também com o suporte da CEPAL, negociações
governamentais objetivando a formação de um Mercado Comum Latino-Americano.
Durante mais de um ano, realizaram-se várias rodadas de negociações diplomáticas
entre os países latino-americanos, visando adequar os objetivos de longo prazo com
àqueles já aprovados entre os países do Cone Sul.
O resultado final dessas discussões foi o Tratado de Montevidéu (1960), que
estabeleceu a ALALC. A proposta aprovada pelo Tratado, baseada
fundamentalmente no projeto elaborado pelos quatro países (Brasil, Argentina, Chile
e Uruguai), era abrangente e ambiciosa, prevendo o estabelecimento de um amplo
espaço latino-americano de livre comércio.
75
Para a Argentina e para o Brasil, o incremento nas transações comerciais
com os demais países da América Latina, previsto no Tratado de Montevidéu (1960),
contribuía para estimular os respectivos processos de desenvolvimento econômico.
Para que esse objetivo fosse alcançado, foram estabelecidas as seguintes metas: a)
a promoção de relações comerciais mais estáveis com os demais países latino-
americanos; b) o apoio ao surgimento de novas atividades produtivas a partir do
estímulo representado pelo mercado consumidor ampliado; c) a diversificação e o
incremento da pauta de exportações, com ênfase àqueles produtos dotados de
maior valor agregado, como os manufaturados; d) o aumento da produtividade e a
melhor utilização dos fatores de produção; e) a substituição de importações
provenientes de terceiros mercados por produtos regionais; f) em uma etapa
posterior, a expansão e diversificação do comércio com terceiros países (BARBOSA,
1996; SAAVEDRA-RIVANO, 1987).
Durante a fase inicial de vigência do Tratado de Montevidéu (1960), o Brasil
desempenhou importante papel nas discussões e negociações, o que se comprovou
pela nomeação, para inaugurar o cargo de Secretário Executivo da ALALC, do
brasileiro Rômulo de Almeida. O governo brasileiro, visando apoiar a ALALC, tomou
a iniciativa de criar a Comissão para os Assuntos da Associação Latino-Americana
de Livre Comércio, no âmbito do Ministério das Relações Exteriores, integrada por
personalidades representativas de distintos setores do governo e da sociedade civil.
No entanto, por diversas razões, a implementação das medidas previstas no
Tratado de Montevidéu (1960), logo enfrentou obstáculos, o que foi,
progressivamente, prejudicando o funcionamento da ALALC. Considerou-se, àquele
momento, que o caráter multilateral das negociações, a escassa flexibilidade das
disposições do Tratado, os ambiciosos objetivos nele constantes e a oposição dos
setores privados representavam importantes entraves à evolução positiva das
conversações entre os países associados.
O processo de integração, tamm, enfrentou problemas de natureza política,
decorrentes da instauração de regimes militares na maior parte dos países da
América Latina. Recrudesceram-se as desconfianças dos remanescentes governos
civis (no Chile e na Venezuela) em relação às ditaduras militares da Argentina, do
Brasil e de outros países da região. Além disso, a rivalidade existente entre os
projetos militares da Argentina e do Brasil, cujos planos nacionais de
76
desenvolvimento econômico possuíam acentuada tendência autonomista,
colaboraram de modo decisivo para inibir o processo de integração regional.
A partir de meados da década de 1960, refletindo as novas circunstâncias
políticas dos dois países, ocorreu o distanciamento do discurso das autoridades
brasileiras e argentinas da prática dos negociadores nas discussões no âmbito da
ALALC.
O Brasil reconhecia a importância do Tratado de Montevidéu (1960) como
instrumento para alcançar o desenvolvimento, apoiava o programa de integração
econômica regional e assumia suas responsabilidades perante a ALALC. No
entanto, restringia a ação dos negociadores, era refratário às novas propostas (como
a inclusão de produtos a listas de negociação) e à constituição de novas instâncias
de negociação e deliberação (como a adoção de mecanismo de solução de
controvérsias e constituição de comissões ou outras modalidades que viessem a
apresentar maior autonomia) (BARBOSA, 1996).
Internamente, os governos militares brasileiros, em especial, atribuíam uma
importância secundária às questões referentes à ALALC, designando técnicos e
funcionários de segundo escalão para representar o país nas reuniões.
Os discursos, declarações e atitudes de personalidades públicas e privadas
brasileiras, entre meados da década de 1960 e o final da década de 1970,
demonstravam as distintas formas de abordar o tema integração durante o período
militar. Enquanto a chancelaria mantinha posições retóricas de apoio ao processo de
integração, setores empresariais e tamm outras instâncias governamentais, como
os Ministérios da área econômica, tratavam o tema com indiferença e, até mesmo,
com forte restrição. De modo geral, os governos militares abordaram a integração
com grande discrição e reserva. Quando não evitavam, usavam o termo de forma
tangencial (BARBOSA, 1996).
Ao finalizar a década de 1970, predominava entre os membros da ALALC a
convicção de que o processo de integração aberto pelo Tratado de Montevidéu
(1960) pertencia ao passado, não tendo nenhuma viabilidade. As negociações
multilaterais para definição das Listas Comuns de produtos haviam se encerrado em
1964. Em 1969, o Protocolo de Caracas postergara o objetivo de concluir uma área
de livre comércio de junho de 1973, como deliberado em 1960, para dezembro de
1980.
77
Além das dificuldades de funcionamento da ALALC, os últimos anos da
década de 1970, foram pouco propícios à integração latino-americana. Recrudesceu
a rivalidade político-militar e econômico-comercial entre vários países, em particular,
entre a Argentina e o Brasil. A situação econômica de muitos países agravou-se em
virtude dos choques do petróleo, da crise financeira internacional e do elevado
endividamento externo.
As atenções dos governos latino-americanos voltaram-se à busca de
soluções aos graves problemas que seus países enfrentavam. Com esse fim, foram
implementados planos de ajuste econômico que conspiravam contra a integração
regional, pois pregavam o aumento das exportações e a redução das importações, o
que gerou forte onda protecionista na América Latina, acentuando o viés anti-
integracionista.
Os países-membros da ALALC, em razão desse contexto, optaram pela
reestruturação da associação com vistas a adequá-la à situação da América Latina
naquele momento. Assim, ao invés de se chegar ao estágio de um mercado comum
pela via prevista no Tratado da ALALC, ou seja, a partir de uma área de livre
comércio, os associados optaram pela sugestão do Brasil, o estabelecimento de
uma área de preferência tarifária, e deram início às conversações.
As negociações se encerraram em meados de 1980, e em 12 de agosto
daquele ano, ocorreu a assinatura de um novo Tratado de Montevidéu, que
estabeleceu a Associação Latino-Americana de Integração (ALADI), sucessora da
ALALC. Pelo novo Tratado, os associados concordaram com o fim da
obrigatoriedade de definição das Listas Comuns, pela preservação do patrimônio
histórico da ALALC (formado pelas negociações empreendidas ao longo dos vinte
anos de existência da mesma) e pela manutenção do Tratado de Montevidéu. Todas
essas posições coincidiam com as defendidas pela diplomacia brasileira ao longo
das negociações realizadas antes da assinatura do Tratado de agosto de 1980.
Apesar de o novo Tratado ter procurado atenuar algumas das deficiências de
seu antecessor por meio de aspectos tais como flexibilidade, bilateralismo e
convergência, foi mantida forte ênfase no plano comercial, conservando como
instrumentos de geração e de desvio de comércio, a negociação de margens de
preferência e a eliminação de restrições não tarifárias. Ambas mostraram clara
78
insuficiência na consecução da tarefa de fomentar o comércio entre os países da
região (BARBOSA, 1996).
O cenário latino-americano, na primeira metade da década de 1980, havia
experimentado transformações profundas. No plano político, de maneira gradual, as
ditaduras militares foram sendo substituídas por governos civis, democraticamente
eleitos. Na esfera econômica, o Projeto Nacional-Desenvolvimentista passava a dar
sinais evidentes de esgotamento de sua capacidade de promover o desenvolvimento
econômico dos diferentes países. Finalmente, a Guerra das Malvinas (1982) e seus
desdobramentos contribuíram de modo decisivo para mostrar à Argentina e aos
demais países latino-americanos qual era a real estrutura de poder vigente em nível
mundial. Todos esses fatores contribuíram para que os países latino-americanos,
com ênfase ao Cone Sul, reconhecessem a importância do estreitamento de
vínculos com seu entorno geográfico.
O Embaixador Rubens Barbosa (1996) classificou as ações e políticas
conduzidas pelos governos, no campo da integração latino-americana, em duas
etapas: a etapa romântica e a etapa pragmática.
A etapa romântica teve início no final da década de 1950 e terminou em
meados da década de 1980. Esse período testemunhou a gênese, o crescimento e a
falência das propostas de criação de um mercado comum latino-americano
presentes no Tratado de Montevidéu (1960), que criou a Associação Latino-
Americana de Livre Comércio (ALALC), além das negociações que resultaram no
Tratado de Montevidéu (1980), que estabeleceu a Associação Latino-Americana de
Integração (ALADI). A fase pragmática foi inaugurada pela assinatura da Declaração
de Iguaçu, pelo Brasil e pela Argentina, em novembro de 1985.
No início da década de 1980, a política comercial e externa do Brasil
experimentou uma transição em termos das ações voltadas ao aprofundamento dos
esquemas de cooperação e integração regional. O governo passou a conceder
maior atenção aos esquemas bilaterais (sub-regionais) de integração, em detrimento
àqueles de caráter multilateral, e de alcance regional. A posição brasileira evidenciou
a prioridade concedida à integração com a região platina e à necessidade de não
obstaculizar o intercâmbio com essa área, uma vez que, após a resolução da
contenda envolvendo o aproveitamento hidrelétrico do rio Paraná, por meio do
Acordo Tripartite Itaipu - Corpus, assinado pelo Brasil, pela Argentina e pelo
79
Paraguai, em outubro de 1979, as relações entre as duas maiores economias da
América do Sul haviam melhorado de forma significativa.
Na Argentina, o início da década de 1980 foi marcado por uma intensa
reflexão acerca do futuro econômico e político do país. A política econômica
implementada pelos militares havia promovido uma verdadeira desindustrialização
do país, com efeitos perversos sobre a estrutura sócio-econômica da Argentina.
Crescia entre os diversos meios intelectuais a discussão a respeito das medidas que
deveriam ser tomadas para a retomada do crescimento econômico e o resgate da
pesada dívida social, gestada pelos militares desde 1976.
Em meados de dezembro de 1980, durante a realização das Primeiras
Jornadas Justicialistas de Economia Social, em Buenos Aires, o economista Roberto
Lavagna
41
apresentou
42
sua proposta de um novo modelo econômico e de inserção
internacional para a Argentina, a qual viria a ser a base dos futuros acordos de
integração e cooperação assinados pela Argentina e pelo Brasil a partir de 1985.
A proposta apresentada pelo economista argentino defendia a formulação de
um novo modelo de integração regional para a Argentina, baseado em uma
economia dotada de um grau de abertura comercial limitado e com ênfase especial
às relações com o Brasil e com os países andinos. Considerava-se esgotado o
modelo baseado em uma economia fortemente protegida por altas tarifas
alfandegárias e, igualmente, se rechaçava o modelo vigente, baseado na abertura
da economia argentina e na preponderância do setor financeiro.
Através desse redirecionamento, buscava-se resgatar a importância do setor
industrial para a economia argentina, tal qual o fora até meados da década de 1970.
Assim, esperavam-se obter as condições necessárias para promover uma melhor
distribuição da renda e maiores oportunidades de mobilidade social. Advogava-se,
tamm, a conformação de um novo marco político, mais adequado ao grau de
amadurecimento e à complexidade alcançada pela sociedade argentina, condição
fundamental para que as metas propostas fossem atingidas.
41
Roberto Lavagna foi, durante o governo de Raúl Alfonsín, Secretário de Estado da Indústria e
Comércio Exterior (LAVAGNA, 1998).
42
Lavagna realizou outra apresentação no mesmo formato em Washington, durante a realização do
Seminário sobre a Argentina Contemporânea, no Center for Latin American Studies, em setembro de
1981 (LAVAGNA, 1998).
80
Roberto Lavagna, de modo a defender sua proposta de forma consistente,
elaborou três modelos econômicos e de inserção internacional que retratavam as
várias Argentinas: a do passado, a do presente e a desejada. O primeiro modelo era
baseado em uma economia aberta, primária e semi-industrial; o segundo
apresentava uma economia industrial e fechada e, finalmente, o terceiro, apontava
para uma economia integrada, tanto em termos de sua estrutura produtiva como
regional e internacionalmente (LAVAGNA, 1998).
O primeiro modelo, o baseado em uma economia aberta, primária e semi-
industrial (EAPSI), propunha o estabelecimento de uma estrutura produtiva que
procurasse aproveitar os recursos naturais do país. A partir de tais diretrizes, os
setores primários (agricultura, pecuária, extrativismo mineral, petróleo e gás) e os
serviços financeiros e comerciais voltados ao mercado externo seriam os mais
importantes e dinâmicos. O setor secundário (a indústria), todavia, perderia espaço
na estrutura produtiva argentina. Segundo o modelo, apenas sobreviveriam aqueles
setores industriais cuja produção fosse comprovadamente eficiente em comparação
com o exterior, e em condições de competir, no cenário comercial internacional sem
o auxílio de políticas públicas de fomento ou subsídio. Em outras palavras, a
industrialização não poderia avançar além das fronteiras impostas pelas vantagens
comparativas. Igualmente perderiam importância o Estado e o comércio voltado ao
mercado interno.
Segundo o modelo, seria possível a geração de um fluxo de exportações
capaz de compensar, no médio prazo, a elevação das importações daqueles bens
industriais que deixariam de ser produzidos internamente. Estaria articulado, dessa
forma, um modelo de economia aberta com equilíbrio em suas contas externas, sem
a necessidade de recorrer ao sistema financeiro internacional em busca de capital
financeiro de curto prazo, recurso frequentemente utilizado pelos governos militares
até aquele momento, início da década de 1980.
Esse modelo refletia uma tentativa de recriar um modelo econômico que havia
vigorado no período áureo da economia argentina, entre as últimas décadas do
século XIX e a década de 1930, baseado na produção e exportação de matérias-
primas e importação de produtos manufaturados. Ao antigo modelo, todavia, a nova
formulação acrescentou as matérias-primas energéticas (o petróleo e o gás),
81
consideradas peças-chave para sua viabilização, em virtude dos recursos que sua
exportação poderia gerar para a balança comercial do país.
Em virtude de algumas razões, o modelo EAPSI foi considerado inadequado
para responder às novas questões postas à Argentina, no início da década de
oitenta, tais como as relativas ao emprego, ao equilíbrio das contas externas e às
aspirações da sociedade, no tocante a uma melhor distribuição da renda e à
constituição de um marco adequado para o estabelecimento de um país
verdadeiramente democrático (LAVAGNA, 1998).
Em primeiro lugar, o modelo estava baseado na exploração e exportação das
matérias-primas energéticas (petróleo e gás) e tradicionais (cereais e carnes e
derivados). No entanto, ainda não se sabia, no início da década de 1980, a real
situação das reservas argentinas de gás e petróleo, e tampouco estava sendo
considerado o crescente protecionismo comercial dos países desenvolvidos. Além
disso, esses dois setores, fundamentais para o êxito do modelo, não se mostravam
aptos a responder à questão do emprego (ambos apresentavam baixo impacto na
estrutura ocupacional, gerando quantidade reduzida de postos de trabalho), e
tampouco havia a certeza de que seriam gerados excedentes comerciais suficientes
para equilibrar as contas externas do país. Finalmente, no plano sócio-político, o
modelo mostrava-se claramente concentrador de renda, favorecendo a cisão da
sociedade argentina e o desenvolvimento em bases não democráticas (LAVAGNA,
1998).
O segundo modelo, que propugnava o estabelecimento de uma economia
industrial fechada (EIF), norteou as políticas econômicas da Argentina e de muitos
países da América Latina, entre as décadas de 1930 e 1980, com distintos graus de
intensidade e profundidade. Ele orientou o desenvolvimento de sociedades urbanas
industriais, com elevados índices de ocupação e com forte presença do Estado,
ampliando o acesso à educação e à distribuição da renda, o que favoreceu a
contínua expansão das classes médias.
A substituição de importações foi a política utilizada para a implantação da
indústria nos diversos países. Primeiramente, a estratégia foi utilizada como
resposta às restrições de natureza exógena (Crise da década de 1930 e Segunda
Guerra Mundial). Com a criação da CEPAL, no final da década de 1940, passou a
ter fundamentação teórica e a ser amplamente divulgada entre os países latino-
82
americanos. A proteção tarifária era diferenciada com alíquotas variáveis por tipo de
produto, o que gerava proteção ampla e específica. O resultado foi o
estabelecimento de uma estrutura industrial diversificada, especialmente nas três
maiores economias regionais, o Brasil, o México e a Argentina.
No entanto, o modelo EIF, após vigorar por mais de três décadas,
demonstrara certa incapacidade para manter uma trajetória sustentável de
crescimento econômico. Roberto Lavagna estudou o desempenho da economia
argentina, entre 1945 e 1967, e verificou a ocorrência de períodos com notável
expansão da taxa de crescimento do PIB do país, seguidos de outros marcados por
fortes quedas, caracterizando o fenômeno econômico denominado stop and go
(LAVAGNA, 1998, p.38).
No período analisado, verificou-se a falta de correspondência entre o nível de
atividade interna e o equilíbrio das contas externas. Nos momentos em que a
economia estava em expansão (produção, investimentos, consumo e importações
em alta), as exportações eram reduzidas para que a demanda interna fosse
atendida, o que terminava gerando déficits na balança comercial, desequilibrando as
contas externas do país. Para que o equilíbrio fosse novamente alcançado, os
governos adotavam políticas econômicas que promoviam a redução do nível de
atividade econômica interna, o que fazia com que os agentes econômicos (empresas
e famílias) passassem a produzir, investir, importar e consumir menos. O resultado
dessas ações era a melhora das contas externas do país, porém com o ônus de
contrair o crescimento econômico.
O papel dinamizador do modelo, especialmente no tocante à criação dos
parques industriais dos principais países, foi inegável. Entretanto, do ponto de vista
das relações econômicas internacionais, em virtude de seu caráter autárquico,
considerou-se que a opção pelo modelo promoveria certo isolamento da Argentina
do cenário econômico e político internacional. Em âmbito econômico, comprovou-se
que a opção pelo mesmo não asseguraria uma trajetória de crescimento econômico
capaz de fazer com que o país atingisse patamares elevados de desenvolvimento.
Os ciclos de prosperidade e recessão que marcaram a economia argentina, entre as
décadas de 1940 e 1970, aliados às tensões sociais e políticas ocorridas, e aos
surtos inflacionários que se sucederam nesses momentos, demonstraram que o
modelo havia esgotado sua capacidade de garantir taxas de expansão que
83
permitissem a superação dos problemas que afligiam a economia do país na década
de 1980.
Face à inadequação desses dois modelos para responderem às novas
realidades e necessidades da Argentina, nas últimas décadas do século XX, um
terceiro modelo foi formulado. Denominado modelo de economia integrada (EI), ele
era uma mutação do segundo (EIF) e tinha como objetivo fundamental a
reindustrialização da Argentina.
A integração nesse modelo tinha dois significados: a integração da estrutura
produtiva do país e a sua integração às correntes comerciais, sociais e políticas do
mundo. No plano econômico, propunha atingir patamares elevados de
desenvolvimento econômico (crescimento com eqüidade); no social, buscava-se
constituir uma sociedade pluralista e participativa; e na esfera política, o pleno
exercício da democracia.
A abertura indiscriminada da economia, sujeita às regras das vantagens
comparativas, marcas da política econômica dos militares a partir de 1976, havia
demonstrado sua ineficácia e seus resultados haviam sido desastrosos à Argentina,
seja em termos econômicos como sociais. Por isso, o modelo EI propunha uma
associação privilegiada com outros países (obrigatoriamente no âmbito da América
Latina, mais especificamente com o Brasil e com os países andinos), com grau de
abertura limitado e com o comprometimento de fomentar programas de
desenvolvimento dotados de maior autonomia e estabilidade, estabelecendo limites
às regras das vantagens comparativas. A opção por essa via dotaria a Argentina de
capacidade para determinar os rumos de sua economia, assim como influenciar nos
destinos de seus associados.
Na diversificada estrutura produtiva proposta pelo modelo EI, o avanço
científico-tecnológico seria o motor do crescimento e do dinamismo dos setores
secundário (indústria), fundamental ao modelo, e primário (agricultura, pecuária e
extrativismos mineral e vegetal). Com relação a este último, o modelo defendia uma
estratégia de expansão em dois níveis: horizontal (pela incorporação de novas
áreas) e vertical (por meio da obtenção de aumentos permanentes da
produtividade).
A indústria, ao contrário da especialização setorial defendida pela política
econômica, em vigor desde 1976, deveria buscar a especialização intra-setorial.
84
Tratava-se de abandonar a idéia de uma Argentina produtora de bens
agroindustriais. Defendia-se, ao contrário, uma estrutura industrial com a
participação de todos os setores e gêneros industriais. Isso, entretanto, não
significava produzir todos os bens ou componentes próprios de cada setor, pois país
algum é competitivo na produção de todos os tipos de bens industriais. O que se
propunha era um padrão de industrialização complementar ao de outros países,
preferencialmente os da região. O Brasil, em virtude das dimensões e da diversidade
de seu parque industrial e de seu vasto mercado consumidor, seria a opção natural
para esse tipo de associação preferencial.
A estrutura da economia argentina passaria desse modo, a estar constituída
por três setores: o das atividades primárias e agroindustriais; o das atividades
industriais e o daquelas áreas consideradas estratégicas para a estabilidade da
economia nacional, e que necessitavam, portanto, de certo grau de proteção
tarifária.
O primeiro setor, o das atividades vinculadas ao setor primário e a
agroindústria, historicamente eficiente e competitivo em escala mundial, continuaria
a desempenhar importante papel no comércio exterior do país, sendo objeto de
esforços constantes de tecnificação com vistas à manutenção de sua
competitividade.
O setor, que compreenderia as atividades industriais, deveria ser estimulado a
ingressar nos mercados de concorrência limitada, no âmbito de esquemas de
complementação industrial regional e associações preferenciais. Nesse setor seriam
mais visíveis os efeitos dinâmicos da integração regional defendida pelo modelo. Os
esforços de reindustrialização, baseados na expansão dos setores e gêneros
industriais dotados de maior produtividade e conteúdo tecnológico, estariam
concentrados nesse setor, que deveria ser o de maior crescimento entre os três
propostos pelo modelo EI. Constituíam exemplos de setores industriais avançados,
que o modelo perseguia e tinha por objetivo introduzir ou expandir na estrutura
industrial do país, os seguintes: produção de softwares, petroquímica a partir do gás
natural, fertilizantes, medicamentos, biotecnologia, máquinas-ferramentas e parte da
indústria nuclear.
85
Finalmente, o terceiro setor que compreenderia as atividades produtoras de
certos insumos considerados estratégicos para a economia nacional, devendo,
assim, ser objeto de proteção alfandegária, caso da indústria siderúrgica.
Nesse modelo proposto por Roberto Lavagna, para o estabelecimento de uma
economia integrada (EI), caberia ao Estado ocupar-se de áreas fundamentais para a
obtenção de níveis de bem-estar e desenvolvimento sustentáveis no longo prazo na
sociedade argentina, tais como: a saúde, a educação, a defesa, o desenvolvimento
científico-tecnológico (naquelas áreas não atendidas pelo setor privado), a
integração física do território e a infra-estrutura necessária para a atração de
investimentos.
A iniciativa privada seria estimulada a assumir a maior parte da
responsabilidade pela atividade produtiva, e a ampliação do mercado resultante da
integração com os países vizinhos atrairia investimentos externos e novas
tecnologias, que concederiam forte dinamismo e competitividade à indústria.
Em síntese, o país estabeleceria uma estrutura econômica integrada,
competitiva internacionalmente e socialmente mais justa (com uma distribuição de
renda mais igualitária e altos índices de ocupação da mão-de-obra). As contas
externas equilibrar-se-iam, pois, as exportações aumentariam em função da
diversificação do setor industrial e do aumento de sua competitividade. As
importações de terceiros países experimentariam gradual redução enquanto o
comércio complementar com os países com os quais a Argentina celebrasse
acordos de integração e cooperação econômica intensificar-se-ia.
Tais eram as bases do modelo que norteou a estratégia argentina de
aproximação com o Brasil e cujo marco político foi Declaração de Iguaçu, assinada
em novembro de 1985 pelos dois países. Tinha início aí, o que o Embaixador
Rubens Barbosa denominou de segunda fase do processo de integração regional na
América Latina, a fase pragmática. As condições estruturais e conjunturais do
momento, caracterizadas pela crise da dívida externa, pela exaustão do Projeto
Nacional-Desenvolvimentista, pelas transformações em curso no cenário econômico
mundial, pelo paulatino fim das ditaduras militares e pelo temor de uma
marginalização ainda maior da América Latina, fizeram com que a Argentina e o
Brasil elaborassem uma estratégia integracionista que contemplava esse amplo
conjunto de novas variáveis.
86
Assim, em 1985, após longo período de desconfianças mútuas, receios
recíprocos e manifestações de rivalidade, por iniciativa da Argentina, seu Presidente
e do Brasil – ambos civis – tomaram a decisão política de dar início a um real
processo de integração econômica. O fator determinante das novas relações
bilaterais entre a Argentina e o Brasil, a partir de 1985, passaria a ser a própria
vontade e a determinação de ambas as nações de buscar avançar na
complementaridade entre as duas economias.
O Presidente brasileiro, José Sarney, considerou prioritário o projeto de
integração e cooperação econômica com a Argentina e determinou que fossem
desenvolvidas as ações governamentais necessárias para fazê-lo avançar.
Conforme a nova orientação, as iniciativas de cooperação e integração com a
Argentina passaram a ser pré-requisitos de futuras ações de aproximação com o
restante do Cone Sul e, após, com os demais países latino-americanos.
As negociações com vistas à cooperação e à integração entre os dois países,
fruto da superação de décadas de dificuldades de comunicação e desconfianças
mútuas, tinham como elemento fundamental a convicção de ambas as partes de que
atuando de forma cooperativa seus ganhos seriam consideravelmente superiores
aos obtidos em ações de natureza unilateral.
As discussões, logo, deveriam incluir, obrigatoriamente, todas aquelas áreas
consideradas fundamentais para uma efetiva cooperação, não se restringindo
apenas à esfera comercial, mas tamm temas relacionados às agendas política,
econômica e cultural.
A Declaração de Iguaçu, imbuída de forte ideal cooperativo e integracionista,
estabeleceu a criação da Comissão Mista de Alto Nível para a Cooperação e
Integração Econômica Bilateral, que teve a incumbência de elaborar o Programa de
Integração e Cooperação Econômica Brasil-Argentina até junho de 1986. A nova
estratégia de integração apresentava um caráter inovador, pois, estava baseada nos
princípios da gradualidade, da flexibilidade, do equilíbrio e da simetria. Era uma
integração paulatina e realista, com evidente inspiração no modelo europeu. Seu
núcleo era formado pela complementação dinâmica dos setores industriais, muitos
deles dotados de elevado conteúdo tecnológico, tais como bens de capital, energia
nuclear e indústria aeroespacial. A Declaração de Iguaçu representou o ponto de
87
partida para uma nova etapa nas relações dos governos argentino e brasileiro no
campo da cooperação e da integração regional.
88
4 A ARGENTINA E O BRASIL: DE RIVAIS A SÓCIOS
As relações bilaterais entre a Argentina e o Brasil, até o início da década de
1980, foram caracterizadas pela alternância de momentos de rivalidade e de
competição e outros de maior cooperação. As razões para esse comportamento
remontam ao passado colonial de ambos, não estando, todavia, restritas a esse
aspecto, ao qual podem ser acrescentadas as interferências de cunho político,
cultural e ideológico das potências que exerceram influência sobre a região a partir
do século XIX (Reino Unido e, após, os Estados Unidos) e a ausência de um maior
conhecimento de um país a respeito do outro, algo que, por muito tempo, alimentou
preconceitos, desconfianças, fomentando, dessa forma, a rivalidade e impedindo o
avanço das tentativas de aproximação realizadas até 1980 (GULLO, 2005).
4.1 Do Período Colonial à Guerra do Paraguai
O processo de exploração e colonização da América do Sul foi levado a cabo
pelos impérios português e espanhol. Na porção setentrional da região, a floresta
amazônica foi o obstáculo natural às tentativas expansionistas de ambos. Já no
Cone Sul, área marcada pela facilidade de deslocamento em vastas planícies e
campos, os dois impérios entraram em choque pela disputa do território e do
controle dos grandes rios, os principais meios de transporte e comunicação. Os
espanhóis desceram desde o Vice-Reinado do Peru até o Rio da Prata, e os
portugueses empreenderam caminho semelhante desde o Nordeste brasileiro,
convertendo a região do Rio da Prata em zona de confluência dos interesses de
portugueses e espanhóis (VEGAS, 1995).
Durante o período colonial, houve certa incoerência entre os objetivos dos
dois impérios e as condições locais (JAGUARIBE, 1986). Portugal pretendia
estender seus domínios até a margem oriental do Rio da Prata, porém, dispunha de
escassos recursos para sustentar tal estratégia expansionista. A Espanha, com
interesses concentrados na exploração de metais preciosos no altiplano boliviano e
peruano, não concedia importância considerável aos desígnios portugueses na
89
região do Rio da Prata, pois, os mesmos não ameaçavam suas áreas de exploração
mineral.
Os espanhóis que habitavam a margem ocidental do Rio da Prata (Buenos
Aires), todavia, tinham interesse em expandir-se em direção à margem oriental do
rio. Em 1680, em conformidade com seus objetivos de expansão rumo ao sul,
Portugal se estabeleceu na margem oriental do Rio da Prata, fundando a Colônia de
Sacramento. Desde 1680, até meados do século XIX, essa foi a principal área de
disputa entre os dois impérios. A Espanha, ciente da necessidade de frear o
expansionismo português, criou, em 1776, o Vice-Reinado do Rio da Prata. Tal
contencioso não terminou com a independência dos dois países em 1816
(Argentina) e 1822 (Brasil). Aproveitando a instabilidade política da Argentina no
período pós-independência (o poder central estava debilitado em razão de conflitos
entre Buenos Aires e as províncias), os portugueses, respaldados pela transferência
da Corte Portuguesa para o Rio de Janeiro, ampliaram seus domínios sobre a
margem oriental do Rio da Prata, ocupando Montevidéu e estabelecendo, em 1817,
a Província Cisplatina.
A sorte da província oriental começou a mudar a partir de 1825. Neste ano, o
oriental Juan Antonio Lavalleja instalou um governo provisório, na cidade de Florida,
com o apoio da Argentina, que nomeou Lavalleja governador da província. Em
agosto do mesmo ano, a Assembléia de Florida votou a independência da província
do Brasil e sua incorporação à Argentina. Ao autorizar o provimento de defesa à
província, a Argentina gerou descontentamento no governo brasileiro, que declarou
guerra ao país em 10 de dezembro de 1825. O conflito entre a Argentina e o Brasil
estendeu-se de dezembro de 1825 a agosto de 1828, quando foi interrompido pela
ação do Reino Unido que, como solução de compromisso, criou a República Oriental
do Uruguai (CERVO; RAPOPORT; JAGUARIBE, 1998, 1986).
A tensão entre os dois países, no entanto, não terminou com a criação do
Uruguai. Ambos continuaram enfrentando-se, não só por questões de delimitação de
fronteiras, mas tamm pela influência sobre o Uruguai e o Paraguai. Para os
governantes brasileiros, a hegemonia sobre esses países era a garantia da
manutenção do caráter internacional dos rios da Bacia do Rio da Prata e a
segurança de que a Argentina não se fortaleceria a ponto de representar uma
ameaça aos interesses do Império Brasileiro. Para Buenos Aires, as independências
90
do Uruguai e do Paraguai representavam, não apenas perdas territoriais, mas
tamm perigosos exemplos às demais províncias, além de permitir a criação de
espaços para uma possível estratégia expansionista do Brasil.
O período em que Juan Manuel Rosas esteve à frente da Confederação
Argentina (1831-1852) foi caracterizado pela tensão nas relações bilaterais com o
Brasil. As ambições de Rosas levaram o Império Brasileiro a assumir certas
posições no Paraguai e no Uruguai. Ao primeiro apoiou de maneira discreta em suas
ambições territoriais sobre a província argentina de Corrientes (1845-1849). No
Uruguai, onde, desde 1839, enfrentavam-se duas forças políticas rivais, os blancos
liderados por Manuel Oribe e apoiados por Rosas e os colorados, liderados por
Fructuoso Rivera; o Império brasileiro apoiou os últimos.
A Argentina e o Brasil romperam relações em 11 de setembro de 1850,
quando o governo brasileiro se negou a fornecer explicações ao representante
argentino, no Rio de Janeiro, sobre o possível apoio brasileiro à invasão paraguaia
em Corrientes.
Na Argentina, o descontentamento dos governadores provinciais com a
postura unitária de Rosas crescia. Em 29 de maio de 1851, Justo José de Urquiza,
governador de Entre Rios, uma das províncias mais afetadas pela centralização do
comércio exterior em Buenos Aires, assinou o Tratado de Aliança ofensiva e
defensiva com os governos do Império Brasileiro e do Uruguai. O objetivo do tratado
era manter a independência e promover a pacificação do Uruguai por meio da
expulsão de Oribe.
A vitória das forças comandadas por Urquiza foi fácil, e o novo governo
uruguaio, colorado, assinou cinco tratados com o Império, consolidando, dessa
forma, a ascendência brasileira sobre o Uruguai.
Em novembro de 1851 foi assinado novo Tratado de Aliança entre o Império,
o governo uruguaio e as províncias argentinas de Corrientes e Entre Rios. Estava
declarada a guerra a Rosas, e o Império brasileiro assumiu o financiamento das
operações.
Em 03 de fevereiro de 1852, em Monte Caseros, Juan Manuel de Rosas
enviou carta de renúncia ao Legislativo, partindo para a Grã-Bretanha. Iniciava-se,
então, um período menos tenso nas relações entre o Império Brasileiro e a
91
Confederação Argentina, que, na década seguinte, viriam a tornar-se aliados na
Guerra da Tríplice Aliança, contra o governo paraguaio, de Francisco Solano Lopez.
O início da Guerra da Tríplice Aliança (1865-1870) teve estreita relação com a
instável situação política reinante no Uruguai, à época governado por Bernardo
Perro (partido blanco). Os interesses comerciais do governo uruguaio, cujo desejo
era fomentar as exportações pelo porto de Montevidéu ao invés de Buenos Aires, e
das províncias argentinas de Entre Rios e Corrientes (os federalistas argentinos),
além das dificuldades geradas pela mediterraneidade do Paraguai para o
desenvolvimento do país, convergiam rumo à formação de um só Estado, o qual
deveria ser economicamente viável, o que passava pela unificação dos territórios,
pela integração e ampliação da infra-estrutura física (ferrovias e portos) e,
finalmente, pela livre circulação de capitais e mercadorias.
O projeto, todavia, encontrou forte oposição entre os opositores uruguaios do
presidente Berro, os colorados que, apoiados por Buenos Aires e pelo Rio de
Janeiro, intervieram militarmente no Uruguai, onde foi apoiada a instalação de um
governo favorável a seus interesses. O presidente paraguaio, Solano Lopez,
considerou a atitude uma ameaça a seu país e apreendeu uma embarcação
brasileira no rio Paraguai, ato que gerou forte descontentamento aos brasileiros. O
presidente do Paraguai, desejoso de combater as tropas brasileiras que ocupavam
parte do Uruguai, invadiu a província de Corrientes (Argentina), o que uniu o Brasil, a
Argentina e o Uruguai (os colorados) na chamada Tríplice Aliança. O conflito durou
cinco anos, e o Paraguai foi arrasado em termos econômicos, populacionais e
militares. O Brasil, fortemente endividado em razão do conflito, viu sua situação
econômica se deteriorar. A Argentina, embora tamm tenha incorrido em elevados
gastos, fortaleceu-se economicamente, pois os negócios no porto de Buenos Aires
foram incrementados durante a guerra. Durante o conflito, a Argentina se convertera
na principal fonte de suprimentos aos exércitos aliados (BANDEIRA, 2003; FAUSTO;
DEVOTO, 2004).
As relações bilaterais entre a Argentina e o Brasil, durante a Guerra da
Tríplice Aliança, face à necessidade de eliminar Francisco Solano Lopez e seu
desejo de criar um pólo político-militar a partir do Paraguai, experimentaram
momento de maior cooperação. No período imediatamente posterior ao fim do
conflito, todavia, as relações entre os dois países voltaram a ser tensas, tendo como
92
foco das tensões, a fixação dos novos limites territoriais. Os Tratados de Paz
assinados em 1872 (Brasil e Paraguai) e fevereiro de 1876 (Argentina e Paraguai)
resultaram em pequenos ganhos territoriais a ambos. O apoio do Brasil às teses
defendidas pelo Paraguai quanto ao Chaco, conduziu à progressiva deterioração
das relações com a Argentina (DE LA BALZE, 1995; PARADISO, 2005).
4.2 Da Guerra do Paraguai a 1910: a predominância da rivalidade
Entre o final do conflito no Paraguai e a Proclamação da República no Brasil,
as relações entre a Argentina e o Brasil foram tensas. Ações do governo do Brasil
foram vistas com grandes reservas por Buenos Aires. A aquisição de armas e
munições, negociações sigilosas com nações européias e a aproximação do Chile,
cujo convite para o estabelecimento de uma aliança com o Brasil fora muito bem
recebido no Rio de Janeiro, desencadearam suspeitas sobre os projetos do Brasil
para a região platina.
A constante preocupação das classes dirigentes argentinas com os
movimentos do Brasil e seus possíveis desdobramentos no Cone Sul motivou o
surgimento de duas grandes correntes de pensamento entre os formuladores da
política externa argentina. A primeira, chamada de realista, defendia a tese da
confrontação, pois, acreditava que o Brasil, em virtude de necessitar de terras férteis
para gerar os alimentos necessários a sua população em crescimento, não tinha
alternativa senão a Argentina, com um clima temperado e enormes extensões de
terra fértil. A segunda, pacifista, defendia a cooperação e ressaltava as vantagens e
as possibilidades de ganho que o estreitamento de laços com o Brasil poderia trazer
para a Argentina (PARADISO, 2005).
Entre o final do século XIX e início do século XX, o surgimento de focos de
tensão nas relações da Argentina com o Chile, levou à distensão das relações
argentino-brasileiras. As visitas presidenciais ocorridas naquele momento, quando o
Presidente argentino, Julio Roca, esteve no Rio de Janeiro (1899), e o Presidente
brasileiro, Manoel de Campos Salles, visitou Buenos Aires (1900), ilustram esse
clima de redução de tensões e de relativa aproximação.
No entanto, as relações entre os dois países logo tornaram a serem tensas
novamente. Em 1904, o Brasil sancionou a lei dos armamentos navais, com o
93
objetivo de modernizar e expandir a frota naval brasileira. Tal decisão provocou forte
inquietação em Buenos Aires, mobilizando os setores que defendiam a confrontação
com o Brasil no governo argentino (corrente realista). A iniciativa brasileira
preocupava sobremaneira a Argentina, em virtude do acordo de equivalência naval
que o governo argentino havia assinado, em 1902, com o Chile, o que limitava o
potencial bélico da Argentina. Passou-se a temer a supremacia militar brasileira e
defendeu-se o urgente reequipamento militar argentino.
Em 1906, durante a Terceira Conferência Interamericana, realizada no Rio de
Janeiro, os representantes argentinos discordaram dos representantes do Brasil e
dos Estados Unidos quanto à agenda do evento e durante o desenvolvimento dos
trabalhos. Naquele momento, o Brasil concluía a mudança do eixo de suas relações
preferenciais, do Reino Unido para os Estados Unidos, pois a diplomacia brasileira
havia avaliado que o papel dos Estados Unidos no cenário internacional seria de
grande importância, muito superior ao do Reino Unido. Havia, também, o temor de
que a Argentina, àquela época passando por fase de expressivo desenvolvimento
econômico, pudesse fortalecer-se de tal modo que viesse a articular uma política
contrária aos interesses do Brasil na América do Sul. O governo argentino, por sua
vez, temia que a aproximação do Brasil com os Estados Unidos fosse o início de um
projeto de maiores dimensões destinado a conceder ao Brasil o controle sobre o
hemisfério sul (PARADISO, 2005).
Até 1910, as teses realistas, defensoras da confrontação com o Brasil,
prevaleceram entre os governantes argentinos, os quais se dedicaram a elaborar
estratégias “preventivas” para isolar o Brasil e fazê-lo desistir de seus objetivos
armamentistas. Foram retomadas as relações com o Paraguai e o Uruguai e tratou-
se de definir uma aliança com o Chile. O governo argentino, inclusive, elaborou
plano de ocupação militar do Rio de Janeiro, caso o Brasil não aceitasse negociar
seu desarmamento. Buenos Aires, para justificar a medida, alegava que o Brasil
tinha planos de atacar a Argentina após finalizar seu programa de rearmamento
naval.
94
4.3 A Argentina e o Brasil sob o signo da amizade
A visita do Presidente Roque Sáenz Peña ao Rio de Janeiro, em 1910,
quando proferiu a histórica frase “tudo nos une, nada nos separa”, representou o fim
de um período particularmente difícil nas relações entre o Brasil e a Argentina. A
eleição de Saenz Peña ao governo argentino trouxe de volta a corrente pacifista,
defensora das teses da aproximação e da cooperação com o Brasil.
O novo Presidente da Argentina fundamentava sua convicção na
complementaridade das duas economias, uma vez que a Argentina e o Brasil não
competiam nos mesmos mercados. Naquele momento, o intercâmbio comercial
entre os dois países começava a aumentar, tendo o Brasil, inclusive, passado a
ocupar o posto de principal parceiro comercial da Argentina na América Latina.
O clima de cordialidade e entendimento passou a caracterizar as relações
bilaterais, que transcorriam sob uma orientação cooperativa. O Tratado de Cordial
Inteligência Política e Arbitragem, também conhecido como Tratado do ABC,
assinado pela Argentina, pelo Brasil e pelo Chile, em 1915, foi manifestação
concreta desse bom momento do relacionamento entre os dois países, mas o
Congresso Argentino não ratificou o tratado, por temer que os demais países latino-
americanos o considerassem uma tentativa de constituição de um pacto hegemônico
argentino-brasileiro.
Durante a década de 1930 e princípio da década de 1940, houve novas
iniciativas de cooperação e de estreitamento de laços entre os dois países
43
, além
de ambos terem participado de forma ativa na mediação de conflitos ocorridos em
território sul-americano
44
. No início de 1941, o crescimento do comércio entre os
países integrantes do Cone Sul motivou a aproximação dos mesmos, o que ficou
evidenciado na Conferência Regional da Bacia do Prata, em Montevidéu, destinada
a fortalecer a defesa econômica da região. No mesmo ano, em novembro, os
Ministros de Relações Exteriores, Oswaldo Aranha (Brasil) e Enrique Ruiz-Guiñazú
(Argentina) assinaram o Tratado Argentino-Brasileiro sobre Livre Comércio
43
Em 1933 e 1935 foram assinados dois Tratados de Navegação e Comércio. Também em 1935 foi
assinado o Protocolo para a construção de uma ponte internacional sobre o Rio Uruguai, entre Paso
de los Libres e Uruguaiana.
44
A Argentina e o Brasil e desempenharam papel ativo como mediadores nos conflitos ocorridos
entre os seguintes países: Bolívia e Paraguai (1932-1935), Peru e Colômbia (1933-1934) e Peru e
Equador (1941) (RUSSEL; TOKATLIAN, 2003).
95
Progressivo, que tinha por objetivo estabelecer um regime de livre comércio entre os
dois países, porém com ambições de se atingir, futuramente, o estágio de união
aduaneira, a qual seria aberta à adesão dos países vizinhos.
Entretanto, a evolução da Segunda Guerra Mundial levou os Estados Unidos
a solicitar, durante conferência realizada no Rio de Janeiro (1942), que os países
latino-americanos rompessem relações com os países do Eixo. As posições opostas
assumidas pelo Brasil (pró-Estados Unidos) e pela Argentina (neutra) afetaram suas
relações e inauguraram fase difícil nas relações entre a Argentina e os Estados
Unidos, as quais só viriam a melhorar em 1945, quando o governo argentino
declarou guerra à Alemanha.
A partir da metade da década de 1940, o contraste entre as posições
assumidas pelos governos brasileiro e argentino em termos do recém-instaurado
conflito Leste-Oeste era evidente. Enquanto o General Dutra, no Brasil, alinhava-se
com os Estados Unidos, rompendo relações com a União Soviética (URSS), o
General Perón, na Argentina, buscando conquistar maior autonomia e ampliar o
comércio, decidiu estabelecer relações diplomáticas com a URSS e outros países
socialistas. Durante alguns anos, tais posições levaram ao afastamento dos
governos da Argentina e do Brasil, porém, o expressivo fluxo de comércio existente
entre ambos garantiu a cordialidade das relações.
A política externa do Presidente Perón (em vigor entre o final da década de
1940 e meados dos anos cinqüenta) era favorável à cooperação entre as nações
latino-americanas e ao fortalecimento da autonomia regional, considerados
importantes meios para superar o subdesenvolvimento e enfrentar os grandes temas
da agenda internacional. Propunha, para tanto, a constituição de uniões aduaneiras
e outras formas de complementação econômica.
O governo do Brasil nunca concordou com as idéias de Perón. A diplomacia
brasileira via na política para a América Latina adotada pelo governo argentino, mais
intenções expansionistas e hegemônicas do que propriamente cooperativas. Perón,
todavia, manteve sua política de acordos econômicos com o objetivo de estreitar
laços com os países vizinhos. Uma importante tentativa de formar um bloco
econômico no Cone Sul ocorreu em 1953, quando se procurou estabelecer um
acordo de cooperação econômica entre a Argentina, o Brasil e o Chile (o Novo
ABC).
96
O Presidente Getúlio Vargas via a iniciativa com simpatia, tendo inclusive
concedido, de modo “preliminar e reservado”, autorização a Perón para representá-
lo em reunião com o Presidente chileno, Ibañez, em Santiago, quando seria dado
início as discussões referentes ao tema. A iniciativa integracionista (o Novo ABC)
não teve êxito em virtude de carecer de apoio no Brasil. Apesar da simpatia de
Vargas pelo acordo, havia condicionantes de ordem interna e externa que
conspiravam contra a adesão do Brasil ao novo ABC. Em âmbito interno, o governo
Vargas estava politicamente enfraquecido e apresentava sérias divergências de
opiniões entre seus principais membros. No plano externo, as intenções do governo
brasileiro de obter o suporte dos Estados Unidos para seu plano de desenvolvimento
econômico levaram o governo a não assumir compromissos referentes ao Novo
ABC.
Após a queda de Perón, em 1955, a Argentina realizou modificações
importantes em sua política externa. Aderiu ao sistema de Bretton Woods (FMI,
Banco Mundial e GATT) e ratificou a Carta da Organização dos Estados Americanos
(OEA), além de adotar as medidas necessárias à multilateralização comercial. Essas
ações, somadas a outras no plano da segurança hemisférica, tinham por objetivo
corrigir as “discrepâncias” da política internacional, que foram adotadas durante o
período peronista e que haviam afastado a Argentina dos Estados Unidos. Esse
momento foi representativo em virtude de marcar a entrada da Argentina na área de
influência dos Estados Unidos (BANDEIRA, 2003).
Em 1958, Arturo Frondizi, da União Cívica Radical, foi empossado na
Presidência da Argentina. Os programas de governo de Frondizi e Juscelino
Kubitschek (JK) tinham uma característica comum: a orientação nacional-
desenvolvimentista que concedia prioridade ao desenvolvimento econômico por
meio da industrialização das duas economias. Naquele momento, as trocas
comerciais entre os dois países já haviam aumentado de forma notável – a Argentina
era o terceiro mercado de exportação do Brasil, que, por sua vez, estava tamm
entre os quatro maiores importadores de produtos argentinos (BANDEIRA, 2003, p.
275).
Em termos político-diplomáticos, as relações bilaterais entre a Argentina e o
Brasil assumiram uma dimensão muito maior a partir dos entendimentos entre os
dois Presidentes e à firme disposição de ambos no sentido de harmonizar as
97
políticas exteriores e avançar na cooperação e na colaboração. O apoio concedido
por Frondizi a JK no que disse respeito à Operação Pan-Americana, além de
posições concertadas que propiciaram a criação do Banco Interamericano de
Desenvolvimento (BID) e da ALALC são marcos importantes desse período.
Em 1961, o Brasil passou a ser governado por Jânio Quadros, que adotou
uma nova orientação em termos de política externa, de caráter mais autônomo,
universal e pragmático, a qual ficou conhecida como Política Externa Independente
(PEI). O Brasil, por meio da PEI, assumiu postura de maior neutralismo em termos
do conflito Leste-Oeste, atitude tomada, em virtude da constatação, pelo governo de
Jânio, de que os benefícios econômicos que o país auferira até então, ao posicionar-
se ao lado dos Estados Unidos, não haviam sido satisfatórios e tampouco justos.
Desse modo, defendeu-se, com veemência, a formação de uma aliança com a
Argentina, passo considerado fundamental para uma futura união entre os países
sul-americanos. Os Estados Unidos eram contrários à aproximação das duas
maiores economias da região, pois viam na iniciativa sérios riscos a seus interesses
e a sua influência sobre a América Latina.
A despeito da oposição dos Estados Unidos, no dia 20 de abril de 1961, dois
meses e meio após o início de seu governo, Jânio Quadros encontrou Arturo
Frondizi, em Uruguaiana, cidade brasileira separada da argentina, Paso de los
Libres, por uma ponte internacional sobre o rio Uruguai, inaugurada em 1945.
Durante três dias, os dois Presidentes discutiram as relações bilaterais entre a
Argentina e o Brasil e também o relacionamento da América Latina com os Estados
Unidos. Ambos concordaram que nas relações entre os dois países deveria
predominar a cooperação e a amizade, afastando de forma definitiva as históricas
rivalidades e desconfianças.
No âmbito político-diplomático, foi acordado o estabelecimento de um sistema
permanente de consultas e a coordenação das ações relativas à América do Sul. No
campo econômico-comercial, o Presidente argentino enfatizou a importância da
produção industrial da Argentina ter acesso ao mercado brasileiro.
Frondizi, imbuído do ideal desenvolvimentista, era defensor da tese da
industrialização como um dos meios para atingir o pleno desenvolvimento. A
indústria argentina, à exceção do ano de 1959, vinha, desde 1953, apresentando
taxas positivas de crescimento. A pauta argentina de manufaturados havia se
98
diversificado, e a crescente produção necessitava de um mercado consumidor
ampliado para seguir avançando. O Presidente argentino não queria que o modelo
de relação comercial que a Argentina havia sustentado com o Reino Unido, entre o
final do século XIX e o início do XX, se repetisse, ou seja, a Argentina não queria
mais ser apenas um grande fornecedor de produtos primários e importador de bens
manufaturados.
Assim, em 22 de abril de 1961, em Uruguaiana, foram assinadas a
Convenção de Amizade e Consulta e a Declaração de Uruguaiana. A Convenção,
assinada pelos chanceleres, instituiu um sistema permanente de consultas e
informações, propôs o aprofundamento da integração entre os dois países e,
tamm, a elaboração de legislação para garantir a livre circulação aos cidadãos da
Argentina e do Brasil. Acordou-se, igualmente, que os demais países latino-
americanos poderiam aderir a esse protocolo.
A Declaração de Uruguaiana, assinada pelos chefes de Estado, recomendava
a ação conjunta dos dois países para a solução dos problemas externos, a
conjugação de esforços em prol do desenvolvimento econômico, a manutenção da
democracia e a não-aceitação da ingerência externa nos assuntos regionais.
As repercussões do encontro de Uruguaiana foram imediatas, tanto no âmbito
doméstico da Argentina e do Brasil como no plano externo. Os militares argentinos
viram na atitude de Frondizi um sério risco à segurança do país. A PEI e a forte
defesa de Jânio ao princípio da autodeterminação e a não-intervenção em Cuba
inquietavam sobremaneira as Forças Armadas argentinas. A oposição a Frondizi
tamm se colocou contrária ao conteúdo dos documentos assinados em
Uruguaiana, pois acreditava que a Argentina ficaria em posição de inferioridade e
dependência em relação ao Brasil. Confirmando sua discordância, a oposição
conseguiu quorum para não ratificar os acordos de Uruguaiana.
No Brasil, a oposição a Jânio tamm se posicionou contrária a sua linha de
ação diplomática, qualificando-a de “esquerdista” e “simpática ao comunismo”, algo
que suscitou temores nos meios militares. As Forças Armadas dos principais países
latino-americanos, no início da década de 1960, por meio de missões militares e de
assistência material, eram alvo de grande assédio pelos Estados Unidos. As
posições assumidas por Frondizi e Jânio (defesa da autodeterminação, a não-
intervenção em Cuba, entre outras) eram vistas com suspeição e certo temor pelos
99
Estados Unidos, que procuravam, através de sua influência sobre os militares,
demover os governos argentino e brasileiro de tais teses (BANDEIRA, 2003).
Jânio Quadros renunciou em agosto de 1961. Embora com dificuldades,
garantiu-se a posse de seu Vice-Presidente, João Goulart, que permaneceu no
cargo até março de 1964. Foi dada continuidade ao “espírito de Uruguaiana”, ou
seja, Frondizi e Goulart reafirmaram a importância do conteúdo dos documentos
assinados na cidade brasileira e concordaram com continuidade da concertação.
Porém, nem os militares argentinos e tampouco o governo dos Estados
Unidos viam com simpatia a aliança entre os dois maiores países da América do Sul.
Frondizi foi deposto pelos militares em 1962, instaurando grande apreensão na
maioria dos países latino-americanos, em especial no Brasil, cujo satisfatório estágio
de relacionamento com a Argentina passava a sofrer sérios riscos de reversão.
Em virtude da grande complementaridade das duas economias, dos
profundos vínculos comerciais e da importância estratégica da manutenção de
relações em bom nível; o governo brasileiro aceitou a nova situação política do país
vizinho, porém era sabido que o clima de cooperação, entendimento e colaboração
pertenciam ao passado. As Forças Armadas da Argentina jamais viram com
entusiasmo a aproximação do país com o Brasil de Jânio Quadros e João Goulart. A
nova orientação da política externa argentina estabelecia estreitos vínculos do país
com os Estados Unidos. O “espírito de Uruguaiana” passava a fazer parte da história
dos dois países, a partir da queda de Frondizi.
4.4 O Advento dos Regimes Militares na Argentina e no Brasil
Após o golpe de 1964, que instaurou o regime militar no Brasil e pôs no poder
o General Humberto Castello Branco, as relações com a Argentina estreitaram-se.
No início de 1965, o governo argentino iniciou consultas junto aos governos do
Brasil, do Uruguai, da Bolívia e do Paraguai para avaliar a possibilidade de realizar
uma conferência para discutir a exploração e o aproveitamento dos recursos naturais
da Bacia do Rio da Prata - formada pelos rios Paraná, Paraguai e Uruguai e seus
afluentes - de modo coordenado e coletivo. Em agosto de 1965, no Rio de Janeiro,
os dois principais nomes das Forças Armadas argentina e brasileira, os Generais
Juan Ongania e Artur Costa e Silva, defenderam o estabelecimento de uma aliança
100
entre os exércitos da Argentina e do Brasil, cujo objetivo maior seria a conformação
de uma “fronteira ideológica”, uma espécie de barreira à ameaça representada pelo
comunismo (BANDEIRA, 2003).
Na madrugada de 27 de junho de 1966, produziu-se um novo golpe militar na
Argentina. O Presidente Arturo Illia (civil, que assumira a presidência após eleições
realizadas em 1963, com o apoio dos militares) foi substituído no comando do país
pelo General Juan Ongania. Sob a nova administração, as Forças Armadas
fecharam o Congresso Nacional e a Suprema Corte, dissolveram os partidos
políticos e intervieram em todas as províncias, em um conjunto de ações que foi
denominado de “Revolução Argentina”.
O estreitamento dos vínculos entre a Argentina e o Brasil ocorrido naquele
momento resultou das semelhanças dos dois regimes, dotados da:
[...] mesma matriz ideológica (doutrinas de segurança, contra-
insurreição e ação cívica, atribuindo às Forças Armadas a
responsabilidade pelo desenvolvimento do país), bem como de suas
políticas interna (liberalismo político e autoritarismo político) e
externa (fronteiras ideológicas e alinhamento incondicional com o
Ocidente) (BANDEIRA, 2003, p. 398).
Em fevereiro de 1967, o ministro do Planejamento do governo Castello
Branco - Roberto Campos - viajou a Buenos Aires e apresentou ao governo
argentino uma proposta de constituição de união alfandegária centrada nos setores
siderúrgico, agrícola e petroquímico, entre os dois países. O ministro brasileiro
acrescentou que sua proposta, que permitia a adesão de outros países da região,
representava uma medida preventiva à fragmentação do continente em blocos
político-comerciais. Campos tinha por objetivo, na verdade, estabelecer um
contraponto a iniciativas, tais como a tomada pelos países andinos (todos
democracias) no ano anterior (1966), os quais a partir da assinatura da Declaração
de Bogotá, posicionaram-se favoráveis à criação de um mercado regional no âmbito
da ALALC.
A união alfandegária e a aliança político-militar entre os dois países, todavia,
não se mostraram viáveis. Enquanto o Brasil crescia de forma acelerada, a
industrialização argentina não se havia completado. Alguns setores-chave,
estratégicos do ponto de vista econômico, político e militar ainda estavam faltando
ao país.
101
Era o caso da indústria siderúrgica, setor que, na Argentina, ainda carecia de
dimensões e escala suficientes para o atendimento da demanda doméstica e para a
consolidação do processo de industrialização. A integração com a Bolívia, detentora
de grandes jazidas de minério de ferro (matéria-prima essencial à produção de aço),
sempre foi perseguida pela diplomacia argentina.
No entanto, a Bolívia sempre relutou em conceder permissão à Argentina
para explorar suas jazidas de ferro, influenciada pelo Brasil, que pretendia exportar
seu aço para o mercado argentino. Além disso, a Argentina também não dispunha
de recursos, naquele momento (1967), para financiar empreendimentos de tal
natureza e porte.
Dessa forma, uma união aduaneira naquele momento continuaria a reservar à
Argentina o papel de fornecedora de matérias-primas e importadora de
manufaturados, algo que o governo argentino era contrário. A Argentina defendia um
equilíbrio quantitativo e qualitativo em sua pauta comercial como Brasil.
A tese da aliança política e militar entre os dois países foi definitivamente
sepultada, após a posse do General Costa e Silva, como Presidente do Brasil em
1967. O Presidente brasileiro asseverou que a instituição de mecanismos
continentais de defesa coletiva contra a subversão, além de seu alto custo, não
havia acrescentado eficácia aos mecanismos já existentes no âmbito de cada país.
Na avaliação do Presidente, as tensões Leste-Oeste haviam sido reduzidas, o que
permitia que as Forças Armadas de cada país pudessem exercer a defesa das
instituições nacionais contra a subversão. Além dessas resoluções, o
recrudescimento do nacionalismo na Argentina e no Brasil, tamm contribuiu para
que as antigas aspirações de união nos campos político e militar se frustrassem.
A disputa entre os dois países pela condição de interlocutor dos Estados
Unidos na América do Sul e as desavenças sobre o aproveitamento dos recursos
naturais da Bacia do Rio da Prata reacenderam as rivalidades, que passaram a
contaminar as relações entre a Argentina e o Brasil a partir de meados da década de
1960.
102
4.5 Os Recursos Hídricos da Bacia do Rio da Prata: a disputa Argentino-
Brasileira
Em 1965, a Argentina deu início a uma série de consultas aos países
integrantes da Bacia do Rio da Prata com vistas à realização de uma conferência
para definir, de modo conjunto, a integração física, bem como a exploração racional
dos recursos da Bacia. Em junho de 1966, o Brasil e o Paraguai assinaram a Ata das
Cataratas, pela qual se estabeleceu uma fórmula cooperativa para o aproveitamento
do potencial hidrelétrico do médio Paraná. Conforme esse entendimento, os
recursos hidráulicos pertenceriam, em condomínio, aos dois países. A Ata das
Cataratas significou o fim das pendências limítrofes entre o Paraguai e o Brasil, uma
vez que implicava a inundação da área em litígio. A resolução dos
desentendimentos com o Paraguai ecoou em Buenos Aires.
Tamm em junho de 1966, o chanceler argentino formalizou os convites à
Bolívia, ao Brasil, ao Paraguai e ao Uruguai para uma reunião, em Buenos Aires, em
fevereiro do ano seguinte. Essa reunião foi seguida por outras duas, em Santa Cruz
de la Sierra (1968) e Brasília (1969). Ao término do encontro de Brasília, em 23 de
abril de 1969, os cinco países assinaram o Tratado da Bacia do Prata, que
institucionalizou o sistema da Bacia. Pelo Tratado, as partes comprometeram-se em
conjugar esforços para promover o desenvolvimento harmônico e a integração física
da Bacia do Prata e de suas áreas de influência direta.
O governo argentino, todavia, desconfiava das intenções brasileiras e temia
que os grandes projetos hidrelétricos e de ocupação territorial que o Brasil pretendia
realizar na região da Bacia trouxessem sérios riscos aos seus interesses políticos e
econômicos e a suas aspirações de liderança na região.
A Argentina, na presidência do General Onganía (1966-1970), buscou tornar-
se a principal potência da América Latina. A forte expansão da economia brasileira
contrastava com as modestas taxas de expansão do PIB da Argentina naquele
momento. O crescente desequilíbrio de poderes na América do Sul alarmava a
Argentina. Assim, a preponderância sobre a Bolívia e o Paraguai e a manutenção de
boas relações com o Uruguai eram prioritárias para o país. Tal projeto político,
todavia, não era acompanhado de uma política econômica dotada de instrumentos
103
capazes de impulsionar a atividade econômica e de reverter o declínio da economia
e, assim, enfrentar a difícil situação social e política do país.
O governo brasileiro, ciente da importância dos recursos naturais da Bacia do
Prata para o desenvolvimento econômico do país, sempre expressou preocupação
com a questão do conceito jurídico do aproveitamento agrícola e industrial dos rios
internacionais, algo que não admitia equacionar em termos que não fossem
compatíveis aos seus interesses (BANDEIRA, 2003).
Durante o governo Onganía ocorreram mudanças nos projetos da Argentina
no campo energético. O país paralisou os projetos hidrelétricos binacionais de
Yaciretá e Corpus, com o Paraguai; e Salto Grande, com o Uruguai, e privilegiou os
empreendimentos localizados em seu próprio território, como a hidrelétrica de El
Chocón-Cerros Colorados. No âmbito da energia nuclear, foram aprovados os
projetos das usinas de Atucha e Embalse de Rio Tercero que, por razões militares,
foram considerados prioritários.
A perspectiva da construção, pelo Brasil e pelo Paraguai, da Usina
Hidrelétrica de Itaipu, no rio Paraná, próximo a Foz do Iguaçu e à fronteira com a
Argentina, inquietou sobremaneira o governo argentino. O empreendimento poderia
aprofundar os desequilíbrios entre a Argentina e o Brasil, levar à perda de influência
da Argentina sobre o Paraguai e transformar a região de Foz do Iguaçu em pólo de
desenvolvimento, em contraste com a província argentina limítrofe, Misiones, uma
das menos desenvolvidas do país.
Para impedir que as intenções do Brasil e do Paraguai de construir a
hidrelétrica se concretizassem, o chanceler argentino Nicanor Costa Mendez
recorreu à tese da consulta prévia aos países ribeirinhos para a realização de
quaisquer obras que alterassem o sistema da Bacia. A Argentina buscava evitar a
ocorrência de prejuízos às populações que viviam ao longo desses rios, bem como à
navegação e aos demais projetos de aproveitamento dos recursos naturais, tais
como as futuras usinas de Corpus e Yaciretá-Apipé, ambas no rio Paraná.
O Brasil, por seu lado, passava por um momento de forte expansão
econômica (final da década de 1960), e realizava, concomitantemente, vultosos
investimentos na região do Alto Paraná (Complexo Hidrelétrico de Urubupungá),
visando assegurar o fornecimento de energia elétrica à expansão da industrialização
nas regiões centro-sul e oeste.
104
Em 1970, o General Ongania foi substituído pelo General Roberto Levingston,
que governou apenas nove meses, sendo substituído pelo General Alejandro
Lanusse em março de 1971.
As relações com o Brasil permaneciam tensas e a rivalidade era a tônica
daquele momento. O impasse quanto à utilização dos recursos naturais da Bacia do
Prata não dava mostras de resolução. A rivalidade entre os dois países tinha duas
origens. A primeira, de natureza geopolítica, resultava do crescente desequilíbrio
entre as duas nações, situação que provocava mal-estar na Argentina. A segunda
decorria das estreitas relações do Brasil com os Estados Unidos. A Argentina temia
a emergência de um “subimperialismo brasileiro” (RUSSELL; TOKATLIAN, 2003),
implícito na declaração do Presidente norte-americano Richard Nixon, durante visita
do Presidente Médici a Washington, em 1971, que asseverou: “todos sabemos que
para onde for o Brasil, o restante da América Latina o seguirá” (BANDEIRA, 2003, p.
418, tradução nossa).
O General Alejandro Lanusse (1971-1973), ao chegar à Presidência,
reorientou a política externa da Argentina, empreendendo inúmeras viagens a
países sul-americanos, como Chile, Peru e Bolívia. Na visita que fez ao Brasil, em
março de 1972, o Presidente argentino causou forte constrangimento aos presentes
ao acrescentar, sem o conhecimento da diplomacia brasileira, um parágrafo em seu
discurso, no qual apresentava argumentos em defesa da tese da consulta prévia no
tocante ao aproveitamento dos recursos naturais dos rios da Bacia do Prata. O
Presidente argentino ilustrou sua assertiva, mencionando os prejuízos que a
Argentina havia sofrido em virtude da utilização, pelo Brasil, do rio Paraguai sem a
realização da consulta prévia aos demais países banhados pelo mesmo. Lanusse
aproveitou a oportunidade para defender a utilização do Direito Internacional para a
resolução de quaisquer desentendimentos, defendeu a regulamentação do uso dos
recursos naturais e asseverou que os demais países da América Latina não
aceitavam um “destino secundário” (BANDEIRA, 2003, p. 415).
O Presidente Lanusse, que em várias situações, fizera referência ao temor
representado pelo “subimperialismo brasileiro” e os riscos que tal condição impunha
ao equilíbrio de poder na América do Sul, além de ter gerado profundo
descontentamento entre a audiência presente ao banquete de Brasília, não obteve
concessão de espécie alguma com relação à temática da consulta prévia, cuja
105
obrigatoriedade seguiu sendo rejeitada pelo Brasil. O governo brasileiro
comprometeu-se apenas a prestar informações aos demais países da Bacia do
Prata a respeito de suas ações nas regiões localizadas ao longo dos rios
internacionais. Em termos concretos, a visita de Lanusse ao Brasil resultou na
assinatura de alguns atos internacionais (acordos de cooperação) e uma declaração
conjunta que defendia a paz e a prosperidade dos povos.
O início da década de 1970 foi marcado tamm pela entrada definitiva da
Bolívia (queda do governo nacionalista do General Juan Torres, em 1971) e do
Paraguai (assinatura do Tratado de Itaipu, em abril de 1973) à área de influência
brasileira. Tamm em 1973, os golpes militares ocorridos no Uruguai e no Chile
vincularam aqueles dois países à esfera de influência brasileira.
Na Argentina, a partir de 1973, foram realizadas eleições, e os militares
deixaram o poder, assumindo a Presidência o civil Hector Cámpora. Seu mandato foi
abreviado por tensões políticas e, após novas eleições, em outubro de 1973, houve
o retorno de Juan Perón que, ao assumir a Presidência, deu início a uma completa
revisão das políticas e ações dos governos militares, apoiando um maior diálogo
com o Brasil. Perón considerava que as disputas jurídicas em torno da Bacia do
Prata, além de fomentarem a rivalidade com o Brasil, haviam paralisado a Argentina.
Ele defendia o aproveitamento efetivo dos rios, o que deveria ser concretizado por
meio da realização de obras. Assim, em dezembro de 1973, foi assinado pela
Argentina e o Paraguai, o Tratado de Yaciretá, além de terem sido retomados os
projetos de Corpus e Salto Grande. Perón, igualmente, manifestou interesse ao
governo do Brasil, de negociar o aproveitamento hidrelétrico do rio Uruguai, o que
não ocorreu em virtude de sua morte em meados de 1974.
A chegada de Maria Estela Martinez Perón à presidência argentina não
alterou o diálogo e a cooperação com o Brasil. No entanto, permanecia sem solução
o problema das cotas de Itaipu e de Corpus, imprescindível para a definição do
potencial hidrelétrico de Corpus. Havia divergências, entre o governo argentino,
quanto às propostas apresentadas pelo Brasil. O governo brasileiro, ciente da grave
crise política e econômica que assolava a Argentina, postergou as negociações. Em
23 de março de 1976, o governo de Maria Estela Perón foi deposto, instaurando-se,
mais uma vez, um regime militar na Argentina.
106
4.6 O Período 1976 – 1985: da rivalidade à cooperação
O novo Presidente militar, o General Jorge Rafael Videla, consciente da
superioridade econômica e militar do Brasil e da necessidade de aumentar a
capacidade negociadora da Argentina no cenário internacional, concluiu que as
relações com o Brasil eram prioritárias. Para tanto, deveriam ser removidos os
obstáculos existentes e ser perseguido o entendimento entre ambos, de modo que,
assim, as relações bilaterais avançassem rumo a patamares de maior colaboração.
Ilustrando essa determinação do governo militar argentino em alterar de forma
qualitativa seu relacionamento com o Brasil, foram tomadas duas medidas: o político
Oscar Camillión, bastante vinculado ao ex- Presidente Frondizi e personagem-chave
durante o encontro de Uruguaiana (1961), foi nomeado embaixador da Argentina,
em Brasília, e reiniciaram-se os trabalhos no âmbito da Comissão Especial
Brasileiro-Argentina de Coordenação (CEBAC), cujas atividades principais haviam
sido paralisadas em 1973.
Em dezembro de 1976, durante a VIII Reunião dos Chanceleres da Bacia do
Prata, em Brasília, o governo argentino propôs ao Brasil uma extensa agenda
negociadora, abarcando diversos temas das relações bilaterais, como o
aproveitamento hidrelétrico do rio Paraná. O Brasil acolheu a proposta, porém exigiu
a retirada da pauta de negociação, de todas as menções à temática do
aproveitamento hidrelétrico do rio Paraná. A atitude do Brasil fez com que o
desentendimento entre os dois países na sensível área do aproveitamento dos
recursos naturais da Bacia do Prata persistisse.
Entretanto, os militares nos dois países não viam com bons olhos a situação
das relações bilaterais naquele momento. As conjunturas regional e internacional
não se mostravam favoráveis, em especial para a Argentina, à manutenção de
contenciosos, como o referente ao aproveitamento hidrelétrico dos rios da Bacia do
Prata. Era, portanto, muito importante que o entendimento entre ambos fosse
atingido.
Em âmbito internacional, as duas ditaduras militares (argentina e brasileira),
em virtude de suas ações contra os direitos humanos e, principalmente, de seus
programas nucleares, passaram a ser alvo de sanções do governo democrata de
Jimmy Carter, nos Estados Unidos (suspensão de assistência militar e interrupção
107
na venda de material bélico), que temia a transformação dos dois países em
potências atômicas.
No plano regional, o governo argentino ainda enfrentava outros dois graves
problemas: a disputa com o Reino Unido pela soberania sobre as Ilhas Malvinas e as
diferenças com o Chile em torno da questão do Canal de Beagle que, na avaliação
do governo argentino, representavam ameaça muito maior ao país do que o Brasil.
Confirmando a maior preocupação argentina com o Chile, a ditadura argentina
realizou vultosos investimentos na criação de unidades e na construção de
instalações militares junto à fronteira chilena, além de haver deslocado efetivos
militares de unidades localizadas junto à fronteira com o Brasil.
Portanto, para a Argentina, mais que para o Brasil, era de fundamental
importância que fosse solucionado o contencioso de Itaipu-Corpus. As sanções dos
Estados Unidos e as tensões com o Reino Unido e com o Chile eram eventos de
grande significância e demandavam recursos e atenções que o governo argentino
mal tinha condições de atender. O aprofundamento dos desentendimentos com o
Brasil era algo que não era possível e tampouco viável sob aquele delicado cenário.
As negociações ocorreram entre meados de 1977 e outubro de 1979 e
envolveram tanto a esfera diplomática como a militar. Durante esse período, os
Exércitos dos dois países realizaram exercícios militares conjuntos, e foi
intensificado o deslocamento de tropas e equipamento bélico dos quartéis
argentinos localizados ao longo da fronteira com o Brasil, para aqueles localizados
junto à fronteira com o Chile (em 1978, os dois países estiveram prestes a enfrentar-
se) e ao litoral sul (em razão da proximidade das Ilhas Malvinas).
A assinatura do Acordo Tripartite Itaipu-Corpus, entre a Argentina, o Brasil e o
Paraguai, em 19 de outubro de 1979, resolveu as divergências entre a Argentina e o
Brasil sobre o aproveitamento hidrelétrico do rio Paraná. O acordo definiu as cotas
das represas, os parâmetros de navegação, a potência máxima das turbinas (12.600
MW para Itaipu, a potência desejada pelo Brasil), a vazão e a coordenação entre os
administradores das usinas, além de temas ambientais e outros, tamm relevantes.
O Acordo Tripartite foi decisivo para a normalização das relações entre a
Argentina e o Brasil. No dia seguinte à assinatura, o Palácio San Martín foi
autorizado a “retirar do congelador” todos os assuntos pendentes relacionados ao
108
Brasil. O referido “congelador” havia funcionado desde a década de 1960, nele
sendo armazenados todos os assuntos referentes ao Brasil (ROSELLINI, 2003).
O Itamaraty e o San Martín deram, então, icio a ativo trabalho conjunto. Os
diplomatas foram incumbidos de identificar os temas prioritários para uma nova
agenda de negociações entre o Brasil e a Argentina. Elegeram-se os seguintes:
energia, transportes, tecnologia aeroespacial, educação e cultura, telecomunicações
e o programa nuclear.
Com a solução dessa antiga controvérsia:
[...] não só se iniciou uma nova etapa na busca de um plano racional
e cooperativo nas relações bilaterais como, por outro lado, abriu-se o
caminho para a transformação da Bacia do Paraná, tradicional pivô
de controvérsias e disputas estratégicas na área, num dos grandes
projetos de ação conjunta e coordenada dos dois principais países
(acordo de que participou também o Paraguai) (CAMPBELL, 2000, p.
34).
Em novembro de 1979, dando prosseguimento ao clima de bom entendimento
inaugurado em outubro, o Presidente Videla convidou o Presidente João Baptista
Figueiredo a visitar Buenos Aires, o que foi prontamente aceito. O aceite de
Figueiredo, considerado a primeira manifestação concreta do novo patamar
alcançado pelas relações bilaterais após a assinatura do Acordo Tripartite Itaipu-
Corpus, desencadeou um intenso trabalho nas duas chancelarias, algo que não
ocorria há quarenta e cinco anos. Era a primeira vez, desde 1935
45
, que o Itamaraty
e o San Martín trabalhavam de modo coordenado na identificação de temas de
interesse comum, bases para os convênios a serem assinados pelos Presidentes
Videla e Figueiredo, durante o encontro presidencial de maio de 1980.
O Presidente Figueiredo permaneceu em visita a Buenos Aires entre 14 e 17
de maio de 1980. Durante sua estada foram assinados doze importantes atos
internacionais
46
(acordos, protocolos, memorandos de entendimento, convênios,
tratado e convenção), o que, dada a relevância dos temas, fez com que os dois
governos expressassem sua satisfação com o êxito do encontro.
O mais importante dos atos foi o Acordo de Cooperação para o
Desenvolvimento e a Aplicação dos Usos Pacíficos da Energia Nuclear, que permitia
45
Nesta data, os presidentes Getúlio Vargas e Augustin Justo encontraram-se em Buenos Aires.
46
Conforme a Divisão de Atos Internacionais do Ministério das Relações Exteriores brasileiro, um ato
internacional, qualquer que seja sua denominação deve ser formal, com teor definido, por escrito,
regido pelo Direito Internacional e que as partes contratantes são necessariamente pessoas jurídicas
de Direito Internacional Público.
109
à Argentina e ao Brasil, países não signatários do Tratado de Não-Proliferação de
Armas Nucleares (TNP), atingirem, mais rapidamente, o domínio do ciclo completo
da tecnologia nuclear, considerado de importância estratégica pelos dois governos.
No Acordo previa-se a assistência recíproca, o intercâmbio de técnicos e peritos, a
formação de grupos de trabalho mistos, a troca de informações, a pesquisa e o
desenvolvimento de tecnologia nuclear, a prestação de serviços, a produção
industrial de máquinas e equipamentos, além de outras áreas.
A assinatura desse Acordo significou um passo importante nas relações entre
os dois países, pois modificou a forma como o tema da energia nuclear vinha sendo
tratado. O sentimento de ameaça e a competição foram substituídos por um
ambiente de maior confiança e segurança entre ambos países (FRAGA, 1998a).
Outro importante convênio assinado e relacionado à questão nuclear foi o
relativo à cooperação entre a Comissão Nacional de Energia Atômica da República
Argentina (CNEA) e a Comissão Nacional de Energia Nuclear da República
Federativa do Brasil (CNEN). Nele estabeleciam-se os campos nos quais os dois
países cooperariam: a pesquisa básica e aplicada em diversos domínios, a
segurança nuclear, a avaliação de resíduos radioativos, aspectos legais e jurídicos,
informação nuclear e outros.
Na mesma ocasião foi assinado o Acordo que criou a Comissão Mista para a
construção da ponte sobre o rio Iguaçu, palco, cinco anos após, da assinatura da
Declaração de Iguaçu.
A Argentina e o Brasil assinaram ainda, em maio de 1980, atos relacionados à
sanidade animal, à interligação dos sistemas elétricos, ao aproveitamento dos
recursos hídricos compartilhados dos limítrofes do rio Uruguai e de seu afluente
Pepiri-Guaçu, à cooperação científico-tecnológica e à matéria tributária.
Dando prosseguimento à cordialidade nas relações bilaterais entre os dois
países, o General Roberto Viola, que substituiu o General Jorge Videla na
presidência argentina, definiu que seu primeiro encontro com um chefe de Estado
estrangeiro seria com o Presidente brasileiro, João Figueiredo, o que ocorreu em
Paso de los Libres, fronteira com o Brasil, em maio de 1981. Na ocasião, o
mandatário argentino reafirmou a disposição de manter e aprofundar as boas
relações com o Brasil. A nomeação de Oscar Camillión, ex-embaixador da Argentina
110
no Brasil, como chanceler, provocou reações positivas em Brasília, onde Camillión
gozava de grande prestígio e admiração.
A gestão Viola/Camillión diferenciou-se da anterior, Videla/Martinez de
Hoz/Pastor, por seu acento político no manejo das relações externas, ao invés de
centrar-se em temas econômicos, como seus antecessores.
A Guerra das Malvinas, em abril de 1982, durante a presidência do General
Leopoldo Galtieri, ofereceu nova ocasião para a reafirmação das boas relações
entre os dois países. Embora não concordasse com o método empregado – a ação
armada – o Brasil apoiou a causa argentina
47
.
A opção brasileira, a via da
neutralidade imperfeita, garantia o histórico apoio à Argentina (BANDEIRA, 1987).
Razões estratégicas tamm influenciaram a posição do Brasil, como questões de
segurança e a garantia de acesso ao continente antártico. O Brasil, além de fornecer
ajuda material e militar, assumiu a representação dos interesses argentinos na Grã-
Bretanha.
A guerra terminou no mesmo ano com a vitória da Grã-Bretanha. Na
Argentina, o General Galtieri foi substituído pelo General Reynaldo Bignone, a quem
coube conduzir a transição para a democracia. No período seguinte, o Brasil apoiou,
no âmbito da Organização das Nações Unidas (ONU) e da Organização dos Estados
Americanos (OEA), a causa argentina pelas ilhas.
A derrota argentina desencadeou alterações consideráveis na política
doméstica. Os militares, desacreditados em virtude da forte repressão exercida
sobre a população, das falsas informões fornecidas durante a Guerra das
Malvinas e do retumbante fracasso de sua política econômica, deixaram o poder.
A partir do apoio dado pelo Brasil à Argentina durante a Guerra das Malvinas,
começou a perder força, nas Forças Armadas brasileiras, a tese de que a Argentina
era um país rival, competidor ou mesmo inimigo. Processou-se, a partir daquele
momento, uma transformação na doutrina de segurança nacional (cujo
47
A posição do Brasil, de reconhecimento da soberania da Argentina sobre as Ilhas Malvinas, data de
1833. Naquele ano, após a invasão das ilhas pelo Reino Unido, o governo da província de Buenos
Aires, em nome da Confederação Argentina, posicionou o governo regencial brasileiro a respeito da
situação e solicitou-lhe apoio. A regência brasileira comunicou aos argentinos que enviara instruções
ao representante do Brasil, em Londres, para coadjuvar os esforços da Argentina com relação ao
tema. Esse importante precedente foi descoberto pelo diplomata brasileiro, João Hermes Pereira de
Araújo, que, entre os muitos postos ocupados durante sua carreira no Itamaraty, esteve o de
embaixador do Brasil na Argentina. O chanceler Ramiro Saraiva Guerreiro, munido dessas
informações, comunicou à Argentina que o Brasil, desde 1833, fora o primeiro país a reconhecer os
direitos argentinos sobre as Malvinas (ARAÚJO; RICÚPERO, 2004).
111
representante era o General Golbery do Couto e Silva), a qual identificava como
principal inimigo potencial, em âmbito regional, a Argentina (NUÑEZ, 2004).
Os acordos de Itaipu-Corpus, os atos assinados pelos dois países em 1980 e
a posição brasileira no conflito envolvendo a posse das Ilhas Malvinas constituíram-
se em iniciativas extremamente importantes para a conformação de uma atmosfera
de confiança entre a Argentina e o Brasil e para a superação da hipótese de
conflito
48
que, por muito tempo, contaminou as relações entre os dois países.
A hipótese de conflito foi um forte obstáculo ao desenvolvimento econômico
de certas regiões de ambos países. Ela impediu a construção de vias de
comunicação (ferrovias e rodovias) entre os dois países, pois, em ambos temia-se
uma invasão do inimigo. A hipótese de conflito militar da Argentina com o Brasil
desapareceu em fins da década de setenta, com a assinatura do Acordo de Itaipu-
Corpus (FRAGA, 1998a).
Diferentemente do ocorrido com o Chile, a Argentina e o Brasil nunca foram
inimigos, mas, sim, rivais e competidores. Fortalecida pelas ditaduras militares, a
rivalidade, até o final da década de 1970, afetou as possibilidades de
desenvolvimento regional, prejudicou o avanço da democracia, impediu a
cooperação frente aos problemas sub-regionais e hemisféricos, obstruiu a
conformação de um poder de negociação conjunto e reduziu a autonomia de ambos
os países nas discussões referentes aos grandes temas internacionais. A rivalidade
entre a Argentina e o Brasil obstaculizou o processo de integração do Cone Sul,
intensificou a concorrência pelo controle da Antártida e criou situações que levaram
ao desenvolvimento de programas nucleares secretos.
Assim, a superação da antiga cultura da rivalidade e da competição, cujas
bases foram assentadas com a assinatura do Acordo Tripartite Itaipu-Corpus, em
outubro de 1979, criou as condições necessárias para que, a partir da
redemocratização na Argentina (1983) e no Brasil (1985), fosse realmente possível
esboçar uma nova cultura, por meio da qual o outro passava a ser percebido em
48
Desde meados do século XX, os militares argentinos realizavam o planejamento de suas ações em
função das hipóteses de conflito, conceituadas como as previsões feitas com vistas a verificar quais
situações poderiam resultar em conflito bélico. O Brasil e o Chile foram tradicionalmente as duas
hipóteses de conflito da Argentina. A Argentina representou o mesmo para os dois países. Essas
hipóteses conviveram com a de conflito interno, dominante no pensamento militar no período entre o
fim da década de cinqüenta até o princípio dos anos oitenta (FRAGA, 1998a).
112
termos da amizade e da cooperação, bases para um futuro processo de integração
(RUSSEL; TOKATLIAN, 2003).
113
5 A DECLARAÇÃO DE IGUAÇU: A NOVA COOPERAÇÃO
ARGENTINO-BRASILEIRA
O processo de aproximação da Argentina e do Brasil, que culminou com a
assinatura, pelos Presidentes dos dois países - Raúl Alfonsín e José Sarney - em 30
de novembro de 1985, da Declaração de Iguaçu, teve início em outubro de 1979,
quando os governos militares de João Baptista Figueiredo e Jorge Rafael Videla
decidiram dar início a uma cooperação político-estratégica baseada em ações
concretas, como a resolução do contencioso relativo ao aproveitamento hidrelétrico
do rio Paraná e a cooperação nos campos da segurança e da energia nuclear.
Entre 1979 e 1985, o clima de crescente entendimento foi, paulatinamente,
afastando a onipresente hipótese de conflito que, por muitos anos, permeou as
relações bilaterais das duas mais importantes economias sul-americanas. Entre
dezembro de 1983 e janeiro de 1985, houve um interregno no qual conviveram uma
Argentina recém-redemocratizada e um Brasil em um processo de passagem de um
regime militar para um civil. Durante esse período, foi fundamental a ação das
diplomacias para a manutenção das relações bilaterais em níveis satisfatórios.
A partir de janeiro de 1985, quando os dois países passaram a ter governos
civis, embora apenas Alfonsín fosse eleito diretamente, estavam postas as
condições propícias para o início de uma vigorosa convergência política em torno de
objetivos comuns, como: a) a consolidação das democracias; b) a necessidade de
preservar a estabilidade político-estratégica regional; c) a urgência em redefinir
critérios de inserção internacional; d) a importância em resgatar a credibilidade junto
à comunidade econômica internacional; e) a necessidade de atuar de forma
coordenada perante problemas comuns a ambos, como o elevado endividamento
externo e o crescente protecionismo comercial dos países desenvolvidos e, f) a
urgência em encontrar alternativas à crise do modelo de desenvolvimento que, por
mais de cinco décadas, havia condicionado as duas economias, tanto no campo
econômico como na esfera político-diplomática, o nacional-desenvolvimentismo
(VAZ, 2002).
A cooperação, usualmente definida como um conjunto de relações que não
está baseado na coerção ou no constrangimento, mas, sim, legitimado pelo
consentimento mútuo dos intervenientes, não consistia em algo inédito na trajetória
114
da Argentina e do Brasil (DOUGHERTY; PFALTZGRAFF, 2003). No passado,
ambos os países apresentaram alguns momentos nos quais se verificou maior
convergência e cooperação (as relações entre Vargas e Perón, a estruturação da
ALALC e os Acordos de Uruguaiana, principalmente), no entanto, a tônica do
relacionamento bilateral, até 1979, fora a rivalidade e a desconfiança. A partir de
1979, a aproximação e a cooperação passaram a ser integradas por um conjunto
efetivo de ações e projetos negociados bilateralmente e destinados a reforçar e
garantir a confiança mútua. Entretanto, a construção de um efetivo processo de
integração das duas economias ainda era vista com certa suspicácia pelos governos
militares.
Os primeiros anos da década de 1980 testemunharam a ação coordenada
dos dois países em torno de temas importantes, como: a constituição da ALADI, o
firme apoio concedido pelo Brasil à Argentina durante a Guerra das Malvinas, as
discussões a respeito do endividamento externo e da crise econômica regional, entre
outros assuntos relevantes de ambas agendas.
A necessidade das duas economias darem início a um real processo de
integração foi apresentada, em Buenos Aires, no final de 1980, pelo economista
argentino Roberto Lavagna, que formulou um modelo de desenvolvimento e
inserção internacional para a Argentina, fundado na abertura econômica regulada,
na participação dos Estados e no estabelecimento de relações privilegiadas com os
países vizinhos, objetivando a complementaridade industrial e a cooperação em
áreas estratégicas, tais como energia, transportes, telecomunicações e comércio. O
Brasil despontava, em razão de seu vasto mercado e de seu grande e moderno
parque industrial, como a alternativa natural para o estabelecimento dessa parceria
estratégica. O modelo apresentado por Lavagna, considerado uma importante
alternativa para a superação da crise econômica que afetava de modo especial a
Argentina, tinha por objetivo a realização de vantagens mútuas, expressas na forma
de um mercado consumidor ampliado e na complementaridade dos parques
industriais. O mesmo constituiu, assim, a base dos acordos bilaterais que tiveram
início com a assinatura da Declaração de Iguaçu.
A partir do início de 1985, com o retorno de governos democráticos na
Argentina e no Brasil, tornou-se efetivamente possível a superação das dificuldades
relacionadas à comunicação das motivações e desejos entre os dois países,
115
criando-se as condições ideais para o intercâmbio de informações, de forma
transparente e eficaz, a respeito dos objetivos relacionados ao processo de
cooperação e integração que se pretendia desenvolver. Naquele momento, as
partes estavam convictas de que, ao agir de modo coordenado, seus ganhos seriam
superiores aos obtidos em ações de natureza unilateral e a pauta de temas das duas
agendas, cuja complexidade era crescente naquele momento, apenas encontraria
bom termo por meio da cooperação entre os dois países.
As negociações que conduziram à assinatura da Declaração de Iguaçu, em
novembro de 1985, resultaram da vontade política dos governos de iniciarem um
processo de cooperação econômica e político-estratégica. Coube aos governos o
papel de artífices principais do projeto de integração econômica cujo início formal
ocorreu em Foz do Iguaçu. As negociações foram conduzidas pelas diplomacias,
porém coadjuvadas por outras instâncias das estruturas governamentais, como os
Ministérios relacionados às áreas passíveis de ações conjuntas (Fazenda,
Agricultura, Transportes, Minas e Energia, Planejamento e Ciência e Tecnologia,
entre outros).
Os Presidentes Alfonsín e Sarney, comprometidos com a plena restauração e
consolidação dos regimes democráticos e com a criação de condições favoráveis a
uma melhor inserção dos dois países no cenário internacional, empreenderam
grande esforço na adaptação das respectivas políticas externas às novas condições
tanto do cenário internacional como do doméstico.
No caso argentino, a recuperação da credibilidade externa era considerada
fundamental para a solução dos problemas de natureza econômica, o que incluía a
desejada e necessária revitalização do parque industrial. O Brasil, por sua vez,
buscava preservar o sentido universalista de sua política externa, intensificando as
relações com os países desenvolvidos, buscando novos mercados e diversificando a
agenda externa, incluindo novos temas (direitos humanos e meio ambiente). Um
elemento era comum a ambas as políticas externas: a prioridade dada às relações
com os demais países latino-americanos (VAZ, 2002).
Havia, portanto, a compreensão, entre os negociadores argentinos e
brasileiros, da importância da cooperação para a “[...] consolidação de um projeto de
inserção internacional não-subalterno, bem como à modernização empresarial e das
estruturas produtivas” (MARIANO; VIGEVANI, 2000, p. 52). Assim, as negociações
116
protagonizadas pelos governos de Alfonsín e Sarney, que se iniciaram em 1985, a
partir de uma perspectiva desenvolvimentista, tinham por objetivo o fortalecimento
das duas economias, o que se acreditava seria obtido por meio da ampliação dos
mercados internos e da complementaridade industrial.
A análise do processo de cooperação e integração entre a Argentina e o
Brasil, iniciado em 1985, pelos Presidentes Raúl Alfonsín e José Sarney, cuja
expressão máxima foi a Declaração de Iguaçu, encontra fundamentação teórica nas
contribuições oferecidas ao estudo da integração regional pela escola
neofuncionalista.
O neofuncionalismo, utilizado para explicar o processo de integração da
Europa em seus primórdios (início da cooperação em torno de temas como o carvão,
o aço e a energia nuclear), enfatiza que os processos de integração devem ser
encaminhados e negociados por um núcleo funcional constituído pelos governos e
por funcionários especializados (burocracia de alto nível). Esses grupos têm a
incumbência de formular as estratégias políticas de cooperação e integração, além
de possuírem capacidade decisória. O núcleo teria, ainda, condições de obter apoio
e ampliar o processo ao passar aos políticos e aos grupos dirigentes das sociedades
envolvidas, a percepção de que a intensificação da cooperação resultaria em
maiores ganhos do que sacrifícios (MARIANO, 2000).
Um conceito de grande importância para o neofuncionalismo foi o de
ramificação ou spillover, o qual propugnava que, a partir do estabelecimento do
núcleo funcional (governo e burocracia especializada), o processo de cooperação
iria, sucessivamente, se expandindo (vertical e horizontalmente), abrangendo uma
quantidade cada vez maior e mais complexa de temas, gerando, igualmente,
questionamentos e reações entre os membros das sociedades envolvidas (políticos,
grupos dirigentes, entre outros), os quais passariam a procurar formas para inserir-
se e participar do processo. O crescente interesse da sociedade em participar do
processo acabaria forçando, segundo o neofuncionalismo, o estabelecimento de
uma burocracia (de caráter preferencialmente supranacional) especialmente voltada
à administração dos temas referentes à integração e dotada de capacidade de dar
respostas às crescentes demandas inerentes ao avanço do processo.
117
Segundo Mariano:
Os neofuncionalistas defendiam a idéia de que o spillover seria
obtido conforme os governos fossem capazes de garantir a
continuidade dos ganhos para os segmentos beneficiados porque
são estes que dão sustentação e apoio à continuidade da integração.
Ao mesmo tempo, deveriam elaborar políticas compensatórias para
aqueles que se sentem prejudicados, evitando assim sua
mobilização e oposição, que poderia criar empecilhos, dificultar o
andamento das negociações e limitar o aprofundamento do processo
(MARIANO, 2000, p. 18).
O pensamento neofuncionalista considera imprescindível a democratização
do sistema político para que um processo de integração possa obter êxito, uma vez
que sociedades democráticas garantem a participação plena dos mais variados
segmentos da sociedade civil no processo de integração, possibilitando o
aprofundamento do processo e facilitando sua irradiação e manutenção, criando as
condições para a ocorrência do spillover ou ramificação do processo.
A supranacionalidade surgiria, portanto, como resultado do aprofundamento
do processo de integração e do spillover.
O neofuncionalismo sempre esteve centrado na análise do início do processo
europeu de integração (período entre as décadas de 1950 e 1960). Seus teóricos
(Ernst Haas, Philippe Schmitter, entre outros) acreditaram que o processo ocorreria
de forma linear e progressiva, promovendo, de forma inevitável, o spillover. No
entanto, o curso da integração européia não apresentou a linearidade imaginada
pelos neofuncionalistas e, tampouco o spillover correspondeu às expectativas, tendo
ocorrido, por outro lado, o surgimento de uma estrutura institucional de caráter
supranacional, a qual, porém, por muito tempo demonstrou ser incapaz de dinamizar
a integração.
Entretanto, muitos de seus pressupostos podem ser encontrados nas
formulações iniciais da aproximação argentino-brasileira, iniciada em meados da
década de 1980 e da qual a Declaração de Iguaçu é parte fundamental. Conforme
os próprios Presidentes Sarney e Alfonsín, o modelo europeu de integração regional
era uma referência importante ao processo sub-regional que tinha início no Cone
Sul, em 1985. Os dois Presidentes visualizavam uma integração não apenas
econômica, mas política e cultural. Tal qual ocorrera na Europa com o carvão e o
aço, o projeto de Sarney e Alfonsín estipulava uma integração setorial, gradual, que,
118
num prazo de dez anos pudesse abarcar a totalidade dos setores mais importantes
das duas economias. (ALFONSÍN 2001; SARNEY, 2001).
A Declaração de Iguaçu, assinada em 30 de novembro de 1985, pelos
Presidentes do Brasil e da Argentina, foi resultado de rodadas de discussões e
negociações, cuja responsabilidade foi atribuída às chancelarias da Argentina e do
Brasil, as quais foram coadjuvadas por outras instâncias técnicas governamentais.
Além dos condicionantes e objetivos dessa aproximação, uma importante inovação
apresentada pela Declaração ao processo de cooperação e integração entre o Brasil
e Argentina foi o estabelecimento de uma estrutura institucional específica, cujas
atribuições eram o acompanhamento e a gestão do processo, algo com forte
semelhança ao núcleo funcional proposto pela teoria neofuncionalista.
Tratou-se da Comissão Mista, presidida pelos Ministros de Relações
Exteriores e integrada por representantes dos governos e das classes empresariais
dos dois países. Em virtude dos interesses econômicos envolvidos na desejada
cooperação, os empresários eram considerados peça-chave para conferir
dinamismo ao processo. A Comissão e as quatro Subcomissões a ela subordinadas
(Energia, Ciência e Tecnologia, Assuntos Econômicos e Comerciais e Transportes e
Comunicações) deveriam, em um prazo de seis meses, examinar e propor
programas e projetos capazes de fomentar a integração, porém, ao contrário do
núcleo funcional dos neofuncionalistas, a estrutura institucional criada pela
Declaração de Iguaçu não tinha autonomia decisória.
Pela primeira vez a sociedade civil estava integrada ao esforço
integracionista, o que foi considerado muito importante e positivo, em razão de
conferir maior dinamismo e autonomia ao processo (MARIANO; VIGEVANI, 2000).
Tal qual defendido pelos neofuncionalistas, a visão dos Presidentes da
Argentina e do Brasil, naquele momento, previa o estabelecimento, tamm, de uma
série de instâncias (com a participação dos governos e da sociedade civil) para
supervisionar, acompanhar e gerir a integração que se iniciava o que incluía uma
estrutura capaz de corrigir distorções e assimetrias, uma espécie de banco de
compensações (MARIANO, 2000).
A cooperação passou a ser vista, então, como um instrumento capaz de
solucionar problemas e necessidades específicas dos dois países, algo que, caso
119
fosse executado de maneira isolada, tinha escassas chances de êxito, em razão da
conjuntura econômica e política em vigor em meados da década de 1980.
Assentaram-se, portanto, as bases para a formação de uma “teia cooperativa”
ou ramificação ou spillover. Ou seja, quanto maior o êxito da cooperação em certo
contexto funcional, maior o incentivo à colaboração em outras áreas, tornando-se
possível, por meio de um processo de aprendizagem cooperativa, a substituição das
desconfianças mútuas entre a Argentina e o Brasil por um clima de crescente
confiança. Ernst Haas asseverou com relação ao conceito de ramificação, que "[...]
as decisões iniciais ramificam para novos contextos funcionais, envolvem sempre
mais pessoas, exigem sempre mais contatos e consultas entre burocracias que
procuram dar solução aos novos problemas que derivam dos compromissos
anteriores” (DOUGHERTY; PFALTZGRAFF, 2003, p. 653).
Em termos da Declaração de Iguaçu e seus resultados posteriores, foi
possível constatar que o sucesso obtido nas negociações realizadas em Foz do
Iguaçu resultou em um clima de crescente confiança e amizade entre os dois países,
que acrescentaram inúmeros novos temas à agenda bilateral. Os dois Presidentes
comprometeram-se a levar adiante um processo de integração baseado nas
seguintes premissas: a) criação de condições para a futura conformação de um
mercado comum, inicialmente entre a Argentina e o Brasil, porém, aberto a
negociações com os demais vizinhos sul-americanos; b) incremento do poder
político e da capacidade negociadora de ambos os países, o que seria obtido por
meio da institucionalização de um sistema de consultas bilaterais; c) busca da auto-
suficiência sub-regional em termos de insumos e matérias-primas e certos bens
industriais, como os bens de capital, essenciais à tarefa de modernização dos
parques industriais; d) a intensificação da cooperação científico-teconológica em
setores de ponta, como a biotecnologia, a informática e a energia nuclear
(ALFONSÍN, 2001).
Prova disso foi a assinatura, após o encontro de Foz do Iguaçu, pela
Argentina e pelo Brasil, de mais de trinta atos internacionais durante a vigência das
administrações de Sarney e Alfonsín (1985-1989)
49
. Percebe-se, portanto, que a
49
Entre esses atos, os mais relevantes para a efetiva cooperação e integração dos dois países foram:
as Declarações Conjuntas sobre Política Nuclear (cinco), a Ata para a Integração Brasileiro-Argentina
e seus 12 Protocolos (julho de 1986), o Programa de Integração e Cooperação Econômica e seus
Anexos e Protocolos (a partir de dezembro de 1986), a Ata de Amizade Brasileiro-Argentina
120
cooperação foi avançando, verticalmente e horizontalmente, sobre áreas e temas
diversos, em uma espécie de ramificação. Os rumos distintos tomados pelo
processo de integração entre os dois países após 1989 impediram o avanço do
processo sob essa lógica, inibindo qualquer possibilidade de surgimento de novas
formas de cooperação neofuncionalista entre ambos, inclusive a constituição de uma
estrutura institucional supranacional.
5.1 A Crise do Projeto Nacional-Desenvolvimentista na Argentina e no Brasil
A crise que se abateu sobre a Argentina, o Brasil e o restante da América
Latina, no início da década de 1980, teve raízes e condicionantes que
transcenderam as fronteiras desses países. A mesma apresentou conexão estreita
com dificuldades maiores e mais complexas, relacionadas ao funcionamento do
sistema capitalista mundial e de seu modelo econômico, as quais emergiram no final
da década de 1970, nos países desenvolvidos (Europa Ocidental, América do Norte
e Japão).
5.1.1 As origens da crise
O período compreendido entre a década de 1950 e o início dos anos setenta
foi chamado de Idade de Ouro do Capitalismo. Durante esses anos, vários
indicadores econômicos dos países industrializados apresentaram performance
muito positiva. As taxas de desemprego
50
e de inflação
51
mantiveram-se baixas, o
PIB apresentou crescimento sustentado
52
, os salários reais cresceram assim como a
produção industrial e o consumo (BEM, 2003).
(dezembro de 1986), o Tratado de Integração, Cooperação e Desenvolvimento (novembro de 1988) e
uma série de documentos firmados em Uruguaiana, em agosto de 1989, a respeito de temas de
absoluta importância, como a venda de gás natural argentino ao Brasil, a futura construção da ponte
São Borja-Santo Tomé e a cooperação espacial, entre outros.
50
Entre 1952 e 1973, a taxa de desemprego média observada nos Estados Unidos situou-se em
aproximadamente 5%; no Reino Unido 2,5% (1952-1964) e 3,2% (1965-1973); França 1,7% (1952-
1964) e 2,4% (1965-1973) e Alemanha 2,7% (1952-1964) e 0,8% (1965-1973) (BEM, 2003, p.57).
51
A taxa de crescimento médio dos preços ao consumidor, entre 1950 e 1973, nos seguintes países
foi: Estados Unidos 2,7%; França 5,0%; Reino Unido 4,6% e Alemanha 2,7% (BEM, 2003, p.57).
52
A taxa de crescimento médio do PIB, entre 1953 e 1973, nos seguintes países foi: Estados Unidos
2,2%; França 4,1%; Reino Unido 2,5% e Alemanha 5,0% (BEM, 2003, p.57).
121
No entanto, estudos da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento
Econômico (OCDE) mostravam que, já no início da década de 1970, eram
perceptíveis sinais de deterioração da produtividade do capital e da mão-de-obra
nos países industrializados. A revolução tecnológica de meados dos anos setenta, e
tamm o processo de exportação de capitais ocorrido no mesmo período, com
vistas à recuperação da produtividade do capital, foram respostas a essa crise. A
introdução de mudanças tecnológicas nos países industrializados teve êxito na
recuperação da produtividade dos fatores e criou condições ao início da fase de
concorrência tecnológica entre tais países. A partir daí a difusão das mudanças
tecnológicas, orientadas por condições sociais e por decisões econômicas de
rentabilidade, incrementou-se cada vez mais (BEM, 2003).
Em meados da década de 1970, implantava-se, assim, nos países
industrializados, um novo modelo técnico-econômico baseado no desenvolvimento
de novas tecnologias, novos produtos e de novos processos de fabricação. As
principais áreas revolucionadas por esse processo foram: a microeletrônica, a
biotecnologia, os novos materiais, o processamento e a transmissão de dados e a
área de automação industrial. Surgiram, conjuntamente, novas técnicas gerenciais,
novas formas de organização industrial e novas estratégias mercadológicas.
As modificações decorrentes do novo modelo levaram a alterações na
indústria dos países desenvolvidos, implicando em modernização, relocalização e
racionalização de plantas e processos industriais. As dificuldades à adaptação ao
novo modelo, aliadas a atrasos nos incrementos de produtividade, no caso dos
Estados Unidos, resultaram na elevação generalizada das taxas de desemprego,
redução do crescimento econômico, queda dos salários reais e dificuldades para a
manutenção do estado de bem-estar ou Welfare State, configurando quadro de
desaceleração da atividade econômica entre os países desenvolvidos no final da
década de 1970
53
.
É importante acrescentar que, tamm, no final da década de 1970, em
virtude do aumento da tensão política no Oriente Médio, os preços internacionais do
petróleo apresentaram tendência de alta. O preço do barril praticado pelos países
53
As taxas médias de crescimento do PIB dos Estados Unidos e da Alemanha nos seguintes
períodos foram respectivamente: 3,8% e 3,7% (1978-1979) e 0,9% e 0,8% (1980-1981). As taxas de
desemprego nos mesmos países e em igual período foram: 6,0% e 4,6% (1978-1979) e 7,4% e 4,2%
(1980-1981) (BEM, 2003, p.68).
122
membros da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP) aumentou
de US$ 13,00, em meados de 1978, para US$ 32,00 no final de 1980 (BEM, 2003,
p.70). Os efeitos sobre as economias dos principais países desenvolvidos foram
negativos. Porém, a resposta dos diferentes governos, em especial o da maior
economia, os Estados Unidos, foi mais rápida e efetiva, resultando em um menor
impacto econômico sobre esses países, diferente do ocorrido à época do primeiro
choque do petróleo, em 1973, quando as taxas médias de crescimento do PIB para
o período 1974-1975 foram negativas nos Estados Unidos (-0,9%) e na Alemanha (-
0,6%) (BEM, 2003, p. 68).
Um fundamental fator que veio a contribuir ao forte crescimento da dívida
externa da Argentina, do Brasil, e do conjunto de países em desenvolvimento
54
e,
tamm, para a deterioração da situação econômica dos mesmos foi a brusca
elevação das taxas de juros internacionais, ocorrida a partir de 1980, e apoiada
pelos Estados Unidos, ávidos por recursos financeiros para solucionar seu crescente
déficit fiscal, fruto, principalmente, dos elevados gastos em defesa praticados por
aquele país
55
.
A partir de 1980 teve início, então, a chamada crise da dívida externa dos
países em desenvolvimento. A primeira crise ocorreu em 1981, quando a Polônia
reconheceu sua incapacidade de cumprir as obrigações decorrentes de seu
endividamento e solicitou a renegocião de seus débitos. O México fez o mesmo
em 1982. Outros países como o Brasil e a Argentina
56
tamm enfrentavam
dificuldades para equilibrar suas contas externas, fragilizadas em virtude dos
crescentes déficits em conta corrente em seus balanços de pagamento.
Em 1985, o Secretário do Tesouro dos Estados Unidos, James Baker, reuniu
os principais devedores internacionais (Brasil, Argentina, México e outros) e técnicos
do FMI, do Banco Mundial e dos principais bancos privados. Na ocasião, foi
54
A dívida externa total dos países em desenvolvimento chegava a US$ 130,1 bilhões à época do
primeiro choque do petróleo, 1973. Quando ocorreu o segundo choque, 1979, o montante já atingia
US$ 504,7 bilhões. Em 1982, aumentou para US$ 780,9 bilhões e, em 1985, atingiu US$ 953,8
bilhões (BEM, 2003, p.69).
55
Entre 1970 e 1980, os gastos com defesa superaram os 20% dos gastos totais do governo dos
Estados Unidos, com pico de 28,11% em 1973. Em 1980, o percentual ainda era elevado, 21,16%
(BEM, 2003, p.72).
56
Os dois países recorreram aos organismos internacionais de crédito por diversas vezes até 1985
com vistas a negociar acordos referentes às dívidas externas. A Argentina selou acordos com o FMI
em 1983, 1984 e 1985, e o Brasil assinou acordos com o Banco Mundial (1984) e também com o FMI
(1983 e 1984) (BEM, 2003).
123
elaborada uma estratégia que contemplava um conjunto de reformas estruturais que
se acreditava serem necessárias para a superação das dificuldades e a retomada do
desenvolvimento econômico no longo prazo. O Plano Baker, como ficou conhecido,
recebeu o apoio dos governos de Raúl Alfonsín e José Sarney. Embora
considerassem o Plano um passo à frente, os dois Presidentes defendiam que, para
alcançar os resultados desejados, deveriam ser previstas alternativas como a
redução das taxas de juros internacionais e a abertura de mercados para os
produtos latino-americanos (CONFERÉNCIA; ENTREVISTA, 1985).
A crise vivida pela América Latina no início da década de 1980 constituiu-se
na crise final do Projeto Nacional-Desenvolvimentista. O Estado chegou ao final de
1979 sob forte tensão econômica (BEM, 2003). A dívida externa contraída para
financiar o processo de industrialização substitutiva de importações atingiu
patamares extremamente elevados; não havia capacidade de geração de poupança
interna capaz de dar seguimento aos investimentos; os déficits em conta corrente do
balanço de pagamentos eram crescentes e a inflação e as taxas de juros elevadas.
Esse conjunto de fatores levou à interruão da trajetória de crescimento econômico
em toda a América Latina, algo que no Brasil, a maior e mais industrializada
economia da região, não acontecia desde 1942.
5.1.2 A crise do projeto nacional-desenvolvimentista na Argentina e no Brasil
No início da década de 1980, a situação econômica da Argentina e do Brasil
agravou-se. A década anterior fora marcada pelos dois choques do petróleo e pela
emergência de um novo modelo técnico-econômico. Novos padrões de
competitividade passaram a vigorar na economia mundial. Ambos países não
possuíam recursos tecnológicos e financeiros para competir no mercado
internacional. Além disso, ocorreu uma importante redução no consumo mundial de
algumas matérias-primas, como o alumínio, o cobre, o estanho, o minério de ferro, o
chumbo e o níquel, afetando as economias dos dois países e de outros da América
Latina, grandes produtores e exportadores de bens dessa natureza.
O agravamento da situação econômica da Argentina e do Brasil, também, foi
resultante dos compromissos assumidos por esses países com o sistema financeiro
124
internacional durante a década de 1970
57
para cobrir seus déficits em conta corrente
e para não interromper os Planos Nacionais de Desenvolvimento Econômico (PND)
em andamento, como o II PND de Ernesto Geisel no Brasil. Tais planos exigiam
elevados investimentos públicos em áreas prioritárias para garantir a conformação
de um ambiente propício para o desenvolvimento: rodovias, ferrovias, portos,
aeroportos, energia, telecomunicações, saneamento, habitação, além de complexos
industriais estratégicos à complementação da matriz industrial (a siderurgia, a
química e a petroquímica).
QUADRO 1
Dívida externa total da Argentina e do Brasil – (1970 -1985) (em US$ bi)
Ano Argentina Brasil
1970 5,0 5,73
1975 7,0 27,33
1980 27,0 71,52
1985 50,0 103,6
Fonte: Oxford Latin American Economic History Database (http://oxlad.qeh.ox.ac.uk/search.php)
Entre 1970 e 1985, a dívida externa brasileira incrementou-se em 1.717%,
enquanto a da Argentina em 900%, e no período 1980-1985, esta aumentou 85,2%,
e a brasileira 44,9%. Outra observação em termos da trajetória das dívidas externas
dos dois países diz respeito ao período 1970-1975, quando ocorreu pequena
variação na dívida argentina e forte elevação na brasileira. Naquele momento, o
Brasil implementava sua estratégia nacional de desenvolvimento econômico (os
PNDs) a plena velocidade, enquanto a Argentina crescia a taxas mais modestas.
No Brasil, entre 1940 e 1985
58
, o crescimento econômico foi, praticamente,
ininterrupto – ocorrendo taxas negativas de crescimento do PIB apenas em 1942,
1981 e 1983. O desempenho da economia argentina, entretanto, foi marcado pela
instabilidade, alternando taxas de crescimento fortemente positivas em alguns
períodos, acompanhadas de expressivas quedas em outros.
57
Em virtude dos dois choques do petróleo, o aumento no faturamento com a venda do mineral, pelos
países membros da OPEP, gerou grande excesso de liquidez no sistema financeiro internacional,
dando origem aos chamados “petrodólares”. As grandes somas de recursos disponíveis para
empréstimos, e as baixas taxas de juros então praticadas tornavam o endividamento externo uma
alternativa interessante para o financiamento do desenvolvimento econômico em países como o
Brasil e a Argentina.
58
Conforme dados da CEPAL e do Banco de Dados do Departamento de História da América Latina
da Universidade de Oxford.
125
-10,0
-5,0
0,0
5,0
10 , 0
15 , 0
Anos
Taxas anuais em (%)
Argentina Brasil
GRÁFICO 1 - Argentina-Brasil: Taxas anuais de variação do PIB (1940-1985)
Fonte: CEPAL (1978, p. 25-29); CEPAL (1986, p. 143)
5000
25000
45000
65000
85000
105000
Milhões US$
PIB Argentina PIB Brasil
GRÁFICO 2 - PIB Argentina-Brasil (valores absolutos) 1950-1985
Fonte: Oxford Latin American Economic History Database (http://oxlad.qeh.ox.ac.uk/search.php)
Os dados do Gráfico 1 mostram, claramente, a diferença de desempenho das
economias do Brasil e da Argentina no período 1940-1985. A economia argentina
126
apresentou, alternadamente, taxas positivas e negativas de crescimento, cuja
explicação pode ser encontrada, em parte, na forte instabilidade política
experimentada pelo país, que, entre 1940 e 1985, teve vinte Presidentes - civis e
militares. A comparação da performance das economias brasileira e argentina nesse
período mostra o PIB argentino com desempenho negativo em 13 ocasiões. No
Brasil, pelo contrário, tal situação apenas ocorreu em três momentos, sendo dois
deles já em plena vigência da forte crise econômica da década de 1980, em 1981 e
1983.
O Gráfico 2 ilustra as trajetórias das duas economias, permitindo que se
observe o momento da forte arrancada brasileira, a partir do final da década de
1960, e o crescimento mais modesto e posterior declínio da economia argentina. A
partir de então, a distância entre a Argentina e o Brasil incrementou-se e, em 1985, o
PIB brasileiro chegou a ser quase três vezes superior ao argentino.
O rompimento da Argentina com o projeto Nacional-Desenvolvimentista e o
início de um período marcado por forte instabilidade política, econômica e social, que
repercutiu fortemente no desempenho da indústria do país, ocorreram a partir de
1975, com o lançamento do Rodrigazo, choque de liberalização econômica adotado
pelo governo de Maria Estela Perón
59
. O Plano enfrentou forte resistência dos
sindicatos, a inflação recrudesceu e o PIB, que vinha apresentando taxas positivas
de crescimento desde 1964, recuou 1,4% em 1975 (CEPAL, 1978), precipitando a
crise que levou ao golpe militar de 1976, quando assumiu o poder o General Jorge
Videla, que nomeou para a pasta da Economia Martinez de Hoz, Ministro
responsável pela intensificação da liberalização da economia argentina (PORTA,
2004).
Entre 1976 e 1983, houve períodos em que as taxas de crescimento do PIB
argentino foram fortemente positivas. Concomitantemente, processava-se importante
transformação na estrutura industrial da Argentina, o que levou o “coração” industrial
59
O "Rodrigazo" consistiu em um plano de ajuste econômico elaborado pelo Ministro de Economia
Celestino Rodrigo, pelo Vice-Ministro de Economia e banqueiro, Ricardo Zinn e pelo Ministro de Bem-
Estar Social, José Lopez Rega. Foi lançado em 04/06/1975, momento em que a Argentina vivia uma
situação política caracterizada por um “vazio de poder em virtude da morte de Juan Perón em 1974,
e a inflação atingia taxas muito altas, próximas a 100% ao ano. As medidas adotadas pelo plano
foram: a desvalorização do peso, a majoração das tarifas públicas e dos combustíveis (as tarifas
elétricas subiram entre 50 e 75% e a gasolina até 181%) (EL RODRIGAZO, 2005).
127
– as indústrias metalúrgica, mecânica, de material de transporte, química e
petroquímica – a sucumbir a partir da entrada em vigor da política econômica do
governo militar (1976), a qual estava a cargo de Martinez de Hoz e sua equipe e
cujas características mais marcantes foram: a adoção de taxas de juros muito
elevadas, a extinção de subsídios e programas governamentais de apoio à atividade
industrial e a promoção de uma abertura comercial indiscriminada (PORTA, 2004).
A parcela do parque industrial argentino voltado ao mercado interno
(produção de bens de consumo duráveis e não-duráveis) não suportou o brusco e
indiscriminado processo de liberalização. Ocorreu uma sensível redução no número
de empresas industriais e no total de trabalhadores na indústria a partir de 1976. Em
1974, havia 126.388 estabelecimentos industriais na Argentina. Em 1985, eram
109.376, ou seja, uma redução de 13,5%. No tocante ao total de trabalhadores na
indústria, em 1974, havia 1.525.257 pessoas empregadas em estabelecimentos
industriais na Argentina; montante que se reduziu para 1.373.173 em 1985, 10% a
menos (CENTRAL DE LOS TRABAJADORES ARGENTINOS, 2006).
O mesmo modelo gerou, todavia, algumas experiências industriais exitosas,
como a industrialização de commodities para exportação. A performance obtida por
tais setores foi a justificativa para as taxas positivas de crescimento do PIB total, e
do PIB industrial apresentado em alguns períodos pela Argentina entre 1976 e 1983
(Quadro 2). Porém, elas não foram suficientes para dinamizar a economia
doméstica, constituindo-se num enclave moderno imerso em um setor
completamente desestruturado.
A economia argentina, e especialmente sua indústria, experimentaram um
declínio de grandes proporções, em comparação com outras economias regionais,
especialmente a partir de meados da década de 1970, momento caracterizado pela
forte instabilidade econômica, política e social. A tomada do poder pelos militares,
em 1976, e a posterior adoção de política econômica de cunho liberal, alargou ainda
mais a distância entre seu desempenho e o do Brasil, seja em termos de PIB total
como de PIB industrial. Enquanto a economia do Brasil seguia em ritmo de franco
crescimento, alicerçada em elevados investimentos públicos em infra-estrutura e na
indústria de base (indústria química e petroquímica, siderurgia, entre outras); e
privados (em outros segmentos industriais, porém com o apoio dos órgãos públicos
de fomento), a Argentina via sua indústria encolher (Quadro 2 e Gráfico 3), a
128
distribuição de renda piorar, o consumo dostico recuar fortemente, os empregos
desaparecerem e a tensão social atingiu níveis assustadores para um país que
sempre fora uma “exceção” na América Latina, em termos de seus elevados
indicadores sociais e econômicos.
No Brasil, a partir de 1975, a indústria manteve sua trajetória de crescimento,
embora a taxas inferiores às alcançadas durante o período do “Milagre”, no início da
década de 1970. O desempenho industrial do país apenas arrefeceu em 1981, com
o ápice da crise do endividamento externo (Quadro 2 e Gráfico 3).
QUADRO 2
Argentina-Brasil - Taxas de crescimento do PIB Industrial 1970-1985 (%)
Anos ARGENTINA BRASIL
1970 6,1 11,9
1971 6,1 15,2
1972 4,0 14,6
1973 4,0 16,1
1974 5,9 8,4
1975 -2,6 4,5
1976 -3,0 12,9
1977 7,8 2,9
1978 -10,5 7,1
1979 10,0 6,7
1980 -3,6 7,6
1981 -15,8 -6,4
1982 -5,1 0,2
1983 10,2 -6,3
1984 3,8 6,2
1985 -10,3 8,3
Fonte: HIRST (1990, p. 61-67).
129
-20,0
-15,0
-10,0
-5,0
0,0
5,0
10 , 0
15 , 0
20,0
Anos
Taxas anuais em (%)
Argentina Brasil
GRÁFICO 3 - PIB Industrial Argentina-Brasil - Taxas de crescimento 1970-1985 (%)
Fonte: HIRST (1990, p. 61-67)
As marcadas diferenças em termos de desempenho do PIB industrial
verificadas entre a Argentina e o Brasil no período 1970-1985 (Quadro 2 e Gráfico 3)
ilustram as distintas visões dos militares dos dois países em relação ao tema da
industrialização e do desenvolvimento econômico. Enquanto a ditadura militar
brasileira jamais abandonou a estratégia de desenvolvimento que tinha entre seus
alicerces a industrialização, tal qual defendera a CEPAL, os argentinos, imbuídos de
um marcado sentimento antiperonista e contando com o apoio da oligarquia
argentina (historicamente uma férrea defensora do retorno ao modelo baseado na
agroexportação e no livre comércio, o qual regeu a vida econômica argentina até
1930), concluíram que a forma mais eficaz de debilitar os sindicatos de
trabalhadores e o próprio peronismo seria por meio da redução da população
operária, o que seria obtido pela via da destruição do parque industrial argentino. Foi
o que o Processo de Reorganização Nacional pôs em marcha a partir de 1976,
promovendo a desindustrialização da economia argentina, algo constatável nos
números do desempenho da indústria do país, em especial a partir de1976 (GULLO,
2005).
130
A perda de dinamismo e a redução da importância da indústria argentina
tornam-se ainda mais visíveis a partir da comparação de seu desempenho com o da
indústria brasileira (Gráfico 4).
0,0
5000,0
10000,0
15000,0
20000,0
25000,0
30000,0
35000,0
Milhões de US$ a preços constantes de 1970
ARGENTINA BRASIL
GRÁFICO 4 - Argentina-Brasil PIB industrial 1946-1985 (US$ mi)
Fonte: CEPAL (1978, p. 56-60); CEPAL (1986, p.165)
Em 1946, a Argentina representava 25% do PIB latino-americano e havia sido
responsável por mais de 33% de toda a produção industrial da região. Era naquele
momento, a maior economia regional (CEPAL, 1978, p.56). Em 1959, o PIB
industrial do Brasil superou o da Argentina e, a partir da década de 1970, a diferença
entre ambas economias se acentuou de modo notável a favor do Brasil (Gráfico 4).
A perda de importância relativa da indústria argentina em relação ao PIB total
do país torna-se ainda mais evidente quando comparada com a situação em outros
países latino-americanos (Quadro 3). Apenas a indústria chilena teve perda superior
à da argentina em relação ao PIB total. Há que estabelecer, todavia, algumas
distinções entre as estruturas industriais de cada país na década de 1970. A
Argentina possuía um setor industrial maior, mais avançado e dotado de uma
estrutura diversificada, resultado de décadas de investimentos, aproximando-se das
economias do México e do Brasil. O Chile, por sua vez, possuía um parque industrial
131
menos sofisticado e de menores dimensões. Em 1975, os PIBs industriais argentino,
brasileiro, chileno e mexicano representavam, respectivamente, 18,7%, 35,7%, 2,9%
e 24% do PIB industrial latino-americano (CEPAL, 1978, p.60). Portanto, a situação
da Argentina, de franco declínio a partir de 1975, configurava-se como muito grave,
dadas as dimensões e a importância de seu complexo manufatureiro em âmbito
latino-americano (embora não detivesse mais o posto de maior economia industrial
da América Latina - posto ocupado até 1959, quando foi ultrapassada pelo Brasil).
QUADRO 3
Participação (%) do PIB industrial no PIB total - Países selecionados (1970-1985)
País 1970 1975 1980 1985
Brasil
26,2 27,9 28,7 26,4
Argentina
27,0 27,8 25,0 23,5
México
22,1 22,7 23,0 22,6
Chile
24,5 21,0 21,4 20,1
Fonte:CEPAL (1986, p. 166)
Um importante indicador do dinamismo econômico de um país é a sua taxa
de formação bruta de capital em relação ao PIB
60
. Quanto mais elevado for esse
percentual, maiores serão as taxas de crescimento da economia em seu conjunto.
No Brasil, entre 1960 e 1980, essas taxas foram elevadas, refletindo a
importância dada à construção de uma base industrial complexa e diversificada, e da
infra-estrutura para alavancar o desenvolvimento econômico do país. Em 1985, em
plena crise do nacional-desenvolvimentismo, essa taxa foi de 16% (Quadro 4). O PIB
industrial do país tamm interrompeu sua trajetória ascendente, a partir de 1981,
refletindo a expressiva redução dos investimentos e a deterioração da situação
econômica do Brasil (Gráfico 4).
QUADRO 4
Argentina-Brasil - Formação bruta de capital: Participação (%) no PIB (1960-1985)
Ano 1960 1970 1975 1980 1985
Argentina
20,8 21,3 20,3 22,9 11,5
Brasil
24,8 25,6 32,1 27,5 16,0
Fonte: LERDA; MUSSI (1987, p. 63).
60
A taxa de formação bruta de capital em relação ao PIB consiste no montante de recursos aplicados
pela iniciativa privada e pelos governos com vistas à ampliação da capacidade produtiva e à criação
da infra-estrutura adequada para o desenvolvimento econômico (telecomunicações, rodovias,
ferrovias, portos, aeroportos, energia e saneamento básico, entre outras áreas) em relação a seu PIB
total.
132
Na Argentina, entre 1960 e 1980, a taxa de formação bruta de capital em
relação ao PIB total, oscilou em torno de 20%, o que explica o pequeno crescimento
da economia do país até 1980 e o alargamento da diferença entre as economias
argentina e brasileira. A grave situação econômica e política da Argentina, após
1980, teve reflexo na confiança dos investidores, que reduziram de forma expressiva
seus dispêndios. O setor público, igualmente, diminuiu seus gastos, o que resultou
em uma taxa de investimento/PIB, em 1985, de apenas 11,5% (Quadro 4).
As estruturas da produção industrial no Brasil e na Argentina, a partir da
década de 1970, refletiram as decisões de política econômica dos governos dos dois
países, demonstrando as diferentes opções feitas pelas duas ditaduras militares.
5.1.2.1 As estruturas industriais da Argentina e do Brasil (1970-1985)
O Brasil, após anos de intenso crescimento econômico financiado,
basicamente, por meio de endividamento externo construiu uma estrutura industrial
diversificada e completa, representando, em 1976, 38% do PIB industrial latino-
americano
61
. Entre 1970 e 1985, indústrias como a química, de plásticos, a
metalurgia, a mecânica, de material elétrico e de material de transporte - gêneros
industriais intensivos em capital e tecnologia e com amplo potencial de dinamização
do tecido industrial - experimentaram crescimento significativo (Quadro 5). Estes
segmentos industriais ocuparam o espaço de indústrias tradicionais, intensivas na
utilização do fator trabalho e com menor capacidade de difusão de inovações
tecnológicas, como a de tecidos, de artigos de vestuário, de bebidas, de madeira e
móveis, de minerais não-metálicos e a indústria alimentícia. A indústria brasileira,
embora tivesse reduzido seu ritmo de crescimento, em função da crise pela qual
passavam os países latino-americanos à época, chegou a 1985 ostentando o título
de campeã regional nos quesitos porte, diversificação, sofisticação e dinamismo.
61
CEPAL (1978, p.60).
133
QUADRO 5
Estrutura da produção industrial brasileira (% do valor da produção) 1970-1985
Gêneros/Grupos
Industriais
1970 1975 1980 1985
Madeira-Mobiliário
4,07 3,67 3,54 2,35
Couros e peles
0,66 0,49 0,49 0,60
Têxtil-Vestuário
12,67 5,33 10,40 10,11
Alimentos
20,21 16,36 14,05 15,81
Bebidas
1,88 1,28 1,07 1,06
Minerais não-
metálicos
4,17 4,06 4,25 3,02
Metalurgia
12,47 13,46 13,90 13,99
Papel-papelão
2,44 2,37 2,72 2,81
Química e plásticos
12,54 22,27 21,57 22,80
Mecânica
5,70 8,02 7,69 6,85
Material elétrico
4,71 5,06 5,26 5,80
Material de transporte
8,20 9,07 7,94 7,43
Outros
10,28 8,56 7,12 7,37
Total
100,0 100,0 100,0 100,0
Fonte: BONELLI; GONÇALVES (1998, p.5)
A indústria argentina, ao contrário, sofrera quedas significativas,
principalmente após 1975, o que resultou em sensíveis alterações na estrutura da
produção de sua indústria. Setores industriais nos quais predominavam as pequenas
e médias empresas de capital nacional e com forte potencial para geração de postos
de trabalho - têxtil, vestuário, mecânica, material elétrico e material de transporte –
diminuíram sua participação na formação do produto industrial total (Quadro 6). As
indústrias de alimentos e bebidas, nas quais se encontravam os enclaves modernos
- os setores exportadores de bens primários (principalmente cereais, soja, carnes e
lã) - aumentaram sua participação (PORTA, 2004). Igualmente, a indústria química,
liderada pela indústria petroquímica, tamm experimentou aumento considerável de
participação no produto industrial argentino entre 1970 e 1985.
Os setores cuja participação elevou-se consideravelmente no período 1970-
1985, caso do metalúrgico e do químico, apresentaram certas especificidades. No
primeiro, os segmentos que obtiveram os maiores ganhos no período foram os
dominados por grandes empresas produtoras de aço e alumínio e, na indústria
química foram os de refino de petróleo e a produção petroquímica. Ambos setores,
desenvolvidos por grandes empresas e intensivos na utilização de capital, geravam
poucos postos de trabalho.
134
QUADRO 6
Estrutura da produção industrial argentina (% do valor da produção) 1970-1985
Gêneros/Grupos
Industriais
1970 1975 1980 1985
Madeira-Mobiliário
1,91 1,80 1,64 1,10
Couros e peles
0,88 0,78 0,70 0,74
Têxtil-Vestuário
11,35 10,81 8,50 7,04
Alimentos
14,11 12,95 13,87 16,33
Bebidas
4,70 4,93 4,54 5,16
Minerais não-metálicos
4,94 4,77 4,72 3,40
Metalurgia
11,91 12,77 13,17 13,87
Papel-papelão
2,17 2,31 2,00 2,32
Química e plásticos
16,66 15,46 16,64 21,00
Mecânica
4,73 5,31 5,78 3,36
Material elétrico
3,61 3,68 3,10 2,74
Material de transporte
8,40 7,86 9,00 6,16
Outros
14,63 16,57 16,34 16,78
Total
100,0 100,0
100,0 100,0
Fonte: Elaborado pelo autor com base em dados disponíveis em KATZ; KOSACOFF (1989, p. 86-89)
Outra importante característica desse novo desenho da produção
manufatureira da Argentina após 1975, conforme os Censos Econômicos de 1973 e
1984 (CENTRAL DE LOS TRABAJADORES ARGENTINOS, 2006), dizia respeito à
crescente concentração da produção em menor número de empresas e a um
processo de desconcentração regional da indústria, cujos redutos tradicionais eram
as províncias de Buenos Aires, Córdoba e Santa Fé. Emergiram novos centros
produtores de manufaturados em províncias sem nenhuma tradição na área, como
Tucumán,Tierra del Fuego e outras. Nestas, em virtude da ausência de uma cultura
industrial, não havia a presença de sindicatos de trabalhadores atuantes. O plano
contemplava, portanto, o esvaziamento das tradicionais regiões industrializadas,
onde a produção além de reduzida passava a ocorrer em instalações com menor
necessidade de trabalhadores. As indústrias metal-mecânica, têxtil e de produtos de
vestuário, instaladas em especial na região de Buenos Aires e arredores e
constituídas basicamente por pequenas e médias empresas e com forte potencial
gerador de empregos, foram as mais afetadas.
A política econômica levada a cabo pelos militares argentinos, a partir de
1976, resultou, portanto, na desindustrialização da economia do país, cujos
indicadores mais representativos foram: a queda superior a 20% no produto
industrial argentino entre 1975 e 1982; a redução da participação da indústria no PIB
135
total em mais de quatro pontos percentuais entre 1975 e 1985; o fechamento de
empresas; o desemprego de milhares de trabalhadores e a conseqüente
desarticulação de sindicatos e organizações operárias e a queda no nível de
investimento industrial (KOSACOFF; AZPIAZU, 1989).
A Argentina era, em 1985, a terceira economia industrial da América Latina,
atrás do Brasil e do México, situação muito diferente da experimentada pelo país
décadas antes, quando era o mais poderoso da América Latina.
5.1.2.2 A Argentina e o Brasil no comércio internacional
A Argentina e o Brasil, tamm, apresentaram notáveis diferenças em suas
performances no cenário comercial internacional entre 1950 e 1985.
Até o final da década de 1960, os dois países haviam tido volumes de
exportações e importações semelhantes, com pequena vantagem brasileira. No
entanto, a partir da década de 1970, a diferença se ampliou consideravelmente. No
Brasil, a emergente produção industrial, fruto de fortes investimentos
governamentais e privados levados a efeito nas décadas de 1960 e 1970, alterou o
montante e o perfil das exportações. Os governos da época estimularam o aumento
do valor agregado das exportações e a ampliação de mercados, o que levou ao
crescimento da participação dos produtos manufaturados nas vendas externas
brasileiras (Quadro 7).
Na Argentina, até 1975, a participação dos manufaturados na pauta das
vendas externas havia evoluído de forma notável. No entanto, após 1975, o quadro
modificou-se de modo acentuado. Entre 1975 e 1980, ocorreu a diminuição da
participação dos produtos manufaturados nas exportações totais do país, situação
contrastante com a brasileira, na qual os manufaturados avançavam velozmente. Em
1985, ocorreu pequena recuperação, ilustrada no aumento da participação dos
manufaturados no total de exportações argentinas, quase 30%, persistindo, no
entanto, o predomínio dos produtos primários nas exportações do país. A Argentina,
desse modo, era muito mais sensível às fortes barreiras comerciais impostas pelos
países desenvolvidos à produção primária dos países em desenvolvimento.
136
QUADRO 7
Argentina-Brasil - Composição do Comércio Exterior (% do total de exportações)
1960-1985
1960 1970 1975 1980 1985
Primários
Argentina
95,9 86,1 75,8 76,9 70,7
Brasil
97,8 84,6 75,5 62,8 48,0
Manufaturados
Argentina
4,1 13,9 24,2 23,1 29,3
Brasil
2,2 15,4 24,5 37,2 52,0
Fonte: LERDA; MUSSI (1987, p.64)
A trajetória das exportações da Argentina e do Brasil, no período 1950-1985,
apresentou algumas distinções (Gráfico 5). Na década de 1950, a situação dos dois
países assemelhava-se. Até o início da década de 1970, as diferenças ainda não
eram muito marcantes, porém, de meados dessa década em diante, em virtude da
aceleração das exportações brasileiras, o panorama se alterou marcadamente. A
diversificada e crescente atividade industrial do Brasil permitiu que o país
aumentasse sua presença no cenário comercial internacional e regional. A
Argentina, ao contrário, teve desempenho mais modesto, dadas as condições de
pouca competitividade de sua indústria
62
após 1976, o que ocasionou a redução de
suas exportações de manufaturados, principalmente para a América Latina, cujo
mercado passou a ser atendido pelo Brasil.
A partir de 1980, tanto na Argentina como no Brasil, o ritmo de expansão das
exportações passou a ser caracterizado por maior instabilidade, ocorrendo quedas
nas vendas ao exterior, em certos períodos, acompanhadas pela recuperação das
mesmas em períodos seguintes. Essa situação ilustrou o delicado momento que as
economias dos dois países experimentavam no início da década de 1980, ambas
castigadas pela crise do endividamento externo, pelo recrudescimento do
protecionismo comercial nos países industrializados, pela redução na demanda de
62
Houve a eliminação dos inúmeros mecanismos governamentais de apoio à indústria até então
existentes e a exposição da economia nacional à concorrência externa, por meio da abertura
econômica indiscriminada (CISNEROS; ESCUDÉ, 2005).
137
seus principais produtos de exportação e pela queda nos preços de muitos dos
produtos primários exportados pelos dois países.
0
5000
10 0 0 0
15 0 0 0
20000
25000
30000
Milhões US$
Argentina Brasil
GRÁFICO 5: Argentina-Brasil Exportações totais (em US$ milhões) 1950-1985
Fonte: Oxford Latin American Economic History Database (http://oxlad.qeh.ox.ac.uk/search.php)
Quanto às importações, igualmente, verificou-se importante diferença no
desempenho das duas economias, a partir de meados da década de 1970 (Gráfico
6). O expressivo crescimento econômico ocorrido no Brasil impulsionou as
importações dos insumos necessários para dar continuidade ao processo de
desenvolvimento, tais como o petróleo e os bens de capital. No início da década de
1970, a matriz energética brasileira era fortemente dependente do petróleo, cuja
produção doméstica era ainda reduzida. Os elevados investimentos industriais,
previstos nos PNDs, exigiam grandes quantidades de bens de capital, algo que
estimulou de modo significativo as compras externas brasileiras.
As importações argentinas, igualmente, experimentaram expansão, porém
muito mais modesta do que a verificada no Brasil. Entre 1976 e 1980, as aquisições
argentinas no exterior tiveram um grande crescimento, fruto da política econômica
do período militar, que promoveu ampla redução tarifária às importações, expondo a
indústria argentina à concorrência internacional. O resultado foi o aumento das
importações de bens de consumo duráveis e não-duráveis (automóveis,
eletrodomésticos, artigos de vestuário e têxteis, entre outros) e, também, de bens de
138
capital destinados à modernização dos setores exportadores de commodities, tais
como os de carnes, de cereais e a indústria química (petroquímica, fertilizantes e
refino de petróleo).
0
5000
10 0 0 0
15 0 0 0
20000
25000
Milhões US$
Argentina Brasil
GRÁFICO 6 - Argentina-Brasil Importações totais (em US$ milhões) 1950-1985
Fonte: Oxford Latin American Economic History Database (http://oxlad.qeh.ox.ac.uk/search.php)
A partir do início da década de 1980, tanto no Brasil como na Argentina,
ocorreu uma forte redução das importações, que recuaram a patamares de meados
da década de 1970, constituindo-se em mais uma manifestação da crise que
assolava a América Latina naquele momento.
5.1.2.3 O comércio bilateral Argentina-Brasil
O ano de 1974 marcou o fim de um período importante para a economia da
Argentina, caracterizado por taxas de crescimento positivas tanto do PIB total como
da indústria, além de relativa estabilidade no cenário social (distribuição de renda,
taxa de desemprego e mobilidade social). No ano seguinte, 1975, ocorreu a ruptura
da Argentina com o desenvolvimentismo. Em 1976, com a chegada ao poder dos
militares, que permaneceram até 1983, foi dada a partida a um profundo processo
de alteração do tecido social e econômico do país, o qual se refletiu no comércio
exterior da Argentina, especialmente com o Brasil. No Brasil, a situação era mais
139
favorável, pois, as políticas econômicas adotadas no período, ainda respondiam aos
ideais desenvolvimentistas.
O comércio bilateral atingiu seu ponto máximo no ano de 1980, quando o
volume de troca entre os dois países, somatório de exportações e importações,
quase alcançou os dois bilhões de dólares. De 1974 a 1980, as exportações
brasileiras para a Argentina haviam aumentado 261,6%, enquanto as importações
atingiram uma elevação de 143,4%. O espetacular aumento das compras argentinas
no exterior, em especial do Brasil, foi resultado da política econômica do regime
militar e es na origem do processo de desindustrialização da Argentina, o que
levou sua economia à “primarização” (Quadro 8).
QUADRO 8
Comércio Bilateral Brasil –Argentina (em US$ mil)
Período Exportações Importações Saldo Volume de Troca
1974 301.732 359.213 -57.481 660.945
1975 383.126 238.655 144.471 621.781
1976 331.124 429.276 -98.152 760.400
1977 373.010 453.195 -80.185 826.205
1978 388.045 544.409 -156.364 932.454
1979 718.424 896.646 -178.222 1.615.070
1980 1.091.000 874.400 216.600 1.965.400
1981 880.226 586.580 293.646 1.466.806
1982 666.363 550.223 116.140 1.216.586
1983 654.627 358.074 296.553 1.012.701
1984 853.110 510.898 342.212 1.364.008
1985 853.000 469.900 383.100 1.322.900
Fonte: LERDA; MUSSI (1987, p. 65); HIRST (1990, p. 76, 77 e 80)
Em 1975, a pauta das exportações argentinas ao Brasil apresentava a
seguinte composição: produtos primários (47,5%); produtos manufaturados (49,9%)
e semimanufaturados (2,6%). Em 1980, essa relação passou a ser 64,7%, 31,6% e
3,7% respectivamente. Com relação à pauta de exportações brasileiras à Argentina,
tamm em 1975, a situação era a seguinte: produtos primários (35,3%),
manufaturados (44,7%) e semimanufaturados o restante. Em 1980, a participação
dos produtos primários reduziu-se a 17,1%, enquanto os manufaturados (72,5%), e
semimanufaturados respondiam pela outra parcela. Em meados de 1980, o Brasil
era um dos mais importantes fornecedores de manufaturados à Argentina e um dos
principais compradores dos produtos primários daquele país (HIRST, 1990, p.76-77).
140
Até 1979, o comércio entre o Brasil e a Argentina fora caracterizado pela
condição superavitária da Argentina com exceção do ano de 1975. De 1980 em
diante, a situação se modificou. A partir daí, o Brasil passou a acumular crescentes
superávits em suas relações comerciais com a Argentina. No entanto, os volumes
transacionados reduziram-se de modo significativo. As exportações brasileiras para
a Argentina, entre 1980 e 1985, caíram 21,8% e as exportações argentinas para o
Brasil apresentaram redução de 46,3%. Finalmente, o volume total transacionado
entre ambos apresentou redução de 30,6% no mesmo período (Quadro 8).
5.1.2.4 Indicadores da crise argentino-brasileira
A década de 1980 iniciou com a Argentina e o Brasil imersos em grave crise,
a qual era representativa das dificuldades geradas pelo endividamento externo e da
fadiga das idéias nacional-desenvolvimentistas, cuja entrada em vigor ocorrera
durante a década de 1930. O desenvolvimentismo não demonstrava mais condições
de responder aos desafios introduzidos pelo novo modelo técnico-econômico que
emergira no final da década de 1970 e tampouco à crise econômica regional.
O endividamento de grandes proporções e o cenário externo adverso
(elevação de taxas de juros internacionais e recrudescimento do protecionismo
comercial entre os países desenvolvidos) desencadearam nos dois países, um
quadro de grandes dificuldades. O PIB e o PIB industrial recuaram acentuadamente,
o que no Brasil não ocorria desde a década de 1940 (Gráficos 1, 2, 3 e 4 e Quadro
2). A participação da taxa de investimento no PIB, importante indicador do
dinamismo de uma economia, recuou de forma notável, atingindo, em 1985, 11,5%
na Argentina e 16% no Brasil. Dez anos antes, fora 20,3% e 32,1% respectivamente
(Quadro 4). No comércio internacional, também se verificou grande retrocesso. As
importações e as exportações dos dois países recuaram a níveis da década de 1970
(Gráficos 5 e 6) e o comércio bilateral, após atingir quase dois bilhões de dólares,
em 1980, diminuiu significativamente (Quadro 8).
No que diz respeito à Argentina, o país havia incorrido em sérios equívocos
tanto de natureza político-estratégica (Guerra das Malvinas) quanto econômica
(política econômica implementada pelos governos militares pós-1976), que haviam
conduzido a resultados negativos nos campos social e econômico. Todos os
141
indicadores econômicos argentinos apresentavam desempenho muito inferior aos do
Brasil, revelando a crise econômica e social vivida pelo país.
Em meados de 1980, a situação da Argentina era de grande vulnerabilidade
econômica e política, consideravelmente superior à do Brasil. A aproximação de
ambos, por meio de uma estratégia de cooperação com vistas a atingir uma futura
integração, constituía-se na melhor maneira do país reincorporar-se à arena regional
e internacional e, fundamentalmente, recuperar o dinamismo de sua economia. No
campo político, a ação concertada e cooperativa era considerada pelos dois
governos como peça-chave para a consolidação e preservação das nascentes
democracias.
5.2 As Relações Argentino-Brasileiras às vésperas do Encontro de Foz do
Iguaçu
O Presidente Raúl Alfonsín, aclamado pelas urnas, assumiu o governo
argentino em 10 de dezembro de 1983. No governo radical havia a clara convicção
de que os problemas da América Latina, os quais representavam barreiras à
superação do subdesenvolvimento, deveriam ser enfrentados de modo conjunto e
por Estados democráticos. Dentro dessa perspectiva, a nova administração da
Argentina considerava as ditaduras militares nos países vizinhos um foco de
permanente instabilidade.
A prioridade concedida por Alfonsín à integração latino-americana e,
especialmente, à integração com os países limítrofes era elevada, o que foi ilustrado
pelas modificações realizadas pelo governo radical na estrutura administrativa do
San Martín, a chancelaria argentina, que passou a contar com uma Subsecretaria de
Política Latino-Americana, cujo primeiro subsecretário foi Raúl Alconada Sem
63
,
principal assessor para assuntos políticos do Presidente Raúl Alfonsín. Para ocupar
o cargo de Secretário da Indústria e Comércio, Alfonsín convidou o economista
Roberto Lavagna, não filiado à União Cívica Radical, mas grande conhecedor da
economia argentina e suas debilidades, em especial, as relacionadas à indústria e
ao comércio exterior. Roberto Lavagna elaborara em 1980, um estudo sobre a
63
Além de ter desempenhado as funções já mencionadas, Raúl Alconada Sempé ocupou também os
cargos de Vice-Ministro de Defesa e de Vice-Chanceler durante o governo Alfonsín (1983-1989).
142
condição marginal da Argentina, no início da década de 1980, e cuja principal
recomendação ao país era a adoção de uma estratégia de associação preferencial
com países situados em seu entorno geográfico, tais como o Brasil e os membros da
Comunidade Andina. Em virtude dos países andinos não apresentarem dinamismo
econômico e tampouco parque industrial sofisticado e complexo o suficiente para
que uma estratégia de complementaridade industrial fosse efetivada e, assim, fosse
gerada uma maior competitividade no tecido econômico argentino e sua posterior
recuperação, o Brasil despontava como a melhor alternativa para o estabelecimento
de uma associação estratégica em âmbito regional (VAZ, 2002).
O Presidente Alfonsín não era favorável à competição com o Brasil, propunha,
pelo contrário, a busca de âmbitos nos quais fossem possíveis ações conjuntas
64
.
Para tanto, o governo radical tomou duas medidas com o objetivo de estimular o
comércio bilateral. A primeira foi a reativação da Comissão Especial Brasil-Argentina
de Coordenação (CEBAC), criada em 23 de abril de 1965. Paralisada desde 1979, a
CEBAC foi reativada com a missão de centralizar e coordenar as decisões de
natureza econômico-comercial. Compunham a pauta das discussões a criação de
joint-ventures e a adoção de mecanismos para reduzir o desequilíbrio no comércio
bilateral, que, em 1984 era desfavorável à Argentina (REATIVAÇÃO, 1984). A
segunda medida foi a criação de grupo informal de trabalho para elaborar a
estratégia de negociação de um novo acordo de concessões tarifárias entre os dois
países no âmbito da ALADI (CISNEROS; ESCUDÉ, 2005).
Após vários encontros e rodadas de negociações entre as autoridades dos
dois países, lideradas pelos Ministros de Relações Exteriores, Ramiro Saraiva
Guerreiro e Dante Caputo, foram assinados alguns acordos que tinham como linhas-
mestras: a desvinculação das trocas de seu pagamento em moeda forte - o dólar
dos Estados Unidos (US$) –, a adoção dos convênios de crédito recíproco e a
redução das barreiras comerciais entre ambas as economias.
A adoção dos convênios de crédito recíproco permitiu que o Brasil passasse a
importar quantidades maiores de trigo argentino em detrimento do trigo canadense.
A aquisição do cereal argentino era mais vantajosa, pois poderia ser paga com
produtos manufaturados brasileiros, não implicando na utilização de moeda forte na
64
Conforme entrevista concedida por Raúl Alconada Sempé, em Buenos Aires, em fevereiro de 2004.
143
transação. Esse tipo de operação era vantajoso, pois, não implicava no aumento do
endividamento externo.
No tocante às barreiras alfandegárias e aos entraves burocráticos existentes
no comércio entre os dois países, como no episódio que envolveu o alho e a maçã
argentinos e o café brasileiro, ocorreu significativa melhora.
Em 1984, o Brasil havia imposto restrições à importação de alho e maçãs da
Argentina que, em represália, havia adotado posicionamento semelhante com o café
brasileiro. A medida teve forte impacto em razão da importância dos produtos na
pauta comercial dos dois países – o Brasil era o principal comprador de maçãs da
Argentina e esta, um dos mais importantes mercados para o café brasileiro. As boas
relações comerciais entre os dois países naquele momento permitiram uma solução
satisfatória para ambos: a fixação de quotas de importação para cada produto.
A vontade política de solucionar os contenciosos comerciais revelava-se
claramente na atuação das chancelarias, dispostas a superar impasses e a avançar
na cooperação comercial. Os atos internacionais assinados pelos dois governos
durante o ano de 1984 confirmam a disposição de estreitar os laços comerciais e
eliminar barreiras. Dos quatro atos assinados naquele ano, dois tinham estreita
vinculação com temas econômicos e comerciais
65
.
As relações político-diplomáticas, no período em que conviveram a nascente
democracia argentina e o governo militar de João Figueiredo no Brasil, exigiram
grande habilidade das duas chancelarias. Na Argentina, a sociedade civil
pressionava o governo Alfonsín para que fossem julgados os principais responsáveis
pela ditadura militar, considerada uma das mais brutais e violentas da América
Latina.
A chancelaria brasileira (Itamaraty) - na figura do Ministro Saraiva Guerreiro -
manteve ininterruptamente o diálogo com o governo argentino, o qual contava, no
comando do San Martin, com importante personalidade político-diplomática, o
chanceler Dante Caputo, hábil e competente negociador, figura crucial para que o
entendimento e a conciliação fossem a tônica nas relações com o Brasil.
65
Os atos de natureza econômico-comercial assinados pelo Brasil e pela Argentina em 1984 foram: o
Protocolo de intenções para intensificar, em curto prazo, a cooperação econômica e o comércio e o
Entendimento, por troca de cartas, que estabelece mecanismos de consulta política e econômic.
144
O chanceler Dante Caputo foi muito bem-sucedido
66
na tarefa de tranqüilizar o
governo brasileiro de que o governo do Presidente Raúl Alfonsín não tinha a
intenção de influenciar politicamente os demais vizinhos, uma vez que havia, entre
os militares brasileiros, o temor de que a Argentina viesse a “[...] exportar [...]”
(CAMARGO, 1985, p. 78) sua democracia para os países vizinhos.
Segundo o Embaixador Alberto de Nuñez
67
, no início do processo de
restauração democrática na Argentina, não se falava em integração regional com os
países vizinhos, mas sim em cooperação, a qual fora tornada possível e viável a
partir da resolução do contencioso referente ao aproveitamento hidrelétrico do rio
Paraná em outubro de 1979. A integração era politicamente inviável com países sob
regimes ditatoriais, como o Chile, governado pelo General Augusto Pinochet, ou com
o governo militar do Brasil. Para o governo de Raúl Alfonsín, a existência de
governos democráticos era a pré-condição para uma estratégia de integração, sendo
os processos de mobilização popular que pretendiam restituir a democracia na
região, naquele momento, vistos com simpatia pelos argentinos.
O ano de 1984 foi marcado, portanto, pela realização de conversações e
consultas de um país ao outro, pela celebração de acordos de caráter econômico-
comercial e por visitas de líderes políticos brasileiros a Buenos Aires (ALCONADA
SEMPÉ, 2004). No entanto, a temática da dívida externa revelou-se importante fator
de aproximação e de estímulo ao incremento da confiança mútua entre os dois
países, dando origem ao primeiro trabalho conjunto realizado pelos governos
Alfonn e Figueiredo
68
.
Em março de 1984, a Argentina e o Brasil deram início a uma série de
reuniões para discutir a magnitude de suas dívidas externas e seus impactos sobre
as situações econômica, social e política da América Latina, e para a adoção de
posição comum
69
face ao problema com o objetivo de reforçar o poder de
66
Legação em Buenos Aires ao MRE, telegrama of.00663A, 02 de março de 1984, AHMRE.
67
O diplomata Alberto de Nuñez trabalhou na Embaixada da Argentina, em Brasília, entre 1981 e
1987. No icio de 2004, foi nomeado Embaixador junto ao Reino do Marrocos. Concedeu entrevista
para o presente trabalho, no verão do mesmo ano, em sua residência em Buenos Aires.
68
O encontro entre o Presidente Figueiredo e Dante Caputo, em dezembro de 1983, foi ponto de
partida das negociações que culminaram na criação do Consenso de Cartagena no ano seguinte
(HIRST, 1990).
69
O Presidente Raúl Alfonsín pensava propor aos demais Presidentes das nações devedoras latino-
americanas a realização de uma reunião de nível presidencial, na qual seria examinada a
conveniência de uma ação conjunta frente à problemática da dívida externa (Legação em Buenos
Aires ao MRE, telegrama of.01404Z, 14 de maio de 1984, AHMRE).
145
negociação dos países devedores frente a seus credores. Essas reuniões
culminaram com a assinatura do Consenso de Cartagena, cidade colombiana, em
junho de 1984.
Também denominado Grupo dos Onze
70
ou Grupo de Cartagena, o Consenso
de Cartagena teve como signatários onze países: Argentina, Bolívia, Brasil,
Colômbia, Chile, Equador, México, Peru, República Dominicana, Uruguai e
Venezuela. No Consenso de Cartagena propugnava-se a redução das taxas de juros
e a reestruturação da dívida externa, porém, seus resultados foram limitados, dada a
diversidade das estratégias adotadas pelos diferentes países para o enfrentamento
do problema. O Consenso, entretanto, foi um importante precedente de concertação
e coordenação políticas em âmbito regional, e propiciou a aproximação e o
estreitamento de vínculos entre o Brasil e a Argentina que, juntamente com o
México, foram ativos protagonistas na construção do Consenso.
A análise das relações bilaterais entre a Argentina e o Brasil, no início da
década de 1980, não costuma conceder importância ao episódio da detenção e
extradição, pelo governo do Brasil, em 1984, de um dos líderes do movimento
guerrilheiro argentino, Mario Firmenich, principal dirigente do grupo Montoneros
71
. O
fato contribuiu de forma positiva
72
para o estreitamento das relações de cooperação
entre os dois países, que “[...] já estavam em bom nível, sendo a extradição de
Firmenich uma manifestação desta etapa, de um ciclo de colaboração e cooperação
político-diplomática” (FRAGA, 2004).
Antes do final do mandato do Presidente Figueiredo, o governo brasileiro
consultou o da Argentina sobre a viabilidade de realizar um encontro de cúpula entre
os dois Presidentes. O governo argentino, por sua vez, consultou um dos líderes
políticos brasileiros de oposição, Ulysses Guimarães, sobre a pertinência do
encontro. O encontro não chegou a ocorrer, em razão de problemas de saúde do
Presidente Brasileiro, mas a consulta transmitida por Ulysses Guimarães a Tancredo
70
As denominações Grupo dos Onze e Grupo de Cartagena foram extraídas do sítio do Centro de
Informações para a Imprensa, vinculado à União Cubana de Jornalistas (CENTRO DE
INFORMACION PARA LA PRENSA, 2004).
71
O movimento guerrilheiro argentino surgiu em 1966 após a instauração de governo militar naquele
país. Os Montoneros, de ideologia esquerdista, constituíram uma cisão do peronismo e adquiriram
expressão após terem seqüestrado e assassinado o ex-presidente argentino Pedro Eugenio
Aramburu em 1970.
72
Segundo Alconada Sempé (2004) e excertos da entrevista concedida pelo Chanceler Dante Caputo
à revista argentina La Semana (Legação em Buenos Aires ao MRE, telegrama of.00663A, 02 de
março de 1984, AHMRE).
146
Neves teve um peso importante no estreitamento de laços entre Ulysses Guimarães
e o governo Alfonsín. Para Ulysses, essa consulta à oposição brasileira representara
o primeiro ato de cooperação entre o governo da Argentina e o futuro governo civil
brasileiro A mesma foi seguida por outras, o que deu origem a uma atmosfera de
cordialidade e confiança entre os dois países. Em meados de 1984, Ulysses
Guimarães e outras personalidades - intelectuais e políticos brasileiros -, como
Fernando Henrique Cardoso e Hélio Jaguaribe (ardoroso defensor da cooperação
com a Argentina e grande amigo de Tancredo Neves) foram convidados a visitar a
Quinta de Olivos, residência oficial do Presidente da Argentina, localizada próxima a
Buenos Aires para discutir, com representantes do governo e da intelectualidade da
Argentina, a respeito do futuro das relações bilaterais e as formas para sua
intensificação (GULLO, 2005; NUÑEZ, 2004).
A aproximação entre a Argentina e o Brasil, entre dezembro de 1983 e janeiro
de 1985, foi marcada pela cautela, por intensa atividade das chancelarias e por bem-
sucedidas iniciativas no campo comercial. Embora afirmasse não pretender exercer
influências no processo político em curso no Brasil, o governo radical argentino
aproximou-se da oposição brasileira, mantendo contatos com seus principais
representantes, como: Ulysses Guimarães, Tancredo Neves, Franco Montoro e
Fernando Henrique Cardoso.
Para o governo argentino, o estabelecimento de relações de alto nível com o
Brasil era importante para seu projeto de reinserção internacional e de recuperação
econômica. A revitalização do parque industrial seria beneficiada com essa
aproximação, uma vez que a cooperação entre os dois países, prevista por Roberto
Lavagna, em 1980, envolveria a complementaridade de setores industriais
argentinos e brasileiros.
5.3 Novos Atores Políticos: Raúl Alfonsín, Tancredo Neves e José Sarney
Em 15 de janeiro de 1985, foram eleitos, Presidente e Vice-Presidente do
Brasil, Tancredo Neves e José Sarney, resultado da aliança política entre o Partido
do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB) e a Frente Liberal. Tinha início, então,
o primeiro governo civil brasileiro desde 1964.
147
Entre a data da eleição e o dia previsto para a posse, 15 de março de 1985, o
Presidente Tancredo Neves teve extensa agenda de contatos tanto em âmbito local
quanto internacional. No plano externo, esteve, primeiramente, na Europa e nos
Estados Unidos.
Os resultados da viagem do Presidente Brasileiro eram aguardados com certa
ansiedade pelo governo argentino. Dos Estados Unidos, Tancredo viajou a Buenos
Aires, onde foi recebido pelo Presidente Alfonsín na residência oficial de Olivos.
Segundo Mônica Hirst, o Presidente Argentino acreditava na possibilidade de uma
articulação latino-americana para fazer face à dívida externa da região, mas a
posição do Presidente do Brasil era outra. Ela foi transmitida, pessoalmente, a seu
colega argentino, o qual passou a adotar postura mais moderada a respeito das
negociações externas e a defender posições próprias nas negociações de sua dívida
externa (BRASIL, 1985).
As diferentes visões de Tancredo Neves e Raúl Alfonsín, a respeito da
problemática da dívida externa, não impediram que a visita do Presidente Brasileiro
transcorresse de forma amigável, reforçando o bom clima das relações bilaterais.
Ambos Presidentes manifestaram-se contrários a qualquer competição e
comprometidos em garantir a estabilidade da região.
Com o falecimento do Presidente Tancredo Neves, José Sarney assumiu a
Presidência, no dia 22 de abril de 1985, e manteve a mesma preocupação de
Tancredo Neves e de Raúl Alfonsín de intensificar a aproximação de ambos países.
O próprio Presidente afirmou: “Ao chegar à Presidência, tinha eu, como político e
intelectual, perfeita consciência de nossos equívocos, mas levava a decisão firme de
iniciar nova etapa das relações entre o Brasil e os demais países do Cone Sul”
(SARNEY, 2001, p. 43).
O relacionamento com a Argentina constituiu-se num dos pilares da política
exterior brasileira na década de oitenta, orientado mais pela lógica político-
estratégica do que por motivações econômico-comerciais. Havia interesse em atuar
de forma coordenada e conjunta. O Presidente Brasileiro estava convencido que, de
forma isolada, nem o Brasil e nem a Argentina poderiam exercer alguma influência
no cenário internacional. Atuando de modo concertado, as chances de êxito nas
negociações de temas de interesse de ambas economias (protecionismo comercial
148
dos países desenvolvidos, deterioração dos termos de intercâmbio e altas taxas de
juros internacionais) eram consideravelmente maiores.
A chegada ao poder de José Sarney trouxe maior tranqüilidade e segurança
ao governo Raúl Alfonsín quanto ao avanço das conversações que, desde 1984,
vinham ocorrendo, de modo informal, com a então oposição brasileira (Ulysses
Guimarães, Franco Montoro, Tancredo Neves e outras personalidades) e, após
janeiro de 1985, com o Presidente Tancredo Neves.
Numa manifestação de interesse de José Sarney de reforçar as relações com
a Argentina, a primeira missão externa do Ministro das Relações Exteriores do
Brasil, Olavo Egydio Setúbal, em maio de 1985, teve como destino Buenos Aires,
onde se reuniu com o Chanceler argentino, Dante Caputo. Os dois Ministros
mantiveram reuniões entre 19 e 21 de maio de 1985, nas quais foram examinados
os temas mais importantes – bilaterais, regionais e multilaterais –, nos planos
político, comercial e financeiro. Foi concedida atenção especial às trocas comerciais
bilaterais que, ambos os chanceleres, desejavam manter em bases equilibradas.
Dante Caputo e Olavo Setúbal, tamm, comprometeram-se em estimular o
comércio bilateral e o avanço da complementação industrial, por meio da futura
celebração de acordos de cooperação econômica e tecnológica.
Após o retorno de Olavo Setúbal a Brasília, em reunião com seus principais
ministros, o Presidente Sarney, convencido de que o reforço dos laços de
cooperação com a Argentina resultaria em maiores ganhos do que perdas ao Brasil,
tomou a decisão de converter o país vizinho no principal parceiro comercial
brasileiro, o que veio acompanhado do anúncio da ampliação das compras de trigo,
petróleo e gás argentino para compensar a redução ocorrida nas compras de outros
produtos. Tais decisões foram de grande importância para equilibrar a balança
comercial, favorável ao Brasil desde 1980, e um fator de desestabilização nas
relações bilaterais. Dado o interesse dos dois países de aprofundar suas relações,
os desequilíbrios comerciais eram considerados prejudiciais, devendo, portanto, ser
corrigidos (CISNEROS; ESCUDÉ, 2005).
Em julho de 1985, o Secretário Geral do Itamaraty, Paulo Tarso Flecha de
Lima, e o Secretário de Comércio da Argentina, Ricardo Campero, analisaram a
prorrogação do Acordo de Alcance Parcial nº 1, que expirara em 30 de junho para o
dia 31 de dezembro de 1985. Pelo acordo, o Brasil assumia o compromisso de
149
adquirir da Argentina, até julho de 1986, cerca de 1.375.000 toneladas de trigo, o
que significou um incremento superior a 70%. Igualmente, firmou-se o compromisso
de aumentar, em proporções semelhantes, a aquisição de petróleo e derivados da
Argentina. Estes acordos tiveram bons resultados tanto para a Argentina, que
equilibrou sua balança comercial com o Brasil e, para este, na manutenção de suas
exportações à Argentina.
A Argentina e o Brasil, no ano de 1985, tamm convergiram em suas
posições face ao conflito que assolava a América Central. Ao Grupo de Contadora,
criado em janeiro de 1983, por iniciativa dos governos da Colômbia, do México, do
Panamá e da Venezuela com o propósito de encontrar uma solução pacífica ao
problema, somou-se o Grupo de Apoio à Contadora, formado pela Argentina, Brasil,
Uruguai e Peru e estabelecido em Lima, em reunião realizada em junho de 1985. Os
participantes do encontro de Lima - o Presidente recém-eleito do Peru, Alan Garcia,
Raúl Alfonsín, Olavo Setúbal, Dante Caputo e Ulysses Guimarães – preocupados
com a gravidade da situação na América Central, marcaram uma nova reunião, no
final de junho, em Punta del Este, Uruguai.
Em agosto de 1985, em discurso proferido na sede da ALADI em Montevidéu,
o Presidente José Sarney criticou a ordem econômica internacional, qualificada
como injusta para os países latino-americanos. Ele afirmou, na ocasião, que os
países da região, respaldados pelo retorno de governos democráticos, deveriam
aprimorar, urgentemente, os mecanismos de integração e de coordenação regional,
pois somente o estreitamento de seus los reduziria sua vulnerabilidade econômica
(EQUILIBRAR, 1985).
Entre agosto e novembro de 1985, iniciativas e eventos realizados de forma
conjunta pelo Brasil e pela Argentina constituíam-se em indícios da intensificação de
suas relações. Nesse período foi registrado
73
o interesse de uma delegação
argentina integrante do 32° Ciclo de Estudos Superiores da Escola de Defesa
Nacional de visitar Itaipu em sua viagem anual de estudos.
Em 18 e 19 de novembro do mesmo ano, em Foz do Iguaçu, ocorreu um
importante encontro
74
entre funcionários governamentais, cientistas e empresários
73
Legação da Argentina em Brasília ao MRE. Ofício, Brasília, 22 de agosto de 1985, n. 257, AHMRE.
74
Olavo Egydio Setúbal a José Sarney. Informe, Brasília, 07 de novembro de 1985, n. 145, Arquivo
Histórico MRE, Brasilia.
150
vinculados à área de biotecnologia
75
. O evento, cujo chefe da missão brasileira foi o
diplomata Celso Amorim, buscou identificar oportunidades de projetos industriais,
tecnológicos e científicos conjuntos, além de verificar a possibilidade de cooperação
entre os dois países nas áreas de saúde, agricultura, pecuária e engenharia
bioquímica. Além da biotecnologia, os dois países, tamm, procuraram estabelecer
relações de cooperação na área de informática, visando desenvolver a produção de
componentes eletrônicos.
Um exemplo notável da sintonia diplomática vigente entre ambos países - às
vésperas do encontro de cúpula de Foz do Iguaçu – foi a aprovação do projeto da
resolução de nº. 40/21 apresentado no plenário da 40º Assembléia Geral das
Nações Unidas, em 27/11/1985, por um grupo de países (Uruguai, México, Índia,
Argélia, Iugoslávia, Gana e outros), liderado pelo Brasil. Ele exortava a Grã-Bretanha
a iniciar negociações com a Argentina sobre as Ilhas Malvinas. O resultado da
votação foi: 107 votos a favor, 41 abstenções e 4 votos contrários. O Chanceler
Dante Caputo enviou ofício de agradecimento ao Ministro Olavo Setúbal, em razão
do apoio e das articulações realizadas pelo Brasil no episódio. As imprensas
brasileira e argentina concederam ampla cobertura ao acontecimento na ocasião
(APROVADA; UN AMPLIO, 1985).
A Cúpula de Iguaçu, em novembro de 1985, foi uma iniciativa dos governos
da Argentina e do Brasil, e sua negociação e preparação foram delegadas ao San
Martin e ao Itamaraty, não ocorrendo, nessa instância, a participação da sociedade
civil, mas de outras instâncias técnicas governamentais (vinculadas a áreas como
economia, comércio, planejamento, transportes, minas e energia, comunicações,
educação, entre outras) (NUÑEZ, 2004). O Itamaraty mantinha a posição assumida
ainda na década de 1970, de projetar o país comercialmente e de demonstrar aos
países vizinhos que não possuía qualquer pretensão hegemônica. A diplomacia
brasileira considerava que a melhor forma de alcançar tais objetivos era a
dinamização das relações com a Argentina, rival histórico do Brasil.
A Argentina, ao buscar estreitar os laços com o Brasil, deu mostras de uma
mudança em sua política externa. O Chanceler Dante Caputo afirmou, ao ser
75
A biotecnologia era um dos novos setores dinâmicos, integrante do modelo técnico-econômico que
emergia com grande rapidez e que impunha elevados padrões de concorrência aos diferentes países.
Assim, era fundamental que a cooperação em setores desta natureza, localizados na fronteira
tecnológica, fosse incentivada.
151
empossado, que o governo radical iria empreender um “giro realista”
76
na política
externa do país. A utilização do termo “realista” fazia menção à necessidade de que
fossem reconhecidas as dificuldades externas e internas que o país estava
enfrentando e definidas formas pragmáticas de enfrentamento das mesmas. A
decisão estava fundamentada, em termos políticos (a preservação e o fortalecimento
da democracia) e econômicos
77
, na necessidade de se redefinir o projeto de
inserção internacional da Argentina. Desse modo, o estreitamento de vínculos com o
Brasil estava relacionado à recuperação política e econômica da Argentina na cena
internacional (HIRST, 1990).
A escolha de Foz do Iguaçu para sediar o encontro presidencial, de novembro
de 1985, deveu-se, basicamente, a dois fatores: a construção da ponte ligando Porto
Meira, no Brasil, a Puerto Iguazu, na Argentina; primeira manifestação concreta de
integração física entre os dois países em mais de quarenta anos e cuja inauguração
foi marcada para novembro de 1985; e a proximidade da Usina Hidrelétrica de Itaipu,
pivô de importante contencioso que perturbou as relações bilaterais durante a
década de setenta e cuja resolução significou o início de uma nova etapa nas
relações entre os dois países, de maior colaboração, entendimento e cooperação.
Segundo Rafael Vazquez, Embaixador da Argentina no Brasil naquele
período, a reunião em Foz do Iguaçu significou a ratificação de negociações
delicadas e sigilosas levadas a efeito previamente pelas chancelarias dos dois
países e o início de uma nova doutrina nacionalista. Ele afirmou serem mais
relevantes para os países da América Latina as relações com os demais integrantes
do mundo em desenvolvimento do que com os países desenvolvidos. A
intensificação de tais relações conduziria ao aumento do intercâmbio comercial e à
troca de informações estratégicas, que auxiliariam a América Latina a atingir
patamares elevados de desenvolvimento econômico (BRASIL, 1985).
Esse conjunto de eventos – reuniões, manifestações de apoio, coincidências
de opinião entre os dois governos, eventos conjuntos, visitas e outras formas de
estreitamento de laços – preparou o caminho para o estabelecimento de novas
76
Vaz (2002, p.75).
77
A situação da economia argentina, em meados de 1985, era muito grave (atrasos no pagamento de
juros da dívida externa, insatisfação geral da população, indústria operando com enorme capacidade
ociosa, consumo em queda, desemprego ascendente e PIB retornando aos níveis do início da
década de 1970). Havia, igualmente, crescente preocupação do Brasil quanto às possíveis
repercussões do agravamento dessa crise (ARGENTINA; BRASIL; INFLAÇÃO, 1985).
152
formas de cooperação bilateral, o que teve como marco o primeiro encontro dos
Presidentes José Sarney e Raúl Alfonsín, realizado nos dias 29 e 30 de novembro
em Puerto Iguazú (Argentina) e Foz do Iguaçu (Brasil).
As discussões levadas a cabo pelos Presidentes dos dois países, naqueles
dias de novembro de 1985, visaram:
1. promover as condições, por meio de gradativa integração bilateral
do Brasil e da Argentina, para a criação de um mercado comum em
que outros países poderiam associar-se depois e, com a unificação
crescente do espaço econômico da América do Sul, atingir o máximo
de auto-suficiência em produtos essenciais, insumos básicos e bens
de capital, substituindo o dólar por moeda convênio no intercâmbio
regional, diluindo assim as fortes pressões sobre o balanço de
pagamentos;
2. intensificar a cooperação para o desenvolvimento de setores
capazes de gerar avanços científicos e tecnológicos fundamentais ao
progresso e à autotransformação de suas economias, tais como
informática, tecnologias de ponta (robótica, etc.), biotecnologia,
energia nuclear, etc., a fim de evitar que, no sistema produtivo
mundial, o Brasil e a Argentina fossem marginalizados da revolução
científica, permanecendo como produtores de matérias-primas e de
manufaturas simples, de baixo coeficiente técnico;
3. aumentar o poder político e a capacidade de negocião dos dois
países, institucionalizando o sistema de consulta bilateral, que
praticamente já funcionava, porquanto nem o Brasil nem a Argentina,
àquela época, tomavam qualquer posição importante, sequer em
termos de política mundial, sem que Sarney e Alfonsín mantivessem
conversações por telefone (BANDEIRA, 2003, p. 462-463).
No dia 29 de novembro de 1985, foi inaugurada a Ponte Internacional
Presidente Tancredo Neves e, no dia seguinte, foram assinadas a Declaração de
Iguaçu e a Declaração Conjunta sobre Política Nuclear.
A Declaração de Iguaçu formalizou o início de uma nova etapa nas relações
bilaterais. A partir daquele momento, a Argentina e o Brasil assumiam o
compromisso de estreitar os laços políticos e econômicos, de intensificar a
cooperação em vários âmbitos e promover o entendimento recíproco com vistas a
um objetivo maior: a integração.
Na Declaração foram apontadas as linhas nas quais a cooperação bilateral
seria estimulada; analisou-se o complexo e difícil contexto internacional,
caracterizado pelo protecionismo comercial praticado pelos países ricos, pelas
elevadas taxas de juros internacionais e pelo endividamento externo dos países
latino-americanos; apontou-se a necessidade de ampliar a autonomia das decisões
153
da América Latina e foi afirmada a firme e decidida vontade política de acelerar o
processo de integração bilateral.
Na Declaração foram anunciadas as posições convergentes de ambos países
sobre o Consenso de Cartagena, o Grupo de Apoio à Contadora, a criação de uma
Zona de Paz e Cooperação no Atlântico Sul e a postura argentina de defesa de seus
direitos soberanos sobre as Ilhas Malvinas.
Os Presidentes manifestaram sua convicção de que o êxito da integração
dependia da participação da sociedade civil. Para tanto, foi estabelecida, pela
primeira vez na história das relações bilaterais, uma estrutura institucional, um
núcleo funcional, encarregado de propor, apresentar e gerenciar projetos e
programas relacionados ao aprofundamento da cooperação e da integração. Tratou-
se da Comissão Mista de Alto Nível para Cooperação e Integração Econômica
Bilateral, presidida pelos respectivos Ministros de Relações Exteriores e integrada
por funcionários governamentais e representantes dos setores empresariais
78
de
ambos países.
A Comissão, constituída por quatro Sub-Comissões (Economia e Comércio;
Transportes e Comunicações; Ciência e Tecnologia; e Energia), deveria, num prazo
de seis meses, apresentar propostas, concretas e factíveis, de cooperação e
integração em cada uma dessas áreas.
Foi grande a repercussão da Cúpula de Foz do Iguaçu nos dois países. Os
principais jornais veicularam extensas e exaustivas reportagens sobre o novo
momento vivido pelas relações argentino-brasileiras, congratulando-se com a
superação de antigas rivalidades. Salientava-se a importância de coordenar os
esforços no plano internacional e a relevância da Cúpula para a consolidação dos
regimes democráticos. Igualmente, aplaudia-se a forte disposição dos mandatários
em acelerar a cooperação bilateral em áreas consideradas estratégicas
79
para a
78
A consulta a jornais argentinos da época revela a existência de certa expectativa entre o
empresariado quanto ao novo perfil das relações brasileiro-argentinas. Em anúncio de página inteira,
a Câmara de Comércio Argentino-Brasileira saudava o momento e proclamava:Argentina y Brasil:
países socios hacia un espacio economico común” (ARGENTINA, 1985).
79
O Correio Braziliense, o Jornal do Brasil e o La Nación publicaram artigos sobre os importantes
acordos assinados na área de ciência e tecnologia. Pelos atos assinados, foi concedida prioridade à
cooperação entre empresas nacionais dos dois países no campo da biotecnologia, setor com forte
presença de grandes empresas estrangeiras e considerado estratégico por trabalhar com tecnologia
de ponta e oferecer grandes perspectivas de aplicação na indústria farmacêutica. Personalidade
importante nesse campo, o brasileiro João Alexandre Viegas, então Secretário de Biotecnologia do
154
superação da crise que se abatia sobre as duas economias. Tamm foi elogiada a
disposição dos dois países de dar início a amplo processo de integração regional, a
ser antecedido pela cooperação nas áreas definidas como prioritárias: energia;
transportes; telecomunicações; conexões rodoviárias, ferroviárias e hidroviárias;
ciência e tecnologia e, finalmente, o comércio.
A Declaração Conjunta sobre Política Nuclear, assinada em 30/11/1985, e
que estabeleceu a cooperação nuclear para fins pacíficos, recebeu aplausos dada
sua importância para o fortalecimento das relações bilaterais e tamm por sua
relevância para os desenvolvimentos econômico, científico e tecnológico do Brasil e
da Argentina (ALCANCES, 1985).
No Brasil, o encontro foi objeto de inúmeras reportagens. A Folha de São
Paulo, o Correio Braziliense, O Estado de São Paulo e o Jornal do Brasil, principais
jornais de alcance nacional da época realizaram coberturas do evento, mas somente
o Correio Braziliense, em sua edição de 30 de novembro de 1985, sob o título
“Dívida une Sarney e Alfonsín”, veiculou a notícia do encontro na capa da edição.
Na Argentina, o entusiasmo foi maior. Os jornais de maior circulação do país
divulgaram de modo massivo o evento, e foram publicadas inúmeras análises e
artigos de jornalistas, cientistas políticos e analistas de relações internacionais. O
encontro de José Sarney e Raúl Alfonsín foi matéria principal do La Nación, nos dias
29 e 30 de novembro, e na edição de 01 de dezembro de 1985. Em 21 de novembro
de 1985, aproveitando a visita do Ministro Setúbal a Buenos Aires para discutir
temas relacionados à agenda do futuro encontro, o mesmo jornal noticiou análise
acerca do bom momento das relações bilaterais (SETÚBAL, 1985). O diário Clarín,
tamm, concedeu grande espaço ao evento em suas edições de 30 de novembro e
primeiro de dezembro de 1985. Outra importante manifestação de apoio à nova fase
das relações Argentina-Brasil partiu da Câmara de Comércio Argentino-Brasileira,
entidade sediada, em Buenos Aires, e integrada por empresas dos dois países. Ela
vislumbrava importantes oportunidades de negócios quando fossem implementadas
as propostas apresentadas em Foz do Iguaçu. Em 29 de novembro de 1985, a
entidade publicou anúncio de página inteira no jornal La Nación sob o título
Argentina y Brasil países sócios hacia un espacio económico comun” (ARGENTINA,
Ministério de Ciência e Tecnologia brasileira, defendia o domínio conjunto da biotecnologia
(ALFONSÍN; ALFONSÍN; ENCONTRO; ENTREVISTA; ÚNICO, 1985).
155
1985). Manifestações semelhantes não ocorreram na comunidade empresarial
brasileira, revelando seu escasso entusiasmo com os acordos assinados em Foz do
Iguaçu.
O Conselho Argentino para as Relações Internacionais (CARI), aproveitando
a realização da Cúpula de Foz do Iguaçu, organizou o evento intitulado Encuentro
Empresarial Brasileño-Argentino: Brasil y Argentina en el año 1990, em sua sede,
em Buenos Aires, nos dias 02 e 03 de dezembro de 1985. O evento teve o objetivo
de fomentar, entre a comunidade empresarial de ambos países, o diálogo e a
discussão acerca dos futuros cenários que se descortinavam para as relações
bilaterais a partir da assinatura da Declaração de Iguaçu. Participaram do Encontro
autoridades governamentais, empresários e intelectuais, tais como: Jorge Espil
(Vice-Presidente do CARI), Bernardo Grinspun (Secretário de Planejamento
argentino), João Sayad (Ministro do Planejamento do Brasil), Luis Mario Kenny
(Presidente do Banco de la Nación), Camilo Calazans de Magalhães (Presidente do
Banco do Brasil), Celso Lafer, José Serra, Aldo Ferrer, Oscar Camillión e Luís
Eulálio Vidigal (empresário brasileiro) (HABRÁ, 1985).
Os diferentes graus de repercussão da Cúpula de Foz do Iguaçu, na
Argentina e no Brasil, expressavam os significados diferentes que a mesma possuía
para cada país. Para a Argentina, dado o quadro de dificuldades que enfrentava e
ao desequilíbrio do comércio entre os dois países, a Cúpula abria perspectivas
alvissareiras. Além disso, ela constituía-se num reforço à democracia, recém-
restabelecida. O governo de Alfonsín, que estava procedendo ao julgamento dos
principais militares acusados de cometer violações aos direitos humanos, no período
1976-1983, vinha enfrentando tentativas de desestabilização política originadas em
setores descontentes das Forças Armadas. A consolidação da democracia era, pois,
a tarefa de maior importância e a união de forças com o Brasil, na consecução da
mesma em todo o Cone Sul, fortalecia Alfonsín no plano doméstico.
O governo argentino previa que a intensificação da cooperação e a futura
integração, inicialmente com o Brasil e após com os demais países da região,
auxiliariam na recuperação da economia argentina, em especial, da combalida
indústria nacional. A ampliação dos mercados para a produção industrial argentina
era, portanto, o ponto de partida do desejado processo de reindustrialização do país.
156
Entre os argentinos, pois, era maior a expectativa com o futuro do processo
que estava sendo iniciado em Foz do Iguaçu, o que explicava seu maior entusiasmo.
No encontro em Foz do Iguaçu, o Presidente Sarney afirmou a seu colega
argentino a firme vontade de alterar o curso da história das relações entre os dois
países, e defendeu a eliminação de qualquer restrição que pudesse impedir o
avanço das negociações rumo à conformação de um mercado comum no Cone Sul.
Dito isso, declarou que em razão de erros do passado, ambos estariam se privando
de visitar a Usina de Itaipu. O Presidente Alfonsín acolheu generosamente as
palavras de Sarney, porém nada respondeu quanto ao tema Itaipu (MAGALHÃES,
2003).
Na manhã seguinte, durante o café da manhã, Alfonsín propôs que ambos
visitassem Itaipu. O Presidente argentino afirmou: “devemos seguir o que nos
mandam nossos povos, integrar-nos, ter coragem política para fazê-lo, enterrar o
passado e velhas discórdias” (NUÑEZ, 2004). A decisão de Alfonsín de aceitar o
convite feito por Sarney para visitar o Complexo Hidrelétrico de Itaipu foi pessoal e
não resultado de estratégia político-diplomática. Ao visitar Itaipu, o Presidente
argentino foi acompanhado apenas por poucos assessores diretos. O Chanceler
Caputo e os comandantes militares não o acompanharam (BASTOS, 2001).
Anos mais tarde, o Presidente brasileiro afirmou que aquele momento
representou uma inflexão na relação entre a Argentina e o Brasil, uma ruptura, uma
mudança substancial do clima existente entre os dois países por muitas décadas.
Até 1979, Itaipu havia sido o pivô de sérios desentendimentos entre eles, mas com
esse convite, definitivamente, foram sepultadas as rivalidades e as desconfianças.
Alfonsín e Sarney ao vislumbrarem a conformação de um mercado comum no
Cone Sul, inspiravam-se no modelo europeu de integração regional, o qual em seu
início tivera fortes traços neofuncionalistas. Pensavam que, assim como o processo
europeu iniciara com os acordos
80
relativos ao carvão, ao aço e à energia nuclear, a
integração no Cone Sul deveria ser setorial, pontual, segmentada, equilibrada,
solidária e compensada. O Modelo de uma Economia Integrada, elaborado no final
de 1980, pelo economista e Secretário de Indústria e Comércio Exterior de Alfonsín,
80
O marco inicial do processo de integração europeu foi a Comunidade Européia do Carvão e do Aço
(CECA) instituída pelo Tratado de Paris (1951). Já o Tratado de Roma (1957) estabeleceu a
Comunidade Econômica Européia e a Comunidade Atômica (Euratom) (EVANS; NEWHAM, 1998).
157
Roberto Lavagna, sintetizava o futuro formato que a cooperação e a integração entre
o Brasil e a Argentina deveriam assumir.
Influenciados, portanto, pela concepção européia de integração regional, os
Presidentes do Brasil e da Argentina, declararam que a união dos dois países não
deveria ser vista pelos demais países da região como a soma de forças das duas
maiores economias sul-americanas para dominar os demais. O Presidente uruguaio,
Júlio Maria Sanguinetti, apoiou a aproximação de seu país com a Argentina e o
Brasil e, passando a participar de todas as reuniões celebradas entre os dois países.
Isso colaborou significativamente para o estreitamento dos vínculos entre os três
países, levando, anos mais tarde, à adesão uruguaia ao projeto de integração do
Mercosul
81
.
5.4 A Declaração de Iguaçu: um novo projeto de integração regional
A Argentina e o Brasil assinaram a Declaração de Iguaçu, em 30 de
novembro de 1985, numa conjuntura de crise do nacional-desenvolvimentismo na
América Latina. Cada um deles, todavia, havia atingido graus de desenvolvimento
econômico e de dinamismo industrial distintos. O Presidente Alfonsín, na ocasião,
afirmou que “la armonización de políticas entre ambos países no implica la
homogeneización de sus respuestas” (CISNEROS; ESCUDÉ, 2005).
A Declaração, composta por 32 pontos, fazia uma descrição das
coincidências de ambos governos em temas bilaterais, regionais e internacionais,
tanto de natureza política como econômica.
Inicialmente, descreve-se a solenidade de inauguração da Ponte Internacional
Presidente Tancredo Neves, entre Porto Meira (Brasil) e Puerto Iguazú (Argentina),
homenagem e reconhecimento à trajetória política de Tancredo. A nova ponte era a
primeira obra realizada pelo Brasil e pela Argentina, desde 1947, quando foi
81
Segundo o La Nación, a realização de um encontro entre os três presidentes já estava sendo
estudada pelas chancelarias, que aguardavam apenas o momento mais propício para dar icio à
organização do encontro. (UN POSIBLE, 1985). Especulava-se na época em realizar o mesmo na
costa uruguaia, na Fortaleza de Santa Teresa, próximo à fronteira com o Brasil. A agenda prevista
para o evento seria vasta, porém teria como elemento central à integração futura dos três países e a
unidade latino-americana. A pesquisa à bibliografia existente e também aos registros disponíveis na
internet não faz menção alguma à realização deste encontro.
158
inaugurada a ponte entre Uruguaiana e Paso de los Libres. Simbolizou, portanto, um
importante avanço no processo de integração física entre os dois países.
Os dois Chefes de Estado concordavam que a difícil situação econômica da
América Latina era o resultado do endividamento externo, do protecionismo
comercial dos países desenvolvidos, da constante deterioração dos termos de
intercâmbio e do elevado montante de recursos dos países em desenvolvimento
enviados ao exterior para atender aos compromissos gerados por suas dívidas.
Ambos consideravam que a América Latina deveria adotar estratégias de ação
coordenada com vistas a reforçar o poder de negociação nos diferentes cenários
internacionais, adquirindo maior autonomia e tornando-se menos vulneráveis as
decisões tomadas fora da região. A conjugação de esforços de ambos países era
considerada essencial para avançar na cooperação e na integração dos países da
região.
O Consenso de Cartagena, importante foro de discussões dos países latino-
americanos acerca da temática da dívida externa, foi defendido pelos Presidentes.
Ambos afirmaram que as discussões ocorridas em seu âmbito deveriam ser
aprofundadas para encontrar saídas para a crise que se abatia sobre a região desde
o início da década de 1980. Uma posição concertada obteria maior atenção das
autoridades governamentais e econômicas dos países desenvolvidos, bem como do
sistema financeiro internacional. A superação dessa grave crise era condição
necessária para que os governantes da região pudessem se dedicar integralmente à
consolidação das democracias e ao desenvolvimento econômico.
Os dois Presidentes cientes da importância da ação conjugada para a
resolução dos entraves ao desenvolvimento econômico, e para a promoção do
aproveitamento racional dos recursos naturais da Bacia do rio da Prata, declararam
sua disposição de apoiar ações bilaterais e multilaterais para dar cumprimento aos
objetivos previstos no Tratado de Brasília, assinado em 23/04/1969 por Brasil,
Argentina, Bolívia, Paraguai e Uruguai.
A malograda incursão argentina nas Malvinas foi alvo de especial atenção na
Declaração. Discutiram-se temas relativos à segurança hemisférica, à militarização
do Atlântico Sul e ao próprio papel da OEA (Organização dos Estados Americanos),
maculado após os Estados Unidos haverem negado apoio à Argentina durante o
conflito com a Grã-Bretanha pela posse do arquipélago, permanecendo aliados aos
159
britânicos. O Presidente Sarney sublinhou o apoio histórico do Brasil à soberania
argentina sobre as ilhas, defendeu a busca de uma solução pacífica para a questão
e demonstrou confiança no reinício das discussões entre a Argentina e a Grã-
Bretanha, asseverando que o mesmo deveria ser realizado no âmbito das Nações
Unidas. O Presidente Alfonsín reconheceu o apoio brasileiro, manifesto na atuação
do Brasil como potência protetora dos interesses da Argentina junto ao Reino Unido.
Os dois Chefes de Estado defenderam a revitalização e dinamização da OEA e a
manutenção do Atlântico Sul como zona de paz e cooperação, opondo-se a
qualquer tentativa de militarização da área em virtude da importância da mesma
para os povos sul-americanos e sul-africanos.
Tanto a Argentina como o Brasil, ambos em processo de consolidação
democrática, reiteraram que estavam dadas as condições propícias para o
fortalecimento dos vínculos nos mais diversos âmbitos e para a intensificação das
ações conjuntas no plano internacional. Para tanto, comprometeram-se em manter
um diálogo freqüente entre ambos, fundamental para o avanço do processo de
integração regional, do qual deveriam participar todos os setores sociais.
Com vistas a concretizar seu objetivo de cooperação e integração, foi criada a
Comissão Mista de Alto Nível para Cooperação e Integração Econômica Bilateral,
cuja presidência seria exercida pelos Ministros das Relações Exteriores. Integravam
a Comissão, representantes dos governos e de setores empresariais dos dois
países. No dia 30 de junho de 1986, os membros da Comissão deveriam apresentar
um relatório com as medidas destinadas a aprofundar os vínculos de cooperação e
integração econômica, especialmente nas seguintes áreas: complementação
industrial, energia, transportes, comunicações, desenvolvimento científico e
tecnológico e comércio, tanto bilateral quanto com terceiros mercados.
As quatro Subcomissões que integravam a Comissão eram: Transportes,
Energia, Ciência e Tecnologia e Assuntos Econômicos e Comerciais.
A Primeira foi encarregada de analisar as conexões viárias e ferroviárias, os
portos, as possibilidades de navegação e os pontos de fragilidade existentes em
todas as modalidades de transporte e também na área das comunicações, que
pudessem representar empecilho ao avanço da integração.
À Subcomissão de Energia coube coordenar a realização de projetos
conjuntos na área. Ela foi encarregada de analisar a viabilidade do fornecimento de
160
gás natural argentino para o Brasil, e de possíveis ações de complementação na
prospecção e na exploração de petróleo e tamm no comércio de combustíveis. A
energia hidrelétrica, também, foi objeto de deliberações relativas ao aproveitamento
hidrelétrico conjunto de rios da Bacia do Prata (Garabi e Pichi-Picun-Leufu), visando
atingir a complementação dos sistemas energéticos do Brasil e da Argentina.
A Subcomissão de Ciência e Tecnologia, representativa da importância
concedida pelos dois Presidentes ao tema, deveria fomentar a cooperação com
vistas à aplicação de inovações decorrentes do avanço no campo científico-
tecnológico, em áreas como metrologia, florestamento, atividades espaciais,
agricultura, comunicações, saúde, biotecnologia e energia nuclear, consideradas
muito importantes para o desenvolvimento econômico e social dos dois países, e
para que ambos pudessem ocupar espaços e avançar de modo conjunto sob o
modelo técnico-econômico que vigorava em escala mundial.
A Subcomissão de Assuntos Econômicos e Comerciais foi encarregada de
expandir, diversificar e agregar valor ao comércio bilateral, de buscar o equilíbrio das
trocas comerciais entre ambos, de fomentar a cooperação econômica e comercial e
de atingir a integração e a complementação das estruturas industriais dos dois
países. Os acordos comerciais que haviam sido assinados pela Argentina e pelo
Brasil, em julho e agosto de 1985, destinados a expandir as compras brasileiras de
petróleo e trigo, foram citados por Sarney e Alfonsín como exemplos da vontade
política e da determinação de seus governos de aprofundarem a cooperação
econômica e comercial, e de atingirem um maior equilíbrio no comércio entre o Brasil
e a Argentina.
A Declaração Conjunta sobre Política Nuclear, de 30/11/1985, manifestação
da união de forças no campo nuclear, constituiu-se numa iniciativa de grande
importância para a cooperação argentino-brasileira e para o desenvolvimento
científico-tecnológico dos dois países. A Declaração sobre Política Nuclear
expressava a convicção dos Presidentes Sarney e Alfonsín de que os Estados
deveriam estimular o desenvolvimento da tecnologia nuclear, fundamental para que
países periféricos como a Argentina e o Brasil conseguissem atingir certo grau de
inserção na competitiva cena econômica e tecnológica internacional, dotados de
certa autonomia e dinamismo.
161
A Declaração de Iguaçu, marco no processo de aproximação entre a
Argentina e o Brasil, na década de 1980, representou a última tentativa de
implementação dos respectivos projetos de desenvolvimento inspirados pelo ideário
nacional-desenvolvimentista.
Em primeiro lugar, é importante atentar às orientações ideológicas dos
governos Sarney e Alfonsín.
As principais idéias constantes no programa político do governo de José
Sarney (primazia da liberdade, retomada do desenvolvimento econômico, afirmação
da soberania e defesa da integridade cultural) eram, em termos ideológicos,
moderadamente, de centro-esquerda. Em termos econômicos, reconheciam-se as
vantagens de uma economia dotada de abertura comercial limitada e dinamizada
pelo setor privado, mas que dependia da ação do Estado para regular e corrigir as
distorções de mercado e defender os valores sociais e nacionais (GOVERNO...,
1985).
Na Argentina, o governo Alfonsín (UCR) também apresentava uma tendência
centro-esquerda moderada. No início do governo, houve uma forte inspiração
desenvolvimentista-cepalina na política econômica, expressa nas idéias e ações
levadas a efeito pela equipe econômica liderada por Bernardo Grinspun, que
preconizaram o aumento do gasto público, especialmente em áreas como habitação,
saúde e saneamento, a concessão de aumentos salariais aos trabalhadores e o
controle de preços (CISNEROS; ESCUDÉ, 2005). O principal assessor econômico
do Presidente Alfonsín era o economista da CEPAL, Adolfo Canitrot. Durante o
governo Alfonsín foram desenvolvidos ainda importantes mecanismos que
asseguravam uma maior regulão estatal sobre a economia e seu funcionamento,
algo que havia sido abolido durante o período em que vigorou a ditadura, 1976-
1983. Outra importante preocupação do governo Alfonsín dizia respeito ao
lamentável estado em que se encontrava a indústria argentina após o período
militar. O Presidente e sua equipe atribuíam à industrialização um papel fundamental
na trajetória rumo ao desenvolvimento econômico. No caso argentino, naquele
momento, havia a necessidade do estabelecimento de uma política deliberada de
reindustrialização. E o modelo adotado pelo governo Alfonsín, concebido por
Roberto Lavagna, em 1980, concedia papel estratégico a uma futura e necessária
política de complementaridade industrial com o Brasil.
162
A política externa brasileira era guiada, desde a década de 1960, salvo raras
exceções, pelas concepções nacional-desenvolvimentistas. O forte crescimento
econômico experimentado pelo Brasil e as suas inúmeras demandas justificaram a
eleição do desenvolvimento como o vetor da ação da diplomacia brasileira até o final
da década de 1980. Havia a necessidade de ampliar os mercados externos para a
crescente e diversificada produção industrial, agrícola e de serviços. A diplomacia
brasileira tamm se articulou para atrair tecnologia avançada com vistas a capacitar
a indústria nacional a produzir bens de maior valor agregado (CERVO, 1994).
No caso argentino, coube ao novo governo, por meio de nomes como Raúl
Alconada Sempé e Dante Caputo, orientar a ação da diplomacia argentina nesse
sentido. Assim, a estrutura do San Martin foi reorganizada com vistas à consecução
das novas diretrizes de ação externa do governo radical. A prioridade concedida
pela nova administração ao processo de estreitamento de vínculos com o Brasil era
total. A ação justificava-se em dois planos: no interno, havia a necessidade premente
de recuperação da economia, o que passava pela implementação de uma política de
reindustrialização; em âmbito externo, a Argentina encontrava-se absolutamente
marginalizada e desacreditada perante a comunidade internacional.
A Declaração de Iguaçu reuniu, portanto, as principais teses do nacional-
desenvolvimentismo. Ela consagrou o papel dos Estados. Tanto a Comissão Mista
quanto as quatro Subcomissões foram presididas por funcionários governamentais,
com a participação dos setores privados afins. A importância da ação estatal, em
consonância com o setor privado, em áreas como comércio, complementação
industrial, energia, ciência e tecnologia, transportes e comunicações, de fundamental
importância para alavancar os processos de desenvolvimento econômico foi
reafirmada na Declaração.
Em ambos países, com maior ênfase na Argentina, havia a necessidade de
alterar qualitativamente a pauta de comércio exterior, ainda muito concentrada em
itens de menor conteúdo tecnológico e de baixo valor agregado. A Argentina
visualizava, a partir da assinatura da Declaração, a conformação de um espaço
econômico comum com dimensões suficientes para absorver a futura produção
industrial que seria gerada a partir dos acordos de complementação industrial a
serem assinados com o Brasil a partir do ano seguinte, 1986 (fruto dos trabalhos da
Comissão e das Subcomissões). Seria o caminho para a desejada e necessária
163
reindustrialização do país. Os ganhos advindos da cooperação e da integração das
estruturas industriais dos dois países possibilitariam a ambos conquistar novos
mercados internacionais e aumentar as exportações em termos quantitativos e
qualitativos, o que resultaria em expressivos ganhos para ambas sociedades em
termos de desenvolvimento econômico.
Os dois governos reconheciam, tamm, a importância de estarem à frente
de projetos de infra-estrutura física capazes de criar as condições para o
desenvolvimento econômico. Havia a vontade política e a disposição para o
desenvolvimento de ações e projetos conjuntos em investimentos tais como: usinas
hidrelétricas, sistemas de interconexão energética e outros relativos à integração
física (pontes e rodovias).
A Argentina e o Brasil, a partir da correta percepção acerca do momento
econômico que ambos estavam experimentando e do acirramento das condições de
concorrência internacional impostas pela emergência do novo modelo técnico-
econômico, decidiram concentrar esforços na pesquisa e aplicação conjunta dos
novos campos que estavam emergindo nos domínios da ciência e da tecnologia. A
atuação concertada de universidades, institutos de pesquisas e empresas dos dois
países possibilitaria a ambos importantes ganhos, tais como a atualização
tecnológica e a melhoria das condições de competitividade dos respectivos parques
industriais. Assim, setores dotados de elevado conteúdo tecnológico e com forte
capacidade de difusão de progresso técnico, tais como a biotecnologia, a energia
nuclear, a informática e a indústria aeroespacial foram consideradas prioritárias pela
Declaração.
Conforme preconizava o nacional-desenvolvimentismo, no âmbito das
relações econômicas internacionais, caberia aos Estados apoiar todas as iniciativas
que tivessem por objetivo o fomento à cooperação e à integração entre os países
latino-americanos, de modo que a atuação de modo conjunto pudesse conceder aos
mesmos, melhores condições de inserção na cena internacional, tanto em termos
políticos como econômicos. Os Presidentes do Brasil e da Argentina, ao assinarem a
Declaração de Iguaçu, estavam absolutamente cientes da importância de promover
novas e inovadoras políticas de cooperação e integração regional, asseverando ser
esta uma tarefa dos governos, ressaltando, porém, que o esforço deveria contar,
164
tamm, com a fundamental participação de amplos setores das sociedades civis
brasileira e argentina.
Em suma, os acordos celebrados entre a Argentina e o Brasil, a partir de
novembro de 1985, foram dotados de forte conteúdo cepalino e desenvolvimentista.
Os mesmos resultaram de políticas concebidas pelos Estados, que buscavam
desencadear um processo de integração programado e cuja coordenação ficaria a
cargo dos governos, coadjuvados pela sociedade civil. Este processo teria como
características principais a realização de acordos setoriais, a redução tarifária
gradual, a especialização intra-industrial e o apoio a setores estratégicos (alta
tecnologia e bens de capital). A Declaração de Iguaçu representou, portanto, o
marco fundacional de todo esse processo (FERRER, 2004).
6 CONCLUSÃO
Este estudo buscou analisar as razões, as circunstâncias e os interesses que
levaram a Argentina e o Brasil - num inédito esforço de concertação e superação de
seculares sentimentos de rivalidade e suspicácia, além de uma onipresente hipótese
de conflito - a dar início a um processo de cooperação, cujo marco foi a assinatura
da Declaração de Iguaçu.
Segundo Mariano e Vigevani:
Cabe assinalar que as negociões iniciadas em 1985, entre os
governos de Alfonsín e Sarney visavam o fortalecimento das
economias nacionais, numa perspectiva desenvolvimentista,
considerando que a ampliação do mercado interno e a emulação
entre empresas dos dois países viriam fortalecer as duas economias.
As preocupações com os temas da abertura comercial ao mundo
externo e da competitividade global surgiriam mais tarde. Atingir
progresso técnico e econômico, simultaneamente à consolidação
democrática, aparentemente passou a ser a finalidade dos governos
democráticos desses países, assim como a promoção do aumento
de suas capacidades competitivas dentro do mercado mundial
(MARIANO; VIGEVANI, 2000, p. 52-53):
A pesquisa revelou as circunstâncias que tornaram possível a aproximação
da Argentina e do Brasil em 1985. A assinatura dos Acordos Itaipu-Corpus (1979) e
de Cooperação Nuclear (1980) e o apoio brasileiro à Argentina durante a Guerra das
Malvinas (1982) revelaram-se decisivos. Tensões antigas e arraigadas reduziram-se,
165
estabeleceu-se o diálogo, e a busca de convergências passou a ser uma
preocupação de ambas diplomacias.
Um fato de particular relevância na definição dos rumos da economia
argentina foi a influência do pensamento dos economistas da Escola de Chicago.
Martinez de Hoz foi seu representante mais destacado, cabendo a ele o
desembarque definitivo na Argentina de idéias de corte liberal e ortodoxo, o que
levou a abertura ampla da economia do país ao mercado internacional.
O processo de liberalização, considerado necessário para dinamizar e tornar
competitiva a economia da Argentina, eliminou setores alegadamente não-
competitivos, cuja produção foi substituída por importações. Os governos militares
procederam a uma completa revisão das políticas e programas de estímulo à
indústria, decretando a redução das alíquotas de importação de inúmeros produtos
industriais.
Motivos de natureza política escondiam-se atrás dessas medidas
econômicas, considerados por muitos analistas, importantes para explicar a atuação
dos governos militares argentinos. O mais importante deles era a decisão de eliminar
o peronismo como ator político. O peronismo era o inimigo, e o desmonte da
indústria minaria sua base de apoio: o trabalhador industrial.
Um processo de desindustrialização foi desencadeado, fechando-se milhares
de empresas. O caos econômico e social resultante, as perseguições políticas,
prisões, torturas e os milhares de pessoas desaparecidas (figuras consideradas
prejudiciais ao governo militar, em virtude de sua oposição ao governo) instauraram
no país um clima de ingovernabilidade.
A situação da economia argentina deteriorou-se, ainda mais, com a
malograda aventura das Malvinas, que transformou a Argentina em uma espécie de
pária na comunidade internacional. Raúl Alfonsín, consagrado pelas urnas, assumiu
o poder em dezembro de 1983, com a difícil missão de recuperar uma nação ferida
em seus valores básicos, economicamente esfacelada e desacreditada
internacionalmente. Os desafios e pressões que se colocaram ao novo governo
argentino eram de tal dimensão e complexidade que, em breve, revelar-se-iam
impossíveis de serem resolvidos sem a cooperação de seus vizinhos.
O Brasil, cuja redemocratização havia iniciado em 1985, tamm atravessava
crise econômica e, como a Argentina, ainda tinha vivas as lembranças do período
166
militar (ausência de liberdade, censura, torturas e prisões políticas). No entanto, a
política econômica adotada pelos governos militares, marcada pela linearidade e
pelo pragmatismo, inspirada no ideário nacional-desenvolvimentista, havia tido
resultados mais propícios do que os resultantes da implantação do ideário liberal na
Argentina. Os principais indicadores econômicos revelavam um desempenho notável
da atividade econômica, cujo ritmo de crescimento foi um dos maiores, em termos
mundiais, no período 1960-1980.
A Argentina e o Brasil inauguraram a década de 1980 fortemente endividados.
Os dois países aproveitaram o período de grande liquidez que perdurou durante boa
parte da década de 1970, quando o sistema financeiro internacional foi fartamente
abastecido com os “petrodólares”. As razões do endividamento, todavia, são
diferentes nos dois países.
No caso da Argentina, utilizou-se o recurso do endividamento externo,
principalmente, para o pagamento de despesas de importação de bens de consumo.
O Brasil, ao contrário, destinou parcela significativa dos empréstimos para a
ampliação de sua infra-estrutura industrial.
A conjuntura econômica internacional no início da década de 1980 penalizou
fortemente as economias endividadas como a Argentina e o Brasil. O protecionismo
comercial dos países desenvolvidos recrudescera, em 1979 ocorrera o segundo
Choque do Petróleo e, finalmente, no início da década de 1980, as taxas de juros
internacionais foram bruscamente elevadas.
Assim, quando em 1985, os Presidentes Alfonsín e Sarney deram os
primeiros passos para sua aproximação, tiveram como objetivo apoiar-se
reciprocamente nessa conjuntura tão desfavorável para ambos países. A
preservação e o fortalecimento das democracias, a melhoria das condições de
inserção internacional das duas economias e a necessidade de uma saída para suas
graves crises econômicas, estimularam os dois Presidentes a dar início a um
processo de cooperação.
A aproximação do Brasil à Argentina tinha um sentido mais político-
estratégico do que econômico. O país necessitava incrementar sua inserção
internacional, reforçando seu poder de negociação; ampliar sua autonomia política e
defender seus interesses e os dos demais países da América Latina.
167
Para a Argentina, o estreitamento de laços com o Brasil, além das motivações
de natureza político-diplomática, tinha, principalmente, razões de ordem econômico-
comercial. O país, cujo parque industrial havia sofrido expressiva contração, via na
cooperação com o Brasil a oportunidade de recuperá-lo. Em 1980, o Secretário de
Indústria e Comércio do governo Alfonsín, o economista Roberto Lavagna,
recomendava a abertura econômica, o aumento da participação do Estado e o
estabelecimento de relações privilegiadas com os países vizinhos, principalmente
com o Brasil. Tal estratégia visava estimular a complementaridade industrial e a
cooperação em áreas estratégicas, como a energia, os transportes, as
telecomunicações e o comércio.
As negociações que levaram a assinatura da Declaração de Iguaçu, durante o
ano de 1985, foram habilmente conduzidas pelas chancelarias dos dois países, mas
não contaram com a participação da sociedade civil. A análise da correspondência
diplomática (telegramas, ofícios e memorandos), revelou a participação de técnicos
e funcionários vinculados a diversas esferas governamentais, como Secretarias e
Ministérios das áreas de Ciência e Tecnologia, Minas e Energia, Indústria e
Comércio, Fazenda, Planejamento, Transportes e Educação, entre outras.
O texto da Declaração, obra das chancelarias, revela a permanência de idéias
herdadas do nacional-desenvolvimentismo, como a forte e decisiva participação
atribuída aos Estados, tanto no campo econômico-comercial, como no da infra-
estrutura (transportes, energia e comunicações). Igualmente, ressaltava-se a
necessidade dos investimentos públicos nos campos da ciência e da tecnologia. O
fortalecimento das economias nacionais e a ampliação dos mercados internos,
através da cooperação e da integração, da complementaridade industrial e
energética e de fortes investimentos conjuntos em ciência e tecnologia deveriam
constituir metas a serem atingidas de forma solidária por ambos países.
Pela primeira vez, na história das relações Argentina-Brasil, foi prevista a
criação de órgãos encarregados de propor e examinar programas, projetos e novas
formas de integração econômica. A Comissão Mista de Alto Nível e suas quatro
Subcomissões foram encarregadas de apresentar, num prazo de seis meses, um
cronograma e as metas para a cooperação e integração Argentina-Brasil. Esta
inovação constituiu-se num importante avanço, pois, pela primeira vez,
incorporavam-se representantes da sociedade civil nas negociações, buscando
168
dinamizar e autonomizar a atuação da Comissão de interesses conjunturais. Era um
núcleo funcional, como o apontado pelos teóricos do neofuncionalismo, em suas
análises do processo de integração da Europa, em sua fase inicial (carvão, aço e
energia nuclear).
A integração buscada pelos Presidentes da Argentina e do Brasil revelava
forte inspiração européia. Tal como na Europa, os Presidentes almejavam criar um
mercado comum que, em um prazo de dez anos, tornasse realidade a integração
econômica, cultural e política dos dois países. Nas palavras do próprio Presidente
José Sarney:
Desenhamos um plano geral de mecanismos bilaterais com vistas ao
grande projeto: comissões parlamentares que acompanhassem as
decisões, grupos do setor civil, um banco de compensações e até
uma moeda comum - o gaúcho -, já que nenhum espaço econômico
no mundo pode defender-se ou existir sem uma moeda comum
(SARNEY, 2001, p. 44).
Ao assinarem a Declaração de Iguaçu, ambos Presidentes nutriam grande
expectativa e otimismo em relação ao futuro do projeto integracionista. Suas metas
eram ousadas: pretendiam criar novos fluxos de comércio pelo aproveitamento das
vantagens comparativas intra-setoriais, substituindo fornecedores de terceiros
países. Existia uma forte preocupação em adaptar os respectivos parques industriais
às novas condições de competitividade internacional, algo que, segundo os
governos, engajaria o empresariado à lógica integracionista, permitindo o avanço e o
aprofundamento do processo, ampliando dessa forma sua ramificação (MARIANO;
VIGEVANI, 2000).
O spillover ou ramificação do processo, desencadeado pela Declaração de
Iguaçu manifestou-se na elaboração e assinatura, até 1989, de mais de trinta
instrumentos bilaterais (acordos setoriais, convênios, memorandos, protocolos, entre
outros), abarcando um espectro crescente e diversificado de setores (bens de
capital, produtos agrícolas, biotecnologia, energia nuclear, siderurgia, indústria de
alimentos, indústria automobilística, transportes, administração pública, comércio,
constituição de empresas binacionais, além de muitos outros).
O ano de 1989 representou o fim do período de otimismo inaugurado pela
Declaração de Iguaçu. Nesse ano ocorreu a eleição de Carlos Menem na Argentina,
e no ano seguinte, tomou posse, no Brasil, Fernando Collor de Mello, ambos
169
considerados os “coveiros” do projeto nacional-desenvolvimentista, que seus
antecessores haviam tentado dar sobrevida através do projeto inaugurado em Foz
do Iguaçu.
A Declaração de Iguaçu deflagrou um processo virtuoso de cooperação e
integração entre o Brasil e a Argentina, que se estendeu, vertical e horizontalmente,
sobre áreas e temas diversos, mas, principalmente, transformou as relações entre os
dois países. O “espírito de Foz do Iguaçu” não solucionou todos os problemas
existentes entre os dois países. Ele, no entanto, introduziu nas relações bilaterais
uma nova forma de diálogo, baseada na confiança, na busca da convergência e na
convicção de que os interesses nacionais e regionais podiam chegar a ser
compatíveis.
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João Hermes Pereira de Araújo ao MRE. Informe, Buenos Aires, 02 de julho de
1985, n. 243, Arquivo Histórico MRE, Brasilia.
João Hermes Pereira de Araújo ao MRE. Informe, Buenos Aires, 11 de novembro de
1985, n. 449, Arquivo Histórico MRE, Brasilia.
Legação da Argentina em Brasilia ao MRE. Ofício, Brasília, 22 de agosto de 1985, n.
257, Arquivo Histórico MRE, Brasilia.
Legação da Argentina em Brasilia ao MRE. Ofício, Brasília, 30 de dezembro de
1985, n. 359, Arquivo Histórico MRE, Brasilia.
Legação em Berna ao MRE. Ofício, Berna, 29 de setembro de 1980, n.240, Arquivo
Histórico MRE, Brasilia.
Legação em Buenos Aires ao MRE, telegrama urgente (of.01547A), 19 de junho de
1979, Arquivo Histórico MRE, Brasilia.
Legação em Buenos Aires ao MRE, telegrama (of.03425A), 28 de dezembro de
1979, Arquivo Histórico MRE, Brasilia.
Legação em Buenos Aires ao MRE, telegrama (of.02974A), 13 de novembro de
1979, Arquivo Histórico MRE, Brasilia.
Legação em Buenos Aires ao MRE, telegrama (of.03425A), 28 de dezembro de
1979, Arquivo Histórico MRE, Brasilia.
Legação em Buenos Aires ao MRE, telegrama (of.008Z), 02 de janeiro de 1980,
Arquivo Histórico MRE, Brasilia.
Legação em Buenos Aires ao MRE, telegrama (of.00021A), 03 de janeiro de 1980,
Arquivo Histórico MRE, Brasilia.
Legação em Buenos Aires ao MRE, telegrama (of.00805A), 26 de março de 1980,
Arquivo Histórico MRE, Brasilia.
184
Legação em Buenos Aires ao MRE, telegrama (of.00433Z), 07 de março de 1981,
Arquivo Histórico MRE, Brasilia.
Legação em Buenos Aires ao MRE, telegrama (of.00527Z), 18 de março de 1981,
Arquivo Histórico MRE, Brasilia.
Legação em Buenos Aires ao MRE, telegrama (of.00943A), 12 de maio de 1981,
Arquivo Histórico MRE, Brasilia.
Legação em Buenos Aires ao MRE, telegrama (of.01065A), 25 de maio de 1981,
Arquivo Histórico MRE, Brasilia.
Legação em Buenos Aires ao MRE, telegrama (of.01067A), 25 de maio de 1981,
Arquivo Histórico MRE, Brasilia.
Legação em Buenos Aires ao MRE, telegrama (of.01280A), 17 de junho de 1981,
Arquivo Histórico MRE, Brasilia.
Legação em Buenos Aires ao MRE, telegrama (of.00151A), 23 de janeiro de 1982,
Arquivo Histórico MRE, Brasilia.
Legação em Buenos Aires ao MRE, telegrama (of.01831A), 06 de julho de 1982,
Arquivo Histórico MRE, Brasilia.
Legação em Buenos Aires ao MRE, telegrama (of.03409A), 11 de dezembro de
1983, Arquivo Histórico MRE, Brasilia.
Legação em Buenos Aires ao MRE, telegrama (of.00232Z), 25 de janeiro de 1984,
Arquivo Histórico MRE, Brasilia.
Legação em Buenos Aires ao MRE, telegrama (of.00663A), 02 de março de 1984,
Arquivo Histórico MRE, Brasilia.
Legação em Buenos Aires ao MRE, telegrama (of.01366A), 10 de maio de 1984,
Arquivo Histórico MRE, Brasilia.
Legação em Buenos Aires ao MRE, telegrama (of.01404Z), 14 de maio de 1984,
Arquivo Histórico MRE, Brasilia.
Legação em Buenos Aires ao MRE, of.301, 07 de agosto de 1985, Arquivo Histórico
MRE, Brasilia.
Legação em Buenos Aires ao MRE, of.381, 24 de setembro de 1985, Arquivo
Histórico MRE, Brasilia.
Legação em Buenos Aires ao MRE, of.421, 15 de outubro de 1985, Arquivo Histórico
MRE, Brasilia.
Legação em Buenos Aires ao MRE, of.487, 09 de dezembro de 1985, Arquivo
Histórico MRE, Brasilia.
185
Legação em Londres ao MRE, telegrama (of. 00228A), 13 de março de 1982,
Arquivo Histórico MRE, Brasilia.
MRE às missões diplomáticas e repartições consulares, circular postal, Brasilia, 23
de maio de 1980, n. 6440, Arquivo Histórico MRE, Brasilia.
MRE às missões diplomáticas e repartições consulares, circular postal, Brasilia, 10
de dezembro de 1980, n. 6691, Arquivo Histórico MRE, Brasilia.
MRE à legação em Buenos Aires, telegrama urgentísimo, Brasilia, 22 de maio de
1981, n. 475, Arquivo Histórico MRE, Brasilia.
MRE à legação em Assunção, telegrama urgente, Brasilia, 29 de outubro de 1984, n.
586, Arquivo Histórico MRE, Brasilia.
Olavo Egydio Setúbal a José Sarney. Informe, Brasília, 07 de novembro de 1985, n.
145, Arquivo Histórico MRE, Brasilia.
APÊNDICE A - Cronologia das Relações Argentino-Brasileiras
82
1776 - Estabelecimento pela Coroa Espanhola, do Vice-Reinado do Rio da Prata,
sendo Buenos Aires a sua capital.
1810/16 e 1822 - Processos de independência da Argentina e do Brasil. Hostilidades
herdadas das disputas geopolíticas entre os reinos ibéricos na região Platina. A
diferença de regimes políticos – monárquico (Brasil) e republicano (Províncias
Unidas do Rio da Prata), será um fator adicional de desconfiança nas relações
bilaterais.
1828 - Independência do Uruguai. O primeiro foco de tensão entre as duas nações
independentes surge na região da Banda Oriental. Em 1828, foi assinado um tratado
de paz, mediante o qual a Banda Oriental tornava-se independente.
82
Traduzida e adaptada pelo autor a partir da Cronologia Comentada das Relações entre o Brasil e a
Argentina. Disponível em: < http://www.brasil.org.ar/archivos/cronologia.pdf>.
.
186
1833 – O Reino Unido invade as Ilhas Malvinas. O Governo Regencial Brasileiro,
após solicitação de apoio pela Argentina, enviou instruções ao Ministro Brasileiro em
Londres para que o mesmo coadjuvasse a Argentina. Estava definida a posição
brasileira quanto à soberania argentina sobre as Malvinas.
1843 – Ocorre a primeira grande aliança entre o Brasil e a Argentina. Em 1843, em
virtude da Revolução Farroupilha (sul do Brasil), o Império (então governado por
Dom Pedro II) procura selar aliança com a Confederação Argentina com vistas a
limitar a ação dos insurgentes e impedir uma possível ingerência inglesa no conflito.
1844 – Brasil reconhece a independência do Paraguai.
1844 – Despontam as primeiras idéias sobre uma possível integração Brasil-
Argentina. Juan Bautista Alberdi, autor da obra "Bases y puntos para la organización
de la República Argentina", documento que inspirou a Constituição Argentina de
1853, apresenta projeto, em artigo publicado na imprensa chilena, de união
aduaneira e comercial cujos integrantes seriam, além da Argentina: o Uruguai, o
Brasil, o Paraguai, a Bolívia e o Chile.
1851 - Guerra contra Rosas. O Governo Brasileiro busca atrair o Governador da
Província de Entre Rios, Justo José de Urquiza, para sua esfera de influência. A
manobra diplomática permite afirmar, frente aos vizinhos sul-americanos e ao resto
do mundo, que a guerra não seria contra a Confederação Argentina, mas contra o
ditador Juan Manuel de Rosas, o qual precipita a crise ao declarar o fim da livre
navegação dos rios da Confederação, o que é prejudicial aos interesses de Urquiza
e do Império Brasileiro. Em 18 de agosto de 1851, Rosas declara guerra ao Brasil.
Em 21 de novembro, formaliza-se a aliança entre Corrientes, Entre Rios, Uruguai e
Brasil contra a Confederação Argentina. A derrota de Rosas em Caseros permite um
significativo avanço institucional na Argentina: a Carta Constitucional de 1853.
1865-1870 - Guerra do Paraguai. O conflito marcou outro momento de aproximação
entre o Brasil e a Argentina.
1889 – Proclamação da República no Brasil. A Argentina foi o primeiro país a
reconhecer o novo regime brasileiro. A uniformidade de regimes políticos dissipa,
momentaneamente, as tensões, e permite que se instaure o respeito mútuo.
187
1895 – A região das Missões (Sul do Brasil, fronteira com a Argentina) é atribuída ao
Brasil por laudo arbitral, decisão prontamente acolhida pela Argentina.
1899-1900 – Ocorre o primeiro intercâmbio de visitas presidenciais entre os dois
países (Roca/Campos Salles).
1915 – Assinatura, pela Argentina, pelo Brasil e pelo Chile do "Tratado de Cordial
Inteligência Política e Arbitragem", a materialização do ABC idealizado por Rio
Branco.
1933-1935 - Intercâmbio de visitas entre Justo e Vargas, respectivamente, em 1933
(ida do Presidente argentino ao Rio de Janeiro) e em 1935 (Vargas a Buenos Aires),
propicia momento de convergência importante. Em 1933, são assinados vários
convênios sobre temas diversos (intercâmbio cultural e turístico, acordos e tratados,
entre os quais o de Comércio e Navegação e um protocolo adicional, que solucionou
o impasse que havia a respeito do comércio da erva-mate e do trigo). O ato de maior
repercussão foi o Tratado Anti-Bélico de Não-Agressão e de Conciliação, assinado
pelo Brasil e pela Argentina, ao qual, mais tarde, quatro países aderiram: Chile (com
reservas), México, Paraguai e Uruguai.
1940 - Oswaldo Aranha vai a Buenos Aires, onde se estabelece um acordo
comercial que delineia os passos para a integração das duas economias.
1942-1945 – Brasil participa da Segunda Guerra Mundial. O impulso de
convergência tentado por Aranha e Pinedo, porém, não se sustentou, em virtude das
divergências nas posições dos dois países em relação ao conflito.
1946-1955 Período em que a Argentina é governada por Juan Domingo Perón,
defensor da idéia de organizar uma comunidade econômica e política a partir de
uma união aduaneira integrada pelos países da Bacia do Prata, inclusive Chile e
Peru. O Presidente argentino defendia sua tese integracionista, asseverando que
era necessária união em razão do futuro incerto, que se vislumbrava para a região.
Ele estava seguro que o ano 2000 encontraria a América Latina “unida ou
dominada".
1958-1962 – Governos de Frondizi (Argentina) e JK, Jânio e João Goulart (Brasil). O
Presidente argentino, ao viajar ao Brasil, revelou seu claro desejo de aproximar-se
do Brasil.
188
1961 – Encontro de Uruguaiana. Vigora a Guerra Fria, situação que, no continente
americano, tem sua maior manifestação na questão cubana. Os Presidentes Frondizi
e Jânio Quadros aproximam-se de forma intensa. Essa aproximação bilateral é
formalizada nos dias 20 e 22 de abril de 1961, em Uruguaiana (Rio Grande do Sul,
Brasil), onde são celebradas a Convenção de Amizade e Consulta e a Declaração
de Uruguaiana. Esse evento foi o de maior comunhão de interesses entre os dois
países até aquele momento. O acordo contemplava os planos político, econômico e
cultural, tinha o objetivo de coordenar posições com vistas a uma integração futura.
1962-1966 - Período em que ambos países sofrem golpes militares. Frondizi é
deposto em março de 1962, com apoio dos militares. É o fim do chamado “espírito
de Uruguaiana". João Goulart sofre o mesmo em março de 1964. Em 1966, na
Argentina, o Presidente Arturo Illia sofre novo golpe militar, o qual instaura no país
um regime autoritário similar ao do Brasil.
1966 - "Declaração de Bogotá", que traduzia a intenção de criar, no âmbito da
ALALC, um mercado sub-regional, que, posteriormente, com o Acordo de Cartagena
de 1969, deu origem ao Pacto Andino. A quebra da legalidade institucional
simultânea nos dois maiores países da América do Sul contribuiu para que Chile,
Equador, Peru e Venezuela, governos democráticos e com plataformas políticas de
caráter nacionalista e reformista, iniciassem entendimentos sub-regionais que
excluíam o Brasil e a Argentina.
1966 - Brasil e Paraguai assinam a "Ata das Cataratas" para o aproveitamento
conjunto dos recursos hidráulicos desde Sete Quedas até Foz de Iguaçu.
1966-1970 – Tem início o litígio em torno do aproveitamento dos rios internacionais
da Bacia do Prata e de Itaipu, o qual viria a permear as relações Brasil-Argentina
durante toda a década de 1970, gerando graves tensões. Distintas teses passam a
ser defendidas pelos dois países, em âmbito regional e internacional, quanto ao
regime jurídico dos rios internacionais. A Argentina sempre defendeu a
obrigatoriedade da consulta prévia aos países ribeirinhos, inclusive os que estiverem
à montante, para a execução de obras em rios internacionais.
1973- Brasil e Paraguai celebram, em 26/04/1973, o "Tratado para o aproveitamento
hidrelétrico dos recursos hídricos do Rio Paraná”, o "Tratado de Itaipu", etapa
irreversível para a concretização do empreendimento binacional.
189
1973-1979 Período caracterizado pela paralisação e por fortes tensões nas
relações Brasil-Argentina. É registrado apenas um acordo secundário entre os dois
Governos. A Comissão Especial Brasil-Argentina de Coordenação (CEBAC), criada
em 1965, deixa de se reunir (exceto a subcomissão de transportes). Em outubro de
1973, o breve retorno de Perón ao poder, na Argentina, marca uma tentativa de
distensão nas relações com o Brasil. No entanto, Perón falece em julho de 1974,
sendo sucedido por sua esposa, Maria Estela Martínez de Perón. O golpe de
Estado, em março de 1976, depõe Maria Estela. Inicia o Processo de Reorganização
Nacional, cujo primeiro mandatário é o General Jorge Rafael Videla, o qual prioriza
as relações com o Brasil, nomeando Oscar Camilión para o cargo de Embaixador
em Brasília. O relacionamento bilateral, porém, seguem tensas, especialmente em
virtude de alguns acontecimentos como: a) problemas de interpretação do Tratado
de 1856 (Tratado de Paz, Amizade, Comércio e Navegação); b) a interdição do túnel
Cuevas-Caracoles, na Cordilheira dos Andes, ao tráfego de caminhões pesados, os
quais transportavam mercadorias do Brasil para o Chile. A medida foi contestada
pelo Brasil, que anuncia o fechamento de suas fronteiras a 80% da frota de
caminhões da Argentina.
1979 – Em outubro ocorre a assinatura do "Acordo Tripartite de Cooperação
Técnico-Operativa" (Acordo Itaipu-Corpus), que compatibiliza os projetos
hidroelétricos de Itaipu e Corpus. É o epílogo de um período de acirramento de
tensões e rivalidades.
1980-1983 - Fase de aproximão intensa entre os dois regimes militares. Restituído
o bom clima de entendimento bilateral, ocorrem, em curto espaço de tempo, quatro
encontros presidenciais: em maio 1980, o Presidente Figueiredo realiza visita oficial
a Bueno Aires (a primeira visita de um Chefe de Estado brasileiro à Argentina desde
1935). O Presidente Videla retribuiu a visita três meses depois, em agosto do
mesmo ano. Em maio de 1981, há novo encontro, agora em Paso de los Libres,
entre Figueiredo e o novo Presidente argentino, General Viola, quando é criado um
grupo informal de trabalho de integração econômica, com vistas à adoção de
medidas de caráter econômico, comercial e institucional. Em 13 de janeiro de 1983,
o Presidente Figueiredo se encontra, em Porto Meira, com o General Bignone,
sucessor de Galtieri.
190
1980 – Assinatura do "Acordo de Cooperação para o Desenvolvimento e a Aplicação
dos Usos Pacíficos da Energia Nuclear", durante a visita de Estado de Figueiredo a
Buenos Aires, ato representativo em virtude de servir de plataforma aos avanços que
serão registrados anos mais tarde, em 1985, durante as presidências de Sarney e
Alfonsín, em termos da criação de confiança e cooperação nuclear.
1982 – Eclode a Guerra das Malvinas (2 de abril a 14 de junho de 1982), entre a
Argentina e o Reino Unido. O Brasil posiciona-se favoravelmente à Argentina. Essa
posição do governo brasileiro valeu-lhe o reconhecimento pela Argentina, a qual
confiou ao Brasil a defesa de seus interesses em Londres de 1982 a 1989.
1982 – Crise da dívida externa na América Latina, manifestada pelo colapso
financeiro do México, a segunda maior economia da região. Nos demais países, a
situação igualmente se deteriora rapidamente, com fortes quedas no crescimento
econômico (na Argentina, o PIB, entre 1980 e 1982, acumula queda de mais de
11%) e grande aumento das dívidas externas (as do Brasil e da Argentina, em
conjunto, ascendiam a mais de US$ 120 bilhões, em 1982).
1983 – Fim da ditadura militar argentina. Ocorre a redemocratização da Argentina.
Raúl Alfonsín é eleito pelo voto direto. Considera-se que o impulso definitivo para a
transformação profunda da natureza das relações bilaterais foi a redemocratização
dos dois países (Argentina e, após, o Brasil).
1985 – O Presidente Tancredo Neves é eleito em janeiro de 1985. Em virtude de
problemas de saúde, falece em abril do mesmo ano. Assume a Presidência do Brasil
o Vice-Presidente, José Sarney, primeiro Presidente civil em 22 anos. Os
Presidentes Alfonsín e Sarney governam sob circunstâncias difíceis: os dois países
passam por crise econômica de grandes dimensões, situação que gera enormes
fragilidades institucionais e econômicas.
1985 – Lançamento, em junho, na Argentina, do Plano Austral de estabilização
econômica. O Plano, anunciado pelo Ministro da Economia da Argentina, Juan Vital
Sourrouille, inspirou o governo do Brasil, cujo Ministro encarregado dos assuntos
econômicos era Dílson Funaro, a lançar, em fevereiro de 1986, uma iniciativa
semelhante, o Plano Cruzado.
191
1985 – Em fins de novembro ocorre o primeiro encontro de cúpula Sarney-Alfonsín,
em Foz de Iguaçu, o qual constituiu o marco inicial do "Programa de Integração
Brasil-Argentina" e, conseqüentemente, da própria edificação do MERCOSUL.
1985 – Durante o encontro, em 30 de novembro, os dois Presidentes assinam a
Declaração de Iguaçu e a Declaração Conjunta sobre Política Nuclear, ambas
consideradas um passo de grande importância para a arquitetura política do
processo de integração. Ocorre também a inauguração da Ponte Internacional
Tancredo Neves entre Porto Meira e Puerto Iguazú. Finalmente, a visita de Alfonsín
a Itaipu, durante o mesmo encontro presidencial, simboliza o final do espírito de
divergência e confrontação que marcaram o passado das relações bilaterais.
ANEXO A - Declaração de Iguaçu
83
1. O Presidente da República Federativa do Brasil, Doutor José sarney e o
Presidente da República Argentina, Doutor Raúl Ricardo Alfonsín, procederam à
inauguração solene, em 29 de novembro de 1985, da Ponte Internacional que liga a
cidade de Porto Meira, Brasil, à cidade de Puerto Iguazú, República Argentina.
2. Conforme anunciado oportunamente, os Governos brasileiro e argentino
acordaram dar ao empreendimento o nome de "Ponte Presidente Tancredo Neves",
como homenagem ao falecido estadista brasileiro e em reconhecimento a sua
trajetória política imbuída de valores democráticos, de solidariedade e de
cooperação latino-americana.
3. Na oportunidade, os Chefes de Estado realizaram um encontro de trabalho
em Puerto Iguazú, Argentina, e Foz do Iguaçu, Brasil, e mantiveram conversações
sobre temas de interesse comum, que se estenderam até o dia 30 de novembro.
4. Durante suas conversações, que transcorreram dentro de uma atmosfera
de alta cordialidade e simpatia, os Presidentes do Brasil e da Argentina
congratularam-se pela inauguração da Ponte Presidente Tancredo Neves e
ressaltaram seu expressivo significado como elo de união real e simbólico entre as
83
Disponível em:< http://www2.mre.gov.br/dai/b_argt_256_733.htm>.
192
duas Nações. Realçaram também sua importância para o desenvolvimento da
região, conferindo forma concreta aos legítimos anseios das populações de ambos
os lados da fronteira.
5. Sublinharam, em especial, o fato de ser esta a primeira obra do gênero
construída entre o Brasil e a Argentina desde a inauguração, em 1947, da Ponte
Internacional entre as cidades de Uruguaiana e Paso de los Libres. Nesse sentido, a
Ponte Presidente Tancredo Neves representa um marco significativo no processo de
integração física entre os dois países, constituindo mais um testemunho da
capacidade de cooperação bilateral.
6. Os Chefes de Estado coincidiram em salientar o elevado grau de
diversificação, aprofundamento e fluidez alcançados nas relações brasileiro-
argentinas, que fortalece a permanente disposição dos dois povos de estreitarem de
forma crescente seus laços de amizade e solidariedade.
7. Os Presidentes coincidiram na análise de dificuldades por que atravessa a
economia da região, em função dos complexos problemas derivados da dívida
externa, do incremento das políticas protecionistas no comércio internacional, da
permanente deterioração dos termos de intercâmbio e da drenagem de dividas que
sofrem as economias dos países em desenvolvimento.
8. Concordaram, igualmente, quanto à urgente necessidade de que a
América Latina reforce seu poder de negociação com o resto do mundo, ampliando
sua autonomia de decisão e evitando que os países da região continuem vulneráveis
aos efeitos das políticas adotadas sem a sua participação. Portanto, resolveram
conjugar e coordenar os esforços dos respectivos Governos para revitalização das
políticas de cooperação e integração entre as Nações latino-americanas.
9. Ao examinarem o problema da dívida externa, os dois Presidentes
consideraram que a evolução das posições nessa matéria veio a confirmar o acerto
e a oportunidade do enfoque conceitual formulado pelo Consenso de Cartagena ,
em junho de 1984. Constataram uma crescente conscientização, por parte dos
dirigentes dos países industrializados e da comunidade financeira internacional, a
cerca da gravidade da situação gerada pela dívida externa da América Latina.
Manifestaram, ademais, sua grande satisfação com o fato de que as idéias centrais
de Cartagena – a exigência de crescimento da economia dos países devedores, a
necessidade de alívio do peso do serviço da dívida e a co-responsabilidade de
devedores e credores – estejam começando a ser compreendidas e, expressam seu
desejo de que sirvam de base para novas iniciativas tendentes a solucionar o
problema. Os dois Presidentes expressaram sua confiança em que, a partir dessas
premissas fundamentais, os países integrantes do Consenso de Cartagena
continuarão a explorar todas as possibilidades dessa nova perspectiva de diálogo a
fim de encontrar soluções duradouras, que permitam seus governantes se
dedicarem à tarefa primordial de assegurar o bem-estar e o desenvolvimento de
seus povos, consolidando o processo democrático da América Latina.
10. Sublinharam o empenho de seus países na revitalização do Sistema
Interamericano e expressaram a disposição comum de contribuir decididamente para
193
a dinamização da Organização dos Estados Americanos e para o fortalecimento dos
princípios que regem as relações hemisféricas.
11. Assinalaram a especial importância do Atlântico Sul para os povos Sul-
americanos e africanos e expressaram sua firme oposição a qualquer tentativa de
transferir para a região, que deve ser preservada como zona de paz e cooperação,
tensões leste-oeste, em particular através de medidas de militarização.
12. Reafirmaram o pleno respaldo de seus Governos às gestões do grupo de
contadora, que consideram a melhor resposta para alcançar uma solução adequada
para a crise centro-americana, contemplado justa e equivalentemente os interesses
de todos os países da região. Nesse quadro, sendo os governos do Brasil e da
Argentina, juntamente com o Peru e Uruguai, membros do Grupo de Apoio a
Contadora, manifestaram sua satisfação ao comprovar que os mecanismos de
intercâmbio sistemático de informação, consulta e ação diplomática previstos pelos
Chanceleres dos Grupos de Contadora e de Apoio, na reunião de agosto último, em
Cartagena, funcionaram eficazmente.
13. Ao examinarem a cooperação desenvolvida no âmbito da Bacia do Prata,
manifestaram a vontade política das duas Nações de impulsionar ações bilaterais e
multilaterais destinadas ao cumprimento dos objetivos do Tratado de Brasília, com
renovado dinamismo e em bases pragmáticas.
14. A respeito da questão das Ilhas Malvinas, o Presidente Sarney reiterou o
histórico apoio do Brasil aos direitos de soberania argentina sobre o arquipélago,
sublinhou a importância de uma solução pacífica para a controvérsia e expressou
sua confiança em que reiniciem as conversações entre as partes, nos termos das
resoluções pertinentes aprovadas no âmbito da Organização das Nações Unidas e
da Organização dos Estados Americanos. O Presidente Alfonsín, manifestando sua
satisfação por essa posição, externou o reconhecimento de seu Governo pela
atuação do Brasil em seu caráter de potência protetora dos interesses argentinos
junto ao Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte.
15. Manifestaram sua preocupação com os problemas derivados do uso e
tráfico de drogas ilícitas e concordaram em desenvolver esforços conjuntos tanto no
plano bilateral quanto no multilateral. Coincidiram tamm em que este tema deve
ser abordado desde uma perspectiva integral, uma vez que nele estão envolvidos
aspectos morais, políticos, econômicos, financeiros, sociais, de fiscalização e de
controle, que exigem um esforço conjugado e que a cooperação deve completar a
prevenção do uso indevido, a repressão do tráfico e a reabilitação dos usuários.
16. Destacaram que, dentro da tradição de continuidade do relacionamento
bilateral, os êxitos recentemente alcançados pelas duas Nações em seus
respectivos processos de consolidação democrática criaram as condições
particularmente propícias para o aprimoramento de seus vínculos nos mais diversos
setores, assim como para colaboração mais íntima e estreita no plano internacional.
17. Os primeiros mandatários reconheceram que se torna cada vez mais
indispensável o freqüente diálogo de alto nível entre os dois Governos.
194
18. Dentro desse espírito, expressaram sua firme vontade política de acelerar
o processo de integração bilateral, em harmonia com os esforços de cooperação e
desenvolvimento regional. Expressaram sua firme convicção de que esta tarefa deve
ser aprofundada pelos Governos com a indispensável participação de todos os
setores de suas comunidades nacionais, aos quais convocaram a unir-se a este
esforço, já que lhes cabe também explorar novos caminhos na busca de espaço
econômico regional latino-americano.
19. Para esse fim, decidiram criar uma Comissão Mista de Alto Nível para
Cooperação e Integração Econômica Bilateral, presidida pelos seus Ministérios das
Relações Exteriores e composta de representantes governamentais e dos setores
empresariais dos dois países, para examinar e propor programas, projetos e
modalidades de integração econômica.
20. Esta Comissão, que abarcará todos os setores suscetíveis de uma maior
integração entre os dois países, será constituída no primeiro trimestre de 1986 e
deverá apresentar, até 30 de junho próximo, um relatório aos dois Presidentes com
as prioridades propostas para lograr um rápido aprofundamento dos vínculos de
cooperação e integração econômica, especialmente no que se refere às áreas de
complementação industrial, energia, transporte e comunicações, desenvolvimento
científico-técnico, comércio bilateral e com terceiros mercados.
21. Por canais diplomáticos, serão acordados a composição data de
constituição, mecanismos, procedimentos e demais pormenores relativos ao seu
funcionamento. O mandato da comissão não interferirá nem retardará a cooperação
institucional atualmente em vigência nem a que resulte de outras decisões adotadas
no presente encontro.
22. Nos setores de energia, transporte e comunicações, os Presidentes
manifestaram sua intenção de promover a complementação crescente entre os
sistemas dos países como forma de integração efetiva que gere benefícios mútuos
nos planos técnico, econômico, financeiro e comercial para seus respectivos países.
Destacaram a necessária participação das indústrias brasileira e argentina e das
respectivas empresas estatais neste esforço de integração.
23. Com a finalidade de continuar com o processo de integração física, bem
como dos sistemas de transportes e comunicações entre seus países, ambos os
Mandatários resolveram criar, para tanto, no âmbito da Comissão de Alto Nível, uma
subcomissão que analisará as conexões viárias e ferroviárias, as pontes, os portos e
vias navegáveis, os problemas relativos ao transporte rodoviário, marítimo, fluvial e
aéreo, assim como os relativos às comunicações, a qual será coordenada pelos
Secretários-Gerais dos Transportes e das Comunicações do Brasil, e pelos
Subsecretários de Planejamento de Transporte e o da Secretaria das Comunicações
da Argentina, conforme o caso.
24. Da mesma maneira, para coordenar a realização de projetos conjuntos
na área da energia, os dois Presidentes decidiram criar outra Subcomissão
presidênciada pelo Secretário-Geral do Ministério das Minas e Energia do Brasil e
pelo Subsecretário de Planejamento Energético da Argentina. A referida
195
subcomissão analisará especialmente a viabilidade do fornecimento de gás natural
argentino ao Brasil, bem como as possibilidades de complementação nas áreas de
prospecção e exploração petrolífera e no comércio bilateral de combustíveis líquidos
e gasosos.
25. Na área da energia hidrelétrica, os Presidentes manifestaram sua
decisão de levar adiante, de forma conjunta, o aproveitamento hidrelétrico binacional
de Garabi, tendo como base um cronograma que garanta a conclusão do projeto
básico e da documentação pertinente nos próximos doze meses. Nessas condições,
poder-se-á considerar sua entrada em serviço, conforme os planos de
aparelhamento dos dois países, no período compreendido entre os anos de 1995 e
2000, sujeita à evolução e coordenação dos respectivos sistemas elétricos
nacionais.
26. Nesse setor ambos os Mandatários manifestaram seus beneplácito pela
firme decisão política da Argentina de realizar, associada ao Brasil, as obras de
aproveitamento hidrelétrico de Pichi- Picun- Leufu. Nesse sentido, congratularam-se
por se encontrarem encaminhadas as negociações relativas ao convênio de crédito
e ao empréstimo oferecidos pelo Governo brasileiro, bem como as referentes ao
estabelecimento das bases comerciais e jurídicas do contrato entre a HIDRONOR S.
A. e o consórcio Brasileiro- Argentino.
27. Atentos à vontade de estabelecer uma maior complementação entre os
sistemas elétricos dos dois países, ambos os Mandatários expressaram sua
satisfação pelo avanço das obras de interconexão que estão sendo realizadas no
quadro do convênio oportunamente subscrito, assinalando o seu interesse em dar
continuidade a esse esforço impulsionando o estabelecimento de novos vínculos.
28. No âmbito da cooperação científica e tecnológica, ambos os Presidentes
expressaram sua convicção de que a ciência e a tecnologia desempenham um papel
fundamental no desenvolvimento econômico e social e assinalaram a importância do
Acordo Básico como quadro adequado para a cooperação bilateral. Sua expressão
concreta manifesta-se nos Ajustes Complementares referentes a metrologia,
florestamento, atividades espaciais, agricultura, comunicações e o assinado durante
o transcurso deste encontro sobre biotecnologia, assim como no acordo de
cooperação existente sobre os usos pacíficos da energia nuclear. Ressaltaram,
igualmente, a importância da cooperação técnica entre instituições, que se traduziu
em projetos nos campos da virologia, da formação profissional e dos transportes.
Neste particular, assinalaram sua satisfação pelas negociações em curso entre os
Governos com vistas à celebração de um Memorandum de Entendimento Sobre
cooperação nos campos da pesquisa e da tecnologia no setor dos transportes.
29. Com a finalidade de intensificar os esforços no campo da cooperação
científica e tecnológica, ambos os Mandatários decidiram criar uma Subcomissão, no
âmbito da Comissão de Alto Nível, que será presidida pelo Secretário-Geral do
Ministério da Ciência e da Tecnologia do Brasil e pelo Subsecretário de Promoção
de Ciência e Técnica da Argentina.
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