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CENTRO FEDERAL DE EDUCAÇÃO TECNOLÓGICA DO PARANÁ
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM TECNOLOGIA
A INTERNET COMO POSSIBILIDADE PARA EXPERIÊNCIAS AFETIVAS E
SEXUAIS
MARIA HELENA BUDAL DA SILVA
Dissertação apresentada como requisito
parcial para a obtenção do grau de Mestre em
Tecnologia. Programa de Pós-Graduação em
Tecnologia do Centro Federal de Educação
Tecnológica do Paraná.
Orientador(a): Prof. Dr. Ademar Heemann
Co-orientador(a): Prof. Dr. Sônia Ana C.
Leszczynski
CURITIBA
2004
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MARIA HELENA BUDAL DA SILVA
A INTERNET COMO POSSIBILIDADE PARA EXPERIÊNCIAS AFETIVAS E
SEXUAIS
Dissertação apresentada como requisito
parcial para a obtenção do grau de Mestre em
Tecnologia. Programa de Pós-Graduação em
Tecnologia do Centro Federal de Educação
Tecnológica do Paraná.
Orientador(a): Prof. Dr. Ademar Heemann
Co-orientador(a): Prof. Dr. Sônia Ana C.
Leszczynski
CURITIBA
2004
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Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do CEFET-PR – Unidade Curitiba
S586i Silva, Maria Helena Budal da
A Internet como possibilidade para experiências afetivas e sexuais / Maria
Helena Budal da Silva. - Curitiba :
CEFET-PR, 2004.
x, 88 f. : il. ; 30 cm
Orientador : Prof. Dr. Ademar Heemann
Co-orientadora : Profª Drª Sônia Ana C. Leszczynski
Dissertação (Mestrado) – CEFET-PR. Programa de Pós-Graduação em Tecno-
logia. Curitiba, 2004.
Bibliografia : f. 84-88
1. Internet (Redes de computação) – Aspectos psicológicos. 2. Mudança social.
3. Afeto (Psicologia). 4. Sexo (Psicologia) – Aspectos culturais. 5. Inovações tec-
nológicas – Aspectos sociais. 6. Desenvolvimento da personalidade. 7. Realidade
virtual. I. Heemann, Ademar, orient. II. Leszczynski, Sônia Ana Charchut, co-
orient. III. Centro Federal de Educação Tecnológica do Paraná. Curso de Pós-Gra-
duação em Tecnologia. IV. Título.
CDD : 303.4
CDU : 316.472.4
ii
TERMO DE APROVAÇÃO
TÍTULO DA DISERTAÇÃO N°______
A Internet como possibilidade para experiências afetivas e sexuais.
por
Maria Helena Budal da Silva
Esta dissertação foi apresentada as _____________________________________
do dia __________________________________ como requisito parcial para a
obtenção do título de MESTRE EM TECNOLOGIA na Linha de Pesquisa de
Tecnologia e Interação do Programa de Pós-Graduação em Tecnologia. A candidata
foi argüida pela Banca Examinadora composta pelos professores abaixo assinados.
Após deliberação, a Banca considerou o trabalho
__________________________________________________________________.
(aprovado, aprovado com restrições, ou reprovado)
______________________________ ___________________________
Profª. Drª. Sônia Davanso Profª. Drª. Sônia Ana Leszczynski
UFPR CEFET-PR
______________________________ ___________________________
Prof. Dr. Ademar Heemann Profª. Drª. Nadir Mendonça
CEFET-PR FAMEC
Orientador
Visto da coordenação:
_________________________
Prof. Dr. Gilson Leandro Queluz
Coordenador do PPGTE
iii
Este trabalho é dedicado a cada um que
ofereceu um pouco de si em sua
construção.
iv
AGRADECIMENTOS
Agradeço ao companheiro existencial Ademar Heemann, por ter sido na caminhada
deste trabalho muito mais que um orientador, um grande amigo para todas as horas.
A meu esposo Leonardo, por seu incentivo e suas palavras de força, resgatando
sempre a confiança, quando essa já se fazia em falta. Obrigada por cada leitura
atenta, pelas noites perdidas de sono, pelo amor e respeito dedicados a mim, pois é
por meio desses que tento me convencer que possuo a força necessária para
continuar.
A meus pais, Ceuzi e Moacir, e sogros Terezinha e Orlando, amados também como
pais, pelo apoio incondicional nos momentos de necessidade, para que eu pudesse
me dedicar à construção deste trabalho.
A meus filhos, Felipe e Pedro, ambos gerados durante a realização desta pesquisa,
por conferirem sentido a meu trabalho, através de suas vidas. Agradeço também por
dividirem comigo suas energias em meu próprio corpo.
A Sônia Ana C. Leszczynski, Sônia Davanso e Nadir Mendonça, por suas
contribuições ao trabalho, em suas leituras e sugestões, mostrando-se sempre
dispostas a dialogar sobre o conhecimento e a vida.
v
Natureza infinita, como poderei agarrá-la ?
Onde estão suas teias, fonte de toda vida (...)
por quem meu coração vazio anseia.
Goethe
vi
SUMÁRIO
LISTA DE FIGURAS..........................................................................................................................VIII
RESUMO..............................................................................................................................................IX
ABSTRACT...........................................................................................................................................X
1 INTRODUÇÃO............................................................................................................................ 11
2 A FORMAÇÃO DA PERSONALIDADE E A DIMENSÃO SEXUAL.......................................... 15
2.1 PERSONALIDADE E SEXUALIDADE HUMANA .............................................................................. 15
2.2 REALIDADE PSÍQUICA............................................................................................................. 24
2.3 NECESSIDADE DE SENTIDO .................................................................................................... 25
2.4 MOTIVAÇÕES E NECESSIDADES HUMANAS............................................................................... 28
3 A CULTURA NA FORMAÇÃO DA SEXUALIDADE – UMA VISÃO HISTÓRICA.................... 32
3.1 INTRODUZINDO A DIMENSÃO CULTURAL.................................................................................... 32
3.2 CONTEXTUALIZAÇÃO.............................................................................................................. 33
3.3 ANTIGUIDADE OCIDENTAL GREGA ........................................................................................... 38
3.3.1 Bases da relação com o prazer ...................................................................................... 38
3.3.1.1 Dietética. ...............................................................................................................................39
3.3.1.2 Econômica.............................................................................................................................40
3.3.1.3 Erótica...................................................................................................................................43
3.3.1.4 A sabedoria. ..........................................................................................................................44
3.3.2 Relações do prazer com a moral e a alma. .................................................................... 44
3.4 INICIO DA ERA CRISTÃ. ........................................................................................................ 45
3.5 IDADE MÉDIA.......................................................................................................................... 48
3.6 BRASIL COLONIAL.................................................................................................................. 50
3.7 SEGUNDA METADE DO SÉCULO XX........................................................................................... 53
4 A CONTRIBUIÇÃO TECNOLÓGICA......................................................................................... 57
vii
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................................................................ 79
REFERÊNCIAS................................................................................................................................... 84
viii
LISTA DE FIGURAS
FIGURA 1: NÍVEIS DE CONSCIÊNCIA DO ID, EGO E SUPEREGO.......................17
FIGURA 2: A FORMAÇÃO DO MEC. DE DEFESA..................................................23
FIGURA 3: INTERAÇÃO DO REAL, SIMBÓLICO E IMAGINÁRIO...........................25
SOB A PERSPECTIVA DE LACAN...........................................................................25
FIGURA 4: PIRÂMIDE DAS NECESSIDADES BÁSICAS DE MASLOW..................29
ix
RESUMO
Este trabalho expressa a reflexão realizada sobre a relação recíproca de
transformação entre tecnologia e sociedade, delimitando-se na interação entre o
mundo virtual e a sexualidade humana encontrada nas relações via Internet. Dessa
forma, procura-se refletir sobre os relacionamentos virtuais em suas possibilidades
de crescimento pessoal. Para tal, realiza-se primeiramente uma explanação sobre
como a sexualidade é formada em paralelo com a construção da personalidade
humana, em uma visão psicológica. Posteriormente relata-se sobre a forma como a
cultura interfere na formação e vivência da sexualidade. A partir da apresentação
dessas bases, discute-se sobre a possibilidade de a Internet favorecer o
conhecimento da sexualidade humana por meio da vivência de relacionamentos à
distância. A relevância desse tema evidencia-se sob a perspectiva de o mundo
virtual, em sua possibilidade de interação, possibilitar o despertar de conteúdos
emocionais ainda não conscientes para seus participantes. Na construção de tal
argumentação, recorreu-se a dados de pesquisas já realizadas. Entre as fontes de
embasamento teórico, constam Sigmund Freud, Maria Rita Kehl, Pierre Bourdieu,
Michel Foucault e Erich Fromm, dentre outros.
Palavras-chave: Tecnologia; Sociedade; Interação; Personalidade; Cultura;
Sexualidade; Internet.
Áreas de conhecimento: Psicologia; Sociologia; Multidisciplinar.
x
ABSTRACT
This document expresses the reflection about the reciprocal relation of transformation
between technology and society, delimiting itself in the interaction between the virtual
world and the human sexuality at the relationships on the Internet. In this way it was
done a reflection about possibilities of personal improvement carried through the
virtual relationship. Thus first of all it was done an explanation about how the
sexuality is built together with the human personality using a psychological
landscape. Subsequently it was described the way how the culture interferes in the
construction and on the experiencing of the sexuality. With this base established it
was discussed about the possibility of the Internet turn easier the human sexuality
knowledge via the experiencing of remote relationships. The relevance of this issue is
showed up over the perspective of a virtual world in its interactions possibilities
allowing the wake up of not conscientious emotional contents on its participants. For
this discussion it was consulted other researches already done. Among the sources
of the theory basis we have Sigmund Freud, Maria Rita Kehl, Pierre Bourdie, Michel
Foucault, Erich Fromm, and others.
Key words: Technology; Society; Interaction; Personality; Culture; Sexualiy; Internet.
Knowledge Areas: Psychology; Sociology; Multidisciplinary.
11
1 INTRODUÇÃO
A influência da Internet no comportamento individual e coletivo, sendo uma
questão do cotidiano que nos chamava a atenção, despertou o nosso interesse de
um modo crescente. Ingressando no Programa de Pós-graduação em Tecnologia
do Cefet-Pr, foi-nos aberta, então, a possibilidade de colocar o assunto sob uma
perspectiva teórica e tematizá-lo. Nesse ambiente, discutia-se sobre as
transformações que o avanço tecnológico causa na sociedade. De uma maneira
especial, na linha de pesquisa Tecnologia e Interação, analisavam-se as implicações
da tecnologia na intermediação de atividades e valores humanos. Para a
delimitação do tema dessa dissertação, passamos, portanto, a nos valer desses
aportes, que discorrem sobre o fato de o ser humano estar inserido na sociedade
tecnológica, ambiente no qual ele não só recebe o impacto de suas inovações como
também contribui para a formação e transformação da mesma.
Essas aproximações (entre comportamento humano e tecnologia) lembram o
funcionamento de um mecanismo de influências recíprocas, porquanto cada um dos
elementos alimenta concomitantemente as transformações no outro. Nesse sentido,
vale lembrar que a revolução industrial, com a criação da máquina a vapor, alterou
radicalmente a maneira de ver o mundo e de se relacionar das pessoas da época.
Nicolaci-da-Costa comenta ter ocorrido uma “aceleração sem antecedentes
históricos, [...] a difusão por todo o sistema econômico e a penetração em todo o
tecido social” (2002, p. 194).
De modo semelhante, pensando nos dias de hoje, é possível sugerir que o
impacto das tecnologias da informação e a possibilidade de se comunicar em rede,
por meio de computadores, têm remetido a sociedade tecnológica para um espaço
12
paralelo, o universo virtual, trazendo profundas alterações na forma das pessoas
realizarem seus relacionamentos. Essa suposição nos levou a refletir sobre as
implicações dessa nova realidade para a subjetividade humana e seus reflexos na
psique e na perspectiva de realização da esfera afetiva.
Assim, em termos metodológicos, o desenho desta dissertação foi adquirindo
contornos que se aproximam de elementos da pesquisa participativa. Isso se deve
ao envolvimento pessoal e consciente do pesquisador na realidade aqui
representada, não só por leituras da bibliografia atinente, mas também pelas
conversas informais com usuários da internet e pelas visitas, muitas vezes ao acaso,
nos sites e salas de bate–papo, com a finalidade de obter uma compreensão (...), de
captar um sentido (...). Essa imersão compreensiva do pesquisador sob as forças
não só da razão explicativa mas, principalmente, dos antecedentes de sua formação
permite também uma filiação desta dissertação às abordagens de natureza
hermenêutica.
1
Vale ainda ressaltar a abertura e disponibilidade para as forças da
intuição e de sua filosofia espontânea
2
em busca da emergência de um significado.
Com a pesquisa imersa nessa temática, apareceram questionamentos sobre
a robotização do ser humano em proximidade com o mundo tecnológico e os
problemas concernentes a essa relação e o sentido. Assim, reflexões surgiram sobre
o significado que poderia imergir na vida humana, em sua relação com o mundo
virtual, e, mais precisamente, na vivência cotidiana de relacionamentos virtuais.
1
O conceito básico da hermenêutica (que trata da interpretação) é a compreensão, ou seja, a
apreensão de um sentido (HEEMANN, 2001, p. 162-166).
2
Filosofia Espontânea é entendida como a organização mental do pesquisador com o seu
conhecimento objetivo e também com sua visão de mundo, crenças, hábitos e costumes. Veja-se
mais a respeito em Heemann, 2001, p.148-152.
3
O conceito básico da hermenêutica (trata da interpretação) é a compreensão, ou seja, a apreensão
de um sentido (HEEMANN, 2001, p. 162-166).
13
Prosseguindo na delimitação do tema, já situado no universo virtual e nos
relacionamentos afetivos pela Internet, passamos a incluir a dimensão sexual,
constituindo assim as palavras chave da reflexão, quais sejam: Internet, sexualidade
e sentido. Desejávamos compreender melhor quais eram as possibilidades, no
mundo virtual, capazes de favorecer a emergência de um sentido motivador para as
pessoas permanecerem conectadas nessa nova dimensão.
Na argumentação sobre a relevância do presente tema, pretendemos
evidenciar o fato de o mundo virtual, com sua capacidade de interação, poder ser
considerado como nova forma de vivenciar experiências que produzam uma
aproximação entre inconsciente e sujeito. Dessa forma, por meio de manifestações
afetivas e/ou sexuais virtuais, os usuários que fazem parte da Internet poderiam
estar mais conscientes de seus desejos e de suas formas particulares de obter
prazer, porventura preparando-se para relacionamentos reais. Estando o indivíduo
mais consciente de seus desejos e expectativas, não poderia ele ampliar as suas
chances de realizar-se em um relacionamento real?
Em face do exposto, conjectura-se que o virtual, em suas possibilidades, é
capaz de propiciar ao ser humano um rebaixamento de censura, que acarretará
uma maior vazão de conteúdos não conscientes ao sujeito, sendo esses relevantes
ao seu desenvolvimento sexual e relacional. Para tal argumentação, recorreu-se a
dados de outras pesquisas atreladas a essa temática, disponíveis na Internet, em
livros, revistas e jornais. Entre os referenciais teóricos aqui utilizados, há que se
destacar Sigmund Freud, Maria Rita Kehl, Pierre Bourdieu, Michel Foucault e Erich
Fromm.
Desse modo, as reflexões sobre as possibilidades e implicações da realização
afetivo-sexual, facultadas pelo do uso da Internet, foram estruturadas e assim
14
distribuídas: no primeiro capitulo, A formação da personalidade e a dimensão sexual,
aparece uma explanação sobre como a sexualidade é formada juntamente com a
construção da personalidade do ser humano, dentro de uma visão psicológica. Para
tal, utilizou-se uma abordagem teórica baseada em Sigmund Freud e em outros
pensadores, como Erick Fromm e Victor Emil Frankl. Seqüencialmente, no segundo
capítulo, A cultura na formação da sexualidade - uma visão histórica, relatam-se
algumas formas de como a cultura interfere na formação e vivência da sexualidade,
baseadas principalmente em escritos de Michel Foucault, Ana Maria Ramos Seixas
e Pierre Bourdieu. Com essas duas bases assentadas, discutiu-se no terceiro
capítulo, A contribuição tecnológica, a possibilidade de a Internet, considerando-a
como nova tecnologia utilizada para vivenciar relacionamentos à distância, favorecer
o conhecimento da sexualidade humana em seu aspecto geral e individual. Para
tanto, foram utilizadas bases teóricas retiradas de autores consagrados, tais como
Nicolaci-da-Costa, Contardo Calligaris entre outros. A título de conclusão, foram
nominados alguns temas que emergiram dessa construção reflexiva e que poderão
sinalizar futuras reflexões, tais como: novas direções para a educação sexual, a
Internet como facilitadora para o autoconhecimento, sua contribuição para a vida real
e para o desenvolvimento da visão de um novo ser humano.
15
2 A FORMAÇÃO DA PERSONALIDADE E A DIMENSÃO SEXUAL
2.1 PERSONALIDADE E SEXUALIDADE HUMANA
Está presente na vida moderna um novo universo, paralelo à realidade vivida,
o universo virtual, onde é possível para as pessoas, por meio de uma conexão via
Internet, obter experiências muitas vezes impossíveis de serem realizadas na vida
real. Essas experiências, por sua vez, podem interferir na vida dos indivíduos, pois
interagem com sua rotina e com sua personalidade. Dessa forma, a tecnologia
mostra-se como agente presente de transformação na sociedade atual. Uma das
formas de interação entre tecnologia e ser humano tem se dado através das
experiências de relacionamento virtual que, muitas vezes, se estendem a
relacionamentos de sexo virtual.
Portanto, estaremos a partir deste momento tratando da temática da
sexualidade humana vivenciada através do mundo virtual. Mas, para que tal tema
possa ser abordado, faz-se necessário que, primeiramente, conheçamos um pouco
sobre a personalidade e a sexualidade humana em seu aspecto de formação. Assim,
mais adiante, poderemos nos direcionar ao tema da sexualidade em interação com a
tecnosfera.
A personalidade dos seres humanos é fruto da interação de diversos fatores
como os fisiológicos, psicológicos e sociais. Neste capítulo, discorreremos sobre a
formação da personalidade e sexualidade humana, considerando a interação dos
fatores citados acima. A discussão ocorrerá dentro da visão da Psicologia, em
abordagem baseada nos conceitos desenvolvidos por Sigmund Freud e outros
colaboradores que comentam sua teoria. Serão apresentadas as opiniões de
16
psicanalistas contemporâneos, principalmente no que se refere a teorização de
Freud a respeito do feminino, por essa já ter sido rediscutida. Um exemplo disso se
observa nos relatos de Maria Rita Kehl, quando comenta que
Freud parece ter recusado as evidências de que nenhuma mulher é capaz de encarnar A
Mulher. Seus textos do final da vida oscilam entre a decepção – a psicanálise seria incapaz
de curar as mulheres, desajustadas dos ideais de feminilidade? – e a perplexidade – afinal,
ninguém pode saber o que quer uma mulher. A insistência neste não saber sugere, a meu
ver, o funcionamento de um mecanismo de negação por parte do criador da psicanálise
(KEHL, 1998, p. 226).
Dessa forma, podemos nos aproximar de uma visão da formação da
sexualidade mais atual levando em conta as implicações que o meio social, através
das crenças ditas naturais, remetem a esse processo. Portanto seguiremos com a
descrição do processo de formação da sexualidade e personalidade humana,
iniciando pela apresentação do conceito de personalidade. Assim, no segundo
capítulo, poderemos nos direcionar mais a esse enfoque da sexualidade como
construção cultural.
De acordo com D’andrea, “personalidade é a resultante psicofísica da
interação da hereditariedade com o meio, manifestada por meio do comportamento,
cujas características são peculiares a cada pessoa” (2000, p. 10).
Para que possamos compreender a maneira como a personalidade e a
sexualidade humana se formam, realizaremos a apresentação de alguns conceitos
relevantes, bem como o papel desses no processo de formação. A personalidade
humana forma-se dentro da psique
3
, que, como um sistema biológico dinâmico,
possui uma energia para sua movimentação chamada de libido. O aparelho psíquico
comporta três níveis de consciência: o consciente, o pré-consciente e o inconsciente.
4
Psique: da origem, significa mente, o aparelho psíquico propriamente dito.
3
Psique: da origem, significa mente, o aparelho psíquico propriamente dito.
17
O consciente é o nível em que ocorrem as percepções tanto do mundo
externo quanto do mundo interno. Está relacionado a tudo que preenche a atenção
do indivíduo. No pré-consciente estão os conteúdos disponíveis para o consciente,
mas que não se encontram permanentemente à disposição do mesmo, por não
existir catexe de atenção suficiente.
Já o inconsciente pode ser compreendido como parte da mente humana que
abriga os conteúdos ligados aos instintos e às pulsões, estando mantidos fora da
atenção consciente por uma força de repressão e censura. Esse possui uma
dinâmica própria que permite que em determinado momento os conteúdos
constelem na consciência. A constelação desses influencia na interpretação de
situações, em sentimentos, idéias e comportamentos, sem que haja a
conscientização de tal fenômeno.
Freud esquematizou a estrutura da personalidade, chamando-a de estrutura
do aparelho psíquico. Essa seria dinâmica e composta de três elementos: Id, Ego e
Superego. Para ele, a personalidade seria formada na relação entre esses três
elementos, em que cada um seria responsável por uma função, originando assim
conflitos nessa relação entre eles. Através da figura a seguir podemos visualizar a
relação entre os elementos da estrutura da personalidade e os níveis de
consciência.
FIGURA 1: NÍVEIS DE CONSCIÊNCIA DO ID, EGO E SUPEREGO
CONSCIENTE
PRÉ-CONSICIENTE
INCONSCIENTE
EGO
ID
SUPEREGO
18
FONTE: DAVIDOFF, 2001, p. 507.
O ego administra sua conexão com o mundo externo e interno. O id pressiona
o ego a realizar seus instintos inconscientes, forças existentes em forma de tensão,
causados pelas exigências fisiológicas. Por sua vez, os conteúdos serão reprimidos
passando pelo crivo do superego, estrutura que será responsável pelos julgamentos,
baseados em um sistema complexo de valores internalizados.
Esse sistema de valores é reproduzido pela educação e repassado ao
indivíduo, segundo Bourdieu, através da cultura em que esse está inserido e em sua
relação com instituições como a Igreja, a Família e o Estado (2003, p. 46).
As estruturas citadas acima operam constantemente em nossa psique,
estando nosso comportamento diretamente ligado à relação estabelecida entre elas.
Podemos notar essa presença observando nossas manifestações no dia-a-dia.
Nosso ego sofre pressões constantes do id para obter satisfação, como, por
exemplo, a satisfação sexual. Dessa maneira, o ego realizará uma operação para
que os desejos sejam atendidos de maneira que nosso superego permita, pois, do
contrário, não suportaríamos a conhecida “dor na consciência”. Uma dimensão
presente na atualidade, o universo virtual, tem propiciado ao ego novas saídas para
o encontro da satisfação, respeitando as limitações de nosso órgão julgador. Esse
ambiente, através de determinadas vivências como o sexo virtual, tem se revelado
como uma possibilidade de negociação viável entre as estruturas psíquicas.
19
A personalidade se forma através das vivências realizadas em uma seqüência
de fases psicossexuais, em que o indivíduo se desenvolve de uma fase associal
para a socialização. Em todas essas fases estão em operação as estruturas da
personalidade citadas acima.
Essas fases são assim denominadas e ordenadas: oral, anal, fálica, de
latência, genital, adolescência, maturidade e velhice. O período de infância é
considerado o da fase oral até o da fase genital. Durante essas fases, estará
presente uma pulsão
4
que terá como objetivo encontrar sua satisfação na
estimulação prazerosa de uma determinada zona erógena, em um dado momento.
Nessas fases, a libido circulará migrando de uma zona erógena para outra. Cada
fase possuirá um conflito a ser resolvido, para que a sua contribuição na formação
seja atingida.
A fase oral caracteriza-se pela localização da libido na boca. Para Freud, o
prazer dessa zona erógena pode ter se associado à necessidade de alimentar-se
5
.
Ela inicia seu desenvolvimento no nascimento. Podemos considerá-la presente já na
gestação, tendo seu curso até próximo de um ano e meio a dois anos de idade. Aqui
se inicia o comportamento masturbatório, que para a psicanálise é toda a ação de
obter prazer através do próprio corpo, já que o prazer não está relacionado somente
com a estimulação da genitália.
6
Pulsão: energia em forma de tensão.
4
Pulsão: energia em forma de tensão.
7
Em três ensaios para uma teoria da sexualidade, Freud relaciona a aparência física de um bebê,
depois de saciar-se no seio da mãe e entregar-se ao sono, com a aparência demonstrada pela
satisfação sexual na vida adulta: “Quem já viu uma criança saciada recuar do peito e cair no sono,
com as faces coradas e um sorriso beatífico [...]”.
5
Em três ensaios para uma teoria da sexualidade, Freud relaciona a aparência física de um bebê,
depois de saciar-se no seio da mãe e entregar-se ao sono, com a aparência demonstrada pela
satisfação sexual na vida adulta: “Quem já viu uma criança saciada recuar do peito e cair no sono,
com as faces coradas e um sorriso beatífico [...]”.
20
A fase anal tem seu inicio em torno dos dois anos de idade e seu maior
conflito é o processo de controle dos esfíncteres. Nesse momento, a libido é
deslocada para a região anal.
Na fase fálica, a energia libidinal centra-se nos órgãos sexuais. Para Freud
ela ocorre por volta dos três aos cinco anos de idade. A estimulação produzida pela
micção, tanto no menino quanto na menina, é vista como a primeira fonte de prazer
na área genital por tocar respectivamente a região da glande e do clitóris. É essa
experiência que iniciará a vida sexual futura.
É nessa fase que ocorrem os fenômenos chamados, complexo de Édipo e
complexo de Electra, conflitos vividos nessa idade. O primeiro refere-se ao menino e
o segundo, à menina, mas geralmente denomina-se complexo de Édipo para os dois
gêneros. É aqui que se inscreve em ambos a proibição do incesto, ou seja, a
repressão do desejo sexual
6
direcionado à figura materna e paterna, no sentido
oposto ao sexo da criança.
À luz de Bourdieu, verificamos que essa construção edípico-freudiana foi
socialmente elaborada e assim incorporada ao inconsciente e ao corpo. Em sua
historicidade, o autor comenta que “é o princípio de visão social que constrói a
diferença anatômica.” E essa visão social possui seu princípio na visão
androcêntrica, de valorização do falo
7
(2003, p. 20).
8
Os impulsos sexuais da criança em relação aos pais não são considerados como impulsos sexuais
da vida adulta, pois não possuem conteúdo erótico. Esses ocorrem em forma de fantasia, já que
nessa fase as crianças ainda não conhecem a anatomia do corpo feminino e masculino, de maneira
suficiente, para tal manifestação.
6
Os impulsos sexuais da criança em relação aos pais não são considerados como impulsos sexuais
da vida adulta, pois não possuem conteúdo erótico. Esses ocorrem em forma de fantasia, já que
nessa fase as crianças ainda não conhecem a anatomia do corpo feminino e masculino, de maneira
suficiente, para tal manifestação.
7
Falo: significante do pênis.
9
Falo: significante do pênis.
21
A mulher, entretanto, não está totalmente desprovida de um significante fálico,
pois, de acordo com Kehl,
a ausência do pênis na menina não resulta imediatamente na completa despossessão fálica;
o próprio Freud já reconhecia que uma das dimensões da feminilidade é esta, de produzir o
falo através dos efeitos fascinatórios da beleza e da sedução. No entanto, a dimensão
imaginária do eu, na mulher, fica marcada pela impressão infantil desta ausência de um
detalhe no corpo. A maneira como a menina dispõe dos ideais e organiza o conjunto das
identificações que lhe facilitarão a “dissolução do complexo de Édipo” dizem muito sobre os
destinos desta primeira impressão (KEHL, 1998, p. 236).
Já para Bleichmar, a crença na inferioridade natural das mulheres mantém
uma dificuldade para a superação da inveja do pênis por parte das meninas. A
autora então comenta: “como é possível abandonar as fantasias de masculinidade e
identificar-se a um gênero que toda a cultura aponta como inferior ao outro?”.
Bleichmar complementa a reflexão, revelando que a visão naturalista sobre a
vocação maternal das mulheres pode ser considerada como um exemplo da
implicação da cultura no universo simbólico feminino (BLEICHMAR, citada por
KEHL, 1998, p. 235).
A psicanálise descreve como forma negativa do complexo de Édipo ou Electra
a situação em que a pulsão sexual amorosa é desviada do progenitor do sexo
oposto, ou seja, quando é dirigida para o progenitor do mesmo sexo da criança
devido à ocorrência de dificuldades de relacionamento. Considera-se então essa
como uma das possíveis causas da homossexualidade, para a linha de pensamento
freudiana. Outra provável causa seria a dificuldade em lidar com o complexo de
castração. A inscrição de comportamentos homossexuais poderia surgir então da
relação que foi estabelecida no momento do fenômeno de castração.
Esses são pressupostos teóricos baseados na teoria freudiana. Hoje existem
outras explicações possíveis para a homossexualidade, incluindo fatores genéticos.
22
A partir de 1999, a organização mundial de saúde desconsiderou a
homossexualidade com uma patologia, o que pode ser visto em uma resolução do
Conselho Federal de Psicologia, de 22 de março de 1999 (número 001/99), que diz:
“Considerando que a homossexualidade não constitui doença, nem distúrbio e nem
perversão [...]” (Disponível em: <http://www.pol.org.br/main/index.cfm>. Acesso em
20 nov. 2004).
A psicologia, baseada em Freud, acredita que em torno dos cinco anos de
idade a personalidade do indivíduo já está formada. Assim dos cinco aos sete anos,
o desenvolvimento psicossexual da criança relacionado ao surgimento de novos
conflitos, sofrerá uma interrupção. Este período é chamado de fase de latência. Uma
fase de latência tranqüila e equilibrada depende do sucesso das fases anteriores
8
.
A fase genital se caracteriza pelo direcionamento da libido e das pulsões
sexuais para um objeto externo. Ocorre com a superação dos conflitos da infância e
tem sua continuidade na adolescência, maturidade e velhice. Em todas essas fases
estão em operação as estruturas da personalidade, id, ego e superego.
Com o surgimento de conflitos ocorridos pelas pressões do id e pela
necessidade de lidar com as restrições do superego, o ego desenvolve mecanismos
de defesa. Esses agirão de forma inconsciente para manter a integridade do próprio
ego diante de sentimentos de sofrimento como angústia
9
, ansiedade e culpa. Alguns
desses mecanismos já conhecidos são: compensação, deslocamento, fantasia,
10
Estas fases irão preparar o indivíduo para lidar como “a grande coisa do futuro”, o sexo ao qual
Freud se refere em três ensaios para uma teoria da sexualidade.
8
Estas fases irão preparar o indivíduo para lidar como “a grande coisa do futuro”, o sexo ao qual
Freud se refere em três ensaios para uma teoria da sexualidade.
11
Angústia é sinal de alarme que anuncia o perigo do desconhecido à frente, situação em que o
sujeito ergue suas defesas, como um escudo.
9
Angústia é sinal de alarme que anuncia o perigo do desconhecido à frente, situação em que o
sujeito ergue suas defesas, como um escudo.
23
formação reativa, regressão, projeção, introjeção, racionalização, negação, recalque
e sublimação
10
. A forma como determinado mecanismo se estabelece pode ser
apreciada através da figura abaixo.
FIGURA 2: A FORMAÇÃO DO MEC. DE DEFESA
A ação dos mecanismos de defesa podem ser observados no dia-a-dia.
Assim, é possível exemplificar alguns deles através de suas manifestações na
vivência de relacionamentos virtuais.
A compensação é o mecanismo que executa uma substituição para dar conta
de algo que falta ou que não está proporcionando satisfação. O uso da Internet para
fins de obtenção de satisfação sexual mostra-se, muitas vezes, como um ato
inconsciente de compensar a falta de realização de satisfação sexual na vida real.
Associada à compensação, verifica-se a presença da fantasia. Essa procura
através da imaginação satisfazer determinados impulsos, que, em certos momentos,
12
Ver mais sobre esses mecanismos de defesa em D’andrea em seu livro, desenvolvimento da
personalidade.
id
superego
ego
OBJETIVO DO MECANISMO DE DEFESA:
MANTER A INTEGRIDADE DO EGO.
GERAÇÃO DE
CONFLITO
MECANISMO
DE DEFESA
24
estão impedidos pela realidade. Um exemplo é a prática de relações sexuais
virtuais, pois essas são movidas pela fantasia e orientam o ego a satisfazer as
pressões do id, respeitando as exigências do superego.
Mais um exemplo de mecanismo de defesa percebido na prática dos
relacionamentos virtuais é a projeção, que é considerada como a ação inconsciente
do indivíduo de atribuir a um outro sujeito características pertencentes a si. Nas
relações via Internet, muitas das características atribuídas ao personagem com
quem se interage do outro lado da tela são pertencentes ao próprio indivíduo.
Os mecanismos de defesa existem para manter a integridade do ego, mas
muitas vezes são utilizados por ele de forma inadequada, podendo gerar transtornos
psicológicos
11
. Tais mecanismos, mesmo sendo experenciados de forma
inconsciente, fazem com que o indivíduo viva uma realidade psíquica própria que
geralmente não confere com a realidade.
2.2 REALIDADE PSÍQUICA
A realidade psíquica é construída pelo indivíduo a partir de suas vivências ao
longo da trajetória de sua vida. Todas as funções psíquicas participam da
constituição de mundos próprios que, apesar de não corresponderem objetivamente
com a realidade, são vividos como tal.
Baseados em Lacan entendemos que a realidade psíquica (ilustrada na figura
abaixo) é articulada pelo Real, Simbólico e Imaginário compondo as três estruturas
10
Ver mais sobre esses mecanismos de defesa em D’andrea em seu livro, desenvolvimento da
personalidade.
13
Não se pode generalizar que formas e comportamento semelhantes aos exemplos acima citados
sejam considerados mecanismos de defesa, pois esses, quando se manifestam, mostram-se em alto
grau.
25
do Sujeito
12
psicanalítico. O Real não é considerado a realidade, mas a realidade
pode nos trazer a qualquer momento o Real. Para esse não existe palavra, é aquilo
que escapa permanentemente da consciência; quando se tenta nomeá-lo já se está
no simbólico.
Na tentativa de preencher o vazio deixado pelo Real, o Imaginário cria uma
suposição que não tem a ver com o objeto do Real e sim com o próprio sujeito. Para
que o Imaginário seja expresso, é necessário que passe pela elaboração do
Simbólico, através do qual ao Imaginário será atribuída uma significação. Dessa
significação escapará o Real, por isso sempre teremos saberes e realidades
parciais. Os significados não existem em si, são articulados pelo inconsciente.
FIGURA 3: INTERAÇÃO DO REAL, SIMBÓLICO E IMAGINÁRIO
SOB A PERSPECTIVA DE LACAN
2.3 NECESSIDADE DE SENTIDO
Tendo já nos referido ao mundo simbólico, podemos dialogar com os
aspectos do significado e do sentido, que contribuem para a dinâmica da
personalidade. O significado e o próprio sentido emergem no mundo Simbólico, em
sua relação com o Real e o Imaginário.
11
Não se pode generalizar que formas e comportamento semelhantes aos exemplos acima citados
sejam considerados mecanismos de defesa, pois esses, quando se manifestam, mostram-se em alto
grau.
14
O Sujeito psicanalítico é o sujeito que já passou pelo complexo de castração, é diferenciado na
escrita por ser mantido em letra maiúscula.
Imaginário
Simbólico
Real
26
O mundo simbólico pode ser encarado como a interpretação imaginária que
fazemos do Real. O significado tem para o ser humano a importância de algo que
justifica sua existência. O sentido é aqui visto como um significado que, já
compreendido, orienta e oferece direção para as escolhas da vida.
Para Victor Emil Frankl, fundador da terceira
13
escola de Viena, o ser humano
é dotado de uma vontade de sentido, que o conduz a uma determinada direção. O
sentido é encontrado em sua integralidade
14
, em sua compreensão dos para quês de
sua existência e de sua responsabilidade
15
para com a mesma. Frankl trabalha a
vontade de sentido do homem, demonstrando que o mesmo necessita dela para
justificar e motivar sua caminhada pela vida (FRANKL, 1992, p. 77).
As questões existenciais sempre estiveram presentes no ser humano, desde
a formação de sua consciência. Esse aspecto da vida sofreu grande contribuição da
filosofia e da religião, uma alimentando a outra. Sendo isso uma influência cultural,
possui seu papel na formação da personalidade, na formação do superego e,
conseqüentemente, na relação do ego com os instintos e com a realidade externa.
O ser humano, portanto, é um ser simbólico que a tudo confere significado.
Isso o coloca à mercê da dominação simbólica, que se estabelece na relação entre
a significação e o meio social. De acordo com Bourdieu, mediante a consagração
simbólica é possível “converter a arbitrariedade do nomos social em necessidade da
12
O Sujeito psicanalítico é o sujeito que já passou pelo complexo de castração, é diferenciado na
escrita por ser mantido em letra maiúscula.
15
A primeira escola de Viena foi a de Sigmund Freud, com a psicanálise; a segunda, foi a de Adler,
que estudava a vontade do poder.
13
A primeira escola de Viena foi a de Sigmund Freud, com a psicanálise; a segunda, foi a de Adler,
que estudava a vontade do poder.
16
O noos, a totalidade, a integralidade do ser humano, para Marx Scheler, citado por Roberto
Rodrigues é “Núcleo Noético” (RODRIGUES, 1989, p. 113).
14
O noos, a totalidade, a integralidade do ser humano, para Marx Scheler, citado por Roberto
Rodrigues é “Núcleo Noético” (RODRIGUES, 1989, p. 113).
Responsabilidade, no sentido de responder para, de se posicionar.
15
Responsabilidade, no sentido de responder para, de se posicionar.
27
natureza”. Dessa forma, podem-se justificar os comportamentos e imposições
sociais pela natureza, através da incorporação do social a que essa já foi submetida,
no momento de suas significações. A incorporação de forma inconsciente destas
significações sociais como naturais da vida humana é o que mantém o homem sobre
o domínio simbólico (2003, p. 22).
A força da significação, agindo de forma dominadora no comportamento
humano, pode ser visualizada através do trecho em que Bourdieu se refere à
biologização do social, ou seja, quando o social se torna corpo através da
significação:
as aparências biológicas e os efeitos, bem reais, que um longo trabalho coletivo de
socialização do biológico e de biologização do social produziu nos corpos e nas mentes
conjugam-se para inverter a relação entre as causas e os efeitos e fazer ver uma construção
social naturalizada [...] (BOURDIEU, 2003, p. 9).
Dessa forma, Bourdieu nos revela que, através da significação, o mundo
social é capaz de construir o corpo e justificar-se através dele, transformando a
história social em causa natural
16
. Essa interação entre o meio externo e a
construção do corpo pode ser vista em Heemann, quando o mesmo faz este
comentário:
se a cabeça faz parte do corpo, é licito esperar que as descobertas e especulações
neurobiológicas sobre os mecanismos da consciência ampliem o entendimento da
fenomenologia do comportamento moral em sua dimensão biopsicológica. Já antes do
nascimento sinais vindos do mundo externo invadem o nosso corpo, nele trafegam e deixam
verdadeiras marcas físicas, os correlatos das manifestações psíquicas (HEEMANN, 2001, p.
38).
Retornamos então a Victor Frankl, para apreciar outro aspecto interessante
de sua teoria, a relação entre o sentido e o fenômeno de transcendência. Ele
18
Através dessa explanação, Bourdieu explica a dominação social masculina sobre as mulheres.
28
acredita que, através da descoberta de um para quê, de um sentido, o indivíduo é
possuído
17
por uma capacidade de transcender. Isso possibilitaria ao sujeito transpor
fatos, sentimentos ou limitações geradores de algum tipo de sofrimento. Para esse,
a transcendência é um fenômeno consciente, operacionalizado pela razão, mas
movido pelo sentido. Dentro desse pensamento, um homem pode transcender a
vontade dos instintos, por exemplo, em nome de algo que para ele seja mais valioso
(FRANKL, 1992, p. 40).
2.4 MOTIVAÇÕES E NECESSIDADES HUMANAS
Considerando todo o funcionamento psíquico supracitado, acrescentamos a
existência de necessidades humanas que, ao buscar sua satisfação, operam de
forma a motivar o indivíduo.
Erich Fromm relata sobre as cinco necessidades especificas pertencentes ao
ser humano, que são: a necessidade de relacionamento, a necessidade de
transcendência, a necessidade de segurança, a necessidade de identidade e a
necessidade de orientação. Para Fromm, essas necessidades surgiram no homem a
partir de seu estado de separação da natureza.
Outra contribuição interessante sobre as necessidades do ser humano está
na teoria de Maslow
18
sobre a hierarquia das necessidades básicas. Para
exemplificar melhor, vamos à figura representativa da teoria.
16
Através dessa explanação, Bourdieu explica a dominação social masculina sobre as mulheres.
19
Possuído de possessão, termo utilizado por Carl Gustav Jung, para expressar o fenômeno onde o
indivíduo é possuído, é tomado, invadido, por um arquétipo ou complexo.
17
Possuído de possessão, termo utilizado por Carl Gustav Jung, para expressar o fenômeno onde o
indivíduo é possuído, é tomado, invadido, por um arquétipo ou complexo.
18
As informações sobre a teoria de Maslow foram obtidas através de um trabalho de resumo do livro
de Felá Moscovici, 1999, p. 76-95.
20
As informações sobre a teoria de Maslow foram obtidas através de um trabalho de resumo do livro
de Felá Moscovici, 1999, p. 76-95.
29
FIGURA 4: PIRÂMIDE DAS NECESSIDADES BÁSICAS DE MASLOW
FONTE: MOSCOVICI, 1995, p. 77.
Para Maslow, as necessidades de base da pirâmide são as primordiais, as
que solicitarão serem satisfeitas preferencialmente. Depois de sua satisfação,
mesmo que parcial, o indivíduo se direciona para a outra necessidade situada acima
na pirâmide. As necessidades não seguem necessariamente essa ordem em todos
os seres humanos, pois possuem uma hierarquia e intensidade diferentes para cada
um.
Podemos aqui realizar um paralelo entre as necessidades de Fromm, de
Maslow, de Frankl e as estruturações de Freud, pois todos coincidem ao
demonstrarem as necessidades de afeto, de relacionamento, de segurança de
transcendência, de orientação e de identidade.
Frankl traz a questão da vontade de sentido; Fromm, da necessidade de
orientação e Maslow, a necessidade de segurança, e todas possuem ligações entre
si. A partir do momento em que a vontade de sentido é atendida, ela oferece uma
direção ao indivíduo, uma orientação a ser utilizada em sua vida em momentos de
21
Para Maslow, o ser humano nunca consegue satisfazer totalmente suas necessidades.
FISIOLÓGICAS
AFETIVO SOCIAIS
ESTIMA
AUTO ATUALIZAÇÃO
30
indecisão. Instala-se assim um sentimento de segurança, pois por meio disso é
possível ao indivíduo saber para onde irá conduzir sua vida.
As necessidades afetivo-social e de estima de Maslow podem ser ligadas à
necessidade de relacionamento de Fromm. Ambas as teorias demonstram que o
homem não se realiza na solidão, precisa de um objeto para se relacionar e
satisfazer suas pulsões, como diz Freud.
Da mesma forma que Frankl, Fromm descreve o fenômeno de
transcendência, revelando que esse é um potencial que necessita se realizar no
homem. Por meio dele, o homem conseguira atingir seus objetivos, gozar de seus
desejos e atingir a realização, a auto-atualização de Maslow. Desse modo, pela
transcendência constante de situações conflitantes, o indivíduo pode a cada dia
crescer em seu potencial de realização e manter sua auto-estima.
Assim, através da observação dessas necessidades humanas, podemos
verificar que o ser humano é um indivíduo de formação dinâmica e complexa, com a
interação de diversos aspectos. Dentro desses, podemos ressaltar a presença do
aspecto cultural. Em Nicolaci-da-Costa observamos que
a partir desses e de muitos outros insights, Freud mostrou que a vida predominantemente
urbana do homem moderno havia introduzido importantes alterações em seus
comportamentos e em sua própria organização psicológica (NICOLACI-DA-COSTA, 2002, p.
197).
Assim, pensando no mundo contemporâneo, podemos refletir sobre como as
mudanças ocorridas na revolução das tecnologias de informação podem estar
interferindo no funcionamento do psiquismo. Esse pode estar sendo alterado em seu
funcionamento e formação, já que pesquisas relevam que a subjetividade humana
tem sofrido modificações através da vivência no mundo tecnológico. Uma mudança
no universo subjetivo acarretaria uma nova forma de ver a mente e, por
31
conseqüência, uma nova teoria da personalidade. Mas, para tal advento, a
psicologia necessita que mais profissionais da área se dediquem ao desafio de
estudar tal relação.
A partir da aproximação entre personalidade e sociedade, trabalharemos no
próximo capítulo com a construção da sexualidade humana sob a influência do
universo cultural; para tal, utilizaremos um repertório histórico. Sendo assim,
conhecendo a sexualidade humana em sua formação psicológica e social,
poderemos tratar das novas formas de relacionamento humano vividas no mundo
contemporâneo, as relações virtuais.
32
3 A CULTURA NA FORMAÇÃO DA SEXUALIDADE – UMA VISÃO
HISTÓRICA
3.1 INTRODUZINDO A DIMENSÃO CULTURAL
A partir da explanação realizada no primeiro capítulo sobre a formação da
personalidade e sexualidade humana em uma visão psicológica, passaremos para
um diálogo social sobre o papel da cultura na formação e vivência da sexualidade.
Esse diálogo mostra-se necessário, pois as introjeções e identificações vistas
anteriormente ocorrem em meio social e contribuem para a formação do indivíduo.
Assim, na formação da sexualidade, a cultura irá contribuir para a constituição
do indivíduo como gênero, bem como para a formação de seus objetos de desejo.
Mas a participação do meio social não se restringe à questão da formação da
sexualidade. Ela irá contribuir também no modo como esse indivíduo irá viver a sua
sexualidade, no que tange a seus desejos, fantasias e formas especificas de
encontro do prazer.
A maneira como uma sociedade vive sua sexualidade está diretamente ligada
à relação social estabelecida pela mesma. Para compreendermos melhor esse
ponto, discorreremos sobre a influência da cultura na vivência da sexualidade,
utilizando exemplos históricos. Isso nos permitirá realizar uma viagem desde os mais
remotos tempos até os dias de hoje, no que diz respeito às modificações das
relações sexuais. Com este aporte, estarão assentadas as bases para abordarmos
posteriormente o item que se refere aos relacionamentos virtuais como uma nova
contribuição tecnológica.
33
3.2 CONTEXTUALIZAÇÃO
Caberia aqui a seguinte pergunta com a respectiva resposta: através de que
campos e de que maneiras a cultura se incorpora aos papéis e à forma de vida
sexual das pessoas? Através das relações sociais envoltas pela política, economia e
religião
19
. Para reforçar essa resposta, podemos nos apropriar da fala de Bourdieu,
quando o mesmo ao afirmar as origens da dominação cultural, tenta demonstrar
que elas são produto de um trabalho incessante (e, como tal, histórico) de reprodução, para o
qual contribuem agentes específicos (entre os quais os homens, com suas armas como a
violência física e a violência simbólica) e instituições, famílias, Igreja, Escola, Estado
(BOURDIEU, 2003, p. 46).
Assim, a influência religiosa é evidenciada sob o campo do certo e do errado
perante as leis de Deus, orientando o que deve e o que não deve ser vivido ou
pensado, com a finalidade de se assegurar um lugar na eternidade ao lado do
mesmo. Por sua vez, a contribuição política revela-se nas relações de poder e
controle de uma população e em sua participação econômica no que diz respeito à
geração de lucros. Essas forças contribuem para influenciar e determinar
comportamentos e papéis sociais.
A religião e a política se aproximam pelo fato de ambas procurarem, de
formas diferentes, o mesmo objetivo. Ambas exercem o controle sobre o
comportamento de uma população para determinado fim. Mas esse controle é
exercido de maneiras diversificadas: a religião utiliza-se da doutrinação da fé e da
inscrição do sentimento de culpa e a política, da repressão através de leis e
punições.
22
Estaremos tratando da doutrina cristã quando nos referirmos a religião.
19
Estaremos tratando da doutrina cristã quando nos referirmos a religião.
34
Nessa tipo de controle sobre a população estão incluídas as normas de
conduta sexual, com sua execução de papéis e formas de gozar da sexualidade,
pois essa também influencia a sociedade com suas manifestações e conseqüências.
Desse modo, a conduta sexual passa a ser acompanhada pela política, no que se
refere à taxa de natalidade a suas relações com graus de parentesco e paternidade,
relações consideradas ilegítimas, bem como quanto a seus reflexos em participação
de bens e controles de saúde da população.
De outro lado, no campo da religião, a conduta sexual é dirigida, pois o reino
dos céus deve ser garantido a seus fiéis através de seus comportamentos. Esses
devem estar de acordo com as leis divinas, o que implica o afastamento dos
prazeres carnais em oposição à elevação da alma. O controle religioso não deixa de
revelar também em seu cerne uma intenção política: a de exercer o controle sobre o
pensamento do povo.
O controle exercido na formação de papéis e condutas sexuais pela Igreja
está atrelado à indicação de leis e valores de cunho moral, ligados a um conjunto de
regras específico. Isso levou, com o passar do tempo, a um grande estreitamento da
relação, entre comportamento sexual e adequação moral. A Igreja não se preocupa,
pois, com a ética pessoal de cada indivíduo, mas sim com o cumprimento de um
código de leis. Por sua vez, o código está ligado à fé e, se não for cumprido, instala
nos indivíduos que o seguem certo sentimento de culpa. Além disso, como forma de
punição, atrela ao sofrimento do indivíduo a limitação de suas possibilidades de
escolha.
Com a contribuição de César Nunes, podemos perceber a influência moral
sobre o comportamento sexual, quando diz “[...] a sexualidade se encontra envolta
em um feixe de valores morais, determinados e determinantes de comportamentos
35
[...]” (2002. p. 13). Ou seja, a moralidade contida em determinados valores
considerados pela sociedade, restringe as possibilidades de manifestações dos
comportamentos sexuais.
Não foi sempre, entretanto, que a sexualidade possuiu uma relação tão
estreita com a Igreja, o Estado e a moralidade, no que concerne a interdições em
forma de leis. Por exemplo, de acordo com Michel Foucault, na antiguidade ocidental
grega
20
não existia uma problematização moral ligada à sexualidade, com regras de
condutas ou interdições. Não se procurava exigir dos indivíduos seu cumprimento,
pois a relação com a moralidade era dada de outras formas (dialogaremos sobre isto
mais adiante)
21
.
A história da cultura sexual pode ser resgatada desde a origem das espécies,
com a reprodução ocorrendo ainda de forma assexuada há cerca de dois bilhões de
anos atrás, tornando-se mais tarde sexuada. Já com o aparecimento e a evolução
do Homo Sapiens, surge o início da complexidade da sexualidade humana. Isso
podemos ver em Morin (citado por SEIXAS): “A verticalização também torna possível
a cópula frontal, que permite os encontros face a face, desenvolve os atrativos
erógenos (lábios, seios, pênis), o beijo, o abraço, a proximidade afetiva homem-
mulher” (1998, p. 26).
23
Michael Foucault refere-se a meados do século IV a.C., na Grécia, como Antigüidade Ocidental
(FOUCAULT, 1984, v. 2, p. 16).
20
Michael Foucault refere-se a meados do século IV a.C., na Grécia, como Antigüidade Ocidental
(FOUCAULT, 1984, v. 2, p. 16).
24
A seguir estaremos nos referindo a dados históricos a partir de Seixas e Foucault, obtidos através
de resumos e condensações de suas obras, citadas nas referências bibliográficas.
21
A seguir estaremos nos referindo a dados históricos a partir de Seixas e Foucault, obtidos através
de resumos e condensações de suas obras, citadas nas referências bibliográficas.
21
A seguir estaremos nos referindo a dados históricos a partir de Seixas e Foucault, obtidos através
de resumos e condensações de suas obras, citadas nas referências bibliográficas.
25
A seguir estaremos nos referindo a dados históricos a partir de Seixas e Foucault, obtidos através
de resumos e condensações de suas obras, citadas nas referências bibliográficas.
36
Com o passar do tempo, o homem desenvolve a caça, a agricultura e a
escrita; acompanhando essa trajetória, a relação entre homem e mulher também
sofre suas modificações. As mudanças nas formas de vida do ser humano, como a
passagem da vivência da atividade de caça para a de agricultura, geram
conseqüências nas relações sociais, alterando também as formas como o homem
viveu sua sexualidade.
Ao que diz respeito ao período da caça, sendo considerada essa uma
atividade de caráter masculino, a mulher, de forma paralela, cultiva alguns vegetais,
já que não pode depender somente da caça para alimentar sua prole. As relações
sexuais possuem formas variadas, então, podendo ser permanentes ou esporádicas
com o mesmo parceiro. Através do contato entre diferentes tribos, surgem algumas
regras relativas ao ato sexual, entre elas, a questão do incesto. A interdição da
relação incestuosa surge na percepção de que com essa prática poderiam se
desenvolver crianças com problemas físicos.
Já em sua fase agrícola, o homem passa a dominar a atividade de cultivador
e a mulher fica restrita aos cuidados com a família. Com o advento da escrita, na
idade dos metais, ocorre a passagem da pré-história para a história da Antiguidade,
sendo essa dividida em oriental e ocidental.
Na proximidade da Antigüidade Oriental (4000 a.C. - 500 a.C.), o casamento
mostra-se poligâmico; passa por algumas alterações, como o fato de ser permitido
ao homem possuir várias mulheres. Todos os seus frutos são considerados
legítimos, mas somente uma esposa é dotada de direitos. Ocorre depois a
substituição daquele pelo casamento monogâmico, quando se torna difícil para o
homem sustentar várias esposas; mas ele ainda mantém o direito de possuir
escravas e concubinas.
37
De acordo com Foucault, no Oriente foi desenvolvida a ars erótica, a arte
erótica, na qual “a verdade é extraída do próprio prazer, encarado como prática e
recolhido como experiência, não por referência a uma lei absoluta do permitido e do
proibido [...]” (1988, p. 57). Conforme o autor ainda, podemos conhecer um pouco
mais desse saber encontrado na ars erótica, quando o mesmo revela:
[...] este saber deve recair, proporcionalmente, na própria prática sexual, para trabalhá-la
como se fora de dentro e ampliar seus efeitos. Dessa forma constitui-se um saber que deve
permanecer secreto, não em função de uma suspeita de infâmia que marque seu objeto,
porém pela necessidade de mantê-lo na maior discrição, pois segundo a tradição, perderia
sua eficácia e sua virtude ao ser divulgado (1988, p. 57).
Já para César Nunes, a ars erótica é “como uma dimensão de sacralidade e
mistério envolvente e sedutor [...] estimulado através da reserva e da liberdade, sem
limites [...]”. Percebe-se assim que essa prática mantém uma ligação direta com o
prazer do indivíduo obtido através de sua experiência e, essa como pertencente
somente a ele aumenta sua potencialidade (2002, p. 25).
A partir da Idade Média sem o desenvolvimento da ars erótica no Ocidente,
deu-se o aparecimento da scientia sexualis. Essa, atrela a sexualidade ao discurso
racional e lógico, ligado às formas de poder. Desde então, a verdade é estabelecida
como fruto da confissão, e o sexo, como objeto dessa verdade.
Considerando a cultura judaico-cristã (influenciada pela Antigüidade Ocidental
Grega) como base do conjunto de padrões e comportamentos de nosso país, é
indispensável que a enfatizemos. Assim, levantaremos a seguir as modificações
ocorridas no contexto da sexualidade, focando seus aspectos nas relações sociais.
38
Procuraremos então observar, baseada nos escritos de Michael Foucault
22
, de
que maneira a sexualidade humana tornou-se uma preocupação moral, a ponto de
sofrer restrições á liberdade de direito de seus atos
23
.
3.3 ANTIGÜIDADE OCIDENTAL GREGA
Como vimos no início deste capítulo, na Grécia antiga, a preocupação relativa
aos atos sexuais ainda não possuía uma conexão direta com os valores morais. A
conduta estava ligada ao indivíduo e à sua relação consigo mesmo, sendo
consideradas por ele as conseqüências de seus atos em seu vínculo com o Estado.
Os relacionamentos do individuo estavam sempre voltados a seus próprios
interesses e não baseados em códigos ou regras de conduta. A seguir
apresentaremos em que bases a relação com o prazer foi construída.
3.3.1 Bases da relação com o prazer
As bases da relação com o prazer não envolviam preocupações em torno da
maneira como os indivíduos obtinham prazer, de quais eram seus desejos ou
objetos de satisfação, mas fundavam-se em suas necessidades. Essas tinham
relação com o corpo e com sua saúde, chamada de Dietética, com seus bens e em
sua vivência no casamento, chamada de Econômica, e com seu status levando em
26
FOUCAULT, M. História da Sexualidade. v. 1, 2 e 3.
22
FOUCAULT, M. História da Sexualidade. v. 1, 2 e 3.
27
Pierre Bourdieu realizou criticas à forma como Michel Foucault elaborou seu estudo, dizendo que
esse não considerou relatos de personalidades históricas da época que possuíam um alicerce mais
mediterrâneo (2003, p. 15).
22
FOUCAULT, M. História da Sexualidade. v. 1, 2 e 3.
23
Pierre Bourdieu realizou criticas à forma como Michel Foucault elaborou seu estudo, dizendo que
esse não considerou relatos de personalidades históricas da época que possuíam um alicerce mais
mediterrâneo (2003, p. 15).
39
conta seu prazer com os rapazes
24
, chamada de Erótica. Todas essas categorias de
orientação desenvolveriam a sabedoria, que se tornaria mais acessível quanto mais
domínio de si fosse conseguido.
3.3.1.1 Dietética
A relação com o corpo se colocava para os gregos como uma grande
preocupação relacionada aos atos sexuais. O corpo deveria ser poupado o máximo
possível, pois o seu desgaste poderia trazer prejuízos à saúde.
Essa preocupação de não sobrecarregar o corpo vinha através da orientação
de só submetê-lo aos prazeres sexuais quando houvesse necessidade. O prazer
poderia ser maior quanto maior fosse a falta ou a abstinência desse. Não deveriam
ser cometidos excessos. Eram feitas comparações com o ato de comer e de beber,
que, para a boa manutenção da saúde, só deveriam ocorrer quando houvesse a
necessidade do organismo. Além disso, acreditava-se que o material dispensado na
ejaculação era uma substância vital e que não poderia ser desperdiçado e sim
economizado.
Além de realizar o ato sexual somente pela necessidade de prazer, o
indivíduo era orientado também a esperar as oportunidades mais adequadas, ou a
estação do ano mais propícia. As estações consideradas como as mais propícias
seriam aquelas que favorecessem a procriação ou que ocasionassem um menor
desgaste ao corpo. A mais recomendada era a do inverno, pois aqueceria o
organismo.
29
Deve-se levar em conta que a filosofia criada na Grécia antiga, para tratar das questões sexuais
era uma filosofia criada para homens e dirigida por homens, ou seja, essencialmente masculina.
24
Deve-se levar em conta que a filosofia criada na Grécia antiga, para tratar das questões sexuais
era uma filosofia criada para homens e dirigida por homens, ou seja, essencialmente masculina.
40
Outra espera quanto ao momento se referia ao ciclo da vida, pois relações
sexuais realizadas por pessoas muito novas eram consideradas contra a natureza, já
que o corpo não estava preparado para tal. As relações cometidas por pessoas de
muita idade não eram recomendadas, uma vez que geravam muito desgaste ao
organismo e a descendência procriadas por elas poderia não ser sadia.
A prática sexual era chamada de aphrodisia e era para os gregos, de acordo
com Foucault, “atos determinados pela natureza, associados por ela a um prazer
intenso, e aos quais ela conduz, através de uma força sempre suscetível de excesso
e de revolta” (2003, p. 84). Por isso era sempre necessário lutar contra sua rebeldia.
Portanto, era preciso possuir uma moral firme para que o rigor de um regime
físico fosse suportado, pois a aproximação entre atividade sexual e moral de dava na
busca pelo equilíbrio, ou seja, no ato de não exagerar. Dever-se-ia ser temperante
com o corpo, e isso era algo que trazia exigências para a alma, para a moral.
3.3.1.2 Econômica
A relação entre homens e mulheres era ligada de forma marcante pelas
intenções econômicas existentes na época, o que não negava a existência de
relações amorosas entre eles. O vínculo de amor entre ambos existia, mas não era
muito valorizado, já que as mulheres não eram as únicas fontes de satisfação para
os homens. A obtenção de prazer com os rapazes era permitida, então a prioridade
no matrimônio com as mulheres era a união de bens e a manutenção dos mesmos,
através da concepção da família.
O homem possuía sobre a mulher uma relação de dominação e de poder. Ela
era para ele como um objeto que lhe pertencia, não possuía nenhuma liberdade e a
ela só era garantido o benefício de esposa legítima. Também como reflexo dessa
41
relação de poder, existia a crença de que o prazer sexual da mulher era menor e
dependente do homem.
Aproximando-nos de Bourdieu, podemos dizer que o “próprio ato sexual é
pensado em função do princípio do primado da masculinidade. A oposição entre os
sexos se inscreve na série de oposições mítico-rituais: [...] em cima/ em baixo, seco/
úmido [...] ativo/ passivo, móvel/ imóvel.” Para o autor, a diferença existente entre os
sexos é fruto de uma construção social, fundada em uma “razão androcêntrica”
(2003, p. 27 e 24).
Dessa forma, era garantido ao homem o direito de possuir amantes, homens
ou mulheres, mas não era permitido à mulher ter relações sexuais fora do
casamento. O adultério só era considerado se fosse cometido pela mulher. Além
disso, as relações homossexuais entre mulheres eram consideradas antinaturais,
pois a penetração necessitaria ser forjada.
Ao homem cabia, entretanto, a responsabilidade de não ameaçar através de
suas amantes o status de sua esposa. Esse, então, consideraria como filhos
legítimos somente os que tivessem sido concebidos pela esposa. Com o passar do
tempo, surgiram alguns escritos com o objetivo de mostrar ao homem que uma vida
temperante era também uma vida de relação sexual somente com a esposa. Mas
essa tentativa de estabelecer a fidelidade não se baseava na relação entre marido e
mulher, mas no vínculo entre o próprio homem, sua sabedoria e suas intenções com
o Estado.
Existia uma aproximação intensa entre matrimônio, administração familiar e
administração pública. Pregava-se na época que o cidadão que conseguisse
administrar bem seus bens e sua família administraria da mesma maneira os
negócios públicos de um povo. Sócrates (citado por Foucault) dizia “[...] pois a
42
condução dos negócios privados só difere quanto ao número daqueles dos negócios
públicos [...]” (2003, p. 138). Portanto era necessário ao homem educar bem sua
esposa e orientá-la dentro de seus preceitos, para que ela pudesse, em sua
ausência, auxiliá-lo na administração de seus bens. Dessa maneira, Bourdieu retrata
a posição da mulher no mercado matrimonial quando comenta: “as mulheres só
podem aí ser vistas como objetos, ou melhor, como símbolos cujo sentido se
constitui fora delas e cuja função é contribuir para a perpetuação ou o aumento do
capital simbólico em poder dos homens” (2003, p. 55).
Complementando o autor acima, Maria Rita Kehl explana sobre a posição
social da mulher nos dias de hoje, quando afirma:
o que é específico da mulher, em sua posição subjetiva quanto social, é a dificuldade que
enfrenta em deixar de ser objeto de uma produção discursiva muito consistente, a partir da
qual foi sendo estabelecida a verdade do desejo de alguns homens – sujeitos dos discursos
médicos e filosóficos que constituem a subjetividade moderna – e não a verdade “da mulher”
(1998, p. 15).
Isso significa que o papel da mulher e, mais além, a própria descrição do que
é a feminilidade vêm sendo impressos pelo pensamento masculino ao longo do
tempo. Tal pensamento exerce sobre a mulher a exigência de cumprir uma
expectativa de comportamento e de sentir que talvez não reflita sua natureza, já que
não foi expressa por ela. Isso repercute ainda nos dias de hoje, pois essa forma de
dominação através da descrição da subjetividade feminina já faz parte de nossa
herança cultural. Entretanto, a busca da mulher por seu espaço para ser a fonte
discursiva de si mesma já traz reflexos em nossa sociedade, mesmo que isso, no
princípio tenha ocasiona o certo desconforto na relação com o homem.
43
3.3.1.3 Erótica
A problematização moral na relação dos homens com os rapazes não estava
no fato de esses serem objetos de desejo, pois não era feita distinção entre os
relacionamentos; “[...] o mesmo desejo se dirigia a tudo o que era desejável [...]”
(FOUCAULT, 2003, p. 171).
As questões que permeavam essa relação diziam respeito à diferença de
idade entre os parceiros. As diferenças eram relativamente grandes, homens
convivendo sexualmente com rapazes. A defasagem, então, gerava desconforto,
pois se acreditava que o indivíduo mais novo ainda não estava formado para tal.
A aproximação dos mais velhos com os rapazes geralmente estava envolvida
com o ensino da filosofia e com a prática da educação, o que muitas vezes justifica a
diferença de idade, pois tratava-se de mestre e orientado. Essas relações, com o
passar do tempo e com o avanço da idade do parceiro, tornavam-se amizades
profundas.
Outra questão de problematização nesses relacionamentos era quanto à
posição de passividade de um dos parceiros. Essa não era bem vista pelo Estado, a
ponto de se considerar um homem passivo impróprio para o governo de uma cidade.
A posição passiva só era permitida enquanto o indivíduo era jovem, mais tarde ele
deveria deixá-la, senão sua imagem seria comprometida. Não existia problema em
amar um rapaz, mas sim em ser amado por um homem. Esse enunciado pode ser
confirmado quando Bourdieu relata que ”compreende-se que sob este ponto de
vista, que liga a sexualidade a poder, a pior humilhação para um homem consiste
em ser transformado em mulher”, ou seja, em um ser passivo para a época (2003, p.
32).
44
É interessante lembrarmos a intensidade dada a essas relações para que a
elas fosse atribuída a categoria de erótica. Acreditava-se que homossexualidade
masculina continha o real erotismo, pois era a única motivação para tal. Essa
afirmação se baseava também no fato de o vínculo entre homens não estar
envolvido por interesses outros, como os econômicos, existentes no casamento
heterossexual.
3.3.1.4 A sabedoria
A temperança era a fonte de vitória e de sabedoria, seu prêmio era a
liberdade, já que um homem que possuía domínio próprio era considerado um
homem livre. Assim, alguém temperante era um indivíduo que não estava a serviço
de nada, a não ser de si mesmo.
Mas, para tal, era necessário se manter vigilante como em um combate,
diante dos prazeres; essa deveria ser sua moral de conduta. Nesse momento surge
a relação de oposição entre corpo e alma e a aproximação entre alma e moral.
3.3.2 Relações do prazer com a moral e a alma.
A moral de conduta fazia parte da alma do sujeito e possuía sua base em si
mesma e não em regras e normas externas. Com o Estado, o individuo estabelecia
suas relações políticas, mas sempre com base em seus desejos e suas intenções,
diferentemente da cultura cristã, para a qual a moral está diretamente relacionada
com as leis divinas e a sabedoria não está no homem, mas em Deus.
Realizando uma aproximação entre a necessidade de estar vigilante e a
cultura cristã, nos lembramos de uma das falas utilizadas pelo cristianismo para
manter os fiéis atentos às manifestações da carne contra a alma: ”– Vigiai!”. Ou seja,
orienta-se aqui que os indivíduos estejam atentos para as manifestações do inimigo
45
e também para o retorno de seu Senhor. Assim, estando limpos de seus pecados,
no retorno de seu Mestre todos seguiriam com o mesmo para a tão prometida vida
eterna
Solicitamos a contribuição de Platão para verificarmos como a influência do
aspecto religioso dá peso à questão da moral sexual. Preocupado na época em
limitar a conduta sexual através da lei, Platão percebe que se ela estivesse atrelada
à questão religiosa, os indivíduos a seguiriam. Ele cita como exemplo a problemática
do incesto, que todos da época sabiam ser intolerável, pois acreditavam que essa
questão era “objeto de ódio para a divindade“ (PLATÃO citado por FOUCAULT,
2003, p. 151).
Foucault, utilizando uma fala de Platão, diz que “seria preciso, portanto, que a
propósito de todos os atos sexuais repreensíveis, a voz pública unânime fosse da
mesma maneira revestida por um caráter religioso” (2003, p. 151). Aqui, então, o
famoso filósofo grego prenunciou a forma como o controle moral seria realizado no
futuro: a moral estaria presente nos códigos da Igreja.
3.4 INICIO DA ERA CRISTÃ
Nos primeiros séculos da era cristã, ainda antes do fortalecimento do
cristianismo, ocorreram algumas modificações que permeiam as relações sexuais.
Em meados do século I e II, com o enfraquecimento do vínculo do cidadão com o
Estado, em seu sentido político e social, passou-se a vivenciar a cultura do cuidado
de si. Essa cultura dizia respeito ao ser como sujeito de seus atos, mais preocupado
consigo do que com sua relação com o poder. A partir disso se criou uma
individualidade maior nas pessoas, que foram incentivadas a cuidar mais de sua
alma do que de suas riquezas ou de sua honra.
46
Assim, a postura de vigilância sofreu intensificação, pois todos deveriam estar
atentos às forças rebeldes do corpo que pudessem atingir a alma. Para tal controle
se contava com o auxílio da razão. Aqui podemos perceber a aproximação entre
alma e razão, estando a razão a serviço da alma. Dessa maneira, podemos
compreender o conceito popular de que devemos nos aproximar da razão e nos
mantermos longe da paixão, para conservarmos a alma elevada. Essa aproximação
trará mais à frente a dualidade entre corpo/ paixão e alma/ razão.
Essa dualidade ainda não estava instalada, porque, de acordo com Foucault,
nesse período acreditava-se que o corpo deveria seguir o direcionamento de suas
próprias leis, baseadas em suas necessidades. Dentro disso, caberia à alma o papel
de auxiliar o corpo, evitando os desvios da imaginação, suscetíveis tanto a ele
quanto à própria alma; para isso essa deveria estar bem trabalhada
25
.
Aponta aqui o tema imaginação, que remeterá ao ato de fantasiar, que era
condenado, pois estimularia a ocorrência do ato sexual além de suas necessidades,
contaminando a alma de imagens internas a partir de estímulos externos. Surgem,
então, os exames de consciência, propostos pelos filósofos, para serem realizados
em diferentes momentos do dia, sem que se sugiram culpas ou punições. Esses
exames consistem em oportunidades para perceber um erro cometido, memorizá-lo
e compreendê-lo.
A importância de todo esse controle está na valorização de se ser livre, de se
possuir, para que se possa ter na relação consigo um prazer que sempre estará
30
Estar com a alma bem trabalhada significa, de acordo com Foucault, “ter eliminado os erros,
reduzido as imaginações, dominado os desejos que lhe fazem desconhecer a sóbria lei do corpo”
(FOUCAULT, 1985, p. 136).
25
Estar com a alma bem trabalhada significa, de acordo com Foucault, “ter eliminado os erros,
reduzido as imaginações, dominado os desejos que lhe fazem desconhecer a sóbria lei do corpo”
47
disponível. É diferente dos prazeres sexuais, que dependem da participação do
outro, podendo-se ou não encontrar a satisfação.
Esse processo de individualismo abre espaço para a percepção da
consciência, que será relacionada mais tarde com o superego. Esse refere-se à
incorporação das leis e será quem irá possibilitar ou impedir o desfrute do prazer.
O vínculo matrimonial também se alterou nos primeiros séculos dessa era, já
que a relação entre marido e mulher se inclinou para o vínculo de afeto e respeito
entre ambos, embora a questão econômica ainda se mostrasse presente. A
fidelidade conjugal foi severamente incentivada, levando-se em conta a dieta do
corpo e a consideração em não se fragilizar o vínculo estabelecido com o cônjuge.
Por isso, as relações com os rapazes foram excluídas das permissões antes
concedidas pela sociedade.
Por mais que existissem orientações em torno das questões relativas ao
comportamento sexual na Antiguidade, as regras não possuíam a relevância que
esse comportamento iria tomar a partir do cristianismo e da concepção do pecado
mortal da carne. Na Grécia antiga, era dada maior importância aos cuidados
relativos ao corpo e as conseqüências dos atos de comer e de beber do que ao que
se refere aos atos sexuais.
O cristianismo, por sua vez, ao se fortalecer, influencia, como a medicina
romana, o comportamento sexual. Mas essas duas instituições não utilizam os
mesmos recursos, uma vez que o primeiro oprime através de valores espirituais,
investindo de poder com sua moral a autoridade religiosa e ameaçando seus fiéis
com o pavor do inferno (SEIXAS, 1998, p. 43-48).
48
3.5 IDADE MÉDIA
Já na Idade Média, a situação da mulher não se mostrava diferente, ela era
vista como inferior pela cultura cristã, permanecendo sob o poder do esposo. O
adultério feminino continua possuindo um julgamento mais rigoroso em comparação
com o do homem. Claramente, o casamento continua monogâmico e os atos de
masturbação e relações homossexuais passam a ser considerados “pecados”.
Na Grécia antiga, as interdições eram consideradas como orientações e
possuíam base na saúde do corpo e na relação do indivíduo consigo mesmo e com
suas aspirações sociais. Agora, com a inserção do ato do “pecado” pelo cristianismo,
a moralidade passa pelas interdições descritas pela igreja, baseadas na
desvalorização do desejo e do prazer. Dessa forma, foi produzido um sentimento de
culpa sobre aqueles que ousassem ir contra as leis divinas de abolição dos prazeres
da carne, em prol do desenvolvimento da alma. Além de inscrever esse sentimento
nos fiéis, a Igreja ainda os controlava pelo fato de estar somente sob o seu poder a
possibilidade de perdão, que era concedido através dos atos de penitência.
Com tantas interdições em torno dos atos sexuais, em uma tentativa de
libertação, muitos desobedecem às leis da Igreja, e os casos de excitação sexual,
como o adultério e a prostituição, aumentam em grande escala. Para retomar o
controle, a instituição religiosa cria a Santa Inquisição, que através de confissões e
denúncias, pune também os atos da carne com a morte
26
.
Com a contribuição de Seixas, vemos que “o desejo sexual é considerado
demoníaco e a mulher atraente e sedutora é suspeita de exercer bruxaria e manter
31
De acordo com Seixas, “é somente mais tarde que a Inquisição passa a perseguir as heresias
religiosas” (1998, p. 54).
26
De acordo com Seixas, “é somente mais tarde que a Inquisição passa a perseguir as heresias
religiosas” (1998, p. 54).
49
relações carnais com o diabo” (1998, p. 54). Além disto surgem os cintos de
castidade por volta do século XIV, que eram utilizados inicialmente para proteger as
mulheres de atos de estupro, mas eram impostos também por maridos ciumentos,
para evitar traições em seus períodos de ausência.
A confissão se torna a forma de produção da verdade para a Igreja, onde os
fiéis são obrigados a narrar detalhadamente seus atos, inclusive de cunho sexual.
Essa forma coerciva de se falar sobre sexo despertou nas pessoas um prazer
específico, o prazer contido em saber sobre a sexualidade, mantido pela vontade de
saber.
Esse falar sobre sexo, no entanto, não era um falar livre, mas sim preso a
uma censura de palavras, o que o tornava moralmente aceito. Porém esse controle
na maneira de falar não impediu a sexualidade; pelo contrário, a excitou em ser
descoberta (FOUCAULT, 1988, p. 21-24). Essa observação é feita também por
Seixas, quando comenta que “denominar o sexo fica mais difícil, como se,
para dominá-lo no plano real, fosse necessário primeiro reduzi-lo ao campo da
linguagem [...]” (1998, p. 62).
A sexualidade é então trazida para o campo da racionalidade, torna-se presa
ao campo do discurso, do dizer. Nesse momento, a ciência percebe que pode se
utilizar do ato de confissão fazendo do sexo um objeto de verdade. Contudo, a parte
da ciência, que seria no futuro chamada de sexualidade humana, utiliza o método do
discurso, ou seja, o ato de confessar os desejos, como um instrumento para se
encontrar verdades sobre o sexo. Inclui ainda em sua metodologia para a busca do
saber a interpretação e o julgamento de quem escuta, considerando então que a
verdade está contida em quem ouve e não em quem fala.
50
Surge aí o equívoco da ciência-confissão, conforme citação de Foucault, que
se utilizava de “rituais da confissão [...] e assumia como objeto o inconfessável -
confesso”. Ou seja, a ciência supunha que se confessaria tudo sobre o que é
inconfessável. Além disso, apoiava-se na interpretação e julgamento de indivíduos
que acreditavam não os possuir, criando a partir disso estereótipos, classificações,
anormalidades etc. (1988, p. 63).
A existência dessa vontade de saber pode ser comprovada ainda nos dias de
hoje, quando nos lembramos da tecnologia existente atualmente chamada Internet.
De acordo com um artigo publicado em 04/06/2004, pela Folha de São Paulo, “Sites
de sexo são mais visitados que páginas de busca”. Portanto percebe-se com isso
que a Internet, em seu aspecto imediato e privado, está possibilitando que o desejo
de saber sobre sexo e sobre sua própria sexualidade seja atendido. Essa vontade
de saber pode ser também percebida nos dias de hoje através da forma como a
economia a fez útil, ampliando o mercado sobre sexo.
3.6 BRASIL COLONIAL
Nos primeiros momentos da colonização do Brasil, a sexualidade é desfrutada
de maneira livre pelos que exerciam o poder na colônia. Para Parker (citado por
SEIXAS), a sexualidade exacerbada “é resultado direto das relações de poder entre
dominação e do sistema de produção econômica que marcou a vida colonial” (1998,
p. 63).
Com a chegada dos representantes do catolicismo, entretanto, tentou-se
iniciar a repressão a essa dita libertinagem sexual. Primeiramente chegam ao país
as prostitutas, mais tarde desembarcam as “senhoras de bem”, e o comportamento
dessas se diferencia também do das nativas, pois permanecem enclausuradas,
51
sendo obrigadas ao recato e à guarda da honra. Os casamentos ocorrem cedo para
as mulheres, com cerca de 12 anos, e sempre com homens bem mais velhos.
A mulher é vista como um ser perigoso e cheio de pecado, que deve ser
responsabilizada pelo ato de Eva. O que a salva é a sua correlação com a imagem
de Maria
27
, mãe, virgem e pura. Porém essa aproximação com a imagem de Maria
afasta da mulher o mundo dos prazeres. A ela é ensinado que deve se comportar
como a mãe de Jesus, não se entregando aos prazeres da carne, mantendo-se pura
de espírito, dedicando-se à maternidade e sendo uma esposa fiel.
Assim, a mulher tende a não se permitir o prazer. De outro lado, o homem
aprende a não conceder satisfação a ela e também a não desfrutá-la com ela. Isso
ocorria de tal forma que se acreditava que o homem necessitaria de duas mulheres
diferentes: uma, quente nos prazeres para ser sua amante, e outra, simplesmente
para receber afeto, cuidados e ter filhos.
Podemos observar isso quando São Jerônimo diz: “Escandaloso é também o
marido demasiado ardente para com sua própria mulher, pois nada é mais imundo
do que amar a sua mulher como a uma amante [...]” (SÃO JERÔNIMO citado por
ARAÚJO, 1997, p. 52).
Pode-se então perceber a instalação da dicotomia entre mulher virtuosa, pura,
mãe e prostituta, ardente, amante, na imagem da mulher. Essa separação será de
tal forma introjetada que permanecerá por longo tempo no inconsciente de homens e
mulheres. Essa idéia ainda influencia a sexualidade nos dias de hoje, apesar da luta
das mulheres quanto a seus direitos, inclusive no âmbito sexual.
32
Maria refere-se à mãe de Jesus Cristo, filho de Deus, para o cristianismo.
27
Maria refere-se à mãe de Jesus Cristo, filho de Deus, para o cristianismo.
52
O pecado sai da esfera do real para a do virtual, onde é considerada também
como falha, possuindo o mesmo peso, a falta cometida pelo pensamento, pelo
imaginar e pelo ato de fantasia. Benedicti, pregador do séc. XVI, concordando com
Santo Agostinho, comenta: “O marido que, levado por um amor desmedido, possuir
tão ardentemente sua mulher para satisfazer a volúpia, como se não fosse a sua
mulher, e mesmo assim mantém relação com ela, peca” (SEIXAS, 1997, p. 59).
Em paralelo à realidade colonialista imposta por Portugal ao Brasil, no século
XVIII, surge na Inglaterra a primeira revolução industrial, com a descoberta da
máquina a vapor e, no século XIX, a segunda revolução industrial, revelada pelo
descobrimento da energia elétrica. Ambas trouxeram grandes mudanças na forma
como o indivíduo passou a ver o mundo, bem como suas relações sociais. Essas
mudanças iriam posteriormente aportar na sociedade brasileira. Recorrendo a
Nicolaci-da-Costa, percebemos que a primeira revolução mostra-se mais impactante
em comparação com a segunda, pois existe nela uma “ruptura radical com a ordem
precedente”. Ainda em Nicolaci-da-Costa, vemos exemplos da maneira como esses
quadros históricos alteraram a vida social:
a geração de novos espaços de vida, as alterações de amplo alcance nos estilos de agir, de
viver e de ser dos homens e mulheres[...] e a proliferação de vocabulários que expressam
novos interesses, novas necessidades, novas formas de vida, novos relacionamentos, novos
conflitos e etc. (NICOLACI-DA-COSTA, 2002, p. 195).
Com o relato dessas revoluções, notamos como a presença de novas
tecnologias começou a influenciar a vida humana, suas relações em comunidade e,
conseqüentemente, sua esfera sexual. Mais adiante veremos a participação da
terceira revolução, a das tecnologias da informação.
Em conclusão, se retomarmos todos os relatos mostrados até agora,
perceberemos que durante toda a história da sexualidade houve momentos em que
53
o gozo dela foi intercalado por períodos de flexibilização e enrijecimento,
determinados por pensamentos religiosos e fatores políticos e econômicos. Mas o
que prevaleceu por mais tempo foi sem dúvida a ação repressiva contra a
sexualidade.
3.7 SEGUNDA METADE DO SÉCULO XX
No mundo contemporâneo, surgiram vários movimentos que influenciaram na
forma como a sexualidade foi vivida, como os movimentos hippies, de liberação
homossexual e feminista.
O movimento hippies (década de 60) pregava uma maior liberdade sexual, o
desprendimento da materialidade e o desenvolvimento espiritual, sem estar preso a
uma religiosidade específica. Já o movimento de libertação homossexual (década de
90) procura enfatizar os direitos pela legislação de sua união e pela possibilidade de
os homossexuais realizarem adoções.
Por sua vez, o movimento feminista luta por estabelecer uma relação
igualitária diante do homem, tanto no mercado de trabalho quanto em todas as
outras relações sociais, incluindo aqui o direito a gozar livremente de sua
sexualidade. O advento da pílula como forma de anticoncepção auxiliou a mulher a
separar vida sexual da maternidade.
Essa aproximação de direitos dos homens e das mulheres não significa,
porém, a eliminação das diferenças. Essas existem entre ambos, e se valorizadas,
podem ser vividas de forma positiva na relação deles. Sobre essa temática da
eliminação das diferenças, Low, comenta:
quanto menos cada sexo se especializar e quanto mais fizerem as mesmas coisas, mais
semelhantes serão. Assim, espera-se que as diferenças de sexo variem de acordo com os
meios, com os sistemas de acasalamento e com as culturas como um resultado de
54
influências culturais mais subtis. E, com efeito, os humanos são extraordinariamente
variáveis, tal como vemos (LOW, 2000, p. 103).
Enfim, surge a liberdade sexual, mas essa não se mostra acessível a todos,
pois muitos ainda revelam-se presos a repressões, preconceitos e ligações com as
formas como a humanidade aprendeu a viver a sexualidade. Toda essa herança
cultural se mantém em nosso superego de maneira muitas vezes inconsciente,
impedindo nossa libertação para um gozo pleno da sexualidade.
Como comentamos anteriormente houve no fim do século XX a revolução das
tecnologias da informação e, com ela, a possibilidade de o individuo se comunicar
através da rede mundial de computadores. Essa, como a primeira revolução, trouxe
no cotidiano humano profundas transformações (NICOLACI-DA-COSTA, 2002, p.
195).
Com a chegada do avanço tecnológico e, juntamente com ele, o estresse, a
falta de tempo e a insegurança, as relações sociais sofrem novas alterações,
modificando também as formas de viver a sexualidade. De acordo com Carvalho, ”é
como se o desenvolvimento tecnológico tivesse por si só a capacidade de
transformar toda a sociedade[...]” (1998, p. 89).
Assim, com o passar das décadas, o que se percebe nos dias de hoje é a
busca de um prazer instantâneo, imediato, sendo isso um reflexo da forma como o
ser humano tem vivido a modernidade. Bastam alguns momentos em frente de uma
televisão ou navegando em alguns sítios na Internet para percebermos a existência
das ofertas de prazer imediato. O oferecimento de sexo fica, então, lado a lado da
velocidade com que se consegue alimento em uma loja de fast food.
Na vida moderna, as pessoas não se sentem seguras para se mostrar a
outros e muitas vezes nem a si mesmo, não têm tempo para se relacionar, pois
55
precisam trabalhar e estudar para se manterem competitivos. Desse modo, uma
nova forma de relação sexual, que tem sido muito utilizada em nosso mundo
contemporâneo, surge para tentar atender as novas necessidades da sociedade, o
sexo virtual.
Essa nova possibilidade de relacionamento é possível através do ato de
fantasiar, viver e descobrir novas alternativas para se gozar da sexualidade. Nesse
âmbito de relação, a repressão se faz menor, pois não existe a presença física do
outro, e sua privacidade, pelo anonimato, é mantida. O indivíduo pode viver qualquer
papel, de qualquer maneira, e depois seguir como se nada tivesse ocorrido, diante
de outras pessoas. Ele não precisa se responsabilizar por nenhuma conseqüência
de seus desejos, além de poder ter acesso ao prazer de forma imediata. Essa é uma
relação da contemporaneidade.
A repressão, mesmo em escala menor, se mantém, contudo, existem pessoas
que, mesmo na dimensão virtual, não conseguem livrar-se de suas amarras e
desfrutar da fantasia. Isso reflete o que temos dito sobre quão grande é a influência
dos aspectos culturais na vivência da sexualidade humana, bem como em toda a
formação da personalidade. Entretanto, mesmo com a repressão sexual agindo de
forma inconsciente, a Internet, através de suas possibilidades, pode favorecer o
rebaixamento desses níveis de censura.
Podemos neste momento fazer menção a um importante pensamento da
Grécia antiga, visto anteriormente, que, se considerado em seu sentido amplo, pode
ser utilizado em nosso mundo contemporâneo. Trata-se da relação que o indivíduo
estabelece consigo mesmo e do conhecimento de si, para um bom aproveitamento
do relacionamento sexual.
56
A partir do momento que nos conhecemos, que nos descobrimos, que
sabemos sobre nosso prazer, nosso corpo e nossas emoções, podemos perceber
melhor o outro. Assim, a possibilidade de harmonização e sintonia em uma relação
se faz maior. Além disso, para possuirmos alguém e nos entregarmos a ele, se faz
necessário primeiramente possuir a si mesmo. Esse poderia ser um caminho para
uma espécie de humanização da sexualidade. Pois, partindo-se de um contato
profundo consigo e de uma percepção de sua própria humanidade, pode-se
perceber o outro também em sua esfera humana, descobrindo suas semelhanças e
respeitando suas diferenças.
Com a contribuição de César Nunes, podemos corroborar a necessidade
dessa aproximação entre sexualidade e humanismo; para ele, importa
demonstrar que a sexualidade, como dimensão humana, não pode ser reduzida a um objeto
estranho, fora de nós[...], a sexualidade só pode ser tratada de maneira profundamente
próxima, densa de dignidade e humanismo, para ser eficaz e significativa (2002, p. 19).
Portanto o mundo virtual torna possível, com suas facilidades, que o indivíduo
vivencie seu desejo, de forma segura o suficiente, para o encorajá-lo a conhecer
melhor sua sexualidade. Essa é uma possibilidade do mundo tecnológico, onde se
faz presente a interação entre ser humano, tecnologia e sociedade.
57
4 A CONTRIBUIÇÃO TECNOLÓGICA
Como vimos no capítulo anterior, o relacionamento virtual cresce
vertiginosamente nos dias de hoje. Pode ser considerado como fruto da cultua
sexual que envolve o mundo contemporâneo. Neste momento, iremos discutir sobre
a contribuição que a tecnologia, através da possibilidade de relacionamento virtual,
oferece para o exercício da sexualidade humana.
Os relacionamentos via Internet estão mediados pela tecnologia, que
possibilita, conforme Vaz, não ser “preciso que haja proximidade espacial para
homens poderem interagir” (VAZ, p. 54). Essa nova alternativa de relação revela a
interação existente entre a tecnologia, o ser humano e a sociedade. A interação
ocorre de maneira entrelaçada, com a participação simultânea de todas as partes
envolvidas.
Utilizando o exemplo do controle que o homem estabeleceu sobre a natureza,
Carvalho, nos fala de como ocorre a interação, quando diz:
no entanto não é possível dizer se foram as alterações sociais que acarretaram as mudanças
nas técnicas de controle da natureza ou se foi a possibilidade de controlar a oferta de
alimentos que levou às mudança na organização social. O mais correto seria afirmar que
estas transformações estão entrelaçadas, sem que seja viável a existência de qualquer uma
delas isoladamente (CARVALHO, 1998, p. 91).
Desse modo, podemos transpor a explicação de Carvalho para nosso tema de
estudo, dizendo que o ser humano interage com a sociedade e a tecnologia de
forma simultânea e “entrelaçada”.
Assim, a tecnologia que propiciou o relacionamento virtual surgiria a partir de
uma necessidade humana, fruto das alterações nas relações sociais, que, por sua
vez, são constantemente atingidas pelo impacto das inovações tecnológicas.
Ciclicamente, a tecnologia alterará o comportamento social, que transformará o ser
58
humano, despertando no mesmo novas necessidades, que incentivarão a criação de
inovações tecnológicas.
As novas tecnologias acompanham então o desenvolvimento social e através
do relacionamento virtual, é possível perceber, como diz Vaz, que “fica evidente
como a modernidade foi marcada pelo surgimento das ciências humanas e pelos
temas da libertação e da revolução”. Que essa libertação e revolução são também
dos direitos de viver a vida em todas as suas dimensões, inclusive a sexual, fica
evidente com o surgimento do sexo virtual, através do qual na Internet, é possível
desfrutar da liberdade de desejar. Ainda, com reforço de Vaz, podemos entender
que essa liberdade é a liberdade ”de querer o que se quer, não importando o que
essa queira” (VAZ, p. 42 e 44).
Essa nova forma de expressão, por meio do universo virtual ocorre imersa em
uma cultura especifica, a cibercultura. Para Pierre Levy, essa é “o conjunto de
técnicas (materiais e intelectuais), de práticas, de atitudes, de modos de pensamento
e de valores que se desenvolvem juntamente com o crescimento do ciberespaço”
(Disponível em: <http://www.pos.eco.ufrj.br/pbi/tiki-index.php?page =cibercultura>.
Acesso em 10 dez. 2004). Podemos então compreender que o desenrolar dos
relacionamentos virtuais se dá nos moldes de uma categoria de convívio social com
características próprias, sendo uma delas a possibilidade de proporcionar a
universalidade.
Caminhando ao encontro do pensamento de Levy e nos valendo de Ana
Claudia Santos de Oliveira, percebemos que
a cibercultura tende a formar uma única comunidade mundial: a sociedade globalizada.
Paralelo a esta união há uma quebra da totalidade, os sentidos deixam de ser únicos, os
significados das mensagens já não são mais os mesmos em toda parte, mas universalidade
continua presente, permitindo uma maior aproximação dos seres humanos, portanto, uma
59
maior interação. (Disponível em: <http://www.lic.ufjf.br/resenhas/acibercultura.htm>. Acesso
em 10 dez. 2004)
Assim, no universo virtual, os relacionamentos são vividos de variadas formas
e com variados objetivos. Existem as pessoas que o procuram como maneira de ter
uma companhia e falar de suas vidas, dividindo experiências e formando um
relacionamento de amizade. Outras pessoas procuram essa possibilidade
tecnológica de comunicação como forma de obterem prazer sexual.
Para podermos compreender melhor como as necessidades humana são
atendidas pelo relacionamento virtual, torna-se necessário retomar o que foi
explanado no primeiro capítulo. Lá nos referimos a algumas necessidades
pertencentes à natureza humana, como as de identidade, segurança e
relacionamento. Elas podem ser relacionadas diretamente ao âmbito virtual como
fontes de motivação para a atuação. Percebe-se que as pessoas procuram a
Internet utilizando-se de salas de bate papo e sistemas como ICQ
28
ou MSN
Messenger
29
para
30
ICQ é a abreviação adotada para a expressão ”
I Seek You
”, que quer dizer “Eu procuro você”.
Aplicativo utilizado para
chat
na Internet.
28
ICQ é a abreviação adotada para a expressão ”
I Seek You
”, que quer dizer “Eu procuro você”.
Aplicativo utilizado para
chat
na Internet.
29
MSN Messenger quer dizer:Microsoft Network Messenger. Aplicativo utilizado para
chat
na
Internet.
60
31
MSN Messenger quer dizer:Microsoft Network Messenger. Aplicativo utilizado para
chat
na
Internet.
61
se relacionarem, cuidando que sua segurança seja mantida e podendo também
formar identificações.
Essa segurança se faz presente nesses ambientes por manter os
relacionamentos na dimensão virtual, sendo administrada na dosagem que se
desejar. O indivíduo pode escolher proteger-se através do anonimato, pode não
revelar sua aparência, a cidade onde mora ou seu telefone, por exemplo. Essas
possibilidades lhe oferecem o exercício de falar de si sem exposição, o que o
encoraja a se revelar ao outro e a si mesmo, pois os riscos nesse ato virtual,
mostram-se menores que em um relacionamento real.
Quando denominamos relacionamento real, nos referimos ao convívio entre
pessoas, dentro da realidade vivida, com a participação de todos os seus aspectos,
incluindo sua presença física. Já quando nos referimos ao relacionamento virtual,
estamos tratando da relação que se estabelece dentro da virtualidade, dentro da
chamada realidade virtual. Para Maldonado (citado por GUIMARÃES), realidade
virtual “ é uma particular tipologia da realidade simulada na qual o observador pode
penetrar interativamente em um ambiente tridimensional gerado por computador.”
(GUIMARÃES. Disponível em: <www.cfh.ufsc.br/~ciber/rba-guimaraes.html>. Acesso
em 27 jan. 2003).
Essas duas realidades se encontram e interagem, uma é capaz de influenciar
a outra. Em alguns momentos, no que se refere aos relacionamentos virtuais, as
realidades se envolvem de tal forma que se torna difícil para o indivíduo envolvido
diferenciá-las, pois sua fantasia acaba estabelecendo uma ponte entre elas.
Guimarães comenta que “a realidade estimula a imaginação, coisas imaginadas
podem se tornar realidade através de simulações virtuais, a virtualidade influencia o
62
mundo real e assim por diante” (GUIMARÃES. Disponível em:
<www.cfh.ufsc.br/~ciber/rba-guimaraes.html>. Acesso em 27 jan. 2003).
Essa sensação de proteção relatada acima pode abrigar o ”internauta” de
algumas situações, mas não impede que o sofrimento o atinja, pois, como comenta
Sampaio, “a frustração e dor sentidas pela perda de um relacionamento que já
existia virtualmente são bem grandes quando nos sentimos rejeitados, mas são
piores ainda se percebemos que fomos enganados”. Assim, se podemos verificar
que é possível existir menos riscos que em um relacionamento habitual, mesmo
assim a possibilidade de sofrimento não é descartável na dimensão virtual
(SAMPAIO, 2002, p. 21).
Realmente, o espaço virtual favorece o surgimento de mentiras, ou seja,
possibilita que as pessoas enganem umas as outras em suas relações virtuais
quanto a sua aparência, status social e outros aspectos. Isso ocorre porque o que
está em operação em boa parte desses relacionamentos é o desejo de viver
fantasias, papéis que não são desempenhados na vida real. A virtualidade faculta
que as pessoas existam de forma invisível e, como muitos relacionamentos não
chegam a estabelecer compromisso com a vida real, utilizam o espaço para viver
seus desejos.
Mostra-se relevante considerar que nessas mentiras estão contidas
verdades, verdades sobre cada uma dessas pessoas, que, por trás da ação de
enganar, revelam a si mesmas um pouco mais sobre sua personalidade, desejos e
valores. De acordo com o psiquiatra Sergio Perazzo, “Mesmo não querendo, cada
um se revela na medida do que cada um esconde ou oculta de si mesmo - ou é
capaz de perceber no outro e, nesse outro, o seu espelho” (PERAZZO citado por
SAMPAIO, 2002, p. 149).
63
Quanto à necessidade de identidade, esse espaço virtual torna possível que o
indivíduo desempenhe diversos papéis, de acordo com suas fantasias e desejos,
favorecendo assim o conhecimento de si mesmo e sua própria identidade. Mas outro
fato pode ocorrer: de o indivíduo vir a desenvolver uma crise de identidade,
perdendo-se em seus papéis e distanciando-se da realidade vivida. Esse
distanciamento da realidade pode ser verificado em Young (citado por GRAEML et
al.), quando relata:
a criação de uma persona on-line permite aos usuários uma saída segura para satisfazer
necessidades psicológicas inadequadas. Contudo, a possibilidade de absorção mental deste
novo personagem pode ter um papel negativo no funcionamento da vida real, interpessoal e
familiar do
indivíduo (YOUNG citado por GRAEML et al., 2004, p. 3).
Dessa forma, poderíamos pensar que a base dos relacionamentos, inclusive
dos virtuais, pode ser compreendida a partir da relação que o indivíduo possui
consigo mesmo. Pois a relação com o outro depende diretamente da relação que
está estabelecida consigo, uma vez que será o ego do indivíduo que permitirá que
ele possa experimentar ou revelar algo sobre si, na relação com o outro. Para
falarmos de nós para o outro necessitamos primeiramente assumir o que será dito
para nós mesmos.
Existem outras necessidades que podem ser atingidas através dos
relacionamentos virtuais, que também foram citadas no primeiro capítulo, como a
necessidade de transcendência e de orientação. O fenômeno de transcendência se
relaciona com a Internet na medida em que o relacionamento virtual favorece o
indivíduo a superar alguns limites que possui em sua vida real. Um exemplo disso é
uma pessoa que, tendo dificuldade de falar sobre seus sentimentos, pode, através
64
desse recurso, aproveitar a facilidade de não estar enfrentando o olhar do outro e
compartilhar suas emoções.
Já a necessidade de orientação pode ser compreendida como uma
necessidade de direção, de sentido. Esse sentido pode ser atingido pela maneira
como as pessoas justificam a validade e importância desses relacionamentos em
suas vidas. Para compreendermos melhor, podemos utilizar o comentário anterior
sobre transcendência. O indivíduo pode dar um sentido de valor para essa
modalidade de relacionamento, pois lá, na dimensão virtual, pode romper seus
limites e ter experiências novas em sua vida. O próprio prazer descoberto através
das relações virtuais, por si só, já propicia sentido.
A necessidade da atribuição de um sentido a uma experiência também se
revela como algo pertencente à natureza humana. Victor Emil Frankl, fundador da
terceira escola de Viena, chamada Logoterapia, mostra existir no psiquismo uma
vontade de sentido, que move as pessoas a buscar e atribuir em suas experiências
de vida um sentido que lhe conceda uma orientação de direção para viver.
Nessas relações, podemos perceber a forma como o relacionamento virtual
está próximo da vida do ser humano, já que esse consegue atingir as diversas
necessidades presentes nas pessoas. Assim, podemos compreender um dos
motivos pelo qual essa modalidade de relação tem crescido tanto em nossa
sociedade contemporânea.
De acordo com o Ibope, em maio de 2004, “11,7 milhões de brasileiros com
acesso a Internet em residências navegaram em média 13h51min cada um, contra
as 13h43min de uso médio em abril. É o maior tempo já registrado pelo IBOPE Net
65
Ratings desde o início das medições, em setembro de 2000”
30
. Dentro desses
universo de ”internautas”, em pesquisa realizada por Sampaio, em 2002, cerca de
15% utilizam sítios de encontros, sendo que as salas de bate-papo atingem por volta
de 300 mil acessos diários (2002, p. 23).
Young (citado por GRAEML et al.) comenta ter descoberto em sua pesquisa
que os indivíduos usuários de Internet considerados dependentes demonstram
possuir preferências pelos chats (2004, p. 2). Segundo artigo publicado na Folha
Online, “O canal de encontros Te pego, do portal www.cidadeInternet.com.br,
passou segundo o site, de 12 mil, para 40 mil cadastrados em um ano” (Disponível
em <www1.folha.uol.com.br/folha/informática/ult124u6230.shl>. Acesso em 6 jun.
2001). Já na categoria de sexo virtual, podemos conferir seu índice de procura na
notícia publicada pela Folha Online em 4 de junho de 2004: “Sites de pornografia
recebem cerca de três vezes, mais visitantes do que páginas de busca na Internet –
incluindo nessa lista sites como o Google [...]” (Disponível em:
<www1.folha.uol.com.br/folha/informática/ult24u16123.shtml>. Acesso em 8 jun.
2004).
Em vista do exposto, poderíamos indagar: o que, além de possibilitar a
satisfação de algumas necessidades intrínsecas ao ser humano, a Internet oferece
para deter tanto a atenção das pessoas? Para iniciarmos a resposta a essa
pergunta, poderíamos citar a revelação do quanto o ambiente virtual favorece o
35
Disponível em:
<http://www.ibope.com.br/calandraWeb/servlet/CalandraRedirect?temp=6&proj=PortalIBOPE&pub=T
&db=caldb&comp=pesquisa_leitura&nivel=Notícias\Press%20Releases\2004&docid=FE8F4214DCB5
EE1D83256EBA0078B478>. Acesso em 22 set. 2004, às 14h17).
30
Disponível em:
<http://www.ibope.com.br/calandraWeb/servlet/CalandraRedirect?temp=6&proj=PortalIBOPE&pub=T
&db=caldb&comp=pesquisa_leitura&nivel=Notícias\Press%20Releases\2004&docid=FE8F4214DCB5
EE1D83256EBA0078B478>. Acesso em 22 set. 2004, às 14h17).
66
rebaixamento do nível de repressão, possibilitando que as pessoas se sintam mais
livres para falar de si e de seus desejos. Essa maior liberdade pode ser verificada no
relato de uma ”internauta” de identificação, caçadora, quando diz: “Quer saber? Me
saí muito melhor do que imaginava! Esse negócio de sexo pela Internet estava me
deixando cada vez mais solta e... experiente” (SAMPAIO, 2001, p. 13). É observada
também quando Graeml et al., aproximando-se de Young, comenta:
a opção por usar chats para exercitar fantasias sexuais foi identificada por Young como um
método seguro, que satisfaz os desejos sexuais, evitando a contração de doenças
sexualmente transmissíveis, como AIDS e tantas outras. Young também percebeu que os
usuários se sentiam mais livres para manifestar seus impulsos sexuais atuando de maneira
diferente da adotada em suas vidas reais, sem o medo de possíveis repercussões (2004, p.
3).
Vê-se, portanto, que o relacionamento virtual, independente de abrigar uma
experiência sexual ou não, favorece que o indivíduo se permita mais, se sinta mais
livre, para interagir, pois se sente protegido. E essa proteção o preserva não só da
visão e reconhecimento de outro mas também de sua própria consciência, já que
“pecar” pela Internet é sugerido como algo mais ameno. Isso é o que revela a
”internauta” Casadacarente, quando diz: “é como se estivéssemos ‘pecando’ apenas
pelo pensamento” (SAMPAIO, 2001, p. 35).
Essa questão de se permitir em pensamento, viver seu desejo sexual, mesmo
que transgredindo a moralidade, ainda que seja facilitada pela Internet, não é
possível para todos. Algumas pessoas ainda possuem a dificuldade de, mesmo no
espaço virtual, se libertarem de suas proibições interiores. Isso mostra a força com
que as introjeções de normas morais tomam conta de nossa consciência, trazendo
limitações e impedimentos, mesmo na dimensão do faz-de-conta.
Concordando com Heemann, verificamos que “a consciência confere ao ser
valorizante o conhecimento de si, de sua existência e de sua própria atividade
67
mental. Em sentido moral, a consciência valora, julga e pode se autopunir através da
chamada ’dor de consciência’” (2001, p. 37).
Nesse contexto, temos percebido que muitas mulheres relatam que não têm
fantasias sexuais, que não sentem necessidade de utilizar sua imaginação. Dizem-
se racionais, buscando experiências somente concretas. Entretanto, muitas vezes,
elas acabam descobrindo em seus relacionamentos virtuais a possibilidade do
fantasiar, levando-as à vida real. Não estaria essa afirmação, então, atrelada ao
moralismo?
Com a análise realizada no segundo capitulo, podemos perceber o quanto a
cultura religiosa enrijeceu a vivência da sexualidade humana e quanto até os dias de
hoje existem pessoas presas a ela, manifestando dificuldades de gozar os seus
desejos. Podemos apreciar estas afirmações quando Casadacarente afirma: “[...] fui
criada de uma maneira rígida, quase sem abertura. E meu marido, também de
formação tradicional, não dava margens para as minhas fantasias” (SAMPAIO, 2001,
p. 36).
Um exemplo marcante dessa repressão, já na esfera virtual, ocorreu na
China: uma mulher foi presa por transmitir seu striptease pela web. Esse país
divulgou uma campanha para desencorajar as páginas eróticas, alegando que o
crescimento da pornografia em rede “prejudica a saúde física e psicológica da
nação.” A fala das autoridades acrescenta ainda que os sítios eróticos “danificam
gravemente o estilo social, poluem o ambiente social e prejudicam a saúde física e
psicológica dos jovens” (Disponível em: <www1.folha.uol.com.Br/folha/informática/
ult124ul6720.shtml>. Acesso em 16 set. 2001).
Para Anton, “o espaço virtual abre possibilidade para a fantasia, sem
necessidade de auto-identificação, ou seja, de assumir direta e claramente a origem
68
pessoal dos desejos explicitados”. Do mesmo modo, podemos identificar o espaço
virtual como uma forma de libertação de certas amarras sociais, mesmo que a
princípio isso ocorra na relação do indivíduo consigo mesmo, para depois, se houver
possibilidade, ser ampliada para suas relações sociais (2002, p. 102). É oportuno
lembrar aqui que já é conhecida para a área da sexualidade humana a relevância de
o indivíduo possuir uma livre imaginação, para que ele possa contribuir de forma
sugestiva com o corpo no ato sexual. Nesse sentido, é interessante citar Kaplan: “a
realidade sexual virtual de nossas fantasias tem o mesmo poder de estimular o
desejo sexual humano tanto quanto a percepção de uma oportunidade sexual real”
(1999, p. 60).
Para Oswaldo Rodrigues, o sexo virtual
é uma grande modalidade de expressão de fantasias sexuais. Muitos homens estão
aprendendo rapidamente que só conseguem colocar para fora muitas de suas fantasias
através da Internet, seja pelo uso de sites com formas extremadas de sexo, seja pela
extravasão da sua homossexualidade, seja pelo burlar regras sociais ou mesmo por causa de
um casamento que tenha sexo restrito. Nem sempre a fantasia tem de se tornar realidade,
inúmeras vezes a pessoa quer manter tudo apenas como fantasia (RODRIGUES citado por
SAMPAIO, 2002, p. 200).
Existem também algumas influências da rotina do mundo contemporâneo que
contribuem para o crescimento dos relacionamentos virtuais. Dentre elas, podemos
citar a falta de tempo para as pessoas investirem em um relacionamento, pois estão
muito envolvidas com a carga horária de trabalho e com o a necessidade de se
manterem competitivas no mercado. O aumento da criminalidade pode ser
compreendido como outro fator de contribuição, já que as pessoas não se sentem
mais seguras para sair de suas casas e para se envolverem com outras,
desconhecidas.
69
Além desses fatores, está presente também o culto à estética e à boa forma,
que desencoraja muitos indivíduos a se sentirem desejados, já que os meios de
comunicação insistem em ofertar corpos perfeitos, vendendo-os como os reais
objetos de desejo da sociedade. Assim, através da Internet, eles podem fantasiar
que possuem físicos atraentes, escondendo-se atrás da tela do computador.
Outro aspecto que se mostra interessante de ser revelado é o fato de a
repressão ao prazer vir sendo substituída por um marcante incentivo ao mesmo, não
de forma livre e solta, mas de maneira pressionada. Isso significa que, nos dias de
hoje, saiu-se do não podemos gozar, para o devemos gozar, principalmente no que
diz respeito ao público feminino. Agora se pressionam as pessoas para o dever de
ter prazer, sai-se da esfera do direito para a da obrigação, o que se reflete também
na forma como o homem se sente pressionado a conceder, sem falhas, esse prazer
a seus parceiros. Para Anton, parece
ter aumentado a pressão para terem vida sexual ativa e satisfatória e, em relação aos
homens, que sempre tiveram esse direito, agora passaram a ter o dever de se satisfazerem e
de satisfazerem as suas parceiras. Agigantou-se de tal modo a pressão externa, que muitos
homens temem a demanda feminina em relação ao sexo (2002, p. 103).
Essa pressão, todavia, não se limita ao gozo, mas, antes dele, relaciona-se
também com o forte incentivo ao consumo da sexualidade. Isso pode ser notado não
somente na Internet, mas também em outros meios de comunicação, eles utilizam
cenas de sexo e divulgam a imagem da mulher como objeto sexual, para vender
produtos de variadas espécies. A mulher não é a única a ser oferecida como tal, a
imagem dos homens também, nos dias de hoje, tem sido utilizada como resultado da
crescente emancipação sexual feminina. Porém, proporcionalmente, o oferecimento
da figura da mulher ainda se mostra muito maior.
70
Quanto à Internet, isso pode ser visto pela crescente quantidade de
propagandas que invadem as navegações em computador de forma invasiva, já que
muitas pessoas não se interessam por essa categoria de serviços. O marketing
apresenta desde o oferecimento de espaços para relacionamentos virtuais em
diferentes níveis, como pessoas especificas disponíveis para realização de
programas, chegando até a sugerir novas tecnologias e facilidades para aumentar o
tamanho dos órgãos sexuais e das performances.
Refletindo sobre essas ofertas, percebemos o quanto a sexualidade ligou-se
ao mercado capitalista, veiculando com ela valores de referência para a vida do ser
humano, transformando, assim, corpos, sensações, emoções, ou seja, pessoas em
mercadorias. Para Berman, é “uma ordem que relaciona nosso valor humano ao
nosso preço de mercado, nem mais, nem menos, e que força a nossa expansão
empurrando nosso preço para cima, até onde pudermos ir”. Por isso talvez
possamos explicar a corrida pela estética existente em nossa cultura, ou seja, a
corrida pela melhor oferta que o mercado concederá ao valor de seu corpo e de sua
vaidade. O autor relata que existe no cotidiano do ser humano nos dias de hoje um
“imenso poder de mercado na vida interior”, pois o mundo capitalista disponibilizou
uma “liberdade sem princípios”, implementando a “livre troca”. Comentando Marx,
ele declara que valores humanos como honra e dignidade não morreram, e sim,
foram incorporados ao mercado.
Nesse panorama, podemos perceber porque o prazer imediato é tão
procurado, se torna mais uma mercadoria oferecida pelo mercado da sexualidade e
da tecnologia, com características próprias. O relacionamento virtual mostra-se
como uma forma de relacionar-se em horários possíveis, com segurança, com um
custo menor do que sair de casa, sem a necessidade de se investir em um
71
relacionamento e ainda se desejar, sem a necessidade de se mostrar. Para quem
está procurando se esconder e se revelar somente a si, considerando isso o
suficiente, essa modalidade de relação torna-se mais que viável.
De acordo com Maria Rita Seixas, “quem procura ‘um encontro’ pela Internet
já tem uma certa dificuldade de estabelecer relacionamentos mais diretos, talvez por
medo de se envolver em um relacionamento que o faça sofrer mais uma vez na vida
é gente que quer se proteger” (SAMPAIO, 2002, p. 49).
Essa dificuldade de relacionar-se pode também ser conectada às mudanças
ocorridas na estrutura familiar somadas a seus reflexos. Percebe-se que muito se
alterou na forma de se vivenciarem as relações familiares nas ultimas décadas, mas
algumas dificuldades se mantêm, mesmo que ocasionadas por motivos outros. Um
exemplo disso pode ser revelado na falta de diálogo sobre sexo, presente ainda em
grande parte dos lares. Antigamente, isso se devia a uma grande repressão moral
sobre o tema, pois era proibido e vergonhoso abordar esse assunto em família.
Entretanto, por outros caminhos essa falta de diálogo se mantém, pois
observamos como queixa dos adolescentes a falta de espaço para conversar com os
pais sobre suas vidas e sua sexualidade. Os fatores que poderiam envolver essa
questão poderiam estar ligados diretamente à rotina da família contemporânea, com
muitas atividades profissionais e curriculares e com pouco tempo para a intimidade.
Esse fato não pode ser generalizado, já que, com a quebra de determinados tabus,
muitas famílias conseguem desenvolver um diálogo aberto entre seus membros,
inclusive sobre sexo e relacionamento.
Assim, o que percebemos é que, a falta da presença tanto materna quanto
paterna na vida de seus filhos, ocasionada pela intensidade de atividades diárias, faz
com que os membros das famílias venham se distanciando. Esses têm deixado
72
escapar o elo, permitindo o crescimento do sentimento de egoísmos entre os
mesmos, de tal maneira que cada um se preocupa em resolver os problemas
imediatos de sua própria vida. O que se apresenta também nesta estrutura é que a
ocorrência da falta de diálogo não se limita à relação entre pais e filhos. Essa falha
se estende aos irmãos e, de forma marcante, ao próprio casal, que, como sabemos
através dos jargões utilizados pelas pessoas, não gostam de “discutir a relação”.
A vinculação desse fato com a Internet se dá pela necessidade de membros
dessas famílias encontrarem um espaço para expressão e troca de experiências.
Como nem sempre existe esse espaço dentro de casa, as pessoas podem se
satisfazer na Internet, trocando experiências em seus relacionamentos virtuais.
Outra categoria de atendimento à necessidade de expressão que a Internet favorece
refere-se aos grupos específicos, como citamos no segundo capítulo, grupos de
homossexuais, grupos feministas etc. Nesse ambiente, suas mensagens podem ser
igualmente apresentadas e largamente divulgadas, possibilitando que outros
conheçam sua forma de perceber o mundo e possam com estes trocar experiências.
Retomando a reflexão referente à população adolescente, direcionamos
nossa atenção para a necessidade de uma educação sexual que esteja além da
informativa,que seja também educativa. Considera-se importante que os jovens
sejam orientados não só sobre a necessidade de utilizarem camisinha no ato sexual
mas também que possam discutir e refletir com o educador sobre as dificuldades em
realizarem tal ação. Essas dificuldades estão contidas nas interferências emocionais
existentes em um relacionamento, como por exemplo, a pressa em se satisfazer
sexualmente e a pressão exercida pelo parceiro. E quanto a isso não são orientados.
A respeito de se prevenir de doenças sexualmente transmissíveis e de gestações
indesejadas, eles têm muita informação, mas não demonstram saber o que fazer
73
com ela. Uma forma de se realizar a educação nesse campo seria a de, além do
diálogo aberto, contendo trocas de experiências, poder-se através da aplicação de
técnicas como as do psicodrama
31
, favorecer a conscientização dos adolescentes
relativa a quais as emoções que tomam conta deles no momento de estabelecerem
suas relações sexuais.
Verifica-se, pois, que essa falta de saber o que fazer com tudo que se sabe
reflete também em uma falta de orientação sobre a dimensão humana da
sexualidade, sobre a existência de um sentido ligado ao respeito ao outro e a si
mesmo. Esse sentido, ensinado de forma coerciva por imposição de pensamentos
de outros, nunca trará efeito, pois essa dimensão do sentido pode ser despertada
apenas pelo outro, mas sua descoberta ocorre somente pelo próprio indivíduo. O
encontro do sentido, passa pela descoberta dos valores, valores específicos, únicos
para cada ser e que, assim, não podem ser ensinados. Só podem ser vividos e
deslumbrados através da experiência própria. Mas, para que isso possa ocorrer,
cabe a presença de um facilitador, um educador que esteja disposto a reconhecer
que ainda nada sabe, estando aberto para refletir e descobrir também sobre sua
própria existência.
Outra característica marcante em nossa cultura é a questão do imediatismo.
Nos dias de hoje, tudo ocorre de maneira veloz: se se tem fome, consegue-se um
alimento rapidamente. Se se deseja dormir, ou ficar menos ansioso, pode-se tomar
uma medicação que se resolverá o problema; se se deseja enviar um documento
para o outro lado do planeta, isso ocorre em segundos. Da mesma maneira, o sexo
virtual também vem para oferecer o gozo imediato. Pode-se entrar em sítios eróticos
36
Linha teórica dentro da psicologia, desenvolvida por Moreno.
74
e se estimular o quanto se desejar, como se pode adquirir uma máquina que,
conectada ao computador, pode reproduzir a sensação física da relação sexual
transmitida pelo mesmo
32
. Ou seja, o prazer está disponível a qualquer hora e da
forma como se desejar. Pode-se ter relações de estilos e preferências variadas em
curtos espaços de tempo. No mundo da comunicação virtual, tudo está disponível,
com custo baixo, sem a necessidade de se estabelecerem vínculos ou
compromissos e com a total privacidade. Para Anton, “o gozo imediato passa a ser
compulsivamente buscado” (2002, p. 106).
Em pesquisa divulgada pelo Centro de Matrimônio e Sexualidade da
Califórnia, 6,5 % dos ”internautas” do sexo masculino mostram-se viciados em sexo
pela Internet. Eles permanecem 5,7 horas por semana praticando sexo virtual, e
confirmaram para a pesquisa que esse comportamento tem gerado dificuldades para
seus relacionamentos reais (Disponível em: <www1.folha.uol.com.Br/folha/
informática/ultl24u8859.shl>. Acesso em 21 dez. 2001).
Matérias como essa, apresentando o vício no uso da Internet, seja para o fim
do sexo virtual ou outros, têm sido questionadas. Em 1996, a pesquisadora Kimberly
Young divulgou seu estudo sobre o uso compulsivo da Internet, denominando-o de
Internet addiction, baseado nos transtornos já catalogados pelo DSM IV
33
. Em contra
partida, pesquisadoras da área, como Tori de Angels, e Rebeca A. Clay, têm
ressaltado sua posição crítica a respeito da validade dos trabalhos sobre o
comportamento de dependência da Internet. Angels e Clay revelam a influência que
31
Linha teórica dentro da psicologia, desenvolvida por Moreno.
37
Uma máquina como essa pode ser conhecida através do sítio
32
Uma máquina como essa pode ser conhecida através do sítio www.sexmachin.com
38
DSM IV, Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders.
33
DSM IV, Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders.
75
os meios de comunicação em massa tem produzido sobre a percepção dessa
questão na população usuária da rede mundial de computadores (NICOLACI-DA-
COSTA, 2002, p. 1-2). Nicolaci-da-Costa mostra também manter controvérsias a
respeito da questão do vício na Internet e sobre isso comenta:
estes que podem ser cientistas, pesquisadores, jornalistas, profissionais liberais, donas-de-
casa, aposentados e até mesmo jovens estudantes – têm dificuldade de lidar com as
instabilidades e transformações radicais que fazem parte de qualquer quadro de mudança
social. Querem o conforto e a segurança do já conhecido e, por isso mesmo, vêem como
negativa qualquer mudança.[...] Tudo isto pode ter sérias conseqüências para os usuários.
Primeiramente por que é muito difícil integrar uma experiência positiva a um discurso
negativo que pretende interpretá-la. Essa dificuldade, por sua vez, alimenta outra, que vem
sendo apontada como possível fonte de problemas psicológicos: a dificuldade de integrar à
vida “real” aquilo que é vivido no mundo “virtual” (NICOLACI-DA-COSTA, 2002, p. 15).
Assim, podemos refletir sobre a necessidade de quebra de paradigmas para
que a visão sobre o contato do ser humano com o mundo virtual possa estar mais
próximo da realidade. Talvez para isso seja necessário que repensemos as teorias
de base, como as da psicologia, sobre a formação da personalidade apresentadas
no início deste trabalho, pois compreendemos através das leituras realizadas que a
relação do homem com a tecnologia tem trazido alterações em sua subjetividade.
Essas modificações têm transformado não só o modo de agir das pessoas mas
também seu modo de sentir e ser, o que exige que estejamos atentos em como
essas operações têm interagido na dinâmica da personalidade e na possível
modificação dos processos de formação da mesma.
Para algumas pessoas, essas formas de relacionamento, sejam sexuais ou
somente de ordem afetiva, não satisfazem ou trazem algum valor, pois acreditam
que não estão se relacionando com um indivíduo por inteiro, e sim com parte dele.
Mostram que necessitam de uma relação real, onde a interação física se faça
presente, integrando-se com os outros aspectos da pessoa. Ronaldo Pamplona da
76
Costa contribui com o tema dizendo que, na Internet, se expressa somente uma
parte do indivíduo, e tomar essa parte como o todo pode gerar um desastre; e
acrescenta ainda que transitar nessas duas realidades é saudável, mas se prender
a uma delas torna-se doentio (SAMPAIO, 2002, p. 134-135).
Fazendo-se uma relação com a passagem acima, surge o aspecto da
projeção, que pode ocorrer em qualquer relacionamento interpessoal, mas que se
torna mais propícia em relações em que a visão do outro é limitada, como nos
relacionamentos virtuais. isso quer dizer que, no relacionamento de um indivíduo
com um outro, esse outro não passa muitas vezes da projeção do indivíduo mesmo
no papel de outro. Com a contribuição de Anton, confirmamos que, “diante de um
computador, não se estabelece uma conexão com a outra pessoa, mas com
pequena parte dela, que não passa muitas vezes de mera projeção de algumas
fantasias compartilhadas” (2002, p. 105).
Embora o relacionamento virtual esteja em uma dimensão onde a realidade e
a fantasia se envolvem de maneira a tornar-se difícil distinguir uma da outra, se for
utilizado como recurso, esse relacionamento pode conferir a seu usuário benefícios.
O que especialistas da área das relações humanas alegam é que se, tomado como
vicio, de forma que exclua outras formas de relacionamento, as relações virtuais
podem trazer limitações à vida do indivíduo. Mas como já dissemos, se os
relacionamentos virtuais forem utilizados como forma de o “internauta” obter
experiências para apreender a lidar com suas limitações, eles podem ser uma
maneira de abrir possibilidades nas relações sociais reais dele.
A Internet tornou-se o espaço social virtual que a sociedade escolheu para
romper com os limites estabelecidos por ela mesma. Aí, tudo o que a sociedade
proíbe é permitido, é um ambiente reservado para a transgressão das normas e
77
extravasão dos desejos, é um momento de libertação, inclusive de sua própria
moralidade. Para Guimarães, “é a descoberta da uma nova forma de sexo seguro,
onde adolescentes ensaiam os primeiros contatos com o sexo oposto e adultos
realizam fantasias sem culpa.” (GUIMARÃES. Disponível em: <www.cfh.ufsc.br/
~ciber/rba-guimaraes.html>. Acesso em 27 jan. 2003).
Outro aspecto positivo das relações sexuais virtuais é a forma como elas
favorecem o contato do indivíduo com seu próprio corpo. Pois, para se chegar a
obter o orgasmo, muitos necessitam utilizar a prática masturbatória, e essa faz a
ponte entre a fantasia e a realidade do prazer. Por esse ato, o indivíduo pode
conhecer mais de si, como, por exemplo, de que modo gosta de ser tocado e até
mesmo a forma de seu corpo, já que muitos, por vergonha acarretada pela censura,
o desconhecem.
Essa nova forma de interagir, chamada relacionamento virtual, pode trazer à
nossa sociedade grandes alterações na forma de se constituírem os
relacionamentos futuros. Como esses se estabelecerão não cabe a nós especular
aqui, pois nossas exposições não passaram de meras hipóteses, algumas, próximas
da realidade que será vivida e outras, distantes da mesma. Mas o que fica claro para
nós é o quanto essa nova possibilidade abre portas tocando em nossos valores e
em nossas concepções sobre o relacionamento humano. Para Carvalho, essa
incerteza se faz clara quando comenta:
vimos que o atual momento histórico é caracterizado por mudanças profundas nos diversos
domínios, o que traz incertezas, inseguranças e angústias que afetam a estabilidade da vida
das pessoas. A sociedade vive uma crise de valores, pois os padrões tradicionais não são
mais aceitos, uma vez que não se adaptam às novas condições de vida, porém não foram
construídos outros padrões de orientação diante das novas possibilidades dadas pelos
recursos tecnológicos disponíveis (CARVALHO, 1998).
78
Quanto ao futuro dos relacionamentos humanos, ainda podemos nos
surpreender com o que virá, pois com o ser humano e a tecnologia estando em
constante transformação, as mudanças nas relações sociais não cessarão.
79
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Considerando alguns aspectos relevantes da presente reflexão, chamaremos
a atenção inicialmente para a complexidade da psique humana em seu processo de
formação, em seus modos de funcionamento e na interação de suas estruturas com
o corpo e o meio social. Como exemplo dessa complexidade, enfatizamos a relação
de forças estabelecida entre o id e o superego e a forma como a cultura apóia a
construção moral do indivíduo.
Assim, sabe-se que o ambiente externo participa ativamente da subjetividade
do indivíduo, interferindo na constituição de seu universo simbólico. Por sua vez, a
necessidade de sentido mostra-se presente no homem quando o mesmo se torna
consciente de sua existência.
As mudanças na forma de o homem gozar de sua sexualidade foram se
transformando em um processo acompanhado por várias modificações nas relações
sociais, fruto da maneira como o ser humano lidou com os acontecimentos de sua
história. Trata-se de um processo histórico que alimenta a fala social, em que a
introjeção da cultura pelo indivíduo se dá através do relacionamento que ele
estabelece com as principais instituições representantes da mesma, que são: a
Igreja, a Família e o Estado. A educação será o meio pelo qual essa introjeção irá
ocorrer, já que ela irá reproduzir os conceitos declarados pelas estruturas sociais
acima citadas.
Além disso, alguns momentos, como as revoluções tecnológicas, também
resultaram em grandes fontes de mudança na forma como as pessoas passaram a
ver o mundo e a se comportar nele. De acordo com pesquisadores da área, essas
revoluções promoveram uma descontinuidade radical no cotidiano, afetando a
dimensão subjetiva do ser humano. Como exemplo disso, vemos a primeira
80
revolução industrial, com a invenção da máquina a vapor e a terceira, conhecida
como a revolução das tecnologias da informação, que disponibilizou a comunicação
em rede mundial através dos computadores.
Essa última revolução estabeleceu uma nova forma de relação entre as
pessoas, possibilitando a inserção delas em um novo espaço, o universo virtual.
Nesse espaço os navegantes da Internet podem realizar diversos tipos de
relacionamento, desde bate-papos sem muita troca de intimidade, amizades mais
profundas, chegando até o sexo virtual. Esse fenômeno tem se dado através da
utilização de um espaço onde existe a possibilidade de liberdade, onde as amarras à
moralidade social se desfazem com maior facilidade, propiciando que os desejos
sejam revelados.
A partir do exposto, pode-se afirmar que a interação entre sexualidade e
tecnologia revelada através dos relacionamentos virtuais mostra-se evidente no
contexto de transformação existente entre sociedade, ser humano e tecnologia.
Considerando a constante inovação no mundo tecnológico e as modificações nos
processos sociais, o relacionamento virtual poderá sofrer ainda consideráveis
alterações ao longo do tempo.
Como resultado dessas transformações, observa-se a procura pela
experiência afetivo-sexual no mundo virtual em crescimento de forma marcante.
Esse crescimento deve-se a diversos fatores, como: o estilo de vida no mundo
moderno com seus aspectos de falta de tempo e segurança para se estabelecerem
relações reais; a possibilidade de se encontrar prazer imediato; as conveniências
que envolvem o anonimato e o baixo custo. Além desses fatores, podemos destacar
também a procura pelas pessoas do universo virtual como possibilidade de
81
realização, provocada pela maneira como a cultura ainda reprime as manifestações
sexuais na vida social.
As reflexões aqui contidas expressam o desejo de um mundo em que
houvesse menos sofrimento humano em relação à pela possibilidade de gozar seus
desejos, já que esses, quando impedidos, afetam diretamente a capacidade de
realização de vida, por conterem aspectos existenciais. Para exemplificarmos esse
sofrimento, podemos pensar na dor proveniente da falta de realização que uma
pessoa com desejos homossexuais pode sentir em nossa sociedade. No discurso,
repudia-se o preconceito, porquanto, através de resoluções, a homossexualidade
não é considerada como doença. Contudo, na prática, ainda não possui um espaço
de liberdade para sua manifestação na sociedade. Isso demonstra que essa ainda
não age coerentemente com as resoluções que adotou. Do mesmo modo, um
psicólogo, como profissional, é orientado a lidar com a homossexualidade de seu
paciente sem preconceitos, mas não consegue realizar tal ação por sua moralidade
interferir na relação de ajuda.
Uma sociedade com menos preconceitos significa facultar às pessoas o
direito de sua realização integral. No mundo virtual, essa realização se faz possível
por meio da Internet, mas, infelizmente, ela proporciona uma realidade que existe
somente para aquele indivíduo. Uma forma de alterar esse quadro poderia ser
procurada através de uma educação sexual que, na mesma proporção que é
informativa, fosse também educativa. Entende-se aqui por educativa uma relação
de ensino e aprendizagem sexual que não se limita a informar ao jovem sobre, por
exemplo, que é necessário utilizar camisinha no ato sexual, mas que também
discuta e reflita com ele sobre as dificuldades em realizar tal ação. Essas
dificuldades estariam contidas nas interferências emocionais existentes em um
82
relacionamento, tais como a pressa em se satisfazer sexualmente e a pressão
exercida pelo parceiro.
Outra percepção que podemos ter a partir do que foi estudado, seria quanto à
forma como a Internet possibilita um rebaixamento de censura. A sua dimensão de
virtualidade, de mundo de faz-de-conta sugere que as pessoas possam
experimentar situações que na vida real seriam muito mais complicadas de serem
realizadas. Um fator que enseja que as pessoas se soltem em seus relacionamentos
virtuais é a possibilidade do anonimato e da não-necessidade de mostrar-se
fisicamente. Isso transmite aos internautas a segurança de que eles podem arriscar,
pois, diante de um fracasso, ninguém os apontará como sujeitos desse fracasso.
Podemos ressaltar também o benefício de adquirirem conhecimento sobre a
área afetivo-sexual que a Internet confere a seus agentes de relacionamento virtual.
Isso ocorre tanto na esfera geral, com o acesso ao pensamento do senso comum
sobre o tema, como também dentro das particularidades do indivíduo. Na forma
particular, através de diferentes experiências em que o “internauta” pode se
desinibir, ele tem possibilidade de conhecer mais sobre sua própria sexualidade
quanto às maneiras de obter prazer e sobre suas motivações sexuais. .
Com isso, a Internet possibilita um autoconhecimento, auxiliando o indivíduo
em seus relacionamentos reais, pois, a partir do momento em que ele sabe o que
quer, fica mais fácil para ele estabelecer uma clara relação com seu parceiro. Mas,
para que a conscientização dessas particularidades ocorra, é necessário que ele
estabeleça um diálogo franco consigo mesmo, tendo coragem de tirar suas
máscaras e se ver como realmente é.
Verifica-se assim a contribuição que o mundo virtual pode oferecer ao
individuo no que diz respeito à amplificação de suas vivências afetivo-sexuais.
83
Entretanto ele precisa ser advertido que essas experiências não devem se limitar ao
universo virtual, pois, do contrário, a realização do ser de forma integral não se
tornará possível, além de que haverá um favorecimento a uma abertura para o vicio.
Assim, recomenda-se que a Internet seja considerada como mais uma
possibilidade e não como uma exclusividade para o encontro de satisfação sexual.
Além disso, propõe-se que mais pesquisadores, inclusive da área da psicologia, se
dediquem ao estudo da influência das inovações tecnológicas na subjetividade
humana, uma vez que a relação com a realidade virtual pode estar transformando
profundamente a forma de funcionamento e formação da personalidade, fazendo
surgir um novo ser humano.
Como sugestões para novas pesquisas, indica-se o estudo de teorias
psicológicas que possam responder a questões pertinentes à emergência de um
outro ser humano, manifestado de forma diferente a partir do estabelecimento de
novas relações sociais, como os relacionamentos virtuais. Outras sugestões ainda
para pesquisas dentro da área da sexualidade seriam: 1) A utilização da tecnologia
para a libertação do domínio social; 2) As relações existentes entre sexualidade e
consumo na Internet; e 3) O uso que a população adolescente de camadas sociais
diferenciadas faz do universo virtual.
39
Linha teórica dentro da psicologia, desenvolvida por Moreno.
40
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41
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