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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
CENTRO DE FILOSOFIA E CNCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE S-GRADUAÇÃO DA ESCOLA DE COMUNICAÇÃO
Espectros na dia:
Políticas afirmativas ou políticas da piedade?
O sofrimento do outro no contexto do último homem
Monique Franco
Tese apresentada ao Programa de Pós Graduação em Comunicação da Escola de
Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro como quesito parcial para a
obtenção do título de Doutor.
Orientador: Profº. Dr. Paulo Roberto G.Vaz
Rio de Janeiro
Julho 2006
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
CENTRO DE FILOSOFIA E CNCIAS HUMANAS
ESCOLA DE COMUNICAÇÃO
Monique Franco
Espectros na dia:
Poticas afirmativas ou políticas da piedade?
O sofrimento do outro no contexto do “último homem.
Aprovada em
Rio de Janeiro, 31 de julho de 2006
Prof. Dr. Paulo Roberto G.Vaz
Universidade Federal do Rio de Janeiro
UFRJ
Prof. Dr. Antonio Flavio Moreira
Universidade Federal do Rio de Janeiro
UFRJ
Profª. D Fernanda Gloria Bruno
Universidade Federal do Rio de Janeiro
UFRJ
Prof. Dr. Márcio Tavares d’Amaral
Universidade Federal do Rio de Janeiro
UFRJ
Profª. Dr. Tânia Dauster
Pontifícia Universidade Calica do Rio de Janeiro
PUC-RJ
Suplentes:
Ieda Tucherman Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
Luiz Alberto Oliveira - Centro Brasileira de Pesquisas sicas (CBPF)
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FICHA CATALOGRÁFICA
Franco, Monique Mendes
Espectros na Mídia:Políticas afirmativas ou políticas da piedade?
O sofrimento do outro no contexto do último homem
Rio de Janeiro. UFRJ. Escola de Comunicação, 2006
Folhas: 275
Tese ( Doutorado) Universidade Federal do Rio de Janeiro UFRJ
Área de concentração: Tecnologias, Comunicação e Estéticas
Orientador: Profº Dr. Paulo Vaz
Ao meu filho Miguel, com a certeza de seu amor pelo conhecimento.
AGRADECIMENTOS
Uma tese de doutorado parece representar, numa certa medida, o fechamento de
um ciclo de formação. Neste percurso, tantas são as influências, os apoios, que direta ou
indiretamente se apresentam, nesse momento, como partilha de uma autoria
supostamente solitária de apenas um trabalho, quando, de fato, tantos outros textos e
etapas se fazem presentes na possibilidade de estudo e reflexão que agora se materializa.
Nesse sentido, não há como não agradecer a existência primeira de meu filho
Miguel, cujo estudo a ele dedico, o qual, de uma forma ou de outra, aprendeu a aprender
num lar cercado de pais, livros e provas, com uma mãe sempre envolvida com prazos,
concursos e artigos. A ele agrado sobretudo por perceber, nesse momento em que se
consolidam seus primeiros passos acadêmicos e profissionais, o seu vínculo definitivo
para com o amor ao conhecimento.
À minha irmã, Glauce Franco, sempre presente, agradeço por ter me servido de
exemplo, desde nossa infância, adolescência e vida adulta, com a foa e a coragem de
existir. Aos meus sobrinhos e sobrinhas, Cristiano, Carolina, Camila, Cassiano, Cecília e
Tiago, frutos dessa coragem e possibilidade concreta da perpetuão de ideais que
envolvem luta e solidariedade.
Ao meu gato Che, ente querido, fiel companheiro. Embora quase sempre
sonolento, porém atento a todas as leituras e indagações feitas em voz alta ou nas
dúvidas e angustias expressas no olhar ou, ainda, na irritação do dia a dia. Inicialmente
batizado como Che, ídolo argentino de uma juventude que ainda acreditava na
possibilidade da mudança, ganha uma nova identidade, antes não explicitada. Foi assim
que o antigo Che, no per-curso desta tese, se transveste em NietzsCHE e se apresenta,
mais que nunca, felino”, audaz e sarcástico.
À minha família dinamarquesa, distante e o próxima a querida irmã-com-
comadre Teresa, ao ariano Tomás e sua superação e sucesso, à minha doce afilhada
Clarinha, agora crescida, ao Niels e sua paciente adaptação à desorganização brasileira.
Agradeço por todas as nossas longas conversas ao telefone, nossos tantos belos passeios
e saídas às compras, jantares especiais, caffe-latte com pão caseiro às tardinhas e saídas
regadas à fuma gelada com o Jack.
Ao Fred Mager, pelo sentimento que construímos juntos.
À querida Beth Richard, pelo longo e inestivel apoio e ternura fraterna, e ao
carinhoso e firme Carlos Lanes. Ambos estão presentes em cada traço desta escrita,
como suporte e possibilidade de um processo de auto-conhecimento e superão.
De outro lado, um curso de influências e marcas se fizeram presentes. Desde os
grupos de estudos com o pessoal da UNIDADE, lá pelos idos dos anos oitenta, na
saudosa PUC do Rio. Grandes mestres como Margarida de Souza Neves, a nossa querida
Guida, Ilmar e Selma Mattos, Verneck Vianna, Roberto Magalhães, Tânia Dauster e
Leandro Konder. Em seguida, não há como não citar as aulas lotadas das manhãs no
Largo de São Francisco, no IFCHS, com Emannuel Carneiro Leão fazendo com que o
pensamento originário chegasse de maneira sublime e duradora até nós. Já nos ares da
Praia Vermelha, Antonio Flávio Moreira introduzindo um dos campos de pesquisa em
que agora atuo o campo do currículo e do outro lado do nel, no campus da UERJ
mãe”, Nilda Alves e nosso grupo das terças-feiras. A todos, o meu muito obrigado.
Às amigas queridas do Instituto Nacional de Educação de Surdos, INES, berço de
muitas reflexões que agora amadureço. Vera Loureiro e sua indignação sempre
produtiva, Marcia Gomes e seu desabrochar tímido e competente, Emeli Marques, com
sua coragem, ousadia e determinação e Wilma Favorito, brilhante, íntegra e
companheira. No curso da luta pelo reconhecimento dos surdos como minoria nguista e
todo o aprendizado que este processo representou para mim, é necessário agradecer,
também, a Carlos Skliar, Alice Freire e Regina Maria de Souza.
Existem duas amigas especiais e muito importantes em todo este processo, Ana
Cotrim e Aura Helena Ramos. Sem elas tudo teria sido muito diferente.
Ao GT de Currículo da Anped, pelo acolhimento, compartilhamento e críticas às
minhas reflexões, sobretudo por meio do apoio e incentivo de Alfredo Veiga Neto,
Marlucy Paraíso, Sandra Corraza e Tomás Tadeu da Silva.
À Universidade do Estado do Rio de Janeiro ( UERJ) pelo apoio recebido no
último ano deste estudo por meio da licea PROCAD e à dirão e colegas da
Faculdade de Formão de Professores da UERJ sempre buscando viabilizar a
qualificão de seus professores e técnicos.
Às queridas amigas e amigos do Departamento de Educão da Faculdade de
Formão de Professores da UERJ - DEDU, sobretudo aos componentes do Grupo de
Pesquisa Poticas Públicas, Currículo e Novas Tecnologias Cognitivas Estela,
Eveline, Denise, Glaucia, Mônica , Rorio, Rosimere e Vanessa. Agrado tanto pela
compreensão frente às minhas ausências quanto pelo encontro e possibilidade de um
compartilhar de idéias e ideais que ultrapassam as o contaminadas esferas acadêmicas
e se apresenta como um espo fiel e companheiro de troca intelectual e afetiva. Muito
obrigado de coração. Ainda no DEDU, meu agradecimento carinhoso às amigas Adir,
Elisete, Mairce, Maria Teresa, Márcia e Ines.
Ao Programa de s-graduação da Escola de Comunicação da Universidade
Federal do Rio de Janeiro ECO, por ainda primar em oferecer a possibilidade de uma
formação de excelência, aberta, livre, ctica e criativa, espo cada vez mais raro nas
esferas acadêmicas. Agradeço especificamente à Helsa Buarque de Hollanda, Ieda
Tucherman e Nízia Vilaça, professoras do programa com as quais tive a honra de
compartilhar idéias.
O meu carinho e agradecimento especial ao professor da ECO, Márcio Tavares d
Amaral, pela sua firme convião de ainda estar entre nós e inestimável contribuição ao
estudo que agora apresento.
Aos queridos mestres da ECO e do CiberIdea, sobretudo, Fernanda Bruno,
Henrique Antoun, Luiz Alberto Oliveira e Paulo Vaz, este último querido e brilhante
orientador cuja interferência direta neste estudo foi fundamental para sua realização.
Tanto as aulas destes queridos mestres, quanto os encontros do CiberIdea, se
constitram num espaço ímpar de reflexão e aprendizado.
Às colegas da Eco e do CiberIdea, sobretudo às amigas Bia, Luciana e Elaine,
pelas trocas, papos e chopps.
À aluna, amiga e companheira desta e de tantas outra esferas, Rita Leal,
possibilidade de um encontro amoroso duradouro em que tanto a troca intelectual quanto
a amizade fiel e o compartilhamento cotidiano, fazem a vida mais gostosa e solidária.
Ao Henrique Sobreira, romântico idealista da possibilidade de construção de uma
sociedade mais justa e de uma universidade mais democtica, mesmo nas suas críticas
inteligentes e indignadas.
A todos os meus alunos e alunas nestes vinte anos de chão de escola, desde a
bulica Escola Profº Vieira Fazenda, na Restinga da Marambaia, os inconformados
estudantes surdos com minha parcangua de sinais, as muitas “meninas e poucos
meninosda Pedagogia, até os meus queridos e radicais alunos e alunas da FFP/UERJ.
Sem vocês, não teria o menor sentido.
A todos, meus agradecimentos.
Espectro designa figura imaterial, real ou imaginária,
que povoa o pensamento; sombra, fantasma.
A aparência vã de uma coisa. Femeno físico.
Espectro vivel ou invisível. Aquilo que constitui ameaça.
(Aurélio Buarque de Holanda Ferreira)
É preciso falar do fantasma, até mesmo ao fantasma
e com ele, uma vez que nenhuma ética,
nenhuma política, revolucionária ou não,
parece possível,penvel e justa.
(Jacques Derrida - Espectros de Marx,1994:11)
A ineficácia da ação humana ensina a precariedade do conceito: humano.
( Emmanuel Lévinas,1993:88)
Pois os velhos Deuses tiveram fim há muito tempo.
E foi verdadeiramente um bom e
alegre fim de Deuses!
Eles não morreram andando lentamente
no crepúsculo embora se conte esta mentira!
Pelo contrário... certa vez eles riram tanto
que acabaram morrendo
(Nietzsche, Assim Falou Zaratustra).
RESUMO
FRANCO, Monique. Espectros na Mídia: poticas afirmativas ou poticas da
piedade? O sofrimento do outro no contexto do último homem. Rio de Janeiro. 2006.
Tese ( Doutorado em Comunicação e Cultura) Escola de Comunicação. Universidade
Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2006.
Este trabalho tem como objetivo problematizar as políticas de ação afirmativa” por
meio da análise dos conceitos de tempo e de justiça expressos no debate acerca da
adoção da política de cotas no ensino público superior. As chamadas cotas o
compreendidas como sintoma de um processo histórico contemporâneo que parece
incorporar culpa e sofrimento enquanto elementos de consumo e revelam os paradoxos
postos ao ser em sua existência última. Com essa perspectiva a Tese estuda os impactos
da adoção dessa política por meio da análise do discurso da dia impressa. Tal opção
foi oportuna por revelar um terreno fértil para a localização de um corpus conceitual do
debate fragilmente polarizado entre quem concorda e quem discorda com sua adoção e
indica a pertinência de que se desenvolvam estudos que ultrapassem essa polaridade. Na
análise de reportagens, entrevistas e cartas de leitores, publicadas nos anos de 2004 e
2005, nos principais jornais e revistas de circulação nacional, referente às atuais
políticas afirmativas foram identificadas as categorias discursivas utilizadas. A
variedade de intensidade, de modulação e de sentido percebida exigiu o seu
entendimento como fazendo parte de espectros e não de pontos fixos ou blocos de
semelhança. Quatro dimensões articuladas comem esta investigação: a) políticas da
justiça - dimensão que traça uma genealogia do conceito afirmativo, o contexto de
outros países, o processo brasileiro e dialoga com os pressupostos históricos dos
Direitos Civis e Humanos. Aponta-se, ainda, para a crescente ineficácia das instituições
reguladoras do bem comum e a identificão de novos elementos indicadores de causa
pública, ou seja, a gica sobre como a questão da igualdade vem sendo trabalhada nas
causas sociais; b) políticas da piedade aspecto em que emerge a noção da culpa
ancestral, de dívida social e de injustiça e, sobretudo, a noção de compensação e de
reparação. Tem-se nesta dimensão a expressão da crescente vitimização de segmentos
alvos, como as mulheres, os negros, os gays, os deficientes etc.; c) políticas de
reconhecimento - em que se intensifica a exigência contemporânea da performance do
ser, apontando para processos de visibilidade e de exterioridade, entendidos como
operadores conceituais dominantes na produção e representação da historicidade e da
subjetividade contemporânea, e, d) políticas do ser - que reúne as hipóteses analíticas
do estudo e aposta em aportes interpretativos que podem estar na base das contradições e
tensões postas ao objeto. Nesta última dimensão, são apresentados três conceitos
fundamentais. O conceito de presentificação, no qual a transformação das experiências
do tempo na contemporaneidade ocupa um papel preponderante nas tensões e dilemas
postos ao escopo trico e
às ações concretas de diferentes campos do conhecimento,
sobretudo, alargando as fronteiras e desestabilizando certezas do que se considera
humano e do próprio humanismo, redefinindo conceitos como “futuro e “liberdade”;
a não nietszchiana do último homem que, por um outro viés, parece um operador
importante para se pensar os paradoxos e os limites postos ao homem e à humanidade na
contemporaneidade, e, por fim, a perspectiva heideggeriana do esquecimento do ser
sugerindo a possibilidade de novos caminhos a serem traçados na identificação última
do próprio ser.
ABSTRACT
FRANCO, Monique. The Medium Spectra: affirmative or merciful policies? "The
suffering of others within the 'last men' context”. Rio de Janeiro. 2006. Ph.D. Thesis in
Communication and Culture – Communication Faculty, Universidade Federal do Rio de
Janeiro, Rio de Janeiro, 2006.
The purpose of this abstract is to bring into discussion the affirmative action policy by analyzing
the concepts of both time and justice which have been uttered throughout the debate upon
whether or not adoption of a given enrolment quota policy should be undertaken by the public
universities. The so-called 'quotas' are construed as a contemporary historical process symptom
which seems to embody guilt and suffering as consumption elements, hence revealing the
paradoxes attributed to the Being in his/her last existence. Under such perspective, the current
Monograph aims to assess the impact resulting from the adoption of such policy by examining the
messages exposed by the written medium. Such choice has revealed itself well-timed, once it
consists of a promising field of research in which one can trace a conceptual corpus outlining the
debate slightly polarized between, on the one hand, those who agree with the adoption above
mentioned and, on the other hand, those who do not, thus leading to the assumption that the
studies upon the discussion hereupon ought to be furthered
in order that the polarity currently
perceived cease to exist. Throughout the analysis of articles, interviews, and readers' letters, all of
which published in 2004 and 2005 by the main newspapers and magazines nationwide concerning
the current affirmative policies so far, there have been identified the discursive categories utilized
in the elaboration of such. The wide range in the intensity, modulation, and sense which has was
detected demanded that its construal be considered as part of spectra rather than fixed points or
even similarity blocks. Four interrelated dimensions constitute the enquiry hereof: a) justice
policies - outlining a genealogy of the affirmative concept as well as other countries' contexts and
the Brazilian process thereto, and dialogues with the historical pre-requirements embedded in the
Civil and Human Rights. Also pointed out therein is the growing ineffectiveness of the regulatory
commonwealth agencies for commonwealth and the identification of new elements which appoint
to the public policy; in other words, the logics stated as a matter of equality has been furthered in
the handling of social causes, b) mercy policies - from which emerge the notion of inherited guilt,
of social debt, and of injustice; mainly the notion of compensation and redress. Within this
dimension the growing victimization of the target segments, i.e., the women, the colored, the
homosexual, the physically disabled, etc.; c) acknowledgment policies - within which the
contemporary demand for the performance of the being is intensified, thus appoint to processes of
visibility and exteriority, as both of which are construed as domineering conceptual means in the
production and representation of the contemporary historicity and subjectiveness; d) policies of
the being- which gather the analytical hypotheses of the study and bets on interpretive
contributions which might be inserted in the basis of contradictions and tensions laid on the
object. Within this last dimension, three fundamental concepts are presented. The concept of
presentification, in which the change in contemporary time experiences plays a major role in the
tensions and dilemmas regarding the theoretical scope and the concrete actions of a variety of
fields of knowledge and consequently widening the borders and challenging certainties with
regards to what is considered 'human' and, as a matter of fact, 'humanism' itself, redefining
concepts such as 'future' and 'freedom'; Nietszche's notion of 'the last men' which under another
perspective seems to be a noteworthy pointer leading to the reflection on the paradoxes and limits
imposed on men and on humanity in the contemporary days and, finally, Heidegger's perspective
of the 'forgetfulness of Being' suggesting the possibility of new ways to be traced so as to the
ultimate identification of the being itself.
SURIO
INTRODUÇÃO...........................................................................................................11
I - PRIMEIRA DIMENSÃO: políticas de justiça ou... uma metamorfose
ambulante....................................................................................................................41
1.1 Histórico .............................................................................................................41
1.2 Desdobramentos: As políticas afirmativas e as cotas nas Universidades Públicas
Brasileiras.....................................................................................................................79
1.2.1 O caso do Estado do Rio de Janeiro ..................................................................79
1.2.2 Políticas inclusivas e as cotas no território nacional..........................................90
1.3 PAUTANDO O FATO : uma cartografia da cobertura jornalística impressa sobre
as cotas ......................................................................................................................102
1.3.1 A cobertura da mídia impressa brasileira sobre a política de cotas ou sobre o
método .......................................................................................................................109
1.4 Espectros da mídia ...........................................................................................117
II SEGUNDA DIMENSÃO: Políticas da Piedade ou... a estultice dos compassivos
...................................................................................................................................167
2.1 Política de cotas e a moral ressentida.................................................................167
2.2 Da dívida como culpa e do sofrimento como substrato : Nietzsche e o eterno
retorno........................................................................................................................173
2.3 Dívida, sofrimento e sacrifício : da vítima em potencial à felicidade como objeto
...................................................................................................................................183
2.4 Espectros da mídia ............................................................................................190
III - TERCEIRA DIMENSÃO: Políticas de Reconhecimento ou o encolhimento dos
homens ............................................................................................................................... 199
3.1 A cena identitária e multicultural ......................................................................199
3.2 Políticas de re- conhecimento ............................................................................203
3.3 O Terremoto da Emancipação e a Moral da Audiência : da moral exteriorizada à
moral interiorizada .....................................................................................................208
3.4 Exterioridade e Interioridade: novas práticas de ver e ser visto na
contemporaneidade ....................................................................................................218
3.5 Infantilismo e vitimização .................................................................................223
3.6 Espectros na mídia ............................................................................................225
IV- QUARTA DIMENSÃO: Políticas do ser ou...como o mundo verdadeiro
acabou por se tornar fábula ......................................................................................224
4.1 Presentificação ou o futuro dura muito tempo .................................................246
4.2 Último Homem e a Pequena Potica ou o prelúdio do regresso .......................253
4.3 O “esquecimento do ser ou... iguais ou diferentes? ..........................................257
4.3.1 O paradoxo indentitário ..................................................................................257
4.3.2 O pensamento originário ................................................................................258
4.3.3 A questão do ser e do não ser em Parnides e Heclito ..............................260
4.3.4 A escolha Platônica e as conseqüências da herança moderna para o conceito de
identidade ..................................................................................................................264
CONSIDERÕES FINAIS ou a possibilidade do Übermensch ...........................266
REFERÊNCIAS BIBLIOGFICAS .....................................................................274
ANEXOS ...................................................................................................................280
INTRODUÇÃO
Nossas instituições não prestam já nada: quanto a isto se é unânime. Isto o reside contudo nelas
mesmas, mas sim de s. Depois de todos os instintos, a partir dos quais as instituões crescem,
desaparecerem de nosso horizonte, desaparecem de nosso horizonte as instituições em geral, porque não
valemos mais nada para elas (...). Para que haja instituições tem de haver uma espécie de vontade, de
instinto, de imperativo, que seja antiliberal a as raias da maldade: uma vontade de tradição, de
responsabilidade por séculos além, de solidariedade entre cadeias de gerões tanto para adiante quanto
para trás in infinitum (...). Todo o Ocidente não possui mais aqueles instintos, a partir dos quais cresce o
futuro: nada talvez seja mais incongruente como o espírito moderno do que estes instintos. Se vive em
função do hoje, se vive muito rapidamente se vive de maneira muito irresponsável: isto justamente
denomina-se como “liberdade”.
Friedrich Nietzsche
1
Este estudo se insere num tempo de perplexidade e incerteza que pendula e nos
escapa como nunca. Num tempo que oscila entre o local e o global, entre a fragmentão
e a homogeneidade, entre a segurança e o risco, o normal e o anormal, o real e o virtual
e, mesmo, entre o humano e o não humano. A improbabilidade passou a fazer parte do
que se denominava certeza, e as criações midiáticas do trágico e catastfico fim do que
se considera humano, parecem se materializar cada vez num maior espetáculo,
rompendo as fronteiras postas anteriormente à audiência. Ficção e realidade ocupam um
mesmo espo de tempo condensado e se confundem, se assemelham e se percebem
enquanto criações discursivas do próprio homem. Doravante, o homem habita um mundo
cujos valores já não detêm o caráter absoluto e transcendente que lhe garantia, no
passado, segurança e sentido à sua ppria existência.
Diz-se que a humanidade passa por um novo interstício da Hisria passagem
para um novo dia hisrico”.
2
É tempo de desinstalação – perda de parâmetros, de
valores, de prinpios de ordenamento. Vivemos em estado fldo e maleável. O antigo
1
Cf. Nietzsche, F. Crepúsculo dos Ídolos ( ou como filosofar com o martelo). Rio de Janeiro: Editora
Relume Dumará, 2ª edição, 2000, pp.96-97.
2
Cf. Carneiro, L.E. A crise da Ética Hoje. IN: Endereços do Projeto Humano. Revista Tempo Brasileiro.
Nº. 146. Rio de Janeiro. Julho-setembro de 2001, p.10.
já não tem a importância que tinha. O passado enfraqueceu seu poder e o futuro se, de
certa forma, já veio, ainda não se instalou como um todo”.
3
Ai de nós diria Zaratustra
.
Aproxima-se o tempo em que o homem não mais arremessará a flecha
do seu anseio para além do homem e em que a corda de seu arco terá
desaprendido a vibrar! Eu vos digo: é preciso ter ainda caos dentro de
si, para poder dar à luz uma estrela dançante. Eu vos digo: ainda caos
dentro de s. Ai de nós! Aproxima-se o tempo em que o homem não
da mais à luz a uma estrela. Ai de s! Aproxima-se o tempo mais
desprevel dos homens, que nem sequer saberá mais desprezar-se a si
mesmo.
4
Nesse dinâmico e paradoxal cenário, a “ciênciaparece não estar dando conta de
suas próprias criões. Armadilhas a criatura se volta contra o criador? Idealizada
para nos proteger e/ou nos fazer "progredir", demonstra não ter antídotos para situações
que se radicalizaram, como, por exemplo, os constantes atos terroristas que vitimizam a
todos, as discuses abertas no campo da manipulação genética, ou mesmo, a quebra
cada vez mais acentuada da legitimidade da política e da justa enquanto instituões
reguladoras de pactos sociais, capazes de atenuar as desigualdades entre as nões e
entre os indivíduos sociais. Esse contexto acaba por gerar impactos profundos nas
percepções e expectativas com relação ao futuro, trazendo à tona, de forma nunca antes
vivenciada, uma gama de paradoxos, de ambiidades e de antagonismos sociais,
culturais, ecomicos e religiosos que molda o nascente novo milênio. Na crise de
todos os fundamentos, medram as primeiras experiências de desprendimento do primado
e da prepotência da consciência. Na convocão de Nietzsche, começa a descida de
Zaratrusta para anunciar ao Último-homemo além-homem:
5
3
Ibidem, p.12.
4
Cf. Nietzsche, F. Crepúsculo dos Ídolos ( ou como filosofar com o martelo).Op.cit,p.40.
5
Übermensch constumava ser traduzido como super-homem”, com toda a sua conotão de gibi e
nazismo; mais recentemente tem sido traduzido por am-homem ou além-do-homem”.(...) Para essas
duas últimas alternativas a expressão original, teria de ser “Jenseitsmensch”, o que não está no original (
que o autor queria mesmo era acabar com essa pretensão de um “ além, metasico). Uber não
significa aí nem super, nem além do e nem sobre. A tradução mais próxima seria supra-homem”,
ou ultra-homem, a indicar um ser virtual, capaz de transcender o ser humano que existiu a hoje na
história enquanto pré-história do homem que deveria ter sido e não foi jamais. Ao converter-se essa
figura em anjo ou denio da história, revela-se quão preso ainda se continua à tradição metafísica. (...)
A gestação do supra-homem” seria a transcendência da história havida, a redeão do sofrimento
Queria presentear e distribuir até que os sábios entre os homens se
tenham alegrado de sua não conscncia e os pobres entre os homens se
tenham alegrado de sua riqueza. Para tanto tenho de descer ao fundo,
como tu fazes no final do dia, quando afundas ao mar e levas luz para o
mundo debaixo, Tu astro acima de toda a conscncia!
6
Em última instância, é disto que fala esta tese. Um convite a pensar questões
paradoxais de nosso tempo. Um exercio para o pensamento. Palavras escritas com
letras de sangue, diria Carneiro Leão numa referência ao Plogo do Primeiro Livro de
Assim Falou Zaratustra. Um livro para todos e para ninguém.
7
Passados mais de dois séculos das Revoluções que fundaram a era moderna,
novos contornos para antigos problemas e impasses parecem reconfigurar as reflees,
as lutas e as ações frente a um insistente cenário de controle, de dominação e de
exclusão social.
Diante das desafiadoras questões colocadas, por exemplo, nas discussões pós-
colonialistas, na luta pela desestigmatização dos deficientes, nos enfrentamentos
travados pelo movimento queer, nas questões étnicas ou de gênero sintetizadas nas
políticas de ação afirmativas ou políticas de discriminação positiva, emergem pleitos de
mudanças.
Desde o pós-guerra e, sobretudo, com o fortalecimento do Estado de Bem Estar
Social e com a criação de diferentes organismos internacionais,
8
como a Organização
pregresso e o destino final da humanidade, como uma espécie de tradão laica do cristianismo e dos
prinpios do niilismo ativo, portanto como algo que teria de negar a si mesmo, já que cada sujeito teria
de desenvolver e seguir a sua ppria ética.” Kothe, F. Notas do tradutor. In: Nietzsche, F. Fragmentos
Finais. Brasília: Editora da UnB, 2002, p.19. Apesar das questões envolvendo a tradão, é com essa
perspectiva que o termo Übermensch ou além-homem, será utilizado neste estudo.
6
Cf. Nietzsche, F. Assim Falou Zaratustra. Um livro para todos e para ninguém. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira. 12ª Edição. 2003, p. 10.
7
Cf. Carneiro, L.E. A crise da Ética Hoje. Op.cit, p.11.
8
A idéia das Nações Unidas foi elaborada na declaração firmada durante a Segunda Guerra Mundial, na
Conferência de Aliados celebrada em Moscou, em 1943, pelo então presidente americano Franklin
Roosevelt, que também sugeriu o nome. Vale observar que a precursora das Nações Unidas foi a
Sociedade das Nações, também conhecida como Liga das Nações, organização concebida em
circunstâncias similares durante a Primeira Guerra Mundial e estabelecida em 1919, em conformidade
com o Tratado de Versalhes, para promover a cooperão internacional e conseguir a paz e a
segurança”. Segundo o último levantamento, em 2003, o Brasil contribui com 2,3% do total do
orçamento da Organização, ocupando o oitavo lugar no ranking dos contribuintes, a frente de países
como Coréia do Sul, Austlia e Scia.
das Nações Unidas (ONU) e a Organização das Nações Unidas para a Educação, a
Ciência e a Cultura
9
(UNESCO), ganha força a noção de remediar as desigualdades e
sofrimentos deflagrados pelo último conflito mundial. Em seguida, tal noção serve ao
discurso de acabar com a política de exploração neocolonialista ainda vigente em muitos
países de então.
10
A esse movimento se seguiu, na década de sessenta, diferentes pleitos
reivindicatórios de igualdade de direitos e oportunidades. Negros, mulheres,
homossexuais, além de críticas culturais
11
e/ou antropológicas, que eno se firmavam,
deram lugar a uma reflexão acerca do caráter hierarquizante e etnocêntrico das
categorizações étnicas, identitárias, literias, artísticas, religiosas, linísticas etc.
É nesse mesmo peodo que surge nos Estados Unidos da América (EUA), o
termo positive action como bandeira da luta pela igualdade social e como resposta ao
problema da segregão.
Como afirma Moelhlecke:
9
A Organização das Nações Unidas para a Educão, a Ciência e a Cultura UNESCO foi criada em
16 de novembro de 1945, logo após a Segunda Guerra Mundial. A premissa de sua Constituição é: Se a
guerra nasce na mente dos homens, é na mente dos homens que devem ser construídas as defesas da paz.
A criação da instituão foi ratificada por 20 países, entre os quais os Estados Unidos da Arica, o
Canadá, a Austrália, a Dinamarca, a China, entre outros. O Brasil também foi signatário da fundação do
órgão. Atualmente, a UNESCO com mais de 191 Estados-membros que se reúnem a cada dois anos para
deliberar propostas e ões para os principais problemas que afligem as sociedades, visando a melhoria
das condões sociais. A UNESCO comemora, este ano, 60 anos de sua fundação e promove a sua 31º
Conferência Geral. Disponível em http://www.unesco.org.br. Último acesso, 02 de fevereiro de 2005.
10
Instâncias como a ONU e a UNESCO, rechaçadas em outros momentos e episódios históricos,
inclusive os recentes conflitos internacionais, o apontadas como referências em Direitos Humanos. Não
se consideram os aspectos constitutivos de suas fundações, a manipulação dos países membros
signatários e mesmo, o montante de orçamento disponibilizado anualmente por parte dos países
integrantes para sustentar tamanha estrutura muito mais buroctica do que efetivamente destinada a
ações concretas na intervenção e melhoria das condições de vida de populações e segmentos
necessitados. O cunho eminentemente assistencialista dessas instâncias também o é levado em
consideração e tampouco a fato de que suas criações coincidem com as de instâncias econômicas, de
forte caráter regulario como Banco Mundial e o Fundo Monerio Internacional que, em outras
análises,o responsabilizados pela fome e desigualdade social no mundo. Esquece-se de que essas
instâncias são criações de uma mesma filosofia política e com isso, utiliza-se apenas e somente, nos
momentos oportunos, seu discurso supostamente distributivo e igualirio. A imporncia de ressaltar o
papel da ONU neste estudo deve-se, sobretudo, ao fato da mesma ser o principal organismo internacional
de proposição e controle de políticas de direitos humanos, na qual se vinculam as políticas de ação
afirmativa, como o amplo leque de políticas de cotas.
11
Cf. Willians, R. Cultura. São Paulo: Paz e Terra, 1992.
Nos anos 60, os norte-americanos viviam um momento de
reivindicações democráticas internas, expressas principalmente no
movimento pelos direitos civis, cuja bandeira central era a exteno da
igualdade de oportunidade para todos. No período, comam a se
afirmar como uma das principais forças atuantes, com lideranças de
projão nacional, apoiado por liberais e progressistas brancos, unidos
numa ampla defesa de direitos. É nesse contexto que se desenvolve a
iia de uma ação afirmativa, exigindo que o Estado, para am de
garantir leis anti-segregacionistas, viesse também assumir uma postura
ativa para a melhoria da população negra.
12
O conceito de minoria tamm é oriundo desse contexto. Nesse ponto, vale a
explicitação de como o termo será utilizado neste estudo que toma por base as
proposições de Muniz Sodré, em um texto intitulado Por um conceito de minoria.
13
O
estudo do autor identifica minoria como uma recusa de consentimento em busca de uma
abertura contra-hemonica, nos moldes do entendimento leninista e gramsciano do
conceito de hegemonia como dominação por consenso. Essa mesma perspectiva está
expressa no Leviatã de Hobbes em que nenhuma dominação é possível sem o
consentimento do dominador. O autor ressalta que:
a não contemporânea de minoria refere-se à possibilidade de terem
voz ativa ou intervirem nas instâncias decisórias do Poder aqueles
setores sociais ou frações de classe comprometidas com as diversas
modalidades de luta assumidas pela questão social. Por isso são
considerados minorias os negros, os homossexuais, as mulheres, os
povos indígenas, os ambientalistas, os antineoliberais etc.
14
O antropólogo destaca, ainda, a conceituação cunhada por Deleuze e Guattari
devir minoritárioem que:
a minoria não é tomada como um sujeito coletivo absolutamente
intico a si mesmo e numericamente definido, mas como um fluxo de
mudança que atravessa um grupo e sim como (...) um lugar vel da
linguagem. Trabalhar com a noção de minoria como um lugar
estabeleceria, ainda, algumas considerões. Primeiro a definição de
lugar não como um espo abstrato, mas como um lugar de localizão,
de ocupação. Em seguida, há de se considerar, também, que um espo
ocupado é afetado pela ação humana e passa a portar o conjunto de suas
realizões.
12
Cf. Moehlecke,S. Ação afirmativa: história e debates no Brasil. IN: Cadernos de Pesquisa, 117.
Fundão Carlos Chagas, São Paulo, novembro de 2002, p.197-217.
13
Cf. Sodré, M. Por um conceito de minoria. IN: Paiva, R.& Barbalho A. (Orgs.). Comunicação e cultura
das minorias. São Paulo: Editora Paulus, 2005.
14
Ibidem, p.11.
Sodré destaca, ainda, que (...) essa localização não é topográfica e sim topológica(...), ou
seja, é um lugar de uma configuração de pontos ou de forças, é um campo de fluxos que
polariza a difereas e orienta as identificações. Lugar minoritário é um topos polarizador de
turbuncias, conflitos, fermentação social. O conceito de minoria é o de um lugar onde se
animam os fluxos de transformação de uma identidade ou de uma relão de poder. Implica
uma tomada de posição grupal no interior de uma dimica conflitual. Por isso pode-se afirmar
que o negro no Brasil é mais um lugar do que o indiduo definido pura e simplesmente pela cor
da pele. Minoria não é, portanto, uma fuo gregária mobilizadora, como a massa ou a multidão
ou ainda um grupo, mas principalmente um dispositivo simlico com uma intencionalidade
ético-política dentro da luta contra-hegemonica.
15
O autor enumera quatro caractesticas básicas do conceito. A primeira, a
vulnerabilidade judico-social, posto que o grupo minoritário não é institucionalizado
pelas regras do ordenamento jurídico-social vigente. A segunda, identidade in statu
nascendi, ou seja, uma entidade em formação. Como terceira característica, a já citada
aqui, luta contra-hemonica, atentando para o fato de que em princípio, não há nesta
luta o objetivo de tomada do poder pelas armas.
Neste ponto, o autor destaca uma questão fundamental para este estudo posto que
identifica, na mídia, um dos principais terririos de luta mas adverte para o fato de que
(....) há o risco de que as ações minoritárias possam ser empreendidas apenas em
virtude de sua repercussão midiática, o que de algum modo esvaziaria a possível ação no
nível das instituições da sociedade global.
15
Cf. Sodré, M. Por um conceito de minoria. Op.cit.,p.13.
A última característica de uma minoria seria a intensa utilização das estratégias
discursivas e dos principais recursos de luta permanente como as passeatas, programas
de televisão ou mesmo gestos simbólicos.
16
Feita esta longa consideração, o fato é que após mais de quatro décadas de
experiências com as políticas afirmativas, os EUA podem ser vistos como referência no
que tange às ações afirmativas por meio das quais as “minorias ganham cada vez mais
espaço.
17
Outras experiências semelhantes ocorreram em vários outros países da Europa
Ocidental, assumindo formas e ões diferenciadas. A noção básica que congrega todas
essas experiências é o conceito geral da inclusão.
18
O termo ão afirmativa e o início mido de ações desta natureza chegam ao
Brasil no bojo do processo de redemocratização iniciado na década de oitenta, já repleto
de ambigüidades e contradições. A chamada Inclusão Escolar” é emblemática desse
contexto e está expressa, no caso brasileiro, desde a Constituição de 1988.
19
16
Ibidem, p.14.
17
Recentemente, de forma análoga ao filme de Sérgio Abreu, Um dia sem Mexicanos, em que a
população latina da Califórnia um teo da populão ativa do Estado, de uma hora para outra,
desaparece, os imigrantes que vivem nos EUA, cruzaram os braços um dia inteiro no ps. A idéia foi
não só fazer falta e protestar contra a polêmica decisão do Tribunal norte-americano de considerar
crime a condão de imigrante ilegal no país como também, afirmar-se como grupo minoritário
organizado e com poder. Plural Entertainment Espana & Eye on the Ball Films, 1998.
18
Etimologicamente, a palavra “inclusão vem do Latin includere- in + claudere, que significa
enclausurar ou fechar por dentro. No Heritage Illustrated Dictionary of English Language o termo
inclusãoé definido como ter como membro, conter como elemento secundário ou menor. Dito de
outro modo, incluir pode significar fechar num grupo o que dele não fazia parte, tomar omo membro
elementos secundários e enclausurar as difereas. Cf. Souza, Regina Maria de. Que palavra que te
falta? São Paulo: Martins Fontes, 1998, p. 19.
19
Em diversas partes do mundo, desde a década de sessenta, na esteira de outros segmentos minoririos,
os deficientes organizados, sobretudo por interdio de seus parentes e amigos sintetizados, no caso
brasileiro nas APAES ( Associão de parentes e amigos dos excepcionais), iniciam uma longa luta de
reivindicações de direitos. O acesso educacional público e de qualidade faz parte dessas reivindicações.
Ainda de forma tímida e marcada por estereótipos que incluem a representação dos “deficientes como
excepcionais”, a primeira lei de Diretrizes e Bases da Educão Nacional( 4024/61) já indica o direito à
educão deste segmento, mas tem ênfase no financiamento, por parte do Estado, de instituições
educacionais privadas, assistencialistas e caritativas. A Constituão Brasileira de 1988 vem mudar este
cenário e avançar na proposta da chamada Inclusão, atendendo, nesse sentido, a diferentes deliberões
dos Organismos Internacionais expressas em diversas Declarações de Direitos, em que o Brasil foi
signatário, como a Declaração de Educação para Todos, na Tailândia, em 1990 e a Declaração de
Salamanca, na Espanha, em 1994. É nesse sentido que o artigo 208 da Constituição Brasileira de 1988,
inciso III, indica o atendimento educacional dos chamados “ portadores de necessidades educativas
Num cenário “inclusivo”, a escola, em vez de uma arena de conflitos em luta pela
afirmação ou pela resisncia aos significados hegemônicos ou dominantes, é vista, cada
vez mais, como um espaço de afirmação pela "tolerância”.
20
Avolumam-se os slogans e
apelos midiáticos como os da "Escola para Todos" e/ou "Escola Inclusiva" que, de forma
extremamente reducionista, passa a indicar um ganho político na luta pelos direitos
humanos e sociais. Skliar alerta para o uso impune do que denomina verbos
democráticos do eu para o outro, do nós para eles tais como respeitar, aceitar,
reconhecer etc., que predominam nestes contextos.
21
No caso dos "deficientes", antigos espaços educacionais as "Escolas
Especiais"
22
passam a ser representadas como locais segregados, paternalistas e
especiais preferencialmente na rede regular de ensino, tendo o sistema de ensino não só, a
obrigatoriedade da matrícula ( Lei 7.853/1989) como de atender e se adequar as diferentes necessidades
educacionais deste grupo. A nova LDB 9394/96, em seu artigo 58, corrobora todas essas ações e
transforma a chamada “educação especial numa modalidade de ensino.
20
A UNESCO elegeu a cada de 90 do século XX como a Década da Tolerância entre os povos e os
indiduos deflagrando uma série de ações e tratados mundiais em torno do conceito. Pode-se, no entanto
questionar se o conceito da tolerância é de fato oportuno para mediar à relação entre diferentes e entre
desiguais. Para Skliar a palavra tolerância pode adquirir, dependendo do contexto e do discurso,
inúmeros significados. Destaca-se, aqui a definição (b) do autor que a define como: (...) tolerância é
aquela palavra elaborada e pronunciada diariamente pelos tecnocratas de turno das democracias
ocidentais atuais; palavra que impõe, que obriga desde a sua primeira laba uma necessária positividade,
uma trajeria auto-referencial, no sentido de que ela parece indicar unicamente uma qualidade e/ou uma
virtude do s mesmos, quer dizer, uma estica da nossa bondade, na medida em que nos define como
sujeitos, sociedades e/ ou culturas que se prezam serem tolerantes. (....) Uma palavra que se mistura
rápido demais com aqueles discursos que consistem em disseminar a idéia de “termos que,
inevitavelmente, “tolerar o outro”, tolerar os outros, e que marca, de uma vez para sempre, a disncia
entre o eu e o outro”, a macabra distância entre o nós e o eles.Skliar C. A Materialidade da
Morte e o Eufemismo da Tolencia: Duas faces, dentre milhões de faces, desse monstro ( humano)
chamado racismo. IN: Souza, R. M. de & Gallo, S. Educão do Preconceito. Ensaios sobre poder e
resistência. Campinas: Editora Alínea, 2004, p.82-83.
21
Para Skliar (...) verbos democráticos é uma expressão que revela uma dupla condição: de um lado
que eles se conjugam sempre em primeira pessoa(eu tolero, “eu respeito”,eu reconheço, “ eu
aceito, etc. De outro lado, que esses verbos, se me for permitida a referencia poética, estão sempre
olhando para si mesmos ou bem para outro lado. Skliar C. A Materialidade da Morte e o Eufemismo da
Tolencia: Duas faces, dentre milhões de faces, desse monstro ( humano) chamado racismo. Ibidem,
p.72.
22
Vale destacar que a partir da Nova Lei de Diretrizes e Bases da Educão Nacional (Lei 9394/96), os
chamados portadores de necessidades educativas especiais ou “deficientes devem, preferencialmente,
ser matriculados na rede regular de ensino. A princípio a potica, de cunho afirmativo, visa acabar com a
suposta segregação a qual esses grupos estariam submetidos nas antigas classes ou Escolas Especiais,
utilizando-se, para isso, do ideário da igualdade e do respeito às diferenças. Todavia, o que se constata,
seja pela reivindicação dos próprios segmentos envolvidos, seja pela falta de estrutura escolar e formação
adequada dos professores/as, é que a chamadaInclusão”, além de ser uma política que desonera o
Estado, posto que o ensino especializado é caro, pode estar promovendo uma exclusão velada e a
assistencialistas, que favoreceriam a exclusão e a guetificação desses segmentos e não
como espaços de possibilidade de uma educação diferenciada, pautada em diferentes
aspectos cognitivos, culturais e identitários. Observa-se, porém, que a utilização da
rerica inclusivista e possíveis ões afirmativas dela decorrente vem acompanhada de
uma proposta conservadora e assimilacionista. Torna-se importante ressaltar, também,
não só o fato de que essa lógica é binária, fruto de uma operacionalizão moderna de
valores básicos tais como nós/eles, racional/irracional, bom/mau, normal/anormal ,etc.,
como também, a compreeno das formas pelas quais a fronteira entre esses termos é
socialmente produzida e policiada atentando para o fato de que, nesta gica, há sempre
o privilégio da primeira assertiva em relação à segunda. Ou seja, é o padrão normal”
que define o “anormal”, e, assim sucessivamente. Continua-se na mesma hierarquizante
relão de poder, só que agora com uma roupagem digestiva e supostamente inclusiva e
igualitária.
Desenvolvi em pesquisa de Dissertação de Mestrado
23
uma série de estudos e
indagações questionando o pretenso discurso multicultural
24
em que se baseia a Escola
Inclusiva, destacando o singular processo de educação de aprendizes surdos. Investiguei
a emergência do conceito e como as diversas feições assumidas pelo discurso
multiculturalistaassimilacionista, conservador e humanista
25
, têm sido utilizados no
ideário inclusivista. O surgimento das "Escolas Especiais", entre elas as destinadas à
educação dos aprendizes surdos, foi pano de fundo de minhas indagações que, entre
normatização dos “deficientes, naturalizando e, muitas vezes, desrespeitando as características
identitárias que os constitui enquanto grupos minoritários.
23
Cf. Franco, M. A Tragédia surda. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-graduação em Educação
da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro. UFRJ /2001.
24
A partir de Mc Laren, P,1997 e 2000; Canclini, N.,1995, entre outros.
25
As ltiplas atribuições do termo “multiculturalismo serão detalhadas na terceira dimensão deste
estudo.
outras coisas, apontavam para o estudo de uma história de longa durão
26
a qual traçou
e fixou, paulatinamente, os parâmetros entre a normalidade e a anormalidade
27
.
Destaquei a existência de uma espetacularização da deficiência/ diferença, seja
por meio da perpetuão dos freakshows
28
, seja na grande tragédia surda que se
configurou com a política inclusivista, posto que o fato detolerar e incluir os
diferentes e os ditos “normais num mesmo espaço não significava, necessariamente,
respeitar suas especificidades cognitivas, sociais, lingüísticas e identitárias.
29
O conceito grego de Harmatia fundamentou análises críticas sobre a inclusão de
estudantes surdos
30
na escola regular e a tragédia se fez presente na apresentação do
campo empírico da pesquisa desenvolvida. Harmatia significa "erro de julgamento" ou
"erro por ignoncia".
Com essa perspectiva, a dissertação foi apresentada com a estrutura de uma pa
de teatro nos moldes de uma tragédia grega. Nessa estrutura, os personagens
(entrevistados na pesquisa), pais e professores de "deficientes", conduzidos pelo corifeu
26
Cf. Braudel, F. Escritos sobre a Hisria. 2ª ed. São Paulo: Editora Perspectiva, 1992.
27
Cf. Foucault, M. 1989, 1991 e 2001.
28
Os Freakshows ou Espetáculos da Anormalidade, nos quais se expunham diferentes tipos de anormalidade em
forma de espetáculo, tiveram início no século XVIII XIX, tendo funcionado até a primeira metade do século
XX. Os mais famosos foram a "Casa dos Monstros", em Amsterdã e o Museu Americano de Nova Iorque,
fundado por Phineas Taylor Barnum em 1815, tendo terminado oficialmente com o grande show Barnum &
Bailey, em Paris em 1905. Durante as décadas de 60 & 70, freaks era sinônimo de hippie. Na atualidade, são
considerados ou, auto-denominam-se freaks os que advogam o direito de serem “diferentes”, os obesos, tatuados
etc. Cf. Wainer, Iafa. O (freak)show deve continuar. Cadernos de Comunicação 8. Percepção de Cultura &
Sentidos Midiáticos. Woitowicz,K, Russi,P. (Orgs). Porto Alegre: Unisinos, 2001, pp. 47-61.
29
Vale observar, ainda que, sobretudo no caso dos deficientes, a ciência nos acena com cada vez com
menores e melhores próteses ou mesmo, com alterações no código genético que podem, num futuro
próximo, produzir em série, seres todos normais ciborgs ou monstros? Desta forma, a Inclusão passaria
a ser laboratorial e eugênica! No contexto atual, os "deficientes" são classificados sob o rótulo de DMs,
DAs ou DVs
29
. E s outros, o que somos? Ets? Talvez se tenha chegado numa encruzilhada na qual
deve-se, finalmente, escolher se somos ou não, se seremos ou o, enfim, humanos. Feita essa escolha,
deve-se ao menos suspeitar de nossas identidades, todas elas, normais ou anormais, por serem artefatos
culturais e sociais constrdos ao longo do tempo.
30
A Educação Especial usualmente denomina de DAs (deficientes auditivos), os que não conseguem
ouvir total ou parcialmente. Esta denominação, que abrange também os cegos DVs (deficientes
visuais), DMs ( deficientes mentais) faz parte de uma abordagem clínica, reabilitadora que fundou e
ainda influencia de maneira expressiva o campo da Educação Especial. Nesta abordagem, a tópica é a
noção de ficit, de cura ou reabilitação aos padrões normais dominantes. Numa abordagem
antropológica, os surdos, cegos, cadeirantes etc, o vistos a partir de suas potencialidades e a eles é
conferido o direito de exercerem suas identidades minoririas, bem como, pleitear ações positivas em
prol seu reconhecimento como grupo minoririo.
(der do coro - a pesquisadora), vivenciaram a triangulação com o coro (reflexão trica
da pesquisa).
Na Tragédia, Harmatia representa um erro de julgamento cometido pelo
personagem ao estabelecer a ação. Esse erro deriva da ignoncia do personagem acerca
de algum detalhe importante na seência dos acontecimentos anteriores. O
reconhecimento do erro provoca a peripécia e gera a catástrofe. A Harmatia foi chamada
por muito tempo de falha trágica. Esta interpretação, que atriba o desfecho trágico a
uma falha na personalidade do herói ou a uma "enfermidade do esrito", acha-se hoje
superada. Uma interpretação correta do conceito de Harmatia não pode prescindir dos
elementos de "escolha" e "vontade", por parte do herói, nem de uma tomada de decisão.
Essas circunstâncias é que vão provocar, no espectador, os sentimentos de terror e
compaixão que conduzem à catarsis.
31
Assim, o objetivo da dissertação apresentada, na busca de uma analogia com a
tradia, foi o de provocar uma catarsis da inclusão escolar, sobretudo da forma como
vem sendo implantada, esta vista como Harmatia: erro de julgamento por ignorância ou
desconhecimento.
Foi no curso da elaborão da Dissertação que se evidenciou o papel da mídia na
construção do discurso inclusivista e normatizador, posto que proliferavam, no período,
propagandas na televisão e nas principais revistas e jornais que abordavam, de forma
extremamente persuasiva, o pleito inclusivo. O destaque para políticas de ação
afirmativa era cada vez maior nos espaços discursivos midiáticos, destacando-se, entre
estasões, a polêmica política de cotas nas universidades públicas. O interesse em
investigar a adoção da referida medida se afirmou conforme os antagonismos e
contradições começaram a se explicitar em debates calorosos, contra ou a favor da
31
Cf. Vasconcelos, L. P. Dicionário de Teatro. São Paulo: Editora LP& M, 1998.
adoção da política. Realçou-se o fato de que ambas as posições pareciam operar na
mesma lógica: a da culpa fazendo com que o problema da desigualdade social, base da
questão, mais uma vez, não fosse enfrentado, como ocorre com as políticas ditas
inclusivas.
De maneira geral, os discursos que o sustentação às poticas de ação
afirmativa têm semelhanças com o pleito inclusivo e possuem como fundamento central
a retórica do respeito às diferenças ou, contraditoriamente, da afirmação da igualdade.
No entanto, pouco se investiga a mudança de historicidade desses dois conceitos. Na
contemporaneidade, os conceitos de igualdade e de diferença possuem potências
diversas de quando foram cunhados.
A persuasão discursiva, afirmativa ou positivada, parece se utilizar, ainda, de
forma bastante vitoriosa, da captura de determinados sintomas
32
sociais e morais
sobretudo o da culpa imprimindo, nas ações derivadas dos pleitos afirmativos, um
cater reparatório e compensatório.
Dois operadores importantes se destacam no corpo deste discurso persuasivo:
tempo e justiça. Desses dois se desdobram dois outros - culpa e sofrimento indicando a
necessidade de reparação e de reconhecimento.
Enquanto marcação temporal, o passado, nesse contexto, é visto como um lugar
de dívida para com determinados segmentos, trazendo para as ações emergenciais do
presente a única forma de controlar e prever o acirramento de tensões no futuro.
Já a justiça parece portar um expressivo peso axiológico e é utilizada como um
conceito unívoco de verdade no bojo das ações humanas, também indicando caráter
reparatório.
32
O Novo Dicionário da Língua Portuguesa de Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, 1ª ed. 9ª
reimpressão. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira define sintoma pelo grego
symptoma
coincidência, acidente; pelo latin symptoma, acontecimento. Ainda que outras definições e usos do
conceito sejam utilizados, sobretudo pela psicanálise, figuradamente o termo representa sinal, indício e é
nesta acepção que o mesmo será utilizado neste estudo.
Tempo e justiça fundariam, assim, de forma contundente e teleogica, a
liberdade, esta vista num lugar de conquista e de superação da razão frente à barbárie, da
felicidade frente ao sofrimento.
O pensamento nietszchiano consubstancia, neste estudo, a possibilidade de
perceber a reificação desses conceitos nos discursos persuasivos. Possibilita, ainda, e
exercitar o pensamento ao extremo de permitir ao menos quebrar com a rigorosa e
objetiva estrutura metafísica e solapar sua velha armadura conceitual, propondo, não só
novos operadores conceituais, como também, a ressignificação de suas antigas bases de
análise, de modo a perceber mudanças na historicidade contemporânea que permitam
novas incursões a antigos problemas.
O uso da filosofia nietzschiana na análise de processos contemporâneos tem-se
intensificado pelo vigor, atualidade e radicalidade do pensamento do fisofo. Gianni
Vattimo alerta, porém, que diferentes interpretações têm sido feitas da obra de
Nietzsche.
33
Também Azeredo, discutindo o aporte da filosofia de Nietzsche, ressalta
que estas interpretões, em alguns casos, se excluem mutuamente
34
e sinaliza:
D pode-se constatar que as possibilidades de experimentação com o
pensamento não fornecem respostas definitivas, o que, de um lado,
justifica a diversidade de compreensões de um mesmo texto e, de outro,
fornece elementos, nesse sentido precisos, para elevar toda afirmão ao
estatuto da interpretação.
35
Dialogando com essa perspectiva, a tese central deste doutoramento é investigar
em que medida os conceitos de tempo e de justiça, expressos nos discursos das
chamadas poticas afirmativas, mais especificamente na política de cotas, podem ser
compreendidos como um sintoma contemporâneo que parece incorporar culpa e
sofrimento como elementos de consumo, como elementos de mercado. Objetiva,
33
Cf. Vattino,G. Introdução a Nietzsche. Tradução de Antonio Guerreiro, Lisboa: Editorial Presença,
1990. p.100.
34
Cf. Azeredo, V. D. Nietzsche e a dissolução da moral. GEN. Grupo de Estudos Nietzsche. São Paulo,
Editora UNIJUÍ, 2ª edição, 2003, p.14.
35
Cf. Azeredo, V. D. Nietzsche e a dissolução da moral. Ibidem, p.14.
também, perceber neste trajeto, paradoxos postos ao homem em sua existência
contemponea. Estes limites, porém, não são vistos aqui como estáticos ou terminais,
mas como parte de fluxos capazes de subverter percursos ideologicamente determinados,
por meio do enfrentamento deste e de outros temas tabu na velada e cínica convivência
fraterna entre nós” e os outros.
Para dar corpo ao proposto, a princípio, dimensões articuladas são elencadas
apontando cada qual para desdobramentos de análise organizados a partir de um
conjunto de quatro axiomas, também correlacionados entre si e entre as partes,
entendidos como sintomas de uma nova historicidade.
De modo sintético, a primeira dimensão, poticas da justiça, parte do objeto
primeiro desta investigação, qual seja, as políticas de ação afirmativa, mais
especificamente, a política de cotas. Afirma-se, assim, o entendimento de que este
trabalho de pesquisa acadêmico pretende partir do objeto, do campo emrico, e ter a
reflexão teórica inserida no diálogo da investigão, e não ao contrário. Como
desdobramento de análise, definiu-se um conjunto de quatro axiomas
36
, representativos
da mesma, de modo a apreender os sintomas expressos nos discursos para além de uma
primeira identificação, e, sobretudo, criar uma possibilidade de entendimento que os
reúna e re-signifique enquanto espectro de um sintoma da contemporaneidade. A cada
axioma agregam-se, ainda, os elementos centrais que emergem como questões no debate
e conseqüente diálogo com este texto.
Na primeira dimensão, políticas de justiça, com os axiomas: o justo é seguir a lei
justa; o justo é definir o melhor; o justo é distribuir entre pequenos e grandes mediante
uma prova; o justo é ajudar a quem sofre busca-se traçar uma genealogia da aparição
36
A definição de axioma apresentada no Diciorio da Língua Portuguesa Aurélio aponta duas acepções.
A primeira indica que axioma é uma premissa imediatamente evidente que se admite como
universalmente como verdadeira sem exigência de demonstração, máxima ou sentea a segunda,
utilizada nesta análise, indica como um axioma a proposição que se admite como verdadeira porque dela
se podem deduzir as proposições de ma teoria ou de um sistema lógico ou matemático (p.168).
do conceito afirmativo, o contexto de outros países e o processo brasileiro
37
, com ênfase
no caso do Rio de Janeiro. Articulam-se a essa análise as queses da
inconstitucionalidade ou não da referida política, a questão da necessidade de melhoria
da qualidade do ensino básico, o despreparo dos cotistas e sua permanência no sistema
superior de ensino, a discriminação de ser cotista”, a questão do mérito e sua relão
tanto com o rendimento escolar quanto com a constitucionalidade. Soma-se a este
cenário a experiência de outros pses e outras experiências nacionais, o caráter
supostamente provirio da reserva, a expansão do pleito de reserva para outros
segmentos e setores da sociedade e o questionamento do caráter do ensino universitário.
Faz-se menção, também, ao patrulhamento exercido face aqueles que, de alguma forma,
questionam a política de cotas.
Como sintomas de uma nova historicidade, tomam-se os estudos que apontam
para a crescente ineficácia das instituições reguladoras do bem comum e a identificação
de novos elementos indicadores de causa blica, a saber, a mudança na justiça ou na
lógica da distribuição, e, mais especificamente, na lógica pela qual a questão da
igualdade vem sendo trabalhada nas causas sociais.
37
Imeros estudos, artigos, entrevistas foram produzidos sobre as cotas desde o icio de sua
implantação, seja por meio de publicões ou por meio da rede da Internet. Neste segmento, quatro
estudos foram de fundamental importância. O primeiro, a tese de doutorado defendida em 21 de julho de
2004 no Departamento de Direito Público, da faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de
janeiro UERJ, Acesso à justa para minorias raciais no Brasil: é a ação afirmativa o melhor
caminho? Riscos e acertos no caso da UERJ, de Raquel Coelho Lenz César e o artigo, da mesma autora,
Políticas de Inclusão no ensino superior brasileiro: um acerto de contas e de legitimidade. IN: Revista
Advir, publicação da Associação de Docentes da Universidade Estadual do Rio de Janeiro ASDUERJ, n
0
19, setembro de 2005, pps 55-64. Esse mero da publicação teve como tema a política de cotas, visando
fazer um balanço da implantação das referidas políticas e a comemoração do ANO NACIONAL DE
PROMOÇÃO DA IGUALDADE RACIAL (2005). Diferentes artigos sobre a questão das cotas foram
utilizados aqui, dos quais o segundo estudo mencionado, de Renato Emerson dos Santos, Reserva de
Vagas para negros em universidades públicas: um olhar sobre a experiência brasileira, pps12-18. Esses
mesmos estudos fundamentaram, também, a análise do processo hisrico no Estado do Rio de Janeiro e
seus desdobramentos. O terceiro estudo, do advogado, professor e consultor jurídico junto ao Grupo de
Trabalho Interministerial /GTI MEC- SEPPIR Luiz Fernando Martins da Silva intitulado Estudo
sociojuridico relativo à implementação de políticas de ação afirmativa e seus mecanismos para negros
no Brasil: aspectos legislativo, doutrinário, jurisprudencial e comparado. Disponível em
http://www.mre.gov.br . Último acesso 10 de julho de 2004. O quarto, os estudos do Ministro do
Supremo Tribunal Federal, Joaquim Barbosa Gomes. Instrumentos e todos de mitigação da
desigualdade em direito constitucional e internacional. Rio de Janeiro, 2000. Dispovel em
http://www.mre.gov.br. Último acesso em 05 de outubro de 2005.
A segunda dimensão diz respeito à não de reparão ou ao que se denomina
aqui, poticas da piedade, representada pelo reconhecimento da culpa. Seja dos brancos
para com os negros, argumento mais freqüente, seja dos mais favorecidos para com os
menos favorecidos, pobres e minorias de uma maneira geral. Importa o fato de que a
noção de reparação fundamenta tanto as ões concretas quanto os discursos das
políticas afirmativas, sobretudo a política de cotas. A noção de compensação aparece,
neste contexto, dotada de um caráter temporal. Remete também aos erros do passado
tanto quanto à possibilidades futuras, e, portanto, é dotada de uma materialidade que
transita entre esses dois los. Os quatro axiomas que definem esta dimensão são: a
piedade é a expreso do sofrimento do mundo; a piedade tem culpa; a piedade
é um
instrumento da redenção;
a piedade tem cor.
Emerge deste debate e dialoga com esta dimensão a noção da culpa ancestral que
todos parecem carregar em relação à própria existência, a noção de vida social e de
injustiça e, sobretudo, a noção de compensação e reparação. Uma pequena vertente
articula piedade ao medo; medo de que as desigualdades sociais acirrem tensões e
venham a causar revanches.
Como sintoma de uma nova historicidade, a noção da vitimização de segmentos
alvos, como as mulheres, os negros, os gays, os deficientes e também o terceiro mundo
ou oprimidos de uma maneira geral. Observa-se que o conceito de sofrimento e
sofrimento do outro tem constantemente sido mote do apelo midiático contemponeo,
cada vez mais espetacularizado e mercantilizado e, sobretudo, o oferecimento da
felicidade como uma nova utopia estruturante.
A terceira dimensão dialoga de forma intnseca com a anterior, quase se
sobrepondo, e trata da questão da exincia contemporânea da implantão, para além
das políticas de reparação, de políticas de reconhecimento. Nesse momento emergem
categorias afirmativas em que o discurso sobre si mesmo ou sobre sua imagem tem
referência direta no tornar-se de fato o que se é. Os quatro axiomas representativos dessa
dimensão são: o reconhecimento é oportunizar; o reconhecimento é identificar; o
reconhecimento é diferenciar; o reconhecimento é responsabilizar. Como questões do
debate, emergem a tópica da visibilidade e da exterioridade entendidas como operadores
conceituais dominantes no processo da produção e representação da historicidade e da
subjetividade contemporânea, e a crescente legitimão de direitos não mais individuais,
como previa a declarão fundante do conceito de indiduo até então, e sim a partir de
grupos organizados. Este aspecto marca, de forma decisiva, o conceito de identidade
como estrategicamente cindido e impossibilitado de unicidade, posto que tem a marca
primeira do lugar classificatório de um pertencimento. Tem-se, também, a importante
questão da identidade étnica e social, definindo de forma amgua e oscilante quem é
negro ou carente na sociedade.
Tais conceitos pretendem ser a base do deslocamento aqui proposto, entendido
como cerne de uma nova historicidade, a saber, a identificação, na contemporaneidade,
da passagem da culpa à responsabilidade, de novas estratégias de ocupão do espaço
público e privado, da questão da auto-estima, da mudança no estatuto do olhar do outro ,
em ntese, os elementos que hoje viabilizam o surgimento e a afirmação das referidas
políticas.
Por último, uma quarta dimensão, poticas do ser, que reúne as hipóteses
anaticas deste estudo e aposta em aportes interpretativos que podem estar na base das
contradições e tensões postas ao objeto. Nesse segmento, emergem três conceitos
fundamentais para esta alise.
O conceito de presentificação, no qual a transformação das experiências do
tempo na contemporaneidade ocupa um papel preponderante nas tenes e dilemas
postos ao escopo trico e as ações concretas de diferentes campos do conhecimento,
sobretudo alargando as fronteiras e desestabilizando certezas do que se considera
humanoe do próprio humanismo, redefinindo conceitos como futuro e liberdade”.
A noção nietszchiana do “Último-homem” que, por um outro viés, parece ser
um operador importante para se pensar os paradoxos e os limites postos ao homem e a
humanidade na contemporaneidade.
Por último, a perspectiva heideggeriana do esquecimento do ser” sugerindo,
talvez, a possibilidade de novos caminhos a serem traçados na identificação última do
próprio ser.
Com esta estrutura, busca-se responder à seguinte questão de estudo: em que
medida as políticas de cotas podem ser compreendidas como sintoma da historicidade
contemponea, caracterizada, num estágio descrito por Nietzsche, como sendo do
Último homem, em que a utilização da retórica da piedade nada mais é do que a
expressão mercadológica do sofrimento do outro.
Busca-se, tamm, vincular este objeto a um leque consubstancial de aportes
anaticos que rompam com a dicotomia a favor ou contra a política, que predomina nas
análises. A intenção deste esforço de pensamento é a de expurgar o sentimento de
perplexidade diante de uma sociedade tão cinicamente alicerçada em supostos
sentimentos humanitários e igualitários. Pretende, ainda, na ctica da utilização
persuasiva destes sentimentos, que parecem contribuir apenas para aumentar, cada vez
mais, o fosso que separa e hierarquiza os desiguais, abrar novos dispositivos de
entendimento da paradoxalidade do ser, deste ser tão familiar urdido na metasica e na
racionalidade moderna, deste tão irreconhevel ser quando se põem à mostra suas
ambigüidades.
A potica de cotas
38
ou a chamada reserva de vagas, a princípio, tem como
objetivo oportunizar o acesso ao ensino superior público aos segmentos menos
favorecidos e excldos da população e especificamente, aos que se auto-denominam
negros ou pardos.
39
A Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e a Universidade de Bralia
(UnB), ainda que por caminhos diferenciados, foram as primeiras a colocar em pauta a
implantação dessa política. Desejadas ou refutadas, as cotas são apenas a ponta mais
vivel de um movimento que, em especial na última década, ganhou força no Brasil.
Elas se proclamam fruto direto das propostas de cater afirmativo para as minorias,
sejam elas raciais ou sociais. Todavia, o debate aberto pela potica de cotas revelou, em
primeiro plano, uma série de contradições que têm colocado em cheque a eficácia do
ensino público básico brasileiro, a privatização da educação, a necessidade de ampliação
das vagas blicas nas universidades e de melhoria no ensino básico. Discute-se, ainda,
o mito da igualdade racial no Brasil e, num segundo plano, coloca-se em pauta o
sentimento de dívida e de conseqüente reparão para com a população menos
favorecida economicamente no ps, identificada quase sempre como sendo
predominantemente a população negra, posto que esse é considerado, também, um
segmento tradicionalmente limitado em termos de mobilidade social em função de sua
origem estar marcada pelo histórico processo de escravização brasileiro e o desastroso
38
Neste estudo, diante das inúmeras definões que tais políticas apresentam, optou-se por referir-se a
política de cotas, todas as vezes que esteja se considerando a reserva de vagas nas universidades públicas
ou privadas e cotas para negros ou afro descendentes, todas as vezes que a chamada “reserva seja
espefica para este segmento. A utilizão do termo afrodescende para classificar o os negros e pardos
brasileiro pareceu ser insuficiente, Embora proclamado por diversos segmentos do movimento negro,
considera-se aqui que várias foram as miscigenões que marcaram parte das expreses étnicas no
Brasil, seja pelo lado indígena ou mesmo de origem moura, portuguesa, entre outras, e não somente
àquelas de descendentes africanos.
39
Para classificar a população brasileira, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IBGE utiliza o
critério baseado na cor e na etnia, qual seja: branco, preto, pardo, amarelo e indígena. O termo negro
apresenta-se, sobretudo nos estudos acadêmicos e mesmo na autodeclaração identitária desse segmento,
tornando-se, assim, uma categoria sociopolítica.
processo de emancipação desse segmento, as sua libertação “definitiva”, pelo menos
em termos legais, em 13 maio de 1888, com a Lei Áurea.
40
Sabe-se que a abolição não ocorreu conforme foi idealizada pelos abolicionistas e
republicanos, pois a mesma previa um processo de inclusão social. Deste modo, podem-
se encontrar, ainda hoje, representões e práticas nas quais a amarga herança do
escravismo se faz presente. Identifica-se, porém, que a forma encontrada para dialogar
com esta realidade parte do ressentimento e da dívida e oferece soluções mercadológicas
como a promessa de uma sociedade mais justa e mais feliz, de forma emergencial, ou
seja, rápida, artificial.
Assim sendo, os dois horizontes de tempo e de justiça parecem se apresentar a este
cenário “afirmativo”, trazendo a liberdade como possibilidade de superação de todos os
sofrimentos causados pela própria existência. De um lado, a urgência na busca de melhores
oportunidades para todos, a diminuição das desigualdades e superação dos preconceitos e, de
outro, a noção de reparação e conseqüente vitimização dos segmentos envolvidos.
Poticas inclusivas, políticas de ação afirmativa, o fato é que tais orientações têm
desencadeado não só estudos e debates teóricos, como, também, produzido ações
concretas oriundas de instâncias públicas, privadas, ou por meio da sociedade civil
organizada, apesar da gama de contradições que muitas vezes possa representar.
40
Vale ressaltar que a abolão formal da escravidão no Brasil foi um processo lento e demorado. Fez
parte de um movimento, liderado por intelectuais, com forte influência dos ideais liberais da Europa do
século XVIII que, dentre outras lutas e por meio de diferentes movimentos, manifestavam a necessidade
da libertação dos negros africanos escravizados. No Brasil, esse processo caracterizou-se, inicialmente,
pela Lei Diogo Feijó de 7 de novembro de 1831 que abolia o tráfico de escravos em terririos e
portos do Brasil; a Lei Euzébio de Queiroz de 04 de setembro de 1850 que reiterou o fim do tráfico
de escravos em águas brasileiras; o Decreto 1303 de 28 de dezembro de 1853 que emancipava os
escravos africanos que tivessem mais de quatorze anos de serviço; o Decreto 3310 de 24 de setembro
de 1864 que libertava os escravos que trabalhavam na administrão pública, num regime de liberdade
vigiada da época; a Lei Nabuco de Araújo de 05 de junho de 1854 que intensificava a repressão
contra o tráfico negreiro; a Lei do Ventre Livre de 28 de setembro de 1871 que concedia a liberdade
para os filhos de escravos que nascessem após essa data; a Lei dos Sexagenários de 28 de setembro de
1885 que libertava os escravos com mais de 60 anos e finalmente a Lei Áurea que abolia
definitivamente a escravidão no Brasil. Sabe-se, no entanto, que as legislações não significaram o fim
das práticas de escravatura e que não foram oportunizados mecanismos aos libertos que de fato
garantisse sua emancipação.
O campo da pesquisa em comunicação acompanha esse debate, ora buscando
discutir os usos da comunicão em políticas públicas, articulando discurso e poder, ora
investigando os impactos da mídia na criação de sentidos e práticas hegemônicas.
É com essa perspectiva que se propôs apresentar como campo emrico de análise
sobre a potica de cotas, consubstanciando a reflexão teórica desta tese, a investigação
dos discursos veiculados na mídia impressa, acerca da adoção da política de cotas no
ensino universitário público.
41
Para a seleção das matérias, optou-se por dialogar com uma fonte indireta de
coleta, com a utilização do clipping cotas.
O referido clipping é um espaço on line que reúne o maior número posvel de
matérias integrais, provenientes de jornais e revistas de grande circulação nacional,
desenvolvido pelo setor de comunicão da Universidade Estadual do Rio de Janeiro e
disponibilizado em sua home-page.
Segundo o coordenador do setor, o clipping existe desde 2004, recolhendo dos
jornais e revistas do país os principais assuntos em pauta, a cada dia. Durante o período
de 01 de janeiro até 04 de junho de 2004 o tema das cotas foi selecionado e
disponibilizado junto às demais nocias. Todavia, a partir de 05 de junho de 2004, em
função da visível intensificação do debate em torno do tema e, pelo fato de que a UERJ
foi pioneira na adoção da política, criou-se um espaço específico para as cotas no
interior do mesmo.
42
A opção de utilizar as notícias, incluindo artigos, reportagens, cartas etc, foi
oportuna por revelar-se um terreno fértil para a localização de um corpus conceitual do
41
Observa-se que a política de cotas no setor privado, denominada de ProUni capitaneada pela Reforma
Universitária, fez parte do campo de investigação sem ter, todavia, sido privilegiada nas alises em
função da complexidade de outras articulações que trariam ao estudo. Por outro lado, foi impossível não
abordar questões referentes a cotas em outros setores que não o universirio como a reserva de mercado
de trabalho, entre outras, cada vez mais recorrentes, deflagrando uma série de ações com vistas a
reservas e/ou a discriminação positiva que, muitas vezes, beiram o absurdo.
42
Anexo 1.
debate sobre as cotas, fragilmente polarizado entre quem concorda ou discorda de sua
adoção. Surge, assim, a pertinência de que se desenvolvam estudos que ultrapassem essa
polaridade.
43
Para Pross os signos da sociedade de classes são validados pela linguagem e pela
imagem, o que fundamentará sua eficácia. Jornais, revistas, TV, rádio, internet,
publicidade, livros, são tantas as formas de expressão e tão diferentes as linguagens de
cada uma delas, que terminam por nos envolver, tal qual a teia de uma aranha,
acompanhando e direcionando nossos movimentos.
44
Na mesma perspectiva Keller ressalta que:
Há uma cultura veiculada pela dia cujas imagens, sons e espetáculos
ajudam a urdir o tecido da vida cotidiana, dominando o tempo de lazer,
modelando opines políticas e comportamentos sociais e fornecendo o
material com que as pessoas forjam sua identidade (...) A cultura da
dia também fornece o material com que muitas pessoas constroem o
seu senso de classe, de etnia e de raça, de nós” e “eles” , ajuda a
modelar a visão prevalecente de mundo e os valores mais profundos:
define o que é consideramos bom ou mau, positivo ou negativo, moral
ou imoral .
45
Cabe, entretanto, um “parêntese quanto à estrutura metodológica proposta, em
relão ao objeto investigado. A escolha e classificação dos discursos acerca da política
de cotas foi reveladora de uma caractestica muito peculiar posta ao objeto. Todos os
43
Vale observar que 30 de dezembro de 2005 foi a data de fechamento final de recolhimento dos dados
empíricos da pesquisa, ainda que, de forma diferenciada, as matérias jornasticas tenham sido utilizadas
e citadas até os últimos momentos de fechamento deste estudo. Esta data, além de promover o
fechamento do ciclo anual, foi estratégica por considerar-se que o debate em torno das cotas teria uma
intensificão nos últimos dois meses do ano por dois fatores distintos. A comemoração no dia 20 de
novembro do Dia da Consciência Negra e, paralelamente, a inauguração do primeiro canal de televisão
negro do Brasil. Nas palavras de uma das diretoras do canal, não havia no Brasil, a então, uma
emissora de TV cujo proprietário fosse negro, o que revelaria a discriminação e desigualdade de
oportunidades e direitos desse segmento. Admitiu, entretanto, na mesma entrevista, que crescia de forma
considerável o número de negros contratados nas diferentes mídias, ocupando diferentes posões. No
entanto, defendeu a necessidade de uma emissora genuinamente negra, comprometida com a causa negra,
ainda que a mesma abrisse espaço para funciorios o negros”. Vale destacar que o proprietário,
acionista principal desta nova emissora é o cantor e comunicador negro, Netinho, que de forma
recorrente tem aparecido na dia, envolvido em episódios de violência, sobretudo contra mulheres. O
comunicador tem sua imagem vinculada, também, ao de uma financeira que empresta dinheiro a juros
abusivos para população de baixa renda.
44
Pross,H. La violência de los símbolos sociales. IN: Conscncia y liberdad. Barcelona: Anthropos,
Editorial del hombre,1983, p.89.
45
Cf. Keller,D. A Cultura da Mídia. São Paulo: Edusc, 2001,p.19.
discursos possuem, em seu cerne, o mesmo fundamento. Discursos favoveis ou
desfavoráveis, sobre diferentes espectros que compõem o universo das cotas e das
políticas de ação afirmativa em geral, trazem para o centro da discussão o conceito de
justiça, como algo unívoco, transcendente, acima do bem e do mal. Todos falam da
mesma coisa, apesar dos discursos serem emitidos de diferentes lugares e defenderem,
muitas vezes, posições opostas. Limitar uma fala a um espaço determinado não foi, por
conseguinte, tarefa fácil. Outros arranjos poderiam ter surgido, outras escolhas. O que se
apresenta, assim, não passa de um recurso heurístico e uma licença poética formas
diferenciadas de traçar os possíveis caminhos que o debate sobre as cotas alcançou
correndo o risco de discutir um tema que parece ter um a priori definido. Neste
percurso, escuta-se, mais uma vez, a sempre presente voz de Zaratrusta:
O homem é uma corda estendida entre o animal e o am-homem”
uma corda sobre um abismo. É o perigo de transpô-lo, o perigo de estar
a caminho, o perigo de olhar para ts, o perigo de tremer e parar. O que
há de grande, no homem, é ser ponte, e o meta: o que pode amar-se,
no homem, é ser uma transição e um ocaso. Amo os que não sabem
viver senão no ocaso, porque estão a caminho para o outro lado. Amo
os grandes desprezadores, porque são os grandes veneradores e flechas
do anseio pela outra margem.
46
Assim, em vez de definir verdades, o que se buscou apreender foram as marcas
que definem esse percurso. Os assoreamentos existentes em cada margem, estruturas da
tradição que aparecem nos discursos a materialidade que determinados processos
histórico-sociais subjetivos alcançaram. Sentimentos de culpa, de piedade, de
preconceito, de discriminão, de injustiça. Tudo é um todo que parece remeter ao
fracasso do projeto humano liberal posto que o mesmo se retro-alimenta de suas próprias
mazelas, dos seus próprios dejetos. Fruto desse projeto, o ser moderno é, sem dúvida,
um ser em eterno pecado e em mais sublime culpa. Um ser que se perdeu em seu próprio
percurso, esqueceu-se de si, e, portanto, um ser o qual necessita constantemente ser
46
Cf. Nietzsche, F. Assim Falou Zaratustra. Um livro para todos e para ninguém. Op.cit., p. 38.
compensado. Compensado do fardo de sua existência e dos rumos que a hisria lhe
legou, essa história que seu próprio discurso construiu. Obter a redenção passa a se
constituir, doravante, numa nova utopia.
Todavia, a análise do discurso pretendida aqui, não partiu das tradicionais
abordagens que oscilam entre a linha americana ou francesa e todos os seus já
conhecidos e eficazes aparatos metodológicos.
47
Trabalhando com Heclito e sua conceão de Dis-curso
48
, abriu-se a
possibilidade de entendimento dos signos expressos nas nocias, nas reportagens e nas
opiniões enquanto processos que se apresentam exteriores às práticas, que exigem
constantemente resignificações tricas, deslocamentos, e que, muitas vezes, indicam
mais fragmentação do que unidade, mais incertezas do que certezas, como aponta a
reflexão de um comentador do filósofo:
Preocupado em desarticular o absolutismo da narrativa dos aedos, o
filósofo de Éfeso procura demonstrar o descompasso entre o discurso e
os objetos sobre os quais o discurso discorre. Aberta a distância entre as
palavras e as coisas, é-lhe possível examinar as possibilidades e as
limitações da fala. (...) Heráclito vive numa época em que os discursos
persuasivos ascendem. A persuasão não é conduzida pela verdade. Há o
falar do que profere discursos. Há o dizer do Dis (curso). O primeiro
constrange à visão peculiar, o segundo liberta para o conflito dos
contrários.
49
Ou nos dizeres de Baudrillard:
47
Buscando traçar uma perspectiva hisrica das idéias lingüísticas de modo a apresentar uma síntese das
correntes predominantes em “Análise de Discurso”, Eni Orlandi observa que “é habitual fazer-se uma
primeira grande divio entre a alise de discurso européia e a americana ( aqui pensada a América do
Norte). Do lado da americana ( e essa não é uma divisão meramente geogfica) está a tendência de uma
declinação lingüístico–pragtica (empirista) da análise de discurso com um sujeito intencional, e do
lado europeu a tendência (materialista), que desterritorializa a noção de língua e de sujeito ( afetado pelo
inconsciente e constitdo pela ideologia) na sua relação com o discurso em cuja análise não se procede
pelo isomorfismo. Todavia a lingüista discorda da noção de existirem escolas rígidas que definiriam
tipos de abordagens de alise de discurso, enfatizando para tanto que a língua é um fato social e que,
nesse sentido, independente de abordagens, deve ser compreendida no bojo de uma perspectiva que
articule sistematicamente a história do conhecimento metalingüístico com a história da constituição da
própria língua. (...) A ciência da língua que assim se considera não está apartada do território que se
produz. Tampouco a alise de discurso.” Orlandi, E. P. Discurso e Leitura. Unicamp: Cortez, 1998,
pp.56-57.
48
O uso da grafia com hifem em “dis-curso ; per- curso, etc, visa seguir a gica heraclitiana em que
tudo é fluxo.
49
Cf. Schüler, D. Heclito e seu (dis)curso. Porto Alegre: L&PM,2001, pps. 27 35.
A comunicação não é o falar, é o fazer-falar. A informação o é o
saber, é o fazer-saber. O verbo fazer indica uma operão, não uma
ação. Na publicidade, na propaganda, trata-se não de crer mas de fazer-
crer. (...) Hoje até o querer é mediado por modelos da vontade, pelo
fazer-querer que são a persuasão ou a dissuasão
.
50
Fazendo pois uma dupla analogia acerca da época atual na qual os discursos
persuasivos também ascendem e o desejo e a determinação de proferir Dis(cursos), este
estudo procura demarcar o seu curso.
Ou seja, entende-se o discurso persuasivo sobre as cotas, bem como sobre as
ações afirmativas em geral, como ideologia, e como base de uma moderna e viciada
perspectiva dialética. O que estaria em jogo seria a afirmação de um poder negativo
como prinpio teórico, o qual, nas palavras de Deleuze, “se manifesta na oposição e na
contradição, (...) na idéia da positividade como princípio teórico e prático da própria
negação
e ainda na idéia de um valor do sofrimento e da tristeza
51
. Esses três
princípios organizadores da racionalidade dialética, segundo o filósofo, seriam
responsáveis pela gama de paradoxos com os quais o homem vem continuamente se
deparando, trazendo agonia, a morte de Deus ao cenário contemporâneo posto que, como
afirmou Nietzsche, a velha verdade está chegando ao fim
52
.
Resguardando-se os riscos de reificação dos conceitos, pode-se tecer uma análise
da implantação de ações “positivas, reparadoras, a partir da própria produção de seu par
contraditório, negativo. Produz-se a diferença, produz-se o outro de modo que o mesmo
esteja sempre por vir.
53
No caso das cotas, a não justiça, a não oportunidade, a não
50
Cf. Baudrillard J. A transparência do mal: Ensaio sobre os fenômenos extremos, 7ª ed. São
Paulo:Papirus,2003, p.53.
51
Cf. Deleuze, G. Nietzsche e a filosofia.Rio de Janeiro: Semeion,1976, 195-96.
52
Cf. Nietzsche, F. Genealogia da moral. Uma polêmica. Tradução Paulo sar de Souza. São Paulo:
Companhia das Letras, 1999, p. 86.
53
Estima-se que apenas 20% dos chamados portadores de necessidades especiais, mais concretamente, os
deficientes nascidos no Brasil sejam congênitos. O restante e grande maioria é produzido socialmente
diante das prerias condições de atendimento à gestante e à criança, criando uma série de situações
adversas e possibilidades de inúmeras doenças que geram seqüelas. Grávidas com ruola, doenças
sexualmente transmissíveis, partos mal feitos, criaas sem oxigenação, infecções agudas, desnutrição,
meningite, etc... compõem a constante produção do diferente/ deficiente que será objeto de inclusão”
mais adiante.
tolerância das difereas étnicas ou de gênero etc., elementos exteriores ao próprio
homem. A captura se dá assim, por meio da culpa do sofrimento provocado pela
ausência ou negação de prinpios ou valores morais na ação dos homens. O outro par,
qual seja, a justiça, a oportunidade e a tolerância, reitera os discursos persuasivos.
Pensar e analisar discursos em sua relação com a exterioridade indicada por
Heclito, e ressignificada, aqui supõe o entendimento da realidade composta por uma
materialidade discursiva na qual o sujeito, em sua forma e sentido, confronta-se e se
reconstitui constantemente com o político e, por conseqüência, com sua própria história.
Ou nas palavras de Eni Orlandi (...) o abandono o exterior específico (o real da
história), mas o considero atravessado pelo exterior constitutivo ( o interdiscurso)”.
54
Vale observar, também, que se defende, neste estudo, a noção de que qualquer
aproximação com um objeto, não deve prescindir da investigão da ppria
historicidade do objeto estudado e do entendimento acerca do estatuto dessa
historicidade. Ou seja, não se pretende trabalhar com a continuidade dos processos
históricos, tampouco naturalizar o encadeamento dos acontecimentos traçando análises
objetivas, teleológicas ou conclusivas acerca dos agentes e dos femenos sociais.
Pretende-se apostar na descontinuidade de eventos, o que possibilita questionamentos
articulados entre diferentes subjetividades e discursos, e suas disputas se constituindo e
constituindo a realidade investigada.
Tal perspectiva, que Foucault consagrou em seus estudos genealógicos
55
, não
nega ou ignora os fatos sociais e sua materialidade, mas aposta numa perspectiva de
estudo na qual a investigação dar-se-á pela análise da mudança de um dado evento ou
conceito social, bem como a agregação de novos elementos à cena como sintoma de uma
nova historicidade.
54
Cf.Orlandi, E.P. Discurso e Leitura. Op.cit, 56-57.
55
Cf. Arendt, H. Origens do totalitarismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2004, p.304.
No caso do objeto aqui disposto, a política de cotas, evidencia-se tanto sua
emergência quanto sua consolidação, no bojo de mudanças significativas na
historicidade contemporânea.
Investigar quais os possíveis fatores que redefinem essa nova dimensão e as
práticas deles derivados, eo apenas discordar ou concordar da referida política, é
também parte dos desdobramentos indicados neste estudo. Pretende-se ainda, propor
percursos de entendimentos, por meio da utilização de novos operadores conceituais,
ferramentas necessárias para sair do binarismo expresso nos debates.
Toma-se mais uma vez Nietzsche e sua noção de perspectivismo na qual não
existiriam fatos, só interpretações, e Arendt, quando diz que (...) o simples fato de que
não há padrões gerais a determinar infalivelmente nosso julgamento, nem regras gerais a
que subordinar casos específicos com algum grau de certeza. Ou ainda, aprendendo a
pensar com Carneiro Leão, (...) nada pode ser aprendido de vez, nada pode ser
conquistado em sua totalidade,
56
que este estudo, embora busque sustentar uma tese,
pretende ser apenas um estudo, sem objetivar apresentar conclues absolutas ou
definitivas.
É fundamental, ainda, ressaltar o entendimento de que a mídia e os espectros que
dela emergem têm papel constitutivo no corpo das representões e ações expressas pela
política de cotas. Desta forma, pretende-se trazer seus discursos no curso de cada
dimensão apresentada, de modo que a análise do campo empírico não seja um segmento
à parte do estudo, ou mero comprovador de hipóteses, e, sim, se constitua no bojo do
diálogo com os referenciais tricos apresentados.
Utiliza-se o conceito de espectro por se perceber nele a possibilidade de uma
analogia com o modelo metodológico que se busca desenvolver.
56
Cf. Carneiro L. E. A crise da Ética Hoje. Op.cit, p.15.
Além das conceituões xicas e filoficas definidas por Buarque de Hollanda,
já apontadas numa das epígrafes de abertura desse estudo, em que espectro “designa
figura imaterial, real ou imaginária, que povoa o pensamento; sombra, fantasma; a
apancia vã de uma coisa; espectro visível ou invisível; aquilo que constitui amea
57
,
visa-se utilizar, também, a noção física do conceito, ou seja, espectro pode ser entendido
como gradiente de variação de elementos de um fenômeno.
Dessa forma, procura-se indicar que, ao ter como base o conceito de espectro,
pretende-se não perder de vista as ondulações e oscilações, o jogo do infra-visível, do
vivel e do ultra-invivel que constituem qualquer espo material, físico ou social.
O conjunto dos discursos acerca da política de cotas, nesta perspectiva, pode ser
tomado como um espectro onde cada discurso pode ser ordenado de forma que se
identifique o gradiente vetores de direção, de variação. Por definição, o gradiente de
um fenômeno é sempre mais importante do que o valor escalar absoluto de cada
elemento. Desta forma pode-se fazer uma ilação, na qual esses discursos indicariam uma
direção para além de seu valor em si, privilegiando aspectos ideogicos e persuasivos
que sustentam sua expressividade na mídia e o alargamento de sua penetração nas
consciências de todos aqueles por eles capturados.
A pertinência da utilização do conceito de espectro se sustenta, ainda, pelo fato
de que os discursos sobre as cotas, que oscilam entre favoráveis e desfavoveis,
possuem na base os mesmos conceitos, os mesmos argumentos. Tempo e justiça. Ou
seja, uma variação da intensidade do módulo em sentidos várias vezes opostos. Essa
variação se apresenta na forma estrutural que este estudo escolheu para apresentar o
intenso diálogo que travou com os diferentes discursos sobre as cotas.
57
Novo Dicionário da Língua Portuguesa de Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, 1ª ed. 9ª
reimpressão, Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira.
Com isso se quer afirmar que muito menos que conquistas sociais, a implantação
das políticas afirmativas fazem parte de um processo social maior em que, tal como
sinaliza o comentador de Nietzsche, na identificação da “Pequena Política”:
Pequena política significa também a funesta confusão ideológica,
essencialmente democrática, segundo Nietzsche, entre felicidade, por
um lado, e segurança, comodidade, ausência de dor, por outro lado.
Essa identificação implica, para ele, em tomar à inglesa o ideal bem
supremo, transformá-lo em wellfare, conforto e bem estar, significa
apequenar a política, amesquinhar a figura ou o tipo-homem que se
pretende formar por intermédio da política e da cultura; grande potica
é a potica cultural que se inspira num outro ideal de homem, num
outra figura que não o homem das iias modernas, do utilitarismo
com sua felicidade de mercearia e dos direitos iguais.
58
Entretanto, reafirma-se aqui que o interesse deste estudo não reside em
posicionar-se a favor ou contra o sistema de cotas. Visa-se, sobretudo, deslocar esta
lógica binária que, freqüentemente, tem constituído esse debate e propor uma articulação
que traga à cena novos operadores conceituais e anaticos que permita dialogar com a
referida política de modo distinto do que já foi elaborado até então.
Por outro lado, o tema tem sido tão extensamente debatido, seja por lideranças
negras, estudantes e professores, antropólogos, historiadores, juristas, e a sociedade civil
organizada, que parece ser impossível que qualquer outra pesquisa possa trazer uma
contribuão original.
Em estudo sobre a obra e o pensamento do filósofo Michel Foucault, Vaz afirma
que:
Quando se pretende estudar um autor tão repetido, um caminho é
possível o de percorrer a distância que separa os comentadores para
fixar um lugar onde se possa pensar. Mas, nesse movimento, é difícil
não sucumbir ao mito de originalidade; pensava então estar afirmando
um “ Eu” soberano no seu poder de recusa. Depois de terminado o
trabalho, com alguma deceão, descobri que o espaço que se constrói
ao percorrer a distância entre os comentadores não é onde, enfim, se
consegue dizer Eu, mas um espaço-com, povoado de presenças, onde
oEuse perde e se multiplica
.
59
58
Cf. Junior, G. O. Crítica da Moral como Potica em Nietzsche. Op.cit, p03.
59
Cf.Vaz, P. Um pensamento Infame. Editora Imago: Rio de Janeiro, 1992
Esse estudo se pautou nessas mesmas bases. Todo o tempo, vozes e escutas
daqueles tantos sonhos legítimos - ter acesso ao ensino superior, um lugar de novas
possibilidades, de mudança e o coro de tantos outros, levantado questões, ora
apaixonadas, ora indignadas, se fizeram presentes de forma avassaladora, revelando a
fragilidade e o envolvimento da pesquisadora com muitos dos pressupostos e, sobretudo,
sentimentos dos quais pretenderia se distanciar. “Letras de sangue” e,
contraditoriamente, sofridas, posto que culpada por almejar a outra margem.
Mas a segurança de continuar o percurso, “de poder querer de outro modo - de
que nos fala Nietzsche em Zaratrusta,
60
veio, mais uma vez das palavras de Heráclito.
Ao nome da justiça não ligariam, se tais coisas não existissem.
61
60
Cf. Nietzsche, F. Assim Falou Zaratustra. Um livro para todos e para ninguém. Op.cit, p. 23.
61
Cf. Schüler, D. Heclito e seu (dis)curso. Op. cit., p.25.
I- PRIMEIRA DIMENSÃO: poticas de justiça ou... uma metamorfose ambulante
Às vezes, dá saudades dos tempos em que se tinha opinião formada sobre
tudo. Poucos, como Raul Seixas, preferiam ser uma metamorfose ambulante.
Bastava consultar um manual ideogico e pronto, as incertezas acabavam. Era
preto no branco. Hoje, ao contrário, o mundo anda tão complexo que tudo é
relativo, inclusive essa afirmação. Se até o politicamente correto é incorreto,
onde está a certeza? Entre os vários assaltos a que estou sujeito, um dos mais
freqüentes é o da dúvida. Por exemplo, devo ser a favor ou contra o sistema de
cotas? Fico vendo pessoas sem hesitação, cobrindo-se de razão, e morro de
inveja.
62
1.1 : Hisrico
No Brasil as chamadas políticas de ação afirmativas fazem parte de um conjunto de
proposições e ações que tiveram origens e destinos diferenciados, mas que, a partir da
segunda metade do século XX, passaram a convergir para um mesmo objetivo
promover a igualdade e a justiça social às minorias e diferentes grupos sociais que, por
um motivo ou por outro, tiveram suas histórias marcadas por processos de exclusão e
discriminação. Porém, não há, como falar em políticas de ação afirmativa, nesse início
do século XXI, sem trilhar o per -curso em que se consolidaram os ideais do direito e da
justiça.
Data da Idade Moderna uma tradição que tem como base garantias do indiduo
contra o que predominava a então. Surge o princípio da teoria contratualista que
alterou a fonte e a origem do Poder de Deus para os homens. O Iluminismo seria
emblemático desse processo. O Contrato Social teria sido, assim, a primeira
aproximação moderna com os direitos humanos. Doravante, passam a existir pactos,
renúncias, acordos, que incidem sobre os comportamentos e sobre as ações, tanto na
esfera coletiva quanto na individual.
62
Jornal O Globo. Editoria. Opinião. Cotas de Incertezas. 14-07-2004
A modernidade nascente foi, eno, palco da ruptura do direito natural e da
religião, posto que suas bases estariam, doravante, alicerçadas no terreno da
racionalidade. O direito passa a emanar da razão e o homem passa a ser o centro da
ordenação jurídica do Estado. O Estado Absoluto é reconceptuado. Com a
secularização, o Estado e a Igreja dividem-se, percebendo-se, então, os primeiros
documentos que estabelecem a existência de direitos independentes da vontade do
Estado diz a professora de Direito da Unisinos/RS, Vanessa Flain dos Santos.
63
No estudo intitulado Direitos Fundamentais e Direitos Humanos, a autora
ressalta, porém, que alguns teóricos do direito, como Fábio Comparato, indicam a
formulação de direitos humanos já no processo de declínio da Idade Média.
O direito comunal europeu, fundado na liberdade e igualdade opunha-se
drasticamente à compartimentalização social e às servies feudais. O
absolutismo passou a ser contestado na reação dos barões ingleses que
no século XIII impuseram a João Sem Terra o reconhecimento de
direitos fundamentais, inscritos na Magna Carta e que aperfeiçoara nas
Bill os Rights que lhe seguiram.
64
Ainda que em Kant esteja presente a noção da justiça como princípio universal,
sendo o fisofo o grande arquiteto da transformação do indiduo singular para o
indivíduo de direito que irá culminar com a Declaração Universal dos Direitos do
Homem, a pesquisadora acrescenta que o que predominou no icio do período moderno
foi o chamado jusnaturalismo ou o jusnaturalismo democrático, ou seja, a legítima
decisão da maioria. Aponta, também, para o positivismo judico em que o direito é visto
como uma ciência valorativa, buscando-se por meio dele uma norma efetivamente válida
em uma determinada ordem. Neste contexto, o direito dita qual a moral a ser aplicada
dentre as várias existentes, saindo do plano tico, ingressando no direito positivo, com
63
Cf. Santos, V. F. Direitos Fundamentais e Direitos Humanos. Revista Âmbito Jurídico, fevereiro/2002.
http://www.ambito-juridico.com.br .Último acesso 29 de janeiro de 2006, p. 4.
64
Ibidem, p.5.
fim determinado”.
65
Dentro dessa linha de pensamento, emerge a Teoria Pura do Direito
na qual o objeto do estudo da ciência do direito é a norma. “Nessas linhas, tem-se como
o centroo dever ser” e não “ser”, pois se a norma impõe determinada conduta, o
indivíduo deveria em concordância a ela proceder.
66
Norberto Bobbio entende que o jusnaturalismo seria mais uma ideologia do que
Direito e por isso não teria, de fato, atingido seu ápice. No clássico livro intitulado A
Era dos Direitos, o autor faz um estudo elucidativo para compor esta investigação em
que os Direitos Humanos são classificados em ts gerações.
67
Os direitos fundamentais de Primeira Gerão são baseados nas doutrinas
iluministas e jusnaturalistas dos culos XVII e XVIII. São os direitos civis e políticos
representando o direito à vida, à liberdade, à liberdade de expressão, à liberdade de
participão política, à propriedade, à igualdade perante a Lei e ainda algumas garantias
processuais. São direitos relacionados com o próprio indivíduo e que objetivam limitar a
ação do Estado. Nesse sentido, são parte da luta burguesa anti-absolutista que, nesse
momento, entendia a interferência do Estado como negativa. Podem ser classificados
como Direitos Civis e Políticos, também chamados de Direitos de Liberdade,
representativos da fase inaugural do constitucionalismo do Ocidente.
Já os Direitos Humanos de Segunda Geração surgem no final do século XIX e
têm como base os direitos trabalhistas embasados na teoria marxista. Indicam que o
Estado deve agir positivamente para favorecer as liberdades, antes vistas apenas como
formais. Têm por objetivo conduzir os indivíduos desprovidos de mobilidade social à
igualdade material, por meio da intervenção estatal, por isso os Direitos Humanos de
Segunda Geração são chamados de Direitos Sociais.
65
Cf. Santos, V. F. Direitos Fundamentais e Direitos Humanos. Op.cit. p.5.
66
Ibidem,p.5.
67
Cf. Bobbio, N. A Era dos Direitos. Rio de Janeiro: Editora Campus,1992,pp 31-32.
Os Direitos Humanos de Terceira Geração são também denominados de direitos
de solidariedade e fraternidade. Foram desenvolvidos no século XX, compondo os
Direitos que pertencem a todos os indivíduos, constituindo um interesse difuso e
comum, transcendendo a titularidade do indivíduo para a titularidade coletiva, ou seja,
tendem a proteger os grupos humanos. São também denominados Direitos
Transindividuais. Pode-se referir o direito à paz, à autodeterminação dos povos, ao meio
ambiente, qualidade de vida, à utilização e conservação do patrimônio histórico cultural
e o direito à comunicão. Em tal contexto, a maior parte dos direitos que englobam
esta classificaçãoo encontra respaldo constitucional, sendo consagrados com mais
intensidade no âmbito internacional, principalmente no que diz respeito à paz e ao
desenvolvimento e progresso social. Estariam, pois, estes direitos na base das poticas e
das ações afirmativas. No entanto, são também estes direitos a base de um paradoxo a
ser observado neste estudo, posto que a responsabilidade das ações humanas e a gama de
conseqüências que delas advém, tem se deslocado, cada vez de forma mais intensa e
mais expcita, da esfera do Estado e do coletivo organizado para o plano individual.
Ainda como recurso heurístico, Santos esclarece, porém, que há outros
doutrinadores que entendem essa classificação até a quarta ou quinta geração, ainda que
apenas como pretenes de direitos e não enquanto direito instituído.
68
Em sua análise, a
autora parte de Paulo Bonavides que define como direitos de quarta geração aqueles que
surgiram na última década, devido ao grau avançado de desenvolvimento tecnológico da
humanidade. Seriam os direitos ligados as pesquisas genéticas, surgidos da necessidade
de se impor mecanismos de controle à manipulação do genótipo dos seres, em especial o
do ser humano. Tamm no bojo dessa geração estão os direitos à democracia, ao
68
Cf. Santos, Vanessa Flain. Direitos Fundamentais e Direitos Humanos. Op.cit.,p.13.
pluralismo e à informação. Já nos Direitos da Quinta Gerão estão os direitos que
surgem com o avanço da Cibernética.
69
A autora ressalta, também, a importante diferencião feita entre os magistrados e
filósofos do direito, entre os chamados Direitos Humanos e os Direitos Fundamentais.
São, todavia, diferentes definições e interpretações embora todas venham a convergir
para um patamar médio de entendimento. A autora traz de Morais, por exemplo, a
definição dos Direitos Humanos como referencial ético dos homens. Já os Direitos
Fundamentais são direitos absolutos e imutáveis, visando tutelar, como os direitos
humanos, a liberdade, a vida e a dignidade da pessoa humana. Cita, também, outras
definições que, em ntese, definem os direitos do homem como direitos naturais ainda
não positivados e direitos humanos como direitos positivados na esfera do direito
internacional.
70
Bobbio, por sua vez, numa análise que coaduna com a perspectiva de estudo aqui
proposta, define os Direitos Humanos como direitos históricos, que nascem de modo
gradativo em virtude de determinadas situões. O autor defende a distinção entre
direitos unicamente naturais, que equivaleriam aos direitos humanos e os direitos
positivados, que equivalem aos direitos fundamentais.
71
Assim, foi neste contexto e processo que se firmou a origem filosófica e política
da noção das ações afirmativas, marcada, de forma inequívoca, pelo surgimento do
nascente liberalismo burguês do século XVII.
Todavia, como já citado aqui, ingleses e franceses gostam de remontar as origens
das luta pela liberdade, respectivamente à Magma Carta de 1215 e às petições feitas
pelos Estados Gerais, reunidos em Paris, de 1355 e 1484, que tinham como tema
principal a defesa da liberdade.
69
Cf. Santos, Vanessa Flain. Direitos Fundamentais e Direitos Humanos. Op.cit.,p.14.
70
Ibidem, p.15.
71
Cf. Bobbio, N. A Era do Direito, op.cit., p.5
Sob o ponto de vista da modernidade constitucional, dois marcos ingleses: a
Petition of Rights de 1628, que reclamava, entre outras coisas, dos impostos e prisões
ilegais e a carta Bill of Right, de 1689, que visava limitar o poder dos monarcas, bem
como impedir que, a partir dali, o Parlamento fosse fechado a qualquer pretexto. Ambas
vieram a influenciar de maneira expressiva o processo de luta pela liberdade vivenciada
tanto por ingleses quanto franceses, chegando também na América colonial.
Um exemplo disto está na Convenção de Virgínia, em 20 de junho de 1776,
considerada como a primeira declaração de Direitos em um sentido moderno. A
Declaração irá influenciar e ter seus ideais aprimorados na Declaração da
Independência, símbolo da luta dos colonos ingleses pela liberdade, redigida por Tomas
Jefferson, na Revolução Americana e também pela famosa Declaração dos Direitos do
Homem e do Cidadão, aprovadas pela Assembléia Nacional Francesa em agosto de
1789, emblema da Revolução Francesa e dos ideais iluministas basilares: liberté,
égualité, fraternité. Ambas foram redigidas no bojo dessa influência.
Paralelamente, os norte-americanos, influenciados pela carta francesa, ao
constatar que a Declarão de Independência, de 1787, não apresentava uma Declaração
de Direitos, redigiram as chamadas primeiras dez emendas de 1791. Também conhecidas
como Bill of Rigths, as emendas visavam garantir ao homem comum americano,
fundamentalmente, liberdade de imprensa, de religião, o beas corpus e o julgamento
pelo júri.
72
Mas será a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão que irá marcar o
imaginário popular moderno e se constituir na real fonte inspiradora da atual política dos
72
Os historiadores franceses preferem, no entanto, minimizar a influência americana ou anglo-saxã na
redação da sua famosa Declaração. Atribuem a ela preocupações "universais", querendo alcançar o
mundo por inteiro, acusando as outras, as inglesas e as americanas, de serem mais limitadas, pontuais e
exclusivistas, um queixume contra um rei insensível. Os americanos, por sua vez, asseguram que as suas
são mais "práticas" enquanto a francesa se revela excessivamente "abstrata", carregada de princípios
metafísicos difíceis de serem aplicados.
http://www.un.org Último acesso, 15 de outubro de 2005.
Direitos Humanos, matriz do direito constitucional moderno. Praticamente todas as
cartas contemponeas fazem referência, direta ou indiretamente à carta. Mesmo nin,
apesar de acusar a carta de classista e elitista, inspirou-se nela para redigir a Declaração
dos Direitos do Povo trabalhador e explorado em 1918, documento com apenas quatro
artigos e que viria a ser preâmbulo da primeira Carta Constitucional Soviética de 1918.
73
A carta americana de 1948, conhecida como a Declaração Universal dos Direitos
Humanos, proclamada pela ONU
74
(Organização Geral das Nações Unidas), organização
oficialmente fundada no pós-guerra, em outubro de 1945, também é, nesse processo, um
marco referencial no processo institucional de reconhecimento dos direitos humanos
básicos. Este documento foi o pioneiro em estabelecer internacionalmente uma pauta de
direitos humanos e de liberdades fundamentais. Embora não tenha obrigatoriedade legal,
serviu como referência para os dois tratados sobre direitos humanos da ONU, de força
legal o Tratado Internacional de Direitos Civis e Políticos, de 1966 e o Tratado
Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, de 1976. Neste processo,
também se destacam a Carta Social Européia de 1961, a Convenção Americana dos
Direitos do Homem e dos Povos, de 1981, a Confencia Mundial de Direitos Humanos
de Viena, de 1991.
Observa-se que, a partir daí, será cada vez mais destacado pela ONU o caráter da
chamada internacionalização e universalizão dos Direitos Humanos. Vale destacar,
ainda, que estes tratados e convenções regionais, que convivem tanto com um sistema
europeu de proteção aos Direitos Humanos, cujo marco está na Convenção Européia de
73
É bom lembrar que os franceses redigiram e aprovaram duas outras declarações: uma em 1793 e outra
em 1795. Se a primeira mostrava a arrogância do burguês, sequioso de liberdade e desprezando o Estado
(daí vedar-lhe o direito de prender sem processo formal e dividi-lo em três outros poderes), separando os
direitos, em humanos (igual para todos) e do cidadão (apagio de alguns), a de 1793 é considerada
como aquela que se preocupou com os aspectos sociais. Fruto da ingerência jacobina, foi ampliada para
35 artigos, sendo o último uma peça subversiva de primeira grandeza, porque praticamente induz os
cidaos à rebelião contra o governo. "A insurreição é para o povo", diz o artigo, "o mais sagrado dos
direitos e o mais indispensável dos deveres".
http://www.un.org Último acesso, 15 de outubro de 2005.
74
Ibidem.
Direitos Humanos, de 1950, como também, no chamado Sistema Interamericano de
proteção aos Direitos Humanos tendo a Carta da Organização dos Estados Americanos
(OEA) e a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, de 1969, como ícones desses
movimentos.
No que tange especificamente às ações afirmativas, é comum associar sua origem
aos Estados Unidos, mais precisamente aos anos que se seguiram ao pós-guerra, tendo
ganhado relevância e efetividade nas décadas de 50/60 doculo XX, sobretudo no
governo de John Kennedy.
Numa breve síntese do processo de implantação das políticas afirmativas nos
Estados Unidos, em estudo realizado no Laboratório de Políticas Públicas da UERJ,
Allen ressalta que:
Ainda que as poticas de ação afirmativa tenham suas rzes na longa e
complicada história das relações raciais nos Estados Unidos, a
introdução de políticas de ação afirmativa naquele país aconteceu no
ano de 1961. Neste ano, o presidente John F. Kennedy criou o comi de
Equidade na Oportunidade de Emprego (Committee on Equal
Employment Opportunity)
75
.
Todavia o caráter dessas políticas não se restringe aos pses ocidentais. Na
Índia, desde 1948, introduziu-se um sistema de cotas para os conhecidos como dalits
76
75
Cf. Allen, D. G. Breve História da Ação Afirmativa nos Estados Unidos.IN: Revista Advir, nº
19.Revista da Associação dos docentes da Universidade Estadual do Rio de Janeiro. ASDUERJ.Set,2005
p. 81.
76
A Índia é o segundo país mais povoado da terra, com mais de 1 bilo de habitantes. Todavia, há mais
de 4 mil anos adota um sistema de castas, baseado na majoritária religião hinduísta ou bramânica, que
paradoxalmente é sumariamente arraigada e conta com a adesão de 75% da população. Outros 12% o
de religião muçulmana, 8% cristãos e os 10% restantes dividi-se entre budistas, jains, sikhs e
coroastrianos. De acordo com o brahmanismo, a sociedade indiana divide-se em três grupos. O primeiro
grupo é o das quatro castas: brahmins ( elite religiosa e proprietários de terras), ksatriyas ( militares
e guerreiros),vaisyas ( comerciantes) esudras (trabalhadores). O segundo grupo es integrado
pelos dalits- intocáveis”, parias” ou sem-casta considerados por alguns como uma sub-casta dos
sudras, porém, na realidade, eso fora do sistema de castas. Historicamente têm sido trados quase
como infra-humanos, com relão aos quais os membros das quatro castas mencionadas evitam contato.
O nome intocável provém do fato de que simplesmente tocar em um dalit, mesmo que por descuido,
requer um banho formal ou uma cerimônia religiosa para descontaminar-se. Seu mero é estimado em
200 miles, 20% da população. O terceiro grupo engloba os advasis- povos indígenas descendentes
de tribos que habitam a floresta da Índia desde tempos imemoriais considerados pelo brahmanismo
como um grupo à margem da sociedade, com 100 milhões de membros, 10% da população da Índia. Em
sânscrito, casta significa varna, ou cor da pele. Crê-se que esta divisão começou 4.500 anos, com a
invasão dos ários, uma mescla de europeus com índios, presumivelmente chegados do sul da Rússia, que
ou intoveis, como forma de promover-lhes o acesso a cargos públicos e ao ensino
superior.
77
Nesse sentido, o caráter dessas proposições e ações tem início com a marca
da promoção diferenciada e busca de reparação aos excluídos e/ou discriminados.
No curso do processo ocidental, o marco da promulgação da Lei dos Direitos
Civis da América do Norte ( Civil Right Act)
78
, em 1964, que objetivava compensar as
seelas deixadas pela história de segregação vivida pelos afro-americanos, veio
corroborar a ação dos movimentos sociais organizados, sobretudo do movimento negro,
na luta contra a discriminão avassaladora de então. Foi a partir dessa lei que as
chamadas políticas de promoção ou promocionais começaram, de fato, a ganhar impulso
dando início a programas e poticas denominadas, nos Estados Unidos, de affirmative
action ou equal oportunity policies, na Europa de positive discrimination e, mais
recentemente, em pses de ngua portuguesa, as referidas políticas ficaram conhecidas
por políticas de discriminão positiva, políticas compensatórias, sendo mais difundida a
terminologia de poticas de ação afirmativa.
Tendo como base as políticas de cor, como exemplo de políticas afirmativas
focalistas, incidindo diretamente nas questões que afetam as especificidades de
determinados grupos sociais, Silva resume:
As políticas de ação afirmativa são, antes de tudo, políticas sociais
compensatórias. Quando designamos políticas sociais queremos dizer
intervenções do Estado que garantem, ou que dão subsncia, aos
por esta rao eram de pele mais clara e que em pouco tempo dominaram boa parte do território que hoje
abarca a Índia, Paquistão e Bangladesh. A nova Constituição Indiana extinguiu oficialmente a existência
de castas, em benefício dos dalits”. Entretanto, o problema continua na prática, constituindo uma
enorme bomba-relógio social que as esquerdas buscam manipular a todo custo, para poder fazê-las
detonar. Um dos principais obstáculos que encontram é a adesão de boa parte dos pprios dalits à
religião brahmânica ou hinduísta que lhes inculca resignação ante seu miserável estado, conseqüência de
pecados cometidos em supostas vidas anteriores. Seus sofrimentos atuais seriam os requisitos para
alcaar uma condição superior em uma nova reencarnão.http://www.midiasemmascara.org. Edição 4º
Fórum Social Mundial: o porquê da Índia 05 de fevereiro de 2005.Último acesso, 23 de mao de 2005.
77
Recentemente, em maio de 2006, milhares de pessoas foram às ruas na capital indiana, em greve, para
protestar contra a decisão do governo em aumentar o percentual concedido à política de cotas vigente no
país para as castas mais baixas de 22,5% para 49,5%. Líderes do movimento afirmam que após cadas
de convivência no ps com o sistema de cotas, mitos consideram que a mesma são um crime legalizado
pelo governo. Globo News. Tele-jornal Em cima da Hora.20-05-2006.
direitos sociais. Já políticas compensatórias, por sua vez, abrangem
programas que remedeiam problemas gerados em larga medida por
ineficientes políticas preventivas anteriores ou por poticas
contemporâneas que o prima face socialmente não dependentes(...).
Portanto, as políticas de ação afirmativa, apresentam-se como
importante mecanismo ético-pedagógico dos diferentes grupos sociais
para o respeito às diversidades, sejam raciais, étnicas, culturais, de
classe, de nero ou de orientação sexual, etc. Essa percepção do direito
à diferea, leva em conta que a realidade das políticas denominadas
universalistas ou no caso das políticas raciais cegas em relão à
cor”- não atendem às especificidades dos grupos ou indiduos
vulneveis, permitindo a perpertuão da desigualdade de direitos e de
oportunidades. Disso emerge a idéia de adoção de políticas
compensatórias focalistas ( ou particularistas) que, atendendo ao direito
à diferea, percebem os grupos os indivíduos como sujeitos concretos,
historicamente situados, que possuem cor, ra, etnia, deficiências,
transtornos emocionais, orientação sexual, origem e religo diversas. É
a superação da idéia filosófica Moderna, que encarava o ser humano
como uma unidade homonea, pela idéia pós-moderna dos seres
humanos possuindo as especificidades relatadas
79
.
A conhecida frase de Boaventura de Souza Santos é emblemática desta
concepção. Temos o direito de ser iguais sempre que as diferenças nos inferiorizem;
temos o direito de ser diferentes sempre que a igualdade nos descaracterize
80
ou nos
dizeres do atual Ministro da Cultura, o músico Gilberto Gil, defendendo as cotas para
negros onde há desigualdade é preciso tratamentos desiguais.
81
Citando Cashmore, o autor amplia sua análise conceitual:
as ações afirmativas o medidas temporárias e especiais, tomadas ou
determinadas pelo Estado, de forma compulsória ou espontânea, com o
propósito espefico de eliminar as desigualdades que foram
acumuladas no decorrer da hisria da sociedade. Estas medidas têm
como principais beneficiários os membros dos grupos que enfrentaram
preconceitos.
82
Já o Ministro do Supremo Tribunal Federal, Joaquim Barbosa Gomes, também
citado no estudo, define as ações afirmativas como:
um conjunto de políticas públicas e privadas de caráter compulsório,
facultativo ou voluntário, concebidas com vistas ao combate à
79
Cf. Silva, L.F. Estudo sociojuridico relativo à implementação de políticas de ação afirmativa e seus
mecanismos para negros no Brasil: aspectos legislativo, doutrinário, jurisprudencial e comparado. IN:
http://www.ines.gov.br .Último acesso 10 de julho de 2004, p. 12.
80
Cf. Souza Santos, B. Pela mão de Alice.O social e o político na pós-modernidade. São Paulo:Cortez.
4ª ed. 1997, p.89.
81
Gilberto Gil. Jornal O Globo. Cotas para o Ja. Editoria. O País. 22-07-2005
82
Cf. Cashmore, E. et alli. Dicionário das relões étnicas e raciais. São Paulo: Summus, 2000, p.31.
discriminação racial, de gênero e de origem nacional, bem como para
corrigir os efeitos presentes da discriminação praticada no passado,
tendo por objetivo a concretização do ideal de efetiva igualdade de
acesso a bens fundamentais como a educação e o emprego.
83
Independentemente de definições acadêmicas, no caso brasileiro há quem
interprete que a primeira potica de cotas no Brasil se deu com a Lei da Nacionalização
do Trabalho, em 1931. O professor paulista Hélio Silva Jr. defende esta interpretão e
agrega algumas questões importantes ao debate.
No início do governo Gelio, em 1931, o Brasil aprovava a primeira lei
de cotas de que se tem notícia nas Aricas: a Lei da Nacionalizão
do Trabalho, ainda hoje presente na CLT, que determina que dois teos
dos trabalhadores das empresas sejam nacionais. Com o surgimento da
Justiça do Trabalho, naquele período, o Direito do Trabalho inaugurava
uma modalidade de ação afirmativa que até hoje considera o empregado
um hiposuficiente, favorecendo-o na defesa judicial dos seus direitos.
Em 1968, o Congresso instituía cotas nas universidades, por meio da
chamada Lei do Boi, que prescrevia: Os estabelecimentos de ensino
dio agrícola e as escolas superiores de Agricultura e Veterinária,
mantidos pela Uno, reservarão, anualmente, de preferência, de 50% de
suas vagas a candidatos agricultores ou filhos destes, proprietários ou
não de terras, que residam com suas famílias na zona rural e 30% a
agricultores ou filhos destes, proprietários ou o de terras, que residam
em cidades ou vilas que o possuam estabelecimentos de ensino
dio.”Note-se que desde 1970 o Brasil é signatário de acordos de
cooperão científico-tecnológica com países africanos, de modo que
jovens são selecionados nos seus países de origem e ingressam nas
melhores universidades brasileiras sem passarem pelo discutível crivo
do vestibular. Já na vigência da Constituição de 1988, o país adotou
cotas para portadores de deficiência no setor blico e privado, cotas
para mulheres nas candidaturas partidárias e instituiu uma modalidade
de ação afirmativa em favor do consumidor: dada a presunção de que
fornecedores e consumidores ocupam posições materialmente desiguais,
estes últimos são beneficiados com a inversão do ônus da prova.Um
outro dado histórico: em 1950 o vereador Cid Franco e o deputado
Jonas Correia denunciavam na Câmara de o Paulo e na Câmara dos
Deputados que instituições particulares de ensino, entre outras
beneficiárias de recursos públicos, exclam abertamente crianças
negras. Isto é, há pouco mais de 50 anos a decantada democracia racial
ainda se esmerava em dificultar o ingresso de negros no sistema de
ensino.
84
Ou seja, tanto os mecanismos de discriminação, quanto os mecanismo de reserva
de vagas estavam postos à sociedade brasileira ainda em meados do século XX,
83
Cf. Gomes, J.B. Instrumentos e métodos de mitigação da desigualdade em direito constitucional e
internacional. Rio de Janeiro, 2000. Disponível em http://www.mre.gov.br. Último acesso em
05/10/2005.
84
Hélio Silva JR. Professor. Jornal O Globo. Editoria: O País, 23-05-2004.
possuindo, no entanto, uma outra historicidade, representando um outro domínio nas
correlações de forças que predominavam no peodo.
Como se pode observar, a princípio, tais ações teriam como objetivo conduzir um
processo de diminuição das desigualdades sociais e culturais, sobretudo àquelas
identificadas com as dificuldades de acesso aos bens culturais universais, entre eles o
acesso à educão e ao trabalho.
Por outro lado, pesquisadores com Thomas Sowell, que elaborou um estudo
detalhado sobre o impacto da adoção da política de cotas nos EUA, contradizem as
expectativas e os argumentos daqueles que defendem as cotas como estratégia de
mobilidade social de grupos minoritários e/ou excldos. O livro, apenas parte de muitos
de seus estudos sobre o tema, tem o título - Ação Afirmativa ao Redor do Mundo: um
Estudo Emrico
85
.
Sowell é pesquisador sênior de Políticas Públicas da Hoover Institution, centro
filiado à Stanford University e escreve para a Revista Forbes sendo que sua coluna é
publicada simultaneamente em 150 jornais de todo o mundo. Além do mais, pertence a
uma das minorias que estuda: trata-se de um pesquisador negro e que declara que
chegou onde chegou, na disputada sociedade americana, sem as condições oferecidas
atualmente pela potica de cotas.
Vários artigos, reportagens e cartas selecionadas nesse estudo fizeram referência
a este livro. Destaca-se, no entanto, um editorial do jornalista Ali Kamel
86
, do jornal O
Globo, de 29 de maio de 2004, intitulado Cotas, um erro já testado e o artigo da
antropóloga e professora da Universidade de São Paulo, Lilia Schwarcz, publicado
85
Cf. Sowell,T. Affirmative Actions around the world: an empirical study. New Haven and London: Yale
University Press. 2004.
86
Vale a observação que o jornalista Ali Kamel é referencia constante neste trabalho na medida em que
ele é o Editor chefe do Jornal O Globo e tem tido papel fundamental ao colocar em questão a política de
cotas. É importante ressaltar, também, que a longa transcrição das falas selecionadas dos principais
veículos de comunicação, sobretudo na parte de alise empírica dos discursos, fez-se necessária de
modo a garantir a integridade do pensamento de cada autor/leitor, e não meramente recortes,
ideologicamente marcados.
exatamente um ano depois, no Jornal Estado de São Paulo, na ocasião do lançamento da
tradução do livro no Brasil, em 29 de maio de 2005, intitulado Muito além das cotas. O
primeiro, do jornalista chefe da editoria do Jornal O Globo, que tem declarado de forma
expcita seus descontentamentos com a política de cotas e o segundo, da antropóloga
que tem se apresentado ao debate de forma problematizadora.
Enfatizando os aspectos contraditórios que a adoção de políticas raciais pode
trazer para um país como o Brasil, Kamel escreve:
No momento em que o Brasil está prestes a adotar cotas raciais,
rompendo sua tradição legal de tratar os brasileiros sem distinção de
ra ou cor, um livro laado em março nos EUA é leitura obrigatória:
Ação Afirmativa ao redor do mundo, um estudo empírico”. (...) O livro
é uma pesquisa sobre o efeito das ações afirmativas e da adoção de
cotas na Índia, Malásia, Sri Lanka, Niria, Estados Unidos e outros
países. As conclusões, calcadas em fatos e números, são demolidoras.
(...) quando as cotas surgiram, na Índia, seus defensores diziam que elas
durariam dez anos. Isso foi em 1949, e até hoje elas estão em vigor,
ampliadas. O mesmo aconteceu por toda a parte. O motivo é simples:
depois de conceder, que político se dispõe a retirar um benefício e
correr o risco de perder a eleição?(...) Sowell prova também que tais
políticas não beneficiam seus destinatários iniciais, mas apenas os mais
afortunados do grupo. ( ...) A grande tradia que as poticas de
preferências e de cotas acarretam é o ódio racial. O sentimento de que o
rito o importa esgarça o tecido social. A grande tradia que as
políticas de preferências e de cotas acarretam é o ódio racial. Na Índia,
os registros de atrocidades contra os intocáveis eram de 13 mil nos anos
80; pularam para mais de 20 mil nos anos 90 (o mero de mortos era
quatro vezes maior nos 90 do que nos 80); Na Niria, a adoção de
políticas de preferência racial levou a uma guerra civil, provocando o
cisma que criou Biafra (mais tarde reincorporada), sinônimo de fome e
miséria. Sri Lanka, quando da indepenncia, era uma não em que
duas etnias, com língua e religião diferentes, conviviam
harmoniosamente. Com a adão de políticas de preferência racial, o
que se viu foi uma das mais sangrentas guerras civis. Nos EUA, o
número de conflitos raciais foi crescente a partir da cada de 70, ano
de adoção das cotas.
87
E o jornalista finaliza:
Errar, por ter boas intenções, é uma coisa. Errar, ignorando toda e
experncia internacional sobre o assunto, é caminhar conscientemente
para o desastre. Os negros brasileiros o precisam de favor. Precisam
apenas de ter acesso a um ensino sico de qualidade, que lhes permita
disputar de igual para igual com gente de toda a cor.
88
87
Ali Kamel. Jornal O Globo. Cotas, um erro já testado. Editoria: Opino. 22-05-2004.
88
Ibidem.
Já a antropóloga Lilia Schwarcz faz uma análise menos apaixonada da questão e
classifica o autor do estudo como um pensador conservador e influente e destaca:
Na opinião do autor, as políticas afirmativas teriam levado à
desigualdade, e não à igualdade que dizem promover. Sowell chama as
políticas afirmativas de “mitologias políticas”, assim como as denuncia
enquanto um conjunto de suposições, crenças e arrazoados”, sem
suporte empírico a sustentar sua rentabilidade. Para se contrapor a tal
experncia, lança mão dos exemplos de pses como Estados Unidos,
Índia, Niria, Sri Lanka e Malásia, a fim de demonstrar que, nessas
nações, tais políticas teriam favorecido um grupo delimitado (nem
sempre minoritário ou excluído) em detrimento de outros, ou provocado
conflitos e guerras. Na Índia, nação que teria aplicado poticas de ação
afirmativa desde os tempos coloniais ingleses, o processo propiciou a
asceno dos grupos prósperos das castas da lista e não privilegiou os
mais pobres, como os intocáveis”. Na Malásia, teria favorecido uma
maioria, contra uma minoria dinâmica, como os chineses, emigrados
mais recentes. No Sri Lanka, a conseência seria a radicalizão entre
cingaleses e tâmeis e a própria guerra civil. O conflito civil da Niria
também teria sido motivado pela tentativa de retirar de uma etnia, os
haás, os direitos entregues a outra: os iorubas. Por fim, nos Estados
Unidos, depois de um ziguezague de decisões judiciais, a tendência
teria gerado uma política de cotas e preferências temporárias, cuja
decorncia, segundo Sowell, foi acirrar ódios raciais e deixar os
miliorios negros ainda mais miliorios”. Como se vê, na opinião de
Sowell as políticas afirmativas não implicariam nem ao menos em um
processo de soma zero. Ao contrário, teriam gerado polarizações,
radicalismos, classificações arbitrárias, vagas não preenchidas em
universidades e no mercado, queda de nível educacional e profissional e
uma certa discriminão negativa contra brancos.
89
Todavia, a antropóloga ressalta:
Mas o se iludam os leitores mais apressados. Antes de ser o último
refúgio da cientificidade norte-americana, esse é um livro que guarda
um argumento e o inflaciona. Se é fato que tais políticas são
controversas, também é fato que Sowell carrega nas tintas. Para ele, no
limite, qualquer conflito seria o resultado (imediato, previsível ou
potencial) desse tipo de política. Se a igualdade jurídica é um ganho da
modernidade, e políticas compensatórias carregam o perigo de
descompensar, também é verdade que exclues hisricas (e o
biológicas) merecem ateão. Como dizia no início deste artigo, ainda
engatinhamos nessa questão que parece, entre nós, aquartelar-se no
debate de cotas para a universidade. É certo que as poticas nacionais
têm se mostrado meio apressadas, quando o desastrosas, mas isso o
apaga a relevância do tema e a urncia da reflexão. O problema está
justamente nas formas de enfrentamento e encontra-se dividido entre
sdas mais universalistas voltadas para a melhoria do ensino médio e
básico ou mais focadas que têm apostado todas as suas fichas nas
cotas, que representam, diga-se de passagem, apenas uma pequena parte
89
Lilia Schwarcz. Jornal O Globo. Muito am das cotas.Editoria: Opino.22-05-2005.
de uma agenda vasta e complexa. O esforço comparativo desse livro é
inegável e merece ateão. No entanto, diante da opinião implacável de
Sowell, não há como esquecer do desabafo de Lima Barreto, que nos
tempos da Velha República, em seu Drio Íntimo, resumiu como
ninguém a gica perversa da discriminação. A capacidade mental dos
negros”, dizia ele, “é discutida a priori e a dos brancos a posteriori.
90
O referido artigo traz, ainda, uma boa síntese histórica do processo de adoção das
políticas afirmativas. Neste curso, no caso brasileiro, destaca-se como elemento
desencadeador do debate, a década de 70, mais precisamente o ano de 1978 em que
fundava-se o Movimento Negro Unificado. Agregando a discussão desencadeada pelo
movimento de direitos humanos, anteriormente identificados no Brasil apenas na luta
contra a ditadura e a violão dos direitos políticos e civis, o movimento Negro colocou
em pauta a questão racial na sociedade brasileira, sempre muito protegida pelo mito da
democracia racial.
91
A década de 80 foi marcada como aquela em que se desenvolveram centros e leis,
como a criação da Fundação Palmares e a Lei Caó. Todavia, ainda que esse movimento
representasse certo avanço na pauta de reivindicões do movimento negro, será apenas
na década de 90
92
, no então governo de Fernando Henrique Cardoso, que o tema volta
com força ao cenário político, impulsionado pela também intensificação do debate
90
Lilia Schwarcz. Jornal O Globo. Muito am das cotas. Op.cit.
91
Cf. Silva, L. F. M. ressalta que “antes da interveão qualificada do Movimento Negro, o movimento
nacional por direitos humanos o reconhecia que os negros eram as maiores vítimas das violões dos
direitos humanos, em face da persistente discriminação e sua subseqüente posão na estrutura
ecomico-social. IN: Estudo sociojurídico relativo à implementação de políticas de ação afirmativa e
seus mecanismos para negros no Brasil: aspectos legislativo, doutririo, jurisprudencial e comparado.
(mimeo)
92
Aqui cabe uma importante ressalva. Vários outros movimentos compensatórios ou de reservas de vagas
já estavam em curso na sociedade brasileira, sem, no entanto, ser alvo de tanta visibilidade como a
política de cotas para negros nas universidades. Um exemplo é a Lei de Reservas de Vagas, de 1991, que
estabelece que empresas com até 200 empregados deva preencher 2 % de suas vagas com deficientes
físicos, de 201 a 500, 3%; de 501 a 1000, 4% e a partir de 1.000, 5%.( Jornal O Globo, Os Deficientes,
novembro de 2000, Caderno Economia, p.28.) Os dados do último censo do IBGE dizem que apenas 180
mil deficientes trabalham num universo de 16 milhões. ( Jornal O Globo, Trabalho Eficiente.
Editoria:Segundo Caderno, março de 2001, p.15). Todavia, na prática, essa reserva, na maioria das vezes,
salvo os deficientes que ingressam na carreira pública, municipal, estadual ou federal por concurso, está
atrelada a convênios entre empresas e instituições filantrópicas ou mesmo órgãos governamentais. O que
esses connios acabam por firmar são acordos nos quais os deficientes são admitidos com salário
extremamente inferiores aos demais trabalhadores, sendo ainda descontado uma taxa” administrativa
para a manutenção da instituição filantrópica conveniada.
internacional, promovido, sobretudo, pelos organismos internacionais já citados aqui,
como a ONU e a UNESCO.
Foi no curso desse processo que em 20 de novembro de 1995, por ocasião do
centenário de Zumbi dos Palmares, que se institui o Grupo de Trabalho Interministerial
para a valorização da População Negra. Em seguida, em 1996, o Ministério da Justiça
promoveu o Seminário Multiculturalismo e Racismo: o papel da Ação Afirmativa
nos estados Democticos contemponeos. A intenção do Seminário foi a de recolher
subsídios para a elaborão e implantação de políticas blicas para a população negra.
93
Vale observar que a pauta do Seminário procurou partir exatamente do
reconhecimento da existência do preconceito no Brasil e seria chancelada pelo então
presidente da República Fernando Henrique Cardoso (FHC) cujo doutoramento versou
sobre as relações entre o capitalismo e a escravidão no sul do Brasil.
No entanto, na ocasião, chamado a posicionar-se, FHC, tanto em seu discurso
como nas políticas que adviriam de seu governo, acabou por marcar, apenas, a
valorização da miscigenação da sociedade brasileira. O fato é que mesmo criando em
1996 o Programa Nacional de Direitos Humanos ( PNDH), no qual estavam já previstas
políticas de cunho compensatório, até o fim de seu governo em 2001, pouca coisa de
fato havia sido feita.
93
Cf. Henriques, R. destaca que o último censo do IBGE constatou que pretos e pardos constituem quase
a metade de nossa população, somando um total de cerca de 45% dos brasileiros. Estudos indicam que
esse total perfaz algo em torno de 76 miles de pessoas, ou seja, a maior população negra do mundo, só
perdendo para a Nigéria, o maior país africano. Henriques (2003) ressalta que dentre esse total, (...) a
população negra e parda correspondem cerca de 65% da população pobre e 70% da população em
extrema pobreza. Os brancos, por sua vez, o 54% da população total mas somente 35% dos pobres e
30% dos extremamente pobres. Os diversos indicadores de renda e riqueza confirmam que nascer negro
no Brasil implica maior probabilidade de crescer pobre. Ressalta ainda “(...) que a escolaridade de um
jovem médio com 25 anos de idade gira em torno de 6,1 anos de estudo, um jovem branco da mesma
idade tem cerca de 8,4 anos de estudo. O diferencial é de 2,3 anos. O mesmo autor revela, ainda, que
(...) apesar da escolaridade de brancos e negros crescer de forma contínua no século XX, 2,3 anos de
estudo é a diferença observada na escolaridade dia dos pais desses jovens. Silêncio o canto da
desigualdade racial. IN: Organização Ashoka empreendimentos sociais e Takano Cidadania. Racismos
Contemporâneos. Rio de Janeiro: Takano Ed.,2003, pp.14-15.
A marca da guinada do processo no Brasil teve, mais uma vez, a forte influência
dos movimentos internacionais. Em setembro de 2001, foi realizada em Durban, na
África do Sul, a Conferência Mundial Contra o Racismo, Discriminação Racial,
Xenofobia e Formas Correlatas de Intolerância
94
, sob os auspícios, mais uma vez, da
ONU. O documento final da Conferência, é claro, recomenda a implantação de poticas
de ação afirmativa, principalmente, nos pses signatários da conferência. O Brasil
comprometeu-se, na ocasião, oficialmente, a adotar medidas contra o racismo, o
preconceito e a falta de oportunidades para os afro-descendentes.
Como conseqüência direta da participação brasileira nesse processo, pode-se
identificar o desencadeamento de ações ministeriais destinadas à implantação de cotas,
como por exemplo, o Ministério da Justiça, do Desenvolvimento Agrário e das Relações
Exteriores que passaram a destinar vagas por cotas para negros.
Da mesma forma, e no mesmo ano, a Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro
destinava 40% das vagas das universidades estaduais para negros e pardos, dando início
à polêmica judica e política que se seguiu desde então.
95
O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva vem implantando, de forma
mais efetiva, as chamadas políticas afirmativas. Todavia, o discurso acerca dessa
implantação soa um tanto piegas e mesmo, ofusca o que a política poderia ter de
favovel: Faz parte da tradição socialista reverter as desigualdades de conhecimento
94
A Declaração de Durban considerou a escravidão e o tfico de escravos como crimes contra a
humanidade e ainda reconheceu que os africanos e afro-descendentes foram e continuam sendo timas
desses crimes . Todavia, e sem desmerecer o mérito das queses levantadas, estudos mais detalhados
acerca da escravidão, demonstraram que no interior da complexa sociedade africana, sobretudo no
período da expansão colonialista, os africanos de hierarquias étnicas diferenciadas, vivenciaram, entre si,
processos de dominação e escravização, criando castas poderosas. Por outro lado, na própria sociedade
brasileira, existem inúmeros relatos hisricos que comprovam a existência da escravio entre os
próprios escravos alforriados. Esses estudos o importantes posto que desnaturalizam e problematizam a
eterna vitimizão dos afro-descendentes e ampliam a gama de responsabilidades e conseqüências
advindas desse processo histórico.
95
Segundo o autor, o auge das divergências deu-se em meados de 2003, quando foram ajuizados mais de
200 mandados de segurança individual, três representões de inconstitucionalidade perante o Tribunal
de Justiça do Estado do Rio de Janeiro e uma ação direta de inconstitucionalidade perante o Supremo
Federal, contra as leis estaduais editadas pelo Estado do Rio de Janeiro.
geral que acompanham as desigualdades de renda. Talvez nesta área ainda prevaleça o
lado Estrela Vermelha do Governo Lula.
96
Demagogias à parte, um exemplo concreto destas ações pode ser encontrada no
âmbito da Reforma Universitária, que prevê, entre outras coisas, por meio do Programa
Universidade Para Todos - ProUni
97
o financiamento de vagas nas Universidades
Privadas. O ProUni tem sido alvo de imeras críticas, posto que parece, muito mais,
subsidiar o problemático ensino privado superior brasileiro, inclusive contemplando
cursos que foram reprovados pela última avaliação do MEC com financiamento.
Iniciativas, questionáveis ou não, como da aprovação, em março de 2004, da já
comentada aqui, Disciplina História e Cultura Afro-Brasileira e Africana, no curculo
escolar do ensino básico
98
, também fazem parte deste processo.
99
96
Ricardo Ferreira. J- E-mail on line. Por que devemos ser a favor de um sistema de cotas.01/06/2005.
97
O Programa concede bolsas nas universidades particulares e dedica uma porcentagem fixa de cada
curso a estudantes carentes que demonstraram ter condões de acompanhar os cursos. Todavia, vale
ressaltar que, como foi aprovado, o ProUni o engloba os ursos mais concorridos pois aplica-se apenas
às vagas ociosas das instituições privadas. O coordenador executivo da Comissão Permanente para os
Vestibulares da Unicamp ( Comvest), Leandro Tessler, opinando sobre o ProUni, ressalta que ( ...) apesar
das boas intenções”, dados os tempos atuais do sistema de avaliação, não há como controlar a
qualidade da formação oferecida. Além disso, ressalta (...)“É sempre bom lembrar uma máxima
estabelecida pelo programa de ação afirmativa americano: só é possível fazer ação afirmativa
educacional onde competição pelas vagas. Isso certamente não se aplica à maior parte dos cursos que
se beneficiam o ProUni. Jornal Folha Dirigida.Editoria: Educação: 01/05/2006.
98
Com o títuloAulas de hisria fora da lei a reportagem do Jornal o Globo de 09/05/2006, no
Caderno Megazine, denunciam que a determinação federal contida na lei 10.639, que determina que
escolas de todos os níveis ensinem permanentemente história e cultura afro-brasileira não está sendo
cumprida. Várias são as alegações para o descumprimento, desde falta de material ditico até falta de
programas de capacitação em cultura afro-brasileira. Eliane Cavalleiro, coordenadora geral de
diversidade e inclusão educacional da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetizão e Diversidade
(Secad) do MEC, diz que o órgão deverá dispor de R$ 7 milhões este ano para aplicar em programas de
capacitação Aqui temos mais um exemplo dos descalabros desse processo. O que significa investir esse
dinheiro em cursos de capacitão docente? Dois grupos, que por vezes coincIbidem, podem desenvolver
a “capacitação pretendida. O primeiro, professores de Hisria e de Educação, sobretudo de
universidades públicas, recebem uma remuneração adicional, muitas vezes correspondente ao seu
próprio salário base, para ministrar oficinas, cursos, aulas, palestras, seminários, organizados
anteriormente por equipes também remuneradas, da qual muitas vezes fazem parte, recebendo
duplamente, a professores das diferentes redes estaduais e municipais de todo Brasil. Essa é uma prática
comum nos cursos de atualização/capacitão docente, anteriormente chamados de reciclagem. O termo
foi abandonado por ser considerado discriminatório posto que o professor o poderia ser tratado, ainda
que apenas discursivamente, da mesma forma que uma latinha ou uma garrafa pet. A mudança de
nomenclatura não mudou a realidade. Essas atualizações rápidas representam um grande desperdiço e
mau uso do dinheiro público, desde sustento de toda a infra-estrutura e burocracia para as secretarias
responsáveis até o pagamento dos professores envolvidos. É certo que o professor deva se atualizar, seja
em queses que emergem do contexto social e cultural de cada momento hisrico, seja em função da
necessidade de retomar leituras e diálogos com o processo de conhecimento, sob o risco de transformar-
No curso deste estudo, na verdade, no apagar da luzes deste percurso, o governo
do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva enviou para o Congresso Nacional a terceira e
última versão da proposta de Reforma Universitária, que estava na Casa Civil desde do
ano passado. O texto ainda é polêmico e divide opiniões dentro do governo. A criação
de cotas raciais foi excluída do texto apesar do Ministro da Educação, Fernando Hadadd,
negar qualquer recuo do governo com relação às mesmas. Segundo o ministro, a retirada
teve como finalidade não atrasar o envio da proposta da Reforma ao Congresso, posto
que a discussão sobre as cotas ainda é polêmica. Haddad atentou, também, para o fato de
que já tramita na Câmara um projeto espefico prevendo a reserva de 50% das vagas
das universidades federais para alunos que tenham cursado o ensinodio na rede
pública, com subcotas para negros e índios.
100
Vale ainda mencionar que intensificou-se, após o envio do projeto à Câmara ,
uma propaganda institucional que divulga o Programa ProUni. As imagens privilegiam
jovens estudantes negros, caminhando por entre os pilotis e salas de universidades, a
se em mero reprodutor de saberes universalizantes e fixos. Todavia, a sociedade e a universidade ainda
não se dispuseram a enfrentar de fato a queso de como atualizar os professores que estão em servo e
de que forma. O segundo grupo tem como base ONGs ou entidades ligadas ao Movimento Negro,
movimentando recursos públicos e privados para ministrar cursos com a mesma feão dos já expostos
acima. O fato é que destinar 7 milhões de reais anuais apenas para a atualização referente a cultura afro-
brasileira parece ser apenas mais um dos mecanismos de consumo da demanda por inclusão
característicos do capitalismo tardio.Fica então a questão: quem está fora de lei ?( grifo meu)
99
Foi aprovada, no dia dois de maio de 2006, pela Comissão de Educação do Senado,o projeto das cotas
nas Universidades Privadas, do senador Paulo Pain (PT-RS) que assegura destinação de 15% das vagas
em Universidades privadas, em especial as que têm benecios fiscais, para estudantes carentes. Serão
beneficiados aqueles que comprovarem renda familiar per capita de a um salário-mínimo. Esses alunos
terão descontos de até 80% nas mensalidades. O objetivo do projeto é ocupar as vagas que sobram das
bolsas ofertadas pelo ProUni. Das estimadas 112 mil bolsas destinadas a alunos carentes ano passado,
por 1.142 instituões, sobraram cerca de cinco mil. Pelo Projeto, 5% das vagas vão para alunos com
mais necessidades, com direito a desconto de 80%. Outros 10% o ter a redução de 50%na mensalidade.
No entanto, o presidente da Associação Brasileira Mantenedora do Ensino Superior (Abmes), Gabriel
Márcio Rodrigues, criticou o projeto e afirmou que se trata de um ato unilateral sem acordo com as
universidades. Ele alega que a Associão vai recorrer à Justiça para evitar a aprovação definitiva da
proposta, pois considera o projeto inconstitucional por intervir de maneira direta na iniciativa privada. O
deputado se defende argumentando que, pelo projeto, as bolsas já concedidas pelas universidades serão
computadas nos 15% concedidos. Considera a proposta como um “complemento ao PROUNI”. Mesmo
assim, os donos do ensino superior no Brasil reagem alegando que “(...) achamos que o programa não
tem base legal e não vai prosperar. Evidentemente vamos buscar nossos direitos na justiça.. O
programa exige que o aluno tenha ou feito o ensino dio na rede pública ou que tenha o cursado na rede
privada, mas com bolsa de estudos. Jornal O Globo. Editoria: O País, 03/05/2006.
100
Demétrio Weber. Jornal O Globo. Editoria: O País. Pé no freio com as cotas nas Universidades. 31-
05-2005.
despeito do fato de que parte das universidades privadas de hoje atuem em shoppings.
Mas o que chama atenção é a música tema, de Geraldo Vandré, ícone da luta contra a
ditadura no Brasil.
Caminhando e cantando e seguindo a canção, somos todos iguais,
braços dados ou o, nas escolas, nas ruas, campos, procises,
caminhando e cantando e seguindo a canção vem vamos embora que
esperar não é saber, quem sabe faz a hora o espera acontecer.
101
Justiça e tempo, assim, se fazem valer. E foi com essa urgência e com esse
sentimento de justiça que desde o vestibular de 2002, e nos anos subseqüentes com a
adesão de outros cursos e de outras universidades, tanto da UERJ como da UnB, que
grupos de cotistas têm ingressado nas universidades blicas brasileiras e se tornado
alvo de inúmeras polêmicas.
Nos dois primeiros anos, a questão da constitucionalidade ou não da adoção da
política foi um dos temas principais nos principais jornais.
Apesar da avalanche de ações e recursos impetrados pelos que se sentiam
prejudicados pela adoção das cotas e, perante o despreparo dos juristas, à época, para
julgar os procedimentos legais, haja vista a discrepância de posicionamentos e
interpretações da legislação referente às medidas, o consultor jurídico do MEC,
Ministério da Educação e Cultura, junto ao Grupo de Trabalho Interminesterial/GTI
MEC-SEPPIR, que objetiva elaborar propostas para o estabelecimento de poticas
públicas de ação afirmativa no Brasil que permitam o acesso e a permanência de negros
em instituições de Educação Superior, Luiz Fernando Martins da Silva, afirma que sob o
ângulo estritamente normativo, tanto do direito internacional quanto no direito interno,
101
Rede Globo de Televio. 22/05/2006.
há um verdadeiro arsenal de princípios e regras exemplificando ou respaldando a adoção
de políticas afirmativas no Brasil.
102
No direito Internacional dos Direitos Humanos, por exemplo, há
diversos instrumentos internacionais de protão de direitos humanos
fundamentais, que am de proibirem toda a forma de discriminação,
também preem a adoção de políticas de promoção da igualdade. Tais
instrumentos (tratados, convenções, pactos, etc) assumem uma dupla
importância: consolidam parâmetros internacionais nimos
concernentes à protão da dignidade humana e asseguram uma
instância internacional de proteção de direitos, quando as instituições
nacionais se demonstrarem falhas ou omissas.
103
Nesse ponto, o autor defende claramente sua posição, ainda que não consensual,
acerca da constitucionalidade da adoção de medidas afirmativas de natureza
discriminatória.
Esses instrumentos, é imperativo que seja ressaltado, têm aplicação
obrigatória no território brasileiro, após devidamente ratificados pela
autoridade constitucionalmente competente, por força do disposto no
artigo, § , da Constituição Federal de 1988, segundo o qual os
direitos e garantias expressos nesta Constituãoo excluem outros
recorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados
internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.
104
Da mesma forma, Piovesan
105
entende que a Carta Constitucional de 1988 confere
aos tratados de direitos humanos o status de norma constitucional, diferindo-se dos
chamados tratados tradicionais (tratados negociais), que criam normas de nível
ordinário.
Essa posição diverge, por exemplo, de juristas que interpretam que as indicações
advindas dos pressupostos dos direitos humanos internacionais ingressam em nosso
ordenamento em nível de lei ordinária, ou seja, de hierarquia constitucional.
102
Cf. Silva, L. M. Estudo sociojurídico relativo à implementação de poticas de ação afirmativa e seus
mecanismos para negros no Brasil: aspectos legislativo, doutrinário, jurisprudencial e comparado.
Op.cit., p12.
103
Ibidem, p.23.
104
Ibidem, p.24.
105
Cf. Piovesan, Flávia. Direitos Humanos e Direito Constitucional Internacional. o Paulo: Ed. Max
Limonad, 1996, p.111.
Para a autora, o fato revela o hisrico desrespeito nacional aos direitos
humanos. Am disso, adverte que esse desrespeito pode gerar sanções internacionais,
entendido como violão dos direitos dos tratados, e mesmo o insistente comportamento
de ineficia social conferido aos direitos e garantias fundamentais consignados nos
tratados e convenções internacionais, empobrece o debate sobre a protão dos direitos
das minorias, bem como inviabiliza o adensamento e a efetividade dos Direitos
Humanos entre s.
106
A autora destaca, porém, uma distinção importante. Os referidos documentos
internacionais não adotam a terminologia “ação afirmativa e sim medidas especiais
das quais se destaca a Conferência Geral da UNESCO, de 1960,
107
referência ainda
atual na luta contra a discriminação.:
Art I. § 1º. Para os fins da presente Convenção o termo discriminação
abarca qualquer distinção, exclusão, limitação ou preferência que, por
motivo de raça, cor, sexo, língua, religo, opino blica ou qualquer
outra opinião, origem nacional ou social, condição econômica ou
nascimento, tenha por objeto ou efeito destruir ou alterar a igualdade de
tratamento em matéria de ensino.
Art I. § 2º. Para os fins da presente Convenção, a palavra “ensino
refere-se aos diversos tipos e graus de ensino e compreende o acesso ao
ensino, seu nível e qualidade e as condições em que é subministrado.
108
Nesse ponto vale uma observação importante. O referido documento, pa
importante na deflagração da implantação das políticas de reserva de vagas, aponta
como discriminação, qualquer distinção ou preferência de raça, cor, etc., o que poderia
indicar uma discriminação atual e restrição de direitos igualitários aos não-negros, o que
pode ser considerado juridicamente grave. Além disso, o mesmo documento cita o
acesso de qualidade ao ensino de diferentes graus ou tipos destacando, também, as
condições em que este ensino é subministrado. Ou seja, há quem argumente que há, por
106
Cf. Piovesan, Flávia. Direitos Humanos e Direito Constitucional Internacional. Op.cit. p.20
107
Conferência Geral da UNESCO. Paris, dezembro de 1960, em sua Décima Primeira Sessão. Aprovada
no Brasil pelo Decreto Legislativo 40, de 1967. IN: http://www.unesco.org.br. Último acesso. 12-12-
2004.
108
Disponível em http://www.unesco.org.br
parte das políticas de discriminação positiva, primeiro, um privilegiamento do acesso ao
ensino superior em detrimento do ensino básico e secundário e segundo, um
esvaziamento do debate sobre as condições do ensino como um todo.
De modo a corrigir os efeitos negativos da referida declaração, A Convenção
Internacional para a Eliminação de todas as Formas de Discriminação Racial enfatiza:
Art 1º - 1. Para fins da presente Conveão, a expressão discriminão
racial significará toda distinção, exclusão, restrição ou preferência
baseada em raça, cor, descendência ou origem nacional ou étnica que
tenha por objeto ou resultado anular ou restringir o reconhecimento,
gozo ou exercício em um mesmo plano ( em igualdade de condição) de
direitos humanos e liberdades fundamentais no campo político,
econômico, social, cultural ou qualquer outro campo da vida pública.
Art 1º - 4. o serão consideradas discriminação racial as medidas
especiais tomadas com o único objetivo de assegurar o progresso de
certos grupos raciais ou étnicos ou de indiduos que necessitem da
proteção que possa ser necessária para proporcionar a tais grupos e
indivíduos igual gozo ou exercio de direitos humanos e liberdades
fundamentais, contando que tais medidas não conduzam, em
conseqüência, à manutenção de direitos separados para diferentes
grupos raciais e não prossigam após terem sido alcançados os seus
objetivos.
Rosana Heringer, diretora do Centro de Estudos Afro Brasileiros e consultora da
Actionaid,
109
sistematiza em artigo informações sobre as principais iniciativas que vêm
sendo discutidas e implementadas no Brasil, a partir da Confencia de Durban , na
África do Sul, em 2001.
110
Segundo a autora, os desdobramentos oriundos da
Conferência só podeo ser sentidos ao longo do tempo, mas levanta, de imediato,
alguns pontos positivos . Um deles diz respeito, segundo a autora, ao fim da percepção
do país como um espaço de democracia racial.
Embora ainda esteja também presente a auto-imagem do Brasil como
um país homoneo e indiferenciado, encontra-se progressivamente
maior abertura a experiências que procuram beneficiar grupos
específicos, historicamente com menos acesso a oportunidades.
111
109
Disponível em http://www.actionaid.org.br
110
Cf. Heringer, R. Ação afirmativa, estragias pós-Durban. Revista Eletnica Observatório da
Cidadania. 2002, pp. 55-61.
111
Ibidem.
Além disso, a pesquisadora aponta para o fato de que tanto na dia, quanto nos
espaços acadêmicos o tema do racismo vem sendo discutido de forma cada vez mais
intensa. Crescem iniciativas concretas que visam atender às demandas do movimento
negro brasileiro que tenham como objetivo promover melhores oportunidades para a
população afro-brasileira. São as chamadas medidas focalistas que abrangem ões que
vão desde o campo educacional, como as cotas, passando pela saúde, advocacia,
trabalho e geração de renda, cultura e outros. Apesar de que a autora afirme o haver,
ainda, análises concretas do impacto das medidas, as mesmas não podem ser
desprezadas.
112
Utilizando-se de uma pesquisa sobre essas novas medidas, entre setembro de
2001 a junho de 2002, a autora destaca ões do Ministério do Desenvolvimento
Agrário, que têm reservado vagas dos servidores contratados por concurso, dos cargos
comissionados e dos empregados em empresas prestadoras de serviço ao ministério no
percentual de 20% para negros, 20% para mulheres e 5% para portadores de
necessidades especiais. O Supremo Tribunal Federal e o Ministério da Justiça, utilizam-
se das mesmas prerrogativas.
113
Já o Senado Federal, por meio do Projeto de Lei nº 650/ 1999, originalmente do
senador José Sarney, modificado pelo substitutivo do senador Sebastião Rocha,
aprovado na Comissão de Constituição e Justiça em abril e pelo plenário em 31/05/2002,
institui a cota mínima de 20% para afro-brasileiros, no preenchimento de cargos e
empregos públicos da Uno, Estados, Municípios e Distrito Federal; no acesso a vagas
nos cursos de vel superior em instituições públicas e privadas; nos contratos das Fies,
entre outras medidas. Estipula, ainda, doravante, a identificação da “cor/ características
étnico-raciaisna certio de nascimento.
112
Cf. Heringer, R. Ação afirmativa, estragias pós-Durban. Revista Eletnica Observatório da
Cidadania. Op.cit.,
113
Ibidem.
O Ministério da Educão, antes mesmo de tomar para si a suposta
responsabilidade de padronizar por meio de decreto oficial a oferta de cotas nas
universidades públicas, instituiu o programa Diversidade na Universidade com cursos de
pré-vestibular para afrodescendentes e carentes, com o apoio do BID. Soma-se a esse
quadro, o Decreto Presidencial 4.228 de 13 de maio de 2002, que instituiu o Programa
Nacional de Ações Afirmativas cujo objetivo é promover os prinpios da diversidade e
pluralismo no preenchimento de cargos na administração pública e cargos de comissão
(DAS) por meio de metas percentuais. O decreto determina, ainda, um Comitê de
Avaliação e Acompanhamento destinado à gestão estratégica do programa.
Também chama a atenção da pesquisa o tradicional Instituto Rio Branco que
criou um programa de 20 bolsas de estudos anuais, de R$ 1.000,00 ( mil reais), para
afrodescendentes em cursos preparatórios.
Para finalizar, Heringer destaca O II Plano Nacional de Direitos Humanos. O
plano prevê medidas de participação de afrodescendentes de forma proporcional a sua
representação no conjunto da sociedade brasileira, por meio de estímulos de medidas de
cater compensatório que visem à eliminação da discriminação racial e à promoção da
igualdade de oportunidades, vistas como motor de ampliação do acesso dos
afrodescendentes às universidades públicas, aos cargos e empregos públicos. Este
aspecto, já comentado aqui, tem sido muito criticado posto que em algumas regiões do
país não há como distinguir brancos e pardos. Além disto, em alguns Estados, a
incidência da população negra e parda é tão grande que, se aplicada de fato, a lei criaria
grandes distorções nos concursos e/ou espaços gerenciados pela lógica das cotas.
114
No âmbito de Estados e Munipios, a pesquisadora aponta para a Lei 3.708, de
05 de mao de 2002, que determinou a reserva de 40% de vagas nas universidades
114
Cf. Heringer, R. Ação afirmativa, estragias pós-Durban. Revista Eletnica Observatório da
Cidadania. Op.cit.
federais para negros e pardos. No decorrer deste estudo, um detalhamento maior sobre
esta lei será apresentado, assim como considerações acerca das iniciativas de diferentes
universidades federais com ações afirmativas destinadas a esses mesmos segmentos e
experiências de prefeituras, como a do Rio de Janeiro onde o Prefeito César Maia
destina 25% das vagas para negros e mulheres no Serviçoblico Municipal ou as
Câmara Municipais de Porto Alegre e Santos, com a proposta de reserva para os
afrodescendentes de 20%. Iniciativas como as da Fundação Ford, que criou o concurso
nacional “Cor no Ensino Superior que das 287 propostas recebidas de todo o Brasil,
financiou 27 projetos voltados para a ampliação do acesso e permanência de
afrodescendentes no ensino superior, também são elencadas na pesquisa.
Essas e outras iniciativas são apresentadas pela pesquisadora como decorrência
da Conferência da África do Sul. Argumenta, também, que considera inadequado o uso
do termo cotas para designar políticas afirmativas embora classifique a declaração do
Ministro Marco Aurélio de Mello, presidente do Supremo Tribunal Federal, em discurso
do dia 20 de novembro de 2001, como a de maior impacto político em defesa das cotas,
proferido até então. Em um trecho do discurso, o Ministro afirma:
a neutralidade estatal mostrou-se um fracasso; (...) e o poder Público
deve, desde já, independente da vinda de qualquer diploma legal, dar à
prestação de servos por terceiros uma outra conotão, estabelecendo,
em editais, quotas que visem contemplar as minorias. No sistema de
quotas deverá ser considerada a proporcionalidade, a razoabilidade,
dispondo-se, para tanto, de estatísticas. Tal sistema deve ser utilizado
para a correção de desigualdades. Assim, deve ser afastado o logo
eliminadas essas difereas.
115
Heringer considera a atual conjuntura política brasileira favovel à adoção das
cotas posto que apresenta disposição para mudanças. Alerta, no entanto, que apesar de
algumas medidas precisarem, de fato, de certa urgência na implantão, reconhece que
115
Marco Aurélio de Mello. Jornal Correio Brasiliense. A igualdade e as ações afirmativas. Editoria:
Cotidiano. 23-12-05.
algumas têm sido precipitadas, podendo, inclusive, prejudicar o processo como um
todo.
116
O momento atual é marcado por transformações rápidas e, ao mesmo
tempo, algumas perplexidades. É inegável a importância dessas medidas
recentemente propostas a fim de estimular o debate sobre o tema, nunca
diretamente enfrentado pela sociedade brasileira. Por outro lado, essas
propostas ao têm sido suficientemente discutidas e, em alguns casos,
têm sido adotadas num contexto de urncia que beira a precipitação.
117
Aponta, ainda, que a questão da visibilidade dada ao tema do preconceito racial e
da adoção de políticas afirmativas tem sido o grande ganho da Conferência. Ressalta que
o Plano de Ação de Durban (ONU, 2001) apresenta o combate ao racismo como
responsabilidade primordial do Estado.
Por outro lado, apesar de considerar o termo ação afirmativa” amplo e
controverso, posto que não está isento de disputas, tanto políticas quanto teóricas,
defende uma perspectiva em que o mesmo seja adotado a partir de um amplo leque de
atuão em diferentes áreas, como sinônimo de políticas de promoção da igualdade,
obrigatórias e/ou voluntárias,com objetivo de combater a discriminação e retificar erros
do passado. O reconhecimento da desigualdade de oportunidades, no caso da população
negra no Brasil, é ponto fundamental para o avanço e consolidação de poticas desta
natureza no Brasil. Considera, ainda, a necessidade de que haja o constante
acompanhamento da real implantação das metas previstas, pois muito das cticas feitas
às referidas medidas estariam calcadas, exatamente, na impossibilidade estrutural de
aplicabilidade de algumas delas.
118
116
Cf. Heringer, R. Ação afirmativa, estratégias pós-Durban. Op.cit.
117
Ibidem.
118
A recente publicão indicando que todo o cotista seja beneficiado com os livros que compõem a
bibliografia da ementa de cada disciplina que cursa é um exemplo. Por um lado a situação da grande
maioria das bibliotecas das universidades públicas no Brasil é precária! Faltam títulos, livros, assinaturas
de jornais e revistas nacionais e/ou internacionais. Faltam, muitas vezes, espaços de pesquisa
informatizados para os estudantes ou simplesmente locais de estudos e/ou trabalhos coletivos. Como
pensar em oferecer livros programáticos aos cotistas? Criar-se-ia uma indústria de livros universitários
beneficiando algumas editoras e autores que teriam seus livros recomendados pelo MEC, como
acontece no ensino fundamental e médio? Por outro lado, além de medidas como esta serem
evidentemente eleitoreiras e populistas e revelarem uma total falta de clareza acerca das reais condições
Paralelamente, foi aprovado, no final de 2005, o polêmico Estatuto da Igualdade
Racial que prevê a obrigatoriedade de uma série de procedimentos no que diz respeito à
inclusão dos chamados afro descendentes. Ganhos do movimento? Semvida, mas
também objetos a serem discutidos e avaliados no interior da sociedade civil de modo
que o adquiram tão somente um papel de concessão ideológica de espaço, posto que,
na prática, muitos quesitos do estatuto são quase impossíveis de serem de fato
implantados. De outro lado, o acirramento do racismo, instaurando determinações por
decreto, pode ser catastrófico para a já cindida sociedade brasileira.
O redator do Estatuto, Senador Federal pelo PT- RS, Paulo Paim, demonstra na
reportagem abaixo as posições representativas do movimento negro expressas no
documento.
Artigo 1 É declarada extinta desde a data desta Lei a escravidão no
Brasil.
Artigo 2 Revogam-se as disposições em contrário.
Foi assim que, em 13/5/1888, a Princesa Isabel libertou os escravos.
Negros e brancos abolicionistas comemoraram a vitória cantando e
daando. Com o passar dos tempos viram que a Lei Áurea falava em
liberdade, mas o garantia a cidadania. De lá para cá surgiram outras
leis: Afonso Arinos, Caó e a 9.459/97. Todas cumpriram seus papéis em
suas épocas, mas foram superadas. Por isso, o Movimento Negro,
juntamente com outros setores da sociedade, construiu as propostas que
estão consagradas no Estatuto da Igualdade Racial. Peça que não
segrega nossa sociedade. Ao contrário: visa dar aos 48% de negros
brasileiros a verdadeira cidadania. Dados divulgados por diversas
instituições comprovam que no Brasil os negros o os mais excldos.
O PNUD mostrou, por meio do Relatório de Desenvolvimento Humano
Brasil 2005 Racismo, Pobreza e Vioncia, que 64,1% dos pobres
brasileiros são negros. Em 2003, 67,9% das crianças brancas
freqüentavam a escola. Entre as negras, eram 32,1%. O IPEA nos diz
que a situação das mulheres negras no mercado de trabalho é ainda pior.
Em 2003, 22,4% eram empregadas domésticas. Entre mulheres brancas
o percentual foi de 13,3%. O desemprego entre as negras correspondia a
das universidades públicas brasileiras, indicam, também, uma conceão de um programa curricular e
sua bibliografia cristalizada posto que na prática acadêmica programas geram planos de curso que
possuem bibliografias pprias, muitas vezes, diferenciados, em fuão de contexto discente e docente. O
que se pretenderia? Padronizar? Utilizar livros textos? Medidas como esta am de criarem rejeição por
parte de estudantes não cotistas e da população em geral, de fato terão muita dificuldade de implantação,
gerando um desgaste desnecessário.
16,6%, duas vezes mais que entre os homens brancos. O número de
negros no Executivo, no Legislativo, no Judiciário, nas Forças
Armadas, nas universidades e em postos de destaque de empresas e
bancos o chega a 5%. Diante disso, devemos nos perguntar: é esse o
Brasil que queremos? Um país em que as desigualdades imperam? Ou
buscamos construir uma sociedade, miscigenada sim, mas que respeita
as diversidades?
119
No entanto posições contrárias ao Estatuto também emergiram no debate. Mais
uma vez a contundente fala do Jornalista Ali Kamel contribui para sair do maniqueísmo
de ser favorável ou desfavorável ao sistema de cotas. Preocupado com o acirramento das
questões raciais no Brasil, Kamel também problematiza pontos contraditórios do
Estatuto.
Quando terminei de ler todo o projeto, a minha sensação era de que, se
aprovado, o Estatuto da Igualdade Racial deixará para trás, de uma vez
por todas, o Brasil que conhecemos e criará um outro país, cindido
racialmente, em que a noção de raça, base de todo racismo, estará no
centro de tudo, quando deveria estar definitivamente enterrada. (...) Se
eu disser a algm que se trata de uma lei sul-africana do tempo do
apartheid, e pedir que leia alguns de seus artigos, certamente o
haverá nenhum estranhamento. O quesito ra/cor, de acordo com a
autoclassificação, e o quesito gênero serão obrigatoriamente
introduzidos e coletados em todos os documentos em uso no Sistema
Único de Saúde”, diz o artigo 12, arrolando os documentos: cartões de
identificação do SUS, prontrios médicos, formulários de resultado de
exames laboratoriais, inquéritos epidemiológicos, pesquisas sicas,
aplicadas e operacionais etc. O artigo 17 determina o mesmo para os
documentos da Seguridade Social, e o 18 determina que as certidões de
nascimento contenham também a cor do be, o que não acontece hoje.
Da mesma forma, os empregadores blicos e privados terão de incluir
o quesito cor em todos os registros de seus funcionários, tais como
formulários de admissão e demiso no emprego e acidentes de
trabalho. Como conciliar a auto-declaração com as regras acima? Como
se , definitivamente, os brasileiros seremos definidos pela ra, um
conceito que a ciência repudia. Será o fim do país que se orgulhava de
sua miscigenação, que sabia que ninguém é inteiramente branco ou
inteiramente preto, que tinha orgulho de seu largo gradiente de cores.
Seremos transformados num país bicolor, num ps não de brasileiros
simplesmente, mas de brasileiros negros, de um lado, e brasileiros
brancos, do outro. E a suposição será a de que os dois lados não se
entendem!
120
A longa crítica que o jornalista elaborou sobre o Estatuto, incluiu, também, o que
119
Paulo Paim. Senador (PT-RS) e autor do projeto do Estatuto da Igualdade Racial. Jornal O Globo. Sim
ao Estatuto da Igualdade Racial. Editoria: O País. 06-12-2005.
120
Ali Kamel. Não ao estatuto racial. Jornal O Globo. Editoria: Opino.29-11-2005.
denominou de disparates”:
Os disparates do estatuto são muitos. Contra toda evidência científica, o
projeto parte do pressuposto de que existem doenças raciais. Assim,
dispõe o artigo 14: O Poder Executivo incentivará a pesquisa sobre
doenças prevalentes na população afro-brasileira, bem como
desenvolverá programas de educação e saúde e campanhas públicas que
promovam a sua prevenção e adequado tratamento. Ou seja, o estatuto
acredita que haja doenças de negro” (embora, a despeito de ser um
estatuto da igualdade racial, o faça meão a “doeas de branco”).
Isso é um absurdo, do ponto de vista da ciência. De fato, há doeas
cuja origem é genética, mas elas não estão relacionadas à cor do
indivíduo. Em sociedades segregadas, como a americana ou a sul-
africana, em que os grupos populacionais o se misturam, é provável
que haja prevancia de certas doenças em determinados segmentos.
Mas isso nada tem a ver com a cor. O problema da anemia falciforme
em negros, por exemplo: hoje se sabe que quem tem o gene dessa
doença é mais resistente à malária. Por essa rao, nas regiões africanas
onde a malária é mais presente, mais pessoas com anemia falciforme,
algo explicado pela Teoria da Evolução, de Darwin. Mas, nas outras
regiões da África em que a maria não é um grave problema, a anemia
falciforme não existe. Os negros com ancestrais nas regiões onde a
malária é enmica têm mais chances de ter a anemia falciforme, mas
os negros de outras áreas, não. Assim, o se pode dizer que a doença
seja prevalente entre negros. Além disso, um indiduo pode ser
totalmente branco e ter o gene da anemia falciforme, desde que tenha
algum ancestral negro também portador do gene. Num ps como o
Brasil, em que a mistura é total, nenhum controle racial” de doenças
faz sentido, porque brancos e negros, tendo ancestrais comuns, dividem
o mesmo patrinio e a mesma carga genética. Apesar disso, o estatuto
dedica quase uma página inteira à anemia falciforme em negros
.
121
O jornalista continua:
Há de tudo no estatuto: a permissão para que tradicionais mestres em
capoeira dêem aulas em escolas públicas e privadas, a obrigatoriedade
do ensino da Hisria Geral da África e do Negro no Brasil para alunos
das redes oficial e privada e a permissão para que praticantes das
religiões “africanas e afro-ingenas ausentem-se do trabalho para
realizão de obrigões litúrgicas próprias de suas religiões,
podendo tais auncias serem compensadas posteriormente. Não fica
claro se brancos terão também direito a dar aulas de capoeira ou a fazer
suas obrigações da Umbanda e do Candomblé durante o expediente (já
que, no Brasil, são tamm assíduos freqüentadores de terreiros).
122
Interessante, contrapor a fala do Senador Paulo Paim, acerca do mesmo tema: a
obrigatoriedade do ensino da História Geral da África e do Negro no Brasil.
121
Ali Kamel. Não ao estatuto racial. Op.cit.
122
Idem.
Está disposto em seus artigos que a disciplina História Geral da África
e do Negro no Brasil será obrigatória ao currículo dos ensinos
fundamental e dio, fortalecendo a Lei 10.639/03. Caberá aos estados,
municípios e instituições privadas de ensino a responsabilidade de
qualificar os professores. Sabemos que a matéria precisa e precisa de
alterações. Um exemplo é o Fundo Nacional da Promoção da Igualdade
Racial. Considerado inconstitucional, seu debate foi encaminhado para
a peça Orçamenria e trabalhamos com Emenda Constitucional a fim
de sanar o problema. É comum ouvirmos falar que no Brasil o existe
mais discriminação e preconceito racial. o ser racista é mais que ter
amigos negros e aceitar sua cultura. Ser livre de preconceitos é acreditar
que todos devem ter oportunidades iguais, independente de cor, ra,
sexo ou etnia. A mudaa que desejamos pode ser comparada a uma
colheita. Cada um de s deve ser um semeador. Sabemos que estamos
sujeitos às intempéries do clima, mas, temos certeza de que colheremos
resultados: uma plantação em que a praga do racismo não existirá
.
123
Já a educadora e militante negra, Umbelina Mattos, levanta outras questões
bastante pertinentes, agando o debate. A educadora tem feito sérias restrições à forma
pela qual o programa das cotas tem sido apresentado, considerando, no entanto, um
avao a homologão da resolução do CNE pelo MEC. Segundo ela, a medida
incentiva a melhoria das relões inter-raciais entre cidadãos. (....) O principal objetivo
da proposta é esse. o adianta ter flashes destas matérias nas escolas se essa condição
não levar a uma nova relação racial entre a nossa população .
124
Mas a amplitude de ões do Estatuto continua a surpreender o jornalista Ali
Kamel que segue apresentando suas preocupões.
Mas o que mais preocupa no estatuto é a cizânia que pode causar no
mercado de trabalho. Diz o artigo 62: Os governos federal, estaduais e
municipais ficam autorizados (...) a realizar contratação preferencial de
afro-brasileiros no setor público e a estimular a adoção de medidas
similares pelas empresas privadas.” Uma das medidas previstas é a
adão de uma cota inicial de 20% para o preenchimento de todos os
cargos DAS (vagas que não exigem concurso público); esta cota será
ampliada a que se atinja a correspondência com a estrutura da
distribuição racial nacional”. E de que modo as empresas privadas serão
estimuladas a contratar preferencialmente negros? Entre outras coisas,
pela exigência de que empresas fornecedoras de bens e servos ao setor
123
Paulo Paim. Senador (PT-RS) e autor do projeto do Estatuto da Igualdade Racial. Jornal O Globo. Sim
ao Estatuto da Igualdade Racial. Editoria: O País. 06-12-2005. Op.cit
124
Bruno Vaz. Jornal Folha Dirigida. As medidas Afirmativas no Centro o Debate. Editoria: Educão,
29-06-2004.
público adotem programas de igualdade racial. Em outras palavras: que
contratem preferencialmente negros. Num ps em que ninguém sabe ao
certo quem é branco e quem é negro, a medida é de difícil aplicação.
Mas o pior é que ela pode ser um esmulo para o surgimento de
rancores em grupos e pessoas que se sintam preteridas, algo que
desconhecemos até aqui.Sim, claro, o estatuto estabelece tamm a
obrigatoriedade de cotas raciais para o ingresso de estudantes no ensino
superior. E acrescenta cotas para programas de TV, filmes e ancios
publicitários.É um outro Brasil que este estatuto quer fundar. O que os
brasileiros precisam decidir é se desejam este novo Brasil. Meu palpite
é que se o tema fosse posto em referendo, com campanhas
esclarecedoras de ambas as partes, o resultado mostraria que ainda
sonhamos com o ideal de uma nação orgulhosa de sua miscigenação, em
que raça e cor não importam. Mas não defendo um referendo. Nossos
representantes no Congresso têm a legitimidade para decidir. E espero
que tenham a coragem de agir a despeito de grupos de pressão, por mais
barulhentos que eles sejam.
125
Na apaixonante e contundente fala do jornalista, há, porém, um questionamento.
Ele afirma que o sentimento de se sentir preterido a uma vaga de trabalho não existia até
aqui. Todavia, não é esse o sentimento expresso pelos “negros que muitas vezes, diante
de uma disputa com “brancos, têm a nítida impressão de pertencer a lugares
predeterminados em que sua presença é autorizada, em determinadas funções, em outras
não. Há exemplos de firmas que não contratam advogados negros porque temem que
seus clientes não se sintam seguros tendo seus problemas resolvidos por um negro, cuja
representação remete, sempre, a empregos subalternos e de baixa expectativa cognitiva.
Nesse sentido, a fala do jornalista seria mais precisa se enfatizasse que o Estatuto
pode vir a gerar esse mesmo sentimento nos brancos e estabelecer, doravante, uma
disputa em bases desiguais. Antes a desigualdade seria velada, agora institui-se a
desigualdade como mecanismo para superá-la. Seria este um paradoxo?
Dados empíricos, porém, revelam mudanças, contradições e ambiidades mas
parecem, no nimo, indicar, que essa situação já vinha sendo revertida no Brasil.
125
Ali Kamel. Não ao estatuto racial. Jornal O Globo. Editoria: Opino. 29-11-2005
Mas, para além das opiniões explicitadas no debate acerca do Estatuto, duas
pesquisas distintas, elaboradas com base em fontes do Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE), divulgadas pelo Jornal O Globo, em junho de 2004, apontam para
resultados diferentes sobre os mesmos aspectos: a questão do mercado de trabalho, mais
especificamente a questão da diferença entre brancos e negros na obtenção do trabalho e
diferença salarial entre ambos. Esses fatores, que indicariam ou o a discriminação
sofrida pelos negros, m sido bastante utilizados para justificar medidas afirmativas,
como as cotas.
A primeira reportagem, intitulada A cor do trabalho, mostra que não só o
desemprego seria maior entre negros e pardos mas que,como os brancos ganhariam 25 %
a mais.
126
126
Jornal O Globo. Editoria: Economia, 05-06- 2004.
Já a reportagem divulgada quinze dias depois, intitulada Mitos em Xeque revela
que mulheres e negros conquistaram mais vagas na últimacada, antes mesmo da
implantação das cotas.
127
É certo que as pesquisas possuem enfoques diferentes. A questão é que a
divulgação de resultados de uma ou de outra geram uma série argumentos e contra-
argumentos que trazem controvérsias ao debate. Indicam, ainda, que esta realidade não é
estica. Ao contrário, se movimenta, redefine as dimensões postas ao objeto, não
existindo, assim, a possibilidade de que apenas estatísticas venham determinar ações
legais.
Outro exemplo pode-se encontrar na pesquisa realizada na faculdade de Direito
da UERJ, por And Nicolitt, a qual indica que os negros já tinham conseguido por
esforço pprio, sair da condição de pobreza.
127
Jornal O Globo. Editoria: Economia, 20-06- 2004.
De 1967 a 1992, os 20% mais ricos entre os negros tiveram sua renda
crescendo a uma taxa igual a dos 20% mais ricos entre os brancos. Mas
os 20% mais pobres entre os negros, tiveram uma queda duas vezes
maior nos rendimentos do que os 20% mais pobres entre os brancos.
128
O jornalista Ali Kamel também faz referência a essas estatísticas. Inicialmente
revelando um paralelo em outros países, Kamel chega à realidade brasileira:
O pior de tudo é que as cotas não são necessárias. Nos EUA, os
chineses e os japoneses que lá chegaram no icio do século passado
eram miseráveis. Por esforço próprio e sem cotas, esses dois grupos se
desenvolveram, educaram-se e, ao longo dos anos, proporcionalmente,
tomaram mais lugares dos brancos americanos em universidades de
prestígio e em bons postos de trabalho do que os negros com cotas.
Apesar disso, contra eles o há o ressentimento que contra os
negros, porque a percepção é que os asiáticos alcaaram isso por
rito, e os negros, o. A percepção, no entanto, é falsa e injusta.
Porque os negros americanos avançaram mais, muito mais, antes da
adão das cotas, do que depois dela. Em 1940, os jovens negros
americanos entre 25 e 29 anos tinham, em dia, 4 anos de estudo a
menos do que os jovens brancos. Em 20 anos, a diferença caiu para 2
anos. E, em 1970, a diferea era de menos de um ano, 12,1 contra
12,7. Em 1940, 87% dos negros estavam abaixo da linha da pobreza.
Em 1960, este número caiu dramaticamente para 47%, uma queda de 40
pontos. Todos esses avanços foram conseguidos sem a ajuda de
ninguém. A Lei dos Direitos Civis, que garantiu a igualdade das raças, é
de 1964 e as cotas só surgiram depois de 1970. Nos anos 60, o mero
de negros abaixo da linha da pobreza caiu mais 17 pontos, ficando em
30%. Depois da adoção das cotas, porém, em toda a década de 70, esse
número caiu apenas um ponto, ficando em 29%. Negros que
conseguiram sozinhos esse estrondoso êxito são vistos hoje pela maior
parte dos brancos como em débito porque teriam alcançado tal feito,
não por rito, mas devido a cotas. (Aqui, é inevivel que eu faça um
paralelo com o Brasil. Em 1991, 74% das crianças negras estavam nas
escolas, contra 86% das brancas; hoje, cem por cento delas estão na
escola, passo fundamental para que tenham chance de entrar na
universidade.
129
A recente pesquisa desenvolvida pelo Laboratório de Poticas Públicas ( LPP)
da Universidade do Estado do Rio de Janeiro ( UERJ) aponta que as cotas para negros
ainda é polêmica e divide os docentes. A pesquisa ouviu 557 docentes de quatro
universidades que já adotaram a política. Os resultados demonstram uma cisão nas
opiniões, com 52% deles a favor do programa, 42% contra e 6% sem opinião sobre o
tema, embora o resultado favorável seja considerado razoável pelo pesquisador negro
128
And Nicolit. Jornal O Globo. Editoria: Opino.12-11-2005.
129
Ali Kamel. ornal O Globo. Cotas, um erro já testado. Editoria: Opinião. 20-06-2004.
José Luiz Petrucelli, pesquisador do IBGE e consultor do LPP. Outro resultado da
pesquisa revelou que em cursos em que há mais concorrência, o mérito é mais
valorizado, havendo maior rejeição às cotas. Na Faculdade de Medicina, por exemplo,
somente 22,7% dos professores se colocaram a favor da cotas e 70,1%, contra. Na
Engenharia, 69,9% são a favor e 24,2% são contra. Outro aspecto relevante da pesquisa
faz referência ao questionamento feito aos professores acerca da existência ou não do
racismo na sociedade brasileira e na universidade. Veja o quadro síntese da pesquisa
abaixo
130
:
Na análise dos resultados obtidos, a professora Azuete Foga aponta uma
contradição nas respostas: É interessante que 44% que não vêem racismo sejam a favor
da cota. Normalmente quem é contra a cota nega tamm o racismo. Mas há também
quem ache que não é a raça que exclui o cidao, mas a pobreza generalizada.
131
130
Jornal O Globo. Editoria O País. 14-05-2006.
131
Jornal O Globo. Editoria O País. 14-05-2006.
Ou seja, o que parece ser contradição pode, ao contrário, revelar que existem
aqueles que admitem haver racismo na sociedade e na universidade, mas não crêem nas
cotas como solução.
No curso de um hisrico sobre a adoção da política de cotas, cabe, sem dúvida,
admitir que, focalizadas ou mais amplas, estas ações são uma realidade, sobretudo no
momento político por que passa o Brasil. Isto porque atendem não as reivindicações
do movimento social organizado, como também a um novo e cada vez mais promissor
mercado. Verbas de pesquisas de institutos ou universidades de vel superior, ou
mesmo financiamento público ou privado de instâncias não governamentais se
constituem em uma larga fatia desse bolo reparador e extremamente comestível, e
aparentemente saboroso para alguns, posto que lava o esrito e eleva à alma”, além de
movimentar altas quantias de dinheiro.
Proliferam-se as Organizões não-governamentais (ONGs) e entidades que
sobrevivem, em parte, do sofrimento do outro. Os Direitos Humanos, não só ocupam o
centro do debate, como se transformam em mais um fetiche nessa imensa aldeia que
tudo produz e que tudo consome.
132
Vale frisar, porém, que o se trata de desconsiderar o trabalho realizado por
algumas ONGs ou outras iniciativas de projetos sociais e sim identificá-los no âmbito de
um modelo histórico-econômico e social inexoravelmente inserido numa estrutura
circular, cujo o percurso exclusão/ inclusão necessita sempre de reparações e
compensações.
132
A Revista Época deu o tulo de A onda da pilantropia a uma reportagem sobre o assunto revelando
uma febre pelas supostas causas nobres e atos altruístas relacionadas às ações sociais. A reportagem
revela que em média, no Brasil, nos últimos quatro anos surgiram oito novas ONGs por dia. Este fato,
juntamente com a frouxidão dos órgãos públicos, a falta de transparência das prestações de contas das
mesmas, aliado a brechas na legislação brasileira que permitem a contratação de ONGs pelo poder
público, revelam não só o panorama da situação como a crescente transformação do sofrimento do outro
em mercadoria e consumo.22-05-2006.
O último filme do diretor brasileiro Sergio Biancci retrata de maneira direta esta
realidade. Crítico dos discursos demagógicos e assistencialistas, tal como em
Cronicamente Inviável,
133
seus filmes o freqüentemente estruturados como soma de
fragmentos ilustrativos dos descalabros e absurdos da sociedade brasileira. Seus alvos
preferidoso a elite e o Estado, segundo suas imagens, responsáveis pelo vírus da
amoralidade e da degeneração. No Quanto Vale ou É Por Quilo,
134
ele não salva nem as
vítimas”, representados pelos pobres e negros, contaminados pelas práticas e pela
ideologia de seus “opressores. Por meio de uma série de fios condutores, Bianchi ataca
ainda a instria da boa ação e da solidariedade, a qual, além de lavar a alma e eximir
o indivíduo da culpa, gera empregos e movimenta a economia com imensos valores,
sem, no entanto, interferir na vida dos supostos beneficiados.
A fala de uma personagem, que uma vez por semana acorda cedo e com o
motorista vai distribuir donativos aos pobres, é emblemática desta realidade.
Eu o consigo convencer o meu marido a participar. Eu não sei o que
acontece, eu não consigo, não consigo. Eu ainda não consegui mostrar
para o Jo Paulo o quanto é fundamental a gente ser solirio,
preocupa-se com o próximo, reparar nossas vidas nessa vida, e em
outras... quem sabe? Eleva o esrito! É verdade!
135
Mas quanto vale um anúncio de meia página numa revista semanal de grande
circulação no Brasil, que vende por meio da piedade e da culpa, a participação material
em campanhas humanitárias? Ou será que é por quilo? Com o nome Actionaid, esta
entidade, já citada neste estudo, tem como slogan de sua campanha Com o telefone
você pode diminuir distâncias. Agora, você pode diminuir diferenças.
136
Mercado, apelo e solidariedade são, cada vez mais, mote constante.
133
Biacchi, S. Cronicamente Invvel. Agravo Prodões, 2000.
134
Biacci, S. Quanto Vale ou é por quilo? Agravo Produções, 2004.
135
Idem.
136
Revista Época, 14 de maio de 2006.
Muitos são os exemplos. Boa parte, inclusive, bem intencionados. Mas a forma
mercadológica que o sofrimento do outro adquiriu passa a exigir, inclusive, mecanismos
de captação e gerenciamento das volumosas rendas destinadas, muito mais, aos gestores
do grande mal da desigualdade, do que aos destinatários principais. Pode-se recorrer, por
exemplo, a GIFES ões sociais com resultados...Estará garantido, assim, o controle
social e, sobretudo, o reino do céu.
1.2. Desdobramentos: As políticas afirmativas e as cotas nas Universidades blicas
Brasileiras
1.2.1 O caso do Estado do Rio de Janeiro
No bojo das políticas de ão afirmativa, a implantação da política de reserva de
vagas, mais conhecida como potica de cotas, objetivava garantir percentuais de acesso
nas universidades blicas.
No Estado do Rio de Janeiro, a Universidade do Estado do Rio de Janeiro UERJ
e a Universidade do Norte Fluminense – UENF, iniciaram esse processo garantindo
vagas a alunos que fossem oriundos da rede pública de ensino durante toda a sua
escolarização básica.
A marca desta implantação, todavia, esteve menos vinculada aos pressupostos
humanitários oriundos das declarações favoráveis à implantação de políticas afirmativas
e muito mais, serviu de manobra política, do então governador do Estado do Rio de
Janeiro, Anthony Garotinho/ Benedita da Silva
137
, de cunho eminentemente populista,
marca de suas gestões e posturas.
Não houve, nesse momento, debate nem nas Universidades e tampouco com a
sociedade civil organizada. O antropólogo Peter Fry, que tem acompanhado de perto a
implantação das referidas políticas e apontado a gama de contradições que as mesmas
representam, aponta em seu artigo O debate que não houve: a reserva de vagas para
negros nas Universidades brasileiras:
138
A repentina adoção de cotas como Política de Estado nos surpreendeu, e
muito. Estávamos errados? E se estávamos, por quê? (...) o
imaginávamos que as cotas seriam praticamente decretadas, e mesmo,
se tivéssemos imaginado que isso poderia acontecer, provavelmente não
teríamos antecipado o extraordinário poder das açõesde cima para
baixo nesse país que queamos imaginar como democrático;
subestimamos talvez, o avanço, em certas áreas-chave, da substituição
de um Brasil imaginado como composto de “raças misturadas”, por um
país de raças distintas”.
139
E ele continua:
Não houve debate público nem entre os representantes dos eleitores
antes dos decretos ministeriais e da promulgão da lei de cotas no Rio
de Janeiro. Antes da Conferencia de Durban
140
, o Comitê nomeado pelo
governo federal para preparar a posição do Brasil promoveu ts
seminários, em Belém, Salvador e São Paulo. Mas poucos souberam ou
participaram além de ativistas negros. ( apesar do governo e das
agências de fomento internacionais terem gastado fábulas na divulgação
das informações sobre a conferencia de Durban, não se consegui
descobrir até hoje a composição deste comitê). O frágil debate
começou, portanto, depois dos fatos consumados.
141
137
A política foi elaborada no Governo Garotinho mas devido seu afastamento para concorrer a
presidência, a implantão ficou a cargo da vice-governadora Benedita da Silva, depois que a mesma
assumiu o Governo do Estado.
138
Cf. Fry,P. O debate que não houve: a reserva de vagas para negros nas Universidades brasileiras
(com Yvonne Maggie). IN: A persistência da raça: Ensaios antropogicos sobre o Brasil e a África
austral. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 2005.pp.304.
139
Ibidem, p.305.
140
III Conferência Mundial das Nações Unidas de Combate ao Racismo, Discriminação Racial,
Xenofobia e Intolerância Correlata, realizada em Durban, na África do Sul, em 2001.
141
Cf. Fry,P. O debate que não houve: a reserva de vagas para negros nas Universidades brasileiras
(com Yvonne Maggie).Op.cit., p. 307.
A então reitora da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Nílcea
Freire, em entrevista concedida à AGENC (Agência de Nocias da Universidade do
Estado do Rio de Janeiro/ UERJ), ao ser indagada sobre o fato de ter havido ou não
discussão suficiente dentro da Universidade na ocasião da implantação das políticas de
cotas, responde:
No momento do encaminhamento da proposta não, pois o eno
governador encaminhou o anteprojeto de lei, no caso da reserva de
escolasblicas, diretamente para a Assembléia Legislativa. Nós
fomos chamados para discuso pela Comissão de Educação quando o
projeto já estava no Legislativo. Então, realmente, no momento de
encaminhamento das propostas, a Universidade teve pouca chance de
debater o assunto, o que fez com que a discussão interna ficasse
prejudicada.
142
Mas ressalta:
O mérito do encaminhamento do projeto foi levantar a discussão que
talvez o acontecesse se essa proposta não tivesse sido levada ao
Legislativo. Aqui na Uerj, talvez o debate o acontecesse
espontaneamente, mas poderia ter acontecido se o então governador
tivesse encaminhado a proposta à Universidade, dizendo sua intenção.
143
Seguindo uma ordem cronológica, já no ano de 2000, a Lei Estadual 3.524, de 28
de dezembro, no apagar das luzes do século XX, em seu artigo 2
o
, I, a, reservou 50%
das vagas dos cursos de graduão das duas Universidades para esses estudantes.
Art.2
.
As vagas oferecidas para acesso a todos os cursos de graduação
das Universidades públicas estaduais serão preenchidas, observando os
seguintes critérios:
I – 50 % ( cinqüenta por cento), nonimo por curso e turno, por
estudantes que preencham cumulativamente os seguintes requisitos:
tenham cursado integralmente os ensinos fundamental e dio em
instituições da rede pública dos Municípios e/ou do Estado.
Um ano depois, a Lei Estadual, n
o
3.078, editada 09 de novembro de 2001, artigo
1
o
, reservava 40% de vagas nos cursos de ambas as instituões para negros e pardos.
Art.1
o
. Fica estabelecida a cota mínima de a 40% ( quarenta por
cento) para as populações negra e parda no preenchimento das vagas
relativas aos cursos de graduação da Universidade do Estado do Rio de
142
Entrevista concedida à AGENC (Agência de Notícias da Universidade do Estado do Rio de Janeiro/
UERJ), Junho de 2003.
143
Idem.
Janeiro UERJ e da graduão da Universidade estadual do Norte
Fluminense UENF.
Parágrafo Único Nesta cota nima, incluídos também os negros e
pardos beneficiados pela Lei n
o
3.524/2000.
Tudo indica que a insatisfação do movimento negro com a Lei n
o
3.524/2000,
que o contemplava especificamente os negros e pardos, fez com que a pressão
aumentasse em prol de uma ação diferenciada para a populão negra. Com isso, foi
criada uma representação por meio do Ministério Público contra o então Governador do
Estado, Anthony Garotinho, em repúdio à exclusão da população negra das
universidades. Com a preso, foi apresentado, votado e aprovado o novo projeto de Lei.
Na ocaso, a Universidade do Estado do Rio de Janeiro alegou ter tentado
intervir no processo, por meio de seus representantes legais e políticos, com o receio de
que, por um lado, as leis pudessem estar ferindo o prinpio da autonomia universitária
e por outro, pela ppria questão da inconstitucionalidade que as mesmas poderiam
representar.
Mais uma vez, a então reitora da UERJ, Nilceia Freire, opinando acerca da
autonomia universitária destaca que:
Nós entendemos que a forma como o projeto foi encaminhado ao
Legislativo não foi a melhor, porque era importante que a Universidade
pudesse ter discutido antes que a proposta fosse encaminhada. Então,
neste sentido, pensamos que a forma de encaminhamento fere o
princípio da autonomia. Isso não quer dizer que tanto o Executivo
quanto o Legislativo não possam ter propostas a encaminhar à
Universidade porque sua autonomia não pode torná-la impermeável a
propostas que venham da sociedade.
144
A pesquisadora em Direito Público e coordenadora do Programa de Poticas da
Cor do LPP/UERJ, Raquel César,
145
ressalta que pela natureza experimental dessa
primeira experiência, muitas contradições sugiram e ajudaram a engrossar a rejeição de
alguns segmentos da sociedade acerca da implantão das referidas políticas:
144
Entrevista concedida à AGENC (Agência de Notícias da Universidade do Estado do Rio de Janeiro/
UERJ). Op.Cit.
145
Cf. César, R. C. L. Políticas de Inclusão no Ensino Superior Brasileiro: um acerto de contas e de
legitimidade. IN: Revista Advir, n
o
19, setembro de 2005, pp. 55-64.
Am de ter perpassado o crivo da autonomia universitária, a Lei n
3.542/2000, em seu artigo 2. I ,a, reservava 50% das vagas, em cada
curso de graduação das universidades fluminenses, para candidatos que
durante toda a vida escolar estudaram em escolas públicas do Estado do
Rio de Janeiro. Por sua vez, a Lei Estadual n 3.708/2001, art 1.
Reservava 40% de vagas nos cursos de ambas as instituições, para
negros e pardos. Como as cotas reservadas para cada modalidade eram
sobrepostas, na aplicação das duas leis, primeiro preenchia-se o
percentual de 505 pelos candidatos aprovados no vestibular,
verificando-se, em seguida, se dentre os alunos aprovados neste
percentual da escola pública havia candidato que se auto-declarou negro
ou pardo para que fosse preenchida a Segunda cota racial de 40%. Se
houvesse o preenchimento da cota racial estaria totalmente inserido no
percentual de 50% reservado para a escola pública. Assim, a previsão
era de que o primeiro sistema de reserva de vagas nas universidades
fluminenses apresentasse uma composição de alunos cotistas máxima de
50% em cada curso. O problema agravou-se quando dentre os
candidatos aprovados pela reserva da escola pública não havia, na
maioria dos cursos, o percentual esperado de candidatos esperado de
candidatos auto-declarados negro ou pardo. Caso em que a composição
do percentual da cota racial, estabelecido em Lei, deveria ser
preenchida por candidatos auto-declarados como tais oriundos de
escolas particulares
146
. Isso significava que, além do percentual de
50%, poderia haver um acréscimo de até 40%, isto é, de até 90% na
composição das vagas existentes para cada curso nas duas
universidades, impossibilitando que outros candidatos do vestibular
convencional tivesse a chance do ingresso na universidade. Assim, a
política de ação afirmativa que deveria ser a excão a regra, tornava-se
a própria regra.
147
Com a polêmica instaurada, avolumaram-se ações endereçadas as instâncias da
justiça local e ao Supremo Federal, por parte dos inúmeros alunos que, naquele ano, se
sentiram prejudicados pela reserva. Em seus argumentos, a acusação de que as
legislações feriam o modelo federativo brasileiro, violavam o princípio republicano e,
mesmo, o prinpio da autonomia universitária.
De fato, muitos estudantes não negros foram prejudicados nesse ano.
Indagada acerca do fato de alguns estudantes terem sido prejudicados e procurado a
justiça, a então reitora da UERJ respondeu:
146
Foram muitos os casos, nesse ano, em que os primeiros selecionados no vestibular da reserva de vagas
para negros, foram oriundos de conhecidas escolas particulares do Rio de Janeiro e mesmo, de caros e
conceituados cursinhos de pré-vestibular, com dia muito inferior aos não cotistas oriundos dos
mesmos espaços educacionais.
147
Cf. César, R. C. L. Políticas de Inclusão no Ensino Superior Brasileiro: um acerto de contas e de
legitimidade. Op.cit.,p.56
É direito de cada um. Não se pode impedir que alguém que se sinta
prejudicado entre na Justa sobre qualquer questão. Mas a
Universidade contesta. Com relação aos estudantes que entrariam na
Uerj caso não houvesse o sistema de cotas, nós mostramos que
cumprimos a lei que deu origem ao edital. Este era absolutamente claro
e todas as pessoas que se inscreveram no vestibular tomaram
conhecimento dele e o o contestaram no momento da inscrição.
Portanto, entendemos que se você não contesta o edital e se submete a
ele, vo o tem razão depois para reclamar. Houve, pom, outros
casos. Aliás, boa parte dos casos foi de estudantes que, mesmo se não
houvesse sistema de cotas, o seriam classificados. Eles apenas tinham
uma nota maior do que aquele último classificado pelas cotas. Neste
caso, acho que eles estão se aproveitando de uma situação, de uma
discussão, de uma polêmica para tirar vantagem. E acho tamm que
eles não têm qualquer direito, pois não se classificariam de qualquer
maneira, mesmo se não houvesse o sistema de cotas.
148
Nesse momento, a justiça brasileira demonstrou total despreparo para lidar com
tais questões e, mais uma vez, uma gama de considerões e interpretações totalmente
diversas, oriunda de procuradores e juristas com diferentes posições, deram margem ao
incremento da polêmica.
A nova Lei 4.151 de 2003 foi eno aprovada na tentativa de minimizar os
impactos negativos derivados das Leis anteriores:
Já em seu primeiro artigo, destaca:
Art. - Com vistas à redão de desigualdades étnicas, sociais e
econômicas, deverão as universidades públicas estaduais estabelecer
cotas para ingresso nos seus cursos de graduão aos seguintes
estudantes carentes:
I - oriundos da rede pública de ensino;
II - negros;
III - pessoas com deficiência, nos termos da legislão em vigor, e
integrantes de minorias étnicas.
§ - Por estudante carente entende-se como sendo aquele assim
definido pela universidade pública estadual, que deverá levar em
consideração o nível sócio-econômico do candidato e disciplinar como
se fará a prova dessa condição, valendo-se, para tanto, dos indicadores
sócio-ecomicos utilizados por órgãos públicos oficiais.
§ 2º - Por aluno oriundo da rede pública de ensino entende-se como
sendo aquele que tenha cursado integralmente todas as séries do ciclo
do ensino fundamental em escolas públicas de todo território nacional e,
ainda, todas as ries do ensino médio em escolas públicas municipais,
estaduais ou federais situadas no Estado do Rio de Janeiro.
148
Entrevista concedida à AGENC (Agência de Notícias da Universidade do Estado do Rio de Janeiro/
UERJ), Jun.2004. Op.cit.
§ - O edital do processo de selão, atendido o principio da
igualdade, estabelece as minorias étnicas e as pessoas com deficiência
beneficiadas pelo sistema de cotas, admitida a adoção do sistema de
auto-declaração para negros e pessoas integrantes de minorias étnicas,
cabendo à Universidade criar mecanismos de combate à fraude.
Institui-se, assim, um novo prinpio de corte o de renda, que irá deflagrar uma
série de outras controrsias, posto que tem como base a média de renda familiar per
capita, gerando, de novo, uma série de distoões.Vale observar que a faixa de renda foi
estabelecida sem qualquer estudo dos dados econômicos dos estudantes oriundos do
ensino médio negros e não-negros. O termo cotas para estudantes carentes logo passou
a ser utilizado, ampliando a polêmica.
Houve, ainda, na nova legislação, a tentativa de criar mecanismo de coibição de
fraudes na chamada auto-declarão, na medida em que foi observado, nos anos
anteriores, umarie de contradições, tanto na definição de critérios para negros e
pardos quanto na auto-declaração. Qual é a sua cor?
149
passou a ser o mote dos debates
internos e midiáticos que acompanharam as novas medidas.
Além disso, a tentativa de resolver as distorções percentuais oriundas das antigas
legislações foi implementada a partir dos seguintes novos critérios:
Art. - Atendidos os princípios e regras instituídos nos incisos I a IV
do artigo 2º e seu parágrafo único, nos primeiros 5 (cinco) anos de
vincia desta Lei deverão as universidades públicas estaduais
estabelecer vagas reservadas aos estudantes carentes no percentual
nimo total de 45% (quarenta e cinco por cento), distribuído da
seguinte forma:
I - 20% (vinte por cento) para estudantes oriundos da rede blica de
ensino;
II - 20% (vinte por cento) para negros; e
III - 5% (cinco por cento) para pessoas com deficiência, nos termos da
legislão em vigor e integrantes de minorias étnicas.
Vale observar, nesse ponto, a obrigatoriedade de se estabelecer uma avalião
após cinco anos de implantação da política.
149
Ficou famosa a polêmica inaugurada na UnB quando instituiu em seu critério de autodeclaração de cor
a fotografia dos candidatos. As mesmas passaram pelo crivo e seleção de uma banca composta,
sobretudo, por antropólogos e visava definir critérios de raça/cor.
Para Cesar:
Na mudança dos sistemas observou-se, em particular, a tentativa de
construção de uma racionalidade mais convincente sobre as inovações
públicas, convencimento este que não se limitava apenas a um modelo
de persuasão política, mas de acerto em busca de possibilidades mais
letimas de poticas igualirias. Isso serviria de lição tanto para os
interessados no sistema de reserva de vagas das universidades
fluminenses, como também para todas as demais universidades que
adotariam a mesma política de distribuição de bens e direitos, mesmo
que a implementassem em antecipação à vontade do legislador, quer
fosse na esfera estadual ou federal.
150
Essa colocão da autora remete ao fato de que as Universidades, por meio de
seus diferentes runs, se anteciparam às deliberações da esfera do poder Executivo
Federal, posto que, conforme citado anteriormente, ainda es em discussão no
Parlamento a proposta de reserva de 50% das vagas para estudantes oriundos de escolas
públicas, numa composição com o percentual para minorias étnico-raciais e outras
minorias, acompanhada pelo projeto de Reforma Universitária, que prevê diferentes
estratégias de adoção de prinpios afirmativos nas Universidades públicas e privadas do
território nacional.
Durante os anos em que as cotas têm sido implantadas na UERJ, de 2002 até o
presente momento, 2006, dois fatores merecem atenção. O primeiro se relaciona com a
falta de informações concretas sobre os cotistas por parte da comunidade acadêmica.
Sabe-se quem é cotista ou não, por meio de dois artifícios. Pela listagem, também não
tornada pública, dos estudantes que ingressam no Programa Jovens Talentos II
151
,
péssimo nome do projeto que concede bolsas aos que ingressam na universidade por
meio das cotas. A justificativa da não divulgação do nome dos cotistas centra-se no fato
150
Cf. César, R. C. L. Políticas de Inclusão no Ensino Superior Brasileiro: um acerto de contas e de
legitimidade. Op.cit.,p.57.
151
Os estudantes que ingressaram na UERJ por meio do sistema de cotas em 2003 e 2004 sofrem para
permanecer na universidade. A bolsa de R$190 do programa "Jovens Talentos II, pensada a partir da
bolsa concedida pela Fundação de Amparo e Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro ( FAPERJ) a
estudantes do Ensino dio, também denominada Jovens Talentos, possui duração de apenas um ano e
não pode ser renovada. Após este período, os cotistas perdem o benefício e ficam sem dinheiro para arcar
com os estudos.
de que não pode haver discriminão.” Divulga-se a idéia de que se a relação de
cotistas e não cotistas fosse divulgada, os estudantes cotistas ficariam “marcados”.
Dicil de entender. o seriam as cotas definidas como discriminão positiva? E a
comparação entre cotistas e não cotistas não tem sido fortemente estimulada por
pesquisas, muitas vezes oriundas da própria sub-reitoria de graduão, que compara os
coeficientes de rendimento (CRs) às notas dos mesmos?
A divulgação desses resultados seria necessária, a cada vestibular, de modo que
os diretores de unidades e de cursos tivessem a clara noção dos ingressantes para
avaliar a correlação de forças entre os cursos mais procurados, orientações aos
estudantes, etc. Tais informações, que podem ser precisas, seriam muito úteis na análise
das vagas ociosas, por exemplo, de modo que um esforço fosse feito no sentido de
preenchê-las. No entanto, a forma mais eficaz de conseguir esses dados é acompanhar a
divulgação do Jornal Folha Dirigida e checar, um a um, os que entraram, ou não, pelo
mecanismo das cotas. Ainda sobre essa questão vale ressaltar que, como demonstrou
este estudo, colhendo dados do debate sobre as cotas na mídia jornalística, a
comunicação externa existe e é bastante intensa, sobretudo em momentos polêmicos. Já
o fluxo de divulgação interna é bastante reduzido e privilégio de pequenos grupos, que,
muitas vezes, coincidem com os grupos que desenvolvem pesquisas no campo. Mas a
comunidade acadêmica, como um todo, tem pouco acesso aos dados do programa.
O segundo fator com relação à implantação das cotas na UERJ, se relaciona com
o primeiro posto que também diz respeito às vagas ociosas. A nota de corte e, sobretudo,
o corte de renda, implantados desde 2004, têm dificultado o acesso dos cotistas. Sobram
vagas destinadas às cotas, não apenas na UERJ, mas em todas as Universidades do ps.
gico que sobram vagas nos cursos menos procurados, menos concorridos. Há quem
avalie que este seria um lado negativo das cotas, posto que as mesmas só existiriam, de
fato, em cursos em que houvesse competição. Caso contrário, os cotistas, de qualquer
forma, com ou sem a reserva, teriam que ingressar na universidade. Há poucos estudos
sobre esse fato também, mas a questão é que a nota de corte passou a ser exigida para
tentar amenizar as discussões acerca do despreparo dos cotistas e também para
preencher minimamente os critérios do mérito tão discutidos na comunidade acadêmica.
Outra contradição. Já o valor do corte de renda, foi definido não estatisticamente, mas
por meio de um acordo entre os representantes da comunidade negra os formuladores da
proposta e a sub- reitoria da graduão da Universidade. Esse mecanismo se repetiu em
todas as outras universidades que adotaram a mesma proposta. Com um teto de renda
per capita, várias distorções podem ser criadas e têm-se divulgado na mídia várias
dessas contradições, seja por meio das cartas de leitores ou de análises de articulistas. O
fato é que o trabalho informal é uma realidade nacional, sobretudo entre as camadas de
baixa renda. Inúmeros trabalhadores não registram oficialmente seus rendimentos e, com
isso, estudantes oriundos de famílias não tão necessitadas assim podem ter um
rendimento per capita oficial extremamente baixo passando a ter “direito a se
beneficiar com as cotas. Mas há um outro lado dessa mesma questão. A renda per capita
exigida atualmente está aliada a outros requisitos, outros pontos de corte, como ter sido
aluno da rede pública. Ocorre que as estatísticas oficiais têm indicado uma queda na
matrícula e permanência dos jovens da classe popular oriundos do Ensino Médio das
escolas pública. Os números estão muito distantes do que seria indicado para a economia
de um país em desenvolvimento, com uma população eminentemente jovem. Ou seja,
parece não existir, pelo menos na proporção definida pelas cotas, esse perfil de
estudante com esse perfil de renda e escolaridade e mesmo, de origem étnica definida.
Os motivos para a diminuição da matrícula dos estudantes no ensino médio parecem ser
os mesmos de sempre: grande parte dos jovens evade da escola para trabalhar.
A reportagem abaixo é emblemática desse contexto:
Nos Estados Unidos, onde houve a chamada ação afirmativa a
favor das minorias étnicas, as instituições deviam atingir certo
equilíbrio entre brancos e negros. Mas, como o processo de
recrutamento sempre foi assunto interno das instituições, elas
saíam garimpando os negros de melhor desempenho. Isso é
diferente do estabelecimento mecânico de cotas, que desconsidera
o desnível dos beneficiados por elas. No caso brasileiro, se as
cotas propostas forem para a universidade pública como um todo,
não vão fazer diferença, pois metade dos alunos já vem de escolas
públicas. É muita vela para pouco defunto.
152
No curso das tensões e contradições geradas pela adoção das cotas na
Universidade do Estado do Rio de Janeiro, outras experiências foram sendo
desenvolvidas em outros Estados e o próprio poder blico federal passa a encaminhar
propostas com o mesmo objetivo.
É sobre essas experiências que se desenvolverá o curso do próximo segmento.
152
Cláudio de Moura e Castro.Economista. A maquiagem do monstro. Revista Veja. Editoria: Ponto de
Vista. 15-05-2004.
1.2.2 Políticas inclusivas e as cotas no território nacional
Em recente artigo,
153
Renato Emerson dos Santos, professor negro da UERJ/FFP,
registra aspectos importantes acerca da experiência brasileira na implantação de
políticas de ação afirmativas que devem ser consideradas. Para o autor, a cena do debate
sobre as desigualdades cio-educacionais no Brasil do início do século XXI é marcada
pela emergência da polêmica acerca da reserva de vagas no ensino superior.
154
Todavia,
essa marca se distingue a partir de diferentes recortes sociais cuja categorização é
importante para viabilizar uma análise mais detalhada do processo. Segundo o autor,
podem-se distinguir os diferentes critérios, algumas vezes utilizados de forma
combinada, que estão sendo utilizados por algumas instituições do país, visando à
implantação de políticas afirmativas:
(i) o corte racial, (ii) o corte pela renda, (iii) o corte pela natureza do
sistema de ensino público ou privado -, e (iv) cortes apontando outras
situações de desfavorecimento em nosso tecido social deficiência,
etnia ingena e até mesmo de origem regional são matizes que vêm
dando lugar à implementação de reserva de vagas já existentes ou à
criação de vagas adicionais em diversas universidades públicas de nosso
país.
155
Assim, tomando a reserva de vagas ou cotas para negros como a mais polêmica, o
autor indica, ainda, a existência de outras modalidades de políticas inclusivas visando
à democratização do acesso à universidade.
(i) universidades que praticam a reserva de vagas oriundos do sistema
público de ensino caso da Universidade de Pernambuco (UPE), cuja
política o faz referencias raciais; (ii) universidades que têm política
de ingresso específicas para ingenas, caso da Universidade Federal de
Tocantis, (UFT), e do Vestibular dos Povos Ingenas do Paraná, que
reúne seis universidades estaduais e também a Universidade Federal do
Paraná (UFPR); (iii) políticas de acesso de caráter regional, caso da
153
Esse artigo integra uma edição temática da Revista Advir, de setembro de 2005, publicação da
Associação de Docentes da UERJ, em que a discussão das cotas teve destaque. Esse e outros artigos que
compõem a edão foram utilizados nesse estudo pela amplitude de suas abordagens e atualidade das
análises de repercussão acerca da implantação da política de cotas.
154
Cf Santos, Renato Emerson. Reserva de Vagas para negros em universidades públicas: um olhar
sobre a experiência brasileira. Revista Advir, ASDUERJ, Rio de Janeiro, n
o
19, setembro de 2005, pp.
12.
155
Ibidem, p.12.
Universidade do Estado do Amazonas (UEA) que reserva 80% de suas
vagas para pessoas que tenham cursado as três séries do ensino dio
em instituições blicas ou privadas no estado do Amazonas, e cujos
estudos para implementação começam a ser efetuados pela
recentemente criada Fundação Universidade Federal do Vale de São
Francisco (UNIVASF).
156
Vale observar, ainda, o modelo utilizado pela Universidade Estadual de
Campinas (UNICAMP)
157
, denominado de PAAIS ( Programa de Ação Afirmativa e
Inclusão Social) de concessão de pontos extras no vestibular para candidatos
autodeclarados pretos, pardos e indígenas além daqueles oriundos do sistema blico
do ensino. Pelo programa, os estudantes que comprovarem ter estudado todo o ensino
médio na rede pública ganham trinta pontos a mais na nota final da segunda fase.
Candidatos autodeclarados negros, pardos ou indígenas, que cursaram o ensino médio na
rede blica, tamm podem ter, além dos trinta pontos, mais dez pontos acrescidos a
nota final.
Segundo Mauricio Kleinke, coordenador de pesquisa da Comissão Permanente
para Vestibulares da Unicamp, o programa leva em consideração o mérito do aluno.
Uma vez que em uma prova com o valor de 500 pontos, ganhar 30 ou 40 pontos não é
um exagero. O objetivo seria o de incentivar aqueles que têm menor poder aquisitivo e,
por conseguinte, menos chances de competir.
156
Cf Santos, R.E. Reserva de Vagas para negros em universidades públicas: um olhar sobre a
experiência brasileira. Op.cit., p.12.
157
Divulgado recentemente um estudo que indica os bons resultados do modelo adotado pela UNICAMP.
Em entrevista concedida ao Jornal Folha Dirigida, o coordenador executivo da Comissão Permanente
para Vestibulares da Unicamp (Comvest), Leandro Tessler revela que apesar do fato desse ano o total de
alunos, oriundos da rede pública, tenha sido menor do que do ano passado, 31,96% contra 34,10%, ao se
comparar o percentual de resultados com a demanda, ver-se-á que, proporcionalmente, o número de
aprovados da escola pública cresceu. Todavia, ele ressalta que houve uma queda na procura pela
Unicamp por parte dos egressos de escolas públicas. O motivo desta queda o foi explicitado na
entrevista. Folha Dirigida. Editoria: Ensino Superior, 01/05/2006. Com o mesmo sentido, a reportagem
de Ediane Merola intitulado Inclusão sem cotas faz referencia a bem sucedida experiência da Unicamp.
Segundo a jornalista, o ponto forte do programa ( Paais) é a incluo sem a reserva de vagas. De acordo
com a reportagem, baseada num levantamento feito pela universidade, o programa, am de aumentar o
número de ex-alunos da rede pública na Unicamp, cursos muito procurados, como a medicina, m sido
desmistificados. Em midialogia, por exemplo, um curso bastante procurado na área de comunicação, o
percentual de egressos da rede pública matriculados em 2004 foi de 6%; em 2005, 10% e em 2006, 33%.
Em medicina, o percentual de egressos da rede pública matriculados foi de 9%, em 2004. Em 2005
chegou a 31% e, em 2006, caiu para 17%. Jornal O Globo, Caderno Megazine, 25 de abril de 2006, p.9.
Todo esse panorama aponta para a pluralidade de estratégias e indica, também,
diferentes estágios, acúmulos e desdobramentos no processo de implantação das
referidas políticas. De outro lado, as universidades têm se comprometido a desenvolver
sistemas de acompanhamento e avaliação dos cotistas e das próprias ações afirmativas
implantadas que sejam transparentes.
No que diz respeito à reserva de vagas para negros, o autor aponta para uma
multiplicidade de situações. Ele separa três grupos distintos, definidos em função,
sobretudo, das diferenças dos momentos de implantação em que se encontram:
- Universidades com reserva implementada e com alunos estudando
desde 2003 aqui temos a Universidade do Estado do rio de Janeiro
(UERJ), Universidade Estadual do Norte Fluminense (UENF) e a
Universidade do Estado da Bahia ( UNEB),
- Universidades com reserva implementada e com alunos estudando
desde 2004 aqui temos a Universidade Estadual do Mato Grosso do
Sul (UEMS) e a Universidade de Bralia (UnB)
- Universidades com reserva implementada a partir de 2005, que no
primeiro semestre deste ano tiveram o primeiro ingresso de estudantes
através da reserva de vagas e, neste grupo temos a Universidade
Federal de Alagoas (UFAL), a Universidade Federal do Paraná (UFPR),
a Universidade Federal de o Paulo (UNIFESP), a Universidade
Federal da Bahia (UFBA), a Universidade Estadual de Londrina (UEL),
a Universidade Estadual de Minas Gerais (UEMG) e a Universidade
Estadual de Montes Claros ( UNIMONTES).
158
Existem, ainda, universidades que ainda não adotaram o sistema de cotas para
negros, mas que já decidiram, por meio de suas instâncias, pela implantação, a partir do
segundo semestre de 2005, como a Universidade Estadual de Mato Grosso
(UNEMAT) e a Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF)
Complementando as alises tecidas pelo autor, as duas tabelas que se seguem,
elaboradas por Cesar traçam um bom panorama da situação atual das referidas políticas
e seus desdobramentos.
159
158
Cf Santos, R. E. Reserva de Vagas para negros em universidades públicas: um olhar sobre a
experiência brasileira. Op.cit., p.13.
159
Cf. César, R. C. L. Políticas de Inclusão no Ensino Superior Brasileiro: um acerto de contas e de
legitimidade. Op.cit.,pp. 62 - 63.
A primeira tabela detalha os mecanismos institucionais de implantação das
diferentes estratégias afirmativas de reserva de vagas ou de facilitação do acesso ao
ensino superior pelas universidades, seja por meio de legislação estadual ou deliberações
internas das universidades.
TABELA 1
A potica de cotas na UERJ/UENF, UNB, UNEB, UEA, UFAL, UFPR,UNIFESP, UEMS,
UEMG,UFBA,UNIMONTES, UFTO, UEDI, UNEMAT,UFJF,UFRN, UFPA: quadro comparativo
UERJ/UENF
UNEB UnB UEA UFAL UFPR
Inicialmente
implementado
pelas Leis
Estaduais n
o
3.542/2000 e
3.078/2001,
revogadas pela lei
n
o
4.151/2003.
Segundo programa
de cotas
legitimado pelo
Conselho
Universitário
Programa de cotas
implementado pelo
Conselho
Universitário,
através de
Resolão n
o
196/2002.
Programa de cotas
implementado pelo
Conselho
Universitário
através de
Resolão n
o
38/2003.
Lei Estadual
n
o
2.894/2004
UNIFESP UEL UEMS UEMG UFBA UNIMONTES
Programa de Cotas
implementado pelo
Conselho
Universitário,
através da
resolão n
o
23/2004
Programa de Cotas
implementado pelo
Conselho
Universitário,
através da
resolão n
78/2004.
Lei Estadual n
o
2.589/2002 e n
o
2.605/2003
implementaram
Programa de cotas
para Indígenas e
negros
respectivamente.
Lei Estadual N
o
15.259/2004
UFTO UNICAMP UNEMAT UFJF UFRN UFPA
Edital coordenado
e executado pela
COPESE
Programa de pesos
implementado pelo
Conselho
Universitário, em
24.05.2004
Programa de pesos
implementado pelo
Conselho
Universitário,
através de
resolão n
o
200/2004
Programa de pesos
implementado pelo
Conselho
Universitário,
através de
resolão n
o
56/2004.
Programa de pesos
implementado pelo
Conselho
Universitário, em
05.07.2005
Programa de pesos
implementado pelo
Conselho
Universitário,
através de
resolão31/2005
A segunda tabela faz referência ao modelo adotado por cada universidade, seja
pelo sistema de reserva de percentual para negros e pardos ou outras minorias, seja pelo
sistema de pontuação ou pesos, adotado por algumas universidades.
TABELA 2
Reserva de vagas: UERJ/UENF, UNB, UNEB, UEA, UFAL, UFPR,UNIFESP, UEMS,
UEMG,UFBA,UNIMONTES, UFTO, UEDI, UNEMAT,UFJF,UFRN, UFPA: quadro comparativo
UERJ/UENF
UNEB UnB UEA UFAL UFPR
Reserva de vagas:
UERJ/UENF,
UNB, UNEB,
UEA, UFAL,
UFPR,UNIFESP,
UEMS,
UEMG,UFBA,UNI
MONTES, UFTO,
UEDI,
UNEMAT,UFJF,U
FRN, UFPA:
quadro
comparativo
Segundo Programa
de Cotas
legitimado pelo
Conselho
Universitário.
Programa de cotas
implementado pelo
Conselho
Universitário,
através de
Resolão n
o
196/2002.
Programa de cotas
implementado pelo
Conselho
Universitário
através de
Resolão n
o
38/2003.
Lei Estadual
n
o
2.894/2004
UNIFESP UEL UEMS UEMG UFBA UNIMONTES
Acrescenta 10 %
das vagas para
afrodescendentes e
indígenas. Os
alunos
afrodescendentes
ou indígenas m
que ser oriundos
exclusivamente da
escola pública
Reserva de 40%
das vagas para
estudantes
oriundos das
escolas públicas, e
20% desse
percentual a
candidatos
autodeclarados
negros.Reserva de
vagas para alunos
de escolas públicas
no ensino
fundamental.
Reserva de 20%
das vagas para
negros e 10% para
indígenas. Os
candidatos que
optarem pelo
regime de cotas
para negros sejam
provenientes do
ensino médio.
Reserva 20% das
vagas para
afrodescendentes,2
0% para egressos
da escola pública e
5 % para portador
de deficiências e
indígenas.
Reserva 45% das
vagas, sendo 435
para estudantes
oriundos das
escolas públicas,
onde 85% desse
percentual é
reservado para
pretos e pardos, e
2% para índios
descendentes.
Reserva 455 das
vagas, sendo 43%
para estudantes
oriundos das
escolas públicas,
onde 85 % desse
percentual é
reservado para
pretos e pardos, e
2% para índios
descendentes.
UFTO UNICAMP UNEMAT UFJF UFRN UFPA
Reserva de 5% das
vagas de cada
curso a etnia
indígena. Não
reserva vagas para
alunos de escolas
públicas e para
negros.
Estabelece um
sistema de 30
pontos para
candidatos
oriundos de
escolas públicas ou
supletivo
presencial (EJA), e
mais 10 pontos,
para candidatos
auto-declarados
pretos, pardos ou
indígenas.
Estabelece um
sistema de 30
pontos para
candidatos
oriundos de
escolas públicas ou
supletivos
presencial (EJA), e
mais 10 pontos
para candidatos
auto-declarados
pretos, pardos ou
indígenas.
Reserva 50% das
vagas de cada
curso para alunos
oriundos das
escolas públicas e
dentro desse
percentual, 20%
para estudantes
negros.
Estabelece meta
composição de
vagas em todos os
cursos da
universidade com
alunos oriundos de
escola pública em
até 50%. Os alunos
desta reserva
devem ter cursado
a escola pública
desde a 8
a
rie do
ensino
fundamental e todo
o ensino médio
Reserva 50% das
vagas para alunos
oriundos da escola
pública, e 40%
desse percentual
para alunos negros
e pardos, segundo
a classificação do
IBGE. Os alunos
da primeira cota
Terão de ter
cursado todo o
ensino médio em
escola pública.
A partir dessas considerações, podem-se verificar as diferentes estratégias que as
universidades adotam para a implantação das medidas.
Vale observar que os dados explicitados nestas tabelas são fruto de um
diagnóstico desenvolvido em 2004 e 2005 e divulgado em meados do último ano. No
curso deste estudo, sobretudo no 1º semestre do ano letivo de 2006, os processos de
implantação ou de consolidação da política de cotas foram se ampliando. A entrada em
cena de deliberações federais pode vir a representar o rompimento com a saudável
heterogeneidade do processo, ameando, inclusive, a autonomia universitária.
Em fevereiro de 2005, a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos
Deputados aprovou o projeto de Lei 3.627/2004 que cria o sistema de cotas nas
universidades públicas federais brasileiras e estabelece que 50% das vagas devem ser
destinadas a alunos que cursaram o ensino médio integralmente em escolas blicas.
Dentro desse percentual devem ser destinadas vagas para negros e índios de acordo com
o percentual medido pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em cada
estado. O projeto, de autoria da Deputada Nice Lobão (PFL-MA) foi aprovado na forma
de substitutivo apresentado pelo deputado Carlos Abicalil (PT-MT) e prevê que o
sistema deve ser implantado gradualmente (25% ao ano) e poderá ser revisto, pelo
Ministério da Educação (MEC), após dez anos de funcionamento.
Ao ser indagada se o Projeto em questão poderia ferir a conquistada autonomia
universitária, se a Universidade optaria ou não pelo sistema de cotas e caso optasse, qual
seria a modalidade, a então Reitora da UERJ, Nilceia Freire responde:
Nós entendemos que a forma como o projeto foi encaminhado ao
Legislativo não foi a melhor, porque era importante que a
Universidade pudesse ter discutido antes que a proposta fosse
encaminhada. Então, neste sentido, pensamos que a forma de
encaminhamento fere o princípio da autonomia. Isso não quer
dizer que tanto o Executivo quanto o Legislativo não possam ter
propostas a encaminhar à Universidade porque sua autonomia não
pode torná-la impermeável a propostas que venham da sociedade.
160
Pela terceira e última versão do projeto, as universidades federais já existentes
teriam até 2015 para que 50% dos alunos de seus cursos tenham vindo da rede pública,
com espaço ainda para uma subcota de negros e índios também egressos da escola
pública. Já as novas instituições federais teriam que adotar a reserva de vagas no
160
Entrevista concedida à AGENC (Agência de Notícias da Universidade do Estado do Rio de Janeiro/
UERJ), Jun.2004.Op.cit.
primeiro vestibular após a aprovão da lei. O Ministro da Educão, Fernando Haddad,
diz que as novas universidades teo mais facilidade para adotar as cotas, já que não têm
tradição a quebrar. A terceira versão do anteprojeto traz outras novidades. Aumenta de
5% para 9% o percentual do orçamento de custeio das universidades federais que deverá
ser investido em assistência estudantil, como bolsas para alunos carentes, moradia e
restaurantes universitários.
161
Já o diretor-executivo da ONG Educafro, Frei David Santos, criticou o fato de as
novas regras valerem para novas Universidades, apesar de o Presidente Luiz Inácio
Lula da Silva ter sancionado, no mesmo peodo, a criação de cinco universidades
federais.
162
Inicialmente, o Projeto, que havia sido aprovado em cater terminativo, não
precisaria passar pelo plenário, indo direto para o Senado. Todavia, a oposição
conseguiu, logo em seguida a sua aprovação, reunir as assinaturas necessárias para
mudar o curso do projeto e fazer mudanças em plenário.
Questiona-se, por exemplo, como fica o ingresso por cotas dos alunos oriundos
das Escolas Federais de Ensino Médio, das Escolas Técnicas e dos Colégios de
Aplicação, que apesar de serem instituições públicas, seu alunado é constituído de
estudantes, fundamentalmente, de classe média. O sistema de corte de renda também
es sendo estudado como alternativa, conferindo nova gama de ambigüidades, em parte,
já apresentadas aqui. Mais grave, entretanto, parece ser a adoção do percentual de 50%
tendo como referência apenas os egressos das escolas públicas, como afirma o
presidente da Federação Nacional das Escolas Particulares, José Antônio Teixeira, que
se posiciona a favor das cotas apesar de representar a rede privada:
161
Jornal O Globo. Universidades novas deveo ter cotas de 50%. Editoria: O País. 30-07-2005.
162
Idem.
Se o projeto que institui cotas para estudantes de escolas públicas em
universidades federais acompanhasse o mesmo percentual destes alunos
no ensino dio, o resultado seria uma reserva de 83% das vagas, em
vez dos 50% previstos na proposta que será votada no plerio da
Câmara. "A taxa de 83% poderia escandalizar principalmente os que o
contra o sistema", afirma o deputado Carlos Abicalil (PT-MT), que foi
relator do projeto na Comissão de Educação e Cultura. O Censo Escolar
2005 registra que apenas 17% dos estudantes do ensino médio eso em
cogios privados, mas o percentual sobe bastante nas universidades
federais. Dados coletados pelo GLOBO ONLINE mostram que o grupo
representa, em dia, 65% dos aprovados nos últimos vestibulares do
Rio e deo Paulo. O maior percentual aparece na Fuvest (73% no
concurso deste ano), que inclui a Universidade de São Paulo (USP). Na
USP Leste, os valores são mais próximos: 51% vindos de particulares e
47% da rede pública. Na federal de o Carlos (UFSCar), a relação é de
70% para 30%. No Rio, os meroso bastante parecidos entre as
instituições. No vestibular 2005, foram aprovados na UFRJ 66% de
candidatos de escolas privadas, na UFF, 61%, e na UNI-Rio, 64%. -
Com este panorama, reservar metade das vagas não parece ser uma
decisão exagerada. É um fator igualirio - afirma
163
Mas dos discursos acerca de como se chegou ao percentual de 50% divergem, a
mesmo, entre os seus defensores. O secretário-executivo do Minisrio da Educação
(MEC), Jairo Jorge, explica que os 50% já estavam previstos na Reforma Universitária
do governo federal, que acaba de ser encaminhada pelo governo sem a fazer referência
às cotas sob a alegação de que tramita paralelamente um Projeto de Lei específico sobre
a reserva de vagas nas federais.
164
Chegamos a este mero baseados no princípio da igualdade, é o mais
justo, diz o deputado Carlos Abicalil. O mérito da porcentagem não foi
motivo de discorncia durante as discuses na Comissão de Educação
e Cultura. De acordo com ele, nos últimos sete anos, foram feitos mais
de 30 projetos sobre o assunto, a maioria estipulando a reserva de
metade das vagas. - A ponderão de 50% foi menos objeto de cálculo e
muito mais demanda social. Se o prazo para implementação das cotas
for mesmo de seis anos, a previsão é que, em 2016, as universidades já
consigam igualar o número total de matriculados nas graduações entre
alunos da rede pública e privada - calcula o parlamentar
163
Daniela Leiras. Globo On line. Cotas de 83% das vagas nas universidades seriam escandalosas. 23-
09-2005.
164
O debate em tornos das cotas se arrefeceu devido à aprovação do Projeto de Lei PL-73/1999,
apresentado pela Deputada federal Nice Lobão do PFL, na Comiso de Constituão e Justiça e de
Cidadania (CCJC) em 08/02/2006. Disponível em http://www2.camara.gov.br/proposões. Último
acesso: 08-05-2006.
Já o ex-ministro da Educão Paulo Renato de Souza, posiciona-se contra o
percentual adotado no projeto. Segundo ele, em entrevista concedida ao Jornal O Globo,
a reserva 50% das vagas de universidades federais para as cotas seria demais. Isso
poderia levar a uma queda na qualidade da educação. Considera que se o percentual
fosse menor, não haveria esse risco.
165
Outro ponto polêmico no projeto do MEC é a definição da cor do estudante. O
Ministério preferiu adotar o critério da Uerj e da Uenf, que é de auto-declaração mas,
como o projeto considera também beneficiados os pardos, difícil será, diante da
miscigenação da sociedade brasileira, definir quem é branco.
Como já foi dito acima, o sistema de cotas está previsto no texto da Reforma
Universitária elaborada pelo MEC em parceria com representantes de entidades não-
governamentais, mas até o momento da finalização deste estudo ainda não tinha sido
votado de forma definitiva. rumores de que o governo renunciaria à obrigatoriedade
do oferecimento de 50% das vagas para as cotas, mas nada ainda foi decidido. Afinal,
este é um ano eleitoral e... emergem pleitos de mudanças. Todavia, poucas parecem
mudar, de fato, o curso desta história.
Por outro lado, comenta-se que a intenção do governo é estipular o percentual da
cota com base em estatísticas do IBGE sobre o perfil racial da população de cada estado.
Com isso, na Bahia, por exemplo, 73% das vagas de cada concurso teriam de ser
destinados a pessoas que se declarassem negras ou pardas.
Em recente reportagem, a reitora da USP, Suely Vilela, conhecida pelas críticas
às propostas de cotas raciais e sociais hoje implantadas, de uma forma ou de outra, em
grande parte das Universidades brasileiras e defendidas pelo movimento negro e pelo
165
Daniela Leiras. Globo On line. Cotas de 83% das vagas nas universidades seriam escandalosas.
Op.cit.
governo federal, afirma que é posvel fazer incluo social com mérito. De forma
similar ao que acontece na Unicamp, a USP está propondo a implantação de um
conjunto de ações que envolverão os alunos, os professores e os órgãos de fomento. No
programa intitulado INCLUSP, haveria o adicional de 3% sobre as notas dos alunos que
tenham cursado os três anos do ensino médio em escola pública. Vale para as duas fases
do vestibular. Propõe também um processo de avaliação seriada, feita pela FUVEST,
dos alunos das escolas públicas que aderirem ao programa no qual os melhores teriam
bolsas de iniciação científica do CNPq. De um outro lado, o projeto prevê cursos de
educação continuada para professores da rede pública e aperfeiçoamento do conteúdo
acadêmico das escolas públicas que aderirem ao programa. Todas essas ações estão
previstas para serem iniciadas em 2007.
A defesa da reitora pelo projeto dá destaque à ênfase do mesmo na tentativa de
melhorar o ensino médio. Ela esclarece, ainda, que onus de 3% para os alunos
oriundos da rede pública foi obtido por meio derias simulações com as notas do
resultado do vestibular de 2006 e não tem, portanto, caráter político ou coorporativo e
sim técnico. Assim, segundo a reitora, a USP estará preservando o mérito acadêmico
com inclusão social e não simplesmente abrindo a universidade para cotas. Quanto à
polêmica questão das cotas para afrodescendentes não terem sido contempladas
diretamente no projeto, a reitora esclarece que pelo censo escolar de 2005, que já
contempla os quesitos raça e cor, o cenário mostra que 56% dos alunos são de ra
negra. Com isso o projeto estaria fazendo a inclusão socioeconômica e étnica, em suas
diferentes realidades. Admite, porém, que será no processo de avaliação seriada que a
inclusão étnica torna-se-á mais significativa. Disposta a dialogar, houve a tentativa de
acordo com o movimento negro, sobretudo com o Educafro, chamado inclusive para
indicarem representantes no grupo de trabalho do projeto, Todavia, a invasão da
reitoria, por parte de integrantes do movimento negro, no dia da votão do projeto no
Conselho Universitário, demonstrou a falta de maturidade do movimento para lidar com
a questão e a prática de rejeitar propostas que não sejam as pretendidas por eles. A
reitora esclarece por último que as universidades estaduais, como a USP, a Unesp e a
Unicamp, não pretendem aderir o ao projeto proposto pelo governo federal, caso o
mesmo seja aprovado nos moldes conhecidos até agora, e para isso se fazem valer da
autonomia universitária.
166
O projeto da USP, no entanto, gerou uma nova polêmica relacionando o projeto o
Governo Federal e à questão da autonomia universitária. Esta polêmica já estava posta
desde o inicio do debate quando a USP deixou claro, por meio de suas instancias
deliberativas, que era desfavorável a proposta de cotas para negros. E a pergunta que
não quer calar se fez soar na fala do professor:
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional refere-se ao conjunto
da educação superior no Brasil, inclusive aos sistemas estaduais. Logo,
estes o abordáveis pela legislão federal. Então, por que o PL 3.627
não inclui as universidades estaduais públicas? Por que motivo a USP
tem a possibilidade de exercer sua autonomia, e a UFRJ, por exemplo,
não? Isto indica que não na proposta do governo um carátero
abrangente quanto se alardeia?
167
Também a Universidade Federal do Rio de Janeiro UFRJ divulgou
recentemente que está discutindo uma proposta alternativa às cotas propostas pelo
Governo Federal, já aprovada em sua primeira versão e com expectativa de implantação
já no primeiro semestre de 2007.
Sem esclarecer detalhes importantes do projeto, o reitor Aloísio Teixeira, informa
que o projeto pretende oferecer 5% das vagas, com a dispensa do vestibular, a alunos
oriundos das escolas estaduais do Rio de Janeiro. A avaliação seria feita internamente na
166
Tatiana Farah, Jornal O Globo. Editoria: O País. É possível fazer inclusão social com mérito.
Entrevista com Suely Carneiro. 04/06/2006.
167
Amâncio Paulino de Carvalho é professor da Faculdade de Medicina da UFRJ e diretor do Hospital
Universitário Clementino Fraga Filho. Jornal Folha Dirigida. Editoria: Educação. 21-04-2004.
relão com a oferta de vagas de cada curso, sem a obrigatoriedade do preenchimento de
todas as vagas. A defesa desse tipo de projeto, segundo o reitor, está na noção de que o
vestibular não proporciona a melhor avaliação para o ingresso na universidade.
Ressalta, ainda, que a experiência das cotas não resolve o problema, embora tenham o
mérito de levantar uma questão importante. Porém o projeto deixa dúvidas, sobretudo
acerca de como pretende dialogar com a obrigatoriedade de adesão da Lei encaminhada
pelo Governo Federal, prestes a ser votada.
168
Diante da gama de considerações feitas até aqui, vale aqui duas observações
importantes. Primeiro destacar o fato de iniciativas corajosas como a da USP ou da
UFRJ de proporem modelos alternativos de inclusão universitária. Essas experiências
abrem caminho para que o debate acerca da adoção da política de cotas possa compor
com diferentes olhares sobre a questão sem que isso se caracterize em preconceito ou
racismo. Segundo, que o fato de se problematizar a adoção de políticas reparadoras não
indica, a despeito daqueles que simplesmente não estão dispostos a problematizar em
nome de uma causa, que se esteja defendendo a manutenção da desigualdade social, de
desigualdade de acesso aos bens culturais acumulados, dentre eles, mas não único como
parece se apresentar no caso das cotas, o ensino universitário. Não se preconiza e
tampouco se aceita a situão de penúria material e cultural a que muitos vêm sendo
submetidos. Diverge-se, sim, das estratégias e, sobretudo, das concepções.
Em recente entrevista a Globo News, o filósofo e enssta Pascal Bruckner
enfatizou de maneira muito clara que a atual política econômica não dá espaço e nem
tem como meta a erradicação da pobreza e da desigualdade, ao contrário, se alimenta
destas e delas são dependentes para sua ppria sobrevivência.
169
168
Claúdia Lamego, Jornal O Globo. Editoria: O País. UFRJ estuda uma alternativa às cotas.
04/06/2006.
169
Rede Globo de Televio. Globo News Painel. 22-11-2005.
Pode parecer piegas ou discurso feito, mas o fato é que se parece esquecer que as
instâncias, como o FMI e o Banco Mundial, que permeiam as ações e políticas mundiais
têm como base as mesmas macroestruturas socio-políticas excludentes, representadas
por meio de suas Instituições. Ou seja, implementam-se medidas cio-econômicas
excludentes e criam-se mecanismos reparadores dos lastros e efeitos colaterais deixados.
Utiliza-se de suas brechas, supostamente como nos velhos moldes da concepção
reformista de estado. Utilizam-se, pois, esses remédiospara realmente remediar.
E há quem afirme: (....) Talvez estejamos utilizando o prinpio da homeopatia e
combatendo o veneno com pequenas doses do próprio veneno que provoca a doença.
170
1.3 PAUTANDO O FATO : uma cartografia da cobertura jornalística impressa
sobre as cotas
Alguns estudos que analisam o papel da mídia na construção de significados
acerca da potica das cotas serviram de parâmetro para a realização deste estudo.
O primeiro - O dito e o não dito: o papel da imprensa no debate sobre as
cotas
171
, num livro organizado e escrito por ativistas negras, faz uma ctica da relão
da mídia com as questões raciais no que tange a dois focos principais: aquela que aponta
as representões negativas do negro neste espaço (...) e uma outra que avalia as sub-
representações ou mesmo a falta dela.
172
Esses olhares, segundo a organizadora,
apontam para o ethos da mídia brasileira que acaba por se coadunar com a sociedade e
vêm colaborando para o desvelamento do manto de democracia racial que encobriria os
mecanismos de exclusão e discriminação. A forma como o negro é visto e tematizado
170
Isabel Cruz. JC- E Mail. Leitores comentam a política de cotas. 15-04-2004.
171
Cf. Borges, R. da S. O já-dito e o não dito: o papel da imprensa no debate sobre as cotas. IN: Ações
Afirmativas em Educação Experiências Brasileiras Silva da, Cidinha (Org). Edições Selo Negro: São
Paulo, 2003.pps 233-255.
172
Ibidem, p. 234.
verbal e iconicamente é o retrato mais bem acabado de a quantas andam (sic) as nossas
relões raciais.
173
Para a ela, o tema das cotas, surgido a partir de fevereiro de 2003, põe em cena
outros mecanismos da linguagem midiática, qual seja, as desigualdades raciais no Brasil,
ofertando sentidos p-determinados ao universo de leitores, demonstrando um certo
pendor dadia para divulgar certos aspectos eo outros, em vez de pluralizar
fontes e vozes como seria o esperado de um veículo de comunicação.
É assim que, segundo ela, proliferam artigos e reportagens cujos posicionamentos
são contrários à implantação das cotas. Os motivos mais elencados seriam: a quebra do
princípio de isonomia constitucional, o comprometimento com o requisito do mérito, o
não enfrentamento com a questão estrutural do ensino e, sobretudo, não levar em conta
os padrões de miscigenação das fronteiras raciais no Brasil.
A fonte da pesquisa da autora foram os jornais Folha de São Paulo e Correio
Brasiliense, este último com destaque para os artigos de Sueli Carneiro, fundadora e
coordenadora executiva de Geledés Instituto de Mulher Negra. A autora indica,
também, “outras reportagens
174
divulgadas na mídia impressa a partir da implantão
da política de reserva de vagas na Uerj.
Enquanto mediadores, modos de dizer denunciam intencionalidades.
175
É nesse
sentido que a autora opta por selecionar os textos jornasticos selecionados a partir do
(A) dizer declarativo, (B) dizer indicativo, (C) dizer opinativo.
176
No âmbito do dizer declarativo, identifica uma tomada de posição contra as cotas:
173
Cf. Borges, R. da S. O já-dito e o não dito: o papel da imprensa no debate sobre as cotas. Op.cit. p.
235.
174
A autora não faz alusão ao número de reportagens selecionadas e não delimita com clareza o período
de coleta do material selecionado.
175
Ibidem, p.237.
176
O dizer declarativo se sustenta a partir de um discurso referencial, resultados estasticos, legislações,
etc; o dizer indicativo tem como base o testemunho de terceiros, indicando os problemas oriundos das
referidas políticas e o dizer opinativo se constitui de opiniões do próprio jornal.
As cotas, no seu estágio incipiente, o apontadas como uma política
probletica, ineficiente, incitam ao preconceito e o são tão
necesrias assim, posto que alunos negros e pobres conseguem
aprovação no vestibular sem elas. Algumas dessas conclues não são
feitas parcial e indiscriminamente pelo jornal, o os (as) protagonistas
(professores (as), alunos (as), funciorios (as) das universidades dessas
políticas que o dizem. Nada mais letimo. A imprensa é apenas a fala
intermediária.
177
Da mesma maneira, no dizer opinativo, a autora identifica editorais
marcadamente cticos à adoção das cotas indicando como sda a defesa da escola
pública e de qualidade.
as creas e expectativas sustentadas pelas matérias e editoriais aqui
examinados, parecem solidárias ao idrio das relações raciais que se
cristalizou no nosso imagirio. Elas apaziguam as possíveis tensões e
confortam a todos nós ao afirmar que o mito da democracia racial
continua operando, solenemente, em bases sólidas.
178
No bojo do dizer opinativo, a autora aponta a emergência de um discurso
fundador que emerge como possibilidade de uma nova tradão de sentidos sobretudo a
partir dos artigos de Sueli Carneiro
179
.
Sueli Carneiro, oportunamente, e em relevo os argumentos de que a mídia se
apropria e consegue extrair no dispositivo de negação/reprovação desses argumentos
uma revelão que sub-repticiamente se impõe: o melhor das cotas. Algo escapa e a falta
mostra a sua face. Ao negarem a visibilidade dessas poticas, tais argumentos deixam
escapar ideologias (a manutenção de privilégios, o racismo, hegemonia de grupos
raciais). Orquestrados irmanamente ou em separado, eles nos dão o tom de nossas
relões raciais.
180
Ou seja, ainda que a autora indique em sua alise que não entende a mídia como
grande manipuladora”, parece que tende a identificar tendências negativas de formação
177
Cf. Borges, R. da S. O já-dito e o o dito: o papel da imprensa no debate sobre as cotas. Op.cit.,
p.242.
178
Ibidem, p.247.
179
Ibidem, p.248.
180
Ibidem, p.250.
de opinião e vê nos artigos de uma ativista negra a emergência de uma nova
possibilidade de entendimento da questão.
Sem entrar no mérito do artigo ou da pesquisa, a constatação parece ser
reducionista demais, além do que, identifica como negação de visibilidade um tema
que vem sendo paulatinamente discutido, com prós e contra, nas diferentes mídias, como
pôde ser constatado neste estudo.
Eo faltam discursos que tomam a mídia como uma vilã e declaradamente
contrária às cotas.
"
A grandedia, muitas vezes, é tendenciosa, mostrando apenas
argumentos contrários às políticas é importante levar o debate diretamente para onde
es a população que pode usufruir das cotas", diz a pesquisadora.
181
Outro artigo que estabelece a relaçãodia/cotas como foco, é fruto de uma
pesquisa mais estruturada Como a imprensa escrita brasileiras cobriu a III
Conferencia Mundial e a Discriminação Racial, Xenofobia e Formas Correlatas de
Intolerância ( CMCR)
,de Nilza Irani e Marisa Sanematsu.
182
Adotando uma radicalidade em relação ao entendimento do papel da mídia na
construção de significados sociais, as autoras a definem como um lugar privilegiado na
crião dos estados de opinião, (...) onde os discursos circulam e definem sujeitos.
183
Bem articulada, a pesquisa teve financiamento da Fundação Ford e teve o
objetivo de fazer o monitoramento da cobertura que a imprensa escrita realizou sobre a
CMCR
184
entre 25 de agosto a 21 de setembro de 2001.
181
Cf. Borges, R. da S. O já-dito e o não dito: o papel da imprensa no debate sobre as cotas.
Op.Cit.,251.
182
Cf. Iraci,N. ,Sanematsu, M. Mídia e Racismo. Rio de Janeiro: Editora Pallas,2003
183
Ibidem, p.23.
184
III Conferência Mundial contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Formas Correlatas de
Intolerância Durban, África do Sul, 31 de agosto a 7 de setembro de 2001.
Dos oito veículos
185
monitorados pela pesquisa constatou-se a publicação de 458
matérias que apresentavam a CMCR como assunto principal ou temas correlatos, entre
os quais políticas afirmativas ou de reparação para negros.
A pesquisa tabulou a participação dos vculos na cobertura, os tipos de
matérias, enquanto neros jornasticos e classificou as reportagens como informativas
ou opinativas. Destacou os pontos polêmicos, onde mais uma vez surge a noção de
reparação, bem como indicou os temas mais tratados. Dias antes da Confencia ( 26 de
agosto), o Jornal Folha de São Paulo antecipava quais seriam os pontos mais
polêmicos na cúpula: reparação, Oriente Médio e vítimas de discriminação (negros,
mulheres e homossexuais).
186
Procurou, também, fazer a correlação autor/matéria e autor/matéria/vculo de
modo a tentar identificar perfis de opinião, chegando a mapear, de forma sintética, as
características pessoais dos autores/autoras, sejam jornalistas, intelectuais, ativistas,
estudantes ou leitores em geral.
Uma última pesquisa utilizada como referência foi elaborada pelo já citado
antropólogo Peter Fry, na qual o autor selecionou as cartas dos leitores do Jornal O
Globo durante o ano de 2004.
A síntese da pesquisa expressa no artigo O Debate que não houve: a reserva de
vagas para negros nas universidades brasileiras
187
, tem em comum com este estudo,
entre outras coisas, o fato de consubstanciar suas análises nas cartas dos leitores
publicadas durante os anos 2001 e 2002, na suposição de que representem opiniões que
extrapolam os muros das universidades
188
, ou seja, o exteriores às práticas, tais como
185
Os jornais - Correio Brasiliense, O Estado de São Paulo, Folha de São Paulo, O Globo, Jornal do
Brasil e as revistas semanais Época, Isto é e Veja.
186
Cf. Iraci,N. ,Sanematsu, M. Mídia e Racismo. Op.cit.p.32.
187
Cf. Fry, P. O debate que não houve: a reserva de vagas para negros nas universidades brasileiras
(com Yonne Maggie).Op.cit. p.306.
188
Ibidem, p.306.
na análise do discurso pretendido em Heráclito. São nativos que, na tradição de
nossa antropologia, devem ser levados a sério diz o antropólogo.
189
Ainda que julgue legítimo o movimento organizado dos autodenominados afros
descendentes e suas conquistas e não negue o fato de que o preconceito racial existe nas
práticas e nas representações acerca do negro brasileiro, o antropólogo usa o que
denomina de vozes nativas dos leitores de modo a debater as questões privilegiadas
em suas análises: a substituição de um Brasil miscigenado por um país de raças
distintas. É o que ele classifica como Fim do Mito do Macunma ou processo de
racialização do Brasil.
Sem queremos entrar numa discussão sobre a distribuição de cinismo no
Brasil, parece claro que o cidadão brasileiro, pelo menos perante as
universidades e a fuão pública, o poderá mais se identificar com o
Macunma do Modernismo Brasileiro; agora ele terá que pertencer a
uma raça ou a outra.
190
E o antropólogo radicaliza ainda mais :
As cotas são nauseabundas para muitos não apenas porque parecem
contradizer o ideal da democracia racial e da democracia liberal tout
court mas tamm porque parecem ameaçar a idéia modernista da
antropofagia. É como se o Brasil comesse a ação afirmativa
formalizada, outras comidas de que tanto gosta tornar-se-iam cada vez
mais desagradáveis, não menos a mistura em si.
191
Sobre esse mesmo prisma, Yonne Maggie, colaboradora da pesquisa de Fry e
também antropóloga do Museu Nacional resume sua opinião acerca da política de cotas -
no Brasil, preferimos as pontes do que as margens.
192
No estudo, o autor denuncia, ainda, que não houve um debate público substancial
nem entre parlamentares, nem para com a opinião pública sobre a questão,
considerando, com isso, que o debate começou frágil.
189
Cf. Fry, P. O debate que não houve: a reserva de vagas para negros nas universidades brasileiras
(com Yonne Maggie).Op.cit., p.307.
190
Ibidem, p.306.
191
Ibidem, p.305.
192
Ibidem, p.306.
Com os resultados da pesquisa elaborada a partir das cartas dos leitores, Fry
chega a algumas considerações interessantes. Primeiro o pesquisador destaca que o que
chama mais atenção nas cartas é a coerência dos argumentos expressos.
Uma gama de leitores sugere que a implantão das cotas pode não alcançar a tão
pretendida inclusão social e ainda promover uma bipolarização racial e um aumento das
tensões inter-raciais. Por outro lado, favoráveis e desfavoráveis à política de cotas
concordam que a cotas para negros representam uma ruptura com tradição da
democracia racial brasileira. Já o tema da inconstitucionalidade, segundo o pesquisador,
é abordado regularmente pelos missivistas, a partir do mote de que a constituição
brasileira diz que todoso iguais perante a lei. Outro argumento que aparece com
freqüência nas cartas é o de que discriminar, ainda que positivamente, é uma forma de
racismo. Sobre este aspecto, o antropólogo destaca o termo apartheid brasileiro,
utilizado por um leitor para se referir à adoção das cotas no serviço público brasileiro, o
protesto de uma negra que considera as cotas um retrocesso no processo de integração
do negro à sociedade e a discussão que remete ao fato do conceito de raça” não ter base
científica.
Segundo o autor este é um aspecto importante de ser ressaltado quando se opta
pela adoção de uma política de cotas baseada em preceitos raciais”, pois a mesma
instaura a criação de duas categorias raciais. O sistema de cotas, então, representa, a
vitória de uma taxionomia bipolar sobre a velha e tradicional taxionomia de muitas
categorias afirma.
193
Embora não trate diretamente sobre a relação com a mídia, é importante citar,
também, o citado estudo de Thomas Sowell
194
acerca do efeito das ações afirmativas
e da adoção de cotas na Índia, Malásia, Estados Unidos, entre outros pses. A
193
Cf. Fry, P. O debate que o houve: a reserva de vagas para negros nas universidades brasileiras (
com Yonne Maggie).Op.cit., p.308.
194
Ibidem, p.308.
divulgação do livro no Brasil, no mesmo período em que a UERJ adotava a potica de
cotas de forma pioneira no Brasil, teve efeitos bastante significativos na dia,
sobretudo a partir das análises do jornalista do Jornal O Globo, Ali Kamel.
A pesquisa aponta para conclusões demolidoras do mito da igualdade e justiça
que acompanha essas políticas. O acirramento de questões raciais, o aparecimento de
hierarquias no interior dos grupos supostamente marginalizados, o fracasso escolar de
grande parte dos estudantes beneficiados e mesmo, o preconceito em relação à idéia de
mérito, demonstra, acima de tudo, um sistema político contaminado por noções
impregnadas de moralismos e submissões aos padrões hierquicos sociais e
ecomicos.
De maneira distinta, essas pesquisas foram balizadoras de alguns caminhos
metodológicos adotados por este estudo, articulando, todavia, as perspectivas analíticas
já descritas aqui.
1.3.1 A cobertura da mídia impressa brasileira sobre a política de cotas ou sobre
o método
Nesta pesquisa, foram selecionadas reportagens, artigos, entrevistas e cartas de
leitores, durante todo o ano de 2004 e 2005, veiculadas nos principais jornais e revistas
que circulam no Brasil e no Estado do Rio de Janeiro.
Conforme já foi citado anteriormente, essa busca se deu fundamentalmente a
partir do sistema de clipping desenvolvido pelo setor de Comunicão da Universidade
Estadual do Rio de Janeiro/ UERJ, que visa reunir as principais notícias do dia e
disponibilizá-las on-line. Segundo os organizadores, a partir de junho de 2004, diante da
intensificação do debate sobre as cotas, um espaço diferenciado - o clipping cotas foi
criado para divulgar de forma mais precisa e ordenada essa discussão.
195
Cabe aqui uma consideração recolhida dentre as pprias matérias selecionadas.
Os debates sobre as cotas na universidade costumam basear-se em
estatísticas, as quais, geralmente, parecem confirmar o que se pretende
demonstrar. Mas devemos ficar alertas para o fato de que apenas esses
dados não conseguem dar conta da complexidade da realidade social.
Estatísticas só falam” quando adequadamente inseridas em contextos
que lhes outorgam significado.
196
Dentro deste enfoque, os dados obtidos apontam para um total de trezentos e
quarenta e nove aparições na mídia impressa, durante esses dois anos, distribuídas,
neste estudo, nas categorias matérias assinadas, (cinqüenta e nove ); matérias (quarenta e
quatro), notas, (quarenta e oito); cartas de leitores, (cento e vinte), artigos (quarenta e
sete), entrevistas (seis), editorial (quatorze) e debates (dezoito).
Os quadros abaixo indicam algumas evidências, mas inicialmente vale apontar
para algumas opções conceituais de seleção e de análise dos dados obtidos.
As matérias selecionadas foram separadas em informativas e opinativas, a
exemplo do estudo aqui citado de Nilza Irani e Marisa Sanematsu
197
. Como matérias
consideradas de caráter informativo têm-se: matérias assinadas como aquelas que apesar
de terem um cunho eminentemente informativo, buscando certa neutralidade na
apresentão dos fatos, são assinadas por articulistas e/ou jornalistas dos veículos, de
outro lado, matérias com o mesmo caráter informativo e de certa imparcialidade, que
não possuem, no entanto, signatários. As notas em colunas não assinadas comem este
195
Vale observar que com a utilizão do clipping assumiu-se o reconhecimento da incompletude dessa
selão posto que, por muitas ocasiões, entrevistas, artigos, sobretudo em jornais de fora do Estado do
Rio de Janeiro, não eram apresentados no clipping. Outro fator importante foi a mudança de geso na
reitoria da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, que abriga o setor, fato que acabou por provocar
uma queda na qualidade desta seleção. Todavia, como o objetivo da análise era o de fazer um recorte
possível da cobertura jornastica sobre as cotas, considerou-se que o espaço criado na UERJ, poderia ser
emblemático e possibilitar um recorte deste cenário.
196
José Luiz Petruccelli & Moema Teixeira. Jornal O Globo. Temas em Debates: Cotas. O que não se diz.
06-12-2004.
197
Cf. Iraci,N. ,Sanematsu.M, Mídia e Racismo. Op.cit.p.32.
segmento. Cabe ressaltar, que não se pretendeu fazer uma análise detalhada dos
signatários tanto das matérias informativas assinadas, quanto das opinativas. Buscou-se,
no entanto, garantir a visibilidade desses autores indicando suas identidades, seja de
jornalistas, economistas, juristas, militantes do movimento negro, professores e leitores
a partir das referências bibliográficas expressas nas notas de rodapé.
Já as matérias de cunho opinativo foram separadas em cartas de leitores, artigos,
editoriais e debate. Nos ts primeiros casos, as mesmas foram subdivididas entre
favoveis à adoção da política, desfavoráveis e neutras, tomando estas últimas como
aquelas que, em suas análises, optaram por levantar apenas os prós e os contra às
referidas ações, sem explicitar posições definitivas. Ainda compondo a categoria
opinativa, foi inclda a sessão debate que, com pequenas variações de apresentação e
chamadas, caracterizaram-se por promover uma discussão entre duas posições distintas.
Nesse caso, pareceu ser desnecessário marcar posições contra ou a favor.
TABELA 3: ano de 2004.
INFOR.
OPINATIVA
VEÍCULO
MA MS
NT Entrv. Cartas
Artigos Edit.
De.
TO
F
D
N
F
D
N
F
D
N
F
D
N
1 1 7 - - - - 2 1 - - - - - - 2 14
24
11 11
- 1 1 11 35 3 7 10 3 - 2 - 10 129
4 1 1 - - - - - - - 1 - - - - - 7
- 1 2 - - - - - - - - - - - - - 3
- 1 - - - - - - - - - - - - - - 1
10 9 7 - 1 - - - 3 2 3 - - - - - 35
- 2 1 - - - - - - - - - - - - - 3
2 1 2 1 - - 4 5 - 1 5 - 1 - - - 22
JC E-Mail
- - 1 - - - 2 1 - - - - - - - - 4
- - - - - - - - - - 1 - - - 1 - 2
1 - - - - - - - - - - - - 1 - - 2
TRIBUNA DA IMPRENSA
- 1 1 - - - - - - - - - - - - - 2
ESTADÃO
1 - - - - - - - - - - - - 1 - - 2
- - - 1 2 1 17 43 7 10 17 3 1 4 1 - -
43 28 33 4 67 30 6 12
TOTAL
226
Deste primeiro mapeamento geral, pode-se observar que o Jornal O Globo é o que
mais se destaca em termos de quantidade de matérias gerais selecionadas, com destaque
para praticamente todos os tipos de matéria. Apesar de ter um Editorial claramente
definido como desfavorável ou pelo menos questionador acerca da política de cotas, o
espaço conferido a posições favoráveis ou desfavoveis foi bastante equilibrado, com
destaque para a sessão de cartas. A sessão Debate, bastante freqüente, trouxe à cena
posições antanicas, favorecendo a visibilidade de posições divergentes. Em seguida,
tem-se o Jornal Folha Dirigida que por ser um veículo voltado primordialmente para a
Educação e divulgação de Concursos, conferiu um espaço significativo ao debate sobre
as cotas posto que as poticas afetam diretamente as expectativas de seu público alvo.
Também apresenta números bastante equilibrados. Os veículos restantes apresentaram
matérias sobre o assunto sem, no entanto, fazer um acompanhamento mais constante,
muitas vezes apresentando apenas notas ou artigos isolados. Já as revistas semanais
tenderam a apresentar matérias mais amplas, buscando informar o leitor acerca do
processo de implantação da política para depois especificar a situação do momento de
forma mais detalhada.
O ano de 2005 apresentou uma redução do número geral de matérias, mas
manteve as mesmas especificidades em termos de espaço conferido ao debate sobre as
cotas em cada veículo.
Outro aspecto que fica claro na leitura dos dados é a tendência de maioria de
discursos desfavoráveis acerca da adoção da potica de cotas. Mas uma posição muito
importante surge da mídia, sobretudo por meio da seção de cartas, em que a
desaprovação da adoção da política de cotas vem com a ressalva de que a crítica está na
adoção de cotas para negros e não para os pobres em geral.
Exemplos como o discurso abaixo podem ser encontrados entre aqueles que são
contra ou a favor das cotas, contanto que estas não sejam destinadas, especificamente, a
negros ou índios.
Quando se estipulam cotas para negros, brancos, índios está se dizendo
que sem a medida as pessoas nunca terão sucesso na vida. Isso é
menosprezo. O caminho seria fazer com que todos tivessem acesso à
educação para evitar essa discriminão oficializada. É uma política
equivocada, é motivo de chacota, de gozação. O caminho correto é o
concurso público e quem tem competência que se estabeleça. O que o
país tem de dar é condições para a pessoa estudar, preparar-se para
fazer o concurso e competir em condições de igualdade. A queso é o
pobre. Quando a pessoa não consegue se preparar é por dificuldade
financeira.
198
TABELA 4 - ano de 2005
198
Alberto Fraga. Deputado Federal. PTB/DF. Jorge Eduardo Machado. Cota de vagas para negros: uma
discriminação oficializada. Folha Dirigida. Editoria: Capa. 12-05-2004.
INFOR.
OPINATIVA
VCULO MA MS NT Entrv. Cartas
Artigos Edit.
De. TO
F
D
N
F
D
N
F
D
N
F
D
N
1 1 3 - - - - - - 1 - - - - 1 - 7
5 6 4 - - - 13 14 - 2 - 1 1 3 - 6 55
3 3 1 - - - - - - 1 3 - - 1 - - 12
1 - 1 - - - 1 1 - - - - - - - - 4
- - - - - - - - - - - - - - - - -
3 3 4 2 - - 5 4 - - - - - - - - 21
- - 1 - - - - - - - - - - - - - 1
- - 1 - - - 1 3 - 1 2 - 1 - - - 9
-J-C- E-Mail
1 1 - - - - 1 - - 1 - 1 - - - - 5
- - - - - - - - - - 1 - - - - - 1
- - - - - - - - - - - 1 - - - - 1
TRIBUNA DA IMPRENSA
- 1 - - - - - - - - - - - - - - 1
ESTADÃO
2 - - - - - - - - - - 2 1 - - - 5
ISTO É
- 1 - - - - - - - - - - - - - -
1
- - - 2 - - 21 32 - 6 6 5 3 4 1 -
16 16 15 2 53 17 8 6
TOTAL 123
Diferentemente dos dados obtidos pelo estudo da pesquisadora Sueli Carneiro,
em que a mídia, sobretudo a mídia impressa aparece quase como uma vilã, negando
visibilidade ao debate sobre as cotas, demonstrando, nos dizeres da autora, um certo
pendor em divulgar certos aspectos e não outros
199
, os dados obtidos por este estudo
revelam, não só uma extensa cobertura sobre o tema, como também um visível
equilíbrio de divulgação dos diferentes posicionamentos.
Ao acompanhar a tabela abaixo, com duzentas e vinte e seis matérias (226)
apuradas no ano de 2004, pode-se observar que embora a política de cotas tenha tido o
vestibular de 2002/2003 como marco inicial, um ano depois, no mês de janeiro, não há
registro de sua adoção na mídia impressa. Fica visível, também, a intensificação do
debate no ano de 2004, sobretudo nos meses de abril, maio e junho em que ocorrem
anualmente a prova e a divulgão dos resultados do vestibular da UERJ.
TABELA 5
199
Cf. Borges, R. da S. O já-dito e o não dito: o papel da imprensa no debate sobre as cotas. Op.cit.,
Matérias apuradas
2004
0
10
20
30
40
50
60
Série1
0 7
10
26
31 55 33 2 28 9 13
12
JAN FEV
MAR
ABR
MAI
JUN JUL
AGO
SET
OUT NOV
DEZ
Já o ano de 2005, em que um total de cento e vinte e três (123) matérias foram
apuradas, apontou para uma diminuição do debate talvez pelo fato de que algumas
polêmicas já teriam sido amainadas, como a questão da inconstitucionalidade, ou mesmo
pelo desgaste do intenso debate do ano anterior.
TABELA 6
Por outro lado, quando comparados os tipos de matérias oferecidas ao leitor
também se evidenciou certo equilíbrio entre as matérias informativas e opinitativas, com
uma tendência discreta para as matérias de cunho opinativo em 2004 e leve crescimento
em 2005 indicando, talvez, que em se tendo definido alguns critérios, o debate opinativo
se intensificou.
Matérias apurad
as
2005
0
10
20
30
40
50
60
Série1
4 10 18 21 11 13 10 5 2 6
14
9
JAN FEV MAR ABR
MAI
JUN JUL
AGO
SET
OUT
NOV
DEZ
TABELA 7
ANO 2004
Tipos de Matérias
0
20
40
60
80
100
120
140
informativa opinativa
informativa
0 2 2 13 14 22 18 1 14 5 10 9 110
opinativa
0 5 8 13 17 33 15 1 14 4 3 3 116
JAN FEV MAR ABR MAI JUN JUL AGO SET OUT NOV DEZ total
TABELA 8
Vale reiterar que o recorte de matérias gerais analisadas restringiu-se ao clipping
já mencionado, não havendo a proposta de fazer um mapeamento numericamente preciso
de todas as matérias, em todos os veículos. Os jornais paulistas, por exemplo, como
Folha de São Paulo e Estado de São Paulo, aparecem com um mero reduzido de
ANO 2005
Tipos
de Matérias
0
20
40
60
80
informativa
opinativa
informativa
1 4 9 7 3 5 3 2 0 2 8 3
47
opinativa
3 6 7 9 8 8 9 3 2 4 9 8
76
JAN
FEV
MAR
ABR
MAI
JUN
JUL
AGO
SET OUT
NOV
DEZ
total
matérias muito provavelmente por falta de acesso da organização do clipping dos
mesmos.
Da mesma forma, importantes revistas que têm trazido à tona as discussões sobre
as cotas, como a Carta Capital e a Caros Amigos, não aparecem sequer no clipping.
Um outro universo não trabalhado diretamente na pesquisa empírica, apesar de
ter sido feito uso de muitos artigos no diálogo com tese apresentada, foram os sites na
web que veiculam a discussão sobre as cotas, publicam artigos e/ou apresentam as
novidades em termos de legislações, acordos, etc. A grande parte desses sites são
vinculados a entidades, ONGs e ou grupos representativos do movimento negro.
Como um recorte posvel, a seleção e análise das matérias tiveram seus limites
assim definidos.
1.4 - Espectros da dia
Seguindo a estrutura proposta, este segmento pretende dar visibilidade ao debate
na mídia impressa em torno da adoção da política de cotas e/ou cotas para negros, a
partir de temas polêmicos que suscitou, por meio da transcrição de trechos de cartas,
reportagens, artigos, etc.
Todavia, um primeiro recorte ganhou relevância quando selecionadas apenas as
manchetes das matérias apuradas, revelando de maneira bastante expressiva as
ambigüidades, diferentes posturas e impasses que a referida política instaura.
Fica claro nas manchetes a gama de oscilações presentes nos diferentes discursos,
bem como seus principais temas.
Estado paga bolsa de alunos cotistas... A Herança da desigualdade na educação do
país.... A injustiça do sistema de cotas... Abrindo portas na universidade: O
reconhecimento da pluralidade social, num país marcado pela obsessão da
unidade... Transito entre dois mundos... Falsas premissas... O governo o vai
impor...o ficaremos calados... Só falta tirar do papel... UnB: pardos só se forem
negros... Universidades vão mapear ações afirmativas de inclusão... Racismo
cordial... O direito à igualdade... Uma grande fraude... Vagas para negros nas
universidades... Tarso quer estender sistema de cotas... Tarso quer cotas para
negros em universidades... Congresso prioriza carentes em cotas... Cotas, Direito e
Democracia... Cotas na UnB dividem até possíveis favorecidos ... Cotas raciais
dividem candidatos ao vestibular... Candidata teme pela qualidade dos cursos...
Para jurista, entidade pode derrubar projeto no STF... Reserva de vagas pode
dificultar fraudes... Cotas e racismo no Brasil... Igualdade de oportunidade na
Unb... Racismo sem números... Um mal social... Cotas para negros... Por que as
cotas raciais... As cotas da vida real... Retrato em preto-e-branco... Ministro do
STF critica a UnB... Leitores comentam polêmica das cotas... Porcentagem para
cotas obrigatórias deverá ser variável... Cotas: até agora não houve mudanças...
Ação contra cotas... ão contra Lei de Cotas na universidade... Potica de cotas
questionada ... Novo presidente do Conselho de Educação critica cotas para
negros... Polêmica... São os pobres que fracassam... Cota de vagas para negros:
uma discriminação oficializada?... Governo federal terá posição sobre cotas...
Aluno da rede pública te 50% das vagas nas universidades... Medida, que tem de
ser aprovada pelo Congresso, também beneficia negros... Lula quer cota de 50%
em universidades federais... Critério racial para cotas... 'Só o acesso o
resolve'... Instrumento de inclusão social... Tema em discussão: Cotas na
educão... Um equívoco... rito e cor... Debate: Cotas em concursos públicos...
Sem preconceito... Mais demagogia... Passeata de alunos contra cotas... Barreira
em queda... A plebe vai estudar na privataria'... Cotas nas federais em xeque:
Supremo pode considerar medida inconstitucional... Especialistas apontam erros de
metas e métodos do governo para melhorar o ensino... A maquiagem do monstro:
Obter justiça social na entrada da universidade é como tentar maquiar o
Frankenstein: baton, ruge e pó de arroz não conseguiram reduzir a feiúra... Em
vez de cotas, um ensino melhor... Prova de fogo para quem não entra nas cotas...
Uerj estuda mudar limite de renda para estudantes aprovados por cotas.... A cota
não resolve as causas do problema"... Cotas ou mais e melhor educação?... Tarso
diz que crítica de Paulo Renato é elitista... Cotas sim ou não?... Renda para cotas
pode passar para R$780... Cotas nas universidades públicas... Cotas nas
Universidades... Federais cobram ação coordenada... Uerj: relatório mostra pior
desempenho de cotistas... A polêmica das cotas... Novo estudo mostra que na Uerj
há mais cotistas entre reprovados... Futuro com cotas menores... Cota varia de
acordo com estado... Contra cotas... Círculo vicioso... Cotas: Uerj discute elevar
valor da renda... Tema em discussão: cotas para negros... Sistema reprovado... O
risco da incompetência... Educação e cotas... No lugar das cotas, o rito... Cotas
em xeque... Cotas abertas para o estresse... Cotas, a polêmica prossegue... Cotas:
Uerj discute elevar valor da renda... Estudantes protestam pedindo aprovação de
cotas raciais... Cotas, racismo e desemprego... Cotas sem recursos... Projeto de
cotas recebe dez emendas... Nota 0...
200
200
Foram relacionadas aqui apenas as primeiras manchetes do ano de 2004 por se considerar que as
evidências trazidas pelas chamadas subseqüentes, apesar de não serem as mesmas, expressam as mesmas
tenes postas ao objeto.
Assim, visto como espectro, a alise dos discursos selecionados buscou revelar
as ondulações, captar as estruturas de significados presentes no discurso social,
201
sem
ter a pretensão de reunir estes fragmentos na busca da afirmação de uma ou outra
posição. Ao contrio, acredita-se que no curso das tensões é que se têm uma possível
compreensão do conjunto de mudanças na historicidade contemporânea que deixa
escapar por meio de objetos factíveis de serem investigados, como a política de cotas,
expressões de novos cursos se delineando, ou seja, inscrevendo(...) o fluxo deste
discurso social interpretando-o e fixando-o em formas pesquisáveis.
202
Nesse sentido, o debate suscitado pela adão ou não da política de cotas na
mídia impressa, apresentou, nesta dimensão proposta no estudo, uma primeira
centralidade bastante visível a questão da justiça.
Mas o que significa ser justo? Quais os conceitos de justiça que estão em jogo
nos discursos sobre as cotas?
Conforme foi dito anteriormente, a organização dos discursos selecionados
acerca da adoção da política de cotas, na dia impressa, se estruturou por meio de
axiomas.
Assim, inicialmente, identifica-se no axioma o justo é seguir a lei justa, o
debate em torno da questão qual é a lei justa?
Nesse momento, o que se apresenta é a discussão em torno da
constitucionalidade ou não da adoção da medida. Mudar a Constituição, desrespeitá-la,
lançar mão de acordos e/ou deliberações internacionais que se colocam acima da carta
magna nacional, são temas ou questionamentos que se expressam neste axioma.
Compondo esse cenário, emergiram, também, a questão da regressividade - ou seja, o
201
Cf. Rocha, E.P. G. Magia e Capitalismo: Um estudo antropológico da publicidade. São Paulo:Editora
Brasiliense:, 2ª edição, 1990, p. 31.
202
Ibidem, p. 31.
tempo de duração da aplicação da política - e as experncias em outros países como
possíveis alternativas de se obter mais justa e promover maiores oportunidades a
segmentos desfavorecidos. Essa discussão foi mais expressiva, nas diferentes mídias,
sobretudo nos primeiros meses da adoção da potica.
Entre tantas posições, diferentes discursos, verifica-se, neste segmento, que está
em pauta a noção de que se deve seguir a lei e que dela emergirá a garantia de um futuro
justo. Tempo e justiça, portanto, caminham juntos. Todavia, no bojo dessa constatão,
evidencia-se de que não há clareza acerca do que de fato é ser justo, onde reside a
justiça e quais os parâmetros sociais necessários para aferi-la e alcançá-la. Injustiças
seriam sempre cometidas? O que garantiria, por exemplo, que é menos injusto um
estudante de classedia, cuja família alega ter se sacrificado para pagar o ensino
privado por falta de opção no ensino público, entrar para uma universidade pública do
que o estudante de baixa renda, submetido a um ensino quase sempre precário? A
pobreza e o descalabro público passam a ser convertidos em direitos e os valores sociais
que definem o que é justo adquirem significados circunstanciais, dependendo da
ocasião? Mas o justo não seria oferecer ensino de qualidade para todos? Diversas cartas
de leitores dialogaram com essas questões.
Fiquei ao mesmo tempo surpreendida, decepcionada, ofendida e
revoltada ao ler a entrevista do ministro Tarso Genro no JB, onde fui
chamada de ''elitista'' por ser contra a absurda política de cotas na
universidade que o governo tenta impor. Em vez de ''elitista'', sinto-me
''exclda''. Negar aos meus filhos o acesso à universidade só porque
estudam em colégio particular é revoltante. O ensino básico foi
condenado ao desmonte. Colocar os filhos na rede particular é a única
alternativa. Se essa medida cruel e discriminatória for aprovada, serei
penalizada por isso?
203
Anteriormente, vencia o melhor, agora, vence o mais fraco. É uma mudança
radical se de fato o que estivesse em jogo fosse uma maior oferta de oportunidades para
203
Adelaide Gondin da Fonseca, Rio de Janeiro (RJ). Jornal do Brasil. Cotas. Editoria: Cartas ao Editor.
24.05.2004
todos. Esta é uma mudança que parece indicar uma nova historicidade para o conceito de
justiça.
Vale observar que no Novo Dicionário Aurélio, justiça ( do latin justitia) é
descrita como uma qualidade daquele que é justo. Já o justo ( do latin justu) é um
adjetivo que emana um significado de ação conforme a equidade e a razão. Direito ( do
latin directu) é descrito desde definições mais naturalistas como “o complexo de
normas não formuladas que regem o comportamento humano”, até uma forma mais
positivada como o conjunto das normas judicas presentes em um país”.
204
O fato é que o ideário que imprimiu as bases sócio-hisricas do que é
considerado justo, oriundo tanto do Iluminismo quanto das Revoluções Liberais, é ainda
utilizado nos discursos atuais, maso apresenta a mesma potência de outrora. São
categorias ou conceitos defasados, como aponta o filósofo Michel Maffesoli, quando
analisa a distância entre o conjunto de discursos politicamente corretos e o que é de fato
vivido.
205
Mesmo que atualizações apareçam representadas nas novas classificações de
gerações de direito redigidas pelos acadêmicos e legisladores, apontando para o
cater social e transitório de toda legislação, as concepções de direito e de justiça
veiculadas tanto no debate oficial como no senso comum, não se confundem no
imaginário popular como parecem ganhar um caráter transcendente e imutável.
Por prinpio o Direito baseia-se na intermedião de conflitos e é, assim, um ato
eminentemente coletivo e social, externo aos indivíduos, com um caráter
necessariamente histórico e transitório. Todavia, percebe-se atualmente que a questão da
justiça ou do que é justo assume uma feição quase que exclusivamente de potência de
grupos cujo apoderamento se afirma na gerência das ações reguladoras expressas por
204
O Novo Dicionário da ngua Portuguesa de Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, 1ª ed. 9ª
reimpressão. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira.
205
Conferência proferida na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. O reencantamento do mundo. 22 de
maio de 2006.
meio de conquistas nas legislações. Se o justo é seguir a lei justa, a tarefa passa a ser
não só interpretar a legislação a favor de determinados grupos, como criar dispositivos
que regulem a aplicabilidade satisfatória da mesma. O caso das cotas pode ser
emblemático desse mecanismo acima descrito.
Mas seria esse o caminho de fato a se per-correr de modo a desenvolver um
cenário de maior justiça social? Não estariam, entretanto, as próprias concepções de
justiça ou mesmo de Direito, marcadas por uma concepção racionalista e contratualista
que inaugurou e parece perpetuar não só a produção da desigualdade, bem como o
adiamento de possíveis soluções, estas sem dúvida em outro domínio do pensamento?
Em Nietzsche, apenas no aforismo 48 das Divagões Extemporâneas de O
Crepúsculo dos Ídolos, encontramos uma referência explícita à justiça. O estudo de
Eduardo Rezende de Mello traz elementos importantes dos riscos de uma compreensão
contratualista de Direito e transcendental de justa. Diz o autor:
São três as grandes iias expostas no referido alforismo: a afirmão
da justa ligada à diferença, contrapondo-se à defesa rousseauniana da
igualdade; a defesa de um naturismo moral; e o jogo com grandes
tarefas. Com elas, temos simultaneamente uma crítica à concepção de
sujeito criada pela tradição fundada pela crença absoluta em um sujeito
racional, em cuja unidade lógica ou contratual, na versão rousseauniana,
a garantia contra a contradão, a diferença, ínsita à pluralidade de
sentido em si, em seu corpo, na história e na natureza; temos também a
ruptura da contraposão entre homem e natureza, portanto entre
liberdade e necessidade, e a idéia de um sujeito aurquico desvinculado
do todo, deixando emergir uma nova concepção do homem no mundo.
Por fim, temos o desafio da criação singular de um estilo e de um
sentido que se justifique pela capacidade de refundar o jogo de
interpretões pela luta e pela disncia, rompendo-se a uniformidade de
sentidos colocada pela história: justiça e liberdade em-se então
reunidas no seio da natureza.
206
Longe de entrar nesse mérito de questões, a adoção da política e o
questionamento em torno da constitucionalidade ou o de sua implantação gerou
controvérsias sérias entre juristas, advogados e a sociedade civil organizada.
206
Cf. Melo, E.R. Nietzsche e a Justiça. São Paulo: Editora Perspectiva, 2003, pp.151.
Divergências legais, falta de parâmetros e experiências anteriores da adoção de medidas
como estas no país suscitaram uma avalanche de recursos, julgamentos de
inconstitucionalidade, novos recursos, revelando, assim, que grande parte das
discordâncias expressas pela população em geral ou pelos jornalistas, ativistas e
intelectuais que abordam o tema, também se expressa quando a questão é a interpretão
da Carta Magna Brasileira.
O justo é seguir a lei justa. Mas qual é a lei justa?
A lei justa parece, inicialmente, necessitar das garantias refutadas por
Nietzsche para marcarem seu contraditório curso.
O Supremo Tribunal Federal vai finalmente se pronunciar sobre o
sistema de cotas para negros e outras minorias nas universidades. A
Confederação Nacional de Estabelecimentos de Ensino (Confenen) está
questionando a constitucionalidade e pede liminar contra a lei que
estabeleceu reservas de vagas na Uerj e Uenf. Apesar do pedido analisar
apenas o caso fluminense, a decio do STF terá repercussão
nacional.
207
Um candidato ao curso de medicina da UFPR (Universidade Federal do
Paraná) reprovado no vestibular ganhou na Justiça o direito de se
matricular no lugar de um candidato aprovado para o curso no sistema
de cotas. O juiz federal Mauro Spalding, substituto na 7ª Vara de
Curitiba, considerou a política que reserva 40% das 4.160 vagas da
instituição a afrodescendentes e estudantes da escola pública como
afronta ao princípio da isonomia e, na semana passada, concedeu
liminar a um mandado de segurança interposto pelo estudante
eliminado. A decisão de Spalding se choca com a do colega Fabiano
Bley Franco, da 4ª Vara Federal. No final de janeiro, Franco negou
liminar a uma candidata também ao curso de medicina que moveu ão
pelo mesmo motivo. Um terceiro juiz negou liminar a um pretendente
ao curso de hisria, e outros ts pediram à UFPR explicações sobre a
lista de classificados nos cursos de direito, psicologia e zootecnia No
primeiro vestibular em que adotou o sistema de cotas, em 2002, a Uerj
(Universidade do Estado do Rio) sofreu uma série de processos de
alunos que não haviam sido aceitos, apesar de terem recebido nota
suficiente para a aprovação em seus cursos. Foram concedidas cerca de
200 liminares que garantiam a entrada de estudantes na universidade.
As recursos da Uerj, no entanto, todas acabaram derrubadas.
208
207
Folha Dirigida. Editorial: Ensino Superior. Polêmica. 07-05-2004
208
Mari Tortato. Juiz questiona poítica de cotas no Paraná. Folha de São Paulo. Editoria: Educação.15-
02-2005.
Para além da discussão constitucional/inconstitucional, marcada por ações
individuais, algumas matérias fazem referência a qual interpretão dos preceitos
constitucionais seria mais justa, sobretudo no que diz respeito à igualdade formal
prevista na constituição. O justo é seguir a lei justa mas qual é a lei justa? A dialética
da questão sobre qual é a lei justa parece se apresentar nas três matérias apresentadas a
seguir. Será este o caminho, uma acomodação jurisprudencial sobre o tema ou se
continua a perseguir a lei justa?
De acordo com Magaldi, a cláusula trea do artigo da Constituição
sobre a igualdade de todos perante a lei ''equivale à interdão de
discriminações, quaisquer que sejam, num sentido ou em outro''. E
lembra que só podem ser aceitas discriminações (exceções) que a
própria Constituição pre, como é o caso do inciso 8 do artigo 37, pelo
qual ''a lei reservará percentual dos cargos e empregos públicos para as
pessoas portadoras de deficiência, e definirá os critérios de sua
admissão''.
209
A Constituição elege como valores e objetivos fundamentais dignidade
humana, pluralismo, erradicação de desigualdades e construção de uma
sociedade justa e soliria. Avaliar de maneira igual pessoas em
situações desiguais é inconstitucional.
210
A política de cotaso é uma unanimidade, mesmo no interior das
posições mais democráticas que têm tradição de luta em favor dos
direitos humanos e sociais: as políticas afirmativas ou de discriminação
positiva, dizem alguns, podem causar distorções, reduzindo a
efetividade dos direitos de outros cidadãos. Embora a posição seja
respeitável, entendo que ela não é a melhor, porque o prinpio da
igualdade formal necessita de corretivos, tamm de natureza judica,
para que os seus comandos possam se tornar reais. O exemplo mais
flagrante desta ''distorção'' democrática do Direito é o que ocorre, por
exemplo, no Direito do Trabalho. Neste sistema normativo o empregado
pode, por exemplo, renunciar a salários, mas esta sua rencia será
nula. Mesmo manifestando a vontade formal de ''não querer'', ele o
perde o direito ao sario. Mas, quem renuncia a uma dívida num
contrato de natureza civil, perde o direito de percebê-la. Eis, portanto,
um tratamento ''desigual'' na aplicação concreta da igualdade formal
origiria da Constituição: foi presumido que o empregado é olo
mais bil, socialmente, da relação contratual de trabalho, por isso ele
necessita de uma norma jurídica que tutele a sua igualdade perante a lei,
que ''desiguala os desiguais. Poticas desta natureza sofrem
contestações nos tribunais, o que é previsível. Certamente serão
209
Luiz Orlando Carneiro. Jornal do Brasil. Cotas nas Federais em xeque. Supremo pode considerar
medida inconstitucional. Editoria: País. 23-05-2004.
210
André Nicolli, Jornal O Globo. Tema em Discuso: Cotas para negros. Editoria: Opinião.12-06-
2005.
examinadas pelo Poder Judiciário as razões de cidadãos que arirão o
princípio constitucional de que todos são iguais perante a lei para
invalidar o ''direito das cotas''. Teremos, a partir disso, um processo de
acomodação jurisprudencial, até que os tribunais consolidem uma visão
comum sobre o tema e o assunto passe a integrar, de forma pacificada,
nossa tradição jurídica.
211
A questão da regressividade, ou seja, a diminuão progressiva das cotas, também
criou controrsias no Brasil. Porém esse discurso não possui nenhuma credibilidade
junto à população, pois medidas compulsórias dificilmente são extintas no país, ainda
mais quando mexem com privilégios adquiridos. Cabe o questionamento: de forma
provisória a lei seria justa? No mínimo, duas posições:
A redução progressiva das cotas, que Tarso chama de regressividade,
será vinculada à melhoria da qualidade da educação básica. O raciocínio
é aparentemente simples: à medida em que recebam melhor formão,
alunos da rede pública, incluindo negros e índios, chegarão ao
vestibular mais preparados e, portanto, em condições de dispensar a
reserva de vagas.
212
A intenção do Ministério da Educação de reduzir progressivamente as
cotas para estudantes de escolas públicas, negros e índios nas
universidades federais pode ser vista como reconhecimento tácito de
que o sistema foi mal concebido.
213
E a regressividade pode representar a urncia do tempo ao inverso.
O sistema de cotas pode bem funcionar como instrumento de justiça
social, mas apenas de forma emergencial.
214
É importante dar tempo para que apareçam os resultados das
experncias em andamento no país. E, principalmente, ter em mente
que as cotas, como qualquer medida compensatória, são mecanismos
destinados a uma vida breve. O que se deseja é que, no menor tempo
possível, essa discussão deixe de fazer sentido.
215
Temos esperaa de que essa lei um dia o se mais necessária para
corrigir as desigualdades e o acesso às oportunidades. Mas, a lá,
211
Tasso Genro Ministro de Estado da Educação. Tasso Genro. Cotas, Direito e Democracia. Jornal do
Brasil. Editoria: Outras Opiniões. 12-04-2004
212
Detrio Weber e Chico de Oliveira. Futuro com cotas menores. Jornal O Globo. Editoria:País. 07-
06-2004
213
Jornal O Globo. Editoria: Opinião. Tema em discussão: cotas para negros. 12-06-2004.
214
Henrique Cerqueira Passos. Folha Dirigida. Desigualdade racial nas universidades e o lobby anti-
cotas. Editoria: Ensino Superior. 06-04-2005.
215
Lucila Soares. Retrato em preto-e-branco. Cota para negros na Unb põe fogo na discussão sobre o
acesso ao ensino superior. Revista Veja. Editoria: Educão. 21-04-2004.
temos o dever de ser sensíveis aos reclamos de parcela da sociedade
que, apesar de ser numericamente superior, ainda é considerada minoria
no acesso e exercício de direitos.
216
Reduzir gradualmente a parcela de vagas destinadas aos cotistas, até
que desaparam, é sem dúvida melhor do que manter indefinidamente
este sistema que não está dando certo é injusto e faz criar distorções.
Mas seguramente seria mais racional acabar de vez com as cotas e
investir decididamente na melhoria do ensino público médio. Porque a
questão central está no despreparo dos alunos pobres que não podem
freqüentar cogios particulares e nos altos índices de evasão, que
esvaziam o considerável sucesso da política adotada nos últimos anos
para o ensino sico.
217
O ministro admitiu que as cotas isoladamente não resolvem o problema
da desigualdade na área educacional. "Uma coisa só não resolve e ela
deve ser tomada como experimento por alguns anos e depois ser revisto.
Se não der resultado, abandona-se essa perspectiva. Mas aí me
perguntam se tenho medo de errar e eu respondo que tenho, mas nós já
erramos 500 anos contra os afrodescendentes, então acho justo errar 10
anos a favor", completou.
218
Continuamente busca-se o justo, busca-se responder o que de fato é justo. Nesse
sentido, os exemplos de outros países poderiam oferecer algumas pistas. As contradições
expressas nas experiências de fora são outras mas apresentam, mais uma vez, as mesmas
bases. Sempre haverá discriminação. Qual a mais justa? Será mesmo essa a pergunta que
se deve fazer para construir uma sociedade mais igualitária, se é que isso é possível,
optando pela discriminação mais justa?
Uma lei no Texas permitiu a entrada na universidade de todos os alunos
que estivessem entre os 10% mais aptos de suas escolas. Um estudante
da escola A”, mais fraca, poderia estar entre os 10% mais aptos apenas
com uma nota 5, e teria, assim, o ingresso garantido na universidade. E
um aluno da escola B, muito mais forte, com nota 8, poderia ficar de
fora se os 10% mais aptos da escola tivessem notas maiores. O
resultado é que passou a ser tentador para bons alunos se matricular em
escolas de ensino ruim, para que o acesso à universidade estivesse
garantido. Isso bem a medida do que pode acontecer aqui com as
cotas para alunos da rede blica. Como alguns estudantes já disseram,
vai ser maciça a transferência de alunos de boas escolas particulares
para a rede blica ou, pelo menos, a dupla matrícula crescerá muito. E
quem sairá perdendo serão os alunos pobres, que terão escolas
216
Mario Del Rei. Vereador Rio de Janeiro/ PMDB. Jornal O Dia. Debate: Cotas em concursos públicos
sem preconceitos. Editoria: Opino. 22-04-2004.
217
Jornal O Globo. Tema em discussão: Cotas para negros. Editoria: Opinião. 12-08-2004.
218
Roberta Fernandes. Folha Dirigida. Haddad: cotas devem cumprir papel social . 31-08-2005.
superlotadas e com qualidade decrescente. Há outros aspectos bizarros
nos EUA. Estudo de 1988 mostrou que as notas no SAT (uma escie
de Enem) de estudantes cotistas em Berkeley, universidade de elite,
eram de 952 pontos, acima da média nacional de 900, mas muito abaixo
das notas dos demais alunos de Berkeley: brancos, com 1.232, e
asiáticos, 2.254. Eram alunos negros maravilhosos, que teriam um
futuro brilhante em muitas outras universidades. Mas, em Berkeley,
70% deles não se formaram. O fracasso não aconteceu somente nas
escolas de elite. Na Universidade de San Jo, menos disputada,
também 70% dos cotistas o se formaram. O trágico é que é altamente
provel que os 70% de cotistas reprovados em Berkeley tivessem
obtido êxito em San Jo, onde teriam entrado sem a necessidade de
cotas.
219
E mais uma vez a análise de Kamel articulada com o livro de Sowell aponta que:
Uma vez adotadas políticas de preferência para um grupo, logo surgem
políticos propondo a adoção de ações similares para outros grupos,
sempre em busca de votos. Uma vez adotadas, os grupos que ficam de
fora das cotas usam toda sorte de desonestidade”. Quando, nos EUA,
cotas foram adotadas para beneficiar descendentes de índios, houve um
aumento exponencial de indiduos, muitos deles louros de olhos azuis,
dizendo-se membros daquela minoria (lembra a Uerj?). O censo de
1960 mostrava que havia 50 mil descendentes de índios com idade ente
15 e 19 anos. Vinte anos depois, o número de descendentes de índios
com idade entre 35 e 39 anos era de mais de 80 mil, uma
impossibilidade biológica. Na China, nos anos 90, dez miles se
redesignaram como membros de minorias, para se beneficiar dos
acessos facilitados a universidades e para burlar a proibição de ter mais
de um filho, imposta à etnia majoritária Han. O livro está repleto de
exemplos, inclusive dos EUA. Em nenhum caso, trata-se de corrupção:
cotas são apenas um dos fatores para se entrar na universidade.
Igualmente essenciais são o preparo intelectual e o nível econômico.
Quem sabe mais e é mais rico, mesmo pertencendo a uma minoria
discriminada, terá mais chances do que aqueles que são menos
preparados e mais pobres.
220
O impacto dos posicionamentos de Kamel estremeceu o ambiente editorial.
Muitas cartas, com diferentes posicionamentos desencadearam semanas de debate e
tiveram bastante destaque por parte dos jornais.
Parabéns a Ali Kamel pelo artigo sobre o regime de cotas que es para
ser adotado por todas as instituições brasileiras de ensino universitário.
Ele demonstra através de dados estatísticos registrados no livro de um
renomado intelectual americano que o procedimento o deu certo em
rios pses que o adotaram e que muito pelo contrário, favoreceu
também os mais preparados dentre as minorias que se intencionava
219
Ali Kamel.Jornal O Globo. Cotas, um erro já testado. Editoria: Opinião. 29-06-2004
220
Ali Kamel.Jornal O Globo. Cotas, um erro já testado. Op.cit.
ajudar, aumentou o ódio racial e favoreceu o emprego de toda sorte de
escaramuças para que se fizesse parte das minorias beneficiadas.
221
O jornalista Ali Kamel disse que Thomas Sowell é um intelectual
respeitado. Faltou informar: por quem? Pela direita americana, da qual é
porta-voz. Trata-se de um membro da minoria negra
conservadora/reacioria, que inclui o juiz Clarence Thomas, a
consultora Condoleezza Rice e o secretário Colin Powell, este último
geralmente mais moderado. Entre as idéias sustentadas por Sowell estão
o corte dos impostos pagos pelos ricos com o conseqüente enterro
definitivo da Previdência Social o repúdio à implantação de um
seguro-saúde ao estilo europeu (que os EUA jamais tiveram), a defesa
da violência policial, do aumento da capacidade das prisões e do rigor
das penas. Tudo isso não o torna, com certeza, muito bem visto entre os
afro-americanos.
222
Todavia, parece que o conservadorismo de Sowell não tira o mérito de sua
pesquisa, extremamente cuidadosa e com base em extensos relatórios, depoimentos e
observações de campo. Algumas questões que o autor levanta, como por exemplo, o fato
das cotas acabarem adquirindo um caráter permanente e acirrando as animosidades são
destacadas, inclusive em análises da ONU.
O Relatório de Desenvolvimento Humano 2004, divulgado ontem pelas
Nões Unidas, apóia as poticas de ão afirmativa, mas cita exemplos
de sua aplicação nas quais houve distoões. O relatório afirma que
houve um aumento da desigualdade de renda entre os indivíduos, apesar
de as diferenças entre os grupos terem sido reduzidas. Mas para
reduzir as desigualdades individuais e construir sociedades
verdadeiramente inclusivas e eqüitativas, são necessárias outras
políticas, diz o texto do relatório. No que diz respeito à adão de
cotas para minorias ou excldos, o relatório analisa as experiências de
EUA, Índia, África do Sul e Malásia. E aponta avanços e retrocessos.
Na Índia, por exemplo, a inteão era manter as cotas apenas por um
peodo curto. Em vez disso, as preferências tornaram-se
autoperpetuadas”, diz o relatório, acrescentando que essa aposta
generalizada do sistema aumentou o rancor, que roça a animosidade,
das castas e classes avançadas’ para com as atrasadas. Economista
afirma que é preciso ter seleção O texto acrescenta como pontos
negativos o fato de governos terem usado as reservas como uma potica
populista para obter votos. Mas conclui que “apesar destas
preocupações, as políticas de ão afirmativa têm obtido bastante êxito
na realizão de seus objetivos” e acrescenta que, “por isso, o
dúvida de que a ação afirmativa tem sido necesria nos pses aqui
examinados”.
223
221
Isabel Bezerra (por e-mail). Jornal O Globo. Editoria: Opino 29-06-2004
222
Carlos Alberto Medeiros (por e-mail). Jornal O Globo. Editoria: Opino 29-06-2004.
223
Jornal O Globo. ONU apóia as cotas, mas com ressalvas. Editoria: Economia. 16-07-2004.
Discursos como o da conhecida jornalista abaixo, parecem ignorar o processo
histórico que acompanha a política e enche corações de esperança. Fórmulas novas?
Experiências de outros países?
É preciso ousar. Tentar outros caminhos. Experimentar fórmulas novas.
Ver o que outros países fizeram. Querer mudar. Essa é a minha certeza.
Tudo o que temos a perder é a situão atual: iníqua, desigual e, essa
sim, cheia de distoões.
224
No curso deste estudo, identifica-se no segundo axioma o justo é o melhor, o
debate em torno da questão: para ser o melhor, o que deve mudar?
Este axioma oferece, no mínimo, dois cenários de justiça. O primeiro, o caminho
da igualdade de oportunidades no qual o que es em jogo é a necessidade de melhoria
da qualidade do ensino básico de modo que todos tenham condições de concorrer às
mesmas vagas, aos mesmos sonhos. E ousadas análises que equiparam os cotistas aos
triges asiáticos dão um tom dramático à medida.
O acesso à universidade se por uma disputa. Tem que existir
igualdade de condições para todos. Quando você introduz um
componente como a cota a probabilidade não é de igualdade para todos.
A partir do momento em que se adotam as cotas, o agente blico vai
dizer que es resolvendo parte do grande desafio, que é permitir maior
incluo social. Mas o problema na origem não es sendo resolvido. O
problema é dar oportunidades iguais na educão básica.
225
Não sou contra a democratizão do processo de acesso às
universidades públicas, mas (...) essa solução é cômoda para o setor
público (...) e, o mais importante, não permite a recuperão da
qualidade do aprendizado dos alunos das escolas estaduais.
226
Neste novo milênio, os Tigres Asiáticos e os alunos cotistas da Uerj e
Uenf estão quebrando tabus históricos, consolidando novos mercados de
alta tecnologia em suas universidades e demonstrando que, através da
oportunidade de ingresso, vão contribuir para aumentar as chances de
inserção social nos altos escaes das empresas públicas e privadas e
nas instituições governamentais, incluindo o Brasil na classe dos países
prósperos e com igualdade social.
227
224
Miriam Leio. Jornal O Globo. Editoria: O País. 18-07-2004
225
Evandro Eboli. Jornal O Globo. Novo Presidente do Conselho Nacional de Educação critica as cotas.
Jornal O Globo. Editoria: O País. 08-08-2004.
226
Fábio Machado de Freitas. RJ.
Jornal O Globo. Cotas. Editorial: Megazine. Carta dos Leitores. 21-06-
2004
227
Jornal O Dia. Editoria: Cotidiano. 22-06-2004.
E a questão de igualar as oportunidades aparece até mesmo no discurso de quem
é negro, deixando claro que a proposta não tem unanimidade entre os afrodescendentes.
Sou negro e me orgulho muito de ser negro. Abordando o racismo na
sociedade, creio que ainda muito preconceito. (...) Sobre o sistemas
de cotas, nós não queremos vantagens, queremos apenas oportunidades
de mostrar nossa capacidade.
228
A esse aspecto somam-se argumentos que apontaram para a queda da qualidade
do ensino universitário em função do despreparo dos cotistas e a discriminão que os
mesmos podem vir a sofrer, caso venham a ser identificados, sobretudo na vida
profissional, como cotistas.
A discussão é apaixonada por estar contaminada por ideologias. Mas há
um ponto central do debate que merece ser analisado com um mínimo
de sensatez: a qualidade do ensino. Sem que essa questão se torne
prioriria, a política de cotas o gera apenas injustas no ingresso
ao ensino superior. Patrocinará, tamm, distorções graves na formação
profissional de gerações de brasileiros, com efeitos ruinosos para o
país.
229
O assunto cotas é inesgotável. É uma fonte de opiniões diferentes que
nos leva a discutir mais e mais. Mas algo que nunca vi ser levantado foi
a discriminação, o ponto de partida, o que deu origem a essa lei. A
intenção era boa, mas ao chegar à universidade o jovem que passou por
causa das cotas deve ser muito discriminado! Deve ouvir frases do tipo:
Ele só es aqui por causa da cota para negros”. É ridículo, eu sei. Mas
é realidade. Gera mais ódio, inveja, despeito e preconceito. Sou contra!
E pode nem haver jovens merecedores no balaio das cotas. (...) Todos
devem entrar do mesmo modo, fazendo uma prova.
230
Não há como negar que o sistema atual de acesso às universidades
públicas está equivocado. Aparenta ser democrático e público, mas a
realidade mostra que somente os filhos da classe média conseguem
passar pelos rigores do vestibular e se manter naquelas instituições. Mas
as cotas, da maneira que o governo está propondo, criará uma plêiade de
alunos discriminados que não têm formação para acompanhar os
estudos nas universidades. que se fazer algo, mas não assim. O
déficit intelectual existente dos egressos da escola básica pública
refletirá negativamente na formação dos profissionais beneficiados por
esta famigeradas cotas.
231
228
Zaire Winnie Silva Campos. Estudante. Jornal O Globo. Editoria. Opino. 15-05-2005.
229
Jornal Globo. Temas em discussão: Cotas na educação. Editoria: Opinião. 14-05-2004.
230
Marina Valle, 15 anos. MG. Jornal O Globo. Volta das cotas com força total. Editoria: Opinião. 25-
05-2004.
231
Felisberto Cerqueira Filho. RJ
.
Jornal do Brasil. Cotas. Editoria: Cartas ao Editor. 24.05.2004
Quanto ao preconceito dos futuros profissionais, temos discursos como os que se
seguem:
Esses profissionais podem ter problemas de credibilidade. As pessoas
podem dizer que eles entraram na universidade não porrito, mas
apenas por causa das cotas. (...) A universidade tem que ser baseada por
meritocracia e me preocupa muito essas decisões que m de cima para
baixo. É preciso pensar o apenas com medidas de impacto.
232
Essa luta dos negros para ter cotas não faz sentido! Se o que eles
querem é igualdade, como ter cotas? Uma universidade seleciona seus
alunos por intelecto e seus estudos e o pela cor de sua pele. Os negros
têm que entrar na faculdade porque eles o tão inteligentes e capazes
quanto os brancos e não porque são a minoria. Quem entrar em
universidade atras de cotas vai sentir uma discriminação no mercado
de trabalho porque não entraram lá por puro mérito e sim porque já
tinham uma vaga reservada. Se o Brasil é uma mistura de cores e raças,
como definir a cor de alguém, como separar e priorizar uma parte dos
estudantes pela cor da pele? (...) Intelincia não está guardada debaixo
da pele de ninguém.
233
Seria interessante fazer uma pesquisa de opinião dentro do MEC para
saber quem votaria pelas cotas se isso implicasse o compromisso de ter
de se tratar somente com os dicos selecionados dessa forma.
234
Aqueles que conseguirem se formar serão estigmatizados como
profissionais de segunda categoria e as universidades e faculdades
públicas federais deixarão de ser consideradas escolas de ensino de
excelência.
235
A comparação de rendimento entre cotistas e não cotistas acirrou a discussão.
Ainda que com inúmeros resultados divergentes acerca da avaliação entre cotistas e não
cotistas, o movimento negro, representado pelo Frei Davi, diretor executivo da Rede de
Pré-Vestibulares Educafro, que mantém duzentos e cinqüenta e cinco cursinhos para
carentes no Rio de Janeiro e em São Paulo, emite opiniões que parecem apenas
estabelecer distâncias cada vez maiores entre os estudantes e promover um clima de
232
Cristina Jungblut. Palavras de especialistas: o acesso não resolve. Jornal O Globo. Editoria O
País. 14-05-04.
233
Cecília Madeira. Icaraí, RJ. Jornal O Globo. Editoria: Opino. 25-05-2004
234
Cláudio de Moura e Castro. Economista. A maquiagem do monstro. Economista. Revista Veja.
Editoria: Ponto de Vista. 15-05-2005.
235
Wademar Weller. RJ
. (
por e-mail).
Jornal O Globo. Ensino Superior. Editoria: Opinião. 14-05-2004.
disrdia. Diz ele: (...) Os alunos estavam na mesma sala, com o mesmo professor e os
pobres foram melhores. Isso acontece porque eles têm mais determinação.
236
A questão da permanência dos cotistas na Universidade e a falta de verbas para
implantar, de fato, a política, também se agregou ao debate. O segundo cenário define a
justiça como a construção induzida de uma igualdade social, em que ao dar condições
aos segmentos sociais menos privilegiados de ascenderem socialmente estará se
revertendo, paulatinamente, os parâmetros que alimentam as bases da exclusão,
rompendo com o ciclo vicioso e reprodutivista de não mobilidade social destes
segmentos. Da mesma forma, experiências afirmativas que não se sustentam na
concessão de cotas passam a ser vistas como cenário de justiça. Ou seja, parece haver
um acordo tácito no qual é necessário oportunizar e ampliar o acesso à educação
superior. Mas o que deve mudar para que a justiça de fato impere? Para que o melhor se
manifeste? O ensino, as leis, o próprio sistema de acesso?
Nas duas primeiras falas, será a mudança na qualidade da escola básica que
garantirá a justiça.
O antecessor de Tarso não está satisfeito ''com o que estão fazendo''.
Para Cristovam, há uma inversão de valores. O programa de
alfabetizão, lamenta, foi deixado de lado, quando deveria ser
prioridade. - Criei uma secretaria para o Programa Brasil Alfabetizado;
o secrerio viajou o país. Agora tem um funcionário de nível inferior;
degradou a imporncia. Deixou-se de falar na meta de abolir o
analfabetismo. Fala-se mais em universidade do que nos outros setores.
Está equivocado. Dois terços dos alunos o entram na universidade
porque não terminaram o ensino dio. Quantos Einstein perdemos
porque não aprenderam a ler? As cotas forçarão a melhoria da escola
pública, porque a classe dia busca essa rede de ensino e usará sua
força para melhorá-la
237
.·.
O novo presidente do Conselho Nacional de Educação (CNE), Roberto
Cudio Frota Bezerra, disse que a política de cotas para negros na
educação superior não resolve a origem do problema, ou seja, a
236
Frei David. Jornal do Corcio. Cotistas conseguem ter notas mais altas na UERJ. Editoria:
Educão. 11-05-2005.
237
Daniela Dariano. Jornal do Brasil. Críticos cobram outros rumos para a Educação. Editoria: País. 07-
05-2004.
qualidade do ensino básico público. Apesar de não se declarar contrário
à medida, que está prevista em projeto de lei do Governo federal a ser
enviado ao Congresso, Bezerra afirmou que o risco das cotas é o de o
‘agente público se ausentar do esforço, achando que o problema está
resolvido. - Tenho uma opinião diferenciada sobre as cotas. Acho um
risco assumi-las automaticamente. Há um problema sério na área
pública que é o ensino de nível básico afirmou o presidente do
CNE.
238
Fica visível nestes dois discursos, ambos institucionais, a preocupação com a
adoção da política, na relação com a qualidade do ensino. O primeiro, do antigo
Ministro, atualmente Senador pelo Partido Democrático Trabalhista ( PDT) , eleito pelo
Partido dos Trabalhadores (PT), Cristovam Buarque que faz a opção de questionar as
cotas fazendo propaganda de seus próprios feitos, a prinpio, instrumentos mais
eficazes de inclusão social posto que partem da educação de base. Apesar de não se
declarar contrário à medida, o presidente do CNE aponta para a questão dos riscos de
acomodação do sistema. Ambos fazem considerações importantes, mas parecem não
estar dispostos a avançar em suas críticas para além desses aspectos.
Já a matéria abaixo discute a melhoria do ensino fundamental e as melhores
formas de alcaá-la. A volta compulria da classe media é vista como solução:
É uma insensatez a adoção da política de cotas nas universidades. O que
o governo conseguirá fazer, com a inclusão de alunos nas universidades
sem o necessário embasamento, é formar uma geração de maus
profissionais. A ditadura militar, que governou privilegiando os mais
afortunados, em vez de investir maciçamente no ensino de primeiro e
segundo graus e em cursos técnicos profissionalizantes de nível médio,
o fez no ensino superior. Desde então, as melhores faculdades do país
são as blicas. À excão da FGV (que, embora também do governo, é
paga) e da PUC, nenhuma outra chega perto em excelência. Então, se
foi possível desenvolver tão boa estrutura para o terceiro grau,
imensamente mais oneroso, por que não se tentar, apesar do absurdo
atraso, investir no fundamental? Como se viu nas universidades, tudo é
uma questão de determinação potica. O filho do pobre tem que ter
direito à mesma estrutura de ensino que os filhos das classes dias e
altas.
239
238
Jornal do Comércio. Política de cotas questionada. Editoria Educão. 05-05-2004.
239
Rui Martins Ferreira (por e-mail, 14/5),
RJ.
Jornal O Globo. Ensino Superior. Editoria: Cartas dos
Leitores.17-04-204.
O ensino público só vai melhor quando a classedia voltar para
escola pública.
240
Num outro extremo têm-se as interessantes falas dos estudantes, alguns muito
jovens, expressando suas opiniões e sentimentos quanto à adoção das medidas. Nesta
seleção, o foco é a questão da qualidade do ensino básico ou universitário e a questão do
suposto despreparo dos cotistas. Ora oscilam com discursos de justiça, ora de
preocupação, ora são agressivos, ora conciliadores, mas o fato é que eles vêm a blico
se manifestar como se constatou em todas as dimensões investigadas neste estudo.
Estudantes de cogios particulares seguiram em passeata ontem à tarde
do Cogio Santo Inácio, em Botafogo, até a Universidade Federal do
Rio de Janeiro, na Praia Vermelha. Eles protestaram contra projeto de
lei enviado pelo presidente Lula ao Congresso que cria cotas a alunos
da rede pública nas universidades federais. "o adianta fazer o sistema
de reservas se o melhorar o ensino na base", avalia o estudante .
241
Não consigo entender muito como o ministro tenta explicar que a
qualidade é mantida, porque se a pessoa que fosse competir o tivesse
menos qualificação ela não precisaria da cota observou
Schwartzman.
242
Agora que estamos negociando as vagas para negros visando suplantar
o ciclo vicioso da pobreza, vejo textos e mais textos sobre a ameaça que
isso pode representar para a qualidade da Universidade. Ora, quem já
está sem paciência sou eu. Qualidade? Que qualidade?
243
As teses contrias a esta potica se pautam basicamente em dois
elementos: o primeiro seria que, em vez do ingresso de negros por
interdio da potica de cotas, o governo deveria promover a melhoria
do ensino dio no Brasil, o que garantiria um melhor preparo para os
alunos que pretendessem ingressar numa universidade por meio do
vestibular; e o segundo seria formular um programa que mantivesse o
aluno na escola por livre e espontânea vontade, que fizesse com que ele
sentisse prazer em estudar. Reforçando minha tese inicial, diretamente,
o branco e o estudante de escolas particulares estão sendo
prejudicados com tal decisão. Na verdade, quando pensaram nesta lei,
simplesmente exclram a opino daqueles que seriam os maiores
interessados: os estudantes de escolas públicas ou particulares, brancos
ou negros. Aqueles que criaram tal benecio, certamente, não
conhecem de perto as necessidades do povo. Por que o se preocupar
com aquele município onde alunos do ensino médio nunca tiveram aula
240
Jornal Folha Dirigida. Editoria: Educação. 21-04-2004.
241
Maxuel Espínola Paladino, 17 anos, RJ. Jornal O Dia. Passeata de alunos contra as cotas. Editoria:
Nosso Rio Dia a Dia. 22-05-2004.
242
Jornal O Globo. Potica de cotas causa polêmica. Editoria: O País. 12-03-2004.
243
Mensagem de Isabel Cruz. JC E-Mail. Editoria: JC E-Mail. Leitores comentam pomica das cotas.
15-04-2004.
de física, química, biologia etc.? Por que não dar ateão àquela escola
com professores descomprometidos? Por que não fazer algo mais pelos
alunos com dificuldades de aprendizagem? Porque, simplesmente,
existem modos mais fáceis”, pom incertos, de resolver tais
problemas. Enfim, facilitar para uma parte da sociedade, o acesso à
universidade, não acaba com a exclusão, apenas cria novos critérios
para uma mesma excão. As cotas do vestibular apenas maquiam a
realidade, mas este foi o único artifício encontrado, por uma sociedade
que tem preguiça de encarar a fundo os desafios, de resolver os
problemas que ela mesma criou e mantém; preferindo varrer a sujeira
para debaixo do tapete.
244
Pode-se observar pelas cartas a extensa lista de preocupões que os estudantes
expressam. Oscilam entre cotas para negros ou para estudantes de baixa renda, entre a
preocupação com o ensino e a preocupação com os próprios cotistas e o posvel
abandono do sonho de ingressar na universidade caso, de fato, as condições de
manutenção das medidas afirmativas não sejam asseguradas. Outros vão mais além e
questionam. Têm-se de fato qualidade no ensino universitário? Embora a sagaz ctica
tenha fundamento seria mesmo esse o argumento para se defender as cotas raciais? Vale
observar que muitos editoriais de cartas divulgam a idade desses estudantes, leitores e
escritores das sessões de cartas dos grandes jornais revelando uma precoce e bem vinda
participão deste segmento da população. Evidencia-se, tamm, que muitos estudantes
fazem uso do sistema on line, facilitando o debate, como num enorme blog.
Na fila de candidatos às bolsas estarão estudantes como jia Soresine
de Oliveira, de 25 anos. Em nome de um sonho, ela abandonou
Fonouadiologia na UFRJ, curso que freentou por dois anos, para virar
caloura nas salas de aula de Medicina da Uerj. Foi uma vitória
conquistada depois de quatro anos de tentativas. Com pontuão
suficiente para entrar sem o sistema de cotas, ela não esconde
preocupação com os seis anos de estudos que terá pela frente. 'Não sei
como vai ser sem poder trabalhar', diz. jia e o irmão mais novo, que
faz pré-vestibular e sonha com faculdade de Arquitetura, o
sustentados pela mãe, que tira no ximo R$ 300 por s vendendo
produtos de porta em porta. Responsável pelo apoio aos universitários
carentes, a Secretaria de Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro admite
que os cursos mais caros exigirão alguma outra ajuda. 'Sobre as bolsas,
não há outra saída que selecionar 'os mais carentes entre os carentes'',
diz o secretário Wanderley de Souza.
245
244
Marcelli Pereira Leardini. 15 anos. Jornal O Globo. Sistema de cotas na berlinda. Editoria: Opinião.
Caderno Especial. 02-1-2004.
245
Isabel Clemente. Revista Época. As cotas na vida real.Semana de 21-04-2005.
É alvissareira a notícia de que o governo vai enviar ao Congresso
projeto de lei determinando a reserva de metade das vagas em
faculdades e universidades federais a alunos que tenham cursado todo
ensino médio em escolas blicas, garantindo 60 mil vagas todos os
anos à população carente. Este sistema inclui as vagas reservadas a
negros e índios. É verdade que, se este projeto for implementado, se
um grande desafio: te que ser feita uma profunda reestruturação no
ensino superior com programas de apoio aos estudantes por meio de
bolsas de estudo e de inserção na universidade. Afinal, os cotistas
precisarão ter condições financeiras para transporte, alimentação, livros,
computador, internet e, certamente, aulas de apoio a fim de suprir as
deficiências do ensino fundamental e médio públicos. Se tudo virar
demagogia, grande parte dos alunos de cotas se reprovada ou
abandonará as universidades ao longo do curso.
246
De outro lado, constataram-se, também, discursos que apontavam a mudança na
correlação de foas entre as vagas universitárias, sobretudo em alguns cursos. Há quem
considerou injustiça ter se sacrificado pagando um bom ensino privado para os filhos, e
agora ver as chances dos mesmos serem reduzidas.
Você está quebrando a cabeça, fazendo contas, tentando adivinhar como
ficará a relão candidato-vaga das universidades federais caso haja
reserva de vagas para alunos da rede pública? Bem, prever o futuro não
dá, mas para ajudar os vestibulandos a Megazine fez uma simulação de
como ficaria a disputa na UFRJ e na UFF caso as cotas já estivessem
valendo no concurso passado. Quando soube da intenção do presidente
Lula de destinar 50% das vagas das universidades federais a estudantes
que tenham cursado todo o ensino dio em escolas blicas, Nathalia
Ferreira tomou um susto. Aluna do Colégio São Jo e vestibulanda de
medicina, ela sabe que suas chances de passar serão menores se o
projeto de lei, que já foi enviado ao Congresso Nacional e es à espera
de votação, for aprovado e começar a valer este ano. Fiquei
desesperada. Tenho uma boa base, mas a competição vai aumentar com
as cotas. Não sei se terei chance de estudar em faculdade pública diz
Nathalia. A preocupação da estudante tem fundamento. Ano passado, na
UFF, havia 38 candidatos por vaga para medicina. Levando-se em conta
a quantidade de alunos de escolas blicas que fizeram a prova para o
curso e reduzindo o número de vagas à metade como nas cotas, a
relação candidato vaga subiria para 64.
247
Mas aqui cabe uma consideração. Durante muitos anos a classe média migrou
para o ensino privado na medida em que obinha abatimentos no Imposto de Renda dos
gastos com educão de seus filhos. Análises indicam que esse é um dos fatores de
246
Waldemar Weller (por e-mail, 14/5), RJ. Jornal O Globo. Ensino Superior. Editoria: Opinião. 17-04-
2004
247
Ediane Merola. Jornal O Globo. Prova de fogo para quem o entra nas cotas. Editoria: Megazine.
25-05-2004
redução do investimento público na educão de base e da qualidade média dos
estudantes oriundos da escola pública. Estaria assim se constituindo uma transferência
de recursos públicos para a classe média. Um investimento indireto e camuflado. E isso
não era visto como injustiça e sim como “direito.
Também no ensino superior, como conseqüência indireta, poder-se-ia
considerar existência de cotas camufladas no acesso naturalizado das
classes privilegiadas ao ensino superior. No discurso abaixo o fato
também é questionado: O que o as habituais concessões do Estado de
isenções fiscais, subsídios e mesmo o perdão de dívidas para setores da
economia, senão políticas afirmativas? A diferença aqui é o blico-
alvo: jovens negros, pardos e pobres. Mas instrumento dessa natureza
sempre integrou o elenco de medidas disponíveis ao Estado para
reforçar esse ou aquele segmento por entender que os resultados
beneficiarão o país como um todo.
248
Mas reconheçamos, a Universidade sempre teve política de reserva de
vagas na graduação e pós-graduação. O problema é que agora uma
parcela da sociedade civil, antes relegada à periferia da sociedade, avoa
para si o direito de compartilhar a Universidade pública paga com os
seus impostos. Nas pós-graduões, a reserva de vagas sempre existiu.
Turmas foram feitas especialmente para qualificar docentes em situação
preria. Eu mesmo na USP tentei três vezes a seleção do doutorado e
nestas vezes já sabia que os da casa já tinham lugar marcado. Na UFRJ
a mesma coisa. Gostei? o. Compreendi as razões? Sim.Agora que
estamos negociando as vagas para negros visando suplantar o ciclo
vicioso da pobreza, vejo textos e mais textos sobre a ameaça que isso
pode representar para a qualidade da Universidade.
249
Outras participações, oriundas de artigos ou de outras seses dos jornais
expressam as mesmas preocupações, adotando, entretanto outro tom. O que deve mudar
para ser justo? O que deve mudar para emergir o melhor? continua a ser o foco. Acabar
com o paternalismo ou atacar a raiz do problema poderão, de fato, ser garantia de
qualidade e, por fim, garantia de justiça? Enfim esses seriam os meios?
As dois anos de gestão, o governo ainda não se deu conta de que a
causa da desigualdade no acesso ao ensino superior é a oferta de uma
educação blica de segunda categoria patrocinada por autoridades que
se acostumaram a tratar os segmentos mais pobres da população apenas
com favores e paternalismo.
250
248
Folha Dirigida. Ensino Superior. Editoria: Cotidiano. 14-03-2005.
249
Mensagem de Isabel Cruz. JC E-Mail. Leitores comentam polêmica das cotas. 15-04-2004.
250
Folha Dirigida. Ensino Superior. Editoria: Educação.19-11-04
Políticas afirmativas. Sistema de cotas nas universidades. Tentativas de
incluo social que geram debates acalorados e apresentam resultados
polêmicos. Afinal, não faltam críticas a essas medidas definidas por
muitos como populistas e eleitoreiras. Pois, apesar de gerarem um
impacto imediato na vida dos excluídos, não acabam com o déficit
educacional do ensino. Revertem as conseências, e o as rzes dos
problemas.
251
Em torno desses temas, articulam-se a comparação entre o rendimento de
cotistas ou o cotistas, gerando polêmica. Isto porque dependendo do todo de
análise empregado, obtinham-se diferentes resultados, inclusive resultados opostos! A
divulgação precipitada de alguns desses resultados deu munição aos favoráveis ou
desfavoráveis à adão da política. As páginas dos jornais se encheram de afirmações de
cunho comprobatório de suas expectativas, sejam aquelas que pretendiam afirmar que os
cotistas poderiam ter o mesmo rendimento ou aquelas que pretendiam demonstrar a
suposta perda de qualidade do ensino superior em função de um baixo rendimento dos
mesmos
252
.
O justo é o melhor? Quem é o melhor?
Alunos aprovados por cotas em 30 cursos da Universidade do Estado do
Rio de Janeiro (Uerj) tiveram nota máxima inferior à pontuação mínima
dos candidatos não-cotistas. Os dados, referentes ao último vestibular
da instituição, fazem parte de um dossiê preparado pela reitoria da
universidade, ao qual O GLOBO teve acesso. No relatório também há
informões sobre o desempenho dos estudantes cotistas, aprovados em
2003. Ao contrário do que a Uerj acreditava, o rendimento dos alunos
que entraram na universidade graças à reserva de vagas foi pior que o
dos alunoso-cotistas. Em 2003, problema ocorreu em apenas seis
carreiras(desenho industrial, geologia, medicina, oceanografia,
odontologia e relações públicas). Ainda segundo o relatório, em 17
carreiras da Uerj foram aprovados candidatos com notas inferiores a 20
pontos. Apesar do desempenho ruim dos cotistas no vestibular, a
reitoria da Uerj diz que o faz distião entre seus alunos.
253
Pioneira no país na realização de vestibular com cotas, a Uerj divulgou
no fim do ano passado um estudo feito pelo Departamento de Estudos
Pedagógicos da instituão. Nele, afirma que o desempenho dos alunos
aprovados pelas cotas em 2003 era igual ou superior ao dos não-
251
Folha Dirigida. Incentivo ao mérito na caça ao talento. Editoria: Educação. 27-07-2005
252
Também o Governo Federal se meteu em apuros quando divulgou pesquisa acerca da composição
étnica da sociedade brasileira cuja alise comporá a terceira dimensão deste estudo.
253
Ediane Merola. Jornal O Globo. UERJ: relatório mostra pior desempenho dos cotistas. Editoria: Rio.
04-06-2004
cotistas. A comparação era feita com base no coeficiente de rendimento
(CR) dos estudantes e, segundo a reitoria da universidade, não mostrava
a realidade. Segundo o reitor da Uerj, Nival de Almeida, o índice de
reprovação de cotistas nos cursos do centro biomédico, por exemplo, é
quatro vezes maior do que entre os não-cotistas. O departamento fez
uma leitura preliminar dos dados. Pegamos as mesmas informações e
analisamos de outra forma. O CR não serve como referência, porque
mais desistência nos curso entre os alunos não-cotistas. Com isso,
aumenta a quantidade de CR zero. A reprovação por nota é maior entre
os cotistas em todos os centros da Uerj disse Nival. E acrescentou:
Mesmo tirando notas mais baixas, o cotista o desiste facilmente da
vaga. Seu resultado ruim no curso é um reflexo do ensino de baixa
qualidade que ele teve durante toda a educação básica.
254
O 1º Seminário de Cotas do Governo do Rio, mês passado, revelou que
os índices de freqüência às aulas, inscrição em disciplinas e
aproveitamento escolar o foram discrepantes, com vantagem para os
cotistas em alguns cursos. Confirma-se que esse instrumento não
diminui a qualidade de ensino das universidades.
255
E as contradições:
A pesquisa do ano passado mostrou que cotistas tiveram desempenho
melhor do que os demais quando se comparou a taxa de aprovação em
toda as disciplinas cursadas. O novo estudo, feito a partir do rendimento
dos mesmos estudantes, chegou a concluo inversa ao comparar a taxa
de reprovão por nota dos alunos -cotistas tiveram maior taxa de
reprovação do que os demais.A diferença acontece porque o atual
estudo, feito na gestão da reitoria que assumiu neste ano a Uerj, preferiu
trabalhar com a taxa de reprovação apenas por nota (alunos que não
abandonaram a disciplina e que tiveram nota insuficiente para serem
aprovados). Em todos os quatro centros da Uerj, essa comparação
mostra que a taxa de reprovação foi maior entre os cotistas. A
comparação, no entanto, não levou em conta os alunos que
abandonaram a disciplina e, por isso, tiveram nota zero nas provas.
Quando esse grupo é comparado, os dados são: 6,9% dos cotistas foram
reprovados dessa maneira ante 13,7% de taxa entre os demais
estudantes. Na comparão da dia das notas, calculado pelo CR
(Coeficiente de Rendimento), cotistas e demais alunos m
desempenhos parecidos, com variações pequenas na porcentagem de
alunos com CR superior a 7 (sobre 10) e entre 5 e 7 entre os dois
grupos.A sub-reitora de graduação da Uerj, Raquel Villardi, defende
que a melhor maneira de comparar a nota é analisando a taxa de
reprovação. Segundo ela, um aluno que abandonou uma disciplina por
falta e ficou com CR zero pode ter desistido da aula, por exemplo, por
incompatibilidade de horário, e não necessariamente por baixo
rendimento. Por essa rao, segundo Villardi, a comparação do CR e da
reprovação por abandono pode trazer distorções.
256
254
Ediane Merola. Jornal O Globo. UERJ: relatório mostra pior desempenho dos cotistas. Editoria: Rio.
04-06-2004
255
Jornal O Dia. Debate: cotas raciais na universidade. Editoria: Opinião. 14-01-2005.
256
Antoniois. Folha de São Paulo. Novo estudo mostra que na UERJ há mais cotistas entre os
reprovados. Editoria: Educação. 05-06-2004
Raquel Villardi contestou os dados divulgados na semana passada pela
Rede de Pré-Vestibulares Educafro, que mantém 255 cursinhos para
estudantes carentes, no Rio e em São Paulo. Conforme tais números,
que fazem parte de uma pesquisa feita pela antiga gestão, os cotistas
que ingressaram na Uerj em 2003 tiveram notas mais altas do que os
não-cotistas.Ela informou que o levantamento se baseou apenas no
coeficiente de rendimento (CR) dos universitários, quando otodo
mais exato é a análise do índice de aprovação e reprovão por nota em
cada disciplina. "Se eu me basear apenas no CR haverá distorções,
porque há alunos que ficam com CR baixo porque abandonam a matéria
e, com isso, tiram zero no fim."Um outro estudo, feito a partir da taxa
de aprovação, mostrou que os cotistas são mais reprovados do que os
alunos que entraram na Uerj pela forma tradicional. Isso foi verificado
nos centros de Educação de Humanidades, Biomédico, de Ciências
Sociais e de Tecnologia e Ciências. A subreitora não quis responder às
cticas do frei Davi Santos, diretor executivo da Educafro. O frade a
acusou de esconder o sucesso dos cotistas.
257
Eu cheguei à Uerj pela cota para escola pública, trabalho e estudo e o
meu desempenho é excepcional, acima do da parcela ressentida que
morou em salas de cursinhos show que não ensinam nada além de
macetes. Vestibular o avalia competência, é um necio que
desumaniza e ilude.
258
Como se previa, o desempenho dos beneficiados pela potica de cotas
na Universidade do Estado do Rio de Janeiro é inferior ao dos alunos
que entraram na Uerj pela porta do vestibular, sem privigios A
Universidade fica, assim, num dilema: reduz o nível do ensino o que
seria desastroso para o país mas acolhe os cotistas, ou mantém a
qualidade pedagica e, na prática, expulsa esses alunos.
259
Tem-se claro, neste recorte de discursos com relação ao rendimento dos cotistas e
não cotistas, que a mídia fez uma divulgação extensa do assunto que ganhou espo nas
páginas de vários jornais de grande circulão posto que proliferaram resultados
antanicos de diferentes enfoques de pesquisas! Além deste fato, percebe-se que os
argumentos utilizados, por exemplo, pelo Frei Davi, liderança negra que atua na área
educacional, são completamente contaminados com visões distorcidas e preconceituosas.
Afirmar que os negros e os pobres são mais esforçados e/ou melhores tem qual grau
de cientificidade? Biológica, moral? Não estaria de fato esse tipo de afirmação,
257
Tribuna da Imprensa. UERJ reclama de faltas de recursos para investir em alunos cotistas. Editoria:
País. 24-05-2005.
258
Fred Oliveira. Jornal O Globo. Cotas. Editoria: Megazine. 01-02-2005.
259
Jornal O Globo. Encruzilhada Universitária. Editoria: Opinião. 05-06-2004
sobretudo partindo de um líder, incentivando conflitos e não os intermediando, como
prevê a tradição judica do Direito?
Já a nota mínima ou nota de corte também gerou mais distorções do que
benecios e acabou por provocar o esvaziamento de alguns cursos procurados pelos
cotistas.
260
Aparentemente, a nota de corte, procurou sanar algumas discrepâncias como a
defasagem de nota muito grande no ingresso de cotistas e não cotistas em alguns cursos,
mas gerou pomica, sobretudo entre os estudantes cotistas que alegavam que o corte
expressava discriminão. Tamm nesse bloco, há análises que procuravam evidenciar
quais os cursos ou faculdades que, em função de sua hierárquica representação no
ranking das profissões, foram mais procurados pelos cotistas e como a mudança na
correlação de forças entre cotistas e não cotistas se apresentava.
Empecilhos como descrevem as manchetes. Ou seja, sobraram vagas. Outro fato
interessante foi a articulação do corte de nota com a noção de sacricio, argumento novo
se comparado às falas anteriores e à constatação de um crescente “discurso humanista,
com categorias como esfoo, desafio e luta, sendo utilizadas como critério daqueles que
defendem a implantação da potica.
A crião de nota mínima para ser aprovado no vestibular da Uerj fez
com que alguns candidatos cotistas se revoltassem. O curso
universitário é um grau de ensino de excelência, é preciso estudo,
interesse, sacrifício, vontade de vencer. Se os prejudicados não são
capazes de se esforçar para obter um mínimo de 20 pontos para serem
aprovados, é porque não estão em condições de fazer curso superior!
261
A notanima requisitada agora pela Uerj aos estudantes de escola
pública e negros se tornou mais um empecilho para o ingresso das
pessoas de baixa renda na faculdade. Amigos meus, que entraram
comigo e que são cotistas, inclusive eu, que o teriam a mínima chance
260
O atual critério de renda na UERJ é de R$ 520,00 reais per capita. Ocorre que, como já foi citado
aqui, se constatou que não , de fato, tantos alunos egressos do ensino dio público, com esse perfil
de renda familiar, visando o ensino universitário. Com essa renda, a maioria abandona os estudos antes,
reiterando, assim, pesquisas que apontam para a diminuição drástica da procura do ensino dio no
Brasil.
261
Wanderley Jorge Bueno. Cotas. Jornal O Globo. Editoria: Opinião. 27-04-05.
de estar aqui dentro, melhoram a cada dia que passa e eu aprendo muito
com eles tamm. Não deixam de ser pessoas esforçadas, com vigor
para lutar pelos seus sonhos e objetivos, já que para muitos essa foi
única chance que tiveram e que teriam de entrar numa universidade. De
modo nenhum estamos degradando a imagem da universidade, mas sim
colocando para ela um desafio, a nossa força de vontade de ter uma
educação que a cada dia que passa nos é roubada. Temos a obrigação de
transformar essa sociedade em uma mais plural, para que quando um
policial vir um preto e favelado correndo não atire por pensar que ele é
bandido.
262
E outras opiniões:
Gostaria de parabenizar a Uerj pela mudança do ingresso na faculdade
pelo sistema de cotas. Quem o tem gabarito para acertar 20 questões
em cem não tem a mínima capacidade de ingressar num curso superior.
Imaginem um cotista cursando medicina, um curso puxadíssimo, sem
ter nenhuma base em qmica, sica e biologia. Como será a formação
desse aluno?
263
Trazer o aluno negro, não é trazer o aluno fraco. Por isto muitos alunos
não foram classificados: tiveram notas inferiores ao ponto de corte.
Todos os que entraram, portanto, eso aptos a estudar na UnB. O vice-
reitor conta que foram 27 mil os alunos que se inscreveram para a
universidade. As vagas eram 1.994. Na nota de corte, eliminamos
os candidatos, das cotas ou não, que teriam mais dificuldade de
acompanhar os cursos. Dos alunos inscritos, 4.194 disputavam pelo
sistema de cotas. Foram desclassificados 2.255 do sistema de cotas. Os
números provam que os candidatos que venceram têm perspectivas
alvissareiras. A relação aluno/vaga para os que não eram das cotas foi
15 por 1. Para os das cotas era 11 por 1. Todos estão qualificados.
264
Em relação à falta de mérito desses segmentos, é preciso lembrar que
os exames vestibulares não são instrumentos de avalião da
aprendizagem e, por isso, não m como objetivo identificar quem sabe
e quemo sabe, quem temrito e quem não tem. Seu propósito
maior é eliminar o excesso de candidatos. Assim, o é por acaso que
lançamo depontos de corte — expressão bastante adequada à
natureza desses exames. A definão dos “pontos de corte, ou seja, do
nimo de pontos necessários à aprovação ou à classificação, não segue
nenhum critério pedagico que determine qual o mínimo de
conhecimentos que um egresso do ensino dio deve ter para que seja
considerado apto a fazer um curso superior.
265
Quem é o melhor?
O melhor pode ser não apenas quem consegue ter um bom rendimento
mas aquele que consegue permanecer dentro do sistema. O melhor pode
ser avaliado por meio de novas conceses assegurem sua permanência.
Verbas, falta de verbas, debates polêmicos para definir o que é justo.
262
Gislane Gomes Espíndola. RJ. Jornal O Globo. Online, 27-04-05.
263
José Carlos Ferreira. Jornal O Globo. Editoria: Opino. 22-05-2005.
264
Tymothy Mulhollad. Jornal O Globo. Ousar Mudar. Editoria. O País. 18-07-2004
265
Azuete Fogaça. A culpa é dos negros e dos pobres. Jornal O Globo. Editoria. Opinião. 30-06-2004.
(...)Com 7 mil cotistas matriculados, em um universo de 24 mil alunos,
a Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) sofre com a falta de
recursos para investir na formão desses estudantes. Segundo a
Subreitoria de Graduação, dos R$ 8,7 milhões que deveriam ter sido
repassados pelo Estado em 2004 especialmente para isso, a instituição
recebeu pouco mais de R$ 1 milhão.Para este ano, estava prevista verba
de R$ 12,5 milhões, mas a instituição recebeu apenas R$ 1,048 bilhão,
afirmou a subreitora, Raquel Villardi. Ela reclama da falta de dinheiro
para comprar livros para bibliotecas e equipamentos para laboratórios.
Na área biomédica, por exemplo, há apenas cinco exemplares do atlas
de anatomia humana. No curso de Medicina, informou Raquel, são 45
cotistas que precisam consultar o livro, sem contar os alunos de outros
cursos e os não-cotistas.- Como o dinheiro não vem, tudo que
planejamos fica inviabilizado. Estamos fazendo a nossa parte - disse a
subreitora.
266
Mas como permanecer? Verbas? Suportes?
As contradições expressas na adoção da política parecem se confirmar quando o
assunto é viabilizar a permanência do estudante cotista na Universidade, inclusive com
recursos externos.
Pioneira na implementação do sistema em 2002 junto com a
Universidade Estadual da Bahia, a Uerj é um exemplo dessa situação.
Os últimos dados de que a universidade dispõe datam de 2004, segundo
ano de funcionamento das cotas. Já naquela época, o número de cotistas
era de 2.386 alunos, sendo que o governo do Estado do Rio só
disponibilizava 924 bolsas de apoio a estes alunos. Mesmo assim, o
benefício de R$190 mensais, proveniente da bolsa Jovens Talentos II,
criada junto com as cotas, só tem duração de um ano, sem possibilidade
de prorrogão. O aluno cotista do 4º peodo de Pedagogia da Uerj,
Bruno Miranda, conta que a cada semestre percebe a diminuição do
número de alunos em sala. "Meu curso já é tradicionalmente de alunos
mais carentes. Além disso, a bolsa de R$190 é de um valor irrisório,
não dá para nada". Para ele, a reserva de vagas possui orito de
incluir na universidade aqueles que não teriam condições se o fosse o
sistema. No entanto, Bruno cobra mais empenho do governo do estado e
da reitoria para garantir a permanência destes cotistas em sala. "Entendo
que o governo implementou as cotas passando por cima da autonomia
universitária. Mas os alunos da reserva de vagas têm demonstrado
desempenho superior aos não-cotistas e, nem assim, possuem
incentivo", contesta Bruno.O reitor da Uerj, Nival Nunes, concorda em
parte com o aluno. Ele afirma que a implementação das cotas é
necesria nas universidades para a democratizão do acesso ao ensino
superior e que tais políticas devem vir acompanhadas de medidas que
garantam a permancia dos estudantes em sala de aula. Mas o
problema, segundo ele, é a falta de investimentos do poder público no
financiamento de taisões. "Vejo que o Estadoo dá sustentação
266
Tribuna da Imprensa. UERJ reclama falta de recursos para investir em aluno cotista. Editoria: O
País. 24-04-2005.
para que a universidade tenha mais tranqüilidade nas ões de apoio aos
estudantes. A principal questão hoje é saber de onde virão os recursos.
Temos sim, que ter as leis de incluo, mas temos que ter o aporte
financeiro para cumpri-las. Caso contrário, a conta fica muito pesada
para a universidade", reforçou Nival. Ele lembra também que, nos
exames de qualificação do vestibular da Uerj, desde que as cotas foram
implementadas, o mero de alunos isentos aumentou
consideravelmente. Como conseqüência disso, os recursos que iriam
para a conta da universidade advindo da taxa de inscrição diminuíram.
"O vestibular também é uma preocupação. Muitos estudantes que
enfrentam cancias familiares em relação à renda se inscrevem
gratuitamente. Eles não pagam taxa. Por isso não há subdios. Se
alocarmos valores do orçamento atual em assistência estudantil,
acabamos por deixar outros setores descobertos", explica o reitor.
267
Essa fala é interessante, pois articula o comércio que passa a existir no interior
das concepções de acesso ao ensino e o rendimento escolar. Articula o suposto
rendimento superior dos cotistas como justificativa para a obtenção de mais verbas para
o programa. E a verba parece surgir aqui e ali.
O governo do estado liberou uma verba de R$30 mil para compra de
material para alunos cotistas da Uerj. Seo beneficiados 11 alunos do
curso de Odontologia que ingressaram na universidade no primeiro
semestre de 2004. O montante custeará os estojos básicos para aulas
práticas do curso, que se iniciam já nos terceiro e quarto períodos. A
Uerj possui 7.553 universitários dependentes de políticas públicas de
permancia na instituição. O material será usado em regime de
comodato posse temporária com devolução do bem. A Faculdade de
Odontologia da Uerj já apresentou oamento para a aquisição de mais
13 estojos para aulas práticas, que beneficiao os cotistas que
ingressaram no segundo período de 2004. Em breve, mais R$ 35 mil
devem ser investidos para compra de material para esses estudos.
268
Uma pena que boa parte da população negra brasileira viva em um
sistema prerio, e não adianta nada o governo implementar cotas, se
não implementar bolsas de estudos. (...) o adianta ter as cotas, se
muitos o têm condições financeiras de poder seguir na universidade.
Não queremos de maneira alguma vantagem, mas queremos ajuda,
ajuda para poder nos libertar cada dia mais, nos libertar de tudo que nos
aconteceu, e espero que o continue acontecendo.
269
267
Bruno Garcia. Cotistas da UERJ lutam para terminar o curso. Folha Dirigida. Editoria: Ensino
Superior. 17-11-2005.
268
Jornal Extra. Verba liberada para dentista cotista. Editoria: Geral. 05-06-2005.
269
Zaire Winnie Silva Campos. Estudante. Jornal O Globo. Bolsa e Cotas. Megazine. Editoria: Opinião.
14-06-2005.
E aqui um exemplo vivo da dificuldade de permanência na universidade, o aluno
de nome Avides, narrando e sendo narrado de forma dstica e contundente pela
imprensa.
Um dos exemplos é o estudante de Direito da Uerj, Avides de Paula
Brum. Ingresso na universidade atras das cotas no primeiro semestre
de 2003, o jovem chegou ao quarto período da graduação. No entanto,
com o fim do auxílio financeiro do programa Jovens Talentos II, Avides
teve que desistir do sonho de conquistar o diploma de Bacharel em
Advocacia. Desempregado, ele es desolado por ter que abandonar a
universidade. "Entre os 13 iros, fui o único que concluiu o ensino
dio e ingressou na faculdade. Mas foi tudo ilusão. Não serei mais
advogado, o sonho acabou", declarou recentemente. Avides conta que,
entre seus conhecidos, pelo menos três colegas ingressos na Uerj pelas
cotas já "sumiram" e outros ts estão prestes a trancar matrícula. Um
deles é Wladimir Barbosa, que entrou para o curso de Direito também
no primeiro semestre de 2003. O estudante vai e volta para a Uerj a pé
por não ter dinheiro para pagar a passagem
270
Escrevo este e-mail para comunicar aos leitores que se mais uma
baixa entre os cotistas da Uerj. Eu, Avides, estudante de direito cotista,
desempregado, morador da Zona Oeste, filho de um pedreiro já falecido
que fazia hemodlise e de uma e mastectomizada, hoje com câncer
metastico no pulo, declaro que não serei mais advogado, o sonho
acabou. Eu estou saindo da faculdade: o tenho dinheiro para pagar a
passagem pois a bolsa aulio foi cortada. Dentre 13 filhos fui o único
que terminei o ensino médio e ingressei na faculdade, mas foi tudo
ilusão.
271
Há quem alega que os cotistas abandonam menos os cursos seriam mais
esforçados por terem clareza da chance que lhe estaria sendo dada.
Na Uerj, 49% dos alunos cotistas passaram de ano sem nenhuma
dependência, contra 47% dos não cotistas. A evasão no primeiro ano foi
de 5% para cotistas e 9% para os não cotistas. Hoje mais de 6 mil
cotistas no estado, e menos de 2 mil no restante do país. Mas não basta
dar acesso, é preciso uma política de permanência. Por isso, os cotistas
do estado recebem uma bolsa para ajudar a mantê-los no primeiro ano.
Tais resultados provam que os que entraram na universidade pelo
sistema de cotas têm mérito acadêmico, ao contrio do que previam os
preconceituosos em estridentes marias e artigos de jornais.
272
270
Roberta Fernandes. Folha Dirigida. Governo paga 500 bolsas para cotistas. 29-03-2005.
271
Avides de Paula Brum. RJ. Jornal O Globo. A ilusão das cotas. Editoria: Opinião. Megazine. 02-07-
2005.
272
Jornal O Globo. Tema em Discussão: cotas raciais. Editoria: Opinião. 29-12-2005.
Enfim, não só a entrada na universidade mas sua permanência também passa a ser
objeto de preocupação e de busca por ações afirmativas. Mas o que deve mudar? Há que
se garantir uma bolsa durante todo o curso? Qual o valor justo para suprir suas
necessidades de estudante e ainda lhe oferecer condições de adquirir, pelo menos em
parte, o capital cultural que faria com que ele pudesse estar em iguais condições com os
alunos não cotistas?
O estudante cotista Bruno utiliza-se de comparações entre cotistas e não cotistas
para reclamar da falta de incentivo por parte do governo quanto à liberação de recursos.
Mas que linha tênue é essa, de corte, de etnia, de renda, que faz com que uma parcela
seja beneficiada e outra não. Quem é o melhor define como ser o mais justo? E como
definir o melhor?
Neste contexto, duas questões merecem destaque. Muitas das categorias de bolsas
eso atreladas à selão entre os “melhores”. Ou seja, reitera-se a análise de que as
cotas privilegiaria uma elite no interior de uma minoria. Mais ainda, quem afirme que
as cotas raciais viriam, apenas, reforçar uma elite negra.
Por outro lado, tomando a declaração do próprio reitor da UERJ, o fato é que a
arrecadação universiria tem diminuindo muito, prejudicando os três pilares que
sustentam a universidade. Ensino, pesquisa e exteno.
No caso do Rio de Janeiro, o mesmo Estado que se orgulha e alardeia seu
pioneirismo na adoção das cotas, além de outros mecanismos populistas de gestão, não
reajusta seus funcionários há cinco anos e tem deixado a UERJ em situação drástica em
termos manutenção material. Existem na universidade salas, laboratórios, banheiros, em
péssimo estado de conservação. No início de 2006, parte do telhado de uma das
unidades caiu a despeito dos reiterados avisos por parte dos responsáveis da
necessidade de conservação dos prédios.
Percebe-se que alguns dos argumentos favoráveis à implantação das cotas,
sobretudo as que se utilizam do critério de renda, se alicerçam na hipótese de que
finalmente a classe média voltaria para a escola pública. O problema maior desta análise
é atrelar a essa expectativa a noção de que a classe média então elevaria o nível do
ensino, pois traria mais capital social e cultural acumulado e, mesmo, teria maior poder
de reivindicão na luta pela melhoria do ensino, desqualificando, assim, os outros
segmentos envolvidos.
E quando tudo vira espetáculo? O caso do estudante japonês esteve de forma
contundente durante pelo menos uma semana nas principais mídias.
Melhor aluno de Português-Japonês, ele foi escolhido em selão
internacional. O estudante Joelson Souza de Santana, de 23 anos,
ganhou bolsa do governo japonês para estudar por um ano na
Universidade de Estudos Estrangeiros de Osaka. Melhor aluno do curso
de Português-Japonês da Universidade do Estado do Rio de Janeiro
(Uerj), foi escolhido numa seleção entre candidatos do mundo todo.
Negro, Santana foi admitido na Uerj pelo polêmico sistema de cotas.
"o acho que a minha aprovação diminuir o preconceito contra os
cotistas. Mas é um exemplo de que vir daqui ou dali não é tão relevante.
Potencial todos temos. O importante é se esfoar", disse o estudante.
273
Numa outra fala, o estudante faz uma afirmação recorrente entre os cotistas a de
que entraria independentemente das cotas.
Filho de um motorista de ônibus e de uma donade-casa, Joelson estudou
num Ciep de Duque de Caxias antes de decidir cursar Letras.
- Mesmo que não tivesse me inscrito nas cotas, acho que teria sido
aprovado no vestibular. Tive uma boa formação na escolablica -
afirma Joelson.
274
No axioma o justo é distribuir entre pequenos e grandes mediante uma prova, o
debate gira em torno da questão qual a eficia da lei justa?
Complementando as discussões postas quando se avalia a qualidade, esse axioma
foca, de
forma contundente, a questão da necessidade de aferir não apenas os
273
Clarissa To. Jornal Estado de o Paulo. Cotista da UERJ ganha bolsa no Japão. 20-07-2005.
274
Jornal O Globo. Um cotista de malas prontas. Editoria: Rio.22-07-2005.
melhores, mas os que m mérito conceito veiculado e entendido quase como
sinônimo de sacrifício. Se o conceito do mérito (do latin meritu) está articulado à noção
de merecimento, de um fazer por merecer, agora passa a portar, também, um caráter
compensatório.
Assim, a questão do mérito, direta e indiretamente, reflete posições antanicas
seja pelo significado do conceito, seja pela relação do mérito com a qualidade e com a
constitucionalidade ou não da adoção da política.
Nesse axioma, o ideal de justiça boa é dado por uma avaliação, uma prova que
define os mais capazes. Essa prova tem seu cater estendido. Não mais uma questão de
julgamento da análise de conteúdos concretos apreendidos no processo educacional, mas
uma “prova cujo conteúdo avaliado é a própria vida dos segmentos envolvidos, bem
como de seus antepassados. Uma avalanche de representações surge desse novo
entendimento, posto que a “prova da vida adquire um cater de quase substituição da
prova convencionalmente identificada como essência da meritocracia.
Aceitar a cota para negros na universidade no molde que aí es é
desprezar a chance de lançar mão da competência, o mais legítimo meio
de enfrentar os entraves impostos pela degradante cultura da
discriminação. No ambiente universirio, ao se avistar um negro ou
pardo, chega-se à instantânea conclusão de que ali está alguém mal
preparado. É um nivelamento por baixo. É a pá de cal que faltava no
enterro das esperaas de quem sonha com a real emancipão do negro
e seus descendentes. A oportunidade que s, negros precisamos, não é
a de entrar na universidade mas sim a de nos prepararmos
adequadamente para tanto, de modo a competirmos em igualdade de
condições com os demais que sempre desfrutaram deste privilégio. Se
querem nos ajudar, dêem-nos gratuidade em cursos preparatórios de alto
vel que nos permitam tirar proveito de um aprendizado sadio em que
se evidenciem as nossa reais capacidades para um ingresso meritório
num curso superior.
275
A declaração deste estudante é interessante. Ele se declara negro e é contra as
cotas. Possui em seu discurso, totalmente introjetado, a noção da estrutura meritocrática
da sociedade. Quer, a princípio, ter as mesmas chances, ser igual e relaciona essas
275
Humberto Reis Gama . RJ. Jornal O Globo online, Cotas. Editoria: Opinião. 28-05-2005
chances à melhoria do ensino de modo a poder competir com os demais. Embora não tão
recorrente,este discurso tem sido proferido inclusive por intelectuais negros
desfavoráveis às cotas. Aparentemente, esses intelectuais, por valorizarem a instância
acadêmica, questionam sua qualidade quando do ingresso indiscriminado de estudantes,
negros ou não. Por outro lado, denunciam o sucateamento das universidades e o
mascaramento das condições de ensino básico e universitário.
Mas o debate sobre o mérito continua levantando outras considerões. Ora de
forma reducionista, como na primeira fala abaixo, ora de forma mais articulada
promovendo a relação do mérito com a qualidade, com a igualdade e com a questão
constitucional, este último abordado sob óticas completamente diferentes.
Quem chega à Universidade é por rito e não por uma canetada.
276
Quer dizer que agora o cririo para entrar na universidade pública
deixa de ser a inteligência e o mérito acamico para se transformar
meramente no critério racial? Quanto mais escura for a pele do
candidato mais direito este terá para passar à frente dos outros? O que é
isso? Eso querendo implantar o racismo no Brasil à revelia da
Constituição federal?
277
A idéia de cotas para os alunos das escolas públicas parece atraente.
Mas, na prática, traz problemas graves. O primeiro é de princípio. No
ensino superior, sobretudo nas universidades públicas -
extraordinariamente caras -, deve reinar o princípio da meritocracia
intelectual, no qual pode mais quem sabe mais e sobe mais quem sabe
mais. Uma violação à força bruta dessas regras o se faz sem graves
prejzos para uma instituição em que o rito é fundamental. As
soluções apropriadas para o Brasil deveriam ser muito mais complexas
e matizadas, em cada caso, fixando-se as cotas emveis em que a
perda de qualidade seja aceitável (há estudos sobre o assunto).
278
A articulação do princípio republicano do mérito com a questão constitucional, já
levantada aqui, reaparece constantemente.
276
Mensagem de Marcelo de O. Santos. JC E-Mail. Leitores comentam polêmica das cotas. 15-04-2004.
277
Eduardo Couto Chueri. RJ. (por e-mail). Jornal O Globo. Cotas na faculdade. Editoria: Opinião.13-
12-2005.
278
Cláudio de Moura e Castro. A maquiagem do monstro. Economista. Revista Veja. Editoria: Ponto de
Vista. 15.05.2004.
Se virar lei, a idéia anunciada pelo governo, de obrigar as universidades
federais a reservarem, em cada vestibular, 50% das vagas para
estudantes que tenham cursado integralmente o ensino médio em
escolas públicas, deve ter sua inconstitucionalidade arida no
Supremo Tribunal Federal por ferir os princípios fundamentais da
isonomia, da interdão de discriminações, da razoabilidade e o
''prinpio republicano do rito''. (...) De acordo com Magaldi, a
cusula pétrea do artigo 5º da Constituição sobre a igualdade de todos
perante a lei ''equivale à interdição de discriminações, quaisquer que
sejam, num sentido ou em outro''. E lembra que só podem ser aceitas
discriminações (exceções) que a ppria Constituição pre, como é o
caso do inciso 8 do artigo 37, pelo qual ''a lei reserva percentual dos
cargos e empregos públicos para as pessoas portadoras de deficiência, e
defini os critérios de sua admiso''. No caso específico das
universidades, o advogado dá ênfase ao ''princípio republicano do
rito'', sobretudo tendo em vista ser este, atras do vestibular
obrigatório, o sistema de acesso às faculdades.- O mérito se legitima
não porque favora os mais inteligentes, mas porque, citando Dworkin,
é considerado ''uma prática social útil'' - explica.
279
Discursos que questionaram a noção derito, como o do deputado estadual
Gilberto Palmares e as outras formas de ingresso nas universidades públicas também
apareceram e podem ser entendidos como emblemático do deslocamento conceitual que
parece vigorar no positivado conceito do mérito, utilizado na defesa das ações
afirmativas. Mérito, sacrifício e dívida é tríade inseparável.
As notas do ENEN, por exemplo, Exame Nacional do Ensino Médio, têm sido
utilizadas como critério de seleção de estudantes, sobretudo nas primeiras fases do
vestibular das universidades públicas e católicas, que reservam vagas para os primeiros
colocados no exame em todos os cursos, e têm cater extremamente hierárquico. A
despeito do exame ser obrigatório a todos os concluintes do nível médio, público ou
privado, privilegia aqueles oriundos das escolas de excelência do Governo Federal,
como o Colégio Pedro II, os Colégios de Aplicação - CAps (incluindo os estaduais) e as
Escolas Técnicas, além daqueles oriundos das escolas de elite e renomados cursinhos de
pré-vestibular.
279
Luiz Orlando Carneiro. Jornal do Brasil. Cotas nas Federais em xeque. Supremo pode considerar
medida inconstitucional. Editoria: País. 23-05-2004.
Desde que a Uerj estabeleceu, de maneira pioneira, o sistema de cotas
para estudantes negros, duas raes têm sido especialmente apontadas
por aqueles que combatem o sistema. A primeira fala de suposta
discriminação contra estudantes o-negros que, apesar de mais
preparados, são eliminados para dar lugar a pessoas sem rito para
ingressar num curso superior. A segunda, conseqüência da falta de
rito seria a queda na qualidade dos cursos. O que é ter rito para
entrar na faculdade? Tirar nota 10, conceito A, depois de ter passado
pelas melhores escolas desde o Ensino Fundamental a o cursinho
preparatório? Ter amplo acesso a bibliotecas bem equipadas, Internet,
cinema, teatro? Sim, isso constitui mérito, efetivamente. Mas o que
dizer de um estudante que, obrigado a trabalhar o dia inteiro, ainda
enfrenta à noite um cursinho para carentes, muitas vezes voltando para
casa de ônibus ou a pé por ruas inseguras? Que só consegue ter acesso à
Internet no trabalho ou no centro comunitário? Que não tem como
comprar livros e, ainda assim, consegue concluir o Ensino Médio,
prestar um vestibular e ainda alcançar conceito B? Isso não é mérito? É
rito, sim. .
280
Afinal, qual a eficácia da prova justa?
Mas, pergunto eu ao ilustre deputado, e quanto ao estudante que passou
pelas mesmas dificuldades, teve a felicidade de classificar-se pelo
critério geral e que, em face do sistema de cotas, tem seu mérito
cassado pelo simples fato de não ser negro?
281
No trecho abaixo, o presidente da Associação dos Docentes de Nível Superior
(ANDES), entidade historicamente atrelada à luta pela democracia e igualdade, repudia
as críticas sofridas pela Universidade Federal do Rio de Janeiro -UFRJ, no caso a
Faculdade de Medicina, que havia votado e decidido, por meio das instâncias
representativas da universidade , a o adoção do sistema de cotas.
A UFRJ e a Faculdade de Medicina, assim como a USP, ainda sob a gestão de
uma reitoria desfavorável às cotas na Universidade, foram bombardeadas com acusões
de preconceito e discriminação tendo como base o princípio do mérito.
Os movimentos pró-cotas crêem que elas o um avanço, quando só
ratificam a política ineficaz nos demais veis de ensino. A Faculdade
de Medicina não foi ''preconceituosa''; apenas corroborou o método de
ingresso porrito, usado em todo o mundo e, repito, nos Estados
Unidos, que inspiraram as ações afirmativas, mas desaprovam cotas,
considerando que a incluo de uns o pode se basear na excluo de
outros. Hoje, o que deve concentrar nossa atenção, e contra o que a
280
Gilberto Palmares. Deputado Federal/PT. As cotas e o mérito. Jornal O Dia. Editoria. Opino 30-08-
2004
281
Washington Lopes Viana, Maricá Jornal O Dia. Editoria. Opinião. 01-09-2004
sociedade deve lutar, é a prática governamental de priorizar a educação
em discursos inflamados e não privilegiá-la quando faz os cálculos de
gastos na área social. As cotas do governo têm servido para desviar
nosso olhar de uma política educacional excludente que, nos primeiros
anos do ensino fundamental, decide quem chegará ao ensino superior. A
UFRJ está longe, muito longe, de ser vilã nessa história.
282
Além do Presidente da Andes, têm-se as declarações do atual Diretor do Hospital
da UFRJ Amâncio Paulino de Carvalho. der estudantil das décadas de 70 e 80,
membro do Partido Comunista Brasileiro (PCB), então na clandestinidade e o primeiro
presidente da União Estadual dos Estudantes (UEE), no curso da redemocratização
política brasileira, ainda no governo Figueiredo, Amâncio é identificado pelos seus
corajosos enfrentamentos na luta pela defesa da igualdade de direitos, seja nos idos da
década de 80, seja na sua ousada gestão no Hospital Universitário, ferindo interesses
coorporativos e de empresas ligadas à saúde que trazem conseqüências desastrosas para
o atendimento médico e condições gerais de pesquisa universitária. Sua fala remete à
necessidade de que se atrele à análise da adoção ou não das cotas a função social da
Universidade, e levanta questões acerca da necessidade do respeito à autonomia
universitária, a intensificação das disputas raciais e sociais que poderiam advir com a
adoção das medidas e, mesmo, questionamentos referentes ao critério de seleção
utilizados pelos Institutos Superiores de Ensino Militares, conhecidos Centros de
Excelência, que não aderiram ao sistema de cotas.
O mérito tem sido historicamente um dos elementos de identidade das
universidades. Não por acaso as duas instituições mais bem
classificadas na recente avaliação nacional dos cursos de pós-
graduação, USP e UFRJ, se manifestaram em desacordo com a proposta
de cotas. (...) Ao se tentar reparar uma significativa desigualdade
criando uma ambivalência no mecanismo de seleção (parte por rito,
parte por cota), corre-se o risco de cristalizarem-se conflitos de raça e
posição social, já que deixarão de ter acesso aos cursos de sua escolha
indivíduos que o conseguiriam no método usual. A função social da
universidade depende de sua capacidade e do seu produto final
(profissionais formados, pesquisas, extensão etc.).(...) Exemplo cabal é
282
Magno Maranhão é presidente da Associão de Ensino Superior do Rio de Janeiro. Jornal do Brasil.
Outras Opines. Editoria: Opinião. 02-09-2004.
o desempenho de duas escolas militares do mais alto nível, que tamm
formam civis, motivo de orgulho para nossas Forças Armadas e para o
país. O Instituto Militar de Engenharia, herdeiro da tradição de
Guararapes, e o Instituto Técnico da Aeronáutica, pai da tecnologia
líder de nossa pauta de exportações industriais, m servido muito bem
ao Brasil com uma tradição de rigorosas seleções baseadas no
rito.(...) Tais centros estão excluídos porque já recebem alunos de
escolas públicas e dos grupos étnicos alvo da ação afirmativa?
Definitivamente, não é o caso. Não será a potica de ão afirmativa
relevante nessas instituições, do ponto de vista governamental?
283
E ele conclui:
Cotas para estudantes de escolasblicas e grupos étnicoso uma
solução fora do foco do problema. A pobreza e um ensino de qualidade
inferior explicam as desigualdades na avaliação do rito feita através
de vestibulares, que por si não pré-discriminam ninguém.
Considerando-se válido o conceito de que cabem ões emergenciais, o
foco coerente é o envolvimento das universidades e do governo no
apoio aos estudantes que já estão no ensino médio, de modo a aumentar
suas chances de ingresso sem quebrar a lógica do rito, concebido
objetivamente como capacidades e conhecimentos acumulados.
284
O patrulhamento sofrido pela Faculdade de Medicina também foi comentado por
outros articulistas.
Qualquer espécie de patrulhamento, parta do governo ou oposição, deve
ser combatida. Ningm pode ser forçado a aceitar como verdades os
argumentos do outro, ainda que emoldurado pelas melhores inteões.
Lamentavelmente, o governo federal adotou uma posição maniqusta e
intolerante no que diz respeito às políticas de inclusão educacional,
particularmente a reserva de vagas para egressos de escolas públicas e
alunos negros, nas universidades federais. Via de regra, os que se
colocam contrários à proposta - aliás, não aceita no país que criou as
chamadas ações afirmativas, os Estados Unidos - arriscam-se a ser
rotulados de racistas, elitistas ou adjetivos menos honrosos. A
argumentação destes nunca é válida e seus objetivos o os mais
esrios. O alvo mais recente é a Faculdade de Medicina da
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), que decidiu não
reservar vagas - deliberão votada por 32 membros da congregão da
instituição, que reúne representantes dos corpos docente e discente e de
funciorios técnico-administrativos.
285
Todavia, pode-se perceber a presença de patrulhamento quando se analisa as
reportagens abaixo. Anunciam manifestões de estudantes favoráveis ou contrários às
283
Amâncio Paulino de Carvalho é professor da Faculdade de Medicina da UFRJ e diretor do Hospital
Universitário Clementino Fraga Filho. Jornal O Globo. Temas em debate: fora do foco. Editoria:
Opinião. 20-12-2004.
284
Idem.
285
Magno Maranhão. Jornal do Brasil. Cotas e o patrulhamento. Editoria: Cotidiano. 02-09-2004.
cotas, mas apenas os que se posicionaram contra as cotas receberam nota zero, por parte
de uma coluna do jornal. Alem disso, registraram-se muitas queixas de estudantes e seus
familiares que foram chamados de elitistas pelo Ministro da Educação por questionarem
a adoção da política.
Estudantes da rede particular fizeram protesto, ontem, contra o sistema
de cotas adotado nas universidades públicas estaduais do Rio. Os alunos
se concentraram ao meio-dia em frente à Candelária, no Centro. Após
duas horas de caminhada, a manifestação terminou às 16h, no Tribunal
de Justiça. A passeata ocupou meia pista da Avenida Rio Branco,
causando retenções até a Praça Ma. A polícia acompanhou o ato, que
reuniu em torno de 200 alunos. A maioria se prepara para o vestibular.
Com faixas, apitos e cara pintada, eles traduziram o sistema de cotas
como política de tapa-buraco”. Eles exigem investimento na educão
de base na rede pública
286
.
Nota Zero para os estudantes que protestaram contra as cotas nas
universidades públicas.
287
Quase uma centena de jovens negros ocupou ontem, por alguns
minutos, o corredor que liga os gabinetes de parlamentares ao plenário
da Câmara dos Deputados. Em um protesto pacífico, enrolados em
correntes para simular o período da escravio no Brasil, os jovens
gritavam palavras de ordem para os deputados, pedindo a aprovação das
políticas de cotas raciais e sociais para as universidades no País. Pela
manhã, os mesmos estudantes fizeram um abraço simbólico à
Universidade de Brasília, primeira federal a adotar o sistema de cotas
raciais.Durante uma audiência pública, pedida por deputados das
comissões de Educão e Direitos Humanos da Câmara, o assunto foi
debatido pela primeira vez dentro do Congresso desde que o Ministério
da Educação apresentou projeto de lei que institui o sistema de cotas.
288
A terceira dimensão deste estudo traz exemplos de como as questões de
afirmação de tal ou qual raça, categoria antes ressarcida, têm sido resignificadas e
gerado conflitos que antes não existiam, mesmo quando se considera a presença de um
racismo supostamente cordial entre brancos e negros no Brasil.
Um exemplo disto pode ser identificado numa série de procedimentos corruptos
por parte de alguns candidatos. Casos como a da estudante negra que havia cursado todo
o segundo grau em um cursinho de pré-vestibular considerado de ponta no ensino
286
Jornal O Dia. Protesto no Centro contra sistema de cotas.Editoria. Geral. 23-06-2004.
287
Jornal O Dia. Nota zero. Editoria: Geral. 24-06-2004.
288
Jornal Tribuna da Imprensa. Estudantes protestam pedindo aprovação de cotas raciais.Editoria:
Nacional.16-06-2004
fluminense e que se beneficiou das cotas raciais apesar do seu alto poder aquisitivo,
foram recorrentes, sobretudo durante os dois primeiros anos de implantação da medida.
Num outro extremo, uma série de outras experiências de inclusão universitária
não ganhou tanto destaque no debate embora tenham sido merecedores de pmios em
outras instâncias.
Um estudo da Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e
Cultura (Unesco) apontou o ensino do Rio Grande do Sul como o
melhor do ps. O estado implementou um projeto pioneiro para o
ingresso de alunos no ensino superior. A Universidade Federal de Santa
Maria (UFSM) mantém, desde 1995, o Programa Especial de Ingresso
no Ensino Superior (PEIS), que garante, aos estudantes participantes,
20% das vagas da universidade em todos os cursos, sem a necessidade
de vestibular. O PEIS cobre 80% do território gcho, englobando 518
escolas de ensino médio, 70% das quais são públicas. o cerca de 16
mil professores e 160 mil alunos. Ingresso no programa é garantido por
notas O ingresso no PEIS é garantido através dasdias alcaadas
pelos alunos durante três anos do exame anual de ensino dio (Enem).
Preenchem as vagas os estudantes que obtiverem as melhores dias.
Com a implantão do sistema, o ingresso de alunos das escolas
públicas na universidade aumentou de 52% para 65%, diz Paulo Jorge
Sarkis, reitor da UFSM. (...) A evasão escolar, que era de 38%, baixou
para 19%, contra uma média de 30% no resto das universidades federais
brasileiras. - Além de eqüidade de acesso, conseguimos garantir a
permancia dos estudantes carentes na universidade, sem prejzo da
qualidade. (...) Para o reitor, o sistema de cotas proposto pelo governo
pode beneficiar famílias de maior renda: - Todo o processo de cota é um
atalho, buscando resultados aparentes sem combater as causas do
problema. Am disso, é facilmente contornável, com as famílias de
maior renda colocando seus filhos nas escolas públicas para facilitar seu
acesso à universidade e complementando o preparo fora da escola -
diz.
289
Atualmente, no Brasil, 42% das vagas nas universidades estaduais e
federais são preenchidas por estudantes vindos do ensino blico. Dito
desse modo, não parece um mero tão pequeno. Ocorre que ele reflete
apenas parcialmente a realidade. Grande parte desses alunos só
conseguiu furar o bloqueio do vestibular porque optou por cursos pouco
disputados. No caso de carreiras mais concorridas, como medicina e
odontologia, o índice de aprovação de alunos egressos da rede pública
cai drasticamente: é de apenas 15%. Um programa criado pela
Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), no Rio Grande do Sul,
mostra que esse quadro pode ser mudado com a adoção de medidas
relativamente simples. Para aumentar as chances dos estudantes vindos
da rede pública de brigar por uma vaga na universidade em condições
mais próximas das daqueles que tiveram acesso ao ensino privado, a
289
Chico Oliveira. Jornal O Globo. Editoria: O País. A cota não resolve as causas do problema. 07-07-
2004
universidade foi à raiz do problema: montou um programa destinado a
melhorar a qualidade do ensino dio no estado. Os resultados têm sido
extraordinários. Hoje, 66% dos estudantes da UFSM vieram do ensino
público e 34% dos seus alunos de medicina (mais do que o dobro da
dia nacional) idem. "Passar num curso de medicina era um sonho
distante para mim", diz Évelin Flach, de 18 anos.
290
Batizado de Peies (Programa de Ingresso ao Ensino Superior), funciona da
seguinte maneira: anualmente, a equipe da UFSM aplica exames para estudantes das três
séries do ensino médio em 1 094 escolas. Com base na avaliação, produz um detalhado
relatório ressaltando as deficiências de cada escola e elabora programas pedagicos
que, ministrados pelos professores da universidade aos professores das escolas blicas,
têm como objetivo suprir as lacunas identificadas. Quando chega a época do vestibular,
os alunos têm duas opções: prestar normalmente o vestibular (já com o reforço do
programa) ou apresentar as notas obtidas nos exames aplicados pela UFSM. A
universidade reserva 20% de suas vagas aos alunos que tiverem tido melhor desempenho
nas provas.Nas palavras do mestrando em geografia Juliano Andres: "Os jovens da
minha cidade agora podem ver na universidade um objetivo de vida"
291
O exemplo de
Santa Maria funciona como uma alternativa concreta ao projeto de implantação de cotas
destinadas às minorias nas universidades federais, que o MEC sonha ver sair do papel
ainda neste ano. Ambos querem levar à universidade os menos favorecidos. O projeto
oficial, no entanto, ao desprezar a defasagem de preparo entre cotistas e alunos
regulares, acaba por prejudicar os segundos. Um estudo feito pela Universidade de São
Paulo mostra que, caso o projeto federal seja colocado em prática, estudantes com notas
até 40% mais altas do que a dos cotistas correm o risco de ficar de fora no processo de
seleção.
290
Camila Pereira. Revista Veja. Cota, sim, mas com mérito. Editoria: Educação. 18-10- 2005.
291
Idem.
O projeto de Santa Maria também reserva cotas mas elas oo
destinadas a nenhuma minoria, e sim àqueles que tiverem obtido boas
notas nos exames aplicados pela UFSM. Ou seja: são os melhores
alunos que entram na universidade. "O programa de Santa Maria optou
pelo sistema meritocrático, ao contrário da proposta do MEC", diz
Claudio de Moura Castro, especialista em educação superior e
articulista de VEJA. ainda um outro aspecto em que o projeto
gaúcho ganha do projeto do governo. O segundo aumenta as chances
das universidades de absorver um grande número de estudantes
despreparados, o que contribuiria para a queda do nível do ensino. No
caso de Santa Maria, ocorre o contrário: com 60% a mais de estudantes
vindos do ensino público do que a dia nacional, ela figura entre as
sete universidades com melhores resultados no Enade 2004 (Exame
Nacional de Estudantes, do MEC). O programa gcho, diferentemente
do programa do governo federal, oferece também moradia, vale-
transporte e alimentação para os alunos mais pobres. Com isso, o índice
de evasão na UFSM já é três vezes mais baixo do que no resto do ps.
"o conseguiria me manter na universidade sem esse auxílio", diz
Andiara Mumbach, 18 anos, aluna de música.
292
Mas afinal, quem são os beneficiados pela adoção da política? Negros, brancos
pobres, deficientes, idosos, ciganos, trabalhadores, marinheiros, bombeiros, filhos de
policiais mortos em combate, imigrantes, nordestinos, mulheres....?
Identifica-se que no axioma o justo é ajudar a quem sofre o debate gira em torno
da questão quem é mais vítima?
Apresentam-se aqui apenas alguns exemplos dos extremos que a proliferão de
reivindicões e concessões alcançou, em curto espaço de tempo. Em outras minorias,
segmentos menos privilegiados ou grupos merecedores de compensões e reparações
por parte do poder blico, como os bombeiros e filhos de policiais mortos em combate,
não importa como e nem quem são esses policiais”, o o destaque.
O chefe de Pocia Civil, Álvaro Lins, defendeu a inclusão de filhos de
agentes mortos em serviço no sistema de cotas do vestibular da Uerj. A
proposta foi feita durante encontro com a sub-reitora Raquel Villardi,
que considerou justa a reivindicação. Óros de bombeiros e policiais
militares também podem entrar na proposta.
293
292
Camila Pereira. Revista Veja. Cota, sim, mas com mérito. Editoria: Educação. Op.cit.
293
Jornal do Brasil. Cotas para órfãos de agentes da polícia. Editoria Cidade. 26-11-2005.
Discursos zombando a potica frente suas ambiidades,ões concretas por
parte do governo federal, estados, municípios e sindicatos refletidas em cotas em
concursos públicos, em programas de s-graduação, nas forças armadas têm colocado
em cena fatos inusitados.
294
Não há como não citar a aprovação da lei que reserva um
vao exclusivo do metrô e trens do Estado do Rio de Janeiro somente para mulheres
que não querem, a prinpio, ser molestadas por homens com atitudes indesejadas,
sobretudo na hora do rush. A medida já criou tumultos e já está sendo contestada
judicialmente.
Outro exemplo, a Marinha foi obrigada a conceder cotas para homens em seus
concursos, pois as mulheres estariam dominando as provas de uma tal maneira que foi
preciso instituir cotas para que houvessem homens para trabalhar em determinados
serviços e setores.
Os ciganos têm cobrado o mesmo tratamento conferido aos negros, reivindicando,
ainda, o direito de falar em sua própria língua.
295
O Brasil sabe quem é negro e quem não é. A sociedade brasileira tem
dificuldade de fazer algo em benecio do negro. Quando não querem
fazer, alegam não saber quem é afro-descendente. Ou alegam que sabem
294
Vale mencionar o artigo de Renato Lemos intitulado O casamento e o sistema de cotas ( de
sacrifício). Segundo o jornalista, os advogados que militam nas varas de família, bem mais práticos
em seus diagnósticos que os psicanalistas, costumam dizer que a rmula ideal para um casamento
estável é o sistema de cotas. Cotas de sacricio. Mais ou menos a mesma coisa que os pastores de
algumas igrejas pentecostais dizem aos seus fiéis ao prometer o céu depois do inferno na Terra. Cotas.
Como dízimos. Que seriam acumulados durante toda a vida para que o homem ou a mulher, tanto faz-
gastasse quando e no que bem entendesse. Dizem também os advogados, mas à boca pequena, porque o
truque lhes causa um prejzo tremendo, que entre todas as cotas a mais valiosa é a cota da faxina. Uma
faxina mensal é capaz de garantir bodas de ouro. (...) Um casamento que sobrevive às faxinas estará apto
para tudo mais. A faxina é implacável. Mais a que o olhar ctico para a barriga do parceiro/a, a garrafa
de água vazia deixada na geladeira ou a toalha molhada largada em cima da cama. (...) A faxina expõe
nossas fraquezas e nossos segredos íntimos. E serve, antes de tudo, para sua finalidade básica: limpeza.
Ou purificação. (...) Dizem que D. Mariza, na esperaa de deixar o governo com cheirinho de limpo,
outro dia se plantou diante de Luiz Inácio com um paninho na cabeça e dois litros de Veja Multiuso na
o. Mas o presidente coçou a barba e até hoje não decidiu o que fazer com tudo aquilo. Jornal O
Globo. Editoria, Caderno B. 08/09/2005.
295
Publicado na Coluna de Ancelmo is a informação de que há, no Brasil, cerca de 800 mil ciganos
que, segundo Miriam Stanescon, líder cigana e integrante do Conselho Nacional de Direitos Humanos,
o são beneficiados por nada, enquanto minoria, como os negros. Jornal O Globo. Editoria: Rio. 12
de março de 2006.
sim mas se questionam pó que só para o negro. aparece uma fileira
infinita de necessitados. Até cigano aparece nessa hora.
296
Recentemente, o Ministro da Cultura Gilberto Gil, defendeu medidas descritas
por ele como de ações afirmativas, por meio da criação de cotas para artistas que ele
denominou menos competitivos, marginalizados pelo jabá, taxa cobrada pelas rádios
para a divulgação das músicas. E declara: “(...) É necessária uma configuração justa para
quem o tem condição de arcar com a prática do jabá”. Definitivamente cotas e justiça
passaram a ser sinimos no Brasil mesmo tendo o ministro ciência de que, em outros
países, como nos EUA, de onde o jabá surgiu bem antes de aportar aqui ainda nos anos
70, a prática é punida por Lei.
297
Se o músico desprestigiado sofre e o justo é ajudar a quem sofre, pode-se pensar,
também, em socorrer caipiras, imigrantes, etc.
Em uma mesa intitulada Exclusão social: fato e fião”, mediada pelo
Zuenir Ventura, o sociólogo José de Souza Martins, professor emérito
da Universidade de São Paulo, foi taxativo: As cotas são um álibi do
governo para não fazer a verdadeira revolução educacional de que
precisamos. E ele, para exemplificar a distorção do todo escolhido,
perguntou: Por que não se faz cotas para os caipiras brasileiros, tão
explorados?
298
Não foram somente os negros que sofreram discriminação. Esta também
se fez na pele dos imigrantes que no Brasil aportaram, principalmente
no fim do século XIX, o importando a nacionalidade. Os italianos,
que para aqui vieram nessa época, também foram moradores de senzala,
no estado de São Paulo. E, na cidade do Rio de Janeiro, foram para os
cortiços. Esses estrangeiros pegaram no pesado e ajudaram a construir
este país, e, no entanto, seus descendentes não foram agraciados com
cotas ou quaisquer pmios. Lembrar só do negro e esquecer o branco
que também o goza de tantos privilégios como se apregoa, é um
descalabro.
299
296
Jorge Eduardo Machado. Folha Dirigida. Cotas de vagas para negros: uma discriminação
oficializada. Editoria: Educação. 28-07-2004.
297
Gilberto Gil. Ministro da Cultura e músico. Jornal O Globo. As cotas e o jabá. Editoria: Segundo
Caderno. 16-04- 2006
298
Merval Pereira. A incluo perversa. Jornal O Globo. Editoria: O País. 14-07-2004
299
Maria Lúcia Coutinho. RJ. Jornal O Globo. Editoria: Opino. Megazine. 22-03-2005.
Sofrem também os índios, inclusive os que já se adaptaram totalmente ao modelo
do branco, ou talvez por causa disto e a eles também se pleiteiam vagas nos cursos de
pós-graduação.
Ricardo Boechat, em sua coluna de 27/06, informa que oito indígenas
estão cursando mestrado em universidades brasileiras. Os defensores do
sistema de quotas para negros, índios e outras raças não se sentem
envergonhados por angariarem mordomias para grupos que
simplesmente não se esforçam para alcançar o vel máximo daquilo a
que se propuseram?
300
A Universidade de São Paulo (USP) terá, em 2006, o primeiro mestrado
do Brasil com cotas para negros ou ingenas, carentes e deficientes. A
iniciativa foi da Faculdade de Direito do Largo São Francisco, que já
abriu inscrições para a pós-graduação em Direitos Humanos com foco
na exclusão social. Dez das 30 vagas serão reservadas ao grupo. A USP
tradicionalmente tem se posicionado contra políticas de cotas,
existentes em várias universidades blicas do País. 'O curso foi
aprovado no conselho de pós-graduação da o Francisco, sem objeção',
disse um dos responsáveis pelo mestrado, o professorbio Konder
Comparato.
301
Mestrado em Direitos Humanos terá também benefício a indígenas,
deficientes e pessoas com baixa renda A Faculdade de Direito da USP
criou um curso de mestrado em que destina um terço das vagas a
negros, indígenas, deficientes físicos ou candidatos com dificuldade
socioeconômica. É a primeira vez que a universidade adota medida
desse tipo, diz sua assessoria.Seo até 30 vagas para a s-graduão
em direitos humanos. O curso começa no ano que vem. As inscrições
o até sexta-feira.Deficientes físicos e candidatos com dificuldade
socioeconômica deverão apresentar atestado dico ou declarão de
renda. Negros e ingenas serão entrevistados por uma comiso de
antropólogos. Desses inscritos, 30 serão pré-selecionados para disputar
as vagas reservadas. Os preteridos disputao pela lista sem a cota.A
condição do candidato pesará na escolha desses 30: um concorrente
negro, deficiente sico e de baixa renda terá prioridade na pré-seleção.
Os critérios específicos ainda o foram definidos.A reserva de vaga é
polêmica na USP, especialmente o termo "cota". Institucionalmente, a
universidade diz que não oferece cotas por entender que o sistema
desconsidera o mérito acamico ao privilegiar uma parcela da
população com a concorncia menor. Por meio de assessoria, a pró-
reitora de s-Graduação, Suely Vilela, afirmou que o sistema do
mestrado não pode ser classificado como reserva de vagas, já que os
candidatos passarão por todas as fases dos processos seletivos."Não é
cota nem reserva de vaga. É uma ação afirmativa", diz Ignácio Maria
Poveda Velasco, presidente da pós-graduação da faculdade.
Coordenador do mestrado, Comparato diverge. "É, sim, um sistema de
300
Wanderley Jorge Bueno. Jornal do Brasil.Cotas. Editoria Opinião.28-06-2004.
301
Renato Cafardo. Jornal Estado de São Paulo. Direito da USP te cotas em mestrado Editoria: Vida
&tal. 27- 07-2005.
cotas." Marchi, diretor da Faculdade de Direito, defende a reserva de
vagas. "Mas sou voz minoritária na USP."
302
Há, também, algumas universidades que já começaram a adotar uma potica de
cotas para professores negros nas Universidades:
A Universidade Estadual de Mato Grosso (Unemat), aprovou, por
unanimidade, a proposta de destinar 5% das vagas a candidatos que se
declarem negros ou pardos no concurso para docente. A medida pode
ser estendida, pois o MEC estuda implementá-la nas universidades
federais. Segundo o professor Paulo Alberto dos Santos Vieira,
coordenador do NEGRA ( Núcleo de Estudos sobre Educação, Gênero,
Ra e Austeridade da Unemat Se há tão poucos estudantes, imagina o
número de professores avalia.
303
Ajudar a quem sofre passou a ser ganho político de campanha e, mesmo, objeto
de inclusão, sobretudo, no mercado de trabalho, público e privado.
Foi com orgulho que, visando colaborar para o resgate das
desigualdades sociais e raciais no Brasil, e em especial no Rio, que
aprovei, com o apoio da maioria dos vereadores, projeto que reserva
15% das vagas em concursos públicos no âmbito da administração
municipal aos afro-descendentes. A causa da igualdade e da isonomia
de oportunidades foi colocada na nossa Carta Maior de 1988, que faz do
racismo crime inafiançável e imprescritível, demonstrando que o
preconceito racial ainda subsiste em nossa sociedade.
304
Depois da cota para alunos negros nas universidades, grandes categorias
de trabalhadores querem incluir esse sistema na contratação de
funciorios da indústria e do comércio. A reserva de vagas para
afrodescendentes ou não brancos entra na pauta de negociões de
campanhas salariais dos comerciários e metalúrgicos, ao lado de
reivindicações de aumento real, participão nos lucros e redão de
jornada. O Sindicato dos Comercrios de São Paulo, representante de
400 mil trabalhadores no Estado, quer que 30% das novas vagas sejam
preenchidas por funcionários o brancos. No fim do ano passado, a
reivindicação foi aceita por grandes redes de supermercados, que
empregam cerca de 100 mil pessoas. Este ano, a entidade quer estender
o acordo para os demais segmentos do comércio, incluindo shopping
centers. "Nos shoppings, no máximo 1% dos funciorios é de negros e
essa participação precisa ser ampliada, pois cerca de 30% da populão
302
Fábio Takahashi. Folha de São Paulo. USP cria curso de pós com reserva de vagas para negros.
Editoria: Folha Cotidiano. 27-07-2005.
303
Fernanda Bassette ebio Takahashi. Jornal Folha de São PauloUniversidade quer cota para
professor negro. Editoria: Caderno Mais. 22-09-2005.
304
Mario Del Rei, Vereador do Rio (PMDB) Jornal O Dia. Debate: Cotas em concursos blicos.
Editoria. Opinião. 21-05-2004
da cidade de São Paulo o negros", afirma Ricardo Patah, presidente
do sindicato, que é ligado à Força Sindical.
305
Os centros de empregos da Prefeitura do Rio teo sistema de cotas.
Oferecerão vagas só para negros, ex-alunos de escolas públicas e
deficientes.
306
E como todo o sofredor, o idoso também precisa de ajuda. É justo que possa
também ser contemplado? Ma se o justo é ajudar a quem sofre, não seria um descalabro
o simples questionamento acerca dos direitos do idoso numa sociedade que o discrimina
historicamente?
Depois da reserva de vagas para alunos vindos da rede pública, negros,
índios e pessoas com deficiência, uma nova polêmica começa a rondar
as universidades estaduais. A Assembléia Legislativa começou a
discutir ontem um projeto de lei, de autoria do deputado Coronel Jairo
(PSC), que assegura aos maiores de 60 anos o ingresso automático na
Uerj e na Uenf, sem a necessidade de prestar vestibular. A proposta foi
a plerio, mas recebeu duas emendas e será analisada novamente em
quatro comissões da Casa.
307
E chega-se a extremos. Um sem fim de conceses e outras medidas que fogem
da realidade cotidiana de qualquer universidade pública, independentemente de cotas.
Foi derrubado na Assembléia Legislativa (Alerj), nesta terça-feira, o
veto do Executivo ao Projeto de Lei 2495/2001, que determina a
gratuidade de material didático para alunos cotistas. Durante a votão,
44 deputados aprovaram o projeto. Houve uma absteão e ninguém
votou a favor do veto. Com esse resultado, o projeto foi
automaticamente sancionado e publicado. O estado ainda pode entrar na
Justiça para questionar sua validade. De autoria do deputado estadual
Paulo Ramos (PDT) e do ex-deputado estadual Sérgio Cabral (hoje
senador), o projeto determina que o governo do estado forna aos
alunos aprovados em universidades públicas estaduais, oriundos de
escolas públicas, todo o material ditico, inclusive livros, exigidos no
desenvolvimento do curso.
308
305
Cleide Silva. Jornal Estado de São Paulo. Sindicatos pedem cotas para negros. Editoria: Economia.
29-07-2005
306
Jornal O Dia. Editoria: Informe do Dia. 10-08-2005.
307
Rubem Bento. Jornal O Globo. Projeto prevê vaga para idoso em universidade. Editoria: Rio. 10-11-
2005.
308
Dimmi Amora. Jornal O Globo (on line). Cotistas das universidades estaduais do Rio receberão
livros gratuitamente. 03-08- 2005.
Uma boa notícia para os estudantes cotistas da Uerj e da Uenf. Nesta
sexta-feira, dia 5, foi publicado no Diário Oficial um projeto de lei que
altera a legislação anterior sobre a iseão do pagamento de passagem
nos ônibus, acrescentando na lista de beneficiados pela gratuidade os
alunos da rede pública estadual de ensino superior.
309
Pode-se, ainda, pensar em definir uma virada de gênero em que as mulheres
passam a estar no topo da pirâmide de poder e privilégio na sociedade patriarcal. O fato
é que o destaque cada vez mais recorrente das mulheres, historicamente discriminadas,
passou a exigir do poder público medidas afirmativas de protão aos homens,
fragilizados, coitados, diante dessa nova realidade.
Cotas para homens, o novo debate nos EUA. Universidades americanas
fazem ação afirmativa para evitar que as salas de aula sejam dominadas
por mulheres. A realidade é que os homens são mais raros e, por isso,
eles são candidatos mais valiosos, diz a diretora da faculdade no
artigo, contando que os professores o mais benevolentes com o sexo
masculino visando facilitar a entrada deles nas universidades se os
critérios fossem igualmente rigorosos para os dois sexos, a maioria dos
campus teria 60% de mulheres porque as candidatas são mais
numerosas, mais bem preparadas e com projetos de estudos mais
interessantes. Segundo Jennifer, esta é a realidade em dois terços das
faculdades americanas e as cotas para homens são um recurso usado
para manter a paridade entre os sexos os campus. Os administradores
desses conglomerados educacionais, dizem, as portas fechadas, que a
superpopulão feminina tornaria desinteressante a vida no campus.(...)
Eu estarei mandando cartas esta semana para pôr na lista de espera ou
rejeitar cerca de 3.000 estudantes. Infelizmente a maioria vai ser de
mulheres. A franqueza da diretora deixou furiosos pais, alunos
organizões feministas e educadores. A polêmica explodiu exatamente
no momento em que as universidades estarão respondendo às
candidaturas dos alunos aos cursos de graduação e de pós-graduação,
época de grande estresse nas falias americanas. Agora, quando
receber a carta de admiso na faculdade, os alunos homens vão ter de
se perguntar se são apenas um rosto bonito ou têm capacidades
intelectuais, debocha John Tierney, um colunista o New York
Times.
310
Mas há também um contraponto em que a reserva de vagas é concedida a
mulheres.
O sistema de cotas da Universidade Federal de Alagoas (UFAL) é
idito: a instituição reserva 20% de suas 2.652 vagas para quem se
309
Roberta Fernandes. Folha Dirigida. No Rio, projeto propõe passe livre para cotistas. Editoria:
educão. 05-08-2005.
310
Jornal O Globo, Editoria: O Mundo. 02-04- 2005.
autodeclara negro e é carente. Só que existe uma subcota para mulheres:
60% das vagas reservadas devem ser preenchidas por mulheres negras e
carentes. Criamos a cota por gênero porque havia dificuldade de
acesso para as mulheres diz a reitora, Ana Dayse Rezende Dorea.
Segundo Ana, o sistema de cotas foi institdo pelo Conselho
Universitário da instituição em 2004, depois de amplo debate com a
sociedade. A UFAL o reserva vagas para alunos de escolas públicas,
deficientes e índios. No caso dos negros, eles têm que comprovar que
são carentes, mas não há limitador de renda. De acordo com Ana, a
previsão é de que o sistema fique em vigor por dez anos. Só eno a
universidade avaliará se deverá ser mantido ou não.
311
Quando se analisa a questão das cotas por meio de novos operadores, percebe-se
um processo de responsabilização constante e sem fim, desde a falta de futuro dos
segmentos menos favorecidos até a falta de infra-estrutura, material, financeira e
cultural que circunda tanto o ensino quanto os cotistas etc,
Pode-se, então, inferir que a contemporaneidade parece estar se movendo num
domínio de uma supra-moral em que não há mais certo ou errado, justo ou injusto
posto que se pode observar uma paulatina transferência das conseqüências das ações dos
homens frente ao seu destino. Trata-se de uma feição da presentificação, uma das
hipóteses de análise deste estudo. Ações desejadas ou indesejadas são atreladas às
noções de autocontrole e a questão moral parece agora se concentrar exatamente naquele
que perde o controle, naquele que perde a oportunidade ou naquele que nega ajuda, outra
parte da responsabilização.
O sociólogo U. Beck
312
traçando um diagnóstico sobre a contemporaneidade
aponta algumas questões elucidativas para esse trabalho. Para o autor, o processo
intenso de individualização em curso na contemporaneidade pode ser identificado em
diferentes instâncias de crise, como a crise das relações de trabalho, a crise da família
nuclear ou mesmo a ppria crise da ciência e da razão, gerando, com isso, outros tipo
311
Jornal O Globo. Tudo o que você queria saber sobre as cotas. Editoria: Megazine. 21/02/05.
312
Cf. Beck, U. Risk Society : towards a new modernity. Londres: Sage,1992.
de causa pública”. Mais uma vez, as poticas afirmativas seriam emblemáticas dessa
tendência.
Ou seja, parece estar havendo uma mudança na justiça ou na lógica da
distribuição, mais especificamente, na lógica como a questão igualdade vem sendo
trabalhada nas causas sociais. E esse parece ser o ponto central dessa alise. Em
síntese, a modernidade trabalharia com a idéia de distribuição de bens calçada nos
conflitos sociais. Já a modernidade tardia ou reflexiva parece se movimentar a partir do
conceito de distribuição de “mazelas, ou seja, de distribuição de riscos. É sobre esse
novo enfoque, que argumento, está fundamentada parte dos discursos e das ações das
políticas afirmativas.
Paralelamente, o tema da reparação é constante e a vitimização de determinados
segmentos é utilizada como estratégia de marketing de uma forma cada vez mais
assustadora. Projetos de cunho afirmativo movimentam milhões e revelam como o
sofrimento do outro passa a ser, cada vez mais, produzido e consumido como uma
mercadoria qualquer.
Essa perspectiva, com pouco espaço na mídia e uma grande rejeição acadêmica,
posto que não se pretende, a priori, politicamente correta, identifica por meio de
diferentes linguagens que tanto o aparelhamento do Estado nessas questões quanto o
financiamento abusivo das ONGs em causas ditas sociais podem indicar a crião de
situações paliativas e populistas que parecem revelar, apenas, o adiamento constante de
decisões ou mudanças conjunturais e mesmo representar distorções e desvios do
dinheiro público, utilizando-se do sofrimento do outro como mercado e como estratégia
de captação de recursos que de fato não irão beneficiar a populão menos favorecida ou
as chamadas minorias.
É sobre esse processo de vitimização que este estudo segue seu curso.
II - SEGUNDA DIMENSÃO Políticas da Piedade ou... a estultice dos compassivos
Ai de s! Onde se viram maiores estultices, no mundo, do que entre os
compassivos? E o que mais causou sofrimentos, no mundo, do que a estultice
dos compassivos? Ai todos os que amam e ainda não atingiram uma altura
acima da sua compaixão! Certa vez, assim falou-me o Diabo: Também Deus
tem o seu inferno: e é o seu amor pelos homens. E, recentemente, ouvi-o dizer
estas palavras: Deus está morto; morreu de sua compaixão pelos homens.
313
2.1 Política de cotas e a moral ressentida
Grande parte dos discursos acerca da adoção da política de cotas, no bojo das
políticas de ação afirmativa, remete, direta ou indiretamente, ao reconhecimento de uma
dívida hisrica para com os “excluídos”, estes cristalizados nas representões de
minorias étnicas, de gênero ou de classe.
Constata-se um profundo sentimento de culpa para com estes segmentos e a
necessidade moral de reparar os erros do passado e suas conseências, por meio,
sobretudo, de políticas de cunho compensatório.
Todavia, pouco se discute acerca das bases em que se fundamenta essa culpa
ancestrale bem como do rculo vicioso que ela determina. Tampouco se reflete acerca
de quais grupos ou insncias sociais se beneficiam com a manutenção desse sentimento
de culpa. Pouco se questiona até que ponto as poticas compensatórias não estariam na
base de um sistema ideológico que tem como fundamento a produção constante de um
outro a ser excluído, alívio sistêmico de seu próprio fluxo, para exatamente cumprir, em
seguida, a tarefa de incluir”, aceitar”, tolerar”.
Por outro lado, estas mesmas políticas compensatórias podem ser entendidas
como uma das expressões do complexo processo de presentificação que vivencia a
contemporaneidade, posto que remete tanto às dividas do passado quanto porta a
potência de agir sobre o futuro, criando novas possibilidades antes não colocadas. As
313
Nietzsche. F. Assim Falou Zaratustra. Op.cit.,p.117.
duas dimensões andam juntas e se adensam. Passado e futuro, presentificam-se. O
passado passa a ser visto como um visitante indesejado, um cobrador de vidas que não
podem ser pagas. O futuro emerge mais que nunca como promessa de liberdade e de
felicidade. Todavia, nesse tempo futuro, não há mais espera, como na utopia. Há a
urncia do agora. O sonho deixa de ser sonho e passa a ser possibilidade. Com as
políticas compensatórias, o jovem negro e carente, as minorias em geral, agora podem se
dar ao luxo sonhar, diz o discurso do leitor: “a cota estimulou-os a disputar. Aumentou a
esperança de sucesso dos estudantes negros.
314
Diversos estudos, alguns elencados aqui, indicam que a mídia tem capturado de
forma cada vez mais contundente, a gama de sentimentos que essa culpa produz,
resignificando-os como objetos a serem consumidos com a urgência do tempo presente,
identificando-os e atrelando-os a ações e soluções que supostamente reparariam toda a
sorte de injustiças.
Pode-se comprar desde cartões da UNICEF
315
, colaborar com a campanha do
agasalho, abraçar uma árvore na Lagoa Rodrigo de Freitas, ou, mesmo, ser favovel à
adoção de poticas compensatórias. O sentimento de realizar atos considerados “bons
traz alívio e pode ajudar a compor um quadro em que cada um é responsável por si
mesmo, por tudo e por todos. Diante de tantos erros hisricos, de tanta desigualdade e
de tanta destruição, conseqüências de ações equivocadas no passado, o que pode ser
feito agora, e com urgência, es no domínio da compensação ou da reparação. Depende
tanto de ões enérgicas por parte do Estado quanto de ações solidárias por parte dos
indivíduos. A idéia é acabar ou reduzir diferentes tipos de sofrimentos causados, a
princípio, pela desigualdade, desde a baixa auto-estima até os baixos salários.
Parte desta dívida” pode, no entanto, estar se transformando em ressentimento.
314
Miriam Leio. Jornal O Globo.Ousar mudar. Editoria: Economia. 18-07- 2004.
315
Fundo das Nões Unidas para a Inncia, criado em 1946 durante a primeira sessão da Assembleia
Geral das Nações Unidas.
A recente propaganda da Unesco, inicialmente, teria como finalidade apontar
para a importância de oferecer uma educação de qualidade e “escrever uma história
diferente”.
316
Mas a propaganda é, no mínimo, ambígua. Apresenta uma mão negra com
um anel de “doutor e um braço branco algemado. Indica-se, assim, a “história
diferente que se almejar escrever? Que idéia se sustenta por meio dessa imagem
invertida oposta ao que se costuma representar ( um braço negro preso e uma mão
branca com anel de doutor)? A idéia da igualdade, ou da punição, do ressentimento?
Será que a propaganda não indicaria que os “brancos” têm que sofrer como os negros
sofreram no passado?
Questiona-se se esse tipo de discurso não estaria na base de um violento processo
em que os oprimidosde ontem não têm, de fato, a esperança de verem revertida uma
316
Revista Veja. Editora Abril Cultural, 21 de junho 2006.
situação desigual a qual foram submetidos no passado e que estariam na base das
desigualdades atuais. Mesmo com todas as ões afirmativas em curso, a desesperança
faz com que a única revanche possível seja esperar que “eles” sofram comoeles
sofreram ou ainda sofrem hoje em dia. Essa é, na verdade, uma vingança sem
perspectiva nenhuma, ou pior, com uma perspectiva de acirramento das tensões. O
curioso é constatar que eles, sofredores do passado ou do futuro, no presente, tornam-
se um só.
E as revanches continuam. A mesma revista semanal traz, por exemplo, uma
reportagem que relata a intenção de um promotor de justiça da Bahia de obrigar a novela
da Rede Globo de Televisão Sinhá Moça
317
a mudar o seu enfoque da história da
escravidão.
318
Em uma audiência pública, cercada de estudiosos e representantes do movimento
negro, buscou-se reunir elementos de indicação de racismo na trama das 18 horas da
emissora. Para o promotor, a novela transmitiria uma idéia de inferiorização da raça ao
apresentar cenas de extrema humilhação física e moral de homens, mulheres e crianças
negras
319
– como se, de fato, esta não tivesse sido, infelizmente, grande parte da
realidade vivida pelos negros, escravos, de então. A abordagem da trama incomodou o
promotor, que declarou, no entanto, ter assistido poucas vezes a novela. Como cidadão
negro, agrediu-me ver a escravio reduzida a pano de fundo de um romance com uma
herna branca diz ele. estaria, de fato, o problema? A heroína branca? E sua
crítica ao enredo continua na acusão de que a trama representaria o escravo negro
como passivo e devedor de sua liberdade aos brancos abolicionistas. A intenção do
promotor é fazer com que a Rede Globo faça correções na hisria. Apesar de a obra
317
Marcelo Marthe. Revista Veja Novela no Pelourinho. 21 de junho de 2006, p. 120-121.
318
Refilmagem de 1986 do noveleiro Benedito Rui Barbosa, que trata da luta abolicionista no século
XIX.
319
Marcelo Marthe. Revista Veja Novela no Pelourinho. Op.cit,p.121
ser eminentemente de ficção, o promotor buscou a ajuda de historiadores para fazer uma
pecia na novela, ainda que seja claro, para a comunidade acadêmica, que o há
consenso acerca dos inúmeros aspectos que envolvem o processo da escravidão. O
professor de História da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Manolo Florentino,
pesquisador do tema, faz ressalvas importantes e que ajudam a consubstanciar este
estudo. Diz ele:
O século XIX transformou o comércio negreiro em excrescência. Mas o
racismo um de seus pilares teria de esperar o pós-45 para ver-se
aado à condição de crime contra a humanidade. O motivo é simples: o
combate sem trégua ao tráfico de escravos não procedeu à integral
separão entre raça e cultura, rao pela qual muitas vertentes
abolicionistas amaldiçoavam a compra e venda de pessoas e,
simultaneamente, insistiam na inferiorizarão do negro. (...) Algo dessa
paradoxal teno oitocentista ainda viceja no imaginário do homem
contemporâneo, sobretudo quando reduz o tfico negreiro à condão
de problema exclusivamente americano. Semelhante movimento pode
a apazig-lo ante a crescente demanda por corrão potica, mas
infantiliza o negro e banaliza o drama humano. (...) A escravidão é tão
extensiva no tempo que, se a moda pega, caberia à humanidade pedir
perdão simplesmente por existir.
(...) Tudo isso impede aceitar que
perdões e demandas por reparação constituam meros eqvocos
circenses. Eles são, ao invés, lamentáveis signos de que os consensos
culturais resultam mais da repetição do que da qualidade dos
argumentos. Todo o projeto iluminista está fadado a acompanhar a
infinvel procissão de fantasmas ébrios à qual aludiu um dia Machado
de Assis.
320
320
Manolo Florentino. Jornal Folha de São Paulo. A infantilizão do negro Editoria: Caderno Mais. 03
de julho de 2005. O historiador acrescenta que dentre outros exemplos, “o comércio negreiro amalgama
uma longuíssima duração, escala planetária interagiu com todos os continentes, à excão da Oceania
e volume jamais alcançado por outra migração compulsória. Registros fiscais e cronistas mulçumanos
compulsados por Roger Austen indicam que 9,4 milhões de desafortunados, originários sobretudo do
Sahel e da savana, adentraram o Saara rumo aos mercados mediterrâneos entre os anos 650 e 1900. Um
exército de escravos brancos venceu Luís 9º na Sétima Cruzada, prova da existência de tfico de sentido
inverso, inclusive da Europa para a África. Outro historiador norte-americano, Patrick Manning, estima
em 3 milhões o mero de africanos exportados atras do Mar Vermelho entre 800 e 1890, destinados,
principalmente, à península Arábica e ao Oriente Médio. (...) E mais: argumentar que o enraizamento do
escravismo derivava da abundância de terras livres ou da exigüidade demogfica é algo que não resiste à
detecção do uso maciço de cativos em fronteiras agrícolas fechadas bem como em áreas densamente
povoadas da África pré-colonial. Rao parece ter o norte-americano John Thornton, para quem foi a
hipertrofia de instituições corporativas como a falia, o clã e o próprio Estado o que transformou a
posse de escravos no meio mais eficiente e letimo enriquecimento individual africano.É também essa a
explicação mais plausível para a perseverança do cativeiro em países como Maurinia, Mali, Sudão,
Camarões e Niria, celeiros, hoje, de desgraçados de todas as idades sabe-se que, no Níger, um único
homem detém pelo menos 7.000 escravos; no Chade, pode-se alugar uma criaa pelo equivalente a
US$8 mensais”.
O jornalista Marcelo Marthe, responsável pela matéria, alerta para o fato de que
a tentativa de mudar a história por meio de um processo legal, no entanto, é de uma
infelicidade impar. Trata-se de uma daquelas asneiras de inspiração politicamente
correta
321
que acabam se avizinhando do autoritarismo diz ele.
322
Marthe alerta para outro dado importante. A última vez em que a escravidão
mobilizou a censura foi durante a ditadura militar. O alvo da ocasião foi a novela
Escrava Isaura. O regime achava o assunto incômodo.
323
Na época, o governo militar obrigou o autor, Gilberto Braga, a evitar o termo
escravo”, nos scripts da novela. Tudo indica que se caminha para um rumo parecido,
posto que além de Sin Moça, o promotor tem outras miras. A mais nova novela das 19
horas da mesma emissora, Cobras & Lagartos, tem um protagonista negro, o
Foguinho, interpretado pelo ator negro zaro Ramos. O mesmo promotor já prepara
uma ação na qual alega serem humilhantes as situações engraçadas vividas pelo
personagem.
324
O contexto parece, assim, caminhar para um acirramento das tensões e das
divisões entre os diferentes grupos étnicos, marcados e identificados, anteriormente,
pela miscigenão que compõem grande parte da população brasileira. Ainda que todos
concordem que há inúmeras discrepâncias sociais, econômicas e culturais entre pobres e
ricos no Brasil, o caminho encontrado para supe-las parece apontar para a vitimização
321
Pode-se citar como exemplo a Cartilha Politicamente Correto , criada pela Secretatia Nacional de
Direitos Humanos e que conm 96 expreses consideradas pejorativas e discriminatórias contra as
mulheres, os negros, os homosexuais e os portadores de deficncia física, entre outros grupos sociais. A
cartilha incluia uma lista de palavras que deveriam ser evitadas no dia-a-dia, como sapatão, veado, urco,
barbeiro, beata, palhaça, baianada, baitola, gilete,louco e negro. Condena, também, exprees como
mulher no volante perigo constante, preto de alma branca, a coisa ficou preta” e farinha do mesmo
saco”. Todavia, o Comitê Nacional de Educação em Direitos Humanos, determinou a suspensão da
circulação da cartilha e propôs a realização de um seminário para debater o contúdo da cartilha e discutir
a relação entre linguagem e discriminação. Evandro Éboli. Jornal o Globo. Comitê de Direitos Humanos
tira de circulação a cartilha Politicamente Correto. Editoria: O País. 06-07-2005.
322
Marcelo Marthe. Revista Veja Novela no Pelourinho. Op.cit,p.121
323
Ibidem, p.121.
324
Ibidem, p.121.
dos grupos minoritários, entendidos como sofredores em potencial, a culpabilização de
um passado branco”, a necessidade urgente de reparão por meio de políticas
compensatórias e a crescente produção de ressentimentos.
Ao discutir os conceitos “Culpa”, “má consciência e coisas afins, o filósofo
alemão Friedrich Nietzsche traz uma reflexão importante para o questionamento daquilo
que se considera justiça e conseqüente produção de ressentimento, no apanágio social
moderno.
325
Agora uma palavra negativa sobre as tentativas recentes de buscar a
origem da justiça num terreno bem diverso o do ressentimento. Antes
direi no ouvido dos psicólogos, supondo que desejem algum dia estudar
de perto o ressentimento: hoje esta planta floresce do modo mais
esplêndido entre os anarquistas e anti-semitas, aliáis onde sempre
floresceu, na sombra, como a violeta, embora com outro cheiro. E
como do que é igual sempre brotarão iguais, não surpreende ver surgir,
precisamente desses círculos, tentativas como já houve bastantes de
sacralizar a vingaa sob o nome da justiça como se no fundo a
justiça fosse apenas uma evolão do sentimento de estar-ferido – e
depois promover, com a vingança, todos os afetos reativos.
326
2.2 Da dívida como culpa e do sofrimento como substrato : Nietzsche e o eterno
retorno dioniaco
O pensamento de Nietzsche consubstancia e ajuda a refletir sobre o quadro de
culpabilização, sofrimento e reparação exposto acima.
Mas aqui vale uma consideração. Utilizar-se do vigor do pensamento
nietzschiano num contexto conturbado e errático como este, pode ocasionar, muitas
vezes, uma redução da complexidade de sua obra. Passado mais de um século do qual o
corpo de seu pensamento se constituiu, há de se atentar para o contexto em que sua
filosofia se inseria, ainda que a atualidade de suas idéias, por vezes assuste e coloque o
filósofo num lugar que ele mesmo conferiu ao seu pensamento e obra num além-
tempo. Nietzsche possa a clara convicção de que escrevia para poucos, e, sobretudo,
325
Cf. Nietzsche, F. Genealogia da Moral. Uma polêmica. Tradução, Notas e Poscio de Paulo César de
Souza.São Paulo: Companhia das Letras, 1ª reimpressão,1999.
326
Cf. Nietzsche, F. Genealogia da Moral. Uma pomica. Op.cit, p.62.
para além de seu tempo. O comentador da obra de Nietzsche, Giaia Junior destaca em
um artigo, trechos em que o filósofo fala sobre si : (...) o que eu narro é a hisria dos
próximos dois séculos, descrevo aquilo que vem, o que não pode vir de outra maneira.
Outras afirmações do filósofo também expressam esse mesmo sentimento: (...) alguns
de nós nascem stumos ou (...) eu não sou um ser humano, sou um dinamite.“(...)
tenho um medo horrível que um dia me proclamem santo.
327
Longe de entendê-lo como santo, com Nietzsche pretende-se, pois, aprender a
pensar, engatinhando, primeiro, para depois, passo a passo, pensar-com e correr os
riscos de representar apenas uma vã possibilidade de compartilhamento da beleza e da
ascia de seu radical e eterno pensamento.
Desde a conhecida Comuna de Paris, em mao de 1871, momento fundamental
para o acirramento das suas posições poticas, Nietzsche ficou conhecido como,
supostamente, um pensador anti-democrataou anti-socialista. No entanto, sua obra
foi uma profunda e radical manifestão intelectual contra as grandes cartas e
documentos que se posicionaram pela igualdade e pela liberdade. Ele se tornaria a
principal base da distião de sua geração, influenciando, até os dias de hoje, estudos e
pesquisas que desafiam um outro olhar sobre a questão da igualdade e discutem a
possibilidade de uma filosofia da diferença. O que Nietzsche defendia sob o ponto de
vista político e ideogico, poderia ser considerado como uma contra-utopia”, pois a
sociedade que ele imaginou estaria despida da moral comum.
É precisamente o ataque de Nietzsche contra a ética e a moral cristã,
fundamentalmente exposta na conhecida obra A Genealogia da Moral (1887), que trouxe
as bases das posições que irão lhe acompanhar por toda a sua obra.
327
Cf. Giacóia Junior, O. Jornal O Globo. O Além Homem. A atualidade de quem denunciou o homem
rebanho. Editoria: Prosa & Verso. 12-08-2002.
Alguém quer descer o olhar sobre o segredo de como se fabricam ideais na terra?
Quem tem a coragem para isso?... desafiava o filósofo.
328
A esse segredo chamaria
de problema silenciosoposto que se dirigia a bem poucos ouvidos.
329
Neste livro, composto por três dissertações
330
, Bom e Mau, bom e ruim; Culpa,
má consciência e coisas afins e O que significam ideais acéticos?
331
, o autor sustenta,
entre outras coisas, que a religião seria como um “platonismo para o povo ou
um platonismo dos escravos e que o cristianismo criara um doentio moralismo que
ensinara” o homem a envergonhar-se de todos os seus instintos. Ampliando sua ctica,
sustentou a tese do cristianismo como uma doença maligna que havia atacado o Império
Romano com a ajuda damentira da igualdade das almas, e, como alternativa, os
homens deveriam buscar valores que transcendessem a moral convencional divulgada
por ele.
As três palavras de pompa do ideal ascético seriam humildade, pobreza e
castidade! disse o filósofo,
332
que tece complicada trama de exemplos e
representações para dar conta de responder à pergunta O que significam então os
328
Cf. Nietzsche, F. Genealogia da Moral. Uma pomica. Op.cit,p.37.
329
Ibidem, p.21.
330
Em Ecce homo, de 1888, Nietzsche sintetizou a Genealogia como um de seus mais inquietantes
estudos. A verdade da primeira dissertação é a psicologia do cristianismo: o nascimento do
cristianismo, do espírito do ressentimento, não, com se crê, do espírito um anti-movimento em sua
essência, a grande revolta contra a dominação dos valores nobres. A segunda dissertão oferece a
psicologia da consciência: esta não é, como se crê, a voz de Deus no homem é o instinto de crueldade
que se volta para trás, quando já não se pode se descarregar para fora. A crueldade pela primeira vez
revelada como um dos mais antigos e indeléveis substratos da cultura. A terceira dissertação dá a
resposta à questão de onde procede o tremendo ideal ascético, do ideal sacerdotal, embora ele seja o ideal
nocivo por excelência , uma vontade de fim, um ideal de décadence. (...) Três decisivos trabalhos de um
psicólogo, preliminares a uma transvalorão de todos os valores.
331
Com base em N. ABBAGNANO (1970 ) a palavra ascese significa propriamente exercício e,
originalmente, indicou treinamento dos atletas e suas regras de vida. Com os Pitagóricos,nicos e
Esicos, (VI a.c) a palavra começou a aplicar-se à vida moral enquanto realização da virtude que
implica limitação dos desejos e renúncia. O sentido de renúncia e mortificação tornou-se, a partir daí,
predominante.
332
Cf. Nietzsche, F. Genealogia da Moral. Uma pomica. Op.cit, p.98.
ideais ascéticos?
333
Segundo ele, “o ideal ascético nasce do instinto de cura e de
proteção de uma vida que degenera.
334
O asceta trata a vida como um caminho errado, que se deve enfim
desandar até o ponto onde coma; ou como um erro que se refuta que
se deve refutar com a ão: pois ele exige que se vá com ele, e impõe,
onde pode, a sua valorão da existência. Que significa isso? Um tal
monstruoso modo de valor não se acha inscrito como exceção e
curiosidade na história do homem: é um dos fato mais difundidos e
duradouros que existem. Lida de um astro distante, a escrita maiúscula
de nossa existência terrestre levaria talvez à conclusão de que a terra é a
estrela ascética por excelência, um canto de criaturas descontentes,
arrogantes e repulsivas, que jamais se livram de um profundo desgosto
de si, da terra, de toda a vida, e que a si mesmas infligem o ximo de
dor possível, por prazer de infligir dor – provavelmente o seu único
prazer.
335
O fisofo entendia a moral e os costumes como tendo sido criados a partir da
tradição judaio-cristã. A moral teria a tarefa de cercear a capacidade criativa do homem,
como um dispositivo que impediria a sua liberdade.
A moral nietzschiana, também chamada de moral sadia, pois afirma o homem e a
vida, é, segundo Machado, uma ética do bom e do mau considerados como tipos
históricos, como valores imanentes, como modos de ser das forças vitais que definem o
homem por sua potência, pelo que pode ser".
336
Nietzsche distinguiu dois tipos de moral: a dos nobres e a dos escravos. A
primeira seria criadora de valores realmente afirmadores da vida e enobrecedora do
homem. A segunda é a moral que impera no mundo e que foi estabelecida a partir de
fundamentos, de um lado, judaico-cristãos e de outro, da metasica.
337
333
Cf. Nietzsche, F. Genealogia da Moral. Uma pomica. Op.cit, p.91.
334
Ibidem, p.109.
335
Ibidem, p. 106- 07.
336
Cf. Machado, Roberto. Nietzsche e a Verdade, 2ª ed. Rio de Janeiro: Rocco.1985, p69.
337
Apesar das inúmeras referencias a Genealogia da Moral como obra de origem dessas categorias, o
próprio filósofo indica, nessa mesma obra, que a origem de suas indagações sobre os nossos
preconceitos morais encontram-se, ainda que provisoriamente, esboçados em Humano, demasiado
Humano. Um livro para os espíritos livres( parágrafo 45 e vol. II,89 e §96,99,136), em Aurora(§112) e
em O andarilho (§22,26,33).
Mas importa aqui destacar que, para o filósofo, interessava menos, em seu
percurso de investigação, dissertar sobre a origem da moral
338
. “Isso me interessava
apenas com vistas a um fim para o qual era um meio entre muitos, dizia ele.
339
Interessava-lhe, sobretudo e fundamentalmente, conhecer o valor da moral. Todavia, o
que ele propunha era uma ctica dos valores morais, alertando para o fato de que
tomava-se o valor desses valores como dado, como efetivo, como além de qualquer
questionamento”; até hoje, segundo ele não houve vida ou hesitação em atribuir ao
bom, valor mais elevado do que “mau, mais elevado no sentido da promoção,
utilidade, influência fecunda para o homem ( não esquecendo o futuro do homem) e
acrescentava:
o próprio valor desses valores deverá ser colocado em questão para
isso é necesrio um conhecimento das condições e circunstâncias nas
quais nasceram, sob as quais se desenvolveram e se modificaram (moral
como conseqüência, como sintoma, comoscara, tartufice, doença,
mal-entendido; mas também moral como causa, medicamento,
estimulante, inibição, veneno), um conhecimento tal como até hoje
nunca existiu nem foi desejado.
340
Para o filósofo, o conceito que até então prevalecia acerca do jzo do bom,
estava errado. Buscava-se o bom naquele que fazia o “bem. Já para ele, teriam sido
os nobres que, num pathos de disncia com todo o pensamento baixo e vulgar, seriam
capazes de ter pensamentos e ações superiores e, portanto, boas. Os nobres seriam então
dotados de valores supremos, capazes de pensar para além da utilidade, habilitados para
estabelecer e definir hierarquias. Dá-se, nesse momento, a origem da oposição bome
ruim, que se estabelece a partir da relão de uma elevada estirpe senhorial e de
uma baixa estirpe. Por estas características, os nobres teriam, ainda, o poder de dar
338
Interessava-se Nietzsche em traçar uma História da Moral diferente das hiteses dos psilogos
ingleses que predominavam até então cuja tarefa seria a de conhecer o lado vergonhoso do nosso mundo
interior. Quanto a isso o fisofo argumentava ser uma perspectiva tosca e a-histórica posto que e GM
18
339
Cf. Nietzsche, F. Genealogia da Moral. Uma pomica. Op.cit, p.21.
340
Ibidem, p.12.
nomes, de definir isto é isto.
341
A palavra bom”, desta forma, o estaria ligada
necessariamente a ações não egoístas, como quer a superstição daqueles genealogistas
da moral diz Nietzsche referindo-se aos psicólogos ingleses
342
, atribuindo ao declínio
dos juízos e valores aristocráticos a predominância cada vez mais efetiva da oposição
egoísta e não-egoísta, fazendo com que a valoração da moral permanecesse fixada
nesta oposição. A isto Nietzsche denominou de instinto de rebanho”.
343
Outra ctica acerca do entendimento sobre essa origem do juízo de valor do
bom, feita pelo filósofo, apontava para o contra-senso psicológico que tal hipótese
tentava sustentar. Diz ele:
A utilidade da ãonão-egoísta seria a causa da sua aprovação e, esta
causa teria sido esquecida como é possível tal esquecimento? A
utilidade dessas ações teria deixado de existir? Ao contrário: essa
utilidade foi experiência cotidiana em todas as épocas, portanto, algo
continuamente enfatizado; logo, em vez de desaparecer da consciência,
em vez de tornar-se olvidável, deveria firmar-se na consciência com
nitidez sempre maior.
344
Será defrontando-se com os escritos de Schopenhauer, sobretudo aqueles que
discorriam sobre valor do o-egoísmo, dos instintos de compaixão, de abnegação e de
sacrifício, que, segundo Nietzsche, o mestre havia divinizado e idealizado, que o
filósofo vai manifestar sua desconfiança e seu ceticismo, identificando-se como um
adversário do amolecimento moderno dos sentimentos.
345
A compaixão, será, portanto,
minuciosamente desconstruída na análise da religião elaborada por Nietzsche, tanto em
O Anticristo (1888) quanto na Genealogia da Moral (1887). A compaixão seria
341
Cf. Nietzsche, F. Genealogia da Moral. Uma pomica. Op.cit, p.19.
342
Ibidem, p.19.
343
Ibidem, p.19.
344
Ibidem, p.20. O fisofo faz referencia, também a hipótese de Herbert Spencer que relacionava o
conceito de bom a útil”, conveniente de modo que nos conceitos bom” e “ruim a humanidade
teria sumariado e sancionado justamente suas experiências inesquecidas e inesquecíveis acerca do útil-
conveniente e do nocivo-inconveniente.
345
Ibidem, p.12.
entendida, pois, como um percalço à evolução do homem. Não poupes o teu próximo!
diz ele. (...) O homem é algo que precisa ser superado.”
346
O filósofo entendia o sofrimento como necessário e indispensável ao
aprimoramento do homem. O sofrimento, para ele, é, sobretudo, criativo. Na doutrina
dos mistérios, o sofrimento é dito sagrado diz o filósofo. (...) todo o vir-a-ser e todo
o crescimento, tudo o que se responsabiliza pelo futuro condiciona sofrimento.
347
Precisamente nisso enxerguei o grande perigo para a humanidade, sua
mais sublime sedução e tentação a quê? ao nada? ; precisamente
nisso enxerguei o começo do fim, o ponto morto, o cansaço que olha
para trás, a vontade que se volta contra a vida, a última doença
anunciando-se terna e melancólica: eu compreendi a moral da
compaixão, cada vez mais se alastrando, capturando e tornando doentes
a mesmo os filósofos, como o mais inquietante sintoma dessa nossa
inquietante cultura euroia
.
348
A influencia do pensamento schopenhaueriano foi explicitada de maneira mais
clara em O Nascimento da Tragédia (1872). Nesta obra, Nietzsche defendia a idéia de
um retorno da arte trágica como forma de superar a representação essencialmente
apolínea de mundo que o pensamento grego, especialmente os atenienses, teriam
imposto, ignorando o inevitável e eterno retorno das forças dioniacas. Apolo e
Dionísio. O primeiro sempre buscando redimir o homem e resgatá-lo de seu sofrimento.
O segundo, trazendo à tona a dor da existência e a mais mórbida realidade. O drama
trágico estaria, assim, na origem do enlace dessas duas forças, necessariamente
complementares.
Outras obras do filósofo também destacaram a questão do sofrimento. Em
Humano, demasiado humano (1879) ele aprimorou a relação entre conhecimento e
sofrimento, já esboçada em O Nascimento da Tragédia, especialmente nos capítulos Da
alma dos artistas e escritores e Sinais de cultura superior e inferior . Por meio do Mito
346
Cf. Nietzsche, F. Assim falou Zaratustra.Op.cit. pg. 237
347
Cf. Nietzsche, F. Crepúsculo dos ídolos. Tradão: Marco Antonio Casa Nova. Relume Dumará: Rio
de Janeiro, 2000,p.237.
348
Cf. Nietzsche, F. Genealogia da Moral. Uma pomica. Op.cit, p. 111.
de Prometeu, Nietzsche aponta para a condenação pelos deuses do Olimpo daquele que
seria responsável por trazer aos homens a sabedoria.
349
Vale ressaltar, porém, que nesta obra, Nietzsche se desloca dos tempos gregos
e analisa o sofrimento a partir dos novos mecanismos criados para superá-lo ou encobri-
lo a moral e a religião, sobretudo a religo cristã. A besta que existe em nós quer ser
enganada; a moral é a mentira necessária para não sermos dilacerados diz ele.
350
Neste percurso, no final do século XIX, com o ataque à moderna sociedade
liberal que então se consolidava, atacavam-se, também, os valores religiosos que a
constita. Com isso, criava-se uma brecha para o indivíduo ateu materialista. Com
forte influência de Dosteievski (1821-1881), Nietzsche previu a emergência de um ateu
de novo tipo o homem-idéia ou o homem-deus. Esse homem que Dosteievski viu com
apreensão, veio a se tornar o arquétipo do novo homem moderno herói de Nietzsche e
sinônimo de liberação. O conhecido além-homem. Somente ele poderia, doravante,
assumir a realidade de um mundo onde Deus está morto. Será contra a fraqueza do
homem frente ao sofrimento que também Zaratustra profere seus ditos. Essa mesma
fraqueza será rechada por Nietzsche em Crepúsculo dos Ídolos (1888), obra em que
o fisofo atribui à religião a máscara do sofrimento. O fato é que em toda a sua obra, o
curso do pensamento nietzschiano procura trar uma filosofia para os espíritos livres,
para os homens fortes.
Para ele o homem é um animal esquecido para o qual a tarefa da cultura é
trazer a memória.
351
Fazer do homem, memória, seria, em última instância, reorganizar
nele as foas ativas que o definiam de modo a possibilitar a preponderância do animal
aunomo e supra moral. Ter o espírito livre seria, então, condição de existência desse
349
No mito grego, Prometeu foi condenado a ter seu gado devorado por uma águia todas as noites,
depois de ter se recuperado das feridas todos os dias.
350
Cf.Nietzsche, F. Humano, demasiado humano. Companhia das Letras: São Paulo, 2000, p.49.
351
Cf.Nietzsche, F. Humano, demasiado humano. Op.cit,p23.
além-homem que estaria aberto ao questionamento dos valores estabelecidos, das
verdades absolutas, tornando-o, cada vez mais, próximo de sua própria vida.
Todavia, o percurso desenvolvido pelo pensamento ocidental, apontou para uma
consolidação cada vez maior do ideal ascético e da moral do rebanho. Estar-se-ia
vivendo, pois, sob a égide de uma psicologia do ressentimento, da culpa e,
conseqüentemente, da busca constante de supostas reparações. Sucumbiu, no homem,
o espírito livre.
E aqui vale uma consideração importante. No monitoramento do comportamento
considerado bom ou ruim, ao longo da história ocidental, pode-se trar uma passagem
importante que distinguiu a entrada dos homens na modernidade. A da relação entre
exterioridade e interioridade no processo de produção das subjetividades. No momento
em que as relações de exterioridade preponderavam, havia, a princípio, respeito e
equivalência na gestão da imagem do outro. Isso quer dizer que os laços sociais eram
estabelecidos a partir de práticas de visibilidade, práticas de crenças. Os problema eram
trazidos a público bem como suas soluções. De forma correlata, a passagem de uma
moral exteriorizada para uma moral interiorizada”, trouxe mudanças significativas.
Amplia-se a gestão de uma audiência da qual ninguém mais escapa. O controle se
interioriza. A intensificação desse processo tem se revelado em larga escala, tanto nos
processos ideológicos, na intimidade de cada um, como a cada reportagem de TV ou de
outros veículos de comunicão que expõem e vendem shampoos, corpos, margarinas ou
tradias humanas, corriqueiramente.
Sob este aspecto, pode-se inferir que, no jogo da reputação da cultura ocidental
contemponea, a moral tem lugar preponderante mas que a mesma foi completamente
assimilada.
Essas noções, juntamente com as de sacrifício e de vitimização, ancorando a idéia
de sofrimento do outro, ocuparão o centro de um palco, talvez trágico, em que, desde a
modernidade, opera-se na culpa e dívida em relação ao estranho infeliz”, e na crea de
que a política seria a única instância capaz de reverter esse quadro ao transformar a
condição social do outro.
No interior das regras morais e sociais estabelecidas hegemonicamente ao longo
desse marcado processo histórico, o sacricio atual parece ser a aceitação do outro
abrindo os velados territórios à sua suposta inclusão. Assim, proliferam-se discursos e
políticas ditas inclusivas, oferecidas não mais ao outro, mas ao mesmo com o qual pode-
se conviver. Inverte-se a máxima eu sou você amanhã para você é o que eu já
fui ontem”. Só assim nos tornamos um só.
Todavia, há que se questionar se, na defesa de circunstâncias e condições cio-
históricas a serem compensadas ou reparadas, pode-se, ao contrário, promover uma sutil
e consentida forma de acesso aos espaços hegemônicos, e, ainda que de forma
diferenciada, produzir homogeneização e controle. Ou seja, produzir o mesmo e
provocar um constante adiamento da condição desse outro, posto que, com tais práticas,
não só privatiza-se o destino, coloniza-se o risco ou o mal do aleatório, do diferente ou
do anormal”, como, também, naturaliza-se e supostamente neutraliza-se todas as
disputas, ainda que quase sempre muito desiguais, travadas pelas diferentes sociedades,
em diferentes momentos históricos.
De fato, muitos segmentos sociais estão sempre à margem do que é considerado
desejável. Mas implantar políticas reparadoras, contraditoriamente, pode estar
contribuindo muito pouco e, pelo contrário, estar promovendo o alargamento de um
fosso que separa, hierarquiza e discrimina pessoas para depois lhes oferecer uma suposta
inclusão. Pode transformar o outro em mesmo. Transformar a oportunidade em
consumo. Transformar a busca pelo bom em dívida social, em culpa, pode revelar-
se a melhor forma de não pagá-la, posto que a culpa, sabe-se, é impagável.
352
É sobre
esses aspectos que esse conturbado percurso se arrisca a continuar.
2.3 – Dívida, sofrimento e sacrifício : da vítima em potencial à felicidade como
objeto
O que se apresenta aqui como políticas da piedade está indicado no estudo de
Boltanski, Distant Suffering morality, media and politics
353
e referendado no ensaio de
Baudrillard, A transparência do mal,
354
apesar da distância conceitual que fundamenta
os dois sociólogos.
A tese dos autores remete à critica já desenvolvida por Nietzsche com relação ao
ideal ascético - o bom é aquele que luta contra os seus desejos e a não de igualdade,
tais como foram concebidas na civilização ocidental, sobretudo na forma propalada
como bandeira na Revolução Francesa. Remete, também, à crítica à compaixão
subjacente a toda obra de Nietzsche.
Boltanski
355
destaca a situação teórica contemporânea de uma dívida ética com
relão ao sofrimento de estranhos. Segundo o autor, esse é um acontecimento moderno,
surgido paulatinamente ao nascimento do espo público e indica a distinção de um
modelo de entendimento acerca do sofrimento do outro e de parâmetros de justiça e
moral para enfrentá-lo. Mas nem sempre foi assim. Em síntese, entre os gregos
chamados pré-socráticos, a universalização das primeiras regras de moral e justiça se
baseava em provas materiais que apontavam sofredores ou não sofredores. Ou seja,
havia uma regra que qualificava felizes e infelizes e isso não era um problema. A
352
Diz-se que a culpa é impagável posto que é uma fção estruturante da própria doea da existência do
homem.
353
Cf. Baudrillard,J. A transpancia do mal. 7ª ed. São Paulo: Papirus, 2003
354
Cf. Boltanski, L. Distant Suffering morality, media and politics. Cambridge: Cambridge University
Press, 1999.
355
Ibidem, p.24.
justiça não era uma condição de distribuição. A própria estrutura da religião politeísta,
predominante no peodo, não julgava o desejo e sim o sacrifício. Nesse caso, a justiça
não fundava uma definição definitiva de felizes ou infelizes. Será o monoteísmo e o
cristianismo que irão provocar um outro tipo de universalização a consolidação da
noção de sacricio a partir de uma potica da piedade. São as noções do dízimo, do bom
samaritano, da compaixão e da universalização atras do corpo cristão que informam a
necessidade de que todos devem ser ajudados. Nesse caso, a justiça tem o papel de
fundar, de marcar uma condição: a de infeliz, de injustiçado, de culpado etc.
Todavia, e de forma anacrônica, esta condição pode apontar para a
impossibilidade da ppria justiça posto que a marcão de condição acaba por
provocar um constante adiamento da condição do outro na mediação com a potica.
Instaura-se, pois, um espetáculo do sofrimento em que não há ação política
possível e sim seu constante adiamento. Quando se relaciona piedade e justiça, há um
pressuposto universal a condição determinante do outro como sofredor e infeliz,
indicando, as causas desse sofrimento e as nossas responsabilidades frente a elas. Cria-
se, assim, uma idéia de responsabilidade moral ativa (interesse) ou passiva (omissão) em
que causar sofrimento é não evitar o sofrimento! Ou seja, uma não ação é condição de
possibilidade de um não acontecimento, indicando, assim, uma tendência contemporânea
de presentificação expressa na reificação das ões do passado e colonização do futuro
e sua antecipação e, portanto, virtualização,
356
.
Outro fator importante a ser considerado na obra de Boltanski é o destaque do fato de
que a estrutura básica da política da piedade pressupõe uma transferência que é, em si, virtual
356
Anotões do Ciber Idea. Exposição: Paulo Vaz. 19-10-2005
um feliz olhando um infeliz, um justiçado” olhando um injustiçado” na condição de
justiceiro!
357
Nesta mesma linha, Amato afirma que o sofrimento e a vitimização, associados
às questões do sacricio e da culpa, tornaram-se preocupações centrais na política e na
identidade moderna e que seus discursos oprimem e dominam a consciência
contemponea e a retórica potica.
358
Tendo a dor e o sofrimento como alicerces,
clama-se pelas consciências, como no discurso abaixo:
É a Consciência que nos permite saber que, se quando me corto com
uma faca sinto dor, então não devo cortar os outros com facas (ou
facões!).
359
O autor afirma que a questão do sofrimento cresceu numericamente e se tornou
mais complexa nos dois últimos séculos. Elencam-se certas formas de sofrimento,
criam-se escalas de vítimas válidas que tendem a se tornar potenciais modismos, e,
eventualmente, timas oficiais. Como numa grande audiência, assistem-se as histórias
das vítimas e das tragédias preferidas.
360
Um exemplo disto está na fala da educadora negra Umbelina Mattos, já destacada
na dimensão anterior, que se diz contrária à política de cotas e afirma a necessidade do
mérito acadêmico. Mesmo criticando o sistema de cotas, ressalta de forma contundente a
vitimização dos negros. As cotas não resolvem o problema da marginalização dos
negros, vitimas da maior violência contra uma etnia em todos os tempos.
361
E parece que alguns tipos de sofrimento mobilizam simplesmente porque somos
humanos ou, mais especificamente, porque não somos pessoas do “mau e sim do
357
Anotões do Ciber Idea. Exposição: Paulo Vaz 19-10-2005
358
Cf. Amato,J. Victims and Values A history and a theory of suffering. New York: Greenwood
Press,1990.
359
Jornal O Globo. Editoria: Opinião. 30-04-2005.
360
Apenas como exemplo, a série SAGAS, exibido na TV por assinatura no Brasil, no canal History
Channel, tem como foco principal o relato de tragédias envolvendo celebridades.
361
Marcelo Bebiano. Folha Dirigida. No lugar das cotas, o mérito. Editoria: Educão. Entrevista com
Umbelina Mattos. 15-o6-2004.
bem”. Ou seja, o discurso afirmativo pode servir, apenas, para o que apontou
Nietzsche, sobretudo na primeira dissertação da Genealogia da Moral, e que agora
aparece com uma roupagem contemporânea que vai desde variadas ações afirmativas, da
receita vegetariana ou o boicote ao Mc Donald. Afinal, somos ou não pessoas do bem?
A natureza humana”, sobretudo aquela cultivada pela religião e pela moderna
filantropia, designou responsáveis por algumas formas de sofrimento. Rebela-se
contra certos sofrimentos sem sentido, aquilo que parece injusto e intolevel. Ao
mesmo tempo, outras formas de sofrimento são negligenciadas ou mesmo negadas.
Caminha-se pelas ruas de todo o mundo e mendigos são seres intransparentes.
Caminha-se acostumado às suas presenças com a desculpa impcita da impotência
diante de certas coisas. Independente da crise pela qual a sociedade passa na
contemporaneidade, seja determinada por rupturas mais drásticas com os pressupostos
modernos ou simplesmente representarem a sombria etapa de um capitalismo tardio, o
fato é que há um drama social, político e econômico que agoniza e traz o sofrimento, as
aberrações, para o centro do debate. A fala abaixo representa bem esta realidade e faz
parte de uma das justificativas institucionais para a implantação do sistema de cotas. É
do Ministro da Educação, Fernando Hadadd:
a crise teórica por que passam os intelectuais se deve à falta de uma
teoria na qual eles possam se basear, seja para apoiá-la ou para se opor.
O sistema prescinde de um discurso ideológico hoje para se firmar. Ele
próprio é legitimado pela falta de perspectiva histórica. E há um
processo cada vez mais agudo de naturalização das condições sociais,
desde aberrações, pessoas que necessitam de cuidados especiais, até de
femenos dramáticos que envolvem sociedades inteiras".
362
Mas a responsabilização constante também chama a participar, sobretudo, em
situações de ameaça, de medo. Há cada vez maior certeza de que o excluído”, o
vitimado, o minoritário pode se tornar uma amea. É cada vez mais divulgada sem
362
Roberta Fernandes. Cotas devem cumprir papel social. Folha Dirigida. Editoria: Ensino Superior. 30-
08-2005.
que se enfrente o fato de que a subsistência social e econômica da sociedade atual
depende desta existência excluída, continuamente produzida e continuamente negada.
Numa era que proclama a felicidade como meta universal, o consumo e a
sensação de bem-estar são expectativas oficiais da grande maioria. Com isso, é de se
esperar que cresçam as ações que visem diminuir o sofrimento de vítimas potenciais.
Elas moldam políticas e consciências. Todavia, tais ações podem não estar
comprometidas de fato com o sentimento de justiça. Como membro de uma sociedade, o
indivíduo almeja, em última instância, estar seguro em casa e em paz com sua
consciência. Porém, constantemente, ele é chamado a confrontar-se com o sofrimento
dos outros, o qual, continuamente e de forma diferenciada, bloqueia e impede sua
segurança e , acima de tudo, sua felicidade
363
.
A Ministra-chefe da secretaria Especial de Política de Promoção da Igualdade
Racial, da Presidência da República parece ter isso bem claro:
Não podemos mais continuar em sobressaltos quando nos deparamos
com novos indicadores de vioncia e criminalidade de evasão escolar e
de desemprego. Estes últimos causando desalento e descrea no futuro
que nunca chega.
364
É com essa perspectiva que Amato argumenta que há uma responsabilização do
indivíduo social, direta ou indireta, por todas as vítimas do mundo, independente de
quão distantes elas estão ou estiveram de um leque de influências eões. Cria-se,
assim, a idéia de que pessoas felizes e poderosas, ou seus antepassados, por força de
interesses ou prazeres, agiram mal diante de um mundo de vítimas.
365
Há, portanto, em curso, um processo de aumento de visibilidade acerca das
injustiças cometidas contra os negros, mulheres, homossexuais, deficientes, ou ainda,
363
Cf. Amato,J. Victims and Values A history and a theory of suffering, Op.cit, p.45.
364
Matilde Ribeiro. Ministra-chefe da secretaria Especial de Política de Promoção da Igualdade Racial,
da Presidência da República. Jornal O Globo. Temas em Discussão: Cotas na Educão. Editoria:
Opinião. 05-08-2004.
365
Cf. Amato,J. Victims and Values A history and a theory of suffering, Op.cit, p.45
a visão comum do terceiro mundo como um vasto território de sofrimento e vítimas.
Uma visão do terceiro mundo como um mundo de sofrimento e vitimização sustentando
o desenvolvimento dos países ricos. E este é apenas um aspecto do crescente processo
de visibilidade pelo qual passa estes segmentos. E há quem pergunte:
Será que ainda existe alguém achando que o governo ficou bonzinho e
começou a ajudar os mais necessitados, sem nenhum interesse? Isso me
faz lembrar porque somos um ps de Terceiro Mundo.
366
E aqui um ponto fundamental para nos ajudar a refletir e que será desenvolvido
no curso deste estudo.O elemento moral da noção de certo ou errado não foi apenas
universalizado, mas, sobretudo, internalizado, o outro em nós assumindo formas
ilimitadas e perpétuas de auto-responsabilidade. A noção de dívida também apresenta as
mesmas caractesticas. O Brasil tem 500 anos de dívidas com os negros. O sistema de
cotas apenas ajuda a pagar um pouco dessa vida”, diz o deputado trazendo a questão
para a contemporaneidade do debate sobre as cotas.
367
As políticas de ação afirmativa teriam, assim, em parte, este caráter. Caráter este
que é muito pouco tornado blico posto que supostamente contradiz expectativas
morais quase imposveis de serem questionadas.
O memorável cartunista Henfil, sagaz e genial em sua análise da sociedade
brasileira e da própria condição humana faz de sua charge exemplo da imbricação do
sofrimento com a política e a clareza da ineficiência deste discurso frente à realidade. A
charge data do fim da década de setenta mas o Jornal O Globo tem reeditado séries do
Zeferino e da Graúna que demonstram ser, ainda, extremamente atuais.
368
366
Bruno da Costa. RJ. Jornal O Globo. Cotas. Editoria Megazine. 05-10-2004.
367
Gilberto Palmares. Deputado Estadual/ PT. Jornal O Dia. As cotas e o rito. Editoria: Opinião. 30-
08-2004.
368
Jornal O Globo. Editoria: Caderno B. 08-06-2006.
O filósofo e ensaísta Pascoal Brucker, que em vários estudos tematiza, ora de
maneira mais próxima, ora mais distante, os autores trabalhados até aqui, faz o
questionamento que todos que estão lendo esta reflexão a esta altura estarão fazendo:
Essa exaltação do reprovado que desde Nietzsche sabemos ser o
apanágio do cristianismo, culpado na sua opinião de ter divinizado a
tima, essa consideração pelo fraco que ele chama a moral dos
escravos e que nós chamamos de humanismo, pode por sua vez
degenerar em pervero, quando se transforma em amor à indigência
pela indigência na ideologia caritativa, em vitimizão universal em que
existem somente aflitos oferecidos ao nosso bom corão, e nunca
culpados. Esta é a dificuldade: de que maneira continuar ajudando os
dominados sem ceder ao confisco da palavra vitimada pelos impostores
de toda escie?
369
No curso desse estudo, a idéia é seguir o percurso das falas, espectros do grande
espetáculo, de modo a seguir outras trilhas, que não a da fácil e ineficaz via da vitimização.
369
Bruckner, P. A Tentação da Inocência. Editora Rocco: Rio de Janeiro, 1997, p.34.
2.3 Espectros da mídia
A questão das cotas trazem para o centro do debate a noção da necessária
reparação de uma dívida histórica para com o sofrimento de minorias excluídas entre as
quais os negros, vítimas privilegiadas da discriminão.
Vale observar que, na dimensão anterior, o discurso da vitimização aparece
camuflado e apegado a outros argumentos, favoráveis ou não à adoção da política. Ou
seja, no bojo dos recortes utilizados na dimensão anterior, mesmo quando o foco dos
argumentos não esteve especificamente vinculado à noção de vitimização, sofrimento ou
à idéia de reparação, as mesmas aparecem de forma indireta na grande maioria das
falas.
Nesta dimensão, menos discursos e mais contidos embora algumas vezes mais
eloqüentes. Há uma culpa ancestral e uma dívida infinita, impavel, do mundo para
com as minorias. No caso brasileiro a escravidão dita o tom dos discursos. O sentido
das poticas afirmativas é o do resgate hisrico
370
diz a reportagem ou o Brasil,
último ps das Américas a abolir a escravidão, deve muito ao povo negro por tudo o
que ele construiu no ps.
371
Esse é o mote mais recorrente dos discursos embora haja
espaço para falas questionadoras como a que se segue: Como brasileiro, recuso que me
ponham o tulo de ''devedor histórico''.
372
Os quatro axiomas que definem esta dimensão são: a piedade é a expressão do
sofrimento do mundo; a piedade tem culpa; a piedade é um instrumento da redeão; a
piedade tem cor.
No processo de análise proposto nesta pesquisa, no primeiro axioma, a piedade é
a expressão do sofrimento do mundo relacionou-se os discursos que remetem à noção
370
Iriny Lopes. Jornal O Globo. Sem omissão. Editoria: Opinião. 07-04- 2005.
371
Idem.
372
Antonio Correa da Silva. Juiz Federal. Jornal do Brasil. As cotas e o creme dental. Editoria:
Educão. Outras Opiniões. 18-09-2004.
de piedade, como conceito central e necessário à criação de um novo pacto social e
político, quase transcendental, no qual, o que está em cena é a noção de um sofrimento
generalizado e de um bito eterno. Esse sofrimento é uma cicatriz que se abre em fenda
e deixa à mostra as entranhas mais sofríveis da condição humana. A luta e o sacrifício
são exaltados. A responsabilidade é de todos, mas é também de cada um. A questão
colocada parece ser como acabar com o sofrimento. E a resposta é clara: por meio da
conquista da igualdade que o sofrimento se extinguirá. O país é chamado a se redimir. O
débito é de todos nós. Com a adoção da política,todos sofrem, todos perdem, diz a carta.
A injustiça acaba sendo com todos!
Se o país pretende que as restrições sofridas por grande parte da
população sejam atenuadas, o sistema de cotas é parte da solução.
373
As cotas são um caminho apenas transitório na direção da igualdade
racial.
374
O débito que todos temos é o de amor e cuidado para com todos,
indistintamente. É um débito que nasce do coração do homem temente e
amante de Deus.
375
Ao longo da História, as minorias têm conseguido o seu lugar na
sociedade com lutas e sacricio.
376
É claro que quem sofre e perde com o sistema de cotas são
discriminados, os negros que entram por causa de sua cor e os brancos
que, mesmo com grandes pontuações, acabam perdendo o seu lugar para
outro, que não é merecedor da posição. Ou seja, TODOS!
377
As cotas ofendem quem realmente se esforçou para passar nas provas e
são injustas com muitos alunos e pais que priorizaram a educão e
fizeram sacrifícios.
378
Mas há quem questione se todo o sacrifício não está sendo desvalorizado com a
adoção de benesses.
373
Otto Teixeira da Silveira Filho. Jornal O Globo. Cotas sim ou não. Editoria: Megazine.Cartas. 09-07-
2004
374
Iriny Lopes. Jornal O Globo. Sem omissão. Editoria. Opino.. 07-04-2005
375
Antonio Correa da Silva. Juiz Federal. Jornal do Brasil. As cotas e o creme dental. Editoria: Educação.
Outras Opines. 18-09-2004.
376
Edmundo Guedes. Salvador. Jornal do Brasil. Editoria Opinião. 25-05-2004.
377
Igor Alves Pinto- 14 anos. RJ. Jornal O Globo. Brancos, negros, todos perdem. Editoria: Caderno
Especial. 03-10-2004.
378
Bárbara Baez, 20 anos. RJ. Jornal O Globo. Contra as cotas. Editoria. Megazine.08-06-2004.
Essa luta por benesses o contribui para desvalorizar o esforço feito
pelos índios mestrandos e o sacrifício que os negros e de outras raças
fizeram para chegar ao topo?
379
No segundo axiomaa piedade tem culpa, destacou-se os discursos em que
sofrimento, culpa e vida se fundem num só sentimento. A culpa recai sobre o racismo
dos brancos”. A questão central parece ser a colocada pela leitora: agora tem que pagar,
mas como?
Pois eu, e para falar apenas desse caso, só não tenho dúvida de uma
coisa: da vida que o país contraiu ao longo da História com os negros,
os índios, os caboclos e os deserdados em geral, deixando-os de fora da
cidadania e do processo civilizatório. Agora tem que pagar. Mas
como?
380
Cotas, facilitando artificialmente o acesso à universidade, criarão mais
desigualdade e frustão. O cotista, por definição menos preparado,
passa mais tempo na universidade ou ela sairá antes da formatura. E
porá a culpa no racismo” dos brancos.
381
Há uma vida social e histórica, a ser resgatada, com os nossos
compatriotas negros.
382
E mais uma vez, mesmo nas cticas, a representação do negro como vitimado
aparece como central e as dívidas são reconhecidas.
O Estatuto da igualdade Racial (...) garante às vítimas de
discriminação racial o acesso gratuito às Ouvidorias nas três
esferas de governo, à Defensoria blica, ao Ministério Público e
ao Poder Judiciário. O sistema de cotas cria oportunidades para os
discriminados por raça e/ou
cor em diversos setores, tais como
universidades, trabalho, mídia e partidos políticos.
383
O sistema de cotas raciais talvez seja um grande eqvoco pedagico,
ainda que se destine a resgatar vidas históricas. A garantia de vagas
para estudantes da rede pública é outra tentativa perigosa. Como não se
consegue recuperar o ensino médio oferecido pelo Estado, inserem-se,
nas universidades, estudantes mal preparados. Ambos os critérios
encerram visões de curto prazo.
384
379
Wanderley Jorge Bueno. RJ. Jornal do Brasil. Cotas. Editoria. Opinião. 28-06-2004.
380
Jornal O Globo. Editoria. Opinião. Cotas de Incertezas. 14-07-2004
381
Ali Kamel, Jornalista. Racismo em números. Jornal O Globo. Editoria: Opinião. 20-04-2004
382
Iriny Lpoes Jornal O Globo. Editoria: Opinião. Sem omissão. 07-04-2005
383
Paulo Paim. Senador (PT-RS) e autor do projeto do Estatuto da Igualdade Racial. Jornal O Globo. Sim
ao Estatuto da Igualdade Racial. Editoria: O País. 06-12-2005.
384
Francisco Bogossian. Professor. Jornal do Brasil. Repensar a universidade pública. Editoria: Opino.
12-07-2004.
E a percepção do jovem estudante com o crescente processo de vitimização:
Os negros que tentam entrar pelas cotas muitas vezes o são
considerados negros e acabam sendo vítimas de um preconceito
desnecessário. Como diz o ditado popular: De boas intenções o inferno
está cheio.”O governo, tentando ajudar, fez uma besteira... e acabou
piorando a situação.
385
No terceiro axioma, a piedade é um instrumento da redenção, a ênfase dos
discursos recaem sobre a necessidade de reparação. A reparação é vista como o
instrumento de resoluções da culpa vista na dimensão anterior e instauraria o prinpio
da igualdade e o ideal da felicidade. As minorias exigem justiça. Os outros são todos
e todos são os outros. Os “outros podem ser o próprio sistema, os colonizadores
europeus, brancos, e a culpa adquire uma dimensão ancestral. Convocam-se todos os
antepassados, opressores ou oprimidos. Vitimados questionam quando serão
compensados por toda a sorte de injustiças. A injustiça é tratada como um a priori
universalizante.
A questão colocada é por que fazer o bem? A resposta é clara, porque somos
pessoas de bem e, portanto, piedosas. A piedade assume, assim, uma condição
ontológica fazendo ainda que o outro, o que não faz o “bem”, seja de forma
automática representado como o “mau”. O ideal astico aparece de forma subliminar
nos discursos. Fazer o bem significa abrir espaço contrapondo históricos privilégios
dos brancos. Essa seria a forma de discurso representativa da propaganda da Unesco
apresentada anteriormente. Será que fazer o bem é contrapor privilégios e querê-los para
si?
Não se trata de privilegiar os negros; ao contrário e exatamente em
nome dos princípios democráticos e constitucionais, trata-se de oferecer
alguma contraposição aos históricos privilégios dos brancos, abrindo
espaço para uma maior participação dos negros.
386
385
Igor Alves Pinto- 14 anos. RJ. Jornal O Globo. Editoria: Caderno Especial. Brancos, negros, todos
perdem. 03-10-2004.
386
Azuete Fogaça. Professora da Universidade Federal de Juiz de Fora. O direito à igualdade. Jornal O
Globo. Editoria: Opinião. Temas em debate: Cotas Raciais. 02-04-2004.
Não resta dúvida que as cotaso esgotam o esforço que o Estado
brasileiro te de realizar para a modificão da realidade do negro, mas
é importante que se comece de maneira drástica e enérgica no sentido
de reintegrar a população negra ao seu lugar de direito, que é a de ser
igual a todos os demais brasileiros que constrram este país.
387
Se o governo está pensando em punir os atos racistas, deve começar
punindo a si mesmo, pois ao estabelecer cotas para negros, seja no
serviço público, seja nas universidades, deixa claro que acredita em
uma diferença na capacidade entre brancos e negros. Dessa forma
contribui para estabelecer, ainda mais, a desigualdade. Não adianta
tapar o sol com a peneira. Deve-se investir na educação pública para
que brancos e negros de classes desfavorecidas possam, igualmente,
lutar por vagas em universidades, no serviço público e também no setor
privado.
388
No quarto axioma, a piedade tem cor, selecionou-se os discursos que tratam tanto
da condição do negro vitimado como da expressão da culpa do homem branco,
responsável por todo o sofrimento do mundo, mas responsável especificamente pelo
sofrimento do negro. Os discursos recorrem ao resgate hisrico, à reparação das dívidas
contraídas com a discriminação contra o povo negro, e ainda, considera uma esmola
as cotas, quando comparadas a todo o sofrimento que passou e passa o povo negro.
A questão que se coloca como central é como reparar os erros cometidos com a
escravidão negra e toda a gama de preconceitos, velados ou não, decorrentes do
desastroso processo de abolição no Brasil do qual ainda sofrem os negros?
Uma série de ações, oriundas de pleitos organizados pelo movimento negro,
nacional e internacional, tem conseguido repercutir positivamente e gerado leis, decretos
e projetos, em diferentes instâncias, que beneficiam especificamente a população negra
ou afrodescendente. O mote é conhecido e já foi explicitado aqui. Reparar, compensar,
aliviar o sofrimento.
Por um lado, ressaltam-se as causas que sustentam as referidas políticas,
sempre ressaltando a condição da escravatura, por outro, revidam-se as críticas acerca de
387
Lúcio A. Machado Almeida. Por que cotas raciais? Jornal do Brasil. Editoria: rum dos Leitores.
25-04-2004.
388
Erick Conde. Jornal O Globo.( por e-mail). Editoria: Cartas dos Leitores. 25-03-2004.
possíveis privigios para a população negra. A discriminação racial é relacionada à
produção de vítimas. A África sofre e chora. E o negro sofre em qualquer circunstância,
sofre para entrar na universidade, sofre para permanecer nela.
Foram muitos culos durante os quais a Europa e a América fizeram a
África chorar. Do negro foi retirado tudo; a terra, a família e a
dignidade.
389
As cotas raciais nas universidades brasileiras m sendo tema de muitas
discussões em nossa sociedade. Discuses que nos fazem buscar as
causas que sustentariam as políticas de cotas. Partindo da premissa de
que, neste país, os negros, depois de um peodo de amarga vincia,
submetidos às mais horrendas e cris penas, na condão de escravos
por mais de 300 anos, sua história e condição de vida foram quase que
destrdas.
390
No entanto, os universitários ingressos através das reserva de vagas
sofrem para permanecer em seus cursos.
391
Os discursos atribuem diretamente a culpa de todo o mal vivenciado pelos negros
ou pelas camadas menos privilegiadas da população pela condição desigual que estas
minorias apresentam na sociedade brasileira e, em outras nações, às pessoas brancas”.
Por vezes os brancos o os colonizadores, afortunados e poderosos, por outras,
simplesmente são os brancos”. O negro ou o pobre mais uma vez aparecem sempre
como vitimados, frutos de uma injustiça social. Questiona-se aqui a suposta
superioridade dos brancos e instaura-se uma política de ressentimentos em que credor
e devedor possuem uma dívida histórica a ser paga. Os negros e/ ou as minorias em
geral são enobrecidas, criando-se a representão dos mais esforçados e, por
conseguinte, melhores estudantes cotistas.
Desde muito cedo, nossos jovens aprendem, em seus manuais ''críticos''
de história que ''o colonizador europeu dizimou os índios e excluiu os
negros''. Antolhos ideogicos colocados, já não mais se percebe que
um simples caminhar por certas reges brasileiras é o suficiente para
desmentir esse nonsense. A morenice miscigenada e multicolorida,
389
Marcelo Bebiano. Folha Dirigida. No lugar das cotas, o mérito. Editoria: Educão. Entrevista com
Umbelina Mattos. 15-06-2004
390
Lúcio A. Machado de Almeida. Porto Alegre. Jornal do Brasil. Por que cotas raciais? Editoria: Fórum
dos Leitores. 20-09-2004.
391
Bruno Garcia. Folha Dirigida. Cotistas da Uerj lutam para terminar o curso. Editoria: Ensino
Superior. 17-11-2005.
talvez a mais forte raiz da nossa identidade nacional, desafia os que
denunciam ''racismo'' aos quatro ventos a rasgar ao meio um arcoris
getico indissoluvelmente costurado durante cinco culos.
392
Não queremos de maneira alguma vantagem, mas queremos ajuda,
ajuda para poder nos libertar cada dia mais, nos libertar de tudo que nos
aconteceu, e espero que o continue acontecendo.
393
Mas não há pluralismo com a ausência de afro-descendentes na
universidade. No vestibular, só olhamos o ponto de chegada e nunca o
ponto de partida. Mas as pessoas partem de posições desiguais: os
negros, de uma posição inegavelmente desfavovel que a própria
História brasileira lhes assegurou. Abriram-se as senzalas, mas nada foi
feito, além disso. É o que se chama de dívida histórica. Desta forma,
não injustiça quando a vaga é preenchida por alguém que teve uma
pontuação menor se as dificuldades que encontrou foram maiores. Isto é
o prinpio da igualdade.
394
Mas discursos questionando até que ponto o privilégio decorrente da adoção da
política de cotas podem acabar por gerar mais e mais preconceito e outros,
questionando afinal quem é negro no Brasil ou merecedor de suportes afirmativos como
as cotas e os desdobramentos dela decorrentes, passam a ocupar as páginas dos jornais e
revistas e lotam as sessões de cartas.
Pensem comigo: da mesma forma que existem negros pobres existem
brancos pobres. Por que então privilegiar o negro? Não se isto
discriminar o branco? Não estaremos incentivando ainda mais a
discriminação racial?
395
Quem é o legitimo destinatário das políticas afirmativas hoje no Brasil? O negro,
o branco pobre, o negro pobre, as mulheres? Como reconhecê-los? Como se reconhecem
e como são representados?
Estas dúvidas estão expressas nos discursos, muitas vezes oriundas de vozes
ainda muito jovens:
A definição sobre quem deveria merecer o sacrifício ficou complicada
porque o Brasil tem 86% de sua população com mais de 10% de genes
392
Antonio Correa da Silva. Juiz Federal. Jornal do Brasil. As cotas e o creme dental. Editoria:
Educão. Outras Opiniões. 18-09-2004.
393
Zaire Winnie Silva Campos. Jornal O Globo. Bolsa e cota. Editoria: Megazine.14-06-2005.
394
Danielle Azevedo. JC e-mail. O sistema de cotas: a realidade da diferença ou a diferença da
realidade. 29-09-2004.
395
And Nicolli. Jornal O Globo. Tema em discussão: cotas para negros Editoria: Opinião. 12-06-
2005.
africanos. Todos quase negros ou quase brancos, quem deveria merecer
o benecio?
396
É evidente que há uma desigualdade de ensino acentuada entre as
diferentes classes sociais. (...) Mas as cotas nada mais o do que
pragmatismo de um governo entregue às parvoíces com intuito
assistencialistas. (...) Outro aspecto importante é saber distinguir quem
verdadeiramente necessita das reservas. A distinção de raças deveria ter
sido esquecida desde a Lei Áurea, no entanto é relembrada cada vez
mais com esse tipo de maniqusmo social que confunde carência de
recursos e etnia.
397
É sobre esses aspectos que o curso deste debate vem se conduzindo.
396
Laura Ciprione. Definão de raça causa polêmica. Jornal Folha de São Paulo. Editoria: Folha
Cotidiano. 15-02-2005
397
Thiago Viola Pereira da Silva, 18 anos. RJ. Jornal O Globo. Cotas. Editoria Megazine. 06-07-2004.
3 - TERCEIRA DIMENSÃO - Políticas de Reconhecimento ou o encolhimento dos
homens.
O outro já o é feito para ser exterminado, odiado, rejeitado, seduzido; ele é feito
para ser compreendido, liberado, mimado, reconhecido. Depois dos Direitos do Homem,
deveriam ser institdos os Direitos do Outro. Aliais, já existem: é o Direito Universal à
diferença. Orgia de compreensão política e psicogica do outro, ressurreição do outro
onde já não há outro. Lá onde havia o Outro, adveio o Mesmo.
398
Uma fronteira não é o ponto onde algo termina, mas, como os gregos reconheceram, a
fronteira é o ponto a partir do qual algo começa a se fazer presente.
399
3.1 A cena identitária e multicultural
Neste fin de siècle, encontramo-os no momento de trânsito em que espo e tempo se cruzam
para produzir figuras complexas de diferença e identidade, passado e presente, interior e exterior,
inclusão e excluo. Isso porque há uma sensação de desorientação, um distúrbio de dirão, no além:
um movimento exploratório incessante, que o termo francês au-delà capta tão bem aqui e lá, de todos
os lados, fort/da, para e para cá, para frente e para trás.
400
As ações afirmativas indicam, por outro lado, outro aspecto importante. O fato de
representarem, ainda que com todas as contradições, um espaço para afirmação das
múltiplas identidades individuais e sociais e a defesa da diferentes expressões culturais
que advém do curso da cena histórica.
Sabe-se da polêmica que envolve hoje o conceito de identidade. Penna ressalta
que existem nas ciências sociais inúmeras definições e empregos diferenciados dessa
noção, sendo grande a diversidade e mesmo a ambigüidade do termo.
401
Para Hall:
a identidade tornou-se uma “celebraçãovel, formada pelas quais
somos representados ou interpretados nos sistemas culturais que nos
rodeiam.É definida historicamente e não biologicamente. O sujeito
assume identidades diferentes em diferentes momentos, identidades que
não aparecem unificadas ao redor de um eu coerente.
402
398
Cf. Baudrillard,J. A transpancia do mal. 7ª ed. São Paulo: Papirus, 2003.
399
Cf. Heidegger, M. Building, Dwelling, Thining. Poetry, Language, Thought. New York: Harper &
Row, p.151-153.
400
Cf. Bhabha, H. K. O Local da Cultura. Belo Horizonte: Editora UFMG, 1998.p.19.
401
Cf.Penna,M. Relatos de Migrantes: questionando as noções de perda de identidade e desenraizamento.
IN: ngua(gem) e Identidade, Signorini, I. (Org). São Paulo: Mercado das Letras, 1998, pp.89-114.
402
Cf. Hall, S. Identidades Culturais na s-Modernidade. Rio de Janeiro: Editora DP&A,1997, p.12.
Longe de esgotar tal polêmica, interessa aqui registrar que, assim como Orlandi,
entende-se neste estudo que não existem identidades fixas ou categóricas.
403
Ao
contrário, que a identidade opera entre os movimentos de unidade e dispersão e é a
unidade identitária que garante aos indiduos a gestão de sua singularidade, fazendo
com que cada identidade se desloque entre distintas posições. Este é o movimento que
possibilita que cada um seja, ao mesmo tempo, pai, namorado, trabalhador, negro, etc.
Para Orlandi, a idéia de unidade identitária é ponto de ancoragem de preconceitos e
processos de exclusão”.
404
Afirma, ainda, que a identidade é um movimento na história e
que, ao significar, o sujeito se significa. Neste contexto, a identidade não se apreende e
sim resulta de processos de aprendizagem e de posições que se constituem em processos
de memória afetados pelo inconsciente e pela ideologia.
405
Esse tipo de abordagem abre
espaço para interpretações que colocam a identidade não apenas na condição de mulher,
de negro ou de deficiente mas, sobretudo, no modo como estas condições o
apreendidas e organizadas política e historicamente.
406
Todas essas abordagens são importantes para refletir acerca dos aspectos
relacionados neste estudo.
Não há como, ao falar de reconhecimento, não destacar a influência e a
importância do tema do multiculturalismo. Um conceito que vem sendo utilizado de
diversas formas, abarcando diferentes perspectivas. Com o apoio das diferentes mídias e
das diferentes redes institucionais a questão do reconhecimento das diferenças culturais
se transformou num fenômeno globalizado. Vale, portanto, não só uma contextualização
403
Cf. Orlandi,P.E. Identidade linística Escolar. IN: ngua(gem) e Identidade, Signorini, I. (Org).
São Paulo: Mercado das Letras, 1998.
404
Ibidem, p. 204.
405
Ibidem, 204-05.
406
Cf. Penna, M. Relatos de Migrantes: questionando as noções de perda de identidade e
desenraizamento. Op.cit, p.89.
sócio-histórica do termo quanto uma síntese das diferentes tipologias que o mesmo
assume a partir de diferentes autores.
Pode-se dizer, de forma sintética, que a idéia do multiculturalismo tem origem, na
forma de um movimento político organizado, na primeira metade do século XX, fruto
dos diferentes confrontos sociais oriundos de preconceitos e discriminações de etnia e
classe, e se amplia, paulatinamente, para outras instâncias da vida social, sobretudo em
países nos quais a diversidade cultural era vista como um problema para a construção de
uma unidade nacional. De icio, expressava, quase que exclusivamente, as
reivindicões de grupos étnicos, revelando, também, a difícil convivência entre nativos
e imigrantes de diversos países, seja na relação entre americanos, latinos e/ou negros,
seja dos abogines no Canadá ou dos ciganos na Espanha. Nesse sentido, o
multiculturalismo passa a ser entendido como sinimo de um paradigma da pluralidade,
de convivência e de tolerância, contrário, portanto, a quaisquer posturas etnocêntricas.
Como expressão de uma potica cultural, pode-se destacar, também, o uso do
debate multicultural a partir dos novos cerios sociais, políticos e culturais que
emergem após a guerra fria, bem como no desmembramento do mundo comunista que
traz à cena a pluralidade dos diferentes grupos étnicos-culturais.
A Conferencia Mundial sobre potica cultural promovida pela UNESCO, no
México, em 1982, foi um marco, já na segunda metade do século XX, na afirmação da
necessidade de favorecer processos de afirmação da identidade cultural de todo o grupo
humano, bem como promover o diálogo e a troca entre diferentes culturas.
Todavia, o multiculturalismo pode ser considerado como uma política ingênua e
até leviana, porque parte de uma falsa consciência acerca dos reais problemas culturais.
Pode, ainda, se pautar em algum tipo de cultura que se julga superior às outras,
utilizado, apenas, como uma estratégia potica de integrão social.
Para Mac Larem, as classificações usualmente conferidas ao termo
multiculturalismo são idealizadas, não passando de “recursos heusticos, pois, em
geral, as posições tendem a se misturar umas com as outras. Para ele, pode-se classificar
as formas de multiculturalismo em conservador ou gerencial, encontrado nas vies
colonialistas. Tal posição tende a representar as minorias como mal sucedidas por
possuírem bagagens culturais inferiores. Esta forma de multiculturalismo, segundo o
autor, também expressa o projeto de constituir uma cultura comum, anulando saberes e
diferenças, visando garantir a hegemonia do capital cultural da classe média. Mais ainda,
o multiculturalismo conservador se utilizaria do termo diversidade” para encobrir a
ideologia de assimilação que sustenta a posição na qual os grupos étnicos seriam
reduzidos a acréscimos à cultura dominante. O autor relaciona, ainda, o
multiculturalismo humanista liberal, que teria como pressuposto uma igualdade natural
entre os seres humanos, o multiculturalismo liberal de esquerda que parte da diferença
cultural como argumento central em suas análises, tratando a diferença como uma
essência que existe independente da história, da cultura ou do poder. Por último,
destaca a radicalidade do multiculturalismo crítico e de resistência, abordagem de
significado s estruturalista. Esse enfoque compreende as representações de raça, de
classe e de gênero como resultado de lutas sociais sobre signos e significações e, nesse
sentido, enfatiza não apenas o jogo textual e o deslocamento metafórico como forma de
resistência, mas também enfatiza a tarefa central de transformar as relações culturais e
institucionais nas quais os significados são produzidos. Alega que as tipologias acima
eso presas à lógica de uma pretensa democracia, moldadas sob uma concepção
consensual da diferea. Sob a ótica de um multiculturalismo crítico e de resistência,
essa seria a tendência de uma política de assimilação em que se naturalizam relações de
poder e privilégio como se realmente vivêssemos em uma sociedade igualitária.
407
Grupos privilegiados ocultam vantagens ao defenderem o ideal de uma humanidade
comum.
408
Ctico das concepções mais conservadoras da cultura e do próprio conceito de
multiculturalismo, o indo-britânico Homi Bhabha, adensa a discussão quando relaciona
a crise identitária da contemporaneidade ao afastamento das singularidades de
classe ou de gênero “, como categorias conceituais e organizacionais básicas.
409
Esses entre-lugares fornecem o termo para a elaboração de estratégias
de subjetivão singular e coletiva que dão início a novos signos de
identidade e postos inovadores de colaboração e contestação, no ato de
definir a própria idéia de sociedade. (...) A articulão social da
diferea, da perspectiva da minoria, é uma negociação complexa, em
andamento. O direito de se expressar a partir da periferia para o
poder e do privilégio autorizados não depende da persistência da
tradição. (...) O reconhecimento que a tradão outorga é uma forma
parcial de identificação.
410
Para o autor, o que é politicamente crucial no momento é a necessidade de
passar além das narrativas de subjetividades originárias e iniciais e de focalizar aqueles
momentos ou processos que são produzidos na articulação de diferenças culturais e
práticas de reconhecimento.
411
É com essa perspectiva, que este estudo se desenvolve.
3.2 - Poticas de re- conhecimento
Na minha escola tem dois negros. Eu e o Gervásio, o porteiro. No primário
teve um outro aluno, mas ele saiu. Só ficou um ano. Na minha escola, todo
mundo se trata mal. Brigando, chamando de idiota, essas coisas. Mas se
algm te chamar de idiota na frente da professora, ela te defende mais do que
devia e briga com o cara. Ela vai achar que te chamaram de idiota só porque
vo é negro. Aí ninguém aqui me chama de idiota. Só os meus amigos
mesmo.
412
407
Cf. Mc Laren, Peter. Multiculturalismo Ctico, São Paulo: Cortez ,1997.
408
Ibidem, p.77.
409
Cf.Bhabha, H. K. O Local da Cultura.Op.cit, p.19.
410
Ibidem, p. 20-21.
411
Cf. Bhabha, H. K. O Local da Cultura.Op.cit, p.20.
412
Fala de Duca, sobrinho de Eder. Meu tio matou um cara. Jorge Furtado. Natasha filmes, 2004.
O livro publicado na cada de 90 do século passado organizado pelo professor
de filosofia e ciências políticas Charles Taylor - Multicultarismo
413
traz uma
contribuão importante para o debate acerca da temática identitária e multicultural e a
questão política do reconhecimento.
O autor sustenta a tese de que as identidades se constituem por meio do processo
do reconhecimento. A tese consiste no fato de a nossa identidade ser formada, em
parte, pela existência ou inexistência de reconhecimento ”- diz o autor.
414
O texto de Taylor procura trar uma análise das transformações no estatuto da
historicidade de cada sociedade, no qual, cada momento singular instaura, na mesma
medida, uma transformão no próprio processo de constituição da subjetividade dos
indivíduos sociais. Investiga, também, como que a subjetividade moderna é forjada a
partir de uma relação com o olhar do outro.
415
O argumento central do autor consiste em avaliar a década de sessenta do século
passado marcada por uma pressão igualitária que vai abranger diferentes aspectos da
vida social. Para Taylor, o argumento das minorias ou do multiculturalismo, em geral,
basicamente do movimento negro e do movimento feminista, indica que o indivíduo
pode sofrer se lhe for negado o reconhecimento, produzindo, assim, um processo de
baixa auto-estima que em parte explicaria o “fracasso social desses segmentos. Ele se
coloca como vítima na medida em que internaliza os valores dominantes.
416
413
Cf. Taylor, C. A Política de Reconhecimento. IN: Taylor, C. (Org). Multiculturalismo. Instituto
Piaget,Coleção Epistemologia e Sociedade. Lisboa,1994.
414
Ibidem, p. 45.
415
Ibidem, p. 45.
416
Outros autores procuram estabelecer a relação entre a auto-estima e a produção de uma identidade
subjugada. Souza,J. por exemplo, faz essa discussão em A construção da subcidadania. Para uma
construção política da modernidade periférica. Editora da UFMG: Belo Horizonte, 2003. Da mesma
forma, Guimarães, A. S. A., no livro intitulado, Classes, Raças e Democracia. o Paulo: Editora 34,
2002, tra uma abordagem relacional para discutir os conceitos de classe e de raça, fundamentais para a
consolidação do conceito de identidade.
Assim, algumas feministas afirmaram que, nas sociedades patriarcais,
as mulheres eram induzidas a adotar uma opino depreciativa delas
próprias. Interiorizavam uma imagem da sua inferioridade, de tal
maneira que, quando determinados obstáculos reais à sua prosperidade
desapareciam, elas chegam a demonstrar uma incapacidade de
aproveitar as novas oportunidades. Além disso, estavam condenadas a
sofrer pela sua debilitada auto-estima. Também surgiram argumentos
semelhantes entre os negros: que a sociedade branca projetou durante
gerações uma imagem de inferioridade da ra negra, imagem essa que
alguns dos seus membros acabaram por adotar. Nesta perspectiva, a
auto-depreciação tornar-se um dos instrumentos mais poderosos da sua
própria opressão.
417
É desta forma que Taylor discute a temática do reconhecimento e das pré-
condições para que o respeito e a auto-estima transformem-se no ponto central para a
construção da solidariedade.
418
Para ele, há duas formas de reconhecimento social que também são formas de
atribuição de respeito, auto-estima e de formão de identidades uma universalizante,
que é o princípio da dignidade e outra particularizante, que é o prinpio da
autenticidade.
Mas em que momento a questão do reconhecimento tornou-se central?
Para Taylor, há duas importantes passagens a primeira, a passagem da honra
(calcada na exterioridade) à dignidade (calcada na interioridade) e a segunda, a
passagem da sinceridade à autenticidade. Ambas são fundamentais no processo de
constituição da afirmão do reconhecimento social.
Para o autor, a sociedade moderna é marcada por uma virada individualista”,
ainda que muitas vezes as reivindicações apareçam sob o julgo de grupos. Assim,
nesta arena, duas forças se constituiriam a preso por igualdade e a virada para o
individualismo.
419
417
Cf. Taylor, C. A Política de Reconhecimento. Op.cit. pp.45-46.
418
Ibidem, p.47.
419
Ibidem, pp.48-49;
A passagem que marca a trajeria da sinceridade à autenticidade pode ser
entendida quando identifica-se na sinceridade uma qualidade moral na qual é valorizado,
no indivíduo, o comportamento estratégico e a coragem de dizer ao outro o que se
pensa, ou o que é necessário, num dado momento, à uma dada pessoa. Neste contexto,
cada indivíduo teria um lugar determinado na sociedade, como num jogo. Ao contrário,
a lógica da autenticidade possui a tópica de “ser você mesmo. Aqui o indivíduo é
encorajado a agir a partir da sua vontade”, independente das circunstâncias. Ser o que
se é significa ser o que você quer ser, e não o que querem que você seja. A expressão
desse movimento pode ser observada nos discursos e nas práticas de diferentes grupos
minoritários que se rendem aos seus desejos e se expõem ao reconhecimento de si e do
outro.
Todavia, é importante salientar que nesta virada há uma exincia básica o
indivíduo precisa ter a consciência de si. Ou seja, o que está em jogo é o processo de
constituição da tomada de consciência e do processo de interioridade do indivíduo. O
que passa a importar agora é o sentido interno que cada ação representa e não o juízo do
outro.
420
A origem dessa autenticidade” também tem respaldo no senso moral. Todavia,
vale observar que a base moral anterior estava calcada numa moralidade das
conseqüências”, numa moralidade da culpa”, pautada no Direito Divino, nas leis de
Deus. Na passagem da sinceridade para a autenticidade a experiência de pensar se
desloca mais uma vez. A fonte de toda moral está em cada indiduo e pensar passa pois
a ocupar o lugar da tomada de consciência de si e da determinação do próprio
pensamento.
421
420
Anotões do Ciber Idea. Exposição: Paulo Vaz. 19-10-2005
421
Ibidem.
Essa virada individualista indica que, doravante, a fonte moral está em cada um
mas que, por outro lado, que se promover odesocultamento desse ser interior.
Diferentes perspectivas e análises delas derivadas tentao propor meta-
narrativas explicativas para esse dilema. De Freud com a sda dos indivíduos da culpa
até Marx com a tomada de consciência de classe.
Em ambos os aspectos e seus diferentes espectros de reflexão e prática estão em
jogo o entendimento da historicidade dos indivíduos e com ela a noção de que a
consciência moral também é fruto dessa historicidade, é fruto de cada momento
histórico.
No entanto, esse desocultamento não ocorre sem que, inversamente, possa se
dar um processo de interiorizão do olhar externo do outro.
Assim, sentimentos como vergonha ou culpa foram ( e continuam sendo, ainda
que sob novos regimes de verdade”) sendo paulatinamente internalizados a partir de em
olhar externo, de um olhar de um outro significante para mim. O determinante aqui é
portanto a percepção de que essa internalização foi construída com o tempo, definindo
dimensões decisivas das subjetividades. O reconhecimento seria uma dessas dimenes.
Eu desejo o desejo do outro! O processo de construção da subjetividade moderna
passaria, pois, pelo processo alienado de tornar-se sujeito do desejo do outro como
forma de reconhecimento.
3.3 O Terremoto da Emancipação e a Moral da Audiência : da moral
exteriorizada à moral interiorizada
Nos estudos de Ehrenberg, encontra-se a síntese dos argumentos levantados até
aqui ampliando a análise para aspectos importantes da contemporaneidade que
sustentam uma rie de discursos e políticas da diferença e do reconhecimento.
422
O autor vai argumentar que o modelo disciplinar de gestão, operante na
modernidade, de conformidade das proibições, designava um destino aos indiduos. Já
a nova normatividade instaurada na contemporaneidade incita constantemente à tópica
tornar-se o que se é. Novas normas e o modo de vida que elas revelam, incitam a
iniciativa individual e coletiva. A conseqüência dessa nova normatividade gera o fato de
que a responsabilidade da vida se aloja não unicamente em cada um, mas, igualmente,
num entre-nós coletivo.
423
Para o autor, uma série de conseqüências vão advir desse fato. Inicialmente a
depressão como resultado da percepção de insuficiência consigo. D a proliferação das
drogas da apancia ou das smart drugs que propiciam, de um lado, uma volta do
indivíduo a ele mesmo, como se o mau humor ou o nervosismo não fizessem parte dele;
de outro, aumentam sua percepção e capacidade cognitiva. Com isso, cria-se um “bem
estar artificial”, uma igualdade artificial tomando insidiosamente o lugar da cena ou
da igualdade a cena social.
O que significa tornar-se o que se é? - pergunta o autor.
Não se trata apenas de zelar pela aparência mas sim perceber as fronteiras entre
o permitido e o proibido, entre o possível e o impossível, entre o normal e o
patológico.Significa ainda a aposta no íntimo de cada um desencadeando uma série de
reões de culpabilidade e, consequentemente, responsabilidade etc.
422
Cf. Ehrenberg, A. La fatigue dêtre soi. Paris: Odile Jacob,1988.
423
Cf. Ehrenberg, A. La fatigue dêtre soi.Op.cit., p.14-15.
E qual é o papel do sofrimento em todo esse contexto, questiona mais uma vez o
autor.
Para Ehrenberg, o sofrimento está atrelado à forma pela qual a historicidade
abriu espaço para um processo no qual se tornou possível aos homens falar de seus
sofrimentos mais íntimos ( caracterizando uma oferta de sofredores) e por outro lado,
gerando um conjunto de especialistas e de ações que pudessem dar sentido a esse
sofrimento ( caracterizando uma demanda de sofredores).
424
Como elementos representativos desta oferta de sofredores, destacam-se, a partir
do século XIX, a valorização da vida privada e seu ideal de felicidade, que vem desde o
romantismo e o iluminismo. O ideal de felicidade aparece nesse momento como
possibilidade de secularização da salvão religiosa. O século do Iluminismo é
também o século da felicidade. Se há ideal de felicidade, os sofrimentos tornam-se
importantes. Nesse contexto, na esfera pública, usa-se a razão privada entre iguais e a
esfera privada tem autonomia e valor.
425
Compondo este cenário tem-se, ainda, o
desenvolvimento de práticas de ateão a si e a capacidade do espaço público em
ouvir o sofrimento do outro. Sobretudo a partir do século XIX, inicialmente como uma
prática de elite, observa-se que o indivíduo quer escolher sua identidade. Um exemplo
disto pode ser encontrado nas práticas de observar sua imagem no exterior ( a
democratização do retrato, difusão dos espelhos, nascimento da fotografia) e perscrutar
o que se passa dentro de si ( diários íntimos e conversas secretas com interlocutores
mudos).
426
Indica, ainda, a existência de ações que possam vir a mudar o estado de
sofrimento no quais os indivíduos estão inseridos. Ou seja, instaura-se um processo de
reconhecimento do sofrimento e conseqüente pedido de ajuda e/ou mudança desta
condição.
424
Cf. Ehrenberg, A. La fatigue dêtre soi. Op.cit.
425
Ibidem.
426
Ibidem.
Ehrenberg sinaliza, por outro lado, que este foi um percurso marcado por
obstáculos posto que até a virada dos anos sessenta, não havia espo público para a
gestão do sofrimento. O sofrimento privado, exposto ao público era estigmatizado e
identificado como perigoso para a ordemblica e os bons costumes.
427
Um outro
obstáculo que se apresentava à expansão da oferta de sofredores estava relacionado com
o fato de que havia, neste momento, uma nítida separação entre a esfera blica e a
esfera privada. A primeira identificada como um lugar de igualdade e liberdade e a
segunda, um espaço de hierarquia e submissão. O percurso conduzido ao longo do
século XIX vai mudar este cenário indicando a proliferação de um demanda de
sofredores e, com isso, um imenso campo de sofredores torna-se possível.
Antes, haveria uma relação simbólico-religiosa com o sofrimento. De
um lado acreditava-se num nexo entre mal natural e falha moral. Se o
sofrimento é castigo, a forma de lidar com ele é por meio do sacrifício e
do ritual, mesmo no caso espefico do sofrimento criso de um nexo
entre sofrimento involuntário interpretado como castigo e sofrimento
volunrio posto como sacrifício ao qual se espera alguma recompensa.
(...) Modernidade é secularizão, mas isso num sentido muito
específico. De um lado, para o corpo, há uma solução dica, isto é,
científico-tecnológica. (...) De outro, para outras formas de sofrimento,
cria-se a causalidade social.
428
Desta forma, emerge, na contemporaneidade, por um lado, uma responsabilização
individual crescente pelo sofrimento
429
, por outro, a necessidade de projetar-se no
futuro como possibilidade, como tornar-se o que é. Com isso, instaura-se
inevitavelmente, mudanças nas relações entre indivíduo e sociedade, entre indivíduo e as
exigências sociais. Ou seja, cria-se uma sociedade da responsabilidade, marcada por
iniciativas individuais mas também pela crescente responsabilização do estado diante do
427
Vale observar que o estudo de Ehrenberg relaciona-se, sobretudo, à possibilidade do aparecimento
sofrimento psíquico, embora o autor faça constantes analogias e referencias ao sofrimento generalizado,
também importantes para a reflexão em que se insere esta Tese.
428
Cf. Ehrenberg, A. La fatigue dêtre soi. Op.cit, p.18.
429
Mesmo no caso do sofrimento orgânico, o indiduo passa a ser responsabilizado por uma série de
doeas que, a princípio poderiam ser evitadas. De outro lado, a esfera governamental também é
responsabilizada, por exemplo, quando permite a veiculação de propagadas incitando o consumo do
tabaco cujo nexo associa ao câncer.
sofrimento do outro, sobretudo com a crise do estado de bem estar social e a
consolidação do neo-liberalismo. Percebe-se um duplo movimento. O espaço público
passa a apoiar o privado, o íntimo. A vida privada não mais se caracteriza como um
lugar de hierarquia, de submissão, de destino. Para tanto, é necessário democratizar o
sofrimento, expor publicamente problemas comuns aos outros.
A nova moralidade aparece não aberta ao prazer e sim responsabilizando-se sobre
o seu futuro. A análise dos riscos passa a ser nova forma de descobrir o sofrimento
evitável!
Sabe-se que o sofrimento foi secularizado.
Nesse processo, de um lado, tinha-se o sofrimento operando numa esfera
simlica e religiosa. O sofrimento volunrio portava a idéia de sacrifício. O ideal
ascético é uma forma enfraquecida de sofrimento que se volta sobre si para recobrar o
vigor. Quando se propõe ao castigo, o mesmo é seguro pois nada mais é que ascese.
A mudança que se configura na modernidade e que se acentua na
contemporaneidade se traduz no fato de que, de um lado, o indivíduo vai buscar uma
causalidade social e política para o sofrimento, e, de outro, vai haver a individualização
da responsabilidade pelo sofrimento.
Assim, tem-se, de um lado, o individuo como portador, como detentor de um
risco no qual é de sua responsabilidade se expor ou não, trazendo para o centro do
debate a noção de decisão. Por outro, emerge a noção de tima virtual, daquele que
modifica seus hábitos, suas escolhas, para não sofrer ou diminuir o sofrimento.
Doravante o indiduo passa a lidar com a causalidade do risco que o outro expõe a si. E
neste contexto vale frisar duas considerões importantes, que remetem às indagações
centrais deste estudo. De um lado, a pobreza não é mais causalidade, a etnia não é mais
causalidade. Tudo passa a portar um cater de escolha, de decisão que autoriza um
outro tipo de intervenção na vida privada por parte do Estado. De outro, poder-se-ia
pensar na emergência do indivíduo soberano, anunciado por Nietzsche, que indicaria a
vinda, doravante, de uma forma comum de vida e a consolidação do ideal potico
moderno do homem como proprietário de si mesmo e não como dócil súdito do
príncipe?
430
Para Ehrenberg, seria nesse momento que teriam ocorrido os grandes equívocos a
propósito do indivíduo contemporâneo.
Há aqueles que se contentam em “lamentar a famosa perda de
referência do homem moderno, o enfraquecimento do laço social e a
privatização da existência como causa e conseência da vida
pública.
431
Nesta nova normatividade poderia estar a sda para os paradoxos hoje postos ao
homem e à humanidade?
Para o autor, a trajetória de emerncia e consolidão dos movimentos sociais
iniciados na década de sessenta é conseqüência dessa nova normatividade. A
contemporaneidade estaria marcada por uma série de confrontos de novas referências.
Mais do que o decnio do blico, estaríamos diante de transformações das referências
políticas e dos modos de ação pública, que agora são buscados no contexto do
individualismo de massas e da abertura das sociedades nacionais.
432
Uma conseqüência desse contexto está no que ele denomina de Terremoto da
Emancipação que tem transformado coletivamente, ainda que isso para ser uma
incongruência, a intimidade de cada um. Os homens teriam se tornado puro indiduos,
homens sem guia no sentido de que nenhuma lei moral, nem tradões indicariam de
fora” o que devemos ser ou fazer. O direito de escolher sua ppria vida e a injunção
tornar-se o que é colocam a individualidade num movimento permanente,
430
Cf. Ehrenberg, A. La fatigue dêtre soi. Op.cit, p,14
431
Ibidem, p.14.
432
Ibidem, p.14.
diferentemente do problema dos limites reguladores da ordem interior. Observa-se,
também, um declínio da separação entre o permitido e o proibido em proveito de uma
fratura entre o posvel e o impossível. O individualismo encontra-se transformado.
433
Muda o lugar do interdito. Muda o lugar da disciplina e do limite dos modos de
regulação. Ao invés de ordem exterior, recursos internos e competências mentais passam
a reger a nova lógica.
Para o autor, todo esse processo pontua, ainda, que a exterioridade das tradições
ou dos pressupostos morais, que anteriormente indicavam atitudes conformistas, não são
mais o mote condutor das ações e sim a introjeção e a procura constante de uma
individualidade que pode e deve escolher o seu destino. Todavia, nem sempre este
indivíduo se reconhece satisfeito. Ele está sempre num processo que Deleuze
denominou como de uma moratória ilimitada
434
, no qual há sempre um porvir que
escapa e que cria uma nova exincia de reconhecimento, em detrimento do regime
anterior, no qual o que estava posto era a quitação aparente davida. Emntese,
anteriormente, diante dos limites e das regras sociais, pensamentos conformistas ou
automatismo de conduta eram os tros principais. Agora o indivíduo se confronta com
uma patologia da insuficiência. Este novo indiduo, apoiado em recursos e motivações
internas busca performances que o identifique com o seu ideal.
Com isso, Ehrenberg estaria sugerindo que estas mutações na individualidade
fazem mudar, também, a própria noção de interdito e, deste modo, o processo de
normatividade não mais se fundaria na culpa e na disciplina mas sobre a
responsabilidade e a disciplina.
Assim, para o autor, “o individualismo, na democracia, teria a singularidade de
repousar sobre um duplo ideal: ser uma pessoa por si mesmo - um indivíduo - num
433
Cf. Ehrenberg, A. La fatigue dêtre soi. Op.cit, p.16.
434
Ibidem, p.17.
grupamento humano que tira dele próprio a significação de sua existência - uma
sociedade.
435
Valores religiosos aprioristas ou a noção de obediência soberana o
lugar a valores como interioridade e conflito.
436
Junto com o individualismo e a “a
interiorização do conflito permitiu-se o confronto entre interesses contraditórios e a
obtenção de compromissos aceitáveis. O conflito passa a ser, pois, condição da própria
democracia na medida em que permite representar, sobre uma cena potica, a dimensão
social.
437
Nesta perspectiva, a instância normativa hoje sofreu, portanto, um deslocamento
entre as categorias super-ego e ideal de ego.
Em seu texto, Ehrenberg ressalta que, na modernidade, as categorias super-ego e
ego, tinham como atuão principal o estabelecimento de barreiras para o inconsciente e,
em nome da lei ou da tradição das regras morais. O super-ego constituía-se, assim, como
freio à ação. O que interditava estaria na ordem do outro. Na atualidade, entretanto,
haveria uma flexibilização das regras morais e uma conseqüente mudança no foco das
instâncias normativas. Segundo Ehrenberg, na atualidade operar-se-ia numa esfera de
um ideal-de-ego, em que o indivíduo é levado constantemente a identificar-se,
reconhecer-se e tornar-se o que é, num espetáculo afirmativo e performático constante.
O determinante nesse processo é o entendimento de que na subjetividade
moderna a história aparece como potência, ou seja, a sociedade e/ou os indivíduos, m
um cater inacabado, como se representasse o o que é e sim o que pode vir a ser. Isso
implica uma marca importante em que essa potência precisa ser constantemente
atualizada de modo que cada um possa tornar-se o que é. E esses processos de
atualização têm a marca do consumo e da performance. Implica, ainda, reconhecer uma
sociedade que se pensa como capaz de construir o seu futuro. Todavia, com a passagem
435
Cf. Ehrenberg, A. La fatigue dêtre soi. Op.cit, p.17
436
Ibidem,p.18.
437
Ibidem,p.18-19.
da modernidade para a contemporaneidade ou para modernidade tardia, sobretudo com o
impacto cada vez mais decisivo das tecnologias na constituição das subjetividades,
opera-se uma inversão importante na qual o super-ego é substituído por um ideal de
ego”, gerando uma nova feição ao imperativo tornar-se o que é”. Esses aspectos serão
decisivos para os argumentos subseqüentes deste estudo.
A distinção e passagem entre uma moral da exterioridade para uma moral da
interioridade pode ajudar a compreender este complexo processo.
Num primeiro momento, a moral opera num esquema meta-histórico em que há a
interiorização da regra moral. É uma moral que pode ser chamada, também, de moral
hipócrita ou cínica. Se há hipocrisia, há, também, uma distância com relação a um outro
externo. Neste contexto, o indivíduo, entendido como possuindo um eu contínuo, segue
a regras morais não pelo seu desejo, mas pela honra e reputação. É uma moral calcada
no segredo em que é nítida a separação visível/invisível. D ser considerada uma moral
da exterioridade. Já na moral da interioridade, o outro se interioriza como ideal por não
haver mais o entendimento deste outro como distante. Em síntese, neste contexto,
levando-se em consideração que o que está em jogo é o ideal de ego e não o super-ego,
não se opera mais no vel da culpa posto que não , em si, um outro que toma-se como
distante.
438
E aqui vale uma consideração que é fundamental para o entendimento deste
estudo e das bases teóricas que sustentam esta dimensão de análise. Se não se concebe o
outro como exterior, muda-se o estatuto do olhar desse outro. O mesmo foi internalizado
de forma progressiva, criando-se a possibilidade, também, do surgimento, do indivíduo-
vítima, constantemente transformado em hei. E por quê?
438
Anotações do Ciber Idea. Exposição: Paulo Vaz . 30/10/02
Quando se reduz a distância entre o indiduo e a sociedade, num claro
adensamento, o tempo, o reconhecimento e a captura do sofrimento de todos e de cada
um, como sendo o seu próprio sofrimento, se dá numa extensão quase pré-determinada.
O indivíduo passa a ser, nesse sentido, portador” de uma consciência do que se
deve ouo fazer, a consciência do mal que frente à leitura datima reivindica o
reconhecimento de si. Apesar de haver um processo hisrico datado, no qual alguns
eleitos, de tempos em tempos, são escolhidos como vítimas em potencial, há também a
noção de que dependendo do ângulo ou da ênfase, todos podem em algum momento se
transformar em vítima.
E isso significa colocar a vítima na TV, nos jornais.
As vítimas somos todos nós, anuncia a capa da revista semanal.
439
A imagem
fere os olhos. Muito mais do que relatar o atentado terrorista em Madrid, o sofrimento é
noticia e compra corões e mentes.
439
Revista Veja. Editora Abril. Edão 1845. Ano 37- nº 11. 17 de março de 2004.
Esta é a moral da audiência anunciada no icio deste estudo.
440
Mas outra considerão importante deve ser feita. Toda moral é uma moral da
apancia e implica numa audiência. A queso é problematizar o estatuto desta
audiência que neste momento parece se apresentar como uma audiência extensa da qual
não se pode escapar. Nesta audiência não se tem mais a noção de cidadão e sim de
platéia, de observador e, sobretudo, de consumidor.
A mudança que este processo produziu pode ser identificado como sendo a
síntese do deslocamento da vigilância para o monitoramento, ou mesmo, da passagem
apontada no icio deste trabalho, da culpa à responsabilidade ou à responsabilização.
441
Todo esse contexto vem acompanhado, também, de outras mudanças, passagens
fundamentais na constituição das identidades e subjetividades na contemporaneidade. Os
elementos a seguir, são mais uma peça desta articulada engrenagem.
3.4 Exterioridade e Interioridade novas pticas de ver e ser visto na
contemporaneidade
De acordo com Bruno, a relação entre subjetividade e visibilidade adquire novos
contornos com as tecnologias comunicacionais contemponeas. Segundo a autora tais
tecnologias participam de uma transformação no modo como os indivíduos constituem a
si mesmos e modulam sua identidade a partir da relação com o outro, mais
especificamente, com o olhar do outro e a constituição de um novo estatuto deste
olhar.
442
440
Anotões e reflees. Ciber Idea. Exposição de Paulo Vaz. 14-04-2005.
441
Anotões e reflees. Ciber Idea. Exposição de Paulo Vaz. 14-04-2005.
442
Bruno, F. quinas de ver, modos de ser: visibilidade e subjetividade nas novas tecnologias de
informação e de comunicação. IN: Revista Famecos: dia, cultura e tecnologia> Porto Alegre, nº 24,
julho de 2004, pps 110;124
Deste modo, observam-se novos formatos de exposição da vida íntima e privada
por meio de diferentes circuitos de visibilidade, bancos de dados e programas
computacionais de coleta e processamento de informações. Todo esse domínio de ver e
ser visto incrementa, nos indiduos, uma vigilância quase contínua. A autora ressalta,
porém, que estes novos dispositivos dão continuidade a uma tendência inaugurada na
modernidade cuja incincia do foco da visibilidade vai ocorrer em cima do indiduo
comum.
Numa síntese retrospectiva, pode-se dizer que no mundo p-moderno, restrito
aos ambientes da nobreza feudal, a burguesia nascente passa tanto a imitar padrões
quanto a gerar as suas pprias exigências.
No entanto, não é de imediato que o indivíduo comum vai entrar como foco da
visibilidade. Essa mudança de foco apontaria, segundo a autora, para dois deslocamentos
principais. O primeiro, a constituão de uma subjetividade exteriorizada e marcada
pela projão e antecipação
443
que se sobrepõe à subjetividade moderna, interiorizada
e marcada pela introspecção e pela hermenêutica.
444
O segundo deslocamento apontaria
para mudanças no estatuto do olhar do outro e do pprio observador.
445
Numa outra dimensão, muito importante para este estudo, há, também, o
deslocamento da própria não de identidade que sai dos recônditos do interior e se
revela ao outro com as marcas de seu próprio reconhecimento auto-declarado!
443
Bruno, F. quinas de ver, modos de ser: visibilidade e subjetividade nas novas tecnologias de
informação e de comunicação. Op.cit. pp. 110-124.
444
Ibidem, pp.110-124.
445
Como exemplo desta mudança a autora ressalta duas novas formas a primeira relacionada aos
weblogs e webcans conferindo um privatização do olhar outrora público e coletivo, impondo mudanças
no sentido da experncia da intimidade que deixa de corresponder àpica do sujeito moderno que
opunha aparência e realidade, superfície à profundidade, exterioridade à interioridade etc, e, a segunda, à
própria vigilância eletnica.
A autora faz referencia a Foucault, sobretudo em Vigiar e Punir,
446
obra em que o
filósofo destacou a intnseca relação entre a produção de subjetividades e os
dispositivos de vigilância.
Segundo Foucault, tanto os discursos quanto as táticas modernas de visibilidade
constituem-se como efeitos de poder”. Numa síntese desse processo, observa-se que, na
modernidade, produzem-se duas importantes inversões no foco da visibilidade do poder.
Na primeira, o olhar não mais incide naqueles que exercem o poder mas naqueles sobre
quem o poder é exercido
447
, e, na segunda, incide-se o foco do olhar sobre o indivíduo
comum, ordinário, mediano. Trata-se agora de um olhar individualizante, tornando
vivel, observável e calculável o indivíduo comum.
448
Todo esse processo tornaria o indiduo mais objetivado e individualizado e este
é o aspecto que revela algo para o estudo desta tese. Isto porque uma forma posvel de
traçar a nese da subjetividade é acompanhar a interiorização do olhar do outro, mais
especificamente, a passagem de um cuidado de superciepara um cuidado de si, ou
a passagem do social ao íntimo.
449
Em ntese, pode-se dizer que a partir do século XIX , instaura-se um processo de
complexificação do visível. A aparência, o visível, deixa de ser totalmente exteriorizado
e passa a remeter a alguma interioridade. Nesta nova tipologia, a superfície, a aparência
indica uma profundidade e ganha um caráter indicial, algo além dela e que só pode se
revelar nela mesma, a constituição de um interior atrelado ao recôndito, aos espaços
íntimos. Por outro lado, no jogo entre o visível e o invivel, vai-se associar o secreto
446
Cf. Foucault, M. Vigiar e Punir. História da vioncia nas prisões. 7º edição. Petrópolis: Vozes.
1989,p. 31 Apud, Bruno, F. Máquinas de ver, modos de ser: visibilidade e subjetividade nas novas
tecnologias de informação e de comunicação. IN: Revista Famecos: mídia, cultura e tecnologia. Porto
Alegre, 24, julho de 2004,pps 110;124
447
Cf. Foucault, M. Vigiar e Punir. História da vioncia nas prisões. 7º edição. Petrópolis: Vozes.
1989,p.29.
448
Cf. Foucault, M. Vigiar e Punir. História da vioncia nas pries. Op.cit.p.29.
449
Fernanda Bruno. Anotações do curso. Dispositivos Tecnológicos e perspectivas teóricas sobre as
relões entre visibilidade e subjetividade na cultura comunicacional. 2005/01
como auntico e a aparência pode o revelar verdades e sim falsidades, remetendo ao
eterno debate entre Platão e os sofistas. O decisivo aqui é que o real não se revela, é
algo de se furta, que indica uma autenticidade, uma hermenêutica. Essas mesmas
características já foram trabalhadas aqui, sob outros ângulos, a partir das reflexões de
Taylor.
Vale observar que em Foucault a questão do reconhecimento está estritamente
ligada à noção de poder e de vigilância. A modernidade teria se constituído a partir da
internalizão de um olhar superior, em que cada um se vigia. É a clássica noção do
panoptismo que não dissocia o par ver e ser visto – como também promove a
secularização do olhar de Deus, instaura o artifício laico do olhar de Deus. O objeto
técnico passa a substituir uma crença.
Foucault traça, ainda, a noção de que, na chamada pré-modernidade, toda e
qualquer punição possa um papel excludente. Dito de outra forma, o poder tinha como
objetivo excluir do real aquilo que se opunha. Já na modernidade o poder passa a ser
produtivo. Ou seja, institui-se a noção de tratamento de remediação. Mais
importante do que isso é a percepção de que na modernidade o poder produz no real
aquele a quem ele se contrapõe, ou seja, produz no real o objeto de seu exercício.
450
Assim, se na pré-modernidade o diferente ou o anormal podia ser condenado à
morte mas essa condenação precisava ser pública”, a luz de todos os olhares, na
modernidade o mesmo vira um personagem, algo que é continuamente produzido pela
sociedade e objeto de normatização.
450
Fernanda Bruno. Anotações do curso. Dispositivos Tecnológicos e perspectivas teóricas sobre as
relações entre visibilidade e subjetividade na cultura comunicacional. 2005/01
Na norma, tem-se a estrutura em que o diferente ou o heterogêneo se constituí a
partir do par homoneo mais o desvio. É o que Foucault chamou de alteridade
negativa.
451
Sobre isso o Hackman
452
diz que a norma instituída na modernidade tem um
mecanismo de feedback. Cria-se uma alteridade negativa para fazer com que todos se
param provocando, assim, a homogeneidade necessária para o exercício do poder.
Para Foucault, usualmente pensava-se o poder como algo externo. A imagem de
um poder internalizado marca de modo decisivo o entendimento do processo de
produção da subjetividade moderna, introduzindo de maneira central a questão do
reconhecimento.
Assim, para o autor, exatamente como na norma, a produção da subjetividade
moderna é marcada pelo binômio alteridade mais internalizão, alterando de forma
decisiva as práticas de reconhecimento. O que é anormal ou desviante ou minoritário em
termos sociais, agora passa a ser tolerado, respeitado, reconhecido em sua
especificidade.
Volta-se como objetivado, ao início deste estudo, à inclusão. Só que agora
pretende-se ter esclarecido como que toda essa demanda inclusivista faz sentido de
forma tão avassaladora num sem número de pessoas, intelectuais, pessoas “do bem,
muitas vezes, porém capturadas por uma audiência de si mesmas.
Esta longa explanão pretende apontar para a decisiva mudança no estatuto do
olhar do outro na contemporaneidade. Este parece estabelecer um primado da imagem
e uma expansão da visibilidade, esta não mais atrelada ao interior e sim investida no
imediato, no consumo e práticas de resistências que clamam por reconhecimento. Ou
seja, na contemporaneidade, com todos os mecanismos já descritos aqui, a visibilidade
451
Anotões e reflees. Ciber Idea. Exposição de Paulo Vaz. 14-04-2005.
452
Cf. Hackman, Ian. Foucault`s immature science. Noûs Journal. Bloomington. Blackwell Publishing.
Vol.13,nº 1. pp.39-51, Mar,1979.
não se confunde com o visto ou o sujeito que ou não, e nem se reduz aos
instrumentos de visão e sim aponta para as condições de possibilidade do que se vê ou
não se vê, do vivel e do invivel, possibilidades estas entendidas como condições
históricas e não ontolológicas ou universais. O que está em jogo é o que se torna digno
de ser visto numa determinada época ou não. É desta forma que certos indivíduos são
colocados num campo de visibilidade e ganham força, expressão e audiência. Todo esse
contexto parece revelar, a partir de novos operadores conceituais, as atuais práticas
afirmativas sobretudo quando as mesmas baseiam-se na afirmação da auto-declaração,
da auto-estima e do reconhecimento.
Somando-se às análises conceituais recortadas aqui, o filósofo e ensaísta francês
Pascal Bruckner
453
, indica operadores importantes para finalizar esta etapa do
entendimento e análise do objeto aqui disposto.
3.5- Infantilismo e vitimização
Em uma de suas obras, a Tentação da Inocência,
454
Bruckner traduz o que ele
denomina de juridicismo que seria a tenncia geral das minorias, sobretudo das
nações marginalizadas, de vestir a carapuça do oprimido quer para perpetuar contra
outrem os crimes de que foram timas, quer para reconfortar-se na comiserão.
455
Neste estudo, o autor traça uma genealogia do surgimento e da ascensão do
indivíduo e do individualismo da Antigüidade Clássica à modernidade de modo a
possibilitar uma análise apurada das condições que hoje se apresentam no âmbito do
direito das minorias, da questão do reconhecimento e do reconhecimento do outro, tendo
como base dois conceitos principais: o infantilismo e a vitimização.
453
Cf. Bruckner, Pascal A Tentação da Inocência. Op.cit.
454
Cf. Bruckner, Pascal A Tentação da Inocência. O.cit, p.11.
455
Ibidem, p.12.
Usando a metáfora do encolhimento dos homens”
456
o autor relaciona o
sentimento do homem contemporâneo diante da imensidão do mundo, da multidão dos
seres, da proliferação contínua de informações e de descobertas tecnológicas, como
pigmeus esmagados pelo gigantismo das coisas
457
.
Desta forma, diante desta imensa aldeia globalizada seríamos todos “homens que
encolhem”.
Toda a Terra poderíamos dizer hoje, pois a unificão do planeta pela
tecnologia, pelos meios de comunicação, pelas armas da destruição total
torna a humanidade inteira co-presente a si própria. Essa imensa
conquista tem um tervel reverso: estamos potencialmente carregados e
informados de tudo o que acontece a cada momento. A aldeia global é
apenas a soma das obrigações que escravizam o homem a uma mesma
exterioridade da qual tentam se preservar, já que não podem domi-la.
Esta interdependência dos povos e o fato de que as ões lonnquas
tenham para nós repercussões incalculáveis são sufocantes. Quanto
mais a dia, o corcio, os intercâmbios aproximam os continentes e
as culturas, mais a pressão de todos sobre cada um se torna esmagadora;
sentimo-nos despossuídos de nós mesmos por uma sucessão de forças
sobre as quais não temos nenhuma inflncia. O planeta encolheu tanto
que tornou insignificante as distâncias que nos separavam de nossos
semelhantes. A rede vai se fechando, criando um sentimento de
claustrofobia e quase prisão. Exploes demográficas, migrações em
massa, catástrofes ecológicas, temos a impreso de que os seres
humanos escorregam continuamente uns sobre os outros. E o que é o
fim do comunismo senão a irruão, na cena internacional, do inúmero?
As tribos humanas são legião, e todas livres do julgo totalitário, aspiram
ao reconhecimento, mas ningm consegue lembrar seus nomes!
458
Como resposta a todo esse contexto, ele identifica uma doença social que
denomina de Tentação da Inocência”, uma doença do individualismo moderno que
teria se desenvolvido em duas direções: o infantilismo e a vitimização duas maneiras
distintas de fugir das dificuldades de ser. Caminhos de fuga que surgem para um homem
que faliu em suas próprias idéias.
456
A partir do romance de ficção científica de Richard Matheson,( L’homme qui trécit. Denoël,1971)
relata a história de um homem que por alguma anomalia ou desaventurança, começa paulatinamente a
diminuir de modo inexorável e constatar-se insignificante, surpreendido por sua pequenez.
457
Cf. Bruckner, Pascal A Tentação da Inocência. Op.cit. p.18.
458
Cf. Bruckner, Pascal A Tentação da Inocência. Op.cit. p.16.
No primeiro caso, temos a imagem do eterno imaturo, paródia da despreocupação
e ignorância da infância; na segunda, que interessa mais particularmente a esse estudo, a
incorporação paulatina por parte dos indiduos da figura do mártir autoproclamado.
O autor concebe o infantilismo como a combinão da busca de segurança com
uma avidez ilimitada, manifestando o desejo de ser sustentado sem ter de se sujeitar à
menor obrigação e, sobretudo, sem ter de renunciar a nada, nesse imenso caldo de
consumismo, divertimento e concessões do mundo moderno. Seria, também, o regresso
do homem aos renditos infantis de sua alma, especialmente a busca incessante pelo
prazer imediato.
Seguindo Bruckner, Geber
459
afirma que vivemos um uma época que não aceita a
dor como elemento normal do ser humano. Com isso a “dor passa a ser algum tipo de
indecência a ser suprida, imediatamente, com doses maciças de lazer. Sexo, drogas,
presentsmo, falta de preocupação com o futuro, seja lá como for, a frustrão passa.
Como vitimização, Bruckner define a tendência do cidao mimado do “paraíso
capitalista a se colocar nos moldes dos povos perseguidos, principalmente numa época
em que a crise sabota nossa confiança nos benefícios do sistema.
460
E o que é válido para a pessoa em particular é válido para as minorias,
para todos os pses do mundo. Durante séculos os homens lutaram pela
ampliação da iia de humanidade, para incluir na grande família das
ras, as etnias, as categorias perseguidas ou reduzidas à escravidão:
índios ,negros, judeus, mulheres, crianças, etc. Este acesso à dignidade
pelas populações desprezadas ou subjulgadas está longe de se concluir;
talvez não o seja jamais. Mas, paralelamente a esse intenso trabalho de
civilização, se a civilização é realmente a constituição progressiva da
escie humana em um todo, toma forma um processo baseado na
divisão e na fragmentação: grupos inteiros e a nações reivindicam
agora, em nome dos seus infortúnios, um tratamento especial. Não há
comparação, seja nas causas ou nos efeitos, entre as lamentações do
grande adulto pueril dos países ricos e a histeria miserabilista de certas
associações ( feministas ou machistas), e a estratégia assassina dos
estados ou dos grupos terroristas ( como a Sérvia ou os islamitas) que
agitam a auriflama do mártir para matar com toda a impunidade e saciar
459
Cf.Geber, Daniel. Direito Penal do Inimigo: Jackobs, nazismo e a velha estória de sempre.
http://www.//jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp. Último acesso 19/10/2005.
460
Cf.Bruckner, Pascal A Tentação da Inocência. Op.cit. p.21.
seu desejo de poder. No entanto, todos, cada qual em seu vel,
consideram-se vítimas que merecem indenização, excões marcadas
pelo miraculoso estigma do sofrimento.
461
É sobre esse processo de reconhecimento e vitimização, envolvendo ainda, os
conceitos de sofrimento, auto-estima, visibilidade, performance, que se desenvolve a
análise dos espectros midiáticos acerca da adoção da política de cotas e de cotas para
negros nas universidades brasileiras. Com essa última dimensão, pretende-se fechar o
ciclo proposto na perspectiva metodológica deste estudo, para, em seguida, pensar
estratégias ou mecanismos que possam trazer de novo a imagem de Narciso ao espelho.
Ou já não há mais espelhos?
3.6 Espectros na mídia
A terceira dimensão deste estudo trata da questão da exigência contemporânea da
implantação, para além das políticas de reparação, de políticas de reconhecimento.
Os quatro axiomas representativos dessa dimensão são: o reconhecimento é
oportunizar; o reconhecimento é identificar; o reconhecimento é diferenciar; o
reconhecimento é responsabilizar.
No primeiro axioma, o reconhecimento é oportunizar, os discursos selecionados
remetem tanto à necessidade de que se criem oportunidades iguais ou diferenciadas
de acesso ao ensino superior ou aos espaços anteriormente supostamente interditados às
minorias, quanto à permissão para que as mesmas possam se ver e ser vistas como
produtivas, com auto-estima e auto-imagem revelada. Tanto em opiniões favoráveis ou
desfavoráveis à adoção das cotas, fala-se tanto em talento, potencial, quanto em
performance. Estes são elementos marcantes que foram discutidos nesta dimensão de
análise. Apontam tanto para uma nova gestão das bases morais quanto para novas
461
Cf.Bruckner, Pascal A Tentação da Inoncia. Op.cit., p.18.
formas de intervenção pública. Expressam, sobretudo, o incremento de práticas de
visibilidade. A questão central do debate parece ser: como oportunizar a visibilidade?
As duas falas abaixo, a primeira, aparentemente contra” a adão da política de
cotas, e, a segunda, favovel, utilizam-se dos mesmos argumentos, relacionando
oportunidade, culpa, auto-estima e performance.
Vivemos numa sociedade em que a oportunidade é um dos alicerces
para alcaarmos os nossos objetivos. Oportunidade esta que, quase
sempre, não é batalhada, e sim ganha. O Brasil se acostumou a ser um
país onde as pessoas, muitas vezes, crescem em cima das outras, ou
seja, sobem por meio do fracasso do pximo. Isso, porém, nem sempre
é culpa deles próprios e sim daqueles a quem nos submetemos: os que
promovem e legalizam propostas alegando ser o melhor para a
população. Em certas ocasiões, talvez seja realmente, mas, em outras, é
justamente o contrário do que a populão necessita. (...) reservar 50%
das vagas para alunos de escolas públicas não melhora a condição de
ensino nessas instituições. Isso apenas prova que o próprio governo não
acredita no potencial dessas pessoas, eno cria algo para sustentar a
auto-estima” dos mesmos.
462
Decerto, as iniciativas de ações afirmativas destinadas a impulsionar o
ingresso de estudantes negros/as no ensino superior, que nada têm de
novo, visam a corrigir uma distoão histórica e a permitir que os
talentos e potencialidades possam, em igualdade de condições, ser
revelados com base na performance que negros e brancos apresentem
em sala de aula. Que o diga, a propósito, a ginasta Daiane dos Santos.
463
Percebe-se, nestas falas, que o que está em jogo, neste momento é oportunizar,
sem dúvida, mas essas oportunidades também m o caráter de promoção de auto-estima
e reconhecimento de talentos.
O desempenho ouo de cotistas ou não cotistas foi objeto de análise na
primeira dimensão deste estudo, mas agora volta com a potência reveladora do
reconhecimento e com a clara marca do ressentimento. Percebe-se, na fala abaixo, um
ressentimento generalizado e a necessidade extrema de se revelar como excepcional.
O ensino é comparado a um show cujo espetáculo é aberto para poucos.
462
Luciano Trigo. Jornal O Globo. A democracia racial infelizmente virou vi. Editoria: Prosa e Verso.
Entrevista Peter Fry. 20-06-2005.
463
Hélio Silva. Professor. Jornal O Globo. O racismo cordial. Temas em debate: Cotas raciais. 02-11-
2004.
Eu cheguei a Uerj pela cota para escola pública, trabalho e estudo e o
meu desempenho é excepcional, acima do da parcela ressentida que
morou em salas de cursinhos show que o ensinam nada além de
macetes.
464
No último 14 de dezembro, um grande jornal de São Paulo noticiava
que os negros aprovados na Universidade Estadual do Rio de Janeiro
apresentaram desempenho similar ou superior aos colegas brancos.
Temos pois que a experiência de ingresso diferenciado de estudantes
africanos (indiscutivelmente negros, ao que tudo indica) e o
desempenho dos negros brasileiros comprovam que o verdadeiro mérito
é aquele mensurável no desempenho dos alunos, no decorrer do curso, e
não na ante-sala das universidades.Fora deste contexto, qualquer outro
argumento nada mais faz do que ilustrar o grau de omiso avica, de
racismo cordial ou de improvisação intelectual de setores das elites.
465
A visibilidade é colocada em questão e clama pelo reconhecimento. Orgulha-se
de ser o que se é.
Impressiona-me o número de cartas contrárias às cotas nas
universidades. Como o tema incomoda! Experimentem observar a
propaganda veiculada na TV, nos outdoors, em revistas e constatarão
que negro não bebe cerveja ou refrigerante, não participa de campanhas
beneficentes, o usa sabonete. Será que vamos ter que criar cotas para
ver nossa diversidade estampada na dia?
466
Desavisada, a leitora. A obrigatoriedade de uma percentagem de negros na mídia
já existe. A ppria mídia e as ancias de consumo e propaganda já identificaram uma
parcela significativa de clientes entre as minorias. Existem hoje inúmeras propagandas
e espaços que vendem produtos espeficos para minorias espeficas. Virou mercado,
como tudo.
Já a fala do vereador abaixo denuncia, com ressentimento, sua invisibilidade e a
inferiorização e baixa auto-estima dos negros no Brasil. Ver e se visto, parece ser
mesmo a questão.
Eu cheguei em Chapadinha, era um festejo, tinha um leilão e eu estava
em pé, atrás de um deputado, no meio de muita gente. O cara que estava
gritando no leilão me conhecia e disse: ‘Agora, para gritar o leilão tem
um deputado e tem um vereador. O deputado olhou para trás, passou a
464
Fred Oliveira, RJ. Jornal O Globo. Cotas. Editoria Megazine. 01-02-2005.
465
Hélio Silva. Professor. Jornal O Globo. O racismo cordial. Temas em debate: Cotas raciais. 02-11-
2004.
466
Elizabeth Corrêas Nahas, RJ. Jornal O Globo. Ainda as cotas. Editoria. Opinião. 11-11-2004
vista por cima de mim assim, e nunca me enxergou. Porque era um
negro. Ele nem imaginava que eu era vereador, porque não parecia
mesmo vereador. Ainvisibilidade do negro, que necessita do branco,
talvez seja a forma mais recorrente com que se declara, em nosso país,
sua inferioridade.
467
A fala abaixo é interessante e importantíssima como síntese do que já foi
apresentado aqui. Remete tanto à questão da vitimização e da visibilidade quanto à
proporção do alcance do binômio ver e ser visto e a constituição de um entre-nós-
coletivo.
Aqui cabe um pantese. A discriminão, seja ela qual for, onde for, é
um mal social cujo elemento principal não é a autoperceão do
discriminado, mas sim a perceão que o coletivo, ou grupos
dominantes, tem dessa pessoa. Portanto, de um modo ideal, o que
deveria ser averiguado na auto-declaração não é a auto-imagem prima
facie do candidato, mas se ele concebe a si próprio como vítima de
discriminação, isto é, a percepção que ele tem da imagem que o coletivo
social tem dele.
468
O segundo axioma, o reconhecimento é identificar, se articula e dá continuidade
ao anterior tendo como central a questão da negritude e da auto-declaração. Reconhecer
porta a potência de tornar-se de fato o que se é - como anunciado nas bases teóricas
deste estudo. A auto-declaração é vista como uma conquista. Conquista para ser livre e
escolher quem se quer ser.
No âmbito da identificação, mais uma vez, tanto favoveis quanto desfavoráveis
questionam : afinal, quem é negro? O pardo é negro? Afinal quem sofre ou sofreu com a
discriminação? Entra em cena a questão do racismo ou do racismo cordial.
Inicialmente, uma série de discursos que apontam para a dificuldade de definir
quem é negro ou não no Brasil face à extensa miscigenação que caracteriza grande parte
da populão.
467
Verena Alberti. Jornal O Globo.O preconceito existe e pode matar. Editoria: Opinião.20-06-2005.
468
João Féres Junior. Professor do Iuperj. Um mal Social. Jornal O Globo. Editoria:Opinião. 20-04-2004
Está cada vez mais difícil saber quem é negro no Brasil. Pelo sistema de
cotas adotado nos vestibulares de rias universidades, negro pode ser
quem se declare assim, e ponto.
469
A definição de cotas para negros ainda carrega uma dificuldade prática
típica do Brasil. Salvo exceções, os brasileiros não se sentem
especialmente distinguidos pela identificação étnica. Como a pesquisa
getica comprova, não há raças branca, negra ou astica. Existem
apenas padrões comuns de hereditariedade humana. Como uma não
orgulhosamente formada por trinetas e trinetos de uma longa série de
casamentos mistos, pode determinar quem é de eventual minoria ou de
suposta maioria? Só se copiarmos o exemplo terrível dos Estados
Unidos onde, pelo insistente descumprimento do preceito básico da
igualdade, foram criadas regulões complicadas sobre o acesso ao
trabalho, à escola, à habitação, ao financiamento bancário, à freqüência
ao corcio e a tudo o mais que se imaginar. Os negros e os
hispânicos conseguiram acesso aos cargos públicos e às universidades,
mas a prosperidade de cada falia discriminada depende mais do
crescimento ecomico do que de uma política confusa.
470
É um outro Brasil que este estatuto quer fundar. O que os brasileiros
precisam decidir é se desejam este novo Brasil. Meu palpite é que se o
tema fosse posto em referendo, com campanhas esclarecedoras de
ambas as partes, o resultado mostraria que ainda sonhamos com o ideal
de uma não orgulhosa de sua miscigenação, em que raça e cor o
importam.
471
A auto-declaração é questionada mas também as dúvidas pessoais com sua cor
são trazidas à tona. A marcação identitária compulsória por meio das cotas se evidencia
e faz lembrar que a auto-declaração compulsória é a expressão clara de políticas de
regimes fascistas!
Do ponto de vista moral é difícil criticar a auto-declarão, pois parece
correto e democrático conferir às pessoas a autonomia sobre sua
identidade racial e/ou cultural. O problema com a auto-declaração,
contudo, é de ordem prática: o candidato pode mentir deliberadamente
acerca de sua identidade racial para obter vantagens que lhe seriam
negadas caso assim o o fizesse. O cririo visual é suspeito do ponto
de vista moral porque, ao contrio da auto-declarão, ele rouba do
candidato o direito à autodefinição. Por outro lado, no plano ptico,
469
Laura Capriglione. Jornal Folha de o Paulo. Definão de raça causa polêmica. Editoria: Cotidiano.
15-02-2005.
470
Sylvia Romana. Advogada de Direito Trabalhista. A injustiça do sistema de cotas. Jornal do
Corcio. Editoria: Direito & Justa. 05-02-2004
471
Ali Kamel. Jornal O Globo. Não ao estatuto racial. Editoria: Opino. 29-11-2005.
esse método coíbe a falsa identificação ao submeter o candidato a uma
escie de prova de senso comum sobre sua identidade racial.
472
Entre os estudantes que vão disputar os 20% das vagas destinadas a negros
está Renata Soares, de 18 anos. No começo do ano, no entanto, o sistema de
cotas não estava em seus planos. Como acontece com muita gente, Renata
tinha dúvidas em relação à sua cor.
Meu pai é negro, mas minha mãe é parda, então eu não sabia se era certo
concorrer às vagas das cotas — diz ela, que ficou com conceito C na
primeira fase da Uerj e quer fazer publicidade.
Renata decidiu disputar uma vaga das cotas três meses, quando
conversou com a sua professora de sociologia.
Ela disse que eu devia tentar, sim, pois no Brasil essa história de cor é
difícil de definir — lembra.
Ana Carolina Rocha, de 18 anos, passou por um dilema parecido com o de
Renata antes de decidir disputar uma vaga das cotas do vestibular da Uerj. A
estudante que tirou D na primeira fase do concurso e quer estudar artes
plásticas conta que o sabia se era negra e tinha medo de não poder
concorrer às vagas reservadas.
Não sabia como as pessoas faziam para classificar que cor temos diz
ela, que também está no terceiro ano e hoje se considera negra. Nas cotas
para negros das universidades estaduais, estão incluídos candidatos pretos e
pardos. Danillo de Souza ainda está no segundo ano, mas o dilema tenho-o-
direito-de-disputar-as-cotas-ou-não esteve entre as suas preocupações.
Durante um tempo, o estudante, de 16 anos, não sabia dizer se era negro ou
não. Hoje Danillo se autodefine moreno e é contra o sistema de cotas, que
considera racista.
473
Em seguida, selecionou-se falas que discutem ou questionam se o Brasil é ou não
um país racista ou disfarça seu racismo por meio do chamado racismo cordial ou mito da
democracia racial. Este foi um debate muito extenso, que mobilizou um longo período
de exposição na dia. A decisão da UnB em fotografar o candidato para definir sua
categorização racial acirrou a polêmica e deixou claro, ainda mais, as ambigüidades da
proposta.
É interessante notar que maioria das cartas sobre as cotas trata de
comba-las quando voltadas para a população afro-descendente nas
universidades. No entanto, no mesmo momento em que se discutem
cotas para os afro-descendentes fala-se também de cotas para indígenas.
Já existem legislações que tratam de cotas para deficientes físicos no
mercado de trabalho e para mulheres nas representações político-
472
João Féres Junior. Professor do Iuperj. Um mal Social. Jornal O Globo. Editoria:Opinião. 20-04-2004
473
Bruno Porto. Jornal O Globo. Qual é a minha cor? Editoria. Opinião. Megazine. 21-09-2004.
partidárias. O que me faz perguntar: existem, de fato, problemas com as
cotas ou com a cor das cotas? Quem tem medo da cor das cotas? Por
que incomodam tanto as cotas para negros e as outras não geram o
mesmo tipo de reação? Serão manifestações inconscientes do nosso tão
propalado racismo cordial?
474
Quem está perdendo a paciência somos s negros que estamos
reivindicando nossos direitos seculares. Dizer que quem está nas mesas
de negociação não tem legitimidade para falar pela 'raça negra' não é
uma piada.Parece mais um desatino de quem teme compartilhar poder e
riqueza e perder privilégios seculares. Dizer que não somos racistas.
Pode ser. Mas afirmo que o Brasil é discriminador em relação à raça/cor
e nero das pessoas (e também idade).
475
Muitos insistem que no Brasil o há preconceito de raça ou cor, e sim
preconceito social: é o fato de a maioria dos negros ser pobre que
explica o racismo. Proponho que avancemos um passo nessa refleo:
não importa a causa (admitamos que seja social), o fato é que ela
produz o preconceito contra o afro-descendente. Preconceito que não só
existe, como pode matar. De que morreu, em fevereiro do ano passado,
o dentista negro Fvio Sant’Anna, em São Paulo? Suspeito de assalto,
naquele momento ele o era invisível, mas uma amea ( Flávio foi
assassinado com dois tiros no peito por policiais que o confundiram
com um lado ).
476
A comiso de homologão da UnB leva a uma ruptura com um
acordo tácito que vem vigorando no Brasil, qual seja, do respeito à
auto-atribuição de raça no plano maior das relações sociais. A
valorização desse cririo, próprio das sociedades modernas e
imprescinvel em face da fluidez racial existente no Brasil, cai por
terra a partir da atuação de comissões como aquela da UnB. O respeito à
auto-atribuição racial tem sido um ponto defendido pelos movimentos
sociais desde longa data, inclusive por parte de lideranças do
movimento negro.
477
Se vo tem cinco minutos e faz parte dos que ainda acreditam que
somos uma nação orgulhosa da mestagem entre brancos, negros,
pardos, cafuzos, mamelucos, índios e amarelos, por favor, leia este
artigo. Uma parte da sociedade se esforça para substituir esse ideal de
nação pelo que chamam de “a verdade: seríamos uma nação bicolor,
apenas negros e brancos, onde os negros vivem mal porque os brancos
são racistas.
478
474
Marcio Alexandre M. Gualberto. Jornal O Globo.Cotas. Editoria:Opinião. 25-03-2004.
475
Isabel Cruz. JC- E Mail. Leitores comentam a política de cotas. 15-04-2004
476
Verena Alberti. Jornal O Globo.O preconceito existe e pode matar. Editoria: Opinião. 20-06-2005.
477
Ricardo Ventura e Marcos Chor. Jornal o Globo. Tema em debate: cota racial. Editoria: Opino. 06-
12-2004.
478
Ali Kamel. Jornalista. Racismo sem números. Jornal O Globo. Editoria: Opino. 20-04-2004.
E a afirmação da miscenação brasileira não como racismo cordial mas como uma
arma anti-racismo lembra a posição defendida pelo antropólogo Hermano Viana.
Sei que muitos pensam exatamente o contrio, tornando o consenso
quase impossível. A discussão vai continuar. Mas enquanto isso e a
exemplo do antrologo Hermano Vianna, que tamm tem suas
saudáveisvidas sobre o tema, espero pelo menos que, haja o que
houver, não se perca o que me parece ser uma conquista nossa: a
mestiçagem o como mito de democracia racial, mas como arma
anti-racismo. Nos EUA, branco é branco e preto é preto. Aqui, como se
sabe, a mulata é a tal.
479
A categoria “daltônico social” identifica tanto aquele que inverte agica da
cores declarando-se negro para se beneficiar das cotas quanto à fala do jogador da
seleção brasileira de futebol, ex-fenômeno Ronaldoque se identificou publicamente
como branco, ou do presidente Luiz Inácio Lula da Silva que declarou a possibilidade
cientifica de determinar a raça.
Na campanha, Lula foi indignado quanto à política de cotas. Para a
surpresa de muitos, declarou que haveria formas científicas para
determinar quem é negro, quem é branco, quem é pardo, quem é
amarelo. Para ele , a classificação o constituiria a dificuldade
maior.
480
Há os que poderão tergiversar essa delicada questão política insinuando
que estaríamos reeditando o argumento, próprio de ''daltônicos sociais'',
da impossibilidade de definir quem é negro no Brasil. O que es em
jogo é algo maior, ou seja, o grau de autoridade que queremos delegar a
terceiros para definir atributos que devem emanar dos próprios sujeitos.
A decisão da Universidade de Brasília (UnB) de estabelecer cotas
raciais para o vestibular divide os candidatos, até mesmo os possíveis
beneficiados pelo sistema. O sargento da Aeronáutica Adilson Faria,
por exemplo, declarou-se pardo ao se inscrever ontem, primeiro dia de
matrículas, para disputar uma vaga no curso de direito. Estou me
aproveitando do sistema, mas não sou um defensor. Não acho que tenha
um critério para decidir quem é ou não negro, então o acho que seja
um sistema justo afirmou. Acho que posso me beneficiar. Pode
ser mais fácil ser aprovado disse.
481
479
Jornal O Globo. Editoria. Opinião. Cotas de Incertezas. 14-07-2004
480
Ricardo Ventura dos Santos E Marcos Chor Maio. Jornal do Brasil. Cotas e Racismo no Brasil.
Editoria: Educação.Temas em Debate: Cotas Raciais.19-04-2004.
481
Lisandra Paraguassú.Cotas na UnB dividem até possíveis favorecidos. Jornal O Globo. Editoria:
País.13-04-2004.
A polêmica foi tão grande que várias revistas semanais e jornais deram destaque
a questão.
482
Ricardo Zanchet, 19 anos e nenhum tro que lembre a raça negra,
alegou que existem "mais de 200 tipos de negros" e inscreveu-se na
cota. Zanchet fez isso como um protesto debochado. Mas na inscrição
para o vestibular de 2003, na Universidade do Estado do Rio de Janeiro
(Uerj), a primeira do país a adotar cotas, vários estudantes brancos
prevaleceram-se do prinpio da auto-declaração para se beneficiar do
sistema. Na tentativa de evitar o mesmo problema, a UnB criou uma
482
Lucila Soares. Retrato em preto-e-branco. Cota para negros na Unb põe fogo na discussão sobre o
acesso ao ensino superior. Revista Veja. Editoria: Educão. 21-04-2004.
comissão que, com base em fotografias, dará a palavra final em casos
como o de Zanchet. Acabou criando uma espécie de tribunal de pureza
racial algo, no nimo, contraditório tanto do ponto de vista moral
quanto científico. É justamente a exincia da foto, no entanto, que
deverá barrar a inscrão de Ricardo Zanchet, de 19 anos, que tenta pela
terceira vez uma vaga em Química. Branco e sem tros de
afrodescendente, ele se inscreveu pelo sistema de cotas. E virou motivo
de piada em casa.Estou morrendo de rir. Agora chamo ele de
neo', diz a mãe, Vênus, de 38 anos, ainda surpresa com a atitude do
filho. Contrário às cotas raciais, Ricardo diz que seu objetivo é protestar
contra a reserva para negros de 20% das vagas, no vestibular de junho.
Ele critica a falta de critérios socioeconômicos.'Quem vai ocupar essas
vagas é a elite negra que estudou em escola particular, assim como eu',
afirma o jovem, que na inscrição declarou ter pele parda e se considerar
negro.
483
O número de cartas, artigos, entrevistas que abordam a questão da auto-
declaração foi extenso. As diferentes formas de evitar fraudes, como o retrato do
candidato a ser julgado por uma banca de especialistas, adotado pela Universidade
Nacional de Brasília ( UnB), receberam inúmeras cticas dentre as quais o perigo do
retorno de pressupostos eugênicos. Contradições éticas relacionados à auto-declaração,
protestos de negros criticando quem critica, de brancos se sentindo prejudicados. As
discussões sobre a cor das cotas recheou as páginas dos jornais.
A Universidade de Brasília (UnB) divulgou as regras de seu sistema de cotas
raciais. A tal comissão para chancelar que um dado vestibulando é preto ou
pardo (de modo a evitar fraudes) a partir de fotografias é um preocupante
namoro com práticas pretéritas e próprias ao que se fazia na época áurea do
determinismo racial e da eugenia. Alguns dariam a alcunha de “comitê de
certificação de pureza racial”. Centro de ponta em inúmeras áreas, a UnB
lança um edital que se apóia em idéias caducas, mofadas e anacrônicas.
Causa calafrios a proximidade geográfica com a Esplanada dos Ministérios,
o que pode servir de exemplo para outras instituições federais e não-federais.
Muitas décadas atrás, uma certa vertente de antropólogos físicos e médicos
almejava identificar, em definitivo, os critérios para classificar os chamados
“tipos raciais”. Depois de muito esforço, de muita película fotográfica (sim,
eram importantíssimas as fotos das pessoas nuas ou semidespidas, de frente,
de costas e de lado, em posição padrão) e de muita tinta, não se chegou lá.
484
483
Lucila Soares. Retrato em preto-e-branco. Cota para negros na Unb põe fogo na discussão sobre o
acesso ao ensino superior. Revista Veja. Editoria: Educão. 21-04-2004.
484
Ricardo Ventura dos Santos ( Professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro e da Fundação
Oswaldo Cruz) Uma grande fraude. Jornal O Globo. Editoria: Opinião. Temas em Debate: Cotas
Raciais.02-04-2004.
Os candidatos às cotas, além de se declararem negros (o que inclui pardos e
pretos), deverão se dirigir a um dos postos de inscrição da UnB para serem
fotografados contra um fundo bege (''para que a imagem não seja alterada'').
As fotos digitais serão encaminhadas para uma comissão incumbida de
homologar ou não a auto-classificação, que incluirá representantes de
movimentos sociais, especialistas no tema (??) e membros da equipe de
implantação das cotas. As imagens serão ampliadas e analisadas com base
no ''fenótipo, cor da pele e características gerais da raça negra''. Antecipando
dificuldades, declarou a relatora da Comissão, Dione Moura: ''Sabemos que
haverá casos de irmãos em que um terá a inscrição homologada e outro
não''.
485
Os procedimentos são mesmo de estarrecer, por várias razões. Destacamos
duas. Primeiro, é altamente questionável se a comissão dispõe de fato de
critérios claros e objetivos para identificar, em toda e qualquer situação,
como demanda um concurso público, quem é pardo ou preto. Quem conhece
um mínimo de história da ciência, sobretudo dos capítulos acerca das
perversas interfaces entre medicina e antropologia física na virada do século
XIX, sabe que critérios julgados científicos para a classificação de
indivíduos e grupos sociais na época eram eivados de preconceitos e fraudes.
Segundo, o processo é de uma arbitrariedade e de uma arrogância difíceis de
conceber. No caso de indeferimento, o veredicto é que o indivíduo não é o
que o candidato pensa e diz que é. O grau de violência é atroz. Lembremos
que a auto-classificação, em si e por si, é o critério empregado pelo IBGE e
por outras agências nacionais e internacionais.
486
A longa fala abaixo busca apontar as ambiidades que o procedimento de
definição do critério da raça pode vir a criar.
No edital que em explicita as regras do próximo vestibular, a
Universidade Nacional de Brasília adotou o sistema de cotas para
negros, mas com uma novidade: o estudante pardo tamm poderá se
beneficiar das cotas. Parecia que, finalmente, uma injustiça comava a
ser reparada. Maioria entre os pobres brasileiros, com um índice de
57%, os pardos estavam sendo postos à margem do processo pelas
universidades estaduais que adotaram o sistema. Todo esse contingente
se somava aos 19 milhões de brancos pobres, relegados à própria sorte
por um modelo que visa apenas a beneficiar os negros, ou pretos, como
prefiram (7% dos pobres do ps). Mas a novidade era apenas aparente e
se destinava apenas a fugir do problema exposto acima. O que proe a
UnB é um absurdo, do ponto de vista da lógica, da ética e das leis de
igualdade racial que, até aqui, regiam a nossa República. Porque o
edital diz o seguinte, no seu item 3.1: Para concorrer às vagas
reservadas por meio do sistema de cotas para negros, o candidato
deverá: ser de cor preta ou parda; declarar-se negro(a) e optar pelo
sistema de cotas para negros.” Ou seja, o aluno pardo terá de se olhar no
485
Ricardo Ventura Santos e Marcos Chor Maio. Jornal do Brail. Cotas e racismo no Brasil. Editoria:
Opinião. 05-04-2004
.
486
Idem.
espelho, constatar, mais uma vez desde que nasceu, que a cor da sua
pele não é negra (ou preta) nem branca, é parda.Feito isso, ao preencher
a ficha de inscrição, ele terá de assinalar a opção que mais bem
caracteriza a cor de sua pele: pardo. E, em seguida, se instado a
mentir, declarando-se negro. Esse procedimento não resiste à lógica,
porque, se o aluno é pardo, ele o pode ser negro. o resiste à ética,
porque obriga o aluno a mentir, declarando-se negro, quando na verdade
ele é pardo. E o resiste às leis de igualdade racial de nosso país,
porque ningm pode ser discriminado pela cor da pele. Isso é
racismo.Mas o edital vai am. Ele também fere as leis que impedem
toda possibilidade de submeter cidadãos a constrangimentos morais. E
não é outra coisa que acontecerá a milhares de alunos pardos que
venham a ser barrados no sistema de cotas. Porque ele se chamado de
mentiroso. O edital estabelece o seguinte, no item 3.2: No momento da
inscrição, o candidato se fotografado e deverá assinar declaração
específica relativa aos requisitos exigidos para concorrer pelo sistema
de cotas para negros. E o item 3.3 conclui: O pedido de inscrição e a
foto que será tirada no momento da inscrição serão analisados por uma
Comiso que decidirá pela homologação ou o da inscrão do
candidato pelo sistema de cotas para negros.Portanto, o candidato
pardo terá de se dizer obrigatoriamente negro e, depois, sua foto será
analisada por uma comissão que verificará que ele, não sendo negro,
mentiu, e, logo, não tem direito a participar das cotas. A inclusão de
pardos é apenas uma ilusão, uma maneira encontrada para fugir das
cticas. Porque está clara a intenção da UnB: só se beneficiarão das
cotas os negros pretos (um pleonasmo) ou os pardos negros (uma
impossibilidade ótica). E quem terá o poder para decidir quem é uma
coisa ou outra, num país de miscigenados como o nosso, é uma
comissão de umas poucas pessoas, únicas capazes de fazer tal
distinção.
487
O Estatuto da Igualdade Racial em trâmite no Congresso aborda as ações
afirmativas não somente para negros, como também para os índios. O
Estatuto do Índio, de 1973, ainda que conservador, estabelece que a
condição de ser índio repousa no auto-reconhecimento pelo indivíduo e por
sua comunidade. Veremos em breve o estabelecimento de comissões de
especialistas também para índios? Há algo de mais autoritário que uma
comissão como esta? É o que desejamos, submeter fotos (e porque não dizer,
os destinos) de candidatos das mais variadas matizes para uma comissão de
''notáveis''? Os fins justificam os meios? Os vestibulandos têm todos os
motivos para reivindicarem que a UnB tornem públicos os critérios
classificatórios. Assim, terão os elementos para impugnarem (ou não) o que
nos parece ser uma proposta para lá de equivocada.
488
Mas a UnB se defende:
A Unb es fazendo a parte que lhe cabe, mantendo-se fiel a sua história
de compromisso com a transformão do Brasil em um ps mais justo
487
Jornal O Globo. Editoria: Opinião. Unb: pardos se forem negros. 20-03-2004
488
Ricardo Ventura Santos e Marcos Chor Maio. Cotas e Racismo no Brasil. Jornal do Brasil. Editoria:
Opinião. 19-04-2004
para todos, sem abrir mão do rito acadêmico e da qualidade no
ensino.
489
O perigo da definição da raça é exemplificado por meio de histórias de nações
que já enfrentaram essa mesma situação.
O angolano Jo Eduardo Agualusa, também se mostrou cético com os
resultados das cotas como solução para uma vida social com os
descendentes de escravos, que ele julga que temos. Para exemplificar
seu ceticismo quanto à possibilidade de definir a raça de uma pessoa,
especialmente em sociedades miscigenadas, valeu-se de um exemplo da
África do Sul, onde as falias eram separadas de acordo com a ra de
seus componentes e o raro irmãos viviam distanciados, um
caracterizado como preto, e o outro como branco. Agualusa contou
também a hisria de um bôer sul-africano de origem holandesa
que, apanhado na cama com uma mulata, foi levado a julgamento pelo
que era considerado crime no regime do “apartheid”. Ele conseguiu não
ser julgado ao se declarar mulato no tribunal, colocando em risco a tese
de que havia apenas brancos e pretos na África do Sul. E Caetano
Veloso colocou uma pá de cal na discussão ao revelar que, na Nigéria,
Gilberto Gil é considerado yellow (amarelo), até mesmo com certo
desprezo.
490
No terceiro axioma, o reconhecimento é diferenciar, o ponto central é a
distinção. Iguais ou diferentes é a questão colocada. A categoria escala de brancura é
utilizada de maneira cínica. Num ps miscigenado como o Brasil a possibilidade de
que se cometam erros quando o critério de justiça é o da cor é enorme, vem à tona e
esquenta a discussão. Amaquiagem social, o desvio das verdadeiras causas que
levam a desigualdadeo denunciadas. Pesquisas antanicas, divulgadas num curto
espaço de tempo tentam diferenciar quem é mais pobre ou mais rico, quem é mais
branco ou mais preto.
Mas parece-nos que ainda não é desta vez que acertaremos. Mal
comparando, obter justiça social na entrada da universidade é como
tentar maquiar o Frankenstein. Batom, ruge e pó-de-arroz não
conseguirão reduzir sua feiúra.
491
489
Timothy Mulholland. Vice-Reitor da Universidade de Bralia. Igualdade de Oportunidade na UnB.
Jornal O Globo. Editoria: Opinião. 19-04-204.
490
Merval Pereira. A incluo perversa. 14-07-2004
491
Revista Veja. Cláudio de Moura e Castro. A maquiagem do monstro.Editoria: Ponto de Vista. 24-05-
2004.
As primeiras experiências com cotas raciais têm encontrado nessa
realidade um obstáculo intransponível: o de definir quem pode ser seu
beneficiário. Faço uma sugeso: por que não se adota a ''escala de
brancura'' proposta por uma marca de creme dental para a comprovação
da qualidade do produto? assim se pode expor o que se esconde
atrás das supostas ''boas inteões'' a maior medida segregacionista
jamais adotada no Brasil.
492
Nada tenho a declarar sobre as cotas para negros, pardos e afins, pois
neste país tão miscigenado poderemos distinguir a que ra
pertencemos? (...) E posso citar o fato de que os negros, pardos e afins
não desfrutam de menos capacidade intelectual do que os brancos; já foi
provado cientificamente que somos IGUAIS. Se não tinha nada a
declarar em relão às cotas de negros, pardos e afins, muito menos
sobre os deficientes sicos, pois a deficiência não os impede de
aprender. Posso até mesmo ilustrar com o exemplo de um professor de
matemática que tive na 8ª série: ele usava cadeira de rodas e conseguiu
o feito de me fazer entender a temida matéria. Desta forma vemos que
esta lei absurda só faz com que crea cada vez mais a discriminação
entre negros e brancos e a injustiça neste país.(...)
493
Em uma sala de aula, repleta de alunos, eso presentes brancos, negros,
índios, nordestinos, sulistas de olhos azuis, ricos, pobres, de olhos
puxados, bem vestidos, mal vestidos ...extremamente diferentes...
extremamente iguais. Diferentes porque cada um deles tem uma forma
diferente de encarar o curso, a vida ...porque foi submetido a
experncias diversas em ambientes também diversos.Iguais porque
cada um deles é considerado pelo professor e pela administração da
universidade como apenas mais um aluno e, quando estiver graduado, a
sociedade vai considerá-lo apenas como mais um profissional - um
dico, um dentista, um veterinário, um professor, sem saber ou
considerar as dificuldades que enfrentou até se formar (e depois, para
conseguir um trabalho!)
494
O estabelecimento de cotas para negros nas universidades blicas tem
um aspecto extremamente positivo, que é a ampliação do debate sobre a
questão racial na nossa sociedade. Nessa discussão vêm surgindo
elementos que demonstram o quanto é dicil derrubar o mito de que
somos uma democracia racial. Vários dos argumentos contrários às
ações afirmativas as classificam como inconstitucionais ou
antidemocticas porque estariam contrariando o prinpio sico da
igualdade. Sob essa ótica, caberia exigir que o Imposto de Renda fosse
igual para todos. Da mesma forma, poderíamos dizer que certas
políticas sociais são antidemocráticas porque atendem a determinados
grupos sociais; então, programas como o Bolsa-Escola e o seguro-
desemprego também deveriam ser universais. Ocorre que poticas
como essas decorrem do fato de que um Estado verdadeiramente
492
Antonio Correa da Silva. Juiz Federal. Jornal do Brasil. As cotas e o creme dental. Editoria: Educação.
Outras Opines. 18-09-2004.
493
Karenina M. do Nascimento, 17 anos, RJ. Jornal O Globo. Editoria: Opino. 20-04-2004
494
Danielle Azevedo. JC e-mail. O sistema de cotas: a realidade da diferença ou a diferença da
realidade. 29-09-2004.
democtico não pode se eximir da obrigão de defender, com ões
específicas, os grupos sociais aos quais o próprio funcionamento da
sociedade imponha limites ao exercício pleno da cidadania.
495
O MEC cancelou o ato de divulgão da pesquisa que fornece
argumentos a quem é contra a política de cotas no ensino superior, uma
das principais bandeiras do governo Lula na área de educação Na
pesquisa, a maioria dos universitários se declarou branca (59,4%).
Outros 28,3% disseram ser pardos e 5,9%, negros. Os dados disponíveis
na Pesquisa Nacional por Amostra de Domilio (PNAD) de 2003
mostram que tanto para negros como para brancos os percentuais são
semelhantes aos declarados pela população em geral. Segundo a PNAD,
51,1% dos brasileiros se declaram brancos e 5,9%, negros.
discrepância, porém, em relação aos pardos registrados pela PNAD,
41,4%, o que poderia, na avaliação do MEC, justificar a política de
cotas.A pesquisa que o MEC cancelou a divulgação mostrou ainda que
65% dos estudantes são de falias com renda dia mensal entre R$
207 e R$ 1.600, sendo que 42,8% têm renda familiar de a R$ 927.
Pelo menos 46,2% dos estudantes entrevistados chegaram à
Universidade depois de estudar o ensino dio na rede pública. Ao
contrário do que muitos acreditam, a maior parte dos estudantes das
Universidades públicas federais é da classe C, D e E concluiu a
professora Tèrese Hofmann, uma das coordenadoras do estudo.
496
Já a pesquisa organizada por entidades ligadas ao ensino superior com
apoio do MEC e que teve sua divulgão cancelada anteontem apontava
a presença de 52% de brancos nas universidades, o mesmo percentual
registrado pelo IBGE na população em geral. A mesma pesquisa
indicava que 5,9% de negros e 28% pardos. A pesquisa de Iorio
mostra que a semelhaa entre os dois grupos é constante e que as
difereas nuricas o estatisticamente despreveis. 72% dos
brancos, 73% dos pretos e 69% dos pardos sabem ler e escrever. A
dia de anos de estudo, para os brancos, pretos e pardos é de 5 anos.
28% dos brancos, 28% dos pretos e 29% dos pardos têm entre quatro e
sete anos de estudo. 9% dos brancos, 9% dos negros e 7% dos pardos
estudaram entre 11 e 14 anos. Praticamente nenhum branco, preto ou
pardo estudou mais de 15 anos. O ensino fundamental foi o curso mais
elevado que 55% dos brancos, 56% dos pretos e 62% dos pardos
freqüentaram. Já para 22% dos brancos, 22% dos pretos e 19% dos
pardos, o curso mais elevado que já freqüentaram foi o ensino médio. O
número de brancos, pretos e pardos que concluíram o ensino superior é
desprevel.
497
Esta pesquisa não deixa dúvidas de que não é a cor da pele que impede
as pessoas de chegar à universidade, mas a péssima qualidade das
escolas que os pobres brasileiros, sejam brancos, pretos ou pardos,
podem freqüentar. Se o impedimento o é a cor da pele, cotas raciais
não fazem sentido. Mas tampouco fazem sentido cotas sociais, porque
não é a condição de pobre que impede os cidadãos de entrar na
495
Azuete Fogaça. Professora da Universidade Federal de Juiz de Fora. O direito à igualdade. Jornal O
Globo. Editoria:Opinião. Temas em debate: Cotas Raciais. 02-04-2004.
496
JC e-mail (on line). MEC cancela documentos sobre cotas.. 15-03-2005.
497
Jornal O Globo. Pesquisas aumentam polêmica sobre cotas. Editoria: O País. 16-03-2005.
universidade, mas o péssimo ensino público brasileiro. A única solão
é o investimento maciço em educação, e jamais soluções mágicas como
cotas. Onde quer que sejam adotadas, as cotas não beneficiam os mais
necessitados, mas apenas os mais afortunados entre os necessitados.
Elas agravam os conflitos onde eles existem, em vez de aten-los, e
fazem surgir disputas mortais entre os potencialmente favorecidos e os
não-favorecidos, grupos que antes conviviam harmoniosamente.
498
O quarto axioma, o reconhecimento é responsabilizar, remete a um contexto em
que o Estado, a sociedade, cada um é chamado a responsabilizar-se. De um lado a
constatação da falta de responsabilidade, de outro a responsabilidade de implementar
políticas afirmativas. De uma forma ou de outra, a culpa é transferida para a
responsabilização. A responsabilização, exacerbada ou não, de atos ou discursos
considerados racistas também emerge com foa no debate.
Creio que duas constatações são importantes para a verificação da
existência de um passivo do Estado em relação aos afrodescendentes em
nosso país: primeiro, que só temos 2% da comunidade afrodescendente
na universidade, quando ela é 45% da sociedade brasileira; segundo, a
''cor da pele'', face aos preconceitos, somou-se às condições de pobreza
como fator real de exclusão. As condões atuais de pobreza dos
afrodescendentes foram fortemente informadas pela barrie
socioeconômica do escravismo, criando assim ''mais um'' impedimento
para que estes formassem ''capital familiar'', condição indispenvel
para a melhoria das condições de desenvolvimento e ''competição'', no
interior da modernização capitalista. A política de cotas, portanto, opõe-
se à ''naturalização'' destas condões, mas obviamente não as termina,
logo, o é uma solução, mas só um avanço. Este avanço, porém, deve
estar centrado no interior de um outro processo, este, sim, decisivo:
incluo pelo trabalho, pela distribuição de renda, pela redução das
desigualdades em relação a todo grupo social excluído, brancos e
afrodescendentes.
499
A polêmica levantada por supostos atos racistas tomou as página dos jornais.
O professor de física Adriano Manoel dos Santos, 31, virou réu na
Justiça de Mato Grosso do Sul acusado de ser racista com o estudante
de biologia Carlos Lopes dos Santos, 35, que entrou neste ano na Uems
(Universidade do Estado de Mato Grosso) na cota para negros. Lopes
afirma que o professor contava piadas sobre negros na sala de aula. De
acordo com o relato dele, no dia 23 de junho passado, Santos teria dito:
"Tratava-se de um homem que, cansado após um dia de trabalho,
498
Ali Kamel. Jornal O Globo. Aos Congressistas, uma carta sobre as cotas. Editoria: Opinião. 16-11-
2004.
499
Jornal do Brasil. Tarso Genro. Ministro da Educação. Cotas, Direito e Democracia. Editoria: Outras
Opiniões. 22-03-2004.
entrava no ônibus e torcia para que quem sentasse ao seu lado fosse
uma loira, mas para seu azar era um neo que se sentaria".Lopes
registrou queixa contra Santos na Pocia Civil. O inqrito foi enviado
ao Ministério Público, que denunciou o professor com base na lei
7.716/89, a qual define crimes de "preconceito de raça ou de cor". O
artigo 20 da lei em que Santos pode ser enquadrado prevê pena de um a
ts anos de prisão mais multa. No dia 12 de novembro passado, o juiz
César Castilho Marques, de Ivinhema (321 km de Campo Grande),
aceitou a denúncia.O estudante disse que o professor também usava
expressões como "um sujeito com muita melanina [proteína de cor preta
encontrada na pele]" e "pretinho básico", além de afirmar que uma
universidade deve "nivelar por cima, e não por baixo" -no que seria uma
referência à entrada de negros na universidade. No fim de novembro,
houve novo desentendimento entre os dois. Santos disse que chamou a
PM porque Lopes estava atrapalhando a aula e ofendendo sua mulher. O
caso virou processo no Juizado Especial. Lopes prefere não comentar o
assunto.O advogado dio Silva Jr., especialista em legislação de
combate ao racismo no país e que atua como assistente de acusação na
ação contra o professor, disse que esse é o primeiro caso expcito no
Brasil envolvendo estudantes beneficiados pelo sistema de cotas.
Segundo Silva Jr., as cotas tendem a tornar "expcito" o racismo porque
obrigam o contato entre negros e brancos. "A cota não gera racismo,
somente aflora o que tem dentro da pessoa. Enquanto o negro estiver
correndo da polícia, no boteco bebendo pinga ou fazendo batuque, ele
está no lugar onde as pessoas querem que ele fique", diz Lopes.
Na sexta-feira, Santos negou à Folha que seja racista ou tenha contado
piadas do gênero. "O que me deixa angustiado é que, nas minhas rzes,
o meu avô era negro e minha avó, por parte de pai, era índia", afirmou
Santos. "Eu nunca tive nada contra as cotas. Sou a favor de tudo o que
diminua as difereas sociais", disse."Brincava [na sala de aula], mas
nunca mencionei nada de conteúdo racista", acrescentou. Segundo ele,
uma sindicância aberta pela Uems para apurar o caso foi arquivada e
julgada improcedente.De acordo com Santos, cinco alunos, sorteados
para prestar depoimento na pocia, negaram que ele seja racista.
"s já esperávamos que surgissem processos na questão de racismo. A
entrada de negros e índios na universidade fez com que essa coisa
aflorasse", afirmou a pró-reitora de ensino da Uems, Maria José Jesus
Alves Cordeiro, sobre a acusação feita pelo estudante. A pró-reitora
disse que o assunto está na Justiça e, portanto, diz ela, fora da
universidade.
500
Toda manifestação genuinamente racista que exista hoje em nosso ps,
certos carecas e certas madames inclusos, pode ser reduzida, sem
exceção, ao contrabando de idéias que já inspiraram a estupidez de
inconveis grupos estrangeiros e estranhos. Nada que se reporte ao
genuíno esrito nacional. Para essa escie de distúrbio moral, existe a
lei penal e sua responsabilização individual. Além, por óbvio, dos
inconveis exemplos de sucesso meritório, independente da ra, que
todos os dias jogam na vala do riculo as pseudoteorias da
discriminação.
500
Hudson Correa. Jornal Folha de o Paulo. Universirio acusa professor de racismo.Editoria:
Cotidiano. 13-12-2004.
A responsabilização do Estado aparece junto com a idéia de sanar injustiças e a
idéia do reconhecimento via definição de raça é visto como um pesadelo! As
contradições ficam expressas quando se fala em igualdade perante a lei, e revela que o
tempo de agora é um tempo da ação. Os injustiçados tomam para si a
responsabilidade de lutar e gerir seu próprio futuro. O futuro se faz presente com as
cotas, com as possibilidades que delas advém.
O Brasilo é um país sem políticas sociais. Pelo contrio, nós as
temos em abunncia. O problema é que elas tendem a ajudar os que
menos precisam. Sendo assim, devemos festejar um novo intento de
aliviar as injustiças da nossa sociedade. O MEC pretende reservar 50%
das vagas de suas universidades para os alunos de escolas públicas,
sabidamente mais pobres que os das particulares. Quando nada,
evitamos os pesadelos de implementar cotas raciais.
501
Todas as Constituições republicanas brasileiras afirmarem a igualdade
perante a lei e a igualdade de direitos, os negros nunca foram
reconhecidos como iguais, e recusa-se o entendimento das ações
afirmativas exatamente como uma forma de fazer valer aquilo que tem
sido apenas objeto de retórica. A sociedade brasileira se acostumou a
conviver com uma democracia capenga, na qual os negros sempre foram
discriminados mas, de certa forma, mantiveram-se no seu lugar”,
aceitando com alguma passividade a discriminão. O problema agora
está no fato de que as mucamas e os moleques de recados abandonaram
a cabana do Pai Tos e, articulados politicamente, resolveram exigir
seus direitos de cidadão. E aí, parte da sociedade se opõe às ações
afirmativas e se auto-rotula defensora de princípios democráticos
quando, na verdade, nunca exigiu que eles fossem de fato estendidos
aos negros.
502
Em meio a tantos discursos, favoráveis ou desfavoveis às cotas, um chamou a
ateão como possibilidade de desfecho deste conjunto de dimensões que foram aqui
apresentadas. O céu é o limite para as cotas! - diz o destaque do Jornal o Dia,
informando acerca do Encontro Nacional para a Igualdade Racial.
503
Se o céu é o limite, qual a temporalidade que revela esses discursos?
501
Revista Veja. Cudio de Moura Castro. A maquiagem do monstro. 24-05-2004.
502
Azuete Fogaça. A culpa é dos negros e dos pobres. Jornal O Globo. Editoria. Opinião. 30-06-2004.
503
Jornal O dia. Mais cotas para negros. Editoria: Geral. 13-04-2005.
Tempo e justa se fundem num só discurso e anunciam o que está por vir na última
dimensão deste estudo.
IV- QUARTA DIMENSÃO Poticas do ser ou...como o mundo verdadeiro
acabou por se tornar fábula.
504
Neste estudo, ao longo das dimenes até aqui trabalhadas, à medida que se
adensaram os discursos, debates e sentimentos, vários elementos constitutivos de um
cenário paradoxal se tornaram cada vez mais claros, indicando, talvez, não haver saída
para a crise na qual se encontra o homem contemporâneo.
As três dimensões apresentadas, potica da justiça, política da piedade e potica
do reconhecimento, embora sempre parciais, seriam suficientes para apontar o leque de
contradições, impasses e incertezas que constituem o enredo que o homem construiu
para si.
No curso pelo qual caminhou este estudo, no recorte feito para a análise do objeto
eleito a política de cotas no bojo das ões afirmativas –, traços e retratos do mal-
estar da civilização foram se evidenciando. Prós ou contras, o desconforto é geral.
Qualquer tomada de decisão leva à ambiidades, incertezas e as soluções”, estas, são
aparentes, provisórias. A reforma esperada precisa vir da base, dizem alguns. Estar-se-ia
tampando o sol com a peneira.
Os discursos selecionados para compor a alise de cada dimensão, poderiam
estar em todas as situões, em dimensões diferentes, primeiro pelo próprio cater
hermenêutico que a análise discursiva traz, mas fundamentalmente pelo fato de que o
eixo que os rne é um só. Os discursos sobre as cotas e toda a polêmica que as rodeia
são, de fato, como espectros variantes de um mesmo tema. Justiça e tempo. O homem
percebe a impossibilidade de continuar a produzir e reproduzir uma sociedade tão
excludente e urge por mudanças. Mas os caminhos parecem ser apenas atalhos posto que
esbarram em becos e ruas sem saída. A percepção de que culpa e sofrimento estão na
504
Cf. Nietzsche, F. Crepúsculo dos Ídolos ( ou como filosofar com o martelo).Op.cit.
base de uma estrutura ascética e passam a ser objetos de consumo, alívio aparente e
provisório, não é enfrentada como questão, na grande maioria das análises e propostas
que tentam, sem solução, minimizar os efeitos das ações dos homens sobre si mesmos e
sobre o mundo que os rodeia.
Favoráveis ou desfavoveis, os discursos aqui selecionados parecem indicar um
limite ao próprio sistema. Limite este marcado pela temporalidade que emoldura toda
essa nova engrenagem e faz com que a mesma se apresente como que num filme de
ação. Mudam as cenas, os cenários. Qualquer que seja o palco, está a audiência.
Mudam as falas, as posições, lá está a audiência.
Esta última dimeno de estudo, políticas do ser, apresenta conceitos que
orientaram de forma subjacente as questões aqui colocadas. Constitram-se em outras
formas de presença.
Sobretudo as noções de presentificação e de Último-homem atravessaram esta
reflexão e se apresentaram nas análises e sínteses aqui descritas.
Cabe, no entanto um detalhamento desses conceitos de modo a fazer valer a
articulação proposta como possibilidade de pensar as questões e paradoxos hoje postos
ao homem contemporâneo a partir destes conceitos.
Por último, a noção do esquecimento do ser” tem por objetivo apresentar, de
um lado, uma possível origem para os paradoxos apresentados neste estudo, posto que é
na luta potica que se expressam os limites da atuação humana e seus mais sórdidos
artifícios, e por outro, tecer linhas que conduzam a novos percursos do ser como uma
instância possível de ser resgatada.
Vale observar, ainda, que o recurso de se utilizar desta dimensão de estudo
responde a uma perspectiva metodológica colocada desde o inicio deste estudo.
A busca de elementos externos, de Dis-cursos emancipadores, parece ser
importante para que se possa deslumbrar outros horizontes, distintos daqueles
constitdos pelos discursos expressos no calor da discussão sobre a adoção, ou o, da
política de cotas, sua eficácia, ou não, como instrumento de transformação social.
O Dis- curso sobre o Ser, em sua instância temporal que alude urncia, indícios
de um limite nunca antes vivenciado, a possibilidade do fim de um modelo de homem,
de humanidade e a busca de supostas falhas na condução da trilha seguida por esta
civilização são trazidas, sinteticamente, ao debate.
É desta forma e com este objetivo que presentificação, Último-homem
esquecimento do ser” são trazidos a cena que não quer negar o trágico, mas que ainda
aposta na unicidade como experiência posvel de transformação ou resgate.
4.1- Presentificação ou o futuro dura muito tempo
505
Sua piscina está cheia de ratos, suas idéias não correspondem aos fatos. O tempo não para.
Cazuza
506
O mundo gira à volta dos inventores de novos valores: - ele gira invisivelmente.
F. Nietzsche
507
Nesta última dimensão cabe destacar, como pano de fundo desse conflituoso
contexto de investigação, o conceito de presentificação, em que as novas experiências
do tempo na contemporaneidade apontam para a quebra do estatuto do futuro como
destinação, ou seja, como algo ainda a ser consumido pela natureza e produzido pela
cultura.
508
505
Cf. Althusser, L. O Futuro dura muito tempo. 1ª reimpressão. o Paulo. Companhia das Letras.
506
Cf. Cazuza. O tempo não para. RGA Records, 1981.
507
Cf. Nietzsche. F. Assim falou Zaratustra. Op.cit. p.71.
508
Sobre este modo de pensar o presente e o futuro gerado pelas novas tecnologias, cf.Vaz, 1997,
2002,2003.
A título de uma pequena síntese, entra em cena a imagem do tempo que
transcorre no senso comum.
509
Um fluxo para o futuro, sempre num mesmo ritmo, sem
interruões e, sobretudo, sem volta. O movimento de um presente que leva o real do
passado para o futuro.
Hoje sabe-se que essa noção é uma criação da civilização e não possui relação
direta com as experiências de tempo retiradas da natureza. Ou seja, a imagem do tempo
é uma imagem projetada. O que se possuí, de fato, além do espo, são os ritmos que
fundamentam e cumprem a tarefa de mediar temporalidades. Todos os organismos vivos
acabam funcionando como marcadores temporais que, agindo de forma aparentemente
conjunta, fazem surgir, como uma síntese, objetos estáveis. Daí a possibilidade da
biologia apreender o mundo como possuindo estabilidade e continuidade.
510
Sabe-se desde as primeiras intuições de Demócrito e Epicuro, passando pela
física de Newton e chegando à Einstein com a teoria da relatividade, que a idéia de um
tempo fixo desaparece. Todavia, inscrito ainda num paradigma representacionista, o
século XX, quase em sua totalidade, marginalizou abordagens que questionavam a noção
de determinação temporal. Hoje, esse pensamento em crise, reabre a possibilidade de
repensar essas noções.
509
Pode-se dizer que existem hierarquias nos tipos de tempos. O tempo cronal, exposto acima, está no
seu topo e é o que vigora em nosso cotidiano. O tempo de vida (contido no tempo cronal) é o tempo do
funcionamento do ser vivo e é encarado como um sistema termodinâmico, como um sistema energético,
de trocas com o meio. É constituído de três dimensões passado, presente, futuro sendo que aqui, o
presente é imóvel, não se desloca. Já o tempo da termodinâmica é um tempo de pura orientação.
Distingue passado e futuro, mas elimina o presente na medida em que o que importa é o antes e o depois
produzido ou afetado por um processo. No tempo da mecânica, não há distião entre o antes e o depois
o passado e futuro se confundem pois o que interessa é a variação. A orientação é irrelevante. No
tempo da relatividade ocorre a abolição da distinção entre o espaço e o tempo do tempo cronal. O que
existe é um terririo de quatro dimensões em que três definem o espaço (o aqui) um o tempo (o
agora). É importante observar que essa repartição do tempo é particular, ou seja, depende da posição do
observador. Por último, temos o tempo da física qntica que não requer a figura do tempo e não envolve
a distinção de um antes e um depois. É baseado no elemento mais básico da natureza uma partícula em
movimento. O tempo qntico é algo que fará sentido depois o que é um não-tempo pois toda a
observação quântica envolve instabilidade e incerteza. Oliveira, L. A. Imagens do Tempo IN: Doctors,
M. (Org) Tempo dos Tempos. Rio de Janeiro: Zahar, 2003.
510
Ibidem.
Vaz afirma que a crise o pensamento moderno, que teve seu início com o
questionamento da utopia, abriu duas estratégias opostas:
ou bem se construir um conceito de verdade desvinculado de uma
filosofia da consciência, ou repensar a relação que o sujeito pode
estabelecer com o tempo. Nesta perspectiva, o processo de globalização
intensificado nas últimas décadas não seria identificado, apenas, em
análises acerca do ritmo acelerado do capital financeiro ou sobre o jogo
entre identidades locais e globais. É preciso também, ater-se à nova
experncia de tempo onde o possível” é gerado pela tecnologia e
possui uma força intrínseca de realização, num dinamismo acelerado.
511
Para o autor pensar o indivíduo no tempo pode ser percebido como uma forma de
pensar o poder daão humana. Tradicionalmente, aão era pensada por meio da
distinção entre alvo e obstáculo e era decisivo mostrar que a ultrapassagem do obstáculo
es nas mãos de cada um.
512
Que está ocorrendo, a partir da percepção de uma nova experncia de
tempo, é uma mudança profunda no modo como a ação é concebida.
Não mais um limite no presente e um alvo no futuro. O limite hoje
de uma dada ão é a sua conseqüência. É essa expectativa que pode
funcionar como limite do presente. (...) O futuro depende daquilo que o
presente espera que o futuro seja, na medida em que é essa expectativa
que pode funcionar como limite no presente.
513
Ou seja, a modernidade caracterizava o presente como emergência de um possível
e sua singularidade era apreendida na distancia com um passado recente
514
. O passado
tinha função explicativa. Agora, nossas ões passam a depender de nossas expectativas
que são conformadas pelas informações que dispomos.
Hoje, ao contrário do passado, quando o futuro parecia um horizonte
aberto, tem-se a impreso de um futuro bloqueado, ocupado por
ameaças. Por outro lado, por meio de simulações têm-se a possibilidade
cada vez maior de ocupar o presente com coisas passadas e de fazer
projões muito próximas do futuro Isso faz mudar radicalmente o
presente. Ele deixa de ser um mero momento transitório. Passa ser um
presente com muitas simultaneidades. A experiência do tempo se
presentifica e se desdobra de forma indiferenciada.
515
511
Cf. Vaz, Paulo.Tempo e Tecnologia In: Doctors, M. (Org). Tempo dos Tempos. Rio de Janeiro: Zahar,
2003.pp. 34.
512
Ibidem, p.34.
513
Ibidem.
514
Ibidem.
515
Ibidem.
Koselleck ao questionar as condições de possibilidade dos homens se pensarem
historicamente vai defender a noção de que esse entendimento vai depender do modo
como passado e futuro são incorporados ao presente e que uma mudança nas bases desse
entendimento poderia alterar o estatuto da historicidade, do conhecimento e o estatuto
do “sujeito cognoscente. Defende que o que presenciamos na contemporaneidade é uma
história em torno do presente no qual o tempo não pode ser mais incluído.
516
Como alternativa à crise do modelo de tempo histórico, o autor propõe considerar
a assimetria entre o passado como experiência e o futuro como horizonte de expectativa,
tomando por pressuposto que a experiência, usualmente identificada como memória da
ação ou simplesmente a própria ação, possa ser compreendida como completa. Já o
futuro enquanto expectativa não pode mais ser projetado como utopia, como parte de um
futuro que almejamos e sim experimentado em sua totalidade, aquilo que Foucault
denominou como pura espera”,
517
um futuro aberto à navegação. O presente deixaria
de ser instantâneo, uma mera passagem de um tempo passado para um tempo futuro,
pois se presentificaria em simultaneidades, espalhado em séries temporais.
Algumas estruturas comam a dar sinal de falência e abrem espaço para novas
configurações. Desta forma parece estarmos vivendo um momento em que:
a crise do sentido se completa, além da perda da utopia,o futuro abre-se
também como catástrofe e os seres humanos são cada vez mais
obrigados a se pensarem na continuidade com os outros seres vivos.(...)
Este acirramento, por sua vez, torna cada vez menos sustentável a
articulação da ética e da diferença.
518
Ou seja, perdemos aí o risco do aleatório, a possibilidade concreta do exercício
da alteridade e promovemos uma homogeneização do outro e sua transformação em
mesmo igual só que agora padronizado em sua suposta afirmação de identidade
516
Cf.Koselleck,J. Le futur passé. Paris: Gallinard, 1990
517
Cf. Foucault, M. As palavras e as Coisas.São Paulo: Martins Fontes,1992.
518
Cf. Vaz. P.
Globalização e experiência do tempo. IN: Menezes, P. (Org), Signos Plurais. o Paulo:
Experimento,1997.
diferenciada, de reconhecimento. Estes elementos podem ser identificados nas
dimensões de estudo anteriormente apresentadas aqui.
Baudrillard, no seu ensaio O Melodrama da Diferença
, em sua crítica ácida
acerca das estruturas mentais e sociais do homem contemporâneo, indaga: “(...) mas
onde está a alteridade?
519
Nos últimos culos, todas as formas de alteridade violenta foram
inscritas, por bem ou por mal, no discurso da diferea, que implica
simultaneamente a incluo e a exclusão, o reconhecimento e a
discriminação. A infância, a loucura, a morte, as sociedades selvagens,
tudo isso foi integrado, assumido, absorvido no concerto universal.
520
Uma outra análise interessante, parte das reflexões do historiador Mozart
Linhares. Tomando por base as reflexões de Paul Virilio o autor busca uma articulação
da aceleração do tempo, denominada por ele como presentsmo, velocidade e memória.
Segundo o autor, o presenteísmo implica numa nova construção da idéia de
memória social trazendo questões importantes à questão da alteridade, em que se a
crise da modernidade evoca a discussão da idéia de devir, é preciso considerar que desta
crise do tempo, enquanto projeto, subjaz uma nova apreeno das relações
identitárias.
521
Diz o autor:
Questões como identidade, tolerância, hibridismo, multiculturalismo,
alteridade, complexidade, heterogeneidade, entre outras, figuram como
temas constantes nos debates atuais acerca da crise da modernidade e do
femeno da globalização. Na verdade, estes termos colocam em xeque
alguns aspectos profundamente arraigados a desestruturação da
modernidade como uma forma de civilizão calcada no saber laico,
numa concepção de tempo progressivo e linear, racionalista e
antropocêntrica e, sobretudo, homogeneizadora.
522
519
Cf. Baudrillard,J. A transparência do mal. 7ª ed. São Paulo: Papirus, 2003.
520
Ibidem,p.131.
521
Cf. Silva, Mozart. L. Educação Intercultural e pós-modernidade. Revista Mal-Estar e Subjetividade.
Fortaleza/v.III/n.1/p.151-163/mar.2003
522
Cf. Silva, Mozart. L. Educação Intercultural e s-modernidade.Op.cit,p153.
É nesse sentido que o autor chama a atenção para o fato de que “se os valores
funcionam como dispositivos que orientam o indivíduo em sociedade, eles dependem de
uma dinâmica do homem em relação ao tempo.”
523
Assim, no bojo do processo de presentificação vivenciado na contemporaneidade,
instituiu-se um culto hedonista- utilitarista em que o que está em jogo é o benefício
imediato.
Nesta mesma perspectiva Lipovetsky
524
revela traços de uma ética de benefícios
imediatos, de resultados de curto prazo, própria da temporalidade expressa na potica de
cotas, posto que se proclamam provisórias e urgentes, ao mesmo tempo. Não há mais
tempo de esperar soluções a longo prazo dizem seu defensores. Esta seria uma
caracterização descrita por Lipovetsky em que o investimento de médio e longo prazo
é substituído pela especulação.
525
É esta mesma lógica que expressa o filósofo Pascal Bruckner, cujo pensamento já
consubstanciou outras passagens deste estudo, em que o curto-circuito no tempo
provocado pela sociedade da antecipão, como a sociedade do crédito, permitiu fazer
desaparecer o intervalo entre o desejo e sua satisfação.
526
O filósofo indica, ainda, que
o processo de infantilização que caracterizaria a sociedade atual revela uma dimensão do
tempo que nega o projeto, ou seja, o devir.
527
Assim, reafirma-se o que já foi descrito ao longo deste estudo. Parte-se, pois,
para uma colonização do futuro, uma antecipação dos riscos e uma distribuição da
mazelas que continuam sendo criadas constantemente.
523
Cf. Silva, Mozart. L. Educação Intercultural e s-modernidade.Op.cit,p154.
524
Cf. Lipovetsky, G. A era de após-dever. IN: Morin & Prigogine. (Orgs) a sociedade em busca de
valores. Lisboa: Instituto Piaget, 1998, pp. 29-38.
525
Ibidem, p. 32.
526
Cf. Bruckner, P. Filhos e Vítimas. IN: Morin & Prigogine. (Orgs) A sociedade em busca de valores.
Lisboa: Instituto Piaget, 1998, pp. 51-64.
527
Ibidem p. 56.
Esta seria a ação mais evidente desta nova experiência do tempo nas soluções
hoje apresentadas como poticas de ação afirmativa ou poticas compensatórias. A
negação da espera, o constante adiamento de posveis soluções e a crião de um
proselitismo da satisfação.
528
Numa análise que articula justiça e transitoriedade na obra de Nietzsche, o
filósofo, Eduardo Resende de Melo faz ma síntese que aponta exatamente para a
potência do caratê temporal neste estudo.
O papel da justiça liga-se, neste contexto, a como a vida é avaliada
quando considerada a partir da transitoriedade. Como veremos, se o
último-homem, o homem comum, vinga-se da sua existência e sua
justiça está ligada à vingança - , renegando a vida terrena em nome de
um transmundo ou do Estado em resposta ao sofrimento que a
transitoriedade lhe causa, pensar uma nova justiça implica a
possibilidade de afirmação dessa mesma condição terrena do homem
como ponte e transão.
529
Conhecer o Último-homem é a tarefa posta agora a esse per-curso.
4.2 -Último Homem e a Pequena Política ou o predio do regresso
Ai! Chega o tempo do homem mais desprezível, que o pode mais desprezar a si
mesmo. Olhai! Eu vos mostro o último homem. Que é amor? Que é criação? Que é
anelo? Que é estrela - assim pergunta o último homem, e pestaneja. A terra se tornou
pequena eno, e sobre ela saltita o último homem, que torna tudo pequeno. Sua estirpe é
indestrutível, como a pulga; o último homem é o que mais tempo vive. s inventamos
a felicidade - dizem os últimos homens, e pestanejam. Abandonaram as regiões onde é
duro viver: pois a gente precisa de calor. A gente ama inclusive o vizinho e se esfrega
nele, pois a gente precisa de calor. Adoecer e desconfiar, eles consideram perigoso: a
gente caminha com cuidado. Louco é quem continua tropeçando com pedras e com
homens! Um pouco de veneno de vez em quando: isso produz sonhos agradáveis. E
muito veneno no final, para ter uma morte agravel. A gente continua trabalhando, pois
o trabalho é um entretenimento. Mas evitamos que o entretenimento canse. Já não nos
tornamos nem pobres nem ricos: as duas coisas são demasiado molestas. Quem ainda
quer governar? Quem ainda obedecer? Ambas as coisas o demasiado molestas.
530
Tem-se a impressão de que aquilo que importa é seguir administrando e
governando as fronteiras e a transposição de fronteiras entre o sim e o não, o
ser e o não ser, o possuir e o não possuir, o saber e o não saber, entre o mesmo
e o outro.
531
528
Cf.Chesneaux, J. Tirania do efêmero e cidadania. IN: Morin & Prigogine. (Orgs) A sociedade em
busca de valores. Lisboa: Instituto Piaget, 1998, pp. 117-132.
529
Cf. Melo, E. R. Nietzsche e a justiça. Op.cit, p.102.
530
Cf. Nietzsche, Friedrich. Assim Falou Zaratustra. Um livro para todos e para ninguém. Op.cit,34.
531
Cf. Larrosa, J. & Skliar, C. Habitantes de Babel. Belo Horizonte: Mediação,2002.
O conceito nietzschiano doÚltimo homem, ainda que cunhado no final do
século XIX visando fazer uma crítica da realidade da época, pode ser oportuno para
ajudar a pensar os paradoxos postos ao homem da contemporaneidade posto que apesar
das circunstâncias serem diferentes, a crise que se abatia sobre a sociedade de então
parece ser ainda atual. Uma crise da moral e da justa. Uma crise limítrofe do próprio
conceito de humanidade e dos fundamentos ascéticos que consubstanciam o homem
desde os primórdios do cristianismo ocidental. Mais que isso, essa figura metafórica
delineada por Nietzsche expressa, ainda, tros dominantes no sistema de valores da
cultura ocidental, ou seja, a questão do Último Homem continua aberta.
532
O filofo esloveno Zizek
533
, em recente publicação, na qual utiliza como pano
de fundo de suas críticas a atuação da “esquerda” depois do epidio terrorista que
culminou com a destruição das famosas Torres Gêmeas do World Trade Center,
apresenta um quadro de circunstâncias dos impasses do nosso tempo e identifica, nesse
processo, a permanência do Último Homem.
É verdade, o objetivo último dos ataques não foi nenhuma agenda
ideológica oculta nem evidente, mas exatamente no sentido hegeliano
do termo ( re)introduzir a dimensão de absoluta negatividade em
nossa vida diária: destruir o curso diário isolado das vidas de nós todos,
os verdadeiros Últimos Homens de Nietzsche.
534
Vale, no entanto, traçar uma genealogia do conceito de modo que se possa
identificar com mais precisão a amplitude das analogias que podem ser inferidas na
correlação com os aspectos atuais debatidos aqui.
Tomando como base dois estudos, o primeiro já citado - Ética e Potica.
Genealogia e alcance do Último Homem na filosofia de Nietzsche
535
, de Marta Visbal
da Universidade Católica da Venezuela e do filósofo da Unicamp, Oswaldo Giaia
532
Cf. Visbal, M. Ética e política. Genealogia e alcance do Último Homem na filosofia de Nietzsche.
IN: Cadernos Nietzsche, 17, o Paulo: Editora UNIJUÍ, 2004, p.58.
533
Cf. Zizek, S. Bem vindo ao deserto do real. o Paulo: Bomtempo Editorial, 2003.
534
Cf. Visbal, M. Ética e política. Genealogia e alcance do Último Homem na filosofia de Nietzsche.
Op.cit, p.58.
535
Ibidem,p.58.
Junior, especialista e comentador de Nietzsche, no artigo Ctica da Moral como
Política em Nietzsche,
536
além dos textos de base do próprio Nietzsche que desenvolvem
e/ou utilizam o conceito, como em Aurora
537
e, sobretudo, em Assim Falou Zaratustra
busca-se percorrer os caminhos por meio dos quais o filósofo foi levado a identificar
esse tipo de homem Último-homem” imagem de uma patologia social que sofre sua
época, o que ele denomina de décadence.
538
É exatamente a correlão entre o contexto social da época e a definição do
Último- Homem que precisa ser destacada aqui, caso tenha-se o objetivo de apreender
verdadeiramente o conceito. Para Visbal, a origem e necessidade dessa idéia revelam
uma resposta e uma exigência ctica frente ao tempo que Nietzsche viveu e não pode ser
separada de sua gênese concreta, ou seja, do contexto hisrico no qual se
desenvolveu.
539
O Último-homem é, em primeiro lugar, comprovação e expreso de
um projeto, a partir de uma situão vivida e pensada; logo, produto de
feitos humanos inseparavelmente ligados a uma visão de mundo”.
Essa, por sua vez, aparece ao mesmo tempo incerta num tecido de
estruturas significativas que respondem a um modo determinado de
interpretão da realidade e de relão com o mundo, segundo uma
perspectiva axiológica particular. Nesse sentido, o último homem é
sintoma e também sinal, quer dizer, significante e significado.
540
Dito isso pode-se interpretar que o conceito do Último- Homem” não pretende
ter um caráter de prinpio absoluto e sim ser entendido como um fenômeno
condicionado de uma determinada época ou de um conjunto de circunstâncias. Com ele,
Nietzsche pretendia abastecer sua crítica em relão ao tempo em que vivia e
fundamentar, sobretudo, seu projeto essencial o da transvaloração radical dos
536
Cf. Giacóia, Jr. O. Crítica da Moral como Política em Nietzsche.
537
Cf. Nietzsche,F. Aurora. Trad. Eduardo Rezende de Melo Knorr. Madrid: Edaf,1996.
538
Cf. Visbal, M. Ética e política. Genealogia e alcance do Último Homem na filosofia de Nietzsche.
Op.cit, p.48. Diz-se que esta acepção tomou de leitura o 1º
volume dos Ensaios de Psicologia
Contemporânea de Paul Bourget.
539
Cf. Visbal, M. Ética e política. Genealogia e alcance do Último Homem na filosofia de Nietzsche.
Op.cit, p.58.
540
Ibidem, p.58.
fundamentos ascéticos da sociedade ocidental. Na perspectiva desta transvaloração
pode-se, ainda, apreender os limites postos a compreensão niilista de Nietzsche da
sociedade em que vive e as possibilidades de novos horizontes. Para isso seria
necessário pensar o “Último- Homem não apenas como conseqüência, mas, também,
como possibilidade de superação, como condição necessária de superão da cadence
em que se encontra o homem.
Essa decadência pode ser identificada, segundo o filósofo, na realidade cultural
que provém do liberalismo burguês e do apogeu do capitalismo.
Revela um desfalecimento global do sistema social e um esgotamento
generalizado dos indiduos quem que reduzir o eu a um modelo
padrão. A decadência presente quer “melhorar o homem, mas na
realidade o domestica: o homem se torna fraco, inofensivo, medíocre.
541
E, por meio de Zaratustra, Nietzsche esclarece:
Vou, portanto, falar-lhes do que mais desprezível: ou seja , do último
homem.
E Zaratustra assim falou ao povo:
Já é o tempo de o homem estabelecer sua meta. Já é tempo de o homem
plantar a semente da sua mais alta esperaa.
Seu solo ainda é bastante rico para isso. Mas, algum dia, esse solo
estará pobre e esgotado, e nenhuma árvore poderá mais crescer nele.
Ai de s! Aproxima-se o tempo em que o homem não mais
arremessará a flexa do seu anseio para além do homem e em que a corda
do seu arco terá desapreendido a vibrar!
Eu vos digo: é preciso ter ainda caos dentro de si, para poder dar à luz
uma estrela daante. Eu vos digo: ainda há caos dentro de s.
Ai de s! Aproxima-se o tempo em que o homem não dará mais a luz
nenhuma estrela. Ai de s! Aproxima-se o tempo do mais desprezível
dos homens, que nem sequer sabe mais desprezar-se a si mesmo.
Vede! Eu vos mostro o último homem.
542
Será na obra de Nietzsche Aurora que a idéia do Último Homem aparece
formalmente e exatamente nela que pode-se identificar, também, a possibilidade de uma
transição, tarefa mesma deste tipo de homem que carece de libertão da tirania do
pensamento racional que alija o homem de seu ser e o separa da vida.
543
541
Cf. Nietzsche, Friedrich. Assim Falou Zaratustra. Um livro para todos e para ninguém. Op.cit,34.
542
Ibidem, p.56.
543
Cf. Visbal, M. Ética e política. Genealogia e alcance do Último Homem na filosofia de Nietzsche.
Op.cit, p.58.
Indica-se assim que, tal como no pressuposto do esquecimento do homem em
Heidegger, o Último Homem de Nietzsche abandonou todo o contato com sua
natureza originária, mutilado pelo excesso de um tipo de saber especializado e
desumanizante.
Porque para a ratio se ime esse duplo caráter do ser humano,
definindo tradicionalmente como dualidade da natureza e da liberdade.
Ora posto assim, o homem perece ao o se reconhecer por inteiro em
sua filião terrestre. (...) Na realidade, o perigo absurdo de nossa
civilização consiste em querer renegar a nossa condição indivivel,
inteiramente consagrada à terra, essencialmente provisória e precária.
Somos definitivamente efêmeros. Consequentemente, não se fa
ilusões acerca da “eternidadehumana. Em compensação, reconhecer o
vir-a-ser de todas as coisas e nosso apelo cósmico à Terra implica que
o homem poderá dar, desse modo, toda a medida de seu ser. O vir-a-ser
funda toda a realidade e por isso restitui ao homem seu ser cósmico.
Todavia, o homem não pertence a uma realidade cósmica como simples
figura, senão como parte do caminho, ou seja, sempre um relativo em
seu poder, sem estabilidade, sem finalismo, submetido à eterna corrente
do vir-a-ser num mundo onde tudo desliza, se desvanece, se dissipa e
gira sem cessar. Por conseguinte, Nietzsche evoca uma marcha circular
da humanidade em que a oscuridade e a luz se suem, e na qual não há
seo a reciprocidade do ser e do aparecer. -se, daí, que o além-do-
homem, sentido do vir-a-ser, exige necessariamente o último homem.
544
Todavia será em Zaratrustra que, em meio às suas quatro partes, Nietzsche
apresenta a meta da qual se sentia portador a superação doÚltimo Homem”. O
conceito também aparece nos fragmentos póstumos desse peodo bem como seu
contraponto”, o conceito de além-homem”.
Será em Zaratustra que o filósofo deixa claro a ambição que compartilha com
toda a humanidade”, qual seja, a superação do Último Homem para que a mesma
permaneça humana.
Trata-se da possibilidade mesma do além-homem, como meta, como esperança.
Essa perspectiva inverte pois a lógica do niilismo nietzschiano tão propalado e
tão pouco compreendido. Niilismo não como negação pura mas como anúncio da
544
Cf. Visbal, M. Ética e política. Genealogia e alcance do Último Homem na filosofia de Nietzsche.
Op.cit, p.60.
esperança a do renascimento dos homens superiores, dos espíritos livres, do
surgimento de um novo tempo, além do bem e do mal, para além da tradição humanista.
Niilismo como preparão do além-homem.
4.3 Oesquecimento do ser ou... iguais ou diferentes?
4.3.1 O paradoxo indentitário
Trata-se de uma de-cio que vive da perplexidade em pensar a identidade
como identidade e o como igualdade, isto é, que vive a dificuldade de se
encontrar com a identidade no próprio seio das diferenças. Esta de-cisão ao
instituir as dicotomias de um comparativo ontológico, se pronuncia pelo ser
contra o nada, pela essência contra a aparência, pelo bem contra o mal, pelo
inteligível contra o sensível, pelo permanente contra o mutável, pelo
verdadeiro contra o falso, pelo racional contra o animal, pelo necessário contra
o contingente, pelo uno contra o ltiplo, pela sincronia contra a dicotomia.
No poder de seu jogo é uma decisão que se de-cide pela filosofia contra o
pensamento.
545
A discussão em torno da questão do reconhecimento, apontada neste estudo, se
pauta, sobretudo, a partir do binômio igualdade e diferença. Todavia, o que se assiste é
uma superposição de conceitos, utilizados de forma simplificada e dotados de forte
apelo midiático. Somos iguais ou somos diferentes? Somos iguais e somos diferentes?
Quem é o outro e quem são os mesmos ?
Parece que o que está sendo perguntado, porém, mantém a sentença Platônica que
indaga: quando se pode ser igual e quando se pode ser diferente?
Este questionamento, não rompe, como sugeriria, com os postulados da
racionalidade inaugurada por Platão configurando-se num paradoxo em que uma escolha
acaba por ser feita e a mesma acabou por gerar homogeinização e normatização das
diferenças. É precisamente sobre esta escolha e seus desdobramentos que este estudo
segue seu último curso.
545
Cf. Leão, E.C. Aprendendo a pensar. 3ª ed. Rio de Janeiro: Vozes, 1999, p. 79.
4.3.2 - O pensamento originário
No horizonte deste questionamento o pensamento dos primeiros pensadores
gregos revela uma profundidade atual em que as questões arroladas e as
preocupações moventes acenam para o mistério vigente de sua verdade, de
outro modo impercepvel. Em conseqüência, se encolhe a distância
cronológica de mais de dois mil e quinhentos anos que deles nos separa. A
estranheza destes pensadores deixa de nos ser extremamente estranha para
afirmar-se como nossa própria estranheza. É eno que nos sentimos conosco
quando estamos com eles.
546
Carneiro Lo
547
aponta para a importância de hoje fazermos o esfoo de pensar
o pensamento dos primeiros pensadores e a ruptura estabelecida em Platão como uma
de-cisão
548
metafísica que, para além de ser uma relíquia de museu, marca e demarca
uma cisão no pensamento que estabeleceu as opções e os rumos tomados pela tradição
que hoje nos sustenta e a ppria ciência que hoje nos serve de parâmetro. Para entender
o epidio platônico,socrático e aristotélico, vistos por muitos como um movimento que
inaugura o pensamento racional na Grécia e no próprio ocidente, não podemos nos furtar
de resgatar, como por muito tempo a História da Filosofia se furtou, o pensamento dos
chamados pré-socráticos, feito inicialmente por Hegel no século XIX e depois no século
XX, sobretudo por Nietzsche e Heidegger.
Os pensadores origirios Tales, Anaximandro, Anaxímenes, Xenófanes,
Zenão, Parmênides e Heráclito, viveram aproximadamente entre os culos VII e V a c.
Durante muito tempo, a História da Filosofia os designou de pré-socráticos, pré-
platonicos ou pré-aristotélicos anunciando, com isso, que crates, Platão e Aristeles,
serviam de parâmetro para medir o nível filosófico de todos os gregos que os
antecederam, escamoteando, assim, o vigor do pensamento originário. Para o autor,
546
Cf. Leão, E.C. Aprendendo a pensar. Op.cit.,p.79.
547
Ibidem, p. 64.
548
Utiliza-se a grafia heraclitiana, já explicitada aqui, sugerida por Carneiro Leão.
nestes tulos, o prefixo pré o possui apenas sentido cronogico mas, axiomático
o axioma da implantação da filosofia na decadência do pensamento.
549
Busca-se, neste momento, de uma forma simples, recuperar a experiência grega
de origem do ser e do não ser para pensar a queso contemporânea da identidade em
seu duplo binômio fundante: igualdade x diferença que marca de maneira indelével o
conflito que perpassa a adoção de políticas compensatórias, como a política de cotas.
Tal questionamento remete a focar o momento de uma “de-cisão Platônica pelo
pensamento de Parmênides imprimindo uma marca ontológica nas concepções modernas
do ser como uno, indivisível e eterno, informando, assim, as transformações e as
experiências que orientam as ações humanas há mais de vinte e cinco séculos.
4.3.3 A queso do ser e do não ser em Parmênides e Heráclito
Como anunciado acima, o momento que serve de pano de fundo impulsionador
para esta reflexão é, portanto, a conhecida passagem, entendida sob diferentes aspectos
por diferentes pensadores, do mito à razão.
Para sustentar essa reflexão recorre-se às análises tecidas por Amaral
550
as quais
apontam para a compreensão de uma suposta falha na experiência mítica grega , no
peodo de transição arcaico/clássico, a ponto de permitir aos gregos de então arriscar
uma outra experiência em direção ao desconhecido o pensamento metasico. Ainda
sob a mesma orientação, utiliza-se o pensamento dos dois filósofos, Parmênides e
Heclito que será entendido aquio como os separa a História da Filosofia
551
,mas
como uma unidade tensa. Assim, faz-se o esforço de aprender a pensar o
549
Cf. Leão, E.C. Aprendendo a pensar. Op.cit.,p.67.
550
Anotações do curso História da Filosofia e Comunicação do Sentido no Programa Pós-Graduação em
Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro ECO/UFRJ, 2002/2.
pensamento grego não como uma sucessão cronológica, mas como ele pprio, o
pensamento grego um acontecimento.
Traz-se para o foco dessa reflexão a questão ontológica do ser e doo ser.
Interessa refletir, ainda que de maneira inicial, o processo expresso na passagem do mito
à razão a partir da ruptura de uma unidade (ainda que tensa), nesse momento, entre o
humano e o não humano, entre o transcendente e o imanente, o ser e o não ser, de forma
a recuperar as contradições e tensões do processo de surgimento do conceito de
identidade. Tem-se como suposição que o esquecimento do ser, engendrado pela
metafísica, leva a travar uma discussão paradoxal em torno da questão da igualdade e da
diferença.
Neste esforço conclusivo e de síntese de um cenário o conflituoso, não há a
intenção de historicizar filosoficamente o pensamento dos filósofos citados, nem,
tampouco, a pretensão de esgotar essa discussão. Busca-se, apenas, pontuar e recolher
elementos capazes de fazer pensar, ainda que provisoriamente, os paradoxos hoje postos
ao homem contemporâneo dentre os quais a ação política compensatória apresentada
neste estudo.
Vale lembrar que no período arcaico, Deuses, Semi-Deuses, Humanos e Animais
faziam parte de um mesmo sentido. Aqui se harmonizavam as diferenças e não as
classificavam por identidades. Foi exatamente a ruptura trazida pelo pensamento
clássico que passa a estabelecer as diferenciações gidas que hoje se apresentam para
nós segundo o princípio de identidade e diferença. , portanto, um acontecimento o
esquecimento do ser no surgimento da metafísica que se expressa no acontecimento
paradoxal da marca ontológica do conceito de identidade.
É exatamente na leitura dos fragmentos deixados por Parmênides e Heráclito,
olhados em conjunto, que a tensão e a paradoxalidade se evidenciam.
Esse grande acontecimento se formula, então, nas questões: O que é o ser”? O
que é o “mesmo? O que é o mesmo que é “ser” e, também, o que é ser”
diferentemente?
Sabe-se que os gregos originários pensaram a possível simultaneidade do
absoluto e do relativo. Isto está em Tales, em Anaximandro e está, sobretudo, em
Parmênides e Heráclito. Desta forma, pode-se dizer que os gregos estiveram tentados a
formular a questão do mesmo na forma de uma tensão indissociável entre o absoluto e
o relativo a o momento em que foi necessário dissociar essas duas instâncias. De
acordo com Amaral,
552
esse momento parece se dar quando Parmênides passa a ser
tomado dissociado de Heráclito por Platão.
O fragmento II de Parmênides nos diz que
553
:
Vamos eu interrogarei, tu porém, auscultando a palavra, cuida que
os caminhos únicos do procurar o dignos de serem pensados: um,que
é e que não-ser o é.
Assim, partir do poema de Parmênides, se tomado em separado, nada mais pode
ser dito além do já dito o que é é, e o que não - é não é. Do que não é, nada se há de
dizer, e, do que é, tamm não, salvo que é ivel, uno, imutável e eterno.
554
Já em Heráclito, encontramos no fragmento 60 a seguinte proposição
555
:
Caminho: para cima e para baixo, um e o mesmo.
Para ele, o um é o princípio absoluto é igualmente todas as coisas, revelando,
assim, que não se pode desprezar a multiplicidade do mundo. ( Fr50)
Amaral
556
sugere que os gregos procuram, nesse momento, sair da paradoxalidade
sustentando a relação do absoluto e do relativo na maneira do ser na relação ser e não
ser; ser e poder ser (o que inclui poder não ser); ser e dever ser (o que exclui poder não
552
Anotações do curso História da Filosofia e Comunicação do Sentido no Programa Pós-Graduação em
Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro ECO/UFRJ, 2002/2.
553
Cf. Costa, A. Heclito: fragmentos comentados. Rio de Janeiro: Difel, 2002.
554
Anotações do curso Hisria da Filosofia. op.cit. 2002/2.
555
Cf. Costa, A. Heclito: fragmentos comentados. Op.cit. p.45.
556
Anotões do curso História da Filosofia.op.cit, 2002/2.
ser e não ser), e, finalmente, simplesmente ser. Ser é; não ser não é. Assim, a
possibilidade do não ser aparece, ainda, acoplada ao ser. A ruptura desse modelo em
que o ser passa a pertencer a um mundo (mundo da verdade) e o não ser pertencer a
outro mundo (mundo da aparência), além de ter se constituído em um longo processo,
necessitou de uma resolução na qual uma doutrina do serprecisou ser estabelecida. O
que era antagonismo ou dobra de um único real, passa a ser entendido agora como
cindido coisas separadas e pertencentes à realidades distintas. Um grande abismo se
irrompe entre essas duas realidades e o se consubstanciar em modelos dualistas
expressos ao longo da Hisria da Filosofia. A explicitação dessa tarefa foi exercida por
Plao que passa a considerar o ser somente a partir do fundamento da razão,
inaugurando um pensamento marcado pela primazia do um , origem da idéia que separa
o ser dos entes, antagônico ao pensamento originário, este marcado pela dualidade,
diferença e correlação entre ser e entes. O autor destaca, também, o papel da polêmica
entre Platão e os sofistas e ressalta que os sofistas experimentaram e traduziram a
própria tensão do acontecimento paradoxal Heráclito/Parmênides, rigorosamente fiéis à
expectativa do pensamento originário de manter em presença o absoluto e o relativo sem
dissolver um no outro. Todavia, essa formulação, nesse momento, apontava também
uma contradição em que uma “de-cisão entre ser ou não ser acabava por deflagrar numa
escolha entre Heráclito e Parmênides. Os sofistas tomaram de Heclito seu prinpio do
devir, de que tudo flui.
Não se pode entrar duas vezes no mesmo rio.(Fr 91)
557
Plao recolhe de Parmênides a noção de que o que é - é tudo é um. Deste
pensamento, que mantinha ainda a radicalidade do ser e do não ser, Platão introduz sua
metafísica. A noção de que se o um é o princípio, o dois passa a ser a unidade.
557
Cf. Costa, A. Heclito: fragmentos comentados. Rio de Janeiro: Difel,2002, p.48.
Heidegger
558
, em sua Introdução à Metasica, revela o sentido originário
atribuído pelos primeiros pensadores gregos a physis. Esta estava presente em tudo o
que rodeava, plantas, animais, homens, bem como em suas criações e no próprio
pensamento. Nada escapava ao domínio da physis. Era a unidade originária que
congregava movimento (aquilo que brotava) e repouso (o que permanecia). Physis era
portanto, para esses pensadores, o nome do ser.
Os gregos de então não apenas separavam o real em dois blocos senvel e
supra-sensível como buscavam encontrar a unidade no interior desse dualismo. A
apancia das coisas era um modo de ser constitutivo da realidade.
559
As formas da
apancia seriam pois, modos de aparecer e, como tais, a ppria emanação do ser. Da
mesma forma, o conceito de alétheia, hoje traduzido por realidade, no mundo grego
era compreendido em profunda intimidade com o ser concebido como physis Isto
permitia aos gregos pensarem a verdade como pertencente. Ser ente implica: apresentar-
se, surgir aparecendo, propor-se, expor alguma coisa. Ao contrário, não sersignifica :
afastar-se da aparição, da presença.
560
Para aproximar-se do pensamento dospensadores originários, é necessário,
também, compreender duas conexões importantes. A relação entre ser e pensar e entre
physis e logos.
A análise do comentador de Heidegger ressalta que para os primeiros pensadores,
pensar não era uma faculdade ou atividade de si.
561
Pensar e ser estariam, unidos no
sentido do que tende a opor-se, isto é, são o mesmo como pertencentes um ao outro num
único conjunto. Já em seu significado original logos não seria discurso esclarecedor ou
558
Cf. Heidegger, M. Introdução à Metafísica. Lisboa: Instituto Piaget,1987.
559
Para s, modernos”, a aparência das coisas pode ser tomada como falsa, inautêntica ou mesmo,
subjetiva.
560
Cf. Costa, A. Heclito: fragmentos comentados. Op.cit. p.48.
561
Cf. Michelazzo,J.C. Do um como princípio ao dois como unidade- Heidegger e a reconstrução
ontogica do real. São Paulo: Annablume,1999, p.89.
lógico, não significaria sentido ou palavra. Logos possuiria o significado original de
colher juntar em conjunto a unidade de reunião constante e, em si mesma,
imperante
562
. Logos seria, também, o lugar onde acontece a linguagem.
4.3.4 A escolha Platônica e as conseqüências da herança moderna para o
conceito de identidade.
Será em Aristóteles que aparece o primeiro princípio da gica o prinpio da
identidade. O que é é ; o que não é não é.
Todavia, não foi assim que essa questão foi colocada pelos pensadores
originários, pelos sofistas e também não foi assim que foi resolvida pelos metafísicos.
Parmênides define a queso do ser como o mesmo em si mesmo.
Em Heráclito, o um é princípio absoluto e comum, é igualmente todas as coisas e
o pensamento é o que é comum, o prinpio que organiza e retém a dispersão. Além
disso, Heráclito dá ao não ser o movimento do devir aquilo que virá a ser ou deixará
de ser o outro.
Ouvindo não a mim mas ao logos, é sábio concordar ser tudo-um
563
Em sua metafísica Plao estabelece uma doutrina em que os atributos do ser são
designados pelo pensamento. Tudo que é pertence a que se define como sendo.
Tanto Sócrates quanto Platão passam a conceber o ser numa dimensão do
conhecimento e não do pensamento, e, sobre o conhecimento, não há como ter uma
medida comum.
Encontra-se em Quintão
564
a análise de que, em Platão, o conhecimento o é
mais uma foa reunificadora emergente e ppria da dinâmica de realização, mas o
562
Cf. Michelazzo,J.C. Do um como princípio ao dois como unidade.Op.cit., p.90.
563
Segundo Costa, A. Op.cit., 2002, p.107 - a tradução de “tudo-um” com hífen a separá-los e u-los
(Fr.8) visa manter justamente essa idéia tipicamente heraclitiana, a reuno dos diversos, a harmonia dos
contrários.
564
Cf. Quintão, D. Enderos do Projeto Humano. Revista Tempo Brasileiro, jul. set. nº 146 Rio de
Janeiro, 2001, p. 22.
impulso instaurador de uma ordenação controladora do visível onde a vida se movimenta
e se concretiza. Para a autora, assim, o ser já não é mais um processo de
essencialização, mas converte-se em fundamento, a diferença que funda todas as outras,
que promove e conduz o percurso de cada ser.
Dessa forma, quebrando a unidade pré-socrática, Platão associa-se à Parmênides,
separando-o de Heráclito e confere ao ser os atributos relativos ao uno, ao eterno, ao
imutável, ao uniforme, ao indissociável- o que pode ser, já que não podemos saber o que
é. A instauração metafísica de Platão abre pois uma cisão na experiência múltipla do ser.
Essas concepções serviram também de base para toda uma concepção moderna do
ser essencializado, dotado de uma identidade fixa e imutável, que recentemente vem
sendo questionada numa esfera paradoxal posto que inscrita no interior da ppria
racionalidade moderna.
Ou seja, indica-se neste estudo que apesar da gama de teorias e abordagens que
apontam para uma multifacetada experiência identitária do homem, continua-se
buscando formas de identificão, de reconhecimento essencializadas, marcadas por
uma racionalidade que separa seres e entes, natureza e cultura.
A gama de contradições expressas neste estudo pode ser reflexo desta de-cisão
histórica. Desse ser esquecido, num tempo que nega o devir e que acelera o porvir do
Último-homem”.
Voltando-se às palavras de Heráclito Em nome da justiça não ligariam, se tais
coisas não existissem.
CONSIDERÕES FINAIS ou a possibilidade do Übermensch
Jogue-se na ação. Aceite e duplifique a vida. A moral está unicamente na vida,
na sua necessidade, na sua grandeza. Fora da vida, no trabalho contínuo da
Humanidade, só existem loucuras metafísicas, logros e mirias.
Nietzsche, F.
565
Este trabalho é uma colcha de retalhos, urdida a cada fio, a cada fala, diversa
na espessura de cada trama. Cada parte, outra parte reúne, busca elos, intuições de
pensar os dilemas hoje postos à existência contemporânea.
O atravessamento da política em nossas vidas, a forma como os grupos e as
forças constituintes da realidade social se articulam, se alternam, delineiam a história,
fio a fio, parecem deixar s impossíveis de desatar.
Este estudo buscou evidenciar estes “nós e tem esperanças. Mentiras sinceras
me interessam, diria Cazuza
566
.
Pesquisar a adoção da política de cotas implementadas sob o julgo das políticas
públicas de Estado, pressionado pela ação dos diferentes movimentos sociais, se fez
tarefa arriscada, cansativa, tensa.
A dimensão potica, neste terceiro milênio apresenta-se cada vez mais paradoxal.
Apresenta-se sem credibilidade, sem legitimidade, posto que as bases que expõem a
profunda e crescente desigualdade social e cultural, não foram, de fato, enfrentadas; ao
contrário, têm sido atualizadas, constantemente.
A dimensão discursiva, entretanto, apresenta-se, ainda, como um espaço concreto
de diálogo com o real, com aquilo que se materializa por meio das traduções e
resignificações dos textos que a memória reinscreve constantemente na História,
apontando os caminhos pelos quais o homem resiste e insiste. Teima em ser Ser.
565
Wilson Coutinho. Jornal O Globo. Editoria: Prosa & Verso.Am do Homem. Friedrich Nietzsche
Corpo a Corpo( Entrevista extraída de cartas, livros e biografias) ,12- 08-2000, p.2.
566
Cazuza. Mentiras Sinceras. WM, Discos.1986.
Mas é preciso sair dos discursos prontos, de um lado ou de outro. De soluções
apressadas, que saem do forno soladas, duras de digerir, indigestas até.
Há tantos óbvios na caracterização do mundo, que se vive de obviedades!
Não é preciso falar em estatísticas, demonstrar quem é ou o pobre, quem é ou
não negro, pardo, estrangeiro ou exilado das bases sociais aceitáveis como normais e,
sobretudo, como dignas. Os miseráveis estão entres de maneira avassaladora. Os
esquecidos se fazem lembrar a cada esquina ou a cada assalto, e parecem atuar como
que em pequenas doses de anestesia. Os esquecidos se fazem lembrar na angústia do
Ser vazio frente à multio que se anuncia na TV. Naturaliza-se, incorpora-se o absurdo,
consome-se o sofrimento do outro. Estas doses anestésicas retiram parte do medo, do
choque, da depreso, masm como moeda de troca a culpa e a responsabilização
impiedosa e constante. Sente-se tanta falta!
E foi assim que nos tornamos uma sociedade da piedade, da moral ressentida.
Que interiorizamos o castigo, o sacricio.
E foi assim que todo este cenário paradoxal fez gancho com nossas crenças,
regimes de verdade e fundou os seres que ora habitamos, ainda que sem reconhecê-los,
e que gerencia, sobremaneira, nosso vir-a-ser. Pelo menos este ser que se apresenta
todos os dias a nós, pelo menos este ser que se antecipa temendo o risco de sua própria
existência, tentando negar o trágico que habita em cada um, buscando soluções rápidas
ao que não tem fim. O curso do per- Curso não acaba, não em mim.
São doses diárias de anestesias e não de vacinas! O progresso da ciência e da
técnica ainda não livrou o homem dos horrores de sua existência, não conseguiu retirar
dos seres a pulsão dionisíaca, posto que parece ter claro o perigo da morte do próprio
homem.
Não há cura para o homem moderno. O Homem que jaz é um portador: de sua
identidade, de suas doenças, de suas loucuras, de seus direitos e, sobretudo de seu prazer
que a tudo consome. Sua contemporaneidade o leva de forma supostamente
contraditória, face à aceleração da técnica, a adiamentos constantes remédios
paliativos e à antecipações de sua própria existência extirpação do devir. O homem
moderno parece nascer velho do seu próprio destino.
E foi assim que o fraterno se constituiu como possibilidade não de ummesmo,
uno, mas de um duplo ser esquecido e que precisa esquecer continuamente de sua
existência no outro. É o outro que o faz lembrar de si e de sua responsabilidade consigo.
É no outro que se reconhece.
E foi assim que esse fraterno sofre a dor de si, do outro e do mundo.
É que desde sempre fomos um e isso não teve fim. Cindidos pela metasica e
frente ao ideal astico, o homem busca constantemente o retorno, mas as placas de
direção não apontam o caminho. Apontam um-não-caminho, o que não se deve ser. A
direção de hoje é necessariamente defensiva! Parece que o Homem perdeu seu lugar e
existe somente o não-homem.
E foi assim que o fraterno se fez vitimado, se fez sofredor em eterna dívida para
com a felicidade e com a harmonia e igualdade entre os seres.
Indecifrável felicidade estrangeira em nós pois não há quem de fato a conha
na plenitude. Indecifrável igualdade, pois não há, de fato, dois iguais no mundo. A água
que desce o rio, nunca é a mesma, já dizia o filósofo. Difícil pensar numa só água mas
que nunca é a mesma. Difícil pensar num ser, que nunca é o mesmo.
É melhor esquecer?
Não há vacinas.
O Último-homem es aqui.
O todo parece inatinvel. Parece não haver solução possível, apenas arremedos.
Caminha-se, assim, há milênios, nessa escala que se criou para habitar o tempo e
ordenar o espaço. A recriação constante do real ameaça a materialidade e monótona
perpetuação da vida cotidiana. E esta continua a tecer tramas e agir conforme o previsto,
conforme as amarras criadas pela metafísica e a racionalidade. Buscam-se atalhos para
algo que se constituiu enquanto impossibilidade a justiça e a igualdade entre os
homens. Busca-se, então, a proximidade, a maior posvel com o igual. Busca-se, de
forma contraditória, reconhecer, cada um, como diferente, mas também como pprio e
singular. Os indivíduos de hoje querem se fazer ver, revelar e reconhecer. São
estranhos a si mesmos. É necessário ser aceito, ter auto-estima, ser capaz. É necessário,
então, se agrupar, arregimentar forças. Se constituir em um-mais-forte. Mais que um,
num só. A justiça seria enfim o lugar que garantiria no mínimo o um, em cada um de
nós, já que de nós mesmos fomos esquecidos.
E é assim, que se dividem os espos, que se caracteriza o que se pode ou não se
pode fazer. Moral de rebanho. Moral ressentida travestida em justiça e igualdade
O discurso culposo do direito positivado não é apenas de quem sente a dor mas
de quem a reproduz, todos os dias. Tudo se consome onde o ser se consumiu. E tudo se
faz visível, se revela. Quem escapa é traidor. Quem confere as verdades anuncia em
reclames a foa de sua proposição por meio de imagens que vendem a dor e também a
solução. É preciso esquecer-se de si para poder comprar soluções.
No bojo do processo de presentificação, percebe-se, porém, que o esquecimento
do ser significa muito mais um per-Curso tortuoso que levou o existir humano menos
conectado aos instintos originários. Percebe-se, também, que há marcas, sintomas, que
recolocam o Ser continuamente em contato com o resgate de uma possibilidade
esquecida. Procura-se a saída para o Último-homem” nos limites paradoxais hoje
postos à sua existência pois há indícios de um Ser que reescreve constantemente sua
história. A arte não morreu com o Último-homem”, a poesia teima em existir. Novas
saídas, ou só o mesmo, percurso?
O Último-homem existe porque há um último lugar para existir! O Último-
homem só existe pois há um devir e este pode vir a ser o além-do-homem cunhado
por Nietzsche.
Coma-se então a crer na existência do Übermensch, do além-do-homem?
Será este o retorno previsto por Nietzsche? Fazer do homem, meria?
Mas a História que contam os discursos aqui selecionados como espectros,
variantes de um mesmo tema, retratam um homem que tem pressa e esqueceu-se de si. E
assim se segue sofrendo e criando ressentimentos. Não há como não se surpreender com
o fato de que os argumentos utilizados entre os que são favoveis ou desfavoráveis à
adoção da potica de cotas revelam um mesmo núcleo. Foas opostas se debatendo
sobre um núcleo comum, paralisada mesmo quando supostamente alcança algum
objetivo.
No percurso deste estudo, busca-se responder mais do que questões formais.
As inquietões e as vidas foram os motores da procura de um debate que, na
maior parte das vezes, tem sido negado pelas posições hegemônicas que dominam o
tema.
No apagar das luzes desse estudo, porém, ocorreu a divulgação do Manifesto
Todos têm direitos iguais na Reblica democrática, do qual fui signatária, cujo amplo
espectro de adesões me fez sentir menos solitária e, sobretudo, menos racista. O teor do
documento entregue aos presidentes do Senado e da Câmara Federal da República
Brasileira pede a rejeição de projetos que reservam vagas em universidades com
diferentes bases de sustentação, dentre as quais a noção de que Universidade não é
prêmio para injustiça passada. Não se repara injustiça premiando descendentes diz
Eunice Durhan, ex-secretária de Política Educacional do Governo Fernando Henrique
Cardoso.
567
O documento ressalta, ainda, o perigo da “invenção de ras oficiais” e
pergunta a todos Qual o Brasil que queremos?
568
Decerto queremos um Brasil melhor. Temos feito, cada qual, o nosso papel, se
levarmos em consideração que cada um dos signatários está envolvido diretamente, de
maneira séria e comprometida, com a formação acadêmica e cultural dos jovens
estudantes de nosso país. Outros tantos o têm feito, também.
A submissão frente à desigualdade, o preconceito e o racismo não fazem,
necessariamente, parte das idéias daqueles que questionam as cotas. Essa “associação”,
para não dizer acusação, normalmente feita aos que têm tentado problematizar a questão
não pode ser naturalizada.
No entanto, logo após a publicão do Manifesto foi elaborado, por parte de
intelectuais e ativistas de movimento negro, um documento identificado como pró-
cotas. Segundo o jornal, o documento entregue a Renan e Aldo foi reação a texto
assinado por 114 intelectuais contra a reserva de vagas”.
569
Intitulado Desigualdade
exige políticas públicas espeficas, o texto afirma, entre outras coisas que, a
desigualdade racial no Brasil tem fortes raízes históricas e esta realidade não será
alterada sem a aplicação de políticas públicas espeficas.
570
Baseado em dados, o
texto afirma, ainda, que o racismo estatalaumentou no século XX. Acusa o primeiro
Manifesto de defender políticas universalistas, que servem apenas às elites.
Comentando o Manifesto contra as cotas, o expressivo representante do movimento
567
Detrio Weber. Jornal o Globo. Editoria: O País. Intelectuais lançam manifesto contra as cotas. 13-
06-2006,p.13.
568
Ibidem.
569
Demétrio Weber. Jornal o Globo. Editoria: O País. Congresso recebe agora manifesto pró-cotas. 05-
07-2006,p.13.
570
Ibidem.
negro e Diretor-executivo da Eduafro, Frei Davi, tem afirmações como estas: Eles
(contrários à reserva de vagas) sabem que as cotas tiram as vagas de seus filhos; São
intelectuais que se formaram com o dinheiro público e querem continuar pisando no
negro (...). A elite burguesa é podre quando não sabe compartilhar disse Frei Davi.
571
Esse tipo de discurso não só desqualifica o debate como afirma a pertinência dos
argumentos apresentados neste estudo, nos quais tempo e justiça fundam, na
contemporaneidade, uma sociedade do sofrimento, da culpa e da reparação sob fortes
riscos de que a possibilidade de construção de uma realidade composta por homens
fortes e espíritos livres, continue apenas a configurar como uma contra-utopia no
corão de bem poucos.
Talvez fosse melhor terminar com a declaração feita abaixo, mas desde que ela
pudesse ser lida em duas vias:
Vamos combinar assim: eu sou a favor da reserva de vagas por razões
históricas e você pode ser contra pelas mesmas razões.
572
Com a afirmação de Carneiro Leão “A pergunta que a resposta acaba não é
essencial e sim acidental -
573
aponto para a estruturante incompletude deste estudo. É
certo que cada uma das dimensões apresentadas mereceria ser mais estudada, detalhada,
explorada, refinada. Ah ... o tempo! Que in-justiça termos de pensar com o relógio,
quando, do que se trata, é da ppria existência!
Na verdade não há respostas senão aquelas delineadas nas falas, discursos,
contrários ou favoráveis à adoção da potica de cotas.
571
Demétrio Weber. Jornal o Globo. Editoria: O País. Congresso recebe agora manifesto pró-cotas,
op.cit.
572
Jornal O Globo. Editoria: Opinião. 14-07-2005.
573
Anotões de palestra proferida em Encontros com a Filosofia. Laranjeiras, out, 2005.
A aposta foi colocada na possibilidade de que as respostas se evidenciassem a
cada dimensão apresentada, a partir da materialidade dos sujeitos, seus discursos
construindo suas versões e suas paixões sobre o objeto investigado.
A quarta dimensão deste estudo teve a intenção de procurar respostas para além
dos discursos oficiais, ainda que se revele tímida, pouco produtiva ,como, decerto, dirão
alguns. Mas a paradoxalidade e as contradições postas ao objeto foram de tal ordem que
seguir tal ou qual caminho, defender tal ou qual posição seria permanecer na
ambigüidade e não atravessar, ainda que apenas de forma poética, os limites postos a tão
caro objeto.
Ao necessário e sofrido” fim deste trabalho, tem-se claro que as bases teóricas
que orientaram o sentimento e o compromisso para com este estudo, apenas se
insinuaram como possibilidade de pensamento e pesquisa, mas decerto vieram para
ficar.
A complexidade do tema, os múltiplos vieses de entendimentos, de recortes, de
posições, fizeram-me perceber que este estudo, de fato, é apenas um texto
e que o curso
desta pesquisa - porvir ? - ainda está por vir.
Mas com Zaratustra, Nietzsche tem ainda (e sempre) a dizer nesse final:
Os homens o o iguais. E tampouco o devem tornar-se! Que seria o
meu amor pelo além do homem se falasse de outro modo? Através de
mil pontes e alpondras, terão de abrir caminho ao porvir e cada vez
mais guerras e desigualdades deverão ser postas entre eles: assim mande
que eu fale o meu grande amor.
( Das Tarântulas”, Assim Falou Zaratustra.)
574
574
Cf. Nietzsche, Friedrich. Assim Falou Zaratustra. Um livro para todos e para ninguém. Op.cit,p.129.
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.
ANEXO 1
MARIAS RELACIONADAS A COTAS
ANO 2005
UBES: Cotas e Fundeb serão prioridades - Folha
Dirigida(16/12)
Cotas na faculdade - O Globo(13/12)
Cotas - Jornal do Brasil(13/12)
Uerj e Uenf divulgam resultado da análise socioeconômica dos
candidatos às cotas O Globo(12/12)
Sim ao Estatuto da Igualdade Racial - O Globo(06/12)
Ações afirmativas e acesso à Educão - Jornal do Brasil(02/12)
Extensão das cotas na Faetec e no Uezo, no Rio -
Unimais(01/12)
Deputados estendem cotas a instituições de ensino superior do
Rio - Folha de São Paulo(01/12)
Cotas raciais - O Globo(30/11)
Alerj aprova a ampliação do sistema de cotas - O Globo(30/11)
Cotas para os PMs - O Dia(30/11)
Não ao estatuto racial - O Globo(29/11)
Do lado errado - O Globo(29/11)
Projeto de cotas pode ser votado esta semana - O Globo(29/11)
Cotas para óros de agentes da pocia - Jornal do Brasil(26/11)
Cotas: lista em 8 de dezembro - Folha Dirigida(22/11)
Projeto pretende estender cotas à Faetec e ao Uezo, no Rio -
Folha de São Paulo(22/11)
USP e as cotas - Folha Dirigida(22/11)
Cotistas da Uerj lutam para terminar o curso - Folha
Dirigida(17/11)
Projeto prevê vaga para idoso em universidades - O
Globo(10/11)
Cotas - Folha Dirigida(27/10)
Paquera - O Dia(24/10)
Cota idoso - Folha Dirigida(20/10)
Cota, sim, mas com mérito - Veja(18/10)
Banco branco - O Globo(10/10)
Novas cotas - O Globo(06/10)
O debate sobre cotas raciais na revista Horizontes
Antropológicos - JC E-mail(05/10)
Cai número de candidatos interessados em cotas - Folha de São
Paulo(23/09)
Cotistas e Educafro cobram critérios para bolsas - Folha
Dirigida(13/09)
Haddad: "cotas devem cumprir papel social" - Folha
Dirigida(31/08)
Reserva de vagas sera de 45% - Folha Dirigida(18/08)
Cotas - O Dia(10/08)
No Rio, projeto propõe passe livre para cotistas - Folha
Dirigida(05/08)
Deputados aprovam material gratuito nas instituições do estado -
Folha Dirigida(04/08)
Cotistas de universidades estaduais do Rio receberão livros
gratuitamente - O Globo(03/08)
Universidades novas deverão ter cotas de 50% - O Globo(30/07)
Sindicatos pedem cota para negros - Estado de São Paulo(29/07)
USP cria curso de pós com reserva de vagas para negros - Folha
de São Paulo(27/07)
Direito da USP terá cotas em mestrado - Estado de São
Paulo(27/07)
Projeto sobre cotas do Senado chega à Câmara - Folha
Dirigida(27/07)
Cotista ganha bolsa no Japão e valoriza sistema de reserva -
Portal MEC(25/07)
Cotista negro da Uerj ganha bolsa e vai para o Japão -
Extra(22/07)
Um cotista de malas prontas para o Japão - O Globo(22/07)
Cotista da Uerj ganha bolsa no Japão - Estado de São
Paulo(20/07)
Viva o povo brasileiro - O Globo(18/07)
Universidade Federal do Pará pode ser a próxima a adotar cotas
- O Globo(14/07)
Cota na Sorbonne - O Dia(27/06)
A Alerj foi a primeira Assembléia do Ps a - Isto É(22/06)
A democracia racial infelizmente virou vilã- O Globo(20/06)
Bolsa e cota - O Globo(14/06)
Futuro das cotas - O Globo(13/06)
Cotistas da Uerj recebeo material - O Dia(09/06)
Déficit ameaça as cotas na Uerj - Estado de São Paulo(08/06)
Governo compra kit para cotistas de Odontologia - Folha
Dirigida(08/06)
Déficit ameaça as cotas na Uerj - JC E-mail(07/06)
Verba liberada para dentista cotista - Extra(05/06)
Tarso quer fixar cotas antes de aprovar reforma - Estado de São
Paulo(01/06)
Entidades rejeitam novo modelo de cotas para universidades -
JC E-mail(01/06)
Porque devemos ser a favor de um sistema de cotas - JC E-
mail(01/06)
Cotas - O Globo(01/06)
Pé no freio com as cotas nas universidades - O Globo(31/05)
Muito além das cotas - Estado de São Paulo(29/05)
Cotas - O Globo(28/05)
Uerj reclama verbas para cotistas - Jornal do Commercio(24/05)
Uerj reclama de falta de recursos para investir em alunos
cotistas Tribuna da Imprensa(24/05)
Ciclo pró-
cotas raciais do Ibase começa sábado, dia 21, no Santa
Marta - Ibase - Informações(19/05)
Cotas - O Globo(17/05)
Alternativas às cotas - Folha de São Paulo(17/05)
Cotistas têm as melhores notas na Uerj - Estado de São
Paulo(11/05)
Cotistas conseguem ter notas mais altas na Uerj - Jornal do
Commercio(11/05)
Cotas em debate: novos embasamentos cienficos são precisos?,
- JC E-mail(10/05)
Cota tem boa nota - O Globo(10/05)
Cotas - O Globo(29/04)
Cotistas protestam na Uerj - Folha Dirigida(26/04)
Cotas - O Globo(26/04)
Cotas - O Globo(19/04)
Mais cotas para negros - O Dia(13/04)
Cotas - O Globo(12/04)
Cotas na educação - O Globo(11/04)
Sem omissão - O Globo(07/04)
Cientistas criticam sistema de cotas - Folha Dirigida(06/04)
Projeto de cotas aguarda regime de urgência na Câmara - Folha
Dirigida(05/04)
Desigualdade racial nas Universidades e o lobby anti-cotas, -
JC E-mail(30/03)
Governo pagará 500 bolsas para cotistas - Folha Dirigida(29/03)
Queimada social - O Dia(28/03)
Política de cotas - Jornal do Brasil(28/03)
CEAP PREMIA EMPRESAS QUE APÓIAM NEGROS - O
Globo(24/03)
Cotas - O Globo(22/03)
Cotas e pesquisas - O Globo(22/03)
Tema em Discurssão: Cotas Racias - O Globo(21/03)
Nova pesquisa, dessa vez do Inep, mostra universidade com
maioria branca - Folha Dirigida(16/03)
Pesquisas aumentam polêmica sobre cotas - O Globo(16/03)
MEC cancela apresentação de documento sobre cotas - JC E-
mail(15/03)
Reforma ...universitária: Ela vai mudar a sua vida? - O
Globo(15/03)
Pesquisa mostra que alunos conhecem o sistema de cotas
adotado pela Uerj - Folha Dirigida(15/03)
Efeitos nefastos das cotas - JC E-mail(14/03)
Política de cotas causa polêmica - O Globo(12/03)
Cotas - O Globo(08/03)
Cotas - Folha Dirigida(03/03)
Cotas e preconceito - O Globo(22/02)
Cotas - Folha Dirigida(21/02)
Definição de raça causa polêmica - Folha de São Paulo(15/02)
Juiz questiona política de cotas no Paraná - Folha de São
Paulo(15/02)
A ilusão das cotas - O Globo(15/02)
Projeto vai manter reserva de vagas - Folha de São Paulo(13/02)
ANO 2004
Cotas - O Globo(01/02)
Tema em discussão: Cotas raciais - O Globo(17/01)
DEBATE: Cotas raciais nas Universidades - O Dia(14/01)
Universidades do Estado reservam 45% de suas vagas - Folha
Dirigida(06/01)
Ensino para pobres - O Globo(01/01)
TEMA EM DEBATE: Cotas raciais - O Globo(20/12)
Ilé Omi Ojú Aro - O Globo(20/12)
FRASES - Folha de São Paulo(14/12)
Projeto de cotas em regime de urgência - Folha Dirigida(14/12)
Universitário acusa professor de racismo - Folha de São
Paulo(13/12)
Turma da Uerj abre conta para ajudar cotistas - Folha de São
Paulo(13/12)
Cotas - O Dia(13/12)
Juiz proíbe reserva para negros em universidade do PR -
Tribuna
da Imprensa(08/12)
Juiz suspende cotas no PR - O Globo(08/12)
Cotas - O Globo(07/12)
TEMA EM DEBATE: Cotas raciais - O Globo(06/12)
Cotas: resultado dia 17 - Folha Dirigida(03/12)
UFRJ PODE AMPLIAR VAGAS PARA TER COTA NA ÁREA
BIOMÉDICA - O Globo(27/11)
Uerj: saiu o resultado da análise socioeconômica dos cotistas -
Folha Dirigida(25/11)
Mesmo sistema será adotado em mais 5 institutos - O
Globo(23/11)
Faetec reserva 50 por cento de vagas do vestibular para os
alunos cotistas - O Globo(23/11)
Sistema de cotas em universidades em questão - O Globo(21/11)
Cotas - Folha Dirigida(19/11)
Sistema de cotas entra na berlinda - O Globo(18/11)
Aos congressistas, uma carta sobre cotas - O Globo(16/11)
Cotas e coitados - O Globo(12/11)
Ainda as cotas - O Globo(11/11)
Falsa solução - O Globo(03/11)
Cotas raciais - O Globo(03/11)
TEMA EM DEBATE: COTAS RACIAIS - O Globo(02/11)
Cota na universidade - O Globo(26/10)
Sistema de cotas - Jornal do Brasil(26/10)
Lula defende cotas e Tarso pede pressa - Folha Dirigida(26/10)
Avanços e retrocessos nas cotas - O Globo(24/10)
Cotas em universidades Com prioridade - O Dia(08/10)
Contra as cotas - O Globo(05/10)
BRANCOS E NEGROS, TODOS PERDEM - O Globo(03/10)
SISTEMA DE COTAS NA BERLINDA - O Globo(02/10)
Sem garantia de vaga - O Dia(01/10)
Sistema de cotas: a realidade da diferença ou a diferença da
realidade - JC E-mail(29/09)
Procuradoria do Estado adota sistema de cotas - O Globo(29/09)
Diversidade além das cotas - Folha de São Paulo(28/09)
Procurador questiona reserva de vaga para militar - O
Globo(25/09)
Pedro II reservará metade das vagas para alunos vindos da rede
pública - O Globo(25/09)
Sistema de cotas - O Globo(24/09)
UFRJ sem cotas - O Globo(22/09)
TEMA EM DISCUSSÃO: Política de cotas - O Globo(22/09)
Sistema de cotas - Jornal do Brasil(22/09)
UFRJ não te sistema de cotas no vestibular - O Globo(21/09)
Qual é a minha cor? - O Globo(21/09)
RJ: governo aumenta cota de custeio da Uerj - Folha
Dirigida(21/09)
As cotas e o creme dental - Jornal do Brasil(18/09)
TEMA EM DISCUSSÃO: COTAS NA UNIVERSIDADE - O
Globo(11/09)
Chama o síndico - O Globo(07/09)
Cotas com mais renda - O Globo(07/09)
Cotas para pobres, não para os negros - O Dia(02/09)
Cotas e patrulhamento - Jornal do Brasil(02/09)
Cotas: renda passa para R$520 - Folha Dirigida(02/09)
Sistema de cotas pode ser perverso - O Dia(01/09)
Uerj aumenta teto de renda para as vagas reservadas - O
Globo(01/09)
Uerj aumenta teto de renda para cotas - Extra(01/09)
As cotas e o mérito - O Dia(30/08)
TEMA EM DISCUSÃO: Cotas na educação - O Globo(05/08)
Volta por cima - Jornal do Brasil(29/07)
Incentivo ao mérito na caça ao talento - Folha Dirigida(27/07)
Cotas - O Globo(27/07)
Cotas podem ter mudanças - Folha Dirigida(22/07)
ONTEM - O Globo(21/07)
Reforma Universitária - Folha Dirigida(21/07)
Cotas na UnB - O Globo(20/07)
RECURSOS DA LOTERIA - Folha Dirigida(20/07)
Tema em discussão: Política de cotas - O Globo(19/07)
Ousar mudar - O Globo(18/07)
ONU apóia cotas, mas faz ressalvas - O Globo(16/07)
Cotas: 60% dos aprovados não teriam passado - O Globo(15/07)
O pedido de Lula - O Globo(15/07)
Estados reagem à avaliação anual do ensino sico - O
Globo(15/07)
Inclusão perversa - O Globo(14/07)
Cotas de incertezas - O Globo(14/07)
Custo da cota - O Globo(14/07)
Sistema de cotas no Estado do Rio completa dois anos - Folha
Dirigida(13/07)
Vestibular da UnB mostra distorções com cotas - O
Globo(13/07)
Cotas - O Globo(13/07)
Repensar a universidade pública - Jornal do Brasil(12/07)
Em busca de respostas - Sintufrj(08/07)
Cotas - O Globo(06/07)
Reforma Universitária - Folha Dirigida(06/07)
Sistema de cotas: mudança na renda é estudada - Folha
Dirigida(06/07)
Exclusão social - O Globo(02/07)
Unb receberá primeiros cotistas neste semestre - Folha
Dirigida(01/07)
UFRJ debate implantação de cotas - Folha Dirigida(01/07)
Cotas: Uerj estuda mudanças nas exincias - Folha
Dirigida(01/07)
Sistema de cotas - O Globo(30/06)
A culpa é dos negros e dos pobres? - O Globo(30/06)
Cotas - O Globo(29/06)
Cotas, um erro já testado - O Globo(29/06)
As medidas afirmativas no centro do debate - Folha
Dirigida(29/06)
Cotas - Jornal do Brasil(28/06)
Nota 0 - O Dia(24/06)
Projeto de cotas recebe dez emendas - Folha Dirigida(24/06)
Cotas sem recursos - Folha Dirigida(24/06)
Reitor da Uerj quer mudar o limite de renda - Folha
Dirigida(24/06)
Protesto no Centro contra sistema de cotas - O Dia(23/06)
Cotas, racismo e desemprego - Jornal do Brasil(21/06)
Cotas para negros - Extra(17/06)
Estudantes protestam pedindo aprovação de cotas raciais -
Tribuna da Imprensa(16/06)
Sistema de cotas para negros e pobres é debatido em Bralia -
Globo.com(15/06)
Cotas: Uerj discute elevar valor da renda - Folha
Dirigida(15/06)
Cotas, a polêmica prossegue - O Globo(15/06)
Cotas abertas para o estresse - Folha Dirigida(15/06)
Cotas em xeque - O Globo(15/06)
No lugar das cotas, o mérito - Folha Dirigida(15/06)
Educação e cotas - O Globo(14/06)
O risco da incompetência - O Globo(14/06)
TEMA EM DISCUSSÃO: COTAS PARA NEGROS - O
Globo(12/06)
Cotas: Uerj discute elevar valor da renda - Folha
Dirigida(10/06)
Círculo vicioso - Folha Dirigida(10/06)
Cotas de ensino - O Globo(09/06)
Contra cotas - O Globo(08/06)
Futuro com cotas menores - O Globo(07/06)
Cotas e qualidade - O Globo(06/06)
Encruzilhada universitária - O Globo(05/06)
Bolsas da Ford - O Globo(05/06)
Educação e cotas - O Globo(05/06)
Novo estudo mostra que na Uerj há mais cotistas entre
reprovados - Folha de São Paulo(05/06)
Uerj: relatório mostra pior desempenho de cotistas O Globo
(04/06)
Cotas nas Universidades. Federais cobram ação coordenada
Folha Dirigida ( 03/06/2004)
Cotas nas Universidades públicas O Dia (02/06/2004)
Rendas para Cotas pode passar para R$ 780 Folha Dirigida
(01/06/2004)
Cotas sim ou o? O Globo (01/06/2004)
Tarso diz que crítica de Paulo Renato é elitista O Globo
(01/06/2004)
Ensino abaixo da média O Globo ( 31/05/2004)
Uerj estuda limite de renda para estudantes aprovados por cotas
O Globo (31/05/2004)
A cota não resolve as causas do problema - O Globo (31/05/2004)
Cotas ou mais e melhor educação? O Dia (31/05/2004)
Cotas Jornal do Brasil (29/05/2004)
Reitor da Uerj pede para adiar votação de projeto O Globo
(26/05/04)
Prova de fogo para quem não entra nas cotas O Globo
(25/05/2004)
A volta das cotas (com força total) O Globo ( 25/04/2004)
Ensino em debate O Globo (24/05/2004)
Em vez de cotas, um ensino melhor O Dia (24/05/2004)
Cotas Jornal do Brasil (24/05/2004)
A maquiagem do monstro - Veja ( 24/05/2004)
A plebe vai estudar na privataria Jornal do Brasil ( 23/05/04)
Cotas nas Federais em xeque Jornal do Brasil ( 23/05/2004)
Protesto estudantil pára o trânsito. Mani
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