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UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA
ANA CLÁUDIA DE SOUSA
A FORMAÇÃO DE PROFESSORES-LEITORES: AS MARCAS DE UM
CAMINHO E SUAS RELAÇÕES COM UMA EDUCAÇÃO PARA A
LEITURA
Presidente Prudente
2006
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ANA CLÁUDIA DE SOUSA
A FORMAÇÃO DE PROFESSORES-LEITORES: AS MARCAS DE UM
CAMINHO E SUAS RELAÇÕES COM UMA EDUCAÇÃO PARA A
LEITURA
Dissertação apresentada à Comissão de Pós-
Graduação em Educação da Faculdade de
Ciências e Tecnologia – UNESP, Campus de
Presidente Prudente – SP, como requisito parcial
para obtenção do grau de Mestre em Educação,
na linha de pesquisa Práticas Educativas na
Formação de Professores, sob orientação da
Profa. Dra. Renata Junqueira de Souza.
PRESIDENTE PRUDENTE
2006
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BANCA EXAMINADORA
Orientadora: Profa. Dra. Renata Junqueira de Souza
Departamento de Educação, UNESP, Presidente Prudente
Prof. Dr. Odilon Helou Fleury Curado
Departamento de Lingüística, UNESP, Assis
Profa. Dra. Cyntia Graziella Guizelim Simões Girotto
Departamento de Didática, UNESP, Marília
Presidente Prudente
2006
À minha mãe, cujo apoio e orientação me possibilitaram trilhar
esse caminho e tantos outros e, em especial, ao meu irmão Luís,
que pôde me acompanhar no início dessa jornada, mas que, pelo
curso natural da vida, hoje percorre outras estradas.
AGRADECIMENTOS
À Profa. Dra. Renata Junqueira de Souza pela orientação e amizade, cuja confiança em mim
depositada se mostrou inabalável mesmo nos momentos mais difíceis da caminhada;
Ao corpo docente e discente, gestores e demais funcionários da Escola Municipal de Ensino
Fundamental Carmem Pereira Delfim, que trilharam comigo essa trajetória e me permitiram
compartilhar suas vidas;
Aos professores da banca examinadora, especialmente ao Prof. Dr. Odilon Helou Fleury
Curado que, com suas valiosas contribuições e minuciosa leitura por ocasião do exame de
qualificação, me indicou novas setas no caminho;
Aos amigos de hoje e de sempre que, mesmo trilhando caminhos diferentes, iluminaram meu
caminhar com seu apoio incondicional;
À amiga Ana Cláudia Vasconcelos, que me encorajando a prestar o exame seletivo para
ingresso no curso de mestrado e me fazendo acreditar na possibilidade, impulsionou o início da
jornada;
Aos meus familiares - especialmente meus irmãos e meu marido - pela paciência, compreensão
e apoio durante todos os momentos do percurso;
À minha filha Raquel, anjo de luz que me guia e fortalece, por saber conviver, apesar da pouca
idade, com minha presença ausente durante a escrita dessa dissertação.
O que passou não conta?
Indagarão as bocas desprovidas.
Não deixa de valer nunca.
O que passou ensina
Com sua garra e seu mel.
Por isso é que agora vou assim
No meu caminho.
Publicamente andando.
(Thiago de Mello, Faz escuro mas
eu canto)
RESUMO
O trabalho delineia um panorama do perfil leitor de professores de uma escola municipal de
ensino fundamental do município de Presidente Prudente, estado de São Paulo, que ministram
aulas a classes dos anos iniciais da escolaridade, discutindo questões como freqüência e hábitos
de leitura, vínculos afetivos com a literatura, tipo e finalidades da leitura que realizam. Para
tanto, resgata, junto aos professores, memórias de suas vivências de leitura em três fases
distintas: primeira infância, vida escolar e adolescência e, finalmente, vida adulta. Muito se tem
discutido sobre a relevância da figura dos professores na formação leitora das crianças e jovens,
atribuindo-se as dificuldades desse processo, entre outras causas, às deficiências de sua própria
formação leitora. Esse estudo de caso procurou traçar o perfil de alguns professores quanto a
seus processos de leitura e, a partir disso, se propôs a analisar as práticas educativas com leitura
de dois participantes (previamente inseridos nas categorias sujeito leitor e sujeito não leitor),
buscando elementos de diferenciação quantitativos e qualitativos entre as respectivas práticas.
O objetivo principal da investigação foi verificar como a existência de um perfil leitor por
fruição na figura dos professores poderia influenciar práticas educativas com a leitura mais
assertivas, segundo os pressupostos teóricos explicitados. A análise dos dados permitiu concluir
que ter um perfil leitor por fruição, manifestado por vínculos afetivos com a leitura e a
literatura, é aspecto relevante, mas não configura condição para que um professor desenvolva
práticas de ensino da leitura mais significativas. No cenário que se configurou a partir das
informações coletadas em entrevistas e observações de campo, as diferentes possibilidades de
estudo da temática leitura e ensino na formação inicial se tornaram relevantes para a análise
das diferenças qualitativas verificadas nas práticas educativas do sujeito leitor.
Palavras-chave: Leitura e ensino; Formação do leitor; Formação de professores.
ABSTRACT
This work presents a view about an outline of reader teachers from a public school of
Presidente Prudente, São Paulo State; these teachers work with students from first grade. This
study discusses some aspects such as frequency, reading habits, affective entailment with
literature, kinds and objectives of their own reading. To do so, the study ransoms the teachers
reading memories during three stages of their lives: Young childhood, school age and
adolescence, and finally as adults. Many researchers have presented a discussion about how
important the teacher is for the reader development, in some of these studies the difficulties of
this process is attributed to a failure in the teachers’ development as a reader. This case study
intends to present an outline of some teachers and their reading process, and then, analyze the
way a reader and a not reader teacher work with reading. We also intend to verify quantitative
and qualitative elements that differ their work. Our aim was to verify if a reader teacher can
develop a better work that a teacher that does not read very often, according to a theoretical
support. The analysis of the data allowed to end that to have a profile reader for fruition,
manifested by affectionate bonds with the reading and the literature, it is relevant aspect, but it
doesn't configure condition for a teacher to develop practices of teaching of the reading most
significant From the dates collected during our investigation, the interviews and the observation
register, we have different possibilities to analyze the theme reading and learning and these are
very important to the qualitative differences about the reader educative work.
Keywords: Reading and learning. Reader education.Teacher education.
SUMÁRIO
Primeiras palavras....................................................................................................................9
1 Trilhando o caminho: primeiros passos.............................................................................15
1.1 Sobre a escola......................................................................................................................15
1.2 Sobre os sujeitos participantes............................................................................................ 19
2 Sinalizando o caminho: algumas setas, algumas luzes......................................................25
2.1 Sobre a leitura e o ato de ler................................................................................................ 25
2.2 Sobre a formação leitora......................................................................................................28
2.3 Leitura e fruição: a questão do prazer..................................................................................31
2.4 Leitura, ensino e escola: algumas perspectivas....................................................................32
3 O caminho investigativo: planejando o roteiro..................................................................36
4 Desvelando o caminho: paisagens reveladas..................................................................... 41
4.1 Sobre o perfil leitor dos professores participantes...............................................................41
4.2 A leitura na primeira infância..............................................................................................42
4.3 A leitura na escola................................................................................................................49
4.4 A leitura na vida adulta........................................................................................................59
5 Os (caminhantes) participantes-córpus : concepções e práticas.......................................70
5.1 A escolha dos professores participantes-córpus da pesquisa...............................................70
5.2 Leitura e sala de aula: o trabalho de campo.........................................................................71
5.2.1 Professora 12: concepções e práticas............................................................................. 72
5.2.2 Professora 01: concepções e práticas..............................................................................79
5.3 Professores, leitura e ensino: o lugar e o papel da formação inicial e continuada...............89
6 Retratos do caminho: considerações finais.........................................................................97
Referências
Bibliográficas..........................................................................................................................101
Anexos.....................................................................................................................................104
Primeiras Palavras
“(...) ler é fazer-se ler e dar-se a ler.”
Jean Marie Goulemot
Hábito ou gosto pela leitura. Paixão e prazer na leitura. Vamos fazer do
Brasil um país de leitores. Essas falas, muito presentes nos discursos e práticas sociais, bem
como nos estudos que se debruçam sobre a questão da leitura, denunciam a necessidade de
efetivarmos, neste país, uma educação para a leitura e talvez não tão somente pela leitura.
Educar para a leitura seria, no meu entender, estabelecer como meta que as crianças e jovens
buscassem, com autonomia, as leituras necessárias e/ou desejadas para o seu cotidiano e para a
sua inserção social, cultural e política. Seria não somente a busca do aprender a ler, mas o
desafio eterno de ler para aprender, para se divertir, para se emocionar.
A falta de hábito ou gosto pela leitura tem sido apontada como uma das
principais causas do fracasso escolar do aluno e, conseqüentemente, de seu fracasso como
cidadão (SILVA, 1998).
Considerando que a escola é um espaço privilegiado de contato com a escrita,
com os livros e com a literatura mais especificamente, ressalta-se o papel do professor – o
sujeito educativo a quem cabe mediar a relação entre o educando e o conhecimento – na
complexa tarefa de desenvolver o hábito e o gosto pela leitura.
Sobre essa função do professor na formação do gosto (e não só das
competências básicas do ato de ler), Magnani afirma: “... o professor é, concomitantemente,
alguém que participa ativamente desse processo, alguém que estuda, que lê e expõe sua leitura
e seu gosto, tendo para com o texto a mesma sensibilidade e atitude crítica que espera de seus
alunos” (MAGNANI, 1989, p.94).
Bamberger, ao discorrer sobre a formação do hábito de leitura relatando
resultados de pesquisas na área realizadas na Áustria, anuncia três características presentes
entre as crianças que lêem bastante:
a) têm geralmente um relacionamento muito bom com o professor, o qual,
por sua vez, leitor entusiasta, procura fazer com que os alunos
experimentem na leitura um prazer idêntico ao seu;
b) freqüentaram aulas de professores interessados e informados, que
possuíram boa provisão de material de leitura (biblioteca nas salas de
aula);
c) foram “induzidos à leitura” por um contínuo contato com livros e métodos
especiais de ensino moderno da leitura ( BAMBERGER, 1985, p. 20).
É possível inferir, a partir dessa descrição, que a influência do professor tem
papel decisivo no ensino da leitura, sobretudo quando pensamos na possibilidade de
compensação das desigualdades referente às crianças cujo universo familiar não estimula ou
propicia o acesso ao mundo da linguagem escrita.
As considerações aqui presentes revelam que a efetivação de uma política de
formação de leitores, de uma educação para a leitura, na escola, depende, entre outras variáveis
(bibliotecas e acervos adequados, bibliotecários que promovam a leitura, programas de ensino
que contemplem a formação do leitor), mas, sobretudo, com especial importância, de
professores que encontrem, eles mesmos, o prazer, o gosto e a paixão por ler e que construam,
durante sua trajetória como pessoa e como professor, um vasto repertório de leituras para
compartilhar com seus alunos.
A constatação da relevância da figura do professor nesse processo levou-me a
pensar em como se constitui o perfil desse professor-leitor na escola real, cotidiana, para além
das expectativas que discorri acima.
Partindo da premissa de que, para verdadeiramente promover o aprendizado
dos alunos, é preciso que o professor saiba aprender e ensinar e de que, para ensinar, é
necessário que ele primeiro aprenda, para que depois ensine, seria possível supor que somente
aquele que lê e que conhece o universo da leitura será capaz de formar leitores. Tal afirmação
me levou a refletir sobre as condições práticas e objetivas de leitura dos professores, face à
denunciada situação de desvalorização da categoria profissional docente, visto que o acesso à
cultura letrada pressupõe um custo que não pode ser ignorado.
A precária realidade brasileira no que diz respeito ao acesso a livros em geral
e a obras literárias, especialmente na escola, é freqüentemente relatada (SILVA, 1998, 2000,
2004; CHIAPPINI, 2002; BORDINI & AGUIAR, 1993): o número insuficiente de bibliotecas,
a pobreza de seus acervos, a indisponibilidade de livros para os alunos e professores, a ausência
de espaços escolares adequados à disposição e divulgação dos acervos existentes, a falta de
bibliotecários, etc.
Recente pesquisa da Unesco (Pesquisa Nacional Unesco, 2004) analisou o
perfil dos professores brasileiros, e seus dados reafirmam essa realidade:
Pressionados pelos baixos salários, por uma formação precária –
freqüentemente desvinculada das condições concretas de vida de seus alunos e
do meio em que atuam – e pelo acesso limitado ou inexistente a bens culturais,
entre outros problemas, os professores se vêem isolados no enfrentamento da
heterogeneidade social, econômica e cultural que, segundo Morin (2000),
caracteriza a sala de aula (UNESCO, 2004, p. 18-19)
1
.
Silva, em estudos sobre o ensino da leitura no Brasil, relata esta situação
preocupante e analisa as conseqüências para a formação do aluno leitor:
[...] percebemos um grande contingente de professores que foram leitores e
que, em função das condições de trabalho e de vida, perderam a vontade de
participar do mundo da escrita. Dessa forma, para os nossos estudantes, a
chamada “viagem da leitura” geralmente se faz com um companheiro de
segunda categoria, que tem no livro didático o único ou principal fundamento
do seu repertório de leitura e de conhecimento (SILVA, 1995, p. 12).
Tais denúncias sobre o desmantelamento da escola pública e as péssimas
condições de trabalho dos professores (SILVA, 1995), incluída aí a questão da remuneração
profissional, suscitaram-me o desejo de conhecer como se constitui o perfil leitor de alguns
professores que atuam nas séries iniciais da escolaridade e como se realiza a prática docente
destes no que se refere ao ensino da leitura e à formação do gosto por essa atividade.
Decidi-me por um estudo de caso em uma escola municipal de educação
infantil e ensino fundamental de Presidente Prudente, EMEIF “Carmem Pereira Delfim”, onde
pude entrevistar docentes que atuam nos anos iniciais do Ensino Fundamental e observar sua
prática em sala de aula.
2
Considerando a leitura primordialmente como prática social, construída nas
diversas situações vividas na família, na escola ou no trabalho, coube-me conhecer as histórias
1
O relatório mencionado cita as idéias de Morin, como apoio às análises, contidas na obra Os sete saberes
necessários à educação do futuro. São Paulo, Cortez. Brasília, UNESCO, 2000.
2
A justificativa para a escolha desta escola encontra-se neste texto às páginas 17-18.
de leitura desses professores, que memórias de leitura trazem consigo e onde tais memórias
foram constituídas, se na família, na escola ou na formação profissional, seja ela inicial ou
continuada. Ao mesmo tempo, procurei investigar que concepções têm esses professores sobre
o que é ler, sobre o ensino da leitura e a formação leitora.
Levantei, neste estudo de caso, algumas questões que me inquietam e que
me dediquei a observar durante a pesquisa. Queria saber se o professor leitor, aquele que se diz
e se considera leitor, mais especificamente o que lê por fruição e que mantém um vínculo com
a literatura, conseguiria demonstrar tal gosto e hábito aos alunos com os quais convive
diariamente e se, na sua prática cotidiana, dedica-se a formar esse gosto. Ou seja, seria esse
elemento (ser um professor leitor por fruição) uma variável que traria resultados qualitativos à
prática docente no ensino da leitura e formação do gosto e do hábito de ler?
Finalmente, considerando a escola como local por excelência onde se
possibilita o acesso aos caminhos da leitura em suas mais diversas manifestações e que a
dimensão quantitativa (mais ou menos) ou qualitativa (boa ou má) da leitura no processo de
escolarização depende de condições concretas para serem produzidas (SILVA, 1998),
interessou-me saber: quanto tempo é dedicado à leitura no espaço da sala de aula pelos
professores; como a leitura é introduzida nos espaços a ela destinados e quais são as escolhas
didáticas desses professores nesses momentos.
Desde o projeto inicial até a escrita desta dissertação, tive a intenção de
buscar respostas a estes questionamentos e elegi, como principal objetivo da pesquisa,
investigar a prática docente de professores que atuam nos primeiros anos do Ensino
Fundamental da Escola Municipal de Educação Infantil e Ensino Fundamental “Carmem
Pereira Delfim”, verificando como a existência de um perfil leitor por fruição na figura desses
professores poderia se constituir em um elemento indicador de assertividade no ensino da
leitura e da formação do gosto pela sua prática.
Tal investigação justifica-se na medida em que as pesquisas e a literatura da
área (MAGNANI, 1989; CHIAPPINI, 2002; SOUZA, 2004; SILVA, 1998, 2000) ressaltam a
relevância da figura do professor no processo de formação leitora, considerando-se que esse
profissional é visto como o mediador do processo. Bamberger (1995), descrevendo conclusões
de pesquisas realizadas sobre o papel do professor no incentivo à leitura, relata que, em classes
experimentais, como conseqüência de uma intensiva promoção da leitura pelos professores, a
quantidade média de livros emprestados pelos alunos durante o ano atingiu uma cifra que só os
melhores leitores demonstrariam.
Experiências escolares realizadas na Áustria mostraram que a influência do
professor pode ser decisiva no ensino da leitura, principalmente quando se
compensam as oportunidades desiguais das crianças cujo progresso não é
estimulado em casa (BAMBERGER, 1995, p. 75).
Entretanto, entendo que tal mediação se concretiza permeada por algumas
variáveis, como o repertório de leituras do professor, a sua relação com a leitura e o lugar e a
importância dos espaços de formação inicial ou continuada nesse processo.
Para atingir o objetivo aqui descrito, descrevo, no Capítulo 1, alguns dados
que chamo de primeiros passos deste caminho investigativo, contendo informações relevantes
ao tema sobre a escola selecionada e sobre os sujeitos participantes. Procuro traçar, nessa etapa,
um primeiro perfil deles no que se refere à idade, estado civil, número de filhos, renda
individual e familiar, formação acadêmica, etc.
No capítulo dois, busco definir alguns conceitos essenciais à pesquisa,
descrevendo os pressupostos teóricos que apóiam a discussão e que denomino setas do
caminho: luzes que me possibilitam delinear coerentemente a trajetória deste caminhar,
definindo leitura, formação leitora, leitura e escola, leitura e fruição, leitura e ensino.
No capítulo três, descrevo as questões metodológicas e a natureza da pesquisa
e justifico as escolhas sobre os instrumentos de coleta de dados a partir do objetivo central da
investigação.
No capítulo quatro, inicio as análises dos dados coletados nas entrevistas e
busco traçar o perfil leitor dos sujeitos participantes desta pesquisa. Os relatos apresentados
permitem definir similaridades e diferenças no percurso da formação leitora dos professores em
diferentes fases: infância, adolescência e vida adulta. A partir desses dados e das análises,
seleciono os participantes-corpus da segunda fase do trabalho: um professor que se declara
leitor e um que se apresenta como não leitor.
No capítulo cinco, exponho os dados referentes à segunda fase da
investigação: entrevista realizada com os dois professores selecionados e observações de
campo relativas às atividades com leitura, estabelecendo relações entre o discurso e a prática
docente. Relaciono, a partir dos aspectos observados, a prática educativa com a leitura e o perfil
leitor dos participantes, analisando diferenças quantitativas e qualitativas para, a partir dessa
análise, caminhar para as possíveis conclusões e respostas à indagação primeira que apresento
como problema desta pesquisa. Tais considerações finais estão expressas no capítulo seis desse
trabalho.
Muito distante da pretensão de esgotar um assunto que, além de complexo,
está imerso em um emaranhado de variáveis que poderiam encaminhar diferentes proposições
de estudo e análise, pretendo configurar um olhar sobre a relação perfil leitor docente e prática
educativa com a leitura, circunscrito a uma realidade específica: uma escola de Ensino
Fundamental do Município de Presidente Prudente, Estado de São Paulo.
1 Trilhando o caminho: primeiros passos
1.1 Sobre a escola
Delimitei o campo de estudo a uma escola municipal de Presidente Prudente,
Estado de São Paulo, a EMEIF “Carmem Pereira Delfim”, que atende crianças da Educação
Infantil (pré-escola) a 4ª (quarta) série do Ensino Fundamental e de Educação Especial,
totalizando 450 alunos com idade entre 6 e 10 anos, sendo que 400 deles estão matriculados nas
classes de 1ª a 4ª série. Localizada em uma das zonas de exclusão social do município, conta
com um diretor de escola e um orientador pedagógico.
3
Segundo informações do Plano Diretor da unidade escolar, a clientela
atendida é formada por crianças de famílias socialmente carentes, cuja renda familiar varia
entre um e dois salários mínimos. O nível de escolaridade dos pais ou responsáveis é baixo.
Como conseqüência, muitos deles atuam no mercado de trabalho informal ou se encontram
desempregados. A condição socioeconômica das famílias impede o acesso a moradias com
certo conforto e a maioria reside em casas de dois ou três cômodos. Além disso, é raro o aluno
que tem contato com livros, jornais ou revistas em seus lares.
O diagnóstico da realidade escolar efetivado pelos gestores escolares e
descrito no Plano Diretor aponta como principais problemas a serem enfrentados pela equipe de
profissionais da unidade: 1) as dificuldades de relacionamento entre os alunos, as quais geram
ocorrências de indisciplina e agressividade no espaço escolar; 2) as dificuldades de
aprendizagem que, na concepção dos autores do diagnóstico, ocasionam um número
significativo de crianças não alfabetizadas em séries avançadas e comportamentos de
indiferença em relação às aulas e ao material escolar.
A escola possui uma biblioteca com um acervo aproximado de 4.000 (quatro
mil) obras, entre literatura, literatura infantil e infanto-juvenil, didáticos, paradidáticos e livros
técnicos da área de pedagogia e docência. O local conta com uma estagiária cumprindo cinco
horas diárias de trabalho, distribuídas às segundas, quartas e sextas-feiras, no período da
3
Informação retirada do mapa de zonas de exclusão social do município de Presidente Prudente (SP), traçado a partir de
pesquisa desenvolvida pelo Grupo de Pesquisa Sistema de Informação e Mapeamento da Exclusão Social para Políticas
Públicas (SIMESPP), pertencente à Faculdade de Ciências e Tecnologia da UNESP/ Presidente Prudente.
manhã, e às terças e quintas-feiras, à tarde. A funcionária não possui experiência anterior nessa
atividade e é responsável pela organização da biblioteca escolar desde maio de 2005.
Segundo a coordenação da escola, a biblioteca esteve fechada por muito
tempo, de outubro de 2004 a maio de 2005, por falta de um funcionário que fosse responsável
por ela. Podendo, então, contar com uma pessoa que coordenasse as atividades da biblioteca, a
equipe escolar decidiu organizar o espaço, tombar os livros e elaborar um planejamento para
sua utilização. Tais iniciativas fazem parte de um projeto da escola intitulado “Ler para
Aprender”. Concomitantemente, estimular e auxiliar a organização do espaço biblioteca escolar
são objetivos do projeto “Leitura do professor, leitura do aluno: processos de formação
continuada”, desenvolvido pela equipe escolar em parceria com a UNESP, campus de
Presidente Prudente, e coordenado pela Profª. Renata Junqueira de Souza, docente e
pesquisadora dessa instituição.
4
No planejamento de uso do espaço, a escola decidiu que cada turma de
alunos, com aproximadamente 30 (trinta) integrantes, deve visitar semanalmente a biblioteca,
quando as crianças podem emprestar livros, levá-los para casa e devolvê-los na semana
seguinte. Nos horários de intervalo, os alunos também podem ir à biblioteca e fazer
empréstimos de livros, sem que necessariamente estejam acompanhados do professor e/ou da
classe.
Buscando informações junto à estagiária que atua como bibliotecária, colhi
alguns dados sobre a dinâmica de uso desse espaço. A princípio, tentaram organizar um
momento de leitura na sala do acervo, mas essa iniciativa não alcançou bons resultados.
Indagada sobre a razão do insucesso da proposta, disse que gerava muito tumulto, pois os
alunos escolhiam os livros mais curtos, liam rapidamente e logo solicitavam outros,
ocasionando dificuldades no atendimento ao grupo de crianças. Diante do ocorrido, a escola
decidiu, então, que os alunos poderiam levar os livros para casa.
Até algum tempo antes desta pesquisa, a estagiária contava histórias para as
crianças na biblioteca, durante o período de intervalo, mas por causa do pouco tempo
disponível (vinte minutos), a atividade pareceu complicada e decidiu-se pela sua suspensão.
Ainda a partir das informações da funcionária, soube que no início do
funcionamento da biblioteca escolar, havia problemas com a devolução dos livros pelos alunos,
mas, com o tempo, a situação foi se alterando e hoje ela conta com o auxílio dos professores na
tarefa de garantir que os livros emprestados sejam devolvidos. Informou também que, quando
4
Faço algumas considerações sobre o projeto “ Leitura do professor, leitura do aluno: processos de formação
continuada” à página 69 desse trabalho.
os professores narram ou lêem uma determinada história para os alunos de sua classe, eles
imediatamente vão à biblioteca procurar o livro utilizado pelo professor com objetivo de o
levarem para casa; em certas ocasiões ficam aguardando ansiosamente que ele o devolva e é
preciso revezar o empréstimo entre os alunos durante algumas semanas.
A estagiária organiza, ainda, um acervo de classe que constitui o “Cantinho
da Leitura” de cada sala de aula, distribuindo a cada turma um determinado número de livros
de diferentes tipos, procurando adequá-los à série a que se destinam.
Indagada sobre a maneira como procura selecionar os acervos de classe, a
estagiária afirmou que procura escolher os mais “adequados” para a série correspondente e
contemplar a “diversidade” de livros. Tal adequação à série pareceu-me desprovida de critérios
consistentes, sendo o tamanho do texto ou a quantidade de imagens os principais aspectos
observados pela estagiária, o que denuncia a ausência de formação específica para a função que
desempenha.
Segundo ela, os livros distribuídos a cada classe são aqueles exemplares que
já faziam parte do “Cantinho da Leitura” no ano anterior e, de acordo com um critério da
escola, não disponibiliza novos livros porque eles se estragam com o manuseio pelos alunos. O
acervo de classe deveria ser trocado uma vez por mês, entretanto, a última troca se deu com
intervalo de dois meses porque a estagiária esteve afastada de suas funções e a biblioteca, nesse
período, permaneceu fechada. Tal situação confirmou-se durante as observações por mim
realizadas nas salas de aula, quando tive acesso ao acervo do “Cantinho da Leitura”. A quase
totalidade dos livros de cada acervo, cerca de 90%, é formada por exemplares em péssimas
condições de uso, sem capa e/ou contracapa, com a ausência de páginas e/ou páginas rasgadas,
o que mostra que não só foram utilizados por muito tempo como também que seu uso foi
desprovido de cuidados.
Além disso, durante o convívio com os alunos, pude perceber as queixas que
faziam às professoras sobre a falta de renovação dos livros, alegando que aqueles do acervo da
classe já eram por eles conhecidos.
Embora as informações da estagiária revelem, de certa forma, o interesse da
equipe escolar em organizar o espaço da biblioteca e viabilizar o acesso dos alunos ao seu
acervo, ficam evidentes também as dificuldades encontradas pela unidade de ensino para
efetivar essa iniciativa no contexto do cotidiano escolar.
Justifico a escolha dessa escola para a realização da pesquisa, pelo fato de ela
estar engajada em projetos que são desenvolvidos em parceria com a UNESP/Presidente
Prudente e com o grupo de pesquisa “Formação de Professores e as Relações entre as Práticas
Educativas em Leitura, Literatura e Avaliação do Texto Literário”, no qual atuo como membro
participante e que tem como coordenadora a Profa. Dra. Renata Junqueira de Souza,
orientadora deste trabalho.
Importante, também, foi a disponibilidade da equipe escolar (gestores e
professores) para contribuir com a pesquisa, colaborando como parceiros participantes.Além de
um contato sistemático da equipe escolar (gestores escolares) com a Universidade em busca de
aprimoramento da prática pedagógica, percebe-se a disposição do grupo de docentes em
realizar um trabalho cooperativo com os pesquisadores.
Esse empenho da escola teve como origem um diagnóstico elaborado no final
do ano de 2003, em que os indicadores de desempenho nos quesitos leitura e escrita, se
revelaram insatisfatórios diante das expectativas e objetivos educacionais definidos pela equipe
escolar.
Ressalta-se então essa iniciativa como um movimento importante e
consciente da unidade escolar, que caminha ativamente na direção de sua primordial tarefa:
oferecer ensino de qualidade a todos, meta da escola democrática e em consonância com os
princípios educacionais brasileiros.
O diagnóstico, descrito no Plano Diretor e referente aos alunos de 1ª a 4ª
séries, mostrou que a escola, no que concerne especificamente à leitura, apresentava os índices
de desempenho descritos abaixo, expressos por critérios e níveis correspondentes (Nível I, II e
III) que foram adotados pela equipe escolar para efetivação dessa avaliação:
a) 40 % dos alunos apresentaram desempenho equivalente ao Nível I, considerado o mais
elementar, assim descrito: “é capaz de ler pequenos textos, desde que apoiados em
discussões anteriores e consegue identificar poucas informações no texto”;
b) 22% dos alunos atingiram o Nível II, ou intermediário, na escala de competência leitora,
que prevê: “é capaz de ler pequenos textos, mesmo sem apoio; identifica informações
principais do texto e lê em voz alta, porém sem fluência”;
c) 38% dos alunos conseguiram o patamar do Nível III, o padrão mais alto de desempenho: “lê
textos mais longos demonstrando compreensão, consegue identificar e localizar diferentes
informações contidas no texto e lê em voz alta com fluência”.
Esse resultado levou a equipe escolar a buscar alternativas para alteração do
quadro, destacando-se aqui a procura pela parceria com a Universidade e, posteriormente, com
o grupo de pesquisa citado, situação que me aproximou da escola e motivou a escolha do local
para desenvolvimento da investigação, conforme já mencionei anteriormente.
O envolvimento da escola com a pesquisa me parece bastante proveitoso para
ambas as partes (pesquisadora e participantes), visto que os resultados obtidos e análises
realizadas se constituíram em conhecimentos úteis para o contínuo crescimento da equipe, bem
como em elementos importantes para o traçar de novos rumos às políticas de gestão escolar.
1.2 Sobre os sujeitos participantes
Definida a escola, lócus desta pesquisa, selecionei como sujeitos participantes
da primeira etapa do trabalho todos os professores que atuam nas séries iniciais do Ensino
Fundamental (1ª a 4ª séries), totalizando 15 (quinze) docentes. Interessava-me, particularmente,
analisar a prática educativa com leitura na sala de aula, motivo pelo qual me pareceu mais
adequado focalizar o trabalho nas classes dessa fase escolar.
Para a entrevista dos participantes elaborei um documento semi-estruturado,
que se compôs de duas partes: primeiramente uma ficha pessoal (Anexo 1), contendo
informações como idade, sexo, estado civil, existência ou não de filhos, renda
individual/familiar e escolaridade. Esses dados foram por mim coletados, preenchendo a ficha
junto com o entrevistado, porém omitindo dados que pudessem identificar o professor (nome,
endereço, etc.).
5
Em uma segunda fase (Anexo 2), parti de um roteiro pré-estabelecido com 30
(trinta) questões, que tiveram como objetivo levantar informações referentes à formação leitora
dos professores, suas vivências de leitura e seus vínculos com a leitura em diferentes fases da
vida: primeira infância, fase da escolaridade e adolescência, vida adulta.
Além disso, busquei detectar as impressões dos professores sobre em que
medida os processos de formação inicial e continuada exerceram influência em seu
comportamento de leitores. Foram perguntas que não se repetiram para todos os participantes,
visto que determinadas respostas anularam questões subseqüentes, não deixando, entretanto, de
garantir o mesmo conjunto de informações de todos os entrevistados.
Com autorização dos informantes, as entrevistas foram gravadas e
posteriormente transcritas. A entrevista gravada pareceu-me um instrumento confiável, à
5
Como forma de padronizar os dados referentes à remuneração do professor e renda familiar utilizei como
referência o salário mínimo em vigor por ocasião das entrevistas (maio e junho de 2005).
medida que possibilitou a repetição e o esclarecimento das perguntas aos participantes.
Propiciou também me deter mais atentamente nas atitudes e condutas do entrevistado, ou seja,
não somente no que foi dito, mas como foi dito. Além disso, a gravação permitiu um maior
aprofundamento no trabalho posterior, por meio da reprodução das vozes e falas, e,
conseqüentemente, a percepção de detalhes e informações para além do momento da aplicação.
Cada entrevista revelou-se um encontro, um momento de compartilhar
experiências, memórias, vidas. A possibilidade de conhecer as lembranças infantis relacionadas
aos livros e à leitura foi intensamente rica, trazendo-me maiores inquietações. As informações
e dados coletados permitiram-me traçar o perfil leitor dos professores, como se formaram e se
constituíram leitores, ou não, suas dificuldades e anseios.
Optei por organizar as informações mais objetivas dos sujeitos participantes,
visto que podem me auxiliar a delinear um primeiro panorama desta pesquisa: idade, sexo,
estado civil, número de filhos, renda individual e familiar, jornada de trabalho e formação.
Cabe observar que a totalidade dos sujeitos é do sexo feminino, motivo pelo qual passo a
utilizar este gênero quando em referência aos participantes da pesquisa.
Observei que, com exceção de uma docente com idade superior a 50 anos, a
maioria das professoras pesquisadas (11) se encontra na faixa entre 20 e 35 anos, o que me
permite dizer que se trata de um grupo bastante jovem. (tabela 1)
Tabela 1 – Classificação dos sujeitos participantes por faixa etária
Faixa etária Nº. de sujeitos %
20 a 25 anos 03 20
26 a 30 anos 02 14
31 a 35 anos 06 40
36 a 40 anos 01 6,5
41 a 45 anos 01 6,5
46 a 50 anos 01 6,5
51 a 55 anos __ __
56 a 60 anos 01 6,5
Total 15 100
A maioria das informantes (9) é casada, sendo as demais solteiras (5) e
apenas uma divorciada (tabela 2). Entre elas, 5 (cinco) professoras não têm filhos, e a maioria
que os tem fica na faixa entre um ou dois filhos (8). Apenas duas professoras possuem três
filhos. (tabela 3)
Estes dados mostram que a maioria (67%) das participantes são mães, o que é
relevante para a pesquisa, tendo em vista que o quesito pouco tempo disponível em função da
vida familiar é um dos aspectos que, na opinião das entrevistadas, dificulta o acesso aos livros e
à leitura freqüente.
Tabela 2 – Classificação dos sujeitos participantes por estado civil
Estado civil Nº. de sujeitos %
Solteiro 05 33
Casado 09 60
Divorciado 01 7
Total 15 100
Tabela 3 – Classificação dos sujeitos participantes quanto ao número de filhos
Número filhos Nº. de sujeitos %
Nenhum 05 33
Somente um 04 27
Dois filhos 04 27
Mais que dois filhos 02 13
Total 15 100
Quanto à carga de trabalho, quase a totalidade das professoras (80%) cumpre
jornada semanal de 25 horas; apenas três apresentam jornada superior por ter outro trabalho
paralelamente à docência (tabela 4). Cabe esclarecer que não foram consideradas as horas
destinadas às reuniões de HTPC – Horário de Trabalho Pedagógico Coletivo (5 horas) que as
professoras cumprem semanalmente na unidade escolar. Estes dados são importantes na medida
em que o argumento de uma jornada excessiva de trabalho e, eventualmente, em mais de uma
escola, não pode ser usado para justificar pouco tempo disponível para leituras.
Tabela 4 – Classificação dos sujeitos participantes quanto à jornada de trabalho
Jornada de trabalho Nº. de sujeitos %
25 horas semanais 12 80
40 horas semanais 02 13
50 horas semanais 01 7
Total 15 100
Sobre a renda individual, padronizada em salários mínimos, praticamente a
totalidade das professoras apresenta renda de até 4 salários mínimos; apenas três possuem
rendimento acima desse patamar por realizarem outro trabalho como complementação (tabela
5). Quanto à renda familiar, a maioria das entrevistadas (10) apresenta ganhos entre 4 e 8
salários mínimos, considerando a contribuição dos pais, irmãos e/ou cônjuges (tabela 6). Estas
questões se tornam importantes para este trabalho posto que o poder aquisitivo é um dos fatores
que podem viabilizar ou dificultar o acesso aos livros e materiais escritos. Na escolha dos
sujeitos participantes da segunda etapa da pesquisa considerei este um aspecto relevante,
selecionando professoras com rendimentos de valores similares.
Tabela 5 – Classificação dos sujeitos participantes quanto à renda individual
Renda individual Nº. de sujeitos Percentual
2 a 4 salários mínimos 12 80
Mais de 4 salários mínimos 03 20
Total 15 100%
Tabela 6 - Classificação dos sujeitos participantes quanto à renda familiar
Renda familiar Nº. de sujeitos Percentual
2 a 3 salários mínimos 01 7
4 a 6 salários mínimos 05 33
7 a 8 salários mínimos 05 33
Mais de 8 salários mínimos 04 27
Total 15 100%
Com relação à formação, quase a totalidade das professoras cursou o
Magistério – formação de professor em nível médio (14). Apenas uma delas não possui curso
superior concluído ou em andamento. Dentre os cursos de graduação, a maior incidência está
no curso de Pedagogia, concluído ou em curso (11). Observa-se também significativo número
de professoras que cursaram pós-graduação em nível de especialização (7). Apenas duas das
participantes possuem dois cursos de graduação (Pedagogia/Educação Física e
Pedagogia/Direito) e duas estão cursando a graduação pela segunda vez (tabela 7).
Tabela 7 – Classificação dos sujeitos participantes quanto à formação acadêmica
Curso Nº. de sujeitos %
Magistério – nível médio 14 93
Pedagogia (concluído) 07 47
Pedagogia (em curso) 04 27
Licenciatura em Matemática (concluído) 02 14
Licenciatura em Matemática (em curso) 01 7
Educação Física 01 7
Letras 01 7
Direito 02 14
Pós-graduação - especialização 07 47
Sobre o local de formação (tabela 08), dentre as 14 (catorze) entrevistadas
que cursaram o Magistério, a maioria o concluiu em escolas públicas de ensino médio (06) ou
em unidades de ensino públicas denominadas CEFAM – Centro de Formação e
Aperfeiçoamento do Magistério (05). Apenas três professoras concluíram seu curso nas
unidades oficiais de ensino antigamente denominadas Institutos de Educação. Quanto ao curso
superior de graduação (tabela 09), dentre as que o realizou (12) a maioria – 75% - estudou em
universidades particulares do município de Presidente Prudente e apenas 25 % em universidade
pública na mesma cidade. Entre as que estão cursando agora a graduação (05), mantém-se esta
situação: 03 (três) entrevistadas freqüentam universidades particulares e 02 (duas)
universidades públicas (tabela 10). Ressalto que para 02 (duas) dessas professoras, esse é o
segundo curso de graduação. No que se refere aos cursos de pós-graduação/especialização,
observa-se a mesma tendência dos cursos de graduação. Apenas duas professoras (29%)
freqüentaram universidade pública, enquanto 71% delas concluíram seus estudos em
universidades particulares do município (tabela 11). As informações coletadas permitem
concluir que o grupo de participantes tem como característica uma formação especializada,
tendo em vista que apenas uma professora (7%) não possui curso superior e considerando a
incidência de professoras (47%) com pós-graduação em nível de especialização. A corrida para
uma melhor formação, para além da graduação, se faz presente neste grupo e mostra uma
tendência ao aprimoramento intelectual.
Tabela 8 – Classificação dos sujeitos participantes quanto ao local de formação/Magistério
Local de formação Nº. de sujeitos %
Instituto de Educação 03 21
Escolas públicas 06 43
Unidades CEFAM 05 36
Total 14 100%
Tabela 9 – Classificação dos sujeitos participantes quanto ao local de formação/Curso
graduação
Local de formação Nº. de sujeitos %
Universidades particulares 09 75
Universidades públicas 03 25
Total 12 100%
Tabela 10 – Classificação dos sujeitos participantes quanto ao local de formação/Curso
graduação em andamento
Local de formação Nº. de sujeitos %
Universidades particulares 03 60
Universidades públicas 02 40
Total 05 100%
Tabela 11 – Classificação dos sujeitos participantes quanto ao local de formação/Curso pós-
graduação/especialização
Local de formação Nº. de sujeitos %
Universidades particulares 05 71
Universidades públicas 02 29
Total 07 100%
Resumindo as informações coletadas, é possível afirmar que as participantes
deste trabalho são jovens, com idade entre 20 e 35 anos, sendo a maioria delas casadas e com
no máximo dois filhos. Cumprem uma jornada de trabalho de 25 horas semanais, o que lhes
permite um período do dia sem atividades no ambiente escolar. A renda individual oscila entre
2 e 4 salários mínimos que, somada à do cônjuge ou outros familiares, totaliza uma renda
familiar de 4 a 8 salários mínimos. Possuem uma formação especializada e procuram o
aprimoramento intelectual, visto que 93% concluíram ou estão cursando uma graduação e 47%
possuem cursos de pós-graduação /especialização na área em que atuam.
2 Sinalizando o caminho: algumas setas, algumas luzes.
“[...] A cada leitura, o que já foi lido muda de sentido, torna-
se outro. É uma forma de troca. [...].”
Jean Marie Goulemot
Parto do pressuposto de que as concepções que temos sobre a leitura e sobre o
ato de ler refletem diretamente nas nossas práticas cotidianas. Ao pensar na docência e na
figura do professor, afirmo que a forma como concebe a ação educativa ilumina e direciona as
suas escolhas, ou seja, interfere nas suas decisões quanto ao ensino da leitura. Também o meu
ponto de vista se configura a partir das concepções que possuo, das idéias que defendo e,
conseqüentemente, as decisões e as análises se constituirão a partir dos referenciais teóricos em
que me apóio. Acredito que não será possível realizar uma análise qualitativa a respeito da
prática educativa com leitura sem me declarar, sem explicitar que luzes, que setas guiam meu
olhar.
Da mesma forma, creio não ser possível estabelecer relações entre o perfil
leitor dos professores e suas práticas educativas sem que mencione aqui como são, ambos,
configurados e como são entendidos na perspectiva deste trabalho.
Este capítulo traz, no seu corpo, as setas do caminho, as luzes que me
orientaram, que me guiaram na análise dos dados e informações que pude coletar durante a
realização da pesquisa, isto é, a minha interpretação dos conceitos que envolvem o tema -
leitura, formação docente, formação do leitor, prática educativa no ensino da leitura, leitura e
fruição – construída a partir de tantas outras valiosas referências de pesquisadores que
percorrem há mais tempo este caminho.
2.1 Sobre a leitura e o ato de ler
Leitura, aqui entendida como produção de sentido (GOULEMOT, 2001) é
uma atividade humana de compreensão de mundo, um processo de interação com o outro pela
mediação da palavra, entre o texto e o leitor, em que este desempenha um papel de agente ativo
(BRANDÃO & MICHELETTI, 2002). Tal concepção dialógica da leitura reconhece o ato de
ler como um processo de construção de significados em que a análise do leitor constitui
elemento primordial nesse construir. Ler é, portanto, constituir e não reconstituir um sentido
(GOULEMOT, 2001).
Essa construção é um trabalho de atribuição e produção de sentidos, pautado
pela colaboração mútua entre leitor e texto – o texto indica ao leitor o percurso da leitura, o
leitor mapeia o texto articulando simultaneamente os elementos que o autor utilizou para
organizá-lo, com sua interpretação, sua marca e sua história.
Desse trabalho de significação resulta um terceiro universo, que não aquele
inicialmente concebido pelo autor, nem aquele exclusivamente atribuído pelo leitor, mas o
produto de um diálogo aberto e incessante.
Ler é mais que operar a mera decodificação de palavras e frases; é
compartilhar as representações daquele que produziu o texto e criar outras novas. Ler é um
contínuo exercício de reescrever aquilo que se lê. Parafraseando Paulo Freire (1996), ler é
descobrir a conexão entre o texto e o contexto e, ao mesmo tempo, vincular o contexto do texto
ao meu contexto de leitor.
Essa concepção de leitura se enquadra em um referencial teórico amplo que
considera essencial o caráter dialógico da linguagem, ou seja, o texto dialoga com o leitor, que
lhe dá vida e lhe atribui significados.
Reconhecer o caráter dialógico da linguagem implica conseqüentemente
considerar a sua dimensão social e histórica, ou seja, compreender o signo lingüístico como
fenômeno social. Significa entender e vislumbrar a palavra como signo vivo e dialético, que se
realiza na interação com o outro. De acordo com essa abordagem, o ato de ler é um processo
amplo e complexo, pois constitui um movimento humano, mediado pela palavra, para o
entendimento do mundo. Nesse movimento interferem as histórias de leitura do leitor e do
próprio texto, circunscritos à determinada situação histórica e social.
Goulemot (2001) descreve poeticamente uma “biblioteca” do texto lido:
[...] O livro lido ganha seu sentido daquilo que foi lido antes dele, segundo um
movimento redutor ao conhecido, à anterioridade. O sentido nasce, em grande
parte, tanto desse exterior cultural quanto do próprio texto e é bastante certo
que seja de sentidos já adquiridos que nasça o sentido a ser adquirido. De fato,
a leitura é jogo de espelhos, avanço especular. Reencontramos ao ler. Todo o
saber anterior – saber fixado, institucionalizado, saber móvel, vestígios e
migalhas – trabalha o texto oferecido à decifração. [...] (GOULEMOT, 2001,
p.114).
Considerar a existência de tal “biblioteca” implica entendermos a leitura
como prática essencialmente social. Ler não é simplesmente um ato isolado de um ser humano
frente a um texto escrito por outro. Leitura é um processo de interação entre o homem e o
mundo, através de uma relação dialógica entre o texto e o leitor, relação essa permeada pelas
condições de produção e utilização desse texto.
Ao indivíduo que tem acesso à palavra escrita é possível conhecer a herança
cultural deixada por seus antepassados, decifrar as mensagens de seus
contemporâneos e deixar um legado para o futuro
(SOUZA, 2005, p. 13).
Nesta perspectiva, não cabe a existência da figura de um leitor passivo, que
apenas decodifica e busca no texto os significados dados anteriormente por aquele que o
produziu. Ler, muito mais que decifrar palavras em busca de um sentido estabelecido, é
relacionar o escrito com as próprias experiências. Citando as palavras de Goulemot (2001,
p.113): “Ler será, portanto, fazer emergir a biblioteca vivida, quer dizer, a memória de leituras
anteriores e de dados culturais.”.
2.2 Sobre a formação leitora
A linguagem é o instrumento pelo qual o homem se vê e se reconhece como
ser humano. É pela e na linguagem que o humano se realiza, que o homem pode se comunicar
com o seu semelhante, compartilhar experiências, comunicar e transformar o vivido.
Obviamente, para que exista a linguagem é necessário que exista um conjunto de seres
humanos, no qual o homem reconheça sua pertinência e se perceba como homem. Portanto, é
na interação social que surgem as linguagens, a partir das necessidades humanas de trocas e
intercâmbios. Através das vivências lingüísticas, nos damos conta de nosso conhecimento de
mundo, de nosso saber, dos outros seres humanos e de nós mesmos. Por meio da linguagem
participamos, transformamos ou alteramos o curso das situações vividas em qualquer esfera da
vida humana.
Entre as formas de linguagem produzidas pelo homem, a verbal é a mais
utilizada. Tomo como minhas as palavras de Maria da Glória Bordini e Vera Teixeira Aguiar
(1993): “Pode-se afirmar, mesmo, que todas as linguagens humanas são repassadas pela
palavra.” Desta maneira, o registro da linguagem verbal através do código escrito, neste caso, o
livro, seria “[...] o documento que conserva a expressão do conteúdo de consciência humana
individual e social de modo cumulativo. [...]” (BORDINI & AGUIAR, 1993, p.9).
Sendo assim, o acesso ao universo dos livros e dos mais variados registros
escritos possibilitaria a construção de uma rede de conhecimentos e informações sobre o
mundo e a humanidade da qual fazemos parte, estabelecendo e fortalecendo vínculos entre os
leitores e os seus pares, outros homens. “[...] Uma das necessidades fundamentais do homem é
dar sentido ao mundo e a si mesmo e o livro, seja informativo ou ficcional, permanece como
veículo primordial para esse diálogo” (BORDINI & AGUIAR, 1993, p.13).
A leitura é, essencialmente, uma experiência humana: um encontro entre o
“eu” e “os outros”; os outros homens, de agora e de sempre, os de antes e depois, aqueles que
nos habitam silenciosa ou ruidosamente e que reconhecemos numa espécie de comunhão diante
do texto escrito. Sendo assim, é pela e na experiência humana que nos apropriamos da leitura.
Sobre isso, discorre Ricardo Azevedo:
É importante deixar claro: para formar um leitor é imprescindível que entre a
pessoa que lê e o texto se estabeleça uma espécie de comunhão baseada no
prazer, na identificação, no interesse e na liberdade de interpretação. É
necessário também que haja esforço, e este se justifica e se legitima
justamente através dessa comunhão estabelecida (AZEVEDO, 2004, p. 39).
Dos vários espaços sociais onde a experiência humana da leitura pode se
concretizar, o núcleo familiar é o primeiro que adquire relevância no processo de formação do
leitor. Souza (2005, p.15) nota que: “Em primeira instância e, como protagonistas das primeiras
vivências infantis, os pais e familiares se constituem naturalmente como possíveis formadores
do leitor”. A possibilidade de ter acesso a livros e outros materiais escritos na infância, as
vivências de leitura como ouvir e contar histórias, e as experiências lingüísticas que ocorrem no
espaço familiar podem influenciar decisivamente nessa formação. Além disso, o valor
atribuído à leitura, no cenário familiar, pode constituir posteriormente base de sustentação para
o desenvolvimento do gosto pela leitura.
Essa perspectiva nos leva a pensar naqueles que, durante os primeiros anos de
vida, não podem desfrutar de um ambiente estimulador, seja pela ausência de familiares que os
conduzam às experiências literárias, seja pela carência de recursos, que inviabiliza o acesso ao
material escrito. A eles, restam os espaços para além da família, as instituições sociais, que
podem contribuir para que a experiência humana da leitura se concretize, como, por exemplo,
bibliotecas, igrejas e outros locais similares que, organizando espaços de convivência entre
crianças, jovens e adultos, possam, talvez, promover o encontro com o texto escrito e a
ampliação das experiências de leitura.
Mas, além da família, é inegável o papel da escola como instância de
formação do leitor. É ela, espaço socialmente reconhecido como o local onde se dá o acesso ao
conhecimento produzido pelo homem, que se torna lócus privilegiado para a formação leitora,
principalmente para aqueles a quem não foram oferecidas pela família as condições necessárias
para tal formação. Para muitos, a escola (e principalmente a escola pública) é o único local
onde poderão ter acesso ao livro, compartilhar vivências de leitura, enfim, enriquecer-se pela
experiência humana da leitura. Além disso, numa sociedade empobrecida como a que vivemos,
não pode a escola prescindir de seu papel de divulgar e possibilitar o acesso aos bens
simbólicos e culturais que circulam nesse espaço social.
Entretanto, cabe a ela contribuir para a formação de um leitor que não se
caracteriza pela figura obediente e passiva que preenche fichas, faz resumos de livros ou
reproduz fielmente trechos de materiais escritos, mas sim por aquele que, desafiado pelos
textos que lê, produz e constitui sentidos, dialoga com o escrito, com seu contexto, fazendo
emergir sua biblioteca vivida.
A formação escolar do leitor passa por uma série de aspectos que a
condicionam e, por vezes, a inviabilizam. Bordini & Aguiar (1993) apontam algumas dessas
condições referindo-se à leitura literária, mas que podem ser aplicadas a qualquer tipo de
leitura:
Para que a escola possa produzir um ensino eficaz da leitura da obra literária,
deve cumprir certos requisitos como: dispor de uma biblioteca bem
aparelhada, na área da literatura, com bibliotecários que promovam o livro
literário, professores leitores com boa fundamentação teórica e metodológica,
programas de ensino que valorizem a literatura e, sobretudo, uma interação
democrática e simétrica entre alunado e professor (BORDINI & AGUIAR,
1993, p. 17).
Diante de tantas e tão complexas variáveis questionamos o lugar e a
abrangência da figura do professor nesse emaranhado processo. Ressalto na citação acima a
variável “professores leitores com boa fundamentação teórica e metodológica” como
condição para um ensino efetivo da leitura. Causa-me inquietação pensar que relações posso
estabelecer a partir dela: professores leitores poderiam desenvolver práticas educativas mais
significativas ou qualitativamente melhores na formação leitora de seus alunos; docentes que
puderam ter acesso a uma boa formação teórica e metodológica referente ao ensino da leitura,
ainda que não tenham sido leitores em determinada época de suas vidas, poderiam ser
sensibilizados quanto ao ato de ler e, dessa forma, imprimir mais qualidade ao processo de
ensino da leitura. Essas proposições se tornam demasiado complexas para a abrangência e
possibilidades desta pesquisa, entretanto, parto da hipótese de que ser um professor leitor por
fruição pode não ser garantia de um processo de ensino da leitura qualitativamente melhor. De
qualquer forma, reafirmo aqui a escola como lugar privilegiado para a formação leitora e o
professor como aquele que, no contexto dessa instituição e em consonância com a própria
profissão docente, é a figura que pode mediar a relação entre a escrita e a criança, que pode
mediar o encontro entre o homem e o livro de modo a ampliar os horizontes dessa relação.
2.3 Leitura e fruição: a questão do prazer
O objetivo central desta pesquisa foi investigar o trabalho desenvolvido pelos
professores no que concerne à leitura, verificando como o fato de ser um leitor por fruição
poderia resultar em práticas significativas ou qualitativamente melhores. Portanto, cabe aqui
esclarecer como esse conceito é compreendido neste trabalho. Opto por iniciar da forma mais
tradicional, transcrevendo o significado das palavras fruição e fruir. No Dicionário Aurélio On-
Line, encontro as seguintes definições:
Fruir [Do lat. *fruere, por frui.] Verbo transitivo direto. 1.Estar na posse de;
possuir. 2.V. usufruir. 3.Tirar de (uma coisa) todo o proveito, todas as
vantagens possíveis, e, sobretudo, perceber os frutos e rendimentos dela.
Verbo transitivo indireto. 4.Gozar, desfrutar: “Todos fruíam
igualmente de um
mar bravo, limpo, da melhor espuma.” (Carlos Drummond de Andrade, Fala,
Amendoeira, p. 55.)
Fruição (u-i) [Do lat. tard. fruitione.] Substantivo feminino. 1.Ação ou efeito
de fruir; gozo, posse, usufruto: “O intolerável é que pessoas aptas à leitura não
liguem importância ao livro. Com isso, perdem a fruição de um prazer
superior, além do mais.” (Aires da Mata Machado Filho, Falar, Ler e Escrever,
p. 77.).
Em Barthes (1993), encontro um conceito sobre o texto de fruição, ou seja, do
objeto de leitura que pode conduzir o leitor a gozar de seu encantamento, a vivenciar a
experiência humana de encontrar a si e ao outro pela linguagem:
Texto de fruição: aquele que põe em estado de perda, aquele que desconforta
(talvez até um certo enfado), faz vacilar as bases históricas, culturais,
psicológicas, do leitor, a consistência de seus gostos, de seus valores e de suas
lembranças, faz entrar em crise sua relação com a linguagem (BARTHES,
1993, p. 22).
O fruidor, aquele que desfruta do objeto de fruição, neste caso o leitor em
relação ao texto escrito, capta a experiência humana da obra, identifica-se com ela, reconhece
nela os atributos de humanidade que o autor soube incorporar e, colocando-se em estado de
perda, renova-se pelo encontro com o outro pela palavra. Abre uma porta entre o seu universo e
o do outro, pois os sentidos do texto são construídos pelo compartilhamento de visões de
mundo entre os homens. Dessa forma, seu encontro com o autor através da palavra o faz rever
seus conceitos, suas idéias e seus valores, contestar alguns e reafirmar outros, perder e ganhar,
enfim, renovar-se.
Aproprio-me das palavras de Santo Agostinho, importante filósofo e teólogo
que viveu no limiar entre a Antiguidade e a Idade Média, para afirmar que fruir a leitura
implica necessariamente um movimento de busca voluntária, busca ligada ao prazer e ao
deleite, gratuita, sem fins utilitários: “Fruir é aderir, por amor, a uma coisa, por ela mesma
(informação verbal)
6
.
Não cabem nesta conceituação aqueles cuja busca pela leitura seja apenas
guiada pelo pragmatismo, pela obrigatoriedade ou pelos deveres da profissão, negando ao ato
de ler o caráter de ócio e de lazer.
Portanto, na perspectiva deste trabalho a expressão leitor por fruição se refere
àqueles que buscam em suas leituras “O gosto de ler, simplesmente pelo prazer de ler, como
hábito de vida ou forma de lazer [...]” (VIEIRA, 1993, p.43). Esse leitor traz na sua busca pela
leitura a adesão voluntária, afetiva, para com os livros; embora possa determinar as finalidades
subjacentes a cada leitura, não são os fins utilitários que o movem na busca, mas o desejo da
experiência humana de encontro pela linguagem, a possibilidade do gozo, do desfrute, do
prazer.
2.4 Leitura, ensino e escola: algumas perspectivas
A aplicabilidade de tais idéias, aqui postuladas, sobre o conceito de leitura e a
formação do leitor no contexto escolar implica diretamente a busca e a seleção de situações
didáticas de leitura que considerem e contemplem o papel ativo do leitor em formação.
Compreender a leitura como processo interativo me leva a considerar que, do
ponto de vista do ensino, há necessidade de que os alunos aprendam a processar os elementos
do texto, assim como as estratégias que os levarão à compreensão do que lêem. A
aprendizagem da leitura se constrói a partir de atividades compartilhadas de acesso ao
6
Citação proferida pela Profa. Dra. Renata Junqueira de Souza, em palestra realizada no I Congresso Internacional
de Leitura e Literatura Infantil, Presidente Prudente, 2004.
significado, e não podemos esperar que o leitor em formação domine uma habilidade para a
qual não foi instruído. Dessa forma, é essencial a presença insubstituível do professor, que pode
transformar um caminho, para muitos, árduo e áspero, em um desafio instigante e apaixonante.
Imagino, a partir dos princípios teóricos discutidos, um cenário onde, juntos, professores e
alunos pudessem trocar idéias e posicionamentos sobre leituras, compartilhar experiências,
ampliando os horizontes do ato de ler, estabelecendo significados diversos e pessoais sobre o
universo da leitura. Entretanto, muitas são as pesquisas que denunciam as dificuldades da
escola para trabalhar a linguagem numa concepção dialógica (CHIAPPINI, 2002; SOUZA,
2000; SANTOS, 2005), considerando-a como signo vivo, dialético e revelador do ser humano.
Chiappini, em pesquisa realizada em escolas da rede estadual e municipal de São Paulo, conclui
que:
[...] A escola tem a tendência a burocratizar a linguagem, desistoricizando-a
nos rituais que tradicionalmente a domesticam: a cópia, o ditado, a redação
como atividade isolada ou, quando muito, produto final de um processo
deslanchado pela leitura, a própria leitura como simples verbalização oral de
textos cuja compreensão deixa muito a desejar: o trabalho do professor sendo
repetição dos roteiros do livro didático, e o do aluno, sendo execução dos
exercícios que estes lhes impõem (CHIAPPINI, 2002, p.10).
Ao mesmo tempo, a pesquisadora nos alerta sobre o fato de que a
“domesticação” da linguagem não pode evidentemente ser analisada sem se considerarem as
precárias condições materiais em que se desenvolve a ação educativa na maior parte das escolas
pesquisadas: más instalações, baixa remuneração dos professores, contexto sócioeconômico-
familiar dos alunos, entre outros problemas. Podemos incluir aqui ainda a pobreza dos acervos
das bibliotecas escolares e a ausência de propostas para torná-lo acessível a professores e
alunos, ainda que deficiente, seja pela falta de recursos humanos ou pelo despreparo técnico
dos eventuais responsáveis pela organização e gerenciamento do espaço de leitura.
Para além dessas dificuldades, a ausência de uma formação teórico-
metodológica para o trabalho com a linguagem e, particularizando o que nos move neste
trabalho, para o ensino da leitura, induz os professores a buscarem referências para suas
práticas educativas nos chamados “manuais didáticos”, repetindo as instruções neles presentes
e orientando os alunos a executá-las. Dessa forma, instala-se na sala de aula um ritual sem
significado, repleto de ações mecânicas, cristalizadas ao longo da escolaridade, tais como
cópias, ditados, leituras em voz alta, exercícios de interpretação em que apenas o óbvio e o dito
são ressaltados, ou seja, ações que não privilegiam a formação do leitor ativo, que deveria,
(des)construindo o texto, reconstruí-lo sobre outros alicerces, (re)significá-lo a partir de suas
experiências de vida, de suas memórias, do diálogo com outros textos e do emergir da sua
biblioteca interna. Para que isso se concretize no interior da escola, é necessário que o
professor, mediador da relação entre a leitura (objeto de conhecimento) e o aluno, se veja como
leitor, isto é, como aquele que diante dos objetos de leitura sinta-se desafiado, impulsionado a
desvelar os sentidos que o texto escrito pode proporcionar. Entretanto, o cenário que vemos no
Brasil desenha uma paisagem pouco promissora: professores que, além de se saberem e
reconhecerem sujeitos não leitores, sentem-se pouco qualificados para o ensino da leitura.
Pesquisas cuja temática recai sobre a mediação efetivada pelos professores
entre os textos e os alunos (BRANDÃO & MICHELETTI, 2002; SOUZA, 2000) apontam os
argumentos dos docentes sobre várias questões que dificultam a concretização de práticas
favoráveis para a formação do leitor: problemas quanto ao acesso à literatura infantil,
precariedade nos acervos das escolas, falta de formação específica referente à leitura e seu
ensino.
Em recente pesquisa sobre as formas de ler que se praticam nas escolas, Silva
et al. (2002) definem quatro categorias para os episódios de leitura observados: 1) leitura
pressuposta, quando a relação leitura-produção de sentido é supostamente automática, ou seja,
o professor pressupõe que a simples leitura feita pelo aluno o faça entender imediatamente o
texto, ignorando a idéia de que a construção de sentidos requer “um aprofundamento na busca
de relações entre texto e vida, história, produções anteriores, etc” (SILVA et al., 2002, p.104);
2) leitura instrumental, que evidencia uma visão mecanicista dos atos de leitura, pois o
relevante é o efeito produzido pela emissão de voz, como pontuação, entonação e ritmo. Neste
tipo de abordagem “a leitura é avaliada como mera emissão de voz, importando mais a
fluência e a dicção do que a compreensão do texto” (SILVA et al., 2002, p.104); 3) leitura
seguida de trabalho de aprofundamento de texto numa concepção da aprendizagem como um
sistema monológico, que se caracteriza por um trabalho unidirecional, onde a participação dos
alunos, o diálogo e a troca de experiências e impressões sobre a leitura não têm lugar.
Normalmente, após a leitura de um texto, há sempre uma explicação do professor a respeito do
conteúdo abordado, constituindo assim a única voz: “o professor se concebe como detentor do
saber e o aluno recebe de modo passivo tudo que lhe é apresentado.” (SILVA et al., 2002,
p.104); 4) leitura seguida de trabalho de aprofundamento do texto assentada numa concepção
dialógica da aprendizagem, episódios em que “[...] há questionamento ou problematização do
tema abordado[..]. [...] os alunos contribuem com opiniões pessoais e constroem relações que
enriquecem o texto lido.”(SILVA et al, 2002, p.104).
Infelizmente, o que os pesquisadores puderam concluir a partir dos episódios
de leitura observados foi o predomínio da leitura pressuposta, ou seja, a maioria das atividades
de leitura desenvolvidas nas escolas selecionadas se pautou por essa abordagem espontaneísta,
em que o lugar e o papel do professor como mediador entre o texto e o aluno se esvaziam, se
desfazem.
No entanto, o ensino da leitura baseado numa concepção dialógica exige esse
professor mediador, que impulsiona, desafia e guia seus alunos no desvelamento dos sentidos
da leitura. Exige práticas que permitam o compartilhar de experiências, troca de impressões,
interação entre e o texto e seus diferentes leitores. Exige atividades que possibilitem a recriação
dos sentidos do texto, enriquecendo e ampliando os significados daquilo que é lido, através do
emergir da biblioteca vivida de cada leitor.
Já se disse que o ato de ler não se realiza somente como solitário e individual.
Embora o caminho que nos leva até a leitura passa por uma predisposição individual, ela
necessita de mediações externas vindas, principalmente nos primeiros anos de vida, da família
e, após o início da escolarização, da escola, na figura dos professores.
3 O caminho investigativo: planejando o roteiro
No planejamento inicial deste trabalho, optei por uma abordagem qualitativa
por entender que as características das metodologias qualitativas são mais adequadas aos
propósitos desta pesquisa e aos objetivos que delimitei, considerando os cinco aspectos básicos
que configuram os estudos qualitativos apresentados por Bogdan e Biklen (apud LUDKE e
ANDRÉ, 1986, p.11).
1. A pesquisa qualitativa tem o ambiente natural como sua fonte direta de
dados e o pesquisador como seu principal instrumento. Os estudos qualitativos pressupõem
contato direto com o ambiente e a situação que está sendo investigada, visto que o contexto e as
circunstâncias específicas em que um determinado objeto se insere são essenciais para a
investigação. Esse aspecto responde às necessidades da minha pesquisa, pois para analisar a
prática educativa com leitura dos professores selecionados é necessária a observação no
contexto em que ela se insere, ou seja, no espaço da sala de aula.
2. Os dados coletados são predominantemente descritivos (Op.cit., 1986,
p.12). O material obtido nas pesquisas qualitativas é geralmente rico em descrições de pessoas,
situações e acontecimentos e o pesquisador deve atentar para o maior número possível de
elementos presentes na situação investigada. Este trabalho utiliza a descrição como uma
ferramenta essencial, expressa nas transcrições das entrevistas realizadas com os sujeitos
participantes, nas informações coletadas sobre a escola e nas observações de campo.
3. A preocupação com o processo é muito maior do que com o produto
(Op.cit., 1986, p.12). Nos estudos qualitativos, o pesquisador investiga o problema tal como ele
se manifesta nas atividades, procedimentos e interações cotidianas, preocupando-se em retratar
a complexidade que o envolve. Nesta pesquisa, busco estudar a relação perfil leitor e prática
educativa com leitura da forma como ela se mostra no cotidiano da escola e da sala de aula,
preocupando-me com o emaranhado de aspectos e variáveis que circundam esse objeto de
investigação. Além disso, interessa-me particularmente analisar como se desenvolve o processo
de abordagem da leitura em sala de aula e não os seus resultados.
4. O “significado” que as pessoas dão às coisas e à sua vida são focos de
atenção especial pelo pesquisador (Op.cit., 1986, p.12). Há uma preocupação em considerar a
perspectiva dos sujeitos participantes, isto é, a forma como vislumbram o tema em foco. Neste
trabalho, para delinear o perfil leitor dos professores participantes, necessito dirigir minha
atenção para os diferentes significados presentes nos discursos e relatos, considerando que
muitas das questões colocadas procuram compreender o lugar e o sentido da leitura na vida
cotidiana dos sujeitos.
5. A análise dos dados tende a seguir um processo indutivo (BOGDAN e
BIKLEN, apud LUDKE e ANDRÉ, 1986, p.13). As buscas por evidências que comprovem
hipóteses e as abstrações próprias do processo reflexivo se formam ou se consolidam a partir
dos dados coletados e durante os estudos; o pesquisador, a partir de focos de interesse mais
amplos, vai afunilando as questões à medida que o estudo se desenvolve, tornando-as mais
específicas. Na fase inicial deste projeto de pesquisa minhas indagações eram múltiplas e,
mesmo tendo determinado os objetivos da investigação e os focos de interesse, as reflexões
advindas do estudo do problema é que me possibilitaram delinear com maior clareza os rumos
do trabalho.
Entre as formas que uma pesquisa qualitativa pode assumir, optei pelo estudo
de caso, entendendo que se trata da melhor abordagem metodológica para o caminho das
minhas investigações. Propus-me a estudar o perfil leitor das professoras que integram o quadro
docente de uma determinada escola, atendendo à especificidade e delimitação que exige tal
abordagem; o caso em estudo pode até ser igual a outros, mas ao mesmo tempo é único, pois
tem um interesse próprio.
[...] o caso se destaca por se constituir numa unidade dentro de um sistema
mais amplo. O interesse, portanto, incide naquilo que ele tem de único, de
particular, mesmo que posteriormente venham a ficar evidentes certas
semelhanças com outros casos ou situações (GOODE e HATT, apud LUDKE
e ANDRÉ, 1986, p. 17).
Uma das características do estudo de caso, segundo Ludke e André (1986, p.
18), é que essa metodologia enfatiza a “interpretação em contexto”, ou seja, procura levar em
consideração o contexto do problema, a situação específica a que está ligado. O objeto de
investigação desta pesquisa (relação entre perfil leitor docente e prática educativa com leitura)
é visto como um elemento dentro de um processo mais amplo, considerando-se sempre a
complexidade do contexto educacional e as variáveis que podem intervir nesse processo.
Ainda segundo os autores, outro aspecto relevante do estudo de caso é que ele
procura “representar os diferentes e às vezes conflitantes pontos de vista presentes numa
situação social” (Op. cit., 1986, p. 20). A realidade pode ser vista sob diferentes perspectivas. O
leitor pode chegar às suas próprias conclusões e decisões, desde que o investigador deixe claro
o percurso de suas investigações e o porquê de suas conclusões.
Tais características são relevantes para um trabalho que pretende investigar a
relação entre o perfil leitor de professores e as práticas educativas com a leitura em sala de aula,
pois se trata de tema complexo e abrangente, mesmo que circunscrito a uma determinada
realidade sócio-histórico-cultural.
Como etapas deste trabalho, elegi primeiramente a análise, através de
entrevistas semi-estruturadas, do perfil leitor de professoras dos anos iniciais da escolaridade
(1ª a 4ª séries) da escola selecionada. Pretendi colher dessa forma as lembranças e histórias das
professoras, relacionadas a vivências de leitura na primeira infância, na fase escolar, na
formação inicial e na vida adulta, buscando identificar possíveis vínculos afetivos entre elas e a
leitura e os livros. Como instrumento de coleta de dados, a entrevista me possibilitou a
interação necessária para abordar questões que remetem a histórias de vida.
[...] na entrevista a relação que se cria é de interação, havendo uma atmosfera
de influência recíproca entre quem pergunta e quem responde. Especialmente
nas entrevistas não totalmente estruturadas, onde não há uma ordem rígida de
questões, o entrevistado discorre sobre o tema com base nas informações que
ele detém e que no fundo são a verdadeira razão da entrevista (LUDKE e
ANDRÉ, 1986, p. 17).
Tendo consciência que outros elementos afetivo-emocionais, como, por
exemplo, as várias entonações de voz, não seriam contemplados pela escrita, tomei a decisão de
que as sessões, com autorização das participantes, seriam gravadas.
Após a realização das entrevistas, os dados foram transcritos e tabulados. A
análise desse material teve um enfoque qualitativo, embora os dados quantitativos fossem
também considerados de acordo com sua relevância para as questões e hipóteses levantadas.
Posteriormente, por meio dos dados coletados nas entrevistas, selecionei: a)
uma professora que se declarou leitora por fruição, manifestando vínculo com a leitura por
prazer e b) uma professora que se declarou como não leitora e distante da leitura por fruição.
Ambas constituíram então as participantes-corpus da segunda fase desta pesquisa. Apliquei-
lhes uma nova entrevista com a qual procurei descobrir suas concepções teórico-metodológicas
sobre o ato de ler e o ensino da leitura na escola. Julguei importante conhecer o repertório
teórico das professoras selecionadas, bem como suas impressões e idéias sobre a prática
docente com a leitura.
Como última etapa, e através da observação de campo, analisei como se
efetiva o trabalho dessas docentes no que se refere à leitura, considerando as dimensões
quantitativa (quanto tempo é reservado a situações didáticas de leitura) e qualitativa (como elas
são conduzidas). Para tanto, foram realizadas observações da prática docente das duas
participantes durante duas semanas de aula, acompanhando a rotina escolar, o planejamento
docente e a inserção dos momentos de leitura no cotidiano. Como forma de sistematização,
realizei registros descritivos, anotando todos os eventos presenciados bem como minhas
reflexões sobre a realidade observada.
Pretendi estabelecer, através da análise da prática educativa dos dois sujeitos,
elementos de diferenciação qualitativa e quantitativas entre eles, ou seja, a professora leitora e a
professora não leitora.
Entendo que, para estabelecer qualquer tipo de relação entre o perfil leitor do
professor participante e a prática educativa com leitura, a observação como técnica de coleta de
dados é a mais adequada.
A observação de uma situação, em que os sentidos (visão e audição) e o
espírito estão em alerta, pode oferecer valiosos insights e informações
indispensáveis para a coleta de dados significativos em momentos
subseqüentes do trabalho (WILKINSON, 1995, apud VIANNA, 2003, p.48).
Com essas características e a utilização desses instrumentos, o estudo de caso
possibilita conhecer mais de perto o problema e, conseqüentemente, a escola.
Concluindo, podemos dizer que o estudo de caso “qualitativo” ou
“naturalístico” encerra um grande potencial para conhecer e compreender
melhor os problemas da escola. Ao retratar o cotidiano escolar em toda a sua
riqueza, esse tipo de pesquisa oferece elementos preciosos para uma melhor
compreensão do papel da escola e suas relações com outras instituições da
sociedade (LUDKE e ANDRÉ, 1986, p. 23).
Procuro estabelecer, nas conclusões finais, a partir dos estudos bibliográficos
e dos dados levantados no campo de atuação, possíveis relações e implicações entre a formação
do professor leitor e a sua prática educativa com a leitura.
4 Desvelando o caminho: paisagens reveladas
4.1 Sobre o perfil leitor dos professores participantes
O universo dos professores pesquisados se mostrou heterogêneo quando da
análise de suas experiências com leitura nas diferentes fases da vida (infância, adolescência,
vida adulta), embora tenham sido encontradas similaridades em aspectos como idade,
remuneração, formação profissional, descritos nas tabelas do primeiro capítulo deste trabalho.
O caminho percorrido por cada um na constituição do ser-leitor mostrou-se complexo e imerso
em um emaranhado de variáveis, que, por sua vez, levaram a trilhas e atalhos da mesma
maneira diversos. Ao mesmo tempo, percebi traços comuns, semelhanças que puderam, no
desenho das paisagens reveladas, marcar lugares compartilhados, delinear cenários pares.
No planejamento prévio do roteiro que me guiou na condução das entrevistas,
optei por definir três categorias para as diferentes épocas de vida dos participantes, com o
objetivo de traçar o seu perfil leitor em fases específicas de suas existências. Assim, denominei
“primeira infância” como o período que vai de zero aos seis anos de idade, em que a principal
(senão única em alguns casos) instância de convivência social do ser humano é a família (pais,
irmãos, avós, tios, primos). Tive como objetivo analisar a influência do núcleo familiar na
formação leitora dos professores.
O segundo período, denominado “idade escolar”, compreende a fase de início
da escolaridade, entre 6 e 7 anos, até o final do ensino básico, por volta dos 16 anos , fase em
que o indivíduo progressivamente amplia sua interação social, recebendo influências de outras
instituições sociais para além da família, como clubes, igrejas e, principalmente, da escola.
Interessava-me analisar as influências da escola na formação leitora dos sujeitos participantes, a
partir de suas memórias com relação a vivências de leitura nos primeiros anos da escolaridade.
Finalmente, como última categoria, denominada “vida adulta”, determinei o
período correspondente à etapa de início da profissionalização dos professores até os dias
atuais, tendo em vista que o curso de nível médio para o exercício da docência tem seu início
após os dezesseis anos. Minha intenção foi analisar a influência da formação profissional na
constituição do ser-leitor dos docentes, tanto a formação inicial como a formação continuada.
Entendo aqui formação inicial como os cursos correspondentes à habilitação para a docência - o
magistério em nível médio e a graduação em Pedagogia e/ou licenciaturas como Letras,
Ciências, Matemática, Educação Física, entre outras. Delimito eventos de formação continuada
as atividades das quais os professores participam ao longo de sua carreira como aprimoramento
profissional: cursos de especialização e pós-graduação, reuniões pedagógicas na escola, cursos
de curta duração, seminários e congressos, incluindo tanto aquelas custeadas pelo próprio
docente como as promovidas pelos órgãos educacionais públicos.
As análises dos dados colhidos nas entrevistas permitem traçar, a partir dos
depoimentos, as diversas maneiras de ser-leitor dos professores participantes, as diferentes
trajetórias no encontro ou desencontro com os livros e com a leitura, descobrindo no caminho o
véu nebuloso de homogeneidade que normalmente se atribui a esses profissionais, como se o
ser-professor implícita e obrigatoriamente carregasse uma concepção de ser-leitor – o que não é
real, nem possível, haja vista o percurso único e singular de cada ser humano.
4.2 A leitura na primeira infância
A maioria das professoras pesquisadas (60%) viveu a fase da primeira
infância em municípios pequenos ou de médio porte, localizados no interior do Estado de São
Paulo, mais especificamente na região de Presidente Prudente, cidade onde se localiza a escola
selecionada. A maior parte delas em espaços de zona urbana; entretanto, três participantes
relatam que passaram a primeira infância na zona rural (Professora 02, Professora 09 e
Professora 11). Apenas três viveram essa fase em grandes centros, como é o caso das
Professoras 05 e 10 que moraram em São Paulo até os seis anos, tendo a última se mudado
posteriormente para Pernambuco; e da Professora 13, que nasceu no município de Natal, no Rio
Grande do Norte, e lá viveu até os nove anos de idade.
O mundo próximo e os contextos sociais em que viveram as participantes já
permitem estabelecer pontos que demarcam a singularidade. Apesar de muitas delas relatarem a
ausência de contato com materiais escritos como livros e revistas, as professoras que viveram
na zona rural, quando indagadas sobre as lembranças de vivências de leitura nessa fase de suas
vidas, revelam um acesso restrito a escritos e a possíveis estímulos que tenham recebido para as
práticas de leitura (questões 02, 03 e 05).
Até os seis anos é assim mínimo, porque a gente não tinha acesso
nenhum a livros assim, a nada. Eu lembro que o primeiro livro que eu
utilizei foi um livro de catequese, que a catequista me deu esse livro e
então eu gostava muito de olhar, de ver esse livro. (Professora 02)
Eu acho que não. Às vezes eu escutava muita música no rádio e ficava
imaginando como seria aquele cantor porque não tinha nenhuma
revista para estar vendo como ele era. (Professora 09)
Ao mesmo tempo, no entremeio dos discursos sobre a falta de contato com
materiais escritos, aparecem as vivências de leituras associadas à oralidade, como práticas
freqüentes nessa fase. Há relatos de momentos de reunião da família, principalmente à noite,
quando os adultos (pais, mães, avós) contavam “causos”, histórias da família, ou histórias
inventadas.
Eu lembro muito das histórias que a minha avó contava, de leituras
mesmo eu não tenho lembrança porque meu pai é analfabeto, minha
mãe também; eu sou de uma família de sete irmãos, sou a caçula. O
único contato que eu tive é que minha mãe me contava histórias, minha
avó me contava histórias, então era esse o meu contato. Na verdade, a
minha avó me contava muita história dela mesmo. Não sei se ela
inventava... (Professora 11)
A minha mãe contava bastante história, a minha mãe gostava de contar
histórias. E os meus pais, no sítio, a gente se reunia no final da tarde,
eles contavam histórias... de fantasma..então a gente adorava o final da
tarde pra poder ouvir histórias...do meu pai, da minha mãe, do meu avô
que morava comigo. (Professora 02)
Por outro lado, conforme os relatos das demais professoras, o fato de terem
vivido em grandes centros urbanos não lhes garantiu o acesso aos livros e materiais escritos.
Isso aponta para a tendência de que as circunstâncias favoráveis ao contato com tais bens
culturais estão relacionadas a outras variáveis, como, talvez, o poder aquisitivo das famílias e
seus valores culturais, cuja existência está ligada a um grau maior ou menor de informação.
Seria razoável pensar que em tais locais, onde o acesso a um maior número de bibliotecas,
centros culturais e outras instituições similares é significativamente maior, as possibilidades de
contato com a leitura pudessem se ampliar. Entretanto, não é o que apontam os depoimentos
das três professoras que viveram em grandes cidades, quando indagadas sobre as lembranças de
leitura nesse período de suas existências. Entre elas, só uma declara ter tido acesso a materiais
escritos, enquanto as demais relatam apenas experiências de oralidade, episódios idênticos
àqueles narrados pelas entrevistadas que viveram na zona rural.
Eu lembro que tinha uma vizinha que contava umas histórias tão
lindas, de contos de fadas. Até hoje eu lembro de um pedacinho, que
tinha um sapo que se tornava um príncipe, depois tinha um castelo
encantado, uma princesa, era muito linda a história. (Professora 10)
O Nordeste é repleto de lendas, mitos, então a experiência que eu tenho
é essa, da minha mãe me contando um monte de histórias. Histórias
folclóricas, do folclore regional. (Professora 13)
Lembro do meu pai, ele era muito de comprar livros. Então ele
comprava e a minha mãe, sempre que eu tinha que ficar internada ou
em repouso, minha mãe sempre estava lendo historinhas pra mim.
(Professora 05)
Entre as nove professoras que passaram a infância em cidades do interior
consideradas pequenas ou médias, como Presidente Prudente e municípios da região, encontro
também um número significativo (seis) de relatos de afastamento de materiais escritos,
revelando que cerca de 80% do universo pesquisado são compostos por sujeitos cujos primeiros
anos de vida (zero a seis anos de idade) foram caracterizados pela ausência de contato com
esses materiais, predominando a ocorrência de memórias de leitura associadas à oralidade, isto
é, a narração de histórias por familiares e vizinhos.
Eu me lembro muito do meu tio, que ele tinha só um livro muito antigo
de histórias. E tinha uma história: Trem de Ferro. Era um livro que
figuras eram preto e branco. Ele contava muito essas histórias. Acho
que algumas histórias eram de Monteiro Lobato. Então ele contava pra
mim, acho que eu tinha uns cinco ou seis anos, por isso eu me lembro
muito bem. (Professora 01)
Com livros mesmo eu não me lembro, porque como minha família é de
origem humilde eu não tinha acesso...Outras lembranças que eu tenho
não são de histórias de livros, mas de histórias de vida. A minha avó
contava muito coisas da vida dela.(Professora 03)
O que eu me recordo de leitura é que a minha mãe lia livros, eram três
livros que ela lia pra gente. Ela guardou desde a infância esses três
livros. Minha avó contava histórias pra nós, lá da Itália, ela era
italiana e contava histórias. Ela contava de Jesus, como veio ao mundo,
de quando ela veio pro Brasil de navio. (Professora 06)
Não tenho, livro sempre foi uma coisa cara né..e na época da minha
infância assim...a gente tinha uma dificuldade financeira..então minha
mãe nunca foi de comprar livro pra gente, eu nunca tive esse hábito.
(Professora 08)
Nenhuma, nada...Eu não tive nada disso. Ninguém da família contava
histórias, nenhum tipo de contato com leitura. (Professora 14)
Dentre as participantes que não tiveram acesso aos livros e demais objetos de
leitura, onze (cerca de 75%) não se consideraram leitoras na fase dos primeiros anos escolares
(questão 13), declarando como causas principais para o distanciamento da leitura a carências de
recursos, a dificuldade de acesso ou a falta de estímulo. Com exceção da Professora 11 que,
apesar da ausência de materiais escritos nos primeiros anos de vida, vê-se como leitora nos
anos iniciais da escolaridade devido à possibilidade de freqüentar uma biblioteca após seu
ingresso na instituição escolar.
A escola tinha uma biblioteca muito boa, então a gente ia lá, pegava
livrinhos. Dessa forma, meu acesso à leitura ampliou. (Professora 11)
Concomitantemente, entre as quatro professoras que revelaram bom contato
com livros, revistas, gibis e demais materiais escritos na primeira infância, encontro novamente
relatos de distanciamento das atividades de leitura no início da escolaridade, quando indagadas
se consideravam ou não a si próprias leitoras nessa fase (questão 13), o que demonstra a
complexidade que permeia o processo de formação do leitor.
Não. Porque era mínimo, eu não pensava nisso, nem leitura de mundo
eu fazia. Eu era muito infantil mesmo, brincava na rua...e quando eu
pegava alguma coisa pra ler, pra fazer, eram exercícios de matemática
que eu amava...Tirando isso eu gostava de brincar de elástico,
brincadeiras de rua mesmo (Professora 04).
Não, não. De leitura eu fugia. Era só pro estudo, eu sentava na mesa,
fazia a tarefa de casa, guardava os cadernos e livros. (Professora 05)
Na análise desses depoimentos observo que, apesar de terem tido acesso a
diversos materiais escritos, as participantes acima não se recordam de pessoas lendo com elas
ou para elas. O que existe na memória é a lembrança da existência de materiais diversos à
disposição, mas episódios freqüentes de vivências de leitura compartilhada com outras pessoas
não foram relatados.
Até os seis anos eu lembro que nós tínhamos uma vitrola antiga, e
minha mãe comprava disquinhos de histórias... e eu ouvia muito
disquinhos. Não lembro de ela contar histórias. De lerem para mim eu
não me lembro. Minha mãe lia muito, eu me lembro da minha mãe
lendo, mas pra ela. Meus irmãos lendo, mas pra eles. (Professora 04)
Lembro do meu pai, ele era muito de comprar livros. Então ele
comprava e a minha mãe, quando eu ficava internada ou em repouso,
minha mãe sempre estava lendo historinhas pra mim. Eu lembro dessa
parte quando eu ficava doente. (Professora 05)
Inversamente, observa-se que nos relatos das demais professoras (duas), que
se consideraram leitoras nos anos iniciais da escolaridade, para além de materiais escritos à
disposição, existiram significativas interações com a figura materna no manuseio desses
materiais. De forma diversa, porém congruentes, os relatos indicam a forte presença da mãe nos
momentos em que as atividades de leitura e escrita aconteciam.
A minha mãe sempre contou histórias pra mim, desde a gravidez... O
livro do meu nome ela leu pra mim quando estava grávida e, desde
criança, ela comprava livrinhos. Muito antes de aprender a ler, ela já
lia livrinhos pra mim, antes de dormir ela lia, durante o dia.
(Professora 12)
Minha mãe é professora, então sempre acompanhei minha mãe no dia a
dia dela, ela dava aula no sítio e eu ia junto com ela. Então tinha que
tomar leitura das crianças maiores, de seis ou sete anos... eu
acompanhava aquilo... não sei quando começou, mas acho que deve ter
sido a minha mãe o estímulo. (Professora 15)
Entre diversos e complexos elementos que influenciaram a trajetória de
leitoras dessas quatro professoras, chama-me a atenção o fato de que, tendo como similaridade
o acesso a materiais escritos na primeira infância, apenas se consideraram e se reconheceram
como leitoras, nos anos iniciais da escolaridade, aquelas que puderam usufruir de um ambiente
onde era comum compartilhar atividades de leitura e escrita, ou seja, onde havia mediadores de
leitura, pessoas que imprimiam ao ato de ler o caráter de experiência humana e prática social,
não somente um ato solitário e individual.
Quanto ao repertório de leituras (contos, histórias) presente na lembrança das
participantes nessa fase (questão 07), aquelas que revelaram dificuldades de acesso aos livros
apresentaram poucos exemplos. Nestes casos, aparecem histórias possivelmente criadas pelos
familiares, como a relatada pela Professora 11:
Na verdade, a minha avó me contava muito história dela mesmo. Não
sei se ela inventava...tem uma história dela que eu me lembro
muito...Era uma história da barriga, que tinha uma pessoa que
chamava perna, a outra braço e elas não se ajudavam.(Professora 11)
Também houve relatos de escuta de lendas e mitos folclóricos, como o desta
professora que passou a infância em Natal, no Rio Grande do Norte:
Eu lembro muito de duas lendas de lá, que é “A Viúva Machado”..É a
história de uma viúva, inclusive lá tem um casarão que eles dizem que é
a casa dela, que ela se alimenta de vísceras humanas pra sobreviver,
ela precisa disso...Então essa é a lenda, a minha mãe contava com
bastante freqüência, inclusive por conta dos raptos de crianças, então
até usavam isso pra gente ter mais medo, ficar mais em casa, essas
coisas.(Professora 13)
Com relação às histórias e contos clássicos, recorda-se, cada uma, apenas de
uma obra, o que talvez demonstre com veemência a ausência do livro como objeto cultural,
como “Trem de ferro” no relato da Professora 01, “O menino do dedo verde”, mencionado pela
Professora 02, “Rapunzel”, citada pela Professora 10.
As participantes que citaram maior número de contos e histórias infantis são
as que, na infância, tiveram a possibilidade de conviver com diversos materiais escritos,
inclusive com livros da literatura infantil.
Eu tenho uma coleção até hoje...”Contos de literatura infantil”. Tem
várias histórias: “Cinderela”, “Soldadinho de Chumbo”, “Pinheirinho
Verde”. (Professora 05)
Eram mais os clássicos mesmo. Eu lembro de “Chapeuzinho
Vermelho”, “Os três porquinhos”, eu tinha “A lebre e a tartaruga”, eu
tenho esses livros até hoje. Tem um que eu ganhei, eu já tinha seis
anos, aquele do jabuti, “A festa no céu”. (Professora 12)
Eu lembro da coleção dos contos de fadas, “Cinderela”, “A Bela
Adormecida”, esses daí...(Professora 15)
Duas professoras possuem algum material escrito relativo a essa fase da vida
guardado até hoje, o que por si pode revelar a necessidade do contato físico com o livro, o valor
dado à presença do livro enquanto objeto carregado de afetividade, como se vê nos relatos
acima das professoras 05 e 12.
Portanto, a partir dos dados levantados, posso concluir que a grande parte do
público pesquisado viveu, na primeira infância, um processo de distanciamento de materiais de
leitura, predominando as experiências de leitura relacionadas à oralidade, como ouvir histórias
e relatos narrados pelos familiares ou vizinhos. Apesar de terem passado essa fase da vida em
locais diversos, os contextos sociais e a existência de um maior número de centros culturais,
como bibliotecas, não se tornaram variáveis determinantes para o acesso aos livros. Parece-me
que, além das questões econômicas, os valores culturais presentes nas famílias das
entrevistadas podem ter sido elementos de diferenciação no acesso aos materiais escritos.
4.3 A leitura na escola
As experiências das participantes com a escola nem sempre foram lembradas
como positivas. Quando questionadas sobre onde e quando aprenderam a ler, a maioria (67%)
declarou ter sido na escola, aos sete anos, cursando a primeira série. Três delas relataram
aprendizagem da leitura na pré-escola aos seis anos (20%) e apenas uma não soube determinar
o período: Eu não sei te falar isso porque eu não lembro de não ter sabido ler. Eu acho que eu
aprendi com a minha mãe e na escola eu fui aprimorando. (Professor 13).
Há relatos de desagradáveis experiências iniciais na escola. Parece que tais
momentos permaneceram arquivados na memória das professoras, sendo recordados com certo
incômodo. A Professora 14 conta, com tristeza, seu ingresso na primeira série, explicando por
que aprendeu a ler somente no segundo ano da escolaridade.
Eu lembro que na pré-escola eu tinha horror da escola, eu tinha pavor
da minha professora. Pavor assim...de me recusar a entrar na sala
porque eu tinha pavor dela. E nessa época eu já lia algumas coisas,
mas era truncado...(Professora 04)
Eu aprendi a ler na escola, a primeira série eu reprovei, eu me recordo
muito bem que a professora, ela separou as turmas, os melhores e os
mais fracos, eu fui pra turma mais fraca, e aí eu ficava como que
esquecida, isso eu me recordo. Quando chegou o final do ano, eu
reprovei, então eu só tenho recordação ruim da minha primeira série,
por conta dessa história. Eu acho que eu aprendi a ler mesmo na
segunda série. (Professora 14)
A respeito do contato com os materiais escritos e do acesso a eles na fase
inicial da escolaridade, há depoimentos que relacionam o ingresso na instituição escolar com a
ampliação das leituras, justificada, principalmente, pela possibilidade de acesso a bibliotecas. A
biblioteca escolar torna-se, então, lugar importante na vida dos pequenos leitores:
Tinha biblioteca na escola, então foi aí que eu comecei a ter gosto.
Assim que eu aprendi a ler, eu comecei a pegar livrinhos na biblioteca,
a escola disponibilizava e eu vivia pegando livrinhos. A escola era o
único lugar onde eu podia ter acesso à leitura. (Professora 10)
Eu me lembro que a gente gostava muito de ir à biblioteca, mas a
professora raramente levava. Muito raro ela levar a gente...e fora a
escola, eu não tinha nenhum lugar onde eu pudesse ter acesso a essas
coisas. (Professora 01)
A escola tinha uma biblioteca muito boa, então a gente ia lá, pegava
livrinhos. Dessa forma, minha leitura ampliou. (Professora 11)
Entretanto, na mesma proporção (34%) aparecem relatos onde o único
material escrito disponibilizado era o livro didático ou a cartilha, com destaque para “Caminho
Suave”, da autora brasileira Branca Alves de Lima, que foi amplamente utilizada no processo
de alfabetização de muitas gerações. É emocionante o depoimento da Professora 02 quanto ao
seu sentimento pela cartilha, o primeiro livro que pôde folhear.
O único livro que eu me lembro era a Caminho Suave, que era a
cartilha que a professora usava...e eu chegava em casa e amava pegar
o livro, ficar olhando, tentando ler...o único material que eu tinha era
aquele livro...eu nunca esqueço, eu amava aquela cartilha...olhar os
desenhos...foi bem forte pra mim esse livro...o primeiro livro na
verdade que eu folheei.(Professora 02)
Vivendo, na primeira infância, um grande distanciamento de materiais escritos
porque residia na zona rural, ela parece imprimir ao seu encontro com o livro-cartilha um
aspecto mágico, revelando um sentimento afetivo para com o ato de ler. Rolla (1995), em
pesquisa sobre a formação leitora de professores licenciados em Letras, nota que:
Quando as condições são tão precárias [...], somente uma inclinação especial
pelo livro como objeto cultural pode transformá-lo em um companheiro
inseparável. Quando os entraves econômicos impedem o espaço do lazer, a
literatura só encontra lugar em indivíduos naturalmente predispostos para a
leitura (ROLLA, 1995, p.89).
Outros relatos reafirmam a presença da cartilha na sala de aula como único
material escrito, evidenciando que, para essas leitoras mirins, ainda permanecia o
distanciamento dos livros, apesar do ingresso na escola, instituição responsável pela divulgação
de bens culturais e por torná-los acessíveis aos alunos.
O que eu me lembro que tinha na sala de aula era o caderno, a cartilha
que eu lembro que era a Caminho Suave, e só. Eu não lembro de ir pra
biblioteca, ler livros como hoje, não me lembro da professora trazer
livros, essas coisas não teve na minha classe. (Professora 8)
Naquele tempo não se falava em jornal, revista não. Era o ba-be-bi-bo-
bu. Era a cartilha que a gente tinha, era a Caminho Suave, era o único
material. (Professora 09)
Eu só me lembro de ter a cartilha, o livro didático. (Professora 07)
É, depois que eu entrei na escola, tinha o livro didático, porque era só
o livro didático. Eu levava o livro pra casa, lia em casa...Mas era isso.
Fora o livro didático, não tinha nada. (Professora 13)
Há poucas lembranças envolvendo mediações com a leitura nos anos
escolares e apenas cinco entrevistadas (33%) fazem referência à figura do professor como
alguém que pode ter sido o formador do gosto pela atividade (questão 11), muitas vezes como
uma lembrança esporádica: um professor que se destacou por alguma atitude que o diferenciava
dos demais.
Eu acho que uma professora que deixava a gente ir na biblioteca,
pegar livros pra ler, eu acho que é da quarta série pelo que eu me
lembro. Era a única assim... que dava uma hora pra gente ficar na
biblioteca. (Professora 15)
Muitas participantes (60%) declaram não ter existido alguém, ou alguma situação,
fora do contexto familiar, que possam considerar como fonte de estímulos para o ato de ler.
Parece que a escola exerceu pouca influência sobre o comportamento leitor dessas professoras,
por vezes contribuindo para que a leitura fosse vista como mais uma atividade escolar trivial,
relacionada à obrigatoriedade e ao dever.
[...] geralmente o que eu lembro da escola, por exemplo, com leitura,
era assim por obrigação, pra tirar nota. Nesta fase da vida eu lia por
ler, decorava até, mas pra tirar nota. (Professora 05)
Paradoxalmente, apesar de a escola e o professor não se constituírem como os
principais estimuladores para a leitura, há nos relatos incidências significativas de ampliação da
freqüência nas atividades que envolvem o ato de ler no período dos anos iniciais da
escolaridade. Quando questionadas sobre a importância das atividades de leitura nessa fase da
vida, sete participantes (46%) revelam que liam muito, pegavam livros emprestados na
biblioteca, freqüentavam a biblioteca escolar. A professora 02 declara seu encantamento pela
leitura, apesar da escassez de material escrito que continuou existindo após a escola: “[...] O
único material que eu tinha eram os livros da escola... eu lia muito, mas eram os mesmos
livros... os da escola”.
Esses depoimentos parecem indicar que, a par de todas as dificuldades e
problemas que pudessem existir nas mediações de leitura na escola, foi nessa instituição que
grande parte das entrevistadas pôde ter contato com o objeto livro e, para aquelas cujas escolas
contavam com uma biblioteca escolar, a fase inicial da escolaridade se mostrou um período de
encontro e encantamento pela leitura.
A maioria das entrevistadas não se considerou leitora nos anos iniciais da
escolaridade, embora algumas tenham revelado ter tido o repertório de leituras ampliado neste
período. A principal justificativa apresentada é a de que não podiam se considerar leitoras
porque o material escrito era escasso. A leitura era freqüente, porém não havia diversidade de
objetos de leitura.
Eu acho que completamente não. Porque eu lia o que tinha em casa,
mas não tinha muita coisa. Eu acho que podia ter mais materiais.
Apesar de eu ter interesse, mas na escola eu tinha pouco e na minha
casa tinha bem pouquinho [...] (Professora 06).
Do universo de quinze professoras, apenas três (20%) se consideraram
leitoras nessa época de suas vidas. Duas delas (Professora 12 e Professora 15) tiveram, na
primeira infância, bom acesso a livros e materiais escritos e apontaram em seus relatos a
presença marcante de familiares que mediavam os momentos de leitura.
Sim, pelo interesse que eu tinha em ler, eu freqüentava biblioteca,
levava livros pra casa, buscava muita leitura. [...] Com onze anos mais
ou menos eu comecei a ler aquela coleção “Para gostar de ler”, minha
mãe comprou. Minha mãe tinha disso, ela ia mostrando os livros aos
poucos...(Professora 12)
Eu lembro de ser leitora, eu lia muito, escrevia. E assim...na minha
casa todo mundo achava lindo, aí que eu fazia mais, que eu lia mais e
escrevia mais. (Professora 15)
Uma terceira participante, apesar da primeira infância desprovida de contato
com materiais escritos, tendo se recordado apenas de episódios associados à oralidade,
considerou-se leitora na fase inicial da escolaridade, revelando as influências da escola e
atribuindo à existência da biblioteca a ampliação de suas leituras.
Eu acho que sim, acho que lia mais do que agora. Eu tinha interesse
por informação, aqueles livros me chamavam a atenção. (Professora
11)
Eu lembro que eu não era muito de assistir TV, por incrível que pareça.
Então eu pegava muito livrinho da biblioteca, trazia pra casa, lia, à
tarde voltava na biblioteca. (Professora 11)
Entre as que declararam terem sido crianças não leitoras, 80% citam como
principais causas para o distanciamento da leitura a falta e as dificuldades de acesso aos
materiais escritos, principalmente livros e, em segundo lugar, a falta de estímulos e a ausência
de modelos de leitores.
Eu acho que a própria falta de livros, como não existia esse contato
com eles, pra mim era uma coisa indiferente. (Professora 08)
Eu acho que foi a falta de material. Quando você mora numa zona
rural, você vê o quê?Mato, boi, roça... (Professora 09)
Eu acredito que foi a falta de estímulo, eu acho que é o mais
importante. O incentivo, você ver outras pessoas lendo, talvez criasse
um gosto na gente. (Professora 14)
Eu acho que de repente foi o próprio contexto familiar. Meus pais não
tinham como passar pra mim o que eles não tinham como importância.
(Professora 01)
Sobre os tipos de leitura que realizavam no início da escolaridade, as
professoras citaram os livros de histórias, provavelmente referindo-se à literatura infantil da
época. Há dois relatos de leitura da obra Pollyana e Pollyana Moça, da autora inglesa Eleanor
Hodgman Porter. Entre as citações também aparecem A Montanha Encantada, Rapunzel,
Branca de Neve e os Sete Anões, A Bela Adormecida, Coleção Vaga-Lume, O Escaravelho do
Diabo, A Fada que tinha idéias e a coleção Para gostar de ler, mais conhecidas pelo público
em geral.
Além dessas, as participantes, principalmente as menos jovens, citam
histórias que guardaram como referência, muitas vezes sem saber ao certo o título ou a origem
da publicação.
Eu lembro de um livro, até comentou-se outro dia em um dos encontros
aqui na escola, não lembro o nome. Eu andei procurando, não
encontrei, mas eu vou procurar ele... acho que é Ladeira da
Saudade...acho. (Professora 05).
Eu lembro de um texto, não sei como vou te falar isso, eu não sei se era
dessa cartilha, se chamava A Baronesa. A Baronesa era uma máquina
de trem, uma locomotiva. Eu lembro até o comecinho da história,
depois eu me perco. (Professora 09)
Não lembro... só lembro dos textos de Olavo Bilac, mas
vagamente.(Professora 06)
Na adolescência, o espaço dedicado à leitura parece ter se restringido às
solicitações dos professores, principalmente os de Língua Portuguesa. Nove relatos (60%)
confirmam a associação das leituras com os deveres e obrigações escolares nos anos finais do
Ensino Fundamental, onde o fato de ler para tirar nota é trivial e parte do cotidiano.
Na fase dos dez aos catorze anos tinha aqueles romances que eu lia
forçadamente, que era “A Moreninha”, Machado de Assis, José de
Alencar, que não me agradou em nada, eu lia por obrigação realmente,
forçada, porque eu tinha que fazer resumos e avaliações de Português.
(Professora 01)
Eu fugia da leitura, era só por obrigação da escola. (Professora 05)
Só lia por obrigação, quando necessário. Assim... pra fazer trabalhos,
pra própria aula, só assim.(Professora 09)
Há uma tendência, na maioria dos relatos, de apontar certa queda no volume
das atividades de leitura a partir do ingresso na quinta série do Ensino Fundamental, incluindo a
época da adolescência, período em que as leituras realizadas limitaram-se a situações de
obrigatoriedade. Como no caso da Professora 11, que, nos anos iniciais da escolaridade, após
carência de acesso aos livros, descobre-se encantada com os livros da biblioteca, e que,
chegando à adolescência, porém, vê a magia da leitura se encolher ou se perder no caminho.
Eu acho que diminuiu a leitura, eu acho que já não lia tanto. Até lia,
mas na verdade não lia tanto livro. Nessa época eu acho que gostava
de comprar revistas, tipo Capricho. Mas livro foi diminuindo um
pouco. Pegava aqueles que a professora de Português pedia então a
gente tinha que ler o livro. (Professora 11)
Ou como no caso da Professora 12, que em seus primeiros anos de vida e no
início de sua escolaridade experimenta intensa aproximação com leituras diversas, das quais se
afasta, entretanto, na fase da adolescência, principalmente na escola e no convívio com pessoas
da sua geração, reservando a leitura para os momentos solitários passados em casa.
Entre os doze anos, mais ou menos assim, eu já não lia tanto. Eu lia em
casa, na escola nem tanto. Também não levava livros pra casa, já não
tinha mais. Já era quinta série e não tinha tanto incentivo de levar na
biblioteca, então eu lia os livros que eu tinha em casa. Eu lembro que
eu tinha um pouco de vergonha de ler na escola, pouquíssimas amigas
gostavam de ler, então eu parei um pouco. (Professora 12)
Posso inferir, por esse relato, que algumas variáveis estão presentes no
processo de distanciamento ou na redução das buscas por leitura, entre as quais destaco a falta
de incentivo e os valores existentes nos grupos sociais a que pertencem as pessoas. Há que se
considerar também a possível imaturidade para o desenvolvimento da autonomia para a busca e
seleção de leituras nessa idade, o que talvez exija mediações externas (da escola, do professor).
Muitas das entrevistadas não se consideraram leitoras na adolescência (73%),
circunstância que se justifica, conforme os depoimentos, pela ausência da leitura-prazer, dado o
motivo de as leituras realizadas na época não terem sido escolhas pessoais, mas exigência dos
professores (questão 18). Apenas uma delas atribuiu o fato de não ser leitora à ausência de
materiais para ler, o que pode demonstrar que, nessa fase da vida, a falta de acesso ao livro já
não era o maior entrave para as atividades de leitura, ocorrendo, na verdade, outros interesses
próprios da adolescência.
Eu lia, mas não sentia muito prazer. Eu lia porque era meio obrigada,
havia aquela pressão pra estar lendo, pra fazer prova, pra fazer
trabalho. [...] então eu acho que eu não poderia ser considerada uma
leitora, eu lia mais por obrigação, eu não lia por prazer. (Professora
08)
Não... eu lia os textos da escola porque tinha que ler mesmo...Não
porque eu procurasse, fosse buscar, por prazer, isso não.(Professora
13).
Também não, porque dificilmente eu ia atrás de leitura, eu sempre tive
vontade de ter vontade, mas eu não tinha... Qualquer coisa era mais
interessante. (Professora 04)
Sobre as circunstâncias que possivelmente afastaram-nas da leitura, a maior
parte das professoras referem-se ao contexto escolar vivido na fase da adolescência que, nas
suas percepções, pouco favoreceu para fortalecer ou criar comportamentos favoráveis como
leitoras. As exigências de leitura e o desencontro entre os interesses juvenis e as obras
indicadas pelos professores são alguns dos aspectos mais mencionados.
Eu acho que por conta da escola, depois conforme foi passando os
anos, não tinha estímulo na escola, era uma coisa bem tradicional, tipo
cópia da lousa, a leitura que a gente fazia em sala de aula era do livro
didático, não tinha livrinhos, histórias. Depois pelo fato de ser
obrigada a fazer leituras que eu não queria que não tinha sentido pra
mim... (Professora 05)
De repente um pouco do sistema escolar em que eu vivi. Da forma
como as coisas eram passadas, eu tinha o livro, a professora quando
não passava o texto na lousa a gente lia no livro, respondia as
questões, tudo muito automático, não tinha nenhum estímulo realmente.
(Professora 01)
Eu não tinha acesso aos livros que eu gostaria de estar lendo, eu era
obrigada a ler aqueles. Por exemplo, não teve coisa mais traumática
pra mim do que literatura brasileira. Todo mês eu tinha que ler um
livro, resumir o livro e eu não gostava de ler. (...) então por isso talvez
eu tenha me afastado da leitura. (Professora 08)
Rolla (1995), em pesquisa sobre a formação do leitor, ratifica esses dados
notando que, quando se ultrapassa a fase infantil, os mediadores de leitura deixam de ser os
pais ou professores e a opinião mais considerada para a escolha de um livro passa a ser a de
uma amiga, do namorado, ou dos irmãos.
O professor, mesmo categorizado para tal, nem sempre é considerado um bom
conselheiro, principalmente para os não-leitores, pois ele está
irremediavelmente associado à leitura-obrigação e não terá condições de
indicar-lhes leituras prazerosas, segundo a ótica dos jovens alunos (ROLLA,
1995, p.122).
Sobre os livros que ficaram guardados na memória como leituras marcantes
dessa época, aparecem na grande maioria das falas, as leituras indicadas pelos professores. Em
alguns casos, o relato é carregado de negatividade por se tratar de leituras obrigatórias; em
outros casos, apesar de terem sido indicações dos professores, as entrevistadas declararam
lembrarem-se de alguns livros porque gostaram muito deles. Algumas obras citadas são: A
Moreninha, Senhora, Barro Branco, Meu pé de laranja lima, Olhai os lírios do campo,
Iracema, O ateneu, A ilha perdida, O menino do dedo verde, pertencentes às literaturas
brasileira e estrangeira e que comumente fazem parte do rol de leituras indicadas para os anos
finais do Ensino Fundamental (quinta a oitava séries). Grande parte das entrevistadas (60%)
não conseguiram buscar na memória o nome de algum livro ou conto que tenha sido
significativo, evidenciando a frágil relação com a leitura e com a literatura em particular.
Em artigo que versa sobre a leitura na escola, Silva (2004) discorre sobre os
critérios e formas de indicação das obras literárias no espaço escolar. Mostrando o
descompasso entre as leituras indicadas pelos professores e o interesse dos alunos, a autora fala
de um “ritual de encomenda, compra, leitura e trabalho com os livros na escola”.
Há um tempo para seleção e indicação das obras, um prazo para a compra, um
prazo para a leitura e uma data para entrega da produção disso tudo – esta
última, aliás, determina toda a cadeia anterior
(SILVA, L., 2004, p.82).
No mesmo artigo, Silva descreve alguns dos critérios utilizados pelos
professores na indicação de tais obras, entre eles: livros e autores de seu conhecimento,
adequação à idade e à série, interesse, motivação para a leitura. Dessa forma, negligenciam o
seu próprio conhecimento sobre os alunos com quem convivem, suas diferenças e
particularidades, suas experiências de vida e, consequentemente, colaboram para o desencontro
entre as leituras sugeridas pela escola e os interesses juvenis.
Cuidando da adequação, acreditam poder seriar e graduar os problemas, as
realidades, as fantasias e a leitura dos alunos – tudo do mais simples para o
mais complexo. Como se as crianças interrompessem sua experiência de vida,
simples e complexa ao mesmo tempo, de dez e de quarenta anos, e uma vez
alunos passassem a vivê-la pedagogicamente, de acordo com a série e a faixa
de idade
(Op. cit., p. 86).
É interessante ressaltar que o único depoimento que apresenta conotações
positivas sobre os livros indicados na escola provém da Professora 12, que, desde os primeiros
anos de vida mantinha um vínculo afetivo com a leitura. Trata-se da entrevistada que pôde
vivenciar mediações de leitura pelos pais e, mais tarde, teve oportunidade de consolidar o gosto
pela atividade através da biblioteca escolar e da mediação dos professores dos anos iniciais da
escolaridade. Parece que, aliados a um gosto pela leitura já desenvolvido desde a tenra infância,
tais elementos foram fundamentais para a sua formação como leitora.
Um livro que eu li e gostei foi “Olhai os lírios do campo”, já tinha
quinze anos quando li. Eu li antes Machado de Assis, com uns catorze
anos mais ou menos. Li os livros que a professora indicou na escola,
cada grupo tinha que ler alguns e eu li outros que eu gostei: “A
Moreninha”,“O Ateneu”[...] (Professora 12)
É possível supor que os fatos de não ser uma iniciante na leitura, de conviver
com materiais escritos e o de ler habitualmente desde a infância podem ter sido decisivos para
que gostasse das indicações dos professores e até ampliasse tais leituras, pois lhe permitiram
apreciar obras que a maioria dos jovens da sua idade julgavam, então, desinteressantes e
conflitantes com seus interesses.
Ao mesmo tempo, é cabível inferir que as dificuldades de compreensão das
leituras propostas pela escola ocorrem, em parte, pelo distanciamento dos materiais escritos na
infância, o que poderia gerar uma idéia de que tais obras são impenetráveis, irremediavelmente
destituídas de sentido.
4.4 A leitura na vida adulta
Caminha-se, então, para o leitor adulto, para as práticas de leitura de
professores que atuam nas séries iniciais da escolaridade de uma escola pública, localizada em
um município de médio porte, nos dias atuais.
Esse professor mostra-se distante da leitura-prazer, tendo seu tempo
preenchido pelas necessidades de leitura relacionadas à profissão, exigências vindas do
ambiente de trabalho ou dos estudos, no caso dos que se encontram matriculados em
instituições de ensino superior. Revela o gosto pela leitura e lamenta o pouco espaço para se
dedicar a essa atividade, leitura-fruição, voltada para a satisfação de seus desejos, de suas
emoções.
Ainda é pouco. Bem menos do que eu gostaria, do que eu considero que
deveria ser. Varia muito também, de acordo com a época. Nas férias eu
costumo ler mais. (Professora 04)
Hoje está mais difícil por causa da escola. Apesar que eu leio sempre
por causa do que eu faço, mas não é romance, por causa do tempo
mesmo. (Professora 06)
[...] Quando eu posso, eu compro um livro ou outro, só que hoje eu vou
te dizer uma coisa, é tanta coisa que a gente tem que preencher que eu
acabo não tendo tempo pra ler. Ainda mais fazendo faculdade
novamente, eu acabo lendo agora os textos da faculdade, e deixo de ler
os livros que me dariam prazer. ( Professora 08)
Pouco, pela correria da nossa vida...escola, casa...eu acho que leio
muito pouco, falta espaço. (Professora 09)
Hoje eu leio menos, leio as coisas da escola e os textos da faculdade
(Professora 10)
Eu continuo gostando de ler, mas eu não tenho tanto tempo de ler
livros, eu leio mais livros acadêmicos, muitas coisas da faculdade ou
para a escola, eu leio sempre para alguma coisa, eu não tenho tanto
tempo de ler como eu fazia antes, de sentar e ler um livro. Eu leio livros
para preparar aulas, livros acadêmicos para a faculdade, ligados à
profissão. (Professora 12)
O espaço é pouco, muito pouco. Eu amo ler, gosto muito, mas quando
chega a noite eu estou tão cansada, tão cansada, que eu acabo
dormindo e deixo a leitura de lado, pra outro dia. (Professora 14)
Só a leitura voltada para o profissional, se eu tenho que redigir uma
peça, eu vou ler pra redigir uma peça. Se eu tenho que ler algo pra sala
de aula, eu vou ler por causa da sala de aula. Em cima do que eu vou
fazer no trabalho é que eu leio. (Professora 15)
Entre as entrevistadas que declararam a leitura presente no seu cotidiano sem
referências às exigências da profissão (duas), prevalecem textos informativos (jornais e
revistas) e a literatura infantil. A leitura de livros infantis parece conciliar o útil ao agradável,
pois, além de constituir interesse e gosto, é também necessária, por causa dos filhos ou dos
alunos, como mostra o relato da Professora 13:
(...) E eu gosto de ler livros infantis, porque também eu tenho três
crianças em casa, tem os alunos. Então, além de conta muita história
pra elas, de criar muita história, eu leio pra mim mesmo. (Professora
13)
Muitas não se reconhecem como leitoras na atualidade (53%), tendo como
principal justificativa a pouca freqüência e a quantidade de leituras realizadas (questão 22).
Percebo que, na concepção das entrevistadas, o leitor se caracteriza por aquele que lê
habitualmente, cotidianamente e, portanto, traz em seu repertório um vasto número de obras e
textos lidos.
Olha...ainda não. Apesar de gostar hoje mais de ler em relação ao meu
passado, mas eu acho que ainda não. Deveria ler mais do que leio [...]
(Professora 01)
Acho complicado me considerar leitora. [...] Eu sinto necessidade de
ler, eu tinha a obrigação de ler mais, porque eu acho que é
fundamental, hoje eu acho que é muito importante a leitura.
(Professora 04)
Hoje não, porque eu queria ler mais. Mas não há tempo, não porque eu
não queira, mas porque não dá tempo mesmo. Tem as coisas da escola,
as coisas de casa, não é fácil. (Professora 06)
Eu acho que ainda não, porque eu acho que ainda leio pouco. Eu acho
que poderia ler mais... Não essa leitura dinâmica que a gente faz.
(Professora 14)
Nos depoimentos das entrevistadas que hoje se consideram leitoras (47%), a
justificativa para essa condição recai primordialmente sobre alguns fatores, como a presença do
gosto pelo ato de ler, a freqüência com que realizam suas leituras e a autonomia na busca dos
objetos de leitura através de critérios pessoais. Novamente aqui se observa, na concepção das
participantes, a ausência de obrigatoriedade nas leituras como condição para se constituírem e
reconhecerem-se como leitoras.
Hoje sim...Hoje eu me considero porque eu leio porque gosto...eu gosto
bastante de ler [...] (Professora 02)
Agora sim, porque eu comecei a buscar aquilo que me interessa na
leitura, comecei pelos livros de auto-ajuda, tanto na área da educação
quanto na área pessoal. [...] (Professora 05)
Acho que sim, pelo interesse mesmo, por procurar, porque tem gente
que lê porque tem que ler, eu leio porque gosto. (Professora 12)
Hoje sim, porque eu acho que leio bastante. (Professora 13)
Me acho só um pouco leitora porque eu só leio pra alguma coisa,
quando eu não estou lendo pra escola ou pro escritório, quando eu não
estou fazendo nada, eu quero dormir, porque eu estou muito cansada.
(Professora 15)
Na procura por razões que possivelmente as afastam da leitura ou se
caracterizam como dificuldades para a ampliação dos momentos de ler, a maior parte das
entrevistadas não-leitoras (86%) atribuem sua condição à falta de tempo, à dinâmica do
trabalho associada às obrigações decorrentes da vida doméstica, que resultam em cansaço e
desânimo para enfrentar as atividades de leitura.
Eu acho que o tempo, a gente chega da escola, vai fazer o jantar,
depois vem o cansaço, não me pede pra ler nada não. Parece que a
vida gira em torno da escola e da casa. (Professora 09)
Para mim é só o tempo mesmo, por conta do trabalho, das obrigações.
(Professora 06)
O tempo, a canseira de trabalhar dois períodos, então eu acho que é
isso que me afasta. (Professora 14)
É interessante observar que, dentre cinco entrevistadas que se declararam não
leitoras em virtude da falta de tempo e do cansaço, quatro são casadas e se encaixam na faixa
etária entre 36 e 60 anos. A quinta é solteira, está na faixa de 26 a 30 anos e cursando a segunda
faculdade, para quem, possivelmente, a falta de tempo se refere às atividades acadêmicas. Além
disso, cita também a falta de acesso, pois quando da realização do primeiro curso de graduação,
contava com a biblioteca da Universidade para empréstimos de livros, situação que diz não ser
mais possível.
Não sou, por falta de tempo e acesso novamente eu não leio. Enquanto
eu tive acesso aos livros que gostava, eu estava lendo. Depois acabou...
(Professora 08)
As responsabilidades pela organização da casa e cuidados com os filhos
podem ser variáveis que interferem na dinâmica de vida das entrevistadas, a ponto de se
sentirem absorvidas pelo cotidiano e não encontrarem, nesse contexto, espaços para realizarem-
se como leitoras.
Apenas uma professora se refere a causas como a ausência de modelos de
leitores na infância e o alto custo dos livros, o que por vezes a impede de ter acesso aos livros
de que gosta.
Quanto às leituras realizadas pelos participantes, no cotidiano, figuram, em
primeiro lugar, os textos informativos, jornais e revistas, cuja incidência se mostra significativa,
pois a maioria os coloca no rol de suas escolhas (73%). Em seguida, vêm os livros de literatura
infantil (33% das entrevistadas citaram esses textos), possivelmente em função da faixa etária
com a qual trabalham (crianças de sete a dez anos). Além desses, os livros religiosos
apresentam-se em número considerável, sendo citados por 27% do público pesquisado,
juntamente as obras de auto-ajuda, que aparecem como leitura habitual, indicada por 28% das
professoras. Entre as obras religiosas, as professoras apontam alguns títulos: Homens e
mulheres de fogo, Anjo, Amiguinhos do Criador, Histórias da Bíblia, Alicerce para um mundo
novo, A reestruturação da família, sem, no entanto, lembrarem-se dos nomes dos autores. Na
categoria de livros de auto-ajuda, foram citados nos relatos: Como atingir seus sonhos, Cem
motivos para um bom relacionamento, Pais brilhantes - professores fascinantes, Almas
Gêmeas.
Quanto às intenções e finalidades com que realizam suas leituras habituais, as
professoras afirmaram que lêem para estar informadas pelos acontecimentos, tendo sido a
busca de informação um dos principais objetivos de leitura das participantes (citado por 47%
das entrevistadas). Muitas consideraram como objetivo de suas leituras a prática docente
(47%), ou seja, lêem para que possam desenvolver seu trabalho educativo, aparecendo, neste
caso, os livros de literatura infantil.
A busca por auxílio na condução da vida pessoal e na resolução de problemas
existenciais mostrou-se, para boa parcela do universo pesquisado (20%), a finalidade da leitura
de livros religiosos e de auto-ajuda.
Apenas duas professoras (Professoras 04 e 13) citaram o gosto e o prazer
como metas de seus momentos de contato com o livro e somente uma delas (Professora 02) faz
uso da expressão busca de conhecimento para imprimir objetivos pessoais ao ato de ler. No
repertório de leituras dessas entrevistadas aparecem os livros de literatura infantil, os livros
religiosos e a coletânea de Paulo Coelho, best-seller nacional e sucesso editorial brasileiro.
Apontam também a leitura de best-sellers estrangeiros como Sidney Sheldon e J. K. Rowling,
com seu Harry Potter.
Ainda sobre as obras citadas pelas participantes como leituras recentes temos
livros técnicos da área educacional, como Didática Magna, de Conmenius, lido por indicação
da faculdade. No entanto, observa-se pouca incidência de referências a essa categoria,
demonstrando que a leitura técnica não constitui uma presença marcante no repertório
lembrado das entrevistadas pesquisadas.
A literatura também não integra os títulos de leitura: apenas duas professoras
citaram obras que se enquadram nessa categoria. Estiveram presentes, no rol das lembranças
recentes, livros de poemas de Vinícius de Morais e Carlos Drummond de Andrade, e da
literatura portuguesa, como Amor de Perdição e Amor de Salvação, de Camilo Castelo Branco.
Também há referências a obras clássicas, como O Cortiço e Senhora, mencionados por uma
professora que revela o desejo atual de conhecer os livros indicados normalmente pela escola,
mas que, nos seus anos de escolaridade básica, não foram trabalhados pelos professores.
Eu acho que foi “O Cortiço”, porque eu não tive tempo de ler, não foi
indicado quando eu estudei, sempre ouvia as pessoas comentarem
sobre ele, eu tive curiosidade de conhecer. “O Cortiço” e “Senhora”,
esses livros que eu não conheci na época da escola. (Professora 14)
Esse movimento também é observado no relato da Professora 09, quando
indagada sobre os livros que tem a intenção de ler.
Sabe aqueles livros de literatura tipo “Os Lusíadas, aqueles indicados
pra concurso, eu acho que isso passou e eu não li. Eu não sei se me foi
cobrado, mas as pessoas falam “Como você não leu isso? “. Eu não li
nada. Não tive acesso. Então tenho vontade de ler esses livros que são
cobrados no vestibular e eu não li. (Professora 09)
Curiosamente, observo nos relatos sobre obras que as professoras têm desejo
de ler uma razoável incidência de livros literários (27% delas citam a literatura), demonstrando
existir um desencontro entre os desejos de leitura e as leituras que de fato se realizam. Ainda
assim, os livros religiosos ocupam o mesmo percentual nas citações (27%), seguidos de livros
técnicos da área de pedagogia, os de auto-ajuda, best sellers, como a coletânea de Paulo
Coelho, e os da área de filosofia (13%). Nesta última categoria, há menção a obras como A
Águia e a Galinha, de Leonardo Boff, e “O Mundo de Sofia”, de Jostein Gaarder.
Ressalto, portanto, a hegemonia das obras religiosas e de auto-ajuda no
repertório das professoras, o que evidencia a necessidade que elas têm de buscar nessas leituras,
com certo pragmatismo, a resolução de problemas existenciais e de conflitos internos, como um
auxílio, palavra usada por uma das entrevistadas para justificar sua predileção por esse tipo de
livro.
Entretanto, entre as leituras prediletas, já realizadas e que estão por se
efetivar, encontram-se aquelas que realmente são parte do cotidiano das professoras. É possível
então determinar, no universo pesquisado, três categorias para as leituras que as entrevistadas
realizam no dia a dia:
1) leituras relacionadas ao ser-professor, isto é, os textos que lêem por exigência da profissão,
como os livros infantis, os escritos técnicos da área do magistério e pedagogia, os materiais
escritos que são selecionados para o trabalho docente em sala de aula;
2) leituras informativas, aquelas que se fazem com a finalidade primordial de buscar
informação e manter-se atualizado frente aos acontecimentos do mundo, do país, da cidade
onde se reside;
3) leituras de auxílio, cuja característica principal é auxiliar o indivíduo na resolução e
enfrentamento de problemas existenciais, incluindo-se aqui os livros de auto-ajuda e os de
caráter religioso.
No universo pesquisado, a maioria das participantes (53%) revela um
cotidiano permeado pelas leituras relacionadas ao ser-professor, envolvidas por uma rede de
acontecimentos que parece retirar-lhes a possibilidade de navegar em outros mares, de trilhar
outros caminhos no constituir-se leitoras. Os relatos de cansaço atribuídos à profissão frente à
demanda de exigências burocráticas, aliadas ao cumprimento de outros papéis sociais (mãe,
esposa, aluna), parecem aumentar a distância entre as professoras e a leitura por fruição.
Em segunda instância, o dia-a-dia das participantes encontra-se entremeado
pelas leituras informativas (27%), aquelas cuja primeira intenção é buscar informação, como a
leitura de jornais e revistas. Parece haver uma busca acentuada pelos episódios informativos,
atribuindo-se um valor significativo à condição de pessoa bem informada, sobretudo pelas
características da profissão que exercem.
Na terceira categoria, leituras de auxílio, encontra-se outra parcela das
professoras (20%). Há uma forte tendência para a busca de textos que possam ajudá-las a
enfrentar os desafios da vida cotidiana, as dificuldades nos relacionamentos humanos
(incluindo aqui a relação com os alunos), os conflitos internos que vivem e a vida em família.
Tais enquadramentos não se caracterizam pela rigidez, visto que, no relato
das entrevistadas, observam-se, em algum momento, depoimentos que direcionam ora um tipo
de leitura, ora para outro. Entretanto, a análise procurou determinar que categoria reflete com
maior propriedade as leituras que freqüentam o cotidiano das professoras.
Nas questões que abordaram as influências dos espaços de formação inicial e
continuada em suas práticas leitoras (questões 29 e 30), há oscilações nas respostas das
professoras. Em se tratando dos cursos de formação inicial (magistério, pedagogia,
licenciaturas), há preponderância dos depoimentos que não atribuem a esses espaços um papel
relevante no comportamento leitor (53%); mais especificamente o curso de magistério, que é
apontado como o período escolar que pouco acrescentou às leituras das entrevistadas. Em 53%
dos relatos, os espaços de formação inicial pouco colaboraram para a ampliação de seus
repertórios de leitura.
Eu acho que não... no magistério não sei se é porque onde eu fiz não
tinha muitos recursos, mas acho que não foi por isso essa minha
vontade de ler hoje...eu acho que pela defasagem que eu tinha no meu
interior é que me deu essa vontade de ler. A faculdade pode ter ajudado
um pouco, mas com certeza não foi uma influência importante.
(Professora 02)
Não. Eu fiz o magistério, não sentia prazer na leitura. Na faculdade
também, eram aquelas coisas maçantes, então eu só lia pras provas.
(Professora 05)
Muito pouco. O que me estimulou bastante a leitura foi quando eu fiz o
colegial. Me deu mais conhecimento em leitura que o magistério.
(Professora 06)
Não... a minha graduação era extremamente voltada para o técnico,
pro cálculo, demonstração de teorema, não tinha que ficar lendo nada
na minha graduação. O magistério não influenciou em nada.
(Professora 08)
O magistério eu acho que deixou pra mim a desejar, acho que a gente
não tinha... sei lá, acho que deveria ajudar mais. (...) Na verdade, você
não sabe como incentivar seus alunos a ler porque você não é
incentivada, pelo menos o curso que eu fiz. (Professora 11)
Não, porque eu acho que se tivessem dado um incentivo, sei lá como,
indicado alguns livros, comentado, isso não existia no magistério (...)
Na faculdade, aí é que não teve mesmo incentivo algum. (Professora
14)
Parece que as professoras referem-se a incentivos para a leitura de textos
literários, que poderiam enriquecer a sua formação leitora, e não de obras técnicas da área ou
acadêmicas. Essa tendência se revela na comparação com o curso colegial, (Professora 06), de
nível médio, mas que, revestido de um caráter de formação geral (diferentemente do
magistério, que tem como objetivo a formação específica para a docência), favorece os estudos
da literatura no seu corpo curricular. Também se observa essa questão no relato da Professora
08, que se refere ao curso de licenciatura em matemática como extremamente voltado para o
técnico.
A Professora 12, que desde a infância retrata fortes vínculos com a leitura e
literatura, exemplifica essa situação. Por manifestar vínculos afetivos com o texto literário, ela
atribui aos espaços de formação inicial a ampliação de suas leituras acadêmicas.
Eu acho que assim...influenciou no tipo de leitura, de textos mais
acadêmicos, mais voltados para a faculdade, para a educação, isso
sim. Mas na ampliação de leituras...(Professora 12)
Curiosamente, entre as entrevistadas que reconhecem nos espaços de
formação inicial influências no seu comportamento leitor (07), grande parcela (71%)
freqüentou o curso de formação para o magistério nas unidades públicas de ensino
denominadas CEFAM – Centro de Ensino, Formação e Aperfeiçoamento do Magistério.
Apenas uma professora cursou escolas públicas de segundo grau. Da mesma forma, na
formação superior, a incidência é de professoras que tiveram (ou ainda têm), como espaço de
formação, a universidade pública (71%), especificamente a UNESP - Universidade Estadual
Paulista-, cujo campus, localizado no município de Presidente Prudente, oferece diversos
cursos relacionados à docência (pedagogia, matemática, educação física).
É possível supor que tais instituições, de alguma forma, se diferenciam dos
demais locais de formação das entrevistadas, permanecendo na memória das professoras como
lugar de ampliação de suas leituras.
Inversamente, na concepção das participantes, os espaços de formação
continuada (reuniões pedagógicas, cursos, seminários, congressos) são influenciadores de suas
práticas como leitoras. Ainda que, implicitamente, estejam se referindo às leituras relacionadas
com o ser-docente, ou seja, ligadas à profissão, há inegável reconhecimento de que tais
momentos as impulsionam na busca por mais leitura. Significativa parcela das entrevistadas
(80%) encontra nessas atividades oportunidades de ampliação de suas leituras, justificando-as
principalmente pelo desejo de agregar conhecimento, enriquecer o saber. Na opinião das
professoras, as contribuições recebidas nesses momentos podem aguçar-lhes a curiosidade
sobre algum assunto, e, conseqüentemente, há uma busca por leituras que possam ampliar o
nível de conhecimento sobre o tema. O depoimento da Professora 05 retrata com clareza essas
considerações:
Acho que sim, porque você busca conhecimento, busca informação... E
aí você busca leituras. Não leitura aquele tipo “eu vou ler pra fazer
algum trabalho”, você pensa “eu vou ler para me enriquecer”. Na
faculdade a gente lê por obrigação, porque precisa terminar o curso.
Agora é diferente, eu leio para me enriquecer, leio para passar para as
outras pessoas, para compartilhar com os alunos, com os colegas da
escola, mostrar o conhecimento da gente e não só receber.(Professora
05)
As professoras que constituem o universo desta pesquisa participam de ações
de formação desenvolvidas pelos gestores durante as reuniões na escola. Nos relatos algumas
professoras mencionam o projeto desenvolvido em parceria com a UNESP, campus de
Presidente Prudente, intitulado “Leitura do professor, leitura do aluno: processos de formação
continuada”. Conforme consta em documento descritivo sobre o projeto, ele prevê ações de
formação que contemplam dois eixos de atuação, professores e alunos, e tem como principal
objetivo “formar o leitor autônomo (alunos e professores das séries iniciais), através do
estímulo à sensibilidade, criatividade e criticidade, e da formação do gosto pela leitura,
contribuindo para a construção de uma cidadania plena”.
Esse projeto vem sendo desenvolvido na escola desde 2004, contemplando
todos os alunos e professores do Ensino Fundamental. As crianças são atendidas por alunos do
curso de Pedagogia da referida instituição, através da “Hora do Conto”, momento em que há
um trabalho semanal de leitura na biblioteca escolar com o uso da literatura infantil.
Dentro do segundo eixo de atuação do projeto, há ações de formação junto
aos professores, desenvolvidas pela coordenadora do projeto. Em reuniões sistemáticas com os
docentes, o projeto busca sensibilizá-los para a leitura através da literatura, bem como discute
questões teóricas e práticas sobre o ensino da leitura na escola. É importante esclarecer que
essas ações se iniciaram a partir de iniciativa da escola, que procurou estabelecer parcerias com
a Universidade com o objetivo de elevar a qualidade do ensino oferecido.
Dessa forma, mesmo considerando as dificuldades e problemas comuns às
escolas públicas brasileiras, esse grupo teve a oportunidade de participar de projetos de
formação a longo prazo, pensados a partir das necessidades do trabalho em sala de aula com os
alunos. Tais ações podem ter sido essenciais para que as professoras valorizassem os episódios
de formação continuada.
5 Os (caminhantes) participantes-corpus: concepções e práticas
5.1 A escolha dos professores participantes-corpus da pesquisa
Como etapa seguinte deste trabalho, elegi duas professoras que constituíram
então os participantes-corpus da pesquisa. Essa escolha pautou-se pelos critérios anteriormente
descritos na introdução desta dissertação: a) uma professora que nos depoimentos das
entrevistas tenha se reconhecido como sujeito leitor por fruição, manifestando vínculo com a
leitura por prazer e b) uma professora que se declarou como sujeito não leitor e distante da
leitura por fruição.
Após a análise das entrevistas, optei pela escolha da Professora 12, como o
sujeito que melhor se enquadra na categoria de leitor, e da Professora 01, como a participante
que atende à descrição da categoria (b), sujeito não leitor. Outros critérios que definiram a
escolha foram idade e tempo de formação, visto que diferenças muito significativas nesses
aspectos poderiam resultar em alterações importantes no contexto de formação e experiência
profissional dos sujeitos. Apesar de apresentarem uma diferença de seis anos na idade (a
Professora 01 nasceu em 1974 e a Professora 12, em 1982), penso que esse intervalo não trará
grandes alterações nos contextos profissionais vividos por cada uma delas.
Ambas nasceram e viveram na zona urbana em Presidente Prudente.
Apresentam renda individual e familiar no mesmo patamar, o que demonstra, salvo melhor
juízo, o mesmo nível de poder aquisitivo. Possuem a mesma carga horária semanal de trabalho
e o mesmo tempo de atuação na escola (três anos); são solteiras e residem com os pais.
A Professora 12 teve, desde a infância, acesso a livros e materiais escritos,
bem como a presença dos pais como mediadores de leitura. Certamente a leitura constituía um
valor para sua família que, apesar de eventuais dificuldades econômicas, não deixava de
presenteá-la com livros. Demonstra vínculo afetivo com a literatura, declara o gosto pela leitura
nas diferentes fases da vida, apresenta um bom repertório de leituras por fruição e foi, dentre as
entrevistadas, a que citou maior número de obras literárias das quais se lembrava.
A Professora 01, contrariamente, passou a infância e a adolescência afastada
dos livros e objetos de leitura, distanciamento justificado pelas condições financeiras e pelo
pouco estudo dos pais. Nos anos da escolaridade básica, recorda-se apenas de livros didáticos,
com um repertório quase inexistente de outras leituras, principalmente de obras literárias.
Reconhece a importância de ler; entretanto, se diz ansiosa demais, característica que, em sua
opinião, dificulta a leitura, pois não consegue manter a atenção. Suas leituras cotidianas estão
relacionadas às exigências da profissão: livros infantis, textos para a escola. Entre suas
preferências de leitura prevalecem os livros de auto-ajuda, sendo suas escolhas realizadas a
partir de indicações de amigos. Não demonstra vínculos com os textos literários, recordando-se
com desagrado de algumas leituras obrigatórias realizadas na adolescência por indicação de
professores.
Sendo assim, as professoras apresentam um perfil leitor diverso, e a análise
da prática docente, bem como das concepções teóricas sobre leitura e ensino desses sujeitos
pôde permitir a verificação de elementos de diferenciação qualitativos e quantitativos na
abordagem do ensino da leitura, objetivo principal deste trabalho investigativo.
Selecionados os sujeitos dessa segunda etapa da investigação, apliquei nova
entrevista semi-estruturada ás duas professoras, por meio da qual busquei dados sobre suas
idéias e concepções sobre o ato de ler e as práticas educativas com leitura. Minha intenção foi
analisar o corpo de conhecimentos teóricos que ambas possuíam sobre o tema, bem como
colher, nesses relatos, informações sobre a prática que desenvolviam com leitura em sala de
aula.
5.2 Leitura e sala de aula: o trabalho de campo
Durante o segundo semestre letivo de 2005, observei a prática docente das
duas participantes, totalizando cinqüenta horas-aula de trabalho escolar com cada uma delas.
Optei por acompanhar períodos inteiros de aula, visando a observar o cotidiano das classes, as
rotinas estabelecidas por elas. A carga diária de cinco horas está dividida entre as atividades de
sala de aula, os horários de intervalo e momentos de refeição dos alunos. Da mesma forma,
minha escolha foi estabelecer dias consecutivos de observação, acompanhando o percurso de
uma semana de trabalho efetivo. Este critério me permitiu definir os espaços e rotinas
estabelecidas para a leitura no planejamento docente.
Minha presença foi previamente combinada com as professoras, que me
esperavam nos dias marcados. O objetivo do trabalho de campo foi compartilhado com elas e
esclareci que o intuito era observar o cotidiano da prática educativa nas duas classes.
Tanto as professoras como os alunos se mostraram muito receptivos à minha
presença. Ainda que, no início, as crianças tenham se mostrado mais ansiosas e curiosas, ao
final do primeiro dia de observação, esse comportamento já não se sobressaía. Parece-me que
se habituaram ao fato de haver mais uma pessoa no convívio da classe.
Do material recolhido, selecionei o mais significativo em relação ao tema e
objetivo da pesquisa (práticas educativas com leitura), que me dedico a relatar.
5.2.1 Professora 12: concepções e práticas
A professora em questão trabalha, neste ano, com uma turma de primeira
série, com vinte e dois alunos na faixa etária entre seis e sete anos, a maioria dos quais cursou a
pré-escola na mesma unidade escolar.
Revela possuir um corpo de conhecimentos teóricos significativo, observado
durante a segunda entrevista realizada. Como exemplo, cito sua definição sobre “o que é ler”,
primeira pergunta da entrevista semi-estruturada, em cuja resposta demonstra a concepção de
que ler não se restringe às habilidades de decodificação:
Eu acho que ler é a capacidade de compreender as palavras no sentido em
que elas estão escritas e além do que elas representam na escrita. Então, ler
um texto é entender o que se lê... Se lê com a alfabetização, com aquilo que a
gente aprende da leitura, a decodificação dos signos e também o que aquele
texto quer dizer. Então, compreender o que aquele autor quer dizer com
aquilo e entender o que a leitura, o que aquele texto quer passar. Isso é ler.
Durante as duas semanas de observação, não foi possível perceber qualquer
rotina atribuída pela professora para episódios de leitura. Estes, quando ocorreram, se deram
em horários diferentes e definidos pelo contexto momentâneo.
Este fato é preocupante, pois o não estabelecimento de uma rotina que dirija o
trabalho com a leitura na escola pode incluí-la no rol das atividades escolares esporádicas, o
que certamente não colabora com a formação do aluno leitor. Sobre essa questão Faria (2004)
discorre:
[...] a leitura com o objetivo de formar leitores não pode ser um trabalho
esporádico ou, como alguns professores colocam em seu “semanário”, um ou
dois dias por semana. Ela deve ser trabalhada diariamente, sempre na
perspectiva de que uma leitura puxa outra e uma conversa sobre um livro
sempre estimula a leitura de outro (FARIA in SOUZA, 2004, p. 56).
Durante a entrevista, quando indagada sobre a existência de uma rotina
sistematizada de planejamento de leitura em sua prática docente, a professora afirmou que
costuma ler para os alunos e que há um trabalho “quase” diário com o texto literário, o que não
ocorreu nas horas em que realizei a observação:
Na primeira série eu tenho essa rotina mesmo porque é um combinado da
escola... Mas, assim, de ler pra eles, porque até então eles não lêem. Então eu
leio pra eles e eles têm alguns momentos em que pegam os livrinhos do
cantinho da leitura pra eles lerem. Só que não é muito freqüente,
normalmente eu leio pra eles. Isso faz parte do planejamento... Agora, o
trabalho com o texto literário faz parte do meu planejamento e aí
normalmente quase todos os dias eu trabalho com isso.
Ainda sobre a freqüência com que desenvolve atividades de leitura, seu relato
volta a mencionar um trabalho diário e sistemático:
Eu leio, eu trabalho com leitura todos os dias, não sempre com textos
literários. Então ás vezes não tem leitura de livro, de texto literário todos os
dias, mas tem leitura todos os dias de textos relacionados a algum conteúdo,
ou de um texto que os alunos trazem. Agora, o texto literário, durante a
semana, eu acho que... Porque eu gosto também... Então é difícil eu não
trabalhar com literatura. Mas, durante a semana, se eu fico um dia sem ler
um livro, ou sem trabalhar algum texto é muito... Eu trabalho com isso
praticamente todos os dias.
Entretanto, pelas observações de campo ficou nítida a ausência de um
planejamento sistematizado que contemple as práticas com leitura; tais atividades acontecem a
partir de contextos momentâneos e são desprovidas de regularidade. Quando indagada se
desenvolvia algum projeto relacionado com o ensino da leitura, a professora relata apenas um
projeto desenvolvido pela escola como um todo, ocorrido em tempo/espaço específicos e
restritos:
Nesse ano a escola tinha um projeto de leitura... Então tudo que a gente
trabalhava na sala de aula era dentro desse projeto... O que eu fiz de mais
sistematizado em relação a isso foi do projeto de construção do livro, que aí
eu trabalhei com o Ziraldo especificamente... Foi bem sistematizado. Então eu
peguei toda a coleção do Ziraldo, trabalhei com eles, depois a gente fez a
produção de texto, confeccionou o livrinho da coleção do livro... A gente fez
um sétimo livro que foi O Nariz Nanau, e daí as crianças acabaram gostando
do Ziraldo e eu também porque a gente lia muito... E aí a gente continuou
trabalhando alguns livros com eles... O Planeta Lilás... Foi o que eu
desenvolvi nesse ano.
Os alunos freqüentam semanalmente a “Hora do Conto”, atividade que faz
parte do projeto desenvolvido pela escola em parceria com a UNESP – Universidade Paulista
Júlio de Mesquita Filho – com a participação de alunas do curso de Pedagogia dessa instituição.
Além disso, podem emprestar livros da biblioteca da escola e têm acesso na sala de aula ao
“Cantinho da Leitura” (duas carteiras sobre as quais existiam cerca de 25 livros
aproximadamente).
Na sala de aula observei alguns cartazes na parede como alfabeto com
ilustrações, lista de aniversários da turma, calendário. Percebi a existência de alguns dicionários
e revistas velhas, além de caixas e embalagens plásticas (sucata), que provavelmente são
utilizadas durante as aulas. Os alunos estão distribuídos em fileiras de duas carteiras escolares,
sentando-se, portanto, em duplas.
Nessa turma, as crianças mostraram boa interação e organização; não houve
conflitos ou problemas significativos, levantavam-se e interagiam com autonomia no espaço da
classe, ajudando-se mutuamente.
Durante as cinqüenta horas-aula de observação, a maioria das atividades
diárias esteve focada no processo de aquisição da escrita, no reconhecimento de palavras e na
associação entre fonemas e grafemas. Presenciei atividades em folhas mimeografadas, como as
de caça-palavras, de relacionar imagem e palavra, de elaboração coletiva de listas de palavras a
partir de um determinado campo semântico (frutas, animais). Percebi que os alunos que já
apresentavam domínio das habilidades de decodificação da escrita, revelavam pouco interesse
no trabalho, mostrando-se inquietos.
Nessas atividades, o maior objetivo era a associação entre letras e símbolos,
letras e imagens, em que as crianças liam palavras em listas ou isoladas; por esse motivo não as
considero episódios de leitura.
Contrariamente a isso, quando indagada na entrevista sobre “como se forma
um bom leitor”, a professora relata um trabalho intensivo com textos no seu planejamento de
leitura, evidenciando certo desencontro entre o discurso e a prática, entre o que diz e o que faz
efetivamente na sala de aula, ainda que não tivesse consciência disso:
Eu sempre procuro trabalhar com textos diferentes, indicar pras crianças ou
ler pras crianças, trabalhar com eles textos que eu acho quem vão ser
interessantes pra eles, então relacionado à idade deles, pra que eles gostem
mais do assunto do que da leitura em si. [...] Eu acho que isso contribui pra
que as crianças busquem a leitura e pra que leiam mais, além de ler pra elas,
que eu acho que também elas gostam, se interessam mais pela leitura quando
vêem o professor lendo na aula e pra eles.
No tempo destinado à observação presenciei apenas dois episódios de leitura
com os alunos. Além destes, houve apenas uma atividade de leitura livre, na qual a professora
disponibilizou o acervo de classe para que as crianças pudessem escolher um livro e ler
individualmente na carteira. A maioria deles se levantou e escolheu um livro, e apenas três
alunos não deixaram seus lugares; trocaram os livros entre si, mostraram ilustrações aos
colegas. Aqueles que já conseguiam decifrar a escrita empenhavam-se em realizar a leitura e os
que ainda não haviam desenvolvido essa habilidade observavam as ilustrações. Algumas
crianças comentavam a história com a professora, entretanto não prolongava a conversa. Ela
escolheu também um livro para ler, mas não conseguiu terminar sua leitura diante do início da
agitação das crianças. Essa atividade durou cerca de quarenta minutos e não houve qualquer
iniciativa no sentido de socializar as leituras ou compartilhar as impressões causadas pelas
histórias lidas, além de inexistir a intervenção da professora, razão pela qual também deixo de
considerá-la um episódio de leitura.
Sobre o acervo de classe, denominado “Cantinho da Leitura”, ressalto a
precariedade dos livros que o compunham. Além de parcialmente destruídos (muitos não
tinham sequer a capa), alguns eram evidentemente inadequados para a idade das crianças, pois
não ofereciam estímulos para despertar seu interesse: cartilhas sobre impostos, manuais de
segurança nas estradas, folhetos publicados pelos órgãos governamentais. Também encontrei
livros do kit “Literatura em minha casa” - programa do Ministério da Educação e Cultura para
estímulo à leitura - destinados a alunos da quarta série do ensino fundamental, ou seja, alunos
com 9 e 10 anos. Outros livros sequer tinham autoria, sendo parte de coleções normalmente
organizadas por editoras para venda nas escolas, cuja linguagem é modelar e empobrecida.
Magnani (1989, p. 57) conceitua o que ela chama de literatura trivial ou literatura de massa,
categoria válida para esse tipo de publicação encontrada no acervo: “[...] condição de
mercadoria, que se define em função do público e das condições de sua utilização, ou seja, o
valor de troca condicionado pelo valor de uso”.
No primeiro episódio de leitura observado, a professora selecionou um livro
da literatura infantil para o momento da leitura: O Ratinho e o Vento, de Monique Felix. Ao
final da aula, encaminhou as crianças até a área externa da escola solicitando que se
organizassem à sua volta para contar a história. Por se tratar de um livro de imagem, de
pequeno tamanho, houve certa dificuldade para que as crianças pudessem visualizar as
ilustrações, o que gerou certo tumulto. Todavia, percebi elementos de assertividade na
condução da leitura pela professora, considerando as referências teóricas explicitadas neste
trabalho, entre eles questionar as crianças sobre o livro, se já o tinham visto na biblioteca,
permitindo que expressassem seus conhecimentos prévios sobre a história a ser lida. Essa
condução da atividade de leitura, permitindo o estabelecimento de previsões pelos alunos,
revela aspectos positivos, como nos fala Smith (1989):
A previsão é o núcleo da leitura. Todos os esquemas, scripts e cenários que
temos em nossas cabeças – nosso conhecimento prévio de lugares e situações,
de discurso escrito, gêneros e histórias – possibilitam-nos prever quando
lemos e, assim, compreender, experimentar e desfrutar do que lemos (SMITH,
1989, p. 34).
A professora preocupou-se em conceituar, junto com os alunos, o que é um
livro de imagem e como ele se organiza, chamando a atenção para a ausência de palavras
escritas. Primeiramente mostrou as ilustrações, depois retornou a cada imagem, solicitando que
observassem as expressões dos personagens e descrevessem oralmente as ações. Os alunos
então elaboraram a história através da seqüência das ilustrações. Durante a atividade, percebi
que a professora questionou as crianças, permitiu que compartilhassem suas idéias sobre o
desenrolar da narrativa de imagens. Sobre a importância desse aspecto, Silva (1998) discorre:
[...] a busca de conhecimento pode e deve ser mediada pela leitura de
determinados textos, porém o ato pedagógico vai exigir muito mais do que
isso. Entre as exigências básicas, se coloca o estabelecimento de relações
dialógicas para a aproximação das pessoas, para a organização do avanço
cognitivo sobre determinadas questões [...] (SILVA, 1998, p. 11).
Tal episódio de leitura ocorreu nos momentos finais da aula, fato que talvez
justifique a ausência de uma atividade posterior relacionada a esse trabalho. Entretanto, a
professora poderia tê-lo resgatado nos dias seguintes, o que também não aconteceu.
O segundo episódio de leitura observado foi composto de três partes distintas.
Antes da leitura, a professora, utilizando alguns materiais como um prato com gelo, um
remédio (xarope de um aluno) e uma moeda, questionou as crianças sobre o papel desses
elementos dentro da história que seria lida, sobre como eles apareceriam na narração. Os alunos
levantaram algumas hipóteses que foram registradas na lousa pela professora. Como segunda
fase da atividade, ela solicitou então que elaborassem um desenho sobre o que pensavam que se
daria na história, utilizando como referência os registros da lousa. Não houve posteriormente
qualquer interação entre os alunos e seus desenhos, entre as idéias que foram reveladas pelas
representações. Alguns desenhos se tornaram objetos de brinquedo como aviões em dobradura,
outros foram amassados e tiveram como destino o cesto de lixo da classe. No final desse dia, a
professora mostrou a capa do livro e leu o título para as crianças – O frio pode ser quente, de
Jandira Masur.
No dia seguinte é que se realizou propriamente a leitura do livro na sala de
aula, com as crianças, em círculo, sentadas no chão, terceira fase da atividade. A professora leu
a história, mostrando as ilustrações. Depois disso, questionou o grupo sobre as hipóteses
anteriormente levantadas, se elas se confirmaram ou não. Não houve momentos de troca de
impressões pessoais sobre o livro. Um dos alunos afirmou que a história está dizendo que cada
um é de um jeito, revelando um bom nível de entendimento do texto. A professora encerra a
questão afirmando que é isso, a história está dizendo que cada um vê as coisas de um jeito
diferente. Contraditoriamente à sua prática no episódio anterior, não houve espaço para outras
considerações, para que o grupo pudesse compartilhar pensamentos e percepções individuais
sobre a leitura.
Como nos falam Silva et al. (2002), esse compartilhar é essencial para
construir situações favoráveis ao trabalho com o texto na sala de aula:
Qualquer trabalho com texto, em sala de aula, deve se fundamentar na
discussão dos elementos que o constituem, por meio da contribuição das
observações pessoais dos vários leitores, na tentativa de explorar grande parte
do seu potencial lingüístico e polissêmico (
SILVA et.al., 2002, p. 82).
Em seguida, a professora se dedicou a explorar as ilustrações e suas interfaces
com o texto escrito, para que os alunos percebessem as relações implícitas entre as duas
linguagens. Percebi certa ênfase na descrição dos elementos do texto como preocupação em
“explicar” a história, em detrimento da exploração das diferentes percepções dos alunos sobre
as idéias nele contidas.
Na entrevista, quando indagada sobre o tipo de material que costuma utilizar
no trabalho pedagógico com leitura, a professora relatou sua preferência por livros de literatura
infantil, o que pôde ser observado nos dois episódios de leitura relatados. Revelou ainda possuir
conhecimentos atuais quanto às discussões e pesquisas sobre a precariedade dos textos
presentes nos manuais didáticos:
Eu não uso texto de manual, não gosto de livros didáticos, porque
normalmente os textos são fragmentados, não têm textos completos, não gosto
da qualidade dos livros que tem lá na escola pra trabalhar também... Acho
que não é legal. Então normalmente eu trabalho com os livrinhos de
literatura infantil da biblioteca da escola e dependendo da atividade que eu
vou fazer eu xeroco esse texto... Eu digito e xeroco. Na primeira série eu
trabalho com alguns textos, as crianças têm o texto mas normalmente eu
conto a história...e eu tenho o livro, eu uso o livro da biblioteca...mas às vezes
as crianças não têm o texto, só quando são textos curtos..ou trechos do texto.
Em consonância com a crítica feita pela professora, Silva et al. (2002) em
pesquisa já mencionada neste trabalho, discorrem sobre os problemas encontrados nos manuais
didáticos utilizados nas escolas:
A fragmentação e a descontextualização presentes no livro didático trazem
prejuízo para o trabalho com texto. Se não se apresenta ao educando, na
maioria das vezes, textos com unidade (começo, meio e fim), e as devidas
articulações de coesão e coerência, como ele poderá fazer uso desse aparato de
modo competente? E, com esse sentimento de incompetência, o aluno se vê
cada vez mais desmotivado a se aprimorar nos caminhos da leitura e da
linguagem (SILVA et. al., 2002, p. 72).
A partir dos dados descritos acima sobre os relatos e as observações de
campo, posso concluir que as práticas educativas com leitura da Professora 12, do ponto de
vista quantitativo, não ocorreram com a freqüência que seria necessária para influenciar na
formação leitora dos alunos. Em cinqüenta horas-aula observadas, pude presenciar apenas dois
episódios de leitura.
Do ponto de vista qualitativo, apesar das incoerências entre o discurso e a
prática, e das ações contraditórias entre os dois episódios observados, posso concluir que a
professora, na sua prática educativa com leitura, apresenta aspectos positivos relevantes como o
uso da literatura infantil e a existência de momentos em que os alunos compartilham
significados sobre o que lêem e constroem novos sentidos. Esses aspectos sugerem que sua
prática educativa, adotando a classificação de episódios de leitura já explicitados no capítulo 2
deste trabalho, se aproxima, ainda que oscilante, da leitura seguida de aprofundamento do texto
assentada numa concepção dialógica da aprendizagem. Apesar de apresentar certa
inconstância no trabalho com leitura, ora priorizando seu caráter dialógico, ora suprimindo-o,
concluo que a atuação docente revela que a professora vem caminhando na construção de uma
prática com leitura que se aproxima dessa conceituação.
5.2.2 Professora 01: concepções e práticas
A professora 01 tem sob sua orientação um grupo de vinte e oito alunos da
quarta série do Ensino Fundamental, com idade entre dez e onze anos.
Demonstra certo conhecimento teórico sobre as questões que envolvem a
leitura, embora nos relatos obtidos na segunda entrevista apresente certa dificuldade em
verbalizá-lo, usando uma linguagem coloquial e prolixa quando lhe são exigidas conceituações
sobre os temas apresentados. Apesar disso, quando indagada sobre sua definição para o ato de
ler, ressalta o aspecto polissêmico da leitura:
Ler é assim... Bem, eu mudei muito minha concepção de leitura. E essa
mudança eu adquiri no meu trabalho mesmo, não foi na minha formação
acadêmica, foi na prática. Leitura é muito mais do que decodificar as letras,
mas você sempre através da leitura... Você vai estabelecer uma relação com a
sua experiência de vida, independente da leitura, independente do que seja,
do que se lê... Porque dependendo do grau das suas experiências de vida...
Tudo isso vai fazer com que você veja o que você leu de uma forma [...] Então
eu acho que a leitura é muito mais do que você decodificar as letras, mas você
estabelecer uma relação com a sua vida mesmo... Independente do assunto...
É a sua capacidade de refletir sobre essa leitura... Eu não sei se eu posso
dizer capacidade, mas uma forma... E essa forma depende da sua experiência
de vida.
No decorrer das observações, foi possível constatar uma rotina de leitura
estabelecida pela professora. Todos os dias, durante a primeira meia hora de trabalho, ocorreu
um momento denominado Hora da leitura. Os alunos podiam escolher livros do acervo de
classe para leitura individual e silenciosa, porém, ao término do tempo previsto, os livros eram
recolhidos e não houve, em nenhum dia, qualquer interação ou troca de idéias sobre as leituras
realizadas. A professora espontaneamente me explicou que achava importante estabelecer uma
rotina diária para o contato com os livros, para que os alunos pudessem adquirir o hábito de ler
e desenvolver o gosto pela leitura, embora essa questão já estivesse explicitada no relato da
entrevista, quando indagada sobre práticas que colaborariam com a formação de um bom leitor:
Então, desde o ano retrasado, do segundo semestre do ano retrasado, ficou a
prática diária de leitura na sala de aula, de 30 minutos. Isso era complicado...
Acho que nos dois ou três primeiros meses... Pra eles conseguirem ficar
quietos... Quietos assim... Sentar, ler, nossa... Mas eu consegui![...] então
chegou de manhã tem que ler. Então toda sala que a gente pega são uns dois
ou três meses assim que é difícil, até eles se habituarem. Isso é uma prática
diária de leitura [...].
A consulta ao acervo de classe também ocorreu em momentos de término de
atividade, quando aqueles que terminavam mais rapidamente alguma tarefa procuravam os
livros enquanto esperavam pelos demais. Este comportamento se mostrou espontâneo nos
alunos, o que demonstra que foram movimentos previamente acordados entre a professora e o
grupo-classe.
Apesar disso, a professora precisava lembrá-los do combinado, dizendo
Leitura, agora é hora de leitura”, quando percebia um excesso de conversa e alguma possível
agitação entre as crianças.
Importante ressaltar que o acervo do “Cantinho da Leitura” mantém as
mesmas características descritas anteriormente. Eram em média 25 livros, dispostos em uma
estante, em péssimo estado e parcialmente destruídos. Estavam presentes no acervo os manuais
e folhetos publicados por órgãos governamentais, como, por exemplo um denominado
“Adivinhe do que eles estão reclamando”, de Liliane e Michele Iacocca, publicação da
Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo, editada pela Imprensa Oficial do Estado, que
versa sobre impostos e cidadania. A maioria dos livros pertencia ao kit “Literatura em minha
casa”, programa desenvolvido pelo Ministério da Educação e Cultura com objetivo de
estimular a leitura, concedendo aos alunos das quartas e oitavas séries do ensino fundamental
uma coleção de livros com textos de diferentes gêneros. Outros livros não possuíam autoria e
eram, em sua maioria, livros paradidáticos, como o intitulado “Que buraco é esse?”, da Editora
Novas Idéias, que discute a questão do buraco da camada de ozônio.
Essa precariedade me leva a afirmar que, entre outras questões, o acervo não
ajudava, pois além da quantidade mínima de livros, vários eram inadequados para essa
finalidade pela ausência de elementos que pudessem chamar a atenção dos alunos e despertar o
interesse pela leitura.
Ainda sobre suas concepções acerca de práticas que auxiliariam na formação
de um bom leitor, aparece, no relato da entrevista, a leitura feita pelo professor para os alunos:
[...] Isso é uma prática diária de leitura, só que aí tem uma outra forma de
leitura: eu tenho que ler pra eles. E o engraçado é que os livros que a gente
lê, por exemplo, eu gosto muito do Ricardo Azevedo... Então eu pego um livro
dele e cada dia vou lendo uma história pra eles... E aí quando eu devolvo na
biblioteca, você vai ver e o livro já não está lá... Porque eles mesmos já foram
atrás do livro... Então isso é bem interessante.
Entretanto, nas observações em sala de aula não presenciei nenhum momento
de leitura da professora para os alunos, revelando também, durante o tempo de observação,
certa contradição entre o discurso sobre a prática e esta efetivamente colocada em ação.
Quando indagada sobre a freqüência com que desenvolve atividades de
leitura, a professora parece reconhecer sua dificuldade em conciliar teoria e prática,
justificando-se por nem sempre agir de forma coerente aos pressupostos teóricos que diz adotar.
Como eu te falei eu estou aprendendo ainda... então aqueles vícios que
a gente traz, nem da nossa formação acadêmica, mas da nossa
formação escolar lá atrás...da primeira a quarta série, da quinta a
oitava...a gente sempre tem que estar se policiando porque às vezes
quando você vê já está trabalhando textos de uma forma muito
mecânica. E é muito mais cômodo, muito mais simples... [...] Agora, de
forma mais cotidiana são os trinta minutos diários e eu leio pra eles
duas ou três vezes por semana.
No espaço da sala de aula, encontrei alguns cartazes elaborados pela
professora do turno da tarde, que compartilha o mesmo ambiente. Havia duas prateleiras com
alguns dicionários e revistas velhas. Os estudantes sentam-se em fileiras, organizados em pares.
Nessa classe, embora os alunos se mostrassem agitados, não houve situações
de conflito e eles interagiram e desenvolveram as atividades com tranqüilidade.
Esse grupo também participa semanalmente da “Hora do Conto”, atividade
integrante do projeto desenvolvido em parceria com a UNESP e realizada por alunas do curso
de Pedagogia.
Durante as horas-aula observadas, constatei dois episódios de leitura e
trabalho com textos. No primeiro deles, a professora entregou uma folha mimeografada com o
texto A Rebelião das Cores, de Sônia Rinaldi e Fernando Machado. Solicitou aos alunos que
lessem a história duas vezes, em silêncio, e que pintassem as ilustrações da folha. Quando
terminaram, as crianças colaram o texto no caderno. Um possível momento de troca entre as
leituras dos alunos não ocorreu e todos os significados possíveis se encerraram no caderno.
Transcrevo este texto em virtude da falta de clareza da folha original, que não
possibilitou a realização de uma cópia.
A rebelião das cores
Numa caixa de lápis de cor...
O lápis Vermelho notou que ele e seus companheiros estavam meio
abandonados. Todos concordaram e começou aquele alvoroço.
O Verde logo se animou a expor sua tristeza:
_ Eu sou o mais esquecido!
_ Por que VOCÊ? – perguntou o Azul.
_ Porque quando usam cores para pintar uma paisagem, tem tão pouco
VERDE, que pouco me usam!
_ Engano seu, companheiro! Olha para o céu! – exclamou o Azul apontando
através da janela...
E todos se espicharam. O coitado do CINZA, um toquinho gasto, até se
escondeu... envergonhado. E todos calaram-se em respeito á tristeza do
AZUL.
O Laranja reclamou:
_ Ah, é? Só falta AZUL no céu? E aquele pôr-do-sol de antigamente, onde eu
me raiava em mil tons, e todo mundo me admirava???
O Amarelo reagiu:
_ É? Eu era a cor dos canarinhos... Agora, onde estão eles?
Então, a Borracha safada, que estava ouvindo essa conversa, começou
matreiramente, a se aproveitar da situação.
_ Não sei por que todo esse alvoroço – disse de mãos na cintura. _ Eu tenho a
soluça. Acabo logo com esse sofrimento: APAGO tudo, ACABO com
vocês!!! E saiu se rebolando, em demonstração.
As Cores, horrorizadas, deram um corre na Borracha. Foi tapa pra tudo quanto
foi lado, até expulsá-la da mesa!
Depois encolheram-se na caixa. Não viam solução. O mundo andava tão
cinza, com poluição, poucas matas, rios contaminados, mar sujo... Calaram-se.
E esse silêncio me fez acordar. Será que as cores do mundo ficarão cada vez
mais sem vida?
Se ajudarmos a cuidar mais da natureza, talvez ela possa voltar a ser tão
colorida, que um artista, para retratá-la, tenha de usar todos os lápis da caixa!!!
Será possível?
Essa história foi escrita por Sônia Rinaldi e
Fernando Machado e faz parte do livro A
rebelião das cores, das Edições Paulinas.
Uma semana depois, esse texto foi retomado, com nova leitura seguida de
elaboração de respostas a um questionário de interpretação de texto, que foi transcrito na lousa.
A correção deste instrumento também foi realizada pela professora que, após breve
questionamento aos alunos, sem que houvesse tempo para discussões, transcrevia a resposta
correta na lousa. Reproduzo aqui essa atividade com as respostas indicadas pela professora.
Trabalhando com o texto
O que significa:
a) “Começou matreiramente a se aproveitar da situação”?
R. A borracha queria acabar com todas as cores.
b) “Deram um corre na borracha”?
R. As cores mandaram a borracha embora.
c) “O mundo andava tão cinza”?
R. Por causa da poluição as paisagens não tinham mais cores, tudo estava
morto,quer dizer, as plantas, as árvores estavam sem vida.
d) Quais são os personagens da história?
R. Verde, Azul, Cinza, Laranja, Branco, Amarelo e a Borracha.
Seguiu-se a esta atividade, um ditado de outro texto, desta vez informativo,
cujo tema versava sobre as possíveis combinações de cores. Não houve referências quanto ao
título ou autor, tendo sido o excerto possivelmente retirado de um manual didático.
Você quer saber?
- Muitas cores!
Há algum tempo, a maioria dos jornais, revistas, livros, fotografias, cinemas e
a televisão eram em branco e preto. Atualmente esses meios de comunicação
usam as mais variadas cores para transmitir suas mensagens. Existem cores
primárias e secundárias. As cores primárias são puras; da mistura delas
podemos obter as outras cores. Azul, amarelo e vermelho são cores primárias.
Cores secundárias são as cores resultantes da mistura de duas cores primárias.
Após a realização do ditado e transcrição do texto na lousa para correção da
ortografia, foi realizada leitura oral coletiva pela professora e pelos alunos. Pergunto-me quais
seriam os objetivos educacionais dessa leitura em coro que, obviamente, não traz benefício
algum à formação leitora, quer para o desenvolvimento do gosto, quer para a compreensão do
texto.
Em pesquisa recente sobre as estratégias de ensino mais utilizadas na sala de
aula, Silva & Carbonari (2002) observaram que em quase todas as disciplinas há uma grande
incidência de duas estratégias: a cópia e a leitura oral. Sobre a leitura oral discorrem:
À semelhança da cópia, a leitura oral também se origina de um estímulo
textual visual, porém engendra uma resposta que consiste na mera produção
sonora de estímulos visuais. Em ambos os casos, as respostas provocadas
apresentam o mesmo alcance pedagógico: reações mecânicas que não
propiciam a reflexão (SILVA & CARBONARI, 2002, p. 96).
Na entrevista, quando indagada sobre o tipo de material que costumava
utilizar para o trabalho com leitura, a professora indicou os livros de literatura da biblioteca da
escola e fichas de leitura, que são cópias de textos coladas em pedaços de cartolina. Ressalto
que durante as observações de campo, com exceção do momento em que os alunos utilizavam o
acervo de classe, não presenciei o uso de tais materiais pela professora. Mesmo os textos
xerocopiados que foram entregues aos alunos foram retirados de manuais didáticos e, além de
transcrições na lousa, outro recurso utilizado foi o livro didático.
Ao mesmo tempo, seu relato torna evidente as dificuldades encontradas pelos
professores para efetivar práticas educativas com a leitura que sejam significativas para os
alunos e coerentes com suas concepções.
Os livrinhos de literatura, as fichas de leitura... Ficha de leitura, eu pego
histórias e colo em cartolinas... Agora eu acho que é meio restrito, então eu
uso os livrinhos da biblioteca... Mas assim... A gente tem um pouco de
dificuldade ainda... Porque por exemplo, nós temos a menina que fica na
biblioteca, ela é estagiária... Então às vezes a biblioteca fica fechada porque
ela precisa dar aula... Acho que ela vem três vezes por semana de manhã e
duas vezes à tarde, então ás vezes ela fica a semana toda de manhã porque
não tem como ela vir e a biblioteca fica fechada... E aí a gente tem uma
quantidade de livro por sala, então eles enjoam daqueles livros e eu tenho que
trocar com a outra professora... Eles falam “eu já li esse”... Então é mais
complicado pela falta de bibliotecária.
Silva (1998) discorre sobre tais dificuldades determinando as
responsabilidades do professor e dos órgãos governamentais competentes nesse emaranhado de
situações desfavoráveis a uma prática educativa consciente e produtiva.
O professor, com a colaboração dos alunos, pode manejar o acervo de uma
biblioteca de classe (40 a 50 livros). Porém, o crescimento dos acervos vai
exigir conhecimento técnico oriundo da biblioteconomia, para a organização e
melhor utilização dos livros. Em nosso ponto de vista, cabe ao professor a
função de ensinar; cabe ao Estado proporcionar condições para que o ensino
se efetive, e dentre essas condições se coloca a formação e manutenção de
boas bibliotecas escolares para o atendimento dos alunos e para a atualização
pedagógica dos professores (SILVA, 1998, p. 127).
O segundo episódio de leitura ocorreu na aula de Ciências, quando a
professora solicitou que os alunos lessem silenciosamente, e duas vezes, três páginas do livro
didático da disciplina. Infelizmente, não pude fazer uma cópia do texto, pois as crianças
necessitavam estudar com o auxílio do livro para uma avaliação da disciplina, e a professora
não possuía um livro excedente para me emprestar. Entretanto, tratava-se de um texto
informativo sobre os cuidados com o lixo, o reaproveitamento e a reciclagem. Após a leitura
deveriam responder as questões colocadas na lousa que transcrevo abaixo.
a) O que é feito com o lixo de sua casa?
b) Quando não tem coleta de lixo o que devemos fazer com esse lixo?
c) Explique para onde vai o lixo recolhido.
d) O que significa reciclar?
Nesse caso, não há qualquer socialização da leitura ou das respostas ao
questionário, que sequer foram transcritas na lousa. Parece que, na concepção da Professora
01, os alunos decodificam o texto escrito e, portanto, não necessitam de sua mediação na
leitura. Adotando a classificação de episódios de leitura de Silva & Carbonari (2002), descritas
no capítulo dois deste trabalho, a concepção da professora enquadra-se na leitura pressuposta,
ou seja, o simples fato de ter acesso ao texto escrito já é garantia de compreensão e supõe-se
que os alunos tenham entendido todas as idéias nele explícitas e implícitas.
A relação leitura-produção de sentido é supostamente automática, justificando
assim a ausência de qualquer trabalho de aprofundamento textual. É o mais
grave erro de conceituação da leitura – esta não é uma atividade automática,
mas requer um esforço de aprofundamento na busca de relações entre texto e
vida, história, produções anteriores etc. (SILVA & CARBONARI, 2002, p.
104).
Contraditoriamente, quando indagada, na entrevista, sobre práticas que
colaborariam com a formação de um bom leitor, a professora ressaltou a necessidade de
estabelecer relações entre a leitura e as experiências de vida dos alunos. Ora, como tornar isso
possível sem garantir o caráter dialógico da leitura, sem permitir que os alunos compartilhem
suas percepções, suas idéias, suas histórias?
[...] Enquanto profissional docente é lendo com eles, estimulando essa leitura
e sempre fazendo eles refletirem... Sempre estabelecendo essa relação de vida
com o que está lendo... Sempre... Por mais que a gente ache difícil tem que
tentar.
Além dos dois episódios de leitura descritos acima, as atividades mais
comuns foram exercícios de matemática, transcritos na lousa pela professora e copiados no
caderno pelos alunos, e que tiveram resolução e correção coletiva, na lousa, ou individual.
A mesma professora, quando indagada se desenvolvia algum projeto
relacionado ao ensino da leitura, se reportou a um único projeto desenvolvido no mesmo ano, o
que confirma que as práticas educativas com a leitura sofrem de uma ausência de planejamento
sistemático, ocorrendo muitas vezes por exigência ou solicitação das escolas.
Eu desenvolvo um projeto todos os anos, geralmente um mês ou um mês e
meio. A gente trabalha muito por autor. Às vezes a gente pega um ou dois
autores e explora tudo dele. Nesse ano nós trabalhamos Ziraldo, trabalhamos
vários autores e escolhemos junto com os alunos um pra trabalhar... Foi o
Ziraldo. Na verdade, esse foi o primeiro ano... Então nós tivemos uma
exposição da escola e os trabalhos foram pra exposição.
Em seguida, dedico-me a relatar uma situação de avaliação de Língua
Portuguesa, ocorrida no terceiro dia de observação nessa classe. Embora previsse alguns
momentos em que o ato de ler estivesse presente, não a considero como episódio de leitura em
função da natureza da atividade, pois a professora não tinha como objetivo o trabalho com a
leitura em si, mas apenas avaliar quanto as crianças haviam aprendido sobre algumas questões
da língua materna. Entretanto, essa descrição ganha relevância, pois demonstra o uso utilitário e
disciplinador da leitura em sala de aula.
A avaliação consistia em dois textos distintos – um fragmento da obra “O
meu amigo pintor”, de Lygia Bojunga Nunes, e um texto instrucional (bula de remédio),
seguidos de questões de interpretação de múltipla escolha. Ao final, os alunos deveriam
escrever uma redação a partir de uma orientação dada: O que você faria se, de repente, no meio
da noite, não conseguisse mais dormir? Escreva e faça um desenho. Importante observar que a
temática da produção escrita não está relacionada a nenhum dos dois textos utilizados na
avaliação.
Após terminarem, os alunos deveriam entregar a prova à professora e
dedicarem-se a ler um livro do “Cantinho da leitura”. Diante de certa agitação e conversa por
parte dos alunos que já haviam terminado a tarefa, a professora pediu que copiassem no
caderno um trecho do livro que estavam lendo. Um dos alunos perguntou, mostrando um livro
que tinha nas mãos: Professora é pra copiar? Ela respondeu: Esse não, esse só tem 2 ou 3
linhas, eu quero um maior.
Está evidente a relação entre a cópia e o controle da suposta indisciplina,
mesmo que seja possível compreender a preocupação da professora em garantir certa
tranqüilidade aos alunos que ainda realizavam a avaliação. Entretanto, as conseqüências para a
relação das crianças com a leitura não me parecem nada favoráveis. Não acredito na
possibilidade de formar leitores na existência de uma mediação pautada pelo controle e
utilitarismo do livro.
O mesmo acervo de classe destinado a promover o desenvolvimento do
hábito e do gosto pela leitura (ainda que precariamente) passa a ser utilizado como recurso para
o controle da indisciplina através de estratégias mecanicistas como a cópia. Nesse caso, a cópia
se reveste de uma finalidade estéril, ligada à ocupação do tempo e vista como recurso
disciplinar, e o livro de literatura tende a ocupar, no imaginário das crianças, o lugar de um
objeto utilitário e desvinculado dos seus contextos de vida.
Considerando as descrições acima sobre os relatos e as observações de
campo, me permito concluir que as práticas educativas com leitura da Professora 01, do ponto
de vista quantitativo, também não ocorreram com a freqüência necessária para desenvolver a
formação leitora dos alunos. Em cinqüenta horas-aula observadas, presenciei apenas dois
episódios de leitura.
Do ponto de vista qualitativo, sua prática revela uma ausência de situações de
leitura voltadas à construção e reconstrução de sentido. Como descrevi anteriormente, os
episódios de leitura se enquadram na categoria leitura pressuposta (SILVA & CARBONARI,
2002); a professora, por entender que a simples decodificação do texto já oferece a
compreensão, se exime do papel de mediadora entre os alunos e o objeto de leitura.
Entretanto, pude observar que a docente vem se dedicando a construir
práticas mais significativas, tendo consciência de que suas próprias histórias interferem nas
escolhas didáticas que realiza. Percebo em trechos do relato na entrevista a condição de
aprendiz que ela se coloca.
Como eu te falei, eu estou aprendendo ainda... Então aqueles vícios que a
gente traz [...].
Desde quando começamos o trabalho com leitura aqui na escola, então eu
acho que o trabalho não foi só pros al
unos, foi pra mim, por exemplo, foi
pra gente... Se eu aprendi a ver a leitura de outra forma, foi por causa
deste trabalho que está acontecendo aqui na escola.
5.3 Professores, leitura e ensino: o lugar e o papel da formação inicial e continuada
A partir da transcrição e análise das entrevistas sobre as concepções teórico-
metodológicas e descrição das práticas educativas das duas participantes-corpus da pesquisa,
posso apontar algumas setas neste caminho investigativo.
A primeira delas é que, do ponto de vista quantitativo, um dos critérios para
análise, não houve diferenciação entre as duas categorias (leitor e não leitor). Nas cinqüenta
horas-aula observadas em cada um dos casos (Professora 12 e Professora 01) ocorreram apenas
dois episódios de leitura.
Poderíamos supor que um professor leitor por fruição, que se identifica com a
leitura e com os livros, manifesta um vínculo afetivo para com o ato de ler e desde a tenra
infância pôde usufruir do contato com materiais escritos, dedicaria uma parcela maior de tempo
a conduzir seus alunos no instigante caminho da leitura, contagiando-os com o seu entusiasmo
por essa atividade. Entretanto, não é o que se pôde observar nesse estudo de caso.
Ainda sobre o aspecto quantitativo, se levarmos em consideração que a
Professora 01 (sujeito não leitor) estabeleceu uma rotina diária de leitura com seus alunos (o
que não está sendo computado como episódio de leitura), poderíamos dizer que as crianças sob
sua responsabilidade permanecem um tempo maior envolvidas com o ato de ler.
Considerando o segundo critério adotado (ponto de vista qualitativo),
observei diferenças na abordagem dos materiais de leitura a partir dos referenciais teóricos aqui
adotados, revelando que a Professora 12 (sujeito leitor) demonstra uma prática educativa com
leitura mais adequada, principalmente por mediar as situações de contato com o livro e com o
texto e permitir às crianças alguma interação, alguns momentos de troca de impressões sobre os
textos lidos.
Em que pese a inconstância observada em seu trabalho com a leitura, ora
possibilitando, ora excluindo o caráter dialógico da atividade realizada em alguns momentos,
concluo que a professora desenvolve uma prática educativa que poderá proporcionar melhores
condições à formação leitora dos alunos.
No roteiro da segunda entrevista, incluí questões relacionadas à formação
inicial e continuada das professoras. Interessava-me saber se haveria diferenças significativas
na trajetória de formação dos dois sujeitos, que pudessem ter delineado percursos diferentes na
prática profissional docente de ambas.
Retomando conceituação já descrita nesse trabalho, entendo a formação
inicial como os cursos correspondentes à habilitação para a docência - o magistério em nível
médio e a graduação em Pedagogia e/ou licenciaturas como Letras, Ciências, Matemática,
Educação Física, entre outros. Delimito como eventos de formação continuada as atividades
das quais os professores participam ao longo de sua carreira como aprimoramento profissional:
cursos de especialização e pós-graduação, reuniões pedagógicas na escola, cursos de curta
duração, seminários, congressos e outros similares, incluindo-se tanto aquelas custeadas pelo
próprio docente como as promovidas pelos órgãos educacionais públicos.
Uma das questões indagava se no processo de formação inicial as professoras
tiveram contato com alguma disciplina cuja temática fosse a leitura, o ensino da leitura ou a
relação leitura e literatura. A Professora 01 (sujeito não leitor) nega categoricamente tal
possibilidade.
Não. A gente trabalha muito a questão de refletir sobre a leitura de uma
forma crítica, nós mesmos... Mas assim, aprender a lidar com a leitura na
sala de aula... Isso nunca! (Professora 01)
Já a Professora 12 (sujeito leitor) quando indagada sobre a mesma questão,
revelou que tais oportunidades estiveram presentes na sua formação inicial.
Na minha formação acadêmica teve a disciplina de Comunicação e
Expressão, da professora Renata, que trabalha com isso... Com leitura, com
literatura, como se trabalhar com a leitura na sala de aula, produção de
textos, diferentes tipos de textos, diversidade de textos, como trabalhar com
esses textos... Fez parte da minha formação. (Professora 12)
Outra questão incluída no roteiro da entrevista semi-estruturada indagava
sobre o lugar e a forma, como e onde as professoras consideravam que haviam agregado mais
conhecimentos sobre o tema leitura e ensino. É interessante observar que a Professora 01
(sujeito não leitor) cita um espaço de formação continuada; refere-se ao projeto desenvolvido
na escola em parceria com a UNESP, já citado neste trabalho no capítulo 4. Esse projeto, além
de ações que convergem para os alunos, desenvolve, concomitantemente, um processo de
formação dos professores, realizando encontros periódicos em momentos de reunião
pedagógica.
Depois que eu me formei... Durante o meu trabalho docente... Foi até através
do trabalho que a Professora Renata começou a desenvolver aqui na escola...
O projeto de formação dos professores... Com certeza foi a partir daí... Foi
muito interessante... É ainda porque ainda está acontecendo. (Professora 01)
Por sua vez, a Professora 12 (sujeito leitor), quando indagada sobre a mesma
questão, menciona o espaço de formação inicial, referindo-se a uma disciplina freqüentada no
curso de Pedagogia. É relevante notar que as duas professoras participam do mesmo projeto de
formação na escola, entretanto para esta, os estudos realizados na graduação foram
significativos.
Na disciplina de Comunicação e Expressão da Professora Renata... Ela já vai
indicando algumas leituras que a gente faz... Que eu acho que contribui pra
essa formação, em relação a isso... Depois na disciplina optativa de
Literatura... E na optativa temos mais leituras. (Professora 12)
A oportunidade de contar, no seu processo de formação inicial, com o estudo
de disciplinas que tratavam da leitura e de seu ensino, estratégias didáticas com textos e do
trabalho com a literatura infantil em sala de aula, teve especial importância para a Professora
12.
Quando se refere ao curso de graduação, reconhece essa importância e faz
uma crítica ao fato de a disciplina Literatura Infantil ser optativa, dada a relevância desses
estudos para a formação do professor.
Agora, o que eu acho é que poderia ser melhor, porque ás vezes
algumas coisas a gente acaba buscando pela gente mesmo... A
disciplina optativa, por exemplo, de Literatura Infantil. O curso
oferece, mas é optativo... Mas não deveria ser... Eu acho que a
disciplina de Literatura Infantil no curso de Pedagogia não deveria ser
optativa... Então eu acho que em alguns aspectos a faculdade deixa a
desejar... Porque aí o que acontece? Aqueles que se interessam por
literatura vão buscar a disciplina, os que não se interessam acabam
não tendo conhecimento. Acabam conhecendo essas questões de leitura
um pouco mais somente aqueles que vão atrás. (Professora 12)
Interpretando os relatos, posso inferir que as diferenças qualitativas
apresentadas entre suas práticas educativas com leitura e as práticas da Professora 01 podem
advir não só de seu vínculo afetivo com a literatura e freqüência habitual de leituras, mas
também de possibilidades de acesso a instâncias de formação docente onde o ensino da leitura e
a mediação dos textos estiveram presentes. É inegável que, em sua formação inicial, a
Professora 12 (sujeito leitor) adquiriu um corpo de conhecimentos teórico-metodológicos que
influenciam suas práticas educativas com leitura.
Sendo assim, me permito afirmar que o fato de a Professora possuir um perfil
leitor por fruição, demonstrando vínculos afetivos com a leitura e a literatura, é relevante, mas
não se configura condição para desencadear práticas mais significativas de ensino da leitura. O
seu interesse pelos livros e pela literatura a instigam a buscar o aprofundamento dos estudos
nessa área, como mostra seu relato quanto à disciplina optativa de Literatura Infantil no curso
de graduação. Entretanto, para construir práticas de ensino da leitura mais assertivas, foi
essencial o estudo teórico-metodológico proporcionado pela sua formação inicial.
A ultima questão proposta na entrevista trazia a seguinte indagação: Para a
sua prática docente com leitura, qual a importância de estar em uma escola que possui um
projeto relacionado ao tema? Meu interesse era verificar a influência de um projeto de
formação continuada desenvolvido na escola em suas práticas educativas com leitura, segundo
a concepção das professoras participantes.
As respostas de ambas foram coincidentes, atribuindo a essas ações
formativas um sentido de valor e até mesmo de condição para desenvolverem o trabalho
pedagógico com leitura.
A importância é muita, porque o projeto não é só meu, é da escola toda. Isso
envolve a biblioteca, meus alunos têm um projeto na biblioteca, todos os
funcionários da escola estão interessados em incentivar o gosto pela leitura e
todos envolvidos no mesmo projeto. Então eu acho que isso contribui muito. É
diferente, por exemplo, se eu entrasse numa escola que não tivesse projeto
nenhum e que o trabalho fosse só meu. Lá envolve a escola toda. [...] Então,
assim... Eu acho que o projeto da escola foi muito importante e está sendo pro
trabalho que eu desenvolvo e pro meu interesse até em trabalhar com leitura e
literatura na sala de aula... Porque é um projeto que não é só meu, é da
escola também... Então as crianças se envolvem na sala de aula e fora da sala
de aula... Isso de certa forma gera continuidade... No ano que vem eles têm o
mesmo projeto com outra professora... Também porque faz parte do processo
de formação dos professores. [...] Se fosse em outra escola, que não tivesse
nenhum projeto relacionado a isso, provavelmente o ano que vem as crianças
não teriam continuidade e eu não teria espaço também pra desenvolver. É
diferente quando todos discutem o mesmo assunto e quando todos pesquisam
e estudam e trabalham com as mesmas coisas. (Professora 12)
Toda a importância... Como eu te disse foi a partir do projeto da escola com a
Professora Renata que eu pude pensar sobre como ensinar leitura... Eu ainda
estou aprendendo... Talvez se eu estivesse numa escola sem um projeto... Nem
sei... Acabaria não desenvolvendo um trabalho diferente por falta de
conhecimento. (Professora 01)
Tais relatos demonstram que as ações de formação continuada, como aquelas
desenvolvidas pelo projeto existente na escola e já mencionadas neste trabalho, podem
colaborar para transformar práticas educativas através da inserção de um corpo de
conhecimentos que os professores não possuem e, consequentemente, modificar o perfil leitor
deles favorecendo o estabelecimento de vínculos afetivos com a leitura e a literatura. Para
ilustrar essa questão, volto a citar o comentário da Professora 01 (sujeito não leitor), quando faz
referência ao seu processo de aprendizagem enquanto docente.
Desde quando começamos o trabalho com leitura aqui na escola, então eu
acho que o trabalho não foi só pros al
unos, foi pra mim, por exemplo, foi
pra gente. Se eu aprendi a ver a leitura de outra forma, foi por causa
deste trabalho que está acontecendo aqui na escola. (Professora 01,
grifo meu)
Apóio-me em Nóvoa (2002) para afirmar que, para além da formação inicial,
os professores podem construir sua trajetória de formação em diferentes instâncias e contextos,
aprimorando e ampliando suas experiências intra-escolares, mas tal formação se dá,
principalmente, no contexto de suas experiências profissionais: [...] é no espaço concreto de
cada escola, em torno de problemas pedagógicos ou educativos reais, que se desenvolve a
verdadeira formação do professor. (NÓVOA, 2002)
A partir das idéias do autor, ressalto a escola como uma importante instancia
formadora do profissional docente, considerando que nos espaços de formação inicial os
professores aprendem determinadas habilidades que legalmente os capacitam para o magistério,
mas que, envoltas apenas pela racionalidade técnica, os impedem de vivenciar situações
indispensáveis para habilitá-los no campo da racionalidade prática.
A formação do professor como leitor envolve questões relativas à sua
subjetividade, a suas crenças e valores, e esse aspecto ainda necessita ser incorporado às
discussões sobre a estrutura dos cursos de formação inicial. É preciso uma mudança de
concepção no currículo desses cursos para que a formação não se ocupe apenas do nível
intelectual, mas que envolva o nível sensorial e afetivo, ou seja, que favoreça a construção da
subjetividade dos professores.
No projeto de formação desenvolvido na escola e citado pelas professoras, o
objetivo principal (conforme relatório próprio) é procurar resgatar tal dimensão, expresso da
seguinte forma: Os objetivos gerais do projeto consistem em formar o leitor autônomo (alunos
e professores das séries iniciais), através do estímulo à sensibilidade, criatividade e criticidade
e da formação do gosto pela leitura, contribuindo para a construção de uma cidadania plena.
Quando, no projeto, são descritas as ações junto às professoras, encontro o
planejamento de situações e vivências que se alicerçam na sensibilização e na reflexão sobre a
leitura através da história de vida das docentes, corroborando o que estabelece o objetivo
central da formação.
As ações desenvolvidas junto aos professores buscaram, rememorando suas
histórias de leitura desde a tenra infância, sensibilizar e resgatar a afetividade
presente no contato com o livro e com a literatura, no contar e ouvir histórias.
Tal escolha deve-se ao fato de entender-se que, identificando suas práticas
sociais envolvidas no ato de ler, os professores poderão analisar suas práticas
docentes e as experiências de leitura por eles mediadas em sala de aula.
Acredita-se que as leituras do professor influenciam sua prática pedagógica e,
portanto, ampliando-se seu universo de leitura, abrem-se espaços para que
colabore mais efetivamente para o processo de letramento de seus alunos.
7
Nesse sentido, encontro em Nóvoa (1997) a afirmação dessas idéias, quando
discorre sobre o processo de construção da formação docente:
A formação não se constrói por acumulação (de cursos, de conhecimento ou
de técnicas), mas sim através de um trabalho de reflexividade crítica sobre as
práticas e de (re)construção permanente de sua identidade pessoal. Por isso é
tão importante investir a pessoa e dar um estatuto ao saber da experiência
(NÓVOA, 1997, p. 25).
Entendo que, se ações de formação continuada como o projeto citado acima,
podem colaborar para a mudança do perfil leitor dos professores, através da inserção de um
7
Projeto “ Leitura do professor, leitura do aluno: processos de formação continuada”, desenvolvido em parceria
entre a escola e a UNESP- Campus de Presidente Prudente, nos anos de 2004 e 2005. O projeto está em
continuidade, entretanto a temática foi ampliada e incluiu-se o estudo da produção de textos e seu ensino em sala
de aula.
corpo de conhecimentos teórico-metodológico sobre a leitura e seu ensino na sala de aula, bem
como através do planejamento de vivências e situações que propiciem a reflexão sobre a sua
própria subjetividade, também as instâncias de formação inicial podem dar a sua contribuição
nesse processo, ampliando o seu nível de atuação na construção da identidade docente.
Sobre a questão da formação do professor como leitor, particularmente, cabe
aqui outras considerações. Apesar de reconhecer a importância das primeiras instâncias
formadoras do leitor, como a família/escola e a infância como a mais profícua etapa de vida
para tal formação, me parece inegável que os cursos de formação inicial e continuada podem
também se configurar em importantes espaços de sensibilização e aprimoramento desse
processo, colaborando para a transformação do perfil leitor dos professores.
Silva (1998), citando uma recomendação da UNESCO para que os países
invistam no desenvolvimento de hábitos de leitura no período da infância, tece uma crítica ao
rígido conceito de que é somente nessa fase da vida que nos tornamos leitores, com a qual
compartilho integralmente:
[...] a UNESCO insiste que os países, através de políticas e ações, incentivem
o hábito de leitura no período da infância, sob o risco de passada essa fase,
tornar o processo irreversível, ou seja, ou se adquire o hábito de leitura quando
criança ou fica decretada a morte do leitor! (SILVA, 1998, p. 53).
Como pessoas, nossa natureza humana não é algo definitivo e acabado, mas é
delineada pela história de vida de cada um, pelas vivências sociais, pelo trabalho, pelas
diferentes lutas que travamos, pelos caminhos que compartilhamos. E são esses eventos e
episódios de nossa história que durante a vida nos estruturam e nos modificam.
Os espaços de formação de professores não podem passar ao largo desse
processo, portanto, podem e devem, ao longo da constituição da identidade do professor,
colaborar para seu aprimoramento como leitor.
6. Retratos do caminho: considerações finais
Preparo-me, neste momento, para concluir, ainda que provisoriamente, visto
que as verdades não são irrefutáveis, este caminho que me propus percorrer. Conclusões que
não significam necessariamente o ponto final, mas, talvez, o vislumbrar de novos atalhos e
novos percursos.
Tendo como objetivo investigar a prática docente, relacionada ao ensino da
leitura, de professores das quatro primeiras séries do Ensino Fundamental de uma escola
municipal de Presidente Prudente, me dediquei a verificar como a existência de um perfil leitor
por fruição na figura dos sujeitos poderia se configurar em um elemento indicador de
assertividade nas práticas de ensino da leitura e da formação do gosto por ela.
Durante todo o percurso deste trabalho, que se estruturou em um estudo de
caso, convivi intensamente com os elementos que o compunham: relatos, memórias, registros
de campo, reflexões minhas e das “colegas-professores-participantes” que compartilharam da
jornada.
Os primeiros passos deste estudo me auxiliaram a desenhar o pano de fundo
da caminhada, levantando dados importantes sobre o contexto em que se daria a pesquisa,
como algumas informações sobre a escola e, principalmente, sobre as professoras, sujeitos da
investigação. O grupo de participantes mostrou-se plenamente receptivo ao desenvolvimento
do trabalho, motivo pelo qual agradeço imensamente. Tal receptividade também se expressou
na busca pelo aprimoramento intelectual, dado que se revelou importante nesse diagnóstico.
À medida que caminhava, pude vislumbrar paisagens conhecidas e
inesperadas, todas elas ferramentas para a construção da trajetória. Traçar um panorama sobre o
perfil leitor das professoras participantes foi necessário para, conhecendo as relações e
representações que o grupo mantinha com a leitura, desenhar o primeiro cenário e, a partir daí,
selecionar os sujeitos que permaneceriam comigo ao longo da caminhada.
Nesse diagnóstico sobre o perfil leitor do grupo, posso mapear alguns
elementos importantes:
a) a maioria das professoras vê-se como sujeito não leitor nas diferentes
etapas de suas vidas: infância, adolescência e vida adulta, atribuindo este fato a dificuldades
financeiras, à falta de acesso ou de estímulo;
b) viveram, em grande parte, experiências de distanciamento de materiais
escritos (livros, revistas e outros) na infância, algumas relatando vivências de leitura associadas
à oralidade (adultos contando histórias);
c) a escola não foi considerada como uma instância que exerceu influência
positiva sobre o comportamento leitor do grupo, sendo lembrada como o lugar onde a leitura
estava relacionada à obrigatoriedade e ao dever;
d) o leitor adulto, o professor-leitor, revela-se distante da leitura-prazer,
leitura por fruição, na maioria dos casos, lamentando o fato de ter seu tempo preenchido apenas
pelas necessidades de leitura relacionadas ao trabalho ou aos estudos;
e) a maioria (53%) revelou um cotidiano permeado pelas leituras relacionadas
ao ser-professor, sejam livros para o trabalho com os alunos, sejam textos relacionados a
exigências da profissão.
Esses dados, ainda que obtidos de um grupo específico, podem ser tomados
como referência em futuras ações, visto que podemos considerá-los como uma particularidade
dentro de uma realidade mais ampla.
Nesse ponto do caminho, selecionei então os participantes-corpus, aqueles
que percorreriam comigo mais uma etapa deste trabalho. Com os dois sujeitos escolhidos
(sujeito leitor e sujeito não leitor), dediquei-me a desenhar novas paisagens, colhendo dados
sobre suas concepções teórico-metodológicas de leitura e analisando suas práticas educativas
com leitura em sala de aula.
Para que fosse possível estabelecer diferenciações qualitativas e quantitativas
entre as práticas de leitura das duas professoras, quantifiquei os episódios de leitura observados
e, ao mesmo tempo, analisei tais eventos à luz dos pressupostos teóricos que discuti no início
do trabalho.
Pude verificar que, do ponto de vista quantitativo (um dos critérios para
análise), não houve diferenciação entre as práticas educativas com leitura das duas professoras.
Tanto o sujeito leitor como o sujeito não leitor tiveram, em cinqüenta horas-aula observadas,
dois episódios de leitura em sala de aula.
Quando voltei meu olhar para as questões qualitativas (segundo critério de
análise) foi possível verificar que as práticas educativas com leitura do sujeito leitor possuíam
características mais condizentes com os pressupostos teóricos que adotei neste trabalho,
principalmente por demonstrarem maior ênfase no caráter dialógico do ato de ler, permitindo
que os alunos compartilhassem suas próprias percepções dos textos lidos.
Num primeiro momento, poderíamos supor que tal diferenciação se devesse
apenas à sua condição de leitor por fruição, de seu vínculo com a leitura desde a infância.
Entretanto, analisando as histórias de formação inicial das docentes, verifiquei que o sujeito
leitor também teve a oportunidade de cursar disciplinas que tinham como foco a leitura e o seu
ensino na sala de aula, incorporando conhecimentos teórico-metodológicos relevantes para
imprimir diferenças qualitativas.
O cenário vislumbrado me permitiu concluir, neste estudo de caso, que ter
um perfil de leitor por fruição, manifestado por vínculos afetivos com a leitura e a literatura, é
aspecto relevante, mas não configura condição para que um professor desenvolva práticas de
ensino da leitura mais significativas. A existência de um perfil leitor favorável, bem como a
afetividade com os livros e a literatura, levou a docente a aprofundar seus conhecimentos nessa
temática (leitura e ensino). Daí, podermos inferir que, para construir práticas de ensino da
leitura mais assertivas, o estudo teórico-metodológico proporcionado pela sua formação inicial
foi essencial.
Entretanto, os espaços de formação inicial priorizam o atendimento a
determinados conteúdos que legalmente habilitam os professores para o magistério, mas que,
imbuídos apenas de racionalidade técnica, os afastam de experiências indispensáveis para
habilitá-los no campo da racionalidade prática e da reflexão sobre sua subjetividade.
Em estudo sobre o perfil dos professores brasileiros, intitulado O Perfil dos
Professores Brasileiros: o que fazem, o que pensam, o que almejam, faz-se referência a essa
questão, citando Gatti:
Trabalhos sobre formação em serviço ou continuada e desempenho de
professores têm analisado as dificuldades de mudança nas concepções e
práticas educacionais desses profissionais em seu cotidiano escolar. Em geral
os mentores e implementadores de programas ou cursos de formação
continuada, que visam a mudanças em cognições e práticas, têm a concepção
de que, oferecendo informações, conteúdos, trabalhando a racionalidade dos
profissionais, produzirão a partir do domínio de novos conhecimentos
mudanças em posturas e formas de agir (GATTI, apud UNESCO, 2004, p.35).
No mesmo relatório, dentre as recomendações apresentadas frente ao
panorama delineado pela pesquisa, ressalto aquela que reafirma as idéias que aqui defendo
sobre a necessidade de reestruturação dos currículos de formação de professores.
Priorizar o investimento na ampliação do universo cultural dos professores,
com a inclusão da questão da leitura, do acesso a teatros e a museus, entre
outros, nos currículos de formação inicial e continuada. Portanto, a formação
cultural dos professores deve estar contemplada no bojo da formação inicial e
continuada (UNESCO, 2004, p. 182).
Permito-me, ao retratar o caminho percorrido, ressaltar o papel das instâncias
formativas do professor (contemplem elas ações de formação inicial ou continuada) na
formação leitora docente. No estudo da UNESCO supracitado há recomendação expressa para
que elas se ocupem da formação do professor-leitor.
Atentar para que os cursos de formação inicial e continuada contribuam para a
formação do professor-leitor, a partir do acesso e da qualificação em relação
aos diferentes gêneros literários, ampliando a concepção de educação para
além dos métodos e técnicas de ensino (UNESCO, 2004, p. 182).
Parece evidente afirmar (e ainda assim corro o risco) que, se as pesquisas que
se debruçam sobre a questão da leitura na escola (MAGNANI, 1989; CHIAPPINI, 2002;
SOUZA, 2004; SILVA, 1998, 2000) ressaltam a relevância do professor na formação leitora
das crianças e jovens e, ao mesmo tempo, denunciam a precariedade de sua própria formação
leitora , urge que as instâncias formativas envidem esforços para alterar tal situação.
Reafirmo minha idéia de que, como seres humanos, estamos sempre a
renovar-nos e eternamente em construção, pelos episódios e experiências de vida que
modificam nossos pensamentos, nossas crenças, nossas concepções. Sendo assim, é sempre
tempo de vislumbrar novos caminhos, o que contesta a teoria de que é somente na infância que
nos formamos verdadeiramente como leitores.
Finalizo a trajetória deste trabalho percebendo que, a partir dele, muitos
outros caminhos poderão ser traçados e, como companheiro último, escolho Guimarães Rosa:
O mais importante e bonito, do mundo, é isto: que as pessoas não são sempre iguais, ainda não
foram terminadas – mas que elas vão sempre mudando. Afinam ou desafinam.
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Junqueira de. Caminhos para a formação do leitor. São Paulo: DCL, 2004.
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BARTHES, Roland. O prazer do texto. São Paulo: Perspectiva, 3 ed.,1993.
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Alternativas metodológicas. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1993.
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BRANDÃO, Helena & MICHELETTI , Guaraciaba (Coord.). Aprender e ensinar com textos
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<http://200.225.157.123/dicaureliopos/home.asp?logado=true>. Acesso em 04 nov. 2006.
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Renata
Junqueira de (Org.) Caminhos para a formação do leitor. São Paulo: DCL, 2004.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia. São Paulo: Paz e Terra, 1996.
GATTI, B. Formação continuada de professores: a questão psicossocial. Cadernos de
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GOULEMOT, Jean Marie. Da leitura como produção de sentidos. In: CHARTIER, Roger
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LUDKE, Menga & ANDRÉ, Marli E. D. A. Pesquisa em educação: abordagens qualitativas.
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Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – Instituto de Letras e Artes – Porto
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ANEXOS
Anexo 01 – Modelo de ficha de identificação utilizada com os sujeitos participantes
Professor:
Dados pessoais
Data de nascimento: Naturalidade:
Estado civil: Nº. de filhos:
Renda individual: salários mínimos.
Renda familiar: salários mínimos.
Jornada semanal de trabalho: horas.
Dados da formação
Habilitação em nível médio (magistério): ( ) sim ( ) não
Instituição: Ano:
Graduação
Instituição: Ano:
Pós-graduação (especialização):
Instituição : Ano:
Pós-graduação (mestrado):
Instituição Ano:
Pós-graduação (doutorado):
Instituição: Ano
Anexo 02 – Modelo de entrevista semi-estruturada realizada com os sujeitos participantes
Professor:
A leitura na infância – influências da família
1. Onde passou a primeira infância?
2. Quais lembranças de vivencias de leitura tem desta fase?
3. Antes de saber ler, teve algum estímulo à leitura de que se lembre?
4. Quem foi ou quem foram aqueles que mais te estimularam?
5. Havia em tua casa materiais escritos à tua disposição (livros, jornais, revistas)?
6. Na primeira infância, com que freqüência ocorria as atividades que envolviam a leitura,
como ouvir histórias lidas ou contadas?
7. Cite o nome de algumas leituras, histórias ou livros que marcaram seus primeiros anos
de vida.
8. Há livros ou materiais escritos que ainda guarda desta época? Quais?
A leitura na idade escolar – influências da escola e/ou outras instâncias sociais
9. Com que idade e onde aprendeu a ler?
10. Como era o contato com materiais escritos (livros, jornais, revistas) – com que
freqüência e onde tinha acesso a eles?
11. Há alguém ou alguma situação fora do contexto familiar que tenha sido estímulo à
leitura nesta fase da vida?
12. Nesta fase, qual a importância das atividades de leitura em comparação com outras
atividades que realizava?
13. Poderia se considerar um leitor nesta época – primeiros anos da escolaridade?
14. Em caso negativo, quais circunstâncias poderiam ter lhe afastado da leitura?
15. Em caso afirmativo, que tipo de leituras realizava?
16. Cite o nome de algumas leituras que foram importantes nesta época
17. Na adolescência, qual a importância da leitura no seu cotidiano?
18. Poderia se considerar um leitor na fase da adolescência? Por quê?
19. Em caso negativo, o que poderia ter lhe afastado da leitura?
20. Cite o nome de algumas leituras que marcaram sua adolescência.
A leitura na idade adulta - influências da formação profissional
21. Qual o espaço reservado à leitura hoje, no seu cotidiano?
22. Você hoje se considera um leitor? Por quê?
23. Em caso negativo, quais as circunstancias que julga terem te afastado da leitura?
24. Que tipos de leitura realiza no dia a dia?
25. Qual a finalidade, com que objetivo, realiza essas leituras?
26. Quais as suas preferências de leitura, o que mais gosta de ler?
27. Cite algumas obras/livros que tenha lido recentemente.
28. Cite algumas obras/livros que tenha pretensão de ler.
29. Você acha que o curso de magistério ou a faculdade cursada teve alguma influência na
sua prática como leitor? Por quê?
30. As atividades de que participa na sua formação contínua têm ou tiveram alguma
influência na sua prática como leitor? Por quê?
Anexo 03 – Modelo de entrevista semi-estruturada realizada com as professoras
participantes-corpus (entrevista 2)
Professor: ____
1) Defina com as suas palavras o que é ler.
2) Considerando a sua experiência como docente, como se forma um bom leitor?
3) Na sua prática educativa com os alunos, qual a freqüência com que ocorrem as atividades de
leitura?
4) Que tipo de material (textos xerocopiados, textos de jornal, livros, manuais didáticos) você
mais usa para o trabalho com a leitura?
5)Você desenvolve algum projeto relacionado com o ensino da leitura? Há quanto tempo?
6) No seu processo de formação acadêmica, você teve alguma oportunidade de realizar estudos
cuja temática fosse a leitura, o ensino da leitura ou a relação leitura e literatura?
7) Como e onde você considera ter agregado mais conhecimentos sobre este tema?
8). Para a sua prática docente com leitura, qual a importância de estar em uma escola que tem
um projeto relacionado ao tema?
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