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aqueles que entraram fundo no labirinto, mas só eles sabem se conseguiram matar o monstro e
voltar com o fio.
José Amaral Argolo, repórter de intensa experiência no jornalismo investigativo,
identificava-se com o envolvimento pessoal destes homens na atividade profissional que
desenvolviam. Aquelas pautas fantásticas apuradas com a força de quem desbravar a verdade,
porque nisto viam sentido – a justificativa podia ser a ocupação de um vão de ponte por
mendigos ou a venda superfaturada de comida para Escolas públicas. Luciano de Moraes, 47
anos dedicados ao jornalismo, era um destes. A descrição detalhada sobre a rotina do pauteiro
releva como Argolo admirava a maneira metódica, sistemática, paciente, despojada e
articulada de Luciano de Moraes trabalhar:
O homem que, com criatividade, sensibilidade e talento elaborava a pauta da
Editoria Grande Rio do Globo chamava-se Luciano de Moraes. Era de baixa
estatura, gordo para além do desejável segundo recomendam os cardiologistas,
usava barba e vestia quase sempre calça de brim e camisa folgada de mangas curtas.
Luciano, para aqueles que o conheceram circunstancialmente ou com ele
trabalharam em outros diários e/ou emissoras de televisão, foi um dos mais
respeitados e completos jornalistas do seu tempo e, penso eu – “seu aluno constante
e dedicado” durante quase dois anos em que atuei no plantão da madrugada no
Globo – o melhor pauteiro deste país. (...) Conheci Luciano de Moraes na segunda
metade dos anos setenta, quando era jovem repórter e ainda com alguns vícios de
redação próprios de quem cursara a antiga e conceituada Faculdade de Direito da
Universidade do Estado da Guanabara (atual UERJ) (...) Luciano chegava por volta
das três da madrugada e o fazia consciente de já estar bem informado. Ouvia rádio,
muito rádio. Sentava-se próximo à entrada do pequeno jirau que servia como base
para a Repol/Repress (Sistema de correspondentes do Globo no interior do estado) e
começava a trabalhar de maneira metódica. A primeira coisa que fazia era abrir uma
pasta larga, contendo exatas trinta divisões (uma para cada dia, ficando a última para
os meses com trinta e um dias). Dali retirava recortes de jornais e revistas que ele
próprio selecionava, cópias das notícias não publicadas naquela edição, laudas
contendo relatórios elaboradas pelos repórteres com informações adicionais aos
fatos, lembretes redigidos pelo editor ou chefe da reportagem, etc. Em seguida, lia o
conteúdo daquilo tudo e passava à, digamos, fase dois do processo: lia os jornais
recém adquiridos pelos contínuos na banca de jornais da Central do Brasil e / ou da
Rodoviária (eventualmente esses matutinos [O Dia, sempre em primeiro lugar,
porque rodava mais cedo; Jornal do Brasil, Ultima Hora, Tribuna da Imprensa]
eram permutados por outros exemplares do Globo) da seguinte maneira: dava uma
vista d’olhos nas primeiras páginas e recomeçava a leitura a partir da última página
de cada caderno. Inclusive os classificados. É que ali (sempre, grifo nosso) estão
parcialmente escondidos alguns segredos, tais como editais de licitação, anúncios
estranhos, convites para festas, convocações para reuniões de condomínio em
edifícios do society, etc. E ia lendo, e cortando, aquilo que o interessava. Tudo isso
sem perder o foco do noticiário e jamais deixando de lado o acompanhamento dos
fatos que ocorriam durante a madrugada, as inserções nos segundo e terceiro clichês.
(Argolo,2003)
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Aos 18 anos, Luciano entrou para o jornalismo e trabalhou em diversos jornais. Globo,
Dia, Correio da Manhã, Diário de Notícias, Jornal do Brasil, Estado de São Paulo. Tinha um
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Artigo inédito do Prof Dr. José Amaral Argolo, jornalista, advogado, escritor, professor adjunto e Diretor da
Escola de Comunicação da UFRJ. Maio de 2003.