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Em outubro de 1992, a Fundação Armando Álvares Penteado, de São Paulo, provocou escândalo ao
colocar nas ruas outdoors com uma jovem bonita, vestindo roupas de grife e o texto “Na FAAP só tem
avião”. Os outdoors da FAAP causaram indignação. Afinal, o que estava sendo oferecido, ou melhor,
vendido? Amizade, sexo ou formação superior? Com efeito, a mágica do testo publicitário,incluindo a
linguagem visual, é justamente a de operar com mais de um significado, fundindo e confundindo
necessidades e desejos, cruzando várias referências simbólicas por meio do uso de um código cultural
comum. O outdoor da FAAP alcançava esse objetivo. Mas essa mensagem estaria adequada à seriedade
que se espera de uma escola superior? O que essa instituição pretendia com tal mensagem? Que público
buscava atingir? Os cartazes ficaram pouco tempo expostos. Essa estratégia publicitária parece ter
causado, na ocasião, certo mal-estar. A mídia também explorou a indignação, que era generalizada, em
face do conteúdo do texto/imagem. Anos mais tarde o famoso outdoor da FAAP ainda era lembrado como
símbolo da explícita mercantilização do ensino superior privado no País. A propaganda da Fundação era
inaceitável por ser inusitada. Promovia-se, fingindo revelar um segredo, o caráter secundário da formação
acadêmica em uma instituição particular, cujo objetivo precípuo, comumente suposto, é a venda do título
universitário. Na realidade, tratava-se de um segredo de polichinelo. Expunha-se o próprio preconceito que
recai sobre as escolas particulares e, ao fazê-lo, banalizava-se a crítica. Ou melhor, dava-lhe (sic) de
ombros. O cartaz parecia dizer: qualidade é secundária, e daí? Somos jovens, elegantes e, sobretudo, ricos.
Fazemos parte de uma tribo endogâmica e aqui, enquanto obtemos o diploma, temos caça e/ou caçador. No
entanto, essa leitura é muito superficial e não considera a mágica da publicidade da FAAP. O avião, a
mulher bonita tangível, objeto/desejo sobrepunha-se ao objeto/necessidade – a formação superior – a ser
realmente oferecida pela instituição. A propaganda também foi acusada de ser machista: dirigia-se a um
público masculino, oferecendo-lhe mulheres cujo principal atributo era o de apresentarem um visual
atraente. A despeito de todas as críticas que lhe foram feitas, o outdoor da FAAP é emblemático. De um
lado ele reflete uma tendência mundial da propaganda que, desde os anos 70, tem-se voltado,
primordialmente, para o público infanto-juvenil; de outro, ele está em sintonia com estratégias mais gerais
do mercado de massa que tende a associar cultura e diversão. O cartaz mostra a transformação de uma
certa imagem de estudante universitário. A idéia do estudante universitário, sobretudo depois da
politização do movimento estudantil, ficou muito associada a uma imagem (mítica) de jovem intelectual e
contestador. A aparência física era negligenciada pelos jovens uma vez que uma das dimensões da
contestação era justamente a negação da sociedade de consumo. A metáfora “calcanhares sujos”, cunhada
por Nélson Rodrigues para referir—se às estudantes da PUC que usavam sandálias, ilustra essa caricatura
do estudante universitário. Até mesmo a propaganda dos anos 70 lançou mão de uma imagem de jovem
rebelde para vender jeans, tênis e outros artigos de consumo da juventude. Em contraste, a jovem que
figura no outdoor da FAAP tem aparência saudável, um corpo de malhação, veste roupas da moda. Sendo
o que é – sem precisar se transformas em uma sisuda estudante pálida e de óculos – , a jovem pode
também obter seu diploma de nível superior. Outro aspecto ao qual a propaganda remete é o espaço do
lazer, da sociabilidade e, de certo modo – por que não? - , da vida privada do estudante universitário. O
“avião” pode até ter sido uma escolha verbal inesperada – quem sabe pretendesse traduzir, no plano do
desejo, a possibilidade de realização de uma sociabilidade juvenil na instituição de ensino. Os publicitários
da FAAP farejaram um novo filão no mercado educacional. A linguagem da publicidade não é direta.
Nada é dito sobre o objeto/necessidade – o que realmente se vende -, mas sobre o desejo que se confunde
com a necessidade. É o que Baudrillard (1973) chama de sociedade de simulacro ou de significantes sem
significados. Assim como não se anunciam desodorantes em função da eficácia de suas composições
químicas, mas sim da promessa de que “um desconhecido pode algum dia lhe oferecer flores”, a FAAP
não enumerou seus cursos, tampouco referiu-se à titulação de seu corpo docente ou ao conforto e
adequação de suas instalações. O estranhamento que causou na época, o recurso ao jogo entre objeto /
necessidade-objeto / desejo, próprio da publicidade, e o fato de chamar a atenção para a questão da
sociabilidade estudantil, são elementos que nos fazem reconhecê-lo, hoje, alguns anos depois de sua
exibição, como emblemático de uma fase da propaganda das universidades e escolas superiores do Brasil.
(SAMPAIO, Helena Maria Sant’Ana. O ensino superior no Brasil. São Paulo: Hucitec, Fapesp, 2000. p.
247/250).