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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA
MESTRADO EM HISTÓRIA SOCIAL DAS RELAÇÕES POLÍTICAS
Mídia, ditadura e contra-hegemonia
A ação do jornal Posição no Espírito Santo
Dissertação de Mestrado
Lino Geraldo Resende
Vitória – ES – Março de 2005
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LINO GERALDO RESENDE
Mídia, ditadura e contra-hegemonia
A ação do jornal Posição no Espírito Santo
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em História, do Mestrado em História Social das
Relações Políticas da Universidade Federal do Espírito Santo
como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em
História Social das Relações Políticas.
Área de Concentração: Sociedade e Movimentos Políticos
Orientadora: Profa. Dra. Márcia Barros Ferreira Rodrigues
Vitória, ES
2006
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FOLHA DE APROVAÇÃO
Lino Geraldo Resende
Mídia, ditadura e contra-hegemonia
A ação do jornal Posição no Espírito Santo
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação
em História, do Mestrado em História Social das Relações Políticas da
Universidade Federal do Espírito Santo como requisito parcial para a
obtenção do título de Mestre em História Social das Relações Políticas.
Área de Concentração: Sociedade e Movimentos Políticos
Banca Examinadora
Profa. Dra. Márcia Barros Ferreira Rodrigues
Instituição: Universidade Federal do Espírito Santo
Prof. Dr. Giovandro Ferreira
Instituição: Universidade Federal da Bahia
Prof. Dr. Gilvan Ventura
Instituição: Universidade Federal do Espírito Santo
Prof. Dr. Carlos Vinícius Costa de Mendonça
Instituição: Universidade Federal do Espírito Santo
À minha família – Solange, Fernanda e Fábio – pelo
suporte e pela compreensão, essenciais em todas as
horas.
Em memória de Jackson Lima, muito mais do que
amigo, quase um pai, que me colocou na trilha do
jornalismo e foi meu grande professor.
AGRADECIMENTOS
À Profa. Dra. Márcia Barros Ferreira Rodrigues pela orientação segura,
que me facilitou a tomada de decisões e a escolha de caminhos. E pela
amizade e suporte oferecido durante o Desenvolvimento do Mestrado e
desta pesquisa.
Ao Prof. Dr. Carlos Vinícius Costa de Mendonça que, com atenção e
cuidado, me colocou no trilho e ajudou nos primeiros passos deste
Mestrado.
Ao Prof. Dr. Gilvan Ventura da Silva pelas pertinentes observações
sobre o conteúdo inicial deste trabalho, dando uma importante
contribuição ao seu aperfeiçoamento.
À Profa. Tânia Mara Ferreira, do Departamento de Comunicação da
Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) por ter disponibilizado
sua preciosa – e quase única – coleção do jornal Posição, tornando
possível este trabalho.
Aos professores do Mestrado em História Social das Relações Políticas
pelo debate instigante proporcionado em conversas pessoais, encontros
e seminários, o que ajudou, no final, na formatação desta pesquisa.
RESUMO
RESENDE, Lino Geraldo. Mídia, ditadura e contra-hegemonia, a ação do jornal
Posição no Espírito Santo. 2006, 173 fls. Dissertação (Mestrado), Programa de Pós
Graduação em História, Mestrado em História Social das Relações Políticas, Universidade
Federal do Espírito Santo, Vitória.
No período em que circulou, de 1976 a 1979, graças à sua integração aos movimentos
sociais e ao trabalho de intelectuais orgânicos, o jornal Posição, do Espírito Santo, exerceu
um papel contra-hegemônico, ajudando na desconstrução do discurso do regime, se
contrapondo às diretrizes da Doutrina de Segurança Nacional e difundindo uma nova
ideologia, a democracia. O jornal, sustentado pelos seus leitores, era distribuído na Grande
Vitória, região metropolitana mais populosa do Estado, e em mais 18 municípios, levando
uma visão crítica da realidade estadual, não abordada pela mídia tradicional, alinhada ao
regime e controlada com o exercício da censura oficial ou da autocensura. A pesquisa
discute a questão da contra-hegemonia, dos intelectuais orgânicos, a partir dos conceitos de
Antonio Gramsci, usa ferramentas da análise do discurso e mostra como a ideologia é
matriz para o trabalho hegemônico e contra-hegemônico.
Palavras chave: História política, imprensa alternativa, contra-hegemonia, intelectuais
orgânicos, ideologia
ABSTRACT
RESENDE, Lino Geraldo. Mídia, ditadura e contra-hegemonia, a ação do jornal
Posição no Espírito Santo. 2006, 173 fls. Dissertation (Master in History), Historical Post
Graduate Program, Master in Political History of de Social Relations, Universidade Federal
do Espírito Santo, Vitória.
Between the years of 1976 and 1979, in the state of Espirito Santo, Brazil, one
newspaper, called Posição (Stand), with your integration with the social movements and
because the work of organics intellectuals, In this period, with the integration with the
socials movements and the work of organics intellectuals, Posição had an important anti-
hegemonic role, helping to build another hegemonic discourse, against the dominant
discourse, maintained by the military regime who had the power and embraced the
Government of Brazil for 20 long years. Posição struggled against the National Security
Doctrine and publicized an new ideology, based in democracy. The independent
newspaper., maintained by its readers, was distributed in the greater Vitoria, the most
populated metropolitan region in the Espírito Santo state, and in 18 other counties. In each
edition, Posição had a critical approach of the state reality in counterpoint of the so called
great media, who were controlled by government through censorship and economic
pressure. This paper is about the anti-hegemonic question, organics intellectuals and works
with Antonio Gramsci´s concepts, uses analysis of the discourse tools and shows how
ideology is the matrix of the hegemonic and anti-hegemonic work.
Key words: Political history, alternative media, anti-hegemony, organics intellectuals and
ideology
LISTA DE SIGLAS
ABI – Associação Brasileira de Imprensa
AERP – Assessoria Especial de Relações Públicas da Presidência da República
AI 5 – Ato Institucional n° 5
Arena – Aliança Renovadora Nacional
BNDES – Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
CEBs – Comunidades Eclesiais de Base
CIE – Centro de Informações do Exército
CPDOC – Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil
CPI – Comissão Parlamentar de Inquérito
CST – Companhia Siderúrgica de Tubarão
DIP – Departamento de Imprensa e Propaganda do governo Vargas
DOI-Codi – Destacamento de Operações de Informações – Centro de Operação de
Defesa Interna
DPF – Departamento de Policia Federal
DPF – Departamento de Polícia Federal
DSN – Doutrina de Segurança Nacional
ESG – Escola Superior de Guerra
IBAD – Instituto Brasileiro de Ação Democrática
IPES – Instituto de Pesquisa e Estudos Sociais
MAB – Movimento Amigos do Bairro
MCV – Movimento do Custo de Vida
MDB – Movimento Democrático Brasileiro
OAB – Ordem dos Advogados do Brasil
PSD – Partido Social Democrático
SNI – Serviço Nacional de Informações
UFES – Universidade Federal do Espírito Santo
UNE – União Nacional de Estudantes
SUMÁRIO
Apresentação
Uma combinação perfeita 10
Introdução
Um pequeno reflexo do real 14
Capítulo I
Hegemonia e intelectuais orgânicos 26
Estrutura da pesquisa 45
Capítulo II
A realidade em um pedaço de espelho 49
Um clima difícil 51
Um clima de esperança 55
A questão da censura 62
A situação no Espírito Santo 69
O nascimento de Posição 72
Jornal e história 74
Capítulo III
Posição e a contra-hegemonia 80
Hegemonia, propaganda e distensão 83
Uma questão recorrente 95
Contra-hegemonia e Posição 100
Capítulo IV
Intelectuais orgânicos e contra-hegemonia 115
Considerações finais
Contra-hegemonia no Espírito Santo 135
Bibliografia
142
Apêndice A
As capas do Posição 155
Apresentação
Uma combinação perfeita
“Como é recorrente entre historiadores, cheguei ao meu
problema através de uma mescla de experiências profissionais,
intelectuais e políticas”.
Carl E. Schorske
Em 1964 quando os militares derrubaram um Governo civil legítimo e instalaram no
Brasil uma das mais obscuras ditaduras, eu estava com 14 anos, morando em Alegre, um
município do interior do Espírito Santo. A chamada revolução – como os militares
passaram, então, a denominar o golpe dado – não me afetou em absolutamente nada. A
minha rotina, de meus amigos e de minha família continuou a mesma. Eu e meus amigos,
estudando. Minha família, trabalhando, cuidando da pequena propriedade que meu pai
havia herdado e que foi responsável pelo sustento da família e me permitiu seguir um
caminho diferente dos meus parentes, que foi sair do meio rural e ir para a cidade estudar,
o que contou com o apoio da minha mãe e a má vontade do meu pai, que achava
desnecessário ter uma grande instrução, como chamava o ensino formal.
O estudo fez diferença e me deu uma nova perspectiva. Minha cidade – e meu universo
– ficou pequena. O universo rural e conservador tornara-se estreito e, contra a vontade de
minha família, mais forte do lado de minha mãe, decidi fazer o caminho da capital. O
objetivo era trabalhar, me sustentar e, com isso, ter possibilidade de continuar estudando,
fazer um curso universitário e, usando o aprendizado, conseguir um bom emprego, que
deixasse minha família orgulhosa de mim.
Três meses depois de chegar a Vitória tinha um bom emprego e podia pensar em voltar
a estudar. Por influência de amigos, que viam a possibilidade de fazer carreira na empresa
onde estava, escolhi fazer um curso técnico de administração, em nível de segundo grau.
Nele, conheci gente nova, fiz amigos e arranjei uma namorada com quem me casei depois.
Foi durante o curso, também, que minha vida começou a mudar. No segundo ano, após
perder o excelente emprego, decidi tentar um novo: ser repórter de jornal.
Em 1971, sete anos após o golpe e no auge da ditadura e da repressão, comandada pelo
general Emílio Garrastazu Médici, o jornal A Gazeta, de Vitória, no Espírito Santo, fez um
concurso para escolher novos repórteres. Eu fui um dos que se inscreveu, prestou as
provas, passou e foi aproveitado. Primeiro, como estagiário, para saberem se tinha ou não
tendência para a coisa. Tinha. E tanto é assim que, 15 dias após ter iniciado o estágio,
estava contratado como repórter de Geral, área encarregada do noticiário da cidade,
abrangendo, no caso, não só Vitória, mas Vila Velha, Serra e Cariacica – depois,
denominada Grande Vitória.
Foi um caso de amor à primeira vista. Entrando no mundo dos jornalistas, eu me
identifiquei. Ali estavam pessoas que aprendi a admirar, criativos, com grande capacidade
de argumentação e com trânsito no poder. Um deles, Jackson Lima, acabou por se
transformar em meu tutor e ensinou ao rapaz interiorano o que era ser jornalista, os
cuidados que precisava tomar na apuração da notícia e como escrever melhor, de forma a
narrar os fatos com precisão e transformá-los em boa informação.
Foi Jackson Lima quem, de forma indireta, me transformou em intelectual, mostrando a
importância da leitura, de bons livros e do cuidado com o texto, que além de correto,
deveria ter estilo, ser de fácil leitura e sem adjetivação. Foram as leituras e a convivência em
um meio efervescente que começaram a desconstruir uma personalidade formada através
de uma rígida formação católica, dando-me uma nova visão de mundo.
Foi Jackson, também, que me impôs o primeiro grande desafio, o de ser repórter de
Política, o que na época era o crème de la crème dentro do jornalismo, no Espírito Santo e
fora dele. Aceitei e venci o desafio. Algum tempo depois, deixaria de ser repórter para me
transformar no Editor de Política de A Gazeta. Estava com 24 anos, tinha dois como
jornalista e acabara de me casar. Foi o início de um longo caminho e de um longo
aprendizado.
Editando política vivi a fase mais negra do regime militar, convivi com a censura,
noticiei prisões e, como uma boa parcela dos brasileiros, senti medo, o medo criado pela
ditadura, que tudo podia e não devia explicações a ninguém. Como editor vi, também,
nascer o jornal Posição. Alguns dos seus fundadores trabalharam ao meu lado, e vi no novo
jornal, em uma época onde a chamada imprensa alternativa florescia, uma oportunidade de
dar divulgação ao que, em A Gazeta, pelo seu alinhamento com o regime e pela censura
acatada pelo jornal, não podia divulgar.
Com o início de uma abertura lenta e gradual, culminando na volta das eleições diretas
para Governador, o jornalismo feito no Brasil e no Espírito Santo começou a mudar.
Também foi assim comigo. Primeiro, deixei A Gazeta e fui para A Tribuna, onde fiquei
pouco tempo. Voltei, então, à A Gazeta como repórter e, mais rápido que na primeira vez,
retornei ao cargo de Editor, agora de Economia, onde fiquei pouco tempo, e voltei à
Política. Alguns anos depois, dela, fui para Internacional, um trabalho ampliado, mais tarde,
com uma página chamada Brasil. Esse, na verdade, foi um percurso de anos.
Ao longo desse percurso achei tempo para fazer três cursos universitários. O primeiro,
de Português, já que a Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) não tinha curso de
Jornalismo. O segundo, de Jornalismo, que foi implantado quando estava concluindo o
primeiro. Fui da primeira turma, junto com vários outros colegas de redação. Alguns anos
mais tarde, em busca de reciclagem, voltei à Universidade para fazer Direito. Mas ao longo
de todo o tempo minha atividade dominante foi o jornalismo.
Em 1998, meu casamento com o jornalismo diário acabou. Em uma reformulação de A
Gazeta, acabei saindo, demitido. Iniciava, então, um caminho novo, paralelo ao jornalismo,
mas fora de uma redação. Com a mudança, houve a retomada de um projeto que foi
abandonado em favor de carreira e profissão, a de estudar – ou de voltar a estudar. Dei o
primeiro passo, fazendo uma especialização, que serviu como esquentamento de turbinas
para um projeto maior, de um Mestrado e, depois, de um Doutorado.
Em 2004, 40 anos após o golpe militar de 1964, eu estava iniciando o mestrado em
História Social das Relações Políticas. No ano anterior, durante a preparação para a seleção,
não tive dúvidas em relação ao que queria abordar na minha pesquisa. Ela envolveria, de
um lado, o regime autoritário, já que a maior parte de minha vida, pessoal e profissional, se
passou sob ele. E, por fim, seria centrada no jornalismo e no papel que ele representou
durante a ditadura, enfocando, neste caso, a ação desenvolvida no Espírito Santo, com
cenário dominado por uma mídia que, desde o início, esteve alinhada ao Governo e da qual
posso falar por conhecê-la por dentro, já que exerci cargos de chefia na Redação de A
Gazeta por quase 30 anos.
O jornal Posição juntava os lados, o que o transformou, de modo natural, no objeto de
minha pesquisa. Ele me dará a oportunidade de refletir sobre um período importante da
vida do país, do Estado e minha própria. Nele, se combinam jornalismo, que continua
sendo a minha paixão, com história política, algo que sempre me fascinou. E não é só isso:
a reflexão está me proporcionando a retomada de um projeto que ficou em segundo plano,
o de voltar à academia.
Como muito bem lembra Carl Schorske na epígrafe, – embora não me possa considerar
um verdadeiro historiador - minha escolha pode ser vista sobre três ângulos diferentes. O
profissional, devido ao meu envolvimento com a imprensa, tendo nela militado
longamente. O intelectual, configurado pela retomada de um projeto que o lado
profissional colocou, durante muito tempo, de lado, e o político, já que, tanto no primeiro
como no segundo caso, foi a política o fundamento de toda minha trajetória.
No final, não poderia haver combinação mais perfeita: juntar jornalismo, política e
história e refletir sobre sua própria atividade, procurando-lhe o sentido e vendo, em
perspectiva, a trajetória do próprio país, que saiu das trevas – a ditadura, que em
determinados momentos foi a mais repressora da história do país - para as luzes – a
construção da democracia -, tudo isso sem deixar de lado alguns dos seus velhos
problemas.
Introdução
Um pequeno reflexo do real
“Se a paixão é impulsiva, a cultura é produto de
uma complexa elaboração”.
Antonio Gramsci
A história da imprensa alternativa no Espírito Santo não se resume ao jornal Posição.
Antes dele, durante sua própria circulação e depois dela outros jornais alternativos
circularam no Estado. Deles, no entanto, dois ganharam maior destaque: Folha Capixaba e
Posição. O primeiro, como o segundo, possuía um alinhamento político claro, já que era
ligado ao Partido Comunista Brasileiro. Um pouco desta história é contada no trabalho
feito por alunos do curso de Comunicação da Universidade Federal do Espírito Santo sob
a orientação do professor José Antonio Martinuzzo
1
, que está à frente de um projeto de
recuperação da história da imprensa capixaba. Existem, também, publicações não
mapeadas como o micro-jornal Povão uma experiência de jornal popular feita pelos
jornalistas Jackson Lima e Dório Antunes, sem contar a iniciativa de jornais comunitários,
em um dos quais participou um dos fundadores de Posição, o jornalista Jô Amado.
No caso de Posição, o jornal ganhou visibilidade pelo momento em que circulou, de
grande movimentação política e social e de mobilização de diversos segmentos e forças
contra a regime que comandava o Brasil. O jornal, cujo primeiro número circulou no dia 29
de outubro de 1976, começou a nascer bem antes, como frisa um dos seus fundadores, Jô
Amado. “Por volta de 1975, um pequeno grupo de jornalistas – especialmente o Luzimar, o
Bininho (Antonio Carlos Campos), o Ivanzinho, o Joaquim (Nunes), o Rogério Medeiros e
eu – decidimos que seria oportuna a criação de um jornal de resistência”
2
, relata Jô. Esta
1
MARTINUZZO, José Antonio. Impressões capixabas – 165 anos de jornalismo no Espírito Santo.
Vitória, UFES-Departamento de Imprensa Oficial, 2005.
2
Entrevista com Jô Amado, em 21-12-2005
informação é complementada por Rogério Medeiros
3
ao dizer que a idéia original do jornal
foi de Amado, tendo ele entrado por ser um nome conhecido, que tornaria mais fácil o seu
lançamento. Do grupo inicial, um único não jornalista participava, Walter Araújo
4
, que se
tornou, com a fundação do jornal, o responsável pela sua administração e foi quem fez o
registro da empresa no Cartório de Registro Civil de Vitória (Cartório Sarlo). Posição
passou a funcionar em uma sala do Edifício Glória, no centro de Vitória, de propriedade de
Araújo.
Rogério conta que, devido ao seu conhecimento e à sua experiência, ficou encarregado
de viabilizar financeiramente o jornal, “uma coisa que ninguém queria fazer”, já que
jornalistas não gostam de ser confundidos com publicitários, segundo relata. Foi neste
sentido que fez contatos com prefeitos pertencentes ao MDB, notadamente os de
Cachoeiro do Itapemirim, Gílson Carone, e de Vila Velha, Américo Bernardes da Silva,
para que, anunciando em Posição, lhe dessem o sustento financeiro inicial, que seria
complementado pela venda dos exemplares. Definido o registro da empresa, Posição foi
estruturado. Como diretores assumiram o próprio Rogério Medeiros e um outro
conhecido jornalista capixaba, Pedro Maia. Como editor-chefe, ficou Jô Amado. A redação
era formada, basicamente, por colaboradores, alguns dos quais permanentes. Na estrutura
do jornal havia, ainda, um Conselho Editorial, composto por jornalistas e outros
intelectuais. Entre a idéia inicial e a colocação do primeiro número nas ruas, Amado calcula
que tenha decorrido um ano.
“Será Posição um jornal diferente? Sim. Porque é um jornal de jornalistas. E também
porque queremos que, deste jornal, o leitor faça o seu jornal. Participando como quiser e
puder. Escrevendo crônicas, poesias ou reportagens, desenhando ilustrações, criticando o
nosso trabalho ou estimulando nossa posição”, dizia o primeiro editorial, sinalizando a
linha que Posição iria tomar, de comprometimento com um caminho mais democrático do
3
Entrevista com Rogério Medeiros, em 27-12-2005
4
Entrevista com Walter Araújo, em 17-01-2006
que o adotado pela chamada grande imprensa. Esta democracia refletia-se na escolha dos
assuntos que o jornal abordaria, definidos em reuniões do Conselho Editorial,
normalmente feita nos sábados e que, de acordo com Medeiros, “eram intermináveis”
5
.
Nestas reuniões, os integrantes do Conselho levavam sugestões e os jornalistas de Posição
faziam o mesmo, inclusive com o aproveitamento de pautas dadas por quem pertencia às
redações de outros jornais. Medeiros lembra que era bastante comum Posição receber este
tipo de sugestões, principalmente de assuntos que os outros jornais não podiam – ou não
queriam – publicar.
Sobre o processo de escolha dos assuntos que o jornal abordaria, feita em conjunto com
o Conselho Editorial, Jô Amado lembra: “Fazíamos uma reunião de pauta em que,
fundamentalmente, eram discutidos temas relevantes não abordados, pouco abordados, ou
mal abordados pela imprensa local. Além destes, sempre alguém tinha uma sugestão
interessante. Havia pautas mais ou menos fixas, tais como a cobertura dos movimentos
populares”.
Com poucos recursos e contando com a participação financeira dos seus próprios
sócios, Posição foi procurar um esquema de produção que lhe custasse o mínimo. Daí,
lembra Walter Araújo, adotar um fluxo de produção que passava por Belo Horizonte e Juiz
de Fora. A cada quinzena, alguém saía de Vitória e fazia este percurso, retornando com o
jornal pronto. Um dos integrantes do Conselho Editorial do jornal, no início, e seu editor
na fase semanal, Benedito Tadeu César
6
, professor de Sociologia na Universidade Federal
do Espírito Santo (UFES), lembra que a produção do jornal era muito artesanal. As
matérias eram escritas, levadas a Belo Horizonte para composição, voltavam a Vitória para
montagem e seguiam, então, para Juiz de Fora, onde era feita a impressão.
5
Todas as citações atribuídas a Rogério Medeiros, daqui em diante, são resultantes da entrevista que ele
concedeu ao autor em 27 de dezembro de 2005. O mesmo acontece em relação às citações atribuídas aos
jornalistas Jô Amado – entrevistado em 21 de dezembro de 2005 – e a Walter Araújo, cuja entrevista foi dada
no dia 17 de janeiro de 2006.
6
Entrevista com Benedito Tadeu César, em 25 de janeiro de 2006. Todas as citações atribuídas a Tadeu, a
partir de agora, são desta entrevista.
Era com base neste esquema – produção do texto em Vitória, composição em Belo
Horizonte, montagem em Vitória e impressão em Juiz de Fora – que Posição começou a
chegar aos seus leitores. Inicialmente, com três mil exemplares, que foram sendo
aumentados na medida em que tudo era vendido. O esquema de distribuição, a exemplo do
que ocorria na produção, também era precário, feito pelos próprios jornalistas, com uma
pequena parte indo para assinantes, em 18 municípios do interior capixaba, além da Grande
Vitória, e uma outra parte para a venda em bancas, através da empresa Copollillo,
responsável pela distribuição de publicações nos municípios que integravam a região. A
maior parte da venda, no entanto, como afirmam Amado, Araújo, Medeiros e César, era
feita pelos próprios integrantes do jornal que contavam, no caso da Universidade Federal
do Espírito Santo, com a ajuda de estudantes do Diretório Central, dentre eles o estudante
de economia Paulo César Hartung Gomes.
“O jornal”, afirma Rogério Medeiros, “sempre vendeu bem. A edição se esgotava
poucas horas depois de chegar. Muita gente ficava esperando o jornal. Com o resultado da
venda avulsa, do pequeno número de assinantes e da participação, pequena, da publicidade,
a edição era paga e ainda sobrava alguma coisa, para fazer frente às outras despesas”.
Medeiros, Amado e Araújo destacam a penetração do jornal e sua boa aceitação pelos
leitores. Araújo fala em confluência, com o Posição servindo como referencial para quem
se colocava contra ao regime, fazendo-lhe oposição, mas não tinha no Espírito Santo uma
publicação que refletisse esse ponto de vista. Medeiros lembra que, embora com foco
jornalístico, Posição acabou por dar voz à oposição, que tinha pouco acesso à imprensa
local.
Mudanças internas
Se a linha editorial do jornal Posição se manteve praticamente a mesma, desde seu
lançamento até sua última edição, havendo apenas uma maior radicalização do discurso, as
mudanças internas, de cargos e comando, foram variadas. A primeira ocorreu no número
10, quando Rogério Medeiros e Pedro Maia deixaram a direção, assumindo o cargo de
Diretor o jornalista Luiz Rogério Fabrino. Em relação a esta mudança, Medeiros comenta
que se deu devido a uma exigência de O Estado de São Paulo, de quem era
correspondente. O jornal não aceitava que tivesse vínculo com qualquer outra publicação.
Com Medeiros, afastou-se, também, Pedro Maia. Rogério, segundo seu próprio relato,
continuou participando da equipe do jornal, se responsabilizando, sobretudo, pelas
matérias políticas, principalmente as de denúncia contra a elite local, um dos focos da
publicação.
Sob a direção de Luiz Rogério foram publicadas as edições de 10 a 51. No número 48,
Jô Amado deixou o cargo de Editor Chefe, assumido por Luzimar Nogueira Dias, um dos
fundadores de Posição. Amado, de acordo com o relato de Tadeu César, saiu para dedicar-
se, junto com outros intelectuais, ao lançamento de jornais envolvidos com os movimentos
populares. Com ele saiu também, Rogério Medeiros, que foi para São Paulo assumir um
cargo de chefia em O Estado de São Paulo. Pode-se dizer que com estas saídas encerrou-
se uma primeira fase do Posição.
Além da consolidação de Posição como um jornal politicamente importante, já que
refletia no Espírito Santo o que poderíamos chamar de realidade em um pequeno pedaço
de um grande espelho, serviu como suporte para a desconstrução do discurso oficial,
federal e estadual, como pode ser visto no fato que marcou sua primeira fase: a apreensão
pela Polícia Federal de todo o material destinado ao número 14. Segundo Walter Araújo, de
quem o material foi confiscado por agentes da Polícia Federal, não se tratou de censura
prévia, mas de uma ação policial voltada, inicialmente, para deter estudantes que iam a um
encontro em Minas Gerais. O material foi apreendido e depois devolvido ao Posição, que
acabou por atrasar a sua edição. No lugar da edição normal, o jornal lançou uma de apenas
duas páginas, onde relata a apreensão do material e faz duras críticas ao sistema.
“A prática de atos agressivos, ilícitos ou de puro banditismo pelos “agentes da lei e da
ordem” obedece, acreditamos, a noções clássicas de arbitrariedade policial. Basicamente,
intimidar e confundir o agredido, mesmo que este se encontre em pleno uso de suas
atribuições legais”, diz o editorial da edição, aproveitando-se para criticar a ação do regime
e contribuindo, na opinião de seus editores, para que Posição ganhasse maior credibilidade
junto aos seus leitores.
No que se refere à redação, a partir do número 51 o jornal experimenta várias
mudanças. A primeira, com a troca do Editor Chefe, saindo Luzimar Nogueira Dias e
entrando em seu lugar Benedito Tadeu César. No número 52, muda a direção, até então
exercida por Fabrino, indo para o seu lugar o jornalista Joaquim Nery, que ficou apenas seis
edições à frente do jornal. As constantes mudanças talvez se expliquem em função da
situação do jornal. César, que já fazia parte de Posição, relata que o jornal acabou
“literalmente, em minhas mãos”. Veja o que diz: “Jô Amado e Robson (Chicó) Moreira,
que eram as pessoas que, naquele momento, faziam o jornal existir, convenceram-se, no
final de 1978, que a opção política mais acertada naquela conjuntura era a de se dedicar à
edição de um jornal de bairro voltado para os moradores da periferia da Grande Vitória”.
Com base nesta posição, toda uma discussão foi feita dentro de Posição, envolvendo os
jornalistas e o Conselho Editorial. César, de acordo com o seu relato, sempre foi contra a
transformação do jornal em jornal de bairro, como pretendia Amado e Moreira. Assim, no
início de 1979 “Jô e Robson estiveram na minha casa em um final de semana e disseram-se
que a partir de segunda-feira seguinte estariam iniciando um novo jornal de bairro e que se
eu entendesse que Posição deveria continuar existindo que o assumisse”. Foi o que ele fez,
sem transferência de propriedade. Pode-se estabelecer, a partir deste momento, a segunda
fase na história de Posição, marcada por uma reorganização conduzida por César.
Edições semanais
Com novo diretor e com novo editor, Posição editou o seu número 52. “Posição estava
endividado, com tiragem em baixa (...). Em uma reunião dos colaboradores do jornal
propus realizar uma transformação radical de sua estruturação: nova concepção gráfica,
inovação do logotipo, nova linguagem, nova periodicidade”. A professora Tânia Mara
Ferreira, do Curso de Comunicação da Universidade Federal do Espírito Santo, já
colaboradora do jornal, encarregou-se da mudança gráfica e César concentrou-se na gestão
do jornal, incluindo a sua distribuição. Uma das medidas tomadas, dentro do espírito que
sempre norteou o jornal, de discussão aberta, foi uma reunião de todos os colaboradores.
Nela, César propôs uma série de mudanças, a começar pela ampliação do Conselho
Editorial, que ganhou representantes de vários segmentos – MDB, OAB-ES, etc. – cuja
tarefa, além de orientar a linha editorial de Posição, era conseguir recursos para a sua
manutenção. Para que tudo fosse feito, a circulação do jornal foi suspensa por cerca de 60
dias, seu endereço mudado, segundo César, com o objetivo de reduzir custos e acertar suas
finanças. Com as enchentes que assolaram o Estado em 1979, o jornal voltou a circular,
ainda quinzenal, denunciando a inércia do governo. Essa periodicidade foi mudada logo
depois, com a equipe do jornal, com o apoio do Conselho Editorial, transformando-o em
semanal. A mudança foi anunciada em cartazes espalhados pelos pontos onde o jornal era
comercializado, que diziam: Posição: a partir do dia 04 de maio toda sexta-feira nas
bancas”.
O primeiro número semanal foi o 53. Nele, em um longo editorial, era explicada a
mudança e seus objetivos:
“A conjuntura política, social e econômica mudou. O Brasil de hoje não é mais o Brasil
de há dois anos. O “milagre” acabou. A crise do petróleo, a crise do capitalismo
internacional, a crise econômica interna ao país, aliados às “fissuras” e “rachaduras”
internas do sistema, somados às pressões populares, trabalham todos, rapidamente, para
quebrar e arrebentar com tudo isso. Para quebrar e arrebentar com a ditadura.
(...) Assim, nós, de Posição, fiéis à nossa postura radical, lançamo-nos também às
transformações. (...) Posição mudou e continuará mudando sempre. (...) Somos radicais.
Agimos, portanto, como radicais. Achamos que as mudanças, quando assumidas, devem
ser assumidas em sua totalidade e na sua devida intensidade (...)
Você tem um jornal novo. Somos agora semanal (...)
Tadeu César só dirigiu a redação por dois números. Ainda no mês de maio, quando o
jornal voltou a circular como semanal, acabou deixando Posição por discordar da linha
imprimida por Luzimar Nogueira Dias, que assumiu, no número 53 o lugar de Editor
Chefe, dividindo-o com Robson Silveira. Uma nova mudança ocorreria no número 59,
com a saída de Joaquim Nery, que deixou o cargo de diretor, assumindo, em seu lugar, o
jornalista Robson Moreira, um dos fundadores do jornal. Neste período, ocorre uma
intensa troca de lugares no comando do jornal, já que no número 61 Luzimar deixa seu
posto e é substituído por Umberto Martins. Robson Silveira, que dividia a direção com
Luzimar continua, e fica sozinho na última edição de Posição, a de número 65, já que a
anterior fora a última em que Martins participou como editor-chefe. Entre sua
transformação em semanal e o fechamento Posição durou pouco mais de 10 edições.
Encerrava-se, assim, a história do mais influente jornal alternativo do Espírito Santo.
Ao longo de sua trajetória, estiveram à frente do jornal Rogério Medeiros, Pedro Maia,
Luiz Rogério Fabrino, Joaquim Nery e Robson Moreira, como Diretores Responsáveis.
Dentre os Editores Chefes, Jô Amado foi o que permaneceu mais tempo. Além dele,
assumiram o cargo ao longo da circulação do jornal, Luzimar Nogueira Dias, Benedito
Tadeu César, Umberto Martins e Robson Silveira. Deles, Luzimar e Fabrino morreram.
Todos os outros estavam em atividade no início de 2006, no jornalismo ou fora dele. O
professor Tadeu César, por exemplo, transferiu-se de Vitória para o Rio Grande do Sul. Jô
Amado, estava em São Paulo à frente de um projeto para a revitalização da cultura popular.
Robson Moreira dirigia a TV Sesc. Joaquim Nery enveredou-se pela área de marketing
político, com rápidas aparições no jornalismo. Umberto Martins, estava em São Paulo,
fazendo assessoria para a Central Única dos Trabalhadores e vinculado ao Partido
Comunista do Brasil (PCdoB). O único cuja atividade não foi identificada é Robson
Silveira, que teria se transformado em bancário. Dos colaboradores do jornal, vários deles
ainda continuam atuando na área da imprensa, alguns ainda vinculados à imprensa
alternativa.
Pressões e censura
Responsáveis pela criação do jornal, por sua direção inicial e pelo geração de receitas
que o mantiveram na maior parte de sua vida, Rogério Medeiros e Jô Amado acham que
Posição teve um papel político importante no Espírito Santo e citam, para comprovar este
fato, o número de exemplares vendidos a cada edição. Em alguns momentos, o jornal
chegou aos 10 mil exemplares, mas manteve, ao longo de sua história, uma tiragem média
de três mil exemplares, caindo à metade na parte mais difícil de sua vida, quando da saída
de Amado e sua transformação em semanal, o que voltou a elevar sua circulação. César e
Medeiros acreditam que Posição era viável e podia continuar. O primeiro, considera que
havia um público interessado na linha editorial que o jornal assumiu e uma prova disso é
sua boa vendagem. Medeiros lembra que, em vários momentos, Posição só não vendeu
mais por não ter capacidade para ampliar sua tiragem. Centrado em um discurso contra-
hegemônico, de crítica à realidade local, o jornal conquistou leitores, transformando-se,
como lembra Araújo, em ponto de convergência para quem no Estado não apoiava o
regime ou dele era crítico.
Pelos relatos dos envolvidos com Posição pode-se notar que, como afirma Gramsci na
epígrafe, havia paixão em quem se envolveu com o jornal, decorrendo, daí, a impulsividade
da própria publicação. De outro lado, ainda dentro do que Gramsci afirma, Posição como
meta clara constituir uma nova cultura – a democracia - e procurou desempenhar este
papel, como assinalado no Capítulo III, através de um discurso contra-hegemônico,
refletido em suas capas.
Se o clima era propício a uma publicação do tipo de Posição, o que levou ao seu
fechamento? As respostas são discordantes. César, por exemplo, acredita que foi o fator
financeiro e a desorganização administrativa que tornou inviável o jornal. Enquanto à
frente da empresa, quis tomar um rumo diferente, mas por divergências de postura, acabou
saindo. Se o jornal se estruturasse, acredita que teria sobrevivido.
Este, no entanto, não é o único aspecto. César e Martins
7
concordam que a abertura
política representou um importante papel na inviabilização de Posição. O primeiro destaca,
no entanto, que se houvesse estrutura administrativa e financeira, o que não era difícil
devido ao baixo custo da publicação, ela teria sobrevivido. Esta é, também, a opinião de
Medeiros, que vê na questão financeira o principal problema para o fim do jornal. Tal
como César, Medeiros acredita que havia – e ainda há – espaço para uma publicação
alternativa, que explore assuntos não abordados pela mídia tradicional.
Combinados, a abertura política - que permitiu à mídia tradicional falar de assuntos que,
antes, por imposição da censura oficial ou da autocensura, não abordava – e a falta de
estrutura administrativa e financeira acabaram por inviabilizar Posição. Ele, no entanto, não
foi a única vitima da política de abertura. Outros jornais, inclusive Movimento, acabaram
fenecendo e fechando. Os vários grupos sociais e políticos que antes tinham suas vozes
amplificadas pelos integrantes da imprensa alternativa acabaram por lançar seus próprios
jornais, veiculando não mais um ideal único, de democracia, mas a visão que dela tinham e
que queriam passar à sociedade. O que matou Posição, matou também os outros veículos
da imprensa alternativa, alguns com circulação nacional.
Ao se falar de Posição, ou de qualquer outro integrante da imprensa alternativa, uma
pergunta recorrente é sobre a censura. Como foi a censura em Posição? A pergunta é
7
Entrevista com Umberto Martins, em 24-01-2006
pertinente diante do quadro de censura vivido pelo país e apontado no Capítulo II desta
pesquisa. No caso da censura oficial, Posição nunca foi a ela submetido é o que garante Jô
Amado, no que é reforçado por Rogério Medeiros. O que houve, de acordo com Medeiros
e Amado, eram pressões, também reveladas pelos outros diretores e editores do jornal.
Medeiros e Amado foram várias vezes chamados à Polícia Federal para explicar
determinadas matérias publicadas, principalmente as mais contestatórias ao regime. Como
não fazia autocensura, Posição sempre publicou o que quis. Nas idas à Policia Federal,
eram sempre questionados os objetivos por trás de uma ou de várias matérias do jornal,
mas nunca houve, de acordo com Medeiros e Amado, um pedido expresso para que não se
publicasse determinado assunto.
Sobre a censura, Jô Amado explica: “O jornal nunca foi censurado. O que ocorria com
certa assiduidade eram as “visitas” à Divisão de Censura da Polícia Federal, chefiada por
um coronel, o “dr.” Minas Brasil. Em geral, era eu que ia lá. Ele abria o jornal, apontava
alguma matéria marcada previamente com um pilot e discutíamos a ação nefasta de
elementos subversivos e comunistas no jornal Posição”. Amado, como Medeiros, acha que,
com isso, a Polícia Federal achava que estava intimidando os integrantes de Posição para
não fazer determinadas matérias ou abordar determinados assuntos. Os dois garantem que
isso nunca aconteceu.
Ao lado da Polícia Federal, o jornal – e seus jornalistas – sofreram outras pressões e
ameaças. Um integrante da família Ceolin, de Linhares, ameaçou matar o editor Luzimar
Nogueira Dias por uma matéria sobre os negócios da família. Como lembra Umberto
Martins, havia ameaças de políticos ligados ao partido do governo, a Arena, e de
integrantes da elite capixaba, dois dos principais alvos do jornal. O único caso de censura
direta do jornal pode ser considerada a apreensão do número 14, antes de sua composição.
A apreensão, como lembram os integrantes do jornal, não foi uma ação específica, voltada
para a censura ao jornal, mas fez parte de uma ação maior, da Polícia Federal. Depois, os
originais foram liberados.
Outra ação, que Posição sempre relatou, é a de políticos alvo de críticas do jornal, que
mandavam comprar a edição, impedindo que circulasse em alguns municípios, chegando a
haver a apreensão de alguns exemplares. Como a venda em bancas e no interior era
pequena, este tipo de ação não chegou, em nenhum momento, a afetar a circulação do
jornal. Comparada com a postura da grande mídia, que aceitava a censura oficial e se
autocensurava, Posição gozou de uma ampla liberdade, podendo veicular matérias com
ácidas críticas ao governo. Esta liberdade acabou por ajudar o jornal no exercício de um
papel contra-hegemônico, como relatado no Capítulo III.
Os processos, alguns com o enquadramento na Lei de Segurança Nacional, uma outra
ação muito presente em se tratando de jornais e jornalistas, também passaram ao largo de
Posição. Nenhum dos seus jornalistas, apesar das cáusticas denúncias e críticas, chegou a
ser processado. Neste aspecto, a trajetória de Posição foi diferente de outros integrantes da
imprensa alternativa, como Opinião, o pioneiro, e Movimento. A censura, no caso da
imprensa de um modo geral, e da alternativa, em particular, era a regra. Posição foi uma
exceção. Este fato, no entanto, não pode ser interpretado como despreocupação das
autoridades em relação ao jornal.
A preocupação existia. Prova dela eram as “visitas” à Polícia Federal, feitas por
Medeiros e Amado. Esta preocupação fica evidente diante de um fato que só se tornou
público e conhecido dos que integravam o jornal após o seu término: a presença de um
agente da P2, a secção secreta da Policia Militar do Espírito Santo, entre a equipe de
Posição. O jornal sabia dos vazamentos antecipados de suas matérias, desconfiava da
existência de alguém infiltrado, mas nunca conseguiu comprovar sua existência. Depois de
fechado, Luis Cláudio, que acompanhava a composição do jornal em Belo Horizonte,
levando os originais e trazendo-os compostos para a montagem, admitiu que pertencia a
um órgão de inteligência e que tinha sido o responsável por informar às autoridades o que
o jornal iria publicar antes que circulasse. Luiz Cláudio, de acordo com César, esteve sob
suspeita, mas ela foi descartada, já que nada se conseguiu provar contra ele. A confissão só
ocorreu depois de o jornal ter parado de circular.
Se olharmos o panorama da imprensa alternativa existente durante uma época no Brasil
– notadamente nos anos 70 do século XX – vamos perceber que Posição não era diferente
de outros jornais surgidos em vários Estados, que tinham por objetivo se contrapor ao
governo e ao regime. O que diferenciou Posição foi o seu foco em problemas estaduais,
refletindo sobre questões que, sem sua abordagem, passariam despercebidas. Olhando-se o
Brasil e o que nele ocorria e fazendo uma analogia com um espelho, se podemos dizer que
os fatos brasileiros, principalmente do ponto de vista da construção hegemônica buscada
pelo regime, eram refletidos neste espelho, em um pequeno pedaço dele – o Espírito Santo
– Posição refletiu uma realidade diferente. E o fez exercendo um papel contra-hegemônico,
através do engajamento de uma plêiade de intelectuais orgânicos que, agindo politicamente,
se alinharam à construção de uma nova ideologia, a democracia.
Capítulo I
Hegemonia e intelectuais orgânicos
“Criar uma nova cultura não significa apenas fazer
individualmente descobertas “originais”; significa também, e
sobretudo, difundir criticamente verdades já descobertas,
“socializá-las” por assim dizer; transformá-las, portanto, em base
de ações vitais, em elemento de coordenação e ordem
intelectual e moral”
Antônio Gramsci
Se como diz Antonio Gramsci a criação de uma nova cultura demanda descobertas, que
podem ser individuais, mas que devem ser trabalhadas e socializadas, o trabalho acadêmico,
que pode ter cunho individual, deve levar em consideração alguns aspectos, começando
pela escolha de um tema, um olhar, uma abordagem, que podem partir de uma experiência
de vida. Mas exatamente por se tratar de um trabalho científico, esta base não é suficiente.
Feita a escolha, definidos objetivos e construída uma ou mais hipóteses, é preciso
demonstrá-los, comprovando as assertivas feitas e embasando as conclusões
cientificamente, o que vai lhes dar a validade final.
Ao procurar a união de mídia e história, este trabalho tinha, em primeiro lugar, de tornar
claro seu objetivo principal, que é o de demonstrar a ação contra-hegemônica exercida no
Espírito Santo pelo jornal Posição. Para fazê-lo, foi levantada uma hipótese, a de que o
jornal, com sua oposição ao regime vigente, participou da construção de uma nova
hegemonia, ajudando na desconstrução da hegemonia pretendida e difundida pelo regime
cívico-militar e pela mídia tradicional – homogênea e sem problemas – e fez isso refletindo
sobre a democracia, conflito capital versus trabalho e contexto social. Como Gramsci
afirma que todo momento de desconstrução pressupõe o início de uma nova construção, o
jornal Posição, ao adotar uma postura crítica, abriu espaços para a oposição, deu voz a
quem não a tinha e cavou uma brecha no muro construído pela ditadura, ampliando os
debates sobre temas ausentes na grande imprensa. O jornal Posição, nesta ação contra-
hegemônica aproveitou a própria brecha aberta pela ditadura - de mostrar um regime
“democrático”, que permitia a oposição e buscava legitimidade, para realizar o seu trabalho.
Para chegar a uma conclusão que referende a hipótese acima é preciso trabalhar com
objetivos claros. No caso deste trabalho, o que se busca é analisar como se deu a
construção da representação política do jornal Posição, desconstruindo a realidade
apresentada pelo regime, e a abertura de espaços para a discussão de idéias mestras
presentes na sociedade brasileira como democracia, relacionamento capital versus trabalho,
contexto social, meio ambiente e problemas do campo em oposição à ideologia de
segurança nacional e ao desenvolvimentismo, decorrência desta própria ideologia,
reproduzida pela mídia tradicional.
A análise, que deve contemplar a comprovação da hipótese levantada, tem objetivos
específicos, que são:
a) Avaliar como Posição desafiou o controle do regime, apresentando aos leitores uma
realidade diferente da oficial, com os problemas trazidos pelas políticas governamentais e
reproduzidos pela mídia tradicional.
b) Identificar e analisar os mecanismos utilizados pelo Posição para a construção de
uma hegemonia política diferente, abrindo espaço para o debate e para a contestação à
versão da realidade oficial.
c) Compreender e avaliar a situação do jornal Posição enquanto meio de comunicação
engajado e de oposição e a sua necessidade de conseguir recursos para a própria
sobrevivência, uma vez afastado do mercado tradicional de mídia.
Dimensionados os objetivos do trabalho e sua hipótese, antes do seu desenvolvimento é
preciso eleger um referencial teórico que forneça conceitos que dêem suporte ao tema ou
temas estudados. No caso deste trabalho, a Matriz Teórica do Pensamento de Antonio
Gramsci é sua base. É desta matriz que surgem conceitos que aqui serão utilizados, como
hegemonia – e, por conseguinte, a sua parte contrária, a contra-hegemonia -, intelectuais
orgânicos, ideologia e partido ampliado.
As idéias de Gramsci, como ressalta Rodrigues, podem ser tomadas como guia e usadas
para “refletirmos sobre a sociedade atual”
8
, daí reafirmar a atualidade do pensador italiano
e ressaltar a sua profunda ligação com a política e com o político. Lembrando a crise de
paradigmas por que passaram as ciências sociais, Rodrigues insere o pensamento de
Gramsci como capaz de nos “oferecer ricas contribuições a partir de sua matriz teórica, que
permite ao historiador instrumentalizar conceitos chaves e abrangentes para a análise
política dos fatos históricos das sociedades contemporâneas, tais como ideologia,
intelectual orgânico, partido e hegemonia”
9
.
De todos os conceitos chaves desenvolvidos por Gramsci, sem dúvida o que se ressalta
e é dado, pelos seus exegetas, como o conceito central de toda sua formulação é o de
hegemonia
10
. Gramsci, como nos lembra Marques, não é o autor do termo, que surgiu, pela
primeira vez, na literatura política “em escritos de Plekhanov (1883/4), tendo sido
retomado por Axerold (1889/901), Martov e Lênin (1901)”
11
. Se não é o autor do termo,
Gramsci deu a ele o seu sentido contemporâneo e o transformou em uma categoria, o que
permite sua utilização em análises de conjuntura, notadamente sob o ângulo político,
determinando a existência de um momento hegemônico, mas, também, propiciando
apontar-se o momento da contra-hegemonia, pois “não pode haver destruição, negação,
8
RODRIGUES, Márcia Barros Ferreira (Org). A atualidade do pensamento de Antonio Gramsci para a
História Política. Coleção Rumos da História, Vol. 1, PPGHIS, UFES, Vitória, 2005, p. 5
9
RODRIGUES, Márcia Barros Ferreira (Org). A atualidade do pensamento de Antonio Gramsci para a
História Política. Coleção Rumos da História, Vol. 1, PPGHIS, UFES, Vitória, 2005, p. 6
10
A questão da hegemonia é discutida, dentre outros, por Carlos Nelson Coutinho, Gramsci; Maria
Antonieta Macciocchi, A favor de Gramsci;
Hughes Portelli, Gramsci e o bloco histórico; Christinne Buci-
Glucksmann, Gramsci e o Estado e Nicola Badaloni, Gramsci e a filosofia da práxis como previsão, e
Luciano Gruppi, A questão da hegemonia em Gramsci, dentre outros autores. As indicões completas eso
na bibliografia.
11
MARQUES, J. Luiz. O legado intelectual de Gramsci, in MARQUES, J. Luiz e VARES, Luiz Pilla
(Org). Gramsci, Cem anos de pensamento vivo. Porto Alegre, Livraria Palmarinca, 1991
sem uma implícita construção, afirmação, e não em sentido “metafísico”, mas
praticamente”
12
.
Pensando sempre sob o ângulo da política, Gramsci explica como se dá a hegemonia,
que ocorre quando “(...) se adquire a consciência de que os próprios interesses
corporativos, no seu desenvolvimento atual e futuro, superam o círculo corporativo, de
grupo meramente econômico, e podem e devem tornar-se os interesses de outros grupos
subordinados”
13
, é neste momento que se adquire a “unicidade dos fins econômicos e
políticos, também a unicidade intelectual e moral”
14
. É a junção destas vertentes –
econômico, político, intelectual e moral – que cria “a hegemonia de um grupo social
fundamental sobre uma série de grupos subordinados”
15
.
O que Gramsci destaca é que a hegemonia se baseia no consentimento, na adoção de
uma ideologia transformada em senso comum e vista como visão de mundo, espalhada de
tal forma – daí a necessidade do trabalho intelectual – que se entranha na sociedade
fazendo com que as várias camadas sociais a pensem como sendo delas, não de um grupo
de poder. Pode-se, neste caso, fazer uma aproximação do pensamento de Gramsci com o
conceito de imaginário social desenvolvido por Baczko
16
, algo que perpassa os vários
segmentos sociais transformando-se em uma crença e consolidando uma visão de mundo.
Para reforçar sua posição, defendendo o entranhamento de uma ideologia transformada em
senso comum e a necessidade de que seja difundida, mediante um trabalho orgânico feito
por intelectuais, Gramsci, na análise feita de O Príncipe, de Maquiavel, observa “ crenças
12
GRAMSCI, Antonio.
Maquiavel, a política e o Estado moderno
. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira,
1991, p. 5
13
GRAMSCI, Antonio.
Maquiavel, a política e o Estado moderno
. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1991,
p. 50
14
GRAMSCI. Antonio.
Maquiavel, a política e o Estado moderno
. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1991,
p. 50
15
GRAMSCI, Antonio.
Maquiavel, a política e o Estado moderno
. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1991,
p. 50
16
BACZKO, Bronislaw.
Los imaginarios sociales – Memorias y esperanzas colectivas
. Buenos Aires, Nueva
Visión, 1999, 2ª edição.
populares ou as crenças do tipo das crenças populares têm a validade das forças
materiais”
17
.
Hegemonia, como nos explica Portelli, une, ao mesmo tempo, direção e dominação da
sociedade. Ele afirma que “o aspecto essencial da hegemonia da classe dirigente reside em
seu monopólio intelectual, isto é, na atração que seus próprios representantes suscitam nas
demais camadas de intelectuais”
18
, que é feita através da instituição de uma ideologia capaz
de funcionar como agregadora dos segmentos sociais que nela se reconhecem.
Maria-Antonietta Macciocchi, por sua vez, aduz que o “conceito de hegemonia implica
não somente na direção intelectual e moral, mas também na direção política do bloco de
forças aliadas”
19
. Ela frisa, ainda, que o poder não se exerce somente através da hegemonia,
havendo necessidade de um aparelho estatal de coerção. A hegemonia junta, assim, a
sociedade civil com a sociedade política, combinando-se a coerção do Estado e a
dominação ideológica, que é, verdadeiramente, o que dará permanência à hegemonia já que,
para Gramsci, ela serve como cimento que junta as várias camadas sociais.
Por envolver tantas variantes, a hegemonia, segundo Gramsci, é uma construção
permanente. Após conquistada, ela precisa ser mantida e é nesse sentido que atuam os
intelectuais orgânicos. O que o teórico italiano não diz, mas pode-se inferir a partir de sua
conceituação, é que se existe uma hegemonia, certamente há, em contra-partida, um
trabalho contra-hegemônico, já que na própria concretização da hegemonia não há, nunca,
um fechamento total, com a concordância de todos. É nesse sentido a apreciação de
Christinne Buci-Glucksman ao afirmar que “quanto mais uma classe é autenticamente
hegemônica, mais ela deixa às classes adversárias a possibilidade de se organizarem e de se
17
GRAMSCI, Antonio.
Maquiavel, a política e o Estado
moderno
. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1991,
p. 37
18
PORTELLI, Hugo.
Gramsci e o bloco histórico
. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1983, p. 67
19
MACCIOCCHI, Maria-Antonietta. A favor de Gramsci. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1980, 2 edição, p.
146-155
constituírem em uma força política autônoma”
20
, em síntese, é a própria hegemonia que
abre as portas para a realização de um trabalho contra-hegemônico.
Voltando a Gramsci, pode-se afirmar que “a possibilidade de se tornar classe
hegemônica encarna-se precisamente na capacidade de elaborar de modo homogêneo e
sistemático uma vontade coletiva”
21
. Essa vontade coletiva é expressa pela sociedade civil,
um dos componentes essenciais de sua formulação, já que é ela quem leva à “hegemonia
cultural e política de um grupo social sobre o conjunto da sociedade”
22
. A sociedade civil,
neste contexto e como afirma Portelli, é um conceito original e, ao mesmo tempo, um
conjunto complexo, podendo ser considerada sob três aspectos: ideológico, como
concepção de mundo e como direção ideológica da sociedade. À sociedade civil, Gramsci
contrapõe a sociedade política, que não pode ser reduzida, na sua conceituação, ao Estado,
mas que está a ele integrada.
“A hegemonia gramsciana é a primazia da sociedade civil sobre a sociedade política”,
afirma Portelli em Gramsci e o bloco histórico
23
, destacando que o aspecto essencial
desta hegemonia é que ela reside em seu monopólio intelectual, isto é “na atração que seus
próprios representantes suscitam nas demais camadas de intelectuais”
24
. Portelli ressalta:
“Em tal sistema, a classe fundamental ao nível estrutural dirige a sociedade pelo
consenso, que ela obtém graças ao controle da sociedade civil; esse controle caracteriza-
se, particularmente, pela difusão de sua concepção de mundo junto aos grupos sociais,
tornando-se assim “senso comum”, e pela constituição de um bloco histórico
homogêneo, ao qual cabe a gestão da sociedade civil”
25
.
A conquista da hegemonia, no sentido que lhe atribui Gramsci e que é reconhecida por
teóricos e exegetas, demanda uma ação intelectual e é em razão disso que o pensador
20
BUCI-CLUCKSMANN, Christinne. Gramsci e o Estado moderno. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1980, p.
81
21
COUTINHO, Carlos Nelson. Gramsci, Porto Alegre, L&PM Editora, 1981, p. 120.
22
PORTELLI, Hugues. Gramsci e o bloco histórico. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1977, p. 20
23
PORTELLI, Hugues. Gramsci e o bloco histórico. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1977, p. 65
24
PORTELLI. Hughes. Gramsci e o bloco histórico. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1977, p. 65
25
PORTELLI. Hughes. Gramsci e o bloco histórico. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1977, p. 67-68
italiano atribui grande significação ao trabalho intelectual e a ação do que chamou de
intelectual orgânico. Este trabalho é tão mais importante no momento em que se
reconhece que a hegemonia jamais é total porque “a classe dirigente, mesmo em um
sistema hegemônico, não dirige toda a sociedade, mas somente classes auxiliares e aliadas
que lhe servem de base social e usa a força para com as classes opositoras”
26
, um papel
desempenhado pelo regime cívico militar que por 20 anos constituiu-se no bloco histórico
que governou o Brasil.
A necessidade do trabalho intelectual e sua relevância para a construção da hegemonia
fez com que Gramsci instituísse, nas suas reflexões, uma outra categoria, exatamente a de
intelectual orgânico. A questão dos intelectuais e de serem eles importantes ou não,
atuantes ou não, não é uma discussão restrita a Gramsci. Como lembra Norberto Bobbio,
ao menos desde A República de Platão os filósofos sempre se ocuparam e se
preocuparam, ainda que sob denominações diversas, com o que fazem ou devem fazer os
filósofos, isto é, eles próprios, na sociedade, com a influência que têm ou deveriam ter nas
relações sociais (…)”
27
.
O que ocorreu com Platão se repete, depois, em Kant, da mesma forma que havia
ocorrido com quem precedera Kant, como é o caso de Aristóteles, perpassando séculos e
desembocando na modernidade, com a acentuação da discussão sobre os intelectuais e seu
papel sendo maximizado a partir do início do século XX. “O tema é antigo e perene
porque, bem vistas as coisas, ele nada mais é do que um aspecto de um dos problemas
centrais da filosofia, o da relação entre teoria e práxis”, afirma Bobbio.
Este assunto preocupa também Peter Burke. Ao desenvolver a história social do
conhecimento, ele aborda a questão, mostrando que o termo intelectual não é novo e este
tipo de trabalho existia no Ocidente e no Oriente. Daí entender, ao contrário de Jacques Le
Goff, que o intelectual não teve sua existência afirmada a partir da Idade Média e da divisão
26
PORTELLI, Hugues. Gramsci e o bloco histórico. Rio de Janeiro, Paz e Terra. 1977, p. 69
27
BOBBIO, Norberto. Os intelectuais e o poder. São Paulo, Unesp, 19996, p. 109
do trabalho. Burke admite que a ascensão do intelectual enquanto grupo se deu,
efetivamente, a partir do final do século XIX, proporcionado por todo um debate na
França sobre a condenação do capitão Dreyfuss, mas o conceito é anterior..
Diferentemente de Bobbio e Burke, Jacques Le Goff, um dos mais aclamados
historiadores franceses, situa a gênese dos intelectuais na Idade Média. Ao explicar o
próprio termo intelectual, Le Goff afirma:
“Entre tantas palavras: eruditos, doutos, clérigos, pensadores (a terminologia do mundo
do pensamento sobre foi vaga), essa designa um meio de contornos bem definidos: o dos
mestres de escola. (…) Designa aquele cujo ofício é pensar e ensinar seu pensamento. Essa
aliança da reflexão pessoal e da sua difusão num ensino caracterizava o intelectual”
28
.
É esta caracterização de Le Goff que temos presente, marcando o trabalho intelectual
como o de alguém que pensa e que transmite, ou ensina, o que pensa. O autor reconhece,
na linha de Burke e de Bobbio, que havia, antes do que estabeleceu como intelectual, o que
chama de trabalho de espírito, mas insiste em que, marcadamente, o intelectual pode ser
reconhecido pelo seu ofício, que é pensar. A caracterização do intelectual que Le Goff foi
buscar na Idade Média, constituindo-o como categoria é o que vimos ainda no início do
século XX quando Antonio Gramsci, após ampla militância política, seria preso e
confinado pelo regime fascista de Mussolini, com o objetivo precípuo de o impedir de
pensar, o que, evidentemente, não aconteceu. Sua prisão, na verdade, acabou funcionando
como estímulo a todo o seu pensamento e elaboração crítica, com a criação de modelos de
análise que são mais atuais do que nunca.
Gramsci, principalmente a partir dos escritos do cárcere, avança na questão dos
intelectuais e os pensa de uma forma diferente colocando uma série de questões que,
postas, necessitam ser respondidas. Quem são os intelectuais? Qual é o papel dos
intelectuais? Existem categorias de intelectuais? Qual é a sua origem e formação? Ao buscar
28
LE GOFF, Jacques. Os intelectuais na Idade Média. Rio de Janeiro, José Olympio Editora. 2003, p. 23
respostas para as indagações, Gramsci começou com um conceito revolucionário ao dizer,
conforme lembra Carlos Nelson Coutinho, que “todos os homens são intelectuais”
29
. O
que acontece é que nem todos exercem a função de intelectual. É nesse sentido que o
empresário pode ser chamado de intelectual, já que se especializou em uma área e ao atuar
no dia-a-dia nesta sua área de especialização pode acabar por exercer um papel intelectual,
ensinando ou procurando até transformar a atividade que exerce.
Saímos, então, do conceito de intelectual como homem de letras e ganhamos, na
formulação de Gramsci, o conceito de intelectual como quem age. É na ação, efetivamente,
que se dá o trabalho intelectual. E é esta ação que transforma o intelectual em orgânico.
Ademais, os intelectuais, ao contrário do que dizem os que antecedem Gramsci, não são
autônomos e, tampouco, independentes dos grupos dominantes. Eles são, na verdade,
“instrumentos para o exercício da hegemonia social e governo político”
30
, daí o trabalho
que fazem de traduzir o consenso das massas em orientação social.
O que Gramsci fez foi ampliar a ação do intelectual, pensando-o de forma diferente e
lhe dando um caráter de formulador que, antes, ninguém havia pensado. O intelectual
surgido da formulação de Gramsci é absolutamente original, pois não guarda nenhum traço
do que, antes, se pensava dele: um homem reflexivo, que procurava, de longe, explicar o
mundo, não transformá-lo. Estava criado o intelectual orgânico, o que age, atua, participa,
ensina, organiza e conduz, enfim, se imiscui e ajuda na construção de uma nova cultura, de
uma nova visão de mundo, uma nova hegemonia. E este intelectual nascia em
contraposição àquele que está afeito apenas à formulação teórica, mas não tem qualquer
aproximação com o empírico. O que Gramsci nos ensinou é que a teoria só tem sentido
quanto é testada na prática, daí, por exemplo, a sua profunda reflexão sobre o porquê do
fracasso da revolução socialista no Ocidente.
29
COUTINHO, Carlos Nelson. Gramsci. Porto Alegre, L&PM, 1981, p. 217
30
COUTINHO, Carlos Nelson. Gramsci. Porto Alegre, L&PM, 1981, p. 218
Há, ainda, por destacar nesta nova formulação o seu valor revolucionário, já que
Gramsci, ao afirmar que todos somos intelectuais, acaba com uma pretensa divisão do
trabalho, mostrando que o intelectual é também um trabalhador e, como ele, está sujeito à
venda da única mercadoria que possui, que é o seu próprio trabalho de pensar e de ensinar.
Ao mesmo tempo em que amplia a ação do intelectual, Gramsci o recoloca junto de uma
classe, ligando-o a ela e diferenciando-o apenas em função das tarefas que irá exercer.
Neste sentido, o trabalho intelectual não existe por si só, mas é uma função que se exerce
no dia-a-dia, na organização, na difusão de idéias e na ação.
Olhando o intelectual dentro do conceito ampliado, Gramsci pode dizer que “cada
grupo social (…) cria para si, ao mesmo tempo e de modo orgânico, uma ou mais camadas
de intelectuais que lhe dão homogeneidade e a consciência da própria função”
31
e é neste
momento que Gramsci explica que os camponeses italianos, por não possuírem seus
intelectuais orgânicos, acabam sem uma identificação de classe e, por isso, ligada às classes
hegemônicas.
Reforçando a classificação de que não existem não intelectuais, Gramsci comenta:
“Na verdade, o operário ou o proletário, por exemplo, não se caracteriza
especificamente pelo trabalho manual ou instrumental, mas por este trabalho em
determinadas condições e em determinadas relações sociais (…) em qualquer trabalho
físico, mesmo no mais mecânico e degradado, existe um mínimo de qualificação técnica,
isto é, um mínimo de atividade intelectual criadora”
32
.
Daí Gramsci afirmar, em seguida, que todo homem é um intelectual, mas nem todos
desempenham esta função na sociedade. A distinção entre um e outro é, nada mais, nada
menos, que uma referência à imediata função social da categoria profissional dos
intelectuais. “Em suma, todo homem, fora de sua profissão desenvolve uma atividade
intelectual qualquer”, afirma, reforçando sua assertiva. A partir desta constatação, o que
31
GRAMSCI, Antônio. Os intelectuais e a organização da cultura. São Paulo, Círculo do Livro, s/d, p. 7
32
GRAMSCI, Antônio. Os intelectuais e a organização da cultura. São Paulo, Círculo do Livro, s/d, p.
10
Gramsci busca é a criação de uma “nova camada intelectual”
33
, o que ele chama de elaborar
criticamente a atividade intelectual que existe em cada um de nós.
Identificado que todos somos intelectuais, embora, às vezes, não exerçamos este papel,
Gramsci começa a traçar o perfil do intelectual orgânico fazendo, em primeiro lugar, a sua
contraposição ao intelectual tradicional, que chama de vulgarizado, e que tem o seu
protótipo no literato, no filósofo e no artista. Um exemplo deste tipo de intelectual é, na
acepção de Gramsci, o jornalista, que se julga literato, filósofo e intelectual. Mas o jornalista
pode, também, exercer um papel orgânico ao contribuir para a mudança da sociedade ou,
mesmo, para a manutenção da hegemonia vigente.
Diante dessas formulações podemos responder à primeira questão, dizendo que
intelectuais todos são, mas que há uma hierarquia entre eles, começando por quem é
orgânico e está intimamente ligado ao trabalho de construção de uma nova visão de
mundo, que se contrapõe ao intelectual tradicional, que é desligado de sua classe e se julga
autônomo em relação à sociedade civil. Ao intelectual que se encastela, que olha o mundo
de cima, Gramsci propõe o intelectual que pensa e age. Mas nada melhor do que suas
próprias palavras:
“O modo de ser do novo intelectual não pode mais consistir na eloqüência, motor
exterior e momentâneo dos afetos e das paixões, mas num imiscuir-se ativamente na vida
prática, como construtor, organizador, “persuasor permanente”, já que não apenas orador
puro – e superior, todavia, ao espírito matemático abstrato; da técnica-trabalho, eleva-se à
técnica-ciência e à concepção humanista da história, sem a qual se permanece “especialista”
e não se chega a “dirigente” (especialista mais político)”
34
Como se vê, Gramsci começa a apontar para a segunda pergunta deste tópico, dando
início ao traçado do que deve ser o papel do intelectual. E é a partir deste ponto, e com
33
GRAMSCI, Antônio. Os intelectuais e a organização da cultura. São Paulo, Círculo do Livro, s/d, p.
11
34
GRAMSCI, Antônio. Os intelectuais e a organização da cultura. São Paulo, Círculo do Livro, s/d, p.
11-12
base no estudo da situação da Itália, que avança, estabelecendo uma nova tipologia para o
intelectual e o papel que ele deve desempenhar na sociedade. Um dos papéis é ligar os elos
da superestrutura mediante a interpretação do senso comum e visando a transformar a
ideologia que perpasse a sociedade civil em ideologia hegemônica, unindo, assim, a
sociedade em torno de um objetivo político. Como toda interpretação de Gramsci se
prende ao político, é para a política que o intelectual deve se voltar. E no caso do
intelectual orgânico, seu principal papel é de organizador, ao que deve seguir o dirigente e o
educador. As funções, aliás, se realizam juntas, dando ao intelectual um papel político
qualificado e tornando-o em vanguarda, não no sentido de ir à frente, mas de preparar a
sociedade, através de criação de uma nova visão de mundo, para as mudanças necessárias
no Estado e na política.
Gramsci explica:
“Poder-se-ia medir a “organicidade” dos diversos estratos intelectuais, sua mais ou
menos estreita conexão com um grupo social fundamental, fixando uma gradação das
funções e das superestruturas de baixo para cima (da base estrutural para cima). Por
enquanto pode-se fixar dois grandes “planos” superestruturais: o que pode ser chamado de
“sociedade civil” (isto é, o conjunto de organismos chamados comumente de “privados”) e
da “sociedade política ou Estado”, que correspondem à função de “hegemonia” que o
grupo dominante exerce em toda a sociedade e àquela de “domínio direto” ou de
comando, que se expressa no Estado e no governo “justo”
35
.
Nessa nova ótica, o intelectual é o “comissário” do grupo dominante, ficando
responsável, em primeiro lugar, pela criação do consenso que vai unir a sociedade e, em
segundo, pela construção do aparato de coerção estatal, justificando-a. O novo papel do
intelectual, porisso mesmo, insere-se na ampliação do conceito proposto por Gramsci, não
deixando, ainda, de considerar que há uma divisão do trabalho intelectual e, como
35
GRAMSCI, Antônio. Os intelectuais e a organização da cultura. São Paulo, Círculo do Livro, s/d, p.
12-13
conseqüência, uma gradação de qualificação, partindo, dessa divisão e hierarquização, sua
analogia com a organização militar, que é piramidal, com linha de comando e divisão de
tarefas.
A tarefa final do intelectual seria, mesmo, a de criação e organização de uma cultura,
contribuindo para o surgimento e consolidação de uma ideologia, que vai, conforme afirma
o próprio Gramsci, perpassar toda a sociedade, dando-lhe solidez e fazendo com que haja,
por parte do grupo de comando, hegemonia. Em relação à organização da cultura, Carlos
Nélson Coutinho
36
lembra que, expressamente, Gramsci não falou sobre o tema quando
desenvolveu o seu conceito de intelectual e traçou para eles o papel que deveria
desempenhar. Considera, no entanto, que isto é evidente, uma vez que o principal objetivo
de Gramsci era político e a política, como tal, faz parte da cultura, o que leva ao seu
desenvolvimento para que possa se tornar hegemônica.
Baseando-se no que disse Coutinho, pode-se avançar e ver nesta função dos intelectuais
o papel que Gramsci para eles reserva dentro do partido, dizendo que nada é mais exato do
que considerar que todos os membros de um partido devam ser intelectuais, o que o leva a
pensar no partido como intelectual coletivo.
Constatado, como já o fizemos, quem são os intelectuais e qual o papel que exercem na
sociedade, é preciso responder se existem categorias de intelectuais. Gramsci afirma que
sim e começa por dividi-las em duas. De um lado, coloca os intelectuais tradicionais, que
agem como literatos, olham a realidade de longe e não se envolvem com a mudança,
embora, com suas formulações, ajudem a consolidar a ideologia dominante, criando, com o
seu uso e a agregação do senso comum, uma visão de mundo que gera o consenso e
solidifica a sociedade.
Ao intelectual tradicional, Gramsci contrapõe o orgânico, que se envolve, que participa,
que está ligado à sua classe, a um segmento da sociedade, que age politicamente e que,
36
COUTINHO, Carlos Nelson. Gramsci. Porto Alegre, L&PM, 1981.
assim, ajuda na mudança, criando uma nova cultura de onde vai derivar uma nova
ideologia, uma nova visão de mundo e, por conseguinte, um novo grupo hegemônico. A
construção de Gramsci, não é preciso lembrar, dizia que este novo grupo era o
proletariado, que deveria travar uma guerra de posições com a burguesia, conseguindo
aliados e, com eles, conquistando o poder para, então, fazer-se hegemônico.
Voltando à questão, Gramsci alinha, tomando como base o desenvolvimento histórico,
algumas categorias de intelectuais: aristocracia togada, administradores, cientistas, teóricos,
filósofos não eclesiásticos, todos eles colocados, de certa forma, como coadjuvantes da
grande categoria de intelectuais que são os eclesiásticos, responsáveis pela visão de mundo
proporcionada pelo cristianismo, que se espalhou para o mundo todo e deu unidade à
civilização ocidental, o que Gramsci considera uma ação orgânica. A estas “velhas”
categorias, ele acrescenta uma nova, a do intelectual orgânico, aqui já tipificado, inclusive
por suas ações.
A análise de situação feita por Gramsci é concluída quando mostra como são formados
os intelectuais e de onde eles vêm. Como parte da sociedade, eles podem tanto ser urbanos
como rurais. Gramsci aliás observa que boa parte dos intelectuais agregados aos grupos
hegemônicos são do meio rural, mas não se sentem ligados à sua classe, usando sua ação
para a reprodução da dominação, não para mudá-la. Os intelectuais urbanos são mais
standartizados, mais afeitos a determinados padrões, enquanto os rurais são mais
tradicionais. Nisso, Gramsci vê o reflexo da própria dinâmica da sociedade, com o meio
rural mais conservador do que a cidade. A tipologia, no entanto, acaba por retomar, como
lembra Cerqueira Filho
37
, a classificação dual que Gramsci fornece dos intelectuais, que
como vimos, podem ser tradicionais ou orgânicos, distinguindo-se, um do outro, pela ação.
Aliás, pode-se lembrar que Gramsci, por ser marxista, trabalha sempre com um processo
dialético, que é dual, o que o leva a pensar em oposições e em circularidades, já que,
37
CERQUEIRA FILHO, Gisálio. A figura do intelectual e a formação discursiva investigada in
VELLOSO, João Paulo (Org). A questão social no Brasil, São Paulo, Nobel, sd, p. 46
conforme frisará em outro momento, a construção começa, mesmo, no início da
destruição.
Tanto os intelectuais tradicionais, quanto os orgânicos podem vir dos mesmos
segmentos, isto é, das áreas urbana ou rural. Sua formação inicial é a escola, que Gramsci
considera o instrumento para elaborar o intelectual de diversos níveis. A escola fornece o
ferramental básico, que terá de ser desenvolvido, coisa que o próprio Gramsci fez, valendo-
se de leituras e aprendendo na sua própria ação. A partir daí, o intelectual orgânico, pode-se
dizer, se constrói na sua atividade, ensinando, mas aprendendo, agindo, mas observando,
enfim, vivenciando uma realidade e ajudando na sua transformação, com o objetivo de se
conseguir uma nova realidade.
É por isso que Gramsci, valendo-se da hierarquização entre intelectuais, coloca os
professores e jornalistas – que havia criticado antes, dizendo serem pretensos intelectuais –
em um primeiro nível de organicidade. E isto se dá por serem, os dois, instrumentos de
ensino, em primeiro lugar, e de mudança, com o ensino marcando, mais ainda, a função do
professor, que se transforma em um formador de novos intelectuais e, com isso, pode
contribuir para que os formados sejam orgânicos, não tradicionais.
Olhando-se a questão sob a ótica da interpretação dada por Coutinho, podemos pegar
as perguntas iniciais e respondê-las, definindo o intelectual sob uma forma geral e uma
particular. Na primeira, ele é resultado de relações entre classes. Na segunda, de relações
sociais de produção
38
, podendo ser ligados às suas classes de origem ou aderirem a uma
outra classe, autônomo na sua ação, mas vinculado às suas funções e às contradições
concretas da sociedade. Não se pode comparar a autonomia antevista por Gramsci à
autonomia dos intelectuais tradicionais, que não estavam ligados por origem ou por adesão
a uma classe. Eles se consideravam acima de classes e não tinham um sentido de
pertencimento, a não ser em relação ao grupo hegemônico, para quem exerciam o seu
38
COUTINHO, Carlos Nelson. Gramsci. Porto Alegre, L&PM, 1981. P. 45
papel, consolidando, como já dito, a sua ideologia. Gramsci cita Benedeto Croce como um
exemplo perfeito deste tipo de intelectual.
A posição de Gramsci fica cristalina se olhada a análise feita por José Luís Bendicho
Beired:
“Pode-se concluir então que: a) a atividade intelectual deve ser analisada no conjunto
das classes sociais em que ela é desenvolvida; b) o intelectual é um agente socialmente
determinado; e c) os intelectuais distinguem-se por desempenharem certas funções quer
nos processos de reprodução quer nos de transformação da ordem social”
39
.
E é o próprio Beired quem afirma que a análise de Gramsci se centra na demonstração
do papel – conservador ou transformador – do intelectual como figura “que organiza a
cultura e os homens; que articula o centro do aparelho estatal do poder com o restante do
corpo social; e que ao produzir ideologias fornece consciência e homogeneidade às classes
que representa”
40
.
O que Gramsci propõe, no final, é uma mudança no intelectual, que deixa de ser
tradicional para se transformar em orgânico. Nele, como no próprio Gramsci, não há lugar
para o pessimismo, para o desânimo. Este novo intelectual se distingue pela especialização
técnica, pelo trabalho coletivo, por uma disciplina no trabalho. São eles os responsáveis
pelo nexo teoria-prática, pelo encontro entre elites e povo ou, dizendo em outras palavras,
pela criação da vontade nacional-popular
41
. São eles, no final, os construtores de uma nova
hegemonia, pela consolidação de uma ideologia, pela sua transformação em senso comum e
pela disseminação de uma nova visão de mundo que abranja toda a sociedade.
Nada melhor do que deixar o próprio Gramsci falar:
39
BEIRED, José Luís Bendicho. A função social dos intelectuais in AGGIO, Alberto (Org). Gramsci, a
vitalidade de um pensamento. São Paulo, Unesp, 1998, p. 124
40
BEIRED, José Luís Bendicho. A função social dos intelectuais in AGGIO, Alberto (Org). Gramsci, a
vitalidade de um pensamento. São Paulo, Unesp, 1998, p. 127
41
BEIRED, José Luís Bendicho. A função social dos intelectuais in AGGIO, Alberto (Org). Gramsci, a
vitalidade de um pensamento. São Paulo, Unesp, 1998, p. 128
“Poder-se-ia medir a “organicidade” dos diversos estratos intelectuais, sua mais ou
menos estreita conexão com um grupo social fundamental, fixando uma gradação das
funções e das superestruturas de baixo para cima (da base estrutural para cima). Por
enquanto pode-se fixar dois grandes “planos” superestruturais: o que pode ser chamado de
“sociedade civil” (isto é, o conjunto de organismos chamados comumente de “privados”) e
da “sociedade política ou Estado”, que correspondem à função de “hegemonia” que o
grupo dominante exerce em toda a sociedade e àquela de “domínio direto” ou de
comando, que se expressa no Estado e no governo “justo”
42
.
Se hegemonia e intelectual orgânico são, nesta pesquisa, conceitos centrais, ela trabalha,
ainda com outro conceito gramsciano, que é o de partido ampliado, o que nos leva a um
outro conceito básico para este trabalho que é a Teoria Ampliada dos Partidos, também de
Gramsci.
O partido político é considerado por Gramsci como o novo Príncipe, em uma
referência a Maquiavel, de quem foi leitor e a quem admirava pelo realismo político. O
conceito de partido que usa, no entanto, tal como fez com o conceito de Estado, é mais
ampliada. Gramsci, ao discorrer sobre a questão e sobre a necessidade de estudá-la
recomenda uma atenção maior ao tema “se se parte do ponto de vista de que um jornal (ou
um grupo de jornais), uma revista (ou um grupo de revistas) são também “partidos” ou
“frações de partidos”
43
. O jornal, neste caso, atuaria como partido ao engajar-se, seja para
manter a hegemonia conquistada, seja para construir uma nova hegemonia.
Ao ampliar o partido, incluindo o jornal, Gramsci dá o exemplo do Times, da Inglaterra,
e do Corriere della Sera, na Itália, que têm uma função supostamente apolítica, mas que, na
verdade, têm ação política e de propaganda. “É certo que em tais partidos as funções
culturais predominam, dando lugar a uma linguagem política de jargões: isto é, as questões
42
GRAMSCI, Antônio. Os intelectuais e a organização da cultura. São Paulo, Círculo do Livro, s/d, p.
12-13
43
COUTINHO, Carlos Nélson. Gramsci. Porto Alegre, L&PM, 1981, p. 213
políticas revestem-se de formas culturais”
44
, afirma Gramsci ao comentar a ação dos
partidos e dos jornais e revistas, como partidos ampliados. Neste contexto, forma-se um
partido constituído de uma elite de homens da cultura que têm a função de dirigir “do
ponto de vista da cultura, a ideologia geral, um grande movimento de partidos afins (na
realidade, frações de um mesmo partido orgânico”)
45
. Volta-se, assim, à questão do
intelectual e de sua importância para a construção da hegemonia, o que pode – e deve – ser
feito mediante o uso da mídia, reconhecida por Gramsci como um partido ampliado, já que
defende ou a hegemonia existente ou a construção de uma nova hegemonia.
Hegemonia, intelectual orgânico e partido ampliado convivem, na Matriz Teórica de
Antônio Gramsci, com outro conceito que lhe é essencial, que é o de ideologia, pois ela
representa um papel central, começando pela sua afirmação de que perpassa todas as
classes e funciona como um cimento entre elas, pelo fornecimento de uma filosofia
comum. Gramsci, assinalam os que o estudam, como Perry Anderson
46
, representa um
momento de inflexão na conceituação de ideologia, a que dá um sentido positivo.
Outro estudioso, Terry Eagleton, ao apreciar as idéias de Gramsci, afirma:
“É com Gramsci que se efetua a transição crucial de ideologia como “sistemas de
idéias” para ideologia como prática social vivida, habitual – que, então deve
presumivelmente abranger as dimensões inconscientes, inarticuladas da experiência social,
além do funcionamento de instituições formais”
47
.
O papel da ideologia, no sentido levantado por Eagleton, conforme ele mesmo
reconhece, é fazer com que o poder “permaneça convenientemente invisível, disseminado
por toda a textura da vida social e, assim, “naturalizado” como costume, hábito, prática
44
GRAMSCI, Antonio. Maquiavel, a política e o Estado. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1991, p.
23
45
GRAMSCI, Antonio. Maquiavel, a política e o Estado. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1991, p. 23
46
ANDERSON, Perry. Considerações sobre o marxismo ocidental – Nas trilhas do materialismo
histórico. São Paulo, Boitempo, 2004
47
EAGLETON, Terry. Ideologia. São Paulo, Boitempo, 1997, p. 107-108
espontânea”
48
. Eagleton ressalta que, deste ponto de vista, as ideologias devem ser vistas
como “forças ativamente organizadoras que são psicologicamente “válidas”, modelando o
terreno no qual homens e mulheres atuam, lutam e adquirem consciência de suas posições
sociais”. A ideologia seria, então, a forma do bloco histórico, daí que uma “ideologia
orgânica não é simplesmente falsa consciência, mas uma consciência adequada a um estágio
específico do desenvolvimento histórico e a um momento político particular”
49
.
E é neste sentido, de ver a ideologia como algo constitutivo, que esta pesquisa irá
trabalhar. Deve-se ressaltar, ainda, que é ela quem fornece a base para o trabalho, tanto na
construção da hegemonia quanto na sua substituição, como dá ao intelectual sua
organicidade, já que ele só se torna orgânico mediante o envolvimento político e, para fazê-
lo, terá obrigatoriamente que adotar uma ideologia. No caso do jornal Posição, e da
imprensa alternativa que durante o regime cívico-militar que dominou o Brasil, pode-se
dizer que estavam, mediante a atuação de intelectuais orgânicos ajudando na difusão de
uma nova ideologia, agindo, sob a ótica gramsciana, como partido ampliado, fechando o
ciclo da construção de uma nova hegemonia ou, então, olhando-se do outro lado, dando
início a um processo contra-hegemônico. É o que esta pesquisa pretende mostrar em
relação ao jornal Posição.
Há ainda a observar uma última questão que é da imprensa alternativa. No caso desta
pesquisa, o uso do termo guarda o significado que lhe deu Bernardo Kucinski
50
, que a
preferiu à imprensa nanica, como os jornais que faziam oposição ao regime eram também
chamados. “O radical de alternativo contém quatro significados essenciais desta imprensa:
o de algo que não está ligado a políticas dominantes; o de uma opção entre duas coisas
reciprocamente excludentes; o de única saída para uma situação difícil e, finalmente, o do
48
EAGLETON, Terry. Ideologia. São Paulo, Boitempo, 1997, p. 108
49
GRAMSCI, Antonio. Maquiavel, a política e o Estado. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1991, p.
109
50
KUCINSKI, Bernardo.
Jornalistas e revolucionários nos tempos da imprensa alternativa
. São Paulo,
Edusp, 2003
desejo das gerações dos anos de 1960 e 1970, de protagonizar as transformações sociais
que pregavam”
51
, explica Kucinski oferecendo, de antemão, uma pequena visão do
engajamento dos jornalistas responsáveis pela feitura deste tipo de jornal.
Autor do que pode ser considerado o mais completo trabalho sobre a imprensa
alternativa, objeto de sua tese de doutorado, Kucinski nos lembra que havia “basicamente
duas grandes classes de jornais alternativos. Alguns, predominantemente políticos, tinham
suas raízes nos ideais de valorização do nacional e do popular”
52
. Os integrantes da
imprensa alternativa que eram políticos “em geral pedagógicos e dogmáticos (...) foram, no
entanto, os únicos em toda a imprensa brasileira a perceberem o perigo do crescente
endividamento externo (...) e o agravamento das iniqüidades sociais”
53
. Os que não eram
políticos e também faziam parte da imprensa alternativa tinham suas raízes no movimento
de contracultura norte-americana, com abordagens que iam do orientalismo ao
existencialismo, rejeitando a primazia do discurso ideológico e mais voltados à crítica dos
costumes e à ruptura cultural.
O jornal Posição, que faz parte de uma das últimas levas de nascimento dos alternativos,
integra-se à corrente das publicações políticas e, conforme relatam seus editores, desde seu
lançamento tinha como objetivo discutir as questões relativas ao Estado e ajudar na sua
transformação. A natureza da imprensa alternativa, como afirma Kucinski, era
essencialmente jornalística o que, no caso de Posição, é reforçado pelo seu primeiro diretor,
Rogério Medeiros, para quem a primeira preocupação do jornal era com a produção de
informações jornalísticas. É certo que ele mirava o Governo e as elites, mas queria discutir
os problemas apresentando-os com a utilização do discurso jornalístico.
51
KUCINSKI, Bernardo. Jornalistas e revolucionários nos tempos da imprensa alternativa. São Paulo,
Edusp, 2003, p. 13
52
KUCINSKI. Bernardo. Jornalistas e revolucionários nos tempos da imprensa alternativa. São Paulo,
Edusp, 2003, p. 14
53
KUCINSKI. Bernardo. Jornalistas e revolucionários nos tempos da imprensa alternativa, São Paulo,
Edusp, 2003, p. 14
Outra característica da imprensa alternativa e que coloca o Posição nesta categoria é a
autogestão e a posse dos meios de produção. O jornal era gerido pelos próprios jornalistas,
com a participação de um Conselho Editorial, e feito por eles. Como lembra o primeiro
editorial, Posição era um jornal diferente, não só por se enquadrar dentro dos critérios
alinhados por Kucinski, mas porque se considerava um “jornal de jornalistas. E também
porque queremos que, deste jornal, o leitor faça o seu jornal. Participando como quiser e
puder. Escrevendo crônicas, poesias ou reportagens, desenhando ilustrações, criticando o
nosso trabalho ou estimulando nossa posição”. Neste trabalho, portanto, este será o
sentido da imprensa alternativa, sempre que se referir a Posição e aos outros jornais que
integraram o universo deste tipo de imprensa.
A imprensa alternativa, neste caso, se contrapõe ao que se pode chamar de grande mídia
– jornais, rádios e televisões – pertencentes a empresas ou grupo empresariais, muitas vezes
com integração entre veículos e geridos com o sentido capitalista do lucro. Outra
diferenciação era que, na grande mídia, os jornalistas eram empregados, fazendo o que a
linha editorial de cada jornal, rádio, revista ou televisão determinava. Um terceiro item de
diferenciação era o alinhamento ao Governo e às suas políticas. De um modo geral, as
empresas de mídia davam apoio ao regime e se havia crítica ela não se endereçava à sua
essência, discordando, apenas, de ações tomadas, principalmente na área econômica. Um
desses casos é o do jornal O Estado de São Paulo, que sofreu uma pesada censura do
Governo, mas que foi, também, um dos primeiros defensores da derrubada de Goulart e a
se alinhar ao regime.
Estrutura da pesquisa
Feitas as escolhas de tema, objeto e referencial teórico e determinados os objetivos,
resta mostrar como esta pesquisa será desenvolvida e como este trabalho será estruturado.
Além de uma apresentação, que explica e justifica escolhas feitas, este trabalho está sendo
estruturado a começar por uma Introdução, que mostra a trajetória do jornal Posição. No
Capítulo I são discutidos os pontos-chaves que dão sustentação ao trabalho, explicitando
como se fará uso de conceitos como hegemonia, intelectual orgânico, partido ampliado e
ideologia, além de antecipar a estrutura do trabalho.
No Capítulo II, utilizando método recomendado pelo próprio Gramsci, faz-se uma
contextualização do momento histórico do Brasil, situando nele a ação de Posição, além de
mostrar a situação no Espírito Santo, espaço específico onde o jornal atuou, e se fazer uma
pequena história do próprio jornal. Há ainda a busca de uma relação entre mídia e história,
demonstrando que a segunda pode ser usada como objeto da primeira. A contextualização
ajuda a entender o momento em que Posição circulava, as condições do político e do
exercício da política e as variantes e vertentes deste exercício, seja do lado hegemônico ou
contra-hegemônico. É por refletir o momento que o capítulo foi denominado A realidade
em um pedaço de espelho. O pedaço de espelho é o jornal Posição.
O Capítulo III irá tratar, especificamente, do papel desempenhado por Posição na
construção de uma nova hegemonia. Este papel ele não o exerceu sozinho, mas
integrando-se aos movimentos contra-hegemônicos que surgiram, no Brasil e no Espírito
Santo, com destaque para a atuação da Igreja Católica através das Comunidades Eclesiais
de Base (CEBs).
Para fazer esta demonstração iremos usar os conceitos da Matriz Teórica do
Pensamento de Antônio Gramsci, discutidas no Capítulo I, e algumas ferramentas
disponibilizadas pela Análise do Discurso tomando como base dois teóricos franceses,
Maurice Mouillaud
54
e Dominique Maingueneau
55
. Mouillaud dedica-se, especificamente, à
análise da mídia impressa, sobretudo dos jornais, mostrando que podem ser visto como
dispositivos que enquadram a informação, dando-lhe um novo significado. Maingueneau,
54
MOUILLAUD, Maurice e PORTO, Sérgio Darrel (Org). O jornal, da forma ao sentido. Brasília, Editora
UNB, 2002.
55
MAINGUENEAU, Dominique. Análise de textos de comunicação. São Paulo, Cortez Editora, 2002, 2
edição.
mais geral, aponta as ferramentas que podemos usar para analisar os discursos, inclusive o
discurso jornalístico, deduzindo dele as significações. Nos dois casos, o que buscamos é,
através do ferramental teórico disponibilizado pela Análise do Discurso, demonstrar que
Posição, efetivamente, desenvolveu uma ação contra-hegemônica e que ela é refletida no
seu discurso, sobretudo através das capas do periódico, ao longo de sua circulação.
Sobre a questão é bom observar o que Mouillaud diz: “(...) cada título constitui um
microssistema formado de dois enunciados articulados entre si: uma pressuposição que
remete a unidades temáticas ou históricas, e um enunciado propriamente informacional”
56
.
A constatação do trabalho contra-hegemônico de Posição será feita levando-se em
consideração, exatamente, as unidades temáticas, relacionando o que o jornal afirmava com
a base ideológica do regime, constituída pelos princípios inseridos na Doutrina de
Segurança Nacional (DSN), dividida em quatro macros princípios: Militar, Econômica,
Política e Psicossocial. Cada uma delas tinha objetivos claros, que o regime de 64 procurava
cumprir e esse esforço se dava, também, através do discurso. Daí, poder se contrapor às
categorias da DSN o que Posição dizia e determinar se o discurso ia, verdadeiramente, de
encontro ao que o regime pregava, configurando-se, com isso, uma ação contra-
hegemônica. Destaque-se, mais uma vez, que o jornal não agiu sozinho, mas integrou ações
e movimentos que perpassaram uma boa parte da sociedade civil na época.
A questão dos intelectuais que atuaram no Posição e do trabalho orgânico que
realizaram ao longo das 65 edições do jornal serão objetos do Capítulo IV desta pesquisa.
Nele, além da configuração do que são os intelectuais orgânicos, se demonstrará que a ação
dos jornalistas de Posição se enquadra na conceituação desenvolvida por Gramsci, já que
foram participantes e lutaram para a construção de uma nova hegemonia.
Rogério Medeiros, que foi o primeiro diretor responsável pelo jornal e dele participou
até o número 49, escrevendo matérias que ajudavam a desconstruir a imagem rósea passada
56
MOUILLAUD, Maurice e PORTO, Sérgio Darrel (Org). O jornal, da forma ao sentido. Brasília, Editora
UNB, 2002, p. 26
pelo regime, assume que Posição tinha um objetivo claro, que era o de mostrar o que
estava acontecendo no Espírito Santo aproveitando-se da inércia da mídia local,
comprometida com o regime. “Centramos nossas críticas na elite que comandava o Estado,
mostrando os problemas existentes, a corrupção no Governo e abrindo um espaço para a
discussão com os vários segmentos sociais. Fizemos bom jornalismo”
57
, afirmou em
entrevista ao autor. Medeiros reconhece que Posição buscou a ocupação de um espaço, de
crítica ao regime, regionalizando os assuntos e se contrapondo, no caso do Espírito Santo,
ao triunfalismo existente. O principal objetivo, segundo seu relato, era mostrar que, ao
contrário do que diziam Governo e mídia – que era por ele controlada – o país, em
primeiro lugar, e o Estado, em particular, tinham sérios problemas, mascarados por um
discurso desenvolvimentista e otimista, calcado no princípio de que o crescimento
econômico propiciaria melhoria para todos e que, como os dirigentes estavam trabalhando
pela sociedade, não deviam ser objetos de crítica.
E foi para fazer frente às críticas, evitando-as, que o regime recorreu à censura, um dos
meios usados para se manter hegemônico, mesmo em meio à crise provocada pelo
endividamento externo e pela movimentação de base, de rejeição ao regime, como mostra
o Capítulo a seguir.
57
Entrevista com Rogério Medeiros, em 27-12-2005
Capítulo II
A realidade em um pedaço de espelho
“Nunca existiu democracia verdadeira, nem vai existir”
Jean Jacques Rousseau
De uma maneira ideal, a democracia, como muito bem assinala Rousseau, é irrealizável.
Representa, porisso, uma utopia, não no sentido de um sonho de futuro, sem sentido, mas
de busca de uma transformação que parte, como assinala Frederic Jameson, do olhar e
análise de uma situação concreta, de forma a poder projetar uma ação à frente
58
. Nesse
sentido, há todo um caminho a percorrer em busca da utopia. Jameson, assim, não endossa
o pessimismo de Rousseau e aponta no sentido de voltarmos à utopia, construindo um
futuro diferente do que temos hoje e nos lembra que, na ausência da política, do espaço
para o político, é que se constroem e que surgem as utopias.
Ao lado de Jameson, e também na New Left Review, outro teórico marxista muito
respeitado, Perry Anderson, vê espaço para o pensamento utópico. Concorda com
Jameson na afirmação do surgimento do pensamento utópico quando a política ou o
espaço político está ausente. Para explicitar sua posição, Anderson
59
recorre a Immanuel
Wallerstein e endossa sua posição para aconselhar que o caminho da utopia se faça após
uma avaliação sóbria e realista dos diferentes modos de organização da sociedade. O que
ele aconselha, no final, é a busca da utopia possível, não de um sonho irrealizável.
O pessimismo de Rousseau, a esperança de Jameson e o realismo de Anderson são bem
condizentes com uma realidade vivida no Brasil a partir dos anos 60, quando um governo
democrático foi derrubado e os militares se instalaram no poder. O que vivenciamos, a
partir de 1964, foi o estreitamento do espaço para a política e do político, com a
58
JAMESON, Frederic. Politics of utopia. New Left Review, Londres, nº 25, janeiro-fevereiro de 2004
59
ANDERSON, Perry. River of time. New Left Review, Londres, nº 26, março-abril de 2004, p. 67 a 77
implantação de controles estritos sobre a sociedade civil e opinião pública de forma a que
só o governo e seus porta-vozes fossem ouvidos.
Ao longo de 20 anos o que se viu, para usar um termo prezado pelo maior ideólogo do
regime, o general Golbery do Couto e Silva
60
, foram sístoles e diástoles. Seguramente, as
primeiras muito mais do que as segundas, já que o tempo de fechamento do regime foi
muito maior do que o de abertura. Nos momentos de fechamento e de abertura, não
importa em que governo militar, o que vivenciamos foi o silenciamento da sociedade civil
mediante a censura generalizada, a tortura, a intimidação e à instauração do medo. Neste
contexto, só havia espaço para quem apoiava o governo, estava ao seu lado e concordava
com o que ele fazia ou pensava.
A ditadura, neste caso, acabou por confirmar as análises de Anderson e Jameson e fez
surgir, mesmo com todo o fechamento e medo, em segmentos da sociedade pessoas que,
fazendo a análise de situação, entenderam que era possível construir uma alternativa para o
regime de então, buscando a democracia, não a ideal, mas a possível, agindo no sentido da
mudança, contrapondo-se à hegemonia reinante e buscando construir uma nova
hegemonia em que esta democracia possível era o objetivo.
É sobre esta construção que esta pesquisa se debruça, buscando refletir a ação de um
jornal alternativo, o Posição, que circulou no Espírito Santo – notadamente na Grande
Vitória – no período de 1976 a 1979 e que engrossou a corrente de quem, fazendo frente
ao regime, buscava uma alternativa democrática, abrindo-se novamente o espaço do
político.
Sobre o regime de 64 e o seu tempo histórico há uma vasta literatura, com reflexões que
englobam o seu antes, o durante e o seu depois, debruçando-se sobre os seus vários
aspectos
61
. Um deles, no entanto, resta pouco estudado, exatamente o papel
60
SILVA, Golbery do Couto. Conjuntura política nacional. Rio de Janeiro, José Olympio, 1981
61
Para uma bibliografia abrangente sobre o regime militar ver FICO, Carlos. Além do golpe. Rio de Janeiro,
Record, 2004
desempenhado pela chamada imprensa alternativa. O que há – e existem excelentes
trabalhos – ocupam-se de dois expoentes desta imprensa, Opinião e Movimento, e quando
falam de outros, como o caso de Bernardo Kucinski
62
, dão uma visão destes e neles
centrada. Destaque-se, ainda, que a maioria dos trabalhos é da área de Comunicação, o que
às vezes os deixam distantes da história e, sobretudo, da história política.
O que buscamos, então, é uma reflexão específica sobre um jornal alternativo e tendo
como base a história política. Ao tomar o jornal Posição queremos entender como se deu
sua ação, como foi sua trajetória, que tipo de intelectuais o integravam e como foi a
construção de uma nova realidade, em que se engajou, o que será visto tomando-se
conceitos desenvolvidos por Antonio Gramsci
63
como hegemonia, intelectuais orgânicos,
partido ampliado. Ao lado destes conceitos centrais, o trabalho irá refletir, também, sobre a
ação da censura e o contexto político existente durante o período em que Posição circulou,
mostrando a face do autoritarismo e a ideologia desenvolvimentista, que perpassa todo o
discurso do regime militar e no qual ele se embasou para buscar legitimidade para a
democracia que, na ótica de quem o dirigia, existia no Brasil. Mostra-se, enfim, o momento
histórico brasileiro.
A reflexão será feita levando-se em conta a prevalência da Doutrina de Segurança
Nacional, pedra basilar do regime militar, e as formas expressas e subliminares que a
imprensa alternativa e de esquerda encontrou para contestá-la, promovendo o reflexo de
uma realidade diferente do que queria o regime.
A abordagem teórica dessa questão recomenda, embora haja um recorte histórico claro
e um objeto bem definido, que se debruce sobre a questão da mídia, ressaltando a sua
conexão com a história e mostrando, para o entendimento do trabalho contra-hegemônico
62
KUCINSKI, Bernardo. Jornalistas e revolucionários: a imprensa alternativa no Brasil 1964-1980. São
Paulo, Edusp, 2003.
63
GRAMSCI, Antonio. Os intelectuais e a organização da cultura. São Paulo, Círculo do Livro, s/d.
desenvolvido por Posição e por seus intelectuais orgânicos. Antes, porém, é preciso uma
contextualização.
Um clima difícil
Em 1976 quando o jornal Posição começou a circular, o Brasil vivia um momento difícil
e ímpar. Difícil devido aos acontecimentos do ano, iniciado com a morte do operário
Manoel Fiel Filho na prisão do Exército, em São Paulo, devido ao recrudescimento da
linha dura militar, contrária à anunciada política de abertura do presidente militar de então,
o general Ernesto Geisel
64
. A morte, também por enforcamento, repetia uma outra, do ano
anterior, em que morreu o jornalista Vladimir Herzog, depois de voluntariamente ter se
apresentado ao Exército. Sobre a questão, o general Geisel deu o seguinte depoimento: “A
resistência a fazer o inquérito foi muito grande, o que para mim era muito suspeito. Se as
coisas fossem limpas, se não tivesse havido nada, se o enforcamento do Herzog tivesse
sido espontâneo da parte dele, qual o inconveniente do inquérito?”
65
.
O depoimento do ex-presidente, dado ao CPDOC, da Fundação Getúlio Vargas, é um
reconhecimento tardio do que, na época, muito mais do que uma suspeita, era uma certeza:
Vladimir Herzog, na verdade, foi assassinado pelos militares linha dura. E foi o mesmo que
aconteceu, no início de 1976, com o operário paulista. Geisel, ao lembrar a ação da linha
dura, neste mesmo depoimento afirma que o país vivia “um regime de exceção, e esse era o
lado ruim da história”
66
. Tardiamente, novamente, o ex-presidente reconhecia que o país,
ao contrário do que pregavam os ideólogos e defensores do regime, não vivia em uma
democracia, mas em um regime de exceção.
Havia, como o próprio ex-presidente admite, um segmento dos militares que era
contrário ao abrandamento do regime, criticando os rumos tomados pelo governo e
64
SKIDMORE, Thomas. A lenta via brasileira para a democratização, in STEPAN, Alfred (Org).
Democratizando o Brasil. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1985
65
D´ARAÚJO, Maria Celina e CASTRO, Celso (Orgs). Ernesto Geisel. Rio de Janeiro, Editora FGV, 1997,
4ª edição, p. 371
66
D´ARAÚJO, Maria Celina e CASTRO, Celso (Orgs). Ernesto Geisel. Rio de Janeiro, Editora FGV, 1997,
4ª edição, p. 367
defendendo um endurecimento. Reconhece, ainda, que havia um segundo problema, o do
DOI-Codi, que misturava militares e civis que participaram da repressão nos anos de
chumbo, sob o governo Médici. O fato é que, se não tinham o apoio explícito do ministro
do Exército, estes grupos – e os grupos militares do Centro de Informação do Exército
(CIE) – contavam com o beneplácito de seus superiores. É neste sentido que Geisel
reconhece a existência de problemas e vê no inquérito do caso Herzog, pelo menos, uma
busca de encobrimento do que a repressão vinha fazendo.
A tensão militar levou o governo a adotar a política de um passo avante e dois atrás. De
um lado, combatia a linha dura, mas, do outro, oferecia aos que não desejavam a abertura
do regime ações no sentido de manter a “revolução” e o chamado “regime revolucionário”.
Ouça-se o que o próprio general diz: “Às vezes, eu chegava à conclusão que era melhor
cassar. A cassação tinha suas vantagens, no sentido de arrefecer o ímpeto da oposição (...) e
de arrefecer a pressão da área militar”
67
.
Pode-se afirmar, também, que são neste sentido as medidas tomadas em relação à
legislação eleitoral, com a edição da chamada Lei Falcão, cujo principal objetivo era manter
a Arena, partido do governo, no poder, levando-a a ganhar as eleições. Ao estudar os
arquivos de Geisel na parte relativa ao Ministério da Justiça, Maria Celina D´Araújo relata
que o ministro Falcão considerava que “a legislação eleitoral precisa ser mudada pois (...)
nenhum governo ganharia a eleição com a televisão “martelando” contra ele”
68
. Era
preciso, então, calar a oposição, impedindo-a de mostrar a realidade do país. E é com esse
objetivo que o Ministério atua, agindo em outra área sob sua responsabilidade, que é a
censura. Uma das iniciativas tomadas pelo ministro é a criação de um grupo de trabalho
para “aprimorar a censura”. No início do governo Geisel, Falcão chegou a propor decreto
67
D´ARAÚJO, Maria Celina e CASTRO, Celso (Orgs). Ernesto Geisel. Rio de Janeiro, Editora FGV, 1997,
p. 391
68
D´ARAÚJO, Maria Celina. Ministério da Justiça, o lado duro da transição, in D´ARAÚJO, Maria
Celina e CASTRO, Celso (Orgs). Dossiê Geisel, Rio de Janeiro, Editora FGV, 2002, 3 edição, p. 35
aumentando as exigências para o registro de jornais, rádios e outros meios de comunicação.
O intuito era combater a “má imprensa”
69
.
Ao mesmo tempo em que propunha maior controle da imprensa e da mídia, Falcão
intensificava contatos com donos de jornais, rádios e TVs no sentido de buscar apoio para
o governo. Um dos contatos de Falcão era o empresário Roberto Marinho, o poderoso
dono da TV Globo, que se prontificou a promover uma reunião com empresários de
comunicação para “elogiar a política econômica do governo”
70
.
O elogio, no entanto, não era suficiente. Veja o que diz D´Araújo: “O apoio da
imprensa não foi procurado apenas por meios persuasivos. Falcão propõe a Geisel um
levantamento junto ao Ministério da Fazenda e a bancos estaduais e privados, das dívidas
das empresas jornalísticas”
71
. E no arquivo de Geisel, neste documento, aparece anotado à
mão pelo próprio presidente “muito bom”. O intuito é claro, usar a pressão econômica
para conseguir o apoio da mídia.
Havia, de outro lado, também uma preocupação com a imprensa alternativa, que não
poderia ser controlada por meios econômicos, já que vivia da venda dos exemplares,
portanto, dos que adquiriam as publicações. É no sentido de controlar a imprensa
alternativa que o ministro Falcão sugere “maiores rigores da censura e sua aplicação”
72
.
Era, mais uma vez, a demonstração da política de sístoles e diástoles, sendo que, no caso,
mais da primeira que da segunda, já que o fechamento é muito mais comum do que a
abertura.
No ano em que Posição nascia, o presidente Geisel afirmava, no mês de março, que não
aceitava contestação à revolução. Oposição, como ele admite no depoimento à CPDOC,
69
D´ARAÚJO, Maria Celina e CASTRO, Celso (Orgs). Ernesto Geisel. Rio de Janeiro, Editora FGV, 1997,
4ª edição, p. 26
70
D´ARAÚJO, Maria Celina e CASTRO, Celso (Orgs). Ernesto Geisel. Rio de Janeiro, Editora FGV, 1997,
p. 27
71
D´ARAÚJO, Maria Celina e CASTRO, Celso (Orgs). Ernesto Geisel. Rio de Janeiro, Editora FGV, 1997,
p. 27
72
D´ARAÚJO, Maria Celina e CASTRO, Celso (Orgs). Ernesto Geisel. Rio de Janeiro, Editora FGV, 1997,
p. 27
tinha de ser responsável, não podendo contestar as bases do regime militar. O que o
governo buscava era ter, de um lado, um partido do sim; e do outro, um do sim senhor. O
clima de endurecimento se completa com a explosão de bombas na Associação Brasileira
de Imprensa (ABI), no Rio de Janeiro, e na sede da Ordem dos Advogados do Brasil. Era a
linha dura agindo em aberto desafio ao governo, sendo encoberta pelo aparato civil-militar
da repressão e levando o governo Federal a agir no sentido de, ao mesmo tempo, frear a
abertura e contentar a linha dura
73
.
Nestes anos difíceis, em que o espaço da política e do político se estreitava, é que um
grupo de jornalistas decide fundar o jornal Posição. Seu objetivo: trabalhar no sentido da
mudança, opondo-se ao regime militar e levando a seus leitores uma visão diferente da que
oferecia a chamada “grande mídia”, controlada por pressões econômicas e pela censura,
esta última que também afetou a imprensa alternativa.
Um clima de esperança
Se de um lado havia o fechamento e, com ele, desesperança, de outro, apesar dos
controles impostos à sociedade civil, movimentos em seu seio começaram a trabalhar no
sentido da construção de uma nova realidade. O primeiro indício dessa mudança, que ia de
encontro ao que os militares e civis no poder pregavam, foi a vitória do MDB nas eleições
legislativas de 1974. Segundo Bolívar Lamounier, o resultado da votação, em relação ao
governo e ao seu partido, a Arena, dramatizou “a fragilidade eleitoral do partido nas
grandes cidades”
74
, contribuindo, acredita, para a redução no ritmo da abertura.
Se a afirmação de Lamounier é correta, também se pode dizer que a vitória do MDB
acabou por mostrar que havia espaço para a oposição e que ela tinha como atuar,
procurando uma modificação do quadro existente. Mesmo submetendo-se às regras do
73
SKIDMORE, Thomas. A lenta via brasileira para a democratização, in STEPAN, Alfred (Org).
Democratizando o Brasil. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1985, p. 39
74
LAMOUNIER, Bolívar. O “Brasil autoritário” revisitado: o impacto das eleições sobre a abertura, in
STEPAN, Alfred (Org). Democratizando o Brasil. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1985, p. 102-103
regime – o que efetivamente fazia – o MDB acabou abrindo espaço para a demonstração
de insatisfação, já detectada pelo próprio regime, daí advir a idéia de Geisel e Golbery de
fazerem uma “abertura”
75
. É Golbery, por sinal, quem afirma:
“Não é de admirar-se, pois, que o esforço de descentralizador, conscientizado, do
governo viesse a assumir o figurino de uma abertura política democratizante, desencadeada
justamente através da liberação progressiva dos controles da censura, nem, tampouco, que
esse estágio inaugural exigisse, para que não escapasse a qualquer controle, prazo bastante
longo e condução vigilante e ativa. (...) Tanto mais se faria isso imperioso, quanto fortes
pressões continuariam advindo dos outros campos”
76
.
Principal estrategista do governo militar, Golbery reconhece as tensões existentes e, em
conferência feita na Escola Superior de Guerra, onde ajudou a construir a Ideologia da
Segurança Nacional, acaba afirmando que o regime adotou uma política que alternava
“ações de contenção, senão de contra-ataque (...) garantindo, para si mesmo, espaço de
manobra cada vez maior e, pois, maior liberdade de ação para concretização de seus
próprios objetivos políticos”
77
. Estes objetivos se resumiam, na verdade, na manutenção
dos militares ou de seus prepostos no poder.
Insere-se neste contexto a preocupação do ministro Armando Falcão com a mudança
da legislação eleitoral, que acabou sendo realizada em abril, e que tinha o claro objetivo de
impedir, como o próprio ministro admitiu, uma nova vitória do MDB. Uma das razões é
que a oposição, mesmo a parlamentar, havia sido infiltrada e estava sendo controlada pelos
comunistas, daí a necessidade de o governo se precaver
78
. A preocupação se justificava, na
ótica do regime, porque, como lembra Skidmore, “Geisel e sua equipe não tinham a
75
COUTO E SILVA, Golbery. Conjuntura política nacional, o poder executivo e geopolítica do Brasil.
Rio de Janeiro, José Olympio Editora, 1981
76
COUTO E SILVA, Golbery. Conjuntura política nacional, o poder executivo e geopolítica do Brasil.
Rio de Janeiro, José Olympio Editora, 1981, p. 25
77
COUTO E SILVA, Golbery. Conjuntura política nacional, o poder executivo e geopolítica do Brasil.
Rio de Janeiro, José Olympio Editora, 1981, p. 27
78
D´ARAÚJO, Maria Celina. Ministério da Justiça, o lado duro da transição, in D´ARAÚJO, Maria
Celina e CASTRO, Celso (Orgs). Dossiê Geisel, Rio de Janeiro, Editora FGV, 2002, 3 edição, p. 32-33
intenção de permitir que a oposição chegasse ao poder. Eles imaginavam uma democracia
em que o partido do governo (ou partidos) continuasse a mandar sem contestação”
79
.
As eleições foram a parte mais visível da insatisfação da população, mas não a única,
tampouco foi a primeira manifestação de oposição. Como lembra Thomas Skidmore, de há
muito – desde o governo Médici, marcado pela violência da repressão – a Igreja Católica
havia se tornado a principal voz de oposição ao regime, principalmente em relação à defesa
dos direitos humanos, freqüentemente desrespeitados pelos militares
80
.
É de Skidmore a afirmação:
“A Igreja tornou-se o mais conspícuo opositor do estado autoritário brasileiro. No caso
não era apenas a CNBB procurando agressivamente defender sacerdotes e leigos contra a
tortura (muitas vezes sem êxito). Eram também os ativistas católicos que mobilizavam seus
contatos no exterior – no Vaticano, no seio do clero e no laicato da Europa e dos Estados
Unidos, e de outros ativistas dos direitos humanos, gerando assim protestos na imprensa
estrangeira”
81
.
A voz da Igreja era poderosa, já que ouvida pela maioria da população brasileira, um
país, à época, marcadamente católico. Mas ela não era uníssona. Se havia prelados, padres e
leigos dispostos a protestar e fazer oposição, havia, também, os que, ou se calavam ou se
alinhavam ao regime. A chamada ala progressista da Igreja era a mais engajada e foi através
dela que surgiu no Brasil um dos mais importantes movimentos de base, as Comunidades
Eclesiais de Base, cujo primeiro encontro nacional foi realizado em Vitória, no Espírito
Santo
82
.
Nascidas com o intuito de evangelização, as CEBs transformaram-se, como frisa Della
Cava, em poderoso instrumento de politização. “Independentemente da intenção original
79
SKIDMORE, Thomas. Brasil: De Castelo a Tancredo. São Paulo, Paz e Terra, 2004, 8º edição, p. 321
80
SKIDMORE, Thomas Brasil: De Castelo a Tancredo. São Paulo, Paz e Terra, 2004, 8º edição, p. 273
81
SKIDMORE, Thomas. Brasil: De Castelo a Tancredo. São Paulo, Paz e Terra, 2004, 8º edição, p. 273 e
274
82
DELLA CAVA. Ralph. A igreja e a abertura, 1974-1985, in STEPAN, Alfred (Org). Democratizando o
Brasil. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1985, p.241-243
dos arquitetos eclesiásticos, as CEBs ganharam vida própria”
83
, acentua Ralph Della Cava,
para quem houve o engajamento do clero e de leigos mais progressistas na formação e na
politização das Comunidades. Ao mesmo tempo, a Teologia da Libertação transformou as
CEBs em seu laboratório e, por fim, intelectuais católicos orgânicos
84
retrabalharam a
religiosidade popular, dando-lhe nova dimensão e fazendo com que a religião e a igreja
ficassem ao lado dos menos favorecidos, ao mesmo tempo em que lhes davam uma
educação política.
O crescimento das comunidades foi exponencial, chegando em pouco tempo a mais de
80 mil em todo o Brasil. Com elas, a Igreja dava vazão à sua veia evangelizadora, suprindo
deficiências de clérigos e, ao mesmo tempo, com a ação da ala mais progressista, como o
teólogo Leonardo Boff, incutindo uma ação política na ação das CEBs, o que, para eles,
significava oposição ao regime. O principal argumento era que a fé tinha de libertar e no
cerne desta afirmação estava a Teologia da Libertação e frei Boff, que chegou a ser
considerado um dos mais importantes teólogos do mundo
85
.
Se em número e em mobilização popular a Igreja Católica era imbatível, nem por isso
outras entidades da sociedade civil deixaram de se movimentar. É o caso da Ordem dos
Advogados do Brasil (OAB) “que se tornou ativa adversária do governo militar
86
. A
movimentação da Ordem começou ainda no governo Médici e foi uma reação, como no
caso da Igreja Católica, às constantes violações dos direitos humanos. O nível de protesto
foi se intensificando e, em 1974, no seu congresso, a OAB lançou um duro manifesto,
comprometendo-se com a defesa ativa dos direitos dos presos políticos e se posicionando
contra a tortura e prisões arbitrárias
87
. Começou, então, uma campanha nacional para
esclarecer a população sobre a importância dos direitos de cada cidadão. “Com sua firme
83
DELLA CAVA, Ralph. A igreja e a abertura, 1974-1985, in STEPAN, Alfred (Org). Democratizando o
Brasil. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1985, p.242
84
GRAMSC, Antônio. Os intelectuais e a formação da cultura. São Paulo, Círculo do Livro, sd, p. 7-14
85
DELLA CAVA, Ralph. A igreja e a abertura, 1974-1985, in STEPAN, Alfred (Org). Democratizando o
Brasil. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1985, p.247
86
SKIDMORE, Thomas. Brasil: De Castelo a Tancredo. São Paulo, Paz e Terra, 2004, 8º edição, p. 363
87
SKIDMORE, Thomas. Brasil: De Castelo a Tancredo. São Paulo, Paz e Terra, 2004, 8º edição, p. 363
posição, a OAB se organizava para minar as bases do regime autoritário”
88
, afirma
Skidmore. O historiador afirma que as ações da OAB foram, em muitos casos,
coordenadas com as da Associação Brasileira de Imprensa (ABI).
Uma mostra da eficiência das ações da OAB pode ser dada pela posição do ministro
Armando Falcão, da Justiça, que deixou de comparecer à convenção da entidade no Rio de
Janeiro, o que está registrado em correspondência do arquivo Ernesto Geisel. O argumento
usado era que não queria se expor, nem ao governo. O ministro, no entanto, não
considerava os advogados e a Ordem como contrárias ao regime, mas ressaltava que ela era
contra a tortura
89
. A Ordem foi, também, a primeira entidade a se engajar na defesa da
anistia para os que haviam sido punidos pelo regime militar e na luta pela volta ao estado
de direito. E foi exatamente esta ação, que irritou o governo militar, que o levou a propor o
fim da autonomia da entidade.
Segundo Thomas Skidmore:
“Em 1976 o governo apontou a sua própria metralhadora contra a OAB propondo,
como parte da reforma geral do Judiciário, a revogação do singular status daquela
organização, a única não sujeita ao controle direto do governo. Este privilégio, segundo o
governo, devia acabar, submetendo-se a OAB ao controle e supervisão do Ministério do
Trabalho”
90
.
A ameaça serviu para tornar a organização ainda mais atuante, que passou a denunciar a
ordem jurídica ilegítima. O curioso desta postura, como lembra Skidmore, era que tanto a
Ordem dos Advogados do Brasil quanto a própria Igreja Católica eram conservadoras. No
caso da entidade dos advogados, ressalta, ainda, que foram os juristas que deram o
arcabouço legal às leis arbitrárias baixadas pelo regime militar.
88
SKIDMORE, Thomas. Brasil: De Castelo a Tancredo. São Paulo, Paz e Terra, 2004, 8º edição, p. 366
89
D´ARAÚJO, Maria Celina. Ministério da Justiça, o lado duro da transição, in D´ARAÚJO, Maria
Celina e CASTRO, Celso (Orgs). Dossiê Geisel, Rio de Janeiro, Editora FGV, 2002, 3 edição, p. 33
90
SKIDMORE, Thomas. Brasil: De Castelo a Tancredo. São Paulo, Paz e Terra, 2004, 8º edição, p. 366
Merece observação, também, a atuação do movimento estudantil. Segundo Maria Paula
Nascimento Araújo este movimento foi “o grande responsável pela retomada das
mobilizações políticas, inclusive recuperando espaço nas ruas”
91
. O movimento estudantil,
segundo a historiadora, atuava em duas frentes. Na primeira, lutava para a reconstrução das
entidades estudantis, como a União Nacional dos Estudantes (UNE) e “seguindo de perto
a orientação das organizações de esquerda, levantava a bandeira da luta pelas liberdades
democráticas”
92
.
Ao lado da Igreja Católica – inclusive com as CEBs – e da OAB, havia outras
manifestações da sociedade civil. Uma delas, conforme afirma Scott Mainwaring
93
, veio dos
chamados movimentos populares. “(...) embora eu concorde com outras análises de que a
abertura foi principalmente um processo de elite, também acredito que os movimentos
populares tiveram certamente um impacto na situação política”
94
, afirma Mainwaring, que
foca o seu estudo sobre o Movimento dos Amigos do Bairro, do município de Nova
Iguaçu, no Rio de Janeiro.
À ação do MAB, que não era exclusivo de Nova Iguaçu, se juntou o Movimento do
Custo de Vida “uma forma popular de protesto iniciada em 1973 e que atingiu o pico em
1977-78. Entre seus objetivos estava o de estimular o público a voltar às ruas em
manifestações de protesto”
95
. Segundo Skidmore, a tática adotada pelo MCV se
assemelhava às manifestações contra o governo Goulart, antes do golpe, mas havia a
diferenciação de origem, já que, no caso anterior à ditadura eram mulheres de classe média
91
ARAÚJO, Maria Paula Nascimento. A luta democrática contra o regime militar na década de 1970, in
AARÃO REIS, Daniel, RIDENTI, Marcelo, e SÁ MOTTA, Rodrigo Pato. O golpe e a ditadura militar 40
anos depois (1964-2004). São Paulo, Edusc, 2004, p. 167
92
ARAÚJO, Maria Paula Nascimento. A luta democrática contra o regime militar na década de 1970, in
AARÃO REIS, Daniel, RIDENTI, Marcelo, e SÁ MOTTA, Rodrigo Pato. O golpe e a ditadura militar 40
anos depois (1964-2004). São Paulo, Edusc, 2004, p. 167
93
MAINWARING, Scott. Os movimentos populares de base e a luta pela democracia: Nova Iguaçu,
in STEPAN, Alfred (Org). Democratizando o Brasil. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1985,
94
MAINWARING, Scott. Os movimentos populares de base e a luta pela democracia: Nova Iguaçu,
in STEPAN, Alfred (Org). Democratizando o Brasil. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1985, p. 275
95
SKIDMORE, Thomas. Brasil: De Castelo a Tancredo. São Paulo, Paz e Terra, 2004, 8º edição, p. 359
que participavam das manifestações, e na época do governo Geisel, eram mulheres ligadas
ao movimento dos trabalhadores.
Por fim, e não menos importante, temos toda a movimentação do que, na época, se
convencionou chamar de “novo sindicalismo”. Antes, no entanto, uma explicação: A
estrutura sindical brasileira foi construída no governo Vargas e tinha, como assinalam todos
os estudiosos do período, um forte componente corporativista, além de submeter os
sindicatos ao governo, que precisava autorizar seu funcionamento, e vinculá-los às receitas
obtidas com contribuições compulsórias. Como frisa Margaret E. Keck “o isolamento
econômico e social da classe trabalhadora por meio da legislação trabalhista fazia parte de
um modelo geral cujos valores subjacentes tiveram um notável poder de permanência”
96
.
Esse controle aumentou no período do regime militar. Dados levantados por Margaret
Keck mostram que no período de 1964 a 1970 o Ministério do Trabalho interveio mais de
500 vezes nas organizações sindicais “cassando seus dirigentes e nomeando
interventores”
97
. E mais ainda: “Considerando que os salários eram a causa principal da
inflação e reconhecendo que as campanhas salariais dos sindicatos eram períodos
importantes de mobilização e politização, o regime militar instituiu uma nova política
salarial destinada a controlar esses dois elementos”
98
.
As mudanças no movimento sindical e o surgimento do “novo sindicalismo”
começaram, segundo Margaret Keck, a partir dos anos 70, embora tenha havido greves nos
anos 60, mas que terminaram em fracasso. O berço desse novo sindicalismo foi o ABC
paulista, região mais industrializada do país. Seu objetivo principal era a negociação direta
com os patrões, o que a legislação trabalhista não permitia, e a luta pela reposição de perdas
salariais, decorrentes da manipulação dos índices de inflação pelo governo.
96
KECK, Margaret E. O “novo sindicalismo” na transição brasileira, in STEPAN, Alfred (Org).
Democratizando o Brasil. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1985, p. 383
97
KECK, Margaret E. O “novo sindicalismo” na transição brasileira, in STEPAN, Alfred (Org).
Democratizando o Brasil. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1985, p. 388
98
KECK, Margaret E. O “novo sindicalismo” na transição brasileira, in STEPAN, Alfred (Org).
Democratizando o Brasil. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1985, p. 388
Três características, de acordo com Keck, marcaram esse novo sindicalismo: ênfase na
organização de base, reivindicação de mudanças na legislação trabalhista, dando autonomia
aos sindicatos, com reconhecimento do direito de greve e uma maior disposição para a
militância, incluindo a greve, mesmo contando com a repressão do regime
99
. O que as
novas lideranças defendiam, embora não fossem homogêneas, iam de encontro às
aspirações do regime militar e, tal como no caso de outros movimentos da sociedade civil,
acabaram contribuindo para abrir mais uma brecha no muro da ditadura.
O que fica patente da análise de situação, principalmente em relação ao período em que
o general Geisel esteve à frente do regime militar, é que, se de um lado havia o desejo de
controle do governo, que usava todo o arsenal de medias arbitrárias e casuísticas,
diminuindo o espaço do político, entendendo esta ação como forma de se manter no
poder, como assinala Golbery do Couto e Silva na conferência feita na Escola Superior de
Guerra, de outro havia toda uma movimentação da sociedade civil, que buscava conquistar
espaços que levassem a uma mudança do regime. É para integrar-se à onda da mudança
que nasce o jornal Posição.
A questão da censura
Um contexto do Brasil, quando se fala do regime de 64, não estará completo se a
censura à imprensa não for abordada. Pode-se, aqui, recorrer ao autor de um clássico que
fala na manipulação das opiniões, de forma a tornar aceitável um regime que tudo controla,
através de sua onipresença. George Orwell nos dá em 1984, ficção futurista para a época
que foi escrita, uma visão de a quanto pode chegar um governo para controlar os seus
cidadãos. O romance, que nos remete a um clima e a um regime opressivos, é pessimista e
talvez decorra desse pessimismo a posição Orwell. O romance, neste caso, pode servir
99
KECK, Margaret E. O “novo sindicalismo” na transição brasileira, in STEPAN, Alfred (Org).
Democratizando o Brasil,. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1985, p. 393
como uma analogia para a ação do governo brasileiro no período da ditadura nos dando,
exatamente, o clima vivido pelo país, sobretudo a partir de 1968, quando o poder não
queria ouvir verdades – ou pelo menos não desejava que elas fossem ditas à população.
É com o objetivo de controlar a opinião pública, fazendo com que a população tivesse
conhecimento só daquilo que interessava ao poder, que age a censura. Ela, no entanto, não
atingiu só a imprensa, sendo bem mais ampla e abrangendo artes, espetáculos, livros,
cinema, teatro, música, etc. Legal e institucionalizada, no que se refere à questão moral, a
censura política, seja na mídia, seja fora dela, foi ilegal desde o início, agiu de forma
coordenada e contou, no caso específico dos jornais, com a colaboração dos patrões e de
jornalistas.
A censura foi fundamental, também, para o aparecimento da chamada imprensa
alternativa, como muito bem lembra Thomas Skidmore
100
. E é por isso, como forma de
entender o contexto da construção da hegemonia e, depois, do trabalho contra-
hegemônico feito, inclusive pelo jornal Posição, no Espírito Santo, que torna-se necessário
dar um panorama da censura, mostrando como é que ela agia e os mecanismos que usou
para conseguir a adesão de empresas jornalísticas e, até, de jornalistas que se alinharam ao
regime, ajudando-o a disseminar sua ideologia.
A questão da censura está bem coberta pela literatura histórica e há, sobre ela, uma gama
de abordagem. O que os vários autores deixam presente é a combinação da censura com
outras ações governamentais, todas no sentido de passar à população uma realidade, senão
risonha, pelo menos cor de rosa, longe dos problemas efetivos que o país vivia. É inegável,
como admite Daniel Aarão Reis
101
, que houve crescimento econômico e, dele, muitos se
beneficiaram. Também é inegável que o regime contava com apoiadores nos mais variados
segmentos da sociedade. Mas existe, ainda, outra questão inegável, a da atuação da censura
100
SKIDMORE, Thomas. De Castello a Tancredo. São Paulo, Paz e Terra, 2004, 8ª edição
101
AARÃO Reis, Daniel. Ditadura militar, esquerdas e sociedade. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editores,
2001.
como um política do Estado, como destaca Carlos Fico, mostrando que “a censura política
à imprensa foi apenas mais um instrumento repressivo”
102
. Junto com os outros
dispositivos do governo militar – repressão política, repressão policial e controle social – a
censura era “indispensável à “utopia autoritária” dos radicais vitoriosos em 1964”
103
.
As afirmações de Fico vão ao encontro do estudo feito por Ane-Marie Smith
104
, que
constatou, dentre outras, duas coisas: a primeira, que havia uma política de Estado em
relação à censura e, a segunda, que houve, no caso da censura à imprensa, a colaboração
dos patrões, que a aceitaram. No caso da política de Estado, Smith demonstrou que havia
uma articulação do governo para impor o silêncio e que, com este mister, criaram-se
mecanismos que funcionaram, e bem, por serem impessoais e a mídia não saber,
exatamente, de onde vinha a censura, a não ser que era patrocinada pelo governo militar.
O que Anne-Marie Smith considera é que
“O regime acreditava que uma imprensa fidedigna seria um instrumento importante
para garantir o êxito do seu empenho em legitimar-se. Alguém precisava proclamar as
conquistas do regime (...) e a imprensa poderia ser um forte aliado para a disseminação
dessa informação (embora, ao mesmo tempo, uma ameaça se ela se pusesse a questionar ou
criticar os custos sociais dessas realizações”
105
.
Em busca de legitimação, o governo, para obtê-la, passou a controlar a imprensa,
silenciando-a e às críticas ao regime, uma questão muito bem estudada por Beatriz
Kushnir
106
. Um primeiro ponto que Kushnir observa é a institucionalização da censura a
partir do governo Médici, que tomou por base um dos instrumentos excepcionais que tinha
à mão, o AI 5. Ela vê a base da censura política aos jornais e à mídia no decreto lei 1077, de
102
FICO, Carlos. Além do golpe. Rio de Janeiro, Record, 2004, p. 90
103
FICO, Carlos. Além do golpe. Rio de Janeiro, Record, 2004.
104
SMITH, Anne-Maria. Um acordo forçado. O consentimento da imprensa à censura no Brasil. Rio
de Janeiro, Editora FGB, 1997.
105
SMITH, Anne-Maria. Um acordo forçado. O consentimento da imprensa à censura no Brasil. Rio
de Janeiro, Editora FGB, 1997, p. 46
106
KUSHNIR. Beatriz. Cães de guarda. Jornalistas e censores, do AI-5 à Constituição de 1988. São
Paulo, Boitempo, 2004.
1970, que teria autorizado o governo a exercer este tipo de atividade. O entendimento de
Kushnir, no entanto, é contestado por Smith e Fico. Os dois dizem que o decreto regulava
a censura aos espetáculos e diversões, não à imprensa, daí tratarem a censura como ilegal.
O trabalho de Smith é anterior ao de Kushnir e o de Fico, posterior.
O que fica patente, no entanto, tome-se o ponto de vista de Kushnir, de Smith ou de
Fico é que a censura foi, sim, uma política do Estado. Veja-se o que nos diz Kushnir:
“Ao apontar um árbitro, o ministro da Justiça no 1077-70 parece iluminar uma instância
superior reguladora de qualquer desmando, um locus apaziguador que impedisse o
descalabro. Talvez essa não seja a melhor leitura. Creio que, no fundo, o que o decreto
esclarece é que quem dita as regras da censura é o ministro da Justiça. Portanto censura é
uma questão de Estado, com atuação política na execução das medidas”
107
.
Ao comentar toda a articulação estabelecida pela censura, com o comando central do
ministro da Justiça, o que é reforçado com a leitura feita nos arquivos do presidente Geisel,
relatada por Maria Celina D´Araújo
108
, Beatriz Kushnir acaba com o argumento de não ter
havido uma orquestração da censura, que atuava junto à imprensa, mas também, junto às
artes e espetáculos. “Isso permite a reflexão de que a censura jamais foi caótica e que os
censores tinham conhecimento e voz de comando acerca da direção a tomar”
109
, afirma.
É devido a esta articulação que Kushnir considera que “as transformações por que
passou a censura no pós-1968 compunham uma estratégia maior que visava (...) calar
notícias e informações e centralizar as atividades censórias no intuito de forjar uma imagem
do governo e de ganhar adesões”
110
. Volta-se, portanto, a questão da busca de legitimidade,
que levou o governo a buscar uma posição hegemônica, “vendendo” à sociedade os seus
107
KUSHNIR. Beatriz. Cães de guarda. Jornalistas e censores, do AI-5 à Constituição de 1988. São
Paulo, Boitempo, 2004, p. 117
108
D´ARAÚJO, Maria Celina. Ministério da Justiça, o lado duro da transição, in CASTRO, Celso e
D´ARAÚJO, Maria Celina (Orgs). Dossiê Geisel. Rio de Janeiro, Editora FGV, 2002, 3ª edição
109
KUSHNIR. Beatriz. Cães de guarda. Jornalistas e censores, do AI-5 à Constituição de 1988. São
Paulo, Boitempo, 2004, p. 122
110
KUSHNIR, Beatriz. Cães de guarda. Jornalistas e censores, do AI-5 à Constituição de 1988. São
Paulo, Boitempo, 2004, p. 124
princípios e apresentando-os como se fosse dela, sociedade, uma questão bem discutida
por Maria José Rezende
111
.
A questão do centro da censura pode ser visto, também, no estudo de Maria Aparecida
de Aquino sobre os jornais O Estado de São Paulo e Movimento, que receberam censura
prévia durante um bom tempo. No caso do Estadão, um censor ficava dentro do jornal,
mas reportava-se a Brasília. No caso do Movimento, a censura era feita na Polícia Federal,
na capital federal. É dela a afirmação:
“Encarava-se como necessário o controle da informação a ser divulgada, para preservar
a imagem do regime, num exercício de ocultação que passa, inclusive, pela negação de
visibilidade, ao leitor, de suas próprias condições de vida. Afinal, nada pode ser mais
“subversivo” do que enxergar a si próprio!”
112
.
O levantamento de Aquino prova, com números, que a censura tinha um sentido e se
preocupava mais com alguns assuntos que outros, embora tenha sido mais rigorosa com
Movimento, um integrante da chamada imprensa alternativa, do que com O Estado de São
Paulo, jornal tradicional e que havia apoiado o movimento civil-militar que acabou
depondo o presidente João Goulart, mas que tinha se transformado em um crítico do
governo. O jornal foi, também, um dos poucos a não se impor a censura prévia.
O que a literatura histórica mostra, tomando-se os trabalhos de Fico, Kushnir, Smith e
Aquino, é que havia uma articulação da censura e um centro para ela, configurando-se, com
isso, a existência de uma política do Estado no seu exercício. Podia até haver gradações,
como no caso dos jornais tradicionais e nos alternativos, mas a censura à imprensa, que era
política, não foi realizada ao acaso, mas teve o propósito claro de silenciar críticas e, com
isso, insere-se na busca de legitimação do regime. Este, no entanto, não é o único lado do
111
REZENDE, Maria José. A ditadura militar no Brasil: 1964-1984 – Repressão e pretensão de
legitimidade. Londrina, Editora UEL, 2001.
112
AQUINO, Maria Aparecida de. Censura, imprensa, Estado autoritário (1968-1978). São Paulo, Edusc,
1999, p. 15
exercício da censura. Existe um outro e, nele, os empresários donos de jornais representam
o papel principal.
Quando Daniel Aarão Reis fala em apoio de segmentos da sociedade civil ao regime
militar, ele não está se referindo, diretamente, aos empresários da comunicação. Mas, neste
caso, a afirmativa se encaixa com perfeição. Basta, para comprová-lo, uma olhada no
arquivo deixado pelo penúltimo dos presidentes militares que o Brasil teve, o general
Ernesto Geisel. Ao estudar o arquivo do Ministério da Justiça, Maria Celina D´Araújo
113
mostra as articulações feitas pelo ministro Armando Falcão junto aos empresários da mídia
para conseguir direcionar o noticiário no sentido que o governo desejava. Explicitamente,
está citado o empresário Roberto Marinho, dono da Rede Globo, que é dado como um
colaborador do regime.
A questão, no entanto, já havia sido abordada antes por Anne-Marie Smith, que chegou
ao Brasil para estudar a questão da censura com a vantagem de não ter tido um
envolvimento direto com ela, o que lhe deu uma visão diferenciada do problema. É dela,
por sinal, a afirmação categórica de que “a grande imprensa quase nunca foi censurada
formalmente; em vez disso havia um acordo de cavalheiros – ou assim alegavam as
“autoridades constituídas”
114
. É nesse sentido, de acordo de cavalheiros, que ela vê a
questão da autocensura
115
, personalizada pelos “bilhetinhos”
116
que eram entregues às
redações com a recomendação dos assuntos que não deveriam ser publicados.
Demonstrando mais claramente a posição dos jornais, Beatriz Kushnir relata a situação
da Folha de São Paulo e o depoimento que lhe deu o editor de então, jornalista Boris
113
D´ARAÚJO, Maria Celina. Ministério da Justiça, o lado duro da transição, in CASTRO, Celso e
D´ARAÚJO, Maria Celina (Orgs). Dossiê Geisel. Rio de Janeiro, Editora FGV, 2002, 3ª edição
114
SMITH, Anne-Maria. Um acordo forçado. O consentimento da imprensa à censura no Brasil. Rio
de Janeiro, Editora FGB, 1997, p. 45
115
Na verdade, não se tratava da autocensura como a iniciativa dos jornais de não publicar uma determinada
notícia, mas da aceitação da censura do governo, que ditava o que podia ser publicado. Este procedimento
acabou ficando conhecido no meio jornalístico como autocensura e é este o sentido usado por Anne Maria
Smith.
116
Os “bilhetinhos” eram como ficaram conhecidas as proibições emitidas pela Polícia Federal e entregue ao
responsável pela redação dos jornais e das outras mídias. Ele, invariavelmente, começava com um “De ordem
superior, fica proibido...” e no jornal A Gazeta, de Vitória, acabou por ocupar um grande quadro na redação.
Casoy. A direção da empresa optou por fazer o jogo do governo militar, recebendo as
instruções do DPF acerca do que publicar
117
. Outro depoimento confirmatório do
alinhamento dos patrões vem do jornalista Alberto Dines, então dirigindo o Jornal do
Brasil. De acordo com Kushnir, Dines afirmou, a propósito dos 10 anos do AI 5 em 1978:
(...) a direção me convocou para receber instruções. O Jornal do Brasil não pretendia
opor-se a eles, causar qualquer problema. Então pediu licença à direção – longe dos
censores evidentemente – para me conceder o direito de que pelo menos nesta primeira
edição do Jornal do Brasil sob censura fosse registrada nossa resistência”
118
.
No caso dos patrões, uma olhada nos arquivos do general Geisel é bem esclarecedor.
Ao relatar a questão da censura decorrente da atuação do ministro Armando Falcão, Maria
Celina D´Araújo afirma:
“A censura ficaria toda centralizada no Ministério da Justiça, que faria reuniões secretas
com os ministros militares e o SNI. Essas decisões foram aprovadas por Geisel. Ruy
Mesquita, de acordo com o relato do ministro, não aceitava a censura, autocensura ou
censor. Falcão acabou trocando o censor de O Estado de São Paulo por um “melhor e
mais bem pago”, como compensação pelas barganhas de Mesquita. Enquanto isso,
Roberto Marinho se prontificava a articular reunião com empresários para elogiar a política
econômica do governo”
119
.
Evidenciava-se, assim, não só o apoio dos empresários de comunicação ao regime
militar, mas a própria ação do governo no sentido de buscar este apoio, inclusive por meio
de pressões, o que foi feito, por exemplo, com o Jornal do Brasil, pelo próprio Armando
Falcão, que reclamou das críticas, que considerava injustas, feitas pelo jornal ao regime, em
117
KUSHNIR. Beatriz. Cães de guarda. Jornalistas e censores, do AI-5 à Constituição de 1988. São
Paulo, Boitempo, 2004, p. 194
118
KUSHNIR, Beatriz. Cães de guarda. Jornalistas e censores, do AI-5 à Constituição de 1988. São
Paulo, Boitempo, 2004, p. 194
119
D´ARAÚJO, Maria Celina. Ministério da Justiça, o lado duro da transição, in CASTRO, Celso e
D´ARAÚJO, Maria Celina (Orgs). Dossiê Geisel. Rio de Janeiro, Editora FGV, 2002, 3ª edição, p. 27
encontro com um dos proprietários do jornal, Nascimento Brito. O próprio Brito, antes, já
havia se reunido com o ministro do Exército com a mesma finalidade
120
.
Além da censura, o governo tinha outros meios de se impor às empresas de
comunicação e, talvez aí é que esteja o verdadeiro sentido da colaboração. Um desses
meios era o financeiro. Ao analisar a questão no seu trabalho, Smith observa que
considerando as baixas tiragens dos jornais brasileiros, as receitas vinham mais da
publicidade que da venda dos exemplares. O padrão internacional era de 50% das receitas
vindas da venda dos exemplares e os outros 50% de publicidade. No caso brasileiro, a
publicidade era responsável por dois terços da receita das empresas jornalísticas e, em
alguns casos, chegava próximo a 80% de todo o faturamento
121
. Assim a estrutura de
receita dos jornais os deixava dependentes dos grandes anunciantes e à pressão do governo,
conforme observa Smith. “O que mais interessa no caso do Brasil foi o extraordinário peso
da publicidade oficial na geração da receita dos jornais, a qual foi estimada em 15 a 30% da
receita de muitos jornais importantes”
122
, afirma Smith. Dessa forma, o governo podia
exercer pressão sobre as empresas, ameaçando-as com a retirada de publicidade. Podia,
inclusive, agir no sentido de retirar a publicidade privada, já que as empresas privadas
também dependiam do governo.
Ainda sobre a pressão contra empresas, é esclarecedor ver o que afirma Smith ao
abordar a questão, relacionando-a com as empresas jornalísticas ou de mídia. Segundo ela,
“tendo em vista a extensa atuação do Estado brasileiro nas empresas de todo tipo, inclusive
jornalísticas, havia amplas oportunidades para a interferência do Estado nas finanças da
120
D´Araújo, Maria Celina. Ministério da Justiça, o lado duro da transição, in CASTRO, Celso e
D´ARAÚJO, Maria Celina (Orgs). Dossiê Geisel. Rio de Janeiro, Editora FGV, 2002, 3ª edição, p. 28
121
SMITH, Anne-Maria. Um acordo forçado. O consentimento da imprensa à censura no Brasil. Rio
de Janeiro, Editora FGB, 1997, p. 45, p. 57
122
SMITH. Anne-Maria. Um acordo forçado. O consentimento da imprensa à censura no Brasil. Rio
de Janeiro, Editora FGB, 1997, p. 58
imprensa: suspender a publicidade, negar empréstimos pelos bancos oficiais, recusar licença
de importação de equipamentos ou papel de imprensa ou confisco de tiragens”
123
.
Havia, ainda, um outro fator a considerar e que envolve, novamente, o governo militar,
que é a expansão das comunicações no Brasil, com a ampliação das estações de rádio e
televisão, ambas concessões do poder público. Como muitos dos grupos de mídia tinham
interesse em concessões de rádio e televisão, o governo podia agir no sentido de obter a
adesão dos empresários para a sua política e, dentre elas, estava a autocensura. Uma visão
de como isso acontecia é dado pelos arquivos relativos ao Ministério da Comunicação no
governo do general Geisel. O ministro Euclides Quandt de Oliveira, de acordo com estudo
feito por Alzira Alves de Abreu, tinha como política “prestigiar os governadores dos
estados”
124
, o que significava, no final, a concessão de canais aos grupos que estivessem
alinhados ao regime, o que não era diferente para as empresas de mídia que queriam
expandir sua atuação para a área de rádio e televisão.
Censura, de um lado, controle, do outro e o aceno com a possibilidade de ampliação do
negócio, o que para muitos aconteceu, fazia com que os empresários de comunicação se
alinhassem ao governo militar e, com isso, ajudassem a reproduzir a ideologia dominante.
Com o apoio – espontâneo ou forçado – da mídia o governo, ao mesmo tempo em que
mascarava a realidade do país, se apresentava como o “salvador da pátria” e fazendo o que,
mais adiante, iria beneficiar toda sociedade. O bloco de poder agia, neste sentido, para se
tornar dominante e implantar sua ideologia, consolidando uma hegemonia sobre a
sociedade brasileira.
A situação no Espírito Santo
123
SMITH, Anne-Maria. Um acordo forçado. O consentimento da imprensa à censura no Brasil. Rio
de Janeiro, Editora FGB, 1997, p. 78
124
ABREU, Alzira Alves de. As telecomunicações no Brasil sob a ótica do governo Geisel, in CASTRO,
Celso e D´ARAÚJO, Maria Celina. Dossiê Geisel. Rio de Janeiro, Editora FGV, 2002, 3ª edição, p. 154
O Espírito Santo não é rico em publicações que discutam sua história política,
principalmente a mais recente, a partir da década de 70 do século XX. Até o início dos
anos 60, a política estadual foi dominada pelo Partido Social Democrático (PSD) – com
pequenas exceções – e, nele, com a hegemonia da família Lindenberg, que dominou a
política local por quase 50 anos
125
. Outra característica era ser o Espírito Santo um Estado
cuja economia girava, praticamente toda ela, em torno da produção agrícola, sobretudo no
café
126
.
A dependência do café persistiu até os anos 60, já no regime militar, quando uma
política do governo federal determinou a erradicação dos cafezais. Haroldo Rocha
127
considera que, com a erradicação das lavouras, houve um esvaziamento do campo e o
Estado acabou entrando em uma grande crise. E esta foi a situação que o primeiro
governador indicado pelos militares encontrou no Espírito Santo.
O governador indicado, Christiano Dias Lopes Filho, “preocupou-se, então, em planejar
alternativas para o Estado”
128
, criando uma infra-estrutura, que era muito incipiente, e
mecanismos de incentivo e de crédito que permitissem a instalação de novas indústrias, já
que o Espírito Santo tinha muito pouco delas. O governador contou, conforme ele mesmo
admite, com o apoio e o suporte do governo militar para levar adiante o programa de
industrialização capixaba.
Um membro da equipe de Christiano, o engenheiro Arthur Carlos Gerhardt Santos, foi
que o sucedeu no governo. A escolha, feita pelo general Emílio Garrastazu Médici, recaiu
sobre um técnico, não um político como Christiano. Gerhardt Santos tinha uma visão
diferente da de Dias Lopes Filho. Achava que o Estado deveria se concentrar em grandes
125
GURGEL, Antônio de Pádua. Dr. Carlos, um homem do campo e sua relação com o poder. Vitória,
Contexto, 2000.
126
PEREIRA, Guilherme Henrique. Política industrial e localização de investimentos e o caso do
Espírito Santo. Vitória, Edufes, 1998
127
ROCHA, Haroldo Correa. Formação Econômica do Espírito Santo, in GUALBERTO, João e DAVE,
Eduardo (Orgs). Inovações organizacionais e relações de trabalho – ensaios sobre o Espírito Santo.
Vitória, Edufes, 1998.
128
SILVA, Álvaro José e RESENDE, Lino Geraldo. A ferro e a fogo, a trajetória de um setor. Vitória,
Sindifer, 2004, p. 33
projetos, que funcionariam como pólos de atração para outros investimentos. No seu
governo foram preparados “vários estudos mostrando a viabilidade de o Estado receber
grandes investimentos”
129
.
Um dos investimentos que o governador buscava era o de uma nova siderúrgica,
anunciada pelo governo federal. A política dos grandes projetos, no entanto, já havia sido
iniciada pela Cia. Vale do Rio Doce, com a instalação, nos anos 60, do Porto de Tubarão e
com o início de implantação das usinas de pelotização, os dois programas desenvolvidos
por iniciativa do engenheiro Eliezer Batista, que presidia a empresa. Foi nessa contingência
de transição de um Estado agrícola ao industrializado que chegamos aos anos 70 e ao
governo do general Ernesto Geisel.
Dentro do espírito de abrir espaço para a política e o político, conforme dito pelo
general Golbery do Couto e Silva, o governo do Espírito Santo foi dado a um jovem
político, o deputado federal Elcio Alvares, que desenvolveu “um relacionamento especial
com o general Golbery”
130
, e admite ter sido muito ajudado pelo poder central, inclusive
com a garantia de implantação no Estado da Companhia Siderúrgica de Tubarão (CST).
Além disso, Elcio reconhece a ajuda e a importância do governo militar para outros
investimentos feitos no Estado. A boa relação com Elcio é reconhecida pelo próprio
general Geisel no depoimento dado ao CPDOC da Fundação Getúlio Vargas
131
.
Os grandes projetos acabaram por mudar a face da economia estadual, mas trouxeram
com eles um outro lado, o das mazelas sociais – “inchação das cidades, favelização, falta de
infra-estrutura sanitária, etc.”
132
– muito pouco visíveis em função do alinhamento da mídia
tradicional com o governo. O ponto destoante era, exatamente, o jornal Posição, que havia
129
SILVA, Álvaro José e RESENDE, Lino Geraldo. A ferro e a fogo, a trajetória de um setor. Vitória,
Sindifer, 2004, p. 37
130
SILVA, Álvaro José e RESENDE, Lino Geraldo. A ferro e a fogo, a trajetória de um setor. Vitória,
Sindifer, 2004, p. 39.
131
D´ARAÚJO, Maria Celina e CASTRO, Celso (Orgs). Ernesto Geisel. Rio de Janeiro, Editora FGV, 1997,
4ª edição
132
SILVA, Álvaro José e RESENDE, Lino Geraldo. A ferro e a fogo, a trajetória de um setor. Vitória,
Sindifer, 2004. p. 39
nascido já no contexto dos chamados grandes projetos. Enquanto a mídia tradicional
silenciava para os problemas existentes, Posição chamava a atenção para eles, exercendo,
sobre seus leitores, um papel de esclarecimento.
Sobre Posição, Domingos de Freitas Filho, afirma que, apesar de sua curta duração, ele
“ocupou um significativo espaço (...) exponenciando-se quando denunciou escândalos e
corrupção”
133
. Reconhecendo a passagem quase que meteórica do jornal, que durou pouco
mais de três anos e 65 números, Freitas Filho afirma:
“Depois do AI-5 (1968) a esquerda no Espírito Santo passou por um largo jejum até
voltar a ocupar espaços na imprensa local. O jornal Posição passou a ocupar
quinzenalmente esse espaço. Seu lema “um jornal que depende do leitor”, era mais do que
um slogan, pois sua situação financeira foi sempre muito precária e não raras vezes amigos
dos editores davam contribuições pessoais para que o número seguinte fosse editado”
134
.
O que se deduz das afirmações de Freitas Filho é que, exercendo um papel de crítica,
Posição desempenhou um papel contra-hegemônico, já que, refletindo uma realidade
diferente da divulgada pelo poder, ajudava na reflexão e na conscientização política,
contribuindo, assim, para incrementar o desejo de mudança do regime.
O nascimento de Posição
O jornal Posição, na classificação feita por Bernardo Kucinski, integra a sexta vaga de
criação de jornais alternativos no Brasil. “Uma geração nova de jornais, lançados por
jornalistas de prestígio regional, nasceu da crise do padrão complacente da grande
133
FREITAS FILHO, Domingos. Comunicação e participação: Os meios de comunicação de massa
como sujeitos políticos. Tese de doutorado apresentada à Universidade de São Paulo, São Paulo, 1988, p.
40
134
FREITAS FILHO, Domingos. Comunicação e participação: Os meios de comunicação de massa
como sujeitos políticos. Tese de doutorado apresentada à Universidade de São Paulo, São Paulo, 1988, p.
41
imprensa”
135
, afirma Kucinski, que fez um dos mais extensivos estudos sobre este tipo de
publicação e produziu um livro que é referência nesta área.
A apreciação de Kucinski é correta no que se refere ao Posição, cuja criação foi liderada
por um dos mais prestigiados jornalistas capixabas, Rogério Medeiros, embora baseado na
idéia de um outro jornalista, Jô Amado, ambos ligados à esquerda e ambos à procura de um
veículo que permitisse a expressão da crítica política e econômica no Espírito Santo
136
.
Como relata Amado, que foi Editor Chefe do jornal de 48 de suas 65 edições, uma das
razões da criação foi a luta pela anistia e a busca da democratização do país. A breve
história do jornal pode ser dividida em pelo menos cinco momentos, que coincidem com
as mudanças internas promovidas na sua direção. O primeiro abrange os nove primeiros
números, cujo comando esteve com Rogério Medeiros e Jô Amado. O segundo, começa no
décimo, quando Luiz Rogério Fabrino assume a direção, cargo que ocupou até próximo do
fechamento de Posição.
No terceiro momento há uma dança de cadeiras na Redação. A ela voltam Rogério
Medeiros, que assume como Diretor Responsável, ficando Luiz Rogério Fabrino como
Diretor de Redação e Jô Amado como Editor Chefe. Uma edição depois, na de número 49,
nova mudança. Saem Rogério e Jô e Luiz Rogério volta ao cargo de Diretor Responsável
com Luzimar Nogueira Dias assumindo como Editor. O número 49 marca, também, o
afastamento de Jô Amado, o idealizador do jornal, de Posição e, como conseqüência dela, a
saída de Rogério Medeiros, em definitivo. No número 51 uma nova troca, saindo Luzimar
e entrando Benedito Tadeu César como Editor.
O quarto momento começa no número 52 quando Joaquim Nery assume como Diretor
Responsável. Enquanto Nery exercia a função, mudou o Editor Chefe, saindo Tadeu César
e voltando à função Luzimar Nogueira Dias junto com Robson Silveira. O quinto e último
135
KUCINSKI, Bernardo. Jornalistas e revolucionários nos tempos da imprensa alternativa. São Paulo,
Edusp, 2003, p. 35
136
Entrevista com Jô Amado, em 21-12-2005
momento trouxe a mais significativa mudança para o jornal já que, nela, ele se transformou
em semanal. Esta fase começa no número 59 com Robson Moreira, um dos primeiros e
mais assíduos jornalistas da redação de Posição, assumindo como Diretor Responsável. No
número 61, Umberto Martins assume como Editor Chefe junto com Robson Silveira, fica
até o 63 e deixa a responsabilidade com Robson. Os dois Robsons – Moreira e Silveira –
comandaram o jornal até o seu fechamento, que ocorreu no número 65. Encerrava-se,
então, a história do Posição, um jornal que, ao nascer, já se disse alternativo, traçando
rumos claros de atuação, como destaca o seu primeiro editorial:
“Será Posição um jornal diferente? Sim. Porque é um jornal de jornalistas. E também
porque queremos que, deste jornal, o leitor faça o seu jornal. Participando como quiser e
puder. Escrevendo crônicas, poesias ou reportagens, desenhando ilustrações, criticando o
nosso trabalho ou estimulando nossa posição”.
A ação do jornal e como durante sua história ele atuou, concretizando ou não a
proposta inicial e refletindo a realidade do Espírito Santo em um pedaço de espelho,
ajudando na construção de uma nova hegemonia, serão objetos, mais à frente, de um
capítulo específico. Cabe ressaltar, em relação às mudanças acima, que elas não se deram
em razão de conflito ou disputa interna na redação ou busca de hegemonia de um grupo
sobre o outro. Elas, conforme frisam os que estiveram à frente de Posição, se deram em
razão, na maioria das vezes, da atuação profissional dos próprios envolvidos. Um exemplo
é a saída de Rogério Medeiros, que deixou Vitória, indo trabalhar em O Estado de São
Paulo, em São Paulo.
Jornal e história
Se olharmos em perspectiva e recorrermos aos historiadores menos contemporâneos,
vamos concluir que a mídia, no geral, e a imprensa, em particular, não mereciam deles
muita atenção. Estamos no curso da história de longa duração e em um momento em que
o fazer histórico se debruçava sobre o passado distante, visto como condição essencial para
a objetividade da análise. E outro lado, a desconfiança na imprensa, de um modo geral, se
prendia à certeza de ela agir como aparelho ideológico do Estado, reproduzindo, porisso
mesmo, a ideologia dominante.
O que se estabeleceu entre história e jornalismo, portanto, como muito bem assinala
Jean Laccouture
137
, foi uma relação conflituosa, embora destaque que há convergências
entre as duas disciplinas. E é o próprio Laccouture que, considerando a ação do jornalista,
afirma:
“O jornalista assim sacudido pelo capricho do acontecimento continua sendo um
candidato à operação histórica, na medida em que, testemunha, ator, mediador, motor ou
observador, ele introduz em sua pesquisa uma vontade racional de situar, de ordenar essas
seqüências e relacioná-las a um sentido pelo menos problemático”
138
.
Laccouture destaca o papel ativo do jornalista e, portanto, do jornal, a partir do
momento em que a história voltou a considerar o acontecimento, com que historiadores e
jornalistas trabalham. O que diferencia este trabalho, para Jean Laccouture, é o nível de
escuta. O jornalista faz uma escuta mais localizada, o historiador, mais abrangente. O
primeiro, capta o momento. O segundo, a duração. Os dois, no entanto, trabalham sobre
uma construção a partir de um objeto, seja ele o jornalismo – e a notícia – ou a história e o
objeto de estudo que será enfocado.
Ainda olhando-se a questão do lado da história, podemos tomar a posição de Alzira
Alves de Abreu, que trabalha com jornais como fontes de algumas de suas pesquisas e para
quem “os historiadores limitaram-se a reconhecer a importância dos jornais para a pesquisa
daqueles temas – como movimentos operários, sindicatos, partidos políticos, correntes do
137
LACCOUTURE, Jean. A história imediata, in LE GOFF, Jacques. A história nova. São Paulo, Martins
Fontes, 2001
138
LACCOUTURE, Jean. A história imediata, in LE GOFF, Jacques. A história nova. São Paulo, Martins
Fontes, 2001, p. 231
pensamento, etc. – que nem sempre apresentam fontes documentais escritas”
139
. Neste
caso, observa, os jornais constituir-se-iam em único recurso disponível.
Tal como Laccouture, Alzira Alves destaca a questão da reprodução, pela mídia, da
ideologia dominante e ressalta, no caso do Brasil, a submissão da imprensa – e dos meios
de comunicação – à censura, durante os períodos autoritários. Mesmo assim, entende que
“o historiador não pode mais ignorar que a mídia é parte integrante do jogo político da
própria construção do acontecimento histórico”
140
.
A crítica à superficialidade histórica, que se centrava mais nas pessoas, sobretudo em se
tratando de história política, é uma dívida que temos para com a Escola dos Annales. René
Remond
141
, por exemplo, nos lembra que a história política, por ser considerada superficial
e centrada no acontecimento, acabou no ostracismo, a partir da insurgência contra ela
provocada pela Escola dos Annales, o que nos remete, novamente, à questão dos jornais e
do jornalismo, também vistos como superficiais, que apenas arranhavam o real.
Alinhava-se contra este tipo de história todos os argumentos contrários. Ela era elitista,
aristocrática, além de basear-se em pessoas, não em fatos. Era, também, reprodutora dos
interesses de grupos que dominavam o poder, subjetiva, idealista e, finalmente, no dizer de
Barrès “uma pequena coisa na superfície do real”. A história política era, então, vista como
a soma de todos os defeitos que uma história poderia ter. Uniam-se, então, as vozes
contrárias à história política, como um todo, e à crítica ao acontecimento como fato
histórico. Em função dessa crítica, a história política – e o acontecimento – passou por um
período de grande ostracismo que, no entanto, foi sendo, aos poucos, superado e chegando
novamente a um novo viço.
Mesmo com o reflorescimento do político e do acontecimento, Marieta de Moraes
Ferreira considera que “embora os jornais constituam uma forme primária fundamental
139
ABREU, Alzira Alves et alli. A imprensa em transição. Rio de Janeiro, Editora FGV, 1996, p. 8
140
ABREU, Alzira Alves et alli. A imprensa em transição. Rio de Janeiro, Editora FGV, 1996, p. 9
141
REMOND, René. Uma história presente. Rio de Janeiro, Editora FGV, 2003, 2ª edição
para as pesquisas dos historiadores e cientistas sociais, seu uso tem-se limitado a trabalhos
que os enfocam apenas como um meio para abordar um determinado tema”
142
.
Autora de dois alentados trabalhos envolvendo o jornal O Estado de S. Paulo, Maria
Helena Capelato, em outra publicação em que discute a relação entre imprensa e história
do Brasil, afirma que a grande imprensa “é e sempre foi porta-voz das elites”
143
,
assinalando que há outros tipos de imprensa que expressam projetos e reivindicações de
trabalhadores e de grupos minoritários. Por isso, a historiadora considera os jornais como
fontes valiosas para a reconstrução da história dos movimentos sociais.
Ao considerar esta importância, situando a imprensa na história do Brasil, Capelato
comenta:
“Manancial dos mais férteis para o conhecimento do passado, a imprensa possibilita ao
historiador acompanhar o percurso dos homens através dos tempos. O periódico, antes
considerado fonte suspeita e de pouca importância, já é reconhecido como material de
pesquisa valioso para o estudo de uma época. A imprensa registra, comenta e participa da
história. Através dela se trava uma constante batalha pela conquista dos corações e mentes
(...) Compete ao historiador reconstituir os lances e peripécias dessa batalha cotidiana na
qual se envolvem múltiplos personagens”
144
.
O que a historiadora recomenda é que o pesquisador, de início, se faça algumas
perguntas, enquadrando, nelas, a ação do periódico que está servindo como fonte de sua
pesquisa. As perguntas são: Quem são seus proprietários? A quem se dirige? Com que
objetivos e quais os recursos utilizados na batalha pela conquista dos corações e mentes? A
partir desse conhecimento, no entender de Capelato, “é possível delinear um perfil
142
FERREIRA, Marieta de Moraes. A reforma do Jornal do Brasil, in ABREU, Alzira Alves de et alli. A
imprensa em transição, Rio de Janeiro, Editora FGV, 1996, 1ª edição, p. 141
143
CAPELATO, Maria Helena. Imprensa e história do Brasil. São Paulo, Contexto, 1988, p. 10
144
CAPELATO, Maria Helena. Imprensa e história do Brasil. São Paulo, Contexto, 1988, p. 13
provisório do periódico eleito como objeto-fonte de estudo. O primeiro levantamento
fornece pistas para definir os caminhos a serem investigados”
145
.
No caso do jornal Posição, que é objeto do nosso estudo, as perguntas podem ser
respondidas e, assim, dar um delineamento ao que esta pesquisa se propõe. No caso da
primeira questão, os proprietários do jornal eram os próprios jornalistas que o editavam,
tendo à frente Jô Amado e Rogério Medeiros, e se dirigia a um público que não tinha nos
jornais da chamada grande mídia a informação que procurava – sobre os movimentos
sociais, críticas ao regime político, críticas à economia, etc. No caso da terceira questão, há,
de início, apenas uma resposta parcial, uma vez que é, exatamente, o cerne da hipótese aqui
posta, de construção de uma nova hegemonia. Este era o objetivo. Os meios eram o
próprio impresso, seu discurso e abordagem que fazia de um contexto que era visto sob
outra ótica pela mídia dominante – e controlada.
Citando José Honório Rodrigues, que considera o jornal uma fonte suspeita, Maria
Helena Capelato afirma que este conceito merece uma revisão e explica a evolução da
própria história, hoje vista como uma construção: “O passado é, sem dúvida, o objeto do
historiador, mas hoje se admite que esse objeto é construído e reconstruído tendo em vista
as necessidades e perspectivas do presente. Nas leituras e releituras do passado há
constantes perdas e ressurreições”
146
.
E é ainda a historiadora quem, em 1988, quando seu livro foi publicado, assinala:
“Até a primeira metade deste século, os historiadores brasileiros assumiram duas
posturas distintas com relação ao documento-jornal: o desprezo por considerá-lo fonte
suspeita, ou o enaltecimento por encará-lo como repositório da verdade. Neste último
caso, a notícia era concebida como relato fidedigno do fato. As duas posturas são
145
CAPELATO, Maria Helena. Imprensa e história do Brasil. São Paulo, Contexto, 1988, p. 14
146
CAPELATO, Maria Helena. Imprensa e história do Brasil. São Paulo, Contexto, 1988, p. 20
contestáveis. O jornal não é um transmissor imparcial e neutro dos acontecimentos e
tampouco uma fonte desprezível porque permeada pela subjetividade”
147
.
A visão que os estudiosos e teóricos da comunicação e do jornalismo têm converge com
a da historiadora. Hoje, as notícias são vistas como uma construção, questionando-se sua
objetividade e sua imparcialidade, esta última vista mais como um ritual estratégico adotado
pelos jornalistas como forma de se precaver contra os efeitos que uma determinada notícia
pode provocar
148
. Jornalismo e história, neste caso, convergem, já que os dois apresentam
uma construção do real, não o próprio real, o que tem suporte no pressuposto que a
cultura é uma construção e jornal e história estão nela integrados, portanto, são também
uma construção.
Aliás, a questão da objetividade, na história e no jornalismo, é muito bem abordada por
Maria Helena Capelato:
“O historiador de hoje dessacralizou os fatos e sequer admite que eles sejam a base da
objetividade, pois reconhece que eles são fabricados e não dados. (...) O historiador
mantém o compromisso de buscar a verdade, mas há muitas verdades. Por essa razão
constata que é impossível ser completamente objetivo; a objetividade continua sendo um
critério fundamental da análise histórica, mas o seu culto mítico já é questionado. Algo
semelhante ocorreu no campo da imprensa onde também se reverenciou a objetividade. A
maioria dos jornalistas admite hoje que o fato jornalístico é construído sendo, pois, a
objetividade relativa”
149
.
A superação dos problemas decorrentes da subjetividade – que ocorre em ambos os
lados – se dá, no entender de Capelato, com o desenvolvimento de um trabalho com
“método rigoroso, tratamento adequado da fonte e reflexão teórica”, para que não se
repita, para o leitor, o que o jornal já divulgou, muito atrasado e sem o mesmo charme.
147
CAPELATO, Maria Helena. Imprensa e história do Brasil. São Paulo, Contexto, 1988, p. 21
148
Para uma ampla discussão sobre este assunto ver Nélson Traquina (Org). Jornalismo: Questões, teorias
e “estórias”. Lisboa, Vega Editora, 1999, 2ª edição, e O poder do jornalismo. Análise de textos da
Teoria do Agendamento. Coimbra, Minerva, 2000 e O que é jornalismo. Lisboa, Quimera, 2002.
149
CAPELATO, Maria Helena. Imprensa e história do Brasil. São Paulo, Contexto, 1988, p. 22
Este é o desafio que esta pesquisa impõe: mostrar a atuação de um jornal de oposição,
contextualizando e mostrando como é que ele, no período de sua circulação, agiu de forma
contra-hegemônica e, retornando ao início deste capítulo, perseguiu uma utopia, a
democracia.
Capítulo III
Posição e a contra-hegemonia
“O uso da força é uma condição necessária, mas
não suficiente para a existência do poder político”.
Norberto Bobbio
O estudioso que virar-se e olhar o passado mais recente, sobretudo o período em que o
Brasil foi governado por sucessivos generais, pode achar que a afirmação de Norberto
Bobbio, em epígrafe, não tem muita razão de ser. Afinal o regime militar sempre foi
apresentado como tendo se mantido pelo uso da força. É inegável que ela foi usada – e
muito usada – espalhando o medo e, com isso, contribuindo para que a sociedade se
acomodasse. Mas esta, como ressaltam autores como Carlos Fico, Caio Navarro de Toledo
e Daniel Aarão Reis
150
, é apenas parte da explicação para a permanência do regime militar.
O que muitos historiadores têm discutido, lançando um novo olhar sobre o regime
militar, é que, se de um lado ele usou a repressão para se manter, buscou, também, a
legitimação por outros meios, inclusive recorrendo à propaganda política. Há, ainda, um
outro aspecto que vem sendo levado em consideração por uma vertente mais
contemporânea, que é discutir – ou levantar – a questão do apoio que a ditadura recebeu de
parte da população. Em alguns momentos, como nos lembra Aarão Reis, o regime contou
com amplo apoio e uma das explicações para ele está no fato de amplos segmentos sociais
terem se beneficiado do crescimento econômico experimentado pelo Brasil, principalmente
durante o governo Médici
151
.
150
Ver, sobre a questão, as obras Reinventando o otimismo, de Carlos Fico; O golpe e a ditadura militar 40
anos depois, de Daniel Aarão Reis, Marcelo Ridenti e Rodrigo Patto de Sá Motta, e
A ditadura militar no Brasil, de Maria José de Rezende, cujas indicações completas estão na bibliografia deste
trabalho.
151
AARÃO REIS, Daniel. Ditadura e sociedade: as reconstruções da memória, in AARÃO REIS,
Daniel, RIDENTI, Marcelo e SÁ MOTTA, Rodrigo Patto. O golpe e a ditadura militar 40 anos depois
(1964-2004). São Paulo, Edusc, 2004
Ao se discutir o regime – e a repressão por ele encetada – um outro aspecto a ser
considerado é o conjunto de forças que levaram ao golpe. Como ressalta René Armand
Dreifuss
152
, militares e civis se uniram, muito antes, para construir uma nova hegemonia,
no sentido dado ao termo por Antonio Gramsci
153
. Não faltaram, nesta construção, o
trabalho e a ação de intelectuais orgânicos que não só difundiram uma idéia, mas ajudaram
a formulá-la, dando unidade a um grupo heterogêneo. Deste grupo destaca-se o nome do
general Golbery do Couto e Silva, que é recorrente durante o regime militar, seja agindo a
favor ou contra grupos no poder. O grupo de poder buscou, em todos os momentos, se
legitimar e ampliar sua hegemonia, cobrindo todo o espectro político e social do Brasil,
como mostram os trabalhos de Suzely Mathias, Maria José Rezende e Carlos Fico
154
.
Os militares, em primeiro lugar, não deram o golpe sozinhos. Eles tinham, como mostra
Dreifuss e uma vasta literatura sobre o assunto, apoio civil, nas elites e fora dela. Um dos
apoios era da Igreja Católica que, mais tarde, acabou ficando contra o regime, ou pelo
menos parte dela ficou. O próprio contexto do golpe passa por uma atualização histórica,
com publicações sobre o governo Goulart e reflexões sobre o momento em que um
conjunto de forças civis-militares romperam a normalidade constitucional e instalaram um
novo regime do país.
Em uma gênese do golpe, recorrendo à literatura mais recente e ao que foi publicado há
mais tempo, podemos ver que, se de um lado havia apoio de expressivos segmentos da
sociedade ao governo Goulart e às reformas por ele defendidas, também havia um amplo
movimento contrário a estas mesmas reformas, vindas de segmentos mais conservadores
da sociedade. Na raiz do golpe, nos mostra Daniel Aarão Reis, estava, de um lado, uma
152
DREIFUSS, René Armand. 1964: A conquista do Estado. Petrópolis, RJ, Vozes, 1981
153
A questão da hegemonia, um dos conceitos-chave desta pesquisa, pode ser visto, dentre outras obras, em
O conceito de hegemonia em Gramsci, de Luciano Gruppi: A favor de Gramsci, Maria Antonieta
Macciocchi, e Gramsci e o Estado, de Christianne Buci-Glucksmann, cujas indicações estão na bibliografia
desta pesquisa
154
A busca de legitimação é discutida, sobretudo, por Suzely Mathias em Distensão no Brasil, O projeto
militar, e Maria José Rezende em A ditadura militar no Brasil. O uso da propaganda para se institucionalizar,
mantendo e ampliando a hegemonia é discutida por Carlos Fico em Reinventando o otimismo. Ver indicação
completa na bibliografia.
junção de militares e civis que viam nas reformas de Jango a comunização do país. De
outro, movimentos sociais que desejavam a mudança e que foram radicalizando a
linguagem, passando a defender a imposição dessas mudanças “na marra”
155
e acabaram
criando, nos mesmos moldes que ocorreria mais tarde, durante o regime militar, a utopia
do impasse.
Assim, sob uma ótica, o golpe civil-militar foi um movimento para “salvar” a
democracia, ameaçada por Goulart e pelos que os apoiavam. Sob outro olhar – e é este o
que tem prevalecido na historiografia brasileira – o golpe foi isso mesmo, um golpe que
acabou com a democracia e instalou no país uma ditadura que durou 20 anos. Hoje, o que
se pode dizer, de acordo com Carlos Fico é que “a partir de 1964, gestou-se um projeto
repressivo global, fundamentado na perspectiva da “utopia autoritária”, segundo a qual
seria possível eliminar o comunismo, a “subversão”, a corrupção, etc. que impediriam a
caminhada do Brasil rumo ao seu destino de “país do futuro”
156
.
O regime brasileiro, como ressalta muito bem o general Golbery do Couto e Silva,
trabalhava com vertentes claras, com base na Doutrina de Segurança Nacional, que o
próprio Golbery ajudou a desenvolver, e dividia sua ação, a partir do conceito de poder
nacional, em áreas distintas, que iam da militar à psicossocial. O objetivo era o de tornar o
regime hegemônico e, com isso, construir uma base que lhe desse longa duração. A ação do
governo – e do regime – insere-se dentro do que Gramsci afirma: “(...) não pode existir
destruição, negação, sem uma implícita construção, afirmação, e não em sentido
“metafísico”, mas praticamente, isto é, politicamente”
157
.
Nesse sentido, o regime realizou todo um trabalho de construção, buscando
transformar-se não apenas em dominante, mas hegemônico, o que fez tomando como base
155
Para um panorama geral sobre a ditadura ver Daniel Aarão Reis, Marcelo Ridenti e Rodrigo Patto Sá
Motta (Org). O golpe e a ditadura militar 40 anos depois (1964-2004). São Paulo, Edusc, 2004, e Carlos
Fico. Além do golpe. Rio de Janeiro, Record, 2004.
156
FICO, Carlos. Versões e controvérsias sobre 1964 e a ditadura militar, in Revista Brasileira de História,
São Paulo, vol. 24, n 47, jan-jun 2004 p. 36
157
GRAMSCI, Antonio. Maquiavel, a política e o Estado.Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1991, p. 5
os princípios consagrados na Doutrina de Segurança Nacional. É com base na constatação
de que havia uma hegemonia, decorrente de uma construção continuada, e que, como
muito bem assinala Gramsci, esta hegemonia nunca é total, abrindo-se, sempre, para a
existência de grupos que a ela não se submetem, que se pode falar, principalmente no
período de 1976-1979 quando o jornal Posição circulava, de um exercício contra-
hegemônico, do qual participou e ao qual, no caso específico do Espírito Santo, deu
divulgação e repercussão, graças ao envolvimento de intelectuais orgânicos que investiram
na busca de uma transformação política do país, perseguindo uma utopia, a democracia, e
seu contraponto à “utopia autoritária” do regime.
Podemos falar, em relação ao pretendido pelo regime, no que Bronislaw Baczko chama
de imaginário social. Baczko diz:
“Todo poder busca monopolizar certos emblemas e controlar, quando não dirigir, os
costumes dos outros. Deste modo, o exercício do poder, em especial do poder político,
passa pelo imaginário coletivo. Exercer um poder simbólico não significa agregar o ilusório
a um poderio “real”, senão multiplicar e reforçar uma dominação efetiva pela apropriação
de símbolos, pela conjugação das relações e do poderio”
158
.
Baczko vai ao encontro do que afirma Noberto Bobbio sobre a força não ser a única
condição de exercício do poder. Mas como frisa o próprio Bobbio, em última análise o
Estado se impõe mesmo é pela força, mesmo que ela seja legítima, assim reconhecida pelos
integrantes da sociedade, e simbólica, ajudando a constituir o imaginário social de que nos
fala Baczko e que, em última análise, é o entranhamento da ideologia nas várias camadas
sociais, cimentando uma crença que se torna senso comum e dá a estes estratos uma visão
de mundo que os une neste imaginário, como muito bem lembra Gramsci.
Hegemonia, propaganda e distensão
158
BACZKO, Bronislaw. Los imaginarios sociales – memorias y esperanzas colectivas. Buenos Aires,
Nueva Visión, 1999, 2 edição, p. 16-17
A ditadura, como mostra a ampla bibliografia sobre o assunto, uniu ao longo dos 20
anos em que esteve no poder, a repressão, no seu sentido mais lato, à pura propaganda
política, com um discurso de manutenção da democracia, de regime transitório com forte
conteúdo ético, que promoveria uma rápida limpeza no Brasil, devolvendo o poder aos
civis. Como entender estas duas vertentes da ação do regime? Não há uma resposta simples
e fácil para a pergunta. Há, no entanto, explicações, começando pela ideologia que
perpassava o movimento militar que assumiu – no início junto com os civis – o poder. Esta
era a ideologia de segurança nacional, gestada na Escola Superior de Guerra (ESG) ao
longo de anos e decorria de uma das mais ricas vertentes do pensamento brasileiro, que é o
pensamento autoritário desenvolvido sobretudo por Oliveira Viana e Alberto Torres
159
.
Correndo o risco de uma simplificação, este pensamento pode ser condensado na
afirmação de Wanderley Guilherme dos Santos
160
da seguinte maneira: Redefine-se a
função do poder público – que existe para criar a ordem burguesa, e por isso precisa ser
forte, e não apenas mantê-la, quando então poderia ser fraco. Esta postura foi reforçada a
partir de 1964, o que se faz “pela coação aleatória e generalizada e pelos impedimentos ao
desenvolvimento do conflito político”
161
. Este argumento é reforçado por Boris Fausto
que vê como principais fundamentos do autoritarismo brasileiro “o unitarismo no plano
político, o desenvolvimento econômico promovido pela instalação de indústrias estatais de
base, o reaparelhamento do Exército, a ampliação em larga escala do sistema educativo,
etc.”
162
.
A Doutrina de Segurança Nacional, que orientou os militares não só na tomada do
poder, mas, sobretudo, na busca de fórmulas para sua manutenção, forneceu a ideologia
159
Sobre este assunto consultar Eliezer Rizzo de Oliveira, As forças Armadas: Política e Ideologia no
Brasil (1964-1969). Petrópolis, RJ, Vozes, 1976.
160
SANTOS, Wanderley Guilherme. Roteiro bibliográfico do pensamento político-social brasileiro.
Belo Horizonte, Editora UFMG, 2002.
161
SANTOS, Wanderley Guilherme dos. Paradigma e história, in SANTOS, Wanderley Guilherme.
Roteiro bibliográfico do pensamento político-social brasileiro. Belo Horizonte, Editora UFMG, 2002, p.
64
162
FAUSTO, Boris. O pensamento nacionalista autoritário. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 2001, p.
65
em que o regime se baseou para a busca da hegemonia, seja através do combate à
“subversão”, que ia ao encontro da índole pacífica do brasileiro, seja na propaganda
política, utilizada para convencer que tudo no país ia bem e que vivíamos em uma
democracia, seja na pressão econômica contra empresas e empresários da mídia ou,
mesmo, na censura – e suas múltiplas faces – que tinham o objetivo de calar as críticas e
divulgar o que o regime achava que era bom para o povo.
Na ação repressiva, além da cassação e suspensão dos direitos políticos de líderes
expressivos – uma forma de controlar a oposição – o novo regime se esmerou em mudar a
legislação, estabelecendo controle sobre a política, de modo a ficar com uma maioria
confortável no Congresso, uma forma de dizer que o regime era democrático. Ao lado da
aparência da democracia, a repressão policial continuava. E aumentou com a eclosão da
luta armada. Uma multiplicidade de órgãos de repressão, combinando civis e militares,
passou a atuar em todo o país e bastava haver uma suspeita para que alguém fosse preso.
Se tal acontecesse, ninguém sabia o que poderia acontecer.
Celso Castro ao estudar os arquivos do SNI durante o governo Geisel encontrou
alusões às prisões e torturas praticadas por sequazes do regime. De um relatório do órgão,
extraiu o seguinte trecho: “Não há como deixar de reconhecer os excessos (...) que têm
sido praticados pelos órgãos de segurança. (...) Seria faltar com a verdade deixar de
reconhecer que prisões têm sido feitas sob a forma aparente de seqüestros”
163
.
Em relação ao esquema repressivo, Carlos Fico nos chama a atenção para o fato de o
SNI ter participação significativa no surgimento da polícia política da ditadura e de o
regime ter construído todo o seu aparato repressivo antes do surgimento da guerrilha, que
serviu, no caso, para justificar a ampliação da repressão
164
. A repressão – tortura, prisões
ilegais, morte, perseguição política, etc. – admitida com eufemismos por quem estava no
163
CASTRO, Celso. As apreciações do SNI, in CASTRO, Celso e D´ARAÚJO, Maria Celina (Orgs).
Dossiê Geisel. Rio de Janeiro, Editora FGV, 2002, 3 edição, p. 54-55
164
FICO, Carlos. Além do golpe. Rio de Janeiro, Record, 2004, p. 81-83
poder ou o apoiava e de forma clara pelos que se opuseram ao regime militar, levou a uma
perda de legitimidade, com vários segmentos da sociedade civil – Igreja, estudantes,
sindicatos, OAB, etc. – a fazerem frente ao regime, criticando-o. Como observou o general
Golbery do Couto e Silva em uma conferência feita na Escola Superior de Guerra
165
os
militares foram ficando isolados. Era preciso, então, que tomassem a iniciativa de
promover a descompressão do regime, buscando, novamente, o apoio de amplos
segmentos sociais e, com isso, caminhando no sentido de sua institucionalização.
Foi neste contexto que surgiu o que Suzely Kalil Mathias chama de “processo de
distensão”, que classifica como uma iniciativa militar. A propósito da abertura é bom ver o
que diz Thomas Skidmore: “Geisel e sua equipe não tinham a intenção de permitir que a
oposição chegasse ao poder. Eles imaginavam uma democracia em que o partido do
governo (ou partidos) continuasse a mandar sem contestação”
166
. Geisel, Golbery e grande
parte da equipe que compunha o núcleo do novo governo eram remanescentes do esquema
IPES-IBAD, formuladores da “ideologia” que deu origem ao regime militar. Neste sentido,
pode-se dizer, com base em Dreifuss
167
, que os intelectuais orgânicos responsáveis pela
formulação de uma nova política que se pretendia hegemônica voltavam ao poder com a
árdua missão de mudar, mas mantendo o núcleo do regime, em uma tentativa de manter a
hegemonia.
Na consolidação desta hegemonia, o regime precisava de se apresentar como legítimo,
como decorrente da vontade da própria população. A procura de legitimação foi feita em
dois sentidos. Em um deles, no discurso. Os líderes do regime sempre se apresentavam
como democratas e ao movimento que lideravam como tendo raízes democráticas. É este o
aspecto abordado, por exemplo, pelo estudo de Maria José Rezende
168
. Ela recorre aos
165
COUTO E SILVA, Golbery. Conjuntura política nacional. Rio de Janeiro, José Olympio, 1981.
166
SKIDMORE, Thomas. De Castello a Tancredo. São Paulo, Paz e Terra, 2004, 8 edição, p. 321
167
DREIFUSS, René Armand. 1964: A conquista do Estado. Petrópolis, RJ, Vozes, 1981
168
REZENDE, Maria José. A ditadura militar no Brasil: 1964-1984 – Repressão e pretensão de
legitimidade. Londrina, Editora UEL, 2001.
discursos feitos pelos diversos generais presidentes para mostrar que havia uma linha de
coerência neles, mesmo sendo tão diferentes e responsáveis por políticas que, às vezes, se
opunham.
Há, em relação ao regime, um aspecto interessante para o qual Suzely Mathias chama a
atenção:
“Para os militares o regime não era militar porque era um cidadão que, no uso pleno de
suas responsabilidades e direitos, ocupava o mais alto posto de governo; daí seus ocupantes
trajarem-se sempre à paisana, contrastando com outros países que conheceram regimes
semelhantes, onde o uniforme militar era parte da pessoa do chefe de Estado. O
revezamento cumpria também este objetivo: não se queria caracterizar o regime como
ditatorial”
169
.
O que Maria José Rezende constata é que, desde o primeiro momento, o regime quis se
legitimar. A pesquisadora frisa que o regime “tentou criar um consenso de que os interesses
e os valores defendidos por ele e seu grupo de poder expressavam a totalidade dos grupos
sociais”
170
, configurando-se, mais uma vez, o trabalho de construção hegemônica, no
sentido que lhe dá Antonio Gramsci, quando um determinado bloco histórico ascende ao
poder e quer, a partir dele, construir sua hegemonia mediante a transformação de sua
ideologia em senso comum.
A busca de legitimidade com base nas regras do próprio regime é reconhecida pelo
general Golbery do Couto e Silva. Em conferência na Escola Superior de Guerra (ESG), já
concluído o mandato de Geisel, destacou que um dos objetivos essenciais da abertura
política era o de ganhar “suficiente grau de credibilidade quanto às intenções próprias e,
pois, ao futuro de todo o processo liberalizante”
171
. Ao mesmo tempo, o regime buscava
fugir da dualidade onde era visto como o mal, e a oposição, como o bem. A ação de Geisel
169
MATHIAS, Suzely Kalil. Distensão no Brasil. O projeto militar (1973-1979). São Paulo, Papirus, s-d
170
REZENDE, Maria José. A ditadura militar no Brasil: 1964-1984 – Repressão e pretensão de
legitimidade. Londrina, Editora UEL, p. 157
171
COUTO E SILVA, Golbery do. Conjuntura política nacional. Rio de Janeiro, José Olympio Editora,
1981, p. 22-27
e Golbery, conforme admitiu na conferência, era o de conferir tons às cores predominantes
no cenário nacional, ampliando o leque, mas mantendo o controle do governo firme.
Assim, a abertura era mostrada como uma forma de proteger a sociedade “no sentido
de traçar os limites da liberdade e da abertura que a sociedade supostamente desejava”
172
,
observa Maria José Rezende para aduzir, em seguida, que a ditadura batalhava para
construir um consenso. Novamente, aqui, temos um dos tópicos de construção da
hegemonia, que é a busca de consenso entre as classes dominantes e, a partir delas, da
criação e difusão de uma ideologia que se torne em senso comum para as classes
coadjuvantes e subalternas. Gramsci lembra, ao falar sobre Maquiavel e o moderno
príncipe, que ao governante cabe “identificar as linhas de menor resistência ou racionais
para alcançar a obediência dos dirigidos e governados”
173
.
Ao buscar aceitação, mediante a tentativa de construção de um consenso e, a partir dele,
de manutenção e/ou ampliação de sua hegemonia, o regime se apoiava, também, em outro
requisito, o de representar a racionalidade que se opunha à irracionalidade dos que lhe eram
contrários ou desejavam um novo caminho para o país. O regime retomava, com isso, uma
questão dicotômica que perpassou o discurso de líderes durante toda a história do país e
que, na verdade, é uma das invariantes do discurso político. Por ela, um lado representa o
bem, a ordem, e a oposição, o mal, a desordem. O discurso não muda mesmo se tratando
dos militares, com o general Geisel destacando a racionalidade das ações do governo, o que
era demonstrado pela eficiência de suas estratégias econômicas, políticas, militares e
psicossociais.
A estratégia psicossocial – que abrange, marcadamente, a ação da mídia e da propaganda
política - por sinal, era um dos campos que mais preocupava os militares. Esta preocupação
está no cerne da Ideologia de Segurança Nacional, da qual o general Golbery do Couto e
172
REZENDE, Maria José. A ditadura militar no Brasil: 1964-1984 – Repressão e pretensão de
legitimidade. Londrina, Editora UEL, 200, p. 180
173
GRAMSCI, Antonio. Maquiavel, a política e o Estado. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1991, p. 19
Silva foi um dos formuladores. Assim, na busca de legitimidade e de aceitação o regime agia
em três vertentes distintas. A primeira delas, e mais visível, foi a repressão política e
policial. Não deixou, também, de atuar nos controles dos movimentos sociais, procurando
evitar manifestações contra o regime e o governo. É o que ocorria, por exemplo, com os
controles exercidos sobre o movimento estudantil e os sindicatos. No primeiro caso, como
observa Helena Bomeny
174
, o Ministério da Educação e Cultura acompanhava o que
ocorria e agia no sentido de amortecer o movimento estudantil, o que, na opinião do
ministro da Educação de Geisel, Ney Braga, o regime havia conseguido, já que a grande
maioria dos estudantes não se engajava na luta política.
No segundo, o governo se valia da legislação corporativista que o Estado Novo havia
legado ao país e mantinha os sindicatos e os sindicalistas sob rédea curta, ampliada com o
controle das relações entre capital e trabalho, conforme nos lembra Boris Fausto
175
. Uma
das políticas era, em caso de manifestação contrária ao regime, intervir no sindicato e
colocar na sua direção alguém mais afinado com o governo e mais dócil ao poder. As duas
ações eram, às vezes, casadas com a repressão, com prisões de lideranças, uma forma de
desestimular, pelo medo, a participação e a contestação ao regime.
Repressão e controle, no entanto, não eram as únicas vertentes usadas pelo poder para
buscar legitimidade e conseguir a hegemonia. Um dos instrumentos mais usados foi a
propaganda política e a televisão foi o canal principal utilizado pelo regime para conquistar
o imaginário do brasileiro, criando, então, no dizer de Baczko, “representações, símbolos,
emblemas, etc., que o legitimam, o engrandecem e que é necessário para assegurar sua
proteção”
176
. Foi neste sentido que a comunicação do governo trabalhou, principalmente
no período mais duro da ditadura, sob o comando da Assessoria Especial de Relações
174
BOMENY, Helena. Educação e cultura no Arquivo Geisel, in CASTRO, Celso e D´ARAÚJO, Maria
Celina (Orgs). Dossiê Geisel. Rio de Janeiro, Editora FGV, 2002, 3ª edição
175
FAUSTO, Boris. O pensamento nacionalista autoritário. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 2001, p.
69
176
BACZKO, Bronislaw. Los imaginarios sociales. Memorias y esperanzas colectivas. Buenos Aires,
Nueva Visión, 1999, 2 edição, p. 8
Públicas (AERP), com mensagens subliminares que buscavam, exatamente, criar este
imaginário, como mostra muito bem a pesquisa de Carlos Fico
177
.
O trabalho feito pela ditadura pode se inserir dentro do que Bronislaw Baczko chama de
imaginário social. O que ele diz é que “só com o poder estatal instalado, em especial com o
poder centralizado, e com a relativa autonomia que se concede ao terreno político, as
técnicas de manejo dos imaginários sociais também ganham autonomia e se
diferenciam”
178
. Os militares, sobretudo os que comandavam a AERP, sabiam disso e
agiram no sentido de ajudar na criação deste imaginário.
O que ocorre, no dizer do estudioso, é que, nas situações conflitivas, principalmente
envolvendo governo e quem se lhe opõe, houve o desenvolvimento de novas técnicas
competitivas no âmbito do imaginário, que são usadas para desvalorizar o adversário e
valorizar quem está no poder, inclusive com a exaltação das instituições por meio de
representações magnificadas delas. O que ocorreu, então, no dizer de Baczko, foi que
passamos do simples manejo para a manipulação do imaginário social e esta manipulação
assumiu, a cada passo, maior sofisticação e especialização.
Retomando a questão do ponto de vista da teoria marxista, Baczko assinala que “uma
vez que a burguesia alcança o poder, sua ideologia dissimula as relações de dominação e de
exploração capitalista presente no estado burguês como a expressão do interesse geral, a
propriedade privada dos meios de produção como fundamentos da justiça, da moral,
etc.”
179
.
A centralização de que fala Baczko e o dirigismo, sobretudo em relação à idéia já
exposta de que, na vertente do pensamento autoritário encarnado pelos que deram o golpe
em 1964, uma de suas atribuições era desenvolver o capitalismo e, portanto, uma burguesia
177
FICO, Carlos. Reinventando o otimismo. Ditadura, propaganda política e imaginário social no
Brasil. Rio de Janeiro, Editora FGV, 1997.
178
BACZKO, Bronislaw. Los imaginarios sociales. Memorias y esperanzas colectivas. Buenos Aires,
Nueva Visión, 1999, 2 edição, p. 18
179
BACZKO, Bronislaw. Los imaginarios sociales. Memorias y esperanzas colectivas. Buenos Aires,
Nueva Visión, 1999, 2 edição, p. 20
nacional, foram os pontos de partida para a montagem da propaganda política do regime.
De um lado, como observa Maria José Rezende, havia um discurso dos ocupantes do
poder que procuravam mostrar o regime como defensor das idéias e ideais do brasileiro
médio, e do outro havia, conforme assinala Carlos Fico, a ação específica da propaganda
política, buscando – ou tentando retomar – um clima de otimismo, de forma a envolver os
brasileiros na ideologia do regime.
O trabalho feito pelo regime insere-se, então, dentro do que Terry Eagleton discute
quando estuda a ideologia e sua evolução:
“Um poder dominante pode legitimar-se promovendo crenças e valores compatíveis
com ele; naturalizando e universalizando tais crenças de modo a torná-las óbvias e
aparentemente inevitáveis; denegrindo idéias que possam desafiá-lo; excluindo formas
rivais de pensamento, mediante talvez alguma lógica não declarada mas sistemática; e
obscurecendo a realidade social de modo a favorecê-lo”
180
.
Ao lado de buscar a criação de um imaginário social onde a ditadura era a representação
dos anseios da população, estava contribuindo para o desenvolvimento do país e era
democrática, o regime entendia que o povo era ignorante e precisava ser preparado para o
futuro. “A estratégia psicossocial formulada pela Escola Superior de Guerra e incorporada
pelos governos militares como um dos seus fundamentos”, afirma Maria José Rezende,
“partia da perspectiva de que o povo não sabia e não entendia quais eram, sequer, o traços
fundamentais de sua cultura”
181
. Foi nesta perspectiva que o regime trabalhou para preparar
as novas gerações, que deveriam aceitar os valores que os militares achavam os mais
adequados para o Brasil.
O que o regime fez, então, seguindo a estratégia constante da Doutrina de Segurança
Nacional foi, de acordo com Carlos Fico, uma ação programada para se institucionalizar.
Ele afirma:
180
EAGLETON, Terry. Ideologia. São Paulo, Boitempo, 1997, p. 19
181
REZENDE, Maria José. A ditadura militar no Brasil: 1964-1984 – Repressão e pretensão de
legitimidade. Londrina, Editora UEL, 2000, p. 191
“O recurso à noção de crise moral como explicação para os problemas brasileiros
é uma forma tanto de isolá-los de seu contexto político, social e econômico, quanto de
justificar a necessidade de uma “ampla reforma moral”, como se propunha a “missão
civilizadora” dos militares. No âmbito da “política de comunicação social” da agência de
propaganda da ditadura constava explicitamente como diretriz o respeito à ordem moral e
espiritual, enquanto campanhas eram elaboradas visando ao “fortalecimento do caráter
nacional”
182
.
E quais eram estes valores? Segundo Carlos Fico, amor à pátria, coesão familiar,
dedicação ao trabalho, dignificação do homem, além de destacar o aspecto pacato e não
reativo do brasileiro, propenso à conciliação. E tudo isso era completado pelo papel
acrítico da mídia, controlada pela censura, direta e indireta. O que o regime buscava com a
sua propaganda era ocultação e não visibilidade
183
.
O imaginário “vendido” pela propaganda do regime militar, na formulação de Fico, é a
do otimismo. Aliás, observa que a ditadura apenas retomou um traço que de há muito era
dado como uma das características do brasileiro. Nesse sentido, a propaganda reforçou o
que, julgavam os comunicólogos do regime, já era característico do nosso povo. O
problema com a propagada do regime – e com ele próprio – era, conforme admite o
próprio Fico, que o simbólico, o imaginário vendidos eram falsos, pelo menos no que se
relaciona ao aspecto político.
Quem se opunha ao regime, na ótica do poder, era “sempre impatriótico, já que a
grandiosidade brasileira não só é garantia de um futuro promissor para quem a ignore (e
que, portanto, cabe ser esclarecido)”
184
. Aqui, entrava o racionalismo de que nos fala Maria
José Rezende. Quem estava contra o regime era irracional, já que o governo agia com base
182
FICO, Carlos. Reinventando o otimismo. Ditadura, propaganda política e imaginário social no
Brasil. Rio de Janeiro, Editora FGV, 1997, p. 45
183
FICO, Carlos. Reinventando o otimismo. Ditadura, propaganda política e imaginário social no
Brasil. Rio de Janeiro, Editora FGV, 1997, . p. 59
184
FICO, Carlos Fico. Reinventando o otimismo. Ditadura, propaganda política e imaginário social
no Brasil. Rio de Janeiro, Editora FGV, 1997., p. 81
científica, planejando, estabelecendo metas, organizando ações e, com isso, procurando
passar à população a idéia de modernização do país.
O que a máquina de propaganda do governo militar fazia era ressaltar – aliás, como toda
propaganda e publicidade – o que julgava ser o lado positivo do regime. Criou-se, então,
uma retórica em que afirmavam exatamente o contrário do que se tinha. Os valores
positivos, moralizantes, verdadeiros, por serem eticamente superiores, tinham de esconder
a tortura, prisões, perseguições políticas, etc. “A estratégia retórica, portanto, consistia em
negar propósitos que, no fundo, eram perseguidos; mas que, admitidos, configurariam uma
situação difícil de enunciar: a ditadura estava fazendo propaganda política”
185
, afirma Carlos
Fico. O encobrimento da verdadeira face do regime tinha como objetivo fazer com que sua
aceitabilidade aumentasse e, com isso, conseguisse a legitimação que buscou, desde o início,
seja por medidas formais – leis, decretos, etc., - ou por ações discursivas, dentre estas
destacando-se a propaganda política
186
e a busca de criação de um novo imaginário social e,
portanto, da manutenção de uma hegemonia.
A propaganda do regime – combinada com outras ações – foi efetiva e, por um tempo,
pelo menos, boa parcela da população o apoiou. Um dos indicadores para este apoio é o
número de votos conseguidos pelo partido político do regime, a Arena. Mesmo diante dos
argumentos de manipulação eleitoral, da falta de liberdade para o livre debate de idéias, o
volume de votos da Arena era expressivo. Em 1974, época do auge do chamado “milagre
econômico” brasileiro, quando o MDB conseguiu um crescimento nas áreas mais
populosas, mesmo assim a Arena manteve um maior número de votos
187
.
185
FICO, Carlos. Reinventando o otimismo. Ditadura, propaganda política e imaginário social no
Brasil. Rio de Janeiro, Editora FGV, 1997, p, 95
186
A propósito da propaganda política um dos estudos mais esclarecedores é o de Jean Maria Domenach, que
estudou, logo após a II Guerra Mundial, a propaganda nazista e a feita pelos bolcheviques na Rússia e a partir
delas estabeleceu uma série de “leis” que regulariam a atividade. O livro de Domenach, editado no Brasil em
1955, está há muito esgotado, mas pode ser encontrado na Internet no site:
http://www2.uol.com.br/cultvox/livros_gratis/apropagandapolitica.pdf. A referência completa ao livro está
na bibliografia deste trabalho.
187
Uma visão concisa, mas bem esclarecedora, dessa questão pode ser vista no trabalho de Lúcia Grinberg
publicado no livro O golpe e a ditadura militar 40 anos depois (1964-1984), organizado por Daniel Aarão
Há, ainda, em relação à busca de legitimação do governo, dois outros aspectos que
precisam ser abordados para que haja entendimento das ações dos militares. Os dois, por
sinal, estão diretamente relacionados ao objeto deste trabalho e ao estudo que nos
propusemos fazer. Um deles, é a questão da censura. O outro, é a questão da abertura
política, iniciada no governo do general Ernesto Geisel. Os dois não estão no foco desta
pesquisa, mas compõem o seu pano de fundo e, por isso, é preciso que deles se dê, pelo
menos de forma rápida, uma visão. Na busca de entender o todo, como recomenda
Gramsci, é preciso mostrar as partes e relacioná-las.
Sobre a chamada “abertura política” é preciso entender, de início, que ela não foi uma
concessão do regime e que tinha o objetivo claro de institucionalizá-lo e, com isso,
conseguir o reconhecimento completo do que era e do que fez pelo país. Há, em relação à
questão, uma vasta literatura mostrando os vários movimentos da sociedade civil que
atuavam no sentido de obter, senão a mudança, pelo menos uma liberalização do regime,
que se tornaria mais permissivo e deixaria para trás um dos aspectos que o marcou, a
repressão.
A constatação da existência e de todo um trabalho feito por estes movimentos não
invalida, no entanto, a iniciativa do próprio regime de se abrir, mesmo que de forma “lenta,
gradual e segura”, conforme queriam os militares – ou pelo menos parte deles. Esta
iniciativa pode ser depreendida das ações do general Golbery do Couto e Silva e estão
explícitas em seu livro Conjuntura Política Nacional e Geopolítica do Brasil. Nele estão
reunidos alguns trabalhos do general e, dentre eles, destaca-se a conferência que fez na
Escola Superior de Guerra, onde explicitou a sua teoria das sístoles e diástoles que
acompanharam o desenvolvimento histórico do Brasil.
Ao investir na abertura o governo buscava, nas palavras do próprio Golbery “ganhar a
despeito de inevitáveis recidivas do poder coercitivo, suficiente grau de credibilidade
Reis, Marcelo Ridenti e Rodrigo Patto Sá Motta. A referência completa encontra-se na bibliografia deste
trabalho.
quanto às intenções próprias e, pois, ao futuro de todo o processo liberalizante”
188
.
Reconhecendo que havia, no país, uma situação bipolar, com grupos dentro do próprio
poder – e fora dele – se chocando, Golbery admite que uma das intenções da abertura era
terminar com essa bipolaridade, aumentando o espectro de ação do regime e, com isso, lhe
permitindo maior flexibilidade de ação.
Vejamos, nesse sentido, o próprio general Golbery:
“A estratégia recomendaria – como requeria, aliás, também, a própria intenção
democratizante – pronta desarticulação do sistema oposicionista, propiciando-se o
surgimento de múltiplas frentes distintas, em relação às quais voltasse a ser possível levar a
cabo novo tipo, mais ampliado, da mesma manobra em posição central que fora penhor do
êxito alcançado na fase anterior. A heterogeneidade inata da oposição facilitaria alcançar-se
tal objetivo, nem por isso menos essencial também ao progresso da própria causa
democratizante e liberalizadora, tão insistentemente patrocinada pelos setores mais
articulados das elites nacionais”
189
.
Que toda a movimentação tinha por objetivo manter o sistema, é o próprio general
quem o afirma, quase ao concluir sua conferência, depois de considerar que o regime teve
ocasiões muito melhores para abrir-se e se institucionalizar. Ao mesmo tempo, admite que
as mudanças decorreram de pressões “hoje fortes e quase insuportáveis”, que poderiam
“acumular-se aceleradamente pondo em risco a resistência de todo o sistema, nessa enorme
panela de pressão em que, como já teria sido assinalado em tempos passados, veio a
transformar-se o organismo nacional, após década e meia de crescente compressão”
190
.
A citação de Golbery às elites e ao papel por elas desempenhado é reforçado no estudo
feito por Suzely Mathias, para quem “não fazia parte dos objetivos das elites identificadas
com o regime autoritário transformá-lo, mas sim alcançar uma institucionalização capaz de
188
COUTO E SILVA, Golbery do. Conjuntura política nacional. Rio de Janeiro, José Olympio, 1981, p.
27
189
COUTO E SILVA, Golbery do. Conjuntura política nacional. Rio de Janeiro, José Olympio, 1981, p.
28
190
COUTO E SILVA, Golbery do. Conjuntura política nacional. Rio de Janeiro, José Olympio, 1981, p.
31
tornar este regime – e é preciso sublinhar regime porque o governo ou seus ocupantes,
incluindo as Forças Armadas, poderiam se retirar – infinito no tempo”
191
. E prossegue: “O
principal objetivo da distensão era descomprometer os militares com a repressão, e sua
meta final – aceita pela maioria da elite dirigente – era o estabelecimento de uma
“democracia tutelar” ou “dictablanda”
192
.
A questão de determinar se o regime conseguiu ou não o seu intento, não cabe aqui,
pois seria necessário, para afirmar seu sucesso ou negá-lo, um outro e minucioso estudo. O
que fica, no entanto, é a constatação da constante busca de legitimidade do regime, que
recorreu à indução, para sua consolidação, da formação de um imaginário social que o
aceitasse, a todos os dispositivos ao seu dispor. Um deles, e muito eficiente, foi a censura,
um assunto já abordado no capítulo anterior, mas que merece uma visão panorâmica do
seu desenvolvimento no Brasil, onde pode ser vista como uma questão de permanência.
Uma questão recorrente
Se olharmos a evolução da imprensa, desde a invenção do tipo móvel por Gutenberg,
veremos que, diante da possibilidade de expansão do mercado de livro e, com ele, da
informação, desde o início houve uma preocupação com o controle da informação. A
primeira ação nesse sentido foi da Igreja Católica que, no concílio de Latrão, em 1512,
instituiu a censura religiosa. Criava-se, assim, o “imprimatur”, obrigatório para todas as
obras publicadas a partir de então. E é na esteira da censura religiosa que nasce, em
Portugal, em 1537 a censura política por um ato de Dom João III. Tal como no caso do
Concílio de Latrão, a censura portuguesa tinha, também, cunho religioso e estava
subordinada à Igreja Católica
193
.
191
MATHIAS, Suzely Kalil. Distensão no Brasil. O projeto militar (1973-1979). São Paulo, Papirus, s-d, p.
39
192
MATHIAS, Suzely Kalil. Distensão no Brasil. O projeto militar (1973-1979). São Paulo, Papirus, s-d
193
Um bom panorama da evolução da censura, a partir de Portugal é dada por Antônio F. Costela em O
controle da informação no Brasil. Petrópolis, RJ, Vozes, 1970.
A existência da censura foi a norma, não a exceção, em Portugal. Houve épocas em que
era mais rígida, como sob a gestão do Marquês de Pombal. Com sua queda, houve um
arrefecimento que, logo depois, foi corrigido com a instituição da tríplice censura:
pontifícia, feita pelo Santo Ofício (Inquisição); episcopal, sob a responsabilidade dos bispos
portugueses, e real, exercida por organismo criado pela Coroa. É sob a égide da tripla
censura que chegam ao Brasil os primeiros prelos de impressão. O primeiro deles foi
instalado em 1706 em Recife pelos holandeses, mas não chegou a funcionar. A segunda
tentativa é de 1746, no Rio de Janeiro. No caso brasileiro, conforme observa Costella
194
, a
censura nasceu antes de qualquer impresso, sendo recorrente daí em diante.
O exercício da censura, de acordo com José Marque de Mello
195
, estudioso da questão
da comunicação no Brasil, não era exclusivo de Portugal, já que ela era a tônica em toda a
Europa, cujos países cumpriam diretriz da Igreja Católica. A propósito, é ainda Marques de
Mello quem nos mostra que a imprensa chegou tardiamente ao Brasil, se comparado com a
Europa ou América Espanhola. Na África, por exemplo, o primeiro prelo chegou em 1490
e, na América Espanhola, em 1533, no México
196
.
Até a chegada da família real ao Brasil, no início do século XIX, o mercado brasileiro de
livros era pequeno e foi sobre ele que a censura atuou, conforme relato de Luiz Carlos
Villalta
197
, reforçado por Ana Luiza Martins
198
. Ao lado da censura, observam os autores,
havia toda uma engenhosidade dos leitores para se livrarem da censura e, com isso,
conseguirem obter os livros que eram proibidos pelo índex português. Tal como ocorreria
muito mais tarde, leitores sempre buscavam meios de burlar o silêncio que o governo
queria lhes impor.
194
COSTELLA, Antonio F. O controle da informação no Brasil. Petrópolis, RJ, Vozes, 1970
195
MELLO, José Marques. Sociologia da Imprensa Brasileira. Petrópolis, RJ, Vozes, 1973, p. 50
196
MELLO, José Marques. Sociologia da Imprensa Brasileira. Petrópolis, RJ, Vozes, 1973, pp. 58-59
197
VILLALTAi, Luiz Carlos. Censura literária e inventividade dos leitores no Brasil colonial, in
CARNEIRO, Maria Luiza Tucci (Org). Minorias silenciadas. São Paulo, Edusp, 2002
198
MARTINS, Ana Luiza. Sob o signo da censura, in CARNEIRO, Maria Luiza Tucci (Org). Minorias
silenciadas. São Paulo, Edusp, 2002, p. 156
Se a imprensa demorou a chegar ao Brasil, o que dizer dos jornais? Tal como em relação
aos prelos e à impressão, os jornais chegaram tardiamente ao Brasil. O primeiro jornal
brasileiro não foi editado no país, mas em Londres. Tratava-se do Correio Braziliense, que
defendia a independência e, porisso mesmo, era proibido pela Coroa portuguesa. Logo
depois, nascia a Gazeta do Rio de Janeiro, mandada fundar por Dom João VI, que poucos
meses antes havia chegado ao Brasil fugindo de Portugal. Com ele trouxe a Imprensa
Régia, isto é, impressoras que foram instaladas no Rio de Janeiro para servir à Corte
Imperial
199
.
Cabe ressaltar, de acordo com Ana Luiza Martins que
“(...) cabe insistir na constância do controle da ação e das mentes na história do país,
que nasceu e viveu sob o signo da censura, dadas as características de sua formação
colonial. (...) É importante dizer que essa ingerência não foi só da censura política, desde
sempre muito forme, mas decorreu também da censura moral, de usos e costumes e de
uma outra, mais forte ainda, posto que subliminar, imposta pelo curso da economia
capitalista: a censura proveniente do mercado, o crivo determinado pelos interesses sobre
idéias e produtos que, independente de seus conteúdos perniciosos e tendenciosos, são
postos em circulação e divulgação porque rendem, geram lucros pecuniários e garantem o
consumo”
200
.
O que se vê, conforme relato de Ana Luiza Martins, não é muito diferente do que irá
ocorrer anos mais tarde, com a ascensão dos militares ao poder. De qualquer modo, foi sob
o clima de censura cerrada e de controle de opinião que os jornais chegaram ao Brasil, que
havia deixado de ser colônia para juntar-se a Portugal como império. Em relação ao atraso
do país na implantação da imprensa deve-se considerar que “a falta de vontade política e o
controle da censura não seriam os únicos responsáveis pela instalação tardia da imprensa,
199
Para um panorama do desenvolvimento da imprensa no Brasil ver Nelson Werneck Sodré. História da
Imprensa Brasileira. Rio de Janeiro, Graal, 2ª Ed., 1977, 2ª edição
200
MARTINS, Ana Luiza. Sob o signo da censura, in CARNEIRO, Maria Luiza Tucci (Org). Minorias
silenciadas. São Paulo, Edusp, 2002, p. 156
mas também o caráter mercantil capitalista da atividade, inviável no país de analfabetos e
escravocrata, sem consumidores”
201
, explica Ana Luiza Martins.
A permanência da censura se dá, também, após a independência do Brasil. Nos dois
reinados, ela foi uma constante. Agora, no entanto, voltada para o controle dos jornais, que
começavam a se expandir no país. A situação se repete, mais tarde, com a República. Pouco
mais de um mês após a proclamação da República, o governo baixou um decreto
instituindo a censura. Essa recorrência leva Ana Luiza Martins a afirmar: “Importa insistir
na permanência da censura durante a nossa história, sobretudo no âmbito da história do
pensamento e das idéias, por vezes dissimulada, mas sempre presente no país que conheceu
tarde os prelos, a alfabetização e a cidadania”
202
.
Foi sob o signo da permanência que entramos no século XX e vimos o nascimento do
Estado Novo, uma exarcebação do autoritarismo sempre presente no pensamento político
brasileiro, com intenção explícita de controlar corações e mentes dos brasileiros. Ao
estudar o período a historiadora Maria Luiza Tucci Carneiro chama a atenção para a força
da palavra e, como conseqüência de os ocupantes do poder saberem desse poder, quererem
controlá-lo, daí a censura que, no caso do Estado Novo, “tanto o DIP como o Deops –
órgãos de repressão do governo varguista – funcionaram como engrenagens reguladoras
das relações entre o Estado e o povo; verdadeiras máquinas de filtrar a realidade,
deformando os fatos e construindo falsas realidades”
203
. O contexto de Tucci Carneiro é
outro, mas se aplica, com maestria, à ação da censura durante o regime militar.
Ao comentar a ação do regime de Vargas em relação à censura, Antonio Costella
observa que uma das medidas tomadas pelo governo foi a obrigatoriedade de registro dos
jornais, revistas, editoras e dos próprios jornalistas, o que possibilitava “controlar o
201
MARTINS, Ana Luiza. Sob o signo da censura, in CARNEIRO, Maria Luiza Tucci (Org). Minorias
silenciadas. São Paulo, Edusp, 2002, p. 162
202
MARTINS, Ana Luiza. Sob o signo da censura, in CARNEIRO, Maria Luiza Tucci (Org). Minorias
silenciadas. São Paulo, Edusp, 2002, p. 179
203
CARNEIRO, Maria Luiza Tucci. O mito da conspiração judaica e as utopias de uma comunidade,
in CARNEIRO, Maria Luiza Tucci (Org). Minorias silenciadas. São Paulo, Edusp, 2002, p. 265
surgimento de periódicos”
204
permitindo que o Estado inviabilizasse quem não estivesse
com ele comprometido. Com a derrubada do Estado Novo o Brasil viveu um breve
período democrático e, nele, os controles foram amainados, ficando mais do lado da
censura moral, institucionalizada e reconhecida por todos. Os jornais – e os meios de
comunicação em geral – tiveram liberdade para noticiar e formar opiniões.
Foram os jornais, senão todos pelo menos a maioria, que se alinharam para criticar o
governo de João Goulart e oferece apoio ao movimento que pedia sua retirada do poder.
Com o golpe de 64, apoiado pela maior parte da mídia, Goulart saiu e os militares
entraram. Começava, então, mais um período negro da censura. Foi iniciada toda uma
orquestração para impor ao país uma política e uma postura que os militares achavam
corretas, cujas idéias eram decorrentes de formulações da Escola Superior de Guerra, em
primeiro lugar, com a criação da Doutrina da Segurança Nacional e, mais tarde, do
complexo IPES-IBAD que, conforme afirma Dreifuss
205
, foi o principal centro de
pensamento e articulação do golpe que derrubou Goulart.
A questão da censura durante os 20 anos do regime militar, de um modo geral, e de uma
maneira específica de como ela atuou durante o período em que o jornal Posição circulou
já foi abordada na secção A questão da censura, no Capítulo II, deste trabalho. Sobre ela
existe, também, uma ampla literatura, que discute os seus vários aspectos, ressaltando-se,
dentre eles, os trabalhos de Ane-Marie Smith, Beatriz Kushnir e Maria Luiza Tucci
Carneiro
206
. O que fica claro é que, no Brasil, a censura não foi uma coisa episódica,
marcada por alguns dos regimes que nos governaram. Ao contrário, ela sempre foi
recorrente e pode ser vista como uma permanência, acompanhando a história do país de
sua descoberta ao final da ditadura. Neste aspecto, a imposição do silêncio à imprensa,
durante o regime cívico-militar de 20 anos, foi apenas mais um episódio desta permanência.
204
COSTELLA, Antonio F. O controle da informação no Brasil. Petrópolis, RJ, Vozes, 1970, pp. 113-114
205 DREIFUSS, René Armand. 1964: A conquista do Estado. Ação política, poder e golpe de classe.
Petrópolis, RJ, Vozes, 1981.
206
As indicações completas dos autores, com as obras referenciadas, estão na bibliografia desta pesquisa.
Contra-hegemonia e Posição
Se havia, como demonstrado acima, uma ação hegemônica do regime, que queria se
manter e ampliar sua dominação sobre a sociedade, há, também, todo um trabalho contra-
hegemônico, um papel reconhecido por Gramsci que afirma ser a hegemonia uma
construção, que nunca é total, havendo sempre espaços para a atuação da contra-
hegemonia. É neste momento que os intelectuais orgânicos entram, fazendo a diferença, já
que ajudam a disseminar uma nova ideologia e, com ela, a construção de uma nova
hegemonia. Gramsci afirma que, em se tratando de política, há sempre uma luta de
interesses, com os vários grupos sociais predominantes disputando o poder até que um
deles venha a se impor e a se “difundir por toda a área social, determinando – além da
unicidade dos fins econômicos e políticos – também a unidade intelectual e moral”
207
.
Assim, de acordo com o pensador italiano, nasce a hegemonia. Por isso “a tarefa essencial
é a de trabalhar sistemática e pacientemente para formar, desenvolver, tornar cada vez mais
homogênea, compacta e consciente de si mesmo”
208
a força – e, portanto, os grupos – que
terão atuação contra-hegemônica. Gramsci mostra que se trata de um processo, que não é
isolado e que ocorre somente em condições históricas específicas, quando há um
desequilíbrio na correlação de forças.
A literatura histórica nos mostra que havia, durante os anos em que o jornal Posição
circulou, um consistente trabalho contra-hegemônico exercido por uma variedade de
grupos sociais e entidades, que procuravam ampliar o espaço de discussão e mostrar que,
ao contrário do que afirmava o regime, não vivíamos em um regime róseo
209
. Pode-se
207
GRAMSCI, Antonio. Análise das situações. Correlação de forças in COUTINHO, Carlos Nelson.
Gramsci. Porto Alegre, L&PM, Editores, 1981, p. 186
208
GRAMSCI, Antonio. Análise das situações. Correlação de forças in COUTINHO, Carlos Nelson.
Gramsci. Porto Alegre, L&PM, Editores, 1981, p. 188
209
Sobre o a ação dos vários movimentos e sua luta contra-hegemônica ver Um clima de esperança, no
Capítulo II desta pesquisa. Sobre o mesmo tema, pode se destacar três trabalhos: Ditadura militar, esquerdas
e sociedade e O golpe e a ditadura militar 40 anos depois, de Daniel Aarão Reis, e Democratizando o Brasil,
alinhar, neste caso, as Comunidades Eclesiais de Base, criadas e disseminadas pela Igreja
Católica, parte do movimento sindical, as associações de bairros e de donas de casa em
algumas cidades, políticos de oposição ao governo e a imprensa alternativa. Trata-se, neste
caso, do que Gramsci chama de material ideológico, sobre o qual assinala: “A parte mais
notável e dinâmica dessa organização é a imprensa em geral (...) A imprensa é a parte mais
dinâmica desta estrutura, mas não a única: tudo que influi ou pode influir sobre a opinião
pública, direta ou indiretamente, faz parte dela”
210
.
E Gramsci pergunta:
“O que uma classe inovadora pode contrapor a esse formidável conjunto de trincheiras
e fortificações da classe dominante? O espírito de cisão, isto é, a progressiva aquisição da
consciência da própria personalidade histórica, espírito de cisão que deve tender a se
ampliar (...) tudo isso demanda um complexo trabalho ideológico, cuja primeira condição é
o exato conhecimento do campo a esvaziar de seu elemento de massa humana”
211
.
Ao responder à sua própria pergunta Gramsci indica, mais uma vez, o caminho do
exercício da contra-hegemonia e aduz que o objetivo final do trabalho ideológico exercido
pela mídia é o de conquistar a opinião pública “de modo que uma só força modele a
opinião e, portanto, a vontade política nacional”
212
. Olhando-se a questão do lado da
hegemonia, é exatamente isso que o regime fez, buscando a adesão da chamada grande
mídia, fosse ela feita de forma espontânea ou mediante pressão – política, censura ou
econômica. E foi este, também, um dos caminhos tomados pela contra-hegemonia com a
utilização da imprensa alternativa, ajudando na divulgação de novas idéias e na busca de um
objetivo comum, a democracia.
de Alfred Stepan, que trazem um panorama da luta pela democratização do Brasil, sobretudo na década de 70
do século passado. As indicações completas estão na bibliografia deste trabalho.
210
GRAMSCI, Antonio. Material ideológico, in COUTINHO, Carlos Nelson. Gramsci. Porto Alegre,
L&PM Editores, 1981, p. 198
211
GRAMSCI, Antonio. Material ideológico, in COUTINHO, Carlos Nelson. Gramsci. Porto Alegre,
L&PM Editores, 1981, p. 199
212
GRAMSCI, Antonio. A opinião pública, in COUTINHO, Carlos Nelson. Gramsci. Porto Alegre,
L&PM Editores, 1981, p. 199
Em síntese, o que Gramsci aponta é a possibilidade de se fazer um trabalho de
construção contra-hegemônica, mesmo com um regime forte e intervencionista, como era
o brasileiro. Neste caso, destaca-se a atuação política, que pode ser exercida pelo partido
tradicional ou pelo partido ampliado, no qual ele insere a mídia e, portanto, os jornais, mas
sobretudo pelo trabalho do intelectual orgânico mediante a formulação, a divulgação e a
consolidação de uma nova ideologia. No caso brasileiro e em relação a Posição podemos
dizer que este trabalho ocorreu e que a nova ideologia era a busca de democracia, de maior
participação e de mudança no sistema político implantado a partir do golpe de 1964.
Estabelecidas as condições do exercício contra-hegemônico é preciso caminhar mais um
passo e demonstrar como o jornal Posição integrou-se a este trabalho e de que forma
expressou a busca de uma nova ideologia e ajudou a cimentá-la junto à opinião pública.
Como o jornal pode expressar-se? Maurice Mouillaud afirma que o “discurso do jornal não
está solto no espaço: está envolvido no que chamaria de “dispositivo” que, por sua vez, não
é uma simples entidade técnica, estranha ao sentido”
213
, chamando a atenção para o
tratamento dicotômico dado ao jornal como meio físico e ao seu conteúdo. Mouillaud
defende que os dois não podem ser separados, daí falar em dispositivo que une a
materialidade – papel, diagramação, etc. – ao conteúdo. Assim, a análise de um jornal deve
levar em conta que ele, ao produzir uma informação, a transforma de um estado difuso em
unidades homogêneas.
O que o jornal faz, para Mouillaud, é uma representação, já que não há “conversão
possível que permita um face a face com a “coisa”. Não há outro local, a não ser sobre a
tela, em que se possa formar a representação”
214
. Este é um trabalho que procura organizar
o caos, estabelecendo uma coerência, uma unidade na diversidade, construindo-se, como
assinala Mouillaud, um todo cujas partes estejam coordenadas. Forma-se, então, o sentido
213
MOUILLAUD, Maurice e PORTO, Sérgio Dayrell (Orgs). O jornal, da forma ao sentido. Brasília,
Editora UNB, 2002, 2ª edição, p. 37
214
MOUILLAUD, Maurice e PORTO, Sérgio Dayrell. O jornal, da forma ao sentido. Brasília, Editora
UNB, 2002, 2ª edição, p. 45
do jornal e é este sentido que será transmitido aos leitores. O jornal, em síntese, tomando-
se a conceituação de Mouillaud, produz sentido através do seu todo – nome, títulos,
conteúdo, diagramação, etc. - e é este sentido que deve ser apreendido nas análises,
sobretudo históricas, conduzidas a partir do que publicam, o que pode ser feito criando-se,
a partir de títulos, por exemplo, categorias e, a partir delas, mostrando o enquadramento
que a publicação dá à informação que veicula.
Ao afirmar que a “seleção de vozes e a hierarquização da forma permitem ao jornal
orientar a leitura”
215
, Mouillaud chama a atenção para a possibilidade de, assim agindo,
fazer-se esta orientação do ponto de vista hegemônico e avança ao dizer que o jornal
militante, como se pode dizer de Posição, “substitui à polifonia uma imbricação das vozes
de tal maneira que em todos os níveis, em todos os gêneros e em todos os domínios, a
mesma voz permite que seja escutada sua redundância”
216
. Se na diversidade representada
por um jornal há a possibilidade de se transmitir um ponto de vista da hegemonia, o que
efetivamente aconteceu no Brasil durante os 20 anos de regime civil militar, há, de outro
lado, também a possibilidade de um trabalho contra-hegemônico, o que pode ser feito, do
ponto de vista de Mouillaud, tanto adotando-se a polifonia ou a redundância.
Para determinar o papel contra-hegemônico do jornal Posição, adotamos os conceitos
de Mouillaud. Em primeiro lugar tomamos como dispositivo desta contra-hegemonia a
capa do jornal. A escolha se deu por ser as capas que estampam, no caso de publicações
periódicas, os principais assuntos, entendidos assim pelo próprio jornal, isto é, pelos
intelectuais responsáveis pela produção do seu conteúdo e sua edição. A capa, através dos
seus títulos, fotos, ilustrações e da própria colocação do assunto na página, oferece ao leitor
uma primeira visão do que o jornal considera mais importante dentre os assuntos que está
215
MOUILLOUD, Maurice e PORTO, Sérgio Dayrell (Orgs). O jornal, da forma ao sentido. Brasília,
UNB, 2002, 2ª edição, p. 185
216
MOUILLAUD, Maurice e PORTO, Sérgio Dayrell O jornal, da forma ao sentido. Brasília, Editora
UNB, 2002, 2ª edição, p. 185
publicando, marcando o tratamento que dá à informação e o ponto de vista que adota, se
hegemônico ou contra-hegemônico.
Feita a escolha, era preciso relacionar todos os títulos publicados ao longo das 65
edições do jornal Posição. O resultado foi uma longa listagem de assuntos que, à primeira
vista, nada tinham em comum por tratar-se, como observa Mouillaud, de uma polifonia –
várias vozes, vários significados – o que nos levou a um novo passo, que foi categorizar o
que Posição disse, mediante a contraposição ao princípios básicos da Doutrina da
Segurança Nacional. Esta doutrina subdividia o poder nacional em quatro poderes:
políticos, econômicos, militares e psicossociais. Assim, temos quatro categorias básicas que
demonstram o exercício da hegemonia e nos permite, também, demonstrar o trabalho
contra-hegemônico mediante a comparação entre os propósitos da Doutrina de Segurança
Nacional e de cada um dos poderes em que se dividia
217
.
No caso do poder militar, seus princípios básicos apontavam para o poder nacional
como guardião da ordem, dos valores morais, dos valores éticos e buscando a integração
geopolítica com a América do Sul, mais próxima, integrando-se ao eixo ocidental, liderado
pelos Estados Unidos e, nesta ação geopolítica, interpondo-se à propagação dos regimes
comunistas, que deveriam ser afastados do Ocidente mediante a colaboração entre as
nações do eixo ocidental. Ao lado do poder militar age, também, o poder econômico,
configurado, no caso da Doutrina de Segurança Nacional, pela ação desenvolvimentista,
cujo objetivo era elevar o pais à condição de potência, mediante o uso da racionalidade,
configurada pelo planejamento, e a busca da estabilidade econômica, permitindo ao país
alcançar seu propósito. Ainda sob o guarda-chuva do poder econômico está a criação de
empregos e a convivência de patrões e empregados de forma harmoniosa, sem conflitos de
classe.
217
Um panorama da Doutrina de Segurança Nacional e de seus objetivos podem ser vistos, com maiores
detalhes, em COUTO E SILVA, Golbery. Geopolítica do Brasil. Rio de Janeiro, José Olympio, 1981
O terceiro poder integrador do poder nacional é o político. Dele, a DSN destaca a
existência de uma democracia, falando em modelo brasileiro, a manutenção da ordem,
mediante a não contestação do regime, a não mobilização das massas – usada como
subterfúgio para a derrubada de Goulart – e a não reivindicação. O pressuposto é que o
regime estava fazendo o melhor para o país e por isso não deveria sofrer oposição, daí não
aceitar críticas e usar, dentre outros métodos, a censura à imprensa para que não expusesse
as mazelas sociais e econômicas do regime
218
. O quadro se fecha com o poder psicossocial.
Nele, o que o regime buscava era ressaltar a dedicação ao trabalho, o que todo brasileiro
precisava ter, a coesão familiar, a adoção de princípios éticos e morais em todas as áreas de
comportamento, o conformismo e, por fim, destacando a harmonia social e racial do país,
onde não havia disputa entre raças e separação entre estratos sociais
219
.
O poder nacional e suas subdivisões fornecem, neste caso, a categorização para o
levantamento das ações hegemônicas do bloco de poder e, por comparação, das ações
contra-hegemônicas desenvolvidas no Brasil em face deste mesmo regime. Um exemplo
pode ser dado pelo primeiro número do jornal Posição. Ao lado da foto de um casebre de
estuque caindo aos pedaços, a chamada diz: Espírito Santo – As invasões de terra, a luta
pela casa própria, a política habitacional e o desfavelamento. O título e seus subtítulos
demonstram, claramente, o posicionamento do jornal, de critica à política do governo,
tanto no que se refere à ocupação de terras, quanto no caso da política habitacional. No
caso das invasões, mostra, em contraste com o que pregam os princípios da DSN, que há,
sim, conflitos sociais no país e que um deles se prende à posse da terra. No segundo caso,
218
A ação política do regime é bem retratada nos trabalhos de AARÃO REIS, Daniel, RIDENTI Marcelo e
SÁ MOTTAS, Rodrigo Patto. O golpe e a ditadura militar 40 anos depois (1964-2004). São Paulo, Edusc,
2004 e AARÃO REIS, Daniel. Ditadura militar, esquerdas e sociedade. Rio de Janeiro, Jorge Zahar
Editores, 2001. Para ver esta ação durante o período que o jornal Posição circulou ver as obras de CASTRO,
Celso e D´ARAÚJO, Maria Celina. Dossiê Geisel. Rio de Janeiro, Editora FGV, 2002, 3ª edição e
D´ARAÚJO, Maria Celina e CASTRO, Celso (Orgs). Ernesto Geisel. Rio de Janeiro, Editora FGV, 1997, 4ª
edição
219
A ação psicossocial do regime está bem retratada em REZENDE, Maria José. A ditadura Militar no
Brasil. Londrina, Editora UEL, 2001. Dela, também fala FICO, Carlos. Reinventando o otimismo –
Ditadura, propaganda e imaginário social no Brasil. Rio de Janeiro, Editora FGV, 1997.
também fica clara a existência de problemas relacionados à habitação, o que é reforçado
pela foto do casebre. Nos dois casos há uma clara desconstrução do que o regime
pretendia, apresentando o Brasil – e o Estado – como isento de problemas, de conflitos
sociais e de embates entre as classes e segmentos sociais. Como assinala Peter Burke
220
, no
caso da comparação, mostrando o que não está lá, podemos chamar a atenção para um
determinado aspecto, realização ou ação. É exatamente o que fez Posição. Ao mostrar os
problemas, ele ia de encontro ao que o regime dizia e, ao mesmo tempo, chamava a
atenção para aspectos que o regime não queria ver divulgado.
A categorização, a partir dos princípios do poder nacional, permite a criação de sentido
de que fala Mouillaud e, ao mesmo tempo, mostra, mediante a comparação sugerida por
Burke, a diferença dos discursos do regime e do jornal. Esta diferença pode ser vista no
caso do Poder Militar, aquele que fala, dentre outras questões, em valores éticos e
integração geopolítica, esta com o sentido de se alinhar a um eixo ocidental e
anticomunista. De um e de outro lado, esta diferença é mostrada pelo Quadro I, abaixo:
DOUTRINA DE SEGURANÇA NACIONAL
PODER NACIONAL
Poder Militar
Discurso do Regime
Discurso de Posição
Guardiões da ordem
Sem protestos
Sem manifestações
Sem movimentos de
massas
Guardiões dos valores
morais
Valores familiares e
cristãos
Guardiões dos valores
éticos
Combate à
corrupção
Lisura dos atos
políticos
Integração geopolítica
Corrupção nas Prefeituras
Desrespeito à lei eleitoral
Investigações de corrupção em empresas do Estado
Injustiça trabalhista contra pescadores
Sumiço de processo contra empresários de destaque
no ES (Otacílio Coser)
Cabide de emprego nos órgãos estaduais
CPI da Lama. Investigação na Codesa
Carnaval da corrupção (Corrupção no Governo do
Estado)
Professores federais: profissão “subversivos”
Os porões do regime: Coronel Ludwig: “Só é preso
corrupto burro”
Chile hoje: o nó
Peru: a revolução possível
Equador: questão de tempo
220
BURKE, Peter. História e teoria social. São Paulo, Unesp, 2002.
Alinhamento contra
o comunismo
Integração ao lado
ocidental
Luta contra o
comunismo
Cuba, si – vinte anos sem coca-cola
Flávia Schilling: “Ninguém nasce lutador, mas se faz
lutador”.
O fim chegou: Povo derrota a ditadura (no Irã)
Um balanço de guerrilha na Nicarágua
Seqüestro do embaixador norte-americano
A igreja e o marxismo
Capixaba conta como viu a ofensiva sandinista
Declaração Universal dos Direitos do Homem
Fontes: Geopolítica do Brasil – Jornal Posição (capas)
O que fica claro, tomando-se os dois discursos e fazendo a comparação deles, é que o
jornal Posição procurava mostrar aspectos da realidade que iam de encontro às diretrizes
do governo, desenvolvidas a partir da Doutrina de Segurança Nacional. A observação da
coluna da direita no Quadro I, em contraposição à coluna da esquerda, mostra claramente a
ação contra-hegemônica de Posição. Se o regime defendia a integração e o alinhamento à
política ocidental, comandada pelos Estados Unidos, Posição relatava experiências de
outros países que iam no sentido contrário do pretendido pela DSN, como a luta no Peru e
no Equador, a exaltação do regime cubano ou o relato da ofensiva sandinista na Nicarágua.
Esta posição é reforçada pelos vários títulos – e matérias internas – do Posição enfocando
o problema da corrupção, tomando como base o Espírito Santo, o que desmistificava um
dos princípios da DSN relacionada aos valores éticos e ao combate à corrupção. Os valores
do regime e de Posição eram diferentes e isso fica bem claro nos títulos da primeira página
do jornal relacionados ao chamado poder militar, um dos desdobramentos do poder
nacional consagrado na Doutrina de Segurança Nacional.
No caso da área econômica a diferença entre o discurso do regime e de Posição é ainda
mais marcante, como pode ser visto no Quadro II, abaixo.
DOUTRINA DE SEGURANÇA NACIONAL
PODER NACIONAL
Poder Econômico
Discurso do Regime
Discurso de Posição
Desenvolvimento como
bem
Benefícios para todos
Política habitacional falha
Planejamento apressado da CST
Falta de infra-estrutura para CST
Planejamento
racional
Sem mazelas sociais
Racionalidade do
Governo nas suas ações,
sobretudo econômicas
Sem possibilidade de
erros
Estabilidade da economia
Sem conflito de classes
Sindicatos
controlados
Política de arrocho salarial, inclusive para o
funcionalismo público
Crise econômica: O sonho acabou
Abertura para as multinacionais, sem igualdade de
condições para as empresas brasileiras
Aumentos salariais controlados: A gorjeta dos
jornalistas
Deslocamento de bairros para atender às empresas –
Vale x Sossego
Corrupção nas ações do BNDES
Problemas com CST – balança, mas ainda não cai
O drama da terra – Os problemas no Espírito Santo
Favelização do entorno da cidade
Política habitacional para os operários falha e com
aumentos abusivos
Sumiço do dinheiro do PIS – Trabalhadores de
bolsos vazios
Desemprego causado pelos grandes projetos –
Aracruz demite 10 mil
Luta dos operários do ES
Miséria em Vitória
Ocupação do Estado por interesses privados – Golpe
do turismo
Fontes: Geopolítica do Brasil – Jornal Posição (capas)
Desemprego, miséria, trabalhadores de bolsos vazios, aumentos abusivos das prestações
da casa própria, demissões, corrupção em estatais, arrocho salarial, concentração de
riquezas e desnacionalização da indústria brasileira são alguns dos aspectos que, através dos
títulos da primeira página do jornal Posição vão de encontro aos princípios pregados e
difundidos pelo regime, a começar pelo benefício que o desenvolvimento, nos modelos
construídos pela ditadura, iria trazer a todos os brasileiros. O princípio da racionalidade,
executado através do planejamento, que evitaria problemas, é contestado pela favelização
causada em Vitória e em municípios vizinhos pela implantação dos chamados grandes
projetos, notadamente a Companhia Siderúrgica de Tubarão (CST). O discurso de Posição,
no campo econômico, procurava, em primeiro lugar, tirar o sentido de que tudo ia bem,
conforme pregava o regime. Através das manchetes de primeira página e de um número
maior de matérias em páginas internas o jornal mostrava que, pelo menos no Espírito
Santo, as coisas não andavam como dizia o regime. Mais uma vez, o discurso do jornal, no
campo econômico, era no sentido de desconstruir o discurso oficial, portanto, fazendo um
trabalho contra-hegemônico.
A postura de Posição continua indo de encontro ao discurso oficial quando se trata de
política. Basta lembrar que, do seu lado, o regime afirmava que havia democracia, que as
eleições eram livres, reafirmava a cordialidade do povo brasileiro e investia no controle das
reivindicações e da mobilização. O discurso do regime, como mostra Carlos Fico
221
, era no
sentido de constituir um país feliz, sem problemas, otimista e que ofereceria total apoio ao
governo e ao regime, “vendido” como salvador, racional e que buscava o bem de todos.
Como observa Gramsci
222
o jornal pode ser usado de forma educativa. Suas páginas
podem ser utilizadas para instruir seus leitores, discutindo assuntos e mostrando outros
pontos de vista sobre uma mesma questão. Este trabalho o próprio Gramsci realizou no
Ordine Nuovo, jornal que ajudou a fundar e que dirigiu antes de ir para a prisão. Desta
atividade resultaram alguns conceitos relacionados ao trabalho dos intelectuais e ao uso dos
jornais como uma forma de partido ampliado, instrumento político de transformação. É
neste sentido a ação do jornal Posição no campo político, como mostra o Quadro III, a
seguir:
DOUTRINA DE SEGURANÇA NACIONAL
PODER NACIONAL
Poder Político
Discurso do Regime
Discurso de Posição
Existência de democracia
Eleições livres
Representatividade
eleitoral
Rodízio de dirigentes
Existência de ordem
(inexistência de contestação)
Oposição dentro de um
limite
Não mobilização política
Invasões de terras
Corrupção de governantes – governador e
prefeitos
Corrupção eleitoral pela Arena
Assassinatos políticos (Oséas)
Prisões arbitrárias
Tortura de estudantes pela Polícia
Apreensão do material de Posição
Denúncias contra políticos
Bastidores da sucessão no ES
Defesa da Constituinte
221
FICO, Carlos. Reinventando o otimismo. Ditadura, propaganda política e imaginário social no
Brasil. Rio de Janeiro, Editora FGV, 1997
222
GRAMSCI, Antonio. Os intelectuais e a organização da cultura. São Paulo, Círculo do Livro, s/d
Controles de acesso à
mídia
Não reivindicação política
Submissão do
Legislativo
Oportunismo político no ES
Corrupção em Prefeituras
Oposição às políticas do Governo do ES (Críticas
de Augusto Ruschi)
Mar de lama no ES
Indicação do Governador – Falta de democracia
Eleições diretas para Governador
Gastos abusivos com publicidade pelo Governo
do Estado
A luta pela anistia
A ação do MDB na oposição
Corrupção em órgãos do Estado
Violência policial no Estado
Eleições presidenciais – Euler Bentes
Figueiredo no ES. FEDEU
Luta contra o arbítrio e a ditadura
Anistia aos presos políticos
Vigilância sobre o cidadão
Defesa da mobilização popular
Denúncias envolvendo filhos de figuras políticas
do Governo e de dirigentes de órgãos estaduais
Apoio à greve e sua divulgação
Crítica à política de abertura
Sobreviventes da tortura
Impunidade policial
Greve de fome pela anistia
Fontes: Geopolítica do Brasil – Jornal Posição (capas)
A comparação entre os dois discursos mostra claramente, mais uma vez, a ação contra-
hegemônica do Posição. Como no caso dos poderes militar e econômico, o discurso do
jornal era de desconstrução do discurso do regime, o que foi feito com a contraposição de
fatos relacionados à realidade do Espírito Santo. Contra a democracia e liberdade,
problemas nas eleições. Contra a institucionalização do regime, a defesa da constituinte.
Contra o regime, a defesa da anistia política. Em todos os momentos – o que reflete em
suas capas – o jornal Posição adotou um discurso que, buscando a realidade local,
procurava mostrar um real muito diferente do discurso oficial. O jornal, com sua postura,
acaba se enquadrando na recomendação feita por Gramsci para a construção de uma nova
hegemonia – portanto, trabalho contra-hegemônico – que é criar uma nova consciência e, a
partir dela, uma nova ideologia integradora.
Esta mesma postura é adota em relação a pontos que o regime, baseando-se nos
princípios da DSN, considerava fundamentais e que abrangem o que chama de área
psicossocial. Estudando as ações do regime no sentido de se institucionalizar, Rezende
afirma: “(...) o regime lutava para construir um sistema de valores e idéias visando
sedimentar na sociedade como um todo a crença de que o movimento de 1964 somente se
legitimava porque ele expressava sob todos os aspectos os interesses do povo brasileiro”
223
.
É no sentido desta legitimação que se dá a ação psicossocial do regime o que, para
Rezende, significa a luta do “em todos os recônditos da vida social visando fixar aqueles
valores que possibilitariam atingir um amplo processo de homogeneização e padronização
de atitudes, condutas e comportamentos”
224
. Esta ação, como demonstra Carlos Fico
225
, foi
desenvolvida mediante o uso da propaganda política, feita com o uso de eufemismos, mas
que esteve presente enquanto o bloco de poder se manteve. Se a ação do regime era forte
neste setor, também era o discurso de Posição. Ao longo dos seus 65 números sempre
mostrou, a partir da situação do Espírito Santo, que o discurso hegemônico ocultava fatos
e a própria realidade, que não era rósea e nem despida de problemas. Esta ação pode ser
vista no Quadro IV, abaixo:
DOUTRINA DE SEGURANÇA NACIONAL
PODER NACIONAL
Poder Psicossocial
Discurso do Regime
Discurso de Posição
Dedicação ao trabalho
Sem greves
Sem reivindicação
salarial
Coesão familiar
Princípios éticos e morais
Manutenção da ordem social
Luta pela casa própria
Desfavelamento
Problemas com transporte de operários
Descontentamento trabalhista
Lavradores com problemas
Luta dos ferroviários da Vale
Injustiça com pescadores
223
REZENDE, Maria José. A ditadura militar no Brasil: repressão e pretensão de legitimidade – 1964-
1984. Londrina, Editora UEL, 2001, p. 33
224
REZENDE, Maria José. A ditadura militar no Brasil: repressão e pretensão de legitimidade – 1964-
1984. Londrina, Editora UEL, 2001, p. 38
225
FICO, Carlos. Reinventando o otimismo. Ditadura, propaganda política e imaginário social no
Brasil. Rio de Janeiro, Editora FGV, 1997
Conformismo com a
situação
Inexistência de
reivindicações
Harmonia social e racial
Professores mal pagos
Acidente com trabalho na indústria
Desemprego na área de educação
Hospital ocupado pela polícia
Luta das comunidades. Anchieta
Questão de alimentação – a xepa da feira
Elitismo na educação universitária
Problemas com assistência ao menor
A luta pela terra – posseiros
Busca de melhoria de vida
Problemas com a educação
O desprezo com a saúde do trabalhador
Exploração da casa própria – o caso de Laranjeiras
Política sindical – mudança nos sindicatos e nas
reivindicações
Contestação de estudantes – Reivindicação e
política
Greve de operários em Vitória
Luta por melhorias no transporte
Lutas da classe operária no ES
Reivindicação salarial de professores
Operários falam do capitalismo
Greve de estudantes
Arrocho salarial na PMES
Fontes: Geopolítica do Brasil – Jornal Posição (capas)
As manchetes e chamadas de primeira página do jornal Posição, categorizadas e
comparadas com os princípios do poder nacional, como vistos pela Doutrina de Segurança
Nacional, mostram claramente o exercício continuado de uma posição contra-hegemônica.
O que o jornal buscava, como relata um dos seus fundadores, o jornalista Rogério
Medeiros
226
, era ir contra a elite capixaba, abrindo um campo de discussão para os
problemas locais e mostrando que o discurso de otimismo do Governo era enganoso. Esta
posição é reforçada por outros dos fundadores do jornal, Walter Araújo
227
, para quem o
foco principal da publicação era de construir um novo caminho, democrático e
participativo, não o regime excludente instalado a partir de 1964. O jornal, segundo ele,
serviu, neste caso, de ponto de convergência para os que, no Estado, alinhavam-se contra o
Governo e, antes de Posição, não tinham como se manifestar.
226
Entrevista com Rogério Medeiros, em 27-12-2005
227
Entrevista com Walter Araújo, em 17-01-2006
Se fica patente, mediante a comparação com os objetivos do regime, que Posição
exerceu, de fato, um papel contra-hegemônico, inserindo-se em um movimento maior, do
qual participavam entidades, sindicados, organizações sociais e a própria imprensa
alternativa, é preciso, ainda, completar este percurso de ação mostrando o trabalho dos
intelectuais que fundaram e fizeram o jornal. Orgânicos, no sentido dado por Gramsci, já
que se engajaram em um movimento que visava à mudança e à construção de uma nova
hegemonia, o trabalho destes intelectuais será discutido no próximo capítulo. Nele, o que
se busca é confirmar a ação contra-hegemônica de Posição, não mais tomando como base
o seu discurso, mas a ação dos intelectuais que o integravam e que agiam no sentido da
mudança.
Há, ainda em relação ao papel contra-hegemônico representado pelo jornal, um outro
aspecto a ressaltar que é a sua circulação – numero de exemplares impressos e vendidos em
cada uma de suas edições. O que todos os envolvidos com o jornal destacam é que ele
começou com uma pequena tiragem, de três mil exemplares, e chegou, em alguns números,
a tirar 10 mil jornais. Jô Amado, que foi o Editor Chefe na maior parte da existência do
jornal, lembra que a “tiragem foi de três mil exemplares. Na grande maioria das vezes o
encalhe foi insignificante e, em algumas, a edição se esgotou”
228
. Rogério Medeiros
229
, um
dos fundadores e o primeiro diretor do jornal, acrescenta à informação de Amado que, em
alguns números, a tiragem do jornal foi elevada para 7 mil exemplares e que, depois dos
primeiros números, a circulação se estabilizou por volta dos 5 mil exemplares. A
informação de Amado é reforçada por Robson Moreira
230
, que dirigiu o jornal em sua fase
final, mas dele participou desde o início, e lembra que a venda dos exemplares era feita
pelos próprios integrantes da redação, mantendo uma média de três mil exemplares por
228
Entrevista com Jô Amado, em 21-12-2005
229
Entrevista com Rogério Medeiros, em 27-12-2005
230
TRINDADE, Carlos Calenti et alli. Jornalismo Alternativo: da década de 40 aos dias atuais, in
MARTINUZZO, José Antonio (Org). Impressões capixabas – 165 anos de jornalismo no Espírito
Santo. Vitória, UFES-Departamento de Imprensa Oficial do Espírito Santo, 2005, p. 291
edição. Dois outros editores do jornal reforçam o que dizem Medeiros, Amado e Moreira.
Benedito Tadeu César
231
, que dirigiu o jornal por pouco tempo, mas dele participou
durante muitos números, se lembra de um aumento da circulação quando o jornal passou
de quinzenal para semanal, com as edições se esgotando, mas mantendo uma media de 3
mil exemplares. Umberto Martins
232
, que também dirigiu Posição, afirma que, em alguns
números, a edição chegou aos 10 mil exemplares.
Ainda sobre a tiragem, outros dos fundadores do jornal, Walter Araújo, informa que,
além da Grande Vitória – Vitória, Vila Velha, Cariacica, Serra e Viana – Posição era
distribuído em outros 18 municípios do Espírito Santo. “Para fazer a distribuição nos
valíamos de sindicatos, entidades sociais e opositores do regime. O fato é que o jornal
chegava a um bom número de leitores nestas cidades, aumentando a repercussão de suas
matérias e dando maior volume às criticas ao Governo”
233
, afirma. Algumas bancas do
interior e muitas da Grande Vitória também recebiam o jornal, segundo Araújo, ampliando
a distribuição. Um dos canais usados eram os estudantes universitários, consumidores e
distribuidores do jornal. Posição tinha, também, um número fixo de assinantes, na Grande
Vitória e no interior do Estado, lembram Amado, Araújo, César e Martins.
A circulação, através das assinaturas – de menor parte – e da venda avulsa – a maior
parte – é, segundo Rogério Medeiros, significativa para a época em que Posição circulou.
De acordo com Medeiros, considerando-se que a média de leitura de um jornal é de cinco
pessoas por exemplar, Posição chegou, em alguns momentos, a ter 50 mil leitores. O
próprio Medeiros, no entanto, comenta que, no caso do jornal, o número de leitores por
exemplar era maior e isso podia ser medido pela repercussão das matérias por ele
publicadas. Estes números, no entanto, nunca foram aferidos por um instituto de pesquisa,
como ocorre hoje em relação à leitura dos jornais diários. Medeiros, Amado, Araújo,
231
Entrevista com Benedito Tadeu César, em 25-01-2006
232
Entrevista com Umberto Martins, em 24-01-2006
233
Entrevista com Walter Araújo, em 17-01-2006
Martins, Moreira e César são unânimes ao destacar a circulação do jornal e chamar a
atenção para o fato, como diz Rogério Medeiros, “que ele era comprado, não vendido, já
que muita gene ficava esperando pelas edições”.
Por fim, há um último dado a considerar que é a forma como Posição se financiava.
Dela, pode-se dizer que foi sua força e, também, o seu ponto fraco. O jornal, como relatam
seus integrantes – Medeiros, Amado, Moreira, Martins, César e Araújo – tinha sua principal
fonte de receita na venda avulsa, portanto, dependia do próprio leitor, já que o volume de
publicidade que recebia era pequeno. A ligação com o leitor, que o financiava com a
aquisição de seus números, permitia ao jornal a independência que os integrantes da mídia
tradicional não possuíam, já que não se ligava ao Governo e não dependia de verbas
publicitárias para sua sobrevivência. Os integrantes do jornal calculam que a publicidade,
em sua maioria de profissionais liberais, representava algo em torno de 5% das receitas de
Posição. O jornal recebia a colaboração de jornalistas que estavam nas redações da grande
mídia e não tinham como publicar determinadas matérias. Elas, de acordo com Medeiros,
eram repassadas ao Posição, que as publicava. Isso diminuía seu custo, já que não tinha de
pagar a estes profissionais, que colaboravam com o jornal.
Capítulo IV
Intelectuais orgânicos e contra-hegemonia
“Nossas verdades só nos parecem plausíveis em função de
onde
estamos situados num dado momento”.
Terry Eagleton
Se pode haver, em relação à história, alguma dúvida da prevalência da ideologia, o
mesmo não ocorre em relação à mídia, que vem sendo tratada, há tempo, como meio
ideológico por excelência. As teorias da comunicação confirmam e reafirmam esta vertente,
começando pela Teoria Hipodérmica
234
, quando atribui à mídia influência direta sobre o
pensar das pessoas. A analogia com uma injeção é no sentido de, aplicada, ter efeito
imediato. Assim também se daria com a mídia.
As teorias evoluíram, mas a discussão sobre a influência da mídia permanece. Wolf, um
dos mais aclamados teóricos da comunicação, afirma que os meios de comunicação são um
dos mais poderosos instrumentos de construção da realidade
235
. Desde que tiveram seu
papel amplificado, sobretudo a partir da contemporaneidade, os mídia têm servido de
espelho para que nos vejamos refletidos. São eles, como frisa Noelle-Newmann, que ditam
o que falar, dizendo ao cidadão o que deve ser discutido e, até, como deve ser discutido
236
.
Impõe, no final, como frisa a pesquisadora, uma espiral de silêncio, fazendo com que as
minorias percam a voz. No contexto histórico ao qual estamos nos reportando e que o
jornal Posição circulou, a imposição do silêncio se dava, também, como frisa muito bem
234
WOLF, Mauro. Teorias da Comunicação. Lisboa, Editorial Presença, 2002
235
WOLF, Mauro. Teorias da Comunicação. Lisboa, Editorial Presença, 2002, p. 72
236
BARROS FILHO, Clóvis de. Ética na comunicação: da informação ao receptor. São Paulo, Moderna,
1995, p. 207 a 225
Maria Luiza Tucci Carneiro
237
, pelos próprios instrumentos utilizados pelo poder, dentre os
quais se destacava a censura, que se não aparecia para o grande público, era explícita e
constante.
Mesmo com os controles ao máximo, o governo militar procurou limitar ao mínimo o
espaço institucional da política, o que ocorreu mesmo na chamada distensão, patrocinada
pelo governo Geisel, época em que o jornal Posição começou a circular. Apesar de
oferecer, fruto das pressões que vinha sofrendo, como observa Thomas Skidmore
238
, uma
brecha no forte muro da ditadura, o regime tinha a pretensão de se manter e, para tanto,
usando um contexto ideológico, buscava adesão para o que pregava. Parte dessa busca
ficava por conta da mídia, controlada pela censura ou, então, por meios econômicos. A
reprodução da ideologia dominante foi, neste caso, um trabalho que contou com a ampla
participação dos barões da mídia, como se vê no trabalho de Anne Marie Smith
239
.
O que a mídia fazia, de acordo com o estudo de Anne Marie Smith, era fingir que não
havia censura e, com raras exceções, alinhar-se ao regime, ajudando-o na construção de
uma realidade onde o conflito era substituído, pelo menos na ótica oficial, pelo consenso.
O que tínhamos, como assinala Carlos Fico
240
, era uma tentativa da conquista dos corações
e mentes dos brasileiros, de forma que os militares não só se legitimassem, mas
conseguissem apoio para o seu projeto, que era a manutenção do poder por um longo
prazo. A ação dos militares, como assinalam muito bem os pesquisadores citados, era
nitidamente ideológica, tal como a da mídia, ao dar suporte ao regime.
Temos, no final, não uma ligação feita através de um ou vários liames, mas
verdadeiramente um “casamento” entre mídia e ideologia. Ao mesmo tempo, temos todo
um trabalho, feito por intelectuais orgânicos, de busca da consolidação de uma visão de
237
CARNEIR, Maria Luiza T. Minorias silenciadas, a história da censura no Brasil. São Paulo, Edusp,
2002
238
SKIDMORE, Thomas E. A lenta via brasileira para a democratização, in STEPAN, Alfred (Org).
Democratizando o Brasil. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1985
239
SMITH, Anne Marie. Um acordo forçado. Rio de Janeiro, Editora FGV, 2000.
240
FICO, Carlos. Reinventando o otimismo. Rio de Janeiro, Editora FGV, 1997.
mundo, uma das bases da hegemonia, de acordo com Gramsci. O que buscava o regime? É
Gramsci quem responde: “(...)consenso “espontâneo” das grandes massas da população
quanto à orientação impressa pelo grupo fundamental dominante, à vida social”
241
.
Este, de acordo com Gramsci, é um trabalho típico do intelectual orgânico. Também é
função do intelectual orgânico, na visão de Gramsci, a construção de uma nova hegemonia
e um dos meios que pode ser usado para essa construção é exatamente a mídia, aliás o que
o pensador italiano fez quando dirigia o Ordine Nuovo. Configura-se, mais uma vez, a
função ideológica da mídia, que pode agir tanto no sentido de consubstanciar o poder,
quanto pode investir na sua modificação. Aqui, insere-se não só o trabalho do intelectual
orgânico, mas do próprio jornal, que pode ser entendido na perspectiva gramsciana como
um partido ampliado, o que releva o seu papel ideológico.
Enquanto veículo de oposição – e de esquerda – o jornal Posição tinha interesse em
mostrar uma realidade que era diametralmente oposta à apresentada pelo que podemos
chamar de “grande mídia”. A busca, assim, era por uma nova hegemonia, o que significava,
em primeiro lugar, a remoção dos militares do poder, o que, aliás, não era um desejo só de
Posição, mas da chamada imprensa alternativa como um todo, como mostra Bernardo
Kucinski
242
, e de uma parcela considerável da sociedade. Jornais alternativos e movimentos
sociais, como as Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), para citar apenas um deles,
buscavam a construção de uma nova hegemonia e, portanto, inseriam-se em um
movimento contra-hegemônico.
A ligação entre a mídia, ideologia e o trabalho de intelectuais é ressaltado por Gramsci
quando fala sobre a cultura, sobre os próprios intelectuais e sobre jornalismo. De todos os
assuntos que abordou em seus vários escritos, um dos quais Gramsci dedicou bom espaço
foi o jornalismo. À atividade jornalística, Gramsci associa o intelectual orgânico e relaciona
241
GRAMSCI, Antonio. Os intelectuais e a organização da cultura. São Paulo, Círculo do Livro, s/d, p.
14
242
KUCINSKI, Bernardo. Jornalistas e revolucionários nos tempos da imprensa alternativa. São Paulo,
Edusp, 2003.
procedimentos que devem ser adotados para que um jornal atenda o seu público e seja
efetivo. Sobre jornalismo, diz:
“O tipo de jornalismo estudado nestas notas é o que poderia ser chamado de “integral”
(…), isto é, o jornalismo que não somente pretende satisfazer todas as necessidades (de
uma certa categoria) de seu público, mas pretende também criar e desenvolver tais
necessidades e, conseqüentemente, em certo sentido, criar o seu público e ampliar
progressivamente sua área”
243
.
O jornal, assim é formado a partir da existência, “como ponto de partida, de um
agrupamento cultural (em sentido lato) mais ou menos homogêneo, de um certo tipo, de
um certo nível e, particularmente, com uma certa orientação geral”
244
. É o que aconteceu
no caso da criação de Posição. Um grupo de jornalistas, que tinha uma orientação geral
decidiu lançar um veículo de comunicação que explorasse um espaço não coberto pela
mídia local, que era dar voz aos movimentos sociais, engajar-se em favor da anistia e da
constituinte, como frisa Jô Amado
245
, um dos idealizadores do jornal. Posição, neste
sentido, nasceu com o sentido da crítica, focalizando a elite e seus problemas, chamando a
atenção para a ação política e mostrando aspectos da realidade local que, sem a existência
do jornal, não teriam sido mostradas, segundo acredita o seu primeiro diretor e um dos
fundadores, Rogério Medeiros
246
.
Ainda reportando-se ao jornalismo e à organização dos jornais e revistas, Gramsci,
depois de comentar as possíveis razões de sucesso de um veículo impresso, assinala que “a
orientação redacional deveria ser fortemente organizada, de modo a produzir um trabalho
intelectualmente homogêneo, apesar da necessária variedade de estilo e das
243
GRAMSCI, Antonio. Os intelectuais e a organização da cultura. São Paulo, Círculo do Livro, s/d, p.
147
244
GRAMSCI, Antonio. Os intelectuais e a organização da cultura. São Paulo, Círculo do Livro, s/d, p.
147
245
Entrevista com Jô Amado, em 21-12-2005
246
Entrevista com Rogério Medeiros, em 27-12-2005
personalidades”
247
. O que Gramsci busca é que a publicação defina público, linguagem e
que apresente aos seus leitores assuntos variados, mas dentro de uma orientação, seguindo
uma linha editorial coerente. Esta é uma tarefa dos jornalistas que, no caso, devem não
apenas ser produtores das matérias, mas dirigentes – como Gramsci o foi – de sua própria
publicação. Mais uma vez pode-se enquadrar Posição neste modelo. Sobre esta questão,
Rogério Medeiros explica que o direcionamento dos assuntos que o jornal iria abordar
eram dados pelo Conselho Editorial, constituído por jornalistas e outros intelectuais. Os
assuntos eram discutido, incluindo-se, nesta discussão, a abordagem a ser feita, buscando-
se ressaltar aspectos da realidade local para os quais a “grande mídia” não dava atenção.
A preocupação com o regional enquadra-se em outra diretriz apontada por Gramsci,
que considera fundamental a abordagem deste tipo de questões: “Muitos gostariam de
conhecer e estudar as situações locais, que sempre interessam muito, mas não sabem como
fazê-lo, por onde começar (…) Este trabalho pode ser feito, de diversos pontos de vista,
não só para regiões, mas para problemas gerais, de cultura, etc.”
248
. Para comprovar que
Posição adotava esta postura basta uma folheada em seus exemplares. Alguns títulos de
primeira página podem, neste caso, ser tomados como exemplo, como é o caso da
chamada do número 03: Tubarão: o projeto da siderúrgica foi apressado, sem
planejamento, sem infra-estrutura. Mas é irreversível. Ou de uma das chamadas do número
09: Ensino. Eleições na universidade. Politicagem nas escolas. Apesar do foco local, o
jornal não deixava de falar de assuntos nacionais e internacionais, como pode ser vistos nos
quadros que tratam, no Capítulo III, da comparação dos discursos de Posição e do regime,
baseado na Doutrina de Segurança Nacional.
Gramsci, ao mesmo tempo em que traça diretrizes para o lançamento e direção de um
jornal, atribui grande importância ao papel da imprensa, de um modo geral. Dela, diz ser
247
GRAMSCI, Antonio. Os intelectuais e a organização da cultura. São Paulo, Círculo do Livro, s/d, p.
154
248
GRAMSCI, Antonio. Os intelectuais e a organização da cultura. São Paulo, Círculo do Livro, s/d, p.
157
um partido ampliado, no sentido de, como um partido, lutar por um determinado objetivo.
Coloca, ainda, o jornal dentro do que chamou de aparelhos privados de hegemonia, já que
a mídia ajuda na construção e na manutenção da hegemonia. Pode, por outro lado, exercer
um papel contra-hegemônico, contribuindo, neste caso, para a substituição de uma
hegemonia por outra. Neste caso, através do trabalho dos intelectuais orgânicos, ajuda na
difusão de uma nova ideologia, com o objetivo de torná-la senso comum e entranhá-la na
sociedade civil de tal forma que se transforme em visão de mundo das várias classes sociais.
O que Gramsci teoriza, baseado na sua própria experiência de ação política, é que, em
primeiro lugar, um jornal pode ser usado como um partido ampliado, buscando alargar a
ação de conquista do poder mediante a construção de uma nova hegemonia e, portanto, da
instalação de uma nova ideologia. Em segundo lugar, liga a ação do jornal à dos intelectuais
orgânicos, chaves no processo de estabelecimento de uma nova hegemonia ou na
manutenção da existente. Neste caso, cita Benedeto Croce, um dos mais conhecidos
intelectuais da Itália no início do século XX, cuja ação foi, sempre, no sentido de manter a
hegemonia existente. Em terceiro lugar, Gramsci afirma que não há um único caminho
para a construção desta nova ideologia e da nova hegemonia. O trabalho deve ser
multifacetado, pois
“Não basta a premissa da “difusão orgânica, por um centro homogêneo, de um modo
de pensar e de agir homogêneo. O mesmo raio luminoso, passando por prismas diversos,
dá refrações de luz diversas: se se pretende obter a mesma refração é necessária toda uma
série de retificações nos prismas singulares. (...) é necessária a adaptação de cada conceito às
diversas peculiaridades e tradições culturais”
249
.
Ao intelectual, que “é um profissional especializado (skilled) que conhece o
funcionamento de “máquinas” próprias especializadas”
250
cabem a “apresentação e
249
GRAMSCI, Antonio. Os intelectuais e a organização da cultura. São Paulo, Círculo do Livro, s/d, p.
158-159
250
GRAMSCI, Antonio. Os intelectuais e a organização da cultura. São Paulo, Círculo do Livro, s/d, p.
159
representação em todos os seus aspectos positivos e em suas negações tradicionais,
relacionando sempre cada aspecto parcial à totalidade”
251
, o que vai levar à formação de
uma consciência crítica e, portanto, ajudar na construção da nova hegemonia. O papel do
jornal integra-se, aqui, ao do jornalista. Os dois, no entender de Gramsci, podem – e devem
– exercer um papel de formação de uma cultura, criando uma nova consciência, ajudando
na difusão e implantação de uma nova ideologia e, como conseqüência deste trabalho,
construindo uma nova hegemonia.
Quem é intelectual? O que são intelectuais orgânicos? Para se trabalhar com o conceito
gramsciano de intelectual é essencial dar respostas às duas perguntas. No caso da primeira,
o seu conceito é revolucionário, já que não reduziu o intelectual ao homem de letra, mas
afirma que todos são intelectuais e o que os diferenciam é a função que exercem. Gramsci
ampliou o conceito de intelectual, dando-lhe um caráter de formulador. O intelectual
surgido desta formulação é absolutamente original, pois não guarda nenhum traço do que,
antes, se pensava dele: um homem reflexivo, que procurava de longe explicar o mundo,
não transformá-lo. Assim, mudando o conceito de intelectual, é possível responder à
segunda questão. Orgânico, em síntese, é o intelectual que participa, que age, que ajuda na
formulação de uma nova hegemonia ou se engaja na manutenção da hegemonia existente.
De um lado e do outro, a organicidade vem do comprometimento, da participação, na
formulação de idéia que ajudem na ação política, seja ela hegemônica ou contra-
hegemônica.
Há, ainda, por destacar nesta nova formulação o seu valor revolucionário, já que
Gramsci, ao afirmar que todos somos intelectuais, acaba com uma pretensa divisão do
trabalho, mostrando que o intelectual é também um trabalhador que vende o seu próprio
trabalho. Ao mesmo tempo em que amplia a ação do intelectual, Gramsci o recoloca junto
de uma classe, ligando-a a ela e diferenciando-o apenas em função das tarefas que irá
251
GRAMSCI, Antonio. Os intelectuais e a organização da cultura. São Paulo, Círculo do Livro, s/d, p.
160
exercer. Neste sentido, o trabalho intelectual não existe por si só, mas é uma função que se
exerce no dia-a-dia, na organização, na difusão de idéias e na ação.
Olhando o intelectual dentro do conceito ampliado, Gramsci pode dizer que “cada
grupo social (…) cria para si, ao mesmo tempo e de modo orgânico, uma ou mais camadas
de intelectuais que lhe dão homogeneidade e a consciência da própria função”
252
e é neste
momento que Gramsci explica que os camponeses, por não possuírem seus intelectuais
orgânicos, acabam sem uma identificação de classe e, por isso, ligada às classes
hegemônicas.
Reforçando a classificação de que não existem não intelectuais, Gramsci comenta:
“Na verdade, o operário ou o proletário, por exemplo, não se caracteriza
especificamente pelo trabalho manual ou instrumental, mas por este trabalho em
determinadas condições e em determinadas relações sociais (…) em qualquer trabalho
físico, mesmo no mais mecânico e degradado, existe um mínimo de qualificação técnica,
isto é, um mínimo de atividade intelectual criadora”
253
.
O intelectual orgânico está intimamente ligado ao trabalho de construção de uma nova
visão de mundo e se contrapõe ao intelectual tradicional, desligado de sua classe e que se
julga autônomo em relação à sociedade civil. Gramsci traça os papéis que os intelectuais
orgânicos devem representar e um deles é ligar os elos da superestrutura mediante a
interpretação do senso comum e visando a transformar a ideologia que perpasse a
sociedade civil em hegemônica, unindo, assim, a sociedade em torno de um objetivo
político.
Gramsci explica:
“Poder-se-ia medir a “organicidade” dos diversos estratos intelectuais, sua mais ou
menos estreita conexão com um grupo social fundamental, fixando uma gradação das
funções e das superestruturas de baixo para cima (da base estrutural para cima). Por
252
GRAMSCI, Antônio. Os intelectuais e a organização da cultura. São Paulo, Círculo do Livro, s/d, p. 7
253
GRAMSC, Antônio. Os intelectuais e a organização da cultura. São Paulo, Círculo do Livro, s/d, p. 10
enquanto pode-se fixar dois grandes “planos” superestruturais: o que pode ser chamado de
“sociedade civil” (isto é, o conjunto de organismos chamados comumente de “privados”) e
da “sociedade política ou Estado”, que correspondem à função de “hegemonia” que o
grupo dominante exerce em toda a sociedade e àquela de “domínio direto” ou de comando,
que se expressa no Estado e no governo “justo”
254
.
A tarefa final do intelectual seria, mesmo, a de criação e organização de uma cultura,
contribuindo para o surgimento e consolidação de uma ideologia, que vai, conforme afirma
o próprio Gramsci, perpassar toda a sociedade, dando-lhe solidez e fazendo com que haja,
por parte do grupo de comando, hegemonia. Toda a análise e conceituação de Gramsci
partiu da situação italiana e da dominação do Norte sobre o Sul do país, incluindo-se sua
própria região. As formulações levam em conta, ainda, o momento histórico e político,
com a esquerda tentando e não conseguindo chegar ao poder. Consideram, também, a
dificuldade de alianças entre os vários grupos sociais, o que dificultava a ação política de
quem não compunha o bloco de poder e não estava inserido no momento hegemônico.
Gramsci, valendo-se da hierarquização que fez dos intelectuais, coloca os professores e
jornalistas – que havia criticado antes, dizendo serem pretensos intelectuais – em um
primeiro nível de organicidade. E isto se dá por serem os dois instrumentos de ensino e de
mudança, com o ensino marcando, mais ainda, a função do professor, que se transforma
em um formador de novos intelectuais e, com isso, pode contribuir para que os formados
sejam orgânicos, não tradicionais. O que é necessário ver, então, é se os jornalistas de
Posição se enquadram na categoria de orgânicos e se fizeram, com a publicação do jornal,
um trabalho contra-hegemônico, buscando a construção de uma nova ideologia, de uma
nova hegemonia.
O trabalho contra-hegemônico exercido por Posição está demonstrado no Capítulo III,
contrapondo-se o seu discurso, através do que foi expresso em suas capas, ao discurso do
254
GRAMSCI, Antônio. Os intelectuais e a organização da cultura. São Paulo, Círculo do Livro, s/d, p.
12-13
regime. O próprio discurso adotado pelo jornal pode servir para medir a organicidade dos
intelectuais que nele atuaram ao longo de suas 65 edições. A este respeito, reportemo-nos a
Dominique Maingueneau
255
que, ao apontar princípios para a análise dos discursos, nos
remete a duas leis que indicam ser o discurso orientado e uma forma de ação. Sobre o
primeiro ponto, afirma: “O discurso se constrói, com efeito, em função de uma finalidade,
devendo, supostamente, dirigir-se para algum lugar”
256
. No segundo, porque “falar é uma
forma de ação sobre o outro e não apenas representação do mundo”
257
. O autor ressalta, a
seguir, que “toda enunciação constitui um ato (prometer, sugerir, afirmar, interrogar, etc.)
que visa a modificar uma situação”
258
. O discurso, neste caso, destina-se a produzir uma
modificação nos destinatários. Tanto em um, como no outro caso pode-se enquadrar o
discurso jornalístico, de uma maneira geral, e o de Posição, em particular. O jornal, a se
basear na conceituação de Maingueneau, construiu o seu discurso com o sentido claro de
produzir uma modificação na postura de seus leitores, oferecendo-lhes uma visão crítica do
momento histórico vivido no Espírito Santo e, a partir dela, ajudando na reflexão sobre a
ação do regime, contribuindo para a sua desconstrução e, com isso, participando da
disseminação de uma nova ideologia, antepondo-se à ditadura.
Esta postura é reforçada no depoimento de Jô Amado, Editor Chefe do jornal.
“Naquela época (em que o jornal Posição foi criado) a prioridade política na luta contra a
ditadura obedecia basicamente a dois temas: a) anistia aos presos políticos; e b) denúncia e
luta contra a censura”
259
. Robson Moreira, um dos primeiros integrantes da redação e que
no final da vida de Posição foi seu diretor, assinala que a idéia que perpassava o jornal “era
255
MAINGUENEAU, Dominique. Análise de textos de comunicação. São Paulo, Cortez Editora, 2002,
2ª edição
256
MAINGUENEAU, Dominique. Análise de textos de comunicação. São Paulo, Cortez Editora, 2002,
2ª edição, p. 52
257
MAINGUENEAU, Dominique. Análise dos textos de comunicação. São Paulo, Cortez Editora, 2002,
2ª edição, p. 53
258
MAINGUENEAU, Dominique. Análise dos textos de comunicação. São Paulo, Cortez Editora, 2002,
2ª edição, p. 53
259
Entrevista com Jô Amado, em 21-12-2005
dizer, em função de uma determinada realidade, tudo aquilo que há muito não era dito”
260
,
acrescentando que havia um trabalho de integração com os movimentos sociais. “Não
fazíamos para eles, mas, por meio do jornal, falávamos dos problemas e que, se eles se
organizassem, poderiam conquistar a vida que estavam necessitando”
261
.
Nos dois casos fica claro o engajamento dos jornalistas em um trabalho que buscava
expor os problemas do regime, mediante a divulgação do que ocorria no Espírito Santo e,
ao mesmo tempo, o comprometimento deles com a mudança, duas das condições
essenciais, segundo Gramsci, para se classificar um intelectual como orgânico. Outra
mostra do engajamento é a composição do próprio Conselho Editorial do jornal. Em uma
de suas fases, conforme relata Tadeu César, em “uma reunião dos colaboradores do jornal
propusemos a criação de um grande conselho editorial com a participação de deputados
estaduais do MDB, de integrantes do movimento Justiça e Paz, da OAB, de intelectuais
engajados, de lideranças do movimento estudantil que se encontrava em reorganização, de
sindicalistas, etc.”
262
. Com a inserção dos movimentos sociais no Conselho Editorial
Posição ampliou sua ligação com estes movimentos, iniciado desde o primeiro número,
conforme afirma Jô Amado: “Havia uma integração efetiva com os movimentos sociais
(centros comunitários), com sindicatos, com setores das igrejas – no caso específico da
igreja católica, éramos muito próximos da Comissão de Justiça e Paz”
263
.
Umberto Martins, outro dos colaboradores do jornal e que também foi seu Editor, é
mais claro quanto fala da ligação de Posição com os movimentos sociais. “O jornal”,
afirma, “buscava representar anseios e opiniões dos movimentos sociais, bem como do
260
TRINDADE, Carlos Calenti et alli. Jornalismo alternativo: da década de 40 aos dias atuais, in
MARTINUZZO, José Antônio (Org). Impressões capixabas – 165 anos de jornalismo no Espírito
Santo. Vitória, UFES-Departamento de Imprensa Oficial, 2005, p. 292
261
TRINDADE, Carlos Calenti et alli. Jornalismo alternativo: da década de 40 aos dias atuais, in
MARTINUZZO, José Antônio (Org). Impressões capixabas – 165 anos de jornalismo no Espírito
Santo. Vitória, UFES-Departamento de Imprensa Oficial, 2005, p. 292
262
Entrevista com Benedito Tadeu César, em 25-01-2006
263
Entrevista com Jô Amado, em 21-12-2005
MDB e personalidades que faziam oposição ao regime militar”
264
. Martins reconhece que
os partidos de esquerda, na época na ilegalidade, exerciam influência sobre o jornal, mas
ressalta que ele também tinha influências do MDB, o partido legal de oposição, fornecendo
a indispensável ligação política que Gramsci atribui ao intelectual orgânico.
O caráter de oposição e, portanto, de luta contra-hegemônica, é ressaltado por Rogério
Medeiros
265
ao lembrar que o jornal se focou nos problemas estaduais, incluindo os
políticos, e mirou a elite, que estava no poder ou que dava suporte a ele. O próprio
Medeiros era o encarregado de escrever as matérias políticas devido – reconhece - ao maior
trânsito que tinha e ao conhecimento do mundo político local. Este caráter é reforçado por
César, ao lembrar que, no caso do Espírito Santo, Posição era a única publicação regular
que fazia oposição ao regime, destacando que o jornal “cumpria um papel político muito
importante no ES, já que era o único jornal de resistência à ditadura no estado e,
conseqüentemente, o único canal de enfrentamento ao status-quo dominante”
266
, daí
entender que Posição ajudou a “compor uma consciência crítica à ditadura e, mesmo com
os tropeços sectários, inerentes ao próprio momento em que vivíamos, contribuímos para a
construção de uma consciência democrática no Espírito Santo”
267
. Marca-se, assim, um dos
outros aspectos da atuação orgânica dos intelectuais que compunham Posição, engajados
na construção de uma nova hegemonia mediante uma atuação política clara.
O engajamento, seja mediante críticas ao governo e ao regime, seja pela ligação com os
movimentos sociais, é reconhecido pelos que participaram de Posição, tenham exercido
cargos de chefia ou não. Martins, Amado, Medeiros, César, Moreira e, fora do rol de
jornalistas, Araújo, deixam clara a ligação do jornal com, em primeiro lugar, a oposição
constituída no Estado, mediante abertura de canais para o MDB, que tinha pouco acesso à
grande imprensa. O jornal dava voz aos movimentos sociais, denunciando, dentre outras
264
Entrevista com Umberto Martins, em 24-01-2006
265
Entrevista com Rogério Medeiros, em 27-12-2005
266
Entrevista com Benedito Tadeu César, em 25-01-2006
267
Entrevista com Benedito Tadeu César, em 25-01-2006
coisas, a favelização da Grande Vitória. O discurso de Posição, neste caso e como destaca
Maingueneau, é marcado por uma ação de contraposição ao regime, o que nos leva a
afirmar que era contra-hegemônico e marca a atuação dos intelectuais que nele atuavam
como orgânicos.
Na linha do uso do discurso para mostrar o trabalho orgânico dos intelectuais de
Posição, outro suporte são os editoriais do jornal. Como destaca Jean-François Tétu “o
editorial mostra mais que qualquer outra parte do jornal, dado que seu papel é o de
informar, ao mesmo tempo, sobre o mundo e sobre a maneira através da qual se deve
percebê-lo”
268
, aduzindo que o jornal constrói o acontecimento e, por isso, “o editorial o
indica claramente”. O editorial, assim, não apenas diz o conteúdo do jornal, mas remete o
leitor à sua interpretação, como ele deve ser lido e os objetivos buscados no variado
material que compõe, na diversidade, a unidade de sentido deste dispositivo, como lembra
Mouillaud
269
.
Assim, os editoriais de Posição servem para mostrar a sua ação contra-hegemônica, uma
vertente que não adotamos nesta pesquisa. Servem, também, para indicar uma ação
orgânica dos intelectuais que o integraram, refletindo o seu engajamento político e a busca
de transformação social, o que se configura, no final, como um trabalho contra-
hegemônico do próprio jornal e daqueles que o integram. Veja-se o que disse o Editorial do
numero 05:
“(...) a crise camuflada que se vinha arrastando há meses tende a assumir, cada vez mais,
claramente, os contornos concretos de uma recessão econômica. Ontem, as pessoas se
queixavam da falta de feijão, do preço dos alimentos, da alta do aluguel, do nível dos
salários. Hoje, o fantasma do desemprego passa a ocupar o lugar principal nas
preocupações do povo”
.
268
TÉTU, Jean-François. Le Monde e Liberation em perspectiva, in MOUILLAUD, Maurice, e PORTO,
Sérgio Dayrell (Orgs). O jornal da forma ao sentido. Brasília, Editora UNB, 2002, 2ª edição, p. 192.
269
MOUILLAUD, Maurice, e PORTO, Sérgio Dayrell (Orgs). O jornal da forma ao sentido. Brasília,
Editora UNB, 2002, 2ª edição
A orientação do discurso, na linha defendida por Maingueneu, é clara e objetiva
desconstituir a imagem de desenvolvimento econômico, da ausência de problemas e de
consenso entre a população brasileira em face do regime e da Doutrina de Segurança
Nacional que adotava. O discurso reafirma, também, o engajamento do jornal e dos
intelectuais que o compunham, destacando um aspecto do real que não era abordado pela
chamada grande mídia, pela existência da censura oficial ou por seu alinhamento com o
bloco de poder, visando à manutenção de uma hegemonia.
Esta postura é reforçada por outros editoriais, como o do numero 16:
“(...) passamos mais de seis meses abordando temas “tabus” para o restante da
imprensa capixaba: revelando a face escondida de grandes grupos econômicos
estrangeiros, denunciando desmandos – crônicos e reincidentes – de representantes
do Poder Público; noticiando conluios entre abastados particulares e empresas do
governo (...) ou divulgando ilegalidades, iniqüidades, irregularidades cometidas em
nome da Justiça”.
O que o jornal buscava, desde o seu início, como ressalta Martins era a “democratização
das relações políticas no Estado e um fortalecimento de um pensamento e de forças
progressistas, a exemplo de outras publicações parecidas (em geral alternativas) elaboradas
noutros Estados e regiões do país e/ou de circulação nacional (caso dos jornais Movimento
e Opinião)”
270
. Por isso, segundo ainda Martins, o jornal era hostil às forças da direita “da
mesma forma que o jornal era hostil à ditadura e seus representantes no Estado”
271
, o que
resultava no que ele chama ódio destes segmentos à publicação.
Ao contrapor-se ao regime, mediante a escolha de informações que não eram veiculadas
na chamada grande mídia, os jornalistas de Posição, além do trabalho técnico, no sentido
gramsciano, realizavam, também, um trabalho que visava à mudança e, portanto, de
construção de uma nova hegemonia. Como frisam os integrantes do jornal – Amado,
270
Entrevista com Umberto Martins, em 24-01-2005
271
Entrevista com Umberto Martins, em 24-11-2005
Martins, César, Moreira e Medeiros – Posição investia na conscientização da necessidade de
democratização do país. Defendia, assim, a democracia, que se opunha à ideologia do
regime, baseada na Doutrina de Segurança Nacional.
O que os jornalistas, já apontados por Gramsci como intelectuais que podem ter uma
atuação orgânica, fizeram foi imiscuírem-se ativamente na vida prática, como construtores,
organizadores, persuasores permanentes. Se os intelectuais são “funcionários” da
superestrutura, a ligação deles com o contexto social, que é diversificado, pode se dar, ainda
de acordo com o conceito gramsciano, do lado da sociedade civil ou da sociedade política.
Como Gramsci relaciona a sociedade política ao Estado, ao poder, os intelectuais alinhados
a ela seriam, no caso, os reprodutores da hegemonia, lutando pela manutenção do poder
das classes que já o têm. De outro lado – e aqui estão os jornalistas que integraram o jornal
Posição – ao alinharem-se à sociedade civil, os intelectuais orgânicos passam a exercer um
papel contra-hegemônico, isto é, passam a trabalhar no sentido de construção de uma nova
hegemonia e, portanto, da formação de uma nova sociedade política. Como frisa Beired
272
,
na teoria gramsciana os intelectuais podem exercer papéis de conservação ou de
transformação. Em ambos os casos, eles têm atuação orgânica. “A análise de Gramsci
detém-se na demonstração do papel – conservador ou transformador – do intelectual
como figura que organiza a cultura e os homens; que articula o centro do aparelho estatal
de poder com o restante do corpo social; e que ao produzir ideologia fornece consciência e
homogeneidade às classes que representa”
273
, afirma Beired.
No caso do jornal Posição, pela postura adotada pela publicação, pelo engajamento dos
seus jornalistas e pela ação por eles exercidas, podemos afirmar, tomando o conceito
desenvolvido por Gramsci, que estamos diante de um trabalho orgânico, inserido em um
contexto social e histórico delimitado e que, por se engajarem e difundirem uma nova
272
BEIRED, José Luís Bendicho. A função social dos intelectuais, in AGGIO, Alberto. Gramsci, a
vitalidade de um pensamento. São Paulo, Unesp, 1998.
273
BEIRED, José Luís Bendicho. A função social dos intelectuais, in AGGIO, Alberto. Gramsci, a
vitalidade de um pensamento. São Paulo, Unesp, 1998, p. 127
ideologia – a da democratização – os jornalistas de Posição podem ser considerados
intelectuais orgânicos. A demonstração dessa organicidade é dada pelo discurso da
publicação, pelo engajamento de seus jornalistas e pela integração aos movimentos sociais
que buscavam a mudança da hegemonia vigente. O trabalho orgânico, de criação de uma
nova hegemonia, pressupõe um engajamento ideológico – o que, conforme relatam os
integrantes do jornal, aconteceu com Posição. A ideologia serve, assim, de pano de fundo
para o trabalho político e orgânico, em todos os seus níveis, realizado pelos intelectuais.
Se a ideologia representa um papel importante, como é que Gramsci a vê? A ideologia,
responde Gramsci, nos Cadernos do Cárcere, “é a unidade entre uma concepção de mundo
e uma norma de conduta adequada a ela”
274
. Coutinho afirma que para Gramsci “a
ideologia é algo que transcende o conhecimento e já se articula diretamente com a prática,
com a política”
275
. Já Badaloni afirma que o conceito “busca dar às “crenças” (ou, como ele
diz, às “ideologias”) um significado ativo, criador, precisamente porque aparecem como
elemento organizador da coletividade”
276
. A ideologia, então, ganha importância e
significação no trabalho hegemônico e contra-hegemônico. Cabe aos intelectuais orgânicos
a formulação de ações que, de um lado, confirmem um determinado bloco histórico ou,
então, que estabeleçam diretrizes para a sua substituição, instalando-se uma nova
hegemonia, um trabalho feito pelo jornal Posição e pelos intelectuais orgânicos que o
integravam. Pizzorno ajuda no entendimento de como Gramsci vê a ideologia ao afirmar
que “quando a ideologia adquire “a solidez das crenças populares” (segundo uma expressão
de Marx), então se unifica um bloco social, se constitui um bloco histórico (quer dizer, se
realiza um sistema social integrado”
277
.
274
GRAMSCI, Antonio. Cadernos do Cárcere, apud COUTINHO, Carlos Nelson. Gramsci. Porto Alegre,
L&PM Editores, 1981, p. 83
275
COUTINHO, Carlos Nelson. Gramsci. Porto Alegre, L&PM Editores, 1981, p. 84
276
BADALONI, Nicola. Gramsci e a filosofia da práxis como previsão, in HOBSBAWN, Eric. História
do Marxismo, Rio de Janeiro, Paz e Terra, Vol. 10, 1997, p. 48
277
PIZZORNO, Alexandre. Sobre el método de Gramsci, in GALLINO, Luciano. Gramsci e las
ciencias sociales, Cordoba, 1979, p. 51
O que a ideologia faz, na concepção gramsciana, que é positiva, é “dar coerência a um
partido, a um grupo, a uma sociedade, vale dizer, de constituir princípios de distinção e de
coesão internas”
278
. Somente com a ideologia entranhada no meio social é que se torna
possível tornar unitária e coerente a visão de mundo. Se tal não for realizado, afirma
Pizzorno, a incoerência pode levar a “múltiplas influências negativas no plano da conduta
moral, da vontade, até ao ponto de impedir totalmente a ação e decisão e produzir um
estado de passividade moral e política”
279
. Se há uma coisa que Gramsci não aceita é a
passividade, ao ponto de chegar a dizer que odiava os indiferentes por entender que viver
significava tomar partido.
A importância da ideologia para as formulações de Gramsci é destacada por Eagleton
280
ao dizer que o conceito de hegemonia inclui a ideologia, mas não pode ser reduzida a ela.
“A hegemonia”, afirma Eagleton, “então, não é apenas um tipo bem sucedido de ideologia,
mas pode ser decomposta em seus vários aspectos ideológicos, culturais, políticos e
econômicos”
281
. É exatamente a existência de vários eixos dentro de uma ideologia – e que
levam à busca de hegemonia – que torna o trabalho do intelectual orgânico mais
importante. Dentro de um jornal, como educador, como criador de novos significados e
novos simbolismos, ele ajuda na construção desta hegemonia. O que Gramsci fez, ressalta
Eagleton, foi efetuar uma “transição crucial de ideologia como “sistemas de idéias” para
ideologia como prática social vivida, habitual – que, então, deve abranger as dimensões
inconscientes, inarticuladas da experiência social, além do funcionamento das instituições
formais”
282
. O que a ideologia fornece à hegemonia é a possibilidade dela permanecer
invisível, disseminada por toda textura da vida social, naturalizada como costume, hábito,
278
PIZZORNO, Alexandre. Sobre el método de Gramsci, in GALLINO, Luciano. Gramsci e las
ciencias sociales, Cordoba, 1979, p. 52
279
GALLINO, Luciano. Gramsci e las ciencias sociales. Córdoba, se, 1979, p. 38
280
EAGLETON, Terry. Ideologia. São Paulo, Boitempo-Unesp, 1997, p. 105
281
EAGLETON, Terry. Ideologia. São Paulo, Boitempo-Unesp, 1997, p. 106
282
EAGLETON, Terry. Ideologia. São Paulo, Boitempo-Unesp, 1997, p. 107
prática espontânea. Evitando se mostrar, nos diz Eagleton, o poder evita contestação,
dificultando, com isso, o trabalho contra-hegemônico.
Como há - como demonstra Eagleton - uma ligação estreita da hegemonia com a
ideologia, o trabalho dos intelectuais orgânicos é, também, um trabalho ideológico. Na
construção de uma nova hegemonia – portanto, em um trabalho contra-hegemônico – o
que fazem é desconstituir a hegemonia dominante para a implantação de uma nova. A ação
orgânica torna-se, assim, ação política, já que visa à mudança do bloco de poder, e assume
o seu caráter ideológico, de pregação de uma nova hegemonia e de uma nova visão de
mundo, que tende a ser naturalizada em um corte transversal que perpassa todos os
estratos sociais.
A ideologia, assim, além de servir de pano de fundo para toda ação dos intelectuais
orgânicos e dos aparelhos privados de hegemonia, dentre os quais podemos destacar a
mídia, está no cerne da atuação orgânica dos intelectuais. Temos, aqui, como afirma Zizek,
a ideologia “como matriz geradora do que regula a relação entre o visível e o invisível, o
imaginável e o inimaginável, bem como as mudanças nessa relação”
283
. É essa a construção
a que o intelectual orgânico se dedica. A ideologia, por se muito mais do que um sistema de
crenças, por fornecer a própria base de subjetivação, está no cerne do trabalho contra-
hegemônico e oferece o suporte e as ferramentas com que o intelectual orgânico trabalha.
No caso do jornal Posição, estas vertentes estão claras. Tomando-se como base as
entrevistas dos integrantes do jornal, eles adotaram uma posição política clara, de oposição
ao regime e integraram correntes sociais que buscavam uma nova hegemonia, atuando
como críticos, expondo problemas do regime e, exercendo as leis do discurso, dando ao
que o jornal publicava um sentido contra-hegemônico. A base de tudo o que foi feito está,
em relação ao momento histórico específico, na democracia, uma forma de governo, mas
283
ZIZEK, Slavoj. O espectro da ideologia, in ZIZEK, Slavoj. Um mapa da ideologia. Rio de Janeiro,
Contraponto, 1996, p. 7
também um sistema ideológico que se contrapunha à política do regime, desenvolvida a
partir das diretrizes da Doutrina de Segurança Nacional.
O grande feito da ideologia, como lembra Pêcheux
284
, é tornar-se invisível, já que opera
ocultando sua própria existência. E é exatamente por isso que a questão ideológica precisa
ser examinada, mostrando que ela existe, exerce influência e oferece a base para um
trabalho de contra-hegemonia, buscando, no entender de Gramsci, tornar-se senso comum,
entranhada no tecido social e criar uma nova concepção de mundo. Quando isso ocorre,
tem-se uma nova hegemonia. E foi o que aconteceu no Brasil com o fim do regime civil
militar. Posição e seus jornalistas participaram, ao longo do tempo de circulação do jornal,
da construção desta nova hegemonia, que culminou com a democratização do país.
284
PÊCHEUX, Michel. O mecanismo de (des)conhecimento ideológico, in ZIZEK, Slavoj (Org). Um
mapa da ideologia. Rio de Janeiro, Contraponto, 1996, p. 148
Considerações finais
Contra-hegemonia no Espírito Santo
“Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e
molhados”
Millôr Fernandes
A afirmação de Millôr, humorista reconhecido e autor consagrado no teatro, certamente
é um exagero. Os teóricos do jornalismo não concordam com esta posição, mas admitem
que o jornal, os jornalistas e a construção do acontecimento que fazem não são neutros.
No mínimo, eles passam por um enquadramento, que pode ser do jornal ou do jornalista
ou, então, dos dois. Nélson Traquina, um teórico português bastante utilizado nas
academias brasileiras, coloca uma questão para reflexão, chamando a atenção para uma
pergunta que entende ser fundamental: o que é jornalismo na democracia? E ele responde:
“A democracia não pode ser imaginada como um sistema de governo sem liberdade, e o
papel central do jornalismo, na teoria democrática, é informar o público sem censura. Os
pais fundadores da teoria democrática sempre insistiram, desde o filósofo Milton, na
liberdade como fator essencial da troca de idéias e opiniões, reservando ao jornalismo não
apenas o papel de informar os cidadãos, mas também, num quadro de checks and balances
(a divisão de poder entre poderes), a responsabilidade de vigilante (watchdog) do governo.
Tal como a democracia sem uma imprensa livre é impensável, o jornalismo, sem liberdade,
ou é farsa ou é tragédia”
285
.
Sem democracia, o jornalismo vira propaganda. E foi isso o que aconteceu, durante o
regime civil militar que, por 20 anos, dominou o país. O controle da informação exerceu
um papel importante na busca de manutenção e consolidação do regime. Sobre a mídia,
285
TRAQUINA, Nelson. O que é jornalismo. Lisboa, Quimera, 2002, p. 12
nestes anos, sempre pendeu a espada de censura. Mas não foi só. O governo usou os
outros instrumentos que tinha, indo da pressão econômica ao oferecimento de facilidades
na obtenção de concessões de rádio e televisão. Contou, ainda, com a adesão dos
empresários que detinham o controle da mídia brasileira. No final, sobrava pouco espaço
para a discussão de idéias e opiniões, como sugere Traquina. O caminho para furar este
bloqueio foi a chamada imprensa alternativa. Neste caso, o jornalismo transformou-se, de
fato, em oposição. Para comprová-lo, basta ver o que afirma Kucinski, que chama os
integrantes desta imprensa de jornalistas e revolucionários. No primeiro caso, por estarem,
efetivamente, integrados à profissão. No segundo, pelo seu desejo de mudança, o que foi
exercido com a ação dos jornais alternativos, dentre eles Posição.
A discussão feita neste trabalho buscava, em primeiro lugar, comprovar uma hipótese
que dizia ter o jornal Posição exercido um papel contra-hegemônico, ajudando na
construção de uma nova hegemonia e fez isso refletindo sobre a democracia, conflito
capital versus trabalho e contexto social. O exercício contra-hegemônico de Posição está
demonstrado no Capítulo III e, através do uso de categorias em que a Doutrina de
Segurança Nacional divide o poder nacional, foi possível mostrar que o discurso do jornal,
através das chamadas de capa e da significação criada pela própria primeira página, com a
colocação dos títulos, ilustrações ou fotografias, efetivamente se contrapôs ao do governo,
então detentor da hegemonia. Ao exercer papel contra-hegemônico, Posição discutiu
questões relacionadas à democracia, ajudando a mostrar que o país não vivia em um regime
democrático, principalmente através da integração com os movimentos sociais. Mostrou,
também, os problemas relacionados ao conflito capital versus trabalho falando de
reivindicações salariais, movimentação sindical e greve, tudo feito em nome de melhores
salários. Este discurso se contrapunha ao do governo, que dizia não existir no Brasil
conflito entre empregados e patrões, exercendo um férreo controle sobre os sindicatos.
O jornal explorou, e muito, o contexto social, partindo dos problemas existentes no
Espírito Santo, relacionados à economia, à política e às condições de vida dos que eram
mais pobres. Em relação à economia, sempre fez, como mostram as chamadas de capa de
Posição, uma crítica consistente aos grandes projetos, chamando a atenção para aspectos
que não eram divulgados, como a ampliação das favelas, ocorrida com o êxodo das áreas
rurais, devido à atração destes projetos, que apareciam, no imaginário capixaba, como
forma fácil de emprego. Basta ver, para tanto, o quadro que faz a comparação entre as
diretrizes da DSN e o discurso de Posição. Mostrou, ainda, problemas na educação, na
saúde e no campo, sempre em confronto com o discurso oficial, desenvolvimentista e que
procurava passar a idéia da inexistência de problemas, principalmente os da área social. A
categorização e, a partir dela, a comparação entre as diretrizes da DSN e o discurso de
Posição comprova que o jornal exerceu, de fato, um papel contra-hegemônico, ajudando na
construção de uma nova hegemonia, consolidada a partir da adoção da democracia, com
liberdade de imprensa, de opinião e com o fim da censura e da repressão política.
Se a hipótese resta comprovada, é preciso ater-se, ainda, aos objetivos traçados para esta
pesquisa e ver se foram alcançados. No caso do desafio ao controle do governo, Posição o
fez, basicamente, através do engajamento de seus jornalistas, intelectuais orgânicos na
acepção de Gramsci. Foram eles os responsáveis pelo levantamento dos problemas
divulgados pelo jornal. Foram eles que, engajados politicamente, como reconhecem os que
dirigiram Posição, furaram o bloqueio da mídia tradicional, mostrando que o Estado não
era e não vivia em um mar de rosa. Havia problemas que iam do econômico ao social, sem
deixar de lado os políticos, com manipulação eleitoral e corrupção no poder público. O
quadro que fala em poder político, no Capítulo III, mostra muito bem esta ação. O
trabalho, no entanto, não foi isolado, já que o jornal ligava-se aos movimentos sociais,
divulgando suas reivindicações e servindo de voz para os que não tinham acesso à mídia
tradicional, o que dava maior amplitude às reivindicações.
O exercício do jornalismo, e do bom jornalismo, foi o principal instrumento usado por
Posição para fazer o trabalho contra-hegemônico. Os intelectuais orgânicos que o
integravam, como demonstrado no Capítulo IV, agiam no sentido de ter, a cada edição, um
número variado de assuntos, refletido na primeira página do jornal, destacando matérias
que ajudavam na desconstrução do discurso oficial, de que tudo ia bem e não havia
problemas. O jornal valeu-se, também, de sua circulação, pequena se considerado o
contexto dos grandes jornais, mais que atingia um número considerável de leitores e
formadores de opinião, criando o debate sobre as questões abordadas e desconstruindo a
hegemonia do regime. Aqui, como antes, o papel contra-hegemônico está ligado aos
assuntos que o jornal abordava e ao próprio discurso e como ele o construía, de forma a
opor-se ao discurso oficial, cuja base era a DSN.
Resta, para se completar os objetivos levantados, a questão da situação do jornal e os
meios que buscava para sua sobrevivência. Esta questão só pode ser entendida a partir do
depoimento das pessoas envolvidas com o jornal. E elas dizem que, basicamente, ele se
pagava com a venda avulsa e um pequeno número de assinantes. O jornal recebia anúncios,
mas eles nunca foram significantes para a sua receita. Rogério Medeiros
286
lembra que as
Prefeituras de Cachoeiro do Itapemirim e de Vila Velha, ocupadas por prefeitos do MDB,
ajudavam com anúncios. Outra ajuda vinha de anúncios de profissionais liberais, alguns de
oposição, cujo sentido era o de ajudar o jornal, como comenta Walter Araújo
287
. Medeiros e
Araújo informam que o jornal recebia ajuda de outras pessoas, o que era feito sem a
veiculação de anúncios. Um dos nomes citados pelos dois é o do advogado Paulo Silveira.
Outro, do também advogado Sizenando Pechincha Filho. Quando o jornal, em seu
primeiro editorial e em outros, sempre que havia uma mudança, dizia que dependia do
leitor, não estava se valendo apenas da retórica, mas reconhecendo uma situação que
ocorria na prática. A receita com os leitores, no entanto, às vezes não era suficiente e
286
Entrevista com Rogério Medeiros, em 27-12-2005
287
Entrevista com Walter Araújo, em 17-01-2006
integrantes do jornal, que tinham atividades fora da redação, acabavam colaborando para
que Posição não deixasse de circular, como lembra Benedito Tadeu César.
Dependente do leitor, mas sem uma estrutura que permitisse ter recursos suficientes
para manter-se circulando, Posição acabou. Os problemas financeiros, no entanto,
explicam apenas em parte o fim do jornal. Ele se deu, também, pela mudança do contexto
político, com o fim da censura à imprensa, a abertura partidária e a liberdade de
manifestação. Combinados, estes fatores contribuíram para o fim do jornal. É como afirma
Martins, ao comentar o fechamento de Posição:O fato mais geral é que se tratou de um
período histórico a que a imprensa dita alternativa respondeu e que, ao se aproximar do fim
(num clima de maior abertura, avanço da oposição e liberdade de imprensa – maior do que
nos tempos mais sombrios da ditadura) talvez tenha esgotado a necessidade de tais
publicações”
288
. Talvez, como comenta César
289
, se fosse estruturado, tivesse se
transformado em cooperativa e comprado equipamentos, o jornal se mantivesse. César
acredita que sim. Esta, no entanto, é uma outra questão e não perfaz os objetivos deste
estudo. Para comprová-lo seria necessária uma outra pesquisa.
Medeiros, que foi o primeiro diretor de Posição, acha que havia – e ainda há – espaço
para um jornal como Posição e entende que foi realmente o lado financeiro o determinante
para o seu fechamento. O fato é que Posição realmente dependia dos seus leitores, já que
não contava com verbas de publicidade para se manter. E foi esta uma das principais
características do jornal.
A comprovação da hipótese e o alcançar dos objetivos propostos, no caso do jornal
Posição, não esgota a questão do trabalho contra-hegemônico no Espírito Santo. Se o
jornal foi um ícone da resistência, não foi o único. Políticos, dirigentes sindicais, dirigentes
de entidades, lideranças de bairros e ligadas às Comunidades Eclesiais de Base, advogados,
a Ordem dos Advogados do Brasil, a Igreja Católica e a Luterana, pelo menos, também
288
Entrevista com Umberto Martins, em 24-01-2006
289
Entrevista com Benedito Tadeu César, em 25-01-2006
agiram no sentido contra-hegemônico. Em alguns momentos, Posição refletiu esse
trabalho. Em outros, não. E é por isso que a questão merece ser mais investigada. No caso
desta pesquisa, seu objeto é claro e o seu locus, limitado, já que se centrou na ação de um
jornal, que circulou no Espírito Santo de 1976 a 1979, inicialmente a cada quinzena e,
depois, a cada semana, criado, dirigido e escrito por intelectuais orgânicos e que, pelo seu
engajamento, pelas posições assumidas e pela articulação do seu discurso exerceu, de fato,
um papel contra-hegemônico no Estado.
A questão da contra-hegemonia, se resta explicada, não esgota a possibilidade de novos
estudos sobre o jornal Posição, principalmente devido à riqueza do que fez e ao momento
que viveu, um dos mais férteis do país, com o despontar de movimentos sociais e a busca
da democratização, que chegaria alguns anos depois do seu fechamento. Seguramente, o
jornal pode oferecer novos caminhos para a reflexão, ficando aberto aos pesquisadores que
venham a se interessar pela sua trajetória e ação.
A proposta desta pesquisa de, sob a ótica da história política, relacionar mídia, ditadura e
contra-hegemonia no Espírito Santo, mostrando a ação do jornal Posição, foi alcançada,
comprovando que houve, de fato, uma ação contra-hegemônica por parte do jornal. A
pesquisa mostra, ainda, as possibilidades de se trabalhar a mídia e o que ela faz para se
levantar a história política. Sem dúvida, Posição dá uma boa mostra como foi o exercício da
oposição no Espírito Santo. No caso desta pesquisa, esta oposição se integra a um objetivo
maior, a construção de uma nova hegemonia. Como nos afirma Gramsci, ela só é
conquistada com a união da sociedade política e da sociedade civil, formando um bloco
histórico, para o que mídia tem um papel central, como nos mostra, em um pequeno
pedaço do espelho, o trabalho desenvolvido por Posição.
Os conceitos gramscianos de hegemonia – e de contra-hegemonia - intelectuais
orgânicos, partido ampliado e ideologia deram o suporte à discussão deste trabalho,
conduzindo-o, no final, à comprovação da hipótese levantada e ajudando no alcance dos
seus objetivos. Eles não foram os únicos, no entanto, já que há o aproveitamento de
recursos da análise do discurso e, mesmo, de elementos do jornalismo. O que se fez, na
verdade, foi seguir o conselho de Peter Burke
290
, de se recorrer à teoria social e buscar a
interdisciplinaridade para se exercer melhor o ofício de historiador e para explicar melhor o
objeto escolhido e pesquisado. A utilização de conceitos de outras áreas, se cria uma
dificuldade operacional, como reconhece Burke, acaba por permitir um enriquecimento da
pesquisa. No caso deste trabalho, a afirmação de Burke é verdadeira e começa pelo uso dos
conceitos de Gramsci, desenvolvidos a partir da reflexão política, não histórica, mas que se
aplicam perfeitamente à história e à análise de questões como hegemonia, intelectuais,
partido ampliado, etc.
O que se prova, com esta pesquisa, no final, é que história, mídia e política possuem
liames muito fortes que as liga, com a primeira podendo se utilizar da segunda e da terceira
como seus objetos ou, então, como se trata neste trabalho, juntando mídia e política e, a
partir delas, fazendo-se uma discussão histórica, focada em um momento, com recorte
claro, buscando a explicação para a ação de um jornal que se diferenciou pela sua ação, pelo
seu discurso e pelo trabalho dos intelectuais que o integravam.
290
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Rio de Janeiro, Contraponto, 1996.
Apêndice A
As capas de Posição
“A realidade, tal como a verdade, nunca é, por definição,
“toda””.
Slavoj Zizek
Se, como nos diz Slavoj Zizek
291
, repetindo Lacan, a realidade só nos aparece por
espectro e é este espectro que está no cerne da ideologia, as capas do jornal Posição oferece
uma pequena visão de uma realidade que, durante o tempo em que circulou, era bem
diferente da apresentada pelo governo e pelo regime. O que estas capas nos mostram é
uma crítica recorrente àquilo que o regime mais prezava, às vezes, feita de forma ácida, às
vezes, recorrendo ao cômico, através de desenhos que retratavam situações nem sempre
risíveis, mais que levavam à reflexão.
Se o jornal, por outro lado e como afirma Mouillaud
292
, se caracteriza como um
dispositivo que usa títulos, ilustrações, chamadas e o próprio meio físico, o papel, para
gerar sentido, as capas de uma publicação, por refletirem o que seus responsáveis
consideram mais importante, é o melhor meio de apreender este sentido. Assim, para
complementar o que esta pesquisa demonstrou, torna-se importante reproduzir as capas de
Posição, permitindo que, através da associação de seus títulos, chamadas e ilustrações se
forme o sentido contra-hegemônico criado pela publicação, através da ação de seus
intelectuais orgânicos.
Adiante, estão reproduzidas todas as capas de Posição, inclusive a do numero que, por
ter sido apreendido pela Policia Federal, não foi publicado, gerando uma capa em que a
291
ZIZEK, Slavoj. O espectro da ideologia, in ZIZEK, Slavoj (Org). Um mapa da ideologia. Rio de Janeiro.
Contraponto, 1996, 1ª reimpressão.
292
MOUILLAUD, Maurice e PORTO, Sérgio Dayrell (Orgs). O jornal – Da forma ao sentido. Brasília,
Editora UNB, 2002, 2ª edição.
apreensão era denunciada e uma segunda página com um cáustico editorial contra o
regime.
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