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Universidade Federal do Rio de Janeiro
A SACRALIZAÇÃO DA MARCA E A PIRATARIA
Comunicação e Sociabilidade nas Práticas de Consumo de
Bens Piratas
Escola de Comunicação / UFRJ
Mestrado em Comunicação e Cultura
Fernanda Casagrande Martineli
2006
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II
Fernanda Casagrande Martineli
A Sacralização da Marca e a Pirataria
Comunicação e Sociabilidade nas Práticas de Consumo de Bens Piratas
Volumes: 1
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Comunicação e Cultura da Escola de
Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro
como parte dos requisitos necessários à obtenção do título
de Mestre em Comunicação e Cultura
Orientadora: Liv Rebecca Sovik
Rio de Janeiro
2006
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III
339.43
M 385
Martineli, Fernanda Casagrande.
A Sacralização da Marca e a Pirataria: comunicação e
sociabilidade nas práticas de consumo de bens piratas /
Fernanda Casagrande Martineli , orientadora: Liv Rebecca Sovik.
Rio de Janeiro , 2006. 125f. ; 31cm.
Dissertação (Mestrado em Comunicação) – UFRJ,
Escola de Comunicação.
1. Comunicação 2. Cultura 3.Consumo 4. Pirataria
5. Subjetividade
I..Sovik, Liv Rebecca ; orient. II. UFRJ. Escola de
Comunicação. III. Título.
IV
A SACRALIZAÇÃO DA MARCA E A PIRATARIA:
comunicação e sociabilidade nas práticas de consumo de bens piratas
Fernanda Casagrande Martineli
Orientadora: Profa. Dra. Liv Rebecca Sovik
Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-graduação em Comunicação e
Cultura da Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte
dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Comunicação e Cultura.
Rio de Janeiro, _____ de __________ de 2006.
________________________
Profa. Dra. Liv Sovik
Universidade Federal do Rio de Janeiro
________________________
Prof. Dr. Everardo Rocha
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro
________________________
Profa. Dra. Janice Caiafa
Universidade Federal do Rio de Janeiro
V
Para meus pais, Angela e Décio. Meus irmãos, Paula e
Leonardo. Para meu tio Sydney, Normélia e Juliana. E para
Ricardo, com todo o meu carinho.
VI
AGRADECIMENTOS
Agradeço em primeiro lugar a Deus, pela inquietação que
me conduziu até aqui, e aos meus pais, Angela e Décio,
pelo apoio incondicional em todos os momentos.
Agradeço à minha orientadora Liv Sovik pelas observações
e críticas preciosas e precisas, pela paciência, tranqüilidade
e generosidade em ensinar, que fizeram desta dissertação
um trabalho árduo, mas prazeroso.
Agradeço aos queridos professores Everardo Rocha, Ilana
Strozenberg, Janice Caiafa, Liv Sovik e Mohammed
ElHajji, pelas aulas estimulantes que sempre foram um
incentivo.
Agradeço à CAPES pela bolsa de mestrado tão importante
para a realização desta pesquisa, à Escola de Comunicação
da UFRJ e ao Programa de Pós-graduação em
Comunicação e Cultura da UFRJ.
Agradeço ao professor e amigo Alexandre Curtiss, pelo
incentivo inicial.
Agradeço ao estímulo da minha família, de colegas e
amigos. Aos amigos da Eco Lúcia Santa Cruz, Gustavo
Souza e Pedro Butcher, que compartilharam essa jornada,
agradeço pelas conversas, sugestões e pelo apoio.
Agradeço a Oto Reifschneider e Ricardo Nóbrega pela
leitura, comentários e pelas longas e produtivas discussões.
Agradeço especialmente a Ricardo, por tudo, sempre.
VII
RESUMO
MARTINELI, Fernanda Casagrande. A Sacralização da Marca e a Pirataria: comunicação
e sociabilidade nas práticas de consumo de bens piratas. Rio de Janeiro, 2006. Dissertação
(Mestrado em Comunicação e Cultura) - Escola de Comunicação, Universidade Federal do
Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2006
Este trabalho tem por objetivo estimular o debate a respeito do consumo de bens
piratas. Ao invés do tom economicista adotado pela mídia, o que se pretende é uma abordagem
cultural do mercado onde os bens de luxo piratas se apresentam como experiência de consumo
cotidiana e simulacro da marca registrada. Entendendo que os bens são definidores de modos
de agir, a discussão gira em torno das práticas de consumo de artigos piratas e dos
relacionamentos sociais envolvidos. Trata de pertencimento social e exclusão e atravessa o
campo da produção de bens, de sentido e de subjetividade. A partir da perspectiva de que no
universo do consumo ocorrem processos de classificação, considera-se o consumo de bens
piratas como um deslocamento que interfere nos rituais de consumo dominantes e propõe
repensar a relação entre consumo e alteridade.
Palavras-chave: 1. Comunicação. 2. Cultura. 3. Consumo. 4. Pirataria. 5. Subjetividade
VIII
ABSTRACT
MARTINELI, Fernanda Casagrande. A Sacralização da Marca e a Pirataria: comunicação
e sociabilidade nas práticas de consumo de bens piratas. Rio de Janeiro, 2006. [Sacralization
of the Trademark and Fake Goods: communication and social interaction in the practice of
consuming counterfeit brand-name goods] Thesis submitted towards a Master’s degree in
Communication and Culture School of Communication, Universidade Federal do Rio de
Janeiro, Rio de Janeiro, 2006
The objective of this thesis is to stimulate debate about the consumption of
counterfeit or “pirated” goods. Instead of the economics-centered arguments of the media, a
cultural approach to the market is taken, where fake luxury goods are an everyday consumer
experience and present a simulacrum of trademark goods. On the understanding that goods
define modes of action, the discussion turns on the practices of consuming pirate goods and
the social relations involved. Social belonging and exclusion are keys to these practices that
crosscut the field of production of goods, of meaning and of subjectivity. Based on the
perspective that in the universe of consumption there are processes of classification,
consumption of fake goods is understood as a shift that affects dominant consumption and the
relationship between consumption and alterity is put into question.
Keywords: 1. Communication. 2. Culture. 3. Consumption. 4. Fake luxury goods.
5. Subjectivity
IX
SUMÁRIO
Introdução
10
1 Considerações metodológicas e horizonte epistemológico 19
1.1 A experiência do consumo 22
1.2 A razão prática e a razão simbólica 26
1.3 Um breve histórico 30
2 O discurso da mídia 51
3 Rituais de consumo 61
3.1 O sagrado: a marca registrada 64
3.2 O profano: a pirataria na era da reprodutibilidade técnica 68
3.3 As articulações entre bens, pessoas e mercado 74
4 A geografia da produção 79
5 A questão do gosto 86
5.1 A questão da criação 93
5.2 A questão da representação social e política 95
6 Identidade e alteridade no consumo de bens 99
6.1 Consumo e subjetividade 106
6.2 Identidade e discurso na publicidade 109
6.3 Consumo, hierarquia social e fronteiras culturais 113
Considerações finais
117
Referências bibliográficas
121
10
Introdução
O interesse em realizar essa pesquisa surgiu a partir de questionamentos e
inquietações que se acumularam após alguns anos de trabalho em departamentos de criação de
agências de propaganda, atuando na idealização, conceituação e criação de diversas
campanhas publicitárias. Nesse período, o que mais intrigava era o fato de que, no dia-a-dia
de uma profissão onde toda a prática gira em torno de pensar o consumo de bens e serviços,
não havia uma preocupação em pensá-lo criticamente. As pesquisas realizadas nesse meio
utilizavam as tradicionais ferramentas do marketing e seu interesse era sempre direcionado
para a eficácia: o saber era empregado para se construir e trabalhar com estratégias para fazer
as pessoas consumirem mais, ou seja, havia pouca reflexão sobre os complexos mecanismos e
os relacionamentos envolvidos nas práticas de consumo. Mesmo porque o tempo que tal
atitude exige é incompatível com o ritmo alucinante de trabalho nas agências. Em contraste
com a falta de espaço do mercado, a academia revela-se então um lugar privilegiado para se
pensar o consumo, em especial o consumo de bens piratas, objeto desta pesquisa.
E se pensar o consumo é uma necessidade que se impõe por tratar-se de uma
das formas fundamentais de construção das identidades contemporâneas e dos processos de
significação na sociedade capitalista, o consumo de bens piratas emerge como um desafio
instigante e pertinente, pois se trata de uma modalidade cada dia mais presente no cotidiano
dos habitantes das grandes cidades. Cada vez que saímos às ruas somos interpelados por uma
multiplicidade de bens que se oferecem ao consumo, expostos em vitrines de shoppings e nos
camelôs, no comércio formal e no informal. Bens que coexistem de forma nem sempre
harmoniosa, que ocupam o espaço público das ruas e o espaço privado dos shoppings e das
lojas. E que nos interpelam não na sua materialidade de objeto, mas especialmente em
11
cartazes, outdoors, busdoors, backlights que se misturam à paisagem da cidade, e também
anúncios, comerciais de televisão, e-mails e malas-diretas que entram em nossas casas.
Diante desse quadro, esta pesquisa se propõe a pensar o consumo como
sistema de comunicação e forma de sociabilidade. Mais especificamente, trata do consumo de
bens piratas e dos relacionamentos sociais envolvidos nessa prática, a partir da perspectiva de
que os bens definem modos de ser e de agir e, no mesmo movimento, articulam processos de
inclusão e exclusão social. Dessa forma, a pirataria é abordada aqui como um deslocamento
que interfere nos rituais de consumo dominantes e a partir daí pode-se repensar a relação entre
consumo e alteridade.
Algumas vezes é freqüente entre o senso comum uma tendência de condenar o
consumo e o consumismo que pode ser entendida como uma reação às narrativas idealizadas
de vida que aparecem nos anúncios publicitários e não correspondem à realidade. A exaltação
à compra neles veiculada, ao mesmo tempo em que seduz, também promove uma certa
resistência e desconfiança porque articula um discurso que faz um elogio exacerbado ao Ter,
vinculando a posse de bens materiais ao sucesso pessoal. Dessa forma, embora o discurso
sobre o trabalho e a produção seja muitas vezes revestido de uma positividade, o que é
articulado em torno do consumo pode mobilizar afetos contrários. Nessas circunstâncias,
criticar o consumo, especialmente o consumo de artigos mais sofisticados e que não são
considerados “bens de subsistência”, é uma atitude geralmente considerada ética ou
politicamente correta. E isso se aplica com rigor até maior quando se trata do consumo de
bens piratas, principalmente no discurso veiculado pela mídia.
De fato, atualmente observamos que a mídia promove um discurso homogêneo
sobre a pirataria, pois se concentra prioritariamente em valores monetários, enumerando em
cifras astronômicas os prejuízos que causa ao grande capital. Esta pesquisa propõe um olhar
sob outra perspectiva, no sentido de problematizar o conteúdo do discurso normativo
12
veiculado nos meios massivos a respeito da indústria pirata, pois na medida em que o assunto
se transforma em repertório de uma narrativa que se concentra na desqualificação e
demonização da produção de bens piratas, isso pode ser entendido como uma tentativa de
afastar o fenômeno de um pensamento crítico. A intenção aqui é, ao contrário, de
questionamento acerca dos valores que organizam a nossa experiência (como, por exemplo,
os moralismos pré-concebidos reproduzidos pelo discurso midiático). Nesse sentido esta
pesquisa busca fugir do maniqueísmo reducionista, pois indignação moral não basta para
compreender o complexo universo de consumo de bens piratas.
As corporações capitalistas, que têm sua voz amplificada pelos meios de
comunicação de massa, divulgam seu discurso desqualificador e pressionam o Estado para
combater a pirataria com argumentos que a colocam na posição de agente destruidor.
Entretanto, vale lembrar que a indústria pirata cresce porque os consumidores interessados
na sua produção são muitos e isso a fortalece. A cópia ilegal recebe o nome de “pirata”
exatamente porque esse termo (des)qualifica a prática como criminosa. O próprio léxico
“cópia” passa a ter uma conotação pejorativa. É uma desqualificação que se processa
inclusive semântica e gramaticalmente.
Entretanto, nem sempre foi assim. Em períodos pré-capitalistas, copiar foi
sinônimo de talento. Tanto que os artesãos alcançavam o tulo de mestre quando
conseguiam dominar perfeitamente as técnicas do ofício. E esse treinamento para o domínio
da técnica consistia basicamente em produzir cópias dos objetos que eram criados pelos
próprios mestres. Esse processo era repetido exaustivamente, até o momento em que a cópia
produzida pelos artesãos fosse tão fiel à versão original criada pelo mestre que chegasse a ser
confundida com ela. Somente ao atingir esse estágio de domínio da técnica é que o aprendiz
poderia vislumbrar uma ascensão ao status de mestre. Walter Benjamin, no clássico texto A
Obra de Arte na Era de Sua Reprodutibilidade Técnica (1996), também analisa a questão da
13
obra de arte original e da cópia, e considera que a primeira possui uma aura, um valor
simbólico que nunca é completamente reproduzido na cópia. Mais adiante isso será tratado
detalhadamente.
Ficam, portanto, algumas questões que atravessam a produção da obra de arte e
merecem ser transpostas para esta pesquisa, com a ressalva de que a produção aqui se trata de
bens de consumo que se destinam à comercialização, e não de obras de arte: por que a
originalidade é tão fundamental para o reconhecimento do valor de um objeto? Podemos
conceber que o aprendiz, ao imitar o mestre, não o supera, uma vez que o objeto reproduzido,
além de ter a originalidade criativa do mestre, ainda tem o valor agregado do talento do
aprendiz? Desconsiderar esse valor não é um exemplo de que estamos presos a modelos
preconceituosos de atribuição de valor e autoria? Contudo, cabe destacar que tanto a obra de
arte quanto os bens de consumo reproduzidos como cópia na maioria dos casos não parecem
ser tão perfeitos quanto o original.
Ao mesmo tempo, o ato de copiar a obra do mestre é sinal de reconhecimento e
respeito pelo seu trabalho, e se constitui como uma espécie de homenagem. E por isso existe
um consentimento na cópia, e podemos até mesmo dizer que um desejo de que ela
aconteça – se os grandes autores são copiados, a imitação, nesse contexto, atesta e legitima
a grandiosidade e genialidade do artista que criou a obra original. Claro que também existem,
entre as obras de arte, cópias feitas com o intuito de enganar compradores, com fins
meramente comerciais. Mas enquanto uma obra de arte pode ser copiada com a intenção de
enganar quem a compra, os bens piratas de que trata essa pesquisa são aqueles
conscientemente adquiridos pelos consumidores. Assim, é certo que existem pelo menos dois
diferentes tipos de consumidores nesse mercado: aquele que sabe que está comprando um
bem pirata e aquele que é enganado. Interessa aqui o primeiro tipo, consumidores que
compram bens pirateados não por desconhecimento, não porque foram enganados, mas
14
possivelmente na intenção de enganar seus interlocutores nas interações sociais, fazendo com
que eles acreditem na originalidade do bem. De qualquer forma, muitas são as possibilidades
de interpretação das circunstâncias e dos motivos de aquisição de um bem pirata. Embora
alguns consumidores declarem abertamente que consomem artigos pirateados pela
oportunidade de adquirir uma mercadoria com o design (não necessariamente a qualidade) do
original a preço bem mais baixo, provavelmente, se pudessem escolher, prefeririam sempre
adquirir o original (levando em conta questões monetárias e também de segurança, uma vez
que circular nas ruas das grandes cidades com objetos de luxo é considerado por muitos um
risco).
A prática de copiar obras de arte de grandes autores que se constitui como um
elogio à criação do mestre encontra eco em nossa sociedade e inspira um discurso cordial
adotado por alguns dos “grandes mestres” contemporâneos que têm seus produtos imitados
pela indústria da pirataria. Tal qual o mestre de antigamente que se sentia homenageado pelo
aprendiz, alguns designers que hoje têm seu trabalho imitado afirmam encontrar na cópia um
objeto de vaidade pessoal. De acordo com matéria divulgada pelo site No Mínimo
(http://www.nominimo.com.br
), “o estilista Marc Jacobs parceiro de Takashi Murakami no
design das bolsas da francesa Louis Vuitton (...) se declarou lisonjeado por ser objeto de
clonagem explícita” (AQUINO, 2004).
Observa-se, assim, que o fato de ser copiado está relacionado com a honra.
Entretanto, as percepções sobre direitos autorais são bastante diversas no caso do aprendiz
copiando o mestre e da indústria pirata imitando o designer. Uma vez que os fatos sociais são
historicamente circunscritos, observamos que, no primeiro caso, realmente existe a
possibilidade da cópia significar homenagem e respeito. Já no caso da indústria pirata, a cópia
é feita única e exclusivamente com intenção de venda, de comercialização ilegal e obtenção
de lucro. Diante dessa situação, o discurso de Marc Jacobs parece ter a intenção muito mais
15
de mobilizar a simpatia de uma massa de consumidores que não têm acesso ao bem original,
mas admira seu trabalho. É o “mestre” que está buscando aceitação, legitimidade e
justificativa para a sua produção. Na contra-mão do estabelecido ele cria não só produtos, mas
um novo discurso ao se tornar uma voz dissonante na quase unanimidade de discursos oficiais
que desqualificam a pirataria. Ele usa isso a seu favor e encobre um pouco a imagem
“inacessível” da grande corporação para a qual trabalha. Populariza o nome sem tornar os
produtos populares, pois estes não deixam de ser nem sofisticados nem restritos, e disfarça a
inacessibilidade ao bem pela acessibilidade do discurso. Ao invés de desqualificar a produção
da indústria pirata, ele a utiliza para qualificar a si mesmo e obter reconhecimento. Nesse
sentido, a indústria pirata reforça o valor da marca registrada e confere mais visibilidade ao
bem.
Mas por que uma cópia não tem o mesmo valor que um original? Qual é o
significado que circula junto com esses bens piratas? Quais são as narrativas sobre esse
fenômeno na sociedade contemporânea? De que maneira os bens originais e piratas são
apropriados simbólica e socialmente? Que tipos de relacionamentos estão envolvidos? Pensar
o consumo de bens piratas, como a cultura se expressa nesses códigos e qual o sentido
presente nessa dinâmica é o desafio deste trabalho. Para além de descrever o panorama em
que pirataria se articula, é importante descobrir informações sobre as condições sociais em
que o fenômeno se configura e como se dá a sua organização, a mobilização de pessoas, de
afetos, as relações de poder envolvidas, enfim, a experiência do consumo nas grandes cidades,
levando em conta “os três elementos fundamentais de qualquer experiência”, segundo
Foucault
em entrevista a Paul Rabinow: “um jogo de verdade, relações de poder e formas de
relação consigo mesmo e com os outros” (RABINOW, 1999, p. 23). Em outras palavras, o
que se pretende aqui é fazer uma abordagem do mercado pela lógica cultural e não
econômica, cuja importância foi apontada por Douglas e Isherwood em O Mundo dos Bens
16
(2004). Um mercado onde a pirataria surge como uma experiência de consumo cotidiana na
sociedade contemporânea. Cabe esclarecer, contudo, que a opção por uma abordagem cultural
se justifica porque a economia, sozinha, não conta da complexidade do fenômeno. Mais
que se deter em cálculos e mensurações é necessário uma reflexão sobre as tramas sociais e
afetivas, materiais e simbólicas engendradas nas práticas de consumo de bens piratas. Nesse
sentido, os bens são vistos aqui como mediadores. Por isso a atenção é dirigida para além do
objeto em si, para além de sua materialidade, e concentra-se no fluxo das trocas simbólicas.
Lutas são travadas em campos simbólicos, e o mercado de consumo é uma
arena onde isso acontece. Entretanto, um debate mais rigoroso deve pensar como o mercado
pode estar a serviço de algo além daquilo que está previsto para ele (como lucro, geração de
capital etc). Portanto, é preciso pensar a questão da ética e introduzir a política dentro das
relações de mercado, discutindo os rumos dos acontecimentos, com a ressalva de que não se
trata de buscar uma culturalização das relações sociais de caráter político e econômico.
Tradicionalmente, considera-se pirataria um processo de produção de bens que
não respeita direitos autorais, nem propriedade intelectual nem os direitos da marca
registrada, processo este legalmente e moralmente condenável. Essa perspectiva não conta
da amplitude e da complexidade do fenômeno e, assim, pretende-se discutir outros pontos
relativos ao tema, objetivando sua melhor compreensão. Nesse sentido é fundamental
estabelecer uma importante diferença conceitual entre pirataria e bens piratas. Entende-se que
a pirataria é o processo de produção e os bens piratas são o produto, o que é produzido e
consumido. Não se consome pirataria (o processo), mas sim os bens piratas (os produtos).
Mas embora sejam instâncias distintas, considera-se aqui que produção e consumo são
fenômenos intimamente relacionados.
Uma outra questão importante é o fato de que essa produção de bens piratas é
tão vasta que atinge os mais diferentes setores da indústria. São pirateados desde os softwares
17
mais sofisticados, roupas, bolsas e acessórios, perfumes e cds, tênis, até escovas de dente e
canetas esferográficas. Mapear as formas tão diversas e heterogêneas sob as quais a pirataria
se apresenta sem dúvida demandaria um trabalho mais extenso, pois a cada dia somos
surpreendidos nas ruas das grandes metrópoles por novos e inusitados bens pirateados. Além
disso, nem todo tipo de bem pirata pode ser tratado da mesma forma, pois artigos de moda e
indumentária fornecem marcação visual e podem ser identificados pelo olhar, o que não
acontece com softwares, por exemplo.
Nesse sentido, é pertinente delimitar o alcance do trabalho. A presente
pesquisa privilegia o estudo de bens de luxo pirateados: artigos como bolsas, óculos, relógios
e roupas. Isso não impede que, vez ou outra, apareça na discussão casos relacionados a outros
bens (como artigos esportivos e tecnológicos). Cabe ressaltar, entretanto, que a ênfase em
artigos de luxo justifica-se porque esses bens – em especial vestimenta e indumentária -
promovem uma espécie de marcação visual que permite uma abordagem sobre as hierarquias
que se formam e se articulam nas práticas de consumo. Pretende-se identificar as motivações
e conseqüências desse consumo, como se constroem identidades e estilos de vida nessas
práticas.
Para uma melhor organização dos argumentos, este trabalho está dividido em
sete capítulos. No primeiro, discute-se a metodologia empregada, os referenciais teóricos, as
técnicas de pesquisa e as razões de sua utilização. No segundo, é feita uma análise sobre como
o assunto é tratado pela mídia, apresentando exemplos de matérias jornalísticas e pesquisas
que tratam do consumo de bens piratas. O terceiro capítulo fala do consumo como uma
prática ritualística, estabelecendo a classificação em categorias do “sagrado” e do “profano” a
partir de alguns referenciais teóricos da antropologia que contribuem para uma melhor
compreensão do tema e enriquecimento do debate. O quarto capítulo fala sobre a geografia da
produção, sobre como as indústrias da falsificação articulam suas linhas de montagem e como
18
isso se relaciona com o consumo e a globalização. O quinto capítulo discorre sobre a questão
do gosto e seus determinantes: o que é belo, feio, bom ou ruim, quem determina essas
categorias, a partir de que prisma elas são estabelecidas e se consolidam ou se desintegram,
como surgem os estilos. O sexto e último capítulo aborda a construção e articulação das
identidades nas práticas de consumo, os agenciamentos - que determinam a individuação de
um enunciado, no sentido de Deleuze (1992b) e Guattari (1986) - promovidos pela
publicidade e como as pessoas narram a si mesmas nas práticas de consumo. A partir daí
discute-se a relação entre pirataria, hierarquia social e fronteiras culturais no consumo de
bens. Para encerrar, são tecidas as considerações finais às quais se chegou com esta pesquisa a
respeito das relações entre pessoas, bens e significados nas práticas de consumo de bens
piratas. No complexo universo do consumo, a pirataria revela muito sobre os processos de
inclusão e exclusão social, mas ainda traz mais questões do que respostas.
19
1 Considerações metodológicas e horizonte epistemológico
O consumo hoje ocupa um espaço na sociedade que vai além da satisfação de
necessidades de subsistência pela aquisição de bens materiais. Uma reflexão sobre as práticas
nele estabelecidas permite discutir como se formam redes de sociabilidade e se articulam
relações sociais. De fato, o consumo assumiu um papel proeminente na contemporaneidade e
as interações em torno dele permeiam a ordem social. Cabe esclarecer que o consumo do qual
se trata aqui não é de ordem bio-lógica (consumir oxigênio ou alimento para subsistência)
nem psico-lógica (consumo como desejo subjetivo, individual, no sentido psicanalítico). Não
podemos naturalizar, biologizar nem universalizar o consumo, pois isso o coloca num plano
diferente do que a sociedade contemporânea o experimenta. Trata-se antes de uma sócio-
lógica, considerando que faz sentido quando compartilhado socialmente. Dessa maneira, a
abordagem do consumo como um fato social no sentido de Durkheim é um importante ponto
de partida para o estabelecimento dos critérios metodológicos da pesquisa. Segundo o autor,
Estamos, pois, diante de uma ordem de fatos que apresenta caracteres muito
especiais: consistem em maneiras de agir, de pensar e de sentir exteriores ao
indivíduo, dotadas de um poder de coerção em virtude do qual se lhe impõem. Por
conseguinte, não poderiam se confundir com os fenômenos orgânicos, pois
consistem em representações e em ações; nem com os fenômenos psíquicos, que não
existem senão na consciência individual e por meio dela. Constituem, pois, uma
espécie nova e é a eles que deve ser dada e reservada a qualificação de sociais. Esta
é a qualificação que lhes convém; pois é claro que, não tendo por substrato o
indivíduo, não podem possuir outro que não seja a sociedade: ou a sociedade
política em sua integridade, ou qualquer um dos grupos parciais que ela encerra [...]
É fato social toda maneira de agir fixa ou não, suscetível de exercer sobre o
indivíduo uma coerção exterior; ou então ainda, que é geral na extensão de uma
sociedade dada, apresentando uma existência própria, independente das
manifestações individuais. (DURKHEIM, 1995, p. 3 e 11).
Nesse modelo analítico, Durkheim introduz o fato social como sendo externo
(porque não depende das vontades individuais), extenso (se inscreve no limite de toda a
sociedade dada) e coercitivo (coage as pessoas independente das vontades individuais), pois
20
“mesmo quando colaboração espontânea de nossa parte, para a emoção comum, a
impressão que ressentimos é inteiramente diferente da que experimentaríamos se
estivéssemos sozinhos” (DURKHEIM, 1995, p. 4).
Durkheim argumenta contra o privilégio da psicologia de estudar a sociedade a
partir da natureza do indivíduo. E defende que, embora a psicologia ou as ciências fundadas
na psicologia pressuponham desejos, a nossa experiência social diz que na prática, quando os
homens nascem encontram a sociedade pronta, de modo que não existe um “momento
original fundador” isso seria um movimento especulativo filosófico. Assim, se os homens
não são pré-existentes à sociedade, ela então tem uma existência própria e nenhum homem
tem o domínio da sociedade, mas todo indivíduo tem apenas um controle parcial dessa
sociedade que lhe precede. Para Durkheim, o indivíduo não pode existir fora da sociedade
porque depende de seus signos e símbolos. De tal forma que todo sentimento, assim como
todo valor moral, é constituído na vivência social, culturalmente.
Conforme o conceito anteriormente exposto, o consumo, como fato social, não
deve ser definido pela sua generalidade (pois ele se generaliza porque é social, e não o
contrário). Da mesma forma é preciso evitar explicar psicologicamente (portanto,
individualmente ou subjetivamente) certos aspectos específicos do consumo com afirmações
do tipo “fazer compras para se sentir bem e fugir do sofrimento”, “fazer compras como uma
terapia” e outras expressões populares com esse sentido
1
. Essas visões do senso comum
simplificam demais o debate e podem comprometer a consistência da análise, por isso são
inadequadas. As instâncias do psiquismo não são suficientes para tratar da multiplicidade de
coisas que se entrelaçam no universo social do consumo uma vez que as práticas que são
engendradas se inscrevem num campo delimitado pela alteridade.
1
Na língua inglesa há, inclusive, uma expressão específica para designar esse tipo de comportamento:
denomina-se retail therapy (ou terapia do varejo, numa tradução literal) o ato de comprar para aliviar frustrações
ou escapar do stress. Atribui-se, nesse sentido, um caráter terapêutico à compra.
21
Ao separar o universo psicológico do social Durkheim não elimina a esfera do
que é simbólico nem do que é mental. Ao contrário, o autor afirma que a vida social é feita de
representações, e estas impõem modos de ser ao indivíduo, de forma que até o fato de ser um
indivíduo é uma imposição social (inclusive, a própria psicologização do consumo
mencionada acima pode ser entendida como um sintoma do social). Assim, o movimento é
muito mais da sociedade em direção à formação de consciências individuais do que o inverso,
como se cada consciência individual fosse completamente autônoma e independente do que
lhe é externo. Em outras palavras, o que o indivíduo é, é socialmente construído.
Acreditar que os indivíduos têm autonomia de ação nos diversos parâmetros de
articulação da realidade não os deixa imunes às influências das relações de consumo. Mas não
se trata de simples relações de causa e efeito, pois nessas interações que se estabelecem
observamos uma polifonia de vozes e uma diversidade e complexidade tais que uma análise
do fato social deve considerar a forma como essas múltiplas dimensões se comunicam, como
acontecem esses fluxos e como isso repercute nos sujeitos.
Para proceder com esta pesquisa, realizou-se leitura e reflexão de diversas
obras relacionadas ao consumo de bens e assuntos correlacionados, no sentido de estabelecer
um diálogo entre a comunicação e as diversas áreas das ciências humanas e sociais. A
escassez de referenciais teóricos que abordam especificamente o consumo e/ou a produção de
bens piratas foi um obstáculo e, ao mesmo tempo, um incentivo, que acabou conduzindo a
uma análise do discurso veiculado na mídia sobre a pirataria, uma vez que este é o lugar onde
mais se fala do assunto. Talvez por se tratar de um fenômeno recente, ainda não vasto
material acadêmico para a pesquisa. Foi realizada, então, uma análise de matérias publicadas
em jornais de grande circulação no país, na internet e inclusive alguns dados obtidos através
de pesquisa feita pelo Ibope (Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística). Assim foi
possível aferir qual é o significado que a grande mídia está atribuindo a esse processo. Nesse
22
sentido, optou-se aqui por um método baseado em uma revisão de literatura, análise do
discurso da mídia e também em observações contingentes. Ao proceder dessa forma,
confrontando diferentes métodos e pontos de vista, espera-se contribuir para enriquecer a
discussão.
Fica registrada ainda a intenção de dar seqüência a esta pesquisa, que aqui se
apresenta como a primeira etapa de um trabalho que pretende ser ampliado com a realização
de uma etnografia. Entretanto, esta metodologia exige um tempo longo de permanência em
campo para haver a possibilidade de contato com várias realidades e, diante da necessidade
de, em primeiro lugar, elaborar questões e conceitos, o trabalho etnográfico não pôde ser
realizado nesse momento, apesar da vontade de prosseguir com este empreendimento.
1.1 A experiência do consumo
Consumo e linguagem m aspectos em comum se admitirmos que a língua é
um sistema cultural que adquire sentido porque quando se fala, fala-se com um outro. Por
sua vez, a compra também é sempre feita para um outro, ou seja, sempre um interlocutor
na troca. As pessoas compram para construir uma imagem para o outro (ou para si mesmo,
imaginando nesse caso um espelho em que um indivíduo se projeta num outro), de forma que
consumir é um ato que envolve não só objetos, mas conteúdos. Assim, os bens fazem parte de
um sistema de informação e estabelecem relações sociais. As pessoas se envolvem umas com
as outras a partir dos laços criados no consumo, nas trocas que são estabelecidas. De fato,
segundo Quessada, “não são as marcas e os consumidores que se comunicam, mas os
consumidores entre si, no reconhecimento recíproco de um mesmo pertencimento, pela
consciência de encontrar um objeto comum na trivialidade do consumo” (QUESSADA, 2003,
p. 12).
23
Hoje vivemos na sociedade de consumo, como diz Bauman, em contraposição
ao sentido de que “a sociedade dos nossos predecessores, a sociedade moderna, nas suas
camadas fundadoras, na sua fase industrial, era uma ‘sociedade de produtores’” (BAUMAN,
1999, p. 87 e 88). Isso não significa dizer que na sociedade moderna não se consumia (nem
que hoje não se produza), mas a ênfase que o consumo tem hoje como prioridade em quase
todos os aspectos da vida social faz com que a diferença entre esses dois estágios seja
marcante. Assim, o consumidor contemporâneo é um indivíduo bem diverso do de outras
épocas e sociedades, de tal modo que Bauman nos fala de um dilema:
[...] Se os nossos ancestrais filósofos, poetas e pregadores morais refletiram se o
homem trabalha para viver ou vive para trabalhar, o dilema sobre o qual mais se
cogita hoje em dia é se é necessário consumir para viver ou se o homem vive para
poder consumir. Isto é, se ainda somos capazes e sentimos a necessidade de
distinguir aquele que vive daquele que consome. [...] (BAUMAN, 1999, p. 88 e 89)
O autor defende que atualmente acontece uma passagem do homem moderno
para uma forma diferente de ser, e introduz a figura de um consumidor que é, antes de tudo,
“acumulador de sensações” e colecionador de objetos “apenas num sentido secundário e
derivativo” (BAUMAN, 1999, p. 91). De acordo com essa concepção, se antes (na sociedade
moderna, segundo o autor) havia uma renúncia aos prazeres imediatos em prol de uma
realização futura (procrastinação, nas palavras de Bauman), hoje podemos falar que prevalece
outra lógica, a busca da sensação. A felicidade deixa então de ser algo que se procura ao
longo da vida e se torna algo que se busca a todo instante. Busca-se colecionar sensações,
experimentar. Entretanto, fica aqui a ressalva de que o sociólogo polonês trata em suas obras
de características que se aplicam com mais propriedade à sociedade européia, e se detém mais
em uma crítica social do que na fundamentação empírica, adotando uma postura por vezes
universalizante, como quando considera indiscriminadamente o consumo como desagregador
da vida social. Bauman fala do consumo como um fim em si mesmo, e as “necessidades” de
24
consumo são necessidades de satisfação de prazer de tal forma que, para o autor, é isso o que
o legitima.
Ora, esta pesquisa considera que os significados que circulam nas práticas de
consumo e, mais especificamente, naquelas relacionadas a bens pirateados, são múltiplos e
experimentados de maneiras distintas pelos diferentes sujeitos sociais. Nesse sentido, observa-
se que é necessário ter uma visão mais intensa sobre a experiência para ter também uma visão
mais fundamentada sobre a fenomenologia do consumo, que ultrapasse o dualismo entre o
material e o sensorial. Afinal, quando adquirimos um bem também adquirimos a
sensorialidade do objeto. Por exemplo: quem compra uma blusa de seda também compra a
sedosidade. Portanto, é necessário qualificar essa experiência para não cair numa
generalização indevida. Seguindo essa racionalidade, poderíamos indagar ainda: qual é a
experiência de comprar uma bolsa Louis Vuitton original? E uma réplica? E uma falsa?
considerando aqui as hierarquias dos produtos que serão detalhadas mais adiante. A análise
aqui empreendida busca investigar os relacionamentos sociais estabelecidos nesses circuitos
exclusivos e subalternos do consumo de bens originais e piratas, bem como pensar os
processos de estabilização e desestabilização identitária no consumo.
De fato, a experiência do consumo é uma das características mais marcantes e
presentes na sociedade contemporânea. Cada vez que saímos às ruas somos interpelados por
uma profusão de bens e significados, dispostos na materialidade dos objetos e dos anúncios
estampados em outdoors, faixas, cartazes, luminosos e nos mais diversos e inusitados suportes
publicitários. E até quando não saímos de casa a fala do consumo chega até nós, através de
um discurso que adentra nossos lares pela televisão, internet, jornais, revistas, malas-diretas,
embalagens etc. Trata-se de uma experiência inevitável, que acontece de forma enfática na
vida cotidiana.
25
Com um turbilhão de mensagens que incessantemente exaltam benesses no
consumo, a publicidade, com seu eterno otimismo e pouca atitude crítica sobre si mesma,
produz um discurso que, de tanto “só falar bem”, acaba gerando um discurso reativo
contrário. Neste último, a visão do consumo como culpado pela violência urbana, pelo
desequilíbrio ecológico, pelos fracassos e endividamento pessoais e outros problemas afins é
recorrente. Assim emerge uma visão moralista que atribui a ele a responsabilidade pelas mais
diferentes mazelas sociais. Mas se por um lado promover a naturalização das desigualdades
sociais pelo consumo simplifica o debate, por outro se observa que de fato esse universo é um
cenário marcado por uma dinâmica de classificação e exclusão. A difusão do consumo de
bens cresce e cresce também a produção material – nesse sentido, uma vez ampliada a
produção de objetos, é ampliada também a produção simbólica e de consciência. Mas a tão
falada democracia de mercado opera como um regime segregativo, pois a grande difusão do
consumo não se relaciona com uma ampla acessibilidade aos bens ou àquilo que eles
representam.
Bauman introduz uma visão sobre o consumo que o coloca como fator de
deterioração das relações sociais. Por outro lado, pensando a partir de Foucault (1996), é
possível imaginar que a sensação de si com os outros nas práticas de consumo se configura
como poder panóptico, no sentido de que se está sempre sob o olhar do outro. De fato,
existem hierarquias de poder que se formam nessas práticas. Nossa experiência da realidade
empírica se dá pela articulação de coisas (no caso, bens de consumo) e de elementos culturais
nem sempre tangíveis, principalmente pela linguagem, pelos valores morais e pelas formas de
percepção. Esses elementos se relacionam com as coisas materiais e constituem códigos de
significados, que são códigos culturais que regem as práticas sociais onde ocorrem processos
de classificação, de reconhecimento, de distinção e de segregação.
26
Mas embora as oportunidades de acesso aos bens sejam extremamente
desiguais no sistema capitalista, não se trata de isentar o consumo de suas responsabilidades
nem demonizá-lo. É necessário estudar qual é o papel do consumo nas relações entre classes
sociais, como acontecem aí mediações e se estabelecem relacionamentos e apropriações,
considerando o consumo como um sistema cultural e de comunicação onde se observam
representações midiáticas e fluxos de trocas simbólicas.
No universo do consumo, ao mesmo tempo em que as trocas são desiguais, as
relações que se estabelecem também não são sempre verticais. muito mais um fluxo e
uma interação. Os bens adquirem significado quando são socialmente compartilhados, ou
seja, quando estão inseridos num universo social ou, em outras palavras, quando são “lidos”
pelos diversos sujeitos sociais nos contextos de interação.
A intenção deste trabalho não é tomar o consumo como experiência de
indivíduos atomizados, pois se trata de uma dimensão da vida social fundamental nas
sociedades urbanas contemporâneas. Através das práticas e dos hábitos de consumo de bens
pirateados e de suas narrativas na mídia pretende-se discutir o referencial teórico utilizado
para interpretá-lo e, em especial, o lugar do consumidor como personagem principal desse
roteiro, suas atitudes e formas de representação.
1.2. A razão prática e a razão simbólica
Mais que um fenômeno econômico ou mercantil, o consumo configura uma
prática cultural. Abordagens tendentes a considerá-lo como reflexo da produção ou ainda
mera aquisição de bens para suprir necessidades materiais ou fisiológicas implicam
reducionismos, pois a própria concepção do que é necessário possui um caráter bastante
flexível e instável ou, em outros termos, histórico: algo que é considerado luxo ou supérfluo
27
num dado momento pode se converter em necessidade no instante seguinte. A partir dessa
variação de significado podemos observar a primazia das trocas simbólicas sobre as materiais,
uma vez que nas práticas de consumo os produtos cercam-se de uma aura, de um valor
simbólico que ultrapassa o seu valor de uso. Segundo Marx,
[...] a forma mercadoria e a relação de valor dos produtos de trabalho, na qual ele se
representa, não tem que ver absolutamente nada com sua natureza física e com as
relações materiais que dse originam. Não é mais nada que determinada relação
social entre os próprios homens que para eles aqui assume a forma fantasmagórica
de uma relação entre coisas. Por isso, para encontrar uma analogia, temos de nos
deslocar à região nebulosa do mundo da religião. Aqui, os produtos do cérebro
humano parecem dotados de vida própria, figuras autônomas, que mantêm relações
entre si e com os homens. Assim, no mundo das mercadorias, acontece com os
produtos da mão humana. Isso eu chamo o fetichismo que adere aos produtos de
trabalho, tão logo são produzidos como mercadorias, e que, por isso, é inseparável
da produção de mercadorias. Esse caráter fetichista do mundo das mercadorias
provém, como a análise precedente demonstrou, do caráter peculiar do trabalho
que produz mercadorias. (MARX, 1983, p. 71)
Entretanto, Marx enfatiza muito mais o caráter simbólico na produção do que
no consumo, pois considera que o valor de troca é a expressão social do trabalho empregado
no objeto. Transpondo para o consumo, acredita-se que o fetichismo da mercadoria de que
fala o autor confere a esse objeto uma nova funcionalidade, e pode ser compreendido como
uma espécie de atração passional pelo objeto de consumo na medida em que se atribui a ele
propriedades que transcendem seu valor de uso. Em última análise, a principal necessidade
que o consumo satisfaz é a simbólica. Cabe ressaltar que não se trata nesse caso de bens de
subsistência, pois as necessidades aqui são necessidades de cultura, e não de homo sapiens e,
nessa concepção, mesmo as chamadas necessidades básicas são inventadas culturalmente.
Dessa forma, podemos considerar que não distinção entre necessidade e razão simbólica,
embora isso não queira dizer que o prático (aqui entendido como vinculado à materialidade do
objeto) não exista.
Uma vez que a concretude é circunstancial dentro de qualquer cultura, no
universo dos bens de consumo, especificamente, o caráter simbólico se sobrepõe à
28
materialidade dos objetos. Ora, o homem vive num mundo material e compartilha essa
condição com outros homens, coisas e organismos, enfim, com tudo o que é tangível. Porém,
o faz segundo critérios próprios de significação, por ele criados e que não são fixos nem
universais, mas podem variar segundo a época, o grupo, o lugar e uma série de outros fatores.
O homem define o significado simbólico do mundo material segundo critérios que vão muito
além de uma utilidade instrumental dos objetos. O universo do consumo, nesse contexto,
segue a mesma racionalidade, uma vez que os bens se prestam a uma utilidade que ultrapassa
as “necessidades de subsistência”, mas configura-se como necessidade simbólica ou de
significação, ou seja, a utilidade dos objetos consiste mesmo em uma significação. O material
é o suporte do simbólico.
Ora, uma ordem cultural, segundo Sahlins, é organizada em torno da
significação, e é esse sistema que determina a funcionalidade, exatamente em concordância
com as doutrinas dessa ordem cultural. Então um valor de funcionalidade, de utilidade
mesmo, nunca basta por si só, mas é sempre vinculado a essa ordem cultural que, por sua vez,
é simbólica visto que o cultural não pode ser explicado apoiando-se exclusivamente no
material, pois o que é material não tem força em si mesmo. A significação material depende,
pois, de sua interpretação dentro de um sistema cultural e a própria lógica instrumental das
coisas é determinada pela cultura. Nesse sentido, Sahlins argumenta sobre o que considera um
problema do materialismo histórico, segundo o qual a natureza material das coisas organiza a
cultura. De acordo com essa visão, a cultura fica restrita e dependente da realidade que se
expressa na produção e, da mesma maneira, o pensamento também fica submetido à natureza
do mundo físico. Para o autor,
[...] o erro está em que não gica material separada do interesse prático e o
interesse prático do homem na produção é simbolicamente instaurado. As
finalidades assim como as modalidades de produção vêm do lado cultural: os meios
materiais da organização cultural assim como a organização dos meios materiais.
[...] nada em sua capacidade de satisfazer necessidades materiais (biológicas) explica
29
por que as calças são produzidas para os homens e as saias para as mulheres [...]. Da
mesma forma, as forças materiais na produção não possuem uma ordem cultural,
mas meramente um conjunto de possibilidades e limitações físicas seletivamente
organizadas pelo sistema cultural e integradas, no que toca aos seus efeitos pela
mesma gica que lhes deu causa. As forças materiais por si não têm vida. Seus
movimentos específicos e conseqüências determinadas só podem ser estipulados
agregando-as progressivamente às coordenadas da ordem cultural.[...] (SAHLINS,
2003, p. 206)
De fato, a cultura é entendida aqui como uma condição social, um sistema que
estabelece ordens de significados de pessoas e objetos. Cabe então investigar como é mediado
o debate que se compõe de sujeitos e coisas dentro da realidade cultural no universo do
consumo, com ênfase no consumo de bens piratas, partindo do princípio de que as práticas de
consumo nos permitem apreender muito sobre os indivíduos e a sua condição social. Nesse
sentido voltamos, como sugerido na discussão feita a partir de Durkheim, à necessidade de se
evitar teorias individualistas sobre o consumo. Torna-se então imperativo ver o processo
social como um todo, partindo do pressuposto de que a existência humana adquire sentido
inserida na esfera coletiva, levando em consideração fatores como a cultura da época e o
lugar. Acredita-se que as especificidades culturais dos consumidores guiam a sua demanda
por bens, e para entender como os bens entram na realização dos objetivos dos consumidores
é indispensável para a consistência da análise uma atitude metodológica que leve em
consideração toda a complexidade da dimensão social. As decisões que os indivíduos tomam
nas práticas de consumo ajudam a definir e construir a realidade cultural da época, daí a
importância de levar em conta também uma análise política e econômica. De acordo com
Sahlins,
[...] obtém-se o valor de troca pela produção de objetos que não são os mesmos que
outros, objetos que m um significado diferencial na sociedade tal como está
organizada: Cadillacs em vez de Chevrolets, ternos em vez de macacões, bifes em
vez de vísceras. A produção racional visando o lucro se move junto com a produção
de símbolos. E a sua aceleração, como na abertura de novos mercados de consumo, é
exatamente a mesma abertura do cenário simbólico através da permutação de sua
lógica porque (1) para serem trocados por alguma outra coisa (dinheiro), os bens
necessitam contrastar em uma ou outra propriedade específica com todos os outros
bens da mesma espécie geral. A peculiaridade desse totemismo burguês talvez não
30
seja mais do que a sua sauvagerie. Pois graças ao desenvolvimento da produção
industrial de mercado, isto é, à dominância institucional dada à economia, a relação
tradicional funcional entre o conjunto cultural e o conjunto natural, hoje em dia,
apresenta-se invertida: em vez de servir à sociedade pela diferenciação de objetos,
toda distinção concebível da sociedade é posta a serviço de outra divisão de objetos.
Fetichismo e totemismo; as criações mais refinadas da mente civilizada. (SAHLINS,
2003, p. 213)
Assim, observa-se que o consumo é um sistema cultural, um código de
significação que opera como um sistema de classificação e revela muito sobre as relações
sociais, como também considera Rocha (2003). A principal necessidade que supre é a
simbólica. O consumo de bens piratas, por sua vez, é um exemplo concreto e atual que
derruba a concepção utilitária, pois em sua lógica de reprodução coloca em circulação muito
mais que objetos. Culturalmente deixa claro que não se está em busca de uma suposta
qualidade intrínseca à mercadoria, mas evidencia que se trata de uma significação, do que não
é imediatamente palpável, do simbólico afinal, se um consumidor hipotético quisesse um
relógio apenas para ver as horas, ao invés de um Rolex pirata poderia comprar, por exemplo,
um Casio legítimo (possivelmente gastando menos). Mais do que bens, a pirataria reproduz
ícones. O fetiche da mercadoria, seja ela um artigo original ou pirata, é por natureza
simbólico.
1.3 Um breve histórico
Olhar a história do ponto onde estamos traz o risco do anacronismo, pois os
acontecimentos são historicamente circunscritos. Para fins metodológicos, contudo, é
conveniente estabelecer aqui um breve histórico de alguns estudos que nortearam esta
pesquisa e lançaram as bases para uma análise das práticas de consumo contemporâneas na
sociedade ocidental.
31
É possível afirmar que o consumo é uma questão que surge com ênfase a partir
do início da modernidade. O consumo, significando uma alteração na ordem simbólica,
começa a se consolidar no século XVII. Vincula-se ao colonialismo, especialmente com
relação aos artigos de luxo, pois estes vinham de longe, e relaciona-se principalmente com a
Revolução Industrial, que no século XVIII introduz a produção em série o que por sua vez
possibilita que a Inglaterra, berço dessa Revolução, saia na frente dos outros países europeus
na expansão colonial. Nesse contexto, além da conquista de novos mercados, a
industrialização e o consumo chegam trazendo também novas perspectivas para o ser humano.
As cidades crescem próximas às indústrias, a paisagem urbana se modifica e se dinamiza e o
fascínio que a metrópole exerce num primeiro momento é tão forte que ela passa a ser vista
como lugar de realização existencial e valorização das experiências individuais. No romance
Nicholas Nickleby (1839), Charles Dickens descreve cenas urbanas observando as
desigualdades sociais entre as classes e nos dá uma amostra da heterogeneidade cada vez mais
marcante nas grandes cidades, como no trecho em que descreve uma cena que se passa em
Londres no século XIX:
They rattled on through the noisy, bustling, crowded streets of London, now
displaying double rowls of brightly-burning lamps, dotted here and there with the
chemists´ glaring lights, and illuminated besides with the brilliant flood that
streamed from the windows of shops, where sparkling jewellery, silks and velvets of
the richest colours, the most inviting delicacies, and the most sumptuous articles of
luxurious ornament, succeeded each other in rich and glittering profusion. Streams
of people apparently without end poured on and on, jostling each other in the crowd
and hurrying forward, scarcely seeming to notice the riches that surrounded them on
every side; while vehicles of all shapes and makes, mingled up together in one
moving mass like running water, lent their ceaseless roar to swell the noise and
tumult.
As they dashed by the quickly-changing and ever-varying objects, it was curious to
observe in what a strange procession they passed before the eye. Emporiums of
splendid dresses, the materials brought from every quarter of the world; tempting
stores of everything to stimulate and pamper the sated appetite and give new relish
to the oft-repeated feast; vessels of burnished gold and silver, wrought into every
exquisite form of vase, and dish, and goblet; guns, swords, pistols, and patent
engines of destruction; screws and irons for the crooked, clothes for the new-born,
drugs for the sick, coffins for the dead, and churchyards for the buried all these
jumbled each with the other and flocking side by side, seemed to flit by in motley
32
dance like the fantastic groups of the old Dutch painter, and with the same stern
moral for the unheeding restless crowd.
Nor were there wanting objects in the crowd itself to give new point and purpose to
the shifting scene. The rags of the squalid ballad-singer fluttered in the rich light that
showed the goldsmith´s treasures, pale and pinched-up faces hovered about the
windows where was tempting food, hungry eyes wandered over the profusion
guarded by one thin sheet of brittle glass – an iron wall to them; half-naked
shivering figures stopped to gaze at Chinese shawls and coffin-maker´s, and a
funeral hatchment had stopped some great improvements in the greatest mansion.
Life and death went hand in hand; wealth and poverty stood side by side; repletion
and starvation laid them down toguether. (DICKENS apud SOVIK, 1994, p. 7)
A grandes cidades eram o lugar da produção e da irradiação do consumo, da
aglutinação de produtos e de pessoas que afluíam das mais diferentes regiões em busca da
propagandeada prosperidade relacionada com a industrialização. Pode-se também afirmar que
o consumo surge com o advento do indivíduo, que também se deu na modernidade.
Entretanto, um olhar mais atento, rigoroso e sistemático sobre essa prática
aparece tardiamente (aliás, pode-se considerar que ainda hoje o existe uma teoria
consolidada do consumo). Com o advento das indústrias, falava-se muito em produção e
pouca atenção era dada ao consumo. Produção tornou-se uma ampla e importante categoria
intelectual, e era a partir dela que a economia clássica pensava a grande transformação que se
deu com a Revolução Industrial. Contudo, a transformação que aí se processou não era apenas
econômica, uma vez que, dado o caráter totalizante do capitalismo, diversas dimensões do
social foram afetadas.
Marx fala de uma transformação infra-estrutural em que trabalho e produção
são a base para a transformação da sociedade. Para o autor, as mudanças sociais, políticas,
jurídicas etc. ocorrem, em última análise, em função de processos que têm lugar no mundo da
economia. Mas apesar de Marx privilegiar o plano das estruturas econômicas e defini-las
como determinantes de outros processos sociais, pode-se considerar que em sua obra também
está presente, ainda que em menor medida, indícios de um pensamento cultural como bem
observa Hall (2003) que, apoiando-se em Marx, fala na determinação em última instância da
economia como limite de reprodutibilidade da cultura.
33
Numa outra direção, ao contrário da determinação econômica dos aspectos da
vida social proposta por Marx, Weber explica o advento do capitalismo moderno como
conseqüência de uma ética protestante que valoriza o progresso material decorrente do
trabalho e do ascetismo.
Especialmente para fins de contextualização, Marx e Weber foram citados aqui
muito brevemente, pois representam referências fundamentais para os autores que seguem,
seja no sentido de desenvolverem uma teoria em concordância com os argumentos dos
sociólogos clássicos, seja no sentido de seguir por outro caminho. Assim, diversas outras
obras se destacam tanto por abordarem diretamente o consumo quanto por lançarem luzes
sobre o tema. E mesmo que uma teoria do consumo ainda não exista hoje como saber
unificado, muitas dessas reflexões introduzem as bases para sua consolidação.
Um dos pioneiros em destacar o sentido cultural do consumo com uma
abordagem que vai além do utilitarismo foi Veblen. Na obra intitulada A Teoria da Classe
Ociosa (1985) o autor cita o ócio como sinônimo de superioridade social, de status, uma vez
que isso pressupõe que o indivíduo dispõe de meios (capacidade pecuniária, em suas palavras)
suficientes para não participar da produção e aproveitar seu tempo livre. O surgimento da
classe ociosa coincide com o surgimento da propriedade, e isso é um ponto-chave de sua obra,
pois através de sua argumentação deduz-se que a propriedade realmente nada tem a ver com
subsistência, mas está ligada a dois conceitos fundamentais para o autor: a competição e a
distinção.
Para Veblen a acumulação de bens não se origina a partir de uma auto-
satisfação, mas está ligada à exibição competitiva. No universo social analisado pelo autor o
ócio é tido como símbolo de riqueza, um tempo destinado a atividades não-produtivas. Mas o
importante é não ter tempo livre, mas também usar esse tempo para mostrar o que se tem,
de forma que a educação e boas maneiras, por exemplo, também se constituem como formas
34
de classificação a partir do ócio. Assim, o consumo de mercadorias funciona como um
sistema de classificação social dos indivíduos e também como um sistema de competição.
Entretanto, vale a pena observar que a classificação é entendida nesta pesquisa como um
sistema mais amplo e mais forte que o sistema de competição. Na sociedade contemporânea,
o ócio cede lugar ao consumo como principal forma de distinção social. Os bens consumidos
são representações de uma hierarquia social, fatores de identificação e de segregação que
operam por esse amplo sistema de classificação.
Veblen coloca o consumo como fato social no sentido de Durkheim, pois
constrói um sistema de representações compartilhadas socialmente. E embora cada um busque
a priori uma espécie de realização individual, não se deve abstrair o indivíduo, pois a
aquisição de um bem é um ato social, uma relação de troca que envolve feedback. Assim, é
necessário ampliar o debate para o universo social que o próprio indivíduo tem
existência efetiva em uma realidade social e cultural nesse sentido mais uma vez Veblen se
aproxima de Durkheim, pois aborda o consumo como representação coletiva, considerando-o
independente da natureza individual. As questões mais pertinentes apreendidas em sua leitura
relacionam-se com o fato de que não basta consumir, mas é preciso um aprendizado sobre o
consumo. E quem está em torno do indivíduo precisa dar significado ao que ele consome. O
consumo, como entendido aqui, é para ser lido.
Apesar de Veblen organizar seu pensamento a partir de uma concepção
evolucionista, ele defende que a economia deve ser uma ciência evolutiva sem deixar de
apontar a importância dos fatos humanos e elabora uma abordagem com ênfase na história e
na antropologia. Sua análise do consumo e do ócio pela lógica social e simbólica, e não pela
ótica da produção, vai de encontro com os economistas clássicos. Para o autor, o consumo
tem sentido como signo de distinção e não pode ser confundido com necessidade de
subsistência. Nessa perspectiva, afirma que se o consumo estivesse relacionado a esse tipo de
35
necessidade as demandas logo cessariam. Pode-se então aferir que não se deve retirar dos
produtos um valor único de utilidade, mas pensar que outros tipos de necessidade o consumo
supre. Assim, o autor inaugura um pensamento intelectual sobre o consumo que será, décadas
mais tarde, desenvolvido de maneira bem mais sistemática e apurada, ampliado e até superado
em diversos aspectos por Sahlins, Douglas e Isherwood, Campbell, Miller e outros.
Certamente a teoria de Veblen não é inteiramente apropriada para interpretar o
consumo nas sociedades contemporâneas, pois sua análise está circunscrita a um período
histórico menos industrializado e urbanizado e, além disso, o autor superestima o consumo
relacionado à competição. Entretanto, o economista norte-americano tem o mérito de
empreender as bases para uma reflexão simbólica sobre o consumo, pois é um dos precursores
de uma análise cultural de classe que vai além do materialismo dialético, uma vez que não
enfoca em primeiro plano o modo de produção.
Convém neste ponto retomar Marshall Sahlins, citado acima, e sua obra
Cultura e Razão Prática, publicada em 1976 e que se configura como uma defesa do conceito
antropológico de cultura em meio às polêmicas entre o marxismo e o estruturalismo que
marcaram a época. Nela o autor apresenta o consumo como um modo de construção de
significado pico da sociedade industrial capitalista e enfatiza a importância da estrutura
simbólica na utilidade material. Sahlins realiza assim um debate entre o material e o simbólico
e questiona se o totemismo de que falava Lévi-Strauss no contexto das sociedades tribais não
teria sido substituído por objetos manufaturados que, adquiridos, funcionam como categorias
totêmicas que realizam uma espécie de demarcação ou classificação social dos indivíduos
pelo consumo. O antropólogo enfatiza o lado culturalista - para ele, o que cria o ser humano é
o simbólico, de tal forma que “o processo material de existência física é organizado como um
processo significativo do ser social único modo de existência para os homens” (SAHLINS,
2003, p. 169). Assim, ele reveste a produção de uma intenção cultural, mostra o quanto de
36
simbólico existe na economia burguesa e explora a prevalência do cultural e do simbólico
sobre o econômico, pois defende que o fluxo dos acontecimentos pode transformar a
estrutura. A determinação do valor de uso se por “um processo contínuo de vida social na
qual os homens reciprocamente definem os objetos em termos de si mesmos e definem-se em
termos de objetos” (SAHLINS, 2003, p. 169). E se para o materialismo a produção dos
objetos é a produção dos meios de subsistência e da própria existência, Sahlins introduz um
novo olhar ao sugerir que essa produção também é produção de significados, de conceitos.
Em sua perspectiva, os homens produzem objetos para sujeitos sociais e não seres biológicos.
De acordo com Sahlins, apesar da condição factual do mundo material, o
aspecto simbólico é tão constitutivo das coisas quanto seu aspecto objetivo, e não pode ser
abstraído. A razão simbólica relaciona-se, então, com a experiência humana e com a
significação. E se Sahlins realiza inicialmente um debate que coloca de um lado a razão
prática e, de outro, a simbólica, no decorrer de sua argumentação ele procura superar esse
antagonismo. Assim, conforme apontado no debate anterior, para Sahlins não distinções
práticas entre necessidade e razão simbólica o que não quer dizer que o prático não exista.
Prevalece o fato de que o objeto é produzido não para suprir uma necessidade pré-existente,
mas o valor de utilidade muitas vezes é agregado posteriormente, de tal forma que o consumo
não acontece por causa de uma necessidade objetiva do sujeito, mas trata-se principalmente
de um sistema de troca onde circulam objetos e significados. As trocas observadas
constituem uma produção social. Assim, de acordo com Sahlins,
[...] a produção capitalista é, como qualquer outro sistema econômico, uma
especificação cultural, e não uma mera atividade natural e material, pois, como é o
meio para um modo de vida total, ela é necessariamente produção de significação
simbólica. No entanto, como ela se apresenta ao produtor como uma procura de
ganhos pecuniários e ao consumidor como uma aquisição de bens ‘úteis’, o caráter
simbólico sico do processo fica totalmente às escondidas dos participantes e
também dos economistas em geral, na medida em que a estrutura significativa da
demanda é um ‘dado’ exógeno em suas análises. A diferenciação do valor de troca é
mistificada como apropriação do valor de troca. [...] A produção visando o lucro é a
37
produção de uma diferença simbolicamente significativa. No caso do mercado de
consumo, é a produção de uma distinção social apropriada através de um contraste
concreto no objeto.[...] (SAHLINS, 2003, p. 211 e 212)
Ora, o consumo assim concebido converge com a perspectiva durkheimiana
aqui adotada do fato social. Consome-se para o outro, que é um interlocutor, pois o consumo
não traz sentido em si mesmo na medida em que não pode ser comunicado. Trata-se, portanto,
de um discurso, uma narrativa.
Para Sahlins é a lógica simbólica que organiza a demanda, de tal maneira que
“sem o consumo o objeto não se completa como um produto: uma casa desocupada não é uma
casa” (SAHLINS, 2003, p. 169). A partir dessa asserção podemos constatar que a pirataria de
artigos denominados de luxo, um fenômeno cada vez mais comum na sociedade
contemporânea, possivelmente seja a reação a um apelo veiculado em anúncios publicitários
que despertam o desejo em muitos, mas permitem o acesso a poucos. Cabe aqui esclarecer
que não se trata de um desejo psicanalítico, mas modelização de subjetividade no sentido de
Guattari, ou seja, agenciamentos semióticos operam na produção de consumidores através da
modelização de subjetividades, que muitas vezes se passa na esfera das utopias, pois os signos
veiculados na publicidade produzem um consumo que é necessariamente excludente. A
publicidade é um exemplo de intervenção subjetiva no nível do mercado de consumo que atua
na esfera do imaginário, dos desejos. Isso converge ainda com a afirmação de que, muitas
vezes, a funcionalidade dos bens é posterior à sua produção. E mesmo que diante do apelo
exista a possibilidade de declinar, uma recusa pode ser considerada efetiva quando as
possibilidades de acesso também o são. Podemos, contudo, admitir a possibilidade da recusa
acontecer no campo do imaginário, como quando no lugar de dizer “eu não quero isso” sobre
um bem que não me é acessível posso admitir “eu não posso comprar isso, mas se possuísse
meios de adquirí-lo preferiria empregar em outra coisa”. Dessa forma, as marcas registradas
podem ser encaradas como um poder agenciador, pois produzem agenciamentos coletivos de
38
enunciação na medida em que comandam processos de subjetivação
2
. Nesse aspecto, o
capitalismo é um sistema não apenas produtor de mercadorias, mas também de subjetividades.
Em O Mundo dos Bens (2004), Mary Douglas e Baron Isherwood criticam os
postulados da economia clássica e defendem que o consumo cria e estabelece diferenças
sociais. Sem contestar as caras contribuições de Max Weber para o pensamento sociológico,
os autores fazem observações acerca de sua obra A Ética Protestante e o Espírito do
Capitalismo (2001). Criticam a oposição ética católica x ética protestante, pois consideram
que doutrinas religiosas não são suficientes para dar conta de uma abordagem econômica
completa. Enquanto Weber pega o espírito do capitalismo de uma época como uma variável
independente, Douglas e Isherwood afirmam que um antropólogo se preocuparia mais em
descobrir justamente como esse espírito é gerado. Da mesma forma, as doutrinas católica e
protestante não podem explicar nada sem levar em conta o motivo pelo qual as pessoas
aderem a elas, e “nem as doutrinas nem as adesões são fixas” (DOUGLAS e ISHERWOOD,
2004, p. 70).
Douglas e Isherwood falam das mercadorias como marcadores sociais dentro
de um sistema de informação, ou seja, os bens comunicam categorias culturais e valores
sociais de tal forma que sua função é dar estabilidade às categorias da cultura e sustentar as
relações sociais. Nesse sentido, consideram que as relações de consumo são
fundamentalmente relações sociais, daí a sua legitimidade e pertinência como objeto de
estudo das ciências humanas e sociais. Buscam, assim, trazer a economia mais próxima das
humanidades.
De fato, no universo do consumo, é prática constante fazer uso da cultura
material para fins simbólicos. Douglas e Isherwood consideram então que o consumo é uma
2
Os agenciamentos determinam a individuação de um enunciado e da subjetivação. A subjetividade, nesse
sentido, é concebida como resultado de um campo de produção; é fabricada, modelada, serializada e seu
elemento fundamental é a cultura de massa.
39
atividade mediadora, mas não fica claro o quanto isso acontece especificamente no universo
do consumidor, pois outros sistemas que não o do consumo de bens também utilizam o
material com fins simbólicos. Entretanto, considerar que os bens, além de suprir necessidades
de subsistência, servem para estabelecer e manter relações sociais, não deixa de ser uma
concepção mais rica do que idéia de competitividade individual elaborada por Veblen que,
segundo os autores, resume de forma muito simplista as demandas da sociedade. Douglas e
Isherwood buscam uma perspectiva mais realista e por isso situam sua discussão dentro do
processo social, vinculando bens, consumo e produção sem abstrair nenhuma dessas
categorias.
Como foi mencionado anteriormente, as escolhas realizadas nas práticas de
consumo são formas de classificação. A partir desse ponto os autores sugerem deixar de lado
as limitações da visão utilitarista sobre o uso dos bens e adotar uma postura mais crítica, pois,
conforme escrevem parafraseando Lévi-Strauss, “as mercadorias são boas para pensar”
(DOUGLAS e ISHERWOOD, 2004, p. 108), então merecem ser tratadas “como um meio
não-verbal para a faculdade humana de criar” (DOUGLAS e ISHERWOOD, 2004, p. 108).
Douglas e Isherwood consideram que a realidade é socialmente construída e
que as práticas de consumo são uma construção cognitiva de tal forma que os consumidores
buscam elaborar um discurso inteligível com as mercadorias que adquirem. Daí que o ato de
consumir é, ainda, uma produção coletiva. Nos termos dos autores,
[...] Dentro do tempo e do espaço disponíveis, o indivíduo usa o consumo para dizer
alguma coisa sobre si mesmo, sua família, sua localidade, seja na cidade ou no
campo, nas férias ou em casa. A espécie de afirmações que ele faz depende da
espécie de universo que habita, afirmativo ou desafiador, talvez competitivo, mas
não necessariamente. Ele pode conseguir, através das atividades de consumo, a
concordância de outros consumidores para redefinir certos eventos tradicionalmente
considerados menos importantes como mais importantes, e vice-versa. [...] O
consumo é um processo ativo em que todas as categorias sociais estão sendo
continuamente redefinidas. (DOUGLAS e ISHERWOOD, 2004, p. 116)
40
Em muitos aspectos a perspectiva de Douglas e Isherwood converge com o que
Sahlins afirma. Os autores, inclusive, lançaram os livros citados mais ou menos na mesma
época e defendem uma abordagem cultural que tem em comum alguns referenciais teóricos,
apesar de Douglas e Isherwood tratarem mais especificamente do consumo de bens e
inaugurarem a chamada antropologia do consumo. De qualquer forma, tanto Douglas e
Isherwood quanto Sahlins sugerem que, ao invés de considerar os bens primordialmente como
necessários à subsistência e à exibição competitiva, eles são importantes para dar visibilidade
e estabilidade às categorias da cultura. A antropóloga e o economista afirmam ainda que os
bens materiais são plenos de significação social e defendem a importância de se proceder uma
análise cultural sobre seu uso como comunicadores. E, assim como Sahlins, buscam a
superação do pensamento que considera os bens como coisas destinadas a suprir necessidades
de subsistência, uma vez que o seu uso mais importante é exatamente estabelecer e manter
relações sociais.
De fato, conforme afirmam acima Douglas e Isherwood, as pessoas usam os
bens para comunicar algo sobre si mesmas, sobre seu trabalho, seu estudo, sua família, seus
amigos etc, mas se os bens têm significados, não os têm por si mesmos. O significado está nas
relações que os bens m entre si, como sugerem os autores, e também no seu uso social, o
que converge com a perspectiva de signo ideológico de Bakhtin (2004), pois todo fenômeno
que funciona como signo ideológico tem um corpo material. Isto posto, pode-se ainda discutir
a questão do consumo como linguagem a partir dos conceitos bakhtinianos de polifonia e
dialogismo, que permitem passar para uma visão mais múltipla.
A polifonia (ou intertextualidade, como preferem designar alguns autores)
aponta para uma ênfase sobre como a heterogeneidade enunciativa manifesta-se em um
discurso. E, transpondo para o universo do consumo, isso permite pensar como as diferentes
vozes presentes se organizam discursivamente. Além disso se, de acordo com Bakhtin
41
(2004), os sujeitos do diálogo se alteram em uma cadeia de enunciados, pois todo texto se
constrói inevitavelmente por um debate com outros, ele coloca em cheque a questão da
autonomia (e da autoria) do discurso e destaca o caráter coletivo e social de sua produção o
que converge com a perspectiva aqui adotada do consumo como representação coletiva. Nesse
sentido, em Bakhtin o dialogismo é um princípio constitutivo da linguagem - toda linguagem
está necessariamente impregnada de relações dialógicas de modo que as diferentes falas que
perpassam o discurso contribuem para a formação do sentido. Entretanto, as formas de falar
têm pesos diferentes e revelam relações hierárquicas, e assim acontece também com os
diferentes bens de consumo (que, por sua vez, também são usados pelas pessoas como modos
de se pronunciar).
Então, se os consumidores usam os bens para construir discursos (e assim
também procedem os produtores, especificamente em relação ao discurso publicitário), o
fazem porque investem neles significados que são socialmente compartilhados na forma de
interlocução. E se consumir significa também compartilhar conhecimentos e informação sobre
as mercadorias, é necessário, pois, um aprendizado sobre o consumo (conforme Veblen
havia apontado). As pessoas aprendem os nomes, os compartilham e classificam. Possuir um
repertório comum torna-se prerrogativa para participar de um grupo. No caso das mercadorias
pirateadas, as pessoas compartilham os nomes em comum com os consumidores dos bens
originais, mas não compartilham a mesma experiência de consumo. A indústria da pirataria de
artigos de luxo, dessa forma, torna muitos nomes acessíveis, mas isso não significa
acessibilidade ao mesmo tipo de experiência que os consumidores de bens originais podem
ter. Para um produto pirata ser lido como original ele precisa passar pelo crivo dos outros
consumidores.
Na realidade, qualquer que seja o artigo consumido, ele passa necessariamente
pelo julgamento dos outros consumidores-interlocutores. Por isso, segundo Douglas e
42
Isherwood, é importante que o consumidor tenha tempo para visibilidade social e para isso é
preciso uma infra-estrutura que proporcione o tempo livre necessário para dar essa
visibilidade a si mesmo. Nesse sentido a perspectiva dos autores lembra a obra de Veblen, no
ponto em que o economista norte-americano defende que a questão da visibilidade é
fundamental para o consumo. O consumidor tem então que atrair e manter uma espécie de
colaboração dos outros consumidores e, nesse contexto, entram em jogo também as relações e
hierarquias de poder, pois para que alguns disponham de uma infra-estrutura que proporcione
essa visibilidade social é preciso que muitos outros trabalhem e sustentem tanto a produção
dos bens quanto a manutenção dessa infra-estrutura (ou seja, produtos e serviços). Esses
trabalhadores, por sua vez, não dispõem nem do mesmo poder de consumo nem podem
usufruir a mesma infra-estrutura social para visibilidade. Assim, finalmente cabe ainda
lembrar que Douglas e Isherwood acreditam que uma medida comparativa dos padrões de
consumo pode falar mais sobre as desigualdade sociais do que as tradicionais medidas de
distribuição de renda.
Seguindo a inspiração de uma abordagem cultural aqui proposta, Colin
Campbell afirma que “o espírito do consumismo moderno é tudo, menos materialista”
(CAMPBELL, 2001, p. 131). Em A Ética Romântica e o Espírito do Consumismo Moderno,
obra com óbvia inspiração weberiana, o autor destaca o lugar do desejo e da emoção na
subjetividade e defende que o surgimento do consumo, a partir da produção capitalista, exige
uma ética que não é a do protestantismo, mas a do romantismo que estimula o consumo
porque se relaciona com a fantasia, com a emoção, com o imaginário.
Weber percebeu que os capitais que começavam a se acumular precisavam de
uma justificativa para essa hegemonia, então mostra como a ética protestante se encaixa no
capitalismo emergente. Para Campbell, a máquina da produção funciona se se conseguir
mostrar que tem sempre uma falta, uma escassez. Assim, enquanto a ética protestante valoriza
43
o trabalho ela é extremamente parcimoniosa no consumo pois ao mesmo tempo em que
incentiva a produção ela desencoraja consumir. Seguindo esse raciocínio, o burguês que se
torna protestante vai então ter que viver parcimoniosamente, pois o consumo para exibição
não era bem visto perante Deus. Entretanto, Campbell sugere que o que vai descolar o
consumo dessa lógica é o Romantismo, que fala dos amores, das vontades, dos desejos das
pessoas. O autor capta uma gramaticalidade no Romantismo do final do século XVI e século
XVII, pois considera que ele produz enunciados que explicam a ânsia pelo consumo. E
apresenta dois eixos principais nos quais concentra sua argumentação: o primeiro defende o
Romantismo como pilar na construção da sociedade de consumo, o segundo estabelece uma
distinção entre o hedonismo tradicional (que busca o prazer nas sensações) e o hedonismo
moderno (que introduz uma mudança, pois busca o prazer nas emoções e se trata, portanto, de
um prazer vinculado à imaginação, à fantasia). Segundo Campbell,
Que o desfrute imaginativo de produtos e serviços é uma parte crucial do
consumismo contemporâneo se revela pelo importante lugar ocupado, na nossa
cultura, mais pelas representações dos produtos do que pelos próprios produtos. Isso
não abrange abertamente os anúncios e catálogos comerciais, como as revistas,
periódicos, cartazes, cartões, calendários e até obras de arte. Em muitas destas, a
fronteira entre a representação dos interesses de determinado distribuidor (i.e., a
propaganda) e as imagens produzidas primeiramente para entretenimento é
claramente distinguível, sugerindo que as duas coisas preenchem a mesma função de
facilitar o hedonismo imaginativo. Em outras palavras, as pessoas “desfrutam”
dessas imagens em grande parte da mesma forma que desfrutam de um romance ou
um filme. Certamente, a natureza de sonho das imagens sugere que isso é verdade,
como o é o fato de que as pessoas gostam, normalmente, de olhar as ilustrações dos
produtos que elas não podem nem é provável que venham a poder permitir-se.
(CAMPBELL, 2001, p. 134)
Campbell empreende uma análise introspectiva, e fala do importante lugar
ocupado na nossa cultura mais pelas representações dos produtos que pelos próprios produtos,
como se pela publicidade nós fôssemos apresentados a experiências que sabemos como são
antes mesmo de vivenciá-las. O autor prossegue dizendo ainda que o prazer da realidade (de
adquirir o objeto material) não existe de acordo com as expectativas que a experiência cria
44
pelo prazer do sonho, ou seja, o desejo se realiza na simbolização e não na posse das coisas.
Nesse sentido o consumo configura-se como uma experiência que desilude, pois o desejo
cessa com a aquisição do objeto e o que se busca, em última instância, é a manutenção do
desejo. Esse pensamento converge em certo sentido com a perspectiva de Bauman
mencionada anteriormente, que trata das necessidades de satisfação de prazer através do
consumo por meio da busca de colecionar sensações. Entretanto, para Bauman “desejar não
basta; para tornar o desejo realmente desejável e assim extrair prazer do desejo, deve-se ter
uma esperança racional de chegar mais perto do objeto desejável” (BAUMAN, 1999, p. 94).
E embora a oferta de bens seja realmente vasta e as opções extremamente diversas, a imensa
maioria dos consumidores não dispõe de meios para escolher livremente o que deseja
consumir.
Observa-se, a partir daí, que assim como Bauman, Campbell adota uma
perspectiva de caráter individualista - no caso deste último inspirada na ética protestante e na
livre interpretação de bíblia. De acordo com o sociólogo britânico, os indivíduos escolhem e
decidem os bens e serviços que querem adquirir. Nesse sentido, se entendemos que os bens
são usados pelas pessoas para construir discursos, segundo Campbell esses discursos seriam
então de autoria individual, partindo do “eu” para o social. Entretanto, considerando a
perspectiva baktiniana, observa-se que essas escolhas não são realmente individuais: Bakthin
critica toda espécie de individualidade enunciativa e defende que todo discurso é perpassado
pelo discurso de outrem, de forma que a instância do “eu” não é tão intacta. Admite ainda que
o “eu” e o “outro” são instituídos a partir da interação pela linguagem e assim enuncia o
princípio dialógico, que não se esgota na língua, mas se estende para a sociedade e o mundo.
O dialogismo, categoria essencial do autor, configura-se como a condição para que o discurso
tenha um sentido pleno e possa revelar a relação existente entre linguagem e vida social.
Nessa perspectiva a linguagem não é vista como estrutura, mas como uso em situações
45
concretas de comunicação, pois através das práticas discursivas se constrói e se modifica o
mundo real e os objetos da realidade. Isso vem corroborar com a perspectiva adotada nesta
pesquisa, segundo a qual os consumidores não dependem exclusivamente das vontades
individuais, pois além destas não serem aqui concebidas como “puras” (pois se entende que a
subjetividade é formada no registro social), o consumo, em sua lógica de fato social, é
socialmente compartilhado. Convém, no entanto, a ressalva de que isso não significa que os
consumidores possam vir a ser facilmente manipulados pelos discursos publicitários. Em
última instância, pode-se considerar que existe uma seletividade formada no registro social
que influencia as escolhas. Estas, por sua vez, variam entre classes, grupos e indivíduos.
E enquanto Douglas e Isherwood criticam a oposição que Max Weber
estabelece entre a ética católica (que desencoraja o acúmulo material e prega o desapego aos
bens) e a ética protestante (que encoraja o “sucesso” material), conforme abordado
anteriormente, Campbell tem a pretensão de dar continuidade e complementar o trabalho do
sociólogo alemão. Além disso, o autor apresenta uma visão otimista, pois acredita que o
consumismo, ao invés de exacerbar a “crise de identidade” de que falam alguns teóricos da
pós-modernidade, pode ser uma via onde eles têm a oportunidade de resolvê-la. Nesse aspecto
o consumo é entendido como uma busca de solução para a ausência de sentido. Bakhtin, por
sua vez, não é tão otimista. A leitura dialógica permite um deslocamento da questão da
ideologia para a questão da identidade, pois a existência de várias vozes que são múltiplas não
significa que elas vão convergir em uma só, mas dialogar entre si. E na sociabilidade que se
estabelece nas práticas de consumo, diálogo implica embate, disputa e não uma solução ou
um consenso, mas muito mais uma tensão – embora seja possível considerar que exista
equilíbrio na tensão. E enquanto Campbell fala da busca de uma realização individual no
consumo, a perspectiva dialógica pressupõe uma ênfase na interação, pois nela o eu é
constituído a partir do seu relacionamento com o outro. De fato, segundo Hall, “essa questão
46
de como ‘pensar’, de forma não-reducionista, as relações entre ‘o social’ e ‘o simbólico’
mantém a questão paradigmática da teoria da cultura” (HALL, 2003, p. 220).
Jean Baudrillard, por sua vez, sugere uma teoria sobre o consumo de
inspiração semiológica e pós-moderna. O autor propõe o termo “sociedade de consumo” e
desvincula o consumo da esfera cultural. Essa seria então “uma sociedade onde os bens e
serviços circulam em alta velocidade, consumo massivo de bens materiais e simbólicos e
altos níveis de desperdício” (SOVIK, 1994, p. 6). Nessa sociedade, a mercadoria é o próprio
signo que, por sua vez, é autônomo e não se relaciona a objetos específicos. Sobre
Baudrillard, Sovik afirma que
[...] a perda de sentido tem a ver com a predominância de simulacros no mundo
contemporâneo. Como o signo se desvinculou de seu referente, não ‘verdade’
nem ‘realidade’. Tudo, desde a autenticidade do sujeito até a luta de classes, é
objeto de troca simbólica, num regime de sentido que solta todos os signos de seus
referentes. (SOVIK, 1994, p. 6)
O signo, desprendido do objeto que seria o significante, faz com que a
sociedade de consumo se caracterize por um fluxo desordenado de imagens que conduz a uma
“perda do significado estável e a uma estetização da realidade” (BARBOSA, 2004, p. 39).
Segundo Barbosa, “É essa predominância do signo como mercadoria que levou os
neomarxistas a enfatizarem o papel crucial da cultura na reprodução do capitalismo
contemporâneo” (BARBOSA, 2004, p. 39).
Baudrillard, em sua obra Para uma crítica da economia política do signo
(2002), sugere a existência de um valor de troca relacionado ao signo. Se Marx distingue o
valor de troca (em que os objetos são objetificados, perdem suas características individuais e
se transformam em mercadorias devido à equivalência possível pela moeda) do valor de uso
(um valor que preserva a funcionalidade e a importância que o objeto tem para quem o possui
e pode estar mesmo relacionado a uma afetividade), Baudrillard introduz um valor de troca do
47
signo que aliena o homem do processo. Trata-se de um sistema de objetos e signos que tem o
valor que é atribuído pelo campo social, de forma que os objetos se constituem como signos
de uma hierarquia social. Nesse aspecto, o valor de troca do signo não é determinado
exclusivamente pelo trabalho embutido na sua produção nem pelo investimento de capital,
mas também pelo lugar que esse artefato ocupa na hierarquia social de signos. Trata-se de um
sistema mais abstrato e mais amplo que o sistema de troca que envolve moeda e mercadoria e,
por isso, permitiria também realizar equivalências mais abrangentes.
Para o autor, nós vivemos hoje em uma espécie de sociedade do consumo e da
abundância, em que os objetos e as imagens se multiplicam num ritmo frenético. Nesse
contexto, Baudrillard defende que as relações sociais não estão centradas exclusivamente nos
laços que os indivíduos estabelecem entre si, mas principalmente na recepção e manipulação
de bens e mensagens. E segue afirmando que o discurso capitalista efetivamente não promove
o laço social entre os indivíduos, mas propõe ao sujeito a relação com objetos de consumo.
Seguindo essa racionalidade, a sociedade do consumo se sustenta não pela fabricação de
artefatos, mas pela fabricação da falta, pois produz nos sujeitos um sentimento de
incompletude e insaciabilidade em sua demanda de consumo. Nesse sentido, o próprio
consumo poderia ser considerado em si mesmo objeto do desejo. Essa perspectiva converge
em certos aspectos com Campbell, que defende que o que se busca nas práticas de consumo é
a manutenção do desejo, e este cessa com a aquisição do bem material. Segundo Baudrillard,
“o consumo não é nem uma prática material, nem uma fenomenologia da ‘abundância’. (...) O
consumo, pelo fato de possuir um sentido, é uma atividade de manipulação sistemática de
signos(BAUDRILLARD, 2002, p. 206), de modo que para tornar-se objeto de consumo é
preciso que o objeto se torne signo” (BAUDRILLARD, 2002, p. 207). E fazendo uma
analogia à lógica marxista da mercadoria, Baudrillard prossegue:
48
[...] assim como as necessidades, os sentimentos, a cultura, o saber, todas as forças
próprias do homem acham-se integradas como mercadoria na ordem de produção e
se materializam em forças produtivas para serem vendidas, hoje em dia todos os
desejos, os projetos, as exigências, todas as paixões e todas as relações abstratizam-
se (e se materializam) em signos e em objetos para serem compradas e consumidas.
(BAUDRILLARD, 2002, p. 207)
A partir daí, pode-se aferir que, em Baudrillard, a mais-valia está vinculada
aos objetos de desejo, mas este se configura como um desejo prometido e não alcançável por
estrutura, visto que o que se consome é signo. A mais-valia é, então, a causa de desejo e o
princípio da economia na sociedade de consumo onde os objetos de consumo convertidos
em signo operam como essa causa de desejo. Baudrillard apresenta, assim, uma teoria do
consumo complexa e bem fundamentada, mas que por vezes parece promover uma espécie de
“estetização e comoditização (sic) da realidade” (BARBOSA, 2004, p. 10). Suas
contribuições são inegáveis e o autor foi aqui citado por ser considerado de importância
cardeal nos estudos sobre consumo contemporâneo. Entretanto, a perspectiva aqui adota opta
por um caminho de menor abstração, pois se entende que, apesar de todos os artifícios do
discurso capitalista, os homens buscam, sim, nos objetos, uma forma de estabelecer laços
sociais com outros indivíduos.
Nesse sentido, em Teoria das Compras (2002) Daniel Miller nos apresenta
uma etnografia sobre o ato de comprar onde o consumo situa-se como uma prática estrutural.
O autor propõe a existência de uma introspecção nas práticas de consumo: por trás da rotina
das compras de abastecimento de um lar há amor, devoção e solidariedade. Miller fala que
existe um discurso das compras que é uniforme, homogêneo e independente da classe social
no sentido em que mesmo as classes mais altas, quando fazem compras, procuram
economizar. Para o antropólogo inglês o ato das compras tem um aspecto de amor devocional,
mas não se trata necessariamente do amor entre gêneros, nem do amor romântico de que fala
Campbell. Ele pretende encontrar uma continuidade entre o rito sacrificial e o amor
devocional, pois assim como o sacrifício, o ato de comprar constitui o outro como aquilo que
49
se deseja. O consumo situa-se como sendo a moeda de troca da dedicação, o que
novamente remete ao dialogismo de Bakhtin.
Durante a realização desta pesquisa, observou-se a pertinência do método
etnográfico também nos estudos de comunicação, embora sua adoção ainda seja um pouco
tímida nessa área. Entretanto, essa prática exige um deslocamento do pesquisador, um tempo
de permanência e contato com os informantes necessários à realização de entrevistas e
observação rigorosa da prática (para captar o significado que as pessoas estão dando na
prática), o que não foi possível ser despendido aqui em virtude dos prazos. Mas fica registrada
a vontade de realizar futuramente um trabalho de campo para captar as várias perspectivas dos
discursos dos informantes uma vez que a realidade não tem uma visão. Pretende-se,
assim, fazer uma etnografia no sentido de uma vontade de ampliar o estudo sobre a polissemia
que existe nos processos de significação relacionados ao consumo de bens.
Finalmente, a partir da breve revisão bibliográfica e das considerações aqui
apresentadas, observa-se que o consumo não pode ficar restrito ao exíguo espaço dos planos
que o inscrevem numa perspectiva hedonista, moralista, naturalista ou utilitarista. Daí ser
importante proceder uma abordagem cultural. Acredita-se que qualquer tentativa de construir
teorias sobre as qualidades materiais dos objetos deve ser complementada por outra estratégia
que aborde a especificidade do domínio material em que a forma do objeto em si é empregada
dentro da nossa cultura. Daí a pertinência dos autores mencionados. A discussão realizada a
partir de alguns pontos das teorias clássicas tem a intenção de apontar possíveis caminhos que
inspiraram toda uma discussão feita posteriormente por outros autores sobre o consumo. De
fato, toda uma geração de autores da segunda metade do século XX, de Sahlins a Douglas, de
Miller a Campbell, passando ainda pela perspectiva pós-moderna de Baudrillard, tem suas
dívidas para com esses clássicos. Ora concordando, ora divergindo, mas sempre com o mérito
de empreender um trabalho que contempla um outro importante nível de produção: a
50
produção teórica e científica, produção de conhecimento tão necessária para pensar a
sociedade e a cultura material no universo do consumo contemporâneo - pois o objeto
concentra em si uma diversidade de significações que variam e dependem dos usos que se
fazem desses objetos inseridos em contextos e repertórios de cultura. Nos capítulos seguintes
isso é discutido mais detalhadamente e mais especificamente relacionado ao consumo de bens
piratas, objeto privilegiado deste trabalho.
51
2 O discurso da mídia
Objetivamente, o consumo de bens ocupa um espaço importante para o
equilíbrio da economia do país. Entretanto, freqüentemente o consumismo é alvo de uma
atitude condenatória, especialmente quando se trata de bens considerados supérfluos. Nesse
sentido, o consumo de bens de subsistência não necessita de justificativa, o desses bens
denominados supérfluos de certo modo exige uma explicação, de maneira que o consumidor
desses artigos geralmente se preocupa em articular toda uma retórica para justificar sua
aquisição.
O consumo de objetos pirateados, embora também seja seguido de
justificativas por parte dos consumidores que adquirem os produtos falsificados
conscientemente, parece de certa forma emancipar esse mesmo consumidor de justificativas
relacionadas a altos gastos. E mesmo adquirindo produtos que não contribuem com a
arrecadação de tributos para o país, a maioria desses consumidores não aparenta ver nisso
uma grande preocupação por não considerarem que os impostos dos produtos originais
estejam realmente sendo aplicados em melhorias sociais.
Segundo o Jornal do Brasil Online (http://www.jbonline.com.br) citando
pesquisa realizada com 602 moradores com mais de 16 anos referente ao consumo de roupas,
brinquedos, relógios, óculos, perfumes e artigos de papelaria e encomendada ao Ibope pela
Câmara do Comércio dos Estados Unidos, pelo Conselho Empresarial Brasil Estados Unidos,
pelo Instituto Dannemann Siemsen e pela empresa Mattel do Brasil, 80% da população
carioca consome ou consumiu alguma vez, no ano de 2004, produtos pirateados. Destes, 55%
conscientemente consomem artigos falsificados e o fazem por causa da diferença de preço e
da sensação de que os benefícios com o pagamento dos impostos não são revertidos para o
bem estar da população” (NUNES, 2005). Ainda segundo a pesquisa, 54% dos consumidores
52
argumentam que as marcas famosas têm lucros muito grandes com os altos preços de seus
produtos e por isso não são seriamente prejudicadas pelo consumo de falsificações.
Embora a matéria revele um panorama de indignação do cidadão, que poderia
servir de diagnóstico sobre o que ele espera que seja feito com a arrecadação dos impostos
recolhidos e mostra sua insatisfação com a política social, isso é encoberto no momento
seguinte em que a narrativa deixa mais evidente a preocupação com cifras e prejuízos
econômicos. A matéria termina então citando os mesmos dados destacados no subtítulo:
“Segundo a pesquisa, o Brasil deixa de arrecadar R$ 12 bilhóes por ano em tributos, apenas
com a venda de brinquedos, roupas e tênis falsificados. No Rio, gasta-se anualmente R$ 235
milhões com a compra dos produtos piratas” (NUNES, 2005).
Segundo o informativo eletrônico Indusletter, edição 59, da Fiesp (Federação
das Indústrias do Estado de São Paulo), esse panorama preocupa também as empresas norte-
americanas e causa uma retração nos investimentos de empresas estrangeiras no país. De
acordo com o informativo, “entre 100 empresas norte-americanas, 69 evitam se instalar no
Brasil porque temem ter seus produtos copiados, ficam inseguras com a falta de transparência
jurídica e consideram pobre a política de incentivos” (CUNHA, 2005). Para os economistas
americanos citados na matéria, o aumento do índice de desenvolvimento econômico estaria
vinculado à propriedade intelectual. Entretanto, no mesmo informativo o Diretor do
Departamento de Relações Internacionais e Comércio Exterior (Derex) da Fiesp, Roberto
Giannetti da Fonseca, questiona o interesse contínuo dessas mesmas empresas norte-
americanas em se instalar na China, que, segundo ele, “é o país que mais cresce no mundo e é
também a campeã em desrespeito à propriedade intelectual” (CUNHA, 2005) ao que Robert
Shapiro, economista norte-americano, responde: “Apesar da pirataria, ainda se pode vender
muita coisa para os chineses (quando se instala por lá)” (CUNHA, 2005). Esse quadro revela
que o que está em jogo nessa polêmica sobre propriedade intelectual que envolve o Brasil e os
53
Estados Unidos, são muito mais interesses relacionados ao problema de comércio
internacional, do que à propriedade intelectual em si. Pois na medida em que a pirataria na
China parece não afetar significativamente o lucro dessas empresas, ela deixa de ser uma
grande preocupação ou justificativa que breque os investimentos. No caso do Brasil, a pressão
norte-americana parece estar vinculada a uma perda de mercado e, conseqüentemente, de
lucro. Ainda de acordo com a matéria, que cita um estudo da Business Software Alliance
(BSA), “os prejuízos com a pirataria de software na Europa Ocidental são quase oito vezes
maiores que no Brasil. No mesmo quesito, os EUA e o Canadá, somados, apresentam
prejuízos sete vezes superiores aos verificados no Brasil” (CUNHA, 2005). Nesse sentido,
Otávio Brandeli, chefe da Divisão de Propriedade Intelectual do Itamaraty, questiona a
relação entre propriedade intelectual e desenvolvimento, que as empresas norte-americanas
utilizam como argumento para evitar investimentos no Brasil, e diz que o dedo está sendo
apontado pra cá, mas talvez tenha mais gente pra apontar. Talvez para a própria cara”
(CUNHA, 2005).
De toda forma, o que predomina na mídia é uma visão bastante normativa para
tratar a questão da pirataria. A preocupação maior não é problematizar o consumo de bens
pirateados e pensar criticamente a respeito, mas sim a divulgação de valores, dos números dos
prejuízos supostamente causados pela indústria da falsificação, como demonstram várias
manchetes de jornais veiculadas nos anos de 2004 e 2005: “Mercado perde a elegância” (O
GLOBO, 2004), “Pirataria tira R$ 9 bilhões em impostos por ano do Brasil” (IBOPE
OPINIÃO, 2005), “A pirataria é uma atividade do crime organizado” (BARRETO, 2005),
“Queda de renda estimula o desemprego e a pirataria” (ALECRIM, 2004), “Já comprou seu
enrolex? A classe média adere à pirataria e ajuda o Brasil a perder R$ 8 bilhões por ano”
(VANNUCHI, 2005). E até um site de notícias evangélico (http://www.vivos.com.br/)
publicou matéria intitulada “Pirataria, como os evangélicos estão se comportando?
54
(ARAÚJO, 2005), onde diz que “o que temos observado são pessoas completamente
desinformadas, que estão nesta prática simplesmente olhando para o financeiro enquanto
condenam suas almas à perdição” (ARAÚJO, 2005). E segue afirmando ainda que
[...] Os piratas são pessoas que não tem o menor respeito pela propriedade alheia,
e nem imaginam quanto o produtor ou proprietário da obra investiu, não a
parte financeira, mas também o tempo, o sacrifício pessoal e familiar para a
realização de seu trabalho, tais pessoas esperam um resultado no entanto
encontram no seu caminho salteadores que sem a menor consideração, escrúpulo
e respeito apropriam-se do que não lhes pertence, daquilo em que não investiram
nada. (ARAÚJO, 2005)
Com efeito, observa-se uma ética protestante com argumentos pautados pelo
interesse particular, familiarista, preocupação com a propriedade privada e com a
responsabilidade individual. O fato dos CDs evangélicos também serem alvo de falsificação e
vendidos nas bancas especializadas nesse tipo de artigo faz aumentar a preocupação das
igrejas com a pirataria, talvez porque boa parte delas encontra-se organizada
burocraticamente, como uma empresa, então a falsificação de seus produtos provoca perda de
receitas de forma análoga à que ocorre com as demais empresas que combatem a pirataria.
Existe aí uma preocupação com a propriedade privada onde os impostos e o lucro dificilmente
são mencionados em tons de civismo e comprometimento com benefícios públicos.
Apesar desse site ser destinado a um público mais segmentado, foi aqui citado
porque reproduz de uma maneira mais conservadora e com argumentos de uma moral
religiosa o discurso oficial da grande imprensa e da grande empresa. Discurso esse veiculado
nos grandes meios de comunicação e que responsabiliza pelos prejuízos tanto quem produz
quanto quem consome artigos falsificados. De fato, juridicamente caracteriza-se como crime
tanto a produção quanto o consumo de bens piratas. Entretanto, observa-se que existem
muitos consumidores que caracterizam como roubo e consideram “um crime” justamente os
preços exorbitantes cobrados pelos produtos “de marca”.
55
No dia 21 de outubro de 2005, o programa Globo Repórter veiculado pela TV
Globo abordou a pirataria de bens de consumo. Em uma incursão realizada pela rua 25 de
março em São Paulo e pela rua Uruguaiana no Rio de Janeiro, o Globo Repórter mostrou uma
grande variedade de produtos pirateados, entre eles brinquedos, tênis e óculos classificados
como “cópias grosseiras e mal-feitas”.
A matéria apresenta também o depoimento de um médico que explica os
riscos causados pelo uso dos tênis falsificados, os quais, segundo o especialista, vão desde
problemas na coluna até fraturas. Da mesma forma são realizados testes com brinquedos
falsificados, como carrinhos e bonecas, que, conforme divulgado, revelam toxidade das tintas
e materiais empregados na sua fabricação, bem como mostram que alguns brinquedos
apresentam pontas agudas quando quebrados.
Entretanto, quando perguntados sobre os motivos que os levam a consumir
artigos pirateados, os consumidores entrevistados repetem à exaustão que “o original é muito
mais caro”. De fato, em depoimento à revista Istoé, o cartunista Adão Iturrusgarai, que afirma
freqüentar a Uruguaiana no Centro do Rio de Janeiro para comprar produtos pirateados,
declara: “Sempre gostei da marca Adidas, mas não tinha dinheiro. Achei uns calções e um
relógio. É claro que eu preferiria ter os originais, mas os valores são absurdos” (VANNUCHI,
2005). Uma consumidora citada como “uma gerente de banco que não quis se identificar”
também afirma, em matéria publicada no JB Online:
Tenho dois filhos, um com 10 e outro com 12 anos, que querem produtos de
marca. Um tênis original custa R$ 300, aqui na Saara eu compro por R$ 60. Um
boné, que na loja sai por R$ 90, encontrei por R$ 20. Eu não tenho condições de
pagar o preço do original e o falsificado é aparentemente igual. Deixo o meu filho
feliz e economizo ao mesmo tempo. (NUNES, 2005)
Da mesma maneira, as adolescentes Suzane Marques e Daniele Rodrigues, de
15 anos, afirmam que consomem roupas e bijuterias piratas e declaram na mesma matéria: “A
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gente até sabe que a roupa é de pior qualidade, mas com o preço que estão as roupas de
marca, mesmo comprando o similar” (NUNES, 2005). No entanto, após esses dois
depoimentos vem o de Alessandra de Fátima, técnica de contabilidade de 31 anos, que
segundo o jornal está entre os 2% da população que nunca chegaram perto dos piratas”
(NUNES, 2005). Ela afirma que não consome artigos falsificados porque busca qualidade,
tem medo de gastar dinheiro em um objeto que estraga rápido e por causa da educação que
recebeu dos pais. E prossegue dizendo que “mais que uma questão de princípios, é uma
questão de gosto. Eu prefiro o produto original. Acho mais bonito e dura mais” (NUNES,
2005). Entretanto, em condições ideais de disponibilidade de dinheiro e segurança pública
(pois muitas pessoas adquirem falsificações de relógios, tênis, bolsas etc por medo de serem
roubados nas ruas), certamente todo consumidor preferiria adquirir o original.
Ainda segundo o Globo Repórter, que citou dados da pesquisa Ibope realizada
no município de São Paulo citada acima, a pirataria causa um prejuízo de R$ 9 bilhões ao ano,
valor este referente ao montante de impostos que deixa de ser recolhido e que, segundo
informado, “daria para cobrir os rombos da previdência” (GLOBO REPÓRTER, 21/10/2005)
ou construir um número significativo de casas populares ou ainda comprar milhares de cestas
básicas. A mesma matéria afirma ainda que uma das conseqüências dessa indústria pirata são
menos empregos com carteira assinada.
Em entrevista publicada no informativo de número 16 veiculado no dia
27/05/2005 e editado pela Secretaria de Comunicação de Governo e Gestão Estratégica da
Presidência da República, Luiz Paulo Barreto, secretário-executivo da Justiça e presidente do
Conselho Nacional de Combate à Pirataria e Direitos contra a Propriedade Intelectual afirma:
“É importante dizer que a pirataria não gera emprego, ela promove a perda de postos de
trabalho. Alguns segmentos acusam a perda de 10 postos de trabalho diretos para cada camelô
que vende produtos piratas” (BARRETO, 2005). Contudo, no teste de argumentos feito pela
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pesquisa Ibope em São Paulo, 65% dos entrevistados acreditam que a produção e o comércio
de falsificados geram muitos empregos nos países pobres, enquanto as marcas famosas nos
ricos e 54% alegam que as marcas famosas têm lucros muito grandes com altos preços e não
são seriamente prejudicadas pelo consumo de falsificações. Apesar disso, 76% mostraram que
têm consciência de que o comércio de falsificações prejudica os negócios das marcas
famosas, pois elas deixam de investir e gerar empregos no país. Barreto ainda declara:
“estamos discutindo com a indústria o lançamento de produtos mais baratos, acessíveis à
população” (BARRETO, 2005). Entretanto, existem tênis, óculos, bonés, bolsas, roupas e
uma infinidade de artigos originais de preço mais barato, mas mesmo assim grande parte dos
consumidores prefere comprar cópias de marcas consagradas que originais de marcas
populares. Além disso, em uma matéria veiculada no caderno de Esportes do Jornal do Brasil
do dia 02 de maio de 2004 sobre os altos preços das camisas de times de futebol, empresas
como Nike, Adidas, Kappa e Umbro deixam claro que se recusam a fabricar produtos a preços
populares. Segundo Kátia Gianone, gerente de comunicação da Nike, “Um produto de R$ 20
não vai ter a qualidade da Nike” (MARIA, 2005). Na mesma matéria, o gerente de marketing
esportivo da Umbro, Ivan Guimarães, declara: “Não podemos afirmar que a pessoa que
adquire uma camisa pirata compraria a nossa. O nível de exigência dela é outro” (MARIA,
2005).
No Brasil, a difusão do consumo cresceu com o regime autoritário e se sustenta
hoje com a “democracia de mercado” que, segundo Milton Santos, “impõe a competitividade
como norma central, uma competitividade obtida através de normas privadas que arrastam as
normas públicas. O que domina nessa democracia de mercado é o elogio da técnica, como se
ela se auto-satisfizesse” (Santos, 2006). Para o autor, o consumo é o suporte dessa lógica e, no
momento em que faz uma exaltação ao Ter, “leva a aceitação da objetificação como se fosse a
objetividade e faz os homens aceitarem ser coisas, recusando, por conseguinte, a
58
individualidade forte” (Santos, 2006). Dessa maneira, pode-se considerar que a grande
afluência de bens a partir da década de 70 conduziu a uma situação em que a medida de
classificação social veiculada pela mídia passa cada vez com mais ênfase pela via do consumo
e do mercado.
Atualmente podemos afirmar que o mercado exige que se faça avaliações sobre
o público-alvo, seus hábitos e gostos, margens de lucro, desempenho das vendas etc, em
termos numéricos. Assim, vivemos uma fase de disseminação das estatísticas em que vários
aspectos da vida social e econômica são medidos quantitativamente. Mas a interpretação
dessas análises muitas vezes pode ser enviesada, pois a estatística, além de ser um método de
pesquisa feito geralmente por encomenda por representantes do próprio mercado, fornece
ainda um panorama parcial da realidade social e não questiona as premissas e valores
envolvidos. Assim, recorrer apenas às pesquisas de opinião pode trazer um efeito de
opacidade e fornecer um entendimento deformado dos processos sociais à medida que
estruturas de controle podem exercer algum tipo de influência na opinião pública.
Apesar do discurso predominante na mídia afirmar que a pirataria gera
desemprego, o rap Melô do Piratão, lançado pela banda Quinto Andar, mostra ironicamente
que trabalhar como camelô que comercializa artigos falsificados é uma alternativa para quem
precisa de emprego. Diz a música:
Eu não tenho escapatória, sem dez conto no meu bolso
Sem cerveja dendo freezer, se peço tudo que ouço
É muleque vai trabalhar e vê se pára de caô
Eu vou é comprar cd pirata pra vender no camelô
Eu tenho zezé di camargo, klb e kelly key
Forró, pagode, hiphop, até new age eu tenho aqui
Vou vender, dvd, se quiser é só pedir
3 é 10 se não tocar, amanha eu tô aqui
Meu cd é de qualidade tem até selo do inmetro
Os polícia a gente compra, dá 10 conto e passa reto
Dia das mães, dia dos pais, no natal e dos amigo
Anuciou na tv, pode procurar comigo
Piratão
59
Tem proibidão, acústico e ao vivo
Disco solo do leandro que não saiu quando era vivo
Tem disco bom mas se quiser tem também bruno e marrone
Ls jack que antes eu nunca tinha ouvido o nome
Só depois da confusão no aeroporto santos dumont
Detonautas já levaram mas falaram que não é bom
Se é dia dos namorados e você é mão de vaca
Nem pensa duas vezes, passa aqui na minha barraca
Piratão
É porque tu é fresco, compra tudo caro em loja
Compra até açúcar diet e nem usa óleo de soja
Se tu tá desempregado igual a toda a nação
Pra que comprar original quando tem o piratão ?
Piratão
(QUINTO ANDAR, 2005)
O rap ironiza também outros argumentos oficiais utilizados para desqualificar
o comércio de falsificações ao sugerir que o camelô oferece garantia do produto pirateado (“3
é 10 se não tocar, amanha eu aqui / Meu cd é de qualidade tem até selo do inmetro”),
denuncia a corrupção policial (“Os polícia a gente compra, dá 10 conto e passa reto”) e mostra
que na banca tem sempre a última novidade (“Anuciou (sic) na tv, pode procurar comigo”).
Entretanto, cabe ressaltar que tanto no discurso da mídia quanto no rap acima, o argumento é
sempre material e, como já foi afirmado aqui, o interesse do consumidor vai além da coisa em
si e concentra-se muito mais no seu aspecto simbólico. Da mesma forma, o comércio de
artigos piratas aparece principalmente ligado a camelôs, mas muitos sites também realizam
um comércio virtual de falsificações. Entretanto, vários deles
3
constantemente mudam de
endereço para fugir da fiscalização. A não ser no caso do site de vendas e leilões Mercado
Livre (http://www.mercadolivre.com.br), onde anúncios são veiculados numa espécie de
página de classificados virtual. Nesse site é possível encontrar uma vasta oferta de artigos
falsificados, basta digitar no campo “busca” o produto desejado e aparece uma considerável
3
Na ocasião de realização desta pesquisa foram visitados os sites http://www.a2zreplica.info e
http://mis.replicaz4time.net, que vendiam réplicas de relógios de luxo, e também o site
http://www.tubarao.net/index2.html, que oferecia perfumes e cosméticos “similares” a marcas sofisticadas.
Entretanto, depois de algum tempo não foi mais possível acessá-los, pois seu endereço havia mudado.
60
variedade de réplicas de jeans Diesel, bolsas Fendi e Louis Vuitton, relógios Rolex, óculos
Chanel etc.
Alguns autores sugerem de que na sociedade contemporânea a cidadania é
conquistada pelo direito ao consumo. Embora se acredite aqui que esta não seja a única via, é
inegável que existe uma política social e de compartilhamento presente nas trocas realizadas
nas práticas de consumo de bens piratas que revela muito sobre o fluxo de bens, de pessoas e,
principalmente, de significados na sociedade contemporânea.
Como sugere Deleuze (1992) sobre a sociedade de controle, as empresas
podem intermediar as relações entre as pessoas, estabelecendo regras e organizando a
sociabilidade. Nesse sentido observa-se que existe um discurso maniqueísta por parte da
grande mídia (e também do governo e das empresas capitalistas produtoras de bens originais),
que define o que é certo e errado. E embora seu discurso gire em torno do material, nas
entrevistas que concedem as pessoas deixam transparecer que, pela aquisição de bens
pirateados, existe uma vontade de ascensão social, de trânsito, um interesse muito forte pelo
aspecto simbólico do objeto. Isso vem corroborar com a discussão feita no capítulo anterior e
abre caminho para debater o consumo como prática ritual, o que será desenvolvido no
capítulo seguinte.
61
3 Rituais de consumo
Os ritos não estão muito distantes das experiências cotidianas. Ao contrário,
pode-se observar que elementos do ritual estão presentes no dia-a-dia e ocupam um papel
marcante nas relações sociais contemporâneas, pois fixam hierarquias sociais e transmitem
mensagens sobre elas. Essas especificidades do ritual manifestam-se fortemente no universo
do consumo, onde freqüentemente se observam relações entre elementos que podem
analogamente ser classificadas de relações entre o sagrado e o profano.
De fato, pode-se mesmo afirmar que o consumo é um dos rituais
contemporâneos mais comuns. Nesse sentido, a célebre obra Ensaio sobre a Dádiva (2003),
de Marcel Mauss, tem muito de esclarecedor, pois permite interpretar diversos fenômenos do
mundo social a partir do ritual.
Em concordância com Durkheim, Mauss explora a questão do simbolismo na
prática social e argumenta que tudo que circula no mundo social tem um caráter simbólico, e
isso se refere a palavras, gestos, objetos, dinheiro etc. As coisas se articulam numa rede de
significações então não faz sentido considerar objetos e indivíduos separadamente nem
considerar indivíduo e sociedade como instâncias opostas. A partir daí, ele postula que nas
trocas os sujeitos estabelecem vínculos entre si por meio de objetos.
Mauss tem importantes reflexões que se aplicam com propriedade às relações
de consumo de bens observadas na sociedade contemporânea, de tal forma que é possível
estabelecer um paralelo entre a lógica da dádiva e o mercado de consumo. Se Sahlins explica
como o capitalismo se configura culturalmente através dos objetos materiais, Mauss surge
com uma rica contribuição quando evidencia que as trocas são na realidade um processo onde
as pessoas estabelecem vínculos entre si. A troca, nesse sentido, é relação, é sociabilidade, é
um duplo movimento de aproximação entre os que têm afinidade entre si e segregação dos
62
diferentes. Se Marx postula que existe uma espécie de materialidade das relações sociais no
momento em que concebia o nculo entre as pessoas como troca material, Mauss percorre o
caminho oposto: para ele interessa mais o estabelecimento de relação entre indivíduos, essa é
a maior força que as trocas carregam e que supera o valor material do objeto trocado. A
ênfase do seu trabalho está muito mais nas relações, de tal forma que o autor concebe que as
trocas criam elos que são necessários para o indivíduo existir.
Marx considera que no sistema capitalista as mercadorias são alienáveis, pois
seu valor deve significar o trabalho nela empenhado. Os objetos “objetificam” valores,
julgamentos e relações sociais. Em Mauss pessoas e coisas se confundem, se misturam, de tal
forma que existe um elemento inalienável nos objetos das trocas. A isto os Maoris estudados
por Mauss chamam o hau, que seria “o espírito das coisas”, o elemento imaterial que constitui
a alma ou a aura do objeto. E é o hau que cria reciprocidade. A partir daí, sobre as trocas nas
sociedades chamadas primitivas, Mauss faz a seguinte afirmação, que pode ser aplicada aqui
para tratar da natureza simbólica das trocas: “Misturam-se as almas nas coisas, misturam-se as
coisas nas almas. Misturam-se as vidas, e assim as pessoas e as coisas misturadas saem cada
qual de sua esfera e se misturam: o que é precisamente o contrato e a troca” (MAUSS, 2003,
p. 212). Segundo o autor, “A circulação dos bens acompanha a dos homens, das mulheres e
das crianças, dos festins, dos ritos, das cerimônias e das danças, mesmo a dos gracejos e das
injúrias. No fundo, ela é a mesma” (MAUSS, 2003, p. 263). Assim fica claro que a economia
das trocas nessas sociedades também não está vinculada ao utilitarismo, pois Mauss nos fala
de uma lógica simbólica que preside as relações de troca e que se sobrepõe à lógica
econômica.
A dádiva que fundamenta a sociabilidade entre os indivíduos pelo princípio da
reciprocidade também espresente nas relações de troca observadas nas práticas de consumo
contemporâneas. Entretanto, a reciprocidade nas trocas atuais pode ser entendida como
63
interlocução - o que vem corroborar com a concepção adotada que trata o consumo como
sistema de comunicação - pois as pessoas se reconhecem, se classificam, se julgam e
estabelecem relacionamentos a partir dos hábitos de consumo. Nesse sentido, quando um
determinado consumidor adquire um produto pirata (bolsa, roupa, óculos, tênis ou qualquer
outro que ofereça marcação visual) e este é lido como original pelo seu interlocutor nas
relações sociais, surge aí uma relação de reciprocidade onde a aprovação do outro é a
retribuição. E é nesse sentido que a dádiva presente nas trocas primitivas pode existir nas
trocas atuais.
Miller
4
, referindo-se a Mauss, fala da compra como uma prática ritual que
estabelece relacionamentos com a finalidade de reciprocidade:
[...] o objeto constitui o relacionamento, transcendendo as identidades isoladas de
cada uma das partes. As mercadorias substituem a oferenda porque, modernamente,
não se entende mais que um relacionamento exista entre as pessoas como sinal das
categorias sociais. Pelo contrário, o ideal é que, como os personagens de um bom
romance, cada um de nós se auto-explore e desenvolva o outro em termos do
potencial do relacionamento. (MILLER, 2002, p. 165)
Quessada, por sua vez, também explora a natureza imaterial e afirma que “O
objeto tem a ver com a natureza mística daquilo que cria vínculo dentro de uma sociedade”
(QUESSADA, 2004, p. 14). Entretanto, a dádiva tem esse aspecto da reciprocidade e da
hospitalidade que a mercadoria por si só não tem. Para conquistá-los na forma de aprovação
do interlocutor é indispensável que a mercadoria ateste sua legitimidade, legitimidade esta
relacionada com o elemento simbólico que seria um substrato do objeto. E mesmo que hoje
existam características da dádiva que podem ser observadas no mercado, talvez seja
necessário também pensar a mercadoria mais como um estágio do que como um objeto
exatamente devido à preponderância do simbólico, aos significados que são culturalmente
4
O autor trata especificamente das compras feitas para o abastecimento do lar, compras feitas em
supermercados, e enfatiza um elemento de devoção presente nessas compras. Nesse sentido utiliza a alegoria do
sacrifício (como oferenda) em que constitui o outro como sujeito que deseja.
64
atribuídos a determinados bens. De toda forma, a dádiva é pertinente porque, como observa
Mauss na conclusão de sua obra, ela permite questionar a noção de interesse individual,
tipicamente relacionado com o pensamento liberal, e ilumina o caminho para se discutir a
dimensão política e hierárquica das trocas.
Quando discorre sobre o sacrifício, Mauss procura mostrar que seu objetivo é
evidenciar que não uma paridade ou equivalência entre o sagrado e o profano. Nesse
sentido as próximas seções abordam as relações de troca atuais no universo do consumo,
transpondo as categorias do sagrado para os artigos originais e do profano para os bens de
consumo pirateados.
3.1 O sagrado: a marca registrada
Podemos dizer que hoje o sagrado foi deslocado para a cultura midiática, a
publicidade e o consumo. Consumir, conforme discutido acima, adquire então um valor de
culto. Falamos em rituais de consumo e podemos considerar que existe uma sacralidade da
marca registrada, especialmente em relação àquelas consideradas de luxo. E, como acontece
com o que é sagrado, estão repletas de simbolismo, pois há, no corpo físico dos objetos, esse
elemento imaterial. A partir daí, pode-se pensar o fetichismo da mercadoria em outros termos.
Se Marx o fetichismo na produção, pode-se hoje considerar que existe uma produção ou
valoração simbólica determinada por quem está escolhendo o que comprar – e que igualmente
é uma fetichização. Mas em quaisquer das situações, os produtos cercam-se de uma aura, de
um valor simbólico que ultrapassa o seu valor de uso.
Dessa forma, o consumo não é apenas uma questão mercantil, uma vez que as
condições mercadológicas não resolvem a compra se esta não for revestida de significado.
Enquanto não tradução do significado a compra não é viável para o consumidor, e essa
65
tradução é feita pelo discurso publicitário, que dá valoração à marca (a marca em si independe
do anúncio, mas o sentido que ela significa se amplia midiaticamente através dele). Assim, o
que menos se divulga em um anúncio é o produto em sua materialidade. De fato, conforme
afirmam Douglas e Isherwood, “os bens (...) são os acessórios rituais; o consumo é um
processo ritual cuja função primária é dar sentido ao fluxo incompleto dos acontecimentos”
(DOUGLAS E ISHERWOOD, 2004, p. 112).
O consumo, então, é uma das formas fundamentais de construção dos
processos de significação na sociedade capitalista, pois possui importância ideológica e
prática como lugar essencial de atribuição de valores. É um espaço de sociabilidade e
integração onde se estabelecem laços de solidariedade e cumplicidade e, ao mesmo tempo se
configura uma arena de conflitos onde se travam embates simbólicos entre as classes.
A publicidade convida a participar dos rituais de consumo, mas os bens
(especialmente os concebidos para serem exclusivos), por serem restritos, têm valor de culto e
se enquadram em uma lógica que conspira para que essa restrição se perpetue. A publicidade,
então, articula idéias de massa e segmentação à medida em que anuncia conforto, felicidade,
diversão e riqueza indiscriminadamente: divulga produtos economicamente restritos a uma
parcela mais abastada da população, mas o apelo atinge também indivíduos de renda mais
baixa seduzidos por uma atmosfera simbólica que é o oposto do que experimentam no real,
em sua vida prática. Nos dois casos desperta o desejo e uma necessidade de inserção social
pelo consumo, que evidentemente não pode ser satisfeita pela impossibilidade de aquisição de
um bem de valor elevado por essa parcela menos abastada de consumidores. Assim, apesar da
existência de um aspecto objetivo da pobreza, dado pela privação do essencial à
sobrevivência, surge ainda uma concepção de pobreza que pode também ser considerada
como produto de uma divulgação de riqueza pela propaganda. De fato, como afirma Rocha,
“cada anúncio, à sua maneira, é a denúncia de uma carência da vida real. O que nele sobra
66
reflete aquilo que, embaixo na sociedade, cada vez mais falta em equilíbrio e bem viver”
(ROCHA, 1995a, p. 26). Observa-se assim que não se trata necessariamente de uma absoluta
carência de posses, e sim de uma pobreza como sentimento subjetivo, como privação daquilo
que mais se deseja: pertencimento social. Em outras palavras, o problema da pobreza,
delimitado como uma pobreza relacional dada pela desigualdade de oportunidades reais de
consumo, também está vinculado ao tipo de envolvimento que os indivíduos estabelecem
entre si quando se reconhecem ou não pelo consumo.
A indústria pirata se aproveita então dessa carência. Se os artigos considerados
de luxo adquirem um valor simbólico de instrumentos de inclusão social, os indivíduos
economicamente segregados buscam no consumo de bens piratas uma experiência de
envolvimento e ascensão social que de outra maneira não poderiam vivenciar, procurando
reproduzir essa lógica e assim obter distinção entre seus pares.
A sedução que o consumo exerce é grande, e diante da impossibilidade de
adquirir bens sofisticados por um alto preço os artigos piratas surgem então como uma
alternativa. Pode-se mesmo supor que o consumo de artigos de luxo pirateados configura-se
como trânsito, uma tentativa de articular elementos para transitar entre dois mundos. Mas isso
não por si é fator de distinção social. Entretanto, um bem pirata se torna signo de distinção
se for lido como original pelo interlocutor de quem o possui. Nessa situação, o artigo
falsificado se passa por original, pois, pelo julgamento de um indivíduo que o reconhece
como tal, adquire, ainda que momentaneamente, um valor simbólico que o legitima como
original. Nesse sentido, apesar de ser uma espécie de simulacro, uma representação de um
bem que não é acessível a um determinado tipo de consumidor e que exerce o papel de um
equivalente funcional, pode-se conceber que a cópia provoca uma espécie de apaziguamento
no indivíduo quando através dela ele conquista a concordância do seu interlocutor nas
interações sociais. Nesse momento se estabelece a reciprocidade e a reciprocidade gera
67
relação. Retomando os termos de Mauss (2003) citados acima, seria esse o elemento
simbólico dos objetos (hau) que cria a reciprocidade e o vínculo entre os indivíduos.
Cabe ressaltar que a pessoa que usa um bem pirata com a intenção de fazê-lo
passar por original precisa endossar o produto, legitimá-lo como tal. Isso pode ser feito pela
maneira como ela articula um repertório cultural que inclui estilo de vida, grupos, hábitos etc
e também muitas vezes usando o produto falsificado acompanhado de outros bens originais.
Nesse caso, quando bens piratas e originais se misturam numa mesma produção, os originais
podem legitimar o pirata como sendo também original, embora exista sempre o risco do
inverso acontecer.
Entretanto, algumas pessoas adquirem produtos piratas sem a intenção de fazê-
los passar por originais e sua justificativa é o fato de estarem economizando. Nesse sentido, é
curioso o fato de que o dispêndio com um produto adquire o significado de poupança. Quando
compra um produto pirata, o consumidor está efetivamente realizando uma despesa, mas tem
a sensação de economizar e “levar vantagem”, pelo fato de este ter preço inferior ao do
produto original.
Um outro aspecto também contribui para o dispêndio contínuo. Relembrando
que concebemos aqui os bens como comunicadores, isso quer dizer que eles significam algo.
Então, para fortalecer seu significado, muitos bens precisam estar relacionados a outros, ou
seja, precisam “andar juntos”, nas palavras de Grant McCracken (2003). Isso significa que,
embora uma bolsa Louis Vuitton já ateste uma certa distinção da consumidora, se essa mesma
bolsa for usada juntamente com um relógio Cartier e óculos Chanel por uma mulher que
dirige um Jaguar, por exemplo, todos esses bens juntos têm seus significados comunicados
com mais veemência, pois eles se reforçam. Observa-se, assim, que existe um sistema
estrutural de correspondência entre os bens. De fato, McCracken afirma que:
68
[…] O significado de um bem é melhor (e, em alguns casos, somente) comunicado
quando este bem é cercado pela complementaridade de outros bens que carregam a
mesma significação. Dentro desta complementaridade, há redundância suficiente para
permitir ao observador identificar o significado do bem. Em outras palavras, as
propriedades simbólicas da cultura material são tais que as coisas devem significar
juntas se pretendem significar de modo absoluto [...] (McCRACKEN, 2003, p. 154)
O autor postula ainda que os significados dos bens são fixados de acordo com
o lugar que eles ocupam em categorias culturais específicas e que se referem a classe, idade,
gênero etc. Nesse sentido, a marca registrada possui valor de culto porque obriga a coisa a
permanecer restrita e acessível a um grupo específico. Mas em qualquer classe social observa-
se que existe uma complementaridade entre os bens consumidos, de tal forma que uma
aquisição sempre requisita outra para construir um sentido. Entretanto, esse consumo não se
restringe ao plano dos significados, pois também impõe objetivamente mais gastos.
3.2 O profano: a pirataria na era da reprodutibilidade técnica
O que os homens produzem sempre pôde ser copiado e imitado. Mas hoje a
cópia é serializada, produzida e distribuída em escala industrial, de tal forma que a pirataria é
um fenômeno que cresce continuamente e, quanto maior o seu escopo, menor o controle
possível sobre ela. De fato, lembrando Walter Benjamin em A Obra de Arte na Era de sua
Reprodutibilidade Técnica (1996), podemos dizer que as tecnologias avançaram a tal ponto
que hoje permitem a reprodutibilidade da própria produção industrial por entes fora da cadeia
de produção original e este é o modus operandi da indústria pirata. Sobre a questão da
autenticidade, podemos também considerar a marca registrada como símbolo aurático e até
mesmo reconhecer, como dito acima, que existe uma espécie de sacralidade da marca, do
requinte e da distinção em especial no caso dos artigos de luxo. A pirataria surge então,
nesse sentido, como uma profanação, pois se trata de uma prática ilegal, um processo de
(re)produção de bens que não respeita direitos autorais, nem propriedade intelectual nem os
69
direitos da marca registrada. Sobre a obra de arte, Benjamin faz uma afirmação que pode aqui
ser analogamente aplicada se identificarmos o bem original (mitificado pela publicidade) com
a obra de arte singular e o bem pirata com a obra de arte reproduzida:
[…] A forma mais primitiva de inserção da obra de arte no contexto da tradição se
exprimia no culto. As mais antigas obras de arte, como sabemos, surgiram a serviço
de um ritual, inicialmente mágico, e depois religioso. O que é de importância
decisiva é que esse modo de ser aurático [...] nunca se destaca completamente de sua
função ritual. Em outras palavras: o valor único [autêntico] tem sempre um
fundamento teológico, por mais remoto que seja [...] (BENJAMIN, 1996, p. 171)
De fato, é possível considerar que a produção do bem original está
intimamente vinculada ao ritual. Mas à medida que a indústria pirata aumenta a exposição (do
produto e da marca) desse artigo pela grande produção de sua versão falsificada, esse produto
concebido para ser exclusivo cai no consumo numericamente expressivo e isso tende a ser
visto como perda de qualidade. Nesse movimento, cabe ao produto original buscar para si
uma refuncionalização.
Em seu importante ensaio sobre a moda, intitulado Fashion
5
(1957), o
sociólogo alemão Georg Simmel mostra que esta se distancia das condições utilitárias, e situa
a questão da imitação como um dos pontos centrais de sua abordagem. Simmel afirma que
quando a massa imita um estilo da elite com intenção de obliterar as distinções externas de
classe, essa elite cria um novo estilo para manter sua distinção. Nos termos do sociólogo, se
estabelece um dualismo onde, de um lado, situa-se a imitação que universaliza e, de outro,
a distinção que particulariza. Para Simmel, a imitação que se processa pela moda leva o
indivíduo a preterir sua singularidade em função de uma estética em voga. Surge então um
paradoxo, pois ao mesmo tempo em que o indivíduo busca distinção na moda, ele busca
também fazer parte de um determinado grupo, busca um lugar onde conquiste
reconhecimento, um refúgio e, em última análise, busca uma estabilidade que, contudo, nunca
5
Die Mode, no original em alemão
70
é permanente. Diferenciação e aproximação, eis dois elementos presentes na sociabilidade
em torno da moda que nos fala Simmel e no universo de consumo de bens contemporâneo
(este mesmo fortemente regido pela moda).
As mudanças constantes que se operam no universo da produção de bens, onde
as indústrias sempre se empenham em lançar novidades para sustentar o interesse do
consumidor de obter distinção, também são seguidas pela indústria das falsificações. E a
reprodutibilidade técnica de bens piratas modifica a relação das massas com o bem original.
Existe então a hipótese de se constituir uma espécie de discurso através do qual as massas
falam de seu direito de exigir mudança das relações de propriedade. Carneiro Leão afirma que
[…] Todo sistema tecnológico opera um estilo de vida e pretende decidir sobre o
sentido da existência. Não tecnologia sem uma idéia das necessidades a satisfazer,
sem uma filosofia da história, sem uma visão das aspirações humanas; e uma visão
não somente indicativa do que as aspirações humanas são, foram e serão, mas
sobretudo imperativa do que elas devem ser. [...] (CARNEIRO LEÃO, 2000, p. 113)
A eficácia da indústria pirata se orienta exatamente para a reprodubilidade
técnica. Quanto mais semelhante ao bem original, mais bem-sucedida. E bem sucedida na
medida em que engana não o consumidor (considerando que este sabe que está adquirindo um
bem pirata, que seu valor de venda é muito inferior ao original), mas quando engana o
outro, que é seu interlocutor nas interações sociais. Trata-se, assim, de um sistema de
produção de eficácia, um sistema de informação e uma tecnologia da abundância que surge
para suprir determinada escassez. Entenda-se, contudo, que a falta a ser suprida aqui é de
integração social. Segundo Benjamin,
[…] Fazer as coisas ‘ficarem mais próximas é uma preocupação tão apaixonada das
massas [...] como sua tendência a superar o caráter único de todos os fatos através da
sua reprodutibilidade. Cada dia fica mais irresistível a necessidade de possuir o
objeto, de tão perto quanto possível, na imagem, ou antes, na sua cópia, na sua
reprodução [...] (BENJAMIN, 1996, p. 170)
71
Mas a pirataria compromete a função de distinção de um produto original de
luxo, e isso é sintomático. Coloca o bem reproduzido em situações impossíveis ou impensadas
para o bem original e o afeta em sua parte mais sensível: a autenticidade. Interfere em sua
autoridade, em seu valor tradicional e em seu conteúdo.
Além de reproduzir modelos, a indústria pirata reproduz também a lógica
comercial volátil e transitória da indústria original. A linha de produção de uma indústria
pirata segue os lançamentos da indústria original e, da mesma maneira, os produtos têm um
prazo para expirar e serem constantemente substituídos por novos artigos. Perpetua, assim,
uma atmosfera de ansiedade e curiosidade constantes pela próxima novidade, seguindo uma
racionalidade que proporciona a manutenção do desejo. De fato, Bauman nos diz que os
hábitos são, a todo momento, deixados de lado, “nunca tendo a chance de se tornaram as
barras de ferro de uma gaiola (exceto um meta-hábito que é o ‘hábito de mudar de hábitos’)”
(BAUMAN, 1999, p. 89).
Assim, consumir envolve o aprendizado mencionado anteriormente (a
publicidade nos informando, nos ensinando sobre o consumo), mas envolve, sobretudo,
esquecimento, de modo que um novo interesse possa ser continuamente recriado.
Observamos, então, que esse arranjo conspira para que o aprendizado não tenha chance de se
solidificar e deixe sempre um espaço vazio a ser preenchido constantemente por uma próxima
novidade.
Sem dúvida, hoje a novidade tem o apelo do consumo e assim se propagandeia.
Mas um olhar direto sobre o bem pirata, na tentativa de capturar sua “novidade”, revela sua
falência em certo sentido porque esse bem, que quer vigorar como “verdadeiro” (no sentido
de ser não apenas igual ao bem original, mas se fazer acreditar como o próprio), é simulação.
Nele não prevalece a invenção, mas a realização técnica, que pode ser imitada e aperfeiçoada.
72
Cria-se então uma cadeia de imitações contínuas no momento em que as evoluções técnicas
são um elemento fundamental da indústria pirata.
Na pirataria, a regência é a novidade, sim, mas não o novo como diferente do
anterior, uma vez que o que antecede um bem pirata é a novidade primeira do bem original.
Nela não busca superação, mas antes exercita um comprometimento, pois faz do bem original
seu “absoluto universal”, do qual é simulacro. Se considerarmos o substrato do bem original
como constituído pela existência física desse bem somado a uma “essência” que seria a sua
aura (um complexo de autoria, impacto, constituição e sentido), observamos que o bem pirata
não se reveste dessa essência e tudo o que tem é apenas sua existência.
Dessa forma, qualquer que seja o artigo reproduzido, o contexto em que se
insere a produção de bens piratas é sempre de subordinação e dependência da grande
indústria, tanto tecnológica quanto criativa. Como seu produto é uma espécie de reapropriação
simbólica, a pirataria não tem muita autonomia e depende sempre da criação e do lançamento
de novos produtos originais. Depende sintomaticamente de uma lógica técnica e comercial
que é alheia ao seu controle, mas ao mesmo tempo lhe é fundamental, peça-chave de sua
existência.
Entretanto, não deixa de ser curioso o fato de que as grandes corporações, que
se dizem as vítimas e maiores prejudicadas pela indústria pirata, são as mesmas que fornecem
meios (máquinas e insumos) para que a pirataria se perpetue. Pode-se tomar como exemplo a
Sony, empresa que atua no mercado fonográfico e também investe na produção de
equipamentos tecnológicos, entre eles gravadores de CDs e mídias virgens que podem ser
utilizados para copiar discos dos artistas contratados de sua gravadora. Assim, ao mesmo
tempo em que a Sony combate a pirataria e, junto com outras empresas, exige que os
governos adotem medidas de repressão, ela também alimenta essa indústria clandestina.
Portanto, há aí uma contradição entre discurso e prática. Seu discurso se pretende uma
73
unidade coesa, mas se enfraquece no momento seguinte frente a essa situação. Um paradoxo
que revela como as fronteiras se diluem antes mesmo de serem estabelecidas. E assinala um
limite de (in)consistência deste discurso. Contudo, isso pode não significar inconsistência do
sistema, pois nesse sentido Marx (1983) defende que o sistema capitalista se renova a partir
de suas próprias contradições internas. Ou seja, o que tem que ser decifrado, mais que um
discurso contraditório, é o processo de produção cujos avanços implicam na geração da
imitação.
O desenvolvimento tecnológico possibilita um acesso mais generalizado a
meios de produção que permitem a reprodução fiel do bem original. poucas décadas,
gravar uma fita cassete doméstica contendo nossas músicas preferidas não era uma grande
preocupação para a indústria fonográfica, embora também fosse igualmente uma conduta
ilícita por burlar os direitos autorais. Hoje quem faz isso em um CD pode ser acusado de
desrespeitar a lei, mesmo que a intenção não seja comercializar a gravação e sim montar uma
coletânea personalizada. Da mesma forma, sites que fornecem gratuitamente e possibilitam a
troca entre diversos usuários de arquivos musicais no formato mp3 são autuados e fechados. A
pirataria se potencializa a partir do desenvolvimento e da difusão da técnica. Talvez seja essa
a razão de o CD pirata representar uma ameaça mais significativa à indústria fonográfica que
a antiga cópia em fita cassete, pois esta era de uma qualidade técnica nitidamente inferior à
das gravações dos discos de vinil ou das próprias fitas cassete originais. De toda forma,
observa-se que a gica mercantil-capitalista tem efeitos contraditórios, pois a indústria de
software e tecnologia criou formas de reprodução que a prejudicam. Entretanto, existe ainda a
questão de que, no caso da música copiada, a música em si é original, pois na cópia de um CD
dos Beatles, por exemplo, continuam sendo eles quem estão cantando e tocando. O que é
pirata, na realidade, é a mídia CD, o suporte em que essa gravação foi feita.
74
3.3 As articulações entre bens, pessoas e mercado
A analogia entre a aura e a marca registrada tem algumas repercussões.
Enquanto a aura da obra de arte remete à autenticidade de um objeto que é único (e que pela
sua unicidade é que tem valor aurático), a aura da marca registrada relaciona-se com a
autenticidade em um sentido legal, pois mesmo que o objeto seja de acesso restrito, ele pode
ser produzido em série e, ainda assim, ter valor aurático. A obra de arte reproduzida e
serializada, segundo Benjamin (1996), perderia a sua aura. A marca registrada, por sua vez, se
insere no contexto da indústria cultural e da sociedade de massa de forma que, mesmo sendo o
artefato produzido em série, ele pode ter um caráter de exclusividade. Nesse sentido, a marca
registrada teria a sua aura abalada não pela reprodução técnica da indústria do bem original,
mas pela reprodução de cópias falsificadas executada pelas indústrias piratas.
A questão dos falsos leva então inicialmente ao óbvio: existe uma hierarquia
entre os bens, de forma que um artigo original de luxo tem grande valor aurático e,
conseqüentemente monetário. Assim, um objeto reconhecidamente autêntico trará mais
prestigio ou distinção a quem o portar do que um bem falsificado. E esse valor atribuído aos
bens nas interações sociais muitas vezes se traduz também como valoração de pessoas, e
revela sérios contextos de discriminação a partir dos hábitos de consumo. Segundo Douglas e
Isherwood,
[…] A escolha dos bens cria continuamente certos padrões de discriminação,
superando ou reforçando outros. Os bens são, portanto, a parte visível da cultura. São
arranjados em perspectivas e hierarquias que podem dar espaço para a variedade total
de discriminações de que a mente humana é capaz. As perspectivas não são fixas,
nem aleatoriamente arranjadas como num caleidoscópio. Em última análise, suas
estruturas são ancoradas nos propósitos sociais humanos [...] (DOUGLAS e
ISHERWOOD, 2004, p. 114)
75
Em todo caso, observa-se que os artigos de luxo fabricados pela indústria
pirata são produtos com valor simbólico de inclusão social, mas é difícil estabelecer padrões
objetivos sobre como são avaliados os objetos, pois mesmo que muitos afirmem que sabem
reconhecer uma falsificação, existe sempre a possibilidade de haver discordância mesmo entre
pessoas tarimbadas. Ao mesmo tempo, conforme foi observado anteriormente, a aquisição
desses bens muitas vezes está relacionada a uma busca por diferenciação, a uma experiência
de transformação de uma condição.
Vivemos numa sociedade em permanentemente mudança. Numa perspectiva,
podemos dar ênfase tanto na ruptura quanto na tradição. Mas se entendemos mudança como
algo diferente, novo, e transformação como o mesmo sob nova forma, podemos considerar o
fenômeno da pirataria como uma transformação que se processa na produção e no consumo
de bens na sociedade contemporânea. Sua lógica é sempre tornar o produto acessível a um
número maior de consumidores que aquele para o qual foi inicialmente concebido.
A indústria pirata busca a perfectibilidade técnica e promove uma espécie de
profanação no produto original, pois ainda que os consumidores de falsificações não
compartilhem a aura do bem original, eles compartilham o nome da marca registrada e seu
símbolo mais valioso: a logomarca. Nesse sentido, ficam as questões: por colocar o bem
original num consumo numericamente maior do que planejado, a indústria da falsificação
aumenta ou diminui o seu valor de culto? Nessa profanação o original fica exilado de si
mesmo, privado de uma realidade primeira à medida que sua imagem é destacada e
transportada? É possível pensar na possibilidade de uma alternativa viável de flexibilização
do consumo desses bens?
76
Uma alternativa que surge nos Estados Unidos e já chegou ao Brasil é o
Creative Commons
6
, que disponibiliza licenças maleáveis para autores e transforma a idéia de
“todos os direitos reservados” em “alguns direitos reservados”. As licenças permitem a
divulgação completa da obra para fins não-comerciais, ou que parte da obra possa ser citada
em outra obra, ou ainda o sampleamento, a remixagem, a colagem ou outras formas de
interferência na obra. Trata-se de uma espécie de espaço “negociado”, que parece surgir
também por conta dos bens em geral softwares de acesso aberto e sua disponibilização
gratuita. Assim, entre o copyright e a sua falta, o Creative Commons surge como um meio
termo. O projeto tem entre seus maiores defensores e articuladores o advogado norte-
americano Lawrence Lessig, autor do livro Cultura Livre
7
e que trabalha desde 1997 por leis
de direitos autorais menos rígidas. Lessig inclusive entrou em disputa judicial contra Mickey
Mouse, o famoso ratinho da Disney, que completou 70 anos em 1998 e, pela lei de copyright,
cairia em domínio público e poderia ser livremente utilizado, copiado e manipulado sem a
necessidade de se pagar qualquer tipo de royalty a Disney. Lessig lembra ainda que muitos
filmes produzidos pela Disney, como Cinderela, Branca de Neve e Pinóquio, correspondem à
apropriação criativa sem pagamento de copyright de contos dos Irmãos Grimm e do italiano
Carlo Collodi. O advogado perdeu a ação, mas levantou um polêmico e importante debate. E
embora essa seja uma experiência ainda bastante específica e restrita e se trate de uma posição
liberal, o Creative Commons abre um caminho para que se possa discutir politicamente a
reorganização do mercado em torno dos direitos de propriedade, o que não deixa de significar
um avanço.
Entretanto, flexibilizar a propriedade de artigos sofisticados e exclusivos e
ampliar a possibilidade de acesso a esse tipo de bens parece algo distante e mesmo
6
O endereço do site americano é http://creativecommons.org/ e do brasileiro é
http://www.creativecommons.org.br/
7
O livro Cultura Livre não é vendido em livrarias e pode ser baixado gratuitamente por qualquer pessoa no site
www.dominiopublico.gov.br
77
desnecessário. É certo que a pirataria revela muito sobre a realidade social, pois se relaciona
intimamente com a sociedade de massa. Nesse contexto, o consumo de cópias de artigos
luxuosos é uma forma de tentar fazer a coisa desejada ficar mais próxima e, nesse sentido,
possui algo de onírico. Como técnica, a pirataria engendra tensões nas massas, pois revela a
desigualdade de acesso e as carências sociais. Benjamin, falando sobre como o cinema
reproduz acontecimentos familiares da vida cotidiana, afirma que “a reprodução em massa
corresponde de perto à reprodução das massas” (BENJAMIN, 1996, p. 194). E se no cinema
“a massa vê seu próprio rosto” (BENJAMIN, 1996, p. 194) graças à técnica de reprodução, na
indústria pirata a massa vê o seu desejo de usufruir uma vida melhor e mais confortável, ainda
que isso seja uma realidade muitas vezes distante. Mas reproduzir produtos como modelos de
vida idealizados traz o risco de obstrução do que é singular e de transformar a conduta
individual em um ato de seguir exemplos.
Frente a tantos estímulos que pretendem induzir a compra, o sujeito pode
sofrer, em maior ou menor grau, algum tipo de influência. Contudo, freqüentemente percebe-
se que o indivíduo muitas vezes busca uma singularidade sua no artefato que adquire, e em
algumas ocasiões, diante de um produto com o qual se encanta ou se identifica, costuma dizer:
“isso é a minha cara” ainda que o bem seja produzido em série e possa despertar esse
mesmo tipo de reação em muitas outras pessoas. Nesse processo, a individualidade acaba por
ser vinculada à marca e, portanto, torna-se de certa maneira serializada.
Se Benjamin nos fala que no cinema a massa se reconhece ao ver seu rosto
exibido na tela, pode-se hoje conceber que a massa muitas vezes se reconhece também nas
mercadorias que, da mesma forma, constituem produtos da indústria cultural. Nesse contexto,
tanto o cinema quanto a marca registrada se configuram como espelho, ao mesmo tempo em
que são representações compartilhadas coletivamente. Pode-se então analogamente comparar
o cultuador da imagem da marca na atualidade ao indivíduo de que nos fala Benjamin, que
78
assiste ao filme em meio ao público do cinema. Nesse aspecto, os artigos de luxo auráticos
consagrados pela riqueza não são diretamente acessíveis à massa, que, no entanto, se apropria
de sua imagem quando adquire produtos piratas que imitam essa riqueza.
79
4 A geografia da produção
Na época das grandes navegações os bens que afluíam para a Europa tinham
seu status definido não pelo estatuto de local (distante) de aquisição, mas também pelo seu
valor ou grau de exclusividade. Hoje em dia pode-se pensar em outros parâmetros, e
considerar que a disseminação da indústria pirata está provocando uma transição do valor de
exclusividade para o de autenticidade. Nesse contexto é instituída a condenação da cópia, a
pirataria é qualificada como crime e os produtos que vêm de longe, de outros países, não
necessariamente são considerados nobres. Muitas vezes, inclusive, um produto pode ser
considerado de baixa qualidade apenas pelo seu lugar de procedência, como acontecia com a
febre de artigos vindos do Paraguai que entravam em grandes quantidades no Brasil na década
de 1980 e acontece com diversos produtos chineses nos dias atuais, que são vendidos em
shoppings populares em grandes cidades como Rio de Janeiro e São Paulo, os quais são alvos
de constantes reportagens sobre contrabando e pirataria veiculadas na mídia. Nesses casos, a
procedência gera um questionamento sobre a autenticidade do produto. E embora a China
produza e distribua mundialmente um número realmente significativo de artigos falsificados,
não é o único lugar onde isso acontece e, da mesma forma, nem tudo o que se produz é
pirata ou de baixa qualidade.
A pirataria é um fenômeno que cresce e, quanto maior o seu escopo, menor o
controle possível sobre ela. Uma outra questão que se apresenta é que a maioria das grandes
corporações tem consciência de que para fazer parte da globalização não é necessário
construir fábricas pelo mundo inteiro, mas tornar-se parte de cada cultura. Usam a publicidade
para construir uma imagem de identificação e tornam-se fantasmagóricas no momento em que
as sociedades anônimas terceirizam sua produção em diversos países, especialmente nos
periféricos onde a mão-de-obra é bem mais barata, fornecendo treinamento especializado aos
80
seus parceiros locais. Ora, uma vez em contato com as técnicas de fabricação desses artigos,
abre-se a possibilidade de que as empresas contratadas produzam um excedente para ser
comercializado por conta própria e sem autorização da proprietária da marca. Ou que
apliquem o conhecimento adquirido para montar uma linha de produção pirata após o término
do contrato. Por isso não deve ser coincidência o fato de empresas como a Nike terem grandes
fábricas no sudeste asiático e, ao mesmo tempo, uma significativa parcela dos seus artigos
pirateados que circulam pelo mundo também serem provenientes dessa região. A
desterritorialização geográfica da produção pode, dessa forma, converter-se em
desterritorialização simbólica. Segundo Canclini,
Talvez possamos explicar esse estreitamento do horizonte social saindo da oposição
corrente entre global e local. Cumpre refazer, então, de um modo mais complexo, as
articulações entre o concreto e o abstrato, entre o imediato e o intercultural. É preciso
trabalhar com as metáforas a que se recorre para designar as mudanças no modo de
fazer cultura, de nos comunicarmos com o diferente ou com quem imaginamos
semelhante, e construir conceitos que permitam analisar a redistribuição entre o
próprio e o alheio que está ocorrendo nestes tempos globalizados. (CANCLINI,
2003, p. 27)
Nesse sentido, a migração de indústrias originalmente americanas (como a
Nike) ou européias (como a Adidas) para outros países transforma essas sociedades, que se
convertem em sociedades muito mais de prestadores de serviços (que atuam na divulgação,
distribuição, comercialização no varejo etc) do que de produtores de bens.
Mas não é preciso ir tão longe para verificar como se processa essa
reconfiguração do mercado e o modo como se articulam a produção dos bens originais e das
cópias. O Globo Repórter do dia 21 de outubro de 2005 mostrou que as falsificações
brasileiras vêm crescendo, e citou a cidade de Nova Serrana, em Minas Gerais, como um
grande pólo fabricante de produtos piratas no Brasil, afirmando que “se fabrica o melhor e
o pior Nike do país(GLOBO REPÓRTER, 21/10/2005). Pelo menos 30 fábricas da cidade
estão sendo processadas por falsificar marcas famosas. Ainda de acordo com a matéria, as
81
falsificações de tênis das marcas Adidas, Umbro, Kelmer e Nike custam entre R$ 19,50 e R$
21, enquanto um modelo original custa entre R$ 300 e R$ 400. Diante da resistência das
indústrias legais em diminuir o preço dos seus produtos, não é difícil entender porque um
número tão grande de pessoas adere às falsificações.
Ricos ou pobres, todos querem economizar. Mas uma vez que as pessoas
buscam distinção, o consumidor mais exigente e de maior poder aquisitivo geralmente não
adquire falsificações grosseiras, mas procura por aquelas que reproduzem com a maior
fidelidade possível as características do artigo original. Surge então uma hierarquia dentro do
universo das falsificações. Nesses termos, parece que os consumidores classificam como
“pirata” a cópia mal-feita e “réplica” a cópia que apresenta um cuidado maior com o design,
com os detalhes e com o acabamento, que parece ter maior durabilidade e, por tudo isso, está
mais “próxima” do bem original. Muitas vezes, contudo, essas são atribuições bastante
subjetivas e, de toda forma, ambas são falsificações ilegais produzidas pela indústria da
pirataria.
Uma matéria publicada no site No Mínimo (http://www.nominimo.com.br)
afirma que “cada continente tem o Paraguai que merece. No caso da Europa, é a Itália”
(AQUINO, 2004), referindo-se à fama das falsificações italianas. Entretanto, mesmo os
falsificadores italianos seguiram os passos da grande indústria e terceirizaram sua produção
em outros países para reduzir os custos e aumentar o lucro. Mas apesar de serem fabricados na
China ou em Taiwan, os produtos continuam portando a etiqueta made in Italy”, que para
muitos consumidores é sinônimo de que o artigo é uma falsificação de qualidade ou seja,
uma réplica. Tanto que a mesma matéria segue dizendo que
A famosa marca LV pode ser encontrada com facilidade nos endereços mais caros e
nobres tanto quanto nos mercados populares e nas estações de metrô das grandes
metrópoles do planeta. Normalmente, porém, a durabilidade de uma bolsa LV falsa
não passa no teste de uma viagem de avião. Ela chegará ao destino descosturada e
rasgada. Se for um produto ‘made in Italy’, porém, a falsificação pode ter vida mais
82
longa. ‘Veja a costura, é reforçada’, alardeia um vendedor senegalês nas ruas de
Milão enquanto mostra a etiqueta do produto pirateado. A cena se repete pelas ruas
da capital da moda italiana, com outros vendedores africanos ou, em menor
quantidade, imigrantes vindos do sul da Itália (AQUINO, 2004).
A matéria continua enumerando a diversidade de produtos piratas oferecida em
Milão. São óculos, bolsas, camisetas, roupas e relógios de marcas como Versace, Christian
Dior, Giorgio Armani, Lacoste, Louis Vuitton, Prada, Gucci, Dolce & Gabbana, Ralph
Lauren, entre outras.
Uma outra questão que aparece no trecho acima se refere à situação dos
vendedores desses produtos falsificados, muitos deles migrantes em busca de melhores
condições de vida e que provavelmente se encontram em situação ilegal naquele país, no caso
dos imigrantes estrangeiros. Sem perspectiva de conseguir um emprego formal, trabalham no
comércio de falsificações para poder sobreviver. Assim, da mesma forma que a produção
(tanto de produtos originais quanto dos piratas) terceirizada em países com mão-de-obra
barata e leis trabalhistas fracas explora um grande contingente de trabalhadores, também o
comércio ilegal parece operar de forma semelhante, pois não assegura nenhum tipo de
garantia trabalhista nem assistência jurídica em caso de prisão. A geografia da produção
parece ter uma interface com a de vendas e sugere que nenhum sistema de prestígio é isolado
dos outros.
O fenômeno da pirataria atravessa esferas sociais distintas no consumo e na
produção, provoca uma reconfiguração na natureza do espaço urbano contemporâneo e
desloca determinadas relações de poder. As novas tecnologias utilizadas pela indústria pirata
possibilitam a reprodução e circulação de modelos cognitivos e discursos sociais que
interferem no modo de presença do sujeito no mundo.
Entretanto, a percepção da natureza das transformações provocadas pela
indústria da falsificação na contemporaneidade remete tanto a situações onde se percebe um
83
sentimento de falta, de inadequação e uma ansiedade em obter um reconhecimento de si pelo
outro, quanto a situações objetivas de exclusão e segregação social.
No movimento de transnacionalização da produção, as empresas globais ou
multinacionais se instalam em algumas partes dos territórios nacionais e exigem dos governos
locais benefícios em forma de flexibilização tributária e jurídica, por exemplo, para nesses
pontos montarem nacionalmente uma linha de produção global. Quanto ao território do país
em que se instala, a maior parte da população local não usufrui nem dos empregos gerados
nem do consumo da produção. O reflexo que chega à maioria dos habitantes não é em forma
de benefício, pois esse mercado global travestido de nacional muitas vezes amplia o
desemprego, a exploração e a desigualdade seja a indústria legal ou pirata. Em ambas as
situações muitas vezes a mão-de-obra empregada na produção é extremamente mal
remunerada e também é comum o emprego de mão-de-obra em idade escolar, mas que passa
o dia inteiro na fábrica. Conforme narra Naomi Klein (2003) sobre as trabalhadoras
indonésias que confeccionam produtos para empresas como Nike, Gap, Liz Claiborne e
London Fog, algumas têm apenas 15 anos, ganham o equivalente a 2 lares por dia e são
obrigadas a cumprir longas horas extras sem serem remuneradas conforme determina a lei.
O que acontece, nessa linha de produção globalizada, é uma espécie de
integração vertical, onde as companhias estão espalhadas pelo mundo e são verticalmente
integradas, ligadas através de uma hierarquia comum. Ao invés de uma sede que comporta
desde o CEO (Chief Executive Officer) até as máquinas de produção e os operários, essas
empresas possuem hoje escritórios nos países de origem e em diversos outros lugares ricos do
mundo, que ficam bem distantes de sua linha de produção situada nas áreas mais pobres do
planeta. No documentário The Corporation (2005), o cineasta Michael Moore relembra a
entrevista que fez com Phil Knight, na qual convida o CEO da Nike, cujo escritório localiza-
se nos Estados Unidos, para visitar as fábricas da empresa na Indonésia com a óbvia intenção
84
de constranger Knight confrontando-o com a dura realidade dos operários que trabalham.
Este se nega e, para surpresa de Moore, declara que nunca foi à Indonésia e, portanto,
desconhece (ou finge não conhecer) a própria estrutura industrial da Nike. À primeira vista
isso pode parecer estranho, mas o fato é que atualmente a produção mais importante da Nike e
de muitas outras multinacionais não é a produção material, mas a produção de imagem. Mais
do que tênis, roupas e artigos esportivos, a Nike vende a sua marca. Como o próprio Knight
afirmou no final dos anos 80, a Nike é uma “empresa de esportes”; sua missão não é vender
calçados, mas “melhorar a vida das pessoas pela prática de esportes e a forma física” e manter
“viva a magia dos esportes” (KATZ apud KLEIN, 2003, p. 47). Ainda segundo Knight:
Durante anos nos consideramos uma empresa orientada para a produção, o que
significa que colocávamos toda nossa ênfase no projeto e na fabricação do produto.
Mas agora entendemos que a coisa mais importante que fazemos é divulgar e
vender o produto. Passamos a dizer que a Nike é uma empresa orientada para o
produto, e o produto é o nosso mais importante instrumento de marketing
(WILLIGAN apud KLEIN, 2003, p. 46).
Diante da realidade da produção de empresas como a Nike que aflorou nos
últimos anos, essas companhias tiveram sua imagem abalada. Como estratégia para combater
essa reputação, a Nike passou a investir no patrocínio de eventos como jogos e projetos
esportivos para a população carente, como apoio financeiro a times de basquete na periferia
de Nova York. Mas o fato é que nos países onde estão instaladas suas fábricas pouco ou nada
é feito nesse sentido. Além disso, o investimento nesses projetos sociais não tem como
prioridade uma preocupação com a melhoria das condições de vida da população, mas sim
divulgar e agregar valor à própria marca. A empresa não se preocupa primordialmente com
cidadãos, mas com consumidores.
Escritórios nos países centrais, produção nas áreas mais pobres do globo e, no
caso das indústrias piratas, artigos vendidos por pessoas que, conforme os operários que os
fabricam, também enfrentam duras condições de vida e de trabalho, como se observa com os
85
imigrantes africanos na Itália mencionados anteriormente. Assim se configura uma rede que
revela situações concretas de desigualdade e exclusão não apenas entre os estados nacionais,
mas principalmente entre grupos dominantes e grupos subalternos. As articulações das
relações de poder ultrapassam as fronteiras territoriais e se constituem hoje também no
mercado de produção e consumo global. Isso tem ainda uma forte importância simbólica, pois
muitas vezes o discurso corporativo é direcionado no sentido de legitimar os meios de
produção (de bens e de desigualdade) de modo que a própria construção simbólica da imagem
da marca implica um jogo de relações de poder que legitima essa dominação. Muitas vezes as
empresas justificam o uso de crianças em idade escolar como mão-de-obra de obra
argumentando que nesses países periféricos a realidade é diferente, a cultura é outra, que se
não estivessem trabalhando nas fábricas estariam trabalhando em outros lugares ou então
passando fome e vivendo em condições ainda mais miseráveis. Esse discurso promove uma
culturalização das relações sociais na produção com a intenção de amortecer o impacto da
exploração trabalhista que efetivamente existe desse outro não-wasp (white, anglo-saxon,
protestant) e justificá-la.
86
5 A questão do gosto
Ter o dinheiro não é o único determinante para dizer o que uma pessoa vai
consumir. Sem dúvida condições, mas ninguém decide o que comprar apenas levando em
conta preço e orçamento. Essas decisões não são individuais nem independentes dos outros
consumidores, mas ao contrário, os padrões de consumo são socialmente determinados, de
modo que os indivíduos julgam e são julgados a partir das escolhas que são por eles realizadas
nas práticas de consumo. Tudo o que é consumido funciona como um marcador social e,
dessa forma, é classificado quanto à adequação. A valoração é estabelecida com a avaliação e
concordância dos outros consumidores de tal modo que os bens de consumo de que trata esta
pesquisa são concebidos como emblemas para marcar diferenças e definir identidades. E toda
vez que objetos que nascem para serem restritos caem no consumo numericamente importante
isso tende a ser visto como perda de qualidade, como foi observado, uma vez que perdem
seu caráter distintivo.
A pirataria tem a pretensão de copiar da indústria da exclusividade uma lógica
de segmentação que pensa o indivíduo como aquele que se distancia dos demais, sempre em
busca da sua marca de liberdade e de singularidade. Seu objetivo é aplicar essa concepção
num universo de massa no sentido quantitativo, mas uma padronização do consumo tira a
importância dessas supostas diferenciações individuais.
Quando Simmel (1957) fala que as classes superiores criam para si um novo
estilo no momento em que as massas se apropriam de sua moda, o autor se aproxima em certo
sentido do habitus de Bourdieu. Entretanto, o intelectual francês constrói uma concepção
estruturalista bem mais rígida que a do sociólogo alemão. Bourdieu introduz o conceito de
habitus como um princípio gerativo de práticas e representações, um sistema de disposições
duráveis e transferíveis. Reconhece um gosto hegemônico legitimado que seria o padrão
87
estético da classe dominante, considerado referência com a qual se relacionam esteticamente
as classes populares. Nessa concepção, a luta de classes pode ser evidenciada a partir de
estilos de vida e escolhas estéticas onde os gostos são hierarquizados socialmente. Entretanto,
quando postula sobre a questão do gosto ser socialmente construído, observa-se que esse
modelo não deve ser universalizado, pois as sociedades diferem entre si. Da mesma forma, a
noção de estilo de vida por si só não é capaz de fundamentar toda a teoria do consumo nem de
explicar a complexidade que se observa nas práticas que se estabelecem. Nesse sentido, é
possível contrapor esse conceito de habitus a determinadas manifestações com que se
defronta uma “elite cultural”, nas quais é obrigada a prestar atenção.
De fato, em algumas ocasiões o gosto popular é incorporado e corporificado
pelas elites. Um exemplo onde isso se evidencia claramente é na indústria da moda, quando
marcas de luxo copiam o visual streetwear inspirado no estilo despojado que os office boys
criaram para se vestir. Podemos aqui propor um questionamento: estaria a grande indústria
fazendo o caminho inverso, “pirateando” uma idéia de um grupo social menos favorecido
economicamente ou apenas reinterpretando um estilo como tendência? Seria isso uma espécie
de pirataria às avessas? De qualquer maneira, a indústria que incorpora esse estilo a seu
capital, paradoxalmente, o torna inacessível a quem o criou. E, como o discurso dominante é o
oficial, essa “pirataria” não aparece como tal, mas podemos admitir a hipótese de que se
revela como um loco onde surge desejo pelo que é periférico. Isso converge com a
perspectiva de Stallybrass e White (1986) em que as hierarquias high e low se interpenetram
na dinâmica social. O Outro, ao mesmo tempo em que causa repulsa, causa também atração.
Podemos então questionar ainda se essa inversão, configurada como apropriação por uma elite
de elementos do popular, não seria um desejo de eliminar o Outro, incorporando-o a seu
repertório. Ou se acontece um padrão de troca desigual entre o popular e a elite, onde as
sanções morais da pirataria têm medidas diferentes em estratos distintos da hierarquia social.
88
De qualquer forma, a apropriação do estilo popular pelas elites na verdade mostra que o
esquema de dicotomia entre o popular e o não-popular é bastante frágil. Torna-se então
delicado considerar que atualmente exista uma separação bem demarcada entre “cultura de
elite” e “cultura popular”.
Em ensaio intitulado Notas sobre a desconstrução do “popular” (2003), Hall
expõe sua dificuldade com o termo “cultura popular” (e também com cada uma dessas
palavras isoladamente). O autor afirma que cultura popular não significa nem resistência a
processos de transformação cultural onde práticas tradicionais são descartadas, nem formas
que as sobrepõem, mas trata-se do terreno onde essas transformações acontecem. Nesse
sentido, atualmente não é possível “escrever a história da cultura das classes populares
exclusivamente a partir do interior dessas classes, sem compreender como elas
constantemente são mantidas em relação às instituições da produção cultural dominante”
(HALL, 2003, p. 253). A partir daí, pode-se aferir que considerar a existência de uma cultura
popular pura e autêntica é uma perspectiva romântica, pois esta sofre inevitavelmente
interferências onde estão em jogo elementos de poder e dominação cultural – ou seja, relações
de poder que, como Foucault (1999) assinala, são um elemento fundamental de qualquer
experiência humana e que se vinculam às formas de se relacionar consigo mesmo e com os
outros. Torna-se então imperativo repensar essa oposição e segmentação cultural entre o high
e o low, como propõem Stallybrass e White, e cultura popular e não-popular, como propõe
Hall, que por sua vez considera que mais importante que as hierarquias high e low na cultura é
a forma como essas hierarquias se constituem.
Entretanto, o pensamento de Hall tem uma dimensão sociológica em que os
conceitos parecem ser muito mais provisórios do que fixos, e funcionam como uma forma de
garantir certa estabilidade, ainda que temporária, às categorias culturais, ou seja: para Hall, os
conteúdos das categorias culturais são transitórios e o valor de determinada estética ou forma
89
popular também pode mudar e se converter em cultura dominante. O que estrutura essas
mudanças são “as forças e relações que sustentam a distinção e a diferença; em linhas gerais,
entre aquilo que, em qualquer época, conta como uma atividade ou forma cultural da elite e o
que não conta” (HALL, 2003, p. 257).
Assim, observa-se que no domínio da cultura existe muito mais um fluxo onde
ocorrem constantes interações e embates, que podem sim acontecer pela via do consumo, mas
não exclusivamente. Pode-se também afirmar que muitas instituições definem e estruturam a
cultura em categorias que têm mais aderência ou são mais marginais. E ainda que, em
determinado instante, pode acontecer que certas categorias passem a ter mais adesão
exatamente por serem, num primeiro momento, marginais.
Naomi Klein (2003) fala da figura dos caçadores de tendência ou cool hunters,
que são profissionais que trabalham para grandes empresas da moda. São pessoas que se
inserem entre grupos geralmente periféricos ou “alternativos” de jovens, por exemplo - para
descobrir as tendências e apresentá-las às grandes marcas. Inclusive, existem empresas
especializadas nesse tipo de trabalho, verdadeiras corporações de cool hunters que prestam
esse serviço geralmente terceirizado. Trata-se de uma espécie de pesquisa que segue por um
caminho diverso do tradicional focus group (quando os pesquisadores de mercado observam o
grupo em uma sala de pesquisa, por trás de um vidro espelhado, sem que possam ser vistos).
No caso do cool hunter, o pesquisador não entra em contato direto com o grupo, como se
torna um de seus elementos.
Diante de situações desse tipo, pode-se realmente conceber que não existe uma
pirâmide fixa das hierarquias de estilos na moda, como se uma aristocracia ocupasse o topo e
uma classe popular a base. Conforme já foi demonstrado, não uma verticalização tão
ortodoxa, embora objetivamente existam muitas desigualdades. Mas tratando-se de estilo,
observa-se que de fato predomina um fluxo em que essas categorias, que não são formas
90
“puras”, se interpenetram. E isso não acontece unicamente no plano de uma inspiração
estética.
Em certa ocasião, o estilista Christian Lacroix declarou: “é terrível dizer isso,
mas com muita freqüência as roupas mais empolgantes são as das pessoas pobres” (VOGUE
apud KLEIN, 2003, p. 97). Além de demonstrar uma preocupação em admitir que utiliza
referências consideradas subalternas como fonte de inspiração (e de significação), o
depoimento ilustra bem o que defendem Stallybrass e White quando se referem a um misto de
desejo e repulsa que existe nessa relação de aproximação entre estratos sociais distintos. O
próprio Hall, ao encerrar o ensaio Para Allon White: metáforas da transgressão, em que
comenta e homenageia o trabalho de um desses autores, afirma que “aquilo que é socialmente
periférico pode ser simbolicamente central” (HALL, 2003, p. 241). Isso pode então ser
analogamente aplicado para se referir ao instante em que um estilo subalterno entra no
mainstream da moda. Ainda segundo o autor,
[...] As indústrias culturais m de fato o poder de retrabalhar e remodelar
constantemente aquilo que representam; e, pela repetição e seleção, impor e
implantar tais definições de nós mesmos de forma a ajustá-las mais facilmente às
descrições da cultura dominante ou preferencial. É isso que a concentração do
poder cultural os meios de fazer cultura nas mãos de poucos realmente
significa. Essas definições não m o poder de encampar nossas mentes; elas não
atuam sobre nós como se fôssemos uma tela em branco. Contudo, elas invadem e
retrabalham as contradições internas dos sentimentos e percepções das classes
dominadas; elas, sim, encontram ou abrem um espaço de reconhecimento naqueles
que a elas respondem. [...] há uma luta contínua e necessariamente irregular e
desigual, por parte da cultura dominante, no sentido de desorganizar e reorganizar
constantemente a cultura popular; para cercá-la e confinar suas definições e formas
dentro de uma gama mais abrangente de formas dominantes. pontos de
resistência e também de superação. Esta é a dialética da luta cultural. Na atualidade,
essa luta é contínua e ocorre nas linhas complexas da resistência e da aceitação, da
recusa e da capitulação, que transformam o campo da cultura em uma espécie de
campo de batalha permanente, onde não se obtêm vitórias definitivas, mas onde
sempre posições estratégicas a serem conquistadas ou perdidas. (HALL, 2003, p.
254 e 255)
Nesse sentido, a discussão sobre categorias e estilos no consumo remete
também à questão da pirataria como lugar de resistência ou não dentro do sistema capitalista e
91
lança algumas luzes para pensar como e onde esses produtos desestabilizam o sistema, bem
como se essa cópia pode ser vista não apenas como imitação, mas também como
reconfiguração e ameaça. De toda maneira, quem não pode consumir o bem original por
motivos econômicos e opta pela falsificação, conhece o significado sociocultural do bem
legítimo.
O próprio fato de existirem diferentes status do produto (réplica e falsificado)
dentro da pirataria mostra que não se trata sempre de bens de consumo de um grupo
desprivilegiado. É inclusive provável que um consumidor de artigo pirateado considerado
“réplica” pertencente à classe média se sinta mais identificado com o consumidor do bem
original do que com um indivíduo que adquira uma falsificação de preço bem inferior à
réplica. O fato de partilharem uma situação semelhante consumir um bem pirateado não
significa que experimentem qualquer tipo de laço de solidariedade nem partilhem uma
identidade comum de grupo, pois a hierarquia própria que existe dentro do universo de bens
falsificados classifica seus consumidores em grupos bem heterogêneos. Isso abre caminho
para uma possível discussão sobre as relações de classe que se estabelecem dentro do
universo de consumo de artigos pirateados, ainda que o produto copiado seja o mesmo.
Não se pode superestimar a idéia de que a indústria pirata seja a alternativa
viável e acessível a uma massa economicamente excluída que sofre os reveses de uma
manipulação corporativa superior; isso é antes de tudo uma abordagem limitada. O
consumidor não é facilmente seduzido por qualquer estratégia publicitária. É claro que não
devemos minimizar o poder de persuasão da propaganda, mas também não se pode negar que
existe uma seletividade que determina a demanda e, em última instância, uma classificação
que define a síntese do que deve ser imitado e reproduzido pela pirataria num amplo universo
de referências. No próprio ato do consumo travam-se embates culturais que determinam suas
formas. Segundo Douglas e Isherwood, “os bens são neutros, seus usos sociais; podem ser
92
usados como cercas ou como pontes (DOUGLAS E ISHERWOOD, 2004, p. 36).
Parafraseando os autores, acreditamos que os bens funcionem simultaneamente como cercas e
pontes, pois ao mesmo tempo eles integram, excluem e classificam os indivíduos a partir das
escolhas realizadas nas práticas de consumo.
Retomando o princípio da diferenciação na teoria simmeliana, seu autor
discorre ainda sobre a existência de situações em que acontece uma espécie de
individualização nas escolhas por objetos (como pode ser o caso de roupas, calçados e
acessórios), que se configura como uma negação do que é estabelecido como tendência em
determinado momento. O indivíduo, então, afirma-se pela negação de um exemplo. Mas ainda
que critique o conteúdo do que é tendência, ele deliberadamente assume o mesmo cânone de
quem segue a moda, mas o faz exatamente pela negação mencionada. Segundo Simmel, essa
própria negação pode se tornar moda, ou seja, um número significativo de pessoas pode
adotar uma postura que vai contra o estabelecido. Mas, curiosamente, essa força que move o
indivíduo em busca de uma distinção e uma singularidade que não se vinculam à imitação de
uma tendência dominante, ao mesmo tempo pode se sustentar no apoio que recebe de um
grupo com valores semelhantes que fazem com que se estabeleça então uma espécie de
solidariedade mútua.
Em sua obra The Gift: Imagination and Erotic Life of Propert (1983), Lewis
Hyde afirma que:
The excitement of commodities is the excitement of possibility, of floating away
from the particular to taste the range of available life. There are times when we want
to be aliens and strangers, to feel how the shape of our lives is not the only shape, to
drift before a catalog of possible lives, staring at the glass arcades of shoes that are
sensible and shoes for taking a chance, buses leaving town and the gray ateam
railway depot where men and women hurry by with their bags (HYDE, 1983, p.67 e
68)
93
Mas isso não significa que essa pessoa não admita o valor do produto. Ele
apenas fixa sua adesão na valorização de uma força individual e no interesse em desenvolver
emblemas próprios, ainda que isso possa ser também um valor de grupo.
5.1 A questão da criação
A respeito dos mass-media Umberto Eco faz uma afirmação que pode ser
analogamente aplicada à indústria pirata produtora de bens de consumo de massa. Eco diz que
aí “não prevalece a invenção, e sim a realização técnica, e a invenção técnica pode ser imitada
e aperfeiçoada” (ECO, 1984, p. 177). Cria-se então uma cadeia de imitações contínuas no
momento em que as evoluções técnicas são um elemento fundamental da indústria pirata.
Nossa relação com os produtos de massa e a com os produtos de arte “elevada”
mudou. As diferenças foram reduzidas ou anuladas: com isso deformaram-se as
relações temporais, as linhas de filiação, os antes e os depois [...] Obtivemos aquilo
que a cultura iluminada e iluminista dos anos 60 pedia: que não houvesse, de um
lado, os produtos para as massas dependentes e, do outro, os produtos difíceis para o
público culto de paladar requintado. As distâncias ficaram menores, a crítica ficou
perplexa e está aí para se ver o embaraço [...] (ECO, 1984, p. 178)
Não significa que na indústria pirata não exista criação – apenas que isso não é
freqüente e mesmo foge à sua lógica, mas por vezes a criatividade encontra brechas e se
revela. Um exemplo é o fato de ser comum encontrar entre as versões piratas das bolsas Louis
Vuitton modelos que não existem no catálogo original da marca. Quando faz uso da criação e
propõe novo formato ao bem original, em certa medida podemos até considerar que se
antecipa em atualizá-lo.
É necessário cuidado para não se adotar uma atitude generalista e tratar todas
as modalidades de pirataria da mesma maneira, pois muitas vezes ela encontra forte acolhida
nas classes privilegiadas, como é o caso do consumo de softwares, games de informática e,
94
mais uma vez, das bolsas Louis Vuitton italianas, que são mais caras que as outras versões
piratas da mesma marca (e estabelecem assim uma hierarquia de status dentro do próprio
grupo de bens piratas, como foi mencionado). O raciocínio da dificuldade de acesso não se
aplica e uma outra hipótese talvez seja o valor de transgredir e sair impune. Outra questão
que demonstra ser inviável uma abordagem por igual dos bens piratas é o fato de que,
enquanto artigos de moda como vestuário e indumentária funcionam como marcação visual
(uma vez que são objetos ligados à aparência, modos de se pronunciar e por isso podem ser
mais facilmente reconhecidos), artigos de tecnologia, como CDs de música ou softwares
pirateados não são imediatamente reconhecidos (não considerando aqui a embalagem e o
encarte, mas a música quando é ouvida ou um programa instalado no computador que não
podem ser imediatamente identificados como pirateados). De fato, retomando a pesquisa do
Ibope comentada no capítulo 2, foi constatado que, além da grande maioria das compras de
artigos pirateados ser intencional e de seu custo ser realmente a metade ou menos da metade
do produto original, “a pesquisa também concluiu que o consumo é maior entre os mais
jovens e equilibrado entre todas as classes sociais o que muda nesse quesito é o tipo de peça
comprada” (NUNES, 2005).
Mas qualquer que seja o artigo reproduzido, o contexto em que se insere a
produção de bens piratas é sempre de total subordinação e dependência da grande indústria,
tanto tecnológica quanto criativa. Como seu produto se pretende uma espécie de
reapropriação simbólica, a pirataria depende sempre da criação e do lançamento de novos
produtos originais. Depende sintomaticamente de uma lógica técnica e comercial que é alheia
ao seu controle, mas ao mesmo tempo lhe é fundamental, peça-chave de sua existência.
Ao conceber a moda como antítese da tradição, pois é mostrada dentro de um
arcabouço temporal e histórico, observa-se que ela carrega em si o caráter de transitoriedade,
e que é simultaneamente expressão da territorialidade e da subjetividade, ao mesmo tempo em
95
que está intimamente relacionada com a cultura de massa. O que precisa ser pensado, então, é
o seu conteúdo no contexto da reapropriação que é feita pela indústria pirata, ou seja, como a
moda se apresenta nessas situações e qual o seu impacto social. Além disso, parece ser
importante avaliar também qual deve ser o ponto fundamental dessa dinâmica para os que
criam moda sejam eles os designers que trabalham para as grandes marcas ou os grupos
periféricos que muitas vezes servem de inspiração para esses designers.
De fato, esses contextos de reapropriação (seja de uma moda popular pelas
grandes corporações ou de bens de consumo pela indústria pirata) revelam embates
simbólicos e culturais que vão além de um confronto entre o que é popular e o que não é.
Como Hall afirma,
o termo ‘popular’ guarda relações muito complexas com o termo ‘classe’. (...) estão
profundamente relacionados entre si, mas não são absolutamente intercambiáveis.
A razão disso é evidente. Não existem ‘culturas’ inteiramente isoladas e
paradigmaticamente fixadas, numa relação de determinismo histórico, a classes
bem distintas e variáveis. As culturas de classe tendem a se entrecruzar e a se
sobrepor num mesmo campo de luta (HALL, 2003, p. 262).
Isso corrobora com a perspectiva pela qual optou-se aqui, segundo a qual não
se concebe culturas puras, pois as “culturas de classe”, nas palavras de Hall, se influenciam e
trocam referências mutuamente, constituindo uma rede de significações que não é fixa e
atravessa não os estilos de vida das pessoas, mas também o campo da criação e concepção
dos artefatos destinados ao consumo.
5.2 A questão da representação social e política
Ser simbólico, lembrando sempre que isso é pensado aqui não mais como
apenas o visual, é a razão do sucesso das marcas. E isso tem eficácia, mesmo que seja
imponderável, que não se possa quantificar nem medir, pois atribui uma valoração ao objeto
96
que não é fixa. O simbólico é um campo específico porque nele se travam constantemente
embates de significados, é uma arena importante de formação e constituição de identidades,
que podem ser rapidamente incorporadas (como é o caso da indústria da moda) - e isso não
acontece sem oferecer certos riscos. Diante dessa situação, uma alternativa possível talvez
seja pensar esse panorama através da representação política direta. Torna-se então necessário
refletir sobre como é politizada a relação entre produtos e consumidores, quais são as relações
que estão em jogo nessa disputa por significados e quem pode dizer o quê e quando.
Explorando a dimensão de uma política das relações sociais, talvez seja possível encontrar um
novo caminho para fazer uma leitura sobre como acontecem as mediações nas práticas de
consumo. O consumo, nesse sentido, pode ser pensado como uma forma de linguagem em que
o que está sendo dito muitas vezes são relações de enfrentamento e, outras vezes, de aliança.
Nesse raciocínio, talvez quando se fala em padrões de consumo, o que na verdade está em
pauta são mais do que modos de significação ou de representação são modos de produção
de subjetividade.
O antropólogo argentino Nestor García Canclini afirma que “no consumo se
constrói parte da racionalidade integrativa e comunicativa de uma comunidade” (CANCLINI,
2001, p. 80) e considera que existe uma racionalidade onde o cidadão se afirma e conquista
seu lugar no mundo pelo consumo. A impressão que fica é que ele propõe um novo conceito
de cidadania, uma espécie de ressignificação e contraposição ao conceito clássico e jurídico
vinculado às identidades nacionais. A partir da concepção de que o mercado de consumo é um
lugar de produção não só material, mas sobretudo simbólica, o autor afirma que
através da reconquista criativa dos espaços públicos, do interesse pelo
público, o consumo poderá ser um lugar de valor cognitivo, útil para pensar e
agir significativa e renovadoramente na vida social. Vincular o consumo com
a cidadania requer ensaiar um reposicionamento do mercado na sociedade,
tentar a reconquista imaginativa dos espaços públicos, do interesse pelo
público. (CANCLINI, 2001, p. 92)
97
Canclini sugere que o consumo seria uma via para a conquista da cidadania, de
modo que para ele é imperativo que os consumidores se convertam em cidadãos. A questão
que parece delicada, aí, não é vincular o consumo à cidadania, até porque a vida
contemporânea é quase que inevitavelmente atravessada pelo consumo. Entretanto, essa
passagem que o autor sugere de uma condição à outra ou de ser as duas ao mesmo tempo,
mas no sentido de que antes de sermos cidadãos seríamos consumidores - parece uma
concepção que merece ressalvas. Ora, acredita-se aqui que somos todos cidadãos, antes de
tudo, embora muitos indivíduos não façam disso uma condição política no sentido
reivindicativo. Muitos não exercem as potencialidades dessa condição de cidadão, e mesmo a
ignoram, mas isso não quer dizer que não o sejam ainda que ser cidadão, nesse caso, acabe
se restringindo a uma condição jurídica (com todas as limitações e riscos de se aprisionar o
termo cidadania numa concepção jurídica). E mesmo que muitos indivíduos exerçam muito
mais o papel social de consumidor do que de cidadão e sejam na maior parte das vezes
indiferentes à participação política e ao destino da vida pública, também é provável que essas
condições se alternem em relevância nas vidas das pessoas de acordo com o rumo dos
acontecimentos, de modo que em momentos de euforia política, como em épocas de eleição
ou ocasiões em que aconteçam greves gerais, CPIs, ou impeachment, para citar alguns casos,
pode-se observar uma ênfase na tomada para si do papel de ou ao menos do termo
cidadão.
Contudo, observa-se que o espaço para o consumidor é cada vez maior e sua
legitimação cresce, inclusive legalmente, com o Código de Defesa do Consumidor. Fica então
a questão sobre até que ponto isso pode ser considerado uma conquista ou uma amortização
da condição de cidadão. Pois diante desse quadro parece que o mundo, de certa maneira, se
transfigura num lugar onde as coisas ocupam o espaço que antes era ocupado pelos valores
98
morais descritos na lei. Não que o apego às coisas não existisse anteriormente, mas a
impressão é que agora ele ganha um novo estatuto.
Essa perspectiva de ascensão do consumidor como ator social se dá no auge da
implantação de políticas neoliberais e dos processos de privatizações de diversas empresas
estatais nos países latino-americanos, num momento em que os direitos passam a ser
reivindicados cada vez com mais ênfase a partir do Código de Defesa do Consumidor. Esse
código, elaborado pelo próprio Estado, passa a ser sinônimo de democracia, o que remete a
uma certa perplexidade, pois isso acontece justamente quando o Estado encontra-se
enfraquecido, por seguir a racionalidade do capitalismo financeiro.
Seria essa ligação da cidadania ao consumo uma forma de tentar emancipar a
primeira de seu caráter histórico, jurídico e relacionado com a memória? De toda forma,
parece que vincular a cidadania ao consumo com uma ênfase exacerbada pode ser arriscado,
pois restringe outras formas em que ela pode e deve eclodir e se manifestar. Além disso,
cidadania não parece ser um conceito universal, por mais que se fale em Direitos Humanos
Universais, pois não garantias de que o termo tenha a mesma significação para todos. Da
mesma maneira, observa-se que as pessoas nem sempre se definem da mesma forma na
prática da cidadania então, torna-se arriscado considerar a existência de uma cidadania
universal se não existe um sujeito universal, pois o próprio conceito de cidadania é
construído.
99
6 Identidade e alteridade no consumo de bens
Atualmente, o espaço das cidades pode ser pensado como um território de
disputa política por representação de imagem, afirmação de identidade, como um lugar
irradiador de imagem e representação. É, portanto, o espaço privilegiado de observação das
práticas de consumo e das relações que nelas se estabelecem. No ambiente heterogêneo das
metrópoles observa-se a articulação das identidades no consumo, captada com sensibilidade
por Carlos Drummond de Andrade no poema Eu, etiqueta, reproduzido por Rocha em sua
obra Magia e Capitalismo (1995), que indica bem a medida do seu escopo e sinaliza pistas
cardeais para nortear o debate:
Em minha calça está grudado um nome
Que não é meu de batismo ou de cartório
Um nome... estranho.
Meu blusão traz lembrete de bebida
Que jamais pus na boca, nessa vida,
Em minha camiseta, a marca de cigarro
Que não fumo, até hoje não fumei.
Minhas meias falam de produto
Que nunca experimentei
Mas são comunicados a meus pés.
Meu tênis é proclama colorido
De alguma coisa não provada
Por este provador de longa idade.
Meu lenço, meu lençol, meu chaveiro,
Minha gravata e cinto e escova e pente,
Meu copo, minha xícara,
Minha toalha de banho e sabonete,
Meu isso, meu aquilo,
Desde a cabeça ao bico dos sapatos,
São mensagens,
Letras falantes,
Gritos visuais,
Ordens de uso, abuso, reincidências,
Costume, hábito, premência,
Indispensabilidade,
E fazem de mim homem-anúncio itinerante,
Escravo da matéria anunciada.
Estou, estou na moda.
É duro andar na moda, ainda que a moda
Seja negar minha identidade,
Trocá-la por mil, açambarcando
Todas as marcas registradas,
Todos os logotipos do mercado.
Com que inocência demito-me de ser
Eu que antes era e me sabia
100
Tão diverso de outros, tão mim mesmo,
Ser pensante sentinte e solitário
Com outros seres diversos e conscientes
De sua humana, invencível condição.
Agora sou anúncio
Ora vulgar ora bizarro
Em língua nacional ou em qualquer língua
(Qualquer principalmente.)
E nisto me comprazo, tiro glória
De minha anulação.
Não sou – vê-lá – anúncio contratado.
Eu é que mimosamente pago
Para anunciar, para vender
Em bares festas praias pérgulas piscinas,
E bem à vista exibo esta etiqueta
Global no corpo que desiste
De ser veste e sandália de uma essência
Tão viva, independente,
Que moda ou suborno algum a compromete.
Onde terei jogado fora
Meu gosto e capacidade de escolher,
Minhas idiossincrasias tão pessoais,
Tão minhas que no rosto se espelhavam
E cada gesto, cada olhar,
Cada vinco da roupa.
Sou gravado de forma universal,
Saio da estamparia, não de casa,
Da vitrine me tiram, recolocam,
Objeto pulsante mas objeto
Que se oferece como signo de outros
Objetos estáticos, tarifados.
Por me ostentar assim, tão orgulhoso
De ser não eu, mas artigo industrial,
Peço que meu nome retifiquem.
Já não me convém o título de homem.
Meu nome novo é Coisa.
Eu sou a Coisa, coisamente.
(DRUMMOND apud ROCHA, 1995a, p. 34-36)
Drummond evidencia a questão da construção de identidade no consumo e tece
uma dura crítica a esse processo. O autor acredita que o consumo tem a potência de alienar o
indivíduo de si mesmo - “com que inocência demito-me de ser / eu que antes era e me sabia /
tão diverso dos outros, tão mim mesmo” - e da sua própria condição humana -“agora sou
anúncio / ora vulgar ora bizarro / (...) saio da estamparia, não de casa”. Isso acontece também
no final do poema, quando sugere uma estandardização do homem que, de tanto portar
etiquetas se torna, ele mesmo, um objeto. Segundo o poeta, esse consumo frenético solapa a
101
singularidade: “onde terei jogado fora / meu gosto e capacidade de escolher, / minhas
idiossincrasias tão pessoais, / tão minhas que no rosto se espelhavam”. Drummond mostra
ainda o consumo como linguagem e informação: “meu isso, meu aquilo. / desde a cabeça ao
bico dos sapatos, / são mensagens, / letras falantes, / gritos visuais” e denuncia a persuasão
que termina por criar necessidade: “ordens de uso, abuso, reincidências, / costume, hábito,
premência, / indispensabilidade”. Retrata também o próprio indivíduo como tendo dupla
função, simultaneamente público-alvo e veículo de divulgação do produto, uma mídia humana
em última instância: “e fazem de mim homem-anúncio itinerante, / escravo da matéria
anunciada”. A seguir, Drummond ironiza essa condição quando escreve “não sou
anúncio contratado. / eu é que mimosamente pago / para anunciar, para vender”.
Drummond ironiza ainda a supervalorização do produto importado em
detrimento do nacional: “agora sou anúncio / (...) / em língua nacional ou em qualquer língua /
(qualquer, principalmente)”, e observa que se consome não para si, mas para o outro: “em
bares festas praias pérgulas piscinas, / e bem à vista exibo esta etiqueta”. Evidencia mais uma
vez que o consumo desmedido leva o indivíduo a abdicar da singularidade, e ainda que as
identidades construídas nessa prática são múltiplas, contraditórias até, e atravessam um
mesmo indivíduo a cada bem consumido: “é duro andar na moda, ainda que a moda seja negar
minha identidade, / trocá-la por mil, açambarcando / todas as marcas registradas, / todos os
logotipos do mercado”. Aqui vale lembrar uma expressão do senso comum que ilustra bem
essa condição, pois muitas vezes o verbo “rotular” é utilizado tanto para produtos quanto para
pessoas, colocando ser e objeto em um nível de equivalência. Entretanto, nesse sentido tanto a
humanidade às vezes é coisificada quanto os produtos também podem ser humanizados.
Como foi abordado anteriormente, as pessoas também se reconhecem nos
produtos, e chegam mesmo a afirmar que determinados artefatos têm a sua cara. Segundo
Jonathan Friedman, “a prática intensiva da identidade é a marca registrada do atual período
102
em que vivemos” (FRIEDMAN, 1994, p. 330). Friedman busca analisar o consumo como
um aspecto de estratégias culturais mais amplas de autodefinição e de automanutenção”
(FRIEDMAN, 1994, p. 330). Segundo o autor, para apreender o consumo é necessário
entender como se constitui o desejo que é um aspecto da identidade pessoal. Em certa medida
nota-se que o autor se apóia em Campbell para fundamentar essa perspectiva do desejo no
universo do consumo, pois o relaciona à emoção e à fantasia.
Em seu estudo sobre os sapeurs (solapadores) e outros grupos semelhantes da
República Popular do Congo, pertencentes ao lumpen-proletariado, o antropólogo relata o
fascínio que esses indivíduos têm por marcas européias, especialmente pelas sofisticadas
grifes de vestuário. Quando alguns dos elementos do grupo migram para Paris em busca de
melhores condições de vida, passam na verdade a viver em situação de grande privação e
carência. Ainda assim, tentam acumular o maior número possível de etiquetas de marcas
famosas. O sonho de uma vida melhor em Paris quase sempre não acontece e lá os congoleses
geralmente vivem miseravelmente. O pouco que ganham gastam em compras a prazo e é
freqüente se endividarem para poder comprar roupas de marcas sofisticadas para seu padrão
de vida. Entretanto, quando visitam seu país de origem, costuram as etiquetas dessas marcas
na lapela de casacos, em local visível, para que possam servir de exibição. Isso consiste em
uma espécie de ritual denominado danse des grifes (dança das grifes). Quanto mais etiquetas
o congolês possui, mais prestígio e status social ele acumula em sua terra natal. Para os
sapeurs
o parecer e o ser são idênticos - você é o que você veste. Não porque a veste faz o
homem (o hábito faz o monge), mas porque o vestuário é a expressão imediata do
grau de força vital que a pessoa carrega dentro de si, e a força vital é sempre e em
toda parte exterior. O consumo do vestuário é cercado de uma estratégia global
vinculada à força que proporciona não apenas riqueza mas também saúde e poder
político. [...] o vestuário não é um símbolo de posição social, mas uma
manifestação concreta desta mesma posição social (FRIEDMAN, 1994, p. 334).
103
Ao visitar seu país de origem e participar da danse des grifes, os sapeurs
demarcam seu status e celebram o seu prestígio localmente. Os imigrantes que vão para Paris
são chamados parisiens (parisienses) e isso perpassa o imaginário local como um indicativo
de que eles pertencem a uma categoria superior. Através do vestuário o indivíduo se constitui
como um objeto de desejo que é acolhido por todos. São como dândis e sua aparência se
constitui como sua própria condição de existência. Friedman observa que
se, para nós (ocidentais), o consumo consiste na formação de espaços vitais para
nosso conforto, para a sape ele consiste na constituição de prestígio, justamente
sem o estilo de vida que este vestuário todo se destina a manifestar. Assim, pode ser
que a satisfação adquirida não reside na experiência do estilo de vida, mas na
constituição do próprio eu para os outros, na aparência dos ‘grandes’, das elites
poderosas. E esta estratégia de aquisição não é simplesmente uma manipulação
racional de aparências (FRIEDMAN, 1994, p. 335)
O que na lógica ocidental pode ser considerado sinal de status, para os
congoleses sapeurs é a própria essência da vida. Ora, nas práticas de consumo observadas nos
grandes centros do Ocidente, cada vez mais as pessoas se diferenciam pelo intangível. A
partir daí, pensar a relação entre consumo e identidade exige ainda um esforço teórico para
problematizar como se constroem novos sentidos nas práticas de consumo e como a diferença
se apresenta muitas vezes como um espaço de “negociação”, de tal forma que a representação
da identidade pode ser dada a partir da diferença, ou seja, a diferença também se coloca como
uma enunciação da identidade e o consumo como lugar de articulação das diferenças
(entendendo aqui por diferenças tudo aquilo que se opõe às identidades hegemônicas e pode
se constituir como formas de resistência).
De acordo com Sahlins (2003), toda produção é produção de um esquema
simbólico. O autor se refere à produção material, e esta, disseminada pelo consumo de bens,
faz com que o universo das práticas de consumo também se revele como um lugar de
produção simbólica e construção de identidades. Assim, a construção de identidades pelo
104
consumo se em função do elemento simbólico presente nas coisas materiais. E como o
consumo segue a moda e tendências, podemos dizer que as identidades formadas nessas
práticas não são fixas.
De fato, se algum dia existiu um estado de identidade fixa, pura, unificada e
estável ele foi dissolvido pelo sistema capitalista, que introduziu a noção de sujeito com
identidade híbrida, múltipla, flexível e variável. Esta é a perspectiva de Hall (2002), que não
aponta para a rigidez de uma identidade fixa, mas defende serem as identidades
contemporâneas formadas continuamente e,
à medida em que os sistemas de significação e representação cultural se
multiplicam, somos confrontados por uma multiplicidade desconcertante e
cambiante de identidades possíveis, com cada uma das quais poderíamos nos
identificar – ao menos temporariamente (HALL, 2002, p. 13).
Hall fala da identidade como um projeto de futuro, que demarca o lugar onde
se quer chegar, e não como algo biológico, incorporado. Para o autor as identidades são muito
mais situações. Wallerstein (2004), em concordância com Hall, considera que as identidades
são múltiplas e flexíveis, e a definição de quem somos nós e quem são os outros depende da
determinação “de que batalha estamos travando” (WALLERSTEIN, 2004, p. 149). Assim, se
existe uma suposta sensação de perda de sentido de si frente a esse deslocamento, narrar-se a
si mesmo se configura como a expressão da construção da identidade que termina por ser um
processo em constante tensão. O autor considera que o atual sistema capitalista mercantiliza
tudo, até a identidade, de modo que nós “não afirmamos nossa identidade, pagamos para
afirmá-la; pagamos para ver outros afirmarem a sua; algumas pessoas até nos vendem a sua
identidade. Nós asseguramos o copyright da cultura” (WALLERSTEIN, 2004, p. 149).
Também para Zizek (2003) a afirmação da identidade atualmente se com
mais força na esfera do mercado e segue as regras do Capital. As reivindicações de
105
identidades acontecem principalmente nas práticas de consumo, pois para cada produto, linha
de produtos ou marca registrada, existe um público-alvo. Os próprios produtos também têm
suas identidades construídas e, em certa medida, pode-se considerar que são humanizados
têm cores, texturas, nomes, aparência e até credibilidade: as pessoas confiam neles. Desse
modo, o processo de construção de identidade torna-se um processo mercantil e a política
identitária entra no jogo do Capital, pois a própria sociedade de consumo pensa a diferença
criando nichos de mercado.
Em Guattari, a identidade está geralmente relacionada a processos de
reconhecimento, pois “quando a polícia pede a carteira de identidade de alguém, é justamente
para poder identificá-lo, reconhecê-lo socialmente” (GUATTARI, 1986, p. 68). O autor
critica o conceito de identidade, especialmente “identidade cultural”, argumentando que pode
ter conseqüências políticas perigosas, pois deixa escapar “toda a riqueza da produção
semiótica de uma etnia, de um grupo social ou de uma sociedade” (GUATTARI, 1986, p. 73).
Sua abordagem convida então a considerar o sujeito sob a perspectiva da multiplicidade de
experiências, o que demonstra pontos de convergência com os outros autores mencionados
acima. Guattari contrapõe o conceito de devir ao de identidade no momento em que vê o
devir como processo, transformação, e identidade como um conceito reacionário, porque
fecha o grupo em si mesmo.
Se a forma como as pessoas levam as suas vidas diz como elas vêem a si
mesmas, nas práticas de consumo onde se articulam afetos, diferenças e produção de
identidade percebe-se como se formam redes de sociabilidade entre as pessoas em torno de
repertórios que grupos de indivíduos têm em comum. Nesse sentido, o afeto muitas vezes
pode ser um eficaz elemento na reificação de estruturas hegemônicas. Contudo, pode também
se converter em uma atitude de espanto frente ao novo. Pois apesar dos instrumentos cada vez
mais sofisticados de que se utiliza a retórica capitalista para fazer perpetuar a sua gica e a
106
adesão a seus valores, a própria flexibilidade das identidades não garante que o sistema seja
assim tão estável e isso, ainda que muitas vezes timidamente, abre caminho para a
possibilidade de novos devires. Nesse sentido, a indústria pirata pode não se configurar como
uma produção “subversiva” destinada a consumidores “revolucionários”, pois reforça a
adesão à marca, mas certamente aponta para uma ruptura na tradicional racionalidade do
mercado de consumo do bem original e revela que as identidades das próprias marcas não são
tão invioláveis e rígidas. A partir desse contexto, então, pode-se aferir que a marca não
pertence ao produtor e nem ao consumidor que a compra em forma de produto. Ela lhes
escapa e pode até voltar-se contra eles.
6.1 Consumo e subjetividade
Se, conforme foi tratado no início deste trabalho, as marcas registradas têm um
poder agenciador, então se torna pertinente abordar algumas implicações do consumo na
construção da subjetividade. Guattari (1986) defende que a subjetividade é manufaturada,
produzida ou, em suas palavras, é “maquínica”. O autor prefere falar em processos de
subjetivação ao invés ideologia, mas esta não é apenas uma mudança terminológica, e sim
conceitual, pois enquanto a ideologia permanece na esfera da representação, a subjetividade é
uma “modelização” que acontece nas práticas sociais. Em outras palavras, se os fatos sociais
desencadeiam processos de produção de subjetividade então o consumo, concebido aqui como
fato social, é um lugar onde isso acontece. Pode-se ainda afirmar que na sociedade
contemporânea a comunicação de massa ocupa um espaço sistemático na cultura, de modo
que a publicidade comanda processos de produção de subjetividade no universo do consumo.
É importante destacar que Guattari não contrapõe as relações de produção
econômica às relações de produção subjetivas, mas afirma que estas são regidas com
107
competência pelo Capitalismo Mundial Integrado, que concebe a produção de subjetividade
como o mais importante e essencial tipo de produção contemporânea. Essa percepção torna o
capitalismo um sistema econômico que se estabelece como político no sentido que atua na
esfera do poder. Hoje se observa a força do capitalismo de empresa, no qual as estruturas
empresariais capitaneiam o processo de expansão capitalista e colocam o Estado num segundo
plano. Nesse sentido muitas vezes o Estado termina por se transformar no certificador, aquele
que é o avalista das ações da empresa e isso se constitui como um paradoxo, porque a
pretensão da empresa passa a ser definir o campo de atuação do Estado. Mas Guattari não
dispensa as formas clássicas de luta, e sim coloca uma nova forma em primeiro plano, pois
levanta a questão de que uma política do desejo. Nesse aspecto, a produção de
subjetividade atua em torno das grandes máquinas produtivas e de controle social, mas
também no nível das instâncias psíquicas, promovendo uma modelização dos afetos no
sentido de agrupar em torno de si as condições e elementos ideais para a manutenção de uma
ordem dominante. Em outras palavras, direciona seu mecanismo com a intenção de buscar um
consenso subjetivo. Transpondo para o mercado de bens de consumo, o discurso publicitário
está sempre buscando esse consenso na forma de adesão à marca e aos valores que esta
representa. Assim, apesar da subjetividade em Guattari constituir-se como sendo plural e
polifônica, no momento em que se concebe o pertencimento a um grupo exatamente a partir
dos hábitos de consumo e isso acontece em larga escala nos dias atuais - observa-se que a
alteridade acaba sendo cada vez mais desviada para o consumo.
Uma outra questão refere-se ao fato de que as técnicas de produção de
subjetividade são empregadas pelas indústrias não no sentido de produzir um mercado de
consumidores, mas também internamente, no seu próprio funcionamento, para fazer com que
os empregados se sintam membros da empresa em que trabalham. A partir daí é possível
108
considerar que o lucro capitalista ultrapassa a mais valia econômica e se sustenta também
nessa conquista de poder pela produção da subjetividade.
A perspectiva aqui adotada sustenta que o consumo é um fator de sociabilidade
que o indivíduo usa para fazer afirmações sobre si mesmo e se sentir integrado. É código,
traduz relações sociais e elabora experiências subjetivas em verdadeiros rituais de atribuição
de valor. Mas também é um método de exclusão e controle e transmite informações sobre o
mercado de trabalho. Entendendo que os bens são construções cognitivas, definidores de
modos de ser e de agir, os afetos envolvidos nas práticas de consumo tocam a questão de
pertencimento social e exclusão e atravessam ainda o campo da produção - de bens e de
subjetividades. Então, ao considerar que a identidade se forma a partir da idéia de
pertencimento cultural, e uma vez que o consumo estrutura valores que definem mapas
culturais, pode-se afirmar que também constrói identidades. E estas convergem com a
perspectiva apresentada por Hall, pois se tratam de identidades que não são unificadas, mas
sim complexas, múltiplas, difusas e muito freqüentemente incoerentes e contraditórias. A
partir daí, considerando a afirmação em Hall de que vivemos uma “crise de identidade”
(HALL, 2002, p. 7) que abala os antigos quadros de referência que davam aos indivíduos uma
ancoragem estável no mundo social, podemos sugerir que o universo do consumo, com todas
as suas contradições e segregações, tem potencial para promover essa crise no indivíduo, e
efetivamente é um lugar onde isso acontece. O consumo de bens piratas, por sua vez, pode ser
visto como um descentramento, uma ruptura que deriva da crise.
No capitalismo contemporâneo, onde, retomando Wallerstein (2004), tudo se
transforma em mercadoria, observamos a mercantilização da cultura, inclusive da cultura de
protesto. Para citar um exemplo, atualmente camisas de “Che” Guevara viram ícones fashion
e são vendidas nos shoppings centers, constituindo-se como um objeto que também têm
identidade contraditória. Da mesma forma, no consumo de bens de luxo pirateados adquiridos
109
por uma parcela economicamente menos privilegiada da população também observamos a
evidência – ou a denúncia – da falta e do conflito e a prevalência dos códigos hegemônicos do
capitalismo, pois na maioria das vezes o anseio não é por ruptura, mas por inserção ou
reconhecimento social pela via do consumo. Através da possibilidade de consumir um bem
pirata, as pessoas muitas vezes buscam uma alternativa para conviver com o que lhes falta.
Uma outra questão pertinente ao debate e que parece se configurar como um
emblema político refere-se ao voto, pois existe a hipótese de que atualmente muitos cidadãos
votam preocupados em garantir, manter e freqüentemente aumentar o seu padrão de consumo,
talvez por medo da hiperinflação comum alguns anos e que, uma vez superada, trouxe a
sensação de segurança vinculada a um ideal de estabilidade econômica. Nesse sentido, nas
campanhas políticas observa-se, ao lado das narrativas ligadas a questões sociais como saúde
e educação, a presença não menos marcante de um discurso que valoriza o consumo (e sua
ampliação) como forma de inclusão social e estratégia para conquistar eleitores.
6.2 Identidade e discurso na publicidade
Sobre a publicidade, Quessada (2003) afirma que ela é simultaneamente
discurso, uma vez que circula levando a informação que insere o objeto no coletivo, ou seja,
que o coloca no social, e também é ela mesma um objeto que circula. Segundo o autor,
O que se comunica no e pelo discurso publicitário é, portanto, comunhão. Através
da publicidade, a sociedade comunica-se/comunga consigo mesma. Aliás, a origem
etimológica de “comunicação” remete diretamente à idéia de comunhão, ainda que
sua história seja a de um distanciamento progressivo em relação a esse sentido
primeiro. A publicidade comunica a comunhão pelo objeto, ao mesmo tempo em
que comunica o objeto da comunhão (QUESSADA, 2003, p. 13).
A cultura de massa socializa o consumo pela publicidade e esta produz não
anúncios, mas modelos de vida e de sujeitos ideais. Rocha (1995a) se detêm sobre este tema e,
110
como Sahlins (2003), concebe que o consumo funciona como um sistema totêmico de
classificação de maneira que se a gica totêmica usa elementos da natureza para classificar
elementos da cultura vistos como naturalmente diferentes e desiguais, então a marca
registrada amplamente divulgada pela publicidade também pode ser concebida como um
operador análogo, considerando que é prática corriqueira na sociedade contemporânea
classificar pessoas de acordo com os seus hábitos de consumo, articulando marcas, indivíduos
e comportamentos.
A publicidade, por sua vez, não objetiva simplesmente vender um produto ou
serviço, mas gerar e implantar um estilo de vida que vai fazer vender e por isso não promete
às pessoas aquilo que elas têm. Oferece a novidade em direção a qual busca despertar a
ação e produzir “lugares” onde o desejo ativado possa se realizar. Entretanto, vale mais uma
vez lembrar, consome-se o produto, mas mais ainda a simbologia, a significação agregada e
ele. E para construir significados a publicidade com freqüência faz uso da hipérbole, do
exagero e tece um discurso onde a marca demonstra seu valor e institui seu poder. Nessa
lógica, a própria marca registrada assinala uma identidade, comunica uma diferença e se
estabelece como signo distintivo. Contudo, muitas vezes a tão divulgada qualidade pode ser
considerada como um conceito subjetivo, supostamente incorporado aos produtos pelas
empresas, de modo que a comunicação dos produtos salienta essa qualidade, mas depende
também da recepção dos pelos consumidores.
A publicidade realiza uma comunicação material e simbólica e, como
argumenta Rocha (1995a), constrói o mundo do anúncio como um mundo quase real, mas que
oferece respostas prontas. Ainda segundo o autor ela socializa para o consumo porque
informa e ensina às pessoas coisas sobre os produtos, sejam eles bens ou serviços, e iguala o
consumo à felicidade através de elementos não-racionais, utilizando-se de um pensamento
mítico onde o tempo cronológico é suspenso, os animais falam e as narrativas são modelos
111
ideais do cotidiano. Ora, o mito não diferencia natureza de cultura e se aproxima do sonho, do
conto de fadas, e é exatamente essa a atmosfera com a qual a publicidade predominantemente
trabalha. Atualmente existe mesmo uma glamourização da publicidade e de todo o processo
de criação das campanhas veiculadas. E como lembra Patricia Burrowes (2005) glamour é
uma palavra de origem etimológica sueca que está ligada à magia, ao místico, e isso remete
também ao mitológico, que é mágico. Nos termos da autora, a publicidade seria uma
ferramenta do marketing utilizada para dar vida aos produtos e construir sua personalidade e
identidade. Nesse sentido, Burrowes sugere que opera aí um “agenciamento coletivo do
consumo”, conceito inspirado nos termos de Deleuze e Guattari. Uma vez que a compra não é
um processo individual, mas coletivo (consumo como fato social), o agenciamento coletivo
do consumo opera como um tipo de arranjo que trabalha com elementos heterogêneos no
sentido de produzir modelos de vida como modo de interação social e de relação com o
mundo. Isso inclui um modelo social onde há ausência de conflito, pois a intenção presente no
discurso veiculado pela publicidade é a sedução como forma de adesão à marca, e para cativar
as pessoas deve-se evitar conflitos. Quessada argumenta ainda que
O emprego de termos ambíguos, como “sociedade” ou “modelo de sociedade”,
mostra claramente o objetivo dessas comunicações de imagem de marca. Aqui, a
palavra sociedade” designa tanto a comunidade social quanto a empresa. Na
perspectiva liberal, a empresa torna-se o novo lugar da socialidade. Portanto, seus
melhores representantes as maiores empresas são sociedades-modelo, mas por
isso mesmo constituem igualmente modelos para toda a sociedade (QUESSADA,
2003, p. 85).
Portanto, as empresas buscam gerenciar não só sua estrutura interna, mas
através da publicidade exercem também uma tentativa de gerenciamento na vida cotidiana da
outra sociedade, a que está fora da empresa. Trata-se de uma intervenção privada na vida
particular de cada cidadão e também no espaço público coletivo, cujo principal instrumento
de ação é a linguagem. A publicidade, nesses termos, articula um discurso político, pois
112
concede à empresa um poder com pretensão de agir sobre o que é público e organizar a vida
dos cidadãos. Fala para um grande número de pessoas, contudo a mensagem que transmite
sempre é recebida por cada um de modo particular, pois a pessoa a mensagem a partir do
seu próprio repertório cultural, das suas experiências particulares e da sua história pessoal de
vida. Falando especificamente do contexto brasileiro, é comum as pessoas por vezes
estabelecerem uma relação afetiva com os anúncios e até mesmo lembrarem com nostalgia de
campanhas veiculadas muitos anos, associando-as a eventos que marcaram suas vidas,
lembranças pessoais e um passado idealizado.
A publicidade promove uma difusão do consumo, mas propaga um conforto
que não é acessível a todos. O consumo é o establishment, mas tanto o acesso aos bens quanto
às práticas de consumo mais sofisticadas não são universais. E embora se possa considerar a
coexistência do ascetismo e do hedonismo, observa-se hoje que a visão hedonista do consumo
é recorrente, talvez seja sua mais famosa marca ideológica, e quem mais evidencia isso é a
publicidade. Desse modo, existe uma pressão contínua por parte da publicidade para se
consumir e gastar mais, pois o discurso que ela veicula anuncia que existe sempre uma falta e
todos os anúncios têm um novo projeto para dar significado às nossas vidas. A publicidade
realiza assim uma espécie de administração das experiências vividas e estabelece em certa
medida uma sujeição, que se relaciona com questão da pobreza como sentimento subjetivo
tratada anteriormente, pois introduz uma constante sensação de escassez a cada novo
lançamento e em cada anúncio veiculado. Uma falta que, vale retomar, não se relaciona com a
necessidade utilitária do artefato material, mas sim com o seu uso como mediador nas
interações sociais.
Sobre a questão da construção de significado, se pode ainda pensar os
imperativos do consumo a partir da publicidade considerando que esta se constitui como um
processo dialógico, pois se trata de um discurso perpassado por outros textos, uma vez que a
113
própria confecção das campanhas requer como background um repertório diverso que engloba
uma cadeia de enunciados distintos, os quais o senso comum e os próprios profissionais de
criação denominam “cultura geral” e que seria um agregado de informações colhidas nas mais
diversas fontes, que vão desde jornais e revistas até romances e diversos outros tipos de
literatura, filmes, música, teatro, cinema, exposições de arte etc. A utilização desse repertório
amplo e de simples recepção tem por objetivo endossar o produto, conquistar adesão do
público-alvo e fazer com que o processo de persuasão seja o mais eficaz possível.
Mas na sociedade de comunicação de massa, a marca registrada amplamente
divulgada muitas vezes ultrapassa o alcance previsto e diversos atores sociais, além do
público-alvo ao qual se destina, participam da apropriação dessa marca principalmente através
do consumo de artigos pirateados. Assim, toda a técnica envolvida na criação das campanhas
de divulgação da marca beneficia também a indústria da falsificação.
6.3 Consumo, hierarquia social e fronteiras culturais
Quando se discute acerca dos motivos pelos quais alguém consome um
produto pirata, as hipóteses ligadas a elementos de competitividade ou satisfação psicológica
não bastam para sustentar o debate com rigor. A questão é mais complexa, pois, como foi
discutido inicialmente, o consumo de bens piratas é mais que a conseqüência de um ambiente
de consumo sofisticado e que é inacessível a grande parte da população, até porque as
relações que se estabelecem nas práticas de consumo seguem por uma via de mão dupla, onde
o consumo das classes periféricas ocasionalmente pode influenciar o das classes
economicamente privilegiadas, como também foi abordado no capítulo sobre as questões
relativas ao gosto e estilo. O fato é que as pessoas se reconhecem no exercício das práticas de
consumo e nele as categorias sociais são continuamente redefinidas, de modo que se
114
identificar com determinados grupos é uma característica que reforça as diferenças e o
impulso para consumir.
A pirataria é um fenômeno urbano, seu lugar é a cidade, os grandes centros
com sua heterogeneidade cultural, multiplicidade de experiências, papéis sociais e identidades
que constituem uma realidade por vezes contraditória e conflituosa, onde os universos
simbólicos são permanentemente reconstruídos. As antigas identidades fixas, organizadas em
torno de uma nação, circunscritas a um território nacional, uma língua, um folclore, cedem
lugar às identidades múltiplas que observamos hoje e que se constroem em grande parte no
universo do consumo. Por isso, considerá-lo um ambiente de gastos “desnecessários” e fúteis,
loco de desejos irracionais, reduz o debate, pois trata-se de um cenário rico para se pensar a
cidade, as relações e interações sociais. Um espaço em torno do qual se organiza grande parte
da vida contemporânea e que surge como desafio para pensar o lugar da diferença. No jogo
em que se procuram estabelecer diferenças e distinções (no consumo) existe uma disputa por
poder, reconhecimento e pelo estabelecimento de hierarquias.
No universo do consumo, observa-se que freqüentemente as pessoas de um
estrato social menos privilegiado sentem uma espécie de alegria e satisfação em compartilhar
marcas sofisticadas consumidas por indivíduos de poder aquisitivo mais alto. Como esse
compartilhamento se através da versão pirateada, o que ocorre na verdade é um
compartilhamento de nomes e não de uma condição de equivalência de prestígio social. Pode-
se então afirmar que acontece uma busca de segurança individual pelo compartilhamento
coletivo de um mesmo código, de signos comuns, e a alteridade constitui-se de maneira
dialógica.
Assim, é possível que a produção de identidades e códigos no consumo não
seja nem hegemônica e nem dicotômica. As minorias e também o que é hegemônico não se
produzem sempre por dualidades, nem da mesma maneira, nem exclusivamente por oposição.
115
Trata-se de processos socioculturais complexos que acontecem mais como uma trama, uma
rede, uma tessitura social. Mas a identidade pode e deve ser discutida no âmbito do consumo.
Entretanto, não é o único lugar onde ela se produz. É certo que, na sociedade contemporânea,
isso acontece fortemente, pois o consumo atravessa a vida e o cotidiano das pessoas de uma
forma talvez nunca antes observada. Mas esse é um processo historicamente circunscrito, um
fenômeno em andamento. Por isso afirmar categoricamente que toda identidade e diferença se
dão a partir dos hábitos de consumo pode ser arriscado e as formas de produção do eu e do
outro que se estabelecem a partir dessa afirmação podem ser muito mais formas de produção
discursiva.
Canclini (1999, 2003) considera que o sentido que o consumo adquire na
sociedade atual depende da maneira como as práticas se estabelecem, ou seja, a gerência do
processo é que vai determinar o uso que está sendo feito dele. E a partir desse ponto sustenta
sua argumentação, já debatida acima, sobre como os consumidores têm a possibilidade de
expandir seus comportamentos até reinventar o modo de serem cidadãos frente a um projeto
que busca conquistar consumidores mais que desenvolver a cidadania. O autor atribui
importância ao consumo como organizador da vida cotidiana e procura chamar a atenção para
se pensar algo tão forte e presente no dia-a-dia da sociedade contemporânea. Afirma que
“participar de qualquer mercado (...) é como atirar num alvo móvel” (CANCLINI, 2003, p.
48), mas muitas vezes sobrepõe o conceito de mercado ao de sociedade e o de consumidor ao
de cidadão.
No campo de possibilidades próprio da complexa sociedade de consumo
contemporânea, é complicado um indivíduo se isolar. Ele está sempre circulando, transitando
entre diferentes mundos, participando de um jogo da diversidade. Por vezes a experiência da
unidade reúne indivíduos diferentes em torno de algo comum, mas a unidade que se constitui
116
como privilegiada geralmente se desconstrói no momento seguinte em que se revelam os
contextos de unidade e fragmentação em nossa sociedade. Assim, segundo Hall,
Deve-se tentar construir uma diversidade de novas esferas públicas nas quais todos os
particulares serão transformados ao serem obrigados a negociar dentro de um
horizonte mais amplo. É essencial que esse espaço permaneça heterogêneo e
pluralístico e que os elementos de negociação dentro do mesmo retenham sua
différance. Eles devem resistir ao ímpeto de serem integrados por um processo de
equivalência formal, como dita a concepção liberal de cidadania [...] (HALL, 2003,
p. 87)
Hoje, pode-se considerar que existe uma espécie de rearticulação das
relações sociais em torno das práticas de consumo e muitas vezes o recolhimento é
considerado como uma atitude anti-social. Por outro lado, os contextos de adesão política à
identidade da marca trazem o risco de estetização da política fazendo com que ela se converta
mais em objeto de contemplação do que de ação e participação.
117
Considerações finais
Se a pirataria é um deslocamento que interfere nos rituais de consumo
dominantes, por sua vez não conota necessariamente reprovação à doutrina regente, mas trata-
se de um movimento separatista que professa uma doutrina contra a restrição da práxis
dominante, e não contra essa práxis em si mesma.
Acontece, porém, que o consumo de um bem pirata equivale a optar pelo
profano e distanciar-se do sagrado (aurático) num mercado que veicula a salvação e o paraíso
em cada anúncio. Mas isso não significa deixar de ser guiado pelas vozes dominantes.
Escolher deveria significar reivindicar a superioridade do juízo pessoal em detrimento da
verdade imposta. Em última análise, deveria ser um exercício de singularidade. Mas na atual
configuração da sociedade de consumo toda escolha supõe uma espécie de corrupção do eu
pela midiatização. As opções passam assim pelo cânone ortodoxo do mercado e do consumo.
Essa gradação introduz um esclarecimento importante: se a pirataria configura-se como
profanação, quem a consome, ao contrário do que se poderia supor, não deve ser considerado
como um herege uma vez que não renega o credo oficial, apenas apela para o mesmo cânone
buscando interpretá-lo por outra via. Dessa forma não há anseio por ruptura, mas antes
inserção, no sentido de querer restaurar o valor autêntico de um objeto utilizando como
suporte uma estrutura de simulacro.
A realização material da pirataria não reproduz a aura do objeto original. Sua
eficácia consiste em fazer passar pelo juízo e avaliação dos consumidores de bens originais a
continuidade que consegue preservar dos cânones que reproduz. Entretanto, para os
consumidores de bens piratas isso se configura mais como ilusão do que lugar de auto-
reconhecimento. Os consumidores de bens originais continuam a ser absolutamente seus
outros, pois consumir um bem pirata não melhora sua condição real.
118
Entretanto, apesar de reforçar condutas de exclusão arraigadas na sociedade, o
modo de produção e consumo estabelecidos pela indústria pirata denuncia brechas e fraquezas
nesse sistema, que podem revelar linhas de fuga a serem aí criadas. Portanto, não seria
exagero acreditar que existe aí algo de salutar. Se os bens de consumo servem à cultura de um
modo predominante conservador, a pirataria surge como um deslocamento que propõe
repensar a relação entre consumo e alteridade sem esquecer que uma singularidade verdadeira
não passa pelo produto, acontece diretamente no indivíduo. Daí torna-se imperativo pensar as
diferenças além dos nichos de mercado e refletir sobre as implicações éticas da cultura do
consumo na construção da subjetividade, lembrando que a maneira como nós desejamos
coisas hoje não é universal nem absoluta, mas historicamente circunscrita. E diante desse
quadro existe sempre a possibilidade de um novo devir.
Se o século XVIII fez os indivíduos libertarem-se dos elos que os ligavam ao
Estado e à Igreja, o que significou mais autonomia moral e econômica, o século XIX exigiu
do indivíduo uma maior especialização no trabalho em que o sujeito adquire uma prática e
uma função, mas também em certa medida uma solidão. A crescente ampliação do mercado
de consumo, principalmente a partir da segunda metade do século XX, introduziu uma
circulação de bens num volume e numa velocidade completamente diferentes de períodos
históricos anteriores e, junto com esses bens, circulam também uma profusão de significados
e pessoas que interagem nas relações de troca que se estabelecem nessas práticas de consumo.
Como o universo do consumo é complexo, fazer generalizações exige um certo
cuidado. Contudo, torna-se necessário pensar como é possível manter e preservar a autonomia
e a existência individual perante as grandes forças impessoais e a crescente tecnificação da
vida, pois a quantidade e a diversidade de estímulos que os indivíduos recebem enquanto
circulam em ambientes diversos e participam de experiências variadas constituem uma
ameaça de fragmentação constante. No início do século XXI as dinâmicas sociais se
119
entrecruzam tão freneticamente que o cotidiano nas grandes cidades segue um ritmo cada vez
mais estressante. Os objetos se oferecem como espetáculos, as opções são inúmeras e as
modas são rapidamente substituídas. A vida e o imaginário das pessoas são bombardeados por
códigos, emblemas e mitos da comunicação de massa que ocupam o espaço público e o
privado, se convertem nos códigos mais fortes na sociedade contemporânea e atuam de modo
enfático na maneira como as pessoas se definem, constroem suas identidades e fazem suas
reivindicações. E diante desse grande fluxo de informações, da crescente oferta de bens
originais e piratas, das relações entre cultura e identidades no processo cognitivo, entre o
material e o simbólico, a personalidade blasé no sentido estabelecido por Simmel configura-se
como uma atitude de indiferença para a preservação do self. Em outras palavras, para se
preservar o indivíduo se torna incapaz de reagir na mesma proporção dos estímulos que
recebe como forma de se adaptar ao estilo de vida.
O volume informacional em circulação interfere também nas escolhas que cada
indivíduo faz nas práticas de consumo. Na sociedade de consumo contemporânea existe um
universo infindável de opções no mundo das mercadorias para pessoas de diferentes
condições econômica e social de tal forma que se torna delicado estabelecer uma distinção
priorizando a noção de classe, bem como classificar os consumidores a partir de sua renda,
pois as escolhas não dependem exclusivamente do poder aquisitivo.
Ao consumir bens piratas o indivíduo interage com os consumidores de bens
legalizados através de uma extensa rede de significados, compartilhando símbolos que são
uma espécie de articulação da diversidade. O sujeito constitui-se assim como um ponto de
interseção entre dois mundos e simula uma interação social que efetivamente não acontece,
pois, apesar de transitar entre diferentes domínios no plano simbólico e social – inclusive pelo
fato de muitas vezes trabalhar para uma classe dominante – esse indivíduo desempenha
múltiplos papéis e, mesmo que se sinta ainda que momentaneamente inserido num universo
120
mais sofisticado, ele mantém uma identidade vinculada a grupos de referência.
Aparentemente, quem busca essa interação social por meio do consumo de artigos piratas
parece experimentar um sentimento de isolamento e deterioração relacionando-se
exclusivamente com seus pares mais do que um sentimento de permanecer igual a si mesmo.
Na sociedade de massa comprometida com a contínua mudança tudo conspira
para que a ordem existente tenda sempre a se desintegrar. Nesse contexto os bens
desempenham um papel na articulação entre essa mudança que se impõe de um lado e uma
certa estabilidade necessária, de outro. Entenda-se, contudo, que para pensar um equilíbrio
social não é necessário pensar a sociedade dentro de uma ordem sistemática. Deve-se pensar
nesse equilíbrio sob tensão, inserir as tensões que efetivamente existem na sociedade.
121
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