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UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO”- UNESP
FACULDADE DE CIÊNCIAS E LETRAS CAMPUS DE ARARAQUARA
MARTA MARIA PAGADIGORRIA
RECURSOS DE PRESENÇA NAS CRÔNICAS DE
MILLÔR FERNANDES
ARARAQUARA
2006
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UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA JÚLIO DE MESQUITA FILHO”- UNESP
FACULDADE DE CIÊNCIAS E LETRAS
CAMPUS DE ARARAQUARA
MARTA MARIA PAGADIGORRIA
RECURSOS DE PRESENÇA NAS CRÔNICAS DE
MILLÔR FERNANDES
Dissertação apresentada à Faculdade de
Ciências e Letras da Unesp – Campus de
Araraquara, para obtenção do título de
Mestre em Letras ( Área de Concentração:
Lingüística e Língua Portuguesa).
Orientador: Prof. Dr. Antônio Suárez Abreu
Araraquara
2006
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Pagadigorria, Marta Maria
Recursos de presença nas crônicas de Millôr Fernandes /
Marta Maria Pagadigorria. – 2006
100 f. ; 30 cm
Dissertação (Mestrado em Lingüística e Língua Portuguesa)
– Universidade Estadual Paulista, Faculdade de Ciências e Le-
tras, Campus de Araraquara.
Orientador: Antônio Suárez Abreu
l. Lingüística. 2. Nova retórica. 3. Fernandes, Millôr, 1924 -.
I. Título.
4
Agradeço ao meu orientador
os ensinamentos e a dedicação.
5
CERTEZA
De tudo, ficaram três coisas:
A certeza de que estamos sempre começando...
A certeza que precisamos continuar...
A certeza de que seremos interrompidos antes de continuar...
Portanto, devemos:
Fazer da interrupção, um caminho...
Da queda, um passo de dança...
Do medo, uma escada...
Do sonho, uma ponte...
Da procura, um encontro...
Fernando Pessoa
6
RESUMO
Tem esta dissertação o objetivo de descrever, a partir da Nova Retórica e do
modelo cognitivista de “projeções de imagens”, os recursos de presença em uma
amostragem de seis crônicas retiradas do livro Lições de um Ignorante escrito por
Millôr Fernandes. Esses recursos são entendidos como procedimentos que procu-
ram dar visibilidade aos argumentos utilizados por um orador.
Em suas crônicas, o autor utiliza uma superposição desses recursos. Entre
eles, avultam as definições expressivas, a reformulação retórica, o “detournement”
(provérbios modificados), projeção de um evento em outro, as metáforas e, quase
sempre, enumerações progressivas levando ao “non sense”. O estrato fônico é,
também, bastante utilizado.
7
ABSTRACT
This dissertation has the aim of describing, from the framework of the “New
Rhetoric” and the cognitive model of the image projection, the resources of presence
in a sample of six chronicles extracted from the book Lições de um Ignorante, written
by Millôr Fernandes. se resources are understood as procedures that intend to give
visibility to the arguments used by an orator.
In his chronicles, the author uses a superposition of those resources. Among
them, he emphasizes the expressive definitions, the rhetoric reformulations, the “de-
tournement” (modified proverbs), projection of an event onto other, metaphors, and,
almost always, progressive’s enumerations, leading at the “non sense”. The pho-
netic level is also widely used.
8
SUMÁRIO
AGRADECIMENTO............................................................................................... 3
EPÍGRAFE............................................................................................................. 4
RESUMO............................................................................................................... 5
ABSTRACT............................................................................................................ 6
INTRODUÇÃO....................................................................................................... 9
1. RETÓRICA E O CONCEITO DE PRESENÇA...................................... 11
1.1. Breve Histórico da Retórica.................................................................. 11
1.2. A Retórica de Aristóteles...................................................................... 13
1.3 . A Nova Retórica................................................................................... 16
1.4. Presença.............................................................................................. 21
2. NARRAÇÕES E PARÁBOLAS COMO PROCESSOS COGNITIVOS....27
3. MILLÔR FERNANDES E SUAS CRÔNICAS.................................................. 37
3.1 Considerações quanto ao gênero crônica..............................................38
9
4. ESTUDO DA PRESENÇA EM ALGUMAS CRÔNICAS DE MILLÔR FER-
NANDES................................................................................................ 42
4.1. CRÔNICA 1 – Em sinal de protesto pela falta de liberdade e um mundo
livre................................................................................................... 42
4.2. CRÔNICA 2 - Da Eutanásia............................................................ 54
4.3. CRÔNICA 3 - Não case sua filha com um escritor.......................... 62
4.4. CRÔNICA 4 – O Banheiro................................................................ 72
4.5. CRÔNICA 5 – Ser Gagá................................................................... 79
4.6. CRÔNICA 6 – As enormes figuras da história – Catarina, a Gran-
de...................................................................................................... 84
CONCLUSÃO........................................................................................ 95
REFERÊNCIAS...........................................................................................97
10
OS RECURSOS DE PRESENÇA NAS CRÔNICAS DE MILLÔR
FERNANDES
Introdução:
Nosso objetivo nesta pesquisa foi descrever a funcionalidade dos recursos
de presença nas crônicas de Millôr Fernandes.
Essa escolha foi motivada por três razões. A primeira delas pelo fato de o
gênero crônica ser breve. A segunda, por ser um autor que está constantemente
na mídia, e que o torna mais conhecido e difundido. Finalmente a terceira razão
foi escolher crônicas que abrangessem um período anterior ao atual.
O livro de onde foram extraídas, Lições de um ignorante foi publicado em
1967, há quase quarenta anos. Isso torna mais fácil a percepção da ligação entre
os recursos de presença e os valores e crenças de uma época.
Dessa forma, pretendemos analisar como se configuram os procedimentos
retóricos mais utilizados pelo autor, e ver como esses recursos, criam efeitos de
sentido no texto. Vejamos a definição de KOCK:
11
Um texto se constitui enquanto tal no momento em que os parcei-
ros de uma atividade comunicativa global, diante de uma mani-
festação lingüística, pela atuação conjunta de uma complexa rede
de fatores de ordem situacional, cognitiva, sociocultural e intera-
cional, são capazes de construir determinado senti-
do.(KOCK,1998, p.25).
Na primeira seção, apresentamos um breve histórico da Retórica Clássica,
com ênfase nos trabalhos de Aristóteles. Alem disso, apresentamos também,
alguns princípios da chamada Nova Retórica em que destacamos o conceito de
presença, objeto desta dissertação.
Na segunda seção trazemos algumas informações sobre o escritor Millôr
Fernandes e sobre o gênero crônica.
Na terceira seção realizamos a análise de dados. Aplicamos os princípios da
presença a seis crônicas de Millôr, escolhidas pelo parentesco temático que tra-
tam de assuntos universais, como amor, velhice, casamento, liberdade etc.
Finalmente, na quarta seção, apresentamos nossas conclusões.
12
1) RETÓRICA E O CONCEITO DE PRESENÇA
1.1) BREVE HISTÓRICO DA RETÓRICA
Reboul (2000) diz que podemos encontrar a retórica desde a mais remota
antiguidade, uma vez que os homens, sempre, fizeram uso da linguagem com a
finalidade de persuasão. Essa habilidade pode ser encontrada entre os povos
mais antigos do planeta como os hindus, chineses, egípcios e hebreus. Apesar
disso, sua a invenção é atribuída aos gregos, na época em que os atenienses
consolidaram, na prática, a primeira experiência de democracia proposta por Só-
lon, por volta de 420 a.C.
Suas origens, contudo, vêm da Sicília grega (465 a.C.), após a expulsão dos
tiranos que governavam a ilha. Nesse momento, havia apenas a retórica judiciá-
ria, que não tinha caráter literário ou filosófico, mas que se mostrou extremamente
útil, pois, livres da presença do autoritarismo, era a hora de os cidadãos domina-
rem a arte de argumentar, para pleitear direitos nos tribunais e defender idéias
nas assembléias públicas.
Nessa época, surge a primeira definição da retórica como “criadora de per-
suasão”. Esse conceito é defendido por Córax, para quem a retórica não deveria
argumentar a partir do verdadeiro, e, sim, a partir do verossímil. Córax é conside-
rado o inventor do argumento. Seu lema era “transformar o argumento mais fraco
no mais forte”.
13
É com a vinda a Atenas do sofista Górgias que se inicia a “retórica literária”.
Górgias é considerado um dos fundadores do discurso epidíctico, ou seja, o elo-
gio público. Por meio de sua eloqüência, consegue transformar a prosa e deixá-la
tão bela quanto a poesia. A retórica por ele usada é a “psychagógica”, que consis-
te na habilidade de lidar com as palavras na elaboração de um discurso altamente
sedutor que desperte no ouvinte reações psicológicas, obtendo a persuasão por
meio da emoção.
Antes dele, os gregos identificavam como arte da palavra apenas a poesia
(épica, trágica). Foi ele quem escreveu o Elogio a Helena, discurso em que de-
fende “o direito que a paixão tem de se impor sobre a razão”. A defesa de Helena
consiste, na verdade, na defesa da própria retórica.
Diferentemente de seus predecessores, temos o filosófo Isócrates, ele recu-
sava a aprendizagem automática de procedimentos retóricos, ensinava a seus
alunos a importância da reflexão. Além disso, defendia a utilização dessa arte,
apenas se estivesse a serviço de uma causa honesta e nobre. Com esse novo
ponto de vista, não temos apenas a moralização da retórica, como também, o
surgimento do humanismo, tendo feito uma grande contribuição antropológica: “A
palavra é a única vantagem que a natureza nos deu sobre os animais”.
Os sofistas eram mestres da eloqüência, ensinavam aos homens que pre-
tendiam o poder as técnicas de conquistar o povo pela persuasão. Fizeram, se-
gundo os filósofos da época, entre eles Platão, da arte da palavra um meio de
14
enriquecimento. Ensinavam segundo Platão a eloqüência sem se prenderem à
moral e a usar argumentos enganosos e ilusórios para atingir seus objetivos. Essa
arte valorizava o plano da expressão - a elocução e, sobretudo, as figuras, ou se-
ja, a prática dos ornamentos. Por meio de um discurso bem elaborado, consegui-
am “tornar forte um argumento fraco” e, com isso, até mesmo a injustiça podia
prevalecer.
Protágoras é considerado o maior de todos os sofistas. Enunciou a doutrina
que relativiza o conhecimento, por meio da máxima: O homem é a medida de to-
das as coisas. Dessa forma,o conceito de verdade absoluta fica condicionado ao
homem. Sua doutrina pregava o mais completo relativismo: nossa língua, nossos
valores estéticos e morais, nossas ciências, tudo o que nos cerca, é legitimado
por convenções, as quais mudam de uma cidade para outra, sendo assim, não
existe verdade em si, portanto, o importante é impor-se por meio da retórica.
1.2) A RETÓRICA DE ARISTÓTELES
Não há como falar em retórica sem recorrer à doutrina aristotélica, pois ela é
a base dessa ciência. Sabe-se que nenhuma outra filosofia influenciou tanto o
mundo quanto a desse sábio. Aristóteles versou sobre todas as disciplinas, exceto
matemática, mas marcou seu nome para sempre na história, teorizando sobre
“todas as leis da argumentação”, criando a ciência diretiva da operação de racio-
cinar: a lógica.
15
Para Aristóteles, a retórica consiste na busca do verossímil e não das verda-
des absolutas. Ele nos ensina a procurar, em cada objeto, quais são os argumen-
tos capazes de nos persuadir. Diz ele que não devemos nos preocupar com a
demonstração do verdadeiro, pois este é objeto das ciências. O que nos cabe,
portanto, é a relação de cada objeto com o verossímil; esta é a arte da eloqüên-
cia.
Para ele a retórica não deve valorizar um estudo puramente dialético que se
prenda apenas à função demonstrativa, mas que valorize a “psicagogia”, ou seja,
o estudo das paixões, pois estas se complementam e são imprescindíveis na
construção de um discurso. É a Aristóteles que devemos a estruturação do dis-
curso da retórica ao elaborar um sistema, dividindo o discurso argumentativo em
quatro partes:
a) Heuresis – Consiste na busca de argumentos e outros
meios de persuasão.
b) Taxis – Consiste na organização e disposição de tais ar-
gumentos.
c) Lexis – Refinamento da forma de dizer, fazem-se as es-
colhas no plano da expressão: correção, clareza, adequa-
ção, concisão, elegância.
16
d) Hipocrisis – Representação do discurso (ritmo, pausa,
entonação, timbre de voz, gestualidade).
Essas formas foram traduzidas, depois, para o Latim, como inventio, disposi-
tio, elocutio e actio. A essas quatro fases os romanos acrescentaram mais uma, a
memória. Ensinavam, nessa fase, os processos mnemônicos que contribuem pa-
ra uma melhor retenção do discurso.
Depois do desaparecimento da democracia grega, após Atenas perder para
Esparta a guerra do Peloponeso, a retórica perdeu sua função original que era
defender idéias. Nos regimes autoritários que se seguiram no Ocidente (as mo-
narquias absolutas só desapareceriam no século XVIII, com a Revolução France-
sa), não eram permitidas idéias contrárias aos detentores do poder. Ficava, so-
mente, a liberdade de “enfeitar” a linguagem. Isso fez com que a Retórica ficasse,
durante longo tempo, reduzida à elocutio. Daí provém sua má fama atual que é a
de falar vazio.
1.3) NOVA RETÓRICA
A Nova Retórica teve seu início nos anos 60. Perelman é dos grandes estu-
diosos de nosso tempo que vem retomar e renovar a antiga retórica. O autor bel-
ga conservou os pilares do sistema desenvolvido por Aristóteles, porém, acres-
centou a sua teoria argumentativa os avanços que as disciplinas do nosso tempo
17
alcançaram. Estamos falando da lingüística, da semiologia / semiótica, da teoria
da informação e também da pragmática.
Tanto para Aristóteles quanto para Perelman, a retórica trata do discurso
persuasivo, que teve, como vimos, grande importância e utilidade na Grécia anti-
ga e se faz de extrema importância também em nossa época, pois é por meio da
linguagem que o poder se institui. Perelman afirma que a linguagem não é apenas
um meio de comunicação, mas um instrumento de ação sobre os espíritos. Por
meio dela, busca-se a adesão do interlocutor. Dessa forma, a argumentação ca-
racteriza-se como um ato de persuasão:
O objetivo de toda argumentação, já o dissemos, é provocar ou
aumentar a adesão dos espíritos às teses que se apresentam a
seu assentimento: uma argumentação eficaz é a que consegue
aumentar essa intensidade de adesão, de forma que se desen-
cadeie nos ouvintes a ação pretendida (ação positiva ou absten-
ção) ou, pelo menos, crie neles uma disposição para a ação, que
se manifestará no momento oportuno.(PERELMAN, 1996, p50)
Segundo Mosca (1997), para revitalizar os estudos retóricos, faz-se necessá-
ria uma volta às idéias aristotélicas e às diversas culturas. Elas constituem a base
necessária à compreensão dos fundamentos da retórica. A autora nos diz que
não se pode falar em morte da retórica, como tantas vezes foi decretada ao longo
desses anos. Se isso realmente tivesse acontecido, os conceitos criados por A-
ristóteles não teriam permanecido até hoje de forma tão consistente. Um dos
18
conceitos desse sábio, era a prática da reflexão pessoal. Em vez disso, os ma-
nuais de retórica que se sucederam, principalmente os do século XIX, desenvol-
veram uma tendência de buscar soluções que deveriam nortear as produções e
avaliações de obras concretas. Nesse sentido, deformou-se o conceito original de
Retórica. Esse caráter deformador é também atribuído por Platão aos sofistas.
Segundo ele, por meio dessa arte, os sofistas utilizavam raciocínios de toda or-
dem, até mesmo os enganosos, contanto que aparentemente fossem corretos.
Essa é a razão pela qual atribuiu-se a Retórica um juízo de valor negativo,
porém não passa de uma visão deturpada, que na atualidade ganhou novos con-
tornos.
Aristóteles concebe a Retórica como o lugar dos conhecimentos prováveis,
não cabem aqui as certezas, os raciocínios científicos e lógicos. Trata-se de uma
técnica argumentativa e de uma habilidade na escolha dos meios para executá-la.
Por essa razão, o seu campo é o da controvérsia, da crença, do
mundo da opinião, que se há de formar dialeticamente, pelo em-
bate das idéias e pela habilidade no manejo do discurso. (MOS-
CA, 1997, p.20).
19
O que temos então é uma Retórica do verossímil, uma forma de representa-
ção da verdade, nesse contexto, o racional não encontra lugar, esse fato gerou
um descrédito em relação aos efeitos da retórica, vistos de forma a alcançar so-
mente o mundo da opinião (doxa) . Porém, Aristóteles nos propôs uma possibili-
dade de uma dialética entre a verdade e a aparência de verdade, e mostrou a li-
gação da Retórica com a persuasão, desvinculando-a da noção de verdade.
Mosca destaca as principais características que sempre foram inerentes a
retórica , desde sua origem até a atualidade :
a) Eficácia : No discurso persuasivo, a argumentação é
determinada pelas projeções do enunciador que mobiliza
procedimentos retóricos, para produzir efeitos de sentido
por ele desejados, procura conduzir o seu destinatário, ma-
nipulando-o. Argumentação e Retórica estão intrinsecamen-
te ligadas, não se concebe discurso sem auditório e nem
argumentação sem retórica.
b) Caráter utilitário: Na Grécia Antiga, a Retórica foi
de grande utilidade, por meio dela, reivindicavam as terras
da Sicília que caíram nas mãos de usurpadores. Sempre e-
ficaz e prática a Retórica permaneceu até hoje, agora junto
à pragmática.
20
Há muitos pontos em comum entre a velha e a Nova Retórica. Vejamos
como Mosca sintetizou os traços pertinentes às Retóricas.
- A finalidade prática. O exercício da argumentação no coti-
diano.
- A concepção de discurso convincente. Argumenta-
ção/Persuasão.
- O mundo da opinião, a doxa. O conjunto das opiniões par-
tilhadas.
- A presença do não-racional. O sentir, as categorias pulsi-
onais, as paixões.
- A adequação ao público e suas características. O auditó-
rio contextualizado.
- A argumentação situada. Teorias do sujeito e procedimen-
tos enunciativos.
- O bem público, o cidadão. O quadro social da argumenta-
ção.
- A existência de alguém que julga. Relações intersubjeti-
vas. Lógica dos valores.
- O jogo das representações. Construção mútua dos sujei-
tos. Papéis sociais.
- Função persuasiva da figura. Papel relevante da metáfora.
21
Mosca (1997, p.49), após um reexame da natureza e das funções da Retó-
rica clássica, sintetizou os aspectos mais relevantes que dão o perfil da Retórica
contemporânea:
- Suscitar o comentário, a discussão e, portanto, a argumen-
tação. Esta só existe onde não há consenso, uma vez que
este resultaria na morte da opinião, e constitui conceito-
chave tanto na velha retórica aristotélica como nas novas
retóricas.[...].
- Inocular a dúvida, levando a reflexão crítica.[..].
- Conhecer os modos de organização retórica, de acordo
com os gêneros esperados em determinada cultura e nas
diversas configurações discursivas.[..].
- Examinar criticamente a argumentação e os apelos do ou-
tro, suas propostas e contrapropostas, explicações e justifi-
cativas.[...].
- Enriquecer a visão de mundo pela diversidade de confron-
tos e colaborar para a construção de um pluralismo que leve
à formação de juízos de valor, a princípios que fundamen-
tam uma lógica dos valores.
- Estabelecer o diálogo na busca do verossímil, que resulta-
ria do encontro das falas, assumindo, portanto, um valor
heurístico.[...].
22
- Estruturar , através da argumentação, toda troca comuni-
cativa.[...].
- Levar o posicionamento diante das situações de conflito e,
conseqüentemente, à tomada de medidas e busca de solu-
ções.
Aquele que é capaz de produzir um discurso sedutor, tornar sensível o con-
teúdo terá maiores possibilidades de persuadir seu auditório, pois sabemos da
função globalizante da retórica, que não conjuga apenas as capacidades intelecti-
vas, mas também as sensoriais e afetivas.
1.4) PRESENÇA
O nosso estudo terá como escopo um dos mais importantes recursos da re-
tórica (tanto a clássica quanto a atual) a noção denominada pela Nova Retórica
como presença. As figuras chamadas de presença, devem despertar o sentimen-
to da presença do objeto do discurso na mente, tanto do enunciador quanto do
enunciatário.
Perelman diz que a noção de presença vai se limitar ao aspecto técnico ,
vai nos mostrar que toda argumentação é seletiva;
23
Toda argumentação supõe, portanto, uma escolha, que consiste não
só na seleção dos elementos que são utilizados, mas também na téc-
nica de apresentação destes. As questões de forma se mesclam com
questões de fundo para realizar a presença.(PERELMAN, 1996, p136).
Denominam-se presença os recursos utilizados pelo orador da forma como
explica Perelman:
A presença atua de um modo direto sobre nossa sensibilidade. E um
dado psicológico que, como mostra Piaget, exerce uma ação já no ní-
vel da percepção: por ocasião do confronto de dois elementos, por
exemplo, um padrão fixo e grandezas variáveis com as quais ele é
comparado, aquilo em que o olhar está centrado, o que é visto de um
modo melhor ou com mais freqüência é, apenas por isso, supervalori-
zado. (PERELMAN, 1996, P.132).
O autor ilustra a presença com um relato chinês:
Um rei vê passar um boi que deve ser sacrificado. Sente piedade dele
e ordena que o substituam por um carneiro. Confessa que isso aconte-
ceu porque estava vendo o boi e não via o carneiro.(PERELMAN,1996,
P.133).
24
PERELMAN, (1996, p.132) nos orienta em relação ao uso desse recurso:
Destarte uma das preocupações do orador será tornar presente, ape-
nas pela magia de seu verbo, o que está efetivamente ausente e que
ele considera importante para a sua argumentação, ou valorizar, tor-
nando-os mais presentes, certos elementos efetivamente oferecidos à
consciência.
Abreu nos afirma que o melhor recurso de presença são as histórias :
Desde criança, estamos acostumados a ouvi-las : contos, fábulas, his-
tórias, vamos ao cinema, alugamos filmes. As histórias são didáticas,
como as fábulas. O próprio Cristo utilizava as parábolas como recurso
de presença para as lições do Evangelho. (ABREU, 2003, p.69).
Vieira no, seu Sermão da Sexagésima nos dá um exemplo “avant la lettre”
da importância da presença, nesse trecho fica fácil observar que a imagem tem
um poder muito maior de representação do que o discurso, aquilo que consegui-
mos ver nos toca muito mais do que aquilo que ouvimos, por essa razão, a esco-
lha das palavras, a organização destas é de suma importância para a elaboração
do enunciado. Aqui temos a reflexão de Viera, o pregador não consegue a como-
25
ção de seus ouvintes, porque não consegue tornar presente em sua argumenta-
ção o que está ausente.
Vai um pregador pregando a Paixão, chega ao pretório de Pilatos, conta
como a Cristo o fizeram rei de zombaria, diz que tomaram uma púrpura e
lha puseram aos ombros; ouve aquilo o auditório muito atento. Diz que te-
ceram uma coroa de pinhos e que lha pregaram na cabeça; ouvem todos
com a mesma atenção. Diz mais que lhe ataram as mãos e lhe meteram
nelas uma cana por ceptro; continua o mesmo silêncio e a mesma sus-
pensão nos ouvintes. Corre-se neste espaço uma cortina aparece a ima-
gem do Ecce Homo; eis todos prostrados por terra, eis todos a bater no
peito eis as lágrimas, eis os gritos, eis os alaridos, eis as bofetadas. Que
é isto? Que apareceu de novo nesta igreja? Tudo o que descobriu aquela
cortina, tinha já dito o pregador. Já tinha dito daquela púrpura, já tinha dito
daquela coma e daqueles espinhos, já tinha dito daquele ceptro e daquela
cana. Pois se isto então não fez abalo nenhum, como faz agora tanto? --
Porque então era Ecce Homo ouvido, e agora é Ecce Homo visto; a rela-
ção do pregador entrava pelos ouvidos a representação daquela figura
entra pelos olhos.
Sabem, Padres pregadores, porque fazem pouco abalo
os nossos sermões? -- Porque não pregamos aos olhos, pregamos só
aos ouvidos. (VIEIRA, 2005).
26
Por tradição, os estudos dos recursos de presença têm-se limitado ao das
figuras de linguagem.
Essas figuras, principalmente a metáfora, sempre tiveram importância na
construção dos discursos, vistas como um processo de enriquecimento, porém, é
na atualidade que elas passam a ser examinadas não mais como figuras de pala-
vras ou construções, Perelman deu a elas uma nova abordagem muito mais am-
pla e significativa. Passaram a ser vistas como responsáveis pela construção de
sentido. Ele as classificou de acordo com a função que irão exercer no texto: figu-
ras de presença, figuras de seleção e figuras de comunhão.
A grande reformulação na maneira de abordar as figuras retóricas
reside no fato de que passam a ser examinadas como figuras de
discurso e não como figuras de palavras ou construções. São,
portanto, figuras de texto, por desempenhar um papel na produ-
ção geral de sentido que nele se dá, isto é, participam de um pro-
cedimento discursivo de construção de sentido.
(MOSCA,
2001,p.38, grifo do autor).
27
Vejamos a definição de Abreu:
:
As figuras retóricas possuem um poder persuasivo sublimar, ati-
vando nosso sistema límbico, região do cérebro responsável pe-
las emoções. Elas funcionam como cenas de um filme, criando
atmosferas de suspense, humor, encantamento, a serviço dos
nossos argumentos. (ABREU, 2003, p.104).
Um argumento ilustrado por um recurso de presença tem um efei-
to sobre o auditório. Procure sempre agregar histórias aos seus
argumentos. Eles ficarão infinitamente mais sedutores. (ABREU,
2003, p.70).
28
2) NARRAÇÕES E PARÁBOLAS COMO PROCESSOS COGNITIVOS
Segundo Turner (1996), a maioria de nossas ações consiste em executar pe-
quenas narrativas, essas vão se unindo a outras pequenas narrativas, e, dessa for-
ma, criamos instrumentos mentais que determinam nossas ações futuras.
Se eu me levanto pela manhã, tomo banho, visto-me e preparo meu desjejum,
isso configura uma seqüência de ações que podem ser objeto de um relato ou narra-
tiva. Segundo o autor, uma pequena narrativa pode ser um evento ou uma ação. A
narrativa do meu início de manhã é uma ação, pois existe um ator; eu mesma. Se
presenciamos a queda de uma árvore durante uma tempestade, temos um evento,
uma vez que não há aí um ator ou agente. Faz parte da natureza humana, contudo,
fazer projeções de ações sobre eventos.
Quando lemos em um jornal uma frase como “chuva castiga o paulistano” ou
ouvimos alguém dizer que “sua impressora está mastigando o papel” temos a proje-
ção de ações humanas sobre eventos.
Para Turner, as projeções são essenciais na nossa vida:
Our core indispensable stories not only can be invented,
they must be invented if we are to survive and have huan
lives.(TURNER, 1996, P.14).
29
Orientamo-nos por meio delas, programamo-nos, fazemos nossas avaliações,
e planejamos nosso futuro.
Ele ressalta a importância da parábola como projeção, que é um recurso de
grande alcance emocional. Quando alguém nos conta uma história, nós a projeta-
mos em nossa vida e isso nos sensibiliza.
Daniel Goleman, em seu livro Inteligência Emocional inclui a emoção no fun-
cionamento da mente, o autor liga as imagens às emoções.
A lógica da mente é associativa; toma elementos que simbolizam
uma realidade, ou disparam uma lembrança dela, como se fosse a
própria realidade. É por isso que simples símiles, metáforas e ima-
gens falam diretamente à mente emocional, como fazem as artes,
romances, filmes, poesia, música, teatro, ópera. Grandes mestres
espirituais , como Buda e Jesus, tocaram o coração de seus discípu-
los falando na linguagem da emoção, ensinando por parábolas, fá-
bulas e contos. (GOLEMAN, 1996, p.310).
Os mecanismos de projeção são recursos que utilizamos quando queremos
dar àquilo que falamos e escrevemos mais visibilidade, criatividade, clareza, e
sobretudo caráter emocional. Esses recursos podem ser conseguidos por meio da
parábola, das figuras de linguagem e das descrições e podem acontecer de dife-
rentes maneiras: podemos ter um enunciador que conta uma história, partindo de
30
um domínio de origem para atingir um domínio alvo, e espera que seu enunciatá-
rio seja capaz de fazer ele próprio a projeção, identificando-se com aquilo que
ouviu.
Vejamos um exemplo, a partir de uma história contada por Osho(s/d), um
autor de auto-ajuda. Esses autores, utilizam largamente as parábolas como re-
curso de presença.
Perguntaram a Shibli: “Quem o guiou no caminho?”.Shibli respondeu:
“Um cão. Um dia eu o vi, quase morto de sede, parado junto à água.
Toda vez que ele olhava seu reflexo na água, ficava assustado e re-
cuava, porque pensava ser outro cão.Finalmente era tamanha sua
sede que abandonou o medo e s atirou na água; com isto, o reflexo
desapareceu.
O cão descobriu que o obstáculo se desvaneceu quando eu soube
que aquilo que eu pensava ser eu mesmo era o próprio obstáculo. E
o meu caminho foi mostrado, primeiro, pelo comportamento de um
cão.
[...] sempre que descobrir que existe alguma miséria, olhe para den-
tro. A causa está ali. Sempre que descobrir que está se sentindo
bem-aventurado, olhe para dentro. A causa está ali. Se olhar para
fora, encontrará uma causa fictícia, a qual não é verdadeiramente
uma causa, mas uma projeção. (OSHO, [19--], p.141).
31
O autor utiliza a história do cão como domínio de origem. Em seguida, proje-
ta-a na história dos homens. O objetivo é convencer o leitor, de que os proble-
mas estão na maneira como vemos os fatos e não nos fatos, objetivamente.
Uma outra forma de conseguir a projeção ocorre, quando temos um enun-
ciador que parte de um domínio de origem para contar uma história, só que, des-
sa vez, ele chama a atenção do enunciatário para que esse se reconheça na his-
tória. Um bom exemplo desse caso é o seguinte trecho que encontramos no An-
tigo Testamento, em Samuel II.
Havia dois homens numa mesma cidade, um rico e outro pobre. O
rico possuía muitíssimas ovelhas e vacas. Mas o pobre não tinha
coisa nenhuma, senão uma pequena cordeira que comprara e criara;
e ela tinha crescido com ele e com seus filhos; do seu bocado comia,
e do seu copo bebia, e dormia em seu regaço, e a tinha como filha.
E, vindo um viajante ao homem rico, deixou este de tomar das suas
ovelhas e das suas vacas para assar para o viajante que viera a ele;
e tomou a cordeira do homem pobre, e a preparou para o homem
que viera a ele. Então o furor de Davi se acendeu em grande
maneira contra aquele homem, e disse a Nata: Vive o SENHOR, que
digno de morte é o homem que fez isso. E pela cordeira tornará a dar
o quadruplicado, porque fez tal coisa, e porque não se compadeceu.
Então disse Nata e Davi: Tu és este homem. (BÍBLIA, A. T. Samuel ).
32
Esse tipo de projeção se concretizou por meio da parábola. O profeta Natã
conta uma pequena história ao rei Davi. Dessa maneira Natã convida o próprio Davi
a projetá-la em sua vida, pois, mesmo possuindo um harém, “roubou” a única mulher
de Urias a quem fez morrer na guerra. Essa mulher chamava-se Betsabé. Assim,
consegue mostrar ao rei o quanto ele foi egoísta e desumano. Se o profeta simples-
mente tivesse exposto o crime do rei, a simples exposição não teria a força argu-
mentativa que a presença lhe confere.
Parábola
Domínio de origem Domínio alvo
Pequenas histórias Fatos reais
Um outro mecanismo de a projeção conceptual se materializar pode ser por
meio do processo metonímico. Para Gibbs Jr (1995), a metonímia deve ser entendi-
da como a parte fundamental do nosso sistema de conceptualização, como no e-
xemplo a seguir:
Uma das características da pós-modernidade é a redução da cultura a
mero entretenimento e a exacerbação dos sentidos em detrimento da
razão e do espírito. Para estimular o consumismo, utilizam-se com isca
33
recursos capazes de nos fazer sentir mais e penas menos. [...] Dissemi-
na-se uma cultura centrada no epidérmico, na qual há mais estética que
ética, nádegas que cabeças, urros que melodias, ambições que prin-
cípios, devaneios que utopias. Tudo é aqui devorado por olhos e ouvi-
dos, o corpo entregue a um frenesi de sensações.” (BETTO, Frei, Folha
de São Paulo, 27.03.2005, p.3, grifo nosso).
Diante do mundo que nos cerca, percebemos apenas parte das coisas e das
pessoas. Olhamos as lombadas de livros em uma estante e elas são apenas partes
dos livros; olhamos o tronco e o rosto de uma pessoa atrás de uma mesa, e esse
tronco e esse rosto são apenas partes dessa pessoa. Dentro de nossas mentes,
porém, entendemos que estamos vendo livros completos e pessoas completas.
Dentro de um ambiente, que constitui um todo, quase sempre nos fixamos em
alguma parte. Uma pessoa viciada em bebida, vai a uma festa e, adentrando o am-
biente, preocupa-se apenas com o garçom que está servindo as bebidas. O ambi-
ente da festa funcionará como fundo; a bebida, como figura. Esse exemplo é de
Perl, psicólogo alemão que criou a teoria da Gestalt. Em qualquer situação, os se-
res humanos, segundo seus interesses, fazem uma oposição entre figura e fundo.
Quando essa figura se transforma em objeto de interação (o convidado toma um go-
le de bebida) diz –se que ele fechou sua Gestalt, ou seja, seu interesse foi realizado.
34
A projeção metonímica no exemplo de Frei Betto, é feita da seguinte maneira:
Domínio de origem (parte) Domínio alvo(todo)
Nádegas
Cabeças
corpo feminino
Urros
Mídia
Voz na mídia
Olhos corpo do consumidor
Ouvidos da mídia
Vejamos um outro exemplo de projeção em uma crônica de Nelson Rodri-
gues:
Todo mundo já ganhou o prêmio Nobel, menos o brasileiro. Não me
venham falar em subdesenvolvimento. O Chile e a Nicarágua são mais
subdesenvolvidos do que o Brasil. E ambos têm o seu prêmio Nobel.
Há quem diga: —“A Nicarágua não existe”. Sei lá. Mas exista ou não,
eis a verdade: — existe para a Academia Sueca. O Brasil não. E nem
importa a nossa tremenda extensão territorial. Este país é uma espécie
de elefante geográfico. Mas a academia Sueca olha para cá e não vê
ninguém. Portanto, existimos menos do que a Nicará-
gua.(RODRIGUES, 1995).
35
No discurso argumentativo, as metáforas objetivam persuadir o leitor, ou seja,
funcionam como figuras retóricas. A metáfora constitui sempre um processo de enri-
quecimento para o texto. Vejamos a definição de Aristóteles:
A metáfora é a transposição do nome de uma coisa para outra,
transposição do gênero para a espécie, ou da espécie para o gênero
ou de uma espécie para outra, por via da analogia. (ARISTÓTELES,
s/d, p.274).
Na atualidade, destaca-se o trabalho de LAKOFF ; JOHNSON: “ A essência
da metáfora é entender e experienciar uma espécie de coisa em termos de ou-
tra.”(LAKOFF apud ABREU, 2000, p.2).
Sendo assim, a metáfora designa uma transposição de domínios. Nesse
exemplo, ocorre a transposição do domínio de origem: mundo animal que é trans-
posto para o domínio alvo: território brasileiro.
Domínio de origem
Domínio alvo
Mundo animal Território brasileiro
36
A projeção também pode se concretizar por meio da comparação. Cony ilus-
tra esse tipo de projeção:
Cena de "Rei Lear", logo após dividir o reino entre as filhas e
chamar o bufão da corte para se distrair ou para saber como iam ou
iriam as coisas após a decisão que tomara. Na linguagem própria
dos bufões, cifrada, cheia de alusões e de subentendidos, o bufão
diz o que mais ou menos está pensando. O rei o encara e comenta:
"És um bufão triste!". [...]
Mais especificamente, a mídia também é uma espécie de
bufão, embora não tenha qualquer preocupação em ser ou não uma
obra de arte, que realmente não é, nem chega perto e tampouco se
preocupa com isso. Um bufão que lembra os bufões medievais, pró-
xima do poder, convocada até mesmo em momentos especiais para
que o rei e a corte saibam como estão indo as coisas, o que estão
ou estarão pensando sobre o que acontece ou ameaça acontecer.
(Carlos Heitor Cony, O Bufão Triste. Em Folha de S. Paulo,
16.01.2006, p. A2)
No primeiro parágrafo, temos o domínio de origem : uma cena do Rei Lear
de Shakespeare, em que é apresentado um bufão.
No segundo parágrafo, temos o domínio alvo : a mídia comparada ao bufão
de Shakespeare.
37
A tese que subjaz a uma comparação é a de que a mídia, assim como o bu-
fão, pode apenas apontar os defeitos e as más ações dos que detêm o poder,
mas não tem a menor capacidade de interferir objetivamente na correção desses
desvios.
38
3) MILLÔR E SUAS CRÔNICAS
Millôr Fernandes é um artista de diversas facetas, que realiza sua obra nas
mais diversas áreas de produção: jornalismo, crônicas, desenho, pintura, poesia,
teatro e cinema, demonstrando, em todas, a mesma genialidade, irreverência e
competência.
Embora se tenha destacado mais no teatro - mais de 100 peças entre tradu-
ções, textos originais e colagens -, meu objetivo, nesta dissertação é analisar algu-
mas de suas crônicas publicadas no livro Lições de um ignorante (FERNANDES,
1967). O objetivo principal é fazer uma leitura analítica que traga à tona os recursos
mais utilizados por ele (metáforas, parábolas etc), procurando entender os efeitos de
sentido provocados por esses recursos.
Foram escolhidas, no livro, algumas de suas crônicas, nosso intuito e verificar
se há práticas recorrentes, ou seja, analisar os procedimentos retóricos mais usados
pelo autor, e os que apresentam um certo parentesco temático, na medida em que
tratam de temas universais e existenciais, aqueles que são preocupação constante
do ser humano.
39
3.1) CONSIDERAÇÕES QUANTO AO GÊNERO CRÔNICA:
Com relação ao gênero crônica, Soares diz que ela é uma forma ligada ao
tempo (chrónos) - como um:
[...] registro poético e muitas vezes irônico, através do que se capta o
imaginário coletivo em suas manifestações cotidianas. Polimórfica, ela
se utiliza afetivamente do diálogo, do monólogo, da alegoria, da confis-
são, da entrevista, do verso, da resenha, de personalidades reais, de
personagens ficcionais [...], afastando-se sempre da mera reprodução
dos fatos. E, enquanto literatura, ela capta poeticamente o instante, pe-
renizando-o.”(SOARES, 1999, p.64).
Definição semelhante se encontra no Dicionário De Termos Literários. Mas-
saud Moisés, que afirma ser a crônica uma expressão literária híbrida:
[...] que pode assumir a forma de alegoria, necrológio, entrevista, invec-
tiva, apelo, resenha, confissão, monólogo, diálogo, em torno de perso-
nagens reais e/ou imaginárias. A análise dessas várias facetas permite
inferir que a crônica constitui o lugar geográfico entre a poesia (lírica) e
o conto: implicando sempre a visão pessoal, subjetiva, ante um fato
qualquer do cotidiano, a crônica estimula a veia poética do prosador; ou
dá margem a que este revele seus dotes de contador de histórias. No
primeiro caso, o resultado pode ser um autêntico poema em prosa; no
segundo, um conto. Quando não se define por um dos extremos, a crô-
40
nica oscila indecisa numa das numerosas posições intermediárias.
(MASSAUD, 1999, p.133).
Já para Antônio Cândido, a crônica pode amadurecer nossa visão das coisas:
É importante insistir no papel da simplicidade, brevidade e graça pró-
prias da crônica. Os professores tendem muitas vezes a incutir nos
alunos uma idéia falsa de seriedade; uma noção duvidosa de que as
coisas sérias são graves, pesadas, e que conseqüentemente a leve-
za é superficial. Na verdade, aprende-se muito quando se diverte, e
aqueles traços constitutivos da crônica são um veículo privilegiado
para mostrar de modo persuasivo uma coisa que divertindo, atraí,
inspira e faz amadurecer a nossa visão da coisa. (CÃNDIDO, 1992,
p.21).
Considera-se importante expor essas palavras de Antônio Cândido no traba-
lho, pois elas refletem as funções da crônica, e ressalta-se aqui o fato para o qual
ele chama a atenção, ou seja, a idéia falsa que se tem a respeito da “não-
seriedade”. Como exemplo de crônica, Antônio Cândido cita um trecho de Paulo
Mendes Campos. Trata-se, inclusive, de uma crônica que serviu de inspiração para
a crônica “Ser Gagá” de Millôr.
Ser brotinho é poder usar óculos como se fosse enfeite, como um
adjetivo para o rosto e para o espírito. É esvaziar o sentido das
41
coisas que transbordam de sentido,mas é também dar sentido de
repente ao vácuo absoluto.É aguardar com paciência e frieza o
momento exato de vingar-se da má amiga. É ter a bolsa cheia de
pedacinhos de papel, recados que os anacolutos tornam misterio-
sos, anotações criptográficas sobre o tributo da natureza feminina,
uma cédula de dois cruzeiros com uma sentença hermética escrita
a batom, toda uma biografia esparsa que pode ser atirada de súbi-
to ao vento que passa.Ser brotinho é a inclinação do momento
.
Comenta a seguir, dizendo:
Ser brotinho é construída segundo a enumeração, como alguns
poemas de Vinícius de Moraes. Parece uma divagação livre, uma
cadeia de associações totalmente sem necessidade, que deveria
resultar em simples acúmulo de palavras. Mas eis que o milagre
da inspiração (que não é mais do que o poder misterioso de fazer
as palavras funcionarem de maneira diferente em combinações
inesperadas) vai organizando um sistema expressivo tão perfeito,
que no fim ele aparece como a própria necessidade das coisas:
Antônio Cândido afirma que a magia da crônica está no sentido que se dá a
esse vácuo absoluto, a esse sentimento aparentemente desarranjado, mas na
verdade carregado de significado.
42
Jorge de Sá, (1997), diz que o lirismo reflexivo propõe um repensar constante
pelas vias da emoção aliada à razão. Esse processo se realiza quando o autor con-
segue, por meio de uma situação particular, que esta funcione como metáfora de
situações universais. Desta forma, ocorre um processo de purificação, no qual se
juntam o escritor e o leitor, e os sentimentos acabam por perder o caráter de expres-
são da alma solitária e assim atingir a dimensão de lirismo reflexivo e participante da
enorme dor coletiva.
O próprio Millôr, reconhece certa poesia em seu caráter e que essa poeticida-
de provém das histórias ingênuas que leu na infância. Ressalta a importância do li-
rismo, na medida em que considera a falta desse sentimento nos professores como
um dos grandes entraves da criatividade dos alunos e também da destruição do
senso lúdico:
Uma certa poesia em meu caráter vem de belas e ingênuas histó-
rias lidas na infância.
[...] Professores sem lirismo, em cursos sem fé, secam as fontes
de criação dos alunos, amarguram-nos com noções inúteis, criam-
lhes tabus para sempre indestrutíveis, inoculam-lhes o horror à
cultura e, sobretudo, matam-lhes esse que é o maior dom do ser
humano- seu senso lúdico.”(MILLÔR, 1967.p.24).
43
4) Estudo da presença em algumas crônicas de Millôr Fernan-
des
4.1) Crônica 1 : EM SINAL DE PROTESTO PELA FALTA DE LIBERDADE DE UM
MUNDO LIVRE (FERNANDES, 1967, p.40 – 42).
Pedem-me que ajude a manter a liberdade e no entanto a
minha quem ma respeita? Quero viver calmamente, sem luxo
nem variedades, amando o próximo como a mim mesmo, e me
deixam? Não me deixam. Proíbem-me de pisar na grama, de
parar o carro onde bem entendo, de andar vestido como melhor
me sabe, de trabalhar na hora em que bem quiser, de amar a
quem prefiro, de sair do país quando me der na telha.
Resolva eu fazer qualquer dessas coisas na hora em que
elas me ocorram e do modo que melhor condiga com minha
personalidade e gosto, e serei suspeitado, impedido, parado,
examinado, revistado, admoestado, desrespeitado, multado, dei-
tado, preso, julgado, condenado, morto.
Entre as muitas liberdades de que me falam eu não tenho
a de gastar água sem pagar pena d´água nem a de morrer sem
pagar imposto predial. Além desses obrigam-me ainda a pagar
imposto de consumo, de resumo, de análise e de determinação.
Cobram-me mais: taxa de saneamento, taxa de diversões, luz,
gás, telefone, descontam-me para o fundo sindical, tiram-me di-
44
nheiro para colar uma placa no meu carro (coisa que é injusta e
inumana, pois essa placa só é colocada no meu carro pra fun-
cionar contra mim em qualquer acidente em que me meta ou in-
flação que cometa) e cobram-me impostos para a Petrobrás a
fim de explorar um petróleo que depois será pago por mim cada
dia mais caro do que no anterior.
Para me abordarem, jungirem, confinarem, tungarem e
emparedarem, foram investidas leis federais, estaduais, munici-
pais, locais, rurais, pessoais e intestinas, com as quais me ar-
rancam dinheiro o presidente de Minha república, o governador
de Meu Estado, o prefeito de Minha cidade, o delegado do Meu
distrito, o guarda da Minha rua, o vaga-lume do Meu cinema, o
síndico de Meu edifício, o lavador do Meu carro, o ascensorista
de Meu elevador e, mais que tudo, sobretudo, acima de tudo, a
Minha mulher.
Se guio, exigem-me uma habilitação de motorista. Se
pesco, surge do fundo dos mares um guarda, pedindo-lhe a li-
cença para pescar. Se caço, os animais protestam pois não te-
nho autorização para faze-lo. E se vou à praia tenho que mos-
trar minha carteira de praísta profissional, além de ter que cuidar
para não atentar contra o pudor ou contra os postulados da Liga
Eleitoral Católica. E se morro não me enterram sem atestados
de óbito, Tudo pago.
45
Livre, mas respeitoso, registrei meu rádio, minha bicicleta,
vacinei meu filho, licencie meu cachorro, identifiquei suas pul-
gas, numerei seus pêlos, constatarei seu pedigri.
Livre, mas generoso, contribuo para a Liga Brasileira de
Assistência, Cruz Vermelha, Hospital dos Radionomistas, Fundo
dos Acidentados, Seguros Marítimos e Terrestres, Operárias de
Jesus, Trabalhadores do Brasil, Serventes de Nossa Senhora,
Hegemonia de Tebas, Serviços Nacional de Controle da Natali-
dade, Fundo Sindical da Mãe Solteira, Departamento Nacional
do Desempregado por Convicção e Serviço Federal das Desa-
justadinhas Trêfegas.
Livre, mas prudente, tenho seguro de vida, contra roubo,
furtos, desastres, choques cardíacos e emocionais, seguros
contra desemprego, excessos alcoólicos, chantagens femininas,
agressões masculinas, seguros contra fogo, água, velhice, de-
samparo, ingratidões dos amigos, fuga da mulher que adoro e
incompreensões em geral da sociedade em que vivo.
Livre, mas cônscio, sou contra a obrigatoriedade do voto.
Pois o cidadão, obrigado a pagar o que lhe impõem, guiar seu
carro apenas em determinadas ruas e a determinada velocida-
de, viajando apenas quando o Itamarati e a polícia acham con-
veniente, aceitando os serviços estatais ao preço que o Estado
decreta, vendo filmes que foram censurados por censores que
não estão de acordo com seus pontos de vista éticos e estéti-
cos, educando seus filhos numa didática que não é a do seu fei-
46
tio, sujeitando-se a influências políticas que não estão de acordo
com sua visão de um mundo melhor, e pagando por tudo isso
sem o direito – a não ser teórico – de protesto, tem a sagrada
prerrogativa, de, na hora das eleições, abster-se completamente
de participação numa ordem de coisas que não é a ideal senão
para os privilegiados dessa coisa medíocre e apaixonante: a
prática política.
Em sua crônica Em sinal de protesto pela falta de liberdade por um mun-
do livre, Millôr utiliza vários argumentos e figuras como presença. É necessário fa-
zermos a contextualização dessa crônica que foi escrita durante o período do Go-
verno Militar, momento de opressão e falta de liberdade. O autor formula uma visão
crítica contra o poder político e também contra todas as formas de poder opressoras
do homem. Nesse exemplo, o autor se utiliza da gradação ou correção progressiva,
que consiste em criar uma seqüência de palavras ou expressões que se vão intensi-
ficando, até atingir um clímax:
[...] Proíbem-me de pisar na grama, de parar o carro onde bem en-
tendo, de andar vestido como melhor me sabe, de trabalhar na ho-
ra em que bem quiser, de amar a quem prefiro, de sair do país
quando me der na telha.
47
A gradação é um recurso que marca o estilo milloriano, há muitos exemplos que
permeiam seus textos:
Gradação é a disposição de uma série de elementos numa pro-
gressão crescente, do menos para o mais enfático. A funcionalida-
de da gradação está no destaque que confere ao último elemento
da enumeração, concentrando nele maior força semântica. (PLA-
TÃO e FIORIN, 1995, p.340).
Vejamos um exemplo em que temos a gradação e o homeoteleuto (rima in-
terna), juntos materializam a força expressiva, que configura a chamada presen-
ça.
Resolva eu fazer qualquer dessas coisas na hora em que elas me
ocorram e do modo que melhor me condiga com minha personali-
dade e gosto, e serei suspeitado, impedido, parado, examinado,
revistado, admoestado, desrespeitado, multado, deitado, pre-
so, julgado, condenado, morto.
A presença nesse texto também é conseguida pelo autor, por meio da argu-
mentação pelo ridículo, um argumento quase-lógico, materializado pela hipérbole
nas enumerações.
48
Vejamos como Perelman define os argumentos quase-lógicos:
Os argumentos quase-lógicos podem ser comparados a raciocínios
formais, lógicos ou matemáticos. Porém, quando submetidos a uma
análise lógica, percebem-se as diferenças entre essas argumenta-
ções e as demonstrações formais, pois apenas um esforço de redu-
ção ou de precisão, de natureza não-formal, permite dar a tais ar-
gumentos uma aparência demonstrativa. (PERELMAN, 1996,
p.219).
Os argumentos quase-lógicos compreendem algumas técnicas argumentati-
vas. Vamos ver as que interessam para a análise dos textos em questão, ou seja, as
técnicas mais usadas pelo autor que configuram os recursos de presença. Nesse
sentido, vejamos a argumentação pelo ridículo e as definições expressivas.
Em relação às definições expressivas, Abreu nos diz:
Uma definição expressiva não tem nenhum compromisso com a ló-
gica. Depende de um ponto de vista. Um arquiteto pode, por e-
xemplo, definir janela como uma oportunidade para contemplar o
verde. Millôr Fernandes criou uma definição de família, satirizando a
falta de comunicação entre seus membros, dizendo que família é um
49
conjunto de pessoas que têm a chave de uma mesma casa. ( A-
BREU, 2003, p.57, grifo do autor).
Nas próximas crônicas, veremos como Millôr, por meio da definição expressi-
va, consegue impressionar o leitor que se vai deparar com a quebra da expectativa.
Esse tipo de recurso, por não ter esse comprometimento com a lógica, proporciona
pontos de vista inusitados e tem grande alcance emocional.
.
O argumento pelo ridículo consiste em criar uma situação irônica, Perelman ,
o ridículo desempenha na argumentação um papel análogo ao do absurdo:
Uma afirmação é ridícula quando entra em conflito, sem justificação,
com uma opinião aceita. Fica de imediato ridículo aquele que peca
contra a lógica ou se engana no enunciado dos fatos, contanto que
não o considerem um alienado ou um ser que nenhum ato pode
desqualificar , por não gozar de menor crédito. (PERELMAN, 1996,
p.235).
Esse tipo de argumento é bastante utilizado pelo autor. Vejamos apenas um
exemplo desse procedimento. Trata-se de um protesto irônico, um paradoxo do
homem diante de uma sociedade que, cada vez mais ameaça esmagá-lo.
50
Se guio, exigem–me uma habilitação de motorista. Se pesco, surge
do fundo dos mares um guarda, pedindo-me licença para pescar.
Se caço, os animais protestam pois não tenho autorização para fa-
zê-lo. E se vou à praia tenho que mostrar minha carteira de praísta
profissional, além de ter que cuidar para não atentar contra o pudor
ou contra os postulados da Liga Eleitoral Católica. E se morro não
me enterram sem atestado de óbito. Tudo pago.
O autor enumera uma série de situações em que ele se sente desconfortável,
prejudicado, oprimido, começa a nos mostrar coisas do mundo real e acrescenta a
essa lista coisas absurdas. Essa falta de compromisso com a lógica é o que caracte-
riza a argumentação pelo ridículo, que também é uma forma da presença se realizar,
esse exagero demonstra a imensa insatisfação do autor.
A presença também pode se materializar por meio da repetição. Vejamos de
que forma esse recurso contribui para obter a presença.
A repetição pode agir diretamente; pode também acentuar o fracio
namento de um acontecimento complexo em episódios detalhados,
apta, como sabemos, para favorecer a presença.
[...] a sinonímia ou metábole, que é descrita como a repetição de
uma mesma idéia mediante termos diferentes , utiliza, para propor-
51
cionar a presença, uma forma que sugere a seqüência progressiva.
(PERELMAN, 1996, p.199).
Vejamos no exemplo abaixo esse recurso utilizado pôr Millôr :
Entre as muitas liberdades de que me falam eu não tenho a de gas-
tar água sem pagar pena d’água nem a de morar sem pagar imposto
predial. Além desses obrigam-me ainda a pagar imposto de con-
sumo, de resumo, de análise e de determinação.
Para me abordarem, jungirem, confinarem, tungarem e empare-
darem, foram inventadas leis federais, estaduais, municipais, lo-
cais, rurais, pessoais e intestinais...
Temos outra consideração importante em relação aos exemplos acima. Tra-
ta-se da matéria fônica que também pode ser um instrumento para conseguir o efei-
to de presença. Em todos esses trechos, podemos observar o uso das rimas e dos
padrões melódicos, além da correção progressiva.
52
Vejamos o que Madureira nos diz a respeito desses recursos:
Os ecos (os padrões melódicos ecoativos) constroem-se mais facil-
mente sobre estruturas sintáticas coordenativas... A repetição dos
padrões melódicos é utilizada como recurso de ênfase e de insistên-
cia e confere à fala uma dimensão estética.
Por fim, pesquisando O sentido do som, nos deparamos mais
de perto com a potencialidade de trabalho que a matéria fônica ofere-
ce ao falante para materializar em som suas idéias e sentimentos, e
para formar no ouvinte a impressão que intenta. (MADUREIRA, 1992,
p.152).
Embora a autora, faça referência ao discurso oral, esse recurso pode esten-
der-se ao texto escrito, visto que, os discursos que compõem as crônicas milloria-
nas, utilizam uma linguagem muito próxima da coloquial.
De acordo com Ingedore, a repetição pode ser utilizada como recurso retóri-
co. Essas funções recursivas (didáticas, intensificadoras ou argumentativas) podem
intencionar persuadir o leitor. A reiteração pode se realizar apenas com um item
lexical, como também com expressões ou descrições definidas, o paralelismo (rítmi-
co e sintático); a recorrência de elementos fonológicos, as paráfrases, as reformula-
ções parafrásticas, todos esses recursos funcionam como ferramentas, as quais têm
53
por objetivo assegurar, ou mesmo reajustar o enunciado, dessa forma, recupera as
idéias e argumentos básicos, garantindo assim a adesão do leitor. Koch cita
JOHNSTON, para ele a repetição pode criar a presença retórica, o que ele chama
de foregrounding de uma idéia, trata-se pois de um recurso de persuasão, mesmo
que não haja suporte lógico.( KOCK, 1998, p.96-97).
No exemplo abaixo, podemos ver como Millôr intensificou a idéia da falta de
liberdade. Por meio do conectivo “mas”, o autor contrapõe a perspectiva que a pa-
lavra “livre” remete seu interlocutor, consegue enumerar os tantos absurdos que o
privam de ser realmente livre. Nesse enunciado, a presença se fez por meio da
repetição do léxico livre, usou o exagero, uma forma de caricatura, para demons-
trar sua enorme insatisfação em relação à situação que o país vivia. Além dessa
estratégia, nesse mesmo exemplo, há a gradação ou correção progressiva, o ho-
meoteleuto e a argumentação pelo ridículo. .
Livre, mas respeitoso, registrei meu rádio, minha bicicleta, vacinei
meu filho, licenciei meu cachorro, identifiquei suas pulgas, nu-
merei seus pêlos, constatei seu pedigri.
Livre, mas generoso, contribuo para a Liga Brasileira de Assistên-
cia, Cruz Vermelha, Hospital dos Radionomistas, Fundo dos A-
cidentados, Seguros Marítimos e Terrestres, Operárias de Je-
sus, Trabalhadores do Brasil, Serventes de Nossa Senhora,
54
Hegemonia de Tebas, Serviço Nacional de Controle da Natali-
dade, Fundo Sindical da Mãe Solteira, Departamento Nacional
de Desempregado por Convicção e Serviço Federal da Desajus-
tadinhas Trêfegas.
Um outro recurso de presença bastante explorado por Millôr é o detourne-
ment. De acordo com Kock,1984, p.54, esse termo é usado por GRÉSILLON e
MAINGUENEAU:
[...] para designar a alteração (na forma e/ou no conteúdo de pro-
vérbios, slogans ou frases feitas, a título lúdico ou militante, com
o objetivo de captação ou, mais freqüentemente de subversão.
É uma estratégia muito utilizada nos meios publicitários, nas músicas popula-
res, como também pelos humoristas. Observe o detournement do provérbio Sem
luxo, nem vaidades, e também a paródia do texto bíblico:
Quero viver calmamente, sem luxo nem variedades, amando o
próximo como a mim mesmo, me deixam? Não me deixam.
55
4.2) Crônica 2 : DA EUTANÁSIA (FERNANDES,1967, p.51 – 52).
Mais cedo ou mais tarde todo articulista decente tem
que falar da Eutanásia, razão pela qual eu custei tanto a me
decidir. De saída é uma palavra tão bonita que, se a usamos
contra o céu azul de um dia de domingo, qualquer pessoa, por
menos poética que tenha a alma, percebe imediatamente que
nós somos muito cultos e lidos. De qualquer forma não é ne-
cessário esperar o domingo para usar a Eutanásia, já que nos
dias comuns essa palavra também pode ser empregada, em-
bora só em legítima defesa.
Porém, que é a Eutanásia? A Eutanásia, inventada no
ano de 1200 por Sir Lawrence Oliver pai, tornou-se imediata-
mente muito popular entre médicos que tinham pressa em re-
ceber as contas das viúvas. Aplicada aos doentes, ela dá ex-
celentes resultados, curando-os completamente de sua mais
tola mania – chamar médicos.
Outrossim, é muito fácil saber se você contraiu Eutaná-
sia – basta olhar pro canto e ver se a junta médica está falan-
do em voz baixa. Se estiver, é porque você acabou de ser
convocado para fim de herói russo.
Na Idade Média (aproximadamente quarenta anos) es-
sa ciência chegou a ser muito praticada, principalmente em
56
Caxias, tendo até mesmo o Sr. Tenório Cavalcanti publicado
um livro sobre as melhores maneiras de se empregar a referi-
da Euterpe. Floresceu muito, também, entre os Médicis de
Florença e só não floresceu mais porque Florença temeu a
concorrência e juízes severos praticaram a Eutanásia na Eu-
tanásia, tendo ela embarcado para a França, onde apareceu
num filme de André Cayatte – e posso garantir que estava
mais bonita do que nunca.
Agora, o local onde crescem as maiores Eutanásias
que já tive oportunidade de saborear, é no 2º Distrito Policial
de Copacabana, a pontapés.
Mas, como ia dizendo, naquele tempo em que o cavalo
de Tróia ainda era potro, já a Eutanásia tinha dado duas vol-
tas ao mundo, usada muitas vezes por pessoas que não ti-
nham a mínima experiência e tentavam matar praticando a
Eutanásia e acabavam matando sem que a Eutanásia sequer
desse as caras. (Aqui conviria falar de Hiroxima e Nagasáqui,
mas eu agora estou sem vontade de me meter na guerra fria.
Prefiro chuveiro. A propósito, alguém aí tem uma estampilha
e um selo de educação e falta de vergonha?)
Isso é a Eutanásia, em suma. Quem souber mais e me-
lhor que me diga, sendo que a bibliografia a respeito é muito
rica, estando mesmo Trotski preparando um grosso volume
sobre o assunto quando Stalin praticou a Eutanásia nele. E
mais não digo porque estou com Eutanásia de assunto.
57
A palavra Eutanásia vem do grego e significa boa morte, morte apropria-
da, o termo foi proposto por Francis Bacon, em 1623, (tratamento adequado às
doenças incuráveis).
Nessa crônica, a presença se destaca por meio do non-sense. O humorista
faz uma mistura de coisas reais com outras não reais, faz uma crítica social ao nos-
so país. Podemos até dizer que esse texto de Millôr é uma espécie de Samba do
Crioulo Doido, letra composta por Stanislaw Ponte Preta, pseudônimo de Sergio
Porto, um famoso cronista carioca, dos anos sessenta. Sua canção conta, com mui-
to humor, as confusões que fazem a história do nosso país. Critica a falsa cultura e
as conclusões fáceis, funcionando também como um aviso. Um dos trechos da letra
dessa música traz uma informação inversa em relação a história que nos foi apre-
sentada como verdadeira: Joaquim José, que também é da Silva Xavier, queria ser
dono do mundo e se elegeu Pedro II . Sabemos que essas informações não são le-
gitimadas, uma vez que, Tiradentes não se intitulou Pedro II, que, na verdade, é um
outro personagem da nossa história, e também, nunca ouvimos falar nessa intenção
megalômana atribuída a Tiradentes.
Como em nosso país as coisas são por demais confusas, essa música aca-
bou por virar provérbio e cristalizou-se como uma forma de diagnóstico permanente
da nossa cultura:
58
Samba do Crioulo Doido
Foi em Diamantina / Onde nasceu JK
Que a princesa Leopoldina / Arresolveu se casa
Mas Chica da Silva / Tinha outros pretendentes
E obrigou a princesa / A se casar com Tiradentes
Lá ia lá ia lá ia / O bode que deu vou te contar
La ia lá ia lá ia / O bode que deu vou te contar
Joaquim José / Que também é
Da Silva Xavier / Queria ser dono do mundo
E se elegeu Pedro II
Das estradas de Minas / Seguiu pra São Paulo
E falou com Anchieta / O vigário dos índios
Aliou-se a Dom Pedro / E acabou com a falseta
Da união deles dois / Ficou resolvida a questão
E foi proclamada a escravidão / E foi proclamada a escravidão
Assim se conta essa história / Que é dos dois a maior glória
Da. Leopoldina virou trem / E D.Pedro é uma estação de trem
também
O, ô, ô, ô, ô, ô / O trem ta atrasado ou já passou
O, ô, ô, ô, ô, ô / O trem ta atrasado ou já passou
59
Voltemos ao texto de Millôr sobre a eutanásia. O primeiro recurso de presen-
ça, surge, por meio da projeção conceptual de um evento em outro evento, o que o
autor faz, utilizando a metalinguagem:
[...] De saída é uma palavra tão bonita que, se a usamos contra o
céu de um dia de domingo, qualquer pessoa, por menos poética
que tenha a alma, percebe imediatamente que nós somos muito
cultos e lidos.
Projeção conceptual
Domínio de origem Domínio alvo
Vestir em dia de domingo
Empregar uma palavra inusitada
(eutanásia)
Continuamos com o exemplo:
60
[...] A Eutanásia, inventada no ano de 1200 por Sir Lawrence Oliver
pai, tornou-se imediatamente muito popular entre médicos que ti-
nham pressa em receber as contas das viúvas. Aplicada aos doen-
tes, ela dá excelentes resultados, curando-os completamente de sua
mais tola mania chamar médicos.
Millôr cria aqui uma situação humorística semelhante à do Samba do crioulo
doido, quando atribui a invenção da Eutanásia a Sir Lawrence Oliver pai. Na verda-
de, esse personagem é uma invenção de Millôr. O autor faz uma brincadeira com
dois escritores franceses Alexandre Dumas Pai e Alexandre Dumas filho, misturados
com um famoso ator shakespeareano inglês, Lawrence Oliver.
Podemos observar que novamente Millôr explorou os recursos sonoros e
também faz uma espécie de jogo, de brincadeira com o leitor. Quando fala da I-
dade Média, ele abre um parêntese como se fosse dar a explicação devida desse
período, porém, o que nos oferece é a idade média do homem, quando está perto
dos quarenta anos. Observe também o uso da aliteração.
Na Idade Média (aproximadamente quarenta anos) essa ciên-
cia chegou a ser muito praticada, principalmente em Caxias, ten-
do até mesmo o Sr. Tenório Cavalcanti publicado um livro sobre
as melhores maneiras de se empregar a referida Euterpe.
61
Floresceu muito, também, entre os Médicis de Florença e só
não floresceu mais porque Florença temeu a concorrência e ju-
ízes severos praticaram a Eutanásia na Eutanásia, tendo ela
embarcado para a França, onde apareceu num filme de André
Cayatte – e posso garantir que estava mais bonita do que nunca.
Outro recurso retórico encontrado no texto de Millôr, é a figura de comunhão:
As figuras de comunhão são aquelas em que, mediante procedi-
mentos literários, o orador empenha-se em criar ou confirmar a
comunhão com o auditório. Amiúde essa comunhão é obtida mer-
cê de referências a uma cultura, a uma tradição, a um passado
comuns.
A comunhão cresce igualmente por meio de todas as figuras pelas
quais o orador se empenha em fazer o auditório participar ativa-
mente de sua exposição, atacando-o, solicitando-lhe ajuda, assimi-
lando-se a ele. (PERELMAN, 1996,p.202).
62
Vejamos nessa crônica um exemplo desse procedimento retórico, o leitor é
solicitado a participar do assunto :
A propósito, alguém aí tem uma estampilha e um selo de
educação e falta de vergonha?
Quem souber mais e melhor que me diga, sendo que a
bibliografia a respeito é muito rica, estando mesmo Trotski
preparando um grosso volume sobre o assunto quando Stá-
lin praticou a Eutanásia nele.
63
4.3) Crônica 3 : NÃO CASE SUA FILHA COM UM ESCRITOR (FERNAN-
DES,1967, p.70 – 73).
“Não há, como eu já disse, regras determinadas para quem
deseje escrever. Mas se houvesse, estou inclinado a acredi-
tar que uma das regras cardinais seria ‘Escolha direito com
quem vai casar’.”
Kenneth Roberts – I Wanted to write.
A Mulher do Escritor (tomando-se como Escritor qual-
quer pessoa que viva do ato de escrever) não deve jamais
sofrer de intranqüilidade, ansiando por sair de casa e procu-
rando fazer com que o marido vá passear ou visitar parentes
exatamente no instante em que ele teve a idéia. Deve deixar
que ele trabalhe no momento em que deseja, já que a idéia
não é propriamente a idéia mas um modo todo especial em
que ele se encontra raramente, e que lhe permite transportar
para o papel um sentimento particular e fugidio que pode não
voltar mais. E se não voltar, adivinhe você, minha cara se-
nhora, quem ele irá culpar depois por isso?
Assim, a Mulher do Escritor também não deve reclamar
se ele levantar inopinadamente às três da manhã, despertan-
do o menino que se põe aos berros, e arriscando-a às quase
64
certas reclamações dos vizinhos. Porque, se ele não pegar
pelos chifres a vontade de criar é bem possível que ela ( a
vontade de criar) não se deixe agarrar noutra oportunidade.
As incertezas da vida e a instabilidade de manutenção
são outras coisas que a Mulher do Escritor também não deve
temer e de que não pode cogitar. Já que um escritor não é
um capitalista com renda fixa e alta. A falta de dinheiro e
mesmo a incerteza de tê-lo fazem parte da aventura-de-viver
da Mulher do Escritor. Se come hoje, pode não comer ama-
nhã, e se se veste este ano, pode não ter o que vestir no ano
que vem. Assim, deve estar preparada para comer pouco.
Ao mesmo tempo não pode contar com auxílio de emprega-
da, já que como Mulher do Escritor deve ter um mínimo de
despesas permanentes, pois embora o marido, vez por outra,
ganhe um monte de dinheiro, não é justo esperar dele uma
noção exata nos gastos, nem economia, nem depósito bancá-
rio. Do contrário, ele deixaria de ser um escritor para ser um
ordinário contador de tostões a quem a inspiração sem dúvi-
da deixaria de cumprimentar na rua.
Horas certas para jantar, almoçar, tomar banho e dor-
mir também não podem fazer parte da mentalidade da Mulher
do Escritor. Pois este deverá caçar a experiência onde ela se
encontrar e não será o compromisso socialmente tolo de um
jantar ou de um coquetel que o irá arrancar do bar onde ouve
a emocionante história de uma desajustada, a qual experiên-
65
cia tenta incorporar ao seu acervo sensorial para que venha
eclodir dentro de cinco, dez, quem sabe quantos anos? Nes-
sa incerteza de horário cabe também uma incerteza quanto
aos próprios sentimentos do marido, já que para um escritor
tudo é experiência necessária e ele não pode se limitar aos
limites da Sociedade Constituída. E assim sua Mulher tem
que se conformar em jamais saber se um contato que ele
mantém com uma jovem é uma traição ou um estudo social,
emocional e humano, que servirá como detalhe para sua O-
bra Futura. Reclamar seria correr o grave risco de cometer
uma gafe intelectual e artística da qual o marido poderia rir-se
anos a fio.
A instabilidade da Mulher do Escritor deve chegar tam-
bém à aceitação de mudanças súbitas, já por despejo impre-
visto – uma vez que não está na mentalidade do escritor o
saber pagar aluguéis ou sequer o prazo em que devia fazê-lo
– já por súbita necessidade que o marido possa sentir de uma
mudança de sistema de vida. Sem falar que deve saber ar-
rumar bem uma casa, cozinhar, lavar e passar, bordar e co-
ser, consertar máquina dactilográfica, saber dactilografia e
taquigrafia, a Mulher do Escritor tem ainda que possuir uma
alma bastante plástica para seguir as súbitas idiossincrasias
do marido, que adora inesperadamente pessoas que antes
detestava e passa a detestar de maneira fulminante pessoas
que antes adorava. Deve saber sumir quando não é chama-
66
da e estar pronta a aparecer quando o marido requerer a sua
presença, não deve dar uma palavra a não ser para corrobo-
rar o talento extraordinário do esposo e suas afirmativas a
respeito das coisas, fatos e pessoas, pois é ela “que não o
deixa mentir”. Deve saber exatamente onde ele pôs cada
pedacinho de papel anotado, sem jamais cometer a levian-
dade de arrumar seus livros e papéis. Tem que preparar-lhe
o banho, avisa-lo de seus compromissos, aceitar a culpa dele
não ter comparecido mesmo depois de avisado, curar-lhe as
bebedeiras, diminuir-lhe a amargura do mundo, anima-lo na
fase eu sou um fracassado, suporta-lo na fase eu sou um gê-
nio, esquecê-lo quando ele ganhou dinheiro e passa noites
sem vir em casa, surgir milagrosamente com um dinheirinho
quando ele passa meses sem ganhar nenhum, ser doméstica
e simples e amiga e mãe quando está em casa, sem deixar
de ser aquela beleza estonteante a quem os fotógrafos asse-
diam quando comparece num dos raros coquetéis a que ele a
convida. E, além de tudo, tem que discutir e romper com toda
família quando esta, vez por outra, insiste com ela a fim de
persuadir o marido para deixar essa estúpida profissão “que
não chega a ser profissão; é mais um pretexto para malan-
dragem” e aceitar a direção da fábrica do sogro, respeitável,
próspera, e agora funcionando no edifício novinho em folha,
de dezoito andares.
67
Nessa crônica de Millôr, podemos observar essa postura crítica dian-
te do homem, que é a essência que permeia todo o trabalho desse autor. Seus
textos, convidam o leitor a refletir sobre o comportamento humano. Em toda sua
obra a ironia está presente, de uma maneira sutil, mas ao mesmo tempo nos
causa uma inquietação, nos faz pensar em nossa situação, em nossas atitudes,
nas mazelas sociais deformadoras do nosso caráter. Interessante pensar como
configurou essa narrativa, para nos apresentar o perfil do escritor. Não disse
como ele deveria ser, mas enumerou muitas características que a mulher de um
escritor precisa ter, se realmente está interessada em um homem com essa pro-
fissão. Dessa forma, fornecendo inúmeras pistas em relação à mulher, deixa o
leitor encontrar nas entrelinhas o “protótipo” do escritor. Que nos é apresentado
de maneira caricatural. Trata-se de um texto bem marcado pelo exagero, que é
uma estratégia de intensificar, enfatizar um situação, ou seja, é uma das formas
de a presença se materializar. Importante dizer que esse recurso é muito explo-
rado pelo autor. Por meio de nossas análises, pudemos constatar que essa ca-
racterística está em toda sua produção textual. Vejamos um exemplo:
Tem que preparar-lhe o banho, avisa-lo de seus compromissos,
aceitar a culpa dele não ter comparecido mesmo depois de avi-
sado, curar-lhe as bebedeiras diminuir -lhe a amargura do mun-
do, animá-lo na fase eu sou um fracassado, suportá-lo na fase eu
sou um gênio, esquecê-lo quando ele ganhou dinheiro e passa
noites sem vir em casa, surgir milagrosamente com um dinheiri-
nho quando ele passa meses sem ganhar nenhum, ser doméstica
Kenneth Lewis Robert foi um escritor americano notável pelas suas novelas sobre o período colonial norte-americano (1885- 1957).
68
e simples e amiga e mãe quando está em casa, sem deixar de
ser aquela beleza estonteante a quem os fotógrafos assediam
quando comparece num dos raros coquetéis que ele a convida.
Novamente, as figuras de comunhão aparecem buscando a cumplidade leito-
ra :
E se não voltar, adivinhe você, minha cara senhora, quem ele irá
culpar depois por isso?
Millôr utilizou também as definições expressivas, observe o trecho que fala da
profissão do escritor:
E, além de tudo, tem que discutir e romper com toda a família quan-
do esta, vez por outra, insiste com ela a fim de persuadir o marido
para deixar essa estúpida profissão que não chega a ser profis-
são; é mais um pretexto para malandragem ...
Um outro recurso empregado por Millôr é a projeção de uma ação num even-
to. Vejamos a explicação de Turner:
69
An action is na event with an actor. EVENTS ARE guides us
in projecting familiar action-stories onto event-stories with or with-
out actors. EVENTS ARE ACTIONS is a special case of parable:
The source story is an action-story; the target story is any kind of
event-story, including action-stories.( TURNER, 1996, P.26-27).
Os recursos de presença materializam-se por meio de parábolas, metáforas,
projeções conceptuais etc.
Um recurso de presença que se destaca nessa crônica é a projeção de uma
ação num evento, quando Millôr fala da inspiração. Isso acontece duas vezes. A
primeira delas no seguinte trecho:
Porque, se ele não pegar pelos chifres a vontade de criar é bem
possível que ela (a vontade de criar) não se deixe agarrar noutra
oportunidade.
Uma pequena história que trata de inspiração é apenas um evento: alguém
está fazendo qualquer coisa, cuidando do jardim, deitado na cama, nadando, e,
de repente, surge em sua cabeça uma idéia nova. Quando Millôr diz que é preci-
so pegar pelos chifres a inspiração ela é tratada como um ator. Esquematicamen-
te, teríamos:
70
Domínio de origem (ação) Domínio alvo (evento)
Ator: animal quadrúpede com chifres Vontade de criar
(boi, bode,...) Passa rápido, foge fácil
Temos aqui um recuso de presença materializado por uma metáfora: pegar a
vontade criar pelos chifres. Domínio de origem: animal com chifres que passa rá-
pido, talvez um boi ou um bode. Domínio alvo: ato criativo. Elementos transmitidos
de um domínio para o outro: rapidez, dificuldade em se deixar apanhar e irracionali-
dade. Cria-se um espaço mental para que o auditório conclua que, quando se apa-
nha um animal pelos chifres, não há como evitar um grande escândalo, o que justifi-
caria, pelo bem maior de ter conseguido despertar sua criatividade de escritor, o
choro da criança e as reclamações dos vizinhos.
A segunda vez em que Millôr usa esse tipo de projeção acontece no trecho:
Do contrário, ele deixaria de ser um escritor para ser um ordinário
contador de tostões a quem a inspiração sem dúvida deixaria de
cumprimentar na rua.
71
Vemos, mais uma vez, a inspiração tratada como um ator. Aliás, a idéia de
inspiração como um ator tem larga tradição na literatura ocidental. Um exemplo em-
blemático é a das musas gregas.
N’Os Lusíadas, Camões principia evocando, no Canto I, as musas do rio Tejo,
musas ou atoras nacionais, não gregas:
É vós, tágides minha, pois criado
Tendes em mim um novo engenho ardente
Dai-me agora um som alto e sublimado,
Um estilo grandíloquo e corrente,
Canto I-4
No início do canto três, pede inspiração a Calíope, musa da poesia épica.
Agora tu, Calíope, me ensina
O que contou ao Rei o ilustre Gama.
No final, já desiludido, o poeta quer parar de escrever. Pede então a sua mu-
sa que deixe de inspirá-lo:
No mais Musa, no mais, que a Lira tenho
Destemperada e a voz enrouquecida,
72
E não de canto, mas de ver que venho
Cantar a gente surda e endurecida.
Canto X, 145
73
4.4) CRÔNICA 4 : O BANHEIRO (FERNANDES, 1967, p.16 –18).
Não é o lar o último recesso do homem civilizado, sua úl-
tima fuga, o derradeiro recanto em que pode esconder suas
mágoas e dores. Não é o lar o castelo do homem. O castelo
do homem é seu banheiro. Num mundo atribulado, numa
época convulsa, numa sociedade desgovernada, numa famí-
lia dissolvida ou dissoluta só o banheiro é um recanto livre,
só essa dependência da casa e do mundo dá ao homem um
hausto de tranqüilidade. È ali que ele sonha suas derradei-
ras filosofias e seus moribundos cálculos de paz e sossego.
Outrora, em em outras eras do mundo, havia jardins livres,
particulares e públicos, onde o homem podia se entregar à
sua meditação e à sua prece. Desapareceram os jardins
particulares pois o homem passou a viver montado em lajes,
tendo como ilusão de floresta duas ou três plantas enlatadas
que não são bastante grandes para ocultar seu corpo da fú-
ria destrutiva da proximidade forçada de outros homens.
Não encontrando mais as imensidões das praças romanas,
que lhe davam um sentido de solidão, não tendo mais os de-
sertos, hoje saneados, irrigados e povoados, faltando-lhes as
grutas dos companheiros de Chico de Assis, onde era possí-
vel refletir e ponderar, concluir e amadurecer, o homem foi
recuando, desesperou e só obteve um instante de calma no
74
dia em que de novo descobriu seu santuário dentro de sua
própria casa – o banheiro. Se não lhe batem à porta outros
homens (pois um lar por definição é composto de mulher,
marido, filho, filha e um ou outro parente, próximo ou remoto,
todos com suas necessidades físicas e morais) ele, ali e só
ali, por alguns instantes, se oculta, se introspecciona, se re-
flete, se calcula e julga. Está só consigo mesmo, tudo é se-
gredo, ninguém o interroga, pressiona, compele, tenta, suge-
re, assalta. Aqui é que o chefe da casa, à altura dos quaren-
ta anos, olha os cabelos já grisalhos, os claros da fronte, e
reflete, sem testemunhas nem cúmplices, sobre os objetivos
negativos da existência que o estão conduzindo – embora al-
tamente bem-sucedido na vida prática- a essa lenta degra-
dação física. Examina com calma sua fisionomia, põe-se de
perfil, verifica o grau de sua obesidade, reflete sobre as vãs
glórias passadas e decide encerrar definitivamente suas pre-
tensões sentimentais, ânsia cada vez maior e mais constante
num mundo encharcado de instabilidade. È nesse mesmo
banheiro que o filho de vinte anos examina a vaidade de
seus músculos, vê que deve trabalhar um pouco mais seus
peitorais, ensaia seu sorriso de canto de boca, fica com um
olhar sério e profundo que pretende usar mais tarde naquela
senhora bem mais velha do que ele mas ainda cheia de en-
cantos e promessas. É aqui que a filha de dezessete anos
vem ler a carta secreta que recebeu do primo, cujos senti-
75
mentos são insuspeitados pelo resto da família. Já leu a
carta antes, em vários lugares, mas aqui tem o tempo e a so-
lidão necessários para degustá-la e suspirá-la. È aqui tam-
bém que ela vem verificar certo detalhe físico que foi comen-
tado na rua, quando passava por um grupo de operários de
obras, comentário que na hora ela ouviu com um misto de
horror e desprezo. È aqui que a dona-de-casa, a mãe de
família, um tanto consumida pelos anos, vem chorar silencio-
samente, no dia em que descobre ou suspeita de uma infide-
lidade, erro ou intenção insensata da parte do marido, fi-
lho,filha, irmãos. Aqui ninguém a surpreenderá, pode amar-
gurar-se até aos soluços e sair, depois de alguns momentos,
pronta e tranqüila, com a alma lavada e o rosto idem, para
enfrentar sorridente os outros misteriosos e distantes seres
que vivem no mesmo lar.
Não há, em suma, quem não tenha jamais feito uma care-
ta equívoca no espelho do banheiro nem existe ninguém que
nunca tenha tido um pensamento genial ao sentir sobre seu
corpo o primeiro jato de água fria. Aqui temos a paz para a
autocrítica, a nudez necessária para o frustrado sentimento
de que nossos corpos não foram feitos para a ambição de
nossas almas, aqui entramos sujos e saímos limpos, aqui
nos melhoramos o pouco que nos é dado melhorar, saímos
mais frescos, mais puros, mais bem dispostos. O banheiro é
o que resta de indevassável para a alma e o corpo do ho-
76
mem moderno e queira Deus que Le Corbusier ou Niemeyer
não pensem em faze-lo também de vidro, numa adaptação
total ao espírito de uma humanidade cada vez mais gregária,
sem o necessário e apaixonante sentimento de solidão oca-
sional. Aqui, neste palco em que somos os únicos atores e
espectadores, neste templo que serve ao mesmo tempo ao
deus do narcisismo e ao da humildade, é que a civilização
hodierna encontrará sua máxima expressão, seu último es-
pelho – que é o propriamente dito.
Xantipa, que diabo, me joga essa toalha!
Nesse texto, Millôr também se inspira no cotidiano da vida humana, temos um
leitmotiv que nos relata o abismo entre as pessoas, dessacraliza a tradição (a
casa como castelo do homem), desmacara as instituições (família, casamento).
Embora, nos apresente um casal padrão (marido- esposa-filho-filha), cada qual
têm seus anseios, compartilham o mesmo espaço, mas não os mesmos sonhos,
e mostram-se não apenas distantes, mas misteriosos também:
Aqui ninguém a surpreenderá, pode amargurar-se até aos soluços e
sair, depois de alguns momentos, pronta e tranqüila, com a alma la-
vada e o rosto idem, para enfrentar sorridente os outros misterio-
sos e distantes seres que vivem no mesmo lar.
77
O forte desse texto como recurso de presença são as definições metafóricas.
Domínio de origem Domínio alvo
Castelo(defesa,segurança)
Santuário(sagrado)
Palco(atuação,exposição)
Templo(deus do narcisismo, hu-
mildade)
Banheiro
Nessa crônica o domínio de origem passa por várias denominações:
castelo santuário palco templo; todas apontam para um domínio alvo ape-
nas : o banheiro. Esse processo de lexicalização ativa em nossa mente um frame
o qual devemos transportar para um único lugar : o banheiro.
Essas mudanças semânticas possibilitam uma leitura metafórica, que faz
com que o leitor reflita sobre a sua condição na contemporaneidade, a hipocrisia
que existe no comportamento humano, ou seja, o lar perdeu a conotação de lu-
gar sagrado, o homem não mais encontra o seu espaço e o único lugar em que
terá um pouco de privacidade e de paz é o banheiro.
78
Outro recurso novamente usado por Millôr é o encadeamento de idéias, a cor-
reção progressiva e a exploração dos sons, que como vimos, também é uma
maneira do recurso de presença se materializar.
Num mundo atribulado, numa época convulsa, numa sociedade
desgovernada, numa família dissolvida ou dissolutao banhei-
ro é um recanto livre [...] .
Não encontrando mais [...] , hoje saneados, irrigados e povoados,
faltando-lhes as grutas dos companheiros de Chico de Assis, onde
era possível refletir e ponderar, concluir e amadurecer...
[...] ele, ali e só ali, por alguns instantes, se oculta, se introspec-
ciona, se reflete, se calcula e julga. Está só consigo mesmo, tudo
é segredo, ninguém o interroga, pressiona, compele, tenta, suge-
re, assalta.
A utilização da definição expressiva também aparece nesse texto. O banheiro é
visto por ele como um lugar sagrado. Reflete, criticamente, a postura contemporâ-
nea da sociedade, a falência dos sentimentos que deveriam prevalecer entre os
membros de uma família.
79
O castelo do homem é o seu banheiro. Num mundo atribulado, nu-
ma época convulsa, numa sociedade desgovernada, numa família
dissolvida ou dissoluta só o banheiro é um recanto livre, só essa de-
pendência da casa e do mundo dá ao homem um hausto de tranqüi-
lidade.
Millôr para nos dar um exemplo concreto dessa falta de diálogo entre as pes-
soas, nos oferece Sócrates se desentendo com sua mulher Xantipa, que segun-
do dizem não havia harmonia entre o casal.
Xantipa, que diabo, me joga essa toalha!
80
4.5) CRÔNICA 5: SER GAGÁ (FERNANDES, 1967, p.106 – 108).
(Inspirado na crônica “Ser brotinho”, de Paulo Mendes
Campos)
Ser Gagá não é viver apenas nos idos do passado: é mui-
to mais! È saber que todos os amigos já morreram e os que
teimam em viver são entrevados. É sorrir, interminavelmente,
não por necessidade interior, mas porque a boca não fecha
ou a dentadura é maior do que a arcada.
Ser Gagá é ficar pensando o dia inteiro em como seria
bom ter trinta anos ou, vá lá, quarenta, ou mesmo, ó Deus,
sessenta! É ficar olhando os brotinhos que passeiam, com o
olhar esclerosado, numa inútil esperança. È ficar aposenta-
do o dia inteiro, olhando o vazio, pensando em morrer logo, e
sair subitamente, andando a meia hora que o separa dos
cem metros da esquina, porque é preciso resistir. É dobrar o
jornal encabulado, quando chega alguém jovem da família,
mas ficar olhando, de soslaio, para os íntimos da coluna fu-
nerária. Ser Gagá é saber todos os mortos inscritos no Ti-
me, em Milestones. Não é saber o Who Is Who, mas os
When. É só pensar em comer, como na infância. E em certo
dia passar fome as vinte e quatro horas, só de melancolia.
É, na hora mais ativa do mais veloz bangüê-bangue, desco-
81
brir, lá no terceiro plano, um ator antigo, do cinema mudo, e
sentir no peito a punhalada. É surpreender, subitamente, um
olhar irônico que trocam dois brotinhos, que, no entanto, o
ouvem seriamente. É querer aderir à bossa nova, falar “Sos-
sega leão” e morrer de vergonha ao perceber o fora. È não
querer, não querer, mas cada dia ficar mais necessitado de
amparo do que outrora. É ter estado em Paris, em 19. É
descobrir, de repente, um buraco na roupa e dar graças a
Deus, por ser na roupa.
Ser Gagá é sentir plenamente que tudo que se leu, que
se aprendeu, que se viu e se viveu não vale nada diante do
que estua. Ser gagá é estar sempre na iminência de ouvir
em plena rua: “Olha o tarado!” É ficar contente em ver Cha-
plin e Picasso como os “mais charmosos” de sessenta! É
chamar de menina à quarentona. É ter uma esperança senil
nos cientistas. É reparar, nos mais jovens, o imperceptível
sinal de decadência. É ficar olhando o detalhe, nos amigos;
a lentigem nas mãos, o cabelo que afina, a pele que vai de-
sidratando. Ser Gagá é o orgulho vão de ainda ter cabelo e
poucos brancos! A vaidade tola de não ter barriga; a felici-
dade de ter dentes próprios. É fazer grandes planos qüin-
qüenais que espantam os jovens que acham cinco anos a
própria eternidade, mas que o Gagá sabe que voam como
voaram tantos,tantos, tantos.
82
É se apegar, desesperadamente, pelo tremendo impulso
da existência, aos filhos, aos netos e aos bisnetos, embora
saiba que eles não o querem, que a convivência com eles é
apenas parte e total do egoísmo vital que o enterra. É sentir
agora, outra vez, está bem de saúde. É sentir a saúde oca-
sional. È carregar o corpo o tempo todo. É sentir o caixão
no próprio corpo. É saber que já não há quem tenha prazer
em lhe acarinhar a pele. É esquecer de coisas importantes e
lembrar, sem saber por quê, um gosto, um calor, uma pala-
vra há tempos esquecidos.
Ser Gagá é procurar com afã a importância do cargo para
de novo ser solicitado, embora pelo cargo. É sentir que nada
do que se faça, espantoso que seja, terá a importância do
feito de outro homem, nos inícios da vida. Ser Gagá é quan-
do dormir tarde se torna uma loucura, resgatada em feroz
resfriado que dura uma semana. É ter sabido francês, e es-
quecido. É já não jogar xadrez como outrora ! É olhar o re-
trato amarelado e lembrar que fotógrafo usava magnésio. É
dizer, como um feito, que ainda lê sem óculos. É ouvir que
alguém diz, quando passa na rua: “ Inda está firme!” É ficar
galante e baboseiro na terceira taça de champanha. É casar
com uma mulher mais jovem e querer dar logo ao mundo a
inegável prova de um filhinho.
Ser Gagá é, num esforço mortal, aceitar tudo que inven-
tam, todas as idéias, as modas, a música, o ritmo de vida,
83
mas não deixar de dizer numa ironia profunda e amargurada
: “Eu não entendo”. É sentir de repente o isolamento. É ficar
egoísta e amedrontado. É não ter vez e nem misericórdia.
Ser Gagá é fogo. Ou melhor, é muito frio.
Nessa crônica a presença é materializada por meio de pequenas histórias as
quais definem o que é “Ser Gagá”. Segundo Turner (1996), essas pequenas nar-
rativas são capazes de nos emocionar porque nós nos projetamos nelas.
Não apenas as histórias e parábolas são grandes ferramentas para sensibili-
zar as pessoas, Gibbs Jr. (1995) , escreveu um livro intitulado The poetics of
Mind , nessa obra ele nos afirma que quando emocionados usamos um grande
número de expressões metafóricas. Millôr, que é um grande conhecedor da al-
ma humana, soube muito bem explorar esses recursos.
É, na hora mais ativa do mais veloz bangüe-bangüe, descobrir, lá no
terceiro plano, um ator antigo, do cinema mudo, e sentir no peito a
punhalada.
É carregar o corpo o tempo todo. É sentir o caixão no pró
prio corpo.
84
Novamente encontramos a correção progressiva, recurso que o autor repete
praticamente em todas crônicas, esse recurso intensifica uma idéia.
Ser Gagá é ficar pensando o dia inteiro em como seria bom ter trin-
ta anos ou, vá lá, quarenta, ou mesmo, ó Deus, sessenta!
Ser Gagá é sentir plenamente que tudo que se leu, que se apren-
deu, que se viu e se viveu não vale nada diante do que estua.
Outra vez, temos o leitmotiv que trata da falta de amizade, de companheiris-
mo entre pessoas da mesma família.
É se apegar, desesperadamente, pelo tremendo impulso da e-
xistência, aos filhos, aos netos e aos bisnetos, embora saiba que
eles não o querem, que a convivência com eles é apenas parte e
total do egoísmo vital que o enterra.
Nessa crônica o autor utilizou vários recursos para obter a presença, mas, o
recurso que mais se destaca nessa crônica são as definições expressivas, ele vai
definindo o viver do gagá.
85
4.6) CRÕNICA 6 : AS ENORMES FIGURAS DA HISTÓRIA CATARINA, A GRAN-
DE (FERNANDES, 1967, p.129 – 132).
Por mais que pareça estranho aos jovens nacionalistas a-
tuais a grande Catarina da Rússia não era russa, mas a-
lemã.
De origem pobre, inda que nobre, Sofia Augusta Frederica
d`Anhalt-Zerbst foi chamada à Rússia por sua tia, a tzarina
Elisabeth, para casar com Pedro, herdeiro do trono. Cata-
rina, decidida a melhorar de vida e a passar à história, per-
cebeu logo as possibilidades da Rússia, arrumou suas
poucas roupas e embarcou. No cais russo encontrou a es-
pera-la, além da escolta natural de belos rapazes da guar-
da, seu futuro marido Pedro, que percebeu logo, pelo ta-
manho, não ser o Grande. Mas assim mesmo se casou
com ele.
Pedro, fisicamente insignificante, de espírito, porém, era
um pequeno imbecil. Passava as noites fabricando ou pin-
tando pequenas bonecas de papel, na esperança de , aos
poucos, vir a ser o maior imbecil do país. Na primeira noi-
te, naturalmente, Catarina e Pedro não chegaram a se en-
tender. Nos outros nove anos que viveram juntos se en-
tenderam como na primeira noite.
86
Enquanto, porém, Pedro continuava sua vida suave, brin-
cando com bonecas, Catarina tratava dos interesses do Es-
tado com um jovem chamado Soltikov, tendo os dois resol-
vido então que o Estado merecia um filho. Mas cometeram
um pequeno engano nos cálculos sobre a estupidez do es-
poso de Catarina, que não foi com a cara do garoto e de-
portou Soltikov para Sibéria, brr, que frio! Catarina, amar-
gurada de dor, para consolar-se, cai então, nos braços do
diplomata polonês Conde Poniatowski.
Consolo vai, consolo vem, passa se um ano até que a
guarda secreta de Pedro (o esposo) descobre Catarina sa-
indo dos apartamentos do conde, disfarçada de homem.
Pedro exige explicações de Catarina, Catarina desmaia.
Pedro exige explicações do conde, mas este, não gostando
do clima siberial da Sibéria, embarca imediatamente de vol-
ta a seu país. Aí então, amigos, é que entram em cena, na
história da mãe de todas as Rússias, os irmãos Orlov. E-
ram cinco e gigantescos. Parlapatões, brigões, bebedões,
dominavam tudo e todos por onde passavam. Catarina,
modestamente, escolheu, é natural, em primeiro lugar, o
mais parlapatão, brigão e bebedão dos cinco – Gregório.
Tinha dois metros de altura, três de largura e levantava Ca-
tarina do leito (ou de qualquer outro lugar) com uma mão
só. Além disso, não gostava de bonecas.
87
E eis que, para sorte e grandeza de Catarina (a Grande),
seu, marido morre subitamente, logo depois de assumir o
trono da Tzarina Elisabeth, desaparecida, também misteri-
osamente, depois de um sherry que aceitara distraída. Pe-
dro não bebia sherry, mas parece que o fato de ser destro-
nado por Catarina e enviado para uma prisão (custódia)
não o deixou lá muito bem de saúde. Estava um dia em
Ropsha, com os irmãos Orlov, quando tropeçou, caiu e fra-
turou o crânio. Para azar seu caiu exatamente em cima do
sabre de um dos irmãos Orlov, que, apesar de sua habili-
dade no manejo dessa arma, não conseguiu retira-la a
tempo do caminho do príncipe. A autópsia revelou traço de
veneno, sintomas de estrangulamento e duas balas na
barriga, mas os médicos do palácio, que não tinham qual-
quer veleidade de clinicar na Sibéria, concluíram por morte
natural. Catarina então subiu definitivamente ao poder, sob
o número II, matrícula 13467 e o cognome de A Grande.
Enquanto isso os anos passavam e Orlov (Gregório) come-
çou a enfraquecer, seus músculos já não sendo mais tão
jovens quanto dez anos antes. Catarina passou então para
outro tipo, chamado Potemkin, que mais tarde daria nome
a um couraçado, que daria nome a um filme. Era feio, torto,
vesgo, e gago. Ninguém entendia o que ela via nele. Mas
o fato é que ele devia possuir lá seus truques e mistérios
pois a grande saía sempre de suas preocupações estatais
88
para cuidar (e ser cuidada) por Potemkin. Até que, natu-
ralmente, surgiu o jovem Pedro Zavadovski, de quem se
dizia possuir as mais sólidas credenciais para o posto que
iria ocupar no leito (digo império) catarineta. E assim con-
tinuou Catarina sua gloriosa carreira de chefe de Estado,
passando sua preferências de Zavadovski ao tenente Zori-
cht, de Zoricht a Korsahov, de Korsahov a Zubov, sem fa-
lar, naturalmente, em Miguel Strogov, os irmãos Karama-
zov, Ivan Ilicht e outros personagens menos conhecidos
da literatura russa. Catarina lamentava profundamente que
ainda não tivesse sido inventada a lista telefônica, mas
consolava-se dessa deficiência do gênio russo, passando
em revista, diariamente, o batalhão de guardas. Ali, pelo
aspecto físico, ela escolhia o jovem mais capaz de guardar
em segurança o leito tzarinal. Conforme a eficiência e bra-
vura demonstradas na tarefa de segurança da imperatriz, o
jovem seria então promovido sucessivamente a capitão,
coronel, general, etc. Potemkin tornou-se marechal em
três meses. Daí ter ficado famoso como couraçado.
O fato é que, digam o que disserem, Catarina foi uma mu-
lher que procurava avidamente uma alma que comparti-
lhasse intimamente de sua fé na salvação das Rússias. Se
os seus métodos eram irmã que compreendesse suas ân-
sias de realização, pessoais e equívocos, deve-se à época,
à sua formação germânica e aos seus naturais desajustes,
89
sabendo-se, afinal, que, na sombra e nos desvãos do país,
preparava-se a vitória do comunismo. Que pode fazer uma
frágil mulher diante da história? Deitar na cama e criar fa-
ma.
Nesta crônica, Millôr começa narrando um episódio real, mas, a medida que o
texto se desenrola, o autor faz usos de diversos procedimentos retóricos, os quais
vão nos apresentar um texto que se configura com o non-sense, além da ironia, que
está presente do primeiro ao último parágrafo.
O primeiro recurso de presença, encontrado nessa crônica é o paradoxo sin-
tático. Podemos observar no exemplo a seguir, que o uso da conjunção adversativa,
nesses exemplos, não cumprem a função tradicional que é de apresentar uma idéia
contrária a anterior. Além disso, o uso desse conectivo no primeiro exemplo corrobo-
ra para nos dar uma informação, ainda pior a respeito de Pedro, levando assim o
leitor a uma quebra de expectativa. Trata-se de uma técnica bastante explorada nos
textos humorísticos:
Pedro, fisicamente insignificante, de espírito, porém, era um peque-
no imbecil.
90
Na primeira noite, naturalmente, Catarina e Pedro não chegaram
se entender. Nos outros nove anos que viveram juntos se enten-
deram como na primeira noite.
O argumento pelo ridículo e a ironia novamente se configuram nesse texto,
caracterizando a presença. Observe-se, como esses procedimentos retóricos se
materializam nos exemplos a seguir:
Passava as noites fabricando ou pintando pequenas bonecas de
papel, na esperança de , aos poucos, vir a ser o maior imbecil do
país.
Estava um dia em Ropsha, com os irmãos Orlov, quando tropeçou,
caiu e fraturou o crânio. Para azar seu caiu exatamente em cima do
sabre de um dos irmãos Orlov, que, apesar de sua habilidade no
manejo dessa arma, não conseguiu retirá-la a tempo do caminho do
príncipe. A autópsia revelou traço de veneno, sintomas de estrangu-
lamento e duas balas na barriga, mas os médicos do palácio, que
não tinham qualquer veleidade de clinicar na Sibéria, concluíram por
morte natural.
E eis que, para sorte e grandeza de Catarina (a Grande), seu, mari-
do morre subitamente, logo depois de assumir o trono da Tzarina
Elisabeth, desaparecida, também misteriosamente, depois de um
sherry que aceitara distraída. Pedro não bebia sherry, mas parece
91
que o fato de ser destronado por Catarina e enviado para uma pri-
são (custódia) não o deixou lá muito bem de saúde.
Essa informação a respeito de Pedro leva o leitor a fazer a seguinte inferên-
cia; apesar da sua aparente imbecilidade, matá-lo, daria um certo trabalho.
Millôr trabalha muito com a definição expressiva (argumentos quase-lógicos) e
compete ao leitor encontrar o verdadeiro sentido da palavra, que não está materiali-
zado de forma literal. O próximo exemplo, conduz o leitor a perceber o comporta-
mento vulgar de Catarina. Todo o texto é composto por numerosos exemplos, que
vão reforçar essa deformidade do caráter dessa mulher.
Consolo vai, consolo vem, passa-se um ano até que a guarda se-
creta de Pedro (o esposo) descobre Catarina saindo dos apartamen-
tos do conde, disfarçada de homem.
Outro recurso encontrado nesse texto é o pleonasmo, que o autor usou como
uma metáfora, uma forma de enfatizar a dificuldade do homem a se adaptar a esse
clima:
Pedro exige explicações do conde, mas este, não gostando do clima
siberial da Sibéria, embarca imediatamente de volta a seu país.
92
Em toda análise feita das crônicas millorianas, há o uso do homeoteleuto (rimas
internas), a correção progressiva, intensificando a situação descrita na narrativa:
Parlapatões, brigões, bebedões, dominavam tudo e todos por on-
de passavam.
Dá-se o nome de memória discursiva ao repertório que vai sendo criado pelo
leitor, a respeito de pessoas ou fatos, durante a leitura de um texto. Podemos obser-
var o uso desse recurso, quando o autor nos apresenta Pedro como um homem que
gostava de bonecas. Em contraposição a essa figura frágil, ele nos descreve um dos
amantes dela, Gregório, que, não só fisicamente é diferente do marido, como tam-
bém o é no que se refere ao comportamento. Vamos ao exemplo desse procedimen-
to:
Enquanto, porém, Pedro continuava sua vida suave, brincando
com bonecas, Catarina tratava dos interesses do Estado com um
jovem chamado Soltikov, tendo os dois resolvido então que o Estado
merecia um filho.
Catarina, modestamente, escolheu, é natural, em primeiro lugar , o
mais parlapatão, brigão, e bebedão dos cinco – Gregório. Tinha dois
metros de altura, três de largura e levantava Catarina do leito (ou de
93
qualquer outro lugar) com uma mão só. Além disso, não gostava de
bonecas.
Por meio da memória discursiva, o leitor pode atribuir o sentido que está im-
plícito, a leitura que fazemos em relação a Pedro é a de um homem efeminado, in-
fantilizado, que leva uma vidinha suave sem preocupações, sem importância, sem
virilidade. Já os amantes são apresentados com os requisitos próprios da masculini-
dade (força, virilidade, não gostar de bonecas).Observe o trecho que mostra como
era feita a escolha dos amantes:
Ali, pelo aspecto físico, ela escolhia o jovem mais capaz de guardar
em segurança o leito tzarinal.
Millôr acrescenta personagens da literatura aos amantes reais de Catarina.
Esse processo de criação é semelhante ao samba do crioulo doido, recurso que já
analisamos na crônica Eutanásia. Vejamos, agora como esse procedimento vai con-
figurando o non-sense.
O primeiro nome que aparece como amante de Catarina é Soltikov, que de fa-
to teve um relacionamento com Catarina, dessa relação, nasceu um filho, que foi
reconhecido como legítimo por Pedro, depois, nos é apresentado como o próximo da
lista Gregório Orlov, que também, foi um dos amantes de Catarina. Potemkin, Zubov
e Poniatowski , também, fazem parte desse desregramento da conduta dessa mu-
94
lher. Para enfatizar a inconstância dessa devoradora de homens, Millôr acrescenta
a essa lista, uma série de personagens da literatura, fato que exige do leitor, um cer-
to conhecimento histórico, para que ele possa ter o discernimento necessário, e se-
parar a história legitimada e a inventada pelo humorista.
Entre os nomes que Millôr nos apresenta como amantes de Catarina, temos,
Miguel Strogov. Trata-se de um personagem de Júlio Verne, Os irmãos Karamazov
são personagens de Dostoievíski. Ivan Ilicht é protagonista de uma famosa novela
de Tolstoy, “A morte de Ivan Ilicht”.
E, por fim, acrescenta a essa lista de nomes, um argumento quase-lógico, fa-
to lamentável que, por essa época , ainda, não havia a lista telefônica, o que pou-
paria o trabalho de Catarina de ter que visitar o batalhão diariamente:
E assim continuou Catarina sua gloriosa carreira de chefe de Esta-
do, passando sua preferência de Zavadovski ao tenente Zoricht, de
Zoricht a Korsahov, de Korsahov a Zubov, sem falar, naturalmente,
em Miguel Strogov, os irmãos Karamasov, Ivan Ilicht e outros perso-
nagens menos conhecidos da literatura russa. Catarina lamentava
profundamente que ainda não tivesse sido inventada a lista telefôni-
ca, mas consolava-se dessa deficiência do gênio russo, passando
em revista, diariamente
o batalhão de guardas.
95
Para finalizar a crônica, Millôr usou novamente a ironia e o detournement para
obter a presença:
Que pode fazer uma frágil mulher diante da história? Deitar na
cama criar fama.
O autor, por meio desses recursos ilustra seus argumentos, fazendo com que
o leitor perceba a carga conotativa que está implícita tanto na palavra frágil quanto
na inversão do provérbio. O efeito de sentido que objetivou o enunciado foi que a
fama de Catarina provêm de ela ter tido muitos amantes.
96
CONCLUSÃO
Millôr, nos presenteou com Lições de um ignorante, um trabalho que reúne 42
de suas crônicas. Dessas escolhemos 6, que nos pareceram mais representativas.
O autor tem uma incrível percepção de todas as coisas relacionadas ao comporta-
mento humano. Seu olhar crítico não poupou as instituições, nem as personalidades
históricas, nem os fatos políticos, enfim, nada que se refere ao homem passou des-
percebido por ele. Em meio aos seus comentários críticos, notamos a insatisfação
em relação à natureza humana.
A partir da análise do material, enumeramos e analisamos os recursos de pre-
sença mais utilizados pelo autor. Porém, devemos observar que esses recursos não
operam isoladamente : quase sempre há superposição de dois ou mais, resultando
num procedimento discursivo bastante elaborado.
Principais procedimentos retóricos que configuram a presença:
a) Definições expressivas e ridículo (argumentos quase-lógicos)
b) Reformulação retórica
c) Correção progressiva que leva à hipérbole e ao non-sense
d) Detournement, modificação de provérbios
97
e) Homeoteleuto (rima interna)
f) Utilização da memória discursiva dentro do próprio texto da crônica
g) Projeção conceptual de um evento em outro
h) Ironia
i) Figuras de comunhão
j) Metáforas
k) paradoxo sintático
Esperamos que nosso trabalho seja o início de novas pesquisas que virão, da
aplicação dos princípios da lingüística cognitiva à Retórica, mais especificamente, à
noção de presença, tal como se acha definida nesta dissertação.
98
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