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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE LÍNGUA E LITERATURA ESPANHOLA E HISPANO-AMERICANA
A oralidade e a busca dos efeitos de comicidade em
Manolito Gafotas
Renata Gonçalves Tavano
Dissertação apresentada ao programa de Pós-Graduação em
Língua e Literatura Espanhola e Hispano-Ameircana da
Faculdade de Letras e Ciências Humanas da Universidade de
São Paulo, para obtenção de título de Mestre em Letras.
Orientadora: Profa. Dra. Maria Zulma Moriondo Kulikowski
São Paulo
2006
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Aos meus pais, Ana Maria e José Tercino, que de forma
simples me deram verdadeiras lições de sabedoria, e ao
meu grande amor, Vinicius, pelo apoio incondicional, pelo
carinho e pela atenção nos momentos de angústia.
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Agradeço à vida por mais essa oportunidade, à minha
querida orientadora, Zulma, por sua paciência, pelas
injeções de ânimo e principalmente pela confiança em
mim depositada.
RESUMO
Apesar das diferenças existentes entre língua oral e língua escrita, ambas se inter-
relacionam; por isso são vistas por estudiosos da linguagem, como Briz e Marcushi, entre
outros, como um continuum.
Sabe-se que nessas duas modalidades encontram-se tanto o registro formal quanto o
informal. Dessa forma, seria errôneo, por exemplo, dizer que língua coloquial é o mesmo que
língua oral, embora se reconheça que a coloquialidade está mais presente na modalidade
falada que na modalidade escrita. Logo, de forma alguma a coloquialidade é exclusiva da
oralidade.
Para se reconstruir um texto oral coloquial, portanto, é necessário não lançar mão de
um planejamento estilístico, como também empregar marcas próprias da oralidade e da
coloquialidade, como expressões fixas, gírias, marcadores interacionais, entre outras.
A análise deste trabalho, por conseguinte, consiste em identificar e analisar tais marcas
no corpus. Para comprovar a presença dessas marcas, além de facilitar sua visualização,
elaboramos uma tabela
Outro elemento abordado nessa pesquisa, ainda que de forma incipiente, foi a questão
da comicidade presente no corpus.
Assim, considerando a presença da oralidade/coloquialidade e da comicidade, este
trabalho se propõe a verificar, a partir da análise da relação entre ambas, de que maneira a
oralidade colabora para a produção do efeito de sentido cômico no texto.
Palavras chaves: oralidade; coloquialidade; comicidade; literatura, Manolito Gafotas
ABSTRACT
In spite of the differences between oral and written language, both are interrelated, that is
why they are seen by researchers as Briz, Marcushi and others like a continuum.It is known that
in both modalities we can find as much formal as colloquial register. Because of this it would be
wrong to say that colloquial language is the same as oral language, although we recognize that
the informality is more present in the spoken modality than in the written one, by no means we
can assert that informality only appears in the orality.In order to reconstruct an oral/ colloquial
text it is necessary to use a stylistic planning and to make use of oral and colloquial aspects as:
ready expressions, slang, signs of interaction and others. The analysis of our work consists of
identifying signs of orality/ informality in the corpus. To prove the existence of these signs in our
corpus we made a chart where it is possible to visualize them. Another feature that was slightly
discussed in our research was the humor present in the corpus. Considering the presence of
orality/ informality and humor, we tried to establish a relationship between both, or else, to show
that orality also helped to a funny effect in the text.
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO................................................................................................ 8
INTRODUÇÃO...................................................................................................... 10
CAPÍTULO 1
1 Manolito Gafotas: Um herói às avessas .................................................... 12
1.1 A Autora..................................................................................................... 14
1.2 A série Manolito Gafotas............................................................................ 15
1.2.1 Quem é Manolito Gafotas?........................................................................ 16
1.2.2 A voz de Manolito ...................................................................................... 18
1.2.3 O mundo de Manolito................................................................................. 20
CAPÍTULO 2
2 O Corpus ................................................................................................... 22
2.1 Pressupostos Teóricos .............................................................................. 26
2.1.1 Fala e Escrita............................................................................................. 26
2.1.2 Características da escrita .......................................................................... 28
2.1.3 Características da fala............................................................................... 29
2.1.4 Estudos das diferenças.............................................................................. 31
2.1.5 Recursos para representar a fala na escrita.............................................. 32
2.1.6 Tipos de Registros..................................................................................... 33
2.1.7 Língua, sociedade, interação pela linguagem............................................ 36
2.2 Elementos que colaboram para a representação da
oralidade no corpus ...................................................................................
..........................................................................................................................38
2.2.1 ria........................................................................................................... 39
2.2.2 Expressões Fixas....................................................................................... 40
2.2.3 Diminutivo/ Aumentativo............................................................................ 41
2.2.4 Repetição................................................................................................... 42
2.2.5 Reguladores conversacionais/Marcadores Interacionais........................... 42
2.3 Comicidade/Humor.................................................................................... 44
CAPÍTULO 3
3 Tabelas e Análises..................................................................................... 51
3.1 Tabela – Marcas de Oralidade................................................................... 51
3.2 Análise I– Marcas de Oralidade................................................................. 55
3.2.1 Aumentativo/Diminutivo............................................................................. 55
3.2.2 Reguladores Conversacionais/Marcadores Interacionais.......................... 57
3.2.3 Repetição................................................................................................... 61
3.2.4 Expressões Fixas....................................................................................... 64
3.2.5 rias/Variações populares/Vulgarismos................................................... 67
3.3 Análise II-Comicidade................................................................................ 73
3.3.1 Transposição............................................................................................. 74
3.3.2 Inversão..................................................................................................... 84
3.3.3 Quebra de expectativa............................................................................... 87
3.3.4 Linguagem................................................................................................. 91
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................... 94
4.1 Sobre a coloquialidade ............................................................................. 94
4.2 Sobre a comicidade .................................................................................. 96
5 BIBLIOGRAFIA ................................................................................................ 98
6 ANEXOS............................................................................................................ 107
APRESENTAÇÃO
O interesse pelo tema surgiu a partir de uma curiosidade juntamente com uma
necessidade. Durante o ano em que vivi na Espanha, realizei trabalhos com crianças. Pelo fato
de elas apresentarem um vocabulário específico, muitas vezes não as compreendia, pois
usavam gírias e expressões que a priori eu julgava estivessem relacionadas apenas ao
universo infantil.
Fazia parte do meu trabalho ler histórias para elas e, entre suas histórias preferidas,
estava Manolito Gafotas
1
. Diante da dificuldade de realizar a leitura, ou melhor, de
compreender efetivamente o que eu lia, percebi que havia ali a presença de um léxico próprio,
visto que para mim era quase incompreensível. Percebi que aquelas “falas” pertenciam à
linguagem usada no cotidiano, ou seja, pertenciam ao registro informal. Diante disso, percebi
que esse linguajar próprio poderia ser “decifrado” com o contato contínuo e intenso com a
língua espanhola e/ou através de perguntas feitas às próprias crianças, e assim o fiz.
Graças ou às explicações dadas por elas ou ao contexto em que o registro coloquial era
empregado, sem desconsiderar ainda meu conhecimento de mundo, pouco a pouco fui me
apropriando daqueles vocábulos, expressões e construções que até então me soavam
estranhos.
Com o tempo fui percebendo que se tratava de histórias “sonoras”, ou seja, histórias nas
quais os personagens pareciam adquirir vida por meio da fala, pois nas histórias de Manolito
havia um alto grau de informalidade presente nas falas dos personagens, o que permitia ao
leitor maior aproximação com eles.
Hoje, tendo analisado o texto mais profundamente, posso afirmar que tal informalidade
realmente está presente no texto, visto que a autora, Elvira Lindo, em entrevista
2
, afirma ter a
intenção de representar de maneira “oral” a linguagem própria de um grupo. Por isso o leitor
tem a sensação de escutar em obras dessa autora ecos de outras vozes que se mesclam seja
às falas do narrador, seja às falas de outros personagens.
Somente após obter o domínio das expressões e as particularidades do registro
empregado no corpus, é que pude perceber quão divertido é o texto. Diante disso, concluí que
era impossível trabalhar somente os aspectos orais, pois havia percebido que os efeitos
cômicos presentes, em grande parte decorrentes da oralidade, ganhavam relevância no
conjunto da obra. Assim foi feito, ainda que de forma incipiente, pois se trata de um tema muito
amplo, que uma dissertação não daria conta de abranger.
1
Corpus (Manolito Gafotas, 1994)
2
Ver biografia disponível em http://www.escritoras.com.es/elviralindo. Acesso em: 10 mai. 2004 (anexo).
INTRODUÇÃO
Faça as coisas de forma mais simples possível, porém não as
mais simples”
Albert Einstein
Este trabalho tem como objetivo analisar as marcas de oralidade/coloquialidade e seus
efeitos de comicidade presentes no texto literário infanto-juvenil Manolito Gafotas (1994), da
escritora espanhola Elvira Lindo. Selecionamos para análise seu último capítulo, Un
cumpleaños feliz, por apresentar marcas de oralidade que se destacam no conjunto da obra e
também por abordar uma temática universal, que atinge tanto adultos quanto crianças,
agradando a ambos, que é a festa de aniversário.
Assim, no primeiro capítulo do nosso trabalho, procuraremos dar algumas informações,
que julgamos relevantes para situar nosso leitor durante a analise, acerca da obra e de seu
autor.
Pelo fato de o nosso corpus ser classificado como literatura infanto-juvenil,
começaremos por um breve histórico da literatura infantil passando pelos comics, pois o
personagem principal do nosso corpus foi publicado em tiras de um jornal espanhol de grande
circulação: El País.
Ainda nesse primeiro capítulo, exporemos uma breve biobibliografia da autora,
apresentaremos o personagem principal do nosso corpus, Manolito Gafotas, ressaltando suas
características psicológicas e relacionando-o ao ambiente em que vive. Por fim, faremos uma
descrição específica do próprio corpus.
No segundo capítulo, abordaremos os pressupostos teóricos que nos ajudaram a
caracterizar alguns conceitos, tais como:
oralidade/ coloquialidade
elementos de oralidade na escrita
efeitos de sentido humorísticos.
Para abordar os conceitos acima, tomamos como base os estudos de Briz (2000)
referentes à oralidade/coloquialidade e sua caracterização, bem como a diferença entre oral e
coloquial, os tipos de registro e os recursos empregados na reconstrução de um texto escrito
com aspecto oral. Ainda nos apoiamos nos estudos de Marcushi (2001), para tratar da
diferença entre fala e escrita, e, finalmente, na teoria de Bergson (1983), para trabalhar os
efeitos de sentido cômicos.
No terceiro capítulo, apresentamos uma análise do corpus, acompanhada de algumas
tabelas as quais permitem visualizar alguns dados relevantes para a compreensão do trabalho.
Nessas tabelas encontram-se os elementos lingüísticos que colaboraram para o efeito de
oralidade/coloquialidade no corpus .
No quarto capítulo, relacionaremos os dados encontrados nas tabelas com os efeitos de
sentido produzidos no texto escrito, ou seja, analisaremos especialmente os elementos
lingüísticos que colaboraram para o efeito de sentido cômico no corpus.
E, finalmente, apresentaremos as conclusões das análises, a bibliografia geral e
específica e os anexos.
Acreditamos que nosso trabalho possa colaborar tanto com os estudos relacionados à
oralidade/coloquialidade quanto aos estudos dos efeitos de sentido humorísticos, nos textos
infanto-juvenis, obtidos através do uso desse registro.
CAPÍTULO 1
1 Manolito Gafotas: um herói às avessas
Ainda que sem a pretensão de nos aprofundarmos no tema da literatura infanto-juvenil,
categoria na qual se encontra a obra Manolito Gafotas, não podemos deixar de caracterizar,
mesmo que resumidamente, o universo da literatura infanto-juvenil.
Denomina-se literatura infanto-juvenil o conjunto de obras escritas, geralmente
ilustradas, que são lidas por crianças. O gênero abrange desde clássicos da literatura mundial
até livros quase sem texto verbal, compostos somente por ilustrações.
Nesse gênero, domínios discursivos como contos de fadas, fábulas e lendas,
normalmente transmitidos pela tradição oral, e temas como a aventura, por exemplo, é que
fazem desse universo literário uma dimensão mormente desejada e alcançada pela criança.
Como se considera que literatura é um texto bem escrito cuja intenção primordial é atrair e
“fisgar” o leitor, certamente um texto será caracterizado como pertencente à literatura infanto-
juvenil se parte dos leitores fisgados forem crianças, isso devido ao fato de apresentarem, além
do tema e da estrutura simples, aspectos fantásticos e/ou maravilhosos, elementos que,
indubitavelmente, atraem o universo infantil.
Coelho (1985,113) caracteriza as narrativas literárias infantis como simples, com apenas
um núcleo dramático do qual dependem os episódios que compõem a intriga.
A problemática é bem configurada e desenvolvida de forma que as ações se sucedem
entre si, ou seja, apresenta uma natureza repetitiva. A linguagem também é marcada pela
repetição a qual, muitas vezes, se apresenta como um elemento lúdico no texto, assim como
as rimas e os jogos sonoros.
São repetidos os esquemas básicos, como os argumentos, os tipos de personagens, as
funções dos personagens e os valores ideológicos. A reiteração desses esquemas na literatura
infantil agrada aos leitores pelo fato de eles saberem previamente o que acorrerá.
A linguagem empregada nas produções literárias destinadas ao público infantil
caracteriza-se pela simplicidade, uma vez que predomina o uso de vocábulos que estão mais
relacionados a elementos concretos, e não o uso dos que estão relacionados a elementos
abstratos. Em outras palavras, um predomínio absoluto da figurativização. Vale destacar
também que, nas referências, os dêiticos o evitados e, por conseguinte, a ordem direta
(sujeito, ação, objeto) prevalece.
Muitos dos contos infantis “tradicionais” que conhecemos hoje foram transmitidos
oralmente ao longo dos tempos. Devido à fugacidade da língua oral, eles foram sofrendo
modificações, pois cada pessoa os contava à sua maneira incluindo uma coisa aqui,
extraindo outra ali –, às vezes de acordo com os interesses da época, daí boa parte essas
histórias ter adquirido um cunho ideológico e moral. Apesar de tais modificações sofridas, a
essência das histórias, entretanto, sempre permanece; e é graças a essa permanência que
temos acesso a esses contos milenares.
As obras, por exemplo, dos irmãos Grimm e as do dinamarquês Hans Christian
Andersen, tiveram um papel muito importante na formação da literatura infantil, pois eles
recolheram os contos e os registraram, colaborando, dessa forma, para a “perpetuação” dos
mesmos.
Com relação à grande aceitação dos contos de fadas, podemos dizer que, como
decorrência dela, houve pelo menos duas conseqüências sobre a evolução da literatura infantil.
Em primeiro lugar, impôs o predomínio do lúdico sobre o instrutivo. Em segundo, contribuiu
para a definição de um gênero especificamente voltado para crianças.
No processo de formação da literatura infantil, a imprensa especializada teve grande
importância, pois a partir de 1750 várias publicações infantis tiveram sucesso na Alemanha.
Entretanto, apenas no século XIX, que se iniciou a produção deliberada de literatura
para o público adolescente. Destacam-se alguns romances históricos, como os de Walter Scott
e Alexandre Dumas; obras de aventuras, como as de Charles Dickens A ilha do tesouro
(1883) –; e as de ficção científica, como as de Júlio Verne – Viagem ao centro da Terra(1864).
Pelo fato de o personagem principal do nosso corpus ter sido representado em tiras do
jornal espanhol El País, falaremos um pouco sobre o surgimento dos quadrinhos, que reúnem
texto e imagens, e que também são conhecidos por cômics
No final do século XIX, tanto nos Estados Unidos como na Europa, os jornais recorriam
a diferentes incentivos para atrair leitores. Com a modernidade dos sistemas de impressão,
surgiram as páginas coloridas nos suplementos dominicais.
Na Espanha, as histórias em quadrinhos se popularizaram tanto quanto em outros
países. Os comics espanhóis sugiram na revista TBO, e, por esse motivo, hoje são os
chamados TEBEO
3
.
Durante os anos 50 e 70, os cômics foram bastante populares naquele país.
Diferentemente dos heróis americanos, os “heróis espanhóis” pretendiam ser históricos, pois
sutilmente tentavam retratar a situação sociopolítica daquele período.
Alguns personagens do cômics espanhol resistem bravamente, como por exemplo o
Capitão Mortadela, enquanto outros estão em pleno auge, como é o caso de Manolito Gafotas,
personagem do nosso corpus.
3
TBO. Nome da revista na qual se publicaram os primeiros quadrinhos espanhóis e também nome que acabou
sendo “emprestado” ao gênero e até hoje na Espanha os comics também são conhecidos como Tebeo (TBO).
A história de Manolito começou em um programa radiofônico, passou pela tiras
publicadas no jornal espanhol El País e hoje faz parte da literatura infanto-juvenil. Sua autora,
Elvira Lindo, escreveu o primeiro volume das narrativas que têm como personagem principal
Manolito em 1994, e, desde então, mais seis volumes foram publicados. Nas aventuras de
Manolito, podemos perceber que sua vida o se resume a desgraças e violência, temas que
costumam ser abordados quando se trata de representar o universo da classe social menos
favorecida.
1.1 A Autora
Elvira Lindo nasceu em Cádiz, em 1962. Quando criança, gostava muito de ler, aos nove
anos havia lido todas os romances de Pearl S.Buck. Mujercitas e La Isla del tesoro o os
mais interessantes para ela.
Aos doze anos, se mudou com sua família para o bairro madrileno de Moratalaz, por
isso ela diz sentir-se madrilena.
A autora começou a trabalhar em rádio em 1987, como locutora, e logo se tornava
especialista em roteiros, já que o mundo das informações não lhe atraía muito.
Manolito Gafotas, o protagonista de seus livros, nasceu nessa época, período em que
ela foi convidada a fazer um programa na Radio Cadena, com pouquíssimo dinheiro. Elvira
fazia paródias, piadas, inventava personagens, e, para representa-los, mudava de voz.
Manolito Gafotas foi um dos personagens de que ela mais gostou de fazer; talvez porque
estivesse deprimida, e, através desse personagem, podia dizer tudo o que queria. Portanto,
Manolito, conforme a própria autora, “funcionou como uma válvula de escape”.
Algum tempo depois, seu marido, Antonio Molina, percebeu que os roteiros formavam
um mundo literário, e que era uma pena ser algo tão efêmero na rádio, convenceu Elvira a
transformá-los em literatura
Lindo também escreveu um romance para adultos, El outro barrio (1998), além de
roteiros para a televisão e para o cinema; para o teatro escreveu a famosa comédia de
costumes La ley de la selva
4
.
1.2 A série Manolito Gafotas
Até o momento, Lindo publicou sete livros protagonizados por Manolito e um roteiro para
o cinema, são eles:
Manolito gafotas. Madrid. Algafarra,1994.
¡Cómo molo! (otra de Manolito Gafotas). Madrid: Alfaguara, 1995.
Pobre Manolito. Madrid: Alfaguara, 1996.
4
Por Luís García – disponível em http: www.eresmas.com.es (tradução feita por nós). Acesso em
20/10/2001.
Los trapos sucios de Manolito Gafotas. Madrid: Alfaguara, 1997.
Manolito on the road. Madrid: Alfaguara, 1998.
Manolito Gafotas, 1998. (roteiro de cinema).
Yo y el imbécil. Madrid: Alfaguara, 1999.
Manolito tiene un secreto. Madrid: Alfaguara, 2002.
O primeiro livro protagonizado pelo nosso “herói” foi Manolito Gafotas (1994), do qual
selecionamos para análise o seu último capítulo. Nesse livro, começamos a conhecer o garoto
e a descobrir o seu mundo, nos inteiramos de que ele mora em um bairro obreiro de Madri, o
Carabanchel Alto. O garoto também nos apresenta a sua família, amigos, vizinhos, a
professora, enfim as pessoas que o cercam.
A narrativa apresenta uma sucessão de aventuras independentes e a única coisa
comum entre elas são os personagens.
Os locais onde se passam as “aventuras” são os mais variados, ainda que todos
relacionados ao seu universo, no qual se intercalam sua casa, o colégio, o Museu do Prado, o
centro urbano e o seu bairro.
Quem narra as histórias é o próprio Manolito, portanto o interlocutor conhece somente
perspectiva do narrador-personagem. Talvez, por esse motivo, quase sempre o leitor se torna
seu “cúmplice”, ou seja, o leitor se envolve na narrativa e torce por Manolito.
No decorrer da obra, nos é apresentado uma série de temas que envolvem a
problemática pré-adolescente, como por exemplo as típicas brigas entre garotos e garotas, a
insegurança após “levar um fora” de uma garota e as notas baixas no colégio, entre outros.
A temática certamente atrai muito os jovens leitores, pois além da identificação imediata
em função do universo representado, tal universo é ainda permeado por uma linguagem
simples, daí a identificação tornar-se ainda maior.
A narrativa também mostra as relações familiares, como o fato de Manolito sentir ciúmes
de seu irmão mais novo ou de o avô ter que morar com a família por não ter condições de
comprar uma casa própria; além de descrever coisas um tanto repulsivas, que as crianças em
geral fazem, como, entre outras coisas, comer caca de nariz e competição de cuspe. Assuntos
como esses, muitas vezes censurados pelos adultos, aqui são tratados com muita
naturalidade, assim como as crianças e adolescentes os tratam.
O livro Manolito Gafotas (1994) começa com a apresentação que Manolito faz de si
próprio, de sua família, de seu melhor amigo, Orejones Lopez, e de seu bairro (cap.1).
As aventuras vividas por ele se passam nas situações cotidianas, como em um passeio
que faz ao centro com seu avô Nicolás (cap.2), na visita à psicóloga do colégio (cap. 3), o
assalto que sofrem por parte de um jovem que veio da cidadezinha de seu avô (cap.5), o típico
concurso de fantasias ocorrido no colégio, até a comemoração do aniversário de seu avô
(cap10), o qual escolhemos para o corpus dessa pesquisa.
1.2.1 Quem é Manolito Gafotas
Segundo a própria autora, Elvira Lindo, criar um personagem não é fácil, sobretudo um
personagem tão complexo e ao mesmo tempo o simples, como Manolito Gafotas: simples,
por se tratar de um garoto comum que estuda, tem uma família, vive certas aventuras
corriqueiras etc.; porém complexo ao expressar-se, pois transmite vivências cotidianas com
excelência, comove e também provoca o seu leitor, despertando nele não apenas riso, mas
também reflexões mais profundas.
Com relação à construção do personagem, Lindo
5
diz o seguinte:
Hay veces que crear un personaje cuesta mucho trabajo; uno hay que darle una edad,
una ciudad, unos deseos, una historia que habitar; hay ocasiones, en cambio que son
fáciles.
Porém no caso de Manolito, segundo a autora, a dificuldade foi pouca, pois é como se
Manolito existisse antes de estar no papel, por isso a relação dela com o personagem é
muito mais que uma simples criação, é como se ele tivesse vida própria e ela apenas ouvisse
suas histórias – “Parece que hubiera estado esperando en un banco del parque del Ahorcado a
que alguien llegara para pillarle por banda y contarle su vida, la de sus amigos, la de su vecina
la Luisa”
Lindo diz escutar a Manolito há muito tempo, desde quando preparou um roteiro para ele
na rádio onde trabalhava, inventando-lhe uma voz; desde então, o personagem tomou uma
proporção que a própria Elvira diz não reconhecer mais sua voz ao ouvir fitas antigas, mas sim
ter a sensação de que ouve a um garotinho:
[...] no tengo la impresión de ser yo interpretando a un niño, sino de estar escuchando a
un chaval de carne y hueso. Y esa voz de Manolito me acompañó a la hora de escribir
sus aventuras. A veces me parecía como si él me fuera dictando.
6
Talvez, pelo fato de o personagem ter nascido no meio radiofônico, nós leitores temos a
sensação de estar ouvindo Manolito, apesar de a narrativas serem escritas. A própria autora
diz que também o ouve ao escrever suas historias:
5
Entrevista à revistra eletrônica disponível em www.escritoras.com.es/ mai/2000.
6
Usamos apenas trechos da entrevista para confirmar nossas colocações, por isso a fala da autora se encontra
“diluída” ao longo do nosso texto; os asteriscos, que a partir deste ponto serão utilizados, foi a melhor forma que
encontramos para fazer referência a essa entrevista dada por Lindo.
[...] no puedo hacer nada por evitar que se junte con Yihad, el chulito del colegio, me
gustaría decirle que no jugara con él porque siempre sale perdiendo [...] pero no tengo
que meterme en su vida, ni darle lecciones morales, ni avisarle de lo que está bien dicho
o mal dicho […]*
Certamente, ao fazer todas essas afirmações, Lindo tenta expressar o quanto se
envolve na história desse personagem, que, segundo ela mesma, às vezes, não é tão criança
quanto pensamos, pois apresenta uma mistura de ingenuidade e maturidade, que lhe permite
ser bastante perspicaz ao perceber seu entorno. Essa maturidade prematura do garoto faz com
que identifiquemos muito sutilmente a presença de sua criadora. A própria autora afirma que
essas marcas a traem como escritora e fazem com que o seu personagem se traia, pois se
trata de um garoto que ainda não possui uma experiência de vida tão ampla, como se percebe
na seguinte passagem: “[...] porque este niño tiene una mezcla de ingenuidad, lenguaje técnico
[...] y sabiduría, que a mí me hace mucha gracia”
*
.
A autora também afirma que em sua infância era muito parecida como Manolito, e que,
talvez por isso, tenha um repertório o vasto para as aventuras protagonizadas por ele: “[...]
Manolito se parece mucho a alguien que yo fui hace algunos años y que sigo siendo hoy a
ratos, cuando me dejan.”
*
A obra de Lindo tem sido muito apreciada pelos críticos. De acordo com o jornal El país
7
,
o valor de Manolito Gafotas está no fato de ser um garoto comum que vive sua discreta
existência como se fosse um protagonista de grandes aventuras. Isso faz pequenos leitores se
identificarem com ele, tornando-o, conseqüentemente, um herói, mesmo que não possua
superpoderes nem inteligência notória, é como se fosse um herói às avessas.
1.2.2 A voz de Manolito
Elvira Lindo dá voz a seu personagem utilizando a primeira pessoa, o que possibilita,
assim, que Manolito seja ele mesmo, pois, como suas características são bem definidas, é
possível reconhecer sua “fala”, de forma que produza no leitor a sensação de que é o garoto
quem conta o que pensa ou sente, criando um efeito de verossimilhança.
A voz e autonomia de Manolito são tão evidentes que em um dos livros da série, a
própria autora vai visita-lo e pede que lhe conte algo para que ela possa continuar escrevendo.
Esse artifício usado é genial, porque se evidencia que Manolito tem a voz, Elvira apenas
escreve.
7
El País, 04/01/1995.
Por isso, a magnitude e o tom empregados por Manolito em suas “falas”, a respeito de
seu cotidiano, soa como se essas fossem as coisas mais importantes do mundo, como se
percebe em: “No te lo vas a creer, pero creo que fue la tarde más feliz de mi nalisaa en el
planeta tierra.” (Lindo op.cit, 134).
Assim, Manolito prende a atenção do leitor, ao expressar a criatividade lingüística
existente nos garotos de idade parecida, que, assim como o personagem, criam suas próprias
frases, as quais aos poucos vão se difundindo entre os grupos e passam a fazer parte da gíria
infanto-juvenil.
Talvez a voz de Manolito seja tão explícita pelo fato de o personagem ter nascido na
rádio, é como se após a autora ter lhe dado voz não fosse mais possível calá-lo. .
Manolito, às vezes, é bastante irônico, sarcástico, ainda que de maneira ingênua. Pelo
fato de ser apenas um garoto narrando suas aventuras, não consegue distanciar-se delas,
assim como fazem os adultos, e esse “não distanciamento” torna suas histórias mais vivas,
pois, para o leitor, mesmo as narrativas apresentadas em um passado próximo parecem
ocorrer naquele momento. Devido a riqueza de detalhes e a naturalidade apresentada, é
possível, ao leitor, reconstruir visualmente a cena.
A proximidade comunicativa sugere um grau de intimidade entre os interlocutores, na
medida em que o narrador parece acreditar que um conhecimento tuo, e, confiando
nisso, se expressa livremente conferindo ao discurso mais espontaneidade.
Por ser Manolito um garoto de Madri e morar em um bairro pobre, domina a linguagem
periférica de um grande centro, ou seja, domina a linguagem de seu universo social e de forma
coerente com esse universo trata de expressa-la
Considerando o contexto criado, a informalidade predominará na narrativa e será
transmitida principalmente através da linguagem do narrador/personagem, que, ao se
expressar, “constrói” um interlocutor a quem trata por tu; esse tipo de tratamento não cria
uma aproximação entre ambos, mas também insere o leitor no universo informal da narrativa.
A forma de tratamento empregada por Manolito é um recurso muito interessante, que
a partir dele se instala uma proximidade entre ambos os interlocutores, sem levar em conta a
idade, prestígio social, entre outras variáveis, o que indica que o personagem podecontinuar
a se expressar de maneira coloquial, pois quanto maior for grau de intimidade mais a
coloquialidade se faz presente no discurso.
Para que houvesse essa naturalidade e espontaneidade da oralidade/coloquial, para
finalizar, a autora fez um planejamento estilístico verbal, recriando a suposta naturalidade
empregada em uma conversação real, por isso se percebe o uso adequado de determinadas
estratégias léxico-discursivas cuja finalidade fosse a representação da oralidade/coloquialidade
em um texto ficcional escrito.
1.2.3 O Mundo de Manolito
Com dissemos anteriormente, é fácil o leitor se identificar com Manolito. Entre tantos
possíveis motivos, inclusive alguns já amencionados, um que merece ser destacado é o fato
de que grande parte de seus leitores também pertence a uma classe social que passa pelas
mesmas dificuldades vividas pelo nosso protagonista, ou seja, são crianças e adolescentes que
também não viajam quando estão em férias, pois, assim como o personagem, vivem no interior
do país (Espanha) e que quase nunca vêem o mar devido à distância. Com relação aos que
não pertencem a esse universo, o mesmo não lhe é de todo estranho, ou seja, de alguma
forma é possível reconhecer o mundo do personagem.
Para Manolito, a família representa o centro do seu universo, em segundo lugar, o
colégio “Diego Velazquéz”, logo depois o bairro periférico, que, apesar dos problemas para o
garoto, parece ser o melhor lugar do mundo.
Assim como para a maioria das crianças, para Manolito as coisas mais importantes
também são as cotidianas, como as celebrações do bairro, brincar no Parque Árbol del
Ahorcado, o dia de Reis, o Natal, as rias de verão e os amigos, que, para o ele, são
preciosíssimos.
A valorização do cotidiano como único mundo possível está representada pelos recortes
lingüísticos (registro, socioleto, gírias) que limitam o universo da personagem a um ambiente
reduzido, que abarca apenas o lar, a escola, o bairro e os contatos com os amigos. o
contextos em que a compreensão dessa linguagem é imediata.
Os referentes textuais também limitam a narrativa aos espaços marginalizados,
produzindo uma leitura simples e direta. Talvez seja essa objetividade uma das razões pelas
quais essa obra é considerada literatura infanto-juvenil.
CAPÍTULO 2
2 O Corpus
O corpus dessa dissertação consiste no último capítulo Un cumpleaños Feliz do
primeiro volume da série Manolito Gafotas
8
, escrito por Elvira Lindo.
O corpus é vasto naquilo que se refere aos diferentes aspectos lingüísticos, uma vez
que apresenta desde uma narrativa que reconstrói a oralidade/coloquialidade, bem como
apresenta questões de comicidade, as quais, em concordância com Baktin (1997), podemos
dizer que são usadas como instrumento de transgressão não são contra determinados
valores ideológicos, mas também na luta contra a lógica da linguagem em torno da qual
aqueles mesmos valores se organizam.
A história apresentada no corpus vai da página 118 à 134. Toda a ação se passa de um
dia para o outro, e seu desenrolar começa na casa de Manolito, que fica no bairro Carabanchel
Alto, quando a mãe propõe ao avô do garoto uma festa para comemorar os seus 80 anos.
Como ele se mostra relutante à idéia, ela, de maneira muito bem articulada, planeja uma festa
surpresa.
Na escola, Manolito se lembra de que seu avô havia dito que não gostaria de ter uma
festa cheia de amigos velhos, então o garoto imagina que o avô não se importaria se ele
convidasse os seus amigos, afinal eram crianças. Feito o convite, obviamente todos aceitaram.
A tarefa de Manolito, agora, era comprar um presente para o avô com algumas míseras
moedas, que, como são poucas, ele justifica dizendo que havia economizado o dinheirinho
de apenas um final de semana. O mais interessante, no entanto, é que, mesmo com tão pouco,
ele consegue um comprar um presente surpreendente.
Por se tratar de uma festa surpresa, a e teve de arranjar uma desculpa para tirar o
avô de casa e assim seguir com seu plano. Como o irmão de Manolito, Imbecil, está sempre
doente, ela pede ao avô que o leve ao médico. Ele aceita sem desconfiar de nada.
No consultório, enquanto esperam o médico, Manolito e seus amigos fazem muitas
travessuras, até levam uma bronca do próprio Dr. Morales.
Após a consulta, todos se dirigem para a casa de Manolito e fazem a surpresa a Don
Nicolas, que se emociona muitíssimo, afinal dissera que não queria a festa, da boca pra
fora.
O desfecho da história ocorre na casa onde tudo começou, porém a história se finaliza
no parque do bairro Carabanchel Alto. Os espaços da narrativa se restringem ao bairro, é ali
8
LINDO, Elvira. Manolito Gafotas.. Madri: Algafarra, 1994. ( tomamos como referência a 30
a
.impressão desta
edição).
que tudo acontece, pois no bairro vive sua família, os seus amigos e é onde está a escola,
enfim é o único universo que conhece, onde, inclusive, todos se identificam pelo seus
costumes, calores e linguagem.
Observamos que a história se inicia na casa, logo que amanhece o dia. Depois segue,
exatamente nesta ordem: no colégio, no posto médico do bairro, no bar da esquina e
novamente na casa, completando um ciclo. Vemos que, no mesmo espaço que houve
divergência por conta de o avô não querer a festa, houve também a alegria proporcionada pela
festa, assim o elemento festa proporcionou dois tipos de emoção que se contrapõem.
Para finalizar a narrativa, a autora proporciona ao leitor a “visão” da cena, através da
narração de Manolito, que a descreve minuciosamente. Sentados em um dos poucos bancos
inteiros do parque, o pequeno Imbécil dorme com cabeça no colo do avô e os pés em Manolito,
que apreciam o pôr-do-sol, o qual, segundo eles, é o mais bonito do mundo. Nessa cena há um
“acontecimento mágico”, pois em pleno mês de abril, no bairro Carabanchel Alto, o sol se põe
tarde como se estivessem no verão. Para dar veracidade à cena, Manolito diz que os cientistas
não conseguem explicar o porquê de o verão, no Carabanchel Alto, começar no dia do
aniversário de seu avô.
Os personagens presentes no corpus são os seguintes: narrador/personagem Manolito,
sua e, que não é identificada pelo nome no corpus (assim como no resto da obra), seu
irmão caçula apelidado de Imbecil, seu aDon Nicolás, a professora Sita Assunción, o pai
Manoel Garcia Moreno, os vizinhos Luisa e Bernabé, os amigos do avô, os amigos de Manolito
(Orejones Lopez, Paquito Medina e Yihad), o dono do bar Sr. Ezequiel e o Doutor Morales. Na
narrativa, todos os personagens citados têm “voz”, ou seja, todos se expressam, seja por meio
do discurso indireto, seja por meio do discurso direto, encontramos ainda alguns poucos
discursos diretos livres.
Embora não tenhamos explorado esse aspecto de forma contundente, pudemos
observar que os discursos diretos e os indiretos se apresentam praticamente na mesma
proporção, sendo que a maior parte dos discursos diretos pertence ao avô.
O uso do discurso direto garante maior realidade ao texto, assim, ao encontrar esse tipo
de discurso na narrativa, o leitor tem a sensação de estar “ouvindo” exatamente o que
determinado personagem disse, visto que não há a voz de um narrador que fale por ele.
Porém, a fim de não tornar o texto cansativo e aproxima-lo de uma situação real, o
narrador intercala ao discurso direto o discurso indireto, pois, quando nos expressamos
oralmente, fazemos uso dessas duas formas de discurso.
A pessoa que mais tem “voz” no texto, além de Manolito, que narra a história, é seu avô,
depois sua mãe. seu pai, se expressa apenas uma única vez, mesmo assim, através do
discurso indireto; o irmão não se expressa nunca, é como se Manolito não lhe desse esse
direito, assim como os vizinhos, que também o se expressam; os seus amigos, têm sua
voz citada por Manolito, por meio do discurso indireto. Talvez, o fato de os personagens terem
“voz” ou não esteja relacionado a seu papel social e afetivo dentro da narrativa.
Parece-nos que o avô é privilegiado nesse sentido, pois se expressa livremente, diz o
que quer e quase sempre Manolito o cita literalmente, ou seja, utilizando-se do discurso direto,
o leitor tem acesso à fala do avô. Acreditamos que a liberdade conferida ao avô se deva aos
seguintes motivos: o vínculo afetivo entre Manolito e ele é bastante grande, pois as atitudes do
avô mais se parecem com as de uma criança, daí a identificação entre eles; o outro fator que é
determinante para que Don Nicolás fale tão livremente, no caso de nosso corpus, é o fato de
ser seu aniversário, portanto, nesse dia, ele deve ter certas regalias, principalmente porque, de
fato, ele é o protagonista.
A mãe tem sua fala garantida, pois, apesar das broncas, Manolito a considera perfeita.
o pai, quase não se expressa, que, segundo o narrador, ele é bastante ausente
devido à profissão de caminhoneiro. A menção sobre a profissão do pai, feita pelo garoto,
talvez possa simbolizar tanto a ausência física quanto a ausência afetiva.
O irmão de Manolito não tem o direito de se expressar, talvez porque Manolito morre de
ciúmes do irmão pelo fato de ser o caçula. Assim, ele, o narrador, “rouba” sua fala.
Os amigos se expressam pouco, e quando isso acontece é principalmente por meio do
discurso indireto, é como se pelo menos ao contar a história, Manolito tivesse o poder de
censurar seus amigos, restringindo suas falas; afinal, esse é o único momento em que ele
detém o poder.
Lembremos que todos os personagens se expressam da mesma forma, ou seja,
coloquialmente, usam as mesmas expressões, portanto se identificam lingüisticamente, o que é
bastante coerente, uma vez que todos pertencem ao mesmo universo sociocultural. Logo, as
gírias, frases feitas e expressões idiomáticas são empregadas por todos. Quanto aos jogos
sonoros, são empregados apenas pelos personagens infantis.
Explorando a linguagem coloquial, o personagem reconstrói um universo que
proporciona a interação com seu leitor. Para aproximar-se dele, Manolito o trata por tu,
estabelecendo, assim, a interação. A interação proposta fica evidente nos momentos em que
Manolito ou apela ao leitor para que esse adivinhe o presente que ele havia comprado ao seu
avô ou quando responde a possíveis perguntas do leitor.
O mundo lingüístico dos personagens do corpus se limita ao empregado por eles na
narrativa, que é o registro coloquial. Há, porém, uma passagem da narrativa em que Manolito
faz uso da expressão latina ipso facto. Como sabemos que o seu domínio cultural não é muito
amplo, pois é apenas um garoto, o uso da expressão parece inadequado dentro do contexto
criado. Julgamos, entretanto, que ela serviu para Manolito tentar impressionar o seu leitor,
ainda que seu uso acabasse produzindo um efeito cômico no texto.
Baseando-nos nos conceitos da sociolingüística, vemos que o registro informal,
empregado pelo personagem, é perfeito, visto que se trata de um garoto que narra situações
cotidianas, portanto situações sem nenhum tipo de tensão.
Por representar um texto oral em uma situação de familiaridade, a espontaneidade e a
idéia de um discurso planejado simultaneamente à sua execução, ou seja, produção imediata,
são itens que revelam um alto nível de elaboração por parte da autora, que se vale de todos
esses elementos do discurso oral/coloquial e nos dá a “ilusão” de um texto oral condizente com
o contexto criado.
As expressões “ditas” por Manolito podem mostrar aspectos sociais e de sua época, viso
que ele utiliza expressões atuais empregadas normalmente por jovens e crianças, o que revela
o universo em que vive, como por exemplo, seu bairro e seu colégio.
O corpus apresenta uma questão muito interessante com relação aos nomes dos
personagens, ou à falta deles. Todas as crianças possuem apelidos e esses tratam de
evidenciar os “defeitos” dos personagens. Comecemos pelo nosso protagonista Manolito
Gafotas, seus amigos Paquito e Orejones, seu irmão Imbecil e sua mãe, que não tem seu
nome revelado; exceto Don Nicolás e seu pai Manoel, todos os outros parecem, portanto, estar
em um nível de menor importância, principalmente por terem seus nomes transformados em
apelidos depreciativos.
O corpus também apresenta efeitos de comicidade ora causado pelas situações
apresentadas, ora pelos próprios recursos lingüísticos.
Para que se compreenda esse efeito de sentido texto, caberá ao leitor inferir algum
conhecimento e deduzir o significado de algumas expressões, pois o texto é bastante
conotativo.
A falta de percepção dos registros empregados por parte de Manolito, em toda e
qualquer situação, cria um humor “quase constrangedor”, pois rimos da ingenuidade do
personagem, além das situações apresentadas que criam uma sensação incômoda.
2.1 Pressupostos Teóricos
Tendo escolhido para corpus desta pesquisa um texto que “reconstrói” a oralidade,
pretendemos analisar o caráter mais relacionado à língua que à literatura, bem como analisar
de que maneira as questões de humor, apoiadas na oralidade, se apresentam nesse texto.
Para tanto, recorremos a teóricos que estudam a comicidade, além recorrermos a teóricos que
apresentam conceitos referentes a questões de língua e oralidade.
2.1.1 Fala e Escrita
Como sabemos, para nos comunicarmos, dispomos de duas modalidades lingüísticas
mais significativas; são elas: a fala e a escrita. Ambas fazem parte do mesmo sistema, no
entanto, sua realização, bem como sua produção, apresentam algumas diferenças.
A primeira se realiza por meio de um sistema sonoro e a segunda de um sistema
gráfico. Inclusive as crianças sabem da existência dessa diferença, pois mesmo as que não
sabem ler, ao pegarem um livro e fingirem lê-lo, usam entonação diferente e fazem uma
seleção de vocábulos normalmente pouco utilizados na sua fala.
Com relação à conceitualização, Marcuschi (2001, p. 25-26) afirma que:
A oralidade seria uma forma social interativa para fins comunicativos que se apresenta
sob variadas formas de gêneros textuais fundados na realidade sonora; ela vai desde a
realização mais informal à mais formal nos mais variados contextos de uso.
[...]
A fala seria uma forma de produção textual discursiva para fins comunicativos na
modalidade oral (situa-se no plano da oralidade, portanto), sem a necessidade de uma
tecnologia além do aparato disponível além do próprio ser humano. Caracteriza-se pelo
uso da língua na sua forma de sons sistematicamente articulados e significativos, bem
como aspectos prosódicos, envolvendo, ainda, uma série de recursos expressivos de
outra ordem, tal como a gestualidade, os movimentos do corpo e a mímica.
A escrita seria um modo de produção textual-discursiva para fins comunicativos com
certas especificidades materiais e se caracteriza por sua constituição gráfica, embora
envolva também recursos de ordem pictórica e outros (situa-se no plano dos
letramentos).
Com relação ao processo de aquisição dessas modalidades, podemos afirmar que a
língua falada é patrimônio de todos, é adquirida espontaneamente e que é através dela que o
homem entra em contato com o mundo e interage com seus semelhantes. Assim, tanto sua
aquisição quanto sua manifestação se dão em um processo natural de comunicação.
a escrita, pertence apenas aos que se submetem ao sistema de letramento, e por
esse motivo alguns, erroneamente, a consideram superior, uma vez que a escrita geralmente
indica uma sociedade culturalmente “mais desenvolvida”.
Contudo, a língua escrita revela mais espontaneidade e vivacidade justamente quando
incorpora os fenômenos típicos da linguagem falada, que, por sua própria natureza, apresenta
mais recursos expressivos.
Sobre essa complementaridade entre fala e escrita, Marcuschi (op. cit., p. 16) afirma:
Hoje [...] predomina a posição de que se pode conceber oralidade e letramento
como atividades interativas e complementares ao contexto das práticas sociais e
culturais.
Uma vez adotada a posição de que lidamos com práticas de letramento e
oralidade, será fundamental considerar que as línguas se fundam em uso e não
ao contrário. Assim não serão primeiramente as regras da língua e nem a
morfologia merecedores de nossa atenção [...]
2.1.2 Características da escrita
Na escrita, existe a preocupação formal que requer cnica no seu uso, para que a
comunicação realmente ocorra, pois o conta com os recursos extralingüísticos de que a fala
dispõe, por isso o conteúdo que se expressa deve ser minuciosamente explicado.
Conseqüentemente, essa modalidade apresenta uma maior elaboração das informações, o que
implica o uso de uma sintaxe mais complexa.
Nesse sentido, os dêiticos e as anáforas são freqüentemente substituídos por reiteração
textual, pois essa forma de retomar o referente permite que o leitor não se perca no texto, uma
vez que o referente pode estar distante e o contexto não possibilite que o leitor o identifique
com precisão. Não obstante, para que o texto não se torne cansativo, as reiterações de
referentes podem ser feitas por meio de sinônimos e paráfrase, entre outros recursos de
coesão.
Com relação ao léxico, na escrita, ele se apresenta mais amplo e variado, assim como
as estruturas que também podem aparecer de forma variada. O emprego das variações é
possível, uma vez que o leitor dispõe de tempo para decodificar o texto e pode voltar a ele
quantas vezes forem necessárias para a sua compreensão.
Na escrita, as letras se apresentam em um suporte fixo e estável que permite captar
todos os signos de maneira simultânea e por meio do qual o leitor poderá determinar o ritmo da
leitura de acordo com a sua necessidade de compreensão.
Destarte, a comunicação escrita não permite interação direta
9
, visto que apenas se pode
imaginar a reação do leitor. Portanto, o enunciador não pode modificar seu discurso baseando-
se nessa interação, embora haja nessa modalidade da língua a possibilidade de corrigir, retirar
ou acrescentar informações quantas vezes o enunciador achar necessário.
Como a manifestação da fala se difere da manifestação da escrita, certamente seus
processos de elaboração também, por isso, com relação ao planejamento, Urbano (2000: 87)
explica:
9
Atualmente, as novas tecnologias, como o “chat” de internet, estão mudando, de certa forma, esse modo de ver
a interação na escrita
Talvez a questão mais importante a ser considerada quanto ao modo de produção do
texto falado seja a questão da simultaneidade do pensamento e expressão em relação à
defasagem que, nesse sentido, ocorre na produção do texto escrito. Por força dessa
produção, o texto falado brota bruto, revelando na sua superfície esse caráter emergente,
isto é, explicitando os processos da sua própria criação/construção. Trata-se de uma
execução única, sem revisão e apagamento possível [...] Em se tratando de texto escrito,
o escritor planeja, às vezes até por dias, o texto.
Dessa forma, vemos que o autor tem a oportunidade de obter mais informação e
pensar, podendo organizar-se lingüisticamente em busca de estruturas e léxico que atendam,
adequadamente, aos seus objetivos.
2.1.3 Características da Fala
Sabemos que a fala, ao contrário do que se pensava, não é desorganizada nem
fragmentada, mas sim apresenta uma organização própria que os falantes aprendem com o
uso.
Na organização textual da fala, a comunicação é imediata, por isso se usa uma sintaxe
pouco complexa, com períodos curtos, frases incompletas (suficientes para a compreensão e
que se interrompem quando isso acontece) que permitem tanto ao falante quanto ao ouvinte
processarem a informação mais facilmente. Como recursos mais presentes nessa modalidade,
merecem destaque: anacolutos e elipses, hesitações, repetições e paráfrases, sobreposição,
freqüência de construções impessoais com fundo atenuador, bem como o uso de “muletilhas”,
ou marcadores conversacionais, além dos dêiticos que assumem significados dependendo de
quem fala, quando fala e de onde fala.
Na fala, as frases são mais curtas, com excessiva coordenação, os enunciados se
relacionando praticamente sem conectores explícitos ou com poucos conectores simples, além
de elementos prosódicos. Essa modalidade lingüística costuma utilizar a ordem básica da
língua: sujeito, verbo e complementos, ainda que essa ordem não seja fixa.
Quanto ao léxico, as palavras e expressões são usadas com significado específico,
entretanto, os termos com sentido figurado são utilizados sempre que se deseja criar um efeito
metafórico.
Com relação à referência, na fala, os dêiticos se apresentam com freqüência, pois o
referente quase sempre está próximo aos interlocutores ou o próprio contexto trata de
evidenciá-lo ou ainda pode-se contar com os recursos extralingüísticos, como gestos, por
exemplo.
Para estar seguro de que o que está sendo dito está sendo compreendido, na fala,
uma tendência a repetir ou parafrasear o que foi dito, visto que seu ouvinte não pode recuperar
o texto quando queira, dessa forma se garante que o interlocutor capte a informação essencial.
Por essa razão, a língua oral tem como característica a repetição de estruturas e utiliza um
léxico mais limitado. Segundo Alcoba (1999), são recursos da fala: o uso de conjunções
simples, reguladores conversacionais, expressões idiomáticas, algumas com marcadas
sociodialetal, gírias, reguladores enfáticos e outros; lembremos que as gírias e as expressões
normalmente são empregadas em situações mais coloquiais e que nem toda fala é coloquial.
A imediatez da oralidade permite a interação direta, o falante pode perceber a reação do
ouvinte e modificar seu discurso, ao mesmo tempo em que o ouvinte pode guiar o falante na
estruturação do discurso. Para que ocorra essa reestruturação imediata, é necessário que se
tenha um controle do que está sendo tratado, haja vista o fato de que o se pode apagar o
que foi dito, apenas retificá-lo.
A construção do sentido é fruto de uma colaboração, co-elaboração, em que cada um
dos interlocutores atua sobre o outro como em um jogo. São as interrupções, os cortes, tão
comuns na conversação natural, que dinamizam esse jogo, entendido como um espaço onde a
complementaridade das idéias visa o entendimento do texto; daí se falar em uma colaboração
mútua.
Também merecem destaque os traços prosódicos e extralingüísticos, pois
importantíssimos na fala, podem dar coerência ao texto ou reforçar idéias, como, por exemplo,
é o caso da entonação e das pausas, que, muitas vezes, servem para que o falante possa
reestruturar o que vinha sendo dito.
Esses traços carregam em si muitas informações que podem, inclusive, indicar o estado
emocional do falante, dependendo do tom empregado por ele. A gestualidade, por exemplo,
como o movimento afirmativo com a cabeça, pode indicar se o texto está interessante ou até
mesmo monitorar o falante para que ele prossiga ou mude o seu discurso.
2.1.4 Estudos das diferenças
A diferença existente entre fala e escrita não indica que uma seja superior à outra; de
acordo com Marcuschi (2001), devemos considerá-las sistemas paralelos, sistemas cognitivos
complementares, sem nos esquecermos de que além dessas duas modalidades existem os
graus intermediários.
Há muitos estudos que analisam as diferenças existentes entre fala e escrita. Entre eles,
alguns lingüistas como Halliday, Ochs (apud MARCUSCHI, op. cit., p. 27) que acreditam
que fala e escrita devem ser analisadas na perspectiva das dicotomias.
Esses teóricos afirmam que a fala é contextualizada, dependente, implícita, redundante,
não planejada, imprecisa, não normatizada, fragmentada, ao contrário da escrita, que é
descontextualizada, autônoma, explícita, condensada, planejada e normatizada.
Essa perspectiva falha ao colocar a fala como “não-normatizada” e “fragmentária” e a
escrita como “normatizada” e “completa”. Dentro das suas condições de produção, a fala tem
suas próprias normas, e o fato de ela apresentar uma sintaxe mais solta não significa que é
fragmentária, pois o próprio contexto, os gestos e as feições complementam o discurso.
É importante ressaltar que essa visão está superada justamente por ser falha, e hoje
essas duas modalidades não são mais estudadas na perspectiva da dicotomia, mas sim na
perspectiva de continuum, visto que elas se interagem e se complementam (MARUSCHI, 2001;
URBANO, 2000; BRIZ, 1998).
2.1.5 Recursos para representar a fala na escrita
Ainda que utilizemos os recursos de pontuação, a riqueza de matizes da língua oral não
permite que sua representação escrita seja perfeita, pois tais recursos não dão conta de
explicitar tudo o que se deseja.
Sabemos que, quando se produz um discurso, não a escolha lexical é fundamental,
como também tal escolha deverá basear-se no contexto situacional real. Especificamente do
nosso corpus, o que se deseja é reconstruir uma situação coloquial expressa pela imitação da
oralidade, para tanto a autora criou um universo textual que possibilitasse tal reconstrução.
Portanto, penetramos no universo do narrador/personagem através da linguagem, pois
é por meio dela que ele expressa o seu “real cotidiano”. Essa realidade se faz presente
principalmente devido a usos próprios da linguagem coloquial falada incorporados no texto
escrito literário. Tal incorporação colabora para tornar o texto mais dinâmico e real,
conseqüentemente menos vinculado à gramática normativa.
Como relação a essa incorporação de aspectos da oralidade na escrita, Alcoba (op. cit.,
p. 22) coloca que:
[…] usar expresiones típicas de habla pueden muchas veces parecer pobreza
vocabular, cuando en realidad es el empleo, en la lengua escrita, de la
naturalidad de la língua hablada.
[..]
Podemos tratar los mismos temas con el habla o con la escritura, y como hemos
señalado, utilizar los distintos grados de formalidad o familiaridad en ambos
medios. Lo importante es que al usar un medio de comunicación u otro tengan
en cuenta las características próprias del modo de produción de cada uno, y se
seleccionen los rasgos linguísticos más adecuados.
Assim, vemos que não podemos pensar na língua escrita sem pensar na língua falada,
porque é como se uma fosse extensão da outra e ambas se complementassem; por esse
motivo, é difícil fazer uma distinção rígida entre elas. Temos, por exemplo, os programas
televisivos que são escritos para serem falados, e que, por isso, apresentam uma gramática
mais livre, menos normativa; por outro lado, temos, como exemplo, as palestras científicas que
são faladas, porém estão bastante vinculadas às normas gramaticais e à formalidade; além
desses exemplos, temos os chats na internet. Portanto, devemos considerar esses níveis
intermediários, pois eles reforçam a reciprocidade entre fala e escrita.
Sobre o uso de uma gramática mais livre Preti (1974: 55) afirma que:
Os escritores românticos foram os primeiros a reagir sobre a tirania da gramática,
opondo-se ao “purismo” arcádico com um estilo que pretendia mais coloquial. Quase
todos receberam uma influência decisiva do estilo das redações de jornais, pelas quais,
invariavelmente, passaram e onde se impregnaram da linguagem do dia-dia da imprensa.
No corpus analisado, percebemos a influência da língua oral na língua escrita, pois
encontramos construções próprias da língua falada, como os procedimentos e recursos que
podem fugir à norma padrão incorporados a um texto escrito.
2.1.6 Tipos de Registros
A comunicação oral e a comunicação escrita além de apresentam o mesmo sistema
lingüístico, ainda podem se utilizar tanto do registro formal quanto do informal. Entretanto, as
realizações são diferentes, pois o uso de um ou de outro dependerá do contexto, cabendo ao
enunciador, portanto, adequar o tipo de registro à situação. Não devemos nos esquecer
também de que o domínio dos registros está relacionado ao nível sociocultural e que
pessoas que, dominando apenas o registro informal, terão produções predominantemente
informais, tanto em sua produção oral quanto escrita.
Para que nosso leitor possa compreender melhor nossa investigação, acreditamos
fazer-se necessário apresentar alguns conceitos – registro formal e registro coloquial (informal),
popular e vulgar – para que possamos seguir com maior clareza.
Para que não ocorram equívocos com relação à palavra coloquial, pois ela pode remeter
a colóquio, o que a restringiria a apenas uma situação comunicativa, deixemos claro que
coloquial aqui é o mesmo que informal.
De acordo com M. Seco (1973 apud Briz 2001, p. 37):
Popular es un nivel de lengua [...] coloquial es un nível de habla [...]
Si en una lengua [...] es siempre possible señalar [...] dos estratos principales de
base social, el medio (o estádar) y el popular, dentro de cada uno de ello existem
modos de registros [...] determinados por la situación en que se produce el acto
del hablar [...] los registros del hablar puedem agruparse en dos, formal y
informal [...], caracterizados en neas generales por la actitude convencional y
por una actitude espontanea respectivamente. Hay pues, que distinguir en la
lengua común grandes rasgos: nivel medio formal, nivel medio informal, nivel
popular formal, nivel popular informal. El error del enfoque en que han incurridos
tantos escritores ha sido identificar sin más lengua coloquial con lengua popular
informal, olvidando que también hay una vertiente coloquial en la lengua media.
Podemos distinguir basicamente dois tipos de registros: formal e informal, porém
devemos considerar que nos dois tipos de registros existem variações entre níveis médio e
popular. Ambos podem estar presentes tanto na fala quanto na escrita. No caso específico do
nosso corpus, o registro empregado é o informal, utilizado como um dos recursos que
contribuem para a reconstrução da oralidade.
Briz (1998, p. 29-30) caracteriza o registro informal da seguinte maneira:
a) É um registro, nível de fala, um uso determinado pela situação, pelas circunstâncias da
comunicação.
b) Não é domínio de uma classe social, pois como aqui o entendemos, caracteriza as
realizações de todos os falantes de uma língua. É certo que é o único registro que dominam
os falantes de nível sociocultural baixo, meio-baixo, mas de forma alguma é exclusivo
dessas classes.
c) Não é uniforme, nem homogêneo, já que varia segundo as características dialetais e
socioletais dos usuários.
d) Reflete um sistema de expressão que, mais que simplificação do registro formal ou do uso
escrito, parece ser a continuação e o desenvolvimento do modo pragmático da
comunicação humana.
e) Aparece em vários gêneros discursivos, embora seja na conversação como uso mais
autêntico da linguagem, em que também mais autenticamente se manifesta esta
modalidade lingüística, e, portanto, o lugar mais adequado para começar seu estudo.
f) Além de ser oral, pode manifestar-se no texto escrito.
Se caracterizarmos o registro coloquial em seu contexto de uso, será:
CAMPO: cotidianidade
MODO: oral espontâneo
TEOR: interativo
TOM: informal
Vejamos agora o quadro apresentado por Briz (2001, p. 41)
TRAÇOS PRIMÁRIOS TRAÇOS SECUNDÁRIOS
Ausência de planificação
Finalidade: interpessoal (a
comunicação pela comunicação)
Tom informal
Relação de igualdade entre os
interlocutores (seja social ou funcional)
Conhecimento mútuo, saber e experiência
compartilhada.
Marco discursivo familiar
Temática não especializada: cotidianidade
Pode-se dizer que coloquial é um nível de fala e que popular é um nível de língua;
assim, podemos utilizar o registro coloquial ou registro formal tanto no nível de língua dio
quanto no nível de língua popular.
Seus usos se baseiam no contexto situacional. A título de ilustração, poderíamos
mencionar:
a) Coloquial oral: se define a partir dos parâmetros situacionais, maior relação de
proximidade, e saber compartilhado, cotidianidade, menor grau de planificação e maior
finalidade interpessoal. Por exemplo, uma conversa entre amigos sobre futebol.
b) Formal oral: menor relação de proximidade, menor saber compartilhado, menor
cotidianidade, maior grau de planificação, menor finalidade interpessoal e hierarquia.
É importante ressaltar que o vulgarismo considerado por Briz difere um pouco do
conceito de vulgarismo comumente adotado.
10
O autor considera vulgarismo o uso incorreto ou
à margem das normas standard, ou regionais, devido ao descuido ou desconhecimento.
O aparecimento de vulgarismos ou palavras pertencentes ao léxico mais popular ocorre
em função das características dos usuários, ou seja, o nível de língua que ele possui.
Em nossa análise, no capítulo “Un cumpleaño feliz”, elucidaremos tal aparecimento
exemplificando, com o próprio corpus, o registro coloquial.
Podemos identificar o uso do popular formal quando um falante de nível de língua
baixo (popular) tenta adequar seu discurso para um nível de língua médio por exigência da
situação.
Pelo fato de esse falante tentar utilizar um nível de língua não dominado por ele, poderá
cometer erros como as hipercorreções: “galfo” por “garfo”, “malmita” por “marmita”, “afundar um
museu”, por “fundar um museu”, entre outras.
10
Vulgarismo: “término o giro empleado por gente poco educada”.
Briz (op. cit., p. 25) coloca que: “Es evidente que el dominio y empleo adecuado de
estas modalidades linguísticas, de estos registros, es proporcional al nivel de lengua de los
usuarios: mayor nivel, mayor dominio de registros”
Desse modo, não devemos confundir os conceitos apresentados acima, principalmente
não considerar coloquial como igual a vulgar ou popular.
2.1.7 Língua, sociedade e interação social pela linguagem
Percebemos em nosso corpus traços de oralidade/coloquialidade, porém, como se trata
de um texto escrito, existe a necessidade de se manter um certo padrão da ngua escrita, pois
esse “padrão” facilita a compreensão do leitor, uma vez que seria quase incompreensível um
texto escrito exatamente como falamos. A existência das duas modalidades em um único texto,
como já mencionamos anteriormente, confirma a reciprocidade existente entre fala e escrita.
A tentativa de representação da fala na escrita literária permite que percebamos que
existe proximidade entre algumas formas de escrita e algumas formas de língua falada, como
se percebe em Marcuschi (2001), que defende a idéia de que a escrita não é uma
representação da fala, porque na escrita nós temos algo a mais e algo a menos; nem tudo que
se tem na fala se pode repor na escrita, que são sistemas paralelos e complementares,
como acrescenta o mesmo autor:
A entonação existe na fala; mas só se pode usar tamanhos diferentes e cores de
letras diferentes na escrita, e a língua escrita é mais do que uma simples tecnologia.
De acordo com o autor acreditamos que pode existir uma aproximação entre as duas.
Existem modalidades da linguagem que estão mais ou menos próximas da escrita ou da fala.
Vemos, por exemplo, a distância que há entre um texto escrito acadêmico e uma carta pessoal;
maior ainda entre o mesmo texto acadêmico e uma “conversa” na Internet. Em concordância
com Marcuschi, podemos afirmar que não apenas uma relação de continuidade, mas a
mesmo uma mescla entre fala e escrita, uma vez que uma não pode ser pensada sem a outra.
Há, portanto, um campo contínuo entre oralidade e escrita.
Através da língua escrita, encontramos no nosso corpus a representação da fala. Para
que ela parecesse mais natural, houve um planejamento prévio, embora saibamos que, na
realidade, na língua oral o planejamento é simultâneo ao ato conversacional, ou seja, ocorre no
momento da conversação. Houve, portanto, um planejamento estilístico por parte do autor, que
teve a intenção de imitar a espontaneidade da língua oral.
Segundo Urbano (1998, p. 149), os planejamentos prévio/local e temático/verbal
devem ser considerados dentro de um continuum, decorre da condição de o
texto escrito ser considerado como produto acabado, isto é com tempo
suficiente, durante sua produção para ser planejado e elaborado, e de o texto
falado ser produzido enquanto se produz.
No caso do nosso corpus, temos um texto como um produto acabado, porém com um
sentido de produção imediata que nos dá a ilusão da oralidade.
Ao fazer o planejamento estilístico verbal, o autor deve considerar fatores socioculturais,
como região, sexo, idade, posição socioeconômica, grau de escolaridade, entre outros, a fim de
decidir que variação lingüística utilizará.
De acordo com Preti (1974), o falante poderá utilizar o que chama “dialeto social”, que
pode ser culto ou popular. As variações também podem estar ligadas à situação; sofrerão
influências do ambiente, do tema, do estado emocional do falante e do grau de intimidade dos
mesmos. Dependendo da situação em que os falantes estejam, alterará seu nível de fala (ou
registro), que pode variar entre formal e informal. Essa última variação possui um caráter de
estilo, pois fica a critério do falante o registro que vai usar em uma conversação. Vale lembrar,
entretanto, que a escolha do tipo de registro a ser empregado está intimamente ligada ao
domínio dos registros.
Nosso intuito não é abordar de forma contundente as variações lingüísticas, mas sim
identificar a oralidade produzida pelo uso dessas variações. Como nosso corpus reconstrói a
oralidade/coloquialidade, tomaremos como base os estudos desenvolvidos por Briz (op. cit.),
pelo fato de ele trabalhar especificamente com oralidade/coloquialidade, ao contrário de Preti,
que trabalha com a oralidade/culta.
No caso de o nosso corpus, a autora recria, ainda que na ficção, uma linguagem mais
próxima da língua oral/coloquial, dando permissão para que as personagens “falem”, e,
portanto, produzam a oralidade do texto, respeitando o contexto por ele produzido. O contexto
criado por Lindo sugere um registro informal, na medida em que o narrador: a) não deixa de ser
uma criança; b) domina apenas o nível de ngua baixo; c) mora na periferia; d) se expressa
como o seu grupo; e) relata situações cotidianas nas quais a coloquialidade é imprescindível.
Na interação com o leitor, o resultado, portanto, não poderia ser diferente de uma aproximação
ainda maior.
2.2. Elementos que colaboram para a representação da oralidade no corpus
Seguindo os conceitos elencados por Briz como marcas de oralidade, apresentaremos
as marcas que julgamos mais significativas para a representação da oralidade/coloquialidade
no corpus. Em seguida, analisaremos mais profundamente as que, de alguma maneira,
colaboram para o efeito de sentido cômico.
2.2.1 Gíria
Chama-se gíria um conjunto de expressões de tipo popular. É um fenômeno lingüístico
nascido em determinados grupos, sobretudo de ladrões, malandros, vadios, enfim, a
marginalidade em geral.
Era a língua secreta usada, notadamente, por grupo de malfeitores que não queriam ver
desvendada a comunicação entre eles. Segundo Preti, para se conhecer a gíria é preciso
penetrar no mundo da marginalidade, em grupos de excluídos, que a usam como forma de se
protegerem e serem identificados como membros de determinado grupo.
Entretanto, aos poucos, muitas gírias foram deixando esse caráter secreto e marginal,
incorporam-se à linguagem corrente e hoje se tornaram gírias comuns, habitualmente
empregadas nas mais diversas situações informais e, praticamente, em todos os níveis
socioculturais, deixando assim de perecerem a um grupo restrito para fazerem parte do
cotidiano de quase todos os falantes.
Sobre esse aspecto, Preti (1984, p. 24) faz o seguinte comentário:
Podemos dizer que existem duas direções nessa interação entre gíria marginal e
gíria comum: de um lado, um grande número de termos da vida normal que
adentra o ambiente carcerário; de outro, um considerável número de vocábulos e
expressões da vida marginal que se introduz na linguagem corrente. Por esses
dois fluxos pode-se concluir que de fato, pelo menos na sociedade urbana,
uma tendência considerável para o nivelamento lingüístico, da qual o fenômeno
gírio é um índice expressivo.
Embora apresentem um histórico de preconceito social, ao poucos as gírias vêm sendo
cada vez mais empregada, tanto na fala quanto na escrita. Sabemos também que na maioria
das vezes que um autor se utiliza desse recurso na escrita, ele tem a intenção de criar algum
efeito de sentido; na fala, ela pode ocorrer mais espontaneamente. No que concerne à
relação entre gíria e escrita, Preti (2000, p. 241) ainda diz que:
A gíria constitui um vocabulário tipicamente oral. Sua presença na escrita reflete
apenas um recurso lingüístico, com objetivos determinados, como, por exemplo,
indicar a fidelidade de uma transcrição; criar uma interação mais eficiente do
escritor com o seu leitor, como ocorre em algumas matérias jornalísticas; dar
uma realidade maior ao diálogo literal ou teatral [...]
Do ponto de vista semântico, é interessante observar que as gírias variam muito, pois o
que as caracteriza é a sua extensa expressividade e criatividade, pois geralmente são criadas
a partir de palavras existentes que assumem nova significação, sobretudo por meio de
metáforas e metonímias, por isso a característica principal da expressão gíria é subverter a
linguagem comum, ou seja, usar o léxico comum com outro significado.
No texto literário, percebemos que o uso da gíria tem o poder de marcar lingüisticamente
um grupo social. É o que se nota em nosso corpus, pois a representação da espontaneidade, a
dinâmica e a naturalidade da na fala é marcada principalmente pelo emprego da gíria, que
exerce a função de representar um grupo de baixo-nível sociocultural que se expressa através
do registro coloquial, o qual, como sabemos, está repleto de expressões gírias.
Talvez a gíria juntamente com as expressões idiomáticas sejam os elementos que mais
revelam a coloquialidade e a oralidade no texto escrito literário, pois ambas são quase
exclusivas da fala coloquial.
2.2.2 Expressões Fixas
As expressões fixas formam grupos de palavras em que se podem incluir os clichês, as
frases feitas
e os provérbios, que são fenômenos lingüísticos populares empregados com
maior freqüência na fala.
Rodrigues Lapa (1975) denomina essas expressões fixas como “grupos fraseológicos”,
ou seja, grupos cujos vocábulos adquirem significado real quando estão ligados a outros
vocábulos dentro do mesmo contexto, apresentando um significado conotativo. Complementa
ainda o próprio autor: “Chamamos portanto grupos fraseológicos, idiotismos,
11
frases feitas ou
locuções estereotipadas a esses conjuntos de palavras, em que os elementos andam mais ou
menos intimamente ligados, para exprimirem determinada idéia
.”
(op. cit., p. 62).
entre as expressões fixas as que podemos nomear de clichê, ou chavão, que o
expressões empregadas excessivamente e que, na definição de Mattoso Câmara Jr. (2000, p.
71), é “a palavra, ou construção, a que se recorre para maior expressividade, mas que o
tem esse efeito, em virtude do seu abuso.”
Talvez a presença de expressões fixas na língua falada coloquial ocorra principalmente
por conta da dinâmica dessa modalidade, pois tais expressões, embora não apresentem seu
sentido literal, são facilmente decodificadas e, por isso, não necessitam ser explicadas, pois
favorecem a co-elaboração dos sentidos e a imediatez é garantida.
11
Idiotismo é toda construção que aparece como típica de uma língua, não havendo nenhum correspondente sintático em outra
língua. In: Dicionário de Lingüística Jean Dubois.
Assim, vemos que as expressões fixas dentro de um texto escrito literário que reconstrói
a oralidade/coloquialidade é um elemento enriquecedor, na medida em que tão bem representa
a modalidade falada sob um registro coloquial.
2.2.3 Diminutivo/Aumentativo
As formas de diminutivo e aumentativo, no dialeto popular e na linguagem literária,
podem ser empregadas como recursos lingüísticos que enfatizam usos diferentes da noção de
tamanho; quando associadas semanticamente a outras palavras, podem expressar
sentimentos de valores positivos ou negativos.
Assim, se as formas diminutivas podem traduzir carinho ou desprezo, o mesmo pode
ocorrer com o uso do aumentativo, que pode expressar tanto valor positivo quanto negativo.
Entretanto, se geralmente o aumentativo apresenta valor pejorativo, pois o tamanho
excessivo pode ser visto como feio, disforme, o diminutivo, por sua vez, geralmente apresenta
valor positivo, pois a pequenez denota idéia de fragilidade, ternura. No entanto essas formas
apresentarão valores positivos ou negativos de acordo com o contexto ou de acordo com a
palavra a que essas formas estiverem associadas.
No corpus analisado, podemos perceber que os valores aqui empregados estão mais
relacionados a questões afetivas ora como intensificadoras ora como atenuantes do que
necessariamente à noção de tamanho, dimensional.
No que diz respeito à língua espanhola, podemos afirmar que os diminutivos, assim
como os aumentativos, são muito mais freqüentes na língua falada que na língua escrita, uma
vez que seu uso denota maior intimidade entre os interlocutores, pois no registro coloquial
vemos, inclusive, que o diminutivo é aplicado a verbos, como corriendito, a advérbios, como
ahorita, e não somente a substantivos, como estabelece a norma padrão. O uso desses
recursos garante maior expressividade ao texto.
2.2.4 Repetição
A repetição, como observa Marcuschi (1989), é a produção de segmentos idênticos ou
semelhantes apresentados duas ou mais vezes no mesmo âmbito comunicativo. A primeira vez
que o segmento surge, torna-se modelo para outros segmentos formulados à sua semelhança.
Os níveis de repetição podem ser fonológicos, morfológicos, sintáticos, lexicais,
semânticos ou pragmáticos.
As repetições ligeiramente modificadas marcam um recurso empregado pelo falante
para não repetir completamente o segmento, o que causaria empobrecimento deste.
2.2.5 Reguladores Conversacionais/ Marcadores Interacionais
Os marcadores conversacionais, para Castilho (1987), são sintaticamente
independentes do verbo, pois podem apresentar-se no início, meio ou fim dos segmentos,
exercendo a função de monitoramento da fala, regulando o que será dito, ou chamando
atenção do interlocutor. Por isso, podemos afirmar que, se do ponto de vista sintático são
desnecessários, para a interação discursiva, porém, são imprescindíveis.
Para Marcuschi (1989, p. 282),
marcadores conversacionais são expressões mais ou menos fixas, características da
fala, elementos que operam simultaneamente, como organizadores interativos,
articuladores do texto e indicadores pontuais da fala.
Seu uso freqüente proporciona a coesão e a segmentação, ainda que na fala, podem ser
lexicalizados ou não, como por exemplo: “hum”, “ham, ham”.
Analisá-los significa admitir que a conversação é um evento interacional e cooperativo,
no qual os interlocutores negociam entre si. É importante ressaltar ainda que o marcador
conversacional não deixa de ser um elemento da pragmática, e que, por esse mesmo motivo,
conseqüentemente, apresenta-se anterior à sintaxe, daí estar presente nas falas de crianças
que ainda não dominam a sintaxe, mas que têm seus objetivos definidos ao formularem seu
discurso.
Entendemos que os marcadores conversacionais devem ser analisados a partir da
função interacional que exercem dentro do enunciado, pois um mesmo marcador pode
apresentar diferentes funções em diferentes enunciados.
Por serem conversacionais, os marcadores remetem o texto escrito a um possível texto
oral prévio ou simultâneo.
2.3 Comicidade/ Humor
“se ninguém me perguntar eu sei, se o quiser explicar a quem me
fez a pergunta, já não sei”
Santo Agostinho
Nessa parte do nosso trabalho, falaremos um pouco de como surgiu a “necessidade” de
abordar o tema comicidade. Dizemos “necessidade”, porque em princípio nosso intuito não era
fazer uma abordagem dos efeitos de sentidos cômicos, mas apenas apontar e analisar as
marcas de oralidade/coloquialidade presentes no corpus.
Através de uma leitura mais atenta pudemos perceber que era praticamente impossível
trabalhar o corpus sem ao menos tocar na questão da comicidade, visto que a mesma é
inerente a ele, pois quando o lemos rimos o tempo todo.
O riso que a leitura proporcionava, em princípio, nos causava um grande prazer, porém,
aos poucos, ele foi inquietando-nos e configurando um tipo particular de humor. Decidimos,
então, buscar além dos efeitos de comicidade, propriamente ditos, produzidos no texto, os
mecanismos responsáveis pela sua produção.
Empiricamente, sabíamos que ríamos por conta da forma como o narrador nos
apresentava as situações e que tal apresentação estava diretamente ligada à linguagem, na
qual havíamos identificado traços de oralidade e coloquialidade. Diante dessa situação, nos
propusemos a identificar a comicidade presente no corpus e verificar em que medida a
oralidade/coloquialidade colabora para os efeitos de sentido cômicos.
Enfim, tentaremos identificar, ainda que sem a pretensão de fazer uma análise
exaustiva, se, de fato, a comicidade está diretamente relacionada à linguagem empregada no
corpus.
Gostaríamos de deixar claro também que não temos a intenção de colocar em um
“molde” cada um dos elementos que estão diretamente ligados à comicidade, como o humor, o
chiste, a sátira, o grotesco e a ironia, pois acreditamos que eles se mesclam; por isso, defini-los
com exatidão é praticamente impossível. Sendo assim, trabalharemos com tudo o que
consideramos risível e, vez por outra, poderemos empregar os termos comicidade e humor
12
como sinônimos.
Para abordar a questão da comicidade, nos baseamos principalmente na teoria de
Bergson (2001) sobre o riso, que, a nosso ver, é a que melhor abarca, do ponto de vista da
linguagem, o tema, por isso é sempre retomada por aqueles que estudam o assunto.
12
Embora saibamos que humor e comicidade não são a mesma coisa, tomamos a liberdade de aproximar esses
termos, pois aqui serão vistos sob a perspectiva de algo risível, portanto não nos apegaremos às questões
específicas, como suas diferenças/semelhanças, principalmente por sabermos que a delimitação de um ou outro
não é tão clara.
Tentaremos, então, identificar os mecanismos do riso, partindo de Bergson (op. cit.),
que parte da premissa de que tudo que é risível está de alguma forma relacionada ao homem,
que, em hipótese alguma, poderíamos rir de uma paisagem se ela não nos remetesse de
alguma forma ao ser humano.
Ainda de acordo com autor, outro elemento fundamental para que haja o riso é a
mecanização de algo vivo. Diante disso, podemos considerar cômico um homem andando feito
um robô, pois nesse caso ocorreu uma automatização de seu caminhar que era algo vivo e foi
mecanizado.
Podemos dizer ainda que houve o enrijecimento do que era natural, e certamente esse
enrijecimento nos surpreende, uma vez que esperamos ver um homem caminhar normalmente,
ou seja, de acordo com o que o grupo estabeleceu como natural, assim, quando ocorre a
ruptura com o estabelecido pelo grupo como natural, o riso acontece. Podemos dizer, portanto,
que o riso está relacionado aos costumes e idéias de um grupo.
Dessa maneira, podemos afirmar que o riso possui uma significação social sendo
quase sempre um desvio negativo em relação ao que é natural e que deve ser corrigido para
que se restabeleça a ordem. O efeito cômico é resultado da desarmonia seja, por exemplo, ou
da vida social ou do comportamento ou até mesmo do físico.
O riso é decorrência principalmente de algo que provoca no homem uma atitude, uma
frase, uma forma, um gesto que representam um elemento mecânico que acaba se sobrepondo
a um elemento natural.
A teoria de Bergson (op. cit.) divide a comicidade da seguinte maneira:
Forma
Gestos
Situação
Palavras
Caráter
A comicidade das situações e das palavras pode ter como “disparador” do riso os
mecanismos de repetição, inversão, interferência e transposição.
a) Repetição Devemos considerar que a repetição de uma palavra, de per si, não é
risível; logo, não podemos isolá-la daquilo que ela nos sugere, pois ela simboliza elementos
morais transpostos em materiais, caracterizando-se, conseqüentemente, como um elemento
mecânico sobreposto ao vivo (p.53). Percebemos que em nosso corpus, a repetição colaborou
para a comicidade, ainda que não tenha sido a causa principal.
b) Inversão Consiste basicamente na troca de papéis, ou seja, é tudo aquilo que
podemos classificar como “mundo às avessas” (p.70).
c) Interferência A comicidade por interferência se quando temos um
acontecimento, pertencente a duas séries independentes, o qual pode ser interpretado a partir
de dois sentidos diferentes simultaneamente, gerando um mal-entendido (p.71).
d) Transposição – A transposição tem meios tão variados que a tornam rica em
formas e tons. Podemos dizer que a comicidade da transposição consiste, grosso modo, em
transpor uma situação solene para uma trivial, ou seja, é usar um molde “consagrado” e
recheá-lo com algo corriqueiro; entretanto, sabemos que existem transposições em graus não
tão opostos como esses (p.92).
Percebemos em nosso corpus que a comicidade é fruto de todos esses elementos, os
quais quase sempre se apresentam juntos em uma única “cena”.
Se percebemos que a causa comum do riso é o desvio da vida na direção da mecânica,
podemos concluir que é o mecânico calcado no vivo. O automatismo e a mecanização do
corpo humano nos parecem cômicos, porque fazem surgir o contraponto entre o mecânico e a
vida. Um mecanismo que funciona automaticamente não é mais vida, mas o automatismo
instalado na vida passa a ser a imitação dela, o que gera, inclusive, comicidade.
Bergson afirma que cômico é todo incidente que chame nossa atenção para o físico de
uma pessoa estando em causa o moral. Rimos quando as necessidades do corpo se
sobrepõem à alma, ao espírito; ou rimos quando consideramos algo ridículo, absurdo ou
disforme. Não nos referimos tão somente a uma deformidade física, mas de uma deformidade
moral, é como se fosse uma espécie de mal hábito, de algo congelado. O andar natural
transformado em robótico revela um mal hábito, uma deformidade que se torna ridícula, que se
torna cômica. Assim, vemos que se trata de um efeito bola-de-neve, em que uma coisa leva a
outra e todas levam ao riso, uma vez que todas elas se mesclam para indicar uma fuga ao
considerado padrão.
De acordo com Almeida (1999, p. 42), todo indivíduo possui um comportamento padrão
relativo às atitudes em geral. O efeito cômico surgirá de um desvio de comportamento. O que
gera a comicidade é, mais uma vez, o enrijecimento do indivíduo, a ruptura com o esperado.
Além desse desvio de comportamento, é necessário que haja um distanciamento por
parte do observador em relação ao indivíduo cômico, para que ocorra o riso, que exercerá a
função de corrigir ou punir o que foi desviado. Assim, quanto mais natural nos parecer a causa
do riso, como por exemplo a distração, maior será o efeito cômico produzido por essa situação,
pois o indivíduo não se vê como um transgressor da norma, somente os outros o vêem.
Bergson (op. cit.) corrobora essa idéia afirmando que “o sujeito mico é invisível para si e
visível para os outros”.
Sabemos que para o humor aparecer é necessário que o interlocutor perceba sua
superioridade em relação ao personagem que desperta riso, no entanto a dosagem deve ser
precisa, que se ter uma cumplicidade entre os interlocutores para que se identifiquem os
absurdos como elementos cômicos. Por essa razão é que o humor é compreendido pelos
mesmos grupos sociais, que são capazes de captar signos às vezes imperceptíveis por
membros de outros grupos. Em outros termos, que se identificar com o sistema de valores
defendido pelo autor do discurso humorístico para que haja o riso. Por outro lado, não
podemos nos emocionar com a situação, pois o riso é inteligência pura e a comoção desperta
piedade. “Não há maior inimigo do riso que a emoção” (Bergson, op.cit., p.3).
De acordo com Propp (1992 p.171),
A primeira condição para a comicidade e logo para o riso que ela suscita
consistirá no fato de quem ri ter algumas concepções do que seria justo, moral,
correto ou, antes, um certo instinto completamente inconsciente daquilo que, do
ponto de vista das exigências morais ou mesmo simplesmente de uma natureza
humana sadia, é considerado justo e conveniente.
Também colaboram para a comicidade alguns elementos, como a metáfora, algumas
palavras com duplo sentido, pequenas alterações em palavras ou versos, palavras tomadas ao
da letra, jogos sonoros, paralelismo em sua construção, desconstrução de valores pré-
estabelecidos, carnavalização, repetição de recursos que garantam o tom engraçado da
narrativa, neologismo, tentativa de condensação da língua, invenção, mecanização dos
movimentos, inépcias, distração, imitação, ruptura de determinismo.
13
É notório que se ri menos das palavras que das coisas. Elas, porém, podem se tornar
engraçadas quando quebram a expectativa do outro, quando sugere significado diferente. A
forma como elas estão dispostas pode torná-las micas devido ao mecanismo de humor
empregado.
Consideramos impossível, nesse sentido, falar em comicidade sem pensarmos em
dialogismo, polifonia, pois a alusão ao objeto risível não deixa de ser uma forma de dialogismo,
por isso o riso também representa uma questão social, visto que também é uma forma de
discurso. Ademais, que, segundo Baktin (1999), é impossível conceber o indivíduo fora da
sociedade, o discurso é sempre social, pois está relacionado à fala de outros.
Para que se compreenda o riso, é imprescindível que se entenda a alusão contida no
objeto risível, principalmente no cômico de palavras e que, além dessa compreensão, é
necessária a provação de quem o compreendeu. É fundamental, pois, que haja entre os
interlocutores partilha de saberes, convergências, consenso, proximidade.
13
Ruptura de determinismo consiste na intervenção inesperada de um acontecimento, idéia ou raciocínio que
abalam nosso comportamento diante do texto.
Para que ocorra a percepção do humor presente no texto, é necessário compreender
que o funcionamento da língua exige fatores de ordem não apenas gramatical, cultural ou
ideológica, mas todos eles inter-relacionados. Tais dados pressupõem interlocutores que
dominem um conjunto complexo de regularidades gramaticais, conversacionais e textuais para
que os efeitos desejados sejam captados.
Seria interessantíssimo poder abordar todos os elementos lingüísticos e culturais
citados acima, o que certamente tornaria tal análise próxima do ideal, mas tivemos de fazer, em
função dos propósitos desta pesquisa, um recorte e nos delimitar em aspectos da
oralidade/coloquialidade e sua respectiva colaboração para a produção de efeitos cômicos.
O uso de recursos desencadeadores do riso não serve apenas para recriar situações
inusitadas e absurdas que divertem o leitor, mas também serve para fazê-lo refletir sobre a
realidade. Segundo Travaglia (1990, p. 59),
[...] o humor desempenha na sociedade um papel social e político através de certas
funções, uma das quais é básica: o ataque ao estabelecido, à censura, fazendo do
humor um lugar a se escapar à cultura (o que é social, mas também antropológico) de
mostrar outros possíveis padrões escondidos.
Para Baktin (1996), o mico é usado como instrumento de transgressão não contra
determinados valores ideológicos, mas também na luta contra a lógica da linguagem na qual
aqueles mesmos valores se organizam e continuam se organizando.
Segundo Ziraldo Alves Pinto, “o humor é arte. A arte de descobrir a verdade, utilizando o
homem a sua capacidade de inventar” (Vozes, 3. vol., LXIV, abril/1977, p. 194). O compromisso
do riso está na descoberta inesperada da verdade “não que esta seja engraçada, mas sim a
forma que se chega até ela”.
Embora o texto humorístico possa parecer, para muitos, banal, há nele contido um
árduo trabalho, por parte do enunciador, de observação e análise de si e dos outros e do
mundo. O riso, inclusive o provocado por ele, propõe uma nova ordem do cotidiano e nos
permite um olhar diferente daquele que nos impõe os valores dominantes.
Em “Un cumpleaños feliz”, podemos identificar alguns dos mecanismos para a produção
da comicidade, tais como a quebra de expectativa, o jogo sonoro, o paralelismo e a automação
de algo natural. Neles podemos perceber ainda, de acordo com Bergson, a transposição, a
inversão, a repetição, a automatização sobre aspectos naturais do cotidiano.
Em nosso corpus, a distração natural por parte de Manolito, muitas vezes, rompe com o
que se espera, ou seja, rompe com os padrões, produzindo um efeito cômico. A ingenuidade
do garoto revela o seu mundo de forma mica, ainda que crítica, conforme veremos em
seguida.
Como se viu, é possível criticar de forma lúdica. O risco, entretanto, é que isso causa
conflito e desestrutura padrões aceitos, que logo são reestruturados ao serem vistos sob a
ótica do absurdo, processo esse que produz também o riso.
CAPÍTULO 3
3 Tabela e Análises
Apresentaremos neste capítulo a tabela que apresenta os elementos que consideramos
mais significativos na representação da oralidade. A ordem da disposição dos elementos foi
aleatória.
A tabela possui três colunas, sendo que a primeira indica o tipo de marca de oralidade, a
segunda indica o número da linha em que a marca se encontra e a terceira apresenta o
fragmento que contém a marca de oralidade.
Conforme salientado inúmeras vezes, analisaremos de forma mais contundente as
marcas que, de alguma maneira, estão relacionados aos efeitos de comicidade.
3.1 TABELA – MARCAS DE ORALIDADE
Tipo de
ocorrência
Linha
Fragmento
Aumentativo
37
213
253
Después del portazo de mi abuelo pen que mi madre se iba
enfadar...
Nos llevamos un cortazo y un tortazo.
Que fue un exitazo
Diminutivo
97
204
214
El que la que tiene se la hicieron un pelín grande
No se podía tocar ni un panchito porque estaban contados
Mi madre dijo que al que volviera a abalanzar sobre la comida le
daba un bocadillo para que se lo comiera solo y triste en el parque
de Ahorcado
Marcadores
Conversacionais
Marcadores
Conversacionais
03
11
21
24
76
78
80
86
129
156
158
174
194
278
Pero, ochenta años no se cumple todos los días.
Además, ¿qué amigos tengo yo?
Y encima, como eres viejo, la gente sólo te regala bufandas
Pues dinos lo que quieres que te regalemos
Pues nada, sin amigo viejo
Y como me entere de que vuelves a tirar polvorones por la terraza,
vás tú detrás.
Bueno, había salido sano y salvo, sin cicatrices, no me podía
quejar.
“Pues bueno”, y cerraba los ojos para dormirse
“Pues bueno, pues vamos”
La verdad es que daba el pego,
Bueno, al fin y al cabo
entonces el simpático doctor Morales, ese doctor de serie de
televisión, nos dijo que se no teníamos nada que hacer en nuestra
casa.
_ ¿ Y todos estos?
pues he pensado que voy a probar dos o tres años del siglo XXI.
Repetição
01
8/9
22
26
273
274
303
Dijo que no, que no y que no
Y dentro de la piñata podéis meter pastillas para la artrosis,
pastillas para la incontinencia, pastillas para..
Ni una corbata, ni un frasco de colonia, ni un chaquetón tres-
cuartos, sólo bufandas
No tengo nada que celebrar, no tengo amigos y no tengo
que no, que no y que no “
“ ¡Que hable, que hable!”
Sin chaqueta, sin abrigo, sin nada
Expressões Fixas
03
04
05
40
54
74
138/
139/
140.
142
175
210
220
ocheneta años no se cumple todos los días.
Gracias a Dios
Sólo faltava que ese disgusto se lo dieran a uno cada dos por tres
como estornudes un poco mas fuerte se te puede caer el pelo
me dijo que iba a celebrar el cumpleaños de mi abuelo por encima del
cadáver de quien fuera.
¡ Qué rollo repollo de cumpleaños!
Pues le va a salir el tiro por la culata porque estoy harto de invitarle al
Tropezón para que ahora me deje a mi tirado en la calle. ¿A qhora
es el cumpleaños de las narices?
Estaba claro que la opinión de mi abuelo no era sagrada
Todo el mundo se la saltaba a la torera
El Orejones, que le ha tocado el papel en esta vida de meter la pata,
dijo:
y eso que mi casa, como dice mi madre, es una caja de cerillas y uno
llega pronto a todas las habitaciones.
hacerse la sueca.?
Gírias/ Variações
Populares/
Vulgarismos
13
50
67
75
88
118
125
145
152
156
160
171
195
222
229
267
305
_ Le digo al abuelo de Yihad que venga a mi cumpleaños e se mea
de risa
Resultó que el que tiré yo fue el que le cayó a la Luiza en la chepa
chupa toda la caca del suelo...
le daba corte invitar a un amigo viejo
Al día seguiente abrí las tripas de mi cerdo
Luego se la puso Paquito Medina y el Orejones, que me la dejó
llena de bollo
...ella explica un rollo de los climas del mundo mundial
para que vea el médico los mocos al Imbécil
Mi abuelo se quedó alucinado cuando vino a recogerme al colegio
La verdad es que daba el pego,
Lo pasamos bestial. Es fantástico...
... según dicen las madres está como un tren y es cachondo.
Con mis amigos no se corta ni un pelo;
Otro corte como un castillo
mi abuelo se estaba poniendo un poco pesado.
siempre hay un tío que te fastidia la vida
Molaba cien kilos que llegara el verano
3.2 Análise I – Marcas de oralidade
Pelo fato de o corpus apresentar vários tipos de marcas de oralidade, acreditamos que
seja necessário manter a mesma ordem dessas marcas dispostas na tabela, a fim de facilitar o
acompanhamento da análise.
Vale lembrar que tomaremos para uma análise mais profunda aquelas marcas que
julgamos estarem diretamente relacionadas à produção da comicidade, ou seja, marcas de
oralidade presentes nos trechos cômicos selecionados para análise, ao passo que, quanto às
marcas que não estão diretamente relacionadas à comicidade, faremos uma análise mais
sucinta.
3.2.1 Aumentativo/Diminutivo
Como já falamos anteriormente, em geral, os sufixos que formam o aumentativo tendem
a ser pejorativos, pois remetem à idéia de brutalidade, disformidade, porém, dependendo do
contexto, tais sufixos também podem assumir um tom valorativo. Em ambos os casos, o
contexto é imprescindível para que determinemos o valor empregado.
Quanto aos sufixos que formam o diminutivo, via de regra, a primeira idéia que se tem
deles é a de que tendem a expressar certa amabilidade ou infantilidade, idéia contrária à de
que normalmente se tem dos sufixos associados ao grau aumentativo, que expressam
disformidade, exagero.
Por outro lado, dependendo do contexto, podemos usar o diminutivo quando queremos
nos referir à falta de algum atributo, o que o tornará pejorativo; assim como, em determinados
contextos, podemos usar o aumentativo para valorar algo. Desse modo vemos que tanto o
diminutivo quanto o aumentativo podem ser atenuante ou intensificador.
Encontramos apenas três ocorrências de aumentativos, todas apresentando-se como
intensificadores, sendo que os dois primeiros intensificam negativamente, ao passo que o
terceiro intensifica de forma positiva.
Vejamos como essas marcas são expressas no texto:
Linha 37 Después del portazo de mi abuelo pensé que mi madre se iba enfadar...
Linha 213 Nos llevamos un cortazo y un tortazo
Nas frases acima, as palavras em negrito, empregadas no aumentativo, receberam tom
pejorativo, pois a própria atitude do avô, ao bater a porta com força, é uma atitude negativa. O
aumentativo, nesse caso, evidencia a negatividade do gesto que está relacionado ao mau
humor do avô.
O emprego dessas palavras tortazo e cortazo, que em português seria “cascudo”, ou
seja, um murro leve se justifica pelo fato de que Manolito se faz de vítima, uma vez que, ao
saber que contrariara sua mãe, intensifica o corretivo aplicado por ela, ao dizer que não havia
recebido um simples tapa, mas um tapão. Subentende-se, então, que a “dor” de um tapão é
maior, o que confirma que a punição foi aplicada, assim o garoto e sua mãe estão quites.
Como a agressão física também é uma coisa negativa, a dimensão dela, por meio do
emprego do aumentativo, torna-a ainda mais depreciativa.
Nas frases abaixo temos o uso do diminutivo, que, diferentemente do aumentativo
empregado acima, recebe um valor positivo, ou simplesmente marca uma forma coloquial de
se expressar.
Linha 97 ¿El que la que tiene se la hicieron un pelín grande
Pelín significa “pouquinho”, é uma forma de diminutivo tipicamente oral, em vez de se
dizer poquito (mais comum), opta por uma palavra que denota maior informalidade, portanto
maior proximidade entre os interlocutores.
O tom manifestado aqui parece ser carinhoso, pois, apesar de afirmar que a dentadura
de seu avô fora feita um pouco maior, apresentando, assim, um “defeito”, ele o minimiza, pois
se trata uma pessoa muita querida, seu avô Nicolas. Não dúvidas de que, nesse caso, a
função do diminutivo é a de atenuante. Com relação ao efeito cômico, o objeto em si –
dentadura –, que tem uma conotação repulsiva, contribui para a produção do efeito de
ridículo, principalmente se a imaginarmos se movendo folgada na boca de um idoso, como é o
caso do avô de Manolito, por causa de tamanho errado. O poder imagético é altamente
sugestivo nessa passagem.
Linha 204 ¿No se podía tocar ni un panchito porque estaban contados
O termo panchito também remete a situações bastante coloquiais. Como a situação
apresentada no texto é familiar, ao optar por panchito, uma palavra da língua espanhola, no
lugar de perrito caliente
14
a coloquialidade da situação fica mais evidente. O diminutivo aqui
empregado tem a função de minimizar o fato de Manolito querer comer antes de todos.
Minimizando a situação através do diminutivo, é como se ninguém percebesse sua atitude,
afinal era apenas um “sanduichinho”.
Ao não dar importância ao “sanduíchinho”, também não se daria importância ao fato de
novamente estar desobedecendo a sua mãe, por isso a atenuação sugerida pelo uso do
diminutivo é em relação ao ato de desobedecer.
O efeito cômico aqui fica por conta de um fato que de per si não é cômico, a pouca
comida; entretanto, em função de os sanduíches estarem contados, um passa a controlar o que
os outros comem, e tal controle é hilário.
14
Tradução do inglês hot dog.
Linha 214 ¿Mi madre dijo que al que volviera a abalanzar sobre la comida de daba un
bocadillo para que se lo comiera solo y triste en el parque de Ahorcado
Diferentemente do uso feito na frase acima, o diminutivo aqui não tem o valor de
atenuante, e sim expressa maior coloquialidade, pois é comum que se diga bocadillo por
bocata.
Desse modo, vemos que essas formas a) dão expressividade ao texto; b) enfatizam
alguns usos que não necessariamente os que se referem a tamanho; c) apresentam várias
nuances, atenuando, intensificando ou simplesmente inserindo uma forma coloquial de se
expressar.
3.2.2 Reguladores conversacionais / marcadores interacionais
Os marcadores conversacionais, que podem ser chamados de marcadores interacionais
ou, em espanhol, de reguladores conversacionais, colaboram como organizadores da interação
e articuladores do texto.
É importante lembrar que os marcadores seguem regras de comunicação e não
necessariamente sintáticas, por isso, muitas vezes, um determinado vocábulo perde seu
sentido primeiro e funciona somente como um marcador da interação.
Eles podem ser verbais quando se caracterizam como elementos de ligação entre as
unidades comunicativas (partículas, palavras, sintagmas, expressões e orações de diversos
tipos) – ou não-verbais, ou seja, de natureza puramente supra-segmental, mais comuns na fala
face-a-face; na escrita, para tentar representá-los, é preciso usar recursos expressivos, como a
pontuação e/ou o uso diferenciado dos grafemas.
Por se tratar de uma marca inerente à fala, esses marcadores são elementos cujo
número de ocorrências é muito representativo, embora valha ressaltar que os marcadores,
conforme já mencionado, não contribuem de forma direta para a produção da comicidade.
Operando como organizadores da “suposta” conversa entre os personagens, temos os
seguintes marcadores:
Linha 03 – Pero, ochenta años no se cumple todos los días.
Ao iniciar a frase, a mãe de Manolito usa o termo pero para contrapor a idéia de seu pai,
Nicolás, que não querer comemorar seus 80 anos. Há, portanto uma oposição de idéias em
relação ao aniversário e adversidade é caracterizada pelo marcador.
Linha 11 – Además, ¿ qué amigos tengo yo?
Para reafirmar a posição de não querer a comemoração de seu aniversário, o marcador
además funciona como um argumento usado logo no início da frase; acrescentando a pergunta
sobre seus amigos, esta sugere que ele não os tem.
Linha 21 – Y encima, como eres viejo, la gente sólo te regala bufandas
A conjunção aditiva é chamada, em espanhol, de copulativa. É típica nos inícios dos
turnos e, muitas vezes, prosseguimento ao que vinha sendo dito. Na frase acima, a adição
de um protesto é introduzida pelo Y, reforçada pelo termo encima (“ainda por cima”). A função
dessa expressão é intensificar a frase e proporcionar um efeito cumulativo.
Linha 24 – Pues dinos lo que quieres que te regalemos
O emprego do pues não assume aqui a função de conjunção, mas sim de um marcador
argumentativo, usado pela mãe com o intuito de dar um basta nas lamentações do avô, pois,
de certa forma, além de intimá-lo a falar o quer ganhar de presente, ainda o faz parar de se
lamentar.
Linha 76 – Pues nada, sin amigo viejo.
O pues nada, dito por Manolito, tem a função de concordar, que aceita a opinião do
avô, ainda que contrariado, pois não parece estar convencido. O nada, palavra que denota
vazio, reforça que realmente não haverá velhos.
Linha 78 Y como me entere de que vuelves a tirar polvorones por la terraza, vas
detrás.
O marcador tem a função de adicionar uma advertência, é uma estrutura condicional que
traz um efeito de ameaça (si me entero de ...) por parte da mãe ao garoto, após ter combinado
com ele como fariam a festa surpresa. Esse marcador rompe com o assunto que estava sendo
desenvolvido, chamando atenção para a advertência.
Linha 80 – Bueno, había salido sano y salvo, sin cicatrices, no me podía quejar.
Nessa frase, ao empregar o marcador, Manolito expressa uma sensação de alívio, afinal
não havia sido castigado por sua mãe, apesar de sua travessura. Como se percebe, o sentido
primeiro da palavra se aplica à situação que teve um bom desfecho.
Linha 86 – “Pues bueno”, y cerraba los ojos para dormirse
O pues bueno, nessa frase, expressa total concordância com o que diz Manolito, pois
é tarde da noite e o avô sonolento não presta muita atenção no que diz o neto, serve também
para finalizar a conversa.
Linha 129 – “Pues bueno, pues vamos”
Na fala dos amigos de Manolito, percebe-se um ar de desagrado, pois foram convidados
para irem à festa de aniversário e não a um posto médico. O aviso de que terão que ir ao
médico antes da festa é como se fosse o preço do convite, sendo assim concordam com um
Pues Bueno, pues vamos”, se temos que ir então vamos.
linha 156 – La verdad es que daba el pego
Para dizer que estavam enganando seu avô, Manolito introduz a frase com um marcador
La verdad es que (“na realidade”) que possui um a carga semântica contrária à informação que
seguirá,há uma oposição entre o engano na ação e o modo de introduzí-la.
A oposição dos sentidos das palavras mostra certo cuidado na elaboração do texto.
Linha 158 – Bueno, al fin y al cabo
É um marcador típico de início de turno, que normalmente justifica um comentário feito
anteriormente. A função do marcador é introduzir uma expressão finalizadora com aspecto
positivo.
Linha 174 ...entonces el simpático doctor Morales, ese doctor de serie de televisión,
nos dijo que se no teníamos nada que hacer en nuestra casa.
O advérbio temporal dá progressão à narrativa na medida em que introduz e marca uma
nova informação: introduz, no texto, a bronca dada pelo médico, além de marcar a
simultaneidade dos fatos, ou seja, junto com a bronca do médico, a bagunça dos garotos.
A esta altura, está mais do que claro que os marcadores em si, efetivamente, não
colaboram de fato para o efeito cômico no texto; às vezes, o que ocorre é que ele introduz uma
situação cômica, reproduz, sobretudo, a tomada de “turnos” entre os interlocutores.
Linha 194 – ¿ Y todos estos?
A função desse marcador é adicionar uma desaprovação por parte da e, ao ver
Manolito com seus amigos, já que não havia preparado uma festa para tanta gente.
Linha 278 – ...pues he pensado que voy a probar dos o tres años del siglo XXI.
O pues exerce a função de introdutor da conclusão a que chegou o avô após ter refletido
sobre a vida, ou seja, a de viver um pouco mais.
3.2.3 Repetição
A repetição consiste na reprodução de um mesmo segmento discursivo, podendo ser
fonológico, morfológico, sintático, lexical, semântico e pragmático. Esse recurso lingüístico é
muito importante para a representação da oralidade na escrita, porque se trata de um
fenômeno inerente à fala, e tem como função auxiliar na construção de um novo conteúdo e/ou
retomada de um outro anteriormente citado, para dar seqüência ao segmento discursivo. A
dinâmica da oralidade permite que se repita o mesmo segmento discursivo várias vezes de
forma idêntica ou semelhante, sem que isso se torne cansativo, ao contrário da escrita, que,
quando necessita retomar algo, tem de fazê-lo de forma mais elaborada para que o texto não
empobreça, visto que a forma que está apresentado permite que se retome o segmento
quantas vezes desejar.
A repetição, ligeiramente modificada, é um recurso utilizado para não se repetir
completamente um segmento é como se fosse uma retomada da idéia para dar continuidade,
assim como fazemos ao falarmos. Também podem funcionar como intensificadores dando
maior ênfase à mensagem.
Assim como os marcadores conversacionais, as repetições nem sempre colaboram
diretamente para a produção de um efeito cômico no texto, mesmo que possa haver
passagens em que coincida a ocorrência da repetição com a cena humorística. O certo é que
sabemos que ela não funcionou como um elemento “disparador” do riso, por isso analisar a
repetição sob esse aspecto nos pareceu um tanto quanto “forçado”. Apenas mencionaremos as
suas ocorrências, até mesmo porque ela é uma marca de oralidade muito importante.
Linha 01 – Dijo que no, que no y que no
Aqui temos exatamente o mesmo discurso classificado em dois tipos, Indireto e Indireto
Livre. Ademais, achamos que a representação da palavra não pode ser considerada
construção fiel nem como sendo considerada incorporada à fala do narrador. Trata-se de um
caso em que temos a sensação da ambigüidade polifônica, uma vez que Manolito reproduz a
fala do avô, que insiste em não querer comemorar seu aniversário,
Linhas 8/9 Y dentro de la piñata podéis poner pastilla para la artrosis, pastilla para la
incontinencia, pastilla para la tensión... Si invito a unos amigos esto puede parecer un asilo.
No me gusta, todo lleno de viejos, lleno de dentaduras postizas, de juanetes, no quiero.
Además ¿qué amigos yo tengo?
No primeiro caso, temos repetição lexical da palavra pastillas (“comprimidos”), que serve
para enfatizar a argumentação do avô sobre o ridículo que seria fazer uma festa de aniversário
aos oitenta anos. Para isso, repete que dentro dos balões em vez de haver balas e doces,
haveria comprimidos medicinais para doenças senis. A mesma intenção se teve ao utilizar o
adjetivo lleno (“cheio”), que nos a sensação de uma cena feia, pois os vocábulos aqui
empregados têm uma carga semântica que nos remete a essa idéia, pois não está cheio de
flores, ou algo bonito, e sim cheio de velhos, dentaduras e joanetes, o que provoca um efeito
hilariante, pois banaliza os males da velhice.
Linha 22 ...ni una corbata, ni un frasco de colonia, ni un chaquetón tres-cuartos, sólo
bufandas…
O avô repete a palavra Ni (“Nem”) para reclamar o fato de ganhar somente cachecóis, o
que aos olhos dele é um presente que se aos velhos. Segundo o avô, nessa idade o te
presenteiam com jaquetas nem com colônias nem gravata, presentes que parecem dar ao
homem certa virilidade, pois são “acessórios” que o podem torná-lo mais atraente. Ele até
poderia usar o tampoco para representar as diversas negativas, mas não causaria o mesmo
efeito de desabafo. Fica patente o cuidado da autora ao usar tal estratégia, que tão bem
representou a oralidade/ coloquialidade.
Linha 26 ¡Nada! No tengo nada que celebrar, no tengo amigos y no tengo ganas de
cumplir ochenta años; lo único que tengo son bufandas de los cumpleãnos anteriores
Temos outra negativa que vai ao encontro do estado de espírito do a naquele
momento. Trata-se da palavra nada, que é reforçada pelo no tengo, que, por se apresentar
repetidas várias vezes, reforça o intuito de dimensionar a angústia do avô, angústia por estar
cumprindo oitenta anos e não ter nada. Ocorre também a repetição do assunto cachecol,
reforçando a idéia de que ele possui apenas coisas próprias de velho.
Linha 273 – Mi abuelo decía que no, que no, y que no.
Aqui ocorre a mesma ambigüidade anterior, porém o tempo Pretérito imperfeito nos a
sensação de maior distanciamento. Nessa passagem do texto, ainda que o avô intensifique sua
fala repetindo que não irá discursar, a situação é bastante diferente da situação apresentada
na frase anterior, pois na primeira o clima era dominado pela tensão, ao passo que na segunda
o clima é de descontração e alegria. Dessa forma, vemos que a negativa apresentada pelo
avô, em realidade, não é porque não queira discursar, e sim porque está com vergonha de
fazê-lo.
Linha 274 – “¡Que hable, que hable!”
A repetição na frase acima caracteriza o pedido de discurso como uma insistência dos
convidados, que normalmente fazem essa brincadeira para que o aniversariante fique ainda
mais constrangido.
Linha 303 – sin chaqueta, sin abrigo, sin nada
Temos, nesse caso, a repetição da estrutura, propiciada pela repetição da palavra sin,
que reforça “o não possuir”, ou não ser presenteado pelas vestimentas citadas. Com o intuito
de dimensionar o “não possuir”, ele conclui com a palavra nada, que resume tão bem a
ausência de algo. A repetição produz um efeito de “somatória de males”.
3.2.4 Expressões Fixas
Podemos considerar expressões fixas os clichês, as frases feitas, os provérbios e as
gírias.
As palavras empregadas nessas frases adquirem significado quando estão juntas
com outras no mesmo contexto, como por exemplo: sorriso –amarelo. Se empregadas
separadamente, a palavra “sorriso”, que significa expressão de satisfação, alegria, e a palavra
“amarelo”, que nomeia uma cor, percebemos que em nada lembram a expressão sorriso
amarelo, que significa um sorriso sem graça, forçado.
Portanto, é o contexto e a junção das palavras que produzem o efeito de sentido
desejado.
Dentro das expressões fixas, temos ainda os provérbios, que, entre todas, é a forma
mais fixa, pois não admite modificações e, geralmente, transmitem um ensinamento moral;
porém para que sejam compreendidos devem ser comum a um grupo social.
Tais expressões facilitam a comunicação, pois, pelo fato de estarem prontas, não
esforço para sua produção, tampouco para sua decodificação.
Devido à difícil tipificação das expressões idiomáticas, não temos a pretensão de
classificá-las, pois acreditamos que muitas delas transitam entre uma e outra classe.
Pelo fato de que essas frases apresentam em si mesmas seu significado, faremos
apenas uma simples explicação, baseando-nos no contexto em que elas se encontram.
Por se apresentar muito mais na fala que na escrita, percebemos o grande número de
ocorrências dessa marca, pois ela revela a coloquialidade da fala. Consideramos curioso o fato
de que a maioria das expressões utilizadas são ditas pelos adultos das doze ocorrências
encontradas, apenas três foram ditas por Manolito, as demais, são expressas através de
citações da fala de outros personagens adultos.
Linha 03 – ...ochenta años no se cumple todos los días.
A mãe de Manolito, com o intuito de convencer D. Nicolás, faz uso da frase acima para
ressaltar a importância de comemorar o aniversário dele.
Linhas 04/05 Gracias a Dios. Sólo faltaba que ese disgusto se lo dieran a uno cada
dos por tres
As expressões acima expressam um alívio por parte do avô, que agradece a Deus pelo
fato de “sofrer tal desgosto” apenas uma vez, e não a cada dos por tres, pois seria demasiado
se tal fato ocorresse com freqüência.
Através do agradecimento, também podemos perceber que a religiosidade está presente
na cultura espanhola, ainda que não signifique que as pessoas que façam uso de tais
expressões sejam necessariamente religiosas.
Linha 74 – ¡ Qué rollo repollo de cumpleaños!
Temos aqui uma expressão típica das crianças, portanto uma gíria infantil, que se torna
divertida pelo jogo sonoro que produz a rima. Semanticamente, representa algo chato ou difícil.
Linhas 138/139/140 Pues le va a salir el tiro por la culata porque estoy harto de
invitarle al Tropezón para que ahora me deje a mi tirado en la calle. ¿ A qué hora es el
cumpleaños de las narices?
Nesse caso, temos uma seqüência de “expressões” que tão bem mostram o
descontentamento do avô de Yihad pelo fato de não haver sido convidado para o aniversário
de seu amigo Nicolás. Ele revida dizendo que o amigo terá seu troco, ou seja, que as coisas
sairão justamente contrárias ao planejado pelo avô de Manolito. Realmente cumpre com o que
disse, pois, além de ir à festa sem ser convidado, ainda leva consigo mais outros amigos
igualmente idosos. Além do mais, mesmo estando interessado no aniversário, faz questão de
desdenhar a festa, o que fica explícito com a seguinte pergunta ¿A qué hora es el cumpleaños
de las narices?
Talvez pelo fato de ser um livro infanto-juvenil, a expressão “de las narices” tenha sido
empregada como forma de atuar a expressão mais comumente usada com efeito depreciativo
“de merda”. Embora as duas expressões contenham uma carga semântica negativa, “de las
narices” pode ser considerada uma espécie de eufemismo, ao passo que “de merda” poderia
parecer um tanto quanto agressivo em um contexto infantil, mesmo sabendo que é uma
expressão usada com freqüência na linguagem oral informal.
No Brasil também usamos o mesmo órgão, nariz, para atenuarmos algumas expressões
mais grosseiras. Temos, por exemplo, a expressão “vai tomar no nariz”, como atenuadora de
“vai tomar no c...”, ou “fez tal coisa como o nariz” para dizer que algo foi mal feito.
Linha 142 Estaba claro que la opinión de mi abuelo no era sagrada Todo el mundo
se la saltaba a la torera
Temos aqui um modo de intensificar o fato de que todos fazem o que querem com o
avô, pois sua palavra não tinha valor, ou seja, não era respeitada. Para reforçar essa
afirmação, ele utiliza a expressão Todo el mundo se la saltaba a la torera, pois não eram
apenas algumas pessoas, mas todo mundo, ou seja, o exagero intensifica o fato de que as
pessoas não respeitam suas opiniões.
Linha 175 – El Orejones, que le ha tocado el papel en esta vida de meter la pata, dijo:
Aqui Manolito afirma que seu amigo é um expert em equivocar-se, melhor dizendo,
sempre “dá um fora”.
Linha 210 y eso que mi casa, como dice mi madre, es una caja de cerillas y uno
llega pronto a todas las habitaciones.
Ao dizer que sua casa é uma caja de cerilla (caixa de fósforos), ganha-se maior
expressividade do que se usasse um diminutivo para explicar a pequenez da casa.
Linha 220 – ... hacerse la sueca
A expressão nos remete à idéia de que a mãe primeiro observa, mas faz de conta que
não está vendo, para não perder a compostura naquele momento, pois, se tratava de uma
festa, e a mãe não gostaria de ter de chamar a atenção de um convidado. Entretanto, logo
vemos que isso é inevitável, pois os garotos extrapolam.
3.2.5 Gírias/ Variações populares/ Vulgarismos
Consideramos que as gírias também fazem parte das expressões idiomáticas, não
obstante, por apresentarem um caráter algumas vezes mais fugaz e pertencerem a grupos
restritos, ou estarem relacionadas a faixas etárias, resolvemos analisá-las juntamente com
variações populares e vulgarismos.
Gostaríamos de deixar claro que existem diferenças entre os termos gíria, vulgarismos
e variantes populares, porém resolvemos agrupá-los juntos pelo fato de que muitas vezes um
pode estar atrelado a outro, ou seja, um vocábulo gírio (comum) pertence a uma variação
popular e às vezes também poder ser considerado um vulgarismo, visto que grande parte das
gírias apresenta alguma ‘deformidade’ de palavras já existentes.
Não temos a preocupação de “desvendar” o significado das gírias, apenas procuraremos
compreendê-las através do contexto, pois o nosso intuito é mostrar que ela foi utilizada no texto
para representar a oralidade/ coloquialidade, assim nosso objetivo é mostrar que ela está
presente, sem a pretensão de fazer grandes análises.
Linha 13 – Le digo al abuelo de Yihad que venga a mi cumpleaños e se mea de risa.
Com o verbo mear (mijar) él se mea de risa”, temos aqui uma variante popular, que
indica intensidade, como se percebe no exagero que é dizer que alguém “se mija de rir”. O uso
dessa variante popular coloquial provocou um efeito de sentido, pois não causaria o mesmo
efeito dizer “él se orina de tanto reir”. A graciosidade da cena seria tolhida pelo discurso.
Linha 50 – el que le cayó a la Luiza en la chepa
O uso da variante popular e chepa (“corcunda”), em vez de joroba, indica familiaridade,
e, como a Luisa, segundo Manolito, é quase da família, o uso de chepa evidencia a
proximidade existente entre os vizinhos, pois o garoto não parece ter a preocupação de usar
um termo mais formal para indicar uma deformidade física da vizinha, sente-se à vontade para
usar um termo familiar.
A cena é graciosa não por apresentar a deformidade física de Luisa, mas pelo fato de
ela ser atingida por um biscoito “voador” justamente nessa parte do corpo.
Linha 67 – ...chupa toda la caca del suelo...
O termo caca é bastante genérico tanto em espanhol quanto em português. Na sentença
em questão, ele é usado para designar a sujeira de todos os tipos que é encontrada no chão.
Por ser um termo genérico, cujo significado é determinado pelo contexto, é também conhecido
como termo econômico, elemento presente predominantemente na conversação e responsável
pelo dinamismo dessa modalidade de comunicação. Seu uso ratifica mais uma vez o cuidado
na escolha vocabular para a representação da oralidade/coloquialidade no texto.
Linha 75 – ...le daba corte invitar a un amigo viejo
A expressão gíria corte se refere a um não gostar ou não querer. percebemos então que
dito isso de maneira um pouco mais formal como “meu anão queria velhos em sua festa”,
não causaria o mesmo efeito de oralidade/coloquialidade que causou a expressão gíria, afinal
ela é um fenômeno bastante presente na oralidade/coloquial, porém não exclusivo dessa
modalidade.
Linha 88 – al día seguiente abrí las tripas de mi cerdo
O uso da variante popular tripas por barriga parece com mais precisão o ato de abrir o
porquinho (“cofrinho”), ou seja, soa como se o porquinho tivesse sido perfurado mais
profundamente, de modo que chegasse até as tripas, permitindo, assim a retirada de todas as
moedas, ao passo que o uso do termo “barriga” poderia nos dar a idéia de abertura mais
superficial, ou seja, não tão profunda, o que dificultaria a retirada de tais moedas.
Linha 118 Luego se la puso Paquito Medina y el Orejones, que me la dejó llena de
bollo
A palavra bollo, que em espanhol é uma espécie de pão ou bolo, nessa sentença
assume um sentido conotativo, é algo como saliva, porém com um aspecto muito mais
repulsivo. O uso dessa variante popular cria esse efeito de coloquialidade e de proximidade,
pois é comum o emprego pelas crianças dessa variante.
Linha 125 – ...ella explica un rollo de los climas del mundo mundial
A palavra gíria rollo resume a idéia de um assunto desinteressante, é uma forma mais
objetiva de mostrar a insatisfação com relação ao conteúdo que está sendo explicado pela
professora, é uma gíria usada particularmente pelos jovens. Encontramos também como marca
de oralidade o jogo sonoro mundo mundial, que nos remete à idéia de algo pueril. A dimensão
dada à palavra mundo é reforçada pelo adjetivo mundial, o qual nos remete a idéia de
aumento, é como se apenas a palavra mundo, sem o adjetivo mundial, não desse conta de
explicitar a grandiosidade física que o garoto queria destacar. Vemos que em uma mesma
oração encontramos dois tipos de marcas de oralidade/coloquialidade: a gíria comum rollo
dizemos comum por não pertencer apenas a um grupo e não possuir um caráter criptológico
e mundo mundial, um jogo sonoro usado principalmente por crianças devido ao efeito de
graciosidade que pode produzir.
Linha 145 – Para que el médico veo los mocos al Imbécil
A palavra moco é por nós considerada uma variante popular para secreção nasal,
embora possua um aspecto repulsivo por se tratar de algo escatológico; é comumente
empregada em situações informais, e certamente a única variante que conhece o nosso
personagem.
Linha 152 – Mi abuelo se quedó alucinado cuando vino a recogerme al colegio
A palavra alucinado pode ser caracterizada como gíria, pelo fato de assumir um
significado diferente daquele “que sofre de alucinação”. Nesse caso, a idéia transmitida é de
“susto ou surpresa” por parte do avô, que não esperava ter de levar consigo todos aqueles
garotos, que certamente dariam algum trabalho.
Linha 156 – La verdad es que daba el pego
A gíria dar pego significa que algo “falsopoderia assumir o papel de verdadeiro devido
a semelhança. No texto, levando em conta que os velhos não possuíam uma visão privilegiada
por conta da idade, a barata espetada em um palitinho e com uma cor parecida com a de uma
azeitona preta poderia se passar por um petisco. No entanto, o fato de a barata mexer as
perninhas fez com que os avôs suspeitassem e não caíssem na traquinagem dos garotos.
Interessante observar que a gíria explica de uma maneira bastante sucinta, ou seja, dela fazem
parte basicamente expressões “explicativas”.
Linha 160 – Lo pasamos bestial. Es fantástico...
A palavra gíria bestial, diferentemente de um sentido negativo como brutal, assume aqui
a idéia de algo bastante positivo, ou seja, o passeio foi extraordinário, possui o mesmo
significado que a gíria “animal” em português (do Brasil), que, igualmente, assume um valor
positivo. Para dimensionar esse aspecto positivo, Manolito acrescenta outro adjetivo
fantástico também empregado com o sentido conotativo, pois aqui fantástico não está
relacionado diretamente a fantasioso, mas se refere a algo magnífico, porém real.
Linha 171 – según dicen las madres está como un tren y es cachondo
Na mesma oração encontramos duas marcas de oralidade/coloquialidade, que podem
ser consideradas gírias, são elas tren e cachondo. As duas se referem ao aspecto físico do
médico, haja vista a primeira (tren) significar que o médico está muito bem, com vigor, e a
segunda (cachondo) reforçar essa mesma idéia, porém de maneira um pouco mais vulgar, pois
se refere ao aspecto sexual, seria o mesmo que dizer que o médico é um “tesão”, ou, de
maneira atenuadora, dizer que ele é “gostoso”.
Linha 195 – Con mis amigos no se corta ni un pelo
A expressão gíria nessa sentença significa que, na visão de Manolito, sua e não
gosta muito de seus amigos, apenas os suporta, certamente por serem muito traquinas. Essa
gíria nos apresenta a idéia de que a mãe possa não gostar de seus amigos, porém de uma
maneira sutil a qual permite ao leitor graduar esse “não gostar”, pois tal ria sugere isso, mas
não o explicita.
Linha 222 – Otro corte como un castillo
A palavra corte pode ser considerada gíria pelo fato de aqui não assumir um significado
próximo de divisão, separação (de algo concreto), mas sim de assumir um significado de
ruptura, quebra de expectativa, com relação à chegada do avô.
Vemos que os verbos quebrar e dividir, embora pertençam ao mesmo campo semântico,
não podem ser tomadas, dentro de determinados contextos, como sinônimos.
Linha 229 – mi abuelo se estaba poniendo un poco pesado.
A gíria pesado significa “desagradável”, que, nesse caso, se refere à situação de espera,
demora e quebra de expectativa à medida que cada convidado vai entrando e todos se
preparam para cantar o “Cumpleãnos feliz”. O uso da gíria para expressar o descontentamento
deixa subentendidos todos esses aspectos negativos.
Linha 267 – siempre hay un tío que te fastidia la vida
A palavra tío nada tem a ver com grau de parentesco, e sim é usada para referir-se a
uma pessoa qualquer, é como dizer um “cara” em português (do Brasil) que, da mesma forma,
nada tem que ver com parte do corpo. Normalmente usamos essa denominação para referir-
nos a alguém que não conhecemos. Embora Yihad seja bastante conhecido, Manolito opta por
referir-se a ele como um tio mostrando de certa forma seu desprezo pelo “colega”, que sempre
o trapaceia, até mesmo em sua própria casa.
Linha 305 – Molaba cien kilos que llegara el verano
A gíria molar (molaba) significa “gostar muito”, cuja intensificação é marcada pela
presença do advérbio “muito”. Portanto, não se trata apenas do “gostar”, mas do “gostar muito”,
ou seja, do molar.
Embora molar signifique “gostar muito”, Manolito o reforça ainda com o uso da
expressão gíria cien kilos. É interessante notar que essa relação estabelecida entre
grandiosidade/intensidade e algo concreto está presente ao longo de todo o corpus.
Acreditamos que o garoto tenha necessidade de usar algo concreto para deixar claro para seu
leitor a real a dimensão do que está sendo dito.
Esse efeito de realidade, produzido predominantemente pelo emprego de variantes mais
populares, maior expressividade ao texto, ou seja, torna-o mais objetivo, real, pois é comum
que em uma conversação informal se empreguem tais variantes.
Sabemos que a escolha lexical está também relacionada ao domínio dos interlocutores,
de modo que não devemos nos esquecer de que o livro Manolito Gafotas se destina a um
público infanto-juvenil e que, certamente, utiliza um vocabulário menos formal e mais popular.
Percebemos que em nosso corpus se apresenta tanto o registro standard quanto o
coloquial; este último exercendo a função de representar a fala e de dar mais dinamismo ao
texto.
3.3 Análise II – Comicidade
Nessa parte do nosso trabalho, analisaremos trinta trechos que consideramos mais
significativos, por apresentarem “alto grau” de comicidade; tais trechos encontram-se em
negrito.
Nosso intuito aqui é identificar, em cada um dos trechos, qual o principal mecanismo
desencadeador da comicidade. Dizemos principal pelo fato de encontrarmos, em um mesmo
trecho, vários mecanismos que colaboram para a comicidade. Outro propósito de nossa análise
é verificar se a oralidade/ coloquialidade está presente nesses trechos e, caso esteja, em que
medida é responsável para a produção dos efeitos cômicos no corpus.
Por se tratar de um texto escrito, conforme mencionado, nos apoiamos basicamente
na teoria de Bergson (op. cit.), no tocante ao cômico das palavras, as quais são fundamentais
na construção do discurso, pois, de acordo com as palavras selecionadas, pode-se obter esse
ou aquele efeito. Por esse motivo, tomamos “emprestado” algumas das denominações
empregadas pelo autor para agrupar os elementos desencadeadores da comicidade, tais como
transposição e inversão.
Observamos que, juntas, elas desencadeiam vinte das trinta ocorrências de comicidade
mais significativas, ou seja, transposição e inversão representam a maior parte das ocorrências
cômicas no corpus.
Além da transposição e da inversão, reconhecemos que o corpus também apresenta
outros dois elementos que consideramos relevantes para a produção da comicidade. São eles:
a organização do discurso e a quebra de expectativa do leitor, que pode ser por meio de um
ato, uma palavra, um gesto, entre outros. Sabemos que esses dois últimos elementos
permeiam todo o corpus apresentando uma função “coadjuvante” na produção de efeito de
sentido cômico. Não obstante, somente em algumas passagens por nós selecionadas eles
assumem o papel principal na produção de humor.
O agrupamento dos elementos desencadeadores se dará da seguinte forma:
a) Transposição;
b) Inversão;
c) Quebra de expectativa;
d) Linguagem.
Para cada um dos mecanismos desencadeadores do riso anteriormente citados,
agruparemos trechos numerados correspondentes. Para facilitar a leitura, seguiremos a mesma
a ordem em que estão dispostos no corpus.
Embora muitas vezes a comicidade possa ocorrer devido ao emprego de apenas “uma
ou outra palavra”, consideramos importante colocar o trecho todo para melhor compreensão,
assim o leitor poderá contar ainda com o corpus numerado de acordo com os trechos cômicos
em negrito que se encontra anexado ao final do trabalho.
Lembramos ainda que o agrupamento não tem o propósito de estabelecer com exatidão
o elemento disparador da comicidade, mas o de apenas sugerir qual possa ser esse elemento,
pois, como havíamos mencionado, a comicidade é produzida por um encontro de fatores e
não apenas um único. Em nosso corpus especificamente, podemos dizer que na maioria das
vezes um elemento que pode ser apontado como desencadeador da comicidade, o que não
significa a inexistência de outros que complementam esse desencadear do humor.
3.3.1 Transposição
Com já mencionamos na parte teórica do nosso trabalho, a transposição consiste em um
deslocamento de uma situação produzida em um determinado “lugar” para outro distinto,
mesmo que empregando as mesmas atitudes da situação “original”, causando, assim, um
despropósito nas atitudes e provocando um desvio de comportamento.
Analisemos agora cada um dos trechos que seguem:
Trecho 1- Mi abuelo no quería celebrar su cumpleaños. Dijo que no, que no y que no.
Mi madre decía:
– Pero papá, ochenta años no se cumple todos los días.
Gracias a Dios – dijo mi abuelo. Sólo faltaba que ese disgusto se lo dieran a uno cada
dos por tres.
Nesse trecho percebemos um desvio de comportamento por parte do avô, que consiste
em o avô recusar-se a comemorar algo tão especial, como fazer oitenta anos.
O desvio é reforçado quando é o avô que diz “Gracias a Dios”, como resposta ao
comentário persuasivo da mãe de Manolito. Tal resposta parece absurda, pois o natural seria
que se agradecesse a Deus por chegar a essa idade e não praguejar esse acontecimento;
temos, portanto, uma transposição em relação ao agradecimento.
O emprego de frases feitas, entre outras marcas de um texto oral/coloquial, colaboram
para a comicidade. Para que esse efeito de sentido seja compreendido, o leitor deve estar
atento não somente às questões lingüísticas, mas também a dados culturais que determinam
certos padrões, como a comemoração de um aniversário.
Trecho 2- ¡ abuelo! Nosotros te lo preparamos, invitas a tus amigos, compramos
una piñata... ya me lo estaba imaginando.
Y dentro de la piñata podéis meter pastillas para la artrosis, pastillas para la
incontinencia, pastillas para la tensión... mi abuelo estaba por verlo todo negro.
A transposição de situação é aqui o principal elemento causador do riso, pois o a
passa a se referir à festa de aniversário como algo muito ruim e propõe, ironicamente, servir
remédios para doenças senis em vez de docinhos de aniversário.
também uma proposta ingênua por parte de Manolito, que é transformar uma festa
de 80 anos em uma de oito, pois sabemos que não é usual piñatas em festa de idosos, e sim
em festa de crianças. Assim, em termos cronológicos, a construção imaginária da festa vai de
um extremo a outro.
O paralelismo empregado pelo personagem do avô, para enfatizar a face negativa de
uma festa de 80 anos, acaba transformando a piñata em uma farmácia. Ademais, o paralelismo
repetido também pode ser visto como uma mecanização, além de ser uma marca de
oralidade/coloquialidade.
A repetição também pode reforçar na caracterização de Don Nicolás como um velho
“resmungão”.
Trecho 3- Le digo al abuelo de Yihad que venga a mi cumpleaños e se mea de
risa. Los viejos no celebran el cumpleaños, eso no se ha visto nunca. ¿ Queréis también
que apague ochenta velitas?
¡ Sí! – dijimos el imbécil y yo, que a veces estamos de acuerdo.
Yo apago ochenta velas y me enterráis después de cumpleaños feliz.
Mais uma vez, temos a transposição como geradora da comicidade. Em um primeiro
momento, a transposição ocorre devido à pressuposição de Don Nicolás a respeito do
comportamento de um amigo velho, que, segundo ele, ao invés de agradecer-lhe o convite,
achará muita graça na situação. Portanto, esse amigo apresentaria um comportamento
descabido para a situação. Em um segundo momento, a transposição ocorre em função do
drama feito pelo avô ao dizer que após apagar as velas morrerá. Tal afirmação proporciona um
contraponto, afinal em uma festa de aniversário, devido a sua natureza comemoração do
nascimento –, parte-se do pressuposto de que o tema morte dificilmente aparecerá.
A ironia está presente na fala do avô quando ele pergunta se querem que ele apague
oitenta velinhas. Nesse caso, ela se devido ao emprego do diminutivo que aqui sugere algo
frágil ou infantil. Portanto, um velho soprando velinha poderia parecer infantil, embora apagar
velas seja algo típico de qualquer aniversário, independente da faixa etária.
O uso de um vocabulário mais vulgar também contribui para a comicidade, pois
certamente não teríamos um efeito cômico se o avô dissesse que seu amigo urinaria nas
calças ao receber o convite. Essa proposta evoca uma cena ridícula, pois os adultos parte-se
do princípio de que os adultos controlem sua urina, caso contrário, grosso modo, temos uma
pessoa adulta com comportamento inadequado à sua idade.
Trecho 10- Al día siguiente le abrí las tripas a mi cerdo. Mi cerdo es una hucha de
barro. Generalmente la gente rompe el cerdo cuando tiene la hucha llena; pero como yo
nunca espero a tenerla llena y siempre quiero abrirla cuando sueno dos o tres monedas
porque más no aguanto, mi padre le hizo una ranura secreta en la barriga y todos tan
contentos: ni yo tengo que romper la hucha ni ellos tienen que comprarme una cada
domingo.
Tenia ciento cincuenta pesetas. No era mucho. La verdad es que sólo llevaba
ahorrando un fin de semana; eso no daba ni para comprar las bufandas esas a las que
mi abuelo tenía tanto asco. Si hubiera tenido dinero me hubiera gustado comprarle una
dentadura postiza. El que la que tiene se la hicieron un pelín grande y como se ponga a
comer algo duro es un desastre mundial: acaba por quitarse la dentadura con el trozo de
carne clavado en sus dientes postizos.
A transposição está na atitude deslocada do avô, que, segundo Manolito, por ter uma
dentadura com defeito, quando come é um desastre, pois diz, de maneira exagerada, que o
avô chega ao ponto de deixar a dentadura presa no alimento que estava sendo comido.
Percebe-se, portanto, que o desvio de comportamento foge às regras de etiquetas quando se
está à mesa, a descrição nos permite imaginar uma cena ridícula.
Outro fato que podemos considerar fora de contexto é o ato de presentear alguém em
seu aniversário com uma dentadura. Essa atitude poderia soar de mau gosto, mas, perante sua
ingenuidade ao não ver nenhum mal nesse tipo de presente, apenas nos leva ao riso.
A forma como esse trecho foi construído também colabora para a comicidade, uma vez
que podemos perceber isso quando Manolito nos conta como seus pais encontraram uma
maneira para não lhe comprar um cofre a cada semana. Outro elemento risível na construção é
o fato de ele dizer que o dinheiro que possuía não era muito. Como, em realidade, sabemos
que não era quase nada, percebemos aí uma forma atenuadora que o personagem usou para
dizer que não tinha dinheiro.
O humor apresentado aqui é direto, porque não se faz necessário o leitor decodificá-lo.
Talvez por ser um humor destinado ao público infantil tenha esse tom “pastelão”, pois o
emprego de um humor mais elaborado exigiria um grau maior de abstração.
Trecho 15- Mi abuelo se quedó alucinado cuando vino a recogerme al colegio con
el Imbécil y se encontró con que todos nos íbamos al médico con él, pero se calló. Está
acostumbrado a que le hagamos cosas peores, como aquel día que el Orejones y yo
cambiamos una aceituna negra por una cucaracha en el Tropezón. La atravesamos con
un palillo de dientes y todo; la verdad es que daba el pego, pero mi abuelo sospechó que
no se trataba de una aceituna como las demás cuando vio que a la aceituna se le movían
las patas. Bueno, al fin y al cabo las cucarachas son tan típicas en el Tropezón como las
aceitunas.
A travessura à qual Manolito se remete é um típico desvio da ordem. A comicidade está
presente pelo fato de haver um elemento mecânico sobreposto a algo natural, ou seja, há uma
deformidade na situação, que é a colocação da barata em um lugar que não é exatamente o
seu. Dizemos exatamente porque, assim como as azeitonas, as baratas também o
encontradas naquele bar.
O desvio consiste na troca de uma azeitona preta por uma barata espetada no palito. A
semelhança entre ambas, associada ao possível equívoco por conta da distração, soaria
bastante natural; e é esse equívoco natural que provocava o riso.
Embora a avô tenha se dado conta da travessura, rimos em função da possibilidade do
equívoco.
Trecho 16- Luego pasamos todos juntos a la consulta del doctor Morales, que es el
médico de todos mis amigos y cura prácticamente todas las enfermedades y además,
según dicen las madres, es como un tren y es cachondo. El doctor Morales es un
médico de serie de televisión, en eso está de acuerdo todo el Carabanchel. Nos subimos
todos a la camilla con el Imbécil; todo paracía ir muy bien hasta que Yihad empezó a
tirarnos camilla abajo; entonces el simpático doctor Morales, ese doctor de serie de
televisión, nos dijo que si no teníamos nada que hacer en nuestra casa. El Orejones, que
le ha tocado el papel en esta vida de meter la pata, dijo:
Sí, tenemos que celebrar el cumpleaños de...
No pudo terminar su frase asesina porque se encontró con que cuatro codos se le
habían metido en la boca. Eran los nuestros.
A transposição sugerida é a de comportamento, pois se supõe que em um consultório
médico as pessoas que ali se encontram estejam debilitadas por alguma enfermidade, assim
como as que acompanham se compadeçam de seus estados, porém o comportamento dos
garotos é o de quem está em um parque de diversões, tal é a bagunça que fazem.
O médico, que parece ser considerado um semideus, visto que Manolito diz que o Dr.
Morales cura tudo, logo é descaracterizado pela apreciação de seu porte físico, por parte das
mães. O fato de os elogios irem de um plano a outro colabora para um efeito cômico.
Outro fato que colabora para a comicidade é a distração do amigo Orejones, que não
entende o sentido da bronca em forma de pergunta e quase deixa escapar sobre a festa
surpresa. Nessa passagem, temos um elemento mecânico sobreposto ao natural, uma vez que
haviam combinado o natural, não precisando mais tocar no assunto, principalmente na
presença do avô, e um desvio do comportamento esperado por parte do personagem
Orejones.
O uso de variante popular, a frase feita e as gírias colaboraram para a comicidade do
trecho, pois essa situação, dita de maneira formal, certamente não causaria um efeito cômico.
Trecho17- El caso es que el diagnóstico del médico nos tranquilizó mucho: los
mocos de Imbécil no eran graves, eran asquerosos. De repente mi di cuenta de que ya
eran las seis y cuarto,cogimos todos a mi abuelo tirándole del chaquetón y lo llevamos
casi corriendo hasta mi casa. De vez en cuando nos daba la risa nerviosa, porque la
emoción de llevar a un abuelo a un cumpleaños sorpresa sólo se puede comparar a las
cataratas del Niágara o al cañon del colorado; lo demás en la vida no es tan
emocionante.
A transposição nesse trecho se refere aos sentimentos experimentados pelo garoto, que
compara a emoção de levar o avô a uma festa surpresa com à sensação de ver as Cataratas
do Gran Cânion. A hilaridade se principalmente pelo fato de que seja muito pouco provável
que ele tenha visto tal paisagem.
Aqui também se nota que sempre que o garoto deseja enfatizar algo, ele exagera
fazendo uso de alguma imagem. Talvez pelo fato de ser um livro infanto-juvenil, os leitores
possam compreender melhor o uso enfático por meio de dimensões concretas, o que evidencia
a desproporção das comparações.
Trecho 20- Oímos la llave y nos pusimos a cantar como locos y a comer al mismo
tiempo. Antes de que llegara al salón, Yihad había acabado con las patatas y su vaso de
coca cola; y eso que mi casa, como dice mi madre, es una caja de cerillas y uno llega
pronto a todas las habitaciones. Pero el que entró no era mi abuelo, era el marido de la
Luisa que venía con más víveres; tres botellas de vino para los abuelos. Nos llevamos un
cortazo y un tortazo. Mi madre dijo que al que volviera a abalanzar sobre la comida le
daba un bocadillo para que se lo comiera solo y triste en el parque de Ahorcado. Es una
madre sin compasión.
A transposição nesse trecho se em relação ao comportamento de um dos
convidados, que, ao invés de portar-se bem, por ser uma ocasião supostamente solene, porta-
se de modo raro: a gula de Yihad não permite que ele tenha bons modos, e assim ele segue
comendo ferozmente.
A mãe, diante da situação, se irrita com os maus modos das crianças e lhes aplica
corretivos na frente dos outros convidados, além de os ameaçar caso não se portem melhor.
Outro fator que desequilibra o ambiente é a comida contada, pois normalmente em uma
festa o elemento principal é a comida, a qual, via de regra, é abundante. A graciosidade maior
é causada quando relembramos a fala de Manolito, ao se referir à “fastuosa merienda colosal”,
que, ironicamente, são os sanduíchinhos contados.
Trecho 21- El marido de la Luisa tomó posiciones en el corro que formamos
alrededor de la mesa. Volvió a sonar la llave en la puerta y repetimos nuestro
Cumpleaños Feliz con la misma energía poderosa de antes. Yihad se siguió metiendo
comida en la boca creyendo que mi madre no se daba cuenta, lo que pasa es que a
veces decide hacerse la sueca. Si yo fuera Dios la contrataría: ella es capaz de tener sus
ojos en todas las partes. Es del tipo de madre camaleónica.
A postura do colega Yihad continua sendo desarmônica em relação ao comportamento
esperado em uma festa. A comicidade está no fato de Yihad enganar-se ao pensar que
ninguém se conta de sua atitude. A mãe, contudo, que, segundo o próprio Manolito, parece
possuir superpoderes, entre eles o de adivinhar tudo, percebe a postura de Yihad.
É senso comum achar que as mães sempre “adivinham” o óbvio, como o garoto que
não quer tomar banho ou que comeu doces antes das refeições, por exemplo, do ponto de
vista infantil, no entanto, não há nada de óbvio nessas “adivinhações”, e isso é hilariante.
Trecho 23- No quedó nada. Se acabó el vino, la casera, las cocacolas. Bajaron a
por más, se siguió acabando. Los viejos hacían cola todo el rato para mear; cuando le
tocaba al último de la fila, ya tenía ganas otra vez el primero.
Nesse trecho é apontado um desvio de conduta em relação a uma necessidade física,
que é o fato dos avós fazerem fila o tempo todo para usarem o banheiro, numa clara referência
à incontinência urinária, comum aos idosos. A graciosidade parece estar no movimento
sugerido, ou seja, sair do banheiro e já entrar na fila, como um movimento mecânico.
Dessa forma, não aproveitam a festa, pois quando não estão no banheiro, estão na fila.
Trecho 24- Mi madre sacó la tarta, pero la tarta no se veía: quedaba oculta por
ochenta velas. Mi madre bajó las persianas para que el salón quedara iluminado sólo con
la luz de las velas. El imbécil se puso a llorar porque decía que le daban miedo la cara de
los viejos al rededor de la tarta. A mi abuelo le sobresalían los colmillos a los dos lados
de la boca. Estaba realmente espectral, sólo le faltaban unas gotas de sangre por la
barbilla.
A transposição se encontra no fato de que os velhos causam medo no pequeno Imbécil,
justamente numa situação que, pela sua natureza festiva – portanto, lúdica – prima pela
diversão, não pelo medo. A descrição exagerada de Manolito é imaginária e bastante
fantasiosa que nos sugere uma feiúra digna de riso.
Trecho 25- Mi madre nos dijo que apagáramos los niños las velas. Gritaron: ¡ Una,
dos y tres!, pero Yihad se nos adelantó y las apagó él casi todas. Hasta en las fiestas de
tu abuelo siempre hay un tío que te fastidia la vida. Mi madre dijo que en los cumpleaños
no hay que pelearse, así que tuve que aguantarme, como siempre. Ahora que lo pienso
paso de soplar velas, qué idiotez. Mientras partían la tarta cantamos Es un muchacho
excelente, y a mi abuelo se le cayeron dos o tres lágrimas, como siempre que se brinda,
que el reloj de la Puerta del Sol toca para las uvas o que sale gente en la televisión
muriéndose en la guerra. El abuelo de Yihad dijo que mi abuelo tenía que decir unas
palabras.
A transposição mais uma vez se refere ao desvio de comportamento. O colega Yihad,
como sempre, é mal educado até nas festas alheias. Apesar de a mãe de Manolito ter
combinado que todas as crianças da festa apagariam juntas as velinhas, Yihad se antecipa e
as apaga à frente de todos, chamando a atenção para si.
A comicidade da cena é produzida em função da construção da oração que nos
possibilita mais de uma leitura. Quando Manolito afirma que sua mãe diz que em festas não se
pode brigar, podemos entender que a mãe determina que o garoto tenha um comportamento
pacífico somente em festas, e que, em outros lugares, revidar seria permitido; é como se a mãe
mascarasse seu real desejo o qual, certamente, o mesmo compartilhado pelos leitores, que é
colocar o “insuportável” Yihad no seu devido lugar, aplicando-lhe um corretivo.
Se considerarmos a segunda leitura da oração, em relação à possível postura da mãe,
teríamos um desvio de comportamento de sua parte, pois temos uma pré-concepção de que as
mães, em qualquer situação, devem impedir que seus filhos briguem.
Trecho 26- Mi abuelo decía que no, que no y que no, pero se hizo otro coro del
Papa para gritar: ¡Que hable, que hable!” Entonces mi abuelo dio la noticia, la mejor
noticia de la temporada teniendo en cuenta que el real Madrid como siga así no va a
ganar la Liga. Mi abuelo anunció:
Siempre he dicho que pensaba morirme en 1999, unos días antes de que
acabara el siglo XX, bueno, pues he pensado que voy a probar dos o tres años del siglo
XXI.
A transposição de valores é aqui sugerida quando Manolito diz que a melhor notícia da
temporada foi o seu avô dizer que não iria morrer tão logo, porém essa notícia é
considerada a melhor pelo fato de Manolito saber que não receberá a notícia de que seu time
fora campeão. A valorização do futebol pode ser percebida. O garoto usa o termo temporada
por últimos tempos, ou seja, emprega um vocábulo que normalmente serve para denominar um
período de disputas esportivas.
Trecho 27- El suelo estaba lleno de patatas y de cocacola. Seguro que por la noche
estaría otra vez brillante como un espejo, porque mi madre es como esas madres de los
anuncios, pero con la casa mucho más pequeña.
A transposição parece sair de um plano irreal para o real, ou seja, a postura da e é
igual à das donas-de-casa, que aparecem nas propagandas, mas com algumas diferenças: as
casas dos anúncios são enormes, ao passo que a casa de Manolito é muito menor, outra
diferença está na pessoa que faz a limpeza da casa. Certamente alguém que possui uma casa
como aquelas exibidas nos anúncios paga uma pessoa para fazer o serviço de limpeza, pois
nos parece óbvio que aquela mulher linda e bem cuidada não execute tal serviço. Entretanto,
na casa do garoto, é sua e quem faz a limpeza, inclusive, segundo ele, ela deixa tudo
brilhando. Por certo, ela o faça porque, além de não ter condições para contratar uma
empregada, sequer possui uma casa tão grande e bonita como as que aparecem nas
propagandas.
A comicidade da situação está no fato de que somente as coisas ruins da comparação
feita por Manolito é que são verdadeiras.
A referência feita ao anúncio revela um dado cultural relevante, que é a forte presença
da TV na vida dos espanhóis, outras passagens no corpus também evidenciam isso.
trecho 29- El que se había dormido era el Imbécil, tenía la cabeza apoyada en mi
abuelo y los pies en mí. Siempre me toca soportar lo peor de las personas. El Imbécil es
muy pequeño, pero ya le huelen los pies; en eso ha salido a mi padre. Yo también he
salido a mi padre: en las gafas y en el nombre.
A transposição está no fato de uma criança apresentar mal odor nos pés, pois
consideramos ser mais comum esse odor em homens adultos.
Manolito diz que, em relação a isso, Imbécil puxou a seu pai e que ele também possui
uma semelhança com seu pai, aliás, duas: a necessidade de óculos e o fato de os dois
possuírem o mesmo nome. Percebemos, então, que a semelhança que ambos têm com o pai
se referem a aspectos negativos.
Quando Manolito diz que sempre tem de suportar o pior das pessoas, pensamos
automaticamente em algo relacionado ao caráter das pessoas e não ao mal cheiro de seus
pés. A comicidade se dá pelo fato de o garoto considerar isso como uma das piores coisas em
uma pessoa, quando na realidade sabemos que há coisas muito piores.
Trecho 30- Todo estaba tan quieto como en una película que echaron en la tele en
la que un abuelo y un niño se quedaban los últimos en el cementerio después del
entierro de uno que era negro. Pero esto era mucho mejor porque en la película de mi
vida no habría ningún muerto de momento, me lo había prometido mi abuelo.
A comparação entre as cenas é absurda, pois Manolito se recorda de uma morte, ou
seja, algo ruim para referir-se a uma sensação boa que está vivenciando. Essa gafe, entre
outras presentes no corpus, revela a ingenuidade do personagem. Ao perceber o despropósito
de sua comparação, trata de justificá-la com o fato de que a sua vida era muito melhor, pois
ninguém havia morrido. Ao invés de parar por com suas justificativas, acrescenta um de
momento, que significa “ao menos por enquanto”, ou seja, cada vez o garoto faz um
comentário pior que o outro, quando a intenção é dizer algo bom.
3.3.2 Inversão
Com já mencionamos anteriormente, a inversão é basicamente a troca de papéis.
Encontramos em nosso corpus seis trechos nos quais ocorrência de inversão, todas
elas diretamente relacionadas ao comportamento.
Trecho 7- Hay veces en la vida que me precipito a la hora de pedir disculpas, y
ésta había sido una. Por primera vez en la historia no me llamaba para echarme una
bronca terrorífica; me dijo que iba a celebrar el cumpleaños de mi abuelo por encima del
cadáver de quien fuera.
Pero si él no quiere...
Lo que él quiera o no quiera a nosostros no nos importa.
A ingenuidade de Manolito pode ser uma das causas do riso, pois tal ingenuidade não
permitiu que ele ouvisse a sua mãe.
Como o garoto esperava uma bronca, foi logo se desculpando, porém, dessa vez, a
mãe o chamara por outro motivo. Diante disso, o ato de pedir desculpas, considerado um ato
positivo, assume um aspecto negativo, pois tal atitude evidencia que Manolito havia feito uma
travessura.
Outro fato risível é a suposta inversão de valores por parte da mãe, em relação ao seu
desejo de fazer a festa. Tal inversão ocorre devido à contradição do texto, considerando que a
mãe queria fazer uma homenagem ao avô, não se importando com a vontade do
aniversariante. Como o objetivo da mãe é agradar o avô, a oração parece ser contraditória, daí
o trecho se caracterizar como cômico.
Trecho 12- Pensé que a lo mejor no les apetecía venir a un cumpleaños de un
abuelo... ¡ Sí, todos dijeron que sí! Mis amigos son capaces de ir al cumpleaños de Fredy
Crouger con tal de tomar tarta y coca cola. Les dije que entonces se tendrían que venir
todos antes a la seguridad social al llevar al imbécil al médico. “Pues bueno, pues
vamos”, dijeron.
Nesse trecho, a inversão de valores ocorre em função dos interesses particulares dos
garotos, pois se a expectativa é de que quem vai a festas de pessoas queridas vai para
compartilhar momentos importantes, aqui, no etanto, os garotos vão para se beneficiarem,
comer bolo e tomar coca-cola. Os glutões amigos de Manolito iriam até mesmo à festa do
monstruoso Freddy Crouger o exagero empregado aqui permite ao leitor imaginar a cena
absurda de um monstro comemorando um aniversário e isso certamente é bastante cômico.
Trecho 13- Mi abuelo quiere saber por qué tu abuelo no le ha invitado a su
cumpleaños
– Es que piensa que lo de invitarse a los cumpleaños no es de viejos.
Pues le va a salir el tiro por la culata poque estoy harto de invitarle al Tropezón
para que ahora me deje a tirado en la calle. ¿ A qué hora es el cumpleaños de las
narices?
São várias as inversões nesse trecho. Todas, de alguma forma, produzem comicidade.
A primeira está no fato de D. Nicolás não convidar seus amigos velhos por considerar isso
ridículo, porém, para compensar a ausência de amigos velhos, Manolito resolve convidar os
seus próprios amigos, que são crianças. Com isso, a cena da festa fugiria dos padrões
esperados, visto que, em linhas gerais, espera-se que em festa de velhos predominem velhos
e que em festa de crianças predominem crianças.
Outra inversão está no fato de o melhor amigo de D. Nicolás o ter sido convidado e
ele próprio se convidar. Porém, não bastando essa atitude, ao invés de agradecer o fato de
poder ir à festa, passa a desdenhá-la.
Essas contradições rompem com nossas expectativas, produzindo, por conseguinte,
efeitos humorísticos.
Trecho 19- Era verdad. Al abuelo de Yihad se le había ocurrido traerse a cuatro
abuelos más de los que van a jugar al chinchón al Club del Jubilado. También estaba la
Luisa, pero eso no es ninguna novedad; la Luisa siempre está en mi casa, menos a la
hora de dormir, que se baja con su marido por si a Bernebé se le disloca el peluquín
mientras ronca. Mi madre nos colocó al rededor de la mesa. No se podía tocar ni un
panchito porque estaban contados y mi madre se pone nerviosas cuando hay mucha
gente y poca comida. Todo estaba preparado para cantar el Cumpleaños Feliz cuando el
abuelo asomara por la puerta.
Inversão aqui se refere a algo concreto, e não comportamental como nos casos
anteriores, pois há muita gente e pouca comida, o que acaba constrangendo a anfitriã,
provocando novamente o riso.
Outro elemento muito engraçado é a referência de Manolito à peruca de Bernabé. Com
base em sua descrição, podemos imaginar a cena de alguém roncando exageradamente a
ponto de fazer com que sua peruca se desloque da cabeça. É um humor meio grotesco, mas
leva à hipótese de que tais cenas, por serem repetidamente apresentadas em desenhos
animados, são incorporadas pelas crianças, as quais certamente percebem o intertexto
existente na descrição.
3.3.3 Quebra de expectativa
Tomamos aqui um elemento que consideramos quase que inerente à comicidade, que é
a quebra de expectativa, ou seja, quando outrem nos apresenta algo totalmente diverso do que
esperávamos. Vale ressaltar que nem todas as surpresas, por outro lado, são cômicas, mas
somente aquelas que se apresentam na justa medida.
A quebra da expectativa quase sempre está associada a outros mecanismos
disparadores do riso. Às vezes, essa quebra se mostra coadjuvante, às vezes, é protagonista
do processo desencadeador do efeito cômico.
Nos trechos que seguem, consideramos a quebra de expectativa como o principal
elemento causador do riso.
Trecho 4- Pues dinos lo que quieres que te regalemos mi madre no se da por
vencida tan facilmente.
¡ Nada! No tengo nada que celebrar, no tengo amigos y no tengo ganas de
cumplir ochenta años; lo único que tengo son bufandas de los cumpleaños anteriores.
Dicho eso mi abuelo se metió en el cuarto de baño para ponerse los dientes
postizos, porque se iba a tomar el sol con el abuelo de Yihad. Mi abuelo no es de los que
les gusta tomar el sol sin los dientes. Cogió la puerta y se fue. El imbécil e yo nos
quedamos con el cumpleaños en la boca.
Nesse trecho se espera que o avô possa fazer qualquer coisa no banheiro, ou até
mesmo não fazer nada, ficando apenas trancado fazendo birra como uma criança mimada,
porém nunca imaginaríamos que, depois de uma discussão, ele entraria no banheiro e apenas
colocaria a dentadura para dar um passeio. A atitude do avô é inesperada e quebra a
expectativa do leitor.
Ao revelar o que o avô fora fazer no banheiro, houve um relaxamento em uma situação
aparentemente tensa.levando o leitor ao riso
Trecho 9- Antes de salir de la habitación mi madre dijo:
Y como me entere de que vuelves a tirar polvorones por la terraza, vas tú detrás.
Ya sabía que era imposible entrar en la habitación de mi madre y que no te la
cargaras por algo. Bueno, había salido sano y salvo, sin cicatrices, no me podía quejar.
Como a mãe havia dito que não chamava Manolito para dar-lhe uma bronca, tanto o
garoto quanto o leitor crêem que a bronca não será aplicada, visto que a mãe explicita que não
o chamou para isso.
Podemos dizer que a atitude da mãe nos surpreende duplamente, primeiro por não dar
a bronca em Manolito, quando ele confessa sua travessura, segundo por voltar atrás e aplicar-
lhe a bronca quando pensávamos que ela já havia se esquecido da confissão do garoto. Há um
vai-e-vem de quebra de expectativa, pois ora se espera a bronca e ela não ocorre ora, quando
não se espera mais, ela acontece, causando o efeito cômico no trecho.
Trecho 11- ¿ A que no sabes lo que vi de repente, sin previo aviso? Una dentadura
de Drácula. No tenía dinero para una dentadura de dentista, pero si para comprarle a mi
abuelo una de Drácula. Me gastaría el dinero a mi abuelo. En ese momento fui la mejor
persona que he conocido en mi vida, sin exagerar. Fui como ese niño del cuento que es
capaz de morir por salvar a su abuelo. Menos mal que yo no me veía en la obligación de
morir, porque, la verdad, eso me lo hubiera pensado dos veces.
Nessa passagem, temos a sensação de que o garoto tenta fazer com que o leitor se
surpreenda, assim como ele se surpreendeu, com o presente que poderia comprar a seu avô.
Por esse motivo, incita que o leitor adivinhe o que certamente comprará de presente para seu
avô.
O fato de o garoto querer presentear o avô com uma dentadura nos surpreende, pois
não é usual que se presenteie alguém como uma dentadura, a menos que seja uma
brincadeira. No entanto, o garoto refere-se à dentadura como se fosse um presente comum.
Essa naturalidade empregada por Manolito ao considerar tal presente algo comum é hilariante,
tornando-se mais ainda quando o leitor se conta de que o absurdo relativo ao presente não
pára por aí. Não se trata apenas de uma dentadura, mas de uma dentadura de brinquedo, mais
especificamente de uma dentadura de vampiro. Vemos que a sucessão de surpresas em
relação ao presente vai causando um humor cada vez mais intenso.
Outro fator cômico presente é a contradição nos valores de Manolito. Em um primeiro
momento, ele se considera a melhor pessoa do mundo por abrir mão de comprar algo para si
em função de presentear o avô; refere-se a uma passagem de um filme, mas, não obstante,
logo trata de deixar claro que pensaria duas vezes antes de morrer para salvar seu avô. Nesse
trecho temos a sensação de que sua máscara cai e o “nobre” Manolito volta a ser o garoto
comum.
Trecho14- El abuelo de Yihad estaría a las seis con los dientes puestos en mi
casa. Allí se encontraría con mis padres, la Luisa y su marido. Mi madre se preguntaría a
misma: ¿ Y a éste quien le ha invitado?”Pero se lo callaría porque delante de las
personas de fuera siempre es muy educada, como Lady Di.
La fastuosa merienda colosal estaría esperándonos en la mesa.
O garoto inicia o trecho falando da postura dos convidados e logo passa a falar da
comida. Manolito passa de um assunto a outro sem se dar conta de que está tratando de
coisas diferentes, não há uma pausa para começar a tratar do segundo item (comida). Temos a
sensação de que, para o garoto, convidados e comida pertencem ao mesmo campo semântico,
simplesmente pelo fato de todos estarem na festa.
A construção desse trecho não permite ao leitor imaginar que haveria essa brusca
mudança de temas, até mesmo porque, até então, Manolito vinha enumerando as várias
pessoas que estariam na festa, inclusive descreve, durante a expectativa, como se
comportariam; de repente, muda o discurso para falar da comida, que, diante da forma como é
caracterizada, parece pertencer a um grau superior.
A imaginação do garoto, com relação à postura de sua mãe, diante da situação de
descrevê-la, inclusive o que ela pensaria, comparando-a com a princesa Diana, como forma de
elogio, revela seu carinho por ela, embora também colabore para a comicidade.
Trecho 18- Subí con mis amigos a casa. Mi madre abrió la puerta y se quedó
mirando:
_ ¿ Y todos estos?
Con mis amigos no se corta ni un pelo; los trata igual de mal como si fuera sus
hijos.
Como el abuelo no quería un cumpleaños lleno de viejos le he traído a mis
amigos.
No importa esto lo decía mi madre con tono sospechoso tenemos niños,
viejos... Es un cumpleaños para todos los públicos.
O trecho é cheio de surpresas. Como mencionamos, é a mãe que se surpreende ao
ver tantas crianças, as quais ela certamente não contava com a presença. Logo, é o leitor que
se surpreende com o fato de Manolito dizer que sua e trata seus amigos da mesma que
trata seus filhos. O garoto quebra a expectativa do leitor ao acrescentar nessa mesma oração
um fator negativo, pois diz que a mãe trata tão mal os amigos dos filhos quanto os filhos. O
modelo de frase consagrado que o leitor tem em mente é “tão quanto”. Entretanto, o modelo
sofre uma variação negativa e esta nos é transmitida por Manolito, como se não tivesse sofrido
nenhuma mudança.
A naturalidade com que o personagem transmite o “modelo alterado” nos a
impressão de que o “modelo é autêntico”. A mudança ocasionada na oração rompe com a
expectativa do leitor e produz um efeito cômico.
Trecho 28- Mi abuelo se había bajado todas sus bufandas en una bolsa para
mirarlas de vez en cuando. Yo hago lo mismo con mis regalos de Reyes: me los bajo
todos al parque del Ahorcado para que no se separen de todo el día. Estábamos
sentados en el único banco del parque del Ahorcado que no está roto; es el banco donde
se echan la siesta por la mañana todos nuestros abuelos.
A atitude do avô é duplamente inesperada, primeiro porque assume uma postura de
criança, ao olhar seus presentes no parque, e a segunda é apreciar a bufandas (cachecóis),
que ele havia desdenhado tanto. A situação contraria tudo o que o avô havia dito a respeito dos
indesejáveis cachecóis; é a forma como essa contradição nos é apresentada que nos causa
graça.
3.3.4 Linguagem
Nessa parte do nosso trabalho, tomamos para análise quatro trechos em que a
comicidade está presente, ainda que ela tenha sido desencadeada, não por nenhum dos
elementos anteriormente mencionados, mas apenas pela forma como esses trechos estão
escritos, ou seja, a comicidade presente nos trechos que seguem foi produzida pela linguagem.
Indiscutivelmente, se tivessem sido escritos de outra maneira, as situações apresentadas
certamente não produziriam o mesmo efeito.
Como se sabe, em todo o corpus a linguagem é um elemento fundamental para a
produção de efeitos de sentidos cômicos. Nesses trechos, porém, consideramos que a
linguagem é que exerce um papel determinante, daí ser vista como principal produtora da
comicidade.
Trecho 5- Yo Hasta ese momento no había conocido a nadie que no quisiera
celebrar su cumpleaños. Incluso mi madre, que desde hace muchos años sólo quiere
cumplir 37, lo quiere celebrar, y lo avisa muchos días antes para que mi padre se
acuerde y le compre un brillante, un visón o una batidora con unas cuchillas mortales,
que es lo que al final acaba comprando siempre.
A comicidade nesse trecho é causada pelo fato de Manolito revelar que sua mãe, assim
como “todas” as mulheres, não quer envelhecer; por isso, mentem a idade. Lembramos que
para haver compreensão da comicidade nesse trecho é necessário entender um fator cultural,
que parece pertencer ao universo feminino em boa parte das culturas, que é o fato de as
mulheres quererem se manter sempre jovem.
Podemos dizer que um paradoxo na postura da mãe, porque quer fazer aniversário,
inclusive avisa para que todos se lembrem, mas não quer envelhecer.
Os vocábulos incluso (inclusive) e sólo (somente) marcam o texto de maneira que seria
compreensível alguém, como a mãe de Manolito, não querer comemorar o aniversário, porém
até mesmo ela o quer. Desse modo, os vocábulos, funcionam como operadores
argumentavivos, marcanado a raridade que é o fato de alguém não querer celebrar seu
aniversário.
O fato de a mãe ter de fazer com que seu marido se lembre de comprar-lhe um presente
revela um desvio de comportamento de ambos, que ele, por não se lembrar; ela, por ter de
fazê-lo se lembrar. Apesar de a mãe sempre dar pistas sobre o presente dos seus sonhos,
sempre acaba ganhando, para sua decepção, uma batedeira. Os vários desvios e a forma
como estão descritos produzem o humor no texto.
Trecho 6- La madre imprevisible no volvió a nombrar el cumpleaños de mi abuelo,
y el famoso día A ( A de Abuelo) se acercaba peligrosamente. La víspera de aquel
miércoles misterioso, mi madre le llamó a su cuarto y cerró la puerta. Yo me eché a
temblar inmediatamente y le dije...
A estrutura empregada para narrar o plano da festa surpresa ganha um toque de
mistério, deixando no ar um clima de suspense, garantido principalmente pelo advérbio
peligrosamente (“perigosamente”) e pelo adjetivo misterioso. A referência ao clichê dia D, para
denominar um acontecimento importante, é substituído por famoso dia A, o qual, para que não
haja nenhuma dúvida em relação ao intertexto, segundo o próprio Manolito, em tom
conversacional, tem a inicial de abuelo.
Para que se capte a comicidade nesse trecho, é necessário que o leitor compreenda a
alusão contida em dia A, pois somente a explicação de Manolito não garante o riso.
Trecho 8- Mientras nosotros estábamos en el médico, mi madre iría al súper a
comprar provisiones para la fastuosa merienda colosal.
Nesse trecho, a graciosidade está basicamente na escolha dos adjetivos exagerados
que supervalorizam o lanche da tarde. Temos a impressão de que, na cabeça de Manolito, se
não houver exagero não ficará claro para o leitor que se trata de um especial lanche da tarde,
tão importante para ele, que encontramos no corpus outras duas citações exageradas em que
o garoto também denomina o lanche como fastuosa merienda colosal.
Trecho 22- Nos volvimos a colocar en nuestras posiciones, comíamos el queso sin
hacer ruido para que al entrar mi abuelo no se percatara que su casa estaba invadida por
miles de personas. Pasó un rato..., y al tercer rato los abuelos empezaron a pedir sillas
porque, la verdad, mi abuelo se estaba poniendo un poco pesado.
A comicidade na construção do trecho se principalmente pelo fato de o garoto
enumerar os momentos que esperavam seu avô para lhe fazer a surpresa.
As reticências empregadas, nesse caso, nos indicam que o tempo foi maior que um
momento. Outro indício disso é o fato de Manolito enumerar os momentos. O garoto menciona
o primeiro e, mesmo o mencionando o segundo momento, diz que no terceiro momento
estavam cansados de esperar. Por outras palavras, a enumeração indica de forma “quase
concreta” que o tempo de espera foi longo.
É comum dizermos que se passou um momento, mas não dois ou três momentos, como
se refere Manolito. Acreditamos que sua intenção é a de dizer que seu avô estava demorando,
mas se simplesmente declarasse isso, a graça se perderia.
Analisado todo o corpus, podemos perceber que a comicidade em cada um dos trechos
selecionados, embora tenha sido desencadeada por um elemento principal, vários outros
elementos também colaboraram para a sua produção. Além disso, em todos os trechos
selecionados, são evidentes as marcas de oralidade/coloquialidade, de modo que podemos
afirmar que essas marcas também colaboraram para o efeito de sentido cômico no corpus.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Por meio da análise feita, pudemos perceber que é possível reconstruir um discurso
oral/coloquial através de um texto literário infanto-juvenil escrito.
Para que essa reconstrução ocorresse, em nosso corpus, houve necessidade de um
alto nível de elaboração, pois reconstruir um texto oral não se trata apenas de empregar
expressões ou vocábulos normalmente utilizados na fala, mas sim de um cuidadoso
planejamento em que vários elementos da língua oral/informal atuam juntamente com uma
estruturação própria desse tipo de modalidade lingüística, além do cuidado de não desrespeitar
os padrões da modalidade escrita.
4.1 Sobre a coloquialidade
Empiricamente, antes de analisarmos o corpus, havíamos percebido a presença da
oralidade no texto, pois, ao lê-lo, tínhamos a impressão de que alguém nos contava uma
história. Diante disso, buscamos quais eram as marcas que caracterizavam um texto oral, e,
então, tratamos de reconhecer tais elementos.
Acreditamos que Elvira Lindo, autora do texto, observando cuidadosamente situações
reais de fala, reconstruiu um universo no qual o emprego de determinadas expressões e o uso
do registro coloquial colaboraram para a verossimilhança no corpus.
Observamos que a forma empregada para reconstruir um texto oral contou com vários
elementos lingüísticos e culturais inter-relacionados, a fim de que a “imitação” parecesse
natural.
Nas tabelas em que dispusemos as marcas de oralidade presentes no corpus, foi
possível constatar a presença de gírias, expressões fixas, variantes populares, marcadores
conversacionais, repetição, diminutivo e aumentativo e qual a recorrência de cada uma delas.
Percebemos que tais elementos não marcavam o texto apenas oralmente, mas também
de forma coloquial e que, quando empregado, cada um deles exercia uma função específica
dentro do texto.
Com relação aos elementos lingüísticos, mais especificamente as marcas de
oralidade/coloquialidade, percebemos que as gírias/variações populares, expressões fixas e
marcadores conversacionais foram as marcas mais recorrentes no corpus, nossa pesquisa não
tratou apenas de quantificá-los, mas demonstrar que seus usos estão diretamente relacionados
ao efeito de oralidade/coloquialidade que se deseja produzir, visto que essas marcas são
quase que exclusivas do discurso oral/coloquial.
Sabendo que esses elementos são tipicamente orais, concluímos que, quando
empregados na escrita, eles têm a função de marcar lingüisticamente um grupo social, uma
época, um país.
Como nosso corpus se trata de um texto infanto-juvenil, encontramos marcas
lingüísticas que representam esse universo infantil dentro de um universo sociocultural maior.
São elas:
Estrutura simples da narrativa, uso de gírias tipicamente infantil, além dos jogos de
palavras que exploram a sonoridade de forma lúdica.
O uso de diminutivos que marcam o texto afetivamente e produzem efeitos
atenuadores e de aproximação entre os interlocutores.
O aumentativo, por sua vez, exerceu a função de intensificador em determinadas
passagens do texto.
As expressões fixas empregadas no corpus também revelaram um aspecto da
língua oral/coloquial que colabora pra a dinâmica dessa modalidade, pois tais expressões são
de fácil decodificação, o que torna a compreensão rápida.
Os marcadores interacionais deram o tom conversacional ao texto, o que tornou
possível a aproximação dos interlocutores.
A repetição, além de garantir a comicidade em algumas passagens, também revela
um traço da língua oral, pois ela é um recurso comumente empregado na fala, seja para
enfatizar, seja para retomar e dar prosseguimento ao discurso.
O emprego de variantes mais populares evidenciou o universo sociocultural
representado, pois o uso dessas variantes, além de aproximar os interlocutores devido ao tom
informal, também revelaram que esse é o único registro dominado pelo narrador e, por
conseguinte, por todo o grupo de marginalizados que ele representa.
Também não deixamos de observar que, embora o universo representado no corpus
seja o de uma classe social economicamente desfavorecida, a autora emprega o registro
coloquial, porém sem intervenções na língua empregando erroneamente palavras ou
estruturas, denominadas por Briz (op. cit.) como vulgarismos. Acreditamos que isso ocorra
principalmente por se tratar de um livro destinado ao público infanto-juvenil, ou seja, um público
em formação a quem tais intervenções poderiam influenciar negativamente.
O corpus apresenta uma forma narrativa que permite ao leitor, além de imaginar cada
cena, ainda “interagir”, de certa forma, com o narrador, uma vez que este, através da
linguagem, se mostra muito próximo.
4.2 Sobre a comicidade
Ao analisarmos os aspectos discursivos produtores de efeitos de sentido cômicos,
observamos que:
As situações que apresentam o cômico se baseiam em aspectos negativos, tais
como: mau comportamento, pobreza, doença, velhice, morte; que, de certa forma,
todos eles fogem de um padrão desejado.
A maior parte das cenas risíveis está associada a atitudes que podemos considerar
grotescas, indesejadas, desproporcionais ou escatológicas.
Percebemos que o riso presente no texto se universaliza ao transpassar os limites
do contexto e se intensifica quando as “regras“ sociais são burladas ou subvertidas.
Em relação à organização dos elementos lingüísticos, eles colaboraram para o efeito
cômico no corpus, podendo-se dizer que o corpus apresenta uma comicidade oral,
pois a forma de descrição das situações nos remete a uma língua sonora,
juntamente com uma cena “visual” cômica.
Percebemos que não é possível delimitar com exatidão a função de cada um dos
elementos humorísticos, pois todos eles parecem estar divididos apenas por uma
linha tênue, por isso interagem.
Consideramos que o texto não apresenta uma única via humorística, mas várias, que se
apóiam na linguagem.
Assim, as atitudes que registram o riso transcendem o universo infantil, pois a
percepção do personagem Manolito é a de um adulto que com certa tristeza esse universo
infantil, sem sonhos e sem fantasias, pois não é possível imaginar para esse grupo
representado por Manolito um mundo além da pobreza, da mediocridade e da ingênua
concepção do que possa ser felicidade (comida e futebol, por exemplo).
A leitura da obra de Elvira Lindo possibilita uma leitura ingênua, infantil que se resulta
hilariante, mas deixa naqueles não tão “infantis” um olhar melancólico produzido por essas
crianças-adultas que, desde muito cedo, percorrem o caminho das margens.
Pelo fato de todos os trechos considerados cômicos apresentarem marcas de
oralidade/coloquialidade, podemos afirmar que ela está inerente à comicidade, visto que “esse
mesmo texto” escrito de maneira formal certamente não produziria os efeitos cômicos aqui
produzidos.
Por fim, embora os temas escolhidos para nossa pesquisa tenham sido considerados
“temas menores", acreditamos que, na atualidade, tanto a coloquialidade quanto o humor
contam com vários estudos que os valorizam.
Diante disso, esperamos que nossa pesquisa possa futuramente contribuir com esses
estudos.
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_________Tinto de verano. Madrid: Aguilar S.A.Ediciones, 2001. Artículos.
_________Manolito tiene un secreto. Madrid: Alfaguara, 2002. Novela.
_________Algo más inesperado que la muerte. Madrid: Alfaguara, 2002. Novela.
_________Tinto de verano 3. Madrid: Aguilar S.A. Ediciones, 2003. Artículos.
_________La sorpresa del roscón, 2004. Teatro.
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6 ANEXOS
Manolito Gafotas -Un cumpleñaos Feliz
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Mi abuelo no quería celebrar su cumpleaños.Dijo que no, que no y que no. Mi
madre decía:
_ Pero papá, ocehenta años no se cumple todos los días.
Gracias a Dios dijo mi abuelo. Sólo faltava que ese disgusto se lo dieran a uno
cada dos por tres.
_ ¡ abuelo! Nosotros te lo preparamos, invitas a tus amigos, compramos una
piñata... _ya me lo estaba imaginando.
_ Y dentro de la piñata podéis meter pastillas para la artrosis, pastillas para la
incontinencia, pastilllas para la tensión..._ mi abuelo estaba por verlo todo negro. _ Si
invito a mis amigos esto puede parecer un asilo. No me gusta, todo lleno de viejos, de
dentaduras postizas, de juanetes, no quiero. Además, ¿ qué amigos tengo yo?
_ El abuelo de Yihad – le dije yo.
_ Le digo al abuelo de Yihad que venga a mi cumpleaños e se mea de risa. Los viejos
no celebran el cumpleaños, eso no se ha visto nunca. ¿ Queréis también que apague
ochenta velitas?
_ ¡ Sí! – dijimos el Imbécil y yo, que a veces estamos de acuerdo.
_ Yo apago ochenta velas y me enterráis después de cumpleaños feliz.
El Imbécil y yo empezamos a cantar el cumpleaños feliz. Ese tipo de canciones
siempre las cantamos a dúo y dando patadas en las patas de la mesa. Es nuestro
estilo: la canción melódica. Mi abuelo seguía a la suyo:
_Y encima, como eres viejo, la gente sólo te regala bufandas, te llenan el armario de
bufandas. Ni una corbata, ni un frasco de colonia, ni un chaquetón tres-cuartos, sólo
bufandas.
_ Pues dinos lo que quieres que te regalemos mi madre no se por vencida tan
facilmente.
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_ ¡ Nada! No tengo nada que celebrar, no tengo amigos y no tengo ganas de cumplir
ochenta años; lo único que tengo son bufandas de los cumpleaños anteriores.
Dicho eso mi abuelo se metió en el cuarto de baño para ponerse los dientes postizos,
porque se iba a tomar el sol con el abuelo de Yihad. Mi abuelo no es de los que les
gusta tomar el sol sin los dientes. Cogió la puerta y se fue. El Imbécil y yo nos
quedamos con el cumpleaños en la boca
Yo Hasta ese momento no había conocido a nadie que no quisiera celebrar
su cumpleaños. Incluso mi madre, que desde hace muchos años sólo quiere
cumplir 37, lo quiere celebrar, y lo avisa muchos días antes para que mi
padre se acuerde y le compre un brillante, un visón o una batidora con unas
cuchillas mortales, que es lo que al final acaba comprando siempre.
Después del portazo de mi abuelo pensé que mi madre se iba enfadar, porque si hay
algo que a ella no le gusta en la vida es que la lleven la contraria. Así que el Imbécil
y yo quedamos muy callados porque en esos momentos es muy fácil que te la cargues
por lo que sea; como estornudes un poco fuerte se te puede caer el pelo, y no
precisamente por el estornudo. Pero no, mi madre no se enfadó, seguió quitando la
mesa como si tal cosa. Ya lo dijo mi padre un día del año pasado: “Ella es
imprevisible”.
La madre imprevisible no volvió a nombrar e cumpleaños de mi abuelo, y el famoso
día A ( A de Abuelo) se acercaba peligrosamente. La víspera de aquél miércoles
misterioso, mi madre le llamó a su cuarto y cerro la puerta. Yo me eché a temblar
inmediatamente y le dije:
_ Yo no lo hice con mala intención, fue el Imbécil que saco los polvorones del
mueble-bar y quería ver cómo se espanzurraban si los tirábamos por el balcón.
Resultó que el que tiré yo fue el que le cayó a la Luisa en la chepa.
_ No te llamaba por eso, Manolito.
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Hay veces en la vida que me precipito a la hora de pedir disculpas, y ésta había sido
una. Por primera vez en la historia no me llamaba para echarme una bronca
terrorífica; me dijo que iba a celebrar el cumpleaños de mi abuelo por encima del
cadáver de quien fuera.
_ Pero si él no quiere...
_ Lo que él quiera o no quiera a nosostros no nos importa.
Así es mi madre, ni el Papa es capaz de hacerla cambiar los planes. Me gustaría a mi
que veniera el Papa a decirle a mi madre si tiene que celebrar o no un cumpleaños.
Mi madre es la máxima autoridad del planeta, eso lo saben hasta los extraterreste
como Paquito Medina.
Mi madre trazó un plan, un plan perfecto, el plan más perfecto que una madre ha
trazado desde que existe el globo terráqueo. El plan consiste en lo seguiente:
Me iría con mi abuelo a llevar el Imbécil al médico. ¿ Qué por qué llevabos al
Imbécil al médico? Porque tenía mocos, pero daba igual, si no hubiera sido por los
mocos hubiera sido por otra cosa, porque el Imbécil no sale del dico; es el típico
niño que lo coge todo. ¿ Por qué? Porque chupa toda la caca del suelo. Pero vamos
a dejar esa historia. Si te contara las guarrerías que hace el Imbécil no podrías
volver a comer en tu vida.
Mientras nosotros estabamos en el médico, mi madre iría el súper a comprar
provisiones para la fastuosa merienda colosal.
A las seis de la tarde, en casa. Los invitados seríamos: mi padre, mi madre, la Luisa,
el marido de la Luisa, yo y el Imbécil.
¡ Qué rollo repollo de cumpleaños! Le pregunté a mi madre si lo decía al abuelo de
Yihad, pero mi madre se acordó de que mi abuelo había dicho que le daba corte
invitar a un amigo viejo. Pues nada, sin amigo viejo.
Antes de salir de la habitación mi madre dijo:
_ Y como me entere de que vuelves a tirar polvorones por la terraza, vas tú detrás.
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Ya sabía que era imposible entrar en la habitación de mi madre y que no te la
cargaras por algo. Bueno, había salido sano y salvo, sin cicatrices, no me podía
quejar.
Tener un secreto tan gordo dentro de mi cerebro me ponía nervioso. Había momentos en
que me parecía que no me cabía el secreto en la cabeza. Por la noche le dijo dos o tres
veces a mi abuelo cuando nos acostábamos:
_ Abuelo, mañana es tu cumpleaños, pero jamais lo celebraremos.
Mi abuelo decía: “Pues bueno”, y cerraba los ojos para dormirse. Hay veces que
parece un terrible hombre impasible.
Al día siguiente le abrí las tripas a mi cerdo. Mi cerdo es una hucha de barro.
Generalmente la gente rompe el cerdo cuando tiene la hucha llena; pero como yo
nunca espero a tenerla llena y siempre quiero abrirla cuando suena dos o tres
monedas porque más no aguanto, mi padre le hizo una ranura secreta en la barriga y
todos tan contentos: ni yo tengo que romper la hucha ni ellos tienen que comprarme
una cada domingo.
Tenía ciento cincuenta pesetas. No era mucho. La verdad es que sólo llevaba ahorrando
un fin de semana; eso no daba ni para comprar las bufandas esas a las que mi abuelo
tenía tanto asco. Si hubiera tenido dinero me hubiera gustado comprarle una dentadura
postiza. El que la que tiene se la hicieron un pelín grande y como se ponga a comer algo
duro es un desastre mundial: acaba por quitarse la dentadura con el trozo de carne
clavado en sus dientes postizos.
Me llevé las ciento cincuenta pesetas al colegio. Estaba a punto de gastarmelass en el
Puesto Azul. - el Puesto Azul es el puesto de señor Mariano, que tiene todas las
chucherías conocidas en uno y otro confín -, en una bolsa de canicas rojas que le
han traído al señor Mariano desde China; pero me eché para atrás porque desde que el
Imbécil estuvo a punto de ahogarse con mis canicas, mi madre las tiene bastante
prohibidas. Nada de canica. Luego vi unos sobres que tiene de indios, pero es que los
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indios del señor Mariano no se tienen de pie, y a mi me gusta que se tengan de pie
para hacer una montaña con el cojín y poner a los indios asomando sus plumas por
detrás, como en las películas. Nada de indios. Luego vi una peonza, pero ya tenía.
Un yoyó, ya tenía... ¿ A que no sabes lo que vi de repente, sin previo aviso?
Una dentadura de Drácula. No tenía dinero para una dentadura de dentista, pero si
para comprarle a mi abuelo una de Drácula. Me gastaría el dinero a mi abuelo. En
ese momento fui la mejor persona que he conocido en mi vida, sin exagerar. Fui
como ese niño del cuento que es capaz de morir por salvar a su abuelo. Menos mal
que yo no me veía en la brigación de morir, porque, la verdad, eso me lo hubiera
pensado dos veces.
Yihad me dijo en el recreo que si la dejaba mi dentadura. Se la dejé un rato, pero le
pedí que no me la chupara mucho porque se la iba a regalar a mi abuelo. Luego se la
puso Paquito Medina y el Orejones, que me la dejó llena de bollo. La limpié en sus
pantalones y se quedó tan blanca como antes, porque era una dentadura de primera
calidad.
Cuando estábamos en clase me acordé de que mi abuelo había dicho que no quería un
cumpleaños con viejos, así que pensé que sería una gran idea invitar a mis amigos. Mis
amigos pueden tener muchos defectos (los tienen todos), pero no son viejos. Les pasé un
papel a escondidas. A mi sita no le gusta que te pongas a invitar la gente a un
cumpleaños mientras ella explica un rollo de los climas del mundo mundial. Pensé que a
lo mejor no les apetecía venir a un cumpleaños de un abuelo... ¡ Sí, todos dijeran que sí!
Mis amigos son capaces de ir al cumpleaños de Fredy Crouger con tal de tomar tarta y
coca cola. Les dije que entonces se tendrían que venir todos antes a la seguridad social al
llevar al Imbécil al médico. “Pues bueno, pues vamos”, dijeron.
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A la hora de comer felicitamos a mi abuelo y nos pusimos a ver la televisión como si
no nos importara nada más en este mundo. Hay veces que lo que más nos importa en
este mundo es la televisión, pero en esta ocasión estabamos disimulando.
Cuando llegué al colegio después de comer, Yihad estaba con su abuelo en la puerta.
Yihad dijo:
_ Mi abuelo quiere saber por qué tu abuelo no le ha invitado a su cumpleaños
_ Es que piensa que lo de inviterse a los cumpleaños no es de viejos.
_ Pues le va a salir el tiro por la culata porque estoy harto de invitarle al Tropezón
para que ahora me deje a mi tirado en la calle. ¿ A qué hora es el cumpleaños de
las narices?
_ A las seis.
Estaba claro que la opinión de mi abuelo no era sagrada, todo el mundo se la saltaba
a la torera. El plan perfecto trazado por mi madre quedaba así:
a) Mi abuelo, Yihad, yo, el Orejones, Paquito Medina y la Susana iríamos a la
Seguridad Social para que el médico le viera los mocos al Imbécil. Un espetáculo
sólo comparab;e a “Los Cazafantasmas”.
b) El abuelo de Yihad estaría a las seis con los dientes puestos en mi casa. Allí se
encontraría con mis padres, la Luisa y su marido. Mi madre se preguntaría a sí
misma: ¿ Y a éste quien le ha invitado?”Pero se lo callaría porque delante de las
personas de fuera siempre es muy educada, como Lady Di.
c) La fastuosa merienda colosal estaría esperándonos en la mesa.
Mi abuelo se quedó alucinado cuando vino a recogerme al colegio con el Imbécil y se
encontró con que todos nos íbamos al médico con él, pero se calló. Está
acostumbrado a que le hagamos cosas peores, como aquel día que el Orejones y yo
cambiamos una aceituna negra por una cucaracha en el Tropezón. La atravesamos
con su palillo de dientes y todo; la verdad es que daba el pego, pero mi abuelo
sospechó que no se trataba de una aceituna como las demás cuando vio que a la
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aceituna de le movían las patas. Bueno, al fin y al cabo las cucarachas son tan típicas
en el Tropezón como las aceitunas.
En la sala de espera de la Seguridade Social lo pasamos bestial. Es fantástico ir al
médico cuando es a otro al que tienen que mirar. Patinábamos por los pasillos,
bailábamos la peonza, jugábamos al churro media manga y cuando queríamos reírnos
como animales le preguntábamos al Imbécil:
_ ¿ Cómo le vas a decir al médico que te suenas los mocos?
Y el Imbécil entraba en estado de concentración y luego se los metía para adentro.
Mis amigos se partían el pecho de ver el Imbécil hacer su tontería mayor y el Imbécil
se emicionó de ser el centro de la reunión, y de tanto echarse los mocos para dentro
se puso rojo rojísimo que por poco se queda en el sitio por payaso. Luego pasamos
todos juntos a la consulta del doctor Morales, que es el médico de todos mis amigos y
cura prácticamente todas las enfermedades y además, según dicen las madres, está
como un tren y es cachondo. El doctor Morales es un médico de serie de televisión,
en eso está de acuerdo todo el Carabanchel. Nos subimos todos a la camilla con el
Imbécil; todo paracía ir muy bien hasta que Yihad empezó a tirarnos camilla abajo;
entonces el simpático doctor Morales, ese doctor de serie de televisión, nos dijo que
se no teníamos nada que hacer en nuestra casa. El Orejones, que le ha tocado el
papel en esta vida de meter la pata, dijo:
_Sí, tenemos que celebrar el cumpleaños de...
No pudo terminar su frase asesina porque se encontró con que cuatro codos se le
habían metido en la boca. Eran los nuestros.
El caso es que el diagnóstico del médico nos tranquilizó mucho: los mocos de
Imbécil no eran graves, eran asquerosos. De repente mi di cuenta de que ya eran las
seis y cuarto, cogimos todos a mi abuelo tirándole del chaquetón y lo llevamos casi
corriendo hasta mi casa. De vez en cuando nos daba la risa nerviosa, porque la
emoción de llevar a un abuelo a un cumpleaños sorpresa sólo se puede comparar a las
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cataratas del Niágara o al cañon del colorado; lo demás en la vida no es tan
emocionante.
Cuando llamamos al telefonillo de mi casa salió la voz de mi madre diciendo:
_ Manolito, dile al abuelo que se acerque al Tropezón a traer una botella de casera
para la cena.
Mi abuelo, que lo estaba oyendo se dio media vuelta para ir al Tropezón; a él le
encanta que mi madre le mande al bar a por alguna cosa que se le ha olvidado. Lo
que ocurre es que luego a él se le olvida despegarse de la barra para volver a casa.
Subí con mis amigos a casa. Mi madre abrió la puerta y se quedó mirando:
_ ¿ Y todos estos?
Con mis amigos no se corta ni un pelo; los trata igual de mal como si fuera sus
hijos.
_ Como el abuelo no quería un cumpleaños lleno de viejos le he traído a mis amigos.
_ No importa – esto lo decía mi madre con tono sospechoso-; tenemos niños, viejos...
Es un cumpleaños para todos los públicos.
Era verdad. Al abuelo de Yihad se le había ocurrido traerse a cuatro abuelos más de
los que van a jugar al chinchón al Club del Jubilado. También estaba la Luisa, pero
eso no es ninguna novedad; la Luisa siempre está en mi casa, menos a la hora de
dormir, que se baja con su marido por si a Bernebé se le desloca el peluquín mientras
ronca. Mi madre nos colocó al rededor de la mesa. No se podía tocar ni un panchito
porque estaban contados y mi madre se pone nerviosas cuando hay mucha gente y
poca comida. Todo estaba preparado para cantar el Cumpleaños Feliz cuando el
abuelo asomara por la puerta.
Oímos la llave y nos pusimos a cantar como locos y a comer al mismo tiempo. Antes
de que llegara al salón, Yihad había acabado con las patatas y su vaso de coca cola; y
eso que mi casa, como dice mi madre, es una caja de cerillas y uno llega pronto a
todas las habitaciones. Pero el que entró no era mi abuelo, era el marido de la Luisa
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que venía con más víveres; tres botellas de vino para los abuelos. Nos llevamos un
cortazo y un tortazo. Mi madre dijo que al que volviera a abalanzar sobre la comida
le daba un bocadillo para que se lo comiera solo y triste en el parque de Ahorcado. Es
una madre sin compasión.
El marido de la Luisa tomó posiciones en el corro que formábamos alrededor de la
mesa. Volvió a sonar la llave en la puerta y repetimos nuestro Cumpleaños Feliz con
la misma energía poderosa de antes. Yihad se seguió metiendo comida en la boca
creyendo que mi madre no se daba cuenta, lo que pasa es que a veces decide hacerse
la sueca. Si yo fuera Dios la contrataría: ella es capaz de tener sus ojos en todas las
partes. Es del tipo de madre camaleónica.
Otro corte como un castillo: era mi padre que venía con un queso manchego que
había comprado en un bar de la carretera que pillaba de camino. Mi madre cortó unos
tacos de queso y los repartió para que matáramos el hambre mientras llegaba el
protagonista de nuestra historia verídica.
Nos volvimos a colocar en nuestras posiciones, comíamos el queso sin hacer ruido
para que al entrar mi abuelo no se percatara que su casa estaba invadida por miles de
personas. Pasó un rato..., y al tercer rato los abuelos empezaron a pedir sillas porque,
la verdad, mi abuelo se estaba poniendo un poco pesado.
Mi madre decidió llamar al Tropezón, ella tiene el teléfono del bar porque tiene que
rescatar muchas veces a mi padre y a mi abuelo de las garras de algún pulpo que hay en
la vitrina.
Se puso el dueño, el señor Ezequiel, y le dijo a mi madre:
_ Pues sí, aquí está don Nicolás, dice que nadie le ha regalado ni una mísera bufanda.
Mi madre contestó:
_ Dígale a mi padre que suba inmediatamente.
Y mi abuelo subió inmediatamente porque cuando mi madre dice inmediatamente no
hay terrícola que se atreva a subir dentro de un rato.
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La puerta del salón se abrió y empezamos a cantar nuestro Compleaños Feliz. Lo
haciamos mejor que los niños cantores del Papa; si el Papa nos conociera nos contrataría
“ipso facto”. Tenías que haber visto la cara que puso mi abuelo cuando vio que Españo
entera estaba en el salón de mi casa. Detrás de él entró don Ezequiel con una fuente de
gambas y otra de berberechos, y todo el mundo lo recibió con un gran aplauso. Creo que
las fuentes no duraran ni un cincuenta milésimas de segundo. Los abuelos se comían las
gambaas con cáscara y los berberechos a puñados. La gente empezó a sacar los regalos.
El regalo del abuelo de Yihad fue una bufanda a cuadros que a mi abuelo le encantó; los
otros abuelos le regalaron dos bufandas, una negra y otra verde que a mi abuelo les
parecieron preciosas, la Luisa le había comprado un a bufanda “made in Italia”que a
todos nos pareció muy elegante, mi madre le regaló un foulard, que es como una
bufanda, pero de tela, “para que parezcas más joven” y todo el mundo estuvo de acuerdo
en que parecía diez años más joven; mis amigos le prometieron su bufanda para el
cumpleaños que viene; y el Imbécil y yo le dimos la dentadura de Drácula, que fue un
exitazo. Mis abuelo se quitó los dientes postizos de siempre y se puso la del señor
Mariano. Le estaba perfecta. Mi abuelo dijo que sería la dentadura de los domingos.
Molaba mi abuelo de vampiro: el famoso vampiro del Carabanchel, ése es mi abuelo.
No quedó nada. Se acabó el vino, la casera, las cocacolas. Bajaron a por más, se
siguió acabando. Los viejos hacían cola todo el rato para mear; cuando le tocaba al
último de la fila, ya tenía ganas otra vez el primero.
Mi madre sacó la tarta, pero la tarta no se veía: quedaba oculta por ochenta velas. Mi
madre bajó las persianas para que el salón quedara iluminado sólo con la luz de las
velas. El Imbécil se puso a llorar porque decía que le daban miedo la cara de los
viejos alrededor de la tarta. A mi abuelo le sobresalían lo colmillos a los dos lados de
la boca. Estaba realmente espectral, sólo le faltaban unas gotas de sangre por la
barbilla. Mi madre nos dijo que apagáramos los niños las velas. Gritaron: ¡ Una, dos
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y tres!, pero Yihad se nos adelantó y las apagó él casi todas. Hasta en las fiestas de tu
abuelo siempre hay un tío que te fastidia la vida. Mi madre dijo que en los
cumpleaños no hay que pelearse, así que tuve que aguantarme, como siempre. Ahora
que lo pienso paso de soplar velas, qué idiotez. Mientras partían la tarta cantamos Es
un muchacho excelente, y a mi abuelo se le cayeron dos o tres lágrimas, como
siempre que se brinda, que el reloj de la Puerta del Sol toca para las uvas o que sale
gente en la televisión muriéndose en la guerra. El abuelo de Yihad dijo que mi abuelo
tenía que decir unas palavras. Mi abuelo decía que no, que no y que no, pero se hizo
otro coro del Papa para gritar: ¡Que hable, que hable!” Entonces mi abuelo dio
la noticia, la mejor noticia de la temporada teniendo en cuenta que el real Madrid
como siga así no va a ganar la Liga. Mi abuelo anunció:
_ Siempre he dicho que pensaba morirme en 1999, unos días antes de que acabara el
siglo XX, bueno, pues he pensado que voy a probar dos o tres años del siglo XXI.
El público aplaudió. Mi madre le pedió a los abuelos que bajaran con nosotros al
parque del ahorcado mientras ella recogía.
El suelo estaba lleno de patatas y de cocacola. Seguro que por la noche estaría otra
vez brillante como un espejo, porque mi madre es como esas madres de lo anuncios,
pero con la casa mucho más pequeña.
Bajamos al parque del Ahorcado. Al rato empezaron a venir las madres para recoger
a mis amigos. El Imbécil, mi abuelo y yo nos quedamos los últimos. Ya no teníamos
que llevar la odiosa trenca y los días eran mucho más largos. Ese cambio
meteorológico ocurre todos los años en Carabanchel el 14 de abril, el día del
cumpleaños de mi abuelo. No me preguntes por qué. Científicos de todo el mundo
han intentado encontrar una explicación a este fenómeno y no la han encontrado, pero
han tenido que admitir que el verano en Carabanchel empieza el día en que Nicolás
cumple años.
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Mi abuelo se había bajado todas sus bufandas en una bolsa para mirarlas de vez en
cuando. Yo hago lo mismo con mis regalos de Reyes: me los bajo todos al parque del
Ahorcado para que no se separen de todo el día. Estabamos sentados en el único
banco del parque del Ahorcado que no está roto; es el banco donde se echan la siesta
por la mañana todos nuestros abuelos. El que se había dormido era el Imbécil, tenía la
cabeza apoyada en mi abuelo y los pies en mí. Siempre me toca soportar lo peor de
las personas. El Imbécil es muy pequeño, pero ya le huelen los pies; en eso ha salido
a mi padre. Yo también he salido a mi padre: en las gafas y en el nombre.
Yo estaba muy contento porque ya quedaba mucho menos para que se acabara la
escuela y la despiadada sita Asunción desaparecería por unos meses. Llegarían los
meses de verano y mi abuelo, el Imbécil y yo nos bajaríamos al parque hasta que se
hiciera de noche, sin chaqueta, sin abrigo, sin nada. Las madres nos llamarían por
las terrazas cuando las salchichas estuvieran hechas y todo el mundo en mi barrio se
acostaría mucho más tarde. Molaba cien kilos que llegara el verano.
Mi abuelo me señaló el sol tan rojo a punto de desaparecer detrás del árbol del Ahorcado.
Mi abuelo dice que el suelo del Carabanchel es horroroso, pero que el cielo es de los más
bonitos del mundo, tan bonito como las pirámides del Egipto o el rascacielos de King
Kong. Es la octava maravilla del mundo mundial.
Todo estaba tan quieto como en una película que echaron en la tele en la que un abuelo y
un niño se quedaban los últimos en el cementerio después del entierro de uno que era
negro. Pero esto era mucho mejor porque en la película de mi vida no habría ningún
muerto de momento, me lo había prometido mi abuelo.
No te lo vas a creer, pero creo que fue la tarde más feliz de mi existencia en el planeta
Tierra.
Entrevista: Elvira Lindo por Luiz García
Elvira Lindo. Cádiz 1962. Vive en Madrid desde los doce años. En 1987, empezó a
trabajar en la radio como locutora y acabó especializándose en guiones. Fue entonces
cuando nació Manolito Gafotas, el protagonista de sus libros. Elvira Lindo ha escrito
también guiones para la televisión, para el cine, y ha estrenado en teatro Ley de la selva
1994, una comedia de costumbres. Manolito Gafotas ha sido llevado al cine en dos
ocasiones con desigual aceptación. Títulos de la autora: Pobre Manolito
1995,
Olivia y las
carta a los Reyes Magos 1996,
Manolito Catrollos 1996,
Manolito Gafotas en la radio
(grabación sonora) 1997,
Los trapos sucios de Manolito Gafotas
1997.,
Manolito On the
Road
1998,
Como Molo: otra de Manolito Gafotas
1998,
Todo Manolito 2000, Amigos
del Alma
2000
, , Yo y el Imbecil 2000, Manolito Gafotas 2000, ¿Quién Mato a Harry?
2000 (Juan Bonilla, Felipe Benítez Reyes, Elvira Lindo),
El otro barrio 2000,
Tinto de
verano
2001
.
Introducción.- ¿Es Elvira Lindo la mujer de Antonio Muñoz Molina o Antonio Muñoz
Molina el marido de Elvira Lindo. Es posible que la terna resulte un tanto pueril para
muchos. Para otros no es mas que un reflejo de las nuevas parejas literarias que han nacido
en nuestro país, de las que las más famosas y menos populares son Elvira Lindo & Muñoz
Molina y Almudena Grandes y Luis García Montero. Pero si las comparaciones son
odiosas, conviene recordar que Elvira Lindo fue monaguillo antes que monje, o lo que es
lo mismo, se curtió primero en el competitivo campo de la radio. Allí nació Manolito
Gafotas, uno de los más entrañables personajes de ficción de los últimos años. Allí lo vio
crecer y allí, finalmente, se le independizó y cobró vida literaria. Se puede decir que a
partir de entonces Elvira Lindo perdió el control de su creación. Ya nunca más podría
dominarlo a su antojo. Aunque por otra parte, nosotros, los lectores, habríamos de ganar a
la que pasa por marcar las pautas de la literatura juvenil de los últimos años.
Luis García.- Elvira Lindo & Manolito gafotas. ¿Qué fue primero, el huevo o la
gallina?.
Elvira Lindo.- Primero fui yo. En realidad, Manolito era uno de los muchos personajes
que yo hacía en la radio, el caso es que lo repetí más veces porque
gustaba más y porque yo siempre me divertí mucho haciéndolo,
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pero mi vida en la radio es mucho más intensa. No sólo he
interpretado a Manolito, he presentado también programas en
Radio 3, en Radio Cadena, y he trabajado en todos los ámbitos
posibles, desde la información sin más hasta la presentación de
programas musicales o culturales. Trabajé en la radio muchos
años, así que hubiera sido absurdo que sólo me hubiera dedicado a
hacer un personaje, en realidad, Manolito era una de las muchas
cosas que hacía. Lo que ocurrió es que cuando dejé Radio Nacional,
me llamaron de la cadena SER para hacer solamente Manolito los
fines de semana, y a mucha gente que no me conocía de mi trabajo
anterior debió parecerle que mi única relación con la radio era
hacer un personaje.
L.G.- ¿Cómo nació el personaje?. ¿Se inspiró en alguien en particular?.
E.L.- Ya digo, yo presentaba programas, hacía entrevistas, pero siempre
me gustó escribir guiones, cuentos para la radio. A veces los
interpretaba yo y otras buscaba a locutores para que me pusieran
las voces. En el caso de Manolito, fue muy simple: un día debí
escribir el monólogo de un niño, y no debí encontrar a nadie que me
prestara la voz y la puse yo. A todo el mundo le hizo gracia y lo
repetí al día siguiente. Manolito nació por la repetición.
L.G.- No abundan los casos en los que un personaje de Radio, que nació más
para ser escuchado que leído, haya dado el salto a la literatura. ¿Sintió
vértigo en sus comienzos?.
E.L.- No sentí vértigo en el sentido de que cuando empecé a escribir el
libro Manolito era ya un personaje muy sólido en mi cabeza, es
como si estuviera escribiendo un libro sobre un niño que conocía a
la perfección puesto que llevaba interpretándolo y escribiendo
guiones para "él" muchos años. Pero sí que sentí miedo por el
hecho de estar casada con un escritor muy conocido y que eso se
pudiera interpretar como algo poco serio. Debo decir que la gente
cercana, fundamentalmente mi marido, me animaron a desarrollar
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una vocación literaria que yo tenía de siempre y que sólo había
podido ejercer como guionista.
L.G.- Tengo un amigo que siempre la escuchaba, pero que nunca la ha leído,
lo que demuestra que tiene muchos más seguidores en la sombra
esperando quizás su retorno a las ondas. ¿Será posible algún día?.
¿Volveremos a oír la voz de Manolito Gafotas?.
E.L.- A me gustaría que esos oyentes que me escuchaban en la radio
dieran el paso a los libros porque aunque Manolito naciera en la
radio, para mí, la idea de Manolito siempre fue una idea escrita,
nunca me ha gustado interpretarlo improvisando, he seguido todos
estos años un guión y lo he seguido con bastante rigor, aunque a la
gente le pareciera que todo era muy natural. No era en absoluto
natural: yo me ponía el día anterior a escribir un guión que me
costaba bastante trabajo y al día siguiente lo interpretaba con mis
cinco sentidos para que conseguir toda la gracia, la naturalidad
posibles. En cuanto a mi vuelta..., no sé, en realidad lo dejé porque
estaba cansada, casi físicamente, no por ninguna otra cosa. Llevaba
trabajando todos los fines de semana durante cinco años y eso
agota. Pero también me da pena pensar que nunca lo volveré a
interpretar. Tengo serias dudas con todo esto.
L.G.- ¿Se los imaginaba a él y a sus amigos El Imbécil, Susanita bragas
sucias, etc, como al final fueron en la película?. ¿Le gustó la versión de
Manolito Gafotas?.
E.L.- Era difícil de imaginar para mí, pero apoyé la primera película, la
que hizo Miguel Albaladejo porque él se metió en el proyecto con
muchísimo cariño y respeto por el personaje, y creo que la película
es el resultado de mis textos y también de la visión propia de
Miguel, es una película muy tierna. En cuanto a la segunda, no me
identifico en absoluto, no he pasado de los diez minutos y me
pareció espantosa. Parece que hay gente que cuando hace cine para
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que lo puedan ver niños baja el nivel o pierde el respeto hacia el
espectador.
L.G.- ¿Le molesta que la comparen con J.K. Rowling?.
E.L.- No, pero creo que en la comparación hay cierto desconocimiento
porque en realidad en lo único que nos parecemos es en que hemos
escrito libros para niños y en que, al menos en España, las dos
hemos sido un best seller. No hay más, porque mi forma de escribir
no tiene mucho que ver con la suya, pero cuando se habla de
literatura infantil todo se simplifica. Imagínate que a dos autores de
adultos los compararan continuamente por el simple hecho de que
los dos vendieran muchos libros, realmente la comparación es
escasamente literaria, es puramente económica, y me parece
lamentable que sólo se hagan comparación económicas en la
literatura para niños porque se desconoce el resto o porque no se
tienen más elementos de juicio. Mis libros para niños se parece
mucho más a los de Roahl Dahl, que por cierto, es un clásico, que es
lo que deseamos ser todos. Yo preferiría saber que mis libros se
siguen vendiendo dentro de diez os al hecho de vender ahora
muchísimos y que luego el fuego se apague.
L.G.- Soy de la opinión de que si bien nosotros nos criamos y crecimos bajo
la sombra de Mafalda y Snoopy, e incluso de El Pequeño Nicolás,
nuestros hijos lo hacen bajo la de Harry Potter y Manolito Gafotas.
¿Tiene usted esa sensación?.
E.L.- Es posible. Ojalá. Y es una buena mezcla porque la señora Rowling
se dedica al mundo de la fantasía y yo el mundo de la realidad, son
dos buenos contrapuntos para una imaginación infantil. Puedo
decir ya que hay chicos estudiando su carrera universitaria que
tienen como recuerdos de sus lecturas infantiles a Manolito
Gafotas. Eso me hace muy feliz.
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L.G.- Se han hecho muchas lecturas, muchas interpretaciones de su personaje.
Pero sin duda una de las que más me ha llamado la atención, ha sido la
importancia que desde algunos círculos se le dio a la figura del abuelo
en sus libros. ¿Qué hay de cierto en ello?.
E.L.- Bueno, la figura del abuelo es muy importante en el libro, porque
en este libro para niños son muy importantes los adultos, algo que a
veces se me ha criticado por la idea de que en los libros para niños
deben aparecer ante todo niños. En realidad el abuelo es un poco la
mezcla de todas las personas mayores que convivieron conmigo
durante la infancia, tíos, tías mucho mayores que mis padres. Yo los
adoraba, sobre todo a mi tía Concha, en realidad, a veces el abuelo,
ahora que lo pienso, es mi tía Concha.
L.G.- Porque tengo entendido que incluso le llegaron a dar un premio en
Francia por el tratamiento que sobre dicho personaje y su relación con
su entorno familiar hace en sus libros.
E.L.- No he llegado a ganarlo, he estado propuesta varias veces para ese
premio.
L.G.- Pero el abuelo no deja de ser una abuelito convencional, con sus manías
y sus rarezas, pero al fin y al cabo como lo son todos aquellos que ya
han sobrepasado un cierto umbral.
E.L.- Bueno, no estoy de acuerdo, hay abuelos que pueden tener muy
mala leche, además este es un abuelo que vive con ellos, un abuelo
del pueblo que se ha venido a la ciudad, eso cada vez es menos
común. No digo que sea un personaje muy original, pero yo no
pretendo que mis personajes sean originales, sino que sean creíbles,
que sean sólidos y que a me gusten. No tengo porque hacer un
abuelo que pilote coches de fórmula 1.
L.G.- Pasa usted por ser una observadora un tanto cáustica de la vida diaria.
Los artículos de sus Tinto de verano en El País así lo atestiguan. ¿Ha
recibido muchas amenazas por ellos?.
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E.L.- Amenazas, no. He recibido muchas felicitaciones y también el
escándalo de gente que no los ha entendido. A me choca que la
gente piense que hay algo"moralmente" reprochable en ellos,
porque son, ante todo, artículos irónicos, pero creo que resulta
extravagante que sea la mujer la que haga humor sobre la vida
diaria, sobre el marido y los hijos. De verdad que pienso que ese ha
sido el punto que más ha molestado a determinada gente que, por
otra parte, no tiene mucho sentido del humor. En España sabemos
abundan los chistosos de barra de bar pero hay poco humor escrito
y el lector no está muy acostumbrado a eso. Pero debo decir que
quitando ese tipo de lector, en el fondo muy puritano, tengo muchos
seguidores. No me puedo quejar. Y a mí me gusta ser extravagante,
lo soy en mi forma de ser, en mi vida diaria, y eso es lo que se
trasluce en los artículos.
L.G.- ¿Qué le dice "su santo" cuando la lee?. ¿Le reprocha ese sarcasmo que
utiliza en los artículos?. Esa frivolización de la intelectualidad.
E.L.- No, a mi marido le encanta los artículos, él es el primero que los lee,
por supuesto, y le hacen muy feliz, se ríe. Tengo mucha suerte
porque para su juicio es importantísimo, y el que a él le gusten
me da mucha seguridad. Tiene mucho sentido del humor, y le
encanta que yo sea descarada.
L.G.- ¿Se ha acostumbrado a ser la mujer de Muñoz Molina, o comienza él a
ser él el marido de Elvira Lindo?.
E.L.- En nuestra vida normal de todos los días no pensamos muchos en
quiénes somos públicamente, de verdad, no es algo que esté en
nuestras conversaciones. No hay competencia entre nosotros.
Nuestros apellidos desaparecen. Y con respecto a ser Señora-de,
bueno, estoy casada, claro, y con un escritor muy conocido, pero
siempre quise tener mi sitio en el mundo porque he trabajado desde
los dieciocho años, ¿cómo voy a conformarme con ser la sombra de
alguien? Me gusta trabajar, estar en el mundo, que se me tenga en
7
cuenta, y no me refiero a un nivel público sino a todos los niveles.
No soy el prototipo de señora de artista.
L.G.- ¿Cómo es la vida diaria con Antonio?. Quiero decir... en lo literario, por
supuesto.
E.L.- Compartimos muchas cosas de nuestro trabajo: opiniones,
correcciones, dudas...Nos contamos los proyectos. Tenemos
bastante camaradería en lo profesional porque hay mucha
confianza en la opinión del otro.
L.G.- ¿Y en lo personal?. ¿Surgen las inevitables rencillas, los celos...
profesionales?.
E.L.- Ya le digo: no hay competencia. Pero cuando las personas se
entienden y se llevan bien, ya lo saben los periodistas, no hay
noticia. De acuerdo, somos una pareja que no se dedica a algo
convencional y que tienen cierta proyección pública; desde fuera,
eso puede resultar chocante pero nosotros no pensamos nada en
ello, nos dedicamos a intentar disfrutar de la vida. Eso sí que puedo
confesarlo: intentamos disfrutar de la vida al máximo.
L.G.- ¿Se corrigen mutuamente los textos?.
E.L.- Por supuesto.
L.G.- ¿Por qué se han ido a vivir a Nueva York?.
E.L.- Porque nos gusta pasar un tiempo fuera todos los años, lo que
ocurre es que este año se ha enterado todo el mundo por lo que ha
sucedido pero es algo que solemos hacer. Nos gusta salir de vez en
cuando de este mundo a veces fácil y a veces asfixiante de las
figuras públicas para convertirnos en anónimos. Es algo que enseña
mucho, y mirar a tu país desde fuera también enseña.
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L.G.- Una pregunta fuera del guión. ¿Cómo vivieron el atentado de las Torres
Gemelas?. Porque si había unos enviados de excepción en la gran
manzana eran ustedes.
E.L.- Lo vivimos con angustia, como todo el mundo allí. Se vivió con
angustia en todo el mundo, pero claro, allí la angustia se
multiplicaba porque no se sabía si la cosa iba a continuar. Y siendo
una ciudad a la que tenemos especial cariño y en la que hemos
estado tantas veces lo vivimos con pena, con tristeza porque es un
palo muy grande para una ciudad el perder cinco mil almas. Hemos
disfrutado mucho de nuestra estancia allí pero no cabe duda que
todo se ha visto empañado por estos momentos tan difíciles que está
viviendo el mundo.
L.G.- ¿Qué está preparando en estos momentos Elvira Lindo?. ¿Para cuando
una nueva entrega de las correrías de Manolito Gafotas?.
E.L.- Estoy escribiendo una novela, así que ahora no pienso en Manolito.
No puedo tener la cabeza en tantos sitios a la vez, procuro
concentrarme sólo en mi novela. Poner toda mi energía en que me
salga como yo he soñado.
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