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(séculos XI ao XV), todavia, começaram a germinar os fenômenos (sociais, intelectuais,
econômicos etc.) que auxiliaram nas mudanças da mentalidade medieval; período que os
historiadores chamam de “transição”, ou seja, a mudança da sociedade feudal (sagrada) para
uma sociedade burguesa (racionalista).
215
Nesse contexto, um dos fenômenos políticos que
mais concorreram para o resgate do Direito Romano como fonte privilegiada para a laicização
do Estado foram as disputas entre o papado e o Imperador
216
, que acabaram por desmoralizar
ambos os lados
217
, pois permitiram o (re)surgimento da proeminência do Direito
(racionalizado) e a excelência da lei escrita em relação aos costumes.
218
de Guiena (sul da França), o rei inglês Eduardo III, além de negar tal juramento, reivindicou o reino francês,
argumentando ser descendente masculino direto de Felipe, o Belo e, portanto, teria direito ao trono. Felipe de
Valois, entretanto, se negou a entregar tal título invocando o Título: De alodiis da Lei Sálica que, segundo John
Gilissen (Ibid., p. 179) “incide designadamente sobre a exclusão das mulheres nas sucessões imobiliárias
enquanto houver parentes masculinos”. Ainda, sobre o assunto, consultar: NADAI, Elza; NEVES, Joana.
História geral: antiga e medieval. São Paulo: Saraiva, 1987, p. 209.
215
Nesse sentido, consultar: NOVAIS, Fernando A. Condições da privacidade na colônia. In: MELLO E
SOUZA, Laura de. (org.). História da vida privada no brasil: cotidiano e vida privada na américa portuguesa.
São Paulo: Companhia das Letras, 1997, v.1., p. 15.
216
Mario Curtis Giordani.” (História do mundo feudal II/1: civilização. Petrópolis: Vozes, 1982, p. 245), ao
comentar sobre o “renascimento” do Direito Romano na Europa medieval, explica que há indícios do estudo do
Corpus Iuris Justinianeu, já na metade do século XI, em quatro centros europeus, sendo um deles no sul da
França (Provença), e os outros nas cidades da Lombardia, Ravena e Bolonha. Sem adentrar em detalhes sobre
esses centros de estudo, importante mencionar que, pertinente à escola de Ravena: “Certo é que no século X
houve um movimento jurídico importante na antiga sede do Exarcado. Juristas dessa cidade tomaram parte nas
controvérsias entre Henrique IV e o papa Gregório VII. Assim, por exemplo, o jurista ravenense Pedro Crasso
redigiu em 1080 um escrito em defesa do imperador repleto de citações jurídicas romanas, extraídas em geral do
Código, mas também das Institutas.”
217
Nesse sentido, Bertrand Russell (História da filosofia ocidental. Op. cit., v.2, p. 142-3) explica que “desde o
Gregório VII até a metade do século XIII, a história européia gira em torno da luta pelo poder entre a Igreja e os
monarcas leigos – particularmente o imperador, mas também, às vêzes, os reis de França e da Inglaterra.” [...] “A
princípio, Urbano só estava seguro em território normando. Mas, em 1093, o filho de enrique IV [sic], Conrado,
rebelou-se contra o pai e, aliado ao Papa, conquistou o norte da Itália, onde a Liga Lombarda, uma aliança de
cidades tendo à frente Milão, favorecia o Papa. Em 1094, Urbano realizou uma procisão [sic] triunfal pelo norte
da Itália e a França. Triunfou sôbre Felipe, rei de França, que desejava um divórcio, e que foi excomungado pelo
Papa, mas que se submeteu. No concílio de Clermont, em 1095, Urbano proclamou a primeira cruzada, que
produziu uma onda de entusiasmo religioso e aumentou o poder papal – bem como uma matança atroz de judeus.
O último ano de sua vida, passou-o Urbano, com segurança, em Roma, onde raramente os Papas se achavam
seguros.”
218
Patrick Nerhot (Diritto storia: saggio di filosofia del diritto. Padova: Cedam, 1994, p. 96) argumenta que:
“Nel periodo chiamato XII secolo, si affermano una nuova forma di vita cittadina e un nuovo tipo di professione
mercantile; l’organizzazione sociale si modifica sensibilmente e si diffondono nuove forme di conocenza
giuridica: codici scritti che si contrappongono a diritto consuetudinari orali, riscoperta dei casi giudiziari
romani insegnati a Bologna, codificazione del diritto canonico e della teologia della Chiesa cristiana (decreto di
Graziano, 1140, Sentenze di Pietro Lombardo, 1150).” O Direito escrito e científico, fruto de uma classe de
intelectuais, atendeu também à legitimação do poder de formas mais sutis. Jacques Verger, (Homens e saber na
idade média. Bauru: EDUSC, 1999, p. 50-5) por exemplo, explica que talvez seja um tanto redundante informar
que o Direito Romano foi “redescoberto” na Itália; e menciona que por volta do ano 1000 alguns juízes do Reino
da Itália utilizavam e comentavam o Direito Longobardo e, também, pareciam conhecer o Direito Justinianeu,
especialmente o Código. Tal autor não discorda, ao menos, que foi por volta de 1100 que cidades como Bolonha,
Ravena, Modena e Placência começaram a estudar sistematicamente o Direito Romano. A grande importância de
Irnério, para ele, foi a “reedição” do Corpus Iuris Civilis (Codice, Digesto, Institutas et Novela), que permaneceu
em uso até o fim da Idade Média; além da composição das primeiras glosas. Ressalta Jacques Verger que foi
com a geração após Irnério que a escola dos glosadores tomou pleno impulso e a influência do Direito Romano