73
Multipliquei-me, para me sentir,
Para me sentir, precisei sentir tudo. (PESSOA, 1986, p. 345)
E essa dualidade se repete em outros poemas:
Afinal, a melhor maneira de viajar é sentir.
Sentir tudo de todas as maneiras.
Sentir tudo excessivamente [...]
Quanto mais eu sinta, quanto mais eu sinta como várias pessoas,
Quanto mais personalidades eu tiver,
Quanto mais simultaneamente sentir com todas elas... (PESSOA, 1986, p. 406)
Vejamos o sentir/pensar de Pessoa n' O Marinheiro:
SEGUNDA - Eu devia agora sentir mãos impossíveis passarem-me pelos
cabelos - é o gesto com que falam das sereias... [...] Ainda há pouco, quando
eu não pensava em nada, estava pensando no meu passado. (PESSOA, 1986,
p. 443)
PRIMEIRA - Custa tanto saber o que se sente quando reparamos em nós!
(PESSOA, 1986, p. 444)
SEGUNDA - Os homens que pensam cansam-se de tudo, porque tudo
muda.(PESSOA, 1986, p. 448)
PRIMEIRA - Não penseis, não olheis para o que pensais... [...] O meu pavor
cresceu mas eu já não sei senti-lo...Já não sei em que parte da alma é que se
sente...(PESSOA, 1986, p.450)
SEGUNDA - Não sinto nada... Sinto as minhas sensações como uma coisa que
se sente... [...] Oh, que horror, que horror íntimo nos desata a voz da alma, e as
sensações dos pensamentos, e nos faz falar e sentir e pensar quando tudo em
nós pede o silêncio... [...] Quem é a quinta pessoa neste quarto que estende o
braço e nos interrompe sempre que vamos a sentir? (PESSOA, 1986, p.451)
PRIMEIRA - Peso excessivamente ao colo de me sentir. Afundei-me toda no
lodo morno do que suponho que sinto. (PESSOA, 1986, p.451)
É interessante registrar aqui o que diz Tabucchi (1984, p. 96), sobre O
Marinheiro e suas possíveis relações com a obra poética posterior de Pessoa:
O Marinheiro, embora com seu sabor
simbolista, aparentemente devedor de
Maeterlinck, constitui a proto-história daquele
interesse pelo oculto que encaminhará, mais
tarde, Pessoa para a teosofia e que
constituirá a espinha dorsal dos grandes
poemas herméticos e da Mensagem. (grifo
nosso)